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Marquez d*Avila e de Bolama
A Marqueza
dAlorna
Algumas noticias authenticas para a liistoria
da muito illustre e eminente escríptora,
que 05 poetas seus contemporâneos denominaram
LISBOA — 1916
IMPRENSA DE MANUEL LUCAS TORRES
87 — RUA DO DIÁRIO DE NOTICIAS — 93
A MAnOUEZA DALORNA
Oitava Marqueza de Fronteira e sexta Marqueza d'Aloina
Marquez d' Ávila e de Bolama
riarqueza ò'Alupna
Algumas noticias authcnticas para a liistoria
da muito iilustre e eminente escríptora,
que 05 poetas seus contemporâneos denominaram
AceiPE
LISBOA
IMPRRNSA M MWUKL LI]r\S TOilUES
87 - R. òo Diário ôe Noticias - 93
1916
A' memoria veneranda
DA
ILL.n'a E EX."'» SENHORA
D. MARIA MASCARENHAS BARRETO
8.3 MARQUEZA DA FRONTEIRA
E
6;' MARQUEZA D'ALORNA
Em testemunho do mais alto c saudoso
respeito, c do maior reconhecimento
tem a honra de offerecer estcis noticias
de sua excelsa bisavó
O Genlral
(2^'KQiZ'i.i^,tee^ f/ (^^^v-f/o' f> </e (§A)o'C-aM-<t .
pc
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%
r:'- 1 1968
1
-f'
As noticias auílieiíticas da Marqiicza
d Morna demonstram, que esta muito illus-
tve fidalga, tendo tido, desde os oiíoannos,
uma vida excepcionalmente accidentada,
era dotada de tâo extraordinário talento,
que se tornou notável por uma rara il-
lustração nas lettras e na pintura, c isto
quasi sem auxilio estranho.
A famosa Alcipe, que padeceu tão cruéis
adversidades, venceu-as sempre com a
mais admirável resignação, e falleceu aos
89 annos, deixando um nome, que será ve-
nerado como o de uma das mais notáveis
mulheres portuguezas.
Para confirmar a exactidão das infor-
mações que vamos apresentar, devemos
dizer que ou foram extraídas da «Xoíicia
hiographica da /:.v."'" Senhora D. Leonor
li .\ l liwiiUi I'iuíti</ií / l.tn\'iui f l.iiUiístiw
/yu/^lii íií/ii por stííis /il/nis. jui / tiíinclmçiht
ílíis ()/yiiis poctiiiis (/(' AU i/H'». (' Ui/ii/w/ii
í/l' oiiírcis jui/^lií-íiçõcs, ciuiliiílítSíinwnU' ci-
tciilíis, oii nos foriini /hriwcidíis poi- pcn-
soíís (1(1 nidior r('spcií(ihHi(l(i(lc , í/iw csíão
ruis mclh()i\'s roíuhçõcs de o poder [tizer,
com seífiirança, jieUis inenioricis de suds
/iimiUiis (• p('Uís sii(i< (iiitiifíis relações.
o
A Marqueza d'Aiorna
CAIMIUI.O I
O tinteiro de Alcipe. Creação do titulo de Marquez de Alorna.
AriTias da Casa de Alorna. Ascendentes de D. Leonor de A!
nieida Portugal — Onde nasceu a 4.'^ Marqueza d'Alorna
— Alcipe. As três épocas principaes da vida d'esta por mui-
tos títulos illustre dama. Sua reclusão no convento de Chel-
las. Sua educação. O gabinete de trabalho e o camarim
de Alcipe no palácio Fronteira, em S. Domingos de Bem-
fica. Prisão do Marquez de Alorna nos cárceres da Jun-
queira. Descripção d'estes cárceres, ali mesmo escripta pelo
Marquez d'AIorna, Documentos comprovativos da inno-
cencia d'este illustre fidalgo.
Quando veio do Brasil para Lisboa o Marquez de
Aracaty, ' trouxe de presente a Condessa de Oevnhausen
um tinteiro de loiça, que tinha expressamente mandado
• João Carlos Augusto de Oeynhausen, nascido em 1778, era filho
natural reconhecido do Conde de Oeynhausen. Seguiu o Imperador
D. Pedro ao Brazil, onde, depois de ter sido Capitão general na pro-
víncia de Matto-Grosso, foi Governador da província do Geará.
Tendo sido Senador do Império, e tendo exercido, durante algum
tempo, o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros, no Kio de Ja-
neiro, onde recebeu o titulo de Marquez de Aracaty, voltou a Portu-
gal, sendo nomeado pelo Ministro Sá da Bandeira, em i83õ, Governa
dor de Moçambique. Ali falleceu em 28 de Março de iS38.
10
fdzor iiii Iiidiíi. c (juc tem as sevHiintcs dimensões; 29 cen-
timolrt>s Jc comprimento, sobre 14,5 centimotros de lar-
Vjiira, tendo tie um e outro kido o escudo do Casa de
Aiorna, com 50 millimetros de altura por 48 de larsjura.
Os dois lui^ares para os recipientes dò tinta e di\
areia Sc^o circulares, e teem tle tiiametrc^ 85 millimetros
por 50 daltura.
I:ste tinteiro tem o alto valor histórico de ter sido
usado pi^r Alcipe, se^íurameníe a mais illustre das antis^as
escriptoras portu^niezas.
A propósito devemos declarar que a meza de traba-
lho {.\i\ eruditíssima poetisa, guando residiu no palácio
iTonteira, em S. Domins^os de IVmfica, estava collocada
n um pequeno i^abínete, junto i.U\ famosa sala de estudo
tie seus netos, que é uma das mais bellas salas <Ao palácio,
e (.\(\ qual os últimos Marquezes de Fronteira e d'Alorna
fizeram camará.
O i^jabinete de trabalho de Alcipe é um pequeno
quarto, i^raciosamente decorado em estvio Iaiíz XV, tendo
nas paredes formosas pinturas a fresco, que se admiram
em (luatro quadros princípaes, com as dimensões medias
de 1'".33 por 0"\S0.
O cjuadro. que se observa do lado direito dò janella,
representa um pescador, que. em pé. pesca á linha na
mari^íem de um rio, tendo junto de si uma mulher. i]ue
vae mettendo o peixe n'um cesto,
O cjuadro do lado esquerdo é constituido por duas
mulheres de fc^rmas opulentas, iiue. dentro de um rio.
cuja av^ia lhes chev^a até meia perna, pescam com ca-
marcxMros; sJic^ acompanhadas por um hoimin .nu- nest-.i
a linha.
O terceiro qu^^^l'"^"* exprime uma caçada as lebres. Um
destes animaes sobe uma encosta, persev^uido por dois
v^al\ios. lunto de um soutc^ veem-se do\> caÇa(.lores. um
dos c|uaes estii atirando sobre ii lebiv.
11
Representa o quarto quadro uma scena pastoril na
margem de um rio. Um pastor, assentado numa pedra,
toca uma gaita de folies; próximo delle está fiando uma
pastorinha, embevecida pela musica do seu companheiro.
Animam também o quadro uma cabra, um carneiro e
uma ovelha.
No tecto do gabinete, alem da soberba ornamentação
em estuque, ha também interessantes paisagens, pintadas
a fresco, e bem assim uns meninos, que svmbolisam as
quatro estações do ânno.
Próximo d'este gabinete de trabalho de Alcipe. fica o
camarim da extincta Senhora Marqueza de Fronteira e
d'Alorna, e que o tinha também sido de sua excelsa bis-
avó, a Marqueza d'Alorna D. Leonor d'Almeida. O ca-
marim é guarnecido com oito admiráveis quadros de azu-
lejos, que constituem o seu lambris e que sem duvida são
os mais preciosos do palácio. A sua composição é ver-
dadeiramente inspiradora, e torna a sala digna de
ter sido predilecta da gloriosa Alcipe, a famosa poe-
tiza, que nos legou tão soberbas producções do seu for-
moso talento.
Nos referidos quadros temos a considerar: o pensa-
mento que os inspirou; a belleza e a finura com que
foram desenhados, e a sua primorosa execução. E não
é fácil dar preferencia a qualquer destas notáveis con-
dições, que distinctamente se destacam no exame dos
quadros, surprehendentemente encantadores, e que são
todos da altura de l'^,12.
Começaremos a descripção dos quadros por aquelle
que se encontra á esquerda da porta, que dá communi-
1 '
cdÇiío tio CiHiuirini piim d Stíld contiijua; tom r",50 lic
compritncnio c representei : um recinto ajardiniido em
torno de parte de um grande edifício, nas costas do qual
uma admirável estatua de mulher tem nas mJios uma taça
t|ue lança copioso jorro tie av^ua. Completam o qucidro
três damas, sendo uma linda, e todas eleijantemcnlc ves-
tidas, e enfeitadas com ricos atavios, em que se distinjjue
um donairoso lecjue. Por detraz do i^racioso jjrup«.> um
cavalheiro, vieiililmcnto assentado, parece cortejar a dama
tlií leciuo. cm (juanto. a pequena distancia, um esbelto
mancebo, conversando com uma dama edosa. offerece
visivelmente os seus s^ralanteios á linda dama que ante-
riormente indicilmos.
No cháo, lunto do j^írupo central, estão alguns instru-
mentos c papeis de musica; e mais loní^je vê-se uma for-
mosa mulher, com 0110111 o<;l<i ri^nviTs.nuK^ outro cava-
lheiro.
A parede froiileira á janella do camarim está tamlxMn
ornamentada por um quadro de 3'". 70 de comprimento.
i)ue principia n'uma fonte, alimentada por um i^iolfinho.
perto do (jual estão assentados num banco de pedra uma
tiarna e um cavalheiro, que lhe offerece um ramo de flores.
Sevíue-se uma espaçosa varanda, em que se está rea-
lisando um concerto musical; no meio dc\ varanda vê-sc
um i^rande cravo, no (|ual está tocando uma dama, sendo
acompanhatla por cinco mancebos, que focam res^X'cti-
vamente um violáocello. uma rabeca, uma flauta e dois
clarinetes. A varanda tem pro.ximo do cravo uma virande
abertura, que deita para um e.xtenso lavío. em que se vê.
iunto lie uma escadaria de pedra, um barco tripulado
por cinci'» pessoas. Na extremidaile e no primeiro plano
iki Viuaiula. duas senhoras e um cavalheiro merendam
.ippelitosos fructos. destacando-se nelles cachos de uvas.
Outro ()ua(.lro. S direita di\ jx^rta di.\ entrada, de
l'".55 de comprimento, representa um vruix^ de tr«.^ jx*s-
13
soas em diversão musical n'um jardim ; n'um canapé, artisti-
camente trabalhado, estão assentadas duas senhoras,
tendo uma sobre os joelhos um bandolim, e parecendo
a outra estar cantando a musica que tem na mão. São
acompanhadas por um cavalheiro, que toca rabeca em
frente do banco.
Na parede fronteira á porta, onde começa a descri-
pção dos quadros, admira-se um constituído por cinco
í^raciosas fii^uras de mulher, ricamente vestidas, e por
cinco mancebos, parecendo muito novos. Três das se-
nhoras conversam animadamente, em quanto um dos
rapazes está na posição de admirar um dos dois pa-
res, que estão dansando. Assentado no chão um rapaz
toca viola, tendo ão pé de si outrem, que olha attenta-
mente para uma das trez senhoras do sjrupo, que men-
cionámos.
Outro interessante grupo, á direita da janella do
camarim, representa uma mulher edosa, abrindo uma
teia de linho, sendo ajudada por uma raparií^a muito
moça. Ao pé de ambas está uma dobadoira; vendo-se o
fio da meada no collo da dama edosa.
A' esquerda da janella nota-se n'um jardim um grupo
formado por duas senhoras, sumptuosamente vestidas,
estando acompanhadas por um cavalheiro; parecem
todas esperar com interesse alguém que deve chegar.
Ha ainda no parapeito óà janella outro quadro, que
é constituído por uma fonte, junto da qual um homem e
up.Ki senhora conversam animadamente.
O tinteiro de Alcipe. que se conservou em poder da
senhora D. Leonor Maria Pernandes de Sá. afilhada e
11
Icilora de Alcijx\ tem d cuithcnticiddde de ter estado cm
jxKJcr desta senhora c\\é hoje (18 de Dezembro de 1914)
em (|iie foi por ella offcrecido S senhora Maríjucza
d'Avila e de holama, bisneta da excelsa escriptora, por
ser filha de seu neto, o General D. Carlos Mascarenhas.
Representa esta valiosa dadiva uma prova do muito
elevado apreÇo. cjue a siir." 1^. Leonor Ternandes dedica
á snr.' Marqueza d'Avila.
A snr.' D. Leonor Lenia ndes reside ha annos em S.
Doiiiinj^os de Bemfica, tendo sempre devido especial
carinho á ultima senhora Marqueza de ÍTonteira c d'Alor-
na. e á sua faiiiiiia.
O tinteiro foi offerecido com um retrato da snr.»
Marqueza de Lrontoira. avcS tia sur."* .Maniueza d*Avila.
A proposilti do tinteiro de Alcipe, de que sahiram
muitas das prodií^iosas manifestaçCx?s da sua intellii^encia
por tantos tiluK^is luMabilissima. e dc\ circunstancia de ter
de catla iatlo um escudo com as armas tia excelsa es-
cripttira. ct>meçaremt>s pf)r fazer a tlescripgâo d*cstas
armas.
As armas tia Casa tlAItMiia sJic» as dt^s Ct>ntle5 de
Assumar. ptiis o titulo tie Martiuez tr,Mf>rna ft^i creado
por 1). |oão V. p(^r carta tIe v> tle Novembro de 17.»^.
para 1). Petlrt^ tlAlmeitla PcjrtuvMl. terceirc» Ct^nde de
Assumar e primein^ .Martiuez de Castellc)-Ntn't\ A crea-
Çc^t> do titulc> de Martiuez d'Alc>rna teve por fim recom-
pensar tis ví''ii'Hles serviços, tiue c) primeiro Marquez
presli^u ni\ Intlia. t^iule. cc>ni c> seu valc>r e ccínhecimentt^s
mililares. ccínse^iuiu a tt^matla tia praça de Alc>rna. a 5 tie
.'^lait> de 1746. tjue foi a principal causa de se tomarem
15
mais quatro praças ao inimigo do Estado, o rajah Buon-
soló. A carta de 9 de Novembro de 174S diz que, atten-
dendo aos distinctos serviços que o Marquez de Castcllo-
Novo lhe fizera na índia, onde ultimamente tinha tomado
ão inimii^o as praças e fortalezas de Morna, Bicholim,
Avara, Tyrácoi e Rary, devendo-se estes serviços, depois
do auxilio divino, á actividade, vigilância e prudência mi-
litar do dito Marquez, que com a sua presença e valor
animou as tropas a despresarem os perigos e a obrarem
as gloriosas acções, que foram de grande credito para
as nossas armas e para o exercito portuguez no Oriente,
para perpetuar a memoria das referidas acções, orde-
nava el-Rei que, em vez de se chamar Marquez de Cas-
tello Novo, se chamasse Marquez d'Alorna.
Este primeiro Marquez foi feito, no anno de 1750.
Mordomo-mór da Rainha, que foi a Princeza D. Marianna
d' Áustria.
Foram pães de D. Leonor d'Almeída "Alcipe,,. D. \oão
d'Almeida Portugal, segundo Marciuez d'Alorna e quarto
conde de Assumar, Vedor da Casa Real, Commendador
dc\ Ordem de Christo, Capitão de cavallaria na Corte, e
foi sua mãe a snr.^i D. Maria de Lorena, quarta filha dos
terceiros Marquezes de Távora, Francisco d'Assis de Tá-
vora, que era terceiro Conde de Alvor, ramo dessa
mesma familía. e a Marqueza D. Leonor Thomazia de
Távora, em quem tinha recahído toda a Casa dos Ta-
voras.
A filha mais velha de O. Leonor de Almeida, e de
seu marido o Conde de Oevnhausen. foi pelo seu casa-
mento sexta Marqueza de Fronteira.
A oitiivci Mciiiiu»''^^! <-l«-' I roíitcird c sexta Marqucza
tl*Alomn. era bisneta de D. Leonor de Almeida, quarta
Marqiieza d'Alornii. e do Conde de Ocvntiausen.
Colleccionando elementos para a historia da Mar-
cjueza d'Alorna, a afamada e douta Alcipe, entendemos
dever desde já indicar a localidade onde nasceu.
Os Marquezes d'Aloi:na, Condes de Assumar. seus
pacs, viviam na época do seu nascimento em parte do
jjrande palácio, que havia no sitio do Limoeiro c que
pertencia aos Condes d'Assumar; na parte restante do
palácio, que deitava para o lar^o do Conde d'Assumar,
estavam installadas a Relação e a prisão que lhe ficava
annexa.
O nobre senhor Conde da Fii^ueira. D. losé de Cas-
lello Branco, fez-nos o s^rande obsequio de nos informar
cjuc a menina D. Leonor d*Almeida Portui^ial. a futura
(|uarta Marqueza dAlorna. tinha nascido no referido pa-
lácio dos Condes d'Assumar, o que lhe fora por vezes
confirmado por seu neto o Marquez de Fronteira. 1). José
Trazimundo Mascarenhas Barreto.
Por occasião deste nascimento deu-se a ses^uinte oc-
correncia, que é tradicional wá familia Mascarenhas-
Alorna : "Um dos presos que estava na prisão annexa e
condcmnado a pena ultima, tendo sabido do fausto
acontecimento do nascimento dc\ menina, poz-se a
Viritar: "Senhora D. Leonor pequenina, peça o perdão
d'este desvíraçado. cjue esfã condcmnado ã morte.» A
chronica di^ familia affirma que o condcmnado foi per-
dOi\do.„
Quarta Marqueza d'Alorna (Alcipe)
17
Quando foi injustamente preso o Marquez d'Alorna,
pae de Alcipe, já nào residia no palácio do Limoeiro
mas sim, no seu palácio a Jesus.
No tomo primeiro da Introducção das Obras Poéti-
cas da senhora Marqueza d'y\lorna, considcra-se cm três
épocas principaes a vida da notabílíssima escriptora :
l.íi — Menina e donzella. na vida de seu pae o Mar-
quez D. João d'Almeida.
S.-i — Condessa d'OcYnhausen, na vida do Conde,
seu marido, e viuva até á morte de seu irmão.
3.'' — Marqueza dVMorna, depois dc\ morte de seu ir-
mão e dos filhos d clle.
A futura Marqueza d'Alorna começou muito cedo a
sentir os golpes do infortúnio, pois na edade de oito
annos, foi com sua mãe e sua irmã D. Maria d'Almeida,
depois Condessa da Ribeira, presa do Estado, no con-
vento de Chcllas, para onde entraram a 14 de Dezembro
de 1758; emquanto seu irmão D. Pedro, de três para
quatro annos de edade, ficava, como que abandonado
á compaixão dos seus familiares, e seu pae, o Marquez D.
loão d'Almeida Portugal, próximo a partir para Paris co-
mo Embaixador á Corte de Luiz XV, foi lançado no hor-
rível cárcere da junqueira, accusado falsamente de ter
conhecimento do attentado da noite de 3 de Setembro de
175S. No retiro de Chcllas. durante mais de dezoito an-
18
nos, ficoii esta mcninii sem mcslres, c scni (jualqiicr au-
xilio para a sua cducaçcio, a nJio ser a doulriua e ternura
de sua nuU\ e mais tarde as máximas e conselhos de seu
pae. tiue lhe eram commuiiieados com s^rave risco para
elle e i>ara sua mulher e filhas. A sua educação muito
deveu porem aos livros escolhidos, que lhe foram minis-
trados pelos amis^os de sua familia. que a tornaram in-
sis^ne no conhecimento das linv!uas e nas lettras, pela sã
philosophia dc\ musica e da poesia.
lira especialmente encarresjado l\c\ reclusão da Mar-
iiueza d'Alorna e de suas filhas, o Arcebispo de Laccde-
monia, que a tornava desa^íradavel por todos os meios,
liste Arcebispo era creatura do Marcjuez de Pombal.
I). Leonor d'Almeida conhecia a fundo umas poucas
de lins^uas, tinha vasta instrucção scientifica, pintava ad-
miravelmente, e possuia ao mesmo tempo as prendas do
seu sexo.
Nas salas citava-se a sua intrepidez e o seu espirito,
e dizia-se, em voz baixa, (jue estes dotes eram notavel-
mente affirmados na sua presumida resposta ao Arce-
bispo de Laccdemonia. cjue lhe ordenara se vestisse de
côr honesta e cortasse o cabello, por ter commettido o
}jrandc crime de introduzir seu irmão junto de sua mãe.
fazendo tomar a este o loi^ar de asjuadeiro.
Ses^undo a mesma versão, não tendo I). LeoncM' tlAl-
meida obedecido a estas determinações, o Arcebispo
ameaçcni-a de fazer queixa ao Marquez de Pombal, ao
íliie D. l.et^m^r respondeu:
l.c coeur dl''.lconore cst trop noblc ei crop ír.inc
l*our craiiivlre ou rcspecter Ic bourrcau de son sang.
O Arcebispo não sjostou tia resposta, mas finv!Índo
attender ã nuKidatle dc\ sua interlocutora, contentou-sc
em replicar cjue. "visto nãi^ poiler nunca Siiir tlaquella
19
clausura, tanto importava que andasse vestida de preto,
como de encarnado».
A resposta attribuida a D. Leonor d' Almeida, apesar
de vir escripta por suas filhas na Introducção das Obras
Poéticas de Alcipe, não é porem exacta, como o prova
uma carta a seu pae, escripta pelo próprio punho da
insigne escriptora c que em seguida transcrevemos.
Meu querido Par c Snr. do meu coração
Uma historia verdadeiramente cómica deve olhar-se
comicamente e receber V. Ex.'' com o conhecimento
delia aquellas pequenas impressões de que só é susce-
ptível um animo philosophico, como o de V, Ex.'. Eu
estou tão cansada de escrever que pouco me é possível
dizer a V. Ex.'i, mas ao menos será o necessário. Chegou
meu irmão a Lisboa bom, galante e estímabilissimo, e,
não obstante as melhoras de minha mãe, o ar frigido e
coado das grades metteu medo ao medico, mas não
houve remédio se não condescender com os desejos que
cila tinha de o ver, e passados três dias de meu irmão
estar em Lisboa, este, muito impaciente de ver sua mãe,
obteve um tácito consentimento da Prelada e entrou com
um barril d'agua. o que lhe custou, mas deu tudo de
barato, jantou comnosco. tivemos um dia de folga todos
juntos, e sahio meu irmão a noite segundo o costume
conventual, o qual admitte aqui infinitas pessoas com
qualquer pretexto. Minha mãe estava fora da cama muito
contente com o filho, e nós igualmente com o irmão ;
nem por sombras imaginávamos que isto seria preju-
>(l
tlicitil a cojsti ncnhiima. línlrclanlo as freiras. furií")Sds
contra nós. deram conia do que se passou aos Prelados
com o aspecto inais horroroso que é possível, e no dia
sevfuinte S tarde veio a cosinheira ou aia óã Prioreza
chamar-me a mim e ti mana i.\c\ parte <\o Arcebispo de
Lacedemonia. A primeira coisa que me lembrou foi res-
ponder que nAo queria lá ir ; mas permittio Deus que
minha m^c julviasse o contrario e fomos ambas, eu e a
mana. Ao entrar na i^rade, sahio para fora a Prioreza e
apresentaram-se-nos dois homens, um d*clles valia y)or
um es()uadrão. era uma baleia de rebugo em um capote
tie baeta usado, um d*aquelles concsjos que pasma à fas-
pcct d'une soupe, c sem mais cumprimentos com as pupil-
las, se sentaram os nossos dois prelados. Este ^ordo era
o Inspector, e o Arcebispo de menor volume, disse : V.
I:x.i^ podem estar a seu i^osto — sentámo-nos. elle es-
carrou, tossiu, c SC rensorgcant na cadeira principiou. —
Sua Mai^estadc, a quem constou o attentado que hontem
commcttcu seu irnit^^o de V. Ex.»'' violando a clausura,
me manda rcprchender a V. Ex.^^ asperamente e é scr-
vidc^ ordenar cjuc V. Ex.-^'' n«^o tornem Á s^rade até sc-
i^unda ordem -. que andem vestidas honestamente e que
as suas creadas se reformem nestes oito dias. passados
os quaes. se o nCio fizerem, tem a Prelada ordem para
serem expulsas. Eu e a mana ouvimos em silencio mo-
destamente estes quatro versos, e acabada uma sjrande
prelenv'a ciue elle fez sobre as immunidades da clausura,
respondi eu : Que o nome au^justo de Sua Mas^estadc
bastava para iiue pessoas que tinham sido educadas
com honra olhassem só com respeito quaesquer ordens,
e (lue eu assev^urava a S. Ex.' que ellas seriam executa-
das com fidelidade e promptidt^o ; porem que o nosso
attentado era tt^o horroroso cjue. depois de protestarmos
a nossa obediente submissAc\ restava aimla pôr na sua
verdadeira luz o pretenilido attentado e convertcl-o cm
21
uma acção generosa digna da piedade dos nossos legis-
ladores, e alem d'isso conforme ás liberdades que eram
concedidas a minha mãe. Pintei-lhe com cores bastante-
mente vivas um filho que despresa o trabalho mais pe-
noso para consolar uma mãe afflicta, e satisfazendo com
o seu cansaço as apertadas leis da clausura. Disse-lhc
que havia uma multidão de casos idênticos, e que só
demasias de pezares sem esperanças dallivio davam
motivo a que abusassem do nosso estado as nossas ac-
cusadoras. Perguntei-lhe se meu irmão padeceria também
alguma coisa. Respondeu-me que não, porque meu irmão
era um heroe, um assombro nos estudos, e fez do rapaz
o elogio mais completo. Agradeci-lhe aquellas expres-
sões, e disse-lhe que se nós tivéssemos a fortuna de ap-
parecer no mundo, eu me lisongeava de que parecería-
mos innocentes como elle, mas que dado o caso de
padecer alguém, nós lhe pedíamos que quízesse S. Ex.'
voltar tudo contra nós e poupar minha mãe e meu ir-
mão. Não me esqueceu nada para mostrar-lhe o pezo
âà sua injustiça, e descrevi o estado de minha mãe. se-
gundo o sentia o meu coração, capaz de abalar uma
pedra, por que ainda que minha mãe não tem nada. se
uma filha tem arte de communicar a sua sensibilidade
aos outros sempre os faz padecer, c V. Ex.» verá nas
cartas que lhe vão o estado em que a julgam. Peço a
V. Ex.a que delias não infira nada que o afflíja. porque
eu lhe juro que não ha razão para tal. Emfim eu escrevi
ão Arcebispo, e tendo escripto ao Conde dos Arcos e a
D. loão de Faro, por que figurando eu scS neste caso e
sendo obrigada pelo mesmo Arcebispo a não commu-
nicar nada a minha mãe, emquanto elle trabalhava por
nos restabelecer, não foi possível deixar de ciuebrar umas
leis, quebrando-se aquellas t^ue deviam abrigar-nos destas
sem razões. A respeito de vestidos, os nossos não foram
invejados senão por limpos, e o .Arcebispo mesmo se
T)
nu tliis rc>|H^^t.i> |)liilt)s(>|)liicii> i|ik- lhe tlci, c tlii prom-
pticK^^o com que mo i]u\z lov^o vestir pela sua eleição,
achiindo-me muito honrddd em Í:l-Reí se divinar dar or-
dens, numa matéria que eu muitas vezes deixava ao
arbítrio do mercador. A reforma das creadas consiste
em dois covados de cassa postos na cabeça. Considere
V, Kx.a as difficuldades e os casos que fazem rodar um
Arcebispo, de Lisboa até aqui. Chamar s^fente branca
para a reprehender, e no fim dizer-nos que não neces-
sitávamos de enfeites, porque somos muito bonitas. Ria-se
meu cjuerido Pae. e olhe para estas coisas como mere-
cem. Hoje esperamos que tudo se remedeie, porcjue o
Marquez de Pombal disse hontem publicamente, que o
caso não valia nada e ciue as freiras nos accusaram fal-
samente, l^ecados ao inam-» e adeus que absolutamente
não posso mais.
De V. Ex.a
Pilh.1 nuiiU^ amante c ( ihi'tli(.Mite
Noutra carta a seu pae. D. Leonor d'Almeida escre-
ve-lhe cjue não esteja com cuidado no seu futuro,
(juando continue a perse^uil-as uma mã sorte ; porque
cjuando lhes não possam ser de utilidade as suas habili-
tações litterarias. tanto ella como sua irmã estão em con-
dições de v^anhar a vida, conu^ cozinheiras, bordadoras.
costui eiras, enviomadeiras e em qualcjuer dos outros mes-
teres mulheris: o accrescenta qu^' julv^a bem preferivel a
situa<;ã(^ resultante de i)uaU|uer ilestes empresjos. *1 con-
liicAi^ deprimenti- ili- p-uIitim «-«s hiMiiMfs (.ja miséria.
23
Note-se que esta phílosophíca asserção era sustentada
por uma joven senhora do mais alto nascimento, e que
bem provava assim a grandeza áã sua alma.
A fama das poesias da futura Alcipe, que principia-
ram a apparecer, e a da sua deslumbrante belleza. foram
attrahindo á grade do convento muitos admiradores,
entre .os quaes se contava o próprio Filínto Elysio. -
Estavam então em moda os outeiros na Corte e nos
conventos.
Os do convento de Chcllas passaram a ser frequen-
tados pelos sócios da Arcádia, onde alem de Francisco
Manuel do Nascimento, havia muitos e bons poetas. Foi
Fílinto Elysio que começou a celebrar D. Leonor d'Al-
meída com o nome de Alcipe. e sua irmã D. Maria d'Al-
meida com o de Daphne.
Do primoroso trabalho que a consagrada escriptora.
a Ex."i.-i Senhora D. Maria Amália Vaz de Carvalho, in-
seriu no Capitulo I do Boletim dã segunda classe da
Academia das Sciencias de Lisboa '. trabalho que se in-
titula "A Marqiicza de Alorna. A sociedade e a litícratiira do
seu tempo, ,, tomamos a liberdade de copiar o seguinte
periodo :
"Um dos encantos com tjue Alcipe deslumbra o sou
1 Vol. VI - N." 2 — Julho, it)i2.
24
iiuditorio consiste \w iiicmorid proJivJiosii t|iic olla jx>s-
suc c que manifesta, repetindo a decimo ^'alanteddora,
ou o alambicado soneto, mal o seu autor acaba de im-
provisal-o.,.
No Capitulo li! deste lioletim a sua muito illustre au-
tora, descrevendo D. Leonor d'Almeida, quando cm 1777
sahiu do convento de Chellas, pela morte de El-Rei D.
\oié. diz :
"Do retrato da nossa biosjrafada, que ainda hoje se
admira numa das salas dã masjnifica vivenda dos Mar-
(luezes de Fronteira, em Bemfica, a belleza imperial de
Leonor resalta com expressão admirável. Não era so-
mente uma mulher bonita, era uma mulher encantadora.
Tinha a sas^acidade critica, o espirito leve e sarcástico e
a observação nítida e profunda dum moralista. Nas suas
poesias contaminadas, é certo, pelas pechas dci escola
pseudo-classica, em que fora educada, e á qual subordi-
nava o seu nativo engenho, cheias de alusões mytholo-
Víicas, indispensáveis ao tempo, revela-se no entanto um
bello poder descriptivo e uma força de reflexão viril.
Mais tarde a educação que lhe deram as viaijens e o
conhecimento da litteratura estrans^eira completaram e
aperfeiçoaram o seu talento, e ella foi entre nós. como
a Sjaol em Prança, uma espécie de iniciadora, de reve-
latlora do pensamento c d*y poesia do Norte, que nos
oram inteiramente desconhecidos...
Pstando muito doente com um ataiiue de nervo:? que
lhe tomava os movimentos, a mãe de D. Leonor d'A!-
meitla. chamou esta cjiie contava apenas 1 1 annos. nu>s-
Irou-lhe umas tiras de papel, tcxlas escriplas com tinta
Segundo Marquez d'Alorna, antes de ser prezo no forte da Junqueira
25
encarnada, e disse-lhc: "xMinha filha, conhece esta letra ?—
Paréce-me a letra de meu pae — Pois bem, é de seu pae.
mas escripta com sangue, e se a minha filha revelar que
viu estes papeis, o sangue de seu pae, o meu e o seu
próprio correrá,,. '
Ficou assim D. Leonor d'Almeida encarregada por
sua mãe da correspondência com seu pae. Tendo-se
perdido quatro annos depois, involuntariamente, uma
destas cartas, o susto e afflicção em que D. Leonor ficou
por esta perda suscitou- lhe a ideia de tomar o habito
de freira, para ver se por este meio podia reparar esta
culpa involuntária; alcançou para esta resolução os votos
das relioiosas, mas para nella se fortificar, confessou-se
ao douto padre Frei Alexandre áã Silva, que foi depois
Bispo de Malaca, e que, bem longe de a ajudar no seu
propósito, lhe aconselhou a que ouvisse a Marqueza, sua
mãe, e lhe beijasse a mão, porque em tão poucos annos
não devia seguir somente a sua vontade. A este Padre
de juizo; e também poeta, sócio da Arcádia portugueza.
devem as lettras o ter sido desviada da resolução de se
fazer freira a depois famosa Alcipe.
' E' possível que a Marqueza d'Alorna acere Jitasse que era san-
gue a tinta de que usava seu marido, ou que se servisse d'csta ficção
[>ara melhor compenetrar uma creança de onze annos da gravíssima
responsabilidade em que incorreria se communicasse, a quem quer
que fosse, o segredo da correspondência com seu pae.
Mas não é necessário accrescentar mais esta atrocidade ás muitas
que impendem sobre o Marquez de Pombal no pavoroso processo
dos Tavoras, visto que a tinta, que empregava o Marquez d'Alorna,
era na realidade o producto da acção do vinagre, que lhe era forne-
cido para as suas refeições, sobre a tinta encarnada da pobre mobília,
que guarnecia o seu lúgubre cárcere.
26
Nt"»ticicnu")S cm duas palavras um íactii impoi iaiiii>-
sinuv Tendo fallccitlo I:l-I^ci D. )osc a 24 tlc I-ovcrciro
de 1777. o tomando as rédeas do s^oveino a Senhora
D. Maria I, abriram-sc as portas dos cárceres, c n'um dia
(lue ficou para sempre assi^naiado. ches^iou pela meia
noite a Chellas o pae de Alcipe. que não era )á o ^jentil
cavalheiro de '25 annos. que tinha entrado para o forte
l\c\ luntjueira, mas com o semblante macerado pelos pa-
decimentos d'uma prisão tão dilatada e riijorosa.
Alem óc\ Marcjueza e de suas filhas, esperavam o
Martiuer (.i'Alorna n^^ Lírade. >;rande numero tie pessoas.
parentes e amii^os, c|ue haviam concorridt-» a festeiar a
sua vinda, e cumprimentar a sua familia.
Na sala dos painéis do Palácio dos Mar(]uczcs de
Pronteira em S. Dominsiios de hemfica. existem dois re-
tratos do Marciuoz d'Alorna : um. in>^">'"«-í<^^ «-1^^^^ '^^ annos
foi encerrado no \ov\c da junqueira, e outro, quando
dezenove annos mais tarde, pelo fallecimento d'i:l-í^ei
D. losi?. e dc\ subida ao throno da Rainha 1). Maria I. \o\
libertado do horrivel supplicio dc\ sua prisão.
l\ira se f^^^er ideia dos tormentos que o Marquez
Ll'Alorna patleceu. durante os tiezenove annos, que esteve
encerrado nas prisões da junqueira, vamos dar uma
breve noticia d'eiies. transcrevendo o que a este restx^ito
se lê no Capitulo I d'" As prisões da Jiinqucira, ditraníc o
Ministcrio do Murqiuz de Poinlml, cscriptas ali nirs/rio pelo Mar-
quez d' Alorna, uma das suas victimas...
O referido CafiituJo I trata lia tlescrip^:ão dos cár-
ceres, c cctme(;a pt^r infortiiar i]ue eram em numero de
À
Segundo AlaiLiiicv crAlorna, quando saliiu da prisão da JunqucMra
27
dezenove, sendo dois quasí inteiramente escuros, e ha-
vendo, entre os outros, dois que pela sua pequenez e
por estarem perto de um cano por onde se despejavam
as immundícíes, eram reputados os peores.
"Em um (Vestes, diz textualmente o Marquez d'Alor-
na, c a nossa habitação, ha dois annos, menos apertada do que
cuidávamos no principio, por conta da tarimba, que llie cons-
truimos com as nossas mãos, sem ajuda de ninguém, para a
qual nos foram dadas duas portas velfias e licença para comptar
três barrotes.
"Por cima da porta ficavam as janellas com duas
grades, distantes dez palmos uma áã outra, por ser esta
a larcrura da parede. Ha ainda por fora das janellas uma
parede, levantada a altura que tira ás janellas a vista de
qualquer objecto exterior; mas que tira tam.bem aos cár-
ceres orande parte da luz. ficando estes assim com tão
débil claridade, que se não podia ler sem candieiros. Por
esta razão a maior parte dos presos, em cujo numero
entramos nós também, tem luz na casa perpetuamente:
e se acham a estas horas com a vista bastante enfraque-
cida.
«O comprimento dos cárceres é pouco mais ou me-
nos de sete palmos ; todo o edifício estava tão fresco,
quando para elle foram transportados os presos, que
com o dedo se lhe faziam buracos profundos nas pa-
redes.
"Desta deshumanitaría circunstancia resultaram para
os encarcerados muito frio c uma humidade intolreáveis.
"Debaixo da prisão do Marquez e ainda um pouco
mais para o lado da terra, havia três casas subterrâneas,
duas das quaes serviam de cemitérios, sendo a terceira,
sciííundo diziam, destinada para tratos.,.
Pela descripção do Marquez d"Alorna fica-se sa-
bendo as brutalidades com que eram tratados os presos
28
}K'lo Dczcmhtiis^iKlDr-carccrciro. c por siui ordem pK»li>s
vniiirdcis o nidis pess<.xil da pris<^o, sondo inauditos t)s
horrores que passavam por falta de vestuário e falta de
aceio nas roupas de cama, c principalmente na comida,
cjue. alem de cosinhada com sJeneros de péssima quali-
dade. Ilu"-^ i'io siMviíi.i iIc iini iiii-íeio as()ueroso e repu-
j^nantc.
Era encars^o i^ieral dos presos o de varrerem as suas
casas, fazerem as camas, e alimparem os seus candieiros
e os seus lalheres; iiinv^uem, quakjuer que fosse a sua
ediuic ou catci^ioria, se podia dispensar deste trabalho,
sob pena de soffrer porcarias de toda a casta.
I:ntre as perversitlades que padeciam nas prisões tia
luiiciueira as victimas do ódio e áã inveja l\o Marquez
tle Pombal, ali encerradas por ordem delle. devem ci-
tar-se as cjue dizem respeito aos enfermos : assim. sei*uniK>
a descripção do Marquez d'Alorna, os médicos iam
poucas vezes visital-os, ainda nas moléstias mais víravcs.
e a maior [larte das visitas eram feitas por ceremonia.
No principio entendiam os presos que procedia dos mé-
dicos a falia de assistência ; conheceram depois clara-
mente o contrario ; a uma queixa de um dos doentes ao
medico por ni\o ter vindo, respondeu este que muitas
vezes vinha á sala tio Dezembarviíador ' para ver c>s
tioentes tjue lhe tlavam cuitladt^. mas que ali lhe diziam
ífiw SC fosse embora, porque não eram necessários os seus serviços.
O l)ezembarv4atK>r linha sidc» adrede esct^lhidt^ \>c\o
Maitjuez de Pc>mbal para carcereirc» das suas victimas.
O referitic) medicix de nome Martinht^, disse também
ct>m relat^Ai^ a remetlit^s. cjue havia uns doentes que elle
curava ct^mc» ententiia. mas que a outros não os po^Ua eurar,
' A cnlr.ui.i ilos nicilis.<>N n.is Irisocs li.t .luiu|iicir.i cr.i |Mir vNlâwl.i.
29
senão como lhe mandavam. Com cffcíto, se o que receitava
não era muito barato, ou se era alguma coisa custoso
para os guardas, não se executava a receita.
Díspensando-nos de referir muitos remédios, que se
não ministravam, diremos apenas que tendo o medico
ordenado que se comprasse uma espécie de celiia es-
treita para o Marquez d'Alorna metter os pés, ficando
com a agua ate junto dos joelhos, esta ordem provocou
o riso dos guardas, e não foi executada, assim como
muitas outras determinações do mesmo medico.
O que se passava com a comida aos doentes era
verdadeiramente monstruoso. O tal Dezembargador-
carcereíro, que deve ser com justiça classificado como
uma fera brutal, que por todos os modos procurava
mortificar a triste situação dos prisioneiros, dava-lhes
como consolação única a promessa de que, logo que
morressem, se venderiam os seus trastes para se manda-
rem resar missas por sua alma com o seu producto. O
Marquez d'Alorna conta também que o Dezcmbarga-
dor, com incrivel malvadez, lhe dera a elle próprio esta
consolação, n uma circunstancia em que o seu estado
de saúde era tão melindroso, que se suppunha que es-
tava irremediavelmente perdido.
Terminamos esta lastimável descripção com mais uma
horrorosa referencia : Em morrendo algum preso, cuida -
va-se logo do seu enterro ; a maior parte passavam para
a cova poucas horas depois de mortos, e desta forma,
sabe Deus, se enterrariam alguns ainda com vida.
Excede como se vê, quanto se possa imaginar o tra-
tamento dispensado aos doentes; para não enojar o lei-
tor, dispensamo-nos de contar outras verdadeiras incle-
mências que eram feitas aos presos.
Abstemos-nos de proseguir nesta medonha exposição,
porque basta o que levamos dito para avaliar as atroei-
Mi
ddJcs niic os prcs<.>s padeciam, c que victinidram a
rnuitt>s tlcllcs, caustindo-lhcs a loucura e a morle.
Accrcsccntarcmos porem apenas, c|uc as pcrversida-
tles gue o Dezembarsjador carcereiro mandava fazer aos
presos, com mào larjja, erain do inteiro conhecimento
de tiuem tinha ordenado a sua horrorosa c injustíssima
reclusAo.
Na ObservaÇi^o que precede a muito interessante pu-
blicaçCio "As prisões dã |unc|ueira», descriptas pelo eru-
dito í2." Mar(juez d'AIorna. pae di^ Marcjueza d'Alorna,
Alcipe. enciMilram-se documentos comprovativos da com-
pleta innocencia do Marquez, que deveu ao Marquez de
Pombal estar ncllas preso, como dissemos, durante dcse-
nove annos, e isto apesar de varias instancias suas para
ser mettido em processo, visto nunca ter sabido, nem
antes, ncni no tempo da prisdo, nem depois, a causa
por ijue o prenderam.
A Rainha I). Maria I. informada da inncKencia do
Marcjucz d'Alorna. mandou-o soltar fmr Portaria de 7
de Março de 1777.
A esta Portaria scí^ukvsc o decieiv^ de 17 de Maio
do mesmo anno. o cjual é do theor sevjuinte :
"Por quanto fui servida mandar tjue o Marquez
ilAlorna. quando sahiu dc\ prist^o em que se achava, se
retirasse d'esta corte em cjuanto se mio justificasse da
mais leve culpa de inconfidência, e requerendo-me o
dili^ Maríjuez a e.vacta averiviuaçAo dt.\ sua inntx^encia
ou culpa ; sendo commettido este inuxutante neviiKio a
uma junta de Ministn^ divrni^s delle- com assistência do
PrtuHirador ila minha real Coroa, foi por /odos uniforme-
31
mente julgado que o dito Marquez se achava innocente, c sem
prova por onde se podesse dizer culpado : Hei por bem de o
declarar assim para que possa ser restabelecido ás hon-
ras e liberdades, que por direito lhe pertencem.
Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, aos 1 7 de iMaio
de 1777. Com rubrica de Sua Magestade.,,
O Decreto, que acabamos de copiar na integra, é não
só a prova provada da innocencia do Marquez d'Alor-
na, mas demonstra a mais completa evidencia as atrozes
arbitrariedades, praticadas pelo Marquez de Pombal,
contra aqucUes que se lhe avantajavam em saber, em
.virtudes, e muito especialmente em nobreza. Esta ultima
condição constituia o lado fraco do famoso e notabilis-
simo estadista.
No "Perfil do Marquez de Pombal,, interessante livro,
devido á muito erudita penna áo eminente escriptor Ca-
millo Castello Branco, e no capitulo que se intitula "O
Marquez de Pombal e o terremoto,,, encontram-se im-
portantes noticias dos serviços prestados pelo Marquez
d'Alorna, pae de Alcipe, por occasião do terrivcl abalo
scismico. que tão grandes prejuizos causou á bella ci-
dade de Lisboa, e bem assim das memoráveis beneme-
rencias que praticou a preclarissima Marqueza de Tá-
vora, avó da quarta Marqueza d'Alorna.
No mencionado capitulo leem-se as importantes re-
ferencias, que passamos a expor: "entre os que se
dedicavam a minorar os formidáveis estrasjos. causados
pelo terrivel terremoto, devem recordar-se os actos es-
pontâneos executados pelos nobres e pelos parochos,
salvando os moribundos e sepultando os mortos. Entre
os primeiros vem citado D. loão de Bragiança, o futuro
e muito illustre 2." Duque de Lafoens. que arrancou áa
morte muita oentc entalada nos vis^amentos abatidos.
i2
Pelos iirrcJorcs de Lisboa andiiram vários fidal^jos, com
<Y> seus niotiicos. cuiiindo feridos. Os mosteiros abriram
espoiítiHieaniente as suas cjrcas para liospitaes, c os
frades davam aos feridos o seu pâo, e os disvelos de
enfermeiros e consoladores. Os conchos regrantes c os
oratorianos receberam em S. Vicente e nas Necessidades
muitas famílias desvalidas a quem sustentaram e abriíja-
ram nas suas cercas. Os filhos bastardos de D. João V,
denominados os Meninos de Palliavan. recolheram no paÇo
e no jardim de Palhavan mais de duas mil pessoas, que
alimentaram c vestiram durante muitos meses. Outros
fidalijos, nestes extremos de caridade, empenharam os
seus haveres desfalcados pela desí^raça commum. Parte .
do palácio dos Tavoras. no Campo Pequeno, constituiu-o
a Marqueza em hospital, de que ella foi a mais caridosa
enfermeira. Poi mais um alto serviço, prestado pela no-
bilíssima Marqueza de Távora, c que se procurou occul-
tar e esconder, como aquelles que praticou na índia,
durante o memorável periodo de quatro annos, em que
nniúo distinctamente exerceu ali as funcções de Vice-
kainha.
Devemos recordar também cjue neste mesmo capi-
tulo do «Perfil do Marquez de Pombal» vem a celebre
phrase im['»ropriamente attribuida ao Marquez de Pom-
bal, em resposta á peri^unta do Rei I). losé. (jue, aterrado
com a horrorosa calamidade, que imtxMidia sobre Lis-
boa, exclamava : "O que ha-de asjora fazcr-sc?» Enterrar
os mor/os, cuidar dos vivos c fechar os portos, respondeu o
Martiuez dVMorna.
I:sta conceituosa resposta foi attribuida inexactamente
ao Marquez de Pombal pelos seus adeptos, e talvez este
d'ella se recordasse cjuanilo mandmi injustamente encer-
rar nos fiMles tia lunqueira o Marijuez d'/Morna.
Conde de Oeynhausen, marido de Alcipe
CAIM lULO II
Fintrc os pretendentes á sua mão, D. Leonor de Almeida escolheu
o Conde de Oeynhausen. Motivos porque esta inesperada
escolha não foi do agrado do 2." Marquez d'Alorna. Ba-
ptismo do Conde de Oeynhausen, e seu casamento com
D. Leonor d'Almeida. Nomeação do Conde de Oeynhau-
sen para Ministro plenipotenciário na Corte de Vienna
d'Austria. Distincto acolhimento ali feito aos Condes de
Oeynhausen. Concessão á Condessa da Ordem da Cruz
Estrellada. Copia de uma carta que lhe foi dirigida pelo
Imperador d'Austria José H. Outros argumentos da muito
subida consideração dispensada á Condessa de Oeynhausen,
especialisando o de Madame de Staèl.
Sobre a seounda época da vida da senhora D. Leo-
nor d'Almeida, Álcipe, observemos, que cedo apparece-
ram pretendentes á sua mão, pois as suas prendas e
perfeições attrahiam as attenções s^eraes.
Entre os pretendentes apresentou-se o Conde de
Oeynhausen Grcewemburo, que tinha acompanhado a
Portus^al seu primo co-irmão o Conde Reinante de
Schaumbouro-Lippe, Príncipe soberano em Allemanha.
que no reinado de El-Rei D. José. viera para Portuoal
commandar o exercito portu^fuez. Não seria o Conde
de Oeynhausen o candidato preferido por o Marquez
d'Alorna. pela circunstancia de ser estrangeiro, e de lhe
34
lov.ir |H>rt.niio siui \\\\u\ pam lonv'c-> terras ; conít^rmou-sc
cdiuIikIo loiíi a escolha ilc Alcipc. que achou muito
tlivina da sua família. l:sta explicação do casamento de
sua mi^e, que se encontra na Noticia bit>v'rat")hica da
liv."" Senhora D. Leonor dAhneida. Marqueza dAlorna,
publicada na IntnxiucÇc^o das Obras ptxMicas de Alcipc.
justifica-se pelo res|xHto filial, hasta considerar a ccrtídáo
dii baptisint^ i.\o Cc»nde de Oevnhausen. estando ao p<5
dA pia baiMisinal a Kíainha I). Maria I e l:l-Pei D. Pedro
III. para se ficar certo (Ái\ alta nobreza do ncóphitc*
" Aquclles que não julg.ram hasiante concludente, para provar a
nohrc/a 'Jo Conde de Oevnhausen, o elevadíssimo arf;umento de terem
sido p:uirinhos do seu haptisado, c de terem aellc pes^oalmcntc assis-
tido, a Rainha D. Mana 1 c o Rei P. Pedro III, sendo talvei: deste nu-
mero o Marquez dAloína, pac de Alcipe, não podiam então considerar
uma circunstancia que mais tarde aflirmou indiscutivelmente a alta
linhagem do marido da grande escriplora portugueia, que foi depois
Marqueza dAlcrna, c ConJessa de Assumar e de Oevnhausen.
Ksta illustre senhora recebeu a muito subida mercê de ser no
meada dama da Cruz l.strcllada, pelo Imperador d'Ausiria José II, para
o que teve o Marquez d'Alorna de mandar para Vienna os documentos
comprovativos dos muitos quartéis da nobreza de sua filha.
A (Condessa c*e Oc\nhau>en. D. Frederica, tilha de Aicipe, rece-
beu também a mtsma disiinciissima mcrcc, ficando assim demons-
trada, com to ia a segurança a nobreza do Conde, seu p«e.
Consideremos ainda que a Rainha 1). Maria I concedeu A excelsa
Viuva do (ieneral (^onde de Ocynhatisen, por diploma régio, a graça
muito excepcionj] do titulo de Conde de Oevnhausen a todo» o$ seu*
descendentes legiiliíos, e bem assim o tratamento de Kxcellencia
Kste novo e distinctis^imo documento de nobreza afasta qualquer
duvida, que vjbre ella se podcsse ou se quizcsse levantar.
Da graça de serem (^ondcssas de Oevnhausen aproveilaram-sc a»
duus filhas solteiras da .Marqueza dAlorna. Assim o cstat^clecem oa
papeis de Aicipe, entre os quaes se encontram numerosas cartas, di-
rigidas ús III."** c Ex"«* Senhoras Condessas de Oeynhausen, D
l°(cderica. ou I). Henriqueta, e a S. D. Mndemoiselle la Comiesse de
Oc\nhausen, Irédériquc ou ilenrictte.
35
Apczar porem de ser o Conde de Oevnhnusen de
iiobilissima e principesca estirpe, o Marquez d'Alorna
fez violenta opposíção á escolha imprevista de sua filha,
que o tomou para marido, sem attender á sua grande
pobreza, e esquecendo-se dos seus protestos de obede-
cer em tudo a seu pae, e especialmente em assumpto
tão sério, como era o casamento.
Não foi, nem podia pois ser do agrado do Marquez
d'Alorna a escolha para marido, que fez sua filha do
nobre fidalí^o alemão, porque previa os embaraços e
amarguras, que devia padecer, por falta de meios, pa-
ra sustentar a posição, que a sua situação social exi-
gia.
O descontentamento do pae levou-o á interrupção
de relações com sua filha, que chegou ate cessar de
responder ás suas cartas: teve portanto como causa de-
terminante aquella que acabamos de apontar.
Nas cartas do baillio de Malta, D. Luiz d'Almeida, á
Condessa de Oevnhausen, sua sobrinha muito querida,
encontram-se successivas referencias ao estado das re-
lações do Marquez d'Alorna com sua filha, e muito
grande satisfação quando estas relações se restabelece-
ram, reatando-se a interrompida correspondência, cuja
falta muito amofinava a Condessa de Oevnhausen.
Para que a escolha de Álcipe se podesse porem rea-
lisar, abraçou o Conde de Oeynhausen a religião catho-
lica romana, sendo padrinhos neste acto a Rainha D.
Maria I e seu marido Bl-Rei D. Pedro, por quem n'esta
occasíão foi armado Cavalleiro da Ordem militar de
Chrísto, sendo convidada toda a Corte para assistir a
estas distinctas cerimonias. Sua Magestade a Rainha
deu-lhe o abraço ou accolada, El-Rei pôz-lhe o cinturão e
tocou-lhe com a espada nua, e os Principes D. losé e
D. loão ajudaram os Reis seus pães n'esta solemne inves-
tidura, em que Suas Magestades tiuizeram mostrar o
36
muito i|iic pri>lc\íiam esta ailiaiiça. ' A esta investidura
scvjuiu-sc a iionicaçJio do Comlc de Ocvntiauscn para o
commaiulo cio 6,<' rci^imcnli'» do Infantcria. guc era ent»io
o primeiro re^limento do Porto, para onde Iojjo partiram
os Condes de Oeynhausen: isto passou-sc cm 1780. Dois
mezes depois o Conde de Oeynliauscn foi nomeado mi-
nistro plenipotenciário junto li Corte de Vienna d'Aus-
• N'cs(ii noiíi apresentamos .1 copia da ccriiJfio auiheniifa do ba-
ptismo lio Conde de Oiiynhausen
Kr. Ignncio de S. Caetano por mercê de Deus e da S. Sedo Após
tolica Bispo de PcnaíUI do Cons.» de S Magcstade FideliisJma, seu
Confessor, e das Sereníssimas Senhoras Princeza, e Infantas de Por-
tugal, etc
Attestamos, e fazemos certo a todas, cada uma das pessoas d?
qualquer prehcminencia, gráo, ou condição que sejam, a quem csl.is
nossas letras forem apresentadas : que no dia quinze de Fevereiro pró-
ximo passado, em o Oratório dos Paços Reaes de Salvaterra de Ma-
gos, em presença de Suas Magestades Kidelissim.is, e mais Posoas
Reaes; c Oiticiacs da Sua Casa, administramos solemnemente o Sa-
cramento do Baptismo, sub conditione, ao III."" e Ex."" Conde de
Oeynhausen com o Nomo de Pedro, Mana, Josc, Carlos, Augusto
sendo Suas Magtstades Fidelissimas seus Padrmhos, havcndo-sc ante-
cedentemente reconciliado com a Igreja, e na forma d'ell3, depois de
admittido ao seu grémio, absolvido das censuras aJ caulellani; o qual
nasceo na Cidade de Hanovcr cm Alemanha, em cinco de Dexembro
do anno de i;3M, ellc filho legitimo de Frederico Uirico Conde de
Oeynhausen, e de Cuilheimina dizemos, c de Fcdcrica (íuilhelmina
Condessa de Schulemhour^', : e depois de haver recebido o f^aplismo.
logo no mesmo acto, lhe conferimos o Sacramento da Confirmnçfio,
em que foi seu Padrinho ICl-Hei Fidelíssimo o Snr. I). Pedro 5.». De-
pois do que. por commissão ua Fidelíssima Kainh.t N Sor • como
(lovcrnadora. c perpetua Adminisirado'a da Ordem de Christo. lhe
lançamos o Habito da referida Ordem sendo ji armaio Cavallciro
por Kl-Rci c Príncipes Nossos Snr.*. c o Snr. D. Jofio MorJomo-Múr
«la Casn Real. precedendo o haver publicado, em voi intclligivel. que
toilos perceberam, o III.""' e Ex."» Visconde de Villa Nova de Cc.vcira
Mmistro Secretario ile Kstado do» Negócios do Reino, que a mesma
37
tria, tendo pois de deixar o commando do rej^ímento.
Não acompanharemos a Condessa de Oevnhausen
na sua viai^em pela Europa, e residência em Víenna
d'Austria ; diremos apenas que por toda a parte foi alvo
das maiores attenções, devendo especialisar-se as que
Ilie foram feitas em Vienna d 'Áustria pela ^rande Impe-
ratriz Maria Thereza e por toda a Corte.
Senhora, por graça especial, para a recepção daquelle Habito dispen-
sava em tudo o que fosse prohibidopor Definiiorios, Leis, ou Estatutos
da mesma Ordem. Em fé do que mandamos passar a presente pelo
Nosso Secretario infrascripto. Dado no palácio de N. Snr." da Ajuda
sol) nosso Signa! e sello de nossas Armas aos vinte e trez dias do Mez
de Março de 1778.
Fr. Ignacio — Bispo de Penafiel
De mandado de S. Ex.a
Francisco T. de Mendonça
Secretario
José Mendes da Costa, Desembargador da Relação Ecciesiastica.
Juiz do Tribunal da Nunciatura Apostólica, e Prior da freguezia de
Santa Isabel, Rainha de Portugal, etc.
Certifico, que a folhas duzentos sessenta e seis verso do Livro oitavo
dos Baptisados d'esta dita freguezia, se acha um Assento do theor
seguinte — Em os dezenove dias do mez de Abril de mil sete centos
setenta c oito, nesta Parochial Igreja de Santa Isahel, Rainha de Por-
tuga), me foi apresentada uma Petição em nome do Illustris-
simo e Excellentissimo Conde de Oeynhausen, com uma Attestação
do Excellentissimo e Reverendíssimo D, Fr. Ignacio de S. Caetano,
Bispo de Penafiel, do Conselho de Sua Ma«restadu Fidelissima, seu
confessor, e dos Serenissimos Senhores Princeza e Infantes de Portu-
gal, em data de vinte e trez de Março d'este mesmo anno, pedindo ao
Excellentissimo e reverendíssimo .Arcebispo de f.acedemonia. Provi-
sor e vigário do Eminentissimo e Reverendíssimo Senhor Patriarca
eleito e vigário capitular da Santa Igreja Patriarcal Lisbonense, sédè
vacante, que na forma da dita Attestação lhe mandasse abrir Assento
do seu Baptismo no correspondente Livro d'esta freguezia. por ser
38
C) IiinxTiKlt>r li^sc II. íilhi^ ílii vTiIihIc Inípcrdtriz. suc-
ccticntlo a sua iiu^c. continuou a disivnsvir á Condessa
de Oevnhausen as mesmas provas de estima que esta
llie dispensava, e fez-lhc presente da insii^nia e diploma
dii (^rtiem di) Cruz Iistreliada. escreventlo-Ihe l\o seu
próprio puntio uma carta na ijual llie dizia que, sendo
n'clla m rador, como com effeito é, na rua direita de Santa Isat>cl. c
que leilo o dito Assento, se llie passasse certidão nas costní da mesma
Auestação, ficando copia d'cl!a neste cartório, se necessário fosse ; ao
qiic lhe difcrio n dito Kxcellcntissimo c Revcrendissimo Arcebispo
por despacho de treze do corrente Al)ril, que cot> a referida copia se
^ua^da no mencionado Archivo d'esi?. dita freguezia ; e consta dj in-
sinuada Attcsiaçáo fazer certo o dito Excellentissimo e Reverendís-
simo liíspo de Penafiel que no dia quinze de Fevereiro próximo pas-
^ado, em o Oratório dos Paços Reocs de Salvaterra de Magos, cm
presença de Suas Magestades Fidelíssimas, c mais pessoas Keaes, e
oDictaes da Sua Casa, administrou solemnemente o Sacramento do
Hapiismo sub condicione ao Illusirissimo e Kxcellentissimo Conde de
Oevnhausen, com o nonie de PeJro, Maria, José. (Carlos. Auguslr».
sendo Suas Mugestadcs Fidelissiinas, seus Padrinhos, havendo-sc an-
tecedentemente reconciliado com a Igreia, e na forma delia, depois
de a Imíttido ao seu gremic, absolvido das censuras <iJ cautelattty o
qual nascera na cidade de Hanover, cm Alemanha, em cinco de l)c-
zenibro do anno de niil sele centos trinta e oito, e que c Hlho legitime
lie Fcderico UIrico, Conde de Oevnhausen, e de Federica Guilhclniina
(Condessa de Schulembourg : e para que conste o referido, fiz este
t.rmo. que assignei. dia. mez e era ut supra — O Prior José Mendes
da (^JSta ; e nada se contem mais no dito Assento a que me reporto
Lisboa vinte c um de Abril de mil sete centos setenta e oito.
O Prior Josí Mendes da Costa
l''ica registada a aiteslat,-rio retro no livro doze do registo geral
lia Camura l\itriarca*, por despacho do Ex."» Sr. Arcebispo de l.acc-
demonia de i3 de Abril do presente nnno. cuio dcsp.icho Hcn n'eslc
Archivo. I.isb«)a 7 de Mai»j df 17 -.S.
(^ P.tilrc í'(r 11. Ilido loM- Alviires
39
ella já metade allemã pelo seu casamento, desejava que
o fosse toda acceítando aquella insii^nia.
Álcipe só usou d'esta mercê depois de ter recebido a
competente auctorisação dõ sua Soberana.
Alem destas muito elevadas mercês encontramos
entre os papeis de Alcipe uma prova de que o Impera-
dor losé II a distinguia com cartas particulares.
A carta é a sei^uinte :
Vienne, ce 19 Février 1788
Mon aimable Comtesse. Tai vu avec une vive satis-
faction par votre charmante Lettre que, malsjréla distance
et le temp de votre absence, jc^int aux occupations et à
Tintérêt que vous donne votre patrie, vous voulez néan-
moins vous souvenir encore de Vienne et même des peu
de moments que j'ai eu le plaisir de vous voir, el qui
mont parus aussi rares que courts. Ce ncst peut-être
qu a ceux-Ià et à votre induloence, (]ue je dois la bonne
opinion que vous voules bien me temoi<^ner avoir de ma
personne. Je serais le plus heureux des mortels si dans
ces moments, oíi seul avec moi je me vois et me ju*^e.
je pouvais me persuader seulement de la moítié des bel-
les qualites et de leurs bons effets, que votre politesse
veut bien maccorder.
le suis enchanté que le l^^rince de Brésil vous donne
de si justes esperances de réussite; mais si j'osais le con-
seiller. ce serait avant de fixer ses idées de venir voir par
lui-même les hommes et les objets. qui souvent sont três
différents ■ de lopinion i]u\^n en prend de loin, soit en
bien ou en mal.
Tavais déjà appris avec bien de rintérêt. mais non
sans quekjue surprise. le mariai^e de nc^tre cher Duc. '
' O scfíundo Di.K)iic do I.ufões, 1). João Cark)^ J<' Hr;iL;<inça.
4(»
SiMi \on\i silcncc miiuiuictait. m^iis jc vt>is qu*-' ^on cou-
rtwic et Id scnsibilité Jc son ctrur, qiii fdisdicnl Ui bjse
de son Ccirdctèrc <|iic jestimais Umt, nont pas chai^é
avec Yàsic.
Oserais-je vous prier. Madame la Comtesse. de las-
suicr lie la part que je prends à cet evénement et com-
bien je souhaite cjiril fasse son bonheur.
Vous voudrcz cv^alement ne pas douler de rintc^rê*
qiK- je prendrai toujoiírs i1 tout ce (jiii jXHit vous rei^ar-
der. ainsi iiuo dii dc^ir que j'ai de vous rcvoir et de vous
assurcr de bouche des sentiments de considcVation el
dVstiiiK' avec lescjuels je suis
Madame la Comtesse
Vt^tre três affectionni?
loseph.
Como ar\:umentos dò muito subida consideraçt'\o que
\o'\ tiispensada á Condessa de Oeynhausen. diremos
ainda tiue achando-se esta illustre dama em Vienna pe)r
occasii^i-» di.^ visita tiue o Pontífice Pio Vi fez na sua pró-
pria capital ao Imperador )ost^ 11. recebeu então a ^raça
de beijar t> pé a Sua Santidade, e ficou em \ào boas
relações com este Pontifice. tiue recebeu delle duas car-
tas em francêz. escriptas pela sua nuV">; a primeira do
Vaticano para Vienna em 13 de Maio de 1784, e a se-
siunda de Santa Maria Maior para Paris em 17 de Agosto
de 1785.
No faustos».^ dia '24 de lullu^ de 1833, contando a
Mar()ue?a já 83 anno> de edade. teve o vírande ^osto
41
de receber a visita do Marechal Duque áã Terceira e de
seu neto o Marquez de Fronteira, que a foram cumpri-
mentar apenas entraram em Lisboa. Apezar da sua avan-
çãdã edade, ainda poude assistir ao Te-Deum na Sé pela
entrada de Suas Majestades em Lisboa, e aos Desposo-
rios de Sua Mas^estade a Rainha com o Principe Au-
gusto de Leuchtemberg.
O estado delicado da sua saúde não lhe permittio
porem assistir as segundas núpcias de Sua Majestade a
Rainha com o Principe D. Fernando de Saxe-Cobours;í
e Gotha. Não obstante não estar presente, Sua Majes-
tade a Rainha di*^nou-se lembrar-se da Marqueza d'Alor-
na, enviando-lhe a insií^nia da Ordem de Santa Isabel.
(1UC lhe mandou de sua mão com expressões de especial
apreço. Por sua parte o Principe D. Fernando fez-lhe a
grande disíincção de uma demorada visita. O mesmo
Augusto Senhor dispensou mais tarde á Marqueza uma
alta prova da sua estima, enviando-lhe os dois Sere-
níssimos Príncipes, seus filhos, acompanhados pela sua
dama.
No álbum da Penhora Marqueza de IVmposta-Sub-
serra, que tinha a maior veneração pela senhora Mar-
queza d'Alorna, que também muito apreciava a sua
companhia, encontram-se os seguintes versos do Conde
de Saint Priest, Ministro de França em Lisboa, autor e
membro da Academia de França.
A' Mddame la Marquise tJAIorna. agée de 86 ans.
I^ans votrc clinuit scductcur
I.ti naturc scmblc uti prcstii^o
I.à siir Ki bmiiclic ou sur Ui li^c
Ccst toiíjoiírs Ic fruit ou la fleur!
I)c votrc cspril tol cst rciiiblóuic
Toujours il brillc C» son l:tc^
Viiiiicu par son charme suprêmc.
Pour lui Io Icmps se-st arrct<5
II es! nianiuc truii caractere
Que ricn n'cffacc ni n'a Itere.
Son âije est rimmortalité.
Lisbonne. le ? Aout lS3ó.
O Conde de Saint Priest atlniirava-se de ver jx^r
vezes pouca isente eni casa (.\i\ Mariju»-*^*^ tlAlorna. e
dizia iiue lievia ser «le salon le plus concouru du mon-
de», censurantio a sociedade cjue nào sabia apreciar
a(]uella seíihora. cjuc tinha dotes raros e instrucçc^io única,
e que encantava peK> seu espirito, intelli^iencia e memoria.
Não se |ej esperai a se^niinte resposta da Marqueza
trAlorna. resposta (jue se encontra cuiiiadi^Siimente ar-
chivaila em um dos volumes das memorias manuscrip-
tiis i.\i^ ultima senhora Marcjueza de iTonteira e d'Alornd:
Quand Api^Ilon taccorde
Une lyre aussi touchante
l)'éciHiter il mordonne
II défendit iju^' W chante.
Si je nuMais mes acccnts
A \ou chant pur et sublime
De Martias les tourments
Pourraient bien punir mon crime.
43
Ton chant resscmble ò \ã rose
Par son parfum, so beautc,
Fdisant mon apothcose
M'obtícnt rinimortalíté.
As relações que a Condessa d'OeYnnausen tinha con-
trahído em Paris com Madame de Staèl, quando passou
n'aquella cidade, em viagem para a Corte de Vienna
d'Austria, foram renovadas em Londres, para onde a
Condessa voltou a residir, durante dois annos. deixando
a casa em que habitou até 1812, no Glocestershire. nas
visinhanças do paÍH de Galles.
Na Notícia Bioi^raphica da Bx.'"=' Senhora D. Leonor
d'Almeída, Marqueza d'Alorna, Condessa d'Assumar e
d'OeYnhausen, que precede o Tomo I das Obras Poéti-
cas de Alcipe, lê-se: "Eram na verdade interessantes as
conversações entre estas duas illustres damas, acerca das
discussões politicas do tempo, seguindo ellas opiniões
diversas, e príncipios inteiramente oppostos. Madame de
Staèl, nascida na Suissa, era republicana como seu pae
Mr. Necber, e adversa á causa de Luiz XVlil, não obs-
tante haver sido maltratada, e desterrada por Bonaparte.
A Condessa era monarchica. sequaz da Realeza, con-
traria a tudo quanto a podesse vulnerar-, e Luiz XVIll
era um Rei lesjitimo; o que bastava para que a Con-
dessa sustentasse a sua causa. Achando-se ambas um
dia em casa do Duque de Palmella. que então era Mi-
nistro de Portugal, onde tinham sido convidadas a jan-
tar, CO negaram questionando sobre a diffículdade i.U^
restituição dos Bourbons á Lrança. A Condessa julgou-a
muito possível ; e Madame de Stael pelo contrario, de-
ciiliii-ii iiiipiiiticavcl. pt>r(|uanlo Luiz XVIII (dizia cila)
iiAi> linha cm seu favor mais que trcz coxos, c quatro
cci^os (luc o scsíuiam; alludindo cxaiijcradamcntc ao
{'•riiicipc de Ttillcvrand, c|uc era coxo de uma jxTna ; c
iio Duque de hiacas. que padecia dos olhos, c estava
qiic\s\ cei^p. N^o se perturbou a Condessa com c^ta deci-
SiV"); mas voltando-se para o Ministro d*Austria, convidou-o
a fazer uma saúde ti próxima rcstituiçi^^o de Luiz XVIII.
Um anuo depois aohava-se esta realisada ; e no dia sc-
i^uinte cl partida de Luiz XVIII para Prança. foi Madame
ttc Sfael a llamersmith. morada i.L\ Condessa, dar-lhe as
desculpas de se haver en^janado no seu juizo. aprovei-
lando a occasic^io de lhe dizer coisas muito lisonjeiras e
aikiradaveis ticerca do mcsmi'» objecto, e l\o espirito da
Condessa.
Pareceu-nos cjue não tieviamos deixur de transcrever
esta tliscussAo em que se debateram dois altos espíritos,
e (lue [irova também o i^randc enj^enho c talento d'ÁI-
cipe. c|ue mereceu, ci^mo vimos, a Matlame de Stael as
suas muito honrosas tlesculpas. e a aifiniiacão de se ter
envianado no seu juizo.
CAPITULO III
Alvará da Rainha D. Maria I, concedendo á Marqucza d'Alorna
os titulos de Condes e de Condessas de Oeynhausen para
seus filhos, e bem assim o tratamento de Excellencia. Di-
ploma de El-Rei D. João VI, quando Principe Regente,
concedendo á Condessa de Oeynhausen a mercê de a no-
mear Dama de Honor da Princeza Sua Mulher. Decreto da
Rainha D. Maria II, fazendo á Marqueza d'Alorna a graça
da pensão de seiscentos mil réis annuaes para as suas
duas filhas solteiras. Nomeação da Marqueza d'Alorna
para formular o plano das pinturas que deviam adornar o
palácio da Ajuda, exprimindo as acções gloriosas dos por-
tuguezes. Premio em mathematica, conferido pela Acade-
mia Real das Sciencias de Paris, á sua consócia Marqueza
d'Alorna. Notabilissimo artigo de Alexandre Herculano,
publicado no Panorama, fazendo a apreciação da eminente
escriptora Marqueza d'Alorna. Folhetim do Correio Por-
tuguez de 1868, agradecendo a offerta dos Volumes 1." e
2.0 das Obras Poéticas da Marqueza d'Alorna. Opinião de
Francisco da Fonseca Benevides sobre Alcipe. Vol. 2." das
"Rainhas de Portugal». Opiniões sobre a mesma excelsa
escriptora de Ferdinand Denis e de Castilho.
Á Rainha D. Maria 1, ciucrendo dar á Condessa de
OeYnhauscn, depois Marqueza d'Alorna, um alto teste-
munho de muito elevada eonsideraeão, mandou expedir
o Alvará de que seoue a copia:
•ir.
"I*ciçt> StUui iU» (jiic este Alvtirá virem. (jiie atlendcndo
ás illustres cjiKilidcules do Conde. Pedro. Múria, losé Car-
los, AiivHisto dOeYiiliiUisen Grcxívembouri^, Conde- do S.
IiiHx^rio Uomano, Clentilhoinein cki Còrle do Rev d'In-
i^'liiterra. Tcticntc Cleneral dos meus l:xcrcitos, c Inspector
Gercil dii Infantaria, l\o meu Conselho, c Commcndador
dci Commenda de Villa Mean e Prança, \á defunto:
Tendo attenÇt^io ao seu merecimento pessoal, e zelo com
que se empres^iou sempre no l-^eal Serviço, assim como
ao sanviue illustre, c|ue r:l-l>íev D. losé, meu muito amado
Pai, de s^jioriosa memoria, já attendeu em seu Primo co-
irmão, o Conde de Schaumbourv^ Lippe, lley por bem.
e mando que iw minha Corte, e em todos os meus Pev-
nos, e domínios, sem excepçc^o de luijar ou de pessoa,
se reconheção seus filhos k^ilimos. e os successores le^ji-
timos d'estes, ce^mo Condes e Condessas de Oevnhausen,
com o tratamento de Kxcellencia, tanto de palavra como
por escrito; sendo este tratamento o que supra mais
itiiediatamonte os fitulos. previleijios e tratamento com
que o l)i[->ltMiia Imperial lioiira esta familia. em linha le-
s^itima e descendente; e por ser justo mesmo para decoro
l\o meu l-^eal Serviço, que sujeitos do préstimo e talento
lio defunto Conde de Oeznhauseu. não percão nelle as
peroviativas do seu nascimento.
I: este se cumprirá como nelle se contem sem duvida
ou embarv^i^ alv,;um iiualquer (jue seja, e não obstante
tiuaesquer leis. ou disposições em contrario, as quaes hey
por tierrosjadas para este effeito stSmente. ficando aliás
em seu vi^ior. Pelo que mando etc.»
"Alvará por cjue Vossti Ma^jestade manda i]uc nos
seus l^eynos e dominic>s aos successores tio Conde de
Oeynhausen se dêem os títulos de Condes e Condeças
dXVynhausen e tratamento «.le l:xcellencia com i]uc nas-
cerão, em virtude <.\o Diploma lm|XMÍal...
47
Na copia deste Alvará, a Marqueza d'Alorna escre-
veu a seguinte observação:
«El-Rey ordenou a José de Seabra que cumprisse
este Alvará, e mo desse leçalisado, com ordem de que
eu lhe apresentasse todos os meus filhos logo com as
honras que lhes declarava : o que fiz com a copia do
Diploma Imperial, cuja copia mandou guardar na Secre-
taria, e com a maior bondade recebeu e festejou os meus
filhos e como grandes os tratou. O que se confirmou
por escrito em todas as ordens c^ue no Serviço se derão
ao Conde jocão, meu filho».
EI-Rei D. João VI, sendo Principe Regente, desejando
dar á Condessa de Oeynhausen um publico testemunho
da sua consideração, fez-lhc a elevada mercê de a no-
mear Dama de Honor da Princeza Sua Mulher, pelo di-
ploma de que segue a copia.
"Eu o Principe Regente Faço saber a vós Visconde de
Balsemão, do Meu Conselho d'Estado, Ministro e Secre-
tario d'Estado dos Negócios do Reino, que servts de
Mordomo- mór da Minha Casa, que Attendendo ás qua-
lidades e mais circunstancias recommendaveís, que con-
correm na pessoa da Condessa de Oevnhausen, e de
aquelles de quem descende, que foram beneméritos das
Honras e Mercês dos Senhores Reis d'estes Reinos, e
48
IcmkIo cl Ilido ciMisidertiçAo : Inii servido Ttizer-lhc Mercê
de a Acceitiir por Dona de Honor da Princeza Minha
Muito Amada e Presatia Mulher : Ordeno-vos o tenhaes
assim entendido e lhe façaes assentar este Alvará nos
Livros i.\c\ Matricula dò Minha Casa para que vença em
cada anno cento setenta e três mil novecentos e qua-
renta réis tie suas limarias. I-^acões de creadas. Propinas
e Moradias, com a antiv^niidade de quatro do presente
Mez e Anno; e feito o dito Assento lhe fareis dar este Al-
vard para Minha Lembrança e sua Guarda. Dado no Pa-
lácio de Mafra em nove de Novembro de mil oitocentos
e um — Principe —- com Guarda "Visconde de IVilse-
m5o».
Alvará por que Vossa Alteza l^eal Ha por bem La-
zer mercê a Condessa de Oevnhausen de a Acceitar por
Donc\ de Honor d<\ Princeza sua Muito Amada e Prezada
Mulher, na forma acima tlcclarada. "Para Vossa Alteza
l-íeal ver.,,
A l-^ainha Dona Maria 11. querendo dar á Marcjueza
d'AK-)rna uma nova e alta prova tio seu real apreço, cn-
viou-lhe o sevHiinte decreto:
"Attendendo aos lombos serviços e acrisolado amor.
(|ue sempre me consa^jrou a Marqueza cLAL^rna. minha
Dona de Honor, e ciuerendo dar-lhe hum testemunho do
apreçc^ cm que tenho as suas virtudes, sou servida con-
ceder a Dc^na Lrederica e a Dona llenritiueta. filhas <.\i\
sobredita Martiueza dAlorna. a cada uma delias huma
pensáo tle seiscenti^s mil réis annuaes. pa^os i^x-llo meu
k\Ml Cofre em mesaiKis mensaes. O Vedor kU^ minha
49
Real Casa, encarregado da receita e despeza, o tenha
assim entendido e faça executar.
Paço das Necessidades vinte e seis de Mayo, anno
mil oito centos e trinta e sete.
Rainha.
Thomaz de Mello Breyner.
Tendo publicado o "Jornal do Commercio,,, n.^^ 4415.
de 1868, sob a epigraphe— /\ Marqueza d'Alorna — d\-
oumas considerações sobre o mérito daquella célebre
senhora, na ordem de desenho e pintura, mérito apre-
ciado pela escolha que delia fizera o Príncipe Recente,
commettendo-lhe o honroso encargo de formular o plano
para as pinturas que deviam decorar o palácio áà Ajuda,
í. Ribeiro Guimarães, na sua muito valiosa obra "Sum-
mario de varia Historia,,, no artigo "Recordações da
Marqueza d'Alorna„, depois de publicar o officio '
1111. "a Ex.°" Sr. = — Tenho a honra de communicar a V. Ex.a,
que o nosso augusto Soberano, reconhecendo as grandes luíes e co-
nhecimentos de que V. Ex.a se torna merecedora na historia portu-
gueza, assim como a sua vasta erudição e amor a tudo que pode inte-
ressar ao esplendor do throno e da nação, deseja que V. Ex.» queira
communicar-lhe, por esta Secretaria de Estado, algum plano sobre as
qualidades das pinturas com que se poderá adornar o novo palácio
real, as quaes deverão exprimir as acções gloriosas dos nossos augustos
Soberanos e dos portuguezes .-nemoraveis em todas as edades. Espera,
pois, o mesmo Senhor, que um digno producto do gosto e saber de
V. Ex.» haja de contribuir em grande parte para embellezar aquelle
magnifico e soberbo edíficio, que a sua real magnificência tem mandado
levantar.
Com esta occasião tenho a honra de protestar a V. Ex.' a alta
consideração e estima com que respeitosamente me confesso de V.
Ex." o mais respeitoso e obediente servidor.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho
111. "'a Ex.fna Sr.° Condessa d'Oeynhausen — Arroyos em 2 de Ju-
lho de 1802.
4
pelo cju.íl o ministro I). RoJrisío de Sousa Coutinho en-
carreirou a Marqueza daquella honrosissima commisscio.
offerecc aos seus leitores uma carta de um protegido da
Senhora Marqueza d'Alorna, Cândido Ios<5 de Carvalho
na qual. depois de se referir a esta commissâo de que
tinha sido encarreirada a sua protectora, accrcscenta tex-
tualmente o seijuinte:
"Ha, porem, um facto cjue, em meu humilde entender,
eleva a res^it^es mais subidas a memoria dó sjrande sabia,
e que vou dar á publicidade; quebrando d'esta arte o
sii^illo cjuc me foi recommendado pela própria Mar-
qucza.
"Achava-mc homisiado em sua casa no ultimo pe-
ríodo do reinado do Senhor D. Mii^uel de Brai^ança.
(juando a minha nobre protectora me mandou chamar
para lhe escrever uma carta, que ella dictou. em resposta
a outra que lhe endcrci^ára o Intendente s^^^al dà poli-
cia, helfort. prevenindo-a de que era obrií^ado a mandar
proceder a uma busca em o seu palácio, no intuito de
ser capturado um individuo, (que era cu) .illi ihcuMí^
contra quem havia ordem de prisão.
"A este tempo fez-se annunciar o encarregado do con-
sulado de Prança, que ia com a miss^^^o única de depo-
sitar nas nitros tia grande sabia o premio que lhe fora
conferido pela Academia Real tias Sciencias de Paris,
de que era stKia. sobre assumptt^s de mathematica. em
tjue tinham sidt^ ouvidos os demais socit>s ! liste premio
era uma preciosa gravura, feita a(í Iwc, (jue delineava a
aptifhctise da grande heroina !
"Pctirandt">-se o apresentante. t|ue. se a memoria me
n^o falha, era mr. Durieu. pediu-me a minha protectora
tiue lhe tiesse um sacc» de seda vermelha, onde costu-
mava guardar alguns papeis muitc» particulares, e encer-
rando ali c> valiost^ tit>cumentt\ recommentiou-me silen-
cii\ e. com atiuelle stMrist^ eltx)uente. que lhe era parti-
51
cular, murmurou : "Um cadáver galvanisado nao po
com tanta «ala Estes franceses
etubal, 22 de julho de 1868.
Cândido José de Carvalho.
Este premio era um documento de alta notoriedade,
porque provava que ás variadíssimas aptidões de Alci-
pe, accresciam também as sciencias niathematicas, que
são muito raras numa senhora, e portanto muito para
ser nella admiradas.
Entre os documentos de maior vah'a, que se pexiem
considerar, para provar os elevadíssimos méritos da emi-
nente escriptora, que os académicos seus contemporâneos
denominaram Alcipe, avulta o artis^o de Alexandre Her-
culano, intitulado «D. Leonor d' Almeida, Marqueza d'Alor-
nâ-», artigo que appareceu a pagina 405 áo Panorama,
e no qual o seu muito illustre auctor, alem áo seu alc-
vantado propósito de fazer a apreciação da distinc-
tissima e douta poetisa, nos apresenta a seu próprio res-
peito a muito importante dcclarat;ão de que aos conse-
lhos e á mão ami^a de Alcipe devia os benévolos incita-
mentos, que o levaram a caminhar pela senda do estudo
;e da instrucção.
O artigo é textualmente o seguinte:
52
D. Leonor d'Almeida. Marqueza d"Alorna
N. cm 31 de Outubro 1750
Pcill. em 11 de Outubro 1839
"l\^r ijraiidc que deva ser a ijrdtidão que se associa
ás recordações daquelles que nos geraram, por funda
que vá a saudade inseparável da memoria paterna, no
coraçáo do bom fillio, lia um affecto não menos puro,
e náo menos indestructivel para o liomem cuio espirito
allumiado pela cultura intcilectual tem a consciência de
que o seu lo^iar e os seus destinos no mundo sáo mais
elevados e nobres que os desses tantos que nasceram
para viverem uma vida toda material e externa, e depois
morrerem sem deixarem vestigio. Este affecto é uma es-
pécie de amor filial para com aquelles que nos revela-
ram os thesouros da sciencia. que nos res^eneráram pelo
baptismo das letras-, que nos disseram: "caminha !«c nos
apontaram para a senda do estudo c da illustração, ca-
minho táo povoado despinhos como de flores, e em
cuio primeiro marco milliario muitos se teem assentado,
náo para repousarem e sej^uirem avante, mas para re-
trocederem desalentados, quando sósinhos nâo sentem
máo amiv^a apertar a sua e conduzi-los após si. Tirae á
paternidade os exemplos de um proceder honesto, as
inspirações da divfnidade humana, a severidade para
com os erros dos filhos, os cuidados dc\ sua educação,
e dizei-nos o que fica? Pica um certo instincto, ficam os
laços do habito, e para impedir que tão franjeis prisões
se partam fica o preceito de cima qile nos ordena aca-
temos e amemos os que nos vicraram. ainda que a elles
53
não nos prendd senão a dádiva da existência, esse tão
contestável beneficio. Pelo contrario aquelles que foram
nossos mestres, que nos attrahiram com a persuasão e
com o próprio exemplo para o bom e para o bello, que
nos abriram as portas da vida interior, que nos iniciaram
nos contentamentos supremos que ella encerra, para
esses não é preciso que a lei de aoradecimento e de
amor esteja escripta por Deus; a razão e a consciência
estampáram-na no coração: cada gôso intellectual do
poeta, do erudito, do sábio lha recorda, e quando elles
se comparam com o vulgo das intelligencias reconhecem
plenamente a justiça do sentimento de oratidão que os
domina.
"Estas reflexões occorreram-me ao abrir o primeiro
volume das obras da senhora Marqueza d'Alorna, con-
dessa de Oeynhausen e de Assumar, D. Leonor d'Almeida,
que actualmente se publicam e de que já dois se acham
nitidamente impressos. E foi para mim um prazer verda-
deiro escrever essas cogitações dum momento. Áquella
mulher extraordinária, a quem só faltou outra pátria,
que não fosse esta pobre e esquecida terra de Portugal,
para ser uma das mais brilhantes provas contra as vans
pertenções de superioridade excessiva âo nosso sexo, é
que eu devi incitamentos e protecção litteraria, quando
ainda no verdor dos annos dava os primeiros passes na
estrada das lettras. Apraz-me confessá-lo aqui, como
outros muitos o fariam se a occasião se lhes offerecesse;
porque o menor vislumbre dengenho, a menor tentativa
d'arte ou de sciencia achavam nella tal favor, que ainda
os mais apoucados e timidos se alentavam; e d'isso eu
próprio sou bem claro argumento. A critica da senhora
iMarqueza d'Alorna não affectava jamais o tom pedagó-
gico e quasi insolente de certos lítteratos que ás vezes
nem sequer entendem o que condemnam, e que tomam
a brancura das próprias cans por titulo de sciencia, de
54
v*osto, c de tudo. A sua critica cm modesta, e tinha náo
sei o que de natural e affccluoso que se recebia com táo
bom animo como os louvi^rcs. de que n^o se mostrava
escassa quando merecidos. Uma virtude, rara nos liomens
t.\e lettras, mais rara talvez entre as mulheres que se teem
tlistin\;íuido pelo seu talento e saber, <5 a de náo alardea-
rem escusadamente erudiÇc^io. c essa virtude tinha-a a se-
nhora Marciuoza cm s^rdu eminente. A sua conversação
variada e instructiva era l^o mesmo tempo fácil e amena.
I: todavia dos seus contemporâneos quem conheceu tâo
bem, náo dizemos a litteratura ^re^a e romana, em que
ii;íualava os melhores, mas a moderna de quasi todas as
nações l\ci Huropa, no c)ue nenhum dos nossos portujjue-
zes porventura a ivjualou ? Como madame de Stael ella
fazia voltar a atten<;c\o da mocidade para a arte da Al-
Icmanha. a qual veio dar nova seiva á arte meridional,
que vej^etava ni\ imitação servil das chamadas lettras
clássicas, e ainda estas estudadas no transumpto infiel da
litteratura franceza L\<^ época de Luiz .XIV. l'oi por isso
e pelo seu profundo eni;;enho. c^ue. com sobeja raz^o se
lhe attribuiu o nome de Staêl portu^íueza.
"A vida desta nossa célebre compatricia acha-sc á
frente dc\ edição das suas obras: para lá remettoo leitor.
.•\hi verd como em todas as phases da sua lar^a e não
pouco tempestuosa carreira, ella S(^ube dar perenne tes-
temunho do seu nobre caracter de independência e sje-
nerosidadc; verá que em quanto na terra natal primeiro
a tyrannia, e depois a is;ínorancia e a inveja a perse-
^^niiam.ella ia encontrar entre estranhos a justa estimaçãc^
de príncipes e de illustres persona^íens da republica das
lettras. Ahi verá como nascida no século do materialis-
mo, vivendo larsjros annos no foco das ideias anti-relii^io-
sas. acostumada a ouvir todos os dias repetir essas ideias
por homens de incontestável talento, ella soube conser-
var puvc\ a crença dcx sua infância, e expirar no seio do
55
chrístíanísmo. Ahí finalmente verá como as ausências,
por vezes involuntárias, da sua terra natal, não poderam
fazer-lhe esquecer o amor que devemos a esta, ainda nO
meio das injustiças e violências de todo o género.
"O primeiro volume das obras poéticas dà senhora
Marqueza d'Alorna contem afora a vida áâ auctora, e
uma noticia biographica do Conde de Oevnhausen seu
marido, as poesias compostas na mocidade. Boa parte
destas foram escríptas no mosteiro de Chellas, para onde
entrou de oito annos de idade com sua mãe, occorrendo
a prisão do Marquez d'Alorna D. loão. Encerrada em
aquelle mosteiro passou D. Leonor d'Almeida os annos
mais viçosos da juventude, tendo para alegrar as triste-
zas de tão longo cativeiro, que excedeu dezoito annos.
unicamente o lenitivo do estudo, e os conselhos e affa-
gos maternos. Quízera alguém que tivesse havido mais
severidade na escolha das composições daquella épo-
ca, algumas das quaes desdizem do primor que n outras
posteriores se encontra. Eu lamento só que se não po-
desse ajuntar a cada uma a sua data. Assim, bem longe
de ter sido um inconveniente essa desigualdade innega-
vel, houvera ella sido um meio para se avaliarem bem
os rápidos progressos da joven auctora, que nas obras
de tão verdes annos annunciava já o seu brilhante futuro
nos rasgos frequentes de um engenho ao mesmo tempo
solido, delicado e vivo.
"O resto do primeiro volume e o segundo contém as
poesias da senhora Marqueza posteriores á sua sahida
do mosteiro. Na disposição delias também não se guarda
o methodo chronologíco: a natureza dos poemas deter-
minou a ordem d elles. Julgar essa grande variedade de
composições não cabia nos estreitos limites deste jornal.
Os que as teem lido, e que sabem entendê-las apreciam-
nas devidamente. Elias são um íllustre monumento para
a historia da poesia portugueza, um nobre testemunho
«Sft
da piedade filial que as trouxe á luz publica, c para em
tudo esta pubiicaç»5o ser apreciada, a sua nitidez typo-
v;raphica c uma prova dos proíjressos que a arte de im-
priniir leui feito entre luSs
A. Herculano. m
luli^amos dever reproduzir aqui o folhetim, com que
«O Correio Portui^iuez». no seu numero de 17 de Setem-
bro de 1S6S, ai^iradece os volumes 1.° e 2.° das Obras
Poéticas de D. Leonor d' Almeida Lorena e Lencastre.
Marqueza dAlorna, Condessa de Assumar e de Oevn-
hausen. que acabavam de lhe ser entrci^ues.
"Temos lido com sofres^uidío e saudade os versos nu-
merosos i.\(\ insii^ne poetiza. Com saudade, repetimos, por-
que ti^o vertiadcira cjuc^o pun^^ente a motiva a compa-
ração {\i\ opulência e primor litlerario de ha ainda alsjuns
annos — embora concentrado em circulo estreito — ca
pobresa e esterilidade presente. A aridez politica parece
ter eivado e ressequido os corações e ens^ienho dos hoje
denominados litteratos; e uma moda inventada pelo aca-
nhamento, pela prci^uit^a, e quasi diria pela curtcza e
isiínorancia. ha pretendido expulsar dos jartiins — \òo
mescjuinhos! — <<\cí litteratura hodierna a flor que lhe>
realçava vilorias ~ a poesia!
"Lidam em vtlo! Os en^íenhos, que sentem c se sen-
tem, não deslembrarão nunca o dever saibrado de thuri-
ficar com triplice adoração a deusa bemfazeia. que lhes
reveza horas trabalhosas e viv!ilias amofinadas com incf-
faveis vjiosos.
"Não é para a brevidade, com que se nos ívrmitte
occupar-nos avjora das poesias (.\ci illustre Alcipe, entrar
nc\ individuação das differentes com|x>siçòes que formam
57
ã riquíssímd e inapreciável collecção que nos está aos
olhos. Comtudo não nos isentamos de pagar o tributo,
que julgamos dever em consciência a tão distincto mérito.
"E por ventura devíamos aqui ficar; porque, encómios
geraes, qual homem de letras ha deixado de liberalisa-los
ás mãos cheias á memoria gloriosa da sr." Marqueza
D. Leonor d' Almeida? Viva, sua reputação igualava, se
não excedia, a de que se logra de nós ausente ; que por
mísera condição da natureza humana costumamos ser
tão pródigos então, quanto dantes fôramos avaros, de
não agradecidos louvores.
"Mas quem não folgará de proclamar em voz alta que
a poesia de Alcipe é riquíssima não menos de saber que
d'imaginação ? que seu estylo é terso, e próprio, e nume-
roso? que sua linguagem é legitima e portugueza?
"Não nos deteremos a repetir o que dizem todos que
merecem ser ouvidos em tão grato assumpto ; mas não
é possível, nem devemos, que fora injustiça, calar e omit-
tir o que pensou e escreveu dos dotes e da poesia da
fallecida sr." Marqueza d'Alorna o maior poeta dos úl-
timos tempos — o sempre lembrado Filinto Elisio. "E' uma
fidalga em quem os dotes do animo superam a antiquís-
sima, e bem illustrada nobreza. Não ponho aqui seu
nome (ainda que por muitos titulos o mereça) porque
rasões que devo respeitar me atalham : mas a bellesa, e
altivez de seus versos e da sua imaginação a farão dis-
tinguir de quantas, e ainda de quantos correm a mesma
vereda.» Depois de tal testimunho, só nos cumpre em-
mudecer.
"Entretanto romperemos este silencio religioso para
convidar todos os amigos da nossa litteratura, e espe-
cialmente a mocidade estudiosa, a que leiam, meditem,
e se inebriem, versando com diurna e nocturna mão as
obras, que vimos de annuncíar-lhcs.
"E receba o editor primoroso das obras de Alcipe os
58
iivrrtidecimentos c louvores (juc lhe s^o devidos: fez
mimo sobremaneira valioso á republica litteraria ; e, no
.iccío e esmero da ediÇc^o. deu mais uma prova da alta
conta em que tem, e deve ser tido de todos, o nome il-
lustre dã reverenciada authora.,,
A pas^ína 205 do volume 2." do seu notável Estudo
Histórico "Rainhas de Portus^iaN. Francisco da Fonseca
IWnevides ínclue entre aKjuns illustres portus^íuezes. que
floresceram no tempo da Rainha D. Maria I. a Marqueza
d'Alorna. D. Leonor d'Almeida. que denomina j^frande
litterata c ami^^a d.^ célebre Madame de Stael.
lerdinand Denis. o eminente escriptor francez. que
tc^o amisiío foi dos portui^íuezes, aos quaes prestou im-
portantes serviços, insere a pa^^ 4S9 do seu livro «Resu-
me de illistoire litléraire de Portuv^il», as scí^uintes notá-
veis referencias ao talento da Mar(iue?a d'Alorna :
"On sest piainl ciuelquoíois en Portui^ial de ce que
léducation des femmes laissait beaucoup ^ désirer-, mais
11 scmble cjue le même reproche ne puisse plus ôtre fait
maintenant. et plusieurs dames jouissent d*une iuste ccMe-
brité. par leurs ouvra^^vs. Au premier ranv! on doit mettre
la Contesse tiXX-ynhausen. cjui a écril dans tous les vícn
res. et qu'\ joinf à la connaissancc des lanjjíues. un talcn'
59
remarquable de versifícatíon. On met au nombre de ses
meílleurs ouvrages une traductíon de TOberon de Wie-
land.,,
No seu poema «As Flores», o grande Castilho, referín-
do-se a Alcípe, presta-lhe a alta homenagem de a classi-
ficar como douta, e diz que a Condessa cVOeynhaiísen, Mar-
qiieza cVAlorna, é talvez a mais afamada mulher que Portugal
tem produzido.
Também na nota III, escripta pelo eminente poeta, que
se encontra a pag. 158 do vol. 51, das suas obras com-
pletas, se lê textualmente:
«Dei por necessário escrever uma nota de propósito,
para dizer que o epitheto de douta applicado a Alcípe
não é complemento de verso, ' mas expressão de rigorosa
verdade. A senhora condessa de Oevnhausen, Marqueza
d'Alorna, é talvez a mais afamada mulher que Portugal
tem produzido. Todos os maiores poetas desde a Arcá-
dia até hoje, Diniz, Garção. Quita, Alfeno, Filinto, Bocage,
Monteiro áo Amaral, teem dado incensos a esta Musa,
contemporânea de tantas gerações. Chegada quasí á raia
de um século de existência, cangados todos os sentidos,
sem forças para ler ou escrever, índa comtudo sua con-
versação é ínstructivo recreio para pessoas de Letras. Do
muito que leu. que viu, e que meditou, nada se lhe per-
* — Se alvas Musas engenho vos sopraram,
ali se vos levanta Alcippe, a douta,
do seu Tejo ao Tamisa arremessada.
Assim cantava por jardins britannos
de Flora o reino lindo em lindos versos.
(Canto II do nDi^i no Jardim» de António Feliciano de Castilho i
60
deu nem boralhou nô espaçosíssima memoria : c (o que
é mais) sua imaiíinaç«5o ainda n^o despiu o verdor e flo-
res dos vinte annos. Muitas obras lia suas, aldm das im-
pressas, umas orisjinaes, outras versões do ijreijo, do la-
tim, do inj^lcz, do allemáo, do italiano, etc. Na conta das
inéditas e oriçinaes é o Poema das Recreações Ek)tanicas.
mencionado no meu texto, obra onde abundam bellezas,
e de cujos cantos cada um foi pela Autora dedicado a
cada uma de suas filhas.
Castilho. „
A Marquesa d'AIorna tinha çrande consideração por
Bocai^íc. c apreciava especialmente o seu merecimento.
Recordemos que n'uma reunião em casa do Conde de
Camarido, em que estavam vários membros da Arcádia,
e senhoras, entre as quaes a famosa Alcipe, como se esti-
vessem Viilozando motes, deu a excelsa poetisa o sesjuinte
a hocas^e. que o vilozou prompfamentc:
Defender os pátrios lares
Dar a vida pelo Rei
l: dos Lusos vaJorosos
Caracter, costume e lei.
lintre os objecteis cjuc |KrkiKcM\ini, scin duvida. Á
douta Alcipe. destaca-se o binóculo, mont.ido cm madre-
pérola, de que damos a photo-ijravura.
m
^
■HMHá^H)iiâiiA
D. Magdalena de Vilhena
CAPITULO 111
Parentesco da Marqueza d'Alorna com Frei Luiz de Sousa. Ai-
cipe considerada como pintora: o seu quadro "A Solidão,,.
O .euarda-joias d'Alcipe, offerecído á ultima senhora Mar-
queza de Fronteira e d'Alorna, pela célebre escriptora hes-
panhola, D. Carolina Coronado. O jazigo da Marqueza
d'Alorna. Últimos trabalhos de Alcipe. Uma carta autogra-
pha de Filinto Elysio á Ex.ma Senhora D. Leonor d'Almeida.
Noticia da Paraphrase dos Psalmos em vulgar. Auctorisa-
ção de Alcipe para ser impressa a sua "Arte Poética de Ho-
rácio, ou Epistola aos Pizões.,,
Na série dos notáveis ascendentes das famílias de
Alorna e de Assumar, deve muito dístínctamente englo-
bar-se Frei Luíe de Sousa, Manoel de Sousa Coutinho, que
foi casado com D. Magdalena de Vilhena, da casa dos
Condes de Miranda. Esta illustre dama, era mãe de
D. Joanna de Portugal, mulher de D. Lopo d'Almeída,
primeiro Conde d'Abrantes, por onde claramente se en-
laçam os Almeidas na ascendência de Alcipe. É bem co-
nhecido o facto de ter D. Magdalena de Vilhena, mulher
de D. João de Portugal, passado a segundas núpcias com
1 Esta autonsação vem na carta a D. Leonor da Gamara, integraí-
mente transcripta no capitulo VIII.
OJ
Miiílocl de Soiisci Coutinho, por se ler juli^ddo perdido ou
morto seu marido com l:i-Rci D. Sebastião na infeliz jor-
nada de Alcacer-Kibir. Verificando-sc depois a vida e
existência de D, loao de Portuvíal, resolveu-se D. Maçda-
lena de Vilhena a tomar o habito de reliíjiosa no Con-
vento l\o Sacramento ao Campo de Santa Ciara, com o
nome de soror Mas^dalena das Chagas, entrando Manoel
de Sousa Coutinho no Convento de S. Domini^os de Bem-
fica. onde, pelo seu estudo, tanto se assis^rnalou nas letras
pátrias com o nome de Hrei Luiz de Sousa,
No Palácio ÍMonteira em S. Domini^os de Bemfica,
existe um quadro excellente representar.do D. Maçdalena
de Vilhena; este (ju<-i<-í>o tem sido sempre considerado na
familia Mascarenhas, como sendo de Soror Maj^dalena
das Chagas.
Hntrc as variadas prendas de Alcipe não deve esque-
cer a dõ pintura. Lembremos a este respeito, que também
no palácio Fronteira existe um quadro da eximia escrip-
tora, do género pastel, que se denomina Solidão ou Sole-
dade. Lsfe quadro tem curiosa historia, merecendo espe-
cial referencia a causa determinante ác\ sua composição.
Tendo a Condessa, ausente de Portugal, escripto va-
rias vezes a seu pae. sem ter recebido resposta, depois de
baldadas diligencias, lembrou-se de que. sendo seu pae
amante k\ò arte L\y\ pintura, talvez lhe respondesse se lhe
enviasse um painel feito por sua mão. Realisando este pen-
samento, pintou-lhe um engenhoso quadro ái\ sc^lidão. ou
soledade, representando de um modo bem eloquente e
sensivel. a saudade, o silencio e o pesar em que vivia jx^la
falta de noticias de seu pae, noticias que anciosamente
esperava.
Liste quadrei chegou felizmente a ser entregue áquelle
a quem era destinado, o qual nâo podendo resistir ao
paternal impulso, começou desde logo e continuou a es-
crever a sua filha, com regularidade.
63
Alem do quddro da Solidão, ha noticia do quadro
"Amor Conjugal,,, que offereceu á Princeza do Brazii.
D. Maria Benedicta, quadro, que se queimou no incêndio
do palácio áã Ajuda.
O retrato do Conde de Oeynhausen, que existe na ga-
leria dos retratos de familia, no Palácio Fronteira, e que
apresentamos em photo-gravura, foi debuxado por Al-
cípe, alguns mezes depois da morte de seu marido; e sa-
hiu-lhe tão parecido, que serviu de assumpto á engra-
çada cantiga, que ella dedicou ao seu pincel, e que prin-
cipiando pela quadra
Pincel, celeste pincel
De Amor divina invenção !
Tu es certamente feito
Da felpa do coração.
termina pela seguinte:
Mas que digo ? Quanto dista
A ficção da realidade!
O meu pincel só é feito
Dos estames da saudade.
De outros quadros de Alcipe ha apenas referencias,
mas não se sabe que fim levaram.
As diversas photo-gravuras, que offerecemos á consi-
deração do leitor, são devidas a photographias, traba-
lhos admiráveis do primoroso artista amador, o nosso
dedicado cuiiii^o, snr. lonje de Aliiicidcí Uma, a quem
apresentamos de novo a expressão do nosso melhor re-
conhecimento.
O enthusiasmo pela Marquesa d'Alorna é notavel-
mcnle afirmado em muitos objectos preciosos, que lhe
foram especialmente dedicados.
í:ntre estes assii^inala-se uma caixa com lavores artis-
ticos, em madeira de espinheiro, tendo na tampa um
anjo, sesjurando uma facha, na qual se lê: *Viva a Ex.""»
Senhora Marciucza de Alorna», em letras primorosamente
imbutidas na madeira.
A caixa, que tem as dimensões de 0'n,35 de compri-
mento por 0'^,^0 de lar^^ura e 0"',195 de altura, assenta
sobre quatro pés de bronze lavrado e doirado, e tem
duas ars^olas do inesmo metal.
junto ao fundo ha uma gaveta, que se fecha com um
segredo, e esta não pode abrir-se sem que esteja aberta
a caixa ou cofre, que devia ter servido para guarda
jóias.
Madame Perrv, a muito illustre escriptora hespanhola.
D. Carolina Coronado. ' na sua pesquiza de objectos
antigos, de cjue era muito apreciadora, encontrou esta
'D. Carolina Coronado, cciebre c-cripiora hcsp.inhola, nasceu,
a lide Dezembro de 1H20, em Almendr.ilcio, província de Badajoz.
Eotre as Muas obras, notáveis pela graça e pela profundeza dos senti-
mentos, citam-se, segundo a Kncyclopedia 1'ortugueza lllustrada, Poe-
sias : O quadro da Esperança, comedia ; Aflbnso IV, drama ; e os ro-
mances : Paquita : a Adoração ; JariPa ; Sigea e A Roda da desgraça.
Casou em 1H40 com o diplomata americano, Horácio Perry.
Kaileceu em Lisboa, na quinta da Mitra em i5 de Janeiro de 1911,
tendo 91 annos.
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65
valíosd caixa numa loja de coisas antioas ; apressou-se
em adquiril-a, por que era também çrande admiradora
da muita excelsa lítterata, Marqueza d'Alorna.
D. Mathílde Perry Coronado, adorável filha de Ma-
dame Perry, que falleceu pouco depois de sua distinctis-
sima mãe, sendo casada com o Ex.mo Snr. D. Pedro Tor-
res Cabrera, filho dos íllustres Marquezes de Torres
Cabrera/ offereceu á ultima senhora Marqueza de Fron-
teira e de Alorna a soberba caixa, que temos descripto,
e^ que actualmente está na posse da senhora Marqueza
d'Avila: e de Bolama, que foi intima amiga da extincta
senhora D. Mathilde Coronado.
Tendo vivido quasi 89 annos a Marqueza d'Alorna,
falleceu a 11 de Outubro de 1859; conservou-se no es-
tado de viuva desde 3 de Março de 1795, em que falle-
ceu aos 54 annos de edade, o Conde de Oevnhausen,
sendo Tenente General e Inspector Geral de Infantaria.'
e estando nomeado para o cargo de Governador do
Algarve.
Na Noticia biographica da Excellentissima Senhora
D. Leonor d'Almeída, Marqueza de Alorna, que precede
as Obras poéticas d esta preclarissima dama. lê-se que
tendo vivido quasi 89 annos, em que deo provas cons-
tantes de boa christã e de boa portugueza, foi a norma
do seu procedimento: «Amar a Deos, a sua Pátria e a
sua familia; dar lustre áquella, e a esta fazer todo o bem
que era possível».
«Conheceo o termo final da sua carreira e resignou-se
com a vontade de Deos, recebendo os últimos Sacra-
mentos. Nessas ultimas horas da existência faltou-lhe a
66
vistci o o ouvido, c. juivícíndo que cstavd só, começou a
ovioiiisar-sc a si mcsnin. Rosou ti Saudação Angélica, c r\(\
uitinui paliivra da oraÇiio . . . [dllou-lhc a voz.-- c fdl-
icceu».'
Assim terminou a sua Ioniza, dindd que na maior
parte atribulada existência, uma das mais admiráveis
mulheres que tem nascido em Portus^al.
A Marqueza d'Alorna está depositada no jazií^o n.»
336 áci rua n." íl áo cemitério dos Prazeres, onde se lè:
"D.Leonor d'Almcida Portui^al Lorena e Lencastre, 4.»
Marqueza d'Alorna, 7.-^ Condessa de Assumar e de Oev
nhausen. Dama de Honor de Sua Mas?estade Fidelissima,
das Ordens de Santa Isabel e da Cruz Lstrellada.
Nasceu cm 3i de Outubro de 1750 e morreu em 11
de Outubro de 1839.
Suas filhas saudosas levantam este Mc^numcnto á sua
memoria.-.
Nos últimos annos OíCí sua vida.apezar de amarsjura-
dos pela morte de seu filho, o Conde )oâo de Oeynhau-
scn, a Marciueza d'Alorna, continuando os seus trabalho-;
litterarios, paraphraseou os psalmos de David, e princi-
palmente fez ás letlras portut^uezas o inolvidável serviço
de animar Alexandre Herculano a caminhar e proi^redir
na senda dos seus estudos. D'este elevadissimo serviço
nos dá conta o próprio Alexandre Herculano no admi-
rável artii^o (lue publicou no Panorama de 1844, e que
textualmente transcrevemos.
' o I alavTio cm que fallcceu a Marquez.i il'Alorna crn siiuado ni
ciuiio (^alçnJn «1«> Snlitrc, csquinn dn Iravess* das Vacas.
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67
Por morte de seu pae, e em consequência da invasão
franceza, saiu a Condessa de Oeynhausen para Madrid,
e depois para Inglaterra, onde esteve até 180Q, tendo ali
escrito, alem de outros trabalhos o Poema das Recreações
Botânicas. A entrega de um exemplar deste poema valeu
a Alcipe uma carta de Filinto Elysio, que está archívada
entre os seus mais importantes papeis, e que é textual-
mente como se segue :
111. '"a e Ex.'"a Senhora D. Leonor d'Almeida
O Ex.'"o Snr. Conde de Palmela me entregou o Poema
das Recreações Botânicas, com recommendação de V.
Ex.a de que o emendasse. O Poema li-o com aquelle
prazer com que sempre li quanto vem do Soberano In-
genho d'Alcipe. As emendas, não cabe na alçada da
minha ignorância pôr-lhe a mão, ainda quando o Poema
delias precisasse. Alem de serem para mim sagradas as
Obras de Alcipe, e ter eu por sacrílega a ousadia de
tocar n'ellas. Se, nesse trigo candíal, algumas arestas haja
Apollo que é quem só as pode perceber, Apollo as sopre;
e não um caduco peticégo aposentado servente do Par-
naso, como é
O admirador de V. Ex."*
Francisco Manoel.
P. S. 1." Mais completo seria o prazer, que o Poema
me causou, se acompanhado viesse com as tam necessá-
rias notas, com que a eruditíssima A. o pode ornar.
P. S. 2." Nunca tive o gosto de ler a traducção da
Arte Poética de Horácio, com que V. Ex." me quíz brin-
dar. Agora, que a Ex.'"a Condessa da Ega vive em Lon-
dres fácil fora que ella me cedesse essa producção de V.
Ex.'* para que eu tenha mais uns motivos de admira-la.
68
Um dos mais monumentdcs trabalhos de Alcipc é a
sua Paraphrasc dos Psalmos em vulvjar, a qual constituo
o Tomo VI das Obras Poéticas da Marqueza cVAlorna.
Para thema ou cpivjraphe da Paraphrasc adoptou-sc
o Ps. 70 V. 18 :
Deus docuisti me a juvenítiíe mea, it iisquc nnnc pronuntiabo
mirabilia tua.
ijue a douta Alcipc paraphrascou assim :
Di^o o que me inspiraste desde a aurora
De meus dias, meu Dcus: daima traslado
O cântico entoado
Que me nasce do bem de conhecer-te ;
I: jamais cessarei de enjjrandecer-te.
A paraphrasc dos Psalmos prova, á mais completa evi-
dencia, o profundo conhecimento que a Marqueza de
Alorna tinha <\c\ lin^jua latina, e demonstra tambcm a sua-
vidade e a melodia do canto da excelsa F)oetiza. Assim
o affirmam muitas das suas paraphrascs de que escolhe-
mos cjuasi ao acaso as sevíuintes:
Ps. 50 V. 4 e 5 :
(4) Quoniam iniquit citem meam ego cognosco, et precatam mcum
contra me est sempcr.
(5) Tibi soli peccavi, et ma/um coram te feci : uí jastificeris
in setmonibus íuis, et vincas cum judicaris.
60
PAPAPHRASE
Reconheço, Senhor, minha malícia ;
O meu peccado sempre tenho á vista ;
Faz-me horror quanto nelle achei delícia.
Ah ! contra ti pequei.
Ao mal ante os teus olhos me entreguei.
Ps. 54 V. 6 a 7 :
(6) Et dixi: quis dabit mihi pennas sicut colam bae, et volabo,
et requiescatn ?
(?) Ecce elongavi fiigiens et mansi in soíitadine
PARAPHRASE
Ah ! quem me dera ter azas.
E como a pomba voar !
Buscara um ninho remoto,
Allí fora descançar :
Fora aonde não se ouvisse.
Nem o vento murmurar.
Ps. 73 V. t :
{*) Ut quid, Deus, repulisti in finem ? ira tus est furor tuus
super oves pascuae tuae ?
PARAPHRASE
Assim nos abandonas. Deus irado ?
Quaes ovelhas errantes,
Sem conductor. sem pasto, em sitio estranho
Tu deixas sem aprisco o teu rebanho?
Ps. Ilí V. 1 :
(l) Laudate pueri Doiuiiium, landatc noincn Dornini
70
l'.\KAI'HllA.sh
Levcintcii suaves cantos,
Mancebos, a Deus louvai ;
O seu sanctissimo nome
Com fervor novo invocai.
Ps. 125 V. 1 :
(l) /// converti n (/o Dom in tis captivitaícm Sion facíi siimiis
sicuí consolati.
PARAPHRASF
Quando, oh Senhor poderoso.
Quebrares vJrilhões pezados
Com que estii Sião captiva
Por obra destes malvados.
Tal será (\o j^osto o effeito.
Que para tanta ventura
Tique o coração estreito.
Ka carta a D. Leonor áci Camará, em que Aleipe auc-
torisava que fossem impressos os seus versos, triumphando
assim a vontade da amijiHa da sua repuiínancia, e talvez
ác^ própria razão que lhe prohibia de expor d censura dos
intellis^entes obras c)ue nunca aspiraram ã fama. e que só
tinham sido compostas para passar e adoçar instantes,
cjue tantos acontecimentos |x?nosos enchiam de amar^fura,
a douta escriptora referindo-se ã sua *Arte poética de Ho-
rácio, ou l:[">istola ac^s PizcVs». em portus^uez. denomina-a
traducçãc\ imitação, ou o ciiio lhe t|uizerem chamar os
entendedores.
71
E accrescenta :
«As regras de composição poética, que Horácio es-
creve com tanta perfeição, ficam ao alcance de muita
gente, sem o trabalho de estudar a língua latina.»
Effectivamente o admirável trabalho da Marqueza
d'Alorna, que constítue o quinto volume das Obras poé-
ticas de Alcipe, não só realisa inteiramente o seu propó-
sito anteriormente exposto, mas affirma ainda o seu me-
recimento como poetisa, e o seu superior conhecimento
da lingua latina.
A leitura de qualquer dos brilhantes períodos da Arte
Poética de Horácio, publicada em portuguez, exemplifica
á completa evidencia o que levamos dito.
CAPITULO V
Cinco cartas de Alcipe, dirigidas do convento de Ciielias ao Mar-
quez d'Alorna, seu pae, então preso no forte da Junqueira.
Resposta da Condessa de Oeynhausen ao Secretario d'Es-
tado, que lhe remetteu as graças de Marqueza d'Alorna e
de Condessa de Assumar. Extracto da carta escripta pelo
próprio punho da Marqueza d'Alorna ao Marquez de Wel-
lesley. Copia da folha de um jornal, escripto por D. Leonor
d'AInieida, nos últimos dias da sua prisão em Chellas. Re-
querimento da Marqueza d'Alorna pedindo a revisão do
processo que injustamente condemnou o General Marquez
d'Alorna, seu irmão.
Na preciosa collecção das cartas de Alcípe, que exis-
tem no Palácio Fronteira, copiámos aquellas que teem os
números de ordem 29, 30, 97, 98, e 99, e que foram diri-
oídas do Mosteiro de Chellas ão Marquez d'Alorna. que
estava então preso no forte da junqueira.
Na carta n.o 29 encontram-se os seguintes períodos :
Meu querido Pae e Snr. do meu coração
Quando escrevo por este portador parece- me que
V. Ex.a está mais perto, ou que posso fallar-lhe ao ouvido
e copiar o meu coração. A doença d'El-Rei, que não tem
ido a melhor nem a peor, tem posto os negócios na sua
7}
louvável indcÇcio ; porem niio deixa de encher de esp>e-
rançiis cl miiitii sI^Mitc c de sustos o Marquez de Pom-
bal.
Scíiiprc me deram que entender os desis^nios do Mar-
tjuez de Pombal para o futuro, e com effeito principiaram
a manifestar-se bastantemente na intentona de fazer jurar
o Príncipe contra todos os direitos da Princcza. '
l:l-l^ei continua a repousar-se sobre uma falsa virtude,
que c^ talvez a única que se conhece n*esta terra. A utili-
dade publica e a justiça voaram, como diz a fabula, para
os céos, e os homens acham-se dispensados de as prati-
car; comtanto que murmurem aos ouvidos do confc*ssor
quatro ridicularias insiiínificantes. Tudo se leva por o ce-
remonial e com isso se contentam.
Ha mais tempo teve o Patriarcha a resolução de di-
zer a Hl-l-íei que elle como hispo. considerando ^ua Ma-
i^estade como ovelha sua. tinha obri^íaçâo de dizer-lhe
que a voz publica era de que os Tavoras padeceram in-
nocentes, i:l-l^ei ouviu rfans nu morne silence e Uc^io respon-
deu uma só palavra. O Patriarcha. que viu como tinha
sido inútil a sua demonstração, tornou a fallar a El-Rei
e de novo lhe disse cjue o povo todo estava persuadido
i\ci innocencia l\í{ nossa familia. El-Rei com um ar enfa-
dado replicou : «Pois cá daremos conta a Nosso Senhor
desse peccado.» Parc^ce-me que um atheista nt^^o respon-
dia melhc>r. Ni^o me posso persuadir de que o nosso So-
berano ivinore muitas das cruekiades, que se praticam
comnosco ; mas é certo que muitas coisas lhe dizem com
' Isto é de promul^nr a lei salicn em Portugal, ainda em vida
•J'EI-Rei D. José, tomando assim nulos os direitos de D. Maria I, e de-
terminando que succcdesse no throno a seu Avô, o principe D. José.
Segunda Marquc/a d'Alorna, mãe de Alcipe
75
a mais execranda falsidade. Elle até açora não soube da
minha doença e outro dia chegou por um acaso singular
a noticia ás Senhoras Infantas D. Maria Anna e D. Maria
Benedícta, Creio que minha mãe conta a V. Ex.a este suc-
cesso. Eu passo a outra coisa.
A minha saúde delicada, e que desejo conservar para
consolação de V. Ex.^s depende muito do beneficio do ar.
e vejo que inutilmente trabalho para a fortificar, sem ap-
plícar-lhe o remédio único. Não posso queixar-me senão
do desalento que se apoderou tanto de minha mãe como
do mano. Nem uma nem outro fazem uma só deligencia de
que se possa esperar resultado, porque tudo se reserva
de uns dias para outros, que nunca chegam. Quem po-
derá dizer que fazendo-se uma conferencia no dia 10 de
Agosto e offerecendo-se o Wadde para attestar em casa
áo Marquez de Pombal a verdade da minha queixa, ainda
a certidão que elle passou está nas nossas mãos, ainda
meu irmão se não encontrou com elle! Falta um mez só para
meu irmão se ir embora, e torno a ficar nos mesmos ter-
mos, sem esperança nenhuma de allivío. Eu bem sei que o
Marquez de Pombal não ignora que eu estou doente, porem
que se lhe dá a elle d'isso, quando com a minha moléstia
não sente a minima importunação ? Todo o amor que eu
sei que minha mãe me tem, todo o pezar que V. Ex."^ occulta
do que eu padeço foi impedimento talvez a que as cou-
sas se fizessem nos termos que devem ser. Eu creio que
não exijo demasiado cm que por trez ou quatro dias se
cuide unicamente d'ísto e resolvo-me a dizer a V. Ex.^ o
que me parece, pedindo-lhe o maior segredo de lá para
que as cousas tomem caminho.
Nem levemente passe a V. Ex. ' a idéa de que me queixo.
Desconsolo-me do meu estado, e desejo que minha mãe
e meu irmão não percam em mim um objecto que amam
e que os ama coma maior ternura. Eu não tenho nenhum
76
tip|iLiiic tic Siíhir ti iU|iii. os objectos para cjiic quero vida
aqui os tenho. Unicamente invejo a fortuna de meu irm«5o
que pode app)arccer a V. Ex,«, e cu certamente lhe appa-
rccia loí^o, se podcssc praticar alí^uns remédios ; talvez
esta consolaçi^o me desse a vida, que me foigeno seio da
desconsolação c i.\c\ aniari^ura.
Ha três dias que sahio daqui uma preta vasando-se
em sans^íue pela bocca, c ha três dias que lhe parou, e
scnte-se-lhe melhora jurando, sem mais nL^diy fazer que
mudar para uma (juinta, que fica mais alta, mas defronte
deste convento. As^íora tenho a Condessa de Vimieiro, *
em Lisboa -, no caso que meu irmão se fosse, poderia com
ella dar os meus passeios. A idéa de sahir pelo processo
c|ue minha mãe communicou a V. Ex.a e que no princi-
pio me fez o appcfitc que é natural, pareceu-me depois
cheia de inconvenientes, que me des^^ostaram, e quiz an-
tes padecer mais alcjuma coisa que melhorar por aquelle
meio. Náo se assuste V. Ex.« com o que diçoimasjinando
s^randes coisas; cu não tenho tido demais senão ali^umas
convulsões e melancolia, por isso ando mais imaiijínativa,
mas a cor não tem diminuído demasiado, e nem um só
dia estive de cama. As^ora tenho pena de atcrrorisar a
V. í:x.'' com estas impertinências, mas jã aiiíora ou o moço
ha-de ir sem carta ou eu hei de mandar esta. Creia V. Ex.\
iiiou iiucrido pae. ciue não lhe desejo dar senão ^osto.
Mande-nie V. í:\;' dizer como lhe poderei mandar uns li-
' I> Thereza de Mello Breyner, nuctora Ja Osmia, e a amiga
mais querida de Alcipe.
A Osmia, como se sabe, é uma irsgedia em cinco actos, premiada
pela Academia RenI das Sciencias de Lisbon. cm 1 3 de Maio de
77
vros que sahíram agora, que lhe podem dar algum de-
vertímento, são do tamanho da Biblíotheca. Recados do
mano Tancredo a V, Ex.», meu querido pae.
De V. Ex.a
Filha muito amante e obediente
L.
Depois de concluir; não sei que tom grosseiro acho
n'isto que me respeita ; eu desejo que as recommendações
que V, Ex.a fizer ao mano e a minha mãe, sejam todas
sobre o methodo e a brevidade : qualquer que seja sobre
a efficacia pôde ser uma injuria a pessoas a quem devo
tanto carinho, tanta ternura, e que só por força da mesma
ternura não atinam com o que me convém.
A carta 30 diz textualmente o seguinte :
Meu querido Pae e Snr. do meu coração
Tudo quanto V. Ex;^ me diz me enternece, e me oc-
cupa de modo que me esqueço de todos os debates scien-
tificos, e reduzo tudo aos momentos deliciosos, que me
pintam um pae enternecido sobre a sorte e felicidade de
uma filha extremosa, e que deseja distinguir-se entre as
submissas e obedientes. Eu nunca li nenhuma das obras
prohibidas de Voltaire, e tendo muito appetite de ler o Sé-
culo de Luiz XIV e votos para que o lesse, não me resolvi
a depor o meu escrúpulo. Conheço unicamente o que V.
Ex.a me deu licença para ler, excepto a Vida de Cezar,
que não a tenho, nem nunca me emprestaram. Em algumas
collecções de Poesias fugitivas e de papeis volantes te-
7>í
nho visto alijunias poças suas de nenhuma importância, c
só de summa vJ^ilanteria que ordinariamente rolam sobre
as^radecimentos de obras que lhe dedicam ou de novas
que espalham, umas vezes l\ò sua morte, outras contra os
seus escriptos, coisa de que faz pouco caso, e nesse es-
pirito diz que, porque Nonote escteve parvoíces, ellc a não ha-
de enforcar, mas perdoar-lhe e ficar em paz. Acho que quer dar
n'ísto uma lit^ão de moderação e da piedade, que se po-
dia usar com ellc, que também de vez em quando erra
consideravelmente. Devo dizer que ainda não vi os seus
erros; minha mãe é que diz que sempre que abre os livros
(jue V. lix." sabe que eu tenho, lhe acha uma blasfémia. I:*
certo que o seu modo de fallar.(juct5 inteiramente diverso
da excessiva devoção de minha mãe, pode produzir este
cffcito. límfimeu ciuo me limito sempre ao que V, Kx.'^ po-
dem querer, procuro modelar o horror desta melancólica
inacção, com a lição que me é permittida. Leio todas as
manhãs Bourdaloue ' ou Pénelon, e depois d'isto. Histo-
ria, Poemas, Loi^ica. Metaphisica,e Phisica. São as matérias
de i.\wy: v^osto e creio que me são permitfidos os livros em
que me instruo, porque nenhum delles deixa de ser no-
meado por V. lix.» ; a historia natural faz as minhas deli-
cias, e se V. I:x.° me privar d'isto, sci^uro que me priva
daquillo <^H»c mais me recreia. Com tudo estou prompta
para queimar Mr. de huffon e tcxios os que me vierem á
mão dessa espécie. I:u creio bem que para uma tola, seria
prejudicial o conhecimento de alsjunsses^redos de que tra-
tam os naturalistas, mas fixa no principio do Marquez de
Pau, de que todas as palavras na bocca de uma pessoa
honesta são honestas. A natureza denudada c presente
' fíourdalouc — Celebre jesuíta e pregador franccz, que falleceu
em 1704. Adquiriu enorme reputação justiHcadissima, porque os seut
sermões causavam verdadeira admiração.
79
aos meus olhos não é mâís que uma maravilhosa obra
do meu Creador, que eu olho com respeito, com modés-
tia, e com o receio que nas almas sensíveis produz a su-
blimidade do artifíce e dos artefactos. V. Ex.a^ farão de
mim o que lhes agradar, e com isso a minha felicidade,
Remetto a V. Ex.' esse primeiro tomo das obras dessa
madama com quem tenho emulação, gosto bastante delia,
o seu caracter é tão bom como as suas obras, mas eu
creio que morreu. Traduzi os versos inglezes para que V,
Ex.'"' não tivesse a sensaboria de os não entender, versos
não se traduzem senão em verso, e por isso eu os fiz muito
maus, mas que comtudo são mais soffriveis que a prosa.
Dizem que se converteu á fé catholica romana um cé-
lebre Lord inglez, que havia escripto muito contra ella,
e que o parlamento (de que elle era membro) se conten-
tara de perguntar-lhe com que tenção tinha tomado se-
melhante resolução. Dizem também que os ínoleses estão
persuadidos de que mesmo para os negócios políticos lhes
convém a tolerância dos papistas, e que virão a mudar
de systema. Duvido ; mas será.
O Papa escreveu ão Rei da Prússia para a extincção
total dos jesuítas na Sílesia, mas elle zomba dos raios apos-
tólicos. Os jesuítas pediram a um bispo as ordens para
os seus noviços e não as querendo dar o Bispo em con-
sequência da Bulia da extincção, El-Rei da Prússia o fez
suspender. São parvoíces a montes, mas a mim não me
importam essas matérias.
Sahio um edital da Mesa Censória contra uma carta
do Bispo de Cochim para o de Cranganor, em que se
condemna o proceder da inquisição contra o Malagrida, '
i A condemnaçáo do Reverendo Padre Gabriel Malagrida é
uma das maiores atrocidades do Marquez de Pombal ; nenhum dos
seus defensores apresenta justificação acceitavel d'este acto de pavo-
rosa vingança.
80
Á piMici de imutc. Nci ctiiUil ccMicicmna-sc (jucni tiver a tal
Ctirta, porem uào \w pena para quem tiver o edital onde
cila vem copiada e refutada com as solidas razões de um
ministério illustrado ; o Marquez de Pombal, queixando-sc
com rasAo cie tal carta, exclamou : — e que seia isto pos-
sível contra a S^inta Incjuisiçc^o onde se juntam os maio-
res Theoloijos ! o tribunal da fd onde reside a justiça c a
verdade ! etc. I:ste homem provavelmente vc próximo o
seu termo, ou. ainda que o Uc^o veja, avalia o mundo bem
e busca a honra í.\í\ reliv*ii^o, presentemente, com um ar-
dor com que tem cheijado a dizer, que está prompto a
dar a vida por cila. l:tc.
Dizem que \S «;c nc^o trata do casamento do Príncipe
em Prança.
Ao mano Tancredo infinitos recados e agradecimentos
pelos livros que vinham cxcellcntes. com muito boa en-
cadernação, letra, etc. c que me tenho consumido de lhe
m^io mandar a Los^ica de Pclice, mas que brevemente irá.
Quero a bençc^io de V. Kx.i meu querido Pae e sou
De V. Rx.» filha muito amante e obediente
L.
Eu tenho passado alí^uma coisa melhor, mas ainda
fraca.
Mm querido Pae c Snr. do meu coração
A estas horas terá V. I:x.» visto as caras das suas jx>-
bres lilhas; quando Deus nos der o ^osto de nos vermos,
achará V. I:x.»uma cirande differença. porque a insensibi-
lidade do meu retrato náo admitte aquella alteraçáo que
háo-de causar em mim os sentimentos áo meu coraçáo
em semelhante encontro. Também por cá temos lido nos-
sas comeilias com o (jue por lá se terá passado •. estes
quinze tlias tccn-iKw parecido compridíssimos.
81
Remettí ultimamente a V. Ex.a os livros de Boulanger,
e esqueceu-me dizer que eu não tinha lido os últimos ca-
pítulos do 3."^ tomo, porque o Tamagníni me tinha adver-
tido, que tinham muita liberdade contra a Religião. Mas
como V. Ex.a tem licença não importa. V. Ex.a verá nas
cartas de meu irmão as esperanças que temos de o ver
para a Páscoa : Deus queira dar-nos este gosto, que é o
único que tem semelhança com o de ver a V. Ex.a.
Saberá V. Ex.a que estou na resolução de deixar por
agora o estudo do árabe. Mas como a mana Maria se
adiantou alguma coisa, convíemos eu e ella, a beneficio
dos nossos estudos, das nossas bolças e das nossas saúdes,
que estudasse ella aquella lingua, em quanto eu concluía
o estudo da latina, porque depois lhe ensinaria eu a ella
o latim, e ella me ensinaria a lingua árabe. Conheci que
o estudo pesado daquellas duas linguas me cansava, e
não me deixava aprender depressa nem uma nem outra.
E junto com tudo o mais a que eu gosto de applicar-me,
seria faltar áquella sobriedade que V. Ex.» quer nas mi-
nhas applicações. A mana não ha-de experimentar damno
algum com o tal estudo de árabe, porque tendo ella
muito mais pachorra do que eu, faz estas coisas mais com-
modamente, e além d'isto não tinha presentemente estudo
sério de coisa nenhuma. Pelo que respeita á minha pala-
vra dada ao Príncipe, eu supponho que elle não torna
lá, porque os seus negócios teem peiorado, e o homem
não está para graças; além d'isto não foi dada tão seria-
mente que exija um cumprimento exacto; o pouco que
fiquei sabendo das minhas lições, com o meu desembaraço
talvez que seja sufficíente ; e se não fôr, paciência ; porque
cUe também disse que faltaria a lingua portugueza, e. pelo
que me consta, ainda não sabe uma só palavra. Queria
mandar a V. Ex.» umas sátiras, que teem sahido contra os
nossos poetas, mas ficarão para a outra vez. por que as
não posso copiar, nem escrever desta vez quanto desejo.
82
Nt^^o ha nenhumas novidades, scnJio o casamcnti/» uc
uma filha de Luiza de Saldanha com o Maquinei.
Dê-mc V. f:x.* a sua benção que nâo f>osso mais. Re-
cados ao mano Tancredo.
De V. lix.-
Filha amantissima c muito obediente
L.
Lisboa, 3 de Abril.
Mfu qneiiilo Pae c Snr. do meu coração
Temos estado com çentc n'csta casa de modo que já
muito tarde podemos desembaraçar- nos para escrever a
Y. I:x.» poucas refiras. Reiíietio a V. I:x.» a carta da Con-
dessa de Vimieiro e uma que lhe escreveu a ella a Prio-
rcza em resposta dos parabéns.
Tive summo j^íosto de que a V. Ex.« lhe ai^rradasse o
meu Drama, e proponho-me açora de lhe dar todas as
voltas para cjue ficjue melhor. Já estou com appetite de
fazer mais al^iuma coisa ; e, se a minha saúde me ajudar,
farei obra totalmente minha, que possa divertir a V. E.x.»:
este c* o objecto de todos os meus desejos. Tenho appetite
de tratar um assumpto, tirado úã Historia romana, em cjue
acho caracteres nas personáj^ens, muito analoi^os aos nos-
sos; mas aintia n^o estou resoluta. Náo ha novidades.
Recados ao mano Tancredo e adeus meu querido Pae.
Vou bem com os meus banhos, já tenho sete.
De V. I:x.«
IMIha muito obediente
L.
Meu qurrído Pae e Snr. do ntrii coração
Na ultima vez (jue escrevi a V. J:.\.' caiava lao pretK-
cupada com as ideais de uma mudança próxima, que aiv-
83
nas me sentia ainda em Chellas. O costume de olhar para
todas as coisas seriamente ha muitos annos, faz com que
ainda aquellas mesmas que deveria escrever alegremente,
recebam debaixo da minha penna, um certo tom languido,
que lhes tira talvez a graça. Porem o que V. Ex.'' não encon-
trar nos meus escriptos, passe a buscal-o immediatamente
no meu coração, que se geme por costume, não é por isso
menos capaz de crear e de sentir a alegria. Paréce-me ás
vezes que não deixando escapar coisa alguma á minha
sensibilidade, dilato mais a minha existência. Pelo senti-
mento se passa do nada ao ser, e quando o sentir muito
me possa ser incommodo, sempre lhe acho mais utilidade
que na insensibilidade e na incapacidade de olhar um
objecto e de avalial-o por todos os lados. Bem quizera
eu não achar nada que receíar nos papeis que estão na
mão do Marquez, mas não sei tranquíllisar-me, lembrando-
me que poderão ser os que pertencem aos estudos de V.
E.x,''. Não sei sobre que seriam, mas os objectos que prin-
cipiavam a interessar nimiamente o mundo litterario,
quando V. Ex.» foi preso, e que certamente já interessa-
riam a V. Ex."*, são perigosos de tratar em um paiz despó-
tico, onde o capricho é unicamente a lei que servimos. A
política que principiava a apurar-se muito com o favor da
philosophia, é hoje o objecto que mais interessa os philo-
sophos, e em que os políticos machíavcllicos mais receiam
ser instruídos. Dizer : que os Príncipes são protectores das
leis; que o seu poder é restricto para elles; que a justiça
não consiste em opprimír, mas em manter e conservar os
direitos de cada individuo, que compõe a sociedade, são
blasphemías, e o phílosopho que as pronunciar deverá
occultar o seu nome para abrígar-se das iras do Ministé-
rio. Tanto nos governa o capricho, e tão desaforadamente,
que o Arcebispo me disse a mim (quando lhe dava as
mais solidas razões para livrar-nos da oppressão em que
estamos), que eu não comprehendía o génio do Marquez.
Si
e como com cllc se conscvíiiicim os coisas: que a arte toda
consistia cm espiar o instante (jue ellc tinlia de ceder, e
que esse mesmo instante, preferia elle muitas vezes que
nt^^o chevfasse, por que em uma occasiáo. estando muita
isente a fallar-lhc, entrava nc\ casa a fazer varias corfezias,
observando com o seu óculo as diversas pessoas, e que
ultimamente vendo u.-n certo (o qual por boa: razões en-
tendemos ser meu irmão), voltdra para o Arcebispo di-
zendo, que entrasse para a casa de dentro, porque tintia
coisa importante a communicar-lhc. O Arcebisix\ depois
de achar-se só, per^iuntando qual era o nesíocio. teve esta
resposta : — Nada ! Conversemos, que eu quiz só evitar
que um certo procedesse para comis;;o d'um modo. que
hei-de procurar evitar, a poder que eu possa. l:u res-
pondi que nao conhecia senão a innocencia própria, e a
justiça i.\i\ causa, fiando que estes objectos fossem bas-
tantes para merecer a attenÇi^o de um ministro esclareci-
do e recto, como eu devia suppôr o Marquez. Quiz dizer
quQ Utlo consultava caprichos nem génios extrava>?antes
de ninvnicm. mas vi que me perdia, e com muito trabalho
tive a pruilencia de caJar-me. Se V. li.x." escreveu coisa
c)ue respeite essas matérias, quando ainda o temp)o nâo
conslraniiiia tanto atc^ as ideias, temo bem que elle esteja
enraivecido com isto fortemente.
I: tonuira saber o (lue poderd ser, para tomarmos as
nossas medidas.
O moço necessita partir mais cedo que do costume
por isso acabo.
Ixccados ao mano. e adeus meu querido Pae do meu
coraÇc^o.
ÍK- \. I:.\.^
lilli.i 111, lis aiii.uiti* o I >h<'< 'ioiili'
85
Resposta de Alcípe âo Secretário d'Estado que lhe
remetteu as traças de Marquesa d'AIorna e Condessa de
Assumar.
lU.^o Ex."^o Snr.
Recebi o aviso com que por ordem de Sua Majestade
V. tx. me favorece: muito excede o meu reconhecimento
gratidão, respeitoso affectoe acatamento quanto cabe nas
mmhas toscas expressões, quando por este modo honroso
tl-Rei meu Senhor renova em mim a memoria pura de
aquelles a quem succedo. Da bondade de V Exa espero
que supra o que em mim falta, para expressar repetidas
vezes a bua Majestade estes meus vivos sentimentos Prou-
vera a Deus que como os meus. em que o Estado achou
sempre servidores zelosos e fieis, eu tivesse meios e talento
para demonstrar quanto amor ao Soberano, e zelo pela
§loria daMonarchia transmittiram. com o sangue ao meu
coração.
. Diane-se V. Ex.a. na presença de El-Rei meu Senhor
desermterprete do que tenho a honra de manifestar-lhe'
e acceitar o protesto da alta consideração com que sou
De V. Ex."
muito attenta veneradora
Marqueza d'Alorna
Condessa d'Assumar e d'Oevnhausen.
Nos numerosos papeis, que a snr.a D. Leonor Fernan-
des possue da Marqueza d'Alorna. encontra-se a copia de
uma notável carta, que a Marqueza escreveu ao Marque^
de Welleslev. e da qual damos aqui um rápido extratJ
86
Mylord
Ha nionicntos c sitiKiç<^cs na vida, cm que, se nos su-
bmcttemos á reflexão, somos cruéis e injustos. A politica
e o interesse aconsclham-me o silencio; ocoraçáo, a ami-
sade, o sançue, obriíjam-me a implorar o auxilio de V. Ex.«
I: scS V. I:x." que pode acrescentar á íjjloria do seu Mi-
nistério outra v^loria nova, restituindo d Naç<5o portujjue-
za c ao Príncipe Ressente a infeliz Nobreza de Portuijal.
e purificando-a dò horrivel imputaÇc^o de infidelidade.
Creia V, lix.a que muito monos preciosa c a vida dos
Nobres, do que a sua rcputaÇc^o. Delia far^o s^ostosos o
sacrificio no campo l\c\ honra. Se a vida foi concedida
aos Portuiiiuezes que ficaram residindo em Portuiíal. ten-
do servido ás ordens dos l'rancezes, por que motivo ha-
de ella ser recusada aos outros, que se nc^io acham ali
por n^o os terem querido resçatar em tempo próprio?
Um acto ti^io humanitário i.\c\ parte de V. Rx." existe a
maior brevidade. Não podemos duvidar de que V. l:x.'
tomará na consideração devida as nossas supplicas. nas-
cidas nos horrores óci angustia, e nos transes ciò incerteza
a respeito dos entes mais queridos eis nossas almas.
Stroab Mouse. 'J'2 de Abril de 1811.
S. !:. le Marquis de Wellesley.
Condessa de 00'^f^^'^^^"-
87
Julgamos interessante apresentar a copia deveras
curiosa da folha de um jornal, escripto por D. Leonor d'Al-
meida nos últimos dias da sua prisão no convento de
Chellas.
Segue a folha:
Estes 18 annos, e quatro mezes e meio, junto ão leito
da minha amável e infeliz mãe, foram um espaço, em que
só tinha exercício a minha imaginação, o meu desejo de
conhecer meu pae, de consolar e distrahir minha mãe;
estes foram os incentivos que crearam em mim a vontade
de saber mais do que sabia, para os poder aliviar. Depois
que se incendiou e se destruiu a Torre de Belém, transpor-
taram meu pae para o Forte da junqueira, e tiraram-lhe o
creado; ahí ficou só num cárcere, quasi sem luz, frio; des-
acommodado, e sem nenhum soccorro; eu teria então dez
para onze annos, e como já sabia escrever, ainda que mal,
lembrou-me fazer um plano de educação, para as donzel-
las portuguezas, plano que divertiu muito minha mãe, e
communicou-o ás pessoas que nos cercavam, as quaes o
fizeram correr Lisboa, c me deu uma certa celebridade que
decerto a obra não merecia. Continuei a minha assidui-
dade junto ao leito de minha mãe, e a ler-lhe cm portu-
guez tudo quanto ella queria; a maior parte das obras eram
devotas, masescriptas por aquelles que melhor fatiavam
a lingua portugueza, por e.xemplo Frei Luiz de Sousa.
Bernardes, Fr. Thomé de lesus, a vida de D. João de
Castro, por Jacintho Freire, algumas orações académi-
cas, de meu pae, e de meu avô, etc. Com isso adquiri
a correcção na lingua ; nesta época, chegou uma carta
de Malta, em que meu tio D. Luiz d'Almcida, irmão de
s.q
nicii piic. dciva muitos parabéns d minha mòe, das ha-
bilidades de sua filha, dizendo, que lhe constava que cu
sabia muito bem francez e italiano; era falsa a noticia, eu
nt^io sabia nem francez nem italiano, mas entrei com tal
zelo, a estudar uma e outra lini,jua, que de 13 annos en-
tendia tudo, li Telemaco, varias outras obras de Mr. de Pe-
nelon.e a de Mr. de Ramsai. que traduzi toda em portu-
s^uez. e que ficou na mão l\o bispo de Malaca, homem
muito instruido e de muito ens^enho; começou-me a ten-
tar a leitura dos pocMas, li Ferreira, e finalmente Camões;
esto quasi me fez endoidecer de enthusiasmo. e fez desen-
volver em mim, esse tal qual estro, que tanto recreava
meu pae-, fui lendo tudo quanto achei, e pude adquirir,
por um folheto que comprei, o qual tinha por titulo. Bi-
bliothfqtw d'un hommc de RoCii; che^iuei a adquirir ^Oid vo-
lumes meus. quasi todos cheios de notas, para meu estu-
do c instrucção. Mas depois da soltura de meu pae, e do
meu casamento, mandando ir esta collecção de livros
para o Porto, onde meu marido commandava um rci^i-
mcnto, furtaram-me estes õOO volumes, que eu juls^iava
serem o meu thezouro.
A Condessa de Oevnhausen tendo reigressado a Por-
tuvial, e tendo promovido com a mais insistente dedica-
ção a revoíijação i\c\ sentença que iniustamente tinha con-
tlemnado o Marcjuez d"Alorna, seu irmão, como traidor
ã pátria, ficou habilitada pelo tribunal que fez a revisc^o
do processo a fazer o requerimento se^iuinte :
89
Senhor
Diz a Condessa de Oevnhausen, que tendo provado
na maior evidencia a honra e lealdade de seu irmão, o
Marquez d'Alorna, contra a sentença proferida em 22 de
Dezembro de 1810, que a Supp.^ embargou, foi elle ab-
solvido, restituída a memoria do dito seu irmião, e absol-
vido do crime que injuriosamente lhe fora imputado, re-
vogada a dita sentença condemnatoria, e declarado
inculpado, assim como innocente, e honrada a sua me-
moria; foi também habilitada a Supp.^ para promover
todos os effeitos civis desta restituição, bem como o de
todos os seus bens livres, de vínculo e prazos, direitos e
acções, e quanto pertencer á sua herança e successão,
tudo em conformidade da Ord. L. 5, n.o 6 § 11, como
mostra pela sentença no documento junto.
Ha comtudo, Senhor, uma contradicção manifesta na
sentença, porque mandando restituir tudo ão Marquez
d'Alorna, irmão da Supp.'^, limita a sentença a restituição
de bens e rendimentos d aquelles que estão comprchen-
didos na disposição do Decreto de 9 de Fevereiro de
1821, art. 6.0, os quaes ficam salvos nos terceiros possui-
dores, assim como ão Real Erário rendimentos ou valo-
res que alli tenham entrado.
O texto expresso da Ord. do Reino, sobre o mesmo,
prevenio os damnos graves que produz esta excepção; e
sendo certo que o Marquez d'Alorna, Irmão da Supp.*^
estava perfeitamente innocente, sendo muitos os martvrios
quesoffreu:e parece que a justiça, e a razão natural pro-
hibem que a sua herdeira, que por tantos annos soffreu in-
calculáveis mágoas, fique privada agora dos meios que
lhe são necessários para reparar as brechas, que lhe fize-
ram os castigos e privações não merecidas.
Mais que tudo a vista da inexhaurivel bondade que
90
todos reconhecemos no \^é^\o Coraçt^o de Vossa Majes-
tade, da sua munificência, e jjrandeza, imp>ossivel é csp)c-
rar, que coarcte d Supp>*a mesquinha porção de bens que
lhe competem, e que deixando de lhe serem restituídos,
deixa de als^um modo equivoca e contraditória ademons-
traçi^oda justiça que acaba de julijarseu honrado e infeliz
irnic^io : para evitar esta collisâo a mais desai^radavel, a
Supp/' nt^^o quer mais que a simples e literal observância
da Ordenação L. 5, n." ó, § 11. que o Decreto de 9 de Fe-
vereiro de 1821. nâo revoíjou nem expressa, nem tacita-
mente, em consequência do que está em seu viijor aquel-
la Ordenação do L. 5, n.« 6. § 1 1 como é expresso na
Ordenação L. 2, n.« 44.
Nem esta prctençào da Supp.^ Senhor, é extraordinária
nem excessiva, antes o mais natural, o mais justa, o mais
conforme com as paternaes e benéficas intenções de Vossa
Mai^estade : esses terceiros cujos direitos a sentença junta
mandou salvar, ou estão de posse de bens que sào da
Casa do Marquez d'Alorna, em que a Supp.<^ succedeu.
por titulo de compra, ou por Graça quanto aos primei-
ros que compraram, e só porque os bens se venderam
por um preço arrastadissimo, e neste caso devem entre-
j^ar esses bens comprados, porque são da herança do
Marquez d'Alorna. em que succedeu a Supp.**, e n*este
caso levantar o dinheiro ou valores do Real Erário, que
lhos ha-de entrej^iar. porc^ue cm nome de Vossa Mavies-
tade não ha de querer locupletar-se com tão horroroso
prejuiso da Supp.«^ : e quanto aos sesjundos. isto é, que
estão de posse dos bens por Graça de Vossa Majestade,
estes com dobrada razão os devem restituir d Supp.<^
porque todas estas Graças, foram ob-e subrepticias ; pois
tal houve, permitta-mc Vossa Majestade que exponha a
verdade sem rodeios, tal houve que faltou á verdade, e
env^anou a Vossa Mav^estade expondo, para obterem a
propriedade, que a Supp.'' iS estava tle ^x>sse dos vinculos
91
da Casa, tendo sido incorporada na Real Coroa; pois
nem a propriedade estava incorporada na Real Coroa,
nem a Supp.'^ estava de posse, pois que só de alguns
apenas tomou posse no anno de 1820, a 50 de Maio.
Eis aqui quanto a Supp.^ julga preciso para apadri-
nhar a sua justa supplica quanto á restituição de todos os
bens sem a restricção do Decreto de 9 de Fevereiro de
1821, mas sim segundo a letra expressissíma da Ordena-
ção L. o/o n.o 6, § 11, que está em inteira observância, e
que a Supp.^ reclama na Real Presença de Vossa Majes-
tade em seu auxilio, e que a Vossa Magestade pede que
mande observar segundo a sua letra.
P. a Vossa Magestade humildemente
que, como signal de honra, e de be-
nevolência, lhe faça a Graça de a
despachar como supplica, e de man-
dar cumprir exactamente o que de-
termina a citada Ordenação L. 5°
N." 6 § 11, que está em seu vigor.
E. R. M/^
CAPITULO VI
Mais quatro cartas de Alcipe a seu pae. Em outra carta a seu pae,
Alcipe refére-se a um sermão, que escreveu para favorecer
um pobre frade, o qual, depois de o ter pregado desastra-
damente, o vendeu a outro frade por 4S000 réis, podendo-o
assim rehaver D. Leonor d'Almeida, e podendo portanto
mostral-o como elle era, e não como tinha sido pregado.
Do muito elevado engenho de D. Leonor d'Almeida
vieram dando successívas e concludentes provas as cartas
por ella escriptas no seu quarto no mosteiro de Chellas,
cujas paredes estavam destinadas a limitar o horisonte
da sua visibilidade.
Passamos a apresentar algumas destas cartas :
Meu querido Pae e meu Snt. do meu coração
Com o desejo de entreter a V. Ex.a agradavelmente nas
novidades politicas e litterarias de que me tenho instruído,
perguntei se se resolviam a mandar hoje o moço, disso-
ram-me que não, e tendo-me uma rapariga deste con-
vento pedido que lhe fizesse vários rascunhos de cartas,
umas para cobranças de dinheiros e negócios semelhan-
tes, fiada no tempo, não achei outra occasião de fazer-
Ihas, e no fim diz-me minha mãe que se resolve a man-
dar o moço.
Dizem que o Marquez de Pombal pedira uma Bulia
«M
para se cIcspciKkTcm os cahidos dos bens da I^atriarchal
no serviço dlil-kei ; tju^' o Papa respondera gue se pro-
vessem os luí^ares vaijos. por que cllc nâo tinha duvida
de conceder o que sobejasse a Sua Mai^estade ; mas que
era indecencia. emquanto se faltava ao serviço da Ivjrcja,
sacrificar o que lhe estava destinado aos prazeres do
Soberano.
Pediu-se mais. licença para prover e confirmar o Bispo
de Coimbra, respondeu o Papa que a disciplina dã Igreja
ni^io consentia mais que um Pastor a cada rebanho, e
cjuc nào lhe constando dci morte do outro BisfX), se nào
podia lulmitlir cm boa consciência al^jum outro.
A Hl-I.?ei propozeram-lhe o despacho de ali^uns papeis,
respondeu que n^o estava para nada, que o seu corpo
pedia ócio, que ócio queria, e que entregassem lá isso a
(juem quizessem. Tem continuado a achar-se peior, fez-sc
uma junta de que resultou a continuaÇtio dos banhos do
Estoril, mas também se falia em Caldas.
Dizem quo aqui se espera brevemente o Duque de
Chartres com uma esquadra. í:ste Principe estimável, como
presentemente o é toda a Casa I^eal de rran«;a. dizem que
vem fazer al^nima observaç*io importante, e que talvez
viril contratar o casamento do Principe. Íil-Rei de Prança
é um I^incipe estimabilissimo e que faz honra á naç«io
franceza. um coraçc^io terno e sensivel capaz de compre-
hender todos os seus vassalos : restabeleceu todos os des-
siraçados e as pessoas respeitáveis dos tribunaes. que no
reinado antecedente tinham itio abaixo.
rodas as escolhas que tem feito lhe fazem honra, e os
francezes finalmente estAo na edade douro.
Xi^o ha tempo para mais, eu terei um cartapacio
prompto para a vez sevniinte.
De V. Kx.-
I ilha muito olx^diente
l.
95
Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração
Apesar do tempo mais fresco continuei os meus ba-
nhos e com elles recebo bastante beneficio, essencialmente
em varias coisas, que talvez teem sido a origem de todas
as minhas moléstias; porém como o meu peito é summa-
mente delicado, estes dias com o frio tenho-o tídoalsjuma
coisa dorido e com tosse ; porem todos me acham de boa
cara e a minha côr, que foi das melhores que tem rapa-
rigas, torna a apparecer de dias em dias. Quererá Deus
talvez melhorar-me, apesar da minha sorte? Eu trabalho
para que nenhuma coisa deste mundo tenha a habilidade
de destruir os meus allivios, preparo-me mesmo para des-
pedir-mc do mano sem demasiadas lagrimas, porque me
faz mal chorar. E a ídéa de que podia avigorar-me se ti-
vesse liberdade, olho para ella como para uma fabula bo-
nita, que poderia ornar a poesia ; emfim, torno dío stoi-
cismo para ver se engordo, que é o que me falta. Appa-
rece uma velha aqui, mulher muito de bem e pobríssima,
a qual se quer acommodar com minha mãe por creada ;
toca cravo maravilhosamente, e eu estou com grande ap-
petite de ter este soccorro para a solidão em que nos
deixa o mano; desejo muito que a pague Ignacio Pedro
e proponho-me fallar aos Cresos para que me consigam
este divertimento, vistas as sentenças rigorosas que recaem
sobre mim. Meu irmão diz que hoje ia fallar. âo Marquez
de Pombal, creio que não fará nada, nem ao menos en-
contrar-se com elle, por que isto é o que tem succedido
até aqui. O nosso protector estimável, o Snr. Infante, olha
para nós com summo dó, e já temos a consolação de sa-
ber que clle se compadece áo mano Tancredo e certa-
mente fará a sua felicidade em as coisas mudando. El-
Rei está da mesma sorte e todos asseguram que o Marquez
de Pombal está doente, porem como não está declarado
não nos serve isto de nada ainda. Temos assentado em
yo
que V. í:x.a rit^o nomeie nas siuis cartas nenhuma das pes-
soas que nos consolam ; porque no caso de haver alvju-
ma dcssjraça n^o devem estes nomes ser causa de outras ;
e para que haja muita coníusâo podem servir os nomes
de auctores francczes. Assim D. Thereza de Mello hrey-
ner será Tjrze; o Conde dos Arcos será Mr. Dorat.o Ta-
niavinini, Mr. lialer, célebre medico allemâo d'este século,
excellente poeta também, homem de muita litteratura e
bom síosto ; Almeno náo seja mais Almeno, seja Abbade
de Rance ; o 1'ilinto Mr. Prior, reitor Inijlez ; Albano, Mr-
Destile ; losé Dios^o, Mr. Deslandes, auctor da arte «de ne
point sennuycr. c|u'ennuie cependant» ; Gonçalo Pedro
nâo acho que lhe quadre senão o venerável Scoto. 15 as
pessoas respeitáveis que nos consolam devem também ter
seus nomes : O Snr. Infante nâo se deve nomear nunca
senáo por Pedro l\c\ Silva, nome que náo dá nos olhos,
lil-l-íci a mulher o o Marquez de Pombal o marido. Mr.
Deslandes assim lho ciiama.
M."^*^ des lloulières diz mil coisas s;;alantes contra o que
V. li.v.' pensa, e certamente não ha outra como ella. Mr.
Dorat ha muitos dias que não frequenta o valle das Mu-
zas e por essa razão poucas notas posso dar delle.
Mr. Haler, persuadido também de que eu estimava de-
masiado os phiiosophos modernos, n^o quiz que V, li.x.**
o juljkíassem participante. Ckuáci aj^íora na deliijencia pia de
me voltar contra todos, trazendo-me quantas criticas cé-
lebres se tem feito a estes amii^os; trou\e-me uns livros
intitulados — Trez séculos ád Litteratura franceza — uma
espécie de Diccionario curioso, que me pediu mandasse
a V. l:x." como j^rande coisa. As criticas de Mr. Clement.
o sirande detractor de Voltaire; joão Baptista Kíousseau.
vinv'ado contra a opinião de Voltaire, e a critica de Mr.
tie La liarpe. I:m|im faz-mej^randes prefações contra loão
jaccHics l^ousseau, como se este ami^o fosse o meu orá-
culo, unicamente por ver \\c\ mesma estante o Romance
97
da Julía. Emfim este que eu esperava que ao menos me
não ralhasse, porque sempre me tratou com alguma bran-
dura, já está do partido commume ralha quasí como um
frade velho, ainda que eu estou cada vez mais firme no
que tenho assegurado a V. Ex," meu querido pae ; tomara
que V. Ex.a me mandasse dizer quando lhe hei-de man-
dar estes livros, e se o homem lhos pode entregar, por-
que na verdade dão grande ideia da litteratura presente.
O Abbade de Rance tem estado aqui vários dias, po-
rém ainda se não encontrou com Mr. Haler como dese-
java ; já esteve na companhia de M."^^ des Houlières de que
gostou muito. Minha mãe quer que eu acabe ; adeus meu
querido pae, adeus mano Tancredo, que não posso mais.
De V. Ex.", meu querido Pae,
filha muito amante e obediente
L.
Mr. Dorat é que quiz que os nomes se trocassem.
Aíeu querido Pae e meu Snr. do meu coração.
Estou cheia de saudades de V. Ex.a, e com effeito isto
de dia dannos não é graça ; a memoria de um de mais sem
felicidade, lá tem o quer que seja de melancólico, que se
não tira com boas reflexões : deixa-se a gente ir com as
turmas, e faz tolamente suas quatro lamentações, que po-
derá fazerem outro qualquer dia. Xodós annosde Y. Ex.a
fiz vários papeis : levanteí-me cedo, porque me tocava
hospedar bem os convidados (o mano e José Diogo) ; \\z
o jantar todo pela minha mão, ficou muito bom e eu muito
presumida. De tarde enfeitei-me bastantemente ; veio D.
I. de F. e Haller. O mano estava vestido de côr de rosa
muito galante ; mas, pelas cinco horas da tarde foi neces-
sário mudar para assistir eio enterro do pobre Ignacio Po-
()Q
dro. que dentro cm cinco dias acabou de um picuriz. Todo
o dia falíamos em V. Kx."*, minha màc ã'ini\i\ me pareceu
linda, mas ali^uma coisa majora ; todos diziam que cila es-
tava melhor ciue nós. Se assim é (do que duvida a mdna
com o devido respeito), V. Ex." o vird a julvjar brevemente,
porque ha quem o espcVe na bondade de Deus. Depois
(juc o mano se foi, ficou Mallcr e D. 1, Convcrs<imos ora
nos nossos assumptos litterarios, ora nos políticos; todos
confiam na misericórdia de Deus de que esteja próximo
o remédio das nossas anijustias. Tenha V. Ex.« animo ; já
sei que o comp>* nào quiz levar a V. Ex.» mais que três
jornaes, cjucira Deus que av^ora se resolva a levar o resto.
O mano foi a casa do Arceb. . . e disse-lhe que como
partia para Coimbra se nâo atrevia a deixar sua m3e e
suas IrmiSs no descommodo terrivel em que as via, que
queria saber o estado em que ficavam os nossos nei^cKios.
Respondeu-lhc que brevemente vinha cá dizer á Prelada
que nos desse toda a casta de consolaçáo que necessitás-
semos, e cila soubesse escos^itar ; ainda náo veiu. A Prio-
reza ha muito tempo que mette o negocio á bulha, e que
tliz cjue, como náo tem ordem nenhuma d'EI-Rei, nào está
obrivíada a se^iuir extravas^ancias. Todos julgam que nt*>s
teriamos feito bem em desprezar a maior parte dos ter-
rores, por(5m os nossos limites n^o podem ser condemna-
dos. e ainda ciue nós temos aliífumas horas dapcrtos
i\o coraçtio, a maior parte sJ\o de tranquillidade. Com
í;;ente que náo tem pés nem cabeça, obra-se sem pós nem
cabeça. Cada dia appardce uma nova incoherencia. mas
no estado presente conhecem-se e dcixam-se passar sem
obstáculo -, o mais tem consequências aborrcciveis e ridí-
culas muitas vezes. A Casa de V. l:x.« deveria passar j^ara
as meios de minha nu^ie, porém o mano depois da morte
i.\o Iv!nacio foi três dias a fio a casa do Marquez de Pom-
bal sem nunca lhe fallar, e finalmente nomearam um so-
brinho do tal homem em tudo aquillo em que o tio ser-
99
viu, e por consequência na administração. Não trocámos
com perda, por que o tal rapaz é muito civil, e era por
quem nós conseguíamos alguma coisa do pobre morto.
Veremos o que dá o tempo e, emquanto corre tão con-
trario, é preciso que nos julguemos uns instrumentos pas-
sivos nas mãos da necessidade (se acaso a necessidade tem
mãos).
Pelo que pertence aos nossos negócios, a difficuldade
de remédio quasi me tem feito insensível. Não sinto nenhum
ódio aos inimigos, desejo a minha felicidade sem o seu
damno. e satisfaço-me com o testemunho interno.
O meu sermão irá em estando copiado.
Não posso mais. Dou os parabéns ao mano pelos dias
de hoje e damanhã. Por cá festejou-se muito bem. O mano
P.o vae-se 5." feira, se não tiver obstáculo. Adeus meu que-
rido pae, tenho muitos desejos de conversar com V. Ex.^
e muito que dizer: Deus me de o gosto de vêl-o.
De V. Ex.=^
Filha mais amante e obediente
L.
Meu Querido Pae e meu Snr. do meu coração
Agora que o susto de minha mãe me não embaraça de
falar livremente de V. Ex."* na grandíssima consternação,
em que estivemos no dia da triste execução, não serve de
nada descrever a V. Ex.a as meudas circunstancias do meu
tormento : mas, para V. Ex.i fazer delle uma ideia, basta
julgar que eu fui a única que soube com certesa. que tudo
caminhava para a junqueira; o tive o valor de não dar
signal de mim até que chegou meu irmão. Graças a Deus
que não foi comnosco, nem era nosso conhecido, como
esteve para ser. por causa das minhas pinturas, e da mi-
nha tal ou qual habilidade para essa arte. O pobre ho-
mem morreu, sempre com um valor pasmoso; e é bem
IH)
digno dã maior Uístima. O susto Jc V. l:x.- ucspedaça-mc
o coração ; o mano Tancredo conta as suas circunstan-
cias por um modo, que interessa summamente, e que fez
chorar a sua noiva umas lindas lavirimas. Tive o vjostodc
pensar como V. tix.» e de me achar no mesmo estado de
animo, pouco mais ou menos, esperando quasi insensivel
e que viesse dar comigo só. O que tocava a V. Ex." nâo
o podia imaginar sem me sentir morrer, porem, comonáo
sabia nada com certeza, nt^o deixava que o medo tomasse
posse docoraçtSo,
Dizem que o Marquez tem guardas dobradas depois
dã funcçc^^o, e n^o fala a ninguém S noite ; quando sae
vâo os soldados com as espingardas carregadas com ba-
las; o homem não anda em si e vcrifica-se nelle o retrato
que faz Mr. de Fenelon de Pigmalii^o. N5o ha nada mais
de novo. scn^o a morte repentina do Conde de Lumiares,
com que todas aqui estamos consternadas, por causa de
Condessa e da prima Antónia.
Tudo quanto V. í:.v." dizia nas suas ultimas me deu
a maior consolaçc^o. I:u ni^o gosto muito de disputas se
n^o moderadas ; gosto muito de entreter a V. E.x." e por
isso mandei os livros, mas as notas que elles levavam
oram d<.^ mana Maria, c eu nem sabia que elles as levavam.
O Piron tem feitiçaria para lá ficar. I:stou nã resolu-
Çc^o de mandar a V. Ex.» também os jornaes encyclope-
dicos, que tenho desde o anno 73. Se V. Ex.« quizer os
mais atrasados, eu os mandarei; mas se tiver mais appe-
tite dos d'este anno, onde vem algumas noticias curiosas
sobre o Papa e a Companhia, iráo: tomara consola-lo
e divortil-o. meu cjuerido pae. Dê-me V. Ex.» a sua ben-
Çi^^o. Eu me dilatarei mais para a outra vez. kecados ao
mano Tancredo.
De V. Ex.«
í-ilha mais amante e obediente
l.
101
Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração
Estou com muito cuidado em V. Ex.'' e com o desejo
ardentíssimo de poder soccorrêl-o. Ninguém melhor que
eu coniiece o que V. Ex."* está padecendo, e isto me aviva
dobradamente a compaixão e a ternura. Prouvera a Deus
que o nosso Tamagnini podesse acudir a V. Ex.^ assim
como vem acudir-nos e consolar-nos a nós. Elle hoje
achou-me melhor e até mais gorda ; a exactidão com que
pratico quanto me pode ser útil não pode deixar de fa-
zer effeito. Tornou a ordenar-me os banhos, e faço ten-
ção daproveitar os bons dias que houverem ainda. Es-
tou com melhor côr, que é para mim um grande sígnal.
A debilidade é o íncommodo único que me persegue ain-
da ; mas eu creio que brevemente terei meios de fortifi-
car-me Desejei muito dar
a V, Ex."' algumas novas dos sábios de que tenho nota e
que não são do seu tempo, mas para o fazer com perfei-
ção talvez necessite mais tempo e mais saúde; assim como
é possível, lá vae o que sei.
Mr, de Voltaire, que já é famoso ha mais de meio sé-
culo, ainda agora se conserva á frente de uma multidão
de sábios, que o adoram como oráculo do gosto. Não
está tonto, antes o vigor e as graças do seu engenho
admiram ainda e recreiam a todos ; as suas poesias, que
apparecem a cada instante nos papeis volantes como
jornaes enciclopédicos e outros, mostram que elle vence
a todos na dicção e no modo delicado de pensar.
Um grande numero de obras suas teem apparecido de-
pois da prisão de V. Ex."* e ainda que eu me abstenho de
ler as que V. Ex." me defenderia, sei que tem escripto sobre
a Phvsíca, a Moral, a Politica, a Agricultura, e sobre tudo
quanto se acha. Uma das mais célebres obras são as ques-
tões sobre a encYclopédia. que por virem sem nome de
auctor eu li, e V. Ex.-^ terá a bondade de perdoar- me se
102
lhe parecer gue d minha humilde confissão o merece.
I. |iKqut-'S Pousscdu é depois de Voltaire o mais famoso
pelo seu elcijantissimo estylo, unido a uma profundidade
de conhecimento muito s^jrande e a um jjenio philosophico
o mais raro e o mais estranho, gue o tem levado a umas
sins;;ularidades. gue ou a vist^io ou as preoccupaçôes cha-
mam redicularia. O caracter deste homem é virtuoso, mas
dcss^raçada mente sejtjue essas ideias gue nt^o concordam
com o chrislianismo, e se concordam estico expostas de
um iKxIo c]ue revoltam o mundo christáo, c os devo-
tos mais gue tudo ; das suas obras conheço lulia unica-
mente, como já disse a V. Iíxa Sej|juem-se Mrs. d'Alem-
bcrt c Diderot dois homens raros, o primeiro do caracter
mais amável gue é possivel, os seus escriptossâo a razcio
mesma, o seu cstylo é clarissímo. e mostra sem difficul-
dade a gualguer pessoa aguellas coisas, gue até aj^ora
eram só para um pegueno numero de escolhidos. A ma-
thematica d o seu forte, mas elle com ei^ual habilidade
maneja todos os assumptos, e tanto nas sciencias como
nas bellas letras escreve excellentemente. Li d'este auctor
quatro tomos, que contcem diversas obras, e todos me
encantaram. Diderot menos encantador gue o seu amij^o
e collevía, é também estimável ; tem composto um numero
prodigioso de arti^ios de encvclopédia. é auctor de um
tratado celebre chamado o Código da natureza, c attri-
buem-lhe os dois mais célebres livros gue teeni sahido
n't'-.te século : O Systema d^ natureza, e O Systema social,
os guaes sdo admirados e combatidos pelos dois partidos
Fhilosophico e Antiphilosophico, em gue está dividido o
mundo Hf torario. Mr. de Buffon vive ainda e compõe obras
excelletiles, e agora saliio uma muito boa: Accrescenta-
mento S Historia Natural. Marmontel, Tomas. Dorat, Clar-
deau, Arnaud de Baculard, Dismerie. Sidoine (Gre.^sol) gue
devia ter precedido estes, e o Dugue de Xivernois. em
bellas letras e na Poesia, brilham principalmente ; mas cu
103
confesso a verdade que de nenhum gosto, como de Boí-
!eau, Racine, La Fontaine e os do século precedente.
O Rei de França é um astro que vivifica todas estas
plantas, que estão ainda tenras algumas d ellas. As pal-
mas do merecimento começam a despender-se em melhor
ordem.
Esquecia-me fallar em Court de Gebelin, que é outro
diano de muita estimação. O resto vale pouco, e se me
lembrar algum mais, que seja famoso, eu darei noticia
d elle, assim como posso de cada um destes dar algumas
mais indívíduaes, por que conheço as obras de todos
Não posso mais, adeus, meu querido Pae, adeus mano
F. até um dia cedo.
De V. Ex.a meu querido Pae
Filha mais amante e obediente
L.
Dê-me V. Ex.a a benção
preciosissima, que me faz
feliz.
Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração
Agora que meu irmão não me toma o tempo quero
ter o gosto de conversar com V. Ex.a e de tocar vários
pontos em que tenho appetite de fallar-lhe. Gostei muito
de ver que V. Ex.a conhecia alguns dos Francezes mo-
dernos, de que eu faço estimação, e admira-me a ideia
que forma do Duque de Nívernoís. que é summamente
respeitado pelos melhores critícos. O Palissot que tem
voto ponderável, diz que os seus escriptos parecem di-
ctados pelo gosto e pelas próprias graças. Compáram-no
com Horácio, com Despréaux e Rousseau, o Poeta E o
pouco que conheço do tal Duque não deixa de me dar
in.i
uma ideia vantajosa deste senhor; a sua obra mais fa-
mosa 6 «Umas reflexões críticas sobre o çenio de Horá-
cio. Rousseau e Boiicau»; traduziu com felicidade algumas
obras do primeiro e ci'mL\c\ (juc presentemente ha muitas
traducÇcVs francezas deste poeta, que se preferem á de
IVasier, as do Duque brilham entre as mais, secundo
dizem os seus patricic^. Confesso a verdade: uma tra-
ducçao mais moderna, de um tal Mr. de Maui^rv. me
avirada incomparavelmente mais.
Sobre Voltaire nâo acho que dizer, por que V. Ex.»
entende datiucllas matérias melhor que eu: sobre a con-
trovérsia sou prohibida de faiar por todos os principios.
e até devo a S. Paulo a obriçaçao de me escusar o meu
parecer absolutamente.
Com tudo elle é reputado por um ijrande philosopho
e como o assombro d'cste século. I:u me lastimo dos
seus erros, mas n^o posso deixar de confessar a V. Ex.«,
que me vieram as lav^rimas aos olhos, quando vi que V.
\:x.^ lhe dava sentença de queima. De que servem ho-
mens queimados, meu querido pae? Por ventura reco-
nhecem elles a verdade na foviueira ? Nào é Deus só
(Ui<^*m deve pôr o termo aos nossos dias? Se Deus soffre
os homens miseráveis sobre a terra, que direitos teem os
outros homens para os n5o soffrer ? Eu conheço que V.
Ex.a tem muita virtude e muito juizo para decidir bem.
mas eu que sou mulher com o coração muito j^equeno.
(juando se fala em matar sempre me aflijo pelo senten-
ciado, seja quem fòr. Ncio está mais na minha melo. Deus
tcr.i piedade dò minha fraqueza se níio é boa. em con-
setiu<-'ncia do preceito— de amar o próximo como a mim
mesma. Queira Deus que eu n'isto n«So di<a alguma to-
lice, que desagrade a V. Êx.«; mas copiei o meu senti-
mento e ilisfarçal-o parecer-mc-hia peor.
listimo que V. \:x.* se divertisse com a minha epistola,
e sinto que ella nc^o levasse a perfeição com que V. Ex.«
105
houvesse de contentar-sc. Mas como a distancia enfra-
quece, o que eu varias vezes tenho dito, torno a repetil-o
para ver se V. Ex.» se persuade e se satisfaz. Depois de
ter estudado como V. Ex.» sabe, e com o fim único da
minha felicidade, formei um pequeno plano para as mi-
nhas acções, que, sendo conforme com as intenções dos
meus queridos pães, eu podesse contentar-me também
e pratical-o livremente. Meditei as minhas obrigações a
respeito de Deus, da sociedade e de mim mesma, avaliei
quanto me era possivel o estado do mundo e principal-
mente o da minha terra, e resultou d'aqui assentar fixa-
mente, que .eu não podia ter uma hora de socego, se
me lembrasse um dia só de escrever para o publico, que
a este só serviam verdades disfarçadas, ou mentiras po-
sitivas, que a liberdade (idolo do meu entendimento) seria
uma víctima infeliz das máximas estranhas da minha
terra, e que se queria ter fortuna com ella, servisse o jugo
âã opinião posto pelas tolas de edade, pelas ignorantes
de titulo, e por outros indivíduos semelhantes, a que
chamo em segredo baixa plebe. Cuidei de distinguir bas-
tantemente o caracter das pessoas com quem falo, c
com quem estabeleço muito acauteladamente as minhas
relações litterarias, debaixo da inspecção adorável da
minha querida mãe. Assentei que o numero devia ser
muito pequeno, e com effeito o é. Mas fi.xo este, tudo
aquilio que não contradiz a ideia que eu tenho da vir-
tude e da felicidade, que são para mim o mesmo, livre-
mente o pratico e com isso me recreio. Assentando fixa-
mente que os meus versos não encontram o parecer de
nenhuma das pessoas a quem os mostro, de quem quero
o premio, ora os dirijo a um, ora a outro dos três ami-
gos nossos que me entendem, e gosto de o fazer assim
por que me agradavam os inglezes bons e os allemães.
onde vejo este methodo estabelecido, como um meio
para facilitar e acccndcr mais a imaginação, e as cir-
inA
cunsltincias do objecto a que dirijo as minhas palavras
O ijosto das moralidades também me persuade a isto.
por que mais facilmente se offerecem reflexões suppondo
haver quem nos escuta do que só falando com as pare-
des. Parc^cc-me alem d'isto que o meu trabalho nâo é
uma honra nem uma lisonja, que faço áquelles homens,
mas um sivinal dã minha j^ratidâo pelo que elles contri-
buem para o meu adiantamento, com as suas conversa-
ções, com os seus livros, e com a emulação que me d^o
com as suas obras. Ncnlumi delles estima essas coisas
Vc^^as. que só tecm valor entre os que sabem pouco. Pe-
linto é de um caracter original para a nossa terra. Co-
nhece bem que a felicidade está em si, que lhe náo vem
das honras que lhe fazem os fidalgos ; nâo os distintrue
senão pela virtude ou pelos talentos: é um philosopiío
incapaz de sujeitar-se a lísonjas, nem de s^abar-se das
ciue recebe. V. l:x.« o conhecerá e verá que dista muito
da ideia que V. í:x.« forma. Nestes termos, achando quasi
de portas a dentro quanto era necessário para me occu-
par aí^radavcliiiente, para aqui d que escrevo; ncio quero
que me leia nini^uem que me possa reparar no que diijo.
por que quero falar o (jue entendo e o que me inspira a
razão e a virtude; não quero se não isto, (luo c (^ p.um
ídolo, quero paz, amizade, irmãos e pães.
Toda esta prelenv;;a se reduz a asseijurar a V. lix.*
que, cm dizendo als^iuma coisa, é na opinião de ser bem :
<abendo porem perfeitamente que em V. í:x.* lhe achando
defeito o tem, e estou prompta a sacrificar a composição
mais do meu s^osto. Só a ternura e a submissão de que
me preso, e que faz toda a minha felicidade, potie dar
forças para este sacrifício, por que tudo custa menos
que o perder um verso que se não julga máu. A confusão
em que concluo esta carta talvez me fará põr mil par-
voíces. V. Hx.'* olhe sempre para o meu coração e perdoe
o resto, se vae máu. l:stou ainda com muito dó do mano
107
Tancredo, mas lonoe de aflígir-se deve estimar muito
esta occasião, porque M.n^^ Tancredo me disse em muito
segredo, que d'isto não teria que sentir, se não que para
uma obra boa elle houvesse de pedir licença, e que a
resolução de ir sem esse cumprimento tem dobrado preço
na estimação de uma rapariga virtuosa, V. Ex."* guarde
segredo que não quero que me chamem chocalheira, e
dê-Ihe os meus recados.
Meu querido Pae, dê-me V. E.x.*' a sua benção e adeus.
De V. Ex.^
Filha muito amante e obediente
L.
P. 5. Não pude escrever quanto queria.
Meu querido Pae e meu Snr. do meu coração
Minha mãe diz a V. Ex.'' a razão- ..... Espero que
estas nossas fadigas se acabem brevemente ; cada dia nos
seguram que a mulher está a despedir-se, e ainda que eu
tenho demasiada critica para fiâr-me de quanto dizem
interessados, não ha duvida que podemos crer que a sua
vida não será muito dilatada ; os nossos negócios estão
parados, e este é o seu melhor estado emquanto não
volta o tempo. Eu sei que qualquer coisa em que se bula,
não ha de ser com vantagem nossa, e o melhor partido
que se toma com gente furiosa é deixal-a, sem lhe apre-
sentar razões que não acceita. O estudo moderado é a
delícia mais certa, que se escolhe na solidão. A paz não
foge senão com a virtude; quem não tem de que ar-
guir-se, acha nos minimos objectos motivos de consola-
ção, e seguro a V. Ex.'\ que as mais pequenas coisas me
áão summo divertimento na situação presente, em que o
preço de cada bagatela se faz grande. A musica e a
dança, de que usamos bastantemente ás noites, são gran-
Kis
dcs soccorros. I:u e a mana c a minha discípula valida,
somos as que melhor dansamt>s, porem o reslo das mi-
nhas Nimphas. que vem a ser quatro ou cinco mais.
sempre s^íbem o que basta para entretôr. Contradanças.
cosinhados, ele. liçòes, musica, etc. occupam muitas ho-
ras, que, por pessoas de outros çenios, seriam sacrificadas
ao horror e ti desconsolação. Haller, que ó o único com
(juem falíamos, com uma philosophia sublime, e cheia de
piedade, vem de vez em quando animar o ^osto do es-
tudo, e accender em nós e até nas nossas discípulas um
amor de sabedoria, que assaz vemos comp)ensado no
atliantamento que reconhecemos umas nas outras. A mo-
ral ó o estudo principal de cada uma, reconhecendo que
só o acerto dos costumes faz a felicidade i.\a vida. Eu
na realidade, por força de um temperamento que desejara
trocar por qualquer outro, tenho minhas horas de fastio-,
mas a viveza com que me presto ás consolações possí-
veis, e as situações, em ciuc a Philosophia e o Christianis-
mo me tornam a pôr, pav^iam-me tudo.
Saberá V. I:x.« que ái\ mesma sorte que José Dio^o
nao quer lar^iar meu irmão, a minha discípula me nâo
cjucr laritiar a mim. e declarando-me. que ella tinha a
maior aversáo para o partido a que a destinavam, n^o
tinha outra ambição sencio a de viver comnosco. I^iiu-
me ha muito tempo por quanto ha. que quizesse eu se-
\:urar-lhe que a náo havia de abandonar, porque ella
tirnicmente me protestava, que larviaria todos c tudo para
se náo separar de nós jamais. A sua edade e a sua viveza
por muito tempo me conservou intlecis*i na res;x>>ta que
devia dar-lhe. e, sem saber a vontade de minha máe.
apenas me resolvi a animal-a e a cnxu^ar-lhe as lagri-
mas, com que ella me fazia as suas supplicas. Minha míie
(^ppunha-se als:uma coisa, temendo que ni^o fosse bom
tiral-a do partido a que seu pae a destinava, porém ul-
timamente reconheceu que só uma violência execranda.
109
poderia obríoral-a a ser freira ; enternecida bastantemente.
e mais que tudo animada peio que V. Ex.' ha mais tempo
me tinha mandado dizer, consentiu em que eu lhe promct-
tesse, que teria em nós uma amisade fiel c um abrigo.
Finalmente eu assim o fiz, como em premio da sua ap-
plicação, e de tal modo interessei a rapariga, que faz
justamente a respeito de nós, o que José Diogo faz a
respeito do mano. Ha comtudo alguma difficuldade no
modo de tiral-a daqui ; e o mais que se pode fazer por
ã^ovà, é conserval-a sem que a mettam no noviciado.
Porem mudando a nossa fortuna sem que haja nenhuma
violência com os parentes, que são uma boníssima gente,
se V. Ex."* quizer, muito facilmente poderá conseguir que
ella vá comnosco. Nada me dava tanto gosto como fazer
a fortuna desta rapariga, que criei, e a quem com bas-
tante gosto e trabalho communiquei as poucas luzes que
tenho. Na sua edade, que ainda agora é de quinze annos
e meio, tem certamente muito adeantamento, e um modo
de pensar original e galante. A sua figura é bastante-
mente engraçada. Creio que virá a ser muito digna
de estimação, por que formou o seu coração e o seu
íuizo entre tudo aquillo, que pode aperfeiçoal-o e fazel-o
enérgico. Um convento é uma desgraça fatalissima para
quem tem juízo, e aquellas que o conservam no seio de
tantas preoccupações e ridicularias, provam grande ta-
lento. Se V. E.x." proteger a minha discípula, não tenho
mais que desejar neste ponto, e teremos o gosto de
fazer feliz esta innocente creatura.
Recados ao mano Tancredo ; muito me lastimo do
socego do Ps e de quanto succede nesse sitio infeliz.
Deus se condoa das nossas afflicções. V. E.x." dê-me a
sua benção e adeus meu querido Pae
De V. Ex.a
Filha muito amante e obediente
L.
110
Meu querido l'af c meu ònr, lio ririi coroçuo
Minha mae recebeu j^rande bH^neficio com a san^río.
e eu eslou por isso muito contente. O meu sermão tem
sido objecto de vJr^indes íjavos. e por esse motivo estou
também muito presumida. O fradinho vendeu-o a um
frade nosso amiv!o por 4.000 rs., o que estimei summa-
mente para lhe fazer uma grande patacuada de descon-
fianças, e poder mostral-o. como elle <é. e nâo como elle
o prc^v;;ou. Veja V. lix.» cjue boa cachimonia.
Continuam as desconsolações a montes com a discí-
pula. Nilo cuido quasi em outra coisa, senão no desgosto
fortíssimo que me tem iX^áo esta raparií^a, e pasmo ao
mesmo tempo áò minha credulidade e da sua ini^ratiuào.
Nclo sei que mas^ia tem um convento, meu querido pae.
A virtude, esta delicia dos coraçòes honestos, c^ uma phan-
tasma nestes sítios, nJio tem nenhum pcxier sobre as
almas frívolas d'estas miseráveis creaturas. Apezar dos
mais ternos e trabalhosos cuidados fuvíiu-me dentre as
mc^os esta planta que eu cultivava com tanto çosto. e
nòo vejo nella mais que o estraigo horroroso das más
companhias. Confesso a V. Ex.* que me custa a suppor-
tar a dosconsoL^J^o e a perda do meu trabalho, mas
está bem castíjjada a presumpçáo que eu linha de fazer
a igente boa, e reconheço agora quanto eu tenho que
aperfeiçoar em mim. antes de intentar a educação dos
outros.
Defeitos que eu abomino, envjanos, hYPocrisias, ca-
lumnias aborreciveis, foram o premio que esta infeliz ra-
parivia reservou para a minha amisade. e com isto náo
posso senáo chorar a sua desordem, e pedir a Deus ar-
dentemente queira accender nella o amc^r da virtude.
11
Não posso fazer esta carta tão comprida como eu
desejava, dê-me V. Ex.'' a sua benção; recados ão mano
T. e adeus meu querido Pae do meu coração.
De V. Ex.a
Filha mais amante e obediente
L.
O correio ainda não chegou.
Dizem que chegou, mas ainda
não ha tempo de virem as cartas.
Esta carta dá-nos noticia de que o notável talento de
Alcipe se manifestou também na oratória sagrada ; o
sermão, a que allude a excelsa senhora, foi escripto para
favorecer um pobre frade, que denomina fradinho, e que
depois de o ter pregado, errada e desastradamente, o
vendeu por 4$000 réis a outro frade, de quem Alcipe o
poude rehaver, com muito gosto, para poder rectificar os
disparates que o fradinho attribuiu á sua eminente bem-
fcitora, como agradecimento áo grande favor que lhe
dispensara.
Não encontrámos o sermão, a que se refere a carta
de Alcipe a seu pae, mas para o effcito do merecimento
de D. Leonor de Almeida nesta distíncta especialidade, é
sem duvida um argumento de grande valia, o sermão
escripto em 1 774 por esta muito illustre escriptora, e que
prova o seu esclarecido engenho e a sua maravilhosa
erudição. Offerecemos adiante este sermão a considera-
ção do leitor.
CAPITULO Vil
Noticia extraida de um caderno, cuidadosamente archivado no
palácio Fronteira, em S. Domingos de Bemfica, entre os
papeis e autographos da quarta Marqueza d'Alorna, o qual
tem escripto na capa "Resumo da vida de meu Irmão,;.
N'este caderno encontra-se uma occorrencia de alta impor-
tância para aquilatar o primoroso caracter do futuro e dis-
tinctissimo General Marquez d'Alorna. A referida occorren-
cia offeréce também valioso argumento para um estudo da
Índole do Marquez de Pombal, o famoso Ministro de El-Rei
D. José.
No Resumo, a que nos reportamos, e que infelizmente
está muito incompleto, a Marqueza d'Alorna descreve
nos seguintes termos a brilhante situação social de D. Pe-
dro d'Almeida Portugal :
Terceiro Marquez dVMorna, quinto Conde de Assu-
mar, Vedor da Casa Real de Portugal. Commendador
de diversas ordens, Grande do Reino, Tenente General
dos exércitos de S. M. Fidelíssima, General em Chefe e
Governador da Província do Alemtejo, do conselho de
S. A. R. o Príncipe D. loão (depois El-Rei D. João VI).
nascido em Lisboa a ló de Janeiro de 1754.
O appellido da muito illustre família dos Marquezes
d'Alorna é Almeida, conservado desde a tomada de Al-
meida, no reinado de D. Sancho I, por um dos seus an-
tepassados, que por este feito ficou conhecido pelo nome
>>
1)4
dc Alnicid«io. Kstc AliiicidJio lá era p)orem de nobre li-
nhciszcm por ser ncMo dc IVUisjio Amado, companheiro
darmas c favorito do Conde I). Henrique, pae de D
Aífonso llenricjues, o 1." I^íci de Portu\;al.
Distinviuiram-se sempre nas armas c nas Icllras os Al-
meidas,*'antcpasst1dos do ijrande D. Prancisco d'AImeida.
o primeiro Vice-Rei das índias Orientaes.
Na i^ioleria dos retratos de familia dos nobilíssimos
Marquezes de iTonteira e d'Alorna, encontra-se o de D.
Francisco d'Almcida, em cxceilente pintura, que apre-
senta o illustre s;;ucrrciro de tamanlio natural, e em corpo
inteiro, e prova cjue era de v''ande estatura. Na tela. que
mede 2 metros de altura F)or l'",05 de lariijura, veem-se,
na parte superior S direita, as armas dos Almeidas. O
!.<• Vice-Pei da índia é representado traiando vistosas
vestes. Sobreposto ão i^ibcio de j^jola bordada a ouro,
amplo capote se lhe desprende dos hombros. que, dei-
xando a descoberto o peito, permitte ver que nelle se
ostenta valioso colar do mesmo metal, tendo pendente
uma cruz n'uma jóia oval. O calção é de tecido em ris-
cas também bordadas, e as botas que lhe comprimem as
pernas, mcxlelando-as ate* i\o joelho, e que n'esta altura
se alarjjam ampla c íolvjadamentc, scí^uram por meio dc
solidas correias fortes acicates lambem de ouro.
Terminamos esta pallida descripçc^o do magnifico re-
trato, dizciulo (lue a cabeça está descoberta, e diriçe
para a frente o olhar dominador, e (jue a máo esquerda
do heróe assenta sobre os arlislicos copos dã espada.
115
Offerccemos a^ora. a respeito desta muito grande
personagem, uma bem triste nota finai:
D. Francisco d'Almeída, o autor de tão gloriosos feitos
darmas, e que fez estremecer de pavor todos os potenta-
dos da índia, foi morto obscuramente no sitio da Aguada
de Saldanha, na costa occídental da Africa, próximo do
Cabo da Boa Esperança. Esta deplorável occorrencia
succedeu em uma escaramuça contra alguns negros, um
dos quaes derrubou o Vice-Rei, despedindo-lhe uma
seta.
No Livro III, Cap. IX da Década II, descreve João de
Barros, cm termos eloquentemente sentidos, o fatal acon-
tecimento que victimou o Ínclito 1." Vice-Rei da InJia,
seguramente um dos mais afamados heróes de que re-
sam as chronícas portuguesas.
Pinheiro Chagas, na sua Historia de Portugal, \7ol. Ill,
pag. 250, diH:
«Dois grandes homens teve a índia, dois robles au-
gustos, que dominam essa espessa floresta de heróes :
D. Francisco d'Almeida e Affonso de Albuquerque. Am-
bos morreram longe da pátria, a ambos encheu de amar-
guras o Rei ingrato, a quem a posteridade chamou
venturoso.,,
Ainda a respeito de D. Francisco d'Almeida, João de
Barros — Década II, Livro VI, Cap. X, pag. 150 e 151,
diz textualmente o seguinte:
"Christovam de Brito, vindo de regresso para o Reino,
onde chegou em 26 de Junho de 1512, na sua náo carre-
gada de especearia, ao passar pela Aguada de Saldanha.
onde estavam os ossos d'aquelle tão illustre Capitão D.
Francisco d'Almeida. c dos outros que com cllc perece-
116
mm, csquccidt>s de seus hcrdeirc^s, e táo mal vjalardoados
i.\o MuikIo, por revcrcMiciíi dVIles (iui2 ver o lo^jar onde
jazicim, por iilli ir com cllc por mestre da sua n«io Dio^o
d'Uiihos, que o fcSra tombem da n^lo do Viso-Rev, c sabia
onde seu corpo e o de Lourenço de Brito foram enter-
rados.
"Chejijado Christovam de hrilo a este lenhar a que a
fortuna trouxe tanta pessoa, tanta virtude e tanta caval-
leria como D. Francisco teve, pois que já em mais lhe ntlo
podia aproveitar, disse por sua alma, c de Lourenço de
Brito hum responso, e cobrio seus ossos com uns poucos
de seixos, e em cima huma cruz de pdo.»
Uma S(5rie de «cirandes homens, do appellido Almeida,
prestou iiinumeros serviços ao Estado, c no scculo IS.»,
o Marquez de Castello-Novo. D. Pedro d'Almeida Por-
[u^ò\, foi promovido a Marechal de Campt\ na edade
de 21 annos, no campo ^.U^ batalha. Vo'\ este distincto of-
ficial. que tendo sido depois enviado ás índias Orientaes,
como Vice-Rci, ali praticou, como dissemos, tt^o assi-
sjnalados feitos militares, que lhe valeram a alta recom-
pensa de ser o seu titulo de Marquez de Castello Novo,
trocado pelo de Martiuez d'Alorna.
O terceiro Marciuez d'Alorna. que se chamava tam-
bém D. Pedro dAlmeida Portui^al. e que foi o divino
n<5to de seu illustre avò. era ncMo materno dos terceiros
Marcjuezes tle Távora, cjue foram ini(|uamente supplicia-
dos no cadafalso, mandado sinistramente en,!uer na praia
de Belém, em consecjuencia de uma sentença, que ainda
hoje causa profundo horror.
O mencionado Resumo, de^x'>is de descrever a nobi-
117
lissíma linhagem dos Almeidas, refere uma occorrencia
de grande importância para aquilatar o primoroso ca-
racter do futuro e brilhante General, terceiro Marquez
d'Alorna, quando na edade de 14 annos era simples es-
tudante, e a quem por especial mercê se dava uma me-
sada.
A occorrencia, que vamos apresentar, offeréce também
valioso argumento para um estudo da indole do Mar-
quez de Pombal, o grande Ministro de El-Rei D. José.
«Os grandiosos e muito eminentes serviços da familia
Alorna, e a sua correspondente importância, excitaram
a inveja do Marquez de Pombal, a qual se traduziu na
cruel perseguição de que demos anteriormente noticia.
«Deve notar-se que se deu porem a não vulgar cir-
cunstancia de ter sido o terceiro Marquez d 'Alorna o
único da familia, que foi tratado com menos severidade,
em quanto seu pae, mãe e irmãs gemiam, sem crime,
nos ferros tirânicos do déspota que governava Portugal,
illudindo n esta perseguição o melhor dos Príncipes.
«O jovem Marquez, conhecido então pelo nome de
D. Pedro d'Almeida, parecia uma boa presa á avidez do
Ministro, por causa do seu grande nascimento e da sua
fortuna. Pombal dcstinou-o pois para sua filha mais nova.
D. Pedro d'Almeida tinha sido sob a influencia do Mar-
quez de Pombal, um dos primeiros alumnos admíttidos
no CoUegio dos Nobres, instituído por El-Rci D. José;
mas quando attingiu a idade de 1 4 annos, o Ministro abriu-
se com elle, e declarou-lhe que os cuidados particulares
que lhe tinha merecido, o tinham singularmente affeiçoado
á sua pessoa, e que tencionava por isso dar-lhe por es-
posa sua filha mais nova, e com ella restituil-o ao goso
das honras e dos bens, que pertenciam á sua familia.
"D. Pedro, tendo escutado o Marquez de Pombal com
a maior attenção, rctorquiu-lhe com todo o acatamento
a seguinte vigorosa resposta: "Estou sem nenhuma duvida
118
compenetrado dos cuidados (luc tendes tomado da mi-
nha infância c úi\ minha educa(;âo ; recordar- mc-hei dcllcs
sempre com sentido reconhecimento : mas vós mesmo de-
veis concordar em que me t^ imjK)SSÍvel receber uma es-
posa por mais bella que seja. quando as màos que ma
offerecem esteio tintas no sanviue dos meus... O Marcjuez
de Pombal nào escutou mais nada e immediatamcnteobri-
ijou I). Pedro a partir para a Universidade de Coimbra,
a íim de estudar a jurisprudência, e renunciar á nobre
proflsst^io das armas, na c^ial os Grandes e Senhores de
Casa eram liabitualmentc educados em Portugal.
Uma circunstancia imprevista trouxe D. Pedro a Lis-
boa quatro annos depois, deixando Coimbra, onde o seu
talento, a sua vivacidade e o seu espirito e amabilidade
o tornaram tiuerido de todos. Começou desde loijo a dis-
tin^uir-se na sociedade. O uniforme militar açradava-lhe
mais do que a beca, que clle nAo tencionava usar nunca-
I). Pedro dedicou-se com o maior cuidado aos estudos
militares, mas apesar l\c\ distincç«5o com que os exercia,
e da constante approvaçâo dos seus superiores, nílo avan-
çava em postos, porciue tinha contra si a formal antipa-
thia do poderoso Ministro. O fallecimentodiil-l^íei D. loscS
em 1777, veiu livral-o d'esta pcrsesjuiÇcio. e permittir-lhe
que se adiantasse na carreira, em que se assivjnalou de
um modo distinctissimo. chefiando a ser um dos mais il-
Iiistrr^ ( K-nri.HS tin i-VLMcifo portusiuoz.
A iinportiHilc iKxonciKM. ijiu iianscrevemos do Ivc-
sumo tia vida do terceiro Maniuoz d*;Morna,escripto ^x^a
quarta Marqueza d'Alorna, sua irmt'^, nAo só prova Á evi-
dencia a vrrandeja de caracter daquelle illusirc militar.
119
mas serve para estudar a índole do famoso Marquez de
Pombal.
Este notabilíssímo estadista, onze annos depois de ter
mandado encerrar nas infectas masmorras da junqueira
o segundo Marquez d'Alorna, e de ter ordenado a prisão,
no convento de Chellas, da Marqueza, mulher deste e de
suas duas filhas, tendo n essa época sido executada a sen-
tença do pavoroso processo dos Tavoras, que attingiu
entre outros os terceiros Marquezes de Távora, avós ma-
ternos do terceiro Marquez d'Alorna, tomou a seguinte
resolução, muito para ser apreciada.
Não obstante as medonhas recordações destas atro-
cidades, que sem duvida por vezes lhe adviriam á mente,
proseguiu no propósito, que de longe tinha engendrado,
de casar sua filha mais nova com D. Pedro d'Almcida
Portugal, que era herdeiro da Casa d'Alorna, alem de ser
de nobilíssima estirpe.
Se D. Pedro fosse de animo fraco ou hesitante, e se
não oppozessc immediatamente a mais nobre recusa á
realisação do propósito do Marquez de Pombal, ter-se-
hía dado a monstruosidade de o casarem com a filha do
crudclissimo perseguidor da sua família, o qual sem a
mínima hesitação tinha cuidadosamente preparado este
enlace.
CAPITUÍ-O VIII
Copia do primeiro documento para a revisão do medonho pro-
cesso dos Tavoras, firmado pela Rainha D. Maria I, a soH-
citação do Marquez d'Alorna, pae de D. Leonor d'Almeida,
e genro dos Marquezes de Távora. Copias de outros do-
cumentos sobre o mesmo assumpto. Uma carta ao Minis-
tro Martinho de Me)!o, que prova que foi por vezes de
grande penúria a situação da Condessa de Oeynhausen.
Copia de uma resposta ao pedido de uma amiga para que
consentisse na impressão de algumas das suas poesias. Co-
pia da declaração feita em Londres, em 1809, por D. Do-
mingos de Sousa Coutinho, com respeito á Condessa de
Oeynhausen. Copia da ordem do Intendente Geral da po-
licia, de 6 de Outubro de 1809, intimando a Condessa de
Oeynhausen a sair immediatamente do Reino, embarcando
no prinieiío paquete para Inglaterra.
Parcce-nos interessante offerecer á apreciação do
leitor o primeiro documento para a revisão do medonho
e iníquo processo, que horrorísou Portugal e muitas das
Cortes da Europa, e que é conhecido pelo processo dos
Tavoras.
Este processo, como se sabe, determinou o supplicio
dos Marquezes de Távora e de muitos dos seus parentes,
e motivou a perse<;;uíção e cativeiro de varias famílias de
alta nobreza, entre as quaes se comprehende a dos Mar-
quezes d'Alorna .
122
C) tlocumcnto, de que se sc^ue a copia, foi firmado
pcUi Painha I). Maria 1, c é devido á representação e so-
licitaÇi^o l\o Marcjucz d'Alorna. pac de D. i-eonor de Al-
meida Portui^al. e s^eiiro dos Marquezes de Távora.
COPIA
i:ii a l^ainha ía<;o Stiber : que represcntando-me o Mar-
que? tlAIorna, como procurador da memoria e fama
posthuma de seussoi^ros, c cunhados, epelo interesse que
nella tem sua mulher, c filhos, que na sentença proferida
na lunta tia Inconfidência, cm 12 de janeiro de 1759, so-
bre o horroroso Crime de Lesa Mai^.S c alta traiç<!io, com-
mettido na infausta noite de 3 de Setembro de 1758.
contra a Saibrada, e Amabilissima Pessoa de El-Rey meu
Senhor e Pav. (luc descansa em i;:loria, houvera nc^o scS
nullidades substanciacs, mas t«5o bem injustiça notória por
se expenderem na mesma sentença factos, fundamentos,
e provas que n^o existiam no processo, supplicando-mc
(H'c fosse servida conceder revista de craca esjxxialissima
(.\c\ dita sentença : fui servitla depois de madurt>s exames,
e averivíuaçtVs, mandar proj">òr este ne^íocio em uma lunta
de Ministros do meu Conselho, e Dezembarçío, zelosos do
serviçt^ tlc Deus. e Meu. 1: sendo examinado o processo
uniformemente assentaram, que as circunstancias d'este ex-
traordinário caso faziam justa a concessão da dita revista,
disjxMisando em ciuaosqucr Leyí^. ^1^'*-^ ^xxiessem obstar e,
no Alvará de 17 tie janeiro do tlito anno de 1759, em
quanto confirmou a dita sentença. I: tendo attenç^o ao
que me foi proposto pelos Ministros da sobredita lunta.
e a ser do serviço de Deus e Meu. que a verdade se faça
patente, para que se n^o (.iuvide, ou d^ justiça com que
se houver proferido, ou dci innocencia de toilos aquellcs
que fossem condemnadc>s n^o justamente. Si^u servida con-
123
ceder revista de Graça especialíssima da dita sentença,
não obstante o lapso de tempo e todas, e quaesquer Leys
em contrario, as quaes e ão referido Alvará de 17 de Ja-
neiro de 1759, hei por derrogadas, como se de cada uma
delias fizesse especial mensão, sem embargo da Ordena-
ção em contrario. E sou outrosim servida nomear para
juizes da mesma revista os Doutores José Ricalde Pereira
de Castro, do meu Conselho e Dezembargador do Paço,
que servirá de Relator, Bartolomeu Jorge Nunes Cardoso
Geraldes de Andrade, tão bem do meu Conselho e Dezem-
bargador do Paço, os Doutores Manuel J. da Gama e Oli-
veira, e Jerónimo de Lemos Monteiro, ambos do meu Con-
selho, e do da minha Real Fazenda, os Doutores Francisco
António Geraldes de Andrade, e Francisco Feliciano Ve-
lho, tão bem do meu Conselho, e Deputados da Meza da
Consciência, e Ordens, os Doutores Thomaz António de
Carvalho Lima e Castro, Juiz dos Feitos da Coroa e Fa-
zenda, Jorge Joaquim Fmaus, Corregedor do Crime da
Corte e Casa Real, Ignacio Xavier de Sousa Pissarro, Jorge
Pinto de Moraes Barcelos, Jorge Roberto Vidal da Gama,
Domingos António de Araújo, João Xavier Telles de Sousa,
e Constantino Alves do Vale, todos Dezembargadores dos
Aggravos da Casa da Supplicação, e para Fscrivão da
mesma revista nomeio o Dr. Henrique José de Mendanha
Benevides Cirne. Corregedor do Crime da Corte ; e assis-
tindo o Procurador da Coroa em razão do seu offício:
fazendo-se as secções que forem necessárias na Secreta-
ria de Estado dos Negócios do Reino, presidindo nellas,
ou todos os meus três Ministros e Secretários de Estado,
ou aquelles que se acharem desempedídos para o dito
fim. e ajuntando-se aos Autos o assento dos ditos Mi-
nistros informantes, como se pratica ordinariamente nos
processos de revista. Pelo que mando ao Visconde de
Villa Nova da Cerveira, do meu Conselho, e meu Minis-
tro, c Secretario de Estado dos Negócios do Reino, que
121
façd executar este Alvard como nelle se contem, o qual
íic^io passarei pela Chanccilaria. posto<iue seu effcito haja
de durar mais d'huin lMiuo, nAo obstante a OrdenaÇt^o
que o contrario determina.
Dado no Palácio de Lisboa em 9 de Outubro de 1780.
Rainlia
Visconde de Villa Nova da Cerveira.
Por este Alvará de 9 de Outubro de 1780. Sua Ma-
í^estadc a Rainha D. Maria 1 div:nou-se conceder a revi-
sito do denominado processo dos Tavoras ao segundo
Marc)uer d'AIorna. (luarto Conde de Assumar, D. loâo
d'Ahneida I^ortus^al, como procurador da memoria pos-
thuma de seus sogros, os terceiros Marqueses de Távora,
Prancisco de Assis e Távora e D. Leonor de Távora, em
quem por morte de seu irmJio tinha recaído toda a Casa
de Távora ; e bem assim como procurador iÁc\ referida
memoria dos filhos dos terceiros Marquezes de Távora.
Luiz Bernardo de Távora elosc* Maria de Távora, o pri-
meiro dos (|uaes foi quarto Marquez de Távora ; e casa-
do com I). Thereza de Távora ; e ei^iualmente como pro-
curador de 1). jeronymc^ de Athaide. Conde de Athou-
guia, genro dos terceiros Marquezes de Távora, por ser
casado com a sua filha 1). Mariana Bernarda de Távora-,
e pek> interesse ciue o mencionado segundo Marquez
d'Alorna tinha no processo por sua mulher, D. Leonor
de Távora, também filha tios terceiros Marcjuezes de Tá-
vora. Sua Magestatle houve por bem conceder-lhe a
graciosa revisão do processo de inconfidência, em que os
mesmos sogros e cunhados tinham sido condemnados.
A revisi'\o áo processo dos Tavoras teve como conse-
(luencia a sentença seguinte que se encontra também na
certitU^o authentica quee.xiste nos archivos da Casa Fron-
teira.
!25
CERTIDÃO
«O que tudo visto c o mais que dos autos consta, com
a mais séria, exacta e escrupulosa circumspecção : Sepa-
rando a verdade da confusão e da desordem, e a inno-
cencía da perfidía : ficando em todo o vioor a sentença
a respefto dos verdadeiros e acima mencionados Réos
do sempre sacrile§o e abominável insulto, commettido na
referida noite de três de Setembro de mil sete centos e
cíncoenta e oito, contra a Sagrada, e Real Pessoa do Au-
gustissimo Senhor Rei Dom José primeiro :
«Revogam a mesma sentença pelo que respeita aos
Marquezes de Távora, Francisco de Assis, e Dona Leo-
nor de Távora, seus filhos Luiz Bernardo, e José Maria
de Távora, e seu genro leronimo de Athaide, Conde de
Atouguia, por se não provar que fossem cúmplices no re-
ferido insulto, ou para elle concorrentes.
«Declaram que não incorreram em nota, ou infâmia
alguma. Absolvem a sua memoria, e restituem todas as Fa-
mílias dos sobreditos ás suas honras, e ao uso do appeli-
do de Távora, que lhes foi prohibido pela dita Sentença.
Palácio de Nossa Senhora d'Aíuda em vinte e três de
Mayo de mil sete centos oitenta e um.
«Com três Rubricas dos lUustrissimos e Fxcellentissimos
Secretários d'Estado dos Negócios do Revno, dos Negó-
cios de Ultramar, e Marinha, e dos da Guerra, e Estran-
geiros — a que se seguem as assignaturas dos Juizes —
Castro — Giraldes de Andrade — Velho — Emaus — Li-
ma e Castro — Doutor Coelho — Ribeiro de Lemos —
Doutor Costa — Vale — Telles — Vidal — Araújo e Sil-
va — Pissarro — E á margem as palavras seguintes -
Fomos presentes, e peço vista para Embargos — Com
duas Rubricas dos Dois Dezembargadores Procuradores
da Coroa, e Fazenda.»
I 2(>
\l nc"io SC continhd mais cm n referida scntcnçd. aqui
com verdade </<• irrào ad vrrbum fielmente transcripfa.c ccv
piada sem cous^i ijuc liuvida |x>ssa fazer, c que se pre-
ciso fôr rcsalvada nèlo vá : com a declaração porem de
que a mesma Sentença n^^o tem lido ate* o pr
to alvjum. {x-ír e^te se achar suspenso com tre>
de Hmbarvji^, dedusidos pelo Dezembar^ador Procura-
dor da Coroa : a saber : uns de obrepçílo, c subrepÇdo.
outros rx dffccia intcfjníatis proccsaus.c os terceiros que im-
pUíjnam a sentença, c fundamentos nella expendidos, a
fim da mesma se reformar, que todos pendem sem a sua ul-
tima decis«5o, como dos autos se manifesta, aos quaes em
tudo. e por tudo me reporto debaixo da f<5 que Sua Ma-
Vjestadc se diijnou confiar-me. com a qual eu o Dezem-
banjador Henrique Ios<5 de Mendanha Bcnavides Cime,
depois de conferir esta Certidão com os oriíjinaes de que
foi extrahida. e passada em sessenta meias folhas por mim
numeradas, e rubricadas com a rubrica — Doutor Men-
danha—de que uso, c achar que com os mesmos oriíji-
naes se conforma, a subscrevo, e assi^no com .* ' i
assiyjnatura para o fim de ficar authentica, e lc\;.:
Lisboa vinte de Agosto de mil sete centos noventa e um.
— Henrique losc* de Mendanha Bena vides Cime.- Eoutro-
sim tleciaro e certifico, que as palavras escriptas no fim
áci sentença, e Á margem ^Aa mesma sio da própria le-
tra do.Dezembarcador Procurador da Coroa, que foi
quem jx^diu vista para Hmbaryos. e quem depois a em-
barcou, era ut supra, em que eu. o sobredito Dezembar-
Vador assim o declarei, e novamente assi^nei — Henri-
que losc* de Mendanha benavides Cirne»
I: trasladada a concertei com a que me |oi apresen-
tatla. (jue se acha encerrada, com a qual a conferi, e a
ella me reporto, e a tornei a entregar a quem a apresen-
tou. Lisboa doze de Mayo de mil sele centos noventa c
dois: etc. cu Joaquim |osc* de hrito. cídadam em esta ci-
127
dadc, e Proprietário de um dos Officios de Tabellião pu-
blico, etc. notâs pela Fidelissima Rainha Nossa Senhora,
que Deus guarde, o subscrevi e assinei em publico e raso
Em testemunho de verdade
Joaquim José de Brito
l'*g. mil sete centos e oitenta de sellos.
í..a 12 de Maio de 1823
A revisão do processo dos Tavoras determinou a affir-
mação da innocencia do Marquez d'Alorna, que lhe foi
reconhecida pela lunta congregada pela Rainha D. Ma-
ria I.
Esta Soberana mandou publicar um decreto, em Maio
de 1777, declarando o Marquez d'Alorna puro de toda a
falta de fidelidade, devida a El-Rei seu augusto Pae, e man-
dando-o restituirás honras que por decreto e nascimento
lhe pertenciam.
Com respeito á revisão do processo dos Tavoras e
ao decreto de Maio de 1777, declarando o Marquez
d'Aloriia purc^ de toda a culpa de inconfidência, vem a
propósito citar o denominado testamento politico d'El-
Rei D. losé, que o governo pouco depois dofallecimento
de S. M. fez dar á estampa, e distribuir officialmente pela
cidade de Lisboa.
Este testamento, que se compõe de seis artigos, pa-
rece ser destinado, como diz a alta apreciação de Latino
Coelho, no volume I da sua Historia Politica e Militar de
Portugal, a intentar prcmumir o testador com a tardia clemên-
cia contra a severa condemnação da posteridade.
Effectivamente no artigo (5.'^ o Monarcha moribundo
aconselha á Princeza D. Maria sua herdeira, que conce-
128
ikssc o fXTdt^o tiquclles r<5os do f:slndo, d quem hou-
vt-ssc' |x^r merecedores da suâ clemência, e tcrmínd o seu
escriplo com a asseveraç«!io de que por todos os crimes
c liffcnsas (juo tl'e5tes culpadt>s recebera, elle próprio lhes
havia f^erdoado, para (|ue Deii^ lh'(^ tomasse em conia
da remissiko dos seus peccado-
Por este artii^o 6." a memoria <.\o Moiiarcha appare-
cia justificada, e imputava ao Mart|uez de Pombal a cul-
pa tie todas as oppressCSes e attenlados, que se tinham pra-
ticado contra os iniciados no medonho processo. Nâo era
porem necess*irio este artiyjo para que a historia illibasse
o Monarcha das atrocidades cjue foram commettidas, e
que foram por ella integralmente atribuídas ao seu po-
deroso Ministro.
Sem entrar lui íHmcçuisiu» i\,.\ lUithenticidaiic cio ». mi-
mado testamento politico, de que nos vim(.>s occupando.
(.tiremos iiue tjuakjuer que fosse o pro^x>sito que a Painha
intencionasse adoptar para o seu reinado, nâo pnxlia
evidentemente inaus,;ural-o sem enxugar as lagrimas cru-
ciantes de tantas familias, privadas dos seus chefes e dos
seus queritios parentes. Um dos primeiros actos de D.
Maria I foi pois, como ticvia ser. restituir a lilvrdade aos
encarcerados, que tinham padecido desoitoanniwl»- lior-
rorosa pris«!io.
Devemos consignar aqui. que esta resolução da So-
berana mereceu o applauso vieral.
A situaçc^o de Alcijxr. a notabilissima escriplora. foi
por vezes de extrema ixMiuria. conu> clar.^ ' • o pro-
vam muitas das minutas ilas suas cartas. is pelo
seu próprio punho, centre as quaes escolhemos a sc^infc.
29
diríçída em 25 de Março de 1788 ão Ministro Martinho
de Mello. ' Esta minuta de que se encontra o autoçrapho
enlre os preciosos papeis da Margueza d'Alorna, é assi-
^nada Condessa d'OeYnhausen, que era o titulo de que
então usava.
Ill.'"o e Ex.^io Snr.
Que fiz eu a V. Ex." senhor Martinho de Mello, para
casti§ar-me com um silencio tão firme e tão austero ! Se
V. I:x,a me quiz fazer reconhecer que os meus gemidos são
inúteis, e que a piedade de V. Ex." os não attcnde; esteja
descansado, porque a extensão das minhas penas prova-
me bastantemente qual c a extensão do seu poder. Saiba
V. Ex.a que injurias não as soffre um homem d'honra, mas
perdôa-as uma mulher pouco feia, que trabalha pela fe-
licidade de seu marido e de seus filhos; tal é a que de
novo se apresenta a V. Ex.\ V. Ex.-"» bem sabe no fundo
da sua alma que eu tenho rasão, e que se V. Ex.'^ quízer
' O famoso estadista do século XVIII, Martinho de Mello e Castro,
nasceu em Lisboa a 1 1 de Novembro de 1716. Tendo sido destinado
<i vida ecclesiastica, fez os seuí estudos na Univeri>iJade de Évora, a
qual, graças aos Jesuítas seus pntronos, ia adquirindo distincia cele-
bridade ; foi depois formar-se em Coimbra em direito pontifício, o
que o habili ou, apesar de muito novo, a ser provido n'um canonicato
da Sé Patriarchal.
Não tendo porem predilecção para o sacerdócio, aproveiiou-se
do favor especial que El-Rei I^. José lhe dedicava, para ser nomeado,
em 1751, Encarregado dos Negócios de Portugal junto dos Estados
Geraes das Províncias Unidas, d'onde foi transferido para a missão na
Corte de Londres, em 1754. A sua grande aptidão diplomática salien-
tou-se durante a guerra de 1762 entre Portugal e Hespanha, prestando
notáveis serviços na execução, com singular zelo, das insirucçóes que
lhe foram enviadas. Onde porem Martinho de Mello atfirmju notavel-
mente a sua habilidade diplomática foi no Coiigresso de Paris, em
17Ô3, e no qual, pretendendo o Duque de Choiseul a preeminência da
sua Nação na assignatura do tratado, o nosso Delegado (como se Ic na
y
130
.Khdr-iii'ii, cusiar-llic-lui dimKi mcnt>s do tjuc prtnMr que
li pAo tenho. Qucím V. I:\.* por Ininitinidiuic decidir Ivm
ou nuil o ijue me resiX'ilo. |>or t|ue se iii^o ix>sso viver
em p<3?. quero ir morrer de miserid ao jx' de meu marido
e dos meus filhos.
Lisboa. 23 de Março de 1 788.
Obri^adissima a V. Rx.»
Condessa d'OcYnhausen.
Para se poder apreciar devidamente o caracter de D.
Leonor dAlmeida Portuv;a!. que foi depois a célebre Mar-
qucza d'AIorna. julj^amos conveniente transcrever a sua
resposta, em carta, ào pedido de uma sua amiça para
que consentisse na impress<5o de ais^umas das suas \>oç-
sias. I:sta resposta, que se encontra num dos volumes
manuscriptos das obras poéticas de AIcipe.<5 textualmente
a scvíuinie :
Kncyclopcdia Portiigucza lUusirada) étfendeu tão brilhantememte os
direitos de Portugal, que conseguiu, tanto quanto foi possível, sair
viiiorioso J'essjs pendências diplomáticas.
VolLindo paia n mi^sáo de Londres ali $e conservou até 1770,
rcalisando-se neste anno o seu regresso a Portugal c a $u* entrada
para o governo, cm subsiituiyâo de Francisco Xavier de .Mcndon»;a.
irmão do Marquez de Pombal.
No hiccionario Bib!iographico Portugurz vem Litados dcse»cte
documentos muito interessantes, em parte impressos c em parte ma
nuscriptos, que servem para o esluio da Historia do Brazil e, dío ideia
clara dos serviços prestado» por .Martinho de Mello c (!.i»irii, durante
o tempo em que foi Ministro dj Marinha.
A muito distincta habilidade de .Murtinho de Mclio .icmonvirou-
se porem principalmente em ter conseguido licar de p^ nas suas tn-
íructifqras tentativas de minar n influencia do Marque» de Poi»ib»l, cn-
tlo no apogeu de um valimento tio alto, que eraelle de facto o Sobe-
rano de Portugal. Ora Pombal nlo hesitava em castigar duramente
qualquer falta contra elle commettida. ainda que o auctor fosse um
13
A D. Leonor dã Camaiti
Lutou muito tempo a minha razão, e o meu amor
próprio, contra o desejo que me mostraste de ver im-.
pressos os meus versos; porém finalmente triumphou a
tua vontade da minha repugnância, e talvez da razão
mesma que prohibia expor, a censura dos inteiliçentes,
obras, que nunca aspiraram á fama, e que só compuz
para passar e adoçar instantes, que tantos acontecimen-
tos penosos enchiam de amargura. Alem do teu desejo,
o que determinou finalmente a impressão desta obra. foi
a impossibilidade de soccorrer por outro modo um in-
feliz, a quem o talento raro não bastou para evitar os
inconvenientes da miséria, e da fome, nos dias últimos
dã sua carreira. O não presumindo eu de alegar motivos
que possam interessar os entendedores, a favor desta
traducção, imitação, ou que lhe quizerem chamar, da
Epistola aos Pizões, ou Arte Poética de Horácio ; estou
certa ciue muitas pessoas hão de comprar este escrito.
dos seus collegas. Basta a este respeito lembrar o que se passou com
José Seabra da Silva, e com outros eminentes personagens.
Não podendo de modo algum admitlir-se que o Marque2 de Pom-
bal perdoasse tacs tentativas, força é assentar que foram praticadas
de modo que o seu auctor não deu azo a que podesse exipir-lhe a sua
responsabilidade.
Attribue-se a Martinho de Mello a ideia, que foi acceitc, de se ins-
taurar processo contra o Marquez de Pombal, quando falleceu El-Rei
D. José ; e ainda a de ter sido elle que se encarregou de participar ao
ex-poderoso Ministro que estava demittido dos elevadíssimos cargos
que exercia.
Dos seus relevantes serviços como Ministro da Marinha devem
especialisar-se : o augmento do numero de nsvios da esquadra, a or-
ganisação do quadro dos ofRciaes da armada, a construcção do dique
do Arsenal, o considerável alargamento da Cordoaria Nacional, a reor-
ganisaçáo do Arsenal da Marinha e muitos outros cu)a enumeração
não cabe nos pequenos moldes d'esta noticia
132
(jiuinilo soulxTcm que se iiuprimo (\ favor de um |X)brc
benemérito e portuijuez.
As refraseia composií^t^io poética, que Horácio escre-
ve com tanta perfeição, ficam ao alcance de muita gente,
sem o trabalho de estudar a linijua latina. Talvez lhe se-
jam aijradaveis os meus versos, quando os animam as
ideias de um poeta excellente; fiada só n'isso encerrei
com cuidado na minha carteira todas as minhas obras
oriçinacs, para evitar assim que me accusem de temeri-
dade. Se comtudo os meus versos parecerem correctos
e harmoniosos; se julijarem a minha lins^uaijem pura, e
nc^o dcsapprovarem (]ue cu vestisse, em traje portuijuez
e pouco ornado, o pocMa latino, tomarei animo, e quan-
do se apresentar um motivo tâo justo como o que me
determina aijora, tentarei talvez imprimir mais algumas
obras, c cuidarei cm mostrar (jue a minha lingua é por-
tugucza, como c pi^titii^Hic? c^ meu coração.
A/cipr.
Para a historia l\<\ Condessa dcOeynhausen, Marqucza
d'Alorna. c? sc^nira monto iniorossante a copia das seguin-
tes: liool.uMÇão .nifiv^r.iplia o iiitiiiiação.
133
Declaração aulographa qne fez D. Domingos de Sousa Coulinlio, em
J.ondrcs, anles que partisse para Lisboa a Condessa de Oejnbausen,
no anno de 180Í), cuja declaração original ficou na mão d'ella para
apresentar se fosse preciso
Declaro que em todo o tempo em que tenho tido a
honra de conhecer a Ex.ma Snr.'' Condessa de Oeynhausen.
fora de Portugal, não só nunca lhe descobri o mínimo
indicio de opiniões francezas; mas se acaso parecia mos-
trar excesso, antes foi sempre o de antipathia contra os
Francezes modernos e seus princípios.
D. Dominoos António de Sousa Coutinho.
No dia 6 de Outubro, o Corregedor de Belém veio
a Bemfica, onde residia a Condessa de Ocvnhausen em
companhia de seus netos, e lhe intimou da parte do Inten-
dente de Policia a seguinte ordem :
Copia áâ ordem
Em execução das ordens de Sua Alteza Real procu-
rará V. M.'' a Condessa de Oevnhausen, e lhe intimará
em nome do mesmo Senhor, que saia ímmediatamente
deste \:tcmo, embarcando no primeiro Paquete para In-
134
Vilatcrra. ficando a cuidado de V. M/^ acaulclar, que nào
leve comsij^o os netos da casa de f Tonteira.'
V. M.'" fica encarreirado desta importante diliiícncia.
Deus G>- a V. M.'* etc, seis de Outubro de 1809.
Assii^nado, o Intendente Geral dò Policia.
A Marqueza d'Alorna. tendo res^resstido a Lisboa, cm
1813. vinda de Ini^laterra. impetrou de S. Santidade, o
Papa Pio Vil. auctorisação de entrar no Mosteiro de
Chellas. para sua consolaçc^o espiritual, e para visitar as
suas parentes e amisijas.
lista auctorisaçc^o foi-llie benevolamente concedida.
l-^ecordemos cjue a Marqueza d'Alorna, quando era
apenas D. Leonor de Almeida Portuj^al, tinha estado, du-
I ante desoito annos. no referido mosteiro como presa do
Lstadtx
Temos á vista uma carta autoj^raplia óò Marqueza
dVMorna. datada do Mosteiro de Cliellas. em 1 1 de Pe-
verciro de 18^20. I:sta carta ieva-nos a crer que a erudi-
lissima escriplora residia n'aquella data, no mencionado
Mosteiro.
' Os netos da Casa de Fronteira eram : o Marquez de Fronteira, D.
José Trnzimundo Mascarenhas Barreto, que nasceu a 4 de Janeiro de
1810; seu irmáo D. Carlos Mascarenhas, nascido u 1 de Ahnl de i8o3,
e que foi depois o brilhante General deste nome ; e sua irmã D. l-eo-
nor Mascarenhas, que nasceu a 4 de Ah'il de 1804, e que foi Condessa
d'Alv.r
No palácio l"rontcira ha um quadro representando estes três Mas-
carenhas quando meninos.
CAPITULO IX
Copia do muito interessante requerimento, apresentado pelo Mar-
quez d'Alorna, a S. A. R. o Principe D. João, depois El-Rei
D.João Vi, e em que se resume a anaiyse das flagrantes in-
justiças e horrorosas perversidades que se praticaram no de-
nominado/7/'í7í:^55(? dos 7aw/-í75, deduzidas do consciencioso
exame do mesmo processo.
Senhor
Não é esta a primeira vez, que procuro dar razão de
mim a Vossa Alteza, e que recorro á sua protecção, e ao
seu Real poder, para conseguir o que me parece de jus-
tiça, lá fiz sem fructo ha mais tempo esta diligencia; e
inferindo dahi, que não queria Deus ainda, que fossem
ouvidos por Vossa Alteza os meus clamores, tornei a en-
trar no silencio, em que tenho estado ha vários annos.
Agora porem, que para amparo nosso, e para mode-
ração do justo sentimento que nos causa a moléstia, que
offende a preciosíssima pessoa da Rainha, minha Senhora
conduziu a Divina Providencia a Vossa Alteza, ao lugar
de Regente deste Reino, torno a dar occasião, ao que
Deus quererá fazer a nosso favor, indo prostrar-me aos
pés de Vossa Alteza, onde vou por este modc"). fiado na
sua real bondade, e obrigado a aproveitar-me delia, por
falta de saúde. Ninguém mais (\o que eu está persuadido,
1 iu
i|iK cm cdiisns do inconfitlciicio. d iicnhurn vaswlo hon-
liulo pódc ser licito conslituir-sc procurador, scnâo d'd-
tjuclk^s que por boas razões pareçam ser somente des-
V^raçados. A bondade desta refira é da maior evidencia,
para (luem teve a minha educação ; mas sendo eu preso
em virtude de um decreto, que dizia ser assim preciso,
para certa averis^íuaçao, que nunca se fez. por mais que
eu a rcíiueresse ; sendo-me av^i^ravada a pena sem moti-
vo, na passassem th^ Torre de Belém, para o I-orte da
lunciueira, onde estiveram dois Padres da Companhia,
(luc nâo foram nunca pers^untados, sem embargo de se
lhes imputar em uma sentença a inducç^o para o maior
de todos os delictos. 1: achando-se no mesmo luijar tan-
tos outros reclusos em seigredo, com quem se procedeu
da mesma forma, comecei a duvidar dc\ inteireza dò jus-
tiça, que se teria praticado com outros reputados por
culpados.
Os defeitos da sentença, a occultaçâo dos autos, e
als;;uns factos que se foram divulvMndo. acrescentando
estes primeiros indicios, até que entrando em examinar
depois de solto, se seria possivel dar coartádas dos que
interessavam minha mulher e a minha descendência, achei
mais do ciue era necessário para concluir que. em muito
boa consciência, me era permittido solicitar o que fosse
a bem di\ reputaçi^io de meus soijros. e de alijuns mais
involvidos na sua causa. Approvada a minha resc^luç<\o
pela Rainha, minha Senhora, com sis^inaes da sua bené-
vola acceitação. entrei a requerer-, mas sobre o que a isso
se scijuiu, e em ordem a evitar demasiada dilatação, pa-
réce-me c]ue bastarei dizer a Vossa Alteza, que a rovíi^s
meus se tirou um \irande numero de testemunhas. Que
passados quatro annos alcancei alvard de revista, e que
em consequência desta Jtíraça. houve sentença a favor
dos meus constituintes, a qual foi contrariada pelo Pro-
curador il.i Coroa, acrescoiilando a essa. impucnaçi^o
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de obrepção e subrepção. Esta ultima novidade inespe-
rada, fez julgar aos Ministros novamente consultados,
que, segundo o direito e sentença de revista, que já ti-
nham os meus constituintes, não devia haver decisão fi-
nal, sem eu ser ouvido, e que para esse effeito era de ra-
zão que os autos me fossem confiados. Então os vi pela
primeira vez, achando nelles que não concordavam com
a sentença condemnatoría, a que deviam servir de fun-
damento ; e menos ainda com os decretos, em que El-Rey
D. José, meu Senhor, regulava a forma de proceder n'a-
quella causa.
Achei varias outras coisas monstruosas : mas âo mes-
mo tempo tive a consolação de me confirmar de todo,
em que não podia haver nenhum escrúpulo sobre a in-
cumbência de que me tinha encarregado; porque, segundo
o que conteem os mesmos decretos, a Procuradoria na
causa de meus sogros vem a grangear-me a honra, de
ser juntamente defensor da Justiça, da Bondade, e da Re-
ligião d'El-ReY D. losé, meu Senhor.
Com effeito a doutrina de que me tenho valido para
bem dos meus constituintes, é a que se acha nos decre-
tos d' este soberano ; nelles ordena Sua Magestade a obser-
vância exacta do direito natural, e que se não omitta meio
algum, para o descobrimento da verdade. Manda, que
aos réos se dê defesa plena. Recommenda aos juizes o
cuidado de evitar, que os innocentes padeçam detrimento.
Dispensa as formalidades de direito positivo, excepto al-
gumas, que manda observar.
Não dá validade senão aos escriptos do Ministro no-
meado para Escrivão daquella devassa. Nomeia Advo-
gado dos réos, a quem encarrega de um modo exhorta-
tívo, a que faça quantas diligencias possa haver a seu
favor. Regeita a proposta do luiz do Povo sobre denun-
cias occultas; mas mostra ceder ao uso dos tratos, or-
denando cjue tenham logar somente quando precederem.
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iicU^ (|iiiK'sqiK'r iiicIkk^s, iiui^ iiuíku)-^ \ ciicincntcs. Nâo d».i
poder siiii^uliirmcntc d nenhum dos Ministros nomeados.
Declara que somente o deleita ao concurso de todos clles.
í: para que ncio houvesse fallencia na observância d'estas
reaes determinaçòes. manda, que os três Secretários d'F:s-
tado assistam. t|uanto for possivel, a tudo o que p>erten-
cer cl formação do processo, c ao seu juízo final. N'estcs
termos bem vê Vossa Alteza, que nins^uem se pode quei-
xar d'í:l-ReY D. losé, meu Senhor: e que os meus cons-
tituintes. a!(5m de lamentarem a desgraça, de nc^o ter sido
posto em pratica o que Sua Maijestade ordenou, teem
multo que admirar na summa Oíjuidade deste Monarcha,
c na sua real moderação. Porcju*^' >cvnindo o que se obser-
va nesta causa, se conhece que Sua Majgestade sem em-
barjjo de Soberano, e de luiz Supremo, não quiz ter nclla
mais acção, do que para determinar o que era de justiça,
e entresiiar a execução das suas ordens ao Ministro d'í:s-
tado da sua maior confiança, a quem constituiu Presi-
dente n'a(iuella occasião. Deste Ministro revestido dò
maior authoridade. fiscal das execuções das Ordens re-
gias, considerado como a voz do Soberano, de quem já
estava sendo quasi o único informante acreditado, é que
todos nos podenK>s o devemos c]ueixar; porque foi quem
preverteu o que l:l-I^ev D. losé, meu Senhor, determinou,
com a mais apurada rectidão. Km lusjar de se nâo omit-
tir meio aliifum para o descobrimento da verdade-, não
foram per^nintados os três Padres da Companhia, repu-
tados como primeiros e maiores criminosos-, não foi per-
VJuntada a Marqueza de Távora, minha soijra, a quem se
attribuia a corrupção dos d^ sua familia, que foram con-
demnatios. I: dc\ mesma forma não apparecem as per-
s^iuntas de vinte e tantos ri5os. tidos nos autos como par-
ticipantes do mesmo delicto horrorosa'» ; apestir di:>s dois
primeiros delactores serem interessadi>s na sua accusiição,
pelos prémios (lue lhes foram promettido^ I-siiviiam
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muitos dias na* prisão os meus constituintes, que morre-
ram, sem haver contra elles o que lhes queriam imputar;
porque todos os que foram perguntados nesse tempo,
íncluzívé os verdadeiros culpados e confessos, depozé-
ram e juraram a seu favor. Mas ouvindo a um destes úl-
timos o Secretario d'Estado Presidente, que também a sua
vida tinha estado em perigo, pôz no processo uma nota
marginal desta noticia, e a poucos passos appareceu com
um depoimento da sua própria letra, tirado em sua casa
a um denunciante, que serviu para regular um novo in-
terrogatório, feito dahi por diante a tantos pretendidos
réos, que então se mandaram tratear; não concorrendo
na maior parte delles, as circunstancias para o tormento,
determinadas por El-Re^ D. José, meu Senhor, nos seus
decretos. D este martvrío ninguém recebia allivio, sem de-
clarar o que Ih- queriam fazer dizer, ou quando o Ci-
rurgião avisava que já o não podiam supportar sem ris-
co grande de vida. No resultado desta diligencia é ma-
nifesto, da parte dos interrogantes, o empenho de achar
crimes nos meus constituintes, e medo grande de encon-
trar verdades contrarias. Por isso as rectificações das
confissões dos réos foram sempre precipitadas, e pela
maior parte feitas, no mesmo dia, e no mesmo logar. con-
tra o que mandam as Leis. As confusões não se procu-
raram aclarar; as diversidades não se quizeram concí-
h'ar; as retractações procuraram evitar-se; e as que se
não poderam impedir, não as quizeram escrever. São
muito poucas as confissões violentadas, que teem assigna-
tura das pessoas a quem pertencem, e algumas delias com
circunstancias, que as qualificam bastantemente de falsi-
dade. Nunca houve confrontações, nem antes, nem de-
pois dos tratos; nem as quizeram admittír. com parente,
ou com estranho, a quem as requereu; sendo esse um
meio importantíssimo para a ínstrucção de que necessita-
vam os juizes.
uo
Ao MR'siiK> icrn|n>, foi fcit«.> sfiiiprc- iiin continikidn um.)
tio dolo da siiv;i^cstt\o. c c de crer cjuc nas pcnjuntas fei-
tas cm tratos, que n5o apparecem nos autos, houvesse
essa mesma maldade, de um moílo ainda mais escanda-
loso óo que nas primeiras que existem, feitas antes do
tormento; e que seja essa a razt^^o do juramento, que vem
nos autos, dado aos luizcs, para não dizerem nunca, o çue
se perguntou aos réos nos tratos e se não escreveu no processo.
Desta forma houve trateados que. induzidos e ator-
mentados, deposeram contra os seus próprios depoimen-
tos já jurados, o que lhe foi suvjijerido. para criminarem
os meus constituintes. Mas nessa mesma occasi«!io parc5ce
coisa íiiilavTosa. não haver tormento que potlesse obri-
jtiar os verdadeiros culpados a deixarem de manter o
que tinham dito a seu favor nas primeiras perj^untas. De
modo cjue culpando-se a si. e aos seus cúmplices, parc^ce
incrivel c)ue contra a verdade, e dando motivo pela sua
constância, á continuação l\o tormento, quízessem pou-
par os meus constituintes, (jue lhes eram tanto mais estra-
nhos e indifferentes; e ainda que dois dos meus consti-
tuintes vêem no processo como confessos, de parte do
que lhes foi attribuido na sentença ; um delles disse o con-
trario na defesa, e retratou-se publicamente uo cadafalso
e (.lo outro ha nos autos uma contradicção muito estra-
iiiui. porcjue vem negativo na instrucçâo para a defesa.
Vem da mesma forma nei^ativo na sentença da devirada-
ção l\{\ «.^rdem. í\c\í\(\ pelos mesmos Ministros. \k>t dele-
jijação <Sci Mesa l\í\ consciência ; e vem k.\o mesmo mocto
no papel dos erros Ímpios, sabido da Secretaria d'Kstado
poucos dias depois das execuções. No que toca Á defesa,
bem lonsje de ser plena, foi mais depressti de pura ceri-
monia, í: em ordem a cjue o defensc^r não visse os autos,
como nós os vemos aviora. lhe foi áada uma chamada
minulii muito breve, mal exlrahiila iU>s'mesmos autos, para
elle se inforniH iin ixnicas ht^i-^-- ili>i|iu' linh.i iitu* Ji-er.
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para salvar as vidas de onze réos atormentados, e for-
mar outras tantas defesas. O mesmo pouco caso se fez
da Lei d'[:l-ReY D. José, meu Senhor, em que restringe a
validade do que pertence á devassa, aos escriptos do Es-
crivão nomeado, por que está o processo cheio de lettras
diversas, e n elle se vê que, assim Ministros d'Estado, co-
mo Ministros de Justiça, foram naquelle processo, ora
Presidentes, ora- Juizes, ora Escrivães, e ora varias destas
coisas ao mesmo tempo. Sobre o poder para devassar e
para julgar, que El-Rey D. José, meu Senhor, concedeu
somente ao concurso de todos os Ministros, egualmente
se não attendeu ás ordens regias; e antes pelo contrario
se conhece pelas assignaturas dos despachos, que nunca
concorreu a maior parte. No Juizo da causa se encontram
as mesmas desobediências, e as mesmas injustiças. Parece
impossível concluir-se o que se dá por feito no tempo
comprehendido pelas datas, e que os autos que contém
sessenta e tantos depoimentos, fossem examinados em
vinte e quatro horas por dois diversos Juizes, o da Incon-
fidência, e o das Ordens. Que se ponderassem as circuns-
tancias, e os differentes gráos de delicto. Que fossem fei-
tas duas Sentenças, acrescentadas com diversas coisas, de
que se não trata nos autos, e se intimassem a onze Réos,
os quaes as não poderam embargar, por se achar moles-
tado o seu procurador, e não quererem dar remédio a
esse embaraço. Esta precipitação occasionou varias de-
sigualdades nas penas de alguns réos; não as havendo
nos documentos que serviram para a sua imposição; e
houve uns, que foram condemnados pelos mesmos fun-
damentos que serviram para serem outros absolvidos. Eu
fallo com muita brevidade a Vossa Alteza, porque assim
o devo ão seu respeito, e ao Governo de que Deus o
quiz encarregar. Se dissesse tudo o que vem nos autos
deste género, faria um papel muito volumoso, e seria
ainda maior se recorresse ás notícias de noventa c tan-
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las testemunheis que produzi, onde se acham as coartá-
das dos meus consliluinfes. (lue morreram ; as provas de
gue a maior parle dos luizes nào viram nunca os autos ;
as declarações d'esles mesmos feitas a diversas pessoas.
de cjue se colhe, terem assiijnado a sentença condemna-
toria. sem o preciso conhecimento dã causa -, e muitas
outras circunstancias espantozas, postas na evidencia, que
ad mítte essa casta de demonstração.
O que tenho dito até aqui a Vossa Alteza, é somente
o tjue me pareceu indispensável, para dar a conhecer os
defeitos das causas, em que me queriam envolver, e mos-
trar a opposiçâo constante, entre essa desordem, e a san-
tidade dos decretos d'l:l-Rev D. Ios(5, meu Senhor ; onde
se vê quanto Sua Masjestade estava persuadida, de que,
se iio maior crime, como 6 o de lesa-Masjestade compete
a maior pena ; a maior das injustiças, é de imputar esta
casta de delicio a vassallos inn(Kenles e honrados. Para
evitar este mal tomou Sua Maijestade todas as precau-
ções necessárias. Nc^io esteve por nenhuma daquellas opi-
niões que, com apparencias de ens^randecer os Sobera-
nos, destroem nelles a imas^em que teem de Deus. O di-
reito natural lhe pareceu mais di^no l\o que tudo, para
a recommendaçc^io de ciuem linha o seu real caracter. I:
como o maior numero é ordinariamente menos sujeito
a preoccupações, e a subornos, fez dependente a execu-
çCio das suas ordens, do concurso de todos os Ministros
d'I:stado e de justiça. Parece incrível que esta summa
etjuidade não fizesse a impressão que devia, e era natu-
ral ; mas depois desta malevolencia e desta atrocidade,
que coisas Ci^ualmente preversas, diris^idas a uma appro-
vação iijcral, se nào empregariam, para persuadir l:l-f^ev
D. losé; meu Senhor, que as suas ma.vimas tinham sido
respeitadas, e cjue as suas ordens tiveram uma perfeita
execução? Ainda mal. que uma certa bondade, que anda
annexa ao supremo poder, e á suprema independência.
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tem occasionado muitas vezes nos que occupam os Thro-
nos, excessos grandes de boa fé, mais prejudíciaes do que
nunca, nas occasiões de actos de Justiça punitiva, em que
a grandeza real não admitte o conhecimento pratico das
coisas.
Foi desgraça nossa durar o engano tantos annos, e
não entrar El-Rey D. José, meu Senhor, em desconfiança,
senão quando )á lhe não era possível outra acção, mais
do que para dar signal aos successores da sua auctori-
dade, que havia que corrigir em algumas coisas do seu
Governo, feitas em seu nome, contra a sua real intenção.
A Rainha, minha Senhora, não quiz deixar de dar a isso
providencia. Conheceu que os indícios de indignação da
parte d'El-ReY, seu Pae, no tempo em que Deus come-
çava a dar luzes maiores, concordavam com documentos,
conservados pela Providencia, para fazer acertada a sua
real deliberação, a favor dos meus constituintes. Então
foi ponderado o pequeno numero dos prejudicados. A
pouca consideração dos bens a que teriam direito. Que
o lapso do tempo não podia ter lugar em um facto, de
que eram muitas as testemunhas oculares existentes ; e de
que se deviam descontar os annos, que os autos estive-
ram sumidos na mão do Ministro poderoso, que presidiu
á sua formação. Que isto mesmo ainda era mais certo,
não tendo havido embargos á sentença condemnatoria,
dada por uma Junta de Commissão, para a qual legislou
particularmente El-Rev D. José, meu Senhor. Que tendo-
se faltado continuadamente ás ordens de Sua Magestade,
estava tudo nullo. Que por esta razão, não havia que
attender á honra da Justiça. E que antes pelo contrario,
era muito importante, evitar-se o equivoco dirigido, a
confundir o Soberano justo, com a maldade de quem o
enganou. Que a separação patente d estas duas coisas
tão diversas, que envolviam no modo de proceder, a vir-
tude, com o delicto, e a Religião com a maior perversí-
1 i ;
diulc. faziam inuik> necessária esta mesma Jivis«io, para
o credito dã justiça e da bondade de lil-I^ey. meu Se-
nhor, l: entáo se conlieceu que o ultimo decreto de Sua
Masjestade, approvando os autos, e a primeira sentença,
não podiam ter sido passados senão na \é i.\c\ perfeita exe-
cução das ordens antecedentes, li que sendo esta mesma
execução da forma referida, não podia o dito decreto
deixar de ser obrepticio. Também se advertiu e se con-
templou, que para o conhecimento desta verdade, quiz
Deus cessar quem conservou duas rejjias declarações, tão
contrarias uma á outra ; as quaes obrisjando a procurar-
se-lhe alijuma conciliação, davam loijo a conhecer que
em um caso de maior gravidade, com tão pequeno in-
tervallo de tempo, não era nada natural que l:l-I-^ev D.
José, meu Senhor, mudasse para uma opinião tão diame-
tralmente opposta, sem razões que produzissem effeitos
de alijum novo arraiijamento. isto fez parecer incrível que
Sua Maj^estade, sem ens^ano, approvasse uma desobediên-
cia a mais criminosa, que incluia a reprovação dos seus
l^rimeiros decretos, tão acertados, e tão justos, e destruia
as suas recommendações dõ observância do Direito na-
tural e divino impreterivel, a que Sua Maj^estade mostrava
tanta inclinação e tanto respeito. Westes termos não ha-
vendo que vacilar sobre a imputação destas advertên-
cias, destas contrariedades, destas injustiças, de que o fá-
cil descobrimento parece mvsterioso. Quiz a Rainha, mi-
nha Senhora, cjue nesta causa houvesse novo exame, e
tornasse a ser juli^ada. Na execução desta real vontade,
parece impossível, que podesse haver mais attenção S
primeira sentença, do que houve, para ser dada a da re-
vista. Sem embarjkio dc\ lan^ja informação de testemunhas,
(jue já disse, cujo destino, ses^undo os termos da Rainha,
minha Senhora, era para ter uso, quando Sua Majjestade
fosse servida mandar tratar daquella causa. Cheirada essa
occasíão, não c)uízeram os juizes admittir esses imjx^ír-
145
tantes documentos, fundados na regra ordinária, de se
não receberem nas revistas, os que fossem estranhos aos
autos. Debalde instei eu, que não se reputasse como es-
traniia uma defesa determinada pelo direito natural, que
suppria de algum modo, a que tinha sido negada aos
meus constituintes. Continuei a requerer que ao menos
fosse acceita a declaração de Fr. Manoel de S. Boaven-
tura, authentícada pelo Juizo da Inconfidência, a qual pelo
seu contexto mostrava ser pertencente aos autos, a que
devia juntar-se, para a sua mais aproximada integração.
Nada d'ísto foi attendido, nem absolutamente se admíttiu
nenhum Procurador. E os autos, assim mesmos informes,
e feitos de propósito, para a ruina e diffamação dos meus
constituintes, foram o único instrumento que serviu, para
ser dada a seu favor a sentença revisoria. Apesar desta
summa jurisprudência, com que foi posta em pratica a
graça de uma Soberana de tantas e tão certas virtude? ;
e sem embargo de dar isso mesmo a conhecer quanto
pode a innocencia para tirar provas de justificação dos
maiores artifícios da malevolencia e do engano; a fata-
lidade que acompanha os meus constituintes entretém a
indecisão que continua a haver nesta m.atería. Parece
coisa sobrenatural, porque á vista do que tenho exposto
a Vossa Alteza, está esta causa em uma alternativa, que
deveria mais depressa concorrer para a sua prompta re-
solução; porque, ou se ha-de punir pela doutrina de El-
RcY D. losé, meu Senhor, e fazer-se patente a sua recti-
dão, ou se ha-de occultar a equidade deste Soberano
para encobrir e defender a desordem de quem lhe deso-
bedeceu, e inverteu a Santidade das suas reaes determi-
nações. Nesta matéria não posso imaginar, que haja em
mim nenhuma illusão; porque isto mesmo viram tantos
Ministros consultados, e os luizcs que deram a sentença
de revista. Se ha algum talento superior, que vçjã as
coisas doutro modo. deveria fazer em nós o effeíto
14Í»
iki luz. !iviando-nos das ircvtis com nuiitii proniptidâo.
Dcvciid nianifcslar tio publico essa suâ descoberta, e te-
ria d'isso estreita obris^açâo, porque a demora excessiva
desta causa, ou o encerramento delia nas suas circuns-
tancias, alem de inculcar um pejo dci sua publicidade,
que denota debilidade de razões. nAo pode ser expediente
(jue convenha á Grandeza Real de um Soberano táo justo,
como }:I-Rev D. )osc. meu Senhor, se mostrc^u naquella
mesma occasião. Is^ualmente é offensivo á Rainha, minha
Senhora, depois dò concessivo do seu alvará de revista,
c de ponderadas por Sua Maj^estade todas as razões que
podiam obstar, ou facilitar a mesma ^raça. O certo é
que depois de uma semelhante resolução, parece nào ha-
ver nenhum meio virtuoso, entre a contirmaçtlo da pri-
meira sentença, no caso de haver razões para a manter,
e a validade dã sesiíunda, que a derroija. fundada em Leis
soberanas e novissimas.
Uma tui outra coisa estava o mundo esperando, para
formar conceito fixo, sobre um caso em que todavia,
a justiça exiv^e a maior publicidade, por ser o exemplo
nos castiitios o seu objecto principal. Mas todas estas ra-
zões, e muitas outras que omitto, para níHotomi^ ^temp)o
a Vossa Alteza, não tem valido ate* aj^iora. • ndade
de dois Soberanos tem tido efficacia ba-' livrar
de embaraço a causa dos meus constitui 'a fal-
tam mais als^umas clarezas, e se ha du as ou
politicas, que façam impedimento á su ào se-
ria eu o primeiro, tjue desejasse, que pozes-
sem em publico, e se consultassem a lades de
Castella, e as mais famosas da Kurop.i to d,^ jus-
tiça d'HI-Rev I). lostS meu senhor, r la NaÇtlVo.
mereceriam esse disvello. líntiVo se v inmum sen-
tir das vcntes, tlimanado tlaquella ) jue IXnis al-
lumia todo o homem, se osIXvrett IX joscS meu
Senlu^r. siio ou ni>o conciliáveis C( >so ; e se o
147
que ha nelles de invariável e de claro a todas as luzes
deve servir de regra á Rainha, minha Senhora, e a Vossa
Alteza Creio, que se não acharia nenhuma opinião im-
parcial, que fosse favorável ao triumpho do Enganador.
Nem haveria quem fizesse ponto de honra, que vencesse
a justiça, sobre dar-se a conhecer, que El- Rey D. José meu
Penhor, foi enganado n esta causa.
O mundo será persuadido, ha muitos séculos, que o
Governo de um Reino excede as forças da Humanidade
gue no logar em que Deus põe um Soberano, onde não
pode saber por informação, nem operar senão por dele-
gação, esta mais do que ninguém sujeito a enganos e a
tazerem-se em seu nome coisas violentas, sem demasiado
encargo da sua consciência. A historia do mundo certi-
fica esta verdade, e mais ainda as Letras Sagradas onde
se ve, que Deus desculpa os Reis, como não desculpa os
homens de outra condição. Por isso se considera, que para
os d essa dignidade, tanto consiste o bom governo em pro-
curar benefícios, como em remediar males, para que se
nao façam mais compridos, segundo a expressão de um
Monarchade espirito sublime. Ainda haveria bastante que
dizer sobre coisas desta espécie, se eu soubesse com cer-
teza os motivos quepoderamter servido de demora nesta
causa : mas esta representação poderá já parecer demasia-
damente dilatada, sem embargo de um negocio perten-
cente ao ponto mais importante da honra, que intere..a
vassallos mais obrigados á sua observância, não se pode
tratar com brevidade, quando pela primeira vez se dá
conta delle a um Príncipe Regente, e se procura vencer
uma demora excessiva e summamente ruinosa. Comtudo
para nao ser censurado, de abusar da paciência e da bon-
dade de Vossa Alteza, ponho na sua real presença, por
ulhmo artigo d este papel, que. apesar do que tenho ou-
vido, e do mais que queiram dizer, não me posso persua-
dir que. para a habilitação dos meus constituintes exís-
MS
tentes, c para alíjum seu melhoramento de fortuna, lhe
possa ser conveniente, pedirem o perdt^o de pena lesmai :
e gue a I^ainha, minha Senhora, e V. Alteza assim o quei-
ram, depois da revista concedida, e da sentença dada a
seu favor.
Sc em semelhante petição não houvesse mais do gue
sis^nificarem os meus constituintes a sua summa depen-
dência, e o seu profundo respeito, ia teriam feito ha muito
tempo essa dilii^iencia. na quõ\ não podiam nunca ter a
menor duvida, sendo as coisas desse s^enero pertencen-
tes ao culto civil, devido da parte de qualquer vassallo
ao seu Soberano.
Mas o perdão denota crime, e de uma qualidade, na
causa de que trato, a que devemos todos ter horror, isto
parece que implica com a prova judicial da innocencia.
facilitada e auxiliada pela I^ainha, minha Senhora. 1: vem
a dar de si, nos que pedissem semelhante perdão, quere-
rem por interesse particular, condemnar e denes^rir a me-
moria de seus pães justificados, e fazerem-se por isso in-
dií^nos dc\ beniv^nidade de \7ossa Alteza.
Esta é a substancia das razões, que tem obstado a ser
posto em pratica semelhante arbítrio. Parece justo, que
assim se observe, em qu^^nlt^ "ão concorrer o que quer
(jue seja. que salve as difficuldades que acabo de dizer.
Mas passando a ver esta questão por outro lado. é certo,
que de qualcjuer modo, que sejam considerados os meus
constituintes, ninv^uem duvida, ses^íundo as suas edades,
(]ue não podiam ter nenhuma culpa pessoal. Neste caso.
permitta-me V. Alteza a reflexão patriótica, de que no
tempo, em cjue muitos Peinos dò l:uropa tem reduzido,
ou aproximado as suas differentes lei^islaçòes ao Direito
natural. (|ue não admitte corrupção de sanviue. nem os
seus effeitos violentos, nada seria tão próprio dos nossos
Príncipes, mais virtuosos do que todos, do que mostra-
rem-se persuadidos desta santa doutrina, e anteciparem
149
o exercício delia ao effeíto da benigna intenção, que tem
de introduzir c estabelecer no novo código.
A vista d'isto, seja-me licito trazer á lembrança de
Vossa Alteza, que os ditos meus constituintes teem pade-
cido, no espaço de trinta e tantos annos, trabalhos gran-
des, de falta de liberdade, áz ignominia e de miséria ;
objectos dignos da Real compaixão de Vossa Alteza. Em-
fim Príncipe, meu Senhor, bem desejaria eu ver-me livre
d esta lida, e não tornar a ter occasíão de importunar a
Vossa Alteza com arrazoados que obrigam a tanta dif-
fuzão. Estimaria ao menos poder conservar-me no silen-
cio, em que já estive muito tempo, confiado na bondade,
e na rectidão da Rainha, minha Senhora ; mas mostran-
do o tempo coisas, que segundo a experiência e o con-
ceito universal, de modo nenhum podem proceder da Real
vontade, e recta decisão de Sua Magestade, e de Vossa
Alteza, de quem somente deve depender a nossa sorte,
não posso deixar de implorar o soccorro dos que Deus
quer, que façam as suas vezes n este Reino. O certo é, que
a maldade nas mãos da Justiça, sendo certa, não costuma
achar, o que ha annos a esta parte tem encontrado a de-
manda dos meus constituintes. Os crimes, não se provam
suspendendo o curso das causas. A clareza e a publici-
dade, é necessária nos delictos conhecidos e atrozes. Para
a Justiça, não ha ninguém que seja despresivel. No que
toca á honra, não são poucos os que devem ser attendi-
dos ; e a politica não parece ter logar nenhum, sobre duas
causas particulares, para as quaes tem parecido bastante
em toda a parte as regras da Justiça ordinária.
Alem d'isto, como as contrariedades costumam com-
bater neste mundo o que Deus quer, tudo concorre para
me persuadir, que faltaria ao que o mesmo Deus me in-
dica, e ao que devo a Vossa Alteza, no tempo em que
faz funcção de Juiz supremo, se não recorresse ao seu
Real poder, e á sua íllustração, para que ponha teimo
1^0
nesta causa, conforme o que Deus lhe inspirar, e lhe pa-
recer mais acertado. Queira a Divina Providencia, que
Vossa Alteza seja o Príncipe destinado para cortar
este nó gordio. Que para esse effeito se reijule p)elo
que achar no seu rciíjio coraçc^o. e no seu entendimento:
Que dahi se nos sisja a felicidade de nos ser confirmada
a esperança da continuação dos nossos Príncipes nacio-
naes. í: que Vossa Alteza em premio das suas reaes vir-
tudes, tenha também, entre muitas vantai^íens. a Gloria
de fazer patente a justiça, ebenii^na intenção de seu Au-
sjusto Avô, Kl-Rey D. José, meu Senhor, pondo em exe-
cução o que Sua Majestade faria, se podesse voltar a este
mundo. Ru assim o peço a Deus, com o fervor que com-
pete a quem se acha no ultimo quartel da vida. persua-
dido do que acabo de dizer, l: juntamente lhe rosjo, que
esclareça, que prospere, e conserve a real pessoa de Vossa
.Alteza por muitos annos. como eu. e todos os seus fieis
vassallos desejamos, e havemos mister.
Marquez d' Alar na.
CAPITULO X
Documentos comprovativos dos esforços da Condessa de Oeyn-
hausen, Marqueza d'Alorna, para que fosse completamente
illibada a memoria do Marquez d'Alorna, seu iririão.
O General D. Pedro de Almeida Portuíjal, terceiro Mar-
quez d'Alorna, e sexto Conde de Assumar, avivou brilhan-
temente os altos feitos militares dos seus nobilíssimos as-
cendentes, entre os quaes se devem especialísar os prati-
cados na índia por seu avô paterno o primeiro Marques
d'Alorna, e também os muito valiosos serviços prestados
contra os inimigos do Estado, por seu muito illustre avô
materno, o General terceiro Marquez de Távora, serviços
com os quaes notavelmente assignalou o seu governo
como vice-Rei da índia, e que não só deixaram de ser
devidamente considerados, mas que se procuraram apa-
gar com a mais odienta ingratidão.
Eram muito grandes as obrigações que lhe impunha a
sua por muitos titulos alta ascendência ; mas o General
Marquez d'Alorna desempenhou-se delias com a maior
distincção.
Assim, sendo Coronel decavallaría em 1803. tendo 39
annos, foi escolhido para fazer parte da divisão auxiliar
á Hespanha, tornando-sc notável logo nos primeiros com-
bates em que entraram as tropas portuguezas. Tendo po-
rem recolhido a Lisboa, com licença, no fim de um anno.
152
foi i^ituliiaclo cm Marechal tic campo em 1804. epromo-
viilo á cffectividade deste posto no anno seviuinte. sendo
entíio nomeado commandante da lei^i«So de tropas ligei-
ras que o governo mandou ori^anisar ndquellâ época.
A vis^iiancia l\o Marquez d'Ak>rna, que em 1807 ijo-
vernava o Alemtejo, deveu a |-amilia Real portuijueza, o
nào ter ficado prisioneira do exercito francez. que inva-
tliu í\")rtuv:al, podendo ausentar-se para o Rio de laneiro.
embarcando pouco antes di\ entrada de junot em Lisboa.
Sendo chamado a Lisboa por junot pouco depois da
cheviada l\o i^íeneral em chefe francez a esta cidade, p)ediu
loíijo a sua demisst^o, que lhe não foi concedida.
Hra notório o desaffecto do Marquez d'Alorna aos
francezes, sentimento que nobremente affirmou a lunot
quando foi por elle interros^ado sobre o propósito que se
lhe atlribuia de ter cjucrido impedir a entrada dos fran-
cezes cm Portu^^^l. e que não levou a effeito por ter re-
cebido c^rdens terminantes da Res^encia para que rece-
besse amij^ravelmente as tropas estraníjeiras.
As condiçòes em que se encontrava o exercito portu-
itiuez, e (juc eram bem conhecidaf? de Junot. levaram este
Cleneral a mandar ors^íanisar a leijriâo de que o Marquez
d*Alorna foi nomeado commandante em chefe, sendo Go-
mes Lreire de Andrade se^iundo commandante. e chefe
de estado maior o hrií^jatieiro Pamplona ; isto é. foram
escolhidos os três distinctos officiaes, manifestamente
atlvcrsos aos francezes. e que era portanto conveniente
afastar do paiz.
l: sabido cjue em Abril de 1808 a kvião dcAIorna re-
cebeu ortiem tie marcha para huri^os, devendo concen-
trar-se em Salamanca, e se\íuir para o seu destino por
Valladolid.
Para acalmar <\ excita»;ão que a ordem produziu, por
se dizer que a leviião era mandada para IVança. lunot
mandou publicar e imprimir uma declaração de que as
153
tropas portuguezas sabiam apenas com o objectivo de
acompanharem o Imperador Napoleão até Lisboa.
Por ter adoecido gravemente em Burgos, o Marquez
d'Alorna não poude acompanhar a legião na sua mar-
cha até Bayona, onde lhe foi passada revista pelo pró-
prio Napoleão, e onde mais tarde se lhe reuniu o Mar-
quez d'Alorna.
Deve deixar-se consignado que a legião chegou a
Bavona, com pouco mais de 6.000 homens, sendo quasi
de 9.000 homens a força com que sahiu de Portugal : es-
tando pois diminuida de cerca da terça parte, que se
tinha ausentado desertando.
Apesar de muito redusida, o receio de que podesse
reunír-se a quaesquer forças hespanholas que se levan-
tassem contra os francezes, determinou Napoleão a inter-
nar a legião em França, dando-lhe Grenoble como quar-
tel. O Marquez d'Alorna ficou apenas como commandante
nominal, ate que em Março de 1809 foi mandado para
Madrid com ordem de se unir âo quartel general do Rei
losé, mas sem qualquer ingerência no commando das tro-
pas. Em íunho de 1810 mandaram o infeliz General para
Salamanca, a fim de se apresentar no quartel general de
Massena, que preparava ali o exercito para invadir Por-
tugal.
Este exercito transpoz a fronteira portugueza em 24
de lulho de 1810. O Marquez dAlorna, que foi obrigado
a acompanhar Massena não praticou acto algum de hos-
tilidade aos seus conterrâneos, e pelo contrario fez
quanto poude para minorar os horrores da invasão, como
succedeu em Coimbra e em outras localidades.
O governo da Regência tendo conhecimento de que
o Marquez estava no quartel general de Massena, sem at-
tender ás circunstancias em que se encontrava, resolveu,
por portaria de 6 de Setembro, não só exautoral-o de to-
dos os títulos, honras e dignidades, privando-o até do nome
154
de portiij^ucz. iiujs offcrcccr a iciiiuiK-ravdo de mil inoc-
tlcis ii c|uc»ii o aprcsciitiissc mork) ou vivo. A esta porta-
ria scviuiu-sc processo no Tribunal de Inconfidência, em
tjuo foi condcmnado d morte.
[■ica assim explicado, que o Marquez d"Alorna nào
tentasse illudira í^rande visjilancia que sobre ellc exerciam
os francezes, para procurar apresentar-se em Lisboa, tendo
de voltar para Hrança. onde em 1812 foi encarreirado de
inspeccionar as tropas da lei^ii^o portuj^ueza. que foram
dcsii^nadas como elemento do exercito, que ia tomar parte
na campanha da Rússia.
Quandv» o exercito francez marchava com esteobiecli-
vo. o Marcjuez d'Alorna recebeu a nomeação de Gover-
nador de Mohilev ' e ali ficou como se lê na erudita in-
troducção do Sr. [-ernando Mava ao proficiente trabalho.
do iMarquez d'Alorna "Reflexões sobre o systema econó-
mico do exercito,,, até que principiou a retirada do exer-
cito francez. ao qual se juntou nas manténs de Dniepper.
Tendo porem chev;[ado muito doente a Koeniiísben^ nos
últimos tiias de Dezembro, ali falleceu a 2 de laneiro de
1813.
Aos incessantes e porfiados esforços da Condessa de
Oeynhausen, durante mais de dez annos, é devida a revi-
' A civJ.iilc de Mohilev, praça de guerra, é capital da provincia d'es-
te nome, constituída por uma região, situada na Rússia Occidental
europeia, que hanhiim vários rios de que s5o prin»:ip;ies os seguintes:
Dniepper, Soj, Troni.i e Mercsina. Nj reRifio, que c muito fértil, en-
contrum-se também vários laj{os de pequenas dimensões. A praça de
Mohilev demora na margem esquerda do Dniepper.
155
são da sentença que havia condemnado o Marquez d'A-
lorna, seu irmão, sendo absolvida a sua memoria da im-
putação do crime de que fora accusado. e declarada inno-
cente e honrada a sua memoria e fama. Esta sentença é de 16
de Agosto de 1825.
Dos meritórios esforços da Condessa de Oevnhausen
para que fosse revogada a sentença, que injustamente
condemnou o Marquez d'Alorna. seu glorioso irmão, dão
também notícia as cartas de que seguidamente apresen-
tamos copias:
111. "IO Ex.ni" Snr.
Meu irmão' de toda a m.a estimação
Remetto a V. Ex.a copias de duas cartas que me escre-
veram, uma ainda quando eu estava em Londres, e que é
de Mr. Wallerstein, Addido á Embaixada Russa em Hespa
nha. o qual eu não conhecia; mas passando por Londres
e sabendo que eu allí estava, tomou aquella honrada re-
solução de avisar-me de que elle serviria em todo o tem-
po de testemunha da innocencia de meu irmão.
A segunda é do Barão de Blumenstein, que V. Ex. ' tal-
vez conheceu ; ficam na minha mão os orígínaes para po-
derem servir quando forem precisos.
Desejo muito novas do Saldanha, que está com nan-
dando no Rio Grande," e se elle me não escreve por que
sou mulher, talvez escreva a V. Ex.a a quem pode di-
zer muita coisa interessante. Vae partir o novo Paquete
e preciso dizer adeus. Henriqueta acaba de me dizer que
' A Marqueza d'AIorna dava o nome de irmão e primo a D. Bernardo
da Silveira Lorena, que foi Conde de Sarzedas.
2 Foi depois o g-Iorioso Marechal Duque de Saldanha.
!50
a rccommemlc d V. Rx.», o mesmo quer Iredericd. O meu
filho ' está em livora com o seu rej^Mmento.
O Carlos - está em Matto Grosso esperando pelo seu
successor ha cinco annos. Se V. Ex.* poder contribuir
para que clle vá para a sua destinaçáo no Pará, ou para
(ju<-' ^- M- lhe dê licença para vir a Lisboa, muito preciso
d'isso, a sua capacidade e juizo muito me havia de aju-
dar, e até seria de i^rande utilidade.
brevemente parte outro navio e irei escrevendo e man-
dando coisas interessantes, á medida que for tendo forças
para escrever. Adeus meu estimável Irmão.
Sou
De V. Hx."
Irma, Prima, e fiel Ven.""»
Leonor.
P. S. A carLi de V. I:x.' não trazia data.
Copie
Londres ce 7 Aoút 1813
Leicester square, Sabloniéres hotel
Madame la Comtesse
lln hasard me fit savoir votre sdjour á Londres. Teus
le bonheur de faire la connaissance de feu M"" le Marquis
d'Alorna, votre freire, et je ne puis rc^sister au dc%ir doffrir
mes hommavies rospectueux. á la soeurd'un si dii^ne hom-
nie. je lai connu dans un tems oíi accablé de rei^rets et
tie dcSespoir, il avait besoin ^x^ur se soulai^er de dépo-
ser ses chagrins dans le sein d'iin homme qui sút sentirei
' O Conde Jo5o d'(>eynhauscn, que morreu tendo ig annos, e sendo
rencnte Coronel de um regimento de cavallaria.
• Morqiiei d'ArjiL;uy.
157
compatír de si grands malheurs. II me crut digne d etre
le confidení de ses ennuis; et de ses projets. Ex'cedé de la
peine que lui causait leloianement de sa patrie et de sa
famille, plus que du regret des richesses qu'il avait perdu.
abattu par ríde'e douloureuse d etre considere comme un
traitre á sa nation, lorsque Tamour et lattachement pour
son Monarque et son pays, remplissaient exclusívement son
coeur. il étaít decide á tout risquer pour revenír sur ce
qu'il avait été entrainé de faíre. Déja il avait pris les me-
sures les plus determinées, lorsque son gouvernement,
§uidé plutôt par Ia sévérité quí lui dictait une sage pré-
voyance, que par Tindulgence que pouvaient re^clamer
des circonstances extraordinaires, contraria brusquement
les desseins de M^ votre frére. et lui ferma à jamais les
portes du retour. II en gémissait, mais nen conserva pas
moíns lespérance de convaincre par la suite son Souve-
rain de Ia pureté de ses sentiments.
le me suis étendu dans ces légéres notions pour vous
engaoer. Madame, de me permettre de vous communiquer
quelques autres détails qui concernent feu le Marquisd'A-
lorna; je marrete avec plaisir à lespérance de pouvoir
contribuer par ce moven à adoucir votre douleur. et à
venger la mémoire d'un homme quí n etait pas moins
dícjne d'intérêt par ses revêrs, que par ses brillantes qua-
lités.
En attendant votre réponse, je vous prie. Madame la
Comtesse. d agréer les hommages respectueux avec les-
quels í'ai 1'honneur d etre.
Votre três humble et três obe'íssant
serviteur
Henri í. de Wallersteín.
Adresse — A son Exccllence
Madame la Comtesse de Oev-nhausen.
etc. etc.
158
Copie
Au chtiteau la Goutc par I-íouhan; départcmcnt de la
Loire, le 17 de Septembre 181 ô
Madame la Comtesse
lai depuis lonijtems recherché loccasion de pouvoir
avoir des nouvelles de Votre Excellence, et de lentrete-
nir de son malhcureux frcrc. que nous avons eu le plai-
sir de voir souvent pendant sou séjour en iTance. je pro-
fite avec empressement de cclle qui se presente pour sa-
tisfaire à ce besoin de mon coeur.
Lorsquc les cvénements ne tournent pas heureusement.
le conible du nialheur est de voir soupçonner les inten-
tions et les sentiments de ceux (.]ui on ont été les victimes.
Cest ee qui est arrivc à Tinfortuné Marquís d*Alorna.
Comme il connaiss.iit ndtre liaine pour celui qui a fait le
nialheur de Ia Trance et de Tliurope entière, etqu'il savait
combien Ia rcconnaissance nous altachait au j^jouverne-
nient Portuv^ais. il nous confiait ses idées et ses projets.
|c peux vous assurer. et ce será une bien douce consc">la-
tion pour Votre tixcellence dans son malheur. dappren-
dre que toutes les pensées et tous les voeux de M"" votre
freire étaient pour tacher d'arracher son pays à la domi-
nation qui laccablail. jainais. ni les promesses, ni tous k>
niovens, que lon a employé pour reni^a^er, nont pu le
déterniiner à preter sernient à honaparte. II a tc>ujours
répc>ndu tiue rien au nionde le ferait inanquer à Ia tidélitt^
(luil devait à son Souverain ; je crois même que pendant
sa vie aucun Portu^iais na pretc* ceserment. Cest un fait
dont il est aisé de se convaincre.
159
Vous connaíssíez son génie ardent et entreprenant ; la
conduite quavaít ténue le Marquís de la Romana excitait
en luí un vif désír de soustraíre ses compagnons darmes
de lab^me ou ils avaíent été entraínés. Persuade des sen-
timents qu'il nous exprimait pour la cause des Souveraíns
legitimes, à laquelle nous avons toujours tout sacrifié ; heu-
reux de pouvoir être utiles à des Portugais; nous avons
faít tous nos efforts pour laider dans cette noble entre-
prise, à lui fournir tout ce que nous pouvions disposer,
soit par nous mêmes, soit par nos amis. Malheureusement
le climat rigoureux de la Russie '70us a enleve à vous un
frère qui vous chéríssait, et à nous un ami que nous ai-
mions et estimions, et dont la mémoire mérite detre vé-
nérée.
Votre Excellencc me pardonnera de lui rappeller daussi
tristes souvenirs; les sentíments de fidèlité á son legitime
Souverain, dattachement à son pavs, qu'il nous a si cons-
tamment manifestes, seront pour vous un adoucissement
à votre malheur et pour nous une bien grande satisfaction
de pouvoir vous en donner lassurance.
Tai Thonneur d etre avec un profond respect.
Le três humble et três obéissant servíteur
Le Baron de Blumenstein.
111. "10 e Ex.mo Snr,
Meu Irmão
lá nào tenho outro, mas já posso dizer que a verda-
de começa a apparecer. ainda que não em toda a sua
luz. O que tenho padecido ha dois annos. excede quasi
160
as forças c coniprehcns.u) hunuiiias. i^cici preciso para
rclatal-o mais fi>r(;a c tempo dogue tenho neste momento,
em que devo remetter a V. Ex.* a primeira gazeta ini^le-
zã que SC atreve a informar o mundo dos infortúnios e
innoccncia daquclle, que nos últimos dias iL\ sua vida
disse estas palavras — N«io desejo contar a minha histo-
ria, scncio a minha irmã. c áquellc. que está na índia. -
Que fiador maior dd sua lealdade e martvrio! uma his-
toria de que só eu, e V. Ex." éramos tlis^nos. nào podia
ser senáo a mais leal e a mais dolorosa, vistas as suas
funestas circunstancias. Todos em segredo lhe rendem a
justit^a que merece ; mas estd o mundo tão fraco, que nin-
s^iuem até agora se atreveu a dizer o que entendia, onde
competia dÍ2el-o. Eu esmagada e opprimida por todos
os modos, não desalentei, e como o maior dos crimes <5
o que deve causar maior horror, justo era que traba-
lhasse, por entre as maiores difficuldades, a juntar quan-
tos documentos me fossem possíveis, para destruir a
suspeita de que ninguém na minha raça era capaz se
não de virtudes e heroismo. d'Amor da Pátria e Leal-
dade jo Soberano, como o tinham sidc^ todos aquelles
de quem descendo. Tenho certamente as maiores provas
disto a respeito de meu irmão, e só necessito que S. A.
P. me permitia fallar alto e claro, e recorrer aos meios
de defcza natural que a todos se devem conceder: se o
meu sangue bastasse a conseguir isto, não vacillaria um
momento cm derramal-o por um motivo tão nobre; mas
são precisos meios e protecção, ate para poder dizer o
que é verdade e justo. Se V. Ex.« fica na índia, não sei
quem me ha de ajudar. O meu filho, muito moço. e sem
poder até agora vir acudir-nos. não me basta para o tiue
ha que fazer.
No jornal cjue remetto. vera V. Ex.« coisas que me res-
peitam; tudo é verdade excepto o fim. Porem é verdade
que tive licença de S. A. P. para ir a Lisboa recolher o
16;
que âs leis me concedem. Bens de Coroa e ordens, etc.
tudo ainda está debaixo da horrivel sentença. Comtudo
não podemos duvidar de que a verdade uma vez mani-
festa achará em S. A. R. o primeiro defensor. O ponto
é que permitta a justificação, a qual até agora soffre uma
opposição infernal ; e esta opposição é tanto mais pode-
rosa quanto mais a fundaram nas iliusões, que tão artifi-
ciosamente espalharam aqui, de onde unicamente podia vir
o nosso remédio. Se V. Ex.^fôr ao Brasil, o que muito de-
sejo, ou se como espero tornar com S. A. R. para Lisboa,
como é tão provável agora, vista a total ruina de Bonapar-
te, ainda poderei encontrar alguma consolação e abrigo.
Padecendo quanto padeço, não posso dizer mais, se-
não que luliana está em Stocboim, esperando que a cle-
mência do Principe lhe permitta vir para os braços de
sua mãe, justificada como merece a sua innocencia e he-
róico valor : não permittiu Deus conservar-lhe aquellc que
com ella faria a minha felicidade, e quando ambos vi-
nham consolar-me e justificar-se completamente, a morte
que eu julgo obra do tvranno, pôz termo a toda a espe-
rança e levou-nos um irmão tão digno de melhor sorte;
não posso mais.
De V. Ex."
Irmã e Prima
L.
14 de Dezembro. 1S13.
Copie
Antigalican Monitor
li? Dec. 1S13.
The Marquis d'Alorna
In our last number we ^ãve the memoirs of this un-
fortunatc noblcman. but ín doing ít. fell into an error
162
which we now bcv* Idivc \o rectify. \\ c bt.ítcd that thc
Portuviuvrsc army had lx*cn joincd to that unJcr Masscna
in his invasion of l\>rtuiíral. This was a mistabc, as lhe
Portuíjucsc troops did not cross thc fronticrs of Prance.
Thc i^fficcrs indced wcrc told. that thc rcijimcnts wcre
scrvimj iindcr Masscna in Portuijal. and vrcrc ordcred to
join thcir rc>jinicnts forthwith. ThcY obcicd. and in thcir
arrival in thcir ovrn country found thcy had hccn cntra-
pcil and dcccivcd. Thcy wcrc. of coursc, without an al-
tcrnativc and wcrc thus obli^cd to ^ivc some appearancc
of national support to thc universal invader.
Traducçtio
AntÍ!t!alican Monitor
12 de Dezembro, 1813.
O .Wiircjiic? JAIorna
No nosso ultimo numero escrevemos acerca das me
morias deste infeliz fidals^o. mas fazcndo-o eahimos n um
erro, que pedimos aflora licença para rectificar. Nós asse-
verámos que o exercito Portui^ucz se tinha reunido «Squcllc
que estava sob o commando de Masscna na sua invas<So
de Portuv'al. Isto foi um erro. ix>rque as tropas Portu^ue-
zãs ncio atravessaram as fronteiras de ÍTança. Aos offi-
ciaes na verdade foi-lhes dito. que os regimentos estavam
servindo sob o commando de Masscna em Portugal, e
foi-lhes ordenado tjue se juntassem sem demora aos seus
rcviimcntos. Obedeceram, e chcj^ando ao seu paiz viram
tjue lhes fora armado um laço. c cjue tinham sido encana-
dos. Picaram deste modo sem uma alternativa, e foram
assim obrivjados a dar uma tal qual apparencia de au-
xilio nacional ao invasor universal.
His aqui tem V. l:x." o artigo que vem na gazela se-
guinte, c muito necessário «5 que a verdade possa appa-
6:5
recer sem este modo vã^o. Agora tudo se sabe, o ponto
é que o deixem publicar. V. Ex.» desejará muito miú-
das informações, que eu por doente não posso escrever ;
porém saiba que, na occasião cm que em Lisboa pro-
cederam contra o nosso irmão, estava elle justamente
tratando de entrar e ir-se pôr á testa das tropas contra
os francezes. Uma pessoa importante, testemunha de vista,
e que eu nunca tinha visto, sabendo que eu existia, es-
creveu-me para me dar esta certeza, offerecendo-se para
o provar, e communicar-me quanto fôr necessário para
honrar a sua memoria.
Todos os officiaes que escaparam faliam pela mesma
bocca, e a primeira certidão da morte diz, que no dia 2
de Janeiro de 1815 falleceu com todos os Sacramentos
o Marquez d'Alorna, dando até ao ultimo instante as maio-
res provas da sua honra, lealdade e patriotismo.
Mandei a Konisberci saber as circunstancias deste de-
sastre, e ainda que o publico diz que morreu de uma fe-
bre, a certidão do medico diz, que morreu, porque esta-
vam extinctas ríeíle todas as forças que podiam mantcr-lhe a vida.
Esta asserção sinijular paréce-me prova de que morreu
de veneno, ou de dôr; porque sei de certo que no dia 23
de dezembro estava com perfeita saúde, e juliana espe-
rava juntar-se com elle em Petersburço para virem jun-
tos. Temo que morresse de veneno, porque me consta
que o rodearam nos últimos momentos figurões france-
zes e italianos, de quem muito desconfio. Se foi dôr que
o matou, tãobem sei qual foi. Tinha comsigo losc Bene-
dicto, filho do Conde de Rezende e João de Mello, filho
do Conde de São Lourenço-, animou-os para que fossem
para os Russos, e mataram-lh'os. José Benedicto. que o
seguiu, morreu com elle no mesmo dia, assim como ou-
tro ajudante Portuguez, tudo isto é muito exquisito para
ser natural. Se eu puder, antes de sahir d'Inglaterra. man-
dar a V. Ex.« a triste relação áo que sei. com certeza isso
10 1
basftUii pard, com a ccrtcsti da honra c da iniuKcncia.
supportar um i^olpc \ào severo. I:u nc^o tardarei em sc-
Víuir um objecto i^o infeliz e tâo querido-, também sinto
que SC me exhauririam as forvas, se me nâo mantivesse o
desejo de honrar-!ho as cinzas e justificar a sua memoria.
Este Stioipe. sobre outro cruelissimo, me prova, que se duro,
é por que Deus quer de mim alguma coisa, e supfxinho
que d a justificaÇi^o dos meus. e a restauração de um no-
me, cjuc foi já ornamento do Hstado.
li!.""» e Ex.«no Snr.
'21 (^\c Janeiro de 1S17 - l-isboa.
Meu irnic^o de toda a minha estimaç<!\o. t:stou ha mais
de dois annos em Lisboa, e as^iora recebo a primeira car-
ta de V. I:x.' jul^iuc quanto cuidado e tristeza me terá
causado o seu silencio, tanto mais que soube pelo seu
sobrinho Scbastiáo. que V. \l\.* tinha tWitado sanvíue jx^la
bocca e padecia. Deus o conserve, meu estimável irmáo.
para fazer mil bens de que V. Ex." ^5 ti^o capaz, c para
supprir-me o outro que. com a sua amizade e zelo, re-
síiscitámos, c por quem choro sem ^xx^er consolar-me.
e íjue ato o ultimo momento tia sua existência provou a
sua honra e constante fidelidade. Suppomos aqui que V.
Ex." já estará no Pio de laneiro. e por isso me resolvo a
escrever para lá ; creio que se V. Ex.' lá está, logo a V.
Ex." será enlreviue esta carta ^x>r Pedro de Mello, a quem
devo muitas obriviaçòes, e que também tem tido bom gui-
nháo n,.\ falta dr fortuna : elle Stibe muito de mim. e
muito poili- contai .í V. r.v ». A distancia cm i)ue está Sua
165
Magestade, junta com a insensibilidade e temor que teem
mostrado os que la estão, tem feito com que nada se in-
dague, e que ninguém advogue a causa dos infelizes, que
morreram ou ainda estão padecendo, e por maior que
seja a somma das provas de innocencia dos accusados,
que as circumstancias actuaes tem desenvolvido, nada
chega lá, e a resposta é que se não pode fallar a S. M.
nos infelizes. Primeiramente não rhe parece isso possível,
conhecendo eu tão de perto a bondade do coração de
S. Al. e sabendo que sempre foi máxima do Paço, que se
não devia condemnar ninguém sem ser ouvido, e isto mesmo
chegava a tal ponto, que se ouviam sempre todos, até
aquelles a que se faria exacta justiça se se mandassem
calar. Ora o processo de meu irmão foi á revelia, como
confessam aqui todos os do Governo; e não só isso; foi
condemnado antes de ser julgado; poseram-lhe a cabeça
a preço antes de examinarem se tinha ou não culpa : e
quando elle invocou o Governo para voltar, quando fa-
zia quanto cabia nas suas forças para resgatar todos os
seus camaradas, fecharam-lhc a porta única por onde
podia entrar; deram por matéria assentada que deviam
dar cabo delle.
Agora é tal a convicção da sua innocencia, que os
mesmos que assignaram a sua condemnação põem as
mãos na cabeça, e wào fazem mvsterio de que o julgam
victima da preoccupação em que estavam, e do modo
que lhe figurou monstros onde haviam só irmãos e ver-
dadeiros defensores. O que ha de célebre n'isto, é muita
coisa que por ora e:cusa de ir em carta ; mas que servirá
á perfeita justificação da mais pura innocencia. Como á
força de calumnias tomou isto lá um aspecto horrível !
Não se canse V. Ex.-^ senão em sollicitar, quando poder,
ordem para que minha cunhada possa, apesar áo lapso
de tempo, embargar a sentença e justificar seu marido, o
que se nos não permittiu até agora, porque os Procura-
\()()
dores, que eu aqui tinha, atemorisados. nunca se atreve-
ram a fazer o enibarv^o tjuando era tempo, e a mim man-
davam-me calar, e nc^o me deixaram demorar aqui um
instante quando cá vim. e Deus sabe e o mundo também,
quantos falsos testemuntios me levantaram para me ta-
par a bocca e mandar-me embora.
Lei está o Ministro dã Rússia advoíjando também a
causa da mintia infeliz luliana ; faça V. Ex.* conhecimento
com clle e ajude-o se puder. Port?m. primeiro que tudo.
manifeste V. K.x." o seu próprio merecimento, por que
ciuando S. M. conhecer a verdade, e o que V. Ex.« vale.
entáo é que podemos esperar justiça e consolação.
De V. I:x.^
Irmã e Prima e fiel Ven."
L.
CAPITULO XI
Copia de duas cartas do General Marquez d'Alorna á Condessa
de Oeynhausen, sua irmã. Alguns periodos da Memoria jus-
tificativa do Marquez d'AIorna, escripta por sua irmã, a quarta
Marqueza d'Alorna. Referencia ao Decreto de 26 de No-
vembro de 1807, em que Sua Alteza Real o Principe D.João
annuncia a sua partida para o Rio de Janeiro, permittindo
a entrada das tropas francezas que se aproximavam de Lis-
boa, e ordenando que as recebessem amigavelmente. Aviso á
Condessa de Oeynhausen para assistir á trasladação do real
cadáver da Rainha D. Maria 1 da Igreja de S. José de Ri-
bamar para a Igreja do Real Convento da Estrella.
lulgamos conveniente publicar açora duas cartas do
Marquez d'Alorna, que se conservam entre os papeis da
Marqueza d'Alorna, sua irmã.
ló de lunho — Castello Branco
Mana do meu coração
Tenho-tc querido escrever muitas vezes, mas de boas
vontades está o inferno cheio ; a minha vida ambulante
apenas me dá tempo para desejar alíjumas coisas — es-
tamos em armistício, e já todos cuidam que teem paz —
()8
eu dinda ncio cuido, nem faço tenção de cuidar, ain-
da mesmo depois de concluida a paz — portjue o es-
tado em que i-sf.^^í^ as coisas niSo v para descansar \^o
cedo.
\l preciso que se saiba, que os descuidos atrazados
nos puzeram nas circunstancias de nâo termqs, nem tro-
pa, nem mantimentos, nem munições, nem armas, nem
bestas, nem nada do que é preciso para fazer a v!uerra.
e sobre tudo isto nclo lia nem a mais leve sombra de sys-
tema, e desta ultima falta é que tem saiiido o que esta-
mos vendo, e at<5 o que se não vê, que é a ijuerra mais
cruel aos nossos lavradores. — Nâo apparéce dinheiro, e
se nc^io tem havido fome e desesperação nas tropas da
bcircí. ó pelo acaso da affeição que esta s^ente me tem
tomado, por meio da qual me tem emprestado tudo quanto
possuem. Á força de apparecer em toda a parte e dar
apparencias de ter muito, consesjuiu-sc impor ao inimis^o.
quo iwo juli^ando poder ter aqui bom josjo, decidiu o
seu atacjue por outro lado, mas se elle soubesse o esta-
do em (juc nos achávamos!- • . cu não tinha pólvora nem
artilharia - e o enthusiasmo que inspirei, havia de achar-
se destituído dos meios de se sustentar, se nos atacassem
em força.
Fomc^s atacados ultimamente nos dias 9-10-11 — tive-
mos a fortuna de rechassar o inimis;;o; o nosso Ribeira
achou-se com 60 homens em um posto atacado por 200
e depois por 600, e dcfendeu-se com admiração de toda
a v^ente -. eu preparei uma manobra com que decerto lhe
havíamos de dar um bote - mas é preciso não nos en-
i^anarmos com isto; o total da machina está desorçani-
sado, e neste momento, nem Goltz nem Turenne a pode-
riam remontar.— A paz é necessária, não para descansar.
mas para nos prepararmos para a guerra, e as condi-
ções duras servem para pretexto de secundo rompimento,
lovio cjue o systema e a orvíanisação nos ponham em
69
medida de fazer valer a nossa razão. — Esta é a minha
opinião — Não me movo daqui sem ordem, porque se o
armísticio se romper, não quero que me ache fora do
lugar em que sou necessário.
Aqui tenho dado em traições grandes plenamente
provadas, e que espero que o Príncipe não perdoe, cu
também escapei de ser assassinado, muito casualmente, na
noite do dia 14, recolhendo-me do campo para o meu
quartel, e, como devo aos Castelhanos este obsequio,
desejo pagar-lho estando em boa medida de o fa-
zer.
Se me tivessem deixado obrar, talvez que a campa-
nha tivesse levado outra volta ; três vezes intentei fazer
uma diversão, e puchar a attenção do inimigo, mas no
momento de atacar, tiraram-me as tropas e a artilharia
— com estas idas e voltas apercebeu-se o inimigo, pu-
chou forças para o ponto que eu queria atacar, e atacou-
me elle, defendi-me porque estava em ordem, e já de
zangado preparei-me para o atacar no dia seguinte; n'es-
sa noite chegou-me a ordem do armistício, escondi-a,
porque se os Castelhanos fingiam ignoral-a atacando-me
no dia 11, também eu a podia ignorar até 12 — mas logo
atraz veiu uma duplicata, e tanta publicidade, que não
tive remédio senão metter a viola no sacco. O armistício
assígnou-se a 8 e os Castelhanos atacando-me a 1 1 bem
se vê que era de má fé, e com o intento de ficar com um
pé na Beira, e ter mais esse galhardete para pôr na ^à-
zeta — ficaram sufficientemente chamuscados, eu perdi um
homem a quem havia de dar grande premio, mas emíun
não entraram apesar de serem em numero sextuplicado
ao áà primeira gente que lhes teve mão — antes foi't5m
sacudidos uma légua para lá do Erge, onde um piquete
de seis cavallos da legião teve a ousadia de lhe ir quei-
mar as arribanas — não ha mais papel, adeus. — Se Ega
está, dize-lhe que tenho meios para que no fim de dois
!7()
annos fique o mcintimcnlo dd tropa d'cstd Província quasi
de i^rtiça. mas acutlindo-Ihc jd.
Mano Pedro
P. S. Sc fôr d tempo dá esse papel ao Pr., mas que
seja rasiijado apenas visto.
Mana do meu coração
l>?cccbi a tua carta do ultimo correio, e çostei muito
delia por ser tua c comprida, mas fiquei scismando por
me dizeres que tratavas dos meus negócios - eu náo te-
nho neiíiocio nenhum, e ainda que o tivesse náo cuidava
nellc. nem me fazia conta que qualquer pessoa, na pre-
sente occasião. pensasse que eu me occupo da mais leve
coisa c|ue me possa fazer conta. — Pelo que pertence a
dinheiro estou soces^ado, porque Sotáro mandou-me di-
zer que como eu servia bem o Kstado, era preciso que
tivesse com cjue. e que saccasse sobre clle todas as Le-
tras que cu (|uizcssc. porque estava certo que em che-
vMndo a paz. eu me reduziria a feijões se fosse preciso
para lhe pa^ar — pelo que pertence a objectos d'ambi-
ç^o nào tenho em vista tratar de os alcançar — e como
me basta merecer, n^o dependo scnc^io de D. P. e de mim
— portanto n^^o sei o que tu chamas os meus nei^ocios. e
peÇo-te tjue me expliques o t|ue isto vem a ser.
Apesar do armisticio e ajuste para nc^o haver reforço
nem movimentos na fronteira, principiam as tropas fran-
cezas e hespanholas a reforçar-se sobre esta fronteira da
heira— se as hostilidades devem continuar, estimarei mui-
\o ciue seja por este lado. porque é mais fácil de defen-
der : mas toniilra (lue nos acudissem ilepressa com ^x>I-
vora e dinheir»^ llm.i il.m inis.is onc rii pc^-sst^. ó faicr
171
desertar todo o exercito Francez, e talvez batel-os com
as suas mesmas armas, poderia formar mais corpos fran-
cos e enthusiasmal-os com nomes pomposos, e com ou-
tros meios moraes • • ■ porém tenlio tantos velhos que
mandam mais do que eu, que quasí me não toca senão
defender o Estado com o corpo. O outro dia fui cha-
mado ao Quartel General para dar o meu voto sobre
os meios de defeza — escrevi uma coisa comprida sobre
isso e lá ficou ; vim para casa, e tornei a escrever outra
coisa ainda mais comprida — ambas foram muito applau-
didas, e se eram boas queira Deus que se ponham em
pratica.
Vocês querem que a Condessa * e os pequenos vão
para Lisboa ; não pode ser, porque a Provinda está com
o olho n'isso, anima-se em quanto a vê, porque tem fé
em mim, e diz que tendo aqui a mulher é signal de que
não sinto perigo ; as duas pequenas acções de Arronches
e Flor da Rosa fazem honra á nossa infanteria, e quem
disser o contrario mente.
Mano Pedro.
Da Memoria justificativa do Marquez d'Alorna. falle-
cido em Koeniosbero-, em 2 de laneíro de 1S15, Memo-
ria escrita por sua irmã, a quarta Marqueza d'Alorna, D.
Leonor d'Almeida Portuijal, extrahimos os períodos so-
bre modo interessantes, que se lêem em seguida :
• A Condessa de Assumar, que, por morte de seu sogro, foi ter-
ceira Marqueza d'^Alorna, chamava-se D. Henriqueta da Cunha, e era
filha mais velha dos sextos Condes de S. Vicente
172
"F: inteiriimcntc certo que o General Marquez d'Alor-
na recebeu l\o Governo do keino ordens repelidas para
nc^o exercer nenhuma resistência contra as tropas fran-
cezas, que vinham entrando cm Portui^al ; é cigualmente
certo c|ue o illustre General enviou varias vezc*so seu aju-
dante de campo para pedir auctorisaç<io de repcilir o
inimisjo, no caso de que elle se atrevesse a atacal-o, e
que este ajudante de campo, o Major joâo Antunes Gai-
vào, depois Coronel de Milicias. voltou finalmente sem
resposta, como foi provado peio attestado que passou ;
em ultimo los^jar a prohibiçâo de resistir demonstra-se
pelo decreto de í2ô de Novembro de 1807, no qual Sua
Alteza Real (o Principe D. lo^o) annuncia ao publico a
sua partida para o Pio de janeiro, pcrmittindo a entrada
das tropas francezas, que se aproximavam de Lisboa, e
determinando que as recebessem amis^javclmente.
"lista pois provado que o Marquez d'Alorna não re-
sistiu em obediência ás ordens soberanas, e, se se consi-
dera a energia, o pundonoroso brio do illustre General,
e o ardor com que amava a sua pátria, assim como a
sua paixão pela s^loria, é fácil de comprehender o sacri-
fício doloroso que a obediência lhe impunha. As occor-
rencias subsequentes, occasionadas pelas violências que
se sci^uiram. provam também claramente que todas as
acções do nobre Marquez não eram senão o fructo do
respeitei, com que se submettia ás determinações do seu
Pei.
"Coube em partilha ao Marquez dAlorna, de ficar
em Portuijial. sem outro commando alem do da Provín-
cia do Alemtejo. de que era Governador : propoz-se en-
tão a conservar-se no seu posto, durante a ausência do
Soberano. Mas o General francez. que provavelmente
estava informado dci particular antipathia, que Bonaparte
tinha concebido contra o Marquez (por motivos de que
Sua Alteza Ivcal teve inteiro conhecimento) informou-se.
173
logo que chegou, do que fazia o Marquez e onde estava ;
e dois ou três dias depois enviou-lhe, por um officíal fran-
cez, ordem de vir a Lisboa. O Marquez d'AIorna respon-
deu-lhe que não podia abandonar o seu posto, e que por
isso não vinha ; mas no dia seguinte, um segundo cor-
reio trouxe-lhe uma ordem da Regência, intimando-o a
que partisse immediatamente, por assim o exigir o ser-
viço do Princípe, e nesta mesma ordem, em post scriptam,
accrescentavam os Regentes do Reino, que elles espera-
vam da honra do Marquez que attendesse ás circunstan-
cias, e não procurasse nenhum pretexto que o impedisse
de partir sem demora. O Marquez, soldado franco e leal.
lendo estas palavras apenas poude conter a cólera, que
unicamente a subordinação subjugava. "Parece incrível
que estes senhores me forcem a obedecer, faltando em
nome do Principe, exclamava clle ; mas quantas desgra-
ças resultarão de tal ordem!,,
"Veiu pois a Lisboa, onde encontrou Junot. Senhor
Marquez, disse-lhe este, é verdade que nos queríeis fazer
a guerra, e impedir a nossa entrada em Lisboa ? É in-
teiramente exacto, respondeu o Marquez, e, sem o con-
sentimento de Sua Alteza Real, nenhum estrangeiro ar-
mado entraria no Reino, em quanto eu tivesse um sopro
de vida. Sois muito bravo, retorquiu-lhe lunot; um homem
como vós merecia estar sempre á frente de exércitos. Este
cumprimento não produziu nenhum effeito sobre o Mar-
quez, o qual pediu no dia seguinte a sua demissão que
lhe foi recusada; repetiu o pedido, mas sempre inutilmente,
e tanto mais quanto os officiaes e soldados, de accordo
com o Governo lhe pediram instantemente que os não
abandonasse a um commandante francez.,,
Estes alevantados feitos, pouco tempo depois de te-
r-ím sido praticados, e quando deviam estar ainda bem
presentes na memoria dos que superiormente geriam os
174
ncviocios tio l^^ciíio. lu^obiAstdram para evitar que os refe-
ridos l-^cijcntes mandassem pôr a preço a cabeça do mui-
to brilhante e infeliz General, e que este fosse mais tarde
jul^iado S revelia, e condcmn^ulo i1 morte !
Desta terrível sentença foi illibada a memoria do Mar-
quez d'Alorna, graças, como dissemos ao persistente tra-
balho da sua s^iloriosa irmã, a quarta Marqueza do mes-
mo titulo.
Entre os importantes papeis da Marqueza dAlorna
encontramos o aviso ses;;uinte. que lhe foi diris^ido, sendo
Condessa de Oeynhausen : '
111."'» e Ex."»» Srn.»
Ilavendo-se de fazer, no dia 8 do corrente mez, a
Trasladaçc^io do I-íeal Cadáver, da Senhora Kaynha
Dona Maria 1. <.\i^ lijreja de S. jost^ de Ribamar, para a
1 igreja i.\o Real Convento da Estreita: lie Sua Mai^estade
a Ravnha minha Senhora servida, que V. Ex.a se ache
no ditto Real Convento, pelas 6 e 'A horas da tarde do
' No dia IO de Março de i8i6 expirou no Hio de Janeiro a Rainha
Dona Maria I, com perto de 8i annos de edade, nfio tendo obtido me-
lhoras aos seus padecimentos, durante a sua residência oo Novo Mun-
do, e tendo-se conservadi a sua rasão completamente obscurecida.
O corpo da infeliz Kainha foi depositado, no di.i a? de Março do
mesmo anno, no (Jonvcnio dos Kelipioso.< de Nossa Senhora da Ajuda
do Rio de Janeiro, de onde foi trasladado a bordo da fragata Frinceza
Real para Lisboa, chegando a esta capital a 4 de Julho de i8ai ; três
dias depois foi depositado provisoriamente na Igreja de S. Josc de Ri
175
referido dia: no dia 19, pelas Ave marias: e no dia 20,
pelas 10 horas da manhã, para assistir ás funcções fúne-
bres, que alli se Lhe hão de fazer. Advirto V. Ex.a, que o
Real Cadáver, também ha de ser vellado, c que para
esse fim, V. Ex.a deve receber as instrucções da Condessa
de Soure, D. Catharina, que tem as ordens de Sua Ma-
gestade.
Deus Guarde a V. Ex." Paço de Queluz em 14 de Março
de 1822.
Marqueza Cam.a M.or
Ill.Tia e Ex.r"a Snr.a Condessa de Oeynhausen.
baniar, sendo feita a sua trasladação no dia i8 de Março de 1822 para
a Igreja do Mosteiro do Santíssimo Coração de Jesus, á Estrella, e no
dia 20, depois ije um solemne ollicio de corpo presente, foi o Régio
Cadáver entregue á Prioresa do Mosteiro, que se chamava Soror Ma-
ria Barbara, segundo se lè na obra notável de Francisco da Fonsecn
Benevides «Rainhas de Portugal».
O bello tumulo, onde jaz a Rainha Dona Maria I está situado, do
lado do Evangelho, na Capella mór da Igreja do Coração de Jesus
Como é sabido, deve-se á Rainha Dona Maria I a construcçáo do
magnifico Mosteiro da Estrella.
CAPITULO XII
Processo dos Tavoras. Extracto da Sentença de 12 de Janeiro de
1759, que se proferiu na Janta da Inconfidência. Breves
considerações sobre este Processo. Residência urbana e cam-
pestre dos Marquezes de Távora, em Lisboa. O Crucifixo da
terceira Marqueza de Távora. O atroz e odiento supplicio
d'esta nobilissima senhora.
Processo dos Tavoras
Extracto da Sentença de 12 de Janeiro de 1759. que
se proferiu na Janta da Inconfidência.
Na hedionda Sentença que em 12 de janeiro de 175'?,
se proferiu na Janta da Inconfidência, lê-se no n.» 29 tex-
tualmente o seguinte:
"Condemnam ao Réo loscph Mascarenhas, que já se
acha desnaturalisado, exautorado das honras e privilé-
gios de Portuguez, e de Vassallo, e Criado ; degradado da
ordem de Santiago, de que fov Commendador; e rela-
xado a esta junta, e Justiça Secular, que nella se admi-
nistra ; a que, como hum dos três cabeças ou Chefes prin-
cipaes desta infame conjuração, e do abominável insulto,
que delia se seguiu, seja levado com baraço e pregão á
Praça do Cães do lugar de Belém ; e que nella em hum
cadafalso alto, que será levantado de sorte, que o seu
17S
Ccistii^o seja visto de todo o Povo. a quem tanto tem of-
fcndido o escândalo do seu horrorosíssimo dclicto. depois
de ser rompido vivo, quebrando-se-lhe as oito canas das
pernas, c dos braços, seja exposto em liuma roda, para
satisfaçi^o dos presentes e futuros Vassallos deste Reino :
I: a c}ue, depois de feita esta execução, seja queimado
vivo o mesmo Rc^o com o dito cadafals<.\ em que fôr
justiçado, att^ que tudo pelo foj^o seja reduzido a cinzas,
e a pó, que seri"\o lançados no mar, para que delle, e de
sua memoria ncio tiaja mais noticia. E posto que como
Réo dos abomináveis crimes de rcbelliCio, sediÇc^io. alta trai-
ção, e parricidio, se acha condomnatlo pelo Tribunal das
Ordens em confiscação e {^erdimento de todos os seus ben5
para o Pisco e Camará Real, como se tem praticado nos
casos, em que se commctteu crime de Lesa Majestade
de primeira cabeça : com tudo attendendo-se a ser este
caso tão inopinado, tão insólito, e tão estranhamente hor-
roroso, e incoviitado pelas Levs, que nem ellas derão para
ellc providencia ; nem nelle se pode achar castii^o, que
tenha proporção com a sua desmedida torpeza; pelo
que com este motivo se supplicou ao dito Senhor em
Consulta desta lunla. com cujo parecer foy Sua Mas^es-
tade servida conformar-se, ampla jurisdicção de estabe-
lecer todas as penas, que se vencessem pela pluralidade
de votos, alem das que pelas Levs, e Disposições de Di-
reito estão delcrminatlas: l: considerando-se que a mais
conforme o Direito he a de escurecer, e desterrar por to-
dos os modos da lembrança, o nome. e a recordação de
tão enormes deliiuiuentos: Condemnão outro sim o mes-
mo R<5o não só nas penas de Direito commum, para se-
rem derribadas, e picadas todas as suas Armas e Escu-
dos em iiuaesquer lu^íares em que se acharem postos: c
as casas, e edifícios maleriaes <.\c\ sua habitação, demoli-
dos e arrasados de sorte, que delles não t»qu<-' S''mc\\. «^cn-
do redusidos a campos, e saldados ;
179
mas que também todas as casas formaes, ou vínculos
por elle administrados; naquellas partes em que houve-
rem sido constituídos em bens da Coroa, ou que houve-
rem sahido delia por qualquer modo, maneira, ou titulo
que fosse ; como por exemplo o forão os bens declara-
dos nas Doações da Casa de Aveiro, e os mais semelhan-
tes, sejão confiscados, e perdidos desde logo com effecti-
va reversão, e incorporação na mesma Coroa, donde
sahirão, sem embargo da Ordenação do liv, 5, tit. 6, § 15,
e de quaesquer outras Disposições de Direito, e clausulas
das Instituições, e Doações, por mais exuberantes, e irri-
tantes que sejão : Consultando-se ao dito Senhor esta de-
cisão com a supplica de mandar cassar, averbar, e tran-
car na torre do Tombo, e nas mais partes onde perten-
cei" os sobreditos Títulos, para que como cassados, e
anullados se não possão mais extrahir copias delles, nem
serem admittidas em Juiso, ou fora delle, as que já se
acharem extrahidas em mãos particulares ; nas quaes não
terão fé, ou credito algum, para se poderem allegar, pro-
duzir, ou attender em algum Auditório, ou luiso, mas
antes, logo que forem apparecendo; serão sequestradas,
e remettidas ao Procurador da Coroa, para serem lace-
radas, e rotas, como nullas, para, como taes. não pode-
rem em caso algum produzir effeito, ou prestar impedi-
mento. O mesmo mandão, que se observe pelo que per-
tence aos Prazos de qualquer natureza que sejão, com
a providencia estabelecida sobre a venda delles em be-
neficio dos direitos Senhorios pela Ordenação do liv. 5,
tit. 1, § 1. Polo que pertence porém aos outros Morgados
constituídos com bens patrimoniaes dos Instituidores, que
os fundarão ; declarão, que se deve observar em benefi-
cio dos que nelles houverem de succeder, o que se acha
determinado pela Ordenação do lív. 5. tit. o. § 15.„
ISO
I). \osé Masccircnhos, Duque de Aveiro, que depois do
cittentddo de 3 de Setembro de 1 75S. tinha pedido licença
para residir no seu sumptuoso palácio de Azcitào. foi
ali preso, e sev^uidamente conduzido ao palácio dos hi-
xos em helem, com seu íilho, o Marquez de Gouveia, D.
Martinho Mascarenhas, mais quatro criados.
Esta prisão rcalisou-se no dia 13 de Dezembro de 1758.
Do mesmo hediondo e odiento processo dos Tavoras, e
do mesmo titulo '29. vamos e.xtrair as sentenças relativas
aos terceiros Marquezes de Távora, avós da quarta Mar-
queza d'Alorna, Alcipe.
"Nas mesmas penas condemnt^o ao Réo Francisco de
.Assis de Távora, também cabeça dõ mesma conjuração,
persuadido pela Ré sua mulher, e ejjualmente desnatura-
lisado, c.xautorado e relaxado pelo Tribunal das Ordens
a esta lunta e lustiça Secular, que nella se administra. E
ponderando-se com a seriedade, e circunspecção que
erâo indispensáveis neste caso, que não só o dito réo. e
a Ré sua mulher, se fizeram cabeças pessoaes desta ne-
fanda conjuração, traição, e parricidio; mas que também
fizerão estes enormíssimos delictos communs á sua fami-
lia, conses^uindo associar nelles a ma^or parte da mes-
ma familia, e jactando-se com fátua, e petulante vaidade,
de que a reunião delia lhe bastaria para se manterem
naquellas horrorosíssimas atrocidades: Mandão, que ne-
nhuma pessoa, de qualquer estado, ou condição que seja,
possa l\c\ publicação desta em diante usar do appelido
de Távora ; sob pena de pertli mento de todos os seus bens
para o Fisco, e Camará Real, e desnaturalisaçâo destes
Reinos e Senhorios de Portuv^íal. e perdimento de todos
os privilcijios que lhe pertencerem como naturaes delles.
"I: S Ré D. Leonor de Távora, mulher do Réo Fran-
cisco de Assis de Távora, por ali^umas justas conbidera-
çòes (relevando-a das mavores penas, que por suas cul-
pas merecia) a condnnnài^ siSmeiíte .i c)ue com baraço, c
181
pregão seja levada ão mesmo cadafalso, e que nelle morra
morte natural para sempre, sendo-lhe separada a cabeça
do corpo ; o qual depois será feito pelo fogo em pó, e
lançado no mar também na sobredita forma. Condemnão
outro sim a mesma Ré em confiscação de todos os bens
para o Fisco e Camará Real; comprehendendo-se nesta
confiscação os de Vínculos, que forem constituídos em
bens da Coroa, e os Prazos; com todas as mais penas,
que ficam estabelecidas para a extincção da memoria dos
Réos loseph Mascarenhas, e Francisco de Assis de Tá-
vora.
Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, em Junta de 12
de Janeiro de 1759.,,
Com as Rubricas dos três Secretários de Estado, que
presidirão.
Apezar de ter mandado adrede organísar o processo
dos Tavoras, o Marquez de Pombal não conseguiu que
nelle se provasse a sua culpabilidade ; pois apenas o Du-
que de Aveiro, sob a acção de cruciantes torturas, de-
clarou a cumplicidade d'aquelles nobres fidalgos, no at-
tentado de 5 de Setembro de 175S, não tendo conseguido
idêntica declaração de qualquer dos creados, com quanto
fossem sujeitos aos mais terríveis supplicios.
Mas Pombal, no seu animo rancoroso, tinha resolvido
aniquilar aquella poderosa e muito illustre familia, que
ousara contrariar e criticar a sua administração.
O cumprimento do seu sinistro propósito correu po-
rem de modo, que o horror das odientas sentenças con-
demnatorias dos Tavoras. foi ainda excedido pela atroz
perversidade, com que, de animo leve, se ordenou a sua
execução.
18'J
Assini. qucinJo teve dispostas as coisas para a rcali-
s*iÇc^o dos seus tenebrosos planos, mandou prender, na
terrível noite de 13 de Dezembro de 1758. e nos dias se-
sjuintes, numerosas pessoas, entre as quaes os terceiros
Marc|uezes de Távora, c o Marque? d'Alorna, D. lodo de
Almeitia Portui^ai. ' sendo pouco de^x>is presa sua mu-
lher, D. Leonor de Lorena, e suas duas filhas, a mais ve-
lha das (juaes tinha, como dissemos, oito annos, e foi de-
pois a celebre Mart|ue?a d'Alorna, Alcipe.
Permittam-sc-nos alikjumas breves considerações sobre
o processo dos Tavoras, ()ue tem merecido o c»studo e a at-
tençt^o de muito notáveis escriptores, e queé a medonha
realisaçâo de uma sinistra vin^íança. que enche de san-
Sjuinolento opprobrio a brilhante e fecunda administra-
Çt^io úo Marquez de Pombal.
Começaremos por dizer que o illustre e orjjulhoso fi-
dalj^io. Marquez de Távora, adepto dos padres da Com-
panhia de lesus. era, sem a minima duvida, contrario Á
politica {\o \Á famoso primeiro Ministro, e portanto indis-
cutivelmente um inimivio deste.
Observemos também que a formosa e extraordinaria-
mente litla Maríjueza de Távora. nAo scS se desempenhou,
com a maior distinc(;c'io dos deveres que lhe impunha a
sua alta situação de mulher de Vice-Rei áò índia, mas
praticou actos verdadeiramente memoráveis, queassi^na-
laram notavelmente a sua passa^icm n'aqu*^ll*ís lonjjiquas
para^jens.
l: conveniente recordar (jue a Marqueza de Távora.
I). Leonor, foi vice-Rainha da índia, desde 1750 até 1754.
' n. Jo.'io d«' Almci-la Portugal, semiiulo .Marque/ J.Morn», e quar-
to (.londe de A»»umar, nasceu a 7 de Novembro de i,a''». e casou a 7
de Dciemhro de 1747. com D. Leonor de Lorena, quarto hlha dos ter-
ceiros Marquezcs de Tavorn.
183
e recordar dinda que esta preclaríssíma fidalga, quando
regressou a Lisboa, não quíz receber em sua casa o Mar-
quez de Pombal, e isto por motivos de muito justificado
pundonor, que a historia do reinado de D. José registra
em uma das suas tristes paginas.
Entre os actos memoráveis, praticados pelos vice-Reis,
Marquezes de Távora, devem notar-se as festas com que
resolveram solemnisar, em Gôa, a acclamação de El-Reí
D. José, as quaes foram planeadas com desusada mages-
tade, e executadas com a mais sumptuosa pompa. Para
estas festas o génio inventivo da vice-Raínha creou coi-
sas inteiramente novas na índia. Começou por mandar
construir um theatro no paço de Pangim, para ali feste-
jar, durante três noites, a acclamação do Rei.
Na primeira noite representou-se em francez a tra-
gedia de Corneille "Poro vencido por Alexandre,, ; a
maior parte dos assistentes não conhecia a lingua fran-
ceza, mas os espectadores gostaram muito da novidade,
porque para a intelligencía da tragedia, além de muito bem
representada, a Marqueza tinha mandado traduzir da
opera um summario em portuguez.
A guarda-roupa tinha também sido dirigida pela ex-
celsa Marqueza. sendo favorecida pela circunstancia de
se passar a tragedia na Índia, e de poder portanto facil-
mente talhar e seguir o rigor dos ricos trajos dos perso-
nagens, que eram em numero de seis. Depois da trage-
dia houve um bailado, sendo executantes os interlocuto-
res âã tragedia. Ás danças seguiu-se uma primorosa ceia
offerecida ás fidalgas de Gôa.
A representação na noite seguinte consistiu n'unia
opera portugucza, desempenhada por curiosos, os quaes
bem se houveram na execução dos seus papeis. Os exe-
cutantes foram acolhidos com muito agrado, pela intclli-
gencia do idioma, segundo se lê no proemio do "Perfil do
Marquez de Pombal», devido a' pcnna brilhante do cmi-
184
ncntc cscriplor Camillo Castcllo Branco, procmio de que
extraímos esta noticia.
No terceiro dia dos festejos reprcscntou-se uma co-
media hespanhola, havendo deix')is um jantar para os
cavalheiros e uma ceia para as damas.
O dia de maior rej^osijo foi porem o quarto, em que
se deu um virande banquete a toda a nobreza, sendo os
brindes acompanhados a salvas de artilheria.
No citado procmio lê-se: "se^iundo diz um chronista.
nunca se vira no Oriente uma exuberância eçual de igua-
rias. Competiu em todos estes dias a grandeza com a
profust^o. estando a copa de Sua í:xcellencia aberta e
prompta para todos os que queriam chá, chocolate, caf<5.
doces, c outras delicadas bebidas, sendo eigual o çosto
dos creados, que serviam, á i^randeza e realeza do san-
i^ue de seu illustrissimo e excciientissimo amo!»
íiniretanto a Marqueza mandava distribuir reigalos e
avultadas esmolas pelas familias fidalijas, decahidas cm
miséria.
N\^o foi pearem só com festejos que o Marquez de Tá-
vora assii^nalou o seu governo na Índia. Portui^al deveu-
Ihe feitos de virande monta, praticados sob a sua acção,
e preparados pela sua enerçica iniciativa. Assim Canajá.
inimivH^ poderoso, que infestava os mares, foi por clle
rigorosamente castiijado. A fortaleza de Neubadel foi ar-
rasada, sendo queimadas as embarcaçòes. Venceu n'uma
batalha naval o Marata. outro inimii^o do listado. Tomou
a fortaleza de Piro ao Rei de Sunda. e devastou as ter-
ras de Pondil e Zambaulim.
As proezas óo terceiro Maniuoz de iavora toi\iiii ^.n-.
chivadas em quinze opúsculos, que checaram até nós.
apesar de muito raros, porque houve todo o empenho em
destruir estes trabalhos de auctores diversos, para fazer
desapparecer o nome e os serviços dos Tavoras. dejxíis
do atteiitado contra a vida de Cl-l^<4i 1). José. O propt^-
185
sito do Marquez de Pombal neste sentido foi porem bal-
dado.
Comprehende-se bem que, em 1754, no desembarque
em Lisboa do seu regresso da índia, os ex-více-Reis, que
pelos seus distinctissimos serviços mereciam ser recebidos
com honras especiaes, encontrassem da parte do Rei o
acolhimento correspondente ao ódio que o seu primeiro
ministro votara aos illustres fidalgos, também por terem
admiravelmente continuado os serviços prestados a pá-
tria pelos seus gloriosos ascendentes.
A altitude de D. José I não era porem só resultante
dos perversos sentimentos, que o Marquez de Pombal
votava á nobilíssima familia Távora; havia ainda outras
razões e de natureza tão especial, que não podiam dei-
xar de influir no animo do Rei.
O palácio urbano dos terceiros Marquezes de Távora
que é o actual Museu das Bellas Artes, tinha sido o pa-
lácio dos Condes d'Alvor ; ultimamente era conhecido
como palácio da Casa dos Marquezes de Pombal, porque
tinha entrado para esta casa, para a qual, depois de con-
fiscado, fora adquirido em hasta publica por módico
preço.
A residência campestre dos Marquezes de Távora era
no actual palácio Galveias, no Campo Pequeno; no tecto
de uma das suas salas ainda ha retratos dos primitivos
possuidores.
Da dispersão e destruição completa de mobiliário da
residência urbana dos mencionados Marquezes. escapou
um Crucifixo de madeira, que foi salvo pela veneração
de uma creada, e pela sua declaração de que lhe perten-
cia o referido Crucifixo, âo qual a terceira Marqueza de
Távora consagrava a mais acrisolada devoção. Devemos
observar que esta empresa foi também favorecida pela
86
circimstanciíi tlc se reputar então de jx^queno vaior ma-
terial aquelle objecto de modeira.
A este conjuncto de condições se deve a conscrva-
Çc^o da histórica preciosidade, que adiante descrevemos,
e (]ue authenticamente pertenceu, como vamos provar, á
preclarissima e infeliz senhora, que foi horrível e injusta-
mente suppliciada no cadafalso erecto na praia de Belcm.
O Crucifixo foi offcrecido pela dedicada serva á sua
antii^a ama, a senhora D. Leonor de Lorena, filha mais
nova dos terceiros Marquezes de Távora, e casada com
o scsjundo Marquez d'Alorna, D. loão de Almeida Por-
tusiíal. que estava presa do Lstado no Mosteiro de Chellas.
A sei^unda Marqueza d'Alorna dedicava a mais alta ve-
neração ao primoroso objecto do culto de sua desjgra-
çada mãe, veneração accrescida pelo profundo respeito,
que lhe inspirava a sua memoria, e a sua immensa affeição.
A quarta Marqueza d'Alorna. D. Leonor de Almeida
Portuçial, herdou de sua mãe o memorável Crucifixo, que
passou depois para a posse de sua filha, a Condessa
d'Oevnhausen, D. iTcderica.
Foi desta ultima senhora que a Snr.' D. Leonor Fer-
nandes de Sã ' houve o precioso Crucifixo, que tem cons-
tantemente conservado em seu poder, com a maior dc-
vo<:C\o, desde o fallecimento dci Condessa d'Oevnhausen.
sua bemfeitora.
Descrevamos avjoraa admirável jóia. sej^iuramenteum
dos raros objectos, que chev^ram atc^ nós, d<\ lesijendaria
terceira Marqueza de Távora.
' A Snr.a D. I.eonor Fernandes de S.i, como tivemos occasiio de
referir, era leitora e afilhada da Marqueza d'Alorna, Alcipe.
^'
^r^^i..' 1^
Crucifixo da terceira Marqueza de Távora
187
A imagem do Chrísto Crucificado é uma bella escul-
tura em madeira colorida. O corpo, bem modelado, é
coberto de chagas, em que o sangue gotejante dá uma
grande impressão de realidade, e a cabeça, egualmente
bella, apresenta na face a expressão do verdadeiro mar-
tyrio.
Mede de altura, isto é, da cabeça aos pés 0,^30, e na
sua largura máxima, tirada pelas extremidades das mãos
tem 0,ni26.
Correspondendo á perfeição da imagem, a Cruz
emerge de uma base muito artística, a que foi dado um
aspecto pronunciadamente pedregoso.
Para satisfazer o ódio que lhe inspirava a nobilíssima
senhora D. Leonor de Távora, Marqueza de Távora, por
ter tido a audácia de se não curvar respeitosa perante as
prepotências, inventadas propositadamente para abater e
humilhar a alta nobresa, o Marquez de Pombal não só
preparou a horrorosa sentença, que textualmente trans-
crevemos, mas ordenou que a sua execução se effectuasse
com a mais requintada e inaudita malvadez.
Assim, a infeliz senhora tendo chegado ao primeiro
degrau do patíbulo, onde ajoelhou, confessou-se durante
cincoenta minutos. Estava vestida de setim preto, tendo
os cabellos grisalhos atados por meio de uma fita, e vi-
nha envolta n'uma capa alvadia, não lhe tendo sido con-
sentida a mudança de roupa, durante um mez, no cárcere
em que estivera presa. Três carrascos obrigaram-na a
percorrer o patíbulo, mostrando-lhe um por um todos os
instrumentos do supplicio, explicando-lhe o modo como
1S8
seriam dali a pouco ctnprcviados para torturar o marido
c os jilhos.
Tendo sido assentada sem capa, num banco de pinho,
collocado no centro do cadafalso, a Marc)ueza de Tá-
vora, apesar de n^io poder deixar de estar aífectada pe-
los medonhos preparativos do seu atroz supplicio, e pela
minuciosa descripçtlo daquelles que se preparavam para
seu marido e filhos, preparativos que o carrasco ia exe-
cutando com propositada lentid^io, nem por um momento
perdeu a linhada sua principesca altitude, nâo proferindo
grito alí^um, formulando apenas o pedido de nâo ser des-
composta, e pronunciando unicamente a expressão de
incitamento «Yamos>.
Poi-lhc cortada a cabeça de um só golpe, ficando ali
exposta até ao fim do supplicio dos seus, para maior tor-
mento delles.
Para a historia da Marquesa d'AIorna, Alcipe. vamos
av^ora apresentar resumidas notas sobre a ascendência e
descendência desta eruditissima escriptora.
A muito nobre senhora D. Leonor de Almeida Portu-
vmI. era filha l\o segundo Marquez d'Alc^rna, D. \o^o de
Almeida Portugal, c neta. por sua m^e, D. Leonor de Lo-
rena, dos terceiros Marquezes de Távora, que foram sup-
pliciados na praia de IWlem.
Do casamento da celebre Marcjueza d'Alorna com o
Conde de Oeynhausen uiSo ficou filho variV\ e os seus
descendentes Si^io unicamente os de sua filha mais velha,
n. Leonor IWnedicta d'OeYnli<3usen c Almeida, que foi
Marqucza de l-riMileira pelo seu casamento com o sexto
Marque? lio Tronteira. D. KxV^ Mascarenhas i^arreto Palha.
A begunda Marqiieza (.1'Avila c de Bolama, bisneta de Alcipe
189
Por esie casamento a senhora Marqueza d'Alorna foi
bisavó da ultima senhora Marqueza de Fronteira e d'Alor-
na, D. Maria Mascarenhas Barreto, e da senhora Marqueza
d'Avila e de Bolama. D. Leonor Maria Mascarenhas, e de
seu irmão, o snr. D. José Mascarenhas.
Devemos ainda dizer que o erudito segundo Marquez
d'Alorna, Académico de Numero da Academia Real da
Historia Portugueza, nascido em 7 de Novembro de 1726,
foi preso em Lisboa, na sua casa, a Jesus, na mesma ter-
rível noite de 13 de Dezembro de 1758, em que foi preso
o Duque d' Aveiro e outros parentes seus. A prisão reali-
sou-se estando o Marquez já recolhido no seu quarto, por
serem horas muito adiantadas da noite. Quando foi preso,
achava-se nomeado Embaixador para França.
O segundo Marquez d'Alorna, apesar de ter padecido
os terríveis tormentos de uma prisão de mais de 18 an-
nos, falleceu a 9 de Junho de 1802, tendo tido a ventura
de ver nascido seu bisneto, o sétimo Marquez de Fron-
teira, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, que nas-
ceu a 4 de Janeiro de 1802.
Offerecemos ainda á attenção do leitor uma pequena
noticia que se nos afigura de algum interesse :
No terrível incêndio que ameaçou de completa ruina
a casa em que residia, na Calçada do Salitre, a Marqueza
d'Alorna, salvaram-sc. com grande dífficuldade, os pa-
peis da distinctissima escriptora, alguns dos quaes com
visíveis vestígios do incêndio, como foram os Rescriptos
de Sua Santidade Pio VII, concedendo-lhe auctorisação
e a suas filhas, para entrarem na clausura do mosteiro
de Chellas.
Faltava mais esta desgraça para completar a série de
infelicidades, que foram frequentes na vida accídentada
da muito erudita e abalisada Alcipe.
CAPITULO XIll
Copia de algumas paginas das Memorias inéditas do Marquez
de Fronteira, que são interessantes para a historia da Mar-
queza d'Alorna, sua muito illustre avó.
Para a historia da Marquesa d'Alorna, vamos textual-
mente copiar algumas paginas das Memorias inéditas de
seu illustre neto, o Marques de Fronteira e d'Alorna, D.
José Trazimundo Mascarenhas Barreto.
"Em quanto corria tão bello o tempo em Lisboa e
seus arredores, minha avó em Londres diligenciava e
obtinha licença da Corte do Rio de laneíro para voltar
a Portugal. Sabendo que seu filho estava em Lisboa,
mandou-lhe alguns fundos, ordenando-lhe que partisse
immediatamente para Londres, porque não podia sair
de Inglaterra, sem ter ali um homem que lhe arranjasse
os seus complicados negócios.
"Foi portador desta ordem o velho copeiro maltez
de meu bisavô, por nome Miguel, que tinha creado minha
mãe e a acompanhara para Inglaterra, o qual vinha ba-
nido, com ordem de não ser recebido em Bemfica, por-
que minha avó sonhou que elle tinha concorrido para o
infeliz casamento ád. sua filha Luiza.
"A determinação de minha avó a respeito do velho
Miguel não foi cumprida . . .
«Meu tio executou as ordens de sua mãe, e no pri-
meiro paquete partiu para Londres.
!92
"Pelos nossos cálculos csp)crd vamos que nossa avó
estaria em Lisboa, dois mezcs depois da partida de seu
filho daqui, mas n:\o aconteceu assim ! ; no paquete que
cheijou Ioj^o após a partida do Conde |o<5o d'Oevnliau-
sen, veiu ella com uma filha, um creado e uma crcada.
«Foi extraordinária a nossa surpreza quando o já co-
nhecido aivi(;areiro nos veiu annunciar esta chei^rada. e
partimos imnicdiatamente para cas<i dos Marqnezes (f Abran-
tes, a Santos, onde ella tinha desembarcado. Ali a en-
contrámos em companhia d^ nossa tia Henriqueta, tendo
ficado em Londres nossa máe e tia Frederica.
«Com espanto de todos estava furiosa p>ela partida
de seu filho!: debalde lhe ponderavam que elle fora em
virtude de carta sua ; n^^o ncjjava ter escripto a carta,
mas lastimava anvlt^^^^k'ntc diu' tiiiioiuMii a tivesse en-
tendido.
«Passado este cpiscxiio partimos para I5cmfica, aonde
minha avó se installou, principiando loi^io a tratar dos
seus nes^ocios importantes, que eram rcvendicar do fisco
a Casa de Alorna.
«Tinha ella na mav^istratura parentes e pessoas im-
pi-)rtantes, que muito interesse lhe mostravam, entre ellas
o bem conhecido e respeitável Pedro de Mello ttreyner e
Sebastião Xavier Botelho, e tinha uin dos melhores advoí^a-
tlos de Lisboa o Dr. Simas, pae do actual Procurador
Cleral da Lazenda ; mas clles nada podiam fazer ; por-
que minha avó queria saber mais de direito do que todos
elles. Para decifrar alsjiuns documentos anti\?os, que havia
no cartório d^x Casa de Alorna, foi chamado um paleó-
VJrapho dos melhores de Lisboa, p«.'>rem come<;ou k">v»^^ ^^
briviar com elle, porque náo decifrava a seu ijosto; que-
ria por forga (jue os documentos dissessem o que lhe
convinha, ou a sua imavíinaçAo lhe fantasiava.
«iiram excessivamente orisiinaes as reunióes, que mi-
nha avó fazia em hemfica ! Sebastião Xavier Botelho, Pedro
193
de Mello Breyner, Dr. Simas, e o paleógrafo concordavam com
minha avó em se reunirem para conferenciarem e exa-
minarem os documentos; mas ella esquecendo-se do que
tinha combinado, convidava para as noites daquellas
conferencias, muitos poetas e artistas por quem tinha
predilecção, e as salas de recepção de Bemfica offere-
cíam um espectáculo curioso, que presenciei.
"Dum lado os Magistrados, o Advogado e o paleó-
grafo, procurando os meios de revendicar a casa d'Alor-
na; doutro lado D. Henriqueta rodeada dos elegantes da
época, Thomaz Mascarenhas, Thomaz de Mello, Conde de Pe-
nafiel, e cantando uma cavatina que lhe ensinara o fa-
moso Crescentini, acompanhando-se a viola francesa ; e
para o outro minha avó repetindo aos poetas as suas
composições, e ouvindo as delles.
«A sociedade era muitas vezes numerosa, e appare-
cíam n'ella duas nossas parentes, freiras da Esperança,
que moravam com Sebastião Xaviet Botelho ; uma delias,
D. Bernarda, era muito feia e fazia taes caretas e dava
uns gritos, que provocavam o riso a todos.
"Os Magistrados e o Advogado abandonavam os ne-
gócios, fechavam os documentos, e com o parecer triste
diziam: «Snr.» Condessa por hoje está acabado.» Minha
avó nunca attribuia a tristeza dos seus amigos âo des-
gosto que sentiam, por encontrarem numerosa sociedade
quando iam tratar de negócios; as suas iras tornavam-se
todas contra o pobre paleógrafo, dizendo que nunca
mais lhe dava de jantar, porque bebia tanto vinho que
ficava incapaz de trabalhar.
«Pela nossa parte não nos faltava que fazer, porque
tanto cu como meu irmão recebíamos differentes com-
missões de nossa avó, as quaes nos davam muito gosto:
porque sahíamos da vida monótona, em que vivíamos.
debaixo das vistas do nosso velho mestre.
«Umas vezes julgava-nos ella homens feitos, esque-
ccncío->c ijuc linhamos nascidi» cm íí>02 c 1803, c que
cstiivcimos em 1S14. outras, tratava-nos como se fosse-
mos creancas que sahissemos das amas.
"Quando chefiou d'lnmlatcrra considerou-nos como
dois homens completos, e por isso encarregou-nos de
duas commissões importantes.
«Hscolhcu-mc para ir apresentar ao Marquez de Borba.
e ao Secretario tia Rci^encia Salter, o Decreto em que Itic
era concedida a licença para voltar ão I^eino: mandou-
me vestir uma casaquinlia curta verde, espécie de niza.
com botòes amarellos ; pôz-me ella mesmo no p)cscoço
um lenço branco ençomado. e uns enormes collarinhos
(jue me lu^o deixavam voltar a cabeça ; deu-me um cha-
peu [ino que me trou.xera de'lnj^laterra, mas com a copa
muito alta. emprestou-me para levar na mào uma ben-
sjíalinha de castigo dourado, que fora de meu avô Oeynhau-
sen. e ensinando-mc o recado para os Governadores l\o
Kcino, fcz-me entrar scS para a carruavícm e partir. Pui
repetindo o recado cjuc minha avó me ensinara até ao
palácio de Santa Martha ; e quando subia a escada tre-
miam-me as pernas e ia muito perturbado. Os meus ami-
í;IOS, filhos do Marquez de fíorba, que fallavam sempre em
coro. vieram ao meu encontro, e lovio que souberam ao
que ia, principiaram a s^ritar adiante de mim. abrindo as
portas *0 MarcHicz de Pronteira com um recado da
avó.» Quando apresentei ao Marquez o Decreto, nào
sei o (|ue disse, mas tanto elle como a Marqueza riram
muito.
«Rstc debute de minha avó. depois de li2 annos de
ausência, foi muito celebrado.
«A meu irnu^o disse: «Meu Carlos, tu c*s mais robusto
c mais resoluto l\o que teu irm«^o. conto comti^o, p>orquc
estou rodeada dinimivios; veste-te e acompanha-mt a
casa dos Desemba raladores k\o I'isco. f:stou í.\\\A'>\ a di-
zer-ff t)iu' i'i!ii.ís iini dos fains luie vi hontem na antiv^a
Sexta Marqueza de Fronteira, filha mais velha de Alcipc
195
guarda-roupa de teu pobre pai.„ Muito custou a João
Evanoelísta desvanecer-lhe esta ide'a.
«Depois da visita aos Juises. queria por força, fazer
acreditar que as attenções, com que elles a tinham tra-
tado, eram devidas ao meu joven irmão, que lhes impu-
sera receio com a sua presença.
«O facto é que nos fez grandes elogios pelo bem que
tmhamos desempenhado as suas commissões; e quíz que
mudássemos de quartos para outro junto ao seu, dizendo
que muito receava os seus inimigos, e que só dormiria
descançada estando guardada pelos seus netos.
«Estando um dia com minha avó no pateo dos Mar-
quezes d'Abrantes, fomos surprehendidos vendo aproxi-
mar-se úa portinhola meu tio, o Conde de Oeynhaasen que
acabava de chegar d'Inglaterra com minha mãe, e minha
tia Frederica. Havia annos que a mãe não via o filho mas
sem lhe importar alguma outra coisa, nem mesmo se
lembrar de que as filhas ainda estavam a bordo do pa-
quete, principiou minha avó a pedir-lhe contas da sua
ida para Inglaterra, da sua demora ali ; de não ter com-
prehendido a sua carta, etc; e só no fim de meia hora
de enfadonho dialogo, conservando-se sempre na car-
ruagem, é que se occupou do desembarque das filhas
que se fez na rocha do Conde d'Obidos, dirigindo-se de-
pois a casa dos Morquezes d' Abrantes, aonde nós está-
vamos.
«Tivemos então o oo^Xo, eu e meu irmão, de abra-
çarmos nossa mãe, e o grande sentimento de vermos que
ella tinha peiorado d uma maneira extraordinária' e a
ponto tal. que não nos reconheceu, tomando-nos a mim
pelo Conde da Ribeira seu primo, e a meu irmão pelo
Conde d' Oeynhaasen seu irmão ; persuasão em que se con-
servou até á sua morte, oo annos depois.
\')ti
'Sào quciKi ininhci avc) reconhecer corno parente
nenhum descendente do Marquez de [■'ombai, excepto os
Condes de Rio Maior, c por isso prohibia-nos que nos tra-
tássemos por tu com os outros n<5tos do inimigo da sua
familia. apesar de termos com elles as relações mais in-
timas, depois que tivemos uso de razáo. O nosso emba-
raço era grande quando nos encontrávamos com os nos-
sos antiijos amii^os na presença delia ; c davam-se ás ve-
zes sccnas muito cómicas, dando-nos clles o tratamento
de — tu — cm quanto ncSs os tratávamos no impessoal,
«Minha avó ioijo que se estabeleceu em Pedroiços.
cercou-se dos seus predilectos da época. O General Lecor
era um dos que mais vezes ali ia jantar, porque tinha o
'seu Quartel General em Bclem, aonde estava orijanisando
a Divisi"\o de Voluntários Reaes.
«O Conde de Rio Maior que sempre foi um dos amiijos
de minha avó, estava com a sua familia em Oeiras, em
casa de seu sojjro o Marquez de Pombal, e era certo em
Pedroiços todas as noites, mas a horas muito incommo-
das, sempre próximo, ou passada a meia noite. Minha
avó pedia-lhe que viesse a horas mais rasoaveis. e elle
prometteu-lhe que. dali por diante, seria dos primeiros
que se apresentariam na sua sala.
"O tempo era cxcellente, e os banhos de mar n)uito
aproveitavam a minha \w^q e a todos nós: mas minha
avó teve a fantasia de tomar a direcção dos banhos, c
fez com que todos adoecêssemos, porque nos constipá-
mos em consequência delia nos fazer lavar em agua
doce, lovio que sahiamos do mar. l;lla mesma adoeceu,
ni^io tomando banhos do mar: quiz banhos dar. e man-
dava pôr na praia uma banca e uma cddetra, estando
ali muitas horas, fazendo as suas composições, como se
(.'stivfssi' lu-» st'u ''abiiu-te.
197
"A nossa casa tornou-se um hospital, e ouvi dizer ao
Dr. José Laureano, ão seu colleíja Le^iíer «vamos man-
dal-os todos para Bemfica, senão a Condessa dá cabo
de toda a familia». Partimos pois para Bemfica, ainda
mal convalescentes.
«Minha avó continuou na sua vida habitual, sendo
muito visitada por pessoas de todas as classes da socie-
dade ; e é fora de duvida que uma das salas mais agra-
dáveis para os homens de letras era a da Condessa
d'OeYnhausen.
«Por esta occasião (1816). como tivesse conseguido
entrar de posse de uma pequena parte da Casa d'Alor-
na, minha avó, que vivia num bello ideal, assim como
suas filhas, ímaoinou estabelecer-se em Lisboa para gozar
mais de perto a sociedade, queixando-se das longas
noites em Bemfica, apesar da casa ser frequentada por
numerosos amigos, e de minhas tias irem constantemente
aos theatros e aos bailes, em companhia da Condessa
de Rio-Maíor.
«Enganou-se minha avó nos seus cálculos, porque os
nossos parentes e amigos continuaram a frequentar, de
preferencia á sua casa de Lisboa, a minha casa em Bem-
fica, onde tínhamos ficado em companhia de minha
mãe.
«A resolução de se vir estabelecer em Lisboa custou
á Marqueza d'Alorna sérios embaraços pecuniários.,,
Julgamos dever ficar por aqui n'esta descripçâo de
uma época da vida da muito erudita escriptora, que foi
a brilhante Marqueza d'Alorna.
PJiS
Com respeito a sua excelsa avó, a senhora Marqueza
d'AIorna. D. Leonor d'Almeida PortuvíaK lêem-se também
na parte sexta — 1834 a 1842 — das Memorias inéditas, as
seijuintes interessantes observações :
"A sala de minha avó, apezar dos seus oitenta e
cinco annos, ou a sua camará, onde ella em ^cral rece-
bia, era muito frequentada por pessoas d'ambos os sexos.
de muito espirito e sííraça : o que muito concorria para
adoçar a triste posição de minha boa avó, a quem os
annos e trabalhos da sua Ioniza vida tinham posto cm
um virande abatimento, com quanto conservasse sempre
aquelle espirito distincto, que fez a admiração dos seus
contemporâneos. Ainda nessa <5poca fazia versos que
foram impressos depois da sua morte, e mereceram os
applausos dos pocMas do tempo, e quadras picantes ana-
Ivsando a cómica situação politica que nos dominava.
O Conde de Sabugal, minha sojjra ' e a Condessa Itc-
derica d'OeYnhausen. todos áa escola d'Alcipe, faziam
honra ao mestre ; os seus epiíjrammas e os seus versos,
que o publico conheceu foram muito bem acolhidos.
«Ali passávamos lioras as mais aijrada veis. tanto eu.
como minha mulher, indo ali diariamente, não só para
nos informarmos da saúde da illustre parente, mas para
ali levarmos nossa filha a completar a sua educação: a
distancia de Lisboa a IWmfica era cirande para os mes-
tres, e por isso iam a casa de minha avó. onde nossa
filha recebia as suas liçòes. o iiue muito interess<iva e
itistrahia a bisavó. Tanto eu. como minha mulher, admi-
I A senhora D. Maria de Noronha.
99
ravamos como minha avó fora perseguida no principio
do século pelas suas opiniões politicas. Ninguém melhor
do que ella comprehendia o progresso litterario do sé-
culo, e as suas producções litterarias o provam ; mas o
progresso politico nunca o cornprehendeu, ou não quiz
comprehender.
A entrada do Duque da Terceira em Lisboa á frente
da sua divisão, que se compunha apenas de mil e du-
zentos homens, foi tristemente commemorada pela vio-
lenta peste de cholera, que assolava a capital, e que ia
fazendo numerosas victimas, não só entre os habitantes,
mas entre os militares que constituíam a divisão do com-
mando do Ínclito Marechal.
Dissemos que entre as homenagens, que tinham sido
prestadas á Marqueza d'Alorna, occupava lugar dístincto
a visita que lhe tinha feito o glorioso Marechal Duque
da Terceira, no dia 24 de lulho de 1853, isto é, no pró-
prio dia da sua brilhante entrada em Lisboa.
O illustre Marquez de Fronteira e d'Alorna, nas suas
Memorias inéditas, conta também esta visita nas seguin-
tes te.xtuaes palavras :
«No próprio dia da entrada em Lisboa da divisão do
commando do Duque da Terceira, depois de um pouco
de descanço, fui visitar os meus parentes, e apezar dos
muitos affazeres do General, quiz ellc ir também a esta
visita.
«Tive o gosto de abraçar minha avó, a senhora Mar-
queza d'Alorna, que apezar dos s^us oitenta e três an-
nos, ainda estava bastante' ágil, e com todos os seus sen-
tidos muito apurados; tive egualmente o gosto deabra(;ar
200
meus sobros, d snr." D. Maria de Noronha e o snr. D. Luiz
dd Camard.
*0 Conde de IMcalho teve a ajjradavel commissáo
de soltar sua mde, que estava presa no Convento das
Orillas, em companhia de uma tia minha, a Marqueza de
Castello-Melhor, avó do Marquez João de Vasconcellos
e Sousa.
*f:sta minha virtuosa e excellente parente sahiu da pri-
são para ser victima de um ataque de cholera. três dias
depois L\a sua soltura, morrendo rodeada de seus filhos.»
Nâo resistimos ao desejo de copiar das referidas Me-
morias mais aiçuns períodos, que offerecem indiscutível
interesse:
"O cholera estava em toda a sua força; muitos pa-
triotas, que applaudiram o nosso desembarque no Ter-
reiro do Paço, succumbiram durante a noite.
"Um joven e elci^ante voluntário dos Atiradores de
Milícias, que eu tinha visto no Terreiro do Paço, mon-
tando um bello cavallo, com a bandeira azul e branca
tia m^o, exaltando as massas, e dando muitos vivas,
tendo sido o primeiro que arvorou no Castello a ban-
deira da Liberdade, morreu nc\ noite da nossa chegada,
quasi repentinamente, á porta do Quartel General, onde
estava de i^uarda.
"I:ra tal o enthusiasmo, que antes de anoitecer já
havia hatalhòes Nacionaes or\janisados bem ou mal. O
Coronel, lo^o António d'Almcida. hoje Bar3o de Villa
Cova, saindo do Limoeiro, onde estivera cinco annos,
tratou losjo de reon^anizar o seu antivio Batalhão, e antes
oite tinha mais de cem homens.
201
"A exaltação era grande contra os miguelistas. O ca-
cetista major Chicória, e Augusto Xavier da Silva, hoje
Par do Reino, foram conduzidos pela populaça á porta
do Quartel General, devendo o escaparem á morte aos
esforços que o General e todos nós fizemos.
«O Barão de Quintella não podia receber-nos na sua
bella residência que estava debaixo da protecção da
bandeira franceza, residindo ali o Cônsul de França;
alojou-nos perfeitamente em casa de sua cunhada, e fez-
nos servir lautos jantares e magníficos almoços, a que
eram muitos os concorrentes, porque o Quartel General
estava sempre cheio de indivíduos, que vinham apresen-
tar-se. Conheci muitos indivíduos naquella occasião, que
tinham estado escondidos, em aguas-furtadas e sótãos,
todo o tempo da nossa emigração.
"A nossa esquadra então reforçada com as embarca-
ções tomadas a D. Miguel, não tinha vapores para a re-
bocarem, e uma grande calmaria impedia que ella en-
trasse no Tejo.
"Os presos da Torre de S. Julião eram muito mais
numerosos do que os do Limoeiro, e mais importantes
pela sua posição social. O Duque mandou logo dífferen-
tes militares com ordens positivas ao Governador para
soltar todos os presos, e pela noite adiante muitos delles
vieram apresentar-se e abraçar o seu libertador.,,
A Índole do nosso trabalho e consequentemente as
suas resumidas dimensões, obrigam-nos a terminar aqui
a copia das muito importantes e verídicas informações,
que sobre este memorável assumpto se encontram nas
Memorias inéditas do Marquez de Fronteira, D. José Tra-
zimundo Mascarenhas Barreto, que dos offíciaes que
compunham o estado-maior do Duque da Terceira, foi
o único que não deixou nunca de ficar com elle alojado,
e que tinha portanto as melhores condições para estar
202
bem a par do giic se passou durante a tomada de Líst>óa
cm 24 de lulho de 1833.
Tendo ches^iado do Rio de janeiro a suspirada licença
para o casa incuto do Marqncz de Pronteira com a snr>
D. Maria Constança di\ Camará, apressou-se o Marque?
cm fazer a respectiva participaÇc^o a sua avó, a senhora
Marqueza d'Alorna ; esta acolticu a participação com as
scsjuintcs tcxtuacs palavras: que o mundo andava tis
vessas — que os avós <5 que annunciavam os cisanu-tifos
aos ndtos e nâo os netos aos avós.
Copiamos está resposta da parte 2." das Memorias óo
Marquez de fronteira c d'Alorna (1818 a 1824) da qual
também extraímos a curiosa dcscripção que se scjgue. e
que concorre para a apreciaçc^io do caracter orivíinal da
douta c notabilissima Alcipc:
"Minha avó residia de verJio em Almada, na antivia
casa de meus avós. Um dia recebi uma carta sua para a
ir ali ver. c combinarmos como havíamos de festejar os
annos de sua filha, D. Hcnri(iucta. nos primeiros dias do
mcz de lulho. Ches^iando a Almada com meu irm.5o. ncU^
encontrámos nossa avó, nem parentes, que nos tinham
deixado recado para irmos á Costa, aonde estavam em
uma vi'"'^'ide pescaria. A dis^ressc^o era lonça. e n^o a
juli^avamos muito divertida ; com tudo estava próximo
o anniversario que se queria festejar, e nós m^io quería-
mos concorrer para que se frustrassem os projectos de
nossa respeitável avó.
"Minha avó que, como tenho dito. era um pouco
persistente nos seus princípios, tinha teimado em ir no
203
seu paquebot, com o seu velho cocheiro e libré da antiga
Casa d'Alorna. A equipagem e a parelha eram tão ve-
lhas como a dona e o cocheiro ; o caminho areoso e im-
praticável para qualquer equipagem; e tendo nós alu-
gado cavalgaduras e partido a todo o galope para a
Costa, encontramos no caminho umas mulheres que nos
perguntaram se éramos os meninos da Senhora Condessa
d'Oevnhausen ; e sabendo que sim, nos disseram que a
nossa avó e avô estavam enterrados na arêa a pouca
distancia d ellas, e que os machos estavam quasí mortos.
Accelerámos o passo intrigados, sem sabermos quem era
o nosso avô e achamos o velho cocheiro desamparado
ao pé da carruagem e da parelha, rogando mil pragas
a sua ama, declarando que nunca mais havia de servir
poetas, e dizendo que o rancho de minhas tias se tinha
adiantado, ficando minha avó com Mr. Cheruliem. que
era quem as mulheres annunciavam por meu avô, os
quaes tinham seguido montados em mulas de moleiro,
acompanhados pelo moço da traseira. Seguimos o cami-
nho, e pouco adiante encontramos a caravana, dirigida
por nossa avó, montada em uma das taes mulas, tendo
posto por cima da touca e cabelleira loura um grande
chapéo de palha, que lhe havia emprestado um pescador
da Costa, por causa do grande calor, e conseguindo re-
solver o seu companheiro a fazer o mesmo, pondo sobre
a calva empoada um chapeo semelhante. Mr. Cheruliem
ia de casaca á romana e meias encarnadas, e o moleiro
levava-lhe na mão o chapeo de três cantos. O velho
moço da traseira seguia a caravana cançadissimo e de
péssimo humor, e Mr. Cheruliem, perdido de riso. excla-
mava, apontando para minha avó, que ia na frente, que
creatura ! que graça ! que espirito ! que talento !
"Assim chegámos á Costa, onde fomos recebidos pela
outra parte do rancho, que se tinha adiantado ; e o mes-
e de desenho. Luiz Thomé de Miranda, fez uma espécie de
204
caricatura da entrada de minha avó e do seu compa-
nheiro, a qual muito sinto ter perdido.
«Tcndo-nos dito nossa avó o que desejava para os
annos de sua filha, e os convites que dcviamos fazer em
Lisboa, e os creados que lhe devia mandar para a pro-
jectada festa, partimos para Cacilhas, tendo primeiro ar-
ranjado um carro armado para conduzir nossa avó e
Mr. Cherulicm.w
CAPITULO XIV
Copia de mais algumas paginas das citadas Memorias inéditas,
também interessantes para a historia da Marqueza d'Alorna.
Organisação da Sociedade da Rosa, e graves consequências
que esta associação teve, especialmente para a famosa Al-
cipe.
Extrahída da Parte 1."* das Memorias, vamos apresentar
uma notável communicação, que serve para aquilatar a
organisação, por muitos títulos distincta, da admirável
Marqueza d'Alorna, e que explica o seu degredo de doze
annos em Inglaterra.
"Minha avó odiou toda a sua vida as sociedades ma-
çónicas, e detestou os jacobinos, porque tinha sempre
presente á imaginação as scenas de horror que presen-
ciara em Paris e Marselha, onde esteve na época do ter-
ror da Revolução franceza. Daqui resultou que ella ti-
vesse o pensamento dbrganisar uma Associação, que
intitulou a Sociedade da Rosa, com o fim de combater as
ideias daquella Revolução, e as sociedades secretas.
«Apesar dos esforços empregados por meu pae para
affastar minha avó do seu intento, a Associação progre-
diu, e muitas pessoas nella se filiaram entre ellas o fa-
moso poeta Bocage, fazendo-se as primeiras reuniões em
minha casa em Bemfica.
"Nestas reuniões, que tanto cuidado davam á policia
onA
tratdVti-sc menos de politica e mais de litteratura e artes;
pcissavam-se cilas cm improvisos, c em musica, arte em
(juc minha mâe c tias eram eximias; e cm uma cxplen-
dida merenda, dada por meu pac, contra sua vontade,
apesar de estimar e amar a sociedade, mas com j^rande
applauso de minha nic^ie, que, filha de poeta, e também
poeta, muito se divertia nestas reuniões.
«Meu bisavô, o Marquez dAlorna, que ainda vivia,
e a quem desoito annos de priscio nos scijrcdos do forte
da luncjueira tinham tornado prudente, préi^ava contra
taes reuniões, mas nada conscs^uia.
«Tristes reuniões foram ellas, com effeito. porque cus-
taram a minha avó doze annos de dcs^redos em paizes
estransífeiros ; a meu tio. o terceiro Marquez d'Alorna, um
sem numero de pezares, e por fim a morte, e á maior
parte dos sócios uma série de desgostos.
«A sahida de minha avó dâ capital não deixou de
ter a sua parte cómica. Km uma bella noite de verào.
chetjíando de Bemfica á sua casa á \^oc\ Morte, achou a
casa cercada de avjentes de policia, e de uma força de
cavallaria da Guarda Real de policia, estando os seus
cjuartos occupados militarmente, e o Intendente Geral da
policia, Manique, esperando-a para a intimar a sair de
Lisboa em '■24 horas, e para se apoderar de todos os seus
papeis.
«Cumpriu a ordem, apoeierando-se de todos os ma-
nuscriptos. c|ue mais tarde minha avó. a muito custo, poude
recuperar. Hram elles os poemas, que depois se imprimi-
ram, e ciue tanta honra fazem á litteratura portu^iueza.
«O activo Intendente d,^ policia examinou todos os
cantos da casa, e encontrando no quarto de cama de
minha avó um movei, que muitas apprehensòes lhe deu,
apesar de o examinar com todo o escrúpulo, exclamou :
— snr." Condessa, temos ali uma maquina ! — Minha avó. sem
lhe dar outra explica(;ão. respondeu-lhe : Snr. Intendente,
207
eu nunca menti, e por isso lhe digo que é exacto — ha ali ama
maquina. — O Intendente apodéra-se com enthusiasmo do
movei, persuadido de que levava o corpo de delicto da
Associação, manda-o com toda a cautella para a Inten-
dência, a fim de ser examinado por peritos, e corre a
QueluE para informar S. A. de que a diligencia estava
ultimada com o melhor êxito. Chegando a Intendência
pede o auto d exame da fatal maquina, e acha-se com
a descripção d' uma tripeça ingleza, com as suas duas bombas !!
"Entre os papeis aprehendidos estavam os estatutos
da Sociedade da Rosa, e sobre elles foi mandado ouvir o
bem conhecido Dezembargador do Paço «Castello», o
qual respondeu : que pela extravagância eram elles mais obra
de poeta do que de conspiradores.
"Minha avó partiu para Aldeia Galleoa, escoltada
por uma força da Guarda Real da Polícia, com seu filho,
o :Conde \odiO d'OeYnhausen, que tinha nove annos, e
continuou a sua viagem para Madrid.
"Poucos mezes depois de estar em Madrid foi inti-
mada para sair dali, a exigências do Embaixador de
França, vendo-se obrigada a partir para a Corunha, por
não poder voltar ao seu paiz, e porque o Embaixador
lhe negara passaportes para Paris.
"Na Corunha encontrou um antigo amigo, o capitão
de mar e guerra Lord Bcauclerb, que commandava uma
náu ingleza, e acceitando o offerecimento que elle lhe
fez de a transportar para Inglaterra, foi para Plvmouth,
e residiu em Inglaterra até á paz geral em 1815.
«Foi aquelle mesmo Lord Beauclerb, que comman-
dando em 182S. como Almirante, a estação naval ingle-
za, surta no Tejo, me recebeu a bordo da sua náu almi-
rante com minha mulher e filha, quando fui obrigado a
emigrar para escapar a perseguição do governo do Usur-
pador. Coincidência célebre, que não quiz deixar de
notar aqui.»
CAPITULO XV
Narrativa de uma extraordinária resolução da Marqueza d'Alor-
na, que teve bem tristes resultados para a insigne escriptora.
— O binóculo de Alcipe.
A narrativa que passamos a transcrever textualmente
da Parte l.a das Memorias inéditas do Marquez de Fron-
teira, sobre ser verdadeiramente extraordinária, dá-nos
uma elucidativa demonstração de quanto era original a
douta Marqueza d'Alorna nas suas resoluções, que a le-
varam por vezes a praticar actos phantasiosos, e que pro-
vocavam consequências oraves; mas que não deviam ser
imprevistas, se tivessem sido devidamente consideradas.
Recordemos que a Marqueza d'Alorna, estando des-
terrada em Inoiaterra, não devendo ter duvida de que
não lhe seria permittido levar seus netos para aquelle
paiz, como lhe tinha sido officialmente communicado,
encarregava os capitães dos paquetes, que vinham a
Lisboa, da commissão de ir buscar os netos a Bemfica e
de lhos levar nos seus navios.
«Um dia appareceu cm Bemfica um d estes capitães»
portador de uma carta para o Marquez de Fronteira, em
que sua avó lhe dizia: *Mru neto. Parto pelo primeiro pa-
quete com Luiza para Bemfica, prepare- me quartos. O resto da
familia fica em Londres.* Todos os meus parentes tiveram
conhecimento desta carta, e entenderam que minha
avó tinha sido amnistiada ; mas falando n'isto aos Oo-
14
210
vcrnadores do Reino, cllcs nada sabiam a tal respeito.
"Nenhum de nós tinha a fortuna de conhecer esta
avó. Tinha sido minha madrinha de baptismo, havia as-
sistido ^o baptisado de meu irmt^o, mas tinha sahido de
Lisboa antes óo nascimento de minha irmi. Pode sup-
por-se com que alvoroço esperávamos a sua checada !
Kra só a voz da natureza que em nós falava.
"O alviçaieiro de Buenos Ayres veiu a todo o )2alop)e a
Bemfica, annunciar-nos que o pacjuete estava á vista. Os
aiviçareiros eram naquclle tempo homens muito impor-
tantes, e i^anhavam muito tliiiheiro. Corremos loijo para
a Junqueira a casa dos Condes da Ribeira : mas antes de
lá cheirarmos fomos prevenidos de que nossa avó des-
embarcava nas escadinhas do Conde da Ponte, a Santo
Amaro, aonde morava o Conde d'Alva. escadinhas cé-
lebres para a minha familia ; porque por ellas sahiram
para Prança, os meus parentes Marquez d'Alorna e Con-
des da Eça, para Ins^laterra. minha mãe e minhas tias,
e por ali desembarcava minha avó e sahiu 48 horas de-
pois para Inv^laterra, obrii^ada pelo Governo.
"Na quinta do Conde áà Ponte encontramos as nos-
sas avó e tia D. Luiza. acompanhada da nossa tia D.
Leonor da Camará, da Condessa d.AIva e do seu velho
capell^o, o Abbade D. Sucaro, italiano c do bem conhe-
cido poeta Talassi, amis^o intimo de minha avó. e que
sabendo da sua ches^ada, correra ao seu encontro. Nós
Íamos com o Abbade. e o Padre Allen. c assim que as
vimos corremos a abraçar nossa tia Luiza. de quem tí-
nhamos immensas saudades, porque era a nossa predi-
lecta. Hstava com minha irmi^ ao collo. e lavada em
lagrimas [■)elo j^oslo de nos ver.
"A primeira entrevista com minha avó fez-me ijrande
impressão. Hlla parecia que nío cheirava duma viagem,
listava assentada em um banco de pedra, nxieada das
pessoas que mencionei, e lendo a Talassi uma traducçAo
211
que fizera de Metastasio. Recebeu-nos com affeíção, mos-
trando prazer em nos ver, e recebeu os nossos mestres
com urbanidade.
"Em consequência de estar cançada, quíz jantar em
casa do Conde da Ribeira, aonde foram abraçal-a todas
as suas antigas amigas, perguntando-lhe com o maior
interesse se tinha licença d'El-Rei para residir em Portu-
gal, ão que ella respondia : — o documento está no saco — ,
mas sem o mostrar.
"Durante o jantar fallou em tudo, menos nos seus
negócios. Fez-nos aos três netos um exame vago sobre
theatro francez, de que nada sabiamos, e argumentou
com os nossos mestres, que ficaram admirados do seu
talento e saber; fazendo também improvisar em italiano
o velho Talassi.
"Minhas tias, D. Luiza e D. Leonor, estavam muito
inquietas, porque sabiam que minha avó não só não
tinha documento algum, que lhe permittisse residir em
Portugal; mas nem passaporte trazia do nosso Embaixa-
dor, pois que vinha com um do Ministro do Hanover.
«Depois de jantar fomos todos na mesma carruagem
para Bemfica, aonde minha avó encontrou o nosso aquar-
telado o Capitão Pedro Lopes de Calheiros, a quem conhe-
cia do Porto e Minho, e a quem pediu que fosse a Lis-
boa, visto estar muito relacionado com os Governadores
do Reino, sondar o que se dizia da sua chegada, dizen-
do-lhe que isto era simples curiosidade da sua parte,
porque ella tinha todo o direito para ficar em Portugal,
e ninguém a podia mandar sahir.
«Pedro Lopes, regressando da sua commissão, disse-
Ihe que, se não tinha documento por onde mostrasse
estar amnistiada, o Governo a mandaria sahir do Reino,
ao que respondeu que tinha um documento qije apresen-
taria quando fosse intimada. Ficaram todos em casa acre-
ditando que tinha algum decreto d'El-Rei amnistiando-a-
212
•No dia sci^iiíntc. depois da missa, estando nós a al-
moçar, annunciou-sc o Corregedor do bairro de BeUm. O
Abbade voltou-se para minha avó e disse-lhe : "temos
historia,,, âo que cila sorrindo-se respondeu como p)0<5ta,
cjue divaija sempre nos espaços imaijinarios: *nada é
mais natural -. estamos no bairro de Bclem. e o Correge-
dor, sabendo que eu ctiei^uei. vem visitar-me.»
"l.evaniando-se L\di meza. e passando d sala houve
acjui uma perfeita comedia. O Corrcijedor era um antigo
magistrado muito civil, e trazia ordem positiva de intimar
minha avó para sahir do Reino, quando n3o tivesse um
decreto d'Kl-Pei amnistiando-a ; mas minha avó empe-
nhava-se em impedir a intimação. Principiou agradecen-
do-lhe a polidez da sua visita, apresentou-ihe os netos e
todas as pessoas presentes, fez-lhe um exame vago sobre
c^s melhoramentos áo palácio d'Ajuda, repetiu-lhe uma
quantidade de sonetos e odes aos nossos feitos nas cam-
panhas peninsulares, e sempre que o pobre Corregedor
queria cumprir a sua missão era interrompido, até que
por fim, reconhecendo a mangação. tomou o seu logar
e disse: "Senhora Condessa, eu agora fallo aqui em
nome de Sua Magestade...
«O Corregedor disse-lhe •'que sabia que ella não
trazia passaportes legaes, mas que precisava saber se
tinha algum Decreto do Príncipe Regente.» Minha avó
apresentou, com grande importância, uma carta do Car-
deal Callepi. Núncio no Rio de laneiro. em que elle lhe
dizia conslar-lhe (jue Sua Magestade dentro em pouco
lho mandaria licença para voltar á pátria.
"O Corregedor ciuiz cjue minha avó assignasse a in-
timação para sahir <So Reino, mas ella recusou, e fazendo
uma mesura, disse-lhe «Passe muito bem».
"Minha* avó foi prevenida de que o Corregedor vol-
taria, acompanhado de força para fazer cuinprir a inti-
mação, c então roso!voii-sc a partir para a lunqueira.
213
dizendo que receava que a assassinassem. Pediu a Pedro
Lopes Calheiros que a acompanhasse na mesma carrua-
gem, levando a sua espada e pistolas, e quiz que os
creados da carruagem fossem armados, ão que João
Evangelista annuiu pafa a tranquilísar.
«A's duas horas dà noite minha avó, descendo as
mesmas escadas por onde tinha subido, embarcou para
Inglaterra no mesmo paquete em que viera.
«Foi naquellas escadas que eu e meu irmão abraça-
mos pela ultima vez nossa tia Luiza, que apenas tinha
20 annos, e era tão boa como bella.»
O binóculo de Aicipe
A bella Marqueza d'Alorna apreciava muito um binó-
culo, seu companheiro constante, de que apresentamos a
photo-gravura. e que passamos a descrever resumida-
mente :
«O binóculo é montado em madrepérola, assente sobre
quatro anneis de bronze dourados, artisticamente traba-
lhados.
«As lentes são magnificas, e conservam-se em muito
bom estado.
«Embora não tenha nome de autor, o binóculo parece
ser de fabricação franceza, porque nas oculares se lê :
«Prt/- brevef d'invention et de perfection».
«O binóculo, apoia-se sobre uma haste de madrepé-
rola, que facilita o uso ào instrumento.
Alem desta verdadeira preciosidade possue também
a sr.a Marqueza d'Avila c de Bolama o saco da sua bis-
avó, que é também terminado por um fecho de bronze
dourado, de alto valor artístico,
CAPITULO XVI
O doloroso golpe do fallecimento do Conde João de Oeynhau-
sen, seu filho, levou a Condessa de Oeynhausen — Alcipe —
a ir residir na pequena mas elegante casa em Buenos-Ayres,
Onde elle tinha vivido, e onde morreu; e determinou lam-
bem a sua mudança, pouco tempo depois, para uma casa na
• rua do Alecrim. Frequentadores d'esta casa. Ali se hospe-
dou o eminente sábio José Corrêa da Serra, aquém se deve
a fundação da Academia Real das Sciencias, auxiliado pelo
segundo Duque de Lafões. Breves noticias a respeito de
Corrêa da Serra e do segundo Duque de Lafões.
Continuando a soccorrer-nos ás muito interessantes
paginas, que constituem o volume das Memorias inéditas
que vimos citando, podemos dizer que a Condessa de
Oeynhausen, tendo padecido o muito profundo golpe do
fallecimento de seu filho, o malogrado e brilhante Te-
nente Coronel Conde de Oeynhausen, deixou o bello
palácio do Lavra e foi installar-se na pequena mas linda
casa, em Buenos Ayres, em que havia residido e falle-
cido seu filho. ' Tornando-se-lhe porem a casa mais
triste e melancólica, porque nella só encontrava recor-
dações que a affligiam, sahiu dali para outra casa na
Rua do Alecrim, onde reunia um grande numero de De-
' Nesta casa habitou depois o Conde de Toial.
piiUulos c homens políticos ciaijuclla cpocd ; Manuel
Clonçdives de Miranda, Ministro li.i ^niorra. era um dos
seus primeiros amijjos.
Síio deveras curiosas e elucidativas as noticias que
vamos apresentar, de um dos periodos da accidentada
vida dc\ muito erudita e afamada Marqueza d'Alorna.
noticias transcriptas das citadas Memorias, e que provam
á evidencia, que o seu talento extraordinário e vastíssi-
mos conhecimentos, levavam a imaçinaÇc^o de Alcipe a
um desassocei^o, que n^o era compativel com qualquer
descanço.
"As salas áa casa da rua do Alecrim nc^^o eram i^ran-
dcs, e muitas vezes ncío se cabia nellas. Os Deputados
nâo iam ali discutir politica, e só admirar a poetisa e o
seu espirito. As suas obras liam-se a miúdo e eram escu-
tadas cm silencio e muito applaudidas.
"Minha avó era viuva í\q um verdadeiro militar e
d um General distincto, e uma parte da sua vida tinha
visto seu marido rodeado d'um numeroso Rstado Maior.
Klla também sempre quiz ter o seu. mas muitas vezes os
seus Ajudantes de Campo n^o possuíam as melhores
qualidades, e foi por elles trahida ; naquella época, tinha
porem um, Padre Luiz Mendes, excellente homem. que.
apesar de ser capcllc^o áci casa de senhoras ijrandes abso-
lutistas, era liberal, instruído e franco; mas duma rustici-
dade pouco commum, e çrande admirador de minha il-
lustre avó. Hra correspondente c amivjo áA maior parte
dos Deputados do Norte tie Portuijal, e apresentava-os
ás dúzias na residência de minha boa parente.
«Minha avó Uc^io svmpathisava com a constituição de
vinte, mas tinha um medo terrível áò, reacção. Vinte annos
de perseviuiÇt^o pelo vioverno absoluto, faziam com que
ella se ni^o podc^se conformar com a volta daquelle
systema.
«llin dl- seus primeiros amiijos, e que também fora
217
seu companheiro nas perseguições, desde o principio do
século, poude voltar á pátria no seu ultimo quartel da
vida. O Abbade Corrêa da Serra, que se evadira de Por-
tugal por causa da perseguição que lhe fizera a Inquisi-
ção e a Policia, havia residido em Paris por longo tem-
po, até que o seu particular amigo Araújo, Conde da
Barca, subindo ao poder, conseguiu que elle fosse no-
meado Ministro Plenipotenciário junto ao Presidente dos
Estados Unidos, e voltara á Pátria para occupar um lo-
gar na assembléa legislativa, por ter sido eleito Depu-
tado.
«Tinha sido companheiro de minha avó em varias
viagens, e passado com ella em Marselha na época do
terror, época que surprehendeu minha avó naquella bella
cidade, quando estava para se embarcar para Lisboa, e
que impediu que d'ali sahísse por muitos mezes.
«O Abbade era uma verdadeira múmia ; vinha aca-
bar os seus dias á Pátria. Tinha a côr macilenta, a voz
quasi extincta, e uma notável magreza, mas os olhos
muito vivos denunciavam o seu grande espirito e talen-
to; não percebia a sociedade moderna, nem compre-
hendia nada do que se passava. Foi muito bem recebido.
e foi uma nova curiosidade para os Deputados o ir ver
o Abbade, que tinha ido habitar em casa de minha avó.
"A sua toiktte era a dum cavalheiro americano, e
nada tinha de ecclesiastica ; mas conhecendo a inconve-
niência d aquella toilette para Portugal, como homem sen-
sato que era, adoptou o seu antigo vestuário de Abbade,
e vestiu a sua batina, ajudado pelo Padre Luiz Mendes,
que minha avó encarregou dos necessários arranjos.
"A primeira vez que foi á Camará, veiu de lá com-
pletamente desorientado. Foi então que pela primeira vez
leu a Constituição, e pelo que ouviu na discussão e leu,
concluiu dizendo que estávamos mais democratas do
que nos Estados Unidos, c que instituições republicanas
01 Q
cm unw Monarchia eram uma experiência muito arriscada,
e que lhe parecia que a reappariçâo do absolutismo era
infallivcl. Nâo occultou estas suas ideias aos Deputados
iiuo frequenlavam 3 sociedade de minha avó.»
O eminente escriptor A. A. Teixeira de Vasconcellos.
no Tomo I do sou notável livro «Glorias portuijuezas».
detlica o Capitulo II a |osc Corrêa dú Serra; e tratando
da vida d'este notabillissimo sábio de muito alta enver-
gadura, apresenta-o nos sesjuintes termos:
"\osé Prancisco Corrêa da Serra, Clerisjo do habito
de S. Pedro, do Conselho de Sua Mai^estade, Fidali^o Ca-
valleiro da Sua Peai Casa, Conselheiro de Lei^açáo. e
Assente diplomático em Londres, Ministro Pleni[X)tenciario
iunto ao Governo dos f:stados Unidos. Cavalleiro da
Ordem de Christo e Commendador da ConceiçOio, Con-
selheiro da Fazenda, Deputado ás Cortes de 1822, Dou-
tor em direito cam-ínico pela Universidade de Roma.
Sócio fundador e Secretario perpetuo dà Academia Real
das Sclencias de Lisboa, Correspondente do Instituto de
Fran(;a. di\ Sociedade philomatica de Paris, Sócio da Sc^-
ciedade Real de Londres, das Academias de Turim. F-|o-
rença. fV^rdeus, \Aào, Marselha, Lie^ie. Sena. Mantua e
Cortona, das Sociedades Reaes de Agricultura do Pie-
monte. dA Toscana, e di.^ Luineana de Iníjlaterra, dos An-
tiquários de Londres, e d^^ Sociedade Real e f:conomica
de Valença, nasceu no dia ó de iunho de 1750 na villa
de Serpa, na província do Alemtejo. filho legitimo de
Lui? Dias Corrêa. í^acharel formado em Medecina pela
Universiilado de Coimhiw i- lie D Trancisca Lui?a da
219
Serra. Desde os seus primeiros annos manifestou tama-
nhos índicios de engenho e de agudeza, que seus pães
determinaram empregar todos os esforços para que a sua
educação litteraria fosse proporcionada a tão precoce e
espantosa capacidade. Com effeito, em 1756 passou seu
pae a Roma, levando comsigo toda a familia, deixando
apenas o filho mais moço, talvez em companhia do avô,
que sabemos era ainda vivo por esses tempos. José Cor-
rêa da Serra começou os seus estudos naquella cidade
e, tão extraordinários foram os seus progressos, que na
idade de quatorze annos imprimiu a sua primeira obra,
consagrada a S. losé, em obsequio dos sete gozos e tris-
tezas do mesmo Santo.»
No brilhante artigo de que vimos extrahindo esta no-
ticia, lê-se que a Botânica, as Antiguidades e as Línguas
foram então o principal objecto das locubrações iittera-
rias de José Corrêa da Serra, tornando-se tão insigne no
conhecimento das Linguas, que lhe eram familiares a
franceza, ingleza, allemã, árabe, italiana, latina, hespa-
nhola e portugueza.
O moço estudante juntava a maior perseverança e
assiduidade no estudo á prodigiosa aptidão com que o
dotara a Providencia, vendo-se por vezes seu próprio
pae obrigado a intervir para que interrompesse o traba-
lho, com receio de que lhe prejudicasse a saúde tão atu-
rada applicação.
O erudito Duque de Lafões, D. loão Carlos de Bra-
gança, viajava por esse tempo em Itália, em cumprimento
de ordens que recebera de El-Rei D. losé; encontrou-se
ali com o Dr. Luiz Dias Corrêa, com quem contrahíra
intima amisade na Universidade de Coimbra.
Tendo descoberto no moço Corrêa da Serra as raras
qualidades e disposições littcrarias de que era dotado,
pediu ao pae que lhe permitisse leval-o comsigo na via-
gem, que durou um anno. c que determinou estreitas rc-
220
IdÇòcs ilc iimizddc entre o moço cstudanle e o Duque.
reUiçòes que mincd se inlerronH>eram. '
I:m hcirnionid com d profissão ccciesidstica d que
tinha sido destiniido. CorrOa í\í\ Scrrd ordenou-sc, c disse
j primeira Miss<í na l>asiiica de S. Pedro de l^oma, cm
1775.
Avisou-o seu pac no anno se^iuinte para que voltasse
para Lisboa, onde pelo Marquez de Pombal lhe estavd
destinado emprev;o correspondente ao seu muito elevado
merecimento; tendo sido obrií^ado a fazer d vidçem por
terra, só entrou em Portui^al a 29 de Março de 1777, isto
é, (luando pelo fallccimento d'l:l-I^ei D. |os<5 o Marquez
de Pombal lieixára de ser Ministro!
Ntio acompanharemos Corrêa da Serra nas occorren-
• O segundo Duque de Lafões, l>. João Carlos de Mr.ii;an.,-.i, nas-
cido em 1719, c fallccido cm 1808, depois de curiosas peripécias por
ter querido csiudar na Universidade de Coimbra, apesar de ser sobri-
nho de I). João V, por ser filho de D. Miguel de Bragança, filho bas-
tardo de I>. Pedro II, depois do fallecímento de D. João V, por causa
de uma p.iixfio amorosa que desagradou a El-Rei D. José, foi por este
Soberano mondado viajar pela Furopa. A viagem durou 37 annos, isto
é, até á morte de I). José, e portanto até que cessou o governo do
Marquez de Pombal, que lhe n5o era affecto por temer que, na sua
qualidade de príncipe de sangue, podesse exercer qualquer influencia
que contrariasse o seu poderio.
Pela sua illusiração, deveras notável em pessoas da sua calhego-
ria, e pela alta distincçfio com que se houve na guerra dos Sete-annos,
em que serviu como voluntário sob a bandeira «ustriaca, adquiriu a
intimidade do Imperador d'Ausiria, José H. intimidade de que nos dá
concludente argumento a carta, anteriormente transcripia, que este
Soberano escreveu .1 Marqueza d'Alorna.
Do casamento do segundo Duque de Lafões com D. Henriqueta
Júlia de Lorena de Menezes, filha dos Marquezes de Mariah-n, n.iv:e-
rnm três filhos ; um varão que recebeu o titulo de Duque de Miranda,
e fallcceu de 6 nnnos. e duas meninas, uma que herdou o titulo de
Duqueza de Laíóes, c outra qne foi Duqueta de Cadaval
221
cias que se seguiram a este revez, até que pelo regresso
a Lisboa do Duque de Lafões, em janeiro de 1779, foi
viver na companhia daquelle Princípe, seu fiel amigo. *
Foi no retiro do palácio do Duque de Lafões, e sob a
benéfica influencia deste benemérito e generoso protec-
tor das letras portuguezas. que o muito douto lose' Fran-
cisco Corrêa da Serra delineou a organísação e os esta-
tutos da Academia Real das Sciencias, que o Duque de
Lafões fez im mediata mente crear por Aviso régio de 24
de Dezembro de 1779.
Tendo o Visconde de Barbacena resignado o cargo
de secretario da nova Academia, para que tinha sido
logo nomeado, assumiu Corrêa da Serra o referido car-
go, que bem lhe cabia, porque tinha sido o creador
d'aquelle prestante instituto.
Os relevantes serviços e as provas de gi»ande compe-
tência, que prestara ás letras no seu paiz, não o isentaram
de ser envolvido em baixas intrigas, que o obrigaram a
afastar-se da pátria ingrata, exilando-se para Londres,
de onde seguiu para Paris, tendo sido. quer em Inglaterra,
quer em França, acolhido enthusiasticamente no seio das
sociedades scientificas e litterarias, devendo entre estas
especialisar-se o Instituto de França, que lhe fez a grande
distincção de o admittir no numero dos seus sócios cor-
respondentes.
Condições especiaes da sua vida, e talvez o seu amor
das viagens, levara m-n'o aos Fstados Unidos, onde se
fixou em Philadelphia. sendo ali obrigado, por falta de
recursos, a abrir uma aula de Botânica para grangear
meios de subsistência.
Nos Estados Unidos foi nomeado pela Corte portu-
gueza, então estabelecida no Rio de janeiro, Ministro
' A residência dos Duques de Lafões era no palácio ao Grillo.
222
Plenipotenciário junto do Governo da ^rdnde Federação
anicricdnd; c n'csta qualidade prestou serviços, que foram
superiormente considerados.
De^x^is de muito lanjas jx^rei^rinaçôes, Corroa da Serra
resolveu rei^ressar Á pátria, onde checou em 1821. I:m
iJsboa retomou o seu lui^ar de secretario da Academia
Peai das Sciencias, e abriu a sessão publica de 24 de
Junho de 1822 com um mai^nifico discurso, que Vicnu
assiiijnalado nos annaes da Academia.
Fomos levados a estas informações sobre o erudilis-
simo losé IVancisco Corroa da Serra, pelas noticias que
a seu respeito transcrevemos das Memorias inéditas do
Marquez de Fronteira.
As relaçõKís litterarias de Corrêa da Serra com a muito
illustre Marqueza d'Alorna, sío mais um valioso ariju-
niento cm favor do famoso cns^cnho c prodis^iioso talento
tia afamada Alcipe.
Pouco ijosou l\cí tranquillidade do seu regresso á pá-
tria o muito douto Corrêa da Serra, pois a 1 1 de setem-
bro de 1S23 falleceu nas Caldas iSa. Rainha, victima da
acç3o de uma diabete, que de lonije o vinha enfermando.
O leitor, que deseje conhecer o que foi a alta indivi-
(.iualiciade scientifica. que se chamou |ost5 Francisco Cor-
rêa l\õ. Serra, encontra pormenorisada informaç<^o no
citado e brilhante artiijo de Teixeira de Vasconcellos,
no Tomo 1 das suas "Glorias portuijuezas», e também na
admirável noticia c]ue a seu respeito se lê na Fncvclo-
pódia Portuijueza lllustratia
Terceira Marqiieza de Távora
CAPITULO XVII
Os retratos da terceira Marqueza de Távora, e de sua filha, a
segunda Marqueza d'Alorna. O famoso quadro de Pelle-
grini, representando os terceiros Marquezes d'Alorna e seus
filhos. O fallecimento do General, Conde de Oeynhausen.
Versão, em portuguez vernáculo, dos quatro primeiros cantos
do Oberon, de Wieland. Descripção do quadro "A Solidão,,.
Referencia á biographia de D. Leonor d'Almeida, Mar-
queza d'Alorna, extraída do notável livro de Teixeira de
Vasconcellos "Glorias portuguezas».
No palácio Fronteira, em S. Domingos de Bemfica,
existe um retrato da terceira Marqueza de Távora, D.
Leonor de Távora, que aos 58 annos, edade em que foi
supplíciada, era ainda uma das mais formosas damas da
Corte, possuindo soberbos olhos azues, que foram sem-
pre lindos, e que eram dotados de admirável fulgor. O
busto distinguia-se pela forma esculptural, e o conjuncto
da sua encantadora belleza e das acções heróicas, que
praticou na índia, deixou ali a mais brilhante recordação.
A estas captivantes condições accresciam os dotes do
seu espirito excepcionalmente culto, que tornavam a le-
gendaria Marqueza de Távora, uma mulher verdadeira-
mente extraordinária.
No mesmo palácio encontra-se também uma delicada
e artistica miniatura do século XVIII, época do apogeu
destas deliciosas pinturas, e que é o retrato da filha mais
224
nova da terceira Marqucza de Távora, que se chamava
I). I,ciMior de Lorena, e que foi secunda Marqucza
d'Alorna.
Num fundo de paizai^em repousa, sentada cm alti-
tude cjue denota i^raça e simplicidade, uma joven senhora
de feições regulares, admiravelmente formosa, cabellos
castanhos esparsos sobre os hombros, e levemente des-
cahida sobre o lado esquerdo a entristecida cabeça, co-
berta com um ijracioso chaptío de palha, enfeitado de
rendas pretas.
W-» olhar doce ha aquella cxprcssãcí de bondade e
iniinita tristesa, que parece terem sido seus attributos.
A suavidade e firmeza de tons que o artista conjugou
nesta composição, fazem da bella miniatura um encanto.
Devemos ainda observar, que no palácio Fronteira,
entre os preciosos cjuadros que adornam as suas salas,
toma losjar excepcionalmente levantado a tela devida ao
famoso Pellesjrini, que representa o General terceiro Mar-
quez de Alorna, a Marqueza sua mulher, D. Henriqueta da
Cunha, primeira filha dos sextos Condes de S. Vicente, e
seus filhos 1). \oC\o dAlmeida Portui^jal, alferes da le^itio
de Alorna. cjuc nasceu a 15 de Aijosto de 1796 e morreu
afov'ado n'um tanque em Borba a '27 de Setembro de 1805.
e seu seikíundo filho D. Nivíuel. também alferes lL^ mesma
kviào. tjue nasceu em 1797, e morreu de um remetiio tro-
cado em Aijosto de 1806. estando a tratar-se de uma queda
de cavallo. í'oi pelo fallecimento destes dois meninos,
tiue a senhora 1). Leonor d'.Almeida Portuijal, Condessa
d'OeYnhausen. herdou a Casa de Alorna c os títulos de
Terceiros Marquezes d'Alorna e seus filhos
225
quarta Marqueza d'Alorna c de sexta Condessa de As-
sumar.
A bella representação do General terceiro Marquez
d'Alorna, da Marqueza sua mulher, e de seus dois filhos,
foi feita, como dissemos, pelo hábil pintor italiano. Do-
mingos Pelle§rini, na tela com que, durante a sua estada
em Lisboa, enriqueceu a vasta e valiosa coUecção de re-
tratos de familia. que existe no palácio Fronteira.
Mede este quadro 2'^24 de altura e 1^82 de largura,
tendo como fundo um pequeno trecho do Tejo, em que
se ostenta majestoso, de vellas enfunadas, um barco de
guerra.
No plano principal, em attitude de descer uma esca-
daria, o Marquez, conduzindo pela mão um dos seus fi-
lhos, dá o braço á Marqueza, que por sua vez conduz
pela mão o outro filho.
São ricos e vistosos os trajes do General D. Pedro
d'Almeida Portugal, apresentando-se seus filhos D. João
e D. Miguel com uniformes de officiaes da Legião d'Alor-
na, a que, apezar de creanças, pertenciam como ante-
riormente dissemos.
A Marqueza veste de branco, tendo sobre os hombros
um chalé vermelho, e por único enfeite, no penteado, um
rico fio de pérolas, que também lhe adorna o formoso
pescoço.
E', porem, o aspecto accentuadamente marcial e um
tanto altivo do Marquez, e a feliz expressão das cabeças
do grupo, a parte notável deste artístico trabalho, que
uma grande correcção de traços c harmonia de conjun-
cto, completam.
i5
220
Para a historia di\ Marcjiicza cl'AIorna oftcrcccm in-
discutivci importância as considerações que vamos apre-
sentar :
A Condessa d'OeYnhausen, estando em Lisboa, pa-
deceu a 3 de Março de 1793 o profundo ijolpe de perder
seu marido, o Tenente General e Inspector Geral de In-
fanteria, Conde d'OeYnhausen, que tinha 54 annos de
edade, e que estava nomeado para o Governo do Al-
i^arve.
Hste doloroso j^olpe. que a deixou viuva, sendo ainda
moça, tendo seis filhos, e sem bens de fortuna, tinha sido
precedido de dois funestos acontecimentos, que muito
dilaceraram o seu coração : os fallecimentos da Mar-
queza d'Alorna. sua màe, e o da condessa da Ribeira
Grande, D. Maria d'Almeida Portugal, sua irmã.
A dôr cruciante, cjue lhe causou a morte de seu ma-
rido, achou lenitivo no cumprimento das suas obriíjaçòes
maternaes. que a levaram a educar primorosamente suas
filhas, e ainda a soccorrer as creanças pobres e as filhas
dos rendeiros e visínhos das suas terras d'Almeirim, fa-
vorecendo-as com os parcos meios, que estavam ao seu
alcance, para que aprendessem a ler, a coser, e os mais
trabalhos próprios do seu sexo e condiçc^o. Para animar
as suas protes^idas no estudo, compunha-lhes cantisjas,
que n»5o só as entretinham, mas que lhes forneciam ensi-
namento. Sesjuia assim o mesmo processo que usava em
beneficio da instrucç»^o de suas filhas, para as quaes com-
punha em verso lit^òes di^ Historia de Portusjal.
Devemos também notar uma curiosa aposta, que fez
a Condessa com um erudito allemâo chamado Muller.
ci^mpro!nettendo-se a traiiuzir para portuvíue? vernáculo
A SOLIDÀO
Quadro pintado pela Marqueza d'AIorna (Alcipe)
227
qualquer poema allemão, comprovandc . assim a opulên-
cia da lingua portugueza, que o contendor deprimia
para realçar a língua allemã. O resultado desta aposta
foi a versão dos quatro primeiros cantos de Oheron, no-
tável poema de Wieland.
Cumpre acrescentar que, durante a sua estada em
Inglaterra, Alcipe passou por bem fundos desgostos.^entre
os quaes avultam a separação do filho, que teve de
mandar para o Rio de Janeiro, onde estava foragida a
Corte portugueza ; a morte de uma filha, e a deshonra
que muito injustamente enodoava a reputação de seu ir-
mão, o brilhante General Marquez d'Alorna. A Provi-
dencia recompensou-a porem, dotando-a de um talento
tão extraordinário que lhe era bálsamo salutar para as
suas grandes mágoas. As Recreações botânicas, a versão
da Arte Poética de Horácio, e os seus admiráveis trabalhos
para reconstituir a verdade sobre o procedimento de seu
irmão, e conseguir que lhe fosse restituída a gloria do
seu nome, offuscada pela mais falsificada calumnia. de-
ram porem larga compensação aos seus pezares.
Observemos também que, entre as variadas prendas
que adornavam Alcipe, não se deve deixar de apresen-
tar a da pintura, de que foi distincta cultora. Os seus
trabalhos, de que apenas chegou até nós o quadro "A
Solidão,,, cuja composição foi como dissemos, inspirada
pelo sentimento filial de obter resposta de seu Pae ás
numerosas cartas que embalde lhe escrevia, mereceram
a alta distincção de ser convidada pelo Príncipe D. João
a formular o plano para fazer do palácio da Ajuda, que
então começara a edificar-se. um monumento da gloria
portugueza, por meio das Bellas-Artes.
A Condessa d'OeYnhausen acceitou a commissão,
apesar de ser muito vasta, e de desempenho deveras dif-
ficil. Fizeram porem com que esta ideia patriótica não
tivesse realisação as intrigas do Paço. auxiliadas pela
228
citiin, c aos quacs iic^o foi nv^riulavcl que tc^o alta em-
presa fosse commcttida a uma Senhora, que era aureo-
lada pela sua famosa reputaÇc^o litteraria, mas que nào
tinha ainda adquirido a consideração como pintora, de
que justamente i^josou mais tarde.
Devemos também consiijnar aqui, que o honroso con-
vite do Principe D. loAo, á ò\c\mc\dã e douta Alcipc, foi
motivado pela notável circunstancia que passamos a
narrar :
«Frequentava a casa da Condessa o pintor italiano
Foschini, òo qual. para recrear a sua sociedade, e para
instrucçc\o e exercicio de suas filhas, a Condessa dava
pros^ranimas. que Foschini executava a lápis. Entre ou-
tros deu-lhe "O Sonho de D. Manuel 1», imaginado no
canto 4.0 dos Lusíadas, c com elle a apotheosc de Ca-
mões. Os desenhos de Foschini. que eram primorosos,
foram levados (\o Principe D. loão. e açradaram-lhe
tanto, bem como os pensamentos que exprimiam, que
lhe suv^s^eriram a ideia de encarrev^ar a Condessa d'Oevn-
hausen áci commissão. que «infelizmente nào executou, e
que seria decerto um monumento nacional.»
O quadro *A Solidc^o» foi pintado cm Vienna d'Aus-
tria, onde a Condessa d'Oevnhausen residia com seu ma-
rido, que era Ministro Plenipotenciário de Portuyjal, junto
do Imperador d'Austria José II.
Para ser devidamente apreciada a photovíraviira do
ciuadro "A Solidão... vamos apresentar á consideração
do leitor a seguinte resumida descripção:
Sobre um fundo de paizagem um pouco sombria de
ceu plúmbeo, destaca-se a figura dc\ gentil e joven Con-
dessa d"Oevnhausen, sentada sobre um fragmento de
musgosa rocha. n'uma altitude de abandono e de resi-
gnada tristeza.
-\ sua formosa cabeça «.le cabellos castanhos, quasi
229
louros, descansa sobre a mão esquerda, cujo braço vae
apoíar-se sobre o joelho; o outro braço cae ao longo
do corpo.
Os seus grandes e bellos olhos parecem fixar-se com
saudade numa visão longínqua, que a faz sorrir com
amargura.
Veste á moda do seu tempo, um leve casaquinho
azul sobre um vestido côr de rosa fanada, e aperta-lhe
a delicada cintura uma fita verde escuro.
Junto a si tem uma frauta. aos pés um esquadro e um
compasso, e mais atraz uma estatueta, símbolos da mu-
zíca, do desenho e da esculptura, de que a illustre fidalga
era distincta cultora.
Já pela sua bella composição, já pela magnifica ex-
pressão, este quadro exprime bem a alegoria da solidão,
que a autora, a própria retratada, quiz e conseguiu re-
presentar com feliz êxito.
Dissemos, no Capitulo VII, que o primoroso talento
dã Marqueza d'Alorna se tinha também manifestado na
oratória sagrada, e citámos para demonstrar o seu me-
recimento nesta distincta especialidade o sermão, escrito
cm 1774 por D. Leonor d'Almeida Portugal. Este sermão
destinado para uma festa a Santa Luzia, em acção de
graças pelo restabelecimento da segunda Marqueza de
Alorna, sua mãe, tinha por thema
"Inventa aiitem una pietiosa margarita, abíit, et vendidit oní-
nia qiiae habiiit, et emit eam.,,
Achada uma pérola preciosa, vendeu (o mercador de
que trata o Evangelho) tudo quanto possuia. e com-
prou-a.
S. Math. c. 13 v. 4õ.
230
No seu nottivcl livro "Glorias portuijuczas,, o emi-
nente escriptor. António Auvíusto Teixeira de Vascon-
cellos. cietiica uni capitulo a D. Leonor d'Almeida, Mar-
queza d'Alorna, Condessa de Assumar e de Oeynhausen.
Neste primoroso trabalho diz o autor : «que entre as mu-
lheres, que no século 18." e 19.» representaram mais fiel-
mente o sentimento e os costumes nacíonaes, foi a prin-
cipal I). Leonor de Almeida, Marqueza d'Aloma, a
brilhante poetiza di\ velha monarchia. e a veneranda fi-
dali^a, honra da corte portuijueza nos primeiros annos
dã dinastia constitucional. A' senhora por tantos títulos
illustre. cuja ions^a vida abraniijeu cinco reinados, dos
mais notáveis pelas successivas transformações politicas
e sociaes. occorridas desde 1750 att? 1839, cabe um dos
dos primeiros locares n'esta modesta galeria dos perso-
nasi?ens portuj^iuezes do decimo nono século..
Como tivemos occasiào de demonstrar, a ascendência
directa de D, Leonor de Almeida era dos .Almeidas e
dos Tavoras. pelo que pertencia ci mais alta nobrcsa de
Portuv^íal ; não devemos porem deixar de notar, que por
seu avô paterno. D, Pedro de Almeida, pertencia á es-
clarecida familia de Alorna. que era ei^iualmente da me-
lhor linhavíem.
A influencia que a ."^larqucza dAlorna exercia na
alta sociedade ue Lisboa era tamanha, que nunca nin-
i^uem a exerceu tão çrande. Os Governadores do Reino
tinham desta influencia inteiro conhecimento, e sabiam
lambem i]ue lhes era tiesfavoravel o espirito justo e admi-
ravelmente instruído de D. Leonor dAlmeida, D'estas
circunstancias provitVam as iniquas restiluçòcs de a man-
dar sahir ilo Reino, por suspeita^ de deslealdade ti Pátria
231
e ao Rei, quando era notório o seu patriótico c cons-
tante ensinamento a seus filhos, de servirem a uma e a
outro com a maior dedicação, seguindo assim os nobres
e nunca desmentidos exemplos de seus muito illustres
ascendentes.
Para ser grande tudo o que dizia respeito á Marqueza
d'Alorna também o foi a perseguição de que foi victima
por parte dos altos poderes do Estado, sem que tivessem
por vezes as considerações devidas ás suas excepcionaes
condições, e ao seu elevado merecimento.
O brilhante artigo de Teixeira de Vasconcellos, a que
nos vimos referindo, termina pelas duas seguintes impor-
tantíssimas asseverações áo talento e engenho de Alcipe :
«Dizia o Duque de Palmella, D. Pedro, que o talento
e caracter da Marqueza d'Alorna valiam mais do que
todos os volumes das suas obras. Excellcnte juiz era!
Dizia bem.»
CONCLUSÃO
Da leitura dos capítulos, em que estão agrupadas no-
ticias para a historia da excelsa Marqueza d'Alorna, D.
Leonor d'Almeida Portugal, inférem-se, em resumo, as
seguintes veridicas asseverações:
D. Leonor d'Almeida principiou a ser perseguida pela
sorte adversa, desde a edade de oito annos, em que foi
enclausurada no mosteiro de Chellas, como presa do Es-
tado, com sua mãe, a segunda Marqueza d'Alorna, D.
Leonor de Lorena de Távora ;
nesta reclusão ficou apenas entregue aos carinhos de
sua mãe; não tendo porem havido o minimo cuidado
em prover á sua educação pela escolha de mestres;
as suas poderosíssimas faculdades desenvolveram o
seu preclaro engenho, entregando-se á leitura de livros.
que lhe eram facultados por amigos da sua familia, e es-
tudando as lições e conselhos de seu pae, enviados com
grave perigo para este, para sua mãe e para ella própria ;
durante mais de dezoito annos de clausura, os seus
estudos litterarios, scientificos e de bellas artes, não a im-
pediram de aprender as prendas do seu sexo, e os diffe-
rentes mesteres mulheris, em que foi eximia ;
a sua formosura e talento attraiam aos outeiros de
Chellas. os mais distinctos poetas da época da sua resi-
dência naquelle famoso mosteiro ;
234
loi^i) que cippiírcccii nti sociedade, depois da sua sa-
hidd do mosteiro, em 1777, lornou-se notável pelo seu
espirito e pela sua brilhante erudiç<5o;
a inesperada escolha do nobre allenic^o. Conde de
Oevnhausen, para seu marido, feita por D. Leonor d'Al-
meida, n^o as^radou ao Marquez d'AIorna. seu pae;
a alta nobresa do Conde de Oeynhausen foi affirmada
pela muito subida honra que lhe dispensaram S. S. M. M.
a l^ainha 1). Maria 1 e Í:l-Rei D. Pedro 111, acompa-
nhando-o pessoalmente á pia baptismal, como padri-
nhos, quando para casar se filiou na Relii^icio catholica ;
a mencionada nobresa foi porem depois indiscutivel-
mente demonstrada pela concessão óà Ordem da Cruz
listrellada, á Condessa I). Henriqueta de Oevnhausen,
sua filha ;
o dcsaiiírado do Marquez d'Alorna pelo casamento
de 1). Leonor d*Almeida foi motivado principalmente
pela excessiva pobresa do Conde de Oeynhausen ;
este desai^irado checou ate á cessação de respostas ás
cartas de sua filha ;
as boas relações dix Condessa de Oeynhausen com
seu pae foram reatadas, depois deste ter recebido o qua-
dro «A Solidão, expressamente concebido e executado,
em Vienna dAustria. pela douta Alcipe. para tentar rea-
lisar esta filial aspiraçt^o;
a sua demora em dijíerentes Cortes, que visitou como
mulher do Conde de Oeynhausen. nomeado, pouco de-
pois do seu casamento. Ministro Plenipotenciário na Corte
de Vienna d'Austria. deixou ali distinctamente demonstra-
das as suas eminentes qualidades, nas lettras, nas scien-
cias, e nas bellas artes ;
de revijresso ao seu paiz padeceu cruéis persei^uiçôos
dos Governadores do Reino, que a reputaram injusta-
mente como conspiradora muito periviosa :
a sua situação f»'»! pc»r vorc-- de >'i.iiu!i- jh-iuiií.i •
235
recebeu as mais elevadas provas de consideração de
S. M. o Imperador d'Austna, José II, e de Sua Santidade,
o Papa Pio VII ;
o seu alto merecimento foi reconhecido, em honrosas
mercês, por S. S. M. M. D. Maria I, D. João VI e D. Ma-
ria II ;
a preclarissima M."^*-' de Stael demonstrou-lhc a sua
admiração;
prestaram-lhc as maiores homenagens os mais emi-
nentes homens de lettras do seu tempo.
Terminando a publicação de algumas noticias authcn-
ticas para a historia da famosa Marqueza d'Alorna. e
bem assim a de algumas das suas eruditas producções,
devemos notar que, de umas e de outras, se conclue, que
esta distinctissima dama deixou affirmada a excelsa fi-
dalguia do seu formoso talento cm muitas e deslumbran-
tes manifestações.
Dá-nos elevado argumento da exactidão destas mani-
festações a preciosa carta que, a propósito da recepção
do Poema das Recreações Botânicas, Alcipe recebeu de
Filínto Elvsio, seguramente o primeiro poeta do seu tempo,
carta de que reproduzimos, em zinco-gravura, o muito
valioso autógrapho.
Observemos também, que o exame cuidadoso das
referidas noticias e producções demonstra claramente,
que foram variadis^^imos os assumptos versados com
proficiência pela insigne escriptora.
Este exame leva-nos depois a especialisar, entre os
levantados méritos da grande Alcipe, a persistência com
que. durante dez annos, trabalhou para illibar. como ef-
236
fcctivamcntc illibou, o memorio do General terceiro Mar-
(liiez d'AIorna. seu brilhante e infeliz irmáo, victima de
uma condemnaÇt^o atroz e terrivelmente injusta, a qual
lançava nódoa indeli5vel sobre a muito illustre família
Almeida.
Cumpre-nos ainda avivar a recordação de que a
quarta Marqueza d'Alorna era neta paterna do primeiro
Marquez do mesmo titulo, e neta materna dos terceiros
Marquezes de Távora, que foram horrorosamente sup-
pliciados no cadafalso levantado na praia de Belém.
hasta esta recordação para provar a alta estirpe da
nobilíssima Alcipe.
Notemos asjora que as adversidades, com que a má
sorte perseguiu D. Leonor d'Almeída Portugal, desde os
seus tenros annos, ficam tristemente assis^naladas, mas
com a asseveração de que foram sempre supportadas
nobremente.
Desta apreciação offercce-nos admirável argumento a
carta a seu pae. citada no Capitulo 1. em que lhe dizia,
que não estivesse aprehensivo. com respeito ao seu futuro
e ao de sua irmã, para a eventualidade de continuar a sor-
te a ser-lhes adversa; visto que estavam ambas habilitadas
a ser costureiras, bordadoras, cosínheiras, ' e a exercer
cjualquer outro dos mesteres mulheris, quando lhes não
fossem de utilidade as suas habilitações litterarias. Desne-
cessário é chamar a attenção para a inexcedivel nobreza
de sentimentos, que esta carta revela.
Diremos finalmente que, pelo fallecimento da quarta
Martiueza trAK^iia, o sou muito honroso titulo passou,
' Da habiliJade de D. I^conor d'AlmeKÍJ, como cosinheira, <\á ei-
cellcnie demonstração o jantar, todo cosinhado por su.is mãos. para
festejar o dia de annos de seu pae, e de que deu a este noticia na cana
que anteriormente publicamos.
237
por graça da Rainha D. Maria II, para o sétimo Marquez
de Fronteira, a quem pertencia, como herdeiro de sua
mãe, a sexta Marqueza de Fronteira, filha mais velha da
Marqueza d'Alorna — Alcipe. A mercê do titulo de Mar-
quez d'Alorna foi concedida âo Marquez de Fronteira,
graciosamente acompanhada com a de Vedor da Casa
Real, officio que os Marquezes d'Alorna exerciam, desde
o reinado de Filippe II, e que tinha sido ultimamente des-
empenhado, ainda em vida de seu pae, por D. Pedro de
Almeida Portugal, que foi o celebre General, terceiro
Marquez d'Alorna.
Depois de concluída a impressão de "Algumas noticias
authenticas para a historia da Marqueza d'Alorna.>'
tivemos conhecimento da seguinte occorrencia.
que offerecemos á consideração do leitor em
Nota complementar
N'uma urna, magnificamente trabalhada em nogueira, e or-
namentada com figuras de bronze dourado, urna que tinha per-
tencido á grande Marqueza d'Alorna, e que foi por sua filha, a
Condessa de Oeynhausen, D. Frederica, offerecida a D. Leonor
Fernandes de Sá, ultimamente fallecida, encontraram-se bastantes
papeis, pertencentes á famosa Alcipe; entre estes merecem espe-
cial consideração três lithographias da Marqueza d'Alorna, exe-
cutadas em 1824. Estas lithographias estão assignadas pela douta
poetisa, que tinha então 74 annos, e teem por titulo "Copia de
uma miniatura, feita em 1824,,, miniatura que existe em poder
da senhora Marqueza d'Avila e de Bolama.
Junto das lithographias encontrou-se a copia a lápis de um
retrato da terceira Marqueza de Távora, superiormente tirado em
1750 antes d'esta preclarissima dama ter partido para a Índia,
acompanhando seu marido, que exerceu brilhantemente n'aquelle
Estado as altas funcções de Vice-Rei, desde 1750 até 1754,
Dada a notável aptidão da Marqueza d'Alorna para a pintura,
e sendo de primorosa execução os seus desenhos, e consideran-
do ainda o cuidado e o sitio em que foi archivada a deslum-
brante copia do retrato de que vimos falando, não nos repugna
admittir que fosse feita pela própria Alcipe a copia do retrato de
sua infeliz avó, e isto segundo a versão de D. Leonor Fernan-
des de Sá, que fora sua afilhada e leitora.
Devemos accrescentar que este parecer pode também ser ba-
seado na comparação com o modo de fazer dos seus bellos qua-
dros, dos quaes é principal a soberba tela "A solidão,,.
A copia, de que nos vimos occupando, encontra-se entre os
preciosos quadros de familia dos nobilissimos Marquezes de
Fronteira e d'Alorna,
índice
CAPITULO 1 P^^- 10
o tinteiro de Alcipe. Creação do titulo de Mar-
quez d'Alorna. Armas da Casa d'Alorna. Ascen-
dentes D. Leonor d'Almeida Portugal Alcipe.
Onde nasceu a quarta Marqueza d'Alorna — Alci-
pe. As três épocas principaes d'esta por muitos
titulos illustre dama. Sua reclusão no mosteiro de
Chellas. Sua educação. O gabinete de trabalho e
o camarim de Alcipe, no palácio Fronteira, em S.
Domingos de Bemfica. Prisão do Marquez d'A-
Icrna nos cárceres da Junqueira. Descripção d'estes
cárceres, ali mesmo escripta pelo Marquez d'Alor-
na. Documentos comprovativos da innocencia d'es-
te illustre fidalgo.
CAPITULO II. • P^-- ^^
Entre os pretendentes á sua mão D. Leonor
d'Ameida escolheu o Conde de Oeynhausen. Mo-
tivos porque esta inesperada escolha não foi do
agrado do segundo Marquez d'Alorna. Baptismo
do Conde de Oeynhausen, para o seu casamento
com D. Leonor d'Almeida. Nomeação do Conde
de Oeynhausen para Ministro plenipotenciário na
Corte de Vienna d'Austria. Distincto acolhimento
ali feito aos Condes de Oeynhausen. Concessão á
Condessa da Ordem da Cruz Estrellada. Copia
de u!na carta que lhe foi dirigida pelo Imperador
d'Austria José II. Outras argumentos da muito su-
bida consideração dispensada á Condessa de Oeyn-
hausen, especialisando o de Madame de Stacl.
240
CAPITULO III...-. pag. 45
Alvará cia Rainha D. Maria I, concedc-ndo á
Marqiicza trAlorna os tilulos de Condes c de Con-
dessas de Ocynhausen para seus filhos, e bem as-
sim o tratamento de íixcellencia. Diploma de El-
Rei D. João VI, quando í^riricipe Regente, con-
cedendo á (Condessa de Ocynhausen a mercê de
a nomear Dama de Honor da Princeza Sua Mu-
lher. Decreto da Rainha D. Maria II, fazendo a
Marqueza d'Alorna a graça da pensão de seis cen-
tos mil réis annuacs para as suas duas filhas sol-
teiras. Nomeação da Marqueza d'Alorna para for-
mular o plano das pinturas que deviam adornar o
palácio da Ajuda, exprimindo as acções gloriosas
dos portu^uczcs. Premio em mathematica, conferido
pela Academia Real das Sciencias de Paris, á sua
consócia Marqueza d'Alorna. Notabilissimo artigo
de Alexandre Herculano, publicado no "Panora-
ma», fazendo a apreciação da eminente escriptora
Marqueza d'Alorna. l'olhetim do "Correio Portu-
guez,,dc 1868, agradecendo aoffertados Vol." 1.»
e 2.0 das Obras poéticas da Marqueza d'Alorna.
Opinião de Francisco da honscca Benevides sobre
Alcipe, Vol. 2.0 das "Rainhas de Portugal». Opi-
niões sobre a mesma excelsa escriptora de Ferdi-
nand Denis e de Castilho.
CAPl rUI.O IV.. • • • • P'U'- (»i
Parentesco da Marqueza d'Alorna com Frei
Luiz de Sousa. Alcipe considerada como pintora:
o seu quadro "A Solidão». O .uuarda-joias de Al-
cipe, offerecido á ultima senhora Marqueza de
Fronteira c d','\lorna, pela celebre escriptora hes-
panhola, D. Carolina Coronado. O jazigo da Mar-
queza dAlorna. Últimos trabalhos de Alcipe. Uma
carta autographa de Filinto Flysio á Ex."'* Senho-
241
ra D. Leonor d'Almeida. Noticia da Paraphrase
dos Psalmos em vulgar. Auctorisação de Alcipe
para ser impressa a sua "Arte poética de Horácio,
ou Epistola aos Pisões,.. (Esta autorisação vem na
carta a D. Leonor da Camará integralmente trans-
cripta no capitulo VIII.)
CAPITULO V. • pag.73
Cinco cartas de Alcipe, dirigidas do Mosteiro
de Chellas ao Marquez d'Alorna, seu pae, então
preso no forte da Junqueira. Resposta da Con-
dessa de Oeynhausei] ao Secretario dT.stado, que
lhe remetteu as graças de Marqueza d'AIorna e de
Condessa de Assumar. Extracto da carta escripta
pela Marqueza d'Alorna ao Marquez de Wellesley.
Copia da folha de um jornal, escripto por D. Leo-
nor d'Almeida, nos últimos dias da sua prisão em
Chellas. Requerimento da Marqueza d'Alorna pe-
dindo a revisão do processo, que injustamente con-
demnou o General Marquez d'Alorna, seu irmão.
CAPITULO VI.. . pag. 93
Mais quatro cartas de Alcipe a seu pae. Em
outra carta ao Marquez d'Alorna, sua erudita filha
refére-se a um sermão que escreveu para favore-
cer um pobre frade, o qual, depois de o ter pre-
gado desastradamente, o vendeu a outro frade por
4.000 réis, podendo-o rehaver D. Leonor d'Almei-
da, e podendo portanto mostral-o como elle era,
e não como tinha sido pregado.
CAPITULO VII pag. , ,3
Noticia extraida de um caderno, cuidadosa-
mente archivado no palácio Fronteira, em S. Do-
mingos de Bemfica, entre os papeis e autographos
da quarta f/iarqueza d'Alorna, o qual tem escripto
na capa "Resumo da vida de meu Irmão,,. N'estc
caderno encontra-se uma occorrencia de alta im-
16
242
porta ncia para aquilatar o primoroso caracter do
futuro e clistinctissinio General Marquez d'Alorna.
A referida occorrencia oíferéce também valioso
argumento para um estudo da Índole do Marquez
de 1'ombal, o famoso Ministro de EI-Rei D.José.
CAPITULO VIII. • • Pag- 123
Copia do primeiro documento para a revisão
do medonho "processo dos Tavoras», firmado pela
Rainha D. Maria I, a solicitação do Marquez d'Alor
na, pacde D. Leonor d'Almeida, e genro dos Mar-
quezes de Távora. Copias de outros documentos
sobre o mesmo assumpto. Copia de uma carta ao
Ministro Martinho de Mello, que prova que foi por
vezes de j,'rande penúria a situação da Condessa
• de Oeynhausen. Copia de uma resposta ao pedido
de uma amiga para que consentisse na impressão
de algumas das suas poesias. Copia da declaração
feita cm Londres em 1809 por D. Domingos de
Sousa Coutinho, com respeito á Condessa de Oey-
nhausen. Copia da ordem do Intendente geral de
policia, de 6 de Outubro de 1809, intimando a
Condessa de Oeynhausen a sair immediatamente do
Reino, embarcando no primeiro paquete para In-
glaterra, toniando-se porém as precisas precauções
para que não levasse comsigo os netos da casa de
f-ronteira.
CAPITULO IX. pap. 135
Copia do muito interessante requerimento, apre-
sentado pelo Marquez d'Alorna, a S. A. R. o Prin-
cipe D. João, depois El-Rei D. João VI, e em que
se resume a analyse das flagrantes injustiças e pa-
vorosas preversidades, que se praticaram no de-
nominado processo dos Tavoras, dnluziílas do
consciencioso exame do mesmo processo.
243
CAPITULO X • pag. 1 5 1
Documentos comprovativos dos esforços da
Condessa de Oeynhausen, Marqueza d'Alorna,
para que fosse completamente illibada a memoria
do Marquez d'y\lorna, seu irmão.
CAPITULO XI paR. 1 67
Copia de duas cartas do General Marquez d'A-
lorna á Condessa de Oeynhausen, sua irmã. Al-
guns períodos da Memoria justificativa do Mar-
quez d' Al orna, escripta por sua irmã a quarta Mar-
queza d'Alorna. Referencia ao Decreto de 26 de
Novembro de 1807, em que Sua Alteza Real, o
Príncipe D. João, annuncia a sua partida para o
Rio de Janeiro, permittindo a entrada das tropas
francezas que se aproximavam de Lisboa, e or-
denando que as recebam amigavelmente. Aviso á
Condessa de Oeynhausen para assistir á traslada-
ção do real cadáver da Rainha D. Maria I da
Igreja de S. José de Ribamar para a Igreja do
Real Convento da Estrelia.
CAPITULO XII pag. 177
"Processo dos Tavoras. Extracto da Sentença
de 12 de janeiro de 1759, que se proferiu na Jun-
ta da "Inconfidência,,. Breves considerações so-
bre este "Processo,,. Residência urbana e cam-
pestre dos Marquezes de Távora. O Crucifixo da
terceira Marqueza de Távora. O atroz e odiento
supplicio d'esta nobilíssima Senhora.
CAPITULO XIII. pag. HJl
Copia de algumas paginas das Memorias inédi-
tas do Marquez de Fronteira, que são muito in-
teressantes para a historia da Marqueza d'Alorna,
sua muito illustre avó.
CAPITULO XIV pag. 205
Copia de mais algumas paginas das referidas
244
"Memorias inéditas», tamt)em interessantes para a
historia da Marqucza d'Alorna. Ori^anisaçâo da
Sociedade da Rosa, c graves conscíiucncias que
esta associação teve, especialmente para a famosa
Alcipe.
CAPITULO XV. ... pag. 209
Narrativa de unia extraordinária resolução da
Marquc/a d'Alorna, que teve l>em tristes resultados
para a insigne escriptora. O binóculo de Alcipe.
CAPITULO XVI. pag. 214
O doloroso golpe do fallecimento do Conde
João de Oeynhausen seu filho, levou a Condessa
deOeynhansen.— Alcipe — a ir residir na pequena,
mas elegante casa cm Ííuenos-Ayres, onde elle ti-
nha vivido c onde morreu; e determinou também
a sua mudança, pouco tempo depois, para uma
casa na rua do Abícrim. 1'requcntadores d'esta ca-
sa. Ali SC hospedou o eminente sábio José Cor-
rêa da Serra, a quem se deve a funda<,'ào da Aca-
demia Real das Sciencias, auxiliado pelo segundo
Duque de Lifôes. Breves noticias a respeito de
Corrêa de Sá e do segundo Duque de Lafões.
CAPITULO XVII.. pag. 223
Os retratos da terceira Marqueza de Távora, e
de sua filha a segunda Marqueza d'Alorna. O fa-
moso quadro de Pellcgrini, representando os ter-
ceiros Marquezes d'Alorna, e seus filhos. O falle-
cimento do General Conde de Oeynhausen. Ver-
siio, em portugucz vernáculo, dos quatro piimci-
ros cantos do Oberon, de NXieland. Descripçào
do quadro "A Solidão». Referencia á biographia
de D. Leonor d'Almeida, Marqueza d'Alorna, ex-
traida do notável livro de Teixeir.» •''• \'.isi-.>turl-
los "Glorias pnrtupuezas».
CONCLUSÃO. pag. 233
COLLOCAÇÃO DAS GRAVURAS
A oitava Marqueza de Fronteira e sexta Marqueza d 'Morna 1
O tinteiro de Alcipe • • • • 9
A quarta Marqueza d'Alorna — Alcipe • • • 17
O segundo Marquez d'AIorna, pae de Alcipe (antes de ser
preso, em 13 de Dezembro de 175S) .... 25
O segundo Marquez d'Alorna, pae de Alcipe (quando sa-
hiu da prisão, em 7 de Março de 1777) 26
O Conde de Oeynhausen, marido de Alcipe • • 33
D. Magdalena de Vilhena 61
O guarda-joias de Alcipe- • • • 6-1
Uma carta de Filinto Elysio á Marqueza d'Alorna, (zinco-
gravura de um precioso autographo d'este eminente
poeta) : ....•.•....•.. . 67
A segunda Marqueza d'AIorna, mãe de Alcipe 75
O Crucifixo da terceira Marqueza de Távora. 1S7
A segunda Marqueza d'AviIa e de Bolama, bisneta de Al-
cipe • • . 1 S9
A sexta Marqueza de Fronteira, filha mais velha de Alcipe 195
O binóculo de Alcipe • 213
A terceira Marqueza de Távora, avó de Alcipe. • ....... 223
Os terceiros Marquezes d'Alorna e seus filhos (famoso
quadro de Pellegrini) .-...•. • . - - 224
A Solidão, quadro de Alcipe • • • 227
ERRATAS PRINCIPAES
Pag.
linha
onde se lê
leia-se
27
28
intolreáveis
intoleráveis
46
23
Oeznhausen
Oeynhausen
117
20
jovem
joven
134
23
1820
1802
142
32
D. José;meu
D. José, meu
203
35
mers e
mestre
213
30
artístico,
artístico.
PQ
9261
A6Z55
Ávila e de Bolama,
José de Ávila
A marqueza d'Aloma
Jitonio
•«
PLEASE DO NOT REMOVE
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