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Full text of "A marqueza d'Alorna; algumas noticias authenticas para a historia da muito illustre e eminente escriptora que os poetas seus contemporaneos denominaram Alcipe"

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Digitized  by  the  Internet  Archive 

in  2010  with  funding  from 

University  of  Toronto 


http://www.archive.org/details/marquezadalornaaOOavil 


Marquez  d*Avila  e  de  Bolama 


A  Marqueza 

dAlorna 


Algumas  noticias  authenticas  para  a  liistoria 

da  muito  illustre  e  eminente  escríptora, 

que  05  poetas  seus  contemporâneos  denominaram 


LISBOA —  1916 


IMPRENSA  DE  MANUEL  LUCAS  TORRES 
87  —  RUA  DO  DIÁRIO  DE  NOTICIAS  —  93 


A  MAnOUEZA  DALORNA 


Oitava  Marqueza  de  Fronteira  e  sexta  Marqueza  d'Aloina 


Marquez  d' Ávila  e  de  Bolama 


riarqueza  ò'Alupna 


Algumas  noticias  authcnticas  para  a  liistoria 

da  muito  iilustre  e  eminente  escríptora, 

que  05  poetas  seus  contemporâneos  denominaram 

AceiPE 


LISBOA 
IMPRRNSA    M    MWUKL    LI]r\S    TOilUES 

87  -  R.  òo  Diário  ôe  Noticias  -  93 
1916 


A'    memoria  veneranda 


DA 


ILL.n'a  E  EX."'»  SENHORA 

D.  MARIA  MASCARENHAS  BARRETO 

8.3  MARQUEZA  DA  FRONTEIRA 

E 

6;'  MARQUEZA  D'ALORNA 


Em  testemunho  do  mais  alto  c  saudoso 
respeito,  c  do  maior  reconhecimento 


tem  a  honra  de  offerecer  estcis  noticias 
de  sua  excelsa  bisavó 


O  Genlral 


(2^'KQiZ'i.i^,tee^   f/  (^^^v-f/o'   f>  </e    (§A)o'C-aM-<t . 


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r:'-    1 1968 


1 
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As  noticias  auílieiíticas  da  Marqiicza 
d  Morna  demonstram,  que  esta  muito  illus- 
tve  fidalga,  tendo  tido,  desde  os  oiíoannos, 
uma  vida  excepcionalmente  accidentada, 
era  dotada  de  tâo  extraordinário  talento, 
que  se  tornou  notável  por  uma  rara  il- 
lustração  nas  lettras  e  na  pintura,  c  isto 
quasi  sem  auxilio  estranho. 

A  famosa  Alcipe,  que  padeceu  tão  cruéis 
adversidades,  venceu-as  sempre  com  a 
mais  admirável  resignação,  e  falleceu  aos 
89  annos,  deixando  um  nome,  que  será  ve- 
nerado como  o  de  uma  das  mais  notáveis 
mulheres  portuguezas. 

Para  confirmar  a  exactidão  das  infor- 
mações que  vamos  apresentar,  devemos 
dizer  que  ou  foram  extraídas  da  «Xoíicia 
hiographica  da  /:.v."'"  Senhora   D.   Leonor 


li  .\  l  liwiiUi  I'iuíti</ií  /  l.tn\'iui  f  l.iiUiístiw 
/yu/^lii  íií/ii  por  stííis  /il/nis.  jui  / tiíinclmçiht 
ílíis  ()/yiiis  poctiiiis  (/('  AU  i/H'».  ('  Ui/ii/w/ii 
í/l'  oiiírcis  jui/^lií-íiçõcs,  ciuiliiílítSíinwnU'  ci- 
tciilíis,  oii  nos  foriini  /hriwcidíis  poi-  pcn- 
soíís  (1(1  nidior  r('spcií(ihHi(l(i(lc ,  í/iw  csíão 
ruis  mclh()i\'s  roíuhçõcs  de  o  poder  [tizer, 
com  seífiirança,  jieUis  inenioricis  de  suds 
/iimiUiis  (•  p('Uís  sii(i<  (iiitiifíis  relações. 


o 


A  Marqueza  d'Aiorna 


CAIMIUI.O    I 


O  tinteiro  de  Alcipe.  Creação  do  titulo  de  Marquez  de  Alorna. 
AriTias  da  Casa  de  Alorna.  Ascendentes  de  D.  Leonor  de  A! 
nieida  Portugal  —  Onde  nasceu  a  4.'^  Marqueza  d'Alorna 
—  Alcipe.  As  três  épocas  principaes  da  vida  d'esta  por  mui- 
tos títulos  illustre  dama.  Sua  reclusão  no  convento  de  Chel- 
las.  Sua  educação.  O  gabinete  de  trabalho  e  o  camarim 
de  Alcipe  no  palácio  Fronteira,  em  S.  Domingos  de  Bem- 
fica.  Prisão  do  Marquez  de  Alorna  nos  cárceres  da  Jun- 
queira. Descripção  d'estes  cárceres,  ali  mesmo  escripta  pelo 
Marquez  d'AIorna,  Documentos  comprovativos  da  inno- 
cencia  d'este  illustre  fidalgo. 

Quando  veio  do  Brasil  para  Lisboa  o  Marquez  de 
Aracaty,  '  trouxe  de  presente  a  Condessa  de  Oevnhausen 
um  tinteiro  de  loiça,  que  tinha  expressamente  mandado 


•  João  Carlos  Augusto  de  Oeynhausen,  nascido  em  1778,  era  filho 
natural  reconhecido  do  Conde  de  Oeynhausen.  Seguiu  o  Imperador 
D.  Pedro  ao  Brazil,  onde,  depois  de  ter  sido  Capitão  general  na  pro- 
víncia de  Matto-Grosso,  foi  Governador  da  província  do  Geará. 

Tendo  sido  Senador  do  Império,  e  tendo  exercido,  durante  algum 
tempo,  o  cargo  de  Ministro  dos  Negócios  Estrangeiros,  no  Kio  de  Ja- 
neiro, onde  recebeu  o  titulo  de  Marquez  de  Aracaty,  voltou  a  Portu- 
gal, sendo  nomeado  pelo  Ministro  Sá  da  Bandeira,  em  i83õ,  Governa 
dor  de  Moçambique.  Ali  falleceu  em  28  de  Março  de  iS38. 


10 


fdzor  iiii  Iiidiíi.  c  (juc  tem  as  sevHiintcs  dimensões;  29  cen- 
timolrt>s  Jc  comprimento,  sobre  14,5  centimotros  de  lar- 
Vjiira,  tendo  tie  um  e  outro  kido  o  escudo  do  Casa  de 
Aiorna,  com  50  millimetros  de  altura  por  48  de  larsjura. 

Os  dois  lui^ares  para  os  recipientes  dò  tinta  e  di\ 
areia  Sc^o  circulares,  e  teem  tle  tiiametrc^  85  millimetros 
por  50  daltura. 

I:ste  tinteiro  tem  o  alto  valor  histórico  de  ter  sido 
usado  pi^r  Alcipe,  se^íurameníe  a  mais  illustre  das  antis^as 
escriptoras  portu^niezas. 

A  propósito  devemos  declarar  que  a  meza  de  traba- 
lho {.\i\  eruditíssima  poetisa,  guando  residiu  no  palácio 
iTonteira,  em  S.  Domins^os  de  IVmfica,  estava  collocada 
n  um  pequeno  i^abínete,  junto  i.U\  famosa  sala  de  estudo 
tie  seus  netos,  que  é  uma  das  mais  bellas  salas  <Ao  palácio, 
e  (.\(\  qual  os  últimos  Marquezes  de  Fronteira  e  d'Alorna 
fizeram  camará. 

O  i^jabinete  de  trabalho  de  Alcipe  é  um  pequeno 
quarto,  i^raciosamente  decorado  em  estvio  Iaiíz  XV,  tendo 
nas  paredes  formosas  pinturas  a  fresco,  que  se  admiram 
em  (luatro  quadros  princípaes,  com  as  dimensões  medias 
de  1'".33  por  0"\S0. 

O  cjuadro.  que  se  observa  do  lado  direito  dò  janella, 
representa  um  pescador,  que.  em  pé.  pesca  á  linha  na 
mari^íem  de  um  rio,  tendo  junto  de  si  uma  mulher.  i]ue 
vae  mettendo  o  peixe  n'um  cesto, 

O  cjuadro  do  lado  esquerdo  é  constituido  por  duas 
mulheres  de  fc^rmas  opulentas,  iiue.  dentro  de  um  rio. 
cuja  av^ia  lhes  chev^a  até  meia  perna,  pescam  com  ca- 
marcxMros;  sJic^  acompanhadas  por  um  hoimin  .nu-  nest-.i 
a  linha. 

O  terceiro  qu^^^l'"^"*  exprime  uma  caçada  as  lebres.  Um 
destes  animaes  sobe  uma  encosta,  persev^uido  por  dois 
v^al\ios.  lunto  de  um  soutc^  veem-se  do\>  caÇa(.lores.  um 
dos  c|uaes  estii  atirando  sobre  ii  lebiv. 


11 


Representa  o  quarto  quadro  uma  scena  pastoril  na 
margem  de  um  rio.  Um  pastor,  assentado  numa  pedra, 
toca  uma  gaita  de  folies;  próximo  delle  está  fiando  uma 
pastorinha,  embevecida  pela  musica  do  seu  companheiro. 
Animam  também  o  quadro  uma  cabra,  um  carneiro  e 
uma  ovelha. 

No  tecto  do  gabinete,  alem  da  soberba  ornamentação 
em  estuque,  ha  também  interessantes  paisagens,  pintadas 
a  fresco,  e  bem  assim  uns  meninos,  que  svmbolisam  as 
quatro  estações  do  ânno. 


Próximo  d'este  gabinete  de  trabalho  de  Alcipe.  fica  o 
camarim  da  extincta  Senhora  Marqueza  de  Fronteira  e 
d'Alorna,  e  que  o  tinha  também  sido  de  sua  excelsa  bis- 
avó, a  Marqueza  d'Alorna  D.  Leonor  d'Almeida.  O  ca- 
marim é  guarnecido  com  oito  admiráveis  quadros  de  azu- 
lejos, que  constituem  o  seu  lambris  e  que  sem  duvida  são 
os  mais  preciosos  do  palácio.  A  sua  composição  é  ver- 
dadeiramente inspiradora,  e  torna  a  sala  digna  de 
ter  sido  predilecta  da  gloriosa  Alcipe,  a  famosa  poe- 
tiza, que  nos  legou  tão  soberbas  producções  do  seu  for- 
moso talento. 

Nos  referidos  quadros  temos  a  considerar:  o  pensa- 
mento que  os  inspirou;  a  belleza  e  a  finura  com  que 
foram  desenhados,  e  a  sua  primorosa  execução.  E  não 
é  fácil  dar  preferencia  a  qualquer  destas  notáveis  con- 
dições, que  distinctamente  se  destacam  no  exame  dos 
quadros,  surprehendentemente  encantadores,  e  que  são 
todos  da  altura  de  l'^,12. 

Começaremos  a  descripção  dos  quadros  por  aquelle 
que  se  encontra  á  esquerda  da  porta,  que  dá  communi- 


1 ' 


cdÇiío  tio  CiHiuirini  piim  d  Stíld  contiijua;  tom  r",50  lic 
compritncnio  c  representei :  um  recinto  ajardiniido  em 
torno  de  parte  de  um  grande  edifício,  nas  costas  do  qual 
uma  admirável  estatua  de  mulher  tem  nas  mJios  uma  taça 
t|ue  lança  copioso  jorro  tie  av^ua.  Completam  o  qucidro 
três  damas,  sendo  uma  linda,  e  todas  eleijantemcnlc  ves- 
tidas, e  enfeitadas  com  ricos  atavios,  em  que  se  distinjjue 
um  donairoso  lecjue.  Por  detraz  do  i^racioso  jjrup«.>  um 
cavalheiro,  vieiililmcnto  assentado,  parece  cortejar  a  dama 
tlií  leciuo.  cm  (juanto.  a  pequena  distancia,  um  esbelto 
mancebo,  conversando  com  uma  dama  edosa.  offerece 
visivelmente  os  seus  s^ralanteios  á  linda  dama  que  ante- 
riormente indicilmos. 

No  cháo,  lunto  do  j^írupo  central,  estão  alguns  instru- 
mentos c  papeis  de  musica;  e  mais  loní^je  vê-se  uma  for- 
mosa mulher,  com  0110111  o<;l<i  ri^nviTs.nuK^  outro  cava- 
lheiro. 

A  parede  froiileira  á  janella  do  camarim  está  tamlxMn 
ornamentada  por  um  quadro  de  3'". 70  de  comprimento. 
i)ue  principia  n'uma  fonte,  alimentada  por  um  i^iolfinho. 
perto  do  (jual  estão  assentados  num  banco  de  pedra  uma 
tiarna  e  um  cavalheiro,  que  lhe  offerece  um  ramo  de  flores. 

Sevíue-se  uma  espaçosa  varanda,  em  que  se  está  rea- 
lisando  um  concerto  musical;  no  meio  dc\  varanda  vê-sc 
um  i^rande  cravo,  no  (|ual  está  tocando  uma  dama,  sendo 
acompanhatla  por  cinco  mancebos,  que  focam  res^X'cti- 
vamente  um  violáocello.  uma  rabeca,  uma  flauta  e  dois 
clarinetes.  A  varanda  tem  pro.ximo  do  cravo  uma  virande 
abertura,  que  deita  para  um  e.xtenso  lavío.  em  que  se  vê. 
iunto  lie  uma  escadaria  de  pedra,  um  barco  tripulado 
por  cinci'»  pessoas.  Na  extremidaile  e  no  primeiro  plano 
iki  Viuaiula.  duas  senhoras  e  um  cavalheiro  merendam 
.ippelitosos  fructos.  destacando-se  nelles  cachos  de  uvas. 

Outro  ()ua(.lro.  S  direita  di\  jx^rta  di.\  entrada,  de 
l'".55  de  comprimento,  representa  um  vruix^  de  tr«.^  jx*s- 


13 


soas  em  diversão  musical  n'um  jardim  ;  n'um  canapé,  artisti- 
camente trabalhado,  estão  assentadas  duas  senhoras, 
tendo  uma  sobre  os  joelhos  um  bandolim,  e  parecendo 
a  outra  estar  cantando  a  musica  que  tem  na  mão.  São 
acompanhadas  por  um  cavalheiro,  que  toca  rabeca  em 
frente  do  banco. 

Na  parede  fronteira  á  porta,  onde  começa  a  descri- 
pção  dos  quadros,  admira-se  um  constituído  por  cinco 
í^raciosas  fii^uras  de  mulher,  ricamente  vestidas,  e  por 
cinco  mancebos,  parecendo  muito  novos.  Três  das  se- 
nhoras conversam  animadamente,  em  quanto  um  dos 
rapazes  está  na  posição  de  admirar  um  dos  dois  pa- 
res, que  estão  dansando.  Assentado  no  chão  um  rapaz 
toca  viola,  tendo  ão  pé  de  si  outrem,  que  olha  attenta- 
mente  para  uma  das  trez  senhoras  do  sjrupo,  que  men- 
cionámos. 

Outro  interessante  grupo,  á  direita  da  janella  do 
camarim,  representa  uma  mulher  edosa,  abrindo  uma 
teia  de  linho,  sendo  ajudada  por  uma  raparií^a  muito 
moça.  Ao  pé  de  ambas  está  uma  dobadoira;  vendo-se  o 
fio  da  meada  no  collo  da  dama  edosa. 

A'  esquerda  da  janella  nota-se  n'um  jardim  um  grupo 
formado  por  duas  senhoras,  sumptuosamente  vestidas, 
estando  acompanhadas  por  um  cavalheiro;  parecem 
todas  esperar  com  interesse  alguém  que  deve  chegar. 

Ha  ainda  no  parapeito  óà  janella  outro  quadro,  que 
é  constituído  por  uma  fonte,  junto  da  qual  um  homem  e 
up.Ki  senhora  conversam  animadamente. 


O  tinteiro  de  Alcipe.  que  se  conservou  em  poder  da 
senhora    D.   Leonor  Maria   Pernandes  de  Sá.  afilhada  e 


11 


Icilora  de  Alcijx\  tem  d  cuithcnticiddde  de  ter  estado  cm 
jxKJcr  desta  senhora  c\\é  hoje  (18  de  Dezembro  de  1914) 
em  (|iie  foi  por  ella  offcrecido  S  senhora  Maríjucza 
d'Avila  e  de  holama,  bisneta  da  excelsa  escriptora,  por 
ser  filha  de  seu  neto,  o  General  D.  Carlos  Mascarenhas. 

Representa  esta  valiosa  dadiva  uma  prova  do  muito 
elevado  apreÇo.  cjue  a  siir."  1^.  Leonor  Ternandes  dedica 
á  snr.'  Marqueza  d'Avila. 

A  snr.'  D.  Leonor  Lenia ndes  reside  ha  annos  em  S. 
Doiiiinj^os  de  Bemfica,  tendo  sempre  devido  especial 
carinho  á  ultima  senhora  Marqueza  de  ÍTonteira  c  d'Alor- 
na.  e  á  sua  faiiiiiia. 

O  tinteiro  foi  offerecido  com  um  retrato  da  snr.» 
Marqueza   de  Lrontoira.  avcS  tia  sur."*  .Maniueza  d*Avila. 


A  proposilti  do  tinteiro  de  Alcipe,  de  que  sahiram 
muitas  das  prodií^iosas  manifestaçCx?s  da  sua  intellii^encia 
por  tantos  tiluK^is  luMabilissima.  e  dc\  circunstancia  de  ter 
de  catla  iatlo  um  escudo  com  as  armas  tia  excelsa  es- 
cripttira.  ct>meçaremt>s  pf)r  fazer  a  tlescripgâo  d*cstas 
armas. 

As  armas  tia  Casa  tlAItMiia  sJic»  as  dt^s  Ct>ntle5  de 
Assumar.  ptiis  o  titulo  tie  Martiuez  tr,Mf>rna  ft^i  creado 
por  1).  |oão  V.  p(^r  carta  tIe  v>  tle  Novembro  de  17.»^. 
para  1).  Petlrt^  tlAlmeitla  PcjrtuvMl.  terceirc»  Ct^nde  de 
Assumar  e  primein^  .Martiuez  de  Castellc)-Ntn't\  A  crea- 
Çc^t>  do  titulc>  de  Martiuez  d'Alc>rna  teve  por  fim  recom- 
pensar tis  ví''ii'Hles  serviços,  tiue  c)  primeiro  Marquez 
presli^u  ni\  Intlia.  t^iule.  cc>ni  c>  seu  valc>r  e  ccínhecimentt^s 
mililares.  ccínse^iuiu  a  tt^matla  tia  praça  de  Alc>rna.  a  5  tie 
.'^lait>   de  1746.  tjue  foi  a  principal  causa  de  se  tomarem 


15 


mais  quatro  praças  ao  inimigo  do  Estado,  o  rajah  Buon- 
soló.  A  carta  de  9  de  Novembro  de  174S  diz  que,  atten- 
dendo  aos  distinctos  serviços  que  o  Marquez  de  Castcllo- 
Novo  lhe  fizera  na  índia,  onde  ultimamente  tinha  tomado 
ão  inimii^o  as  praças  e  fortalezas  de  Morna,  Bicholim, 
Avara,  Tyrácoi  e  Rary,  devendo-se  estes  serviços,  depois 
do  auxilio  divino,  á  actividade,  vigilância  e  prudência  mi- 
litar do  dito  Marquez,  que  com  a  sua  presença  e  valor 
animou  as  tropas  a  despresarem  os  perigos  e  a  obrarem 
as  gloriosas  acções,  que  foram  de  grande  credito  para 
as  nossas  armas  e  para  o  exercito  portuguez  no  Oriente, 
para  perpetuar  a  memoria  das  referidas  acções,  orde- 
nava el-Rei  que,  em  vez  de  se  chamar  Marquez  de  Cas- 
tello  Novo,  se  chamasse  Marquez  d'Alorna. 

Este  primeiro  Marquez  foi  feito,  no  anno  de  1750. 
Mordomo-mór  da  Rainha,  que  foi  a  Princeza  D.  Marianna 
d' Áustria. 


Foram  pães  de  D.  Leonor  d'Almeída  "Alcipe,,.  D.  \oão 
d'Almeida  Portugal,  segundo  Marciuez  d'Alorna  e  quarto 
conde  de  Assumar,  Vedor  da  Casa  Real,  Commendador 
dc\  Ordem  de  Christo,  Capitão  de  cavallaria  na  Corte,  e 
foi  sua  mãe  a  snr.^i  D.  Maria  de  Lorena,  quarta  filha  dos 
terceiros  Marquezes  de  Távora,  Francisco  d'Assis  de  Tá- 
vora, que  era  terceiro  Conde  de  Alvor,  ramo  dessa 
mesma  familía.  e  a  Marqueza  D.  Leonor  Thomazia  de 
Távora,   em    quem    tinha  recahído  toda  a  Casa  dos  Ta- 

voras. 

A  filha  mais  velha  de  O.  Leonor  de  Almeida,  e  de 
seu  marido  o  Conde  de  Oevnhausen.  foi  pelo  seu  casa- 
mento sexta  Marqueza  de  Fronteira. 


A  oitiivci  Mciiiiu»''^^!  <-l«-'  I  roíitcird  c  sexta  Marqucza 
tl*Alomn.  era  bisneta  de  D.  Leonor  de  Almeida,  quarta 
Marqiieza  d'Alornii.  e  do  Conde  de  Ocvntiausen. 


Colleccionando  elementos  para  a  historia  da  Mar- 
cjueza  d'Alorna,  a  afamada  e  douta  Alcipe,  entendemos 
dever  desde  já  indicar  a  localidade  onde  nasceu. 

Os  Marquezes  d'Aloi:na,  Condes  de  Assumar.  seus 
pacs,  viviam  na  época  do  seu  nascimento  em  parte  do 
jjrande  palácio,  que  havia  no  sitio  do  Limoeiro  c  que 
pertencia  aos  Condes  d'Assumar;  na  parte  restante  do 
palácio,  que  deitava  para  o  lar^o  do  Conde  d'Assumar, 
estavam  installadas  a  Relação  e  a  prisão  que  lhe  ficava 
annexa. 

O  nobre  senhor  Conde  da  Fii^ueira.  D.  losé  de  Cas- 
lello  Branco,  fez-nos  o  s^rande  obsequio  de  nos  informar 
cjuc  a  menina  D.  Leonor  d*Almeida  Portui^ial.  a  futura 
(|uarta  Marqueza  dAlorna.  tinha  nascido  no  referido  pa- 
lácio dos  Condes  d'Assumar,  o  que  lhe  fora  por  vezes 
confirmado  por  seu  neto  o  Marquez  de  Fronteira.  1).  José 
Trazimundo  Mascarenhas  Barreto. 

Por  occasião  deste  nascimento  deu-se  a  ses^uinte  oc- 
correncia,  que  é  tradicional  wá  familia  Mascarenhas- 
Alorna :  "Um  dos  presos  que  estava  na  prisão  annexa  e 
condcmnado  a  pena  ultima,  tendo  sabido  do  fausto 
acontecimento  do  nascimento  dc\  menina,  poz-se  a 
Viritar:  "Senhora  D.  Leonor  pequenina,  peça  o  perdão 
d'este  desvíraçado.  cjue  esfã  condcmnado  ã  morte.»  A 
chronica  di^  familia  affirma  que  o  condcmnado  foi  per- 
dOi\do.„ 


Quarta  Marqueza  d'Alorna  (Alcipe) 


17 


Quando  foi  injustamente  preso  o  Marquez  d'Alorna, 
pae  de  Alcipe,  já  nào  residia  no  palácio  do  Limoeiro 
mas  sim,  no  seu  palácio  a  Jesus. 


No  tomo  primeiro  da  Introducção  das  Obras  Poéti- 
cas da  senhora  Marqueza  d'y\lorna,  considcra-se  cm  três 
épocas  principaes  a  vida  da  notabílíssima  escriptora  : 

l.íi  —  Menina  e  donzella.  na  vida  de  seu  pae  o  Mar- 
quez D.  João  d'Almeida. 

S.-i  —  Condessa  d'OcYnhausen,  na  vida  do  Conde, 
seu  marido,  e  viuva  até  á  morte  de  seu  irmão. 

3.''  —  Marqueza  dVMorna,  depois  dc\  morte  de  seu  ir- 
mão e  dos  filhos  d  clle. 


A  futura  Marqueza  d'Alorna  começou  muito  cedo  a 
sentir  os  golpes  do  infortúnio,  pois  na  edade  de  oito 
annos,  foi  com  sua  mãe  e  sua  irmã  D.  Maria  d'Almeida, 
depois  Condessa  da  Ribeira,  presa  do  Estado,  no  con- 
vento de  Chcllas,  para  onde  entraram  a  14  de  Dezembro 
de  1758;  emquanto  seu  irmão  D.  Pedro,  de  três  para 
quatro  annos  de  edade,  ficava,  como  que  abandonado 
á  compaixão  dos  seus  familiares,  e  seu  pae,  o  Marquez  D. 
loão  d'Almeida  Portugal,  próximo  a  partir  para  Paris  co- 
mo Embaixador  á  Corte  de  Luiz  XV,  foi  lançado  no  hor- 
rível cárcere  da  junqueira,  accusado  falsamente  de  ter 
conhecimento  do  attentado  da  noite  de  3  de  Setembro  de 
175S.  No  retiro  de  Chcllas.  durante  mais  de  dezoito  an- 


18 


nos,  ficoii  esta  mcninii  sem  mcslres,  c  scni  (jualqiicr  au- 
xilio para  a  sua  cducaçcio,  a  nJio  ser  a  doulriua  e  ternura 
de  sua  nuU\  e  mais  tarde  as  máximas  e  conselhos  de  seu 
pae.  tiue  lhe  eram  commuiiieados  com  s^rave  risco  para 
elle  e  i>ara  sua  mulher  e  filhas.  A  sua  educação  muito 
deveu  porem  aos  livros  escolhidos,  que  lhe  foram  minis- 
trados pelos  amis^os  de  sua  familia.  que  a  tornaram  in- 
sis^ne  no  conhecimento  das  linv!uas  e  nas  lettras,  pela  sã 
philosophia  dc\  musica  e  da  poesia. 

lira  especialmente  encarresjado  l\c\  reclusão  da  Mar- 
iiueza  d'Alorna  e  de  suas  filhas,  o  Arcebispo  de  Laccde- 
monia,  que  a  tornava  desa^íradavel  por  todos  os  meios, 
liste  Arcebispo  era  creatura  do  Marcjuez  de  Pombal. 

I).  Leonor  d'Almeida  conhecia  a  fundo  umas  poucas 
de  lins^uas,  tinha  vasta  instrucção  scientifica,  pintava  ad- 
miravelmente, e  possuia  ao  mesmo  tempo  as  prendas  do 
seu  sexo. 

Nas  salas  citava-se  a  sua  intrepidez  e  o  seu  espirito, 
e  dizia-se,  em  voz  baixa,  (jue  estes  dotes  eram  notavel- 
mente affirmados  na  sua  presumida  resposta  ao  Arce- 
bispo de  Laccdemonia.  cjue  lhe  ordenara  se  vestisse  de 
côr  honesta  e  cortasse  o  cabello,  por  ter  commettido  o 
}jrandc  crime  de  introduzir  seu  irmão  junto  de  sua  mãe. 
fazendo  tomar  a  este  o  loi^ar  de  asjuadeiro. 

Ses^undo  a  mesma  versão,  não  tendo  I).  LeoncM'  tlAl- 
meida  obedecido  a  estas  determinações,  o  Arcebispo 
ameaçcni-a  de  fazer  queixa  ao  Marquez  de  Pombal,  ao 
íliie  D.  l.et^m^r  respondeu: 

l.c  coeur  dl''.lconore  cst  trop  noblc  ei  crop  ír.inc 
l*our  craiiivlre  ou  rcspecter  Ic  bourrcau  de  son  sang. 

O  Arcebispo  não  sjostou  tia  resposta,  mas  finv!Índo 
attender  ã  nuKidatle  dc\  sua  interlocutora,  contentou-sc 
em    replicar  cjue.  "visto  nãi^  poiler  nunca  Siiir  tlaquella 


19 


clausura,  tanto  importava  que  andasse  vestida  de  preto, 
como  de  encarnado». 

A  resposta  attribuida  a  D.  Leonor  d' Almeida,  apesar 
de  vir  escripta  por  suas  filhas  na  Introducção  das  Obras 
Poéticas  de  Alcipe,  não  é  porem  exacta,  como  o  prova 
uma  carta  a  seu  pae,  escripta  pelo  próprio  punho  da 
insigne  escriptora  c  que  em  seguida  transcrevemos. 


Meu  querido  Par  c  Snr.  do  meu  coração 

Uma  historia  verdadeiramente  cómica  deve  olhar-se 
comicamente   e   receber   V.   Ex.''   com  o  conhecimento 
delia   aquellas  pequenas  impressões  de  que  só  é  susce- 
ptível   um    animo    philosophico,  como  o  de  V,  Ex.'.  Eu 
estou  tão  cansada  de  escrever  que  pouco  me  é  possível 
dizer  a  V.  Ex.'i,  mas  ao  menos  será  o  necessário.  Chegou 
meu   irmão   a   Lisboa   bom,  galante  e  estímabilissimo,  e, 
não   obstante  as  melhoras  de  minha  mãe,  o  ar  frigido  e 
coado   das   grades   metteu   medo   ao  medico,  mas  não 
houve  remédio  se  não  condescender  com  os  desejos  que 
cila   tinha  de  o  ver,  e  passados  três  dias  de  meu  irmão 
estar  em  Lisboa,  este,  muito  impaciente  de  ver  sua  mãe, 
obteve  um  tácito  consentimento  da  Prelada  e  entrou  com 
um    barril    d'agua.    o   que  lhe  custou,  mas  deu  tudo  de 
barato,  jantou  comnosco.  tivemos  um  dia  de  folga  todos 
juntos,   e   sahio   meu  irmão  a  noite  segundo  o  costume 
conventual,   o   qual    admitte   aqui  infinitas  pessoas  com 
qualquer  pretexto.  Minha  mãe  estava  fora  da  cama  muito 
contente  com  o  filho,  e  nós  igualmente  com  o  irmão  ; 
nem  por  sombras   imaginávamos   que   isto  seria   preju- 


>(l 


tlicitil  a  cojsti    ncnhiima.  línlrclanlo  as   freiras.   furií")Sds 
contra  nós.  deram  conia  do  que  se  passou  aos  Prelados 
com  o  aspecto  inais  horroroso  que  é  possível,  e  no  dia 
sevfuinte  S    tarde   veio  a  cosinheira  ou  aia  óã  Prioreza 
chamar-me  a  mim  e  ti  mana  i.\c\  parte  <\o  Arcebispo  de 
Lacedemonia.  A  primeira  coisa  que  me  lembrou  foi  res- 
ponder que    nAo   queria   lá   ir ;  mas  permittio  Deus  que 
minha    m^c  julviasse  o  contrario  e  fomos  ambas,  eu  e  a 
mana.  Ao  entrar  na  i^rade,  sahio  para  fora  a  Prioreza  e 
apresentaram-se-nos   dois   homens,  um  d*clles  valia  y)or 
um  es()uadrão.  era  uma  baleia  de  rebugo  em  um  capote 
tie  baeta  usado,  um  d*aquelles  concsjos  que  pasma  à  fas- 
pcct  d'une  soupe,  c  sem  mais  cumprimentos  com  as  pupil- 
las,  se  sentaram  os  nossos  dois  prelados.  Este  ^ordo  era 
o   Inspector,  e  o  Arcebispo  de  menor  volume,  disse  :  V. 
I:x.i^  podem   estar  a  seu  i^osto  —  sentámo-nos.  elle  es- 
carrou,  tossiu,  c   SC  rensorgcant  na  cadeira  principiou.  — 
Sua  Mai^estadc,  a  quem  constou  o  attentado  que  hontem 
commcttcu   seu    irnit^^o  de   V.  Ex.»''  violando  a  clausura, 
me   manda   rcprchender  a  V.  Ex.^^  asperamente  e  é  scr- 
vidc^   ordenar  cjuc   V.   Ex.-^''  n«^o  tornem  Á  s^rade  até  sc- 
i^unda  ordem  -.  que  andem  vestidas  honestamente  e  que 
as  suas  creadas  se  reformem  nestes  oito  dias.  passados 
os  quaes.  se  o  nCio  fizerem,  tem  a  Prelada  ordem  para 
serem  expulsas.  Eu  e  a  mana  ouvimos  em  silencio  mo- 
destamente estes  quatro  versos,  e  acabada  uma  sjrande 
prelenv'a  ciue  elle  fez  sobre  as  immunidades  da  clausura, 
respondi   eu  :   Que  o  nome  au^justo  de  Sua  Mas^estadc 
bastava   para   iiue   pessoas   que  tinham  sido  educadas 
com  honra  olhassem  só  com  respeito  quaesquer  ordens, 
e  (lue  eu  assev^urava  a  S.  Ex.'  que  ellas  seriam  executa- 
das  com   fidelidade  e  promptidt^o ;  porem  que  o  nosso 
attentado  era  tt^o  horroroso  cjue.  depois  de  protestarmos 
a   nossa  obediente  submissAc\  restava  aimla  pôr  na  sua 
verdadeira  luz  o  pretenilido  attentado  e  convertcl-o  cm 


21 


uma  acção  generosa  digna  da  piedade  dos  nossos  legis- 
ladores, e  alem  d'isso  conforme  ás  liberdades  que  eram 
concedidas  a  minha  mãe.  Pintei-lhe  com  cores  bastante- 
mente  vivas  um  filho  que  despresa  o  trabalho  mais  pe- 
noso para  consolar  uma  mãe  afflicta,  e  satisfazendo  com 
o  seu  cansaço   as  apertadas  leis  da  clausura.  Disse-lhc 
que   havia    uma    multidão  de  casos  idênticos,  e  que  só 
demasias   de   pezares  sem    esperanças  dallivio  davam 
motivo  a  que  abusassem  do  nosso  estado  as  nossas  ac- 
cusadoras.  Perguntei-lhe  se  meu  irmão  padeceria  também 
alguma  coisa.  Respondeu-me  que  não,  porque  meu  irmão 
era  um  heroe,  um  assombro  nos  estudos,  e  fez  do  rapaz 
o   elogio  mais  completo.  Agradeci-lhe  aquellas  expres- 
sões, e  disse-lhe  que  se  nós  tivéssemos  a  fortuna  de  ap- 
parecer  no  mundo,  eu  me  lisongeava  de  que  parecería- 
mos  innocentes   como   elle,    mas   que  dado  o  caso  de 
padecer   alguém,  nós  lhe  pedíamos  que  quízesse  S.  Ex.' 
voltar  tudo   contra    nós  e  poupar  minha  mãe  e  meu  ir- 
mão. Não  me  esqueceu  nada  para  mostrar-lhe  o  pezo 
âà  sua  injustiça,  e  descrevi  o  estado  de  minha  mãe.  se- 
gundo  o   sentia  o  meu  coração,  capaz  de  abalar  uma 
pedra,   por  que  ainda  que  minha  mãe  não  tem  nada.  se 
uma    filha  tem  arte  de  communicar  a  sua  sensibilidade 
aos   outros   sempre  os  faz  padecer,  c  V.  Ex.»  verá  nas 
cartas  que    lhe  vão  o  estado  em  que  a  julgam.  Peço  a 
V.  Ex.a  que  delias  não  infira  nada  que  o  afflíja.  porque 
eu  lhe  juro  que  não  ha  razão  para  tal.  Emfim  eu  escrevi 
ão  Arcebispo,  e  tendo  escripto  ao  Conde  dos  Arcos  e  a 
D.  loão  de  Faro,  por  que  figurando  eu  scS  neste  caso  e 
sendo  obrigada  pelo  mesmo  Arcebispo  a  não  commu- 
nicar nada  a  minha  mãe,  emquanto  elle  trabalhava  por 
nos  restabelecer,  não  foi  possível  deixar  de  ciuebrar  umas 
leis,  quebrando-se  aquellas  t^ue  deviam  abrigar-nos  destas 
sem  razões.  A  respeito  de  vestidos,  os  nossos  não  foram 
invejados   senão    por   limpos,  e  o  .Arcebispo  mesmo  se 


T) 


nu  tliis  rc>|H^^t.i>  |)liilt)s(>|)liicii>  i|ik-  lhe  tlci,  c  tlii  prom- 
pticK^^o  com  que  mo  i]u\z  lov^o  vestir  pela  sua  eleição, 
achiindo-me  muito  honrddd  em  Í:l-Reí  se  divinar  dar  or- 
dens, numa  matéria  que  eu  muitas  vezes  deixava  ao 
arbítrio  do  mercador.  A  reforma  das  creadas  consiste 
em  dois  covados  de  cassa  postos  na  cabeça.  Considere 
V,  Kx.a  as  difficuldades  e  os  casos  que  fazem  rodar  um 
Arcebispo,  de  Lisboa  até  aqui.  Chamar  s^fente  branca 
para  a  reprehender,  e  no  fim  dizer-nos  que  não  neces- 
sitávamos de  enfeites,  porque  somos  muito  bonitas.  Ria-se 
meu  cjuerido  Pae.  e  olhe  para  estas  coisas  como  mere- 
cem. Hoje  esperamos  que  tudo  se  remedeie,  porcjue  o 
Marquez  de  Pombal  disse  hontem  publicamente,  que  o 
caso  não  valia  nada  e  ciue  as  freiras  nos  accusaram  fal- 
samente, l^ecados  ao  inam-»  e  adeus  que  absolutamente 
não  posso  mais. 

De  V.  Ex.a 

Pilh.1  nuiiU^  amante  c  ( ihi'tli(.Mite 


Noutra  carta  a  seu  pae.  D.  Leonor  d'Almeida  escre- 
ve-lhe  cjue  não  esteja  com  cuidado  no  seu  futuro, 
(juando  continue  a  perse^uil-as  uma  mã  sorte ;  porque 
cjuando  lhes  não  possam  ser  de  utilidade  as  suas  habili- 
tações litterarias.  tanto  ella  como  sua  irmã  estão  em  con- 
dições de  v^anhar  a  vida,  conu^  cozinheiras,  bordadoras. 
costui eiras,  enviomadeiras  e  em  qualcjuer  dos  outros  mes- 
teres mulheris:  o  accrescenta  qu^'  julv^a  bem  preferivel  a 
situa<;ã(^  resultante  de  i)uaU|uer  ilestes  empresjos.  *1  con- 
liicAi^  deprimenti-  ili-  p-uIitim  «-«s  hiMiiMfs  (.ja  miséria. 


23 


Note-se  que  esta  phílosophíca  asserção  era  sustentada 
por  uma  joven  senhora  do  mais  alto  nascimento,  e  que 
bem  provava  assim  a  grandeza  áã  sua  alma. 


A  fama  das  poesias  da  futura  Alcipe,  que  principia- 
ram a  apparecer,  e  a  da  sua  deslumbrante  belleza.  foram 
attrahindo  á  grade  do  convento  muitos  admiradores, 
entre  .os  quaes  se  contava  o  próprio  Filínto  Elysio.     - 

Estavam  então  em  moda  os  outeiros  na  Corte  e  nos 
conventos. 

Os  do  convento  de  Chcllas  passaram  a  ser  frequen- 
tados pelos  sócios  da  Arcádia,  onde  alem  de  Francisco 
Manuel  do  Nascimento,  havia  muitos  e  bons  poetas.  Foi 
Fílinto  Elysio  que  começou  a  celebrar  D.  Leonor  d'Al- 
meída  com  o  nome  de  Alcipe.  e  sua  irmã  D.  Maria  d'Al- 
meida  com  o  de  Daphne. 


Do  primoroso  trabalho  que  a  consagrada  escriptora. 
a  Ex."i.-i  Senhora  D.  Maria  Amália  Vaz  de  Carvalho,  in- 
seriu no  Capitulo  I  do  Boletim  dã  segunda  classe  da 
Academia  das  Sciencias  de  Lisboa  '.  trabalho  que  se  in- 
titula "A  Marqiicza  de  Alorna.  A  sociedade  e  a  litícratiira  do 
seu  tempo, ,,  tomamos  a  liberdade  de  copiar  o  seguinte 
periodo : 

"Um  dos  encantos  com  tjue  Alcipe  deslumbra  o  sou 


1  Vol.  VI  -  N."  2  —  Julho,  it)i2. 


24 


iiuditorio  consiste  \w  iiicmorid  proJivJiosii  t|iic  olla  jx>s- 
suc  c  que  manifesta,  repetindo  a  decimo  ^'alanteddora, 
ou  o  alambicado  soneto,  mal  o  seu  autor  acaba  de  im- 
provisal-o.,. 

No  Capitulo  li!  deste  lioletim  a  sua  muito  illustre  au- 
tora, descrevendo  D.  Leonor  d'Almeida,  quando  cm  1777 
sahiu  do  convento  de  Chellas,  pela  morte  de  El-Rei  D. 
\oié.  diz : 

"Do  retrato  da  nossa  biosjrafada,  que  ainda  hoje  se 
admira  numa  das  salas  dã  masjnifica  vivenda  dos  Mar- 
(luezes  de  Fronteira,  em  Bemfica,  a  belleza  imperial  de 
Leonor  resalta  com  expressão  admirável.  Não  era  so- 
mente uma  mulher  bonita,  era  uma  mulher  encantadora. 
Tinha  a  sas^acidade  critica,  o  espirito  leve  e  sarcástico  e 
a  observação  nítida  e  profunda  dum  moralista.  Nas  suas 
poesias  contaminadas,  é  certo,  pelas  pechas  dci  escola 
pseudo-classica,  em  que  fora  educada,  e  á  qual  subordi- 
nava o  seu  nativo  engenho,  cheias  de  alusões  mytholo- 
Víicas,  indispensáveis  ao  tempo,  revela-se  no  entanto  um 
bello  poder  descriptivo  e  uma  força  de  reflexão  viril. 
Mais  tarde  a  educação  que  lhe  deram  as  viaijens  e  o 
conhecimento  da  litteratura  estrans^eira  completaram  e 
aperfeiçoaram  o  seu  talento,  e  ella  foi  entre  nós.  como 
a  Sjaol  em  Prança,  uma  espécie  de  iniciadora,  de  reve- 
latlora  do  pensamento  c  d*y  poesia  do  Norte,  que  nos 
oram  inteiramente  desconhecidos... 


Pstando  muito  doente  com  um  ataiiue  de  nervo:?  que 
lhe  tomava  os  movimentos,  a  mãe  de  D.  Leonor  d'A!- 
meitla.  chamou  esta  cjiie  contava  apenas  1 1  annos.  nu>s- 
Irou-lhe    umas    tiras  de  papel,  tcxlas  escriplas  com  tinta 


Segundo  Marquez  d'Alorna,  antes  de  ser  prezo  no  forte  da  Junqueira 


25 


encarnada,  e  disse-lhc:  "xMinha  filha,  conhece  esta  letra  ?— 
Paréce-me  a  letra  de  meu  pae  —  Pois  bem,  é  de  seu  pae. 
mas  escripta  com  sangue,  e  se  a  minha  filha  revelar  que 
viu  estes  papeis,  o  sangue  de  seu  pae,  o  meu  e  o  seu 
próprio  correrá,,. ' 

Ficou  assim  D.  Leonor  d'Almeida  encarregada  por 
sua  mãe  da  correspondência  com  seu  pae.  Tendo-se 
perdido  quatro  annos  depois,  involuntariamente,  uma 
destas  cartas,  o  susto  e  afflicção  em  que  D.  Leonor  ficou 
por  esta  perda  suscitou-  lhe  a  ideia  de  tomar  o  habito 
de  freira,  para  ver  se  por  este  meio  podia  reparar  esta 
culpa  involuntária;  alcançou  para  esta  resolução  os  votos 
das  relioiosas,  mas  para  nella  se  fortificar,  confessou-se 
ao  douto  padre  Frei  Alexandre  áã  Silva,  que  foi  depois 
Bispo  de  Malaca,  e  que,  bem  longe  de  a  ajudar  no  seu 
propósito,  lhe  aconselhou  a  que  ouvisse  a  Marqueza,  sua 
mãe,  e  lhe  beijasse  a  mão,  porque  em  tão  poucos  annos 
não  devia  seguir  somente  a  sua  vontade.  A  este  Padre 
de  juizo;  e  também  poeta,  sócio  da  Arcádia  portugueza. 
devem  as  lettras  o  ter  sido  desviada  da  resolução  de  se 
fazer  freira  a  depois  famosa  Alcipe. 


'  E'  possível  que  a  Marqueza  d'Alorna  acere Jitasse  que  era  san- 
gue a  tinta  de  que  usava  seu  marido,  ou  que  se  servisse  d'csta  ficção 
[>ara  melhor  compenetrar  uma  creança  de  onze  annos  da  gravíssima 
responsabilidade  em  que  incorreria  se  communicasse,  a  quem  quer 
que  fosse,  o  segredo  da  correspondência  com  seu  pae. 

Mas  não  é  necessário  accrescentar  mais  esta  atrocidade  ás  muitas 
que  impendem  sobre  o  Marquez  de  Pombal  no  pavoroso  processo 
dos  Tavoras,  visto  que  a  tinta,  que  empregava  o  Marquez  d'Alorna, 
era  na  realidade  o  producto  da  acção  do  vinagre,  que  lhe  era  forne- 
cido para  as  suas  refeições,  sobre  a  tinta  encarnada  da  pobre  mobília, 
que  guarnecia  o  seu  lúgubre  cárcere. 


26 


Nt"»ticicnu")S  cm  duas  palavras  um  íactii  impoi  iaiiii>- 
sinuv  Tendo  fallccitlo  I:l-I^ci  D.  )osc  a  24  tlc  I-ovcrciro 
de  1777.  o  tomando  as  rédeas  do  s^oveino  a  Senhora 
D.  Maria  I,  abriram-sc  as  portas  dos  cárceres,  c  n'um  dia 
(lue  ficou  para  sempre  assi^naiado.  ches^iou  pela  meia 
noite  a  Chellas  o  pae  de  Alcipe.  que  não  era  )á  o  ^jentil 
cavalheiro  de  '25  annos.  que  tinha  entrado  para  o  forte 
l\c\  luntjueira,  mas  com  o  semblante  macerado  pelos  pa- 
decimentos d'uma  prisão  tão  dilatada  e  riijorosa. 

Alem  óc\  Marcjueza  e  de  suas  filhas,  esperavam  o 
Martiuer  (.i'Alorna  n^^  Lírade.  >;rande  numero  tie  pessoas. 
parentes  e  amii^os,  c|ue  haviam  concorridt-»  a  festeiar  a 
sua  vinda,  e  cumprimentar  a  sua  familia. 

Na  sala  dos  painéis  do  Palácio  dos  Mar(]uczcs  de 
Pronteira  em  S.  Dominsiios  de  hemfica.  existem  dois  re- 
tratos do  Marciuoz  d'Alorna :  um.  in>^">'"«-í<^^  «-1^^^^  '^^  annos 
foi  encerrado  no  \ov\c  da  junqueira,  e  outro,  quando 
dezenove  annos  mais  tarde,  pelo  fallecimento  d'i:l-í^ei 
D.  losi?.  e  dc\  subida  ao  throno  da  Rainha  1).  Maria  I.  \o\ 
libertado  do  horrivel  supplicio  dc\  sua  prisão. 

l\ira  se  f^^^er  ideia  dos  tormentos  que  o  Marquez 
Ll'Alorna  patleceu.  durante  os  tiezenove  annos,  que  esteve 
encerrado  nas  prisões  da  junqueira,  vamos  dar  uma 
breve  noticia  d'eiies.  transcrevendo  o  que  a  este  restx^ito 
se  lê  no  Capitulo  I  d'"  As  prisões  da  Jiinqucira,  ditraníc  o 
Ministcrio  do  Murqiuz  de  Poinlml,  cscriptas  ali  nirs/rio  pelo  Mar- 
quez d' Alorna,  uma  das  suas  victimas... 

O  referido  CafiituJo  I  trata  lia  tlescrip^:ão  dos  cár- 
ceres,  c  cctme(;a   pt^r   infortiiar  i]ue  eram  em  numero  de 


À 


Segundo  AlaiLiiicv  crAlorna,  quando  saliiu  da  prisão  da  JunqucMra 


27 


dezenove,  sendo  dois  quasí  inteiramente  escuros,  e  ha- 
vendo, entre  os  outros,  dois  que  pela  sua  pequenez  e 
por  estarem  perto  de  um  cano  por  onde  se  despejavam 
as  immundícíes,  eram  reputados  os  peores. 

"Em  um  (Vestes,  diz  textualmente  o  Marquez  d'Alor- 
na,  c  a  nossa  habitação,  ha  dois  annos,  menos  apertada  do  que 
cuidávamos  no  principio,  por  conta  da  tarimba,  que  llie  cons- 
truimos  com  as  nossas  mãos,  sem  ajuda  de  ninguém,  para  a 
qual  nos  foram  dadas  duas  portas  velfias  e  licença  para  comptar 
três  barrotes. 

"Por  cima  da  porta  ficavam  as  janellas  com  duas 
grades,  distantes  dez  palmos  uma  áã  outra,  por  ser  esta 
a  larcrura  da  parede.  Ha  ainda  por  fora  das  janellas  uma 
parede,  levantada  a  altura  que  tira  ás  janellas  a  vista  de 
qualquer  objecto  exterior;  mas  que  tira  tam.bem  aos  cár- 
ceres orande  parte  da  luz.  ficando  estes  assim  com  tão 
débil  claridade,  que  se  não  podia  ler  sem  candieiros.  Por 
esta  razão  a  maior  parte  dos  presos,  em  cujo  numero 
entramos  nós  também,  tem  luz  na  casa  perpetuamente: 
e  se  acham  a  estas  horas  com  a  vista  bastante  enfraque- 
cida. 

«O  comprimento  dos  cárceres  é  pouco  mais  ou  me- 
nos de  sete  palmos ;  todo  o  edifício  estava  tão  fresco, 
quando  para  elle  foram  transportados  os  presos,  que 
com  o  dedo  se  lhe  faziam  buracos  profundos  nas  pa- 
redes. 

"Desta  deshumanitaría  circunstancia  resultaram  para 
os  encarcerados  muito  frio  c  uma  humidade  intolreáveis. 

"Debaixo  da  prisão  do  Marquez  e  ainda  um  pouco 
mais  para  o  lado  da  terra,  havia  três  casas  subterrâneas, 
duas  das  quaes  serviam  de  cemitérios,  sendo  a  terceira, 
sciííundo  diziam,  destinada  para  tratos.,. 

Pela  descripção  do  Marquez  d"Alorna  fica-se  sa- 
bendo as  brutalidades  com  que  eram  tratados  os  presos 


28 


}K'lo  Dczcmhtiis^iKlDr-carccrciro.  c  por  siui  ordem  pK»li>s 
vniiirdcis  o  nidis  pess<.xil  da  pris<^o,  sondo  inauditos  t)s 
horrores  que  passavam  por  falta  de  vestuário  e  falta  de 
aceio  nas  roupas  de  cama,  c  principalmente  na  comida, 
cjue.  alem  de  cosinhada  com  sJeneros  de  péssima  quali- 
dade. Ilu"-^  i'io  siMviíi.i  iIc  iini  iiii-íeio  as()ueroso  e  repu- 
j^nantc. 

Era  encars^o  i^ieral  dos  presos  o  de  varrerem  as  suas 
casas,  fazerem  as  camas,  e  alimparem  os  seus  candieiros 
e  os  seus  lalheres;  iiinv^uem,  quakjuer  que  fosse  a  sua 
ediuic  ou  catci^ioria,  se  podia  dispensar  deste  trabalho, 
sob  pena  de  soffrer  porcarias  de  toda  a  casta. 

I:ntre  as  perversitlades  que  padeciam  nas  prisões  tia 
luiiciueira  as  victimas  do  ódio  e  áã  inveja  l\o  Marquez 
tle  Pombal,  ali  encerradas  por  ordem  delle.  devem  ci- 
tar-se  as  cjue  dizem  respeito  aos  enfermos :  assim.  sei*uniK> 
a  descripção  do  Marquez  d'Alorna,  os  médicos  iam 
poucas  vezes  visital-os,  ainda  nas  moléstias  mais  víravcs. 
e  a  maior  [larte  das  visitas  eram  feitas  por  ceremonia. 
No  principio  entendiam  os  presos  que  procedia  dos  mé- 
dicos a  falia  de  assistência  ;  conheceram  depois  clara- 
mente o  contrario ;  a  uma  queixa  de  um  dos  doentes  ao 
medico  por  ni\o  ter  vindo,  respondeu  este  que  muitas 
vezes  vinha  á  sala  tio  Dezembarviíador '  para  ver  c>s 
tioentes  tjue  lhe  tlavam  cuitladt^.  mas  que  ali  lhe  diziam 
ífiw  SC  fosse  embora,  porque  não  eram  necessários  os  seus  serviços. 

O  l)ezembarv4atK>r  linha  sidc»  adrede  esct^lhidt^  \>c\o 
Maitjuez   de  Pc>mbal  para  carcereirc»  das  suas  victimas. 

O  referitic)  medicix  de  nome  Martinht^,  disse  também 
ct>m  relat^Ai^  a  remetlit^s.  cjue  havia  uns  doentes  que  elle 
curava  ct^mc»  ententiia.  mas  que  a  outros  não  os  po^Ua  eurar, 


'  A  cnlr.ui.i  ilos  nicilis.<>N  n.is  Irisocs  li.t  .luiu|iicir.i  cr.i  |Mir  vNlâwl.i. 


29 


senão  como  lhe  mandavam.  Com  cffcíto,  se  o  que  receitava 
não  era  muito  barato,  ou  se  era  alguma  coisa  custoso 
para  os  guardas,  não  se  executava  a  receita. 

Díspensando-nos  de  referir  muitos  remédios,  que  se 
não  ministravam,  diremos  apenas  que  tendo  o  medico 
ordenado  que  se  comprasse  uma  espécie  de  celiia  es- 
treita para  o  Marquez  d'Alorna  metter  os  pés,  ficando 
com  a  agua  ate  junto  dos  joelhos,  esta  ordem  provocou 
o  riso  dos  guardas,  e  não  foi  executada,  assim  como 
muitas  outras  determinações  do  mesmo  medico. 

O  que  se  passava  com  a  comida  aos  doentes  era 
verdadeiramente  monstruoso.  O  tal  Dezembargador- 
carcereíro,  que  deve  ser  com  justiça  classificado  como 
uma  fera  brutal,  que  por  todos  os  modos  procurava 
mortificar  a  triste  situação  dos  prisioneiros,  dava-lhes 
como  consolação  única  a  promessa  de  que,  logo  que 
morressem,  se  venderiam  os  seus  trastes  para  se  manda- 
rem resar  missas  por  sua  alma  com  o  seu  producto.  O 
Marquez  d'Alorna  conta  também  que  o  Dezcmbarga- 
dor,  com  incrivel  malvadez,  lhe  dera  a  elle  próprio  esta 
consolação,  n  uma  circunstancia  em  que  o  seu  estado 
de  saúde  era  tão  melindroso,  que  se  suppunha  que  es- 
tava irremediavelmente  perdido. 

Terminamos  esta  lastimável  descripção  com  mais  uma 
horrorosa  referencia :  Em  morrendo  algum  preso,  cuida - 
va-se  logo  do  seu  enterro ;  a  maior  parte  passavam  para 
a  cova  poucas  horas  depois  de  mortos,  e  desta  forma, 
sabe  Deus,  se  enterrariam  alguns  ainda  com  vida. 

Excede  como  se  vê,  quanto  se  possa  imaginar  o  tra- 
tamento dispensado  aos  doentes;  para  não  enojar  o  lei- 
tor, dispensamo-nos  de  contar  outras  verdadeiras  incle- 
mências que  eram  feitas  aos  presos. 

Abstemos-nos  de  proseguir  nesta  medonha  exposição, 
porque  basta  o  que  levamos  dito  para  avaliar  as  atroei- 


Mi 


ddJcs   niic   os   prcs<.>s   padeciam,   c   que  victinidram  a 
rnuitt>s  tlcllcs,  caustindo-lhcs  a  loucura  e  a  morle. 

Accrcsccntarcmos  porem  apenas,  c|uc  as  pcrversida- 
tles  gue  o  Dezembarsjador  carcereiro  mandava  fazer  aos 
presos,  com  mào  larjja,  erain  do  inteiro  conhecimento 
de  tiuem  tinha  ordenado  a  sua  horrorosa  c  injustíssima 
reclusAo. 


Na  ObservaÇi^o  que  precede  a  muito  interessante  pu- 
blicaçCio  "As  prisões  dã  |unc|ueira»,  descriptas  pelo  eru- 
dito í2."  Mar(juez  d'AIorna.  pae  di^  Marcjueza  d'Alorna, 
Alcipe.  enciMilram-se  documentos  comprovativos  da  com- 
pleta innocencia  do  Marquez,  que  deveu  ao  Marquez  de 
Pombal  estar  ncllas  preso,  como  dissemos,  durante  dcse- 
nove  annos,  e  isto  apesar  de  varias  instancias  suas  para 
ser  mettido  em  processo,  visto  nunca  ter  sabido,  nem 
antes,  ncni  no  tempo  da  prisdo,  nem  depois,  a  causa 
por  ijue  o  prenderam. 

A  Rainha  I).  Maria  I.  informada  da  inncKencia  do 
Marcjucz  d'Alorna.  mandou-o  soltar  fmr  Portaria  de  7 
de  Março  de  1777. 

A  esta  Portaria  scí^ukvsc  o  decieiv^  de  17  de  Maio 
do  mesmo  anno.  o  cjual  é  do  theor  sevjuinte : 

"Por  quanto  fui  servida  mandar  tjue  o  Marquez 
ilAlorna.  quando  sahiu  dc\  prist^o  em  que  se  achava,  se 
retirasse  d'esta  corte  em  cjuanto  se  mio  justificasse  da 
mais  leve  culpa  de  inconfidência,  e  requerendo-me  o 
dili^  Maríjuez  a  e.vacta  averiviuaçAo  dt.\  sua  inntx^encia 
ou  culpa ;  sendo  commettido  este  inuxutante  neviiKio  a 
uma  junta  de  Ministn^  divrni^s  delle-  com  assistência  do 
PrtuHirador   ila   minha   real  Coroa,  foi  por  /odos  uniforme- 


31 


mente  julgado  que  o  dito  Marquez  se  achava  innocente,  c  sem 
prova  por  onde  se  podesse  dizer  culpado :  Hei  por  bem  de  o 
declarar  assim  para  que  possa  ser  restabelecido  ás  hon- 
ras e  liberdades,  que  por  direito  lhe  pertencem. 

Palácio  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda,  aos  1 7  de  iMaio 
de  1777.  Com  rubrica  de  Sua  Magestade.,, 

O  Decreto,  que  acabamos  de  copiar  na  integra,  é  não 
só  a  prova  provada  da  innocencia  do  Marquez  d'Alor- 
na,  mas  demonstra  a  mais  completa  evidencia  as  atrozes 
arbitrariedades,  praticadas  pelo  Marquez  de  Pombal, 
contra  aqucUes  que  se  lhe  avantajavam  em  saber,  em 
.virtudes,  e  muito  especialmente  em  nobreza.  Esta  ultima 
condição  constituia  o  lado  fraco  do  famoso  e  notabilis- 
simo  estadista. 

No  "Perfil  do  Marquez  de  Pombal,,  interessante  livro, 
devido  á  muito  erudita  penna  áo  eminente  escriptor  Ca- 
millo  Castello  Branco,  e  no  capitulo  que  se  intitula  "O 
Marquez  de  Pombal  e  o  terremoto,,,  encontram-se  im- 
portantes noticias  dos  serviços  prestados  pelo  Marquez 
d'Alorna,  pae  de  Alcipe,  por  occasião  do  terrivcl  abalo 
scismico.  que  tão  grandes  prejuizos  causou  á  bella  ci- 
dade de  Lisboa,  e  bem  assim  das  memoráveis  beneme- 
rencias  que  praticou  a  preclarissima  Marqueza  de  Tá- 
vora, avó  da  quarta  Marqueza  d'Alorna. 

No  mencionado  capitulo  leem-se  as  importantes  re- 
ferencias, que  passamos  a  expor:  "entre  os  que  se 
dedicavam  a  minorar  os  formidáveis  estrasjos.  causados 
pelo  terrivel  terremoto,  devem  recordar-se  os  actos  es- 
pontâneos executados  pelos  nobres  e  pelos  parochos, 
salvando  os  moribundos  e  sepultando  os  mortos.  Entre 
os  primeiros  vem  citado  D.  loão  de  Bragiança,  o  futuro 
e  muito  illustre  2."  Duque  de  Lafoens.  que  arrancou  áa 
morte   muita    oentc   entalada    nos  vis^amentos  abatidos. 


i2 


Pelos  iirrcJorcs  de  Lisboa  andiiram  vários  fidal^jos,  com 
<Y>  seus  niotiicos.  cuiiindo  feridos.  Os  mosteiros  abriram 
espoiítiHieaniente  as  suas  cjrcas  para  liospitaes,  c  os 
frades  davam  aos  feridos  o  seu  pâo,  e  os  disvelos  de 
enfermeiros  e  consoladores.  Os  conchos  regrantes  c  os 
oratorianos  receberam  em  S.  Vicente  e  nas  Necessidades 
muitas  famílias  desvalidas  a  quem  sustentaram  e  abriíja- 
ram  nas  suas  cercas.  Os  filhos  bastardos  de  D.  João  V, 
denominados  os  Meninos  de  Palliavan.  recolheram  no  paÇo 
e  no  jardim  de  Palhavan  mais  de  duas  mil  pessoas,  que 
alimentaram  c  vestiram  durante  muitos  meses.  Outros 
fidalijos,  nestes  extremos  de  caridade,  empenharam  os 
seus  haveres  desfalcados  pela  desí^raça  commum.  Parte . 
do  palácio  dos  Tavoras.  no  Campo  Pequeno,  constituiu-o 
a  Marqueza  em  hospital,  de  que  ella  foi  a  mais  caridosa 
enfermeira.  Poi  mais  um  alto  serviço,  prestado  pela  no- 
bilíssima Marqueza  de  Távora,  c  que  se  procurou  occul- 
tar  e  esconder,  como  aquelles  que  praticou  na  índia, 
durante  o  memorável  periodo  de  quatro  annos,  em  que 
nniúo  distinctamente  exerceu  ali  as  funcções  de  Vice- 
kainha. 

Devemos  recordar  também  cjue  neste  mesmo  capi- 
tulo do  «Perfil  do  Marquez  de  Pombal»  vem  a  celebre 
phrase  im['»ropriamente  attribuida  ao  Marquez  de  Pom- 
bal, em  resposta  á  peri^unta  do  Rei  I).  losé.  (jue,  aterrado 
com  a  horrorosa  calamidade,  que  imtxMidia  sobre  Lis- 
boa, exclamava  :  "O  que  ha-de  asjora  fazcr-sc?»  Enterrar 
os  mor/os,  cuidar  dos  vivos  c  fechar  os  portos,  respondeu  o 
Martiuez  dVMorna. 

I:sta  conceituosa  resposta  foi  attribuida  inexactamente 
ao  Marquez  de  Pombal  pelos  seus  adeptos,  e  talvez  este 
d'ella  se  recordasse  cjuanilo  mandmi  injustamente  encer- 
rar nos  fiMles  tia  lunqueira  o  Marijuez  d'/Morna. 


Conde  de  Oeynhausen,  marido  de  Alcipe 


CAIM  lULO    II 


Fintrc  os  pretendentes  á  sua  mão,  D.  Leonor  de  Almeida  escolheu 
o  Conde  de  Oeynhausen.  Motivos  porque  esta  inesperada 
escolha  não  foi  do  agrado  do  2."  Marquez  d'Alorna.  Ba- 
ptismo do  Conde  de  Oeynhausen,  e  seu  casamento  com 
D.  Leonor  d'Almeida.  Nomeação  do  Conde  de  Oeynhau- 
sen para  Ministro  plenipotenciário  na  Corte  de  Vienna 
d'Austria.  Distincto  acolhimento  ali  feito  aos  Condes  de 
Oeynhausen.  Concessão  á  Condessa  da  Ordem  da  Cruz 
Estrellada.  Copia  de  uma  carta  que  lhe  foi  dirigida  pelo 
Imperador  d'Austria  José  H.  Outros  argumentos  da  muito 
subida  consideração  dispensada  á  Condessa  de  Oeynhausen, 
especialisando  o  de  Madame  de  Staèl. 

Sobre  a  seounda  época  da  vida  da  senhora  D.  Leo- 
nor d'Almeida,  Álcipe,  observemos,  que  cedo  apparece- 
ram  pretendentes  á  sua  mão,  pois  as  suas  prendas  e 
perfeições  attrahiam  as  attenções  s^eraes. 

Entre  os  pretendentes  apresentou-se  o  Conde  de 
Oeynhausen  Grcewemburo,  que  tinha  acompanhado  a 
Portus^al  seu  primo  co-irmão  o  Conde  Reinante  de 
Schaumbouro-Lippe,  Príncipe  soberano  em  Allemanha. 
que  no  reinado  de  El-Rei  D.  José.  viera  para  Portuoal 
commandar  o  exercito  portu^fuez.  Não  seria  o  Conde 
de  Oeynhausen  o  candidato  preferido  por  o  Marquez 
d'Alorna.  pela  circunstancia  de  ser  estrangeiro,  e  de  lhe 


34 


lov.ir  |H>rt.niio  siui  \\\\u\  pam  lonv'c->  terras ;  conít^rmou-sc 
cdiuIikIo  loiíi  a  escolha  ilc  Alcipc.  que  achou  muito 
tlivina  da  sua  família.  l:sta  explicação  do  casamento  de 
sua  mi^e,  que  se  encontra  na  Noticia  bit>v'rat")hica  da 
liv.""  Senhora  D.  Leonor  dAhneida.  Marqueza  dAlorna, 
publicada  na  IntnxiucÇc^o  das  Obras  ptxMicas  de  Alcipc. 
justifica-se  pelo  res|xHto  filial,  hasta  considerar  a  ccrtídáo 
dii  baptisint^  i.\o  Cc»nde  de  Oevnhausen.  estando  ao  p<5 
dA  pia  baiMisinal  a  Kíainha  I).  Maria  I  e  l:l-Pei  D.  Pedro 
III.  para  se  ficar  certo  (Ái\  alta  nobreza  do  ncóphitc* 


"  Aquclles  que  não  julg.ram  hasiante  concludente,  para  provar  a 
nohrc/a  'Jo  Conde  de  Oevnhausen,  o  elevadíssimo  arf;umento  de  terem 
sido  p:uirinhos  do  seu  haptisado,  c  de  terem  aellc  pes^oalmcntc  assis- 
tido, a  Rainha  D.  Mana  1  c  o  Rei  P.  Pedro  III,  sendo  talvei:  deste  nu- 
mero o  Marquez  dAloína,  pac  de  Alcipe,  não  podiam  então  considerar 
uma  circunstancia  que  mais  tarde  aflirmou  indiscutivelmente  a  alta 
linhagem  do  marido  da  grande  escriplora  portugueia,  que  foi  depois 
Marqueza  dAlcrna,  c  ConJessa  de  Assumar  e  de  Oevnhausen. 

Ksta    illustre    senhora    recebeu  a  muito  subida   mercê  de  ser  no 
meada  dama  da  Cruz  l.strcllada,  pelo  Imperador  d'Ausiria  José  II,  para 
o  que  teve  o  Marquez  d'Alorna  de  mandar  para  Vienna  os  documentos 
comprovativos  dos  muitos  quartéis  da  nobreza  de  sua  filha. 

A  (Condessa  c*e  Oc\nhau>en.  D.  Frederica,  tilha  de  Aicipe,  rece- 
beu também  a  mtsma  disiinciissima  mcrcc,  ficando  assim  demons- 
trada, com  to  ia  a  segurança  a  nobreza  do  Conde,  seu  p«e. 

Consideremos  ainda  que  a  Rainha  1).  Maria  I  concedeu  A  excelsa 
Viuva  do  (ieneral  (^onde  de  Ocynhatisen,  por  diploma  régio,  a  graça 
muito  excepcionj]  do  titulo  de  Conde  de  Oevnhausen  a  todo»  o$  seu* 
descendentes  legiiliíos,  e  bem  assim  o  tratamento  de  Kxcellencia 
Kste  novo  e  distinctis^imo  documento  de  nobreza  afasta  qualquer 
duvida,  que  vjbre  ella  se  podcsse  ou  se  quizcsse  levantar. 

Da  graça  de  serem  (^ondcssas  de  Oevnhausen  aproveilaram-sc  a» 
duus  filhas  solteiras  da  .Marqueza  dAlorna.  Assim  o  cstat^clecem  oa 
papeis  de  Aicipe,  entre  os  quaes  se  encontram  numerosas  cartas,  di- 
rigidas ús  III."**  c  Ex"«*  Senhoras  Condessas  de  Oeynhausen,  D 
l°(cderica.  ou  I).  Henriqueta,  e  a  S.  D.  Mndemoiselle  la  Comiesse  de 
Oc\nhausen,  Irédériquc  ou  ilenrictte. 


35 


Apczar  porem  de  ser  o  Conde  de  Oevnhnusen  de 
iiobilissima  e  principesca  estirpe,  o  Marquez  d'Alorna 
fez  violenta  opposíção  á  escolha  imprevista  de  sua  filha, 
que  o  tomou  para  marido,  sem  attender  á  sua  grande 
pobreza,  e  esquecendo-se  dos  seus  protestos  de  obede- 
cer em  tudo  a  seu  pae,  e  especialmente  em  assumpto 
tão  sério,  como  era  o  casamento. 

Não  foi,  nem  podia  pois  ser  do  agrado  do  Marquez 
d'Alorna  a  escolha  para  marido,  que  fez  sua  filha  do 
nobre  fidalí^o  alemão,  porque  previa  os  embaraços  e 
amarguras,  que  devia  padecer,  por  falta  de  meios,  pa- 
ra sustentar  a  posição,  que  a  sua  situação  social  exi- 
gia. 

O  descontentamento  do  pae  levou-o  á  interrupção 
de  relações  com  sua  filha,  que  chegou  ate  cessar  de 
responder  ás  suas  cartas:  teve  portanto  como  causa  de- 
terminante aquella  que  acabamos  de  apontar. 

Nas  cartas  do  baillio  de  Malta,  D.  Luiz  d'Almeida,  á 
Condessa  de  Oevnhausen,  sua  sobrinha  muito  querida, 
encontram-se  successivas  referencias  ao  estado  das  re- 
lações do  Marquez  d'Alorna  com  sua  filha,  e  muito 
grande  satisfação  quando  estas  relações  se  restabelece- 
ram, reatando-se  a  interrompida  correspondência,  cuja 
falta  muito  amofinava  a  Condessa  de  Oevnhausen. 

Para  que  a  escolha  de  Álcipe  se  podesse  porem  rea- 
lisar,  abraçou  o  Conde  de  Oeynhausen  a  religião  catho- 
lica  romana,  sendo  padrinhos  neste  acto  a  Rainha  D. 
Maria  I  e  seu  marido  Bl-Rei  D.  Pedro,  por  quem  n'esta 
occasíão  foi  armado  Cavalleiro  da  Ordem  militar  de 
Chrísto,  sendo  convidada  toda  a  Corte  para  assistir  a 
estas  distinctas  cerimonias.  Sua  Magestade  a  Rainha 
deu-lhe  o  abraço  ou  accolada,  El-Rei  pôz-lhe  o  cinturão  e 
tocou-lhe  com  a  espada  nua,  e  os  Principes  D.  losé  e 
D.  loão  ajudaram  os  Reis  seus  pães  n'esta  solemne  inves- 
tidura,   em   que  Suas    Magestades   tiuizeram    mostrar  o 


36 


muito  i|iic  pri>lc\íiam  esta  ailiaiiça.  '  A  esta  investidura 
scvjuiu-sc  a  iionicaçJio  do  Comlc  de  Ocvntiauscn  para  o 
commaiulo  cio  6,<'  rci^imcnli'»  do  Infantcria.  guc  era  ent»io 
o  primeiro  re^limento  do  Porto,  para  onde  Iojjo  partiram 
os  Condes  de  Oeynhausen:  isto  passou-sc  cm  1780.  Dois 
mezes  depois  o  Conde  de  Oeynliauscn  foi  nomeado  mi- 
nistro   plenipotenciário  junto  li  Corte  de  Vienna  d'Aus- 


•  N'cs(ii  noiíi  apresentamos  .1  copia  da  ccriiJfio  auiheniifa  do  ba- 
ptismo lio  Conde  de  Oiiynhausen 

Kr.  Ignncio  de  S.  Caetano  por  mercê  de  Deus  e  da  S.  Sedo  Após 
tolica   Bispo   de   PcnaíUI   do  Cons.»  de  S   Magcstade  FideliisJma,  seu 
Confessor,  e   das  Sereníssimas  Senhoras  Princeza,  e  Infantas  de  Por- 
tugal, etc 

Attestamos,  e  fazemos  certo  a  todas,  cada  uma  das  pessoas  d? 
qualquer  prehcminencia,  gráo,  ou  condição  que  sejam,  a  quem  csl.is 
nossas  letras  forem  apresentadas :  que  no  dia  quinze  de  Fevereiro  pró- 
ximo passado,  em  o  Oratório  dos  Paços  Reaes  de  Salvaterra  de  Ma- 
gos, em  presença  de  Suas  Magestades  Kidelissim.is,  e  mais  Posoas 
Reaes;  c  Oiticiacs  da  Sua  Casa,  administramos  solemnemente  o  Sa- 
cramento do  Baptismo,  sub  conditione,  ao  III.""  e  Ex.""  Conde  de 
Oeynhausen  com  o  Nomo  de  Pedro,  Mana,  Josc,  Carlos,  Augusto 
sendo  Suas  Magtstades  Fidelissimas  seus  Padrmhos,  havcndo-sc  ante- 
cedentemente reconciliado  com  a  Igreja,  e  na  forma  d'ell3,  depois  de 
admittido  ao  seu  grémio,  absolvido  das  censuras  aJ  caulellani;  o  qual 
nasceo  na  Cidade  de  Hanovcr  cm  Alemanha,  em  cinco  de  Dexembro 
do  anno  de  i;3M,  ellc  filho  legitimo  de  Frederico  Uirico  Conde  de 
Oeynhausen,  e  de  Cuilheimina  dizemos,  c  de  Fcdcrica  (íuilhelmina 
Condessa  de  Schulemhour^', :  e  depois  de  haver  recebido  o  f^aplismo. 
logo  no  mesmo  acto,  lhe  conferimos  o  Sacramento  da  Confirmnçfio, 
em  que  foi  seu  Padrinho  ICl-Hei  Fidelíssimo  o  Snr.  I).  Pedro  5.».  De- 
pois do  que.  por  commissão  ua  Fidelíssima  Kainh.t  N  Sor  •  como 
(lovcrnadora.  c  perpetua  Adminisirado'a  da  Ordem  de  Christo.  lhe 
lançamos  o  Habito  da  referida  Ordem  sendo  ji  armaio  Cavallciro 
por  Kl-Rci  c  Príncipes  Nossos  Snr.*.  c  o  Snr.  D.  Jofio  MorJomo-Múr 
«la  Casn  Real.  precedendo  o  haver  publicado,  em  voi  intclligivel.  que 
toilos  perceberam,  o  III.""'  e  Ex."»  Visconde  de  Villa  Nova  de  Cc.vcira 
Mmistro   Secretario   ile    Kstado  do»  Negócios  do  Reino,  que  a  mesma 


37 


tria,  tendo  pois  de  deixar  o  commando  do  rej^ímento. 
Não  acompanharemos  a  Condessa  de  Oevnhausen 
na  sua  viai^em  pela  Europa,  e  residência  em  Víenna 
d'Austria ;  diremos  apenas  que  por  toda  a  parte  foi  alvo 
das  maiores  attenções,  devendo  especialisar-se  as  que 
Ilie  foram  feitas  em  Vienna  d 'Áustria  pela  ^rande  Impe- 
ratriz Maria  Thereza  e  por  toda  a  Corte. 


Senhora,  por  graça  especial,  para  a  recepção  daquelle  Habito  dispen- 
sava em  tudo  o  que  fosse  prohibidopor  Definiiorios,  Leis,  ou  Estatutos 
da  mesma  Ordem.  Em  fé  do  que  mandamos  passar  a  presente  pelo 
Nosso  Secretario  infrascripto.  Dado  no  palácio  de  N.  Snr."  da  Ajuda 
sol)  nosso  Signa!  e  sello  de  nossas  Armas  aos  vinte  e  trez  dias  do  Mez 
de  Março  de  1778. 

Fr.  Ignacio  —  Bispo  de  Penafiel 
De  mandado  de  S.  Ex.a 

Francisco  T.  de  Mendonça 
Secretario 

José  Mendes  da  Costa,  Desembargador  da  Relação  Ecciesiastica. 
Juiz  do  Tribunal  da  Nunciatura  Apostólica,  e  Prior  da  freguezia  de 
Santa  Isabel,  Rainha  de  Portugal,  etc. 

Certifico,  que  a  folhas  duzentos  sessenta  e  seis  verso  do  Livro  oitavo 
dos    Baptisados    d'esta    dita   freguezia,  se  acha  um  Assento  do  theor 
seguinte  —  Em   os  dezenove  dias  do  mez  de  Abril  de  mil  sete  centos 
setenta  c  oito,  nesta  Parochial  Igreja  de  Santa  Isahel,  Rainha  de  Por- 
tuga),    me    foi    apresentada    uma     Petição    em    nome    do    Illustris- 
simo    e  Excellentissimo  Conde  de  Oeynhausen,  com  uma  Attestação 
do   Excellentissimo   e   Reverendíssimo  D,   Fr.  Ignacio  de  S.  Caetano, 
Bispo   de  Penafiel,   do   Conselho  de  Sua  Ma«restadu  Fidelissima,  seu 
confessor,  e  dos  Serenissimos  Senhores  Princeza  e  Infantes  de  Portu- 
gal, em  data  de  vinte  e  trez  de  Março  d'este  mesmo  anno,  pedindo  ao 
Excellentissimo  e  reverendíssimo  .Arcebispo  de  f.acedemonia.  Provi- 
sor    e    vigário  do  Eminentissimo  e  Reverendíssimo  Senhor  Patriarca 
eleito  e  vigário  capitular  da  Santa  Igreja  Patriarcal  Lisbonense,  sédè 
vacante,  que  na  forma  da  dita  Attestação  lhe  mandasse  abrir  Assento 
do   seu    Baptismo  no  correspondente  Livro  d'esta   freguezia.  por  ser 


38 


C)  IiinxTiKlt>r  li^sc  II.  íilhi^  ílii  vTiIihIc  Inípcrdtriz.  suc- 
ccticntlo  a  sua  iiu^c.  continuou  a  disivnsvir  á  Condessa 
de  Oevnhausen  as  mesmas  provas  de  estima  que  esta 
llie  dispensava,  e  fez-lhc  presente  da  insii^nia  e  diploma 
dii  (^rtiem  di)  Cruz  Iistreliada.  escreventlo-Ihe  l\o  seu 
próprio   puntio  uma  carta  na  ijual  llie  dizia  que,  sendo 


n'clla  m  rador,  como  com  effeito  é,  na  rua  direita  de  Santa  Isat>cl.  c 
que  leilo  o  dito  Assento,  se  llie  passasse  certidão  nas  costní  da  mesma 
Auestação,  ficando  copia  d'cl!a  neste  cartório,  se  necessário  fosse  ;  ao 
qiic  lhe  difcrio  n  dito  Kxcellcntissimo  c  Revcrendissimo  Arcebispo 
por  despacho  de  treze  do  corrente  Al)ril,  que  cot>  a  referida  copia  se 
^ua^da  no  mencionado  Archivo  d'esi?.  dita  freguezia  ;  e  consta  dj  in- 
sinuada Attcsiaçáo  fazer  certo  o  dito  Excellentissimo  e  Reverendís- 
simo liíspo  de  Penafiel  que  no  dia  quinze  de  Fevereiro  próximo  pas- 
^ado,  em  o  Oratório  dos  Paços  Reocs  de  Salvaterra  de  Magos,  cm 
presença  de  Suas  Magestades  Fidelíssimas,  c  mais  pessoas  Keaes,  e 
oDictaes  da  Sua  Casa,  administrou  solemnemente  o  Sacramento  do 
Hapiismo  sub  condicione  ao  Illusirissimo  e  Kxcellentissimo  Conde  de 
Oevnhausen,  com  o  nonie  de  PeJro,  Maria,  José.  (Carlos.  Auguslr». 
sendo  Suas  Mugestadcs  Fidelissiinas,  seus  Padrinhos,  havendo-sc  an- 
tecedentemente reconciliado  com  a  Igreia,  e  na  forma  delia,  depois 
de  a  Imíttido  ao  seu  gremic,  absolvido  das  censuras  <iJ  cautelattty  o 
qual  nascera  na  cidade  de  Hanover,  cm  Alemanha,  em  cinco  de  l)c- 
zenibro  do  anno  de  niil  sele  centos  trinta  e  oito,  e  que  c  Hlho  legitime 
lie  Fcderico  UIrico,  Conde  de  Oevnhausen,  e  de  Federica  Guilhclniina 
(Condessa  de  Schulembourg  :  e  para  que  conste  o  referido,  fiz  este 
t.rmo.  que  assignei.  dia.  mez  e  era  ut  supra  —  O  Prior  José  Mendes 
da  (^JSta  ;  e  nada  se  contem  mais  no  dito  Assento  a  que  me  reporto 
Lisboa  vinte  c  um  de  Abril  de  mil  sete  centos  setenta  e  oito. 

O  Prior  Josí  Mendes  da  Costa 

l''ica  registada  a  aiteslat,-rio  retro  no  livro  doze  do  registo  geral 
lia  Camura  l\itriarca*,  por  despacho  do  Ex."»  Sr.  Arcebispo  de  l.acc- 
demonia  de  i3  de  Abril  do  presente  nnno.  cuio  dcsp.icho  Hcn  n'eslc 
Archivo.  I.isb«)a  7  de  Mai»j  df  17 -.S. 

(^   P.tilrc  í'(r  11. Ilido   loM-  Alviires 


39 


ella  já  metade  allemã  pelo  seu  casamento,  desejava  que 
o  fosse  toda  acceítando  aquella  insii^nia. 

Álcipe  só  usou  d'esta  mercê  depois  de  ter  recebido  a 
competente  auctorisação  dõ  sua  Soberana. 

Alem  destas  muito  elevadas  mercês  encontramos 
entre  os  papeis  de  Alcipe  uma  prova  de  que  o  Impera- 
dor losé  II  a  distinguia  com  cartas  particulares. 

A  carta  é  a  sei^uinte : 

Vienne,  ce  19  Février  1788 

Mon  aimable  Comtesse.  Tai  vu  avec  une  vive  satis- 
faction  par  votre  charmante  Lettre  que,  malsjréla  distance 
et  le  temp  de  votre  absence,  jc^int  aux  occupations  et  à 
Tintérêt  que  vous  donne  votre  patrie,  vous  voulez  néan- 
moins  vous  souvenir  encore  de  Vienne  et  même  des  peu 
de  moments  que  j'ai  eu  le  plaisir  de  vous  voir,  el  qui 
mont  parus  aussi  rares  que  courts.  Ce  ncst  peut-être 
qu  a  ceux-Ià  et  à  votre  induloence,  (]ue  je  dois  la  bonne 
opinion  que  vous  voules  bien  me  temoi<^ner  avoir  de  ma 
personne.  Je  serais  le  plus  heureux  des  mortels  si  dans 
ces  moments,  oíi  seul  avec  moi  je  me  vois  et  me  ju*^e. 
je  pouvais  me  persuader  seulement  de  la  moítié  des  bel- 
les  qualites  et  de  leurs  bons  effets,  que  votre  politesse 
veut  bien  maccorder. 

le  suis  enchanté  que  le  l^^rince  de  Brésil  vous  donne 
de  si  justes  esperances  de  réussite;  mais  si  j'osais  le  con- 
seiller.  ce  serait  avant  de  fixer  ses  idées  de  venir  voir  par 
lui-même  les  hommes  et  les  objets.  qui  souvent  sont  três 
différents ■  de  lopinion  i]u\^n  en  prend  de  loin,  soit  en 
bien  ou  en  mal. 

Tavais  déjà  appris  avec  bien  de  rintérêt.  mais  non 
sans   quekjue    surprise.   le   mariai^e  de  nc^tre  cher  Duc.  ' 


'  O  scfíundo  Di.K)iic  do  I.ufões,  1).  João  Cark)^  J<'  Hr;iL;<inça. 


4(» 


SiMi  \on\i  silcncc  miiuiuictait.  m^iis  jc  vt>is  qu*-'  ^on  cou- 
rtwic  et  Id  scnsibilité  Jc  son  ctrur,  qiii  fdisdicnl  Ui  bjse 
de  son  Ccirdctèrc  <|iic  jestimais  Umt,  nont  pas  chai^é 
avec  Yàsic. 

Oserais-je  vous  prier.  Madame  la  Comtesse.  de  las- 
suicr  lie  la  part  que  je  prends  à  cet  evénement  et  com- 
bien  je  souhaite  cjiril  fasse  son  bonheur. 

Vous  voudrcz  cv^alement  ne  pas  douler  de  rintc^rê* 
qiK-  je  prendrai  toujoiírs  i1  tout  ce  (jiii  jXHit  vous  rei^ar- 
der.  ainsi  iiuo  dii  dc^ir  que  j'ai  de  vous  rcvoir  et  de  vous 
assurcr  de  bouche  des  sentiments  de  considcVation  el 
dVstiiiK'  avec  lescjuels  je  suis 

Madame  la  Comtesse 

Vt^tre  três  affectionni? 

loseph. 


Como  ar\:umentos  dò  muito  subida  consideraçt'\o  que 
\o'\  tiispensada  á  Condessa  de  Oeynhausen.  diremos 
ainda  tiue  achando-se  esta  illustre  dama  em  Vienna  pe)r 
occasii^i-»  di.^  visita  tiue  o  Pontífice  Pio  Vi  fez  na  sua  pró- 
pria capital  ao  Imperador  )ost^  11.  recebeu  então  a  ^raça 
de  beijar  t>  pé  a  Sua  Santidade,  e  ficou  em  \ào  boas 
relações  com  este  Pontifice.  tiue  recebeu  delle  duas  car- 
tas em  francêz.  escriptas  pela  sua  nuV">;  a  primeira  do 
Vaticano  para  Vienna  em  13  de  Maio  de  1784,  e  a  se- 
siunda  de  Santa  Maria  Maior  para  Paris  em  17  de  Agosto 
de  1785. 

No  faustos».^  dia  '24  de  lullu^  de  1833,  contando  a 
Mar()ue?a    já    83   anno>  de  edade.  teve  o  vírande  ^osto 


41 


de  receber  a  visita  do  Marechal  Duque  áã  Terceira  e  de 
seu  neto  o  Marquez  de  Fronteira,  que  a  foram  cumpri- 
mentar apenas  entraram  em  Lisboa.  Apezar  da  sua  avan- 
çãdã  edade,  ainda  poude  assistir  ao  Te-Deum  na  Sé  pela 
entrada  de  Suas  Majestades  em  Lisboa,  e  aos  Desposo- 
rios  de  Sua  Mas^estade  a  Rainha  com  o  Principe  Au- 
gusto de  Leuchtemberg. 

O  estado  delicado  da  sua  saúde  não  lhe  permittio 
porem  assistir  as  segundas  núpcias  de  Sua  Majestade  a 
Rainha  com  o  Principe  D.  Fernando  de  Saxe-Cobours;í 
e  Gotha.  Não  obstante  não  estar  presente,  Sua  Majes- 
tade a  Rainha  di*^nou-se  lembrar-se  da  Marqueza  d'Alor- 
na,  enviando-lhe  a  insií^nia  da  Ordem  de  Santa  Isabel. 
(1UC  lhe  mandou  de  sua  mão  com  expressões  de  especial 
apreço.  Por  sua  parte  o  Principe  D.  Fernando  fez-lhe  a 
grande  disíincção  de  uma  demorada  visita.  O  mesmo 
Augusto  Senhor  dispensou  mais  tarde  á  Marqueza  uma 
alta  prova  da  sua  estima,  enviando-lhe  os  dois  Sere- 
níssimos Príncipes,  seus  filhos,  acompanhados  pela  sua 
dama. 


No  álbum  da  Penhora  Marqueza  de  IVmposta-Sub- 
serra,  que  tinha  a  maior  veneração  pela  senhora  Mar- 
queza d'Alorna,  que  também  muito  apreciava  a  sua 
companhia,  encontram-se  os  seguintes  versos  do  Conde 
de  Saint  Priest,  Ministro  de  França  em  Lisboa,  autor  e 
membro  da  Academia  de  França. 


A'  Mddame  la  Marquise  tJAIorna.  agée  de  86  ans. 

I^ans  votrc  clinuit  scductcur 
I.ti  naturc  scmblc  uti  prcstii^o 
I.à  siir  Ki  bmiiclic  ou  sur  Ui  li^c 
Ccst  toiíjoiírs  Ic  fruit  ou  la  fleur! 
I)c  votrc  cspril  tol  cst  rciiiblóuic 
Toujours  il  brillc  C»  son  l:tc^ 
Viiiiicu  par  son  charme  suprêmc. 
Pour  lui  Io  Icmps  se-st  arrct<5 
II  es!  nianiuc  truii  caractere 
Que  ricn  n'cffacc  ni  n'a Itere. 
Son  âije  est  rimmortalité. 

Lisbonne.  le  ?  Aout  lS3ó. 

O  Conde  de  Saint  Priest  atlniirava-se  de  ver  jx^r 
vezes  pouca  isente  eni  casa  (.\i\  Mariju»-*^*^  tlAlorna.  e 
dizia  iiue  lievia  ser  «le  salon  le  plus  concouru  du  mon- 
de», censurantio  a  sociedade  cjue  nào  sabia  apreciar 
a(]uella  seíihora.  cjuc  tinha  dotes  raros  e  instrucçc^io  única, 
e  que  encantava  peK>  seu  espirito,  intelli^iencia  e  memoria. 

Não  se  |ej  esperai  a  se^niinte  resposta  da  Marqueza 
trAlorna.  resposta  (jue  se  encontra  cuiiiadi^Siimente  ar- 
chivaila  em  um  dos  volumes  das  memorias  manuscrip- 
tiis  i.\i^  ultima  senhora  Marcjueza  de  iTonteira  e  d'Alornd: 

Quand  Api^Ilon  taccorde 
Une  lyre  aussi  touchante 
l)'éciHiter  il  mordonne 
II  défendit  iju^'  W  chante. 
Si  je  nuMais  mes  acccnts 
A  \ou  chant  pur  et  sublime 
De  Martias  les  tourments 
Pourraient  bien  punir  mon  crime. 


43 


Ton  chant  resscmble  ò  \ã  rose 
Par  son  parfum,  so  beautc, 
Fdisant  mon  apothcose 
M'obtícnt  rinimortalíté. 


As  relações  que  a  Condessa  d'OeYnnausen  tinha  con- 
trahído  em  Paris  com  Madame  de  Staèl,  quando  passou 
n'aquella  cidade,  em  viagem  para  a  Corte  de  Vienna 
d'Austria,  foram  renovadas  em  Londres,  para  onde  a 
Condessa  voltou  a  residir,  durante  dois  annos.  deixando 
a  casa  em  que  habitou  até  1812,  no  Glocestershire.  nas 
visinhanças  do  paÍH  de  Galles. 

Na  Notícia  Bioi^raphica  da  Bx.'"='  Senhora  D.  Leonor 
d'Almeída,  Marqueza  d'Alorna,  Condessa  d'Assumar  e 
d'OeYnhausen,  que  precede  o  Tomo  I  das  Obras  Poéti- 
cas de  Alcipe,  lê-se:  "Eram  na  verdade  interessantes  as 
conversações  entre  estas  duas  illustres  damas,  acerca  das 
discussões  politicas  do  tempo,  seguindo  ellas  opiniões 
diversas,  e  príncipios  inteiramente  oppostos.  Madame  de 
Staèl,  nascida  na  Suissa,  era  republicana  como  seu  pae 
Mr.  Necber,  e  adversa  á  causa  de  Luiz  XVlil,  não  obs- 
tante haver  sido  maltratada,  e  desterrada  por  Bonaparte. 
A  Condessa  era  monarchica.  sequaz  da  Realeza,  con- 
traria a  tudo  quanto  a  podesse  vulnerar-,  e  Luiz  XVIll 
era  um  Rei  lesjitimo;  o  que  bastava  para  que  a  Con- 
dessa sustentasse  a  sua  causa.  Achando-se  ambas  um 
dia  em  casa  do  Duque  de  Palmella.  que  então  era  Mi- 
nistro de  Portugal,  onde  tinham  sido  convidadas  a  jan- 
tar, CO  negaram  questionando  sobre  a  diffículdade  i.U^ 
restituição  dos  Bourbons  á  Lrança.  A  Condessa  julgou-a 
muito  possível ;  e  Madame  de  Stael  pelo  contrario,  de- 


ciiliii-ii  iiiipiiiticavcl.  pt>r(|uanlo  Luiz  XVIII  (dizia  cila) 
iiAi>  linha  cm  seu  favor  mais  que  trcz  coxos,  c  quatro 
cci^os  (luc  o  scsíuiam;  alludindo  cxaiijcradamcntc  ao 
{'•riiicipc  de  Ttillcvrand,  c|uc  era  coxo  de  uma  jxTna ;  c 
iio  Duque  de  hiacas.  que  padecia  dos  olhos,  c  estava 
qiic\s\  cei^p.  N^o  se  perturbou  a  Condessa  com  c^ta  deci- 
SiV");  mas  voltando-se  para  o  Ministro  d*Austria,  convidou-o 
a  fazer  uma  saúde  ti  próxima  rcstituiçi^^o  de  Luiz  XVIII. 
Um  anuo  depois  aohava-se  esta  realisada ;  e  no  dia  sc- 
i^uinte  cl  partida  de  Luiz  XVIII  para  Prança.  foi  Madame 
ttc  Sfael  a  llamersmith.  morada  i.L\  Condessa,  dar-lhe  as 
desculpas  de  se  haver  en^janado  no  seu  juizo.  aprovei- 
lando  a  occasic^io  de  lhe  dizer  coisas  muito  lisonjeiras  e 
aikiradaveis  ticerca  do  mcsmi'»  objecto,  e  l\o  espirito  da 
Condessa. 

Pareceu-nos  cjue  não  tieviamos  deixur  de  transcrever 
esta  tliscussAo  em  que  se  debateram  dois  altos  espíritos, 
e  (lue  [irova  também  o  i^randc  enj^enho  c  talento  d'ÁI- 
cipe.  c|ue  mereceu,  ci^mo  vimos,  a  Matlame  de  Stael  as 
suas  muito  honrosas  tlesculpas.  e  a  aifiniiacão  de  se  ter 
envianado  no  seu  juizo. 


CAPITULO    III 


Alvará  da  Rainha  D.  Maria  I,  concedendo  á  Marqucza  d'Alorna 
os  titulos  de  Condes  e  de  Condessas  de  Oeynhausen  para 
seus  filhos,  e  bem  assim  o  tratamento  de  Excellencia.  Di- 
ploma de  El-Rei  D.  João  VI,  quando  Principe  Regente, 
concedendo  á  Condessa  de  Oeynhausen  a  mercê  de  a  no- 
mear Dama  de  Honor  da  Princeza  Sua  Mulher.  Decreto  da 
Rainha  D.  Maria  II,  fazendo  á  Marqueza  d'Alorna  a  graça 
da  pensão  de  seiscentos  mil  réis  annuaes  para  as  suas 
duas  filhas  solteiras.  Nomeação  da  Marqueza  d'Alorna 
para  formular  o  plano  das  pinturas  que  deviam  adornar  o 
palácio  da  Ajuda,  exprimindo  as  acções  gloriosas  dos  por- 
tuguezes.  Premio  em  mathematica,  conferido  pela  Acade- 
mia Real  das  Sciencias  de  Paris,  á  sua  consócia  Marqueza 
d'Alorna.  Notabilissimo  artigo  de  Alexandre  Herculano, 
publicado  no  Panorama,  fazendo  a  apreciação  da  eminente 
escriptora  Marqueza  d'Alorna.  Folhetim  do  Correio  Por- 
tuguez  de  1868,  agradecendo  a  offerta  dos  Volumes  1."  e 
2.0  das  Obras  Poéticas  da  Marqueza  d'Alorna.  Opinião  de 
Francisco  da  Fonseca  Benevides  sobre  Alcipe.  Vol.  2."  das 
"Rainhas  de  Portugal».  Opiniões  sobre  a  mesma  excelsa 
escriptora  de  Ferdinand  Denis  e  de  Castilho. 

Á  Rainha  D.  Maria  1,  ciucrendo  dar  á  Condessa  de 
OeYnhauscn,  depois  Marqueza  d'Alorna,  um  alto  teste- 
munho de  muito  elevada  eonsideraeão,  mandou  expedir 
o  Alvará  de  que  seoue  a  copia: 


•ir. 


"I*ciçt>  StUui  iU»  (jiic este  Alvtirá  virem. (jiie atlendcndo 
ás  illustres  cjiKilidcules  do  Conde.  Pedro.  Múria,  losé  Car- 
los, AiivHisto  dOeYiiliiUisen  Grcxívembouri^,  Conde- do  S. 
IiiHx^rio  Uomano,  Clentilhoinein  cki  Còrle  do  Rev  d'In- 
i^'liiterra.  Tcticntc  Cleneral  dos  meus  l:xcrcitos,  c  Inspector 
Gercil  dii  Infantaria,  l\o  meu  Conselho,  c  Commcndador 
dci  Commenda  de  Villa  Mean  e  Prança,  \á  defunto: 
Tendo  attenÇt^io  ao  seu  merecimento  pessoal,  e  zelo  com 
que  se  empres^iou  sempre  no  l-^eal  Serviço,  assim  como 
ao  sanviue  illustre,  c|ue  r:l-l>íev  D.  losé,  meu  muito  amado 
Pai,  de  s^jioriosa  memoria,  já  attendeu  em  seu  Primo  co- 
irmão, o  Conde  de  Schaumbourv^  Lippe,  lley  por  bem. 
e  mando  que  iw  minha  Corte,  e  em  todos  os  meus  Pev- 
nos,  e  domínios,  sem  excepçc^o  de  luijar  ou  de  pessoa, 
se  reconheção  seus  filhos  k^ilimos.  e  os  successores  le^ji- 
timos  d'estes,  ce^mo  Condes  e  Condessas  de  Oevnhausen, 
com  o  tratamento  de  Kxcellencia,  tanto  de  palavra  como 
por  escrito;  sendo  este  tratamento  o  que  supra  mais 
itiiediatamonte  os  fitulos.  previleijios  e  tratamento  com 
que  o  l)i[->ltMiia  Imperial  lioiira  esta  familia.  em  linha  le- 
s^itima  e  descendente;  e  por  ser  justo  mesmo  para  decoro 
l\o  meu  l-^eal  Serviço,  que  sujeitos  do  préstimo  e  talento 
lio  defunto  Conde  de  Oeznhauseu.  não  percão  nelle  as 
peroviativas  do  seu  nascimento. 

I:  este  se  cumprirá  como  nelle  se  contem  sem  duvida 
ou  embarv^i^  alv,;um  iiualquer  (jue  seja,  e  não  obstante 
tiuaesquer  leis.  ou  disposições  em  contrario,  as  quaes  hey 
por  tierrosjadas  para  este  effeito  stSmente.  ficando  aliás 
em  seu  vi^ior.  Pelo  que  mando  etc.» 

"Alvará  por  cjue  Vossti  Ma^jestade  manda  i]uc  nos 
seus  l^eynos  e  dominic>s  aos  successores  tio  Conde  de 
Oeynhausen  se  dêem  os  títulos  de  Condes  e  Condeças 
dXVynhausen  e  tratamento  «.le  l:xcellencia  com  i]uc  nas- 
cerão, em  virtude  <.\o  Diploma  lm|XMÍal... 


47 


Na  copia  deste  Alvará,  a  Marqueza  d'Alorna  escre- 
veu a  seguinte  observação: 

«El-Rey  ordenou  a  José  de  Seabra  que  cumprisse 
este  Alvará,  e  mo  desse  leçalisado,  com  ordem  de  que 
eu  lhe  apresentasse  todos  os  meus  filhos  logo  com  as 
honras  que  lhes  declarava :  o  que  fiz  com  a  copia  do 
Diploma  Imperial,  cuja  copia  mandou  guardar  na  Secre- 
taria, e  com  a  maior  bondade  recebeu  e  festejou  os  meus 
filhos  e  como  grandes  os  tratou.  O  que  se  confirmou 
por  escrito  em  todas  as  ordens  c^ue  no  Serviço  se  derão 
ao  Conde  jocão,  meu  filho». 


EI-Rei  D.  João  VI,  sendo  Principe  Regente,  desejando 
dar  á  Condessa  de  Oeynhausen  um  publico  testemunho 
da  sua  consideração,  fez-lhc  a  elevada  mercê  de  a  no- 
mear Dama  de  Honor  da  Princeza  Sua  Mulher,  pelo  di- 
ploma de  que  segue  a  copia. 

"Eu  o  Principe  Regente  Faço  saber  a  vós  Visconde  de 
Balsemão,  do  Meu  Conselho  d'Estado,  Ministro  e  Secre- 
tario d'Estado  dos  Negócios  do  Reino,  que  servts  de 
Mordomo- mór  da  Minha  Casa,  que  Attendendo  ás  qua- 
lidades e  mais  circunstancias  recommendaveís,  que  con- 
correm na  pessoa  da  Condessa  de  Oevnhausen,  e  de 
aquelles  de  quem  descende,  que  foram  beneméritos  das 
Honras   e    Mercês   dos   Senhores  Reis  d'estes  Reinos,  e 


48 


IcmkIo  cl  Ilido  ciMisidertiçAo :  Inii  servido  Ttizer-lhc  Mercê 
de  a  Acceitiir  por  Dona  de  Honor  da  Princeza  Minha 
Muito  Amada  e  Presatia  Mulher :  Ordeno-vos  o  tenhaes 
assim  entendido  e  lhe  façaes  assentar  este  Alvará  nos 
Livros  i.\c\  Matricula  dò  Minha  Casa  para  que  vença  em 
cada  anno  cento  setenta  e  três  mil  novecentos  e  qua- 
renta réis  tie  suas  limarias.  I-^acões  de  creadas.  Propinas 
e  Moradias,  com  a  antiv^niidade  de  quatro  do  presente 
Mez  e  Anno;  e  feito  o  dito  Assento  lhe  fareis  dar  este  Al- 
vard  para  Minha  Lembrança  e  sua  Guarda.  Dado  no  Pa- 
lácio de  Mafra  em  nove  de  Novembro  de  mil  oitocentos 
e  um  —  Principe  —-  com  Guarda  "Visconde  de  IVilse- 
m5o». 

Alvará  por  que  Vossa  Alteza  l^eal  Ha  por  bem  La- 
zer mercê  a  Condessa  de  Oevnhausen  de  a  Acceitar  por 
Donc\  de  Honor  d<\  Princeza  sua  Muito  Amada  e  Prezada 
Mulher,  na  forma  acima  tlcclarada.  "Para  Vossa  Alteza 
l-íeal  ver.,, 


A  l-^ainha  Dona  Maria  11.  querendo  dar  á  Marcjueza 
d'AK-)rna  uma  nova  e  alta  prova  tio  seu  real  apreço,  cn- 
viou-lhe  o  sevHiinte  decreto: 

"Attendendo  aos  lombos  serviços  e  acrisolado  amor. 
(|ue  sempre  me  consa^jrou  a  Marqueza  cLAL^rna.  minha 
Dona  de  Honor,  e  ciuerendo  dar-lhe  hum  testemunho  do 
apreçc^  cm  que  tenho  as  suas  virtudes,  sou  servida  con- 
ceder a  Dc^na  Lrederica  e  a  Dona  llenritiueta.  filhas  <.\i\ 
sobredita  Martiueza  dAlorna.  a  cada  uma  delias  huma 
pensáo  tle  seiscenti^s  mil  réis  annuaes.  pa^os  i^x-llo  meu 
k\Ml    Cofre    em    mesaiKis    mensaes.  O  Vedor  kU^  minha 


49 


Real   Casa,  encarregado  da  receita  e  despeza,  o  tenha 
assim  entendido  e  faça  executar. 

Paço  das  Necessidades  vinte  e  seis  de  Mayo,  anno 
mil  oito  centos  e  trinta  e  sete. 

Rainha. 
Thomaz  de  Mello  Breyner. 

Tendo  publicado  o  "Jornal  do  Commercio,,,  n.^^  4415. 
de  1868,  sob  a  epigraphe— /\  Marqueza  d'Alorna  —  d\- 
oumas  considerações  sobre  o  mérito  daquella  célebre 
senhora,  na  ordem  de  desenho  e  pintura,  mérito  apre- 
ciado pela  escolha  que  delia  fizera  o  Príncipe  Recente, 
commettendo-lhe  o  honroso  encargo  de  formular  o  plano 
para  as  pinturas  que  deviam  decorar  o  palácio  áà  Ajuda, 
í.  Ribeiro  Guimarães,  na  sua  muito  valiosa  obra  "Sum- 
mario  de  varia  Historia,,,  no  artigo  "Recordações  da 
Marqueza    d'Alorna„,    depois    de    publicar    o    officio  ' 


1111. "a  Ex.°"  Sr. =  — Tenho  a  honra  de  communicar  a  V.  Ex.a, 
que  o  nosso  augusto  Soberano,  reconhecendo  as  grandes  luíes  e  co- 
nhecimentos de  que  V.  Ex.a  se  torna  merecedora  na  historia  portu- 
gueza,  assim  como  a  sua  vasta  erudição  e  amor  a  tudo  que  pode  inte- 
ressar ao  esplendor  do  throno  e  da  nação,  deseja  que  V.  Ex.»  queira 
communicar-lhe,  por  esta  Secretaria  de  Estado,  algum  plano  sobre  as 
qualidades  das  pinturas  com  que  se  poderá  adornar  o  novo  palácio 
real,  as  quaes  deverão  exprimir  as  acções  gloriosas  dos  nossos  augustos 
Soberanos  e  dos  portuguezes  .-nemoraveis  em  todas  as  edades.  Espera, 
pois,  o  mesmo  Senhor,  que  um  digno  producto  do  gosto  e  saber  de 
V.  Ex.»  haja  de  contribuir  em  grande  parte  para  embellezar  aquelle 
magnifico  e  soberbo  edíficio,  que  a  sua  real  magnificência  tem  mandado 
levantar. 

Com  esta  occasião  tenho  a  honra  de  protestar  a  V.  Ex.'  a  alta 
consideração  e  estima  com  que  respeitosamente  me  confesso  de  V. 
Ex."  o  mais  respeitoso  e  obediente  servidor. 

D.  Rodrigo  de  Sousa  Coutinho 

111. "'a  Ex.fna  Sr.°  Condessa  d'Oeynhausen  —  Arroyos  em  2  de  Ju- 
lho de  1802. 

4 


pelo  cju.íl  o  ministro  I).  RoJrisío  de  Sousa  Coutinho  en- 
carreirou a  Marqueza  daquella  honrosissima  commisscio. 
offerecc  aos  seus  leitores  uma  carta  de  um  protegido  da 
Senhora  Marqueza  d'Alorna,  Cândido  Ios<5  de  Carvalho 
na  qual.  depois  de  se  referir  a  esta  commissâo  de  que 
tinha  sido  encarreirada  a  sua  protectora,  accrcscenta  tex- 
tualmente o  seijuinte: 

"Ha,  porem,  um  facto  cjue,  em  meu  humilde  entender, 
eleva  a  res^it^es  mais  subidas  a  memoria  dó  sjrande  sabia, 
e  que  vou  dar  á  publicidade;  quebrando  d'esta  arte  o 
sii^illo  cjuc  me  foi  recommendado  pela  própria  Mar- 
qucza. 

"Achava-mc  homisiado  em  sua  casa  no  ultimo  pe- 
ríodo do  reinado  do  Senhor  D.  Mii^uel  de  Brai^ança. 
(juando  a  minha  nobre  protectora  me  mandou  chamar 
para  lhe  escrever  uma  carta,  que  ella  dictou.  em  resposta 
a  outra  que  lhe  endcrci^ára  o  Intendente  s^^^al  dà  poli- 
cia, helfort.  prevenindo-a  de  que  era  obrií^ado  a  mandar 
proceder  a  uma  busca  em  o  seu  palácio,  no  intuito  de 
ser  capturado  um  individuo,  (que  era  cu)  .illi  ihcuMí^ 
contra  quem  havia  ordem  de  prisão. 

"A  este  tempo  fez-se  annunciar  o  encarregado  do  con- 
sulado de  Prança,  que  ia  com  a  miss^^^o  única  de  depo- 
sitar nas  nitros  tia  grande  sabia  o  premio  que  lhe  fora 
conferido  pela  Academia  Real  tias  Sciencias  de  Paris, 
de  que  era  stKia.  sobre  assumptt^s  de  mathematica.  em 
tjue  tinham  sidt^  ouvidos  os  demais  socit>s !  liste  premio 
era  uma  preciosa  gravura,  feita  a(í  Iwc,  (jue  delineava  a 
aptifhctise  da  grande  heroina ! 

"Pctirandt">-se  o  apresentante.  t|ue.  se  a  memoria  me 
n^o  falha,  era  mr.  Durieu.  pediu-me  a  minha  protectora 
tiue  lhe  tiesse  um  sacc»  de  seda  vermelha,  onde  costu- 
mava guardar  alguns  papeis  muitc»  particulares,  e  encer- 
rando ali  c>  valiost^  tit>cumentt\  recommentiou-me  silen- 
cii\  e.  com  atiuelle  stMrist^  eltx)uente.  que  lhe  era  parti- 


51 


cular,   murmurou :  "Um    cadáver  galvanisado  nao  po 
com  tanta  «ala Estes  franceses 


etubal,  22  de  julho  de  1868. 

Cândido  José  de  Carvalho. 

Este  premio  era  um  documento  de  alta  notoriedade, 
porque  provava  que  ás  variadíssimas  aptidões  de  Alci- 
pe,  accresciam  também  as  sciencias  niathematicas,  que 
são  muito  raras  numa  senhora,  e  portanto  muito  para 
ser  nella  admiradas. 


Entre  os  documentos  de  maior  vah'a,  que  se  pexiem 
considerar,  para  provar  os  elevadíssimos  méritos  da  emi- 
nente escriptora,  que  os  académicos  seus  contemporâneos 
denominaram  Alcipe,  avulta  o  artis^o  de  Alexandre  Her- 
culano, intitulado  «D.  Leonor  d' Almeida,  Marqueza  d'Alor- 
nâ-»,  artigo  que  appareceu  a  pagina  405  áo  Panorama, 
e  no  qual  o  seu  muito  illustre  auctor,  alem  áo  seu  alc- 
vantado  propósito  de  fazer  a  apreciação  da  distinc- 
tissima  e  douta  poetisa,  nos  apresenta  a  seu  próprio  res- 
peito a  muito  importante  dcclarat;ão  de  que  aos  conse- 
lhos e  á  mão  ami^a  de  Alcipe  devia  os  benévolos  incita- 
mentos, que  o  levaram  a  caminhar  pela  senda  do  estudo 
;e  da  instrucção. 

O  artigo  é  textualmente  o  seguinte: 


52 


D.  Leonor  d'Almeida.  Marqueza  d"Alorna 

N.  cm  31  de  Outubro  1750 
Pcill.  em  11  de  Outubro  1839 

"l\^r   ijraiidc  que  deva  ser  a  ijrdtidão  que  se  associa 
ás   recordações   daquelles   que  nos  geraram,  por  funda 
que    vá  a  saudade  inseparável  da  memoria  paterna,  no 
coraçáo   do  bom    fillio,  lia  um  affecto  não  menos  puro, 
e    náo  menos  indestructivel  para  o  liomem  cuio  espirito 
allumiado    pela  cultura  intcilectual  tem  a  consciência  de 
que   o   seu  lo^iar  e  os  seus  destinos  no  mundo  sáo  mais 
elevados   e   nobres   que  os  desses  tantos  que  nasceram 
para  viverem  uma  vida  toda  material  e  externa,  e  depois 
morrerem  sem  deixarem  vestigio.  Este  affecto  é  uma  es- 
pécie  de   amor  filial  para  com  aquelles  que  nos  revela- 
ram os  thesouros  da  sciencia.  que  nos  res^eneráram  pelo 
baptismo  das  letras-,  que  nos  disseram:  "caminha  !«c  nos 
apontaram   para  a  senda  do  estudo  c  da  illustração,  ca- 
minho  táo   povoado   despinhos   como   de  flores,  e  em 
cuio  primeiro  marco  milliario  muitos  se  teem  assentado, 
náo   para    repousarem   e  sej^uirem  avante,  mas  para  re- 
trocederem desalentados,   quando  sósinhos  nâo  sentem 
máo   amiv^a  apertar  a  sua  e  conduzi-los  após  si.  Tirae  á 
paternidade  os  exemplos  de  um   proceder  honesto,  as 
inspirações   da    divfnidade   humana,  a    severidade   para 
com  os  erros  dos  filhos,  os  cuidados  dc\  sua  educação, 
e  dizei-nos  o  que  fica?  Pica  um  certo  instincto,  ficam  os 
laços  do  habito,  e  para    impedir  que  tão  franjeis  prisões 
se  partam  fica  o  preceito  de  cima  qile  nos  ordena  aca- 
temos e  amemos  os  que  nos  vicraram.  ainda  que  a  elles 


53 


não  nos  prendd  senão  a  dádiva  da  existência,  esse  tão 
contestável  beneficio.  Pelo  contrario  aquelles  que  foram 
nossos  mestres,  que  nos  attrahiram  com  a  persuasão  e 
com  o  próprio  exemplo  para  o  bom  e  para  o  bello,  que 
nos  abriram  as  portas  da  vida  interior,  que  nos  iniciaram 
nos  contentamentos  supremos  que  ella  encerra,  para 
esses  não  é  preciso  que  a  lei  de  aoradecimento  e  de 
amor  esteja  escripta  por  Deus;  a  razão  e  a  consciência 
estampáram-na  no  coração:  cada  gôso  intellectual  do 
poeta,  do  erudito,  do  sábio  lha  recorda,  e  quando  elles 
se  comparam  com  o  vulgo  das  intelligencias  reconhecem 
plenamente  a  justiça  do  sentimento  de  oratidão  que  os 
domina. 

"Estas  reflexões  occorreram-me  ao  abrir  o  primeiro 
volume  das  obras  da  senhora  Marqueza  d'Alorna,  con- 
dessa de  Oeynhausen  e  de  Assumar,  D.  Leonor  d'Almeida, 
que  actualmente  se  publicam  e  de  que  já  dois  se  acham 
nitidamente  impressos.  E  foi  para  mim  um  prazer  verda- 
deiro escrever  essas  cogitações  dum  momento.  Áquella 
mulher   extraordinária,   a   quem   só  faltou  outra  pátria, 
que  não  fosse  esta  pobre  e  esquecida  terra  de  Portugal, 
para  ser  uma  das  mais  brilhantes  provas  contra  as  vans 
pertenções  de  superioridade  excessiva  âo  nosso  sexo,  é 
que   eu  devi  incitamentos  e  protecção  litteraria,  quando 
ainda  no  verdor  dos  annos  dava  os  primeiros  passes  na 
estrada   das   lettras.   Apraz-me   confessá-lo  aqui,  como 
outros  muitos  o  fariam  se  a  occasião  se  lhes  offerecesse; 
porque  o  menor  vislumbre  dengenho,  a  menor  tentativa 
d'arte  ou  de  sciencia  achavam  nella  tal  favor,  que  ainda 
os    mais   apoucados  e  timidos  se  alentavam;  e  d'isso  eu 
próprio  sou  bem  claro  argumento.  A  critica  da  senhora 
iMarqueza  d'Alorna  não  affectava  jamais  o  tom  pedagó- 
gico e   quasi   insolente  de  certos  lítteratos  que  ás  vezes 
nem  sequer  entendem  o  que  condemnam,  e  que  tomam 
a    brancura  das  próprias  cans  por  titulo  de  sciencia,  de 


54 


v*osto,  c  de  tudo.  A  sua  critica  cm  modesta,  e  tinha  náo 
sei  o  que  de  natural  e  affccluoso  que  se  recebia  com  táo 
bom  animo  como  os  louvi^rcs.  de  que  n^o  se  mostrava 
escassa  quando  merecidos.  Uma  virtude,  rara  nos  liomens 
t.\e  lettras,  mais  rara  talvez  entre  as  mulheres  que  se  teem 
tlistin\;íuido  pelo  seu  talento  e  saber,  <5  a  de  náo  alardea- 
rem escusadamente  erudiÇc^io.  c  essa  virtude  tinha-a  a  se- 
nhora Marciuoza  cm  s^rdu  eminente.  A  sua  conversação 
variada  e  instructiva  era  l^o  mesmo  tempo  fácil  e  amena. 
I:  todavia  dos  seus  contemporâneos  quem  conheceu  tâo 
bem,  náo  dizemos  a  litteratura  ^re^a  e  romana,  em  que 
ii;íualava  os  melhores,  mas  a  moderna  de  quasi  todas  as 
nações  l\ci  Huropa,  no  c)ue  nenhum  dos  nossos  portujjue- 
zes  porventura  a  ivjualou  ?  Como  madame  de  Stael  ella 
fazia  voltar  a  atten<;c\o  da  mocidade  para  a  arte  da  Al- 
Icmanha.  a  qual  veio  dar  nova  seiva  á  arte  meridional, 
que  vej^etava  ni\  imitação  servil  das  chamadas  lettras 
clássicas,  e  ainda  estas  estudadas  no  transumpto  infiel  da 
litteratura  franceza  L\<^  época  de  Luiz  .XIV.  l'oi  por  isso 
e  pelo  seu  profundo  eni;;enho.  c^ue.  com  sobeja  raz^o  se 
lhe  attribuiu  o  nome  de  Staêl  portu^íueza. 

"A  vida  desta  nossa  célebre  compatricia  acha-sc  á 
frente  dc\  edição  das  suas  obras:  para  lá  remettoo  leitor. 
.•\hi  verd  como  em  todas  as  phases  da  sua  lar^a  e  não 
pouco  tempestuosa  carreira,  ella  S(^ube  dar  perenne  tes- 
temunho do  seu  nobre  caracter  de  independência  e  sje- 
nerosidadc;  verá  que  em  quanto  na  terra  natal  primeiro 
a  tyrannia,  e  depois  a  is;ínorancia  e  a  inveja  a  perse- 
^^niiam.ella  ia  encontrar  entre  estranhos  a  justa  estimaçãc^ 
de  príncipes  e  de  illustres  persona^íens  da  republica  das 
lettras.  Ahi  verá  como  nascida  no  século  do  materialis- 
mo, vivendo  larsjros  annos  no  foco  das  ideias  anti-relii^io- 
sas.  acostumada  a  ouvir  todos  os  dias  repetir  essas  ideias 
por  homens  de  incontestável  talento,  ella  soube  conser- 
var  puvc\  a  crença  dcx  sua  infância,  e  expirar  no  seio  do 


55 


chrístíanísmo.  Ahí  finalmente  verá  como  as  ausências, 
por  vezes  involuntárias,  da  sua  terra  natal,  não  poderam 
fazer-lhe  esquecer  o  amor  que  devemos  a  esta,  ainda  nO 
meio  das  injustiças  e  violências  de  todo  o  género. 

"O  primeiro  volume  das  obras  poéticas  dà  senhora 
Marqueza  d'Alorna  contem  afora  a  vida  áâ  auctora,  e 
uma  noticia  biographica  do  Conde  de  Oevnhausen  seu 
marido,  as  poesias  compostas  na  mocidade.  Boa  parte 
destas  foram  escríptas  no  mosteiro  de  Chellas,  para  onde 
entrou  de  oito  annos  de  idade  com  sua  mãe,  occorrendo 
a  prisão  do  Marquez  d'Alorna  D.  loão.  Encerrada  em 
aquelle  mosteiro  passou  D.  Leonor  d'Almeida  os  annos 
mais  viçosos  da  juventude,  tendo  para  alegrar  as  triste- 
zas de  tão  longo  cativeiro,  que  excedeu  dezoito  annos. 
unicamente  o  lenitivo  do  estudo,  e  os  conselhos  e  affa- 
gos  maternos.  Quízera  alguém  que  tivesse  havido  mais 
severidade  na  escolha  das  composições  daquella  épo- 
ca, algumas  das  quaes  desdizem  do  primor  que  n  outras 
posteriores  se  encontra.  Eu  lamento  só  que  se  não  po- 
desse  ajuntar  a  cada  uma  a  sua  data.  Assim,  bem  longe 
de  ter  sido  um  inconveniente  essa  desigualdade  innega- 
vel,  houvera  ella  sido  um  meio  para  se  avaliarem  bem 
os  rápidos  progressos  da  joven  auctora,  que  nas  obras 
de  tão  verdes  annos  annunciava  já  o  seu  brilhante  futuro 
nos  rasgos  frequentes  de  um  engenho  ao  mesmo  tempo 
solido,  delicado  e  vivo. 

"O  resto  do  primeiro  volume  e  o  segundo  contém  as 
poesias  da  senhora  Marqueza  posteriores  á  sua  sahida 
do  mosteiro.  Na  disposição  delias  também  não  se  guarda 
o  methodo  chronologíco:  a  natureza  dos  poemas  deter- 
minou a  ordem  d  elles.  Julgar  essa  grande  variedade  de 
composições  não  cabia  nos  estreitos  limites  deste  jornal. 
Os  que  as  teem  lido,  e  que  sabem  entendê-las  apreciam- 
nas  devidamente.  Elias  são  um  íllustre  monumento  para 
a  historia   da   poesia  portugueza,  um  nobre  testemunho 


«Sft 


da  piedade  filial  que  as  trouxe  á  luz  publica,  c  para  em 
tudo  esta  pubiicaç»5o  ser  apreciada,  a  sua  nitidez  typo- 
v;raphica  c  uma  prova  dos  proíjressos  que  a  arte  de  im- 
priniir  leui  feito  entre  luSs 

A.  Herculano. m 


luli^amos  dever  reproduzir  aqui  o  folhetim,  com  que 
«O  Correio  Portui^iuez».  no  seu  numero  de  17  de  Setem- 
bro de  1S6S,  ai^iradece  os  volumes  1.°  e  2.°  das  Obras 
Poéticas  de  D.  Leonor  d' Almeida  Lorena  e  Lencastre. 
Marqueza  dAlorna,  Condessa  de  Assumar  e  de  Oevn- 
hausen.  que  acabavam  de  lhe  ser  entrci^ues. 

"Temos  lido  com  sofres^uidío  e  saudade  os  versos  nu- 
merosos i.\(\  insii^ne  poetiza.  Com  saudade,  repetimos,  por- 
que ti^o  vertiadcira  cjuc^o  pun^^ente  a  motiva  a  compa- 
ração {\i\  opulência  e  primor  litlerario  de  ha  ainda  alsjuns 
annos  —  embora  concentrado  em  circulo  estreito  —  ca 
pobresa  e  esterilidade  presente.  A  aridez  politica  parece 
ter  eivado  e  ressequido  os  corações  e  ens^ienho  dos  hoje 
denominados  litteratos;  e  uma  moda  inventada  pelo  aca- 
nhamento, pela  prci^uit^a,  e  quasi  diria  pela  curtcza  e 
isiínorancia.  ha  pretendido  expulsar  dos  jartiins  —  \òo 
mescjuinhos!  —  <<\cí  litteratura  hodierna  a  flor  que  lhe> 
realçava  vilorias  ~  a  poesia! 

"Lidam  em  vtlo!  Os  en^íenhos,  que  sentem  c  se  sen- 
tem, não  deslembrarão  nunca  o  dever  saibrado  de  thuri- 
ficar  com  triplice  adoração  a  deusa  bemfazeia.  que  lhes 
reveza  horas  trabalhosas  e  viv!ilias  amofinadas  com  incf- 
faveis  vjiosos. 

"Não  é  para  a  brevidade,  com  que  se  nos  ívrmitte 
occupar-nos  avjora  das  poesias  (.\ci  illustre  Alcipe,  entrar 
nc\  individuação  das  differentes  com|x>siçòes  que  formam 


57 


ã  riquíssímd  e  inapreciável  collecção  que  nos  está  aos 
olhos.  Comtudo  não  nos  isentamos  de  pagar  o  tributo, 
que  julgamos  dever  em  consciência  a  tão  distincto  mérito. 

"E  por  ventura  devíamos  aqui  ficar;  porque, encómios 
geraes,  qual  homem  de  letras  ha  deixado  de  liberalisa-los 
ás  mãos  cheias  á  memoria  gloriosa  da  sr."  Marqueza 
D.  Leonor  d' Almeida?  Viva,  sua  reputação  igualava,  se 
não  excedia,  a  de  que  se  logra  de  nós  ausente ;  que  por 
mísera  condição  da  natureza  humana  costumamos  ser 
tão  pródigos  então,  quanto  dantes  fôramos  avaros,  de 
não  agradecidos  louvores. 

"Mas  quem  não  folgará  de  proclamar  em  voz  alta  que 
a  poesia  de  Alcipe  é  riquíssima  não  menos  de  saber  que 
d'imaginação  ?  que  seu  estylo  é  terso,  e  próprio,  e  nume- 
roso? que  sua  linguagem  é  legitima  e  portugueza? 

"Não  nos  deteremos  a  repetir  o  que  dizem  todos  que 
merecem  ser  ouvidos  em  tão  grato  assumpto  ;  mas  não 
é  possível,  nem  devemos,  que  fora  injustiça,  calar  e  omit- 
tir  o  que  pensou  e  escreveu  dos  dotes  e  da  poesia  da 
fallecida  sr."  Marqueza  d'Alorna  o  maior  poeta  dos  úl- 
timos tempos  —  o  sempre  lembrado  Filinto  Elisio.  "E'  uma 
fidalga  em  quem  os  dotes  do  animo  superam  a  antiquís- 
sima, e  bem  illustrada  nobreza.  Não  ponho  aqui  seu 
nome  (ainda  que  por  muitos  titulos  o  mereça)  porque 
rasões  que  devo  respeitar  me  atalham :  mas  a  bellesa,  e 
altivez  de  seus  versos  e  da  sua  imaginação  a  farão  dis- 
tinguir de  quantas,  e  ainda  de  quantos  correm  a  mesma 
vereda.»  Depois  de  tal  testimunho,  só  nos  cumpre  em- 
mudecer. 

"Entretanto  romperemos  este  silencio  religioso  para 
convidar  todos  os  amigos  da  nossa  litteratura,  e  espe- 
cialmente a  mocidade  estudiosa,  a  que  leiam,  meditem, 
e  se  inebriem,  versando  com  diurna  e  nocturna  mão  as 
obras,  que  vimos  de  annuncíar-lhcs. 

"E  receba  o  editor  primoroso  das  obras  de  Alcipe  os 


58 


iivrrtidecimentos  c  louvores  (juc  lhe  s^o  devidos:  fez 
mimo  sobremaneira  valioso  á  republica  litteraria ;  e,  no 
.iccío  e  esmero  da  ediÇc^o.  deu  mais  uma  prova  da  alta 
conta  em  que  tem,  e  deve  ser  tido  de  todos,  o  nome  il- 
lustre  dã  reverenciada  authora.,, 


A  pas^ína  205  do  volume  2."  do  seu  notável  Estudo 
Histórico  "Rainhas  de  Portus^iaN.  Francisco  da  Fonseca 
IWnevides  ínclue  entre  aKjuns  illustres  portus^íuezes.  que 
floresceram  no  tempo  da  Rainha  D.  Maria  I.  a  Marqueza 
d'Alorna.  D.  Leonor  d'Almeida.  que  denomina  j^frande 
litterata  c  ami^^a  d.^  célebre  Madame  de  Stael. 


lerdinand  Denis.  o  eminente  escriptor  francez.  que 
tc^o  amisiío  foi  dos  portui^íuezes,  aos  quaes  prestou  im- 
portantes serviços,  insere  a  pa^^  4S9  do  seu  livro  «Resu- 
me de  illistoire  litléraire  de  Portuv^il»,  as  scí^uintes  notá- 
veis referencias  ao  talento  da  Mar(iue?a  d'Alorna : 

"On  sest  piainl  ciuelquoíois  en  Portui^ial  de  ce  que 
léducation  des  femmes  laissait  beaucoup  ^  désirer-,  mais 
11  scmble  cjue  le  même  reproche  ne  puisse  plus  ôtre  fait 
maintenant.  et  plusieurs  dames  jouissent  d*une  iuste  ccMe- 
brité.  par  leurs  ouvra^^vs.  Au  premier  ranv!  on  doit  mettre 
la  Contesse  tiXX-ynhausen.  cjui  a  écril  dans  tous  les  vícn 
res.  et  qu'\  joinf  à  la  connaissancc  des  lanjjíues.  un  talcn' 


59 


remarquable  de  versifícatíon.  On  met  au  nombre  de  ses 
meílleurs  ouvrages  une  traductíon  de  TOberon  de  Wie- 
land.,, 


No  seu  poema  «As  Flores»,  o  grande  Castilho,  referín- 
do-se  a  Alcípe,  presta-lhe  a  alta  homenagem  de  a  classi- 
ficar como  douta,  e  diz  que  a  Condessa  cVOeynhaiísen,  Mar- 
qiieza  cVAlorna,  é  talvez  a  mais  afamada  mulher  que  Portugal 
tem  produzido. 

Também  na  nota  III,  escripta  pelo  eminente  poeta,  que 
se  encontra  a  pag.  158  do  vol.  51,  das  suas  obras  com- 
pletas, se  lê  textualmente: 

«Dei  por  necessário  escrever  uma  nota  de  propósito, 
para  dizer  que  o  epitheto  de  douta  applicado  a  Alcípe 
não  é  complemento  de  verso, '  mas  expressão  de  rigorosa 
verdade.  A  senhora  condessa  de  Oevnhausen,  Marqueza 
d'Alorna,  é  talvez  a  mais  afamada  mulher  que  Portugal 
tem  produzido.  Todos  os  maiores  poetas  desde  a  Arcá- 
dia até  hoje,  Diniz,  Garção.  Quita,  Alfeno,  Filinto,  Bocage, 
Monteiro  áo  Amaral,  teem  dado  incensos  a  esta  Musa, 
contemporânea  de  tantas  gerações.  Chegada  quasí  á  raia 
de  um  século  de  existência,  cangados  todos  os  sentidos, 
sem  forças  para  ler  ou  escrever,  índa  comtudo  sua  con- 
versação é  ínstructivo  recreio  para  pessoas  de  Letras.  Do 
muito  que  leu.  que  viu,  e  que  meditou,  nada  se  lhe  per- 


*  —  Se  alvas  Musas  engenho  vos  sopraram, 
ali  se  vos  levanta  Alcippe,  a  douta, 
do  seu  Tejo  ao  Tamisa  arremessada. 
Assim  cantava  por  jardins  britannos 
de  Flora  o  reino  lindo  em  lindos  versos. 

(Canto  II  do  nDi^i  no  Jardim»  de  António  Feliciano  de  Castilho i 


60 


deu  nem  boralhou  nô  espaçosíssima  memoria :  c  (o  que 
é  mais)  sua  imaiíinaç«5o  ainda  n^o  despiu  o  verdor  e  flo- 
res dos  vinte  annos.  Muitas  obras  lia  suas,  aldm  das  im- 
pressas, umas  orisjinaes,  outras  versões  do  ijreijo,  do  la- 
tim, do  inj^lcz,  do  allemáo,  do  italiano,  etc.  Na  conta  das 
inéditas  e  oriçinaes  é  o  Poema  das  Recreações  Ek)tanicas. 
mencionado  no  meu  texto,  obra  onde  abundam  bellezas, 
e  de  cujos  cantos  cada  um  foi  pela  Autora  dedicado  a 
cada  uma  de  suas  filhas. 

Castilho. „ 


A  Marquesa  d'AIorna  tinha  çrande  consideração  por 
Bocai^íc.  c  apreciava  especialmente  o  seu  merecimento. 
Recordemos  que  n'uma  reunião  em  casa  do  Conde  de 
Camarido,  em  que  estavam  vários  membros  da  Arcádia, 
e  senhoras,  entre  as  quaes  a  famosa  Alcipe,  como  se  esti- 
vessem Viilozando  motes,  deu  a  excelsa  poetisa  o  sesjuinte 
a  hocas^e.  que  o  vilozou  prompfamentc: 

Defender  os  pátrios  lares 
Dar  a  vida  pelo  Rei 
l:  dos  Lusos  vaJorosos 
Caracter,  costume  e  lei. 

lintre  os  objecteis  cjuc  |KrkiKcM\ini,  scin  duvida.  Á 
douta  Alcipe.  destaca-se  o  binóculo,  mont.ido  cm  madre- 
pérola, de  que  damos  a  photo-ijravura. 


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■HMHá^H)iiâiiA 


D.  Magdalena  de  Vilhena 


CAPITULO   111 


Parentesco  da  Marqueza  d'Alorna  com  Frei  Luiz  de  Sousa.  Ai- 
cipe  considerada  como  pintora:  o  seu  quadro  "A  Solidão,,. 
O  .euarda-joias  d'Alcipe,  offerecído  á  ultima  senhora  Mar- 
queza de  Fronteira  e  d'Alorna,  pela  célebre  escriptora  hes- 
panhola,  D.  Carolina  Coronado.  O  jazigo  da  Marqueza 
d'Alorna.  Últimos  trabalhos  de  Alcipe.  Uma  carta  autogra- 
pha  de  Filinto  Elysio  á  Ex.ma  Senhora  D.  Leonor  d'Almeida. 
Noticia  da  Paraphrase  dos  Psalmos  em  vulgar.  Auctorisa- 
ção  de  Alcipe  para  ser  impressa  a  sua  "Arte  Poética  de  Ho- 
rácio, ou  Epistola  aos  Pizões.,, 

Na  série  dos  notáveis  ascendentes  das  famílias  de 
Alorna  e  de  Assumar,  deve  muito  dístínctamente  englo- 
bar-se  Frei  Luíe  de  Sousa,  Manoel  de  Sousa  Coutinho,  que 
foi  casado  com  D.  Magdalena  de  Vilhena,  da  casa  dos 
Condes  de  Miranda.  Esta  illustre  dama,  era  mãe  de 
D.  Joanna  de  Portugal,  mulher  de  D.  Lopo  d'Almeída, 
primeiro  Conde  d'Abrantes,  por  onde  claramente  se  en- 
laçam os  Almeidas  na  ascendência  de  Alcipe.  É  bem  co- 
nhecido o  facto  de  ter  D.  Magdalena  de  Vilhena,  mulher 
de  D.  João  de  Portugal,  passado  a  segundas  núpcias  com 


1  Esta  autonsação  vem  na  carta  a  D.  Leonor  da  Gamara,  integraí- 
mente  transcripta  no  capitulo  VIII. 


OJ 


Miiílocl  de  Soiisci  Coutinho,  por  se  ler  juli^ddo  perdido  ou 
morto  seu  marido  com  l:i-Rci  D.  Sebastião  na  infeliz  jor- 
nada de  Alcacer-Kibir.  Verificando-sc  depois  a  vida  e 
existência  de  D,  loao  de  Portuvíal,  resolveu-se  D.  Maçda- 
lena  de  Vilhena  a  tomar  o  habito  de  reliíjiosa  no  Con- 
vento l\o  Sacramento  ao  Campo  de  Santa  Ciara,  com  o 
nome  de  soror  Mas^dalena  das  Chagas,  entrando  Manoel 
de  Sousa  Coutinho  no  Convento  de  S.  Domini^os  de  Bem- 
fica.  onde,  pelo  seu  estudo,  tanto  se  assis^rnalou  nas  letras 
pátrias  com  o  nome  de  Hrei  Luiz  de  Sousa, 

No  Palácio  ÍMonteira  em  S.  Domini^os  de  Bemfica, 
existe  um  quadro  excellente  representar.do  D.  Maçdalena 
de  Vilhena; este  (ju<-i<-í>o  tem  sido  sempre  considerado  na 
familia  Mascarenhas,  como  sendo  de  Soror  Maj^dalena 
das  Chagas. 

Hntrc  as  variadas  prendas  de  Alcipe  não  deve  esque- 
cer a  dõ  pintura.  Lembremos  a  este  respeito,  que  também 
no  palácio  Fronteira  existe  um  quadro  da  eximia  escrip- 
tora,  do  género  pastel,  que  se  denomina  Solidão  ou  Sole- 
dade. Lsfe  quadro  tem  curiosa  historia,  merecendo  espe- 
cial referencia  a  causa  determinante  ác\  sua  composição. 

Tendo  a  Condessa,  ausente  de  Portugal,  escripto  va- 
rias vezes  a  seu  pae.  sem  ter  recebido  resposta,  depois  de 
baldadas  diligencias,  lembrou-se  de  que.  sendo  seu  pae 
amante  k\ò  arte  L\y\  pintura,  talvez  lhe  respondesse  se  lhe 
enviasse  um  painel  feito  por  sua  mão.  Realisando  este  pen- 
samento, pintou-lhe  um  engenhoso  quadro  ái\  sc^lidão.  ou 
soledade,  representando  de  um  modo  bem  eloquente  e 
sensivel.  a  saudade,  o  silencio  e  o  pesar  em  que  vivia  jx^la 
falta  de  noticias  de  seu  pae,  noticias  que  anciosamente 
esperava. 

Liste  quadrei  chegou  felizmente  a  ser  entregue  áquelle 
a  quem  era  destinado,  o  qual  nâo  podendo  resistir  ao 
paternal  impulso,  começou  desde  logo  e  continuou  a  es- 
crever a  sua  filha,  com  regularidade. 


63 


Alem  do  quddro  da  Solidão,  ha  noticia  do  quadro 
"Amor  Conjugal,,,  que  offereceu  á  Princeza  do  Brazii. 
D.  Maria  Benedicta,  quadro,  que  se  queimou  no  incêndio 
do  palácio  áã  Ajuda. 

O  retrato  do  Conde  de  Oeynhausen,  que  existe  na  ga- 
leria dos  retratos  de  familia,  no  Palácio  Fronteira,  e  que 
apresentamos  em  photo-gravura,  foi  debuxado  por  Al- 
cípe,  alguns  mezes  depois  da  morte  de  seu  marido;  e  sa- 
hiu-lhe  tão  parecido,  que  serviu  de  assumpto  á  engra- 
çada cantiga,  que  ella  dedicou  ao  seu  pincel,  e  que  prin- 
cipiando pela  quadra 

Pincel,  celeste  pincel 
De  Amor  divina  invenção ! 
Tu  es  certamente  feito 
Da  felpa  do  coração. 

termina  pela  seguinte: 

Mas  que  digo  ?  Quanto  dista 
A  ficção  da  realidade! 
O  meu  pincel  só  é  feito 
Dos  estames  da  saudade. 

De  outros  quadros  de  Alcipe  ha  apenas  referencias, 
mas  não  se  sabe  que  fim  levaram. 


As  diversas  photo-gravuras,  que  offerecemos  á  consi- 
deração do  leitor,  são  devidas  a  photographias,  traba- 
lhos  admiráveis  do  primoroso  artista  amador,  o  nosso 


dedicado  cuiiii^o,  snr.  lonje  de  Aliiicidcí  Uma,  a  quem 
apresentamos  de  novo  a  expressão  do  nosso  melhor  re- 
conhecimento. 


O  enthusiasmo  pela  Marquesa  d'Alorna  é  notavel- 
mcnle  afirmado  em  muitos  objectos  preciosos,  que  lhe 
foram  especialmente  dedicados. 

í:ntre  estes  assii^inala-se  uma  caixa  com  lavores  artis- 
ticos,  em  madeira  de  espinheiro,  tendo  na  tampa  um 
anjo,  sesjurando  uma  facha,  na  qual  se  lê:  *Viva  a  Ex.""» 
Senhora  Marciucza  de  Alorna»,  em  letras  primorosamente 
imbutidas  na  madeira. 

A  caixa,  que  tem  as  dimensões  de  0'n,35  de  compri- 
mento por  0'^,^0  de  lar^^ura  e  0"',195  de  altura,  assenta 
sobre  quatro  pés  de  bronze  lavrado  e  doirado,  e  tem 
duas  ars^olas  do  inesmo  metal. 

junto  ao  fundo  ha  uma  gaveta,  que  se  fecha  com  um 
segredo,  e  esta  não  pode  abrir-se  sem  que  esteja  aberta 
a  caixa  ou  cofre,  que  devia  ter  servido  para  guarda 
jóias. 

Madame  Perrv,  a  muito  illustre  escriptora  hespanhola. 
D.  Carolina  Coronado. '  na  sua  pesquiza  de  objectos 
antigos,   de   cjue  era   muito  apreciadora,  encontrou  esta 


'D.  Carolina  Coronado,  cciebre  c-cripiora  hcsp.inhola,  nasceu, 
a  lide  Dezembro  de  1H20,  em  Almendr.ilcio,  província  de  Badajoz. 
Eotre  as  Muas  obras,  notáveis  pela  graça  e  pela  profundeza  dos  senti- 
mentos, citam-se,  segundo  a  Kncyclopedia  1'ortugueza  lllustrada,  Poe- 
sias :  O  quadro  da  Esperança,  comedia  ;  Aflbnso  IV,  drama  ;  e  os  ro- 
mances :  Paquita  :  a  Adoração  ;  JariPa  ;  Sigea  e  A  Roda  da  desgraça. 

Casou  em  1H40  com  o  diplomata  americano,  Horácio  Perry. 

Kaileceu  em  Lisboa,  na  quinta  da  Mitra  em  i5  de  Janeiro  de  1911, 
tendo  91  annos. 


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65 


valíosd  caixa  numa  loja  de  coisas  antioas ;  apressou-se 
em  adquiril-a,  por  que  era  também  çrande  admiradora 
da  muita  excelsa  lítterata,  Marqueza  d'Alorna. 

D.  Mathílde  Perry  Coronado,  adorável  filha  de  Ma- 
dame Perry,  que  falleceu  pouco  depois  de  sua  distinctis- 
sima  mãe,  sendo  casada  com  o  Ex.mo  Snr.  D.  Pedro  Tor- 
res Cabrera,  filho  dos  íllustres  Marquezes  de  Torres 
Cabrera/  offereceu  á  ultima  senhora  Marqueza  de  Fron- 
teira e  de  Alorna  a  soberba  caixa,  que  temos  descripto, 
e^  que  actualmente  está  na  posse  da  senhora  Marqueza 
d'Avila:  e  de  Bolama,  que  foi  intima  amiga  da  extincta 
senhora  D.  Mathilde  Coronado. 


Tendo  vivido  quasi  89  annos  a  Marqueza  d'Alorna, 
falleceu  a  11  de  Outubro  de  1859;  conservou-se  no  es- 
tado de  viuva  desde  3  de  Março  de  1795,  em  que  falle- 
ceu aos  54  annos  de  edade,  o  Conde  de  Oevnhausen, 
sendo  Tenente  General  e  Inspector  Geral  de  Infantaria.' 
e  estando  nomeado  para  o  cargo  de  Governador  do 
Algarve. 

Na  Noticia  biographica  da  Excellentissima  Senhora 
D.  Leonor  d'Almeída,  Marqueza  de  Alorna,  que  precede 
as  Obras  poéticas  d  esta  preclarissima  dama.  lê-se  que 
tendo  vivido  quasi  89  annos,  em  que  deo  provas  cons- 
tantes de  boa  christã  e  de  boa  portugueza,  foi  a  norma 
do  seu  procedimento:  «Amar  a  Deos,  a  sua  Pátria  e  a 
sua  familia;  dar  lustre  áquella,  e  a  esta  fazer  todo  o  bem 
que  era  possível». 

«Conheceo  o  termo  final  da  sua  carreira  e  resignou-se 
com  a  vontade  de  Deos,  recebendo  os  últimos  Sacra- 
mentos.  Nessas   ultimas    horas  da  existência  faltou-lhe  a 


66 


vistci  o  o  ouvido,  c.  juivícíndo  que  cstavd  só,  começou  a 
ovioiiisar-sc  a  si  mcsnin.  Rosou  ti  Saudação  Angélica,  c  r\(\ 
uitinui   paliivra   da  oraÇiio . . .   [dllou-lhc  a  voz.--  c  fdl- 


icceu».' 


Assim  terminou  a  sua  Ioniza,  dindd  que  na  maior 
parte  atribulada  existência,  uma  das  mais  admiráveis 
mulheres  que  tem  nascido  em  Portus^al. 

A  Marqueza  d'Alorna  está  depositada  no  jazií^o  n.» 
336  áci  rua  n."  íl  áo  cemitério  dos  Prazeres,  onde  se  lè: 

"D.Leonor  d'Almcida  Portui^al  Lorena e Lencastre,  4.» 
Marqueza  d'Alorna,  7.-^  Condessa  de  Assumar  e  de  Oev 
nhausen.  Dama  de  Honor  de  Sua  Mas?estade  Fidelissima, 
das  Ordens  de  Santa  Isabel  e  da  Cruz  Lstrellada. 

Nasceu  cm  3i  de  Outubro  de  1750  e  morreu  em  11 
de  Outubro  de  1839. 

Suas  filhas  saudosas  levantam  este  Mc^numcnto  á  sua 
memoria.-. 


Nos  últimos  annos  OíCí  sua  vida.apezar  de  amarsjura- 
dos  pela  morte  de  seu  filho,  o  Conde  )oâo  de  Oeynhau- 
scn,  a  Marciueza  d'Alorna,  continuando  os  seus  trabalho-; 
litterarios,  paraphraseou  os  psalmos  de  David,  e  princi- 
palmente fez  ás  letlras  portut^uezas  o  inolvidável  serviço 
de  animar  Alexandre  Herculano  a  caminhar  e  proi^redir 
na  senda  dos  seus  estudos.  D'este  elevadissimo  serviço 
nos  dá  conta  o  próprio  Alexandre  Herculano  no  admi- 
rável artii^o  (lue  publicou  no  Panorama  de  1844,  e  que 
textualmente  transcrevemos. 


'  o  I  alavTio  cm  que  fallcceu  a  Marquez.i  il'Alorna  crn  siiuado  ni 
ciuiio  (^alçnJn  «1«>   Snlitrc,  csquinn  dn  Iravess*  das  Vacas. 


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67 


Por  morte  de  seu  pae,  e  em  consequência  da  invasão 
franceza,  saiu  a  Condessa  de  Oeynhausen  para  Madrid, 
e  depois  para  Inglaterra,  onde  esteve  até  180Q,  tendo  ali 
escrito,  alem  de  outros  trabalhos  o  Poema  das  Recreações 
Botânicas.  A  entrega  de  um  exemplar  deste  poema  valeu 
a  Alcipe  uma  carta  de  Filinto  Elysio,  que  está  archívada 
entre  os  seus  mais  importantes  papeis,  e  que  é  textual- 
mente como  se  segue  : 

111. '"a  e  Ex.'"a  Senhora  D.  Leonor  d'Almeida 

O  Ex.'"o  Snr.  Conde  de  Palmela  me  entregou  o  Poema 
das  Recreações  Botânicas,  com  recommendação  de  V. 
Ex.a  de  que  o  emendasse.  O  Poema  li-o  com  aquelle 
prazer  com  que  sempre  li  quanto  vem  do  Soberano  In- 
genho  d'Alcipe.  As  emendas,  não  cabe  na  alçada  da 
minha  ignorância  pôr-lhe  a  mão,  ainda  quando  o  Poema 
delias  precisasse.  Alem  de  serem  para  mim  sagradas  as 
Obras  de  Alcipe,  e  ter  eu  por  sacrílega  a  ousadia  de 
tocar  n'ellas.  Se,  nesse  trigo  candíal,  algumas  arestas  haja 
Apollo  que  é  quem  só  as  pode  perceber,  Apollo  as  sopre; 
e  não  um  caduco  peticégo  aposentado  servente  do  Par- 
naso, como  é 

O  admirador  de  V.  Ex."* 

Francisco  Manoel. 

P.  S.  1."  Mais  completo  seria  o  prazer,  que  o  Poema 
me  causou,  se  acompanhado  viesse  com  as  tam  necessá- 
rias notas,  com  que  a  eruditíssima  A.  o  pode  ornar. 

P.  S.  2."  Nunca  tive  o  gosto  de  ler  a  traducção  da 
Arte  Poética  de  Horácio,  com  que  V.  Ex."  me  quíz  brin- 
dar. Agora,  que  a  Ex.'"a  Condessa  da  Ega  vive  em  Lon- 
dres fácil  fora  que  ella  me  cedesse  essa  producção  de  V. 
Ex.'*  para  que  eu  tenha  mais  uns  motivos  de  admira-la. 


68 


Um  dos  mais  monumentdcs  trabalhos  de  Alcipc  é  a 
sua  Paraphrasc  dos  Psalmos  em  vulvjar,  a  qual  constituo 
o  Tomo  VI  das  Obras  Poéticas  da  Marqueza  cVAlorna. 

Para  thema  ou  cpivjraphe  da  Paraphrasc  adoptou-sc 
o  Ps.  70  V.  18  : 

Deus  docuisti  me  a  juvenítiíe  mea,  it  iisquc  nnnc  pronuntiabo 
mirabilia  tua. 

ijue  a  douta  Alcipc  paraphrascou  assim : 

Di^o  o  que  me  inspiraste  desde  a  aurora 
De  meus  dias,  meu  Dcus:  daima  traslado 

O  cântico  entoado 
Que  me  nasce  do  bem  de  conhecer-te ; 
I:  jamais  cessarei  de  enjjrandecer-te. 

A  paraphrasc  dos  Psalmos  prova,  á  mais  completa  evi- 
dencia, o  profundo  conhecimento  que  a  Marqueza  de 
Alorna  tinha  <\c\  lin^jua  latina,  e  demonstra  tambcm  a  sua- 
vidade e  a  melodia  do  canto  da  excelsa  F)oetiza.  Assim 
o  affirmam  muitas  das  suas  paraphrascs  de  que  escolhe- 
mos cjuasi  ao  acaso  as  sevíuintes: 

Ps.  50  V.  4  e  5 : 

(4)  Quoniam  iniquit citem  meam  ego  cognosco,  et  precatam  mcum 
contra  me  est  sempcr. 

(5)  Tibi  soli  peccavi,  et  ma/um  coram  te  feci :  uí  jastificeris 
in  setmonibus  íuis,  et  vincas  cum  judicaris. 


60 


PAPAPHRASE 

Reconheço,  Senhor,  minha  malícia ; 
O  meu  peccado  sempre  tenho  á  vista ; 
Faz-me  horror  quanto  nelle  achei  delícia. 

Ah !  contra  ti  pequei. 
Ao  mal  ante  os  teus  olhos  me  entreguei. 

Ps.  54  V.  6  a  7 : 

(6)  Et  dixi:  quis  dabit  mihi  pennas  sicut  colam bae,  et  volabo, 
et  requiescatn  ? 

(?)  Ecce  elongavi  fiigiens  et  mansi  in  soíitadine 

PARAPHRASE 

Ah !  quem  me  dera  ter  azas. 
E  como  a  pomba  voar ! 
Buscara  um  ninho  remoto, 
Allí  fora  descançar : 

Fora  aonde  não  se  ouvisse. 
Nem  o  vento  murmurar. 

Ps.  73  V.  t  : 

{*)  Ut  quid,  Deus,  repulisti  in  finem  ?  ira  tus  est  furor  tuus 
super  oves  pascuae  tuae  ? 

PARAPHRASE 

Assim  nos  abandonas.  Deus  irado  ? 

Quaes  ovelhas  errantes, 
Sem  conductor.  sem  pasto,  em  sitio  estranho 
Tu  deixas  sem  aprisco  o  teu  rebanho? 

Ps.   Ilí  V.   1  : 

(l)  Laudate  pueri  Doiuiiium,  landatc  noincn  Dornini 


70 


l'.\KAI'HllA.sh 

Levcintcii  suaves  cantos, 
Mancebos,  a  Deus  louvai ; 
O  seu  sanctissimo  nome 
Com  fervor  novo  invocai. 

Ps.  125  V.  1  : 

(l)    ///    converti n (/o  Dom in tis   captivitaícm  Sion  facíi  siimiis 
sicuí  consolati. 

PARAPHRASF 

Quando,  oh  Senhor  poderoso. 
Quebrares  vJrilhões  pezados 
Com  que  estii  Sião  captiva 
Por  obra  destes  malvados. 
Tal  será  (\o  j^osto  o  effeito. 
Que  para  tanta  ventura 
Tique  o  coração  estreito. 


Ka  carta  a  D.  Leonor  áci  Camará,  em  que  Aleipe  auc- 
torisava  que  fossem  impressos  os  seus  versos,  triumphando 
assim  a  vontade  da  amijiHa  da  sua  repuiínancia,  e  talvez 
ác^  própria  razão  que  lhe  prohibia  de  expor  d  censura  dos 
intellis^entes  obras  c)ue  nunca  aspiraram  ã  fama.  e  que  só 
tinham  sido  compostas  para  passar  e  adoçar  instantes, 
cjue  tantos  acontecimentos  |x?nosos  enchiam  de  amar^fura, 
a  douta  escriptora  referindo-se  ã  sua  *Arte  poética  de  Ho- 
rácio, ou  l:[">istola  ac^s  PizcVs».  em  portus^uez.  denomina-a 
traducçãc\  imitação,  ou  o  ciiio  lhe  t|uizerem  chamar  os 
entendedores. 


71 


E  accrescenta : 

«As  regras  de  composição  poética,  que  Horácio  es- 
creve com  tanta  perfeição,  ficam  ao  alcance  de  muita 
gente,  sem  o  trabalho  de  estudar  a  língua  latina.» 

Effectivamente  o  admirável  trabalho  da  Marqueza 
d'Alorna,  que  constítue  o  quinto  volume  das  Obras  poé- 
ticas de  Alcipe,  não  só  realisa  inteiramente  o  seu  propó- 
sito anteriormente  exposto,  mas  affirma  ainda  o  seu  me- 
recimento como  poetisa,  e  o  seu  superior  conhecimento 
da  lingua  latina. 

A  leitura  de  qualquer  dos  brilhantes  períodos  da  Arte 
Poética  de  Horácio,  publicada  em  portuguez,  exemplifica 
á  completa  evidencia  o  que  levamos  dito. 


CAPITULO    V 

Cinco  cartas  de  Alcipe,  dirigidas  do  convento  de  Ciielias  ao  Mar- 
quez d'Alorna,  seu  pae,  então  preso  no  forte  da  Junqueira. 
Resposta  da  Condessa  de  Oeynhausen  ao  Secretario  d'Es- 
tado,  que  lhe  remetteu  as  graças  de  Marqueza  d'Alorna  e 
de  Condessa  de  Assumar.  Extracto  da  carta  escripta  pelo 
próprio  punho  da  Marqueza  d'Alorna  ao  Marquez  de  Wel- 
lesley.  Copia  da  folha  de  um  jornal,  escripto  por  D.  Leonor 
d'AInieida,  nos  últimos  dias  da  sua  prisão  em  Chellas.  Re- 
querimento da  Marqueza  d'Alorna  pedindo  a  revisão  do 
processo  que  injustamente  condemnou  o  General  Marquez 
d'Alorna,  seu  irmão. 

Na  preciosa  collecção  das  cartas  de  Alcípe,  que  exis- 
tem no  Palácio  Fronteira,  copiámos  aquellas  que  teem  os 
números  de  ordem  29,  30,  97,  98,  e  99,  e  que  foram  diri- 
oídas  do  Mosteiro  de  Chellas  ão  Marquez  d'Alorna.  que 
estava  então  preso  no  forte  da  junqueira. 

Na  carta  n.o  29  encontram-se  os  seguintes  períodos : 

Meu  querido  Pae  e  Snr.  do  meu  coração 

Quando  escrevo  por  este  portador  parece- me  que 
V.  Ex.a  está  mais  perto,  ou  que  posso  fallar-lhe  ao  ouvido 
e  copiar  o  meu  coração.  A  doença  d'El-Rei,  que  não  tem 
ido  a  melhor  nem  a  peor,  tem  posto  os  negócios  na  sua 


7} 


louvável  indcÇcio ;  porem  niio  deixa  de  encher  de  esp>e- 

rançiis   cl   miiitii    sI^Mitc  c  de  sustos  o  Marquez  de  Pom- 
bal. 

Scíiiprc  me  deram  que  entender  os  desis^nios  do  Mar- 
tjuez  de  Pombal  para  o  futuro,  e  com  effeito  principiaram 
a  manifestar-se  bastantemente  na  intentona  de  fazer  jurar 
o  Príncipe  contra  todos  os  direitos  da  Princcza.  ' 

l:l-l^ei  continua  a  repousar-se  sobre  uma  falsa  virtude, 
que  c^  talvez  a  única  que  se  conhece  n*esta  terra.  A  utili- 
dade publica  e  a  justiça  voaram,  como  diz  a  fabula,  para 
os  céos,  e  os  homens  acham-se  dispensados  de  as  prati- 
car; comtanto  que  murmurem  aos  ouvidos  do  confc*ssor 
quatro  ridicularias  insiiínificantes.  Tudo  se  leva  por  o  ce- 
remonial  e  com  isso  se  contentam. 

Ha  mais  tempo  teve  o  Patriarcha  a  resolução  de  di- 
zer a  Hl-l-íei  que  elle  como  hispo.  considerando  ^ua  Ma- 
i^estade  como  ovelha  sua.  tinha  obri^íaçâo  de  dizer-lhe 
que  a  voz  publica  era  de  que  os  Tavoras  padeceram  in- 
nocentes,  i:l-l^ei  ouviu  rfans  nu  morne  silence  e  Uc^io  respon- 
deu uma  só  palavra.  O  Patriarcha.  que  viu  como  tinha 
sido  inútil  a  sua  demonstração,  tornou  a  fallar  a  El-Rei 
e  de  novo  lhe  disse  cjue  o  povo  todo  estava  persuadido 
i\ci  innocencia  l\í{  nossa  familia.  El-Rei  com  um  ar  enfa- 
dado replicou :  «Pois  cá  daremos  conta  a  Nosso  Senhor 
desse  peccado.»  Parc^ce-me  que  um  atheista  nt^^o  respon- 
dia melhc>r.  Ni^o  me  posso  persuadir  de  que  o  nosso  So- 
berano ivinore  muitas  das  cruekiades,  que  se  praticam 
comnosco ;  mas  é  certo  que  muitas  coisas  lhe  dizem  com 


'  Isto  é  de  promul^nr  a  lei  salicn  em  Portugal,  ainda  em  vida 
•J'EI-Rei  D.  José,  tomando  assim  nulos  os  direitos  de  D.  Maria  I,  e  de- 
terminando que  succcdesse  no  throno  a  seu  Avô,  o  principe  D.  José. 


Segunda  Marquc/a  d'Alorna,  mãe  de  Alcipe 


75 


a  mais  execranda  falsidade.  Elle  até  açora  não  soube  da 
minha  doença  e  outro  dia  chegou  por  um  acaso  singular 
a  noticia  ás  Senhoras  Infantas  D.  Maria  Anna  e  D.  Maria 
Benedícta,  Creio  que  minha  mãe  conta  a  V.  Ex.a  este  suc- 
cesso.  Eu  passo  a  outra  coisa. 

A  minha  saúde  delicada,  e  que  desejo  conservar  para 
consolação  de  V.  Ex.^s  depende  muito  do  beneficio  do  ar. 
e  vejo  que  inutilmente  trabalho  para  a  fortificar,  sem  ap- 
plícar-lhe  o  remédio  único.  Não  posso  queixar-me  senão 
do  desalento  que  se  apoderou  tanto  de  minha  mãe  como 
do  mano.  Nem  uma  nem  outro  fazem  uma  só  deligencia  de 
que  se  possa  esperar  resultado,  porque  tudo  se  reserva 
de  uns  dias  para  outros,  que  nunca  chegam.  Quem  po- 
derá dizer  que  fazendo-se  uma  conferencia  no  dia  10  de 
Agosto  e  offerecendo-se  o  Wadde  para  attestar  em  casa 
áo  Marquez  de  Pombal  a  verdade  da  minha  queixa,  ainda 
a  certidão  que  elle  passou  está  nas  nossas  mãos,  ainda 
meu  irmão  se  não  encontrou  com  elle!  Falta  um  mez  só  para 
meu  irmão  se  ir  embora,  e  torno  a  ficar  nos  mesmos  ter- 
mos, sem  esperança  nenhuma  de  allivío.  Eu  bem  sei  que  o 
Marquez  de  Pombal  não  ignora  que  eu  estou  doente,  porem 
que  se  lhe  dá  a  elle  d'isso,  quando  com  a  minha  moléstia 
não  sente  a  minima  importunação  ?  Todo  o  amor  que  eu 
sei  que  minha  mãe  me  tem,  todo  o  pezar  que  V.  Ex."^  occulta 
do  que  eu  padeço  foi  impedimento  talvez  a  que  as  cou- 
sas se  fizessem  nos  termos  que  devem  ser.  Eu  creio  que 
não  exijo  demasiado  cm  que  por  trez  ou  quatro  dias  se 
cuide  unicamente  d'ísto  e  resolvo-me  a  dizer  a  V.  Ex.^  o 
que  me  parece,  pedindo-lhe  o  maior  segredo  de  lá  para 
que  as  cousas  tomem  caminho. 

Nem  levemente  passe  a  V.  Ex. '  a  idéa  de  que  me  queixo. 
Desconsolo-me  do  meu  estado,  e  desejo  que  minha  mãe 
e  meu  irmão  não  percam  em  mim  um  objecto  que  amam 
e  que  os  ama  coma  maior  ternura.  Eu  não  tenho  nenhum 


76 


tip|iLiiic  tic  Siíhir  ti  iU|iii.  os  objectos  para  cjiic  quero  vida 
aqui  os  tenho.  Unicamente  invejo  a  fortuna  de  meu  irm«5o 
que  pode  app)arccer  a  V.  Ex,«,  e  cu  certamente  lhe  appa- 
rccia  loí^o,  se  podcssc  praticar  alí^uns  remédios ;  talvez 
esta  consolaçi^o  me  desse  a  vida,  que  me  foigeno  seio  da 
desconsolação  c  i.\c\  aniari^ura. 

Ha  três  dias  que  sahio  daqui  uma  preta  vasando-se 
em  sans^íue  pela  bocca,  c  ha  três  dias  que  lhe  parou,  e 
scnte-se-lhe  melhora  jurando,  sem  mais  nL^diy  fazer  que 
mudar  para  uma  (juinta,  que  fica  mais  alta,  mas  defronte 
deste  convento.  As^íora  tenho  a  Condessa  de  Vimieiro,  * 
em  Lisboa  -,  no  caso  que  meu  irmão  se  fosse,  poderia  com 
ella  dar  os  meus  passeios.  A  idéa  de  sahir  pelo  processo 
c|ue  minha  mãe  communicou  a  V.  Ex.a  e  que  no  princi- 
pio me  fez  o  appcfitc  que  é  natural,  pareceu-me  depois 
cheia  de  inconvenientes,  que  me  des^^ostaram,  e  quiz  an- 
tes padecer  mais  alcjuma  coisa  que  melhorar  por  aquelle 
meio.  Náo  se  assuste  V.  Ex.«  com  o  que  diçoimasjinando 
s^randes  coisas;  cu  não  tenho  tido  demais  senão  ali^umas 
convulsões  e  melancolia,  por  isso  ando  mais  imaiijínativa, 
mas  a  cor  não  tem  diminuído  demasiado,  e  nem  um  só 
dia  estive  de  cama.  As^ora  tenho  pena  de  atcrrorisar  a 
V.  í:x.''  com  estas  impertinências,  mas  jã  aiiíora  ou  o  moço 
ha-de  ir  sem  carta  ou  eu  hei  de  mandar  esta.  Creia  V.  Ex.\ 
iiiou  iiucrido  pae.  ciue  não  lhe  desejo  dar  senão  ^osto. 
Mande-nie  V.  í:\;'  dizer  como  lhe  poderei  mandar  uns  li- 


'  I>  Thereza  de  Mello  Breyner,  nuctora  Ja  Osmia,  e  a  amiga 
mais  querida  de  Alcipe. 

A  Osmia,  como  se  sabe,  é  uma  irsgedia  em  cinco  actos,  premiada 
pela    Academia    RenI    das    Sciencias  de    Lisbon.  cm    1 3  de   Maio    de 


77 


vros  que  sahíram  agora,  que  lhe  podem  dar  algum  de- 
vertímento,  são  do  tamanho  da  Biblíotheca.  Recados  do 
mano  Tancredo  a  V,  Ex.»,  meu  querido  pae. 

De  V.  Ex.a 

Filha  muito  amante  e  obediente 

L. 

Depois  de  concluir;  não  sei  que  tom  grosseiro  acho 
n'isto  que  me  respeita ;  eu  desejo  que  as  recommendações 
que  V,  Ex.a  fizer  ao  mano  e  a  minha  mãe,  sejam  todas 
sobre  o  methodo  e  a  brevidade :  qualquer  que  seja  sobre 
a  efficacia  pôde  ser  uma  injuria  a  pessoas  a  quem  devo 
tanto  carinho,  tanta  ternura,  e  que  só  por  força  da  mesma 
ternura  não  atinam  com  o  que  me  convém. 


A  carta  30  diz  textualmente  o  seguinte : 

Meu  querido  Pae  e  Snr.  do  meu  coração 

Tudo  quanto  V.  Ex;^  me  diz  me  enternece,  e  me  oc- 
cupa  de  modo  que  me  esqueço  de  todos  os  debates  scien- 
tificos,  e  reduzo  tudo  aos  momentos  deliciosos,  que  me 
pintam  um  pae  enternecido  sobre  a  sorte  e  felicidade  de 
uma  filha  extremosa,  e  que  deseja  distinguir-se  entre  as 
submissas  e  obedientes.  Eu  nunca  li  nenhuma  das  obras 
prohibidas  de  Voltaire,  e  tendo  muito  appetite  de  ler  o  Sé- 
culo de  Luiz  XIV  e  votos  para  que  o  lesse,  não  me  resolvi 
a  depor  o  meu  escrúpulo.  Conheço  unicamente  o  que  V. 
Ex.a  me  deu  licença  para  ler,  excepto  a  Vida  de  Cezar, 
que  não  a  tenho,  nem  nunca  me  emprestaram.  Em  algumas 
collecções  de  Poesias  fugitivas  e  de  papeis  volantes  te- 


7>í 


nho  visto  alijunias  poças  suas  de  nenhuma  importância,  c 
só  de  summa  vJ^ilanteria  que  ordinariamente  rolam  sobre 
as^radecimentos  de  obras  que  lhe  dedicam  ou  de  novas 
que  espalham,  umas  vezes  l\ò  sua  morte,  outras  contra  os 
seus  escriptos,  coisa  de  que  faz  pouco  caso,  e  nesse  es- 
pirito diz  que,  porque  Nonote  escteve  parvoíces,  ellc  a  não  ha- 
de  enforcar,  mas  perdoar-lhe  e ficar  em  paz.  Acho  que  quer  dar 
n'ísto  uma  lit^ão  de  moderação  e  da  piedade,  que  se  po- 
dia usar  com  ellc,  que    também  de  vez  em  quando  erra 
consideravelmente.  Devo  dizer  que  ainda  não  vi  os  seus 
erros;  minha  mãe  é  que  diz  que  sempre  que  abre  os  livros 
(jue  V.  lix."  sabe  que  eu  tenho,  lhe  acha  uma  blasfémia.  I:* 
certo  que  o  seu  modo  de  fallar.(juct5  inteiramente  diverso 
da  excessiva  devoção  de  minha  mãe,  pode  produzir  este 
cffcito.  límfimeu  ciuo  me  limito  sempre  ao  que  V,  Kx.'^  po- 
dem querer,  procuro  modelar  o  horror  desta  melancólica 
inacção,  com  a  lição  que  me  é  permittida.  Leio  todas  as 
manhãs  Bourdaloue  '  ou  Pénelon,  e  depois  d'isto.  Histo- 
ria, Poemas,  Loi^ica.  Metaphisica,e  Phisica.  São  as  matérias 
de  i.\wy:  v^osto  e  creio  que  me  são  permitfidos  os  livros  em 
que  me  instruo,  porque  nenhum  delles  deixa  de  ser  no- 
meado por  V.  lix.» ;  a  historia  natural  faz  as  minhas  deli- 
cias, e  se  V.  I:x.°  me  privar  d'isto,  sci^uro  que  me  priva 
daquillo  <^H»c  mais  me  recreia.  Com  tudo  estou  prompta 
para  queimar  Mr.  de  huffon  e  tcxios  os  que  me  vierem  á 
mão  dessa  espécie.  I:u  creio  bem  que  para  uma  tola,  seria 
prejudicial  o  conhecimento  de  alsjunsses^redos  de  que  tra- 
tam os  naturalistas,  mas  fixa  no  principio  do  Marquez  de 
Pau,  de  que  todas  as  palavras  na  bocca  de  uma  pessoa 
honesta  são  honestas.  A   natureza  denudada  c  presente 


'  fíourdalouc  —  Celebre  jesuíta  e  pregador  franccz,  que  falleceu 
em  1704.  Adquiriu  enorme  reputação  justiHcadissima,  porque  os  seut 
sermões  causavam  verdadeira  admiração. 


79 


aos  meus  olhos  não  é  mâís  que  uma  maravilhosa  obra 
do  meu  Creador,  que  eu  olho  com  respeito,  com  modés- 
tia, e  com  o  receio  que  nas  almas  sensíveis  produz  a  su- 
blimidade do  artifíce  e  dos  artefactos.  V.  Ex.a^  farão  de 
mim  o  que  lhes  agradar,  e  com  isso  a  minha  felicidade, 
Remetto  a  V.  Ex.'  esse  primeiro  tomo  das  obras  dessa 
madama  com  quem  tenho  emulação,  gosto  bastante  delia, 
o  seu  caracter  é  tão  bom  como  as  suas  obras,  mas  eu 
creio  que  morreu.  Traduzi  os  versos  inglezes  para  que  V, 
Ex.'"'  não  tivesse  a  sensaboria  de  os  não  entender,  versos 
não  se  traduzem  senão  em  verso,  e  por  isso  eu  os  fiz  muito 
maus,  mas  que  comtudo  são  mais  soffriveis  que  a  prosa. 

Dizem  que  se  converteu  á  fé  catholica  romana  um  cé- 
lebre Lord  inglez,  que  havia  escripto  muito  contra  ella, 
e  que  o  parlamento  (de  que  elle  era  membro)  se  conten- 
tara de  perguntar-lhe  com  que  tenção  tinha  tomado  se- 
melhante resolução.  Dizem  também  que  os  ínoleses  estão 
persuadidos  de  que  mesmo  para  os  negócios  políticos  lhes 
convém  a  tolerância  dos  papistas,  e  que  virão  a  mudar 
de  systema.  Duvido  ;  mas  será. 

O  Papa  escreveu  ão  Rei  da  Prússia  para  a  extincção 
total  dos  jesuítas  na  Sílesia,  mas  elle  zomba  dos  raios  apos- 
tólicos. Os  jesuítas  pediram  a  um  bispo  as  ordens  para 
os  seus  noviços  e  não  as  querendo  dar  o  Bispo  em  con- 
sequência da  Bulia  da  extincção,  El-Rei  da  Prússia  o  fez 
suspender.  São  parvoíces  a  montes,  mas  a  mim  não  me 
importam  essas  matérias. 

Sahio  um  edital  da  Mesa  Censória  contra  uma  carta 
do  Bispo  de  Cochim  para  o  de  Cranganor,  em  que  se 
condemna  o  proceder  da  inquisição  contra  o  Malagrida,  ' 


i  A  condemnaçáo  do  Reverendo  Padre  Gabriel  Malagrida  é 
uma  das  maiores  atrocidades  do  Marquez  de  Pombal  ;  nenhum  dos 
seus  defensores  apresenta  justificação  acceitavel  d'este  acto  de  pavo- 
rosa vingança. 


80 


Á  piMici  de  imutc.  Nci  ctiiUil  ccMicicmna-sc  (jucni  tiver  a  tal 
Ctirta,  porem  uào  \w  pena  para  quem  tiver  o  edital  onde 
cila  vem  copiada  e  refutada  com  as  solidas  razões  de  um 
ministério  illustrado  ;  o  Marquez  de  Pombal,  queixando-sc 
com  rasAo  cie  tal  carta,  exclamou  :  —  e  que  seia  isto  pos- 
sível contra  a  S^inta  Incjuisiçc^o  onde  se  juntam  os  maio- 
res Theoloijos  !  o  tribunal  da  fd  onde  reside  a  justiça  c  a 
verdade  !  etc.  I:ste  homem  provavelmente  vc  próximo  o 
seu  termo,  ou.  ainda  que  o  Uc^o  veja,  avalia  o  mundo  bem 
e  busca  a  honra  í.\í\  reliv*ii^o,  presentemente,  com  um  ar- 
dor com  que  tem  cheijado  a  dizer,  que  está  prompto  a 
dar  a  vida  por  cila.  l:tc. 

Dizem  que  \S  «;c  nc^o  trata  do  casamento  do  Príncipe 
em  Prança. 

Ao  mano  Tancredo  infinitos  recados  e  agradecimentos 
pelos  livros  que  vinham  cxcellcntes.  com  muito  boa  en- 
cadernação, letra,  etc.  c  que  me  tenho  consumido  de  lhe 
m^io  mandar  a  Los^ica  de  Pclice,  mas  que  brevemente  irá. 
Quero  a  bençc^io  de  V.  Kx.i  meu  querido  Pae  e  sou 

De  V.  Rx.»  filha  muito  amante  e  obediente 
L. 

Eu  tenho  passado  alí^uma  coisa  melhor,  mas  ainda 
fraca. 

Mm  querido  Pae  c  Snr.  do  meu  coração 

A  estas  horas  terá  V.  I:x.»  visto  as  caras  das  suas  jx>- 
bres  lilhas;  quando  Deus  nos  der  o  ^osto  de  nos  vermos, 
achará  V.  I:x.»uma  cirande  differença.  porque  a  insensibi- 
lidade do  meu  retrato  náo  admitte  aquella  alteraçáo  que 
háo-de  causar  em  mim  os  sentimentos  áo  meu  coraçáo 
em  semelhante  encontro.  Também  por  cá  temos  lido  nos- 
sas comeilias  com  o  (jue  por  lá  se  terá  passado  •.  estes 
quinze  tlias  tccn-iKw  parecido  compridíssimos. 


81 


Remettí  ultimamente  a  V.  Ex.a  os  livros  de  Boulanger, 
e  esqueceu-me  dizer  que  eu  não  tinha  lido  os  últimos  ca- 
pítulos do  3."^  tomo,  porque  o  Tamagníni  me  tinha  adver- 
tido, que  tinham  muita  liberdade  contra  a  Religião.  Mas 
como  V.  Ex.a  tem  licença  não  importa.  V.  Ex.a  verá  nas 
cartas  de  meu  irmão  as  esperanças  que  temos  de  o  ver 
para  a  Páscoa :  Deus  queira  dar-nos  este  gosto,  que  é  o 
único  que  tem  semelhança  com  o  de  ver  a  V.  Ex.a. 

Saberá  V.  Ex.a  que  estou  na  resolução  de  deixar  por 
agora   o   estudo  do  árabe.  Mas  como  a  mana  Maria  se 
adiantou  alguma  coisa,  convíemos  eu  e  ella,  a  beneficio 
dos  nossos  estudos,  das  nossas  bolças  e  das  nossas  saúdes, 
que  estudasse  ella  aquella  lingua,  em  quanto  eu  concluía 
o  estudo  da  latina,  porque  depois  lhe  ensinaria  eu  a  ella 
o  latim,  e  ella  me  ensinaria  a  lingua  árabe.  Conheci  que 
o  estudo  pesado  daquellas  duas  linguas  me  cansava,  e 
não  me  deixava  aprender  depressa  nem  uma  nem  outra. 
E  junto  com  tudo  o  mais  a  que  eu  gosto  de  applicar-me, 
seria  faltar  áquella  sobriedade  que  V.  Ex.»  quer  nas  mi- 
nhas applicações.  A  mana  não  ha-de  experimentar  damno 
algum   com  o   tal  estudo  de  árabe,  porque  tendo  ella 
muito  mais  pachorra  do  que  eu,  faz  estas  coisas  mais  com- 
modamente,  e  além  d'isto  não  tinha  presentemente  estudo 
sério  de  coisa  nenhuma.  Pelo  que  respeita  á  minha  pala- 
vra  dada   ao  Príncipe,  eu  supponho  que  elle  não  torna 
lá,  porque  os  seus  negócios  teem  peiorado,  e  o  homem 
não  está  para  graças;  além  d'isto  não  foi  dada  tão  seria- 
mente que  exija  um  cumprimento  exacto;  o  pouco  que 
fiquei  sabendo  das  minhas  lições,  com  o  meu  desembaraço 
talvez  que  seja  sufficíente ;  e  se  não  fôr,  paciência ;  porque 
cUe  também  disse  que  faltaria  a  lingua  portugueza,  e.  pelo 
que  me  consta,  ainda  não  sabe  uma  só  palavra.  Queria 
mandar  a  V.  Ex.»  umas  sátiras,  que  teem  sahido  contra  os 
nossos  poetas,  mas  ficarão  para  a  outra  vez.  por  que  as 
não  posso  copiar,  nem  escrever  desta  vez  quanto  desejo. 


82 


Nt^^o  ha  nenhumas  novidades,  scnJio  o  casamcnti/»  uc 
uma  filha  de  Luiza  de  Saldanha  com  o  Maquinei. 

Dê-mc  V.  f:x.*  a  sua  benção  que  nâo  f>osso  mais.  Re- 
cados ao  mano  Tancredo. 

De  V.  lix.- 
Filha  amantissima  c  muito  obediente 
L. 
Lisboa,  3  de  Abril. 

Mfu  qneiiilo  Pae  c  Snr.  do  meu  coração 

Temos  estado  com  çentc  n'csta  casa  de  modo  que  já 
muito  tarde  podemos  desembaraçar- nos  para  escrever  a 
Y.  I:x.»  poucas  refiras.  Reiíietio  a  V.  I:x.»  a  carta  da  Con- 
dessa de  Vimieiro  e  uma  que  lhe  escreveu  a  ella  a  Prio- 
rcza  em  resposta  dos  parabéns. 

Tive  summo  j^íosto  de  que  a  V.  Ex.«  lhe  ai^rradasse  o 
meu  Drama,  e  proponho-me  açora  de  lhe  dar  todas  as 
voltas  para  cjue  ficjue  melhor.  Já  estou  com  appetite  de 
fazer  mais  al^iuma  coisa ;  e,  se  a  minha  saúde  me  ajudar, 
farei  obra  totalmente  minha,  que  possa  divertir  a  V.  E.x.»: 
este  c*  o  objecto  de  todos  os  meus  desejos.  Tenho  appetite 
de  tratar  um  assumpto,  tirado  úã  Historia  romana,  em  cjue 
acho  caracteres  nas  personáj^ens,  muito  analoi^os  aos  nos- 
sos; mas  aintia  n^o  estou  resoluta.  Náo  ha  novidades. 
Recados  ao  mano  Tancredo  e  adeus  meu  querido  Pae. 

Vou  bem  com  os  meus  banhos,  já  tenho  sete. 

De  V.  I:x.« 

IMIha  muito  obediente 

L. 

Meu  qurrído  Pae  e  Snr.  do  ntrii  coração 

Na  ultima  vez  (jue  escrevi  a  V.  J:.\.'  caiava  lao  pretK- 
cupada  com  as  ideais  de  uma  mudança  próxima,  que  aiv- 


83 


nas  me  sentia  ainda  em  Chellas.  O  costume  de  olhar  para 
todas  as  coisas  seriamente  ha  muitos  annos,  faz  com  que 
ainda  aquellas  mesmas  que  deveria  escrever  alegremente, 
recebam  debaixo  da  minha  penna,  um  certo  tom  languido, 
que  lhes  tira  talvez  a  graça.  Porem  o  que  V.  Ex.''  não  encon- 
trar nos  meus  escriptos,  passe  a  buscal-o  immediatamente 
no  meu  coração,  que  se  geme  por  costume,  não  é  por  isso 
menos  capaz  de  crear  e  de  sentir  a  alegria.  Paréce-me  ás 
vezes  que  não  deixando  escapar  coisa  alguma  á  minha 
sensibilidade,  dilato  mais  a  minha  existência.  Pelo  senti- 
mento se  passa  do  nada  ao  ser,  e  quando  o  sentir  muito 
me  possa  ser  incommodo,  sempre  lhe  acho  mais  utilidade 
que  na  insensibilidade  e  na  incapacidade  de  olhar  um 
objecto  e  de  avalial-o  por  todos  os  lados.  Bem  quizera 
eu  não  achar  nada  que  receíar  nos  papeis  que  estão  na 
mão  do  Marquez,  mas  não  sei  tranquíllisar-me,  lembrando- 
me  que  poderão  ser  os  que  pertencem  aos  estudos  de  V. 
E.x,''.  Não  sei  sobre  que  seriam,  mas  os  objectos  que  prin- 
cipiavam a  interessar  nimiamente  o  mundo  litterario, 
quando  V.  Ex.»  foi  preso,  e  que  certamente  já  interessa- 
riam a  V.  Ex."*,  são  perigosos  de  tratar  em  um  paiz  despó- 
tico, onde  o  capricho  é  unicamente  a  lei  que  servimos.  A 
política  que  principiava  a  apurar-se  muito  com  o  favor  da 
philosophia,  é  hoje  o  objecto  que  mais  interessa  os  philo- 
sophos,  e  em  que  os  políticos  machíavcllicos  mais  receiam 
ser  instruídos.  Dizer :  que  os  Príncipes  são  protectores  das 
leis;  que  o  seu  poder  é  restricto  para  elles;  que  a  justiça 
não  consiste  em  opprimír,  mas  em  manter  e  conservar  os 
direitos  de  cada  individuo,  que  compõe  a  sociedade,  são 
blasphemías,  e  o  phílosopho  que  as  pronunciar  deverá 
occultar  o  seu  nome  para  abrígar-se  das  iras  do  Ministé- 
rio. Tanto  nos  governa  o  capricho,  e  tão  desaforadamente, 
que  o  Arcebispo  me  disse  a  mim  (quando  lhe  dava  as 
mais  solidas  razões  para  livrar-nos  da  oppressão  em  que 
estamos),  que  eu  não  comprehendía  o  génio  do  Marquez. 


Si 


e  como  com  cllc  se  conscvíiiicim  os  coisas:  que  a  arte  toda 
consistia  cm  espiar  o  instante  (jue  ellc  tinlia  de  ceder,  e 
que  esse  mesmo  instante,  preferia  elle  muitas  vezes  que 
nt^^o  chevfasse,  por  que  em  uma  occasiáo.  estando  muita 
isente  a  fallar-lhc,  entrava  nc\  casa  a  fazer  varias  corfezias, 
observando  com  o  seu  óculo  as  diversas  pessoas,  e  que 
ultimamente  vendo  u.-n  certo  (o  qual  por  boa:  razões  en- 
tendemos ser  meu  irmão),  voltdra  para  o  Arcebispo  di- 
zendo, que  entrasse  para  a  casa  de  dentro,  porque  tintia 
coisa  importante  a  communicar-lhc.  O  Arcebisix\  depois 
de  achar-se  só,  per^iuntando  qual  era  o  nesíocio.  teve  esta 
resposta :  —  Nada !  Conversemos,  que  eu  quiz  só  evitar 
que  um  certo  procedesse  para  comis;;o  d'um  modo.  que 
hei-de  procurar  evitar,  a  poder  que  eu  possa.  l:u  res- 
pondi que  nao  conhecia  senão  a  innocencia  própria,  e  a 
justiça  i.\i\  causa,  fiando  que  estes  objectos  fossem  bas- 
tantes para  merecer  a  attenÇi^o  de  um  ministro  esclareci- 
do e  recto,  como  eu  devia  suppôr  o  Marquez.  Quiz  dizer 
quQ  Utlo  consultava  caprichos  nem  génios  extrava>?antes 
de  ninvnicm.  mas  vi  que  me  perdia,  e  com  muito  trabalho 
tive  a  pruilencia  de  caJar-me.  Se  V.  li.x."  escreveu  coisa 
c)ue  respeite  essas  matérias,  quando  ainda  o  temp)o  nâo 
conslraniiiia  tanto  atc^  as  ideias,  temo  bem  que  elle  esteja 
enraivecido  com  isto  fortemente. 

I:  tonuira  saber  o  (lue  poderd  ser,  para  tomarmos  as 
nossas  medidas. 

O  moço  necessita  partir  mais  cedo  que  do  costume 
por  isso  acabo. 

Ixccados  ao  mano.  e  adeus  meu  querido  Pae  do  meu 
coraÇc^o. 

ÍK-  \.  I:.\.^ 
lilli.i  111, lis  aiii.uiti*  o  I >h<'< 'ioiili' 


85 


Resposta  de  Alcípe  âo  Secretário  d'Estado  que  lhe 
remetteu  as  traças  de  Marquesa  d'AIorna  e  Condessa  de 
Assumar. 

lU.^o  Ex."^o  Snr. 

Recebi  o  aviso  com  que  por  ordem  de  Sua  Majestade 
V.  tx.  me  favorece:  muito  excede  o  meu  reconhecimento 
gratidão,  respeitoso  affectoe  acatamento  quanto  cabe  nas 
mmhas  toscas  expressões,  quando  por  este  modo  honroso 
tl-Rei  meu  Senhor  renova  em  mim  a  memoria  pura  de 
aquelles  a  quem  succedo.  Da  bondade  de  V  Exa  espero 
que  supra  o  que  em  mim  falta,  para  expressar  repetidas 
vezes  a  bua  Majestade  estes  meus  vivos  sentimentos  Prou- 
vera a  Deus  que  como  os  meus.  em  que  o  Estado  achou 
sempre  servidores  zelosos  e  fieis,  eu  tivesse  meios  e  talento 
para  demonstrar  quanto  amor  ao  Soberano,  e  zelo  pela 
§loria  daMonarchia  transmittiram.  com  o  sangue  ao  meu 
coração. 

.  Diane-se  V.  Ex.a.  na  presença  de  El-Rei  meu  Senhor 
desermterprete  do  que  tenho  a  honra  de  manifestar-lhe' 
e  acceitar  o  protesto  da  alta  consideração  com  que  sou 

De  V.  Ex." 
muito  attenta  veneradora 
Marqueza  d'Alorna 
Condessa  d'Assumar  e  d'Oevnhausen. 


Nos  numerosos  papeis,  que  a  snr.a  D.  Leonor  Fernan- 
des possue  da  Marqueza  d'Alorna.  encontra-se  a  copia  de 
uma  notável  carta,  que  a  Marqueza  escreveu  ao  Marque^ 
de  Welleslev.  e  da  qual  damos  aqui  um  rápido  extratJ 


86 


Mylord 

Ha  nionicntos  c  sitiKiç<^cs  na  vida,  cm  que,  se  nos  su- 
bmcttemos  á  reflexão,  somos  cruéis  e  injustos.  A  politica 
e  o  interesse  aconsclham-me  o  silencio;  ocoraçáo, a  ami- 
sade,  o  sançue,  obriíjam-me  a  implorar  o  auxilio  de  V.  Ex.« 

I:  scS  V.  I:x."  que  pode  acrescentar  á  íjjloria  do  seu  Mi- 
nistério outra  v^loria  nova,  restituindo  d  Naç<5o  portujjue- 
za  c  ao  Príncipe  Ressente  a  infeliz  Nobreza  de  Portuijal. 
e  purificando-a  dò  horrivel  imputaÇc^o  de  infidelidade. 


Creia  V,  lix.a  que  muito  monos  preciosa  c  a  vida  dos 
Nobres,  do  que  a  sua  rcputaÇc^o.  Delia  far^o  s^ostosos  o 
sacrificio  no  campo  l\c\  honra.  Se  a  vida  foi  concedida 
aos  Portuiiiuezes  que  ficaram  residindo  em  Portuiíal.  ten- 
do servido  ás  ordens  dos  l'rancezes,  por  que  motivo  ha- 
de  ella  ser  recusada  aos  outros,  que  se  nc^io  acham  ali 
por  n^o  os  terem  querido  resçatar  em  tempo  próprio? 

Um  acto  ti^io  humanitário  i.\c\  parte  de  V.  Rx."  existe  a 
maior  brevidade.  Não  podemos  duvidar  de  que  V.  l:x.' 
tomará  na  consideração  devida  as  nossas  supplicas.  nas- 
cidas nos  horrores  óci  angustia,  e  nos  transes  ciò  incerteza 
a  respeito  dos  entes  mais  queridos  eis  nossas  almas. 


Stroab  Mouse.  'J'2  de  Abril  de   1811. 
S.  !:.  le  Marquis  de  Wellesley. 

Condessa  de  00'^f^^'^^^"- 


87 


Julgamos  interessante  apresentar  a  copia  deveras 
curiosa  da  folha  de  um  jornal,  escripto  por  D.  Leonor  d'Al- 
meida  nos  últimos  dias  da  sua  prisão  no  convento  de 
Chellas. 

Segue  a  folha: 

Estes  18  annos,  e  quatro  mezes  e  meio,  junto  ão  leito 
da  minha  amável  e  infeliz  mãe,  foram  um  espaço,  em  que 
só  tinha  exercício  a  minha  imaginação,  o  meu  desejo  de 
conhecer  meu  pae,  de  consolar  e  distrahir  minha  mãe; 
estes  foram  os  incentivos  que  crearam  em  mim  a  vontade 
de  saber  mais  do  que  sabia,  para  os  poder  aliviar.  Depois 
que  se  incendiou  e  se  destruiu  a  Torre  de  Belém,  transpor- 
taram meu  pae  para  o  Forte  da  junqueira,  e  tiraram-lhe  o 
creado;  ahí  ficou  só  num  cárcere,  quasi  sem  luz,  frio;  des- 
acommodado,  e  sem  nenhum  soccorro;  eu  teria  então  dez 
para  onze  annos,  e  como  já  sabia  escrever,  ainda  que  mal, 
lembrou-me  fazer  um  plano  de  educação,  para  as  donzel- 
las  portuguezas,  plano  que  divertiu  muito  minha  mãe,  e 
communicou-o  ás  pessoas  que  nos  cercavam,  as  quaes  o 
fizeram  correr  Lisboa,  c  me  deu  uma  certa  celebridade  que 
decerto  a  obra  não  merecia.  Continuei  a  minha  assidui- 
dade junto  ao  leito  de  minha  mãe,  e  a  ler-lhe  cm  portu- 
guez  tudo  quanto  ella  queria;  a  maior  parte  das  obras  eram 
devotas,  masescriptas  por  aquelles  que  melhor  fatiavam 
a  lingua  portugueza,  por  e.xemplo  Frei  Luiz  de  Sousa. 
Bernardes,  Fr.  Thomé  de  lesus,  a  vida  de  D.  João  de 
Castro,  por  Jacintho  Freire,  algumas  orações  académi- 
cas, de  meu  pae,  e  de  meu  avô,  etc.  Com  isso  adquiri 
a  correcção  na  lingua  ;  nesta  época,  chegou  uma  carta 
de  Malta,  em  que  meu  tio  D.  Luiz   d'Almcida,  irmão  de 


s.q 


nicii  piic.  dciva  muitos  parabéns  d  minha  mòe,  das  ha- 
bilidades de  sua  filha,  dizendo,  que  lhe  constava  que  cu 
sabia  muito  bem  francez  e  italiano;  era  falsa  a  noticia,  eu 
nt^io  sabia  nem  francez  nem  italiano,  mas  entrei  com  tal 
zelo,  a  estudar  uma  e  outra  lini,jua,  que  de  13  annos  en- 
tendia tudo,  li  Telemaco,  varias  outras  obras  de  Mr.  de  Pe- 
nelon.e  a  de  Mr.  de  Ramsai.  que  traduzi  toda  em  portu- 
s^uez.  e  que  ficou  na  mão  l\o  bispo  de  Malaca,  homem 
muito  instruido  e  de  muito  ens^enho;  começou-me  a  ten- 
tar a  leitura  dos  pocMas,  li  Ferreira,  e  finalmente  Camões; 
esto  quasi  me  fez  endoidecer  de  enthusiasmo.  e  fez  desen- 
volver em  mim,  esse  tal  qual  estro,  que  tanto  recreava 
meu  pae-,  fui  lendo  tudo  quanto  achei,  e  pude  adquirir, 
por  um  folheto  que  comprei,  o  qual  tinha  por  titulo.  Bi- 
bliothfqtw  d'un  hommc  de  RoCii;  che^iuei  a  adquirir  ^Oid  vo- 
lumes meus.  quasi  todos  cheios  de  notas,  para  meu  estu- 
do c  instrucção.  Mas  depois  da  soltura  de  meu  pae,  e  do 
meu  casamento,  mandando  ir  esta  collecção  de  livros 
para  o  Porto,  onde  meu  marido  commandava  um  rci^i- 
mcnto,  furtaram-me  estes  õOO  volumes,  que  eu  juls^iava 
serem  o  meu  thezouro. 


A  Condessa  de  Oevnhausen  tendo  reigressado  a  Por- 
tuvial,  e  tendo  promovido  com  a  mais  insistente  dedica- 
ção a  revoíijação  i\c\  sentença  que  iniustamente  tinha  con- 
tlemnado  o  Marcjuez  d"Alorna,  seu  irmão,  como  traidor 
ã  pátria,  ficou  habilitada  pelo  tribunal  que  fez  a  revisc^o 
do  processo  a  fazer  o  requerimento  se^iuinte : 


89 


Senhor 

Diz  a  Condessa  de  Oevnhausen,  que  tendo  provado 
na  maior  evidencia  a  honra  e  lealdade  de  seu  irmão,  o 
Marquez  d'Alorna,  contra  a  sentença  proferida  em  22  de 
Dezembro  de  1810,  que  a  Supp.^  embargou,  foi  elle  ab- 
solvido, restituída  a  memoria  do  dito  seu  irmião,  e  absol- 
vido do  crime  que  injuriosamente  lhe  fora  imputado,  re- 
vogada a  dita  sentença  condemnatoria,  e  declarado 
inculpado,  assim  como  innocente,  e  honrada  a  sua  me- 
moria; foi  também  habilitada  a  Supp.^  para  promover 
todos  os  effeitos  civis  desta  restituição,  bem  como  o  de 
todos  os  seus  bens  livres,  de  vínculo  e  prazos,  direitos  e 
acções,  e  quanto  pertencer  á  sua  herança  e  successão, 
tudo  em  conformidade  da  Ord.  L.  5,  n.o  6  §  11,  como 
mostra  pela  sentença  no  documento  junto. 

Ha  comtudo,  Senhor,  uma  contradicção  manifesta  na 
sentença,  porque  mandando  restituir  tudo  ão  Marquez 
d'Alorna,  irmão  da  Supp.'^,  limita  a  sentença  a  restituição 
de  bens  e  rendimentos  d  aquelles  que  estão  comprchen- 
didos  na  disposição  do  Decreto  de  9  de  Fevereiro  de 
1821,  art.  6.0,  os  quaes  ficam  salvos  nos  terceiros  possui- 
dores, assim  como  ão  Real  Erário  rendimentos  ou  valo- 
res que  alli  tenham  entrado. 

O  texto  expresso  da  Ord.  do  Reino,  sobre  o  mesmo, 
prevenio  os  damnos  graves  que  produz  esta  excepção;  e 
sendo  certo  que  o  Marquez  d'Alorna,  Irmão  da  Supp.*^ 
estava  perfeitamente  innocente,  sendo  muitos  os  martvrios 
quesoffreu:e  parece  que  a  justiça,  e  a  razão  natural  pro- 
hibem  que  a  sua  herdeira,  que  por  tantos  annos  soffreu  in- 
calculáveis mágoas,  fique  privada  agora  dos  meios  que 
lhe  são  necessários  para  reparar  as  brechas,  que  lhe  fize- 
ram os  castigos  e  privações  não  merecidas. 

Mais  que  tudo  a  vista  da   inexhaurivel  bondade  que 


90 


todos  reconhecemos  no  \^é^\o  Coraçt^o  de  Vossa  Majes- 
tade, da  sua  munificência,  e  jjrandeza,  imp>ossivel  é  csp)c- 
rar,  que  coarcte  d  Supp>*a  mesquinha  porção  de  bens  que 
lhe  competem,  e  que  deixando  de  lhe  serem  restituídos, 
deixa  de  als^um  modo  equivoca  e  contraditória  ademons- 
traçi^oda  justiça  que  acaba  de  julijarseu  honrado  e  infeliz 
irnic^io :  para  evitar  esta  collisâo  a  mais  desai^radavel,  a 
Supp/'  nt^^o  quer  mais  que  a  simples  e  literal  observância 
da  Ordenação  L.  5,  n."  ó,  §  11.  que  o  Decreto  de  9  de  Fe- 
vereiro de  1821.  nâo  revoíjou  nem  expressa,  nem  tacita- 
mente, em  consequência  do  que  está  em  seu  viijor  aquel- 
la  Ordenação  do  L.  5,  n.«  6.  §  1 1  como  é  expresso  na 
Ordenação  L.  2,  n.«  44. 

Nem  esta  prctençào  da  Supp.^  Senhor,  é  extraordinária 
nem  excessiva,  antes  o  mais  natural,  o  mais  justa,  o  mais 
conforme  com  as  paternaes  e  benéficas  intenções  de  Vossa 
Mai^estade :  esses  terceiros  cujos  direitos  a  sentença  junta 
mandou  salvar,  ou  estão  de  posse  de  bens  que  sào  da 
Casa  do  Marquez  d'Alorna,  em  que  a  Supp.<^  succedeu. 
por  titulo  de  compra,  ou  por  Graça  quanto  aos  primei- 
ros que  compraram,  e  só  porque  os  bens  se  venderam 
por  um  preço  arrastadissimo,  e  neste  caso  devem  entre- 
j^ar  esses  bens  comprados,  porque  são  da  herança  do 
Marquez  d'Alorna.  em  que  succedeu  a  Supp.**,  e  n*este 
caso  levantar  o  dinheiro  ou  valores  do  Real  Erário,  que 
lhos  ha-de  entrej^iar.  porc^ue  cm  nome  de  Vossa  Mavies- 
tade  não  ha  de  querer  locupletar-se  com  tão  horroroso 
prejuiso  da  Supp.«^ :  e  quanto  aos  sesjundos.  isto  é,  que 
estão  de  posse  dos  bens  por  Graça  de  Vossa  Majestade, 
estes  com  dobrada  razão  os  devem  restituir  d  Supp.<^ 
porque  todas  estas  Graças,  foram  ob-e  subrepticias ;  pois 
tal  houve,  permitta-mc  Vossa  Majestade  que  exponha  a 
verdade  sem  rodeios,  tal  houve  que  faltou  á  verdade,  e 
env^anou  a  Vossa  Mav^estade  expondo,  para  obterem  a 
propriedade,  que  a  Supp.''  iS  estava  tle  ^x>sse  dos  vinculos 


91 


da  Casa,  tendo  sido  incorporada  na  Real  Coroa;  pois 
nem  a  propriedade  estava  incorporada  na  Real  Coroa, 
nem  a  Supp.'^  estava  de  posse,  pois  que  só  de  alguns 
apenas  tomou  posse  no  anno  de  1820,  a  50  de  Maio. 

Eis  aqui  quanto  a  Supp.^  julga  preciso  para  apadri- 
nhar a  sua  justa  supplica  quanto  á  restituição  de  todos  os 
bens  sem  a  restricção  do  Decreto  de  9  de  Fevereiro  de 
1821,  mas  sim  segundo  a  letra  expressissíma  da  Ordena- 
ção L.  o/o  n.o  6,  §  11,  que  está  em  inteira  observância,  e 
que  a  Supp.^  reclama  na  Real  Presença  de  Vossa  Majes- 
tade em  seu  auxilio,  e  que  a  Vossa  Magestade  pede  que 
mande  observar  segundo  a  sua  letra. 

P.  a  Vossa  Magestade  humildemente 
que,  como  signal  de  honra,  e  de  be- 
nevolência, lhe  faça  a  Graça  de  a 
despachar  como  supplica,  e  de  man- 
dar cumprir  exactamente  o  que  de- 
termina a  citada  Ordenação  L.  5° 
N."  6  §   11,  que  está  em  seu  vigor. 

E.  R.  M/^ 


CAPITULO  VI 

Mais  quatro  cartas  de  Alcipe  a  seu  pae.  Em  outra  carta  a  seu  pae, 
Alcipe  refére-se  a  um  sermão,  que  escreveu  para  favorecer 
um  pobre  frade,  o  qual,  depois  de  o  ter  pregado  desastra- 
damente, o  vendeu  a  outro  frade  por  4S000  réis,  podendo-o 
assim  rehaver  D.  Leonor  d'Almeida,  e  podendo  portanto 
mostral-o  como  elle  era,  e  não  como  tinha  sido  pregado. 

Do  muito  elevado  engenho  de  D.  Leonor  d'Almeida 
vieram  dando  successívas  e  concludentes  provas  as  cartas 
por  ella  escriptas  no  seu  quarto  no  mosteiro  de  Chellas, 
cujas  paredes  estavam  destinadas  a  limitar  o  horisonte 
da  sua  visibilidade. 

Passamos  a  apresentar  algumas  destas  cartas : 

Meu  querido  Pae  e  meu  Snt.  do  meu  coração 

Com  o  desejo  de  entreter  a  V.  Ex.a  agradavelmente  nas 
novidades  politicas  e  litterarias  de  que  me  tenho  instruído, 
perguntei  se  se  resolviam  a  mandar  hoje  o  moço,  disso- 
ram-me  que  não,  e  tendo-me  uma  rapariga  deste  con- 
vento pedido  que  lhe  fizesse  vários  rascunhos  de  cartas, 
umas  para  cobranças  de  dinheiros  e  negócios  semelhan- 
tes, fiada  no  tempo,  não  achei  outra  occasião  de  fazer- 
Ihas,  e  no  fim  diz-me  minha  mãe  que  se  resolve  a  man- 
dar o  moço. 

Dizem  que  o  Marquez  de  Pombal  pedira  uma  Bulia 


«M 


para  se  cIcspciKkTcm  os  cahidos  dos  bens  da  I^atriarchal 
no  serviço  dlil-kei ;  tju^'  o  Papa  respondera  gue  se  pro- 
vessem os  luí^ares  vaijos.  por  que  cllc  nâo  tinha  duvida 
de  conceder  o  que  sobejasse  a  Sua  Mai^estade ;  mas  que 
era  indecencia.  emquanto  se  faltava  ao  serviço  da  Ivjrcja, 
sacrificar  o  que  lhe  estava  destinado  aos  prazeres  do 
Soberano. 

Pediu-se  mais.  licença  para  prover  e  confirmar  o  Bispo 
de  Coimbra,  respondeu  o  Papa  que  a  disciplina  dã  Igreja 
ni^io  consentia  mais  que  um  Pastor  a  cada  rebanho,  e 
cjuc  nào  lhe  constando  dci  morte  do  outro  BisfX),  se  nào 
podia  lulmitlir  cm  boa  consciência  al^jum  outro. 

A  Hl-I.?ei  propozeram-lhe  o  despacho  de  ali^uns  papeis, 
respondeu  que  n^o  estava  para  nada,  que  o  seu  corpo 
pedia  ócio,  que  ócio  queria,  e  que  entregassem  lá  isso  a 
(juem  quizessem.  Tem  continuado  a  achar-se  peior,  fez-sc 
uma  junta  de  que  resultou  a  continuaÇtio  dos  banhos  do 
Estoril,  mas  também  se  falia  em  Caldas. 

Dizem  quo  aqui  se  espera  brevemente  o  Duque  de 
Chartres  com  uma  esquadra.  í:ste  Principe  estimável,  como 
presentemente  o  é  toda  a  Casa  I^eal  de  rran«;a.  dizem  que 
vem  fazer  al^nima  observaç*io  importante,  e  que  talvez 
viril  contratar  o  casamento  do  Principe.  Íil-Rei  de  Prança 
é  um  I^incipe  estimabilissimo  e  que  faz  honra  á  naç«io 
franceza.  um  coraçc^io  terno  e  sensivel  capaz  de  compre- 
hender  todos  os  seus  vassalos :  restabeleceu  todos  os  des- 
siraçados  e  as  pessoas  respeitáveis  dos  tribunaes.  que  no 
reinado  antecedente  tinham  itio  abaixo. 

rodas  as  escolhas  que  tem  feito  lhe  fazem  honra,  e  os 
francezes  finalmente  estAo  na  edade  douro. 

Xi^o  ha  tempo  para  mais,  eu  terei  um  cartapacio 
prompto  para  a  vez  sevniinte. 

De  V.  Kx.- 

I  ilha  muito  olx^diente 

l. 


95 


Meu  querido  Pae  e  meu  Snr.  do  meu  coração 

Apesar  do  tempo  mais  fresco  continuei  os  meus  ba- 
nhos e  com  elles  recebo  bastante  beneficio,  essencialmente 
em  varias  coisas,  que  talvez  teem  sido  a  origem  de  todas 
as  minhas  moléstias;  porém  como  o  meu  peito  é  summa- 
mente  delicado,  estes  dias  com  o  frio  tenho-o  tídoalsjuma 
coisa  dorido  e  com  tosse ;  porem  todos  me  acham  de  boa 
cara  e  a  minha  côr,  que  foi  das  melhores  que  tem  rapa- 
rigas, torna  a  apparecer  de  dias  em  dias.  Quererá  Deus 
talvez  melhorar-me,  apesar  da  minha  sorte?  Eu  trabalho 
para  que  nenhuma  coisa  deste  mundo  tenha  a  habilidade 
de  destruir  os  meus  allivios,  preparo-me  mesmo  para  des- 
pedir-mc  do  mano  sem  demasiadas  lagrimas,  porque  me 
faz  mal  chorar.  E  a  ídéa  de  que  podia  avigorar-me  se  ti- 
vesse liberdade,  olho  para  ella  como  para  uma  fabula  bo- 
nita, que  poderia  ornar  a  poesia ;  emfim,  torno  dío  stoi- 
cismo  para  ver  se  engordo,  que  é  o  que  me  falta.  Appa- 
rece  uma  velha  aqui,  mulher  muito  de  bem  e  pobríssima, 
a  qual  se  quer  acommodar  com  minha  mãe  por  creada ; 
toca  cravo  maravilhosamente,  e  eu  estou  com  grande  ap- 
petite  de  ter  este  soccorro  para  a  solidão  em  que  nos 
deixa  o  mano;  desejo  muito  que  a  pague  Ignacio  Pedro 
e  proponho-me  fallar  aos  Cresos  para  que  me  consigam 
este  divertimento,  vistas  as  sentenças  rigorosas  que  recaem 
sobre  mim.  Meu  irmão  diz  que  hoje  ia  fallar.  âo  Marquez 
de  Pombal,  creio  que  não  fará  nada,  nem  ao  menos  en- 
contrar-se  com  elle,  por  que  isto  é  o  que  tem  succedido 
até  aqui.  O  nosso  protector  estimável,  o  Snr.  Infante,  olha 
para  nós  com  summo  dó,  e  já  temos  a  consolação  de  sa- 
ber que  clle  se  compadece  áo  mano  Tancredo  e  certa- 
mente fará  a  sua  felicidade  em  as  coisas  mudando.  El- 
Rei  está  da  mesma  sorte  e  todos  asseguram  que  o  Marquez 
de  Pombal  está  doente,  porem  como  não  está  declarado 
não  nos  serve  isto  de  nada  ainda.  Temos  assentado  em 


yo 


que  V.  í:x.a  rit^o  nomeie  nas  siuis  cartas  nenhuma  das  pes- 
soas que  nos  consolam ;  porque  no  caso  de  haver  alvju- 
ma  dcssjraça  n^o  devem  estes  nomes  ser  causa  de  outras ; 
e  para  que  haja  muita  coníusâo  podem  servir  os  nomes 
de  auctores  francczes.  Assim  D.  Thereza  de  Mello  hrey- 
ner  será  Tjrze;  o  Conde  dos  Arcos  será  Mr.  Dorat.o  Ta- 
niavinini,  Mr.  lialer,  célebre  medico  allemâo  d'este  século, 
excellente  poeta  também,  homem  de  muita  litteratura  e 
bom  síosto ;  Almeno  náo  seja  mais  Almeno,  seja  Abbade 
de  Rance ;  o  1'ilinto  Mr.  Prior,  reitor  Inijlez  ;  Albano,  Mr- 
Destile ;  losé  Dios^o,  Mr.  Deslandes,  auctor  da  arte  «de  ne 
point  sennuycr.  c|u'ennuie  cependant»  ;  Gonçalo  Pedro 
nâo  acho  que  lhe  quadre  senão  o  venerável  Scoto.  15  as 
pessoas  respeitáveis  que  nos  consolam  devem  também  ter 
seus  nomes  :  O  Snr.  Infante  nâo  se  deve  nomear  nunca 
senáo  por  Pedro  l\c\  Silva,  nome  que  náo  dá  nos  olhos, 
lil-l-íci  a  mulher  o  o  Marquez  de  Pombal  o  marido.  Mr. 
Deslandes  assim  lho  ciiama. 

M."^*^  des  lloulières  diz  mil  coisas  s;;alantes  contra  o  que 
V.  li.v.'  pensa,  e  certamente  não  ha  outra  como  ella.  Mr. 
Dorat  ha  muitos  dias  que  não  frequenta  o  valle  das  Mu- 
zas  e  por  essa  razão  poucas  notas  posso  dar  delle. 

Mr.  Haler,  persuadido  também  de  que  eu  estimava  de- 
masiado os  phiiosophos  modernos,  n^o  quiz  que  V,  li.x.** 
o  juljkíassem  participante.  Ckuáci  aj^íora  na  deliijencia  pia  de 
me  voltar  contra  todos,  trazendo-me  quantas  criticas  cé- 
lebres se  tem  feito  a  estes  amii^os;  trou\e-me  uns  livros 
intitulados  —  Trez  séculos  ád  Litteratura  franceza  —  uma 
espécie  de  Diccionario  curioso,  que  me  pediu  mandasse 
a  V.  l:x."  como  j^rande  coisa.  As  criticas  de  Mr.  Clement. 
o  sirande  detractor  de  Voltaire;  joão  Baptista  Kíousseau. 
vinv'ado  contra  a  opinião  de  Voltaire,  e  a  critica  de  Mr. 
tie  La  liarpe.  I:m|im  faz-mej^randes  prefações  contra  loão 
jaccHics  l^ousseau,  como  se  este  ami^o  fosse  o  meu  orá- 
culo, unicamente  por  ver  \\c\  mesma  estante  o  Romance 


97 


da  Julía.  Emfim  este  que  eu  esperava  que  ao  menos  me 
não  ralhasse,  porque  sempre  me  tratou  com  alguma  bran- 
dura, já  está  do  partido  commume  ralha  quasí  como  um 
frade  velho,  ainda  que  eu  estou  cada  vez  mais  firme  no 
que  tenho  assegurado  a  V.  Ex,"  meu  querido  pae  ;  tomara 
que  V.  Ex.a  me  mandasse  dizer  quando  lhe  hei-de  man- 
dar estes  livros,  e  se  o  homem  lhos  pode  entregar,  por- 
que na  verdade  dão  grande  ideia  da  litteratura  presente. 
O  Abbade  de  Rance  tem  estado  aqui  vários  dias,  po- 
rém ainda  se  não  encontrou  com  Mr.  Haler  como  dese- 
java ;  já  esteve  na  companhia  de  M."^^  des  Houlières  de  que 
gostou  muito.  Minha  mãe  quer  que  eu  acabe ;  adeus  meu 
querido  pae,  adeus  mano  Tancredo,  que  não  posso  mais. 

De  V.  Ex.",  meu  querido  Pae, 

filha  muito  amante  e  obediente 

L. 

Mr.  Dorat  é  que  quiz  que  os  nomes  se  trocassem. 

Aíeu  querido  Pae  e  meu  Snr.  do  meu  coração. 

Estou  cheia  de  saudades  de  V.  Ex.a,  e  com  effeito  isto 
de  dia  dannos  não  é  graça ;  a  memoria  de  um  de  mais  sem 
felicidade,  lá  tem  o  quer  que  seja  de  melancólico,  que  se 
não  tira  com  boas  reflexões  :  deixa-se  a  gente  ir  com  as 
turmas,  e  faz  tolamente  suas  quatro  lamentações,  que  po- 
derá fazerem  outro  qualquer  dia.  Xodós  annosde  Y.  Ex.a 
fiz  vários  papeis :  levanteí-me  cedo,  porque  me  tocava 
hospedar  bem  os  convidados  (o  mano  e  José  Diogo) ;  \\z 
o  jantar  todo  pela  minha  mão,  ficou  muito  bom  e  eu  muito 
presumida.  De  tarde  enfeitei-me  bastantemente ;  veio  D. 
I.  de  F.  e  Haller.  O  mano  estava  vestido  de  côr  de  rosa 
muito  galante ;  mas,  pelas  cinco  horas  da  tarde  foi  neces- 
sário mudar  para  assistir  eio  enterro  do  pobre  Ignacio  Po- 


()Q 


dro.  que  dentro  cm  cinco  dias  acabou  de  um  picuriz.  Todo 
o  dia  falíamos  em  V.  Kx."*,  minha  màc  ã'ini\i\  me  pareceu 
linda,  mas  ali^uma  coisa  majora  ;  todos  diziam  que  cila  es- 
tava melhor  ciue  nós.  Se  assim  é  (do  que  duvida  a  mdna 
com  o  devido  respeito),  V.  Ex."  o  vird  a  julvjar  brevemente, 
porque  ha  quem  o  espcVe  na  bondade  de  Deus.  Depois 
(juc  o  mano  se  foi,  ficou  Mallcr  e  D.  1,  Convcrs<imos  ora 
nos  nossos  assumptos  litterarios,  ora  nos  políticos;  todos 
confiam  na  misericórdia  de  Deus  de  que  esteja  próximo 
o  remédio  das  nossas  anijustias.  Tenha  V.  Ex.«  animo ;  já 
sei  que  o  comp>*  nào  quiz  levar  a  V.  Ex.»  mais  que  três 
jornaes,  cjucira  Deus  que  av^ora  se  resolva  a  levar  o  resto. 
O  mano  foi  a  casa  do  Arceb.  .  .  e  disse-lhe  que  como 
partia  para  Coimbra  se  nâo  atrevia  a  deixar  sua  m3e  e 
suas  IrmiSs  no  descommodo  terrivel  em  que  as  via,  que 
queria  saber  o  estado  em  que  ficavam  os  nossos  nei^cKios. 
Respondeu-lhc  que  brevemente  vinha  cá  dizer  á  Prelada 
que  nos  desse  toda  a  casta  de  consolaçáo  que  necessitás- 
semos, e  cila  soubesse  escos^itar  ;  ainda  náo  veiu.  A  Prio- 
reza  ha  muito  tempo  que  mette  o  negocio  á  bulha,  e  que 
tliz  cjue,  como  náo  tem  ordem  nenhuma  d'EI-Rei,  nào  está 
obrivíada  a  se^iuir  extravas^ancias.  Todos  julgam  que  nt*>s 
teriamos  feito  bem  em  desprezar  a  maior  parte  dos  ter- 
rores, por(5m  os  nossos  limites  n^o  podem  ser  condemna- 
dos.  e  ainda  ciue  nós  temos  aliífumas  horas  dapcrtos 
i\o  coraçtio,  a  maior  parte  sJ\o  de  tranquillidade.  Com 
í;;ente  que  náo  tem  pés  nem  cabeça,  obra-se  sem  pós  nem 
cabeça.  Cada  dia  appardce  uma  nova  incoherencia.  mas 
no  estado  presente  conhecem-se  e  dcixam-se  passar  sem 
obstáculo  -,  o  mais  tem  consequências  aborrcciveis  e  ridí- 
culas muitas  vezes.  A  Casa  de  V.  l:x.«  deveria  passar  j^ara 
as  meios  de  minha  nu^ie,  porém  o  mano  depois  da  morte 
i.\o  Iv!nacio  foi  três  dias  a  fio  a  casa  do  Marquez  de  Pom- 
bal sem  nunca  lhe  fallar,  e  finalmente  nomearam  um  so- 
brinho do  tal  homem  em  tudo  aquillo  em  que  o  tio  ser- 


99 


viu,  e  por  consequência  na  administração.  Não  trocámos 
com  perda,  por  que  o  tal  rapaz  é  muito  civil,  e  era  por 
quem  nós  conseguíamos  alguma  coisa  do  pobre  morto. 
Veremos  o  que  dá  o  tempo  e,  emquanto  corre  tão  con- 
trario, é  preciso  que  nos  julguemos  uns  instrumentos  pas- 
sivos nas  mãos  da  necessidade  (se  acaso  a  necessidade  tem 
mãos). 

Pelo  que  pertence  aos  nossos  negócios,  a  difficuldade 
de  remédio  quasi  me  tem  feito  insensível.  Não  sinto  nenhum 
ódio  aos  inimigos,  desejo  a  minha  felicidade  sem  o  seu 
damno.  e  satisfaço-me  com  o  testemunho  interno. 

O  meu  sermão  irá  em  estando  copiado. 

Não  posso  mais.  Dou  os  parabéns  ao  mano  pelos  dias 
de  hoje  e  damanhã.  Por  cá  festejou-se  muito  bem.  O  mano 
P.o  vae-se  5."  feira,  se  não  tiver  obstáculo.  Adeus  meu  que- 
rido pae,  tenho  muitos  desejos  de  conversar  com  V.  Ex.^ 
e  muito  que  dizer:  Deus  me  de  o  gosto  de  vêl-o. 

De  V.  Ex.=^ 
Filha  mais  amante  e  obediente 
L. 

Meu  Querido  Pae  e  meu  Snr.  do  meu  coração 

Agora  que  o  susto  de  minha  mãe  me  não  embaraça  de 
falar  livremente  de  V.  Ex."*  na  grandíssima  consternação, 
em  que  estivemos  no  dia  da  triste  execução,  não  serve  de 
nada  descrever  a  V.  Ex.a  as  meudas  circunstancias  do  meu 
tormento  :  mas,  para  V.  Ex.i  fazer  delle  uma  ideia,  basta 
julgar  que  eu  fui  a  única  que  soube  com  certesa.  que  tudo 
caminhava  para  a  junqueira;  o  tive  o  valor  de  não  dar 
signal  de  mim  até  que  chegou  meu  irmão.  Graças  a  Deus 
que  não  foi  comnosco,  nem  era  nosso  conhecido,  como 
esteve  para  ser.  por  causa  das  minhas  pinturas,  e  da  mi- 
nha tal  ou  qual  habilidade  para  essa  arte.  O  pobre  ho- 
mem   morreu,  sempre  com  um  valor  pasmoso;  e  é  bem 


IH) 


digno  dã  maior  Uístima.  O  susto  Jc  V.  l:x.-  ucspedaça-mc 
o  coração ;  o  mano  Tancredo  conta  as  suas  circunstan- 
cias por  um  modo,  que  interessa  summamente,  e  que  fez 
chorar  a  sua  noiva  umas  lindas  lavirimas.  Tive  o  vjostodc 
pensar  como  V.  tix.»  e  de  me  achar  no  mesmo  estado  de 
animo,  pouco  mais  ou  menos,  esperando  quasi  insensivel 
e  que  viesse  dar  comigo  só.  O  que  tocava  a  V.  Ex."  nâo 
o  podia  imaginar  sem  me  sentir  morrer,  porem,  comonáo 
sabia  nada  com  certeza,  nt^o  deixava  que  o  medo  tomasse 
posse  docoraçtSo, 

Dizem  que  o  Marquez  tem  guardas  dobradas  depois 
dã  funcçc^^o,  e  n^o  fala  a  ninguém  S  noite  ;  quando  sae 
vâo  os  soldados  com  as  espingardas  carregadas  com  ba- 
las; o  homem  não  anda  em  si  e  vcrifica-se  nelle  o  retrato 
que  faz  Mr.  de  Fenelon  de  Pigmalii^o.  N5o  ha  nada  mais 
de  novo.  scn^o  a  morte  repentina  do  Conde  de  Lumiares, 
com  que  todas  aqui  estamos  consternadas,  por  causa  de 
Condessa  e  da  prima  Antónia. 

Tudo  quanto  V.  í:.v."  dizia  nas  suas  ultimas  me  deu 
a  maior  consolaçc^o.  I:u  ni^o  gosto  muito  de  disputas  se 
n^o  moderadas ;  gosto  muito  de  entreter  a  V.  E.x."  e  por 
isso  mandei  os  livros,  mas  as  notas  que  elles  levavam 
oram  d<.^  mana  Maria,  c  eu  nem  sabia  que  elles  as  levavam. 

O  Piron  tem  feitiçaria  para  lá  ficar.  I:stou  nã  resolu- 
Çc^o  de  mandar  a  V.  Ex.»  também  os  jornaes  encyclope- 
dicos,  que  tenho  desde  o  anno  73.  Se  V.  Ex.«  quizer  os 
mais  atrasados,  eu  os  mandarei;  mas  se  tiver  mais  appe- 
tite  dos  d'este  anno,  onde  vem  algumas  noticias  curiosas 
sobre  o  Papa  e  a  Companhia,  iráo:  tomara  consola-lo 
e  divortil-o.  meu  cjuerido  pae.  Dê-me  V.  Ex.»  a  sua  ben- 
Çi^^o.  Eu  me  dilatarei  mais  para  a  outra  vez.  kecados  ao 
mano  Tancredo. 

De  V.  Ex.« 

í-ilha  mais  amante  e  obediente 

l. 


101 

Meu  querido  Pae  e  meu  Snr.  do  meu  coração 

Estou  com  muito  cuidado  em  V.  Ex.''  e  com  o  desejo 
ardentíssimo  de  poder  soccorrêl-o.  Ninguém  melhor  que 
eu  coniiece  o  que  V.  Ex."*  está  padecendo,  e  isto  me  aviva 
dobradamente  a  compaixão  e  a  ternura.  Prouvera  a  Deus 
que  o  nosso  Tamagnini  podesse  acudir  a  V.  Ex.^  assim 
como  vem  acudir-nos  e  consolar-nos  a  nós.  Elle  hoje 
achou-me  melhor  e  até  mais  gorda  ;  a  exactidão  com  que 
pratico  quanto  me  pode  ser  útil  não  pode  deixar  de  fa- 
zer effeito.  Tornou  a  ordenar-me  os  banhos,  e  faço  ten- 
ção daproveitar  os  bons  dias  que  houverem  ainda.  Es- 
tou com  melhor  côr,  que  é  para  mim  um  grande  sígnal. 
A  debilidade  é  o  íncommodo  único  que  me  persegue  ain- 
da ;  mas  eu  creio  que  brevemente  terei  meios  de  fortifi- 

car-me Desejei  muito  dar 

a  V,  Ex."'  algumas  novas  dos  sábios  de  que  tenho  nota  e 
que  não  são  do  seu  tempo,  mas  para  o  fazer  com  perfei- 
ção talvez  necessite  mais  tempo  e  mais  saúde;  assim  como 
é  possível,  lá  vae  o  que  sei. 

Mr,  de  Voltaire,  que  já  é  famoso  ha  mais  de  meio  sé- 
culo, ainda  agora  se  conserva  á  frente  de  uma  multidão 
de  sábios,  que  o  adoram  como  oráculo  do  gosto.  Não 
está  tonto,  antes  o  vigor  e  as  graças  do  seu  engenho 
admiram  ainda  e  recreiam  a  todos ;  as  suas  poesias,  que 
apparecem  a  cada  instante  nos  papeis  volantes  como 
jornaes  enciclopédicos  e  outros,  mostram  que  elle  vence 
a  todos  na  dicção  e  no  modo  delicado  de  pensar. 

Um  grande  numero  de  obras  suas  teem  apparecido  de- 
pois da  prisão  de  V.  Ex."*  e  ainda  que  eu  me  abstenho  de 
ler  as  que  V.  Ex."  me  defenderia,  sei  que  tem  escripto  sobre 
a  Phvsíca,  a  Moral,  a  Politica,  a  Agricultura,  e  sobre  tudo 
quanto  se  acha.  Uma  das  mais  célebres  obras  são  as  ques- 
tões sobre  a  encYclopédia.  que  por  virem  sem  nome  de 
auctor  eu  li,  e  V.  Ex.-^  terá  a  bondade  de  perdoar- me  se 


102 


lhe  parecer  gue  d  minha  humilde  confissão  o   merece. 
I.  |iKqut-'S  Pousscdu  é  depois  de  Voltaire  o  mais  famoso 
pelo  seu  elcijantissimo  estylo,  unido  a  uma  profundidade 
de  conhecimento  muito  s^jrande  e  a  um  jjenio  philosophico 
o  mais  raro  e  o  mais  estranho,  gue  o  tem  levado  a  umas 
sins;;ularidades.  gue  ou  a  vist^io  ou  as  preoccupaçôes  cha- 
mam redicularia.  O  caracter  deste  homem  é  virtuoso,  mas 
dcss^raçada mente  sejtjue  essas  ideias  gue  nt^o  concordam 
com  o  chrislianismo,  e  se  concordam  estico  expostas  de 
um    iKxIo  c]ue  revoltam  o  mundo  christáo,  c  os  devo- 
tos mais  gue  tudo ;  das  suas  obras  conheço  lulia  unica- 
mente, como  já  disse  a  V.  Iíxa  Sej|juem-se  Mrs.  d'Alem- 
bcrt  c  Diderot  dois  homens  raros,  o  primeiro  do  caracter 
mais  amável  gue  é  possivel,  os  seus  escriptossâo  a  razcio 
mesma,  o  seu  cstylo  é  clarissímo.  e  mostra  sem  difficul- 
dade  a  gualguer  pessoa  aguellas  coisas,  gue  até  aj^ora 
eram  só  para  um  pegueno  numero  de  escolhidos.  A  ma- 
thematica  d  o  seu  forte,  mas  elle  com  ei^ual  habilidade 
maneja  todos  os  assumptos,  e  tanto  nas  sciencias  como 
nas  bellas  letras  escreve  excellentemente.  Li  d'este  auctor 
quatro  tomos,  que  contcem  diversas  obras,  e  todos  me 
encantaram.  Diderot  menos  encantador  gue  o  seu  amij^o 
e  collevía,  é  também  estimável ;  tem  composto  um  numero 
prodigioso  de  arti^ios  de  encvclopédia.  é  auctor  de  um 
tratado  celebre  chamado  o  Código  da  natureza,  c  attri- 
buem-lhe  os  dois  mais  célebres  livros  gue  teeni   sahido 
n't'-.te  século :  O  Systema  d^  natureza,  e  O  Systema  social, 
os  guaes  sdo  admirados  e  combatidos  pelos  dois  partidos 
Fhilosophico  e  Antiphilosophico,  em  gue  está  dividido  o 
mundo  Hf  torario.  Mr.  de  Buffon  vive  ainda  e  compõe  obras 
excelletiles,  e  agora  saliio  uma  muito  boa:  Accrescenta- 
mento  S  Historia  Natural.  Marmontel,  Tomas.  Dorat,  Clar- 
deau,  Arnaud  de  Baculard,  Dismerie.  Sidoine  (Gre.^sol)  gue 
devia  ter  precedido  estes,  e  o  Dugue  de  Xivernois.  em 
bellas  letras  e  na  Poesia,  brilham  principalmente ;  mas  cu 


103 


confesso  a  verdade  que  de  nenhum  gosto,  como  de  Boí- 
!eau,  Racine,  La  Fontaine  e  os  do  século  precedente. 

O  Rei  de  França  é  um  astro  que  vivifica  todas  estas 
plantas,  que  estão  ainda  tenras  algumas  d  ellas.  As  pal- 
mas do  merecimento  começam  a  despender-se  em  melhor 
ordem. 

Esquecia-me  fallar  em  Court  de  Gebelin,  que  é  outro 
diano  de  muita  estimação.  O  resto  vale  pouco,  e  se  me 
lembrar  algum  mais,  que  seja  famoso,  eu  darei  noticia 
d elle,  assim  como  posso  de  cada  um  destes  dar  algumas 
mais  indívíduaes,  por  que  conheço  as  obras  de  todos 
Não  posso  mais,  adeus,  meu  querido  Pae,  adeus  mano 
F.  até  um  dia  cedo. 

De  V.  Ex.a  meu  querido  Pae 

Filha  mais  amante  e  obediente 
L. 

Dê-me  V.  Ex.a  a  benção 
preciosissima,  que  me  faz 
feliz. 

Meu  querido  Pae  e  meu  Snr.  do  meu  coração 

Agora  que  meu  irmão  não  me  toma  o  tempo  quero 
ter  o  gosto  de  conversar  com  V.  Ex.a  e  de  tocar  vários 
pontos  em  que  tenho  appetite  de  fallar-lhe.  Gostei  muito 
de  ver  que  V.  Ex.a  conhecia  alguns  dos  Francezes  mo- 
dernos, de  que  eu  faço  estimação,  e  admira-me  a  ideia 
que  forma  do  Duque  de  Nívernoís.  que  é  summamente 
respeitado  pelos  melhores  critícos.  O  Palissot  que  tem 
voto  ponderável,  diz  que  os  seus  escriptos  parecem  di- 
ctados  pelo  gosto  e  pelas  próprias  graças.  Compáram-no 
com  Horácio,  com  Despréaux  e  Rousseau,  o  Poeta  E  o 
pouco  que  conheço  do  tal  Duque  não  deixa  de  me  dar 


in.i 


uma  ideia  vantajosa  deste  senhor;  a  sua  obra  mais  fa- 
mosa 6  «Umas  reflexões  críticas  sobre  o  çenio  de  Horá- 
cio. Rousseau  e  Boiicau»;  traduziu  com  felicidade  algumas 
obras  do  primeiro  e  ci'mL\c\  (juc  presentemente  ha  muitas 
traducÇcVs  francezas  deste  poeta,  que  se  preferem  á  de 
IVasier,  as  do  Duque  brilham  entre  as  mais,  secundo 
dizem  os  seus  patricic^.  Confesso  a  verdade:  uma  tra- 
ducçao  mais  moderna,  de  um  tal  Mr.  de  Maui^rv.  me 
avirada  incomparavelmente  mais. 

Sobre  Voltaire  nâo  acho  que  dizer,  por  que  V.  Ex.» 
entende  datiucllas  matérias  melhor  que  eu:  sobre  a  con- 
trovérsia sou  prohibida  de  faiar  por  todos  os  principios. 
e  até  devo  a  S.  Paulo  a  obriçaçao  de  me  escusar  o  meu 
parecer  absolutamente. 

Com  tudo  elle  é  reputado  por  um  ijrande  philosopho 
e  como  o  assombro  d'cste  século.  I:u  me  lastimo  dos 
seus  erros,  mas  n^o  posso  deixar  de  confessar  a  V.  Ex.«, 
que  me  vieram  as  lav^rimas  aos  olhos,  quando  vi  que  V. 
\:x.^  lhe  dava  sentença  de  queima.  De  que  servem  ho- 
mens queimados,  meu  querido  pae?  Por  ventura  reco- 
nhecem elles  a  verdade  na  foviueira  ?  Nào  é  Deus  só 
(Ui<^*m  deve  pôr  o  termo  aos  nossos  dias?  Se  Deus  soffre 
os  homens  miseráveis  sobre  a  terra,  que  direitos  teem  os 
outros  homens  para  os  n5o  soffrer  ?  Eu  conheço  que  V. 
Ex.a  tem  muita  virtude  e  muito  juizo  para  decidir  bem. 
mas  eu  que  sou  mulher  com  o  coração  muito  j^equeno. 
(juando  se  fala  em  matar  sempre  me  aflijo  pelo  senten- 
ciado, seja  quem  fòr.  Ncio  está  mais  na  minha  melo.  Deus 
tcr.i  piedade  dò  minha  fraqueza  se  níio  é  boa.  em  con- 
setiu<-'ncia  do  preceito— de  amar  o  próximo  como  a  mim 
mesma.  Queira  Deus  que  eu  n'isto  n«So  di<a  alguma  to- 
lice, que  desagrade  a  V.  Êx.«;  mas  copiei  o  meu  senti- 
mento e  ilisfarçal-o  parecer-mc-hia  peor. 

listimo  que  V.  \:x.*  se  divertisse  com  a  minha  epistola, 
e  sinto  que  ella  nc^o  levasse  a  perfeição  com  que  V.  Ex.« 


105 


houvesse  de  contentar-sc.  Mas  como  a  distancia  enfra- 
quece, o  que  eu  varias  vezes  tenho  dito,  torno  a  repetil-o 
para  ver  se  V.  Ex.»  se  persuade  e  se  satisfaz.  Depois  de 
ter  estudado  como  V.  Ex.»  sabe,  e  com  o  fim  único  da 
minha  felicidade,  formei  um  pequeno  plano  para  as  mi- 
nhas acções,  que,  sendo  conforme  com  as  intenções  dos 
meus  queridos  pães,  eu  podesse  contentar-me  também 
e  pratical-o  livremente.  Meditei  as  minhas  obrigações  a 
respeito  de  Deus,  da  sociedade  e  de  mim  mesma,  avaliei 
quanto  me  era  possivel  o  estado  do  mundo  e  principal- 
mente o  da  minha  terra,  e  resultou  d'aqui  assentar  fixa- 
mente, que  .eu  não  podia  ter  uma  hora  de  socego,  se 
me  lembrasse  um  dia  só  de  escrever  para  o  publico,  que 
a  este  só  serviam  verdades  disfarçadas,  ou  mentiras  po- 
sitivas, que  a  liberdade  (idolo  do  meu  entendimento)  seria 
uma  víctima  infeliz  das  máximas  estranhas  da  minha 
terra,  e  que  se  queria  ter  fortuna  com  ella,  servisse  o  jugo 
âã  opinião  posto  pelas  tolas  de  edade,  pelas  ignorantes 
de  titulo,  e  por  outros  indivíduos  semelhantes,  a  que 
chamo  em  segredo  baixa  plebe.  Cuidei  de  distinguir  bas- 
tantemente  o  caracter  das  pessoas  com  quem  falo,  c 
com  quem  estabeleço  muito  acauteladamente  as  minhas 
relações  litterarias,  debaixo  da  inspecção  adorável  da 
minha  querida  mãe.  Assentei  que  o  numero  devia  ser 
muito  pequeno,  e  com  effeito  o  é.  Mas  fi.xo  este,  tudo 
aquilio  que  não  contradiz  a  ideia  que  eu  tenho  da  vir- 
tude e  da  felicidade,  que  são  para  mim  o  mesmo,  livre- 
mente o  pratico  e  com  isso  me  recreio.  Assentando  fixa- 
mente que  os  meus  versos  não  encontram  o  parecer  de 
nenhuma  das  pessoas  a  quem  os  mostro,  de  quem  quero 
o  premio,  ora  os  dirijo  a  um,  ora  a  outro  dos  três  ami- 
gos nossos  que  me  entendem,  e  gosto  de  o  fazer  assim 
por  que  me  agradavam  os  inglezes  bons  e  os  allemães. 
onde  vejo  este  methodo  estabelecido,  como  um  meio 
para   facilitar    e   acccndcr    mais  a  imaginação,  e  as  cir- 


inA 


cunsltincias  do  objecto  a  que  dirijo  as  minhas  palavras 
O  ijosto  das  moralidades  também  me  persuade  a  isto. 
por  que  mais  facilmente  se  offerecem  reflexões  suppondo 
haver  quem  nos  escuta  do  que  só  falando  com  as  pare- 
des. Parc^cc-me  alem  d'isto  que  o  meu  trabalho  nâo  é 
uma  honra  nem  uma  lisonja,  que  faço  áquelles  homens, 
mas  um  sivinal  dã  minha  j^ratidâo  pelo  que  elles  contri- 
buem para  o  meu  adiantamento,  com  as  suas  conversa- 
ções, com  os  seus  livros,  e  com  a  emulação  que  me  d^o 
com  as  suas  obras.  Ncnlumi  delles  estima  essas  coisas 
Vc^^as.  que  só  tecm  valor  entre  os  que  sabem  pouco.  Pe- 
linto  é  de  um  caracter  original  para  a  nossa  terra.  Co- 
nhece bem  que  a  felicidade  está  em  si,  que  lhe  náo  vem 
das  honras  que  lhe  fazem  os  fidalgos ;  nâo  os  distintrue 
senão  pela  virtude  ou  pelos  talentos:  é  um  philosopiío 
incapaz  de  sujeitar-se  a  lísonjas,  nem  de  s^abar-se  das 
ciue  recebe.  V.  l:x.«  o  conhecerá  e  verá  que  dista  muito 
da  ideia  que  V.  í:x.«  forma.  Nestes  termos,  achando  quasi 
de  portas  a  dentro  quanto  era  necessário  para  me  occu- 
par  aí^radavcliiiente,  para  aqui  d  que  escrevo;  ncio  quero 
que  me  leia  nini^uem  que  me  possa  reparar  no  que  diijo. 
por  que  quero  falar  o  (jue  entendo  e  o  que  me  inspira  a 
razão  e  a  virtude;  não  quero  se  não  isto,  (luo  c  (^  p.um 
ídolo,  quero  paz,  amizade,  irmãos  e  pães. 

Toda  esta  prelenv;;a  se  reduz  a  asseijurar  a  V.  lix.* 
que,  cm  dizendo  als^iuma  coisa,  é  na  opinião  de  ser  bem : 
<abendo  porem  perfeitamente  que  em  V.  í:x.*  lhe  achando 
defeito  o  tem,  e  estou  prompta  a  sacrificar  a  composição 
mais  do  meu  s^osto.  Só  a  ternura  e  a  submissão  de  que 
me  preso,  e  que  faz  toda  a  minha  felicidade,  potie  dar 
forças  para  este  sacrifício,  por  que  tudo  custa  menos 
que  o  perder  um  verso  que  se  não  julga  máu.  A  confusão 
em  que  concluo  esta  carta  talvez  me  fará  põr  mil  par- 
voíces. V.  Hx.'*  olhe  sempre  para  o  meu  coração  e  perdoe 
o  resto,  se  vae  máu.  l:stou  ainda  com  muito  dó  do  mano 


107 


Tancredo,  mas  lonoe  de  aflígir-se  deve  estimar  muito 
esta  occasião,  porque  M.n^^  Tancredo  me  disse  em  muito 
segredo,  que  d'isto  não  teria  que  sentir,  se  não  que  para 
uma  obra  boa  elle  houvesse  de  pedir  licença,  e  que  a 
resolução  de  ir  sem  esse  cumprimento  tem  dobrado  preço 
na  estimação  de  uma  rapariga  virtuosa,  V.  Ex."*  guarde 
segredo  que  não  quero  que  me  chamem  chocalheira,  e 
dê-Ihe  os  meus  recados. 

Meu  querido  Pae,  dê-me  V.  E.x.*'  a  sua  benção  e  adeus. 

De  V.  Ex.^ 

Filha  muito  amante  e  obediente 

L. 

P.  5.  Não  pude  escrever  quanto  queria. 

Meu  querido  Pae  e  meu  Snr.  do  meu  coração 

Minha  mãe  diz  a  V.  Ex.''  a  razão- .....  Espero  que 
estas  nossas  fadigas  se  acabem  brevemente ;  cada  dia  nos 
seguram  que  a  mulher  está  a  despedir-se,  e  ainda  que  eu 
tenho  demasiada  critica  para  fiâr-me  de  quanto  dizem 
interessados,  não  ha  duvida  que  podemos  crer  que  a  sua 
vida  não  será  muito  dilatada ;  os  nossos  negócios  estão 
parados,  e  este  é  o  seu  melhor  estado  emquanto  não 
volta  o  tempo.  Eu  sei  que  qualquer  coisa  em  que  se  bula, 
não  ha  de  ser  com  vantagem  nossa,  e  o  melhor  partido 
que  se  toma  com  gente  furiosa  é  deixal-a,  sem  lhe  apre- 
sentar razões  que  não  acceita.  O  estudo  moderado  é  a 
delícia  mais  certa,  que  se  escolhe  na  solidão.  A  paz  não 
foge  senão  com  a  virtude;  quem  não  tem  de  que  ar- 
guir-se,  acha  nos  minimos  objectos  motivos  de  consola- 
ção, e  seguro  a  V.  Ex.'\  que  as  mais  pequenas  coisas  me 
áão  summo  divertimento  na  situação  presente,  em  que  o 
preço  de  cada  bagatela  se  faz  grande.  A  musica  e  a 
dança,  de  que  usamos  bastantemente  ás  noites,  são  gran- 


Kis 


dcs  soccorros.  I:u  e  a  mana  c  a  minha  discípula  valida, 
somos  as  que  melhor  dansamt>s,  porem  o  reslo  das  mi- 
nhas Nimphas.  que  vem  a  ser  quatro  ou  cinco  mais. 
sempre  s^íbem  o  que  basta  para  entretôr.  Contradanças. 
cosinhados,  ele.  liçòes,  musica,  etc.  occupam  muitas  ho- 
ras, que,  por  pessoas  de  outros  çenios,  seriam  sacrificadas 
ao  horror  e  ti  desconsolação.  Haller,  que  ó  o  único  com 
(juem  falíamos,  com  uma  philosophia  sublime,  e  cheia  de 
piedade,  vem  de  vez  em  quando  animar  o  ^osto  do  es- 
tudo, e  accender  em  nós  e  até  nas  nossas  discípulas  um 
amor  de  sabedoria,  que  assaz  vemos  comp)ensado  no 
atliantamento  que  reconhecemos  umas  nas  outras.  A  mo- 
ral ó  o  estudo  principal  de  cada  uma,  reconhecendo  que 
só  o  acerto  dos  costumes  faz  a  felicidade  i.\a  vida.  Eu 
na  realidade,  por  força  de  um  temperamento  que  desejara 
trocar  por  qualquer  outro,  tenho  minhas  horas  de  fastio-, 
mas  a  viveza  com  que  me  presto  ás  consolações  possí- 
veis, e  as  situações,  em  ciuc  a  Philosophia  e  o  Christianis- 
mo  me  tornam  a  pôr,  pav^iam-me  tudo. 

Saberá  V.  I:x.«  que  ái\  mesma  sorte  que  José  Dio^o 
nao  quer  lar^iar  meu  irmão,  a  minha  discípula  me  nâo 
cjucr  laritiar  a  mim.  e  declarando-me.  que  ella  tinha  a 
maior  aversáo  para  o  partido  a  que  a  destinavam,  n^o 
tinha  outra  ambição  sencio  a  de  viver  comnosco.  I^iiu- 
me  ha  muito  tempo  por  quanto  ha.  que  quizesse  eu  se- 
\:urar-lhe  que  a  náo  havia  de  abandonar,  porque  ella 
tirnicmente  me  protestava,  que  larviaria  todos  c  tudo  para 
se  náo  separar  de  nós  jamais.  A  sua  edade  e  a  sua  viveza 
por  muito  tempo  me  conservou  intlecis*i  na  res;x>>ta  que 
devia  dar-lhe.  e,  sem  saber  a  vontade  de  minha  máe. 
apenas  me  resolvi  a  animal-a  e  a  cnxu^ar-lhe  as  lagri- 
mas, com  que  ella  me  fazia  as  suas  supplicas.  Minha  míie 
(^ppunha-se  als:uma  coisa,  temendo  que  ni^o  fosse  bom 
tiral-a  do  partido  a  que  seu  pae  a  destinava,  porém  ul- 
timamente reconheceu  que  só  uma  violência  execranda. 


109 


poderia  obríoral-a  a  ser  freira  ;  enternecida  bastantemente. 
e  mais  que  tudo  animada  peio  que  V.  Ex.'  ha  mais  tempo 
me  tinha  mandado  dizer,  consentiu  em  que  eu  lhe  promct- 
tesse,  que  teria  em  nós  uma  amisade  fiel  c  um  abrigo. 
Finalmente  eu  assim  o  fiz,  como  em  premio  da  sua  ap- 
plicação,   e   de   tal   modo  interessei  a  rapariga,  que  faz 
justamente  a  respeito  de   nós,  o  que   José  Diogo  faz  a 
respeito  do  mano.  Ha  comtudo  alguma  difficuldade  no 
modo  de  tiral-a  daqui ;  e  o  mais  que  se  pode  fazer  por 
ã^ovà,   é  conserval-a  sem   que  a  mettam  no  noviciado. 
Porem  mudando  a  nossa  fortuna  sem  que  haja  nenhuma 
violência  com  os  parentes,  que  são  uma  boníssima  gente, 
se  V.  Ex."*  quizer,  muito  facilmente  poderá  conseguir  que 
ella  vá  comnosco.  Nada  me  dava  tanto  gosto  como  fazer 
a   fortuna  desta  rapariga,  que  criei,  e  a  quem  com  bas- 
tante gosto  e  trabalho  communiquei  as  poucas  luzes  que 
tenho.  Na  sua  edade,  que  ainda  agora  é  de  quinze  annos 
e  meio,  tem  certamente  muito  adeantamento,  e  um  modo 
de  pensar  original  e  galante.  A  sua  figura  é  bastante- 
mente  engraçada.    Creio   que   virá   a   ser   muito   digna 
de  estimação,  por   que   formou  o  seu  coração  e  o  seu 
íuizo  entre  tudo  aquillo,  que  pode  aperfeiçoal-o  e  fazel-o 
enérgico.  Um  convento  é  uma  desgraça  fatalissima  para 
quem  tem  juízo,  e  aquellas  que  o  conservam  no  seio  de 
tantas  preoccupações  e  ridicularias,  provam  grande  ta- 
lento. Se  V.  E.x."  proteger  a  minha  discípula,  não  tenho 
mais   que   desejar   neste   ponto,   e  teremos  o  gosto  de 
fazer  feliz  esta  innocente  creatura. 

Recados  ao  mano  Tancredo ;  muito  me  lastimo  do 
socego  do  Ps  e  de  quanto  succede  nesse  sitio  infeliz. 
Deus  se  condoa  das  nossas  afflicções.  V.  E.x."  dê-me  a 
sua  benção  e  adeus  meu  querido  Pae 

De  V.  Ex.a 
Filha  muito  amante  e  obediente 
L. 


110 


Meu  querido  l'af  c  meu  ònr,  lio  ririi  coroçuo 

Minha  mae  recebeu  j^rande  bH^neficio  com  a  san^río. 
e  eu  eslou  por  isso  muito  contente.  O  meu  sermão  tem 
sido  objecto  de  vJr^indes  íjavos.  e  por  esse  motivo  estou 
também  muito  presumida.  O  fradinho  vendeu-o  a  um 
frade  nosso  amiv!o  por  4.000  rs.,  o  que  estimei  summa- 
mente  para  lhe  fazer  uma  grande  patacuada  de  descon- 
fianças, e  poder  mostral-o.  como  elle  <é.  e  nâo  como  elle 
o  prc^v;;ou.  Veja  V.  lix.»  cjue  boa  cachimonia. 

Continuam  as  desconsolações  a  montes  com  a  discí- 
pula. Nilo  cuido  quasi  em  outra  coisa,  senão  no  desgosto 
fortíssimo  que  me  tem  iX^áo  esta  raparií^a,  e  pasmo  ao 
mesmo  tempo  áò  minha  credulidade  e  da  sua  ini^ratiuào. 
Nclo  sei  que  mas^ia  tem  um  convento,  meu  querido  pae. 
A  virtude,  esta  delicia  dos  coraçòes  honestos,  c^  uma  phan- 
tasma  nestes  sítios,  nJio  tem  nenhum  pcxier  sobre  as 
almas  frívolas  d'estas  miseráveis  creaturas.  Apezar  dos 
mais  ternos  e  trabalhosos  cuidados  fuvíiu-me  dentre  as 
mc^os  esta  planta  que  eu  cultivava  com  tanto  çosto.  e 
nòo  vejo  nella  mais  que  o  estraigo  horroroso  das  más 
companhias.  Confesso  a  V.  Ex.*  que  me  custa  a  suppor- 
tar  a  dosconsoL^J^o  e  a  perda  do  meu  trabalho,  mas 
está  bem  castíjjada  a  presumpçáo  que  eu  linha  de  fazer 
a  igente  boa,  e  reconheço  agora  quanto  eu  tenho  que 
aperfeiçoar  em  mim.  antes  de  intentar  a  educação  dos 
outros. 

Defeitos  que  eu  abomino,  envjanos,  hYPocrisias,  ca- 
lumnias  aborreciveis,  foram  o  premio  que  esta  infeliz  ra- 
parivia  reservou  para  a  minha  amisade.  e  com  isto  náo 
posso  senáo  chorar  a  sua  desordem,  e  pedir  a  Deus  ar- 
dentemente queira  accender  nella  o  amc^r  da  virtude. 


11 


Não  posso  fazer  esta  carta  tão  comprida  como  eu 
desejava,  dê-me  V.  Ex.''  a  sua  benção;  recados  ão  mano 
T.  e  adeus  meu  querido  Pae  do  meu  coração. 

De  V.  Ex.a 
Filha  mais  amante  e  obediente 
L. 


O  correio  ainda  não  chegou. 
Dizem  que  chegou,  mas  ainda 
não  ha  tempo  de  virem  as  cartas. 


Esta  carta  dá-nos  noticia  de  que  o  notável  talento  de 
Alcipe  se  manifestou  também  na  oratória  sagrada ;  o 
sermão,  a  que  allude  a  excelsa  senhora,  foi  escripto  para 
favorecer  um  pobre  frade,  que  denomina  fradinho,  e  que 
depois  de  o  ter  pregado,  errada  e  desastradamente,  o 
vendeu  por  4$000  réis  a  outro  frade,  de  quem  Alcipe  o 
poude  rehaver,  com  muito  gosto,  para  poder  rectificar  os 
disparates  que  o  fradinho  attribuiu  á  sua  eminente  bem- 
fcitora,  como  agradecimento  áo  grande  favor  que  lhe 
dispensara. 

Não  encontrámos  o  sermão,  a  que  se  refere  a  carta 
de  Alcipe  a  seu  pae,  mas  para  o  effcito  do  merecimento 
de  D. Leonor  de  Almeida  nesta  distíncta  especialidade,  é 
sem  duvida  um  argumento  de  grande  valia,  o  sermão 
escripto  em  1 774  por  esta  muito  illustre  escriptora,  e  que 
prova  o  seu  esclarecido  engenho  e  a  sua  maravilhosa 
erudição.  Offerecemos  adiante  este  sermão  a  considera- 
ção do  leitor. 


CAPITULO  Vil 

Noticia  extraida  de  um  caderno,  cuidadosamente  archivado  no 
palácio  Fronteira,  em  S.  Domingos  de  Bemfica,  entre  os 
papeis  e  autographos  da  quarta  Marqueza  d'Alorna,  o  qual 
tem  escripto  na  capa  "Resumo  da  vida  de  meu  Irmão,;. 
N'este  caderno  encontra-se  uma  occorrencia  de  alta  impor- 
tância para  aquilatar  o  primoroso  caracter  do  futuro  e  dis- 
tinctissimo  General  Marquez  d'Alorna.  A  referida  occorren- 
cia offeréce  também  valioso  argumento  para  um  estudo  da 
Índole  do  Marquez  de  Pombal,  o  famoso  Ministro  de  El-Rei 
D.  José. 

No  Resumo,  a  que  nos  reportamos,  e  que  infelizmente 
está  muito  incompleto,  a  Marqueza  d'Alorna  descreve 
nos  seguintes  termos  a  brilhante  situação  social  de  D.  Pe- 
dro d'Almeida  Portugal : 

Terceiro  Marquez  dVMorna,  quinto  Conde  de  Assu- 
mar,  Vedor  da  Casa  Real  de  Portugal.  Commendador 
de  diversas  ordens,  Grande  do  Reino,  Tenente  General 
dos  exércitos  de  S.  M.  Fidelíssima,  General  em  Chefe  e 
Governador  da  Província  do  Alemtejo,  do  conselho  de 
S.  A.  R.  o  Príncipe  D.  loão  (depois  El-Rei  D.  João  VI). 
nascido  em  Lisboa  a  ló  de  Janeiro  de  1754. 

O  appellido  da  muito  illustre  família  dos  Marquezes 
d'Alorna  é  Almeida,  conservado  desde  a  tomada  de  Al- 
meida, no  reinado  de  D.  Sancho  I,  por  um  dos  seus  an- 
tepassados, que  por  este  feito  ficou  conhecido  pelo  nome 

>> 


1)4 


dc  Alnicid«io.  Kstc  AliiicidJio  lá  era  p)orem  de  nobre  li- 
nhciszcm  por  ser  ncMo  dc  IVUisjio  Amado,  companheiro 
darmas  c  favorito  do  Conde  I).  Henrique,  pae  de  D 
Aífonso  llenricjues,  o  1."  I^íci  de  Portu\;al. 

Distinviuiram-se  sempre  nas  armas  c  nas  Icllras  os  Al- 
meidas,*'antcpasst1dos  do  ijrande  D.  Prancisco  d'AImeida. 
o  primeiro  Vice-Rei  das  índias  Orientaes. 


Na  i^ioleria  dos  retratos  de  familia  dos  nobilíssimos 
Marquezes  de  iTonteira  e  d'Alorna,  encontra-se  o  de  D. 
Francisco  d'Almcida,  em  cxceilente  pintura,  que  apre- 
senta o  illustre  s;;ucrrciro  de  tamanlio  natural,  e  em  corpo 
inteiro,  e  prova  cjue  era  de  v''ande  estatura.  Na  tela.  que 
mede  2  metros  de  altura  F)or  l'",05  de  lariijura,  veem-se, 
na  parte  superior  S  direita,  as  armas  dos  Almeidas.  O 
!.<•  Vice-Pei  da  índia  é  representado  traiando  vistosas 
vestes.  Sobreposto  ão  i^ibcio  de  j^jola  bordada  a  ouro, 
amplo  capote  se  lhe  desprende  dos  hombros.  que,  dei- 
xando a  descoberto  o  peito,  permitte  ver  que  nelle  se 
ostenta  valioso  colar  do  mesmo  metal,  tendo  pendente 
uma  cruz  n'uma  jóia  oval.  O  calção  é  de  tecido  em  ris- 
cas também  bordadas,  e  as  botas  que  lhe  comprimem  as 
pernas,  mcxlelando-as  ate*  i\o  joelho,  e  que  n'esta  altura 
se  alarjjam  ampla  c  íolvjadamentc,  scí^uram  por  meio  dc 
solidas  correias  fortes  acicates  lambem  de  ouro. 

Terminamos  esta  pallida  descripçc^o  do  magnifico  re- 
trato, dizciulo  (lue  a  cabeça  está  descoberta,  e  diriçe 
para  a  frente  o  olhar  dominador,  e  (jue  a  máo  esquerda 
do  heróe  assenta  sobre  os  arlislicos  copos  dã  espada. 


115 


Offerccemos  a^ora.  a  respeito  desta  muito  grande 
personagem,  uma  bem  triste  nota  finai: 

D.  Francisco  d'Almeída,  o  autor  de  tão  gloriosos  feitos 
darmas,  e  que  fez  estremecer  de  pavor  todos  os  potenta- 
dos da  índia,  foi  morto  obscuramente  no  sitio  da  Aguada 
de  Saldanha,  na  costa  occídental  da  Africa,  próximo  do 
Cabo  da  Boa  Esperança.  Esta  deplorável  occorrencia 
succedeu  em  uma  escaramuça  contra  alguns  negros,  um 
dos  quaes  derrubou  o  Vice-Rei,  despedindo-lhe  uma 
seta. 

No  Livro  III,  Cap.  IX  da  Década  II,  descreve  João  de 
Barros,  cm  termos  eloquentemente  sentidos,  o  fatal  acon- 
tecimento que  victimou  o  Ínclito  1."  Vice-Rei  da  InJia, 
seguramente  um  dos  mais  afamados  heróes  de  que  re- 
sam  as  chronícas  portuguesas. 

Pinheiro  Chagas,  na  sua  Historia  de  Portugal,  \7ol.  Ill, 
pag.  250,  diH: 

«Dois  grandes  homens  teve  a  índia,  dois  robles  au- 
gustos, que  dominam  essa  espessa  floresta  de  heróes : 
D.  Francisco  d'Almeida  e  Affonso  de  Albuquerque.  Am- 
bos morreram  longe  da  pátria,  a  ambos  encheu  de  amar- 
guras o  Rei  ingrato,  a  quem  a  posteridade  chamou 
venturoso.,, 

Ainda  a  respeito  de  D.  Francisco  d'Almeida,  João  de 
Barros  —  Década  II,  Livro  VI,  Cap.  X,  pag.  150  e  151, 
diz  textualmente  o  seguinte: 

"Christovam  de  Brito,  vindo  de  regresso  para  o  Reino, 
onde  chegou  em  26  de  Junho  de  1512,  na  sua  náo  carre- 
gada de  especearia,  ao  passar  pela  Aguada  de  Saldanha. 
onde  estavam  os  ossos  d'aquelle  tão  illustre  Capitão  D. 
Francisco  d'Almeida.  c  dos  outros  que  com  cllc  perece- 


116 


mm,  csquccidt>s  de  seus  hcrdeirc^s,  e  táo  mal  vjalardoados 
i.\o  MuikIo,  por  revcrcMiciíi  dVIles  (iui2  ver  o  lo^jar  onde 
jazicim,  por  iilli  ir  com  cllc  por  mestre  da  sua  n«io  Dio^o 
d'Uiihos,  que  o  fcSra  tombem  da  n^lo  do  Viso-Rev,  c  sabia 
onde  seu  corpo  e  o  de  Lourenço  de  Brito  foram  enter- 
rados. 

"Chejijado  Christovam  de  hrilo  a  este  lenhar  a  que  a 
fortuna  trouxe  tanta  pessoa,  tanta  virtude  e  tanta  caval- 
leria  como  D.  Francisco  teve,  pois  que  já  em  mais  lhe  ntlo 
podia  aproveitar,  disse  por  sua  alma,  c  de  Lourenço  de 
Brito  hum  responso,  e  cobrio  seus  ossos  com  uns  poucos 
de  seixos,  e  em  cima  huma  cruz  de  pdo.» 


Uma  S(5rie  de  «cirandes  homens,  do  appellido  Almeida, 
prestou  iiinumeros  serviços  ao  Estado,  c  no  scculo  IS.», 
o  Marquez  de  Castello-Novo.  D.  Pedro  d'Almeida  Por- 
[u^ò\,  foi  promovido  a  Marechal  de  Campt\  na  edade 
de  21  annos,  no  campo  ^.U^  batalha.  Vo'\  este  distincto  of- 
ficial.  que  tendo  sido  depois  enviado  ás  índias  Orientaes, 
como  Vice-Rci,  ali  praticou,  como  dissemos,  tt^o  assi- 
sjnalados  feitos  militares,  que  lhe  valeram  a  alta  recom- 
pensa de  ser  o  seu  titulo  de  Marquez  de  Castello  Novo, 
trocado  pelo  de  Martiuez  d'Alorna. 

O  terceiro  Marciuez  d'Alorna.  que  se  chamava  tam- 
bém D.  Pedro  dAlmeida  Portui^al.  e  que  foi  o  divino 
n<5to  de  seu  illustre  avò.  era  ncMo  materno  dos  terceiros 
Marcjuezes  tle  Távora,  cjue  foram  ini(|uamente  supplicia- 
dos  no  cadafalso,  mandado  sinistramente  en,!uer  na  praia 
de  Belém,  em  consecjuencia  de  uma  sentença,  que  ainda 
hoje  causa  profundo  horror. 

O  mencionado  Resumo,  de^x'>is  de  descrever  a  nobi- 


117 


lissíma  linhagem  dos  Almeidas,  refere  uma  occorrencia 
de  grande  importância  para  aquilatar  o  primoroso  ca- 
racter do  futuro  e  brilhante  General,  terceiro  Marquez 
d'Alorna,  quando  na  edade  de  14  annos  era  simples  es- 
tudante, e  a  quem  por  especial  mercê  se  dava  uma  me- 
sada. 

A  occorrencia,  que  vamos  apresentar,  offeréce  também 
valioso  argumento  para  um  estudo  da  indole  do  Mar- 
quez de  Pombal,  o  grande  Ministro  de  El-Rei  D.  José. 

«Os  grandiosos  e  muito  eminentes  serviços  da  familia 
Alorna,  e  a  sua  correspondente  importância,  excitaram 
a  inveja  do  Marquez  de  Pombal,  a  qual  se  traduziu  na 
cruel  perseguição  de  que  demos  anteriormente  noticia. 

«Deve  notar-se  que  se  deu  porem  a  não  vulgar  cir- 
cunstancia de  ter  sido  o  terceiro  Marquez  d 'Alorna  o 
único  da  familia,  que  foi  tratado  com  menos  severidade, 
em  quanto  seu  pae,  mãe  e  irmãs  gemiam,  sem  crime, 
nos  ferros  tirânicos  do  déspota  que  governava  Portugal, 
illudindo  n  esta  perseguição  o  melhor  dos  Príncipes. 

«O  jovem  Marquez,  conhecido  então  pelo  nome  de 
D.  Pedro  d'Almeida,  parecia  uma  boa  presa  á  avidez  do 
Ministro,  por  causa  do  seu  grande  nascimento  e  da  sua 
fortuna.  Pombal  dcstinou-o  pois  para  sua  filha  mais  nova. 
D.  Pedro  d'Almeida  tinha  sido  sob  a  influencia  do  Mar- 
quez de  Pombal,  um  dos  primeiros  alumnos  admíttidos 
no  CoUegio  dos  Nobres,  instituído  por  El-Rci  D.  José; 
mas  quando  attingiu  a  idade  de  1 4  annos,  o  Ministro  abriu- 
se  com  elle,  e  declarou-lhe  que  os  cuidados  particulares 
que  lhe  tinha  merecido,  o  tinham  singularmente  affeiçoado 
á  sua  pessoa,  e  que  tencionava  por  isso  dar-lhe  por  es- 
posa sua  filha  mais  nova,  e  com  ella  restituil-o  ao  goso 
das  honras  e  dos  bens,  que  pertenciam  á  sua  familia. 

"D.  Pedro,  tendo  escutado  o  Marquez  de  Pombal  com 
a  maior  attenção,  rctorquiu-lhe  com  todo  o  acatamento 
a  seguinte  vigorosa  resposta:  "Estou  sem  nenhuma  duvida 


118 


compenetrado  dos  cuidados  (luc  tendes  tomado  da  mi- 
nha infância  c úi\  minha educa(;âo ; recordar- mc-hei dcllcs 
sempre  com  sentido  reconhecimento :  mas  vós  mesmo  de- 
veis  concordar  em  que  me  t^  imjK)SSÍvel  receber  uma  es- 
posa por  mais  bella  que  seja.  quando  as  màos  que  ma 
offerecem  esteio  tintas  no  sanviue  dos  meus...  O  Marcjuez 
de  Pombal  nào  escutou  mais  nada  e  immediatamcnteobri- 
ijou  I).  Pedro  a  partir  para  a  Universidade  de  Coimbra, 
a  íim  de  estudar  a  jurisprudência,  e  renunciar  á  nobre 
proflsst^io  das  armas,  na  c^ial  os  Grandes  e  Senhores  de 
Casa  eram  liabitualmentc  educados  em  Portugal. 

Uma  circunstancia  imprevista  trouxe  D.  Pedro  a  Lis- 
boa quatro  annos  depois,  deixando  Coimbra,  onde  o  seu 
talento,  a  sua  vivacidade  e  o  seu  espirito  e  amabilidade 
o  tornaram  tiuerido  de  todos.  Começou  desde  loijo  a  dis- 
tin^uir-se  na  sociedade.  O  uniforme  militar  açradava-lhe 
mais  do  que  a  beca,  que  clle  nAo  tencionava  usar  nunca- 
I).  Pedro  dedicou-se  com  o  maior  cuidado  aos  estudos 
militares,  mas  apesar  l\c\  distincç«5o  com  que  os  exercia, 
e  da  constante  approvaçâo  dos  seus  superiores,  nílo  avan- 
çava em  postos,  porciue  tinha  contra  si  a  formal  antipa- 
thia  do  poderoso  Ministro.  O  fallecimentodiil-l^íei  D.  loscS 
em  1777,  veiu  livral-o  d'esta  pcrsesjuiÇcio.  e  permittir-lhe 
que  se  adiantasse  na  carreira,  em  que  se  assivjnalou  de 
um  modo  distinctissimo.  chefiando  a  ser  um  dos  mais  il- 
Iiistrr^  (  K-nri.HS  tin  i-VLMcifo  portusiuoz. 


A  iinportiHilc  iKxonciKM.  ijiu  iianscrevemos  do  Ivc- 
sumo  tia  vida  do  terceiro  Maniuoz  d*;Morna,escripto  ^x^a 
quarta  Marqueza  d'Alorna,  sua  irmt'^,  nAo  só  prova  Á  evi- 
dencia a  vrrandeja  de  caracter  daquelle  illusirc  militar. 


119 


mas  serve  para  estudar  a  índole  do  famoso  Marquez  de 
Pombal. 

Este  notabilíssímo  estadista,  onze  annos  depois  de  ter 
mandado  encerrar  nas  infectas  masmorras  da  junqueira 
o  segundo  Marquez  d'Alorna,  e  de  ter  ordenado  a  prisão, 
no  convento  de Chellas,  da  Marqueza,  mulher  deste  e  de 
suas  duas  filhas,  tendo  n  essa  época  sido  executada  a  sen- 
tença do  pavoroso  processo  dos  Tavoras,  que  attingiu 
entre  outros  os  terceiros  Marquezes  de  Távora,  avós  ma- 
ternos do  terceiro  Marquez  d'Alorna,  tomou  a  seguinte 
resolução,  muito  para  ser  apreciada. 

Não  obstante  as  medonhas  recordações  destas  atro- 
cidades, que  sem  duvida  por  vezes  lhe  adviriam  á  mente, 
proseguiu  no  propósito,  que  de  longe  tinha  engendrado, 
de  casar  sua  filha  mais  nova  com  D.  Pedro  d'Almcida 
Portugal,  que  era  herdeiro  da  Casa  d'Alorna,  alem  de  ser 
de  nobilíssima  estirpe. 

Se  D.  Pedro  fosse  de  animo  fraco  ou  hesitante,  e  se 
não  oppozessc  immediatamente  a  mais  nobre  recusa  á 
realisação  do  propósito  do  Marquez  de  Pombal,  ter-se- 
hía  dado  a  monstruosidade  de  o  casarem  com  a  filha  do 
crudclissimo  perseguidor  da  sua  família,  o  qual  sem  a 
mínima  hesitação  tinha  cuidadosamente  preparado  este 
enlace. 


CAPITUÍ-O    VIII 

Copia  do  primeiro  documento  para  a  revisão  do  medonho  pro- 
cesso dos  Tavoras,  firmado  pela  Rainha  D.  Maria  I,  a  soH- 
citação  do  Marquez  d'Alorna,  pae  de  D.  Leonor  d'Almeida, 
e  genro  dos  Marquezes  de  Távora.  Copias  de  outros  do- 
cumentos sobre  o  mesmo  assumpto.  Uma  carta  ao  Minis- 
tro Martinho  de  Me)!o,  que  prova  que  foi  por  vezes  de 
grande  penúria  a  situação  da  Condessa  de  Oeynhausen. 
Copia  de  uma  resposta  ao  pedido  de  uma  amiga  para  que 
consentisse  na  impressão  de  algumas  das  suas  poesias.  Co- 
pia da  declaração  feita  em  Londres,  em  1809,  por  D.  Do- 
mingos de  Sousa  Coutinho,  com  respeito  á  Condessa  de 
Oeynhausen.  Copia  da  ordem  do  Intendente  Geral  da  po- 
licia, de  6  de  Outubro  de  1809,  intimando  a  Condessa  de 
Oeynhausen  a  sair  immediatamente  do  Reino,  embarcando 
no  prinieiío  paquete  para  Inglaterra. 

Parcce-nos  interessante  offerecer  á  apreciação  do 
leitor  o  primeiro  documento  para  a  revisão  do  medonho 
e  iníquo  processo,  que  horrorísou  Portugal  e  muitas  das 
Cortes  da  Europa,  e  que  é  conhecido  pelo  processo  dos 
Tavoras. 

Este  processo,  como  se  sabe,  determinou  o  supplicio 
dos  Marquezes  de  Távora  e  de  muitos  dos  seus  parentes, 
e  motivou  a  perse<;;uíção  e  cativeiro  de  varias  famílias  de 
alta  nobreza,  entre  as  quaes  se  comprehende  a  dos  Mar- 
quezes d'Alorna . 


122 


C)  tlocumcnto,  de  que  se  sc^ue  a  copia,  foi  firmado 
pcUi  Painha  I).  Maria  1,  c  é  devido  á  representação  e  so- 
licitaÇi^o  l\o  Marcjucz  d'Alorna.  pac  de  D.  i-eonor  de  Al- 
meida Portui^al.  e  s^eiiro  dos  Marquezes  de  Távora. 

COPIA 

i:ii  a  l^ainha  ía<;o  Stiber :  que  represcntando-me  o  Mar- 
que? tlAIorna,  como  procurador  da  memoria  e  fama 
posthuma  de  seussoi^ros,  c  cunhados,  epelo  interesse  que 
nella  tem  sua  mulher,  c  filhos,  que  na  sentença  proferida 
na  lunta  tia  Inconfidência,  cm  12  de  janeiro  de  1759,  so- 
bre o  horroroso  Crime  de  Lesa  Mai^.S  c  alta  traiç<!io,  com- 
mettido  na  infausta  noite  de  3  de  Setembro  de  1758. 
contra  a  Saibrada,  e  Amabilissima  Pessoa  de  El-Rey  meu 
Senhor  e  Pav.  (luc  descansa  em  i;:loria,  houvera  nc^o  scS 
nullidades  substanciacs,  mas  t«5o  bem  injustiça  notória  por 
se  expenderem  na  mesma  sentença  factos,  fundamentos, 
e  provas  que  n^o  existiam  no  processo,  supplicando-mc 
(H'c  fosse  servida  conceder  revista  de  craca  esjxxialissima 
(.\c\  dita  sentença :  fui  servitla  depois  de  madurt>s  exames, 
e  averivíuaçtVs,  mandar  proj">òr  este  ne^íocio  em  uma  lunta 
de  Ministros  do  meu  Conselho,  e  Dezembarçío,  zelosos  do 
serviçt^  tlc  Deus.  e  Meu.  1:  sendo  examinado  o  processo 
uniformemente  assentaram,  que  as  circunstancias  d'este  ex- 
traordinário caso  faziam  justa  a  concessão  da  dita  revista, 
disjxMisando  em  ciuaosqucr  Leyí^.  ^1^'*-^  ^xxiessem  obstar  e, 
no  Alvará  de  17  tie  janeiro  do  tlito  anno  de  1759,  em 
quanto  confirmou  a  dita  sentença.  I:  tendo  attenç^o  ao 
que  me  foi  proposto  pelos  Ministros  da  sobredita  lunta. 
e  a  ser  do  serviço  de  Deus  e  Meu.  que  a  verdade  se  faça 
patente,  para  que  se  n^o  (.iuvide,  ou  d^  justiça  com  que 
se  houver  proferido,  ou  dci  innocencia  de  toilos  aquellcs 
que  fossem  condemnadc>s  n^o  justamente.  Si^u  servida  con- 


123 


ceder  revista  de  Graça  especialíssima  da  dita  sentença, 
não  obstante  o  lapso  de  tempo  e  todas,  e  quaesquer  Leys 
em  contrario,  as  quaes  e  ão  referido  Alvará  de  17  de  Ja- 
neiro de  1759,  hei  por  derrogadas,  como  se  de  cada  uma 
delias  fizesse  especial  mensão,  sem  embargo  da  Ordena- 
ção em  contrario.  E  sou  outrosim  servida  nomear  para 
juizes  da  mesma  revista  os  Doutores  José  Ricalde  Pereira 
de  Castro,  do  meu  Conselho  e  Dezembargador  do  Paço, 
que  servirá  de  Relator,  Bartolomeu  Jorge  Nunes  Cardoso 
Geraldes  de  Andrade,  tão  bem  do  meu  Conselho  e  Dezem- 
bargador  do  Paço,  os  Doutores  Manuel  J.  da  Gama  e  Oli- 
veira, e  Jerónimo  de  Lemos  Monteiro,  ambos  do  meu  Con- 
selho, e  do  da  minha  Real  Fazenda,  os  Doutores  Francisco 
António  Geraldes  de  Andrade,  e  Francisco  Feliciano  Ve- 
lho, tão  bem  do  meu  Conselho,  e  Deputados  da  Meza  da 
Consciência,  e  Ordens,  os  Doutores  Thomaz  António  de 
Carvalho  Lima  e  Castro,  Juiz  dos  Feitos  da  Coroa  e  Fa- 
zenda, Jorge  Joaquim  Fmaus,  Corregedor  do  Crime  da 
Corte  e  Casa  Real,  Ignacio  Xavier  de  Sousa  Pissarro,  Jorge 
Pinto  de  Moraes  Barcelos,  Jorge  Roberto  Vidal  da  Gama, 
Domingos  António  de  Araújo,  João  Xavier  Telles  de  Sousa, 
e  Constantino  Alves  do  Vale,  todos  Dezembargadores  dos 
Aggravos  da  Casa   da  Supplicação,  e  para  Fscrivão  da 
mesma  revista  nomeio  o  Dr.  Henrique  José  de  Mendanha 
Benevides  Cirne.  Corregedor  do  Crime  da  Corte  ;  e  assis- 
tindo o  Procurador  da  Coroa  em  razão  do  seu  offício: 
fazendo-se  as  secções  que  forem  necessárias  na  Secreta- 
ria de  Estado  dos  Negócios  do  Reino,  presidindo  nellas, 
ou  todos  os  meus  três  Ministros  e  Secretários  de  Estado, 
ou  aquelles  que  se  acharem  desempedídos  para  o  dito 
fim.  e  ajuntando-se  aos  Autos  o  assento  dos  ditos  Mi- 
nistros informantes,  como  se  pratica  ordinariamente  nos 
processos  de  revista.  Pelo  que  mando  ao  Visconde  de 
Villa  Nova  da  Cerveira,  do  meu  Conselho,  e  meu  Minis- 
tro, c  Secretario  de  Estado  dos  Negócios  do  Reino,  que 


121 


façd  executar  este  Alvard  como  nelle  se  contem,  o  qual 
íic^io  passarei  pela  Chanccilaria.  posto<iue  seu  effcito  haja 
de  durar  mais  d'huin  lMiuo,  nAo  obstante  a  OrdenaÇt^o 
que  o  contrario  determina. 

Dado  no  Palácio  de  Lisboa  em  9  de  Outubro  de  1780. 

Rainlia 
Visconde  de  Villa  Nova  da  Cerveira. 

Por  este  Alvará  de  9  de  Outubro  de  1780.  Sua  Ma- 
í^estadc  a  Rainha  D.  Maria  1  div:nou-se  conceder  a  revi- 
sito do  denominado  processo  dos  Tavoras  ao  segundo 
Marc)uer  d'AIorna.  (luarto  Conde  de  Assumar,  D.  loâo 
d'Ahneida  I^ortus^al,  como  procurador  da  memoria  pos- 
thuma  de  seus  sogros,  os  terceiros  Marqueses  de  Távora, 
Prancisco  de  Assis  e  Távora  e  D.  Leonor  de  Távora,  em 
quem  por  morte  de  seu  irmJio  tinha  recaído  toda  a  Casa 
de  Távora ;  e  bem  assim  como  procurador  iÁc\  referida 
memoria  dos  filhos  dos  terceiros  Marquezes  de  Távora. 
Luiz  Bernardo  de  Távora  elosc*  Maria  de  Távora,  o  pri- 
meiro dos  (|uaes  foi  quarto  Marquez  de  Távora ;  e  casa- 
do com  I).  Thereza  de  Távora ;  e  ei^iualmente  como  pro- 
curador de  1).  jeronymc^  de  Athaide.  Conde  de  Athou- 
guia,  genro  dos  terceiros  Marquezes  de  Távora,  por  ser 
casado  com  a  sua  filha  1).  Mariana  Bernarda  de  Távora-, 
e  pek>  interesse  ciue  o  mencionado  segundo  Marquez 
d'Alorna  tinha  no  processo  por  sua  mulher,  D.  Leonor 
de  Távora,  também  filha  tios  terceiros  Marcjuezes  de  Tá- 
vora. Sua  Magestatle  houve  por  bem  conceder-lhe  a 
graciosa  revisão  do  processo  de  inconfidência,  em  que  os 
mesmos  sogros  e  cunhados  tinham  sido  condemnados. 

A  revisi'\o  áo  processo  dos  Tavoras  teve  como  conse- 
(luencia  a  sentença  seguinte  que  se  encontra  também  na 
certitU^o  authentica  quee.xiste  nos  archivos  da  Casa  Fron- 
teira. 


!25 


CERTIDÃO 


«O  que  tudo  visto  c  o  mais  que  dos  autos  consta,  com 
a  mais  séria,  exacta  e  escrupulosa  circumspecção :  Sepa- 
rando a  verdade  da  confusão  e  da  desordem,  e  a  inno- 
cencía  da  perfidía :  ficando  em  todo  o  vioor  a  sentença 
a  respefto  dos  verdadeiros  e  acima  mencionados  Réos 
do  sempre  sacrile§o  e  abominável  insulto,  commettido  na 
referida  noite  de  três  de  Setembro  de  mil  sete  centos  e 
cíncoenta  e  oito,  contra  a  Sagrada,  e  Real  Pessoa  do  Au- 
gustissimo  Senhor  Rei  Dom  José  primeiro  : 

«Revogam  a  mesma  sentença  pelo  que  respeita  aos 
Marquezes  de  Távora,  Francisco  de  Assis,  e  Dona  Leo- 
nor de  Távora,  seus  filhos  Luiz  Bernardo,  e  José  Maria 
de  Távora,  e  seu  genro  leronimo  de  Athaide,  Conde  de 
Atouguia,  por  se  não  provar  que  fossem  cúmplices  no  re- 
ferido insulto,  ou  para  elle  concorrentes. 

«Declaram  que  não  incorreram  em  nota,  ou  infâmia 
alguma.  Absolvem  a  sua  memoria,  e  restituem  todas  as  Fa- 
mílias dos  sobreditos  ás  suas  honras,  e  ao  uso  do  appeli- 
do  de  Távora,  que  lhes  foi  prohibido  pela  dita  Sentença. 
Palácio  de  Nossa  Senhora  d'Aíuda  em  vinte  e  três  de 
Mayo  de  mil  sete  centos  oitenta  e  um. 

«Com  três  Rubricas  dos  lUustrissimos  e  Fxcellentissimos 
Secretários  d'Estado  dos  Negócios  do  Revno,  dos  Negó- 
cios de  Ultramar,  e  Marinha,  e  dos  da  Guerra,  e  Estran- 
geiros —  a  que  se  seguem  as  assignaturas  dos  Juizes  — 
Castro  —  Giraldes  de  Andrade  —  Velho  —  Emaus  —  Li- 
ma e  Castro  —  Doutor  Coelho  —  Ribeiro  de  Lemos  — 
Doutor  Costa  —  Vale  —  Telles  —  Vidal  —  Araújo  e  Sil- 
va —  Pissarro  —  E  á  margem  as  palavras  seguintes  - 
Fomos  presentes,  e  peço  vista  para  Embargos  —  Com 
duas  Rubricas  dos  Dois  Dezembargadores  Procuradores 
da  Coroa,  e  Fazenda.» 


I  2(> 


\l  nc"io  SC  continhd  mais  cm  n  referida  scntcnçd.  aqui 
com  verdade  </<•  irrào  ad  vrrbum  fielmente  transcripfa.c  ccv 
piada  sem  cous^i  ijuc  liuvida  |x>ssa  fazer,  c  que  se  pre- 
ciso fôr  rcsalvada  nèlo  vá :  com  a  declaração  porem  de 
que  a  mesma  Sentença  n^^o  tem  lido  ate*  o  pr 

to  alvjum.  {x-ír  e^te  se  achar  suspenso  com  tre> 

de  Hmbarvji^,  dedusidos  pelo  Dezembar^ador  Procura- 
dor da  Coroa  :  a  saber :  uns  de  obrepçílo,  c  subrepÇdo. 
outros  rx  dffccia  intcfjníatis  proccsaus.c  os  terceiros  que  im- 
pUíjnam  a  sentença,  c  fundamentos  nella  expendidos,  a 
fim  da  mesma  se  reformar,  que  todos  pendem  sem  a  sua  ul- 
tima decis«5o,  como  dos  autos  se  manifesta,  aos  quaes  em 
tudo.  e  por  tudo  me  reporto  debaixo  da  f<5  que  Sua  Ma- 
Vjestadc  se  diijnou  confiar-me.  com  a  qual  eu  o  Dezem- 
banjador  Henrique  Ios<5  de  Mendanha  Bcnavides  Cime, 
depois  de  conferir  esta  Certidão  com  os  oriíjinaes  de  que 
foi  extrahida.  e  passada  em  sessenta  meias  folhas  por  mim 
numeradas,  e  rubricadas  com  a  rubrica  —  Doutor  Men- 
danha—de que  uso,  c  achar  que  com  os  mesmos  oriíji- 
naes  se   conforma,  a  subscrevo,  e  assi^no  com  .*         '  i 

assiyjnatura  para  o  fim  de  ficar   authentica,  e  lc\;.: 

Lisboa  vinte  de  Agosto  de  mil  sete  centos  noventa  e  um. 
—  Henrique  losc*  de  Mendanha  Bena vides  Cime.-  Eoutro- 
sim  tleciaro  e  certifico,  que  as  palavras  escriptas  no  fim 
áci  sentença,  e  Á  margem  ^Aa  mesma  sio  da  própria  le- 
tra do.Dezembarcador  Procurador  da  Coroa,  que  foi 
quem  jx^diu  vista  para  Hmbaryos.  e  quem  depois  a  em- 
barcou, era  ut  supra,  em  que  eu.  o  sobredito  Dezembar- 
Vador  assim  o  declarei,  e  novamente  assi^nei  —  Henri- 
que losc*  de  Mendanha  benavides  Cirne» 

I:  trasladada  a  concertei  com  a  que  me  |oi  apresen- 
tatla.  (jue  se  acha  encerrada,  com  a  qual  a  conferi,  e  a 
ella  me  reporto,  e  a  tornei  a  entregar  a  quem  a  apresen- 
tou. Lisboa  doze  de  Mayo  de  mil  sele  centos  noventa  c 
dois:  etc.  cu  Joaquim  |osc*  de  hrito.  cídadam  em  esta  ci- 


127 


dadc,  e  Proprietário  de  um  dos  Officios  de  Tabellião  pu- 
blico, etc.  notâs  pela  Fidelissima  Rainha  Nossa  Senhora, 
que  Deus  guarde,  o  subscrevi  e  assinei  em  publico  e  raso 
Em  testemunho  de  verdade 

Joaquim  José  de  Brito 

l'*g.  mil  sete  centos  e  oitenta  de  sellos. 
í..a  12  de  Maio  de  1823 

A  revisão  do  processo  dos  Tavoras  determinou  a  affir- 
mação  da  innocencia  do  Marquez  d'Alorna,  que  lhe  foi 
reconhecida  pela  lunta  congregada  pela  Rainha  D.  Ma- 
ria I. 

Esta  Soberana  mandou  publicar  um  decreto,  em  Maio 
de  1777,  declarando  o  Marquez  d'Alorna  puro  de  toda  a 
falta  de  fidelidade,  devida  a  El-Rei  seu  augusto  Pae,  e  man- 
dando-o  restituirás  honras  que  por  decreto  e  nascimento 
lhe  pertenciam. 


Com  respeito  á  revisão  do  processo  dos  Tavoras  e 
ao  decreto  de  Maio  de  1777,  declarando  o  Marquez 
d'Aloriia  purc^  de  toda  a  culpa  de  inconfidência,  vem  a 
propósito  citar  o  denominado  testamento  politico  d'El- 
Rei  D.  losé,  que  o  governo  pouco  depois  dofallecimento 
de  S.  M.  fez  dar  á  estampa,  e  distribuir  officialmente  pela 
cidade  de  Lisboa. 

Este  testamento,  que  se  compõe  de  seis  artigos,  pa- 
rece ser  destinado,  como  diz  a  alta  apreciação  de  Latino 
Coelho,  no  volume  I  da  sua  Historia  Politica  e  Militar  de 
Portugal,  a  intentar  prcmumir  o  testador  com  a  tardia  clemên- 
cia contra  a  severa  condemnação  da  posteridade. 

Effectivamente  no  artigo  (5.'^  o  Monarcha  moribundo 
aconselha  á  Princeza  D.  Maria  sua  herdeira,  que  conce- 


128 


ikssc  o  fXTdt^o  tiquclles  r<5os  do  f:slndo,  d  quem  hou- 
vt-ssc'  |x^r  merecedores  da  suâ  clemência,  e  tcrmínd  o  seu 
escriplo  com  a  asseveraç«!io  de  que  por  todos  os  crimes 
c  liffcnsas  (juo  tl'e5tes  culpadt>s  recebera,  elle  próprio  lhes 
havia  f^erdoado,  para  (|ue  Deii^  lh'(^  tomasse  em  conia 
da  remissiko  dos  seus  peccado- 

Por  este  artii^o  6."  a  memoria  <.\o  Moiiarcha  appare- 
cia  justificada,  e  imputava  ao  Mart|uez  de  Pombal  a  cul- 
pa tie  todas  as  oppressCSes  e  attenlados,  que  se  tinham  pra- 
ticado contra  os  iniciados  no  medonho  processo.  Nâo  era 
porem  necess*irio  este  artiyjo  para  que  a  historia  illibasse 
o  Monarcha  das  atrocidades  cjue  foram  commettidas,  e 
que  foram  por  ella  integralmente  atribuídas  ao  seu  po- 
deroso Ministro. 

Sem  entrar  lui  íHmcçuisiu»  i\,.\  lUithenticidaiic  cio  ». mi- 
mado testamento  politico,  de  que  nos  vim(.>s  occupando. 
(.tiremos  iiue  tjuakjuer  que  fosse  o  pro^x>sito  que  a  Painha 
intencionasse  adoptar  para  o  seu  reinado,  nâo  pnxlia 
evidentemente  inaus,;ural-o  sem  enxugar  as  lagrimas  cru- 
ciantes de  tantas  familias,  privadas  dos  seus  chefes  e  dos 
seus  queritios  parentes.  Um  dos  primeiros  actos  de  D. 
Maria  I  foi  pois,  como  ticvia  ser.  restituir  a  lilvrdade  aos 
encarcerados,  que  tinham  padecido  desoitoanniwl»-  lior- 
rorosa  pris«!io. 

Devemos  consignar  aqui.  que  esta  resolução  da  So- 
berana mereceu  o  applauso  vieral. 


A  situaçc^o  de  Alcijxr.  a  notabilissima  escriplora.  foi 
por  vezes  de  extrema  ixMiuria.  conu>  clar.^ '  •  o  pro- 
vam muitas  das  minutas  ilas  suas  cartas.  is  pelo 
seu  próprio  punho,  centre  as  quaes  escolhemos  a  sc^infc. 


29 


diríçída  em  25  de  Março  de  1788  ão  Ministro  Martinho 
de  Mello.  '  Esta  minuta  de  que  se  encontra  o  autoçrapho 
enlre  os  preciosos  papeis  da  Margueza  d'Alorna,  é  assi- 
^nada  Condessa  d'OeYnhausen,  que  era  o  titulo  de  que 
então  usava. 

Ill.'"o  e  Ex.^io  Snr. 

Que  fiz  eu  a  V.  Ex."  senhor  Martinho  de  Mello,  para 
casti§ar-me  com  um  silencio  tão  firme  e  tão  austero  !  Se 
V.  I:x,a  me  quiz  fazer  reconhecer  que  os  meus  gemidos  são 
inúteis,  e  que  a  piedade  de  V.  Ex."  os  não  attcnde;  esteja 
descansado,  porque  a  extensão  das  minhas  penas  prova- 
me  bastantemente  qual  c  a  extensão  do  seu  poder.  Saiba 
V.  Ex.a  que  injurias  não  as  soffre  um  homem  d'honra,  mas 
perdôa-as  uma  mulher  pouco  feia,  que  trabalha  pela  fe- 
licidade de  seu  marido  e  de  seus  filhos;  tal  é  a  que  de 
novo  se  apresenta  a  V.  Ex.\  V.  Ex.-"»  bem  sabe  no  fundo 
da  sua  alma  que  eu  tenho  rasão,  e  que  se  V.  Ex.'^  quízer 


'  O  famoso  estadista  do  século  XVIII,  Martinho  de  Mello  e  Castro, 
nasceu  em  Lisboa  a  1 1  de  Novembro  de  1716.  Tendo  sido  destinado 
<i  vida  ecclesiastica,  fez  os  seuí  estudos  na  Univeri>iJade  de  Évora,  a 
qual,  graças  aos  Jesuítas  seus  pntronos,  ia  adquirindo  distincia  cele- 
bridade ;  foi  depois  formar-se  em  Coimbra  em  direito  pontifício,  o 
que  o  habili  ou,  apesar  de  muito  novo,  a  ser  provido  n'um  canonicato 
da  Sé  Patriarchal. 

Não  tendo  porem  predilecção  para  o  sacerdócio,  aproveiiou-se 
do  favor  especial  que  El-Rei  I^.  José  lhe  dedicava,  para  ser  nomeado, 
em  1751,  Encarregado  dos  Negócios  de  Portugal  junto  dos  Estados 
Geraes  das  Províncias  Unidas,  d'onde  foi  transferido  para  a  missão  na 
Corte  de  Londres,  em  1754.  A  sua  grande  aptidão  diplomática  salien- 
tou-se  durante  a  guerra  de  1762  entre  Portugal  e  Hespanha, prestando 
notáveis  serviços  na  execução,  com  singular  zelo,  das  insirucçóes  que 
lhe  foram  enviadas.  Onde  porem  Martinho  de  Mello  atfirmju  notavel- 
mente a  sua  habilidade  diplomática  foi  no  Coiigresso  de  Paris,  em 
17Ô3,  e  no  qual,  pretendendo  o  Duque  de  Choiseul  a  preeminência  da 
sua  Nação  na  assignatura  do  tratado,  o  nosso  Delegado  (como  se  Ic  na 

y 


130 


.Khdr-iii'ii,  cusiar-llic-lui  dimKi  mcnt>s  do  tjuc  prtnMr  que 
li  pAo  tenho.  Qucím  V.  I:\.*  por  Ininitinidiuic  decidir  Ivm 
ou  nuil  o  ijue  me  resiX'ilo.  |>or  t|ue  se  iii^o  ix>sso  viver 
em  p<3?.  quero  ir  morrer  de  miserid  ao  jx'  de  meu  marido 
e  dos  meus  filhos. 

Lisboa.  23  de  Março  de  1 788. 

Obri^adissima  a  V.  Rx.» 
Condessa  d'OcYnhausen. 

Para  se  poder  apreciar  devidamente  o  caracter  de  D. 
Leonor  dAlmeida  Portuv;a!.  que  foi  depois  a  célebre  Mar- 
qucza  d'AIorna.  julj^amos  conveniente  transcrever  a  sua 
resposta,  em  carta,  ào  pedido  de  uma  sua  amiça  para 
que  consentisse  na  impress<5o  de  ais^umas  das  suas  \>oç- 
sias.  I:sta  resposta,  que  se  encontra  num  dos  volumes 
manuscriptos  das  obras  poéticas  de  AIcipe.<5  textualmente 
a  scvíuinie : 


Kncyclopcdia  Portiigucza  lUusirada)  étfendeu  tão  brilhantememte  os 
direitos  de  Portugal,  que  conseguiu,  tanto  quanto  foi  possível,  sair 
viiiorioso  J'essjs  pendências  diplomáticas. 

VolLindo  paia  n  mi^sáo  de  Londres  ali  $e  conservou  até  1770, 
rcalisando-se  neste  anno  o  seu  regresso  a  Portugal  c  a  $u*  entrada 
para  o  governo,  cm  subsiituiyâo  de  Francisco  Xavier  de  .Mcndon»;a. 
irmão  do  Marquez  de  Pombal. 

No   hiccionario    Bib!iographico   Portugurz  vem  Litados  dcse»cte 
documentos  muito  interessantes,  em  parte  impressos  c  em  parte  ma 
nuscriptos,  que  servem  para  o  esluio  da  Historia  do  Brazil  e,  dío  ideia 
clara  dos  serviços  prestado»  por  .Martinho  de  Mello  c  (!.i»irii,  durante 
o  tempo  em  que  foi  Ministro  dj  Marinha. 

A  muito  distincta  habilidade  de  .Murtinho  de  Mclio  .icmonvirou- 
se  porem  principalmente  em  ter  conseguido  licar  de  p^  nas  suas  tn- 
íructifqras  tentativas  de  minar  n  influencia  do  Marque»  de  Poi»ib»l,  cn- 
tlo  no  apogeu  de  um  valimento  tio  alto,  que  eraelle  de  facto  o  Sobe- 
rano de  Portugal.  Ora  Pombal  nlo  hesitava  em  castigar  duramente 
qualquer  falta  contra  elle  commettida.  ainda    que  o  auctor  fosse  um 


13 


A  D.  Leonor  dã  Camaiti 

Lutou  muito  tempo  a  minha  razão,  e  o  meu  amor 
próprio,  contra  o  desejo  que  me  mostraste  de  ver  im-. 
pressos  os  meus  versos;  porém  finalmente  triumphou  a 
tua  vontade  da  minha  repugnância,  e  talvez  da  razão 
mesma  que  prohibia  expor,  a  censura  dos  inteiliçentes, 
obras,  que  nunca  aspiraram  á  fama,  e  que  só  compuz 
para  passar  e  adoçar  instantes,  que  tantos  acontecimen- 
tos penosos  enchiam  de  amargura.  Alem  do  teu  desejo, 
o  que  determinou  finalmente  a  impressão  desta  obra.  foi 
a  impossibilidade  de  soccorrer  por  outro  modo  um  in- 
feliz, a  quem  o  talento  raro  não  bastou  para  evitar  os 
inconvenientes  da  miséria,  e  da  fome,  nos  dias  últimos 
dã  sua  carreira.  O  não  presumindo  eu  de  alegar  motivos 
que  possam  interessar  os  entendedores,  a  favor  desta 
traducção,  imitação,  ou  que  lhe  quizerem  chamar,  da 
Epistola  aos  Pizões,  ou  Arte  Poética  de  Horácio ;  estou 
certa   ciue   muitas  pessoas   hão  de  comprar  este  escrito. 


dos  seus  collegas.  Basta  a  este  respeito  lembrar  o  que  se  passou  com 
José  Seabra  da  Silva,  e  com  outros  eminentes  personagens. 

Não  podendo  de  modo  algum  admitlir-se  que  o  Marque2  de  Pom- 
bal perdoasse  tacs  tentativas,  força  é  assentar  que  foram  praticadas 
de  modo  que  o  seu  auctor  não  deu  azo  a  que  podesse  exipir-lhe  a  sua 
responsabilidade. 

Attribue-se  a  Martinho  de  Mello  a  ideia,  que  foi  acceitc,  de  se  ins- 
taurar processo  contra  o  Marquez  de  Pombal,  quando  falleceu  El-Rei 
D.  José  ;  e  ainda  a  de  ter  sido  elle  que  se  encarregou  de  participar  ao 
ex-poderoso  Ministro  que  estava  demittido  dos  elevadíssimos  cargos 
que  exercia. 

Dos  seus  relevantes  serviços  como  Ministro  da  Marinha  devem 
especialisar-se  :  o  augmento  do  numero  de  nsvios  da  esquadra,  a  or- 
ganisação  do  quadro  dos  ofRciaes  da  armada,  a  construcção  do  dique 
do  Arsenal,  o  considerável  alargamento  da  Cordoaria  Nacional,  a  reor- 
ganisaçáo  do  Arsenal  da  Marinha  e  muitos  outros  cu)a  enumeração 
não  cabe  nos  pequenos  moldes  d'esta  noticia 


132 


(jiuinilo  soulxTcm  que  se  iiuprimo  (\  favor  de  um  |X)brc 
benemérito  e  portuijuez. 

As  refraseia  composií^t^io  poética,  que  Horácio  escre- 
ve com  tanta  perfeição,  ficam  ao  alcance  de  muita  gente, 
sem  o  trabalho  de  estudar  a  linijua  latina.  Talvez  lhe  se- 
jam aijradaveis  os  meus  versos,  quando  os  animam  as 
ideias  de  um  poeta  excellente;  fiada  só  n'isso  encerrei 
com  cuidado  na  minha  carteira  todas  as  minhas  obras 
oriçinacs,  para  evitar  assim  que  me  accusem  de  temeri- 
dade. Se  comtudo  os  meus  versos  parecerem  correctos 
e  harmoniosos;  se  julijarem  a  minha  lins^uaijem  pura,  e 
nc^o  dcsapprovarem  (]ue  cu  vestisse,  em  traje  portuijuez 
e  pouco  ornado,  o  pocMa  latino,  tomarei  animo,  e  quan- 
do se  apresentar  um  motivo  tâo  justo  como  o  que  me 
determina  aijora,  tentarei  talvez  imprimir  mais  algumas 
obras,  c  cuidarei  cm  mostrar  (jue  a  minha  lingua  é  por- 
tugucza,  como  c  pi^titii^Hic?  c^  meu  coração. 

A/cipr. 


Para  a  historia  l\<\  Condessa  dcOeynhausen,  Marqucza 
d'Alorna.  c?  sc^nira monto  iniorossante  a  copia  das  seguin- 
tes: liool.uMÇão  .nifiv^r.iplia  o  iiitiiiiação. 


133 


Declaração  aulographa  qne  fez  D.  Domingos  de  Sousa  Coulinlio,  em 
J.ondrcs,  anles  que  partisse  para  Lisboa  a  Condessa  de  Oejnbausen, 
no  anno  de  180Í),  cuja  declaração  original  ficou  na  mão  d'ella  para 
apresentar  se  fosse  preciso 

Declaro  que  em  todo  o  tempo  em  que  tenho  tido  a 
honra  de  conhecer  a  Ex.ma  Snr.''  Condessa  de  Oeynhausen. 
fora  de  Portugal,  não  só  nunca  lhe  descobri  o  mínimo 
indicio  de  opiniões  francezas;  mas  se  acaso  parecia  mos- 
trar excesso,  antes  foi  sempre  o  de  antipathia  contra  os 
Francezes  modernos  e  seus  princípios. 

D.  Dominoos  António  de  Sousa  Coutinho. 


No  dia  6  de  Outubro,  o  Corregedor  de  Belém  veio 
a  Bemfica,  onde  residia  a  Condessa  de  Ocvnhausen  em 
companhia  de  seus  netos,  e  lhe  intimou  da  parte  do  Inten- 
dente de  Policia  a  seguinte  ordem : 

Copia  áâ  ordem 

Em  execução  das  ordens  de  Sua  Alteza  Real  procu- 
rará V.  M.''  a  Condessa  de  Oevnhausen,  e  lhe  intimará 
em  nome  do  mesmo  Senhor,  que  saia  ímmediatamente 
deste  \:tcmo,  embarcando  no  primeiro  Paquete  para  In- 


134 


Vilatcrra.  ficando  a  cuidado  de  V.  M/^  acaulclar,  que  nào 
leve  comsij^o  os  netos  da  casa  de  f Tonteira.' 

V.  M.'"  fica  encarreirado  desta  importante  diliiícncia. 
Deus  G>-  a  V.  M.'*  etc,  seis  de  Outubro  de  1809. 

Assii^nado,  o  Intendente  Geral  dò  Policia. 


A  Marqueza  d'Alorna.  tendo  res^resstido  a  Lisboa,  cm 
1813.  vinda  de  Ini^laterra.  impetrou  de  S.  Santidade,  o 
Papa  Pio  Vil.  auctorisação  de  entrar  no  Mosteiro  de 
Chellas.  para  sua  consolaçc^o  espiritual,  e  para  visitar  as 
suas  parentes  e  amisijas. 

lista    auctorisaçc^o   foi-llie  benevolamente  concedida. 

l-^ecordemos  cjue  a  Marqueza  d'Alorna,  quando  era 
apenas  D.  Leonor  de  Almeida  Portuj^al,  tinha  estado,  du- 
I  ante  desoito  annos.  no  referido  mosteiro  como  presa  do 
Lstadtx 

Temos  á  vista  uma  carta  autoj^raplia  óò  Marqueza 
dVMorna.  datada  do  Mosteiro  de  Cliellas.  em  1 1  de  Pe- 
verciro  de  18^20.  I:sta  carta  ieva-nos  a  crer  que  a  erudi- 
lissima  escriplora  residia  n'aquella  data,  no  mencionado 
Mosteiro. 


'  Os  netos  da  Casa  de  Fronteira  eram  :  o  Marquez  de  Fronteira,  D. 
José  Trnzimundo  Mascarenhas  Barreto,  que  nasceu  a  4  de  Janeiro  de 
1810;  seu  irmáo  D.  Carlos  Mascarenhas,  nascido  u  1  de  Ahnl  de  i8o3, 
e  que  foi  depois  o  brilhante  General  deste  nome  ;  e  sua  irmã  D.  l-eo- 
nor  Mascarenhas,  que  nasceu  a  4  de  Ah'il  de  1804,  e  que  foi  Condessa 
d'Alv.r 

No  palácio  l"rontcira  ha  um  quadro  representando  estes  três  Mas- 
carenhas quando  meninos. 


CAPITULO    IX 


Copia  do  muito  interessante  requerimento,  apresentado  pelo  Mar- 
quez d'Alorna,  a  S.  A.  R.  o  Principe  D.  João,  depois  El-Rei 
D.João  Vi,  e  em  que  se  resume  a  anaiyse  das  flagrantes  in- 
justiças e  horrorosas  perversidades  que  se  praticaram  no  de- 
nominado/7/'í7í:^55(?  dos  7aw/-í75,  deduzidas  do  consciencioso 
exame  do  mesmo  processo. 

Senhor 

Não  é  esta  a  primeira  vez,  que  procuro  dar  razão  de 
mim  a  Vossa  Alteza,  e  que  recorro  á  sua  protecção,  e  ao 
seu  Real  poder,  para  conseguir  o  que  me  parece  de  jus- 
tiça, lá  fiz  sem  fructo  ha  mais  tempo  esta  diligencia;  e 
inferindo  dahi,  que  não  queria  Deus  ainda,  que  fossem 
ouvidos  por  Vossa  Alteza  os  meus  clamores,  tornei  a  en- 
trar no  silencio,  em  que  tenho  estado  ha  vários  annos. 

Agora  porem,  que  para  amparo  nosso,  e  para  mode- 
ração do  justo  sentimento  que  nos  causa  a  moléstia,  que 
offende  a  preciosíssima  pessoa  da  Rainha,  minha  Senhora 
conduziu  a  Divina  Providencia  a  Vossa  Alteza,  ao  lugar 
de  Regente  deste  Reino,  torno  a  dar  occasião,  ao  que 
Deus  quererá  fazer  a  nosso  favor,  indo  prostrar-me  aos 
pés  de  Vossa  Alteza,  onde  vou  por  este  modc").  fiado  na 
sua  real  bondade,  e  obrigado  a  aproveitar-me  delia,  por 
falta  de  saúde.  Ninguém  mais  (\o  que  eu  está  persuadido, 


1  iu 


i|iK  cm  cdiisns  do  inconfitlciicio.  d  iicnhurn  vaswlo  hon- 
liulo  pódc  ser  licito  conslituir-sc  procurador,  scnâo  d'd- 
tjuclk^s  que  por  boas  razões  pareçam  ser  somente  des- 
V^raçados.  A  bondade  desta  refira  é  da  maior  evidencia, 
para  (luem  teve  a  minha  educação ;  mas  sendo  eu  preso 
em  virtude  de  um  decreto,  que  dizia  ser  assim  preciso, 
para  certa  averis^íuaçao,  que  nunca  se  fez.  por  mais  que 
eu  a  rcíiueresse ;  sendo-me  av^i^ravada  a  pena  sem  moti- 
vo, na  passassem  th^  Torre  de  Belém,  para  o  I-orte  da 
lunciueira,  onde  estiveram  dois  Padres  da  Companhia, 
(luc  nâo  foram  nunca  pers^untados,  sem  embargo  de  se 
lhes  imputar  em  uma  sentença  a  inducç^o  para  o  maior 
de  todos  os  delictos.  1:  achando-se  no  mesmo  luijar  tan- 
tos outros  reclusos  em  seigredo,  com  quem  se  procedeu 
da  mesma  forma,  comecei  a  duvidar  dc\  inteireza  dò  jus- 
tiça, que  se  teria  praticado  com  outros  reputados  por 
culpados. 

Os  defeitos  da  sentença,  a  occultaçâo  dos  autos,  e 
als;;uns  factos  que  se  foram  divulvMndo.  acrescentando 
estes  primeiros  indicios,  até  que  entrando  em  examinar 
depois  de  solto,  se  seria  possivel  dar  coartádas  dos  que 
interessavam  minha  mulher  e  a  minha  descendência,  achei 
mais  do  ciue  era  necessário  para  concluir  que.  em  muito 
boa  consciência,  me  era  permittido  solicitar  o  que  fosse 
a  bem  di\  reputaçi^io  de  meus  soijros.  e  de  alijuns  mais 
involvidos  na  sua  causa.  Approvada  a  minha  resc^luç<\o 
pela  Rainha,  minha  Senhora,  com  sis^inaes  da  sua  bené- 
vola acceitação.  entrei  a  requerer-,  mas  sobre  o  que  a  isso 
se  scijuiu,  e  em  ordem  a  evitar  demasiada  dilatação,  pa- 
réce-me  c]ue  bastarei  dizer  a  Vossa  Alteza,  que  a  rovíi^s 
meus  se  tirou  um  \irande  numero  de  testemunhas.  Que 
passados  quatro  annos  alcancei  alvard  de  revista,  e  que 
em  consequência  desta  Jtíraça.  houve  sentença  a  favor 
dos  meus  constituintes,  a  qual  foi  contrariada  pelo  Pro- 
curador il.i   Coroa,   acrescoiilando  a   essa.   impucnaçi^o 


137 


de  obrepção  e  subrepção.  Esta  ultima  novidade  inespe- 
rada, fez  julgar  aos  Ministros  novamente  consultados, 
que,  segundo  o  direito  e  sentença  de  revista,  que  já  ti- 
nham os  meus  constituintes,  não  devia  haver  decisão  fi- 
nal, sem  eu  ser  ouvido,  e  que  para  esse  effeito  era  de  ra- 
zão que  os  autos  me  fossem  confiados.  Então  os  vi  pela 
primeira  vez,  achando  nelles  que  não  concordavam  com 
a  sentença  condemnatoría,  a  que  deviam  servir  de  fun- 
damento ;  e  menos  ainda  com  os  decretos,  em  que  El-Rey 
D.  José,  meu  Senhor,  regulava  a  forma  de  proceder  n'a- 
quella  causa. 

Achei  varias  outras  coisas  monstruosas :  mas  âo  mes- 
mo tempo  tive  a  consolação  de  me  confirmar  de  todo, 
em  que  não  podia  haver  nenhum  escrúpulo  sobre  a  in- 
cumbência de  que  me  tinha  encarregado;  porque,  segundo 
o  que  conteem  os  mesmos  decretos,  a  Procuradoria  na 
causa  de  meus  sogros  vem  a  grangear-me  a  honra,  de 
ser  juntamente  defensor  da  Justiça,  da  Bondade,  e  da  Re- 
ligião d'El-ReY  D.  losé,  meu  Senhor. 

Com  effeito  a  doutrina  de  que  me  tenho  valido  para 
bem  dos  meus  constituintes,  é  a  que  se  acha  nos  decre- 
tos d' este  soberano ;  nelles  ordena  Sua  Magestade a  obser- 
vância exacta  do  direito  natural,  e  que  se  não  omitta  meio 
algum,  para  o  descobrimento  da  verdade.  Manda,  que 
aos  réos  se  dê  defesa  plena.  Recommenda  aos  juizes  o 
cuidado  de  evitar,  que  os  innocentes  padeçam  detrimento. 
Dispensa  as  formalidades  de  direito  positivo,  excepto  al- 
gumas, que  manda  observar. 

Não  dá  validade  senão  aos  escriptos  do  Ministro  no- 
meado para  Escrivão  daquella  devassa.  Nomeia  Advo- 
gado dos  réos,  a  quem  encarrega  de  um  modo  exhorta- 
tívo,  a  que  faça  quantas  diligencias  possa  haver  a  seu 
favor.  Regeita  a  proposta  do  luiz  do  Povo  sobre  denun- 
cias occultas;  mas  mostra  ceder  ao  uso  dos  tratos,  or- 
denando cjue  tenham  logar  somente  quando  precederem. 


138 


iicU^  (|iiiK'sqiK'r  iiicIkk^s,  iiui^  iiuíku)-^  \ ciicincntcs.  Nâo  d».i 
poder  siiii^uliirmcntc  d  nenhum  dos  Ministros  nomeados. 
Declara  que  somente  o  deleita  ao  concurso  de  todos  clles. 
í:  para  que  ncio  houvesse  fallencia  na  observância  d'estas 
reaes  determinaçòes.  manda,  que  os  três  Secretários  d'F:s- 
tado  assistam.  t|uanto  for  possivel,  a  tudo  o  que  p>erten- 
cer  cl  formação  do  processo,  c  ao  seu  juízo  final.  N'estcs 
termos  bem  vê  Vossa  Alteza,  que  nins^uem  se  pode  quei- 
xar d'í:l-ReY  D.  losé,  meu  Senhor:  e  que  os  meus  cons- 
tituintes. a!(5m  de  lamentarem  a  desgraça,  de  nc^o  ter  sido 
posto  em  pratica  o  que  Sua  Maijestade  ordenou,  teem 
multo  que  admirar  na  summa  Oíjuidade  deste  Monarcha, 
c  na  sua  real  moderação.  Porcju*^' >cvnindo  o  que  se  obser- 
va nesta  causa,  se  conhece  que  Sua  Majgestade  sem  em- 
barjjo  de  Soberano,  e  de  luiz  Supremo,  não  quiz  ter  nclla 
mais  acção,  do  que  para  determinar  o  que  era  de  justiça, 
e  entresiiar  a  execução  das  suas  ordens  ao  Ministro  d'í:s- 
tado  da  sua  maior  confiança,  a  quem  constituiu  Presi- 
dente n'a(iuella  occasião.  Deste  Ministro  revestido  dò 
maior  authoridade.  fiscal  das  execuções  das  Ordens  re- 
gias, considerado  como  a  voz  do  Soberano,  de  quem  já 
estava  sendo  quasi  o  único  informante  acreditado,  é  que 
todos  nos  podenK>s  o  devemos  c]ueixar;  porque  foi  quem 
preverteu  o  que  l:l-I^ev  D.  losé,  meu  Senhor,  determinou, 
com  a  mais  apurada  rectidão.  Km  lusjar  de  se  nâo  omit- 
tir  meio  aliifum  para  o  descobrimento  da  verdade-,  não 
foram  per^nintados  os  três  Padres  da  Companhia,  repu- 
tados como  primeiros  e  maiores  criminosos-,  não  foi  per- 
VJuntada  a  Marqueza  de  Távora,  minha  soijra,  a  quem  se 
attribuia  a  corrupção  dos  d^  sua  familia,  que  foram  con- 
demnatios.  I:  dc\  mesma  forma  não  apparecem  as  per- 
s^iuntas  de  vinte  e  tantos  ri5os.  tidos  nos  autos  como  par- 
ticipantes do  mesmo  delicto  horrorosa'» ;  apestir  di:>s  dois 
primeiros  delactores  serem  interessadi>s  na  sua  accusiição, 
pelos    prémios   (lue    lhes    foram    promettido^    I-siiviiam 


139 


muitos  dias  na*  prisão  os  meus  constituintes,  que  morre- 
ram, sem  haver  contra  elles  o  que  lhes  queriam  imputar; 
porque  todos  os  que  foram  perguntados  nesse  tempo, 
íncluzívé  os  verdadeiros  culpados  e  confessos,  depozé- 
ram  e  juraram  a  seu  favor.  Mas  ouvindo  a  um  destes  úl- 
timos o  Secretario  d'Estado  Presidente,  que  também  a  sua 
vida  tinha  estado  em  perigo,  pôz  no  processo  uma  nota 
marginal  desta  noticia,  e  a  poucos  passos  appareceu com 
um  depoimento  da  sua  própria  letra,  tirado  em  sua  casa 
a  um  denunciante,  que  serviu  para  regular  um  novo  in- 
terrogatório, feito  dahi  por  diante  a  tantos  pretendidos 
réos,  que  então  se  mandaram  tratear;  não  concorrendo 
na  maior  parte  delles,  as  circunstancias  para  o  tormento, 
determinadas  por  El-Re^  D.  José,  meu  Senhor,  nos  seus 
decretos.  D  este  martvrío  ninguém  recebia  allivio,  sem  de- 
clarar o  que  Ih-  queriam  fazer  dizer,  ou  quando  o  Ci- 
rurgião avisava  que  já  o  não  podiam  supportar  sem  ris- 
co grande  de  vida.  No  resultado  desta  diligencia  é  ma- 
nifesto, da  parte  dos  interrogantes,  o  empenho  de  achar 
crimes  nos  meus  constituintes,  e  medo  grande  de  encon- 
trar  verdades   contrarias.   Por  isso  as  rectificações  das 
confissões  dos  réos  foram   sempre  precipitadas,  e  pela 
maior  parte  feitas,  no  mesmo  dia,  e  no  mesmo  logar.  con- 
tra o  que  mandam  as  Leis.  As  confusões  não  se  procu- 
raram  aclarar;  as  diversidades  não  se  quizeram  concí- 
h'ar;  as  retractações  procuraram  evitar-se;  e  as  que  se 
não   poderam    impedir,   não    as  quizeram  escrever.  São 
muito  poucas  as  confissões  violentadas,  que  teem  assigna- 
tura  das  pessoas  a  quem  pertencem,  e  algumas  delias  com 
circunstancias,  que  as  qualificam  bastantemente  de  falsi- 
dade. Nunca  houve  confrontações,  nem  antes,  nem  de- 
pois dos  tratos;  nem  as  quizeram  admittír.  com  parente, 
ou  com  estranho,  a    quem    as  requereu;  sendo  esse  um 
meio  importantíssimo  para  a  ínstrucção  de  que  necessita- 
vam os  juizes. 


uo 


Ao  MR'siiK>  icrn|n>,  foi  fcit«.>  sfiiiprc-  iiin  continikidn  um.) 
tio  dolo  da  siiv;i^cstt\o.  c  c  de  crer  cjuc  nas  pcnjuntas  fei- 
tas cm  tratos,  que  n5o  apparecem  nos  autos,  houvesse 
essa  mesma  maldade,  de  um  moílo  ainda  mais  escanda- 
loso óo  que  nas  primeiras  que  existem,  feitas  antes  do 
tormento;  e  que  seja  essa  a  razt^^o  do  juramento,  que  vem 
nos  autos,  dado  aos  luizcs,  para  não  dizerem  nunca,  o  çue 
se  perguntou  aos  réos  nos  tratos  e  se  não  escreveu  no  processo. 

Desta  forma  houve  trateados  que.  induzidos  e  ator- 
mentados, deposeram  contra  os  seus  próprios  depoimen- 
tos já  jurados,  o  que  lhe  foi  suvjijerido.  para  criminarem 
os  meus  constituintes.  Mas  nessa  mesma  occasi«!io  parc5ce 
coisa  íiiilavTosa.  não  haver  tormento  que  potlesse  obri- 
jtiar  os  verdadeiros  culpados  a  deixarem  de  manter  o 
que  tinham  dito  a  seu  favor  nas  primeiras  perj^untas.  De 
modo  cjue  culpando-se  a  si.  e  aos  seus  cúmplices,  parc^ce 
incrivel  c)ue  contra  a  verdade,  e  dando  motivo  pela  sua 
constância,  á  continuação  l\o  tormento,  quízessem  pou- 
par os  meus  constituintes,  (jue  lhes  eram  tanto  mais  estra- 
nhos e  indifferentes;  e  ainda  que  dois  dos  meus  consti- 
tuintes vêem  no  processo  como  confessos,  de  parte  do 
que  lhes  foi  attribuido  na  sentença  ;  um  delles  disse  o  con- 
trario na  defesa,  e  retratou-se  publicamente  uo  cadafalso 
e  (.lo  outro  ha  nos  autos  uma  contradicção  muito  estra- 
iiiui.  porcjue  vem  negativo  na  instrucçâo  para  a  defesa. 
Vem  da  mesma  forma  nei^ativo  na  sentença  da  devirada- 
ção  l\{\  «.^rdem.  í\c\í\(\  pelos  mesmos  Ministros.  \k>t  dele- 
jijação  <Sci  Mesa  l\í\  consciência ;  e  vem  k.\o  mesmo  mocto 
no  papel  dos  erros  Ímpios,  sabido  da  Secretaria  d'Kstado 
poucos  dias  depois  das  execuções.  No  que  toca  Á  defesa, 
bem  lonsje  de  ser  plena,  foi  mais  depressti  de  pura  ceri- 
monia, í:  em  ordem  a  cjue  o  defensc^r  não  visse  os  autos, 
como  nós  os  vemos  aviora.  lhe  foi  áada  uma  chamada 
minulii  muito  breve,  mal  exlrahiila  iU>s'mesmos  autos,  para 
elle  se  inforniH  iin  ixnicas  ht^i-^--  ili>i|iu'  linh.i  iitu*  Ji-er. 


141 


para  salvar  as  vidas  de  onze  réos  atormentados,  e  for- 
mar outras  tantas  defesas.  O  mesmo  pouco  caso  se  fez 
da  Lei  d'[:l-ReY  D.  José,  meu  Senhor,  em  que  restringe  a 
validade  do  que  pertence  á  devassa,  aos  escriptos  do  Es- 
crivão nomeado,  por  que  está  o  processo  cheio  de  lettras 
diversas,  e  n  elle  se  vê  que,  assim  Ministros  d'Estado,  co- 
mo Ministros  de  Justiça,  foram  naquelle  processo,  ora 
Presidentes,  ora- Juizes,  ora  Escrivães,  e  ora  varias  destas 
coisas  ao  mesmo  tempo.  Sobre  o  poder  para  devassar  e 
para  julgar,  que  El-Rey  D.  José,  meu  Senhor,  concedeu 
somente  ao  concurso  de  todos  os  Ministros,  egualmente 
se  não  attendeu  ás  ordens  regias;  e  antes  pelo  contrario 
se  conhece  pelas  assignaturas  dos  despachos,  que  nunca 
concorreu  a  maior  parte.  No  Juizo  da  causa  se  encontram 
as  mesmas  desobediências,  e  as  mesmas  injustiças.  Parece 
impossível  concluir-se  o  que  se  dá  por  feito  no  tempo 
comprehendido  pelas  datas,  e  que  os  autos  que  contém 
sessenta  e  tantos  depoimentos,  fossem  examinados  em 
vinte  e  quatro  horas  por  dois  diversos  Juizes,  o  da  Incon- 
fidência, e  o  das  Ordens.  Que  se  ponderassem  as  circuns- 
tancias, e  os  differentes  gráos  de  delicto.  Que  fossem  fei- 
tas duas  Sentenças,  acrescentadas  com  diversas  coisas,  de 
que  se  não  trata  nos  autos,  e  se  intimassem  a  onze  Réos, 
os  quaes  as  não  poderam  embargar,  por  se  achar  moles- 
tado o  seu  procurador,  e  não  quererem  dar  remédio  a 
esse  embaraço.  Esta  precipitação  occasionou  varias  de- 
sigualdades nas  penas  de  alguns  réos;  não  as  havendo 
nos  documentos  que  serviram  para  a  sua  imposição;  e 
houve  uns,  que  foram  condemnados  pelos  mesmos  fun- 
damentos que  serviram  para  serem  outros  absolvidos.  Eu 
fallo  com  muita  brevidade  a  Vossa  Alteza,  porque  assim 
o  devo  ão  seu  respeito,  e  ao  Governo  de  que  Deus  o 
quiz  encarregar.  Se  dissesse  tudo  o  que  vem  nos  autos 
deste  género,  faria  um  papel  muito  volumoso,  e  seria 
ainda   maior  se  recorresse  ás  notícias  de  noventa  c  tan- 


142 


las  testemunheis  que  produzi,  onde  se  acham  as  coartá- 
das  dos  meus  consliluinfes.  (lue  morreram ;  as  provas  de 
gue  a  maior  parle  dos  luizes  nào  viram  nunca  os  autos ; 
as  declarações  d'esles  mesmos  feitas  a  diversas  pessoas. 
de  cjue  se  colhe,  terem  assiijnado  a  sentença  condemna- 
toria.  sem  o  preciso  conhecimento  dã  causa  -,  e  muitas 
outras  circunstancias  espantozas,  postas  na  evidencia,  que 
ad mítte  essa  casta  de  demonstração. 

O  que  tenho  dito  até  aqui  a  Vossa  Alteza,  é  somente 
o  tjue  me  pareceu  indispensável,  para  dar  a  conhecer  os 
defeitos  das  causas,  em  que  me  queriam  envolver,  e  mos- 
trar a  opposiçâo  constante,  entre  essa  desordem,  e  a  san- 
tidade dos  decretos  d'l:l-Rev  D.  Ios(5,  meu  Senhor ;  onde 
se  vê  quanto  Sua  Masjestade  estava  persuadida,  de  que, 
se  iio  maior  crime,  como  6  o  de  lesa-Masjestade  compete 
a  maior  pena ;  a  maior  das  injustiças,  é  de  imputar  esta 
casta  de  delicio  a  vassallos  inn(Kenles  e  honrados.  Para 
evitar  este  mal  tomou  Sua  Maijestade  todas  as  precau- 
ções necessárias.  Nc^io  esteve  por  nenhuma  daquellas  opi- 
niões que,  com  apparencias  de  ens^randecer  os  Sobera- 
nos, destroem  nelles  a  imas^em  que  teem  de  Deus.  O  di- 
reito natural  lhe  pareceu  mais  di^no  l\o  que  tudo,  para 
a  recommendaçc^io  de  ciuem  linha  o  seu  real  caracter.  I: 
como  o  maior  numero  é  ordinariamente  menos  sujeito 
a  preoccupações,  e  a  subornos,  fez  dependente  a  execu- 
çCio  das  suas  ordens,  do  concurso  de  todos  os  Ministros 
d'I:stado  e  de  justiça.  Parece  incrível  que  esta  summa 
etjuidade  não  fizesse  a  impressão  que  devia,  e  era  natu- 
ral ;  mas  depois  desta  malevolencia  e  desta  atrocidade, 
que  coisas  Ci^ualmente  preversas,  diris^idas  a  uma  appro- 
vação  iijcral,  se  nào  empregariam,  para  persuadir  l:l-f^ev 
D.  losé;  meu  Senhor,  que  as  suas  ma.vimas  tinham  sido 
respeitadas,  e  cjue  as  suas  ordens  tiveram  uma  perfeita 
execução?  Ainda  mal.  que  uma  certa  bondade,  que  anda 
annexa  ao  supremo  poder,  e  á  suprema  independência. 


!43 


tem  occasionado  muitas  vezes  nos  que  occupam  os  Thro- 
nos,  excessos  grandes  de  boa  fé,  mais  prejudíciaes  do  que 
nunca,  nas  occasiões  de  actos  de  Justiça  punitiva,  em  que 
a  grandeza  real  não  admitte  o  conhecimento  pratico  das 
coisas. 

Foi  desgraça  nossa  durar  o  engano  tantos  annos,  e 
não  entrar  El-Rey  D.  José,  meu  Senhor,  em  desconfiança, 
senão  quando  )á  lhe  não  era  possível  outra  acção,  mais 
do  que  para  dar  signal  aos  successores  da  sua  auctori- 
dade,  que  havia  que  corrigir  em  algumas  coisas  do  seu 
Governo,  feitas  em  seu  nome,  contra  a  sua  real  intenção. 
A  Rainha,  minha  Senhora,  não  quiz  deixar  de  dar  a  isso 
providencia.  Conheceu  que  os  indícios  de  indignação  da 
parte  d'El-ReY,  seu  Pae,  no  tempo  em  que  Deus  come- 
çava a  dar  luzes  maiores,  concordavam  com  documentos, 
conservados  pela  Providencia,  para  fazer  acertada  a  sua 
real  deliberação,  a  favor  dos  meus  constituintes.  Então 
foi   ponderado  o  pequeno  numero  dos  prejudicados.  A 
pouca  consideração  dos  bens  a  que  teriam  direito.  Que 
o  lapso  do  tempo  não  podia  ter  lugar  em  um  facto,  de 
que  eram  muitas  as  testemunhas  oculares  existentes ;  e  de 
que  se  deviam  descontar  os  annos,  que  os  autos  estive- 
ram sumidos  na  mão  do  Ministro  poderoso,  que  presidiu 
á  sua  formação.  Que  isto  mesmo  ainda  era  mais  certo, 
não  tendo  havido  embargos  á  sentença  condemnatoria, 
dada  por  uma  Junta  de  Commissão,  para  a  qual  legislou 
particularmente  El-Rev  D.  José,  meu  Senhor.  Que  tendo- 
se  faltado  continuadamente  ás  ordens  de  Sua  Magestade, 
estava   tudo   nullo.  Que  por  esta  razão,  não  havia  que 
attender  á  honra  da  Justiça.  E  que  antes  pelo  contrario, 
era   muito  importante,  evitar-se  o  equivoco  dirigido,  a 
confundir  o  Soberano  justo,  com  a  maldade  de  quem  o 
enganou.  Que  a  separação  patente  d  estas  duas  coisas 
tão  diversas,  que  envolviam  no  modo  de  proceder,  a  vir- 
tude, com  o  delicto,  e  a  Religião  com  a  maior  perversí- 


1  i ; 


diulc.  faziam  inuik>  necessária  esta  mesma  Jivis«io,  para 
o  credito  dã  justiça  e  da  bondade  de  lil-I^ey.  meu  Se- 
nhor, l:  entáo  se  conlieceu  que  o  ultimo  decreto  de  Sua 
Masjestade,  approvando  os  autos,  e  a  primeira  sentença, 
não  podiam  ter  sido  passados  senão  na  \é  i.\c\  perfeita  exe- 
cução das  ordens  antecedentes,  li  que  sendo  esta  mesma 
execução  da  forma  referida,  não  podia  o  dito  decreto 
deixar  de  ser  obrepticio.  Também  se  advertiu  e  se  con- 
templou, que  para  o  conhecimento  desta  verdade,  quiz 
Deus  cessar  quem  conservou  duas  rejjias  declarações,  tão 
contrarias  uma  á  outra ;  as  quaes  obrisjando  a  procurar- 
se-lhe  alijuma  conciliação,  davam  loijo  a  conhecer  que 
em  um  caso  de  maior  gravidade,  com  tão  pequeno  in- 
tervallo  de  tempo,  não  era  nada  natural  que  l:l-I-^ev  D. 
José,  meu  Senhor,  mudasse  para  uma  opinião  tão  diame- 
tralmente opposta,  sem  razões  que  produzissem  effeitos 
de  alijum  novo  arraiijamento.  isto  fez  parecer  incrível  que 
Sua  Maj^estade,  sem  ens^ano,  approvasse  uma  desobediên- 
cia a  mais  criminosa,  que  incluia  a  reprovação  dos  seus 
l^rimeiros  decretos,  tão  acertados,  e  tão  justos,  e  destruia 
as  suas  recommendações  dõ  observância  do  Direito  na- 
tural e  divino  impreterivel,  a  que  Sua  Maj^estade  mostrava 
tanta  inclinação  e  tanto  respeito.  Westes  termos  não  ha- 
vendo que  vacilar  sobre  a  imputação  destas  advertên- 
cias, destas  contrariedades,  destas  injustiças,  de  que  o  fá- 
cil descobrimento  parece  mvsterioso.  Quiz  a  Rainha,  mi- 
nha Senhora,  cjue  nesta  causa  houvesse  novo  exame,  e 
tornasse  a  ser  juli^ada.  Na  execução  desta  real  vontade, 
parece  impossível,  que  podesse  haver  mais  attenção  S 
primeira  sentença,  do  que  houve,  para  ser  dada  a  da  re- 
vista. Sem  embarjkio  dc\  lan^ja  informação  de  testemunhas, 
(jue  já  disse,  cujo  destino,  ses^undo  os  termos  da  Rainha, 
minha  Senhora,  era  para  ter  uso,  quando  Sua  Majjestade 
fosse  servida  mandar  tratar  daquella  causa.  Cheirada  essa 
occasíão,   não  c)uízeram   os  juizes  admittir  esses  imjx^ír- 


145 


tantes  documentos,  fundados  na  regra  ordinária,  de  se 
não  receberem  nas  revistas,  os  que  fossem  estranhos  aos 
autos.  Debalde  instei  eu,  que  não  se  reputasse  como  es- 
traniia  uma  defesa  determinada  pelo  direito  natural,  que 
suppria  de  algum  modo,  a  que  tinha  sido  negada  aos 
meus  constituintes.  Continuei  a  requerer  que  ao  menos 
fosse  acceita  a  declaração  de  Fr.  Manoel  de  S.  Boaven- 
tura, authentícada  pelo  Juizo  da  Inconfidência,  a  qual  pelo 
seu  contexto  mostrava  ser  pertencente  aos  autos,  a  que 
devia  juntar-se,  para  a  sua  mais  aproximada  integração. 
Nada  d'ísto  foi  attendido,  nem  absolutamente  se  admíttiu 
nenhum  Procurador.  E  os  autos,  assim  mesmos  informes, 
e  feitos  de  propósito,  para  a  ruina  e  diffamação  dos  meus 
constituintes,  foram  o  único  instrumento  que  serviu,  para 
ser  dada  a  seu  favor  a  sentença  revisoria.  Apesar  desta 
summa  jurisprudência,  com  que  foi  posta  em  pratica  a 
graça  de  uma  Soberana  de  tantas  e  tão  certas  virtude? ; 
e  sem  embargo  de  dar  isso  mesmo  a  conhecer  quanto 
pode  a  innocencia  para  tirar  provas  de  justificação  dos 
maiores  artifícios  da  malevolencia  e  do  engano;  a  fata- 
lidade que  acompanha  os  meus  constituintes  entretém  a 
indecisão  que  continua  a  haver  nesta  m.atería.  Parece 
coisa  sobrenatural,  porque  á  vista  do  que  tenho  exposto 
a  Vossa  Alteza,  está  esta  causa  em  uma  alternativa,  que 
deveria  mais  depressa  concorrer  para  a  sua  prompta  re- 
solução; porque,  ou  se  ha-de  punir  pela  doutrina  de  El- 
RcY  D.  losé,  meu  Senhor,  e  fazer-se  patente  a  sua  recti- 
dão, ou  se  ha-de  occultar  a  equidade  deste  Soberano 
para  encobrir  e  defender  a  desordem  de  quem  lhe  deso- 
bedeceu, e  inverteu  a  Santidade  das  suas  reaes  determi- 
nações. Nesta  matéria  não  posso  imaginar,  que  haja  em 
mim  nenhuma  illusão;  porque  isto  mesmo  viram  tantos 
Ministros  consultados,  e  os  luizcs  que  deram  a  sentença 
de  revista.  Se  ha  algum  talento  superior,  que  vçjã  as 
coisas   doutro    modo.   deveria    fazer   em   nós  o  effeíto 


14Í» 


iki  luz.  !iviando-nos  das  ircvtis  com  nuiitii  proniptidâo. 
Dcvciid  nianifcslar  tio  publico  essa  suâ  descoberta,  e  te- 
ria d'isso  estreita  obris^açâo,  porque  a  demora  excessiva 
desta  causa,  ou  o  encerramento  delia  nas  suas  circuns- 
tancias, alem  de  inculcar  um  pejo  dci  sua  publicidade, 
que  denota  debilidade  de  razões.  nAo  pode  ser  expediente 
(jue  convenha  á  Grandeza  Real  de  um  Soberano  táo  justo, 
como  }:I-Rev  D.  )osc.  meu  Senhor,  se  mostrc^u  naquella 
mesma  occasião.  Is^ualmente  é  offensivo  á  Rainha,  minha 
Senhora,  depois  dò  concessivo  do  seu  alvará  de  revista, 
c  de  ponderadas  por  Sua  Maj^estade  todas  as  razões  que 
podiam  obstar,  ou  facilitar  a  mesma  ^raça.  O  certo  é 
que  depois  de  uma  semelhante  resolução,  parece  nào  ha- 
ver nenhum  meio  virtuoso,  entre  a  contirmaçtlo  da  pri- 
meira sentença,  no  caso  de  haver  razões  para  a  manter, 
e  a  validade  dã  sesiíunda,  que  a  derroija.  fundada  em  Leis 
soberanas  e  novissimas. 

Uma  tui  outra  coisa  estava  o  mundo  esperando,  para 
formar  conceito  fixo,  sobre  um  caso  em  que  todavia, 
a  justiça  exiv^e  a  maior  publicidade,  por  ser  o  exemplo 
nos  castiitios  o  seu  objecto  principal.  Mas  todas  estas  ra- 
zões, e  muitas  outras  que  omitto,  para  níHotomi^  ^temp)o 
a  Vossa  Alteza,  não  tem  valido  ate*  aj^iora.  •  ndade 

de  dois  Soberanos  tem  tido  efficacia  ba-'  livrar 

de  embaraço  a  causa  dos  meus  constitui  'a  fal- 

tam mais  als^umas  clarezas,  e  se  ha   du  as  ou 

politicas,  que  façam  impedimento  á  su  ào  se- 

ria eu  o  primeiro,  tjue  desejasse,  que  pozes- 

sem  em  publico,  e  se  consultassem   a  lades  de 

Castella,  e  as  mais  famosas  da  Kurop.i  to  d,^  jus- 

tiça d'HI-Rev  I).  lostS  meu  senhor,  r  la   NaÇtlVo. 

mereceriam  esse  disvello.  líntiVo  se  v  inmum  sen- 

tir das  vcntes,  tlimanado  tlaquella  )    jue  IXnis  al- 

lumia  todo  o  homem,  se  osIXvrett  IX  joscS  meu 

Senlu^r.  siio  ou  ni>o  conciliáveis  C(  >so ;  e  se  o 


147 


que  ha  nelles  de  invariável  e  de  claro  a  todas  as  luzes 
deve  servir  de  regra  á  Rainha,  minha  Senhora,  e  a  Vossa 
Alteza  Creio,  que  se  não  acharia  nenhuma  opinião  im- 
parcial, que  fosse  favorável  ao  triumpho  do  Enganador. 
Nem  haveria  quem  fizesse  ponto  de  honra,  que  vencesse 
a  justiça,  sobre  dar-se  a  conhecer,  que  El- Rey  D.  José  meu 
Penhor,  foi  enganado  n  esta  causa. 

O  mundo  será  persuadido,  ha  muitos  séculos,  que  o 
Governo  de  um  Reino  excede  as  forças  da  Humanidade 
gue  no  logar  em  que  Deus  põe  um  Soberano,  onde  não 
pode  saber  por  informação,  nem  operar  senão  por  dele- 
gação, esta  mais  do  que  ninguém  sujeito  a  enganos  e  a 
tazerem-se  em  seu  nome  coisas  violentas,  sem  demasiado 
encargo  da  sua  consciência.  A  historia  do  mundo  certi- 
fica esta  verdade,  e  mais  ainda  as  Letras  Sagradas  onde 
se  ve,  que  Deus  desculpa  os  Reis,  como  não  desculpa  os 
homens  de  outra  condição.  Por  isso  se  considera,  que  para 
os  d  essa  dignidade,  tanto  consiste  o  bom  governo  em  pro- 
curar benefícios,  como  em  remediar  males,  para  que  se 
nao  façam  mais  compridos,  segundo  a  expressão  de  um 
Monarchade  espirito  sublime.  Ainda  haveria  bastante  que 
dizer  sobre  coisas  desta  espécie,  se  eu  soubesse  com  cer- 
teza os  motivos  quepoderamter  servido  de  demora  nesta 
causa  :  mas  esta  representação  poderá  já  parecer  demasia- 
damente dilatada,  sem  embargo  de  um  negocio  perten- 
cente ao  ponto  mais  importante  da  honra,  que  intere..a 
vassallos  mais  obrigados  á  sua  observância,  não  se  pode 
tratar  com   brevidade,  quando  pela  primeira  vez  se  dá 
conta  delle  a  um  Príncipe  Regente,  e  se  procura  vencer 
uma  demora  excessiva  e  summamente  ruinosa.  Comtudo 
para  nao  ser  censurado,  de  abusar  da  paciência  e  da  bon- 
dade de  Vossa  Alteza,  ponho  na  sua  real  presença,  por 
ulhmo  artigo  d  este  papel,  que.  apesar  do  que  tenho  ou- 
vido, e  do  mais  que  queiram  dizer,  não  me  posso  persua- 
dir que.  para  a  habilitação  dos  meus  constituintes  exís- 


MS 


tentes,  c  para  alíjum  seu  melhoramento  de  fortuna,  lhe 
possa  ser  conveniente,  pedirem  o  perdt^o  de  pena  lesmai  : 
e  gue  a  I^ainha,  minha  Senhora,  e  V.  Alteza  assim  o  quei- 
ram, depois  da  revista  concedida,  e  da  sentença  dada  a 
seu  favor. 

Sc  em  semelhante  petição  não  houvesse  mais  do  gue 
sis^nificarem  os  meus  constituintes  a  sua  summa  depen- 
dência, e  o  seu  profundo  respeito,  ia  teriam  feito  ha  muito 
tempo  essa  dilii^iencia.  na  quõ\  não  podiam  nunca  ter  a 
menor  duvida,  sendo  as  coisas  desse  s^enero  pertencen- 
tes ao  culto  civil,  devido  da  parte  de  qualquer  vassallo 
ao  seu  Soberano. 

Mas  o  perdão  denota  crime,  e  de  uma  qualidade,  na 
causa  de  que  trato,  a  que  devemos  todos  ter  horror,  isto 
parece  que  implica  com  a  prova  judicial  da  innocencia. 
facilitada  e  auxiliada  pela  I^ainha,  minha  Senhora.  1:  vem 
a  dar  de  si,  nos  que  pedissem  semelhante  perdão,  quere- 
rem por  interesse  particular,  condemnar  e  denes^rir  a  me- 
moria de  seus  pães  justificados,  e  fazerem-se  por  isso  in- 
dií^nos  dc\  beniv^nidade  de  \7ossa  Alteza. 

Esta  é  a  substancia  das  razões,  que  tem  obstado  a  ser 
posto  em  pratica  semelhante  arbítrio.  Parece  justo,  que 
assim  se  observe,  em  qu^^nlt^  "ão  concorrer  o  que  quer 
(jue  seja.  que  salve  as  difficuldades  que  acabo  de  dizer. 
Mas  passando  a  ver  esta  questão  por  outro  lado.  é  certo, 
que  de  qualcjuer  modo,  que  sejam  considerados  os  meus 
constituintes,  ninv^uem  duvida,  ses^íundo  as  suas  edades, 
(]ue  não  podiam  ter  nenhuma  culpa  pessoal.  Neste  caso. 
permitta-me  V.  Alteza  a  reflexão  patriótica,  de  que  no 
tempo,  em  cjue  muitos  Peinos  dò  l:uropa  tem  reduzido, 
ou  aproximado  as  suas  differentes  lei^islaçòes  ao  Direito 
natural.  (|ue  não  admitte  corrupção  de  sanviue.  nem  os 
seus  effeitos  violentos,  nada  seria  tão  próprio  dos  nossos 
Príncipes,  mais  virtuosos  do  que  todos,  do  que  mostra- 
rem-se  persuadidos  desta  santa  doutrina,  e  anteciparem 


149 


o  exercício  delia  ao  effeíto da  benigna  intenção,  que  tem 
de  introduzir  c  estabelecer  no  novo  código. 

A   vista  d'isto,  seja-me  licito  trazer  á  lembrança   de 
Vossa  Alteza,  que  os  ditos  meus  constituintes  teem  pade- 
cido, no  espaço  de  trinta  e  tantos  annos,  trabalhos  gran- 
des, de   falta  de  liberdade,   áz  ignominia  e  de  miséria  ; 
objectos  dignos  da  Real  compaixão  de  Vossa  Alteza.  Em- 
fim  Príncipe,  meu  Senhor,  bem  desejaria  eu  ver-me  livre 
d  esta  lida,  e  não  tornar  a  ter  occasíão  de  importunar  a 
Vossa  Alteza  com  arrazoados  que  obrigam  a  tanta  dif- 
fuzão.  Estimaria  ao  menos  poder  conservar-me  no  silen- 
cio, em  que  já  estive  muito  tempo,  confiado  na  bondade, 
e  na  rectidão  da  Rainha,  minha  Senhora  ;  mas  mostran- 
do o  tempo  coisas,  que  segundo  a  experiência  e  o  con- 
ceito universal,  de  modo  nenhum  podem  proceder  da  Real 
vontade,  e  recta  decisão  de  Sua  Magestade,  e  de  Vossa 
Alteza,  de  quem  somente  deve  depender  a  nossa   sorte, 
não  posso  deixar  de  implorar  o  soccorro  dos  que  Deus 
quer,  que  façam  as  suas  vezes  n  este  Reino.  O  certo  é,  que 
a  maldade  nas  mãos  da  Justiça,  sendo  certa,  não  costuma 
achar,  o  que  ha  annos  a  esta  parte  tem  encontrado  a  de- 
manda dos  meus  constituintes.  Os  crimes,  não  se  provam 
suspendendo  o  curso  das  causas.  A  clareza  e  a   publici- 
dade, é  necessária  nos  delictos  conhecidos  e  atrozes.  Para 
a  Justiça,  não  ha  ninguém   que  seja  despresivel.  No  que 
toca  á  honra,  não  são  poucos  os  que  devem  ser  attendi- 
dos  ;  e  a  politica  não  parece  ter  logar  nenhum,  sobre  duas 
causas  particulares,  para  as  quaes  tem  parecido  bastante 
em  toda  a  parte  as  regras  da  Justiça  ordinária. 

Alem  d'isto,  como  as  contrariedades  costumam  com- 
bater neste  mundo  o  que  Deus  quer,  tudo  concorre  para 
me  persuadir,  que  faltaria  ao  que  o  mesmo  Deus  me  in- 
dica, e  ao  que  devo  a  Vossa  Alteza,  no  tempo  em  que 
faz  funcção  de  Juiz  supremo,  se  não  recorresse  ao  seu 
Real   poder,  e  á  sua  íllustração,  para  que  ponha  teimo 


1^0 


nesta  causa,  conforme  o  que  Deus  lhe  inspirar,  e  lhe  pa- 
recer mais  acertado.  Queira  a  Divina  Providencia,  que 
Vossa  Alteza  seja  o  Príncipe  destinado  para  cortar 
este  nó  gordio.  Que  para  esse  effeito  se  reijule  p)elo 
que  achar  no  seu  rciíjio  coraçc^o.  e  no  seu  entendimento: 
Que  dahi  se  nos  sisja  a  felicidade  de  nos  ser  confirmada 
a  esperança  da  continuação  dos  nossos  Príncipes  nacio- 
naes.  í:  que  Vossa  Alteza  em  premio  das  suas  reaes  vir- 
tudes, tenha  também,  entre  muitas  vantai^íens.  a  Gloria 
de  fazer  patente  a  justiça,  ebenii^na  intenção  de  seu  Au- 
sjusto  Avô,  Kl-Rey  D.  José,  meu  Senhor,  pondo  em  exe- 
cução o  que  Sua  Majestade  faria,  se  podesse  voltar  a  este 
mundo.  Ru  assim  o  peço  a  Deus,  com  o  fervor  que  com- 
pete a  quem  se  acha  no  ultimo  quartel  da  vida.  persua- 
dido do  que  acabo  de  dizer,  l:  juntamente  lhe  rosjo,  que 
esclareça,  que  prospere,  e  conserve  a  real  pessoa  de  Vossa 
.Alteza  por  muitos  annos.  como  eu.  e  todos  os  seus  fieis 
vassallos  desejamos,  e  havemos  mister. 


Marquez  d' Alar  na. 


CAPITULO  X 

Documentos  comprovativos  dos  esforços  da  Condessa  de  Oeyn- 
hausen,  Marqueza  d'Alorna,  para  que  fosse  completamente 
illibada  a  memoria  do  Marquez  d'Alorna,  seu  iririão. 

O  General  D.  Pedro  de  Almeida  Portuíjal,  terceiro  Mar- 
quez d'Alorna,  e  sexto  Conde  de  Assumar,  avivou  brilhan- 
temente os  altos  feitos  militares  dos  seus  nobilíssimos  as- 
cendentes, entre  os  quaes  se  devem  especialísar  os  prati- 
cados na  índia  por  seu  avô  paterno  o  primeiro  Marques 
d'Alorna,  e  também  os  muito  valiosos  serviços  prestados 
contra  os  inimigos  do  Estado,  por  seu  muito  illustre  avô 
materno,  o  General  terceiro  Marquez  de  Távora,  serviços 
com  os  quaes  notavelmente  assignalou  o  seu  governo 
como  vice-Rei  da  índia,  e  que  não  só  deixaram  de  ser 
devidamente  considerados,  mas  que  se  procuraram  apa- 
gar com  a  mais  odienta  ingratidão. 

Eram  muito  grandes  as  obrigações  que  lhe  impunha  a 
sua  por  muitos  titulos  alta  ascendência  ;  mas  o  General 
Marquez  d'Alorna  desempenhou-se  delias  com  a  maior 
distincção. 

Assim,  sendo  Coronel  decavallaría  em  1803.  tendo  39 
annos,  foi  escolhido  para  fazer  parte  da  divisão  auxiliar 
á  Hespanha,  tornando-sc  notável  logo  nos  primeiros  com- 
bates em  que  entraram  as  tropas  portuguezas.  Tendo  po- 
rem recolhido  a  Lisboa,  com  licença,  no  fim  de  um  anno. 


152 


foi  i^ituliiaclo  cm  Marechal  tic  campo  em  1804.  epromo- 
viilo á  cffectividade  deste  posto  no  anno  seviuinte.  sendo 
entíio  nomeado  commandante  da  lei^i«So  de  tropas  ligei- 
ras que  o  governo  mandou    ori^anisar  ndquellâ   época. 

A  vis^iiancia  l\o  Marquez  d'Ak>rna,  que  em  1807  ijo- 
vernava  o  Alemtejo,  deveu  a  |-amilia  Real  portuijueza,  o 
nào  ter  ficado  prisioneira  do  exercito  francez.  que  inva- 
tliu  í\")rtuv:al,  podendo  ausentar-se  para  o  Rio  de  laneiro. 
embarcando  pouco  antes  di\  entrada  de  junot  em  Lisboa. 

Sendo  chamado  a  Lisboa  por  junot  pouco  depois  da 
cheviada  l\o  i^íeneral  em  chefe  francez  a  esta  cidade,  p)ediu 
loíijo  a  sua  demisst^o,  que  lhe  não  foi  concedida. 

Hra  notório  o  desaffecto  do  Marquez  d'Alorna  aos 
francezes,  sentimento  que  nobremente  affirmou  a  lunot 
quando  foi  por  elle  interros^ado  sobre  o  propósito  que  se 
lhe  atlribuia  de  ter  cjucrido  impedir  a  entrada  dos  fran- 
cezes  cm  Portu^^^l.  e  que  não  levou  a  effeito  por  ter  re- 
cebido c^rdens  terminantes  da  Res^encia  para  que  rece- 
besse amij^ravelmente  as  tropas  estraníjeiras. 

As  condiçòes  em  que  se  encontrava  o  exercito  portu- 
itiuez,  e  (juc  eram  bem  conhecidaf?  de  Junot.  levaram  este 
Cleneral  a  mandar  ors^íanisar  a  leijriâo  de  que  o  Marquez 
d*Alorna  foi  nomeado  commandante  em  chefe,  sendo  Go- 
mes Lreire  de  Andrade  se^iundo  commandante.  e  chefe 
de  estado  maior  o  hrií^jatieiro  Pamplona  ;  isto  é.  foram 
escolhidos  os  três  distinctos  officiaes,  manifestamente 
atlvcrsos  aos  francezes.  e  que  era  portanto  conveniente 
afastar  do  paiz. 

l:  sabido  cjue  em  Abril  de  1808  a  kvião  dcAIorna  re- 
cebeu ortiem  tie  marcha  para  huri^os,  devendo  concen- 
trar-se  em  Salamanca,  e  se\íuir  para  o  seu  destino  por 
Valladolid. 

Para  acalmar  <\  excita»;ão  que  a  ordem  produziu,  por 
se  dizer  que  a  leviião  era  mandada  para  IVança.  lunot 
mandou  publicar  e  imprimir  uma  declaração  de  que  as 


153 


tropas  portuguezas  sabiam  apenas  com  o  objectivo  de 
acompanharem  o  Imperador  Napoleão  até  Lisboa. 

Por  ter  adoecido  gravemente  em  Burgos,  o  Marquez 
d'Alorna  não  poude  acompanhar  a  legião  na  sua  mar- 
cha até  Bayona,  onde  lhe  foi  passada  revista  pelo  pró- 
prio Napoleão,  e  onde  mais  tarde  se  lhe  reuniu  o  Mar- 
quez d'Alorna. 

Deve  deixar-se  consignado  que  a  legião  chegou  a 
Bavona,  com  pouco  mais  de  6.000  homens,  sendo  quasi 
de  9.000  homens  a  força  com  que  sahiu  de  Portugal  :  es- 
tando pois  diminuida  de  cerca  da  terça  parte,  que  se 
tinha  ausentado  desertando. 

Apesar  de  muito  redusida,  o  receio  de  que  podesse 
reunír-se  a  quaesquer  forças  hespanholas  que  se  levan- 
tassem contra  os  francezes,  determinou  Napoleão  a  inter- 
nar a  legião  em  França,  dando-lhe  Grenoble  como  quar- 
tel. O  Marquez  d'Alorna  ficou  apenas  como  commandante 
nominal,  ate  que  em  Março  de  1809  foi  mandado  para 
Madrid  com  ordem  de  se  unir  âo  quartel  general  do  Rei 
losé,  mas  sem  qualquer  ingerência  no  commando  das  tro- 
pas. Em  íunho  de  1810  mandaram  o  infeliz  General  para 
Salamanca,  a  fim  de  se  apresentar  no  quartel  general  de 
Massena,  que  preparava  ali  o  exercito  para  invadir  Por- 
tugal. 

Este  exercito  transpoz  a  fronteira  portugueza  em  24 
de  lulho  de  1810.  O  Marquez  dAlorna,  que  foi  obrigado 
a  acompanhar  Massena  não  praticou  acto  algum  de  hos- 
tilidade aos  seus  conterrâneos,  e  pelo  contrario  fez 
quanto  poude  para  minorar  os  horrores  da  invasão,  como 
succedeu  em  Coimbra  e  em  outras  localidades. 

O  governo  da  Regência  tendo  conhecimento  de  que 
o  Marquez  estava  no  quartel  general  de  Massena,  sem  at- 
tender  ás  circunstancias  em  que  se  encontrava,  resolveu, 
por  portaria  de  6  de  Setembro,  não  só  exautoral-o  de  to- 
dos os  títulos,  honras  e  dignidades,  privando-o  até  do  nome 


154 


de  portiij^ucz.  iiujs  offcrcccr  a  iciiiuiK-ravdo  de  mil  inoc- 
tlcis  ii  c|uc»ii  o  aprcsciitiissc  mork)  ou  vivo.  A  esta  porta- 
ria scviuiu-sc  processo  no  Tribunal  de  Inconfidência,  em 
tjuo  foi  condcmnado  d  morte. 

[■ica  assim  explicado,  que  o  Marquez  d"Alorna  nào 
tentasse  illudira  í^rande  visjilancia  que  sobre  ellc  exerciam 
os  francezes,  para  procurar  apresentar-se  em  Lisboa,  tendo 
de  voltar  para  Hrança.  onde  em  1812  foi  encarreirado  de 
inspeccionar  as  tropas  da  lei^ii^o  portuj^ueza.  que  foram 
dcsii^nadas  como  elemento  do  exercito,  que  ia  tomar  parte 
na  campanha  da  Rússia. 

Quandv»  o  exercito  francez  marchava  com  esteobiecli- 
vo.  o  Marcjuez  d'Alorna  recebeu  a  nomeação  de  Gover- 
nador de  Mohilev  '  e  ali  ficou  como  se  lê  na  erudita  in- 
troducção  do  Sr.  [-ernando  Mava  ao  proficiente  trabalho. 
do  iMarquez  d'Alorna  "Reflexões  sobre  o  systema  econó- 
mico do  exercito,,,  até  que  principiou  a  retirada  do  exer- 
cito francez.  ao  qual  se  juntou  nas  manténs  de  Dniepper. 
Tendo  porem  chev;[ado  muito  doente  a  Koeniiísben^  nos 
últimos  tiias  de  Dezembro,  ali  falleceu  a  2  de  laneiro  de 
1813. 


Aos  incessantes  e  porfiados  esforços  da  Condessa  de 
Oeynhausen,  durante  mais  de  dez  annos,  é  devida  a  revi- 


'  A  civJ.iilc  de  Mohilev,  praça  de  guerra,  é  capital  da  provincia  d'es- 
te  nome,  constituída  por  uma  região,  situada  na  Rússia  Occidental 
europeia,  que  hanhiim  vários  rios  de  que  s5o  prin»:ip;ies  os  seguintes: 
Dniepper,  Soj,  Troni.i  e  Mercsina.  Nj  reRifio,  que  c  muito  fértil,  en- 
contrum-se  também  vários  laj{os  de  pequenas  dimensões.  A  praça  de 
Mohilev  demora  na  margem  esquerda  do  Dniepper. 


155 


são  da  sentença  que  havia  condemnado  o  Marquez  d'A- 
lorna,  seu  irmão,  sendo  absolvida  a  sua  memoria  da  im- 
putação do  crime  de  que  fora  accusado.  e  declarada  inno- 
cente  e  honrada  a  sua  memoria  e  fama.  Esta  sentença  é  de  16 
de  Agosto  de  1825. 

Dos  meritórios  esforços  da  Condessa  de  Oevnhausen 
para  que  fosse  revogada  a  sentença,  que  injustamente 
condemnou  o  Marquez  d'Alorna.  seu  glorioso  irmão,  dão 
também  notícia  as  cartas  de  que  seguidamente  apresen- 
tamos copias: 


111. "IO  Ex.ni"  Snr. 
Meu  irmão'  de  toda  a  m.a  estimação 

Remetto  a  V.  Ex.a  copias  de  duas  cartas  que  me  escre- 
veram, uma  ainda  quando  eu  estava  em  Londres,  e  que  é 
de  Mr.  Wallerstein,  Addido  á  Embaixada  Russa  em  Hespa 
nha.  o  qual  eu  não  conhecia;  mas  passando  por  Londres 
e  sabendo  que  eu  allí  estava,  tomou  aquella  honrada  re- 
solução de  avisar-me  de  que  elle  serviria  em  todo  o  tem- 
po de  testemunha  da  innocencia  de  meu  irmão. 

A  segunda  é  do  Barão  de  Blumenstein,  que  V.  Ex. '  tal- 
vez conheceu  ;  ficam  na  minha  mão  os  orígínaes  para  po- 
derem servir  quando  forem  precisos. 

Desejo  muito  novas  do  Saldanha,  que  está  com  nan- 
dando  no  Rio  Grande,"  e  se  elle  me  não  escreve  por  que 
sou  mulher,  talvez  escreva  a  V.  Ex.a  a  quem  pode  di- 
zer muita  coisa  interessante.  Vae  partir  o  novo  Paquete 
e  preciso  dizer  adeus.  Henriqueta  acaba  de  me  dizer  que 


'  A  Marqueza  d'AIorna  dava  o  nome  de  irmão  e  primo  a  D.  Bernardo 
da  Silveira  Lorena,  que  foi  Conde  de  Sarzedas. 

2  Foi  depois  o  g-Iorioso  Marechal  Duque  de  Saldanha. 


!50 


a  rccommemlc  d  V.  Rx.»,  o  mesmo  quer  Iredericd.  O  meu 
filho  '  está  em  livora  com  o  seu  rej^Mmento. 

O  Carlos  -  está  em  Matto  Grosso  esperando  pelo  seu 
successor  ha  cinco  annos.  Se  V.  Ex.*  poder  contribuir 
para  que  clle  vá  para  a  sua  destinaçáo  no  Pará,  ou  para 
(ju<-'  ^-  M-  lhe  dê  licença  para  vir  a  Lisboa,  muito  preciso 
d'isso,  a  sua  capacidade  e  juizo  muito  me  havia  de  aju- 
dar, e  até  seria  de  i^rande  utilidade. 

brevemente  parte  outro  navio  e  irei  escrevendo  e  man- 
dando coisas  interessantes,  á  medida  que  for  tendo  forças 
para  escrever.  Adeus  meu  estimável  Irmão. 
Sou 

De  V.  Hx." 

Irma,  Prima,  e  fiel  Ven.""» 

Leonor. 

P.  S.  A  carLi  de  V.  I:x.'  não  trazia  data. 


Copie 

Londres  ce  7  Aoút  1813 
Leicester  square,  Sabloniéres  hotel 

Madame  la  Comtesse 

lln  hasard  me  fit  savoir  votre  sdjour  á  Londres.  Teus 
le  bonheur  de  faire  la  connaissance  de  feu  M""  le  Marquis 
d'Alorna,  votre  freire,  et  je  ne  puis  rc^sister  au  dc%ir  doffrir 
mes  hommavies  rospectueux.  á  la  soeurd'un  si  dii^ne  hom- 
nie.  je  lai  connu  dans  un  tems  oíi  accablé  de  rei^rets  et 
tie  dcSespoir,  il  avait  besoin  ^x^ur  se  soulai^er  de  dépo- 
ser  ses  chagrins  dans  le  sein  d'iin  homme  qui  sút  sentirei 


'  O  Conde  Jo5o  d'(>eynhauscn,  que  morreu  tendo  ig  annos,  e  sendo 
rencnte  Coronel  de  um  regimento  de  cavallaria. 
•   Morqiiei  d'ArjiL;uy. 


157 


compatír  de  si  grands  malheurs.  II  me  crut  digne  d  etre 
le  confidení  de  ses  ennuis;  et  de  ses  projets.  Ex'cedé  de  la 
peine  que  lui  causait  leloianement  de  sa  patrie  et  de  sa 
famille,  plus  que  du  regret  des  richesses  qu'il  avait  perdu. 
abattu  par  ríde'e  douloureuse  d  etre  considere  comme  un 
traitre  á  sa  nation,  lorsque  Tamour  et  lattachement  pour 
son  Monarque  et  son  pays,  remplissaient  exclusívement  son 
coeur.  il  étaít  decide  á  tout  risquer  pour  revenír  sur  ce 
qu'il  avait  été  entrainé  de  faíre.  Déja  il  avait  pris  les  me- 
sures les  plus  determinées,  lorsque  son  gouvernement, 
§uidé  plutôt  par  Ia  sévérité  quí  lui  dictait  une  sage  pré- 
voyance,  que  par  Tindulgence  que  pouvaient  re^clamer 
des  circonstances  extraordinaires,  contraria  brusquement 
les  desseins  de  M^  votre  frére.  et  lui  ferma  à  jamais  les 
portes  du  retour.  II  en  gémissait,  mais  nen  conserva  pas 
moíns  lespérance  de  convaincre  par  la  suite  son  Souve- 
rain  de  Ia  pureté  de  ses  sentiments. 

le  me  suis  étendu  dans  ces  légéres  notions  pour  vous 
engaoer.  Madame,  de  me  permettre  de  vous  communiquer 
quelques  autres  détails  qui  concernent  feu  le  Marquisd'A- 
lorna;  je  marrete  avec  plaisir  à  lespérance  de  pouvoir 
contribuer  par  ce  moven  à  adoucir  votre  douleur.  et  à 
venger  la  mémoire  d'un  homme  quí  n  etait  pas  moins 
dícjne  d'intérêt  par  ses  revêrs,  que  par  ses  brillantes  qua- 
lités. 

En  attendant  votre  réponse,  je  vous  prie.  Madame  la 
Comtesse.  d  agréer  les  hommages  respectueux  avec  les- 
quels  í'ai  1'honneur  d  etre. 

Votre  três  humble  et  três  obe'íssant 
serviteur 
Henri  í.  de  Wallersteín. 

Adresse  —  A  son  Exccllence 
Madame  la  Comtesse  de  Oev-nhausen. 
etc.  etc. 


158 


Copie 

Au  chtiteau  la  Goutc  par  I-íouhan;  départcmcnt  de  la 
Loire,  le  17  de  Septembre  181  ô 

Madame  la  Comtesse 

lai  depuis  lonijtems  recherché  loccasion  de  pouvoir 
avoir  des  nouvelles  de  Votre  Excellence,  et  de  lentrete- 
nir  de  son  malhcureux  frcrc.  que  nous  avons  eu  le  plai- 
sir  de  voir  souvent  pendant  sou  séjour  en  iTance.  je  pro- 
fite  avec  empressement  de  cclle  qui  se  presente  pour  sa- 
tisfaire  à  ce  besoin  de  mon  coeur. 

Lorsquc  les  cvénements  ne  tournent  pas  heureusement. 
le  conible  du  nialheur  est  de  voir  soupçonner  les  inten- 
tions  et  les  sentiments  de  ceux  (.]ui  on  ont  été  les  victimes. 
Cest  ee  qui  est  arrivc  à  Tinfortuné  Marquís  d*Alorna. 

Comme  il  connaiss.iit  ndtre  liaine  pour  celui  qui  a  fait  le 
nialheur  de  Ia  Trance  et  de  Tliurope  entière,  etqu'il  savait 
combien  Ia  rcconnaissance  nous  altachait  au  j^jouverne- 
nient  Portuv^ais.  il  nous  confiait  ses  idées  et  ses  projets. 
|c  peux  vous  assurer.  et  ce  será  une  bien  douce  consc">la- 
tion  pour  Votre  tixcellence  dans  son  malheur.  dappren- 
dre  que  toutes  les  pensées  et  tous  les  voeux  de  M""  votre 
freire  étaient  pour  tacher  d'arracher  son  pays  à  la  domi- 
nation  qui  laccablail.  jainais.  ni  les  promesses,  ni  tous  k> 
niovens,  que  lon  a  employé  pour  reni^a^er,  nont  pu  le 
déterniiner  à  preter  sernient  à  honaparte.  II  a  tc>ujours 
répc>ndu  tiue  rien  au  nionde  le  ferait  inanquer  à  Ia  tidélitt^ 
(luil  devait  à  son  Souverain ;  je  crois  même  que  pendant 
sa  vie  aucun  Portu^iais  na  pretc*  ceserment.  Cest  un  fait 
dont  il  est  aisé  de  se  convaincre. 


159 


Vous  connaíssíez  son  génie  ardent  et  entreprenant ;  la 
conduite  quavaít  ténue  le  Marquís  de  la  Romana  excitait 
en  luí  un  vif  désír  de  soustraíre  ses  compagnons  darmes 
de  lab^me  ou  ils  avaíent  été  entraínés.  Persuade  des sen- 
timents  qu'il  nous  exprimait  pour  la  cause  des  Souveraíns 
legitimes,  à  laquelle  nous  avons  toujours  tout  sacrifié  ;  heu- 
reux  de  pouvoir  être  utiles  à  des  Portugais;  nous  avons 
faít  tous  nos  efforts  pour  laider  dans  cette  noble  entre- 
prise,  à  lui  fournir  tout  ce  que  nous  pouvions  disposer, 
soit  par  nous  mêmes,  soit  par  nos  amis.  Malheureusement 
le  climat  rigoureux  de  la  Russie  '70us  a  enleve  à  vous  un 
frère  qui  vous  chéríssait,  et  à  nous  un  ami  que  nous  ai- 
mions  et  estimions,  et  dont  la  mémoire  mérite  detre  vé- 
nérée. 

Votre  Excellencc  me  pardonnera  de  lui  rappeller  daussi 
tristes  souvenirs;  les  sentíments  de  fidèlité  á  son  legitime 
Souverain,  dattachement  à  son  pavs,  qu'il  nous  a  si  cons- 
tamment  manifestes,  seront  pour  vous  un  adoucissement 
à  votre  malheur  et  pour  nous  une  bien  grande  satisfaction 
de  pouvoir  vous  en  donner  lassurance. 

Tai  Thonneur  d  etre  avec  un  profond  respect. 

Le  três  humble  et  três  obéissant  servíteur 
Le  Baron  de  Blumenstein. 


111. "10  e  Ex.mo  Snr, 
Meu  Irmão 


lá  nào  tenho  outro,  mas  já  posso  dizer  que  a  verda- 
de começa  a  apparecer.  ainda  que  não  em  toda  a  sua 
luz.  O  que  tenho  padecido  ha  dois  annos.  excede  quasi 


160 


as  forças  c  coniprehcns.u)  hunuiiias.  i^cici  preciso  para 
rclatal-o  mais  fi>r(;a  c  tempo  dogue  tenho  neste  momento, 
em  que  devo  remetter  a  V.  Ex.*  a  primeira  gazeta  ini^le- 
zã  que  SC  atreve  a  informar  o  mundo  dos  infortúnios  e 
innoccncia  daquclle,  que  nos  últimos  dias  iL\  sua  vida 
disse  estas  palavras  —  N«io  desejo  contar  a  minha  histo- 
ria, scncio  a  minha  irmã.  c  áquellc.  que  está  na  índia.  - 
Que  fiador  maior  dd  sua  lealdade  e  martvrio!  uma  his- 
toria de  que  só  eu,  e  V.  Ex."  éramos  tlis^nos.  nào  podia 
ser  senáo  a  mais  leal  e  a  mais  dolorosa,  vistas  as  suas 
funestas  circunstancias.  Todos  em  segredo  lhe  rendem  a 
justit^a  que  merece ;  mas  estd  o  mundo  tão  fraco,  que  nin- 
s^iuem  até  agora  se  atreveu  a  dizer  o  que  entendia,  onde 
competia  dÍ2el-o.  Eu  esmagada  e  opprimida  por  todos 
os  modos,  não  desalentei,  e  como  o  maior  dos  crimes  <5 
o  que  deve  causar  maior  horror,  justo  era  que  traba- 
lhasse, por  entre  as  maiores  difficuldades,  a  juntar  quan- 
tos documentos  me  fossem  possíveis,  para  destruir  a 
suspeita  de  que  ninguém  na  minha  raça  era  capaz  se 
não  de  virtudes  e  heroismo.  d'Amor  da  Pátria  e  Leal- 
dade jo  Soberano,  como  o  tinham  sidc^  todos  aquelles 
de  quem  descendo.  Tenho  certamente  as  maiores  provas 
disto  a  respeito  de  meu  irmão,  e  só  necessito  que  S.  A. 
P.  me  permitia  fallar  alto  e  claro,  e  recorrer  aos  meios 
de  defcza  natural  que  a  todos  se  devem  conceder:  se  o 
meu  sangue  bastasse  a  conseguir  isto,  não  vacillaria  um 
momento  cm  derramal-o  por  um  motivo  tão  nobre;  mas 
são  precisos  meios  e  protecção,  ate  para  poder  dizer  o 
que  é  verdade  e  justo.  Se  V.  Ex.«  fica  na  índia,  não  sei 
quem  me  ha  de  ajudar.  O  meu  filho,  muito  moço.  e  sem 
poder  até  agora  vir  acudir-nos.  não  me  basta  para  o  tiue 
ha  que  fazer. 

No  jornal  cjue  remetto.  vera  V.  Ex.«  coisas  que  me  res- 
peitam; tudo  é  verdade  excepto  o  fim.  Porem  é  verdade 
que  tive  licença  de  S.  A.  P.  para  ir  a  Lisboa  recolher  o 


16; 


que  âs  leis  me  concedem.  Bens  de  Coroa  e  ordens,  etc. 
tudo  ainda  está  debaixo  da  horrivel  sentença.  Comtudo 
não  podemos  duvidar  de  que  a  verdade  uma  vez  mani- 
festa achará  em  S.  A.  R.  o  primeiro  defensor.  O  ponto 
é  que  permitta  a  justificação,  a  qual  até  agora  soffre  uma 
opposição  infernal ;  e  esta  opposição  é  tanto  mais  pode- 
rosa quanto  mais  a  fundaram  nas  iliusões,  que  tão  artifi- 
ciosamente espalharam  aqui,  de  onde  unicamente  podia  vir 
o  nosso  remédio.  Se  V.  Ex.^fôr  ao  Brasil,  o  que  muito  de- 
sejo, ou  se  como  espero  tornar  com  S.  A.  R.  para  Lisboa, 
como  é  tão  provável  agora,  vista  a  total  ruina  de  Bonapar- 
te, ainda  poderei  encontrar  alguma  consolação  e  abrigo. 
Padecendo  quanto  padeço,  não  posso  dizer  mais,  se- 
não que  luliana  está  em  Stocboim,  esperando  que  a  cle- 
mência do  Principe  lhe  permitta  vir  para  os  braços  de 
sua  mãe,  justificada  como  merece  a  sua  innocencia  e  he- 
róico valor :  não  permittiu  Deus  conservar-lhe  aquellc  que 
com  ella  faria  a  minha  felicidade,  e  quando  ambos  vi- 
nham consolar-me  e  justificar-se  completamente,  a  morte 
que  eu  julgo  obra  do  tvranno,  pôz  termo  a  toda  a  espe- 
rança e  levou-nos  um  irmão  tão  digno  de  melhor  sorte; 
não  posso  mais. 

De  V.  Ex." 

Irmã  e  Prima 

L. 
14  de  Dezembro.  1S13. 


Copie 

Antigalican  Monitor 
li?  Dec.  1S13. 
The  Marquis  d'Alorna 
In  our  last  number  we  ^ãve  the  memoirs  of  this  un- 
fortunatc   noblcman.   but   ín    doing  ít.  fell  into  an  error 


162 


which  we  now  bcv*  Idivc  \o  rectify.  \\  c  bt.ítcd  that  thc 
Portuviuvrsc  army  had  lx*cn  joincd  to  that  unJcr  Masscna 
in  his  invasion  of  l\>rtuiíral.  This  was  a  mistabc,  as  lhe 
Portuíjucsc  troops  did  not  cross  thc  fronticrs  of  Prance. 
Thc  i^fficcrs  indced  wcrc  told.  that  thc  rcijimcnts  wcre 
scrvimj  iindcr  Masscna  in  Portuijal.  and  vrcrc  ordcred  to 
join  thcir  rc>jinicnts  forthwith.  ThcY  obcicd.  and  in  thcir 
arrival  in  thcir  ovrn  country  found  thcy  had  hccn  cntra- 
pcil  and  dcccivcd.  Thcy  wcrc.  of  coursc,  without  an  al- 
tcrnativc  and  wcrc  thus  obli^cd  to  ^ivc  some  appearancc 
of  national  support  to  thc  universal  invader. 


Traducçtio 


AntÍ!t!alican  Monitor 
12  de  Dezembro,   1813. 
O  .Wiircjiic?  JAIorna 


No  nosso  ultimo  numero  escrevemos  acerca  das  me 
morias  deste  infeliz  fidals^o.  mas  fazcndo-o  eahimos  n um 
erro,  que  pedimos  aflora  licença  para  rectificar.  Nós  asse- 
verámos  que  o  exercito  Portui^ucz  se  tinha  reunido  «Squcllc 
que  estava  sob  o  commando  de  Masscna  na  sua  invas<So 
de  Portuv'al.  Isto  foi  um  erro.  ix>rque  as  tropas  Portu^ue- 
zãs  ncio  atravessaram  as  fronteiras  de  ÍTança.  Aos  offi- 
ciaes  na  verdade  foi-lhes  dito.  que  os  regimentos  estavam 
servindo  sob  o  commando  de  Masscna  em  Portugal,  e 
foi-lhes  ordenado  tjue  se  juntassem  sem  demora  aos  seus 
rcviimcntos.  Obedeceram,  e  chcj^ando  ao  seu  paiz  viram 
tjue  lhes  fora  armado  um  laço.  c  cjue  tinham  sido  encana- 
dos. Picaram  deste  modo  sem  uma  alternativa,  e  foram 
assim  obrivjados  a  dar  uma  tal  qual  apparencia  de  au- 
xilio nacional  ao  invasor  universal. 

His  aqui  tem  V.  l:x."  o  artigo  que  vem  na  gazela  se- 
guinte, c  muito  necessário  «5  que  a  verdade  possa  appa- 


6:5 


recer  sem  este  modo  vã^o.  Agora  tudo  se  sabe,  o  ponto 
é  que  o  deixem  publicar.  V.  Ex.»  desejará  muito  miú- 
das informações,  que  eu  por  doente  não  posso  escrever ; 
porém  saiba  que,  na  occasião  cm  que  em  Lisboa  pro- 
cederam contra  o  nosso  irmão,  estava  elle  justamente 
tratando  de  entrar  e  ir-se  pôr  á  testa  das  tropas  contra 
os  francezes.  Uma  pessoa  importante,  testemunha  de  vista, 
e  que  eu  nunca  tinha  visto,  sabendo  que  eu  existia,  es- 
creveu-me  para  me  dar  esta  certeza,  offerecendo-se  para 
o  provar,  e  communicar-me  quanto  fôr  necessário  para 
honrar  a  sua  memoria. 

Todos  os  officiaes  que  escaparam  faliam  pela  mesma 
bocca,  e  a  primeira  certidão  da  morte  diz,  que  no  dia  2 
de  Janeiro  de  1815  falleceu  com  todos  os  Sacramentos 
o  Marquez  d'Alorna,  dando  até  ao  ultimo  instante  as  maio- 
res provas  da  sua  honra,  lealdade  e  patriotismo. 

Mandei  a  Konisberci  saber  as  circunstancias  deste  de- 
sastre, e  ainda  que  o  publico  diz  que  morreu  de  uma  fe- 
bre, a  certidão  do  medico  diz,  que  morreu,  porque  esta- 
vam extinctas  ríeíle  todas  as  forças  que  podiam  mantcr-lhe  a  vida. 
Esta  asserção  sinijular  paréce-me  prova  de  que  morreu 
de  veneno,  ou  de  dôr;  porque  sei  de  certo  que  no  dia  23 
de  dezembro  estava  com  perfeita  saúde,  e  juliana  espe- 
rava juntar-se  com  elle  em  Petersburço  para  virem  jun- 
tos. Temo  que  morresse  de  veneno,  porque  me  consta 
que  o  rodearam  nos  últimos  momentos  figurões  france- 
zes e  italianos,  de  quem  muito  desconfio.  Se  foi  dôr  que 
o  matou,  tãobem  sei  qual  foi.  Tinha  comsigo  losc  Bene- 
dicto,  filho  do  Conde  de  Rezende  e  João  de  Mello,  filho 
do  Conde  de  São  Lourenço-,  animou-os  para  que  fossem 
para  os  Russos,  e  mataram-lh'os.  José  Benedicto.  que  o 
seguiu,  morreu  com  elle  no  mesmo  dia,  assim  como  ou- 
tro ajudante  Portuguez,  tudo  isto  é  muito  exquisito  para 
ser  natural.  Se  eu  puder,  antes  de  sahir  d'Inglaterra.  man- 
dar a  V.  Ex.«  a  triste  relação  áo  que  sei.  com  certeza  isso 


10  1 


basftUii  pard,  com  a  ccrtcsti  da  honra  c  da  iniuKcncia. 
supportar  um  i^olpc  \ào  severo.  I:u  nc^o  tardarei  em  sc- 
Víuir  um  objecto  i^o  infeliz  e  tâo  querido-,  também  sinto 
que  SC  me  exhauririam  as  forvas,  se  me  nâo  mantivesse  o 
desejo  de  honrar-!ho  as  cinzas  e  justificar  a  sua  memoria. 
Este  Stioipe.  sobre  outro  cruelissimo,  me  prova,  que  se  duro, 
é  por  que  Deus  quer  de  mim  alguma  coisa,  e  supfxinho 
que  d  a  justificaÇi^o  dos  meus.  e  a  restauração  de  um  no- 
me, cjuc  foi  já  ornamento  do  Hstado. 


li!.""»  e  Ex.«no  Snr. 

'21  (^\c  Janeiro  de  1S17  -  l-isboa. 

Meu  irnic^o  de  toda  a  minha  estimaç<!\o.  t:stou  ha  mais 
de  dois  annos  em  Lisboa,  e  as^iora  recebo  a  primeira  car- 
ta de  V.  I:x.'  jul^iuc  quanto  cuidado  e  tristeza  me  terá 
causado  o  seu  silencio,  tanto  mais  que  soube  pelo  seu 
sobrinho  Scbastiáo.  que  V.  \l\.*  tinha  tWitado  sanvíue  jx^la 
bocca  e  padecia.  Deus  o  conserve,  meu  estimável  irmáo. 
para  fazer  mil  bens  de  que  V.  Ex."  ^5  ti^o  capaz,  c  para 
supprir-me  o  outro  que.  com  a  sua  amizade  e  zelo,  re- 
síiscitámos,  c  por  quem  choro  sem  ^xx^er  consolar-me. 
e  íjue  ato  o  ultimo  momento  tia  sua  existência  provou  a 
sua  honra  e  constante  fidelidade.  Suppomos  aqui  que  V. 
Ex."  já  estará  no  Pio  de  laneiro.  e  por  isso  me  resolvo  a 
escrever  para  lá ;  creio  que  se  V.  Ex.'  lá  está,  logo  a  V. 
Ex."  será  enlreviue  esta  carta  ^x>r  Pedro  de  Mello,  a  quem 
devo  muitas  obriviaçòes,  e  que  também  tem  tido  bom  gui- 
nháo  n,.\  falta  dr  fortuna  :  elle  Stibe  muito  de  mim.  e 
muito  poili-  contai  .í  V.  r.v  ».  A  distancia  cm  i)ue  está  Sua 


165 


Magestade,  junta  com  a  insensibilidade  e  temor  que  teem 
mostrado  os  que  la  estão,  tem  feito  com  que  nada  se  in- 
dague, e  que  ninguém  advogue  a  causa  dos  infelizes,  que 
morreram  ou  ainda  estão  padecendo,  e  por  maior  que 
seja  a  somma  das  provas  de  innocencia  dos  accusados, 
que  as  circumstancias  actuaes  tem  desenvolvido,  nada 
chega  lá,  e  a  resposta  é  que  se  não  pode  fallar  a  S.  M. 
nos  infelizes.  Primeiramente  não  rhe  parece  isso  possível, 
conhecendo  eu  tão  de  perto  a  bondade  do  coração  de 
S.  Al.  e  sabendo  que  sempre  foi  máxima  do  Paço,  que  se 
não  devia  condemnar  ninguém  sem  ser  ouvido,  e  isto  mesmo 
chegava  a  tal  ponto,  que  se  ouviam  sempre  todos,  até 
aquelles  a  que  se  faria  exacta  justiça  se  se  mandassem 
calar.  Ora  o  processo  de  meu  irmão  foi  á  revelia,  como 
confessam  aqui  todos  os  do  Governo;  e  não  só  isso;  foi 
condemnado  antes  de  ser  julgado;  poseram-lhe  a  cabeça 
a  preço  antes  de  examinarem  se  tinha  ou  não  culpa :  e 
quando  elle  invocou  o  Governo  para  voltar,  quando  fa- 
zia quanto  cabia  nas  suas  forças  para  resgatar  todos  os 
seus  camaradas,  fecharam-lhc  a  porta  única  por  onde 
podia  entrar;  deram  por  matéria  assentada  que  deviam 
dar  cabo  delle. 

Agora  é  tal  a  convicção  da  sua  innocencia,  que  os 
mesmos  que  assignaram  a  sua  condemnação  põem  as 
mãos  na  cabeça,  e  wào  fazem  mvsterio  de  que  o  julgam 
victima  da  preoccupação  em  que  estavam,  e  do  modo 
que  lhe  figurou  monstros  onde  haviam  só  irmãos  e  ver- 
dadeiros defensores.  O  que  ha  de  célebre  n'isto,  é  muita 
coisa  que  por  ora  e:cusa  de  ir  em  carta ;  mas  que  servirá 
á  perfeita  justificação  da  mais  pura  innocencia.  Como  á 
força  de  calumnias  tomou  isto  lá  um  aspecto  horrível ! 
Não  se  canse  V.  Ex.-^  senão  em  sollicitar,  quando  poder, 
ordem  para  que  minha  cunhada  possa,  apesar  áo  lapso 
de  tempo,  embargar  a  sentença  e  justificar  seu  marido,  o 
que  se  nos  não  permittiu  até  agora,  porque  os  Procura- 


\()() 


dores,  que  eu  aqui  tinha,  atemorisados.  nunca  se  atreve- 
ram a  fazer  o  enibarv^o  tjuando  era  tempo,  e  a  mim  man- 
davam-me  calar,  e  nc^o  me  deixaram  demorar  aqui  um 
instante  quando  cá  vim.  e  Deus  sabe  e  o  mundo  também, 
quantos  falsos  testemuntios  me  levantaram  para  me  ta- 
par a  bocca  e  mandar-me  embora. 

Lei  está  o  Ministro  dã  Rússia  advoíjando  também  a 
causa  da  mintia  infeliz  luliana ;  faça  V.  Ex.*  conhecimento 
com  clle  e  ajude-o  se  puder.  Port?m.  primeiro  que  tudo. 
manifeste  V.  K.x."  o  seu  próprio  merecimento,  por  que 
ciuando  S.  M.  conhecer  a  verdade,  e  o  que  V.  Ex.«  vale. 
entáo  é  que  podemos  esperar  justiça  e  consolação. 

De  V.  I:x.^ 
Irmã  e  Prima  e  fiel  Ven." 
L. 


CAPITULO    XI 

Copia  de  duas  cartas  do  General  Marquez  d'Alorna  á  Condessa 
de  Oeynhausen,  sua  irmã.  Alguns  periodos  da  Memoria  jus- 
tificativa do  Marquez  d'AIorna,  escripta  por  sua  irmã,  a  quarta 
Marqueza  d'Alorna.  Referencia  ao  Decreto  de  26  de  No- 
vembro de  1807,  em  que  Sua  Alteza  Real  o  Principe  D.João 
annuncia  a  sua  partida  para  o  Rio  de  Janeiro,  permittindo 
a  entrada  das  tropas  francezas  que  se  aproximavam  de  Lis- 
boa, e  ordenando  que  as  recebessem  amigavelmente.  Aviso  á 
Condessa  de  Oeynhausen  para  assistir  á  trasladação  do  real 
cadáver  da  Rainha  D.  Maria  1  da  Igreja  de  S.  José  de  Ri- 
bamar para  a  Igreja  do  Real  Convento  da  Estrella. 

lulgamos  conveniente  publicar  açora  duas  cartas  do 
Marquez  d'Alorna,  que  se  conservam  entre  os  papeis  da 
Marqueza  d'Alorna,  sua  irmã. 

ló  de  lunho  —  Castello  Branco 

Mana  do  meu  coração 

Tenho-tc  querido  escrever  muitas  vezes,  mas  de  boas 
vontades  está  o  inferno  cheio ;  a  minha  vida  ambulante 
apenas  me  dá  tempo  para  desejar  alíjumas  coisas  —  es- 
tamos em  armistício,  e  já  todos  cuidam  que  teem  paz  — 


()8 


eu  dinda  ncio  cuido,  nem  faço  tenção  de  cuidar,  ain- 
da mesmo  depois  de  concluida  a  paz  —  portjue  o  es- 
tado em  que  i-sf.^^í^  as  coisas  niSo  v  para  descansar  \^o 
cedo. 

\l  preciso  que  se  saiba,  que  os  descuidos  atrazados 
nos  puzeram  nas  circunstancias  de  nâo  termqs,  nem  tro- 
pa, nem  mantimentos,  nem  munições,  nem  armas,  nem 
bestas,  nem  nada  do  que  é  preciso  para  fazer  a  v!uerra. 
e  sobre  tudo  isto  nclo  lia  nem  a  mais  leve  sombra  de  sys- 
tema,  e  desta  ultima  falta  é  que  tem  saiiido  o  que  esta- 
mos vendo,  e  at<5  o  que  se  não  vê,  que  é  a  ijuerra  mais 
cruel  aos  nossos  lavradores.  —  Nâo  apparéce  dinheiro,  e 
se  nc^io  tem  havido  fome  e  desesperação  nas  tropas  da 
bcircí.  ó  pelo  acaso  da  affeição  que  esta  s^ente  me  tem 
tomado,  por  meio  da  qual  me  tem  emprestado  tudo  quanto 
possuem.  Á  força  de  apparecer  em  toda  a  parte  e  dar 
apparencias  de  ter  muito,  consesjuiu-sc  impor  ao  inimis^o. 
quo  iwo  juli^ando  poder  ter  aqui  bom  josjo,  decidiu  o 
seu  atacjue  por  outro  lado,  mas  se  elle  soubesse  o  esta- 
do em  (juc  nos  achávamos!-  • .  cu  não  tinha  pólvora  nem 
artilharia  -  e  o  enthusiasmo  que  inspirei,  havia  de  achar- 
se  destituído  dos  meios  de  se  sustentar,  se  nos  atacassem 
em  força. 

Fomc^s  atacados  ultimamente  nos  dias  9-10-11  —  tive- 
mos a  fortuna  de  rechassar  o  inimis;;o;  o  nosso  Ribeira 
achou-se  com  60  homens  em  um  posto  atacado  por  200 
e  depois  por  600,  e  dcfendeu-se  com  admiração  de  toda 
a  v^ente  -.  eu  preparei  uma  manobra  com  que  decerto  lhe 
havíamos  de  dar  um  bote  -  mas  é  preciso  não  nos  en- 
i^anarmos  com  isto;  o  total  da  machina  está  desorçani- 
sado,  e  neste  momento,  nem  Goltz  nem  Turenne  a  pode- 
riam remontar.—  A  paz  é  necessária,  não  para  descansar. 
mas  para  nos  prepararmos  para  a  guerra,  e  as  condi- 
ções duras  servem  para  pretexto  de  secundo  rompimento, 
lovio   cjue   o  systema   e  a   orvíanisação  nos  ponham  em 


69 


medida  de  fazer  valer  a  nossa  razão.  —  Esta  é  a  minha 
opinião  —  Não  me  movo  daqui  sem  ordem,  porque  se  o 
armísticio  se  romper,  não  quero  que  me  ache  fora  do 
lugar  em  que  sou  necessário. 

Aqui  tenho  dado  em  traições  grandes  plenamente 
provadas,  e  que  espero  que  o  Príncipe  não  perdoe,  cu 
também  escapei  de  ser  assassinado,  muito  casualmente,  na 
noite  do  dia  14,  recolhendo-me  do  campo  para  o  meu 
quartel,  e,  como  devo  aos  Castelhanos  este  obsequio, 
desejo  pagar-lho  estando  em  boa  medida  de  o  fa- 
zer. 

Se  me  tivessem  deixado  obrar,  talvez  que  a  campa- 
nha tivesse  levado  outra  volta ;  três  vezes  intentei  fazer 
uma  diversão,  e  puchar  a  attenção  do  inimigo,  mas  no 
momento  de  atacar,  tiraram-me  as  tropas  e  a  artilharia 
—  com  estas  idas  e  voltas  apercebeu-se  o  inimigo,  pu- 
chou  forças  para  o  ponto  que  eu  queria  atacar,  e  atacou- 
me  elle,  defendi-me  porque  estava  em  ordem,  e  já  de 
zangado  preparei-me  para  o  atacar  no  dia  seguinte;  n'es- 
sa  noite  chegou-me  a  ordem  do  armistício,  escondi-a, 
porque  se  os  Castelhanos  fingiam  ignoral-a  atacando-me 
no  dia  11,  também  eu  a  podia  ignorar  até  12  —  mas  logo 
atraz  veiu  uma  duplicata,  e  tanta  publicidade,  que  não 
tive  remédio  senão  metter  a  viola  no  sacco.  O  armistício 
assígnou-se  a  8  e  os  Castelhanos  atacando-me  a  1 1  bem 
se  vê  que  era  de  má  fé,  e  com  o  intento  de  ficar  com  um 
pé  na  Beira,  e  ter  mais  esse  galhardete  para  pôr  na  ^à- 
zeta  —  ficaram  sufficientemente  chamuscados,  eu  perdi  um 
homem  a  quem  havia  de  dar  grande  premio,  mas  emíun 
não  entraram  apesar  de  serem  em  numero  sextuplicado 
ao  áà  primeira  gente  que  lhes  teve  mão  —  antes  foi't5m 
sacudidos  uma  légua  para  lá  do  Erge,  onde  um  piquete 
de  seis  cavallos  da  legião  teve  a  ousadia  de  lhe  ir  quei- 
mar as  arribanas  —  não  ha  mais  papel,  adeus.  —  Se  Ega 
está,  dize-lhe  que  tenho  meios  para  que  no  fim  de  dois 


!7() 


annos  fique  o  mcintimcnlo  dd  tropa  d'cstd  Província  quasi 

de  i^rtiça.  mas  acutlindo-Ihc  jd. 

Mano  Pedro 

P.   S.  Sc  fôr  d  tempo  dá  esse  papel  ao  Pr.,  mas  que 
seja  rasiijado  apenas  visto. 


Mana  do  meu  coração 

l>?cccbi  a  tua  carta  do  ultimo  correio,  e  çostei  muito 
delia  por  ser  tua  c  comprida,  mas  fiquei  scismando  por 
me  dizeres  que  tratavas  dos  meus  negócios  -  eu  náo  te- 
nho neiíiocio  nenhum,  e  ainda  que  o  tivesse  náo  cuidava 
nellc.  nem  me  fazia  conta  que  qualquer  pessoa,  na  pre- 
sente occasião.  pensasse  que  eu  me  occupo  da  mais  leve 
coisa  c|ue  me  possa  fazer  conta.  —  Pelo  que  pertence  a 
dinheiro  estou  soces^ado,  porque  Sotáro  mandou-me  di- 
zer que  como  eu  servia  bem  o  Kstado,  era  preciso  que 
tivesse  com  cjue.  e  que  saccasse  sobre  clle  todas  as  Le- 
tras que  cu  (|uizcssc.  porque  estava  certo  que  em  che- 
vMndo  a  paz.  eu  me  reduziria  a  feijões  se  fosse  preciso 
para  lhe  pa^ar  —  pelo  que  pertence  a  objectos  d'ambi- 
ç^o  nào  tenho  em  vista  tratar  de  os  alcançar  —  e  como 
me  basta  merecer,  n^o  dependo  scnc^io  de  D.  P.  e  de  mim 
—  portanto  n^^o  sei  o  que  tu  chamas  os  meus  nei^ocios.  e 
peÇo-te  tjue  me  expliques  o  t|ue  isto  vem  a  ser. 

Apesar  do  armisticio  e  ajuste  para  nc^o  haver  reforço 
nem  movimentos  na  fronteira,  principiam  as  tropas  fran- 
cezas  e  hespanholas  a  reforçar-se  sobre  esta  fronteira  da 
heira— se  as  hostilidades  devem  continuar,  estimarei  mui- 
\o  ciue  seja  por  este  lado.  porque  é  mais  fácil  de  defen- 
der :  mas  toniilra  (lue  nos  acudissem  ilepressa  com  ^x>I- 
vora   e  dinheir»^    llm.i  il.m  inis.is  onc  rii  pc^-sst^.  ó  faicr 


171 


desertar  todo  o  exercito  Francez,  e  talvez  batel-os  com 
as  suas  mesmas  armas,  poderia  formar  mais  corpos  fran- 
cos e  enthusiasmal-os  com  nomes  pomposos,  e  com  ou- 
tros meios  moraes  •  •  ■  porém  tenlio  tantos  velhos  que 
mandam  mais  do  que  eu,  que  quasí  me  não  toca  senão 
defender  o  Estado  com  o  corpo.  O  outro  dia  fui  cha- 
mado ao  Quartel  General  para  dar  o  meu  voto  sobre 
os  meios  de  defeza  —  escrevi  uma  coisa  comprida  sobre 
isso  e  lá  ficou ;  vim  para  casa,  e  tornei  a  escrever  outra 
coisa  ainda  mais  comprida — ambas  foram  muito  applau- 
didas,  e  se  eram  boas  queira  Deus  que  se  ponham  em 
pratica. 

Vocês  querem  que  a  Condessa  *  e  os  pequenos  vão 
para  Lisboa ;  não  pode  ser,  porque  a  Provinda  está  com 
o  olho  n'isso,  anima-se  em  quanto  a  vê,  porque  tem  fé 
em  mim,  e  diz  que  tendo  aqui  a  mulher  é  signal  de  que 
não  sinto  perigo ;  as  duas  pequenas  acções  de  Arronches 
e  Flor  da  Rosa  fazem  honra  á  nossa  infanteria,  e  quem 
disser  o  contrario  mente. 

Mano  Pedro. 


Da  Memoria  justificativa  do  Marquez  d'Alorna.  falle- 
cido  em  Koeniosbero-,  em  2  de  laneíro  de  1S15,  Memo- 
ria escrita  por  sua  irmã,  a  quarta  Marqueza  d'Alorna,  D. 
Leonor  d'Almeida  Portuijal,  extrahimos  os  períodos  so- 
bre modo  interessantes,  que  se  lêem  em  seguida  : 


•  A  Condessa  de  Assumar,  que,  por  morte  de  seu  sogro,  foi  ter- 
ceira Marqueza  d'^Alorna,  chamava-se  D.  Henriqueta  da  Cunha,  e  era 
filha  mais  velha  dos  sextos  Condes  de  S.  Vicente 


172 


"F:  inteiriimcntc  certo  que  o  General  Marquez  d'Alor- 
na  recebeu  l\o  Governo  do  keino  ordens  repelidas  para 
nc^o  exercer  nenhuma  resistência  contra  as  tropas  fran- 
cezas,  que  vinham  entrando  cm  Portui^al ;  é  cigualmente 
certo  c|ue  o  illustre  General  enviou  varias  vezc*so  seu  aju- 
dante de  campo  para  pedir  auctorisaç<io  de  repcilir  o 
inimisjo,  no  caso  de  que  elle  se  atrevesse  a  atacal-o,  e 
que  este  ajudante  de  campo,  o  Major  joâo  Antunes  Gai- 
vào,  depois  Coronel  de  Milicias.  voltou  finalmente  sem 
resposta,  como  foi  provado  peio  attestado  que  passou ; 
em  ultimo  los^jar  a  prohibiçâo  de  resistir  demonstra-se 
pelo  decreto  de  í2ô  de  Novembro  de  1807,  no  qual  Sua 
Alteza  Real  (o  Principe  D.  lo^o)  annuncia  ao  publico  a 
sua  partida  para  o  Pio  de  janeiro,  pcrmittindo  a  entrada 
das  tropas  francezas,  que  se  aproximavam  de  Lisboa,  e 
determinando  que  as  recebessem  amis^javclmente. 

"lista  pois  provado  que  o  Marquez  d'Alorna  não  re- 
sistiu em  obediência  ás  ordens  soberanas,  e,  se  se  consi- 
dera a  energia,  o  pundonoroso  brio  do  illustre  General, 
e  o  ardor  com  que  amava  a  sua  pátria,  assim  como  a 
sua  paixão  pela  s^loria,  é  fácil  de  comprehender  o  sacri- 
fício doloroso  que  a  obediência  lhe  impunha.  As  occor- 
rencias  subsequentes,  occasionadas  pelas  violências  que 
se  sci^uiram.  provam  também  claramente  que  todas  as 
acções  do  nobre  Marquez  não  eram  senão  o  fructo  do 
respeitei,  com  que  se  submettia  ás  determinações  do  seu 
Pei. 

"Coube  em  partilha  ao  Marquez  dAlorna,  de  ficar 
em  Portuijial.  sem  outro  commando  alem  do  da  Provín- 
cia do  Alemtejo.  de  que  era  Governador :  propoz-se  en- 
tão a  conservar-se  no  seu  posto,  durante  a  ausência  do 
Soberano.  Mas  o  General  francez.  que  provavelmente 
estava  informado  dci  particular  antipathia,  que  Bonaparte 
tinha  concebido  contra  o  Marquez  (por  motivos  de  que 
Sua  Alteza  Ivcal  teve  inteiro  conhecimento)  informou-se. 


173 


logo  que  chegou,  do  que  fazia  o  Marquez  e  onde  estava  ; 
e  dois  ou  três  dias  depois  enviou-lhe,  por  um  officíal  fran- 
cez,  ordem  de  vir  a  Lisboa.  O  Marquez  d'AIorna  respon- 
deu-lhe  que  não  podia  abandonar  o  seu  posto,  e  que  por 
isso  não  vinha ;  mas  no  dia  seguinte,  um  segundo  cor- 
reio trouxe-lhe  uma  ordem  da  Regência,  intimando-o  a 
que  partisse  immediatamente,  por  assim  o  exigir  o  ser- 
viço do  Princípe,  e  nesta  mesma  ordem,  em post scriptam, 
accrescentavam  os  Regentes  do  Reino,  que  elles  espera- 
vam da  honra  do  Marquez  que  attendesse  ás  circunstan- 
cias, e  não  procurasse  nenhum  pretexto  que  o  impedisse 
de  partir  sem  demora.  O  Marquez,  soldado  franco  e  leal. 
lendo  estas  palavras  apenas  poude  conter  a  cólera,  que 
unicamente  a  subordinação  subjugava.  "Parece  incrível 
que  estes  senhores  me  forcem  a  obedecer,  faltando  em 
nome  do  Principe,  exclamava  clle ;  mas  quantas  desgra- 
ças resultarão  de  tal  ordem!,, 

"Veiu  pois  a  Lisboa,  onde  encontrou  Junot.  Senhor 
Marquez,  disse-lhe  este,  é  verdade  que  nos  queríeis  fazer 
a  guerra,  e  impedir  a  nossa  entrada  em  Lisboa  ?  É  in- 
teiramente exacto,  respondeu  o  Marquez,  e,  sem  o  con- 
sentimento de  Sua  Alteza  Real,  nenhum  estrangeiro  ar- 
mado entraria  no  Reino,  em  quanto  eu  tivesse  um  sopro 
de  vida.  Sois  muito  bravo,  retorquiu-lhe  lunot;  um  homem 
como  vós  merecia  estar  sempre  á  frente  de  exércitos.  Este 
cumprimento  não  produziu  nenhum  effeito  sobre  o  Mar- 
quez, o  qual  pediu  no  dia  seguinte  a  sua  demissão  que 
lhe  foi  recusada;  repetiu  o  pedido,  mas  sempre  inutilmente, 
e  tanto  mais  quanto  os  officiaes  e  soldados,  de  accordo 
com  o  Governo  lhe  pediram  instantemente  que  os  não 
abandonasse  a  um  commandante  francez.,, 

Estes  alevantados  feitos,  pouco  tempo  depois  de  te- 
r-ím  sido  praticados,  e  quando  deviam  estar  ainda  bem 
presentes  na  memoria  dos  que  superiormente  geriam  os 


174 


ncviocios  tio  l^^ciíio.  lu^obiAstdram  para  evitar  que  os  refe- 
ridos l-^cijcntes  mandassem  pôr  a  preço  a  cabeça  do  mui- 
to brilhante  e  infeliz  General,  e  que  este  fosse  mais  tarde 
jul^iado  S  revelia,  e  condcmn^ulo  i1  morte ! 

Desta  terrível  sentença  foi  illibada  a  memoria  do  Mar- 
quez d'Alorna,  graças,  como  dissemos  ao  persistente  tra- 
balho da  sua  s^iloriosa  irmã,  a  quarta  Marqueza  do  mes- 
mo titulo. 


Entre  os  importantes  papeis  da  Marqueza  dAlorna 
encontramos  o  aviso  ses;;uinte.  que  lhe  foi  diris^ido,  sendo 
Condessa  de  Oeynhausen  :  ' 

111."'»  e  Ex."»»  Srn.» 

Ilavendo-se  de  fazer,  no  dia  8  do  corrente  mez,  a 
Trasladaçc^io  do  I-íeal  Cadáver,  da  Senhora  Kaynha 
Dona  Maria  1.  <.\i^  lijreja  de  S.  jost^  de  Ribamar,  para  a 
1  igreja  i.\o  Real  Convento  da  Estreita:  lie  Sua  Mai^estade 
a  Ravnha  minha  Senhora  servida,  que  V.  Ex.a  se  ache 
no  ditto  Real  Convento,  pelas  6  e  'A  horas  da  tarde  do 


'  No  dia  IO  de  Março  de  i8i6  expirou  no  Hio  de  Janeiro  a  Rainha 
Dona  Maria  I,  com  perto  de  8i  annos  de  edade,  nfio  tendo  obtido  me- 
lhoras aos  seus  padecimentos,  durante  a  sua  residência  oo  Novo  Mun- 
do, e  tendo-se  conservadi  a  sua  rasão  completamente  obscurecida. 

O  corpo  da  infeliz  Kainha  foi  depositado,  no  di.i  a?  de  Março  do 
mesmo  anno,  no  (Jonvcnio  dos  Kelipioso.<  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda 
do  Rio  de  Janeiro,  de  onde  foi  trasladado  a  bordo  da  fragata  Frinceza 
Real  para  Lisboa,  chegando  a  esta  capital  a  4  de  Julho  de  i8ai  ;  três 
dias  depois  foi  depositado  provisoriamente  na  Igreja  de  S.  Josc  de  Ri 


175 


referido  dia:  no  dia  19,  pelas  Ave  marias:  e  no  dia  20, 
pelas  10  horas  da  manhã,  para  assistir  ás  funcções  fúne- 
bres, que  alli  se  Lhe  hão  de  fazer.  Advirto  V.  Ex.a,  que  o 
Real  Cadáver,  também  ha  de  ser  vellado,  c  que  para 
esse  fim,  V.  Ex.a  deve  receber  as  instrucções  da  Condessa 
de  Soure,  D.  Catharina,  que  tem  as  ordens  de  Sua  Ma- 
gestade. 

Deus  Guarde  a  V.  Ex."  Paço  de  Queluz  em  14  de  Março 
de  1822. 

Marqueza  Cam.a  M.or 
Ill.Tia  e  Ex.r"a  Snr.a  Condessa  de  Oeynhausen. 


baniar,  sendo  feita  a  sua  trasladação  no  dia  i8  de  Março  de  1822  para 
a  Igreja  do  Mosteiro  do  Santíssimo  Coração  de  Jesus,  á  Estrella,  e  no 
dia  20,  depois  ije  um  solemne  ollicio  de  corpo  presente,  foi  o  Régio 
Cadáver  entregue  á  Prioresa  do  Mosteiro,  que  se  chamava  Soror  Ma- 
ria Barbara,  segundo  se  lè  na  obra  notável  de  Francisco  da  Fonsecn 
Benevides  «Rainhas  de  Portugal». 

O  bello  tumulo,  onde  jaz  a  Rainha  Dona  Maria  I  está  situado,  do 
lado  do    Evangelho,  na  Capella  mór  da    Igreja  do  Coração  de  Jesus 

Como  é  sabido,  deve-se  á  Rainha  Dona  Maria  I  a  construcçáo  do 
magnifico  Mosteiro  da  Estrella. 


CAPITULO   XII 

Processo  dos  Tavoras.  Extracto  da  Sentença  de  12  de  Janeiro  de 
1759,  que  se  proferiu  na  Janta  da  Inconfidência.  Breves 
considerações  sobre  este  Processo.  Residência  urbana  e  cam- 
pestre dos  Marquezes  de  Távora,  em  Lisboa.  O  Crucifixo  da 
terceira  Marqueza  de  Távora.  O  atroz  e  odiento  supplicio 
d'esta  nobilissima  senhora. 

Processo  dos  Tavoras 

Extracto  da  Sentença  de  12  de  Janeiro  de  1759.  que 
se  proferiu  na  Janta  da  Inconfidência. 

Na  hedionda  Sentença  que  em  12  de  janeiro  de  175'?, 
se  proferiu  na  Janta  da  Inconfidência,  lê-se  no  n.»  29  tex- 
tualmente o  seguinte: 

"Condemnam  ao  Réo  loscph  Mascarenhas,  que  já  se 
acha  desnaturalisado,  exautorado  das  honras  e  privilé- 
gios de  Portuguez,  e  de  Vassallo,  e  Criado ;  degradado  da 
ordem  de  Santiago,  de  que  fov  Commendador;  e  rela- 
xado a  esta  junta,  e  Justiça  Secular,  que  nella  se  admi- 
nistra ;  a  que,  como  hum  dos  três  cabeças  ou  Chefes  prin- 
cipaes  desta  infame  conjuração,  e  do  abominável  insulto, 
que  delia  se  seguiu,  seja  levado  com  baraço  e  pregão  á 
Praça  do  Cães  do  lugar  de  Belém ;  e  que  nella  em  hum 
cadafalso  alto,  que  será  levantado  de  sorte,  que  o  seu 


17S 


Ccistii^o  seja  visto  de  todo  o  Povo.  a  quem  tanto  tem  of- 
fcndido  o  escândalo  do  seu  horrorosíssimo  dclicto.  depois 
de  ser  rompido  vivo,  quebrando-se-lhe  as  oito  canas  das 
pernas,  c  dos  braços,  seja  exposto  em  liuma  roda,  para 
satisfaçi^o  dos  presentes  e  futuros  Vassallos  deste  Reino  : 
I:  a  c}ue,  depois  de  feita  esta  execução,  seja  queimado 
vivo  o  mesmo  Rc^o  com  o  dito  cadafals<.\  em  que  fôr 
justiçado,  att^  que  tudo  pelo  foj^o  seja  reduzido  a  cinzas, 
e  a  pó,  que  seri"\o  lançados  no  mar,  para  que  delle,  e  de 
sua  memoria  ncio  tiaja  mais  noticia.  E  posto  que  como 
Réo  dos  abomináveis  crimes  de  rcbelliCio,  sediÇc^io.  alta  trai- 
ção, e  parricidio,  se  acha  condomnatlo  pelo  Tribunal  das 
Ordens  em  confiscação  e  {^erdimento  de  todos  os  seus  ben5 
para  o  Pisco  e  Camará  Real,  como  se  tem  praticado  nos 
casos,  em  que  se  commctteu  crime  de  Lesa  Majestade 
de  primeira  cabeça :  com  tudo  attendendo-se  a  ser  este 
caso  tão  inopinado,  tão  insólito,  e  tão  estranhamente  hor- 
roroso, e  incoviitado  pelas  Levs,  que  nem  ellas  derão  para 
ellc  providencia ;  nem  nelle  se  pode  achar  castii^o,  que 
tenha  proporção  com  a  sua  desmedida  torpeza;  pelo 
que  com  este  motivo  se  supplicou  ao  dito  Senhor  em 
Consulta  desta  lunla.  com  cujo  parecer  foy  Sua  Mas^es- 
tade  servida  conformar-se,  ampla  jurisdicção  de  estabe- 
lecer todas  as  penas,  que  se  vencessem  pela  pluralidade 
de  votos,  alem  das  que  pelas  Levs,  e  Disposições  de  Di- 
reito estão  delcrminatlas:  l:  considerando-se  que  a  mais 
conforme  o  Direito  he  a  de  escurecer,  e  desterrar  por  to- 
dos os  modos  da  lembrança,  o  nome.  e  a  recordação  de 
tão  enormes  deliiuiuentos:  Condemnão  outro  sim  o  mes- 
mo R<5o  não  só  nas  penas  de  Direito  commum,  para  se- 
rem derribadas,  e  picadas  todas  as  suas  Armas  e  Escu- 
dos em  iiuaesquer  lu^íares  em  que  se  acharem  postos:  c 
as  casas,  e  edifícios  maleriaes  <.\c\  sua  habitação,  demoli- 
dos e  arrasados  de  sorte,  que  delles  não  t»qu<-'  S''mc\\.  «^cn- 
do  redusidos  a  campos,  e  saldados ; 


179 


mas  que  também  todas  as  casas  formaes,  ou  vínculos 
por  elle  administrados;  naquellas  partes  em  que  houve- 
rem sido  constituídos  em  bens  da  Coroa,  ou  que  houve- 
rem sahido  delia  por  qualquer  modo,  maneira,  ou  titulo 
que  fosse ;  como  por  exemplo  o  forão  os  bens  declara- 
dos nas  Doações  da  Casa  de  Aveiro,  e  os  mais  semelhan- 
tes, sejão  confiscados,  e  perdidos  desde  logo  com  effecti- 
va  reversão,  e  incorporação  na  mesma  Coroa,  donde 
sahirão,  sem  embargo  da  Ordenação  do  liv,  5,  tit.  6,  §  15, 
e  de  quaesquer  outras  Disposições  de  Direito,  e  clausulas 
das  Instituições,  e  Doações,  por  mais  exuberantes,  e  irri- 
tantes que  sejão :  Consultando-se  ao  dito  Senhor  esta  de- 
cisão com  a  supplica  de  mandar  cassar,  averbar,  e  tran- 
car na  torre  do  Tombo,  e  nas  mais  partes  onde  perten- 
cei" os  sobreditos  Títulos,  para  que  como  cassados,  e 
anullados  se  não  possão  mais  extrahir  copias  delles,  nem 
serem  admittidas  em  Juiso,  ou  fora  delle,  as  que  já  se 
acharem  extrahidas  em  mãos  particulares ;  nas  quaes  não 
terão  fé,  ou  credito  algum,  para  se  poderem  allegar,  pro- 
duzir, ou  attender  em  algum  Auditório,  ou  luiso,  mas 
antes,  logo  que  forem  apparecendo;  serão  sequestradas, 
e  remettidas  ao  Procurador  da  Coroa,  para  serem  lace- 
radas, e  rotas,  como  nullas,  para,  como  taes.  não  pode- 
rem em  caso  algum  produzir  effeito,  ou  prestar  impedi- 
mento. O  mesmo  mandão,  que  se  observe  pelo  que  per- 
tence aos  Prazos  de  qualquer  natureza  que  sejão,  com 
a  providencia  estabelecida  sobre  a  venda  delles  em  be- 
neficio dos  direitos  Senhorios  pela  Ordenação  do  liv.  5, 
tit.  1,  §  1.  Polo  que  pertence  porém  aos  outros  Morgados 
constituídos  com  bens  patrimoniaes  dos  Instituidores,  que 
os  fundarão ;  declarão,  que  se  deve  observar  em  benefi- 
cio dos  que  nelles  houverem  de  succeder,  o  que  se  acha 
determinado  pela  Ordenação  do  lív.  5.  tit.  o.  §  15.„ 


ISO 


I).  \osé  Masccircnhos,  Duque  de  Aveiro,  que  depois  do 
cittentddo  de  3  de  Setembro  de  1 75S.  tinha  pedido  licença 
para  residir  no  seu  sumptuoso  palácio  de  Azcitào.  foi 
ali  preso,  e  sev^uidamente  conduzido  ao  palácio  dos  hi- 
xos  em  helem,  com  seu  íilho,  o  Marquez  de  Gouveia,  D. 
Martinho  Mascarenhas,  mais  quatro  criados. 

Esta  prisão  rcalisou-se  no  dia  13  de  Dezembro  de  1758. 

Do  mesmo  hediondo  e  odiento  processo  dos  Tavoras,  e 
do  mesmo  titulo  '29.  vamos  e.xtrair  as  sentenças  relativas 
aos  terceiros  Marquezes  de  Távora,  avós  da  quarta  Mar- 
queza  d'Alorna,  Alcipe. 

"Nas  mesmas  penas  condemnt^o  ao  Réo  Francisco  de 
.Assis  de  Távora,  também  cabeça  dõ  mesma  conjuração, 
persuadido  pela  Ré  sua  mulher,  e  ejjualmente  desnatura- 
lisado,  c.xautorado  e  relaxado  pelo  Tribunal  das  Ordens 
a  esta  lunta  e  lustiça  Secular,  que  nella  se  administra.  E 
ponderando-se  com  a  seriedade,  e  circunspecção  que 
erâo  indispensáveis  neste  caso,  que  não  só  o  dito  réo.  e 
a  Ré  sua  mulher,  se  fizeram  cabeças  pessoaes  desta  ne- 
fanda conjuração,  traição,  e  parricidio;  mas  que  também 
fizerão  estes  enormíssimos  delictos  communs  á  sua  fami- 
lia,  conses^uindo  associar  nelles  a  ma^or  parte  da  mes- 
ma familia,  e  jactando-se  com  fátua,  e  petulante  vaidade, 
de  que  a  reunião  delia  lhe  bastaria  para  se  manterem 
naquellas  horrorosíssimas  atrocidades:  Mandão,  que  ne- 
nhuma pessoa,  de  qualquer  estado,  ou  condição  que  seja, 
possa  l\c\  publicação  desta  em  diante  usar  do  appelido 
de  Távora ;  sob  pena  de  pertli mento  de  todos  os  seus  bens 
para  o  Fisco,  e  Camará  Real,  e  desnaturalisaçâo  destes 
Reinos  e  Senhorios  de  Portuv^íal.  e  perdimento  de  todos 
os  privilcijios  que  lhe  pertencerem  como  naturaes  delles. 

"I:  S  Ré  D.  Leonor  de  Távora,  mulher  do  Réo  Fran- 
cisco de  Assis  de  Távora,  por  ali^umas  justas  conbidera- 
çòes  (relevando-a  das  mavores  penas,  que  por  suas  cul- 
pas merecia)  a  condnnnài^  siSmeiíte  .i  c)ue  com  baraço,  c 


181 


pregão  seja  levada  ão  mesmo  cadafalso,  e  que  nelle  morra 
morte  natural  para  sempre,  sendo-lhe  separada  a  cabeça 
do  corpo ;  o  qual  depois  será  feito  pelo  fogo  em  pó,  e 
lançado  no  mar  também  na  sobredita  forma.  Condemnão 
outro  sim  a  mesma  Ré  em  confiscação  de  todos  os  bens 
para  o  Fisco  e  Camará  Real;  comprehendendo-se  nesta 
confiscação  os  de  Vínculos,  que  forem  constituídos  em 
bens  da  Coroa,  e  os  Prazos;  com  todas  as  mais  penas, 
que  ficam  estabelecidas  para  a  extincção  da  memoria  dos 
Réos  loseph  Mascarenhas,  e  Francisco  de  Assis  de  Tá- 
vora. 

Palácio  de  Nossa  Senhora  da  Ajuda,  em  Junta  de  12 
de  Janeiro  de  1759.,, 

Com  as  Rubricas  dos  três  Secretários  de  Estado,  que 
presidirão. 


Apezar  de  ter  mandado  adrede  organísar  o  processo 
dos  Tavoras,  o  Marquez  de  Pombal  não  conseguiu  que 
nelle  se  provasse  a  sua  culpabilidade ;  pois  apenas  o  Du- 
que de  Aveiro,  sob  a  acção  de  cruciantes  torturas,  de- 
clarou a  cumplicidade  d'aquelles  nobres  fidalgos,  no  at- 
tentado  de  5  de  Setembro  de  175S,  não  tendo  conseguido 
idêntica  declaração  de  qualquer  dos  creados,  com  quanto 
fossem  sujeitos  aos  mais  terríveis  supplicios. 

Mas  Pombal,  no  seu  animo  rancoroso,  tinha  resolvido 
aniquilar  aquella  poderosa  e  muito  illustre  familia,  que 
ousara  contrariar  e  criticar  a  sua  administração. 

O  cumprimento  do  seu  sinistro  propósito  correu  po- 
rem de  modo,  que  o  horror  das  odientas  sentenças  con- 
demnatorias  dos  Tavoras.  foi  ainda  excedido  pela  atroz 
perversidade,  com  que,  de  animo  leve,  se  ordenou  a  sua 
execução. 


18'J 


Assini.  qucinJo  teve  dispostas  as  coisas  para  a  rcali- 
s*iÇc^o  dos  seus  tenebrosos  planos,  mandou  prender,  na 
terrível  noite  de  13  de  Dezembro  de  1758.  e  nos  dias  se- 
sjuintes,  numerosas  pessoas,  entre  as  quaes  os  terceiros 
Marc|uezes  de  Távora,  c  o  Marque?  d'Alorna,  D.  lodo  de 
Almeitia  Portui^ai.  '  sendo  pouco  de^x>is  presa  sua  mu- 
lher, D.  Leonor  de  Lorena,  e  suas  duas  filhas,  a  mais  ve- 
lha das  (juaes  tinha,  como  dissemos,  oito  annos,  e  foi  de- 
pois a  celebre  Mart|ue?a  d'Alorna,  Alcipe. 

Permittam-sc-nos  alikjumas  breves  considerações  sobre 
o  processo  dos  Tavoras,  ()ue  tem  merecido  o  c»studo  e  a  at- 
tençt^o  de  muito  notáveis  escriptores,  e  queé  a  medonha 
realisaçâo  de  uma  sinistra  vin^íança.  que  enche  de  san- 
Sjuinolento  opprobrio  a  brilhante  e  fecunda  administra- 
Çt^io  úo  Marquez  de  Pombal. 

Começaremos  por  dizer  que  o  illustre  e  orjjulhoso  fi- 
dalj^io.  Marquez  de  Távora,  adepto  dos  padres  da  Com- 
panhia de  lesus.  era,  sem  a  minima  duvida,  contrario  Á 
politica  {\o  \Á  famoso  primeiro  Ministro,  e  portanto  indis- 
cutivelmente um  inimivio  deste. 

Observemos  também  que  a  formosa  e  extraordinaria- 
mente litla  Maríjueza  de  Távora.  nAo  scS  se  desempenhou, 
com  a  maior  distinc(;c'io  dos  deveres  que  lhe  impunha  a 
sua  alta  situação  de  mulher  de  Vice-Rei  áò  índia,  mas 
praticou  actos  verdadeiramente  memoráveis,  queassi^na- 
laram  notavelmente  a  sua  passa^icm  n'aqu*^ll*ís  lonjjiquas 
para^jens. 

l:  conveniente  recordar  (jue  a  Marqueza  de  Távora. 
I).  Leonor,  foi  vice-Rainha  da  índia,  desde  1750  até  1754. 


'  n.  Jo.'io  d«'  Almci-la  Portugal,  semiiulo  .Marque/  J.Morn»,  e  quar- 
to (.londe  de  A»»umar,  nasceu  a  7  de  Novembro  de  i,a''».  e  casou  a  7 
de  Dciemhro  de  1747.  com  D.  Leonor  de  Lorena,  quarto  hlha  dos  ter- 
ceiros Marquezcs  de  Tavorn. 


183 


e  recordar  dinda  que  esta  preclaríssíma  fidalga,  quando 
regressou  a  Lisboa,  não  quíz  receber  em  sua  casa  o  Mar- 
quez de  Pombal,  e  isto  por  motivos  de  muito  justificado 
pundonor,  que  a  historia  do  reinado  de  D.  José  registra 
em  uma  das  suas  tristes  paginas. 

Entre  os  actos  memoráveis,  praticados  pelos  vice-Reis, 
Marquezes  de  Távora,  devem  notar-se  as  festas  com  que 
resolveram  solemnisar,  em  Gôa,  a  acclamação  de  El-Reí 
D.  José,  as  quaes  foram  planeadas  com  desusada  mages- 
tade,  e  executadas  com  a  mais  sumptuosa  pompa.  Para 
estas  festas  o  génio  inventivo  da  vice-Raínha  creou  coi- 
sas inteiramente  novas  na  índia.  Começou  por  mandar 
construir  um  theatro  no  paço  de  Pangim,  para  ali  feste- 
jar, durante  três  noites,  a  acclamação  do  Rei. 

Na  primeira  noite  representou-se  em  francez  a  tra- 
gedia de  Corneille  "Poro  vencido  por  Alexandre,, ;  a 
maior  parte  dos  assistentes  não  conhecia  a  lingua  fran- 
ceza,  mas  os  espectadores  gostaram  muito  da  novidade, 
porque  para  a  intelligencía  da  tragedia,  além  de  muito  bem 
representada,  a  Marqueza  tinha  mandado  traduzir  da 
opera  um  summario  em  portuguez. 

A  guarda-roupa  tinha  também  sido  dirigida  pela  ex- 
celsa Marqueza.  sendo  favorecida  pela  circunstancia  de 
se  passar  a  tragedia  na  Índia,  e  de  poder  portanto  facil- 
mente talhar  e  seguir  o  rigor  dos  ricos  trajos  dos  perso- 
nagens, que  eram  em  numero  de  seis.  Depois  da  trage- 
dia houve  um  bailado,  sendo  executantes  os  interlocuto- 
res âã  tragedia.  Ás  danças  seguiu-se  uma  primorosa  ceia 
offerecida  ás  fidalgas  de  Gôa. 

A  representação  na  noite  seguinte  consistiu  n'unia 
opera  portugucza,  desempenhada  por  curiosos,  os  quaes 
bem  se  houveram  na  execução  dos  seus  papeis.  Os  exe- 
cutantes foram  acolhidos  com  muito  agrado,  pela  intclli- 
gencia  do  idioma,  segundo  se  lê  no  proemio  do  "Perfil  do 
Marquez  de  Pombal»,  devido  a'  pcnna  brilhante  do  cmi- 


184 


ncntc  cscriplor  Camillo  Castcllo  Branco,  procmio  de  que 
extraímos  esta  noticia. 

No  terceiro  dia  dos  festejos  reprcscntou-se  uma  co- 
media hespanhola,  havendo  deix')is  um  jantar  para  os 
cavalheiros  e  uma  ceia  para  as  damas. 

O  dia  de  maior  rej^osijo  foi  porem  o  quarto,  em  que 
se  deu  um  virande  banquete  a  toda  a  nobreza,  sendo  os 
brindes  acompanhados  a  salvas  de  artilheria. 

No  citado  procmio  lê-se:  "se^iundo  diz  um  chronista. 
nunca  se  vira  no  Oriente  uma  exuberância  eçual  de  igua- 
rias. Competiu  em  todos  estes  dias  a  grandeza  com  a 
profust^o.  estando  a  copa  de  Sua  í:xcellencia  aberta  e 
prompta  para  todos  os  que  queriam  chá,  chocolate,  caf<5. 
doces,  c  outras  delicadas  bebidas,  sendo  eigual  o  çosto 
dos  creados,  que  serviam,  á  i^randeza  e  realeza  do  san- 
i^ue  de  seu  illustrissimo  e  excciientissimo  amo!» 

íiniretanto  a  Marqueza  mandava  distribuir  reigalos  e 
avultadas  esmolas  pelas  familias  fidalijas,  decahidas  cm 
miséria. 

N\^o  foi  pearem  só  com  festejos  que  o  Marquez  de  Tá- 
vora assii^nalou  o  seu  governo  na  Índia.  Portui^al  deveu- 
Ihe  feitos  de  virande  monta,  praticados  sob  a  sua  acção, 
e  preparados  pela  sua  enerçica  iniciativa.  Assim  Canajá. 
inimivH^  poderoso,  que  infestava  os  mares,  foi  por  clle 
rigorosamente  castiijado.  A  fortaleza  de  Neubadel  foi  ar- 
rasada, sendo  queimadas  as  embarcaçòes.  Venceu  n'uma 
batalha  naval  o  Marata.  outro  inimii^o  do  listado.  Tomou 
a  fortaleza  de  Piro  ao  Rei  de  Sunda.  e  devastou  as  ter- 
ras de  Pondil  e  Zambaulim. 

As  proezas  óo  terceiro  Maniuoz  de  iavora  toi\iiii  ^.n-. 
chivadas  em  quinze  opúsculos,  que  checaram  até  nós. 
apesar  de  muito  raros,  porque  houve  todo  o  empenho  em 
destruir  estes  trabalhos  de  auctores  diversos,  para  fazer 
desapparecer  o  nome  e  os  serviços  dos  Tavoras.  dejxíis 
do  atteiitado  contra  a  vida  de  Cl-l^<4i  1).  José.  O  propt^- 


185 


sito  do  Marquez  de  Pombal  neste  sentido  foi  porem  bal- 
dado. 

Comprehende-se  bem  que,  em  1754,  no  desembarque 
em  Lisboa  do  seu  regresso  da  índia,  os  ex-více-Reis,  que 
pelos  seus  distinctissimos  serviços  mereciam  ser  recebidos 
com  honras  especiaes,  encontrassem  da  parte  do  Rei  o 
acolhimento  correspondente  ao  ódio  que  o  seu  primeiro 
ministro  votara  aos  illustres  fidalgos,  também  por  terem 
admiravelmente  continuado  os  serviços  prestados  a  pá- 
tria pelos  seus  gloriosos  ascendentes. 

A  altitude  de  D.  José  I  não  era  porem  só  resultante 
dos  perversos  sentimentos,  que  o  Marquez  de  Pombal 
votava  á  nobilíssima  familia  Távora;  havia  ainda  outras 
razões  e  de  natureza  tão  especial,  que  não  podiam  dei- 
xar de  influir  no  animo  do  Rei. 


O  palácio  urbano  dos  terceiros  Marquezes  de  Távora 
que  é  o  actual  Museu  das  Bellas  Artes,  tinha  sido  o  pa- 
lácio dos  Condes  d'Alvor ;  ultimamente  era  conhecido 
como  palácio  da  Casa  dos  Marquezes  de  Pombal,  porque 
tinha  entrado  para  esta  casa,  para  a  qual,  depois  de  con- 
fiscado, fora  adquirido  em  hasta  publica  por  módico 
preço. 

A  residência  campestre  dos  Marquezes  de  Távora  era 
no  actual  palácio  Galveias,  no  Campo  Pequeno;  no  tecto 
de  uma  das  suas  salas  ainda  ha  retratos  dos  primitivos 
possuidores. 

Da  dispersão  e  destruição  completa  de  mobiliário  da 
residência  urbana  dos  mencionados  Marquezes.  escapou 
um  Crucifixo  de  madeira,  que  foi  salvo  pela  veneração 
de  uma  creada,  e  pela  sua  declaração  de  que  lhe  perten- 
cia o  referido  Crucifixo,  âo  qual  a  terceira  Marqueza  de 
Távora  consagrava  a  mais  acrisolada  devoção.  Devemos 
observar   que  esta  empresa  foi  também  favorecida  pela 


86 


circimstanciíi  tlc  se  reputar  então  de  jx^queno  vaior  ma- 
terial aquelle  objecto  de  modeira. 

A  este  conjuncto  de  condições  se  deve  a  conscrva- 
Çc^o  da  histórica  preciosidade,  que  adiante  descrevemos, 
e  (]ue  authenticamente  pertenceu,  como  vamos  provar,  á 
preclarissima  e  infeliz  senhora,  que  foi  horrível  e  injusta- 
mente suppliciada  no  cadafalso  erecto  na  praia  de  Belcm. 

O  Crucifixo  foi  offcrecido  pela  dedicada  serva  á  sua 
antii^a  ama,  a  senhora  D.  Leonor  de  Lorena,  filha  mais 
nova  dos  terceiros  Marquezes  de  Távora,  e  casada  com 
o  scsjundo  Marquez  d'Alorna,  D.  loão  de  Almeida  Por- 
tusiíal.  que  estava  presa  do  Lstado  no  Mosteiro  de  Chellas. 
A  sei^unda  Marqueza  d'Alorna  dedicava  a  mais  alta  ve- 
neração ao  primoroso  objecto  do  culto  de  sua  desjgra- 
çada  mãe,  veneração  accrescida  pelo  profundo  respeito, 
que  lhe  inspirava  a  sua  memoria,  e  a  sua  immensa  affeição. 

A  quarta  Marqueza  d'Alorna.  D.  Leonor  de  Almeida 
Portuçial,  herdou  de  sua  mãe  o  memorável  Crucifixo,  que 
passou  depois  para  a  posse  de  sua  filha,  a  Condessa 
d'Oevnhausen,  D.  iTcderica. 

Foi  desta  ultima  senhora  que  a  Snr.'  D.  Leonor  Fer- 
nandes de  Sã  '  houve  o  precioso  Crucifixo,  que  tem  cons- 
tantemente conservado  em  seu  poder,  com  a  maior  dc- 
vo<:C\o,  desde  o  fallecimento  dci  Condessa  d'Oevnhausen. 
sua  bemfeitora. 


Descrevamos  avjoraa  admirável  jóia.  sej^iuramenteum 
dos  raros  objectos,  que  chev^ram  atc^  nós,  d<\  lesijendaria 
terceira  Marqueza  de  Távora. 


'  A  Snr.a  D.  I.eonor  Fernandes  de  S.i,  como  tivemos  occasiio  de 
referir,  era  leitora  e  afilhada  da  Marqueza  d'Alorna,  Alcipe. 


^' 


^r^^i..'  1^ 


Crucifixo  da  terceira  Marqueza  de  Távora 


187 


A  imagem  do  Chrísto  Crucificado  é  uma  bella  escul- 
tura em  madeira  colorida.  O  corpo,  bem  modelado,  é 
coberto  de  chagas,  em  que  o  sangue  gotejante  dá  uma 
grande  impressão  de  realidade,  e  a  cabeça,  egualmente 
bella,  apresenta  na  face  a  expressão  do  verdadeiro  mar- 
tyrio. 

Mede  de  altura,  isto  é,  da  cabeça  aos  pés  0,^30,  e  na 
sua  largura  máxima,  tirada  pelas  extremidades  das  mãos 
tem  0,ni26. 

Correspondendo  á  perfeição  da  imagem,  a  Cruz 
emerge  de  uma  base  muito  artística,  a  que  foi  dado  um 
aspecto  pronunciadamente  pedregoso. 


Para  satisfazer  o  ódio  que  lhe  inspirava  a  nobilíssima 
senhora  D.  Leonor  de  Távora,  Marqueza  de  Távora,  por 
ter  tido  a  audácia  de  se  não  curvar  respeitosa  perante  as 
prepotências,  inventadas  propositadamente  para  abater  e 
humilhar  a  alta  nobresa,  o  Marquez  de  Pombal  não  só 
preparou  a  horrorosa  sentença,  que  textualmente  trans- 
crevemos, mas  ordenou  que  a  sua  execução  se  effectuasse 
com  a  mais  requintada  e  inaudita  malvadez. 

Assim,  a  infeliz  senhora  tendo  chegado  ao  primeiro 
degrau  do  patíbulo,  onde  ajoelhou,  confessou-se  durante 
cincoenta  minutos.  Estava  vestida  de  setim  preto,  tendo 
os  cabellos  grisalhos  atados  por  meio  de  uma  fita,  e  vi- 
nha envolta  n'uma  capa  alvadia,  não  lhe  tendo  sido  con- 
sentida a  mudança  de  roupa,  durante  um  mez,  no  cárcere 
em  que  estivera  presa.  Três  carrascos  obrigaram-na  a 
percorrer  o  patíbulo,  mostrando-lhe  um  por  um  todos  os 
instrumentos  do  supplicio,  explicando-lhe  o  modo  como 


1S8 


seriam  dali  a  pouco  ctnprcviados  para  torturar  o  marido 
c  os  jilhos. 

Tendo  sido  assentada  sem  capa,  num  banco  de  pinho, 
collocado  no  centro  do  cadafalso,  a  Marc)ueza  de  Tá- 
vora, apesar  de  n^io  poder  deixar  de  estar  aífectada  pe- 
los medonhos  preparativos  do  seu  atroz  supplicio,  e  pela 
minuciosa  descripçtlo  daquelles  que  se  preparavam  para 
seu  marido  e  filhos,  preparativos  que  o  carrasco  ia  exe- 
cutando com  propositada  lentid^io,  nem  por  um  momento 
perdeu  a  linhada  sua  principesca  altitude,  nâo  proferindo 
grito  alí^um,  formulando  apenas  o  pedido  de  nâo  ser  des- 
composta, e  pronunciando  unicamente  a  expressão  de 
incitamento  «Yamos>. 

Poi-lhc  cortada  a  cabeça  de  um  só  golpe,  ficando  ali 
exposta  até  ao  fim  do  supplicio  dos  seus,  para  maior  tor- 
mento delles. 


Para  a  historia  da  Marquesa  d'AIorna,  Alcipe.  vamos 
av^ora  apresentar  resumidas  notas  sobre  a  ascendência  e 
descendência  desta  eruditissima  escriptora. 

A  muito  nobre  senhora  D.  Leonor  de  Almeida  Portu- 
vmI.  era  filha  l\o  segundo  Marquez  d'Alc^rna,  D.  \o^o  de 
Almeida  Portugal,  c  neta.  por  sua  m^e,  D.  Leonor  de  Lo- 
rena, dos  terceiros  Marquezes  de  Távora,  que  foram  sup- 
pliciados  na  praia  de  IWlem. 

Do  casamento  da  celebre  Marcjueza  d'Alorna  com  o 
Conde  de  Oeynhausen  uiSo  ficou  filho  variV\  e  os  seus 
descendentes  Si^io  unicamente  os  de  sua  filha  mais  velha, 
n.  Leonor  IWnedicta  d'OeYnli<3usen  c  Almeida,  que  foi 
Marqucza  de  l-riMileira  pelo  seu  casamento  com  o  sexto 
Marque?  lio  Tronteira.  D.  KxV^  Mascarenhas  i^arreto  Palha. 


A  begunda  Marqiieza  (.1'Avila  c  de  Bolama,  bisneta  de  Alcipe 


189 


Por  esie  casamento  a  senhora  Marqueza  d'Alorna  foi 
bisavó  da  ultima  senhora  Marqueza  de  Fronteira  e  d'Alor- 
na,  D.  Maria  Mascarenhas  Barreto,  e  da  senhora  Marqueza 
d'Avila  e  de  Bolama.  D.  Leonor  Maria  Mascarenhas,  e  de 
seu  irmão,  o  snr.  D.  José  Mascarenhas. 

Devemos  ainda  dizer  que  o  erudito  segundo  Marquez 
d'Alorna,  Académico  de  Numero  da  Academia  Real  da 
Historia  Portugueza,  nascido  em  7  de  Novembro  de  1726, 
foi  preso  em  Lisboa,  na  sua  casa,  a  Jesus,  na  mesma  ter- 
rível noite  de  13  de  Dezembro  de  1758,  em  que  foi  preso 
o  Duque  d' Aveiro  e  outros  parentes  seus.  A  prisão  reali- 
sou-se  estando  o  Marquez  já  recolhido  no  seu  quarto,  por 
serem  horas  muito  adiantadas  da  noite.  Quando  foi  preso, 
achava-se  nomeado  Embaixador  para  França. 

O  segundo  Marquez  d'Alorna,  apesar  de  ter  padecido 
os  terríveis  tormentos  de  uma  prisão  de  mais  de  18  an- 
nos,  falleceu  a  9  de  Junho  de  1802,  tendo  tido  a  ventura 
de  ver  nascido  seu  bisneto,  o  sétimo  Marquez  de  Fron- 
teira, D.  José  Trazimundo  Mascarenhas  Barreto,  que  nas- 
ceu a  4  de  Janeiro  de  1802. 


Offerecemos  ainda  á  attenção  do  leitor  uma  pequena 
noticia  que  se  nos  afigura  de  algum  interesse  : 

No  terrível  incêndio  que  ameaçou  de  completa  ruina 
a  casa  em  que  residia,  na  Calçada  do  Salitre,  a  Marqueza 
d'Alorna,  salvaram-sc.  com  grande  dífficuldade,  os  pa- 
peis da  distinctissima  escriptora,  alguns  dos  quaes  com 
visíveis  vestígios  do  incêndio,  como  foram  os  Rescriptos 
de  Sua  Santidade  Pio  VII,  concedendo-lhe  auctorisação 
e  a  suas  filhas,  para  entrarem  na  clausura  do  mosteiro 
de  Chellas. 

Faltava  mais  esta  desgraça  para  completar  a  série  de 
infelicidades,  que  foram  frequentes  na  vida  accídentada 
da  muito  erudita  e  abalisada  Alcipe. 


CAPITULO    XIll 


Copia  de  algumas  paginas  das  Memorias  inéditas  do  Marquez 
de  Fronteira,  que  são  interessantes  para  a  historia  da  Mar- 
queza  d'Alorna,  sua  muito  illustre  avó. 

Para  a  historia  da  Marquesa  d'Alorna,  vamos  textual- 
mente copiar  algumas  paginas  das  Memorias  inéditas  de 
seu  illustre  neto,  o  Marques  de  Fronteira  e  d'Alorna,  D. 
José  Trazimundo  Mascarenhas  Barreto. 

"Em  quanto  corria  tão  bello  o  tempo  em  Lisboa  e 
seus  arredores,  minha  avó  em  Londres  diligenciava  e 
obtinha  licença  da  Corte  do  Rio  de  laneíro  para  voltar 
a  Portugal.  Sabendo  que  seu  filho  estava  em  Lisboa, 
mandou-lhe  alguns  fundos,  ordenando-lhe  que  partisse 
immediatamente  para  Londres,  porque  não  podia  sair 
de  Inglaterra,  sem  ter  ali  um  homem  que  lhe  arranjasse 
os  seus  complicados  negócios. 

"Foi  portador  desta  ordem  o  velho  copeiro  maltez 
de  meu  bisavô,  por  nome  Miguel,  que  tinha  creado  minha 
mãe  e  a  acompanhara  para  Inglaterra,  o  qual  vinha  ba- 
nido, com  ordem  de  não  ser  recebido  em  Bemfica,  por- 
que minha  avó  sonhou  que  elle  tinha  concorrido  para  o 
infeliz  casamento  ád.  sua  filha  Luiza. 

"A  determinação  de  minha  avó  a  respeito  do  velho 
Miguel  não  foi  cumprida  .  .  . 

«Meu  tio  executou  as  ordens  de  sua  mãe,  e  no  pri- 
meiro paquete  partiu  para  Londres. 


!92 


"Pelos  nossos  cálculos  csp)crd vamos  que  nossa  avó 
estaria  em  Lisboa,  dois  mezcs  depois  da  partida  de  seu 
filho  daqui,  mas  n:\o  aconteceu  assim ! ;  no  paquete  que 
cheijou  Ioj^o  após  a  partida  do  Conde  |o<5o  d'Oevnliau- 
sen,  veiu  ella  com  uma  filha,  um  creado  e  uma  crcada. 

«Foi  extraordinária  a  nossa  surpreza  quando  o  já  co- 
nhecido aivi(;areiro  nos  veiu  annunciar  esta  chei^rada.  e 
partimos  imnicdiatamente  para  cas<i  dos  Marqnezes  (f  Abran- 
tes, a  Santos,  onde  ella  tinha  desembarcado.  Ali  a  en- 
contrámos em  companhia  d^  nossa  tia  Henriqueta,  tendo 
ficado  em  Londres  nossa  máe  e  tia  Frederica. 

«Com  espanto  de  todos  estava  furiosa  p>ela  partida 
de  seu  filho!:  debalde  lhe  ponderavam  que  elle  fora  em 
virtude  de  carta  sua ;  n^^o  ncjjava  ter  escripto  a  carta, 
mas  lastimava  anvlt^^^^k'ntc  diu'  tiiiioiuMii  a  tivesse  en- 
tendido. 

«Passado  este  cpiscxiio  partimos  para  I5cmfica,  aonde 
minha  avó  se  installou,  principiando  loi^io  a  tratar  dos 
seus  nes^ocios  importantes,  que  eram  rcvendicar  do  fisco 
a  Casa  de  Alorna. 

«Tinha  ella  na  mav^istratura  parentes  e  pessoas  im- 
pi-)rtantes,  que  muito  interesse  lhe  mostravam,  entre  ellas 
o  bem  conhecido  e  respeitável  Pedro  de  Mello  ttreyner  e 
Sebastião  Xavier  Botelho,  e  tinha  uin  dos  melhores  advoí^a- 
tlos  de  Lisboa  o  Dr.  Simas,  pae  do  actual  Procurador 
Cleral  da  Lazenda ;  mas  clles  nada  podiam  fazer ;  por- 
que minha  avó  queria  saber  mais  de  direito  do  que  todos 
elles.  Para  decifrar  alsjiuns  documentos  anti\?os,  que  havia 
no  cartório  d^x  Casa  de  Alorna,  foi  chamado  um  paleó- 
VJrapho  dos  melhores  de  Lisboa,  p«.'>rem  come<;ou  k">v»^^  ^^ 
briviar  com  elle,  porque  náo  decifrava  a  seu  ijosto;  que- 
ria por  forga  (jue  os  documentos  dissessem  o  que  lhe 
convinha,  ou  a  sua  imavíinaçAo  lhe  fantasiava. 

«iiram  excessivamente  orisiinaes  as  reunióes,  que  mi- 
nha avó  fazia  em  hemfica !  Sebastião  Xavier  Botelho,  Pedro 


193 


de  Mello  Breyner,  Dr.  Simas,  e  o  paleógrafo  concordavam  com 
minha  avó  em  se  reunirem  para  conferenciarem  e  exa- 
minarem os  documentos;  mas  ella  esquecendo-se  do  que 
tinha  combinado,  convidava  para  as  noites  daquellas 
conferencias,  muitos  poetas  e  artistas  por  quem  tinha 
predilecção,  e  as  salas  de  recepção  de  Bemfica  offere- 
cíam  um  espectáculo  curioso,  que  presenciei. 

"Dum  lado  os  Magistrados,  o  Advogado  e  o  paleó- 
grafo, procurando  os  meios  de  revendicar  a  casa  d'Alor- 
na;  doutro  lado  D.  Henriqueta  rodeada  dos  elegantes  da 
época,  Thomaz  Mascarenhas,  Thomaz  de  Mello,  Conde  de  Pe- 
nafiel, e  cantando  uma  cavatina  que  lhe  ensinara  o  fa- 
moso Crescentini,  acompanhando-se  a  viola  francesa ;  e 
para  o  outro  minha  avó  repetindo  aos  poetas  as  suas 
composições,  e  ouvindo  as  delles. 

«A  sociedade  era  muitas  vezes  numerosa,  e  appare- 
cíam  n'ella  duas  nossas  parentes,  freiras  da  Esperança, 
que  moravam  com  Sebastião  Xaviet  Botelho ;  uma  delias, 
D.  Bernarda,  era  muito  feia  e  fazia  taes  caretas  e  dava 
uns  gritos,  que  provocavam  o  riso  a  todos. 

"Os  Magistrados  e  o  Advogado  abandonavam  os  ne- 
gócios, fechavam  os  documentos,  e  com  o  parecer  triste 
diziam:  «Snr.»  Condessa  por  hoje  está  acabado.»  Minha 
avó  nunca  attribuia  a  tristeza  dos  seus  amigos  âo  des- 
gosto que  sentiam,  por  encontrarem  numerosa  sociedade 
quando  iam  tratar  de  negócios;  as  suas  iras  tornavam-se 
todas  contra  o  pobre  paleógrafo,  dizendo  que  nunca 
mais  lhe  dava  de  jantar,  porque  bebia  tanto  vinho  que 
ficava  incapaz  de  trabalhar. 

«Pela  nossa  parte  não  nos  faltava  que  fazer,  porque 
tanto  cu  como  meu  irmão  recebíamos  differentes  com- 
missões  de  nossa  avó,  as  quaes  nos  davam  muito  gosto: 
porque  sahíamos  da  vida  monótona,  em  que  vivíamos. 
debaixo  das  vistas  do  nosso  velho  mestre. 

«Umas  vezes   julgava-nos  ella  homens  feitos,  esque- 


ccncío->c  ijuc  linhamos  nascidi»  cm  íí>02  c  1803,  c  que 
cstiivcimos  em  1S14.  outras,  tratava-nos  como  se  fosse- 
mos creancas  que  sahissemos  das  amas. 

"Quando  chefiou  d'lnmlatcrra  considerou-nos  como 
dois  homens  completos,  e  por  isso  encarregou-nos  de 
duas  commissões  importantes. 

«Hscolhcu-mc  para  ir  apresentar  ao  Marquez  de  Borba. 
e  ao  Secretario  tia  Rci^encia  Salter,  o  Decreto  em  que  Itic 
era  concedida  a  licença  para  voltar  ão  I^eino:  mandou- 
me  vestir  uma  casaquinlia  curta  verde,  espécie  de  niza. 
com  botòes  amarellos ;  pôz-me  ella  mesmo  no  p)cscoço 
um  lenço  branco  ençomado.  e  uns  enormes  collarinhos 
(jue  me  lu^o  deixavam  voltar  a  cabeça ;  deu-me  um  cha- 
peu  [ino  que  me  trou.xera  de'lnj^laterra,  mas  com  a  copa 
muito  alta.  emprestou-me  para  levar  na  mào  uma  ben- 
sjíalinha  de  castigo  dourado,  que  fora  de  meu  avô  Oeynhau- 
sen.  e  ensinando-mc  o  recado  para  os  Governadores  l\o 
Kcino,  fcz-me  entrar  scS  para  a  carruavícm  e  partir.  Pui 
repetindo  o  recado  cjuc  minha  avó  me  ensinara  até  ao 
palácio  de  Santa  Martha ;  e  quando  subia  a  escada  tre- 
miam-me  as  pernas  e  ia  muito  perturbado.  Os  meus  ami- 
í;IOS,  filhos  do  Marquez  de  fíorba,  que  fallavam  sempre  em 
coro.  vieram  ao  meu  encontro,  e  lovio  que  souberam  ao 
que  ia,  principiaram  a  s^ritar  adiante  de  mim.  abrindo  as 
portas  *0  MarcHicz  de  Pronteira  com  um  recado  da 
avó.»  Quando  apresentei  ao  Marquez  o  Decreto,  nào 
sei  o  (|ue  disse,  mas  tanto  elle  como  a  Marqueza  riram 
muito. 

«Rstc  debute  de  minha  avó.  depois  de  li2  annos  de 
ausência,  foi  muito  celebrado. 

«A  meu  irnu^o  disse:  «Meu  Carlos,  tu  c*s  mais  robusto 
c  mais  resoluto  l\o  que  teu  irm«^o.  conto  comti^o,  p>orquc 
estou  rodeada  dinimivios;  veste-te  e  acompanha-mt  a 
casa  dos  Desemba raladores  k\o  I'isco.  f:stou  í.\\\A'>\  a  di- 
zer-ff   t)iu'   i'i!ii.ís  iini  dos  fains  luie  vi  hontem  na  antiv^a 


Sexta  Marqueza  de  Fronteira,  filha  mais  velha  de  Alcipc 


195 


guarda-roupa  de   teu   pobre  pai.„   Muito  custou  a  João 

Evanoelísta  desvanecer-lhe  esta  ide'a. 

«Depois  da  visita   aos  Juises.  queria  por  força,  fazer 
acreditar   que   as  attenções,  com  que  elles  a  tinham  tra- 
tado, eram  devidas  ao  meu  joven  irmão,  que  lhes  impu- 
sera receio  com  a  sua  presença. 

«O  facto  é  que  nos  fez  grandes  elogios  pelo  bem  que 
tmhamos  desempenhado  as  suas  commissões;  e  quíz  que 
mudássemos  de  quartos  para  outro  junto  ao  seu,  dizendo 
que  muito  receava  os  seus  inimigos,  e  que  só  dormiria 
descançada  estando  guardada  pelos  seus  netos. 

«Estando  um  dia  com  minha  avó  no  pateo  dos  Mar- 
quezes   d'Abrantes,    fomos  surprehendidos  vendo  aproxi- 
mar-se  úa  portinhola  meu  tio,  o  Conde  de  Oeynhaasen  que 
acabava  de  chegar  d'Inglaterra  com  minha  mãe,  e  minha 
tia  Frederica.  Havia  annos  que  a  mãe  não  via  o  filho  mas 
sem  lhe   importar   alguma   outra  coisa,  nem  mesmo  se 
lembrar  de  que  as  filhas  ainda  estavam  a  bordo  do  pa- 
quete, principiou   minha  avó  a  pedir-lhe  contas  da  sua 
ida  para  Inglaterra,  da  sua  demora  ali ;  de  não  ter  com- 
prehendido   a  sua  carta,  etc;  e  só  no  fim  de  meia  hora 
de   enfadonho   dialogo,  conservando-se  sempre  na  car- 
ruagem,  é   que  se  occupou  do  desembarque  das  filhas 
que  se  fez  na  rocha  do  Conde  d'Obidos,  dirigindo-se  de- 
pois  a   casa   dos  Morquezes  d' Abrantes,   aonde  nós  está- 
vamos. 

«Tivemos  então  o  oo^Xo,  eu  e  meu  irmão,  de  abra- 
çarmos nossa  mãe,  e  o  grande  sentimento  de  vermos  que 
ella  tinha  peiorado  d  uma  maneira  extraordinária'  e  a 
ponto  tal.  que  não  nos  reconheceu,  tomando-nos  a  mim 
pelo  Conde  da  Ribeira  seu  primo,  e  a  meu  irmão  pelo 
Conde  d' Oeynhaasen  seu  irmão ;  persuasão  em  que  se  con- 
servou até  á  sua  morte,  oo  annos  depois. 


\')ti 


'Sào  quciKi  ininhci  avc)  reconhecer  corno  parente 
nenhum  descendente  do  Marquez  de  [■'ombai,  excepto  os 
Condes  de  Rio  Maior,  c  por  isso  prohibia-nos  que  nos  tra- 
tássemos por  tu  com  os  outros  n<5tos  do  inimigo  da  sua 
familia.  apesar  de  termos  com  elles  as  relações  mais  in- 
timas, depois  que  tivemos  uso  de  razáo.  O  nosso  emba- 
raço era  grande  quando  nos  encontrávamos  com  os  nos- 
sos antiijos  amii^os  na  presença  delia  ;  c  davam-se  ás  ve- 
zes sccnas  muito  cómicas,  dando-nos  clles  o  tratamento 
de  —  tu  —  cm  quanto  ncSs  os  tratávamos  no  impessoal, 

«Minha  avó  ioijo  que  se  estabeleceu  em  Pedroiços. 
cercou-se  dos  seus  predilectos  da  época.  O  General  Lecor 
era  um  dos  que  mais  vezes  ali  ia  jantar,  porque  tinha  o 
'seu  Quartel  General  em  Bclem,  aonde  estava  orijanisando 
a  Divisi"\o  de  Voluntários  Reaes. 

«O  Conde  de  Rio  Maior  que  sempre  foi  um  dos  amiijos 
de  minha  avó,  estava  com  a  sua  familia  em  Oeiras,  em 
casa  de  seu  sojjro  o  Marquez  de  Pombal,  e  era  certo  em 
Pedroiços  todas  as  noites,  mas  a  horas  muito  incommo- 
das,  sempre  próximo,  ou  passada  a  meia  noite.  Minha 
avó  pedia-lhe  que  viesse  a  horas  mais  rasoaveis.  e  elle 
prometteu-lhe  que.  dali  por  diante,  seria  dos  primeiros 
que  se  apresentariam  na  sua  sala. 


"O  tempo  era  cxcellente,  e  os  banhos  de  mar  n)uito 
aproveitavam  a  minha  \w^q  e  a  todos  nós:  mas  minha 
avó  teve  a  fantasia  de  tomar  a  direcção  dos  banhos,  c 
fez  com  que  todos  adoecêssemos,  porque  nos  constipá- 
mos em  consequência  delia  nos  fazer  lavar  em  agua 
doce,  lovio  que  sahiamos  do  mar.  l;lla  mesma  adoeceu, 
ni^io  tomando  banhos  do  mar:  quiz  banhos  dar.  e  man- 
dava pôr  na  praia  uma  banca  e  uma  cddetra,  estando 
ali  muitas  horas,  fazendo  as  suas  composições,  como  se 
(.'stivfssi'  lu-»  st'u  ''abiiu-te. 


197 


"A  nossa  casa  tornou-se  um  hospital,  e  ouvi  dizer  ao 
Dr.  José  Laureano,  ão  seu  colleíja  Le^iíer  «vamos  man- 
dal-os  todos  para  Bemfica,  senão  a  Condessa  dá  cabo 
de  toda  a  familia».  Partimos  pois  para  Bemfica,  ainda 
mal  convalescentes. 

«Minha  avó  continuou  na  sua  vida  habitual,  sendo 
muito  visitada  por  pessoas  de  todas  as  classes  da  socie- 
dade ;  e  é  fora  de  duvida  que  uma  das  salas  mais  agra- 
dáveis para  os  homens  de  letras  era  a  da  Condessa 
d'OeYnhausen. 

«Por  esta  occasião  (1816).  como  tivesse  conseguido 
entrar  de  posse  de  uma  pequena  parte  da  Casa  d'Alor- 
na,  minha  avó,  que  vivia  num  bello  ideal,  assim  como 
suas  filhas,  ímaoinou  estabelecer-se  em  Lisboa  para  gozar 
mais  de  perto  a  sociedade,  queixando-se  das  longas 
noites  em  Bemfica,  apesar  da  casa  ser  frequentada  por 
numerosos  amigos,  e  de  minhas  tias  irem  constantemente 
aos  theatros  e  aos  bailes,  em  companhia  da  Condessa 
de  Rio-Maíor. 

«Enganou-se  minha  avó  nos  seus  cálculos,  porque  os 
nossos  parentes  e  amigos  continuaram  a  frequentar,  de 
preferencia  á  sua  casa  de  Lisboa,  a  minha  casa  em  Bem- 
fica, onde  tínhamos  ficado  em  companhia  de  minha 
mãe. 

«A  resolução  de  se  vir  estabelecer  em  Lisboa  custou 
á  Marqueza  d'Alorna  sérios  embaraços  pecuniários.,, 


Julgamos  dever  ficar  por  aqui  n'esta  descripçâo  de 
uma  época  da  vida  da  muito  erudita  escriptora,  que  foi 
a  brilhante  Marqueza  d'Alorna. 


PJiS 


Com  respeito  a  sua  excelsa  avó,  a  senhora  Marqueza 
d'AIorna.  D.  Leonor  d'Almeida  PortuvíaK  lêem-se  também 
na  parte  sexta  —  1834  a  1842  —  das  Memorias  inéditas,  as 
seijuintes  interessantes  observações : 

"A  sala  de  minha  avó,  apezar  dos  seus  oitenta  e 
cinco  annos,  ou  a  sua  camará,  onde  ella  em  ^cral  rece- 
bia, era  muito  frequentada  por  pessoas  d'ambos  os  sexos. 
de  muito  espirito  e  sííraça :  o  que  muito  concorria  para 
adoçar  a  triste  posição  de  minha  boa  avó,  a  quem  os 
annos  e  trabalhos  da  sua  Ioniza  vida  tinham  posto  cm 
um  virande  abatimento,  com  quanto  conservasse  sempre 
aquelle  espirito  distincto,  que  fez  a  admiração  dos  seus 
contemporâneos.  Ainda  nessa  <5poca  fazia  versos  que 
foram  impressos  depois  da  sua  morte,  e  mereceram  os 
applausos  dos  pocMas  do  tempo,  e  quadras  picantes  ana- 
Ivsando  a  cómica  situação  politica  que  nos  dominava. 
O  Conde  de  Sabugal,  minha  sojjra  '  e  a  Condessa  Itc- 
derica  d'OeYnhausen.  todos  áa  escola  d'Alcipe,  faziam 
honra  ao  mestre ;  os  seus  epiíjrammas  e  os  seus  versos, 
que  o  publico  conheceu  foram  muito  bem  acolhidos. 

«Ali  passávamos  lioras  as  mais  aijrada veis.  tanto  eu. 
como  minha  mulher,  indo  ali  diariamente,  não  só  para 
nos  informarmos  da  saúde  da  illustre  parente,  mas  para 
ali  levarmos  nossa  filha  a  completar  a  sua  educação:  a 
distancia  de  Lisboa  a  IWmfica  era  cirande  para  os  mes- 
tres, e  por  isso  iam  a  casa  de  minha  avó.  onde  nossa 
filha  recebia  as  suas  liçòes.  o  iiue  muito  interess<iva  e 
itistrahia  a  bisavó.  Tanto  eu.  como  minha  mulher,  admi- 


I  A  senhora  D.  Maria  de  Noronha. 


99 


ravamos  como  minha  avó  fora  perseguida  no  principio 
do  século  pelas  suas  opiniões  politicas.  Ninguém  melhor 
do  que  ella  comprehendia  o  progresso  litterario  do  sé- 
culo, e  as  suas  producções  litterarias  o  provam  ;  mas  o 
progresso  politico  nunca  o  cornprehendeu,  ou  não  quiz 
comprehender. 


A  entrada  do  Duque  da  Terceira  em  Lisboa  á  frente 
da  sua  divisão,  que  se  compunha  apenas  de  mil  e  du- 
zentos homens,  foi  tristemente  commemorada  pela  vio- 
lenta peste  de  cholera,  que  assolava  a  capital,  e  que  ia 
fazendo  numerosas  victimas,  não  só  entre  os  habitantes, 
mas  entre  os  militares  que  constituíam  a  divisão  do  com- 
mando  do  Ínclito  Marechal. 

Dissemos  que  entre  as  homenagens,  que  tinham  sido 
prestadas  á  Marqueza  d'Alorna,  occupava  lugar  dístincto 
a  visita  que  lhe  tinha  feito  o  glorioso  Marechal  Duque 
da  Terceira,  no  dia  24  de  lulho  de  1853,  isto  é,  no  pró- 
prio dia  da  sua  brilhante  entrada  em  Lisboa. 

O  illustre  Marquez  de  Fronteira  e  d'Alorna,  nas  suas 
Memorias  inéditas,  conta  também  esta  visita  nas  seguin- 
tes te.xtuaes  palavras : 

«No  próprio  dia  da  entrada  em  Lisboa  da  divisão  do 
commando  do  Duque  da  Terceira,  depois  de  um  pouco 
de  descanço,  fui  visitar  os  meus  parentes,  e  apezar  dos 
muitos  affazeres  do  General,  quiz  ellc  ir  também  a  esta 
visita. 

«Tive  o  gosto  de  abraçar  minha  avó,  a  senhora  Mar- 
queza d'Alorna,  que  apezar  dos  s^us  oitenta  e  três  an- 
nos,  ainda  estava  bastante'  ágil,  e  com  todos  os  seus  sen- 
tidos muito  apurados;  tive  egualmente  o  gosto  deabra(;ar 


200 


meus  sobros,  d  snr."  D.  Maria  de  Noronha  e  o  snr.  D.  Luiz 
dd  Camard. 

*0  Conde  de  IMcalho  teve  a  ajjradavel  commissáo 
de  soltar  sua  mde,  que  estava  presa  no  Convento  das 
Orillas,  em  companhia  de  uma  tia  minha,  a  Marqueza  de 
Castello-Melhor,  avó  do  Marquez  João  de  Vasconcellos 
e  Sousa. 

*f:sta  minha  virtuosa  e  excellente  parente  sahiu  da  pri- 
são para  ser  victima  de  um  ataque  de  cholera.  três  dias 
depois  L\a  sua  soltura,  morrendo  rodeada  de  seus  filhos.» 


Nâo  resistimos  ao  desejo  de  copiar  das  referidas  Me- 
morias mais  aiçuns  períodos,  que  offerecem  indiscutível 
interesse: 

"O  cholera  estava  em  toda  a  sua  força;  muitos  pa- 
triotas, que  applaudiram  o  nosso  desembarque  no  Ter- 
reiro do  Paço,  succumbiram  durante  a  noite. 

"Um  joven  e  elci^ante  voluntário  dos  Atiradores  de 
Milícias,  que  eu  tinha  visto  no  Terreiro  do  Paço,  mon- 
tando um  bello  cavallo,  com  a  bandeira  azul  e  branca 
tia  m^o,  exaltando  as  massas,  e  dando  muitos  vivas, 
tendo  sido  o  primeiro  que  arvorou  no  Castello  a  ban- 
deira da  Liberdade,  morreu  nc\  noite  da  nossa  chegada, 
quasi  repentinamente,  á  porta  do  Quartel  General,  onde 
estava  de  i^uarda. 

"I:ra  tal  o  enthusiasmo,  que  antes  de  anoitecer  já 
havia  hatalhòes  Nacionaes  or\janisados  bem  ou  mal.  O 
Coronel,  lo^o  António  d'Almcida.  hoje  Bar3o  de  Villa 
Cova,  saindo  do  Limoeiro,  onde  estivera  cinco  annos, 
tratou  losjo  de  reon^anizar  o  seu  antivio  Batalhão,  e  antes 
oite  tinha  mais  de  cem  homens. 


201 


"A  exaltação  era  grande  contra  os  miguelistas.  O  ca- 
cetista  major  Chicória,  e  Augusto  Xavier  da  Silva,  hoje 
Par  do  Reino,  foram  conduzidos  pela  populaça  á  porta 
do  Quartel  General,  devendo  o  escaparem  á  morte  aos 
esforços  que  o  General  e  todos  nós  fizemos. 

«O  Barão  de  Quintella  não  podia  receber-nos  na  sua 
bella  residência  que  estava  debaixo  da  protecção  da 
bandeira  franceza,  residindo  ali  o  Cônsul  de  França; 
alojou-nos  perfeitamente  em  casa  de  sua  cunhada,  e  fez- 
nos  servir  lautos  jantares  e  magníficos  almoços,  a  que 
eram  muitos  os  concorrentes,  porque  o  Quartel  General 
estava  sempre  cheio  de  indivíduos,  que  vinham  apresen- 
tar-se.  Conheci  muitos  indivíduos  naquella  occasião,  que 
tinham  estado  escondidos,  em  aguas-furtadas  e  sótãos, 
todo  o  tempo  da  nossa  emigração. 

"A  nossa  esquadra  então  reforçada  com  as  embarca- 
ções tomadas  a  D.  Miguel,  não  tinha  vapores  para  a  re- 
bocarem, e  uma  grande  calmaria  impedia  que  ella  en- 
trasse no  Tejo. 

"Os  presos  da  Torre  de  S.  Julião  eram  muito  mais 
numerosos  do  que  os  do  Limoeiro,  e  mais  importantes 
pela  sua  posição  social.  O  Duque  mandou  logo  dífferen- 
tes  militares  com  ordens  positivas  ao  Governador  para 
soltar  todos  os  presos,  e  pela  noite  adiante  muitos  delles 
vieram  apresentar-se  e  abraçar  o  seu  libertador.,, 

A  Índole  do  nosso  trabalho  e  consequentemente  as 
suas  resumidas  dimensões,  obrigam-nos  a  terminar  aqui 
a  copia  das  muito  importantes  e  verídicas  informações, 
que  sobre  este  memorável  assumpto  se  encontram  nas 
Memorias  inéditas  do  Marquez  de  Fronteira,  D.  José  Tra- 
zimundo  Mascarenhas  Barreto,  que  dos  offíciaes  que 
compunham  o  estado-maior  do  Duque  da  Terceira,  foi 
o  único  que  não  deixou  nunca  de  ficar  com  elle  alojado, 
e   que  tinha   portanto  as  melhores  condições  para  estar 


202 


bem  a  par  do  giic  se  passou  durante  a  tomada  de  Líst>óa 
cm  24  de  lulho  de  1833. 


Tendo  ches^iado  do  Rio  de  janeiro  a  suspirada  licença 
para  o  casa  incuto  do  Marqncz  de  Pronteira  com  a  snr> 
D.  Maria  Constança  di\  Camará,  apressou-se  o  Marque? 
cm  fazer  a  respectiva  participaÇc^o  a  sua  avó,  a  senhora 
Marqueza  d'Alorna ;  esta  acolticu  a  participação  com  as 
scsjuintcs  tcxtuacs  palavras:  que  o  mundo  andava  tis 
vessas  —  que  os  avós  <5  que  annunciavam  os  cisanu-tifos 
aos  ndtos  e  nâo  os  netos  aos  avós. 

Copiamos  está  resposta  da  parte  2."  das  Memorias  óo 
Marquez  de  fronteira  c  d'Alorna  (1818  a  1824)  da  qual 
também  extraímos  a  curiosa  dcscripção  que  se  scjgue.  e 
que  concorre  para  a  apreciaçc^io  do  caracter  orivíinal  da 
douta  c  notabilissima  Alcipc: 

"Minha  avó  residia  de  verJio  em  Almada,  na  antivia 
casa  de  meus  avós.  Um  dia  recebi  uma  carta  sua  para  a 
ir  ali  ver.  c  combinarmos  como  havíamos  de  festejar  os 
annos  de  sua  filha,  D.  Hcnri(iucta.  nos  primeiros  dias  do 
mcz  de  lulho.  Ches^iando  a  Almada  com  meu  irm.5o.  ncU^ 
encontrámos  nossa  avó,  nem  parentes,  que  nos  tinham 
deixado  recado  para  irmos  á  Costa,  aonde  estavam  em 
uma  vi'"'^'ide  pescaria.  A  dis^ressc^o  era  lonça.  e  n^o  a 
juli^avamos  muito  divertida ;  com  tudo  estava  próximo 
o  anniversario  que  se  queria  festejar,  e  nós  m^io  quería- 
mos concorrer  para  que  se  frustrassem  os  projectos  de 
nossa  respeitável  avó. 

"Minha  avó  que,  como  tenho  dito.  era  um  pouco 
persistente   nos  seus  princípios,  tinha  teimado  em  ir  no 


203 


seu  paquebot,  com  o  seu  velho  cocheiro  e  libré  da  antiga 
Casa  d'Alorna.  A  equipagem  e  a  parelha  eram  tão  ve- 
lhas como  a  dona  e  o  cocheiro ;  o  caminho  areoso  e  im- 
praticável para  qualquer  equipagem;  e  tendo  nós  alu- 
gado cavalgaduras  e  partido  a  todo  o  galope  para  a 
Costa,  encontramos  no  caminho  umas  mulheres  que  nos 
perguntaram  se  éramos  os  meninos  da  Senhora  Condessa 
d'Oevnhausen ;  e  sabendo  que  sim,  nos  disseram  que  a 
nossa  avó  e  avô  estavam  enterrados  na  arêa  a  pouca 
distancia  d  ellas,  e  que  os  machos  estavam  quasí  mortos. 
Accelerámos  o  passo  intrigados,  sem  sabermos  quem  era 
o  nosso  avô  e  achamos  o  velho  cocheiro  desamparado 
ao  pé  da  carruagem  e  da  parelha,  rogando  mil  pragas 
a  sua  ama,  declarando  que  nunca  mais  havia  de  servir 
poetas,  e  dizendo  que  o  rancho  de  minhas  tias  se  tinha 
adiantado,  ficando  minha  avó  com  Mr.  Cheruliem.  que 
era  quem  as  mulheres  annunciavam  por  meu  avô,  os 
quaes  tinham  seguido  montados  em  mulas  de  moleiro, 
acompanhados  pelo  moço  da  traseira.  Seguimos  o  cami- 
nho, e  pouco  adiante  encontramos  a  caravana,  dirigida 
por  nossa  avó,  montada  em  uma  das  taes  mulas,  tendo 
posto  por  cima  da  touca  e  cabelleira  loura  um  grande 
chapéo  de  palha,  que  lhe  havia  emprestado  um  pescador 
da  Costa,  por  causa  do  grande  calor,  e  conseguindo  re- 
solver o  seu  companheiro  a  fazer  o  mesmo,  pondo  sobre 
a  calva  empoada  um  chapeo  semelhante.  Mr.  Cheruliem 
ia  de  casaca  á  romana  e  meias  encarnadas,  e  o  moleiro 
levava-lhe  na  mão  o  chapeo  de  três  cantos.  O  velho 
moço  da  traseira  seguia  a  caravana  cançadissimo  e  de 
péssimo  humor,  e  Mr.  Cheruliem,  perdido  de  riso.  excla- 
mava, apontando  para  minha  avó,  que  ia  na  frente,  que 
creatura  !  que  graça  !  que  espirito  !  que  talento  ! 

"Assim  chegámos  á  Costa,  onde  fomos  recebidos  pela 

outra  parte  do  rancho,  que  se  tinha  adiantado ;  e  o  mes- 

e  de  desenho.  Luiz  Thomé  de  Miranda,  fez  uma  espécie  de 


204 


caricatura    da   entrada  de  minha  avó  e  do  seu  compa- 
nheiro, a  qual  muito  sinto  ter  perdido. 

«Tcndo-nos  dito  nossa  avó  o  que  desejava  para  os 
annos  de  sua  filha,  e  os  convites  que  dcviamos  fazer  em 
Lisboa,  e  os  creados  que  lhe  devia  mandar  para  a  pro- 
jectada festa,  partimos  para  Cacilhas,  tendo  primeiro  ar- 
ranjado um  carro  armado  para  conduzir  nossa  avó  e 
Mr.  Cherulicm.w 


CAPITULO   XIV 

Copia  de  mais  algumas  paginas  das  citadas  Memorias  inéditas, 
também  interessantes  para  a  historia  da  Marqueza  d'Alorna. 
Organisação  da  Sociedade  da  Rosa,  e  graves  consequências 
que  esta  associação  teve,  especialmente  para  a  famosa  Al- 
cipe. 

Extrahída  da  Parte  1."*  das  Memorias,  vamos  apresentar 
uma  notável  communicação,  que  serve  para  aquilatar  a 
organisação,  por  muitos  títulos  distincta,  da  admirável 
Marqueza  d'Alorna,  e  que  explica  o  seu  degredo  de  doze 
annos  em  Inglaterra. 

"Minha  avó  odiou  toda  a  sua  vida  as  sociedades  ma- 
çónicas, e  detestou  os  jacobinos,  porque  tinha  sempre 
presente  á  imaginação  as  scenas  de  horror  que  presen- 
ciara em  Paris  e  Marselha,  onde  esteve  na  época  do  ter- 
ror da  Revolução  franceza.  Daqui  resultou  que  ella  ti- 
vesse o  pensamento  dbrganisar  uma  Associação,  que 
intitulou  a  Sociedade  da  Rosa,  com  o  fim  de  combater  as 
ideias  daquella  Revolução,  e  as  sociedades  secretas. 

«Apesar  dos  esforços  empregados  por  meu  pae  para 
affastar  minha  avó  do  seu  intento,  a  Associação  progre- 
diu, e  muitas  pessoas  nella  se  filiaram  entre  ellas  o  fa- 
moso poeta  Bocage,  fazendo-se  as  primeiras  reuniões  em 
minha  casa  em  Bemfica. 

"Nestas  reuniões,  que  tanto  cuidado  davam  á  policia 


onA 


tratdVti-sc  menos  de  politica  e  mais  de  litteratura  e  artes; 
pcissavam-se  cilas  cm  improvisos,  c  em  musica,  arte  em 
(juc  minha  mâe  c  tias  eram  eximias;  e  cm  uma  cxplen- 
dida  merenda,  dada  por  meu  pac,  contra  sua  vontade, 
apesar  de  estimar  e  amar  a  sociedade,  mas  com  j^rande 
applauso  de  minha  nic^ie,  que,  filha  de  poeta,  e  também 
poeta,  muito  se  divertia  nestas  reuniões. 

«Meu  bisavô,  o  Marquez  dAlorna,  que  ainda  vivia, 
e  a  quem  desoito  annos  de  priscio  nos  scijrcdos  do  forte 
da  luncjueira  tinham  tornado  prudente,  préi^ava  contra 
taes  reuniões,  mas  nada  conscs^uia. 

«Tristes  reuniões  foram  ellas,  com  effeito.  porque  cus- 
taram a  minha  avó  doze  annos  de  dcs^redos  em  paizes 
estransífeiros ;  a  meu  tio.  o  terceiro  Marquez  d'Alorna,  um 
sem  numero  de  pezares,  e  por  fim  a  morte,  e  á  maior 
parte  dos  sócios  uma  série  de  desgostos. 

«A  sahida  de  minha  avó  dâ  capital  não  deixou  de 
ter  a  sua  parte  cómica.  Km  uma  bella  noite  de  verào. 
chetjíando  de  Bemfica  á  sua  casa  á  \^oc\  Morte,  achou  a 
casa  cercada  de  avjentes  de  policia,  e  de  uma  força  de 
cavallaria  da  Guarda  Real  de  policia,  estando  os  seus 
cjuartos  occupados  militarmente,  e  o  Intendente  Geral  da 
policia,  Manique,  esperando-a  para  a  intimar  a  sair  de 
Lisboa  em  '■24  horas,  e  para  se  apoderar  de  todos  os  seus 
papeis. 

«Cumpriu  a  ordem,  apoeierando-se  de  todos  os  ma- 
nuscriptos.  c|ue  mais  tarde  minha  avó.  a  muito  custo,  poude 
recuperar.  Hram  elles  os  poemas,  que  depois  se  imprimi- 
ram,  e  ciue  tanta  honra  fazem  á  litteratura   portu^iueza. 

«O  activo  Intendente  d,^  policia  examinou  todos  os 
cantos  da  casa,  e  encontrando  no  quarto  de  cama  de 
minha  avó  um  movei,  que  muitas  apprehensòes  lhe  deu, 
apesar  de  o  examinar  com  todo  o  escrúpulo,  exclamou : 
—  snr."  Condessa,  temos  ali  uma  maquina  !  —  Minha  avó.  sem 
lhe  dar  outra  explica(;ão.  respondeu-lhe :  Snr.  Intendente, 


207 


eu  nunca  menti,  e  por  isso  lhe  digo  que  é  exacto  —  ha  ali  ama 
maquina.  —  O  Intendente  apodéra-se  com  enthusiasmo  do 
movei,  persuadido  de  que  levava  o  corpo  de  delicto  da 
Associação,  manda-o  com  toda  a  cautella  para  a  Inten- 
dência, a  fim  de  ser  examinado  por  peritos,  e  corre  a 
QueluE  para  informar  S.  A.  de  que  a  diligencia  estava 
ultimada  com  o  melhor  êxito.  Chegando  a  Intendência 
pede  o  auto  d  exame  da  fatal  maquina,  e  acha-se  com 
a  descripção  d' uma  tripeça  ingleza,  com  as  suas  duas  bombas  !! 

"Entre  os  papeis  aprehendidos  estavam  os  estatutos 
da  Sociedade  da  Rosa,  e  sobre  elles  foi  mandado  ouvir  o 
bem  conhecido  Dezembargador  do  Paço  «Castello»,  o 
qual  respondeu :  que  pela  extravagância  eram  elles  mais  obra 
de  poeta  do  que  de  conspiradores. 

"Minha  avó  partiu  para  Aldeia  Galleoa,  escoltada 
por  uma  força  da  Guarda  Real  da  Polícia,  com  seu  filho, 
o  :Conde  \odiO  d'OeYnhausen,  que  tinha  nove  annos,  e 
continuou  a  sua  viagem  para  Madrid. 

"Poucos  mezes  depois  de  estar  em  Madrid  foi  inti- 
mada para  sair  dali,  a  exigências  do  Embaixador  de 
França,  vendo-se  obrigada  a  partir  para  a  Corunha,  por 
não  poder  voltar  ao  seu  paiz,  e  porque  o  Embaixador 
lhe  negara  passaportes  para  Paris. 

"Na  Corunha  encontrou  um  antigo  amigo,  o  capitão 
de  mar  e  guerra  Lord  Bcauclerb,  que  commandava  uma 
náu  ingleza,  e  acceitando  o  offerecimento  que  elle  lhe 
fez  de  a  transportar  para  Inglaterra,  foi  para  Plvmouth, 
e  residiu  em  Inglaterra  até  á  paz  geral  em  1815. 

«Foi  aquelle  mesmo  Lord  Beauclerb,  que  comman- 
dando  em  182S.  como  Almirante,  a  estação  naval  ingle- 
za, surta  no  Tejo,  me  recebeu  a  bordo  da  sua  náu  almi- 
rante com  minha  mulher  e  filha,  quando  fui  obrigado  a 
emigrar  para  escapar  a  perseguição  do  governo  do  Usur- 
pador. Coincidência  célebre,  que  não  quiz  deixar  de 
notar  aqui.» 


CAPITULO   XV 

Narrativa  de  uma  extraordinária  resolução  da  Marqueza  d'Alor- 
na,  que  teve  bem  tristes  resultados  para  a  insigne  escriptora. 
—  O  binóculo  de  Alcipe. 

A  narrativa  que  passamos  a  transcrever  textualmente 
da  Parte  l.a  das  Memorias  inéditas  do  Marquez  de  Fron- 
teira, sobre  ser  verdadeiramente  extraordinária,  dá-nos 
uma  elucidativa  demonstração  de  quanto  era  original  a 
douta  Marqueza  d'Alorna  nas  suas  resoluções,  que  a  le- 
varam por  vezes  a  praticar  actos  phantasiosos,  e  que  pro- 
vocavam consequências  oraves;  mas  que  não  deviam  ser 
imprevistas,  se  tivessem  sido  devidamente   consideradas. 

Recordemos  que  a  Marqueza  d'Alorna,  estando  des- 
terrada em  Inoiaterra,  não  devendo  ter  duvida  de  que 
não  lhe  seria  permittido  levar  seus  netos  para  aquelle 
paiz,  como  lhe  tinha  sido  officialmente  communicado, 
encarregava  os  capitães  dos  paquetes,  que  vinham  a 
Lisboa,  da  commissão  de  ir  buscar  os  netos  a  Bemfica  e 
de  lhos  levar  nos  seus  navios. 

«Um  dia  appareceu  cm  Bemfica  um  d  estes  capitães» 
portador  de  uma  carta  para  o  Marquez  de  Fronteira,  em 
que  sua  avó  lhe  dizia:  *Mru  neto.  Parto  pelo  primeiro  pa- 
quete com  Luiza  para  Bemfica,  prepare- me  quartos.  O  resto  da 
familia  fica  em  Londres.*  Todos  os  meus  parentes  tiveram 
conhecimento  desta  carta,  e  entenderam  que  minha 
avó  tinha   sido  amnistiada  ;  mas   falando  n'isto  aos  Oo- 

14 


210 


vcrnadores  do   Reino,  cllcs   nada    sabiam  a  tal  respeito. 

"Nenhum  de  nós  tinha  a  fortuna  de  conhecer  esta 
avó.  Tinha  sido  minha  madrinha  de  baptismo,  havia  as- 
sistido ^o  baptisado  de  meu  irmt^o,  mas  tinha  sahido  de 
Lisboa  antes  óo  nascimento  de  minha  irmi.  Pode  sup- 
por-se  com  que  alvoroço  esperávamos  a  sua  checada ! 
Kra  só  a  voz  da  natureza  que  em  nós  falava. 

"O  alviçaieiro  de  Buenos  Ayres  veiu  a  todo  o  )2alop)e  a 
Bemfica,  annunciar-nos  que  o  pacjuete  estava  á  vista.  Os 
aiviçareiros  eram  naquclle  tempo  homens  muito  impor- 
tantes, e  i^anhavam  muito  tliiiheiro.  Corremos  loijo  para 
a  Junqueira  a  casa  dos  Condes  da  Ribeira :  mas  antes  de 
lá  cheirarmos  fomos  prevenidos  de  que  nossa  avó  des- 
embarcava nas  escadinhas  do  Conde  da  Ponte,  a  Santo 
Amaro,  aonde  morava  o  Conde  d'Alva.  escadinhas  cé- 
lebres para  a  minha  familia  ;  porque  por  ellas  sahiram 
para  Prança,  os  meus  parentes  Marquez  d'Alorna  e  Con- 
des da  Eça,  para  Ins^laterra.  minha  mãe  e  minhas  tias, 
e  por  ali  desembarcava  minha  avó  e  sahiu  48  horas  de- 
pois para  Inv^laterra,  obrii^ada  pelo  Governo. 

"Na  quinta  do  Conde  áà  Ponte  encontramos  as  nos- 
sas avó  e  tia  D.  Luiza.  acompanhada  da  nossa  tia  D. 
Leonor  da  Camará,  da  Condessa  d.AIva  e  do  seu  velho 
capell^o,  o  Abbade  D.  Sucaro,  italiano  c  do  bem  conhe- 
cido poeta  Talassi,  amis^o  intimo  de  minha  avó.  e  que 
sabendo  da  sua  ches^ada,  correra  ao  seu  encontro.  Nós 
Íamos  com  o  Abbade.  e  o  Padre  Allen.  c  assim  que  as 
vimos  corremos  a  abraçar  nossa  tia  Luiza.  de  quem  tí- 
nhamos immensas  saudades,  porque  era  a  nossa  predi- 
lecta. Hstava  com  minha  irmi^  ao  collo.  e  lavada  em 
lagrimas  [■)elo  j^oslo  de  nos  ver. 

"A  primeira  entrevista  com  minha  avó  fez-me  ijrande 
impressão.  Hlla  parecia  que  nío  cheirava  duma  viagem, 
listava  assentada  em  um  banco  de  pedra,  nxieada  das 
pessoas  que  mencionei,  e  lendo  a  Talassi  uma  traducçAo 


211 


que  fizera  de  Metastasio.  Recebeu-nos  com  affeíção,  mos- 
trando prazer  em  nos  ver,  e  recebeu  os  nossos  mestres 
com  urbanidade. 

"Em  consequência  de  estar  cançada,  quíz  jantar  em 
casa  do  Conde  da  Ribeira,  aonde  foram  abraçal-a  todas 
as  suas  antigas  amigas,  perguntando-lhe  com  o  maior 
interesse  se  tinha  licença  d'El-Rei  para  residir  em  Portu- 
gal, ão  que  ella  respondia :  —  o  documento  está  no  saco  — , 
mas  sem  o  mostrar. 

"Durante  o  jantar  fallou  em  tudo,  menos  nos  seus 
negócios.  Fez-nos  aos  três  netos  um  exame  vago  sobre 
theatro  francez,  de  que  nada  sabiamos,  e  argumentou 
com  os  nossos  mestres,  que  ficaram  admirados  do  seu 
talento  e  saber;  fazendo  também  improvisar  em  italiano 
o  velho  Talassi. 

"Minhas  tias,  D.  Luiza  e  D.  Leonor,  estavam  muito 
inquietas,  porque  sabiam  que  minha  avó  não  só  não 
tinha  documento  algum,  que  lhe  permittisse  residir  em 
Portugal;  mas  nem  passaporte  trazia  do  nosso  Embaixa- 
dor, pois  que  vinha  com  um  do  Ministro  do  Hanover. 

«Depois  de  jantar  fomos  todos  na  mesma  carruagem 
para  Bemfica,  aonde  minha  avó  encontrou  o  nosso  aquar- 
telado o  Capitão  Pedro  Lopes  de  Calheiros,  a  quem  conhe- 
cia do  Porto  e  Minho,  e  a  quem  pediu  que  fosse  a  Lis- 
boa, visto  estar  muito  relacionado  com  os  Governadores 
do  Reino,  sondar  o  que  se  dizia  da  sua  chegada,  dizen- 
do-lhe  que  isto  era  simples  curiosidade  da  sua  parte, 
porque  ella  tinha  todo  o  direito  para  ficar  em  Portugal, 
e  ninguém  a  podia  mandar  sahir. 

«Pedro  Lopes,  regressando  da  sua  commissão,  disse- 
Ihe  que,  se  não  tinha  documento  por  onde  mostrasse 
estar  amnistiada,  o  Governo  a  mandaria  sahir  do  Reino, 
ao  que  respondeu  que  tinha  um  documento  qije  apresen- 
taria quando  fosse  intimada.  Ficaram  todos  em  casa  acre- 
ditando que  tinha  algum  decreto  d'El-Rei  amnistiando-a- 


212 


•No  dia  sci^iiíntc.  depois  da  missa,  estando  nós  a  al- 
moçar, annunciou-sc  o  Corregedor  do  bairro  de  BeUm.  O 
Abbade  voltou-se  para  minha  avó  e  disse-lhe :  "temos 
historia,,,  âo  que  cila  sorrindo-se  respondeu  como  p)0<5ta, 
cjue  divaija  sempre  nos  espaços  imaijinarios:  *nada  é 
mais  natural  -.  estamos  no  bairro  de  Bclem.  e  o  Correge- 
dor, sabendo  que  eu  ctiei^uei.  vem  visitar-me.» 

"l.evaniando-se  L\di  meza.  e  passando  d  sala  houve 
acjui  uma  perfeita  comedia.  O  Corrcijedor  era  um  antigo 
magistrado  muito  civil,  e  trazia  ordem  positiva  de  intimar 
minha  avó  para  sahir  do  Reino,  quando  n3o  tivesse  um 
decreto  d'Kl-Pei  amnistiando-a ;  mas  minha  avó  empe- 
nhava-se  em  impedir  a  intimação.  Principiou  agradecen- 
do-lhe  a  polidez  da  sua  visita,  apresentou-ihe  os  netos  e 
todas  as  pessoas  presentes,  fez-lhe  um  exame  vago  sobre 
c^s  melhoramentos  áo  palácio  d'Ajuda,  repetiu-lhe  uma 
quantidade  de  sonetos  e  odes  aos  nossos  feitos  nas  cam- 
panhas peninsulares,  e  sempre  que  o  pobre  Corregedor 
queria  cumprir  a  sua  missão  era  interrompido,  até  que 
por  fim,  reconhecendo  a  mangação.  tomou  o  seu  logar 
e  disse:  "Senhora  Condessa,  eu  agora  fallo  aqui  em 
nome  de  Sua  Magestade... 

«O  Corregedor  disse-lhe  •'que  sabia  que  ella  não 
trazia  passaportes  legaes,  mas  que  precisava  saber  se 
tinha  algum  Decreto  do  Príncipe  Regente.»  Minha  avó 
apresentou,  com  grande  importância,  uma  carta  do  Car- 
deal Callepi.  Núncio  no  Rio  de  laneiro.  em  que  elle  lhe 
dizia  conslar-lhe  (jue  Sua  Magestade  dentro  em  pouco 
lho  mandaria  licença  para  voltar  á  pátria. 

"O  Corregedor  ciuiz  cjue  minha  avó  assignasse  a  in- 
timação para  sahir  <So  Reino,  mas  ella  recusou,  e  fazendo 
uma  mesura,  disse-lhe  «Passe  muito  bem». 

"Minha*  avó  foi  prevenida  de  que  o  Corregedor  vol- 
taria, acompanhado  de  força  para  fazer  cuinprir  a  inti- 
mação,   c    então    roso!voii-sc   a    partir  para  a  lunqueira. 


213 


dizendo  que  receava  que  a  assassinassem.  Pediu  a  Pedro 
Lopes  Calheiros  que  a  acompanhasse  na  mesma  carrua- 
gem, levando  a  sua  espada  e  pistolas,  e  quiz  que  os 
creados  da  carruagem  fossem  armados,  ão  que  João 
Evangelista  annuiu  pafa  a  tranquilísar. 

«A's  duas  horas  dà  noite  minha  avó,  descendo  as 
mesmas  escadas  por  onde  tinha  subido,  embarcou  para 
Inglaterra  no  mesmo  paquete  em  que  viera. 

«Foi  naquellas  escadas  que  eu  e  meu  irmão  abraça- 
mos pela  ultima  vez  nossa  tia  Luiza,  que  apenas  tinha 
20  annos,  e  era  tão  boa  como  bella.» 


O  binóculo  de  Aicipe 

A  bella  Marqueza  d'Alorna  apreciava  muito  um  binó- 
culo, seu  companheiro  constante,  de  que  apresentamos  a 
photo-gravura.  e  que  passamos  a  descrever  resumida- 
mente : 

«O  binóculo  é  montado  em  madrepérola,  assente  sobre 
quatro  anneis  de  bronze  dourados,  artisticamente  traba- 
lhados. 

«As  lentes  são  magnificas,  e  conservam-se  em  muito 
bom  estado. 

«Embora  não  tenha  nome  de  autor,  o  binóculo  parece 
ser  de  fabricação  franceza,  porque  nas  oculares  se  lê : 
«Prt/-  brevef  d'invention  et  de  perfection». 

«O  binóculo,  apoia-se  sobre  uma  haste  de  madrepé- 
rola, que  facilita  o  uso  ào  instrumento. 

Alem  desta  verdadeira  preciosidade  possue  também 
a  sr.a  Marqueza  d'Avila  c  de  Bolama  o  saco  da  sua  bis- 
avó, que  é  também  terminado  por  um  fecho  de  bronze 
dourado,  de  alto  valor  artístico, 


CAPITULO     XVI 

O  doloroso  golpe  do  fallecimento  do  Conde  João  de  Oeynhau- 
sen,  seu  filho,  levou  a  Condessa  de  Oeynhausen  — Alcipe  — 
a  ir  residir  na  pequena  mas  elegante  casa  em  Buenos-Ayres, 
Onde  elle  tinha  vivido,  e  onde  morreu;  e  determinou  lam- 
bem a  sua  mudança,  pouco  tempo  depois,  para  uma  casa  na 
•  rua  do  Alecrim.  Frequentadores  d'esta  casa.  Ali  se  hospe- 
dou o  eminente  sábio  José  Corrêa  da  Serra,  aquém  se  deve 
a  fundação  da  Academia  Real  das  Sciencias,  auxiliado  pelo 
segundo  Duque  de  Lafões.  Breves  noticias  a  respeito  de 
Corrêa  da  Serra  e  do  segundo  Duque  de  Lafões. 

Continuando  a  soccorrer-nos  ás  muito  interessantes 
paginas,  que  constituem  o  volume  das  Memorias  inéditas 
que  vimos  citando,  podemos  dizer  que  a  Condessa  de 
Oeynhausen,  tendo  padecido  o  muito  profundo  golpe  do 
fallecimento  de  seu  filho,  o  malogrado  e  brilhante  Te- 
nente Coronel  Conde  de  Oeynhausen,  deixou  o  bello 
palácio  do  Lavra  e  foi  installar-se  na  pequena  mas  linda 
casa,  em  Buenos  Ayres,  em  que  havia  residido  e  falle- 
cido  seu  filho. '  Tornando-se-lhe  porem  a  casa  mais 
triste  e  melancólica,  porque  nella  só  encontrava  recor- 
dações que  a  affligiam,  sahiu  dali  para  outra  casa  na 
Rua  do  Alecrim,  onde  reunia  um  grande  numero  de  De- 


'  Nesta  casa  habitou  depois  o  Conde  de  Toial. 


piiUulos  c  homens  políticos  ciaijuclla  cpocd ;  Manuel 
Clonçdives  de  Miranda,  Ministro  li.i  ^niorra.  era  um  dos 
seus  primeiros  amijjos. 

Síio  deveras  curiosas  e  elucidativas  as  noticias  que 
vamos  apresentar,  de  um  dos  periodos  da  accidentada 
vida  dc\  muito  erudita  e  afamada  Marqueza  d'Alorna. 
noticias  transcriptas  das  citadas  Memorias,  e  que  provam 
á  evidencia,  que  o  seu  talento  extraordinário  e  vastíssi- 
mos conhecimentos,  levavam  a  imaçinaÇc^o  de  Alcipe  a 
um  desassocei^o,  que  n^o  era  compativel  com  qualquer 
descanço. 

"As  salas  áa  casa  da  rua  do  Alecrim  nc^^o  eram  i^ran- 
dcs,  e  muitas  vezes  ncío  se  cabia  nellas.  Os  Deputados 
nâo  iam  ali  discutir  politica,  e  só  admirar  a  poetisa  e  o 
seu  espirito.  As  suas  obras  liam-se  a  miúdo  e  eram  escu- 
tadas cm  silencio  e  muito  applaudidas. 

"Minha  avó  era  viuva  í\q  um  verdadeiro  militar  e 
d  um  General  distincto,  e  uma  parte  da  sua  vida  tinha 
visto  seu  marido  rodeado  d'um  numeroso  Rstado  Maior. 
Klla  também  sempre  quiz  ter  o  seu.  mas  muitas  vezes  os 
seus  Ajudantes  de  Campo  n^o  possuíam  as  melhores 
qualidades,  e  foi  por  elles  trahida ;  naquella  época,  tinha 
porem  um,  Padre  Luiz  Mendes,  excellente  homem.  que. 
apesar  de  ser  capcllc^o  áci  casa  de  senhoras  ijrandes  abso- 
lutistas, era  liberal,  instruído  e  franco;  mas  duma  rustici- 
dade  pouco  commum,  e  çrande  admirador  de  minha  il- 
lustre  avó.  Hra  correspondente  c  amivjo  áA  maior  parte 
dos  Deputados  do  Norte  tie  Portuijal,  e  apresentava-os 
ás  dúzias  na  residência  de  minha  boa  parente. 

«Minha  avó  Uc^io  svmpathisava  com  a  constituição  de 
vinte,  mas  tinha  um  medo  terrível  áò,  reacção.  Vinte  annos 
de  perseviuiÇt^o  pelo  vioverno  absoluto,  faziam  com  que 
ella  se  ni^o  podc^se  conformar  com  a  volta  daquelle 
systema. 

«llin    dl-  seus   primeiros  amiijos,  e  que  também  fora 


217 


seu  companheiro  nas  perseguições,  desde  o  principio  do 
século,  poude  voltar  á  pátria  no  seu  ultimo  quartel  da 
vida.  O  Abbade  Corrêa  da  Serra,  que  se  evadira  de  Por- 
tugal por  causa  da  perseguição  que  lhe  fizera  a  Inquisi- 
ção e  a  Policia,  havia  residido  em  Paris  por  longo  tem- 
po, até  que  o  seu  particular  amigo  Araújo,  Conde  da 
Barca,  subindo  ao  poder,  conseguiu  que  elle  fosse  no- 
meado Ministro  Plenipotenciário  junto  ao  Presidente  dos 
Estados  Unidos,  e  voltara  á  Pátria  para  occupar  um  lo- 
gar  na  assembléa  legislativa,  por  ter  sido  eleito  Depu- 
tado. 

«Tinha  sido  companheiro  de  minha  avó  em  varias 
viagens,  e  passado  com  ella  em  Marselha  na  época  do 
terror,  época  que  surprehendeu  minha  avó  naquella  bella 
cidade,  quando  estava  para  se  embarcar  para  Lisboa,  e 
que  impediu  que  d'ali  sahísse  por  muitos  mezes. 

«O  Abbade  era  uma  verdadeira  múmia ;  vinha  aca- 
bar os  seus  dias  á  Pátria.  Tinha  a  côr  macilenta,  a  voz 
quasi  extincta,  e  uma  notável  magreza,  mas  os  olhos 
muito  vivos  denunciavam  o  seu  grande  espirito  e  talen- 
to; não  percebia  a  sociedade  moderna,  nem  compre- 
hendia  nada  do  que  se  passava.  Foi  muito  bem  recebido. 
e  foi  uma  nova  curiosidade  para  os  Deputados  o  ir  ver 
o  Abbade,  que  tinha  ido  habitar  em  casa  de  minha  avó. 

"A  sua  toiktte  era  a  dum  cavalheiro  americano,  e 
nada  tinha  de  ecclesiastica ;  mas  conhecendo  a  inconve- 
niência d  aquella  toilette  para  Portugal,  como  homem  sen- 
sato que  era,  adoptou  o  seu  antigo  vestuário  de  Abbade, 
e  vestiu  a  sua  batina,  ajudado  pelo  Padre  Luiz  Mendes, 
que  minha  avó  encarregou  dos  necessários  arranjos. 

"A  primeira  vez  que  foi  á  Camará,  veiu  de  lá  com- 
pletamente desorientado.  Foi  então  que  pela  primeira  vez 
leu  a  Constituição,  e  pelo  que  ouviu  na  discussão  e  leu, 
concluiu  dizendo  que  estávamos  mais  democratas  do 
que  nos  Estados  Unidos,  c  que  instituições  republicanas 


01  Q 


cm  unw  Monarchia  eram  uma  experiência  muito  arriscada, 
e  que  lhe  parecia  que  a  reappariçâo  do  absolutismo  era 
infallivcl.  Nâo  occultou  estas  suas  ideias  aos  Deputados 
iiuo  frequenlavam  3  sociedade  de  minha  avó.» 


O  eminente  escriptor  A.  A.  Teixeira  de  Vasconcellos. 
no  Tomo  I  do  sou  notável  livro  «Glorias  portuijuezas». 
detlica  o  Capitulo  II  a  |osc  Corrêa  dú  Serra;  e  tratando 
da  vida  d'este  notabillissimo  sábio  de  muito  alta  enver- 
gadura, apresenta-o  nos  sesjuintes  termos: 

"\osé  Prancisco  Corrêa  da  Serra,  Clerisjo  do  habito 
de  S.  Pedro,  do  Conselho  de  Sua  Mai^estade,  Fidali^o  Ca- 
valleiro  da  Sua  Peai  Casa,  Conselheiro  de  Lei^açáo.  e 
Assente  diplomático  em  Londres,  Ministro  Pleni[X)tenciario 
iunto  ao  Governo  dos  f:stados  Unidos.  Cavalleiro  da 
Ordem  de  Christo  e  Commendador  da  ConceiçOio,  Con- 
selheiro da  Fazenda,  Deputado  ás  Cortes  de  1822,  Dou- 
tor em  direito  cam-ínico  pela  Universidade  de  Roma. 
Sócio  fundador  e  Secretario  perpetuo  dà  Academia  Real 
das  Sclencias  de  Lisboa,  Correspondente  do  Instituto  de 
Fran(;a.  di\  Sociedade  philomatica  de  Paris,  Sócio  da  Sc^- 
ciedade  Real  de  Londres,  das  Academias  de  Turim.  F-|o- 
rença.  fV^rdeus,  \Aào,  Marselha,  Lie^ie.  Sena.  Mantua  e 
Cortona,  das  Sociedades  Reaes  de  Agricultura  do  Pie- 
monte. dA  Toscana,  e  di.^  Luineana  de  Iníjlaterra,  dos  An- 
tiquários de  Londres,  e  d^^  Sociedade  Real  e  f:conomica 
de  Valença,  nasceu  no  dia  ó  de  iunho  de  1750  na  villa 
de  Serpa,  na  província  do  Alemtejo.  filho  legitimo  de 
Lui?  Dias  Corrêa.  í^acharel  formado  em  Medecina  pela 
Universiilado    de    Coimhiw   i-   lie  D    Trancisca  Lui?a  da 


219 


Serra.  Desde  os  seus  primeiros  annos  manifestou  tama- 
nhos índicios  de  engenho  e  de  agudeza,  que  seus  pães 
determinaram  empregar  todos  os  esforços  para  que  a  sua 
educação  litteraria  fosse  proporcionada  a  tão  precoce  e 
espantosa  capacidade.  Com  effeito,  em  1756  passou  seu 
pae  a  Roma,  levando  comsigo  toda  a  familia,  deixando 
apenas  o  filho  mais  moço,  talvez  em  companhia  do  avô, 
que  sabemos  era  ainda  vivo  por  esses  tempos.  José  Cor- 
rêa da  Serra  começou  os  seus  estudos  naquella  cidade 
e,  tão  extraordinários  foram  os  seus  progressos,  que  na 
idade  de  quatorze  annos  imprimiu  a  sua  primeira  obra, 
consagrada  a  S.  losé,  em  obsequio  dos  sete  gozos  e  tris- 
tezas do  mesmo  Santo.» 

No  brilhante  artigo  de  que  vimos  extrahindo  esta  no- 
ticia, lê-se  que  a  Botânica,  as  Antiguidades  e  as  Línguas 
foram  então  o  principal  objecto  das  locubrações  iittera- 
rias  de  José  Corrêa  da  Serra,  tornando-se  tão  insigne  no 
conhecimento  das  Linguas,  que  lhe  eram  familiares  a 
franceza,  ingleza,  allemã,  árabe,  italiana,  latina,  hespa- 
nhola  e  portugueza. 

O  moço  estudante  juntava  a  maior  perseverança  e 
assiduidade  no  estudo  á  prodigiosa  aptidão  com  que  o 
dotara  a  Providencia,  vendo-se  por  vezes  seu  próprio 
pae  obrigado  a  intervir  para  que  interrompesse  o  traba- 
lho, com  receio  de  que  lhe  prejudicasse  a  saúde  tão  atu- 
rada applicação. 

O  erudito  Duque  de  Lafões,  D.  loão  Carlos  de  Bra- 
gança, viajava  por  esse  tempo  em  Itália,  em  cumprimento 
de  ordens  que  recebera  de  El-Rei  D.  losé;  encontrou-se 
ali  com  o  Dr.  Luiz  Dias  Corrêa,  com  quem  contrahíra 
intima  amisade  na  Universidade  de  Coimbra. 

Tendo  descoberto  no  moço  Corrêa  da  Serra  as  raras 
qualidades  e  disposições  littcrarias  de  que  era  dotado, 
pediu  ao  pae  que  lhe  permitisse  leval-o  comsigo  na  via- 
gem, que  durou  um  anno.  c  que  determinou  estreitas  rc- 


220 


IdÇòcs  ilc  iimizddc  entre  o  moço  cstudanle  e  o  Duque. 
reUiçòes  que  mincd  se  inlerronH>eram. ' 

I:m  hcirnionid  com  d  profissão  ccciesidstica  d  que 
tinha  sido  destiniido.  CorrOa  í\í\  Scrrd  ordenou-sc,  c  disse 
j  primeira  Miss<í  na  l>asiiica  de  S.  Pedro  de  l^oma,  cm 
1775. 

Avisou-o  seu  pac  no  anno  se^iuinte  para  que  voltasse 
para  Lisboa,  onde  pelo  Marquez  de  Pombal  lhe  estavd 
destinado  emprev;o  correspondente  ao  seu  muito  elevado 
merecimento;  tendo  sido  obrií^ado  a  fazer  d  vidçem  por 
terra,  só  entrou  em  Portui^al  a  29  de  Março  de  1777,  isto 
é,  (luando  pelo  fallccimento  d'l:l-I^ei  D.  |os<5  o  Marquez 
de  Pombal  lieixára  de  ser  Ministro! 

Ntio  acompanharemos  Corrêa  da  Serra  nas  occorren- 


•  O  segundo  Duque  de  Lafões,  l>.  João  Carlos  de  Mr.ii;an.,-.i,  nas- 
cido em  1719,  c  fallccido  cm  1808,  depois  de  curiosas  peripécias  por 
ter  querido  csiudar  na  Universidade  de  Coimbra,  apesar  de  ser  sobri- 
nho de  I).  João  V,  por  ser  filho  de  D.  Miguel  de  Bragança,  filho  bas- 
tardo de  I>.  Pedro  II,  depois  do  fallecímento  de  D.  João  V,  por  causa 
de  uma  p.iixfio  amorosa  que  desagradou  a  El-Rei  D.  José,  foi  por  este 
Soberano  mondado  viajar  pela  Furopa.  A  viagem  durou  37  annos,  isto 
é,  até  á  morte  de  I).  José,  e  portanto  até  que  cessou  o  governo  do 
Marquez  de  Pombal,  que  lhe  n5o  era  affecto  por  temer  que,  na  sua 
qualidade  de  príncipe  de  sangue,  podesse  exercer  qualquer  influencia 
que  contrariasse  o  seu  poderio. 

Pela  sua  illusiração,  deveras  notável  em  pessoas  da  sua  calhego- 
ria,  e  pela  alta  distincçfio  com  que  se  houve  na  guerra  dos  Sete-annos, 
em  que  serviu  como  voluntário  sob  a  bandeira  «ustriaca,  adquiriu  a 
intimidade  do  Imperador  d'Ausiria,  José  H.  intimidade  de  que  nos  dá 
concludente  argumento  a  carta,  anteriormente  transcripia,  que  este 
Soberano  escreveu  .1  Marqueza  d'Alorna. 

Do  casamento  do  segundo  Duque  de  Lafões  com  D.  Henriqueta 
Júlia  de  Lorena  de  Menezes,  filha  dos  Marquezes  de  Mariah-n,  n.iv:e- 
rnm  três  filhos  ;  um  varão  que  recebeu  o  titulo  de  Duque  de  Miranda, 
e  fallcceu  de  6  nnnos.  e  duas  meninas,  uma  que  herdou  o  titulo  de 
Duqueza  de  Laíóes,  c  outra  qne  foi  Duqueta  de  Cadaval 


221 


cias  que  se  seguiram  a  este  revez,  até  que  pelo  regresso 
a  Lisboa  do  Duque  de  Lafões,  em  janeiro  de  1779,  foi 
viver  na  companhia  daquelle  Princípe,  seu  fiel  amigo.  * 
Foi  no  retiro  do  palácio  do  Duque  de  Lafões,  e  sob  a 
benéfica  influencia  deste  benemérito  e  generoso  protec- 
tor das  letras  portuguezas.  que  o  muito  douto  lose'  Fran- 
cisco Corrêa  da  Serra  delineou  a  organísação  e  os  esta- 
tutos da  Academia  Real  das  Sciencias,  que  o  Duque  de 
Lafões  fez  im  mediata  mente  crear  por  Aviso  régio  de  24 
de  Dezembro  de  1779. 

Tendo  o  Visconde  de  Barbacena  resignado  o  cargo 
de  secretario  da  nova  Academia,  para  que  tinha  sido 
logo  nomeado,  assumiu  Corrêa  da  Serra  o  referido  car- 
go, que  bem  lhe  cabia,  porque  tinha  sido  o  creador 
d'aquelle  prestante  instituto. 

Os  relevantes  serviços  e  as  provas  de  gi»ande  compe- 
tência, que  prestara  ás  letras  no  seu  paiz,  não  o  isentaram 
de  ser  envolvido  em  baixas  intrigas,  que  o  obrigaram  a 
afastar-se  da  pátria  ingrata,  exilando-se  para  Londres, 
de  onde  seguiu  para  Paris,  tendo  sido.  quer  em  Inglaterra, 
quer  em  França,  acolhido  enthusiasticamente  no  seio  das 
sociedades  scientificas  e  litterarias,  devendo  entre  estas 
especialisar-se  o  Instituto  de  França,  que  lhe  fez  a  grande 
distincção  de  o  admittir  no  numero  dos  seus  sócios  cor- 
respondentes. 

Condições  especiaes  da  sua  vida,  e  talvez  o  seu  amor 
das  viagens,  levara m-n'o  aos  Fstados  Unidos,  onde  se 
fixou  em  Philadelphia.  sendo  ali  obrigado,  por  falta  de 
recursos,  a  abrir  uma  aula  de  Botânica  para  grangear 
meios  de  subsistência. 

Nos  Estados  Unidos  foi  nomeado  pela  Corte  portu- 
gueza,   então   estabelecida    no  Rio  de  janeiro,  Ministro 


'  A  residência  dos  Duques  de  Lafões  era  no  palácio  ao  Grillo. 


222 


Plenipotenciário  junto  do  Governo  da  ^rdnde  Federação 
anicricdnd;  c  n'csta  qualidade  prestou  serviços,  que  foram 
superiormente  considerados. 

De^x^is  de  muito  lanjas  jx^rei^rinaçôes,  Corroa  da  Serra 
resolveu  rei^ressar  Á  pátria,  onde  checou  em  1821.  I:m 
iJsboa  retomou  o  seu  lui^ar  de  secretario  da  Academia 
Peai  das  Sciencias,  e  abriu  a  sessão  publica  de  24  de 
Junho  de  1822  com  um  mai^nifico  discurso,  que  Vicnu 
assiiijnalado  nos  annaes  da  Academia. 


Fomos  levados  a  estas  informações  sobre  o  erudilis- 
simo  losé  IVancisco  Corroa  da  Serra,  pelas  noticias  que 
a  seu  respeito  transcrevemos  das  Memorias  inéditas  do 
Marquez  de  Fronteira. 

As  relaçõKís  litterarias  de  Corrêa  da  Serra  com  a  muito 
illustre  Marqueza  d'Alorna,  sío  mais  um  valioso  ariju- 
niento  cm  favor  do  famoso  cns^cnho  c  prodis^iioso  talento 
tia  afamada  Alcipe. 

Pouco  ijosou  l\cí  tranquillidade  do  seu  regresso  á  pá- 
tria o  muito  douto  Corrêa  da  Serra,  pois  a  1 1  de  setem- 
bro de  1S23  falleceu  nas  Caldas  iSa.  Rainha,  victima  da 
acç3o  de  uma  diabete,  que  de  lonije  o  vinha  enfermando. 

O  leitor,  que  deseje  conhecer  o  que  foi  a  alta  indivi- 
(.iualiciade  scientifica.  que  se  chamou  |ost5  Francisco  Cor- 
rêa l\õ.  Serra,  encontra  pormenorisada  informaç<^o  no 
citado  e  brilhante  artiijo  de  Teixeira  de  Vasconcellos, 
no  Tomo  1  das  suas  "Glorias  portuijuezas»,  e  também  na 
admirável  noticia  c]ue  a  seu  respeito  se  lê  na  Fncvclo- 
pódia  Portuijueza  lllustratia 


Terceira  Marqiieza  de  Távora 


CAPITULO    XVII 

Os  retratos  da  terceira  Marqueza  de  Távora,  e  de  sua  filha,  a 
segunda  Marqueza  d'Alorna.  O  famoso  quadro  de  Pelle- 
grini,  representando  os  terceiros  Marquezes  d'Alorna  e  seus 
filhos.  O  fallecimento  do  General,  Conde  de  Oeynhausen. 
Versão,  em  portuguez  vernáculo,  dos  quatro  primeiros  cantos 
do  Oberon,  de  Wieland.  Descripção  do  quadro  "A  Solidão,,. 
Referencia  á  biographia  de  D.  Leonor  d'Almeida,  Mar- 
queza d'Alorna,  extraída  do  notável  livro  de  Teixeira  de 
Vasconcellos  "Glorias  portuguezas». 

No  palácio  Fronteira,  em  S.  Domingos  de  Bemfica, 
existe  um  retrato  da  terceira  Marqueza  de  Távora,  D. 
Leonor  de  Távora,  que  aos  58  annos,  edade  em  que  foi 
supplíciada,  era  ainda  uma  das  mais  formosas  damas  da 
Corte,  possuindo  soberbos  olhos  azues,  que  foram  sem- 
pre lindos,  e  que  eram  dotados  de  admirável  fulgor.  O 
busto  distinguia-se  pela  forma  esculptural,  e  o  conjuncto 
da  sua  encantadora  belleza  e  das  acções  heróicas,  que 
praticou  na  índia,  deixou  ali  a  mais  brilhante  recordação. 

A  estas  captivantes  condições  accresciam  os  dotes  do 
seu  espirito  excepcionalmente  culto,  que  tornavam  a  le- 
gendaria Marqueza  de  Távora,  uma  mulher  verdadeira- 
mente extraordinária. 

No  mesmo  palácio  encontra-se  também  uma  delicada 
e  artistica  miniatura  do  século  XVIII,  época  do  apogeu 
destas  deliciosas  pinturas,  e  que  é  o  retrato  da  filha  mais 


224 


nova  da  terceira  Marqucza  de  Távora,  que  se  chamava 
I).  I,ciMior  de  Lorena,  e  que  foi  secunda  Marqucza 
d'Alorna. 

Num  fundo  de  paizai^em  repousa,  sentada  cm  alti- 
tude cjue  denota  i^raça  e  simplicidade,  uma  joven  senhora 
de  feições  regulares,  admiravelmente  formosa,  cabellos 
castanhos  esparsos  sobre  os  hombros,  e  levemente  des- 
cahida  sobre  o  lado  esquerdo  a  entristecida  cabeça,  co- 
berta com  um  ijracioso  chaptío  de  palha,  enfeitado  de 
rendas  pretas. 

W-»  olhar  doce  ha  aquella  cxprcssãcí  de  bondade  e 
iniinita   tristesa,  que  parece    terem  sido   seus   attributos. 

A  suavidade  e  firmeza  de  tons  que  o  artista  conjugou 
nesta  composição,  fazem  da  bella  miniatura  um  encanto. 


Devemos  ainda  observar,  que  no  palácio  Fronteira, 
entre  os  preciosos  cjuadros  que  adornam  as  suas  salas, 
toma  losjar  excepcionalmente  levantado  a  tela  devida  ao 
famoso  Pellesjrini,  que  representa  o  General  terceiro  Mar- 
quez de  Alorna,  a  Marqueza  sua  mulher,  D.  Henriqueta  da 
Cunha,  primeira  filha  dos  sextos  Condes  de  S.  Vicente,  e 
seus  filhos  1).  \oC\o  dAlmeida  Portui^jal,  alferes  da  le^itio 
de  Alorna.  cjuc  nasceu  a  15  de  Aijosto  de  1796  e  morreu 
afov'ado  n'um  tanque  em  Borba  a '27  de  Setembro  de  1805. 
e  seu  seikíundo  filho  D.  Nivíuel.  também  alferes  lL^  mesma 
kviào.  tjue  nasceu  em  1797,  e  morreu  de  um  remetiio  tro- 
cado em  Aijosto  de  1806.  estando  a  tratar-se  de  uma  queda 
de  cavallo.  í'oi  pelo  fallecimento  destes  dois  meninos, 
tiue  a  senhora  1).  Leonor  d'.Almeida  Portuijal,  Condessa 
d'OeYnhausen.  herdou  a  Casa  de  Alorna  c  os  títulos  de 


Terceiros  Marquezes  d'Alorna  e  seus  filhos 


225 


quarta  Marqueza  d'Alorna  c  de  sexta  Condessa  de  As- 
sumar. 

A  bella  representação  do  General  terceiro  Marquez 
d'Alorna,  da  Marqueza  sua  mulher,  e  de  seus  dois  filhos, 
foi  feita,  como  dissemos,  pelo  hábil  pintor  italiano.  Do- 
mingos Pelle§rini,  na  tela  com  que,  durante  a  sua  estada 
em  Lisboa,  enriqueceu  a  vasta  e  valiosa  coUecção  de  re- 
tratos de  familia.  que  existe  no  palácio  Fronteira. 

Mede  este  quadro  2'^24  de  altura  e  1^82  de  largura, 
tendo  como  fundo  um  pequeno  trecho  do  Tejo,  em  que 
se  ostenta  majestoso,  de  vellas  enfunadas,  um  barco  de 
guerra. 

No  plano  principal,  em  attitude  de  descer  uma  esca- 
daria, o  Marquez,  conduzindo  pela  mão  um  dos  seus  fi- 
lhos, dá  o  braço  á  Marqueza,  que  por  sua  vez  conduz 
pela  mão  o  outro  filho. 

São  ricos  e  vistosos  os  trajes  do  General  D.  Pedro 
d'Almeida  Portugal,  apresentando-se  seus  filhos  D.  João 
e  D.  Miguel  com  uniformes  de  officiaes  da  Legião  d'Alor- 
na,  a  que,  apezar  de  creanças,  pertenciam  como  ante- 
riormente dissemos. 

A  Marqueza  veste  de  branco,  tendo  sobre  os  hombros 
um  chalé  vermelho,  e  por  único  enfeite,  no  penteado,  um 
rico  fio  de  pérolas,  que  também  lhe  adorna  o  formoso 
pescoço. 

E',  porem,  o  aspecto  accentuadamente  marcial  e  um 
tanto  altivo  do  Marquez,  e  a  feliz  expressão  das  cabeças 
do  grupo,  a  parte  notável  deste  artístico  trabalho,  que 
uma  grande  correcção  de  traços  c  harmonia  de  conjun- 
cto,  completam. 


i5 


220 


Para  a  historia  di\  Marcjiicza  cl'AIorna  oftcrcccm  in- 
discutivci  importância  as  considerações  que  vamos  apre- 
sentar : 

A  Condessa  d'OeYnhausen,  estando  em  Lisboa,  pa- 
deceu a  3  de  Março  de  1793  o  profundo  ijolpe  de  perder 
seu  marido,  o  Tenente  General  e  Inspector  Geral  de  In- 
fanteria,  Conde  d'OeYnhausen,  que  tinha  54  annos  de 
edade,  e  que  estava  nomeado  para  o  Governo  do  Al- 
i^arve. 

Hste  doloroso  j^olpe.  que  a  deixou  viuva,  sendo  ainda 
moça,  tendo  seis  filhos,  e  sem  bens  de  fortuna,  tinha  sido 
precedido  de  dois  funestos  acontecimentos,  que  muito 
dilaceraram  o  seu  coração :  os  fallecimentos  da  Mar- 
queza  d'Alorna.  sua  màe,  e  o  da  condessa  da  Ribeira 
Grande,  D.  Maria  d'Almeida  Portugal,  sua  irmã. 

A  dôr  cruciante,  cjue  lhe  causou  a  morte  de  seu  ma- 
rido, achou  lenitivo  no  cumprimento  das  suas  obriíjaçòes 
maternaes.  que  a  levaram  a  educar  primorosamente  suas 
filhas,  e  ainda  a  soccorrer  as  creanças  pobres  e  as  filhas 
dos  rendeiros  e  visínhos  das  suas  terras  d'Almeirim,  fa- 
vorecendo-as  com  os  parcos  meios,  que  estavam  ao  seu 
alcance,  para  que  aprendessem  a  ler,  a  coser,  e  os  mais 
trabalhos  próprios  do  seu  sexo  e  condiçc^o.  Para  animar 
as  suas  protes^idas  no  estudo,  compunha-lhes  cantisjas, 
que  n»5o  só  as  entretinham,  mas  que  lhes  forneciam  ensi- 
namento. Sesjuia  assim  o  mesmo  processo  que  usava  em 
beneficio  da  instrucç»^o  de  suas  filhas,  para  as  quaes  com- 
punha em  verso  lit^òes  di^  Historia  de  Portusjal. 

Devemos  também  notar  uma  curiosa  aposta,  que  fez 
a  Condessa  com  um  erudito  allemâo  chamado  Muller. 
ci^mpro!nettendo-se  a  traiiuzir  para  portuvíue?  vernáculo 


A  SOLIDÀO 
Quadro  pintado  pela  Marqueza  d'AIorna  (Alcipe) 


227 


qualquer  poema  allemão,  comprovandc .  assim  a  opulên- 
cia da  lingua  portugueza,  que  o  contendor  deprimia 
para  realçar  a  língua  allemã.  O  resultado  desta  aposta 
foi  a  versão  dos  quatro  primeiros  cantos  de  Oheron,  no- 
tável poema  de  Wieland. 

Cumpre  acrescentar  que,  durante  a  sua  estada  em 
Inglaterra,  Alcipe  passou  por  bem  fundos  desgostos.^entre 
os  quaes  avultam  a  separação  do  filho,  que  teve  de 
mandar  para  o  Rio  de  Janeiro,  onde  estava  foragida  a 
Corte  portugueza ;  a  morte  de  uma  filha,  e  a  deshonra 
que  muito  injustamente  enodoava  a  reputação  de  seu  ir- 
mão, o  brilhante  General  Marquez  d'Alorna.  A  Provi- 
dencia recompensou-a  porem,  dotando-a  de  um  talento 
tão  extraordinário  que  lhe  era  bálsamo  salutar  para  as 
suas  grandes  mágoas.  As  Recreações  botânicas,  a  versão 
da  Arte  Poética  de  Horácio,  e  os  seus  admiráveis  trabalhos 
para  reconstituir  a  verdade  sobre  o  procedimento  de  seu 
irmão,  e  conseguir  que  lhe  fosse  restituída  a  gloria  do 
seu  nome,  offuscada  pela  mais  falsificada  calumnia.  de- 
ram porem  larga  compensação  aos  seus  pezares. 

Observemos  também  que,  entre  as  variadas  prendas 
que  adornavam  Alcipe,  não  se  deve  deixar  de  apresen- 
tar a  da  pintura,  de  que  foi  distincta  cultora.  Os  seus 
trabalhos,  de  que  apenas  chegou  até  nós  o  quadro  "A 
Solidão,,,  cuja  composição  foi  como  dissemos,  inspirada 
pelo  sentimento  filial  de  obter  resposta  de  seu  Pae  ás 
numerosas  cartas  que  embalde  lhe  escrevia,  mereceram 
a  alta  distincção  de  ser  convidada  pelo  Príncipe  D.  João 
a  formular  o  plano  para  fazer  do  palácio  da  Ajuda,  que 
então  começara  a  edificar-se.  um  monumento  da  gloria 
portugueza,  por  meio  das  Bellas-Artes. 

A  Condessa  d'OeYnhausen  acceitou  a  commissão, 
apesar  de  ser  muito  vasta,  e  de  desempenho  deveras  dif- 
ficil.  Fizeram  porem  com  que  esta  ideia  patriótica  não 
tivesse   realisação   as   intrigas  do  Paço.  auxiliadas  pela 


228 


citiin,  c  aos  quacs  iic^o  foi  nv^riulavcl  que  tc^o  alta  em- 
presa fosse  commcttida  a  uma  Senhora,  que  era  aureo- 
lada pela  sua  famosa  reputaÇc^o  litteraria,  mas  que  nào 
tinha  ainda  adquirido  a  consideração  como  pintora,  de 
que  justamente  i^josou  mais  tarde. 

Devemos  também  consiijnar  aqui,  que  o  honroso  con- 
vite do  Principe  D.  loAo,  á  ò\c\mc\dã  e  douta  Alcipc,  foi 
motivado  pela  notável  circunstancia  que  passamos  a 
narrar : 

«Frequentava  a  casa  da  Condessa  o  pintor  italiano 
Foschini,  òo  qual.  para  recrear  a  sua  sociedade,  e  para 
instrucçc\o  e  exercicio  de  suas  filhas,  a  Condessa  dava 
pros^ranimas.  que  Foschini  executava  a  lápis.  Entre  ou- 
tros deu-lhe  "O  Sonho  de  D.  Manuel  1»,  imaginado  no 
canto  4.0  dos  Lusíadas,  c  com  elle  a  apotheosc  de  Ca- 
mões. Os  desenhos  de  Foschini.  que  eram  primorosos, 
foram  levados  (\o  Principe  D.  loão.  e  açradaram-lhe 
tanto,  bem  como  os  pensamentos  que  exprimiam,  que 
lhe  suv^s^eriram  a  ideia  de  encarrev^ar  a  Condessa  d'Oevn- 
hausen  áci  commissão.  que  «infelizmente  nào  executou,  e 
que  seria  decerto  um  monumento  nacional.» 

O  quadro  *A  Solidc^o»  foi  pintado  cm  Vienna  d'Aus- 
tria,  onde  a  Condessa  d'Oevnhausen  residia  com  seu  ma- 
rido, que  era  Ministro  Plenipotenciário  de  Portuyjal,  junto 
do  Imperador  d'Austria  José  II. 

Para  ser  devidamente  apreciada  a  photovíraviira  do 
ciuadro  "A  Solidão...  vamos  apresentar  á  consideração 
do  leitor  a  seguinte  resumida  descripção: 

Sobre  um  fundo  de  paizagem  um  pouco  sombria  de 
ceu  plúmbeo,  destaca-se  a  figura  dc\  gentil  e  joven  Con- 
dessa d"Oevnhausen,  sentada  sobre  um  fragmento  de 
musgosa  rocha.  n'uma  altitude  de  abandono  e  de  resi- 
gnada tristeza. 

-\  sua   formosa   cabeça  «.le  cabellos  castanhos,  quasi 


229 


louros,  descansa  sobre  a  mão  esquerda,  cujo  braço  vae 
apoíar-se  sobre  o  joelho;  o  outro  braço  cae  ao  longo 
do  corpo. 

Os  seus  grandes  e  bellos  olhos  parecem  fixar-se  com 
saudade  numa  visão  longínqua,  que  a  faz  sorrir  com 
amargura. 

Veste  á  moda  do  seu  tempo,  um  leve  casaquinho 
azul  sobre  um  vestido  côr  de  rosa  fanada,  e  aperta-lhe 
a  delicada  cintura  uma  fita  verde  escuro. 

Junto  a  si  tem  uma  frauta.  aos  pés  um  esquadro  e  um 
compasso,  e  mais  atraz  uma  estatueta,  símbolos  da  mu- 
zíca,  do  desenho  e  da  esculptura,  de  que  a  illustre  fidalga 
era  distincta  cultora. 

Já  pela  sua  bella  composição,  já  pela  magnifica  ex- 
pressão, este  quadro  exprime  bem  a  alegoria  da  solidão, 
que  a  autora,  a  própria  retratada,  quiz  e  conseguiu  re- 
presentar com  feliz  êxito. 


Dissemos,  no  Capitulo  VII,  que  o  primoroso  talento 
dã  Marqueza  d'Alorna  se  tinha  também  manifestado  na 
oratória  sagrada,  e  citámos  para  demonstrar  o  seu  me- 
recimento nesta  distincta  especialidade  o  sermão,  escrito 
cm  1774  por  D.  Leonor  d'Almeida  Portugal.  Este  sermão 
destinado  para  uma  festa  a  Santa  Luzia,  em  acção  de 
graças  pelo  restabelecimento  da  segunda  Marqueza  de 
Alorna,  sua  mãe,  tinha  por  thema 

"Inventa  aiitem  una  pietiosa  margarita,  abíit,  et  vendidit  oní- 
nia  qiiae  habiiit,  et  emit  eam.,, 

Achada  uma  pérola  preciosa,  vendeu  (o  mercador  de 
que  trata  o  Evangelho)  tudo  quanto  possuia.  e  com- 
prou-a. 

S.  Math.  c.  13  v.  4õ. 


230 


No  seu  nottivcl  livro  "Glorias  portuijuczas,,  o  emi- 
nente escriptor.  António  Auvíusto  Teixeira  de  Vascon- 
cellos.  cietiica  uni  capitulo  a  D.  Leonor  d'Almeida,  Mar- 
queza  d'Alorna,  Condessa  de  Assumar  e  de  Oeynhausen. 
Neste  primoroso  trabalho  diz  o  autor :  «que  entre  as  mu- 
lheres, que  no  século  18."  e  19.»  representaram  mais  fiel- 
mente o  sentimento  e  os  costumes  nacíonaes,  foi  a  prin- 
cipal I).  Leonor  de  Almeida,  Marqueza  d'Aloma,  a 
brilhante  poetiza  di\  velha  monarchia.  e  a  veneranda  fi- 
dali^a,  honra  da  corte  portuijueza  nos  primeiros  annos 
dã  dinastia  constitucional.  A'  senhora  por  tantos  títulos 
illustre.  cuja  ions^a  vida  abraniijeu  cinco  reinados,  dos 
mais  notáveis  pelas  successivas  transformações  politicas 
e  sociaes.  occorridas  desde  1750  att?  1839,  cabe  um  dos 
dos  primeiros  locares  n'esta  modesta  galeria  dos  perso- 
nasi?ens  portuj^iuezes  do  decimo  nono  século.. 

Como  tivemos  occasiào  de  demonstrar,  a  ascendência 
directa  de  D,  Leonor  de  Almeida  era  dos  .Almeidas  e 
dos  Tavoras.  pelo  que  pertencia  ci  mais  alta  nobrcsa  de 
Portuv^íal ;  não  devemos  porem  deixar  de  notar,  que  por 
seu  avô  paterno.  D,  Pedro  de  Almeida,  pertencia  á  es- 
clarecida familia  de  Alorna.  que  era  ei^iualmente  da  me- 
lhor linhavíem. 

A  influencia  que  a  ."^larqucza  dAlorna  exercia  na 
alta  sociedade  ue  Lisboa  era  tamanha,  que  nunca  nin- 
i^uem  a  exerceu  tão  çrande.  Os  Governadores  do  Reino 
tinham  desta  influencia  inteiro  conhecimento,  e  sabiam 
lambem  i]ue  lhes  era  tiesfavoravel  o  espirito  justo  e  admi- 
ravelmente instruído  de  D.  Leonor  dAlmeida,  D'estas 
circunstancias  provitVam  as  iniquas  restiluçòcs  de  a  man- 
dar sahir  ilo  Reino,  por  suspeita^  de  deslealdade  ti  Pátria 


231 


e  ao  Rei,  quando  era  notório  o  seu  patriótico  c  cons- 
tante ensinamento  a  seus  filhos,  de  servirem  a  uma  e  a 
outro  com  a  maior  dedicação,  seguindo  assim  os  nobres 
e  nunca  desmentidos  exemplos  de  seus  muito  illustres 
ascendentes. 

Para  ser  grande  tudo  o  que  dizia  respeito  á  Marqueza 
d'Alorna  também  o  foi  a  perseguição  de  que  foi  victima 
por  parte  dos  altos  poderes  do  Estado,  sem  que  tivessem 
por  vezes  as  considerações  devidas  ás  suas  excepcionaes 
condições,  e  ao  seu  elevado  merecimento. 

O  brilhante  artigo  de  Teixeira  de  Vasconcellos,  a  que 
nos  vimos  referindo,  termina  pelas  duas  seguintes  impor- 
tantíssimas asseverações  áo  talento  e  engenho  de  Alcipe : 

«Dizia  o  Duque  de  Palmella,  D.  Pedro,  que  o  talento 
e  caracter  da  Marqueza  d'Alorna  valiam  mais  do  que 
todos  os  volumes  das  suas  obras.  Excellcnte  juiz  era! 
Dizia  bem.» 


CONCLUSÃO 


Da  leitura  dos  capítulos,  em  que  estão  agrupadas  no- 
ticias para  a  historia  da  excelsa  Marqueza  d'Alorna,  D. 
Leonor  d'Almeida  Portugal,  inférem-se,  em  resumo,  as 
seguintes  veridicas  asseverações: 

D.  Leonor  d'Almeida  principiou  a  ser  perseguida  pela 
sorte  adversa,  desde  a  edade  de  oito  annos,  em  que  foi 
enclausurada  no  mosteiro  de  Chellas,  como  presa  do  Es- 
tado, com  sua  mãe,  a  segunda  Marqueza  d'Alorna,  D. 
Leonor  de  Lorena  de  Távora ; 

nesta  reclusão  ficou  apenas  entregue  aos  carinhos  de 
sua  mãe;  não  tendo  porem  havido  o  minimo  cuidado 
em  prover  á  sua  educação  pela  escolha  de  mestres; 

as  suas  poderosíssimas  faculdades  desenvolveram  o 
seu  preclaro  engenho,  entregando-se  á  leitura  de  livros. 
que  lhe  eram  facultados  por  amigos  da  sua  familia,  e  es- 
tudando as  lições  e  conselhos  de  seu  pae,  enviados  com 
grave  perigo  para  este,  para  sua  mãe  e  para  ella  própria  ; 

durante  mais  de  dezoito  annos  de  clausura,  os  seus 
estudos  litterarios,  scientificos  e  de  bellas  artes,  não  a  im- 
pediram de  aprender  as  prendas  do  seu  sexo,  e  os  diffe- 
rentes  mesteres  mulheris,  em  que  foi  eximia ; 

a  sua  formosura  e  talento  attraiam  aos  outeiros  de 
Chellas.  os  mais  distinctos  poetas  da  época  da  sua  resi- 
dência naquelle  famoso  mosteiro  ; 


234 


loi^i)  que  cippiírcccii  nti  sociedade,  depois  da  sua  sa- 
hidd  do  mosteiro,  em  1777,  lornou-se  notável  pelo  seu 
espirito  e  pela  sua  brilhante  erudiç<5o; 

a  inesperada  escolha  do  nobre  allenic^o.  Conde  de 
Oevnhausen,  para  seu  marido,  feita  por  D.  Leonor  d'Al- 
meida,  n^o  as^radou  ao  Marquez  d'AIorna.  seu  pae; 

a  alta  nobresa  do  Conde  de  Oeynhausen  foi  affirmada 
pela  muito  subida  honra  que  lhe  dispensaram  S.  S.  M.  M. 
a  l^ainha  1).  Maria  1  e  Í:l-Rei  D.  Pedro  111,  acompa- 
nhando-o  pessoalmente  á  pia  baptismal,  como  padri- 
nhos, quando  para  casar  se  filiou  na  Relii^icio  catholica ; 

a  mencionada  nobresa  foi  porem  depois  indiscutivel- 
mente demonstrada  pela  concessão  óà  Ordem  da  Cruz 
listrellada,  á  Condessa  I).  Henriqueta  de  Oevnhausen, 
sua  filha ; 

o  dcsaiiírado  do  Marquez  d'Alorna  pelo  casamento 
de  1).  Leonor  d*Almeida  foi  motivado  principalmente 
pela  excessiva  pobresa  do  Conde  de  Oeynhausen ; 

este  desai^irado  checou  ate  á  cessação  de  respostas  ás 
cartas  de  sua  filha  ; 

as  boas  relações  dix  Condessa  de  Oeynhausen  com 
seu  pae  foram  reatadas,  depois  deste  ter  recebido  o  qua- 
dro «A  Solidão,  expressamente  concebido  e  executado, 
em  Vienna  dAustria.  pela  douta  Alcipe.  para  tentar  rea- 
lisar  esta  filial  aspiraçt^o; 

a  sua  demora  em  dijíerentes  Cortes,  que  visitou  como 
mulher  do  Conde  de  Oeynhausen.  nomeado,  pouco  de- 
pois do  seu  casamento.  Ministro  Plenipotenciário  na  Corte 
de  Vienna  d'Austria.  deixou  ali  distinctamente  demonstra- 
das as  suas  eminentes  qualidades,  nas  lettras,  nas  scien- 
cias,  e  nas  bellas  artes  ; 

de  revijresso  ao  seu  paiz  padeceu  cruéis  persei^uiçôos 
dos  Governadores  do  Reino,  que  a  reputaram  injusta- 
mente como  conspiradora  muito  periviosa  : 

a  sua  situação  f»'»!  pc»r  vorc--  de  >'i.iiu!i-  jh-iuiií.i  • 


235 


recebeu  as  mais  elevadas  provas  de  consideração  de 
S.  M.  o  Imperador  d'Austna,  José  II,  e  de  Sua  Santidade, 
o  Papa  Pio  VII ; 

o  seu  alto  merecimento  foi  reconhecido,  em  honrosas 
mercês,  por  S.  S.  M.  M.  D.  Maria  I,  D.  João  VI  e  D.  Ma- 
ria II ; 

a  preclarissima  M."^*-'  de  Stael  demonstrou-lhc  a  sua 
admiração; 

prestaram-lhc  as  maiores  homenagens  os  mais  emi- 
nentes homens  de  lettras  do  seu  tempo. 


Terminando  a  publicação  de  algumas  noticias  authcn- 
ticas  para  a  historia  da  famosa  Marqueza  d'Alorna.  e 
bem  assim  a  de  algumas  das  suas  eruditas  producções, 
devemos  notar  que,  de  umas  e  de  outras,  se  conclue,  que 
esta  distinctissima  dama  deixou  affirmada  a  excelsa  fi- 
dalguia do  seu  formoso  talento  cm  muitas  e  deslumbran- 
tes manifestações. 

Dá-nos  elevado  argumento  da  exactidão  destas  mani- 
festações a  preciosa  carta  que,  a  propósito  da  recepção 
do  Poema  das  Recreações  Botânicas,  Alcipe  recebeu  de 
Filínto  Elvsio,  seguramente  o  primeiro  poeta  do  seu  tempo, 
carta  de  que  reproduzimos,  em  zinco-gravura,  o  muito 
valioso  autógrapho. 

Observemos  também,  que  o  exame  cuidadoso  das 
referidas  noticias  e  producções  demonstra  claramente, 
que  foram  variadis^^imos  os  assumptos  versados  com 
proficiência  pela  insigne  escriptora. 

Este  exame  leva-nos  depois  a  especialisar,  entre  os 
levantados  méritos  da  grande  Alcipe,  a  persistência  com 
que.  durante  dez  annos,  trabalhou  para  illibar.  como  ef- 


236 


fcctivamcntc  illibou,  o  memorio  do  General  terceiro  Mar- 
(liiez  d'AIorna.  seu  brilhante  e  infeliz  irmáo,  victima  de 
uma  condemnaÇt^o  atroz  e  terrivelmente  injusta,  a  qual 
lançava  nódoa  indeli5vel  sobre  a  muito  illustre  família 
Almeida. 

Cumpre-nos  ainda  avivar  a  recordação  de  que  a 
quarta  Marqueza  d'Alorna  era  neta  paterna  do  primeiro 
Marquez  do  mesmo  titulo,  e  neta  materna  dos  terceiros 
Marquezes  de  Távora,  que  foram  horrorosamente  sup- 
pliciados  no  cadafalso  levantado  na  praia  de  Belém. 

hasta  esta  recordação  para  provar  a  alta  estirpe  da 
nobilíssima  Alcipe. 

Notemos  asjora  que  as  adversidades,  com  que  a  má 
sorte  perseguiu  D.  Leonor  d'Almeída  Portugal,  desde  os 
seus  tenros  annos,  ficam  tristemente  assis^naladas,  mas 
com  a  asseveração  de  que  foram  sempre  supportadas 
nobremente. 

Desta  apreciação  offercce-nos  admirável  argumento  a 
carta  a  seu  pae.  citada  no  Capitulo  1.  em  que  lhe  dizia, 
que  não  estivesse  aprehensivo.  com  respeito  ao  seu  futuro 
e  ao  de  sua  irmã,  para  a  eventualidade  de  continuar  a  sor- 
te a  ser-lhes  adversa;  visto  que  estavam  ambas  habilitadas 
a  ser  costureiras,  bordadoras,  cosínheiras, '  e  a  exercer 
cjualquer  outro  dos  mesteres  mulheris,  quando  lhes  não 
fossem  de  utilidade  as  suas  habilitações  litterarias.  Desne- 
cessário é  chamar  a  attenção  para  a  inexcedivel  nobreza 
de  sentimentos,  que  esta  carta  revela. 

Diremos  finalmente  que,  pelo  fallecimento  da  quarta 
Martiueza    trAK^iia,   o  sou  muito  honroso  titulo  passou, 


'  Da  habiliJade  de  D.  I^conor  d'AlmeKÍJ,  como  cosinheira,  <\á  ei- 
cellcnie  demonstração  o  jantar,  todo  cosinhado  por  su.is  mãos.  para 
festejar  o  dia  de  annos  de  seu  pae,  e  de  que  deu  a  este  noticia  na  cana 
que  anteriormente  publicamos. 


237 


por  graça  da  Rainha  D.  Maria  II,  para  o  sétimo  Marquez 
de  Fronteira,  a  quem  pertencia,  como  herdeiro  de  sua 
mãe,  a  sexta  Marqueza  de  Fronteira,  filha  mais  velha  da 
Marqueza  d'Alorna  —  Alcipe.  A  mercê  do  titulo  de  Mar- 
quez d'Alorna  foi  concedida  âo  Marquez  de  Fronteira, 
graciosamente  acompanhada  com  a  de  Vedor  da  Casa 
Real,  officio  que  os  Marquezes  d'Alorna  exerciam,  desde 
o  reinado  de  Filippe  II,  e  que  tinha  sido  ultimamente  des- 
empenhado, ainda  em  vida  de  seu  pae,  por  D.  Pedro  de 
Almeida  Portugal,  que  foi  o  celebre  General,  terceiro 
Marquez  d'Alorna. 


Depois  de  concluída  a  impressão  de  "Algumas  noticias 
authenticas  para  a  historia  da  Marqueza  d'Alorna.>' 
tivemos  conhecimento  da  seguinte  occorrencia. 
que  offerecemos  á  consideração  do  leitor  em 

Nota  complementar 

N'uma  urna,  magnificamente  trabalhada  em  nogueira,  e  or- 
namentada com  figuras  de  bronze  dourado,  urna  que  tinha  per- 
tencido á  grande  Marqueza  d'Alorna,  e  que  foi  por  sua  filha,  a 
Condessa  de  Oeynhausen,  D.  Frederica,  offerecida  a  D.  Leonor 
Fernandes  de  Sá,  ultimamente  fallecida,  encontraram-se  bastantes 
papeis,  pertencentes  á  famosa  Alcipe;  entre  estes  merecem  espe- 
cial consideração  três  lithographias  da  Marqueza  d'Alorna,  exe- 
cutadas em  1824.  Estas  lithographias  estão  assignadas  pela  douta 
poetisa,  que  tinha  então  74  annos,  e  teem  por  titulo  "Copia  de 
uma  miniatura,  feita  em  1824,,,  miniatura  que  existe  em  poder 
da  senhora  Marqueza  d'Avila  e  de  Bolama. 

Junto  das  lithographias  encontrou-se  a  copia  a  lápis  de  um 
retrato  da  terceira  Marqueza  de  Távora,  superiormente  tirado  em 
1750  antes  d'esta  preclarissima  dama  ter  partido  para  a  Índia, 
acompanhando  seu  marido,  que  exerceu  brilhantemente  n'aquelle 
Estado  as  altas  funcções  de  Vice-Rei,  desde  1750  até  1754, 

Dada  a  notável  aptidão  da  Marqueza  d'Alorna  para  a  pintura, 
e  sendo  de  primorosa  execução  os  seus  desenhos,  e  consideran- 
do ainda  o  cuidado  e  o  sitio  em  que  foi  archivada  a  deslum- 
brante copia  do  retrato  de  que  vimos  falando,  não  nos  repugna 
admittir  que  fosse  feita  pela  própria  Alcipe  a  copia  do  retrato  de 
sua  infeliz  avó,  e  isto  segundo  a  versão  de  D.  Leonor  Fernan- 
des de  Sá,  que  fora  sua  afilhada  e  leitora. 

Devemos  accrescentar  que  este  parecer  pode  também  ser  ba- 
seado na  comparação  com  o  modo  de  fazer  dos  seus  bellos  qua- 
dros, dos  quaes  é  principal  a  soberba  tela  "A  solidão,,. 

A  copia,  de  que  nos  vimos  occupando,  encontra-se  entre  os 
preciosos  quadros  de  familia  dos  nobilissimos  Marquezes  de 
Fronteira  e  d'Alorna, 


índice 


CAPITULO  1 P^^-  10 

o  tinteiro  de  Alcipe.  Creação  do  titulo  de  Mar- 
quez d'Alorna.  Armas  da  Casa  d'Alorna.  Ascen- 
dentes D.  Leonor  d'Almeida  Portugal  Alcipe. 
Onde  nasceu  a  quarta  Marqueza  d'Alorna  —  Alci- 
pe. As  três  épocas  principaes  d'esta  por  muitos 
titulos  illustre  dama.  Sua  reclusão  no  mosteiro  de 
Chellas.  Sua  educação.  O  gabinete  de  trabalho  e 
o  camarim  de  Alcipe,  no  palácio  Fronteira,  em  S. 
Domingos  de  Bemfica.  Prisão  do  Marquez  d'A- 
Icrna  nos  cárceres  da  Junqueira.  Descripção  d'estes 
cárceres,  ali  mesmo  escripta  pelo  Marquez  d'Alor- 
na.  Documentos  comprovativos  da  innocencia  d'es- 
te  illustre  fidalgo. 

CAPITULO  II. • P^--  ^^ 

Entre  os  pretendentes  á  sua  mão  D.  Leonor 
d'Ameida  escolheu  o  Conde  de  Oeynhausen.  Mo- 
tivos porque  esta  inesperada  escolha  não  foi  do 
agrado  do  segundo  Marquez  d'Alorna.  Baptismo 
do  Conde  de  Oeynhausen,  para  o  seu  casamento 
com  D.  Leonor  d'Almeida.  Nomeação  do  Conde 
de  Oeynhausen  para  Ministro  plenipotenciário  na 
Corte  de  Vienna  d'Austria.  Distincto  acolhimento 
ali  feito  aos  Condes  de  Oeynhausen.  Concessão  á 
Condessa  da  Ordem  da  Cruz  Estrellada.  Copia 
de  u!na  carta  que  lhe  foi  dirigida  pelo  Imperador 
d'Austria  José  II.  Outras  argumentos  da  muito  su- 
bida consideração  dispensada  á  Condessa  de  Oeyn- 
hausen, especialisando  o  de  Madame  de  Stacl. 


240 


CAPITULO  III...-. pag.  45 

Alvará  cia  Rainha  D.  Maria  I,  concedc-ndo  á 
Marqiicza  trAlorna  os  tilulos  de  Condes  c  de  Con- 
dessas de  Ocynhausen  para  seus  filhos,  e  bem  as- 
sim o  tratamento  de  íixcellencia.  Diploma  de  El- 
Rei  D.  João  VI,  quando  í^riricipe  Regente,  con- 
cedendo á  (Condessa  de  Ocynhausen  a  mercê  de 
a  nomear  Dama  de  Honor  da  Princeza  Sua  Mu- 
lher. Decreto  da  Rainha  D.  Maria  II,  fazendo  a 
Marqueza  d'Alorna  a  graça  da  pensão  de  seis  cen- 
tos mil  réis  annuacs  para  as  suas  duas  filhas  sol- 
teiras. Nomeação  da  Marqueza  d'Alorna  para  for- 
mular o  plano  das  pinturas  que  deviam  adornar  o 
palácio  da  Ajuda,  exprimindo  as  acções  gloriosas 
dos  portu^uczcs.  Premio  em  mathematica,  conferido 
pela  Academia  Real  das  Sciencias  de  Paris,  á  sua 
consócia  Marqueza  d'Alorna.  Notabilissimo  artigo 
de  Alexandre  Herculano,  publicado  no  "Panora- 
ma», fazendo  a  apreciação  da  eminente  escriptora 
Marqueza  d'Alorna.  l'olhetim  do  "Correio  Portu- 
guez,,dc  1868,  agradecendo  aoffertados  Vol."  1.» 
e  2.0  das  Obras  poéticas  da  Marqueza  d'Alorna. 
Opinião  de  Francisco  da  honscca  Benevides  sobre 
Alcipe,  Vol.  2.0  das  "Rainhas  de  Portugal».  Opi- 
niões sobre  a  mesma  excelsa  escriptora  de  Ferdi- 
nand    Denis  e  de  Castilho. 

CAPl  rUI.O  IV.. • • •  •     P'U'-  (»i 

Parentesco  da  Marqueza  d'Alorna  com  Frei 
Luiz  de  Sousa.  Alcipe  considerada  como  pintora: 
o  seu  quadro  "A  Solidão».  O  .uuarda-joias  de  Al- 
cipe, offerecido  á  ultima  senhora  Marqueza  de 
Fronteira  c  d','\lorna,  pela  celebre  escriptora  hes- 
panhola,  D.  Carolina  Coronado.  O  jazigo  da  Mar- 
queza dAlorna.  Últimos  trabalhos  de  Alcipe.  Uma 
carta  autographa  de  Filinto  Flysio  á  Ex."'*  Senho- 


241 


ra  D.  Leonor  d'Almeida.  Noticia  da  Paraphrase 
dos  Psalmos  em  vulgar.  Auctorisação  de  Alcipe 
para  ser  impressa  a  sua  "Arte  poética  de  Horácio, 
ou  Epistola  aos  Pisões,..  (Esta  autorisação  vem  na 
carta  a  D.  Leonor  da  Camará  integralmente  trans- 
cripta  no  capitulo  VIII.) 

CAPITULO  V. •     pag.73 

Cinco  cartas  de  Alcipe,  dirigidas  do  Mosteiro 
de  Chellas  ao  Marquez  d'Alorna,  seu  pae,  então 
preso  no  forte  da  Junqueira.  Resposta  da  Con- 
dessa de  Oeynhausei]  ao  Secretario  dT.stado,  que 
lhe  remetteu  as  graças  de  Marqueza  d'AIorna  e  de 
Condessa  de  Assumar.  Extracto  da  carta  escripta 
pela  Marqueza  d'Alorna  ao  Marquez  de  Wellesley. 
Copia  da  folha  de  um  jornal,  escripto  por  D.  Leo- 
nor d'Almeida,  nos  últimos  dias  da  sua  prisão  em 
Chellas.  Requerimento  da  Marqueza  d'Alorna  pe- 
dindo a  revisão  do  processo,  que  injustamente  con- 
demnou  o  General  Marquez  d'Alorna,  seu  irmão. 

CAPITULO  VI.. .     pag.  93 

Mais  quatro  cartas  de  Alcipe  a  seu  pae.  Em 
outra  carta  ao  Marquez  d'Alorna,  sua  erudita  filha 
refére-se  a  um  sermão  que  escreveu  para  favore- 
cer um  pobre  frade,  o  qual,  depois  de  o  ter  pre- 
gado desastradamente,  o  vendeu  a  outro  frade  por 
4.000  réis,  podendo-o  rehaver  D.  Leonor  d'Almei- 
da,  e  podendo  portanto  mostral-o  como  elle  era, 
e  não  como  tinha  sido  pregado. 

CAPITULO  VII pag.  ,  ,3 

Noticia  extraida  de  um  caderno,  cuidadosa- 
mente archivado  no  palácio  Fronteira,  em  S.  Do- 
mingos de  Bemfica,  entre  os  papeis  e  autographos 
da  quarta  f/iarqueza  d'Alorna,  o  qual  tem  escripto 
na  capa  "Resumo  da  vida  de  meu  Irmão,,.  N'estc 
caderno  encontra-se  uma  occorrencia  de  alta  im- 

16 


242 


porta ncia  para  aquilatar  o  primoroso  caracter  do 
futuro  e  clistinctissinio  General  Marquez  d'Alorna. 
A  referida  occorrencia  oíferéce  também  valioso 
argumento  para  um  estudo  da  Índole  do  Marquez 
de  1'ombal,  o  famoso  Ministro  de  EI-Rei  D.José. 

CAPITULO  VIII. •  •    Pag-  123 

Copia  do   primeiro  documento  para  a  revisão 
do  medonho  "processo  dos  Tavoras»,  firmado  pela 
Rainha  D.  Maria  I,  a  solicitação  do  Marquez  d'Alor 
na,  pacde  D.  Leonor  d'Almeida,  e  genro  dos  Mar- 
quezes  de  Távora.  Copias  de  outros  documentos 
sobre  o  mesmo  assumpto.  Copia  de  uma  carta  ao 
Ministro  Martinho  de  Mello,  que  prova  que  foi  por 
vezes  de  j,'rande  penúria  a  situação  da  Condessa 
•  de  Oeynhausen.  Copia  de  uma  resposta  ao  pedido 
de  uma  amiga  para  que  consentisse  na  impressão 
de  algumas  das  suas  poesias.  Copia  da  declaração 
feita  cm  Londres  em    1809  por  D.  Domingos  de 
Sousa  Coutinho,  com  respeito  á  Condessa  de  Oey- 
nhausen. Copia  da  ordem  do  Intendente  geral  de 
policia,  de  6  de  Outubro  de   1809,   intimando  a 
Condessa  de  Oeynhausen  a  sair  immediatamente  do 
Reino,  embarcando  no  primeiro  paquete  para  In- 
glaterra, toniando-se  porém  as  precisas  precauções 
para  que  não  levasse  comsigo  os  netos  da  casa  de 
f-ronteira. 

CAPITULO  IX. pap.   135 

Copia  do  muito  interessante  requerimento,  apre- 
sentado pelo  Marquez  d'Alorna,  a  S.  A.  R.  o  Prin- 
cipe  D.  João,  depois  El-Rei  D.  João  VI,  e  em  que 
se  resume  a  analyse  das  flagrantes  injustiças  e  pa- 
vorosas preversidades,  que  se  praticaram  no  de- 
nominado processo  dos  Tavoras,  dnluziílas  do 
consciencioso  exame  do  mesmo  processo. 


243 


CAPITULO  X • pag.   1 5 1 

Documentos  comprovativos  dos  esforços  da 
Condessa  de  Oeynhausen,  Marqueza  d'Alorna, 
para  que  fosse  completamente  illibada  a  memoria 
do  Marquez  d'y\lorna,  seu  irmão. 

CAPITULO  XI paR.  1 67 

Copia  de  duas  cartas  do  General  Marquez  d'A- 
lorna  á  Condessa  de  Oeynhausen,  sua  irmã.  Al- 
guns períodos  da  Memoria  justificativa  do  Mar- 
quez d' Al  orna,  escripta  por  sua  irmã  a  quarta  Mar- 
queza d'Alorna.  Referencia  ao  Decreto  de  26  de 
Novembro  de  1807,  em  que  Sua  Alteza  Real,  o 
Príncipe  D.  João,  annuncia  a  sua  partida  para  o 
Rio  de  Janeiro,  permittindo  a  entrada  das  tropas 
francezas  que  se  aproximavam  de  Lisboa,  e  or- 
denando que  as  recebam  amigavelmente.  Aviso  á 
Condessa  de  Oeynhausen  para  assistir  á  traslada- 
ção do  real  cadáver  da  Rainha  D.  Maria  I  da 
Igreja  de  S.  José  de  Ribamar  para  a  Igreja  do 
Real  Convento  da  Estrelia. 

CAPITULO  XII pag.  177 

"Processo  dos  Tavoras.  Extracto  da  Sentença 
de  12  de  janeiro  de  1759,  que  se  proferiu  na  Jun- 
ta da  "Inconfidência,,.  Breves  considerações  so- 
bre este  "Processo,,.  Residência  urbana  e  cam- 
pestre dos  Marquezes  de  Távora.  O  Crucifixo  da 
terceira  Marqueza  de  Távora.  O  atroz  e  odiento 
supplicio  d'esta  nobilíssima  Senhora. 

CAPITULO  XIII. pag.   HJl 

Copia  de  algumas  paginas  das  Memorias  inédi- 
tas do  Marquez  de  Fronteira,  que  são  muito  in- 
teressantes para  a  historia  da  Marqueza  d'Alorna, 
sua  muito  illustre  avó. 

CAPITULO  XIV pag.  205 

Copia   de   mais  algumas  paginas  das  referidas 


244 


"Memorias  inéditas»,  tamt)em  interessantes  para  a 
historia  da  Marqucza  d'Alorna.  Ori^anisaçâo  da 
Sociedade  da  Rosa,  c  graves  conscíiucncias  que 
esta  associação  teve,  especialmente  para  a  famosa 
Alcipe. 

CAPITULO  XV.    ... pag.  209 

Narrativa  de  unia  extraordinária  resolução  da 
Marquc/a  d'Alorna,  que  teve  l>em  tristes  resultados 
para   a  insigne  escriptora.  O  binóculo  de  Alcipe. 

CAPITULO  XVI.    pag.  214 

O  doloroso  golpe  do  fallecimento  do  Conde 
João  de  Oeynhausen  seu  filho,  levou  a  Condessa 
deOeynhansen.— Alcipe  — a  ir  residir  na  pequena, 
mas  elegante  casa  cm  Ííuenos-Ayres,  onde  elle  ti- 
nha vivido  c  onde  morreu;  e  determinou  também 
a  sua  mudança,  pouco  tempo  depois,  para  uma 
casa  na  rua  do  Abícrim.  1'requcntadores  d'esta  ca- 
sa. Ali  SC  hospedou  o  eminente  sábio  José  Cor- 
rêa da  Serra,  a  quem  se  deve  a  funda<,'ào  da  Aca- 
demia Real  das  Sciencias,  auxiliado  pelo  segundo 
Duque  de  Lifôes.  Breves  noticias  a  respeito  de 
Corrêa  de  Sá  e  do  segundo  Duque  de  Lafões. 

CAPITULO  XVII.. pag.  223 

Os  retratos  da  terceira  Marqueza  de  Távora,  e 
de  sua  filha  a  segunda  Marqueza  d'Alorna.  O  fa- 
moso quadro  de  Pellcgrini,  representando  os  ter- 
ceiros Marquezes  d'Alorna,  e  seus  filhos.  O  falle- 
cimento do  General  Conde  de  Oeynhausen.  Ver- 
siio,  em  portugucz  vernáculo,  dos  quatro  piimci- 
ros  cantos  do  Oberon,  de  NXieland.  Descripçào 
do  quadro  "A  Solidão».  Referencia  á  biographia 
de  D.  Leonor  d'Almeida,  Marqueza  d'Alorna,  ex- 
traida  do  notável  livro  de  Teixeir.»  •''•  \'.isi-.>turl- 
los  "Glorias  pnrtupuezas». 

CONCLUSÃO.  pag.  233 


COLLOCAÇÃO  DAS   GRAVURAS 


A  oitava  Marqueza  de  Fronteira  e  sexta  Marqueza  d 'Morna  1 

O  tinteiro  de  Alcipe •  •  •  •  9 

A  quarta  Marqueza  d'Alorna  —  Alcipe •  •  •  17 

O  segundo  Marquez  d'AIorna,  pae  de  Alcipe  (antes  de  ser 

preso,  em  13  de  Dezembro  de  175S)      ....  25 

O  segundo  Marquez  d'Alorna,  pae  de  Alcipe  (quando  sa- 

hiu  da  prisão,  em  7  de  Março  de  1777) 26 

O  Conde  de  Oeynhausen,  marido  de  Alcipe  •  • 33 

D.  Magdalena   de   Vilhena 61 

O  guarda-joias  de  Alcipe-  •  •  • 6-1 

Uma  carta  de  Filinto  Elysio  á  Marqueza  d'Alorna,  (zinco- 
gravura   de   um  precioso   autographo  d'este  eminente 

poeta) :  ....•.•....•.. .  67 

A  segunda  Marqueza  d'AIorna,  mãe  de  Alcipe 75 

O  Crucifixo  da  terceira  Marqueza  de  Távora. 1S7 

A  segunda  Marqueza  d'AviIa  e  de  Bolama,  bisneta  de  Al- 
cipe   •  •  .  1 S9 

A  sexta  Marqueza  de  Fronteira,  filha  mais  velha  de  Alcipe  195 

O  binóculo  de  Alcipe • 213 

A  terceira  Marqueza  de  Távora,  avó  de  Alcipe.  •  .......  223 

Os   terceiros   Marquezes  d'Alorna   e  seus   filhos  (famoso 

quadro  de  Pellegrini)  .-...•. •    .  -  - 224 

A  Solidão,  quadro  de  Alcipe •  •  •  227 


ERRATAS   PRINCIPAES 


Pag. 

linha 

onde  se  lê 

leia-se 

27 

28 

intolreáveis 

intoleráveis 

46 

23 

Oeznhausen 

Oeynhausen 

117 

20 

jovem 

joven 

134 

23 

1820 

1802 

142 

32 

D.  José;meu 

D.  José,  meu 

203 

35 

mers  e 

mestre 

213 

30 

artístico, 

artístico. 

PQ 
9261 

A6Z55 


Ávila  e  de  Bolama, 
José  de  Ávila 

A  marqueza  d'Aloma 


Jitonio 


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