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Full text of "Memorias históricas brazileiras, 1500-1837"

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MKMOKIAS  HISTÓRICAS  BRAZILHIRAS 


(Tia 


CAPITULO  XXII 


Guerra  da  independência  da  Bahia.  Assalto  ao  convento 

DA  Lapa.  Junta  de  defesa  na  Cachoeira.  General  V.  Lahatut. 

Combate  do  Cabrito. 

João  das  Bottas.  Maria  Quitéria.  Combates  em  Itaparica. 

Entrada  do  exercito  libertador  na  Bahia. 

A  CoLUMNA  2  de  Julho.  O  ultimo  veterano  — 1822-1823 


a 


fe^ABE-NOS  agora  a  tarefa  de  relatar  a  guerra  que  os 
bahianos  travaram  em  favor  da  independência  de  sua  pro- 
vincia,  e  com  prazer  a  desempenhamos,  porque  recordar  os 
acontecimentos  de  tão  agitada  epocha  equivale  offerecer  ás 
novas  gerações  exemplos  de  coragem  patriótica. 

É  seguindo  as  licções  civicas  legadas  por  seus  grandes 
homens — na  dignidade  moral,  na  altivez  de  principios,  na 
comprehensào  e  defesa  de  seus  direitos,  na  lucta  sem  tréguas 
contra  a  prepotência  e  contra  o  servilismo — que  um  povo 
aflirma,  de  modo  digno,  a  sua  existência,  honrando  a  civili- 
sação. 

Reler  paginas  palpitantes  ainda  doesse  enthusiasmo  sa- 
grado que  levantou  a  Bahia,  como  um  só  liomem,  para 
constituir-se  livre;  trazer  a  publico,  á  serena  luz  da  verdade. 


MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


tantas  e  tão  porfiadas  luctas,  cantadas  de  modo  eloquente  por 
seus  poetas  inspirados;  apontar  á  mocidade  os  logares  que 
foram  salpicados  de  generoso  sangue  e  por  onde  passaram, 
sobranceiros  aos  soflfrimentos,  bravos  que  sabiam  desenvolver, 
como  os  beróes  de  Homero,  valor  quasi  sobrehumano  em 
seus  combates ;  procurar  no  estylo  tintas  capazes  de  restaurar 
o  vasto  e  movimentado  scenario,  tornando-o  digno  da  publica 
apreciação  pela  fidelidade  descri ptiva:  eis  o  attraliente  estudo 
que  n'este  momento  captiva  toda  a  nossa  curiosidade  histórica. 
No  espontâneo  apostolado  de  que  se  investiu,  sem  outra 
preoccupação  que  a  de  prestar  um  pequeno  serviço  á  pátria, 
o  escriptor  doestas  Memorias^  ao  tratar  da  guerra  bahiana, 
experimenta  legitima  satisfação  sob  todas  as  grandes  diffi- 
culdades  do  trabalho,  como  aquelle  tritão  venturoso  que 
ao  conduzir  triumphahnente  sobre  os  hombros  a  fascinadora 
deusa  da  belleza  e  das  graças,  não  lhe  sentia  o  peso. 

De  soberbo  com  carga  tão  formosa  ( » ). 

A  15  de  Fevereiro  de  1822  o  navio  Leopoldina^  que  servia 
de  correio,  trouxe  de  Lisboa  a  carta  regia  de  9  de  Dezembro 
do  anno  anterior,  que  nomeava  o  general  Ignacio  Luiz  Ma- 
deira de  Mello  para  o  cargo  de  governador  das  armas  da 
Bahia,  logar  occupado  pelo  brigadeiro  Manoel  Pedro  de 
Freitas  Guimarães. 

A  16  mandou  Madeira  apresentar  o  seu  titulo  ao  corpo 


( I )  I^uiz  DE  Camões  :  Os  Luziadas^  cant.  II,  est.  XXI. 


CAPITUIX>  XXII 


municipal,  para  lhe  ser  dada  a  posse;  na  sala  das  sessões 
achavain-se  presentes  só  um  vereador  e  o  procurador,  que 
deitaram  o  Cumpra-se  na  carta  e  o  não  assignaram,  por 
advertência  do  escrivão,  visto  não  terem  comparecido  os 
demais  membros  da  camará. 

Maguado  com  esta  desconsideração,  o  general  portuguez 
convocou  logo  um  conselho  militar  dos  commandantes  dos 
corpos  de  i.*  e  2.*  linha,  a  titulo  de  serviço  publico;  pergun- 
tando a  cada  um  si  lhe  reconhecia  o  caracter  de  governador 
das  armas  e  obtendo  resposta  aíRnnativa,  fez  com  que  todos 
assignassení  um  termo  de  obediência  ás  suas  ordens. 

Esta  attitude  determinou  a  divisão  das  tropas  em  duas 
facções  ou  partidos:  pronunciaram-se  a  favor  do  brigadeiro 
Manoel  Pedro  o  i.°  regimento  de  infanteria,  artilheria  e 
legião  de  caçadores,  e  de  Madeira  a  tropa  luzitana  e  o  esqua- 
drão de  cavallaria  da  cidade. 

Nas  noites  de  i6  e  17  de  Fevereiro  conservaram-se  de 
promptidão  as  forças  de  ambas  as  partes,  dispostas  a  lançar-se 
uma  contra  outra. 

No  dia  18  a  junta  governativa  officiou  ao  brigadeiro 
Manoel  Pedro  que  mantivesse  em  obediência  a  tropa,  e  á 
camará  para  que  nada  decidisse  acerca  das  faltas  contidas 
no  diploma  do  novo  governador,  sem  que  primeiro  lh'as 
apresentasse,  para  que,  submettido  o  caso  a  um  conselho 
composto  das  corporações  e  cidadãos  mais  respeitáveis  da 
cidade,  fossem  tomadas  medidas  asseguradoras  da  salvação 
da  província. 


MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


A  i8  de  Fevereiro  uma  grande  representação,  assignada 
por  421  pessoas,  subiu,  nos  seguintes  termos,  á  consideração 
da  camará:  « Illustrissimo  senado  da  camará. — Os  habitantes 
d*esta  cidade  abaixo  assignados,  e,  por  meio  doestes,  os  habi- 
tantes de  toda  a  provincia,  cujos  sentimentos  patrióticos  têm 
sido  sobejamente  declarados  na  presente  epocha,  tomando 
por  base  d'elles  a  causa  da  constituição  e  firmissima  união 
de  Portuga],  Brazil  e  Algarves,  em  uma  só  familia,  julgam 
de  seu  dever  levar  a  V.  S.  o  seguinte.  T)e  ninguém  foram 
desconhecidos  os  denodados  esforços  do  muito  digno  senhor 
brigadeiro  Manoel  Pedro  de  Freitas  Guimarães,  no  memo- 
rando dia  10  de  Fevereiro,  devendo-se-lhe  com  justiça  attri- 
buir,  e  inteiramente,  a  regeneração  doesta  provincia.  De 
ninguém  são,  pelo  mesmo  modo,  desconhecidas  as  virtudes 
militares  e  civis  doeste  homem  extraordinário:  pelo  que,  certos 
nós  de  que  do  commando  das  armas  depende  em  grande 
parte  o  goso  da  liberdade  civil  ou  a  escravidão,  segundo 
forem  liberaes  ou  despóticas  as  instruções  d^aquelle  a  quem  fôr 
confiado,  principalmente  havendo-se  estabelecido  no  decreto 
do  i.°  de  Outubro  do  anuo  passado  que  o  governador  das 
armas  só  seria  responsável  ás  cortes  e  a  El-Rei,  ficando  pòr 
isso  mesmo  senhor  absoluto  em  s!ias  deliberações:  não  duvi- 
damos, amparados  com  o  art.  XIV  das  bases  juradas,  recla- 
mar e  pedir  a  V.  S.  haja  de  não  conferir,  por  ora,  a  posse 
do  governo  das  armas  ao  brigadeiro  Ignacio  Luiz  Madeira 
de  Mello,  e  sim  fazer  patente  este  negocio  a  todas  as  camarás 
da  provincia,  a  fim  de  que  estas,  conformando-se  com  o  pare- 


CAPITULO   XXÍI 


cer  e  vontade  dos  povos,  dêem  os  seus  accordos,  os  quaes 
V.  S.  levará  ao  conlieciínento  do  soberano  congresso,  para 
que,  novamente,  tomando  em  sua  alta  e  profunda  conside- 
ração, delibere  o  que  for  melhor.  E  offerecem  esta  por 
embargos,  como  fica  ponderado,  para  serem  decididos  pelas 
soberanas  cortes,  e  receberão  mercê. » 

Para  não  dar  execução  á  carta  regia,  a  camará  representou 
á  junta  sobre  o  não  ter  sido  esse  documento  registado  em 
Lisboa  na  contadoria  geral. 

Sob  tal  pretexto,  convocou  a  junta  um  conselho  de 
auctoridades,  corporações  e  vários  cidadãos.  Depois  de  largo 
debate,  decidiu  a  maioria  que,  para  se  evitar  a  guerra,  fosse 
o  governo  militar  entregue  a  uma  junta,  composta  de  sete 
membros,  de  que  fizessem  parte  as  duas  auctoridades  litigantes, 
quatro  cidadãos  por  ellas  escolhidos  e  um  tirado  á  sorte. 
A  junta  militar,  assim  constituida,  funccionaria  até  que  de 
Portugal  viessem  novas  decisões.  Com  esta  deliberação  não 
se  conformaram  numerosos  portuguezes  presentes  á  reunião. 

Começou  a  cidade  a  apresentar  aspecto  bellicoso:  senti- 
nellas,  guardas-avançadas,  vedetas  occupavam  as  ruas. 

No  mesmo  dia  i8  sahiram  da  fortaleza  de  S.  Pedro  e  do 
quartel  da  legião  de  caça,dores  em  Santo  António  da  Mouraria 
grandes  piquetes  que  se  postaram  com  duas  peças  de  artilheria 
nas  immediações  do  quartel  do  12.^  batalhão,  cm  S.  Bento; 
para  impedir  a  hostilidade  doestas  forças,  determinou  o  gene- 
ral Madeira  que  outros  piquetes  marchassem  d^aquelle  quartel, 
conscrvando-se  fronteiras  as  sentinellas  avançadas  de  ambos; 


MHMOkIAS  BRAZILEIRAS 


n'essa  occasião  um  dos  piquetes  da  fortaleza  de  S.  Pedro 
disparou  dois  tiros,  que  foram  correspoudidos  por  outros  do 
I2.°  batalhão. 

  vista  doestas  hostilidades,  o  general  ordenou  ao  capitão 
de  engenheiros  José  Feliciano  da  Silva  Costa  fosse  levar  ao 
conhecimento  da  junta  os  factos  occorridos  e  a  declaração 
de  que  se  não  responsabilizava  pelas  consequências  da  revo- 
lução que  começava.  Para  chegar  a  uma  conciliação  ofl&ciou 
a  junta  ao  general  Madeira,  convidando-o  e  a  seus  officiaes 
a  reunirem-se  em  palácio;  porém  o  official  portuguez,  sem 
attender  á  solicitação,  preferiu  fazer-se  acompanhar  de  seus 
ajudantes  de  ordens,  soldados,  marinheiros,  uma  guarda  do 
esquadrão  de  cavallaria,  e  foi  visitar  os  quartéis  dos  corpos 
sujeitos  ás  suas  ordens;  pelo  caminho  a  plebe  que  o  seguia, 
ao  passar  pela  praça  de  palácio,  deu  gritos  àt/ora  a  camará  ! 
morra  Manoel  Pedro  ! 

No  dia  19  ouviram-se  tiros  de  fuzil  na  rua  do  Rosário 
do  João  Pereira  (hoje  do  conselheiro  Pedro  Luiz):  formou-se 
logo  o  12.°  batalhão  e  sabendo-se  que  as  guardas  avançadas 
do  regimento  de  artilheria  haviam  rompido  fogo,  marchou 
para  a  praça  da  Piedade  o  tenente-coronel  Francisco  José 
Pereira,  com  parte  d'aquelle  batalhão,  conseguindo  depois 
apoderar-se  de  duas  peças,  uma  collocada  defronte  da  egrqja 
do  Rosário  e  a  outra  em  frente  do  convento  das  Mercês.  Ahi 
postou-se,  obrigando,  pela  fuzilaria,  os  seus  contrários  a  reco- 
Iherem-se  á  fortaleza  de  S.  Pedro.  Pouco  tempo  manteve-se 
em   tal   posição:   viu-se   desalojado   pelo   nutrido   fogo    de 


CAPITULO  XXII 


mosquetaria  e  artilheria,  partido  do  trem  dos  Afflictos. 
O  tenente-coronel  fez  avançar  para  este  ponto  uma  peça  de 
artilheria,  e  atacou  o  trem,  que  foi  desoccupado,  indo  a  guar- 
nição pára  a  fortaleza,  tendo  abandonado  três  peças;  conti- 
nuou forte  tiroteio  pelo  lado  do  Passeio  Publico. 

Ordenou  o  general  Madeira  ao  coronel  João  de  Gouvêa 
Osório  puzesse  em  movimento  a  legião  constitucional  luzitana: 
em  virtude  d'esta  ordem,  marchou  para  o  largo  da  Piedade 
o.  i.°  batalhão  commandado  pelo  tenente-coronel  Joaquim 
António  de  Almeida,  reimindo-se  egualmente  grande  força 
de  artilheria  e  sendo  reforçadas  as  guarnições  dos  fortes  de 
Santo  António  e  Barbalho. 

Para  proteger  a  tropa  reunida  na  fortaleza  de  S.  Pedro 
sahiu  de  seu  quartel  a  legião  de  caçadores,  e,  encontrando 
em  caminho  uma  companhia  da  legião  luzitana  e  grande 
parte  do  esquadrão  de  cavallaria,  travou  renhido  combate. 
Marchou  logo  o  i.°  batalhão  para  aquelle  logar,  e  quando 
chegava  ao  quartel  da  legião,  encontrou  ahi  tão  viva  resis- 
tência, que  só  depois  de  muitas  perdas  conseguiu  occupal-o. 

Na  manhã  do  dia  19  havia  também  o  i.°  regimento, 
comihandado  pelo  tenente-coronel  Rodrigo  de  Argollo  Vargas 
Cime  de  Menezes,  sabido  de  seu  quartel  a  incorporar-se  ás 
forças  do  brigadeiro  Manoel  Pedro,  mas,  desamparado  por 
aquelle  chefe  no  campo  da  Pólvora,  retmiu-se  a  maior  parte 
dos  soldados  aos  da  fortaleza  de  S.  Pedro,  regressando  para 
•o  quartel  apenas  32  praças,  que  mantiveram  forte  tiroteio 
com  02.**  batalhão  luzitáno  e  foram  vencidas  pela  superio- 


MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


ridade  das  forças  contrarias.  Então  entregaram-se  a  excessos 
os  soldados  do  general  Madeira:  roubaram  o  cofre  do  regi- 
mento; rasgaram  os  livros-mestres;  despedaçaram  as  bandei- 
ras; sahiram  a  invadir  casas  particulares,  a  pretexto  de 
represálias  contra  vários  tiros,  e  a  exercer  depredações,  insul- 
tando as  famílias.  Não  satisfeitos  com  a  pratica  de  tantos 
attentados,  violaram  o  convento  das  freiras  da  Lapa  e,  depois 
de  as  offenderem  com  impropérios,  assassinaram  á  baioneta 
a  abbadessa  Joanna  Angélica,  quando  esta  religiosa  lhes 
abria  a  porta  que  pretendiam  arrombar  (*).  Na  fúria  d'este 


(  I  )  No  salão  nobre  do  Lyceu  de  Artes  e  Officios  da  Bahia  existe  um  bcllo 
quadro  do  pintor  brazilciro  Firmino  Monteiro,  em  que  S2  acha  representado 
o  assassinato  de  Joanna  Angélica. 

A  inspirada  poetisa  bahiana  D.  Amélia  Rodrigues  escreveu  sobre  o  pungente 
assumpto  este  expressivo  soneto,  publicado  no  Jornal  de  Noticias  da  Bahia  de 
19  de  Fevereiro  d.*  igoD  : 

A  ABBADKSSA  DA  LAPA 

A  soldadesca  infrene,  allucinada, 
Sedenta  de  oiro,  horrível  de  furor, 
Como  um  tufíio  de  ódio  e  de  terror. 
Corre  pela  cidade  consternada, 

E  rouba,  e  mata,  e  vai  desenfreada 
Contra  as  portas  da  casa  do  Senhor, 
Onde  viceja  da  pureza  a  flor 
Pelos  anjos  do  céo  custodiada.  . . 

V^ôa  a  madeira  aos  golpes  da  alavanca 
Da  turba  vil. .  .  mas  á  segunda  porta. 
Uma  figura  surge,  doce  e  branca.  .  . 

K  soror  Joanna,  que  a  passagem  corta  ! 

« Mate-se  a  freira  ! »  K  logo  a  entrada  franca 

Faz-se  por  cima  da  abbadessa  morta  !.  .  . 


CAPITULO   XXII 


crime  não  respeitaram  a  vida  do  velho  capellão  do  convento, 
padre  Daniel  da  Silva  Lisboa,  morto  a  conces  de  espin- 
gardas. 

Aterradas  com  esta  horrorosa  scena  de  sangue,  as  freiras 
abandonaram  o  convento  e  se  foram  recolher  ao  do  Des- 
terro. 

Convém  assignalar,  como  prova  da  nulla  força  moral 
do  general  Madeira,  a  proclamação  que  na  manhã  d'esse 
fatal  dia  19  havia  elle  feito  ao  povo  bahiano:  «Habitantes  da 
Bahia!  A  desordem  desde  ante-hontem  reina  desgraçadamente 
entre  nós,  e  os  meus  esforços  e  sacrifícios  não  foram  suffici- 
entes  para  embaraçar  um  tão  grande  mal :  vós  tendes  paten- 
teado a  vossa  moderação;  eu  vol-o  agradeço  em  nome  da 
nação  e  do  Rei;  e  eu  devo  assegurar-vos  que  vão  tomar-se 
todas  as  medidas  para  restabelecer  o  socego  publico.  Entes 
malvados  vos  intimidam  com  a  idéa  de  um  saque  ás  casas 
dos  cidadãos;  porém  eu  vos  certifico,  da  parte  da  pátria  e  do 
Rei,  que  a  casa  do  cidadão  será  um  logar  inviolável.  Conser- 
vai-vos  em  vossas  casas ;  não  ateeis  mais  os  males  da  pátria ; 
não  vos  intromettais  nos  negócios  públicos,  e  vós  gosareis  de 
vossa  segurança  e  propriedade.  Quartel-general  da  Bahia, 
19  de  Fevereiro  de  1822.  —  Ignacio  Luiz  Madeira  de  Mello^ 
general  das  armas. » 

Como  os  factos  contradiziam  de  modo  lamentável  as 
promessas  do  general  Madeira,  a  maior  parte  da  população 
bahiana  abandonou,  por  falta  de  garantias,  a  capital  anarchi- 
zada  e  passou-se  para  as  povoações  do  Recôncavo. 


IO  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


As  ruas  tomaram-se  desertas. 

Na  tarde  doesse  dia  ordenou  o  governador  das  armas  que  se 
reunissem  as  tropas  no  largo  da  Piedade  e  d'ahi  expediu 
ordem  ao  commandante  da  fortaleza  de  S.  Pedro  para  que  se 
rendesse,  e,  obtendo  resposta  negativa,  determinou  proceder 
a  bombardeio  no  dia  seguinte. 

Temendo  assaltos  da  soldadesca  e  para  coUocar-se  fora 
do  alcance  das  balas,  as  religiosas  do  convento  das  Mercês 
obtiveram  permissão  do  general  para  mudar  de  asylo,  e,  de 
cruz  alçada,  se  foram  recolher  ao  convento  da  Soledade. 

Não  se  effectuou,  porém,  o  ataque  á  fortaleza. 

A  junta  provisória,  por  meio  de  enérgico  officio,  conseguiu 
que  o  brigadeiro  Manoel  Pedro  capitulasse,  evitando  inútil 
perda  de  vidas.  No  dia  2 1  amanheceu  aberta  a  fortaleza,  que 
foi  logo  occupada  pelas  tropas  luzitana?,  achando-se  ahi 
somente  o  brigadeiro  Manoel  Pedro,  o  tenente-coronel  Ber- 
nardino Alvares  de  Araújo,  commandante  do  regimento  de 
artilheria,  o  capitão  Ignacio  Corrêa,  o  capitão  quartel-mestre 
João  Simões  Onovo  e  alguns  cadetes,  os  quaes,  com  excepção 
dos  cadetes,  ficaram  presos  com  senti nellas  á  vista. 

Os  portuguezes  retiraram  da  fortaleza  as  bandeiras  e  as 
conduziram  em  triumpho  pelas  ruas  da  cidade. 

A  23  de  Fevereiro  escrevia  o  general  Madeira  um  longo 
oflScio  a  D.  João  VI  dando  conta  dos  acontecimentos  occor- 
ridos  por  motivo  de  sua  nomeação ;  n'esse  documento 
queixa va-se  de  continuas  deserções  em  suas  tropas  e  pedia 
reforços  de  soldados  das  três  armas,  porque,  no  estado  em  que 


CAPITULO  XXII  II 


se  achava,  não  podia  acudir  a  qualquer  parte  do  Recôncavo 
para  suffocar  algum  levantamento  que  os  revolucionários 
infallivelmente  haviam  de  emprehender. 

Este  officio,  pedindo  remessa  de  tropas  para  continuar  a 
guerra  civil  na  Bahia,  foi  levado  ao  conhecimento  das  cortes 
de  Lisboa  e  lido  em  sessão  de  30  de  Abril. 

Submettido  o  assumpto  a  debate,  sobre  si  competia  ao 
governo  ou  ás  cortes  satisfazer  á  requisição,  o  deputado 
bahiano,  dr.  Lino  Coutinho,  externou-se  favoravelmente  á 
causa  de  Manoel  Pedro,  sustentando  ter  sido  extemporânea  a 
nomeação  dó  general  Madeira  para  governador  das  armas  de 
uma  provincia.  cujos  habitantes  ainda  estavam  resentidos  de 
seu  procedimento,  quando  proclamaram  a  constituição;  que 
elle  então  se  unira  ao  conde  da  Palma  e  a  outros  de  eguaes 
sentimentos,  para  transtornarem  o  andamento  da  causa  da 
liberdade,  ao  passo  que  o  brigadeiro  Manoel  Pedro  apre- 
sentou-se  á  frente  de  toda  a  tropa  constitucional;  que  este 
official  era  o  mimo  da  provincia,  emquanto  que  o  outro  havia 
attrahido  sobre  si  a  execração  dos  povos ;  que  era  o  general 
Madeira  causador  de  todas  as  desordens,  porque  até  indispu- 
zera  portuguezes  contra  portuguezes;  que  os  bahianos,  inte- 
ressando-se  pela  causa  constitucional,  tinham-se  distinguido 
por  seu  caracter  e  eram  dignos  de  toda  a  consideração  por 
seus  sentimentos  heróicos. 

António  Carlos  opinou  que  as  cortes  não  deviam  ligar 
importância  alguma  ao  pedido,  porque  não  era  justo  exercer 
perseguição  contra  victimas,   sem   serem  ouvidas,  só  pela 


12  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


carga  que  lhes  fazia  o  seu  oppressor,  que  uão  passava  de  um 
ignorante  e  inconsiderado. 

Domingos  Borges  de  Baftos  taxou  de  extravagante  e 
exótica  a  lembrança  do  general  Madeira  em  pedir  tropas  e  foi 
de  parecer  que  de  modo  algum  deveriam  ser  enviadas. 

Outros  deputados  apoiaram  a  nomeação  e  attitude  do 
general  Madeira,  vencendo  em  votos  a  opinião  de  que  com- 
petia ao  governo  satisfazer  ao  pedido. 

Encerrada  a  sessão,  fortemente  agitada  por  opiniões  pró 
e  contra  a  requisição  de  tropas,  nova  discussão  estabeleceu-se 
nos  corredores  do  edifício  das  cortes.  Dois  deputados  pela 
Bahia,  marechal  Luiz  Paulino  Pinto  da  França  c  dr.  Cypriano 
José  Barata  de  Almeida  —  aquelle  madeirista  e  este  anti- 
madeirista — travaram-se  de  razões  e  chegaram  a  vias  de 
facto.  Azedada  a  polemica  no  meio  de  uma  escada,  o 
dr.  Barata,  no  auge  da  indignação,  impelliu  por  ella  abaixo 
ao  marechal  Luiz  Paulino,  que  se  recolheu  ao  domicilio 
bastante  machucado.  N'esse  mesmo  dia  dirigiu  o  marechal 
uma  carta  de  desafio  a  seu.  aggressor.  O  dr.  Barata  acceitou, 
a  seu  modo,  o  repto,  porém  o  encontro  dos  dois  deputados 
não  chegou  a  realizar-se  ( ' ). 


( I  )  Como  confirmação  de  que  o  estylo  é  o  homem,  damos  a  interessante 
carta  com  que  o  dr.  Birata  respondeu  ao  desafio.  K  um  documento  forte,  que  per- 
feitamente define  a  rigidi  franqueza  de  caracter  do  g^rande  patriota  bahiano. 

«  Sr.  I^uiz  Paulino  Pinto  da  França.  —  lyisboa  e  casa,  4  de  Maio  de  1822. 

«  Recebi  a  sua  carta  de  desafio  a  30  do  passado  mez  pelas  5  Jí  da  tarde,  e 
agora  Uie  respondo. 

«  Pouco  pede  V.  S.  a  quem  o  pôde  servir  táo  bem  como  eu ;  mas  antes  de 


CAPITULO   XXII  13 


Receoso  de  que  o  governo  portugiiez  o  considerasse 
parcial  e  vingativo,  o  general  Madeira  não  se  animava 
a  remetter  preso  para  Lisboa  o  seu  rival  brigadeiro  Manoel 


satisfazer  ao  que  me  propõe,  quero  provar-llic  que  não  sou  nem  pérfido,  nem 
covarde,  porque  o  sacudi  pela  escada  abaixo,  e  que  nâo  fui  eu  que  o  provoquei, 
e  sim  V.  S.  a  mim;  isto  quero  explicar  para  justificar-me  no  publico  (  * ). 

•  Quando  cheguei  ao  corredor  d\s  cortes,  vciu  logo  V.  S.  aggr;ivar  a  magua 
que  eu  sentia  com  as  novas  de  guerra  civil  no  meu  paiz,  approvando  o  procedi- 
mento do  Madeira  e  atacando  com  a  injuria  de  bêbado  o  meu  muito  amigo  e 
honrado  brigadeiro  Manoel  Pedro  de  Freitas,  um  dos  heróes  da  Bahia:  ao  que  lhe 
respondi  com  muito  azedume.  Largou-me  V.  S.  e,  acintemente,  para  fartar  o  seu 
génio  adulador  e  mordaz,  metteu-se  na  roda  de  cinco  ou  seis  illustres  deputados 
e  foi  continuar  nos  mesmos  insultos.  Havendo  eu  dado  um  pequeno  passeio,  na 
volta  achei  V.  S.  na  mesma  declamação ;  entáo  cheguei  e  lhe  disse  que  nào 
offendesse  a  um  homem  táo  honrado  ;  que  todos  se  embebedavam  em  funcções ; 
que  náo  devia  injuriar  assim  a  um  varão  illustre,  que  o  tinha  livTado  da  morte  no 
dia  10  de  Fevereiro,  etc,  e  sahi  (  De  parte  d'estes  factos  é  testemunha  o  illustre 
deputado  Sr.  Alexandre  Gomes  Ferrão ). 

•Tendo  eu  cumprido  com  aquelle  dever  para  com  o  meu  amigo  Manoel 
Pedro,  e  exprobrado  a  insolente  conducta  de  V.  S.,  segui  para  deante,  e  d'ahi  a 
dois  minutos,  pouco  mais  ou  menos,  voltei  para  ir  entrar  pela  porta  da  direita, 
como  é  meu  costume  ;  a  este  tempo  marchou  V.  S.  para  mim,  e  disse  as  seguintes 
palavras  em  tom  picado :  ••  Sr.  Barata,  o  dito,  dito. »  Não  me  faltou  vontade  de 
responder  como  o  caso  pedia;  mas,  respeitando  os  sagrados  paços  das  cortes, 
respondi  acerba  e  duramente  e  andei  para  deante  ( isto  foi  ouvido  pelo  illustre 
deputado  o  sr.  Sarmento ),  e  caminhando  V'.  S.  a  par  de  mim,  foi  continuando 
com  a  mesma  ladainha,  talvez  suppondo  que  me  offuscava  com  os  seus  crachás 
e  galões  c  com  as  suissas  á  russiana ;  mudei  logo  de  direcção  para  me  desemba- 
raçar de  V.  S..  e  disse  com  palavras  e  semblante  de  um  homem  que  ardia  em 
cólera :  «Eu  vou  para  baixo»,  e  V.  S.,  em  vez  de  seguir  para  as  cortes,  respondeu: 
•  E  eu  também. « 

«  Desde  esse  momento  devia  V.  S.  conhecer  que  tinha  um  inimigo  ao  pé  de 
si,  e  inimigo  de  quem  tem  mui  certas  noticias  ;  e  como  as  nossas  armas  eram  as 
mãos,  assim  que  sahissemos  dos  paços  da^  cortes  era  tempo  de  usar  d'ellas. 
Diga-me  :  para  que  6  pateta?  Si  nós  já  andávamos  mal,  como  era  possivel  que  eu 
sofTresse  táo  repetidos  ataques  ? 

■Com  que  auctoridade  me  mmdoa  V'.  S.  calar,  quando  descíamos  a  segunda 
escada?  Era  eu  seu  filho  ou  seu  fâmulo  para  me  olhar  com  desdém?  Quem  lhe 
mandou  campar  de  chibante,  tomando-me  a  deauteira  e  perdendo  a  vantagem 

(  * )  O  marechal  Luiz  Paulino  havia  publicado  em  Lisboa  a  carta  de  desafio 
9,Q  dr.  Barata, 


14  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Pedro:  para  conseguir  este  desejo,  fez  com  que  lhe  fossem 
dirigidas  duas  representações,  uma  assignada  pelos  officiaes 
de  seu  commando  e  a  outra  por  luzitanos  que  lhe  eram 


de  sua  mào  direita,  á  borda  de  ura  precipício,  no  meio  de  uma  escada?  Que 
queria?  Que  eu  o  deixasse  melhorar?  Então  foi  que  eu  o  peguei,  e  luctando 
V.  S.  com  os  braços  um  pouco,  liâo  poude  suster-sc,  porque  eu  fui  mais  destro'; 
portanto,  queixe-se  de  seu  mau  caracter  em  atacar  a  Manoel  Pedro,  estimando 
os  males  da  Bahia  na  minha  presença;  queixe-se  de  sua  imprudência  em  me 
atacar  e  me  seguir,  e  da  sua  ignorância  em  nfto  saber  o  que  deve  obrar-  em  uma 
briga  singular  de  corpo  ede  mãos,  e  da  sua  philaucia  cm  suppor  que  eu  o  não 
batia.  Pergunto :  onde  está  a  covardia  ? 

«  Agora  quero  dizer  alguma  coisa  sobre  o  me  chamar  traidor,  e  serei  conciso. 
Eu  nunca  fui  traidor.  Traidor  é  V.  S.,  pois  que  seguiu  o  partido  dos  francezes, 
crime  pelo  qual  escapou  de  ser  enforcado  no  Porto,  estando  preso  por  isso  na 
cadeia  chamada  Postigo  do  Sol  n'aquella  cidade  ;  traidor  é  V.  S.,  que,  depois  de 
jurar  a  constituição  no  dia  lo  de.Fevereiro  do  ánno  passado,  tomou  a  excitar  os 
soldados  para  a  contra-revolução,  seguindo-se  d'ahi  ser  acommettido  pelo  povo, 
de  sorte  que  si  lhe  não  acudira  Manoel  Pedro,  seria  feito  em  pedaços  (  para  agora 
V.  S.  o  tratar  de  debochado,  bêbado  e  indigno ) ;  traidor  é  V.  S.  que,  fingindo-se 
patriota,  alcançou,  á  força  de  rogpos  e  de  cabalas,  ser  deputado  pela  Bahia. 

•  Agora  tocarei  no  terceiro  objecto  importante  da  sua  carta.  Diz  V.  S.  que 
seria  coisa  imprópria  de  seu  espirito  nobre  e  elevado  castigar-me  corporalmente. 
Ora,  sempre  V.  S.  é  bem  atrevido !  Que  quer  dizer  por  isso  ?  Miserável  besta ! 
Qual  é  a  nobreza  de  V.  S.  ?  Seu  pae  foi  um  barbeiro  ou  cirurgião  de  navio, 
e  V.  S.  nada  tem  feito  para  que  mereça  ser  chamado  nobre,  salvo  si  é  nobreza 
andar  de  joelhos  pelas  portas  dos  grandes,  fazendo  humilhações,  adulando  e 
chorando.  V.  S.  na  minha  presença  é  um  bicho,  pois  que  a  natureza  me  dotpu 
com  mais  relevantes  qualidades — alma  grande,  cheia  de  sublimes  pensamentos 
e  de  brio,  amizade  para  os  meus  amigos,  patriotismo  para  a  minha  pátria, 
heroísmo  para  o  género  humano.  Ser  grande  é  ter  grandeza  d'alma,  é  pensar  fora 
do  commum  dos  homens :  ser  nobre  é  sentir  nobremente.  Todas  estas  idéas  só 
podem  cahir  para  a  minha  banda  e  não  para  a  de  V.  S.,  que,  além  de  ser  um  ente 
negativo  do  verdadeiro  merecimento,  ainda  hoje  é  um  grande  corcunda  dis- 
farçado, etc. 

«Do  que  acabo  de  dizer,  fica  bem  claro  que  não  tém  logar  aquellas  suas 
palavras  cheias  de  orgulho  e  insolência : « Quero  ainda  fazer-lhe  esta  honra ! » 
Desgraçado !  Como  ha  de  dar  quem  não  tem  ?  Si  V.  S.  soubera  que  coisa  é  honra, 
não  soltaria  taes  palavras  a  um  deputado  em  cortes  geraes.  Honrado  sou  eu, 
pois  que  o  povo  inteiro  de  uma  província  poderosa  me  respeita  entre  applausos» 


CAPITULO   XXII  15 


sympathicps.  Dizia  a  segunda  representação:  «Nós  abaixo 
assignados,  reconhecendo  quanto  pôde  ser  prejudicial  á  causa 
que  abraçámos  e  ao  socego  publico,  o  conservar-se  n'esta 
cidade  o  brigadeiro  Manoel  Pedro  de  Freitas  Guimarães,  que 
foi  o  auctor  e  principal  chefe  dos  desastrosos  acontecimentos 
do  dia  19  de  Fevereiro,  por  ter  não  só  desobedecido  ás  ordens 
de  S.  M.,  não  querendo  entregar  o  governo  das  armas,  mas 
até  mesmo  por  ter  mandado  reunir  no  forte  de  S.  Pedro 
a  maior  parte  do  3.°  e  4.°  regimentos  de  milicias,  e  expedido 
ordem  para  egual  reunião  no  mesmo  forte  ás  milicias  de  fora. 


•^ 


e  me  ama  e  me  adora,  quando  V.  S.  é  tratado  na  razão  inversa ;  honrado  sou  eu, 
que  me  uni  para  combater  o  despotismo,  livrando  a  minha  pátria  dos  embustes 
de  V.  S.,  factor  do  pérfida  systema  aristocrático ;  honrado  sou  eu,  que  ainda 
depois  de  lhe  bater  com  oi  ossos  no  chão . . .  honrado  sou  cu,  que  ainda  respeito 
seus  filhos  e  parentes,  e  não  passo  adeante . . . 

•  Parece,  pois,  que  tenho  brevemente  demonstrado  que  não  sou  pérfido  nem 
covarde ;  que  V.  S.  foi  que  me  excitou  ;  que  eu  não  sou  traidor,  pois  até  defendo 
a  honra  dos  meus  amigos  ausentes  ;  que  V.  S.  não  é  verdadeiramente  livre,  antes 
um  petulante  audacioso,  que  novamente  me  provoca. 

•  Em  consequência  do  exposto,  acceito  a  proposição :  use  V.  S.  das  suas 
armas,  que  eu  me  servirei  das  minhas ;  em  qualquer  sitio,  dia  e  hora  que  lhe 
parecer,  acommetta-me,  que  farei  o  meu  dever,  pois  sempre  ando  prompto  para 
castigar  petulâncias  de  corcundas.  —  Cypriano  José  Barata  de  Almeida.  « 

O  dr.  Cypriano  Barata  nasceu  na  Bahia  a  26  de  Setembro  de  1762  e  falleceu 
na  capital  do  Rio  Grande  do  Norte  a  i.°  de  Junho  de  1838.  Era  formado  em  medi- 
cina pela  universidade  de  Coimbra.  Professava  abertamente  idéas  republicanas  e 
as  propagava  nos  vários  periódicos  de  sua  creaçào  :  Senti nella  da  Liberdade  na 
guarita  de  Pernambuco  ( 1823 ) ;  Senti  nella  da  Liberdade  á  beira  do  mar  da  Praia 
Grande  (  Nictheroy,  1823 ) ;  Nova  Sentinella  da  Liberdade  na  guarita  do  forte  de 
S.  Pedro  da  Bahia  de  Todos  os  Santos  ( 1831 ) ;  Sentinella  da  Liberdade  no  Rio 
de  Janeiro  (1833).  Perseguido  pelo  desassombro  com  que  pregava  doutrinas 
dicmocraticas,  foi  preso  varias  vezes,  mas  em  opúsculos  protestava  contra  as 
violências  que  sofTria  e  conseguia  libertar-se  por  seus  grandes  merecimentos 
pessoaes.  Foi  o  dr.  Cypriano  Barata  um  dos  homens  politicos  de  mais  popula- 
ridade no  Brazil. 


l6  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


chegando  ao  excesso  de  mandar  atacar  os  nossos  innãos  de 
armas  de  Portugal  aqui  destacados:  rogamos  a  V.  Ex.  que, 
quanto  antes,  o  faça  enviar  para  Portugal,  para  alli  responder 
perante  El-Rei  pela  insubordinada  conducta  e  responsabi- 
lidade em  que  se  acha,  do  sangue  que  fez  verter  entre  irmãos 
e  amigos. » 

Baseado  em  taes  documentos  adrede  preparados,  o  general 
Madeira  fez  com  que  o  brigadeiro  Manoel  Pedro  embarcasse 
no  navio  S.  Gualter  e  seguisse  preso  para  Portugal. 

Não  consta  de  dados  officiaes  qual  o  numero  de  cidadãos 
mortos  em  ambas  as  parcialidades;  foram,  porém,  calculados 
em  200.      ^ 

Compungidos  com  estes  luctuosos  acontecimentos,  os 
bahianos  residentes  no  Rio  de  Janeiro  mandaram  celebrar  por 
ahna  das  victimas  solemnes  exéquias  na  egreja  de  S.  Francisco 
de  Paula,  pregando  o  celebre  orador  sagrado,  illustre  patriota, 
frei  Francisco  de  Santa  Thereza  de  Jesus  Sampaio  (^). 


( I  )  No  sumptuoso  catafalco  levantado  no  templo  liam-se  muitos  versos 
ungidos  de  piedade  e  de  patriotismo.  Citemos  alguns  : 

O  Brazil  te  dedica  incenso  e  pranto, 
O'  sagrada  porçào  da  x>atría  afflicta ! 
Gosai,  6  manes,  do  descanço  eterno  ! 

Morrestes  pela  pátria  e  a  vossa  sorte 
Vai  vos  fazer  viver  além  da  morte. 

Manes  illustrcs,  que  girais  vagando 
Sobre  o  funéreo  altar  que  alçou  Mavortc, 
Si  inda  ouvis  os  que  a  vida  vAo  gosando, 
Nào  vos  pene  o  azar  da  cruel  sorte, 
Porque  da  pátria  á  liberdade  exangue 
Iv  maior  animantc  o  próprio  sangue. 


CAPITUI.O  XXII  17 


Em  data  de  25  de  Junho  D.  Pedro  expedia  ordem  termi- 
nante ao  general  Madeira  para  que  immediatamente  voltasse 
para  Portugal  com  a  tropa  que  d'alli  viera.  « Os  desastrosos 
acontecimentos  que  cobriram  de  lucto  essa  cidade  nos  infaus- 
tos dias  19,  20  e  21  de  Fevereiro,  magoaram  profundamente 
o  meu  coração.  Verteu-se  o  sangue  de  meus  filhos,  que  eu 
amo  como  os  que  me  deu  a  natureza,  e  não  podendo  restabe- 
lecer a  paz,  o  bem  e  alegria  dos  habitantes  d'essa  provincia, 
nem  a  minha  própria  alegria,  emquauto  não  se  praticar  na 
Bahia  o  mesmo  que  felizmente  se  executou  n'esta  corte  e 
em  Pernambuco;  sendo  até  necessário,  para  a  tranquillidade 
de  todas  as  provincias,  e  para  se  apertarem  de  novo  os  rela- 
xados vinculos  de  amizade  entre  os  dois  reinos,  que  o  Brazil 
fique  só  entregue  ao  amor  e  fidelidade  dos  seus  naturaes 
defensores:  por  tão  ponderosos  motivos,  ordeno-vos,  como 
principe  regente  doeste  reino,  do  qual  jurei  ser  defensor 
perpetuo,  e  depois  de  ouvir  o  meu  conselho  doestado,  que, 
logo  que  receberdes  esta,  embarqueis  para  Portugal  com  a 
tropa,  que  tão  impoliticamente  d'alli  foi  mandada,  na  certeza 
de  que  fico  responsável  a  meu  augusto  pae  pela  falta  de  suas 
reaes  ordens,  as  quaes  elle  certamente  vos  teria  dirigido, 
si  pudesse  ver  de  tão  longe  e  no  meio  das  escuras  nuvens 
que  rodeam  o  seu  throno,  a  urgente  e  absoluta  necessidade 
doesta  providencia.  Espero  que  assim  o  executeis;  e  á  junta 
provisória  d'esse  governo  escrevo  também,  para  que  aprompte 
embarcações  e  o  que  fôr  .necessário  para  o  immcdiato  e 
commodo  regresso;  quando  não,  ficareis  responsável  a  Deus, 


l8  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


a  El-Rei,  a  mim,  e  ao  antigo  e  novo  mundo  pelos  deploráveis 
resultados  e  funestíssimas  consequências  da  vossa  desobe- 
diência. » 

Anteriormente  havia  o  príncipe  dirigido  á  provincia  da 
Bahia  uma  forte  proclamação: 

« Amigos  bahianos  !  O  meu  amor  ao  Brazil  e  o  desejo  de 
vos  felicitar  me  chamam  e  a  vós  convidam  a  seguirdes  o 
mesmo  trilho  de  vossos  irmãos  brazileiros. 

«Os  sacrifícios  por  miín  de  bom  grado  feitos,  em  honra  do 
grande  Brazil,  e  a  verdade  que  rege  o  meu  coração,  me 
instam  a  dizer-vos:  Bahianos,  é  tempo...  sim,  é  tempo  de 
seguir  entre  nós  a  honra  (divisa  do  Brazil),  desterrar  o  medo, 
e  fazer  apparecer  o  valor,  a  intrepidez  dos  invictos  e  immor- 
taes  Camarões.  Vós  sois  dóceis,  cândidos  e  francos ;  a  prova  é 
terdes-vos  entregado  nas  mãos  de  facciosos,  sectários  de 
outros,  no  dia  lo  de  Fevereiro  de  1821,  em  que  os  estragos  e 
insultos  que  hoje  soffreis  começaram  (lancemos  sobre  isto 
um  véo,  fomos  todos  enganados).  Nós  já  conhecemos  o  erro 
e  nos  emendámos;  vós  o  conheceis  agora;  cumpre,  para  não 
serdes  traidores  á  pátria,  fazer  o  mesmo.  Vós  vedes  a  marcha 
gloriosa  das  províncias  colHgadas;  vós  quereis  tomar  parte 
n'ella,  mas  estais  aterrados  pelos  invasores:  recobrai  animo. 
Sabei  que  as  tropas  commandadas  pelo  infame  Madeira  são 
susceptíveis  de  egual  terror;  haja  coragem,  haja  valor. 

«Os  honrados  brazileiros  preferem  a  morte  á  escravidão; 
vós  não  sois  menos;  também  o* deveis  fazer,  para  comnosco 
entoardes  vivas   á   independência  moderada   do  Brazil^  ao 


CAPITULO  XXII  19 


nosso  bom  e  amável  mouarcha,  El-Rei  o  Sr.  D.  João  VI  e  á 
nossa  assembléa  geral  constituinte  e  legislativa  do  reino  do 
Brazil.  Rio  de  Janeiro,  17  de  Junho  de  1822. — Príncipe 
regente. » 

Tendo  sido  expulso  do  Rio  de  Janeiro  o  general  Jorge  de 
Avilez,  parte  das  tropas  portuguezas,  sob  o  cominando  do 
brigadeiro  Francisco  Joaquim  Carretti,  embarcada  no  navio 
6".  José  Americano^  arribou  ao  porto  da  Bahia,  a  pretexto  de 
falta  de  mantimentos.  Alegraram-se  com  este  facto  os  luzi- 
tanos  e  logo  uma  representação  partida  do  commercio  e 
assignada  por  219  pessoas  subiu  á  consideração  da  junta  de 
governo,  solicitando  licença  para  que  desembarcassem  as 
tropas.  Não  se  julgou  o  governo  competente  para  decidir  a 
grave  occòrrencia  e  a  submetteu  ao  critério  do  general  das 
annas.  Este  official,  em  longo  officio  datado  de  25  de  Março, 
expoz  a  necessidade  de  se  attender  ao  pedido  do  respeitável 
corpo  commercial,  de  quem  a  proyincia  auferia  grandes 
vantagens,  e  assumiu  a  responsabilidade  do  desembarque, 
considerando-o  medida  militar  que  tinha  por  objecto  «poder 
conservar-se  mui  fielmente  a  tranquilHdade  publica,  pertur- 
bada pof  malvados  que  ilhidiam  o  povo.» 

Desembarcadas  as  tropas,  continuaram  os  habitantes  da 
Bahia  a  emigrar  para  o  interior  e  para  o  Recôncavo — tal  a 
falta  de  confiança  no  governo  militar  do  general  portuguez, 
o  qual,  baldadamente,  em  proclamação  de  31  de  Março, 
concitou  o  povo  a  que  regressasse  a  seus  lares:  «Habitantes 
da  Bahia !  Recobrai  o  vosso  socego ;  vós  achareis  a  segurança 


20  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


em  vossas  próprias  casas;  ellas  serão  respeitadas,  e  vossas 
pessoas  resguardadas  de  qualquer  insulto.  O  intento  dos 
perversos  é  fazer-vos  desconfiar  da  estabilidade  d'aquelles 
sagrados  direitos  e,  debaixo  d'este  principio,  attraliir  partido, 
para  organizarem  o  plano  de  desunião  em  que  trabalham; 
fingem-se  possuídos  de  medo  para  se  retirarem  da  cidade, 
dando- vos  exemplo,  para  que  os  imiteis,  quando  elles  só  têm 
em  seus  corações  a  perversidade  que  pretendem  grassar  nos 
povos  do  Recôncavo.  Eu  só  desejo  a  vossa  ventura  e  não  sei 
f alar-vos  senão  a  verdade. » 

Como  estivessem  ainda  quentes  os  horrores  praticados 
pelas  tropas  luzitanas  no  dia  19  de  Fevereiro,  em  que  eguaes 
promessas  foram  feitas  e  deixaram  de  ser  cumpridas,  ninguém 
pensou  em  regressar  á  capital  bahiana,  que  ficou  toda  entre- 
gue ao  general  Madeira  e  á  junta  provisória  manifestada  em 
seu  favor. 

A  compressora  paz ^ que  a  cidade  do  Salvador  gosava  sob 
o  dominio  do  militarismo  portuguez  foi  perturbada  de  modo 
escandaloso  por  occasião  de  effectuar-se  a  procissão  de  S.  José, 
que  a  19  de  Março  sahiu  da  capella  do  Corpo  Santo,  fre- 
guezia  da  Conceição  da  Praia,  e  percorreu  varias  ruas  da 
cidade  alta. 

Grande  numero  de  moleques  havia  reunido  montes  de 
pedras  no  largo  do  theatro  e  em  outros  pontos  por  onde  iria 
passar  o  préstito  religioso,  na  criminosa  intenção  de  hostilizar 
os  luzitanos:  e,  com  eífeito,  ao  subir  a  procissão  aquelle  largo, 
foram   lançadas  sobre  os  portuguezes  innumeras  pedradas 


CAPITULO  XXII  21 


que  feriram  a  muitas  pessoas,  quebraram  algumas  imageus 
e  debandaram  o  povo.  Acompanhava  a  procissão  uma  guarda 
da  legião  constitucional  luzitana,  alvejada  de  preferencia 
pela  plebe.  A  noite  reuniram-se  em  diversos  logares  grandes 
magotes  de  negros  e  apedrejaram  soldados  e  paizanos  portu- 
guezes:  tiros  foram  dados  na  ladeira  do  Taboão  contra  a 
guarda  que  se  recolhia  ao  quartel.  No  dia  21  foi  tal  a  agglo- 
meração  de  apedrejadores  na  Baixa  dos  Sapateiros,  que  ficou 
por  muitas  horas  impedido  o  transito  publico.  Não  consta 
que  o  governo  procedesse  contra  os  amotinadores,  segundo  se 
lê  no  officio  do  general  Madeira  dirigido  á  junta  provisória, 
relatando  os  factos:  «Doeste  modo  têm  sido  insultados  os 
soldados,  seus  officiaes  e  outras  pessoas  nas  ruas  doesta  cidade, 
e  não  sei  que  de  modo  algum  se  procedesse  contra  os  pertur- 
badores. Dignem-se  Vv.  Exas.,  pois,  dè  empregar  de  sua  parte 
todos  os  modos  que  lhes  parecerem  convenientes  para  evitar 
que  tomem  a  repetir-se  semelhantes  insultos,  pois  que  tal 
repetição  me  porá  nas  circumstancias  de  usar,  contra  os 
perturbadores  do  socego  publico,  de  meios  violentos  que 
sempre  me  foram  odiosos. » 

Para  que  uma  opposição  regular  fosse  feita  contra  o 
general,  patriotas  do  Recôncavo,  em  numero  de  cem, 
ánnaram-se  e  postaram-se  no  sitio  de  Belém,  ou  povoação 
de  S.  Félix,  fronteira  a  Cachoeira,  e  á  margem  esquerda  do 
rio  Paraguassú;  no  dia  25  de  Junho  de  1822  passaram-se 
para  a  Cachoeira  e  ahi  officiaram  ás  auctoridades  declarando 


22  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


a  intenção  que  os  movia — de  acclamarem  regente  do  Brazil 
ao  grineipe  D.  Pedro. 

Tal  communicação  fora  egualmente  expedida  a  uma 
escuna  de  guerra  que  o  general  Madeira  mandara,  por  pre- 
venção, estacionar  n'aquelle  ponto  estratégico.  Todas  as 
auctoridades,  inclusive  o  commandante  do  na\'io — que  por 
duas  vezes  empenhou  palavra  de  honra  de  que  nenhuma 
opposição  faria  ao  movimento— manifestaram-se  concordes 
com  a  homenagem,  que  Se  ia  prestar  ao  príncipe. 

A  villa  presenceou  o  espectáculo  sensibilizador  de  ver 
muitos  anciãos,  como  que  rejuvenescidos  pela  idéa  de  contri- 
buir para  a  independência  da  pátria,  unirem-se  aos  moços, 
arrastados  pelo  mesmo  impulso  febril. 

Âs  9  horas  da  manhã  d^aquelle  dia,  reunidos  na  casa  da 
camará  todos  os  fuiiccionarios  civis  e  militares,  convocados 
por  officio  do  coronel  de  cavallaria  miliciana  José  Garcia 
Pacheco  de  Moura  Pimentel  e  Aragão,  realizou-se  a  sessão 
solemne  presidida  pelo  juiz  de  fora  António  de  Cerqueira 
Lima,  com  assistência  de  250  cidadãos,  d'entre  os  quaes  citam- 
se  os  nomes  do  tenente-coronel  Jeronymo  José  Albeniaz, 
capitão  António  de  Castro  Lima,  Joaquim  Pedreira  do  Couto 
Ferraz,  coronel  Rodrigo  António  Falcão  Brandão,  capitão- 
mór  de  ordenanças  José  António  Fiúza  de  .\lmeida.  Para 
saber  qual  a  vontade  do  povo  que  enchia  a  praça,  o  procurador 
do  senado  da  camará,  alçando  um  estandarte,  falou  de  uma 
das  janellas,  perguntando  si  concordavam  que  se  acclamasse 
Sua  Alteza  Real  como  regente  constitucional  e  defensor  per- 


CAPITULO  XXII  23 


petuo  do  Brazil,  da  mesma  forma  que  o  havia  sido  na  cidade 
do  Rio  de  Janeiro.  Povo  e  tropa  responderam  com  grande 
enthusiasmo  sim! 

Doesta  unanime  acclamação  lavrou-se  acta  e  findas  as 
assignaturas  ás  3  horas  da  tarde,  foram  os  patriotas  ouvir  o 
Te-Deiim  consagrado  ao  grande  acontecimento  ( ' ). 

Por  essa  occasião  orou  o  vigário  Francisco  Gomes  dos 
Santos  e  Almeida  que  com  muita  felicidade  tomou  por  thema 
as  palavras  do  evangelho  ^Tu  es  Petrus  (Pedro  ou  pedra) 
e  sobre  esta  pedra  edificarei  a  minha  egreja. » 

As  cinco  horas  da  tarde,  quando  militares  e  povo  regres- 
savam a  seus  lares,  na  rua  principal  da  villa  foram  dispa- 
rados tiros  de  fuzilaria  da  casa  do  portuguez  Manoel  Machado 
Nunes,  um  dos  quaes  varou  a  barretina  do  major  Joaquim 
José  dé  Bacellar  e  Castro.  A  esses  tiros  juntaram-se  descargas 
de  metralha  de  três  peças  de  artilheria  da  escuna  de  guerra, 


( I )  Como  sflorífícaçâo  a  este  beUo   movimento  revolucionário,  o   poeta 
Agrário  de  Souza  Menezes  fez  á  cidade  da  Cachoeira  uma  levantada  apologia: 

Tu,  Cachoeira,  viverás  eterna, 

Eterna  como  o  sol  que  hoje  desponta ! 

Teu  dia  fulgirá  no  céo  da  pátria ! 

Nem  sou  eu  quem  t*o  diz ;  tu  mesma  o  sentes  ! 

Tu  mesma,  6  gran  cidade,  nos  arroubos 

Do  santo  enthusiasmo, 
Attestas  grandemente  esta  verdade  ! 

Tu  mesma  hoje  me  ensinas 
Que  quem  pelo  Brazil  o  gladio  empunha, 
Transcende  os  evos,  e  immortal  perdura, 

Porque  defende  a  causa 
Da  razão,  da  justiça  e  liberdade ! 


24  MEMORIAS  fiRAZttEIkAS 


cujas  balas,  por  se  achar  a  maré  muito  baixa,  foram  empre- 
gar-se  no  cães. 

Para  reprimir  os  ataques  da  escuna  contra  Cachoeira 
e  São  Félix  e  dos  portuguezes  Manoel  Machado  Nunes  e 
António  Pinto  de  Lemos  Bastos,  organizou-se  uma  Junta 
Conciliatória  de  Defesa^  que  ficou  composta  de  António 
Teixeira  de  Freitas  Barbosa,  presidente;  António  Pereira 
Rebouças,  secretario;  padre  Manoel  José  de  Freitas  (que 
se  chamou  depois  Manoel  Dendê  Bus);  José  Paes  Cardoso  da 
Silva  e  António  José  Alves  Bastos. 

Depois  de  um  combate  de  três  horas,  a  escuna  aggies- 
sora  foi  batida  e  tomada  perto  da  meia  noite  de  28  de  Junho 
de  1822,  aprisionando-se  a  tripulação  composta  de  28  pessoas, 
tendo  sido  feridos  6  homens,  inclusive  o  commandante. 
Como  por  encanto,  a  villa  resplandeceu  de  luminárias,  em 
regosijo  á  victoria  dos  brazileiros. 

A  camará  da  villa  dirigiu  ao  príncipe  a  participação 
seguinte: 

«Senhor. — O  leal  e  brioso  povo  do  districto  da  Cachoeira, 
de  quem  temos  a  honra  de  ser  órgão,  acaba  de  proclamar 
e  de  reconhecer  a  V.  A.  R.  como  regente  constitucional 
e  defensor  perpetuo  do  reino  do  Brazil.  Debalde  o  verdugo 
da  Bahia,  o  oppressor  Madeira,  quiz  renovar  n'esta  villa 
as  sanguinolentas  catastrophes  do  dia  19  de  Fevereiro  e 
seguintes  na  capital  da  provincia.  Debalde  tentou  ainda 
augmental-as,  destacando  n^este  rio  uma  escuna  artilhada, 
para  bombardear,  como  com  efleito  bombardeou,  por  alguns 


CAPITULO  XXII  25 

dias  com  balas  e  metralha,  não  só  os  honrados  cachoeirenses 
(cujo  crime  todo  consistia  em  quererem  ser  brazileiros  e 
súbditos  de  V.  A.  R.),  mx^  até  seus  innocentes  edifícios. 
Semelhante  aflfronta,  Senhor,  foi  dignamente  repellida  pelo 
denodo  e  patriotismo  doeste  povo;  e  o  commandante  da  refe- 
rida escuna,  com  mais  vinte  e  seis  pessoas  que  se  achavam 
a  bordo,  ficam  presos  á, ordem  de  V.  A.  R.,  tendo-se  rendido 
á  discripção  na  noite  do  dia  28  de  Junho,  depois  de  um 
renhido  combate  de  três  horas. 

«Altamente  penetrado  da  mais  viva  gratidão  para  com 
V.  A.  R.,  este  povo  brioso  almejava  repetir  o  grito  rege- 
nerador dos  mais  felizes  fluminenses,  paulistas,  mineiros, 
continentistas  e  pernambucanos;  almejava  por  apagar  a  feia 
nódoa  do  schisma  que  a  seu  bel  prazer  sete  homens  levan- 
taram entre  esta  e  as  mais  províncias  brazilienses. 

«Mas,  Senhor,  os  cachoeirenses  são  bahianos;  elles  não 
queriam  roubar  a  seus  irmãos  da  capital  uma  gloria  que  lhes 
tocava  com  tanta  maior  justiça,  quanta  é  a  intima  convicção 
que  em  todos  reina,  da  perfeita  egualdade  de  sentimentos 
que  os  liga.  Cresceu  o  tempo ;  cresceram  os  grilhões  e  algemas 
que  cada  vez  sopeavam  mais  a  soberania  inauferivel  de  seus 
illustres  habitantes.  E  aquelles  mesmos,  Senhor,  que  outr^ora 
com  denodado  esforço  arrancaram  da  poderosa  França  e  da 
terrivel  Hollanda  as  províncias  brazilienses,  lioje  não  podem 
unir  a  sua  a  essas  que  defenderam  ! ! ! 

«Os  cachoeirenses.  Senhor,  não  puderam  mais  contem- 
porizar: porção  a  mais  brilhante  da  illustre  descendência  da 


26  MEMORIAS  BRAZII^EIRAS 


primogénita  do  Brazil,  elles  fizeram  repercutir  em  todos  os 
pontos  do  globo  o  valente  grito  de  oitenta  mil  brazileiros, 
proclamando  sua  liberdade  e  gritaram  de  improviso  os  gene- 
rosos povos  de  Inhambupe,  Santo  Amaro,  Sergipe  do  Conde, 
e  Maragogipe;  e,  attentos  á  voz  da  pátria,  lavraram  como 
nós  o  augusto  titulp  de  sua  verdadeira  regeneração.  Perto 
está  o  feliz  momento  de  ser  V.  A.  R.  proclamado  em  todos 
os  pontos  do  solo  bahiano:  assim  pudessem  as  nossas  forças 
inferiores  esmagar  as  do  tyranno  com  o  massiço  aríete  do 
nosso  patriotismo. 

«V.  A.  R.  é  nosso  defensor  perpetuo.  Nós  somos  oppri- 
midos  e  soffremos  cruéis  hostilidades.  Cada  dia  augmenta 
mais  o  tyranno  suas  forças:  cada  dia  maneja  novas  armas. 
Do  torpe  charco  de  veiíaes  jornalistas  surgem,  á  voz  do 
infame,  execráveis  monstros  de  tyrannias:  e,  ora  enxova- 
lhando o  respeito  devido  á  junta  do  governo  e  ao  senado  da 
camará  da  capital,  ora  espalhando  falsas  noticias  aterradoras 
fazendo-nos  pelo  tyranno  a  mais  encarniçada  guerra,  redu- 
zindo á  inteira  nullidade  aquellas  principaes  auctoridades 
da  provincia. » 

No  dia  29  eflectuou-se  na  villa  de  Santo  Amaro  e  na  de 
S.  Francisco  de  Sergipe  do  Conde  o  juramento  de  adhesão 
á  regência  do  principe.  N^esta  segunda  villa,  desde  o  romper 
da  aurora  viram-se  as  estradas  cheias  de  povo  e  de  tropa 
miliciana,  a  que  se  reuniram  os  dois  regimentos  de  cavallaria 
e  ínfanteria.  As  duas  horas  da  tarde,  ao  toque  do  sino  da 
cadeia,  foi  convocada  a  camará  e,  sciente,  por  uma  depu- 


CAPITULO  XX  ÍI  27 


tacão,  de  qual  era  a  vontade  popular,  aunuiii  iininediatamente 
á  proclamação  por  entre  as  maiores  manifestações  de  enthu- 
siasmo,  celebrando-se,  em  acção  de  graças,  um  solemne 
Te-Deum, 

Na  festa  religiosa  pregou,  de  improviso,  um  eloquente 
sermão  o  inspirado  frade  franciscano  frei  Francisco  Xavier 
de  Santa  Rita  Bastos  Baraúna,  poeta  e  grande  orador  sa- 
grado (»). 


(  I  ^  Frei  Bastos  nasceu  na  Bahia  no  anno  de  1785  e  falleceu  em  1846.  Mais 
amante  dos  folguedos  do  mundo  profano  do  que  dos  mysticisnios  do  claustro, 
consagrou  o  melhor  de  sua  existência  á  paixão  do  jogo,  do  vinho  e  das  mulheres, 
pelo  que  soffreu  muitas  prisões  no  cárcere  de  seu  convento. 

■  Um  facto,  diz  o  bibliographo  Sacramento  Blake  ( *  ),  valcu-lhe  o  titulo  de 
pregador  régio.  Em  uma  festa  solemne,  já  presentes  na  capella  real  do  Rio  de 
Janeiro  o  Rei,  toda  a  corte  e  nobreza,  faltou  o  orador  por  doente  e  foi  frei  Bastos 
lembrado  para  remediar  a  falta.  I^m  alto  personagem  foi  encontral-o  u'uma  botica 
á  rua  do  Canuo,  e  cUc  improvisou,  como  costumava,  um  sermáo  em  que  a  elo- 
quência sagrada  tocou  ao  sublime,  arrancando  geraes  applausos.  » 

Compungido  de  sua  vida  irreprimivelmente  dissoluta,  outro  frade,  outro 
poeta,  outro  bahiano  illustre,  Junqueira  Freire,  dirigiu  a  frei  Bastos  bellos  versos 
de  saudação  e  de  censura : 

Salve,  poeta,  que  teus  vicios  cantas. 
Que  a  noite,  a  plebe,  a  crápula  desejam  ! 
Salve,  orador,  que  os  púlpitos  respeitam, 
Que  anáthemas  irónicos  desferes ! 
Mescla  atrevida  do  sublime  e  baixo, 
—  Bussuet  com  V^oltaire  —  três  vezes  salve  ! 
Salve  por  mim,  ó  malfadado  génio, 
Onde  as  cidades  nem  os  claustros  cabem  ! 
Tu,  poeta,  orador,  porque  te  afogas 
No  immundo  pego  da  lascivia  impura? 

Arrastado,  uma  occasiào,  da  mesa  do  jogo  para  o  púlpito,  mal  tivera  tempo 
de  esconder  o  baralho  na  manga  do  habito.  Ao  persignar-se,  cahiram-lhe 
algumas  cartas  no  cliAo.  Sem  perturbar-se.  frei  Bastos  mandou  a  um  menino  que 

(<2»)  Dicc.  Bibl.  Braz.,  tomo  III,  pag.  141. 


28  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Achava-se  a  Cachoeira  sufficientemente  guarnecida  pelos 
esforços  dos  coronéis  Garcia  Pacheco  e  Falcão  Brandão, 
quando  alli  appareceu,  evadido  da  capital,  o  major  José 
Joaquim  Salustiano  Ferreira,  que  organiza  ^novo  batalhão 
composto  de  300  praças,  destinado  a  ir  fortificar  a  ilha  de 


as  apanhasse  e  lhe  dissesse  que  cartas  eram  ;  a  creança  obedeceu,  mostrando 
conhecer  os  naipes  ;  o  frade  ordenou-lhe  em  seguida  que  resasse  o  credo,  e  como 
o  menino  declarasse  náo  saber  a  resa,  frei  Bastos  servi  u-se  d 'este  facto  para 
improvisar  um  sermão  eloquentíssimo  sobre  os  vicios  e  a  educação  religiosa  da 
mocidade,  merecendo  calorosos  applausos  pelo  encanto  de  sua  palavra  fluente 
e  luminosa. 

Conta-se  que  indo  uma  vez  assistir  á  festa  de  S.  Francisco  no  respectivo 
conventc»,  o  arcebispo  D.  Romualdo  de  Seixas  recebera  recado  de  frei  Bastos 
para  que  fosse  ouvil--o  em  seu  cárcere.  Molestado  com  os  continuos  escândalos 
do  frade,  não  quiz  o  prelado  ir  vel-o  na  prisão,  onde  sofTria  castigo  de  sui  paixão 
por  mulheres.  Ao  sahir  do  convento,  recebia  D.  Romualdo  um  soneto  escripto 
ás  pressas,  a  lápis,  em^que  o  poeta  implorava  a  protecção  de  D.  Romualdo,  que 
era  também  um  homem  de  lettras : 

Soccorrei-me,  Senhor !  Quebrai  piedoso 
Minhas  algemas  cheias  de  dureza  ! 
Si  meu  crime  provem  da  natureza, 
Quem  de  ser  deixará  réo  criminoso? 

David,  que  foi  tão  justo  e  virtuoso, 
Por  Bethsabé  cahiu  na  vil  fraqueza ; 
Samsão,  perdendo  o  brio  e  fortaleza, 
Ao  orbe  deu  exemplo  lastimoso. 

Vede  Jacob,  detido  em  captiveiro, 
Pela  gentil  Rachel ;  vede  Suzana, 
Vede,  a  final,  Senhor,  o  mundo  inteiro  ! 

Desculpa  tenho  na  paixão  insana ; 

Que  ou  mandasse-me  o  céo  ser  o  primeiro, 

Ou  fizesse  de  ferro  a  carne  humana. 

I^agrimas  de  piedade  assomaram  aos  olhos  do  indulgente  arcebispo  •  frei 
Bastos  foi  immediatamentc  posto  cm  liberdade. 


CAPITULO  XXII  29 


Itaparica,  de  que  foi  commaiidante  de  regimento  António 
de  Souza  Lima,  portuguez  nacionalizado. 

Fortificados  todos  os  pontos  da  ilha  e  havendo  necessi- 
dade de  impedir  que  do  Recôncavo  fossem  trazidos  para  a 
capital  géneros  alimenticios,  ordenou  Lima  que  doze  homens 
se  coUocassem  no  Funil^  logar  situado  na  parte  meridional 
da  ilha,  assim  chamado  pela  configuração  do  canal.  Eram 
também  incumbidos  de  impedir  a  passagem  de  presos  que 
o  capitáo-mór  de  Nazareth,  Manoel  Bento  (*),  ia  remetter 
á  capital  como  criminosos  revolucionários. 

Sabendo  o  general  Madeira  que  o  Funil  se  achava  blo- 
queado, para  alli  mandou  o  capitão  Taborda  com  80  praças 
e  duas  canhoneiras  na  madrugada  de  29  de  Julho.  Com  o 
vento  contrario  não  puderam  as  barcas  acommetter  a  entrada, 
e  seus  tripulantes  foram  alvo  dos  tiros  certeiramente  dispara- 
dos pelos  insulares. 

Cinco  horas  durou  o  combate,  e  já  se  achavam  exgottadas 
as  patronas  dos  bravos,  quando  em  seu  auxilio  chegou  da 
Cachoeira  João  Baptista  Massa;  depois  de  forte  tiroteio 
recuaram  as  embarcações  luzitanas  e  retiraram-se  com  grandes 
prejuizos  para  a  capital. 

Desorientados  com  as  continuas  derrotas,  vingavam-se 


í  I  )  Triumphante  a  causa  revolucionaria.  Manoel  Bento,  para  fugir  á  perse- 
guição dos  patriotas,  escondeu-se  em  sua  residência,  onde  foi  encontrado  dentro 
de  uma  commoda  —  facto  que  lhe  valeu  o  appellido  de  Rato  de  gaveta. 
Por  troça,  os  populares  de  Nazareth  cantavam  : 
Seu  capilAo-niór, 
Rato  de  gaveta^ 
Mas  deu-lhe  a  formiga, 
Sahiu  pela  greta. 


30  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


OS  portuguezes  em  dar  força  e  prestigio  a  dois  periódicos 
recolonizadores,  Idade  de  Ouro  e  Semanário  CivicOy  os  quaes 
eram  com  vantagem  combatidos  pelo  Constitucional^  redigido 
por  Francisco  José  Corte  Real  e  Francisco  Gê  Acaiaba  de 
Montezuma;  doeste  conflicto  de  idéas,  resultou  ser  o  ultimo 
periódico  assaltado  e  completamente  destruido  pelo  tenente» 
coronel  Victorino  José  de  Almeida  Serrão,  por  antonomásia 
o  Ruivo^  genro  do  general  fiadeira. 

O  primeiro  official  bahiano  que  juntou  forças  em  Pirajá 
foi  o  tenente-coronel  de  milicias  Joaquim  Pires  de  Carvalho 
e  Aragão,  conhecido  por  Santinho^  agraciado  mais  tarde, 
com  toda  justiça,  com  o  titulo  de  visconde  de  Pirajá.  Reunindo 
ahi  os  batalhões  da  Torre,  organizados  na  Feira  de  Capuame, 
e  chamando  ao  serviço  da  liberdade  grande  numero  de  indi- 
genas  armados  de  arco  e  flecha,  muitas  vezes  offereceu  combate 
ás  tropas  do  general  Madeira,  perseguindo-as  até  á  Lapinha, 
vendo  sempre  coroadas  de  successo  as  suas  patrióticas  audá- 
cias. A  estas  forças  juntou-se  um  batalhão  de  tropa  de  linha, 
que  havia  desertado  da  capital  e  se  organizara  na  villa  da 
Cachoeira,  sob  o  commando  do  coronel  Rodrigo  António 
Falcão  Brandão,  mais  tarde  barão  de  Belém. 

Formaram-se  na  mesma  villa  corpos  dè  voluntários: 
o  Periquitos^  com  800  soldados,  sob  o  commando  de  José 
António  da  Silva  Castro;  o  Bcllona^  de  400,  commandado 
pelo  capitão  Ignacio  Joaquim  Pitombo;  o  Mavorte^  de  300, 
sob  o  connnando  do  capitão  Verissimo  Cassiano  de  Souza, 
e  finalmente  500  milicianos  da  villa  de  Santo  Amaro.  Outros 


CAPITULO   XXII  31 


batalhões,  com  mandados- por  António  de  Bittencourt  Beren- 
giier  César  e  capitão  de  caçadores  Manoel  Marques  Pitanga, 
aquelle  de  300  voluntários  e  este  de  600,  foram  incorporar-se 
ás  demais  forças  estacionadas  em  Pirajá,  três  léguas  distante 
da  capital.  Ahi  o  patriotismo  fez  dos  peitos  bahianos  um 
baluarte  inexpugnável. 

Tornou-se  merecedora  de  elogios  a  joven  Maria  Quitéria  de  * 
Jesus  Medeiros,  residente  em  uma  fazenda  do  Rio  do  Peixe; 
assentou  praça  em  um  regimento  de  artilheria,  d'onde 
passou-se  para  o  batalhão  de  infanteria  Voluntários  do 
Príncipe^  batalhão  posteriormente  chamado  dos  Periquitos 
pelo  facto  de  as  fardas  terem  golas  e  canhões  de  panno  verde. 

Maria  Quitéria  adoptava  em  seu  fardamento  um  saiote      >\ 
escossez,  que  a  differençava  dos  demais  soldados. 

Com  tanta  coragem  e  bravura  empenhou-se  em  diversos 
combates,  que  D.  Pedro  I,  por  decreto  de  20  de  Agosto  de 
1823  concedeu-lhe  a  patente  e  o  soldo  de  alferes  do  exercito 
e  o  uso  da  insignia  de  cavalleiro  da  imperial  ordem  do  Cru- 
zeiro, sendo  elle  próprio  quem  lhe  collocou  ao  peito  a  gloriosa 
condecoração  ( * ). 


(  I  )  o  illustre  poeta  bahiano,  dr.    Franklin   Dória  fez,  em  seus   Enlevos^ 
referencia  á  denodada  guerreira  babiana : 

Vede-a  lào  joven,  coraçào  virgin^ío, 
O  amor  da  pátria  vehcmente  o  alaga  ; 
Klla  agora  só  cuida  do  exterminio 
Dos  que  tomaram-lhe  a  risonha  plaga. 

Deixa  de  parte  fascinantes  galas  : 
Os  doces  seios  lhe  comprime  a  farda  ; 
E,  perfilada  ante  as  imigas  alas, 
Jífto  sabe  trepidar,  nào  se  acobarda  ! 


32  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


O  decreto  concedendo  a  esta  heroina  o  soldo  de  alferes  de 
linha  é  concebido  n'estes  termos: 

«Fazendo  constar  na  minha  imperial  presença  o  comman- 
dante  em  chefe  do  exercito  pacificador  da  provincia  da  Bahia 
o  decidido  valor,  denodo  e  intrepidez  com  que  Maria  Quitéria 
de  Jesus,  natural  d'aquella  provincia,  se  alistara  nas  fileiras 
do  exercito,  para  debellar  os  inimigos  da  pátria,  e  se  distin- 
guira em  occasiões  as  mais  arriscadas  de  combate,  em  que 
sempre  se  portara  heroicamente;  e  por  quanto  feitos  taes 
mereceram  um  logar  distincto  na  minha  imperial  consi- 
deração: hei  por  bem  de  conceder  á  referida  Maria  Quitéria 
de  Jesus  o  soldo  de  alferes  de  linha,  pago  na  sua  respectiva 
provincia.  Manoel  Jacintho  Nogueira  da  Gama,  do  meu 
conselho  de  estado,  ministro  e  secretario  de  estado,  dos 
negócios  da  fazenda  e  presidente  do  thesouro  publico,  o 
tenha  assim  entendido  e  faça  executar  com  os  despachos 
necessários.  PaçD,  em  20  de  Agosto  de  1823,  2.^  da  indepen- 
dência e  do  império.  Com  a  rubrica  de  S.  M.  I. — Joào 
l  ^ieira  de  Carvalho, » 

Como  escasseasse  a  p3lvora,  o  tenente-coronel  José 
Joaquim  de  Lima  e  Silva,  por  um  rasgo  de  audácia,  illudindo 
a  vigilância  das  embarcações  portuguezas,  foi  ao  Morro  de 
S.  Paulo  e  d^alli  retirou  cem  barris  do  necessário  explosivo  e 
os  entregou  na  Cachoeira  ao  coronel  Garcia  Pacheco,  o  qual 
os  distribuiu  por  todo  o  exercito.  A  divisão  de  Pirajá,  a  da 
direita,  era  supprida  de  gid^  pelos  senhores  de  engenhos  e 
por  lavradores,  sendo  a   farinha   trazida   de  Camamú  e  de 


CAPITULO  XXII  33 

outros  logares  do  sul ;  a  divisão  da  Itapoan,  a  da  esquerda, 
obtinha  os  mesmos  supprimentos  mandados  pelo  coronel 
António  Joaquim  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque,  poste- 
riormente visconde  da  Torre  de  Garcia  d*Avila. 

Como  reforço,  o  principe  mandou  para  a  Bahia  uma 
esquadrilha  commandada  pelo  chefe  de  divisão  Rodrigo 
António  de  Laniare,  com  300  praças,  confiadas  ao  mando  do 
general  francez  Pedro  Labatut,  que  desembarcou  no  porto 
de  Maceió  (Alagoas)  em  21  de  Agosto  de  1822. 

Ahi,  recebendo  de  Pernambuco  o  forte  contingente  de 
uma  brigada  e  marchando  a  pé  para  a  Bahia,  conseguiu,  em 
caminho,  que  Sargipe  se  submettesse  ao  governo  brazileiro. 
Pedro  Labatut  dirigi u-se  com  as  suas  forças  para  a  Feira  do 
Capuame,  fez  seu  quartel  general  no  Engenho  Novo,  e,  no 
sentido  de  circumscrever  as  forças  do  general  Madeira, 
mandou  reforçar  as  melhores  posições,  que  eram  Pirajá, 
Cabrito  e  Coqueiro,  ficando  assim  estabelecido  cerco  regular. 

Da  Parahyba  do  Norte  veiu  também  um  batalhão  de 
400  homens  a  engrossar  as  fileiras  patriotas. 

Um  frade  egresso  do  convento  do  Carmo,  frei  José  Maria 
Brunier,  formou  um  batalhão  intitulado  Voluntários  dos 
redroes  ou  Encoiirados  ou  Couraças^  por  trajarem  os  soldados 
vestimentas  de  couro,  como  usam  os  vaqueiros  no  sertão. 

Organizou  Labatut  as  duas  citadas  divisões:  a  da  direita, 
em  Pirajá,  sob  o  commando  de  José  de  Barros  Falcão  de 
Lacerda  e  a  da  esquerda,  em  Itapoan,  commandada  pelo 
coronel  Felisberto  Gomes  Caldeira, 

5  TOM.  l\ 


34  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


As  tropas  que  desertavam  da  capital  iam  pela  costa 
do  mar  incorporar-se  ás  milícias  da  Torre,  excedentes  de 
3.000  praças,  commandadas  pelo  coronel  Joaquim  Pires  de 
Carvalho  é  Albuquerque. 

Pormou-se  um  batalhão  de  negros  (creoulos)  com  a  deno- 
minação de  Henriques  Dias^  com  i.ioo  praças,  comman- 
dadas pelo  creoulo  tenente-coronel  Manoel  Gonçalves  da 
Silva,  um  bravo  que  pedia  sempre  collocação  nos  mais 
arriscados  pontos. 

A  7  de  Setembro  pretenderam  os  luzitanos  eíFectuar 
desembarque  no  engenho  de  S.  João,  porém  foram  batidos 
pelas  tropas  estacionadas  em  Pirajá;  a  19  do  mesmo  mez, 
no  Cabrito,  sofFreram  a  perda  de  11  soldados  e  do  official  Tou- 
rinho,  sendo  ferido  o  official  Averge ;  no  mesmo  dia,  na  Cruz 
do  Cosine,  perderam  egualmente  30  soldados  e  foi  ferido 
o  coronel  Osório. 

Como  um  forte  estimulo  aos  bahianos,  veiu  do  Rio  de 
Janeiro  o  batalhão  do  Imperador  ('),  com  800  praças, 
sob  o  commando  do  coronel  José  Joaquim  de  Lima  e  Silva, 
servindo  como  ajudante  o  tenente  Luiz  Alves  de  Lima  e 


*  í  I )  o  grande  patriota  fluminense  Evaristo  Ferreira  da  Veiga  compoz  para 
este  batalhão  um  hymno  em  que  se  faz  bella  referencia  á  Bahia : 

Hoje  a  pátria  é  quem  vos  chama 
O'  valentes  brazileiros, 
E  do  ferro  dos  guerreiros 
Vossos  braços  vem  armar. 

Bravos  filhos  de  Mavcrte, 
Já  no  campo  estais  da  gloria  ; 
Vamos,  vamos  á  victoria ! 
Combater  e  tríumphar ! 


CAPITUI.O  XXII  35 


Silva,  gloria  nacional  conhecida  depois  pelo  titulo  de  Duque 
de  Caxias. 

Pouco  depois  creou  Labatut  a  divisão  do  centro,  comman- 
dada  pelo  coronel  José  Joaquim  de  Lima  e  Silva. 

Sem  liberdade  alguma  de  acção,  inteiramente  subordi- 
nada ao  despotismo  do  general  Madeira,  a  junta  provisória 
da  Bahia  prestava-se  deploravelmente  a  todos  os  caprichos 
doeste  official,  sem  possuir  ao  menos  a  hombridade  de 
exonerar-se  de  uma  posição  subalterna  e  aviltante.  Em  sua 
falta  de  patriotismo,  procurava  até  adivinhar  os  desejos  do 
déspota.  Um  facto  caracterizou  esta  degradação  moral.  No  dia 
25  de  Setembro  de  1822  aportou  á  Bahia,  vindo  de  Pernam- 
buco, um  paquete  inglez,  trazendo  a  seu  bordo  o  eminente 
patriota  Gervásio  Pires  Ferreira  (presidente  da  junta  provi- 


Do  Brazil  a  mãe  primeira, 

Formosissima  Bahia, 

Da  feroz  aleivosia 

Quer  os  vis  g^lhões  quebrar. 

Bravos  filhos  de  Mivorte,  etc. 

Do  Janeiro  sobre  as  margens 
Seus  clamores  escutastes : 
Desde  logo  alli  jurastes 
Os  seus  muros  libertar. 

Bravos  filhos  de  Mavorte,  etc. 

Kis  da  guerra  o  clarim  sòa 
K  a  tríumphos  mil  nos  chama ; 
Negra  furia,  que  rebrama, 
Náo  nos  pôde  intimidar. 

Bravos  filhos  de  Mavorte,  etc. 


Seguem-se  mais  seis  cantos. 


36  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


soria  pernambucana),  que  se  dirigia  ao  Rio  de  Janeiro.  Logo 
que  na  capital  se  propalou  esta  noticia,  a  junta,  para  lisonjear 
a  tyrannia  do  general  Madeira,  deu-se  pressa  em  dirigir  officio 
ao  cônsul  de  S.  M.  Britannica,  Williani  Pennel,  requisitando 
o  desembarque  de  Gervásio  Ferreira,  a  pretexto  de  se  evitar 
qualquer  sinistro  acontecimento:  «Ulmo.  Sr. — De  ordem  da 
junta  provisória  do  governo,  transmitto  a  V.  S.  a  copia 
inclusa  do  requerimento  de  16  emigrados  de  Pernambuco, 
os  quaes  pedem,  em  grande  alvoroto,  o  desembarque  do 
presidente  da  junta  provisória  do  governo  d^aquella  provincia, 
que  àffirmam  achar-se  à  bordo  do  paquete  inglez,  ora  chegado, 
com  o  fim  de  manterem  seus  direitos  e  evitarem  os  damnos 
que  receiam  do  proseguimento  de  sua  viagem;  para  que 
V.  S.,  tomando-o  em  consideração,  e  o  quanto  convém  evitar 
qualquer  sinistro  acontecimento,  á  vista  da  effervescencia  em 
que  se  acham  os  ânimos  dos  que  exigem  esta  medida,  dê 
a  competente  providencia  para  se  effectuar  o  desembarque 
requerido.  Ulmo.  Sr.  Guilherme  Pennel,  cônsul  da  nação 
britannica. — Francisco  Carneiro  de  Campos^  secretario. — 
Bahia,  25  de  Setembro  de  1822.» 

E  o  cônsul  inglez,  consciente  da  ignominia  que  praticava 
— a  exemplo  da  traição  de  seus  compatriotas  para  com 
Napoleão  I,  quando  este  heroe,  vencido  em  Watterloo,  volun- 
tariamente se  acolhera  sob  a  bandeira  da  poderosa  nação  — 
sem  reflectir  na  deshonra  de  seu  procedimento,  ordenou  ao 
commandante  do  vapor  fizesse  desembarcar,  como  preso, 
Gervásio  Ferreira  e  o  entregasse  ás  auctoridades  da  capitai 


CAPITUI.O  xxií  37 


bahiana — facto  que  para  o  brioso  revolucionário  importou 
em  ver  impudentemente  rasgado  o  pavilhão  a  que  se  havia 
abrigado  confiante. 

Em  meio  de  numerosa  escolta,  effectuou-se  odesembarque 
á  noite;  multidão  de  taverneiros  e  de  caixeiros  portuguezes, 
munidos  de  archotes,  acompanharam  o  patriota,  desde  o  cães 
da  ribeira  ao  forte  de  S.  Pedro,  dirigi udo-lhe  em  caminho 
apupadas  e  insultos ;  não  o  apedrejaram,  porque  a  este  excesso 
oppoz-se  energicamente  o  commaudante  de  policia,  tenente- 
coronel  António  José  Soares,  a  quem  se  deve  o  não  consum- 
mar-5é  mais  um  crime.  Algemado,  foi  o  digno  brazileiro 
lançado  a  um  dos  cárceres  do  forte. 

Este  attentado  ultrajante  não  attingiu  á  alma  elevada  do 
devotado  propugnador  da  independência  do  Brazil:  recahiu 
sobre  o  prepotente  paiz  bretão,  que,  n'esse  momento,  perante 
a  justiça  e  perante  a  posteridade,  sentou-se  em  banco  de  réo. 

Em  substituição  ajunta  provisória  da  Bahia — corporação 
subserviente  e  degenerada  porque  procedia  contra  brazileiros 
— o  heróico  povo  da  Cachoeira,  constituido  coração  e  cérebro 
da  grande  provincia,  elegeu  um  conselho  de  governo,  que 
começou  a  funccionar,  no  salão  do  hospital  de  S.  João  de 
Deus,  a  22  de  Setembro,  e  foi  composto  do  capitão-mór 
Francisco  Elesbão  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque,  presi- 
dente; Francisco  Gomes  Brandão  Montezuma,  secretario;  o 
desembargador  corregedor  da  comarca,  António  José  Duarte 
de  Araújo  Gondin,  deputado  pela  villa  de  S.  Francisco;  o 


3^  MEMÓRIAS   BRAZILEIRAS 

capitão-mór  Manoel  da  Silva  e  Souza  Coimbra,  por  Marago- 
gipe;  o  capitão  Manoel  Gonçalves  Maia  Bittencourt,  por 
Jaguaripe,  e  o  padre  Manoel  Dendê  Bus,  pela  villa  de  Pedra 
Branca,  Este  conselho,  que  augmentou  com  os  deputados 
que  foram  chegando  de  outros  pontos  da  provincia,  imprimiu 
marcha  regular  á  revolução,  dirigindo-a  convenientemente. 
Reformou  as  commissões  das  caixas  militares,  creadas  nas 
differentes  villas,  tirando-lhes  as  attribuições  governativas  e 
reduzindo-as  a  simples  commissariados  de  guerra;"  para 
facilitar  communicações,  estabeleceu  correio  terrestre,  desde 
a  villa  de  S.  Francisco  de  Sergipe  do  Conde  até  á  de 
S.  Jorge  de  Ilhéos,  e  assumiu  o  commando  da  força  militar. 
Esta  ultima  medida  occasionou  forte  conflicto  de  auctoridade, 
entre  o  mesmo  governo  e  o  general  Labatut,  molestado  pela 
indébita  invasão  do  poder  civil  em  serv^iços  exclusivamente 
confiados  á  sua  alta  competência  militar,  de  que  deu  as  mais 
exuberantes  provas. 

Para  vingar  continuas  derrotas,  resolveu  o  general  Madeira 
atacar  definitivamente  o  acampamento  de  Pirajá.  Na  madru- 
gada de  8  de  Novembro  fez  desembarcar  nas  praias  de  Itaca- 
ranhas  e  Plataforma  250  soldados  escolhidos,  e  ao  romper 
do  dia,  emquanto  estes  avançavam  para  o  centro,  outros  iam, 
por  terra,  surprehender  as  posições  occupadas  por  brazileiros. 
Descobertos,  porém,  pelas  avançadas  de  Coqueiro  e  Bate- 
folha,  na  estrada  de  Pirajá,  travou-se  renhido  combate,  sem 
se  poder  avaliar  quem  dispunha  de  maiores  forças  —  tal  a 
bravura  desenvolvida  entre  uns  e  outros. 


CAPITULO  XXII  39 


Depois  de  cinco  horas  de  fogo,  avançando  os  portiiguezes 
pelo  lado  de  Itacaranhas,  tratavam  de  cortar  a  rectaguarda 
de  nossos  soldados,  quando  o  major  José  de  Barros  Falcão, 
para  evitar  o  imminente  perigo,  mandou  tocar  a  retirada. 
Em  vez  de  cumprir  a  ordem,  o  corneta  portuguez  Luiz  Lopes, 
servindo-se  de  um  clarim  que  usava  para  os  toques  da  orde- 
nança de  caçadores,  tocou  avançar  a  cavallaria  e  carregar. 
Atemorizados  com  este'signal,  os  portuguezes,  persuadidos  de 
que  os  nacionaes  haviam  recebido  reforço  de  cavallaria,  deban- 
daram desordenadamente,  proporcionando  completa  victoria 
aos  bahianos. 

N*este  grande  feito  d^armas  distinguiram-se  os  soldados 
da  tropa  expedicionária  de  Pernambuco  e,  entre  os  officiaes, 
o  major  da  mesma  provincia  Joaquim  José  da  Silva  S. 
Thiago,  o  capitão  ajudante  de  campo  António  Henri- 
ques Totta  e  o  tenente  ajudante  Alexandre  Gomes  de 
ArgoUo  Ferrão. 

De  nossa  parte  morreram  dois  bravos — o  capitão  de  arti- 
Iheria  Cypriano  Justino  de  Sequeira  e  tenente  Pedro  Jácome 
Ferreira  ('). 


(1)0  dramaturgo  e  poeta  bahiano  dr.  Agrário  de  Souza  Menezes  con.sagrou 
ao  combate  de  Pírajá  uma  poesia,  de  que  transcrevemos  estes  versos,  reveladores 
de  patriótico  enthusiasmo : 

Falcão  a  valente  espada 
Jamais  empunhou  assim ! 
I/)pes — nunca  a  retirada 
Soube  tocar  no  clarim  ! 


40  MEMORIAS   BRAZILKIRAS 

Não  havendo  em  Pirajá  uma  só  praça  de  cavallaria,  o 
capitáo-mór  de  Itapicurú,  João  Dantas  dos  Imperiaes  Itapi- 
curú,  organizou  um  esquadrão  de  500  soldados,  que  fez 
marchar  para  aquella  localidade. 

D.  Braz  Balthazar  da  Silveira  formou  das  milicias  que 
policiavam  a  Cachoeira  um  batalhão  de  300  praças  que  se 
foi  unir  á  divisão  da  direita. 

Outras  forças  levantaram-se  em  diversos  pontos  e  concen- 
traram-se  em  Pirajá:  300  praças  das  milicias  de  Santo 
Amaro,  sob  o  commando  do  coronel  Luiz  Manoel  de  Oliveira 
Mendes;  um  batalhão  de  600  voluntários  da  villa  de  Itapi- 
curú ;  na  villa  de  S.  Francisco  o  coronel  Bento  Lopes  Villas 
Boas  organiza  um  esquadrão  de  cavallaria  e  o  entrega  ao 
capitão  Pedro  Ribeiro, 

O    general    Pedro   Labatut   organiza    um    batalhão   de 


Labatut —  com  o  gladio  fala ; 
Ferrão — sorri-se  da  bala ; 
Totta  e  Thiago  — a  bater ! 
Sequeira,  Jácome,"  ousados, 
Queriam — que  eram  soldados - 
Como  soldados  morrer ! 

Morrer — a  pátria  salvando 
Das  suas  cadeias  vis, 
K  um  feito  memorando, 
K  uma  sina  feli* ! 
Morrer  no  campo  da  guerra, 
P'ra  libertar  sua  terra, 
H  ditosa  condição ! 
Antes  morrer  co*a  victoria, 
Que  o  estandarte  da  gloria 
Ver  atirado  no  chào  I 


Capitlxo  xxíí  4t 


libertos  e  o  confia  ao  tenente  José  Joaquim  Exposto,  a  quem 
promo\'e  a  major. 

O  amor  á  causa  da  pátria  inspira  sentimentos  de  genero- 
sidade e  de  abnegação.  António  Joaquim  de  Oliveira  e 
Almeida,  como  exemplo  de  civismo,  fonna  esquadrão  de 
cavallaria  com  600  voluntários  e  depois  de  os  fardar,  equipar 
e  sustentar,  os  envia  ao  exercito.  Egual  procedimento  teve 
Ignacio  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque,  organizando  outro 
esquadrão  de  cavallaria,  de  400  praças,  concorrendo  com 
todas  as  despezas  de  equipamento  e  depois  de  o  mandar 
apresentar  a  Labatut,  regressa  para  seus  engenhos. 

Outro  esquadrão  de  cavallaria  de  linha  é  formado  pelo 
capitão  João  António  dos  Reis. 

O  major  de  artilheria  Satyro  foge  da  capital  e  comparece 
entre  os  patriotas  com  quasi  todo  o  seu  batalhão,  composto 
de  400  praças. 

O  major  Leite  Pacheco,  portuguez,  companheiro  de 
viagem  de  Labatut,  organiza  também  um  batalhão  de  500 
homens,  distinctos  por  sua  coragem  e  bravura. 

Com  a  pericia  que  lhe  era  própria,  o  general  comman- 
dante  em  chefe  do  exercito  tratou  de  sitiar  a  cidade,  estabele- 
cendo uma  grande  linha  de  trincheiras,  e  fortificando  as 
ilhas  Maré,  Bom  Jesus,  Loreto,  das  Vaccas,  dos  Frades  e 
muitas  outras. 

Em  Cabrito  e  Plataforma  foram  collocadas  peças  de 
grosso  calibre.  Arrazada  a  fortaleza  de  Itapagipe,  mudaram 
os  luzitanos  o  seu  quartel  para  a  praia  do  Papagaio. 


4^  MÊMORIAâ  brazileiraS 


Em  S.  Braz,  montanha  que  fica  sobranceira  á  enseada  de 
Itapagipe,  foi  estabelecido  um  reducto,  ]com  duas  grandes 
peças  e  guarnecido  por  300  homens,  com  o  fim  de  obstar  a 
passagem  pela  enseada. 

O  padre  Bernardo,  vigário  da  Saubara,  homem  bastante 
rico  e  bastante  patriota,  creou  á  sua  custa  um  batalhão  de 
400  voluntários,  de  que  elle  próprio  foi  o  instructor,  e  com 
a  sua  artilheria  hostilizava  aos  navios  do  general  Madeira 
quando  se  approximavam  d^aquelle  ponto. 

Reconhecida  a  necessidade  de  se  organizar  uma  flotilha 
regular  em  Itaparica — ilha  considerada  chave  do  Recôn- 
cavo—  não  só  para  offerecer  forte  resistência  aos  navios 
inimigos,  como  para  impedir  a  conducção  de  mantimentos 
á  capital,  foi  esta  idéa  promptamente  convertida  em  reali- 
dade, começando-se  por  se  armar  em  guerra  uma  embarcação 
que  te\'e  a  denominação  de  Pedro  /,  sendo  o  seu  commando 
confiado  ao  2.°  tenente  d'armada  João  Francisco  de  Oliveira 
Bottas  (conhecido  por  João  das  Bottas),  portuguez,  mas 
fervorosamente  dedicado  á  causa  dos  brazileiros. 

No  dia  8  de  Dezembro  de  1822  deu  este  official  de 
marinha  brilhante  prova  de  arrojo  e  de  valentia.  Tendo 
sabido  de  Itaparica  escoltando  18  barcos  e  lanchas  carregados 
de  mantimentos  destinados  a  seguir  pelo  rio  Cotegipe,  encon- 
trou em  seu  caminho  a  esquadrilha  luzitana,  composta  dos 
brigues  Audaz  e  Promptidào^  escuna  Emília^  dois  grandes 
barcos,  oito  canhoneiras  e  alguns  lanchões.  Debaixo  de 
vivissimo  fogo,  a  que  elle  correspondia  com  denodo  verda- 


CAHTULO  XXli  43 


deiraméute  heróico,  ponde  livrar-se  de  seus  perseguidores  e 
levar  os  mantimentos  ao  porto  de  seu  destino.  A  noitç, 
voltou  o  tenente  Bottas  á  Itaparica,  sendo  recebido  com 
grande  manifestação  de  entlmsiasmo.  Táo  exaltado  ficou  este 
militar  com  os  applausos  recebidos,  que  sentiu-se  com  aniino 
de  ir  atacar  a  esquadrilha  portugueza,  e  no  dia  23  de  Dezem- 
bro travou  combate  com  ella  desde  as  8  ás  11  }4  horas  da 
manha;  vendo-se,  porém,  cercado  por  forças  muito  superiores, 
em  risco  imminente  de  ser  aprisionado  com  sua  embarcação, 
conseguiu  romper  a  linha  de  fogo  e  abriga,r-se  ao  porto  das 
.  Amoreiras^  onde  a  artilheria  do  commandante  Galvão  o  livrou 
do  perigo. 

Novas  embarcações  armaram-se  em  guerra  com  os  nomes 
de  D.  I^opoldina^  2^  de  Jiinho^  canhoneira  D.  Maria  da 
Gloria^  barcos  D,  Januaria^  D,  Paiila^  Villa  de  S.  Fran- 
cisco^ Prezay  escuna  Cachoeira^  lanchas  baleeiras  de  aborda- 
gem e  bombardeiras,  com  uma  tripulação  de  710  homens, 
sendo  514  itapari canos  e  196  de  outros  logares.  Eram 
commandantes,  além  de  João  das  Bottas,  Francisco  da 
Silva  Castro,  Philippe  Alvares  de  Oliveira,  que  havia  sido 
patrão-mór  da  Cotinguiba,  José  António  Gonçalves,  André 
Avelino,  Plácido  José  da  Maia,  Manoel  Pereira  e  Fortunato 
Alvares  de  Souza,  que  substituiu  ao  tenente  da  armada 
Balthazar  Victor  Moreira  Boisson,  quando  este  seguiu  para 
o  Rio  dè  Janeiro  com  officios  de  I^abatut,  em  uma  escuna 
americana  comprada  para  servir  de  correio.  Entre  força  naval 
e  terrestre  dispmiham  os  insulares  de  3.257  homens,  compre- 


44  MEMORIAS   BRA2SlLãlkA!^ 


heudidos  soldados  do  batalhão  da  Cachoeira  e  dos  regimentos 
de  Valença,  Lage  e  Nazareth. 

Pretendendo  a  todo  transe  apossar-se  da  ilha  de  Itaparica, 
o  general  Madeira  preparou  tropas  de  desembarque,  em  41 
lanchões  de  vários  tamanhos,  os  quaes  na  tarde  de  6  de  Janeiro 
de  1823  dirigi ram-se  á  ilha,  que  deveria  ser  tomada  na  manhã 
do  dia  seguinte.  Muitos  escaleres  conduziam  pessoas  curiosas, 
que  iam  presencear  o  assalto,  certas  de  que  os  insulares  não, 
poderiam  ofFerecer  prolongada  resistência  a  tão  grande 
numero  de  gente  armada. 

Ao  amanhecer  de  7  de  Janeiro  appareceu  a.  flotilha  portu- 
gueza,  formando  duas  linhas,  uma  pelo  norte  da  praia  das 
Amoreiras  e  outra  em  direcção  ao  Mocambo,  coUocando  assim, 
entre  dois  fogos,  a  fortaleza  de  São  Lourenço,  commandada 
pelo  major  de  artilheria  Luiz  Corrêa  de  Moraes. 

As  9  horas  da  manhã  avançaram  para  a  terra  os  navios 
luzitanos,  mas  foram  recebidos  sob  intenso  e  continuado  fogo, 
tanto  da  fortaleza  como  dos  pontos  fortificados  ao  longo  da 
costa  até  á  ponta  das  Amoreiras,  S.  Pedro,  Isidoro,  Amoreiras 
pequenas,  praia  e  ponta  das  Amoreiras,  bem  assim  dos  pontos 
collocados  ao  longo  da  contra  costa.  Quitanda,  Ponte  da  Bica^ 
Engenho  da  Bôa-Vista  e  outros. 

A  barca  portugueza  Constituição  (chamada  Vbvb  pelo 
tamanho)  foi  a  primeira  a  sentir  estragos  causados  pelos 
tiros  da  fortaleza  e  pelas  descargas  de  fuzilaria  e  (ias  peças 
do  barco  Pedro  /,  dirigido  pelo  valoroso  João  das  Bottas: 
desmantelada,  retirou-se  das  linhas  de  fogo. 


CAPITULO  XXII  45 


O  chefe  de  divisão,  luzitano,  João  Félix  Pereira  de  Cam- 
pos,  que  vinha  dirigir  a  acção,  prevendo  a  derrota,  fez  voltar 
o  seu  escaler  e  regressou  para  a  capital. 

Muitos  soldados  e  marinheiros  passaram-se  para  navios 
menores  e  ás  3  horas  da  tarde  conseguiram  saltar  junto  aos 
presidios  do  Mocambo  e  Amoreiras;  surprehendidos,  porém, 
por  fortes  descargas  de  fuzilaria  foram  forçados  a  reembarcar 
precipitadamente. 

Novo  desembarque  foi  intentado  com  reforços  de  outras 
embarcações;  durou  o  combate  até  ás  6  horas  da  tarde,  com 
a  derrota  completa  dos  portuguezes,  cuja  perda  se  avalia  em 
200  homens  entre  mortos  e  feridos. 

Não  desanimados  com  estes  desastres  successivos,  tentaram 
os  navios  luzitanos,  nos  dias  8  e  9  de  Janeiro,  assaltar  Itapa- 
rica;  viram-se,  porém,  obrigados  a  retroceder  a  tiros  de  fuzi- 
laria, e  a  regressar  á  capital,  contando  consideráveis  perdas. 
Cahiram  de  todo  por  terra  os  grandes  planos  do  general 
Madeira  de  conquistar  a  ilha  e  por  meio  d'ella  dominar  o 
Recôncavo. 

Logo  que  teve  noticia  d'esta  estrondosa  victoria  dos 
itaparicanos,  o  general  Pedro  Labatut  brindou-os  com  uma 
bandeira  nacional,  que  foi  arvorada  na  fortaleza  de  S.  Lou- 
renço; promoveu  a  lenente-coronel  de  i."  linha  o  major  Antó- 
nio de  Souza  Lima,  governador  da  ilha;  a  i.^  tenente  da 
armada  brazileira  o  2.°  t-^nente  João  das  Bottas,  e  fez 
distribuir  pelos  soldados  um  conto  de  réis  como  gratificação 
concedida  pelo  imperador. 


46  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Empenhado  em  romper  o  cerco,  o  general  Madeira  travou 
combates  na  Conceição  e  em  Itapoan  em  15  de  Fevereiro; 
porém  successivas  derrotas  o  faziam  sempre  retroceder  e 
recolher-se  á  cidade. 

Pouco  depois  recebia  elle  de  Portugal  um  reforço  de 
2.500  homens;  mas  netn  assim  anima va-se  a  assaltar  os  pontos 
fortificados  pelos  brazileiros.  A  sorte  lhe  era  adversa.  Para 
aggravar  a  afflicti va  situação,  entrou  elle  em  desaccordo  com 
João  PVlix  Pereira  de  Campos,  commandante  da  esquadra 
portugueza,  e  d'esta  divergência  entre  os  dois  chefes  resultou 
enfraquecimento  de  animo  por  parte  dos  luzitanos. 

Apertado  pelo  sitio,  desgostoso  pelo  insuccesso  de  suas 
annas,  a  ouvir 'queixumes  da  capital  que  sentia  fome,  o 
general  Madeira  experimentou  ainda  a  magna  de  ver  uma 
esquadra  trazer  fortes  recursos  a  seus  inimigos. 

Em  i.°  de  Maio  de  1823  surgiu  nas  costas  da  Bahia  a 
esquadra  brazileira,  composta  de  oito  navios:  nau  Pedro  I^ 
fragatas  Ypiranga  e  Nicthcro\\  corvetas  Liberal^  Carolina  e 
Maria  da  Gloria  e  brigues  Real  e  Giiarany^  sob  o  com- 
maiido  do  ahnirante  inglez,  lord  Cochrane. 

A  esquadra  portugueza  era  mais  poderosa,  pois  com- 
punhase  de  treze  navios — uma  nau,  cinco  fragatas,  cinco 
corvetas  e  dois  brigues. 

Nio  convinha  aos  brazileiros  uma  batalha  naval.  Man- 
tendo tiroteios  com  algumas  fragatas,  lord  Cochrane  conseguiu 
ancorar  defronte  de  Itapoan  e  pôr-se  em  communicação  com 
as  forças  de  terra.  A  nau  Pedro  /  e  a  corveta   Maria  da 


CAPITULO   XXII  47 


Gloria  postaram-se  defronte  da  cidade  do  Salvador,  servindo 
de  bloqueio  ao  porto. 

Preparava-se  o  general  Pedro  Labatut  para  dar  um  ataque 
decisivo  á  capital,  pois  dispunha  de  muitos  petrechos  de 
guerra  recebidos  do  Rio  de  Janeiro  com  a  vinda  da  esquadra 
imperial  e  de  uma  força  de  250  praças  chegadas  de  Pernam- 
buco, esperando-se  ainda  um  batalhão  que  por  terra  deveria 
vir  de  Minas  Geraes,  quando  deu-se  grande  discórdia  entre  a 
divisão  da  esquerda,  conimandada  pelo  coronel  Felisberto 
Gomes  Caldeira,  e  o  próprio  general. 

Para  suffocar  a  conspiração  mandou  Labatut  .prender  ao 
coronel  Caldeira  e  o  remetteu  para  a  fortaleza  de  S.  Lou- 
renço, em  Itaparica;  ao  coronel  José  Joaquim  de  Lima 
e  Silva,  commandante  da  brigada  do  centro,  expediu  a 
seguinte  ordem : 

«Constando-me  que  alguns  officiaes  de  cabeças  esquen- 
tadas fazem  alguns  motins  e  alliciam  soldados  á  revolta, 
ordeno  a  V.  S.  que  marche  já  immediatamente  com  o  seu 
batalhão  ás  Armações,  e  eu  com  a  cavallaria  marcho  á 
Itapoan.  E  caso  tenham  (segundo  se  me  diz)  marchado 
alguns  d^elles  á  Itapoan,  V.  S.  das  Armações  seguirá  atraz 
d'elles  até  encontral-os.  Deus  Guarde  a  V.  S.  Quartel  general 
.em  Cangurungú,  21  de  Maio  de  1823.  —  iMbatut^  general.» 

Esta  ordem  não  foi  cumprida;  pelo  contrario,  apressou  a 
deposição  do  valente  general,  que  n'aquelle  mesmo  dia  foi 
preso,  bem  como  seu  secretario  José  Maria  Cambuci  do  Valle, 
paulista  de  grande  instnicyão,  e  o  official  maior  José  Mendes 


48  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


da  Costa  Coelho.  Assumiu  o  cominando  em  chefe  do  exercito 
libertador  o  coronel  José  Joaquim  de  Lima  e  Silva. 

Profundamente  ferido  em  seus  brios  de  militar  cheie  de 
relevantes  serviços  á  causa  da  independência,  o  general, 
antes  de  seguir  para  o  Rio  de  Janeiro,  a  responder  a 
conselho  de  guerra,  dirigiu  á  Bahia  uma  despedida  tocante, 
por  onde  ix)der-se-á  avaliar  a  sinceridade  de  seus  senti- 
mentos : 

« Pátria  de  Catharina,  magestosa  Bahia !  Eu  vos  deixo 
liberta  dos  vossos  inimigos  externos.  Aquelles  que  pelo 
manejo  da  vil  e  manhosa  intriga  me  roubaram  a  gloria  de 
concluir  trabalhos  tão  felizmente  avançados,  indo  erguer  em 
vosso  seio  a  bandeira  imperial  como,  vencendo  mil  difficul- 
dades,  fiz  no  Recôncavo,  proclamando  o  augusto  nome  do 
imperador,  nunca  me  poderão  disputar  a  honra  de  ter  obstado 
a  marcha  de  vossos  ir^imigos,  desviando -suas  armas  de  todos 
esses  logares,  onde  appareciam  os  bravos  defensores  de  vossa 
segurança  no  interior. 

«Não,  não  criminarei  como  cúmplices  da  negra  traição, 
que  me  deu  a  recompensa  dos  Themistocles  e  Scipiões,  aos 
illustres  bahianos,  que  á  sombra  das  armas  vencedoras  do 
império,  vinham  encontrar  as  delicias,  que  não  achavam  no 
seio  da  capital.  Os  auctores  da  perfídia  apparecerão  algum  dia 
aos  olhos  da  posteridade,  e  esta,  justa  avaliadora  do  mere- 
cimento obscurecido,  os  privará  da  honra  de  serem  con- 
siderados como  brazileiros,  vossos  fílhos.  Por  elles  preso, 
çalumniado,  exposto  a  suas  invectivas,  eu  lhes  poderia  dizev 


CAPITULO  XXII  49 


como  o  lieróe  vencedor  de  Carthago:  «Vamos  solemnizar  a 
memoria  dos  dias,  em  que  eu,  á  testa  do  brioso  exercito  do 
meu  commando,  fiz  reconhecer  ao  imperador  nas  provincias 
de  Alagoas  e  Piauhy,  etc»,  mas  a  idéa  de  triumphos  tão 
celebres  accenderia  o  furor  de  meus  inimigos,  e  o  menor  acto 
de  resistência  de  minha  parte  me  constituiria  indigno  do 
nome  de  soldado  brazileiro;  a  honra  e  minha  consciência 
invulnerável  me  dictaram  que  entregasse  a  espada;  eu  a 
entreguei,  e  a  mesma  honra,  a  minha  consciência  serão  as 
unicás  égides  de  minha  defesa.  Homens  exaltados  no  mais 
cego  e  infundamentado  egoisnio,  não  podiam  ver  um  extran- 
geiro  á  frente  da  heróica  terra  brazileira:  eis  o  meu  crime, 
bárbaros  !  Elles  bem  conheciam  que  o  Brazil  era  por  adopção 
minha  pátria;  que  eu,  fugindo  de  uma  terra  vulcanizada  por 
uma  grande  revolução,  horrorizado  de  ser  testemunha  dos 
males  da  anarchia,  e  dos  ferozes  democráticos,  viera  procurar 
o  solo  virginal  do  Brazil,  lisonjeando-me  de  poder  cooperar 
no  edifício  politico  de  sua  regeneração. 

«Não  esperava  que  me  fosse  entregue  o  commando  da 
tropa ;  esta  confiança  accendeu  contra  mim,  desde  a  corte  do 
Rio  de  Janeiro,  os  fachos  do  ciúme  e  da  rivalidade,  e  eu 
fiquei  designado  como  victima  de  certos  génios  ambiciosos, 
que  viam  a  fortuna  e  seus  interesses  particulares  unidos  com 
a  gloria  do  commando.  Promettam  embora  sahir  á  luz  com 
as  provas  do  seu  brazileirismo  e  de  seus  desejos  pelo  bem  da 
pátria ;  uns  já  vos  são  conhecidos,  outros  o  serão ;  a  verdade 
combatida  chega  emfim  a  apparecer  sobre  as  mesmas  ondas 


50  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


revolucionarias,  si  a  opinião  publica,  verdadeira  soberana 
dos  povos  constituídos,  hoje  apparece  divergindo  pelo  impulso 
des*:)rganizador  dos  partidos,  e  levando  debaixo  o  homem  de 
merecimento  e  incontaminado,  amanha,  illuminada,  ella  se 
concentra  e  se  volta  embravecida  contra  os  seus  malvados 
directores.  N'estas  epochas  as  grandes  reacções  se  succedem 
mui  de  perto  ás  grandes  e  violentas  acções:  os  povos  cançam 
de  obedecerem  a  caprichos,  desprezam  facilmente  os  mesmos 
Ídolos  que  um  momento  antes  respeitavam,  e  nas  mesmas 
praças  em  que  os  applaudiam,  assoalham  depois  os  seus 
crimes. 

«Generosa  Bahia!  O  dia  21  de  Maio  em  Cangurungú 
nunca  vos  cobrirá  de  vergonha ;  não  tardará  muito  que  vós 
conheçais  os  motivos  dos  desacatos  que  então  se  praticaram : 
appéllo  para  a  luz  da  razão,  ella  mostrará  a  inteireza  de  minha 
conducta.  Aquelle  que  desviou  de  minha  bocca  o  veneno 
preparado  em  Maragogipe,  quando  meus  inimigos  viram  que 
eu  sahia  triumphante  das  duas  devassas  tiradas  contra  mim, 
será  ainda  meu  protector,  porque  a  innocencia  dos  crimes 
imputados  me  garante  a  presença  de  seu  escudo. 

«Eli  apparecerei  deante  das  leis  tal  como  sempre  fuir 
elles  appareceráo  de  um  modo  bem  diverso  do  que  esperam. 
Acceitai,  entretanto,  as  minhas  saudosas  despedidas;  depois 
de  vos  haver  conhecido  tão  de  perto,  eu  seria  indigno  da 
nobreza  do  ser  d'homem,  si  me  esquecesse  de  vós.  Si  a  minha 
ingrata  fortuna  me  forçar  a  sahir'  doeste  império,  levarei 
çommigo  a  lembrança  do  que  vi  e  do  que  admirei  em  vosso 


CAPITULO  XXII  51 


seio,  e  de  longe  vos  pagarei  o  tributo  de  minha  affectuosa 
gratidão.  —  A  bordo  da  charrua  Luconia^  fundeada  na  barra 
da  Bahia,  em  19  de  Setembro  de  1823. — Labatut. 

O  general  apresentou  ao  conselho  de  guerra  longa  e 
circumstanciada  defesa,  destruindo  todas  as  accusações  que 
lhe  fizeram  seus  invejosos  inimigos,  e  indicando  38  testemu- 
nhas em  seu  abono.  Por  ser  longo  o  documento,  damos  d'elle 
somente  o  periodo  final:  «Apezar  de  me  serem  arrancados 
os  papeis  da  secretaria,  contra  o  que  solemnemente  protestei 
e  me  náo  responderam,  existem  em  meu  podçr  os  inclusos 
documentos,  em  numero  de  6,  que  verificam  esta  minha 
resposta,  além  de  testemunhas  que  apresentarei,  de  todo 
credito  e  confiança  publica,  que  farão  ver  a  este  Exmo.  Con- 
selho que  não  foi  sem  justiça  que  S.  M.  I.  sempre  approvou 
a  minha  conducta,  como  me  foi  participado  pelos  differentes 
secretários  de  estado  (documento  n.  7),  e  que  em  logar  de 
ignominia,  peior  que  a  mesma  morte,  que  me  quizeram  dar 
os  meus  inimigos  (ducumento  n.  8),  me  compete  a  honra  de 
ser  de  S.  M.  I.  e  da  nação  brazileira  fiel  súbdito,  e  servidor. 
— Pedro  Labatui^  brigadeiro. » 

A  sentença  do  conselho  de  guerra  diz,  em  resumo:  (íVendo- 
se  n'este  conselho  de  guerra  o  processo  verbal  do  réo,  o  bri- 
gadeiro Pedro  Labatut,  auto  de  corpo  de  delicto,  devassas  e 
mais  papeis  que  lhe  fazem  culpa,  interrogatórios  que  lhe 
foram  feitos,  sua  defeza  e  allegações,  testemunhas  sobre  as 
mesmas  perguntadas  e  documentos  que  apresentou : 

f  ponderando   ç  combinando  o   conselho  os  pontos  dç 


X23fi-:a:ii:5  islê: 


vogal -./í/í/  J faria  Píxío  fcíx:'^^^  bcígaásrrx  vogal 

O  ooaselbo  s::pçrmo  militar  de  J3=ôçi  caccrrc?a  o  pto- 
cesíio  com  csU;  despacho:  « Oxiâmum  a  sentrnça  Rio,  iS  de 
Março  de  i%24. — /^Vr/ií?  Guedes^  Oirzzira^  Pcrtf'IL  FarimiA^ 
O! n eira  Alies,  Moreira^  TelUs.  Sampaio^  S^mza^  Fidreira^ 

I>  jc^rridos  muitos  annos.  veiu  o  geaeral  domiciliar-se  em 
liiia  fiw^iã  Bahia,  onde  falleceu  a  24  de  Setembro  de  1S49, 
htnáo  sepultado  no  convento  da  Piedade.  A  4  de  Setembro 
de  J853  foram  trasladados  seus  ossos,  segundo  desejo  seu  ( ^), 


'  I  /  Atiudtndo  ao  *i*i*i^jfj  qut  o  general  L^bitm  manifestou,  antes  de  morrer. 
áf  f^n^  wtxs  'p^^htts  {ffiif^zrsí  levados  para  Pírajá.  a  jnntar-se  com  os  restos  de  tantos 
\/rzv(fit  á'i  índependi^ncía.  o  inspirado  poeta  bahiano  dr.  Lmz  Alvares  dos 
Smt//*,  íompfrz  b-rilíbsimi/s  versos  : 

O  nosso  bravo 
Qtit  allí  vai  é  Libatut  .   .   . 

é  o  guerreiro 
(Jut:  preferiu  morrer  na  terra  amada 
Tanto  do  peito  seu.  que  no  momento 
U'agfmia  fatal,  pediu  gemendo 


CAPITULO  XXII  53 


para  a  capella  de  Pirajá  e  depositados  em  uma  urna  de 
mármore  mandada  vir  da  Europa  por  seu  testamenteiro  e 
dedicado  amigo  José  Marcellino  dos  Santos,  velho  soldado 
da  independência. 

A  remoção  dos  restos  mortaes  de  Labatut  effectnou-se 
com  grande  solemnidade:  formo  u-se  procissão  de  todas  as 
auctorídades  e  numerosa  massa  popular,  trajando  todos 
rigoroso  lucto;  foi  a  urna  transportada  da  egreja  da  Piedade 
para  o  Arsenal  de  Marinha  e  d'ahi  conduzido  em  vapor  até 
ao  Cabrito  e  d'este  ponto  á  matriz  de  Pirajá,  onde  se  acha 
depositada. 

A  posteridade  curva-se  reverente  e  agradecida  ante  a 
memoria  do  benemérito  official  francez;  o  povo  bahiauo  não 


Que  seus  ossos  p'ra  sempre  descançassem 
AUi,  em  Pirajá,  entre  os  amigos 
D'armas,  no  campo  nú  ! 

Oh !  como  é  grande 
Essa  unifto  de  sentimentos  nobres  ! 
O  general  que  jaz  entre  as  relíquias 
De  seus  caros  soldados  —  os  soldados 
Que  assim  das  sepulturas  vão  sahindo 
P*ra  obedecer  de  novo  á  voz  querida 
Do  general,  na  noite  do  sepulcro ! 

No  canto  intitulado  ('m  brado  nas  selvas,  commemorativo  do  2  de  Julho  de 
185S,  transcripto  no  Jornal  de  Xoticias  da  Bahia  de  i.**  de  Julho  de  1901,  fez  este 
poeta  um  levantado  appello  a  seus  conterrâneos : 

O'  povo !  no  porvir,  no  dia  de  hoje, 

Marcha  ovante  p'ra  lá ! 
Um  monumento  aos  manes  de  teus  bravos 

Levanta  em  Pirajá ! 

Cumpriu-se  em  parte  o  desejo  do  bardo,  erguendo-se  a  Columna  2  de  Julho 
na  mais  bella  praça  da  Bahia. 


54  MEMÓklAS  BRASILEIRAS 


esquece  os  serviços  por  elle  prestados  á  causa  da  indepen- 
dência, e,  todos  os  annos,  como  encerramento  das  festas  popu- 
lares consagradas  a  2  de  Julho,  vai,  em  numerosa  cavalgata, 
render-lhe  homenagem  em  Pirajá. 

Na  madrugada  do  dia  22  áe  Maio  de  1823  apresentaram-se 
em  Itaparica  três  officiaes  que  se  diziam  representantes,  em 
commissão,  das  três  brigadas  e  reclamaram  do  governador  da 
ilha  a  soltura  do  coronel  Felisberto  Caldeira — requisição 
que  foi  inimediatainente  satisfeita. 

Regressavam  os  officiaes  a  bordo  do  barco  Ijl/a  de 
S,  Francisco^  commandado  pelo  piloto  Fortunato  Alvares  de 
Souza,  e  acompanhado  pelos  barcos  25  de  Junho^  de  que  era 
commandante  o  destemido  João  das  Bottas,  e  D.  Januaria^ 
commandado  pelo  tenente  Philippe  Alves  dos  Santos,  quando 
o  general  Madeira  expediu  sete  canhoneiras  para  aprisionar 
aquellas  embarcações. 

O  Villa  de  S,  Francisco^  a  pedido  de  Felisberto  Caldeira, 
fel-o  desembarcar  no  engenho  Olaria,  em  quanto  os  dois 
barcos  empenharam-se  em  fortissimo  combate  com  as 
canhoneiras,  e  pouco  tempo  depois  veiu  envolver-se  na  luta. 

Estava  o  barco  D,  Januaria  a  ponto  de  ser  tomado  por 
abordagem,  quando  o  livrou  do  perigo  um  tiro  disparado 
contra  a  melhor  das  canhoneiras  inimigas,  que  teve  partido  o 
mastro  grande  e  foi  em  seguida  apresada  pelo  tenente  João 
das  Bottas. 

Tão  activo  desenvolveu-se  o  fogo  dirigido  por  este  valente 


CAMfULÒ  XXIÍ  55 


official,  que  as  seis  canhoneiras  viram-se  forçadas  a  voltar 
apressadamente  para  a  capital. 

A  embarcação  aprisionada,  guarnecida  por  25  praças, 
deu  como  despojo  5  peças  de  artilheria,  25  espingardas, 
90  saccos  de  pólvora,  80  balas  de  diversos  calibres,  100  lanter- 
netas  e  outros  petrechos. 

Como  galardão  á  inexcedivel  bravura  do  tenente  João  das 
Bottas,  o  almirante  Cochrane  o  promoveu  a  capitão-tenente. 

Baldo  de  todos  os  recursos,  resolveu  o  general  Madeira, 
depois  de  uma  convocação  de  officiaes,  retirar-se  com  suas 
tropas,  a  bordo  da  esquadra  luzitana  e  de  navios  mercantes. 

Para  o  seu  transporte  achavam-se  promptas  86  embar- 
cações; temendo,  porém,  ser  acommettido  pelas  forças  revo- 
lucionarias, na  occasião  do  embarque,  recorreu  ao  coronel 
Manoel  Ignacio  da  Cunha  Menezes,  mais  tarde  visconde  do 
Rio  Vermelho,  para  que  empregasse  seus  bons  officios  junto 
ao  coronel  commandante  Lima  e  Silva,  a  fim  de  qué  lhe  não 
fosse  combatida  a  retirada. 

Cunha  Menezes  só  conseguiu,  como  solução,  palavras 
seccas  e  ameaçadoras:  «Responde  o  commandante  em  chefe 
do  exercito  pacificador  que  tem  todas  as  noticias  da  cidade 
marcadas  até  por  horas,  de  todos  os  passos  da  tropa  inimiga, 
e  que,  logo  que  saiba  que  esta  principia  a  embarcar,  pretende 
atacal-a,  é  n'esse  momento  romperá  o  fogo  no  mar:  que  se  o 
general  inimigo  deseja  retirar-se  tranquillamente,  proponha 
uma  capitulação,  que  será  concertada  entre  os  commandantes 
de  mar  e  terra,  d'uma  e  outra  parte  contractante. » 


56  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Atemorizado  com  esta  attitude  e  com  a  idéa  de  novo  e 
e  maior  desastre,  o  general  Madeira  expediu  ordem  ás  suas 
tropas  qne  se  reunissem  em  determinados  pontos,  e  ás  4  horas 
da  madrugada  de  2  de  Julho  de  1823,  ^^  signal  ajustado  de 
um  tiro  de  peça  disparado  do  forte  de  Santo  Alberto,. effe- 
ctuou-se  o  embarque  nos  portos  da  Gamboa,  arsenal  de 
marinha  e  Noviciado,  actualmente  capella  e  collegio  dos 
orphãos  de  S.  Joaquim. 

Ignacio  Accioli  de  Cerqueira  e  Silva,  em  suas  Memorias 
históricas  e  politicas  da  Provinda  da  Bahia  (tom.  III, 
pag.  66),  assim  descreve  a  entrada  do  exercito  libertador  na 
capital  bahiana : 

(í  Ao  romper  do  dia  achava-se  a  cidade  quasi  deserta ;  um 
morno  silencio  se  divisava  nas  suas  ruas  e  praças;  as  diffe- 
rentes  guardas  estavam  abandonadas,  e  o  coronel  António 
José  Soares  tratou  consecutivamente  de  guamecel-as  com 
alg^ins  milicianos  e  paizanos;  poucas  horas  depois,  chegou 
ao  acampamento  de  Pirajá  um  transfuga  do  general  Madeira 
communicando  achar-se  a  mesma  cidade  livre  das  tropas 
luzitanas,  noticia  esta  que  immediatamente  foi  confirmada 
pelo  coronel  João  de  Souza  Moura  Girão,  chegado  áquelle 
acampamento,  e  é  fácil  ajuizar  do  prazer  que  ella  infundiria 
no  coração  d'aquelles,  que  por  mais  de  anno  supportavam 
os  maiores  incommodos  e  privações  pela  liberdade  da 
pátria. 

<rjá  estava  detalhada  de  antemão  a  entrada  do  exercito 
na   capital,   e,    por   ordem  do  commandante  em  chefe,  se 


CAPITULO   XXII  57 

formaram  logo  todos  os  corpos,  que  anciosameute  esperavam 
o  momento  de  ver  seus  lares  e  famílias.  Convidava  o  dia 
a  augmeutar  o  prazer,  por  isso  que  a  atmosphera,  limpa 
e  serena,  apresentava  brilhante  a  natureza,  e,  á  voz  de 
niarclia,  começaram  a  desfilar  aquelles  corpos  para  a  mesma 
capital,  precedidos  por  um  corpo  de  exploradores,  comman- 
dado  pelo  coronel  Antero  José  Ferreira  de  Britto,  que  passou 
a  occupar  os  pontos  e  trincheiras  abandonados  pelos  luzitanos. 

«Seguia-se  a  este  corpo  o  coronel  Lima,  commandante 
ein  chefe,  com  o  seu  estado  maior,  e  o  tenente-coronel  José 
de  Barros  Falcão,  commandante  da  divisão  da  direita,  e  logo 
o  batalhão  do  imperador,  commandado  pelo  major  Lima; 
este  batalhão,  que  em  oito  dias  se  apromptou  no  Rio  de 
Janeiro,  e  embarcou  para  esta  provincia:  immediatamente  o 
acompanhava  o  batalhão  de  Pernambuco,  tendo  por  seu 
commandante  o  major  Thomaz  Pereira  de  Mello  e  Silva, 
divisando-se  nos  que  o  compunham  o  aspecto  da  bravura, 
característica  dos  pernambucanos,  e  da  qual  tantas  provas 
deram  nos  diversos  ataques  durante  a  lucta;  mas  um  quadro 
certamente  mais  tocante  e  pathetico  se  offerecia  n'um  grande 
grupo,  que  marchava  na  rectaguarda  doesse  batalhão,  com- 
posto de  defensores  da  pátria,  quasi  no  estado  de  nudez 
e  descalços,  apresentando  gravado  em  si  o  cunho  das  privações 
soffridas  na  constância  da  campanha,  contra  as  quaes  tantas 
vezes  exigiu  providencias  o  general  Labatut. 

« Após  este  grande  grupo,  que  mais  desafiava  as  attenções 
e  a  sensibilidade  publica,  marchava  a  columna  commandada 


5Ô  MEMÓRIAS  BkA^ILÊIItAS 


pelo  bravo  tenente-coronel  Manoel  Gonçalves  da  Silva, 
composta  do  seu  batalhão  e  dos  libertos  alistados,  cujo  valor 
muitas  vezes  reconheceu  .o  mencionado  Labatut,  em  seus 
officios;  offerecia  esta  columna  aos  conhecedores  da  historia 
brasilica,  uma  perfeita  scena  das  antigas  proezas  do  celebrado 
Henrique  Dias,  ficando  o  restante  da  mesma  divisão  guarne- 
cendo os  pontos  e  abarracamentos,  sem  que,  porém,  murmu- 
rassem de  se  verem  precedidos,  na  entrada  da  cidade,  por 
aquelles  que  nunca  os  deixaram  na  retagiiarda,  na  occasião 
dos  combates. 

«Pelo  mesmo  tempo,  marchava  pela  estrada  do  Rio  Ver- 
melho a  divisão  da  esquerda,  commandada  pelo  coronel 
Felisberto  Gomes  Caldeira,  precedida,  bem  como  a  primeira, 
por  uma  partida  de  exploradores  tirada  do  4.°  batalhão  ('), 
e  commandada  pelo  tenente  Manoel  Rocha  Galvão,  menos, 
porém,  o  batalhão  n.  i,  do  com  mando  do  major  José  Leite 
Pacheco,  que,  pelo  lado  das  Brotas,  passou  a  occupar  os 
entrincheiramentos  da  roça  de  Joaquim  José  de  Oliveira, 
onde  se  conservou  até  o  dia  3,  em  que  foi  abarracar-se  no 
quartel  do  convento  do  Carmo;  n'esta  divisão  não  se  mostrava 
a  uniformidade  militar,  porque  pela  maior  parte  era  composta 
de  paizanos  emigrados  da  cidade,  mas  via-se  n'ella  a  firmeza 
da  marcha,  o  conhecimento  das  evoluções  e  o  bom  anna- 
mento,  fechando  a  sua  retaguarda  o  batalhão  n.  4,  de  que 
era    commandante    o    distincto    capitão    Manoel    Marques 


( I )  Este  batalhão  era  chamado  do  Piianga. 


CAI^rfULO  xxií  59 


Pitanga,  que  passou  a  occupar  a  fortaleza  de  S.  Pedro, 
apenas  entrou  na  cidade. 

«Tinham  as  religiosas  do  convento  da  Soledade  mandado 
preparar  um  arco  triumphal  defronte  do  mesmo  convento, 
e  logo  que  a  esta  posição  chegou  a  divisão  da  direita,  ellas, 
abrindo  as  portas  da  sua  clausura,  sahiram  a  adornar  com 
coroas  marciaes  os  defensores  da  pátria;  avançou  d'alli  a 
mesma  divisão  até  confrontar  com  a  fortaleza  do  Barbalhò, 
onde  foi  logo  arvorado  o  pavilhão  nacional  pelo  alferes  José 
Adrião,  creado  do  imperador,  firmando-o  com  dois  tiros  de 
outras  tantas  peças  que  nellas  se  achavam  encravadas,  e 
fazendo  alto  no  largo  do  Terreiro,  teve  aqui  logar  a  grande 
parada,  a  qual  se  seguiu  a  distribuição  de  policia,  occupação 
dos  fortes  e  corpos  de  guarda  da  guarnição,  retirando-se  a 
quartéis,  debaixo  da  maior  ordem,  os  que  folgaram  doesse 
serviço.  O  resto  do  dia  foi  consagrado  ao  desenvolvimento  de 
todas  as  emoções  do  maior  regosijo,  pelos  que  se  viam  resti- 
tuídos a  seus  lares,  parentes  e  amigos,  sem  que  entre  os 
transportes  do  jubilo  excessivo  fosse  posta  em  pratica  a  menor 
acção,  que  tendesse  a  demonstrar  qualquer  acto  de  resenti- 
mento. 

«Ainda  hoje  se  observa  a  mesma  ordem  n'esse  dia,  em  que 
aunualmente  se  rememora  a  entrada  do  exercito  pacificador, 
reunindo-se  para  isto  o  povo  e  tropa  na  praça  da  Lapinha, 
d'onde  proseguem,  como  em  triumpho,  para  a  cidade.  O 
decurso  de  tempo  não  tem  podido  apagar  as  idéas  do  enthu- 
siasmo  patriótico,  e,  importando  aquella  recordação  uma  pura 


6o  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


ficção  da  realidade,  comttido  o  povo  experimenta  então  as 
mais  doces  sensações  de  prazer. » 

No  memorável  dia,  o  heróico  João  das  Bottas  entrou  no 
Forte  do  Mar  ou  Fortaleza  de  S.  Marcello  com  a  tripulação 
de  suá  barca  e  arvorou  a  bandeira  nacional,  que  tinha  sido 
feita,  a  occultas,  pelos  ofRciaes  e  cadetes  presos  no  Forte  de 
S.  Pedro  e  para  alli  removidos.  O  bicolor  pavilhão  foi  firmado 
por  uma  salva  de  21  tiros,  acontecimento  que  produziu  na 
capital  vivissimo  enthusiasmo. 

A  frota  do  general  Madeira  não  sahiu  incólume  da  Bahia: 
o  almirante  Cochrane  apresou-lhe  muitas  embarcações  — 
o  bergantim  Promptidão^  que  transportava  70  praças  do 
12.^  batalhão;  a  galera  Leal  Poriugucza^  com  244  do 
5.°  batalhão;  um  navio  russo  com  233  do  2.°  batalhão;  o 
navio  Pizarro^  capturado  pela  fragata  Carolina^  com  164  sol- 
dados da  legião  luzitana;  a  charrua  Conde  de  Peniche^  com 
135  praças  do  3.°  batalhão;  algumas  sumacas  que  transpor- 
tavam familias  e  outras  presas. 

Todos  annos,  festeja  a  Bahia  o  2  de  Julho,  fazendo 
desfilar  dois  carros  conduzindo  duas  bellas  estatuas  de 
madeira  que  representam  uma  cabocla,  empunhando  na 
dextra  o  pavilhão  nacional  e  na  esquerda  um  papel  com  a 
legenda  Indepcndcncia  ou  morte  ( * ),  e  um  caboclo,  na  posição 
em  que  se  acha  o  indio  no  alto  da  Columna. 


( I )  Inspirado  por  esta  imagem  da  pátria,  Junqueira  Freire  escreveu  a 
poesia: 


CAPITULO  XXII  6l 


A  rua  de  Santo  Aiilonio  Além  do  Canno,  por  onde  passa 
a  procissão  civica,  enfeita-se  com  extraordinário  capricho. 
O  préstito  vem  do  largo  da  Lapinha  (')  para  o  largo  de 
S.  António.  Cavalleiros,  em  trajos  brancos  e  adornados  de 
topes  e  de  flores,  formam  a  guarda  de  honra  dos  carros. 
Batalhões  patrióticos  e  muitas  bandas  de  musica  militares  e 
particulares  abrilhantam  a  festa;  poesias  em  avulsos  sáo 
profusamente  espalhadas  entre  o  povo.  Uma  commissão  vai 


o  HVMNO  X>\  CABOCLA 

Sou  Índia,  sou  virfi^em,  sou  linda,  sou  débil, 
É  quanto  vós  outros,  oh  tapes,  dizeis ! 
Sabei,  bravos  tapes,  que  eu  sei  com  destreza 
Cravar  minhas  settas  no  peito  dos  reis ! 


As  minhas  façanhas  espantam  aos  tapes, 
In  vejam -me  todos  as  altas  façanhas : 
86  ellas  são  como  penhascos  gigantes, 
Só  ellas  são  como  brazileas  montanhas ! 

Só  ellas  náo  curvam-se  ao  mando  dos  homens, 
Só  ellas  conculcam  despóticas  leis : 
Só  ellas  humilham  a  fronte  aos  tyrannos, 
Só  ellas  abalam  o  throno  dos  reis ! 

Meus  membros  sfto  débeis  qual  junco  flexivel, 
Meu  pé  tão  mimoso,  dizeis,  tâo  maneiro  I 
Meu  pé  tâo  mimo<H)  sabei  que  elle  esmaga 
O  coUo  possante  do  vil  extrangeiro ! 

(  I  )  Uma  sociedade  patriótica.  Dois  de  Julho,  instituida  na  Bahia  no  anno 
<lc  1^55'  niindou  edificar  no  largo  da  Lapinha  um  elegante  pavilhão  onde  são 
guardados  estes  emblemas  da  independência  bahiana. 

O  carro  do  caboclo,  fabricado  em  1828,  tem  as  rodas  feitas  das  carretas  das 
peças  tomadas  ao  inimigo.  A  estatua  é  devida  ao  talento  do  csculptor  Bento 
Sabino.  O  outro  carro,  de  gosto  moderno,  representando  a  cabocla,  foi  construído 
çm  1840. 


62  MEMORIAS   BRA;ZILEIRAS 


á  praça  Duque  de  Caxias  e  deposita  no  monumento  valiosa 
coroa. 

Os  carros  symbolicos  cia  victoria  bahiana  são  levados  para 
um  arco  triumphal  armado  no  largo  de  Santo  António  e  ahi 
permanecem  expostos  ao  publico  durante  três  dias,  em  que 
se  realizam  variados  divertimentos. 

Por  pastoral  datada  de  26  de  Junho  de  1830,  o  arcebispo 
D.  Romualdo  António  de  Seixas,  deferindo  requerimento 
que  lhe  foi  dirigido  em  nome  dos  habitantes  da  Bahia, 
considerou  a  de  Julho  como  dia  santo  dispensado. 

A  victoria  dos  bahianos,  felizmente  não  assignalada  pelo 
sangue,  acha-se  perpetuada  em  um  padrão  glorioso,  inaugu- 
rado brilhantemente  a  2  de  Julho  de  1895 — a  Columna  2  de 
Julho. 

Este  monumento — o  mais  bello  que  no  género  possue  o 
Brazil  —  acha-se  levantado  ao  centro  da  praça  Duque  de 
Caxias,  antigo  Campo  Grande,  districto  da  Victoria,  e  com- 
põe-se  de  uma  formosa  columna  de  bronze  de  ordem  coryn- 
thia,  medindo  25^,86  de  altura  total  e  assente  sobre  um 
ped^tal  de  mármore  de  Carrara  formado  de  dois  corpos, 
sobre-posto  um  ao  outro,  d'oude  partem  para  os  quatro  lados 
escadarias  do  mesmo  mármore. 

No  alto  da  columna  ostenta-se  a  vigorosa  figura  de  um 
Índio  armado  de  arco  e  flecha,  como  emblema  do  Brazil,  na 
attitude  de  ferir  com  lança  a  cabeça  de  um  dragão,  symbolo 
do  governo  portuguez  que  a  Bahia  expelliu  a  2  de  Julho 
de  1823. 


CAPITUI.O  XXII  63 


O  capitel  da  columna  é  constituído  de  folhagens  de  car- 
valho e  louro  com  ornatos  allegoricos,  tudo  de  bronze 
dourado,  com  um  i™,65.  O  fuste  e  a  base  da  columna  medem 
ç^^jSi,  tendo  o  primeiro  terço  inferior  octogonal,  em  que  se 
destacam  quatro  grinaldas  com  inscripções;  na  frente: 
Entrada  das  tropas  libertadoras^  2  de  Julho  de  1S2J;  no 
fundo:  Reunião  das  cortes^  26  de  Agosto  de  i82i\  ao  lado 
direito:  Batalha  contra  a  frota  lusitana^  4  de  Maio  de  18  2 j^ 
e  ao  lado  esquerdo:  Organisação  da  Junta  na  Cachoeira^  2^ 
de  Junho  de  1822. 

Os  dois  terces  da  columna  são  estriados,  tendo,  de  espaço 
em  espaço,  faixas  contendo  os  nomes  dos  24  beróes  que  mais 
combateram  em  prol  da  independência  do  Brazil  e  da  liber- 
dade da  terra  bahiana: 

Borges  db  Barros. 

Lino  Coutinho.  Cypriano  Barata. 

Gomes  Ferrão.  Pedro  Bandeira.  Montezuma. 

VISCONDE  de  PiRAJX.  C ARNEIRO  DE  CaMPOS. 

Garcia  Pacheco.  Rodrigo  Brandão. 

Sequeira  Bulcão. 

Pereira  Rebouças.  brigadeiro  Manoel  Pedro. 

GENERAL  PEDRO  LaBATUT. 

tenhnte-coronel  Souza  Lima. 

CORONEL  Lima  e  Silva. 

major  Silva  Castro,  corneta  Luiz  Lopes. 

tenente  João  das  Bottas. 

TENENTE  JOSÊ  PlNHEIRO  DE  LEMOS. 
TENENTE  JaCOME  DoRKA.  TENENTE  SlLVA  LiSBOA. 

CAPITÃO  Cypriano  Sequeira. 

ALMIRANTE  COCIIRANE. 

Entre  essa  parte  da  columna  e  o  capitel  notam-se  festões 
^ourados. 


64  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


O  pedestal  superior,  de  mármore,  em  forma  quadran- 
gular, tem  no  meio  da  face  da  frente  as  armas  da  Republica, 
encimando  a  divisa:  Liberdade^  egttaldadt\  fraternidade. 

Xa  face  opposta.  as  annas  da  cidade  com  a  legenda: 
Sic  illa  ad  arcam  rez'€rsa  est. 

Ao  lado  direito,  encostado  ao  pede5tal,  figura  sobre  um 
plintho  a  estatua  de  uma  mulher  envolta  cm  uma  bandeira 
fortemente  empunhada:  representa  a  Bahia. 

Do  lado  opposto,  outra  estatua  de  mulher  de  cabellos 
soltos,  coroada  de  louros;  em  uma  das  mãos  uma  arma  em 
posição  de  defesa,  na  outra  um  escudo  com  a  legenda :  Inde- 
pendência ou  morte:  representa  Catharina  Paraguassú. 

O  pedestal  inferior,  ainda  de  forma  quadrangular  e  em 
maiores  proporções,  tem  nos  quatro  cantos  columnas  de 
ordem  toscana,  no  meio  de  cujos  fustes  se  lêem,  em  escudos 
de  bronze  e  lettras  douradas  datas  memoráveis:  Chegada  de^ 
Cabral  a  Porto  Seguro^  22  de  Abril  de  i^oo;  Fufida^ào  da 
Bahia ^  6  de  Agosto  de  1^49;  Proclamarão  da  Independência^ 
7  de  Setembro  de  1822;  Entrada  do  Exercito  Libertador^ 
2  de  Julho  de  18 2 j. 

Sobre  essas  columnas  elevam-se  trophéos  de  anuas  e 
objectos  indígenas  artisticamente  combinados. 

Xas  almofadas  da  frente  e  do  fundo  doesse  pedestal  exis- 
tem quadros  de  bronze,  em  relevo,  onde  o  artista  com  perícia 
e  arte  soube,  n^aquelle,  mostrar  os  actos  de  heroismo  prati- 
cados pelos  itaparicanos  na  tomada  da  barca  luzitana  a  7  de 
Janeiro  de  1823,  ^j  n'este,  o  denodo  dos  cachoeirenses  a  28 


CAPITULO   XXII  65 


de  Juulio  de  1822 ;  figurando,  aqui,  uma  barca  no  rio  Para- 
guassú,  qu2  é  invadida  por  pessoas  armadas,  e  alli,  outra 
barca  defronte  do  forte  de  S.  Lourenço,  em  Itaparica,  onde 
sobem  soldados  c  gente  do  povo. 

Nas  outras  duas  almofadas  lêem-se  inscripções;  em  uma 

face : 

An  NO  DK  1895 

Aos  HKRÓFS  DA  InDUPKNDKNCIA 
A   PÁTRIA  AGRADF.CIDA 

In  iMCRPicrriM  vivkrk  iNTKUjc.iTrR 

Qn  PRO  PÁTRIA  CI%CIDICRL'NT 

Na  face  opposta: 

Anno  VII  da  Republica 

Oovernador  do  Estado,  Dr.  J.  M.  Rodrigues  Lima 

Intendente  Munieipa\  I)r.  J.  L.  Almeida  Couto 

Presidente  do  Conselho,  Dr.  J.  E.  Freire  de  Carvalho 

Conimissão  Executiva: 

Dr.  Augusto  A.  Guimaríles,  P. 

Dr.  M.  V.  Pereira,  vS. 

Coronel  Manoel  h.  Pontes,  T. 

Dr.  J.  L.  Almeida  Couto 

Dr.  Cincinnato  P.  Silva 

Dr.  Frederico  A.  S.  Lisboa 

Dr.   A.  M(»nteiro  de  Carvalho 

Coronel  Ari.stide.s  Novis 

Dr.  A.  E.  Maia  Bittencourt,  ICngenheiro  Fiscal 

Dr.   A.  Augusto  Machado,   Ivngenheiro  das  obra.s 

Capitão  Thomaz  P.  Palma.  Auxiliar. 

No  plano  de  que  jxirtcm  as  e.<icadarias  estão  col locadas, 
em  soccos  de  trinta  centimetros  de  alto,  na  frente  e  fundo, 
duas  grandes  águias  de  azas  abertas,  pousando  esta  sobre 
canhões,  ancora,  estandarte  da  metrópole   com  um    escudo 


66  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


circulado  por  uma  grinalda  de  folhas  de  café  com  a 
data  de  25  de  Junho  de  1822,  e  aquella  sobre  a  proa  de 
uma  barca  em  destroços,  com  a  data  de  7  de  Janeiro  de  1823 
escripta  em  uma  fita  orlada  de  ramo  de  café,  correspondendo 
aos  quadros  já  descriptos. 

Dos  outros  dois  lados,  estatuas  recostadas,  de  formas 
colossaes,  representam  os  dois  principaes  rios  da  Bahia:  o 
►S*.  Francisco  e  o  Paraguassú.  O  primeiro  é  um  velho  de 
longas  barbas,  cercado  de  indigenas  e  pirogas,  tendo  na  dextra 
um  remo  e  deixando  ver  próxima  a  cachoeira  de  Pattlo 
Affonso,  O  segundo  descança  o  braço  direito  em  um  rochedo 
e  mergulha  os  pés  no  oceano,  cercado  de  peças  allegoricas. 
Em  freute  aos  dois  rios,  grandes  pias  em  forma  de  caramujos 
para  receber  as  aguas  que  correm  das  allegorias  de  bronze 
dos  mesmos  rios.  Ainda  n'esse  plano,  nos  quatro  ângulos, 
existem  dados  de  mármore  branco  sobre  os  quaes  descançam 
quatro  gigantescos  leões,  tendo,  debaixo  das  patas,  allegorias : 
um,  quebra  uma  corrente;  outros  pisam  armas  e  escudos. 

Das  bases  d'esses  leões  jorra  agua  para  pequenas  pias  de 
mármore  vermelho,  em  forma  de  conchas,  presas  aos  dados. 
Ainda  n'essas  bases,  em  fitas  com  lettras  douradas,  lêem-seas 
seguintes  datas:  Cabrito^  8  de  Novembro  de  1822;  Fiinil^  2ç 
de  Julho  1822 ;  Firajá^  8  de  Novembro  de  1822  e  Engenho 
da  Conceição^  2ç  de  Novembro  de  1822, 

O  monumento  é  cercado  de  um  passeio  de  mármore  com 
2'",50  de  largura,  formado  de  mosaico  de  varias  cores  e  com 
os  seguintes  Icttreiros  de  mármore  negro  no  meio  de  cada 


CAPITULO  XXII  67 


lado;  na  frente:  Dais  de  Julho  de  18  2 j^  ao  fundo  o  lemina 
da  bandeira  republicana  brazileira:  Ordem  e  Progresso ;  diO 
lado  direito :  Estado  da  Bahia  e  ao  lado  esquerdo :  Indepen- 
dência ou  morte. 

Esse  passeio  com  altura  de  o^^jas  é  fechado  por  um  gradil 
de  ferro  fundido  decorado  com  folhagens  e  escudos,  onde 
figuram,  em  baixo  relevo,  as  armas  da  republica  e  da  cidade, 
representadas  estas  ]X)r  uma  pomba  com  um  ramo  de  oliveira 
no  bico. 

Um  segundo  passeio  de  3"\5o  de  largura  e  0^,40  de 
altura,  com  orla  de  cantaria  de  Santo  António  das  Queimadas 
e  ladrilho  de  mármore  preto,  branco  e  cinzento,  bem  combi- 
nados, circula  aquelle  outro. 

N'esse  passeio,  sobre  plinthos  de  cantaria  das  Queimadas 
e  da  serra  da  Itiíiba,  com  altura  de  o"*,65,  foram  montados 
oito  bem  trabalhados  candelabros  com  quatro  grandes 
globos,  para  illuminação  a  gaz,  dos  quaes  três  nos  braços 
e  um  acima  da  cabeça  de  uma  figura,  todos  ornamentados  de 
anjos,  folhagens,  grinaldas,  festões  e  outras  peças  deco- 
rativas. 

A  delineação  do  projecto  coube  em  grande  parte  ao 
secretario  da  connnissão,  dr.  Manoel  Victorino  Pereira,  e  a 
confecção  ao  esculptor  Carlos  Nicoli,  vice-consul  brazileiro 
em  Garrara. 

O  contracto  para  execução  dos  trabalhos  foi  celebrado 


68  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


com  a  firma  Pitombo,  Pedestá  &  C.  pela  quantia  de  trezentos 

e  noventa  mil  francos  ( ^ ). 

Toda  esta  descripção  foi  extrahida  do  importante  trabalho 

intitulado    O  Monumento^  do  dr.    Alexandre  Freire   Maia 

Bittencourt,  publicado  no  Rcv,  do  Insi.   Geog.  e  Hisí.  da 

Bahia,  tom.  II,  pags.  231  a  236. 

A  acta  da  inauguração  do  monumento  foi  lavrada  n^estes 
termos : 

«Gloria  ao  Dois  de  Julho  de  1823.  Cidade  do  Salvador, 
Bahia  de  Todos  os  Santos.  Aos  dois  dias  do  mez  de  Julho  do 
anno  do  nascimento  de  Nosso  Senhor  Jesus  Christo  de  mil 
oitocentos  noventa  e  cinco,  LXXIII  da  Independência  e  VII 
da  Republica,  ás  duas  horas  da  tarde,  sendo  Governador  do 
Estado  o  cidadão  dr.  Joaquim  Manoel  Rodrigues  Lima; 
intendente  do  municipio  o  cidadão  dr.  José  Luiz  de  Almeida 
Couto,  e  presidente  do  Conselho  Municipal  o  cidadão  dr.  José 
Eduardo  Freire  de  Carvalho  Filho,  depois  de  celebrada 
a  Missa  Campal  pelo  revmo.  cónego  pro visor,  Clarindo  de 
Souza  Aranha,  e  lançada  a  benção  pelo  Sr.  D.  Manoel 
dos  Santos  Pereira,  bispo  de  Olinda,  e  após  o  discurso  profe- 
rido pelo  senador  Augusto  Alvares  Guimarães,  presidente  da 


( I )  Para  occorrer  á  despeza  do   monumento,  obliveram-se  as  seguintes 
quantias : 

Contribuiçào  do  listado  nos  exercicios  de  1892  a  1894.    .      3oo:ooo$ooo 

Subscripçfto  popular 43:8065788 

Subvcnçáo  da  camará,  saldo  de  loterias,  etc 45:171  $255 

.V^^:97Í^So43 


CAPITULO  XXII  69 


commissão  executiva,  foi  declarado  inaugurado  pelo  cidadão 
Governador  do  Estado,  eutre  ruidosas  acclamações,  com 
maxiuia  solemnidade,  na  praça  Duque  de  Caxias,  antigo 
Campo  Grande,  o  Monumento  destinado  a  perpetuar,  no 
bronze,  os  feitos  gloriosos  das  grandes  luctas  que  tiveram 
por  brilhantissimo  desfecho  a  entrada  triumphal  do  valoroso 
exercito  pacificador  n'esta  briosa  capital  no  dia  2  de  Julho 
de  1823. 

«A  inauguração,  que  despertou  legitimas  expansões  de 
verdadeiro  enthusiasmo,  condigno  do  patriotismo  do  povo 
bahiano,  effectuou-se  perante  alguns  Veteranos  da  Indepen- 
dência, preciosas  reliquias  de  nossa  emancipação  politica, 
principaes  auctoridades  civis,  militares  e  ecclesiasticas,  corpo 
consular,  representantes  da  imprensa,  officiaes  do  exercito, 
da  armada  e  honorários,  da  guarda  nacional  e  do  regimento 
policial,  funccionalismo  federal,  estadual  e  municipal,  corpo- 
rações politicas,  scientificas,  litterarias,  commerciaes  e  artis- 
ticas,  representantes  do  clero  e  confrarias  religiosas,  associações 
beneficentes  e  recreativas,  representantes  do  commercio,  da 
lavoura  e  das  industrias,  batalhões  patrióticos,  alumnos  dos 
diversos  estabelecimentos  de  instrucção  e  a  generosa  mocidade 
das  Academias  de  Direito,  de  Medicina  e  Pharmacia,  do 
Instituto  Official,  das  Escolas  Normacs  e  de  Bellas  Artes,  do 
Lyceu  de  Artes  e  Officios,  do  Centro  Operário,  e,  finalmente, 
de  immeroso  concurso  de  cidadãos  de  todas  as  classes. 

«Por  essa  occasião,  foi  cantado  pelos  alumnos  e  alumnas 
do  intelligente  professor  Ludgero  José  de  Souza,  e  sob  a  sua 


70  MEMOkIAS  BkA2lLElkAS 

direcção,  o  tradicional  hymno  ao  Dois  de  Julho.  Em  seguida, 
saudou  a  Bahia,  em  nome  do  Estado  de  Pernambuco,  o 
cidadão  Silva  e  Oliveira,  recitando  depois  o  cidadão  Costa 
e  Silva  uma  poesia  ao  Dois  de  Julho, 

«E,  para  constar,  eu,  Cincinnato  Pinto  da  Silva,  secretario 
interino  da  commissão  executiva,  fiz  escrever  esta  acta,  que 
assigno  » 

Das  175  assignaturas  salienta vam-se  as  seguintes:  T^r.  Joa- 
quim Manoel  Rodrigues  Lima^  Governador  do  Estado; 
dr.  António  Pacijico  Pereira^  representando  o  dr.  Prudente 
de  Moraes,  Presidente  da  Republica;  f  Manoel^  bispo  de 
Olinda;  Cincinnato  Pinto  da  Silva^  representando  o  dr.  Ma- 
noel Victorino  Pereira,  Vice-Presidente  da  Republica,  e  o 
senador  dr.  Virgilio  C.  Damazio;  dr.  José  Luiz  de  Almeida 
Couto^  intendente  municipal ;  dr.  José  Eduardo  Freire  de  • 
Carvalho  Filho^  presidente  do  conselho  municipal ;  António 
José  Machado^  secretario  do  conselho  mimicipal;  Ernesto 
Pereira  Coelho  da  Cunha ^  membro  do  conselho  municipal ; 
Salvador  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque^  idem;  Leopol- 
dino  António  de  Freitas  Tantít^  idem ;  João  Manoel  de  Seixas^ 
idem ;  dr.y.  Agrippino  Dorea^  idem ;  João  de  Teive  e  Argollo^ 
idem;  dr.  Frederico  Lisboa^  representante  do  presidente  do 
senado  e  do  senador  Virgilio  Damazio;  dr.  Francisco  Moniz^ 
presidente  da  camará  dos  deputados;  barão  de  Camaçari^ 
presidente  do  senado;  dr.  Manoel  António  Melgaço^  senador 
estadual;  dr.  Horácio  César \  ^r,  José  de  Aquino  Tanajura\ 
Américo  Barretto  Filho^  da  commissão  da  camará  dos  depu- 


Capítulo  xxíí  ^t 


tados;  Francisco  de  Araújo  Aragão  Bulcão]  Augusto  Fer- 
reira  França^  membro  da  commissão  do  senado;  António 
Pedro  de  Mello^  secretario  do  governo;  M,  Adalberto  de  Oli- 
veira Guimarães^  i.®  secretario  da  camará;  Miguel  Ribeiro 
de  Oliveira^  2.°  secretario  da  camará  dos  deputados;  Pedro 
Afoniz  Leão  Velloso\  vigário  Hermelino  Marques  de  Leão^ 
deputado  estadual;  António  Barbosa  de  Souza^  chefe  de 
policia ;  Manoel  Pedro  de  Rezende ;  Rogociano  Pires  Teixeira ; 
dr.  Manoel  Bonifácio  da  Costa^  do  Instituto  Geographico  e 
Histórico;  António  Alexandre  Borges  dos  Reis^  idem;  ba- 
charel José  Octacilio  dos  Santos^  advogado  do  municipio ; 
barão  de  S.  Francisco^  presidente  do  Instituto  Bahiano  de 
Agricultura;  Francisco  Alvares  dos  Santos  Souza\  dr.  Gly- 
cerio  Velloso^  representante  da  Gazeta  de  Noticias  \  Arlindo 
Fragoso^  engenheiro  civil;  dr.  Satyro  de  Oliveira  Dias^ 
director  da  instrucção  publica;  Severino  dos. Santos  Vieira; 
Cassiano  da  França  Gomes^  director  da  escola  normal ; 
Aloysio  de  Carvalho^  representando  o  Jornal  de  Noticias  e  o 
Instituto  Geographico  e  Hisrtorico  da  ^2\\\2i\  Alfredo Requião^ 
do  Jornal  de  Noticias;  Maximiano  dos  Santos  Marques ; 
Pedro  Eustáquio  de  Oliveira  Porto;  o  cônsul  de  Portugal, 
Joaquim  Baptista  Moreira;  o  vice-consul  da  Itália  e  da 
Áustria,  Stefano  Podestá;  o  cônsul  da  Venezuela,  barão  de 
S.  Raymundo ;  o  cônsul  da  Rússia,  Duryer;  Tranquilino 
A.  Torres;  João  N,  Torres;  Augusto  A.  Guimarães^  presi- 
dente da  commissão  do  monumento;  Aristides  Novis; 
Manoel  Lopes  Pontes  ;  Cincinnato  Pinto  da  Silva^  secretario 


MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


interino  da  conimissáo;  Ignacio  Alves  Nazaré  th;  Francisco 
de  Assis  Gomes;  Constantino  Nunes  Mucugê, 

Depois  da  inauguração  da  Columna,  foi  rendida  tocante 
homenagem  a  três  velhos  batalhadores  de  1823,  que  ^e  acha- 
vam presentes  á  glorificação  da  bravura  e  do  patriotismo  e 
tiveram  a  ventura  de  ouvir  palavras  solenmizadas  pela  justiça 
da  historia : 

SAUDAÇÃO  DO  POVO  AOS  VETERANOS  DA  INDEPENDÊNCIA 

«Si  a  mudez  do  mármore  e  do  bronze  do  monumento, 
destinado  a  commemorar  os  feitos  gloriosos  de  nossa 
emancipação  politica,  fala  com  maior  eloquência  do  que  tudo 
quanto  poderia  dizer  a  linguagem  humana;  a  presença 
veneranda  dos  beneméritos  cidadãos  Francisco  de  Assis 
Gomes,  Ignacio  Alves  Nazarethc  Constantino  Nunes 
MucuGÍv,  nas  festas  d'cstc  anuo  ao  immortal  Dois  de  Julho, 
constitue  para  nós,  que  somos  o  povo,  que  somos  a  Pátria 
agradecida,  a  resurreição  luminosa  dos  heróes  e  martyres  da 
independcncia  da  Bahia.  Sombras  augustas  de  um  passado 
de  glorias!  E  de  joelhos  que  saudamos  os  Veteranos  da 
liberdade ! « 

Ê-nos  grato  apresentar  agora  uma  pequena  anthologia 
bahiaua  — grinalda  de  flores  litterarias  enlaçada  em  espiral 
na  magestosa  Columna,  como  em  espiral  se  elevam  ao  céo  as 
nuvens  de  incenso  de  corações  transformados  em  oscillantes 
e  ardentes  thuribulos. 


CAPITULO  XXII  73 


Tópicos  do  discurso  do  dr.  Satyro  de  Oliveira  Dias : 
«Aquillo  não  é  uma  ficção,  nem  uma  vaidade;  é  a 
prodigiosa  realidade  da  fé  e  do  amor ;  da  fé  no  dia  de  amanhã, 
a  cuja  santa  alvorada  cantarão  as  novas  gerações  melodias  de 
paz  e  de  liberdade;  de  amor  e  reconhecimento  aos  que  já 
foram  caminho  da  eternidade,  marcando  com  o  próprio 
sangue,  no  chão  da  pátria,  o  sulco  para  o  alicerce  d^aquella 
columna  monumental. 

« Alli  não  está  somente  a  Rahia,  soberba  da  sua  fama  de 
mãe  fecunda  de  heróes  e  engenhos  peregrinos.  Aquelle 
bronze  não  está  somente  cantando  ao  futuro  a  sua  invejável 
historia,  desde  o  formoso  idyllio 

« Onde  geiíieu  Paragiiassú  de  ainores     • 
K  os  cchos  falam  de  Moenia  ainda, »      'j 

até  á  patriótica  tragedia,  em  que  se  nos  afigura,  cada  vez 
mais  luminoso,  a  túnica  de  soror  Joanna  Angélica.  Não.  Mais 
do  que  a  Bahia,  e  por  condão  doesta  a/ma  mater  brazileira, 
aquelle  monumento,  todo  da  inspiração  e  do  esforço  bahiano, 
é  a  synthese  homérica  do  sentimento  nacional,  no  momento 
genésico  da  nossa  pujante  nacionalidade. 

«O  symbolo  do  génio  do  Brazil  lá  está  de  pé  sobre  o 
capitel  da  columna  gigantesca.  Sobranceiro  ao  primoroso 
trophéo,  que  a  arte  creou  para  perpetuar  a  memoria  dos 
heróes  de  23,  parece  que  elle  immerge  a  cabeça  no  infinito 
azul,  pedindo  inspirações  ao  céo  para  o  vasto  caminho  aberto 
ao  nosso  progresso  e  á  nossa  felicidade,  á  sombra  da  paz  e  da 
liberdade  de  todos  os  direitos  e  de  todas  as  consciências. » 

lU  TOM.  II 


74  MÉMÔklAâ   BkA^ILÉlRAS 


Do  discurso  do  dr.  Augusto  Alvares  Guimarães : 

«  As  acções  gloriosas  que  n'aquelle  mouuiuento  se  consa- 
gram á  veneração  publica  não  são  assim  as  de  uma  parte  do 
território  do  Brazil:  são  as  de  toda  a  nação,  que  viu  n'aquelle 
dia  abrirem-se-lhe  as  portas  da  historia,  como  vê  n'aquelle 
monumento  a  solidificação  da  memoria  egrégia  de  todos  os 
seus  heróes,  a  consagração  de  todos  os  seus  feitos  de  patrio- 
tismo e  de  valor. 

«  Monumentos  d'essa  ordem  não  são,  porém,  unicamente 
preitos  de  gratidão  a  acções  nobilitadoras,  padrões  da  immor- 
talidade  de  homens  illustres,  que  derramaram  seu  sangue  por 
uma  idéa:  são  também  ensinamento  aos  vindouros.  Aqui, 
reflectindo  sobre  os  destinos  humanos,  embevecidos  ao  con- 
templar os  echos  longinquos  de  nossa  historia  e  de  nossas 
tradições,  as  gerações  futuras  aprenderão  a  ser  patrióticas, 
altivas,  e  buscarão  beber  na  instrucção  e  no  trabalho  forças 
que  consigam  fazer  que  o  progresso  e  a  civilisação  penetrem 
n'este  solo,  por  todas  as  suas  mil  formas  e  acharão  lenitivo 
para  as  dores  excruciantes  de  presente  maligno,  certas  na 
chegada  próxima  de  um  futuro  melhor  e  mais  duradouro,  e 
quando  os  cataclysmos  nos  ameacem,  encontrarão  aqui, 
n'estas  pedras  symbolicas  de  nosso  patriotismo  e  de  nossa 
hombridade,  resistência  feroz  a  todas  as  oppressões. 

« Felizes  os  que  puderem  dizer,  á  claridade  esplendida 
dos  arrebóes  doesse  dia  de  nosso  ideal,  ouvindo  o  hymno 


Capitulo  xxíí  75 


perenne  entoado  pelas  exuberancias  de  nossa  natureza  junfo 
ao  tabernáculo  augusto  das  glorias  nacionaes :  Somos  dignos 
de  vós  e  do  vosso  heroísmo,  geração  máscula  da  indepen- 
dência ! » 

Do  estro  sempre   inflammado  do  poeta  João   de  Britto 
colhemos  alguns  versos,  notáveis  pelo  arrojo  das  hyperboles : 


O  inspirado  cinzel  da  antiga  estatuária 
Revive  e  fulge  ahi  nos  traços  mais  distinctos ; 
Accendem-nos  a  fé,  no  peito,  extraordinária, 
Estatuas  varonis  firmadas  em  seus  plinthos. 

No  largo  pedestal  de  mármore  transparente 
As  águias,  os  leões  de  jubas  desgrenhadas, 
N'essa  attitude  hostil,  que  infunde  medo  á  gente, 
Os  sitios  deixam  ver  das  luctas  empenhadas. 

Este — é  a  Cachoeira,  o  baluarte  invicto  ; 
Aquelle  —  Itaparica,  a  terra  dos  denodos. 
Ninho  d 'águias  do  mar;  seguem-se  após  Cabrito, 
Funil.  .  .  e  Pirajá,  que  em  si  resume  todos. 

Jamais  poude  um  trophéo,  na  praça  levantado, 
Falar  de  tradições,  de  heróes,  de  feitos  grandes. 
Como  este  que  assignala  em  luz  nosso  passado, 
Cravando  o  cimo  além  dos  coruchéos  dos  Andes! 

Somente  um  filho  teu,  oh  terra  do  prodigio, 
Itália !  que  dos  céos  houveste  o  génio  em  dote. 
Devia  aqui  deixar,  olympico  prodigio 
D 'arte  que  eternizou  o  nome  a  Buonarotti, 


76  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Este  poema  em  pedra,  esta  memoria  immensa, 
Que  assume  as  proporções  titânicas  de  um  monte, 
Onde  da  nossa  historia  o  brilho  se  condensa 
E  em  face  á  qual  o  tempo  ha  de  curvar  a  fronte. 


Si  um  dia,  sacudido  o  chão  n'um  cataclysmo, 
Com  medonho  fragor  tombar  esta  cidade, 
E  tudo  se  engolfar  em  negro,  hiante  abysmo. 
Do  qual  sjmente  Deus  sonde  a  profundidade. 

Erecto  ha  de  ficar  na  vastidão  do  espaço, 
Tal  qual  se  mostra  aqui,  este  trophéo  brilhante, 
Tendo  para  o  suster  as  azas  rijas,  de  aço, 
Das  agtiias  que  elle  traz  no  pedestal  gigante. 

Do  poeta  João  Baptista  Guimarães  Cerne: 

ANTE  O  MONUMENTO  DE  DOIS  DE  JULHO 

Graças,  ó  Pátria,  p5des  orgulhosa 
Levantar  a  cerviz,  fitar  a  historia  : 
No  carrára,  no  bronze  escreve  a  gloria 
A  estrophe  que  alli  vês  maravilhosa. 

Já  não  temes  que  a  pena  opprobriosa 
De  ingrata  e  vil  te  lancem  na  memoria ; 
Alli,  grande  qual  és,  alta  e  marmórea, 
Tua  imagem,  ó  mãe,  surge  garbosa. 

Agora,  sim :  quando  no  céo  bahiano 
T^Q  Julho  2  o  sol  gentil  desponta, 
Beija  primeiro  o  indio  americano. 

Dois  monumentos  este  dia  conta  : 
A  carta  que  o  sagrou  republicano 
E  o  capitel  que  os  séculos  affronta ! 


CAPlTUtO   XXII  T] 


SÓ  em  livro  especial  poderiamos  reunir  composições  poé- 
ticas de  illustres  bahíanos  consagradas  febrilmente  a  2  de 
Julho. 

Em  nossas  investigações  encontramos  uma  poesia  que, 
apezar  de  extensa,  devemos  citar,  pelo  arrojo  da  concepção  e 
pelo  grande  effeito  causado. 

Foi  na  Bahia,  no  anuo  de  1846. 

O  theatro  S.  João,  enfeitado  externa  e  internamente, 
encheu-se  na  noite  de  2  de  Julho  para  a  realização  de  impo- 
nente espectáculo  de  gala. 

Sobe  o  panno  e  em  scena  aberta  os  artistas,  ladeando  o 
retrato  do  imperador  D.  Pedro  II,  cantam  um  hymno,  a  que 
pertence  esta  quadra  bellamente  enérgica: 

Nunca  mais  o  despotismo  . 

Regerá  nossas  acções:  í 

Com  tyrannos  náo  combinam 
Brazileiros  corações. 

N'essa  occasião,  em  um  camarote  da  ordem  nobre,  jimto 
á  tribuna  occupada  pelo  presidente  e  commandante  das 
arma.s,  general  portuguez  Francisco  José  de  Souza  Soares 
d'Andréa,  barão  de  Caçapava,  surge  o  poeta  satyrico  Manoel 
Pessoa  da  Silva,  e,  repetindo  aquelles  versos  como  um  mote, 
recitou  a  seguinte  glosa,  dirigindo  fortes  accionados  ao 
general : 


78  MEMORIAS   BRAZILEJRAS 


Pela  marcha  lisonjeira 
Que  leva  o  género  humano, 
Hoje  tentar  ser  tyranno 
É  inaudita  cegueira. 
Ver-se-á  frustrado  o  que  queira 
Renovar  o  terrorismo ; 
Uma  vez  com  heroísmo 
Conquistada  a  liberdade, 
Reger,  dominar  nào  ha  de 
Nunca  mais  o  despotismo/ 

Etra  o  que  amanimentado 
Por  leite  do  captiveiro, 
Queira  o  povo  brazileiro 
Dominar  pelo  passado. 
Vai  caminho  desviado 
Nutrindo  taes  intenções ; 
Varie  de  opiniões, 
Pense  melhor  e  conclua 
Que  nunca  vontade  sua 
Regerá  nossas  acções! 

Escoria  da  humanidade. 

Quem  seu  berço  renegou 

N 'outra  terra  nunca  amou 

Lealmente  a  liberdade ! 

Porém  calcai -a  não  ha  de 

Nos  que  d'ella  heróes  se  assignam ; 

Entre  si  elles  se  ensinam 

De  gosal-a  eterno  jus ! 

São  filhos  de  Santa  Cruz ! 

Com  iyrannos  não  combinam  / 

Este,  que  heróicos  bahianos 
]Memoram,  tão  nobre  feito, 
Seja  profícuo  preceito 
  correcção  dos  tyrannos  ; 
Escarmente-os,  p'ra  que  insanos 
Nào  manchem  nossos  brazões ; 


CAPITULO  XXII  79 


Vejam  n'elle  seus  mandões 
Que,  livres,  em  peitos  bravos. 
Jamais  podem  ser  escravos 
Brazikiros  corações ! 


Esta  allusão  directa  á  primeira  auctoridade  da  provinda, 
atrozmente  injuriada  nos  versos  candentes  dà  terceira  decima 
como  portuguez  renegado^  acccndeii  os  brios  do  ajudante  de 
ordens,  filho  do  general:  ás  ultimas  palavras  do  poeta,  o 
ajudante  dirigi u-se  ao  camarote  em  que  elle  se  achava  e  a 
chicote  vingou  as  cruéis  offensas  jogadas  contra  seu  pae. 
Uma  das  senhoras  ahi  presentes,  indignada  contra  esta  aífronta 
praticada  em  seu  camarote,  adeantou-se  ao  official  e,  n'um 
Ímpeto  de  cólera,  partiu-lhe  o  leque  nas  faces.  Curvando-se 
á  justa  vingança  feminina,  o  ajudante  limitou-se  a  dizer: 
—  V.  Exa.  pôde  fazer  em  mim  o  que  quizer. 

Levantou-se  a  platéa  em  favor  do  poeta  bahiano,  e  o  offi- 
cial teria  pago  com  a  vida  o  seu  attentado  publico,  si  o  pre- 
sidente o  não  mandasse  recolher  preso  ao  quartel  general, 
como  satisfacção  dada  aos  espectadores. 

As  opiniões  dividiram-se  pró  e  contra  Manoel  Pessoa,  que 
d^aquelle  modo  escandaloso  desabafara  enorme  despeito,  por 
ter  sido  dispensado  de  seu  emprego  na  repartição  de  obras 
publicas,  que  havia  sido  extincta. 

Innegavel mente  essa  glosa,  com  todas  as  suas  inconve- 
niências de  occasião,  é  um  raio  brilhante  e  fulminador  como 
aquellas  immortaes  chispas  que  nos  Chaiimcnts  de  Victor 
Hugo  esmagaram  Napoleão  III  perante  a  posteridade. 


Ro  MKMOKIAS    URAZIIJCIRAS 


No  atuio  (Ic  1862  installou-sc  na  Bahia  a  Sociedade  dos 
I  \'(ernnos  dit  Indcpcndeitcia  do  Brazil^  associação  de  bene- 
fuviUMa,  lendo  por  fim  soccoircr,  na  vida  e  na  morte,  a 
loJos  (inatitos  tomaram  p.irte  nas  gloriosas  lactas,  ou  propor- 
cionanilo  pcnsiVs  aos  inválidos  ou  enterro  decente  aos  que 
SC  finavam.  Ungida  de  ii.  christã,  a  sociedade  mandava  celebrar 
missas  cm  determinados  dias  do  anno:  a  24  de  Setembro  por 
alma  de  1>.  Pedro  I,  fnndador  do  império  do  Rrazil ;  a  8  de 
Novembro,  annivers.irio  do  combate  de  Piraja,  por  alma  do 
I^eneral  Kabatut  e  do  seus  companheiros  d'armas  fallecidos 
na  j;nerra;  a6  do  Abril  ix>r  alma  do  patriarcha  José  Bonifácio 
do  Andrada  c  Silva,  o  instigador  da  idéa  da  independência; 
a  i<)  de  Abril  por  alma  do  general  José  Joaquim  de  Lima  e 
Silva,  ci>mmandaute  do  exercito  libertador,  e,  finalmente,  a  25 
de  Junho  —  data  do  movimento  revolucionário  na  Cachoeira 
— j>or  alma  das  iwtriolas  que  fizeram  a  indei^endencia  e  falle- 
ceram  dejv^is  do  celebrado  dia  2  dt  Julho  de  1S23, 

A  Sv>eioil;tde  tinha,  como  brazào  d\iniias,  uma  espada  e 
uma  jvUma  OtMoadas  e  sob  a  c\^n\\  as  hnoiaes  P  1  !  Pedro 
Pvimciro\  cironmdando  esie  embleuu  ,"*s  ]\uavr,^>  Wu-rn^iosí 
dã  /v,7VA';;.?Vvr,\7  ,v<?  l^.ihi.7  i  w  ,^,'',\ 

Xas  grandes  dias  de  fotas  jwniviioas  ^::  de  J;:^,:.^  e  7  de 
Setenibn^'^  desfraldava •x'^  na  íivnte  di^  ]\r;as.v:e  v!.>  ^^resiv^cTiie 
da  >xvio<íade.  Ja^qnim  Auionú>  d;;  SiS','i  Oar\',^':::,:\  :::::,":  'lun- 
deira  logvudana,  uc-^Wiada  e  c:-i\,ida  do  rv^\u> — rc^i-icr::.-. 
^\mK^noa,  rejvvscutando  a  br,:;\  ir,u  de  -iinia  gcr.tÇ,::-  .u  \,s- 
IculON  in\'Ouoivcis. 


CAPITULO  XXII  8l 


A  2  de  Julho  de  1873,  ao  passar  a  procissão  cívica 
defronte  d'esse  pavilhão  nacional,  a  ondular  no  espaço  como 
si  o  agitasse  a  alma  heróica  da  revolução  redemptora,  o 
grande  repentista  Francisco  Moniz  Barretto  ('),  em  um  surto 


( I )  o  poeta  Francisco  Moniz  Barretto  nasceu  na  viUa  de  Jaguarípe  a  lo  de 
Março  de  1804  e  falleceu  ni  Bahia  a  a  de  Juiiho  de  1868.  Publicou  em  1855  dois 
vMumes  de  poesias,  sob  o  titulo  Clássicos  c  Românticos.  Grande  improvisador, 
foi  elle  o  Bocage  brazileiro  pelos  elevadissimos  voos  da  inspiração  a  irromper ' 
espontânea  e  resplandecente  em  suas  odes  patrióticas  e  pela  extravagância  de, 
na  velhice,  offerecer  á  rapaziada  versos  obscenos  reunidos  em  álbum. 

Como  exemplo  áz  seu  finissimo  humorismo  citamos  um  facto.  Desejando 
o  poeta  bahiano  visconde  di  Pedra  Branca  (  Domingos  Borges  de  Barros  )  ter  á 
sua  mesa  o  notável  repentista,  dirígiu-lhe  o  seguinte 

CONVITE 

Si  de  mascar  um  peru 
Tem  hoje  gana  o  seu  dente, 
Venha  trínchal-o  em  familia 
Com  seu  amigo  e  parente. 

Mas  saiba  que  sobre  a  mesa 
Verá  peru,  nada  mais ; 
Nem  mesmo  si  a  gulosina 
Soltar  suspiros  e  ais. 
23  de  Dezembro  de  1851. 

Visconde  da  Pedra  Branca. 

Não  poude  Moniz  Barretto  satisfazer  ao  convite,  por  havel-o  recebido  tarde, 
mas  enviou  immediatamente  ao  visconde  estes  espirituosos  versos  : 

RESPOSTA 

N&o  quiz,  meu  visconde,  a  sorte. 
Que  para  mim  nunca  presta. 
Que  eu  comesse  peru  gordo 
Sem  ser  eqi  dia  de  festa. 

o  sen  convite  a  trinchal-o 
Recebi  qnasi  ao  sol  posto, 
Quando  para  a  casa  entrava 
Cheio  de  afan  e  desgosto, 
n  TOM.  ji 


82  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

de  eiithusiasmo  patriótico — como  tantos  que  lhe  occorriam 
á  mente  sempre  inspirada — apontou  á  nmltidào  a  veneranda 
insignia,  exclamando: 

Olhai  a  sua  bandeira 
Que  quasi  dez  lustros  tem : 
Nunca  abateu-se  a  ninguém 
Esse  estandarte  ancião ! 
Guiou  ao  combate,  á  gloria 
E  deu  renome  na  historia 
A  valente  batalhão ! 
Signal  de  um  povo  guerreiro 
Na  presença  do  extrangeiro 
Nunca  rojou  pelo  chão ! 

O  delirio  que  este  improviso  provocou  justificou-se  não  só 
por  seu  rasgo  oratório,  mas  ainda  pelo  facto  de  também  ter 


Sendo  já  passada  a  hora 
D'ir  á  pitança  ezcellente, 
Na  caseira  carne  magra 
MeUi  sem  vontade  o  dente. 

Xào  pude  engulir  boccado 
Da  costumeira  panella, 
Tendo  o  perd-nâo-comido 
Atravessado  na  guela. 

Um  de  seus  melhores  improvisos  foi  feito  no  theatro  S.  João  por  occasiâo  de 
festejar  a  Bahia  a  coroação  de  D.  Pedro  II.  Ahi,  sendo-lhe  dado  o  mote 

O  seu  Rei^  seu  irmão ^  seu  pae^  seu  nume, 

o  poeta,  depois  de  breve  concentração  de  espirito,  fez  ouvir,  perante  um  silencio 
quasi  religioso,  este  bello  soneto  : 

Do  thesouro  que  é  meu,  d'esse  thesouro 
Que  a  ninguém  usurpei,  hoje  despendo  ; 
O  tributo,  Brazil,  que  a  Pedro  rendo. 
Como  elle,  nobre,  não  custou  teu  ouro ! 


CAPITULO   XXII  83 

sido  o  poeta  iini  bravo  da  independência,  combatendo,  aos 
18  annos,  pela  causa  que  electrizava  a  multidão. 


Levar  seu  nom?  ao  século  vindouro, 
Após  a  gloria  nossa,  eu  só  pretendo  I 
Ao  nada  a  van  grandeza  irá  descendo  ! . 
Ku  irei  de  immortal  colhendo  o  louro  ! 

fiàse  qu?  hoje  elevado  á  mór  altura  (  *  ) 
I)»nis  talvez  sobre  a  terra  se  presume, 
Ha  de  crafim  conhecer  sua  loucura  I 

Grande  é  o  vate  quando  a  láurea  assume, 

Quindo  canta  ao  Brazil  sua  ventura, 

O  St' ti  Ret\  \t'u  irmão,  sen  pae^  seu  nume! 

Testemunhi  presencial  d'cstc  litterario  successo,  o  venerando  octogenário 
bahiano  dr.  Luiz  Rodrigues  DuUra  Rocha  teve  a  gentileza  de  nos  enviar  a 
seguinte  informação  : 

•  O  presidente  da  província,  dr.  Paulo  José  de  Mello  de  Azevedo  e  Britto, 
po2ta  eximio  e  companheiro  das  lid2s  bocagiauas  em  Lisboa,  cnthustasmado, 
sahiu  de  seu  camarote,  foi  abraçar  o  poeta  e  trouxe-o  em  sua  companhia. « 

Applausos  unanimes  da  platéa  festejaram  o  amplexo  dos  dois  litteratos 
bahianos. 

O  notável  repentista  brazíleiro  deixou  dois  filhos  (  hoje  fallecidos  )  dotados 
díi  talento  poético :  Rosendo  Moniz  Barretto  e  Francisco  Moniz  Barretto  Júnior, 
concorrendo  n'este  a  qualidade  de  violinista  de  raro  merecimento. 

Após  a  morte  do  eximio  improvisador,  publicou-sc  um  folheto  de  60  paginas, 
sob  o  titulo  Suspiros  e  goivos  lançados  sobre  o  ataúde  do  primeiro  poeta  repen- 
tista da  língua  porlugucza  Francisco  Moniz  Barretto,  por  alguns  de  seus 
discipulos,  amigos  e  admiradores  (  Bahia,  186S  \.  Ahi  foram  colleccionadas  as 
homenagens  que  á  sua  memoria  prestou  a  imprensa  bahiana  e  sentimcntaes 
poesias,  assignadas  por  Domingos  Joaquim  da  Fonseca.  A.  A.  de  Mendonça,  J.  A. 
dl  Cunha.  A.  Lopes  Cardoso,  Adelina  Josephina  de  Castro  Fonseca,  A.  P. 
Chichorro  da  Gama,  António  Plustaquio  Moniz  Birrctto,  D.,  Salles  Guimarães, 
Maria  Leopoldina  Rib?iro  Sanches,  Francisco  Moniz  Barretto  Júnior,  Manoel 
Pessoa  dl  Silva  c  Sylvio  Mauro  Moniz  Barretto. 

( •  )  Allust^o  ao  ministro  da  fazLMida  Miguel  Calmon  du  Pin  e  Almeida, 
raarquez  de  Abrantes,  que  demitlira  o  pojta  do  cargo  de  primeiro  cscriplurario 
da  alfandega  da  Bahia,  onde  foi  depois  reintegrado. 


84  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


O  arrojado  poeta  Castro  Alves  ('),  o  genial  combatente 
pela  causa  dos  escravos,  em  sua  Ode  ao  Dois  de  Julho^  reci- 
tada no  theatro  da  cidade  de  S.  Paulo,  definiu — de  modo 
febricitante  como  a  sua  mocidade,  vehemente  e  arrebatado 
como  o  seu  patriotismo  —  a  guerra  bahiana: 

Não !  Não  eram  dois  povos  que  abalavam 
N'aquelle  instante  o  solo  ensanguentado  .    .   . 
Era  o  por\'ir — em  frente  do  passado, 
A  liberdade — em  frente  á  escravidão! 
Era  a  lucta  das  águias — e  um  abutre, 
A  revolta  dos  pulsos — contra  os  ferros, 
Q  pugilato  da  razão — com  os  erros, 
O  duello  da  treva — e  do  clarão! 


( I )  O  poeta  António  de  Castro  Alves  nasceu  a  14  de  Março  de  1847, 
na  fazenda  Cabaceiras,  situada  a  sete  leg^uas  da  cidade  de  Curralinho,  hoje 
denominada  Cidade  de  Castro  Alves,  e  falleceu  na  Bahia  a  6  de  Julho  de  1871. 
Foram  seus  pães  o  dr.  António  José  Alves,  lente  da  faculdade  de  medicina,  e 
d.  Clelia  Brazilia  da  Silva  Castro.  Frequentou  às  faculdades  de  direito  do  Recife 
e  de  S.  Paulo,  porém  nfto  chegou  a  formar-se,  porque  a  moléstia  interrompeu- 
Ihe  03  estudos.  Em  S.  Paulo,  ao  effectuar  uma  caçada,  succ^deu-lhe  a  fatalidade 
de  disparara  arma,  indo  a  carga  empregar-se  em  um  pé,  que  teve  de  ser  amputado. 
Após  este  desastre,  sobreveiu-lhe  a  tuberculose  pulmonar  de  que  falleceu. 

Sáo  d'este  auctor:  Espumas  Flucttiinies,  poesias  (Bahia,  1870) ;  Gonzaga 
ou  a  revolução  de  Minas,  drama  (  Bahia,  1870  ) ;  A  cachoeira  de  Paulo  Affonso, 
poema  (  Bihia,  1876 ) ;  Fragmento  dos  Escravos,  manuscripto  de  Stenio  (Bahia, 
1876) ;  O  navio  negreiro,  tragedia  no  mar,  a  mais  bella  e  mais  valente  de  suas 
producçõirs  po2ticis.  Deixou  inéditos  os  poemas  Escravos  e  Calhau,  o  drama 
D.  Juan  e  uma  traducção  do  El  Diablo  Mundo,  de  Espronceda. 

Rival  do  posta  sergipano  Tobias  Barretto  de  Menezes,  excedeu  a  este  era 
hyperboles  á  Victor  Hugo. 

No  decennario  de  sua  morte  (  1881 )  o  grémio  litterario  Castro  Alzrs 
instituido  no  Rio  de  Janeiro  celebrou  sessào  magna  como  homenagem  á  sua 
memoria  e  fez  imprimir  um  livro,  em  que  coUaboraram  53  litterato.s  nacionacs 
e  exlrangeiros. 

O  cscriptor  portuguez  José  Palniella.  o  imaginoso  auctor  d ^-í  Aristocracia 


CAPITULO  XXII  85 


A  7  de  Janeiro  de  1900,  a  ilha  de  Itaparica  festejou  de 
modo  extraordinário  o  77.°  anniversario  do  grande  combate 
naval  travado  entre  os  insulares  e  as  forças  do  general  Madeira, 

Houve  pela  manhã  missa  campal  no  largo  da  Piedade, 
em  frente  á  capellinha  histórica  de  N.  S.  da  Piedade,  sendo 
celebrante   o   revd.  cónego  Bem  vindo  Teixeira,  vigário  de 


do  génio  e  da  belleza  feminil  na  antiguidade,  ao  votar-lhe  o  preito  de  sua 
admiração,  fez  &  Bahia  uma  poética  referencia :  «  Nascido  na  primogénita  filha 
de  Cabral,  na  terra  de  Rocha  Pitta,  de  Moniz  Rarretto,  Dantas,  Paranhos,  Dciró, 
Chagas  Rosa  e  tantos  outros  talentos  que  fulguram  «o  céo  da  poesia,  das  bellas- 
artes,  lettras  e  sciencias,  e  d'onde  surgem  os  maiores  estadistas  e  oradores  do 
império.  Castro  Alves  nào  podia  deixar  de  revelar  que  efa  um  abençoado  filho 
d'aquella  luxuosa  terra,  onde  a  natureza  ergue-sc  em  deslumbrantes  thronos  de 
esmeralda,  coroados  de  perfumosas  grinaldas,  que  ao  lançal-as  para  os  céos, 
fazem  cahir  para  a  terra,  como  inebriados  de  amor  e  poesia,  os  próprio.*  deu«%es  I  •» 

A  Bahia  consagfrou-lhe  também  n'essa  occasiào  uma  festa  glorificadora, 
cm  que  se  fez  ouvir  a  palavra  demosthenica  de  Ruy  Barbosa  em  uma  oraçáo 
que  lembra  marmóreo  monumento  grego.  Destaquemos  para  esti  pagina  uma 
columna  corinthia :  « O  que  faz  a  sua  grandeza  são  essas  qualidades,  superiores 
a  todas  as  escholas,  que,  em  todo.s  os  estados  da  cívilisação,  constituiram  e  hâo 
de  constituir  o  poela,  aquelle  que,  como  o  pae  di  tragedia  grega,  possa  dedicar 
as  suas  obras  ao  Tempo:  sentiu  a  natureza ;  teve  a  inspiração  universal  c  humana  ; 
encimou  artisticamente  nos  seu.^  cintos  o  grande  pensamento  da  sua  epocha. 

•  Que  não  cantou  elle,  e  que  não  cantou  como  poeta,  desde  os  primeiros 
ensaios  do  seu  génio?  Dir-sc-hia  que  a  sua  musa  roçara  os  lábios  no  mel  de 
todas  as  doçuras  e  na  essência  amarga  de  todas  as  agonias  do  nosso  destino 
passageiro  pela  face  da  creação ;  que  por  azas  escolhera  dois  raios  amorosos  do 
sol,  para  afagar  todas  as  harmonias  do  universo,  e,  como  o  épico  do  t:éo  e  do 
inferno,  na  extrema  visão  do  empyreo,  molhara  as  pálpebras  no  rio  de  luz  em 
que  Dante  humedeceu  os  olhos  para  a  contemplação  da  suprema  belleza  (  * ) ». 

A  faculdade  de  direito  de  S.  Paulo  mandou  embutir  na  frente  de  seu  edifício 
três  mármores  contendo  os  nomes  dos  três  poetas  de  mais  vulto  que  frequen- 
taram o   estabelecimento :  castro  alves,   alvares  de  azkvedo,  FAorxDES 

VARELLA. 

(•)  RiTV  Barbosa:  Decennario  de  Castro  Alves  —  Elogio  do  poeta 
(  Bahia,  1 881 ),  pag.  9. 


86  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Itaparica.  Assistiu  á  cerimonia  ò  veterano  Francisco  das 
Chagas,  de  iii  annos  de  edade,  nltimo  representante  dos 
heróes  qtie  combateram  na  ilha,  nos  dias  7,  8  e  9  de  Janeiro 
de  1823. 

Âs  três  horas  da  tarde — depois  de  percorrer  as  principaes 
ruas  o  carro  allegorico,  triumphal,  commemorativo  do  7  de 
Janeiro — Francisco  das  Chagas,  carregado  em  braços,  foi 
conduzido  ao  coreto  levantado  na  praça  da  Quitanda  e  ahi 
recebido  com  enthusiasticos  applausos;  um  coro  de .  meninas 
cantou  o  hymno  da  independência. 

A  enorme  multidão  que  se  premia  em  torno  do  coreto 
o  distincto  poeta  bahiano  João  de  Britto  apresentou  o 
veterano,  recitando  em  seguida  uma  vibrante  poesia,  como 
glorificação  ao  patriota.  Transcrevamos  três  estrophes : 


Sob  os  auspícios  da  Kxma.  Sra.  D.  Adelaide  de  Castro  Alves  Guimarães, 
irnià  do  poeta  e  viuva  do  dr.  Augusto  Alvares  Guimarães,  proprietário  do  Diário 
da  Bahiiiy  o  poeta  rio-grandense  Mucio  Teixeira  publicou  uni  voluiue  de  338 
paginas,  sob  o  titulo  /  'ida  c  obras  de  Castro  Alves  {  Bahia,  1896  ). 

Um  joven  escriptor  contemporâneo,  armado  cavalleiro  pelo  próprio  talento, 
a  terçar  com  g.ilhardia  em  d?fesa  d:i  justa  critica  littcraria,  fez  sobre  o  vate 
bahiano  excellente  apreciação : 

«  Castro  Alves,  poeta,  condoreiro,  não  teve  rival  no  fogo  do  estro.  A  sua 
imaginação  foi  como  um  insofreavel  corcel.  Brilho,  fulgor  de  imagens,  arrojo  de 
antitheses,  entliusiasmo  de  doutrinário,  tudo  clle  teve  no  seu  verso  poderoso  e 
arrebatado.  A  par  de  seus  formidáveis  poemas  da  escravidão,  como  O  navio 
nefrreiro  e  As  vozes  d" Africa^  compoz  poesias  que  o  não  deixam  mal  na  com- 
panhia dos  nossos  mais  celebrados  românticos.  Na  Cachoeira  de  Paulo  Affonso^ 
respigando-se  com  Iwm  g<»slo,  encontram-se  paginas  admiráveis,  e,  entre  as  suas 
poesias  avulsas,  uma  das  que  passaram,  p6de-.se  dizer,  para  o  cancioneiro  popu- 
lar 6  essa  languida  e  lasciva  Boa  Noite.  >» 

Frota  Pessoa  :  Critica  e polemica  (Rio  de  Janeiro,  1902),  pags.  60  e  61. 


CAPITULO  XXII  87 


Filha  da  vaga,  esplendida  cidade, 
Que  és  como  altar  erguido  á  liberdade, 

Que  o  tempo  não  destróe, 
Por  mais  que  te  enfeitasse  a  natureza, 
Deixa  que  o  mundo  inveje-te  a  grandeza, 

Honrando  o  teu  heróe. 


Venham  beijar-lhe  a  mào  essas  creanças 
Que  sâo  da  pátria  as  vivas  esperanças, 

Cidadãos  do  porvir  ; 
Prestem-lhe  todos  civica  homenagem, 
Como  si  vissem  n  'elle  a  própria  imagem 

Da  gloria  a  nos  sorrir ! 

Tu  não  podes  morrer,  velho  guerreiro. 
Que  realças  o  Sete  de  Janeiro, 

O  grande  festival ! 
Na  coroa  que  o  povo  te  dedica 
Recebe  o  coração  de  Itaparica, 

Que  te  sagra  im  mortal ! 

Francisco  das  Chagas  nasceu  no  anno  de  1789  e  falleceu 
a  29  de  Setembro  de  1900. 

A  data  2  de  Julho  ficou  assignalada  como  a  da  maior 
gloria  bahiana,  porque  recorda  a  expulsão  de  um  poder 
ignorante,  violento  e  bárbaro  que  durante  o  seu  doniinio  só 
traçou  paginas  luctuosas;  porque  exprime  a  tranquillidade 
do  lar,  que  havia  sido  perturbada  pela  força  ao  serviço  do 
despotismo;  porque  representa  aos  olhos  do  historiador  um 
conjunctode  feitos  memoráveis — rasgos  de  abnegação,  luctas 
pertinazes  e  sempre  victoriosas  —  com  que  a  Bahia  pagou 
largo  tributo  de  precioso  sangue  á  sagrada  independência 
da  pátria. 


CAPITULO  XXIII 


Manifesto  de  D.  Pedro  às  nações  amigas  contra  as  cortes 

DE  Lisboa.  Proclamação  da  independência  do  Brazil 

A  7  DE  Setembro  de  1822.  Motins  de  tropas  na  Bahia.  Morte 

do  Coronel  Felisberto  (íomes  Caldeira.  Vinda  de  D.  Pedro 

À  Bahia.  Desordens  nas  cortes  portuguezas — 1822-1824 


^i^OMO  prolegomenos  da  independência,  surgiu  a  6  de 
Agosto  de  1822  o  Manifesto  de  D,  Pedro  de  Alcântara  ás 
nações  e  governos  amigos  e  alliados^  documento  que  é  um 
libello  accusatorio  contra  as  cortes  de  Lisboa  em  preten- 
derem, calcando  as  leis  do  evolucionismo  social,  recolouizar 
o  Brazil.  O  Manifesto  ofFerece-nos  duplo  valor:  o  de  ter  sido 
escripto  por  um  portuguez  compenetrado  da  felicidade  doesta 
terra,  e  o  de  ter  sido  inspirado  pela  energia  patriótica  de 
José  Bonifácio.  O  espirito  ardente,  bellicoso,  altivo  de  D.  Pedro 
adaptou-se  ao  estylo  violento  do  velho  paulista  e  da  fusão 
doestes  dois  bellos  elementos  de  força  resultou  o  protesto 
fulminador  contra  o  congresso  luzitano — paginas  que  repre- 
sentam um  brado  de  revolta  partido  de  um  povo  inteiro,  um 
grito  de  vingança  da  victima  contra  as  oppressões  do  algoz. 

Inventario  feito  cora  justiça,  expõe  o  que  era  o  Brazil 

\l  TOM.  II 


90  MEMORIAS  fiRAZILEIRAS 


colonial,  humilhado  ante  as  prepotências  da  metrópole,  e  de 
modo  evidente  elucida  que  foi  o  próprio  Portugal  quem,  por 
meio  de  medidas  de  exaggerado  rigor,  apressou  a  indepen- 
dência do  opulento  reino  que  fundou  na  America.  A  aspira- 
ção dos  brazileiros  teve  prompto  desenlace,  porque  para  elle 
cooperaram  as  exigências  anti-liberaes  dos  deputados  portu- 
guezes. 

Apresentar  á  publica  apreciação  documento  de  tal  ordem 
é  offerecer  um  vibrante  retrospecto  de  nossa  vida  politica 
durante  o  decorrer  dos  três  primeiros  séculos. 

Eis  o  Manifesto: 

V  Desejando  eu  e  os  povos  que  me  reconhecem  como  seu 
Príncipe  Regente,  conservar  as  relações  politicas  ecommer- 
ciaes  com  os  governos  e  nações  amigas  d'este  reino,  e  conti- 
nuar a  merecer-lhes  a  approvaçáo  e  estima  de  que  se  faz 
credor  o  caracter  brazileiro,  curapre-me  expôr-llies  succinta, 
mas  verdadeiramente,  a  serie  dos  factos  e  motivos  que  me 
têm  obrigado  a  annuir  á  vontade  geral  do  Brazil,  que 
proclama  á  face  do  universo  a  sua  independência  politica  e 
quer  como  reino  irmão  e  como  nação  grande  e  poderosa 
conservar  illesos  e  firmes  seus  imprescriptiveis  direitos,  contra 
03  quaes  Portugal  sempre  atteutou,  e  agora  mais  do  que 
nunca,  depois  da  decantada  regeneração  politica  da  monar- 
chia  pelas  cortes  de  Lisboa  ( ' ). » 


( I  )  Seguem-se  os  tópicos  Iranscriptos  a  pags.  172  e  173  d'estas  Memorias. 


CAPITULO  XXIII  91 


«  Si  a  actividade  de  algum  colono  ofíerecia  a  seus  conci- 
dadãos, de  quando  em  quando,  algum  novo  ramo  de  riqueza 
rural,  naturalizando  vegetaes  exóticos,  úteis  e  preciosos — . 
impostos  onerosos  vinham  logo  dar  cabo  de  tão  felizes 
começos.  Si  homens  emprehendedores  ousavam  mudar  o 
curso  de  caudalosos  ribeirões  para  arrancarem  de  seus  alveos 
os  diamantes,  eram  logo  impedidos  pelos  agentes  cnieis  do 
monopólio  e  punidos  por  leis  inexoráveis.  Si  o  supérfluo  de 
suas  producções  convidava  e  reclamava  a  troca  de  outras 
producções  extranhas,  privado  o  Brazil  do  mercado  geral  dás 
nações  e  por  conseguinte  da  sua  concorrência,  que  encareceria 
as  compras  e  abarataria  as  vendas  —  nenhum  outro  recurso 
lhe  restava  senão  mandal-as  aos  portos  da  metrópole  e 
estimular  assim,  cada  vez  mais,  a  sórdida  cobiça  e  prepotên- 
cia de  seus  tyrannos.  Si,  finalmente,  o  brazileiro,  a  quem 
a  provida  natureza  deu  talentos  não  vulgares,  anhelava 
instruir-se  nas  sciencias  e  nas  artes,  para  melhor  conhecer  os 
seus  direitos  011  saber  aproveitar  as  preciosidades  naturaes 
com  que  a  Providencia  dotara  o  seu  paiz,  mister  lhe  era  ir 
mendigal-as  a  Portugal,  que  pouco  as  possuia,  e  de  onde 
muitas  vezes  lhe  não  era  permittido  regressar. 

«Tal  foi  a  sorte  do  Brazil  por  quasi  três  séculos,  tal  a 
mesquinha  politica  que  Portugal,  sempre  acanhado  em  suas 
vistas,  sempre  faminto  e  tyranuico,  imaginou,  para  cimentar 
o  seu  dominio  e  manter  o  seu  ficticio  esplendor.  Colonos  e 
indigenas,  conquistadores,  seus  filhos  e  os  filhos  de  seus 
filhos,  tudo  foi  confundido,  tudo  ficou  sujeito  a  um  anathema 


92  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


geral.  E  porquanto  a  ambiçáo  do  poder  e  a  sede  de  ouro  são 
sempre  insaciáveis  e  sem  freio,  não  se  esqueceu  Portugal  de 
mandar  continuamente  bachás  desapiedados,  magistrados 
corruptos,  e  enxames  de  agentes  fiscaes  de  toda  a  espécie, 
que,  no  delirio  de  suas  paixões  e  avareza,  despedaçavam  os 
laços  da  moral  assim  publica  como  domestica,  devoravam  os 
mesquinhos  restos  dos  suores  e  fadigas  dos  habitantes  e 
dilaceravam  as  entranhas  do  Brazil,  que  os  sustentava  e 
enriquecia,  para  que,  reduzidos  á  ultima  desesperação,  seus 
povos,  quaes  submissos  musulmanos,  fossem  em  romarias  á 
nova  Meca,  comprar  com  ricos  dons  e  offerendas  uma  vida, 
bem  que  obscura  e  languida,  ao  menos  mais  supportavel  e 
folgada.  Si  o  Brazil  resistiu  a  esta  terrente  de  males,  si 
medrou  no  meio  de  tão  vil  oppressão,  deveu-o  a  seus  filhos 
fortes  e  animosos  que  a  natureza  tinha  talhado  para  gigantes; 
deveu-o  aos  benefícios  d*essa  boa  mãe,  que  lhe  dava  forças 
sempre  renascentes,  para  zombarem  dos  obstáculos  physicos 
e  moraes,  que  seus  ingratos  pães  e  irmãos  oppunhain  acinte- 
mente  ao  seu  crescimento  e  prosperidade. 

«Porém  o  Brazil,  ainda  que  ulcerado  com  a  lembrança 
de  seus  passados  infortúnios,  sendo  naturalmente  bom  e 
honrado,  não  deixou  de  receber  com  inexplicável  jubilo  a 
Augusta  Pessoa  do  Senhor  D.  João  VI  e  a  toda  a  Real 
Familia.  Fez  mais  ainda:  acolheu  com  braços  hospedeiros  a 
nobreza  e  povo,  que  emigrara,  acossados  pela  invasão  do 
déspota 'da  Europa;  tomou  contente  sobre  seus  hombros  o 
peso  do  throno  de  meu  Augusto  Pae;  conservou  com  esplen- 


CAPITULO  XXIII  Ç3 


dor  o  diadema  que  lhe  cingia  a  fronte;  suppriu  com  genero- 
sidade e  profusão  as  despezas  de  uma  nova  corte  desregrada, 
e,  o  que  mais  é,  em  gYandissima  distancia,  sem  interesse 
algum  seu  particular,  mas  só  pelos  simples  laços  da  fraterni- 
dade, contribuiu  também  para  as  despezas  da  guerra,  que 
Portugal  tão  gloriosamente  tentara  contra  os  seus  invasores. 

«E  que  ganhou  o  Brazil  em  paga  de  tantos  sacrifícios? 

«A  continuação  dos  velhos  abusos  e  o  accrescimo  de 
novos,  introduzidos,  parte  pela  impericia,  parte  pela  immora- 
lidade  e  pelo  crime. 

«Taes  desgraças  clamavam  altamente  por  uma  prompta 
reforma  de  governo,  para  a  qual  o  habilitavam  o  accrescimo 
de  luzes,  os  seus  inauferíveis  direitos,  como  homens  que 
formavam  a  porção  maior  e  mais  rica  da  nação  portugueza, 
favorecidos  pela  natureza  na  sua  posição  géographica  e 
central  no  meio  do  globo,  nos  seus  vastos  portos  e  enseadas, 
e  nas  vastas  riquezas  de  seu  solo;  porém  sentimentos  de 
lealdade  excessiva  e  um  extremado  amor  para  com  seus 
irmãos  de  Portugal  embargaram  seus  queixumes,  sopearam 
sua  vontade  e  fizeram  ceder  esta  palma  gloriosa  a  seus  pães 
e  irmãos  da  Europa. 

ff  Quando  em  Portugal  se  levantou  o  grito  da  regeneração 
politica  da  monarchia,  confiados  os  povos  do  Brazil  na 
inviolabilidade  dos  seus  direitos  e  incapazes  de  julgar 
aquelles  seus  innàos  differentes  em  sentimentos  e  generosi- 
dade, abandonaram  a  estes  ingratos  a  defeza  de  seus  mais 
sagrados   interesses   e  o  cuidado  da  sua  completa  reconsti- 


94  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


tuição,  e  na  melhor  fé  do  inundo  adormeceram  tranquillos  á 
borda  do  mais  terrível  precipício.  Confiando  tudo  da  sabe- 
doria e  justiça  do  Congresso  Lisbonense,  esperava  o  Brazil 
receber  d'elle  tudo  o  que  lhe  pertencia  por  direito.  Quão 
longe  estava  então  de  presumir  que  esse  mesmo  Congresso 
fosse  capaz  de  tão  vilmente  atraiçoar  suas  esperanças  e 
interesses — interesses  que  estão  estreitamente  enlaçados  com 
os  geraes  da  nação ! 

tf  Agora  já  conhece  o  Brazil  o  erro  em  que  cahira;  e  si  os 
brazileiros  não  fossem  dotados  d'aquelle  generoso  enthu- 
siasmo  que  tantas  vezes  confunde  phosphoros  passageiros 
com  a  verdadeira  luz  da  razão,  veriam,  desde  o  primeiro 
manifesto  que  Portugal  dirigira  aos  povos  da  Europa,  que 
um  dos  fins  occultos  de  sua  apregoada  regeneração  consistia 
em  restabelecer  astutamente  o  velho  systema  colonial,  sem  o 
qual  crêo  sempre  Portugal,  e  ainda  hoje  o  crê,  que  não 
pôde  existir  rico  e  poderoso. 

«Não  previu  o  Brazil  que  seus  deputados,  tendo  de  passar 
a  um  paiz  extranho  e  arredado,  tendo  de  luctar  contra 
preoccupações  e  caprichos  inveterados  da  metrópole,  faltos 
de  todo  o  apoio  prompto  de  amigos  e  parentes,  de  certo 
haviam  de  cahir  na  nullidade  em  que  ora  os  vemos;  mas 
foi-lhe  necessário  passar  pelas  duras  licçóes  da  experiência 
para  reconhecer  a  illusão  das  suas  erradas  esperanças. 

«Mas  merecem  desculpa  os  brazileiros,  porque,  almas 
cândidas  e  generosas,  muita  diflSculdade  teriam  de  capacitar-se 
que  a  gabada  regeneração  da  monarchia  houvesse  de  começar 


CAPITULO  XXIII  95 


pelo  restabelecimento  do  odioso  systema  colonial.  Era  mui 
difficil,  quasi  incrivel,  conciliar  este  plano  absurdo  e  tyran- 
nico  com  as  luzes  e  liberalismo  que  altauiente  apregoava  o 
Congresso  protuguez !  E  ainda  mais  incrivel  eia  que  houvesse 
homens  tão  atrevidos  e  insensatos,  que  ousassem,  como 
depois  direi,  attribuirá  vontade  e  ordens  de  Meu  Augusto  Pae 
El-Rei  o  Senhor  D.  João  VI,  a  quem  o  Brazil  deveu  a  sua 
categoria  de  reino,  querer  derribar  de  um  golpe  o  mais  bello 
padrão  que  o  ha  de  eternizar  na  Historia  do  universo. 
É  incrivel  por  certo  tão  grande  allucinação;  porém  falam  os 
factos  e  contra  a  verdade  manifesta  não  pôde  haver 
sophismas. 

«  Emquanto  Meu  Augusto  Pae  não  abandonou,  arrastado 
por  occultas  e  pérfidas  manobras,  as  praias  do  Janeiro  para  ir 
desgraçadamente  habitar  de  novo  as  do  velho  Tejo,  affectava 
o  Congresso  de  Lisboa  sentimentos  de  fraternal  egualdade 
para  com  o  Brazil  e  principios  luminosos  de  reciproca 
justiça,  declarando  formalmente  (art.  26  das  bases  da  Consti- 
tuição) que  a  lei  fundamental  que  se  ia  organizar  e  promulgar 
s6  teria  applicação  a  este  reino  si  os  deputados  d'elle,  depois 
de  reunidos,  declarassem  ser  esta  a  vontade  dos  povos  que 
representavam.  Mas  qual  foi  o  espanto  d^esses  mesmos  povos, 
quando  viram,  em  contradicção  d'aquelle  artigo,  e  com 
desprezo  de  seus  inalienáveis  direitos,  uma  fracção  do 
Congresso  geral  decidir  dos  seus  mais  caros  interesses,  quando 
viram  legislar  o  partido  dominante  d'aquelle  Congresso 
incompleto  e   imperfeito   sobre   objectos   de    transcendente 


96  MEMORIAS  B&AZILHIRAS 


importância    e    privativa    competência    do    Brazil,    sem   a 
audiência  sequer  de  dois  terços  de  seus  representantes! 

«Este  partido  dominador,  que  ainda  hoje  insulta  sem  pejo 
as  luzes  e  probidade  dos  homens  sensatos  e  probos  que  nas 
cortes  existem,  tenta  todos  os  meios  infernaes  e  tenebrosos 
da  politica  para  continuar  a  enganar  o  crédulo  Brazil  com 
apparente  fraternidade,  que  nunca  morara  em  seus  corações 
e  aproveita  astutamente  os  desvarios  da  junta  governativa 
da  Bahia  (que  occultamente  promovera)  para  despedaçar 
o  sagrado  nó  que  ligava  todas  as  provincias  do  Brazil  á  minha 
legitima  e  paternal  Regência.  Como  ousou  reconhecer  o 
Congresso,  n'aquella  junta  facciosa,  legitima  auctoridade 
para  cortar  os  vinculos  politicos  da  sua  provincia  e  apartar-se 
do  centro  do  systema  a  que  estava  ligada,  e  isto  ainda  depois 
do  juramento  de  meu  Augusto  Pae  á  Constituição  promettida 
a  toda  a  monarchia?  Com  que  direito,  pois,  sanccioncu  esse 
Congresso,  cuja  representação  nacional  só  se  limitava  á  de 
Portugal,  actos  tão  illegaes,  criminosos,  e  das  mais  funestas 
consequências  para  todo  o  Reino  Unido?  E  quaes  foram 
as  utilidades  que  d'ahi  vieram  á  Bahia?  O  vão  e  ridiculo 
nome  de  provincia  de  Portugal — e  o  peor  é,  os  males  da 
guerra  civil  e  da  anarchia  em  que  hoje  se  acha  submergida 
por  culpa  do  seu  primeiro  governo,  vendido  aos  demagogos 
lisbonenses  e  de  alguns  outros  homens  deslumbrados  com 
idéas  anarchicas  e  republicanas. 

«(Porventura  ser  a  Bahia  provincia  do  pobre  e  acanhado 
reino  de   Portugal,  quando  assim  podesse  conservar-se,  era 


CAPITULO  XXIII  97 

mais  do  que  ser  urna  das  primeiras  do  vasto  e  grandioso 
Império  do  Brazil?  Mas  eram  outras  as  vistas  do  Congresso. 
O  Brazil  não  devia  mais  ser  reino:  devia  descer  do  throno 
de  siia  categoria ;  despojar-se  do  manto  real  de  sua  magestade, 
depor  a  coroa  e  o  sceptro  e  retroceder  na  ordem  politica 
do  universo,  para  receber  novos  ferros  e  humilhar-se  como 
escravo  perante  Portugal. 

«Não  paremos  aqui:  examinemos  a  marcha  progressiva 
do  Congresso.  Auctorizam  e  estabelecem  governos  provin- 
ciaes  anarchicos  e  independentes  uns  dos  outros,  mas  sujeitos 
a  Portugal.  Rompem  a  responsabilidade  e  harmonia  nmtua 
entre  os  poderes  civil,  militar  e  financeiro,  sem  deixarem  aos 
povos  outro  recurso  a  seus  males  inevitáveis  senão  atravez 
do  vasto  oceano — recurso  inútil  e  ludibrioso.  Bem  via  o 
Congresso  que  despedaçava  a  architectura  magestosa  do 
império  brazileiro;  que  ia  separar  e  pôr  em  continua  lucta 
suas  partes;  annihilar  suas  forças  e  até  converter  as  provín- 
cias em  outras  tantas  republicas  inimigas.  Mas  pouco  lhe 
importavam  as  desgraças  do  Brazil;  basta va-lhe  por  então 
proveitos  momentâneos,  e  nada  se  lhe  dava  de  cortar  a  arvore 
pela  raiz,  comtanto  que,  á  semelhança  dos  selvagens  da  Loui- 
siana,  colhesse  logo  seus  fructos,  sequer  uma  vez  somente. 

«As  representações  e  esforços  da  junta  governativa  e  dos 
deputados  de  Pernambuco,  para  se  verem  livres  das  baionetas 
europeas,  ás  quaes  aquella  provincia  devia  as  tristes  dissen- 
sões intestinas  que  a  dilaceravam,  foram  baldadas.  Então 
o  Brazil  começou  a  rasgar  o  denso  véo  que  cobria  seus  olhos, 

J3  TOM.  II 


98  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


e  foi  conhecendo  o  para  que  se  destinavam  essas  tropas; 
examinou  as  causas  do  mau  acolhimento  que  recebiam  as 
propostas  dos  poucos  deputados  que  já  tinha  em  Portugal 
e  foi  perdendo  cada  vez  mais  a  esperança  de  melhoramento 
e  refonna  nas  deliberações  do  Congresso,  pois  via  que  uáo 
valia  a  justiça  de  seus  direitos,  nem  as  vozes  e  patriotismo 
de  seus  deputados. 

« Ainda  não  é  tudo.  Bem  conheciam  as  cortes  de  Lisboa 
que  o  Brazil  estava  esmagado  pela  immensa  divida  do  The- 
souro  ao  seu  Banco  Nacional,  e  que,  si  este  viesse  a  fallir,  de 
certo  innumeraveis  familias  ficariam  arruinadas  ou  reduzidas 
a  total  indigência.  Este  objecto  era  da  maior  urgência :  todavia 
nunca  o  credito  doeste  Banco  lhes  deveu  a  menor  attenção ; 
antes  parece  que  se  empenhavam  com  todo  o  esmero  em 
dar-lhe  o  ultimo  golpe,  tirando  ao  Brazil  as  sobras  das  rendas 
provinciaes  que  deviam  entrar  no  Thesouro  Publico  e  Cen- 
tral, e  até  esbulharam  o  Banco  da  administração  dos  contra- 
ctos que  El-Rei  Meu  Augusto  Pae  lhe  havia  concedido,  para 
amortização  d'esta  divida  sagrada. 

«Chegam  emfim  ao  Brazil  os  fataes  decretos  de  minha 
retirada  para  a  Europa  e  da  extincção  total  dos  Tribunaes  do 
Rio  de  Janeiro,  ao  mesmo  tempo  que  ficavam  subsistindo  os 
de  Portugal. 

« Desvaneceram-se  encão  em  um  momento  todas  as  espe- 
ranças, até  mesmo  de  conservar  uma  Delegação  do  Poder 
Executivo,  que  fosse  o  centro  commum  de  união  e  de  força 
entre  todas  provincias  doeste  vastíssimo  paiz,  pois  que,  sem 


CAPITULO  XXIII  99 


este  centro  coinmum,  que  dê  regularidade  e  impulso  a  todos 
os  movimentos  de  sua  machina  social,  debalde  a  natureza 
teria  feito  tudo  o  que  d'ella  profusamente  dependia  para  o 
rápido  desenvolvimento  das  suas  forças  e  futura  prosperidade. 
Um  governo  forte  e  constitucional  era  só  quem  podia  descra- 
peçar  o  caminho  para  o  augmento  da  civilização  e  riqueza 
progressiva  do  Brazil ;  quem  podia  defendel-o  de  seus  inimi- 
gos externos  e  coliibir  as  facções  internas  de  homens  ambi- 
ciosos e  malvados  que  ousassem  attentar  contra  a  liberdade  e 
propriedade  individual  e  contra  o  socego  c  segurança  publioa 
do  Estado  em  geral  e  de  cada  uma  de  suas  provincias  em 
particular.  Sem  este  centro  commum,  torno  a  dizer,  todas  as 
relações  de  amizade  e  commercio  mutuo  entre  este  reino  e  o 
de  Portugal  e  paizes  extrangeiros,  teriam  mil  colHsões  e 
embates ;  e  em  vez  de  se  augmentar  a  nossa  riqueza  debaixo 
de  um  systema  solido  e  adequado  de  economia  publica,  a 
veríamos  pelo  contrario  entorpecer,  definhar  e  acabar  talvez 
de  todo.  Sem  este  centro  de  força  e  iniiào,  finalmente,  não 
poderiam  os  brazileiros  conservar  as  suas  fronteiras  e  limites 
naturaes  e  perderiam,  como  agora  machina  o  Congresso,  tudo 
o  que  ganharam  á  custa  de  tanto  sangue  e  cabedaes,  e  o  que 
é  peor,  com  menoscabo  da  honra  e  brio  nacional  e  dos  seus 
grandes  e  legítimos  interesses  politicos  e  commerciaes.  Mas, 
felizmente  para  nós,  a  justiça  ultrajada  e  a  sã  politica  levan- 
taram um  brado  universal,  e  ficou  suspensa  a  execução  de 
tão  maléficos  decretos. 

« Resentiram-se  de  novo  os  povos  doeste  reino,  vendo  o 


lOO  MEMORIAS   BRAZILHIRAS 


desprezo  com  que  foram  tratados  os  cidadãos  beneméritos 
do  Brazíl,  pois  na  numerosa  lista  de  diplomáticos,  ministros 
de  estado,  conselheiros  e  governadores  militares  não  apparecen 
o  nome  de  um  só  brazileiro. 

1 0s  fins  sinistros  por  que  se  nomearam  estes  novos  bacbás, 
com  o  titulo  doirado  de  Goz^ernadores  d\4rnttis  estão  hoje 
manifestos;  basta  attender  ao  comportamento  uniforme  que 
háo  tido  em  nossas  provincias,  oppondo-se  á  dignidade  e 
liberdade  do  Brazil,  e  basta  a  consideração  com  que  as  cortes 
ouvem  seus  officios  e  a  ingerência  que  tomam  em  matérias 
civis  e  politicas,  muito  alheias  de  qualquer  mando  militar. 

*  A  condescendência  com  que  as  cortes  receberam  as 
felicitações  da  tropa  fratricida  expulsa  de  Pernambuco  e,  ha 
pouco,  as  approvações  dadas  pelo  partido  dominante  do  Con- 
gresso aos  revoltosos  procedimentos  do  general  Avilez,  que, 
para  cumulo  de  males  c  sofirimento,  até  deu  causa  á  prematura 
morte  de  meu  querido  Filho  o  Príncipe  D.  João;  o  pouco 
caso  c  escarneo  coui  que  foram  ultimamente  ouvidas  as 
sanguinosas  scenas  da  Bahia,  perpetradas  pelo  infame  Madeira, 
a  quem  vão  reforçar  com  novas  tropas,  apezar  dos  protestos 
dos  deputados  do  Brazil:  tudo  isto  evidencia  que  depois  de 
subjugada  a  liberdade  das  províncias,  suffocados  os  gritos  de 
suas  justas  reclamações,  denuncisdos  como  anti-constitucio- 
naes  o  patriotismo  e  honra  dos  cidadãos,  só  pretendem  esses 
desorganizadores  estabelecer  debaixo  das  palavras  enganosas 
de  união  e  fraternidade,  um  completo  despotismo  militar, 
com  que  esperam  esmagar-nos. 


CAPITULO   XXIII  lOI 


«c  Nenhum  governo  justo,  nenhuma  nação  civilizada  deixará 
de  comprehender  que,  privado  o  Brazil  de  um  Poder  Execu- 
tivo; que  extinctos  os  Tribunaes  necessários  e  obrigado  a  ir 
mendigar  a  Portugal,  atra  vez  de  delongas  e  perigos,  as  graças 
e  a  justiça;  que  chamadas  a  Lisboa  as  sobras  das  rendas  das 
suas  provincias;  que  anniquilada  a  sua  categoria  dé  reino, 
e  que  dominado  este  pelas  baionetas  que  de  Portugal  man- 
dassem— só  restava  ao  Brazil  ser  riscado  para  sempre  do 
numero  das  nações  e  povos  livres,  ficando  outra  vez  reduzido 
ao  antigo  estado  colonial  e  de  commercio*  exclusivo. 

«Mas  não  convinha  ao  Congresso  patentear,  á  face  do 
mundo  civilizado,  seus  occultos  e  abomináveis  projectos: 
procurou  portanto  rebuçal-os  de  novo,  nomeando  commissões 
encarregadas  de  tratar  dos  negócios  politicos  e  mercantis  d'este 
reino. 

ff  Os  pareceres  doestas  commissões  correm  pelo  universo, 
e  mostram  terminantemente  todo  o  machiavelismo  e  hypo- 
crisia  das  cortes  de  Lisboa,  que  só  podem  illudir  a  homens 
ignorantes,  e  dar  novas  armas  aos  inimigos  solapados  que 
vivem  entre  nós. 

«  Dizem  agora  esses  falsos  e  maus  politicos  que  o  Congresso 
deseja  ser  instruido  dos  votos  do  Brazil  e  que  sempre  quiz 
acertar  em  suas  deliberações:  si  isto  é  verdade,  porque  ainda 
agora  rejeitam  as  cortes  de  Lisboa  tudo  quanto  propõem  os 
poucos  deputados  que  lá  temos  ? 

«Essa  commissão  especial,  encarregada  dos  negócios  poli- 
ticos doeste  reino,  já  lá  tinha  em  seu  poder  as  representações 


I02  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


de  muitas  de  nossas  províncias  e  camarás,  em  que  pediam  a 
derogação  do  decreto  sobre  a  organização  dos  governos  pro- 
vinciaes  e  a  minha  conservação  n'este  reino  como  Príncipe 
Regente. 

«Que  fez,  poréni,  a  commissão?  A  nada  d'isso  attendeu,  - 
e  apenas  propoz  a  minha  estada  temporária  no  Rio  de  Janeiro, 
sem  entrar  nas  attribuições  que  me  deviam  pertencer,  como 
delegado  do  Poder  Executivo.  Reclamavam  os  povos  um 
centro  único  d'aquelle  poder,  para  se  evitar  a  desmembração 
do  Brazil  em  partes  isoladas  e  rivaes.  Que  fez  a  commissão? 
Foi  tão  machiavelica,  que  propoz  se  concedesse  ao  Brazil 
dois  ou  mais  centros,  e  até  que  se  correspondessem  directa- 
mente com  Portugal  as  provincias  que  assim  o  desejassem. 

«Muitas  vezes  levantaram  seus  brados  a  favor  do  Brazil 
os  nossos  deputados,  mas  suas  vozes  expiraram  sufiFocadas 
pelos  insultos  da  gentalha  assalariada  das  galerias. 

«A  todas  as  suas  reclamações  responderam  sempre  que 
eram  ou  contra  os  artigos  decretados  na  constituição  ou 
contra  o  regulamento  interior  das  cortes,  ou  que  não  podiam 
derogar  o  que  já  estava  decidido,  ou  finalmente  respondiam 
orgulhosos:  «Aqui  não  ha  deputados  de  provincias,  todos  são 
deputados  da  nação,  e  só  deve  valer  a  pluralidade. »  Falso  e 
inaudito  principio  de  direito  publico,  porém  muito  útil  aos 
dominadores,  porque,  escudados  pela  maioria  dos  votos  euro- 
peus, tornavam  nuUos  os  dos  brazileiros,  podendo  assim 
escravizar  o  Brazil  a  seu  sabor. 

«Foi  presente  ao  Congresso  a  carta  que  me  dirigiu   o 


CAPITULO  XXIII  103 


governo  de  S.  Paulo»  e  logo  depois  o  voto  unanime  da  depu- 
tação que  me  foi  enviada  pelo  governo,  camará  e  clero  de 
sua  capitfil.  Tudo  foi  baldado.  A  junta  d'aquelle  governo  foi 
insultada,  taxada  de  rebelde  e  digna  de  ser  criminalmente 
processada  (').  Emfim  pelo  órgão  da  imprensa  livre  os  escri- 


í  I )  Em  sessão  de  17  de  Junho,  o  deputado  portugruez  Ferreira  de  Moura, 
depois  de  faz;r  acerbas  censuras  ao  príncipe  e  invectivar  a  junta  de  governo 
c  auctoridades  de  S,  Paulo,  o  senado  da  camará  do  Rio  de  Janeiro  e  os  ministros, 
a  quem  taxava  de  maus  conselheiros  de  Ti.  Pedro,  disse  violentamente :  « NAo 
quero  insistir  mais !  Observarei  somente  as  insolentes  palavras  com  que  ousaram 
insultar  a  naçAo  inteira,  representada  n'este  soberano  Congresso.  Chama  aquella 
rebelde  junta  um  roubo.  .  .  um  roubo!  o  haverem  as  cortes  tirado  a  logar- 
tenencia  ao  Principe  Real !  Dizem  que  é  um  despotismo  inaudito,  um  perjúrio 
politico  o  legislarem  as  cortes  para  o  Hrozil!  Mas  deixemos  isto,  que  mais 
nao  é  senão  uma  rapsódia  de  tudo  quanto  ha  de  mais  baixo  e  de  mais  pueril. 
Eu  me  proponho  a  buscar  o  crime,  está  perto,  vai  a  ser  presente. 

•  Proscriptos  sejam  sempre  da  terra  homens  tão  malvados  e  perversos,  mas 
que  por  desgraça  ainda  existem,  e,  por  cumulo  de  calamidades,  existem  ainda 
governando!  Tal  é  o  enorme  crime  d'aquella  rebeldissima  junta!  Senhores! 
O  Principe  Real  na  sua  conducta  politica  tem  feito  por  merecer  as  censuras  das 
cArtes.  Ora,  si  elle  tem  feito  tudo  isto  sendo  Principe,  que  fará  quando  fôr  Rei? 
I)2ve-3e  mandar  já  proceder  contra  a  rebelde  junta  de  S.  Paulo,  contra  o  bispo, 
contra  todos  o:s  culpados  de  haverem  assignado  representações  ao  Príncipe  Real, 
innigando-o  a  d;ísobedecer  ao  Congresso.  Venha  desde  já  elle  para  Lisboa. 
Venha  apprender  a  ser  constitucional :  ou  dentro  dos  muros  da  quinta  de  Queluz, 
ouvindo  diariamente  03  dictames  de  seu  Augusto  Pae  e  diligenciando  imital-o 
para  ser  como  elle  amado  de  todos  os  seus  súbditos  portuguezes,  ou  n'esta 
capital,  ouvindo  as  discussões  e  deliberações  das  cortes.  Deixe  a  quinta  de 
S.  Christovão,  aonde  respira  somente  o  empestado  hálito  de  vis  e  aduladores 
conselheiros.  Venha  o  Principe  para  a  Kuropa  c  Kl-Rei  seu  Pae  nonièe  uma  dele- 
gação de  seu  poder,  como  melhor  entender,  c  dé-se-lhe  as  attríbuiçòes  mais 
amplas.  • 

O  deputado  Ferreira  Borge.«  accusou  fortemente  a  José  Bonifácio  como 
tendo  praticado  crimes  e  horrores  cm  Portugal,  quando  intendente  interino  da 
policia  do  Porto,  pelo  facto  de  julgar  isentos  do  crime  de  conspiradores  alguns 
ministroj  que  acceitaram  cnii)regos  no  governo  francez  do  general  Junot.  Antó- 
nio Cirlo*  d;ífendju  com  energia  a  sim  irmão,  affirmindo  que  oi  ministros 
de  D.  Pedro  eram  tão  honrados  como  os  mais  honrados  deputados  portuguezes  ; 


I04  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


ptores  brazileiros  manifestaram  ao  mundo  as  injustiças  e  erros 
do  Congresso,  e  em  paga  da  sua  lealdade  e  patriotismo  foram 
invectivados  de  venaes  e  só  inspirados  pelo  génio  do  mal,  no 
machiavelico  parecer  da  commissáo. 

«  A  vista  de  tudo  isto,  já  náo  é  mais  possivel  que  o  Brazil 
lance  um  véo  de  eterno  esquecimento  sobre  tantos  insultos  e 
atrocidades;  nem  é  egualmente  possivel  que  elle  possa  jamais 
ter  confiança  nas  cortes  de  I<isboa,  veudo-se  a  cada  passo 
ludibriado,  já  dilacerado  i>or  uma  guerra  civil  começada  por 
essa  iniqua  gente,  è  até  ameaçado  çom  as  scenas  horrorosas 
de  Haiti,  que  nossos  furiosos  inimigos  muito  desejam  reviver. 

« Por  ventura  não  é  um  começo  real  de  hostilidades  pro- 
hibir  aquelle  governo  que  as  nações  extrangeiras,  com  quem 
livremente  commerciavamos,  nos  exportem  petrechos  mili- 
tares e  navaes? 

«Deveremos  egualmente  soffrer  que  Portugal  offereça 
ceder  á  França  uma  parte  da  provincia  do  Pará,  si  aquella 
potencia  lhe  quizer  subministrar  tropas  e  navios  com  que 
possa  melhor  algemar  nossos  pulsos  e  suffocar  nossa  justiça? 

ff  Poderão  esquecer-se  os  briosos  brazileiros  de  que  eguaes 
propostas  e  para  o  mesmo  fim  foram  feitas  á  Inglaterra,  com 


declarou  que  ás  representações  das  auctoridades  e  do  povo  eram  Icg^itimos 
direitos  garantidos  pela  constituição,  e  com  voz  trovejante  perorou  dizendo  que 
o  Brazil  exijçia  ser  livre  e  havia  de  selo  em  breve,  apezar  de  toda  a  opposiçâo 
das  corte  >. 

X'essa  sessão  falaram  tanibcm  em  defesa  da  pátria  o  dr.  Cypriano  Barata, 
padre  Marcos  de  Souza,  Lino  Coutinho,  Moniz  Tavares  e  Villela  Barbosa, 


CAPITULO   XXIII  105 


offerecimento  de  se  perpetuar  o  tratado  de  comniercio  dç 
i8io  e  ainda  com  maiores  vantagens? 

ifA  quanto  chega  a  má  vontade,  a  impolitica  d'essas 
cortes! 

« De  mais,  o  Congresso  de  Lisboa,  não  poupando  a  menor 
tentativa  de  opprimir-nos  e  escravizar-nos,  tem  espalhado 
uma  cohorte  de  emissários  occultos,  que  empregam  todos 
os  recursos  da  astúcia  e  da  perfídia,  para  desorientarem  o 
espirito  publico,  perturbarem  a  boa  ordem  e  fomentarem 
a  desunião  e  anarchia»do  Brazil. 

«  Certificados  do  justo  rancor  que  têm  estes  povos  ao  des- 
potismo, não  cessam  esses  pérfidos  emissários,  para  perver- 
terem a  opinião  publica,  de  envenenar  as  acções  mais  justas  e 
puras  de  meu  governo,  ousando  temerarianiente  imputar-me 
o  desejo  de  separar  inteiramente  o  Brazil  de  Portugal  e  de 
reviver  a  antiga  arbitrariedade.  Debalde  tentam,  porém,  des- 
unir os  habitantes  d*este  reino;  os  honrados  europeus,  nossos 
conterrâneos,  não  serão  ingratos  ao  paiz,  que  os  adoptou  por 
filhos,  e  os  tem  honrado  e  enriquecido. 

«Ainda  não  contentes  os  facciosos  das  cortes  com  toda 
e3ta  serie  de  perfidias  e  atrocidades,  ousam  insinuar  que  grande 
parte  d 'estas  medidas  desastrosas  são  emanações  do  Poder 
Executivo,  como  si  o  caracter  d'El-Rei,  do  Bemfeitor  do 
Brazil,  fosse  capaz  de  tão  machiavelica  perfídia,  como  si  o 
Brazil  e  o  mundo  inteiro  não  conhecessem  que  o  Senhor 
D.  João  VI,  Meu  Augusto  Pae,  está  realmente  prisioneiro 
d^Estado,    debaixo    dç    completa    coacção   c    sem    vontade 

U  TOM,  u 


Io6  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


livre,  como  a  deveria  ter  um  verdadeiro  Monarcha  que 
gosasse  d^aquellas-  attribuições  que  qualquer  legitima  consti- 
tuição, por  mais  estreita  e  suspeitosa  que  seja,  lhe  não  deve 
denegar;  sabe  toda  a  Europa  e  o  mundo  inteiro  que  dos  seus 
ministros,  uns  se  acham  nas  mesmas  circumstancias,  e  outros 
são  creaturas  e  partidistas  da  facção  dominadora. 

«  Sem  duvida  as  provocações  e  as  injustiças  do  Congresso 
para  com  o  Brazil  são  filhas  dos  partidos  contrários  entre  si, 
mas  ligados  contra  nós:  querem  uns  forçar  o  Brazil  a  se  sepa- 
rar de  Portugal  para  melhor  darem  alli  garrote  ao  systema 
constitucional;  outros  querem  o  mesmo,  porque  desejam 
unir-se  á  Hespanha :  por  isso  não  admira  em  Portugal  escre- 
ver-se  e  assoalhar-se  descaradamente  que  aquelle  reino  utiliza 
com  a  perda  do  Brazil. 

«  Cegas,  pois,  de  orgulho  ou  arrastadas  pela  vingança  e  o 
egoismo,  decidiram  as  cortes  com  dois  rasgos  de  penna  uma 
questão  da  maior  importância  para  a  grande  familia  luzitana, 
estabelecendo,  sem  consultar  a  vontade  geral  dos  portu- 
guezes  de  ambos  os  hemispherios,  o  assento  da  monarchia  em 
Portugal,  como  si  essa  minima  parte  do  território  portuguez 
e  a  sua  povoação  estacionaria  e  acanhada  devesse  ser  o  centro 
politico  e  commercial  da  nação  inteira. 

«  Com  efleito,  si  convém  a  estados  espalhados,  mas  reu- 
nidos debaixo  de  um  só  chefe,  que  o  principio  vital  de  seus 
movimentos  e  energia  exista  na  parte  a  mais  central  e  pode- 
rosa da  grande  machina  social,  para  que  o  impulso  se  com- 
munique  a  toda  a  peripheria  com  a  maior  presteza  e  vigor, 


CAPITULO  XXIII  107 


de  certo  o  Brazil  tinha  o  incontrastavel  direito  de  ter  dentro 
de  si  o  assento  do  Poder  Executivo. 

«Com  efiFeito:  este  rico  e  vasto  paiz,  cujas  alongadas 
castas  se  extcndem  desde  dois  graus  além  do  Eqiiador  até  ao 
Rio  da  Prata  e  são  banhadas*  pelo  Atlântico,  fica  quasi  no 
centro  do  globo,  á  borda  do  grande  canal  por  onde  se  faz  o 
cpmmercio  das  nações,  que  é  o  liame  que  une  as  quatro 
partes  do  mundo. 

*  A  esquerda  tem  o  Brazil  a  Europa  e  a  parte  mais  con- 
siderável da  America;  em  frente  a  Africa;  á  direita  o  resto 
da  America  e  a  Ásia,  com  o  immenso  archipelago  da  Aus- 
trália, e  nas  costas  o  Mar  Pacifico  ou  o  Máximo  Oceano,  com 
o  estreito  de  Magalhães  e  o  cabo  de  Horn  quasi  á  porta  ( ' ). 


( I )  Seria  talvez  correcta,  em  1822,  esta  determinação  geofi^raphica,  dando-se 

•  Europa  á  esquerda  do  Brazil,  e  o  resto  d 'America,  a  Ásia,  com  o  immenso 
archipelago  da  Austrália,  á  direita.  Hoje  é  elementar  que  á  esquerda,  ou  oeste, 
do  Brazil  ficam  as  republicas  Argentina,  Paraguay,  Bolivla  e  Peru ;  e  á  direita, 
ou  leste,  o  Oceano  Atlântico.  Nosso  paiz,  infelizmente,  nAo  vô  nas  costas  o 
Oceano  Pacifico. 

Historiadores  brazileiros  tém  claudicado  na  designação  de  nossos  limites. 
o  circumspecto  Rocha  Pitta  di/,  á  pag.  6  de  sua  Historia  da  America  Portu-, 
gueza  (Bahia,  187S),  que  ao  occidente  do  Brazil  estão  situados  os  reinos  do 
Congo  e  Angola  !  Um  escriptor  moderno,  dr.  Unas  A.  da  Silveiía,  em  sua  Gale- 
ria histórica  da  rei^o/ução  hrazi leira  dt  75  de  Xoveuè&ro  de  iSSç  (  Rio  de  Ja- 
neiro, 1890),  pag.  112,  dá  estes  limites  pira  o  Estado  do  Rio  Grande  do  Sul: 

•  É  limitado  ao  norte  por  Santa  Catharina,  ao  sul  pelo  Uruguay,  ao  oeste  pelo 
mar  oceano  e  a  leste  pelo  Paraguay  e  Republica  Argentina. » 

A  verdade  geographica  é  que  o  Rio  (iraiidc  do  Sul  tem  por  limites  :  ao  norte 
09  Estados  de  Sinta  Catharini  e  do  Paraní  e  Republici  Argentina ;  ao  sul  o 
Bstado  Oriental  do  Uruguay ;  a  oeste  as  Republicas  Aiigentina  e  do  Uruguay, 
e  a  leste  o  Oceano  Atlântico. 

A  vista  d'estas  erradas  definições  de  escriptorcs  brazileiros,  está  desculpada 
a  inexactidão  do  principe  regente,  que  não  era  historiador  nem  geographo. 


108  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


uQuem  ignora,  cgiialmente,  que  é  qiiasi  impossível  dar 
nova  força  e  energia  a  povos  envelhecidos  e  defecados?  Quem 
ignora  hoje  que  os  bellos  dias  de  Portugal  estão  passados,  e 
que  só  do  Brazil  pôde  esta  pequena  porção  da  monarchia 
esperar  seguro  arrimo  e  novas  forças  para  adquirir  outra  vez 
a  sua  virilidade  antiga?  Mas  de  certo  não  poderá  o  Brazil 
prestar-lhe  estes  soccorros,  si  alcançarem  esses  insensatos 
decepar-lhe  as  forças,  desuni I-o  e  arruinal-o. 

«  Em  tamanha  e  tão  systematica  serie  de  desatinos  e  atro- 
cidades, qual  deveria  ser  o  comportamento  do  Brazil  ?  Deveria 
suppor,  acaso,  as  cortes  de  Lisboa  ignorantes  de  nossos  direi- 
tos e  conveniências?  Não,  por  certo,  porque  alli  ha  homens, 
ainda  mesmo  entre  os  facciosos,  bem  que  malvados,  não 
de  todo  ignorantes.  Deveria  o  Brazil  soífrer  e  contentar-se 
somente  com  pedir  humildemente  o  remédio  de  seus  males  a 
corações  desapiedados  e  egoistas  ?  Não  vê  elle  que,  mudados 
os  déspotas,  continua  o  despotismo?  Tal  comportamento, 
além  de  inepto  e  deshonroso,  precipitaria  o  Brazil  em  um 
pélago  insondável  de  desgraças,  e,  perdido  o  Brazil,  está 
perdida  a  monarchia. 

«Collocado  pela  Providencia  no  meio  doeste  vastíssimo  e 
abençoado  paiz,  como  herdeiro  e  legitimo  Delegado  d'El-Rei 
Meu  Augusto  Pae,  é  a  primeira  de  minhas  obrigações  não  só 
zelar  o  bem  dos  povos  brazileiros,  mas  egualmente  os  de 
toda  a  nação  que  um  dia  devo  governar.  Para  cumprir  estes 
deveres  sagrados,  annui  aos  votos  das  provincias  que  me 
pediram  não  as  abandonasse;  desejando  acertar  em  todas  ^s 


CAPITULO   XXIII  109 


iiiiulias  resoluções,  consultei  a  opinião  publica  dos  meus 
súbditos  e  fiz  nomear  e  convocar  procuradores  geraes  de 
todas  as  províncias,  para  me  aconselharem  nos  negócios 
d'Estado  e  da  sua  commum  utilidade  ( ' ).  Depois,  para  lhes  dar 
iimi  nova  prova  da  minha  sinceridade  e  amor,  acceitei  o 
titulo  e  encargos  de  Defensor  Perpetuo  doeste  reino  que  os 
povos  me  conferiram  (^):  e,  finalmente,  vendo  a  urgência  dos 
acontecimentos  e  ouvindo  os  votos  geraes  do  Brazil,  que 
queria  ser  salvo,  mandei  convocar  uma  Assembléa  Consti- 
tuinte c  Legislativa,  que  trabal  liasse  a  bem  da  sua  solida 
liberdade.  Assim  requeriam  os  povos,  que  consideram  a  Meu 
Augusto  Pae  e  Rei  privado  de  sua  liberdade  e  sujeito  aos 
caprichos  doesse  bando  de  facciosos,  que  domina  nas  cortes 
de  Lisboa,  das  quaes  seria  absurdo  esperar  medidas  justas  e 
úteis  aos  destinos  do  Brazil  e  ao  verdadeiro  bem  de  toda  a 
nação  portugueza. 

«Eu  seria  ingrato  aos  brazileiros,  seria  perjuro  ás  minhas 
promessas,  e  indigno  do  nome  de  Principe  Real  do  Reino 


(  I  )  Kui  carta  confidencial  de  21  de  Maio,  havia  o  principe  escriplo  a 
D.  João  declarando  lhe  « que  se  generalizava  a  idéa  de  que  era  necessário  que  o 
Brazil  tivesse  cortes,  porque  as  leis  feitas  tão  longe  por  homens  que  nào  eram 
brazileiros  nem  conheciam  as  necessidades  do  Bra/.il.  nAo  po<liam  ser  boas.  ■> 

(  2 )  A  13  dí  Maio  de  1S22,  por  occasiilo  de  se  festejar  o  anniversario  de 
I).  JoAo  VI,  no  acto  de  desfilarem  as  tropas  no  largo  do  Paço.  foi  I).  Pedro 
acclamado  pelo  povo  como  firo/<r/or  r  dt/ciisor  perpetuo  do  lirazil,  titulo  que 
lhe  foi  levado  por  intermédio  do  senado  da  camará,  de  que  era  presidente  José 
Clemente  Pereira.  O  principe  modeslamente  recusou  o  nome  de  protector, 
dizendo  que  o  Brazil  se  protegia  a  si  mesmo,  e  acceitou  o  de  defensor  perpetuo 
como  prova  de  amor  c  dedicaçAo  que  lhe  consagrava  o  paiz. 


lio  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Unido  de  Portugal,  Brazil  e  Algarves,  si  obrasse  de  outro 
modo.  Mas  protesto  ao  mesmo  tempo,  perante  Deus  e  á  face 
de  todas  as  nações  amigas  e  alliadas,  que  não  desejo  cortar 
os  laços  de  união  e  fraternidade  que  devem  fazer  de  toda  a 
nação  portugueza  um  s6  todo  politico  bem  organizado;  pro- 
testo egualmente  que,  salva  a  devida  e  justa  reunião  de 
todas  as  partes  da  monarchia  debaixo  de  um  Rei,  como  chefe 
supremo  do  Poder  Executivo  de  toda  a  nação,  hei  de  defen- 
der os  legitimos  direitos  e  a  constituição  futura  do  Brazil — 
que  espero  seja  boa  e  prudente — com  todas  as  minhas  forças 
e  á  custa  do  rtieu  próprio  sangue,  si  assim  fôr  necessário. 

«Tenho  exposto  com  sinceridade  e  concisão  aos  governos 
e  nações,  a  quem  me  dirijo  n'este  manifesto,  as  causas  da 
final  resolução  dos  povos  doeste  Reino. 

«Si  El-Rei  o  Sr.  D.  João  VI,  Meu  Augusto  Pae,  estivesse 
ainda  no  seio  do  Brazil,  gosando  da  sua  liberdade  e  legitima 
auctoridade,  de  certo  se  comprazeria  com  os  votos  d*este 
povo  leal  e  generoso ;  e  o  immortal  fundador  doeste  reino, 
que  já  em  Fevereiro  de  1821  chamara  ao  Rio  de  Janeiro  as 
cortes  brazileiras,  não  poderia  deixar  n'este  momento  de 
convocal-as,  do  mesmo  modo  que  eu  agora  fiz ;  mas  achando-se 
o  nosso  Rei  prisioneiro  e  captivo,  a  mim  me  compete 
salval-o  do  affrontoso  estado  a  que  o  reduziram  os  facciosos 
de  Lisboa.  A  mim  pertence,  como  seu  delegado  e  herdeiro, 
salvar  não  só  o  Brazil,  mas  com  elle  toda  a  nação  portugueza. 

<iA  minha  firme  resolução  e  a  dos  povos  que  governo, 
estão  legitimamente  promulgadas. 


CAPITULO  XXIII  III 


«  Espero,  pois,  que  os  homens  sábios  e  iiiiparciaes  de  todo 
o  inundo  e  que  os  governos  e  nações  amigas  do  Brazil  hajam 
de  fazer  justiça  a  tão  justos  e  nobres,  sentimentos. 

•r  Eu  os  conx-ido  a  continuarem  com  o  reino  do  Brazil  as 
mesmas  relações  de  mutuo  interesse  e  amizade.  Estarei 
prompto  a  receber  os  seus  ministros  e  agentes  diplomáticos, 
e  a  enviar-lhes  os  meus,  emquanto  durar  o  captiveiro 
d'El-Rei  Meu  Augusto  Pae. 

«Os  portos  do  Brazil  continuarão  a  estar  abertos  a  todas 
as  nações  pacificas  e  amigas,  para  o  commercio  licito,  que  as 
leis  não  prohibem:  os  colonos  europeus  que  para  aqui 
emigrarem  poderão  contar  com  a  mais  justa  protecção  n'este 
paiz  rico  e  hospitaleiro. 

«Os  sábios,  os  artistas,  os  capitalistas  e  os  emprehendedo- 
res  encontrarão  também  amizade  e  acolhimento. 

«E  como  o  Brazil  sabe  respeitar  os  direitos  dos  outros 
povos  e  governos  legitimos,  espera  egualmente,  por  justa 
retribuição,  que  seus  inalienáveis  direitos  sejam  também  por. 
elles  respeitados  e  reconhecidos,  para  se  não  ver,  cm  caso 
contrario,  na  dura  necessidade  de  obrar  contra  os  desejos  de 
seu  generoso  coração.  Palácio  do  Rio  de  Janeiro,  6  de  Agosto 
de  1822.  Principe  Regente.^ 

Briosamente  sedenta  de  liberdade,  a  junta  provisória 
governativa  de  S.  Paulo  começava  a  inquietar-se,  vendo  a 
irresolução  de  D.  Pedro  em  face  das  hostilidades  provindas 
de  Portugal,  e  ameaçava  rebellar-se. 


112  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Aconselhado  pelo  paulista  José  Bonifácio  de  Audrada  e 
Silva,  tomou  o  principe  a  deliberação  de  ir  com  a  sua  pre- 
sença acalmar  os  espiritos  e  garantir  a  sinceridade  de  suas 
idéas  de  separação.  Chegando  a  S.  Paulo  a  25  de  Agosto, 
ahi  conseguiu,  por  sua  energia  e  franqueza,  aquietar  os 
ânimos  desconfiados  e  angariar  sympathias  enthusiasticas. 

De  S.  Paulo  foi  a  5  de  Setembro  visitar  a  cidade  de 
Santos,  com  o  fim  de  prover  o  melhoramento  das  fortalezas 
que  defendiam  o  porto  principal  e  o  canal  da  Bertioga  e 
augmentar  a  guarnição  da  cidade. 

Na  madrugada  de  7  de  Setembro  sahiu  de  Santos  e 
regressou  para  S.  Paulo:  ás  quatro  c  meia  horas  da  tarde 
doesse  dia,  ao  chegar  ao  alto  da  collina  próxima  ao  regato 
Ypiranga — três  quartos  de  légua  distante  da  cidade — encon- 
trou o  principe  o  sargento-mór  de  milicias  António  Ramos 
Cordeiro  e  o  official  da  secretaria  do  supremo  tribunal  militar 
Paulo  Emilio  Bregaro  (*).  Das  mãos  doestes  dois  emissários 


( I  )  Sobre  a  incumbência  desempenhada  por  Bregaro,  diz  o  conselheiro 
António  dí  Menezes  VasconcL^llo.^  de  Drummond  nas  .-l;i;/<>/af5í*j  á  sua  biogra- 
phia  (  Rio  de  Janeiro,  1890 ),  pag.  40 : «  Umquinto  o  conselho  trabalhava,  já  Paulo 
Bregaro  estava  na  varandi  pronipto  a  partir  em  toda  a  diligencia  para  levar 
os  despachos  ao  principe  rebente.  Jo3é  Bonifácio,  ao  sahir,  lhe  disso  :  « Si  nâo 
arrebentar  uma  dúzia  de  cavallo.i  no  caminho,  nunca  mais  será  correio :  veja  o 
que  faz. »»  Náo  sei  si  Bregaro  arrebentou  muitos  cavallos,  o  que  sei  é  que  elle  deu 
boa  conta  de  sua  commissâo,  e  que  fez  a  viagem  em  menos  tempo  do  que  até 
entáo  se  fazia  muito  á  pressa.  » 

O  illustre  historiador  Pereira  da  Silva  narra  a  proclamaçilo  da  independência 
de  diverso  modo,  dizendo  que  o  regente,  achando-se  em  S.  Paulo  a  7  de  Setem- 
bro, resolvera  n*esSv:  dia  dar  um  passeio  pelos  arredores  da  cidade.  «Copiosa 
comitiva  seguiu  os  passos  do  principe.    O  bispo  diocesano  com  os  principaes 


CAPITULO  XXIII  113 


recebeu  cartas  do  ministro  José  Bonifácio  e  da  princeza 
D.  Leopoldina  e  quatro  decretos  das  cortes  de  Lisboa  datados 
de  i.°  de  Agosto  de  1822:  o  i.°  annullando  a  convocação  de 
procuradores  das  provincias;  02.°  mandando  responsabilizar 
03  ministros  do  principe,  os  membros  da  junta  de  S.  Paulo 
e  os  signatários  das  representações  de  Janeiro;  03.®  orde- 
nando a  mais  completa  obediência  ás  deliberações  e  leis  das 
cortes;  04.°  nomeando  novos  ministros  para  o  governo  do 
regente,  privando-o  assim  de  escolher  seus  conselheiros. 
Os  novos  ministros  escolhidos  pelo  governo  de  Lisboa 
eram :  do  reino  e  justiça,  o  desembargador  Luiz  José  Tinoco 
da  Silva;  da  fazenda,  Mariano  José  Pereira  da  Fonseca;  da 


officiaes  da  egrreja,  os  membros  da  extincta  junta,  as  auctoridades  que  governavam 
já  a  província,  os  militares  de  mais  elevada  patente,  os  funccionaríos  civis  e 
cidadftos  de  todas  as  classes  acompanha vam-n 'o  respeitosamente,  chegando-sc 
para  perto  d'elle  este  ou  aquelle  que  D.  Pedro  convidava  para  honral-o  com 
o  seu  entretenimento.  Desejava  visitar  o  sitio  da  c*flebrizada  povoação  de  Pira- 
tininga,  cuja  historia  primitiva  lhe  accendia  a  curiosidade.  Ao  appropinquar-se 
do  ribeirão  do  Ypiranga,  assentou  em  descançar,  descendo  do  cavallo,  e  aco- 
Ihendo-se  á  sombra  das  arvores  que  adornam  as  margens  da  agua  estrepitosa 
e  crystallina  do  pequeno  riacho,  rolando  por  cima  de  pedrinhas  miúdas  e  mur- 
murando com  ineffavel  doçura.  >• 

K  certamente  poética  esta  descripção,  porém  não  de  inteiro  accordo  com 
a  realidade,  a  começar  pelo  Ypiranga,  agua  amarella,  que  nunca  pôde  ser  crys- 
tallina. Diz  depois,  em  nota,  que  se  chamava  Oabizzo  o  official  portador  dos 
despachos  vindos  do  Rio  de  Janeiro  {*).  A  nossa  descripção  nada  tem  de  imagi- 
nosa :  está  de  inteiro  accordo  com  a  exposição  feita  por  uma  testemunha  pre- 
sencial do  acontecimento,  major  Francisco  de  Castro  Canto  e  Mello  em  seu 
Episodio  da  historia  pairia  (  Rcz'.  do  ínsi.  Hisi.,  tom.  XLI,  2.»  part.,  pags.  539 
c  seguintes ). 

( • )  Pereira  da  Silva  :  Historia  da  fundação  do  império  brazileiro^ 
tom.  VI,  pags.  213  a  215. 

13  TOM.  II 


114  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


guerra,  o  tenente-general  Manoel  Martins  do  Couto  Reis,  e 
da  marinha,  o  vice-almirante  José  Maria  de  Almeida. 

Acompanhava  os  decretos  uma  carta  particular  do  Rei : 
«Meu  filho.  Não  tenho  respondido  ás  tuas  cartas  por  se 
terem  demorado  as  ordens  das  cortes.  Agora  receberás  os 
seus  decretos,  e  te  recommendo  a  sua  observância,  e  obe- 
diência ás  ordens  que  recebes,  porque  assim  ganharás  a  esti- 
mação dos  portuguezes,  que  um  dia  has  de  governar,  e  é 
necessário  que  lhes  dês  decididas  provas  de  amor  pela  nação. 

ff  Quando  escreveres,  lembra-te  que  és  um  Principe  e  que 
os  teus  escriptos  são  vistos  por  todo  o  mundo,  e  deves  ter 
cautela,  não  s6  no  que  dizes,  mas  também  no  modo  de  te 
explicares.  Toda  a  familia  real  estamos  bons.  Resta-me 
abençoar-te  como  pae  que  muito  te  ama — João. 

Paço  de  Queluz,  3  de  Agosto  de  1822. » 

Lidos  os  decretos  e  as  cartas,  communicou  D.  Pedro  aos 
que  o  rodeavam  quaes  as  intenções  das  cortes  portuguezas,  e, 
depois  de  reflexionar  um  momento,  bradou,  possuido  de  justa 
indignação: — E  tempo!  Independência  ou  morte!  Estamos 
separados  de  Portugal!  Acto  continuo,  arrancando  do  chapéo 
o  laço  portuguez  e  desembainhando  a  espada,  prestou,  com 
as  pessoas  presentes,  juramento  de  honra  pela  defesa  do 
Brazil. 

Assistiram  á  proclamação  da  independência  os  seguintes 
cidadãos : 

Da  guarda  dk  honra:  Commandante,  coronel  António 
Leite  Pereira  da  Gama  Lobo,  veador. 


CAPITULO  XXIII  115 


De  Pindanionhangaba:  segundo  commandante,  o  capi- 
tão-mór  Manoel  Marcondes  de  Oliveira  Mello,  veador,  depois 
barão  de  Pindamonliangaba ;  sargento-mór  Domingos  Mar- 
condes de  Andrade ;  tenente  Francisco  Bueno  Garcia  Leme, 
depois  moço  da  imperial  camará;  Miguel  de  Godoy  Moreira  e 
Costa;  Manoel  de  Godoy  Moreira;  Adriano  Gomes  Vieira  de 
Almeida;  Manoel  Ribeiro  do  Amaral;  António  Marcondes 
Homem  de  Mello;  Benedicto  Corrêa  Salgado. 

De  Taubaté:  Francisco  Xavier  de  Almeida;  Vicente  da 
Costa  Braga;  Fernando  Gomes  Nogueira;  João  José  Lopes; 
Rodrigo  Gomes  Vieira ;  Bento  Vieira  de  Moura. 
Da  Parahybuna:  Flávio  António  de  Andrade. 
De  Mogy  das  Cruzes:  Salvador  Leite  Ferraz. 
De  Guaratingiietá:  José  Monteiro  dos  Santos;  Custodio 
Leme  Barbosa. 

De  Ar  ias:  sargento-mór  João  Ferreira  de  Souza. 
De  S.João  Marcos:  Cassiano  Gomes  Nogueira;  Floriano 
de  Sá  Rios;  Joaquim  José  de  Souza  Breves. 

De  Rezende:  António  Pereira  Leite,  depois  moço  da 
imperial  camará;  sargento-mór  António  Ramos  Cordeiro; 
José  da  Rocha  Corrêa ;  David  Gomes  Jardim. 

Do  Rio  de  Janeiro:  Eleutlierio  Velho  Bezerra;  António 
Luiz  da  Cunha. 

Sem  fazerem  parte  da  guarda  de  honra  os  cidadãos: 
D.  Luiz  de  Saldanha  da  Gama,  depois  marquez  de  Taubaté; 
official  de  gabinete  Joaquim  Floriano  de  Toledo;  padre 
gelchior   Pinheiro   de   Oliveira;   guarda-roupa  João   Maria 


Il6  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Berquó,  depois  marquez  de  Cantagallo;  os  creados  particu- 
lares João  Carlota  e  João  de  Carvalho  Raposo;  ajudante 
Francisco  Gomes  da  Silva,  appellidado  Chalaça;  o  briga- 
deiro Manoel  Rodrigues  Jordão;  Francisco  de  Castro  do 
Canto  e  Mello,  depois  moço  da  imperial  camará;  e  Paulo 
Emilio  Bregaro. 

Em  seguida,  D.  Pedro  e  sua  comitiva,  a  galope,  dirigí- 
ram-se  para  a  cidade,  entre  saudações  enthusiasticas  dos 
que  foram  recolhendo  a  agradabilissima  nova.  Chegado  a 
palácio,  compoz  o  príncipe  a  musica  do  Hymno  da  inde- 
pendência para  ser  executado,  á  noite,  no  theatro,  em 
espectáculo  de  gala.  Ahi  apresentou-se  levando  no  braço 
esquerdo  uma  placa  de  ouro  com  a  legenda  Independência 
ou  morte.  Logo  que  chegou  ao  camarim,  foram  corridas  as 
cortinas  pelo  gentil-homem  Francisco  de  Castro  Canto  e 
Mello,  e,  ao  mesmo  tempo,  o  alferes  Thomaz  de  Aquino 
e  Castro  e  o  padre  Ildefonso  Xavier  Ferreira  bradaram: 
Independência  ou  morte!  Viva  a  independência  do  Brazil! 

Delirante  foi  a  manifestação  popular  feita  ao  principe 
regente.  Profundamente  gratos  á  idéa  de  ser  proclamada 
a  independência  em  sua  terra  natal  —  facto  histórico  de 
summa  relevância  como  justo  premio  áquelles  brazileiros  que 
por  sua  tenacidade  de  exploradores  ampliaram  valentemente 
o  perimetro  de  nossa  pátria,  do  Amazonas  ao  Rio  Grande  do 
Sul;  desvanecidos  por  verem  surgir  d'esse  acontecimento  a 
formosa  e  veneranda  figura  de  José  Bonifácio  como  d'entre 
um  nimbo  de  gloria,  os  paulistas  transformaram  o  theatro 


CAPITULO  XXill  117 


mais  do  que  em  arco  de  triumpho,  em  templo,  e  ahi  fizeram, 
de  seus  corações,  thuribulos,  para  entre  nuvens  de  invisível 
incenso  cantar  grandioso  Ave^  Libertas!  Sim!  O  enthusiasmo 
attingiu  a  seu  auge  quando  se  fez  ouvir  o  hymno  cantado 
por  duas  jovens,  Maria  Egypciaca  Alvim  e  Joaquina  Luz, 
tomando  parte  no  coro  o  próprio  D.  Pedro. 

HYMNO  DA  INDEPENDÊNCIA 

CANTO 

Já  podeis,  da  pátria  filhos, 
Ver  contente  a  mãe  gentil : 
Já  raiou  a  liberdade 
No  horisonte  do  Brazil. 

CORO 

Brava  gente  brazi leira, 
l,onge  vá  temor  servil : 
Ou  ficar  a  pátria  livre, 
Ou  morrer  pelo  Brazil ! 

CANTO 

Os  grilhões  que  nos  forjava 
Da  perfidia  astuto  ardil  .   .   . 
Houve  mão  mais  poderosa  .   .   . 
Zombou  d'elles  o  Brazil  .   .   . 

CORO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 

CANTO 

O  real  herdeiro  augusto, 
Conhecendo  o  engano  vil. 
Em  despeito  dos  tyrannos, 
Quiz  ficar  no  seu  Brazil. 

CORO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 


Il8  MEMOkIAÔ  BkAZILEtRAS 


CANTO 

Revoavam  sombras  tristes 
Da  cruel  guerra  civil ; 
Mas  fugiram  apressadas 
Vendo  o  anjo  no  Brazil. 

CORO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 

CANTO 

Mal  soou  na  serra,  ao  longe, 
Nosso  grito  varonil. 
No»  inimensos  hombros,  logo, 
A  cabeça  erg^e  o  Brazil. 

CÔRO 

Brava  gente  brazilerra,  etc. 

CANTO 

Filhos,  clama,  caros  filhos, 
É  depois  de  affrontas  mil. 
Que  a  vingar  a  negra  injuria 
Vem  chamar- vos  o  Brazil. 

CÔRO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 

CANTO 

Náo  temais  ímpias  phalanges 
Que  apresentam  face  hostil ; 
Vossos  peitos,  vossos  braços 
São  muralhas  do  Brazil. 

CÔRO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 


CAPITUtO  XXllI  119 


CANTO 

Mostra  Pedro,  á  vossa  frente, 
Alma  intrépida  e  viril ; 
Tendes  n  'elle  o  digno  chefe 
D  'este  império  do  Brazil. 

CORO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 

CANTO 

Parabéns,  6  brazileiros ! 
Já  com  garbo  varonil 
Do  universo  entre  as  nações 
Resplandece  a  do  Brazil. 

CORO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 

CANTO 

Parabéns !  Já  somos  livres ! 
Já  brilhante  e  varonil 
Vai  juntar-se  em  nossos  lares 
A  assembléa  do  Brazil. 

CORO 

Brava  gente  brazileira,  etc. 

A  lettra  doeste  hymno  é  producção  do  grande  jornalista 
flaminense  Evaristo  Ferreira  da  Veiga,  que  o  compoz  a 
16  de  Agosto  de  1822  e  o  offereceu  ao  príncipe. 

Freneticamente  applaudido  foi  o  soneto  que  o  alferes 
Thomaz  de  Aquino  e  Castro  recitou,  concluindo  por  acclatnar 


Í20  M^MOklÂâ  BkAZÍLEIkAÔ 


D.  Pedro  como  imperador  do  Brazil.  Eis  a  producção  sensa- 
cional : 

Seni  receio,  Senhor,  e  sem  suspeita  • 
De  anarchia,  má  fé  ou  de  vil  trama, 
Vinde  honrar  o  paulista  que  vos  ama. 
Que  vos  busca,  vos  quer  e  vos  respeita. 

Si  ao  longe  o  nome  vosso  liga  e  estreita 
Adhesáo,  que  gera  amor,  só  pela  fama  (*), 
Fiel  povo  vos  pede  e  por  vós  chama 
Para  a  fé  confirmar,  que  a  vós  sujeita. 

A  grandeza  do  Brazil  é  já  um  axioma  (**); 
Lembrar  que  foi  colónia  causa  horror ! 
Cabral  o  descobriu  e  Lysia  o  toma. 

E  si  é  Pedro  seu  peq)etuo  defensor, 
Será  logo  o  Brazil  mais  que  foi  Roma, 
Sendo  Pedro  seu  primeiro  Imperador!  (***) 

Na  manhã  de  8  de  Setembro  D.  Pedro  fez  espalhar  pela 
cidade  de  S.  Paulo  uma  proclamação  de  despedida : 

« Honrados  paulistas.  O  amor  que  consagrei  ao  Brazil  em 
geral  e  á  vossa  provincia  em  particular,  por  ser  aquella  que 
perante  mim  e  o  mundo  inteiro  fez  conhecer,  primeiro  que 
todos,  o  systema  macliiavelico,  desorganizador  e  faccioso  das 
cortes  de  Lisboa,  me  obrigou  a  vir  entre  vós  fazer  consolidar 


( ♦  )  Verso  excedente  da  medida  de  decasyllabo. 

(  »♦ )  Idem. 

(»»)  Idem. 

Vê-se  que  Thomaz  de  Aquino  era  um  patriota  exaltado,  mas  incorrecto  poeta. 


CAPIYULO  XXni  121 


a  fraternal  união  e  tranquillidade  que  vacillava,  e  era  amea- 
çada por  desorganizadores,  que  em  breve  conhecereis. 

«Qnando  eu  mais  que  contente  estava  junto  de  vós, 
chegam  noticias  de  Lisboa  que  os  traidores  da  nação,  os 
infames  deputados,  pretendem  fazer  atacar  o  Brazil  e  tirar-lhe 
do  seio  o  seu  defensor.  Cumpre-me  como  tal  tomar  as  medidas 
que  minha  imaginação  me  suggerir,  e  para  que  estas  sejam 
tomadas  com  aquella  madureza  que  em  taes  crises  se  requer, 
sou  obrigado,  para  servir  ao  meu  idolo — o  Brazil — a 
separar-me  de  vós,  o  que  muito  sinto,  indo  para  o  Rio, 
ouvir  meus  conselheiros,  e  providenciar  sobre  negócios  de 
tão  9lta  monta. 

«Eu  vos  asseguro  que  nenhuma  coisa  me  poderia  ser 
mais  sensivel  que  o  golpe  que  minha  alma  soffre,  separan- 
do-me  dos  meus  amigos  paulistanos,  a  quem  o  Brazil  e  eu 
devemos  os  bens  que  gosamos  e  esperamos  gosar  de  uma 
constituição  liberal  e  judiciosa. 

«Agora,  paulistanos,  só  vos  resta  conservardes  união  entre 
vós,  não  só  por  ser  esse  o  dever  de  todos  os  bons  brazileiros, 
mas  também  porque  a  nossa  pátria  está  ameaçada  de  soffrer 
uma  guerra  que  não  só  nos  ha  de  ser  feita  pelas  tropas  que 
de  Portugal  forem  mandadas,  mas  egualmente  pelos  seus 
servis  partidistas  e  vis  emissários  que  .entre  nós  existem, 
atraiçoando-nos. 

« Quando  as  auctoridades  vos  não  administrarem  aquella 
justiça  imparcial  que  d^ellas  deve  ser  inseparável,  represen- 
tai-me,  que  eu  providenciarei. 

10  TOM.  XZ 


122  MEMORIAS  BRAZILBIRAS 


«  A  divisa  do  Brazil  deve  ser  independência  ou  morte. 

«Sabei  que  quando  trato  da  causa  publica  não  tenho 
amigos  e  validos  em  occasião  alguma.  Existi  tranquillos. 
Acautelai-vos  dos  facciosos  sectários  das  cortes  de  Lisboa  e 
contai  em  toda  a  occasião  com  o  vosso  defensor  perpetuo. 
— Príncipe  regente.» 

Partiu  no  dia  seguinte  para  o  Rio  de  Janeiro,  onde  che- 
gou a  15  de  Setembro. 

Effectuada  a  independência  da  Bahia,  foi  licenciado  o 
exercito  libertador,  e  o  coronel  José  Joaquim  de  Lima  e  Silva, 
|X)r  já  haver  cumprido  a  sua  patriótica  tarefa,  pediu  e  obteve 
dispensa  do  cargo  de  connnandante  das  annas,  sendo  substi- 
tuido  pelo  coronel  Felisberto  Gomes  Caldeira. 

Pouco  depois  amotinaram-se  as  tropas,  commettendo  gra- 
víssimos actos  de  insubordinação,  nos  quaes  tiveram  saliente 
|x\|K^l  o  3.°  e  4.^  batalhão  de  infanteria  e  o  corpo  de  arti- 
Iheria.  Os  soldadas  do  3.^  batalhão,  appellidados  Periquitos^ 
levaram  tão  longe  os  seus  excessos  de  indisciplina,  a  ponto 
de  na  manhã  de  25  de  Outubro  de  1S24  cercarem  o  quartel- 
general  ( *  ">  e  ass4issinarem  o  coronel  Caldeira, 

Segundo  lemas  em  valioso  documento  escripto  por  um  con- 
tem}H)raneo  do  facti>»  commendudor  Agostinho  Dias  Lima  e 


V  i  )  o  quattcl  grntral  e  ttísivWttcia  do  cv»rv>ael  WUsbtrrto  Caldeira  era  á 
Udfiia  dv»  IWrviUÓ,  uudvisvxuidc  df  l tapar iodn  í^;  cdifick>  occupadv>  actualmente 
peW  C*yfHHa>ix*  S.  Saliadi.*>\  diii^ido  y^Xo  dr.  Adolpho  Frederico  Toariaho. 


CAPITULO  XXIII  123 


publicado  pelo  illustrado  dr.  José  Francisco  da  Silva  Lima  (') 
o  assassinato  deu-se  do  seguinte  modo : 

ff  No  dia  25  de  Outubro  de  1824,  ^^^  destacamento  de  sol- 
dados e  officiaes  do  batalhão  3.°,  em  numero  de  60  a  80, 
cercaram  o  quartel-general  e  intimaram  ao  general  Caldeira 
que  se  entregasse  á  prisão;  mandasse  pôr  em  liberdade  o 
major  João  António  da  Silva  Castro,  e  se  considerasse  preso. 
O  general  recusou  assentir  a  esta  ousada  e  insubordinada 
tropa,  mas  lhe  fez  ver  que  para  a  socegar  ia  fazer  o  que  lhe 
pedia,  apezar  de  ser  contra  a  disciplina  militar,  e,  por  conse- 
quência, contra  as  ordens  de  S.  M.  I. ;  e  que  confiassem  em 
sua  palavra. 

«Isto  era  dito  das  janellas  da  frente  de  seu  palácio.  Logo 
que  acabou  de  falar  (ainda  teve  tempo  de  se  fardar  com 
quasi  todo  o  seu  unifonne),  ouviu-se  uma  voz  que  foi  accusada 
por  quasi  toda  a  tropa  sediciosa:  Aforra  Felisberto!  e  in-con- 
tinenti  lhe  desfecharam  quatro  tiros,  um  dos  quaes  lhe  acertou 
no  peito.  Nas  janellas  immediatas  achavam-se  sua  mulher  e 
filhos  com  a  imagem  do  Redemptor,  pedindo  por  elle,  que 
o  respeitassem.  Foi  invadido  o  palácio  e  se  lhe  apresentaram 
os  alferes  Gurgel  e  Jacintho,  uns  cadetes  e  quatro  ou  seis  sol- 
dados batendo  na  porta  que  dá  para  a  secretaria.  Felisberto, 
com  animo  incrível,  já  ferido  mortalmente  e  atacado  por 
todas  as  partes  por  seus  cruéis  inimigos,  vem  ensanguentado 
e  com  valor  abrir  a  porta  a  seus  assassinos  .    .    . 


( I  )  Vide  ÂVz'.  do  Insi.  Geog.  e  Hisi.  da  Bahia,  vol.  II,  pag.  300. 


124  MEMORIAS  BkA2ItmJkAS 


«Continuando  na  rua  as  vozes  de  Morra  o  general!  é 
pelos  officiaes  intimada  a  ordem  de  prisão  e  já  elle  se  enca- 
minhava para  descer  as  escadas  quando  no  patamar  quatro 
soldados,  que  traçoeiramente  o  esperavam,  dispararam  contra 
elle  as  armas  que  o  conduziram  á  sepultura  ('). 

«Dizem  algumas  pessoas  que  elle  ainda  resistiu  por  algum 
tempo  com  a  espada  e  duas  pistolas,  mas  isso  de  nada  valeu. 
Comtudo  não  morreu  covardemente  ás  mãos  de  tantos  assas- 
sinos .    .    . 

«N'esse  mesmo  desastrado  dia  foi  a  casa  do  velho  Fran- 
cisco Vicente  Vianna  também  cercada  de  tropas,  mas  não 
consta  que  o  offendessem.  De  sorte  que  depois  de  terem  satis- 
feito a  sua  damnada  ferocidade  no  corpo  do  desgraçado 
Felisberto,  o  3.°  e  4.^  batalhões,  com  pólvora  e  bala,  mar- 
charam para  o  campo  de  S.  Pedro,  para  repellir  o  i.°  e  2.° 
de  linha  e  todos  os  corpos  de  milicias  que  tratavam  de  vingar 
tão  horroroso  attentado. 

«Tudo  se  moveu,  e  n'um  momento  se  transformou  a 
cidade  em  uma  Babel. 

«O  povo  correu  por  toda  a  parte  a  refugiar-se;  as  lojas,  que 
principiaram  a  abrir  no  começo  do  dia,  n'um  momento  se 
fecharam ;  e  sabendo  do  horrivel  assassinato,  não  se  conside- 
rando seguros,  brazileiros  e  portuguezes  moradores  na  Praia, 


( I  )  «Quatro  dos  accusados  d'este  attentado  perderam  a  vida  em  virtude  de 
Aentença  do  conselho  de  gruerra  que  os  julgou  ;  outros  expatriaram-se  voluntaria- 
mente, e  o  3.®  batalhão,  chamado  dos  Periquitos,  foi  remettido  para  Matto 
Grosso.»  Noia  da  Redacção,  á  pag.  301,  vol.  II,  da  Rev,  citada. 


CAPITULO  XXIII  125 


fugiram  para  bordo  das  embarcações  com  o  cabedal  que 
puderam  levar  em  taes  circumstancias. 

«Os  revoltosos  ficaram  dentro  do  forte  de  S.  Pedro.» 

Sedentos  de  pequenas  vinganças,  pretenderam  os  insu- 
bordinados praticar  mais  actos  de  selvageria;  foram,  porém, 
contidos  pelos  coronéis  Alexandre  Gomes  de  Argollo  Ferrão, 
José  Leite  Pacheco  e  António  de  Souza  Lima,  da  ilha  de 
Itaparica.  O  batalhão  dos  Periquitos  foi  obrigado  a  embarcar 
para  Pernambuco  em  i.°  de  Dezembro  de  1824. 

Em  consequência  d'estes  distúrbios,  resolveu  D.  Pedro 
ir  com  a  sua  presença  congraçar  os  ânimos  exaltados  e  para 
a^Bahia  transportou-se  a  3  de  Fevereiro  de  1826.  Conseguiu 
com  o  seu  prestigio  chamar  á  ordem  os  descontentes  e  a  1.° 
de  Abril  do  mesmo  anno  regressou  tranquillizado  para  o  Rio 
de  Janeiro. 

Minas  Geraes  não  adheriu  desde  logo  ao  partido  do 
Regente.  Ainda  lembrados  do  modo  como  Portugal  puniu  os 
patriotas  da  Conjuração^  os  mineiros  confiaram  pouco  na 
sinceridade  do  neto  de  D.  Maria  I ;  foi  mister  que  o  principe 
para  lá  seguisse  a  25  de  Março  e  de  viva  voz  lhes  incutisse 
no  animo  as  disposições  em  que  se  achava  sobre  a  reforma 
que  pretendia  dar  á  governança  do  paiz.  Quando  voltou,  a 
25  de  Abril,  tinha  deixado  em  sua  passagem  pelas  cidades 
mineiras  fervorosos  adeptos. 

Que  occorrencias  se  passaram  nas  cortes  de  Lisboa  quando 
ahi   chegou   a   noticia  de  que  o  Regente  desobedecia  ás 


126  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


ordens  de  Portugal  e  declarara  de  modo  peremptório  ficar 
no  Brazil  ? 

Ouçamos  uma  testemimha  ocular,  o  illustre  deputado 
brazileiro  visconde  de  S.  Leopoldo,  que  se  achava  presente  á 
sessão : 

(( A  sessão  de  15  de  Abril  1822  foi  uma  das  mais  tempes- 
tuosas do  congresso  de  Lisboa.  Rompeu  n'esse  dia  entre 
deputados  grande  explosão  de  cólera  com  a  noticia  commu- 
nicada  em  cartas  do  general  Avilez,  da  resolução  ultima  do 
principe  de  ficar  no  Brazil. 

«...  Propoz  Borges  Carneiro  o  recurso  extraordinário 
de  se  chamarem  as  tropas  de  Montevideo  sobre  o  Rio  de 
Janeiro,  para  castigar  e  obrigar  o  prinàpe  a  cumprir  ^o 
decreto  das  cortes^  que  ordoíára  a  sua  retirada  do  Brazil. 

(f  Passou  a  combater  esta  moção  o  deputado  dr.  António 
Carlos  Ribeiro  de  Andrada  Machado  e  Silva,  impugnando 
com  vehemencia  a  proposição  do  precedente  orador — de  que 
o  principe  vivia  enganado  pelos  que* o  rodeavam  nò  Brazil. 
Respondiendo  com  a  arrogância  e  impetuosidade  de  seu  génio, 
o  animoso  deputado  paulista  declarou  que  os  empregados  a 
que  se  alludia  eram  tão  honrados  e  dignos  como  os  que 
estavam  n^aquelle  recinto. 

(f Levantou-se  grande  vozeria  e  tumulto  nas  galerias;  o 
orador  foi  chamado  á  ordem,  proferindo-se  contra  elle  diver- 
sos insultos. 

(f  As  deputações  de  S.  Paulo  e  Pernambuco  deram-se  por 
aggravadas  por  esse  facto,  e  deixaram  de  comparecer  á  sessão 


CAPITULO   XXIII  127 


seguinte.  Havendo  eu  apresentado  o  meu  diploma  á  commis- 
são  de  poderes,  no  intuito  de  tomar  assento  na  sessão  de  16, 
julguei  dever  retiral-o,  duvidando  fazer  parte  de  um  congresso 
que  injuriava  a  um  membro  seu,  como  o  havia  sido  o  meu 
collega  por  S.  Paulo. 

ff  A  30  de  Abril  abriu-se  a  sessão  com  grande  expectação, 
acliando-se  as  galerias  apinhadas  de  povo.  Na  tribuna  do 
corpo  diplomático  notava-se  a  presença  do  embaixador  da 
Hespanha.  Havia  curiosidade  de  saber-se  noticias  da  Bahia, 
que  tinham  chegado  por  via  de  Gibraltar;  mas  o  grande 
interesse  da  sessão  concentrava-se  na  grave  questão  que 
prendia  a  at tenção  de  todos :  a  evacuação  de  Montevideo. 

«Não  pude  conter-me  sobre  um  asssumpto  de  tanto  alcance 
para  o  Brazil,  e  por  elle  estreei  no  congresso,  oppondo-me  ao 
proposto  abandono  d'aquella  praça  á  Hespanha. 

«Seguiu-se,  na  mesma  sessão,  renhido  debate,  motivado 
pDr  participações  recebidas  de  guerra  civil  e  derramamento 
de  sangue  na  Bahia:  cuja  discussão  ficou  ainda  adiada. 

«  Esta  questão  trouxe  exaltamento  de  animo,  e  por  amor 
d'ella  deu-se  a  lamentável  occorrencia  de  correr  sangue  no 
mesmo  palácio  das  cortes. 

«  Passando  o  deputado  pela  Bahia  Cypriano  José  Barata 
de  Almeida  por  um  dos  corredores  em  que  se  achava  o 
marechal  Luiz  Paulino  Pinto  da  França,  deputado  pela 
mesma  provincia,  falando  em  um  circulo  contra  o  brigadeiro 
(Freitas  Guimarães)  que  tinha  recusado  entregar  o  commando 
ao  general  Madeira,  nomeado  pelas  cortes,  rompeu  aquelle 


128  MEMORIAS  BRÀZILEIRAS 

em  maltratar  ao  referido  marechal  com  palavras  violentas  e 
aggressivas,  do  que  resultou  desafiarem-se  ambos  ( ' ).  Refere  o 
mesmo  marechal  que  Barata  atraiçoadamente  o  empurrara  (^), 
fazendo-lhe  uma  brecha  sobre  a  sobrancelha  e  ferindo-o  gra- 
vemente. Divulgou-se  logo  o  facto  com  grande  escândalo,  o 
que  muito  me  magoou,  por  se  ter  passado  esse  triste  aconte- 
cimento entre  deputados  brazileiros,  sobre  os  quaes,  em  razão 
das  rivalidades  e  exaltação  do  momento,  todos  têm  a  vista 
attenta. 

«  Em  20  de  Maio,  apresentaram  os  deputados  pela  Bahia 
uma  indicação,  para  que  se  suspendesse  a  remessa  de  tropas 
para  aquella  provincia. 

« Na  sessão  seguinte  debateu-se  com  animação  a  questão, 
a  qual  ficou  adiada  para  o  dia  seguinte.  A  maior  parte  dos 
deputados  adheriu  á  indicação  dos  deputados  bahianos,  e 
a  subscreveu  com  as  suas  assignaturas. 

ff  A  final  a  indicação  foi  rejeitada,  tendo  a  favor  44  votos. 

«No  correr  da  discussão  patenteou-se  que  as  tropas  iam 
para  a  Bahia  com  o  fim  de  embaraçar  a  propagação  das  idéas 
pelo  norte  do  Brazil.  Já  os  facciosos  do  Rio  têm  vistas  sacri- 
legas  sobre  a  costa  d^ Africa!  exclamaram  os  deputados 
sustentadores  do  projecto;  e  Borges  Carneiro  ameaçou  com 
violência  o  Brazil,  promettendo  fazer  seguir  contra  o  mesmo 
uma  expedição  de  dez  mil  homens. 


( I  )  o  dr.  Cypríano  Barata,  era  carta  que  publicou  em  Lisboa,  narrou  o 

conflicto  de  modo  differente.  Veja-se  a  nota  que  vai  de  pags.  12  a  15  d'este  tomo. 

(  2 )  Por  uma  escada  abaixo,  esqueceu-se  de  dizer  o  visconde  de  S.  Leopoldo. 


CAPITULO  XXIII  129 


ff  Magoandome  profundamente  a  longa  e  diária  repetição 
de  impropérios  e  sarcasmos  contra  a  junta  provisória  de 
S.  Paulo,  levantei-me,  e  pedi  a  minha  demissão  de  membro 
da  com  missão  dos  negócios  do  ultramar,  visto  não  poder  eu, 
deputado  por  essa  provincia,  ouvir  sem  indignação  as 
expressões  com  que  constantemente  nos  doestavam,  e  declarei 
sem  rebuço  que  não  tinha  liberdade  alguma  para  o  bom 
desempenho  de  minhas  funcções. 

«No  fim  da  sessão  de  10  de  Julho,  transmittiu  El-Rei  ao 
congresso  duas  cartas  do  principe  real :  em  uma  d'ellas  exigia 
que  se  creassem  cortes  no  Brazil,  e  declarava  que  ellas  alli  se 
organizariam,  ainda  quando  o  congresso  não  quizesse  assentir 
a  esse  voto  dos  povos.  Egual  requisição  fez  a  Bahia  por 
intermédio  de  seus  deputados. » 

Pela  transcripção  que  acabamos  de  fazer,  vê-se  que  as 
cortes  portuguezas,  ao  terem  noticia  da  rebellião  de  D.  Pedro, 
ficaram  tomadas  de  terror  pânico.  Surprehendidos,  assustados 
com  a  revolta,  os  portuguezes  imaginavam  até  que  os  brazi- 
leiros  pretendiam  ir  sacrilegameníe  desapossal-os  de  suas 
colónias  na  costa  d' Africa!  S6  o  medo  poderia  crear 
phantasma  tão  extravagante. 

Deliberaram  as  cortes  fossem  chamados  todos  os  depu- 
tados a  jurar  e  assignar  a  constituição,  antes  de  ser  apre- 
sentada a  D.  João  VI.  O  deputado  por  S.  Paulo,  Fernandes 
Pinheiro,  formulou  uma  indicação,  declarando  que,  achando-se 
os  seus  constituintes  em  desaccordo  com  o  governo  de 
Lisboa,   não    podia   elle  jurar   e   assignar   um   documento 


130  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


hostil  a  direitos  brazileiros.  Eguaes  protestos  foram  feitos  por 
António  Carlos  de  Andrada,  padre  Diogo  Feijó,  José  Ricardo 
da  Costa  Aguiar,  António  Manoel  da  Silva  Bueno,  Francisco 
Villela  Barbosa,  Pedro  de  Araújo  Lima,  Domingos  Borges  de 
Barros,  padre  José  Martiniano  de  Alencar  e  cerca  de  16  depu- 
tados mais  das  provincias  do  Brazil. 

Nomeada  uma  commissão  para  elucidar  o  grave  assumpto, 
foi  ella  de  parecer  que  «  nenhum  deputado  podia,  sob  qualquer 
pretexto,  deixar  de  jurar  e  assignar  o  pacto  fundamental 
da  monarchia,  porque  era  obrigação  rigorosa  de  todos,  que 
concorreram  para  a  sua  confecção,  dar-lhe  o  primeiro  exemplo 
de  adhesão  e  obediência,  convindo  até  infligir  penas  aos  que 
se  não  quizessem  sujeitar  á  deliberação  das  cortes. » 

Em  vão  opinaram  contra  este  parecer  o  padre  Marcos 
António  de  Souza,  Villela  Barbosa,  Borges  de  Barros  e  Fer- 
nandes Pinheiro :  venceram  os  votos  da  maioria,  approvando 
a  idéa.  Foi  fixado  o  dia  23  de  Setembro  de  1822  para  o 
juramento  da  constituição.  Compareceram,  n^essa  occasião, 
35  deputados  do  Brazil,  sendo,  pela  Bahia:  Gomes  Ferrão, 
padre  Marcos,  Pedro  Rodrigues  Bandeira,  Lino  Coutinho  e 
Borges  de  Barros;  por  Alagoas:  Assis  Barbosa,  Martins  Ramos 
e  Marques  Grangeiro;  pelo  Rio  de  Janeiro:  Gonçalves  Ledo, 
Villela  Barbosa,  Soares  Brandão,  Martins  Bastos  e  Luiz  Va- 
rclla;  por  S.  Paulo:  unicamente  Fernandes  Pinheiro;  por 
Pernambuco:  Araújo  Lima,  Moniz  Tavares,  Félix  de  Veras, 
Ahneida  e  Castro,  Domingos  Malaquias,  Tavares  Lyra,  Zefe- 
rino dos   Santos  e  Ferreira  da    Silva ;  pelo  Ceará :   padre 


CAPITULO  XXIII  131 


Alencar,  António  Moreira  e  Philippe  Gonçalves ;  por  Santa 
Catharina :  Lourenço  de  Andrade;  por  Goyaz:  Segurado;  j)elo 
Maranhão:  Vieira  Belford  e  Beckman  Caldas;  pela  Paraliyba: 
Monteiro  da  França  e  Costa  Cirne;  pelo  Pará:  o  bispo 
D.  Roínualdo  Coelho,  Souza  Moreira  e  Lopes  da  Cunha; 
pelo  Piauhy:  Manoel  Borges. 

António  Carlos  officiou  ao  congresso,  declarando  que  lhe 
repugnava  a  consciência  jurar  e  assignar  a  constituição 
portugueza  e  assim  resignava  o  seu  logar  de  deputado  ás 
cortes.  Os  outros  deputados  brazileiros  nenhuma  satisfação 
deram  de  sua  ausência  ao  solenine  congresso.  Todos  quantos 
se  acharam  presentes  ás  cortes  juraram  e  assignaram  a 
constituição,  em  meio  de  applausos  dos  portuguezes. 

Incompatibilizados  com  o  governo  e  cortes  de  Lisboa  e 
receosos  de  serem  assassinados,  sete  deputados  brazileiros — 
António  Carlos,  Costa  Aguiar,  Silva  Bueno,  padre  Feijó, 
Francisco  Agostinho  Gomes,  Cypriano  Barata  ( ' )  e  Lino  Couti- 


(  I  )  Tendo  este  deputado  pedido  ás  cortes  portuguezas  a  fundação  de  acade- 
mias no  Brazil,  ouviu  um  aparte  irónico,  aconselhando-o  a  que,  de  preferencia, 
pedisse  a  creaçào  de  escolas  primarias. 

—  D'estai»,  rebateu  o  dr.  Cypriano  Birata,  doestas  ainda  mais  precisa  Porfugal, 
cujos  filho3  vAo  para  o  Brazil  aprender  a  ler  com  as  mulheres  brazileiras  que 
desposam.  • 

Km  carta  publicada  no /orna/  de  Xo/iitas  da  Bahia  de  26  de  Junho  de  1900, 
o  cidadão  Gabriel  Zuth  dá  sobre  este  revolucionário  bahiano  muitos  esclare- 
cimentos : 

••  D2  Palmouth.  vciu  o  dr.  Barata  para  esta  capital,  onde  desembarcou  de 
chapéo  de  couro,  trajando  vestes  de  tecido  grosso,  de  algod&o. 

"  Foi  recebido  debaixo  de  pallio  c  conduzido  triumphante  pelas  ruíis  da 
cidade. 


132  MBMORIAS  BRAZILEIRAS 


nho — a    occultas,  tomaram    passagem    no    paquete    inglez 
Malbourough  e  passaram-se  para  a  Inglaterra.  Em  Falmouth, 


•  «Durante  os  sete  annos  de  prisAo  no  Rio  de  Janeiro,  foi-lhe  vedado  aparar  a 
barba  e  o  cabello  e  assim  os  conservou  até  sua  morte. 

•  Nos  cárceres  da  fortalezi  da  Lage  e  depois  nos  da  de  Santa  Cruz,  recebia  o 
dr.  Barata  uma  pens&o,  que  lhe  concediam  a  maçonaria  e  os  seus  parentes,  por 
intermédio  do  revm.  padre  José  Custodio  Dias. 

■  Mesmo  da  prisão,  diriflria  á  regência  do  seu  correligionário  padre  Diogo 
Peijó  apostrophes  d'e8te  quilate : 

<  De  soberbos  rochedos  rodeado. 
Onde  bramem  mil  ondas  furiosas, 
Dos  males  nunca  gemo  sossobrado. 
Nem  me  assustam  as  parcas  pressurosas. 
Inda.mesmo  nos  pulsos  arrochado. 
Desprezando  desgraças  sanguinosas, 
Mordo  os  ferros,  e  altivo  ranjo  os  dentes. 
Desafio  os  tyrannos  mais  potentes. » 

«  Obtida  a  liberdade,  voltou  o  'dr.  Barata  para  esta  capital,  onde  continuou  a 
campanha  pelo  seu  ideal,  nas  columnas  da  Sentinelta  da  Liberdade, 

•  Da  Bahia  transferíu-se  para  o  Recife,  e  ahi,  em  successivas  eleições  sena- 
toriaes,  o  seu  nome  fez  parte  da  lista  tríplice,  mas  a  sua  escolha  só  dependia  de 
uma  circumstancia  ~  repudiar  os  seus  ataques  ao  governo. 

■  Eleito  deputado  provincial  por  Pernambuco,  combateu  da  tribuna  a  admi ' 
nistraçfto  do  presidente  d 'essa  entfto  provinda,  dr.  Thomaz  Xavier  Garcia  de 
Almeida,  a  quem  chamava  ■  curioso  em  leis  >. 

«Padecendo  de. grave  enfermidade  —  o  diabetes — dirigiu-se  para  o  Rio 
Grande  do  Norte,  em  cuja  capital  fixou  residência,  em  fins  de  1836  ou  princípios 
de  1837,  installando  alli  a  primeira  loja  maçónica. 

■  Na  cidade  do  Natal  procurou  \nver  de  sua  profissão. 

■O  dr.  Cypriano  Barata  falleceu  na  casa  que  n'aquella  capital  tem  hoje  o 
n.  39  da  rua  Corrêa  Telles,  do  bairro  da  Ribeira,  sendo  seus  restos  mortaes  inhu- 
mados,  em  sepultura  rasa,  na  egreja  do  Bom  Jesus,  do  referido  bairro. 

O  mes^mo  Jornal  de  5  de  Julho  de  1900  publicou  outra  carta,  de  um  neto  do 
patriota,   António  Pedro  da  Silva  Barata.  D'ella  extrahimos  tópicos  : 

•  Quando  Cypriano  Barata  voltou  de  Coimbra,  foi  portador  nâo  só  da  carta  de 
cirurgião  como  também  das  de  bacharel  em  philosophia  e  mathematicas. 

■  KUe  era  filho  legitimo  do  tenente  Raymundo  Nunes  Barata  e  d.  AnnaLuiza 
Xavier. 

•  Chegando  á  Bahia,  consorciou-se  com  a  sra.  d.  Anna  Joaquina  de  Olivtrira. 


CAPITULO  XXIII  133 


António  Carlos  e  Costa  Aguiar  dirigiram  ao  congresso  enér- 
gico e  patriótico  protesto,  de  que  damos  os  trechos  de  mais 
interesse: 

«Os  abaixo  assignados,  representantes  da  província  de 
S.  Paulo  nas  cortes  de  Portugal,  forçados  pelos  mais  ponde- 
rosos motivos  a  abandonar  a  commissão  com  que  os  honraram 
os  seus  constituintes,  julgam  de  seu  dever  expor  ao  mundo,  e 
mormente  ao  Brazil,  um  resumo  de  sua  vida  parlamentar  e 

as  causas  da  resolução  que  tomaram. 

# 
«  Os  abaixo  assignados  guardariam  o  mais  profundo  silen- 
cio e  não  teriam  a  presumpção  de  chamar  sobre  si  a  attenção 


«  D 'esse  consorcio,  além  de  um  filho  varão,  teve  quatro  filhas :  d.  Iria,  mfte 
de  Cypriano,  actualmente  no  Rio  de  Janeiro,  e  do  humilde  signatário  d'estas 
linhas ;  d.  Laura,  d.  Veridiana,  da  qual  ainda  existem  dois  filhos— o  dr.  Cândido 
Barata,  lente  cathedratico  da  escola  de  medicina  e  senador  federal,  e  o  dr.  Atha- 
nagildo  Barata,  engenheiro  naval ;  d.  Sibylla,  da  qual  ainda  existe  um  filho — o 
dr.  Silvino  José  de  Moura. 

■  K  preciso  que  se  tome  bem  accentuado  que  Barata  não  era  inimigo  dos  por- 
tugueses. Brazileiro,  elle  queria  livrar  a  pátria  da  tyrannia  da  metrópole. 

«Ha  prova  do  que  digo  está  não  só  na  circumstancia  de  ter  possuído  muitos 
amigos,  filhos  de  Portugal,  como  no  facto  bastante  significativo,  que  é  assim 
narrado  no  Resumo  Chronologico  e  Noticioso  da  Bahia:  ij de  abril — iSji  — 
n.  151  — "Foi  a  Bahia  theatro  de  scenas  luctuosas  e  aterradoras,  em  que  a  morte  de 
um  brazileiro  de  nome  Victor  Pinto  de  Castro,  na  cidade  baixa,  bairro  do  com 
mercio,  abriu  espaço  a  horríveis  aggressões  contra  portugueses  ;  e  muito  maiores 
seriam  as  calamidades,  si  não  interviessem  o  visconde  de  Pirajá,  então  comman- 
dante  das  armas,  e  o  dr.  Cypriano  José  Barata  d 'Almeida,  pattiota  muito  popular.* 

«José  Alvares  do  Amaral,  auctor  do  Resumo^  não  sabia  mentir. 

••  A  popularidade  do  honrado  velho  não  se  limitava  á  sua  terra  natal :  em 
Pernambuco  recebeu,  como  no  Rio  de  Janeiro,  innumeras  provas  de  apreço. 

■  No  Pará,  o  enthusiasmo  pele  grande  patriota  chegou  a  tal  ponto,  que  a 
classe  mais  abastada  usava,  como  distinctivo,  uma  baratinha  de  ouro ;  a  media — 
uma  de  prata,  e  a  plebe  —  uma  de  cobre. » 

O  dr.  Barata  era  de  baixa  estatura  e  franzino :  pequeno  envolucro  em  que  se 
agitava  uma  alma  de  gigante. 


134  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 

da  Europa,  si,  na  siia  qualidade  de  homens  públicos,  não 
teniesscin  que,  sendo  a  sua  conducta  attribuida  a  motivos 
menos  puros  pelo  partido  que  nas  cortes  tem  pretendido 
escravizar  o  Brazil,  houvesse  de  reflectir  algum  desar  sobre 
a  provincia  que  os  elegeu. 

« Quando  o  Brazil  repetia  sôfrego  o  grito  de  liberdade  que 
em  Portugal  se  erguera,  jamais  cuidou  que  palavras  meigas 
e  convites  assucarados  de  fraternidade  e  egualdade  cobrissem 
as  mais  sinistras  c  dolosas  intenções.  Julgando  Portugal  por 
si,  adheriu  de  coração  á  nova  ordem  apregoada  com  tanta 
êinpliase,  e,  na  escolha  de  seus  deputados,  deu  o  maior  teste- 
munho de  sua  bôa  fé  e  afinco  aos  principios  liberaes. 

«O  primeiro  dos  abaixo  assignados  não  dévcu  seguramente 
a  confiança  de  sua  provincia  senão  ao  seu  paiz,  pelo  qual 
tantos  trabalhos  acabara  de  sofFrer,  lançado  por  espaço  de 
quatro  annos  em  lobregas  prisões  e  por  mais  de  dois  e  meio 
conservado  no  mais  estreito  segredo,  privado  da  luz,  do  ar  e 
de  toda  connnunicação  humana. 

« Da  escolha  do  segundo  dos  abaixo  assignados  foi  egual- 
mente  o  único  titulo  o  conhecido  teor  de  suas  opiniões 
j)oliticas.  Com  que  altas  esperanças  chegaram  os  abaixo 
assignados  ás  cortes  de  Lisboa  é  fácil  de  conhecer,  atten- 
taudcKsc  nas  insidiosas  expressões  das  ditas  cortes,  tantas 
vezes  rejx^tidas,  e  tantas  vezes  vergonhosamente  desmentidas 
pelas  suas  obras. » 

líni  seguida,  fizeram  franca  exposição  do  modo  como 
as  cortes  se  manifestaram,  sempre  contrarias  á  felicidade  do 


CAPITULO  XXIII  135 


Brazil,  que  pretendiam  recolonizar  a  todo  transe,  e  da  forma 
por  que  devia  ser  considerado  o  reino  americano — egual,  por 
todos  os  princípios,  ao  reino  de  Portugal.  Alludindo  ao  facto 
de  recusarem  jurar  e  assignar  a  constituição,  escreveram  os 
dois  dignos  paulistas : 

«Com  a  franqueza  própria  de  seu  caracter  publico  e 
particular,  declararam  os  abaixo  assignados  a  firme  resolução 
em  que  estavam  de  jamais  assignarem  e  menos  jurarem  uma 
constituição  contraria  á  sua  dignidade,  porque  o  não  deviam 
fazer  sem  offenderem  a  sua  consciência,  e  sem  se  deshonrarem 
a  seus  próprios  olhos;  e  persistiram  em  sua  declaração, 
desprezando  os  sophismas  e  subterfúgios  de  seus  oppressores 
Choviam  as  ameaças  anonymas,  repetiam-se  os  avisos  de 
alguns  poucos,  bem  intencionados,  que  lhes  pregavam  cautelas 
e  avisavam  do  resolvido  projecto  de  assassinal-os,  adoptado 
pelas  sociedades  secretas,  a  que  pertence  a  maior  parte  dos 
deputados  influentes  do  congresso. 

«Si  os  abaixo  assignados  não  tivessem  dado  o  saudável 
passo  de  baldarem,  com  a  sua  retirada^  os  intentos  dos  can- 
nibaes,  teriam  perecido,  victimas  de  sua  cega  fúria,  como  se 
deprehende  de  uma  denuncia  feita  ao  intendente  geral  da 
policia.  Todavia,  si  os  abaixo  assignados  pudessem  enxergar 
ainda  o  mais  pequeno  bem  que  de  sua  morte  viesse  ao  Brazil ; 
si  mesmo  não  devessem  obedecer  á  voz  do  chefe  de  seu 
governo,  offerecer-se-iam,  em  voluntário  sacrifício,  á  bruta- 
lidade dos  portuguezes.  Mas  nem  a  pnidencia  nem  o  patrio- 
tismo lhes  apontava  esse  verdadeiro  suicidio. 


136  MBMORIAS  BRAZILBIRAS 


«  Seguros  os  abaixo  assignados  com  o  testemunho  de  sua 
consciência,  apresentam-se  sem  medo  ao  tribunal  da  geração 
presente,  e  não  declinara  o  severo  escrutínio  da  posteridade, 
cuja  imparcial  decisão  esperam  favorável.  —  Falmouth,  20 
de  Outubro  de  1822.» 

Na  mesma  occasiáo  publicou  António  Carlos  um  mani- 
festo em  que,  pessoalmente,  destruia  as  accusações  feitas  a  seu 
caracter  por  alguns  periódicos  de  Lisboa. 

« Quando  me  achei  no  Rio  de  Janeiro,  dizia  elle,  ninguém 
ainda  pensava  em  independência  ou  em  legislaturas  separadas. 
Foi  mister  toda  a  cegueira,  precipitação  e  despejado  annuncio 
de  planos  de  escravização  para  accordar  do  somno  de  boa  fé 
oamadornado  Brazil,  e  fazel-o  encarar  a  independência  como 
o  único  antidoto  contra  a  violência  portugueza. 

«Não  pretendo  com  isto  incluir-me  no  numero  dos  que 
não  sonhavain  com  este  desejado  futuro.  Não  por  certo.  Não 
tenho  tão  curta  vista  que  me  escapassem  as  vantagens  de  só 
pertencermos  ao  pacifico  systenia  americano,  e  nos  despren- 
dennos  dos  laços  da  revolta  Europa. » 

Como  conclusão,  declarou  «ter  procurado  sempre  evitar 
que  as  cortes  portuguezas  adoptassem  resoluções  que  irri- 
tassem o  Brazil  e  o  precipitassem  nas  anciãs  ardentes  e  nos 
perigos  manifestos  de  romper  os  laços  de  união  dos  dois  reinos 
e  de  proclamar  uma  independência  extemporânea;  não  conse- 
guindo, porém,  conter  a  maioria  exaltada  dos  portuguezes, 
tranquilla  sentia  a  sua  consciência,  e  acompanhava  a  sua 
pátria  na  marcha  a  que  ella  fora  arrastada  pelas  cortes  e 


CAPITULO  XXIII  137 


governo  de  Lisboa,  com  tanto  maior  prazer  quanto,  em  vez 
de  uma  nova  republica  que  se  devia  mais  tarde  installar  na 
America  (^),  uma  monarchia  livre  lhe  garantia  no  seu  paiz 
um  princip2  generoso,  a  qual  daria  de  certo  todos  os  benefícios 
que  buscara  como  republicano  de  outr^ora,  posto  a  sua 
cooperação  no  levante  de  Pernambuco  de  181 7  não  houvesse 
passado  de  passiva  tolerância.  » 

A  22  de  Outubro  os  outros  cinco  deputados  fugidos  de 
Lisboa  publicaram  seu  manifesto,  protestando  contra  os 
insultos  quotidianos  de  que  eram  alvo  nas  ruas  e  praças  de 
Lisboa  e  denunciando  planos  de  attentados  a  suas  pessoas 
e  vidas. 

No  dia  i.^  de  Outubro,  D.  João  VI  acompanhado  de  seus 
ministros  e  côite,  dirigiu-se  ao  palácio  do  congresso  e  ahi 
leu  á  assembléa  este  pequeno  discurso : 

«Fiel  aos  meus  princípios  (^),  lisonjeio-me  de  haver 
offerecido  á  nação,  ainda  nas  mais  difficeis  circumstancias, 
provas  decisivas  do  amor  que  lhe  consagro  e  da  lealdade  que 
convém  á  minha  própria  dignidade.  Os  portuguezes  o  reco- 
nhecem, e  é  esta  a  recompensa  mais  digna  dos  meus  desvelos, 
assim  como  o  único  termo  da  minha  ambição.  Sendo,  pois,  o 
novo  pacto  social  a  expressão  da  vontade  geral  e  o  producto 


(  I  )  Essa  aspirayão  do  ardente  democrata  paulista  só  »c  realizou  a  15  de 
Novembro  de  1ÍW9. 

(  2  )  Com  que  difficuld  ide  nào  proferiria  o  Rei  essas  palavras !  Elle,  fçenuino 
representante  do  absolutismo  !  .    .   . 

1^  TOM.  II 


138  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


das  vossas  sabias  meditações,  accommodado  á  illustração  do 
século,  e  cimentado  sobre  a  reciprocidade  de  interesses  e 
sentimentos,  inseparável  da  causa  da  nação,  eu  venho  hoje 
ao  seio  da  representação  nacional  acceitar  a  constituição  que 
acabais  de  fazer,  e  firmar  com  o  mais  solemne  juramento  a 
inviolável  promessa  de  a  guardar  e  fazer  guardar. » 

Antes  de  se  dissolverem,  as  cortes  extraordinárias  e 
constituintes  elegeram  uma  deputação  especial,  incumbida 
de  fiscalizar  e  superintender  o  governo,  até  á  reunião  de  nova 
asscmbléa:  a  eleição  recahiu  nos  portuguezes  Trigoso  de 
Aragão  Morato^  Ferreira  de  Moura,  Braancamp  de  Sobral,  e 
nos  brazileiros  José  Feliciano  Fernandes  Pinheiro,  Villela 
Barbosa,  bispo  do  Pará  D.  Romualdo  Coellio  e  Vieira 
Belford,  e  como  supplente,  Domingos  Borges  de  Barros. 

Sj  em  Outubro  de  1822 — quando  no  mez  anterior  havia 
sido  proclamada  a  independência  do  Brazil  —  lembrou-se 
Portugal,  pela  primeira  vez,  de  conceder  posições  elevadas 
e  honrosas  a  brazileiros.  Pretendeu  dar  aos  americanos  um 
exemplo  de  cortezia,  mas  tão  intempestivamente  o  fez,  que 
lhes  não  aproveitou  c  só  conseguiu  attrahir  o  ridiculo  sobre 
taes  actos. 


CAPITULO  XXIV 


ACCLAMAÇÃO  K  coroação  DR  d.  PKORO  I,  IMPKRADOR   DO   BrAZIL. 
LUCTAS  DK  PARTIDOS  POLÍTICOS.  RRVOLTAS 

NO  MaranhÃoj?.  Para.  Barbaridade  de  Grkexfell. 

A  PROVÍNCIA  ClSPL.ATINA.  —  1823 


e^çji 


!çÓDK-SE  bem  imaginar  que  manifestações  de  apreço 
acompanharam  o  principe  regente  em  sen  regresso  ao  Rio  de 
Janeiro,  depois  de  ter  inaugurado  em  S.  Paulo  o  feito  glorioso 
de  nossa  independência.  Ao  chegar  a  S.  Christovão  fez  expedir 
três  decretos  em  data  de  i8  de  Setembro:  o  i.°  adoptando 
escudo  de  armas  sobre  as  cores  verde  e  amarella;  02.°  deter- 
minando aos  adherentes  á  independência  o  uso  de  um  tope 
nacional  no  chapéo  e  no  braço  a  divisa  independência  ou 
morte\  03.°  concedendo  amnistia  geral  aos  cidadãos  envolvi- 
dos em  motins  politicos  ('),  acolhendo  os  portuguezes  que* 
espo.sa.ssem  a   idéa  do  principe  e  o  quizessem  defender  e 


( I  ^  Por  decreto  particular  mandou  D.  Pedro  nulli  ficar  o  processo  instau- 
rado em  S.  Paulo  contra  os  auctores  do  levante  havido  a  23  de  Maio  de  1822, 
conhecido  pelo  nome  de  bei  narda  Francisco  ígnacio,  motim  que  tçve  por  obje- 
ctivo a  deposiçfto  de  dois  prestantes  membros  do  governo  provisório,  coronel 
Martim  Francisco  Ribeiro  de  Andrada  e  brigadeiro  Manoel  Rodrigues  Jordão. 


I40  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

marcando  aos  não  adherentes  o  prazo  de  trinta  dias  para 
deixar  o  domicilio  e  de  quatro  mezes  para  se  retirarem  do 
território  brazileiro. 

O  illustre  portnguez  José  Clemente  Pereira  reuniu  a  21  de 
Setembro  o  senado  da  camará,  a  cuja  sessão  compareceram 
João  Soares  de  Bulhões,  José  Pereira  da  Silva  Manoel, 
Domingos  Vianna  Gurgel  do  Amaral  e  o  procurador  José 
António  dos  Santos  Xavier.  Designou-se  o  dia  12  de  Outubro, 
24.^  anniversario  natalicio  de  D.  Pedro  e  330.°  anniversario 
do  descobrimento  da  America,  para.o  acto  solemne  da  accla- 
mação  de  D.  Pedro;  para  o  que,  foi  expedido  o  seguinte 
edital : 

«O  senado  da  camará  faz  saber  ao  povo  e  tropa  d'esta 
cidade  que,  tendo  previsto  que  era  vontade  unanime  de  todos 
acclamar  imperador  constitucional  do  Brazil  a  sua  Alteza 
Real,  o  Principe  Regente;  desejando  acautelar  que. algum 
passo  precipitado  apresentasse  com  as  cores  de  partido  fac- 
cioso um  acto  que  a  vontade  de  todo  o  Brazil  requer  e  que 
por  esta  razão  e  pela  importância  de  suas  consequências  deve 
apparecer  á  face  do  mundo  inteiro  revestido  das  formulas 
'solemnes  que  estão  reconhecidas  por  enunciativas  da  vontade 
unanime  dos  povos,  tem  principiado  a  dar  as  providencias 
necessárias  para  que  a  acclamação  de  Sua  Alteza  Real  se  faça 
solemnemente  no  dia  12  de  Outubro,  natalicio  do  mesmo 
senhor,  não  só  n'esta  capital,  mas  em  todas  as  villas  d'esta 
provincia*  e  tem  justos  motivos  para  esperar  que  a  maior 
parte  das  proviucias  colligadas  pratiquem  outro  tanto  no 


CAPITULO   XXIV  141 


mesmo  fausto  dia.  E  porque  será  muito  importante  á  causa 
do  Brazil,  muito  glorioso  ao  acerto  com  que  este  vai  dirigindo 
a  grande  obra  da  sua  independência,  e  de  muita  admiração 
finalmente  para  os  povos  espectadores,  si  no  mesmo  dia  12 
de  Outubro  fôr  Sua  Alteza  Real  acclamado  imperador  con- 
stitucional do  Brazil  solemnemente  em  todas  ou  quasi  todas 
as  suas  provi  ncias,  roga  o  mesmo  senado  ao  povo  e  tropa 
doesta  cidade  que  suspendam  os  transportes  do  seu  entliu- 
siasmo  até  ao  expressado  dia,  e  ao  mesmo  tempo  os  convida 
para  que,  imindo-se  a  elle,  o  acompanhem  a  fazer  solemne, 
grande  e  glorioso  tão  importante  acto. » 

No  dia  designado  amanheceu  a  cidade  do  Rio  de  Janeiro 
sob  ridente  aspecto:  fluctiiava  a  nova  bandeira  nos  mastros 
das  embarcações,  nas  fortalezas,  á  frente  dos  edifícios  públicos 
e  das  casas  particulares;*  salvaram  as  fortalezas  e  os  navios 
ancorados  na  bahia;  adornavam-se  as  janellas  de  colchas  de 
seda;  tapeta vam-se  as  ruas  principaes  de  folhas  de  laranjeira; 
de  distancia  em  distancia  arcos  de  ramagens  imprimiam  á 
formosa  capital  a  idéa  de  grandioso  triumpho.  Todo  o 
contentamento  de  um  povo,  que  ia  entrar  na  posse  de  seus 
direitos  de  nação  livfe,  transluzia  nos  semblantes. 

Ao  campo  de  SanfAnna  convergia  a  multidão  arrebatada 
de  patriótico  impulso:  ahi,  junto  ao  palacete  imperial  ('), 
aggiomerou-se,  para  assistir  de  perto  ao  magno  acontecimento. 


(  I  )  Ksse  palacftt',  construído  de  madt* ira,  fora  levantado  por  occasiào  da 
coroação  de  D.  João  VI  em  Fevereiro  de  iMS,  para  que  a  família  real  assistisse 


142  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Numerosos  populares  acompanharam  o  príncipe  e  a 
princeza,  que  se  transportaram  em  seus  coches  da  quinta  de 
S.  Christovão  ao  campo,  ao  som  de  saudações  enthusiasticas. 

Chegado  ao  palacete,  D.  Pedro  recebeu  o  senado  da 
camará  bem  como  os  procuradores  ou  deputados  das  villas  do 
Rio  de  Janeiro  e  de  Minas, 

Por  essa  occasião  falou  José  Clemente  Pereira  rememo- 
rando as  oppressões  e  violências  exercidas  pelas  cortes  portu- 
guezas  contra  o  governo  de  D.  Pedro;  exaltou  o  acto  da 
independência,  tenninando  com  estas  palavras:  «O  dia 
anniversario  do  feliz  nascimento  de, Vossa  Alteza  Real  è  o 
designado  para  o  solemnissimo  acto  de  sua  acclamação  e 
exaltação  ao  supremo  titulo  e  sublimado  emprego  de  impe- 
rador constitucional  do  Brazil,  titulo  de  que  ha  muito  gosaria 
si  tivesse  querido  e  só  dependia  de  sua  soberana  vontade. » 

D.  Pedro  respondeu:  «Acceito  o  titulo  de  imperador 
constitucional  e  defensor  perpetuo  do  Brazil,.  porque  tendo 
ouvido  o  meu  conselho  de  estado  e  procuradores  geraes,  e 


aos  festejos.  Circumdâvam-no  varandas  constituídas  por  arcos  entre  columnas 
unidas  por  unii  balaustrada :  a  da  frente,  saliente  mais  ds  dois  metros,  era  susten- 
tada por  cinco  arcos,  três  na  parte  anterior  e  dois  menores,  lateraes,  formando 
um  vcstibulo ;  a  escada  ficava  fronteira  ao  arco  central.  Havia  no  palacete  um 
salão  e  três  quartos  forrados  de  damasco  e  velludo.  O  edifício  foi  depois  cons- 
truído de  pedra  c  cal. 

A  22  de  Julho  de  1S41,  quando  o  artista  pyrotechnico  Francisco  de  Assis  Pere- 
jfrino  preparava  ahi  g^rande  fogo  de  artificio  para  as  festas  da  sagração  e  coroação 
de  I).  Pedro  II,  houve  msdonha  explosào  que  destruiu  o  palacete,  perecendo  na 
calastrophc  os  artistas  José  da  Costa  Velho,  seu  filho  Cândido  José  da  Costa  e 
l*rancisco  Peregrino  :  este,  ao  saltar  um.i  jancUa,  foi  apanhado  pehi  desal>amento 
de  uma  parede. 


CAPITULO  XXIV  143 


examinado  as  representações  das  camarás  das  differentes 
províncias,  estou  inteiramente  convencido  de  que  tal  é  a 
vontade  geral  de  todas  as  outras,  que  só  por  falta  de  tempo 
não  têm  ainda  chegado. » 

Da  varanda  da  frente  do  edifício  o  presidente  do  senado 
ergueu  vivas  ao  imperador  constitucional  e  defensor  perpetuo 
do  Brazil  o  .Senhor  D.  Pedro  I,  á  imperatriz  do  Brazil,  á 
assembléa  geral  e  legislativa  e  ao  povo  constitucional. 
Soaram  por  todo  o  campo  de  Sant^Anna  prolongados  vivas, 
delirantes  acclamações,  como  si  a  multidão  desejasse  que 
as  expansões  de  seu  extraordinário  prazer  fossem  ouvidas 
nas  plagas  luzitanas. 

A  acta  foi  lavrada  pelo  escrivão  do  senado  da  camará 
José  Martins  Rocha  e  assignada:  pelo  imperador;  José 
Clemente  Pereira,  Juiz  de  Fora;  João  Soares  de  Bulhões, 
vereador;  José  Pereira  da  Silva  Manoel,  vereador;  Domingos 
Vianna  Gurgel  do  Amaral,  vereador;  José  António  dos 
Santos  Xavier,  procurador;  Ignacio  d' Assis  Saraiva  e  Fonseca, 
procurador  da  villa  Nova  Friburgo ;  o  vigário  Jacob  Joye, 
procurador  da  mesma  villa;  José  Joaquim  Soares,  procurador 
da  villa  de  São  Pedro  de  Cantagallo;  o  padre  António  João 
de  Lessa,  procurador  pela  mesma  villa;  José  Pereira  Peixoto, 
procurador  da  camará  da  ilha  Grande;  Leandro  António  de 
Marins  Rangel,  procurador  da  cidade  de  Cabo  Frio;  Francisco 
Antune:?  Suzano,  procurador  da  villa  de  S.  P^rancisco  Xavier 
de  Itaguahy ;  João  Francisco  de  Azeredo  Coutinho,  procurador 
da  v-illa  de  Santo  António  de  Sá;  António  José  Pereira  da 


144  MEMORIAS   BRAZILKIRAS 


Silva,  prQcurador  da  camará  de  Rezende ;  Francisco  Peixoto 
de  Lacerda,  procurador  pela  villa  do  Paty  do  Alferes;  José 
Joaquim  Ferreira  Duque  Estrada,  procurador  pela  villa  de 
Maricá;  Manoel  Joaquim  de  Figueiredo,  procurador  pela 
villa  de  Macahé;  Miguel  Gonçalves  dos  Santos,  procurador 
pela  villa  real  da  Praia  Grande;  Agostinho  Nunes  Montes, 
procurador  pela  villa  de  S.  Jq^é  d*El-Rei;  José  Ayres  da 
Gama,  procurador  pela  villa  de  Paraty,  etc. 

Chovia  torrencialmente.  A  imperatriz,  findo  o  acto,  seguiu 
em  coche  para  o  paço  da  cidade;  D.  Pedro  preferiu  ir  a  pé,  e, 
debaixo  de  pallio,  sob  uma  nova  chuva,  de  flores,  que  das 
janellas  lhe  eram  lançadas  pelo  sexo  gentil  associado  á 
patriótica  manifestação,  seguiu  para  a  capella  inperial  onde, 
em  companhia  de  sua  esposa,  assistiu  ao  Te-Deum^  celebrado 
em  acção  de  graças  pelo  grande  e  memorável  acontecimento. 

Feita  a  independência  e  acçlamado  o  imperador,  quando 
necessitava  o  paiz  de  que  todos  os  fortes  elementos  politicos 
se  congregassem  para  firmar  em  bases  solidas  o  inicio  da 
nacionalidade,  levantoú-se  grande  lucta  entre  o  partido  libe- 
ral, com  aspirações  republicanas,  chefiado  pelo  jornalista 
Joaquim  Gonçalves  Ledo  e  o  partido  dos  irmãos  Andradas — 
José  Bonifácio  e  Martim  Francisco — ministros  de  D.  Pedro. 
O  Grande  Oriente  da  Maçonaria  protegia  os  liberaes,  que 
pelo  jornal  Reverbero  faziam  enérgica  opposição  ao  governo: 
os  ministros,  pelas  coluninas  do  Regulador^  davam  combate 
aos  adversários. 

Conscientes  de  sua  popularidade  c  para,  por  meio  d'ella, 


CAPITULO  XXIV  145 


tirarem  partido  contra  os  opposicionistas,  os  Andradas  pedi- 
ram demissão  de  seus  cargos,  antevendo  reclamações  popu- 
lares que  este  facto  provocaria :  acompanliou-os  o  ministro  da 
justiça  Caetano  Pinto  de  Miranda  Montenegro  (marquez  da 
Praia  Grande).  Acceitando  a  demissão,  nomeou  D.  Pedro: 
para  a  pasta  do  império,  João  Ignacio  da  Cunha;  para  a  da 
fazenda  e  justiça,  Sebastião  Luiz  Tinoco  da  Silva;  para  a  da 
guerra,  João  Vieira  de  Car\-alho,  marquez  de  Lage ;  para  a  da 
marinha,  Luiz  da  Cunha  Moreira,  posteriormente  visconde  de 
Cabo  Frio. 

Como  se  previa,  esta  mudança  ministerial  levantou  adhe- 
sões  em  favor  dos  Andradas,  e  tão  poderosas  foram  as 
representações  levadas  áo  imperador,  que  este  se  viu  obrigado 
a  reintegral-os  em  suas  pastas  e  a  Montenegro,  conservando, 
porém,  em  seus  logares  os  ministros  da  guerra  e  da  marinha. 
Voltando  ao  governo,  desenvolveram  os  Andradas  perse- 
guição cruel  contra  seus  adversários  politicos  e  promoveram 
grande  numero  de  prisões  e  processos,  em  vista  dos  quaes 
foram  deportados  Luiz  Pereira  da  Nóbrega  de  Azeredo 
Coutinho,  que  havia  pouco  occupára  a  pasta  da  guerra;  o 
benemérito  José  Clemente  Pereira,  que  tanto  havia  contri- 
buido  para  a  independência  do  Brazil,  como  presidente  do 
senado  da  camará  do  Rio  de  Janeiro,  e  o  cónego  Januário  da 
Cunha  Barbosa  ( * ). 


(  1  )  Al6m  d'essi's  cidadãos  noUivcis,  foram  processados :  o  marechal  de 
campo  r>omiti)(os  Alves  Hranco  Moni/.  Biirrello.  JoAo  da  Rocha  Pinto,  Luiz  Manoel 
Alves  dj   Aziívedo,  Thunia/.  José  Tinoco  de   Almeid.1,  Jos<J  Joaquim  Gouv^a» 

VJ  TOM.  II 


146  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Para  fugir  á  perseguição  dos  Andradas,  o  grande  jorna- 
lista Joaquim  Gonçalves  Ledo  (segundo  conta  Mello  Moraes) 
ffoccultou-se  em  diversas  partes,  até  que  uma  noite,  com  o 
rosto,  peito  e  braços  pintados  de  preto,  vestido  de  mulher  e 


Joaquim  Valério  Tavares,  Joào  Soai  es  Lisboa,  Pedro  José  da  Costa  Barros,  Joào 
Fernandes  Lopes  e  padre  António  Joào  Lessa.  No  Brazil  Histórico  do'  dr.  McUo 
Moraes  acha-se  publicado  todo  o  processo. 

O  cónego  Januário  da  Cunha  Barbosa  nasceu  no  Rio  de  Janeiro  a  10  de  Julho 
de  1780  e  falleceu  na  mesma  capital  a  22  de  Fevereiro  de  1846.  Com  o  marechal 
de  campo  Raymundo  José  da  Cunha  Mattos  fundou  o  Instituto  Histórico  e  Geo- 
graphico  do  Brazil,  installado  a  25  de  Novembro  de  1838,  sob  a  presidência  do 
visconde  de  S.  Leopoldo. 

Referindo-sc  ao  cónego  Januário  Barbosa,  diz  o  dr.  Sacramento  Blake  em 
seu  Diccionario  Bibliographico  ( tom.  IH,  pag.  291  ) : 

« N'um  discurso  que  na  occasião  de  baixar  seu  corpo  á  sepultura  proferiu 
o  orador  do  Instituto,  assim  se  exprime  este :  « Vinte  e  seis  titulos  honrosos 
adornam  a  sua  memoria !  Em  dezoito  corporações  illustres  foi  seu  nome  procla- 
mado como  de  um  sábio  nos  paizes  extranhos,  pois  que  no  nosso  de  ha  muito 
havia  conquistado  os  inalteráveis  direitos  que  lhe  asseguravam  os  grandes  feitos 
de  sua  vida,  a  sua  eloquência  como  orador  sagrado,  os  seus  vastos  conhecimentos 
e  sobretudo  os  padrões  de  gloria  que  levantara  á  nossa  pátria. » 

A  6  de  Abril  de  1848  foi  solemnemente  coUocado  o  seu  busto  com  o  do 
marechal  Raymundo  de  Mattos  na  sala  das  sessões  do  Instituto :  ahi  prestaram- 
lhe  homenagens  o  presidente  Cândido  José  de  Araújo  Vianna.  ( marquez  de 
Sapucahy )  o  orador  poeta  Manoel  de  Araújo  Porto  Alegre,  Joaquim  Norl>erto  de 
Souza  Silva,  2.°  secretario  dr.  Francisco  de  Paula  Menezes  e  Gonçalves  Dias. 

Do  Canto  inaugural  d 'este  poeta  trasladamos  duas  bellas  estrophes  : 

Porfioso  e  tenaz  no  duro  empenho, 
No  manto  do  porvir  bordava  ufano. 
Sob  os  trophéos  da  liberdade  sacra, 
Os  destinos  da  pátria ! 


Dorme,  ó  luctador,  teu  som  no  eterno  ; 
Mas  sobre  a  lousa  do  sepulcro  humilde, 
Como  na  vida  foi,  surja  o  teu  busto 
Austero  e  glorioso ! 

Rcv.  do  ínsi.,  tom,  XI,  pags.285  c  287. 


CAPITULO  XXIV  147 


com  iini  balaio  á  cabeça,  acompanhado  por  alguns  amigos 
qne  o  seguiam  dispersos,  embarcou  em  uma  falíia  para  a 
fazenda  de  S.  Gonçalo  em  Nictheroy,  onde  hospedou-se  em 
casa  de  um  seu  amigo,  Bellarmino  (depois  barão  de  S.  Gon- 
çalo), que  muita  parte  tomou  na  independência  de  sua 
pátria.  Permaneceu  Ledo  occulto,  e  d'alii,  por  intermédio  e 
protecção  de  Lourenço  Westin,  cônsul  da  Suécia,  embarcou 
em  um  navio  d^essa  nação,  que  se  dirigia  para  Buenos  Aires, 
onde  refugiou-se  até  que  a  influencia  dos  Andradas  se  desva- 
.  neceu  pela  dissolução  da  constituinte  a  12  de  Novembro 
de  1823,  sendo  elles  deportados  no  mesmo  mez  por  accórdão 
do  conselho  de  estado. » 

A  i.°  de  Dezembro  de  1822  effectuou-se  com  grande 
apparato  a  cerimonia  da  coroação  do  imperador. 

Na  mesma  occasião  publicaram-se  decretos  creando  a 
Imperial  Ordem  do  Cruzeiro  e  a  Guarda  de  Honra  ('), 
composta  de  três  esquadrões  de  cavallaria,  tirados  das  três 
provincias  Rio  de  Janeiro,  S.  Paulo  e  Minas. 

Nas  vésperas  da  coroação,  organizou-se  em  palácio  uma 
lista  de  cidadãos  beneméritos  que  por  seus  serviços  á  causa 
da  independência  deveriam  ser  distinguidos  com  a  ordem  do 
Cruzeiro.  Desejou  o  imperador  que  Martim  Francisco  e, 
especialmente,  José  Bonifácio — a  quem  tão  grandes  benefícios 
devia  a  pátria  —  fossem   contemplados  com  a  gran-cruz  da 


(  I  )  Essa  (iuarda,  fiiic  se  achava  de  posse  de  privilégios  sobre  os  dctnaisi 
corpos  do  exercito,  foi  extincta  pela  lei  de  ^5  de  Outubro  de  1832. 


148  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


ordem.  Os  illustres  paulistas,  porém,  recusaram  terminante- 
mente a  mercê.  Pezaroso  com  a  recusa,  lembrou-se  D.  Pedro 
do  papel  saliente  que  António  Carlos  ha\na  desempenhado 
perante  as  cortes  portuguezas.  •  Quero,  disse  elle,  que  esta 
distincção  fique  em  um  membro  da  familia  de  José  Bonifá- 
cio. *  E  sem  opposiçâo  dos  irmãos,  conferiu  ao  enérgico  orador 
democrata,  que  se  achava  ausente,  a  gran-cniz  do  Cruzeiro. 
Xão  satisfeito  com  este  premio,  e  desejoso  de  galardoar  publi- 
camente os  relevantissimos  ser\'iços  de  José  Bonifácio,  o 
imperador,  aconselhado  pelo  camarista  António  Telles  da 
Sih^a,  mais  tarde  marquez  de  Rezende,  resolveu  causar  ao 
velho  patriarcha  uma  surpresa:  na  egreja,  após  o  acto  da 
coroação,  tiraria  a  sua  gran-cruz  e  por  suas  próprias  mãos  a 
collocaria  ao  pescoço  de  José  Bonifácio.  Conhecendo,  porém, 
o  génio  altivo  de  seu  primeiro  ministro,  preveniu-o  na  vés- 
pera, á  noite,  do  que  se  ia  dar  por  occasião  da  solemnidade. 

— Não  faça  tall  exclamou  o  ministro  contrariadissimo. 
Não  me  obrigue  a  perturbar  o  acto,  declarando  que  V.  M.  está 
fora  de  seu  juizo!  E  um  paulista  que  lhe  fala;  faça  agora  o 
que  quizer  e  verá  o  resultado. 

A  vista  de  tão  formal  protesto,  não  foi  dada  a  José  Boni- 
fácio a  gran-cruz  da  ordem  do  Cnizeiro  ( ^ ). 


^  I  ;  Hm  um  bello  volume  adornado  de  estampas,  intitulado  Resumo  da 
Historia  do  lirazil  para  uso  das  escolas  primarias  brazileiras  <  Boston.  1S94  ), 
trabalho  da  professora  Maria  G.  l,.  de  Andrade,  figura,  defronte  da  pag.  169,  o 
retrato  de  José  Bonifácio  com  gran-cruz  ao  pescoço.  H  preciso  que  se  tome  bem 


CAPITULO  XXIV  149 

D.  Pedro  não  se  deu  por  vencido.  Sem  consultar  ao 
grande  amigo  e  conselheiro,  nomeou-o  seu  mordomo-mór. 
Assim  deu-se  o  facto: 

No  dia  da  coroação  de  D.  Pedro,  extraordinário  prazer 
apossou-se  de  José  Bonifácio.  Parecia  ter  conseguido  o  mais 
bello  ideal  de  toda  a  sua  existência.  Jantava-se  no  paço; 
o  imperador  compareceu  no  meio  do  jantar  á  mesa  de  estado 
e  disse  que  ia  fazer  uma  saúde  e  um  pedido  a  José  Bonifácio 
e  esperava  que  lhe  não  faltasse.  No  excesso  de  contentamento 
em  que  se  achava,  o  ministro  collocou  a  mão  direita  sobre  o 
hombro  de  D.  Pedro  e  disse:  «Peça  V.  M.  o  que  quizer;  hoje 
não  lhe  recuso  nada. » 

O  imperador  bebeu  á  saúde  de  José  Bonifácio,  seu  mor- 
domo-mór. Como  era  de  ver,  o  brinde  foi  enthusiasticamente 
applaudido  por  todos  os  assistentes. 

O  austero  ministro  respondeu  seccamente:  «Sim,  Senhor, 
sou  mordomo-mór;  sou  tudo  que  V.  M.  quizer  que  eu  seja.» 

No  dia  seguinte,  o  digno  paulista  declarou  francamente  ao 
imperador  que  este  havia  procedido  incorrectamente,  prevale- 
cendo-se  de  um  momento  de  alegria  para  surprehendel-o 
deante  de  muitas  pessoas  e  extorquir-lhe  um  sim,  que  aliás 
nunca  lhe  daria.  Seguiu-se  uma  questão  de  razões  de  parte  á 


patente  que  o  immortat  patríarcha  de  tiôdâa  independência  nunCa  acceitott 
distincçáo  algruma  honorífica,  nem  titulo  alg^im  de  nobresa  que  lhe  substituísse 
o  glorioso  nome. 

Quiz  ser  e  foi  unicamente  José  Bonifácio, 


150  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


parte,  sendo  necessíirio  todo  esforço  de  D.  Pedro  para  que 
José  Bonifácio  não  sahisse  do  ministério  ('). 

A  participação  ofBcial  da  independência  do  Brazil  foi 
levada  á-  Europa  por  embaixadas  commettidas  a  Manoel 
Rodrigues  Gameiro  Pessoa,  visconde  de  Itabaiana;  a  António 
Telles  da  Silva,  marquez  de  Rezende  e  Felisberto  Caldeira 
Brant  Pontes,  marquez  de  Barbacena,  perante  os  governos  da 
França,  Áustria  e  Inglaterra. 

No  sentido  de  cortar  todas  as  relações  com  os  luzitanos,  o 
governo,  por  decreto  de  30  de  Dezembro  de  1822,  concedeu 
cartas  de  corso  para  que  fossem  appreliendidos  todos  os 
navios  portuguezes  que  demandassem  os  portos  do  Brazil. 

Necessitava  D.  Pedro  tirar  do  próprio  paiz  os  reforços 
necessários  para  enfrentar  a  guerra  que  Portugal  lhe  faria 
por  todos  os  meios  a  seu  alcance.  Para  ampliar  o  quadro  das 
forças  brazileiras  concedeu  perdão  a  desertores  e  a  presos 
prestes  a  preencher  o  tempo  de  sentença ;  favoreceu  a  liber- 
tação dos  escravos  para  que  fossem  alistados  no  serviço  do 
exercito;  consentiu  no  engajamento  de  extrangeiros ;  e  por 
estes  e  outros  meios  viu-se  em  breve  rodeado  de  elementos 
fortes,  próprios  para  fazer  com  que  o  acto  da  independência 
fosse  respeitado  pelos  portuguezes. 

Voltando  aos  successos  que  occorriam  na  Bahia  depois  da 
chegada  da  esquadra  commandada  por  lord  Cochrane — que 


(  I  )  António  de  Menezes  Vasconckllos  de  Drummond  :  Aunotações  d 
sua  biographia,  pag.  57. 


CAPITULO  XXIV  151 


havia  sido  chamado  do  Chile  para  o  desempenho  da  impor- 
tante incumbência — repetimos  que  este  ahnirante,  após  os 
successos  de  2  de  Julho,  mandou  perseguir  a  esquadra  portu- 
gueza,  aprisionando-lhe  navios,  para  escarmento  dos  que 
ainda  nutriam  pretenções  auctoritarias  sobre  o  Brazil. 

O  commandante  da  fragata  brazileira  Nictheroy^  João 
Taylor,  depois  de  apresar  pequenos  navios  á  barra  do  Tejo, 
tocou  em  seu  regresso  em  uma  das  ilhas  dos  Açores,  onde 
fez  constar  que  o  navio  pertencia  á  Inglaterra  e  regressava 
de  uma  viagem  á  índia;  conseguiu  das  auctoridades  manti- 
mentos e  armas  de  que  tinha  necessidade;  depois  de  rece- 
ber o  que  havia  pedido,  offereceu  ao  governador  da  ilha  um 
jantar  a  bordo,  como  prova  de  reconhecimento ;  mas  ao  pôr-se 
ao  largo  a  fragata,  mandou  hastear  a  bandeira  brazileira  e 
firmal-a  com  uma  salva  de  21  tiros. 

Recolhidos  á  Bahia  e  Pernambuco  os  navios  aprisionados, 
seguiu  o  almirante  Cochrane  em  a  nau  ledro  I  para  o  Mara- 
nhão, em  cujo  porto  entrou  com  bandeira  portugueza.  Por  meio 
d'este  ardil  effectuou  a  captura  do  brigue  de  guerra  .S*.  Miguel 
e  conseguiu  com  facilidade  que  a  praça  lhe  fosse  entregue  a 
27  de  Julho  de  1823. 

Depois  de  alguma  reluctancia  por  parte  do  governador  de 
Piauhy,  major  João  José  da  Cunha  Fidié,  reconheceu  esta 
provincia  o  governo  de  D.  Pedro  por  meio  da  capitulação  de 
31  de  Julho. 

Por  ordem  de  Cochrane,  seguiu  no  brigue  Maranhão 
(ex-^*.  Miguel)  para  a  provincia  do  Pará  o  capitão  inglez 


15a  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


João  Pascoe  Greenfell,  que,  sevindó-se  egualmente  da  bandeira 
portugueza  para  illudir  os  revoltosos,  conseguiu,  a  11  de 
Agosto,  que  a  provi ncia  reconhecesse,  como  auctoridade 
suprema,  o  imperador.  Fez  prender  o  governador,  general 
José  Maria  de  Moura,  e  outras  auctoridades  e  as  enviou  para 
Portugal  em  navios  mercantes. 

Reconhecendo,  porém,  os  portuguezes  que  haviam  sido 
enganados,  resolveram  exercer  vingança  contra  o  comman- 
dante  do  brigue,  e  na  noite  de  21,  quando  este  official  se 
dirigia  para  bordo,  foi  traiçoeiramente  ferido  por  um  mari- 
nheiro do  brigue  mercante  General  Noronha, 

Dias  antes,  Greenfell  mandara  formar  no  largo  do  Palácio 
o  parque  de  artilheria  e,  sem  forma  alguma  de  processo, 
fuzilar  dois  sargentos,  dois  soldados  e  o  porteiro  do  arsenal 
de  marinha,  Custodio.  Por  intervenção  e  rogos  da  junta  de 
governo  deixou  de  ser  justiçado  horrorosamente  o  cónego  Ba- 
ptista Campos,  amarrado  já  á  bocca  de  uma  peça  de  artilheria. 

Foram  depois  presos  256  revoltosos,  e,  a  pedido  da  junta, 
conduzidos  para  bordo  de  um  pontão,  Diligente^  depois 
denominado  Palhaço. 

Horrivel,  monstruoso  o  castigo  infligido  a  tantos  cida- 
dãos indefesos  e  expostos  á  sanha  de  desenfreada  paixão 
partidária. 

No  porão  do  velho  navio,  agglomerados  em  um  espaço 
que  media  7  metros  de  comprimento,  por  5  de  largura  e  3  de 
altura,  foram  acommettidos  os  presos  de  violentas  dores  de 
cabeça  e  sede  abrazadora.  Em  gritos  reclamaram  agua  e  os 


CAPITULO  XXIV  153 


guardas  lhes  derain  agua  do  rio,  salgada  e  turva,  lançada  em 
uma  grande  tina  existente  no  porão:  arrojaram-se  a  ella, 
bebendo-a,  ou  de  bruços,  ou  nas  mãos  ou  nos  chapéos,  amon- 
toando-se  desordenadamente  e  pisando-se  no  atropello  e 
sofreguidão.  Abafados  pelo  calor,  quasi  todos  puzeram-se 
nús  e  agitavam  o  ar  com  as  roupas  e  com  os  chapéos.  Uns 
lançavam-se  á  tina  d'agua;  outros,  possuidos  de  vertigens, 
cahiam  desfallecidos.  Logo  que  a  agua  se  tomou  immunda^ 
pediram  renovação  do  liquido,  e,  sendo  satisfeitos,  travaram 
desesperada  lucta  a  punhadas,  a  disputar  a  preferencia  em 
beber.  Parecia  que  a  loucura  tinha-se  apoderado  d'aquelles 
infelizes:  entre  pragas  e  maldições,  arrojavam-se  uns  contra 
os  outros  e  dilacerAvam-se  com  as  unhas,  com  os  dentes, 
luctando  corpo  a  corpo,  ensanguentados  e  febris,  em  accessos 
de  raiva.  A  feroz  guarnição  do  brigue,  para  aplacar  aquella 
scenà  horrorosa — só  comparável  ás  do  Inferno  de  Dante  — 
deu  uma  descarga  de  fuzilaria  para  dentro  do  porão;  em 
seguida,  derramou  sobre  os  miseros  grande  porção  de  cal,  e, 
para  que  a  barbaridade  fosse  completa,  cobriu  a  escotilha, 
ficando  o  porão  hermeticamente  fechado.  Por  espaço  de 
duas  horas  ouviram-se  gritos  abafados,  gemidos,  estertores  de 
agonizantes,  brados  de  misericórdia;  mas  o  surdo  rumor  foi 
pouco  e  pouco  se  extinguindo  . . .  Três  horas  depois  do  encer- 
ramento, ao  escurecer,  viu-se  que  no  porão  reinava  socego, 
tranquillidade  própria  de  cemitério.  No  dia  seguinte,  ás  7  horas 
da  manhã,  corrida  a  escotilha,  vcrificou-se  a  existência  de 
252  cadáveres  e  4  presos  sobreviventes,  dos  quaes  3  morreram 

ao  TOM.  II 


154  MEMORIAS  BBAZILEIRAS 


pouco  depois  e  só  um  poude  salvar-se  para  narrar  a  pavorosa 
tragedia  que  presenceou  e  de  que  demos  pallido  resumo.  Era 
commandante  do  pontão  o  2."  tenente  Joaquim  Lndo  de 
Araújo  ('j. 

Esta  barbara  acção,  que  eimegrece  a  memoria  de  Green- 
fell,  faz  lembrar  o  monstruoso  procedimento  do  revolucionário 
francez  Carrier,  que,  em  Nantes,  no  anno  de  1794,  encerrava 
centenas  de  victimas  em  barcos  preparados  com  válvulas, 
que  no  mar  se  abriam  para  que  se  afogassem  os  miseros 
vencidos  j>elo  governo  do  Terror.  Os  ferozes  demagc^os  cha- 
mavam a  esta  execravel  execução  baptismo  repuhlúano. 

Em  recompensa  dos  sen-iços  prestados  á  causa  da  inde- 
pendência do  Brazil  foi  lord  Cochrane  agradado,  a  3  de 
Novembro  de  1823,  com  o  titulo  de  marquez  do  Maranhão. 

Pacificado  o  Norte,  convergiram  as  vistas  para  o  extremo 
Sul,  para  a  pro\*inda  Cisplatina,  cujo  governador,  D.  Álvaro 
da  Costa  de  Souza  de  Macedo,  entrincheirado  em  Montex-idéo 
com  4.000  homens,  resistiu  por  espaço  de  dezesete  mezes  ao 
sitio  que  lhe  poz  o  general  Lecór,  xâsconde  da  Laguna,  e  só 
capitulou  a  18  de  Novembro  de  1S23  e  com  a  Divisão  de 
l  'oluniarios  Reaes  regressou  para  Portugal. 

Foram  essas  as  ultimas  forças  portugnezas  expellidas  do 
Brazil,  para  que  o  novo  império  se  constituísse  com  solidez, 
argamassado  pelo  esforço  dos  nacionaes. 


(I)  I>r.    DoMiNV.os  Antonu»   Rayol  ;  M^^tins  poliiicos  oh   historia  dos 
f>ri»uipat%  aiontt\imentcs  Pi*!i/iios  </«•  I\irJ.  d€sdt  1S21  aU  jSj^. 


CAPITULO  XXIV  155 


Depois  de  tantas  vicissitudes,  a  formosa  banda  oriental, 
que  serve  de  clegantissinio  pórtico  de  mármore  ao  Rio  da 
Prata,  passou  a  exclusivo  dominio  brazileiro,  offerecendo  ao 
paiz  a  mais  bella  e  natural  delimitação  ao  sul  e  ao  mesmo 
tempo  importante  empório  de  nosso  commercio  com  a 
Republica  Argentina  e  com  o  Paraguay. 

Era  a  Cisplatina  uma  das  jóias  do  império,  não  só  pela 
magnifica  situação  topograpliica,  como  pela  riqueza  do  solo, 
pela  originalidade  dos  costumes,  pela  suavidade  da  lingua 
( liespanliola ),  pelo  bom  gosto  das  edificações — sem  paridade 
alguma  com  as  desgraciosas  e  tristes  construcções  luzitanas 
—  e,  especialmente,  pelo  forte  espirito  de  iniciativa  que 
impelle  os  orientaes  á  realização  de  grandes  empresas. 

Conserval-a  e  imprimir-lhe  o  máximo  desenvolvimento 
seria  uma  gloria  para  o  Brazil. 


CAPITULO  XXV 


ASSEMBLÊA  GKRAL  LEGISLATIVA  E  CONSTITUINTE.  OpPOSIÇAO. 

Dissolução.  Prisão  dos  chkfks  opposicionistas.  A  Confederação 

DO  Equ.\dor  em  Pernambuco.  Supplicio  de  Frei  Caneca 

K  DE  Ratcliff  — 182^-1825 


I^onvocada  a  assembléa  geral  legislativa  e  constituinte 
por  decreto  de  3  de  Junho  de  1822,  effectuou-se  a  primeira 
sessão  preparatória  a  17  de  Abril  de  1823,  sob  a  presidência  do 
bispo,  D.  José  Joaquim  Coutinho  da  Silva,  e  só  a  3  de  Maio 
seguinte  foi  ella  solemnemente  aberta,  pronimciando  D.  Pedro 
a  fala  do  throno.  A  opposição  na  camará  era  representada  por 
cidadãos  de  grande  influencia  politica — Joaquim  Gonçalves 
Ledo  (que  no  exilio  havia  sido  lembrado  pelas  umas), 
Pedro  José  da  Costa  Barros,  Pedro  de  Araújo  Lima  e  José  da 
Costa  Carvalho. 

Precisamos  explicar  a  razão  por  que  incorria  D.  Pedro  na 
antipathia  publica. 

Coroado  imperador,  outra  ambição  começou  a  preoccu- 
par-lhe  o  espirito:  a  idéa  de  unir  o  Brazil  a  Portugal. 

Herdeiro  prcsumptivo  da  coroa  portugueza,  reservava-lhç 


158  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


a  sorte  a  dupla  gloria  de  ser  imperador  na  America  e  rei  na 
Europa. 

O  paço  imperial  achava-se  constantemente  cheio  de  por- 
tuguezes — militares  e  civis — desejosos  de  ver  outra  vez  a 
nossa  pátria  incorporada  á  antiga  metrópole. 

Percebendo  a  surda  machi nação,  que  tinha  por  fim 
destruir  a  obra  da  independência,  José  Bonifácio  experimen- 
tava em  seu  coração  patriota  profundissimo  desgosto. 

Para  que  mais  afflictiva  lhe  fosse  a  situação,  o  imperador 
mandara  vir  de  S.  Paulo  uma  mulher  mundana,  Domitilia, 
conhecida  posteriormente  pelo  titulo  de  marqueza  de  Santos. 

Tendo  succedido  a  D.  Pedro  o  desastre  de  cahir  de  um 
cavallo,  quebrado  duas  costellas  e  machucado  uma  coxa,  onde 
se  lhe  formou  um  abcesso,  foi  Domitilia  admittida  n^alcova 
imperial,  e  desde  ahi  começou  escandalosamente  a  exercer 
influencia  no  paço  ('). 

Empregou  o  patriarcha  os  maiores  esforços  para  cohibir 
o  concubinato  indecoroso:  só  conseguiu  ver  agrupados  em 
torno  da  cortezã  impudica  maior  numero  de  portug^iezes 
combinados  em  hostilizal-o. 

Para  fugir  ao  contacto  da  immoralidade,  com  toda  a  sua 
degradante  serie  de  baixezas,  José  Bonifácio,  que  prezava  a 


í  I  )  Das  illicitas  relações  de  D.  Pedro  I  com  Domitilia  nasceram  três 
filhas  c  um  filho.  A  filha  mais  velha,  Isabel  Maria  Brazileira,  foi  legfitimada  a  4 
de  Julho  de  1S26  e  n'cssa  occ.isiâo  concedeu-lhe  o  imperador  o  titulo  de  duqueza 
de  Ctoyaz.  mercCMjue  ella. perdeu  ao  casar-se  com  o  conde  I^ischer  de  Flcuberj?. 
Os  demais  filhos  fallcceram  na  infância, 


CAPITUI.O  XXV  159 


D.  Pecíro  como  a  um  filho,  declaroii-se  demittido  do  cargo  de 
ministro  do  império  e  extrangeiros  a  15  de  Julho  de  1823; 
no  dia  16  Martim  Francisco  dispensou-se  de  ministro  da 
fazenda,  e  sua  irmã,  D.  Maria  Flora  de  Andrada,  das  f  uncções 
de  camareira-mór. 

Foram  os  dois  irmãos  substituidos  por  José  Joaquim 
Carneiro  de  Campos  e  Manoel  Jacintho  Nogueira  da  Gama, 
os  quaes  só  contribuiram  para  tornar  mais  acirrada  a  oppo- 
sição. 

Logo  que  os  Andradas  sahiram  do  ministério,  surgiram 
duas  gazetas  de  opposição  ao  governo:  A  Sentinella  e  o 
Tamoyo. 

Fundado  por  António  de  Menez:s  Vasconcellos  de  Drum- 
mond,  o  Tamoyo  teve  como  redactores  effectivos  Dmmmond 
e  o  desembargador  Francisco  da  França  Miranda  e  como  colla- 
boradores  os  três  Andradas.  Mais  tarde  incorporou-se  á  folha 
António  José  de  Paiva  Guedes,  que  D.  Pedro  havia  demittido 
de  redactor  do  Diário  do  Cozrrno  por  ter,  em  artigo  de 
fundo,  applicado  a  José  Bonifácio  um  qualificativo  honroso 
e  affirmado  que  elle  havia  bem  servido  a  seu  paiz. 

O  Tamoyo  teve  no  dia  de  seu  apparecimcnto  duas  edições; 
a  primeira,  com  a  seguinte  epigraphe  acintosa  ao  monarcha : 

Pour  qu^on  'Cous  obiisst\  ohnssez  atíx  his. 

Na  segunda  edição,  a  epigraphe  adoptada  para  todos  os 
números  appareccu  mais  frisautc  n^estcs  dois  alexandrinos, 
suggeridos  por  José  Bonifácio : 


l6o  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Tu  vois  de  ces  tyrans  la  fureur  despotique  ; 
lis  pensent  que  pour  eux  le  cielfit  rAmêrique. 

A  voz  mais  poderosa  e  auctorizada  que  se  levantou  n^esse 
primeiro  congresso  brazileiro  foi  a  do  arrojado  paulista 
António  Carlos  Ribeiro  de  Andrada  Machado  e  Silva,  já 
conhecido  nas  cortes  portuguezas  pela  forma  enérgica  e 
brilhante  por  que  defendeu  os  direitos  do  Brazil  ao  elabo- 
rar-se  a  constituição  portugueza. 

Homem  de  idéas  elevadas  e  superiores  ao  meio  em  que 
agia,  avantajou-se  aos  demais  deputados  pelo  modo  como 
considerou  o  pacto  fundamental  da  nação. 

Foi  elle  o  relator  da  commissão  incumbida  do  projecto  da 
constituição.  Trabalho  revelador  de  aceudrado  patriotismo, 
o  projecto  reconhecia  três  poderes:  o  judiciário,  o  legislativo 
e  o  executivo.  Não  admittia  o  poder  moderador  —  a  attri- 
buição  suprema  concedida  ao  monarcha,  como  ultima  instan- 
cia. Não  facultava  ao  chefe  da  nação  o  poder  de  dissolver  a 
camará :  só  poderia  adial-a  ou  prorogal-a,  em  caso  de  neces- 
sidade publica ;  não  lhe  era  permittido  conceder  perdão  total 
a  seus  ministros,  a  quem  só  podia  perdoar  a  pena  capital; 
a  todos  podia  conceder  perdão,  mas  não  amnistia.  Não  preci- 
savam de  sancção  a  constituição  formulada  pela  assembléa 
constituinte,  as  modificações  que  soffresse  essa  lei,  nem  as 
deliberações  da  assembléa  geral  sobre  o  resultado  do  exame 
do  emprego  da  força  armada  pelo  poder  executivo. 

A  assembléa  geral  legislativa  seria  composta  de  duas 
camarás:    uma  vitalicia,  o   senado,  e   outra   temporária,   a 


CAPITULO   XXV  l6l 


camará  dos  deputados,  com  duração  de  4  annos;  para  a 
formação  do  senado,  eram  eleitos  os  cidadãos  por  meio  de 
voto  popular:  as  vagas  seriam  preenchidas  por  designação 
do  imperador  em  listas  tríplices  organizadas  pelos  deputados. 
Taes  eram,  em  resumo,  as  idéas  primordiaes  sobre  que 
assentava  o  projecto  da  constituição  brazileira. 

N'esse  tempo,  apresentaram-se  no  Rio  de  Janeiro,  como 
emissários  de  D.  João  VI,  o  conde  do  Rio  Maior,  o  gene- 
ral Luiz  Paulino  Pinto  da  França  e  o  desembargador  Fran- 
cisco José  Vieira.  Com  geral  contentamento  soube-se  que  o 
imperador  recusou  recebel-os  pelo  facto  de  não  terem  trazido 
instrucções  que  reconhecessem  a  independência  do  Brazil: 
foram  forçados  a  regressar  para  Portugal,  á  excepção  de  Luiz 
Paulino,  que  falleceu  na  capital  fluminense. 

Continuava  na  assembléa  a  lucta  dos  Andradas  contra 
o  governo  e  tornou-se  esta  n:ais  violenta  quando  o  deputado 
Montezuma  apresentou  moção  declarando  nulla  a  concessão 
do  titulo  de  marquez  do  Maranhão  feita  a  lord  Cochrane, 
como  reconhecimento  aos  serviços  prestados  nas  provincias 
do  Norte. 

O  chefe  da  opposição,  o  eloquente  António  Carlos,  com  a 
impetuosidade  própria  de  seu  temperamento,  offereceu  a 
seguinte  emenda:  «Que  se  diga  ao  governo  de  Sua  Magestade 
que  emquanto  a  assembléa  não  decretar  a  existência  de 
distincções  nobiliárias  e  dç  titulos,  não  se  dêem  mais  titulos 
e  distincções. » 

Na  tribuna  e  na  imprensa  era  continuamente  hostilizado 


l62  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


D.  Pedro,  sobresahindo  d'entre  os  jornaes  A  Sentmella^  que 
empregava  aspereza  de  linguagem,  atacando-o,  pela  protecção 
decidida  que  dispensava  a  officiaes  portuguezes,  com  prete- 
rição de  brazileiros. 

A  tal  ponto  accenderam-se  as  rivalidades,  que  a  officiali- 
dade  portugueza  em  guarnição  na  capital  para,  de  vez,  pôr 
termo  a  taes  ataques,  organizou  uma  representação  ao 
imperador  para  que  fossem  expulsos  do  seio  da  assembléa  os 
três  innãos  Andradas,  anctores  das  censuras. 

Como  os  ministros  se  não  prestassem  a  commetter  tamanha 
violência,  D.  Pedro  organizou  novo  ministério  assim  com- 
posto: marquez  de  Paranaguá,  Francisco  Villela  Barbosa, 
com  a  pasta  do  império  eextrangeiros;  marquez  de  Nazareth, 
Clemente. Ferreira  França,  com  a  da  justiça;  Sebastião  Luiz 
Tinoco  da  Silva,  com  a  da  fazenda;  visconde  do  Rio 
Comprido,  José  de  Oliveira  Barbosa,  com  a  da  guerra;  e 
continuando  o  visconde  do  Cabo  Frio,  Luiz  da  Cunha 
Moreira,  com  a  da  marinha. 

Um  facto  particular  deu  ganho  de  causa  ao  partido 
luzitano. 

Cartas  sob  a  assignatura  Um  brazileiro  resoluto  foram 
publicadas  na  Sentinella  estigmatizando  a  protecção  dispen- 
sada a  officiaes  portuguezes.  Um  doestes,  capitão  José  Joaquim 
Januário  Lapa,  melindrado  com  taes  publicações,  ao  passar 
pelo  largo  da  Carioca  na  noite  de  5  de  Novembro  de  1823, 
defrontando  uma  pharmacia,  lhe  foi  mostrado  o  boticário 
David  Pamplona  Corte  Real  como  auctor  das  cartas  aggres- 


CAPITULO  XXV  163 


sivas.  o  official  penetrou  na  botica  e  ahi,  a  bengaladas, 
feriu  a  cabeça  do  indigitado  auctor  das  missivas,  o  qual 
protestava  não  ser  o  brasileiro  resoluto^  procurado  pelo 
capitão.  Gonsummado  o  attentado,  reconheceu-se,  com  effeito, 
a  innocencia  de  David  Pamplona  e  soube-se  que  o  incógnito 
articulista  cliamava-se  Francisco  António  Soares  ('). 

Em  vez  de  apresentar  queixa  ás  auctoridades  judiciaes, 
David  Pamplona  representou  contra  o  facto  á  assembléa,  que 
tomou  conhecimento  do  delicto,  como  si  elle  affectasse  a  honra 
nacional,  e  nos  dias  8,  9  e  10  de  Novembro  discutiu  com  calor 
o  assumpto,  sob  manifestações  de  agrado  e  de  hostilidade  por 
parte  das  galerias. 

A  assembléa  constituiu-se  em  sessão  permanente  e  requi- 
sitou o  comparecimento  do  ministro  do  império,  Villela 
Barbosa,  para  explicações. 

Este  funccionario  apresentou-se  á  assembléa  ás  11  horas 
da  manhã  do  dia  12.  Interrogado  sobre  a  representação  dos 
officiaes,  deu  a  seguinte  explicação: 

« Segundo  ouvi  a  Sua  Magestade,  foram  motivos  da 
representação  os  insultos  feitos  aos  officiaes  em  alguns  perió- 
dicos e  especiahnente  á  sua  augusta  pessoa,  chegando  até  a 
ser  ameaçada  a  sua  existência  physica  e  politica  no  Tamoyo; 
pediu-se  que  sendo  redactores  doeste  os  illustres  deputados 
—  os  Srs.  Andradas  —  fossem  expulsos  da  assembléa,  o  que 
Sua  Magestade  declarou  logo  inadmissivel. » 


(  I  )  Annota(;òcs  de  Drunimotid.  pag.  137. 


l64  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Pouco  depois  da  sahida  do  ministro,  o  general  Manoel 
José  de  Moraes  entregava  á  assembléa  o  decreto  pelo  qual  o 
imperador  dissolvia  a  representação  nacional.  Era  assim 
concebido: 

« Havendo  eu  convocado,  como  tinha  o  direito  de  convo- 
car, a  assembléa  geral  constituinte  e  legislativa,  por  decreto 
de  3  de  Junho  do  anno  próximo  passado,  a  fim  de  salvar  o 
Brazil  dos  perigos  que  lhe  estavam  imminentes,  e  havendo 
esta  assembléa  perjurado  ao  tão  solemne  juramento  que 
prestou  á  nação,  de  defender  a  integridade  do  império,  sua 
indtípendencia  e  a  minha  dynastia:  Hei  por  bem,  como 
imperador  e  defensor  perpetuo  do  Brazil,  dissolver  a  mesma 
assembléa,  e  convocar  já  uma  outra,  na  fónna  das  instnicções 
feitas  para  convocação  d'esta,  que  agora  aeaba,  a  qual  deverá 

'  trabalhar  sobre  o  projecto  de  constituição  que  eu  lhe  hei  de 

j  I 

j  ,  em  breve  apresentar  e  que  será  duplicadamente  mais  liberal 

!  do  que  a  que  a  extincta  assembléa  acabou  de  fazer.  Os  meus 

'   '  ministros  e  secretários   de   estado   de   todas   as   differentes 

repartições  o  tenham  assim  entendido  e  façam  executar,  a 

1  bem  da  salvação  do  império.  Paço,  i2  de  Novembro  de  1823, 

'  segundo  da  independência  e  do  império.  Pedro  L» 

I  Na  mesma  occasião  foram  presos  José  Bonifácio,  que  se 

ij  ■  achava  em  sua  residência,  Martim  Francisco,  António  Carlos, 

.í .  o  padre  Belchior  Pinheiro  de  Oliveira,  José  Joaquim  da 

: '  Rocha  e  Francisco  Gê  Acayaba  de  Montezuma. 

í !  Ao  sahir  da  assembléa,  preso  e  acompanhado  de  soldados, 

;  António  Carlos  olhou  para  uma  peça  de  artilheria  apontada 


^  ! 


CAPITUI.O   XXV  165 

para  a  porta,  e,  tirando  o  chapéo,  disse-lhe :  «  Respeito  muito 
o  teu  poder  ! » 

Declarou-se  officialniente  que  os  canhões  alli  se  achavam 
postados  para  garantir  os  deputados  contra  aggressões  do 
povo  .  .  . 

Os  presos  foram  levados  para  o  arsenal  de  marinha  e  ahi 
vaiados  com  assobios  e  gritos  de  Viva  o  imperador  e  abaixo 
os  anarchistas!  sem  que  a  escolta  puzesse  cobro  á  vozeria  da 
garotagem. 

O  sábio  José  Bonifácio,  calmo,  deante  do  alarido  enorme, 
teve  uma  phrase  de  espirito:  «Hoje  é  o  dia  dos  moleques.» 

Dirigi u-se  depois  ao  general  Moraes  e  proferiu  estas 
palavras:  «Diga  aó  imperador  que  me  sinto  com  o  coração 
maguado,  não  por  mim,  que  estou  velho,  e,  morrer  hoje 
fuzilado  ou  amanhã  de  qualquer  moléstia,  é  para  mim  cousa 
indifferente ;  mas  é  por  seus  filhos  innocentes  que  eu  choro 
hoje ;  que  trate  de  salvar  a  coroa  para  elles,  porque  para  si 
está  perdida;  o  imperador  mesmo  lavrou  a  sentença,  e  já  não 
pôde  subtrahir-se  a  seus  effeitos,  porque  si  o  castigo  de  Deus 
é  tardio,  esse  castigo  nunca  falta  (*).>» 


( I  )  No  exílio,  José  Bonifácio  vingava-se  de  seus  perseguidores  escrevendo 
cartas  em  estylo  mordente  e  versos  satyricos.  Chegou  a  compor  um  poema 
humorkuico,  Snnho^  a  que  pertencem  estes  versos  : 

No  mesmo  dia  em  que  se  dissolvera, 
Com  autómatos  azues  postos  em  fila, 
A  assembléa  geral  inepta  e  fraca, 
Ku  vi  sobre  um  andor,  que  fatigava 
Hccas  e  fardas  e  os  toutiços  gordos 


l66  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Do  arsenal  passaram  os  presos  para  o  pavimento  subter- 
râneo da  fortaleza  da  Lage;  quatro  dias  depois  era  José 
Bonifácio  mudado  para  a  fortaleza  de  Santa  Cruz.  No  dia  24 
de  Novembro  de  1823  foram  os  presos  transportados  para 
bordo  de  uma  velha  charrua,  de  nome  Luconia^  que  os  levou 
exilados  para  a  França. 

Para  elaborar  outra  constituição,  foi  nomeada  uma 
commissão  sob  o  titulo  de  Conselho  d*Estado,  que  prompti- 
ficou  o  trabalho  com  a  necessária  rapidez. 

A  25  de  Março  de  1824,  ^  imperador,  a  imperatriz, 
ministério,  bispo  e  camará  municipal  prestaram  publica  e 
solemnemente  juramento  de  fidelidade  á  nova  constituição. 

Dissolvida  a  assembléa  geral  por  um  acto  despótico  de 
D.  Pedro  I,  exaltaram-se  os  ânimos  dos  patriotas,  e  rebentou 
uma  revolução  em  Pernambuco,  instigada  por  Cypriano  José 
Barata  de  Almeida,  frei  Caneca,  João  Soares  Lisboa  (ex-reda- 
ctor  do  Correio  do  Rio\  Francisco  de  Souza  Rangel,  José 
Gomes  do  Rego  {Casnmbá)  e  outros  espíritos  adeantados  e 
insubmissos  a  humilhações. 

Manoel  de  Carvalho  Paes  de  Andrade,  eleito  presidente 
de  uma  junta  governativa,  recusou  dar  posse  a  Francisco 


I)c  parvos  fradalliões,  o  Despotismo 

Carrejfado  de  faixas  e  veneras 

Iv  das  ventas  fumando  orguUio  e  sanha, 

Para  fazer  alarde  ás  Domitílias 

1%  ás  fendingas  reles.  .  . 


CAPITULO  XXV  167 


Paes  Barreto  ( * ),  depois  marquez  do  Recife,  nomeado  presi- 
dente da  provincia,  e  proclamou  a  Confederação  do  Equador 
a  2  de  Julho  de  1824. 

A  Confederação  abrangia  as  provincias  da  Parahyba, 
Rio  Grande  do  Norte  e  Ceará,  e  pretendeu  alliciar  também 
o  Pará. 

Os  seguintes  trechos  do  Manifesto  de  Manoel  de  Carvalho 
darão  idéa  do  protesto  dos  pernambucanos  contra  a  prepo- 
tência do  imperador : 

«Reuniu-se  a  soberana  assembléa,  e  quando  nos  parecia 
que  haviamos  entrado  no  goso  de  nossos  inauferíveis  direitos, 
e  apenas  tinha  ella  dado  principio  á  organização  de  nosso 
pacto  social,  vimos  que  o  imperador,  postergando  os  mais 
solemnes  juramentos  e  os  mesmos  princípios  que  lhe  deram 
nascimento  politico,  auctoridade  e  força,  insultou  calumnio- 
samente  o  respeitável  corpo  que  representava  a  nova  sobera- 
nia, e  desembainhando  a  homicida  espada,  de  um  golpe  fez 
em  pedaços  aquelle  soberano  corpo  e  dilacerou  seus  membros. 

« Não  é  preciso,  brazileiros,  n'este  momento  fazer  a  enu- 
meração dos  nefandos  procedimentos  do  imperador,  nem  das 
desgraças  que  acarretámos  sobre  nossas  cabeças  por  havermos 
escolhido,  enganados,  ou  preoccupados,  tal  systema  de  governo 
e  tal  chefe  do  poder  executivo.  Vós  todos  e  todo  o  mundo 
que  os  tem  observado,  os  conhecem  e  enumeram;  porém, 
comquanto  estivessem  prevenidos  na  espectativa  de  males. 


(  I  )  Vulíçarmentc  conhecido  por  morgado  do  Cabo. 


l68  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


nunca  a  ningiiem  podia  passar  pela  idéa,  talvez  nem  como 
possibilidade,  que  o  imperador  havia  de  trahir-nos  e  abando- 
nar-nos  ao  capricho  de  nossos  sangrentos  e  implacáveis 
inimigos  luzitanos  ...» 

A  provincia  da  Parahyba  sentiu-se  egual mente  revoltada 
contra  o  acto  dictatorial  de  D.  Pedro  e  tomou  armas  contra 
o  governo  de  Philippe  Xery  Ferreira,  representante  da  facção 
européa,  e  filiado  ao  plano  de  absolutismo  que  se  pretendia 
implantar  em  nossa  pátria. 

Impotente  para  debellar  a  rebelliáo  e  suppondo  propósito 
de  D.  Pedro  a  repulsão  dos  portuguezes  adversos  á  causa  do 
Brazil,  Philippe  Ner\'  renunciou  o  cargo  de  presidente  da 
provincia. 

Por  parte  dos  revolucionários  havia  sido  nomeado  presi- 
dente temporário  o  sargento-mór  Félix  António  Ferreira  de 
Albuquerque. 

A  Philippe  Ner\-  devia  succeder  o  conselheiro  Joaquim 
Manoel  Carneiro  da  Cunha,  porém  não  chegou  a  assumir  o 
cargo  pela  opposição  que  lhe  moveu  o  cidadão  Alexandre 
Francisco  de  Seixas  Machado,  que  se  empossara  da  presi- 
dência. 

Enérgicas  providencias  postas  em  acção  em  Agosto 
de  1824  pelo  governo  imperial  conseguiram  dispersar  os 
gnipos  revolucionários  da  Parahyba. 

Submettido  a  processo  por  haver  abandonado  o  governo, 
Philippe  Xery  justificou-se  e  obteve  plena  absolvição  por 
acconlào  da  relação  de  13  de  Janeiro  de  1825. 


CAPITULO   XXV  169 


O  Rio  Grande  do  Norte  acompanhou  Pernambuco  em 
suas  idéas  separatistas. 

Em  Março  de  1824  enviou  Manoel  de  Carvalho  um 
emissário,  Januário  Alexandrino,  adjunto  de  cirurgia  de  um 
dos  batalhões  pernambucanos,  á  cidade  de  Natal  com  a 
incumbência  de  levantar  o  espirito  publico,  por  meio  do 
Manifesto  impresso. 

Seguira  Januário  na  escuna  de  guerra  Maria  Zef crina: 
chegado  ao  ponto  de  seu  destino,  foi  intimado  pelo  vice- 
presidente  Manoel  Teixeira  Barbosa  a  deixar  o  porto  da 
capital. 

Succedeu,  porém,  que  fosse  nomeado  presidente  da 
provincia  o  sexagenário  Thomaz  de  Araújo  Pereira,  enfermo, 
quasi  cego,  e  incapaz  de  conter  a  provi ucia  nos  limites  da 
legalidade. 

Sem  saber  que  providencias  devera  tomar  na  difficil 
conjunctura,  Thomaz  Pereira  negava-sc  a  remetter  tropas 
para  combater  a  rebelliáo  da  Parahyba  c  inconscientemente 
fornecia  elemento  armado  ao  presidente  d'aquella  provincia, 
Félix  de  Albuquerque. 

Só  depois  de  estabelecido  forte  bloqueio  no  porto  e  de 
haver  recebido  contingente  de  tropas  imperiaes,  realizou-se  a 
pacificação  do  Rio  Orande  do  Norte. 

Na  Fortaleza,  capital  do  Ceará,  reuniu-se,  a  26  de 
Agosto  de  1824,  no  palácio  do  governo,  enorme  multidão  de 
cidadãos  graduados,  c  sob  a  presidência  de  Tristão  Gonçalves 


170  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


d^Alencar  Araripe,  celebrou-se  sessão  extraordinária  e  grande 
conselho  provincial. 

Pelo  presidente  revolucionário  foi  dito: 

«Que  á  vista  dos  perjúrios  de  D.  Pedro,  principe  de 
Portugal  (chamado  imperador  do  Brazil),  estava  roto  nosso 
pacto  social,  tantas  vezes  assegurado  por  elle  e  outras  tantas 
violado  publicamente  á  face  das  nações,  em  affronta 
d^aquelles  mesmos  povos,  dos  quaes  elle  de  motu-proprio 
havia  tomado  o  titulo  de  defensor  perpetuo  (*),  não  lhes 
tendo  sido  até  agora  senão  um  oppressor  encarniçado,  não 
respeitando  os  foros  de  liberdade  do  Brazil,  quando  despoti- 
camente e  á  força  de  armas,  aboliu  a  assembléa  geral 
constituinte  da  nação  inteira,  prendendo,  degradando,  ainda 
para  reinos  extrangeiros,  e  despedindo  com  ignominia  os 
seus  representantes,  arrogando  a  si  o  direito  absoluto  de 
legislar  e  constituir  por  si,  como  se  viu  do  infame  projecto  de 
constituição,  que  não  só  deu,  mas  também  mandou  arbitra- 
riamente jurar  por  todas  as  camarás  das  provincias  do  Brazil, 
reputaudo-nos  escravos  ou  propriedade  sua,  contra  suas 
promessas  e  juramentos; 

(íQue  além  de  todos  estes  motivos  do  mais  descarado  des- 
potismo, accresciam  mil  traições  visivelmente  apparecidas 
nos  seus  decretos,  alvarás,  avisos,  manifestos  e  proclamações, 


(  1  )  K'  inexacta  esta  asscrçfto.  D.  Pedro  nâo  tomou  de  motu-proprio  o 
titulo  de  defensor  iK*ri)etuo.  Ksta  honrosa  designaçào  foi-lhe  dada  por  acclama- 
VAo  popular,  eonio  se  acha  explicado  A  paf?.  109  d'este  tomo,  nota  n.  2. 


CAPITUUO   XXV  171 


com  que  pretendia  sujeitar-nos  novamente  ao  domínio  portu- 
guez,  não  cumprindo  assim  com  as  condições  essenciaes, 
pelas  quaes  havia  subido  ao  tlirono; 

«Attentas,  pois,  tantas  circumstancias  de  justos  resenti- 
mentos  dos  povos,  a  pátria  estava  no  maior  perigo,  e  era 
necessário  salval-a  do  captiveiro,  apezar  de  todos  os  sacri- 
fícios de  seus  filhos;  pelo  que,  o  conselho  deliberasse,  lançando 
mão  dos  meios  mais  promptos  e  enérgicos  e  mais  plausiveis 
da  sua  segurança. » 

E,  em  seguida,  leu  um  plano  de  nova  forma  de  governo, 
constante  de  doze  artigos,  leitura  feita  sob  vivas  manifes- 
tações de  applausos. 

Approvado  o  plano,  propoz  o  presidente  que  o  popular 
congresso  elegesse  presidente  e  secretario  para  as  suas 
sessões;  foram  eleitos:  presidente,  Tristão  Gonçalves  de 
Alencar  "Araripe,  e  secretario,  padre  Gonçalo  Ignacio  de 
Albuquerque  Mororó. 

D^  palácio,  seguiu  o  presidente,  acompanhado  do  com- 
mandante  das  armas  e  compacta  multidão,  para  os  quartéis 
da  i.^  linha:  ahi  encontraram  o  senado  da  camará,  com 
o  novo  estandarte  da  liberdade,  egual  ao  arvorado  pelo  presi- 
dente do  congresso;  a  immensa  massa  popular  encaminhou-se 
para  a  egreja.  Benzeram-se  as  bandeiras,  uma  das  quaes  foi 
dep3Ís  entregue  pelo  commandante  das  armas  á  tropa  reunida. 
Sobre  este5  acontecimentos  pregou  sermão  congratulatorio, 
cm  phrases  repassadas  de  patriotismo,  o  vigário  da  villa  de 
Arronches. 


172  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


O  juramento  que  todos  prestaram  á  Confederação  do 
Equador  foi  cx)ncebido  n'estes  termos:  -«Juro  aos  Santos  Evan- 
gelhos dar  a  ultima  gotta  de  sangue  para  manter  e  ser  fiel 
á  Confederação  do  Eqoador,  que  é  a  união  das  quatro  pro- 
víncias ao  norte  do  cabo  de  Santo  Agostinho,  e  das  demais 
que  para  o  futuro  se  forem  unindo,  debaixo  do  governo  que 
estabelecer  a  assembléa  constituinte.  Juro  fezer  crua  guerra 
ao  despotismo  imperial,  que  pretende  usurpar  nossos  direitos, 
escravizar-uos  e  obrigar-nos  a  fazer  união  do  Brazil  com 
Portugal,  a  qual  jamais  admittiremos*  por  nenhum  titulo  que 
seja.  Juro,  emfiuu  fazer  guerra  eterna  a  todo  o  despotismo 
ipic  se  oppuzcr  á  liberdade  de  nossa  pátria»  e  egualmente 
juro  obcilicucia  ao  governo  supremo  salvador.  Assim  Deus 
me  <yude.  * 

A  28  do  mesmo  mez  procedeu-se  á  eleição  dos  deputados 
ú  nova  v.\>ustituiute.  Antes  da  votação,  proferiram  eloquentes. 
V  iKUiioti^wi  discursos  frei  Alexandre  da  Purificação  e  o  reve- 
vv»uK>  Kstcvâo  da  Porciuucula  Pereira. 

Ajnuudvvi  u<  votvvs  forauí  eleitos  deputados:  padre  José 
Muliuiauo  dv  Alencar,  vigário  Manoel  Pacheco  Pimentel, 
l,ui/.  lV<ho  de  Mello  e  César,  padre  José  da  Costa  Barros 
.|4>»uauU\  leuculv^*.\>iouel  Francisco  Miguel  Pereira  Ibia- 
jiiua,  Maiiauuo  Oouics  via  Silva,  vigário  António  José  Mo- 
u  U.i»  lvuvulv^<\»u>uel  JvKio  da  C^>sta  Alecrim:  e  supplentes: 
\\*\\\w  l''vauoixa>  r%v>«çalves  Ferreira  Magalhães,  major  José 
Im.uu^iu»  ií\»uvOa  Fcna/.,  v\vpit;\o José  Ferreira  Lima  Sucu- 
\i\\*\,  is  Ui  ut\  ^^*»v»Uk  l  l^aucisvv  Alves  Pontes^  reverendo  Joa- 


CAPITULO   XXV  173 


quim  de  Paula  Galvão,  vigário  Francisco  António  da  Cunha 
Pereira,  vigário  Francisco  Gomes  Parente,  ouvidor  interino 
Miguel  António  da  Rocha  Lima. 

Punham-se  em  movimento  as  tropas,  com  o  fim  de  unir-se 
ás  de  Pernambuco  e  da  Parahyba,  quando  ao  presidente 
Tristão  Araripe  foram  levadas  noticias  do  Aracaty  de  que 
o  seu  companheiro  de  idéa,  Luiz  Rodrigues  Chaves,  se  havia 
bandeado  para  as  forças  imperiaes  e  operava  uma  contra- 
revolução  em  Mossoró. 

Immediatamente  passou  o  presidente  o  governo  ao  conse- 
lheiro José  Félix  de  Azevedo  c  Sá  e  marchou  ao  encontro 
do  traidor,  a  quem  derrotou,  fazendo-o  evacuar  Aracaty ;  em 
seguida,  dirigiu-se  ao  Crato,  para  juntar-se  ás  forças  do  com- 
mandante  das  armas  José  Pereira  Filgueiras;  no  caminho, 
porém,  foi  encontrado,  a  31  de  Outubro,  pouco  adeante  da 
villa  das  Russas,  com  forças  legaes  chefiadas  pelo  comman- 
dante  geral  das  fronteiras,  Manoel  António  de  Amorim.  Ahi, 
abandonado  pelo  commandante  de  artilheria,  António  Roberto 
Borges  da  Fonseca,  viu  o  denodado  presidente  debandar-se 
a  tropa  republicana,  ao  soffrer  destroço  no  logar  chamado 
Santa  Rosa.  Sem  elementos  de  defesa,  Tristão  Araripe 
achou-se  na  emergência  de  retirar-se,  atravessando  o  rio  Jagua- 
ribe,  porém  foi  alcançado  e  barbaramente  morto. 

Chronista  contemporâneo  dos  factos  e  citado  por  António 
Pereira  Pinto  consagra  a  este  mallogrado  republicano  justo 
elogio : 

«Os  padecimentos  de  Tristão  Gonçalves  e  de  sua  familií^ 


174  MEMORIAS   BRAZILKIRAS 


em  1817,  a  firmeza  e  resignação  com  que  supportou,  já  nas 
prisões  do  Ceará,  já  nas  da  Bahia,  os  rigores  do  despotismo 
real,  a  dedicação  com  que  trabalhou  em  prol  da  indepen- 
dência nacional,  sendo  o  principal  promotor  e  director  da 
expedição  do  Piauhy  e  Maranhão,  mostrando  n'ella  caracter 
decidido,  resolução  prompta  e  perseverante,  tinham-lhe  gran- 
geado  na  provincia  geral  estimação,  que  elle  por  suas  maneiras 
lhanas  e  cavalheirosas  augmentava  no  animo  d'aquelles  com 
quem  tratava.  Nascido  no  Crato,  não  tivera  superior  instrucção 
scientifica,  applicando-se  cedo  á  agricultura;  mas  na  cadeia 
da  Bahia,  onde  o  conselheiro  António  Carlos  estabelecera 
uma  espécie  de  lyceu  para  o  estudo  de  humanidades,  elle  se 
applicára  a  uma  leitura  proveitosa,  com  que  em  breve  enri- 
queceu o  seu  espirito.  Era  humano  e  generoso,  e  a  sua  mora- 
lidade, sem  mancha  alguma,  jamais  foi  arguida,  mesmo  no 
furor  dos  ódios  politicos  (*). » 

Desejara  Manoel  de  Carvalho  unir  a  provincia  do  Pará 
á  Confederação  do  Equador,  generalizando,  em  todo  o  norte 
do  paiz,  a  idéa  da  republica,  única  accçitavel  e  capaz  de 
derrocar  o  absolutismo  do  filho  de  D.  João  VI. 

Em  Abril  de  1824  mandou  a  Belém  a  escuna  Camarão^ 
commandada  por  José  Caetano  de  Mendonça,  com  emissários 
incumbidos  de  distribuir  o  Manifesto  e  fazer  populares  con- 
citações á  revolta.  Distinguiam-se  entre  os  exaltados,  José 


(  I  )  Rcv.  do  Insi.y  tom.  XXIX,  2a  part.,  pag.  ii8. 


CAPITULO  XXV  175 


Baptista  da  Silva  (o  Camecran)  e  Marcos  António  Rodrigues 
da  Silva  (o  Paiquicê). 

Chegados  ao  Pará,  os  revolucionários  prenderam,  a  27  de 
Abril,  os  membros  da  junta  governativa,  coronel  Geraldo 
José  de  Abreu  e  arcediago  Romualdo  António  de  Seixas 
(mais  tarde  arcebispo  da  Bahia  e  marquez  de  Santa  Cruz); 
instituiram  um  governo  provisório  e  destinavam  o  dia  i.°  de 
Maio  para  ser  alli  proclamada  a  Confederação  do  Equador, 
quando  a  chegada  do  novo  presidente  da  provi ncia,  coro- 
nel José  de  Araújo  Roso,  mudou  a  face  dos  acontecimentos, 
restabelecendo  o  governo  legal. 

Voltando  aos  successos  occorridos  em  Pernambuco,  deve- 
mos, d'entre  as  peripécias  do  grande  drama  da  revolução, 
mencionar  os  principaes  encontros. 

As  forças  revolucionarias  reuniu-se  no  Poço  Cofnprido 
um  contingente  parahybano,  sob  o  commando  do  capitão  João 
da  França  Camará :  ahi  effectuou-se  grande  conselho  em  que 
tomaram  parte  o  presidente  faccioso  da  Parahyba,  governador 
das  armas  José  Victoriano  Delgado  de  Borba  e  Albuquerque 
e  muitos  tridadãos  respeitáveis:  foi  deliberado  que  nenhuma 
capitulação  se  acceitasse,  proposta  pelo  coronel  Francisco  de 
Lima  c  Silva  senão  sob  as  clausulas  de  retirar-se  do  Recife 
com  suas  forças;  installar-se  a  assembléa  constituinte  em  um 
ponto  central  do  Brazil,  fora  da  influencia  das  tropas  do 
Rio  de  Janeiro;  não  se  respeitar  outra  constituição  que  não 
fosse  elaborada  pela  referida  assembléa. 


176  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Com  taes  intuitos,  tiveram  a?  tropas  a  denominação  de 
Divisão  Constitucional  da  Confederação  do  Equador. 

Empenhada  a  liicta,  deu-se  mortífero  encontro  no  sitio 
chamado  Couro  d^Anta^  morrendo  era  combate  o  enérgico 
patriota  João  Soares  Lisboa,  que  antes  de  expirar  concitou 
seus  correligionários  a  que  proseguissem  com  denodo  em  fazer 
triumphar  a  causa  da  honra  e  da  liberdade  brazileira. 

Do  sitk)  passaram  á  povoação  do  Agreste,  onde  se  deu 
outro  sanguinolento  combate;  d'ahi  seguiu  a  divisão  para 
iMvras;  n'esse  ponto  começou  cila  infelizmente  a  enfraque- 
cer, pelo  desanimo,  falta  de  recursoi  e  deserções. 

No  Engenho  do  /uÍ3,  fazenda  do.s  frades  benedictinos  de 
Olinda,  preparava-se  a  divisão  commandada  por  José  Gomes 
do  Rego  para  ir  á  Missão  I  e/Zi-i,  com  direcção  ao  Crato, 
quando,  ás  4  horas  da  tarde  de  28  de  X^)veinbro,  foram  os 
revolucionários  surprehendido.s  pela  retaguarda  por  numero- 
sas forças  impeiiaes.  Postos  immediatamente  em  linha  de 
combate,  iam  travar  a  lucta,  embora  dt.segu.1I.  quando  appa- 
receu  por  parte  dos  imperiaes  uma  bandeira  parlam  .mi :aria: 
recebido  o  emissário,  foi  lido  um  officio  d  >  major  Bento  José 
Lamenha  Lins  convidando  os  repnblicanos  a  capitular. 

Reunidos  em  conselho  os  ofliciaes,  acccitaram  a  proposta. 

Effectuada  a  capitulação,  foram  immediatamente  presos  e 
conduzidos  para  a  villa  de  Lavras  os  con-^iderado^  cabeças  da 
revolução:  frei  Joaquim  do  Amor  Divino  Cancci,  o  presidente 
da  Parahyba  Félix  António,  c.ipitão  França,  major  José 
Maria   Ildefonso,   frei    António  Joaquim  das  Mercês,   m.ijor 


CAPITULO  XXV  177 


Agostinho  Bezerra  Cavalcanti  de  Souza,  padre  Ignacio  Bento 
de  Ávila,  major  Joaquim  José  Alves,  Francisco  de  Souza 
Rangel,  capitães  António  do  Monte  e  Oliveira  e  Lazaro  de 
Souza  Fontes,  tenente  José  Gonçalves,  frei  João  de  Santa 
Miquelina.  De  Lavras  seguiram  para  o  Recife,  onde  chegaram 
a  17  de  Dezembro  de  1824. 

Sufíocada  a  Confederação  do  Equador,  pela  capitulação 
do  Engenho  do  Juiz,  constituiu-se  uma  commissão  militar 
para  julgar  os  réos,  composta  do  coronel  Francisco  de  Lima 
e  Silva,  presidente;  Thoniaz  Xavier  Garcia  de  Almeida,  juiz 
relator;  coronel  de  engenheiros  Salvador  José  Maciel,  tenente- 
coronel  de  caçadores  Francisco  Vicente  Souto  e  coronel  do 
mesmo  batalhão  Manoel  António  Leitão  Bandeira  como 
vogaes,  e  o  conde  de  Escragnolle  como  interrogante. 

D'entre  os  cidadãos  que  soffreram  o  supplicio,  salien- 
tava-se  pelas  suas  funcções,  pelo  seu  patriotismo  e  pelos  seus 
talentos  de  orador  e  de  publicista,  frei  Joaquim  do  Amor 
Divino  Caneca.  Este  heróe  pernambucano  nasceu  no  Recife 
em  Julho  de  1779.  Tomou  parte  activa  na  revolução  de  Per- 
nambuco de  181 7,  exercendo  o  cargo  de  conselheiro  do 
governo  republicano.  Preso  n^essa  occasião,  foi  obrigado  pelo 
governo  a  percorrer  as  principaes  ruas  de  sua  terra  natal, 
descalço,  de  cabeça  descoberta  e  de  corrente  de  ferro  ao 
pescoço. 

Remettido  para  a  cadeia  da  Bahia,  n'ella  permaneceu  por 
espaço  de  quatro  annos:  ahi  compoz  um  compendio  de 
grammatica    portugueza.    Em    attenção   á    sua    capacidade 


•23 


IjS  HEHORLâS  BRAZrUEIRAS 


intellectual,  foi-Ihe  concedido  perdão.  Logo  que  sahin  da 
cadeia^  regresfion  a  Pernambuco,  a  envolver-se  na  politica, 
sua  paixão  dominante. 

O  crime  de  frei  Caneca  na  re\-oIução  de  1824  era  servir-se 
da  imprensa  e  do  púlpito  para  instigar  os  patriotas  contra  a 
nova  constituição  imposta  por  D.  Pedro  e  pregar  a  excellen- 
cia  da  republica  sobre  a  oppressão  férrea  da  monarchia  ( ' ). 

Logo  que  teve  conhecimento  da  pena  de  morte,  escreveu 
da  prisão  á  mulher  que  lhe  fora  companheira  na  existência 
e  que  d'elle  tivera  três  filhos,  a  seguinte  copla,  conhecida 
popularmente  sob  o  titulo  de  Hymno  de  frei  Caneca: 

Entre  Marília  e  a  Patría 
Colloqnei  meu  coração. 
A  Pátria  Toabon-me  a  vida ; 
Marília  qne  chore  em  vão. 

Marília,  dá  a  teus  filhos. 
Por  minha  propría,  a  benção. 
Morram  como  en  pela  Patría  : 
Marília  que  chore  em  vão. 

Apenas  forem  crescendo. 
Cresçam  com  as  armas  na  mão. 
Saibam  morrer  como  eu  morro ; 
Marília  que  chore  em  vão. 


í  I  )  Frei  Caneca  advofi^ava  a  causa  da  republica  no  periódico  Typhis  Per- 
nambucano, gazeta  politica.  Escreveu  também  Dissería^õo  soòrr  o  çue  str  dez'e 
entender  por  pátria  do  cidadão:  Cartas  de  Pythias  a  seu  amigo  Damão:  o  Caça- 
dor atira  fido  á  arara  pernambucana  e  um  Itinerário,  descriptivo  da  marcha 
das  forças  republicanas  desde  Pernambuco  ao  Ceará. 


CAPITULO  XXV  179 


Defender  os  pátrios  lares 
Ê  dever  do  cidadão, 
Quando  exhalem  pela  Pátria, 
Marília  que  chore  em  vão. 

Para  defender  a  Pátria, 
O  menino  homem  se  faz ; 
Eu  dando  a  vida  por  ella, 
Morrendo  não  peno  mais. 

De  que  me  serve  viver 
Entre  suspiros  e  ais  ? 
Si  vivo,  vivo  penando, 
Morrendo  não  peno  mais. 

Inda  que  eu  queira,  não  posso 
Existir  entre  os  mortaes  ; 
A  morte  serve  de  allivio. 
Morrendo  não  peno  mais. 

O  morte,  porque  não  vens 
Findar  meus  dias  fataes  ? 
Si  vivo,  vivo  penando, 
Morrendo  não  peno  mais. 

A  sentença  que  o  condemnou  á  pena  ultima  lhe  foi  lida 
a  10  de  Janeiro  de  1825.  Conduzido  ao  oratório,  dirigiu  uma 
eloquente  pratica  ás  pessoas  que  o  ouviam  commovidas, 
perseverando  sempre  em  suas  idéas  democráticas. 

Pediu  que  o  acompanhasse  na  agonia  o  seu  prelado, 
provincial  da  ordem  dos  carmelitas,  padre-mestre  frei  Carlos 
de  S.  José,  com  o  qual  fez  confissão  geral  e  commungou  no 
dia  12. 

Tpodo  o  clero  peman^buçano,  compadecido  da  sortç  de 


l8o  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


frei  Caneca,  juntou-se  ao  cabido  e  incorporado,  de  cruz 
alçada,  dirigiu-se  ao  palácio,  a  supplicar  ao  coronel  Francisco 
de  Lima  e  Silva  sustivesse  a  execução  da  sentença,  até  que 
viesse  resposta  da  petição  de  graça  que  o  mesmo  cabido  ia 
dirigir  ao  imperador;  porém  os  religiosos  intercessores  foram 
desattendidos  e  ameaçados  de  cadeia,  como  cúmplices  da 
rebellião. 

Designado  carrasco  o  pardo  preso  Agostinho  Vieira,  recu- 
sou terminantemente  ser  o  executor  da  sentença.  Castigado 
com  açoites  por  sua  desobediência,  persistiu  em  não  servir 
de  algoz. 

Foram,  em  seguida,  chamados  dois  negios,  também  presos, 
para  servirem  de  executores :  egualmente  recusaram  cumprir 
a  lei.  Não  houve  remédio  senão  fuzilar  o  réo,  e,  para  isso, 
o  penduraram  á  haste  horisontal  da  forca. 

Antes  de  lhe  ser  enrolada  ao  pescoço  a  corda,  o  martyr 
pernambucano,  tão  grande  como  Tiradentes,  quiz  fazer  aos 
soldados  uma  predica,  explicando-lhes  qual  a  natureza  de 
seu  crime;  frei  Carlos  de  S.  José  pediu-lhe  que  se  calasse;  o 
frade  obedeceu  e  recebeu  a  descarga,  serenamente,  como 
aquelles  christãos  que  no  tempo  de  Nero  eram,  em  amphi- 
theatro,  martyrizados  por  animaes  ferozes. 

Deu-se  este  acontecimento  ás  9  horas  da  manhã  do  dia  13 
de  Janeiro  de  1825. 

Tão  revoltante  manifestou-se  o  crime  imperial,  que 
nenhum  juiz  togado  quiz,  como  era  de  uso,  comparecer  á 
morte  do  illustrado  frade. 


CAPITULO  XXV  l8l 


É  do  teor  seguinte  a  certidão  passada  sobre  o  luctuoso 
acontecimento : 

«Certifico  que  o  réo  frei  Joaquim  do  Amor  Divino  Caneca 
foi  conduzido  ao  logar  da  forca  das  Cinco  Pontas  e  ahi,  pelas 
nove  horas  da  manhã,  padeceu  morte  natural,  em  cumpri- 
mento da  sentença  da  commissão  militar  que  o  julgou, 
depois  de  ser  desautorado  das  ordens  da  egreja  do  Terço,  na 
forma  dos  sagrados  cânones;  sendo  atado  a  uma  das  hastes 
da  referida  forca,  foi  fuzilado,  á  ordem  do  exmo.  sr.  general  e 
mais  membros  da  dita  commissão,  visto  não  poder  ser  enfor- 
cado pela  desobediência  dos  carrascos;  do  que  tudo  dou  fé, 
sendo  este  acto  presidido  pelo  vereador  mais  velho  do  senado 
d'esta  cidade,  dr.  António  José  Alves  Ferreira,  arvorado  em 
juiz  de  fora.  Recife  de  Pernambuco,  em  13  de  Janeiro 
de  1825.  O  escrivão  do  crime  da  relação,  Miguel  Archanjo 
Pòsthumo  do  Nascimento. 

Soffreu  também  o  supplicio  da  forca  o  prestigioso  major 
Agostinho  Bezerra  Cavalcanti  de  Souza,  homem  de  côr  preta, 
dotado  de  nobres  sentimentos  e  de  acrisolado  amor  á  pátria. 
Foi  um  dos  implicados  no  movimento  revolucionário  de  181 7. 

Este  digno  brazileiro  por  muitas  vezes  obstara  o  desen- 
volvimento de  motins  no  Recife,  promovidos  pela  plebe 
contra  inoffensivos  extrangeiros. 

Logo  que  se  soube  que  elle  tinha  sido  condemnado  á 
morte,  subiram  representações  ao  governo  provincial,  pedindo 
commutação  da  pena;  baldados,  porém,  foram  todos  os 
esforços  para  salval-o:  subiu  ao  patibulo  no  dia  21  de  Março, 


l82  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


assistido  por  frei  Carlos  de  S.  José.  Antes  de  morrer  declarou 
á  multidão,  com  voz  forte,  que  seu  crime  fora  desejar  o 
governo  do  povo  pelo  povo  e  votar  adoração  á  liberdade. 

Indignado  por  se  effectuar  este  supplicio  quando  a  egreja 
celebrava  os  actos  da  semana  santa,  o  revolucionário  frei 
António  Joaquim  das  Mercês  escreveu,  como  protesto,  este 
enérgico  soneto: 

Tenebroso  amanhece  o  fatal  dia 
Que  vinte  e  u?n  de  Março  se  contava, 
Quando  a  paixão  de  Christo  se  chorava, 
Quando  o  povo  christào  mais  se  affligia ; 

N'um  tempo  de  perdões,  oh !  sorte  impía ! 
Tempo  que  a  religião  santificava 
E  que  o  rei  mais  cruel  s6  costumava 
Da  morte  perdoar  quem  delinquia: 

Ao  contrario  o  tyranno,  alçando  o  braço 
Sacrílego,  raivoso,  encarniçado. 
Aperta  ao  collo  de  Agostinho  o  laço ! 

Que  é  da  clemência  d 'este  bruto  irado  ? 
E  inda  chamam  christão  um  tal  devasso. 
Que  de  sangue  enluctou  templo  sagrado !  ( i ) 

Foram  também  enforcados  Lazaro  de  Souza  Fontes, 
a  20  de  Janeiro;  António  Macário  de  Moraes,  a  3  de  Fevereiro; 
Francisco  António  Fragoso,  capitães  António  do  Monte  e 
Oliveira,  Nicolau  Martins  Pereira  e  o  norte-americano  James 
Heide  Rodgers,  a  12  de  Abril  de  1825. 


( i )  Major  CoDECEiKA :  A  idéa  republicana  no  Brazil^  obra  citada  pelo 
general  Bezeria  Cavalcanti  em  seu  Calendário  Perpetuo^  pag.  32. 


CAPITULO  XXV  183 


Nicolau  Martins  Pereira  merece  menção  especial,  por 
serviços  relevantes  prestados  á  pátria. 

Nasceu  este  revolucionário  na  provincia  da  Parahyba  a  31 
de  Maio  de  1800;  no  anno  de  181 7  assentou  praça  no  regi- 
mento de  primeira  linha  de  Pernambuco.  Transferido  para  o 
Rio  de  Janeiro,  matriculou-se  na  escola  militar,  cujas  aulas 
cursou  até  ao  terceiro  anno.  Teve  occasião  de  se  distinguir  no 
motim  promovido  pelo  general  portuguez  Jorge  de  Avilez. 
Reunidos  na  praça  da  Constituição  povo  e  tropa  brazileira, 
sentia-se  falta  de  munições,  quando  o  joven  Nicolau  Martins 
offereceu-se  a  ir  buscal-as  ao  arsenal  de  guerra.  Para  illudir  a 
vigilância  dos  luzitanos,  dis£arçou-se  em  soldado  preso,  ao 
serviço  do  mesmo  arsenal,  e  d'ahi,  de  combinação  com  o 
director,  conduzia  dentro  de  uma  pipa,  que  simulava  conter 
agua,  armamento  e  petrechos  necessários  para  supprir  a 
tropa. 

Na  guerra  que  a  Bahia  travou  contra  o  general  Madeira, 
Nicolau  Martins  poz  á  prova  o  seu  valor  em  muitos  com- 
bates e  fez  parte  do  Exercito  Libertador,  que  victoriosamente 
penetrou  na  capital  bahiana  a  2  de  Julho  de  1823.  Promovido 
a  capitão  por  actos  de  bravura,  regressou  a  Pernambuco 
a  assumir  o  commando  da  fortaleza  do  Bruni.  Quando  as 
forças  imperiaes  penetraram  no  Recife  e  que  soldados  exal- 
tados tencionavam  perpetrar  depredações  no  bairro  commer- 
cial,  o  brioso  official  conseguiu  contel-os  e  chamal-os  á  ordem. 
Livrou  da  morte  ao  tenente  da  legalidade  João  Maria  de 


l84  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Sampaio,  que  já  se  achava  com  os  olhos  vendados  para  ser 
fuzilado. 

Por  todos  estes  honrosos  precedentes,  grande  numero 
de  cidadãos  conceituados  intercederam  pelo  revolucionário, 
apresentando  como  attenuante  o  exaltado  amor  que  elle 
consagrava  á  pátria.  O  próprio  coronel  Lima  e  Silva  prestou 
favorável  informação  á  petição  de  graça  enviada  a  D.  Pedro. 
Quando  chegou  do  Rio  de  Janeiro  o  vapor  que  conduzia 
o  indeferimento  da  supplica,  achava-se  o  capitão  Nicolau  em 
casa,  de  sua  familia,  pois  lhe  havia  sido  concedida  licença 
de  conviver  entre  os  seus.  Propalada  a  recusa  do  perdão, 
o  official  que  o  guardava  correu  apressadamente  á  residência 
do  joven  patriota,  temendo  que  este  se  occultasse  ou  fugisse. 
Nicolau  Martins  tranquillizou-o,  dizendo-lhe  que  havia  sahido 
da  prisão  sob  palavra  de  honra  de  para  alli  voltar  e  o  seu 
compromisso  era  sagrado.  Despediu-se  da  familia  e  dos 
amigos,  tornou  para  o  cárcere  e  pouco  depois  a  justiça  de 
I).  Pedro  I  contava  mais  um  martyr. 

Para  castigar  os  revolucionários  do  Ceará,  foi  creada,  por 
decreto  de  5  de  Outubro  de  1824,  ^  commissão  militar  que 
teve  como  presidente  o  coronel  Conrado  Jacob  de  Niemeyer, 
relator  o  ouvidor  ^lanoel  Pedro  de  Moraes  Meyer,  vogaes 
o  major  José  (lervasio  de  Queiroz  Carreira  e  os  capitães  Luiz 
Maria  Cabral  do  Teive,  João  Sabino  Monteiro  e  João  Bloem: 
inslalluu-se  no  paço  da  camará  municipal  da  Fortaleza  a 
AJt  de  Abril  tie  1S25. 

l'\»iani  i'í)iulennia(los  íí  morte  e  executados  o  padre  Gon- 


CAPITULO  XXV  185 


çalo  Igiiacio  de  Albuquerque  Maranhão  Loyola  Mororó, 
secretario  do  governo  revolucionário,  coronel  João  de  Andrade 
Pessoa  Anta,  Francisco  Miguel  Pereira  Ibiapina,  major  Luiz 
Ignacio  de  Azevedo  ( Bolão)  e  Feliciano  José  da  Silva  Carapi- 
nima,  secretario  militar  do  governador  das  armas  Filgiieiras. 

O  illustre  padre  Gonçalo  Mororó,  homem  de  talento 
e  profundamente  republicano,  recebeu  a  morte  com  o  maior 
sangue  frio,  cantando  em  voz  alta  a  oração  e  o  memento 
consagrado  aos  mortos  ( ^ ). 

Outro  revolucionário  distincto,  João  Guilherme  RatclifF, 
assumiu  papel  preponderante  por  sua  aversão  á  tyrannia,  por 
seus  grandes  dotes  intellectuaes  e  pelo  alcance  de  seus  conheci- 
mentos. 

Ratcliff  era  portuguez  de  nascimento  e  de  origem 
polaca.  Nascera  no  Porto,  a  8  de  Setembro  de  1783.  Havia 
um  anno  apenas  que  se  achava  no  Brazil.  Homem  de  idéas 
liberaes,  sentia  prazer  em  ser  um  dos  directores  da  corrente 
revolucionaria.  Alto,  reforçado,  faces  incendidas  de  calor, 
cabellos  louros  e  olhos  azues,  e,  além  dos  bellos  predicados 
physicos,  illustrado,  conhecedor  de  varias  lingiias,  tendo  já 
feito  viagens  á  Ásia,  era  elle  um  forte,  um  sympathico  insti- 
gador das  massas. 

Expliquemos  em  que  occasião  viera  elle  para  o  Brazil. 

Quando,   por    occasião   da    revolução    promovida    pelo 


( I  )  o  coronel  Pessoa  Anta  e  o  padre  Mororó  foram  fuzilados  a  30  de  Abril  e 
Carapinima  a  28  de  Maio  de  1825. 

24  TOM.  II 


l86  ICEHORIAS  B&AZILEIRâS 


príncipe  D.  Miguel  para  apossar-se  do  throno  portuguez, 
D.  João  VI  fez  sua  entrada  em  Lisboa  como  rei  absoluto; 
quando,  para  recebel-o,  foi  o  povo  ao  seu  encontro  a 
muitas  léguas  de  distancia  da  capital,  e  desatrelou-lhe 
o  carro,  disputando  todos  a  honra  insigne  de  puxal-o 
até  á  cidade,  renovando  as  postas  para  que  maior  numero  de 
portuguezes  gosasse  tamanha  ventura;  quando  se  cunharam 
commemorativas  medalhas  de  ouro  e  de  prata  representando 
a  eífigie  do  tyranno,  e  metade  de  Lisboa  sentiu-se  orgulhosa 
com  semelhante  condecoração — que  o  motejo  dos  sensatos 
appellidou  Ordem  da  Poeira^  por  ter  sido  conquistada  em  um 
cálido  e  poeirento  dia  de  Junho  (*);  quando  a  liberdade, 
envergonhada,  foragida,  asylada  em  peitos  patriotas,  ia  pedir 
garantias  a  navios  extrangeiros,  ou  procurava  novo  campo  de 
acção  na  America,  o  illustre  Ratcliff,  ameaçado  de  prisão 
pela  franqueza  de  suas  opiniões  altivamente  expostas,  viu-se 
compellido  a  abandonar  o  lar  precipitadamente  e  emigrar 
para  o  Brazil. 

Conhecendo  as  tradições  democráticas  de  Pernambuco, 
escolhera-o  para  ponto  de  exílio  e  grande  scenario  apropriado 
ao  desenvolvimento  de  suas  idéas. 

No  interesse  de  attraliir  Alagoas  á  causa  revolucionaria, 
Manoel  de  Carvalho  incumbira  a  Ratcliff  a  tarefa  de  revolu- 
cionar aquella  província  por  meio  de  concitações  verbaes. 


(  I  )  Ai.'<;i'STO  BuciiOT :  Historia  de  Portugal  e  suas  colónias^  trad.  de 
1«.  V.  da  Silva  Vieira  (  Hahia,  1S84  ),  pag.  445. 


CAPITULO   XXV  187 


Embarcou  este  patriota  no  caracter  de  2.°  coininandante 
do  brigue  Constituição  ou  Mortc^  sendo  o  i.°  o  mal  tez  João 
Metrowich,  e  fazendo-se  acompanhar  pela  escuna  Maria  da 
Gloria^  commandada  pelo  pernambucano  Joaquim  da  Silva 
Loureiro,  dirigi u-se,  a  17  de  Julho  de  1824,  ^  Tamandaré, 
onde  este  "segundo  navio  desembarcou  trinta  contos  de  reis 
em  quinze  caixões,  quantia  entregue  ás  tropas  revolu- 
cionadas. 

De  Tamandaré  dirigiram-se  os  navios  para  a  Barra 
Grande  (província  de  Alagoas),  a  fim  de  bloqueal-a,  impe- 
dindo a  passagem  de  mantimentos  ás  tropas  imperiaes.  No 
Porto  das  Pedras  aprisionaram  e  saquearam  o  brigue  Bomjim 
(ou  Bandurra^  e  varias  sumacas  carregadas  de  farinha  e  de 
outros  géneros  alimentícios.  N'isso  occupavam-se  quando 
foram  surprehendidos  com  a  chegada  de  dois  fortes  navios 
imperiaes,  corv-eta  Maria  da  Gloria^  commandada  pelo 
capitão  de  fragata  Theodoro  de  Beaurepaire,  e  brigue 
Guarany, 

Para  evitar  a  entrega.  Ratei iff  mandou  que  se  lançasse 
fogo  ao  paiol  da  pólvora  da  embarcação  que  commandava; 
esta  ordem,  porém,  não  foi  obedecida  pela  tripulação,  com- 
posta de  portuguezes  retirados  de  cárceres. 

Ao  entrar  preso  pelo  portaló  da  corveta,  Ratcliff  excla- 
mou com  firmeza  de  animo: 

«Sei  que  vou  morrer;  porém  Pernambuco  ha  de  florescer 
um  dia! D 


l88  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Os  tres  cominandantes  foram  reinettidos  para  o  Rio  de 
Janeiro  e  ahi  submettidos  a  processo  ( ' ). 

Recolhido  com  seus  companheiros  á  fortaleza  de  Santa 
Cruz,  Ratcliff,  emquanto  aguardava  a  fatal  decisão,  preoccu- 
pou-se,  como  distracção  de  seu  alto  espirito,  em  escrever  notas 
de  summa  importância  á  margem  da  obra  Príncipes  éternels 
de  politique  constiluiiofielle  ou  Manuel  des  peupies  et  des 
rois^  por  A.  T.  Desquiron  de  Saint-Agnan. 

Essas  annotações,  que  revelam  fundo  critério  philosophico 
e  vasta  enidição,  foram  lançadas  «rpara  doutrinação  moral  de 
seus  filhos,  visto  não  ter  tempo  para  escrever  uma  obra 
destinada  a  esse  fim  ( ^ ).  * 

Como  documentos  Íntimos,  destinados  a  reconstruir  e 
retratar  fielmente  a  feição  moral  d'este  illustre  portuguez 
revolucionário,  apresentamos  duas  notas,  que  tradiusimos  do 
f rancez  em  que  foram  escriptas : 

«João  Guilherme  Ratcliff  Júnior  nasceu  a  31  de  Janeiro 
de  1822.  Ignoro  o  sexo  e  a  edade  do  outro,  que  não  tinha 
ainda  nascido,  quando  fui  forçado  a  me  separar  d'elle  e  talvez 
para  sempre!  Digo-o  com  a  mais  profunda  dôr:  31  me  fosse 
dada  a  ventura  de  me  reunir  a  meus  filhos,  bons,  sensíveis. 


(  I  )  No  folheio  in-32,  sob  os  títulos  Mariyres  da  Liberdade  — João 
Guilherme  Ratcliff  {  Rio  de  Janeiro,  1889)  por  Esquiros,  pseudonyino  do  infa- 
tifi^avcl  investigador  histórico  e  geographico,  dr.  Alfredo  Moreira  Pinto,  encon- 
tra-sc  o  processo  de  Ratcliff  e  de  seus  dois  companheiros  de  infortúnio. 

(  2  )  Conselheiro  Tristão  de  Alencar  Araripe  :  Notas  de  João  Guilherme 
Ratcliff  ( Rev.  do  Inst.  Hist.^  tom.  I^X,  2. a  part.,  pag.  235  ). 


CAPITULO  XXV  189 


virtuosos,  oh !  depois  da  liberdade  de  minha  pátria,  seria  esse 
o  voto  mais  ardente  de  meu  coração!  Mas,  distante  d'elles 
1.490  léguas,  sem  noticia  alguma  de  sua  sorte  e  de  sua  mãe, 
desde  o  dia  18  de  Novembro  de  1823,  ^^^^  ^»  desde  quasi  um 
anno,  que  me  vi  obrigado  pela  mais  ferrenha  tyrannia  a 
abandonal-os,  sem  meio  algum  de  subsistência;  quando  eu 
próprio  estou  encerrado  em  uma  fortaleza,  como  preso  de 
estado,  á  disposição  de  um  déspota  joven  e  vingativo, 
poderei  acaso  consolar-me  com  a  idéa  de  que  esse  voto  possa 
realizar-se  um  dia?  Não  o  espero.  Porém  minha  alma  não 
succumbe!  Não,  não,  ella  nunca  succumbirá!  Quando  eu 
cahir,  victima  do  despotismo  e  da  tyranuia,  ao  descer  á  sepul- 
tura levarei  aos  mortos  a  consoladora  esperança  de  que 
minhas  cinzas  hão  de  ser  vingadas! 

«Santa  Cruz,  30  de  Outubro  de  1824.  J^^^  Guilherme 
Ratdiff,  Data  de  meu  nascimento:  8  de  Setembro  de  1783.» 

«Os  homens  probos  e  esclarecidos,  que  honram  sua 
pátria,  illustrando-a,  e  que,  tendo  consciência  de  seus  direitos 
e  dos  deveres  do  governo,  podem  mostrar  ao  povo  as  machina- 
ções  de  seus  oppressores,  são  diffamados  perante  elle,  até  do 
púlpito,  como  conspiradores  e  impios,  com  o  fim  de  que  se 
tornem  odiosos  e  se  possa  exercer  contra  elles,  impunemente, 
as  mais  horriveis  perseguições.  O  Portugal!  ó minha  pátria! 
Tu  apresentas  uma  cruel  e  terrivel  prova  doeste  systema 
infernal  de  iniquidade  e  de  tyrannia!  Teus  melhores  filhos, 
aquelles   que   só  aspiram    a   doce   satisfação   de   te   verem 


IÇO  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


florescer  ê  prosperar,  erram  aqui  e  além,  em  solo  extrangeiro, 
longe  de  ti,  longe  de  siias  lacrimosas  familias  sujeitas  á 
mjseria,  longe  de  seus  amigos  e  de  todos  os  objectos  emfim 
que  lhes  são  caros;  cercados  de  privações — alguns  exilados 
para  os  climas  pestiferos  da  costa  d' Africa  têem  acabado 
com  a  vida  os  seus  soffrimentos  atrozes — emquanto  que  tu 
gemes,  opprimida  sob  o  peso  de  cadeias  e  de  misérias,  e  os 
perjuros,  os  traidores,  os  scelerados,  que  te  reduziram  a  este 
deplorável  estado,  saciam-se  em  teu  sangue!» 
Na  parede  da  prisão  escreveu : 

Qnid  mihi  mors  noadt?  Virlus  post /ata  vircscit. 
Ncc  soevi  gladio  perii  illa  tyranni. 

Doestes  versos  foram  feitas  as  seguintes  traducções: 

A  morte  em  que  me  offende?  Além  da  campa 
Reverdece  a  virtude  e  não  se  extingue 
Sob  o  cutello  do  feroz  tyranno. 

Que  mal  terrível  traz  comsigo  a  morte 
Si  a  virtude  com  ella  mais  se  eleva  ? 
Si  esta  da  espada  náo  receia  o  corte, 
Que  importa  do  tyranno  a  fúria  seva?  (') 

Que  mal  me  faz  a  morte  ?  É  sonho,  é  nada ; 
Vive  depois  dos  fados  a  virtude ; 
Nem  a  pôde  extinguir  a  vil  e  rude 
Do  tyranno  cruel  sangrenta  espada. 


(  I  )  General  Bkzerra  Cavalcanti  :  Calendário  Perpetuo  (  Rio  de  Janeiro 
189.5 ),  3*  ed.,  pag.  53. 


CAPITULO  XXV  Í91 


Impávido  como  tim  heróe,  ouviu  ler  a  sua  sentença  de 
morte,  e  na  véspera  da  execução  escreveu  uma  carta  em 
quatro  linguas  a  seu  advogado,  Ovidio  Saraiva  de  Carvalho, 
agradecendo-lhe  os  esforços  que  havia  empregado  para 
salval-o.  No  dia  fatal,  quando  o  quizeram  revestir  da  alva, 
repelliu-a  com  repugnância;  só  mediante  exhortação  de  seu 
confessor  cumpriu  a  lúgubre  formalidade.  «Pois  bem;  vamos 
ornar  a  victima  para  o  sacrificio»,  disse  elle,  recordando 
usança  barbara.  Em  caminho  para  a  forca,  um  frade  atirou-lhe 
uma  covarde  injuria:  «Vai  receber  o  teu  castigo,  rebelde!» 
O  martyr  encarou-o  sereno  e  exclamou:  «Deus  me  dê  paciên- 
cia! Um  ministro  do  altar  calumniando-me !  ...» 

Ao  despedir-se  de  seus  companheiros  de  supplicio, 
disse-lhes:  «Sinto  que  sejais  arrastados  ao  supplicio  por  meu 
respeito,  porque  só  eu  sou  o  alvo  a  quem  se  dirige  a 
tyrannia. » 

A  frente  do  préstito,  o  pregoeiro  lia  em  voz  alta: 

«Justiça  que  manda  fazer  o  imperador  constitucional  e 
defensor  perpetuo  do  Brazil  aos  réos  João  Guilherme  Ratcliff , 
João  Metrowich  e  Joaquim  da  Silva  Loureiro,  pelos  crimes  de 
rebellião  e  alta  traição,  commettidos  como  agentes  do  infame 
e  pérfido  Manoel  de  Carvalho  Paes  de  Andrade,  fazendo 
hostilidades  contra  embarcações  e  súbditos  do  império,  e 
attentando  contra  a  união  e  integridade  do  mesmo  império ; 
que  com  baraço  e  pregão  sejam  levados  pelas  mas  publicas 
ao  logar  da  forca,  onde  morrerão  de  morte  natural  para 
sempre.  >» 


trj0:  KSLyOTjVtXXé  R^JtZnUiCaLJÍá: 


íi>=  Biar:íÍ5t  pjpí-íiiDetxiJfío;.  e  x  caía  estrepítiQ"  «it  ct^alLeinDíf  inç^ 
píiídíiau-ító:  f^-nK  «íe  S.  C&rwtíOváko-,  otait  reãíiit  «o-  ínjrperjdar^ 
Tws«ft  ««i  petííárit  A  .ísJcíerEaífe  en  geraJL 

,%rip  p(2»)ar%trc  peLL  e^^T^^ja:  At  SoutJ:  Rfcjv  <0)f  piB&fDsctiffS 
t^^lhabt^em^  poc  na-jrarerrCiWv  í  pixti  «i-:)'  teiiiEpíOv  crrjio'  •síiino» 
lí&fjfyr;*^-!»  a  fcnaííiOrtv  e  prrjrtífcÇTiírainií  (íepoís  ;k  uluxíell.  Urtnnàí» 

w  ró^j^  í>m  caanratícr»  .'%g^r<2iV3»nai  i  pixitLa  <i-3&  t»£raj®i>v  prés*»? 
cm  w>  €'jr/artfiify  a»»  pes<DOçp>  da*  vrctlnmaâw 

KmfiwmZf>  mantlcaí^-a  o>  prestrtrx  a  nsaçocsaríi  ecuviii^ii  driía 
CKi^tnnsi-^í^áo  aio^  ímpera/ioc.  íariíc^  ooínf>  presiáente  o  EneÍLCi>  do 
^Skt/K  áz,  r>>ffniiiiig<oft  Ribeiro  do^  Gaírnarães  Peixotioi.  Cocl5<£- 
gnín-Ae  eiioo»ntrar  o  ÍEnoeradoí-,  náo  eni  S.  ChrÍ5to\-3o,  nem 
no  paço  da  cidade,  mas  no  palacete  de  stia  amasia,  ao  largo 
do  Rfjcío.  Ahí.  Domituia  cnrapriti  a  promessa  de  interceder 
peíf^fsretxíídes:  dírígíu^se  ao  aposento  imperial  e  pedia  perdão 
fiara  ellcs.  IX^poL»»  de  afflíctiva  demora,  recebeu  de  D.  Pedio 
um  papelinho  com  duas  paIa\Ta5:  r  E  tarde!  i 

Seguiu  a  grande  procissão  até  ao  largo  da  Prainha. 

Ratcliflf  subiu  com  firmeza  a  escada  da  forca  e  ao  chegar 
úf)  sctímo  degrau  voltou-se  para  o  povo  que  enchia  a  praça 
e  proferiu  em  alta  voz:  •BrazileirosI  Eu  morro  innocentel 
Morro  pela  cattsa  da  razão,  da  justiça  e  da  liberdade  I  Praza 
ao  céo  que  meu  sangue  seja  o  ultimo  que  se  derrame  no  Brazil 
c  no  mundo  por  motivos  politicosl* 


CAPITULO   XXV  193 


.  E  como  o  sacerdote  que  o  acompanhava  lhe  observasse 
que  não  devia  proseguir,  tenninou : 

«Eu  me  resigno  e  morro  pela  causa  da  liberdade!» 

Perdida  a  esperança  de  perdão,  foram  enforcados  no  Rio 
de  Janeiro,  no  centro  do  largo  da  Prainha  ('),  ao  meio 
dia  de  17  de  Março  de  1825,  J^^Lo  Guilherme  Ratcliff  (^),  João 
Metrowich  e  Joaquim  da  Silva  lyoureiro. 

Os  desembargadores  da  casa  da  supplicação  que  assigna- 
ram  com  rubrica  os  accordãos  condemnatorios,  foram :  João 
Ignacio  da  Citnha^  depois  visconde  de  Alcântara,  regedor; 
António  Garcez  Pinto  de  Madureira;  Joaquim  Ignacio  Sil- 
veira da  Moita;  Francisco  Carneiro  de  Campos;  José 
Bernardo  de  Figueiredo;  José  Francisco  Leai;  João  Evange- 
lista de  Faria  Lobato  e  João  Gomes  de  Campos, 

Tão  tumultuariamente  eram  processadas,  enforcadas  ou 
fuziladas  as  victimas  da  imperial  prepotência,  e  tão  grande 


(  I  )  KSQriROS  (dr.  Alfredo  Moreira  Pinto)  diz,  á  pag.  104  dos  Marlyrci 
da  liberdade:  «...  occiípenio-nos  de  Joáo  Guilherme  Ratcliff,  de  Joào  Metro- 
wich, de  Loureiro,  traiçoeira  e  cobardemente  decapitados  no  logar  em  que  se 
ergue  a  estatua  de  José  Bonifácio.  •»  Com  a  devida  vénia  ao  emérito  pesquisador 
histórico,  devemos  declarar  que  os  três  cidadãos  foram  enforcados,  nào  no  largo 
de  S.  Francisco  de  Paula,  onde  se  levantou  a  estatua  ao  promotor  de  nossa  inde- 
pendência, mas  no  largo  da  Prainha. 

(  2  )  Bm  relação  ao  infeliz  Ratcliff  diz  IvStíriRO.s  (  pag.  109):  «Seria,  porém, 
seu  corpo  entregue  á  sepultura  como  os  de  seus  dois  companheiros?  XAo!  Infâ- 
mia I  Ratcliff  (.  ■  )  havia  copiado  em  Portugal  o  decreto  de  expulsào  da  rainha 
Carlota.  Iv  D.  Pedro  I  salgou  a  cabeça  de  Ratcliff  e  remetteu-a  á  sua  màe  I  «• 

Segundo  informação  verbal  que  recebemos  do  mesmo  auctor,  foi  decepada 
a  cabeça  d'este  rovoluciímirio  pelo  dr.  Francisco  Júlio  Xavier,  como  c<msta  de 
jomaes  da  epocha,  i)ublicados  em  Minas  Geraes. 

(  *  )  Ratcliff  era  cximio  em  calligraphia. 

'2->  TOM.   II 


J94  MEMORIAS   BRAZILHIRAS 


O  seu  numero,  que  o  povo  pernambucano  e  cearense,  pelos 
seus  representantes  Immediatos,  reclamou  contra  as  vinga- 
tivas execuções  que  produziam  indignação  geral. 

O  coronel  Lima  e  Silva  attendeu  ás  vozes  da  própria 
consciência  e  dirigiu  ao  gabinete  imperial,  em  data  de  13  de 
Fevereiro  de  1825,  criterioso  officio,  pedindo  a  suppressão 
do  execrando  tribunal  militar.  Dizia  este  official : 

«E  na  actual  crise,  o  systema  de  terrorismo,  bem  longe 
de  firmar  a  integridade  do  império  e  consolidar  a  paz,  pro- 
moverá o  ódio  e  accenderá  de  novo  o  facho  da  discórdia. 
É  debaixo  doestes  incontestáveis  princípios  que  eu,  com  a 
franqueza  com  que  sempre  hei  falado  a  Sua  Magestade, 
asseguro  que  a  continuação  da  commissão  militar,  depois 
dos  exemplos  já  feitos,  produzirá  resultados  oppostos  áquelles 
que  se  desejam  para  o  bem  do  Brazil. » 

O  imperador  impressionou-se  com  tantos  clamores  e  por 
decreto  de  7  de  Março  extinguiu  as  ferozes  commissões,  orde- 
nando que  os  réos  pronunciados  respondessem  perante 
o  foro  civil  e  amnistiando  a  todos  os  outros  isentos  de 
pronuncia. 

Foram  absolvidos  e  postos  em  liberdade,  entre  outros, 
o  democrático  padre  José  Martiníano  de  Alencar  e  Luiz 
Borges  da  Fonseca  Primavera. 

O  chefe  da  revolução,  Manoel  de  Carvalho  Paes  de  Andrade, 
que  se  havia  refugiado  a  bordo  da  fragata  ingleza  Ticeed^ 
fugira  para  os  Estados  Unidos;  amnistiado,  regressou  ao 
Brazil  em  1831 ;  foi  eleito  e  escolhido  senador  pela  provincia 


CAPITULO   XXV  195 


da   Parahyba   em    1834;  occupou    cadeira  no  senado   até 
1855,  anno  de  seu  fallecimento. 

E  assim  foi  anniquilada  a  primeira  idéa  de  federação 
levantada  no  Brazil.  Percebiam  os  espiritos  cultos  coUocados 
á  frente  do  movimento  que  deviam  reagir  contra  D.  Pedro, 
libertino  como  particular,  autocrata  como  imperador.  O  facto 
de  dissolver,  pela  força  armada  commandada  por  elle  próprio, 
a  assembléa  geral  constituinte  (^)  e  organizar,  a  seu  talante, 


( i)  o  imperador  poz-se  á  frente  da  tropa  e  fez  alto  no  campo  de  SanfAnna, 
d'onde  destacou  uma  brigada,  commandada  pelo  general  I«azaro,  portuguez, 
que  marchou  sobre  a  assembléa.  D.  Pedro,  officiaes  e  soldados  achavam-se 
com  os  chapéos  adornados  de  folhas  de  café.  Domitilia  ( ♦  )  tomou  parte  n'este 
tríumpho  estrondoso,  exhibindo-se  com^exaggerado  ramo  de  café  ao  peito. 
A  victoria  que  havia  conseguido  sobre  seus  conterrâneos  Andradas  fora  esplen- 
dida! 

(  *  )  Sobre  a  amante  de  D.  Pedro  I  dá  o  dr.  J.  A.  Teixeira  de  Mello  em  suas 
Ephemerides  nacionacs  (  Rio  de  Janeiro,  1881  ),  tom.  II,  pag.  226,  os  seguintes 
apontamentos : 

"3  de  Novembro  de  1867.  — Fallece  em  S.  Paulo  a  marqueza  de  Santos, 
d.  Demithildes  de  Castro  Canto  e  Mello,  filha  do  visconde  e  viscondessa  de  Cas- 
tro, nascida  n'aquella  cidade  a  27  de  Dezembro  de  1797.  Pela  sua  extraordinária 
belleza,  mais  do  que  pelo  cultivo  do  espirito,  í;xcrceu  a  marqueza  de  Santos, 
como  se  sabe,  a  mais  poderosa  influencia  no  animo  e  no  coraçfto  do  i.»  impera- 
dor, que  a  tinha  visto  pela  primeira  vez  em  S.  Paulo,  separada  de  seu  primeiro 
marido,  quando  I).  Pedro,  então  ainda  principe  regente,  visitara  em  Agosto 
de  1822  aquella  provincia.  Chamada  para  o  Rio  de  Janeiro,  admittida  na  corte 
como  dama  de  honor  da  i.«  imperatriz  e  feita  successivamente  viscondessa  e 
marqueza  de  Santos,  nào  disfarçou  nunca  o  imperador  as  suas  relações  com  a 
formosa  paulista.  Viveu  ella  na  capital  do  império  reconhecidamente,  aberta- 
mente como  sua  am<inte  e  com  principesco  tratamento. 

■  D'ella  nasceram  três  filhas :  Isabel  Maria,  duqueza  de  Goyaz,  que  se  casou 
em  1843  com  o  conde  Feichler  de  Freiberg,  fidalgo  da  Baviera ;  Maria  Isabel, 
duqueza  do  Ceará,  que  falleceu  em  Outubro  de  1828  com  pouco  mais  de  um  anno 
de  edade.  e  Maria  Isabel,  nascida  em  S.  Paulo  a  27  de  Fevereiro  de  1830  c  casada 
a  2  de  Setembro  de  1848  com  o  sr.  conde  de  Iguassú. 

«Casando-se   2.'  vez  o  imperador,  rctirou-se  a  marqueza  de  Santos  para 


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■^At/'    ••^f»i/^í»'fT":#»  -•st>^.'*!í}r:iíi>*íHn^ntí»'nma:.íe-utiwor:Bç:K-<ziin: 

H/^,/1^  ///l^^fT  '1-4  ;:;f/4rí5?^nf';*  í*/>íU-]>r':nii'r£a  oitír*  jsrETir  Tm:  çrfao 

\hthf\Hí\\í  -4  f^fit^i^tt^v^  áff  4f-^f^i^^  (y/mo  na  pavorosa 
l/«ít///)|.»  íStHfhrlh.  ^fffAn/uU  jft'lH  ítwf/íraçáo  genial  do 
fH«H'M  /loi?  poifttí*  ffí<í/í/'/«!,  /l^-vííi  jK^tfirtiar-lhe  os  sonhos  de 


.^  \\m\\*,  i|>  ttiiili  Miiih  rt  iMiiia  s mIIiiii  li  ( i%\i\\n\  <1ti  impctio,  HinAo  annos  depois  da 
vOttUv.(\i^«t  Nm  at  u  i»IImi  ninti-  ( niiltaliliii  m  Kiiudtm  nupcinH  (  com  o  ct^ronel 
W.^dwu  \  V»tl*l.».-'  sU  AmiiiH  >  »•  oi  Muiidi»  v»v  cMviíiVitni,  ftii  aló  A  morte  o  exemplo 
,U  %.\nd,^«U  N.\u  U»mM.  lulMili»  d«»imMW'»i  «Ir  que  llvense  noticia  que  nAo  procu- 
.v»--v   >n»u>%»Um     u<\»>  U»»u\e  \«damitladr  putdtca  a  que  wiio  levasse  o  seu  c\>ntifi~ 

t-,^,%  .Iv^u    m%Hlo  «\  louw.ut^  r  am)«\lad.i  a  lu^la  que  e\ATim*vs  á  |»ifr.  i5> 


CAPITULO  XXVI 


A   FSQrADRA   IMPERIAL    NA   CONFEDERAÇÃO    DO  EQVADOR. 

I/)RD  COCHRANE.  PAGAMENTO  DA  INDEPENDÊNCIA 

DO    BrAZII.    a    PORTrí.AL.     ClSPLATINA.    BATALHA     DE     ITIZAINGO. 

Insubordinação  de  corpos  allemâes  e  irlandezes 
NO  Rio  de  Janeiro — 1824-1828 


^SíOMO  complemento  aos  successos  iiarfados  no  capitulo 
precedente,  devemos  mencionar  qual  o  movimento  marítimo 
que  D.  Pedro  poz  em  acção  para  combater  a  Confederação 
do  Equador. 

Logo  que  foi  levada  ao  Rio  de  Janeiro  a  noticia  do  que 
occorria  em  Pernambuco,  seguiu  para  esta  provincia  uma 
divisão  composta  das  fragatas  Nictheroy  e  Piranga^  brigue 
Bahia  e  cliarríia  Gentil  Americana^  sob  o  commando  do 
capitão  de  mar  e  guerra  João  Taylor,  divisão  posteriormente 
augmentada  com  os  brigues  Cacique  e  (ruarany  e  escuna 
Leopoldina^  commandados  estes  navios  pelo  capitão-tenente 
Francisco  Bibiano  de  Castro,  i.°  tenente  Rodrigo  Theodoro 
de  Freitas  e  i.^  tenente  James  Nicols. 

Interessado  cm  extinguir  a  revolução  por  meios  brandos» 
Taylor  dirigiu  officios  a  Manoel  de  Carvalho,  ao  comman- 


198  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


dante  das  armas  Barros  Falcão  e  á  camará  de  Olinda,  no 
sentido  de  tomar  posse  da  presidência  o  morgado  do  Cabo, 
Paes  Barretto,  respeitando-se  assim  o  decreto  imperial.  Só 
conseguiu  que  se  nomeasse  uma  commissão  de  três  membros, 
incumbida  de  ir  levar  a  D.  Pedro  representação  contra  a 
nomeação  doeste  funccionario,  «que  (dizia  a  acta)  tinha 
perdido  a  opinião  publica  e  contraliido  o  ódio  e  execração 
geral  da  provincia,  que  de  nenhum  modo  podia  ser  senão 
desgraçada  com  o  seu  governo  ( ' ). «  Foi  composta  a  commis- 
são dos  cidadãos:  vigário  João  Evangelista  Leal  Periquito, 
como  representante  do  clero;  Basilio  Quaresma  Torreão,  por 
parte  da  milicia  e  Joaquim  Francisco  Bastos  Júnior,  em 
nome  dos  civis. 

Em  vez  de  acceitar  a  designação  de  Manoel  de  Carvalho, 
o  imperador  nomeou  presidente  da  provincia  João  Carlos 
Mayrink  da  Silva  Ferrão  e  este  facto  occasionou  o  geral 
rompimento.  Propalava-se  que  a  politica  de  D.  Pedro  era 
reconduzir  o  Brazil  a  estado  de  colónia. 

Aprisionados  os  navios  revolucionários,  brigue  Constitiiu 
ção  ou  Morte  e  escuna  Maria  da  Gloria^  presos  os  seus 
commandantes  e  remettidos  para  o  Rio  de  Janeiro  onde  foram 
enforcados;  constando  a  D.  Pedro  que  de  Portugal  partira 
uma  forte  esquadra   trazendo   tropas  de  desembarque  para 


(  I  )  Vide  A  marinha  de  guerra  do  Brazil  na  lucta  da  independência  — 
Apontamentos  para  a  historia  (  Rio  de  Janeiro,  1880),  pag.  65.  1'^ste  interessante 
foUieto  in-8.°,  de  80  pags.,  nào  apresenta  o  nome  do  anctor. 


CAPITULO   XXVI  199 


combater  a  independência  do  Brazil,  ordenou,  por  portaria 
de  II  de  Junho  de  1824,  V^^  todos  os  vasos  de  guerra  esta- 
cionados nas  provi ncias  se  recolhessem  á  capital  do  império 
e  que,  n'esta  emergência,  cada  vil  la  ou  cidade  se  defendesse 
com  seus  próprios  recursos. 

Verificando-se,  porém,  não  ser  exacta  a  noticia  da  expe- 
dição da  esquadra  luzitana,  foi  mandado  lord  Cochrane 
(marquez  do  Maranhão)  para  as  provincias  do  Norte,  com 
uma  força  marítima,  composta  da  nau  Pedro  /,  commandante 
Crosbie;  charrua  Carioca^  commandante  capitão  de  fragata 
António  Joaquim  do  Couto;  brigue  Marajihão^  commandante 
i.^  tenente  Jorge  Manson  e  transportes  Harmonia  e  Cari- 
dade^ commandantes  os  capitães  de  fragata  graduados  Antó- 
nio Gomes  de  Moura  e  José  António  dos  Santos. 

Esta  expedição  partira  do  Rio  de  Janeiro  a  2  de  Agosto 
de  1824  com  1.200  soldados  ao  mando  do  coronel  Francisco 
de  Lima  e  Silva.  O  desembarque  das  tropas  effectuou-se  no 
porto  de  Jaraguá  (perto  de  Maceió),  a  13  d*aquelle  mez,  e 
a  14  aportou  a  esquadra  a  Pernambuco. 

Lima  e  Silva  marchou  com  suas  tropas  para  Pernam- 
buco; fez  juncção  com  as  de  Paes  Barretto  e  conseguiu  entrar 
no  Recife  a  12  de  Setembro  de  1824. 

Em  meio  d'estes  acontecimentos,  lord  Cochrane,  sob 
pretexto  de  abrigar-se  contra  um  temporal,  dirigiu-se  em  a 
nau  Pedro  I  para  a  Bahia. 

Porém  o  bloqueio  da  capital  pernambucana  continuou  a 
ser  feito  e  reforçado  pela  fragata  Paraguassú^  com  mandada 


200  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


pelo  capitão  de  fragata  Matheus  Welsh  e  as  corvetas  Maceió 
e  Maria  da  Gloria^  sob  o  mando  de  José  Pedro  de  Carvalho 
e  Tlieodoro  de  Beaiirepaire. 

O  desembarque,  porém,  só  ponde  effectuar-se  depois  que 
ás  forças  existentes  juntou-se  a  divisão  commandada  por 
David  Jewett  e  composta  das  fragatas  Pyranga  e  Nictheroy^ 
aquella  sob  o  commando  do  mesmo  chefe  e  esta  de  James 
Norton.  A  17  de  Setembro  o  coronel  Lima  e  Silva,  auxiliado 
pela  divisão  de  Jewett,  conseguiu  apoderar-se  de  Olinda. 

Pacificado  Pernambuco,  seguiu  lord  Cochrane  da  Bahia 
para  o  Ceará  e  ahi  conseguiu  que  José  Félix  de  Azevedo  e 
Sá,  que  substituirá  no  governo  republicano  a  Tristão  Gon- 
çalves de  Alencar  Araripe,  acceitasse  a  contra-revolução  e 
arvorasse  a  bandeira  imperial  na  Fortaleza  a  18  de  Outubro 
de  1824. 

Acalmado  o  Ceará,  partiu  lord  Cochrane  para  o  Maranhão, 
que  se  achava  anarchisado. 

Ahi  substituiu  o  presidente  Miguel  Bruce  por  Manoel 
Telles  da  Silva  Lobo,  creatura  malleavel  e  submissa  ás 
imposições  do  almirante  inglez.  Apresentando  conta  das 
indemnizações  a  que  se  julgava  com  direito,  lord  Cochrane 
exhauriu  os  cofres  da  thesouraria  de  fazenda  e,  ainda  não 
satisfeito,  embolsava  o  rendimento  da  alfandega,  quando 
chegou  ao  Maranhão  o  novo  presidente  da  provincia,  Pedro 
José  da  Costa  Barros,  que  ia  disposto  a  oppôr  embargos  á 
espoliação.  Sabedor  das  intenções  legaes  de  Costa  Barros,  o 
ambicioso    lord   não    ixTUiittiu    que   clle   tomasse   conta  do 


CAPITULO   XXVI  20I 


cargo:  prendeu-o;  metteu-o  a  bordo  do  brigue  Cacique  e  o 
fez  seguir  para  a  província  do  Pará. 

Logo  que  recebeu  a  ultima  prestação  das  centenas  de 
contos  de  réis  que  para  si  próprio  liavia  arbitrado,  o  pouco 
escrupuloso  almirante  passou  o  commando  da  nau  Pedro  I 
ao  chefe  de  divisão  Jewett,  e,  sem  offerecer  ao  governo 
impei ial  a  minima  explicação,  retirou-se  para  a  Inglaterra  na 
fragata  brazileira  Piranga,  Pagou-se  por  suas  próprias  mãos 
e  levou  comsigo  inn  vaso  de  guerra ! 

A  arbitrariedade  de  tal  procedimento  depreciou,  perante 
a  historia,  os  serviços  prestados  por  este  official  em  favor  da 
independência  do  Brazil. 

Ainda  não  desanimado  com  a  attitude  assumida  pelos 
brazileiros,  quiz  Portugal,  a  todo  transe,  fazer  reviver  na 
America  a  sua  antiga  colónia.  N'esse  sentido  pediu  auxilio 
ás  cortes  de  Hespanha,  França,  Prússia  e  Rússia.  A  Ingla- 
terra, porém,  intcrpoz-se,  fazendo-lhe  reconhecer  a  imprati- 
òabilidade  da  idéa. 

Quando  a  nação  britannica  mandDU  ao  Brazil  o  embai- 
xador Carlos  Stuart,  este,  ao  passar  em  Lisboa,  recebeu  de 
D.  João  VI  a  incumbência  de  em  nome  de  Portugal  acceitar 
e  reconhecer  a  nossa  independência.  O  embaixador  entendeu- 
se  n'este  sentido  com  o  ministro  de  extrangeiros,  Luiz  José  de 
Carvalho  e  Mello,  com  o  do  império,  Francisco  Villela 
Barbosa,  e  com  o  conselheiro  doestado,  barão  de  Santo  Amaro. 
Connivcutc  com  as  exigências  de  Portugal  —  quando  a  indc- 


202  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


pendência  já  se  achava  feita  —  D.  Pedro  I,  em  vista  de  um 
tratado  que  se  engendrou,  comprometteu-se  a  remetter  para  o 
governo  de  Inglaterra,  por  conta  da  divida  portuguezá,  dois 
milhões  de  libras  esterlinas,  a  titulo  de  indemnização  a  pre- 
juisos  soffridos  pelo  governo  luzitano.  . . 

Este  illegal  procedimento  só  é  comparável  ao  que  em 
menor  escala  teve  lord  Cochrane  antes  de  regressar  para  os 
nevoeiros  de  Albion.  O  nosso  thesouro  nacional  soffreu 
durante  annos  mais  este  formidável  e  escandaloso  assalto. 

Perigava  no  extremo  sul  a  Provincia  Cisplatina.  As 
nunca  extinctas  rivalidades  entre  hespanhóes  e  portuguezes 
ou  descendentes  de  portuguezes  aproveitaram  a  occasião  para 
accenderem  de  novo  ódios  a  custo  sopitados. 

Inopinadamente,  32  orientaes  ás  ordens  de  João  António 
Lavalleja,  vindos  da  Republica  Argentina,  desembarcaram  no 
porto  das  Vaccas,  na  Agraciada  (Estado  Oriental),  a  19  de 
Abril  de  1825.  Aos  33  heroes  juntaram-se  dois  batalhões  de 
Fructuoso  Rivera  e  numerosos  patriotas  anciosos  de  conquis- 
tar a  liberdade.  A  25  de  Agosto  do  mesmo  anno  reuniram-se 
na  villa  de  Florida  os  revolucionários  e  ahi  proclamaram  a 
independência  do  Estado  Oriental  ( ^ ). 


(  I  )  o  documento  declaratório  da  independência  da  Provincia  Cisplatina  foi 
ORcripto  nos  Hef^^uintes  termos : 

« I/i  Haia  de  Representantes  de  la  Provincia  Oriental  dei  Rio  de  la  Plata,  en 
uso  de  la  soberania  ordinária  y  extraordinária  que  legalmente  invistc,  para 
construir  la  existência  politica  de  los  pueblos  que  la  componen,  y  estabelecer  su 


CAPITULO   XXVI  203 


O  governo  de  Montevideo  achava-se  entregue  ao  general 
Carlos  Frederico  Lecór,  visconde  da  Laguna. 

A  24  de  Setembro  travou-se  o  primeiro  combate  no 
Rincão  de  Haedo  ou  das  Gallinhas.  Ahi  foram  derrotadas  as 
forças  brazileiras,  mais  de  400  praças,  commandadas  pelos 
coronéis  rio-grandenses  Jeronymo  Gomes  Jardim  e  José  Luiz 
Menna  Barretto,  os  quaes,  por  mal  entendida  rivalidade,  não 
marcharam   juntos,    mas   em   denodada   porfia,   sobre   qual 


independência  y  felicidad,  satisfaciendo  el  constante,  universal  y  decidido  voto 
de  sus  representados ;  —  despues  de  consagrar  á  tan  alto  fin  su  más  profunda 
consideracion  ;  obedcciendo  la  reclitud  de  su  intima  conciencia,  en  el  nombre  y 
por  la  voluntad  de  ellos,  sanciona  con  valor  y  fuerza  de  ley  fundamental  lo 
seguiente : 

i.o  —  Declara  irritos,  nulos,  disueltos  y  de  ningun  valor  para  siempre,  todos 
los  actos  de  incorporacion,  rcconociniientos,  aclamaciones  y  juramentos  arranca- 
dos á  los  pucblos  de  la  Provincia  Oriental,  por  la  violência  de  la  fuerza  unida  á 
la  perfídia  de  los  intrusos  poderes  de  Portugal  y  el  Brazil,  que  la  han  tiranizado, 
hollado  y  usurpado  sus  inalienables  dereclios,  sujetádole  ai  j'Ugo  de  un  absoluto 
despotismo  desde  el  aiío  de  1817  hasta  el  presente  de  1825.  Y  porcuanto  el  pueblo 
oriental  aborrece  y  detesta  hasta  el  recuerdo  de  los  documentos  que  comprendem 
tan  ominosos  actos,  los  Magistrados  Civiles  de  los  pueblos  em  cuyos  archivos  se 
hallan  depositados  aqucllos,  luego  que  reciban  la  presente  disposicion,  concur- 
riran  ai  primer  dia  festivo  en  union  dei  Párroco  y  vecindario  y  con  asistencia 
dei  Kscribano,  Secretario,  ó  quien  haga  sus  veces,  á  la  casa  de  Justicia,  y  antece- 
dida la  lectura  de  este  Decreto  se  testará  y  borrará  desde  la  primera  linea  hasta 
la  ultima  firma  de  dichos  documentos,  extendiendo  en  seguida  un  certificado 
que  haga  constar  haberlo  verificado,  con  el  que  deberá  darse  cuenta  oportuna- 
mente ai  gobiemo  de  la  Provincia. 

i.o  —  Kn  consecuencia  de  la  antecedente  declaracion,  rcasumiendo  la  Pro- 
vincia Oriental  la  plenitud  de  los  dereclios,  libertades  y  prerrogativas  inherentes 
á  los  demás  pucblos  de  la  ticrra,  se  declara  hecho  y  de  derecho  libre  é  indepen- 
diente  dei  Rey  de  Portugal,  dei  Kmperador  dei  Brazil  y  de  cualquier  otro  dei 
universo,  y  con  amplio  y  pleno  poder  para  darse  las  formas  que  en  el  uso 
y  ejcrcicio  de  su  soberania  estime  convenientes. 

«  Dado  en  la  sala  de  sesioncs  de  la  Representacion  Provincial  en  la  Villa 
de  San  Fernando  de  la  Florida,  á  lofi  25  dias  dei  mes  de  Agosto  dei  aiío  1825,  • 


204  MEMORL\S   BRAZILEI&AS 

chcjçaría  primeiro  ao  ponto  de  combate.  Fnictuoso  Rivera  os 
destroçou,  cada  um  por  sua  vez. 

!klenna  Barretto,  valente  official  de  27  annos  de  edade, 
morreu  na  acção. 

^ApezãT  de  ouvir  os  repetidos  gritos  do  inimigo,  intiman- 
do-llie  que  se  rendesse,  combateu,  como  um  verdadeiro 
hcróe,  morrendo  afinal  com  mais  de  dez  honrosos  ferimentos 
e  conquistando  a  admiração  de  seus  próprios  adversários  (*).» 

Victorioso,  Rivera  apoderou-se  da  cavalhada  que  existia 
no  Rincão  e  foi  leval-a  a  Lavalleja,  que  se  achava  em 
preparo  para  atacar  Bento  Manoel  Ribeiro.  Este  valente 
paulista  sahira,  com  uma  brigada,  de  Montevideo,  incumbido 
pelo  visconde  da  Laguna  de  ir  reconhecer  o  inimigo ;  partiu 
com  i.ioo  homens  e  incorporou-se  no  dia  10  de  Setembro, 
nas  nascentes  do  rio  Yi,  ao  coronel  Bento  Gonçalves  da  • 
Silva,  que  conimandava  um  regimento  de  cavallaria  de  400 
homens. 

Confiante  em  seu  valor.  Bento  Manoel,  cm  vez  de  fazer  o 
reconhecimento,  resolveu  ir  atacar  o  inimigo  em  seu  próprio 
campo. 

No  dia  12  de  Outubro  —  quando  no  Brazil  se  festejava  o 
annivcrsario  natalício  de  D.  Pedro  I — avistou  elle  o  inimigo 


(  I  )  Vide  a  opiisculo  Lilwllo  arf^eniino  e  a  verdade  histórica  por  R.  DE 
Sknna  Tkrfira  (  Rio  de  Janeiro,  1S57  )  i.°  vol.  e  a  lUographia  do  coronel  José 
Luiz  Menua  Jiarrviio  (  Mtmtcvidéo,  1S25),  obras  citadas  por  Josk  Maria  da 
SiiA'A  Paranhos  Júnior  (  actual  barão  do  Rio  Branco )  em  seu  estudo  Esboço 
/n'in;ni/>/iico  do  íieneral  fost^  de  Abreu,  barão  do  Serro  Largo  \  Rev.  do  íust. 
//is/.,  itini.  XXXI.  2.^  part.,  pajc.  107,  nota  49). 


CAPITULO   XXVI  205 


collocado  junto  ao  arroio  Sarandy,  confluente  do  arroio 
Castro,  sendo  este  affluente  do  Yi. 

Lavalleja  com  2.500  homens  das  três  armas,  perfeita- 
mente descançados,  disciplinados,  e  palpitantes  do  ardoroso 
entliusíasmo  que  a  idéa  republicana  desperta  em  todos  os 
corações  amantes  da  liberdade  da  pátria,  tendo  além  d'isso 
terreno  escolhido  e  próprio  para  as  evoluções  de  seus 
soldados,  esperou  tranquillo  a  temerária  aggressão.  A  pri- 
meira carga  de  seus  gaúchos  dispersou-se  a  infanteria 
guarany  e  o  desbarato  de  Bento  Manoel  foi  completo. 
Para  náo  sacrificar  de  todo  sua  cohmína,  viu-se  este  official 
obrigado  a  operar  a  retirada  para  a  fronteira  de  SanfAnna;  o 
regimento  de  dragões  retrocedeu  para  Montevideo  e  Bento 
Gonçalves,  cujo  regimento  não  chegara  a  entrar  em  fogo, 
seguiu  para  a  fronteira  de  Jaguarão. 

As  duas  victorias,  do  Rincão  e  de  Sarandy,  foram  de 
extraordinário  alcance  para  a  causa  justa  e  nobre  dos  orien- 
taes  revolucionados,  pois  não  só  serviram  de  ardoroso  incita- 
mento a  toda  a  provincia  uruguaya,  como  attrahiram  a  forte 
sympathia  da  Republica  Argentina  para  pelejar  em  favor  da 
grande  idéa  libertadora.  Arrancar  a  Cisplatina  ao  dominio 
militar  e  ao  poder  pessoal  c  tyrannico  do  imperador  do 
Brazil  impunha-se,  como  um  dever,  aos  povos  confederados 
do  Rio  da  Prata. 

Fortemente  interessada  no  desenlace  da  questão,  favo- 
rável aos  republicanos,  a  Republica  Argentina  deu  sciencia 
ao  Brazil,  cm  data  de  24  de  Novembro  de  1S25,  de  que  a  Pro- 


2o6  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


vincia  Cisplatina  passava  a  pertencer  ás  Províncias  Unidas 
do  Rio  da  Prata — o  que  importava  em  declaração  de  guerra, 
acceita  pelo  governo  imperial  em  lo  de  Dezembro  seguinte. 

Tomaram-se  medidas  urgentes,  exigidas  pela  nova  face 
dos  acontecimentos.  A  força  marítima  de  Montevideo  foi 
in-continenti  reforçada,  e  o  commandante  da  esquadrilha, 
vice-almirante  Rodrigo  Lobo,  teve  ordem  de  bloquear  os 
portos  do  kio  da  Prata. 

A  frente  das  Provincias  Unidas  collocou-se  um  homem 
de  merecimento,  Bernardino  Rivadavia,  e  para  commandar 
os  navios  de  guerra  argentinos  o  almirante  inglez  Jorge 
Guilherme  Brown. 

A  9  de  Fevereiro  de  1826  deu-se  o  combate  naval  de 
Corales,  em  que  as  nossas  forças  conseguiram  estrondosa 
victoria. 

A  esquadra  argentina,  commandada  por  Brown,  com- 
punha-se  de  19  navios:  corveta  ^f  de  MaiOy  brigues  Bclgrano^ 
Congresso^  Republica  e  Balcarce^  escunas  Sarandi  e  Pepa 
e  12  canhoneiras;  e  a  nossa  esquadra,  de  11  embarcações: 
corvetas  Liberal  {q.q\xí  a  insigniado  vice-almirante),  liaparica 
(com  a  insignia  do  chefe  de  divisão  Diogo  Jorge  de  Britto) 
e  Maceió;  brigues  2ç  de  Agosto^  Caboclo^  Real  Pedro^  Rio 
da  Praia;  brigue-escuna  Pará;  canhoneira  Leal  Paulista^ 
escunas  Liberdade  do  Sul  e  Conceição, 

Geral  foi  o  destroço  dos  argentinos:  fugiram  quasi  todos 
os  seus  navios  —  a  corveta  ^5  de  Maio  e  12  canhoneiras  — 
abandonando  o  seu  almirante. 


CAPITULO   XXVI  207 


N'esse  grande  combate  lamentamos  a  morte  do  comman- 
dante  do  brigue.  2ç  de  Agosto^   capitão-tenente  Glidders. 

O  vice-almirante  Rodrigo  Lobo  perseguiu  os  navios  fugi- 
tivos até  defronte  da  cidade  de  Buenos-Ayres. 

Foi  necessário  á  Republica  Argentina  mandar  comprar 
navios  ao  Chile  e  emquanto  estes  não  chegavam,  concedia 
cartas  de  corso  contra  os  nossos  navios  mercantes. 

Preparou-se,  porém,  o  inimigo  para  tirar  desforra  da  derrota 
maritima  que  havia  soffrido,  e,  exactamente  no  anniversario 
do  feito  de  Corales,  a  9  de  Fevereiro  de  1827,  deu-se  o  com- 
bate do  Juncal,  em  que  foi  destruida  a  nossa  chamada y?í?//7Aa 
do  Uriiguay^  commandada  pelo  capitão  de  fragata  Jacintho 
Roque  de  Senna  Pereira. 

Compunha-se  a  flotilha  de  19  navios,  porém  de  tal  forma 
occorreu  o  nosso  desastre,  que  1 1  foram  aprisionados,  3  incen- 
diados por  seus  commandantes  e  apenas  2  conseguiram 
salvar-se,  a  canhoneira  Viciaria  da  Colónia  e  a  escuna 
D.  Paula. 

O  almirante  Brown  reivindicou  de  modo  brilhante  os  seus 
créditos. 

Convém  declarar  que  só  mereciam  o  nome  de  navios  de 
guerra  as  escunas  Oriental  e  Bertioga  e  o  brigue-escuna 
D.  /afinaria:  os  outros  eram  pequenos  liiates  do  Rio  Grande 
e  saveiros  do  Rio  de  Janeiro  arvorados  em  canhoneiras. 

Como  continuação  de  nossos  insuccessos,  uma  expedição 
mandada  á  Patagonia,  no  sentido  de  tomar  a  jíovoação  de 
Cármen,  valhacouto  de  corsários,  cahiu  toda  em  poder  do 


2o8  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


inimigo:  só  244  prisioneiros  puderam  salvar-se.  Era  comman- 
dada  pelo  capitão  Sliepperd,  que  morreu  combatendo. 

A  má  fortuna  ainda  nos  perseguiu,  acompanhando  as 
evoluções  de  nosso  exercito  e  favorecendo  a  legitima  aspi- 
ração dos  povos  platinos  em  conseguir  a  independência  dos 
orientaeè. 

Para  substituir  áo  visconde  da  Laguna  (Carlos  Frederico 
Lecór),  cuja  inactividade  em  Montevideo  permittiu  o  desen- 
volvimento revolucionário  da  Cisplatina,  D.  Pedro  I  nomeou 
general  commandante  em  chefe  das  forças  brazileiras  o 
marquez  de  Barbacena  (Felisberto  Caldeira  Brant  Pontes), 
homem  notável  por  grandes  serviços  prestados  á  pátria  (^). 


(  I  )  o  marquez  de  Barbacena  nasceu  a  19  de  Setembro  de  1772,  no  arraial  de 
S.  Sebastião,  perto  da  cidade  de  Marianna,  estado  de  Minas  Geraes,  e  faUece^i 
no  Rio  de  Janeiro  a  13  de  Junho  de  1843.  Foi  senador  do  império,  conselheiro  de 
Estado,  marechal  de  exercito,  gentil-homem  da  imperial  camará,  mordomo-mór 
da  imperatriz  D.  Amélia  (  dcípois  duqueza  de  Bragança  ),  alcaide-mór  da  villa  de 
Jaguaripe  na  Bihia,  cavalleiro  da  ordem  de  D.  Pedro  I,  gran-cruz  das  do 
Cruzeiro  e  Rosa,  commendador  di  de  Christo,  caN^alleiro  da  ordem  da  Torre 
e  Kspada,  gran-cruz  da  Coroa  de  Fjrro  da  Áustria. 

Durante  o  tempo  em  que  exerceu  o  cargo  de  inspector  dos  corpos  na  Bahia, 
promoveu  ahi  melhoramentos  de  alta  importância  :  introduziu  a  primeira  michina 
a  vapor  applicida  aos  engenhos  de  moer  canna,  melhorando  assim  a  fabricaçílo 
de  assucar  e  aguardente;  deu  desenvolvimento  á  plantação  de  canna  íVZ  ir ////«/ 
a  expensas  suas,  introduziu  a  canna  rajada  denominada  imperial,  mandou  appa- 
relhar  uma  estrada  de  rodagem  na  extensão  de  42  léguas  para  o  interior  e  fez 
levantar  a  carta  hydrographica  da  Bahia  ;  em  1819  estabeleceu  a  primeira  nave- 
gação a  vapor  entre  a  capital  bahiana  e  a  cidade  da  Cachoeira  :  estabeleceu 
uma  fabrica  de  espingardas ;  para  facilitar  as  transacções  co.nmerciaes,  fundou 
na  Bahia  a  caixa  dos  descontos,  filial  ao  banco  do  Brazil. 

Minuciosos  apontamentos  sobre  este  grande  brazileiro  foram  publicados 
em  grosso  volume  de  974  pags.  por  AxroNio  Air^-usTo  dk  Aíítiar,  sob  o  titulo 
Vida  do  marquez  de  Barbacena  (  Rio  de  Janeiro,  i8c^  ). 


CAPITULO   XXVI  209 

Partiu  este  titular  para  o  Rio  Grande  do  Sul,  a  3  de 
Novembro  de  1826,  levando  como  ajudante-general  o  briga- 
deiro Francisco  José  de  Souza  Soares  de  Andréa  (depois 
barão  de  Caçapava) ;  deputado  do  ajudante-general  o  sargento- 
mór  João  Pedro  da  Silva  F^erreira;  quartel-mestre  general  o 
brigadeiro  Raymundo  José  da  Cunha  Mattos;  ajudante  de 
ordens  o  sargento-mór  Ponsadilha;  commandante  de  artilhc- 
ria  o  coronel  Thomé  Fernandes  Madeira. 

Acompanharam-no  o  marechal  Gustavo  Henrique  Brown 
e  brigadeiro  Sebastião  Barretto  Pereira  Pinto. 

Um  ou  outro  combate  se  havia  travado  na  fronteira  do 
Uruguay,  com  o  fim  de  fazer  cessar  as  continuas  correrias 
em  estancias  brazileiras,  d'onde  os  republicanos  arrebatavam 
gado  e  cavalhada  e  praticavam  outras  depredações.  O  encon- 
tro mais  notável  fora  o  combate  na  barra  de  Toro  Passo, 
perto  do  rio  Quarahy.  Uma  columna  de  500  cavalleiros 
rio-grandenses,  commandada  pelo  coronel  José  António  Mar- 
tins, destroçou  uma  força  de  orientaes  que  deixou  no 
campo  120  mortos. 

Fazia-se  mister  cessar  os  tiroteios  esparsos  e  sem  resul- 
tado apreciável  e  reunir  elementos  para  uma  batalha  decisiva 
que  conduzisse  nossas  armas  a  fim  determinado. 

Era  plano  de  Barbacena:  i.°  expulsar  o  inimigo  além  do 
Uruguay;  2.°  occupar  em  seguida  a  provincia  de  Entre-Rios; 
3.®  obrigar  a  Confederação  Argentina  a  solicitar  paz,  sem 
possibilidade  de  renovar  hostilidades.  Para  a  realização 
d'estes  dcsignios  solicitou  do  governo  um  effectivo  de  15.000 

•J7  •  TOM.  II 


2  IO  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


homens  das  três  armas,  uma  reserva  de  4.000,  o  indispensável 
armamento  e  .seis  milhões  de  cnizados  para  as  despesas  da 
guerra  durante  um  anno. 

As  forças  seriam  assim  distribuídas:  2.500  homens  de 
guarnição  nas  fronteiras  do  Rio  Grande  do  Sul;  7.500  para 
combater  o  inimigo;  3.700  para  defender  Montevideo;  200  em 
Serrito  e  1. 100  na  Colónia  do  Sacramento. 

Esta  requisição  não  foi  satisfeita,  por  mais  que  se  prati- 
casse com  rigor  e  violência  o  recrutamento  nas  provincias 
do  Ceará  e  Minas  Geraes. 

Por  esse  tempo  resolveu  D.  Pedro  partir  para  o  theatro 
dos  acontecimentos,  como  um  forte  incentivo  ás  tropas  brazi- 
leiras.  Infelizmente  esta  viagem  não  teve  o  êxito  que  se 
esperava:  apenas  o  monarcha  chegou  a  Porto  Alegre,  recebeu 
noticia  de  que  sua  esposa,  a  imperatriz  Leopoldina  ('),  havia 


(  I  )  A  imperatriz  Maria  I«eopoldina  Josepha  Carolina,  archiduqueza 
d'Austria,  era  irmã  de  Maria  l,uiza,  imperatriz  da  França  e  se^nda  mulher  de 
Napoleão  I. 

Falleceu  em  consequência  de  um  aborto,  succedido  a  2  de  Dezembro  de  1826, 
sendo  o  feto  do  sexo  masculino. 

O  escriptor  allemão  Carlos  Seidler,  contemporâneo  dos  factos,  fez  as 
seguintes  apreciações  sobre  o  fúnebre  acontecimento  : 

« lycopoldina  d'Austria  tinha  fallecido  subitamente.  I^vantaram-se  mil 
su.Hpeitas,  cada  uma  sobrepujando  a  outra  em  exaggeração,  loucura  e  despeito, 
mas,  entre  todas,  algumas  talvez  tenham  suas  razões  de  ser.  Assevcrava-se  que 
D.  Pedro  I,  ao  sahir  do  Rio  de  Janeiro,  deixou  ordens  para  o  envenenamanto  da 
imperatriz  durante  sua  ausência,  o  que  fez  enorme  sensação ;  todos  os  negócios 
paraly  saram -se ;  uma  revolução  geral,  que  primeiro  sahiu  da  terra  como  um 
verme,  foi  successivamente  levantando  sua  cabeça  de  hydra.  Os  inimigos  do 
imperador  aproveitaram  com  avidez  esta  occasião  para  conseguirem  seus  fins 
particulares  e  tomar  Sua  Magestade  sempre  mais  odioso  ao  povo  ;  aventuraram-se 


CAPITULO  XXVI  211 


fallecido  a  ii  de  Dezembro — facto  que  o  obrigou  a  regressar 
immediatamente  para  o  Rio  de  Janeiro,  a  15  de  Janeiro 
de  1827. 

Ao  chegar  a  SanfAnna  do  Livramento,  reconheceu  o 
raarquez  que  as  forças  foram  mal  acampadas  alli,  em  terreno 
mau,  arenoso,  desarborizado,  regado  por  pequenos  regatos 
afluentes  do  Ibicuhy,  os  quaes,  seccando  no  verão,  tomavam 
insalubre  a  localidade,  que  os  soldados  denominavam  mata^ 
douro  do  exercito.  Para  esse  ponto  havia  o  brigadeiro  Fran- 
cisco de  Paula  Damasceno  Rosado  convergido  as  tropas, 
retirando-as  d'outros  logares  da  fronteira  onde  as  collocára 
seu  antecessor,  o  general  José  de  Abreu,  barão  do  Serro  Largo. 

Para  dar  ás  forças  organização  regular  o  general  em  chefe 
formou  duas  divisões  compostas  de  quatro  brigadas,  dividin- 
do-as  em  três  linhas  de  batalha,  commandadas  estas  pelo 
ajudante-general  Soares  de  Andréa,  o  quartel-mestre  general 
Cunha  Mattos  e  o  coronel  Jeronymo  Gomes  Jardim. 

Soube-se  que  o  inimigo  partira  de  Durasuo,  sob  o  com- 
mando  de  Carlos  de  Alvear,  no  intento  de  invadir  o  Rio  Grande 


até  a  nomear  o  medico  que,  na  qualidade  de  verdugo  secreto,  teve  parte  n*esta 
scena  de  a<vsombro.  Infelizmente,  poucos  dias  depois,  o  mesmo  homem  foi 
nomeado  Enviado  Extraordinário  perante  a  corte  de  França  e  com  isto  a 
desconfiança  geral  obteve  nova  segurança.  Outro  boato,  talvez  melhor  fundado, 
dizia  que  D.  Pedro,  em  um  momento  de  cólera,  havia  maltratado  sua  esposa,  que 
se  achava  gravida,  calcando-a  aos  pés,  e  que  isto  foi  a  origem  da  morte  d*ella.  • 

Henri   Raffard  :   Apontamentos  acerca  de  pessoas  e  cousas  do  Brazil 
{Rev,  do  Itist.  Hist.,  tom.  L,XI,  2.»  part..  pags.  212  e  213 ). 


212  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


do  Sul  por  Bagé.  Deu-se  com  effeito  a  invasão,  e  chegou  a 
attingir  a  cidade  de  S.  Gabriel,  que  foi  saqueada. 

A  17  de  Fevereiro  a  vanguarda  do  barão  do  Serro  Largo 
chegou  a  S.  Gabriel  e  livrou  esta  povoação  do  incêndio  que 
já  havia  destruído  três  edifícios. 

Convencido  o  general  Barbacena  de  que  Alvear,  por  temer 
as  nossas  forças,  fugira  de  S.  Gabriel  e  procurara  o  Passo  do 
Rosário  no  rio  Santa  Maria;  crente  o  marquez  de  que  o  exer- 
cito brazileiro  augmentaria,  de  forma  a  não  só  subjugar  a 
Banda  Oriental,  como  a  invadir  a  Republica  Argentina,  em 
cuja  capital  hastearia  triumphante  o  pavilhão  imperial,  fez 
ás  tropas  uma  proclamação  transbordante  de  arrojadas  pro- 
messas: 

tr  Soldados !  Quando  o  inimigo  se  apresentou  n'esta  fron- 
teira, estava  o  centro  do  exercito  imperial  a  mais  de  80  léguas 
de  distancia  das  divisões  da  esquerda;  estáveis  sem  transportes 
e  até  com  faltas  de  armamento  e  munições  de  guerra.  Vosso 
valor,  vosso  patriotismo  venceu  todas  as  diflSculdades,  e  por 
marchas  forçadas  e  atrevidas,  quasi  á  \âsta  do  inimigo,  e 
estando  os  postos  avançados  em  constante  tiroteio,  conseguis- 
tes fazer  a  juncção  com  a  maior  parte  das  tropas  da  esquerda 
no  dia  5  do  corrente;  as  outras  se  reuniram  nos  dias  11  e  13. 
«Então  fazia  o  inimigo  todas  as  demonstrações  de  atacar- 
nos,  è  posto  que,  por  sua  superioridade  numérica  e  pela 
linguagem  de  suas  proclamações,  o  ataque  parecia  provável, 
não  passou  de  demonstrações,  e,  deixando  as  margens  do  Cama- 
cuan,  colorou  aquelle  principio  de  retirada,  dizendo  que  nos 


CAPITULO  XXVI  213 


esperava  nos  campos  de  S.  Gabriel  ou  que  seguiria  para 
Porto  Alegre. 

« Por  novas  marchas  forçadas  aqui  chegastes  esta  manhã, 
e,  longe  de  encontrarmos  o  inimigo,  achámos  a  certeza  de 
sua  vergonhosa  e  precipitada  fugida,  havendo  a  retaguarda, 
cominandada  por  Lavalleja,  deixado  a  povoação  de  S.  Gabriel 
hontem  pelas  4  Y^  horas  da  tarde,  entretanto  que  Alvear 
adeantou  de  quatro  marchas  a  infanteria  e  artilheria. 

«  Bem  quizera  eu  dar-vos  algum  descanço,  depois  de  tantos 
centos  de  léguas  de  marcha,  com  um  sol  abrazador,  e  até 
alguns  dias  sem  agua  e  muitos  sem  pão  ou  farinha ;  mas  um 
instante  de  demora  nos  privaria  de  colher  os  fructos  de  nossos 
trabalhos  e  de  terminar  a  guerra  para  sempre,  como  o  exigem 
a  honra  e  a  gloria  do  exercito  imperial. 

«Soldados!  Redobremos  de  esforços,  e  em  poucos  dias 
alcançaremos  o  inimigo:  a  victoria  é  certa,  e  na  cidade  de 
Buenos-Ayres  vingaremos  as  hostilidades  commettidas  nas 
pequenas  povoações  de  Bagé  e  S.  Gabriel ! 

« Quartel-general  em  S.  Gabriel,  17  de  Fevereiro  de  1827. 
— Marquez  de  Barbacena^  tenente-general,  commandante 
em  chefe  ( ^ ). » 

Continuou  o  general  em  chefe  a  forçar  as  marchas,  em 
perseguição  do  inimigo,  que  rapidamente  abandonava  o 
terreno:  a  19,  depois  de  reforçar  a  vanguarda,  acampou  a 


( i )  António  ArorsTo  de  Aguiar  :  Vida  do  marquez  de  Barbacena^ 
paga.  264  e  265. 


214  XEXO&IAS   BRAZnjEXRAS 


3  Yj  ítgttsa  de  S.  Gabriel,  no  campo  dos  Salsos,  depois  de 
atravessar  o  banhado  de  Inhatitim  qne  se  achava  qnasí  secco 
em  ccmseqnencia  do  rigor  do  ^-erão.  Ahi  consegxxin  a  nossa 
vanguarda  alcançar  o  inimigo,  manter  com  elle  um  tiroteio 
forte  e  pol^  em  fnga  precipitada. 

Satisfeito  com  estas  lisonjeiras  escaramuças,  Barbocena 
tfansferin  o  acampamento  para  nns  banhados  seccos  da 
estancia  de  António  Francisco,  três  legnas  adeante  do  local 
anterior. 

Ahi  foi  elle  avisado  por  soldados  desertores,  mandados 
propositalmente  por  Alvear,  de  que  este  chefe  argentino 
passava  o  rio  Santa  Maria.  Barbacena  quiz  snrprehender  os 
oríentaes  n^essa  operação,  e,  tendo  dado  ao  exercito  três  horas 
apenas  de  descanço,  ordenou  que  a  cavallaria  e  a  infanteria  se 
mantivessem  de  promptidão  ao  primeiro  signal. 

Alta  noite,  ao  apparecimento  da  lua,  o  marquez  deu 
ordem  de  marcha. 

A  vanguarda  do  barão  do  Serro  Largo,  augmentada 
com  a  brigada  do  coronel  Bento  Gonçalves  da  Silva,  com- 
posta de  590  praças,  perfazia  o  numero  de  1.150  cavalleiros. 

Quando  começou  a  despontar  o  dia,  nossa  vanguarda 
avistou  o  inimigo.  Persuadido  o  general  Barbacena  de  que  o 
grosso  do  exercito  oriental-argentino  se  havia  com  effeito 
passado  para  a  margem  esquerda  do  Santa  Maria,  deu  ordem 
de  atacar  o  que  se  lhe  apresentava  deaute  e  que  só  poderia  ser 
fracção  do  mesmo  exercito. 

Alvear,  porém,  havia  retrocedido  velozmente  do  Cacequy 


CAPITULO   XXVI  215 


pela  margem  direita  do  Santa  Maria  e  fora  occupar  posição 
escolhida  e  de  garantido  êxito. 

Ao  amanhecer  do  dia  20  de  Fevereiro,  recpnheceu  o 
marquez  de  Barbacena,  com  grande  e  dolorosa  surpresa,  que 
tinha  deante  de  si,  em  linha  de  batalha,  um  exercito  duas 
vezes  maior  do  que  o  seu  e  dispondo  de  quadruplicada  força 
de  cavallaria  (8.379  praças). 

Surtia  effeito  o  premeditado  plano  do  general  argentino. 

Barbacena  viu-se,  portanto,  constrangido  a  ácceitar  com- 
bate em  terreno  onde  o  inimigo  escolhera  a  melhor  posição, 
coUocando-se  na  coxilha  de  Santa  Rosa ;  ahi  travou-se  a  memo- 
rável batalha  de  Ituzaingo  ( ' ). 

Variam  as  opiniões  si  houve  intenção  da  parte  do  general 
Alvear  em  attrahir  para  o  indicado  local  o  exercito  brazileiro, 
ou  si,  forçado  pela  perseguição  que  soffria,  viu-se  obrigado 
a  fazer  ahi  campo  de  batalha. 

Interrogado  officialmente  sobre  este  assumpto  pelo  Insti- 
tuto Histórico  e  Geographico  Brazileiro,  o  duque  de  Caxias 
declarou  que  a  marcha  do  exercito  argentino,  retrocedendo 
de  S.  Gabriel  com  direcção  ao  Passo  do  Rosário,  no  rio 
Santa  Maria,  foi  um  movimento  estratégico,  que  poderia  ser 
previsto  e  o  não  foi  pelo  marquez  de  Barbacena;  não  attendeu 
este  official  ás  circumstancias  de  que  um  exercito  invasor 
e  superior  não  podia  fugir  á  perseguição  de  outro  inferior, 


(  I  )  Os  platinos  pronunciam  liussaingô. 


2l6  MEMORIAS  BRÂZILEIRAS 


nem  abandonar  os  pontos  que  occupára,  sem  ter  conseguido  o 
fim  a  que  viera;  o  campo  em  que  elle  esperou  as  tropas 
brazileiras,  que  marchavam  ás  cegas  e  sem  do  inimigo  ter 
noticias  certas,  foi  escolhidopor  Alvear,  que  n'elle  exercitou 
suas  tropas  durante  dois  ou  três  dias.  Perplexo  o  exercito 
brazileiro  com  a  presença  do  argentino,  viu-se  obrigado  a 
acceitar  a  batalha  no  terreno  a  que  fora  attrahido  proposital- 
mente.  A  surpresa  não  permittiu  reflexão.  Deu-se  deplorável 
confusão  ao  avistar-se  o  inimigo  em  logar  onde  não  era  espe- 
rado. O  terreno  occupado  pelos  argentinos  era  mais  apropriado 
ás  operações  de  sua  cavallaria  que  ás  de  iufanteria,  e  domi- 
nava o  q!ie  era  occupado  por  nosso  exercito,  oflFerecendo,  além 
dMsso,  vantagem  á  sua  artilheria,  superior  á  nossa  em  numero 
e  qualidade.  Kntre  ambos  existia  uma  sanga  enxuta,  que  s6 
em  poucos  logares  dava  passagem  á  cavallaria ;  aquelle  dos  dois 
exércitos  que  a  transpuzesse  para  ir  atacar  o  inimigo,  oflFe- 
receria  o  perigo  de  desfilar  á  vista  de  seu  contrario,  sob  risco 
de  ser  dizimado.  Barbacena,  porém,  não  attendeu  á  superio- 
ridade de  forças  nem  á  vantagem  da  posição  dos  argentinos, 
e  ordenou  o  ataque,  em  vez  de  gxiardar  a  defensiva,  esperando 
o  inimigo  na  posição  que  fora  obrigado  a  occupar  e  compellin- 
do-o  a  deixar  aquella  em  que  se  collocára,  para  vir  combatel-o. 
De  todas  estas  imprevidencias  resultou  o  insuccesso  de  nossas 
armas  ('). 


(i )  Resposta  do  duque  de  Caxias  {,Rev.  do  Inst,  Hist.,  tom.  XX III,  pags. 
571  e  572). 


CAPITULO  XXVI  217 


O  illustrado  tenente-coronel  José  Joaquim  Machado 
de  Oliveira,  que,  no  caracter  de  secretario  do  exercito,  foi 
testemunha  ocular  da  batalha  de  Ituzaingo,  em  suas  Recor- 
dações históricas^  é  de  opinião  que  o  inimigo  viu-se  forçado 
pelos  brazileiros  a  combater  alli,  onde  a  irregularidade  do 
terreno  offerecia  obstáculos  e  desfiladeiros  impróprios  para  as 
livres  manobras  da  grande  cavallaria  argentina. 

Nosso  pequeno  exercito,  que  não  tivera  descanço  desde 
a  madnigada  do  dia  19  e  quasi  nada  se  alimentara,  viu-se 
compellido  a  acceitar  combate  com  tropas  descançadas  havia 
dois  dias  e  superiores  em  numero  e  em  qualidade  de  armas. 

No  atropelamento  com  que  tomou  posição  o  nosso  exer- 
cito, ficaram  a  grande  distancia  uma  da  outra  ai.®  divisão, 
do  brigadeiro  Sebastião  Barretto,  e  a  2.",  do  brigadeiro  Cal- 
lado,  sem  se  puderem  auxiliar  durante  a  acção. 

Defronte  da  i.®  havia-se  collocado  o  barão  do  Serro  Largo 
com  seus  voluntários,  a  brigada  ligeira  de  Bento  Gonçalves 
e  uma  peça  de  artilheria,  mantendo  nutrido  fogo  com  o 
i.^  corpo  do  exercito  argentino. 

Ouvido  o  signal  de  ataque,  a  divisão  do  general  Sebastião 
Barretto,  composta  de  2.635  homens,  avançou  contra  a 
esquerda  e  centro  do  exercito  republicano  e  n'este  movimento 
foi  acompanhada  pela  brigada  de  Bento  Gonçalves. 

Em  nosso  flanco  esquerdo  permaneceu  o  barão  do  Serro 
Largo  com  a  peça  que  no  começo  lhe  entregara  o  briga- 
deiro Callado. 

Ao  ver  o  movimento  de  nossa  i.*  divisão,  ordenou  Alvear 


2l8  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


que  a  cavallaria  do  general  Laguna  a  atacasse,  e  a  do 
general  Lavalleja  se  lançasse  contra  as  forças  de  nossa 
esquerda. 

Sebastião  Barretto  repelliu  com  denodo  as  duas  cargas 
que  lhe  foram  feitas  e  continuou  a  avançar  contra  o  inimigo, 
para  desalojal-o  da  posição  eminente. 

A  2.®  divisão  mantinlia-se  immovel,  quando  Lavalleja, 
com  a  sua  cavallaria  de  vanguarda,  forte  de  3.690  homens, 
foi  atacal-a,  tendo,  porém,  de  passar  pela  pequena  columna 
do  barão  do  Serro  Largo,  postada  em  nosso  flanco  esquerdo 
como  vanguarda  d'aquella  divisão. 

Foi  sobre  esta  columna  de  560  homens  pessimamente 
montados  que  se  precipitou  a  cavallaria  republicana.  Vendo 
o  barão  do  Serro  Largo  que  seria  louca  temeridade  resistir  a 
força  seis  vezes  superior  á  sua,  tratava  de  recuar  para 
abrigar-se  junto  á  divisão  do  brigadeiro  Callado,  quando 
subitamente  appareceu  uma  columna  de  cerca  de  700 
homens  que  o  atacou  de  flanco,  ao  passo  que  Lavalleja  vinha 
sobre  elle  de  frente.  Aggredida  por  dois  lados,  não  ponde 
sustentar-se  em  forma  a  columna  de  paizanos  rio-grandenses, 
e,  possuida  de  insuperável  terror,  pela  certeza  da  derrota, 
precipitou-se  desordenadamente,  perseguida  pelo  inimigo, 
sobre  a  2.**  divisão,  que  immediatamente  formou  quadrado. 

Debalde  quiz  o  barão  impedir  a  retirada  de  seus  cavai- 
leiros  e  gritou  que  fizessem  frente  ao  inimigo;  porém  elle 
próprio  sentiu-se  arrastado  no  tumulto  vertiginoso,  de  impe- 
riaes  e  de  republicanos,  que  em  confusão  se  lançaram  sobre 


CAPITULO  XXVI  219 


O  quadrado  da  divisão.  Esta,  não  podendo  distinguir,  pela 
semelhança  dos  vestuários,  quaes  os  inimigos,  rompeu  fogo 
sobre  a  massa  informe  de  assaltantes,  e  n'essa  occasião  cahiu 
mortalmente  ferido  o  barão  do  Serro  Largo — o  heróe  que 
tantas  vezes  conquistara  victoria  nas  campanhas  do  sul. 

Momentos  depois  expirava  o  bravo  soldado  rio-grandense, 
o  invicto  veterano,  a  quem  o  illustre  brazileira  barão  do  Rio 
Branco,  em  elevado  preito,  consagrou  estas  palavras: 
<f  A  posteridade  ha  de  destinar  a  tão  eximio  cidadão  e  a  tão 
illustre  victima  um  logar  distincto  entre  os  mais  gloriosos  e 
prestantes  filhos  da  terra  de  Santa  Cruz!» 

Antes  da  batalha,  o  barão  dó  Serro  Largo  insistira  com  o 
general  em  chefe  para  que  lhe  fossem  dados  novos  cavallos, 
visto  que  os  seus  se  achavam  cançados  pelas  continuas 
marchas.  Para  Ç3se  efFeito  expedi u-se  ordem  ao  general 
Sebastião  Barretto,  encarregado  da  distribuição  da  cavalhada 
que  devia  entrar  em  acção.  Ajusta  exigência  do  barão  foi 
desprezada  sob  a  evasiva  de  que  não  havia  cavallos  dispo- 
niveis.  A  inimizade  do  general  Barretto  permittiu  esta 
recusa. 

«O  general  barão  do  Serro  Largo,  diz  Machado  de 
Oliveira  em  suas  Recordações  históricas^  sujeitou-se  silencioso 
a  esta  acintosa  negativa,  e,  resignado,  marchou  para  seu 
posto  d^honra,  como  empuxado  pela  dura  mão  de  um 
destino,  que  si  tão  adverso  lhe  fora  na  ultima  quadra  de  sua 
vida,  outr'ora  lhe  soube  inspirar  esses  gloriosos  feitos  d'armas 


tio  MEMORIAS   BRA2ILEI11A5 


de  qtie  sua  pátria  tanto  se  ufana  e  a  historia,  commemo- 
rando-os,  os  tem  apreciado  e  applandido  (^). 

«Não  se  deve  sináo  mui  se\'eramente  extianhar  que,  em 
momento  táo  critico,  em  que  se  ia  empenhar  o  pundonor  da 
nação,  se  antepuzessem  antigas  e  mesquinhas  animosidades, 
odienta  rivalidade,  ao  bom  proveito  que  se  de\Ta  esperar  do 
emprego  d^aquella  força  commandada  por  táo  distincto  chefe, 
si  fora  para  isso  convenientemente  preparada. « 

Segundo  documento  que  temos  á  vista,  quando  se  deslocou 
a  ala  direita  da  linha  primitiva  abriu-se  um  largo  intervallo 
entre  as  duas  alas,  espaço  que  deveria  ser  defendido  pelo 
coronel  Thomé  Fernandes  Madeira,  commandante  de  uma 
bateria;  porém  as  peças  ahi  collocadas  não  se  fizeram  ou\4r. 
Extranhando  este  facto,  o  marquez  de  Barbacena  corre  ao 
ponto  indicado  a  reconhecer  o  motivo  do  silencio  da  artilheria 
e  encontra  o  coronel  Madeira  escondido  debaixo  de  um  carro 
de  mimições,  deitado  de  bruços,  como  si  quizesse  sumir-se 
pela  terra.  Indignado  deante  de  tanta  cobardia,  o  marquez 


(1)0  (i^eneral  José  de  Abreu,  barão  do  Serro  I,argo,  nasceu  na  povoação  do 
Povo  Novo,  situada  entre  as  cidades  do  Rio  Grande  e  Pelotas  ( Estado  do  Rio 
Grande  do  Sul ).  Por  duas  vezes  livrara  sua  terra  natal  da  invasão  inimiga ; 
dezcnove  foram  os  combates  era  que  provara  sua  heróica  valentia.  Achava-se 
o  general  retirado,  esquecido,  em  ura  arrabalde  de  Porto  Alegre,  quando  Pedro  I 
chegara  a  esta  capital,  a  estimular  os  brios  rio-grandenses  contra  as  pretenções 
uruguayas.  Apezar  de  sua  avançada  edade,  o  general  Abreu  apresentou-se ; 
reuniu  um  corpo  de  paizanos,  560  homens,  seus  amigos  e  seus  admiradores,  e  foi 
como  d'antes  collocar-se  intrepidamente  na  vanguarda  do  exercito.  Como  si  pre- 
víhsc  o  seu  tristÍ8.simo  fim,  dizia  aos  que  o  felicitavam  e  applaudiam  por  vel-o  de 
novo  cm  armas  que  ia  restituir  á  guerra  o  que  só  d'ella  tinha  recebido. 


Ci^PITULO  XXVI  221 


fez  levantar-se  o  coronel  e  travando-lhe  do  braço  o  conduziu 
á  bateria,  lançando-lhe  em  rosto  a  pusillanimidade  de  seu 
procedimento.  A  cada  tiro  de  canhão  o  misero  official  cahia 
por  terra,  allegando  tropeçar  em  pedras  ( ^ ). 

Esta  escandalosa  fraqueza,  de  effeito  desmoralizador  pelo 
exemplo  que  offerecia  aos  soldados,  foi  motivo  de  parai ysação 
da  ala  esquerda  commandada  pelo  brigadeiro  Callado. 

Durante  o  combate,  vendo  Lavalleja  que  a  nossa  divisão 
da  direita  ganhava  terreno  cada  vez  mais,  atacando  os  argen- 
tinos que  occupavam  as  coxilhas,  e  receando  da  sorte  de 
suas  armas,  tomou  um  alvitre  desesperado:  mandou  atear 
fogo  ao  macegal  do  campo.  Era  seu  fim  servir-se  do  elemento 
destruidor  para  estabelecer  confusão  entre  os  nossos,  disper- 
sando-os,  e  assim  confundir  os  da  direita,  sobre  os  quaes  iam 
as  chammas  precipitar-se. 

Executado  este  plano,  começou  o  campo  a  arder  em  gran- 
des labaredas,  impellidas  pelo  vento  que  rijamente  soprava 
de  leste  para  oeste,  ficando  os  argentinos  a  barlavento  do 


( I )  Foi  submettido  a  conselho  de  guerra  o  coronel  Thomé  Madeira,  tendo 
contra  si  os  testemunhos  do  marquez  de  Barbacena,  marechal  Brown,  tenente- 
coronel  Machado  de  Oliveira,  coronel  Seweloh  e  outros  officiaes  de  patente  supe- 
rior. Os  membros  do  conselho  o  absolveram,  fazendo  ouvir  testemunhas  que 
mencionaram  occasiões  em  que  o  coronel  revelara  valor  e  presença  de  espirito. 

Protestando  contra  esta  parcialissima  decisão,  Barbacena,  em  oflficio  de  15 
de  Maio  de  1827,  dirigido  ao  conde  de  Lages,  ministro  da  guerra,  disse  : 

•  V^.  Kxa.,  tomando  em  consideração  as  consequências  d'este  processo,  quer 
seja  pela  impunidade  do  crime,  quer  pelo  desprezo  de  testemunhos  dos  generaes 
contra  os  súbditos,  dará  a  providencia  que  fôr  própria  para  corrigir  tanta  immo- 
ralidade,  tanta  indisciplina  c  tanta  cobardis^.  * 


222  MEMORIAS   BRAZII^IRAS 


incêndio.  Espesso  fumo,  uma  atmosphera  pesada  e  suffocante, 
calor  insupportavel,  densa  escuridão,  tudo  isto  envolveu  os 
nossos  combatentes,  a  ponto  de  não  avistarem  o  inimigo. 

O  incêndio,  de  que  lançaram  mão  os  argentinos  como 
recurso,  foi  um  evidente  signal  de  fraqueza. 

Um  exercito  que  tem  em  seu  favor  as  vantagens  resul- 
tantes do  numero,  da  qualidade  das  armas  e  da  posição,  não 
se  soccorre  do  fogo  para  envolver  o  inimigo:  combate  a  peito 
descoberto,  consciente  de  seu  valor  e  seguro  da  victoria;  não 
colloca  a  sua  valentia  por  traz  de  labaredas. 

O  ardil  foi  suggerido  como  um  meio  efficaz  de  salvação. 
Temiam  os  republicanos  que  a  chegada  de  Bento  Manoel 
Ribeiro,  com  a  reserva  de  1.200  homens  de  cavallaria,  deci- 
disse a  sorte  da  batalha,  conseguindo  o  nosso  triumpho. 

Deram  ao  incêndio  o  papel  de  concluir  a  batalha,  sem 
riscos  de  suas  vidas. 

Quando  occorria  este  imprevisto  incidente  que  a  todos 
encheu  de  surpresa,  soube  o  general  em  chefe  que  haviam 
sido  tomadas  as  carretas  de  bagagens  e  de  munições.  Um  des- 
tacamento de  cavallaria  inimiga,  atacando  esses  trens  que  mal 
defendidos  haviam  ficado  á  retaguarda  do  exercito,  apprehen- 
deu,  sem  disparar  um  tiro,  duas  caixas,  encontrando,  em  uma 
d^ellas,  duas  velhas  bandeiras  brazileiras,  que  foram  depois 
figurar  jactanciosamente  na  cathedral  de  Buenos-Ayres  como 
esplendidos  trophéos  conquistados  em  combate!  Com  ellas 
festejavam  os  argentinos  o  anniversario  da  batalha  de  Itu- 
zaingo,  como  si  a  tivessem  ganho  realmente  ! 


CAPITULO  XXVI  223 


Vendo  que  a  falta  de  munições  tornava  .  impossível  a 
continuação  da  batalha;  que  o  incêndio  ameaçava  contornar 
o  exercito;  que  a  brigada  ligeira  de  Bento  Manoel  Ribeiro 
não  vinha  em  auxilio  de  seus  companheiros  (O,  o  general 
marquez  de  Barbaceua,  obrigado  |por  força  maior,  mandou 
tocar  a  retirada,  a  qual  se  effectuou  em  ordem,  sem  que  os 
argentinos  perseguissem  as  nossas  forças.  A  batalha  durara 
II  horas. 


( I )  Bento  Manoel,  que  dispunha  de  excellente  cavallaría,  fora  incumbido 
de  observar  e  hostilizar  os  flancos  do  inimigo,  mas  com  ordem  de  manter-se  a 
uma  légua  de  distancia,  para,  aos  primeiros  tiros,  reunir-se  ao  exercito. 

Ouviu,  com  effeito,  os  tiros,  das  6  para  as  7  horas  da  manhã  de  20  de 
Fevereiro.  Vários  officiaes  instaram  com  elle  para  que  marchasse  para  o  logar  do 
combate  ;  Bento  Manoel  mandou  montar  e  seguiu,  náo  cm  direcção  ao  Passo  do 
Rosário,  mas  para  ponto  opposto :  foi  acampar  tranquillamente  na  estancia  do 
Pau  Fincado,  pertencente  ao  coronel  Manoel  Carneiro,  a  10  leg^uas  de  distancia 
de  Ituzaingo  I  Como  explicar  tào  impatriotico  procedimento?  Parece  que.  escar- 
mentado com  a  derrota  soffrida  em  Sarandy,  nào  quizera  expor  a  sua  reputação 
a  novo  e  inevitável  desastre. 

O  coronel  allemào  A.  A.  F.  de  Seweloh,  em  suas  Reminiscências  da  cam- 
panha de  1S2/,  escreveu  sobre  Bento  Manoel  curiosas  observações  : 

«  Bento  Manoel  devia  assumir  gloriosamente  o  papel  de  uma  reserva  activa, 
si  nós  chegássemos  a  alcançar  o  inimigo  e  o  fizéssemos  parar. 

•Que  occasiáo  esplendida  para  conquistar  uma  reputação  immorredoura, 
para  colher  louros  eternos,  para  tirar  uma  desforra  da  ignominia  de  Sarandy, 
para  gravar  o  nome  de  heróe  nos  fastos  da  gloria  brazileira !  Bento  Manoel  tem 
de  dar  estricta  conta  de  seu  inexplicável  comportamento.  Era  gordo  de  mais, 
amigo  dos  commodos.  muito  inclinado  ao  do/ce  /ar  nienie,  querendo  todos 
os  deleites  em  torno  de  si  e  no  acampamento ;  nenhum  cavallo  podia  supportar 
tão  pesada  massa  :  uma  grande  alma  não  podia  habitar  em  tamanho  corpo.  • 

A  esta  ultima  asserção  oppomos  um  pensamento  do  latinista,  grammatico 
c  poeta  satyrico  rio-grandense,  Bibiano  Francisco  de  Almeida  : 

Annibal,  carthaginez, 
De  grande  e  robusto  porte. 
Foi  lambem  de  uma  alma  forte 
\\  grandes  façanhas  fez. 


224  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


<r  A  retirada,  diz  o  insuspeito  coronel  allemão  Seweloh, 
foi  executada  á  custa  de  muitos  esforços,  na  melhor  ordem 
e  com  uma  tal  serenidade  e  sangue  frio  dos  soldados,  como 
eu  nunca  esperara  no  Brazil;  e  si  Buenos-A>Tes  era  muito 
superior  em  patriotismo,  táctica,  organização,  equipamento 
e  meios  de  ataque,  nós  não  nos  mostrámos  inferiores  na 
brilhante  disposição  de  nossa  retirada,  para  a  qual  muito 
concorreu  a  tranquillidade  e  coragem  inexcedivel  do  general 
em  chefe. » 

Estudada  hoje,  á  luz  serena  dos  factos  documentados,  a 
batalha  de  Ituzaingo  apresenta  o  caracter  de  uma  acção 
indecisa;  não  houve  derrota  de  nosso  exercito,  mas  uma  inter- 
rupção de  combate,  uma  retirada  honrosa,  determinada  por 
imperiosas  circumstancias  occasionaes. 

O  próprio  commandante  em  chefe  do  exercito  republi- 
cano, Carlos  de  Alvear,  submettido  a  conselho  de  guerra 
pelo  governo  de  seu  paiz,  pretendeu  justificar-se,  em  sua 
Exposicion^  de  não  ter  podido  conseguir  victoria,  allegando 
que  só  dispunha  de  6.200.  homens,  ao  passo  que  as  forças 
brazileiras  subiam  a  10.000! 

Os  algarismos  apresentados  por  Alvear  desapparecem 
deante  de  provas  que  foram  exhibidas  por  meio  de  mappas 
authenticos  da  qualidade  e  numero  das  forças  em  acção.  De 
taes  documentos  colhemos  os  seguintes  dados  estatisticos,  por 
meio  dos  quaes  vamos  demonstrar  detalhadamente  a  impor- 
tância dos  dois  exércitos: 


CAPITULO  XXVI 


225 


Estatística  da  batalha  de  itaiaiago  travada  a  ZO  de  Tcvcreiro 
de  1827 

EXERCITO  ARGENTINO 

Armas,  Corpos  b  Commandí>s.  Praças 

Olvallaria:  1.°  Corpo — Coronel  Frederico  Brandsen 460 

■  2.°       •  »        José  Maria  Paz  ( morreu  02.°  com- 

tnandante  Bizary) 444 

»  3.°       »  •>        Angelo  Pacheco 466 

»  4.°       »•  •»       Juan  Lavalle 509 

»  8.°       »  »       Juan  Zufríategui 52a 

■  9.°       »  •       Manoel  Oribe 560 

•  16        »  »       José  Olavarria 475 

»  Couraceiros  —  Coronel  Anacleto  Mediua 495 

»  Colorados  — Coronel  José  Mana  Villela 500 

»  Alleniáes — Barão  Hein 260 

«  Vangruarda — General  Juan  António  I«avalleja  ....  3.690    8.379 

Artilheria  :  i.°  Corpo  —  Coronel  Zuarte  com  24  peças 600 

Infanteria:  i.°  Batalhão  — Manoel  Corrêa 400 

»  2.*^  ••  Vicente  Alegre 470 

»  3.°  »  P^ugenio  Garzon 300 

»  5.°  »  António  Dias  ou  Olazabal 408     1.578 

Total  do  exercito  argentino 10.557 


EXERCITO  BRAZILEIRO 


Forças  em  combate 


Corpos  e  Commandos 
i.a  DivisAo:  Brigadeiro  Sebastião  BirrettoP.  Pinto 
2.a  »  »        JoáoChrysostomoCallado 

Artilheria  :  Coronel  Thonié  Fernandes  Madeira, 

com  10  peças 

1 .0  Brigada  ligeira  .  Coronel  Bento  Manoel  Ribeiro 
2.n         »  n  »        Bento  (ionçalves.  .    . 


Cavai.    lufant.       Artil.    Total 


1.496 
645 


590 


897 


Soninias  parciaos 2.731       2.036 


240 


240 


2.6,V) 
1542 

240 

590 
5.007 


226  3fEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Fonças  fora  de  coatbste 

CoRPOft  B  CoMMANOos  Cavai.    Iníknt.  Artil.  Total 

i.a  Divisão:  Brigadeiro  Sebastião  BarrettoP.  Pinto  197  95—292 

2.a          ».                 •        Joáo  Chrysostomo  Callado  170  58  —  228 
Aitilhería :  Coronel  Thomé  Fernandes  3Cadeira. 

com  10  peças —  —  —  — 

i.aBrigadaligeira:  Coronel  Bento  >Canoel Ribeiro  1.200  —  —  1.200 

2.a         •            »             •        Bento  Gonçalves .   .    .  —  —  —  — 

Sommas  parciaes 1.567  153  —  1.720 


Forças  em  combate 5.007 

»        fora  de  combate 1.720 

Total  do  exercito  brasileiro 6.727 


N<iTA  —  Não  foi  comprehendida  n*esta  estatística  a  colnmna  de  560  paizanos 
de  cavallaría,  commandada  pelo  general  José  de  Abren,  barão  do  Serro  Laxgo, 
que  fazia  a  vanguarda,  porque  debandou  no  começo  da  acção. 

Por  estes  dados  estatísticos  vê-se  que  a  força  numérica  do 
exercito  argentino  era  de  10.557  praças  contra  5-007,  de  que 
se  compunha  o  exercito  brazileiro. 

Confrontando-se  dois  mappas  do  inimigo:  um  organizado 
no  dia  da  batalha  e  o  outro  a  22  de  Abril  seguinte,  verificou-se 
1.7 10  homens  de  diÉFerença  para  menos — o  que  demonstra, 
na  opinião  do  duque  de  Caxias,  que  a  perda  dos  republicanos 
subiu  a  mais  de  i.ooo  soldados  (M;  outros,  porém,  redu- 
zem-n'a  a  250  homens. 

Os  brazileiros  tiveram  242  mortos,  segundo  consta  de 
documentos  officiaes. 


(  I  )  Vide  a  resposta  do  marquez  (  depois  duque  )  de  Caxias  ás  perguntas  do 
Instituto  Histórico  sobre  a  batalha  de  Ituzaingo. 


CAPITULO  XXVI  227 


Quasi  todos  os  historiadores  têem  commettido  a  injustiça 
de  acoimar  de  inepto  o  niarquçz  de  Barbacena  e  de  recrimi- 
nal-o  pelo  facto  de  não  vencer  a  batalha,  como  si  fosse 
possível  a  qualquer  general  obter  victoria  com  um  exercito 
pequeno,  mal  armado,  pessimamente  mantido,  indisciplinado, 
tendo  já  soffrido  os  desastres  do  Rincão  das  Gallinhas  e  do 
Sarandy,  contra  um  exercito  superior  em  numero,  em  orga- 
nização, em  disciplina,  e,  além  de  tudo,  exaltado  pelo  grande 
sentimento  do  amor  da  pátria,  que  produz  em  todos  os  ânimos 
uma  espécie  de  fervoroso  fanatismo.  Taes  escriptores  seguem 
erroneamente  a  tradição,  impressionados,  pelas  accusações 
tremendas  que  n'aquella  epocha  de  effervescencia  politica 
foram  levantadas  contra  o  tnarquez,  accusações  que  tinham 
por  objectivo  magoar  profundamente  a  D.  Pedro  I,  amigo 
intimo  do  illustre  titular. 

Contra  Rarbacena  ergueu-se  no  parlamento  a  voz  poderosa 
do  deputado  mineiro  Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos,  o 
mais  possante  antagonista  do  poder  pessoal  do  monarcha  ('). 
De  todos  os  revezes  da  batalha  apontou  como  responsável  o 
general,  sem  lhe  levar  em  conta  o  deplorável  estado  das  tropas 
confiadas  á  sua  direcção.  Desprestigiando-o,  Bernardo  de 
Vasconcellos  attrahia  sobre  o  imperador  a  odiosidade  popular 
— empenho  para  o  qual  todas  as  armas  lhe  pareciam  boas. 


(1)0  ífrandc  estadista  Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos,  o  mestre  do 
parlamentarisnu)  brazileiro,  o  orf^^anizador  de  nosso  Codiffo  criminal  no  primeiro 
reinado,  nasi^cu  cm  Villa  Rica,  hoje  Ouro  Preto  (  Minas  Oeraes  ),  a  27  dé  Agosto 
de  1795  e  fallcccu  no  Rio  de  Janeiro  a  1."  de  Maio  de  1S50. 


228  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Como  confirmação  valiosa  doestes  assertos,  fazemos  nossas 
as  pala\Tas  que  sobre  o  assumpto  escreveu  o  emérito  publi- 
cista bahiano  Eunapio  Deiró : 

«Bernardo  de  Vasconcellos  analysou  todos  os  erros  da 
campanha ;  encareceu  todos  os  sacrifícios  do  sangue  do  povo. 
Não  poupou  em  seu  rigor  o  general  que,  \nctima  da  ineptidão 
do  governo,  se  comportara  dignamente  no  campo  de  batalha. 
Nos  seus  intuitos  convinha  expor  a  direcção  da  guerra  aos 
ódios  populares  para  ferir,  desprestigiar  e  abater  o  imperador, 
que  teimava  em  ser  senhor  absoluto.  As  accusações  que  o 
deputado  mineiro  accumulou  contra  o  general  marquez  de 
Barbacena,  da  intima  confiança  do  imperador,  foram  tão 
graves  e  calaram  tanto  no  animo  nacional,  que,  transmittidas 
ás  gerações  successivas,  ainda  são  repetidas.  O  marquez  de 
Barbacena  passou  aos  olhos  de  seus  contemporâneos  como  o 
responsável  de  erros  que  não  commetteu  e  ainda  é  \nctima 
dos  supersticiosos  da  tradição  ( ' ). » 

Mas  a  posteridade  não  pôde,  não  deve  constituir-se  echo 
inconsciente  de  paixões  p^irtidarias,  porém  formar  friamente 
o  seu  critério  pelo  estudo  dos  documentos  que  instruem  os 
factos.  Releva  dizer  que  mesmo  n'aquelle  tempo  outros 
parlamentares  preponderantes,  como  Hollanda  Cavalcanti  e 


(  I  )  ErNAPio  Deiró:  Estudos  de  hisloria  politica  —  O  senador  Bernardo 
Pereira  de  raseoneeitos.  Rez'isía  da  1'nião  Académica  (  Rio  de  Janeiro,  1897), 
fase.  I,  pags.  iTt  e  14. 


CAPITULO  XXVI  229 


Nicolau  Pereira  de  Campos  Vergueiro  ('),  imputaram  os 
desacertos  da  campanha  á  incapacidade  do  ministro  da  guerra, 
de  quem  amargamente  se  queixava  o  marquez  em  sua  corres- 
pondência official. 

Obedecendo  ao  progresso  da  sciencia  histórica,  que  deter- 
mina inquirições  novas  e  impafciaes  para  a  instauração  de 
novos  processos  de  analyse  e  de  julgamento,  ciunprimos  o 
dever  de  rehabilitar  a  memoria  do  marquez  de  Barbacena, 
collocando-o  no  logar  de  honra  condigno  de  sua  dedicação 
e  de  seu  patriotismo.  A  retirada  por  elle  effectuada  de 
Ituzaingo  ao  Passo  de  S.  I^urenço,  isento  de  perseguição  do 
inimigo,  foi  um  bello  feito  de  armas,  pois  equivaleu  a  uma 
victoria:  tal  o  juizo  dos  profissionaes. 

Accusado  ainda  por  seus  companheiros  de  armas,  briga- 
deiro Cunha  Mattos  e  marechal  Gustavo  Brown,  que,  opinando 
contra  a  retirada,  admittiram  a  possibilidade  de  nossa  victoria, 
foi  o  marquez  de  Barbacena  dispensado  do  cargo  de  general 


( I  )  -  António  Francisco  de  Paula  Hollanda  Cavalcanti  asseverou  que  o 
culpado  de  todas  as  derrotas  que  o  exercito  brazileiro  soffria  era  o  ministro 
da  guerra,  Joào  Vieira  de  Carvalho  ( barão  de  Lages ),  pela  incapacidade  reco- 
nhecida e  constante  de  qu*!  dava  abonos  claros  no  exercício  da  repartição 
que  lhe  estava  confiada.  Vergueiro,  alargando  o  circulo  estabelecido  pelos  orado- 
res que  o  tinham  precedido  na  tribuna,  combateu  o  systema  politico  e  adminis- 
trativo inaugurado  e  seguido  pelo  governo  desde  1823 :  quacsquer  que  tivessem 
sido  as  mudanças  de  ministros,  perseverava  sempre  a  mesma  direcção  — o  que 
provava  a  existência  do  governo  pessoal  e  não  de  regimen  representativo ;  de 
secretários  de  estado  e  não  de  ministros  responsáveis ;  não  havia  liberdade 
consignada  na  constituição  que  não  houvesse  sido  violada ;  não  se  apontava 
direito  de  que  o  governo  não  tivesse  zombado.  • 

J.  M.  Pkrkira  I).\  Sii.va  :  Sff^undo  período  do  reinado  de  Dom  Pedro  I  no 
Brazil  —  Narrai iva  hisiorica  (  Rio  de  Janeiro,  1871  ),  pags.  210  e  211. 


230  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


em  chefe  do  exercito  em  operações  no  sul.  Reassumiu  taes 
funcções  o  general  Carlos  Frederico  Lecór,  visconde  da 
Lagima.  Porém  o  marquez  não  decaliiu  do  grande  conceito  em 
que  o  tinha  o  imperador :  este  chamou-o  a  si  para  confiar-lhe 
missões  da  alta  relevância  ( ^ ). 


(1)0  marquez  de  Barbacena  foi  incumbido  de  desempenhar  duas  impor- 
tantes commissões  na  Europa :  acompanhar  ás  cortes  de  Vienna  e  de  Inglaterra  a 
prínceza  D.  Maria  da  Gloria,  advogando  para  ella  a  causa  do  throno  portuguez 
usurpado  por  seu  tio  D.  Miguel,  e  conseguir  nova  esposa  para  o  imperador. 

Para  o  segundo  empenho,  dirigiu-se  D.  Pedro  a  seu  sogro,  o  imperador 
d'Austria,  solicitando-lhe  a  mílo  de  uma  cunhada.  É  natural  que  este  monarcha, 
sabendo  quanto  soffrêra  sua  filha,  a  prínceza  Leopoldina,  recebesse  ^om  extra- 
nheza  semelhante  pedido.  A  recusa  foi  delicada,  mas  formal. 

Pretendeu  D.  Pedro  casar  com  uma  prínceza  da  Baviera,  porém  alguns 
jomaes  allemãeso  denunciaram  como  mau  esposo,  e  nada  se  conseguiu. 

Escolhida  uma  princeza  da  Sardenha,  nova  recusa  correspondeu  aos  empe- 
nhos de  Francisco  I,  interessado  em  contentar  a  seu  genro.  I>mbraram-se  de  três 
príncezas  da  casa  de  Wurtenberg,  iodas  lindas  e  mui  bem  educadas,  Paulina, 
Isabel  e  Antoinette  :  nenhuma  acccitou  o  pedido. 

Depois  da  recusa  de  oito  príncezas,  foi  o  marquez  de  Barbacena  visitar  o 
duque  de  Orleans  e  sondou-lhe  a  opinião  sobre  o  casamento  com  uma  princeza 
de  sua  casa.  O  duque  apresentou-lhe  esta  objecção :  — E  a  marqueza  de  Santos? 
—  Oh  !  meu  príncipe,  atalhou  o  marquez,  com  rapidez  e  destreza,  c'esl  une  affaire 
finte!  E  accrqscentou  logo,  para  se  não  comprometter  em  tão  melindroso 
negocio :  A  questão  é  que  não  tenho  auctorização  alguma  a  este  respeito,  pois  o 
casamento  foi  confiado  ao  imperador  d' Áustria  e  não  a  mim  —  e  passou  ligeira- 
mente a  conversação  para  outro  assumpto. 

Em  carta  dirigida  ao  marquez  a  27  de  Junho  de  1828  dizia-lhe  D.  Pedro : 
■  O  meu  desejo  e  grande  fim  é  obter  uma  princeza  que  por  seu  nascimento, 
formosura,  virtudes  e  instrucção,  venha  a  fazsr  a  minha  felicidade  e  a  do  imperío. 
Quando  não  seja  possivel  reunir  as  quatro  condições,  podereis  admittir  alguma 
diminuição  na  prímeira  e  quarta,  comtanto  que  a  segunda  e  terceira  sejam 
constantes.  Todos  os  meios  que  a  vossa  sagacidade  e  zelo  empregar  para  conse- 
guir este  fim,  serão  por  mim  approvados,  e  por  isso  vos  incluo  três  assignaturas 
em  branco  e  ponho  á  vossa  disposição  a  minha  legitima.  Estou  certo  que  desempe- 
nhareis as  funcções  de  fiel  creado,  tanto  acompanhando  minha  filha  e  rainha  de 
Portugal  para  Vienna,  como  minha  augusta  noiva  para  o  Brazil.  » 

Atravez  de  mil  difficuldades  e  intrigas  politicas  de  Mctlemich,  celebre 
ministro  de  Francisco  I,  conseguiu  o  marquez  de  Barbacena  celebrar  contracto 


CAPITULO  XXVI  _  231 


Descontente  o  governo  argentino  pelo  facto  d^  não  ter 
o  general  Carlos  de  Alvear  conquistado  a  victoria  que  se 
esperava  da  superioridade  de  suas  forças,  que  nem  foram 
empregadas  em  perseguir  os  brazileiros,  quando  estes,  suspen- 
dendo o  fogo,  se  recolheram   para  o  Rio  Grande  do  Sul, 


matrímonial,  a  30  de  Maio  de  1829,  entre  D.  Pedro  e  a  prínceza  Amélia  Augusta 
Eugenia,  filha  da  duqueza  de  Leuchtenberg  e  sobrinha  da  imperatriz  d'Atts- 
tria.  ( *  )  Este  satisfactorio  resultado  foi  obtido  por  interferência  do  visconde 
da  Pedra  Branca.  Para  obstar  se  o  casamento  propalou -se,  ora  que  a  marqueza  de 
Santos  iria  á  Europa,  ora  que  Pedro  I  havia  tratado  casamento  com  ella. 

Na  opinião  dos  ministros  austríacos,  o  imperador  do  Brazil  fora  assassino  de 
sua  esposa. 

Logo  que  teve  noticia  de  que  se  tratava  de  segundas  núpcias,  a  marqueza  de 
Santos  pretendeu  impedir  que  o  casamento  se  effectuasse  e  exigiu  a  destituição 
do  marquez  de  Barbacena :  este  foi  substituido  pelo  marquez  de  S.  João  da 
Palma.  Era  obediência  á  amante,  escreveu  D..  Pedro  a  Barbacena  desistindo  do 
casamento  ;  porém  chegou  tarde  esta  deliberação,  pois  que  o  contracto  já  havia 
sido  effectuado.  Mallogrou-se  a  victoria  de  Domitilia.  Findou  o  escandaloso 
romance.  Após  fortíssima  altercação  com  D.  Pedro,  retirou-se  ella  do  paço. 

A  20  de  Julho  de  1829  mandou  D.  Pedro  o  ministro  do  império  á  residência 
da  marqueza  declarar-lhe  que,  estando  justo  o  seu  casamento,  era  necessarío  ao 
decoro  imperial  que  ella  sahisse  do  Brazil ;  que  se  lhe  daría  Tfxtxxxl^ooo  por  seus 
prédios.  A  marqueza  respondeu  que  por  coisa  alguma  abandonaria  o  paiz ;  que 
nào  se  julgava  críminosa  para  ser  desterrada.  Como  apezar  de  todos  os  empe- 
nhos, persistisse  em  ficar,  o  imperador  expediu  ordem  para  que  lhe  fossem  reti- 
rados os  creados  e  escravos  que  a  serviam  e  que  ella  só  recebesse  a  pensão  de 
iioooSooo  mensal,  garantida  por  decreto.  Assim  findaram  definitivamente  as 
relações  que  durante  7  annos  manteve  D.  Pedro  com  a  celebre  Domitilia  ou 
Domitilia  ou  Demithildcs,  marqueza  de  Santos. 

A  2  de  Agosto  de  1829  celebrou-sc  oíficialmente  em  Munich  o  casamento  do 
imperador  com  a  princcza  D.  Amélia  de  I^uchtenberg. 

A  27  de  Agosto  reunirara-se  a  bordo  da  fragata  brazileira  Ipnperairiz,  surta  no 
porto  de  Portsmouth,  a  imperatriz  D.  Amélia,  seu  irmào  o  príncipe  Augusto,  a 
rainha  de  Portugal  D.  María  da  (»loria,  D.  I«eonor  da  Camará,  preceptora  da 
rainha,  e  os  marquezes  de  Barbacena  e  de  S.  Jofto  da  Palma. 

(  •  )  I).  Amélia  nasceu  em  Munich  a  31  de  Julho  de  1812.  Casou,  portanto, 
aos  17  annos.  Kallcceu  em  Lisboa,  no  Palácio  das  Janellas  Verdes,  a  26  de 
Janeiro  de  1S73. 


232  MEMORIAS  BRÂZILEIRAS 

demittiu  o  referido  official  de  seu  elevado  cargo  e  o  substituiu 
pelo  general  Dorrego. 

Por  intervenção  da  Inglaterra  firmou-se  no  Rio  de  Janeiro, 
a  27  de  Agosto  de  1828,  o  tratado  de  paz,  figurando  por 
parte  da  Republica  Argentina  os  generaes  Balcarce  e  Guido. 


A  16  de  Outubro  de  1829  cheg^avam  ao  Rio  de  Janeiro  as  duas  soberanas. 

Effectuou-se  no  dia  seg^uinte  o  casamento  religioso. 

Para  solemnizar  este  acontecimento,  II  Pedro  creou  a  ordem  da  Rosa, 
inspirado  na  côr  do  vestido  com  que  desembarcara  a  imperatriz. 

Plenamente  sati.sfeito  com  as  commissões  desempenhadas  pelomarquez  de 
Barbacena,  o  imperador  agraciou-o  com  agran-cruz  da  ordem  da  Rosa;  concedeu 
o  titulo  de  visconde  de  Uarbacena,  com  grandeza,  a  seu  filho  primogénito, 
Felisberto  Caldeira  Brant  e  nomeou  camarista  a  seu  filho  segundo,  Pedro  Caldeira 
Brant. 

»0  marquez  de  Barbacena,  diz  o  seu  biographo,  foi  ó  primeiro  súbdito  a 
quem  o  imperador  deu  o  habito  da  ordtrm  de  Pedro  I,  concorrendo  a  circum- 
stancia  de,  indo  um  dia  o  marquez  ao  paço  receber  as  ordens  de  D.  Pedro,  ter  a 
imperatriz  segurado  na  fita  do  habito,  cniquanto  o  imperador  com  um  alfinete 
prendia-a  na  casaca  do  marquez  (*).>• 

Como  publico  testemunho  da  maisalti  consideração,  dirigiu-lhe  o  monarcha 
a  seguinte  carta-alvará : 

•  Honrado  marquez  de  Barbacena,  amigo.  Eu,  o  imperador  constitucional  e 
defensor  perpetuo  do  Brazil,  vos  envio  muito  saudar,  como  aquelle  que  muito 
amo. 

"  Havendo-vos  encarregado  não  s6  de  acompanhar  á  Europa  minha  muito 
amada  e  prezada  filha,  a  rainha  de  Portugal  e  Algarves,  D.  Maria  II,  que  hoje  por 
ordem  minha  c  zelo  vosso  se  acha  n'esta  muito  heróica  e  leal  cidade  do  Rio  de 
Janeiro  ;  mas  também  de  tratar  do  meu  casamento,  já  felizmente  eflfectuado : 
E  tendo  muito  a  meu  contento  e  com  o  vosso  costumado  desinteresse  desempe- 
nhado commissões  tão  delicadas  :  Hei  por  bem  hourar-vos  por  estes  singulares 
serviços,  e  para  que  todos  os  meus  sulxlitos  conheçam  o  apreço  que  faço  de  vossa 
pessoa,  vos  mando  esta. 

"  Nosso  Senhor  vos  tenha  em  sua  santa  guarda. 

"  E-icripta  no  Palácio  do  Rio  de  Janeiro  em  2  de  Dezembro  de  1829,  8.f>  da 
independência  e  do  império.  Impkr.\ih)R. — Jos<^  Clemcníc  Pereira. — Snr.  mar- 
quez de  liarbacena.  » 

(  ■• )  \  ordem  de  Pedro  I,  creada  a  16  de  Abril  de  1826,  distinguiu,  além  de 
alguns  membros  da  faniilia  imperial,  somente  a  dois  brazileiros :  o  marquez  de 
Barbacena  e  o  du<iue  de  Caxias,  quando  voltou  d.i  guorra  do  Paraguay. 


CAPITULO   XXVI  233 


N'esse  documento  o  Bmzil  reconhecia  a  independência  da 
Provincia  Cisplatina,  que  passou  a  chaniar-se  Estado  Oriental 
do  Uruguay, 

Em  virtude  do  tratado,  a  24  de  Abril  de  1829  o  general 
Francisco  José  de  Souza  Soares  de  Andréa  retirou  as  forças 
brazilèiras  que  occupavam  a  cidade  de  Montevideo. 

No  decorrer  dos  annos  de  1827  ^  ^828  grande  numero  de 
tratados  commerciaes  foram  estabelecidos  com  as  principaes 
potencias  européas  e  com  os  Estados  Unidos  da  America  do 
Norte;  inaugurou-se  a  Faculdade  de  Direito  de  S.  Paulo  a 
i.°  de  Março  de  1828  e  a  de  Olinda  a  15  de  Maio  do  mesmo 
anuo;  por  lei  de  15  de  Outubro  de  1827,  fbram  estabelecidas 
muitas  escolas  de  primeiras  lettras  em  todas  as  cidades,  villas 
e  povoações,  e  doeste  modo  satisfeitas  as  reclamações  do 
commercio  c  da  instrucção  popular. 

Desejoso  de  combater  a  impopularidade  em  que  o  seu 
governo  demasiadamente  pessoal  cahia  cada  vez  mais, 
D.  Pedro,  attendendo  ás  reclamações  feitas  contra  os  vexames 
do  recrutamento,  mandou  engajar  na  Europa  colonos,  sob 
promessa  de  empregal-os  no  serviço  da  agricultura,  mas 
destinados  a  reforçar  os  corpos  de  soldados  allemães  existen- 
tes no  paiz. 

Doesta  commissão  foi  incumbido  o  coronel  inglez  Cotter, 
por  cuja  influencia  vieram  para  o  Brazil  cerca  de  3.000 
homens,  irlandezes  c  allemães,  attrahidos  \k>x  um  contracto 


234  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

que  lhes  oíferecia  as  vantagens  seguintes:  passagens,  salários 
de  um  shilling  diário  ( vigésima  parte  de  uma  libra  esterlina) ; 
alimentação;  vestuário  por  determinado  tempo;  concessão 
gratuita  de  quarenta  geiras  de  terras  férteis  a  quantos 
servissem  no  exercito  por  espaço  de  5  annos  e  faculdade  de 
regressar  á  pátria,  caso  não  quizessem  permanecer  no  Brazil. 
Pelo  contracto  eram  obrigados  a  apprender  exercicios  mili- 
tares durante  4  horas  por  dia.  Acceitas  estas  bases,  chegaram 
ao  Rio  de  Janeiro  os  colonos,  e  como  o  governo  lhes  não 
tivesse  mandado  preparar  alojamentos,  foram  recolhidos  aos 
quartéis  de  S.  Christovão,  da  rua  dos  Barbonos  e  .da  Praia 
Vermelha. 

Pungente  desengano  os  esperava. 

Snppunham  vir  encontrar  collocação  immediata  em 
terras  devolutas  e  instrumentos  de  trabalho  que  lhes  garan- 
tissem bem  estar  e  relativo  conforto;  infelizmente,  a  impre- 
vidência do  governo  os  deixou  em  cruel  abandono.  Quando 
sabiam  a  percorrer  as  ruas,  fugindo  ao  ar  insalubre  dos  aloja- 
mentos, e  expunham  em  espectáculo  a  sua  desoladora 
miséria,  desfigurados,  andrajosos,  semi-nús,  descalços  em  sua 
maior  parte,  a  garotagem  os  perseguia  com  apupos,  levando 
ás  vezes  a  sua  selvajaria  a  ponto  de  os  aggredir  a  pedradas. 

Protestaram  os  infelizes  contra  a  barbaridade  de  tal 
acolhimento,  e,  queixando-se  de  que  haviam  sido  illudidos, 
pediram  ao  governo  os  fizesse  regressar  a  seus  paizes. 

Como  solução  a  tão  justificado  descontentamento,  viram-se 
obrigados  a  assentar  praça,  formando  assim  três  batalhões. 


CAPITULO   XXVI  235 


No  quartel  do  campo  da  Acclaniação,  hoje  Campo  de 
SanfAuna,  estacionou  um  corpo  de  irlandezes  e  em  S.  Chris- 
tovão  e  Praia  Vermelha  dois  corpos  de  allemães,  com  as 
denominações:  aquelle,  3.^  de  granadeiros,  e  estes,  2.°  de 
granadeiros  e  28.°  de  caçadores. 

Os  allemáes  que  guarneciam  S.  Christovão  (2.°  de  grana- 
deiros) levantaram-se,  pelo  facto  de  ser  castigado  um  soldado 
pertencente  ao  referido  corpo:  insubordinaram-se  também  os 
outros  dois  corpos,  a  ponto  de  na  Praia  Vermelha  assassinarem 
o  major  Benedicto  Theola,  accusado  de  lhes  roubar  o  soldo. 

Deu-se  o  primeiro  conflicto  do  seguinte  modo:  A  um  sol- 
dado allemão,  que  deixara  de  fazer  a  continência  devida  a 
um  official,  fora  applicado  certo  numero  de  chibatadas,  e  no 
dia  seguinte,  recusando  elle  despir-se  para  continuar  o  castigo, 
ia-se-lhe  duplicar  a  flagellação,  quando  sobre  o  facto  inter- 
vieram seus  camaradas,  indignados  pela  severidade  brutal: 
conseguiram  pela  força  arrancar  a  victima  a  seus  verdugos, 
declarando  que  a  continência  não  era  obrigada  depois  das 
Ave-Marias.  Alguns  irlandezes  reuniram-se  aos  allemães  de 
S.  Christovão  e  dois  batalhões  allemães  chegados,  havia  pouco, 
de  Pernambuco,  juntaram-se  aos  irlandezes  do  Campo  de 
SantWnna.  Por  ordem  do  ministro  da  guerra,  commandou  as 
forças  brazileiras  o  conde  do  Rio  Pardo.  Durante  os  dias  10 
e  II  de  Junho  de  1828  esteve  o  Rio  de  Janeiro  em  alarme. 

No  conflicto  morreram  60  extrangeiros,  ficando  feridos 
cerca  de  kx). 

O  soldado  allemão  Stcinhausen,  chefe  dos  que  intercederam 


236  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


ein  favor  de  seu  compatriota  deshumanamente  pnnido,  foi 
fuzilado,  recebendo  a  descarga  com  o  sangue  frio  próprio  de 
heroe  que  se  sacrifica  por  uma  causa  justa. 

Ordenou  o  governo  fossem  dissolvidos  os  três  batalhões 
e  se  retirassem  do  Rio  de  Janeiro;  1.400  irlandezes  regressa- 
ram para  a  sua  pátria ;  600  allemães  seguiram  paia  as  colónias 
do  Rio  Grande  do  Sul  e  loi  familias  irlandezas,  compostas 
de  222  pessoas,  patrocinadas  pelo  visconde  de  Camamá,  pre- 
sidente da  provincia  da  Bahia,  foram  estabelecer  um  núcleo 
colonial  no  sitio  do  Rio  do  Engenho,  comarca  de  Ilhéos. 

Para  restabelecer  a  ordem,  o  imperador  demittiu  do  cargo 
o  ministro  da  guerra  Francisco  Cordeiro  da  Silva  Torres  e  o 
substituiu  por  Joaquim  de  Oliveira  Alvares,  mais  tarde  vis- 
conde de  Jerumirim.  Solidários  com  seu  collega,  pediram 
demissão  o  ministro  do  império  Pedro  de  Araújo  Lima,  depois 
marquez  de  Olinda ;  o  da  justiça  Lúcio  Soares  Teixeira  de 
Gouvêa  e  o  da  fazenda  Miguel  Calmou  du  Pin  e  Almeida, 
depois  marquez  de  Abrantes. 


CAPITULO  XXVII 


A  IMPRENSA  BRAZILKIRA  KM   1828.  I^EVANTAMKNTO  Dlv  PRETOS 

NA  Bahia.  O  contra-almirantk  kranckz  Rovssin. 

Motim  no  Recife.  Attitudk  da  Camará  contra  as  commissões 

militares.  Ministros  accusados. 

A  FALA  DE  encerramento  DA  CaMARA  — 1828  E    1829. 


XfO  anuo  de  1827  ^"^  cleante  começou  D.  Pedro  a  sentir 
em  sen  tlirono  fortíssimos  abalos.  Como  as  trombetas  que, 
segundo  a  tradição  lendária,  derrocaram  os  muros  de  Jerichó, 
outra  tuba  mais  sonorosa  e  mais  potente  convulsionava  de  sul 
a  norte  as  velhas  instituições,  proclamando  as  garantias 
e  os  direitos  do  povo  e  reclamando  o  serio  cumprimento  das 
praticas  constitucionaes  e  representativas,  abertamente  fal- 
seadas pelo  imperador.  Surgia  a  imprensa  livre,  a  imprensa 
flagelladora,  erguida  contra  humilhações  e  opprobrios;  na 
phra.se  hugoana,  «^o  clarim  vivo  da  humanidade,  a  tocar  a 
alvorada  dos  povos,  anniniciando  em  voz  alta  o  reinado  do 
direito. » 

Km  1S2S  existiam  no  paiz  37  jornaes,  discriminados 
do   seguinte    modo,    por    províncias,    ix)r    partidos  —  /irres 


238  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


OU  opposicionistas  e  ministeriaes  ou  govemistas  —  e  neu- 
tros: 

Para —  TeUgrapho  /\i  roeu  se.  neutro. 

Maranhão — Pharol  Marapihense,  Observador  ConstitucionaL  livres; 
A  Minerva,  ministerial. 

Ckara  —  O  Cearense .  neutro. 

Pernambuco — Abelha  Pernambucana^  Constitucional,  Diário  de  Per- 
nambucOy  livres;  Cruzeiro,  --/w/^c;  </t? /Vív,  ministeriaes. 

Uahia  — O  Bahiano.  livre:  O  Pkarol,  A  Gazeta  da  Bahia,  Correio 
da  Bahia,  ministeriaes. 

Rio  dk  Jankiro — A  Malagueta,  A  Astréa,  Luz Brazileira,  A  Aurora 
Fluminense,  livres;  Diário  Fluminense.  Jornal  do  Commeriio, 
Analvsta.  Courrier  du  BrrsiL  ministeriaes;  Diário  do  Rio  (só 
ilc  annuncios)»  neutro;  em  Nictheroy — Echo  da  Praia  Grande. 
neutro. 

Minas  (íkraks — Omv  /Veto.  O  Cniztrsal,  S.Joâod^ElRei,  O  Astro, 
TejuciK  O  Echo  do  Serro,  livres;  5.  João  d^ El- Rei,  Amigo  da 
l  enfade.  Oun>  /Wto.  TeUgrapho,  ministeriaes. 

S.  Vwi.o  —  J^and  J\tulista.  livre. 

Rio  (iRANHK  po  Si'i.  —  Constitucional  Rio  Grandense.  O  Amigo  do 
Homem  e  da  Pitria,  livres. 

Antes  de  assignalar  a  decidida  influencia  que  A  Aurora 
Fluminense  e.xerceu  nos  destinos  de  nossa  pátria,  temos  prazer 
em  apresentar,  como  homenagem  de  homem  de  imprensa, 
rápida  noticia  sobre  a  mais  antiga  e  a  maior  das  gazetas  que 
presentemente  honram  o  continente  sul-americano. 

O  francez  Emilio  Seignot  Plancher,  dono  de  uma  typo- 
graphia  situada  á  rua  do  Ouvidor  n.  203,  encetou  no  anno 


CAPITULO  XXVII  239 


de  1824  a  publicação  do  Spectador  Brasileiro^  periódico 
publicado  três  vezes  por  semana  e  diariamente  quando  func- 
cionava  a  assembléa  legislativa.  Pela  abundância  de  noticias  e 
pelo  critério  de  sua  redacção,  mereceu  a  gazeta  accei tacão  do 
publico  fluminense,  o  que  animou  Emilio  Plancher  a  melhorar 
as  condições  materiaes  de  sua  empreza.  No  anuo  de  1827 
mudou  o  proprietário  o  titulo  da  folha  para  Jornal  do  Com- 
mercio, 

O  primeiro  numero  d'este  jornal  appareceu  a  i.°  de 
Outubro  de  1827:  era  de  tamanho  de  uma  folha  de  papel 
almasso,  commum,  a  duas  columnas,  fonnato  em  quatro 
paginas  de  20X30^'". 

Abaixo  do  cabeçalho  lia-se: 

« De  hoje  por  deante  continuar-se-ha  a  publicação  doeste 
Jornal  do  Commercio. 

«Esta  folha  exclusivamente  dedicada  aos  senhores  nego- 
ciantes conterá  diariamente  tudo  o  que  diz  respeito  ao  com- 
mercio, tanto  em  annuncios,  como  em  preços  correntes 
exactos  de  importação  e  exportação,  entrada  e  sabida  de 
embarcações,  etc,  etc. 

«Os  proprietários  bem  ao  facto  de  todos  os  ramos  mer- 
cantis doesta  capital  não  pouparão  nem  despezas  nem  zelo 
para  tornar  esta  empreza  digna  de  acceitação  publica,  e 
rogam  para  melhor  desempenho  dos  seus  deveres  a  protecção 
e  assistência  do  honrado  corpo  do  commercio. 

ff  As  assignaturas  se  fazem  na  rua  d' Alfandega  n.  47,  onde 
igualmente  se  recebem,  antes  do  meio  dia,  todos  os  annun- 


XEXOftlAS   gl  \7TI.Frtt  IS 


»0  prep>  da  aásfgaatiKa  c  de  640  réis  px*  mcz.  pagos 

A  21  de  Dezembro  de  1527  stirgic  di  t\-p»3grapfeLi  do 
Diário  d/>  Rio  dejant^irj  a  f->Iba  pjlitica  e  Iittenrii  intiitiLida 
-'I  Aurora  Fiumin^mir:,  fcndada  p>r  José  Apo-Iiiaario  de 
Moraes,  cstniante  do  iíetnínario  de  S.  José  e  natural  de  Porto 
Alegre,  Ar.  José  Francisco  Srgand,  Fiaiicisc3  Chrispiniano 
y^látULTo  e  Evaríàto  Ferreira  da  Veiga.  Trazia  como  epigra- 
pbe  esta  quadra  de  ama  poesia  de  D.  Pedro  I : 

Pelo  Brazxl  dar  a  \'ida 
3fanter  a  constituição. 
Sostentar  a  independência 
H  a  nossa  obrigação. 


•  I  .  ActoAlineTite  ojornnl  dtj  C:'^m^r^  /..*  apresenta  o  fonnaro  de  5^  7>^«". 
a  iK»ve  cotoninaA  pf>r  pagina,  tjpo  corpo  7.  .\  media  das  paginis  diárias  ^  de  i<x 
ttndff  já  publicado  yi  em  occasiôe*  e*peciae*. 

A  a%4Í|niatara  é  de  6rj$rjrjo  por  aano. 

Em  K/-*!  *eu  pe^v-jal  effectivo  companha-se  de  4><>  pessoa*. 

K  «en  fferente  e  redactor-chefe  o  dr.  Jopé  Carlos  Rodrigues,  qne  o  adquiriu 
pí/T  compra,  a  17  de  Outubro  de  iV>i.  com  2;  associado*,  pela  quantia  de 
5.yr>/^r^^xio,  v>b  a  firma  Rodrij^es  Ac  C- 

Pela  aucVirídade  de  suas  opiniões  e  por  seu  brilhante  des€n\T>lvimcnto — 
testemunho  diarío  e  eloquente  de  nf>ssa  civilisaçào  —  é  esta  gazeta  uma  das  mais 
imprjrtantes  da  .\meríca  latina. 

I.'m  de  seus  redactores  e  chsfe  di  reportagem.  Ernesto  Senn.a.  publicou  em 
K^íi  um  opúsculo  de  17  pigínas  í^»h  o  titulo  /<.>/// j/  Jo  Li>mnj€rci'>.  com  aponta- 
mentíis  minuci'>sr^  s/>bre  e«ta  illustre  empreza. 


CAPITULO  XXVII  241 

Em  fins  do  anno  de  1828  assumiu  Evaristo  Ferreira  da 
Veiga  {^)  a  exclusiva  redacção  da  Aurora^  imprimindo-lhe 
caracter  fortemente  politico  e  contrario  ao  governo  do  impe- 
rador. Pela  elevação  e  brilhantismo  das  idéas,  moderação  da 
linguagem  e  sisudez  dos  conceitos,  tornou-se  esta  notável 
gazeta  órgão  do  partido  liberal  vwderado  e  impulsionou  o 
espirito  publico,  orientando-o  na  apreciação  dos  factos  poli- 
ticos.  Todas  as  grandes  qualidades  que  distinguem  um  jor- 
nalista possuia-as  o  fluminense  patriota,  tomando-o  distincto 
entre  seus  collegas. 

Em  seu  artigo  Progresso  do  jornalismo  no  Brazil^  ofFere- 
cido  no  anno  de  1846  ao  Instituto  Histórico  e  Geographico 
do  Brazil,  Francisco  de  Souza  Martins  consagrou  á  folha 
liberal  este  elogio: 

« Entre  os  jornaes  que  subsequentemente  se  publicaram, 
faremos  especial  menção  da  Aurora  Fluminense^  periódico 
politico,  que  começou  a  sahir  á  luz  em  Dezembro  de  1827 
e  que  em  todo  o  tempo  de  sua  existência  de  8  annos  gosou 
de  uma  voga  extraordinária,  porque  parecia  dirigir  a  opinião 
publica  das  principaes  classes  da  população,  pela  justeza  de 
sua  crítica,  pela  polidez  de  suas  expressões^  e  jovial  ironia 


( I  )  Evaristo  Ferreira  da  Veiga,  que  exercia  a  profissáo  de  livreiro,  nasceu 
no  Rio  de  Janeiro  a  8  de  Outubro  de  1799  e  faUeceu  a  12  de  Maio  de  1837.  Foi 
eleito  deputado  por  Minas  Geraes  em  três  legislaturas,  de  1830  a  1837,  sendo 
n'esta  ultima  também  eleito  pelo  Rio  de  Janeiro.  Kra  sócio  benemérito  da  socie- 
dade Amante  da  instrução,  sócio  do  Instituto  Histórico  da  França  e  da  Arcádia 
Romana  (Vide  Blake). 

31  TOM.  II 


coca  irn»^  rrart-rx  seus  jcr^rsancft.  ±  grrniTTnai  nrenn^  peias 
n  iT'*-".>T>g  jirtp^-H^  5ir:Ês5!uias  jonr  ^r<:t*TTu;fHT  e  bem  àeoso 
p^íErâr::.  :   rie  K^irssn.  lo  parriio  íe  itce  -iin.  or^õo  a  deixo» 

Dtí  A^rfrrx  cEz  o  ín  Miim^^eL  Diiarts  MjiJEHra  ie  Azevedo 
eat  «a  escufo  Orz^^m  d  Á:st!7tzrfn'::iJnér:tr.j  mi  imprensa  na 
Riu  dé  J'jjt£ir}'.  « Exn  vez  ie  divagações  imiíscre&is  e  hrs^ri.saSii 
qoe  pecavam  as  pai^ínos  dos  :xrijDCÍC3s  da.  ;^ocicu  lior^ie 
n^aonelle  •ornai  tttizt  'fTT^nijTpnT  ex^resâva,  ooran.  ccnxxme^ 
dífia*  TTTin  ironia  frisante.  oorén  branda*  T^reciísão  e  Jnidez 
30  esc/lo»  beíleza  e  riqneza  ie  idéas  -  .  »  Em  ien  Dicdonariú 
Bzbíiâigrdphico,  o  dr.  Sacramerti:  Bíake  àz  de  Evaristo  da 
Vei;ça  esta  landatoria  apreciação :  ■  Foi  aa.  Aar-tra  qne 
Evaristo  elevon-fie  i  altara  a  *:^ae  nenham  -ornalista  nosso 
fem  sabido:  esta  íblSa  pôde  áer  consulmiia  com  âegriTTmça 
omio  am  thesonro  da  histeria  ia.  epoclia. » 

Com  am.  contendor  doesta  ordem,  serenamence  Djrmidor 
veL  e  com  a  opposição  ciienada  aa  camará  por  Bernardo 
Pereira  de  Vasconcelli^s,  nosso  ^lirabean  peia  enerva  das 
ji:casaç'3es.  o  poder  aactontario  de  D.  Pedrrj  senda-se  desom^ 
parado  de  rodi?s  es  paírj^cas  e  rendia  a  desapparecer  rapida- 
mente de  nosso  -nienario  politico. 

r.'m  le\^nm mento  de  escravos  apparecen  na  Bailia  cm 
ilarço  ie  i^::S.  Na  madragada  lio  dia  >  grande  maldiiào  de 


R^v.   iu  Sn:.  :-í'^:.  !Dni.  VTII,  paiç   joj., 
1     R."    in  S-i::!.  .Y:./..  :um.  XXV IIL  z. »  part.  pag 


CAPITULO  XXVII  243 


africanos  abandonaram  os  engenhos  em  que  serviam  e  foram 
reunir-se  em  Pirajá,  dispostos  a  reagir  contra  a  oppressão 
isemi-barbara  de  seu  captiveiro. 

Logo  que  o  presidente  da  provincia  José  Egydio  Gordilho 
de  Barbuda,  visconde  de  Camamú,  teve  conhecimento  d*esta 
rebellião,  antes  que  os  pretos,  por  vingança,  praticassem 
correrias  e  attentados,  fez  apromptar  um  corpo  de  policia  e 
um  batalhão  de  milicianos,  visto  que  as  tropas  de  linha 
haviam  marchado  para  as  guerras  no  Rio  Grande  do  Sul  e 
na  Cisplatina,  e  expediu  aquellas  forças  contra  os  negros 
sublevados. 

Deu-se  o  encontro  nas  immediações  de  Pirajá:  mais  de 
600  pretos  foram  mortos  a  tiro  e  a  espada ;  350  presos,  acor- 
rentados e  conduzidos  á  capital,  calculando-se  em  200  os  que 
conseguiram  escapar  á  perseguição,  internando-se  nas  mattas. 

A  5  de  Julho  de  1828  partiram  para  a  Europa  a  fragata 
Imperatriz  e  a  corveta  Z>.  Francisca^  levando  a  princeza 
D.  Maria  da  Gloria,  rainha  de  Portugal,  acompanhada  do 
marquez  de  Barbacena,  incumbido  por  D.  Pedro  de  inter- 
ceder, junto  ás  cortes  clWustria  ou  de  Inglaterra  em  favor 
d*aquella  soberana,  cujo  throno  havia  sido  usurpado  por 
D.  Miguel  de  Bragança. 

N'este  mesmo  dia  5  entrou  a  barra  do  Rio  de  Janeiro  o 
contra-almirante  francez  barão  de  Roussin  com  a  nau  Jèan 
Bart  e  as  fragatas  Im  Terpsichore  e  IJ Arethuse  e  o  brigue  La 
Railleusc,  Juntarani-se  estes  navios  aos  existentes  no  porto 


244  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


— corvetas  LVsis  e  Lésbia  e  brigue  Llris^  pertencentes  á 
divisão  naval  fr^nceza  do  Brazil  e  do  Rio  da  Prata.  A  esta 
força  incorporarani-se  o  brigue  Le  Cygne^  chegado  de  Mon- 
tevideo a  8  e  a  fragata  La  Magicicnne  no  dia  1 7. 

Encarregado  por  seu  governo  de  empregar  meios  violen- 
tos, Roussin  reclamou  de  nosso  governo  a  prompta  entrega 
dos  navios  de  sua  nacionalidade  que  foram  apresados  no 
bloqueio  do  Rio  da  Prata. 

Não  era  possivel  resistir  a  esta  formal  intimação,  porque 
a  capital  do  império  só  tinha  em  seu  porto  a  nau  Pedro  /, 
a  fragata  Fhrincipe  Imperial^  a  corveta  Carioca^  os  brigues 
Pampeiro  e  Pirajá  e  a  canhoneira  Despique  Paulistano, 

Dizem  alguns  historiadores  que  dispunha-se  Roussin  a 
bombardear  o  Rio  de  Janeiro  e  já  tinha  para  isso  mandado 
accender  morrões  ( ' ),  quando  o  governo  imperial  ordenou  a 
entrega  dos  navios  questionados.  Exigiu  este  official  o  paga- 
mento immediato  de  imdemnização  por  prejuisos  e  damnos 
sofFridos  pelas  embarcações.  Convencionou-se  que  tal  paga- 
mento se  effectuaria  no  decorrer  do  anno  de  1829  ^  assim 
apaziguou-se  o  conflicto  internacional  (-)• 


( I  )  o  iUustrado  pesquisador  btazileiro,  baráo  do  Rio  Branco,  nega  este  facto, 
dizendo  á  pajç.  174,  i.o  vol.,  de  suas  Ephemèrides  Brazileiras  (  Rio  de  Janeiro, 
1892 ) : «  K  inexacto  que  Roussin  houvesse  apresentado  de  morrões  accesos  a  sua 
reclamação  e  que  as  duas  camarás  estivessem  dispostas  a  resistir. » 

(  2  )  « A  convenção  para  pagamento  das  indemnizações  reclamadas  pelo 
barão  Roussin  foi  celebrada  a  21  de  Agosto  de  1S28,  e  encontra-sc  (não  tendo  sido 
publicada  na  collecção  das  leis  )  á  pag.  64  do  vol.  II  dos  Apontamentos  pata  o 
direito  internacional  pelo  conselheiro  António  Pereira  Pinto.  » 

I,uiz  Francisco   da  Veiga  :   O  primeiro    reinado  estudado   á    luz    da 


CAPITULO   XXVII  245 


Em  principio  do  anuo  de  1829  ^^"-se  um  motim  popular 
no  Recife,  conseguindo  os  sediciosos  arrombar  a  cadeia  e  soltar 
os  presos,  para  auxilial-os  no  intento  de  se  depor  o  governo 
legal  e  inaugurar-se  de  vez  a  republica.  Suffocada  a  revolta, 
D.  Pedro,  por  decreto  de  27  de  Fevereiro  de  1829,  declarou  a 
provincia  em  estado  de  sitio,  isto  é,  foram  suspensas  todas  as 
garantias  constitucionaes,  para  que  uma  commissão  militar, 
presidida  pelo  governador  das  armas,  brigadeiro  Antero  José 
Ferreira  de  Britto,  pudesse  verbal  c  siimmarissimamentc 
julgar  os  implicados  em  crime  de  rebellião. 

Por  um  só  decreto  viram-se  doze  provincias  privadas 
da  liberdade  individual,  entregues  a  verdadeiros  tribunaes 
inquisitoriaes,  sem  terem  para  quem  appellar,  porque  o  crime 
de  lesa-constituição  partia  do  próprio  monarcha. 

O  execravel  decreto,  com  que  D.  Pedro,  ainda  uma  vez, 
feriu  os  brios  de  nossa  pátria,  foi  concebido  n*estes  termos: 

«Tendo  apparecido  na  provincia  de  Pernambuco  uma  re- 
bellião que  pretende  destniir  a  forma  do  Governo  Monar- 
chico  Constitucional,  estabelecido  e  jurado  n^este  império  ( ' ) ; 
e  sendo  possível  que  se  desenvolvam  algumas  ramificações 
doesta  rebellião  na  provincia  do  Pará:  Hei  por  bem,  tendo 
ouvido  o  meu  Conselho  de  Estado,  fazer  ostensivo  a  essa 
provincia  o  decreto  da  data  de  hoje  que  crêa  uma  commissão 


SC  iene  ia  ou  a  Hevolução  de  7  de  Abril  de  jSjí  justificada  pelo  direito  e  pela 
historia  (  Rio  de  Janeiro,  1877 )  pag.  126,  nota  n.  i. 

(  I  )  li  perjurado  pelo  chefe  da  naçfto  .   .   . 


246  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


militar  na  província  de  Pernambuco ;  a  qual  será  semelhan- 
temente composta  do  governador  das  armas  como  presidente; 
de  iim  juiz  relator,  que  será  o  ouvidor  da  comarca  ou  magis- 
trado da  terra  mais  visinha,  e  de  três  vogaes,  nomeados  pelo 
dito .  governador  das  armas,  logo  que  na  mesma  provincia 
se  suspendam  as  formalidades  que  garantem  a  liberdade 
individual.  As  auctoridades,  a  quem  o  conhecimento  d'este 
pertencer,  o  tenham  assim  entendido  e  o  façam  executar. 
Paço,  em  27  de  Fevereiro  de  1829,  8.°  da  independência 
e  do  império.  Com  a  rubrica  de  sua  magestade  imperial  e 
constitiicionaL  Referendado  pelo  ministro  da  guerra  Joaquim 
de  Oliveira  Alvares. » 

De  egual  teor  foram  expedidos  decretos- para  as  provincias 
do  Maranhão,  Piauhy,  Ceará,  Rio  Grande  do  Norte,  Para- 
hyba,  Alagoas,  Sergipe,  Bahia,  Matto-Grosso  e  Rio  Grande 
do  Sul  (^),  com  differença,  porém,  que  para  esta  ultima 
provincia  foi  em  data  de  16  de  Março  do  mesmo  anno,  e  para 
as  provincias  do  Ceará,  Piauhy,  Rio  Grande  do  Norte,  Para- 
hyba,  Alagoas  e  Sergipe,  se  declarou — Commandante  das 
armas  como  presidente.  E  para  as  de  Maranhão  e  Bahia 
se  dizia,  quanto  ao  juiz  relator:  que  será  o  ouvidor  do  crime, 
segui ndo-se  logo:  e  de  três  vogaes,  etc. 

Interprete  dos  clamores  e  protestos  que  se  «erguiam  de 
norte  a  sul  do  império,  abriu-se  a  assembléa  geral,  extraor- 
dinária, a  2  de  Abril  de  1829. 


( I  )  Apavorado  com  a  sua  própria  sombra,  D.  Pedro  I  via  conspiradores  em 
toda  a  parte  do  Brazil. 


CAPITULO   XXVII  247 


Em  vez  de  procurar  diminuir  os  effeitos  causados  pelas 
medidas  de  extremo  rigor  com  que  affrontára  todo  o  paiz, 
D.  Pedro  empregou  na  fala  do  throno  expressões  de  ameaça, 
como  si  fora  o  czar  de  todas  as  Russias,  ou  como  si,  em 
pleno  parlamento,  quizesse,  de  botas  e  chicote,  caricaturar 
Luiz  XIV  e  aíErmar  perante  a  America:  «O  Estado  sou  eu.» 

Fazendo  referencia  ao  motim  popular  occorrido  em 
Pernambuco,  disse  D.  Podro  no  documento  ofEcial  apresen- 
tado á  nação : 

«A  ordem  e  o  socego  interior  das  nossas  províncias  que 
se  acham  em  perfeita  tranquillidade  foi  alterada  somente  na 
de  Pernambuco,  onde  //;;/  partido  desorganisador  ousou,  a 
despeito  de  todas  as  considerações,  levantar  a  voz  da  rebel- 
lião,  contra  a  qual  o  governo  foi  obrigado  a  tomar  medidas 
extraordinárias,  por  ser  de  meu  rigoroso  dever  alçar^  em  casos 
taes,  a  espada  da  justiça^  como  sempre  farei  com  egual 
energia  contra  qualquer  partido  que  se  arrojar  a  ofíender  a 
forma  do  governo  monarchico,  constitucional,  represen- 
tativo. « 

A  espada  da  justiça  alçada  pelo  imperador  era  a  suspensão 
de  garantias  individuaes  e  o  julgamento  por  militares,  sem 
forma  alguma  de  processo. 

Discursos  enérgicos  foram  proferidos  na  camará  dos 
deputados,  a  estigmatizar  o  deshumano  procedimento  do 
monarcha  e  de  seus  ministros  da  guerra  e  da  justiça.  Os 
decretos  de  27  de  Fevereiro  de  1829,  espalhados  no  paiz  como 
pregões  de  tremendos  castigos  a  todos  os  brazileiros  patriotas, 


248  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


constituirain  o  assumpto  de  discussões  calorosas,  de  qtie 
devemos  dar  idéa  n'esta  obra,  por  meio  de  tópicos  de 
sensação. 

Em  sessão  de  11  de  Abril,  disse  o  deputado  Xavier  de 
Carvalho: 

«Srs.  A  provinda  de  Pernambuco  soffre  hoje  o  maior  dos 
flagellos;  entregue  á  commissão  militar,  que  obrará  conforme 
a  vontade  de  seu  commandante  das  annas,  está  sendo  devas- 
tada! E  poderá  a  camará  ser  indifferente  a  tão  grande 
calamidade  publica?» 

Em  sessão  de  14  do  mesmo  mez,  o  deputado  Hollanda 
Cavalcanti : 

tf  A  pátria,  srs.,  está  em  perigo,  como  se  deduz  da  fala  do 
throno;  e  quem  nos  diz  que  o  poder  moderador  reconhece 
que  devemos  lançar  mão  de  um  expediente  forte  para  reme- 
diarmos os  nossos  males?  Deverão  os  ministros  ficar  como 
Nero,  rindo-se  á  vista  do  incêndio  de  Roma?  É  preciso,  srs., 
que  façamos  sentir  aos  ministros  o  peso  de  seus  crimes ;  nada 
de  contemporização ;  o  negocio  é  urgente,  seja  prompto  o 
remédio. » 

O  sr.  Ferreira  França : 

«Que  é  isto,  sr.  presidente?  A  camará  pede  ao  governo 
informações  sobre  decretos  que  entregam  á  morte  cidadãos 
brazileiros,  sem  a  menor  formalidade,  e  o  governo  diz  que 
não  quer  mandar  taes  infonnações?  A  camará  deve  fazer  um 
acto  pelo  qual  declare  que  ninguém  cumpra  nem  obedeça  a 


CAPITULO  XXVII  249 

taes  decretos !  Violou  o  governo  a  constituição  e  havemos  de 
ser  mudos  espectadores  doestes  acontecimentos?» 

Em  sessão  de  24,  o  sr.  Custodio  Dias: 

« Ousou  o  ministério  suspender  todas  as  garantias  indivi- 
duaes  do  cidadão,  creou  um  tribunal  horroroso,  para,  sem  a 
menor  das  formalidades,  entregar  á  morte  os  paciíicos  cida- 
dãos brazileiros,  e  ha  de  esta  camará  demorar  a  punição  de 
tanto  crime?» 

O  sr.  Hollanda  Cavalcanti : 

« Chegaram  noticias  de  Pernambuco  e  sabe-se  a  tranquíl- 
lidade  de  que  gosa  aquella  provincia.  O  ministério,  que  tão 
prompto  fora  em  lavrar  esses  decretos  de  sangue^  fica  esque- 
cido de  os  suspender,  como  lhe  cumpria !  Ignora  alguém  que 
o  ministro  da  guerra  lavrou  um  decreto,  creando  uma 
commissão  militar  n^aquella  provincia,  facto  este  que  é 
sufficiente  para  o  cobrir  de  ignominia  eterna?  Desenganem-se 
os  déspotas  e  seus  satellites:  a  liberdade  é  actualmente 
partillia  da  America!  O  génio  da  liberdade  adeja  sobre  o 
continente  americano,  desde  o  estreito  de  Behring  até  ao 
cabo  d^Horn!» 

Após  estas  vehementes  palavras,  o  digno  deputado  por 
Pernambuco  apresentou  duas  denimcias  formaes  contra  o 
ministro  da  guerra,  Joaquim  de  Oliveira  Alvares,  e  contra  o 
ministro  da  justiça.  Lúcio  Soares  Teixeira  de  Gouvêa,  por 
terem  violado  a  constituição. 

O  sr.  Xavier  de  Carvalho : 

« Pernambuco,  uma  das  principaes  provincias  do  império, 

M  TOM.  II 


250  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


não  parece  hoje  província  de  um  estado  constitucional,  parece 
antes  pertencer  á  Turquia  do  que  ao  Brazil.  Ahi  não  impera 
a  lei,  não  ha  garantias;  só  domina  uma  commissão  militar, 
flagello  da  humanidade  e  corpo  de  delicto  dos  crimes  dos 
actuaes  ministros.  Ahi  só  governa  a  vontade  de  um  comman- 
dante  das  armas,  a  cujo  aceno  corre  o  sangue  brazileiro.  .  . 
quis  taliafando  temperei  à  lacrimisfi» 

Em  sessão  de  6  de  Maio  apresentou  Bernardo  de  Vascon- 
cellos  requerimento,  exigindo  do  governo  esclarecimentos 
sobre  os  successos  de  Pernambuco.  «  Havemos  de  consentir, 
exclamou,  que  continue  a  executar-se  um  decreto  sanguinário^ 
um  decreto  tão  bárbaro  como  ainda  o  mundo  não  viu  ?  » 

Em  sessão  de  11  de  Maio,  o  sr.  Limpo  de  Abreu: 

«  É  indispensável  que  n'esta  occasião,  a  mais  própria  que 
se  offerece,  a  camará  dos  deputados  dê  á  provincia  de  Pernam- 
buco, á  nação  brazileira  e  a  todo  o  mundo  uma  prova 
irrefragavel  de  que  jamais  approvará  medidas  que  forem 
oppostas  á  constituição  politica  do  império.  .  . » 

O  sr.  Bernardo  de  Vasconcellos : 

« E  como  ousaram  estes  ministros  chamar  no  discurso  do 
throno  espada  da  justiça  o  que  é  realmente  espada  da  iniqui- 
dade, do  crime  e  do  horror?  Pôde  haver  justiça  no  paiz  em 
que  não  ha  garantias?  Ah!  saiba  o  mundo  que  o  Brazil  todo 
abomina  ministros  que  desembainham  taes  espadas ! 

«Pouco  ha  que  se  leu  o  officio  do  ministro  da  guerra, 
declarando  que  as  commissões  militares  não  têem  regimento! 
Oh!  meu  Deus!  Sem  regimento  uma  auctoridade,  um  juizo 


CAPITULO  XXVII  251 


que  decide  da  vida  de  brazileiros !  Horrores  sobre  horrores ! 
A  França  revolucionaria  deu  regimento  ás  suas  coinmis- 
sões  (');  e  o  Brazil,  monarchico,  constitucional  e  represen- 
tativo, vê  julgar  seus  filhos  por  semelhante  maneira ! » 

O  sr.  Cunha  Mattos  : 

«Não  acho  este  tribunal  estabelecido  em  nossa  legislação; 
o  mesmo  ministro  o  reconhece  pelo  oflScio  que  ha  pouco  se  leu, 
em  que  elle  diz  que  não  existe  regimento  para  as  commissões 
militares.  Estes  juizos,  entre  nós,  são  novos  e  abusivos;  a 
primeira  vez  que  se  crearam  foi  no  anno  de  i8i7.em 
Pernambuco  e  nos  de  1824  ^  ^^25  nas  províncias  do  sul. 
Eu  estou  ainda  nos  mesmos  principios  que  emitti  nas  sessões 
de  1826  e  1827:  as  commissões  militares  são  instrumentos  do 
inferno. » 

Em  sessão  de  12  de  Maio,  sr.  Lino  Coutinho: 

«A  humanidade  que  n^esses  decretos  ha  é  egual  á  da 
inquisição  em  Hespanha,  que,  esmagando  os  homens  sobre  o 
potro,  dizia-lhes  ao  mesmo  tempo:  «Soffra,  irmão,  que  isto  é 
em  honra  do  Altissimo!»  Por  maior  pena  que  uma  lei  im- 
ponha ao  salteador,  ao  ladrão,  etc,  nunca  ella  será  egual  a 
decretos  que  mandam  suspender  todas  as  formas  de  processo 
e  entregar  os  cidadãos  ao  arbitrio  de  um  militar,  destro  sim 
em  bater-se  com  o  inimigo,  mas  hospede  na  sciencia  de 
julgar.» 


( I  )  Houve  aqui  exaggcraçào  da  parte  do  iUustre  deputado  mineiro.  A  feroa 
com  missão  de  sa/7'ação  publica^  que  inundou  de  sangue  a  França,  nâo  obedecia 
a  regimento  algum. 


252  MEMORIAS   BRAZILKIRAS 


A  commissão  de  constituição,  composta  do  general  Ray- 
mundo  José  da  Cunha  Mattos,  José  António  da  Silva  Maia  e 
José  Carlos  Pereira  de  Almeida  Torres,  apresentou,  em  sessão 
de  29  de  Maio  de  1829,  parecer  isentando  de  responsabilidade 
o  ministro  da  justiça,  porém  denunciando  o  da  guerra, 
como  culpado  da  creação  da  commissão  militar. 

Foi  nomeada  uma  commissão  especial  incumbida  de 
examinar  a  denuncia:  seu  relator,  Bernardo  Pereira  de  Vas- 
concellos,  em  sessão  de  2  de  Junho  de  1829,  apresentou  pare- 
cer, considerando  o  denunciado  incurso  nas  penas  do  art.  3.° 
§  2.^  e  dos  arts.  4.°  e  5.°  da  lei  de  15  de  Outubro  de  1827. 

Depois  de  vehementes  discussões,  foi  exonerado  de  res- 
ponsabilidade o  ministro  da  justiça. 

Em  sessão  de  22  de  Junho  foi  eleita  outra  commissão 
especial,  composta  dos  deputados  L.  P.  de  Araújo  Bastos, 
João  Medeiros  Gomes  e  José  da  Cruz  Ferreira,  incumbida  de 
examinar  a  denuncia  contra  o  ministro  da  guerra :  opinou 
que  este  funccionario  estava  egualmente  isento  de  responsa- 
bilidade. 

Na  discussão  do  parecer,  falaram : 

O  sr.  Odorico  Mendes  ( ^ ). 


(i)  Manoel  Odorico  Mendes,  o  eminente  patriota,  nasceu  na  cidade  de 
S.  lyUiz  do  Maranhão  a  24  de  Janeiro  de  1799  e  falleceu  em  I^ndres,  cm  um  carro 
de  estrada  de  ferro,  acommettido  de  um  accesso  de  asthma  complicado  de  lesào 
cardiaca,  a  17  de  Agosto  de  1864. 

Traduziu  em  versos  portuguezes  as  tragedias  Mérope  e  Tancredo  de 
Voltaire ;  a  Eneida,  As  bucólicas  e  As  Georgicas^  de  Virgílio ;  A  Iliada  de 
de  Homero,  versão  do  grego.  A  todas  estas  obras  enriqueceu  de  eruditas  annota- 
ções. 


CAPITULO   XXVII  253 


«Como  é,  srs.,  que  uma  commissão  doesta  casa,  tendo 
contra  si  a  lettra  da  constituição,  defende  a  um  ministro  que 
mandou  entregar  ao  rigor  de  um  tribunal  de  sangue^  d*onde 
se  não  appella,  todos  os  jpernambucanos  que  não  aprouvessem 
aos  membros  do  mesmo  tribunal?» 

O  sr.  Limpo  de  Abreu : 

tf  Si  a  responsabilidade  dos  ministros  e  conselheiros  de 
estado  é  uma  lei  inútil  e  illusoria,  então  queime-se  desde  já, 
para  que  d'ella  não  exista  mais  noticia,  nem  memoria  alguma, 
ou,  pelo  menos,  como  costumava  praticar-se  no  tempo  do 
imperador  Caligula,  mande  escrever-se  em  caracteres  tão 
miúdos  e  affixar-se  em  um  poste  tão  alto,  que  ninguém  d'ora 
em  deante  a  possa  ler,  nem  entender!» 

Submettida  a  questão  a  votos — havendo  precedido  com- 
pressão por  parte  do  imperador  sobre  muitos  deputados  a 
quçm  se  ameaçou  de  exilio — pronunciaram-se,  a  favor  do 
ministro,  39  deputados,  e,  contra,  32. 

Por  diminuta  maioria,  deixou  de  ser  processado  quem 
affrontosamente  havia  apunhalado  a  constituição  do  império^ 
segundo  a  phrase  da  epocha. 

Apresentou-se  como  razão  preponderante  o  facto  de  ter 
ficado  inactiva  a  commissão  militar  de  Pernambuco. 

Conta  o  conselheiro  Pereira  da  Silva  que  D.  Pedro  I 
tomara  tanto  a  peito  a  questão  de  seu  secretario  Joaquim 
de  Oliveira  Alvares,  a  ponto  de  falar  a  muitos  deputados 
para  o  absolverem  e  «diariamente  se  collocava  ás  janellas  do 
paço  fronteiras  á  camará  dos  deputados,  sem  o  menor  receio 


254  MExMORIAS   BRAZILEIRAS 


de  insultos  das  bastas  massas  de  povo,  derramadas  por  todas 
aquellas  visinhanças,  animando  amigos,  por  meio  de  emissá- 
rios que  transitavam  constantemente  entre  o  paço  e  a  camará, 
recebendo  a  todos  os  momentos  noticias  do  que  se  passava  ( ^ ).» 

É  certo  que  nenhum  dos  dois  ministros — obrigados  a 
comparecer  á  camará  para  defender-se  de  seus  actos — foi 
processado,  porque  ambos  tiveram  em  seu  favor  o  empenho 
imperial;  porém  a  opinião  publica,  sobranceira  á  politica 
machiavelica  de  D.  Pedro,  deu  ao  gabinete  a  denominação  de 
ministério  liberticida^  e  o  considerou  animado  do  propósito 
anti-nacional  de  menosprezar  a  constituição  e  inaugurar  o 
regimen  de  puro  absolutismo. 

Os  senadores — cidadãos  escolhidos,  de  intimidade  do 
imperador  —  as  gazetas  govemistas,  o  mundo  official,  a  mul- 
tidão de  portuguezes  que  a  revolução  miguelista  impellira 
para  o  Brazil,  as  tropas  em  que  predominava  o  elemento 
extrangeiro,  tudo  isto  constituia  a  força  em  que  o  monarcha 
se  sentia  encastellado  para  governar  arbitrariamente.  Faltava- 
Ihe,  porém,  uma  base  de  resistência :  as  sympathias  do  povo. 

Entre  a  prepotência  do  imperante  e  as  energias  de  brazi- 
leiros  patriotas  que  contra  elle  se  rebellavam,  travava-se 
renhida  lucta,  para  reconhecer  quem  merecia  exemplar  cas- 
tigo por  se  achar  fora  da  lei. 

Toda   a   sessão  da  camará  de  1829  ^^^   ^^  inquietações 


( I  )  J.  M.  Pkreira  da  Silva  :  Scíj^undo pciiodo  do  reinado  de  D.  Pedro  / 
no  Brazil,  pag.  367. 


CAPITULO  XXVII  255 

para  o  espirito  do  imperador,  que  não  podia  tolerar  discussões 
sobre  actos  de  seus  ministros,  de  que  era  elle  o  único 
responsável. 

Antes  mesmo  de  serem  votadas  as  leis  de  orçamento, 
escolheu  D.  Pedro  o  paço  da  própria  camará  dos  deputados, 
para,  a  3  de  Setembro  de  1829,  fechar,  brusca  e  insolita- 
mente,  os  trabalhos  legislativos  com  esta  lacónica  fala  de 
encerramento : 

<r  Augustos  e  dignissimos  senhores  representantes  da  nação. 
Está  fechada  a  sessão. » 

D'esta  forma,  desusada  e  contraria  a  todas  as  praticas 
parlamentares,  em  desaccordo  até  com  simples  elementos  de 
civilidade  particular,  pretendeu  o  monarcha  dar  a  toda  a 
nação  brazileira  testemunho  official  de  seu  despeito  e  de  sua 
vingança. 

Devia  o  imperador  cumprir  a  fónnula  consagrada,  refe- 
rindo á  representação  nacional  os  factos  governativos  e  sociaes 
de  mais  importância,  occorridos  desde  a  sessão  de  abertura ; 
agradecer  as  medidas  votadas  e  assegurar  o  exacto  c^impri- 
mento  das  leis,  estabelecendo  assim,  entre  a  coroa  e  a  camará, 
laços  de  sympathica  harmonia,  congraçadores  dos  poderes 
legislativo  e  executivo.  Fogoso,  indomável  em  seus  caprichos, 
suggestionado  pela  creadagem  luzitana,"  que  lhe  servia  de 
conselheira  nas  graves  deliberações,  D.  Pedro  revelou  a  iras- 
cibilidade  de  sua  desordenada  educação,  violando  aquella 
fórmula  admittida  pelo  uso. 

Está  fechada  a  sessão  foi  a  plirase  desabrida  e  rude  que 


256  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


a  sua  soberba  entendeu  lançar  contra  cidadãos  de  alta  impor- 
tância social  porque  representavam  o  Brazil. 

No  conceito  imperial,  que  mais  merecia  uma  camará  que 
ousara  trazer  á  barra  de  seu  tribunal  o  ministro  da  justiça  e 
e  o  ministro  da  guerra — instrumentos  passivos  da  vontade 
do  chefe  da  nação  ? 

A  que  considerações  tinham^direito,  deputados  que  haviam 
commettido  a  audácia  de  condemnar  as  commissões  mili- 
tares, tribunaes  a  quem  elle  ordenava  —  como  prova  de 
paternal  clemência — que  as  execuções  fossem  feitas  de  modo 
verbal  e  summario  ? 

Em  sua  opinião,  a  camará  compunha-se  de  demagogos 
incontentaveis,  atrabiliários,  violentos,  indignos  de  attenções 
respeitosas. 

Está  fechada  a  sessão  foi  a  affrouta  que  o  irritado  dés- 
pota jogou  á  face  do  paiz,  na  pessoa  de  seus  illustres  e 
enérgicos  representantes. 

Não  lhe  foi  dada  immediata  resposta,  a  que  fazia  jus:  só 
a  7  de  Abril  de  1831  recebeu  elle,  sob  a  pressão  das  armas, 
o  primeiro  e  ultimo  correctivo  de  seus  desmandos. 


CAPITULO  XXVIII 


Usurpação  do  throno  de  Portugal,  por  D.  Miguei*. 

Evaristo  da  Veiga,  José  Bonifácio,  marquez  de  Barbacena. 

Assassinato  de  Libero  Badaró.  Noites  das 

garrafadas.  Representação  a  D.  Pedro  I — 1829-1831. 


^^OR  fallecimento  de  D.  JoáQ  VI,  a  10  de  Março  de 
1826  ('),  coube  o  throno  portuguez  a  seu  filho  primogénito, 
D.  Pedro  I  no  Brazil  e  D.  Pedro  IV  em  Portugal.  Sendo 
impossível  a  este  monarcha  dirigir  simullaneamente  os  dois 
paizes,  D.  Pedro  outorgou  a  Portugal,  a  29  de  Abril,  uma 
carta  constitucional  e  a  2  de  Maio  de  1826  (')  abdicou  a  coroa 


( I  )  D.  Joáo  VI  falleceu  na  edadc  de  57  annos,  depois  de  24  de  regência 
e  10  de  reinado.  Táo  rápida  foi  sua  morte,  precedida  de  vómitos,  convulsões 
e  syncopes,  que  se  suppõc  causada  por  veneno. 

(  2  )  Pela  carta  reg^a  de  2  de  Maio  de  1826,  a  abdicação  da  coroa  portugueza 
em  D.  Maria  II  ficava  dependente  de  duas  clausulas:  i.a  —  acccitaçfto  ou 
juramento  por  parte  dos  portuguezes  á  carta  constitucional  que  D.  Pedro  lhes 
outorgara  :  2. a  — realização  do  casamento  de  D.  Miguel  com  aquella  princeza.  Só 
SC  tendo  cíTcctuado  a  i.a  clausula,  ficava  sem  efTeito  a  referida  abdicação  e  o 
monarcha  exercia  cumulativamente  os  cargos  do  imperador  do  Brazil  e  de  rei  de 
Portugal,  investiduras  que  gosou  até  7  de  Abril  de  1831. 

'^  TOM.  IX 


::-^  MEilORIAS    3R.\ZTT.>TrRAS 


[XjrtTiíçneza.  ^m  -^iia  .illia,  D.  Muna  ia  Viona  )ii  D.  ilaiia.  EL 
r.ie  ratão  jontava  ipenas  "  innos  ie  rdade 

wjmbmou-.se  iiie  D.  Mii^.ei  le  Brasçança,  irmão  'ie 
D.  ?-idro,  iccKtaria  -xjr  rsposa  D.  Mana  ia  rlona,  e.  até  â 
-.naiondade  ia  rainha,  ^n-emana  ?^rnisíai  -.lO  jaracte:  «ie 
'.Oíçar— :eiiente. 

Mas  •x)rnue  ista  ;^7«jsicâo  -iibaitema  -íui^-nzesse  vx>uco  as 
litas  .unbicõei:  ie  D.  Mii^^riei.  jiit -rra  anr.cnciatio  e  insòg^ach} 
'\^T  'Ua  inãe.  rainiia  -uva  D.  Ijxitjta  'oauiuna,  >  prxucipe 
iissoiveu  L  :amara  ios  lepTiuid-js,  :'jnv()COTi  Tjova  viamara  e 
•;i^r  iecisão-Los  rres  .-tfcadus  Lo  :ei:io  ^:icr«'.\  lobreza  e  w\-o  i, 
:omaáa  i  :a  :eJi:iIio  ie  :^■2^.  :g:  ^r^-^ciamado  rci — íisurpa- 
:âo  i::e  jaLrec7>ii  ?"»rni:^  los  lonnrtrs  ia  fieira  zivil  -  \ 
.-ntre  fiz^ruZ/sras  :  r/ti:/iacTi.-i  -.ii  vnrr/nfs  izT-rs,  assim. 
ienominados  7ora:;e  D.  ?^-irn  7  .ra  nacjn. 

Xo  i.-inrenho  de  -usEtniar  «.'5  iireiíos  ie  -ua  ilha  .u>  :hioiio 
!:-j:iLino.  •  mrerador  'ei-i  -etr::!  'ara  1  Z'an?ixu  im  Jom- 
-^anina    :o  :zarn-.:rz    ir   larbac-mj..    "Tn    itM:a«j    i  Aicstria^ 


.    'irnc"-.:!    '      lãii'i   :a    ■'■;r'.i   "u-L-rii    :•■     *.:  ■    .l-     incj-"    :   .    ie    ^,bni 

•nrr.ici:v:.-     an  ..  :  'ia  ".  r--".n.    :im  i  .'uiillt— i       iir  i       'riz:'  ■  m    • 'iiMUcraviri . 
■. -Tciír-i     :'■":   -. .   inumi        -«    .y    lai"    -i:    "   :.    aui     a      ■rp  tm».  «^   .s^iuimtia    ^m 


CAPITULO  XXVIII  259 


cujo  imperador  era  avô  materno  d'aquella  princeza-  Em  via- 
gem, resolveu  Barbacena  conduzir  a  rainha  á  Inglaterra  para 
que  esta  nação  intercedesse  em  prol  da  justíssima  causa. 

Como  a  Inglaterra,  pelas  estreitas  relações  que  mantinha 
com  a  nação  portugueza,  de  quem  se  constituia  fiel  alliada^ 
recusasse  ir,  pelas  armas,  obrigar  D.  Miguel  a  desapossar-se 
do  thfono,  voltou  D.  Maria  para  o  Rio  de  Janeiro,  trazendo 
em  sua  companhia  a  princeza  D.  Amélia  de  Leuchtenherg, 
destinada  a  ser  esposa  do  imperador. 

Realizou-se  o  casamento  a  17  de  Outubro  de  1829,  e  por 
decreto  de  egual  data,  em  signal  de  regosijo  nacional,  foi 
creada  a  Imperial  Ordem  da  Rosa. 

Como  demonstração  de  contentamento,  galardoar  a  seus 
amigos  e  attrahir  sympathias,  D.  Pedro  concedeu  graus  e 
insignias  d*essa  ordem  a  grande  numero  de  pessoas,  bem 
como  títulos  de  barões,  viscondes,  condes  e  marquezes,  actos 
que  significavam  apenas  lisonjas  á  vaidade,  ostentações  acin- 
tosas ao  espirito  democrático  da  epocha. 

Criticando  esta  profusão  de  honrarias,  concedidas  ás  vezes 
a  individuos  sem  credito  publico  e  destituídos  de  merecimento 
pessoal,  Evaristo  da  Veiga  perguntou  a  D.  Pedro,  pelas 
columnas  de  sua  Aurora  Fluminense^  si  não  era  preferivel 
que  se  realizasse  o  regimen  representativo;  que  se  observasse 
á  risca  a  constituição;  que  se  desse  praticamente  incentivo 
ás  industrias,  ás  artes,  ao  commercio,  á  agricultura;  que 
fossem  escolhidos,  para  ministros,  representantes  do  povo, 
homens  indigitados  pela  opinião  como  abalisados  e  de  pro- 


26o  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


vada    competência,    e   não    auHcos,   de    idéas    absolutistas, 
imbuidos  em  máximas  do  direito  divino. 

Irritado  contra  estas  sensatas  observações,  mandou 
D.  Pedro  processar  a  Aurora  Fluminense  e  bem  assim  a 
Asiréa;  foram,  porém,  despronunciadas  as  duas  gazetas, 
como  prova  do  quanto  se  desprestigiara  o  governo  do  impe- 
rador. 

Por  essa  occasião  voltava  do  desterro  José  Bonifácio 
de  Andrada  e  Silva,  ausente  da  pátria  desde  1823.  R^ce- 
beu-o  o  imperador  com  a  sympathia  que  os  grandes  homens 
despertam,  sentindo  reviver  gi  antiga  amizade  e  consideração 
que  lhe  consagrava.  Decretou-lhe  uma  pensão  annual  de 
4:ooo$ooo  conio  gratidão  da  pátria  aos  seus  relevantissimos 
serviços.  Ou  por  indicação  de  José  Bonifácio  ou — o  que  é 
mais  acceitavel — por  suggestões  do  marquez  de  Barbacena, 
D.  Pedro,  no  mez  de  Dezembro  de  1829,  demittiu  o  minis- 
tério, composto  de  cidadãos  antipatbizados  por  suas  idéas 
anti-liberaes,  e  nomeou  para  substituil-os:  o  marquez  de 
Barbacena,  com  a  pasta  da  fazenda ;  o  visconde  de  Alcântara 
com  a  da  justiça;  o  marquez  de  Paranaguá,  com  a  da  marinha ; 
o  marquez  de  Caravellas,  com  a  do  império ;  o  conde  do  Rio 
Pardo,  com  a  da  guerra;  o  marquez  de  Abrantes,  único 
representante  do  ministério  anterior,  passou  para  a  pasta  de 
extrangeiros. 

Teve  o  marquez  de  Barbacena  a  hombridade  de  declarar 
ao  imperador  que  o  povo  acreditava  em  um  gabinete  secreto. 


CAPITULO  xxvin  261 


formado  no  paço  pelos  creados  elevados  a  conselheiros — 
caniarilha  de  portuguezes  aferrados  ao  regimen  absoluto  e 
chefiados  por  Francisco  Gomes  da  Silva  (o  Chalaça) — e 
convinha  afastar  de  junto  de  si  taes  Íntimos,  prejudiciaes  á 
marcha  regular  dos  negócios  públicos,  continuamente  per- 
turbados pela  intriga  de  baixa  proveniência.  Foi  preciso  que 
empregasse  o  marquez  todo  o  seu  valimento  para  que 
D.  Pedro,  fazendo  violência  a  seus  sentimentos  de  gratidão, 
se  resolvesse  ao  penoso  sacrificio  de  ordenar  embarcassem 
para  a  Europa  seus  prestigiosos  creados  Francisco  Gomes  da 
Silva,  secretario  particular,  e  João  da  Rocha  Pinto,  confi- 
dentes de  influencia  no  animo  volúvel  do  monarcha  (^). 
Ficou,  desde  esse  momento,  desopprimido  o  ministério  de 
interferência  subalterna  em  suas  deliberações. 

De  longe  mesmo,  actuou  no  espirito  do  imperador  a 
perniciosa  influencia  de  Francisco  Gomes  da  Silva  e  de 
Rocha  Pinto:  dirigiram  de  Londres  a  seu  augusto  amo  cartas 
denunciadoras  de  grandes  extravios  de  dinheiros,  de  contas 
em  duplicata,  que  haviam  encontrado  na  capital  ingleza, 
documentos  comprobatórios  de  que  o  marquez  de  Barbacena 


V I  )  "  o  serviço  do  paço  era  feito  por  portuguezes.  Os  mais  Íntimos  do 
imperador  eram:  Francisco  Gomes  da  Silva  (  o  Chalaça  ),  Joáo  Carlota  e  Plácido, 
liste  era  um  barl>eiro,  que  o  foi  de  José  Egr>'dio  Alvares  (  *  ) ;  o  outro  tinha  sido 
moço  de  carregar  as  caixas  da  cosinha  e  o  primeiro  mau  official  de  ourives.  • 

António  dk  Menkzes  Va.sconckllos  de  jyKvyiyuysii:  Annotaçàes  d  sua 
biofiraphia,  pag.  59. 

(  '  )  José  Hgydio  Alvares  de  Almeida,  barão,  visconde,  depois  marquez  de 
Santo  Amaro. 


202  MEMORIAS   BRAZII^IRAS 


txãggeTársL  as  despezas  feitas  com  as  duas  commissões 
desempenhadas  na  Europa.  O  despeito,  a  inveja  e  a  intriga 
abalaram  a  confiança  que  o  monarcha  depositava  no  marquez, 
a  ponto  de  inspirar-lhe  este  deprimente  decreto: 

«Convindo  liquidar-se,  quanto  antes,  a  divida  de  Portugal 
contrahida  pelo  tratado  de  29 de  Agosto  de  1825  V)j^ sendo 


( I )  A  39  de  As^osto  de  1825  foi  assignado  no  Rio  de  Janeiro  o  tratado  de 
reconhecimento  do  império  do  Brazil  pelo  rei  de  Portugal,  ajustado  por  media- 
ção da  Inglaterra,  entre  D.  Pedro  I  e  sen  pae,  D.  João  VI.  Foi  asstgnado,  por 
parte  do  Brazil,  pelo  ministro  dos  negócios  extrangeiros,  conselheiro  Luiz  José 
de  Carvalho  e  Mello,  depois  visconde  da  Cachoeira ;  José  Egydio  Alvares  de 
Almeida,  barão  de  Santo  Amaro,  e  Francisco  ViUela  Barbosa,  depois  marques 
de  Paranaguá ;  e,  por  parte  de  Portugal,  pelo  conselheiro  privado  de  sua  mages- 
tade  brítannica,  o  cavalheiro  Carlos  Stuart,  que  chegara  á  capital  a  18  de  Julho. 
Quando  os  brasileiros  haviam  expellido  o  ultimo  soldado  luzitano  e  a  indepen- 
dência se  achava  firmada  e  reconhecida  por  todos  os  paizes,  D.  Pedro  firmou 
esse  tratado,  em  vista  do  qual  offereceu,  de  mão  beijada,  a  seu  pae,  a  somma  de 
dois  milhões  de  libras  esterlinas,  a  titulo  de  indemnização  dos  prejuizos  que  a 
nossa  independência  acarretara  a  Portugal !  Para  maior  affronta,  a  15  de  Novem- 
bro do  mesmo  anuo,  publicou  D.  João  VI  uma  carta  regia,  declarando  aos  brasi- 
leiros çue  cedia  a  seu  filho  D.  Pedro  seus  direilos  sobre  o  Brazil^  mas  reservava 
para  si  o  titulo  de  imperador ! 

O  escriptor  francez  Pedro  Chapuis,  residente  no  Rio  de  Janeiro,  publicou  no 
anno  de  1826  um  folheto  Reflexões  sobre  o  tratado  da  independência  e  a  caria  de 
lei  de  D.  João  ^V,  em  que  demonstrou  quanto  era  vergonhoso  para  o  Brazil 
semelhante  tratado,  pois,  em  virtude  d'elle,  comprávamos  por  dois  milhões  de 
libras  esterlinas  o  que  já  haviamos  obtido  pelas  armas ;  que  concedíamos  o  titulo 
de  imperador  do  Brazil  a  D.  João  VI ;  que  n'esse  documento  se  mencionava  a  não 
desistência  de  D.  Pedro  da  qualidade  e  direitos  de  príncipe  real  e  herdeiro 
presumptivo  da  coroa  de  Portugal — declaração  reveladora  da  intenção  de  reunir 
mais  tarde  as  duas  coroas  debaixo  de  um  só  sccptro. 

I/)go  que  appareceu  esse  folheto  elucidador  do  revoltante  escândalo,  foi  o 
auctor  procurado  pela  policia  com  si  se  tratasse  de  um  grande  críminoso ;  depois 
de  muitas  diligencias,  conseguiu-se  encontral-o,  e,  infríngindo-se  a  constituição 
que  garantia  a  liberdade  de  imprensa,  ordenou-se  a  deportação  de  Pedro 
Chapuis  para  fora  do  imperío. 

O  reconhecimento  de  nossa  independência  foi,  em  ultima  analyse,  um 
indecoroso  arranjo  de  família. 


CAPITULO  XXVIII  263 


necessário  para  esse  fim  tomarem-se  primeiramente  as  confas 
da  caixa  de  Londres  (*),  examinando-se  as  grandes  despezas 
feitas  pelo  marquez  de  Barbacena,  do  meu  conselho  de  estado, 
tanto  com  sua  magestade  íidelissima,  minha  augusta  filha, 
como  com  os  emigrados  portuguezes  em  Inglaterra,  e  espe- 
cialmente com  o  meu  casamento;  e  não  podendo  estas 
verificarem-se  legalmente  exercendo  ao  mesmo  tempo  o 
mencionado  marquez  o  logar  de  ministro  e  secretario  de 
estado  dos  negócios  da  fazenda :  Hei  por  bem  demittil-o  do 
dito  cargo  de  ministro  e  secretario  de  estado  dos  negócios 
da  fazenda. 

« Palácio  do  governo  do  Rio  de  Janeiro,  em  30  de  Setem- 
bro de  1830,  9.°  da  independência  e  do  império.  P.  —  yts- 
conde  de  Alcântara. » 

Não  medrou  a  calumnia. 

O  marquez  de  Barbacena  justificou-se  cabalmente,  des- 
truindo pela  base  o  castello  que  a  maledicência  havia  erguido 
contra  a  sua  illibada  reputação  (^). 

Em  uma  carta  datada  de  15  de  Dezembro  de  1830,  cheia 
de  ensinamentos,  recriminações  e  justo  desabafo,  documento 
em  que  se  revela  inquebrantável  força  de  dignidade,  disse 
o  marquez  ao  imperador: 


( 1 )  A  caixa  filial  que  o  thesouro  mantinha  em  I^ondres  para  passamen- 
tos á  Ing^laterra,  era  conhecida  por  vários  nomes,  dados  pelos  deputados  opposi- 
cionistas :  Caixa  magica^  Sorvedouro  das  rendas  do  império^  Cancro  do  Tamisa. 

( 2 )  Consulte-se  a  importante  obra,  já  citada,  Vida  do  marquez  de  Bar- 
bacena^ por  António  Augusto  de  Aguiar. 


264  MEMORIAS  BRAZILKIRAS 


íf  Estamos  em  vésperas  de  uma  revolução;  mas  V.  M. 
ainda  pôde  sustar  semelhante  calamidade,  suspendendo  sua 
viagem  a  Minas  e  tomando  já  outra  actividade  e  outro  norte. 
Mude  de  systema;  identifique-se  com  os  brazileiros;  separe  de 
junto  de  sua  pessoa  e  de  sua  casa  essa  quadrilha  de  portti- 
guezes,  que  o  tomam  inimigo  da  nação.  .  .  Si,  porém,  V.  M., 
proseguindo  na  carreira  que  actualmente  trilha,  hostil  á  nação 
e  instrumento  cego  de  uma  facção  inimiga  do  Brazil,  persistir 
em  realizar  a  viagem  a  Minas,  talvez  nunca  mais  volte  ao 
Rio  de  Janeiro,  e  é  esse  o  menor  mal  que  prevejo. 

«  Um  dós  tios-av6s  de  V.  M.  acabou  seus  dias  em  uma 
prisão  em  Cintra  (^).  V.  M.  poderá  acabar  os  seus  em  alguma 
prisão  de  Minas,  a  titulo  de  doido,  e  realmente  só  um  doido 
sacrifica  os  interesses  de  uma  nação,  da  sua  familia  e  da  rea- 
leza em  geral,  aos  caprichos  e  seducções  de  creados  caixeiros 
portuguezes,  que  aliás  constituem  a  escoria  do  que  ha  de 
mais  vil  e  ignorante  na  Europa  civilisada  (^).» 

Quando  irritadas  se  achavam  as  auctoridades  com  as 
continuas  censuras  que  ao  governo  fazia  a  imprensa  de  norte 
a  sul  do  império,  deu-se  na  cidade  de  S.  Paulo  o  assassinato 
do  jornalista  dr.  João  Baptista  Libero  Badaró,  redactor  do 


( 1 )  D.  Afíonso  VI,  a  quem  seu  irniálo  D.  Pedro  II,  depois  de  Uie  haver 
usurpado  o  throno,  mpndou  conduzir  preso  para  a  ilha  Terceira  e  depois  para 
Cintra,  onde  morreu. 

( 2  )   rida  do  niarquez  de  Rarbacena^  pags.  808  e  809. 


CAPITULO  XXVIII  265 


Observador  Constitucional^  attentado  succedido  na  noite  de 
20  de  Novembro  de  1830. 

Libero  Badaró  nascera  na  Itália,  na  cidade  marítima 
de  Laigueglia  (provincia  de  Génova),  no  anno  de  1798.  Era 
formado  em  medicina  pelas  universidades  de  Pavia  e  Turim. 

Viera  para  o  Brazil  em  1826.  Depois  de  dois  annos  de 
estada  no  Rio  de  Janeiro,  onde  se  applicon  com  vantagem 
ao  estudo  de  nossa  flora,  partiu  para  S.  Paulo  e  encetou  ahi 
a  sua  carreira  medica. 

Collocado  em  um  meio  agitado  de  idéas  politicas,  de  que 
a  academia  paulistana  inaugurada  a  i.°  de  Março  de  1828 
se  fazia  um  dos  centros  de  propaganda,  o  dr.  Badaró,  que 
tinha  em  seus  appellidos  um  symbolo  de  liberdade,  sentiu-se 
com  prazer  arrastado  na  onda  reaccionária,  de  opposição  a  um 
governo  deploravelmente  retrógrado. 

Moço  e  enthusiasta  pelos  grandes  ideaes  que  constituiam 
as  aspirações  de  um  povo  recém  liberto  da  cadeia  colonial, 
o  joven  medico  italiano  frateniizou  com  os  patriotas  os  exal- 
tados sentimentos  de  seu  coração  e  as  fulgurações  de  seu 
cultivadissimo  talento. 

«Suas  virtudes  e  sua  instnicçáo,  disse  a  gazeta  Astrèa^ 
o  tinham  disposto  a  prestar-se  naturalmente  para  tudo  que 
fosse  dirigido  a  beneficiar  a  espécie  humana;  e  a  esperança 
de  lhe  ser  útil  com  seus  conhecimentos,  unida  aos  convites 
de  uma  grande  multiplicidade  de  vozes  que  se  erguiam  de 
toda  a  parte  contra  os  inimigos  do  systema  politico  estabe- 
lecido e  jurado,  o  determinaram  a  desposar  a  causa  d'este 


u 


266  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


mesmo  systema  e  a  levantar  como  escriptor  publico  a  espada 
sobre  as  indignidades  e  as  machinações  dos  perversos, 
fazendo-se  para  com  os  povos  o  interprete  da  razão  e  da  lei 
e  o  órgão  geral  da  gente  livre  e  cordata. » 

Durante  quasi  um  anno  leccionou  elle  gratuitamente 
geometria  no  curso  (depois  faculdade)  de  sciencias  sociaes 
e  jurídicas,  e  a  convivência  mantida  com  os  estudantes 
facilitou-lhe  o  rápido  conhecimento  da  lingua  portugueza 
e  o  fez  interessar-se  vivamente  por  nossas  questões  politicas. 

Desejoso  de  prestar  aos  brazileiros  um  serviço  relevante, 
como  era  o  seu  apoio  intellectual  á  justa  causa  que  defendiam, 
Ivibero  Badaró  fundou  o  Observador  Constitucional^  desti- 
nado, de  accordo  com  seu  titulo,  a  chamar  os  homens  de 
governo  ao  cumprimento  dos  deveres  constitucionaes. 

No  desempenho  de  sua  missão,  como  jornalista  de  idéas 
adeantadas  e  dignas  de  applausos  pela  coragem  com  que  eram 
emittidas,  Badaró  escreveu  fortes  accusações  contra  o  vice- 
presidente  da  provincia  de  S.  Paulo,  bispo  diocesano  D.  Ma- 
noel Joaquim  Gonçalves. de  Andrade  e  contra  o  ouvidor, 
desembargador  Cândido  Ladislau  Japiassú,  por  ter  esta  aucto- 
ridade  mandado  prender  estudantes  na  occasião  em  que  feste- 
javam o  estrondoso  desthronamento  do  rei  absoluto  Carlos  X, 
facto  occorrido  em  Pariz  nos  memoráveis  dias  27,  28  e  29 
de  Julho  de  1830. 

Como  testemunho  insuspeito  de  que  o  ouvidor  era  um 
espirito  violento,  atrazado,  hostil  a  todas  as  manifestações 
liberaes,   instrumento   de   ferro   do  absolutismo,   damos   os 


CAPITULO   XXVIII  267 


seguintes  tópicos  da  representação  que  contra  elle  dirigiu  a 
camará  municipal  de  S.  Paulo  ao  conselho  do  governo  da 
provincia,  em  data  de  8  de  Outubro  de  1830: 

«O  procedimento  anti-constitucional,  arbitrário  e  tyran- 
nico  do  ouvidor  tem  posto  em  perigo  a  tranquillidade  publica. 
Cidadãos  pacificos,  obedientes  ás  leis,  amantes  da  consti- 
tuição, que  por  felicidade  nossa  rege  este  império,  são 
ameaçados  de  prisão  e  quem  sabe  de  que  outros  castigos,  só 
pelo  facto  de  terem  illuminado  suas  janellas  na  noite  de  5  do 
corrente  e  de  se  terem  alegrado  porque  o  governo  tyrannico 
que  pesava  sobre  a  França  fora  destruido.  Consta  que 
uma  devassa  geral  está  aberta.  Cada  um,  olhando  para  as 
consequências  que  pôde  n'isto  trazer  o  desenvolvimento  das 
vinganças  particulares,  receia  por  si;  a  indignação  é  uni- 
versal, e  quem  é  que  nos  pôde  afiançar  que  n'este  estado  se 
não  perca  a  prudência  e  não  se  lance  mão  de  medidas  vio- 
lentas? Quem  nos  pôde  afiançar  que  uma  sublevação  contra 
este  ouvidor  não  se  realize?  Senhores,  a  camará  ponderou 
tudo  isso  e  se  reuniu  extraordinariamente  só  para  este  fim 
e  vem  requerer  a  V.V.  EExas.  a  suspensão  d'esse  magis- 
trado, porque  de  sua  conservação,  ao  menos  na  crise  actual, 
podem,  e  é  quasi  certo  que  resultarão  males  incalculáveis. » 

Esta  representação  nenhum  efFeito  produziu:  o  ouvidor 
continuou  em  pleno  uso  de  perseguições  illegaes  e  vexatórias. 

Indignado  contra  a  critica  acerada,  mas  justa,  de  Libero 
Badaró,  o  ouvidor  Japiassíí  exerceu  contra  o  illustre  jornalista 
uma  vingança  barbara. 


268  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Segundo  lemos  em  Alguns  apontamentos  biographicos  de 
Libero  Badarô  e  Chrontca  de  sen  assassinato  perpetrado  na 
cidade  de  S,  Paulo  a  20  de  Novembro  de  18 jo^  memoria  escri- 
pta  por  Argimiro  da  Silveira  (0)  o  facto  criminoso  deii-se 
do  seguinte  modo,  exposto  pelo  periódico  de  propaganda 
republicana,  Rebate^  em  seu  numero  de  26  de  Junho  de  1888: 

«  No  correr  de  Novembro  de  1830,  apeou-se  na  freguezia 
do  Braz,  em  a  chácara  do  dr.  Justiniano  de  Mello  Franco, 
o  tenente  de  caçadores  Carlos  José  da  Costa,  vindo  por  terra 
do  Rio  a  S.  Paulo  para  executar  a  sentença^  sob  promessa 
de  ser  promovido  ao  posto  de  capitão. 

«Não  conhecendo  o  condemnado,  pediu  a  Mello  Franco 
um  seu  filho  que  lh'o  fosse  mostrar:  foi-lhe  negado  o  concurso 
do  menino,  dando-se-lhe  como  substituto  o  allemão  Henrique 
Stock,  que  de  boa  vontade  se  prestou. 

íí  Na  noite  de  20  de  Novembro,  apercebidos  de  armas  e 
disfarçados,  foram  os  dois  sicários  postar-se  junto  á  casa  em 
que  morava  Badaró  e  que  ficava  na  rua  de  S.  José  (^),  ao 
lado  esquerdo  de  quem  ia  para  o  largo  de  S.  Francisco,  em 
frente  A  i)r()pricdadc  que  é  hoje  do  sr.  Proost  Rodovalho. 

« Majfnifico,  soberbo,  claro  como  o  dia,  era  o  luar  d^essa 
noite*  nt*fan(Ia. 

«A  niii  fHtíiva  clicia  de  transeuntes;  familias,  innocentes 


'  <  /  Ntf>  tf>i  /utf  ///»/ .  tom.  I.III,  a.a  pari.,  pags.  309  a  384. 

/  '  /    h'*)^-  Miil  l,tÍH  Ml  llililitM^. 


CAPITULO  XXVIII  269 


meninas  passeavam  por  junto  dos  vultos  que,  fingindo-se 
ébrios,  aguardavam  a  victima. 

«Por  essas  mesmas  horas,  em  casa  do  dr.  Cândido 
Ladislau  Japiassú  jogavam  com  elle  ao  voltarete  Thomaz 
José  Pinto  de  Siqueira  (vulgo  Siqueira  Moleque\  João 
Caldas  Vianna  e  Pedro  Rodrigues  Fernandes  Chaves,  depois 
barão  do  Quarahy  (^ ).  No  correr  da  conversação,  com  que 
entre-sachavam  o  jogo,  escaparam  ao  dr.  Japiassú  estas 
palavras :  «  Não  tardará  muito  que  pague  Badaró  as  injurias 
que  tem  vomitado. » 

«Após  breve  lapso  de  tempo,  o  tenente  Costa  e  o  allemão 
Stock  avistaram  Badaró  que,  dobrando  a  rua  Direita,  vinha 
apressado  para  a  casa.  Puzeram-se  de  promptidão  e  foram  ao 
encontro  do  benemérito  popular. 

«Stock  reconheceu-o,  acercou-se-lhe,  travou  conversação 
com  elle  nos  seguintes  termos : 

« —  Sr.  dr.  Badaró,  quero  que  V.  S.  ponha  na  sua  foi  ha 'o 
ouvidor  Japiassú,  que  me  lesou  em  um  negocio  de  farinha  de 
trigo.. 

« —  Amigo,  é  um  pouco  tarde  para  tratarmos  d'isso; 
venha  depois  de  amanhã,  segunda-feira,  e  então  arranjaremos. 

« —  Pois  virei. 

« —  Bem ;  então,  boa  noite. 


( I  )  o  dr.  Pedro  Rodiigucs  Fernandes  Chaves,  natural  do  Rio  Grande  do 
Sul,  mais  tarde  senador  do  império  e  chefe  do  partido  conservador  em  sua 
provincia  natal,  fallcccu  cm  Pisa,  na  Itália,  a  23  de  Junho  de  1866,  com  56  annos 
de  edade. 


270  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


ff  Este  dialogo,  verdadeiro  beijo  de  Judas,  tinha  por  fim 
dar  a  conhecer  o  infeliz  democrata  ao  matador,  que,  levan- 
tando por  baixo  da  japona  uma  pistola  previamente  enga- 
tilhada, disparou  um  tiro  de  bala,  que  se  foi  empregar  no 
baixo  ventre  da  victima. 

«Cahir  Badaró  ferida  de  morte,  gritando  por  soccorro, 
evadirem-se  assassino  e  cúmplice  e  acudir  o  estudante 
Varella,  foi  obra  de  um  momento  só. 

«Badaró  declarou  logo  que  os  assassinos  eram  dois  alle- 
mães,  que  o  procuraram  dizendo  quererem  fazer  no  Obser- 
vador Constitucional  uma  publicação  contra  o  ouvidor, 
desembargador  Japiassú. 

«Contam  pessoas  antigas  que  no  final  do  dialogo  o 
tenente  dissera :  « A  correspondência  contra  o  dr.  Japiassú  é 
esta  .    .    .  »  e  disparou  a  arma. 

Narra  uma  testemunha  presencial  da  morte  de  Badaró  ( " ) : 

«Aos  amigos  que  o  cercavam,  aos  collegas  que  o  procu- 
ravam illudir  acerca  da  gravidade  do  ferimento  (ruptura  por 
bala  em  um  ramo  importante  da  artéria  iliaca),  elle  respon- 
dia tranquillo: 

«Não  me  illudem;  eu  sei  que  vou  morrer;  não  importa! 

MORRE  UM  LIBERAL,  MAS  NÃO  MORRE  A  LIBERDADE!» 

«Palavras  memorandas  que  a  tradição  conserva  ainda 
cheias  de  vida  e  que  as  successivas  gerações  levarão  á  mais 


( I  )  Dr.  Joaquim  António  Pinto  Júnior  :  Assassinato  do  dr.  João  Baptista 
Libero  Badaró. 


CAPITULO   XXVIII  271 

remota  posteridade,  para  que  todos  conheçam  com  quanta 
resignação  morre  aquelle  que  se  sacrifica  por  uma  causa 
santa. » 

Libero  Badaró  falleceu  24  horas  depois  do  attentado,  ás 
10  horas  da  noite  de  21  de  Novembro. 

O  assassinato  d'este  enérgico  homem  de  imprensa  produziu 
dolorosa  impressão  em  todos  os  espiritos  patriotas :  o  próprio 
monarcha  não  foi  isento  da  pecha  de  cúmplice  no  horroroso 
crime,  divulgada  a  noticia  de  que  o  tenente  Carlos  José  da 
Costa  partira  do  Rio  de  Janeiro. 

Para  sustentar  os  direitos  de  sua  filha  á  coroa  portugueza, 
via-se  D.  Pedro  I  em  circumstancias  difficeis,  que  o  obrigaram 
a  um  meio  extremo :  a  illegalmente  lançar  mão  dos  cofres  pú- 
blicos brazileiros  para  manter  guerra  contra  D.  Miguel, 
auxiliando  com  fortes  sommas  a  todos  os  portuguezes  que 
se  revelavam  anti-miguelistas  e  se  dispunham  a  contra- 
revolucionar  Portugal.  O  procedimento  do  imperador  foi 
fortemente  censurado  tanto  na  assembléa  como  pela  imprensa, 
a  cuja  frente  se  achava  Evaristo  Ferreira  da  Veiga.  Dia  a  dia 
avultavam  desconfianças  contra  o  monarcha,  que  se  paten- 
teava mais  sympathico  a  interesses  portuguezes  do  que  a 
brazileiros.  As  manifestações  populares  de  que  elle  era  alvo 
transformara m-se  em  indiíFerença,  senão  em  hostilidade. 
O  povo  começava  a  consideral-o  um  traidor  ao  Brazil,  ao 
qual  officialmente  chamava  elle  de  pátria. 

Para  acalmar  os  mineiros  que  lhe  contrariavam  a  politica. 


272  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


propagando  idéas  republicanas,  de  federação  das  províncias, 
e  para  fazer  com  que  fosse  re-eleito  deputado  o  ministro 
do  império  José  António  da  Silva  Maia,  D.  Pedro  partiu  para 
Ouro  Preto  em  Fevereiro  de  1831,  encontrando  por  toda 
parte  desanimadora  frieza. 

Quando  passou  por  Barbacena,  viu  o  povo  revestido  de 
lucto  celebrar  exéquias  á  memoria  de  Libero  Badaró,  demons- 
tração evidente  de  que  os  mineiros  eram  solidários  com  as 
idéas  do  adeantado  jornalista. 

A  22  de  Fevereiro  de  183 1  publicou  D.  Pedro  na  cidade 
de  Ouro  Preto  a  seguinte  Proclamação  aos  mineiros^  documento 
de  grave  inconveniência  politica,  pois-acirrou  ainda  mais  os 
ódios  levantados  contra  sua  pessoa : 

«É  esta  a  segunda  vez  que  tenho  o  prazer  de  me  achar 
entre  vós.  E  esta  a  segunda  vez  que  o  amor  que  eu  consagro 
ao  Br^zil  aqui  me  conduz. 

«Mineiros,  não  me  dirigirei  somente  a  vós;  o  interesse  é 
geral ;  eu  falo,  pois,  com  todos  os  brazileiros. 

ff  Existe  um  partido  desorganisador,  que,  aprovei tando-se 
das  circumstancias  puramente  peculiares  da  França,  pretende 
illudir-vos  com  invectivas  contra  a  minha  inviolável  e  sagrada 
pessoa  e  contra  o  governo,  afim  de  representar  no  Brazil 
secenas  de  horror,  cobrindo-o  de  lucto;  com  o  intento  de 
empolgarem  empregos  e  saciarem  sua  vingança  e  paixões 
particulares,  a  despeito  do  bem  da  Pátria,  que  não  attendem, 
aquelles  que  têem  traçado  o  plano  revolucionário. 

« Escrevem  sem  rebuço  e  concitam  os  povos  á  federação ; 


CAPITULO   XXVIII  273 


e  cuidam  salvar-se  doeste  crime  com  o  art.  174  da  lei  funda- 
mental que  nos  rege.  Este  artigo  não  permitte  alteração 
alguma  ao  essencial  da  mesma  lei. 

«Haverá  um  attentado  maior  contra  a  constituição  que 
jurámos  defender  e  sustentar,  do  que  pretender  alteral-a  na 
sua  essência?  Não  será  isto  um  ataque  manifesto  ao  sagrado 
juramento  que  perante  Deus  todos  nós  mui  voluntariamente 
prestámos?  Oh!  Caros  brazileiros,  eu  não  vos  falo  agora  como 
vosso  inperador  e  sim  como  vosso  cordial  amigo. 

ff  Não  vos  deixeis  illudir  por  doutrinas  que  tanto  têem  de 
seductoras^  quanto  de  perniciosas ;  ellas  só  podem  concorrer 
para  a  vossa  perdição  e  do  Brazil  e  nunca  para  a  vossa  felici- 
dade e  da  Pátria.  Ajudai-me  a  sustentar  a  constituição,  tal 
qual  existe  e  nós  jurámos.  Conto  comvosco,  contai  commigo. » 

Tal  proclamação  foi  tida  pelos  mineiros,  solidários  com 
o  marquez  de  Barbacena  e  com  Bernardo  Vasconcellos,  como 
um  desafio  revolucionário. 

Desilludido,  regressou  o  monarcha  ao  Rio  de  Janeiro, 
chegando  incognitamente  ao  paço  da  Boa  Vista  ás  3  horas 
da  madrugada  do  dia  1 1  de  Março. 

Como  acinte  a  brazileiros,  resolveram  os  portuguezes 
realizar,  em  regosijo  á  volta  do  imperador,  vistosas  festas,  em 
três  noites  consecutivas,  a  12,  13  e  14,  com  illuminação  e 
fogueiras  nas  ruas  principaes. 

Na  primeira  noite,  deram-se  provocações  e  insultos  por 
parte  dos  luzitanos  contra  os  brazileiros,  porque  nenhum 
doestes  havia  deitado  luminárias. 

:)Ô  TOM.  II 


274  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Na  noite  de  13,  alguns  brazileiros  foram  assistir  aos 
festejos,  e,  chegando  á  nia  da  Quitanda,  onde  havia  um  coreto 
de  musica,  depois  de  erguerem  vivas  á  constituição  e  ao 
imperador,  correspondidos  pelos  portuguezes,  deram  vivas  á 
nação  brazileira,  A  esta  manifestação  correspondeu,  como 
signal,  um  tiro  de  pistola  e  em  seguida  foram  os  nacionaes 
acommettidos  de  paus,  espadas,  e  fundos  de  garrafas  arre- 
messados das  janellas ;  a  rua  tomou-se  uma  praça  fechada  e 
ahi  acutilados  e  espancados  os  brazileiros,  aos  gritos  de 
morram  os  caibras^  morra  o  Republico  ( ^ ),  morra  a  federação^ 
viva  o  imperador  absoluto!  Os  brazileiros  foram  perseguidos 
pelas  ruas  até  ao  largo  da  Constituição. 

Teve  este  conflicto  o  nome  popular  de  noite  das  gar-- 
rafadas. 

Na  noite  de  14,  mais  de  400  portuguezes  atacaram  varias 
casas  de  brazileiros,  como  a  loja  de  encadernação  de  Silvino 
José  de  Almeida,  a  qual  pretenderam  incendiar,  a  botica  de 
Juvencio  Pereira  Ferreira,  e  espancaram  os  nacionaes  que 
encontravam. 

Certos  de  impunidade,  pois  contavam  com  a  protecção 
dimanada  desde  o  monarcha  até  ao  commandante  da  policia, 
os  luzitanos  foram,  em  grande  algazarra,  apedrejar  a  casa  do 
eminente  jornalista  e  deputado  liberal  Evaristo  Ferreira  da 


(  I  )  Além  do  Republico,  appareceram  no  Rio  de  Janeiro,  no  anno  de  1830, 
os  periódicos:  Sagiííario,  Tribuno  do  Povo,  jyHlampo  Popular,  Campeão 
Brazileiro,  Observador  das  Galerias  da  Assemblia  Geral,  Verdadeiro  Patriota, 
Brazileiro  Imparcial,  Espelho  da  Justiça. 


CAPITULO  XXVIII  275 


Veiga,  residente  á  rua  da  Quitanda.  Travoií-se  combate, 
sendo  necessária  a  força  policial  para  dar  fim  ao  sangrento 
conflicto,  de  que  resultou  a  prisão  de  13  brazileiros  e  de  três 
officiaes  também  brazileiros,  capitão  Marianno  Joaquim  de 
Siqueira,  e  dois  alferes,  Faustino  dos  Reis  e  Francisco  Joa- 
quim Bacellar,  estes  últimos  enviados  para  a  fortaleza  de 
Santa  Cruz  e  da  Lage  ('). 

Orgulhosos  de  suas  façanhas^  campeavam  impunes  os 
portuguezes. 

Em  vista  de  factos  tão  revoltantes,  deputados  e  o  senador 
Nicolau  Pereira  de  Campos  Vergueiro  reuniram-se  na  resi- 
dência do  deputado  mineiro  padre  José  Custodio  Dias,  á  rua 
da  Ajuda,  e  depois  de  calorosa  discussão,  resolveram  reclamar 
officialmente  providencias  do  governo. 

Foi  incumbido  Evaristo  da  Veiga  de  redigir  a  represen- 
tação em  termos  enérgicos,  porém  dignos,  próprios  dos  brios 
nacionaes  ultrajados. 

A  pundonorosa  representação  datada  de  17  de  Março 
de  1831,  que  decidiu  da  sorte  de  D.  Pedro  I  no  Brazil  e  á  qual 
o  príncipe,  por  mal  aconselhado,  não  ligou  importância,  é 
um  documento  histórico  de  alto  valor  pelas  consequências 
decisivas  que  d'elle  se  originaram.  Foi  concebido  nos 
seguintes  termos: 


( I  )  Silvério  Cândido  de  Faria  :  Breve  historia  dos  felizes  acontecimen- 
tos politicos  no  Rio  de  Janeifv^  em  os  sempre  memoráveis  dias  6  c  7  de  Abril  de 
iSji  (  Rio  de  Janeiro,  1831  ),  pags.  28  e  29. 


276  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


«Senhor. — Os  representantes  da  nação  abaixo  assignados, 
doídos  profundamente  dos  acontecimentos  que  tiveram  logar 
n'esta  capital,  especialmente  no  dia  13  do  corrente  mez,  por 
occasião  dos  festejos  que  se  dispiizeram,  não  tanto  para 
solemnizar  o  feliz  regresso  de  V.  M.  I.  e  C,  como  principal- 
mente para  ludibriar  e  maltratar  os  brazileiros  amigos  da 
liberdade  e  da  pátria,  que  foram  de  facto  cobertos  de  oppro- 
brios  pelo  partido  luzitano,*que  se  insurgiu  de  novo  no  meio 
de  nós,  entre  gritos  de  vivam  os  portugueses  e  de  morram  os 
sediciosos  e  anarchicos^  e  violências  de  todos  os  géneros,  de  que 
têem  sido  victimas  alguns  patriotas,  cujo  sangue  foi  derra- 
mado era  uma  aggressão  pérfida,  e  já  de  antemão  premeditada 
por  homens  que  no  delirio  de  seus  crimes  eram  claramente 
protegidos  pelo  governo  e  pelas  auctoridades  subalternas, 
como  elles  mesmos  blasonavam,  compromettendo  até  com 
incrivel  audácia  o  nome  augusto  e  respeitável  de  V.  M.  I.  e  C, 
julgam  de  seu  dever,  como  cidadãos,  em  quem  recahiram  os 
votos  de  seus  compatriotas^  como  bons  brazileiros,  muito 
de  perto  interessados  na  conser\'ação  da  honra  e  dignidade 
da  nação,  e  na  estabilidade  do  throno  constitucional,  elevar 
a  sua  voz  até  á  augusta  presença  de  V.  M.  I.  e  C,  pintando- 
Ihe,  n'este  breve  quadro,  a  cuja  mesquinhez  supprirá  a  alta 
concepção  de  S.  M.  I.  e  C,  a  triste  situação  em  que  se  acham 
os  negócios  da  pátria  e  pedindo  instantemente  as  providencias 
necessárias,  já  para  o  restabelecimento  da  ordem  e  do  socego 
publico,  já  para  a  desaffronta  do  Brazil,  vilipendiado  e  pun- 
gido no  mais  delicado  e  sensivel  do  brio  e  pundonor  nacional; 


CAPITULO  XXVIII  277 


providencias  estas  que  não  devem,  todavia,  exorbitar  do 
circulo  ordinário  da  fiel  execução  das  leis,  punindo-sé  na 
conformidade  d^ellas  os  auctores  e  cúmplices  dos  attentados 
commettidos,  e  responsabilizando-se  as  auctoridades  que,  por 
notória  connivencia  ou  apathica  indifferença,  deixaram  o 
campo  livre  aos  assassinos  e  perturbadores  da  paz  e  tranquil- 
lidade  commum. 

«Senhor,  os  sediciosos,  á  sombra  do  augusto  nome  de 
V.  M.  I.  e  C,  continuam  na  execução  de  seus  planos  tene- 
brosos; os  ultrages  crescem,  a  nacionalidade  soffre,  e  nenhum 
povo  tolera,  sem  resistir,  que  o  extrangeiro  venha  impôr-lhe 
no  seu  próprio  paiz  um  jugo  ignominioso.  De  extrangeiros 
que  se  honram  de  ser  vassallos  de  D.  Miguel  e  de  outros, 
súbditos  da  Sra.  D.  Maria  II,  se  compunham,  em  gjande  parte, 
esses  grupos  que,  nas  noites  de  13  e  de  14,  nós  vimos  e  ouvimos  • 
encher  de  impropérios  e  baldões  o  nome  brazileiro,  espancar 
e  ferir  a  muitos  de  nossos  compatriotas,  a  pretexto  de  fede- 
ralistas, de  uma  questão  politica  cuja  decisão  pende  do  juizo 
e  deliberação  do  poder  legislativo,  e  nunca  do  furor  insensato 
e  sanguinário  de  homens  grosseiros,  cujo  entendimento  é 
demais  alienado  por  suggestões  traidoras. 

ff  Os  brazileiros,  tão  cruelmente  offendidos,  os  brazileiros 
que  se  ameaçam  ainda  com  prisões  parciaes  e  injustas,  nutrem 
em  seu  peito  a  indignação  mais  bem  fundada  e  mais  profunda, 
não  sendo  possivel  calcular  até  onde  chegarão  os  seus  resul- 
tados, si  acaso  o  governo  não  cohibir  desde  já  semelhantes 


278  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


desordens,  si  não  tomar  medidas  para  que  a  affronta  feita  á 
nação  seja  quanto  antes  reparada. 

ff  Os  representantes  abaixo  assignados  assim  o  esperam, 
confiados  na  sabedoria  e  patriotismo  de  V.  M.  I.  e  C. ,  a  des- 
peito dos  traidores  que  possam  rodear  o  throno  de  V.  M.  I. 
e  C. ,  os  quaes  não  terão  força  bastante  para  suffocar  ahi  estes 
clamores  que  saem  de  corações  ulcerados,  mas  amigos  de  seu 
paiz  e  da  justiça.  As  circumstancias  são  as  mais  urgentes, 
e  a  menor  demora  pôde  em  taes  casos  ser  funestíssima. 

.  «  A  confiança  que  convinha  ter  no  governo  está  quasi  de 
todo  perdida,  e  si  por  ventura  ficarem  impunes  os  attentados 
contra  os  quaes  os  abaixo  assignados  representam,  importará 
isso  uma  declaração  ao  povo  brazileiro  de  que  lhe  cumpre 
vingar,  elle  mesmo,  por  todos  os  meios,  a  sua  honra  e  brio, 
tão  indignamente  maculados. 

<í  Esta  linguagem.  Senhor,  é  franca  e  leal :  ouça-a  V.  M. 
I.  e  C. ,  persuadido  de  que  não  são  os  aduladores  que  salvam 
os  impérios,  sim  aquelles  que  têem  bastante  força  d'alma 
para  dizerem  aos  príncipes  a  verdade,  ainda  que  esta  os  não 
lisonjeie.  A  ordem  publica,  o  repouso  do  estado,  o  throno 
mesmo,  tudo  está  ameaçado,  si  a  representação  que  os  abaixo 
;  assignados  respeitosamente  dirigem  a  V.  M.  I.  e  C.  não  fôr 

,  attendida  e  os  seus  votos  completamente  satisfeitos.  » 

j  Assignaram  esta  representação  o  senador  Nicolau  Pereira 

•  de  Campos  Vergueiro  e  23  deputados:  Evaristo  Ferreira  da 

*  Veiga,    António    Paulino   Limpo   de    Abreu    (visconde   de 

i  Abaete),    Honório    Hermeto   Carneiro    Leão    (marquez   de 


CAPITULO  XXVIII  279 


Paraná),  padre  José  Martiiiiano  de  Alencar,  Manoel  Odorico 
Mendes,  Cândido  Baptista  de  Oliveira,  José  Joaquim  Vieira 
Souto,  Venâncio  Henriques  de  Rezende,  António  João  de 
Lessa,  José  Maria  Pinto  Peixoto,  Augusto  Xavier  de  Carva- 
lho, padre  José  Custodio  Dias,  Joaquim  Manoel  Carneiro  da 
Cunha,  Francisco  de  Paula  Barros,  Baptista  Caetano  de 
Almeida,  Manoel  Pacheco  Pimentel,  António  de  Castro 
Alvares,  João  Fernandes  de  Vasconcellos,  António  José  da 
Veiga,  Manoel  do  Nascimento  Castro  e  Silva,  Vicente  Ferreira 
de  Castro  e  Silva,  Honorato  José  de  Barros  Paim  e  Joaquim 
Francisco  Alves  Branco  Moniz  Barretto. 

A  representação  foi  entregue  ao  ministro  da  justiça,  vis- 
conde de  Alcântara,  a  17  de  Março;  no  dia  seguinte,  o  mesmo 
ministro  enviou  esta  lacónica  e  banal  resposta  aos  represen- 
tantes:. 

«O  governo  tem  tomado  as  medidas  necessárias  e  dado 
as  convenientes  providencias  para  manter  o  socego  e  tranquil- 
lidade  publica  e  continuará  a  empregar  esforços  conducentes 
ao  mesmo  fim. » 

Nenhumas  providencias,  porém,  foram  dadas  para  a 
punição  dos  criminosos. 

A  25  de  Março  realizaram  os  patriotas  uma  solemnidade 
religiosa  na  egreja  de  S.  Francisco  de  Paula,  em  comme- 
moração  do  7.°  anniversario  do  juramento  da  constituição 
e  para  suffragar  a  alma  de  Libero  Badaró.  Compareceu  o 
imperador  á  egreja,  sendo  recebido  com  vivas  a  D.  Pedro 
emqtíanto   constitucional^   ao   que   elle   respondeu :   « Fui  e 


28o  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


serei  sempre  constitucional.»  Muitos  exaltados  ergueram 
vivas  a  D.  Pedro  II.  Elle  retorquiu:  «Ainda  é  muito 
creança. » 

Molestado  com  estas  hostilidades  continuas,  desejoso  de 
operar  uma  reacção  enérgica,  própria  de  seu  temperamento 
bellicoso,  resolveu  D.  Pedro,  a  5  de  Abril  de  1831,  mudar  o 
ministério,  escolhendo  para  seus  secretários,  titulares  não 
tirados  da  camará,  mas  frequentadores  do  paço.  Designou 
para  o  novo  gabinete:  ministro  da  fazenda,  marquez  de 
Baependy  (Manoel  Jacintho  Nogueira  da  Gama);  ministro  da 
marinha,  marquez  de  Paranaguá  (Francisco  Villela  Barbosa) ; 
ministro  do  império,  marquez  de  Inhambupe  ( António  Luiz 
Pereira  da  Cunha);  ministro  da  guerra,  marquez  de  Lages 
(João  Vieira  de  Carvalho) ;  ministro  de  extrangeiros,  marquez 
de  Aracaty  (João  Carlos  Augusto  de  Oyenhausen  Greven- 
burg)  e  ministro  da  justiça,  visconde  de  Alcântara  (João 
Ignacio  da  Cunha),  homens  já  conhecidos  e  detestados 
pelo  povo,  em  consequência  de  seu  aferro  a  idéas  de 
absolutismo. 

Doeste  modo  atirava  D.  Pedro  novo  repto  aos  liberaes 
exaltados  e  aos  federalistas. 


CAPITULO  XXIX 


ASS;VSSINATO   DO  VISCONDE   DE   CaMAMU  NA   BaHIA.    A    REVOLUÇÃO 

DE  6  E  7  DE  Abril  de  1831.  A  abdicação 
DE  D.  Pedro  I.  Partida  para  Portugal.  — 1830-1831. 


i,NTKS  de  citaniios  os  gravíssimos  acontecimentos 
succedidos  no  Rio  de  Janeiro,  após  a  inauguração  do  gabinete 
de  5  de  Abril,  devemos  mencionar  um  attentado  connnettido 
na  Bahia. 

A  28  de  Fevereiro  de  1830,  o  presidente  d'essa  provincia 
e  commandante  das  armas,  José  Eg>'dio  Gordilho  de  Barbuda, 
visconde  de  Cainamíi,  recolhendo-se  de  um  passeio,  ao 
apear-se  de  seu  carro  no  largo  do  theatro,  foi  aggredido  por 
um  cavalleiro  desconhecido,  que  o  matou  com  um  tiro 
de  bacamarte.  O  crime  foi  praticado  ao  escurecer.  Acto  con- 
tinuo, o  assassino  evadiu-se  a  todo  o  galope.  Nenhuns  outros 
esclarecimentos  pudemos  encontrar  sobre  este  facto,  que  ficou 
para  sempre  envolto  em  mysterioso  véo. 

Publicada  a  6  de  Abril  a  nova  organisação  ministerial, 
composta  de  cidadãos  impopulares,  fidalgos  prepotentes 
e  só  mallcaveis  á  vontade  do  imperador,  grande  nmltidão 

:Ui  TOM.  II 


282  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


começou  a  affliiir  ao  campo  da  Acclamação,  chamado  Campo 
da  Honra^  calculando-se,  ás  5  horas  da  tarde,  em  4.000  o 
numero  dos  populares. 

O  commercio  havia  fechado  suas  portas,  bem  como  grande 
numero  de  casas  particulares.  A  revolução  estava  na  rua. 

Oradores  inflammados  protestavam  contra  a  formação  do 
novo  ministério  e  reclamavam  o  restabelecimento  do  anterior; 
os  mais  enthusiastas  concitavam  as  massas  para  que  se  pro- 
clamasse desde  logo  a  republica. 

Os  deputados  liberaes  reuniram-se  na  residência  do 
padre  José  Custodio  Dias  e  ahi  discutiram  o  que  lhes 
cumpria  fazer  em  tão  perigosa  emergência. 

Odorico  Mendes  e  o  padre  Custodio  Dias  opinaram  que 
se  desse  curso  á  revolução. 

Triumphou  a  idéa  de  que  deviam  os  deputados  coUocar-se 
á  frente  do  movimento  para  encaminhal-o  de  modo  a  que 
não  cahisse  em  lamentável  anarchia. 

Uniram-se  ao  povo  os  que  assignaram  a  representação 
de  17  de  Março,  tornando-se  salientes  por  sua  actividade 
Evaristo  da  Veiga,  Carneiro  Leão,  Henriques  de  Rezende, 
Limpo  de  Abreu  e  padre  Alencar. 

Foram  convocados  os  juizes  de  paz,  três  dos  quaes  se 
reuniram  no  quartel  do  campo  de  Sant^Anna. 

Ao  ver  que  o  levantamento  era  geral,  o  general  comman- 
dante  das  armas  Francisco  de  Lima  e  Silva  (^)  expediu 


( I  )  Pae  de  Luiz  Alves  de  Uma  e  Silva,  duque  de  Caxias. 


CAPITULO   XXIX  283 


O  major  Miguel  de  Frias  e  Vasconcellos  ao  paço  de  S.  Chris- 
tovão  a  participar  a  D.  Pedro  a  origem  do  tmnulto. 

O  monarcha  respondeu  qíie  de  bom  grado  ouviria  os 
juizes  de  paz  que  lhe  fossem  falar  em  nome  do  povo.  Pelo 
mesmo  official  remetteu  elle  uma.  proclamação  que  foi  lida 
aos  patriotas  amotinados. 

Sem  prestar  attenção  alguma  ao  documento  imperial,  ^ 
a   nmltidão    prorompeu   em    brados    de    abaixo    o    minis- 
tério / 

As  oito  horas  da  noite,  três  juizes  de  paz,  da  freguezia 
de  S.  José,  do  Sacramento  e  de  Sant^Anna,  foram  em  com- 
missão  a  S.  Christovão  pedir,  em  nome  do  povo,  demissão 
do  ministério  de  5  de  Abril  e  restabelecimento  do  de  18  de 
Março,  que  se  compunha  do  visconde  de  Goyanna,  Bernardo 
José  da  Gama,  ministro  do  império;  Manoel  José  de  Souza 
França,  ministro  da  justiça ;  Francisco  Carneiro  de  Campos, 
ministro  de  extrangeiros ;  José  Manoel  de  Almeida,  ministro 
da  marinha;  brigadeiro  José  Manoel  de  Moraes,  ministro 
da  guerra  e  visconde  de  Albuquerque,  António  Francisco  de 
Paula  Hollanda  Cavalcanti,  ministro  da  fazenda. 

Rodeado  de  seus  ministros  e  do  intendente  geral  de 
policia,  D.  Pedro  ouviu,  de  muito  mau  humor,  a  exposição 
que  sobre  o  acontecimento  lhe  fizeram  os  juizes  de  paz,  e 
deu-lhes  esta  resposta,  em  tom  de  cólera: 

—  Digam  ao  povo  que  procedi  constitucionalmente,  por- 
que a  constituição  me  dá  o  direito  de  nomear  e  demittir 
livremente  os  ministros.  Hei  de  defender  os  meus  direitos, 


284  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


garantidos  pela  constituição,  á  custa  de  todos  os  meus  bens  e 
sacrííido  de  minha  pessoa. 

K  como  prova  de  que  seu 'procedimento  era  I^al^  abriu 
o  volume  da  constituição  e  leu  em  voz  alta  o  artigo  que  lhe 
garantia  a  livre  escolha  de  seus  ministros. 

Iam  retirar-se  os  juizes,  quando  D.  Pedro  lhes  perguntou: 

— Quantas  pessoas  estão  no  campo  de  SantWnna? 

— Três  a  quatro  mil  pessoas. 

— Nem  duas  mil!  disse  elle  com  desdém.  Em  fim,  já 
respondi.  Procurem  socegar  o  povo.  Tudo  farei  para  o  povo ; 
nada  pelo  povo.  Podem  retirar-se. 

Levada  esta  resposta  ao  campo  de  SanfAnna,  subiu  a 
indignação  a  seu  auge;  gritos  insultantes  revelaram  que  a 
multidão  dispunha-se  a  reagir,  por  todos  os  meios,  contra  a 
deliberação  imperial. 

Generalizou-se  o  movimento  revolucionário,  communi- 
cando-se  com  rapidez  aos  quartéis:  para  o  Campo  da  Honra 
começaram  a  affluir  ardorosamente  os  corpos  de  artilhe- 
ria,  i.°  batalhão  de  granadeiros,  batalhão  de  artilheria.de 
marinha,  o  próprio  batalhão  do  imperador  ou  Guarda  de 
Honra,  estacionada  em  S.  Christovão  e  commandada  pelo 
coronel  Manoel  da  Fonseca  Lima  e  Silva.  O  comparecimento 
dVsta  ultima  força,  de  confiança  do  monarcha,  foi  saudado 
com  patrióticos  vivas. 

Vendo  que  a  revolução  havia  perfeitamente  unido  povo  e 
tropas  e  pela  superexci tacão  dos  ânimos  era  capaz  de  com- 
mcttcr  attentados,  muitos  deputados  moderados  incumbiram 


CAPITULO  XXIX  285 


a  Odorico  Mendes  e  a  Vieira  Souto  irem  pedir  ao  general 
commandante  das  armas  fosse  elle  em  pessoa  relatar  a 
D.  Pedro  a  gravissima  situação  em  que  o  governo  se  achava, 
pois  já  não  podia  contar  com  apoio  algum  da  tropa. 

As  dez  horas  da  noite  partiu  para  S.  Christovão  o  general 
Francisco  de  Lima  e  Silva  que  acceitára  a  delegação  popular. 
O  imperador  respondeu-lhe  da  mesma  forma  por  que  o  fizera 
aos  juizes  de  paz. 

Logo  que  a  multidão  teve  sciencia  da  pertinaz  resposta  de 
D.  Pedro,  predispoz-se  a  marchar  sobre  S.  Christovão,  para, 
por  sua  vez,  falar  ao  imperador,  mas  de  modo  mais  positivo: 
pela  bocca  dos  canhões. 

Lima  e  Silva  interpoz-se  a  este  movimento  desesperado, 
e,  por  segunda  vez,  como  enérgico  tiltimaium^  expediu  para 
S.  Christovão  o  major  Miguel  de  Frias  para  saber  si  com 
effeito  estava  proferida  a  ultima  palavra  sobre  a  questão,  que 
ia  ser  immediatamente  resolvida  pelas  armas. 

Em  caminho,  o  major  Frias  encontrou  a  artilheria  ligeira 
que  havia  sido  chamada  para  reforçar  S.  Christovão,  pois  que 
a  guarda  do  paço  o  abandonara;  a  artilheria  vinha  também 
incorporar-se  ás  forças  reunidas  no  campo  de  SanfAnna, 
tendo,  porém,  obtido  do  imperador  licença  para  este  proce- 
dimento. 

— Vão,  dissera  D.  Pedro.  Não  quero  sacrifício  de  pessoa 
alguma. 

O  paço  da  Boa  Vista  ficara  quasi  abandonado. 

O  major  Frias  contou  em  voz  alta  ao  imperador,   com 


286  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


todos  OS  fortes  detalhes,  que  a  revolução  havia  assumido 
caracter  perigoso;  todas  as  tropas  achavam-sç  reunidas  ao 
povo ;  a  multidão  só  acalmaria  com  a  substituição  do  minis- 
tério .  .  . 

— Não!  Isso  nunca!  exclamou  D.  Pedro  com  voz  arreba- 
tada. Voltar  o  mesmo  ministério,  de  fónna  alguma !  É  contra 
a  minha  honra  e  contra  a  constituição.  Antes  abdicar!  Antes 
a  morte ! 

E  passeava,  de  braços  cruzados,  os  cabellos  em  desordem, 
pallido  e  febril. 

Como  nada  resolvesse,  o  major  ia  sahir,  quando  D.  Pedro 
lhe  disse  que  se  demorasse  um  pouco  mais,  para  levar  a  res- 
posta ao  commandante  das  annas.  Deu  então  ordem  ao 
intendente  geral  da  policia  para  que  fosse  procurar  o  senador 
Vergueiro  e  o  incumbisse  de  organisar  novo  ministério. 

A  penosa  e  afflictiva  situação  obrigou  aquelle  caracter 
violento  e  altivo  a  transigir  com  a  vontade  do  povo.  O 
prestigio  do  senador  Vergueiro  (*)  apparecia-lhe  como  taboa 
de  salvação  no  imminente  naufrágio  —  ultima  esperança  de 
continuar  a  reinar  n'esta  terra. 

Na  manhã  do  dia  6  correra  o  boato  de  que  havia  sido 


(  I  )  Nicolau  Pereira  de  Campos  Vergueiro,  o  grande  patriota,  um  dos  mais 
valentes  cooperadores  da  independência  do  Rrazil,  senador  por  Minas  Geraes, 
nasceu  cm  Valporto,  termo  da  cidade  ds  Bragança,  em  Portugal,  a  20  de 
Dezembro  de  1779.  Bacharel  pela  universidade  de  Coimbra,  veiu  para  o  Brazil  em 
1S05,  estabelecendo  banca  de  advogado  em  S.  Paulo.  Por  esta  província  foi 
deputado  ás  cortes  portuguezis  em  1822.  Palleceu  no  Rio  de  Janeiro  a  17  de 
Setembro  de  1839. 


CAPITULO  XXIX  287 


expedida  ordem  de  prisão  contra  o  senador  lembrado  por 
D.  Pedro:  teve  de  occultar-se  o  enérgico  representante  de 
Minas  Geraes. 

Emquanto  o  intendente  procura  encontrar-se  com  o 
dr.  Vergueiro,  D.  Pedro  passeia  no  paço  da  Bôa  Vista,  agitado, 
nervoso,  proferindo  palavras  desconnexas,  ora  ao  ministro 
francez,  ora  ao  ministro  inglez ;  algumas  vezes  chega  á  sacada, 
imaginando  ouvir  ao  long^  rumores  da  tempestade  popular. 

— Não  ha  nem  mais  um  soldado  no  paço?  perguntou  elle 
a  um  creado. 

— Ha  poucos,  mas  fieis  e  leaes. 

— Estes  não  são  como  muitos  a  quem  enchi  de  benefícios 
e  que  estão  agora  no  campo  a  apregoar-se  de  patriotas,  disse 
elle  com  desprezo. 

ks  2  ]A  horas  da  madrugada  chegou  o  desembargador 
Lopes  Gama,  banhado  em  suor  e  fatigadissimo.  Informou  ao 
imperador  de  que  baldados  haviam  sido  todos  os  esforços  e 
diligencias  na  procura  do  senador  Vergueiro :  não  foi  encon- 
trado em  parte  alguma. 

A  inquietação  do  imperador  pareceu  acalmar,  com  este 
resultado  infructifero :  convidou  os  dois  ministros  extrangeiros 
a  que  o  acompanhassem  ao  seu  gabinete. 

Dez  minutos  depois,  voltava  elle,  com  os  olhos  injectados, 
ruborizadas  as  faces.  Não  poude  reprimir  a  commoção  que 
o  assoberbava:  com  voz  tremula,  soluçante,  disse  ao  major 
Frias,  ao  entrega r-lhe  um  papel : 

—  Aqui  tem  a  minha  abdicação.  Estimarei  que  sejam 


288  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


felizes.  Eu  ine  retiro  para  a  Europa,  e  deixo  um  paiz  que 
muito  amei  e  amo  ainda. 

O  papel  continha  as  seguintes  palavras: 

« Usando  do  direito  que  a  Constituição  me  concede,  declaro 
que  hei  mui  voluntariamente  abdicado  na  pessoa  do  meu 
muito  amado  e  prezado  filho,  o  Sr.  D.  Pedro  de  Alcântara. 
Bôa  Vista,  7  de  Abril  de  1831.  Pedro» 

O  official  partiu  a  todo  o  galope,  levando  aos  revolucio- 
nários mais  do  que  elles  pediam — a  abdicação,  o  retirar-se 
o  monarcha,  d'este  paiz,  deixando  a  coroa  a  uma  creança 
brazileira  de  6  annos  de  edade. 

Indescriptível  contentamento  atroou  de  vivas  a  D.  Pedro  11 
o  vasto  campo,  em  que  se  revolvia,  em  agitadas  ondas,  o 
povo,  plenamente  vingado  de  tantos  ultrages  ultimamente 
soffridos. 

A  faustosa  noticia  da  abdicação  chegou  ao  Campo  da 
Honra  ás  quatro  horas  da  madrugada  de  7  de  Abril. 

Emquanto  a  multidão  expandia  de  modo  delirante  o  seu 
regosijo,  proveniente  de  victoria  tão  completa  quanto  inespe- 
rada, no  palácio  da  Boa  Vista  procedia  D.  Pedro  a  seus 
preparativos  de  viagem. 

Fundamente  impressionado  com  tamanhos  acontecimentos 
occorridos  em  tempo  tão  breve,  o  desthronizado  monarcha 
ora  abraçava  a  esposa,  que  chorava  copiosamente,  ora  debru- 
çava-se  sobre  o  berço  de  seus  pequenos  filhos  D.  Jannaria 
Maria,  de   9  annos   de   edade;  D.  Paula    Marianna,  de    8; 


CAPITULO  XXIX  289 


D.    Francisca   Carolina,   de    7,  e   D.    Pedro   de  Alcântara, 
de  5  annos  e  4  mezes  ( ' ). 

Aos  primeiros  alvores  da  madrugada  de  7  de  Abril,  os 
ex-imperadores  beijaram  com  lagrimas  as  creanças  ador- 
mecidas, e,  acompanhados  pela  rainha  D.  Maria  II,  pelo 
duque  de  Leuchtenberg,  pelos  marquezes  de  Loulé  e  outros 
titulares,  seguiram  para  bordo  da  fragata  Warspite^  onde  se 
demoraram  5  dias. 

Antedatando  uma  carta,  que  appareceu  como  escripta 
a  6  de  Abril,  pediu  D.  Pedro  a  José  Bonifácio  aceitasse  a 
tutoria  de  seus  filhos  e  especialmente  do  herdeiro  da  coroa: 

rf  Amicus  certiis  in  re  incerta  cerniiur, 

« E  chegada  a  occasião  de  me  dar  mais  uma  prova  de 
amizade,  tomando  conta  da  educação  de  meu  muito  amado 
e  prezado  filho,  seu  Imperador. 

« Eu  delego  em  tão  patriótico  cidadão  a  tutoria  de  meu 
querido  filho,  e  espero  que,  educando-o  n'aquelles  sentimentos 
de  honra  e  de  patriotismo  com  que  devem  ser  educados  todos 
os  soberanos  para  serem  dignos  de  reinar,  elle  venha  um  dia 
a  fazer  a  fortuna  do  Brazil,  de  quem  me  retiro  saudoso. 

«Eu  espero  que  me  faça  este  obsequio,  acreditando  que 
a  não  m'o  fazer,  eu  viverei  sempre  atormentado. 

« Seu  amigo  constante,  Pedro.  » 


( I  )  A  princeza  I).  Januaria  nasceu  a  1 1  de  Março  de  1822  ;  D.  Paula  a  17  de 
Fevereiro  de  1823  ;  D.  Francisca  a  2  de  Agosto  de  1824  e  D.  Pedro  de  Alcântara  a 
2  de  Dezembro  de  1825. 

37  TOM.  u 


290  MEMORIAS   BRAZILKIRAS 


O  decreto  de  nomeação  foi  assim  concebido: 

«Tendo  maduramente  reflectido  sobre  a  posição  politica 
doeste  império,  conhecendo  quanto  se  faz  necessária  a  minha 
abdicação  e  não  desejando  mais  nada  n'este  mundo  senão 
gloria  para  mim  e  felicidade  para  a  minha  pátria:  Hei  por 
bem,  usando  do  direito  que  a  Constituição  me  concede  no 
cap.  V,  art  130,  nomear,  como  por  este  imperial  decreto 
nomeio,  tutor  de  meus  amados  e  prezados  filhos  ao  muito 
probo,  honrado  e  patriótico  cidadão  José  Bonifácio  de 
Andrada  e  Silva,  meu  verdadeiro  amigo.  Boa  Vista,  aos  6 
de  Abril  de  1831,  io.°  da  independência  e  do  império. — 
D.  Pedro,  imperador  constitucional  e  defensor  perpetuo 
do  Brazil. » 

No  dia  8  dirigiu  á  camará  dos  deputados  esta  attenciosa 
communicação: 

w  Augustos  e  Dignissimos  Senhores  Representantes  da 
Nação: 

« Participo-vos,  Senhores,  que  no  dia  6  do  corrente  Abril, 
usando  do  direito  que  a  Constituição  me  concede  no  cap.  V, 
art.  130,  nomeei  tutor  de  meus  amados  filhos  ao  muito  probo, 
honrado  e  patriótico  cidadão,  o  meu  verdadeiro  amigo  José 
Bonifácio  de  Andrada  e  Silva. 

«Não  vos  hei,  Senhores,  feito  esta  participação  logo  que 
a  Augusta  Assembléa  Geral  principiou  seus  importantissimos 
trabalhos,  porque  era  mister  que  o  meu  amigo  fosse  primei- 
ramente consultado  e  que  me  respondesse  favoravelmente, 
como  acaba  de  fazer,  dando-me  doeste  modo  mais  uma  prova 


CAPITULO  XXIX  291 


de  sua  amizade;  resta-me  agora  como  pae,  como  amigo  de 
minha  Pátria  adoptiva  e  de  todos  os  brazileiros,  por  cujo 
amor  abdiquei  duas  coroas,  uma  offerecida  e  outra  herdada, 
pedir  á  Augusta  Assembléa  Geral  que  se  digne  confirmar 
esta  minha  nomeação. 

«Eu  assim  o  espero,  confiado  nos  serviços  que  de  todo 
o  meu  coração  fiz  ao  Brazil,  e  em  que  a  Augusta  Assembléa 
não  deixará  de  querer  alliviar-me  doesta  maneira  um  pouco 
as  saudades  que  me  atormentam,  motivadas  pela  separação 
de  meus  caros  filhos  e  da  Pátria  que  adoro. 

«Bordo  da  nau  ingleza  Warspite^  surta  n'este  porto,  aos 
8  de  Abril  de  1831,  10.*^  da  independência  e  do  império. — 
Pedro.  » 

Poucos  dias  depois  do  embarque  do  imperador,  a  mãe  de 
creação  de  D.  Pedro  II,  D.  Marianua  Carlota  de  Verna  Maga- 
lhães Coutinho  (*),  auxiliou  o  menino  imperador  a  escrever 
algumas  linhas  de  despedida  a  seu  pae.  Este  respondeu  do 
seguinte  modo: 

«Meu  querido  filho  e  meu  Imperador. — Muito  lhe  agra- 
deço a  carta  que  me  escreveu;  mal  a  pude  ler,  porque  as 


(  I  )  D.  Marianna  Carlota  de  Verna  Magalhães  Coutinho  era  esposa  de  Joa- 
quim José  de  Magalhães  Coutinho,  ambos  portuguezcs ;  chegaram  ao  Brazil  em 
1808,  fazendo  parte  do  acompanhamento  de  D.  Maria  I.  Era  tia  em  segundo  grau 
de  Ernesto  Frederico  de  Verna  e  Bilstcin,  que,  de  seu  casamento  com  D.  Maria 
do  Carmo  de  Castro  Canto  e  Mello,  deixou  dois  filhos :  Miguel  de  Castro  de 
Verna  e  Bilstein  e  Jo^^é  de  Castro  de  Verna  e  Bilstein.  Miguel  de  Vema  manteve, 
com  muito  espirito,  em  Porto  Alegre,  um  periódico  O  ^eculo,  dedicado  especial- 
mente á  critica  individual. 


292  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


lagrimas  eram  tantas  que  me  impediram  o  ver;  agora  qae 
me  acho,  apezar  de  tudo,  um  pouco  mais  descançado,  faço 
esta  para  lhe  agradecer  a  sua  e  certificar-lhe  que,  emquanto 
\'ida  tiver,  as  saudades  jamais  se  extinguirão  em  meu  dila- 
cerado coração. 

«Deixar  filhos,  pátria  e  amigos,  não  pôde  haver  maior 
sacrifício;  mas  levar  a  honra  illibada  não  pôde  haver  maior 
gloria.  Lembre-se  sempre  de  seu  pae;  ame  a  sua  e  a  minha 
pátria ;  siga  os  conselhos  que  lhe  derem  aquelles  que  cuidarem 
de  sua  educação  e  conte  que  o  mundo  o  ha  de  admirar  e  que 
eu  me  hei  de  encher  de  ufania  por  ter  um  filho  digno  da 
pátria.  Eu  me  retiro  para  a  Europa;  assim  é  necessário,  para 
que  o  Brazil  socegue,  o  que  Deus  permitta,  e  possa  para  o 
futuro  chegar  áquelle  grau  de  prosperidade  de  que  é  capaz. 
Adeus,  meu  amado  filho;  receba  a  benção  de  seu  pae,  que  se 
retira  saudoso  e  sem  mais  esperança  de  o  ver. 

«  Bordo  da  nau  Warspite^  12  de  Abril  de  1831. — Pedro.» 

Também  a  ex-imperatriz  D.  Amélia  despediu-se  de  seu 
enteado  em  uma  carta  poética,  emocionante,  orvalhada  de 
lagrimas,  bello  documento  que  prova  a  extrema  sensibilidade 
de  que  era  dotado  seu  coração. 

Dizia  assim : 

«f  Adeus,  menino  querido,  delicias  de  minha  alma,  alegria 
de  meus  olhos,  filho  que  meu  coração  tinha  adoptado  !  Adeus, 
para  sempre,  adeus ! 

«í  Quanto  és  fonnoso  n'este  teu  repouso !  Meus  olhos  cho- 
rosos não  se  podem  fartar  de  te  contemplar !  A  magestade  de 


CAPITULO  XXIX  293 


uma  corda,  a  debilidade  da  infância,  a  innocencia  dos  anjos 
cingem  tua  engraçadissima  fronte  de  um  resplandòr  myste- 
ríoso  que  fascina  a  mente. 

«  Eis  o  espectáculo  mais  tocante  que  a  terra  pôde  off erecer ! 
Quanta  grandeza  e  quanta  fraqueza  a  humanidade  encerra, 
representadas  em  uma  creança !  Uma  corda  e  um  brinco,  um 
throno  e  um  berço ! 

«rA  purpura  ainda  não  serve  senão  de  estofo,  e  aqjielle 
que  commanda  exércitos  e  rege  um  Império,  carece  de  todos 
os  desvelos  de  uma  mãe ! 

«Ah!  querido  menino,  si  eu  fosse  tua  verdadeira  mãe;  si 
minhas  entranhas  te  tivessem  concebido,  nenhum  poder 
conseguiria  separar-me  de  ti!  Nenhuma  força  te  arrancaria 
de  meus  braços !  Prostrada  aos  pés  d'aquelles  mesmos  que 
abandonaram  meu  esposo,  eu  lhes  diria  entre  lagrimas:  «Não 
vedes  mais  em  mim  a  Imperatriz ;  mas  uma  mãe  desesperada  ! 
Permitti  que  eu  vigie  o  nosso  thesouro!  Vós  o  quereis  seguro 
e  bem  tratado ;  e  quem  o  haveria  de  guardar  e  cuidar  com 
maior  devoção?  Si  não  posso  ficar  a  titulo  de  mãe,  eu  serei 
a  sua  creada  ou  a  sua  escrava  ! » 

« Mas  tu,  anjo  de  innocencia  e  de  formosura,  não  me  per- 
tences senão  pelo  amor  que  dediquei  a  teu  augusto  pae;  um 
dever  sagrado  me  obriga  a  acompanhal-o  em  seu  exilio, 
atravez  dos  mares,  a  terras  extranhas!  Adeus,  pois,  para 
sempre,  adeus ! 

«Mães  brazileiras,  vós  que  sois  meigas  e  afagadoras  dos 
vossos  filhinhos,  a  par  das  rolas  dos  bosques  e  dos  beija-flôres 


294  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


das  campinas  floridas,  suppri  minhas  vezes;  adoptai  oorphão 
coroado ;  dai-lhe  todas  um  logar  na  vossa  familia  e  no  vosso 
coração. 

«Ornai  o  seu  leito  com  as  folhas  do  arbusto  constitucio- 
nal; embalsamai-o  com  as  mais  ricas  flores  de  vossa  eterna 
primavera;  entrançai  o  jasmim,  a  baunilha,  a  rosa,  a  angélica, 
o  cinnamomo,  para  coroar  a  mimosa  testa  quando  o  pesado 
diadema  de  ouro  a  tiver  machucado ! 

«  Alimentai-o  com  a  ambrósia  das  mais  saborosas  fructas : 
a  ata,  o  ananaz,  a  canna  melliflua;  acalentai-o  á  suave  toada 
das  vossas  maviosas  modinhas ! 

«Afugentai  para  longe  de  seu  berço  as  aves  de  rapina,  as 
subtis  viboras,  as  cruéis  jararacas,  e  também  os  vis  adulado- 
res, que  envenenam  o  ar  que  se  respira  nas  cortes. 

«Si  a  maldade  e  a  traição  lhe  prepararem  ciladas,  vós 
mesmas  armai  em  sua  defesa  vossos  esposos  com  as  espadas, 
os  mosquetes  e  as  baionetas. 

«Ensinai  á  sua  voz  terna  as  palavras  de  misericórdia  que 
consolam  o  infortúnio,  as  palavras  de  patriotismo  que 
exaltam  as  almas  generosas,  e,  de  vez  em  quando,  sussurrai 
ao  seu  ouvido  o  nome  de  sua  mãe  de  adopção ! 

« Mães  brazileiras,  eu  vos  confio  este  preciosíssimo  penhor 
da  felicidade  de  vosso  paiz  e  de  vosso  povo.  Eil-o,  tão  bello  e 
puro  como  o  primogénito  de  Eva  no  paraiso.  Eu  vol-o 
entrego.  Agora  sinto  minhas  lagrimas  correr  com  menos 
amargura. 

«  Eil-o  adonnecido. 


CAPITULO  XXIX  295 


«Brazileiros!  Eu  vos  suppHco  que  o  não  accordeis  antes 
que  me  retire.  A  boquinha  molhada  de  meu  pranto  ri-se,  á 
semelhança  do  botão  de  rosa  ensopado  do  orvalho  matutino. 
Elle  sorri,  e  o  pae  e  a  mãe  o  abandonam  para  sempre! 

«Adeus,  orphão  imperador,  victima  de  tua  grandeza 
antes  que  a  saibas  conhecer !  Adeus,  anjo  de  innocencia  e  de 
formosura !  Adeus !  Toma  este  beijo!  e  este. . .  e  este  ultimo! 
Adeus !  Adeus  para  sempre,  adeus  ! . . . » 

A  12  de  Abril  D.  Pedro  fazia  publicar  uma  despedida 
geral,  em  francez,  a  seus  amigos  de  todas  as  nacionalidades, 
pedindo-lhes  perdão  dos  aggravos  e  injurias  que,  sem  intenção 
de  ofFendel-os,  houvesse  para  com  elles  praticado.  Este  docu- 
mento é  um  de  tantos  rasgos  de  nobreza  d'alma  do  príncipe : 

«Commeil  est  impossible  que  je  m'adresse  eu  particulier 
à  chacun  de  mes  vrais  amis  pour  prendre  congé  et  les 
remercier  de  toutes  les  preuves  d'attachement  qu'ils  m^ont 
données,  ainsi  que  pour  les  prier  de  me  pardonner  les  griefs 
qu'ils  pourraient  avoir,  les  assurant  que  si  j'ai  pu  les  ofienser 
en  quelque  chose  je  Pai  fait  sans  aucune  intention  de  les 
injurier,  j^écris  cette  lettre  pour  qu'étant  impriínée  elle 
remplisse  le  but  que  je  me  propose,  qui  est  de  leur  faire  à 
tons  mes  adieux. 

«Je  me  retire  en  Europe,  oò  j'emporte  d'amers  regrets  de 
la  Patrie,  de  mes  enfants  et  de  tons  mes  vrais  amis; 
abandonner  de  si  chers  objects  est  cruel,  même  pour  le  cceur 
le  plus  dur;  mais  les  abandonner  pour  conserver  son  honneur 
intact  devient  ainsi  le  comble  de  la  gloire. 


296  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


«r  Adieu,  Patrie,  ainis,  adieu  pour  toujours! 

irBord  du  vaissau  anglais  le  IVarspiie^  12  Avril  1831. — 
D.  Pedro  d' Alcântara  Bragança  et  Bourbon  (').» 

No  dia  13  de  Abril  passaram  para  bordo  da  fragata  ingleza 
Volage  D.  Pedro,  D.  Amélia,  o  duque  de  Leuchtenberg,  acom- 
panhados pelo  marquez  de  Cantagallo,  barões  da  Saúde  e 
Inhomirim,  Mr.  Plasson,  redactor  do  Moderado^  dr.  Tavares, 
e  para  a  fragata  franceza  La  Seine  a  rainha  D.  Maria  II, 
Mr.  Pezerat,  seu  secretario,  o  duque  de  Loulé  e  sua  esposa 
(tia  da  rainha)  e  o  conde  de  Sabugal. 

N*esse  mesmo  dia  fizeram-se  de  vela  os  dois  navios,  que 
foram  acompanhados  pela  corveta  brazileira  D,  Amélia^  até 
abandonarem  aguas  do  Brazil. 

Depois  de  coUocar  sobre  a  cabeça  de  seu  filho  a  coroa  do 
Brazil,  seguiu  D.  Pedro  (^)  para  a  Europa,  no  interesse  de 


(  I  )  « Como  é  impossível  dirigir-me  particularmente  a  cada  um  de  meus 
verdadeiros  amig^os  para  me  despedir  d'elles  e  lhes  aurradecer  todas  as  provas  de 
aíTecto  que  me  deram,  bem  como  para  lhes  pedir  perdão  de  aggravos  que  poderiam 
ter  de  mim,  assegurando-os  de  que,  si  os  offendi  em  alguma  cousa,  o  fiz  sem  inten- 
ção alguma  de  os  injuriar,  escrevo  esta  carta,  para  que,  impressa,  preencha  o  fim 
a  que  me  proponho,  que  é  o  de  dirigir  a  todos  os  meus  adeuses. 

"  Retiro-me  para  a  Europa,  para  onde  levo  amargas  saudades  da  Pátria,  de 
meus  filhos  e  de  todos  os  meus  verdadeiros  amigos  ;  abandonar  táo  caros  objectos 
é  cruel,  mesmo  para  o  coração  mais  duro ;  porém  abandonal-os  para  conservar 
intacta  a  sua  honra  passa  a  ser  o  cumulo  da  gloria. 

«  Adeus,  Pátria,  amigos,  adeus  para  sempre  ! 

"Bordo  do  navio  inglez  Warspite,  a  12  de  Abril  de  1831.  —  D.  Pedro 
d'Ai/:antara  de  Bragança  e  Bourbon.» 

(  2 )  D.  Pedro  I  nasceu  em  I«isboa,  no  paço  de  Queluz,  a  12  de  Outubro  de  1798 
e  falleceu  no  mesmo  paço  e  no  mesmo  aposento,  a  24  de  Setembro  de  1834.  Era 
de  figura  altiva  e  insinuante,  olhos  grandes,  pretos  e  vivos,  cabellos  castanhos, 
ÇBCuros,  annelados,  nariz  levemente  aquilino,  bocca  regular,  lábios  grossos,  testa 


CAPITULO   XXIX  297 

combater  a  usurpação  feita  por  seu  irmão  D.  Miguel  e 
entregar  o  throno  de  Portugal  a  sua  filha,  D.  Maria  II, 
cobrindo-se  assim  de  immorredoura  gloria. 

Temperamento  talhado  mais  para  guerrear  do  que  para 
governar,  foi  o  duque  de  Bragança  ou  D.  Pedro  IV  praticar 
prodigios  de  valor  em  sua  terra  natal,  desopprimindo-a  do 
dominio  do  terror,  alli  implantado  pela  ambição  e  pela  abso- 
luta falta  de  educação  civica. 

Para  resgatar  os  erros  do  imperante,  é  dever  de  grati- 
dão (^)  reconhecer  que  elle  inaugurou   n'este  paiz  muitas 


larga,  barba  cerrada,  rosto  oval,  pallido  e  bexigoso,  côr  morena,  estatura  mediana, 
voz  forte  e  sonora.  Excellente  musico,  hábil  torneiro  e  toureiro  destro.  Gabava-se 
de  dispor  de  grande  força  physica. 

( I )  Como  grratidào  nacional,  inaugurou-se,  a  30  de  Março  de  1862,  no  Rio  de, 
Janeiro,  na  praça  da  Constituição  ou  largo  do  Rocio,  imponente  estatua  equestre 
consagrada  á  memoria  de  D.  P.edro  I.  O  pedestal  octogono  é  de  bronze  como  todo 
o  monumento  e  assenta  sobre  uma  base  de  granito.  Nas  faces  principaes,  quatro 
grupos  representam  os  rios  Amazonas,  Madeira,  S.  Francisco  e  Faraná. 

A  Índia  do  Amazonas  apresenta  nas  co.stas  uma  creança  a  dormir,  trabalho 
de  perfeição  admirável:  formam  o  grupo  um  jacaré  de  rara  perfeição,  uma 
giboia,  um  tigre,  um  ouriço  cacheiro  e  uma  ave. 

O  Madeira  é  figurado  por  um  selvagem  armado  de  arco,  em  attitude  de 
despedir  a  flecha :  compõem  o  grupo  alguns  peixes,  uma  tartaruga  e  uma  ave. 

K  mage.stoso  o  indígena  que  representa  o  S.  Francisco ;  está  sentado  e  tem 
junto  de  si  um  tamanduá  bandeira  e  uma  capivara. 

K  bello  o  symbolo  do  Paraná :  a  um  grupo  de  Índios  juntam-se  duas  grandes 
aves,  um  tatá  e  uma  anta. 

Pela  correcção  e  arrojo  dos  trabalhos  cada  um  d'estes  grupos  constitue  um 
monumento. 

Na  face  principal  do  pedestal  Ic-se  a  inscripçào  : 

A 

P.  Pedro  Primkiro 

Gratidão 

DO.S  Brazilkiros 

38  TOM.  II 


açS  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


instituições  liberaes,  que  fortemente  impulsionaram  o  nosso 
progresso;  e,  depois  de  prestar  assignalados  serviços  ao  Brazil, 
foi  ser  em  Portugal  o  primeiro  príncipe  que,  por  amor  á 
liberdade  dos  povos,  deitou  por  terra  o  absolutismo  dos  reis 
luzitanos. 

É  sobre  este  duplo  pedestal  que  a  sua  figura  de  luctador 
impõe-se,  atravez  de  todas  as  paixões  politicas,  ao  respeito  da 
posterídade. 


Sobre  o  pedestal  ergue-se  a  íig^ura  de  D.  Pedro  em  uniforme  de  general, 
montado  em  grande  e  garboso  ginete ;  o  braço  direito  levantado  apresenta  a 
declaração  da  independência  do  Brazil. 

Altura  do  monumento  1501,  70cm  ;  peso  do  bronze  55.000  kilogrammas. 

Esta  grandiosa  obra  foi  executada  em  Pariz  pelo  estatuário  Luiz  Rochet : 
importou  na  quantia  de  3347io$375. 

Por  occasiào  da  inauguração,  d*entre  muitas  poesias,  appareceram  heróicos 
versos  do  dr.  José  Bonifácio  de  Andrada  e  Silva,  neto  do  velho  José  Bonifácio ; 
d'essa  producçáo  colhemos  duas  estrophes : 

Que  vida  foi  a  tua,  heróe  valente, 

De  povos  dois  libertador  soldado ! .  .  . 

Quem  pôde  erguer  um  hymno  alevantado, 

Egual  a  tanta  gloria  e  táo  ingente  ? 

Teu  nome  é  um  sec'lo !  Nào  precisa  um  hymno ! 

Nfto  morrem  sec*los,  nào !  K  teu  destino ! 

Roma — fundou-a  o  braço  do  bandido  ! 
A  Grécia  surge  annuviada  e  triste  ; 
Mas  no  brazileo  céo  onde  luziste 
O  rei  foi  povo,  e  o  povo  rei  tem  sido ! 
Salve,  heróe,  que  na  c'roa  tens  illesa 
A  gloria,  a  liberdade,  a  realeza ! 


CAPITULO  XXX 


Governo  regencial  do  Brazil.  Consequências  da  abdicação 

DE  D.  Pedro. 
Sedições  militares  em  varias  províncias  —  183 i 


^^ARA  a  montagem  do  novo  governo  que  deveria  sub- 
stituir o  de  D.  Pedro,  reuniram-se  no  paço  do  senado,  na 
manhã  do  mesmo  dia  7  de  Abril  de  1831,  vinte  e  seis  sena- 
dores e  trinta  e  seis  deputados ;  constituiram-se  em  assembléa 
e  receberam  do  general  commandante  das  armas,  Francisco 
de  Lima  e  Silva,  o  acto  da  abdicação.  Coiílo  as  circum- 
stancias  urgiam,  investiram-se  de  poderes  extraordinários 
e  elegeram  uma  regência  provisória^  destinada  a  governar 
o  paiz,  até  á  próxima  eleição  de  uma  regência  permanente 
que  funccionaria  durante  a  menoridade  de  D.  Pedro  II. 

Para  a  regência  provisória  foram  eleitos  três  membros :  o 
marquez  de  Caravellas,  o  general  Francisco  de  Lima  e  Silva 
e  o  senador  Nicolau  Pereira  de  Campos  Vergueiro,  os  quaes 
prestaram  juramento  nas  mãos  do  senador  bispo,  capellão- 
mór  D.  José  Caetano  da  Silva  Coutinho,  presidente  acclamado 


3CXD  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

na  occasião,  em  substituição  d^aquelle  marquez,  que  até  então 
exercera  o  cargo. 

Assumiu  o  supremo  governo  o  partido  liberal  moderado. 
A  Evaristo  da  Veiga  foi  commettida  a  elevada  tarefa  de 
redigir  o  manifesto  explicador  dos  acontecimentos.  Como  a 
multidão  se  agglomerasse  em  frente  ao  senado,  o  illustre 
jornalista  pronunciou  eloquente  discurso,  expondo  qual  o 
programma  do  partido  que  tomava  a  si  a  responsabilidade  de 
dirigir  os  destinos  da  pátria.  Concluiu  com  estas  palavras 
exhortadoras :  «Moderação,  compatriotas,  moderação!» 

Depois  de  applaudir  com  ardor  o  homem  que  pelo 
critério  e  honradez  era  segura  garantia  da  firmeza  do  novo 
regimen,  dispersou-se  o  povo,  plenamente  satisfeito  com  a 
victoria  extraordinária  que  havia  alcançado  n*aquelle  memo- 
rável dia. 

A  8  de  Abril  foi  restabelecido  o  ministério  de  20  de 
Março,  sendo  substituído  o  ministro  da  fazenda  António 
Francisco  de  Paula  Hollanda  Cavalcanti  de  Albuquerque 
pelo  deputado  José  Ignacio  Borges. 

I/>go  que  o  novo  governo  teve  noticia  de  que  o  ex- 
iniperador  deixara  o  porto  do  Rio  de  Janeiro,  fez  publicar 
uma  proclamação  assim  concebida : 

«A  regência  provisória  em  nome  do  imperador  D.  Pedro  II 
aos  brazileiros. 

«Compatriotas.  Está  ultimado  o  primeiro  e  mais  perigoso 
período  de  nossa  tão  necessária  como  gloriosa  revolução. 
O  ex-imperador  acaba  de  sahir  do  porto  doesta  capital,  reti- 


CAPITULO  XXX  301 

rando-se  para  a  Europa ;  uma  embarcação  de  guerra  nacional 
o  acompanha  até  largar  as  aguas  do  Brazil.  Os  nossos  inimigos 
sáo  tão  poucos  e  tão  fracos,  que  não  merecem  consideração; 
comtudo  o  governo  vela  sobre  elles,  como  si  fossem  muitos 
e  fortes.  Mas  si  nada  temos  a  temer  de  nossos  inimigos, 
devemos  temer  de  nós  mesmos,  do  enthusiasmo  sagrado  do 
nosso  patriotismo,  do  amor  pela  liberdade  e  pela  honra 
nacional  que  nos  poz  as  armas  na  mão.  Vossa  nobre  conducta, 
vossa  moderação  depois  da  victoria  pôde  servir  de  modelo 
a  todos  os  povos  do  mundo;  não  lanceis  n^elle  a  mais  pequena 
mancha;  e  continuai  a  dar-vos  reciprocos  conselhos  de  sabe- 
doria e  generosidade;  a  pátria  vos  abençoará  nas  gerações 
futuras  e  os  povos  extranhos  reconhecerão  a  v^ossa  dignidade 
até  agora  deprimida  por  quem  devia  levantal-a.  O  Brazil, 
hoje  livre,  vai  mostrar  o  que  é,  muito  differente  do  que  parecia 
ser.  A  lei  começa  a  reinar  entre  nós:  respeitai  o  seu  poder 
e  as  auctoridades  que  a  exercem.  Contra  os  abusos  e  contra 
os  crimes  tendes  o  direito  de  petição:  exercitai-o,  deixando 
ás  auctoridades  o  prover  de  remédio  legal.  Somos  livres: 
sejamos  justos.  Viva  a  nação  brazileira,  viva  a  constituição, 
viva  o  imperador  constitucional  Pedro  II. — Palácio  do  go- 
verno, 13  de  Abril  de  1831. — Marquez  de  Caravellas, — 
Francisco  de  Lima  e  Silva. — Nicolau  Pereira  de  Campos 
Vergueiro, » 

O  governo  da  regência  foi  todo  de  agitações  nas  províncias 
brazileiras :  anceavam  os  povos  libertar-se  do  dominio  portu- 
guez  que  os  opprimia,  e  contra  o  qual  tinham  o  dever  de 


302  MEMORIAS  BRAZILKIRAS 


rebellar-se  para  que  a  nossa  independência  não  fosse  uma 
ficção. 

As  perseguições  exercidas  pelos  militares  reclamavam 
medidas  que  reprimissem  os  seus  continuos  abusos,  de 
maneira  a  garantir  os  cidadãos  contra  a  livre  pratica  de 
violências.  A  força  annada  parecia  subjugar  o  paiz  sob  punho 
de  ferro,  provocando  justa  reacção  da  parte  dos  civis,  ciosos 
de  seus  direitos. 

Apreciando  este  afflictivo  período  de  transição,  e  criti- 
cando o  militarismo,  que  exorbitava  de  suas  altas  e  nobilís- 
simas funcções,  diz  o  illustrado  historiador  Moreira  de 
Azevedo: 

«Indisciplinada,  arrogante,  tendo  a  espada  como  sceptro 
da  lei,  crendo  que  tudo  deveria  decidir-se  pelas  armas,  pela 
vontade  dos  soldados,  orgulhosa  por  ver  que  desde  1821 
satisfizera  suas  exigências,  e  conspícuo  papel  representara 
nos  negócios  públicos,  deixara  a  força  militar  de  ser  a 
depositaria  da  ordem,  da  tranqui  11  idade  publica.  Debellava 
os  cidadãos  em  vez  de  garantil-os ;  não  era  um  elemento  de 
ordem,  nem  sustentáculo  da  lei,  mas  um  corpo  anarchico, 
que  alçava  a  cabeça  logo  que  havia  um  motim,  quando  não 
era  o  prímeiro  a  atear  o  facho  da  rebelliáo  (^). » 

A  18  de  Junho  de  1831  reuniu-se  a  assenibléa  geral 
legislativa    composta   de   35   senadores   e   88   deputados   e 


( I  )  Dr.  Moreira  de  Azevedo  :  Historia  Pátria,  O  Brazil  de  iSji  a  iS^ 
(  Rio  de  Janeiro,  1884  ),  pag.  23. 


CAPITULO  XXX  303 


prcK^eu-se  á  eleição  da  regência  trína  permanente ;  obtive- 
ram maioria  de  votos  e  foram  proclamados  regentes  do 
império:  o  brigadeiro  Francisco  de  Lima  e  Silva,  José  da 
Costa  Carvalho  (marquez  de  Monte  Alegre)  e  João  Braiilio 
Moniz. 

Em  começo  de  seu  governo  tiveram  os  regentes  de  luctar 
com  uma  sedição  militar  occorrida  no  Rio  de  Janeiro  e 
instigada  pelo  partido  exaltado,  A  12  de  Julho  revoltou-se  o 
26.°  batalhão  de  infanteria;  o  ministro  da  justiça,  enérgico 
paulista,  padre  Diogo  António  Feijó,  conseguiu,  por  acertadas 
providencias,  suffocar  a  rebellião  e  ordenar  o  embarque 
d^aquelle  batalhão  para  a  Bahia;  porém  na  noite  de  14 
levantaram-se  de  novo  os  militares  —  a  maior  parte  dos 
batalhões  de  linha  e  o  corpo  de  policia — e,  rebeldes  ás  ordens 
do  commandante  das  armas,  general  José  Joaquim  de  Lima 
e  Silva,  foram  occupar  o  campo  de  Sant^Anna.  Indagada  a 
causa  do  motim,  soube-se  quc^  tropa  exigia  fossem  deporta- 
dos 89  cidadãos  do  partido  governista. 

O  ministro  da  justiça  desenvolveu  a  máxima  energia  para 
se  não  deixar  vencer  deante  do  apparato  bellico:  reuniu  a 
familia  imperial  no  paço  da  cidade,  e  bem  assim  os  membros 
da  regência,  do  ministério  e  das  duas  camarás  que  se  conser- 
varam em  sessão  permanente  desde  a  manhã  de  15  até  20. 

Em  um  altivo  discurso,  disse  Bernardo  Pereira  de  Vas- 
concellos,  criticando  o  movimento  revolucionário : 

ífAs  nossas  deliberações  não  podem  ser  reconhecidas 
livres,  desde  que  se  tem  violado  o  artigo  da  constituição,  que 


304  3Ci.TG':ai.'ii:*:    TJtJíZZZ^tZll&é 


âe  «r  «ijTi"'^' ..  -  -  MíAtTíSDiíi-  siçif!'  icfsing^cif  âa  -croeiíi  TnfrSca 
^t  <w  r-t^ííW3rt«x*-t?»r  -ái  así.jác;'  aáo  -w:  arfaram "! » 

Tf-idv»-  rA  ^tcmaõvi»^  -ót  :rf  ateeis.  'Ccoo'  E-rariCiC»  *fia 
V-fájgíL  OtTEktír'>  I-^fcáO'  -t  itó>-;OSSLf..  GK"caraz!:  c-  g^-rrí^naci»  -55» 

C0533  tetrvidaidt.  f.<»"j>  i-Sáaásce^  tsn  armasu  -qT»  íe  rc-zuiiraaii  ;&s 
íoTÇ&h  jítsfaíw- — 9  5.'  haãàihàrj  et  infaTiigna-  a  arrillaeTia  <âc 
aaíuriDlaa  ^  <>  3/'  (ooprpo»  ^it  arifjbtiria  5e  pCfsiçãoL 

O/sjy/  «:  rt^/tlaL^ttíJB  lí5i:í3íiHr  e  dÍ5oordanie>  das  íccaes 
j^</\-id«X'iafc>  Uímaidatí  peJo  padre  Feiíóu  í:*?  minisírcí?  Joífíé  -de 
S^/Qza  Fraiaça  t  ;*>*<&  ilas^je*  ^e  M-orae?  ívram  siEltótaidas 
y/T  cidadàr/i  capazc*  'íe  tníreniai  a  sílnação :  as>iiai:rain.  a 
16  dt  Julho-  Bsrmardo  Pereira  áe  Vasco^ncellos  a  pasta  da 
fazenda.  Lino  Coutinho  a  do  império  e  Manoel  da  Fonseca 
Lima  e  Silva  a  da  gtaerra.  A  170  deputado  Sebastião  do  Rego 
Barros  tomoa  posse  do  commando  do  corpo  mnnicipal.  Tão 
promptas  e  efficazes  íoram  as  ordens  emanadas  do  go\"emo, 
que  no  dia  22  poude  o  pa'íre  Feijó  declarar  ás  câmaras 
achar-se  inteiramente  restabelecida  a  tranqiiiilidade  publica. 

Necessitando  premunir-se  contra  novos  levantamentos 
militares,  creou  o  governo  a  guarda  nacional  por  decreto  de 
iS  de  Agosto,  e  da  tropa  de  linha  apenas  conservou  na 
capital  o  corpo  de  artilheria  de  marinha.  Este  mesmo  bata- 
lhão, aquartellado  na  ilha  das  Cobra*^,  rebellon-se  a  7  de 
Outubro, 


CAPITULO   XXX  305 


Foram  instigadores  doesta  sedição  o  capitão  José  Custodio, 
alferes  Camillo  José  Ribeiro  e  notadamente  o  dr.  Cypriano 
José  Barata  de  Almeida,  detido  na  ilha  ém  consequência  da 
violência  de  seus  artigos  na  Scntinella  da  Liberdade  ( * ). 

Contra  a  ilha  seguiu  numerosa  força  dividida  em  três 
columnas. 

Não  sendo"  possível,  no  primeiro  encontro,  arrombar  o 
portão,  o  tenente-coronel  Jacintho  Pinto  de  Araújo  Corrêa 
subiu  a  muralha,  sem  auxilio  de  escada,  firmando-se  nas 
anfractuosidades  das  pedras  e  assim  galgou  o  parapeito. 

Muitos  officiaes  seguiram  este  exemplo  de  bravura,  e 
outros,  por  meio  de  escadas,  attingiram  ao  espaldão  da  forta- 


(  I )  A  revolução  de  7  de  de  Abril  conflagrou  es  espiritos,  exacerbou  riva- 
lidades, expandiu  sentimentos  de  odio.e  de  vingança.  Desvirtuada  de  sua  missão 
elevada  e  doutrinaria,  esquecida  d,p  que  deve  pairar  acima  das  paixões  com  a 
serenidade  do  pharol  —  irradiante  e  sobranceira  ao  raivar  espumante  das  ondas — 
a  imprensa  da  epocha  perdeu  a  compostura  que  lhe  é  própria,  despiu  a  sagrada 
roupagem  e  converteu-se  na  estatua  mutilada  em  que  outros  Pasquinps  affixavam 
nào  só  a  satyra  mordente,  mas  o  insulto  sem  peias,  que  ás  vezes  commettia  o 
sacrilégio  de  rasgar  o  reposteiro  da  vida  privada. 

Km  1831  publicavam-se  no  Rio  de  Janeiro  os  periódicos:  Sete  de  Abrily 
O  Grilo  da  Pátria  contra  os  anarchistas,  Clarim  da  Liberdade,  Defensor  da 
Liberdade,  fíussola  da  Liberdade,  foz  da  Liberdade^  l'oz  da  Razão,  l'oz  Flu- 
minense, Medico  dos  Aíalncos,  Enfermeiro  dos  Doidos,  Dois  compadres  liberaes. 
Exaltado,  Matraca  dos  Farroupilhas,  furujuba  dos  Farroupilhas,  fírazileiro 
Offendido,  Filho  da  Terra,  Doutor  Tira-teimas,  Americano,  fírazileiro  l'igi- 
lante.  Espelho  da  fustiça.  Espelho  dos  fírazileiros,  l'igilante,  Lyceu  Liberal, 
Moderador,  Ref^enerador  do  fírazil,  Recopilador,  Xovo  fírazileiro  Imparcial, 
Novo  Conciliador,  Novo  Censor,  Cartas  ao  Poz'o,  Simplício,  Filho  do  Simplício, 
Simplício  Rigorista,  A  Verdadeira  Mãe  do  Simplício,  Semanário  Politico, 
fíuscap/".  Patriota  fírazileiro,  l'elho  Casamenteiro,  Mensageiro,  Constitucio- 
nal, fcterano,  Regente,  \arciso,  Correio  da  Camará  dos  Deputados,  O  Homem 
c  a  America  c  Independente. 

3U  TOM.  u 


3o6  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


leza  e  intimaram  a  rendição  da  praça.  Na  mesma  occasião 
penetrava  uma  columna  pelo  ponto  opposto,  tendo  derribado 
o  portão.  Foram  aprisionados  200  sediciosos  e  os  presos  por 
elles  soltos  recolhidos  ao  navio  Presiganga, 

Na  tomada  da  ilha  das  Cobras  distinguiram-se  os  chefes 
das  colunmas  de  ataque,  coronel  João  Paulo  dos  Santos  Bar- 
retto,  major  Luiz  Alves  de  Lima  e  Silva  e  cidadão  Manoel 
António  Airosa.  O  commando  geral  foi  confiado  ao  general 
José  Maria  Pinto  Peixoto.  Da  força  legal  morreu  o  guarda 
municipal  Estevão  de  Almeida  Chaves,  cujo  enterramento 
se  fez  com  apparato  official. 

O  governo  dissolveu  o  corpo  de  artilheria  de  marinha,  e 
o  ministro  d'essa  repartição,  José  Manoel  de  Almeida,  foi 
substituido  por  Joaquim  José  Rodrigues  Torres  (depois  vis- 
conde de  Itaborahy.) 

Emquanto  estes  acontecimentos  succediam  no  Rio  de 
Janeiro,  outras  desordens,  egualmente  graves,  occorriam 
em  algumas  provincias,  de  que  daremos  rápidos  aponta- 
mentos. 

Sem  entrar  em  apreciações  sobre  cada  um  d'esses  movi- 
mentos, apenas  os  assignalamos  de  modo  summario  em  seus 
delineamentos  principaes  e  na  ordem  geographica,  de  norte 
a  sul  do  paiz. 

Quando,  a  22  de  Maio  de  1831,  chegou  ao  Pará  a  noticia 
da  abdicação  de  D.  Pedro,  alarmou-se  a  população,  extreniau- 
do-se  os  partidos.  Para  contel-os,  o  presidente  da  provincia, 


CAPITULO   XXX  307 


barão  de  Itapicurú-mirim  (José  Félix  Pereira  de  Burgos), 
fez  publicar  uma  proclamação,  aconselhando  paz.  Amotinado 
o  povo,  acoroçoado  pelo  partido  liberal,  exigiu  a  deposição 
do  brigadeiro  portuguez  Francisco  José  de  Souza  Soares  de 
Andréa,  commandante  das  armas. 

Com  difficuldade  conseguiu  o  partido  legal  que  tanto  o 
commandante  como  o  presidente  fossem  conservados  em  seus 
cargos,  até  que  do  Rio  de  Janeiro  chegassem  novas  auctori- 
dades  para  substituil-os. 

De  facto,  a  16  de  Julho  alli  aportaram  o  visconde  de. 
Goyanna  (Bernardo  José  da  Gama)  como  presidente  e  José 
Maria  da  Silva  Bittencourt  como  commandante  das  armas. 
Envolvidos  em  facções,  estes  funccionarios  collocaram-se 
desde  logo  em  serio  antagonismo  de  idéas,  e  de  tal  sorte  se 
desharmonizaram,  que,  em  menos  de  um  mez,  a  7  de  Agpsto, 
uma  sedição  militar  depoz  o  barão  de  Goyanna  e  o  obrigou  a 
regressar  para  o  Rio  de  Janeiro.  Seis  cidadãos  e  entre  elles  o 
revolucionário  cónego  Baptista  foram  remettidos  para  vários 
presidios  da  provincia. 

A  23  de  Fevereiro  de  1832  chegaram  ao  Pará  os  tenentes- 
coroneis  José  Joaquim  Machado  de  Oliveira  e  António  Corrêa 
Seara,  presidente  e  commandante  das  armas. 

Tendo  o  cónego  Baptista  ccínseguido  evadir-se,  em 
caminho  da  prisão,  ao  saber  que  novas  auctoridades  acha- 
vam-se  á  frente  da  administração  do  Pará,  poz  em  armas  o 
interior  da  provincia.  Doeste  movimento  de  reacção  resul- 
tou a  morte  do  coronel  Joaquim  Philippe  dos  Reis,  comman- 


3o8  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


daute  militar  da  barra  do  Rio  Negro,  attentado  occorrido  a 
12  de  Abril.  Exaltados  os  ânimos  contra  o  governo  legal,  os 
revoltosos,  por  acto  de  23  de  Junho,  declararam  a  comarca  do 
Rio  Negro  independente  da  provincia  paraense.  Foi  neces- 
sário, para  a  conciliação,  que  o  presidente  Machado  de 
Oliveira  se  ligasse  ao  partido  do  cónego  e  o  attrahisse  á 
capital,  satisfazendo-lhe  varias  exigências. 

P^m  Abril  de  1833  os  partidários  do  padre  impediram  que 
desembarcassem  o  novo  presidente,  desembargador  José 
Mariani,  e  o  commandante  das  armas,  tenente-coronel  Ignacio 
Corrêa  de  Vasconcellos. 

No  anno  de  1835  foram  nomeados,  presidente  o  depu- 
tado Bernardo  Lobo  de  Souza  e  commandante  das  armas  o 
tenente-coronel  Joaquim  José  da  Silva  Santiago. 

Ciosos  de  sua  independência,  agitaram-se  os  revolucio- 
nários contra  estas  duas  auctoridades ;  na  manhã  de  7  de 
Janeiro  de  1835  foram  ambas  assassinadas:  os  cadáveres, 
inteiramente  nús,  permaneceram,  até  á  tarde,  expostos  ao 
escarneo  da  plebe;  foram  depois  levados  ao  cemitério  e  lan- 
çados á  mesma  cova. 

A  revolução  paraense  collocou  na  presidência  o  tenente- 
coronel  de  milicias  Félix  António  Clemente  Malcher,  que  se 
achava  preso  na  fortaleza  da  Barra,  e  no  commando  das  armas 
um  negociante  de  borracha,  traficante  de  seringas^  Francisco 
Pedro  Vinagre,  homem  turbulento  e  rancoroso. 

Por  occasião  da  posse  do  presidente,  lavrou-se  uma  acta 
popular,  em  que  se  declarava  que  o  governo  de  Malcher  não 


CAPITULO  XXX  309 


reconhecia  o  governo  da  regência  durante  a  menoridade  de 
D.  Pedro  11. 

Poucos  dias  depois,  entraram  em  lucta  o  presidente  e  o 
commandante  das  annas ;  vencendo  este,  foi  preso  e  fuzilado 
o  presidente  Malcher  a  26  de  Fevereiro  ( ^ ). 

Senhor  da  situação.  Vinagre  investiu-se  do  supremo  cargo 
civil  e  militar,  até  que  em  Julho  do  mesmo  anno  chegou  ao 
Pará  o  marechal  Manoel  Jorge  Rodrigues  (depois  barão  de 
Taquary),  novo  presidente  nomeado. 

Fingindo  obedecer  ás  ordens  da  regência,  Vinagre  entre- 
gou o  governo  ao  marechal,  porém  foi  ao  interior  alliciar 
tropas  para  combatel-o. 

Perseguido  por  forças  superiores  ás  de  que  dispunha, 
Manoel  Jorge  viu-se  compellido  a  abandonar  a  capital  e  a 
refugiar-se  na  ilha  de  Tatuóca,  onde  se  conservou,  até  que 
em  fins  de  Abril  de  1836  passou  o  governo  ao  brigadeiro 
Soares  de  Andréa,  e  regressou  para  a  capital  do  império. 

Com  um  reforço  de  mais  de  i.ooo  homens  de  infanteria, 
dispostos  e  disciplinados,  Soares  de  Andréa,  auxiliado  pelas 
forças  navaes  do  capitão  de  mar  e  guerra  Frederico  Mariath, 


( I  )  o  dr.  Américo  Braziliense,  em  suas  Limões  de  f/isíoria  Pátria 
(S.  Paulo,  1877),  2.a  ed.,  pag.  179,  dá  sobre  a  morte  de  Malcher  as  seguintes 
particularidades : 

«  Foi  derrotado  o  partido  de  Malcher  e  este,  do  arseual  de  guerra,  onde  se 
havia  refugiado,  dirigiu-se  para  bordo  de  um  vaso  de  guerra  brazileiro.  de  que 
era  commandante  Wandenkolk.  Este  entregou  Malcher  aos  vencedores,  que  logo 
o  assassinaram  á  vista  da  tripulação.  Seu  corpo  foi  arrastado  pelas  ruas,  ao  som 
de  musica,  em  signal  de  triumpho.  » 


3IO  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


tomou  posse  da  presidência  a  ii  de  Abril  de  1836,  investindo- 
se  ao  mesmo  tempo  do  cargo  de  commandante  das  armas: 
n'esse  duplo  caracter  fez  entrada  solemne  em  Belém  do  Pará 
a  13  de  Maio.  Perseguidos  e  desbaratados  os  bandos  sediciosos 
de  Vinagre,  de  Eduardo  Francisco  Nogueira  Argelim  e  de 
outros  revolucionários,  conseguiu  o  brigadeiro  Andréa  paci- 
ficar o  Pará  no  anuo  de  1837. 

O  Maranhão  experimentou  forte  abalo  com  a  abdicação 
de  D.  Pedro:  baldadamente  o  presidente  da  provincia, 
Cândido  José  de  Araújo  Vianna  (niarquez  de  Sapucahy), 
empregou  esforços  para  reprimir  explosão  de  ódios  de  nacio- 
naes  contra  luzitanos;  não  poude  impedir  que  a  tropa 
se  reunisse  no  campo  de  Ourique,  a  13  de  Setembro  de  1831, 
e  ahi  fizesse  descabidas  e  arbitrarias  exigências  —  como 
expulsão  de  brazileiros  adoptivos  ou  portuguezes  do  ser\âço  " 
do  exercito;  suspensão  de  vários  magistrados;  eliminação  de 
brazileiros  adoptivos  dos  empregos  de  fazenda  e  de  justiça ; 
deportação  de  cidadãos  antipathicos  á  causa  nacional;  pro- 
liibição  de  entrada  de  portuguezes  na  provincia,  com 
excepção  de  artistas  e  iudustriacs,  e  outras  imposições 
inconvenientes. 

Não  contando  com  elementos  para  enfrentar  a  attitude 
bellicosa  dos  insurgentes,  Araújo  Vianna  concordou  na 
deposição  do  comniandante  das  armas,  tenente-coronel 
Ignacio  Corrêa  de  Vasconcellos,  e  bem  assim  que  fossem 
deportados   vários   magistrados   suspeitos  de  abso/uiisias  e 


CAPITULO  XXX  311 


frades  franciscanos,  remettidos  para  a  província  do  Pará, 
d'onde  pouco  depois  regressaram. 

Audacioso  pelas  vinganças  exercidas,  o  partido  brasileiro 
quiz  levar  mais  longe  as  suas  insólitas  pretenções,  e  a  19  de 
Setembro  concitou  a  soldadesca  contra  o  próprio  presidente; 
este,  porém,  poude  reagir  contra  os  anarchistas,  mandando 
estacionar  defronte  de  palácio  um  regimento  de  artilheria. 
Pretenderam  os  sediciosos  tomar  de  assalto  o  quartel  do 
15.**  batalhão  de  infanteria,  porém  foram  repellidos;  a  policia 
fez  causa  commum  com  os  rebeldes,  reunindo-se  a  elles 
no  campo  de  Ourique.  Felizmente,  por  bem  combinadas 
medidas,  conseguiu  aquelle  batalhão  attrahir  o  corpo  de 
policia  ao  grémio  da  legalidade,  e  restabeleceu-se  a  paz  na 
capital,  sem  que  se  desse  derramamento  de  sangue.  Recon- 
centraram-se  os  revolucionários  no  interior  da  provincia,  e, 
chefiados  por  um  ourives  cearense,  António  João  Damasceno, 
commetteram  roubos  e  assassinatos  em  diversos  pontos,  e 
invadiram  a  villa  de  Itapicurú-mirim,  Icatú  e  freguezia  do 
Rosário. 

Vencido  o  chefe  dos  insurgentes  perto  de  Caxias,  refu- 
giou-se  na  povoação  do  Estanhado  e  d'ahi  marchou  para  o 
Boqueirão.  Dispondo  de  uma  força  de  400  homens  atacou 
esta  villa;  porém  foi  derrotado  e  morto  em  Julho  de  1832. 
Só  assim  pacificou-se  completamente  o  Maranhão,  contri- 
buindo para  tal  effeito  a  energia  desenvolvida  pelo  comman- 
dante  das  armas  Corrêa  de  Vasconcellos. 


^12  MKMOkIAS  BRAZILEIRAS 


Tremenda  foi  a  repercussão  catisada  no  Ceará  pela  noticia 
da  aWícaçâo  de  l),  Pedro:  a  província,  palpitante  ainda  do 
san$fue  derramada»  [>ela  tmculenta  commissão  militar,  ardia 
em  desejí^s  de  vingança  contra  seus  oppressores  e  concen- 
trou oílíí>í5  no  coronel  de  milicias  Joaquim  Pinto  Madeira, 
realista  exaltado  e  adepto  da  restauração  do  ex-imperador. 
Obrigado  a  abandonar  a  capital,  onde  se  x-ia  perseguido^ 
retirou-se  para  a  villa  do  Jardim,  e  ahi,  allegando  ter  sido 
IVlro  I  forçado  pelos  liberaes  a  abdicar,  declarou-se  aber- 
tamente contra  o  governo  regencial.  Procedeu  a  rigoroso 
recrutamento,  e,  á  frente  de  numeroso  bando,  deu  combate^ 
no  engenho  Burity,  a  forças  do  governo,  alcançando  victoria. 
Orgulhí^so  com  este  triumpho,  penetrou  na  villa  do  Crato, 
onde  fez  espalhar  uma  proclamação  em  termos  violentos  e 
insultuosos  contra  os  promotores  da  revolução  de  7  de  Abril: 

"Krazileiros!  lí  chegada  a  epocha  de  nossa  regeneração 
|yjlítica,  epocha  eni  que  os  malvados  liberaes  vão  ser  punidos 
de  tão  horrorosos  crimes  por  elles  perpetrados!  Brazileiros! 
líu  estou  em  campo!  Reuni-vos  a  mim,  e  vamos  desafírontar 
a  nossa  honra,  honra  tão  manchada  por  essa  vil  escoria  de 
sevandijas,  (jue,  com  o  titulo  de  liberaes^  tem  feito  vi\^ 
guerra  á  religião  e  ao  throno  do  melhor  dos  soberanos. 

«Brazileiros!  Nem  mais  um  dia  devemos  esperar  e  mostra- 
remos ao  mundo  inteiro  o  nosso  resentimento  quanto  ao 
extraordinário  insulto  feito  ao  nosso  adorado  imperador,  o 
Senhor  D.  Pedro  I,  no  sempre  execra vel  dia  7  de  Abril!  dia 
que  cobriu  de  lucto  e  de  vergonha  a  todos  os  bons  brazileiros! 


CAPITULO  XXX  313 


dia  que  sepultará  para  sempre  a  honra  brazileira  uo  tumulo 
infernal  da  ingratidão  e  do  opprobrio,  si  um  rompimento 
inesperado,  si  uma  vingança  terrivel  contra  os  malvados  não 
apparecer  n'esta  occasião  para  nos  separar  do  numero  d'elles! 

«Brazileiros!  O  Senhor  D.  Pedro  I,  nosso  adorado  Defensor 
Perpetuo,  foi  insultado  e  esbulhado  de  nosso  solo  e  d^entre 
nós;  porém  ha  de  ser  vingado  em  o  nosso  solo  e  por  nós! 

«Brazileiros!  As  armas!  Vamos  dar  fim  a  essa  obra  glo- 
riosa já  por  nós  encetada!  Os  malvados  não  nos  resistem,  pois 
os  seus  mesmos  crimes  os  fazem  cobardes,  emquanto  que 
a  nossa  virtude  e  a  santidade  de  nossa  causa  redobra  nossos 
esforços,  o  que  praticamente  já  foi  demonstrado  no  campo 
da  honra  de  Burity ! 

«Brazileiros!  Estou  á  vossa  frente  com  3.800  heróes  bem 
armados  e  municiados  e  jamais  retrogradarei  meus  passos, 
sem  que  no  mais  remoto  sertão  do  Brazil  se  respeite  a  reli- 
gião de  nossos  pães  e  o  tlirono  do  Senhor  D.  Pedro  I.  E  em 
abono  d'isso  que  vos  acabo  de  dizer,  só  vos  recommendo  que 
si  eu  avançar,  segui-me;  si  fugir,  matai-me;  si  morrer, 
vingai -me  com  a  vossa  honra! 

«Brazileiros!  Viva  a  religião  catholica  e  apostólica  de 
N.  S.  Jesus  Christo!  Viva  o  nosso  adorado  imperador  o 
Senhor  D.  Pedro  I  e  sua  augusta  dynastia!  Vivam  os  bons 
e,  fieis  brazileiros  em  geral  e  em  particular  os  habitantes  do 
Jardim ! » 

«Villa  do  Crato,  em  2  de  Janeiro  de  1832. — Joaquim 
Pinto  Madeira, » 

iO  TOM.  II 


314  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 

Em  Abril  do  mesmo  anno,  travou  em  Icó  sanguinolento 
combate  com  os  legalistas;  teve  ahi  completa  derrota, 
vendo-se  obrigado  a  fugir,  deixando  no  campo  de  batalha 
loo  mortos,  200  feridos  e  prisioneiros. 

Cançado  de  tantas  luctas  improfícuas  e  sabendo  quanto  o 
general  Pedro  Labatut  era  humano,  Pinto  Madeira,  acom- 
panhado de  1.590  dissidentes,  rendeu-se  a  13  de  Outubro 
de  1832,  no  acampamento  do  Correntinho,  sob  promessa  de  ser 
enviado  para  Pernambuco  com  seu  companheiro  de  luctas,  q 
vigário  do  Jardim,  cónego  António  Manoel  de  Souza  (appel- 
lidado  Benze-cacete)^  a  fim  de  seguirem  ambos  para  o  Rio  de 
Janeiro,  onde  pretendiam  justificar-se.  Iam  embarcar  com 
direcção  á  corte,  quando  houve  ordem  em  contrario,  visto 
não  terem  ainda  culpa  formada,  nem  haverem  sido  interro- 
gados nem  ouvidos. 

Depois  de  vagar  de  prisão  em  prisão,  em  varias  provín- 
cias, Pinto  Madeira  voltou  ao  Ceará  para  ser  julgado  no 
local  de  seu  domicilio,  a  villa  do  Crato. 

A  22  de  Outubro  de  1834  seguiu  para  ahi  o  criminoso, 
escoltado  por  uma  força  de  60  praças  commandada  pelo 
ajudante  de  ordens  da  presidência  da  provincia,  tenente  João 
da  Rocha  Moreira. 

Era  presidente  do  Ceará  o  padre  José  Martiniano  de 
Alencar,  senador  do  império. 

Nos  officios  que  esta  auctoridade  dirigiu  ao  juiz  de  direito 
interino,  José  Victoriano  Maciel,  e  ao  promotor  publico, 
António  Rayniundo  Brigido  dos  Santos,  recommendou  que, 


CAPITULO   XXX  315 


na  fornia  do  art.  319  do  código  do  processo  criminal,  se 
convocasse  o  jury  extraordinariamente,  para  que  o  réo  fosse 
julgado  com  brevidade  e  reconduzido  á  capital,  no  caso  de, 
sendo  condemnado,  appellar  para  o  jurj-  da  capital,  como 
lhe  permittia  a  lei. 

A  23  de  Novembro  chegou  Pinto  Madeira  ao  Crato,  per- 
cebendo feroz  contentamento  por  parte  de  seus  inimigos, 
dominadores  da  situação.  Convocado  extraordinariamente  o 
jur}',  no  edifício  da  camará,  compareceram  todos  os  jurados, 
combinados  todos  em  cavar-lhe  prompta  ruina. 

O  crime  escolhido  para  o  julgamento  não  foi  o  de  rebel- 
lião,  como  parecia  razoável,  mas  de  homicidio. 

Disse  a  accusação  que  no  combate  de  Bnrity,  tendo  sido 
preso  o  portuguez  Joaquim  Pinto  Cidade  pelos  sequazes  de 
Pinto  Madeira,  este  o  mandara  fuzilar,  usando  da  expressão: 
«  Prendam  e  desbaratem. » 

Por  não  ter  defensor.  Pinto  Madeira  só  poude  apresentiir 
uma  pequena  defesa  escripta,  reportando-se  ao  depoimento 
de  suas  testemunhas. 

Pessoas  que  assistiram  á  morte  do  moço  portuguez 
affinnaram  que  o  assassinato  fora  perpetrado  pela  tropa  de 
Francisco  Xavier  Veneno,  guarda  avançada  de  Pinto 
Madeira. 

As  -pessoas  independentes  que,  apezar  de  toda  a  pressão 
politica,  se  animaram  a  depor  cm  defesa  do  réo,  foram,  ao 
sahir  a  porta  do  tribunal,  espancadas  deante  da  própria  tropa 
de  linha. 


3X6  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


A  26  de  Novembro  leve  o  réo  condemuação  á  pena  de 
morte,  grau  máximo  do  art  192  do  código  criminal. 

Acto  continuo  á  leitura  da  sentença,  Pinto  Madeira 
levantou-se  e  disse  repeitosamente :  «  Appéllo.» 

Indignado  porque  o  criminoso*  usava  de  recurso  garantido 
por  lei,  o  presidente  do  tribunal,  tenente- coronel  José  Victo- 
riano  Maciel,  proferiu  estas  violentas  palavras:  «Não  tem 
appellação  nem  aggravo,  senhor  coronel;  aprompte-se  para 
morrer!» 

E  sem  que  lhe  fosse  permittido  appellar  para  novo  jury 
nem  impetrar  perdão  ao  poder  moderador,  o  réo  passou  no 
dia  seguinte  para  o  oratório. 

Âs  8  horas  da  manhã  de  28  de  Novembro  de  1834,  foi 
Pinto  Madeira  retirado  da  cadeia,  e,  seguido  de  enonne 
acompanhamento,  conduzido  ao  alto  do  Barro  Vennelho^ 
logar  da  forca.  A  frente  do  préstito,  o  official  de  justiça 
António  Alves  lia  em  alta  voz  a  sentença;  seguia-se-lhe  Pinto 
Madeira  em  trajo  militar,  de  corda  ao  pescoço,  cujas  pontas 
segurava  o  carrasco — o  sentenciado  á  pena  ultima,  Cosme 
Pereira  (o  Cavaco);  ladeavam  o  réo  os  padres  que  o  haviam 
assistido  no  oratório,  reverendos  José  Joaquim  de  Oliveira 
Bastos  e  José  Félix  dos  Santos ;  compunham  o  grupo  o  juiz 
de  direito  interino,  capitão  António  Ferreira  Lima  (a  quem 
Victoriano  Maciel  passara  o  exercicio),  o  juiz  de  paz  António 
Vicente  de  Moura  e  o  escrivão  António  Duarte  Pinheiro; 
fechavam  o  préstito  a  tropa  e  o  povo. 

Ao  chegar  ao  patibulo,  pediu  o  réo  que  o  não  enforcassem, 


CAPITULO  XXX  317 

mas  o  fuzilassem,  como  militar.  Concordando  na  commutação 
da  pena,  collocaram  junto  á  forca  uma  cadeira  de  pau,  em 
que  sentou-se  Pinto  Madeira,  com  desembaraço  e  sangue  frio. 
Cobriu  a  cabeça  com  um  lenço,  como  era  de  praxe ;  collo- 
cou  em  seguida  a  dextra  sobre  o  coração,  como  indicando 
o  alvo;  após  a  descarga,  tombou  de  bruços  exclamando: 
«Valha-me  o  Sacramento!» 

Para  acabar  de  matal-o,  pois  cahira  com  um  braço  partido 
e  o  tronco  atravessado  por  uma  bala,  o  cabo  de  esquadra  que 
commandava  a  escolta  disparou-lhe  no  ouvido  o  tiro  de 
misericórdia  ou  de  honra  ( * ).  * 

O  cadáver  foi  sepultado  no  corpo  da  matriz  do  Crato. 

Pinto  Madeira  nasceu  na  fazenda  Silvério^  da  cidade  da 
Barbalha;  contava  cerca  de  50  annos  de  edade;  era  casado 
e  sem  filhos. 

Dando  conta  doestes  aconteciment<fe  ao  presidente  da  pro- 
vincia,  em  officios  de  27  de  Novembro,  i.^  e  10  de  Dezembro 
de  1834,  assim  se  externou,  em  resumo,  o  juiz  de  direito 
interino  José  Victoriano  Maciel : 


( I  )  Pouco  tempo  depoí%,  compadecido  da  sorte  de  Pinto  Madeira,  o  povo  o 
considerou  um  martyr.  Quando  alguém  perdia  um  objecto,  nutria  esperança  de 
achal-o,  resando  um  Padre  Nosso  e  uma  Ave  Maria  pòr  alma  d'este  revolucioná- 
rio cearense. 

« Os  últimos  momentos  do  condemnado  fizeram  calar  no  animo  do  povo 
tamanho  sentimento  de  veneração  por  elle,  que  ficou,  muitos  annos,  como  um 
intercessor  para  os  infelizes.  Resavam-lhe  para  obter  favores  do  céo.  ■ 

Major  João  Brigido  dos  Santos:  Estudos  biographicos  de  cearenses 
illusíres. 


3l8  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


«Tenho  de  participar  a  V.  Exa.  que  apezar  de  ser  o  réo 
odiado  de  todas  as  pessoas  beneméritas  doesta  \nlla,  nem  por 
isso  soffreii  o  mais  pequeno  insulto,  nem  se  lhe  fez  injustiça; 
não  se  lhe  faltou  com  um  só  requisito  da  lei ;  os  juizes  que 
o  julgaram  foram  escolhidos,  desinteressados,  despidos  de 
paixões  e  vinganças;  foi-lhe  concedida  a  escolha  dos  juizes; 
deu  testemimhas  em  sua  defesa:  finalmente,  encheram-se 
todos  os  recursos  da  lei  .  .  . 

ffO  réo  Joaquim  Pinto  Madeira,  sendo  julgado  pelo  jury 
d'esta  villa,  foi  sentenciado  á  pena  ultima,  não  havendo, 
na  conformidade  da* lei,  motivo  para  appellar  da  sentença; 
o  recurso  que  lhe  competia  era  fazer  a  petição  de  graça, 
a  qual  deixou  de  fazer  por  saber  que  a  conspiração  dos  povos 
que  se  reuniram  n'esta  villa,  requisitavam  a  justa  punição 
de  seus  crimes  e  o  cumprimento  da  sentença,  e  temendo 
algum  rompimento  qu?  lhe  seria  peor,  dispoz-se  a  sofFrer 
a  sorte  que  lhe  marcava  a  sua  sentença,  e,  depois  de  execu- 
tados os  recursos  da  lei,  no  dia  28  de  Novembro  expiou  os 
seus  crimes  com  a  vida;  não  foi  enforcado  por  não  haver 
carrasco,  foi  fuzilado,  exemplo  que  segui  de  outras  auctori- 
dades  que  o  têem  praticado  em  eguaes  condições  ... 

«Com  o  réo  Joaquim  Pinto  Madeira  preencherani-se  todas 
as  formalidades  da  lei ;  não  foram  acceitos  os  recursos  que 
a  mesma  lei  concede  aos  réos  sentenciados  á  pena  ultima, 
porque  o  mesmo  réo,  á  vista  de  seus  horrorosos  crimes,  não 
qiiiz  recorrer^  nem  a  petição  de  graça,  c  mesmo  declarou  aos 
sacerdotes  que  o  assistiram  que  a  não  fazia, » 


CAPITULO   XXX  319 

A  estes  embustes  officiaes  respondeu  de  modo  severo, 
reprehensivo,  o  presidente  do  Ceará,  padre  Alencar: 

<f  Assaz  desagradável  foi  a  esta  presidência  e  creio  que  o 
será  a  todo  brazileiro  sensivel  e  amigo  da  ordem  e  da  legali- 
dade em  seu  paiz,  a  leitura  do  officio  de  Vmc.  de  27  do 
passado  mez,  em  que,  relatando  o  julgamento  de  Joaquim 
Pinto  Madeira,  diz  que  elle  fora  entregue  ao  2.°  conselho  de 
jurados  no  dia  26,  sentenciado  á  pena  ultima,  subira  no  dia 
27  para  o  oratório,  a  fim  de  expiar  no  dia  immediato  seus 
horrorosos  crimes ! 

«Por  mais  coberto  de  crimes  que  fosse  esse  réo,  elle  era 
um  cidadão  brazileiro,  com  quem  se  devia  guardar  todos  os 
recursos  que  a  constituição  e  as  leis  prescrevem;  e  de  mais 
elle  era  homem  e  como  tal  não  se  lhe  devia  negar  a  defesa 
que  a  humanidade,  a  natureza  e  a  razão,  em  um  paiz  livre,  • 
sempre  afiançam  aos  homens,  ainda  os  mais  desgraçados. 

« E  como  se  atreve  Vmc.  a  aflSrmar,  em  seu  dito  oflScio, 
que  se  não  negou  ao  réo  requisito  algum  da  lei,  quando 
confessa  que  elle  ia  morrer  48  horas  depois  do  julgamento? 

(í  Deixaria  elle  de  lançar  mão  do  recurso  do  art.  308  do 
código  penal,  protestando  para  um  novo  jury  na  capital  da 
província?  Mas  como  usaria  doesse  recurso,  si  Vmc.  lhe  não 
permittiu  os  8  dias  marcados  no  art.  310  do  mesmo  código? 

ffAlém  d^isso,  poderia  Vmc.  ignorar  a  lei  de  11  de  Setem- 
bro de  1825,  onde  se  acha  a  expressa  determinação  de  que 
nenhuma  sentença  de  morte,  proferida  cm  qualquer  parte  do 
império,  seja  executada  sem  que  primeiro  suba  á  presença 


320  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 

do  imperador,  lei  que  já  por  precaução  se  havia  mandado 
reimprimir  no  periódico  da  provincia  Recopilador  Cearense^ 
desde  24  de  Maio,  periódico  que  Vmc.  não  deixaria  de  ler,  e 
lei  de  que  eu  já  o  havia  prevenido  em  circular  aos  juizes  de 
direito  d'esta  provincia,  datada  de  6  de  Novembro  ultimo,  a 
qual  Vmc.  infallivel mente  recebeu,  pois  foi  d'aqui  no  correio 
de  10  de  Novembro  que  chegou  a  essa  villa  a  26,  isto  é,  no 
mesmo  dia  em  que  o  réo  estava  sendo  julgado,  e,  accusando 
Vmc.  o  recebimento  de  um  officio  meu,  de  7  de  Novembro 
que  havia  ido  pelo  mesmo  correio,  claro  está  haver  recebido 
a  mencionada  circular. 

<fA  vÍ3ta,  pois,  do  expendido,  é  evidente  que  nem  ao 
menos  com  a  ignorância  pôde  Vmc.  desculpar-se  de  haver 
commettido  uma  infracção  manifesta  de  tantos  e  tão  claros 
artigos  de  lei  e  até  da  constituição,  e  isto  em  um  caso  em  que 
todos  os  principies  de  direito  e  de  humanidade  exigiam  que 
pendesse  para  a  parte  mais  favorável  ao  infeliz,  ainda  quando 
qualquer  duvida  se  suscitasse. 

ff  Baldou  Vmc.  todas  as  diligencias  d'esta  presidência,  que 
não  sem  grave  peso  á  fazenda  publica  havia  mandado  escol- 
tar este  réo  com  uma  força  que  fizesse  a  sua  perfeita  segu- 
rança, livrando-o  de  algum  resentimento  popular.  Não  foram 
pessoas  do  povo,  foi  Vmc,  foram  as  auctoridades  do  Crato 
quem  o  mataram  anarchica  e  illegalmente,  compromettendo 
assim  a  própria  reputação  da  provincia,  que,  por  estes  e  outros 
eguaes  factos  sanguinolentos,  vai  talv^ez  adquirindo  a  nota  de 
estupidez  e  ferocidade. 


CAPITULO  XXX  321 


«Não  é  por  certo  praticando  doesta  maneira  que  nós 
poderemos  firmar  a  paz,  a  liberdade  e  a  ordem  em  nos«;a 
provincia:  pelo  contrario,  si  as  auctoridades  são  as  mesmas 
que  dão  o  exemplo  de  transgressão  das  leis,  mesmo  d'aquellas 
que  a  humanidade  e  a  razão  mais  requerem  na  sociedade ;  si 
ellas,  calcando  os  sentimentos  da  natureza,  são  as  primeiras 
que  se  distinguem  em  actos  de  ferocidade,  derramando 
illegalmente  o  sangue  dos  infelizes,  que  não  fará  o  povo, 
sempre  guiado  por  seus  maiores? 

(íD'este  modo  ficaram  baldadas  todas  as  diligencias  que 
esta  presidência  começou  a  pôr  em  pratica  para  fazer  parar  a 
torrente  de  bárbaros  assassinatos  que  todos  os  dias  vão  succe- 
dendo  por  toda  a  provincia.  Como  conseguir  este  fim,  quando 
as  auctoridades  se  não  querem  convencer  que  só  na  prompta 
e  fácil  execução  das  leis  é  que  existem  liberdade  e  segurança 
publica  ? 

«Cumpre,  pois,  que  se  faça  a  responsabilidade  de  quem 
tão  ás  claras  aberra  de  seus  deveres ;  por  conseguinte  ordeno 
a  Vmc.  que,  quanto  antes,  responda  a  esta  presidência,  com 
os  motivos  que  teve  para  mandar  executar  o  réo  Pinto 
Madeira,  sem  esperar  pelos  recursos  que  as  leis  e  a  constitui- 
ção lhe  garantiam,  a  fim  de  que,  satisfeito  este  requisito 
constitucional,  se  possa  deliberar  em  conselho,  conforme  fôr 
de  direito,  contra  Vmc.  e  as  mais  auctoridades  que  se  julgar 
terem  tomado  parte  em  tão  tristç  acontecimento. 

«Deus  Guarde  a  Vmc.  Palácio  do  governo  do  Ceará,  15 
de   Dezembro   de   1834. — Josb  Mart imano  de  Alencar. — 


322  MEMORIAS  BRAZII.EIRAS 


Sr.  José  Victoriauo  Maciel,  juiz  de  direito  interino  do 
Crato. » 

Não  foi  levada  a  effeito  a  responsabilidade  do  juiz,  talvez 
por  se  ter  Alencar  convencido  de  que  elle  apenas  fora  instru- 
mento do  dictador  da  comarca  do  Crato,  José  Francisco 
Pereira  Maia  (o  Mainha\  homem  sagaz,  que,  da  penumbra 
em  que  se  collocára,  preparou  contra  seu  rival  essa  lúgubre 
tragedia. 

Para  compensar  o  acto  mau.  Pereira  Maia  prDporcionou 
a  absolvição  do  cónego  António  Manoel  de  Souza,  ex-depu- 
tado  á  assembléa  constituinte. 

Com  a  retirada  de  D.  Pedro  I  e  inauguração  de  novo 
governo,  amotinaram-se  as  tropas  em  guarnição  na  capital 
de  Pernambuco,  a  5  de  Maio  de  1831.  D'ahi  sahiram  revo- 
lucionadas para  Olinda,  d'onde  regressaram  para  depor  o 
commandante  das  armas,  coronel  Lamenha  Lins. 

Acalmado  este  movimento,  surgiu  na  noite  de  14  de 
Setembro  do  mesmo  anuo  outra  sedição  militar,  que  tomou 
espantosas  proporções.  Em  deplorável  anarcliia,  os  soldados 
tomam  conta  da  cidade  e  coiumettem  verdadeiros  desatinos, 
arrombando  portas  a  golpes  de  machado,  saqueando  armazéns 
e  lojas.  Em  todo  o  dia  15  reinou  terror  na  capital  pernambu- 
cana. No  dia  16,  cançadas  de  correrias  e  ébrias,  foram 
as  tropas  batidas  por  milicianos  e  grande  numero  de  cida- 
dãos armados,  que  as  acommetteram  pelos  bairros  da  Boa 
Vista  e  do  Recife.  Cerca  de  300  soldados  morreram  ás  mãos 


CAPITULO  XXX  323 

do  povo  e  mais  de  8cx)  seguiram  presos  para  a  ilha  de  Fer- 
nando Noronha. 

Tal  sedição  ficou  vulgarmente  conhecida  por  Setembri- 
zada. 

Outro  tumulto  deu-se  a  15  de  Novembro  do  mesmo 
anuo,  sendo  escolhida  a  fortaleza  das  Cinco  Pontas  para  sede 
da  acção.  Felizmente,  dentro  de  poucas  horas  suffocou-se  o 
movimento  pelas  enérgicas  providencias  tomadas  pelo  presi- 
dente da  provincia  Francisco  de  Carvalho  Paes  de  Andrade. 

Ainda  outra  commoção  revolucionaria  poz  em  sobresalto 
a  capital  de  Pernambuco  a  14  de  Abril  de  1832. 

O  tenente-coronel  Francisco  José  Martins  e  major  José 
Gabriel  de  Moraes  Meyer,  á  frente  de  um  batalhão  de  mili- 
cianos, apoderaram-se  do  bairro  do  Recife,  tendo  a  seu  favor 
o  pronunciamento  da  fortaleza  do  Bruni. 

Para  dominar  a  revolta,  o  presidente  da  provincia  reuniu 
as  milícias  de  outros  .bairros  e  attrahiu  a  si  a  força  naval,  e 
com  estes  contingentes  conseguiu  impedir  que  os  rebeldes 
passassem  a  ponte  do  Recife ;  sitiando-os,  fez  abortar  a  revo- 
lução fora  da  cidade,  d'onde  os  chefes,  sediciosos  esperavam 
recursos  bellicos.  Depois  de  40  horas  de  indecisões,  dissolveu- 
se  o  batalhão  rebelde:  deante  da  debandada,  o  povo  atra- 
vessou em  tropel  a  ponte  do  Recife,  em  perseguição  dos  que 
haviam  recusado  combater,  e,  por  vingança  partidária,  com- 
metteu  muitos  assassinatos  que  encheram  de  lucto  a  capital. 

Pouco  depois,  em  Panellas  de  Miranda^  ateava-se  a 
grande  guerra  civil,  chamada  dos  Cabanos^  contra  a  qual  o 


324  MHlfO&IAS  BRAZII.ETBAS 

gcA-erao  legal  poz  em  armas  6.000  soldados.  Depcds  de  encar- 
niçada lucta  de  quatro  annos  approximadamente,  conseguiu 
o  major  Joaquim  José  de  Souza  aplacar  inveterados  ódios, 
e  auxiliado  por  uma  edificante  pastoral  do  bispo,  D.  João 
da  Purificação  Marques  Perdigão,  attrahiu  ao  grémio  da 
religião  e  da  sociedade,  em  Novembro  de  1835,  os  povos 
rebellados. 

•A  4  de  Abril  de  1831,  deu-se  na  Bahia  um  grande  tumulto 
em  que  tomaram  parte  povo  e  tropas,  que  se  reuniram  na 
fortaleza  e  no  largo  do  Barbai  ho,  revoltados  pela  prisão  de 
dois  officiaes  brazileiros,  e  d'ahi  foram  a  palácio  pedir  ao 
presidente  da  provinda  Luiz  Paulo  de  Araújo  Bastos,  visconde 
dos  Píaes,  a  demissão  do  commandante  das  armas,  marechal 
João  Chrysóstomo  Callado.  A  demissão  foi  conseguida,  embar- 
cando este  official  para  o  Rio  de  Janeiro  a  6  do  mesmo  mez. 

A  13  de  Abril,  novas  desordens  alarmaram  a  cidade  do 
Salvador.  Para  vingarem  a  morte  do  brazileiro  Victor  Pinto 
de  Castro,  occorrida  na  cidade  baixa,  bairro  do  commercio, 
morte  attribuida  a  luzitauos,  grupos  de  turbulentos  e  malfei- 
tores percorreram  as  ruas,  arrombando  e  saqueando  lojas  e 
tavernas  de  portuguezes. 

Deu-se  n'essa  occasião  uni  facto  lamentável. 

Perseguido  por  um  grupo  de  amotinadores,  o  portuguez 
João  Teixeira  de  Carvalho  lançou-se  do  cães  ao  mar,  no 
intento  de  recolher-se  a  bordo  de  alguma  embarcação.  Com  a 
rapidez  própria  do  desespero,   nadou  na  direcção  de  uma 


CAPITULO   XXX  325 


canoa  que  passava,  tripulada  apenas  por  um  preto.  Persua- 
dido de  que  ia  encontrar  humanitário  refugio,  Teixeira  de 
Carvalho  approximou-se  da  canoa,  suppondo-se  salvo.  Infe- 
lizmente, não  houve  generosidade  da  parte  do  rude  homem 
do  mar.  Este  barbaramente  o  matou  a  pancadas  de  remo, 
causando  este  facto  profunda  indignação  aos  próprios  perse- 
guidores. 

O  assassino  conseguiu  fugir  para  o  sertão  da  provincia, 
onde,  pouco  tempo  depois,  foi  preso  e  condemnado  a  galés 
perpetuas.  Palleceu  na  prisão. 

Os  turbulentos  foram,  afinal,  contidos  pelas  enérgicas 
providencias  tomadas  pelo  dr.  Cypriano  Barata  de  Almeida 
e  pelo  visconde  de  Pirajá  (Joaquim  Pires  de  Carvalho  e 
Aragão),  que  exercia  interinamente  o  cargo  de  commandante 
das  annas. 

A  povoação,  hoje  cidade,  de  S.  Félix  acclamou  a  repu- 
blica em  Fevereiro  de  1832;  porém  este  movimento,  sem 
recursos  para  prolongar-se,  teve  de  cessar  deante  de  medidas 
enérgicas  tomadas  pelo  presidente  da  provincia.  Cerca  de  cem 
presos  politicos  foram  conduzidos  para  a  capital  bahiana  e 
recolhidos  á  fortaleza  de  S.  Marcello  ou  forte  do  Mar.  Ahi 
revoltaram-se  a  26  de  Abril,  hasteando  a  bandeira  da  Fede- 
ração^ formada  de  uma  listra  branca  e  duas  azues.  Na  véspera 
haviam  alliciado  parte  do  destacamento,  ferido  ao  comman- 
dante e  ao  irmão  d'este,  prendendo  a  ambos.  Senhores  da 
fortaleza,  assestaram  as  peças  de  artilheria  contra  a  cidade  e 
começaram  a  bombardeal-a. 


326  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Immediatamente  convocou  o  presidente  as  auctoridades 
civis  e  militares;  foram  postas  de  promptidão  a  força  de  linha 
e  a  guarda  nacional;  contra  a  fortaleza  postaram-se  cinco 
peças  de  artilheria  no  adro  da  Sé,  três  no  arsenal  de  marinha 
e  na  cor\'eta  Regeneração.  Apossaram-se  os  sediciosos  de 
uma  barca  ao  serviço  da  fortaleza  e  de  quatro  embarcações 
chegadas  do  Recôncavo  com  mantimentos.  Durante  quatro 
dias  travou-se  forte  tiroteio;  cessou,  quando  desmontadas 
algumas  peças  da  fortaleza,  tiveram  os  revoltosos  de  ceder, 
por  ser  materialmente  impossivel  a  resistência. 

Também  a  provincia  de  Minas  Geraes  sentiu  os  effeitos 
da  exaltação  dos  partidos;  uma  sedição  militar  explodiu,  em 
Ouro  Preto,  a  22  de  Março  de  1833,  e  conseguiu  depor  o 
vice-presidente  Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos ;  esta  aucto- 
ridade  installou  governo  em  S.  João  d'El-Rei,  onde  preparou 
reacção.  Logo  que  d'estes  factos  teve  conhecimento,  a  regên- 
cia enviou  a  Minas  o  marechal  José  Maria  Pinto  Peixoto,  o 
qual  apenas  com  quatro  officiaes  e  sem  tropa  alguma,  seguiu 
para  as  immediações  de  Ouro  Preto  e  collocou-se  á  frente  de 
um  corpo  de  guardas  nacionaes.  Depois  de  um  pequeno  asse- 
dio, conseguiu  o  marechal  tomar  couta  da  capital,  a  19  de 
Maio,  sendo  presos  e  processados  os  rebeldes,  á  excepção  de 
alguns  que  puderam  evadir-se  e  de  outros  que  se  mantiveram 
occultos,  até  que  no  anuo  seguinte  uma  amnistia  geral 
absolveu-os  a  todos. 


CAPITULO   XXX  327 


Em  S.  Paulo  a  noticia  da  abdicação  de  D.  Pedro  foi 
recebida  com  grandes  manifestações  de  alegria  popular: 
bandas  de  musica  percorreram  as  ruas  ao  som  de  hymnos  e  de 
vivas ;  a  capital  poz  luminárias  durante  três  noites  consecuti- 
vas; a  mocidade  académica  proporcionou  espectáculo  gratuito 
ao  povo.  Com  a  victoria  da  causa  liberal  transbordaram  de 
jubilo  todos  os  corações  patriotas. 

Na  capital  do  Espirito  Santo  o  26.°  batalhão  de  infan teria 
sublevou-se,  depoz  o  commandante  e  o  substituiu  por  outro. 

Vangloriosos  com  este  triumpho,  acommetteram  os  sol- 
dados diversas  casas,  forçando  os  moradores  a  fugir  aterro- 
rizados; puzeram  a  saque  vários  estabelecimentos;  só  se 
contiveram  ante  força  regular  de  milicianos  e  de  cidadãos 
armados. 

Em  Santa  Gatliarina  revoltaram-se  os  soldados  contra  o 
presidente  e  o  commandante  das  armas,  nomeados  pelo 
governo  de  Pedro  I.  Convocado  o  conselho  da  provincia, 
deliberou-se,  para  evitar  effusáo  de  sangue,  que  aquellas 
auctoridades  fossem  substituidas  por  funccionarios  immedia- 
tos;  assim  satisfeitas,  voltaram  as  tropas  a  seus  quartéis. 

Até  a  longinqua  provincia  de  Matto  Grosso  sentiu  os 
estragos  da  guerra  civil,  que  assolava  as  provincias  maríti- 
mas. A  capital,  Cuyabá,  viu-se  entregue,  por  falta  de  força 
moral  das  auctoridades,  a  desenfreada  carnificina,  sem  fim 


328  MEMORIAS  BRAZILHIRAS 


algitm  politico,  desde  30  de  Maio  a  5  de  Julho  de  1834,  pere- 
cendo ás  mãos  da  populaça  muitos  pães  de  familia,  muitas 
pessoas  ricas  e  de  consideração, 
í  A  attitude  enérgica  de  um  official  valente,  coronel  João 

j  Propino  Chagas,  dominou  a  anarchia  e  poude  restabelecer  a 

tranquillidade  na  capital  e  no  interior. 

Feita  esta  rápida  resenha  dos  motins  que  por  motivo  da 
abdicação  convulsionaram  o  paiz,  occupemo-nos  das  difficul- 
dades  com  que  o  governo  regencial  teve  de  luctar,  para 
salvar  o  Brazil  da  anarchia  em  que  parecia  querer  preci- 
pitar-se. 


CAPITULO  XXXI 


Sedição  militar  dr  3  de  Abril  dk  1832  no  Rio  de  Janeiro. 

Tentativas  de  restaurar  D.  Pedro  I  no  throno  do  Brazil. 

Suspensão  de  José  Bonifácio  do  cargo  de  tutor. 

1832-1834 


J^M  meio  dos  contínuos  movimentos  sediciosos  que  entor- 
peciam a  marcha  do  paiz,  poude  a  regência  attender  a  muitas 
necessidades  publicas  de  vital  interesse.  Com  a  creação  da 
guarda  nacional,  extinguiu  os  corpos  de  milicias  e  ordenanças 
e  a  guarda  de  honra  por  lei  de  18  de  Agosto  de  1831 ;  fundou 
o  Thesouro  Nacional  e  Thesourarias  de  Fazenda  nas  provín- 
cias, fazendo  cessar  o  Conselho  de  Fazenda,  por  lei  de  4  de 
Outubro,  e  a  31  de  Dezembro  do  mesmo  anno  deu  definitiva 
organização  á  academia  de  Bellas  Artes. 

No  anno  de  1832  accentuaram-se  fortemente  os  partidos 
que  aspiravam  preponderar  no  paiz  e  que  se  reduziam  a 
três  (^):  o  restaurador^  que  impatrioticamente  desejava  o 


(  I  )  Como  em  todas  as  epochas  revolucionarias,  os  partidários  trocavam 
entre  si  appeUidos  escarninhos  :  os  restauradores  eram  alcunhados  de  earamu- 
rús;  os  cvaltados,  de  farroupilhas  ou  jurujubas,  e  os  moderados^  de  chi- 
mangos.  Chimango  é  no  Rio  Grande  do  Sul  uma  espécie  de  gavião,  ave  sem 

4^  TOM.  II 


330  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


regresso  do  ex- imperador  e  de  que  eram  indigitados  chefes 
José  Bonifácio,  António  Carlos,  Martim  Francisco,  viscondes 
de  Santo  Amaro  e  de  Cayríi  e  marquez  de  Paranaguá;  o  mode- 
rado^ representado  pelos  três  regentes,  ministério  e  uma  parte 
da  camará,  Evaristo  da  Veiga,  Paula  e  Souza,  Honório  Her- 
meto  Carneiro  Leáo  (marquez  do  Paraná)  e  António  Paulino 
Limpo  de  Abreu  (visconde  de  Abaete);  e  o  exaltado^  com- 
posto de  alguns  deputados  bahianos,  de  Paes  de  Andrade 
e  major  Miguel  de  Farias  e  Vasconcellos. 

Tendo  sido  lida  na  camará  uma  proposta,  embora  rejei- 
tada, para  que  fossem  aposentados  ou  reformados  empregados 
públicos,  civis  e  militares,  adeptos  do  antigo  regimen,  esta 
idéa,  por  intolerante,  causou  indignação  a  muitos  espiritos  e 
deu  causa  a  que  se  ligassem  ostensivamente  os  partidários  de 
D.  Pedro. 

Trataram  os  restauradores  de  fundar  uma  Sociedade  Con- 
serradora  da  Constituição  Brazileira^  que  foi  installada  no 
Rio  de  Janeiro  em  uma  casa  do  morro  do  Castello.  Como 
órgão  do  partido  surgiu  o  jornal  Caramunt^  a  estabelecer 
confronto  entre  o  governo  do  ex-imperador  e  o  dá  regência,  a 
salientar  a  superioridade  d^aquelle  sobre  este,  a  criticar 
fortemente  as  medidas  postas  em  execução  e  a  desejar  o 
regresso  do  duque  de  Bragança,  quer  como  monarcha,  quer 
como  regente. 


valor  como  caça.  Os  gaúchos,  quando  querem  mostrar  que  não  ligam  importância 
alguma  a  certa  pessoa,  empregam  ás  vezes  esta  fígiira  :  » Nào  costumo  gastar 
pólvora  com  chimango.  >• 


CAPITULO   XXXI  331 


Por  excesso  de  linguagem,  foi  processado  o  redactor  da 
Matraca  e  desappareceu  este  periódico;  declarou-se,  porém 
immediata  reacção,  de  caracter  forte.  Fundiram-se  os  dois 
partidos,  exaltado  e  restaurador,  com  o  fim  commum  de 
combater  o  governo  regencial,  effectuando-se  a  liga  em  sessão 
secreta  de  uma  loja  maçónica  estabelecida  ao  valle  do  Passeio 
Publico.  Correram  boatos  de  que  a  revolução  explodiria  na 
noite  de  2  para  3  de  Abril  de  1832 ;  que  seriam  assassinados 
membros  da  regência  e  do  ministério;  que,  reunidos  no 
Campo  da  Honra,  a  um  signal  convencionado,  saliiriam 
diversos  grupos  a  impedir  o  comparecimento  da  guarda 
nacional,  com  cujo  apoio  contavam  os  insurgentes. 

Logo  que  teve  conhecimento  doestas  murmurações,  o 
ministro  da  justiça  ofBciou  ao  intendente  e  juizes  de  paz  nos 
seguintes  termos: 

«Tendo-se  ha  dias  espalhado  o  rumor  de  que  dois  partidos, 
com  o  fim  ou  pretexto  de  salvar  a  pátria,  tendem  abysmal-a 
nos  horrores  da  anarchia,  pois  que  pretende  um  proclamar  a 
federação  já  e  já,  e  outro  preparar  a  entrada  do  ex-imperador, 
collocandq  na  regência  e  administração  pessoas  affectas  ao 
antigo  governo,  cumpre  que  sejam  pesquisados  os  auctores  e 
cúmplices  de  taes  crimes,  para  que  sejam  punidos  com  toda  a 
severidade  da  lei. » 

Foram  immediatamente  dadas  as  providencias  para  suffo- 
car  a  projectada  rebellião ;  poz-se  de  promptidão  a  tropa  de 
linha;  reuniu-se  a  guarda  nacional;  reforçaram-se  as  guardas 
nos  edificios  públicos ;  na  residência  do  ministro  da  justiça 


332  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 

houve  conferencia  de  auctoridades  civis  e  militares,  accordes 
todas  em  destruir  as  preteuções  dos  partidos  colligados. 

Na  noite  de  2  de  Abril  espalharam  os  exaltados  uma 
proclamação  em  que  diziam,  em  nome  do  exercito  e  do  povo, 
que  os  membros  da  regência  e  do  ministério  deviam  ser 
substituídos,  porque  haviam,  por  seus  actos,  perdido  de  todo 
a  confiança  publica;  que  a  continuação  d^elles  no  governo 
importava  em  abalar  os  fundamentos  constitucionaes  do 
paiz;  que  especialmente  os  ministros  da  fazenda  (Bernardo 
Pereira  de  Vasconcellos)  e  da  justiça  (padre  Diogo  António 
Feijó)  não  podiam  mais  governar,  porque  haviam  incorrido 
no  ódio  de  todas  as  classes.  Era  accusada  a  regência  de  não 
impedir  que  se  tramasse  na  Europa  o  regresso  do  ex-impera- 
dor;  não  mandar  fortificar  as  fortalezas;  não  contribuir  para 
que  se  desenvolvesse  a  renda  publica. 

Depois  de  outras  increpações  fúteis,  a  proclamação  apre- 
sentava como  capazes  de  salvar  o  império  três  cidadãos,  três 
novos  regentes:  António  Carlos,  Pedro  Maynard  e  Paes  de 
Andrade. 

Amanheceu  o  dia  3  de  Abril  sem  que  se  manifestasse 
a  grande  perturbação  apregoada  pelos  terroristas :  abortara  a 
revolução.  Não  tendo  noticia  d'este  mallogro  e  cumprindo  o 
plano  anteriormente  combinado,  o  major  Miguel  de  Frias  e 
Vasconcellos  levantou  os  presos  militares  da  fortaleza  de 
Villegaignon,  apossou-se  de  duas  peças  de  artilheria  ahí 
existentes,  desembarcou  na  praia  de  Botafogo  e  com  perto 


CAPITUI.O  XXXI  333 


de  200  companheiros  marchou  para  o  Campo  da  Honra, 
logar  consagrado  ás  imposições. 

Debalde  amigos  intentaram  demovel-o  da  temeridade, 
antevendo  o  desastre  da  empreza;  elle  limitou-se  a  responder- 
Ihes:  «Agora  é  tarde;  já  dei  o  primeiro  passo.» 

Em  caminho,  os  facciosos  concitaram  o  povo  á  que  os 
auxiliasse  na  deposição  da  regência,  na  mudança  do  minis- 
tério, na  proclamação  da  republica  e  na  convocação  de  outra 
assembléa  constituinte. 

Por  ordem  do  ministro  da  justiça,  marchou  para  o  Campo 
da  Honra  o  corpo  de  permanentes  reforçado  por  alguns 
batalhões  da  guarda  nacional. 

Ao  penetrar  no  campo,  deu  a  infantaria  uma  descarga,  a 
que  os  rebeldes  corresponderam  com  um  disparo  de  artilheria 
que  matou  a  um  pobre  homem  que  da  rua  dos  Ciganos  (hoje 
da  Constituição)  observava  a  lucta. 

Uma  carga  de  vinte  cavalleiros  bastou  para  pôr  em 
debandada  os  revoltosos  que  fugiram,  refugiando-se  nas  casas 
que  encontraram  abertas:  mais  de  70  renderam-se  e  10  mor- 
reram na  acção. 

Perseguido  pelo  major  Luiz  Alves  de  Lima  e  Silva 
(depois  duque  de  Caxias),  Miguel  de  Frias  asylou-se  em  uma 
casa  da  rua  do  Sabão  (hoje  do  visconde  de  Itaúna)  e  deveu 
o  não  ser  preso  á  generosidade  d^aquelle  official,  que,  encon- 
trando-o  occulto  em  um  aposento,  fingiu  não  vcl-o. 

Este  chefe  da  sedição  embarcou  pouco  depois  para  os 
Estados  Unidos. 


334  MEMORIAS   BRAZILKIRAS 


Tratando  da  fusão  dos  exaltados  e  restauradores,  Evaristo 
da  Veiga  traçou  na  Aurora  Fluminense  o  destino  dos  dois 
partidos : 

«Por  mais  que  os  cararaurús  genuinos  trabalhem  para 
fingir  sympathia  com  os  exaltados,  que  por  vergonhosa  aber- 
ração dais  leis  moraes  se  lhes  uniram,  impossivel  é  que  não 
descubram  seus  sentimentos  para  com  elles  e  o  destino  que 
lhes  reservam  logo  que  venham  a  obter  o  triumpho.  E  liga 
de  matérias  repugnantes,  cuja  solda  única  está  na  aversão 
que  todos  votam  ao  poder  actual.  Caso  o  poder  actual  suc- 
cumbisse  na  lucta,  os  dois  corpos  extranhos  separar-se-iam,  e, 
sahindo  da  metaphora,  rijamente  se  bateriam  até  á  extenni- 
nação. » 

Fracassada  a  revolução  de  3  de  Abril,  resolveu  o  partido 
restaurador  enfrentar,  elle  só,  as  forças  do  governo  para 
derribal-o. 

Na  tarde  de  16  de  Abril  alliciou  praças  de  marinha, 
incumbidas  de  tomar  de  assalto  o  arsenal  de  guerra. 

No  dia  17  reuniram-se  no  paço  de  S.  Christovão  ou 
Quinta  da  Boa  Vista  250  conspiradores,  entre  elles  creados 
do  paço,  guardas  nacionaes  do  Engenho  Velho,  officiaes  bra- 
zileiros  e  extrangeiros,  commandados  pelo  general,  barão  de 
Bulow,  allemão,  cujo  verdadeiro  nome  era  Augusto  Hugo 
auf  Honser,  e,  arrastando  duas  peças  de  artilheria,  marcharam 
para  o  Rocio  da  cidade  nova,  a  dar  vivas  a  D.  Pedro  I  e  a 
clamar  abaixo  a  regência  ! 

Innnediatamente  mandou  o  governo  formar  a  tropa  de 


CAPITULO   XXXI  335 


linha  na  praça  da  Acclamação  e  vir  do  quartel  de  Matapor- 
cos,  hoje  Estacio  de  Sá,  o  corpo  de  cavallaria  de  Minas. 

A  vista  doestes  aprestos  bellicos,  retrocederam  os  insiir- 
gentes  e  foram  postar-se  junto  a  uma  chácara  em  caminho 
de  S.  Christovão.  Para  esse  ponto  seguiram  as  forças  do 
governo,  mandando  o  major  Luiz  Alves  de  Lima  e  Silva 
avançar  o  batalhão  da  guarda  nacional  e  fazer  fogo. 

Depois  de  rápido  tiroteio,  debandaram  os  sediciosos, 
fugindo  em  differentes  direcções,  protegidos  pelas  sombras 
da  noite. 

Dispersos  os  iiisurgentes,  preso  o  baráo  de.Bulow,  volta- 
ram os  legaes  ao  paço  da  cidade,  sob  enthusiasticas  accla- 
mações  a  D.  Pedro  II  e  á  regência. 

Deu-se  busca  no  paço  de  S.  Christovão  e  ahi  foram 
encontradas  armas  e  munições  —  facto  que  muito  depoz 
contra  José  Bonifácio,  tutor  do  joven  monarcha. 

O  padre  Diogo  Feijó  accusou-o  perante  a  camará  como 
connivente  nos  motins  do  partido  restaurador. 

Dividiu-se  a  camará  em  dois  partidos,  pró  e  contra  José 
Bonifácio.  Uns  apregoavam-lhe  os  grandes  serviços  prestados 
á  pátria  e  profligavam  as  calumnias  de  seus  inimigos;  brada- 
vam outros,  á  vista  dos  acontecimentos,  que  o  paço  de 
S.  Christovão  era  asylo  de  conspiradores,  criminosos,  gente 
armada,  castello  feudal  em  que  tremulava  a  bandeira  dos 
caramurús . . . 

Desconfiada  do  velho  patriarcha,  resolveu  a  camará  dos 


336  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


deputados  suspeiidel-o  do  cargo  de  tutor — idéa  não  appro- 
vada  pelo  senado  por  maioria  de  um  voto. 

Ou  desgostoso  com  tantas  e  tão  profundas  luctas,  ou 
porque  desejasse  provocar  uma  moção  de  confiança,  o  governo 
—  regência  e  ministério  —  recorreu  a  um  Golpe  de  Estado 
e  a  30  de  Julho  de  1832  pediu  ás  camarás  demissão  colle- 
ctiva  de  seus  cargos. 

Comprehendendo  a  camará  o  perigo  enorme  que  resul- 
taria da  immediata  substituição  de  todos  os  membros  do 
governo,  abalo  que  produziria  serias  conflagrações,  manteve- 
se  em  sessão « permanente,  até  que  fosse  resolvida  a  crise. 

Depois  de  forte  debate,  prevaleceu  a  orientação  calma 
e  criteriosa.de  Evaristo  da  Veiga,  Carneiro  Leão  e  Miguel 
Calmou:  resolveu-se  enviar  á  regência  uma  mensagem, 
convidando-a  a  que  permanecesse  no  governo,  correspon- 
dendo assim  á  confiança  que  n^ella  depositara  a  assembléa 
geral,  disposta  a  sustental-a  em  todos  os  terrenos. 

O  governo  regencial  acquiesceu  ao  pedido  da  camará, 
conservando-se  no  poder,  e  a  3  de  Agosto  de  1832  chamou 
para  fazer  parte  do  ministério  Pedro  de  Araújo  Lima  (mais 
tarde  marquez  de  Olinda)  com  a  pasta  da  justiça  e  extran- 
geiros;  Hollanda  Cavalcanti  com  as  do  império  e  da  fazenda 
(esta  interinamente)  e  Bento  Barroso  de  Lima  com  as  da 
marinha  e  guerra.  Este  ministério  de  transição  foi  substituido 
a  13  de  Setembro  por  outro,  composto  de  njembros  prepon- 
derantes do  partido  moderado. 

Debellada  a  crise,  continuaram  os  deputados  a  decretar 


CAPITULO  XXXI  337 


necessárias  reformas  constitucionaes,  como  a  redacção  da 
regência  a  um  só  membro,  e  a  conversão  dos  conselhos 
geraes  das  provincias  em  assembléas  provinciaes. 

Por  lei  de  3  de  Outubro  houve  reforma  das  academias 
medicas,  que  passaram  a  denominar-se  escolas  medicas  ou 
faculdades  de  medicina  e  de  cirurgia,  sendo  uma  no  Rio 
de  Janeiro  e  outra  na  Bahia. 

A  29  de  Novembro  foi  sanccionado  o  código  do  processo 
criminal,  reformando-se  as  Ordenações;  instituiu-se  o  jury; 
deu-se  nova  organização  ao  poder  judiciário,  egiialando-se 
os  tribunaes  de  relação,  supprimindo-se  a  casa  de  supplicação 
e  incluindo-se  no  código  civil  novas  disposições. 

No  anno  de  1833,  convocou-se  extraordinariamente  a 
ássembléa  geral  a  i.®  de  Abril  para  se  providenciar  sobre 
a  superabundância  das  moedas  de  cobre,  falsificadas  em 
grande  quantidade;  sobre  a  maneira  de  melhorar  o  meio  circu- 
lante; sobre  a  reforma  de  pesos  e  medidas:  encerrou-se  a 
3  de  Maio,  sem  que  nada  se  deliberasse  acerca  d^aquelles 
assumptos. 

Em  começo  da  sessão  ordinária,  compareceu  na  camará 
dos  deputados  o  ministro  dos  negócios  extrangeiros,  e  ahi  leu 
uma  extensa  mensagem  denunciando  que,  segundo  informa- 
ções enviadas  por  diversos  diplomatas,  tratava-se  na  Europa 
da  restauração  do  duque  de  Bragança  ao  throno  do  Brazil; 
que  para  a  realização  d'este  projecto  preparavam-se  graves 
sedições  militares  em  varias  provincias;  que  o  partido  restau- 
rador  ousava  congregar  elementos   na   própria  capital  do 


43 


338  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


império,  propagando  a  idéa  por  meio  de  periódicos  de  lingua- 
gem violenta  e  incendiaria;  que  muitos  individuos  estavam 
sendo  engajados  em  Portugal,  em  nome  de  uma  associação 
que  se  dizia  colonial  e  commerciante,  dando-se  preferencia 
a  officiaes  desempregados  do  serviço  do  exercito;  que  existiam 
no  Rio  de  Janeiro  requerimentos  cobertos  de  assignaturas, 
pedindo  a  volta  do  ex-imperador;  que,  reconhecendo  a  regên- 
cia o  perigo  imminente  de  uma  guerra  civil,  si  em  algum 
ponto  do  Brazil  se  effectuasse  a  restauração,  vinha  procurar 
no  seio  da  representação  nacional  meios  enérgicos  e  efficazes 
para  garantir  a  uionarchia  constitucional  ameaçada, 

Discutiu-se  o  assumpto  em  dez  sessões  consecutivas  para 
se  adoptar  o  Voto  do  deputado  Costa  Ferreira: 

*Responda-se  que  a  camará  dos  deputados,  firme  em 
sustentar  a  honra  brazileira,  o  systema  monarchico  constitu- 
cional, o  throno  de  D.  Pedro  II  e  a  revolução  de  7  de  Abril, 
coadjuvará  efíicazmente  o  governo  em  tudo  que  for  constitu- 
cional e  justo,  para  se  evitar  o  opprobrio  de  uma  restauração 
e  que  tomará  em  consideração  as  suas  propostas. » 

Para  precaver-se  contra  perigosas  emergências,  pediu  o 
governo  á  assembléa  auctorização  para  proceder  a  recruta- 
mento ;  para  conceder  o  premio  de  4o$ooo  aos  engajados  por 
mais  de  dois  annos;  para  fixar  a  força  do  exercito  em  12.000 
baionetas;  para  chamar  ao  serviço  da  guerra  corpos  da 
guarda  nacional,  e,  finalmente,  para  despender  a  quantia  de 
30o:ooo$ooo  em  reforçar  as  fortalezas. 

No  patriótico  interesse  de  inutilizar  a  attitude  dos  restau- 


CAPITULO  XXXI  339 


radores,  apresentou  o  deputado  Venâncio  Henriques  de  Re- 
zende o  seguinte  projecto  : 

«O  ex-imperador  do  Brazil  D.  Pedro  I  fica  para  sempre 
inhibido  de  entrar  no  território  do  Brazil  e  de  residir  em 
qualquer  parte  d^elle,  ainda  que  seja  como  extrangeiro  e 
individuo  particular ;  si  o  contrario  fizer,  de  qualquer  forma 
que  seja,  será  tido  e  tratado  como  inimigo  e  aggressor  da 
nação  brazileira. » 

Contra  os  insultos  da  imprensa  decretou-se  a  responsabi- 
lidade immediata  de  editores  dos  diários  e  periódicos;  o 
impressor  era  obrigado  a  prestar  uma  caução  de  400$ooo; 
nenhuma  gazeta  podia  sahir  á  rua  sem  declarar  no  cabeçalho 
o  nome  do  responsável,  sob  pena  de  incorrer  na  multa  de 
ioo$ooo,  paga  pelo  impressor. 

Um  facto  occasional  attrahiu  sobre  os  Andradas  vehe- 
nientes  suspeitas  de  restauração.  Tendo  partido  para  a  Europa 
António  Carlos  Ribeiro  de  Andrada  Machado  e  Silva,  pro- 
palou-se,  em  jornaes  da  França  e  da  Inglaterra,  que  elle  ia 
investido  da  missão  especial  de  proporcionar  ao  duque  de 
Bragança  a  volta  para  o  Brazil. 

O  periódico  Albion^  de  Liverpool,  em  seu  numero  de  12 
de  Agosto  de  1833,  publicou  esta  noticia  alarmante: 

«  Occupam-se  os  ministros  em  um  accôrdo  para  a  volta  de 
D.  Pedro  para  o  Brazil.  Têem  já  havido  varias  conferencias 
entre  Mr.  Talleyrand  e  lord  Palmerston  a  este  respeito. 

«F^oi  enviado  um  agente  particular  influente  no  Brazil, 
onde  tudo  se  acha  em  confusão,  e  chegou  já  a  este  paiz,  de 


340  MEMORIAS  BRÀZILKIRAS 


caminho  para  Portugal,  encarregado  de  tratar  com  D.  Pedro 
seu  regresso  para  o  Brazil,  para  que  assuma  alli  sua  imperial 
auctoridade. » 

A  Sociedade  Conservadora  da  Constituição  fundada  em  ' 
começo  de  1832  tomou  novo  impulso  e  a  11  de  Agosto 
de  1833  passou  a  intitular-se  Sociedade  Militar^  para  reves- 
tir-se  do  prestigio  próprio  de  uma  classe  respeitável.  Estabe- 
leceu-se  em  um  prédio  do  largo  de  S.  Francisco  de  Paula. 
Fazia  propalar  que  tinha  como  programma  zelar  pelo  cum- 
primento da  constituição,  pelos  direitos  de  D.  Pedro  II  e 
I>ela  disciplina  do  exercito.  Era  seu  presidente  o  tenente- 
general  Nóbrega  Botelho. 

No  interesse  de  agremiar  o  maior  numero  possivel  de 
partidários,  a  Sociedade  Militar  admittia  empregados  civis 
das  repartições  da  guerra,  officiaes  da  segunda  linha,  os  de 
ordenanças,  os  honorários  da  guarda  de  honra,  os  cavalheiros 
de  ordens  honorificas  e  em  geral  todos  os  cidadãos  capazes 
de  robustecel-a. 

Corriam  boatos  de  que  no  paço  de  S.  Christovão  conspi- 
ra va-se  abertamente;  que  ao  partido  restaurador  estavam 
sendo  alliciados  corpos  de  linha  e  da  guarda  nacional,  aos 
quaesjá  se  havia  distribuído  cartuchame  embalado ;  alarma  va- 
se  o  povo  com  a  perspectiva  de  uma  revolução,  quando  a  2  de 
Dezembro  de  1833  deu-se  um  tumulto  de  más  consequências 
para  aquelle  partido. 

Festejava-se  08.^  anniversario  natalicio  de  D.  Pedro  II. 
Após  o  espectáculo  de  gala  no  theatro  Constitucional  Flumi- 


CAPITULO  XXXI  341 


nense^  agglomerou-se  o  povo  no  largo  de  S.  Francisco  de  Paula, 
defronte  do  edifício  da  Sociedade  Militar  e  em  altos  brados 
denunciou  que  alli  existia,  entre  figuras  de  oflBciaes,  o  retrato 
do  duque  de  Bragança,  bem  como  grande  quantidade  de 
annas.  Chamado  um  juiz  de  paz  para  verificar  o  fundamento 
das  accusações,  penetrou  no  edificio,  acompanhado  de  popu- 
lares. Verificadas  falsas  as  informações  sobre  o  retrato  e  sobre 
o  armamento,  os  que  acompanharam  a  auctoridade,  arrebata- 
dos por  um  movimento  irreflectido,  arrojaram  á  rua  os 
móveis  e  o  distico  da  sociedade.  Applaudindo  o  escândalo, 
a  multidão  que  enchia  o  largo  exigiu  da  regência  dissolvesse, 
por  perigosa,  a  Sociedade  Militar  e  demittisse  José  Bonifácio 
do  cargo  de  tutor  de  D.  Pedro  11. 

Exacerbadas  as  iras  populares  contra  jornaes  restaurado- 
res, muitos  individuos  assaltaram  dois  estabelecimentos 
typographicos.  Diário  do  Rio^  na  rua  da  Ajuda,  e  Paraguassú^ 
na  do  Senhor  dos  Passos,  e  lhes  causaram  grandes  prejuizos, 
rasgando  collecções,  despedaçando  prelos  e  caixas,  empaste- 
lando  typos  ( ' ). 


( I  )  No  anno  de  1833  publicavam-se  no  Rio  de  Janeiro  os  períodiccs :  Burro 
Magro,  Andradisia,  Limão  de  Cheiro,  Brazileiro  Pardo,  Homem  de  Còr, 
Brazil  Affliclo,  Par  de  'Htas,  Babosa,  Marmota,  Meia  Cara,  Mineiro  no  Rio 
de  Janeiro,  Caolho,  Hospital  Fluminense,  Esbarra,  Verdadeiro  Caramurá, 
Paquete  de  Portugal,  Torre  de  Babel,  Inferno,  Guarda  Nacional,  Grito  dos 
Opprimidos,  Cidadão  Soldado,  Carioca,  Restaurador,  Rusguentinho,  Cabrito, 
Iman,  Torto  da  Artilharia,  Militar,  Mestre  José,  Loja  de  Belchior,  Idade  de 
Pau,  Adoptivo,  Tamoyo  Constitucional,  Obras  de  Santa  Engracia,  Arca  de  Xoé, 
Formiga,  Bemtevi,  Pedro  II,  Liberdade  Legal  e  I*apeleta. 

Hram  chamados  papeletas  os  portuguezes  que  se  muniam  de  certificados  ou 


342  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Casas  de  chefes  caramurús  foram  apedrejadas. 

Cessaram  os  desmandos  com  a  proclamação  que  a  regên- 
cia dirigiu  ao  povo,  aconselhando  prudência,  confiança  no 
governo,  respeito  á  lei  e  ás  auctoridades  constituidas,  e  obe- 
diência ás  suas  ordens. 

«E  ao  governo,  dizia  o  documento  official,  que,  sciente 
das  verdadeiras  necessidades  da  pátria,  cumpre  tomar  medidas 
justas  e  prudentes  para  manter  a  segurança  individual  e  fazer 
respeitar  a  Constituição,  o  throno  de  nosso  Augusto  Monar- 
cha  Brazileiro,  o  Sr.  D.  Pedro  II,  e  as  leis;  o  governo  está 
vigilante;  descançai  sobre  elle  e  não- vos. mancheis  com  actos 
que  nos  podem  desdourar  e  dar  razão  e  força  aos  inimigos 
da  prosperidade  do  Brazil.  Confiai  no  governo;  recolhei-vos 
ás  vossas  casas  e  estai  tranquillos:  assim  vol-o  ordena  a  regên- 
cia em  nome  do  Imperador,  o  Sr.  D.  Pedro  II. » 

Com  a  data  de  14  de  Dezembro  de  1833  appareceram 
os  decretos  de  suspensão  de  José  Bonifácio  do  cargo  de, tutor 
do  joven  monarcha  e  de  nomeação  interina  do  marquez  de 
Itanhaen  (Manoel  Ignacio  de  Andrade  Souto  Maior  Pinto 
Coelho)  para  aquelle  cargo. 

No  dia  seguinte,  acompanhados  de  mais  de  cem  soldados 
de  infanteria  e   de   egual   numero   de   cavallaria,  foram  os 


I>apeletas  do  cônsul,  com  o  fim  de  se  eximirem  do  serviço  do  exercito  ou  da 
S^arda  nacional. 

Pelos  títulos  expostos,  alguns  de  espirituosa  extravagância,  poderá  o  leitor 
imaginar  a  Índole  das  facções  de  que  aquellas  gazetas  se  constituíam  epliemeros 
OTgAos. 


CAPITULO  XXXI  343 


juizes  de  paz  á  quinta  da  Boa  Vista  entregar  ao  tutor  o  decreto 
de  suspensão. 

O  velho  patriarcha  indignou-se  com  a  violenta  delibe- 
ração da  regência  e  declarou  aos  portadores  do  deprimente 
decreto  que  se  não  conformava  com  elle,  nem  se  dava  por 
suspenso  de  um  cargo  que  recebera  directamente  de  D.  Pedro  I 
e  que  só  deixaria  pela  força.  E,  acto  continuo,  officiou  ao 
ministro  do  império  communicando-lhe  a  firme  deliberação 
adoptada : 

«Tendo  de  responder  ao  officiode  V.  Exa.,  que  acompa- 
nhava o  decreto  da  Regência  de  14  do  corrente,  digo  que  não 
reconheço  na  mesma  o  direito  de  suspender-me  de  tutor  de 
Sua  Magestade  e  de  suas  Augustas  Irmãs. 

« Cederei  á  força,  porque  a  não  tenho,  mas  estou  capaci- 
tado que  n^isto  obro  conforme  a  lei  e  a  razão,,  pois  que  nunca 
cedi  a  injustiças  e  a  despotismos,  ha  longo  tempo  premeditados 
para  vergonha  doeste  Império.  Os  juizes  de  paz  fizeram  tudo 
para  me  commoverem,  porém  a  tudo  resisti,  e  torno  a  dizer 
que  só  cederei  á  força. » 

A  vista  doesta  inabalável  attitude,  resolveu  a  regência 
enviar  ao  paço  de  S.  Christovão  os  generaes  Lima  e  Silva 
e  Cunha  Mattos  e  o  marquez  de  Itanhaen,  incumbidos  de 
pedir  ao  imperador  a  sua  mudança  para  o  paço  da  cidade, 
e  de  intimar  a  José  Bonifácio  a  sua  suspensão  de  tutor. 
Tiveram  ordem  os  juizes  de  eíTectuar  a  prisão  do  ex-tutor, 
que,  acompanhado  de  um  capitão,  foi  conduzido  a  seu  domi- 
cilio, na  ilha  de  Paquetá. 


344  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Sendolhe  instaurado  processo  por  crime  de  conspiração, 
viu-se  compellido  a  comparecer  perante  o  tribunal  do  jurj' 
da  corte  a  6  de  Março  de  1834;  foi,  porém,  absolvido  por 
absoluta  falta  de  provas. 

Seus  três  advogadas,  Montezuma,  Japiassú  e  Pantoja, 
evidenciaram  falsas  as  cinco  testemunhas  que,  de  ordem  da 
policia,  foram  jurar  contra  o  illustre  brazileiro. 

Da  ilha  de  Paquetá  passou  José  Bonifácio  a  residir  no 
bairro  de  S.  Domingos  da  cidade  de  Nictheroy,  e  ahi  falleceu 
a  6  de  Abril  de  1838,  contando  75  annos  de  edade. 

O  cadáver  só  levou,  pendente  ao  peito,  como  galardão 
de  seus  memoráveis  ser\'iços  á  sciencia,  ás  lettras  e  á  pátria, 
o  habito  de  Christo,  com  que  em  Portugal  o  mimoseára 
D.  Maria  I  (^). 


(  I  )  José  Bonifácio  de  Andrada  e  Silva,  filho  do  coronel  Bonifácio  José  de 
Andrada  e  D.  Maria  Barbara  da  Silva,  nasceu  na  cidade  de  Santos,  Estado  de 
S.  Paulo,  a  13  de  Junho  de  1763.  Fez  os  seus  primeiros  estudos  com  o  bispo, 
D.  frei  Manoel  da  Resurreiçáo.  Formou-se  bacharel  pela  Universidade  de  Coimbra. 

Sócio  da  Academia  Real  de  Sciencias  de  Lisboa,  deixou  Portugal  em  Junho 
de  1790  e  foi  ouvir  as  lições  de  Werner,  Jussieu,  I^voisier  e  varias  summidades 
consagradas  ás  sciencias  naturaes  ;  quiz  depois  estudar  a  sciencia  visitando  nfto 
s6  estabelecimentos  metallurgico^^  como  as  mais  importantes  minas,  e  n'este 
duplo  empenho  percorreu  a  França,  Inglaterra,  Kscossia,  Allemanha.  Dina- 
marca, Suécia,  Noruega,  Bélgica,  Hollanda,  Bohemia,  Hungria.  Ualia  e  Turquia. 
Km  uma  revista  scientifíca  de  Genebra  publicou  estudos  que  fez  sobre  as  minas 
da  Suécia  e  da  Noruega  ;  em  jomaes  alleniAes  deu  a  conhecer  doze  novos  mine- 
raes.  que  descobriu  n 'estes  dois  paizes. 

A  memoria  que  sobre  estas  descobertas  publicou  em  allenião,  dirigida  ao 
engenheiro  Beyer.  inspector  d.is  minas  em  Schneeberg,  mereceu  ser  traduzida 
n.is  gazetas  scientificas  da  França  e  Inglaterra — gloria  bastante  para  lhe  immor- 
talizar  o  nome.  Outra  memoria,  sobre  as  minas  de  Salha,  na  peninsula  scandinava, 
foi  egualmente  publicada  em  allemâo  na  gazeta  das  Minas  de  Freiberg. 


CAPITULO  XXXI  345 


A  volta  de  D.  Pedro  e  de  suas  irniãs  para  o  paço  da  cidade 
foi  motivo  de  regosijo  geral ;  á  noite,  edificios  públicos  e  casas 
particulares  illuminaram-se,  e  a  multidão  percorreu  as  ruas 
ao  som  de  euthusiasticos  vivas,  como  um  protesto  vehemente, 
nacional,  contra  a  infeliz  idéa  dos  restauradores. 


Bm  digressão  pela  Itália,  escreveu  a  memoria  Viagem  geognostica  aos 
montes  Euganeos  no  território  de  Pádua  ;  outra  sobre  o  fluido  eléctrico. 

Amigo  do  grande  barão  de  Huraboldt,  mantinha  honrosa  correspondência 
com  o  immortal  scientista  allemão. 

Era  membro  das  sociedades  scienti ficas  de  Stockolmo,  de  Copenhague  e  de 
Turim  ;  da  geológica  de  Londres,  da  mineralógica  de  lena  e  de  Edimburgo  e  da 
dos  naturalistas  de  Genebra,  de  Berlim  e  de  Pariz.  N'esta  capital  da  França  leu 
perante  a  Sociedade  de  Historia  Natural  um  trabalho  histórico  e  scientifico 
sobre  a  descoberta  dos  diamantes  do  Brazil,  estudo  que  lhe  grang^ou  o  titulo 
de  membro  da  mesma  sociedade  ;  uma  memoria  sobre  pedras  preciosas  brazi- 
leiras  foi  impressa  nos  Annaes  de  Chimica  de  Fourcroy. 

Recolheu-se  a  Portugal  em  Setembro  de  1800.  Para  galardoar  o  sábio  natu- 
ralista, o  governo  portuguez  nomeou-o  intendente  geral  das  minas,  desembar- 
gador da  relação  do  Porto,  creou  para  elle  na  universidade  de  Coimbra  uma 
cadeira  de  geognesia  e  metallurgia,  e  a  faculdade  de  sciencias  da  universidade 
laureou-o  com  o  diploma  de  doutor  em  philosophia  natural. 

Em  Portugal  apresentou  á  Academia  de  SciencW  varias  memorias  :  /  'iagem 
mineralógica  pela  provinda  de  Estremadura  até  Coimbra,  Memoria  sobre  o 
íarvão  de  pedra  de  Portugal,  Memoria  sobre  a  nova  mina  de  ouro,  da  outra 
banda  do  Tejo,  chamada  Principe  Regente. 

Por  occasião  da  invasão  franceza  em  Portugal  (1807),  o  sábio  José  Bonifácio, 
embora  festejado  pelos  generaes  francezes,  foi  um  dos  primeiros  a  collocar-se 
á  frente  da  reacção  contra  o  inimigo,  auxiliando  os  portuguezes,  com  todo  o  ardor 
de  seu  patriotismo,  a  pôr  fora  do  território  o  extrangeiro  audaz.  Como  tenente- 
coronel  do  batalhão  de  estudantes,  bateu-se  valentemente  em  defesa  da  causa 
luzitana. 

Depois  da  expulsão  dos  francezes,  occupou  o  cargo  de  intendente  de  policia 
do  Porto,  tendo  então  ensejo  de  praticar  bellos  rasgos  de  humanidade,  livrando 
da  morte  a  muitos  cidadãos  perseguidos  como  amigos  dos  invasores. 

Em  181 2  foi  eleito  secretario  perpetuo  da  Academia  Real  das  Sciencias  de 
Lisboa.  Residiu  em  Portugal  até  o  anno  de  1819. 

Regressando  ao  Brazil,  foi  residir  em  um  sitio  que  possuia  nos  Outeirinhos, 
junto  á  cidade  de  Santos,  onde  se  entregou  ao  preparo  das  seguintes  obras  : 

44  TOM.  II 


346  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


A  12  de  Agosto  de  1834  obtinha  a  constituição  notável 
melhoramento  com  a  lei  do  Acio  Addicional^  que  substituiu 
os  conselhos  geraes  das  provincias  pelas  assembléas  provin- 


I — Jornal  de  viagens  pela  Europa. 

II —  Tratado  de  mineralogia. 

III —  Traducçào  das  poesias  de  Virgílio,  acompanhadas  de  commentaríos. 

IV  —  Compendio  de  monlanislica,  geometria  subterrânea  e  docimasia 
melallurgica,  serie  de  licções  proferidas  em  sua  cadeira  de  g^eognesia  e  metal- 
lurg^ia  da  Universidade  de  Coimbra. 

V  —  Memoria  sobre  o  trabalho  e  manipulação  das  minas  de  ouro  em  geral. 

VI  —  O  testamento  metallurgico,  obra  de  que  appareceram  em  I^isboa  as 
primeiras  folhas,  sendo  interrompida  a  publicação  porque  o  trabalho  apresentava 
idéas  contrarias  á  crença  catholica. 

VII  —Ensaio  de  historia  contemporânea. 

VIII  —  Elogios  a  personagens  h  is  to  ri  cos. 

IX  —  Estudos  e  observações  sobre  diversas  mi  fias  da  Europa. 

X  —  Apontamentos  sobre  o  Brazil,  colhidos  nas  bibliothecas  de  Lisboa. 
Infelizmente  para  a  sciencia  brazileira  e  para  a  sciencia  universal,  náo  foram 

publicadas  estas  obras  de  José  Bonifácio.  Os  manuscríptos  acham-se  condemnados 
ao  esquecimento  em  bibliothecas  e  em  màos  particulares. 

Em  1820  effectuou  com  seu  irmào  Martim  Francisco  uma  viagrem  de  explo- 
ração pela  provincia  de  S.  Paulo,  com  o  fim  de  determinar  terrenos  auríferos, 
abundantes  e  ricas  minas  de  ferro,  publicando  suas  importantes  investigações 
no  Journal  des  Afines. 

Entregava-se  aos  variados  labores  de  sciencia,  de  historia  e  de  litteratura, 
quando  foi  distrahido  de  suas  graves  preoccupações  pelo  perigo  que  corria  a  pátria, 
ameaçada  pelas  cortes  portuguezas,  que  entendiam  dever  o  Brazil  voltar  a  ser 
colónia,  repartida  em  feudos  por  fidalgos  privilegiados. 

Tendo  José  Bonifácio  ido  ao  Rio  de  Janeiro  como  vice-presidente  da  Junta 
Governativa  de  S.  Paulo,  foi  logo  aproveitado  pelo  príncipe,  que  o  nomeou 
ministro  do  reino  e  extrangeiros  e  a  seu  irmão,  Martim  Francisco,  ministro  da 
fazenda,  no  Ministério  de  i6  de  Janeiro  de  1822. 

Sobre  a  simplicidade  e  honradez  d 'estes  dois  irmãos  quando  ministros,  men- 
cionemos um  facto  curioso,  relatado  por  testemunha  presencial : 

« Os  ministros  da  Regência  de  D.  Pedro  reduziram  seus  ordenados  á  metade 
do  que  eram  no  tempo  de  D.  João  VI.  Ficaram  com  4-.8oo$ooo  annuaes,  pagos 
mensalmente. 

«  José  Bonifácio,  recebendo  4oo$ooo  em  bilhetes  do  Banco,  de  um  mez  de  seu 
ordenado,  os  metteu  no  fundo  do  chapéo.  No  theatro  lhe  roubaram  o  chapéo  e  o 
conteúdo. 


CAPITULO   XXXI  347 


ciaes,  extinguiu  o  conselho  de  Estado  e  determinou  a  eleição 
de  um  só  regente. 

N'esse  mesmo  anno  desappareceu  o  partido  restaurador 


«o  primeiro  ministro  do  Império  do  Brazil  achou-se  no  dia  seguinte  sem 
ter  com  que  mandar  comprar  o  jantar.  NAo  possuia  nem  um  vintém  mais,  e  seu 
sobrinho  Belchior  Fernandes  Pinheiro  foi  quem  pagou  as  despesas  do  dia. 

«  Em  conselho,  José  Bonifácio  referiu  esta  occorrencia  e  a  extrema  neces- 
sidade a  que  eUa  o  reduzira  e  á  sua  familia. 

•  O  Imperador  entendeu  que  o  ministro,  visto  a  penúria  em  que  se  achava, 
devia  ser  indemnizado,  pagando-se-lhe  outro  mez  de  ordenado,  e  n'este  sentido 
deu  alli  as  suas  ordens  ao  ministro  da  Fazenda.  Martim  Francisco  não  obedeceu. 
Disse  ao  Imperador  que  não  havia  lei  que  puzesse  a  cargo  do  Estado  os  descuidos 
dos  empregados  públicos ;  que  o  anno  tinha  para  todos  12  mezes,  e  nâo  13  para 
03  piotegidos ;  e  finalmente  pedia  a  S.  Magestade  retirasse  a  sua  ordem,  porque 
nào  era  exequivel.  Que  elle,  Martim  Francisco,  repartiria  com  seu  irmão  o  seu 
ordenado,  e  que  viveriam  ambos  cora  mais  parcimonia  n'aquelle  mez,  o  que  era 
melhor  do  que  dar  ao  paiz  o  funesto  exemplo  de  se  pagar  ao  ministro  duas 
vezes  o  ordenado  de  um  só  mez.  Este  incidente  não  foi  mais  adeante.  Martim 
Francisco  repartiu  com  seu  irmão  o  dinheiro  que  tinha,  e  José  Bonifácio  d'ahi 
por  deante  tomou  mais  cuidado  no  chapéo  e  no  dinheiro  que  recebia  (  ^  ).  » 

Com  a  dissolução  da  primeira  assembléa  constituinte,  foi  preso  José  Boni- 
fácio e  deportado  para  fora  do  paiz.  Preferiu  residir  em  Bordeaux.  Ahi  publicou, 
no  anno  de  1825,  um  livro  de  verso.->.  Poesias  A2'ulsas  de  Américo  JK/ysto,  col- 
lecçào  de  odes  horacianas  c  de  cantatas,  traducções  de  Pindaro,  Hesiodo,  Virgilio, 
Ossian,  Young. 

Quando  se  achava  no  exilio,  procedeu-.se  por  duas  vezes  no  Brazilá  eleição 
de  deputados ;  a  Bahia  lembrou-sc  do  velho  patriarcha,  e  em  ambas  as  occasiòe» 
o  elegeu  seu  representante,  sem  que  o  digno  brazileiro  pudesse  vir  satisfazer 
a  subida  honra. 

O  benemérito  pro.-icripto  correspondeu  á  prova  de  alta  distincção  com  uma 
Ode  aos  fíafiianos,  de  que  transcrevemos  as  seguintes  estrophes  : 

Embora  nos  degraus  de  excelso  throno 
Ra.steje  a  lesma,  para  ver  si  abate 
A  virtude  que  odeia  ;  a  mim  me  alenta 
Do  que  valho  a  certeza. 

(*)  António  ok  Mknfzks  V.xsco.vckli.o.s  de  DRrMMONi) :  Annotaçòes 
á  sua  bto/^rap/iia,  pag.  S7. 


348  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


OU  carainuríi,  com  a  morte  do  duque  de  Bragança,  a  24  de 
Setembro  de  1834.  D.  Pedro  succumbiu  a  uma  febre  hectica, 
aos  36  annos  de  edade. 


E  vós  também,  Bahianos,  desprezastes 
Ameaças,  carinhos ;  desfizestes 
As  cabalas  que  pérfidos  urdiam 
Inda  no  meu  desterro. 

Duas  vezes,  Bahianos,  me  escoUiestes 
Para  a  voz  levantar  a  pró  da  pátria 
Na  assembléa  g^ral ;  mas  duas  vezes 
Foram  baldados  votos. 

Porém,  emquanto  me  animar  o  peito 
Este  sopro  de  vida  que  inda  dura, 
O  nome  da  Bahia,  ag^radecido, 
Repetirei  com  jubilo. 

Amei  a  liberdade,  a  independência 
Da  doce  cara  pátria,  a  quem  o  luso 
Opprímia  sem  dó,  com  riso  e  mofa : 
—  Eis  o  meu  crime  todo ! 

José  Bonifácio  viveu  desterrado  seis  annos.  Regressando  de  Portugal  no 
anno  de  1829,  abandonou  as  luctas  politicas,  que  tantos  desgostos  lhe  causaram, 
e  foi  repousar  de  suas  atribulações  em  Paquctá,  na  mais  formosa  e  mais  poética 
das  ilhas  da  bahia  Guanabara. 

Só  voltou  ao  paço  imperial  em  Abril  de  1831,  chamado  a  exercer  as  funcções 
de  tutor  e  de  mestre  dos  filhos  de  D.  Pedro  I. 

Por  decreto  de  14  de  Dezembro  de  1833  foi  elle  violentamente  suspenso  do 
nobilissimo  encargo  e  obrigado  a  regressar  preso  para  a  sua  ilha  predilecta. 

Após  o  seu  fallecimento  na  cidade  de  S.  Domingos  de  Nictheroy,  foi  embal- 
samado o  cadáver  e  conduzido  para  a  terra  natal,  a  cidade  de  Santos,  em  cuja 
egreja  do  Carmo  se  acha  depositado  como  sagrada  reliquia. 

A  gratidáo  nacional,  que  nfto  conhece  partidos  quando  trata  de  glorificar 
os  grandes  homens,  perpetuou-lhe  a  memoria,  erigindo-lhe  estatua  de  bronze, 
levantada  no  Rio  de  Janeiro,  no  largo  de  S.  Francisco  de  Paula,  a  7  de  Setembro 
de  1872. 

Na  grande  e  importante  obra  do  dr.  Alfredo  Moreira  Pinto,  intitulada  Apon- 
tam fn  tos  para  o  diccionario  ^çeographico  do  Ihazil  ( tomo  III,  pags.  493  e  495 ) 


CAPITULO   XXXI  349 


Logo  que  teve  noticia  do  fallecimento,  José  Bonifácio 
escreveu  a  D.  Pedro  II  esta  carta  de  pezames: 

«Senhor. — Depois  do  fatal  dia  15  de  Dezembro  do  anno 


encontrara-se  as  segruintes  homenagens  prestadas  aos  manes  do  sabio-poeta,  na 
cidade  de  seu  nascimento  : 

«A  commissão  encarregada  de  erigir  um  mausoléo  a  José  Bonifácio,  depois 
da  acquiescencia  do  cónego  dr.  Eduardo  Duarte  da  Silva,  a  7  de  Dezembro  de  1889, 
reuniu-se  na  capeUa-mór  do  convento  do  Carmo  e  procedeu  á  exhumação  dos 
ossos  do  grande  morto.  Erguendo-se  a  pedra  mármore  que  existia  sobre  a  sepul- 
tura, mandada  collocar  pelo  paulista,  artista  e  director  de  uma  companhia 
equestre,  António  Carlos  do  Carmo,  estavam  os  ossos  do  finado  dentro  de  um 
caixão  de  zinco,  tendo  por  fora  do  mesmo  taboas  de  outro  caixão.  Recolhidos  em 
uma  unia  ficaram  depositados  na  capella-mór  até  ao  dia  12  do  mesmo  mez 
de  Dezembro,  em  que  foram  conduzidos  para  o  mausoléo,  no  centro  do  claustro 
do  convento,  onde  ainda  descançam.  O  mausoléo  é  de  muito  gosto  artístico 
e  obra  de  Bernardelli.  Ha  sobre  elle  o  corpo  do  patriarcha,  de  mármore,  sobre 
um  caixão  sem  tampa,  repousando  a  cabeça  sobre  o  travesseiro  e  coberto  com 
um  manto  de  bronze.  Está  resguardado  por  um  alpendre  de  vidro  c  cercado  por 
um  gradil  de  mármore.  Aos  pés  foi  collocada  a  pedra  ofTerecida  por  aquelle 
artista,  na  qual  lé-se  : 

Aqui  jaz 

o  patriarcha  da  independência 

DO  Brazil 

Grande  e  desinteressado 

Patriota,  distincto  cidadão 

José  Bonifácio  de  Andrada  e  Silva 

Tributo  á  virtude 

Honra  e  mérito 

Pelo  artista  A.  C.  do  Carmo 

«Na  casa  n.  29,  da  rua  15  de  Novembro  ( Santos )  nasceu  José  Bonifácio. 
N'ella  acha-se  collocada,  por  iniciativa  de  Silva  Jardim,  uma  placa  de  mármore 
com  a  seguinte  inscripção  : 

Esta  é  a  casa  em  que  nasceu  e  morou  José  Bonifácio  de  Andrada 
E  Silva,  patriarcha  da  independência  do  Brazil.  A  cidade  dk  Santos 

RECONHECIDA    MANDOU    AQUI    COLLOCAR    ESTA    LAPIDE    NO    DIA    I3    DE  JUNHO 
DE  18.H8,  ANNIVERSARIO  DE  SEU  NASCIMENTO. 

••  Dos  lados  estão  a  data  de  ii  de  Abril  de  1888  e  a  seguinte  inscripção  :  f'm 
grupo  de  abolicionistas. 

*  Na  parte  superior  existe  representado  um  livro  com  o  distico  A  Lei.  • 


350  MKMORIAS   BRAZILEIRAS 


passado,  deixei  de  escrever  pessoalmente  a  Vossa  Magestade 
e  ás  suas  Augustas  Irmãs,  a  quem  um  só  momento  não  tenho 
cessado  de  fazer  ardentes  votos  pela  sua  prosperidade ;  hoje, 
porém,  não  ha  razão,  por  mais  poderosa  que  seja,  que  possa 
vedar  meu  coração  de  ir  á  presença  de  V.  M.  e  Altezas. 

«Carregado  de  pezares  e  de  profunda  amargura,  venho  dar 
pezames  pela  irreparável  perda  de  seu  Augusto  Pae  e  meu 
Amigo.  Não  disse  bem;  D.  Pedro  não  morreu.  Só  morrem  os 
homens  vulgares  e  não  os  heróes:  elles  vivem  eternamente 
na  memoria,  ao  menos  dos  homens  de  bem,  presentes  e 
vindouros.  Sua  alma  immortal  vive  no  céo,  para  fazer  a 
felicidade  do  Brazil  e  servir  de  modelo  de  magnanimidade  e 
virtudes  a  V.  M.  Imperial,  que  o  ha  de  imitar,  e  ás  suas 
Augustas  Irmãs,  que  nunca  o  perderão  da  saudade. 

«Deus  Guarde  a  preciosa  vida  de  V.  M.  Imperial,  como 
de  coração  lhe  deseja  este  que   sempre  foi  e  será.  Senhor, 

«De  V.  Magestade 

"  súbdito  amante  e  fiel, 

njosé  Bonifácio  de  And  rada  c  Silva. 
«Paquetá,  4  de  Dezembro  de  1834.» 


Ao  concluir  estes  lipreiros  apontamentos  sobre  o  illustre  paulista,  devemos 
uma  rectificavào  á  nota  exarada  a  pags.  148  e  149  d'este  tomo.  Dissemos  ahi  que 
ellc  nunca  acccitára  distincçào  alguma  honorifica  ;  deviamos  ter  accrescentado  : 
"de  I).  Pedro  I,»»  porque  de  D.  Maria  I,  rainha  de  Portugal,  não  recusara  o  habito 
da  ordem  de  Christo.  Explicado  assim  o  facto,  é  acceitavel  a  estampa  com  que  a 
professora  I).  Maria  de  Andrade  adornou  seu  interessante  livro  de  historia  bra- 
zileira,  figurando  o  patriota  revestido  de  insig^ia. 


CAPITULO   XXXI  351 


Procedendo-se  a  7  de  Abril  de  1835  á  eleição  do  regente, 
feita  a  apuração  de  votos  em  sessão  da  assembléa  geral  legis- 
lativa de  9  de  Outubro  do  mesmo  anno,  foi  proclamado 
regente  o  padre  Diogo  António  Feijó. 

Por  esse  tempo,  achava-se  a  regência  trina  do  Brazil 
reduzida  a  um  só  membro,  o  general  Francisco  de  Lima 
e  Silva:  os  outros,  José  da  Costa  Carvalho,  doente  e  desgostoso, 
se  havia  retirado  para  S.  Paulo,  e  João  Braulio  Moniz  falle- 
cêra  a  21  de  Setembro  de  1835. 

Foi  na  regência  do  padre  Feijó  que  a  provincia  do  Rio 
Grande  do  Sul,  travou  com  o  governo  instituido  a  grande  e 
prolongada  lucta,  conhecida  sob  a  denominação  de  Guerra 
cios  Farrapos, 


CAPITULO  XXXII 


A  Revolução  Rio-Grandense  de  1835.  Principaes  causas. 

Presidentes  Manoel  António  Galvão,  José  Mariani, 

António  Rodrigues  Fernandes  Braga,  José  de  Araújo  Ribeiro. 

Bento  Gonçalves  da  Silva,  Bento  Manoel  Ribeiro. 

De  1833  A  4  DE  Outubro  de  1836. 


iISko  momento  em  que  vamos  expor  os  principaes  factos 
que  constituem  o  movimento  revolucionário  do  Rio  Grande 
do  Sul  em  1835 — guerra  mais  duradoura  e  mais  desastrosa 
que  quantas  sedições  militares  e  motins  civis  foram  levantados 
em  outras  provincias — devemos,  como  objecto  de  meditação 
e  de  estudo,  indicar  algumas  das  causas  que,  a  nosso  ver, 
determinaram  a  conflagração  rio-grandense. 

Apresenta-se-nos,  como  primeiro  factor,  o  exemplo,  offere- 
cido  pelo  .Estado  Oriental  do  Uruguay,  nossa  antiga  Provincia 
Cisplatina,  com  a  qual  os  rio-grandenses  mantinham  relações 
immediatas,  oriundas  da  intima  visinhança,  do  entrelaça- 
mento dos  negócios,  das  propriedades  ruraes  situadas  nos 
dois  paizes  limitroplies,  da  semelhança  de  usos  e  costumes 
campestres  e  da  lingua,  legitima  irmã  da  portugueza. 

4;»  TOM.  II 


354  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Constituída  a  republica  do  Uruguay  desde  1828,  a  idéa 
de  gosar  a  mesma  liberdade  actuava  no  espirito  rio-grandense, 
propenso  como  o  dos  orientaes  a  gosar  os  fructos  da  demo- 
cracia. Essa  foi  a  causa  latente. 

Diversas,  porém,  as  causas  efficientes:  vexatória  absorpção 
de  suas  rendas  pelo  poder  central,  que  parecia  querer  extin- 
guir as  fontes  de  riqueza  provincial;  exaggerados  impostos 
sobre  a  carne  secca  {charque\  sobre  couros  cavallares  e 
vaccuns,  sujeitos  ao  quinto^  sobre  o  sebo,  a  graxa,  a  herva- 
matte,  e  o  trigo,  único  género  de  exportação  e  riqueza  princi- 
pal do  Rio  Grande.  Do  definhamento  de  todas  estas  industrias 
apontava-se  como  responsável  o  governo  geral,  que  só  se 
lembrava  dos  sulistas  quando  §e  fazia  mister  a  lucta  pelas 
armas  contra  a  invasão  do  inimigo  e  então  os  concitava  a 
inspirar-se  no  sentimento  do  patriotismo.  Farto  de  ser  larga- 
mente explorado,  o  povo,  consciente  de  sua  força  e  valor, 
usou  do  direito  de  revolucionar-se. 

Foram  também  causas  da  guerra  as  renhidas  luctas 
entre  os  dois  partidos  em  que  se  dividia  a  nação,  o  dos 
exaltados  e  o  dos  retrógrados  ( * ),  combates  que  começaram 


( I  )  Os  exaltados  eram  alcunhados  íXfi  farrapos,  farroupilhas,  anarchistaSy 
pês  de  cabra  (  allusão  aos  mulatos ).  Contra  o  nosso  hymno,  cujo  estribilho  é 
Brava  gente  brazi leira,  appareceu  a  seg^uinte  parodia,  attribuida  a  portuguez  : 

Cabra-gente  brazileira, 
Descendente  de  Guiné ! 
Trocaram  as  cinco  chagas 
Pelo  fumo  e  o  café ! 


CAPITULO  XXXII  355 


pela  palavra  na  sessão  da  primeira  assembléa  legislativa  pro- 
vincial, installada  a  20  de  Abril  de  1835,  e  se  desenvolveram 
pelas  armas  em  campos  de  batalha,  ensanguentando,  por 
mais  de  nove  annos,  aquella  varonil  provincia. 


Os  retrog^dos  eram  chamados  caratnurús^  absoluíis/as,  camfllos^  corcun- 
das^ e  especialmente  os  portugueses  appellidados  de  galUgos^  pés  de  chumbo^ 
marotos.  Troca vam-se  de  parte  á  parte  sarcasmos  em  versos : 

O  maroto,  pé  de  chumbo, 
Calcanhar  de  frigideira, 
Quem  te  deu  a  confiança 
De  casar  com  brazileira? 

Fora,  marotos,  fora ! 
Viagem  podem  seguir, 
Que  os  brasileiros  n&o  querem 
Marotos  mais  no  Brazil ! 

A  veia  poética  dos  gaúchos  rio-grandenses  achava  na  revolução  incentivos 
para  grande  numero  de  satyras,  de  que  só  poderemos  dar  algumas,  como 
curiosidades  históricas. 

PERSIGNAÇÃO  CONTRA  OS  FARRAPOS 

Tristes  tempos  malfadados! 
Nunca  vistas  maravilhas ! 
Distinguem-se  o&  farroupilhas 
Pelo  signal 

De  pistola  e  de  punhal ! 
Divaga  a  raivosa  gente. 
Assolando  o  continente 
Da  Sania  Cruz. 

Chamam-nos  caramurús ; 
Nos  ameaçam  de  saque  ; 
Mas  de  semelhante  ataque 
Livrai-nos  Deus, 


356  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Assim  como  appareceu  em  S.  Paulo  um  italiauo  de  idéas 
livres,  espirito  adeantado  e  enérgico,  Libero  Badaró,  também 
o  Rio  Grande  do  Sul  viu  comprehendído  em  suas  agitações 
politicas  outro  italiano,  devotado  patriota,  grande  incitador 


Ah  lei»  andam  aos  boléos  : 
O  povo,  tremendo,  foge  ; 
Bento  Gonçalves  é  hoje 
A'osso  senhor! 

O»  que  furtam  nem  pudor, 
Kspancam  os  seus  patrícios, 
Clianiam-sc,  sem  artifícios. 
Dos  nossos!  .  .  . 

Os  que,  temendo  destroços. 
Querem  viver  retirados, 
I^)jço  sAo  appellidados 
Inifnií^os  ! 

Dizem  inda  taes  amij^os 
yue  ha  de  Caldas  (  ■* )  governar, 
Iv  que  a  lei  se  ha  de  dictar 
Km  nomr  do  padre. 

K  no  enitanto,  anda  o  compadre 
Do  compadre  dividido  : 
l'ojçe  da  esposa  o  marido 
/;  do  filho  ! 

O  prande  Deus!  liu  me  humilho 
Ante  a  vossa  divindade  I 
Mandai -nos  a  claridade 

Ihi  Kspiriio  Sanio  ! 

ICnxuíçai  o  nosso  pranto. 

Acalmai  nossa  discórdia. 

Por  vossa  misericórdia  I 

.Inten.  Jesus  ! 

^  "^^ )  Na  fala  do  presidente  l'\'rnandes  Braga  proferida  a  20  de  Abril  de  1S35, 


CAPITULO  XXXII  357 


das  massas,  quer  na  loja  maçónica  porto-alegrense  Conti- 
nentinos^  de  que  foi  fundador,  quer  no  jornalismo,  pregando 
em  uma  e  outra  parte  idéas  francamente  republicanas.  Refe- 
rimo-nos  ao  intitulado  conde  Tito  Livio  de  Zambicari. 
Compromettido  na  revolução  européa  de  1830  e  condemnado 
á  morte,  procurara  refugio  na  America  e  fora  levar  ao  Rio 
Grande  do  Sul  o  concurso  de  sua  illustração  e  de  seu  amor  á 
causa  da  liberdade. 

Sobre  este  notável  cidadão  fez  nosso  illustrc  conterrâneo 
Assis  Brazil  honrosa  referencia : 

«Levado  por  esse  sentimento  quasi  fanático  de  cosmopo- 
litismo que  foi  tão  commum  aos  homens  d'aquella  epocha  e 
que  também  dominava  Garibaldi,  Rosseti,  Griggs  e  tantos 
outros  extrangeiros  que  serviram  a  Republica  Rio-Grandense, 
Zambicari  fez-se  amar  de  todos  os  patriotas  do  Rio  Grande  e 
pôle  ser  considerado  o  seu  verdadeiro  e  real  mentor  mental. 


peraiite  a  assenihléi  provincial,  denunciando  conspiração,  lê-se  o  tópico  seguinte 
sobre  o  padre  Caldas  : 

«  Consta-nie  que  João  António  Livalleja  ainda  nào  deixou  o  nosso  território 
e  que  jmtimcnte  cooi  os2u  ni?ntor,  o indi^^nopidrejos^  António  Cildis,  trabilha 
de  ni<io^  didas  com  difFerente.^  ambiciosos  para  perturbar  o  socífço  da  provincia 
e  levar  avante  seus  pUnos  de  sopiraçào  do  império  e  federação  com  a  Cispla- 
tini.  " 

O  pidre  C  ildas,  deputado  á  asseniblé;i  constituinte  por  sua  provincia  natal. 
AlaK<i:is,  fora  preso,  por  haver  tom  ido  pirtc  na  revolução  pernambucana  de  1S24, 
e  encarcerado  na  fortaleza  de  Santa  Cruz,  no  Rio  de  Janeiro,  d'oijde  consejoiitt 
evadir-se  e  fugir  pira  a  Republica  Argentina  ;  ahi  obteve  o  logar  de  capellão  do 
exercito.  Passou-se  depois  pira  a  republici  Oriental  e  conseguiu  nomeação  de 
vigário  no  djpirtim:nto  do  Cerro  Lirgo.  Arrastado  por  seu  espirito  irrequieto. 
Caldas,  unido  a  Livalleja,  em  largas  conferencias  eflfectuadas  em  Jaguarão,  insti- 
gava Bento  Gonçalves  a  proclamar  a  republica,  separada  do  império. 


358  MEMORIAS    BRAZILETHAS 


Assim  explica-se  o  influxo  que  exerciam  no  Rio  Grande  as 
doutrinas  da  Joven  Itália^  de  Mazzini:  appareciam  alli 
atra  vez  de  Zambicari  ( ^ ).  * 

Lançadas  estas  preliminares,  exponhamos  antecedentes 
da  revolução. 

Já  no  governo  do  desembargador  Manoel  António  Galvão, 
cm  1833,  corriam  nimores  de  que  a  província  projectava 
revolucionar-se,  e,  presentindo  o  facto,  aquelle  funccionario 
e  o  com  mandante  das  armas,  marechal  Sebastião  Barretto 
Pereira  Pinto,  denunciaram  reservadamente  ao  governo  o 
plano  que  se  formava  e  de  que  era  cabeça  dirigente  o  coronel 
Bento  Gonçalves  da  Silva,  commandante  superior  de  toda  a 
guarda  nacional  da  pro\-incia  e  também  commandante  da 
^  fronteira  de  Jaguarào.  Para  justificar-se,  foi  Bento  Gonçalves 
chamado  ao  Rio  de  Janeiro,  onde  cultivou  relações  com 
espíritos  adeantados  d'aquella  epocha,  Evaristo  da  Veiga, 
padre  Feijó  e  outros  liberaes.  Conseguiu  do  governo  a  pensão 
de  i:200$ooD  annuaes  por  ser\-iços  relevantes  prestados  ao 
paiz ;  prohibição  do  estabelecimento  da  Sociedade  Militar  na 
provincia  e  a  nomeação  do  bacharel  António  Rodrigues  Fer- 
nandes Braga  para  presidente  do  Rio  Grande  do  Sul. ' 

Demittido  Galvão,  foi  nomeado  para  substituil-o  José 
Mariani,  tendo  para  este  facto  precedido  accordo  com  Bento 


(  I  )  Assis  Brazil  :  Historia  da  Republica  Rio-Grandensc  (  Rio  de  Janeiro, 
1HS2  )  vol.  I,  pags.  55  e  56. 


CAPITULO   XXXII  359 


Gonçalves.  O  novo  presidente  assumiu  o  exercicio  do  cargo 
a  22  de  Outubro  de  1833. 

Pretendeu  o  partido  restaurador  ou  caramurú,  tendo  á  sua 
frente  o  marechal  Sebastião  Barretto,  installar  em  Porto 
Alegre  uma  succursal  da  Sociedade  Militar^  destinada,  como 
a  do  Rio  de  Janeiro,  a  congregar  adeptos  de  D.  Pedro  I. 
Tratava-se  de  inaugurar  a  associação,  a  24  de  Outubro, 
quando  os  liberaes  recorreram  á  camará  municipal  para  que 
interviesse,  junto  ao  presidente  da  provincia,  no  sentido  de 
obstar  a  installação.  Em  vez  de  corresponder  á  geral  especta- 
tiva,  José  Mariani  reprehendeu  a  camará  por  envolver-se  em 
assumpto  alheio  á  sua  competência.  Melindrado  com  esta 
altitude  da  primeira  auctoridade  provincial,  tomou  armas  o 
partido  exaltado,  disposto  a  impedir  pela  força  o  estabeleci- 
mento da  Sociedade  (').  Dois  officiaes  de  prestigio  incum- 
biram-se  de  dirigir  o  movimento,  o  major  José  Marianno  de 
Mattos,  commandante  do  corpo  de  artilheria,  e  o  major  João 
Manoel  de  Lima  e  Silva,  ambos  fluminenses,  sendo  o  ultimo 
tio  do  major  Luiz  Alves  de  Lima  e  Silva  e  irmão  de  um 
dos  regentes,  general  Francisco  de  Linia  e  Silva.  Não  se 
effcctuou  a  projectada  inauguração,  pela  certeza  que  tinham 
os  retrógrados  de  que  seriam  vencidos  na  lucta,  si  esta  se 
empenhasse. 

Para  acalmar  os  ânimos,   resolveu  o  governo  regencial 


( I  )  Para  ridicularízal-a,  o  povo  alcunhara  a  Sociedade  Militar  de  Espada- 
china. 


360  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


cumprir  a  promessa  feita  a  Bento  Gonçalves,  nomeando  Fer- 
nandes Braga  presidente  do  Rio  Grande  do  Sul.  Nomeado 
por  decreto  de  14  de  Fevereiro  de  1834,  Braga  enipossou-se 
do  cargo  a  2  de  Maio.  Na  noite  d'esse  dia  foi  elle  alvo  de 
uma  grande  manifestação  popular. 

Restabelecida  a  tranquillidade  publica,  houve  necessidade 
de  remover  de  Porto  Alegre  os  majores  José  Marianno  e  Uma 
e  Silva,  com  seus  corpos,  sendo  aquelle  para  Rio  Pardo  e  este 
para  S.  Borja. 

Dotado  de  boa  indole  e  honesto,  Fernandes  Braga  inau- 
gurou seu  governo  cercado  de  sympathias  e  inspirando  con- 
fiança pelo  empenho  que  mostrava  em  conciliar  os  partidos. 
Os  meios  brandos  que  empregav/i  para  com  os  adversários 
políticos  acabaram  por  irritar  os  exaltados :  começou  a 
imprensa  a  critical-o  com  aspereza  de  linguagem,  servindo-se 
ás  vezes  de  allusões  insultuosas. 

Um  facto  despertou  e  fez  recrudescer  velhas  hostilidades 
de  partidos. 

Em  Outubro  de  1834  recebia-se  em  Porto  Alegre  a  noticia 
das  reformas  liberaes  realizadas  pela  assembléa  constituinte 
em  Agosto,  e  na  noite  de  24  immensa  massa  compacta  de 
povo  percorria  as  ruas,  com  os  juizes  de  paz  á  frente,  ao  som 
de  hymnos  musicaes  e  enthusiasticos  vivas.  U  como  essa  noite 
recordasse  o  primeiro  anniversario  do  movimento  |X)pular 
que  impedira  a  installaçáo  da  Sociedade  Militar^  conside- 
raram os  retrógrados  a  manifestação  como  um  acinte  affron- 
toso  ás  suas  idéas. 


CAPITULO  XXXII  361 


Acliava-se  u'essa  occasião  o  presidente  na  cidade  do  Rio 
Grande,  e  occupava-lhe  o  logar,  interinamente,  seu  irmão,  o 
juiz  de  direito  dr.  Pedro  Rodrigues  Fernandes  Chaves. 

Este  politico,  dotado  de  génio  irascivel,  concebendo  a 
infeliz  idéa  de  oppor-se  ás  festas  publicas,  mandou  occupar 
militannente  o  arsenal  de  guerra,  e,  por  não  confiar  na  guarda 
nacional,  engajou  extrangeiros  mercenários.  A  prudência  de 
muitos  liberaes  sensatos  se  deve  o  não  ter  havido  em  Porto 
Alegre  graves  conflictos  n'essa  noite  memorável.  Revoltou-se 
a  multidão  especialmante  contra  dois  retrógrados  intransigen- 
tes—  o  visconde  de  Castro  e  o  brigadeiro  Manoel  Carneiro 
da  Silva  Fontoura,  accusados  de  haverem  disparado  tiros 
sobre  o  povo.  Tumultuariamente  preso  o  brigadeiro,  foi 
apresentado  ao  juiz  nmnicipal  Vicente  Ferreira  Gomes,  reda- 
ctor do  Constitucional  Rio-Grandense  ( * ). 

Nada,  porém,  se  poude  conseguir,  como  desaffronta  do 
povo,  em  consequência  das  estreitas  relações  mantidas  entre 
o  presidente  interino  e  o  official. 

Logo  que  no  Rio  Grande  Fernandes  Braga  teve  noticia 
do  que  succedia  em  Porto  Alegre,  mandou  chamar  seu 
parente,  o  coronel  Bento  Gonçalveç  —  um  dos  rio-grandenses 
de  mais  prestigio  na  occasião — e  depois  de  rápida  conferen- 


(  I  )  Vicente  Ferreira  Oomes  era  pae  <lo  iUuslre  cducacionista  rio-grandensc, 
UI111  das  glorias  do  m^isterio  particular,  Ktmindo  Ferreira  Gomes,  que  nasceu 
em  Porto  Alegre  a  30  de  Maio  de  iS^o  e  ahi  falleceu  a  2S  de  de  Dezembro  de  i8g6. 
A  biographia  d'estc  grande  professor  foi  traçada  por  nosso  conterrâneo  Carlos 
Maximiliano  e  publicada,  acompanhada  de  perfeito  retrato,  no  Annuario  do 
Estado  do  Rio  (irande  do  Sul  para  o  anno  de  1898,  pags.  193  a  201. 

40  TOM.  II 


362  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


cia,  em  que  fez  appello  ao  seu  patriotismo,  deu-lhe  cartas 
brancas  para  que  na  capital  da  provincia  puzesse  em  pratica 
as  medidas  que  entendesse  convenientes  para  garantir  a 
tranquillidade  publica. 

Foi  valiosa  a  interferência  do  coronel  nos  distiirbios  em 
que  se  agitava  a  capital.  Com  sua  presença,  com  seus  conse- 
lhos conseguiu  o  restabelecimento  da  ordem. 

De  volta  a  Porto  Alegre  e  períeitamente  inteirado  da 
situação  precária  em  que  o  governo  se  via — antipathizado 
geralmente  em  vista  de  perseguições  exercidas  pelo  dr.  Pedro 
Chaves — o  presidente,  baldo  de  recursos  para  conjurar  os 
adversários,  representou  ao  governo  regencial,  denunciando 
a  existência  de  um  partido  separatista.  Tramava-se,  dizia 
elle,  annexar  o  Rio  Grande  do  Sul  ás  republicas  do  Prata,  e, 
para  que  se  não  effectuasse  este  desmembramento,  fazia-se 
mister  que  o  governo  central  expedisse  para  o  sul  tropas  das 
três  armas  e  em  grande  numero;  si  lhe  fossem  negados  os 
recursos  pedidos,  solicitaria  sua  demissão,  para  não  acarretar 
com  a  responsabilidade  dos  males  que  adviessem  á  sua  terra 
natal. 

Impossibilitado  materialmente  de  acudir  a  este  appello, 
o  governo,  a  braços  com  forte  opposição  no  Rio  de  Janeiro  e 
em  varias  provincias  do  norte,  respondeu-lhc  que  defendesse 
as  instituições  com  os  elementos  reunidos  na  provincia  e 
aguardasse  substituto. 

Deu-se  mezes  depois  uma  lamentável  occorrencia  na 
provincia. 


CAPITULO  XXXII  363 


Portuguezes  residentes  na  cidade  de  Rio  Pardo  lembra- 
ram*se  de  exhibir,  no  sabbado  de  alleluia  do  anno  de  1835, 
alguns  judas  adornados  de  cornos  e  de  pés  de  cabra,  como 
escameo  a  nacionaes. 

Indignado  contra  estes  objectos  de  zombaria  e  vilipendio, 
um  mulato  escravo  clamou  em  altas  vozes,  accusando  os 
auctores  das  ridiculas  figuras  e  prorompia  em  impropérios, 
quando  foi  morto  por  um  tiro  de  espingarda  disparado  do 
interior  de  uma  casa  fronteira.  Alarmou-se  a  população  rio- 
pardense  com  este  attentado. 

O  governo  provincial  agitou  ainda  mais  a  situação,  orde- 
nando o  proseguimento  de  anteriores  processos  politicos, 
acção  a  que  se  não  prestaram  os  juizes  de  paz,  com  excepção 
única  do  retrogrado  Casimiro  de  Vasconcellos  Cirne.  A  casa 
d'esta  auctoridade  foi  assaltada  por  mascarados,  que  exigiram 
do  funccionario  entrega  dos  autos.  Cirne  resistiu  á  intimação 
e  com  um  tiro  de  pistola  mutilou  um  dedo  ao  chefe,  ao  passo 
que  sua  filha,  n*um  assomo  de  heroina,  arranca va-lhe  a  mas- 
cara,- reconhecendo  n'esse  assaltante  Simeão  Gomes  Bar- 
retto.  Depois  de  lucta  desesperada,  Cirne  cedeu  ao  numero 
e  cahiu  morto. 

Os  attentados  commettidos  em  Rio  Pardo  apressaram 
a  revolução.  Com  estes  factos  coincidiu  a  inauguração  da 
assembléa  legislativa  provincial  a  20  de  Abril  de  1835.    ^ 

Apezar  da  pressão  exercida  pelo  governo,  conseguiu  o 
partido  nacional  collocar  na  assembléa  seus  homens  de  maior 
proeminência,  como  Bento  Gonçalves  da  Silva,  Bento  Manoel 


364  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Ribeiro,  o  distincto  medico  dr.  Marciano  Pereira  Ribeiro,  o 
escriptor  António  José  Gonçalves  Chaves,  José  de  Paiva' 
Magalhães  Calvet,  Domingos  José  de  Almeida  ;  por  sua  parte, 
os  retrógrados  tinham  alli  como  seus  representantes  homens 
de  apaixonada  energia  como  o  dr.  Pedro  Chaves,  o  juiz  de 
direito  Rodrigues  Pontes  e  o  chicanista  Manoel  Felizardo  de 
Souza  e  Mello,  fortemente  antipathizado  pelos  exaltados. 

Na  abertura  da  assembléa,  o  presidente,  instigado  pelo 
espirito  atrabiliário  e  vingativo  de  seu  irmão  Pedro  Chaves, 
denunciou  aos  representantes  da  provincia  um  plano  de 
separal-a  da  communhão  brazileira  para  confederal-a  ás 
republicas  platinas,  levando  a  sua  imprudência  a  ponto  de 
designar  quaes  os  chefes  revolucionários. 

E  certo  que  os  exaltados  pensavam  em  federação,  mas  no 
próprio  paiz  —  autonomia  das  provincias,  sem,  comtudo, 
desobrigar-se  da  obediência  a  um  poder  central,  a  que  esta 
riam  subordinadas  por  meio  de  leis  geraes.  Republica  federal 
como  a  dos  Estados  Unidos  era  a  idéa  dos  patriotas,  desde 
a  conjuração  mineira  á  Confederação  do  Equador  e  doesta  á 
republica  dos  farrapos. 

A  injusta  accusação  formtilada  pelo  presidente  contra 
homens  pundonorosos  acirrou  ainda  mais  os  ódios  políticos. 

Como  não  chegassem  tropas  do  Rio  de  Janeiro,  para  darem 
força  á  auctoridade,  a  assembléa  creou  um  corpo  de  policia, 
de  7CX3  soldados,  aos  quaes  Bento  (ronçalves  denominou  /V////- 
caros.  Cercava-se  o  presidente  de  apparato  l)ellico,  e  na 
necessidade  de  occorrer  a  novas  despesas,  decretou  a  assem- 


CAPITULO   XXXII  365 


bléa  tributos  vexatórios,  taes  como  de  io$ooo  por  légua 
quadrada,  imposto  sobre  chapeados,  esporas  e  estribos  de 
cavalleiros,  e  outras  coutribuições  rigorosas. 

A  tal  pouto  chegaram  as  luctas  partidárias,  que  os  oppo- 
sicionistas  reconheceram  não  haver  outro  alvitre  a  tomar 
senáo  depor  o  presidente. 

Na  manhã  de  19  de  Setembro  espalhou-se  a  noticia  de 
que  a  cidade  de  Porto  Alegre  ia  ser  tomada  pelos  revolucio- 
nários. Ante  a  imminencia  do  perigo,  o  presidente  Fernandes 
Braga  reuniu  as  forças  de  que  podia  dispor  na  occasião  e  que 
se  limitavam  a  270  praças,  mercenárias  na  maior  parte.  Muitos 
portuguezes  foram  alliciados  ao  serviço  militar,  exemplo  não 
seguido  pelos  allemães,  cujo  vice-consul  de  Hamburgo,  António 
Gonçalves  Pereira  Duarte,  aconselhou  completa  neutralidade 
aos  hamburguezes.  Revoltado  contra  este  procedimento, 
Braga  representou  ao  governo  e  conseguiu  fosse  cassado 
o  exequatur  da  auctoridade  consular,  ao  passo  que  Portugal, 
avisadamente,  demittia  seu  representante,  Victorino  José  Ri- 
beiro, por  se  não  ter  opposto  ao  alistamento  de  luzitanos. 

Para  promover  o  assalto  á  capital,  haviam-se  collocado 
a  frente  do  movimento  dois  prestigiosos  revolucionários,  o 
capitão  de  milicias  José  Gomes  de  Vasconcellos  Jardim,  rico 
estancieiro,  residente  na  visinha  povoação  das  Pedras  Brancas, 
á  margem  direita  do  Guahyba,  cidadão  grandemente  consi- 
derado, e  o  coronel  de  legião,  Onofre  Pires  da  Silveira  Canto, 
homem  de  proporções  athleticas  e  de  reconhecida  bravura. 

Reunidos  na  capella  de  Viamão,  distante  quatro  léguas 


366  MEMORIAS  BRAZILBIRAS 


a  leste  da  cidade,  os  dois  chefes,  com  uma  força  de  mais  de 
200  homens,  d^alli  marcharam  e  vieram  acampar  na  Azenha, 
arrabalde  de  Porto  Alegre. 

Quizeram  os  legaes,  com  uma  força  de  200  homens,  com- 
mandada  pelo  major  Gordilho,  yisconde  de  Camamú  ('), 
surprehender  na  Azenha  os  rebeldes,  os  quaes,  avisados  pelo 
medico  dr.  Manoel  António  de  Magalhães  Calvet,  prepa- 
raram-se  para  a  resistência. 

Defendida  a  ponte  da  Azenha  pelo  capitão  Manoel  da 
Rocha  Vieira  {cabo  Rocha)  com  30  homens  apenas,  coUo- 
cados  de  emboscada,  foram  os  legaes  rechassados,  perseguidos 
e  obrigados  a  recolher-se  desordenadamente  á  capital.  Attin- 
gido  por  uma  lançada  em  uma  coxa  e  desmontado,  o  visconde 
de  Camamú  conseguiu  salvar-se,  graças  á  escuridão  da  noite 
e  ás  cercas  de  espinho  (//«A^j  degato\  onde  ponde  refugiar-se. 

N'esse  primeiro  encontro,  foi  morto  o  legalista  António 
José  da  Silva  Monteiro,  redactor  da  folha  retrograda  O  Perió- 
dico dos  Pobres  e  poeta  satyrico,  vulgarmente  conhecido,  pelo 
appellido  de  Prosódia, 

Alta  noite,  chegou  a  palácio  o  visconde  de  Camamú, 
banhado  em  sangue,  declarando  ter  sido  atacado  por  400 
homens  bem  armados. 


( 1 )  Assis  Brasil,  em  sua  Historia  da  Revolução  Rio-Grandensé^  menciona 
em  muitos  pontos  o  visconde  de  Camamú,  partidário  legal.  Que  relaçào  ha  entre 
este  personagem  e  José  Kgydio  Gordilho  de  Barbuda,  visconde  de  Camamú, 
presidente  da  Bahia,  assassinado  a  28  de  Fevereiro  de  iS.yj,  facto  de  que  tratámos 
á  pag.  281  d 'este  tomo? 


CAPITULO   XXXII  367 


  vista  d'esta  occorrencia,  Fernandes  Braga  fez  remover 
sua  família  para  bordo  de  uma  canhoneira,  onde  reuniu  obje- 
ctos de  valor  e  dinheiro  pertencente  á  província. 

A  20  de  Setembro  Onofre  Pires  e  Gomes  Jardim  appro- 
xímaram-se  da  cidade,  para  effectuar  a  entrada.  No  largo  do 
Portão,  como  si  pretendesse  obstar  a  marcha  dos  revolucio- 
nários, achava-se  postado  um  corpo  de  permanentes,  o  qual 
fez  logo  causa  commum  com  elles,  ao  som  de  acclamações 
enthusiasticas. 

Achava-se  o  presidente  no  arsenal  de  guerra,  onde  fazia 
ponto  de  resistência;  sabendo,  porém,  que  se  haviam  bandeado 
os  permanentes  evendo-se  completamente  desamparado  de 
recursos,  embarcou  na  escuna  de  guerra  Rio-Grandense  e, 
seguido  de  outra  escuna  Dezenove  de  Dezembro^  fez-se  de 
vela  para  a  cidade  do  Rio  Grande. 

Penetraram  as  forças  revolucionarias  em  Porto  Alegre 
na  melhor  ordem,  garantindo  a  todos  o  respeito  ás  leis. 

Bento  Gonçalves,  que  havia  abandonado  a  guarnição  de 
Jaguarão,  apresentou-se  nas  Pedras  Brancas  a  21  de  Setembro 
e  n'esse  mesmo  dia  fez  entrada  solemne  na  capital;  consti- 
tuindo-se  chefe  da  revolução,  proclamou  á  província,  expondo 
e  justificando  o  movimento  de  rebeldia. 

No  mesmo  dia  a  camará  municipal  deu  posse  ao  4.°  vice- 
presidente,  dr.  Marciano  Pereira  Ribeiro,  visto  se  acharem 
ausentes  os  três  cidadãos  que  o  precediam  na  ordem  dos  vice- 
presidentes  e  eram  os  bacharéis  Joaquim  Vieira  da  Cunha, 
Rodrigo  de  Souza  Silva  Pontes  e  Américo  Cabral  de  Mello. 


368  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Dias  depois,  preseuceou  a  capital  factos  escandalosos. 

Uin  sacerdote  catholico,  o  padre  Pedro,  já  conhecido  por 
seu  génio  violento  ná  revolução  de  7  de  Abril  no  Rio  de 
Janeiro,  e  desterrado  para  o  Rio  Grande,  entendeu  dever 
maltratar  de  modo  cruel  e  affrontoso  os  portuguezes  que 
haviam  adherido  ao  partido  legalista.  Munido  de  uma  pal- 
matória, castigou  a  bolos  muitos  luzitanos,  obrigando-os 
depois  a  passar  recibo^  «em  pagamento  das  oflFensas  que 
haviam  praticado  contra  o  partido  nacional. » 

Um  individuo,  José  Ignacio  da  Silva  {Jucá  Oitrives\ 
corredor  de  carreiras  e  soldado  de  Gomes  Jardim,  acompa- 
nhado de  meia  dúzia  de  ladrões,  dirigia-se  ás  casas  de  nego- 
cio e  as  espoliava  a  seu  salvo.  O  presidente  Marciano  conteve 
a  selvajaria  do  padre,  e  o  capitão  Gomes  Jardim  mandou 
prender  por  algum  tempo  o  famigerado  Jucá  Ourives. 

Uma  partida  de  revolucionários  foi  ao  valle  do  rio 
Gravatahy  convidar  a  vir  a  Porto  Alegre  o  estancieiro  Vicente 
Ferrer  da  Silva  Freire,  influente  legalista,  a  fim  de  expor 
quaes  os  seus  intentos.  Por  falta  de  garantias,  o  venerando 
chefe  de  numerosa  familia,  ancião  por  todos  os  titulos  respei- 
tável, recusou  acompanhar  a  escolta,  pelo  que  foi  barbara- 
mente assassinado,  bem  como  seu  filho  menor  Diogo  Ferrer. 

A  revolução  manchou-se  com  estes  actos  de  cobardia  e 
malvadez. 

A  25  de  Setembro  foi  publicado  o  manifesto  de  Bento 
Gonçalves;  expunha  os  profundos  desgostos  que  a  passada 
administração  havia  causado  á  classe  militar  e  principalmente 


CAPITUIX)  XXXII  369 


a  Bento  Mauoel,  acintosamente  exonerado  do  cominando  da 
fronteira  de  Rio  Pardo;  declarava  que  o  fim  revolucionário 
era  depor  o  presidente  e  o  commandante  das  armas,  auctori- 
dades  incompativeis  com  o  espirito  liberal  rio-grandense ; 
aconselhava  o  respeito  á  constituição,  ao  throno  constitucio- 
nal e  á  integridade  do  império. 

Chegando  ao  Rio  Grande,  o  presidente  Braga  proclamou 
mudada  para  essa  cidade  a  sede  do  governo  provincial,  sendo 
reconhecida  a  sua  auctoridade  pelas  villas  de  Pelotas  e  de 
S.  José  do  Norte.  Enviou  ao  Rio  de  Janeiro  o  cidadão 
Manoel  Vaz  Pinto,  incumbido  de  expor  os  acontecimentos  e 
reclamar  soccorros  bellicos.  Solicitando  apoio  a  vários 
officiaes,  teve  a  adhesão  do  major  Manoel  Marques  de  Souza 
(depois  conde  de  Porto  Alegre)  e  do  tenente-coronel  da 
guarda  nacional  João  da  Silva  Tavares  (mais  tarde  barão  do 
Cerro  Formoso). 

Para  que  o  não  hostilizasse  a  imprensa  adversa,  suspendeu 
a  publicação  do  periódico  Noticiador^  órgão  dos  exaltados. 

Emquanto  estes  factos  occorriam  ao  sul  da  provincia,  o 
presidente  interino  dr.  Marciano  Pereira  suspendia  do  com- 
mando  das  armas  o  marechal  Sebastião  Barretto  e  por  acto  de 
12  de  Outubro  nomeava  Bento  Manoel  para  substittiil-o.  Como 
se  achasse  ausente  este  official,  occupou  o  cargo  interinamente 
o  major  João  Manoel  de  Lima  e  Silva. 

Tendo  os  legalistas  Marques  de  Souza  e  Silva  Tavares 
reunido  alguma  força  em  Pelotas,  cahiram  inesperadamente 
sobre  uma  partida  de  revolucionários  que  a  13  de  Outubro 

47  TOM.  U 


370  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 

transitava  pelo  Arroio  Grande,  sob  o  commando  de  Manoel 
Antunes  da  Porciuncula,  cunhado  de  Bento  Gonçalves. 
Antunes  foi  derrotado,  quando  suppunlia  que  os  legalistas 
respeitassem  o  pacto,  firmado  entre  aquelles  officiaes  e  o 
capitão  Domingos  Crescencio,  de  temporária  suspensão  de 
armas.  A  traição  dos  legaes  deu  brado  de  revolta  em  toda  a 
provincia. 

Depois  da  victoria  do  Arroio  Grande,  tratou  Manoel 
Marques  de  retirar-se,  para  reunir-se  ao  presidente  na  cidade 
do  Rio  Grande,  o  que  conseguiu  por  meio  de  cautelosa  marcha. 
Não  teve  egual  êxito  o  tenente-coronel  Silva  Tavares. 
Encontrando,  no  dia  i6  de  Outubro,  no  passo  do  Retiro,  sobre 
o  arroio  Pelotas,  um  corpo  de  mais  de  400  praças  de  cavallaria 
commandado  pelo  coronel  António  de  Souza  Netto,  auxiliado 
pelo  oriental  Raphael  Verdum,  viu  assaltada  e  debandada 
a  sua  tropa  e  elle  próprio  obrigado,  com  8  soldados,  a 
refugiar-se  no  Estado  Oriental. 

Reconhecida  a  necessidade  de  ser  posto  fora  da  provincia 
o  presidente  Braga,  determinou  Marciano  que  Onofre  Pires, 
com  uma  força  de  100  praças,  fosse  tomar  a  villa  de  S.  José 
do  Norte,  emquanto  Bento  Gonçalves  iria  apossar-se  da 
cidade  do  Rio  Grande,  fechando  assim  toda  a  communicação 
com  o  exterior. 

No  dia  21  de  Outubro  apresentou-se  Onofre,  já  com  300 
homens,  deante  de  S.  José  do  Norte,  que  repelliu  com 
admirável  denodo  os  assaltantes,  facto  que,  unido  a  poste- 
riores rasgos  de  bravura,  deu  á  villa  o  titulo  de  heróica. 


CAPITULO  XXXII  371 

No  mesmo  dia  Bento  Gonçalves  intimava  a  cidade  do 
Rio  Grande  a  que  se  rendesse. 

Vendo-se  completamente  desamparado  de  forças,  Fernan- 
des Braga  transportou-se  para  um  vaso  de  guerra  e  no  dia  23 
seguiu  para  o  Rio  de  Janeiro,  levando  comsigo  grande 
quantidade  de  papeis  públicos,  setenta  contos  de  réis  dos 
cofres  nacionaes,  muitos  funccionarios  e  familias. 

Em  virtude  da  reforma  constitucional  de  12  de  Agosto 
de  1834  (^),  procedeu-se  á  eleição  de  um  regente  único  para 
o  império,  obtendo  maioria  de  votos  o  padre  Diogo  António 
Feijó,  o  qual,  perante  a  assembléa  geral,  tomou  posse  do 
cargo  a  12  de  Outubro  de  1835. 

Empenhado  em  tranquillizar  o  Rio  Grande  do  Sul,  o 
padre  Feijó  nomeou  novo  presidente  da  provincia,  o  dr.  José 
de  Araújo  Ribeiro,  illustrado  rio-grandense,  aparentado  com 
os  chefes  Bento  Gonçalves  e  Bento  Manoel,  e  homem  crite- 
rioso, capaz  de  congraçar  seus  patrícios  (^). 


( I  )  Art.  26.  Si  o  Imperador  não  tiver  parente  algum  que  reúna  as  quali- 
dades exigidas  no  art.  122  da  Constituiç&o,  será  o  Império  governado,  durante  a 
sua  menoridade,  por  um  Regente  electivo  e  temporário,  cujo  cargo  durará  4 
annos,  renovando-se  para  este  fim  a  eleição  de  4  em  4  annos. 

(  2  )  o  dr.  José  de  Araújo  Ribeiro,  visconde  do  Rio  Grande,  nasceu  a  20  de 
Julho  de  1800  no  distrícto  da  Barra,  municipio  de  Porto  Alegre,  no  logar  deno- 
minado Estancia  Velha.  Doutorou-se  em  direito  na  universidade  de  Coimbra  no 
anno  de  1823.  Encetou  depois  carreira  diplomática,  exercendo  o  cargo  de  secre- 
tario de  nossa  legação  em  Nápoles  e  em  Pariz,  e  o  de  encarregado  de  negócios 
nos  Estados  Unidos  e  na  Inglaterra.  Foi  aposentado  como  ministro  plenipoten- 
ciário. Representou  sua  provincia  como  deputado  á  assembléa  geral  legislativa  e 
como  senador.  Era  commendador  das  ordens  de  Christo  e  do  Cruzeiro,  official 


372  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Embarcou  Araújo  Ribeiro  no  brigue-barca  Sete  de  Setem- 
bro^  sem  força  armada  alguma  e  apenas  munido  de  uma 
proclamação,  em  que  o  regente  chamava  os  rio-grandenses  á 
concórdia. 

Confiava  o  governo  que  o  nomeado,  ex-deputado  geral 
por  sua  terra,  cidadão  acatado  por  virtudes  e  conhecimentos 
superiores,  e  fortemente  relacionado,  por  si  só  bastasse  para 
aplacar  a  lamentável  conflagração. 

Chegou  Araújo  Ribeiro  á  cidade  do  Rio  Grande  a  6  de 


da  LegiÃo  de  Honra  e  de  Henrique  IV  da  França,  c  membro  do  Instituto  Histó- 
rico e  Geographico  Brazileiro.  Falleceu  no  Rio  de  Janeiro  a  25  de  Julho  de  1879. 

Aos  75  annos  de  edade,  publicou  na  capital  do  paiz  um  fçrosso  volume  in-8.^, 
de  mais  de  650  paginas,  sob  o  titulo  O  Fim  da  Creação  ou  a  Natureza  interpretada 
pelo  senso  commum^  obra  que  appareceu  sem  designaç&o  de  auctor.  Em  largo 
estudo,  o  visconde  do  Rio  Grande  trata  ahi  de  demonstrar  que  a  terra  é  dotada 
de  vida  própria,  nutre-se  como  os  seres  organizados  e  cresce  constantemente. 
•  Náo  é  rigorosamente  uma  hypothese,  diz  elle,  que  vou  offerecer  á  consideração 
do  leitor ;  é  antes  uma  serie  de  factos  que  me  parecem  dever  conduzir-nos  á 
crença  de  que  aterra  se  apropria,  nos  seus  giros,  de  substancias  que  existem  fora 
d'ella,  e,  como  consequência  natural  d*essas  apropriações,  ella  deve  ter  um 
crescimento.  ■ 

Critico  brazileiro  de  grande  illustração  emittiu  sobre  o  trabalho  do  visconde 
do  Rio  Grande  estes  commentarios  : 

«  Nosso  auctor  revela,  em  todo  o  seu  escripto,  uma  grande  tençáo  de  espirito 
e  um  elevado  senso  critico.  Grandes  méritos  deixa  ver  em  seu  livro  ;  os  princi- 
paes  sâo :  o  ser  franco  sectário  do  darwinismo,  como  nol-o  mostra  no  cap.  XIV, 
pags-  532  e  seg^iintes;  o  delucidar  com  vantagem  muitos  pontos  obscuros  da 
geologia  brazileira  ;  o  demonstrar  sufficientemente  o  fim  principal  que  se  propoz. 
A  tudo  isto  junta-se  ainda  a  clareza  da  exposição;  o  trabalho  é  methodico  e  o 
estylo  do  escriptor  simples  e  chão.  Estas  qualidades  são  bons  predicados  e  raros 
n*este  paiz.  Quem  supporía,  por  exemplo,  que  no  senado  brazileiro,  cla.sse  que 
não  brilha  muito  pela  sua  illustração,  tinhamos  um  sectário  intelligcnte  e 
adeantado  das  idéas  de  Dan;v'in,  nome  que  muitos  alli  não  pronunciam  sem 
primeiro  se  benzerem  ?  » 

Sylvio  Romkro  :  A  PHilosophia  no  Brazil  (  Porto  Alegre,  1878  ),  pag.  99. 


CAPITULO  XXXII  373 


Novembro  <k  1835,  d'onde  seguiu  para  Pelotas  a  confereuciar 
com  o  coronel  Bento  Gonçalves,  então  em  Jaguarão :  combi- 
naram em  encontrar-se  em  Porto  Alegre,  indo  o  ofBcial  por 
terra  concitar  os  povos  á  paz. 

A  5  de  Dezembro  aportava  Araújo  Ribeiro  á  capital 
da  provincia  e  immediatamente  enviou  á  assembléa  seu 
titulo  de  nomeação,  acompanhado  de  ofBcio  em  que  pedia 
fosse  marcado  dia  e  hora  para  a  prestação  do  juramento  e 
tomada  da  posse.  A  8  do  mesmo  mez,  reuniu-se  a  assembléa 
em  sessão  secreta  para  deliberar  sobre  si  devia  ou  não  investil-o 
do  cargo.  Levantaram-se  duvidas.  Propalou-se  que  pertencia 
elle  ao  partido  retrogrado  e  por  esse  facto  achava-se  em 
desaccordo  de  idéas  com  a  assembléa  e  com  a  provincia 
em  geral. 

Com  a  chegada  de  Araújo  Ribeiro  coincidiu  a  publicação 
da  ordem  do  governo — em  satisf acção  á  representação  de 
Fernandes  Braga — de  mandar  submetter  a  processo  o  vice- 
consul  de  Hamburgo,  Pereira  Duarte,  pelo  facto  de  haver 
com  prudência  aconselhado  aos  hamburguezes  neutralidade  na 
lucta  dos  partidos.  Esta  medida  poz  de  sobreaviso  os  revolu- 
cionários, revoltados  deante  de  perseguição  tão  impolitica  e 
injusta,  e  mais  antipathica  tornou  a  posição  de  Araújo  Ribeiro, 
como  representante  da  vontade  do  regente. 

Toda  a  assembléa,  composta,  em  sua  maior  parte,  de 
supplentes,  seguia  o  partido  revolucionário.  Eram  então 
deputados  provinciaes  os  seguintes  cidadãos : 

Francisco  Xavier   Ferreira,  presidente;  cónego  Thomé 


374  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Luiz  de  Souza,  vice-presidente;  António  Alvares  Pereira 
Coruja,  i.°  secretario  (');  Bento  Gonçalves  da  Silva,  Bento 
Manoel  Ribeiro,  José  Pinheiro  de  Ulhôa  Cintra,  Domingos 
José  de  Almeida,  Pedro  José  de  Almeida,  vulgo  Pedro 
Boticário^  redactor  da  Idade  de  Pau;  padre  Juliano  de 
Faria  Lobato,  major  José  Marianno  de  Mattos,  tenente- 
coronel  Silvano  José  Monteiro  de  Araújo  e  Paula,  editor 
d' O  Echo  PortcH  Alegrense ;  Seraphim  dos  Anjos  França, 
Vicente  Ferreira  Gomes,  José  de  Paiva  Magalhães  Calvet, 
dr.  Américo  Cabral  de  Mello,  Vicente  José  da  Silva  França, 
padre  Francisco  das  Chagas  Martins  Ávila  e  Souza,  padre 


( I )  António  Alvares  Pereira  Coruja  nasceu  em  Porto  Alegre  a  31  de  Agosto 
de  1806  e  falleceu  no  Rio  de  Janeiro  a  4  de  Agosto  de  18S9.  Foi  um  de  nossos  mais 
dedicados  propugnadores  da  instrucção  popular. 

Publicou : 

Compendio  da  grani matica  da  língua  nacional  (  Porto  Alegre,  1835 ),  obra 
que  obteve  muitas  edições  e  foi  vulgarizada  em  todo  o  paiz. 

Manual  dos  estudantes  de  latim  (  Rio  de  Janeiro,  1838  ). 

Compendio  de  orthographia  da  lingua  nacional  (  Rio  de  Janeiro,  1848  ). 

Arithmetica  para  meninos. 

Licçôes  de  historia  do  Brazil  (  Rio  de  Janeiro,  1855 ). 

A  vida  de  José  Bernardino  de  Sá  depois  de  sua  morte  (  Rio  de  Janeiro,  1856 ). 

Algumas  annotaçõ^s  ás  Memorias  históricas  de  monsenhor  Pizarro  na 
parte  relativa  ao  Rio  Grande  do  Sul.  Rev.  do  Inst.,  anno  de  1858,  tom.  XXI, 
pafifs.  303  a  315. 

Notas  á  memoria  do  tenente-coronel  José  dos  Santos  fiegas.  Re::  do  Inst.^ 
anno  de  1860,  tom.  XXIII,  pags.  585  a  602. 

Collecção  de  vocábulos  e  phrases  usados  na  provinda  de  S.  Pedro  do  Rio 
Grande  do  Sul  (  Rio  de  Janeiro,  1861  ).  Foi  anteriormente  publicada  em  1852 
na  Rev.  do  Inst.,  tom.  XV,  2. a  ed.,  pags.  205  a  238. 

Antigualhas  e  reminiscências  de  Porto  Alegre  (  Rio  de  Janeiro,  1881  ). 

Publicava  o  Anno  histórico  sul-rio-grandense,  em  pequenos  fascículos, 
quando  a  morte  o  colheu  aos  83  annos  de  edade. 


CAPITULO  XXXII  375 


Fidencio  José  Ortiz,  coronel  Oliverio  José  Ortiz  e  Gabriel 
Martins  Bastos. 

Opinaram  os  representantes  da  provincia  que  se  retardasse 
a  posse  do  novo  presidente. 

Contra  semelhante  falta  de  confiança  oppoz-se  o  coronel 
Bento  Manoel,  dizendo  que  este  facto  acarretaria  renovação 
da  guerra;  que  elle,  paulista,  não  desejava  contribuir  para  o 
derramamento  do  sangue  rio-grandense ;  garantiu  sinceras  as 
intenções  de  Araújo  Ribeiro  e  do  regente,  padre  Feijó; 
declarou  que  respeitaria  a  deliberação  da  maioria  e  no  cara- 


o  professor  Coruja  foi  por  muitos  annos  thesoureiro  do  Instituto  Histórico 
e  Geographico  Brazileiro. 

O  Annuarío  do  Rio  Grande  do  Sul,  dirigido  pelo  dr.  Graciano  Alves  de 
Azambuja  c  destinado  ao  anno  de  1890,  consagrou,  a  pags.  209  e  210,  tocantes 
palavras  á  memoria  d*este  utilíssimo  escriptor: 

•  Foi  uma  perda  lamentável,  especialmente  para  esta  provincia,  a  quem 

o  finado  adorava  com  ardor  juvenil  e  para  cuja  historia  reunia  sem  cessar  aponta- 

'  mentos  e  documentos  interessantes.  O  Annuario  perde  no  commendador  Coruja 

um  incançavel  collaborador,   cujas  chronicas  de  Anligualhas  rio-grandenses 

e  yolas  históricas  têem  sido  uma  das  secções  mais  apreciadas  do  publico. 

«  O  amor  que  Coruja  dedicava  a  esta  provincia,  o  interesse  com  que  acompa- 
nhava, dia  por  dia,  todos  os  factos  do  Rio  Grande  do  Sul,  eram  extraordinários 
e  dignos  de  sincera  admiração.  De  Porto  Alegre,  onde  residiu,  até  á  sua  retirada 
para  o  Rio  de  Janeiro,  elle  tudo  sabia,  as  casas  velhas  e  as  novas,  as  que  se  demo- 
liam e  as  que  se  construiam,  os  números  de  umas  e  outras,  nenhuma  minudência 
emfim  lhe  escapava.  Era  sobretudo  um  chronista  fiel  dos  homens  c  dos  aconteci- 
mentos de  sua  mocidade,  que  sua  memoria  guardava  com  fidelidade  rara. » 

O  inditoso  poeta  rio-grandense  Pedro  António  de  Miranda  assim  disse, 
em  final  de  carta  dirigida  ao  director  do  Annuario  : 

«  Homenagem  seja  prestada  ao  cidadão  benemérito !  Indelével  recordação 
fique  na  memoria  publica  dos  serviços  que  prestou  a  bem  da  instrucçào  nacional, 
como  da  nossa  historia  e  chronologia !  Estes  e  o  seu  entranhado  amor  a  esta  pro- 
vincia exigem  que  o  veneremos  agora  e  que  transmittamos  o  seu  nome,  rodeado 
de  respeitosa  admiração,  ás  gerações  futuras  ! » 


376  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


cter  de  revolucionário  acompanharia  seus  amigos  na  sorte 
das  armas,  com  quanto  lhe  fosse  penoso  ir  arrancar  de  seus 
esconderijos  aquelles  que  só  sabiam  insuflar  a  guerra  e  não 
luctar  francamente.  Após  esta.  defesa  na  assembléa,  Bento 
Manoel  conferenciou  secretamente  com  Araújo  Ribeiro, 
promettendo  prestar-lhe  apoio  e  abandonar  a  revolução. 
Infelizmente  a  firmeza  de  caracter  não  era  um  de  tantos 
predicados  doeste  bravo  guerrilheiro. 

No  dia  9  de  Dezsembro,  em  sessão  publica,  acceitou  a  assem- 
bléa uma  representação  dos  juizes  de  paz  de  Porto  Alegre 
e  das  Pedras  Brancas  para  que  a  posse  fosse  adiada ;  approvou 
esta  indicação,  allegando  a  conveniência  de  dirigir-se  ao 
governo  geral  a  fim  de  que  resolvesse  o  conflicto. 

Como  era  de  dever,  a  assembléa  explicou  seu  procedi- 
mento em  proclamação  dirigida  ao  povo. 

Bento  Manoel,  que  havia  assumido  o  com  mando  das 
armas,  cargo  occupado  interinamente  por  João  Manoel  de 
Lima  e  Silva,  partiu  para  a  campanha,  allegando  necessidade 
de  ir  em  pessoa  acalmar  os  espíritos  e  vulgarizar  aquella  pro- 
clamação. Procedeu,  porém,  de  forma  inteiramente  diversa. 

Foi  tornar  conhecida  uma  proclamação  assignada  por 
Araújo  Ribeiro  e  operar  contra-revolução,  erguendo  armas 
contra  seus  companheiros  da  véspera. 

Em  S.  Gabriel  publicou  a  seguinte  ordem  do  dia,  datada 
de  30  de  Dezembro  de  1835,  concitando  os  rio-grandenses  a 
reconhecer  o  dr.  José  de  Araújo  Ribeiro  como  presidente  da 
provincia: 


CAPITULO   XXXII  377 


« Tendo  as  camarás  municipaes  àas  cidades  do  Rio  Grande 
e  Pelotas  e  da  vi  lia  de  S.  José  do  Norte  se  dirigido  official- 
mente  ao  commandante  das  armas,  conjurando-o  a  que,  em 
cumprimento  das  promessas  emittidas  em  suas  proclamações, 
salve  a  província  dos  males  da  anarchia,  em  que  a  pretende 
envolver  um  partido  republicano,  o  qual  tem  chegado  a 
dominar  a  assembléa  legislativa  provincial,  conseguindo 
obstar  que  se  desse  posse  ao  dr.  José  de  Araújo  Ribeiro  da 
presidência  da  provi ncia,  para  que  fora  legalmente  nomeado 
pelo  Regente  em  nome  do  Imperador  o  Sr.  D.  Pedro  II, 
dando  com  este  proceder  o  primeiro  passo  a  desmembrar  a 
província  da  associação  brazileira;  declarando  ao  mesmo 
tempo  aquellas  mesmas  camarás  a  justa  indignação  que 
semelhante  repulsa  causara  nos  ânimos  dos  cidadãos  de 
seus  municípios,  por  conhecerem  evidentemente  os  males 
que  se  seguirão  á  pátria,  e  desejosos  todos  de  prevenil-os, 
tinham  resolvido,  como  o  fizeram,  reconhecer  ao  dr.  José  de 
Araújo  Ribeiro,  nosso  compatriota,  como  presidente  da 
província. 

« O  commandante  das  armas  está  demasiadamente  ao  facto 
dos  manejos  do  partido  republicano  e  dos  meios  que  emprega, 
e  mais  certo  ainda  das  desgraças  que  acompanharão  a 
separação  da  provincia,  firme  nos  princípios  que  proclamou 
depois  do  memorável  dia  20  de  Setembro,  em  desempenho 
da  sua  palavra,  de  accordo  com  aquellas  illustres  e  patrióticas 
camarás  e  com  a  totalidade  dos  cidadãos  bons  da  província, 
solemnemente   reconhece  a   legitima  auctoridade  do   Illm. 


48 


378  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Exm.  Sr.  presidente  dr.  José  de  Araújo  Ribeiro,  desconhe- 
cendo outra  qualquer  que  o  partido  republicano  da  capital 
intente  levantar  ou  sustentar;  e.em  consequência  ordena  a 
todos  os  militares  da  provincia,  sujeitos  ao  seu  cominando, 
que  reconheçam  ao  mesmo  Exm.  Sr.  dr.  José  de  Araújo 
Ribeiro  como  nosso  legitimo  presidente. 

« Camaradas !  Nós  manifestámos,  quando  tomámos  as  armas 
para  libertar  a  pátria  da  oppressão,  que  o  nosso  fim  era  sermos 
sempre  brazileiros,  mantendo  a  constituição  reformada,  o 
throno  imperial  do  Sr.  D.  Pedro  II;  e  hoje  não  faltaremos 
aos  nossos  empenhos,  pois  seriamos  perjuros  e  inimigos  da 
pátria — procederes  que  por  indignos  não  cabem  em  corações 
animados  pela  aura  e  pelo  sagrado  lume  do  patriotismo. 

«E  mais  glorioso,  camaradas,  conservarmos  a  pátria  isenta 
de  anarchia,  que  ganhar  batalhas  sobre  inimigos  externos. 
Mantenhanio-nos  firmes  na  associação  brazileira,  do  que 
provirão  á  provincia  prosperidades  e  grandeza,  quando  de  uma 
separação  extemporânea  somente  teremos  a  ruina  e  as  des- 
graças. Não  sejamos  submissos  escravos  do  pequeno  partido 
republicano,  que  desvairadamente  assim  o  pretende. 

«O  commandante  das  armas  conta  com  os  seus  camaradas 
e  a  pluralidade  da  provincia,  e  todos  devem  contar  com  elle 
a  favor  da  ordem  e  do  bem  publico.  Viva  a  nação  brazileira! 
Viva  a  constituição  reformada!  Viva  o  Sr.  D.  Pedro  II,  nosso 
Imperador  constitucional,  c  o  Regente  em  seu  nome !  Vivam 
os  militares  da  provincia ! » 

Assim  garantido  por  Bento  Manoel,  o  dr.  Araújo  Ribeiro, 


CAPITULO  XXXII  379 


de  volta  ao  Rio  Grande,  accedeu  ao  convite  que  lhe  fez  a 
municipalidade  d'esta  cidade  pára  tomar  posse  do  cargo  de 
presidente,  e  perante  ella  prestou  juramento  e  entrou  em 
exercido  de  suas  funcções  a  15  de  Janeiro  de  1836. 

Communicou  sua  posse  á  assembléa  provincial,  porém 
esta  não  se  confonnou  com  o  facto,  por  illegal,  á  vista  da 
incompetência  da  camará,  e  convidou  Araújo  Ribeiro  a 
empossar-se  do  cargo  perante  ella  própria.  Recusado,  com 
razão,  o  convite,  a  assembléa,  a  25  de  Fevereiro,  proclamou 
á  provincia  para  que  não  reconhecesse  a  auctoridade  do  presi- 
dente Araújo  Ribeiro  e  só  prestasse  obediência  ao  vice- 
presidente,  dr.  Américo  Cabral  de  Mello. 

Começou  a  provincia  a  ser  governada  por  duas  auctori- 
dades  distinctas,  que  trataram  de  alliciar  soldados  para  que 
uma  supplantasse  a  outra. 

Estava  de  novo  travada  a  guerra. 

Por  acto  de  16  de  Fevereiro  a  assembléa  provincial  sus- 
pendeu de  suas  funcções  o  commandante  das  armas  Bento 
Manoel  Ribeiro,  por  estar  promovendo  a  guerra  civil  na 
provincia,  e  de  egual  modo  suspendeu  os  vereadores  da  camará 
municipal  do  Rio  Grande  por  se  terem  arrogado  attribuições 
que  lhes  não  competiam,  dando  posse  a  Araújo  Ribeiro. 

O  Mercantil^  do  Rio  Grande,  de  24  de  Fevereiro,  publicava 
actos  doesta  auctoridade,  suspendendo  de  suas  funções  o  coro- 
nel chefe  da  legião  de  guardas  nacionaes,  António  de  Souza 
Netto,  e  o  coronel  commandante  superior  da  guarda  nacional 
Bento  Gonçalves  da  Silva,  por  andarem  reunindo  guardas 


380  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


contra  expressa  determinação  de  lei  e  manifesto  perigo  da 
segurança  publica. 

O  Mensageiro^  "de  Porto  Alegre,  de  26  de  Fevereiro, 
publicava  o  officio  do  vice-presidente  dr.  Cabral  de  Mello 
á  camará  municipal  do  Rio  Grande,  participando  a  suspensão 
de  Bento  Manoel  Ribeiro  do  commando  das  armas;  nomeação 
de  seu  substituto  interino,  major  João  Manoel  de  Lima  e 
Silva,  e  designação  do  coronel  Bento  Gonçalves  da  Silva 
para  pacificar  o  sul  da  provincia. 

A  28  de  Fevereiro,  Bento  Gonçalves  expedia  um  officio, 
de  que  foi  portador  o  capitão  Joaquim  Teixeira  Nunes,  diri- 
gido ao  dr.  Araújo  Ribeiro,  intimando-o  a  dissolver  as  reu- 
niões armadas  e  a  sahir  im mediatamente  da  provincia,  a  fim 
de  poder  pacifical-a,  garantindo  a  sustentação  da  constituição 
reformada,  a  integridade  do  império,  o  governo  de  D.  Pedro 
II  e  a  gloriosa  revolução  de  20  de  Setembro  (^). 

Na  mesma  data  commuuicou  á  camará  municipal  do 
Rio  Grande  a  posse  do  vice-presidente  dr.  Cabral  de  Mello, 
intimando-a  que  o  reconhecesse  como  tal,  para  não  obrigar 
a  elle  coronel  fazer  uso  das  armas  e  dispersar  todos  os  rebeldes 
e  desordeiros  existentes  no  Rio  Grande,  S.  José  do  Norte 
e  Pelotas. 

A  camará  respondeu  que  tinha  reconhecido  como  legitimo 
presidente  ao  dr.  José  de   Araújo  Ribeiro,  declarando  não 


( I )  Liberal  Rio-Grandcnsc  n.  26,  de  .^i  de  Mirço  d*j  i^j-í. 


CAPITULO  XXXII  381 


desesperar  de  que  Bento  Gonçalves  se  afastasse  da  estrada 
do  crime  (*). 

Eniqiianto  Bento  Manoel  reunia  na  campanha  elementos 
de  ataque,  Araújo  Ribeiro  fortificava-se  no  Rio  Grande  para 
guardar  a  defensiva,  obtendo  para  este  efleito  um  contin- 
gente de  500  homens  engajados  nas  três  povoações  maritimas 
pelo  capitão  Procopio  Gomes  de  Mello. 

Contra  o  commandante  das  armas,  que  dispunha  de  uma 
força  de  200  praças,  partiu  de  Porto  Alegre  uma  columna 
de  cerca  de  8cx)  homens,  ao  mando  do  coronel  Affonso  José 
de  Almeida  Corte  Real:  ia  effectuar-se  o  encontro  no  logar 
denominado  Irapuã^  onde  seria  certa  a  derrota  de  Bento 
Manoel,  quando  este  lembrou-se  de  recorrer  a  um  expediente. 
Mandou  a  seu  adversário  iim  emissário,  o  capitão  Demétrio 
Ribeiro,  com  a  declaração  de  que  ia  no  dia  seguinte 
licenciar  sua  tropa  e  retirar-se  para  a  provincia  de  S.  Paulo, 
d'onde  era  filho,  pois  não  desejava  que  por  sua  causa  corresse 
o  sangue  rio-grandense.  Corte  Real,  moço  dotado  de  caracter 
sincero  e  magnânimo,  permittiu  que  elle  acampasse  em 
paz  e  também  acampou  a  distancia.  Bento  Manoel  trahiu 


(  I  )  Correio  Official  n.  66,  de  23  de  Março  de  1836. 

Durante  a  revolução  appareceram  em  Porto  Alegre  muitos  periódicos  de 
pequeno  formato,  órgãos  das  paixões  violentas  que  tumultuavam.  Gram  do  par- 
tido dos  farrapos  o  Recopiladot  Liberal,  redigido  por  D.  Manoel  Roedas,  emis- 
sário do  dictador  argentino  D.  Juan  Manuel  de  Rosas  ;  a  Idade  de  I\iit,  de  Pedro 
Boticário;  o  Inexorável,  o  Sete  de  Abril,  o  Democrata  Rit.>-Grandense^  o 
Federal.  Pertenciam  aos  caramurús  a  Senti nella  da  Liberdade,  o  Inflexível ^ 
a  Idade  de  Ouro  e  a  líellona. 


382  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


a  siia  palavra  e  fugiu,  a  procurar  melhores  elementos  de 
ataque. 

Satxrndo  que  havia  sido  enganado  e  ignorando  o  rumo 
tomado  pelo  inimigo,  seguiu  Corte  Real  em  marchas  vaga- 
rosas e  foi  acampar  no  passo  do  Rosário,  á  margem  esquerda 
do  rio  Santa  Maria. 

Sem  perda  de  tempo  tratou  Bento  Manoel  de  fazer  juncção 
com  as  forças  de  Vidal  José  do  Pilar,  Manoel  dos  Santos 
I^Mireiro  e  Silva  Tavares,  elevando  a  700  o  numero  dos 
legalistas,  e  assim  forte,  marchou  á  procura  da  columna 
revolucionaria. 

Qtiasi  eguaes  em  numero,  avançaram  os  combatentes  uns 
contra  outros,  no  dia  17  de  Março,  resultando  grande  derrota 
para  Corte  Real,  que  levado  por  seu  ardor  guerreiro  não  quiz 
esperar  o  reforço  de  600  homens  de  excellente  cavai  laria 
commaiulados  por  Bento  Gonçalves,  quando  este  lhe  ficava 
a  trcs  dias  de  marcha.  Os  homens  da  campanha,  mais  destros 
que  os  dos  arredores  de  Porto  Alegre,  colheram  logo  as  van- 
tagens resultantes  da  disciplina  e  levaram  de  vencida  os 
rebeldes,  que  soíFreram  a  mortandade  de  172  praças.  Corte 
Real  foi  feito  prisioneiro  com  153  soldados  (^). 

Para  compensar  esta  enorme  perda  os  revolucionários 
conseguiram  no  mez  de  Abril  duas  victorias. 

Chegando  a  Pelotas  o  commandante  das  armas,  farrapo, 


V I  ^    InfonnaçAo    prestada   por   JoAo   da    Silva  Tavares  e  publicada   no 
J\ii/ii€'/€-  liit  /Cio  n.  uxi,  de  5  de  Maio  de  1836. 


CAPITULO   XXXII  383 


João  Manoel  de  Lima  e  Silva,  que  havia  reunido  suas  forças 
ás  de  António  Netto  e  Domingos  Crescencio,  deu  combate, 
a  7  doesse  niez,  ao  major  Manoel  Marques  de  Souza,  alli 
destacado  com  80  homens  de  infanteria,  obrigando-o  a  entrin- 
cheirar-se  em  um  sobrado  que  servia  de  quartel  ( ' ).  Marques 
esperava  prompto  soccorro  de  uma  força  de  120  homens 
acampada  no  passo  dos  Negros  (^),  e  commandada  pelo 
coronel  de  milicias  Albano  de  Oliveira  Bueno ;  porém  viu-se 
obrigado  a  capitular.  Lima  Silva  correu  no  dia  8  a  dar 
combate  a  Albano.  Tencionava  este  official  atravessar  o  rio 
S.  Gonçalo  no  passo  dos  Negros  e  seguir  para  o  Rio  Grande, 
sob  a  protecção  da  canhoneira  Oceano^  alli  estacionada.  Come- 
çava a  transportar  bagagem  e  cavalhada,  quando  chegou  João 
Manoel  a  impedir-lhe  o  intento.  Durante  8  horas,  resistiu 
valentemente  o  coronel  Albano,  auxiliado  ao  principio  pela 
canhoneira.  Vendo-se,  afinal,  perdido,  arrojou-se  ao  rio,  de 
botas  e  poncho  como  se  achava.  Perseguido  por  algumas 
canoas,  foi  preso  e  seria  morto,  si  João  Manoel  não  bradasse 
que  lhe  respeitassem  a  vida. 

O  major  Manoel  Marques  foi  conduzido  para  Porto  Alegre 
e  ahi  recolhido  ao  velho  brigue-barca  ar\'orado  em  Presiganga. 

Acompanhado  de  uma  escolta  commandada  pelo  capitão 


(  I )  Esse  edifício  fica  situado  na  esquina  da  ma  Félix  da  Cunha  e  praça  da 
Republica.  Ahi  estiveram  successivamentc  a  typog^raphia  do  Diário  de  Pelotas^ 
o  Club  Liberaly  o  quartel  da  guarda  municipal  e  a  União  Republicana. 

(  2 )  Passo  no  rio  S.  Gonçalo,  perto  da  foz  do  arroio  Pelotas. 


384  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Martiniano  Teixeira  Pinto  e  com  outros  prisioneiros,  seguiu 
também  para  Porto  Alegre  o  coronel  Albano;  infelizmente 
iam  entre  os  soldados  dois  inimigos  seus,  Fileno  e  Vidal, 
naturaes  de  Piratiny,  os  quaes,  nas  immediações  do  arroio 
Velhaco,  o  mataram  a  tiros,  com  o  fim,  allegaram,  de  lhe 
impedir  a  fuga  ('). 

Este  cobarde  assassinato  causou  desgosto  aos  chefes  revo- 
lucionários, especialmente  a  Bento  Gonçalves,  de  quem 
Albano  era  amigo  e  compadre  duas  vezes. 


( I )  Sobre  a  morte  d'este  legalista  encontramos  diveiig^encias  entre  historia- 
dores. 

O  auctor  da  Mf  morta  sobre  a  rez^o/uçõo  de  20  de  Setembro^  major  João  da 
Cunha  I«obo  Barretto.  escreveu  que  o  referido  official  foi  assassinado  por  ordem 
de  Bento  Gonçalves  da  Silva. 

Em  sua  Guerra  Civil  do  Rio  Grande  do  Sul  diz  o  conselheiro  Tristão  de 
Alencar  Araripe :  « O  coronel  da  guarda  nacional  Albano  d*01iveira  Bueno  é 
assassinado  em  viagem  para  Porto  Alegre,  dando-se  por  motivo  d'esse  acto  de 
cobardia  e  deslealdade  o  ser  elle  paizano  e  bater-se  por  espontânea  deliberação 
e  náo  por  obrigação  como  official  de  linha. » 

Assis  Brazil  ( Historia  da  Republica  Rio-Grandense,  pag.  ijs )  dá  que  Albano 
foi  fuzilado  na  frente  da  tropa,  em  cumprimento  de  ordem  do  commandante  das 
armas  João  Manoel  de  Lima  e  Silva. 

O  dr.  l*cmando  Osório,  cm  sua  Historia  do  General  Osório  (  Rio  de  Janeiro, 
i^ )  pag.  309,  nota  5,  conta  que  João  Manoel  fez  seguir  o  coronel  Albano  escol- 
tado para  Porto  Alegrrc,  porém  com  ordem  de  ser  assassinado  em  caminho  pelo 
commandante  de  uma  segunda  escolta  que  permanecia  junto  ao  arroio  Velhaco  ; 
esse  commandante  passou  recibo  do  preso  ao  capitão  Martiniano  Teixeira  Pinto 
e  cumpriu  a  ordem. 

Nenhuma  d'estas  quatro  versões  funda-se  em  documentos  de  inteira  fé. 

O  facto  acha-sc  hoje  perfeitamente  elucidado  pela  forma  que  deixamos 
exposta  no  texto,  á  vista  das  minuciosas  pesquisas  procedidas  por  um  incançavel 
historiador  rio-grandense,  Alfredo  Ferreira  Rodrigues,  e  publicadas,  sob  o  titulo 
Utn  episodio  da  revolução,  combates  de  7  e  S  de  Abril  de  iSjó  e  morte  do  coronel 
Albano,  no  A  Imana/t  Li  Iterar  io  e  Estatístico  do  Rio  Grande  do  Sul  para  o  aiino 
de  1898,  pags.  252  a  274. 


CAPITULO  XXXII  385 


Com  a  derrota  do  major  Manoel  Marques,  ficou  Pelotas 
em  poder  dos  revolucionários  e  o  governo  legal  circum- 
scripto  ao  Rio  Grande  e  S.  José  do  Norte;  longe,  porém, 
de  desalentar-se  com  este  facto,  Araújo  Ribeiro  determinou 
a  mudança  da  tliesouraria  e  da  alfandega  de  Porto  Alegre 
para  a  cidade  do  Rio  Grande,  privando  a  capital  de  entreter 
commercio  directo  com  o  exterior  e  interceptando-lhe  a  cor- 
respondência pelo  correio. 

A  9  de  Abril  o  legalista  capitão  Francisco  Pinto  Bandeira 
conseguiu  tomar  de  surpresa  a  guarnição  das  Torres,  ao 
norte  da  provincia,  apoderando-se  de  todo  o  armamento  e 
munições. 

Regressando  a  Porto  Alegre,  João  Manoel  de  Lima  e  Silva 
chegou  a  tempo  de  impedir  fosse  a  cidade  tomada  por  Jucá 
Ourives,  que  Se  havia  bandeado  para  os  legalistas  e  á  frente 
de  300  homens  chegara  até  ao  arsenal  de  guerra,  no  dia  12 
de  Abril. 

Repellido  este  chefe,  reprimida  a  anarchia  em  que  se 
revolvia  a  cidade,  marchou  João  Manoel  ao  Fachinal,  onde 
dispersou  forças  legalistas;  engajou  em  S.  Leopoldo  200  alle- 
mães  e  regressou  para  Pelotas,  em  companhia  do  major  José 
Marianno  de  Mattos,  com  o  corpo  de  artilheria  a  cavallo, 
conduzindo  6  boccas  de  fogo. 

Depois  do  brilhante  feito  das  Torres,  Pinto  Bandeira, 
fazendo  juncção  com  as  forças  de  Jucá  Ourives,  desceu  ao  sul 
pela  costa  do  Atlântico  a  fim  de  ir  defender  a  villa  de  S.  José 
do  Norte,  sitiada  pelo  revolucionário  Onofre  Pires. 


386  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Avisado  da  approximação,  foi  Onofre  esperar  os  legaes 
nas  immediações  de  Mostardas,  onde  tomou  posição  vanta 
josa:  dispunha  de  350  praças  e  os  contrários  de  mais  de  400. 

Empenhado  o  combate,  a  22  de  Abril,  coube  a  victoria 
aos  revolucionários ;  soffreram  os  legaes  a  perda  de  30  homens, 
que  foram  mortos;  dos  prisioneiros  ordenou  Onofre  o  fuzila- 
mento de  12,  entre  os  quaes  o  capitão  Francisco  Pinto 
Bandeira,  que  debalde  implorou  misericórdia,  allegando  ser 
casado  e  possuir  11  filhos.  Dos  revolucionários  só  ficaram 
mortos  4. 

Entre  os  prisioneiros  achavam-se  dois  coronéis  do  exer- 
cito, António  e  Jacintho  Pinto  de  Araújo  Corrêa,  sob  as 
ordens  do  paizano  Jucá  Ourives.  Este  conseguiu  fugir  com 
os  restos  da  tropa. 

Alimentando  a  gloria  de  restaurar  Porto  Alegre,  Bento 
Manoel  marchou,  em  fins  de  Maio,  certo  de  conseguir  o  seu 
fim,  quando  a  i.°  de  Junho  encontrou-se  ás  8  horas  da  noite, 
em  uma  sanga,  junto  ao  arroio  dos  Ratos,  com  forças  do 
revolucionário  Bento  Gonçalves  e  sob  vivíssimo  tiroteio  viu-se 
obrigado  a  retroceder  precipitadamente. 

Chegando  a  Pelotas,  a  i.®  de  Junho,  João  Manoel  fez 
juncção  com  as  forças  de  António  Netto,  na  intenção  de  dar 
combate  ás  canhoneiras  que  lhe  interceptavam  a  passagem 
do  rio  S.  Gonçalo,  e  para  tal  designio  marchou  com  toda  a 
columna  para  o  passo  dos  Negros,  fazendo  embarcar  a  infan- 
teria  e  cavallaria  em  3  hiates  que  encontrara  no  porto. 

Durante  toda  a  npite  trabalhou  na  construcção  de  dois 


CAPITULO   XXXII  387 


reductos,  firmados  na  barra  do  arroio  Pelotas,  o  da  esquerda 
ao  mando  do  major  Mattos  e  o  da  direita  dirigido  por  José 
Ferreira  Villaça. 

Começou  o  ataque  ás  5  horas  da  madrugada  do  dia  2  e 
prolongou-se  até  meio  dia.  Tão  certeiros  foram  os  tiros  dispa- 
rados contra  os  navios  legaes,  que  estes  debandaram,  grande- 
mente damnificados :  a  barca  Liberal^  commandada  pelo  chefe 
da  esquadrilha  Joaquim  Raymundo  de  Lamare,  afastou-se 
para  a  barra  do  S.  Gonçalo,  conduzindo  a  reboque  a  Oceano^ 
commandada  por  Luiz  Alves  dos  Santos  Marques;  a  S.  Pedro 
Duarte^  de  que  era  commandante  Manoel  Joaquim  Junqueira, 
ficou  inutilizada  e  abandonada. 

Com  um  pedaço  de  metralha  foi  João  Maiioel  ferido  no 
rosto  e  impossibilitado  de  acompanhar  a  infanteria  e  arti- 
Iheria  que  atravessaram  o  rio:  banhado  em  sangue,  o  condu- 
ziram em  rede  para  a  cidade  de  Pelotas  ( ' ). 


( I )  Como  no  combate  do  arroio  dos  Ratos,  Bento  Manoel,  na  rapidez  da 
fuga,  deixara  uma  bota  no  campo  da  acção  e  este  facto  motivara  versos  chistosos 
por  parte  dos  republicanos,  os  legalistas,  em  represália,  publicaram  no  Liberal 
Rio-Gf  andcnse  esta  satyra : 

«  Fogo  e  mais  fogo  ! »  grita  o  estulto  Uma  ; 
« Ao  saque  !  ao  saque  !  6  cáfilas  rusguentas ! » 
ICis  nossos  bravos  súbditos  respondem : 
« Vôa,  metralha,  e  dá-lhe  pelas  ventas  ! » 

Lá  vai  na  rede  o  general  das  pilhas, 
Assaz  bem  convidado  d 'esta  vez ! 
Folga  a  justiça ;  as  fúrias  se  esguedelham ; 
Faz  a  metralha  o  que  o  algoz  nfto  fez. 


388  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Recolhido  a  bordo  da  Presiganga^  em  Porto  Alegre,  o 
major  Manoel  Marques  de  Souza,  reconhecendo  que  o  meio 
único  de  pôr  termo  ás  desordens  que  flagellavam  a  capital, 
era  libertal-a  da  oppressão  revolucionaria,  por  meio  de 
uma  reacção,  entrou  em  communicação  com  os  legalistas,  e, 
fortemente  auxiliado  pelo  marechal  João  de  Deus  Menna 
Barretto  e  seu  filho  general  Gaspar  Francisco  Menna  Barretto, 
conseguiu  a  restauração  da  cidade  a  15  de  Junho  de  1836. 

Na  mesma  data  o  marechal  João  de  Deus  proclamou  aos 
porto-alegrenses : 

cc  Habitantes  de  Porto  Alegre !  Foi  para  minorar  vossos 
males,  para  defender  a  causa  da  justiça  e  da  humanidade, 
que  me  puz  á  frente  do  presente  movimento,  annuncio  feliz 
de  que  as  armas  da  legalidade  hão  de  triumphar  doesse 
partido  infame,  que  tantos  horrores  tem  espalhado  sobre  a 
nossa  cara  pátria. 

(íAcha-se,  pois,  esta  capital  livre  do  perigo  que  a 
opprimia,  sem  que  se  derramasse  uma  s6  gotta  de  sangue; 
mas  para  que  continue  a  manter-se  a  boa  ordem,  única 
divisa  dos  defensores  do  governo  legal,  eu  vos  rogo,  caros 
patricios,  que  me  coadjuveis,  pondo  em  pratica  vossa  pru- 
dência e  todas  as  mais  virtudes  de  que  sois  dotados,  não 
permittindo  que  se  commetta  o  mais  pequeno  insulto,  pois 
s6  ao  governo  compete  castigar  os  criminosos. 

«Habitantes  de  Porto  Alegre!  Vivei  tranquillos  em  vossas 
casas,  e  tende  confiança  nas  minhas  disposições,  que  todas  se 
dirigem  a  prol  do  vosso  socego  e  do  vosso  bem  estar.  Viva  o 


CAPITULO   XXXII  •  389 


sr.  D.  Pedro  II!  Viva  a  constituição!  Viva  a  assembléa  legis- 
lativa! Viva  o  exmo.  sr.  presidente  dr.  José  de  Araújo 
Ribeiro!  Viva  o  exmo.  sr.  general  das  armas  Bento  Manoel 
Ribeiro!  Vivam  os  rio-grandense& amantes  da  legalidade!» 

Restaurada  a  cidade  de  Porto  Alegre,  foram  immediata- 
mente  postos  em  liberdade  os  seguintes  cidadãos,  prisioneiros 
dos  farrapos :  brigadeiros  Manoel  Carneiro  da  Silva  Fontoura 
e  Thomaz  José  da  Silva ;  coronel  visconde  de  Castro ;  major 
Manoel  Marques  de  Souza ;  capitães  José  Pinto  de  Carvalho, 
João  da  Costa,  João  Machadar  da  Silveira,  António  Manoel 
de  Souza,  Francisco  José  d' Amorim  e  Henrique  Maucier; 
alferes  Victor  d'01iveira  Pinto,  *  Luiz  António  da  Silva  e 
padre  Francisco  de  Paula  Macedo. 

Foram  presos  e  remettidos  para  o  Rio  de  Janeiro,  a  bordo 
do  patacho  Pojuca^  os  revolucionorios:  dr.  Marciano  Pereira 
Ribeiro,  ex-presidente ;  Francisco  Xavier  Ferreira,  ex-presi- 
dente  da  assembléa;  José  de  Paiva  Magalhães  Calvet, 
ex-conselheiro;  teuente-coronel  da  guarda  nacional  Silvano 
José  Monteiro  de  Araújo,  capitão  João  José  Pimentel, 
ajudante  Alexandre  Ferreira  Ramos,  tenente  de  artilheria 
Luiz  José  dos  Reis  Alpoim,  cadete  Pedro  Carlos  da  Gama 
Pitta,  tenente  Pedro  Joaquim  dos  Reis,  António  Gonçalves 
da  Silva  Sobrinho  e  Vicente  Xavier  de  Carvalho. 

Poucos  dias  depois  da  restauração  de  Porto  Alegre,  o 
marechal  João  de  Deus,  bastante  alquebrado  de  forças  por  sua 
avançada  edade,  passou  o  commando  ao  general  Francisco  das 
Chagas  Santos. 


390  MEMORIAS  BRAZII^EIRAS 

A  27  de  Junho  Bento  Gonçalves  intima  a  cidade  a 
render-se  n'aquelle  mesmo  dia,  antes  do  pôr  do  sol,  e  não 
sendo  obedecido  ataca-a  no  dia  30  por  terra  com  uma  força 
de  1.500  homens  e  pelo  Guahyba  com  uma  esquadrilha 
chefiada  por  José  Pereira  da  Silva  e  composta  do  brigue 
Bento  Gonçalves^  commandante  o  chefe ;  patacho  Herval^ 
commandante  Miguel  Pratico;  escuna  Farroupilha^  com- 
mandante Jucá  Mulatinho  e  um  palhabote,  commandante 
Joaquim  Gonçalves  do  Saibro. 

Depois  de  três  horas  de  sanguinolento  combate,  foram 
completamente  desbaratados  os  farrapos. 

«  Não  ganharam  um  palmo  de  terra,  diz  o  general  Fran- 
cisco  das  Chagas  em  sua  proclamação  de  7  de  Julho  (')>  ^ 
sua  voz  de  avançar  e  ao  saque,  intrépidos  lhes  respondestes  : 
«Legalidade!  Victoria!»  Vencedores  generosos  e  compassivos, 
apenas  cessou  o  fogo,  ainda  por  entre  o  fumo  das  descargas, 
correstes  a  buscar,  por  entre  os  cadáveres,  os  inimigos  feridos 
para  salvar-lhes  as  vidas — perfeito  contraste  aos  ferozes  que 
a  sangue  frio  mutilaram  e  assassinaram  seus  contrários 
rendidos. » 

Os  revolucionários  tiveram  14  mortos,  ao  passo  que  foi 
quasi  nuUa  a  perda  dos  legalistas. 

Derrotado,  Bento  Gonçalves  recolheu-se  com  suas  forças 
á  capella  de  Viamão,  conservando,  porém,  impedidas  todas 
as  sabidas  da  capital.  Era  também  impraticável  a  commu- 


( I )  Paquete  do  Rio  n.  184,  de  22  de  Agosto  de  1836. 


CAPITULO  XXXII  391 


nicação  pela  lagoa  dos  Patos:  á  sua  entrada,  na  ponta  de 
Itapuan,  levantaram  uma  pequena  fortaleza,  cuja  bateria  era 
commandada  pelo  portuguez  Simeão  Barretto,  partidário 
ardoroso  dos  farrapos.  Defronte,  na  ilha  do  Junco,  haviam 
erguido  um  fortim,  destinado  a  cruzar  fogos  com  aquella 
fortaleza. 

Animadas  pela  victoria,  convergiram  as  forçs^  legaes  para 
estes  pontos.  A  26  de  Agosto  desembarcava  na  Itapuan  o  bra- 
zileiro  adoptivo,  brigadeiro  Francisco  Xavier  da  Cunha  ('), 
á  frente  de  320  soldados  de  linha  e  sob  o  auxilio  de  uma 
esquadrilha,  ao  mando  do  capitão-tenente  Guilherme  Parker, 


( I )  Pae  do  poeta,  dramatnrgo  e  inspirado  orador  politico  Feliz  Xavier  da 
Cunha,  uma  das  glorias  rio-grandenses. 

É  de  Feliz  da  Cunha  este  valentissimo  soneto : 

7  DE  Setembro 

Silencio !  Nfto  turbeis  na  paz  da  morte 
Os  manes  que  o  Brazil  quaai  esquecia ! 
É  tarde !  Eis  que  espedaça  a  lousa  fria 
De  um  vulto  venerando  o  braço  forte  ! 

Surgiu !  A  magestade  traz  no  porte 
Onde  o  astro  da  gloria  se  irradia ! 
Vem,  grande  Andrada,  adivinhaste  o  dia ! 
Vem  juntar  ao  da  Pátria  o  teu  transporte ! 

Recda !  Náo  se  apressa  em  vir  saudal-a ! 
Cobre  a  fronte  brilhante  de  heroismo 
H  soluça  ! .   .   .  Que  tem  ?  Bil-o  que  fala : 

•>  O'  Pátria  que  eu  salvei  do  depotismo ! 
•>  14  vejo  a  comipçfto  que  te  avassalla ! 
■  Nfto  te  conheço !  • 

B  se  afundou  no  abysmo! 


392  MEMORIAS  BRAZII.EIRAS 

que  obedecia  a  ordem  do  vice-almirante  João  Pascoe  Green- 
fell.  Mortífero  e  rápido  realizou-se  o  ataque.  Cerca  de  30 
homens  da  guarnição  foram  mortos,  e,  no  desespero  de  causa, 
o  chefe  Simeão  Barretto,  cançado  de  luctar,  arrojou-se  ao  rio 
e  afogou-se.  Tomado  egualmente  o  fortim  do  Junco,  ficou 
restabelecida  a  navegação  da  lagoa  dos  Patos,  facilitada  a 
communicação  marítima  entre  Porto  Alegre,  Pelotas  e  Rio 
Grande. 

Quando  o  domínio  legal  ia  ganhando  terreno,  entendeu 
o  governo  do  padre  Feijó  dar  substituto  a  Araújo  Ribeiro, 
nomeando  presidente  o  marechal  António  Elisiarío  de  Mi- 
randa Britto. 

Desgostosa  com  a  nomeação  do  novo  presidente,  quando 
nenhum  motivo  havia  para  a  demissão  de  Araújo  Ribeiro, 
a  camará  municipal  do  Rio  Grande  entregou,  em  data  de 
3  de  Julho,  uma  representação  ao  marechal  António  Elisiario, 
pedindo  retardasse  a  sua  posse,  até  que  o  governo  central 
decidisse  a  petição  que  n^este  sentido  lhe  dirigira,  e  fora  levada 
á  corte  em  mão  do  dr.  Joaquim  Vieira  da  Cunha. 

Como  era  de  seu  dever,  o  marechal  não  annuiu  ao  pedido 
e  deu  á  camará  conveniente  resposta : 

«Acabo  de  receber  a  carta  que  VV.  SS.  me  dirigiram 
n'esta  data,  á  qual  só  me  cumpre  responder  que,  sendo  eu 
obediente  ao  governo  de  S.  M.  o  Imperador,  devo  executar 
os  seus  mandados,  e  que  seria  criminoso,  si,  em  contravenção 
d'elles,  annuisse  a  quaesquer  observações  que  fossem  de 
encontro  ás  attribuições  dos  poderes  politicos  marcados  na 


CAPITULO  XXXII  393 


Constituição  do  Império  do  Brazil,  que  jurei  e  que  estou  firme 
em  sustentar  (^). » 

No  dia  seguinte,  empossou-se  do  cargo  perante  a  muni- 
cipalidade rio-grandense  e  publicou  proclamação,  concitando 
o  povo  a  restabelecer  a  legalidade. 

Foi,  porém,  ephemera  a  sua  administração,  pois  findou 
a  20  do  mesmo  mez.  O  regente  attendeu  á  reclamação  dos 
vereadores;  nomeou  de  novo  Araújo  Ribeiro  presidente  da 
provincia,  cargo  de  que  este  entrou  em  exercício  a  24  de  Julho. 
Pouco  depois  transferia-se  para  Porto  Alegre  a  sede  do  governo 
da  provincia. 

Sabendo  que  na  capella  de  Viamão  fazia  Bento  Gonçalves 
seu  quartel  general,  saliiu  de  Porto  Alegre,  a  7  de  Setembro 
de  1836,  uma  força  de  legalistas,  desejosos  de  desalojar 
d^aquelle  ponto  os  farrapos;  foram,  porém,  recliassados  e 
obrigados  a  retroceder.  Portou-se  alii  com  singular  valentia 
o  paizano  legalista  José  Joaquim  de  Andrade  Neves,  logo  após 
promovido,  por  actos  <le  bravura,  a  alferes  da  guarda  nacional. 

Emquanto  este  successo  occorria  nos  arredores  de  Porto 
Alegre,  realizavam-se  na  campanha  feitos  de  valor. 

Uma  partida  de  revolucionários,  em  que  iam  os  chefes 
João  António,  David  Canabarro  e  Jacintho  Guedes  da  Luz, 
conseguiu  debandar  uma  brigada  que  se  preparava  para 
entrar  em  acção,  ao  mando  dos  coronéis  José  dos  Santos 
Loureiro  e  José  Maria  de  Almeida  Gama  Lolx)  Coelho  d^Eça. 


(  I )  Jornal  do  Comffiercio  de  26  de  Julho  de  1836. 
00 


394  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


A  7  de  Setembro,  David  Canabarro  deu  combate  ao  lega- 
lista Albemaz,  a  quem  encontrou  nas  vertentes  do  Ibicuhy. 
Soube-se,  pela  correspondência  appretiendida,  que  outro  lega- 
lista, o  major  Terêncio,  occupava-se  no  Estado  Oriental  em 
comprar  boa  cavalhada  para  o  governo  e  tencionava  entrar  na 
provincia,  transpondo  o  Quarahy,  para  reunir-se,  no  logar 
chamado  Cerca  de  Fedra^  a  seu  correligionário,  major  Lopes, 
alli  acampado  com  300  homens  d'aquella  brigada. 

Ao  encontro  de  Terêncio,  marchou  Jacintho  Guedes, 
acompanhado  apenas  de  40  companheiros  valentes.  Brilhante 
êxito  coroou  a  empreza  do  ousado  revolucionário.  No  dia  10 
encontraram-se  os  inimigos.  Em  um  feito  de  armas  feliz, 
conseguiu  Guedes  dispersar  a  gente  de  seu  contrario  e  tomar 
conta  da  excellente  cavalhada,  em  numero  de  800  animaes. 

Jubilosos  com  semelhante  despojo  de  guerra,  deliberaram 
os  três  chefes  João  António,  Canabarro  e  Guedes  atacar  no 
dia  1 1  o  acampamento  de  Lopes,  para  o  que  dividiram  as  for- 
ças: 65  homens  ao  mando  dos  dois  últimos  e  80  ás  ordens  de 
João  António,  os  quaes  ficaram  occultos  em  uma  quebrada, 
como  necessário  reforço. 

Com  tanta  violência  cahiram  os  65  revolucionários  sobre 
os  300  legalistas,  que  estes,  persuadidos  de  que  iam  luctar 
com  forças  muito  superiores  ás  suas,  abandonaram  o  terreno. 
Quando,  ao  cahir  da  noite,  chegou  João  António  ao  campo, 
encontrou  somente  vestigios  do  acampamento  inimigo. 

Guedes,  que  havia  sido  aggredido  a  lança,  deveu  a  vida 
ao  facto  de  trazer  enrolado  á  cintura  um  poncho;  foi,  porém, 


CAPITULO  XXXII  395 


alcançado  nas  costas  por  um  golpe  de  bolas  que  o  fez  deitar 
sangue  pela  bocca. 

As  forças  legalistas  dispersas  nos  dias  7,  10  e  15  de  Setem- 
bro iam  juntar-se  ás  de  Silva  Tavares,  que,  como  dissemos, 
fora  derrotado  no  Sei  vai. 

No  dia  1 1  do  mesmo  mez  travava-se  na  villa  de  Rio  Pardo 
renhido  combate  entre  forças  legaes,  commandadas  pelo 
tenente-coronel  António  de  Medeiros  Costa,  e  farrapos,  che- 
fiados pelo  temido  Menino  Diabo. 

Achava-se  a  cidade  entregue  a  festas  commemorativas  da 
restauração  de  Porto  Alegre,  quando  alli  appareceu,  a  21  de 
Agosto,  este  chefe  revolucionário,  cujo  appellido,  por  si  só, 
infundia  terror. 

A  frente  de  tropas  que  conduzira  em  lanchões,  o  Menino 
Diabo  havia  tomado  conta  da  villa,  pelo  abandono  em  que  a 
deixaratn  os  poucos  soldados  que  a  guarneciam;  depois  de 
saqueal-a,  officiou  ao  juiz  de  paz  José  Ignacio  da  Silveira, 
intimando-o  a  convocar  todos  cidadãos  validos  capazes  de 
engrossar  as  fileiras  revolucionarias.  Prepara va-se  para  prose- 
guir  em  suas  excursões  depredadoras  pela  campanha,  quando 
a  II  de  Setembro  o  surprehenderam  forças  do  tenente- 
coronel  Medeiros,  compostas  da  3.'  brigada,  companhias 
de  Taquary  e  Santo  Amaro  e  partidas  do  Cerro  do  Roque 
e  Pederneiras. 

Em  numero  de  270  homens  das  três  armas,  os  farrapos 
haviam  occupado  posição  vantajosa  na  ponte  do  Couto,  .mas 
foram  destroçados,  deixando  no  campo,  mortos  2  officiaes  e 


396  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


35  soldados,  e  prisioneiros  4  officiaes,  32  soldados  e  10  escra- 
vos, e  bem  assim  grande  quantidade  de  munições  de  guerra 
e  de  bocca. 

Dos  legalistas  sahiram  feridos  os  capitães  Severo,  Jardim 
e  Marianno,  2  cabos  e  12  soldados. 

Commovente  foi  a  entrada  da  força  libertadora  em  Rio 
Pardo.  Com  lagrimas  de  reconhecimento  festejaram  as  famí- 
lias este  facto,  que  as  desopprimia  das  violências  do  Menino 
Diabo- 

N'esse  mez  de  Setembro  de  1836  a  causa  revolucionaria 
assumiu  novo  e  gravíssimo  caracter.  Um  dos  chefes,  coronel 
António  de  Souza  Netto,  para  dar  ao  movimento  feição 
inteiramente  democrática,  resolveu  fazer  a  separação  da  pro- 
víncia do  Rio  Grande  do  Sul,  e,  á  margem  esquerda  do  rio 
Jaguarão,  em  frente  ao  Estado  Oriental  do  Uruguay,  dirigiu 
a  seus  commandados  esta  solemne  proclamação: 

« Bravos  companheiros  da  i.*  brigada  de  cavallaria ! 
Hontem  obti vestes  o  mais  completo  triumpho  sobre  os  escra- 
vos da  corte  do  Rio  de  Janeiro,  a  qual,  invejosa  das  vantagens 
locaes  de  nossa  província,  faz  derramar  sem  piedade  o  sangue 
de  nossos  compatriotas,  para  doeste  modo  fazel-a  presa  de  suas 
vistas  ambiciosas.  Miseráveis!  Todas  as  vezes  que  seus  vis 
satellites  se  teem  apresentado  deante  das  forças  livres,  teem 
succumbido,  sem  que  este  fatal  desengano  os  faça  desistir 
de  seus  planos  infernaes.  São  sem  numero  as  injustiças  feitas 
pelo  governo.  Seu  despotismo  é  o  mais  atroz.  E  soffreremos 
calados  tanta  infâmia?  Não;   nossos  compatriotas,  os  rio- 


CAPITULO  XXXII  397 


grandenses,  estão  dispostos  como  nós  a  não  soffrer  por  mais 
tempo  a  prepotência  de  um  governo  tyranno,  arbitrário  e 
cruel,  como  o  actual. 

«Em  todos  os  ângulos  da  provincia  não  soa  outro  echo 
que  o  de  Independência^  Republica^  Liberdade  ou  Morte. 

«Este  echo  magestoso  que  tão  constantemente  repetis, 
como  uma  parte  d'este  solo  de  homens  livres,  me  faz  declarar 
que  proclamemos  a  nossa  Independência  Provincial,  para 
o  que  nos  dão  bastante  direito  nossos  trabalhos  pela  Liber- 
dade e  o  triumpho  que  liontem  obtivemos  sobre  estes  mise- 
ráveis escravos  do  poder  absoluto. 

«Camaradas!  Nós  que  compomos  a  i.**  brigada  do  exercito 
liberal,  devemos  ser  os  primeiros  a  proclamar,  como  procla- 
mamos, a  Independência  d'esta  Provincia,  a  qual  fica  desligada 
das  demais  do  Império,  e  forma  um  Estado  livre  e  indepen- 
dente com  o  titulo  de  Republica  Rio-Grandense  e  cujo 
manifesto  ás  Nações  civilisadas  se  fará  competentemente. 

«Camaradas!  Gritemos  pela  primeira  vez: 

«Viva  a  Republica  Rio-Grandense !  Viva  a  Independência! 
Viva  o  Exercito  Republicano  Rio-Grandense ! 

«Campo  de  Menezes,  ii  de  Setembro  de  1836. 

^António  de  Souza  NeiiOy  Coronel  commandante  da 
i.^  brigada.» 

A  acta  da  proclamação  da  republica  foi  lavrada  no  dia  12, 
nos  seguintes  termos : 

«  Aos  doze  dias  do  mez  de  Setembro  do  anno  de  mil  oito- 
centos e  trinta  c  seis,  no  acampamento  volante  da  costa  do 


398  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


rio  Jagiiarão,  achando-se  a  primeira  brigada  de  cavallaria  em 
grande  parada,  estando  presente  o  coronel  commandante  da 
mesma,  António  de  Sonza  Netto  e  officiaes  e  officiaes  infe- 
riores que  subscrevem,  por  unanime  vontade  doestes  e  tropa 
da  dita,  foi  declarado  que:  a  provincia  do  Rio-Grande  do  Sul, 
d'ora  em  deante,  se  constituia  Nação  livre  e  independente, 
com  o  titulo  de  Republica  Rio-Grandense^  não  só  por  ter 
todas  as  faculdades  para  representar  entre  as  demais  Nações 
livres  do  Universo,  se  não  também  obrigada  pela  prepotência 
do  Rio  de  Janeiro,  que  por  tantas  vezes  tem  destruido  seus 
filhos,  ora  deprimindo  sua  honra,  ora  derramando  seu  sangue 
e  finalmente  desfalcando-a  de  suas  rendas  publicas. 

«  Por  todos  os  motivos  que  se  declararão  em  a  primeira 
reunião  da  Assembléa  Nacional  Constituinte  e  Legislativa, 
protestam  ante  o  Ser  Supremo  do  Universo  não  embainhar 
suas  espadas,  e  derramar  todo  o  seu  sangue,  antes  que  retro- 
ceder de  seus  principios  politicos,  proclamados  em  a  presente 
declaração. » 

Assignaram  a  acta  o  coronel  António  de  Souza  Netto  e 
52  officiaes,  superiores  e  inferiores. 

Acceitando  este  acto,  a  camará  municipal  da  villa  de 
Jaguarão  reuniu-se  a  20  de  Setembro,  primeiro  anniversario 
da  revolução,  e  declarou  ao  município  separada  a  provincia 
do  Rio  Grande  das  demais  do  império;  ofliciou  ao  coronel 
Bento  Gonçalves  da  Silva,  convidando-o  a  dirigir  o  governo 
da  republica  e  a  designar  dia  para  a  eleição  da  assembléa 
constituinte. 


CAPITULO  XXXII  399 


o  officio  da  camará  de  Jaguarão  deveria  chegar  ás  mãos 
de  Bento  Gonçalves,  por  intermédio  de  João  Manoel  de  Lima 
e  Silva,  que  se  achava  ainda  em  Pelotas:  não  seguiu  seu 
destino  em  consequência  do  revez  soffrido  por  aquelle 
coronel  na  ilha  do  Fanfa,  com  passamos  a  expor. 

Convencido  Bento  Gonçalves  de  que  sua  estada  em 
Viamão  já  lhe  não  offerecia  probabilidades  de  retomar  Porto 
Alegre,  ponto  que  mais  s^  havia  fortificado  com  a  recente 
chegada  de  Bento  Manoel,  e  tendo  noticias  dos  factos  occor- 
ridos  na  fronteira  do  Jaguarão,  onde  lhe  reclamavam  a 
presença,  resolveu  abandonar  o  inútil  sitio  do  Porto  Alegre  e 
seguir  para  o  sul,  transpondo  os  rios  tributários  do  Guahyba. 

Logo  que  soube  doeste  movimento,  o  commandante  das 
armas,  legal.  Bento  Manoel,  deliberou  ir  interceptar-lhe  a 
passagem  no  rio  Jacuhy. 

Por  meio  de  espiões  mandados  ao  encalço  dos  farrapos, 
ficou  perfeitamente  orientado  da  marcha  e  sabedor  do  local 
em  que  pretendiam  elles  pasSar  o  rio  para  ganhar  a  margem 
direita,  onde  os  esperava  Domingos  Crescendo  com  um 
reforço  de  400  homens,  nas  immediações  das  Charqueadas. 

Reuniu  o  chefe  legalista  mais  de  i.ooo  homens  que  embar- 
cou nas  canhoneiras  (hiates  artilhados),  sob  as  ordens  de 
Greenfell,  e,  subindo  o  rio,  foi  esperar  os  farrapos  no.  ponto 
escolhido. 

Bento  Manoel  fez  desembarcar  as  tropas  no  dia  2  de  Outu- 
bro, á  frente  dos  revolucionários,  á  distancia  de  pouco  mais 


400  MEMORIAS   BR AZI LEIRAS 


de  um  tiro  de  canhão;  guarneceu  todas  as  passagens  que 
conduziam  para  a  campanha,  deixando  somente  livre  a 
coxilha  ( ^ )  existente  ao  fundo  de  um  rincão  ou  recanto 
formado  por  uma  pronunciada  curva  do  rio  Jacuhy.  N^esse 
local,  á  margem  esquerda,  ha  um  bom  porto,  que  apezar 
de  não  ter  correspondente  na  margem  opposta,  offerece  pas- 
sagem fácil  por  meio  de  balsas,  impellidas  a  vara. 

Suppuzeram  os  farrapos  que,  transposto  o  braço  de  rio 
e  transferida  a  columna  para  a  ilha  do  Fanfa,  poderiam  fuzilar 
as  forças  legaes  que  se  approximassem  da  barranca,  ao  passo 
que  iriam,  pelo  lado  opposto,  atravessando  o  outro  braço, 
para  ganhar  a  margem  direita.  Moveu-se  Bento  Gonçalves 
na  noite  de  2  de  Outubro  para  a  barranca;  fez  construir 
balsas  para  o  transporte;  montou  uma  bateria  composta  de 
3  peças  e  um  obuz  sobre  uma  eminência  que  domina  o  rincão 
e  é  a  única  por  onde  se  pôde  transitar,  e  guarneceu-a  com 
200  soldados  de  infanteria. 

Appareceram  na  manhã  do  dia  3  as  canhoneiras  de  Green- 
fell,  em  numero  de  cinco;  hostilizadas  vivamente  pela  bateria 
da  barranca,  retiraram-se  pouco  depois. 

Para  entreter  a  attenção  dos  farrapos,  Bento  Manoel 
occupou-se  durante  esse  dia  em  manter  intervallados  disparos 
de  artilheria  contra  a  bateria  collocada  na  eminência,  e 
mandou  occultamente,  para  a  ponta  da  ilha,  400  homens, 


( 1  )  Co.vilha,  extensa  collina  de  pouca  elevação,  com  paf^tagens.  Chama-se 
campo  dobrado,  no  Rio  Grande  do  Sul,  o  que  apresenta  coxilhas  parallelamente 
dispostas. 


CAPITULO   XXXII  401 


que  deveriam,  em  dado  momento,  atacar  os  revolucionários 
pela  retaguarda,  collocando-os  entre  dois  fogos. 

Durante  a  noite  grande  parte  da  tropa  de  Bento  Gonçalves 
passou-se  para  a  ilha  do  Fanfa. 

Na  madrugada  do  dia  4  de  Outiibro  travou-se  o  grande 
e  sanguinolento  combate. 

•  Commandada  pelo  coronel  de  legião  Gabriel  Gomes 
Lisboa,  a  cavallaria  legal,  apeando-se  e  servindo- se  de  armas 
de  fogo,  marchou  a  passo  de  carga,  a  fim  de  tomar  a  bateria 
da  eminência,  e  atravez  de  cerradas  descargas  apoderou-se 
d'ella,  destroçando  os  infantes  que  a  defendiam. 

No  desespero  de  salvar-se,  muitos  rebeldes  arrojaram-se  a 
uma  balsa  para  transportar-se  á  ilha.  Com  o  demasiado  peso 
afundou-se  a  embarcação  e  alguns  farrapos  morreram  afoga- 
dos ;  outros  foram  mortos  a  bala  e  poucos  puderam  livrar-se 
do  perigo,  fugindo. 

Sobre  a  barranca  as  peças  de  artilheria  começaram  a 
varrer  a  ilha  a  metralha,  ao  mesmo  tempo  que  as  canhoneiras 
de  Greenfell,  em  repetidos  disparos,  punham  os  insulados 
em  situação  afflictissima.  Serviam- lhes  de  trincheiras  as 
arvores  e  os  barrancos  da  ilha.  De  repente,  cessou  o  fogo  dos 
.canhões  e  ouviu-se  espantosa  e  inesperada  descarga  de  fuzi- 
laria. Kram  os  400  infantes  legaes  que  por  um  dos  flancos 
atacavam  as  forças  rebeldes. 

Em  face  de  tamanha  audácia,  os  farrapos  repelliram  a 
aggressão  a  arma  branca,  desenvolvendo  indómita  bravura, 
e  obrigando  os  contrários  a  recuar  com  grandes  perdas. 


402  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Mortalmente  ferido,  o  coinmandante  legal,  tenente-coronel 
Carlos  José  Ribeiro  da  Costa,  mandou  retirar  a  sua  força. 

Cercados  os  revolucionários  por  todos  os  lados;  impossi- 
bilitados de  receber  soccorro  da  força  de  Domingos  Crescendo, 
que  se  achava  á  vista,  na  outra  margem;  reconhecendo  que 
a  sua  resistência  só  daria  como  resultado  alastrar  de  cadáveres 
a  ilha ;  extenuados  da  porfiada  lucta  e  exgottadas  as  munições, 
capitularam. 

Os  farrapos  tiveram  120  mortos,  grande  numero  de  feri- 
dos e  entregaram  15  boccas  de  fogo.  Muitos,  envergonhados 
porque  não  puderam  vencer  e  eram  obrigados  a  depor  suas 
armas  nas  mãos  do  vencedor,  ou  as  inutilizaram  ou  as 
lançaram  ao  rio. 

Tiveram  os  legalistas  40  mortos,  entre  elles  o  tenente 
José  Egydio  Rodarte,  commandante  do  3.°  corpo  de  cavallaría 
de  linha. 

Permittiu  Bento  Manoel  que  se  retirassem  muitos  prisio- 
neiros, concedendo  até  salvo-conductos  a  alguns,  e  remetteu 
no  dia  5  para  Porto  Alegre  12  officiaes  presos — Bento  Gon- 
çalves, Onofre  Pires,  Affonso  Corte  Real,  Tito  Lívio  de  Zam- 
bicari  e  outros. 

Como  garantia  de  que  não  seriam  perseguidos  os  chefes, 
revolucionários  que  depuzessem  as  armas.  Bento  Manoel  deu 
a  seu  adversário  Bento  Gonçalves  este  importante  documento, 
prova  de  que  houve  capitulação: 

w  Recebo  como  irmãos  e  afianço  serem  livres  de  persegui- 
ções, conforme  as  ordens  do  governo  do  Brazil,  os  individuQS 


CAPITULO   XXXII  403 


que  se  apresentarem  e  reconhecerem  o  governo  legal  do  mesmo 
Brazil  e  da  província:  os  que  se  acham  n^esta  ilha,  hoje  mesmo; 
os  que  estáo  na  Charqueada,  dentro  de  quatro  dias,  e  os  de 
Jaguarão  e  Pelotas  no  praso  de  quinze  dias,  inclusos  n^estes 
todos  os  chefes  que  têem  acompanhado  o  coronel  Bento  Gon- 
çalves da  Silva  e  o  mesmo  coronel,  entregando  todo  o  parque 
de  artilheria,  annamentos  e  munições  na  occasiáo  de  se 
apresentarem. 

«Campo  no  porto  do  Fanfa,  4  de  Outubro  de  1836. — 
Bento  Manoel  Ribeiro^  commandante  das  armas  ( ' ). » 

Tal  documento  nenhum  effeito  produziu  em  favor  do 
chefe  da  revolução:  Bento  Gonçalves  e  seus  companheiros 
foram  mettidos  na  Presiganga  de  Porto  Alegre  e  mais  tarde 
transferidos  para  as  fortalezas  Santa  Cruz  e  Lage,  do  Rio 
de  Janeiro. 

Entre  os  presos  políticos  mandados  para  o  Rio  de  Janeiro 
é  digno  de  especial  menção  Pedro  José  de  Almeida,  vulga- 
mente  conhecido  por  Pedro  Boticário. 


(  I  )  D'este  documento  extrahiu  copia  na  Presifranga  o  popular  grammatico 
e  deputado  revolucionário  António  Alvares  Pereira  Coruja,  que  a  deu  ao  dr.  Assis 
Hr.izil  (  Historia  da  Rtvolução  Rio-Grandfnse,  pag.  i8o). 

O  original  foi  encontrado  entre  os  papeis  do  revolucionário  Domingos  José 
de  Alnieidi  e  publicado  cm  1886  na  gazeta  Discussão,  de  Pelotas. 

Não  se  achava  cabalni?nte  informado  nosso  distincto  consócio  de  Instituto, 
conselheiro  TristAo  dií  Alencar  Araripi-,  quando  escreveu  no  final  do  g  17,  capitulo 
IV  de  sua  (iut-rra  Civil  do  Rio  (wrande  do  Sul: 

"  A  capitulação,  jamais  provada  por  documento,  foi  argumento  dos  vencidos 
p.ir.i  encobrir  o  desastre*  e  attenuar  na  opinião  da  província  os  naturaes  efiteitos 
delle  em  descrédito  do  movimento  revolucionário.  •» 


404  MEMORIAS  BRAZILEIRÂS 


Quando  em  Porto  Alegre  se  tratou  da  fundação  da 
Sociedade  Militar^  grémio  de  restauradores,  portuguezes  em 
sua  maior  parte,  Pedro  Boticário,  como  acinte  á  Sociedade^ 
creou  um  periódico,  tão  diminuto  no  tamanho  quanto 
violento  na  linguagem,  e  lhe  deu  o  significativo  nome  de 
Idade  de  Pau,  A  folha  jacobina  apresentava,  abaixo  do  titulo, 
uma  gravura  tosca,  representando  um  enorme  cacete:  tanto 
bastava  para  indicar  a  Índole  do  redactor. 

Exercia  elle,  uma  occasião,  o  cargo  de  juiz  de  paz,  quando 
lhe  foi  presente  o  requerimento  em  que  um  portuguez  pedia 
exclusão  do  alistamento  para  o  serviço  da  guarda  nacional, 
allegando  ser  extrangeiro,  como  provava  com  a  papeleta 
annexa  ao  requerimento.  O  Boticário  deitou  na  petição  este 
despacho: 

«Como  requer,  á  vista  do  documento  junto,  e  nem  a 
nação  brazileira  precisa  de  aventureiros  para  o  seu  serviço, 
pois  que  tem  em  seus  filhos  a  força  precisa  para  sustentar  a 
gloriosa  revolução  de  7  de  Abril.» 

Na  presidência  do  dr.  António  Rodrigues  Fernandes 
Braga  deu-se  um  facto  demonstrativo  da  coragem  de  Pedro 
Boticário,  quando  se  tratava  do  cumprimento  da  lei. 

O  visconde  de  Camamú,  atnigo  intimo  do  presidente, 
julgou-se  por  esse  facto  acoberto  de  responsabilidades,  e  em 
um  folha  retrograda  injuriou  atrozmente  o  major  João 
Manoel  de  Lima  e  Silva,  commandaute  do  8.°  batalhão  de 
caçadores.  O  official  offendido  instaurou-lhe  processo,  de  que 
resultou  ser  o  aggressor  condemnado  a  quatro  mezes  de  cadeia 


CAPITULO  XXXII  405 


e  multa  correspondente  á  metade  do  tempo.  A  sentença  fora 
lavrada  por  Pedro  José  de  almeida,  juiz  de  paz.  O  visconde 
appellou  da  sentença,  porém  esta  foi  confirmada.  Para  pro- 
teger ao  seu  amigo,  evitando-lhe  vexame,  o  presidente  deter- 
minou que  o  titular  fosse  cumprir  a  sentença  no  quartel  do 
corpo  de  permanentes.  Boticário  officiou  immediatamente  a 
Fernandes  Braga,  citando-lhe  disposições  de  lei  e  requisitando 
o  preso,  para  que  cumprisse  a  sentença  na  cadeia,  pois  do 
contrario  a  lei  se  tornaria  inútil  e  o  crime  triutnphante^  por 
falta  de  verdadeira  punição, 

A  contra-gosto  officiou  o  presidente  ao  commandante  do 
corpo  de  permanentes  mandando  pôr  o  visconde  .4  disposição 
do  juiz;  porém,  acto  continuo,  ordenou  se  recolhesse  o  titular 
ao  hospital  da  santa  casa  de  misericórdia,  por  achar-se  doente, 
conforme  lhe  havia  representado. 

Na  lucta  com  o  presidente,  o  Boticário  não  se  deu  por 
vencido.  Compenetrou-se  de  seu  papel  como  homem  da  lei  e 
dirigiu  á  primeira  auctoridade  da  provincia  este  áspero  officio: 

(í  Prescindindo  da  promptidão  com  que  V.  Exa.  concebeu 
a  inopinada  enfermidade  do  réo,  cuja  manha  é  assaz  patente 
a  V.  Exa.,  sem  se  lembrar  das  artimanhas  e  ardis  que  se 
costumam  empregar  para  illudir  a  lei  e  ficar  impune  o  crime, 
por  isso  declaro  a  V.  Exa.  que  jamais  julgarei  o  réo  visconde 
de  Camamú  á  minha  disposição,  sem  o  haver  recebido,  e 
muito  principalmente  havendoo  V.  Exa.  mandado  recolher 
ao  hospital,  sem  eu  ser  ouvido,  estando  elle  já  á  minha 
disposição. 


CAPITULO  XXXIII 


Attitude  de  António  Netto.  Instituição  da  republica 

em  piratiny.  eleição  do  presidente  e  vice-presi dentes. 

Proposta  de  paz.  Demissão  de  Araújo  Ribeiro. 

Nomeação  DO  marechal  Antero  de  Britto.  Defecção 

DE  Bento  Manoel.  — 1836-1839. 


grande  derrota  soffrida  pelos  farrapos  na  ilha  do 
Fanfa  incutiu  extraordinário  alento  ás  forças  legaes,  que 
viram  n'esse  facto  a  próxima  conclusão  da  guerra. 

O  presidente  Araújo  Ribeiro  aproveitou  o  ensejo  para, 
ainda  uma  vez,  chamar  á  conciliação  seus  patricios  e  espe- 
cialmente os  habitantes  do  Rio  Grande  e  da  villa  de  Pira- 
tiny,  ponto  este  em  que  se  congregavam,  em  avultado  numero, 
os  revolucionários. 

Em  proclamação  datada  do  Rio  Grande,  em  22  de  Outu- 
bro de  1836,  dizia  elle: 

«O  triumpho  que  acaba  de  adquirir  a  lei  na  completa 
derrota  das  forças  em  que  mais  se  escorava  o  chefe  dos 
rebeldes,  a  captura  doeste  e  sua  seguida  ao  logar  aonde  ha 
muito  o  chamavam  seus  crimes,  já  vos  não  podem  ser  desco- 


;>2 


4IO  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


nhecidos,  assim  como  a  generosa  conducta  praticada.  ii'esse 
acto  com  vossos  companheiros  no  erro. 

«É  tempo  de  ouvirdes  os  dictames  da  razão  tranquilla, 
não  vos  deixando  mais  illudir  por  essas  cavillosas  e  mal 
intencionadas  influencias  que  com  ultrage  ao  céo  e  ao  mundo 
infelizmente  ainda  vos  dominam.  Vede  que  elles  tocaram  ao 
cumulo  da  maldade,  extorquindo  e  inutilizando  a  propriedade 
alheia,  abusando  a  tal  ponto  de  vossa  bôa  fé,  que  se  não 
pejam  de  incorporar-vos  a  hombros  de  africanos!  Que  exe- 
cração á  posteridade  rio-grandense ! 

«Desviai-vos  do  precipicio,  a  que  ainda  vos  arrastam,  e 
vinde  ao  abrigo  da  lei  reparar  os  males  da  pátria  e  chorar  a 
perda  de  irmãos  sacrificados  ao  capricho  da  ambição  e  á 
hypocrisia  de  um  chefe  que  ainda  na  queda  deixou  satellites 
que,  tendo  de  o  acompanhar  a  ella,  empenham-se  por  ensur- 
decer-vos  aos  gritos  da  honra,  do  dever  e  do  verdadeiro 
interesse. 

«Eis  o  que  vos  aconselha  o  presidente  da  provincia,  vosso 
patrício  e  amigo  (^). » 

Logo  que  teve  conhecimento  do  espantoso  desastre  occor- 
rido  a  4  de  Outubro,  o  coronel  António  de  Souza  Netto,  em 
uma  proclamação  vigorosa,  concitou  de  novo  os  rio-granden- 
ses  á  lucta,  garantindo-lhes  victoria. 

"Sim,    patrícios,  dizia  elle,  si   um   dia  ousarem   nossos 


(  I  )  Jornal  do  Commcrcio  do  15  de  Novembro  de  i}^36. 


i 
CAPITULO   XXXIII  411 


antagonistas  disputar  a  contenda,  formados  em  batalha,  conto 
repetireis  a  terrivel  licção  do  Seival. 

« Preparai-vos,  amigos,  disponde-vos,  resignai-vos,  que 
ides  ouvir  de  minha  bocca  um  revez  que  soffremos,  revez 
ingente,  que,  em  vez  de  vos  desalentar,  vos  deve  animar. 

«Hoje,  sabei,  soldados,  que  nosso  Ínclito  commandante, 
o  exmo.  Bento  Gonçalves  da  Silva,  na  passagem  do  Jaculiy, 
sendo  atacado  por  todas  as  tropas  inimigas,  resistiu  com 
denodo,  mas,  concluidas  as  munições  de  guerra,  capitulou 
dignamente,  entregando  sua  pessoa  aos  algozes  e  livrando  aos 
bravos  que  o  acompanhavam  e  que  marcham  já  em  tropel  a 
unir-se  ao  veterano  Domingos  Crescencio. 

« Concidadãos !  Nosso  chefe  está  preso  entre  os  seus  e 
vossos  verdugos,  e  é  força  arrostar  perigos  para  libertal-o. 

('  Nós  marcharemos  ao  fim,  carregando,  envolvendo-nos 
em  meio  das  phalanges  contrarias,  com  a  espada  ení  mão, 
e  o  heroe  será  restituidò  aos  nossos  braços.  Não  o  duvideis, 
camaradas ;  as  grandes  emprezas  são  dignas  de  vós  e  da  magna 
causa  que  imos  defender.  Nós,  dominantes  das  amenas  cam- 
pinas do  Rio  Grande,  senhores  dos  melhores  recursos  para  a 
guerra,  quem  nos  roubará  a  victoria?  Quem  duvidará  do  êxito 
de  nossas  armas  ? 

«Ninguém,  que  conheça  nossa  firmeza  e  posição. 

« O  revez  que  soffremos  é  grande;  mas  c  um  só,  no  circulo 
de  tantos  triumphos;  por  isso,  redobrai  vosso  valor,  e  vence- 
remos. 

« Os  Orientaes  trabalharam  também  como  vós  c  contra  o 


412  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


mesmo  Império  contra  quem  lutamos :  elles  conseguiram  sua 
liberdade  e  é  fácil  que,  protegendo  a  nossa  causa,  a  victoria 
em  breve  se  decida  por  nossa  parte. 

«Mas  eu  não  conto  sinão  comvosco,  com  os  vossos  braços 
fortes  e  armados. 

«Valor,  pois,  e  perseverança,  concidadãos,  e  nossa  causa 
triumphará  de  quantos  obstáculos  e  resistências  o  Brazil  todo 
descarregue  sobre  nós. 

«  O  homem  que  trabalha  por  sua  independência  e  liberdade, 
jamais  contramarchará,  tendo  constância,  união  e  virtuosa 
conducta. 

« Eia,  pois,  ao  proposto  fim,  o  qual  é  sustentar  a  guerra, 
a  independência  e  liberdade  de  nossa  pátria. » 

Resolveram  os  revolucionários  reunir-se  na  villa  de  Pira- 
tiny  e  lançar  as  bases  da  constituição  republicana.  Ahi  che- 
gado a  i.°  de  Novembro,  o  commandante  das  armas  interino, 
João  Manoel  de  Lima  e  Silva,  foi  eleito  commandante  em 
chefe  das  forças  revolucionarias,  durante  o  impedimento  de 
Bento  Gonçalves  da  Silva. 

De  toda  a  parte  da  provincia  affluiam  cidadãos  a  Piratiny, 
arrastados  pela  curiosidade  de  assistir  á  inauguração  solemne 
e  definitiva  da  republica  e  á  eleição  dos  membros  que  a  deve- 
riam compor. 

A  5  de  Novembro  reuniu-se  a  camará  municipal  em 
sessão  preparatória,  em  que  tomaram  parte  os  vereadores 
Vicente  Lucas  de  Oliveira,  presidente,  Seraphim  José  da 


CAPITULO   XXXIII  413 


Silveira,  José  Pereira  da  Silva  Cacorio,  João  António  de 
Moraes,  António  Corrêa  da  Silva  e  Francisco  Moreira  da 
Silva  Verde. 

Declarou  o  presidente  que  a  sessão  tinha  por  exclusivo 
objecto  proclamar  n'aquelle  municipio  a  independência  e  a 
republica,  acto  necessário  não  só  por  estar  de  accordo  com  a 
maioria  do  povo  rio-^andense,  como  porque  era  o  único 
recurso  que  tinham  os  patriotas,  deanteda  perseguição  desen- 
volvida pelo  governo  brazileiro;  propoz  a  independência  e  a 
republica,  com  a  clausula  de  poder  o  novo  Estado  ligar-se 
pelos  laços  da  federação  ás  provincias  do  Brazil  que  ado- 
ptassem o  mesmo  systema  de  governo;  propoz  mais  que  se 
tratasse  immediatamente  da  eleição  do  pessoal  administrativo, 
e  que  n'este  sentido  se  consultasse  a  opinião  do  commandante 
em  chefe  do  exercito,  e  fosse  elle  convidado  a  vir  perante 
a  camará  prestar  juramento  á  republica.  Approvadas  estas 
medidas,  foi  uma  commissãd  composta  de  três  membros 
transmittir  o  convite  a  João  Manoel,  que  por  doente  não 
poude  cumprir  a  formalidade,  mas  indicou  para  presidente 
da  republica  o  cidadão  Ignacio  José  de  Oliveira  Guimarães. 

Foi  designado  o  dia  6  de  Novembro  para  a  definitiva 
installação  da  republica  e  eleição  de  seus  primeiros  magis- 
trados. 

O  popular  comicio  attrahiu  grande  multidão  ao  edifício 
da  camará  municipal  de  Piratiny:  viam-se  alli  os  cidadãos 
preponderantes  da  situação:  coronel  António  de  Souza  Netto, 
formosa  physiònomia,  que  sabia  reunir  a  graça  do  cavalheiro 


414  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


á  energia  do  soldado;  José  Gomes  de  Vascoiicellos  Jardim, 
descnidoso  do  peso  dos  annos  e  da  fortuna  com  que  a  sorte 
o  quinhoára;  Domingos  José  de  Almeida,  o  ardoroso  mineiro, 
uma  das  mais  sisudas  cabeças  da  revolução;  Joaquim  Pedro 
Soares,  tenente-coronel,  ajudante  general  e  comniandante  do 
i.^  corpo  de  lanceiros,  formado  de  escravos  arrebatados  pelos 
farrapos;  major  Joaquim  Teixeira  Nunes,  typo  de  destemido 
gaúcho,  cuja  valentia  mereceu  elogios  de  Garibaldi;  padre 
^liguei  Justino  Garcez  Moncada,  tenente-coronel  José  Alves  de 
Moraes,  António  Vicente  da  Fontoura,  dr.  António  Pereira 
de  Sequeira  I^eitão,  major  José  Marianno  de  Mattos,  capitão 
Manoel  de  Macedo  Bruni  da  Silveira,  advogado  José  Pinheiro 
de  Ulhoa  Cintra. 

Procedida  a  eleição,  obteve  maioria  de  votos,  para  presi- 
dente da  republica  rio-grandense,  o  coronel  Bento  Gonçalves 
da  vSilva. 

Foram  eleitos  em  seguida  quatro  vicc-prcsidentes :  Antó- 
nio Paulo  da  Fontoura,  conhecido  por  António  Paulino,  José 
Marianno  de  Mattos,  Domingos  José  de  Almeida  e  Ignacio 
José  de  Oliveira  (iuimaráes. 

Como  não  fosse  conveniente  que  durante  a  ausência  de 
Bento  Gonçalves  se  mantivesse  interino  o  supremo  governo 
da  republica,  resolveu-se  eleger  um  substituto  effectivo: 
para  o  novo  cargo  foi  eleito  José  (lomes  de  Vasconcellos 
Jardim.  Todas  estas  auctoridades  prestaram  logo  juramento  e 
entraram  em  exercício  de  suas  funcções,  C()ni])roniettcndo-se 
a   resignal-as  no  seio  da  assembléa  geral  constituinte,  que 


CAPITULO   XXXIII  415 


seria  convocada  quando  bs  eventualidades  da  guerra  o 
permittissem. 

Estava  installada  a  Republica  Rio-Grandense  (*). 

Ao  assumir  a  presidência,  Vasconcellos  Jardim  nomeou 
seus  auxiliares  de  administração:  Domingos  José  de  Almeida, 
ministro  do  interior  e  interino  da  fazenda;  José  Marianno  de 
Mattos,  ministro  da  guerra  e  interino  da  marinha,  e  dr.  José 
Pinheiro  de  Ulhoa  Cintra,  ministro  da  justiça  e  interino  de 
extrangeiros. 

Por  decreto  de  8  de  Novembro,  aboliram-se  os  postos  de 
brigadeiro,  marechal  de  campo,  tenente-general  e  marechal  de 
exercito:  foram  substituídos  pela  patente  única  à^  general. 

A  12  do  mesmo  mez  decretou-se  o  seguinte  escudo  de 
armas : 

« O  escudo  de  armas  do  estado  rio-grandense  será  em  forma 
de  um  quadrado,  dividido  em  três  cores,  assim  dispostas : 

« A  parte  superior,  junto  á  haste,  verde,  formada  por  um 
triangulo  isósceles,  cuja  hypotenusa  é  parallela  á  diagonal  do 
quadrado. 

ff  A  parte   central,   escarlate,  formada   por   um  exágono 


(  I  )  Quando  a  Porto  Alegre  chegou  a  noticia  da  proclamação  da  republica, 
O/i  imperiaes  a  alcunharam,  por  desprezo,  republica  de  Piraiiny  e  deram  á  nova 
administração  o  nome  de  ^overnicho.  A  Gazeta  yfercantil,  da  capital,  em  seu 
numero  de  31  de  Dezembro  de  1836.  fez  a  respeito  do  presidente  republicano  o 
seguinte  commentario  > 

"  Koi  este  pobre  velho  José  Gomes,  junto  com  o  quadrúpede  Onofre  Pires, 
quem  os  sediciosos  acharam  com  mais  aptidAo  para  encarregal-os  da  abertura  da 
revoltante  scena  di  sua  rcbclliílo,  quindo  em  Set*.'mbro  do  anno  passado,  sob 
pretexto  de  expulsarem  o  presidente  Fernandes  Braga,  se  apoderaram  d'elle, 
para  depois  irem  gradatim  conduzindo  agua  ao  seu  moinho, « 


4l6  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


determinado  pela  liypoteiiusa  d'aquelle  triangulo  e  pela  de 
outro  egual,  symetricamente  disposto,  côr  de  ouro,  que 
formará  a  parte  inferior  ( * ). » 

Foram  logo  promovidos  a  generaes  os  chefes  Bento 
Gonçalves  da  Silva,  David  Canabarro,  João  António  e  Antó- 
nio de  Souza  Netto. 

Dos  ministros  nomeados  foi  Domingos  José  de  Almeida 
o  que  mais  trabalhou  e  se  distinguiu  na  organisação  interna 
dos  serviços  públicos,  em  relação  a  finanças,  conseguindo  um 
regular  systema  fiscal,  com  o  estabelecimento  de  impostos 
destinados  a  manter  as  despezas  da  guerra. 

Dotado  de  grande  tino  administrativo,  fundou  uma 
repartição  com  o  titulo  de  Thesouro  Publico,  dirigido  por 
elle,  ministro  da  fazenda,  auxiliado  por  um  contador  e 
escripturarios,  e  tendo  como  subordinados  collectores  muni- 
cipaes  incumbidos  da  arrecadação  das  rendas. 

Muitas  medidas  de  elevado  alcance  foram  postas  em 
pratica  por  este  homem  superior,  em  quem  concorriam  raras 
qualidades  para  óptimo  governo.  A  elle  deveu  a  republica  a 


(  I  )  Para  maior  clareza,  representamos  typographicamente  o  escudo  revo- 
lucionário n'csta  figura : 


CAPITULO  XXXIII  417 


conversão  da  moeda  de  cobre,  operação  realizada  com  exíto 
e  não  conseguida  pelos  imperiaes;  a  lei  da  nacionalização 
dos  extrangeiros ;  o  regular  serviço  da  exportação  de  gado; 
estabelecimento  de  colónias  no  Alto  Uruguay ;  protecção  ás 
industrias  de  cortume  e  fabricas  de  arreios;  levantamentos  de 
empréstimos  internos;  cunhagem  de  moeda  de  cobre;  emissão 
de  moeda  papel ;  a  mudança  da  sede  do  governo,  de  Piratiny 
para  a  villa  de  Caçapava,  local  mçnos  exposto  a  assaltos  do 
inimigo;  direcção  da  imprensa  official;  regularização  do  ser- 
viço de  correios;  austera  distribuição  de  justiça;  installação 
de  escolas  de  instrucção  primaria;  arrendamento  dos  bens 
abandonados  pelos  legaes;  redacção  do  pacto  constitucional 
e  muitos  outros  trabalhos,  reveladores  de  levantadas  vistas. 

Instituida  a  republica,  recobraram  novo  animo  os  farrapos, 
dispostos  a  vingar  a  derrota  do  Fanfa,  pondo  em  evidencia 
o  valor  de  suas  armas.  0*anno  de  1836  não  deveria  findar 
sem  uma  satisfactoria  desforra. 

E,  com  effeito,  a  17  de  Dezembro,  forças  commandadas 
pelo  legalista  coronel  João  da  Silva  Tavares,  em  marcha  para 
Jaguarào,  viram-se  perseguidas  tenazmente  pelos  soldados  do 
bravo  David  Canabarro;  travado  o  combate,  soffreram  a  perda 
de  8  soldados,  mortos,  e  aprisionados  5  officiaes  e  30  praças 
de  pret.  Para  não  sacrificar  sem  resultado  a  sua  gente,  Silva 
Tavares  capitulou^  de  modo  honroso  (*). 

Não  era  o  presidente  da  republica  homem  de  guerra. 


( I  )  Jornal  do  Commcnio  de  i6  de  Janeiro  de  1837. 

53  TOM.  u 


4l8  SfEMORIAS   BRAZILEIRAS 

Itnpelliâo  á  causa  dos  farrapos  pela  necessidade  que  reconhecia 
de  se  dar  ao  Rio  Grande  do  Sul  governo  consentâneo  com  as 
suas  aspirações,  \'asconcellos  Jardim,  ao  occupar  o  supremo 
cargo,  imaginou  poder  conseguir,  por  sua  influencia  pessoal, 
a  pacificação  do  Rio  Grande,  sem  quebra  de  dignidade  para 
os  companheiros  de  luctas.  O  sangue  derramado  em  tantos 
combates,  sem  uma  solução  definitiva,  reclama\-a  dos  chefes 
um  movimento  generoso.  Só  uma  condição  exigia  o  sincero 
democrata,  para  que  a  concórdia  reatasse  os  vinculos  da  fami- 
lia  rio-grandense :  o  reconhecimento  da  republica.  Admittida 
a  extranha  possibilidade — pretenção  de  todo  ponto  ingénua 
e  insubsistente — enviou  dois  emissários  ao  commandante 
das  armas,  brigadeiro  Bento  Manoel  Ribeiro,  incumbidos  de 
entrar  em  negociações  de  paz. 

Como  era  de  esperar,  não  poude  eflfectuar-se  a  conciliação. 
Xo  officio  dirigido  ao  presidente  fegal,  Bento  Manoel  expõe 
o  melindroso  assumpto  do  seguinte  modo: 

«Ulmo.  e  Exmo.  Sr.  —  Conforme  me  havia  assegurado  o 
anarchista  António  de  Souza  Netto  e  eu  participei  a  V.  Exa. 
no  meu  officio  de  30  de  Dezembro,  vieram  hontem  António 
Paulo  da  Fontoura  e  Joaquim  Pedro  Soares,  auctorizados  por 
José  Gomes  de  Vasconcellos  Jardim,  que  se  intitula  presidente 
da  republica  do  Rio  Grande,  para  fazer  as  proposições  ten- 
dentes a  se  terminar  a  guerra. 

» Foram,  porém,  tão  exorbitantes  as  proposições  que  me 
fizeram  e  todas  ellas  tendentes  a  um  explicito  reconheci- 
mento  da  phantastica  republica,  que  tive  de  desprezar,  e 


CAPITULO   XXXIII  419 


hoje  me  puz  em  marcha  sobre  os  rebeldes  com  o  desígnio  de 
os  bater. 

cElles  seguem  com  direcção  ao  Velleda  e  acredito  que 
d'ahi  farão  a  mesma  volta  que  da  viagem  passada  e  com  o 
fim  de  nos  cançar  e  estragar  a  cavalhada,  e  esta  columna 
necessariamente  tem  de  seguir  na  retaguarda  d^elles. 

«Asseguro,  porém,  a  V.  Exa.  que,  conseguindo  appro- 
ximar-me  a  elles,  o  menor  descuido  que  tiverem  farei  apro- 
veitar.—  Deus  Guarde  a  V.  Exa. — Campo  em  marcha  no 
Seival,  i/"  de  Janeiro  de  1837. — Ulmo.  e  Exmo.  Sr.  José  de 
Araújo  Ribeiro. — Ben/o  Maiioel  Ribeiro  (^). 

Interessado  em  manter  entre  os  rio-grandenses  os  princí- 
pios religiosos,  o  governo  republicano  investiu  o  venerando 
padre  Francisco  das  Chagas  Martins  Ávila  do  cargo  de 
vigário  apostólico,  com  prerogativas  de  bispo,  encarregado 
de  superintender  todos  os  assumptos  religiosos  e  ao  qual 
deviam  os  sacerdotes  da  província  inteira  obediência. 

Reconhecendo  o  governo  rebelde  a  necessidade  de  manter 
estreitas  relações  de  amizade  com  as  republicas  sul-amerí- 
canas,  commissionou  o  cidadão  António  Manoel  Corrêa  da 
Camará  para  ir  ao  Paraguay  entabular  tratado  de  mutua 
protecção;  porém  o  dictador  Francia,  ou  porque  desconfiasse 
da  estabilidade  do  novo  regímen  ou  porque  não  desejasse 
indisi>ôr-se  com  o  Brazíl,  recusou  annuír  ás  propostas  da 
embaixada. 


\  I  )  Jornal  do  Commcrcio  de  i8  de  Fevereiro  de  1837. 


420  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Desprezadas  as  negociações  de  paz,  o  general  Bento 
Manoel,  para  vingar-se  da  derrota  soffrida  pelo  coronel  Silva 
Tavares,  marchou  contra  os  farrapos  e  em  Velleda,  a  3  de 
Janeiro  de  1837  e  na  Candiota,  a  4  do  mesmo  mez,  conseguiu 
derrotar  forças  de  António  de  Souza  Netto,  tomando-lhes 
5  peças  de  artilheria. 

Prolongava-se  a  lucta,  sem  gloria  para  os  contendores, 
quando  a  assembléa  legislativa  imperial  auctorizou  o  presi- 
dente da  provincia  a  pôr  em  execução  medidas  violentas 
contra  os  farrapos,  as  quaes  foram  outros  tantos  motivos  para 
accentuar  ainda  mais  os  ódios  entre  os  belligerantes. 

Foi  o  presidente  auctorizado : 

I — A  prender  e  conservar  em  prisão,  sem  sujeitar  a 
forma  alguma  de  processo,  os  individuos  complicados  em 
crimes  de  resistência,  conspiração,  sedição  ou  homicidio. 

II — A  expellir  do  Rio  Grande  do  Sul  os  perturbadores 
da  ordem. 

III — A  mandar  varejar  as  casas,  de  dia  ou  de  noite,  para 
a  prisão  dos  criminosos,  apprehensão  de  armas  e  munições. 

IV — A  prohibir  o  funccionamento  de  sociedades  secretas. 

V — A  mandar  dissolver  pela  força  reuniões  publicas 
suspeitas. 

VI — A  marcar  praso  aos  ofEciaes  do  exercito  e  da  armada 
para  se  apresentarem  a  serviço,  sob  pena  de  perderem  seus 
postos  em  caso  de  desobediência. 

VII — A  mandar  recrutar  os  guardas  nacionaes  que  se 
recusassem  ao  serviço. 


CAPITULO  XXXIII  421 


Vendo  o  governo  imperial  que  a  guerra  civil  continuava, 
a  despeito  de  todas  as  providencias  postas  em  acção,  e  persua- 
dido de  que  só  um  official  superior,  hábil  em  assumptos  bel- 
licos,  poderia,  sob  o  prestigio  da  espada,  pacificar  a  provincia, 
nomeou  o  marechal  Antero  José  Ferreira  de  Britto  para 
exercer  os  cargos  de  presidente  e  commandante  em  chefe 
do  exercito.  Este  official  entrou  em  exercício  de  suas  funcções, 
em  Porto  Alegre,  a  5  de  Fevereiro  de  1837. 

Conío  um  acinte  ao  novo  presidente,  os  farrapos,  em 
numero  superior  a  400,  sob  o  mando  de  Agostinho  de  Mello, 
foram,  a  10  do  mesmo  mez,  atacar  a  villa  de  Rio  Pardo, 
defendida  por  140  praças  legaes. 

Logo  que  a  força  republicana  se  approximou  da  villa, 
metade  dos  defensores  fez  juncção  com  os  assaltantes;  no 
combate  morreram  70  soldados  imperiaes,  sendo  insignifi- 
cante a  perda  dos  rebeldes. 

Bento  Manoel  desgostou-se  profundamente  com  a  demis- 
são de  Araújo  Ribeiro  e  nomeação  do  marechal  Antero 
de  Britto,  e,  desejoso  de  dar  áquelle  illustrado  rio-grandense 
uma  prova  de  alto  apreço,  resolveu  regressar  aos  antigos 
arraiaes,  passar-se  para  os  farrapos,  incorrendo  embora  na 
pecha  de  transfuga  duas  vezes.  Fazia  pasmar  a  dubiedade 
de  caracter  doeste  homem  valente.  A  historia  rio-grandense 
não  teve  traidor  de  mais  nomeada. 

Por  esse  tempo,  achava-se  internado  na  provincia  o  cau- 
dilho oriental  Fructuoso  Rivera,  rival  de  Manoel  Oribe. 
Este  havia  assumido  o  cargo  de  presidente  da  republica  dp 


422  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 

Uruguay,  facto   devido  á   protecção  emanada   do  dictador 
argentino,  João  Manoel  de  Rosas. 

O  brigadeiro  Bento  Manoel  entendeu-se  com  Rivera, 
e  prometteram  ambos  proteger-se  mutuamente. 

Tanto  Rivera  como  o  general  João  Lavale  foram  obrigados 
a  seguir  para  Porto  Alegre  e  ahi  permaneciam  sob  a  vigilân- 
cia das  auctoridades. 

Para  inutilizar  os  tramas  do  conspirador  oriental,  o  mare- 
chal Antero  de  Britto  aconselhou-o  a  ir  ao  Rio  de  Janeiro 
valer-se  de  influencias  officiaes  e  conseguir  voltar  para  seu 
estado  natal,  onde  Oribe  dar-lhe-ia  conveniente  posição. 

Rivera,  porém,  que  se  não  satisfazia  com  collocação  subal- 
terna, mas  aspirava  o  cargo  de  presidente  de  seu  paiz,  recusou 
a  proposta  do  marechal,  pelo  que  foi  considerado  prisioneiro. 

Dando  conta  doesta  prisão  que  cautelosamente  havia  effe- 
ctuado,  Antero  de  Britto  pediu  ao  governo  imperial  desti-. 
tuição  de  Bento  Manoel  do  cargo  de  comniandante  das  armas, 
por  ser  voz  corrente  que  o  brigadeiro  premeditava  depol-o  da 
presidência. 

No  duplo  intuito  de  fazer  abortar  o  plano  de  Bento  Manoel 
e  de  destruir  a  republica  de  Piratiny,  infligindo  aos  rebeldes 
a  mais  completa  das  derrotas,  o  marechal  seguiu  para  o  inte- 
rior da  provincia,  acompanhado  de  uma  guarda  de  poucas 
praças. 

Havia  expedido  ordens  para  que  o  coronel  Gabriel  Gomes 
Lisboa,  que  se  achava  em  Rio  Pardo  com  600  homens,  se 
fosse  juntar  ao  tenente-coronel  João  Chr\^sostomo  da  Silva, 


CAPITUI<0  XXXIII  423 


estacionado  em  Caçapava  com  900  soldados  das  três  armas: 
reunidas  as  duas  forças,  marchariam  contra  os  rebeldes 
collocados  em  Jaguarão  e  Piratiny. 

Encaminhava-se  o  presidente  Antero  de  Britto  para 
Caçapava,  quando,  a  23  de  Março  de  1837,  viu-se  acommet- 
tido  no  passo  de  Itapevy  e  aprisionado  por  uma  força  de 
100  homens,  commandada  pelo  próprio  Bento  Manoel.  A  des- 
lealdade doeste  militar  causou  justa  indignação  na  provín- 
cia. Muitas  satyras  foram  cantadas  e  publicadas  contra  a  sua 
absoluta  falta  de  caracter  politico  (^). 


( I  )  D'entre  as  muitas  satyras,  arrojadas  como  lanças  de  arremesso  contra 
Bento  Manoel,  apresentamos  as  seguintes  : 

Pôde  um  altivo  humilhar-se, 

Pôde  um  teimoso  ceder, 

Pôde  um  pobre  enriquecer,  • 

Pôde  um  pagão  baptizar-se. 

Pôde  um  avaro  prestar-se, 

t^m  lascivo  confessar-se, 

Pôde  um  mouro  ser  christâo, 

O  arrependido  salvar-se  ; 

Tudo  pôde  ter  perdão : 

Só  o  Bento  Manoel  —  não  ! 

Quando  elle,   de  revolucionário  que  era,   passou-se  para  os  legalistas,  os 
farrapos  vingavam-sc  de  sua  perfidia,  cantando: 

Quem  é  do  inferno  instrumento? 

O  Bento. 
Quem  da  traição  é  painel? 

Manoel. 
Quem  ao  inferno  vai  primeiro  ? 

Ribeiro. 
Para  soffrer  no  brazeiro  ? 
O  Bento  Manoel  Ribeiro. 


424  XEXORIAS   gRAZTT.KTRAS 


Xa  occasião  de  ser  preso,  Antero  de  Britto  trazia  comsigo 
quantia  superior  a  sete  contos  de  réis,  pertencente  aos  cofres 
da  pro^-incia :  tal  importância  passou  ao  poder  dos  fiinapos. 
Xo  processo  instaurado  em  Porto  Al^^re  contra  Bento 
Manoel,  seu  filho  dr.  Sebastião  Ribeiro  e  mais  quatro  cida- 
dãos, por  crime  de  sedição  e  de  rebellião,  figurou  também  o 
crime  de  roubo.  Este  processo  foi  posteriormente  annollado 
pela  geral  amnistia. 

Xa  mesma  data  de  23  e  na  de  24  de  ilarço  dirigiu 
Bento  Manoel  oflicios  aos  generaes  Bento  Corrêa  da  Camará, 
Manoel  Carneiro  da  Silva  Fontoura,  Gaspar  Francisco  Menna 
Barretto,  João  de  Deus  Menna  Barretto  e  Francisco  das 
Chagas  Santos,  convidando-os  a  acompanhal-o  na  traição. 
Serv'ia-se  dos  seguintes  termos : 

«r  Conhecendo  os  infinitos  males  que  o  despotismo  e  arbi- 
trariedade do  brigadeiro  Antero  José  Ferreira  de  Britto  faziam 
pesar  sobre  os  mais  distiuctos  e  leaes  rio-grandenses  e  bem 
assim  os  que  por  sua  péssima  administração  ameaçavam  sub- 
mergir para  sempre  em  um  pélago  de  desgraças  esta  infeliz 
província,  prendi-o,  para  evitar,  emquanto  é  tempo,  o  preci- 
pício a  que,  em  tão  curto  espaço,  nos  ia  elle  arrojando. 


Tma  corajosa  republicana  rio-grandens*,  D.  Joaquina  Borges,  mnlher  de 
pfkíf  Borjçes  Pereira,  morador  em  S.  José  do  Hortensio,  ao  saber  que  Bento 
Mamx:!  «m:  t^andeára  para  os  imperialistas,  mandou  comprar  um  copo  com  doas 
caraH.  Algum  tempo  depois,  succedeu  passar  por  alli  Bento  Manoel  e  pedir  agua 
áquella  sincera  farrapa.  Ao  ser\il-o,  D.  Joaquina  apontou  para  o  vaso.  dizendo  : 

—  K«»te  copo  está  muito  a  propósito  para  V.  Exa  I 

Ik-nto  Manoel  riu-se  e  bebeu. 


CAPITULO  XXXIII  425 


« Posso  assegurar  a  V.  Exa.  que  com  este  passo  se  extin- 
guirá entre  nós  a  guerra  civil,  si  V.  Exa.  lhe  prestar  coadju- 
vação, como  espero  de  seus  serviços  e  patriotismo. 

« Tudo  se  harmonizará :  os  republicanos  desistem  de  seus 
projectos  e  se  submettem  ao  governo  imperial,  si  quanto 
antes  vier  occupar  a  vice-presidencia  o  dr.  Joaquim  Vieira 
da  Cunha,  e  si  fôr  entregue  ao  brigadeiro  Gaspar  Francisco 
Menna  Barretto  o  commándo  da  guarnição  d'essa  cidade  (^). 

« Adoptadas  estas  medidas,  eu  respondo  ao  governo  impe- 
rial pela  detenção  do  brigadeiro  Antero  de  Britto. 

«E  ainda  necessário  que  se  faça,  quanto  antes,  partir  para 
entre  seus  companheiros  o  general  D.  Fructuoso  Rivera ;  na 
certeza  de  que  o  dito  brigadeiro  responderá  com  a  vida  a  toda 
a  omissão  que  haja  a  este  respeito. 

« Espero  que  V.  Exa.  aproveitará  esta  occasião  para  fazer 
mesmo  um  distincto  serviço  á  nossa  pátria,  promovendo 
efficazmente  a  conclusão  doeste  assumpto. » 

Preso  o  presidente  da  provincia  e  por  este  facto  desmora- 
lizadas as  forças  legaes,  toniou-se  fácil  aos  farrapos  a  tomada 
de  Caçapava:  para  esta  villa  dirigi u-se  o  general  António 
de  Souza  Netto  e  a  7  de  Abril  de  1837  occupou-a,  sem  se 
disparar  um  tiro.  Entregàram-se  os  900  homens  das  forças 
de  João  Chrysostomo,  passando  ao  poder  dos  farrapos  15  peças 
de  artilheria  e  mais  de  4.000  armas  de  infanteria. 

De  posse  de  Caçapava,  reuni ram-se  os  chefes  republi- 


(  I  )  Porto  Alegrre. 


426  MEMORIAS   BRAZILBIRAS 


canos,  inclusive  Bento  Manoel  e  Fructuoso  Rivera,  evadido 
de  Porto  Alegre,  e  a  14  de  Abril  nomearam  o  general  António 
Netto  commandante  em  chefe  das  forças  revolucionarias,  o 
qual  d'alli  marcharia  á  villa  de  Rio  Pardo  e,  em  seguida, 
poria  em  sitio  a  capital  da  provincia. 

Com  efíeito,  António  Netto  chegou  a  Rio  Pardo  com 
300  homens,  ao  Triumpho  com  400,  passou  os  rios  Cahy 
e  Gravatahy  a  6  de  Maio ;  no  dia  1 1  intimou  Porto  Alegre 
a  render-se  e  a  13  montou  uma  bateria  em  uma  collina  pró- 
xima á  cidade.  Por  maiores,  porém,  que  fossem  os  esforços 
empregados  em  assaltar  a  capital,  não  conseguiu  seu  intento 
o  valente  commandante  farrapo.  Foi-lhe  impossivel  vencer 
a  resistência  opposta  pela  guarnição  da  cidade  ( * ). 

Porto  Alegre  dispunha  então  de  700  praças  de  infanteria, 
250  de  cavallaria  e  muitos  paizanos  armados.  Todo  o  lado 
de  terra  achava-se  entrincheirado  e  forte  de  22  peças  de  arti- 
Iheria. 

No  impedimento  de  Antero  de  Britto,  governava  a  pro- 
vincia o  vice-presidente  Américo  Cabral  de  Mello. 

Em  proclamação  de  5  de  Abril,  feita  em  Pelotas,  dizia  o 
commandante  superior  dos  guardas  nacionaes,  coronel  João 
da  Silva  Tavares : 


(  I  )  Como  zombaria  ao  projecto  do  general  António  Netto  de  tomar  a  capital 
da  provincia,  os  imperialistas  cantavam : 

Senhor  Netto,  vá-se  embora, 
Nilo  se  metta  a  capadócio : 
Vá  cuidar  dos  parclhciros, 
Que  fará  melhor  negocio. 


CAPITULO  XXXIII  427 

« Bravos  defensores  da  legalidade !  A  todos  vós  é  patente 
o  facto  mais  horroroso  e  só  próprio  d'esse  traidor  que  pela 
segunda  vez  é  perjuro  ao  Imperador  e  ingrato  á  sua  pátria. 

« Sim,  o  Exmo.  Sr.  presidente,  o  brigadeiro  Antero  José 
Ferreira  de  Britto,  foi  traiçoeiramente  arrancado  do  seio  dos 
legalistas  e  entregue  aos  anarcliistas  pelo  ex-commandante 
das  armas  Bento  Manoel  Ribeiro. 

« Este  horroroso  attentado,  só  digno  de  um  monstro  com 
figura  humana,  prova  exuberantemente  que  este  pérfido  se 
desligou  da  communhão  brazileira. 

«Os  bravos  defensores  da  legalidade,  Gabriel  Gomes, 
Gama  Lobo,  Bonifácio  Calderon  e  João  Chrysostomo  mar- 
cham a  bater  os  anarchistas  e  a  resgatar  o  presidente  legal. 

«Não  trepideis,  pois,  na  escolha  do  dever  ou  da  indifíe- 
rença;  quem  vos  fala  é  vosso  patricio  e  fiel  companheiro  (*).» 

A  14  do  mesmo  Abril  era  Bento  Manoel  exonerado  do 
commando  das  armas  da  provincia,  por  assim  o  haver  reque- 
rido^ dizia  o  decreto  (^). 

Para  substituir  o  presidente  e  o  commandante  das  armas, 
nomeou  o  governo  o  tenente-general  Francisco  das  Chagas 
Santos,  que  assumiu  o  exercicio  dos  dois  cargos  a  16  de  Maio 
de  1837,  e  logo  depois,  a  6  de  Junho  seguinte,  era  substituido 
pelo  cidadão  Feliciano  Nunes  Pires,  que  nada  fez  em  favor 
de  sua  terra  natal. 


(  1  )  Jornal  do  Commercio  de  21  de  Abril  de  1837. 
( 2 )  Jornal  do  Commercio  de  2  de  Maio  de  1837. 


428  MEMORIAS  BRAZILKIRAS 


No  governo  do  general  Chagas  houve  idéa  de  ser  paci- 
ficada a  província.  O  commandante  da  esquadrilha,  João 
Pascoe  Greenfell,  e  coronel  Silva  Tavares  chegaram  a  enta- 
bolar  um  armistício  com  o  coronel  farrapo  Domingos 
Crescendo,  que  occupava  Pelotas.  Greenfell  incumbiu-se  de 
levar  a  Porto  Alegre  dois  parlamentarios  para  entender-se 
com  António  Netto,  na  capella  de  Viamão  ou  Setembrina 
e  com  o  general  presidente  da  provincia,  sobre  as  condições 
em  que  deveria  ser  firmada  a  paz. 

Chagas  não  concordou  com  o  armistício,  e  mallogrou-se 
a  generosa  conciliação. 

A  continua  mudança  de  presidentes  prejudicava  a  causa 
legal,  pois  era  considerada  pelos  farrapos  como  evidente  signal 
de  fraqueza. 

Em  proclamação  datada  de  25  de  JunhD,  o  commandante 
republicano  António  Netto  concitava  os  legaes  á  paz. 

Assim  dizia  elle  do  campo  em  marcha  dos  Palmares  aos 
habitantes  do  Curral  Alto : 

«Compatriotas  !  O  orgulhoso  grito  dos  déspotas  que  então 
vos  opprimia,  hoje  succumbe  ante  esta  pequena  cohorte  de 
homens  livres  que  vedes  acompanhar-me.  Elles  empunham 
a  cortadora  espada,  não  para  vos  escravizar,  mas  para  vingar 
ultrages  que  haveis  feito;  não  para  seguir  o  terrível  direito  de 
conquista;  não  para  exigir  tributos  do  innocente  sangue  por 
vós  e  vossos  cúmplices  derramado,  e  sim  para  dar-vos  a  liber- 
dade, para  restituir  cidadãos  á  republica,  filhos  a  uma  pátria, 
hontem  património  do  Brazil  e  hoje  nação  independente.  .  . 


CAPITULO   XXXIII  429 


«Abjurai  o  dominio  braziliense,  dominação  injusta  e 
oppressora;  attentai  somente  que  chegou  o  praso,  a  epocha 
feliz  que  marcada  estava  pela  mão  superior  para  a  regenera- 
ção do  Rio  Grande,  e  que  defendeis  hoje  aquelle  mesmo 
direito  que  defendeu  o  Brazil,  quando  se  desligou  de  Portugal 
ingrato. 

«Amados  concidadãos!  Extincta  a  vossa  illusão,  extincta 
está  a  guerra  em  nossa  pátria.  Abandonai  a  venda  do  engano 
e  vinde  com  firmeza  a  nossos  braços. 

«Vossas  pessoas,  vossas  familias  e  vossas  propriedades 
serão  religiosamente  respeitadas.  Uma  constituição,  que 
jurámos  no  dia  de  nossa  emancipação,  vos  afiança  o  infallivel 
goso  de  taes  direitos ...» 

Na  infeliz  administração  de  Feliciano  Pires  sofíreram  os 
legaes  completa  derrota  em  combate  havido  na  freguezia  do 
Triumpho.  Ahi  se  achava  o  coronel  Gabriel  Gomes  com  uma 
guarnição  de  352  praças,  quando  foi  aggredido  por  forças  em 
numero  de  700  sob  o  mando  de  António  Netto.  Travou-se 
renhidíssima  lucta  a  12  de  Agosto  de  1837.  Os  imperiaes 
viram-se  obrigados  a  ceder  ao  numero;  tiveram  14  mortos, 
30  prisioneiros  e  100  extraviados.  Ahi  morreu  combatendo 
como  um  heróe  o  valente  chefe  Gabriel  Gomes  Lisboa. 

Emquanto  occorriam  estes  graves  acontecimentos  no  Rio 
Grande  do  Sul,  sofFria  o  governo  do  paiz  profunda  alteração. 
Cançado  de  arcar  contra  a  perseguição  tenaz  e  violenta  que 
lhe   moviam  adversários   politicos,  o  regente  padre  Diogo 


430  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


António  Feijó  entregou  o  supremo  cargo  que  exercia  ao 
ministro  do  império  Pedro  de  Araújo  .Lima  (^). 

Deu-se  esta  mudança  a  19  de  Setembro  de  1837. 

No  dia  20,  constava  do  programma  governamental  estes 
tópicos  em  relação  á  guerra  do  sul : 

<fA  ninguém  se  esconde  que  debellar  e  escarmentar  a 
rel^ellião  é  um  dever  de  todos  os  brasileiros;  é  o  interesse 
vital  da  verdadeira  Uberdade,  essencialmente  ligado  á  união 
e  integridade  do  Brazil.  O  governo  não  perderá  instantes, 
não  poupará  esforços  para  restaurar  alli  o  império  da  lei. » 

Designado  interinamente  regente  do  império,  Pedro  de 
Araújo  Lima,  reconhecendo  que  o  Rio  Grande  do  Sul  neces^ 
sitava  de  um  official  experimentado,  que  por  meio  de  bem 
combinadas  operações  conseguisse  pôr  termo  á  anarcliia, 
nomeou  presidente  o  já  conhecido  marechal  portuguez 
António  Klisiario  dé  Miranda  Britto. 

A  3  de  Novembro  de  1837  tomou  elle  posse,  em  Porto 
Alegre,  dos  cargos  de  presidente  e  conímandante  em  chefe 
do  exercito  imperial. 

Ouanto  ao  marechal  Antero  de  Britto,  preso  por  Bento 
Manoel,  foi  por  este  conduzido  para  Alegrete;  d*ahi  para  a 


(  I  )  S»l>r«*  i"sU*  facto  nolavil  na  politica  brazileira  escreveu  o  conseUieiro 
AiaiíiH'  ciii  hiia  citada  obra  : 

"AiKin«io  poi  haver  «lado  »»  poder  ao  partido  adverso,  respondia  o  regente 
d«  inin^innaiio  .  "iMi.inici  os  ainijços,  pi'dind<)  lhes  Címsellui,  e  como  nâo  consul- 
tava hi  dtviíi  abdicai  ])oi(iue  isso  estava  por  mim  resolvido,  mas  sim  a  quem 
drvi.i  ( iitii-Kai  ii  gnvcMio,  r  Paula  Souza  dissesse  na  ultima  conferencia  que  o 
1*1  dl  o  dl-  Araújo  podia  mi  um  bom  rei  constitucional,  a  elle  entreguei  a  regência.» 


CAPITULO  XXXIII  431 


costa  do  Quarahy,  d'onde  o  fizeram  vir  a  Piratiuy;  d'este 
ponto  segiiiu  para  a  Setembrina.  Chegado  ao  quartel 
general  dos  farrapos,  foi  ajustada  troca  de  prisioneiros:  a 
liberdade  do  marechal,  efíectuada  -a  9  de  Janeiro  de  1838, 
importou  na  liberdade  do  revolucionário  coronel  Francisco 
de  Paula  do  Amaral  Sarmento  Menna,  preso  dos  legaes. 

Passou-se  o  marechal  immediatamente  para  Porto  Alegre ; 
pouco  depois,  seguia  para  o  Rio  de  Janeiro. 

E  agora  de  opportunidade  relatar  o  que  occorreu  aos 
chefes  revolucionários,  aprisionados  por  Bento  Manoel  no 
combate  do  Fanfa. 

Após  alguns  dias  de  prisão  a  bordo  da  Presiganga^ 
fundeada  defronte  de  Porto  Alegre,  foram  transferidos  para 
a  fortaleza  de  Santa  Cruz,  no  Rio  de  Janeiro,  Bento  Gonçal- 
ves, Onofre  Pires,  AfTonso  Corte  Real,  Zambicari,  Pedro 
Boticário  e  outros  rio-grandenses. 

Conseguiu  Zambicari  expor  seu  estado  ao  cônsul  ou 
ministro  italiano,  e,  por  interferência  d'esta  auctoridade, 
ponde  livrar-se  da  prisão,  com  a  condição  imposta  de 
abandonar  in-continenti  o  Brazil.  Teve  deportação  para  a 
Europa. 

Bento  Gonçalves  e  Pedro  Boticário  foram  nmdados  para 
a  fortaleza  da  Lage. 

l^ma  noite,  proporcionou-se  a  ambos  excellente  opportu- 
nidade para  fugirem.  Achava-se  a  pequena  distancia  a  embar- 
cação que  os  deveria  receber ;  atravessaram  estreito  corredor 


4$Z  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


subterrâneo:  forçavam  uma  grade  de  ferro,  quando,  após 
enormes  difficuldades,  reconheceram  que  só  Bento  Gonçalves 
ipíAeriã  passar  por  entre  o<  varões  deslocados.  Pedro  Boticário 
viu  com  tristeza  que  era  demasiadamente  gordo  para  fugir 
por  alli.  Conformou-se  em  6car.  Beuto  Gonçalves,  porém, 
comprehendendo  a  grave  responsabilidade  que  sua  evasão 
acarretaria  ao  leal  amigo  e  correligionário,  cedeu  ao  impulso 
de  se«i  coração  generoso.  .  .  e  voltarauí  ambos  para  o  cárcere. 

Affonsí^  Corte  Real  e  Onofre  Pires  conseguiram  fugir  da 
fortaleza  de  Santa  Cruz  na  noite  de  lo  para  ii  de  Março 
de  1837,  e  regressar  ao  Rio  Grande  do  Sul,  onde  reassumi- 
ram suas  posições  entre  as  forças  republicanas. 

Cinco  mezes  depois  d*este  facto,  ordenou  o  governo  que 
fosse  mudado  Pedro  Boticário  para  uma  fortaleza  de  Pernam- 
buco c  transferido  Bento  Gonçalves  para  o  forte  do  Mar  ou 
fortaleza  de  S.  Marcello,  na  Bahia. 

O  illustre  bahiano  Francisco  Gê  Acayaba  de  Montezuma, 
então  ministro  da  justiça,  expediu,  em  data  de  9  de  Agosto 
de  1H37,  officio  reservado  ao  presidente  da  provincia  da  Bahia, 
r^rancisco  de  Souza  Paraíso,  recommendando  toda  vigilância 
para  com  o  chefe  revolucionário : 

« I^^go  que  ahi  chegue  o  brigue  de  guerra  Consiaftça^ 
\.  Kxa.  expeça  as  ordens  que  forem  convenientes  para  que 
o  preso  Bento  Gonçalves  da  Silva  seja  recolhido  á  prisão 
mais  scjj^ura,  quer  civil,  quer  militar,  ficando  V.  Exa.  por 
i-lk-  cstrictamente  responsável.» 

Julgou  o  presidente  que  a  prisão  mais  segura  para  Bento 


CAPITULO   XXXIII  433 


Gonçalves  era  a  fortaleza  de  S.  Marcello  e  para  ahi  o  çnviou, 
a  26  de  Agosto,  com  muitas  recommendações  ao  comnian-* 
dante. 

A  despeito,  porém,  de  todas  as  cautelas,  poude  o  republi- 
cano rio-grandense  entrar  em  relações  com  muitos  bahianos 
sympathicos  á  sua  causa  e  especialmente  com  a  maçonaria. 
Em  poucos  dias  concertou-se  um  plano  de  evasão,  que 
deveria  surtir  o  mais  completo  resultado. 

Bento  Gonçalves  conseguiu  do  commandante  permissão 
para  tomar  banhos  de  mar,  e,  ás  10  horas  da  manhã  de  10 
de  Setembro  de  1837,  evadiu-se,  nadando  valentemente  ao 
encontro  de  uma  canoa  de  8  remos,  que  o  esperava. 

Conduzido  com  rapidez  á  ilha  de  Itaparica  e  ahi  recebido 
por  amigos  dedicados,  pouco  depois  passava  para  a  cidade 
do  Salvador,  onde,  após  um  mez  de  esconderijo,  embarcou 
a  7  de  Outubro  para  o  Desterro,  capital  da  província  de 
Santa  Catharina.  Proporcionou-lhe  conducção  o  rio-gran- 
dense, ex-consul  de  Hamburgo,  António  Gonçalves  Pereira 
Duarte,  proprietário  do  patacho  Estrella  do  Sul. 

De  Santa  Catharina  transportou-se,  por  terra,  ao  Rio 
Grande  do  Sul  e  foi,  entre  acclamações  de  enthusiasmo, 
reassumir  o  commando  em  chefe  das  forças  revolucionarias 
e  empossar-se  do  cargo  de  presidente  da  republica. 

Ê  de  conveniência  histórica  mencionar-se  aqui  a  partici- 
pação official  da  evasão  de  Bento  Gonçalves,  documento 
existente  no  archivo  publico  do  estado  da  Bahia : 

«Ulmo.  e  Exmo.  Sr.  —  Logo  que  aqui  chegou  o  preso 


434  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Bento  Gonçalves  da  Silva,  mandei-o  recolher  á  prisão  mais 
segura,  qual  a  Fortaleza  do  Mar,  responsabilizando  por  elle 
o  respectivo  commandante,  como  se  vê  da  copia  n.  i,  e  expe- 
dindo a  ordem  da  copia  n.  2,  para  ir  um  ófficial  de  patente 
commandar  o  destacamento  estacionado  n'aquella  Fortaleza, 
além  de  outras  recommendações  verbaes,  que  fiz  no  dia 
seguinte  ao  dito  commandante  da  mesma  Fortaleza,  fazendo- 
Ihe  então  ver  que  tinha  mandado  fundear,  na  proximidade 
d'ella,  a  barca  de  guerra  n.  i,  para  lhe  prestar  qualquer 
auxilio  que  fosse  necessário,  pelo  que  se  deveria  entender 
com  o  commandante  da  dita  barca ;  e  tendo  recebido  na  noite 
do  dia  2  d'este  mez  uma  carta  anonyma,  communicando-me 
que  tentava  fugir  aquelle  preso,  ordenei  n'essa  mesma  noite 
que  mandassem  á  mencionada  Fortaleza  os  escaleres  do 
brigue-barca  2ç  de  Agosto^  que  depois  rendeu  aquella  barca, 
a  fim  de  vedar  que  se  pudesse  realizar  a  denunciada  fuga, 
segundo  o  mostrara  as  copias  ns.  3  e  4;  e  no  dia  seguinte, 
mandando  chamar  o  commandante  da  Fortaleza,  lhe  fiz  ver 
aquella  carta,  recommendando-lhe  toda  cautela  e  vigilância, 
e  recordando-lhe  a  sua  responsabilidade  e  que  se  prevenisse 
de  qualquer  illusão  que  lhe  pudesse  ser  tramada,  e  porque 
me  dissesse  o  mesmo  commandante  ter  alguma  suspeita 
d'um  sargento  e  um  soldado,  dos  que  compunham  o  destaca- 
mento da  Fortaleza,  immediatamente  os  mandei  substituir 
por  outras  eguaes  praças  e  continuar  em  todas  as  noites  as 
rondas  já  ditas  dos  escaleres. 

« Km  resultado  de  tantas  recommendações  minhas,  recebi, 


CAPITULO   XXXIII  435 


antes  de  liontem,  d^aquelle  commandante  da  Fortaleza,  o 
officio  de  copia  n.  5,  e  quando  contava  com  a  boa  guarda 
do  preso,  aconteceu  que  hontem,  pelas  dez  horas  da  manhã, 
se  evadisse  elle  pela  maneira  que  se  deixa  colher  das  partes 
também  juntas  por  copias  ns.  6  e  7,  occorreiído  a  circum- 
stancia  mencionada  no  meu  officio  de  copia  n.  8,  dirigido  ao 
commandante  das  armas  para  a  prisão  e  julgamento,  tanto 
do  commandante  da  Fortaleza  como  do  do  destacamento  ( * ). 
« Immediatamente  que  foi  percebido  este  acontecimento, 
nem  eu,  nem  o  intendente  da  marinha  poupámos  uma  só 
diligencia  que  pudesse  ser  empregada,  fazendo  partir  em 
seguimento  da  canoa  que  conduziu  o  preso  quantos  escaleres 
se  puderam  expedir  do  arsenal,  bem  como  de  bordo  do  brigue- 
barca,  logo  que  o  respectivo  commandante  poude  perceber 
a  referida  fuga,  e  assim  também  foi  expedido  um  official 
acompanhado  da  ordem  n.  9  e  outro  da  mesma  forma  acom- 
panhado da  de  n.  10,  e  de  algumas  praças,  além  da  circular 
por  copia  n.  11,  que  n'essa  occasião  dirigi  ás  auctoridades 
policiaes  mais  próximas,  com  especialidade  ás  do  littoral, 
não  se  tendo  até  ao  presente  conseguido  a  captura  do  referido 
preso,  constando  apenas  que  elle  saltara  no  logar  denominado 
Ponta  do  Manguinho^  onde  foi  achada  a  canoa,  em  que  se 
evadira,  pela  gente  de  um  dos  escaleres  que  a  conduziu  para 


(  I  )  SubmeUidos  a  conselho  de  guerra,  o  commandante  da  fortaleza  foi 
privado  de  qualquer  conimando  durante  dois  annos,  e  o  do  destacamento  con- 
dcmnado  a  cxpulsAo  do  serviço  do  exercito  e  á  pena  de  lo  annos  de  prisAo. 


436  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


esta  cidade,  aonde  se  acha,  ficando  lá  os  outros  escaleres, 
praças  e  officiaes,  pelos  quaes  logo  que  receber  as  ultimas 
noticias,  resultado  das  diligencias  ordenadas,  as  communi- 
carei  a  V.  Exa.,  pois  que  continuo  a  dar  outras  providencias. 
— Deus  Guarde  a  V.  Exa. — Ulmo.  e  Exmo.  Sr.  Francisco 
Gê  Acayaba  de  Montezuma. — Fraticisco  de  Sousa  Paraíso,  v» 
Maguado  e  doente  com  a  extraordinária  incúria  ou 
connivencia  dos  commandantes,  a  cuja  guarda  fora  confiado 
Bento  Gonçalves,  o  honrado  e  pundonoroso  presidente 
bahiano  pediu  na  mesma  data  demissão  de  seu  cargo,  em 
officio  dirigido  ao  ministro  do  império,  Manoel  Alves  Branco, 
depois  visconde  de  Caravellas : 

«Ulmo.  e  Exmo.  §r.  —  Tendo-se  gravemente  deteriorado 
meu  estado  de  saúde,  a  ponto  de  ser-me  hoje  impossivel 
continuar  no  exercicio  em  que  me  acho  e  que  tão  pesado  se 
tem  ultimamente  tornado,  ao  que  tudo  accresce,  além  de 
outros,  o  incomportável  desgosto  que  acabo  de  experimentar 
com  o  successo  da  fuga  do  preso  Bento  Gonçalves  da  Silva, 
de  que  n^csta  data  dou  conta  ao  Exmo.  Sr.  Ministro  da 
Justiça,  vou  por  isto  pedir  a  V.  Exa.  instantemente  haja  de 
obtcr-me  do  Regente  em  Nome  do  Imperador  a  minha 
demissão,  para  que  de  todo  se  não  arruine  a  pouca  saúde 
que  me  resta,  por  cuja  Graça  serei  sempre  grato  ao  mesmo 
Regente  e  a  V.  Exa.  —  Palácio  do  Governo  da  Bahia,  11  de 
Setembro  de  1837.  —  Ulmo.  e  Exmo.  Sr.  Manoel  Alves 
Branco.  —  Francisco  de  Souza  Paraíso, 

Uma   carta    firmada    pelo    próprio    Bento   (ronçalves    e 


CAPITULO    XXXIII  437 


publicada  na  Aurora  Fluminense^  n.  12,  de  28  de  Maio  de 
1838,  apresenta  outros  pormenores  sobre  a  audaciosa  evasão, 
realizada  em  pleno  dia. 

Diz  o  importante  documento : 

«Bahia,  7  de  Outubro  de  1837. — Já  saberá  que  no  dia  10 
do  pp.  logrei  evadir-nie  do  Forte  do  Mar,  ás  10  horas  da 
manhã,  deitando-me  a  nado,  por  um  descuido  que  tiveram,  e 
ganhando  uma  canoa  de  pescadores,  na  qual  fiz  levarem-me 
para  Itaparica;  e,  ainda  que  fui  logo  perseguido,  consegui  pôr 
pé  em  terra  n^aiquella  ilha,  onde,  cercado  e  perseguido  por 
muitos  dias,  nada  conseguiram  os  tyrannes. 

«D^alli  passei  para  esta,  e,  fazendo  espalhar  a  voz  de  que 
havia  embarcado  para  o  Norte  America,  em  uma  corveta  de 
guerra  que  sahiu  no  dia  19  do  pp.,  Ipgrei  fazer  o  governo 
acreditar  e  cessaram  as  perseguições. 

«Hoje,  porém,  embarco  para  Buenos  Aires  em  um  buque 
extrangeiro  (O,  e  conto  ir  livre. 

«Os  malvados  procuraram  envenenar-me  no  forte,  e,  por 
acaso  raro,  me  livrei,  .sendo  victimas  dois  pobres  animaes, 
um  gato  e  um  cachorro  (-).  Porém,  como  livrar-me  de  outra 


(  I  )  ICiiib.ircou  no  p.ilaclu»  nacional  EstrcUa  do  Sul,  como  ficou  dilo. 

(  2  )  Uni  filho  do  chefe  rcvolucioniirio.  Joaquim  (^mçalves  da  Silva,  assim 
relata  a  lenlaliva  de  envenenamento  : 

"  Succedeu  (lue  n'esse  dia  (  i<»  de  Setembro )  o  commandante  da  fortaleza 
man<lasse  de  prese-nte  a  meu  pae  um  pastelfto,  em  nome  de  sua  filhinha.  .\t» 
almov<»  "icu  pae  quir  comer  o  tal  pastelÃo.  e,  tirando  uma  talhada,  viu  que  tinha 
jcrande  (iuanti<lade  de  cebola,  tempero  que  desde  menino  nunca  pudíra  comer. 
Meu  pae  deu  essa  talhada  a  um  cAosinho  que  quasi  sempre,  á  hora  de  comida, 


438  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


cilada,  sem  o  meu  escravo  {^)  e  servido  pelos  escravos  dos 
tyrannos?  Só  arrostando  a  morte,  como  fiz,  e,  sem  plano 
algum  (^),  consegui  livrar-me.» 


lie  lhe  apresentava.  O  cãosinho  comeu-a  e  logo  depois  entrou  em  convulsões 
e  morreu.  Meu  pae,  vendo  tâo  .extraordinário  facto,  escondeu  o  cáosinho. 

■  Communtcando-lhe  o  commandante  da  fortaleza  que  ia  á  cidade,  meu  pae 
disse-lhe  haver  comido  um  pedaço  do  pastelão  e  que  sentia  como  um  fogo  nas 
entranhas,  pelo  que  lhe  pedia  deixa.Hse  ordem  a  seu  immediato  para  permtt- 
tir-lhe  o  costumado  banho.  O  commandante  affirmou  que  deixaria  a  ordem  e 
que  poderia  tomar  os  banhos  que  quizesse.  Por  esse  modo  de  exprímir-se,  parece 
que  o  commandante  sabia  o  conteúdo  do  pasteláo  e  que  os  banhos  não  evitariam 
o  seu  efFeito.  • 

( 1 )  Referencia  ao  amigo  fiel,  africano,  do  Congo,  a  quem  chamavam  João 
do  Congo  ou  Cotigninho,  inseparável  companheiro  nos  combates  e  nas  prisões 
de  Bento  Gonçalves.  Estiveram  juntos  na  fortaleza  da  I^agc. 

( 2 )  Para  nào  comprometter  a  amigos.  Bento  Gonçalves  allegava  nào  ter 
seguido  plano  algum. 

Seu  filho  Joaquim  Gonçalves  explica  o  plano  de  modo  concludente  : 
«  Depois  da  sahida  do  commandante,  fundeou  perto  da  fortaleza  uma  bale- 
eira, a  qual,  pelos  signaes,  meu  pae  conheceu  ser  a  que  esperava  e  por  isso  foi. 
logo  para  o  banho,  acompanhado,  como  sempre,  por  um  soldado.  Costumava 
meu  pae  nadar  em  roda  da  fortaleza,  desapparecendo  assim  da  vista  do  soldado 
e  demorando  seu  regresso,  a  fim  de  que,  na  çccasi&o  da  fuga,  o  guarda  não 
pudesse  desconfiar  de  seu  desapparecimento. 

«  Chegando  ao  logar  do  banho,  despiu-se  e  disse  ao  soldado  : 
«  —  Cuide  de  minha  roupa ;  no  bolso  do  collete  tem  uma  onça  de  ouro.  » 
••  E  com  efFeito  tinha.  Lançou-se  n*agua,  e,  desapparecendo,  nadou  a  toda 
força  na  direcção  da  baleeira.  Esta  veiu  logo  a  seu  encontro,  e,  apenas  o  recebeu, 
fez-se  de  vela.  Ahi  encontrou  meu  pae  nào  só  a  precisa  roupa,  como  ura  espelho 
e  uma  tesoura,  com  que  na  viagem  cortou  a  barba  que  propositalmente  deixara 
crescer. 

•lO  soldado,  vcndo-o  embarcar  na  baleeira,  foi  dar  parte  ao  2.°  commandante. 
Este  quiz  falar  por  meio  de  uma  busina  a  um  brigue  de  guerra  que  estava  não 
hmge,  mas  nào  poude,  porque  meu  pae,  n'esse  dia,  muito  cedo,  a  tinha  que- 
brado, e  também  tinha  molhado  as  escor\'as  de  todas  as  peças  de  artilheria.  Não 
podendo,  por  meio  de  tiros,  fazer  signal  algum,  o  iinniediato  içou  a  bandeira  a 
meio  pau.  Com  este  signal,  do  brigue  partiu  logo  um  escaler,  que  pouco  se 
demorando  junto  da  fortaleza,  regressou  para  o  brigue,  d*onde  sahiu  com  um 


CAPITULO  XXXIII  439 


Arrebatados  de  indizível  contentamento  pelo  acto  de 
coragem  e  de  admirável  denodo  praticado  por  Bento  Gon- 
çalves, todos  os  officiaes  inferiores  e  guardas  nacionaes  da 
I.**  brigada  dirigiram-lhe  calorosa  felicitação: 

« Heróe  do  continente ! 

«Com  que  jubilo  empunhamos  a  penna  para  vos  saudar  e 
bendizer  o  momento  feliz  que  nos  annuncia  vossa  chegada! 

« Nós  careciamos  da  eloquência  de  um  Cicero,  para  traçar- 
vos  com  expressivas  cores  o  solemne  encómio ;  porém  os  bons 
desejos  supprirão  a  escassez  das.  luzes. 

«  Sim,  benemérito  da  pátria !  Imcomparavel  foi  a  dor  que 
soff remos  com  a  triste,  lúgubre  e  acerba  nova  da  vossa  prisão, 
e  mais  se  renovou  o  desgosto  e  a  pena,  quando  cruéis  verdugos 
da  humanidade  decretaram  a  barbara  sentença  da  vossa 
deportação,  carregado  de  pesados  ferros,  como  o  maior 
criminoso. 

«Porém  hoje  a  Providencia  Divina  satisfez  os  nossos 
desejos,  ouviu  nossos  votos,  e  nós  vos  vemos  apparecer  alegre 
e  triumphador ! 

«Oh!  prazer!  oh!  jubilo!  oh!  gloria  para  os  amigos  da 
pátria ! 

« Cruel  remorso  do  crime  fará  prestes  succumbir  essa  horda 


oíTicial  e  escolta  em  perseguição  da  baleeira.  Esta,  navegando  á  vela  e  tocada  a 
8  remos,  chegou  a  Itaparica  muito  antes  do  escaler.  Meu  pae,  desembarcando, 
foi  devidamente  acoutado,  ou  melhor  recebido  em  casa  de  um  commandante  de 
corpo  de  guarda  nacional. » 

Bento  Gonçalves  esteve  preso  no  forte  de  S.  Marcello  15  dias  apenas. 


440  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


sanguinária   e   inerme   ante    vossos   fieis  amigos,   os  livres 
republicanos. 

«A  vossa  obra,  primeiro  chefe  do  Estado,  os  livres  a 
depositam  em  vossas  mãos,  illesa  e  sem  mancha;  premiai  a 
virtude,  puni  o  delicto  e  o  crime,  e  ella  será  brevemente 
consutnmada. 

«Nas  sabias  mãos  a  tendes;  aperfeiçoai-a,  fazendo  justiça. 

«Firmai,  em  justas  leis,  que  proclamamos  simplices  e 
apropriadas  ás  circumstancias  presentes,  a  futura  sorte  do 
Rio  Grande,  e  immortalizareis  vosso  nome  provendo  a  nossa 
prosperidade. » 

O  heróe  revolucionário  correspondeu  a  esta  manifestação 
de  apreço,  proclamando : 

«Beneméritos  cidadãos,  ofTiciaes  inferiores  e  guardas 
nacionaes  da  i.®  brigada!  Bravos  sustentáculos  da  liberdade 
do  continente ! 

«Extasiado  de  prazer,  li  a  honrosa  felicitação  que  me 
dirigistes;  jamais  riscarei  de  minha  memoria  tão  distincto . 
obsequio,  agradecendo  vossas  lisonjeiras  expressões  na  mesma 
exarados. 

«Longo  tempo  cppresso,  victima  dos  verdugos  de  nossa 
pátria,  eu  encarava  contente  minha  acerba  sorte,  a  par  dos 
triumphos  e  louros  que  ornavam  vossas  frontes. 

«Trabalhei  incessantemente  por  vir  secundar  vossos 
esforços  e  felizmente  não  foram  improfícuas  minhas  diligen- 
cias: eis-me,  pois,  entre  vós! 

«Oh!  que  prazer  desfructo  n'este  delicioso  momento! 


CAPITULO   XXXIII  441 

«Si  a  pátria,  si  os  virtuosos  rio-grandenses  de  mim  confiam 
a  alta  missão  de  dirigir  seus  futuros  destinos,  ouso  afiançar- 
vos  que  me  não  pouparei  a  sacrificios  para  consolidar  no 
continente  o  único  systema  que  lhes  garante  a  paz  e  verdadeira 
felicidade,  firmadas  nas  solidas  bases  da  justiça  e  equidade, 
punindo  o  crime  e  alentando  a  virtude,  forte  égide  das 
democracias. 

«Mister  é,  pois,  ora  esforçar-vos  por  exterminar  nossos 
inimigos.;  para  o  que,  devereis  em  tudo  contar  com  o  vosso 
antigo  companheiro. 

«O  throno  do  Brazil  se  acha  por  toda  parte  convulso,  e 
prestes  se  antolha  sua  queda  e  nosso  triumpho,  ficando-nos  a 
gloria  immortal  de  haver  orientado  as  demais  provincias  na 
senda  de  sua  felicidade. 

(í  A  virtude,  constância  e  união  que  haveis  manifestado,  é 
sufficiente  garante  de  nosso  prestes  triumpho,  dç  que  extasiado 
vos  dirijo  parabéns. » 

No  principio  do  anuo  de  1838  contavam  os  revolucionários 
cerca  de  3.100  homens,  assim  distribuídos:  1.600  sob  o 
commando  de  Bento  Cxonçalves,  estacionado  na  Setembrina 
e  occupado  em  manter  o  assedio  de  Porto  Alegre;  400,  em 
Bagé,  com  António  Netto;  600  em  Piratiny,  com  Domingos 
Crescencio;  500  em  movimento  por  diversos  pontos  da 
campanha,  chefiados  por  Bento  Manoel  e  David  Canabarro. 

Todo  o  armamento  e  munições  de  que  necessitavam  lhes 
eram  fornecidos  pelo  Estado  Oriental. 

As  forças  imperiaes  occupavam  Porto  Alegre,  Rio  Grande 


442  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


e  S.  José  do  Norte,  e,  comprehendida  a  esquadrilha,  eram 
calculadas  em  6.000  homens. 

Reconhecendo  a  conveniência  de  serem  os  farrapos  desa- 
lojados da  Setembrina,  p  marechal  Elisiario,  a  31  de  Janeiro 
de  1838,  moveu  as  forças  de  que  dispunha  em  Porto  Alegre 
e  dirigiu-se  para  aquelle  ponto,  disposto  a  dispersar  os 
rebeldes,  sem  derramar  sangue  em  batalha  campal. 

Ao  perceber  este  movimento.  Bento  Gonçalves  abandonou 
seu  quartel-general  e  com  suas  tropas  atravessou  o  Cahy,  em 
marcha  para  a  campanha. 

Satisfeito  por  haver  eflectuado  a  dispersão,  o  marechal 
dirigiu-se  no  mez  de  Março  á  villa  de  Rio  Pardo,  d'onde 
conseguiu  desalojar  Bento  Manoel,  no  dia  17. 

Não  lhe  sendo  possivel  proseguir  a  excursão  militar  pela 
campanha,  em  consequência  do  mau  estado  da  cavalhada, 
regressou  o  presidente  para  a  capital,  deixando,  porém,  em 
Rio  Pardo,  como  commandante  geral  das  forças  o  marechal 
Sebastião  Barretto  Pereira  Pinto;  como  commandante  da 
infanteria  o  brigadeiro  Francisco  Xavier  da  Cunha  e  como 
commandante  da  cavallaria  o  brigadeiro  Bonifácio  Isás 
Calderon. 

Não  conformado  com  sua  expulsão  da  villa,  Bento  Manoel 
fez  juncção  com  forças  de  David  Canabarro,  João  António  e 
António  Netto,  perfazendo  um  total  de  2.500  homens,  dos 
quaes  800  de  cavallaria:  assim  robustecido,  regressou  a  Rio 
Pardo  e  a  30  de  Abril  travou  sanguinolento  combate  com  os 
imperialistas,  a  quem  infligiu  completa. derrota. 


CAPITULO  XXXIII  443 


Por  parfe  do  governo  legal,  morreram  2  coronéis,  4  capitães, 
5  alferes  e  60  soldados  e  cahiram  prisioneiros  30  officiaes  e 
mais  de  100  praças. 

Os  commandantes  lograram  escapar,  desordenadamente. 

A  perda  dos  revolucionários  foi  insignificante. 

Bento  Gonçalves  aproveitou  o  magnifico  eiísejo  para 
estimular  suas  tropas  a  novos  triumphos.  A  força  máscula  do 
estylo  define  bem  a  rija  tempera  do  bravo  revolucionário: 

«O  general  presidente  da  republica  ao  exercito  de  opera- 
ções em  Rio  Pardo. 

«Guerreiros  e  companheiros  d^annas! 

«Vossas  recentes  operações  militares  cobrem  de  gloria  a 
republica ;  acabam  de  immortalizar-vos. 

(( O  dia  30  de  Abril  levará  a  memoria  de  vosso  estrondoso 
triumpho  á  mais  remota  posteridade ;  e  a  vossa  descendência, 
orgulhosa  de  pertencer-vos,  dirá,  cheia  de  ufania,  assignalando, 
sobre  a  carta  do  novo  continente,  a  famosa  posição  do  Rio 
Pardo: — «Aqui  fizeram  morder  a  terra  a  seus  inimigos  nossos 
briosos  antepassados;  aqui  deram  golpe  mortal  ao  despotismo, 
que  pretendia  devorar-nos;  aqui  plantaram  os  pendões  da 
republica  sobre  montões  de  cadáveres;  aqui,  passado  o 
conflicto,  ainda  cobertos  de  sangue  de  seus  cnieis  verdugos, 
alargaram-lhes  a  mão  protectora  da  clemência  e  ensinaram 
ao  i)erfido  feroz  aristocrata  a  não  manchar  a  espada  dos 
valentes  no  sangue  de  um  inimigo  desarmado!» 

«Não  o  duvideis,  camaradas:  os  altos  destinos  da  Repu- 
blica Rio-Grandense  serão  completos. 


444  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


« Bein  depressa  purgareis  o  solo  sagrado  da  pátria  da 
presença  injuriosa  d'esses  restos  fugitivos  que  em  vão  preten- 
dem escapar-vos;  bem  depressa,  forçados  em  seus  últimos 
entrincheiramentos,  arrojados  para  sempre  de  nossas  praias, 
irão  levar  ao  despótico  governo,  que  os  envia,  a  confusão  e  a 
vergonha  de  tão  assignaladas  derrotas  e  a  convicção  irresis- 
tivel  de  vossa  sujxírioridade. 

«Defensores  da  republica,  confiai  no  governo;  uni-vos  em 
annel  firme  aos  generaes  e  chefes  encarregados  de  vos  guiar; 
repelli  para  longe  a  feia  intriga,  quando  intente  supplautar- 
vos.  Eis  o  vosso  mais  temivel  inimigo ;  só  ella  poderá  trocar 
em  funéreo  manto  e  em  ferros  da  escravidão  e  de  opprobrios 
tantos  triumphos,  tantos  louros  tão  custosamente  adquiridos, 
tantos  titulos  á  gloria,  á  admiração  do  universo...  vossa 
liberdade  e  independência  a  preço  de  tantos  sacrifícios 
conquistadas. 

«Republicanos!  Mais  um  esforço  ainda ;  mais  um  momento 
de  constância,  de  circumspecção  e  de  prudência:  a  pátria  será 
livre  e  nossa  independência  para  sempre  firmada. 

«Do  meu  quartel  general  no  Herval,  em  frente  do  inimigo, 
aos  6  de  Maio  de  1838.  —  Bento  (rouçalvcs  da  Silra, 

A  derrota  soffrida  pelas  forças  legaes  em  Rio  Pardo 
causou  inquietadora  impressão  ao  governo  imperial:  foram 
immediatamente  submettidos  a  conselho  de  guerra  os 
generaes  Sebastião  Harretto,  Francisco  Xavier  da  Cunha  e 
Honifacio  Calderon,  os  quaes,  em  sua  defesa,  allegaram  a 


CAPITULO   XXXIII  445 


superioridade  da  força  inimiga  e  a  surpresa  do  assalto:  o 
conselho  julgou-os  isentos  de  responsabilidade. 

A  frente  de  suas  tropas  victoriosas,  Bento  Gonçalves 
regressou  á  villa  Setembrina  e  continuou  o  sitio  de  Porto 
Alegre. 

Por  esse  tempo,  mudaram  os  farrapos  a  sede  da  republica, 
de  Piratiny  para  Caçapava,  onde  se  estabeleceu  o  governo 
sob  vice-presidencia. 

As  ordens  e  decretos  partiam  de  Setembrina,  residência 
habitual  de  Bento  Gonçalves. 

A  21  de  Janeiro  de  1839  tentou  o  marechal  António 
Elisiario  levantar  o  assedio  em  que  se  via  a  capital  e  com 
1.600  homens  marchou  sobre  a  villa  farrapa:  os  rebeldes  a 
abandonaram,  partindo  para  diversos  pontos,  a  fim  de  que 
suas  forças  não  fossem  inutilmente  sacrificadas. 

Em  soccorro  dos  revolucionários  veiu  de  Missões  o  general 
Bento  Manoel,  e,  a  i.°  de  Fevereiro,  tomando  posição 
conveniente  á  margem  do  rio  Cahy,  dirigiu  certeiros  tiros 
contra  canhoneiras  legaes  e  um  lanchão :  matou  o  comman- 
dante  de  uma  das  canhoneiras  e  o  mestre  do  lanchão  e 
apoderou-se  das  embarcações  artilhadas. 

Para  obstar  os  effeitos  doesta  surpresa. e  evitar  a  tomada 
de  Porto  Alegre,  já  cercada  por  4.000  homens  e  ameaçada 
por  7  boccas  de  fogo,  o  marechal  regressou  á  capital  e 
defendeu-a  contra  o  projectado  assalto. 

Levada  ao  Rio  de  Janeiro  a  noticia  de  mais  um  desastre, 
acompanhado  do  boato  de  que  o  presidente,  \yoT  suas  sympa- 


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'^H,^)/^*j^/  ih^on^i'/  '/»;  'i«^;>:/;r  '>:  vrr  ^dtrr^j^-^-io  ::o  primeiro 
'  lí*^('u  '|*í<  -4  5//fi/  'U^/ífT^'.  N  <r^ta.*:  c-V.^iim-lancias,  pois, 
;-AMlii,ít?.  *    ;iHmi(;i  ;í  '  ;il;iiiMt//*>a  t-  dtsgraçadissíina  situação 


CAPITULO  XXXIII  447 


em  que  se  acham  os  bandos  rebeldes,  indisciplinados,  nús, 
discordes  e  desmoralizados,  é-  evidente  que  a  duração  da 
guerra  não  pôde  ser  longa  e  que  a  victoria  da  coilstituição  e 
do  throno  não  está  distante. » 

Mas  o  exercito  legal  não  realizou  as  façanhas  imaginadas 
pelo  ministro,  nem  mesmo  impediu  que  os  farrapos  dessem 
ás  suas  forças  a  direcção  que  entendessem. 

Itnpossibilitados  de  occupar  a  villa  de  S.  José  do  Norte  ou 
a  cidade  do  Rio  Grande,  e  tendo  necessidade  de  um  porto,  por 
onde  estabelecessem  communicação  com  o  exterior,  lançaram 
os  revolucionários  as  vistas  sobre  a  Laguna,  porto  da  provincia 
de  Santa  Catharina. 

Esta  idéa,  partida  de  Bento  Manoel,  tomou  corpo ;  uma 
expedição  de  150  homens  organizou-se  na  Setembrina  sob  o 
commando  de  David  Canabarro  e  marchou  para  o  ponto 
indicado. 

A  villa  da  Laguna  era  guarnecida  por  forças  legaes 
.  dirigidas  pelo  tenente-coronel  Vicente  de  Paulo  de  Oliveira 
Villas  Boas.  Suppoz  este  official  que  ia  ser  atacado  por  grande 
numero  de  farrapos  e,  receoso  de  completa  derrota,  achou  de 
bom  aviso  abandonar  seu  posto  e  retirar-se  para  lognr  distante 
e  abrigado,  o  Morro  dos  Cavallos.  As  forças  de  seu  commando 
sustentaram  combate  desegual  com  os  revolucionários:  tiveram 
15  mortos  e  77  prisioneiros,  ao  passso  que  os  farrapos  só 
perderam  um  homem. 

A  Laguna  foi  tomada  a  22  de  Julho  de  1839,  deixando 
como  opulento  despojo  ao  general  Canabarro  4  escunas  de 


jf\rMvni*^  iA.^iz::ja3íiâS: 


J-ttíiJ:i*it   ^i^^    ímiilv^    f,.ixirô*j!»v     íiuif    'jiiíTí*   iuQaõãi)&.  João 
X-idvuiv  <i*   U:n*tKii  ^'irrvr.^  *  //iiiuiái'  Cianârni'  dtr  Sonxia 

44í/i*-AKUi.  ;uH^áyii.  iiLíV^.i'x  ♦:  *rrlrani^»5TOfc. 

O  j;;v\*-!uv  í*-puv".i'-Sí.tio  d*:  Saula  CaLhamia  jirannilgon 
^:!*•^  4*/*J*-v^i  :  «-l»'\Kaav  {í  *Aáixô*:  h  \':usl  da  Lagfrma,  sei)  a 
<U-íi'/ií;i;jui<^áv  <!<•  ^AÒkA*-  Juliana  c-^i^iao  r^coràh^o  do  mcz  de 
Jullio  d<-  J^.3V'"  ^^^^^^^^-f  'J  t6]x-  t  ptmdáo  narioaa]  com  as 
«•/^♦*5í.  \t-íd' ,  braiJíJii  <"  amardla  e  nf/meaudo  l>a\Sd  Canabarro 
;/<*>i**fiil  «*i;j  <  h<-í^r  do  <rK.tTdto  catharinense- 

<>  <vuiniai)do  da?^  quatro  canhoneiras  de  guerra  foi 
íí/DÍiado  ;í<>  <  <-]<'br<r  deniíXTala  italiano  José  Garibaldi,  o 
ÍJiujíorlal  hcroe  a  qneni  a  Itália  deve  a  gloria  de  sua 
iinifka<;ão  (  '  j. 


'  I  ;  Na  I^q^uiia  eticoulroa-se  José  Garibaldi  cora  a  formosa  jo\*en  Anna  de 
Ji-^iM  Apaixonaram  st-  um  pelo  outro.  Filha  dt  um  legalista  intransigente,  Bento 
ilii  Silva,  que  oiliava  (iarib.ildi,  por  ter  este  o  duplo  defeito  de  s^x  farrapo  e 
í^tiníít,,  Annita,  para  unir-se  ao  dilecto  de  seu  coração,  consentiu  em  fugir  com 


CAPITULO  XXXIII  449 


Algumas  palavras  sobre  este  valoroso  revolucionário. 

Por  achar-se  envolvido  em  crime  de  conspiração,  fora 
Garibaldi  obrigado  a  abandonar  a  pátria  e  a  refugiar-se  na 
America.  Chegado  ao  Rio  de  Janeiro,  travou  relações  com  seu 
compatriota  Rossetti  e  por  meio  d'este  ponde  falar  com 
Zambecari,  Onofre  e  Bento  Gonçalves,  presos  nas  fortalezas 
fluminenses. 

Para  defender  a  causa  republicana,  arvorou-se  em  corsário, 
e,  ao  saliir  do  Rio  de  Janeiro,  aprisionou  uma  escuna  brazi- 
leira;  passou-se  para  ella;  deu-lhe  o  nome  de  Farroupilha  e 
levou-a  para  Maldonado.  Perseguido  por  navios  orientaes, 
conseguiu  pôr-se  fora  do  alcance  d'elles. 

Pouco  depois  penetrava  no  Rio  Grande  do  Sul;  ahi, 
munido  de  carta  de  corso  que  lhe  dera  João  Manoel  de  Lima 
e  Silva  e  com  dois  lanchões  annados  em  guerra,  o  Rio  Pardo 
e  o  Republicano^  dava  caça  a  navios  mercantes,  recolhendo 
provisões  para  os  farrapos. 


elle  para  bordo  da  canhoneira  Itaparica.  Pouco  tempo  depois  uniam-se  cm 
matrimonio.  Annita  foi  uma  mulher  dig^a  de  Garibaldi. 

Em  um  combate  naval  travado  em  Santa  Catharína  occorreu  um  episodio 
que  deu  á  nossa  compatriota  as  proporções  de  verdadeira  heroina. 

Relata-o  José  Garibaldi  em  suas  Memorias : 

« Eu  senti  n*esta  lucta  uma  das  mais  vivas  e  cruéis  commoções  de  minha  vida. 
Como  Anniu,  sobre  a  coberta  da  goleta,  animava  os  homens  com  o  sabre  na  m&o, 
uni.i  bala  de  artilheria  arrastou-a  com  dois  d'ellcs.  Eu  corri  para  ella,  julgando 
nào  encontrar  mais  do  que  um  cadáver,  porém  levantou-se  san  e  salva :  os  dois 
homens  tinliam  morrido.  Pedi-lhe  entào  que  descesse  para  a  segunda  coberta. 

«  —  Sim,  respondeu  cUa,  vou  descer  para  fazer  sahir  de  lá  os  cobardes  que 
estAo  escondidos ! 

«  Desceu,  com  eíTeito,  e  voltou  bem  depressa,  trazendo  deante  de  si  dois  ou 
três  marinheiros,  envergonhados  de  serem  menos  valentes  do  que  uma  mulher.  » 
07  TOM.  n 


\ 


450  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Com  O  posto  de  capitão-tenente,  commandante  da  esqua- 
drilha republicana,  Garibaldi  fazia  centro  de  suas  operações 
á  foz  do  rio  Camaquam,  tributário  da  lagoa  dos  Patos,  e 
tinha  como  quartel  um  galpão  de  charqueada  da  estancia  da 
Barra,  pertencente  a  D.  Antónia  Gonçalves,  irmã  de  Bento 
Gonçalves. 

Ahi,  na  manhã  de  17  de  Abril  de  1839,  viu-se  elle  inespe- 
radamente atacado  por  uma  força  de  mais  de  100  homens, 
commandada  pelo  coronel  Francisco  Pedro  de  Abreu,  conhe- 
cido por  Chico  Pedro  ou  vulgarmente  Chico -Moringue  ('), 
distinguido  mais  tarde  com  o  titulo  de  barão  de  Jaculiy. 

Existiam  no  galpão  somente  11  farrapos,  porém  foi 
numero  sufficiente  para  resistir  á  força  legal.  Depois  de  algu- 
mas horas  de  forte  tiroteio,  Chico  Pedro,  ferido  no  peito  e  em 
uma  liião,  mandou  tocar  a  retirada,  deixando  no  campo 
6  mortos  e  levando  muitos  feridos;  tiveram  os  rebeldes 
6  homens  levemente  feridos  e  um  morto  (^). 

Por  occasião  da  expedição  á  Laguna,  não  podendo 
Garibaldi  passar  seus  lanchões  pela  barra  no  Rio  Grande, 
interceptada  pela  esquadrilha  legal,  tomou  o  alvitre  de  fazel-os 
transportar  por  terra,  da  lagoa  dos  Patos  ao  Oceano  Atlântico. 


(  1  )  o  appellido  Moringue  provinha  de  seu  pae,  Pedro  José  Gomes  de 
Abreu,  porque  sendo  este  cidadão  possuidor  de  uma  grande  cabeça,  adornada  de 
orelhas  muito  salientes  e  assente  sobre  pescoço  íino,  parecia  trazer  sobre  os 
hombros  um  moringue. 

(  2)  Officio  de  José  Garibaldi  dirigido  ao  commandante  de  policia  Seraphim 
Ignacio  e  publicado  no  n.  68  do  Povo  de  22  de  Maio  de  1839. 


CAPITULO   XXXIII  451 


Com  esse  arrojado  intento,  collocou-os  á  margem  esquerda 
da  lagoa ;  ahi  montou-os  cada  um  em  quatro  rodas,  e  puxados 
um  a  um  por  50  juntas  de  bois,  penosamente,  atravessando 
extenso  areal,  conseguiu  leval-os  ao  rio  Tramandahy,  e,  por 
elle  descendo,  chegou  á  costa  do  Atlântico. 

Infelizmente  no  encapellado  mar,  a  que  se  afoutou,  nau- 
fragou o  lanchão  Rio  Pardo^  entre  Torres  e  o  cabo  de  Santa 
Martha,  perdendo-se  16  homens  dos  30  de  que  se  compunha 
a  tripulação. 

Garibaldi  viu-se  obrigado  a  continuar  a  viagem,  a  pé,  até 
á  Laguna. 

Ahi  chegado,  deu-lhe  o  general  Canabarro  o  commando 
da  esquadrilha,  composta  das  4  canhoneiras,  de  que  a  Itaparica 
era  o  navio  chefe. 

Em  ordem  do  dia  de  29  de  Julho  o  presidente  da  provincia 
de  Santa  Catharina,  João  Carlos  Pardal,  chamou  ao  serviço 
de  guerra  todos  os  guardas  nacionaes  da  capital  (Desterro), 
os  da  reserva  e  os  fimccionarios  públicos ;  incumbiu  o  chefe 
de  esquadra,  Miguel  de  Souza  Mello  Alvim,  da  defesa  marí- 
tima, o  brigadeiro  Francisco  de  Mello  Albuquerque  do 
commando  geral  das  forças  reunidas  na  capital  e  na  ilha,  e  a 
coronel  Joaquim  de  Almeida  Coelho  do  commando  de  todos 
os  cidadãos  que  não  fossem  guardas  nacionaes  do  serviço 
activo  ('). 

A  18  de  Agosto  assumiu  o  marechal  Soares  de  Andréa 


(  I  )  Correio  Official,  n.  44,  de  22  de  Agosto  de  1859. 


[^2  MEMORIAS    BRAZILfiXRAS 


•  )s  cargos  de  presidente  da  provinda  e  de  comxnaiidaiite  das 
armas,  e  de  tal  forma  soube  combinar  as  forças  de  terra^ 
i  ommandadas  ]>elo  tenente-coronel  José  Fernandes  dos  Santos 
1'ereíra.  com  as  marítimas,  sob  as  ordens  do  capitão  de  mar 
c*  ^j^ierr?í  í^rederior)  \fariiitb,  que  dentro  de  três  mezes  conr 
'^eorinn  c-xpellir  da  í^agima  <)s  invasores. 

Devido  n  sna  rara  actividade,  a  republica  de  Santa  Cathar 
rina  leve  curta  duração:  proclamada  a  Z5  de  JnlliD,  extm* 
^uiti-se  a  15  tJe  Novembro  de  1H39,  dia  em  que  alli  chegon 
;i  esquadrilha  imperial  composta  de  13  na\'ios  cora  300  praças 
de  oriiarnição.  600  de  abordagem  e  fortalecida  de  ^^  peças  de 
arti  Ibéria. 

Dispunham  í>s  farrapos  de  5  navios,  armados  em  gueana, 
com  \6  peças  e  commandados  por  José  (^iaribaldi.  Em  tsBna, 
David  Canabarro  achava-se  á  frente  de  1.200  hamen& 

Pretenderam  os  farrapos  fechar  a  barra  da  Laguna,  atra?- 
vessando-lhe  grossa  corrente  de  ferro;  esta  idéa,  porém,  nâo 
teve  execução  pela  impossibilidade  de  fixar-se  uma  das  estre^ 
midades  da  corrente  no  ponto  arenoso  e  movediço,  fionteíro 
ao  forte. 

5>em  esse  obstáculo,  a  flotilha  imperial  penetrou  no  porto  da 
í/agnna,  sustentando  vivissimo  tiroteio  com  as  7  peças  de 
artilheria  f)ostadas  no  forte  e  com  as  descargas  partidas  da 
iFiargí  TU  es/|nerda.  Encarniçada  foi  a  lucta,  resultando  para 
'»s  le^afs  (f  desl/arato  de  íHo  homens  entre  mortos  e  feridos  e 
jffifa  (r=i  TffMíblicauffS  (}  de  2^x^>.  Dos  que  commandavam  os 
navi'^  rebeldes   .só  escapou   Garibaldi,   que,   ao  abandonar 


CAPITUU)  XXXIII  453 


a  sua  canhoneira  Itaparica^  viu  sobre  a  tolda  mortos  todos 
os  seus  companheiros  de  luctas. 

Ao  retirar-se,  os  farrapos  incendiaram  as  canhoneiras 
Itaparica  e  Libertadora  e  abandonaram  as  demais  embarca- 
ções, escuna  Caçapava^  canhoneiras  SanVAnna  e  Làgunense^ 
palhabote  Seival^  4  sumacas,  7  hiates,  4  escunas,  i  patacho 
e  3  lanchões  ( ' ). 

David  Canabarro  cedeu  ao  numero  e  regressou  para  o 
Rio  Grande  do  Sul.  Em  caminho,  o  coronel  Joaquim  Teixeira 
com  400  homens  encontra,  no  dia  14  de  Dezembro  de  1839, 
no  passo  de  Santa  Victoria,  do  rio  Pelotas,  o  brigadeiro  legal 
Francisco  Xavier  da  Cunha:  travam  combate  e  é  morto  este 
bravo  ofEcial  com  30  de  seus  commandados. 

Experimentaram  os  legaes  o  revez  de  perderem  um 
oflScial  valente  como  era  o  brigadeiro  Xavier  da  Cunha; 
também,  mezes  antes,  os  farrapos  sentiram  a  falta  de  um 
velho  camarada,  um  brigadeiro  de  comprovada  bravura: 
Bento  Manoel  Ribeiro,  que,  a  18  de  Julho,  desertara,  por 
segunda  vez,  das  fileiras  republicanas,  despeitado  por  haver 
sido  nomeado  tenente-coronel  commandante  do  2.°  batalhão 
de  caçadores  Francisco  José  da  Rocha,  a  quem  elle  havia 
asperamente  reprehendido. 

Xavier  da  Cunha  era  eliminado  das  fileiras  legaes  pela 


( I  )  Relação  das  embarcaçães  apresadas,  publicada  pelo  capitão  de  mar  e 
^erra,  chefe  de  divisão,  Frederico  Mariath,  no  Correio  Oj^cíal  n.  141  de  17  de 
Dezembro  de  1839. 


454  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

morte,  a  que  o  conduzira  o  sagrado  amor  da  pátria;  Bento 
Manoel  abandonava  o  ideal  republicano,  porque,  acima  dos 
principios,  coUocava  sempre  o  seu  amor  próprio,  o  seu  detes- 
tável egoismo. 

Confrontando  o  procedimento  dos  dois  vultos,  diremos 
que  a  morte  é  mil  vezes  preferível  á  absoluta  ausência  de 
dignidade. 

Quando  regressou  para  a  Itália,  Garibaldi,  como  recor- 
dação da  guerra  civil  rio-grandense,  seihpre  usou  camisa 
vermelha  e  poncho,  á  moda  dos  lanceiros  farroupilhas,  e,  no 
final  de  sua  brilhante  carreira  militar,  pediu  que  o  sepultas- 
sem com  essas   vestes  históricas. 

Envolvido  em  guerras  européas  de  mais  vulto,  nunca 
esqueceu  a  terra  em  que  fez  as  suas  primeiras  armas  em 
favor  da  liberdade  e  onde  a  sua  bravura  encontrou  exemplos 
a  seguir. 

Como  saudosa  homenagem  aos  chefes  farrapos,  seus 
companheiros  de  luctas,  o  immortal  heroe  italiano  escreveu  a 
Domingos  José  de  Almeida  uma  honrosa  carta: 

«Modena,  lo  de  Setembro  de  1859.  ^^^^  prezado  amigo 
Almeida. — Quando  penso  no  Rio  Grande,  n^essa  bella  e  cara 
provincia ;  quando  penso  no  acolhimento  com  que  fui  rece- 
bido no  grémio  de  suas  familias,  onde  fui  considerado  filho ; 
quando  me  lembro  de  minhas  primeiras  campanhas  entre 
vossos  valorosos  concidadãos  e  os  sublimes  exemplos  de  amor 
pátrio  e  abnegação  que  d^elles  recebi,  fico  verdadeiramente 


CAPiTuix)  xxxin  455 


commovido !  E  esse  passado  de  mmha  vida  se  imprime  em 
minha  memoria  como  alguma  cousa  de  sobrenatural,  de 
magico,  de  verdadeiramente  romântico. 

«Vi  corpos  de  tropas  mais  numerosos,  batalhas  mais 
disputadas;  mas  nunca  vi,  em  nenhuma  parte,  homens  mais 
valentes,  nem  cavalleiros  mais  brilhantes  que  os  da  bella 
cavallaria  rio-grandense,  em  cujas  filas  comecei  a  desprezar  o 
perigo  e  a  combater  dignamente  pela  causa  sagrada  das 
nações. 

«Quantas  vezes  fui  tentado  a  patentear  ao  mundo  os 
feitos  assombrosos  que  vi  realizar  por  essa  viril  e  destemida 
gente,  que  sustentou  por  mais  de  9  annos,  contra  um  pode- 
roso império,  a  mais  encarniçada  e  gloriosa  lucta! 

«Náo  tenho  escripto  semelhantes  prodígios  por  falta  de 
habilitações;  porém  a  meus  companheiros  de  armas,  por 
mais  de  uma  vez,  tenho  rememorado  tanta  bravura  nos  com- 
bates, quanta  generosidade  na  victoria,  tanta  hospitalidade 
quanto  afago  aos  extrangeiros,  e  a  emoção  que  minha  alma 
ainda  joven  (*)  sentia  na  presença  e  na  majestade  de  vossas 
florestas,  da  formosura  de  vossas  campinas,  dos  \âris  e  cava- 
lheirescos exercícios  de  vossa  juventude  corajosa;  e,  repas- 
sando pela  memoria  as  vicissitudes  de  minha  vida  entre  vós, 
em  6  annos  de  activissima  guerra  e  da  pratica  constante  de 
acções  magnânimas,  como  em  delírio  brado:  « — Onde  estarão 
agora   esses  bellícosos  filhos  do  Continente,  tão  mejestosa- 


( •  )  Km  1837  contava  Garibaldi  y>  annos. 


45^  MÊMOkiAS  BRA^itElkAS 


mente  terríveis  nos  combates?  Onde  Bento  Gonçalves,  Netto, 
Canabarro,  Teixeira  e  tantos  valorosos  que  não  lembro? 

«Oh!  quantas  vezes  tenho  desejado,  n'estes  campos 
italianos,  um  só  esquadrão  de  vossos  centauros  avezados  a 
carregar  uma  massa  de  infanteria  com  o  mesmo  desembaraço 
como  si  fosse  uma  ponta  de  gado? 

«Que  o  Rio  Grande  atteste  com  uma  modesta  lapida  o 
sitio  em  que  descançam  seus  ossos.  E  que  vossas  bellissimas 
patrícias  cubram  de  flores  esses  sanctuarios  de  vossas  glorias, 
é  o  que  ardentemente  desejo. 

«Eu  muito  me  lembro,  meu  digno  e  caro  amigo,  da 
bondade  generosa  com  que  fui  honrado  por  vós,  no  tempo  em 
que  tão  dignamente  occupastes  uma  das  pastas  do  ministério 
da  republica,  e  tenho  verdadeira  saudade  como  gratidão  dos 
benefícios  recebidos  de  vós  e  de  vossos  companheiros  e  conci- 
dadãos na  minha  estada  no  Rio  Grande.  Por  mim  abraçai  a 
todos  esses  amigos  e  mandai  em  toda  a  occasião  ao  vosso 
verdadeiro  amigo— yi75^  Garibaldi. 

No  anno  de  1838  conseguiram  os  farrapos  algumas 
victorias  parciaes  sobre  os  legalistas:  a  30  de  Julho  o  coronel 
Francisco  Pedro  de  Abreu  era  batido  por  forças  do  repu- 
blicano Amaral  Ferrador;  a  25  de  Agosto  o  farrapo  Agos- 
tinho de  Mello  punha  em  debandada  outro  grupo  legalista, 
nas  immediações  do  Ijuhy-Grande;  a  30  de  Agosto,  Francisco 
Pedro  soffreu  derrota  infligida  pelo  tenente-coronel  Raphael 
Fortunato  de  Abreu,  perto  de  Camaquam,  e  em  Setembro 
seguinte,  novo  desastre  occasiouado  por  Amaral  Ferrador; 


CAí>iYui.o  xkxiil  457 


em  Cima  da  Serra,  o  farrapo  Aranha  alcançou  victoria  sobre 
as  forças  legaes  de  Jucá  Grande  e  de  João  Lourenço  e  Oli- 
veira. 

As  victorias  dos  farrapos  eram  festejadas  por  meio  de 
cantos  que  vibravam  a  fibra  patriótica.  A  vastidão  do  pampa 
incutia-lhes  no  largo  peito  o  fervoroso  sentimento  da  liberdade. 

Com  que- prazer  enthusiastico  não  entoavam  o  Hymno 
Nacional  Republicano  ('),  cuja  lettra  dizia: 

CANTO 

Como  a  aurora,  precursora 
Do  pharol  da  Divindade, 
Foi  o  vinte  de  Setembro 
Precursor  da  Liberdade ! 

CÔRO 

Mostremos  valor,  constância, 
N*esta  Ímpia  e  injusta  guerra; 
Sirvam  as  nossas  façanhas 
De  modelo  a  toda  a  terra  ! 

CAIÍTO 

Entre  nós  reviva  Athenas 
Para  assombro  dos  tyrannos ; 
Sejamos  Gregos  na  gloria 
E  na  virtude  Romanos  ! 

CÔRO 

Mostremos  valor,  constância,  etc. 


( I  )  Musica  do  compositor  bahiano  Joaquim  José  de  Mendanha  e  lettra  do 
poeta  Francisco  Pinto  da  Fontoura  (  Chiquinho  da  Vovó ). 

M  TOM.  u 


458  MEMORIAS  B&AZILKI&AS 


CANTO 

Mas  nâo  basta  p*ra  ser  iivre 
Ser  forte,  aguerrido  e  bravo; 
Povo  que  nâo  tem  virtude. 
Acaba  por  ser  escravo ! 

CORO 

Mostremos  valor,  constância,  etc. 

Outra  canção  patriótica,  o  Hymno  Rio-Pardense  ('), 
lembra va-lhes  as  victoríosas  datas  de  20  de  Setembro  de  1835 
e  de  30  de  Abril  de  1838. 

CANTO 

No  horísonte  rio-grandense 
Se  divisa  a  Divindade, 
Extasiada,  em  prazer. 
Dando  viva  á  Liberdade ! 

CORO 

Da  gostosa  Liberdade 
Brilha  entre  nós  o  clarão ; 
Da  constância  e  da  coragem 
Eis  ahi  o  galardão. 

CANTO 

Avante,  6  povo  brioso ! 
Nunca  mais  retrogradar, 
Porque  atraz  fica  o  abysmo 
Que  ameaça  nos  tragar  ! 

CORO 

Da  gostosa  Liberdade,  etc. 


( I  )  I^ttra  do  capitão  Seraphim  Joaquim  de  Alencastro. 


CAPITULO  XXXIII  459 


CANTO 

Salve,  6  vinte  de  Setembro, 
Dia  grato  e  soberano 
Aos  livres  cont^nentistas, 
Ao  povo  republicano ! 

CORO 

Da  gostosa  Liberdade,  etc. 

CANTO 

Salve,  ó  dia  venturoso. 
Risonho  trinta  de  Abril, 
Que  aos  corações  patriotas 
Encheste  de  gostos  mil ! 

CORO 

Da  gostosa  Liberdade,  etc. 

O  grande  triumpho  obtido  iio  Seival,  a  lo  de  Setembro 
de  1836,  era  egiialmente  cantado  em  suas  festas  cívicas: 

Parabéns,  Continentinos ! 
Eis  o  dia  soberano 
Era  que  no  Seival  soou 
O  grito  republicano ! 

No  angulo  do  Continente 
O  pavilhão  tricolor 
Se  divisa  sustentado 
Por  liberdade  e  valor !  ( » ) 


( I  }  Esta  quadra  via-se  lambem  impressa  em  grandes  e  finos  lenços  de  seda, 
usados  pelos  farrapos  e  especialmente  por  suas  mulheres  e  filhas,  que  os  traziam 
atados  ao  pescoço. 

Esses  lenços  eram  fabricados  e  impressos  na  França :  apresentavam  as  armas 
da  republica,  bem  como  as  datas  de  combates  memoráveis. 

SAo  hoje  conservados  pelos  rio-grandenses  como  relíquias  preciosas. 


454  MEMORIAS  BRAZII^EIRAS 

morte,  a  que  o  conduzira  o  sagrado  amor  da  pátria;  Bento 
Manoel  abandonava  o  ideal  republicano,  porque,  acima  dos 
principios,  coUocava  sempre  o  seu  amor  próprio,  o  seu  detes- 
tável egoísmo. 

Confrontando  o  procedimento  dos  dois  vultos,  diremos 
que  a  morte  é  mil  wtzes  preferível  á  absoluta  ausência  de 
dignidade. 

Quando  regressou  para  a  Itália,  Garibaldi,  como  recor- 
dação da  guerra  civil  rio-grandense,  seihpre  usou  camisa 
vermelha  e  poncho,  á  moda  dos  lanceiros  farroupillias,  e,  no 
final  de  sua  brilhante  carreira  militar,  pediu  que  o  sepultas- 
sem com  essas   vestes  históricas. 

Envolvido  em  guerras  européas  de  mais  vulto,  nunca 
esqueceu  a  terra  em  que  fez  as  suas  primeiras  armas  em 
favor  da  liberdade  e  onde  a  sua  bravura  encontrou  exemplos 
a  seguir. 

Como  saudosa  homenagem  aos  chefes  farrapos,  seus 
companheiros  de  luctas,  o  immortal  heroe  italiano  escreveu  a 
Domingos  José  de  Almeida  uma  honrosa  carta: 

ffModena,  lo  de  Setembro  de  1859.  Meu  prezado  amigo 
Almeida. — Quando  penso  no  Rio  Grande,  n^essa  bella  e  cara 
provincia ;  quando  penso  no  acolhimento  com  que  fui  rece- 
bido no  grémio  de  suas  familias,  onde  fui  considerado  filho ; 
quando  me  lembro  de  minhas  primeiras  campanhas  entre 
vossos  valorosos  concidadãos  e  os  sublimes  exemplos  de  amor 
pátrio  e  abnegação  que  d^elles  recebi,  fico  verdadeiramente 


CAPiTuiX)  XXXIII  455 


cominovido !  E  esse  passado  de  iiimha  vida  se  imprime  em 
minha  memoria  como  alguma  cousa  de  sobrenatural,  de 
magico,  de  verdadeiramente  romântico. 

«rVi  corpos  de  tropas  mais  numerosos,  batalhas  mais 
disputadas;  mas  nunca  vi,  em  nenhuma  parte,  homens  mais 
valentes,  nem  cavalleiros  mais  brilhantes  que  os  da  bella 
cavallaria  rio-grandense,  em  cujas  filas  comecei  a  desprezar  o 
perigo  e  a  combater  dignamente  pela  causa  sagrada  das 
nações. 

«Quantas  vezes  fui  tentado  a  patentear  ao  mundo  os 
feitos  assombrosos  que  vi  realizar  por  essa  viril  e  destemida 
gente,  que  sustentou  por  mais  de  9  annos,  contra  um  pode- 
roso império,  a  mais  encarniçada  e  gloriosa  lucta! 

«Não  tenho  escripto  semelhantes  prodigios  por  falta  de 
habilitações;  porém  a  meus  companheiros  de  armas,  por 
'mais  de  uma  vez,  tenho  rememorado  tanta  bravura  nos  com- 
bates, quanta  generosidade  na  victoria,  tanta  hospitalidade 
quanto  afago  aos  extrangeiros,  e  a  emoção  que  minha  alma 
ainda  joven  (*)  sentia  na  presença  e  na  majestade  de  vossas 
florestas,  da  formosura  de  vossas  campinas,  dos  viris  e  cava- 
lheirescos exercícios  de  vossa  juventude  corajosa;  e,  repas- 
sando pela  memoria  as  vicissitudes  de  minha  vida  entre  vós, 
em  6  annos  de  activissima  guerra  e  da  pratica  constante  de 
acções  magnânimas,  como  em  delírio  brado:  « — Onde  estarão 
agora   esses  bellicosos  filhos  do  Continente,  tão  mejestosa- 


( • )  Em  1837  contava  Garibaldi  30  annos. 


45^  MÉMOkiAS  BRA2SítElkAS 


mente  terríveis  nos  combates?  Onde  Bento  Gonçalves,  Netto, 
Canabarro,  Teixeira  e  tantos  valorosos  que  não  lembro? 

«Oh!  quantas  vezes  tenho  desejado,  n^estes  campos 
italianos,  um  só  esquadrão  de  vossos  centauros  avezados  a 
carregar  uma  massa  de  infanteria  com  o  mesmo  desembaraço 
como  si  fosse  uma  ponta  de  gado? 

«Que  o  Rio  Grande  atteste  com  uma  modesta  lapida  o 
sitio  em  que  descançam  seus  ossos.  E  que  vossas  bellissimas 
patricias  cubram  de  flores  esses  sanctuarios  de  vossas  glorias, 
é  o  que  ardentemente  desejo. 

«Eu  muito  me  lembro,  meu  digno  e  caro  amigo,  da 
bondade  generosa  com  que  fui  honrado  por  vós,  no  tempo  em 
que  tão  dignamente  occupastes  uma  das  pastas  do  ministério 
da  republica,  e  tenho  verdadeira  saudade  como  gratidão  dos 
benefícios  recebidos  de  vós  e  de  vossos  companheiros  e  conci- 
dadãos na  minha  estada  no  Rio  Grande.  Por  mim  abraçai  a 
todos  esses  amigos  e  mandai  em  toda  a  occasião  ao  vosso 
verdadeiro  amigo -^/osé  Garibaldi. 

No  anno  de  1838  conseguiram  os  farrapos  algumas 
victorias  parciaes  sobre  os  legalistas:  a  30  de  Julho  o  coronel 
Francisco  Pedro  de  Abreu  era  batido  por  forças  do  repu- 
blicano Amaral  Ferrador;  a  25  de  Agosto  o  farrapo  Agos- 
tinho de  Mello  punha  em  debandada  outro  grupo  legalista, 
nas  immediações  do  Ijuhy-Grande;  a  30  de  Agosto,  Francisco 
Pedro  soffreu  derrota  infligida  pelo  tenente-coronel  Raphael 
Fortunato  de  Abreu,  perto  de  Camaquam,  e  em  Setembro 
seguinte,  novo  desastre  occasionado  por  Amaral  Ferrador; 


CAHYuLO  xkxiil  457 

em  Cima  da  Serra,  o  farrapo  Aranha  alcançou  victoria  sobre 
as  forças  legaes  de  Jucá  Grande  e  de  João  Lourenço  e  Oli- 
veira. 

As  victorias  dos  farrapos  eram  festejadas  por  meio  de 
cantos  que  vibravam  a  fibra  patriótica,  A  vastidão  do  pampa 
incutia-Uies  no  largo  peito  o  fervoroso  sentimento  da  liberdade. 

Com  que. prazer  enthusiastico  não  entoavam  o  Hymno 
Nacional  Republicano  ('),  cuja  lettra  dizia: 

CANTO 

Como  a  aurora,  precursora 
Do  pharol  da  Divindade. 
Foi  o  vinte  de  Setembro 
Precursor  da  Liberdade ! 

CÔRO 

Mostremos  valor,  constância, 
N^esta  Ímpia  e  injusta  guerra; 
Sirvam  as  nossas  façanhas 
De  modelo  a  toda  a  terra  ! 

CANTÒ 

Entre  nós  reviva  Athenas 
Para  assombro  dos  tyrannos ; 
Sejamos  Gregos  na  gloria 
E  na  virtude  Romanos  ! 

CÔRO 

Mostremos  valor,  constância,  etc. 


( I )  Musica  do  compositor  bahiano  Joaquim  José  de  Mendanha  e  lettra  do 
poeta  Francisco  Pinto  da  Fontoura  (  Chiquinho  da  Vovô ). 


458  MEMORIAS  BRÂZILEIRAS 


CANTO 

Mas  não  basta  p*ra  ser  livre 
Ser  forte,  aguerrido  e  bravo ; 
Povo  que  não  tem  virtude, 
Acaba  por  ser  escravo ! 

CORO 

Mostremos  valor,  constância,  etc. 

Outra  canção  patriótica,  o  Hymno  Rio-Pardense  ('), 
lembra va-lhes  as  victoriosas  datas  de  20  de  Setembro  de  1835 
e  de  30  de  Abril  de  1838. 

CANTO 

No  horisonte  rio-grandense 
Se  divisa  a  Divindade, 
Extasiada,  em  prazer. 
Dando  viva  á  I^iberdade ! 

CORO 

Da  gostosa  I^iberdade 
Brilha  entre  nós  o  clarão ; 
Da  constância  e  da  coragem 
Eis  ahi  o  galardão. 

CANTO 

Avante,  6  povo  brioso ! 
Nunca  mais  retrogradar, 
Porque  atraz  fica  o  abysmo 
Que  ameaça  nos  tragar  ! 

CORO 

Da  gostosa  I^iberdade,  etc. 


( I  )  I^ettra  do  capitão  Seraphim  Joaquim  de  Alencastro. 


CAPITULO  XXXIII  459 


CANTO 

Salve,  6  vinte  de  Setembro, 
Dia  grato  e  soberano 
Aos  livres  continentistas, 
Ao  povo  republicano ! 

CORO 

Da  gostosa  Liberdade,  etc. 

CANTO 

Salve,  6  dia  venturoso. 
Risonho  trinta  de  Abril, 
Que  aos  corações  patriotas 
Encheste  de  gostos  mil ! 

CORO 

Da  gostosa  Liberdade,  etc. 

O  grande  triumpho  obtido  no  Seival,  a  lo  de  Setembro 
de  1836,  era  egualmente  cantado  em  suas  festas  cívicas: 

Parabéns,  Continentinos ! 
Eis  o  dia  soberano 
Em  que  no  Seival  soou 
O  grito  republicano ! 

No  angulo  do  Continente 
O  pavilhão  tricolor 
Se  divisa  sustentado 
Por  liberdade  e  valor !  ( » ) 


( I )  Esta  quadra  via-se  também  impressa  cm  gfrandes  e  finos  lenços  de  seda, 
usados  pelos  farrapos  c  especialmente  por  suas  mulheres  e  filhas,  que  os  traziam 
atados  ao  pescoço. 

Esses  lenços  eram  fabricados  c  impressos  na  França :  apresentavam  as  armas 
da  republica,  bem  como  as  datas  de  combates  memoráveis. 

SAo  hoje  conservados  pelos  rio-grandenses  como  reliquias  preciosas. 


4ÓO  MEMORIAS  BkAZILEUtAâ 


Doloroso  desastre  para  os  esforçados  revolucionários  foi  a 
morte  do  valente  João  Manoel  de  Lima  e  Silva,  uma  das 
dedicações  mais  fortes  e  mais  apaixonadas  pela  grande  causa. 

Proclamada  a  republica  e  elevado  João  Manoel  ao  posto 
de  general,  deixou  este  revolucionário  a  xâlla  de  Piratiny  e 
partiu  para  a  campanha,  no  intento  de  continuar  as  operações 
militares;  tendo-se-lhe,  porém,  aggravado  o  ferimento  rece- 
bido no  rosto,  viu-se  obrigado  a  ir  a  Montevideo  restabelecer-se. 

Mas  não  permaneceu  inactivo  no  Estado  Oriental.  Com 
a  sancção  tacita  do  presidente  Oribe,  fez  acquisição  de  arma- 
mento e  reunia  soldados,  tanto  brazileiros  como  orientaes, 
para  de  novo  entrar  em  lucta,  quando  sua  volta  foi  apressada 
pelo  recebimento  de  oflicios  do  ministro  Domingos  José  de 
Almeida,  participando-lhe  a  defecção  de  Bento  Manoel  para 
a  causa  revolucionaria  e  a  tomada  de  Caçapava.  Immediata- 
mente  regressou  o  general  ao  Rio  Grande  e  apresentou-se  ao 
governo  republicano  a  20  de  Maio  de  1837. 

Combinados  novos  planos  de  ataque,  partiu  para  Alegrete 
e  d'ahi  para  Missões,  d'onde  conseguiu  desalojar  o  coronel 
legal  Manoel  dos  Santos  Loureiro,  conhecido  por  Manduca 
Loureiro. 

Foi,  porém,  preso  na  povoação  de  S.  Luiz,  na  manhã  de 
18  de  Agosto,  quando  sahia  de  uma  casa  em  que  se  festejara 
com  baile  um  baptizado.  D^elle  apoderou-se  uma  partida  de 
Loureiro,  commandada  pelo  indio  Roque  Faustino. 

  tarde,  a  partida  passou  o  Piratiny,  affluente  do  Uruguay, 
e,  na  distancia  de  dez  quadras.  Roque  ordenou  o  assassinato 


CAPITULO  XXXIli  461 


do  heróico  chefe  revolucionário.  Amarrado  sobre  o  cavallo, 
viu-se  o  general  cobardemente  varado  por  lanças,  e,  como 
protestasse  contra  a  vileza  da  acção,  o  indio  descarregou-lhe 
na  nuca  o  tiro  de  misericórdia. 

Doeste  modo  morreu,  ás  mãos  de  obscuros  e  miseráveis 
assassinos,  o  valente  guerrilheiro  que  tão  importante  papel 
representara  na  revolução  rio-grandense. 

Pertencente  a  uma  illustre  familia  de  marechaes,  João 
Manoel  abandonara  as  altas  posições  que  a  legalidade  lhe 
poderia  proporcionar  e  em  plena  força  da  edade,  aos  32  annos, 
succumbiu,  martyrizado  ante  as  aras  da  republica — o  seu 
constante  ideal  ( * ). 

Grande  e  profunda  foi  a  consternação  causada  entre  os 
farrapos  pela  noticia  do  bárbaro  attentado.  Recolhido  piedo- 


( I )  Jofto  Manoel  de  Lima  e  Silva  nasceu  no  Rio  de  Janeiro  no  anno  de  1805. 
Era  filho  do  marechal  de  campo  José  Joaquim  de  Lima  e  Silva,  natural  de  Lagos, 
no  Algarve,  e  fidalgo  portuguez,  chegado  ao  Brazil  em  1784. 

Eram  seus  irmãos : 

O  marechal  de  campo  Francisco  de  Lima  e  Silva,  um  dos  regentes  do  impé- 
rio no  período  de  1831  a  1855,  agraciado  com  o  titulo  de  barão  da  Barra  Grande, 
distincção  que  não  acceitou.  Este  marechal  foi  pae  do  duque  de  Caxias. 

O  marechal  de  campo  Manoel  da  Fonseca  Lima  e  Silva,  barão  de  Suruhy, 
ministro  da  guerra  em  1835,  .sob  a  regência  do  padre  Diogo  Feijó. 

O  marechal  José  Joaquim  de  Lima  e  Silva,  visconde  de  Magé  :  commandou 
0  exercito  libertador  da  Bahia,  em  substituição  do  general  Pedro  Labatut. 

K  o  marechal  Luiz  Manoel  de  Lima  e  Silva. 

João  Manoel  era  casado  com  D.  Mana  José  Corte  Real,  irmã  do  revolucio- 
nário AflFonso  José  de  Almeida  Corte  Real.  Teve  dois  filhos :  Francisco  e  João 
Manoel.  O  primeiro  morreu  na  guerra  do  Paraguay,  na  batalha  de  Avahy,  cortado 
a  golpes  de  espada,  como  um  verdadeiro  heróe.  O  segundo  falleceu  no  Rio  de 
Janeiro,  em  1899,  no  posto  de  general. 


462  MEMORIAS  BRÂZILEIRÂS 


sãmente  o  cadáver,  prestaram-lhe  a  ultima  homenagem, 
dando-lhe  sepultura  no  cemitério  de  S.  Borja,  a  19  de 
Setembro. 

Pouco  tempo  depois,  conseguiram  aprisionar  o  capitão 
Roque,  e  o  encontraram  ainda  revestido  da  roupa  do  general, 
inclusive  o  poncho,  e  a  ostentar  no  cavallo  os  arreios  de  prata 
pertencentes  ao  assassinado. 

Prevendo  a  morte,  pediu  o  indio  que  lhe  poupassem  a 
vida,  porque,  garantia,  havia  de  ser  tão  bom  farrapo,  quanto 
fora  bom  legalista. 

Alheia,  porém,  a  seus  rogos,  a  força  revolucionaria  só 
pensou  em  vingar  a  memoria  de  João  Manoel,  e  immediata- 
mente  fuzilou  a  quem  havia  dado  ao  heroe  tão  cruciante 
morte. 

Dois  annos  depois,  o  governo  republicano,  para  honrar  a 
memoria  do  bravo  companheiro  de  luctas," incumbiu  o  coronel 
José  Ribeiro  de  Almeida  de  ir  buscar  os  ossos  do  general. 
A  exhumação  verificou-se  a  17  de  Junho  de  1839.  Um  esqua- 
drão de  cavallaria  acompanhou  os  preciosos  despojos  em  seu 
transporte  de  S.  Borja  a  Caçapava,  capital  da  republica. 

A  identidade  do  cadáver  foi  reconhecida  por  uma  com- 
missão  composta  do  cirurgião-mór  do  exercito  José  Carlos 
Pinto,  António  José  Caetano  da  Silva  e  Finnino  Maria 
Martins. 

Com  apparato  celebraram-se-lhe  as  exéquias  na  egreja 
matriz  da  villa  a  17  de  Outubro.  A  uma  que  lhe  continha 
os  restos  foi  collocada  em  grande  catafalco,  rodeado  de  30 


CAPITULO  XXXIII  463 


creanças,  representando  as  parochias  do  Estado,  e  de  5  virgens 
de  vestes  brancas  e  faixas  negras  a  tiracollo,  symbolizando 
virtudes  christãs. 

Officiou  o  vigário  da  Cachoeira,  o  mais  antigo  parqcho 
rio-grandense,  padre  Xavier  dos  Santos. 

Após  a  cerimotiia  religiosa,  foi  a  uma  conduzida  ao  cemi- 
tério, entre  alas  de  soldados  e  seguida  de  enorme  acompa- 
nhamento. Antes  de  ser  encerrada  no  mausoléo  que  o  governo 
mandara  erigir,  o  tenente-coronel  Firmino  Maria  Martins 
apresentou  ao  ministro  da  fazenda  Domingos  José  de  Almeida 
uma  salva  com  uma  coroa  de  louros.  Este  cidadão  entregou 
a.  coroa  á  joven  que  alli  representava  a  Republica  do  Rio 
Grande  e  disse-lhe : 

— Em  nome  da  nação  rio-grandense,  coroai  as  preciosas 
reliquias  de  um  dos  seus  mais  caros  cidadãos. 

A  tocante  solemnidade  encerrou-se  com  uma  salva  de 
artilheria  e  uma  descarga  de  fuzilaria — ultimas  expressões  de 
alto  apreço  que  o  Rio  Grande  soube  prestar  á  memoria  do 
valoroso  e  jamais  olvidado  fluminense. 


CAPITULO  XXXIV 


Presidente  Saturnino  Oliveira.  Marechal  Manoel  Jorge  ' 
Rodrigues.  Marechal  Soares  de  Andréa. 
General  Pedrc»  Labatut.  Dr.  Francisco  Alvares  Machado. 

General  João  Paulo.  Conde  de  Rio  Pardo. 
Barão  de  Caxias.  A  Constituição  Rio  Gr andense — 1840-1842. 


AMPACiENTAVA-SE  O  governo  imperial  com  o  prolonga- 
mento da  guerra  no  Rio  Grande  do  Sul,  e,  attribuindo-o  a 
imperícia  ou  impopularidade  do  marechal  António  Elisiario, 
resolveu  substituir  este  oflicial  por  um  cidadão  civil :  nomeou 
para  o  cargo  de  presidente  o  dr.  Saturnino  de  Souza  Oliveira, 
irmão  do  ministro  de  extrangeiros,  Aureliano  de  Souza  e 
Oliveira  Coutinho,  mais  tarde  visconde  de  Sepetiba,  e  para 
commandante  em  chefe  do  exercito  o  marechal  Manoel  Jorge 
Rodrigues,  posteriormente  barão  de  Taquary. 

Estes  funccionarios  assumiram  o  exercicio  de  seus  cargos 
a  24  de  Julho  de  1839. 

Não  possuiam,  em  relação  aos  rebeldes,  a  mesma  harmo- 
nia de  vistas,  e  do  desencontro  de  opiniões  resultou  incerteza 
em  seus  planos  ç  morosidade  no  movimento  das  tropas. 

ÔP  TOV.  »i 


466  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


SÓ  em  Março  de  1840  expediu  o  presidente  ordem  para 
que  as  forças  legaes — parte  das  quaes  tinha  ido  á  Laguna 
bater  os  revolucionários  —  transpuzessem  o  S.  Gonçalo  e 
fossem  readquirir  Caçapava. 

Doeste  feito  foi  incumbido  o  general  Bonifácio  Isás  Cal- 
deron,  que  conseguiu  realizar  o  plano,  desalojando  d^aquella 
cidade  os  farrapos,  os  quaes  se  transferiram  para  Alegrete. 

A  força  que  penetrou  em  Caçapava  a  22  de  Março  e  era 
commandada  pelo  coronel  Manduca  Loureiro,  inutilizou  ahi 
objectos  que  ainda  pudessem  aproveitar  aos  contrários  e 
seguiu  com  o  general  Calderon  em  direcção  ao  Jacuhy  e 
Cahy,  a  juntar-se  ao  marechal  Manoel  Jorge. 

Tendo  ficado  desguarnecida  a  cidade  de  Caçapava,  para 
ella  regressaram  os  republicanos. 

Consideradas  diminutas  as  forças  legaes  existentes  na 
provincia,  deliberou  o  governo  que  o  general  Soares  de 
Andréa,  então  em  Santa  Catharína,  fosse  ao  Rio  Grande  com 
uma  divisão  auxiliadora ;  impossibilitada  a  marcha  por  terra 
pela  interposição  dos  farrapos,  detenninou-se  a  expedição  de 
dois  batalhões  por  mar.  Logo  que  doestes  factos  teve  sciencia, 
Bento  Gonçalves  apressou-se  a  ir  ao  encontro  do  marechal 
Manoel  Jorge:  abandonou  Setembrina  e  no  dia  3  de  Maio, 
á  margem  esquerda  do  rio  Taquary,  empenhou  fortíssimo 
combate  com  as  forças  imperiaes. 

Foi  o  marechal  auxiliado  pela  esquadrilha  de  Greenfell ; 
entretanto,  não  lhe  coube  a  victoria:  teve  53  mortos,  125  feri- 


CAPITULO    XXXIV  467 


dos   e  4   prisioneiros,   ao   passo  que  os  rebeldes   contaram 
35  mortos,  114  feridos  e  8  prisioneiros. 

Empenharam-se  na  lucta  4.626  soldados  imperialistas  e 
cerca  de  6.000  farrapos. 

O  combate  de  Taquary  foi  um  dos  maiores  que  se  trava- 
ram durante  a  guerra  do  sul.  Não  se  podendo  enterrar  os 
cadáveres,  em  vista  da  má  condição  do  terreno  (paludoso), 
foram  amontoados  e  queimados. 

Após  a  tremenda  refrega,  seguiu  o  marechal  com  a  infan- 
teria  e  artilheria  para  Santo  Amaro,  á  margem  esquerda  do 
Jacuhy,  tendo  deixado  parte  da  cavallaria  a  fazer  frente  ás 
forças  de  Domingos  Crescencio,  collocado  em  Monte  Alegre, 
no  Cahy,  marchando  a  outra  parte,  sob  o  mando  de  Manduca 
Loureiro,  para  Missões. 

Bento  Gonçalves  regressou  com  sua  gente  para  a  Setem- 
brina, a  manter  o  sitio  em  que  se  achava  Porto  Alegre. 

Em  caminho  de  S.  Gabriel,  no  passo  do  Salso,  encon- 
trou-se  o  coronel  Loureiro  com  o.  republicano  Fileno  dos 
Santos,  a  quem  deu  combate  e  o  matou  bem  como  a  três 
soldados:  proseguiu  a  marcha  e  a  12  de  Junho  de  1840 
penetrou  em  S.  Gabriel. 

No  mesmo  mez  de  Junho,  o  general  Netto,  abandonando 
Setembrina,  seguiu  com  uma  força  para  a  ponta  da  Itapuam. 
D^alii  passou-se  da  margem  esquerda  para  a  direita  do  Gua- 
hyba,  no  logar  denominado  Barba  Negra. 

Tendo  noticia  d'este  movimento,  o  coronel  Chico  Pedro 


468  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


foi  esperal-o  no  município  de  S.  João  Baptista  de  Camaquain, 
e  no  arroio  Velhaco  dispersou  aquella  força.  Netto  viu-se 
obrigado  a  retrogradar,  atravessando  a  nado,  em  seu  cavallo, 
o  arroio  Araçá,  e  deveu  a  vida  á  ligeireza  com  que  poude 
livrar-se  dos  legalistas. 

No  dia  17  de  Junho,  alguns  de  sua  gente — coronel  Affonso 
José  de  Almeida  Corte  Real,  capitão  Jeronymo  Meyrelles, 
Francisco  de  Oliveira  Figueiredo  {Chtquinho  da  Boa  Vista) 
e  poucos  soldados — sob  a  inclemência  de  uma  chuva  tempes- 
tuosa, de  inverno,  foram  abrigar-se  na  Estancia  de  Santa 
Barbara^  pertencente  ao  farrapo  Marcos  Alves  Pereira  Sal- 
gado, ponto  em  que  Netto  iria  com  elles  encontrar-se. 

No  dia  seguinte,  ás  7  horas  da  manhã,  approximou-se  da 
casa  uma  força  de  7  homens,  que  Marcos  .\lves  suppoz  serem 
amigos. 

Ao  avistal-os.  Corte  Real  tomou-os  pelo  piquete  do  gene- 
ral Netto,  apezar  de  os  não  distinguir  bem,  pois  traziam 
lenços  atados  ao  queixo  e  chapéos  desabados. 

Desconfiado,  Marcos  Alves  recolheu-se  á  casa,  no  que  foi 
imitado  por  seus  hospedes.  Ao  passar  a  porta,  Corte  Real 
recebeu,  de  flanco,  um  tiro  que  lhe  atravessou  os  pulmões 
e  o  fez  cahir  morto. 

Era  chefe  doesta  partida  o  sargento  João  Patrício  de 
Azambuja,  auctor  da  morte  do  bravo  revolucionário  (^). 


( I )  Testemunhou  este  facto  o  cidadão  João  Baptista  Pereira  Salgado,  filho 
de  Marcos  Alves  Pereira  Salgado  í  Annuario  do  Estado  do  Rio  Gratide  do  Sul 
para  o  anno  de  looi,  pags.  209  a  211 ).  João  Patricip  de  Azambuja  n&o  nc^u  s^ 


CAPITULO  XXXIV  469 


.  Penetraram  os  legalistas  na  casa  e  aprisionaram  somente 
a  Francisco  Figueiredo:  os  outros,  inclusive  Marcos  Alves, 
esconderam-se  no  sótão  e  debaixo  do  assoalho.  Figueiredo 
tinha-se  occultado  de  modo  original:  pediu  que  sobre  elle  se 
extendesse  um  colchão  e  uma  senhora  ahi  se  deitasse ;  denun- 
ciou-o,  porém,  a  demasiada  gordura  e  foi  immediatamente 
descoberto. 

Quando  a  partida  incorporou-se  a  Chico  Pedro,  no  passo 
de  Sant' A nna,  este  chefe  perguntou: 

— Então,  que  é  dos  homens? 

Responderam-lhe : 

— Escaparam-se.  Affonso  Corte  Real  morreu. 

O  chefe,  que  só  tinha  dado  ordem  para  prendel-o,  indagou 
zangado : 

— Mataram? 

João  Patrício  de  Azambuja  explicou : 

— Sim,  porque  resistiu. 

Assim  morreu  o  bravo  Corte  Real,  um  dos  mais  bellos  e 
mais  famosos  guerrilheiros  rio-grandenses. 

Como  o  seu  cunhado  e  amigo  general  João  Manoel,  não 
lhe  coube  o  glorioso  prazer  de  cahir  no  meio  do  inílammado 
e  formidando  estrépito  de  uma  batalha,  luctando  e  comba-^ 
tendo  como  um  heróe. 

Succumbiu  em  pleno  vigor  da  vida,  aos  30  annos  de  edade. 


auctoría  da  morte  de  Corte  Real ;  mas  declarou  ter  praticado  o  crime  em  sua  le^- 
tima  defesa  {Almanak  Litterario  e  Estatístico  do  Rio  Grande  do  Sul  ixara  1902, 

pagfs.  87a9o). 


470  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Foi  sepultado  no  cemitério  das  Dores  de  Camaquain  (')• 

Sentiam  os  farrapos  necessidade  de  apoderar-se  a  todo 
custo  da  villa  de  S.  José  do  Norte — o  que  lhes  facilitaria 
communicação  com  o  interior  da  provincia. 

Para  este  ponto  marchou  um  batalhão  de  1.200  praças, 
sob  o  commando  do  próprio  Bento  Gonçalves,  tendo  como 
auxiliares  José  Garibaldi,  Domingos  Crescencio  e  Joaquim 
Teixeira  Nunes.  Em  uma  noite  de  temporal,  de  15  para  16  de 
Julho  de  1840,  encobertos  os  assaltantes  pelos  cômoros  de  areia 
que  cercavam  a  villa,  approximaram-se  d'ella,  a  uma  hora  da 
madrugada,  e,  sem  serem  presentidos,  lograram  escalar  as 
trincheiras  e  invadir  a  praça. 

Durante  9  horas  travou-se  renhido  combate,  sendo 
commandados  os  legaes.  pelo  coronel  de  legião  António 
Soares  de  Paiva,  cuja  força  guarnecia  a  villa. 

Apezar  da  tempestade,  poude  vir  algum  soccorro  da  visi- 
nha  cidade  do  Rio  Grande,  para  auxiliar  a  expulsão  dos 
rebeldes,  a  qual  se  effectuou  com  grande  sacrifício  de  parte 
á  parte. 

Entre  os  legaes,  distinguiu-se  por  sua  bravura  o  official 
Francisco  Luiz  da  Gama  Rosa,  que  ânuos  depois  se  reformou 
no  posto  de  capitão  de  mar  e  guerra. 


( I )  Segfundo  apontamentos  que  temos  á  vista,  AfTonso  Corte  Real  era  um 
bonito  homem,  dotado  de  educação  finíssima.  Trajava  sempre  com  elegância. 
Os  arreios  de  seu  cavaUo  eram  adornados  a  prata  e  a  ouro.  Fazia  o  encanto  de 
uma  reunião  por  seu  humor  sempre  alegre  e  pelas  prendas  de  habilissimo  toca- 
dor de  viola  e  cantor. 


CAPITUI.O  XXXIV  47^ 


Coinpunha-se  a  força  imperial  de  599  praças,  que  puderam 
repellir  o  dobro  dos  assaltantes. 

Tiveram  os  farrapos  181  mortos,  150  feridos  e  18  prisio- 
neiros e  os  legaes  72  mortos,  87  feridos  e  84  prisioneiros:  por 
estes  algarismos  avalia-se  quanto  foi  porfiada  a  lucta. 

Vendo  frustrado  seu  plano,  voltou  Bento  Gonçalves  para 
a  Setembrina  a  continuar  o  assedio  da  capital. 

Chegou  ao  conhecimento  do  governo  imperial  o  lamen- 
tável desaccordo  entre  o  presidente,  dr.  Saturnino  Oliveira, 
e  o  marechal  Manoel  Jorge,  e,  para  obviar  attritos  entre 
auctoridades,  resolveu,  ainda  uma  vez,  investir  os  dois  cargos 
em  um  militar  de  provada  competência. 

Para  tão  árdua  missão  foi  nomeado  o  marechal  Francisco 
José  de  Souza  Soares  de  Andréa,  portuguez,  notável  pelos 
relevantes  serviços  prestados  á  pátria  adoptiva,  especialmente 
no  Pará — onde  conseguiu  jugular  a  revolta  de  Vinagre  e  de 
Argelim  e  pacificar  a  provincia  no  anno  de  1837 — e  na 
Laguna,  por  elle  restaurada  recentemente. 

Andréa  assumiu  o  exercicio  de  presidente  e  de  comman- 
dante  em  chefe  do  exercito  a  27  de  Julho  de  1840. 
Militar  enérgico,  altivo,  disciplinador,  prompto  em  suas 
deliberações,  de  original  franqueza  em  seus  despachos  (*), 


( I )  Como  curiosidades  históricas,  apresentamos  alguns  despachos  do  maré  • 
chal  Andréa  em  requerimentos : 

— Não  tem  logar  a  dispensa  do  supplicante  emquanto  tiver  braços  para  pegar 
em  uma  arma. 

—  Pôde  receber  o  requerimento  e  náo  lhe  prometto  coisa  nenhuma. 

—  Desde  que  o  suppl.  deu  baixa,  não  me  importo  com  a  sua  vida. 


473  MEMORIAS  BRÂZILEIRAS 


dispunha  de  todos  os  predicados  para  realizar  a  almejada 
pacificação. 

Quatro  dias  antes  de  sua  posse,  rompia  no  Rio  de  Janeiro 
um  movimento  parlamentar  contra  o  governo  do  regente 
Pedro  de  Araújo  Lima,  marquez  de  Olinda;  a  opposição,  sem 
esperar  que  D.  Pedro  II  completasse  i8  annos  (a  2  de  De- 
zembro de  1843),  considerou-o  maior  a  23  de  Julho  de  1840, 
quando  o  príncipe  contava,  apenas,  pouco  mais  de  quatorze 
e  meio  annos  de  edade. 

Inaugurava-se  no  paiz  uma  nova  situação  politica;  subia 


—  É  muita  coisa  para  as  necessidades  de  uma  familia. 

—  Indeferido,  e  si  o  suppl.  tomar  a  mudar  o  nome,  terá  o  castigo  que  merece. 
— Pague-se  ao  suppl.  somente  o  soldo  simples  e  fardamento  do  tempo  que 

requer,  não  tendo  logar  outra  gratificação,  pois  que  não  está  em  serviço  da  nação; 
e  quanto  ás  etapes,  tendo  o  suppl.  já  vivido  todo  esse  temi>o,  não  precisa  tomar 
a  comer  o  tempo  passado. 

—  Indeferido.  Tão  bons  ares  tem  Porto  Alegre  como  o  Rio  Grande. 

—A  licença  que  o  suppl.  agora  precisava  era  a  de  ir  para  a  cadeia,  pela 
esperteza,  ainda  que  muito  visível,  de  augmentar  a  quantidade  de  sal. 

—  Indeferido,  e  trate  o  suppl.  de  restituir  a  seus  donos  as  terras  que  lhe  não 
pertencem. 

— Pessoa  tão  habil,  como  se  diz  o  suppl.,  não  precisa  mendigar  emprego: 
descance,  que  quem  o  precisar,  lá  o  ha  de  ir  procurar.  Nas  obras  publicas  não  6 
preciso. 

—Tendo  fallecido,  ha  mais  de  seis  annos,  não  podia  ter  feito  o  presente 
requerimento. 

—  O  suppl.  não  foi  attendido  pelas  más  informações  que  tive,  e  não  tenho 
obrigação  de  lhe  dizer  de  quem. 

—  Indeferido.  O  suppl.  tem  de  pagar  os  impostos  estabelecidos  por  lei; 
quando  não,  será  obrigado  a  fazel-o  por  meio  da  força. 

—  Si  os  supplicantes  (colonos  do  Campo  Bom)  depositam  confiança  na  pes- 
soa pretendida,  não  a  deposita  esta  presidência,  e  indeferirá  quantos  requeri- 
mentos queiram  fazer  n'este  sentido.  Supponham  que  é  fallecida  e  procurem 
outra. 


CAPITULO  XXXIV  473 


ao  poder  o  partido  liberal.  O  ministério  da  Maioridade  ou 
Gabinete  de  24  de  Julho  de  1840^  compunha-se  das  maiores 
influencias  parlamentares:  António  Carlos  Ribeiro  de  An- 
drada  Machado  e  Silva,  ministro  do  império ;  Martim  Fran- 
cisco Ribeiro  de  Andrada,  ministro  da  fazenda;  António 
Paulino  Limpo  de  Abreu,  ministro  da  justiça;  Aureliano  de 
Souza  e  Oliveira  Coutinho,  ministro  de  extrangeiros;  António 
Francisco  de  Paula  de  Hollanda  Cavalcanti  de  Albuquerque, 
ministro  da  marinha,  e  Francisco  de  Paula  Cavalcanti  de 
Albuquerque,  ministro  da  guerra. 

Tendo  sido  nomeado  pelo  partido  conservador  e  achando- 
se  em  face  de  novo  governo,  que  de  certo  adoptaria  novo 
programma  em  todos  os  ramos  administrativos,  o  marechal 
Andréa  comprehendeu  que  a  sua  ingerência  nos  graves 
negócios  do  Rio  Grande  seria  de  pouco  tempo:  quiz,  portanto, 
aproveital-o,  conseguindo,  por  meio  suasório,  a  pacificação  da 
provincia.  N'este  nobilitante  empenho,  entabolou  correspon- 
dência com  o  presidente  republicano  Bento  Gonçalves  da 
Silva.  Muitas  cartas  foram  trocadas  no  mez  de  Agosto,  sem 
que  a§  pretendidas  negociações  chegassem  a  accordo  conve- 
niente para  ambas  as  partes. 

O  chefe  revolucionário  exigia,  como  primeira  condição 
de  paz,  o  reconhecimento  da  republica  rio-grandense — idéa 
inacceitavel  pelo  governo  imperial,  pois  que  importava  em 
desmembramento  do  território. 

Vendo  o  governo  que  o  general  Andréa  nenhum  resul- 
tado colhia  em  seu  projecto  pacificador,  por  ser  portuguez  e 

CO  TOM.  U 


474  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

pertencer  ao  partido  retrógrado,  resolveu  mandar  um  emissá- 
rio, negociador  da  paz:  commetteu  a  tarefa  ao  deputado 
paulista  e  medico,  dr.  Francisco  Alvares  Machado,  que 
iniciou  seus  trabalhos  na  campanha,  acceitando  affectuosos 
jantares  de  seus  contrários.  Prestou-se  este  facto  a  motejos,  e 
o  espirito  gaúcho  ridicularizou  o  meio  conciliador,  dizendo 
que  o  doutor  pretendia  pacificar  a  provincia  por  meio  de  mar- 
melada. 

O  procedimento  do  governo  em  nomear  commissario 
especial  para  tratar  da  paz,  foi  classificado  de  indecente  pelo 
general  Andréa,  que  desde  logo  se  considerou  destituído  de 
seus  cargos. 

Com  effeito,  pouco  depois,  era  nomeado  commandante 
das  armas  o  general  João  Paulo  dos  Santos  Barretto,  que 
levou  a  nomeação  de  Alvares  Machado  para  presidente. 

Estes  funccionarios  tomaram  posse  em  Porto  Alegre  a  30 
de  Novembro  de  1840. 

Desejoso  de  obter  o  êxito  que  Andréa  não  havia  conse- 
guido. Alvares  Machado,  em  correspondência  official  com 
Bento  Gonçalves,  offereceu-lhe  amnistia  plena,  para  que  fosse 
negociada  a  pacificação.  O  republicano,  em  carta  de  7  de 
Dezembro,  fez  ao  presidente  as  seguintes  propostas : 

I.*  Que  fossem  pagas  pelo  governo  imperial  as  dividas 
contrahidas  pela  republica ; 

2."  Que  se  considerassem  livres  todos  os  escravos  que 
haviam  sido  alistados  como  soldados  republicanos ; 

3.*  Que  os  officiaes  revolucionários  fossem  garantidos  em 


CAPITULO  XXXIV  475 


seus  postos,  quando  aproveitados  em  serviço  da  guarda 
nacional. 

Para  melhor  firmar  o  tratado,  Bento  Gonçalves  solicitou 
uma  conferencia  com  o  presidente,  porém  Alvares  Machado 
negou-a  por  saber  que  na  campanha  António  Netto  tentava 
alliciar  á  causa  dos  farrapos  o  legalista,  coronel  João  da 
Silva  Tavares.  Também  fora  convidado  em  Missões  o 
coronel  Manduca  Loureiro,  por  meio  de  um  plenipotenciário, 
Agostinho  de  Mello,  para  adherir  á  revolução,  sob  promessa 
de  lhe  ser  concedido  o  posto  de  general,  com  o  commando 
da  fronteira,  e  de  se  lhe  indemnizar  os  prejuizos  causados 
pela  guerra. 

A  recusa  da  conferencia  importou  em  suspensão  da 
amnistia  e  consequente  continuação  da  lucta. 

Por  esse  tempo,  dispunha  o  governo  imperial  de  9.201 
soldados,  assim  distribuidos: 

Em  Porto  Alegre i-i47 

Na  cidade  do  Rio  Grande 408 

Na  villa  de  S.  José  do  Norte 331 

EmTaquar>^ 3.155 

Em  Pelotas 571 

Na  Cachoeira 579 

Em  S.  Borja 1.198 

Em  Rio  Pardo 212 

Em  Cima  da  Serra . 600 

Divisão  de  Labatut  em  Cima  da  Serra ....  i.ooo 

9.201 


476  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


  Trente  das  i.ooo  praças  que  trouxera  de  S.  Paulo,  força 
deuomiuada  Divisão  Paulistana^  o  general  Pedro  Labatut, 
obedecendo  á  estratégia  combinada  entre  o  general  João  Paulo 
e  o  presidente  Alvares  Machado,  coUocotl-se  em  Cima  da 
Serra,  no  intento  de  sitiar  e  bater  os  farrapos  estacionados  em 
Setembrina. 

Vendo  os  revolucionários  que  os  imperiaes  recebiam 
contingentes  não  só  pela  barra  do  Rio  Grande  como  pela 
fronteira  de  S.  Catharina  e  S.  Paulo  e  receando  apertado  cerco, 
pois  seus  contrários  achavam-se  de  posse  da  cidade  do  Rio 
Grande,  de  S.  José  do  Norte,  da  lagoa  dos  Patos,  dos  rios 
Guahyba  e  Jaculiy  e  da  villa  de  Rio  Pardo,  guarnecida  pelo 
general  João  Paulo  e  do  Taquary  defendido  pelo  brigadeiro 
Felippe  Nery,  resolveram  abandonar,  de  vez,  o  quartel  gene- 
ral de  suas  forças  e  desafogar-se  pela  campanha. 

Ficava  Porto  Alegre,  afinal,  desopprimido  do  assedio  em 
que  se  vira  durante  três  annos. 

De  Setembrina  sahiu  David  Canabarro  levando  cerca  de 
1.800  homens,  sob  o  commando  dos  sub-chefes  Domingos 
Crescencio  de  Carvalho,  Joaquim  Pedro  Soares  e  Ismael 
Soares  da  Silva.  Fez-se  esta  arriscada  sortida  em  principio  de 
Novembro  de  1840.  Tinha  por  fim  dar  combate  a  Labatut  e 
abrir  caminho,  par^  o,  interior  da  província. 

Emquanto.  Canabarro,  vencendo  quasi  insuperáveis  difi- 
culdades provenientes  da  aspereza  das  serras  e  da  força  das 
correntes  d'agua  que  teve  de  atravessar,  executava  a  retirada. 
Bento    Gonçalves,   apparentando  tranquillidade,   ficava  em 


CAPITULO  XXXIV  477 

Setembrina  com  500  homens,  a  fim  de  que  aquella  marcha 
proseguisse  isenta  de  perseguições. 

A  8  de  Dezembro,  partia  também  de  Setembrina  o  chefe 
republicano  e  a  27  do  mesmo  mez  reunia-se  na  Vaccaria  a 
Canabarro,  sem  que  a  juncçáo  fosse,  como  se  esperava,  obstada 
pelos  imperialistas. 

Entretanto,  havia  o  general  Labatut  recebido  um  reforço 
de  1.600  soldados,  elevando  assim  a  sua  força  a  2.600  praças; 
receoso,  porém,  de  offerecer  combate  aos  farrapos,  cujo  numero 
se  exaggerava,  dirigiu-se  ao  Passo  Fundo,  d'onde  seguiu  para 
a  Cruz  Alta  em  busca  de  cavalhada,  que  não  poude  obter. 
Da  Cruz  Alta  desceu  a  Rio  Pardo,  deixando  em  caminho  as 
suas  tropas,  e  d'ahi  partiu  para  Porto  Alegre,  onde  chegou  a 
6  de  Janeiro  de  1841,  alquebrado  de  forças  e  doente. 

Em  vista  de  sua  falta  de  plano,  evitando  encontro  com 
os  farrapos,  incorreu  em  censura  o  general  Labatut :  submet- 
tido  a  conselho  de  guerra,  foi  julgado  isento  de  responsabili- 
dade por  ter  provado  não  dispor  de  bons  cavallos. 

Livre  de  estorvos.  Bento  Gonçalves  atravessou  o  Passo 
Fundo  com  a  sua  gente  e  internou-se  na  campanha,  em  Janeiro 
de  1841. 

Quando  se  effectuavam  estes  movimentos,  sofíriam  os 
legaes  derrotas  em  dois  combates.  Em  S.  Philippe,  a  16  de 
Novembro  de  1840,  o  farrapo  João  António  destroçou  forças 
do  coronel  Jeronymo  Jacintho;  e  na  estancia  de  S.  José,  em 
MÍSSÕ33,  a  21  de  Dízembro  seguinte,  o  revolucionário  Jacin- 
tho Guedes  desbaratou  o  tenente-coronel  José  Loureiro,  a 


478  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


quem  depois  aprisionou,  a  17  de  Janeiro,  nas  margens  do 
Ibicuhy,  com  mais  de  100  combatentes. 

Transposta  a  linha  de  Passo  Fundo,  Bento  Gonçalves 
seguiu  para  S.  Gabriel  e  ahi,  a  14  de  Março  de  1841,  reassu- 
miu a  presidência  da  republica,  a  qual  até  então  era  exercida 
pelo  vice-presidente  José  Marianno  de  Mattos — desde  23 
de  Novembro  de  1839,  data  em  que  Bento  Gonçalves  se  invés, 
tira  do  commando  geral  das  forças  revolucionarias. 

Quando  soube  que  os  rebeldes  se  achavam  na  campanha, 
o  general  João  Paulo  reuniu  forças  em  Rio  Pardo,  5.200 
homens,  e  no  dia  i.°  de  Março  de  1841  seguiu  no  encalço 
d'elles,  persuadido  de  que  os  anniquilaria  por  um  brilhante 
feito  d'armas.  No  rincão  da  Formiga  fez  juncção  com  1.200 
praças  que  do  Rio  Grande  vieram  commandadas  por  Silva 
Tavares.  Suppoz  poder  empenhar  grande  batalha  cam- 
pal, cuja  sorte  com  certeza  ser-lhe-ia  favorável.  Os  farrapos 
não  lhe  satisfizeram  o  desejo  e  o  deixaram  cançar-se  inutil- 
mente. Sem  lhe  ser  possivel  alcançar  o  inimigo,  o  general 
acampou  com  cerca  de  7.000  homens  ás  margens  do  arroio 
S.  Vicente.  N'esse  ponto,  em  Agosto  do  mesmo  anuo,  entre- 
gou o  commando  do  exercito  ao  general  António  Corrêa 
Seara,  por  ordem  do  conde  do  Rio  Pardo,  que  em  17  de 
Abril  havia  assumido  em  Porto  Alegre  o  cargo  de  comman- 
dante  em  chefe  das  forças  iniperiaes. 

O  general  João  Paulo,  como  vimos,  não  teve  ensejo  de 
travar  combate  algum  e  só  praticou  o  feito  notável  de  atra- 


CAPITULO  XXXI V  479 


vessar  a  campanha,  domínio  dos. farrapos,  sem  que  estes  se 
animassem  a  impedir-llie  a  marcha. 

A  alteração  havida  no  governo  da  provincia  originou-se 
na  mudança  do  pessoal  do  ministério,  que  a  23  de  Março, 
por  causa  da  guerra,  se  recompoz  dos  seguintes  politicos : 
Cândido  José  de  Araújo  Vianna  (mafquez  de  Sapucahy), 
ministro  do  império;  Paulino  José  Soares  de  Souza  (visconde 
do  Uruguay),  ministro  da  justiça;  Francisco  Villela  Barbosa 
(marquez  de  Paranaguá),  ministro  da  marinha ;  José  Clemente 
Pereira,  ministro  da  guerra ;  Miguel  Calmou  du  Pin  e  Almeida 
(marquez  de  Abrantes),  ministro  da  fazenda,  e  Aureliano  de 
Souza  e  Oliveira  Coutinho,  mantido  na  pasta  de  extrangeiros. 
Prevalecera  a  idéa  de  Aureliano  de  Souza:  de  ser  substituído 
o  general  João  Paulo. 

Empossado  do  cargo,  a  17  de  Abril  de  1841,  o  conde  do 
Rio  Pardo  só  em  Agosto  recebeu  de  seu  antecessor  o  exercito ; 
não  partiu,  porém,  para  a  campanha  a  envolver-se  em  com- 
bates: permaneceu  em  Porto  Alegre  e  d'ahi  requisitou  do 
governo  central  12.000  soldados,  para  de  todo  anniquilar  ^ 
revolução. 

No  mesmo  dia  1 7  de  Abril  assumiu  a  presidência  da  pro- 
vincia o  dr.  Saturnino  de  Souza  Oliveira,  nomeado  pelo 
ministério  anterior,  e  já  conhecido  por  haver  exercido  em 
1839  egual  funcção. 

No  mez  de  Novembro  seguinte  deram-se  encontros  favo- 
ráveis á  legalidade:  o  coronel  Chico  Pedro  derrotou  a  guar- 
nição de  S.  Gabriel,  fazendo  23  prisioneiros  e  apprehendendo 


4^)  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


4^^)  cavallos;  c  João  Propício  Menna  Barretto  a  25,  no  Rincão 
Itonito,  nas  costas  do  Pequir>',  bateu  forças  farrapas,  matando 
1 20  homens  e  tomando  800  cavallos. 

Determinou  o  conde  do  Rio  Pardo  que  o  coronel  Chico 
Pedro  fosse  a  Píratiny  combater  António  Netto  que  se  achava 
nas  immcdiações  de  Piratiny.  No  desempenho  da  incumbência, 
partiu  de  Porto  Alej^re  o  valente  legalista,  com  560  homens, 
cm  2  vaiK)res  e  4  hiates;  dirigiu-se  ao  passo  do  Beca,  no  rio 
S.  (fonçalo,  próximo  A  Kstancia  do  Pavão;  d'este  ponto,  seguiu 
para  a  cajHílla  de  Cangussú,  onde  acampava  Bento  Gonçalves 
com  300  soldados.  Chico  Pedro,  por  meio  de  emboscadas,  em 
que  era  habilissimo,  conseguiu  destroçar  o  chefe  revolucio- 
nário, matando-lhe  36  companheiros  de  annas,  fazeudo-lhe  20 
prisioneiros,  tomando-lhe  200  cavallos  e  toda  a  bagagem. 
I)eu-se  este  facto  a  20  de  Janeiro  de  1841. 

Km  Março,  ainda  outra  victoria  contaram  as  forças  legaes. 
Sabendo  Procopio  Gomes  de  Mello  que  o  farrapo  Domingos 
de  Oliveira  {QtuTo-Quh-o)  procedia  cm  Pelotas  á  cobrança 
de  impostos  e  fazia  alli  reuniões  politicas,  dirigi u-se  do  Rio 
(irande  áquclla  cidade,  e,  conseguindo  surprehender  o  revo- 
lucionário, matou-o,  bem  como  a  vários  companheiros. 

listes  continuos  desastres  obrigaram  os  farrapos  a  reunir 
mais  fortes  elementos  de  resistência  e  a  adoptar  alvitres  que 
a  situação  iusjMrava.  Mudou-se  a  sede  da  republica  para 
Caçapava,  como  melhor  ponto  estratégico,  central,  onde 
jx^diam  com  vantagem  desenvolver -se;  correu  uma  subscri- 
j'H;ão  entre  os  possuidores  de  escravos,  no  sentido  de  cedel-os 


CAPITULO  "XXXIV  48 1 


ao  serviço  revolucionário,  sob  clausula  de  futura  indemniza- 
ção, e,  obrigado  pelas  circumstancias^  Bento  Gonçalves 
entabolou  accordo  com  Fructuoso  Rivera,  presidente  da 
Republica  Oriental  de  Uruguay,  com  o  fim  de  se  auxiliarem 
mutuamente. 

Entre  ambos  pactuaram-se  convenções,  uma  a  5  de  Julho 
e  a  outra  a  28  de  Dezembro  de  1841.  Pela  ultima,  concor- 
daram em  que  Bento  Gonçalves,  para  auxiliar  o  partido 
riverista^  cederia  500  infantes  e  200  cavalleiros  a  Rivera,  e 
este,  em  troca,  entregaria  áquelle  2.000  cavallos,  obrigando-se 
a  não  permittir  que  o  Estado  Oriental  fizesse  remessa  de 
cavalhadas  para  o  exercito  imperial. 

Logo  que  foi  fornecido  aos  farrapos  o  elemento  de  guerra 
convencionado,  o  governo  brazileiro  reclamou  ao  oriental 
contra  a  protecção  dada  aos  revolucionários — facto  que  foi 
contestado  por  Fructuoso  Rivera  e  por  Bento  Gonçalves, 
allegando  ambos  que  a  cavalhada  havia  sido  violentamente 
arrebatada. 

Abusando  d'este  convénio,  Rivera  lançou  uma  finta  vexa- 
tória sobre  os  estancieiros  brazileiros  domiciliados  no  Estado 
Oriental,  seiido  a  contribuição  extorquida  pelo  terror,  sob 
ameaças,  como  succedeu  ao  tenente-coronel  Annibal  Antunes 
Maciel,  que  se  viu  forçado  a  pagar  a  somnia  de  3.000  pesos 
exigida  por  uma  quadrilha  de  orientaes  armados.  Em  vista 
doestas  depredações,  muitos  fazendeiros  foram  obrigados  a 
refugiar-se  no  Rio  Grande  do  Sul,  a  fim  de  acautelarem 
dinheiro,   gado  e  escravos.  Interpellado  officialmente  sobre 


4Sa  MEMORIAS  BRAZILEI&AS 


semelhantes  expoliações,  Rivera  allegoa  serem  escoltas  de 
argentinos  os  qne  de  assalto  atacavam  as  estancias  brazileiras. 

Secretamente  recebiam  os  farrapos  do  governo  de  Mon- 
tevideo não  só  petrechos  bellicos,  mas  Êizendas,  necessárias 
ao  fardamento  e  ao  abrigo  das  forças  republicanas. 

Suppunha  o  conde  do  Rio  Pardo  qne,  collocando  o  exercito 
em  excellentes  posições  estratégicas  e  determinando  operações 
parciaes  por  meio  de  colnmnas  volantes,  conseguiria  a 
conchisão  da  guerra:  frustraram-se,  porém,  todos  os  seus 
planos,  elaborados  em  Porto  Alegre,  d'onde  jamais  quiz  sahir 
para  expôr-se  aos  azares  da  campanha. 

  vista  de  tanta  inacção  e  de  tantos  projectos  sem  resul- 
tado pratico,  resolveu  o  governo  dispensar  da  commissâo  o 
conde  do  Rio  Pardo  e  o  fez  interinamente  substituir  pelo 
1>rigadeiro  José  Maria  da  Silva  Bittencourt,  que  tomou  posse 
do  cargo  a  26  de  Junho. 

Cumprindo  instnicções  officiaes,  Silva  Bittencourt  seguiu 
logo,  em  Julho,  para  a  campanha,  a  fim  de  dirigir  em  pessoa 
todo  o  movimento  bellico:  passou  pela  \*illa  de  Rio  Pardo  e 
em  Agosto  achou-se  em  Vaccacahy,  onde  estacionara  o 
exercito. 

Apenas  havia  effectuado  a  mudança  de  acampamento 
para  as  margens  do  arroio  do  Sol,  quando  teve  noticia  de 
que  outro  general  fora  nomeado  pelo  governo  para  presidente 
e  commandante  em  chefe  do 'exercito:  esse  era  o  barão  de 
Caxias,  que,  havia  pouco,  pacificara  as  duas  provincias  de 
S.  Paulo  e  Minas,  rebelladas  contra  a  reforma  decretada  pela 


CAPITULO  XXXIV  483 


lei  de  3  de  Dezembro  de  1841  e  considerada  attentatoria  aos 
direitos  dos  cidadãos  brazileiros. 

O  general  Luiz  Alves  de  Litna  e  Silva,  barão  de  Caxias, 
tomou  posse  do  governo  e  do  comraando  militar,  na  cidade 
de  Porto  Alegre,  a  9  de  Novembro  de  1842. 

No  dia  da  posse,  fez  publicar  esta  proclamação: 

« Rio  Grandenses !  Sua  Magestade  o  Imperador,  con- 
iiando-me  a  presidência  e  commando  em  chefe  do  bravo 
exercito  brazileiro,  recommendou-me  que  restabelecesse  a 
paz  n'esta  parte  do  Império,  como  a  restabeleci  no  Maranhão, 
S.  Paulo  e  em  Minas.  A  Divina  Providencia,  que  de  mim  tem 
feito  um  instrumento  de  paz  para  a  terra  em  que  nasci,  fará 
com  que  eu  possa  satisfazer  aos  ardentes  desejos  do  magnâ- 
nimo monarcha  e  do  Brazil  todo.  Rio  Grandenses!  Segui-me, 
ajudai-me,  e  a  paz  coroará  os  nossos  esforços ! » 

A  4  de  Agosto  de  i842,  na  cidade  de  Alegrete,  então 
capital  da  republica,  o  presidente  Bento  Gonçalves  da  Silva 
e  o  ministro  da  justiça  e  interinamente  do  interior,  José 
Pedroso  de  Albuquerque,  publicaram  decreto  mandando 
proceder  ás  eleições  dos  deputados  á  assembléa  constituinte. 

Foram  eleitos  54  representantes,  sendo  36  deputados  e  18 
supplentes.  Aqui  mencionamos  os  nomes  e  números  de  votos : 

1.  Vigário  apostólico  Francisco  das  Chagas  Mar- 
tins d' Ávila  e  Souza 3-^25 

2.  Tenente- coronel  Manoel  Lucas  de  Oliveira  .  2.987 

3.  Tenente-coronel    Serafim  Joaquim   de   Alen- 

castro 2.892 


484  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


4.  Coronel  Silvano  José  Monteiro  de  Araújo  e 

Paula ■ .  2.890 

5.  Dr.  Francisco  de  Sá  Britto 2.874 

6.  Serafim  dos  Anjos  França,  advogado  ....  2.823 

7.  Padre  Hildebrando  de  Freitas  Pedroso  .    .    .  2.753 

8.  Coronel  José  Marianno  de  Mattos,  ministro  da 
marinha 2.694 

9.  Severiano  António  da  Silveira,  fazendeiro  .   .  2.643 

10.  Luiz   José    Ribeiro    Barretto,    secretario    do 
cidadão  general  em  chefe 2.627 

11.  Capitão  José  Gomes  de  Vasconcellos  Jardim, 
ex-presidente  interino  da  republica,  fazendeiro.  2.534 

12.  José   Pedroso   de   Albuquerque,  ministro   da    * 
justiça 2.522 

13.  Padre  João  de  Santa  Barbara 2.481 

14.  Major  António  Vicente  da  Fontoura,  ministro 

da  fazenda 2.474 

15.  Dr.  António  José  Martins  Coelho 2.435 

16.  General  João  António  da  Silveira 2.068 

17.  José  Pinheiro  de  Ulhôa  Cintra,  ministro  ple- 
nipotenciário   1.964 

18.  General  Bento  Gonçalves  da  Silva,  presidente 
interino   da  republica ^-897 

19.  Domingos  José  de  Almeida,  ministro  do  inte- 
rior, proprietário 1.842 

20.  Tenente-coronel  Sebastião  Xavier  do  Amaral 
Sarmento   Menna ^'^37 


CAPITULO  XXXIV  485 

21.  Ignacio  José  de  Oliveira  Guimarães,  fazendeiro  1.812 

22.  Cirurgião  José  Carlos  Pinto  .    .    .    .....  '^•yTi 

23.  Coronel  Oliverio  José  Ortiz 1-765 

24.  Joaquim  dos  Santos  Prado  Lima,  negociante.  i-747 

25.  Manoel  Martins  da  Silveira  Lemos,  inspector 

do  thesouro ,     ...  1.626 

26.  Coronel  Onofre  Pires  da  Silveira  Canto  .    .    .  1.607 

27.  Major  Ismael  Soares  da  Silva 1451 

28.  Major  José  Maria  Pereira  de  Campos  ....  1.442 

29.  Capitão  Fidelis   Nepomuceno  Prates,   fazen- 
deiro    ^-íT^ 

30.  General   António  de  Souza  Netto 1-253 

3i.  Padre  Francisco  Leite  Ribeiro  .    ......  1.221 

32.  Luiz   Ignacio  Jacques,   negociante 1.2 11 

7^2^.  Vicente  Lucas  de  Oliveira,  fazendeiro  .    .    .  1.185 

34.  Coronel  Joaquim  Pedro  Soares  .    ; 1.116 

35.  Francisco  Modesto  Franco,  negociante  ...  1.106 

36.  Tenente-coronel  José  Alves  de  Moraes  .    .    .  1.072 
Supplentes,  os  immediatos  em  votos : 

1.  Bento  Xavier  de  Andrade 1.06 1 

2.  Major  Luiz  José  da  Fontoura  Palmeiro  .  • .    .  1.038 

3.  Primeiro-tenente  Joaquim  Gonçalves  da  Silva  1.030 

4.  Francisco  Ferreira  Jardim  Brazão,  negociante  996 

5.  Dr.    António    Vicente    de    Siqueira    Pereira 

Leitão 986 

6.  Manoel  (ionçalves  Rodrigues  Jardim,  fazen- 
deiro    977 


486  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


7.  Major  Bernardo  Pires 955 

8.  António  Manoel  Corrêa  da  Camará  ....  946 

9.  Manoel  José  Pereira  da  Silva,  fazendeiro  .    .  924 

10.  Tenente-coroneljoaquimjosé  Ferreira  Villaça  871 

11.  General  David  Martins  Canabarro 855 

12.  Tristão  de  Araújo  Nóbrega,  fazendeiro  .    •    .  839 

13.  Tenente-coronel  Felisberto  Machado  de  Car- 
valho  Ouriques 815 

14.  António  Paulo  da  Fontoura,  proprietário  .    .  787 

15.  José  Ferreira  Gomes  Roque,  negociante  .    .    .  780 

16.  Coronel   António   Manoel   do  Amaral    Sar- 
mento Menna 637 

17.  Marcos  Alves  Pereira  Salgado,  fazendeiro  .    .  612 

18.  Capitão   António  Leite  de   Oliveira  ....  584 
Este  resultado  do  pleito  eleitoral  foi  publicado  no  numero 

4  do  Americano  (^ ),  de  5  de  Outubro  de  1842. 

A  Assembléa  Geral  Constituinte  effectuou  a  sua  primeira 


(1)0  Americano,  periódico  official,  politico  e  lilterario,  publicava-se  no 
Alegrete,  na  Typogtaphia  Republicana  Rio  Grandense.  Lia-se  no  cabeçalho: 
«•  Este  períodico  é  de  propriedade  nacional.  Publica-sc  quartas  e  sabbados  de 
cada  semana.  Recebcm-se  assignaturas  na  typographia.  Preço  — 4  patacões  por 
semestre,  pagos  adiantados.  Folha  avulsa  8o  réis.  «> 

Trazia  por  epigraphe  esta  quadra : 

Pela  Pátria  viver,  morrer  por  ella ; 
Guerra  fazer  ao  despotismo  insano ; 
A  virtude  seguir,  calcar  o  vicio : 
Jiis  o  dever  de  lim  livre  Americano. 


CAPITULO   XXXIV  487 


sessão  preparatória  a  29  de  Novembro  de  1842,  sob  a  presi- 
dência do  padre  Francisco  das  Chagaâ  Martins  d' Ávila  e 
Souza,  servindo  de  secretários  o  coronel  Silvano  Monteiro  e 
o  dr.  Francisco  de  Sá  Britto. 

A  sessão  de  installação  realizou-se  a  i.°  de  Dezembro, 
pronunciando  o  presidente  Bento  Gonçalves  a  seguinte 
Fala: 

«Srs.  Representantes  da  Nação  Rio  Grandense!  Depois 
da  heróica  revolução  que  operamos  contra  os  oppressores  de 
nossa  pátria;  depois  de  uma  lucta  obstinada  que  por  espaço 
de  7  ânuos  absorveu  nossos  cuidados,  chegou  finalmente  a 
epocha  em  que,  sem  grande  risco,  se  verifica  vossa  reunião 
exigida  altamente  pelo  voto  publico. 

«Meu  coração  palpita  de  prazer,  vendo  hoje  assentados, 
n'este  venerando  recinto,  os  representantes  do  povo,  em 
quem  estão  fundadas  as  mais  bellas  esperanças  de  nosso  paiz. 

«Eu  me  congratulo  comvosco  por  tão  plausivel  successo. 

«Por  decreto  de  10  de  Fevereiro  de  1840  convoquei  uma 
Assembléa  Constituinte  e  Legislativa  do  Estado;  mas  acon- 
tecimentos imprevistos,  originados  pela  guerra  cm  que  esta- 
mos empenhados,  cuja  historia  não  vos  é  extranha,  privaram 
que  se  fizesse  a  ultima  apuração  dos  votos. 

«Um  manifesto  fiz  publicar  em  29  de  Agosto  de  1838, 
expondo  amplamente  os  motivos  de  nossa  resistência  ao 
governo  de  Sua  Magestade  o  Imperador  do  Brazil,  motivos 
imperiosos  que  nos  obrigam  a  separar  da  Familia  Brazileira. 

('Si  me  não  é  dado  annunciar-vos  o  solemne  reconheci- 


488  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

mento  de  nossa  independência  politica,  góso  ao  menos  a  satis- 
facçáo  de  poder  afiançar-vos  que  não  só  as  Republicas  visinhas, 
como  grande  parte  dos  brazileiros,  sympathizam  com  a  nossa 
causa. 

« Mui  doloroso  me  é  o  ter  de  manifestar-vos  que  o  Governo 
Imperial,  surdo  á  voz  da  humanidade,  e  com  escandaloso 
desprezo  dos  mais  sãos  princípios  da  sciencia  do  Direito, 
nutre  ainda  a  pertinaz  intenção  de  reduzir-nos  pela  força; 
porém,  meu  profundo  pezar  se  diminue  com  a  grata  recorda- 
ção de  que  a  tyrannia  aciutosa,  exercida  por  elle  nas  provín- 
cias, tem  despertado  o  innato  brio  dos  brazileiros  que  já 
fizeram  retumbar  o  grito  da  resistência  em  algims  pontos  do 
Império.  E  assim  que  seu  poder  se  debilita  e  se  approxima  o 
dia  em  que,  banida  a  realeza  da  Terra  de  Santa  Cruz,  nos 
havemos  de  unir  por  estreitos  laços  federaes  á  magnânima 
Nação  Brazileira,  a  cujo  grémio  nos  chama  a  natureza  e 
nossos  mais  caros  interesses  ( ^ ). 

«Todavia,  o  que  nos  deve  inspirar  mais  confiança,  o  que 
nos  deve  convencer  de  que  alfim  triumpharão  nossos  princi- 
pios  políticos,  é  o  valor,  é  a  constância  de  nossos  compa- 
triotas, é  a  firme  resolução  em  que  se  acham  de  sustentar,  a 
todo  custo,  a  independência  do  paiz. 

«Debaixo  de  tão  lisonjeiros  auspícios  começam  os  vossos 


(  I  )    Rcalizou-sc    a    prophecia   (k*    Bento    Gonçalves    a   15   de    Novtrmbro 
de  i8S<). 


CAPITULO  XXXIV  489 


trabalhos  e  cessa  desde  já  o  poder  discricionário  de  que  fui 
investido  pelas  actas  de  miuha  nomeação,  cumprindo,  pois, 
as  condições  com  que  fui  eleito,  eu  o  deponho  nas  vossas 
mãos. 

«A  primeira  necessidade  do  Estado  é  uma  Constituição 
politica  baseada  sobre  os  principios  proclamados  no  memorá- 
vel dia  6  de  Novembro  de  1836.  A  estabilidade  da  politica 
interior  está  ligada  com  esse  grande  acto  que  ha  de  neces- 
sariamente augmentar  nossa  força  moral. 

«Bem  penetrados  da  importância  de  vossa  missão  e  das 
circumstancias  excepcionaes  em  que  nos  achamos,  a  vós 
cimipre  decretar  os  meios,  recursos  e  elementos,  com  que  deve 
contar  o  governo,  para  o  bom  desempenho  de  suas  funcções. 

«Si  julgardes  conveniente  legislar  sobre  outros  objectos, 
lembrai-vos  de  que  a  moral  publica,  a  segurança  individual  e 
de  propriedade,  exigem  promptas  reformas  nas  leis  que  pro- 
visoriamente adoptámos,  pouco  adequadas  ás  nossas  actuaes 
circumstancias. 

«Srs.  Representantes  da  Nação  Rio  Grandense!  A  felici- 
dade e  a  sorte  da  Republica  estão  hoje  em  vossas  mãos. 
A  prudência,  a  sabedoria  e  a  moderação. com  que  vos  condu- 
zirdes, durante  vossa  missão,  acreditará  sem  duvida  a  nobre 
confiança  que  têem  em  vós  depositado  nossos  concidadãos. 

cc  Pelos  differentes  Secretários  de  Estado  se  vos  darão  todos 
aquelles  esclarecimentos  que  tiverdes  por  bem  exigir. 

« Está  aberta  a  sessão. » 

A  Assembléa  Constituinte  nomeou  uma  commissão  de 

OJ  TOM.  U 


490  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


cinco  membros  para  elaborar  o  projecto  de  Constituição,  base 
para  o  fimccionamento  legal  da  Republica.  Acceitaram  a 
incumbência  Domingos  José  de  Almeida,  José  Pinheiro  de 
Ulhôa  Cintra,  Francisco  de  Sá  Britto,  José  Marianno  de  Mat- 
tos e  Serafim  dos  Anjos  França,  e  no  dia  8  de  Fevereiro 
de  1843  submetteram  o  importante  documento  á  discussão  e 
approvaçáo  d'aquella  Assembléa. 

As  bases  da  Constituição  repousavam  em  princípios  de 
larga  democracia. 

Todos  os  cidadãos  rio-grandenses  fonnariam  uma  nação 
livre  e  independente,  que  não  admittia  laço  de  união  com 
qualquer  outra  que  lhe  prejudicasse  a  integridade. 

Seu  governo  seria  Republicano  Constitucional  Represen- 
tativo. 

Não  podiam  exercer  o  direito  do  voto  os  cidadãos  que 
não  soubessem  ler  e  escrever. 

Era  considerada  religião  do  Estado  a  catholica,  apostólica, 
romana. 

Como  um  signal  de  atrazo  d'aquelle  tempo,  não  podiam 
ser  eleitos  Deputados  os  acatholicos  nem  os  naturalizados. 

Três  poderes  assumiriam  a  suprema  governança:  o  Judi- 
ciário, o  Legislativo  e  o  Executivo. 

O  Judiciário  seria  garantido  em  sua  perfeita  independên- 
cia, e  exclusivamente  excercido  pelos  Tribunaes,  juizes  e 
juradas. 

Seria  creado  em  Porto  Alegre  um  Supremo  Tribunal  de 
Justiça;  na  mesma  capital,  nas  outras  cidades  e  villas — Tri- 


CAPITULO  XXXIV  491 


bunaes  de  Appcllação.  Nas  cabeças  de  comarca — Juizes  de 
Direito  e  Juizes  de  Paz.  Os  Juizes  de  Direito  eram  vitalicios; 
podiam,  porém,  ser  removidos  ou  suspensos  pelo  Presidente. 

O  Legislativo  dividia-se  em  Camará  dos  Deputados  e 
Senado.  Com  approvação  do  Presidente  da  Republica,  decre- 
tava a  guerra,  concedia  amnistia  e  perdáo,  creava  empregos, 
approvava  e  desapprovava  tratados  com  as  nações  extran- 
geiras.  Cada  deputado  corresponderia  a  5.000  habitantes,  mas 
emquanto  não  se  organizasse  a  estatistica  da  população,  seriam 
eleitos  os  deputados  em  numero  de  24. 

Os  Senadores,  em  numero  correspondente  á  metade  dos 
deputados,  exerceriam  as  suas  funcções  durante  12  annos, 
sendo,  porém,  substituído  um  terço  do  pessoal  em  cada  legis- 
latura. A  reforma  do  i.°  e  2."^  terço  deveria  ser  feita  por 
meio  de  lista  tríplice  apresentada  pela  Camará  dos  Deputados 
ao  Poder  Executivo;  e  a  reforma  do  3.°  terço  por  eleição 
indirecta  do  povo. 

Aos  Senadores  caberia  o  dobro  do  subsidio  dos  Deputados. 

Funccionaria  a  Camará  de  quatro  em  quatro  annos,  por 
meio  de  eleição  directa  do  povo. 

Ao  Senado  cumpria  julgar  os  funccionarios  accusados 
pela  Camará  e  convocar  a  Assembléa  Geral  em  casos  extra- 
ordinários, por  abusos  commettidos  pelo  Presidente  da  Repu- 
blica ou  por  urs^encia  de  medidas  legislativas. 

O  Poder  Executivo  era  exercido  pelo  Presidente  da 
Republica  e  seus  delegados.  Não  podia  amnistiar.  Não 
nomeava  magistrados,  nem  commandantes  de  forças  de  mar 


492  MEMORIAS   BRAZILEIRÂS 


e  terra,  nem  diplomatas,  nem  chefes  de  repartições  de  fazenda 
nem  fazia  promoção  a  coronéis  e  a  generaes,  sem  prévia 
approvação  do  Senado. 

O  Presidente  da  Republica  seria  também  investido  do 
cargo  de  Commandante  em  Chefe  do  exercito  nacional,  porém 
não  podia  commaudal-o  pessoalmente  sem  licença  do  Senado. 
No  caso  de  o  Presidente  marchar  para  a  guerra,  o  Presidente 
do  Senado  o  substituiria  na  governança  do  Estado. 

Seria  permanente  a  força  armada  e  o  seu  numero*  fixado 
annualmente  pela  Assembléa  Geral. 

Era  facultado  ao  Presidente  nomear  livremente  os  seus 
Ministros,  os  quaçs  não  podiam  eximir-se  da  responsabilidade 
de  seus  actos,  perante  a  Camará  dos  Deputados. 

Para  a  policia  local,  o  Presidente  nomeava  um  Director 
Policial  em  cada  municipio  e  em  cada  districto  um  Inten- 
dente subordinado  áquella  auctoridade. 

Todas  as  cidades  e  villas  deveriam  ter  Camarás  Municipàes. 

A  Camará  dos  Deputados  tinha  competência  para  accusar, 
perante  o  Senado,  ao  próprio  Presidente  da  Republica,  aos 
membros  das  duas  Camarás,  aos  Ministros,  aos  Conselheiros 
de  Estado,  aos  Juizes  do  Supremo  Tribunal  de  Justiça;  cabia- 
lhe  também  propor,  em  lista  tríplice,  os  Senadores  que  por 
terços  deveriam  ser  substituídos. 

Era  attribuição  da  Camará  a  creação  de  impostos,  regular, 
o  recrutamento,  fiscalizar  a  administração  do  Presidente  e 
ter  preferencia  na  discussão  das  propostas  apresentadas  pelo 


CAPITULO  XXXIV  493 


Executivo,  visto  que  era  ella  considerada  a  representante 
immediata  da  vontade  popular. 

Mandava  a  Constituição  que  vigorassem  as  leis  do  Império, 
não  contrarias  a  ella. 

Podia-se  reformar  a  Constituição,  quando  o  deliberassem 
dois.  terços  de  ambas  as  caniaras  legislativas  reunidas. 

Finalmente,  garantia  a  Constituição  plena  liberdade  de 
imprensa,  de  industria  e  de  commercio;  estabelecia  ampla 
instrucção  primaria  gratuita;  abolia  titulos  de  nobreza;  facul- 
tava a  todos  os  cidadãos  denunciar  e  accusar  livremente  em 
todos  os  crimes  de  responsabilidade. 

Taes,  em  resumo,  as  idéas  sobre  que  assentava  o  pacto 
fundamental  da  Republica  Rio  Grandense. 

Consagraremos  ó  capitulo  seguinte  á  exposição  do  impor- 
tante papel  que  a  táctica  militar  e  o  tino  administrativo  do 
barão  de  Caxias  desempenharam  no  Rio  Grande,  conseguindo 
a  pacificação  de  modo  humanitário  e  honroso  para  o  império 
e  para  os  valentes  e  briosos  revolucionários. 


CAPITULO  XXXV 


Operações  miutariís  do  barão  de  Caxias.  Assassinato  de 

António  Paulo  da  Fontoura.  Morte  de  Onofre  Pires  em  duello 

com  Bento  Gonçalves.  Contínuos  combates.  Propostas 

DE  Paz.  a  pacificação  — 1842-1845. 


]WoGO  que  o  barão  de  Caxias  entrou  em  exercício  de  seus 
cargos,  de  presidente  e  de  couimandante  em  chefe  do  exercito 
imperial  no  Rio  Grande  do  Sul,  teve  noticia  de  que  o  coronel 
Raphael  Tobias  de  Aguiar  (*),  chefe  da  rebellião  paulistana, 
vinha  por  terra  para  o  Rio  Grande  do  Sul,  no  interesse  de 
ligar-se  aos  revolucionários.  Imniediatamente  expediu  o  barão 


(1)0  coronel  Raphael  Tobias  de  Aguiar,  opulento  proprietário  e  capitalista 
de  S.  Paulo,  um  dos  chefes  do  partido  liberal,  casou  no  anno  de  1842  com  D.  De- 
mithildes  de  Castro  Canto  e  Mello,  marqueza  de  Santos.  Sobre  esta  extraor- 
dinária mulher  diz  o  dr.  Joaquim  Manoel  de  Macedo  em  seu  SuppUmenlo  do 
Anno  Biographico  (Rio  de  Janeiro,  1880),  vol.  I,  pags.  215  e  216:  «Em  falta 
de  apurado  cultivo  de  intelligencia,  D.  Demithildes  deveu  á  mais  pródiga  natu- 
reza dotes  physicos  allucinadores.  Era  alta,  magestosa  de  estatura  e  de  admirável 
harmonia  e  perfeição  nas  formas  e  contornos  de  seu  corpo,  e  formosa  de  rosto  a 
obrigar  a  contemplação  de  todos ;  tinha  no  andar  e  nos  modos  enlevadora  graça : 
maravilhava  pela  bellesa. » 


49^  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


uina  escolta  ao  encontro  do  coronel  Tobias,  a  qual  conseguiu 
aprisional-o  na  estrada  da  Palmeira,  perto  de  Passo  Fundo, 
e  trazel-o  a  Porto  Alegre,  d'onde  foi  remettido  para  o  Rio 
de  Janeiro,  a  responder  a  processo. 

O  bom  êxito  d'esta  primeira  diligencia  foi  de  bom  presa- 
gio  para  quem  ia  encetar  uma  serie  de  operações  de  elevado 
alcance. 

As  principaes  idéas  que  tinha  em  vista  pôr  em  pratica 
o  experimentado  general,  eram : 

T.*  Interessar  todos  os  rio-grandenses  na  necessidade 
urgente  de  se  terminar  a  guerra ; 

2.*  Conseguir  do  dictador  da  Republica  Argentina, 
D.  João  Manoel  de  Rosas,  e  do  presidente  do  Estado  Oriental, 
D.  Manoel  Oribe,  que  os  revolucionários  não  pudessem 
penetrar  em  qualquer  das  republicas  nem  d'ellas  obter 
cavalhadas ; 

3.*  Adquirir  para  o  exercito  o  maior  numero  possivel  de 
cavallos;  pois  eram  esses  os  principaes  elementos  na  guerra 
sulista. 

4.*  Utilizar-se  do  brigadeiro  Bento  Manoel  Ribeiro,  cujos 
serviços  reputava  de  grande  valor,  já  pelas  relações  de 
amizade  que  mantinha  na  campanha,  já  pelo  conhecimento 
que  possuia  do  terreno,  de  que  era  grande  vaqueano. 

Prevenido,  porém,  contra  a  falta  de  sinceridade  de  Bento 
Manoel,  o  barão,  ao  attrahil-o,  escreveu,  a  29  de  Novem- 
bro de  1842,  ao  ministro  da  guerra,  José  Clemente  Pereira: 
«Eu  julgo,  como  V.  Exa.,  impolitico  o  dar  commandos  a 


CAPITULO  XXXV  497 

Bento  Manoel  e  muito  menos  antes  de  elle  ter  dado  provas 
de  sua  contricçào;  porém  creio  também  que  elle  me  vai  ser 
muito  útil,  supprindo-me  n'aquillo  que  me  falta,  que  é  o 
conhecimento  pratico  do  terreno,  e,  com  as  suas  relações  na 
campanha,  espero  obter  mais  alguma  gente  de  cavallaria  e 
cavallos.  Descance  V.  Exa.  que  eu  me  hei  de  manejar  com 
cautela  com  elle . . .  Hei  de  me  servir  d'elle  como  de  meu 
vaqueano-mór,  fazendo-o  escrever,  como  já  fiz,  para  que  todos 
os  seus  partidários  da  campanha  se  me  reunam  com  gente  e 
cavalhadas,  e  tenciono  dar  um  golpe  com  essa  gente  pela 
retaguarda  dos  rebeldes,  logo  que  me  approxime  á  fronteira 
de  Alegrete,  para  onde  pretendo  encostar  os  rebeldes. » 

Poucos  dias  depois  de  sua  chegada  a  Porto  Alegre,  foi 
o  barão  ao  rincão  dos  Touros  verificar  a  quantidade  e  o 
estado  da  cavalhada,  e  reconheceu  a  necessidade  urgente  de 
remonta  d'essa  arma  de  guerra. 

No  momento  em  que  ia  encetar  as  suas  operações 
militares,  havia  a  seguinte  distribuição  de  forças: 

Na  lagoa  Mirim  e  no  rio  Jacuhy,  lanchões  annados  em 
guerra. 

Na  cidade  do  Rio  Grande,  dois  batalhões  de  666  praças 
cada  um  e  800  soldados  de  cavallaria. 

Na  villa  de  S.  José  do  Norte,  um  destacamento  de  100 
soldados  de  infanteria  e  outro  de  cavallaria. 

A  cidade  de  Porto  Alegre  ficava  guarnecida  por  um  bata- 
lhão de  caçadores,  corpo  policial  com  100  praças,  e  3CX) 
soldados  de  cavallaria  occupados  em  percorrer  os  districtos 

63  TOM     II 


498  MEMORIAS  fiRAZII<ElRAS 


visinhos — Santo  António  da  Patrulha,  Taquary,  Santo 
Amaro,  Setembrina  (capella  de  Viamão),  Aldeia  dos  Anjos  e 
Belém. 

O  exercito,  com  cerca  de  7.000  homens,  acampava  junto 
ao  passo  de  S.  Lourenço,  no  rio  Jacuhy.  Subia  a  12.000  sol- 
dados o  total  das  forças  imperialistas. 

A  II  de  Janeiro  de  1843,  ^  barão  de  Caxias  deu  começo 
ás  operações,  atravessando  o  rio  S.  Gonçalo,  no  passo  da 
Barra,  com  uma  columna  ligeira  de  i.ooo  infantes  e  800 
cavalleiros,  a  fim  de  conduzir  5.000  cavallos  que  havia 
conseguido  reunir  no  rincão  dos  Touros. 

Realizou-se  este  arriscado  movimento  sem  opposição  dos 
farrapos  porque  o  barão  poude  illudil-os;  fez  constar  que 
passaria  o  S.  Gonçalo  nos  Canudos  e  seguiria  na  direcção  de 
Piratiny  para  fazer  juncção  com  o  exercito  que  n'esse  sentido 
apparentou  mover-se.  António  Netto,  com  2.000  cavalleiros 
e  300  infantes,  foi  esperal-o  nos  Canudos,  quando  o  barão 
passava  por  outro  ponto  e  marchava  para  Rio  Pardo, 
costeando  a  lagoa  dos  Patos,  abrigado  de  flanco  pela  serra  do 
Herval. 

A  II  de  Fevereiro  chegou  ao  acampamento  de  S.  lyou- 
renço,  sem  ser  inquietado  pelas  forças  de  David  Canabarro, 
coUocadas  no  passo  da   Juliana,   6  a  8  léguas   acima. 

Deu  então  nova  organização  ao  exercito,  que  ficou  assim 
constituido: 

/.**  Divisão^  commandante,  o  brigadeiro  Philippe  Nery  de 
Oliveira,  composta  das  brigadas  i.*,  7.^  e  8.*,  commandadas 


CAPITULO  XXXV  499 


pelos  coronéis  José  Fernandes  dos  Santos  Pereira,  Manoel 
Marques  de  Souza  e  João  Frederico  Caldwell ;  e  de  uma  bateiia 
de  artilheria  a  cavallo,  commandada  pelo  tenente-coronel  José 
Ferreira  de  Azevedo; 

2.*^  Divisão^  commandante,  o  coronel  Jacintho  Pinto  de 
Araújo  Corrêa,  composta  das  brigadas  2.* ,  4.^  e  6.* ,  com- 
mandadas  pelos  coronéis  Francisco  de  Arruda  Camera,  Antó- 
nio de  Medeiros  Costa  e  Jeronymo  Jacintho  Pereira; 

j,^  Divisão^  commandante,  o  coronel  João  da  Silva  Tava- 
res, composta  das  brigadas  3.® ,  5.*  e  9.*  (guarnição  do  Rio 
Pardo)  e  10."  (guarnição  do  Rio  Grande),  commandadas  pelo 
tenente-coronel  Manoel  Pereira  Vargas,  coronel  Manoel  dos 
Santos  Loureiro,  coronel  João  Feliciano  da  Costa  Ferreira  e 
brigadeiro  graduado  lyuiz  Manoel  de  Jesus. 

A  guarnição  de  Porto  Alegre  tinha  como  commandante 
o  marechal  de  campo  Thomaz  José  da  Silva. 

Bento  Manoel  passou  a  pertencer  ao  estado  maior  do  gene- 
ral em  chefe. 

David  Canabarro  moveu-se  do  passo  da  Juliana  e  foi 
reunir-se,  a  19  de  Fevereiro,  ás  forças  de  António  Netto  no 
passo  do  Rosário,  no  rio  Santa  Maria.  As  forças  farrapas, 
enfraquecidas  com  a  longa  e  improfícua  lucta,  achavam-si& 
reduzidas  a  3.500  soldados. 

Antes  de  partir  em  busca  dos  revolucionários,  Caxias 
mandou  á  Cima  da  Serra  uma  força  de  500  cavalleiros  com- 
mandada pelo  coronel  Jeronymo  Jacintho  Pereira,  no  intento 
de   desalojar  d'alli   forças   do    tenente-coronel   José  Gomes 


500  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Portinho.  Com  eíFeito,  a  4  de  Março,  na  picada  do  Padilha, 
em  Butucarahy,  foi  batida  a  vanguarda  de  Portinho,  com- 
mandada  pelo  tenente  Leme,  que  morreu  em  combate,  e 
obrigados  os  revolucionários  a  abandonar  a  posição  e  pro- 
curar o  Ijuhy;  d'este  ponto  atravessaram  o  Ibicuhy,  no  passo 
do  Marianno  Pinto,  e  incorporaram-se  em  Alegrete  ao  exercito 
republicano. 

Assim  ficou  Cima  da  Serra  desoccupada  inteiramente  de 
farrapos. 

Voltando  a  assumpto  politico,  diremos  que  a  Assembléa 
Geral  Constituinte  elegeu  como  seu  presidente  permanente 
o  padre  Hildebrando  de  Freitas  Pedroso. 

Depois  de  algumas  deliberações  de  diminuta  importância, 
encerrou  seus  trabalhos  a  10  de  Fevereiro  de  1843. 

Três  dias  depois  dava-se  o  assassinato  do  vice-presidente 
António  Paulo  da  Fontoura,  conhecido  por  António  Paulino, 
chefe  da  opposição  na  Assembléa,  partido  que  se  havia 
levantado  para  contrariar  muitas  idéas  do  general  presidente 
da  republica,  principalmente  aquella  que  determinava  confis- 
cação de  bens  dos  legalistas. 

O  proeminente  revolucionário  fora  traiçoeiramente  morto 
por  um  tiro  de  pistola  disparado  á  noite  para  dentro  de  uma 
janella  de  sua  casa.  Onofre  Pires,  amigo  intimo  de  António 
Paulino,  considerou  como  mandante  do  attentado  o  próprio 
Bento  Gonçalves  e  no  dia  19  fez  correr  em  Alegrete  convites 
impressos,  com  estes  dizeres : 

«  Fazem  amanhã  7  dias  que  deixou  de  existir  n*este  valle 


CAPITULO   XXXV  501 

de  lagrimas  o  vice-presidente  António  Paulo  da  Fontoura, 
victima  do  crime  que  o  roubou  á  pátria,  aoâ  seus  parentes, 
aos  seus  amigos  e  aos  seus  concidadãos. 

«A  egreja  costuma  celebrar  a  missa  do  7.°  dia  applicada 
a  prol  da  vida  futura  que  devem  gosar  os  que  souberam 
n'este  mundo,  á  semelhança  de  Jesus  Christo,  perdoar  os 
seus  inimigos. 

«Rogo  a  V.  S.  e  a  toda  sua  familia,  que  se  dignem, 
amanhã,  ás  8  horas,  concorrer  á  egreja  matriz,  a  fim  de 
ouvirem  a  referida  missa,  com  o  que  honrarão  a  memoria  de 
um  mortal,  e  darão  uma  prova  de  seus  sentimentos  religiosos: 
favor  que  espera  merecer  da  benevolência  de  V.  S.  seu  amigo 
e  venerador. » 

Do  passo  de  S.  lyourenço  marchou  o  barão  de  Caxias  a 
encontrar-se  com  os  revolucionários  no  passo  do  Rosário; 
soube,  porém,  ao  passar  por  S.  Gabriel,  que  os  farrapos  haviam 
seguido  em  direcção  a  Alegrete;  á  vista  doeste  movimento, 
resolveu  deixar  em  S.  Gabriel  a  bagagem  pesada,  guardada 
por  3  batalhões  de  caçadores  e  500  cavalleiros,  formando  um 
total  de  2.000  soldados  com  3  peças  de  artilheria,  sob  o 
commando  do  coronel  Jacintho  Pinto  de  Araújo  Corrêa. 

Em  perseguição  dos  rebeldes,  atravessou  o  rio  Santa  Maria 
e  dirigi u-se  á  capella  de  SanfAnna,  hoje  cidade  de  SanfAnna 
do  Livramento.  Approximou-se  da  povoação  a  31  de  Março 
de  1843  ^»  impedido  pela  noite,  resolveu  ordenar  o  ataque 
no  dia  seguinte. 

Os  revolucionários,  porém,  não  esperaram  pelo  encontro 


502  MEMORIAS  BRAZII<KIRAS 


e  n'essa  mesma  noite,  em  numero  de  2.500  homens  das  três 
armas,  passaram-se  para  a  Republica  do  Uruguay  na  altura  de 
Cunhaperú.  Aproveitando  o  ensejo  de  se  achar  na  fronteira,  o 
barão  chegou  á  margem  direita  do  rio  Taquarembó,  effectuou 
a  compra  de  3.000  cavallos  e  negociou  com  o  general 
D.  Manoel  Oribe  a  acquisição  de  6.000,  que  depois  lhe  foram 
entregues. 

Por  uma  evolução  rápida,  os  revolucionários  retrocederam 
para  o  Rio  Grande  do  Sul,  por  Taquatiá,  e  apresentaram-se 
em  frente  de  S.  Gabriel,  que  encontraram  sem  a  guaniição  a 
postos,  por  descuido  lamentável  do  coronel  Jacintho  Pinto: 
depois  de  praticar  varias  mortes  e  ferimentos  em  officiaes  e 
soldados,  retiraram-se  os  farrapos,  levando  comsigo  cavallos 
e  bois  que  conseguiram  apprehender. 

Logo  que  teve  noticia  doeste  inesperado  assalto,  o  barão 
de  Caxias  partiu,  a  16  de  Abril,  de  SanfAnna  do  Livramento, 
e  a  19  chegava  a  S.  Gabriel,  executando  com  velocidade, 
em  48  horas,  uma  marcha  forçada  de  24  léguas,  com  4.000 
homens  e  9.000  cavallos. 

Ahi  conseguiu  rehaver  parte  da  cavalhada  e  submetteu  a 
conselho  de  investigação  o  coronel  Jacintho  Pinto,  pela  desi- 
dia  de  não  manter  a  guarnição  em  vigilância,  prompta  ao 
primeiro  signal. 

Retiraram-se  os  farrapos  para  os  lados  de  Bagé. 

Reconhecendo  a  impossibilidade  de  combatel-os  com  toda 
a  força  reunida,  o  barão  dividiu  o  exercito  em  duas  columnas, 
uma  sob  seu  commando  e  outra  sob   a  direcção  de  Bento 


CAPITULO  XXXV  503 


Manoel,  que  viu  afinal  aproveitados  os  seus  serviços  em  um 
cargo  importante,  e,  lisonjeado,  deixou  de  pretender  deslustrar 
o  prestigio  do  barão,  no  intento  de  o  substituir  ( ' ). 

Investido  de  cargo  de  confiança.  Bento  Manoel,  satis- 
feito em  suas  ambições  de  mando,  envidou  os  maiores  esforços 


( I )  Sabendo  o  barão  de  Caxias  que  Bento  Manoel  tramava  retiral-o  do 
commando  em  chefe  do  exercito,  intrigando-o  com  o  ministro  da  guerra,  escre- 
veu da  Tapera  do  Trilho,  em  data  de  22  de  Abril  de  1843,  uma  carta  ao  mesmo 
ministro,  da  qual  transcrevemos  os  seguintes  trechos,  como  elucidação  histórica: 

«  Bento  Manoel,  logo  que  viu  mudado  o.  ministério,  julgou  que  eu  também 
o  seria,  na  forma  do  costume,  e  visando  o  mando  do  exercito,  principiou  a  rosnar 
pela  bocca  pequena  que  era  de  opinião  haver  duas  auctorídades  na  provincia, 
e  que  estava  muito  descontente  por  eu  o  não  ter  empregado  em  commando  de 
alguma  divisão.  Ora,  até  essa  epocha  elle  não  tinha  cumprido  nada  do  que  tinha 
promettido  ao  governo ;  nenhuma  defecção  tinha  apparecido  nos  rebeldes,  e  por 
tudo  isso  e  pela  falta  de  confiança  que  elle  gosava  no  exercito,  eu  não  julguei 
politico  empregal-o  no  commando  de  coisa  nenhuma ;  mas  trazia-a  sempre  com- 
migo,  consultava-o  sobre  qualquer  movimento  que  pretendia  fazer  e  dava-lhe 
muita  consideração  em  publico,  a  fim  de  ir  aos  poucos  dissuadindo  alguns  chefes 
que  o  detestavam,  e  muito  já  tinha  conseguido,  quando  a  sahida  de  V.  Bxa.  do 
ministério,  quando  eu  menos  o  esperava,  me  veiu  desconcertar  e  dar  animo  aos 
invejosos  de  minha  fortuna.  Bento  Manoel  mandou  logo  seu  filho,  o  dr.  Sebastião 
Ribeiro,  para  a  corte,  com  ordem  de  escrever  contra  mim  e  exaggerar  a  capaci- 
dade do  pae  para  o  commando  do  exercito,  apresentando  a  idéa  de  duas  aucto- 
rídades para  a  provincia.  O  que  elle  por  lá  terá  feito,  não  sei ;  V.  Bxa.  que  lá 
está,  melhor  o  saberá.  Continuou  Bento  Manoel  comtudo  a  acompanhar-me  e 
como  visse  que  não  achava  echo  contra  mim  no  exercito,  tem-se  reprímido, 
muito  mais  depois  que  teve  certeza  de  que  o  novo  ministério  me  não  era  avesso 
e  que  mesmo  n'elle  havia  alguns  tão  meus  amigos  como  o  sr.  José  Clemente. 
£u  não  me  dei  nunca  por  sabedor  e  antes  o  tratei  sempre  com  a  mesma  aífabili- 
dade  e  franqueza,  e  isto  o  tem  desconcertado  tanto,  que  me  consta  que  elle  já  diz 
que  se  tinha  em  conta  de  muito  velhaco,  porém  que  eu  era  mais  do  que  elle, 
tendo  metade  da  sua  edade,  e  que  estava  disposto  a  me  continuar  a^judar  em 
tudo  e  que  não  podia  negar  que  eu  ia  marchando  muito  bem,  etc.  O  caso  é  que 
vou  tirando  d'elle  todo  o  partido.  »  Reinsia  do  ítisHtuto  Histórico  e  Geographico 
de  S.  Paulo  (S.  Paulo,  1902),  vol.  VI,  pags.  52  e  53. 


504  MEMORIAS   BRÂZILEIRAS 


para  que — de  accordo  com  promessa  feita  ao  governo  — 
parentes  e  amigos  republicanos  viessem,  nas  fileiras  legaes,  fazer 
causa  commum  com  elle :  dos  transf  ugas  que  alliciou  formou-se 
em  fins  de  Abril  um  corpo  intitulado  Esquadrão  de  cavai- 
laria  ligeira  do  municipio  de  Alegreie.  D'esse  esquadrão  fez 
parte  o  ex-revolucionario  tenente-coronel  Demétrio  Ribeiro, 
que  a  16  d^aquelle  mez  se  apresentou  ao  barão,  com  80  homens 
e  600  cavallos  subtrahidos  aos  farrapos. 

Dividido  o  exercito  em  duas  columnas,  devia  a  i.®,  de 
Bento  Manoel,  operar  áquem  do  rio  Santa  Maria  e  a  2.*,  de 
Caxias,  além  do  mesmo  rio,  percorrendo  em  toda  sua  extensão 
o  districto  e  fronteira  de  Alegrete. 

De  sua  columna  destacou  o  barão  uma  expedição  para  as 
immediações  do  arroio  Pai  Passo,  confluente  do  Ibirapuitan. 
Encontrando-se  ahi  abandonado  o  arsenal  dos  revolucionários, 
fez-se  arrecadação  de  grande  numero  de  instrumentos  bellicos : 
5  peças  de  artilheria,  granadas  carregadas,  balas,  couraças, 
lanças,  armamento  de  infanteria  e  cavallaria  e  bem  assim 
uma  botica  mandada  vir  de  Montevideo  por  7.000  patacões 
ou  i4:ooo$ooo.  O  abandono  de  tantos  materiaes  preciosos 
demonstrou  enfraquecimento  e  desanimo  nas  fileiras  republi- 
canas. 

Mandou  o  barão  que  fosse  occupada  a  villa  de  Alegrete 
por  um  batalhão  de  caçadores  e  um  esquadrão  de  cavallaria, 
700  praças,  sob  o  commando  do  brigadeiro  Francisco  de 
Arruda  Camera,  estancando  doeste  modo  a  fonte  de  recursos 
pecuniários  de  que  lançavam  mão  os  farrapos. 


CAPITULO  XXXV  505 

Sabendo  os  revolucionários  que  o  exercito  se  dividira  em 
duas  columnas,  deliberaram  atacar  a  de  Bento  Manoel,  ofiFere- 
cendo-lhe  grande  combate.  Com  2.500  homens,  os  chefes 
Bento  Gonçalves,  David  Canabarro,  António  Netto,  João 
António  e  Jacintho  Guedes  da  Luz  procuraram  encontrar-se 
com  as  forças  de  Bento  Manoel,  orçadas  em  1.200  infantes 
e  mais  de  i.ooo  cavalleiros,  com  duas  peças  de  artilheria. 

A  26  de  Maio,  junto  ao  arroio  Poncho  Verde  ('),  foi  ata- 
cado Bento  Manoel,  que  na  occasião  se  achava  á  frente  de 
1.600  soldados. 

Depois  de  duas  horas  de  renhido  combate,  retiraram-se 
os  farrapos,  deixando  os  legaes  senhores  do  campo. 

Segundo  lemos  na  participação  official  dirigida  pelo  barão 
de  Caxias  ao  ministro  da  guerra  Salvador  José  Maciel,  houve 
no  combate  mais  de  100  revolucionários  mortos  e  de  200 
feridos,  quando  tiveram  os  legaes  apenas  30  mortos  e  50  feri- 
dos, entre  estes  o  brigadeiro  Bento  Manoel,  que  recebeu  feri- 
mento em  um  braço  e  no  peito  esquerdo  {^\ 


( I )  o  arroio  Poncho  \  ^erde  nasce  na  Serrilhada,  atravessa  a  lagoa  do  Pon- 
cho Verde  e  desajnia  á  margem  esquerda  do  rio  Santa  Maria. 

(  2 )  Officio  do  general  barão  de  Caxias,  datado  do  quartel  general  nas  pon~ 
tas  de  Santa  Maria  Chica,  em  marcha,  rj  de  Maio  de  1843,  ^  publicado  na  Rev, 
do  ínst.  Hist.  e  Geog.  do  Braz.^  tom.  XLVII,  i.a  part,  pags.  93  c  94. 

Em  ordem  do  dia  passada  em  3  de  Junho  de  1843,  no  passo  de  D.  Pedríto, 
o  barão  de  Caxias  louvou  a  conducta  de  Bento  Manoel  no  combate  de  Poncho 
Verde  e  o  denodo  com  que  se  portaram  o  coronel  António  de  Medeiros  Costa, 
commandante  da  brigada  de  cavallaría,  e  tenentes-coroneis  I^uiz  Manoel  de  I«ima 
e  Silva,  commandante  do  9.®  batalhão  de  caçadores ;  João  Propicio  Menna  Bar- 
retto,  commandante  do  3.^  corpo  de  cavallaría ;  Manoel  Adolpho  Charão,  com- 

6-t  TOM.  II 


5o6  MEMORIAS  BRAZILBIRAS 


Parece  que  Bento  Manoel,  no  interesse  pessoal  de  fazer 
brilhar  a  sua  valentia  no  primeiro  combate  que  foi  obrigado 
a  empenhar  depois  de  nomeado  commandante  de  di\nsão, 
exaggerou  o  feito.  Contemporâneos  do  combate  de  Poncho 
Verde,  testemunhas  presenciaes  do  acontecimento,  affirmaiam 
ter  havido  vantagem  para  os  farrapos,  que  tomaram  2  estan- 
dartes, bagagens  e  cavalhadas.  Atacado  de  surpresa,  Bento 
Manoel  viu  atropelada,  quasi  dispersa,  a  sua  ca\^laria,  e, 
para  resguardal-a,  mandou  formar  quadrado. 

Livrou-o  de  completa  derrota  a  superioridade  de  sua  arma 
de  infanteria. 

Além  d'isso,  um  facto  casual  determinou  a  rápida  retirada 
dos  farrapos:  appareceu-lhes  pela  retaguarda  uma  cavalhada 
vinda  do  Estado  Oriental,  e  a  polvadeira  que  os  animaes  em 
marcha  levantaram  os  fez  crer  na  approximação  de  novas 
forças  legaes  que  os  collocariam  entre  dois  fogos :  n'esta  suppo- 
sição  abandonaram  o  campo. 

Após  o  indeciso  combate,  dirigiu-se  Canabarro  a  Alegrete, 
no  interesse  de  sitiar  e  tomar  a  praça,  e  ahi  chegando  com  cerca 
de  i.ooo  homens,  a  5  de  Junho,  dirigiu  ao  brigadeiro  Arruda 
intimação  a  que  se  rendesse,  no  praso  de  duas  horas. 


mandante  do  12.°  corpo;  José  Joaquim  de  Andrade  Neves,  commandante  do 
9.^  de  cavallaria ;  José  Ig^nacio  da  Silva  (  Jucá  Ourives ),  commandante  do  8.®  da 
mesma  arma ;  major  Francisco  de  Lima  e  Silva,  commandante  do  3.°  de  fuzileiros; 
Agostinho  Gomes  Jardim  e  João  António  Severo.  Elogiou  o  modo  por  que  seu 
ajudante  de  ordens,  major  de  divisão  Pedro  Maria  Xavier  Meirelles,  se  conduziu 
na  acção,  animando  os  soldados  com  repetidos  vivas  a  Sua  Magestade  o  impe- 
rador e  bem  assim  a  bravura  do  tenente-coronel  Demétrio  Ribeiro. 


CAPITULO  XXXV  507 

Dizia  um  dos  tópicos  do  oflScio : 

«  Depois  da  victoria  de  26  de  Maio  ultimo,  contra  a  divisão 
de  Bento  Manoel,  marchei  sobre  a  força  imperial  que  com- 
mandais  e  marcho  hoje  á  vossa  frente  com  centenares  de 
bravos  dispostos  a  debellar  os  soldados  de  D.  Pedro  II  a  todo 
custo. » 

Compenetrado  de  sua  alta  posição  militar,  o  brigadeiro 
dirigiu  a  Canabarro  esta  desdenhosa  resposta : 

«  Dando  a  consideração  que  merece  a  patacoada  que  Vmc. 
acaba  de  me  dirigir  em  uma  folha  de  papel  almasso,  tenho  a 
significar-lhe  que  estou  prómpto  a  consideral-o  como  brioso 
brazileiro,  quando  Vmc.  reconhecer  e  venerar  a  independência 
do  Império,  sua  integridade  e  instituições  politicas  que  reli- 
giosamente jurámos  manter  e  observar,  sob  a  obediência  da 
sagrada  pessoa  do  Sr.  D.  Pedro  II,  imperador  brazileiro  e 
perpetuo  defensor  d'este  grande  império.  Com  os  bravos  que 
se  acham  sob  o  meu  commando  para  defesa  de  tão  sagrados 
objectos  e  deveres,  nada  receio,  e  na  defensiva  mostrarei  a 
Vmc.  como  saberei  e  meus  subordinados  sustentar  o  nosso 
posto,  brio  e  honra  militar,  únicos  motores  presentemente 
doesta  força  e  de  meu  honroso  dever. 

« Tendo  recebido  o  seu  papel  ao  meio  dia  de  hoje,  desde 
já  pôde  Vmc.  fazer  o  que  lhe  parecer,  que  eu  farei  o  que  devo. » 

Em  face  da  enérgica  attitude,  o  chefe  revolucionário 
atacou  Alegrete,  porém  foi  repellido  com  vigor.  Em  seu 
auxilio  reuniram-se  Bento  Gonçalves  e  António  Netto,  ele- 
vando as  forças  sitiantes  a  mais  de  2.000  homens.  Travaram-se 


508  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


fortes  tiroteios  de  parte  a  parte,  mas  a  villa  não  cedeu.  Depois 
de  5  dias  de  inúteis  esforços,  retiraram-se  os  farrapos,  ao 
terem  noticia  de  que  Bento  Manoel  vinha  tomar  parte  na 
lucta. 

A  8  de  Junho  houve  combate  em  Santa  Maria  Chica,  provo- 
cado por  uma  partida  commandada  pelo  tenente-coronel  Cfaivo 
Pedro.  Este,  com  i86  homens,  foi  ao  encontro  do  general 
João  António  que  dispunha  de  500  soldados.  Impossibilitados 
de  vencer,  entrincheiram-se  os  legaes  em  uma  cerca  de  pedra, 
e  ahi  teriam  sido  suflocados  si  os  não  salvasse  avultado 
soccorro  mandado  pelo  barão  de  Caxias. 

Como  a  estação  inyemosa  se  manifestasse  demasiadamente 
cruel  e  impedisse,  pelo  intenso  frio  e  continuadas  chuvas, 
evoluções  militares,  o  barão  de  Caxias  resolveu  acampar  em 
ponto  central  da  provincia,  junto  ao  rio  Jaguar}',  afBuente 
da  margem  direita  do  Ibicuhy,  na  estancia  do  Carmo,  aguar- 
dando melhor  tempo. 

Estabelecia  os  seus  abarracamentos  quando  soube  que  os 
farrapos,  prevalecendo-se  da  distancia  em  que  ficava  o  grosso 
do  exercito,  projectavam  ir  pela  fronteira  do  Rio  Grande  ao 
rincão  dos  Touros  e  apoderar-se  da  cavalhada  invernada  ahi. 

Para  obstar  este  assalto,  Caxias  levantou  acampamento  e 
atravez  das  difficuldades  oppostas  pelo  rigor  da  estação,  seguiu 
até  á  margem  direita  do  rio  Camaquam,  d'onde  expediu  uma 
força  de  i.ooo  homens,  commandada  pelo  tenente-coronel 
Manoel  Marques  de  Souza  e  incumbida  de  tomar  Piratiny 
e  ir  depois  occupar  Pelotas. 


CAPITULO  XXXV  509 


Immediatamente  seguiu  Manoel  Marques  ao  detenninado 
ponto;  penetrou  em  Piratiny,  que  encontrpu  abandonado, 
e  apprehendeu  duas  carretas  com  cerca  de  i.ooo  peças  de 
fardamento  e  poucas  munições  bellicas;  marchou  a  Pelotas, 
que  occupou  com  a  sua  força;  reuniu  ahi  cavalhada  para  o 
exercito  imperial  e  recebendo  o  contingente  de  Chico  Pedro, 
percorreram  ambos  os  districtos  de  Cangussú  e  visindario, 
dispersando  as  partidas  de  farrapos  que  por  ahi  vagavam. 
Uma  d'ellas,  commandada  por  Felicissimo  Félix,  apresentou- 
se  ao  barão  pedindo  amnistia  que  lhe  foi  concedida. 

N'essa  occasião  passaram-se  50  farrapos  ao  regimen  legal. 

De  Camaquam  dirigiu-se  Caxias  a  Caçapava,  onde  chegou 
a  3  de  Agosto  de  1843;  seguiu  depois  a  Jaguarão  a  reunir-se 
á  brigada  de  Manoel  Marques.  Havia  este  oflScial  reunido 
6.CXX)  cavallos  para  a  necessária  remonta,  ampliando  os  ele- 
mentos de  força  para  o  exercito. 

Perseguidos  os  farrapos  ora  pela  columna  de  Caxias,  ora 
pela  de  Bento  Manoel,  viram-se  obrigados,  como  de  costume, 
a  emigrar  para  o  Estado  Oriental,  asylo  sempre  disposto  a 
acolhel-os.  D'esta  vez  a  protecção  não  se  limitou  a  recebel-os 
bem:  Fructuoso  Rivera,  grato  aos  favores  dos  republicanos 
rio-grandenses,  presenteou-os  com  uma  força  de  400  orientaes, 
sob  o  mando  do  coronel  Baldomero  Sotelo,  riveristas  derro- 
tados pelos  oribistas.  Os  orientaes  penetraram  no  território 
rio-grandense  em  principios  de  Outubro  de  1843. 

Rápidas,  porém,  foram  as  providencias  tomadas  pelo  barão 
de  Caxias  para  derrocar-lhes  o  intento :  conseguiu  cercal-os 


5IO  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


e  desarmal-os,  ouvindo  de  Baldomero  a  declaração  de  que, 
tendo  sido  derrotado  em  seu  paiz,  em  que  só  reinava  o  systema 
despótico,  deliberara  offerecer  seus  serviços  ao  governo  impe- 
rial brazileiro. 

O  próprio  Fructuoso  Rivera  mandou  também  offerecer 
ao  barão  cavalhada  e  soldados — presentes  gregos  que  o  nosso 
general  recusou. 

Animado  cada  vez  mais  com  as  adhesões  espontâneas  que 
a  causa  da  legalidade  ia  adquirindo,  o  barão  de  Caxias  creou 
3.*  divisão,  composta  de  500  cavalleiros  e  500  infantes  e 
confiou-a  á  reconhecida  valentia  e  temeridade  do  tenente- 
coronel  Francisco  Pedro  de  Abreu,  mais  conhecido  por  Chico 
Pedro  ou  Moringue^  celebre  por  seus  inesperados  assaltos  ou 
emboscadas. 

As  três  columnas  tiveram  determinados  pontos  de  acção  : 
a  do  barão,  manobrava  no  município  de  Bagé  até  S.  Gabriel ; 
a  de  Bento  Manoel  no  município  de  Alegrete  e  a  de  Chico 
Pedro  em  todo  o  território  comprehendido  entre  os  rios 
Camaquam,  S.  Gonçalo  e  Jaguarão,  isto  é  toda  a  parte  sul  da 
província. 

Achava-se  Chico  Pedro  acampado  em  Cangussú  quando 
soube  que  ia  ser  surprehendido  por  300  homens,  forças 
reunidas  de  Bento  Gonçalves,  António  Netto  e  Camillo  dos 
Santos.  Immediatamente  marchou  o  tenente-coronel  ao  encon- 
tro d'elles,  com  310  soldados,  e  conseguiu  surprehendel-os  em 
marcha,  a  25  de   Outubro,   e  debandal-os,   depois   de   lhes 


CAPITULO  XXXV  511 

tomar  um  estandarte,  toda  a  bagagem  e  240  cavallos.  Tiveram 
os  farrapos  5  mortos  e  10  prisioneiros. 

Desejosos  de  vingar-se  da  surpresa  em  que  haviam  cabido, 
reuniram  os  farrapos  400  cavalleiros  e  200  infantes  e  foram 
procurar  Cbico  Pedro  em  seu  acampamento  de  Cangussú  e  a 
6  de  Novembro  de  1843  travaram  combate.  Os  revolucio- 
nários deixaram  no  campo  30  mortos  e  levaram  perto  de 
60  feridos,  e  os  legaes  contaram  50  mortos  e  11  feridos. 

A  26  de  Dezembro  deu-se  novo  encontro  nas  margens  do 
arroio  Batovy,  logar  chamado  Santa  Rosa,  Os  legaes,  tenente- 
coronel  Demétrio  Ribeiro  e  major  António  Fernandes  Lima, 
atacaram  de  surpresa  forças  de  João  António  e  Onofre  Pires, 
que  intentavam  unir-se  ás  de  Canabarro,  e  as  desbarataram, 
fazendo  80  mortos,  mais  de  100  feridos,  55  prisioneiros  e 
apprehendendo-lhes  bagagem  e  700  cavallos. 

Sabendo  o  barão  de  Caxias  que  o  farrapo  João  António 
buscava  o  Estado  Oriental  para  livrar-se  da  perseguição, 
mandou  150  praças  esperal-o  na  picada  de  S.  Martinho  e  ahi 
foi  elle  ainda  derrotado,  deixando  15  mortos  e  40  feridos. 
Entre  os  mortos  contou-se  o  valente  revolucionário  Serafim 
Bravo  e  o  legal  Agostinho  Gomes,  .commandante  da  força, 

João  António,  na  altura  de  S.  Borja,  poude  passar-se  a 
Corrientes,  Republica  Argentina,  porém  foi  logo  desarmado 
pelo  governador  Joaquim  Madriaga,  em  obediência  a  convénio 
effectuado  entre  o  Brazil  e  aquella  republica. 

De  melhor  fortuna  gosava  David  Canabarro  que  percorria 


512  MEMORIAS   BRÂZILEIRAS 


O  municipio  de  Alegrete  e  refugiava-se,  as  vezes  que  queria, 
no  Estado  Oriental,  sem  ser  perturbado  em  suas  incursões. 

No  mez  de  Fevereiro  de  1844  deu-se  um  lamentável  inci- 
dente, que  consternou  os  revoTucionario3. 

Ou  por  ambição  de  mando,  ou  por  inveja,  ou  por  mes- 
quinho desabafo,  Onofre  Pires  attribuia  injustamente  a  Bento 
Gonçalves  a  morte  de  António  Paulino,  e,  sempre  que  se  referia 
ao  heróico  general  em  chefe,  empregava  o  epitheto  insultuoso 
de  ladrão,  alludindo  á  medida  vexatória  de  confiscar-se  os 
bens  dos  legalistas.  Tomaram  vulto  estas  murmurações  depri- 
mentes, espalhadas  sem  a  minima  reserva,  como  aff ronta  feita 
á  primeira  auctoridade  militar.  A  noticia  do  escândalo  foi 
levada  ao  brioso  general  farrapo.  Surprehendido  e  profunda- 
mente maguado.  Bento  Gonçalves  dirigiu  a  Onofre  Pires 
esta  intimativa  carta: 

«Ulmo.  Sr.  Onofre  Pires  da  Silveira  Canto. 

«Tendo  chegado  ao  meu  conhecimento  que  em  principio 
do  corrente  mez,  em  presença  de  vários  individuos  do 
exercito,  quando  vinha  este  em  marcha,  V.  S.  avançara 
proposições  offensivas  á  minha  honra  e  ousara  até  chamar-me 
de  ladrão;  eu,  suffocanda  os  impulsos  de  meu  coração  e 
aquelle  brio  que  em  minha  longa  carreira  militar  guiara 
sempre  minhas  acções,  por  amor  de  minha  posição  e  mais 
que  tudo  pela  crise  em  que  se  acha  este  paiz  que  me  é  tão 
caro,  suffocando,  repito,  aquelle  ardor  com  que  em  todos  os 
tempos  busquei  o  desaggravo  de  minha  honra,  recorri  aos 
meios  legaes,  únicos  exequiveis  nas  presentes  circumstancias; 


CAPITULO  XXXV  513 


como,  porém,  sua  posição  de  deputado  o  põe  a  coberto 
d'esses  meios,  e  deva  eu,  em  tal  caso,  lançar  mão  do  que  me 
resta  como  homem  de  honra,  quizera  que  com  a  honra  própria 
doesse  caracter  um  homem  na  posição  de  V.  S.  houvesse  de 
dizer-me,  com  urgência,  por  escripto,  si  é  verdade  ou  falso  o 
que  a  respeito  se  me  informou. 

«Deixo  de  fazer  a  V.  S.  qualquer  outra  reflexão  a  respeito, 
porque  V.  S.  as  deve  perfeitamente  comprehender. 

«Campo,  26  de  Fevereiro  de  1844 — Bento  Gonçalves  da 
Silva. 

Onofre  Pires  enviou  ao  chefe  republicano  esta  resposta 
ultrajante: 

«Cidadão  general  Bento  Gonçalves  da  Silva. 

«Ladrão  da  fortuna,  ladrão  da  honra,  e  ladrão  da  liber- 
dade é  o  brado  ingente  que  contra  vós  levanta  a  nação  rio- 
grandense,  ao  qual,  já  sabeis  que  junto  a  minha  convicção, 
não  pela  geral  execração  de  que  sois  credor,  o  que  lamento, 
mas  sim  pelos  documentos  justificativos  que  conservo. 

«Não  deveis,  pois,  Sr.  general,  ter  em  duvida  a  conversa 
que  a  respeito  tive  e  da  qual-  vos  informou  tão  prompta- 
mente  esse  correio  tão  vosso . . . 

«Deixai  de  affligir-vos  por  haverdes  exgottado  os  meios 
legaes,  em  desaffronta  d'essa  honra  como  dizeis;  minha 
posição  não  tolhe  que  façais  a  escolha  do  mais  conveniente, 
para  o  que  sempre  me  encontrareis. 


(>> 


514  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

«  Fica  assim  contestada  vossa  carta  de  hontem. 

«Campo,  27  de  Fevereiro  de  1844. 

«O  vosso  admirador! —  Onofre  Pires  da  Silveira  Canto. » 

Logo  que  Bento  Gonçalves  recebeu  esta  insultuosa  carta, 
montou  a  cavallo,  sem  permittir  que  o  acompanhasse  seu 
filho  Marcos  António,  que  a  isso  se  offerecera,  prevendo 
algum  caso  grave.  Foi  o  general  ao  acampamento,  dirigiu-se 
á  barraca  de  Onofre  Pires,  o  qual  se  achava  em  conversação 
com  António  Vicente  da  Fontoura  e  Manoel  Lucas  de 
Oliveira. 

Entre  offendido  e  offensor  trocaram-se  estas  palavras: 

— Já  sabeis  para  que  vos  procuro. 

— Sim,  senhor;  por  isso  almejava  eu. 

Entenderam-se.  A  questão  deyia  ser  immediatamente 
resolvida  por  meio  de  duello. 

O  ódio  que  os  accendia  e  clamava  por  uma  vingança 
prompta,  lhes  não  permittiu  revestir  de  formalidades  o  encon- 
tro pelas  armas. 

Os  amigos  presentes  não  foram  convidados  para  assistir 
ao  duello,  que  se  ia  efFectuar  sem  apparato,  em  sitio  ermo. 
Assim  o  quizeram  esses  dois  accentuados  typos  de  gaúchos. 

Chegados  a  um  quarto  de  légua,  apearam-se  e  desembai- 
nharam as  espadas. 

Antes  de  começar  a  lucta,  disse  Bento  Gonçalves : 

—  Pelo  facto  de  vos  haver  desafiado,  deveis  vos  convencer 
de  que  o  mesmo  faria  a  António  Paulino,  cuja  morte  me 
imputam,  si  d^elle  houvesse  recebido  offensa  á  minha  honra. 


CAPITULO  XXXV  515 

— Nunca  vos  fiz  semelhante  injustiça,  respondeu  o  coronel. 

Onofre  era  um  homem  alto,  corpulento,  vigoroso,  e  Bento 
Gonçalves  também  alto,  menos  athletico  do  que  seu  adver- 
sário, mas  dotado  de  extraordinária  destreza  e  agilidade. 

Ao  tomarem  posição,  Onofre  mostrou-se  receioso,  e,  aos 
saltos,  mantinha-se  na  defensiva,  sem  animo  de  atacar. 

O  general  estimulou-o : 

—  Sois  um  cobarde  ! 

Ao  ouvir  este  epitheto,  o  coronel,  que  não  primava  pela 
delicadeza  da  linguagem,  dirigiu  ao  general  palavras  gros- 
seiras e  affrontosas. 

—  São  expressões  próprias  de  vosso  caracter,  disse  Bento 
Gonçalves. 

A  este  incitamento,  o  gigantesco  official,  summamente 
irritado,  atacou  de  modo  desordenado  a  seu  chefe:  este  feriu-o 
na  mão  direita.  Vendo-o  com  a  dextra  ensanguentada,  o  gene- 
ral deu-se  por  satisfeito.  Generosamente  queria  que  o  primeiro 
sangue  lavasse  a  mancha  irreflectidamente  jogada  á  sua  honra. 

Offendido  em  seu  amor  próprio,  Onofre  não  concordou 
com  este  desenlace. 

—  Não,  meu  caro !  Um  de  nós  ha  de  ficar  aqui ! 

E,  ligando  a  ferida  com  um  lenço,  atacou  de  novo,  impe- 
tuosamente, no  intento   de  traspassar   o  adversário.    Bento 

* 
Gonçalves  feriu-o  no  antebraço  direito,  offendendo  a  artéria. 

Onofre  deixou  cahir  a  espada  e  fez  o  signal  maçónico  de 
soccorro.  O  general  esforçou-se  para  que  elle  montasse  a 
cavallo,  e,  não  o  conseguindo,  correu  a  galope  ao  acampa- 


51 6  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


mento  a  prevenir  do  facto  a  Manoel  Lucas  e  António  Vicente. 
Trazido  para  a  sua  barraca,  Onofre  Pires  narrou  todas  as 
particularidades  do  duello  e  s6  morreu  três  dias  depois  (*). 

O  conselheiro  Tristão  de  Alencar  Araripe,  em  sua  obra 
Guerra  Civil  do  Rio  Grande  do  Sul  (cap.  XXIII,  §  6), 
descreve  de  outro"  modo  o  final  do  duello : 

«Onofre  Pires,  muito  mais  possante  do  que  Bento  Gon- 
çalves, porém  menos  ágil  e  menos  destro  no  manejo  das 
armas,  recebeu  dois  ferimentos  que  o  impossibilitaram  de 
continuar  o  combate,  O  vencedor  deixa  o  antagonista  ferido, 
e  vem  ao  acampamento  buscar  médicos;  quando,  porém,  estes 
e  outras  pessoas  chegaram  ao  logar  do  duello,  o  vencido 
esvaía-se  em  sangue  e  dentro  de  poucos  momentos  finava-se.» 

A  desastrosa  morte  de  António  Paulino  e  de  Onofre  Pires 
demonstrou  quão  profunda  era  a  dissidência  que  lavrava 
entre  as  primeiras  figuras  republicanas. 

Enfraquecida  pela  desunião  e  tenazmente  perseguida  pelo 
barão  de  Caxias,  a  revolução  resvalava  em  rápido  declive 
para,  dentro  em  pouco,  engolfar-se  na  communhão  brazileira. 

A  idéa  democrática  ia  desapparecer :  cumpria  aos  chefes 
prestigial-a  para  que  ao  menos  soubesse  cahir  com  honra. 


(  I  )  Esta  narração  é  colhida  de  valioso  apontamento  de  nosso  distincto 
patricio  Alfredo  V.  Rodrigues,  mencionado  na  biographia  que  publicou  sobre 
Hento  Gonçalves  da  Silva  no  Almanak  IJttcrario  c  Estatístico  do  Rio  Grande 
do  Sul  para  o  anno  de  1892. 


CAPITULO  XXXV  517 


No  começQ  do  anuo  de  1844  elevavam-se  as  forças  legaes 
a  11.387  homens,  assim  divididos: 

Estado  maior ^^ 

Infanteria  de  linha 7.046 

Artilheria 317 

Cavallaria 366 

Guarda  nacional 3*625 

11.387 

As  três  columnas  abrangiam  6.200  soldados,  sendo  a 
do  barão  de  Caxias,  2.000;  do  brigadeiro  Bento  Manoel, 
3.200,  e  a  do  tenente-coronel  Chico  Pedro,  i.ooo. 

Achavam-se  convenientemente  guarnecidos  Porto  Alegre, 
Rio  Grande,  S.  José  do  Norte  e  Pelotas  e  na  campanha 
Caçapava,  S.  Gabriel,  Rio  Pardo,  Cruz  Alta,  Alegrete  e 
S.  Borja. 

Para  retirar  as  farrapos  o  recurso  de  se  refugiarem  no 
Estado  Oriental  ou  na  provincia  de  Corrientes,  o  barão  insis- 
tiu pela  nomeação  de  um  ministro  plenipotenciário  que  junto 
das  republicas  visinhas  fizesse  cessar  o  abuso:  foi  nomeado 
para  o  importante  cargo  o  dr.  João  Lins  Vieira  Cansanção 
de  Sinimbu. 

D.  Manoel  Oribe,  por  parte  da  republica  do  Uruguay, 
e  D.  Joaquim  Madriaga,  por  parte  da  provincia  de  Corrientes, 
de  que  era  governador,  chegaram  ao  accordo  de  não  permit- 
tirem  ingresso  em  seus  territórios  aos  revolucionários  e  sim 
ás  forças  iniperiaes,  ás  quaes  venderiam  as  cavalhadas  que 
necessárias  fossem. 


5X8  BCBMOUAS  SSLAZrLBXSUía 


Fortificado  por  este  convénio,  conseguiu  o  barão  que  a 
guerra  civil  chegasse  com  rapidez  a  seu  termo. 

Joáo  António,  que  a  26  de  Dezembro  de  1845  li^via  sido 
derrotado  por  Demétrio  Ribeiro  em  Batovv-,  achava-se  em 
Março  de  1844  ^™  Corrientes  e  ahi  espera\-a  juntar-se 
ás  forças  de  Canabarro  que  costeavam  o  rio  Quarahy.  O  barão 
impediu-Ihe  o  intento,  armando  três  lanchões  e  coUocando-os 
no  rio  Uruguay  como  defesa. 

Por  força  do  tratado  internacional,  Joáo  António  foi  desar- 
mado pelo  governador  Madriaga. 

Desenvolveu-se  então  perseguição  tenaz,  sem  tréguas, 
contra  os  revolucionários,  que  não  tiveram  um  momento  de 
descanço. 

A  13  de  Março  de  1844  o  tenente-coronel  Chico  Pedro 
atacou  a  povoação  de  Bagé,  aprisionando  o  ministro  da  fazenda 
Domingos  José  de  Almeida  ('),  os  capitães  Joaquim  Pereira 
Fagundes  e  João  Pereira  da  Silva  e  os  tenentes  Manoel  Franco 
e  Laurentino  Menezes,  bem  como  vários  guardas  nacionaes. 
N'esse  mesmo  dia,  o  coronel  farrapo  António  Manoel  do 
Amaral,  que  ha^-ia  deixado  o  cerro  de  Bagé,  marchara  para 
o  passo  das  Mortes,  no  Quebracho,  e  ahi  fez  juncçào  com  as 
forças  do  tenente-coronel  Camillo  Campello  e  dos  majores 


'  I  i  Domin^cM  José  de  Almeida  foi  tratado  por  Chico  Pedro  o:>3i  a  máxima 
nrhcànidade.  .Se^aia  preso  para  Pelotas,  mas  evadia-se  em  caminho,  no  passo 
Real.  Â  direita  do  Candiota,  na  noite  de  15  para  16  de  Março.  Rcfagiou-s<  em 
atNí  de  André  Sampaio. 


CAPITULO  XXXV  519 


Marianno  Gloria  e  João  Marques,  elevando  a  210  o  numero 
dos  combatentes. 

Montavam  a  260  os  soldados  de  Chico  Pedro, 

No  dia  16  de  Março  travou-se  o  encontro,  próximo  ao 
cerro  da  Palma.  O  tenente-coronel  da  legalidade  tomou  excel- 
lente  posição,  entre  o  Candiota  e  o  Candiotinha,  em  ponto 
elevado  e  circumdado  por  um  banhado  macegoso,  coUocando 
á  sua  esquerda  um  esquadrão  e  alguns  infantes  commandados 
pelo  major  António  Israel  Ribeiro  e  á  esquerda  a  linha  des- 
tinada a  fazer  frente  aos  farrapos. 

Duas  horas  durou  o  combate. 

Chico  Pedro  recebeu  de  Camillo  Campello  dois  ferimentos 
que  o  obrigaram  a  retirar-se  da  lucta,  atropeladamente,  com 
um  grupo  de  12  homens. 

Diz  um  official  que  tomou  parte  na  acção :  « Si  não  fora 
a  resistência  do  bravo  official  Israel  Ribeiro,  Chico  Pedro 
teria  ficado  prisioneiro,  porquanto  os  republicanos,  muito  bem 
montados  e  conhecendo  muito  bem  o  tenente-coronel,  n'uma 
estrada  como  essa  (a  que  vai  ao  Bahú),  sem  o  menor  abrigo, 
tel-o-iam  infallivelmente  agarrado. » 

Os  republicanos  tiveram  fora  de  combate  4  mortos,  e  4 
officiaes  feridos:  o  capitão  Bento  Gonçalves  da  Silva  Júnior 
e  os  tenentes  José  Duarte  Silveira  Gomes  (porta-estandarte), 
António  Coelho  Borges  (secretario)  e  Germano  Monteiro  e 
17  soldados.  Cahiram  prisioneiros  os  officiaes  imperialistas 
major  Israel  e  os  tenentes  Manoel  Patricio  de  Azambuja, 
Luiz  Rangel  e  Alexandre. 


520  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


Depois  de  ter  alcançado  esta  victoria  sobre  Chico  Pedro, 
António  Amaral  dirige-se  á  villa  de  Jaguarão  que  a  21  de 
Junho  accommette  com  280  homens;  ahi  foi-lhe  a  sorte 
adversa:  morreu  em  combate  em  companhia  de  13  repu- 
blicanos. 

Como  desforra,  Chico  Ptãj^o  conseguiu,  no  mez  de  Julho 
seguinte,  aprisionar  os  coronéis  José  Mariano  de  Mattos,  vice- 
presidente  da  republica  e  Joaquim  Pedro  Soares. 

Em  Outubro  deu-se  um  feito  notável  praticado  pelos  legaes. 

Sabendo  Bento  Manoel  que  o  brazileiro  Bernardino  Pinto, 
ao  serviço  de  Fructuoso  Rivera,  guardava  uma  cavalhada  dos 
farrapos  na  margem  esquerda  do  rio  Quarahy  (Estado  Ori- 
ental), determinou  ao  major  António  Fernandes  Lima  fosse 
batel-o  e  apoderar-se  dos  animaes. 

Fernandes  Lima  desempenhou  a  commissáo  com  o  melhor 
êxito:  caliiu  de  surpresa  sobre  a  força  de  Bernardino  Pinto, 
matou-lhe  30  homens,  aprisionou  9  e  apprehendeu  1.800 
cavallos,  que  trouxe  como  óptimo  recurso  aos  legaes. 

Occupavam-se  os  guerrilheiros,  de  parte  a  parte,  em  assal- 
toSy  quando  a  14  de  Novembro  de  1844  deu-se  o  grande 
combate  ou  surpresa  de  Porongos  (^). 

Ao  regressar  do  Estado  Oriental,  Canabarro,  á  frente  de 


( I  )  Poroní^o,  cucurbitacea  de  que  no  Rio  Grande  do  Sul  se  fazem  cuias 
para  mate,  vasilhas  para  conduzir  agua,  bóias  para  redes  de  pescadores  e  para  os 
que  apprendcm  a  nadar.  Ao  norte  do  Brazil  e  em  Portugal  chamam  cabaça. 


CAPITULO  XXXV  521 


1.200  homens,  acampara  junto  ao  cerro  dos  Porongos,  onde  o 
exercito  republicano  esperou  que,  fixadas  as  condições  de 
paz,  cessasse  a  porfiada  lucta  de  9  annos. 

No  dia  13  de  Novembro,  destacou  o  barão  uma  brigada 
commandada  pelo  tenente-coronel  Francisco  Félix  da  Fonseca 
Pereira  Pinto  para  entreter  tiroteio  com  a  vanguarda  de  José 
Gomes  Portinho,  sem  empenhar  serio  combate.  Francisco 
Félix  delegou  o  encargo  em  uma  partida  de  Fidelis  Paes,  que 
travou  no  Quebracho  pequeno  tiroteio  com  as  forças  de 
Portinho,  orçadas  em  400  homens.  Canabarro  enviou  como 
reforço  á  vanguarda  300  homens,  sob  o  commando  de  Urbano 
Soares. 

Ao  saber  d'estes  movimentos,  Chico  Pedro,  emboscado  na 
estancia  da  Conceição,  perto  da  serra  do  Velleda,  p6z-se  em 
marcha  com  1.170  soldados  e  na  madrugada  do  dia  14  cahiu 
de  surpresa  sobre  o  acampamento  farrapo.  A  desordem  foi 
geral.  O  grito :  É  o  Moringue  !  É  o  Moringue  I  espalhou  entre 
os  revolucionários  extraordinário  pânico. 

Sem  tempo  de  dar  carga  ás  espingardas,  os  farrapos 
sustentam  duro  embate  a  espada  e  a  lança,  mas  vêem-se 
forçados  a  abandonar  o  campo,  deixando  a  Chico  Pedro 
grandes  trophéos  de  victoria:  333  prisioneiros,  inclusive  35 
officiaes,  toda  a  bagagem,  abarracamento  e  armamento  de 
infanteria,  mais  de  2.000  cartuchos,  a  ultima  peça  de  arti- 
Iheria  que  possuíam,  mais  de  i.ooo  cavallos,  muitos  d^elles 
ensilhados,  5  estandartes  e  o  archivo  completo  do  general 

6G  TOM.  II 


522  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Canabarro.  Os  revolucionários  tiveram  14  feridos  e  mais  de 
100  mortos  (').  Da  parte  legal,  houve  apenas  4  feridos. 

Depois  da  estrondosa  victoria  alcançada  pelos  imperialis- 
tas em  Porongos,  dirigiu-se  o  barão  de  Caxias  a  Bagé. 
Perguntou-lhe  o  vigário  a  que  horas  queria  que  se  cantasse  o 
Te  Deum  em  acção  de  graças  pelo  memorável  triumpho. 

Caxias  deu  ao  sacerdote  esta  resposta  singela  e  reveladora 
de  seus  altos  Sentimentos  de  humanidade : 

— Reverendo.  Precedeu  a  este  triumpho  derramamento 
de  sangue  brazileiro.  Não  conto  como  trophéos  desgraças  de 
concidadãos  meus.  Guerreio  dissidentes,  porém  sinto  as  suas 
desditas  e  choro  pelas  victimas  como  um  pae  por  seus  filhos. 
Vá,  reverendo,  vá,  e,  em  logar  de  Te  Deum^  celebre  missa  de 
defuntos,  que  eu,  com  o  meu  estado  maior  e  a  tropa  que 
na  sua  egreja  couber,  irei  amanhã  ouvir-lh'a,  por  alma  dos 
nossos  irmãos  illudidos  que  morreram  no  combate  (^). 

Para  tratar  Ja  paz,  António  Vicente  da  Fontoura  partiu 
a  16  para  Bagé  e  d'ahi,  a  19,  para  o  Rio  de  Janeiro, 
acompanhado  de  seu  ajudante  Zeferino  Martinho  da  Cunha; 


( 1 )  o  desastre  de  Porongos  é  attribuido  a  grave  descuido  de  Canabarro, 
que  se  deixara  seduzir  por  uma  mulher.  Quando  acampava,  o  general  deixava 
muitas  vezes  a  roda  dos  officiaes  para  entregar-se  ás  enervantes  caricias  de 
uma  mundana,  conhecida  por  Papagaia. 

( 2 )  Padre  Joaquim  Pinto  de  Campos  :  Vida  do  grande  cidadão  brasi- 
leiro Luiz  Alves  de  Lima  e  Silva,  barão,  conde,  marquez,  duque  de  Caxias, 
desde  o  seu  nascimento  cm  iSoj  até  1S7S  (  Lisboa,  1878 )  pag.  100. 


CAPITULO  XXXV  523 


com  elle  seguiram  os  delegados  de  Caxias,  coronel  Manoel 
Marques  de  Souza  e  capitão  Carlos  Miguel  de  Lima  e  Silva. 

No  mesmo  dia  em  que  se  realizava  a  surpresa  de 
Porongos,  o  tenente-coronel  João  Propicio,  com  600  homens, 
derrotava,  no  passo  do  Leão,  a  Jacintho  Guedes  com  força 
egual;  a  28  de  Novembro  ainda  Chico  Pedro  destroçava, 
junto  ao  Arroio  Grande  e  próximo  ao  cerro  dos  Porongos,  o 
coronel  Joaquim  Teixeira  Nunes,  que  morreu  combatendo 
heroicamente. 

Os  extraviados  foram  a  Pedra  Sola  reunir-se  a  Canabarro. 
Este  general,  illudindo  a  vigilância  do  coronel  João  Severo, 
fez  juncção,  no  cerro  Partido,  com  Bento  Gonçalves  e 
António  Netto,  e  a  7  de  Dezembro,  com  800  homens, 
appareceu  na  Encruzilhada.  Ahi,  porém,  viu-se  repellido  por 
forças  do  brigadeiro  José  Fernandes  dos  Santos  Pereira  e  do 
tenente-coronel  José  Joaquim  de  Andrade  Neves. 

A  29  de  Dezembro,  como  ultimo  golpe  desfechado  contra 
os  farrapos,  Vasco  Alves,  á  frente  de  100  homens,  penetrou 
no  território  oriental  á  margem  direita  do  rio  Quaró,  surpre- 
hendeu  o  coronel  Bernardino  Pinto,  a  quem  feriu  gravemente, 
matou  7  homens,  aprisionou  4  officiaes  e  13  soldados,  e  dis- 
persou a  força  revolucionaria. 

Sem  elementos  para  combater,  o  general  em  chefe  Cana- 
barro manteve-se  nas  proximidades  da  fronteira  até  que  do 
Rio  de  Janeiro  regressasse  o  emissário  incumbido  das  propostas 
de  paz. 

Varias  tentativas  de  pacificação  haviam  sido  feitas,  sem 


524  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


resultado :  a  primeira,  por  José  Pedroso  de  Albuquerque  e 
Severino  António  da  Silveira,  em  Setembro  de  1843.  Apre- 
sentava a  clausula  de  ser  o  Rio  Grande  do  Sul  reconhecido 
como  estado  federado  do  Brazil. 

Fructuoso  Rivera  pretendeu  ser  o  intermediário  da  paci- 
ficação: nada  conseguiu  pela  desconfiança  que  inspirava  ('). 

No  dia  2  de  Novembro  de  1844,  por  deliberação  dos  che- 
fes republicanos,  partiram  dois  emissários,  padre  Chagas  e 
major  António  Vicente  da  Fontoura,  a  conferenciar  com  o 
barão  de  Caxias  em  Bagé,  sobre  as  condições  em  que  deveria 
ser  firmada  a  paz. 

Depois  de  larga  discussão,  em  que  os  farrapos  obtiveram 
do  barão  concessões  razoáveis,  foi  concordada  a  paz,  a  6  de 
Novembro,  anniversario  da  proclamação  da  republica  em 
Piratiny. 

Os  parlamentarios  regressaram  ao  acampamento  com  a 
solução,  acolhida  com  prazer  pelos  chefes  reunidos  em  conse- 
lho— presidente  da  republica  Gomes  Jardim,  ministro  Manoel 
Lucas  e  generaes  Canabarro,  António  Netto  e  João  António. 

Receavam  elles  que,  separado  o  Rio  Grande  da  commu- 
nhão  brazileira,  fosse  desde  logo  absorvido  pela  ambição  de 


( I  )  Km  caria  datada  de  15  de  Março  de  1844  e  dirigfida  ao  brigadeiro  Bento 
Manoel,  dizia  o  barão  de  Caxias  em  relaçio  á  interferência  de  Rivera : 

•  Este  velhaco  crê  que  ainda  nào  está  bera  conhecido  e  que  todavia  poderá, 
como  das  outras  vezes,  tirar  partido  dos  brazileiros,  depois  de  os  trahir,  como 
tem  por  costume  ;  porém  se  engana  d'esta  vez. » 


CAPITULO  XXXV  525 


Rosas  e  confederado  á  Republica  Argentina:  esta  idéa  sinistra 
feria-lhes  os  brios  de  brazileiros. 

Preferiam  cessar  as  hostilidades  a  perderem  a  autonomia 
que  conquistassem  á  custa  de  copioso  sangue. 

Entre  si  deliberaram  quem  iria  ao  Rio  de  Janeiro  ratificar 
as  condições  de  paz  e  a  escolha  recahiu  em  António  Vicente 
da  Fontoura:  este  partiria  a  13  de  Novembro  com  destino  ao 
quartel  general  do  barão  e  d^ahi  seguiria  para  a  corte. 

Quando  assim  se  tratava  seriamente  da  pacificação,  deu-se 
a  14  o  combate  de  Porongos,  facto  que  se  não  deve  considerar 
uma  traição  de  Caxias,  porque  elle  havia  sido  franco  em 
declarar  na  conferencia  que  em  caso  algum  annuiria  á  sus- 
pensão de  annas. 

Em  Fevereiro  de  1845  regressaram  da  corte  Fontoura  e 
seus  companheiros  de  commissão. 

Reunidos  os  chefes  e  forças  republicanas  no  acampamento 
da  Carolina,  em  Poncho  Verde,  foL  resolvido  unanimemente, 
no  dia  25  de  Fevereiro  de  1845,  V-^^  se  firmasse  a  paz,  sob  as 
seguintes  condições : 

I.*  Será  approvada  pelo  governo  imperial  a  designação, 
feita  pelos  republicanos,  da  pessoa  que  deverá  presidir  á 
provinda. 

2.*  Serão  pagas  pelo  governo  imperial  as  dividas  contra- 
hidas  pela  republica. 

3.*  Os  officiaes  republicanos  passarão  para  o  exercito 
imperial  no  goso  dos  mesmos  postos.  Os  que  não  quizerem 


526  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


servir  não  serão  obrigados  a  alistamento  na  guarda  nacional 
ou  na  I.*  linha. 

4.*  Serão  considerados  livres  os  escravos  que  serviram 
como  soldados  da  republica.  O  governo  indemnizará  aos 
ex-senhores  o  prejuiza 

5.*  Não  serão  reconhecidos  em  suas  patentes  os  generaes, 
mas  gosarão  das  immunidades  concedidas  aos  outros  officiaes. 

6.*  Os  soldados  da  republica  ficarão  isentos  de  recruta- 
mento. 

A  esta  reunião  não  compareceu,  por  doente,  o  presidente 
José  Gomes  de  Vasconcellos  Jardim,  que  se  fez  representar 
pelo  ministro  Manoel  Lucas  de  Oliveira.  Bento  Gonçalves 
da  Silva,  também  ausente,  enviou  carta  de  approvação. 

Em  nome  do  presidente,  pronunciou  Manoel  Lucas  um 
discurso,  de  que  transcrevemos  os  seguintes  tópicos,  allusivos 
ao  ambicioso  dictador  de  Buenos  Ayres : 

« Briosos  concidadãos  e  amigos !  Attentai  para  a  nuvem 
carregada  e  medonha  que  ha  tempo  troveja  para  o  lado  Occi- 
dental d'este  Império  e  que  despedirá  raios  sobre  nossas  cabe- 
ças, si  nos  não  apressurarmos  a  conjural-a,  conhecendo  que 
soffreremos  primeiro  que  nenhiun  outro  povo.  O  Império  do 
Brazil,  por  um  rasgo  de  sua  philantropia,  nos  vai  hoje  reunir 
ao  grémio  da  Illustre  Família  de  quem  todos  descendemos, 
acto  nobre  e  magnânimo  a  que  accedemos  unanimemente, 
pelo  bem  que  d'elle  resulta  ao  interesse  geral. » 

O  general  em  chefe  do  exercito  republicano,  David  Cana- 
barro,  fez  publicar,  a  28  de  Fevereiro,  esta  proclamação: 


CAPITUI<0  XXXV  527 


«Concidadãos!  Competentemente  auctorizado  pelo  magis- 
trado civil,  a  quem  obedecíamos,  e  na  qualidade  decomman- 
dante  em  chefe,  concordando  com  a  unanime  vontade  de  todos 
os  officiaes  da  força  de  meu  commando,  vos  declaro  que  a 
guerra  civil,  que  por  mais  de  9  annos  devasta  este  bello  paiz, 
está  acabada. 

w  A  cadeia  de  successos  por  que  passam  todas  as  revoluções 
tem  transviado  o  fim  politico  a  que  nos  dirigíamos,  e,  hoje,  a 
continuação  de  uma  guerra  tal  seria  o  tíllimattim  da  destrui- 
ção e  do  anniquilamento  de  nossa  terra.  Um  poder  extranho 
ameaça  a  integridade  do  Império,  e  tão  insólita  ousadia  jamais 
deixaria  de  echoar  em  nossos  corações  brazileiros. 

« O  Rio  Grande  não  será  theatro  de  suas  iniquidades,  e  nós 
partilharemos  da  gloria  de  sacrificar  os  resentimentos  creados 
no  furor  dos  partidos,  ao  bem  geral  do  Brazil. 

ff  Concidadãos !  Ao  desprender-me  do  grau  que  me  havia 
confiado  o  poder  que  dirigia  a  revolução,  cumpre  assegurar- 
vos  que  podeis  volver  tranquillos  ao  seio  de  vossas  famílias. 
Vossa  segurança  individual  e  de  propriedade  está  garantida 
pela  palavra  sagrada  do  Monarcha,  e  o  apreço  de  vossas  vir- 
tudes confiado  ao  seu  magnânimo  coração.  União,  fraterni- 
dade, respeito  ás  leis,  e  eterna  gratidão  ao  inclyto  presidente 
da  província,  o  Ulmo.  e  Exmo.  Sr.  Barão  de  Caxias,  pelos 
afanosos  esforços  que  ha  feito  pela  pacificação  da  província. 

«Campo  em  Poncho  Verde,  28  de  Fevereiro  de  1845. 
—  David  Canabarro, 

Logo  que  o  barão  de  Caxias  teve  participação  official  das 


528  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


duas  declarações  de  paz,  enviou  ao  general  David  Canabarro, 
para  que  fosse  lida  ás  tropas  de  seu  commando,  a  procla- 
mação seguinte: 

•  Rio  GrandensesI  E  sem  duvida  para  mim  de  inexpri- 
mivel  prazer  o  ter  de  annunciar-vos  que  a  guerra  cÍNâl  que, 
por  mais  de  9  annos,  devastou  esta  bella  provincia,  está 
terminada.  Os  irmãos  contra  quem  combatiamos  estão  hoje 
congratulados  comnosco  e  já  obedecem  ao  legitimo  governo 
do  Império  Brazileiro.  S.  M.  o  Imperador  ordenou,  por 
decreto  de  18  de  Dezembro  de  1844,  ^  esquecimento  do 
passado,  e  mui  positivamente  recommenda  no  mesmo  decreto 
que  taes  brazileiros  não  sejam  judicialmente,  nem  por  qual- 
quer outra  maneira,  perseguidos  ou  inquietados  pelos  actos 
que  tenham  sido  praticados  durante  o  tempo  da  revolução. 
Esta  magnânima  resolução  do  Monarcha  Brazileiro  ha  de  ser 
religiosamente  cumprida,  eu  o  prometto  sob  minha  palavra 
de  honra.  Uma  só  vontade  nos  una.  Rio  Graudenses!  Mal— 
dicção  eterna  a  quem  ousar  recordar-se  das  nossas  passadas 
dissenções!  União  e  tranquillidade  sejam  de  hoje  em  deante 
a  nosssa  divisa  I 

«Viva  a  Religião I 

"Viva  o  Imperador  Constitucional  e  Defensor  Perpetuo 
do  Brazil  I 

«Viva  a  integridade  do  Império! 

«Qiiartel-general  da  Presidência  e  do  Commando  em  Chefe 
do  líxercito,  no  campo  de  Alexandre  Simões,  margem  direita 
do  Santa  Maria,  i.^  de  Março  de  1845.  —  Barão  de  Caxias. 


CAPITULO  XXXV  529 


No  mesmo  dia,  os  revolucionários,  em  obediência  á  con- 
dição primeira  do  tratado  de  paz,  indicavam  para  presidente 
da  provincia  o  próprio  barão  de  Caxias  e  dissolviam-se, 
entregando  120  escravos,  uma  typographia  e  dois  canhões 
de  bronze  desmontados. 

Assim  terminou  a  guerra  civil  rio-grandense,  começada 
a  20  de  Setembro  de  1835  e  concluida,  por  declaração  dos 
farrapos,  em  Poncho  Verde,  a  28  de  Fevereiro  de  1845. 

Hoje,  que  nos  achamos  em  pleno  goso  da  Republica 
Federal — aspiração  pela  qual  tanto  combateram  os  farrapos 
—  é  occasião  opportuna  de  se  erguer  um  monumento  á 
memoria  de  Bento  Gonçalves  da  Silva,  como  um  symbolo 
da  bravura  e  da  elevação  de  idéas  do  Rio  Grande  do  Sul, 
É  preciso  que  de  modo  honroso  para  o  torrão  sulista  seja 
apontado  á  posteridade  o  vulto  marcial  do  guerrilheiro  rio- 
grandense  ('),  bellamente  fundido  em  bronze  ou  cinzelado 


( I  )  o  clegrautc  escriptor  catharincnse  Virgílio  Várzea  apresentou,  em  um 
trecho  de  seu  livro  Garibaldi  na  Anwrica,  publicado  no  Jornal  do  Commercio 
do  Rio  de  Janeiro,  este  retrato  de  B^nto  Gonçalves  : 

«Era  uma  bella  figura  de  homem.  Parecia-se  extraordinariamente  com  o 
marechal  Ney .  .  .  Tinham  ambos  a  mesma  fronte  ampla,  expressiva,  os  mesmos 
olhos  grandes  c  mcntaes,  as  mesmas  suissas  pequenas,  mas  cheias,  descendo  até 
quisi  aos  cantos  do  bigod3  irreprchcnsivelmentc  escanhoado  como  as  demais 
partes  da  barba,  cal>elleira  vagamente  annellada  e  puchada  para  a  testa  nas  têm- 
poras, bocca  vigorosamente  talhada  em  recta,  de  lábios  delgados,  significativos, 
externando  vigor  de  animo  inquebrantável,  calma,  vontade  imperiosa,  firmeza 
moral,  den/Sdo,  tenacidade. 

«  Alto,  cheio,  espadaúdo,  de  pellc  clara  c  rosada,  olhar  vivo  e  intelligcntc, 
os  cabollos  castanhos  onde  começavam  já  de  alvejar  os  primeiros  fios  de  prata, 

67  TOM.  u 


530  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


em  mármore,  como  testemunho  de  gratidão  e  homenagem 
de  immorredouro  apreço  a  um  exemplo  de  rara  dedicação 
pela  causa  republicana. 

Alguns  preitos  de  admiração  lhe  têem  sido  tributados  no 
Rio  Grande  do  Sul  e  os  registamos  com  prazer  n'estas 
Memorias. 

A  23  de  Setembro  de  1899,  na  villa  do  Triumpho, 
collocou-se  no  frontispício  da  casa  em  que  nasceu  Bento 
Gonçalves  uma  placa  de  metal  com  a  seguinte  inscripção:  • 

Homenagem  prestada  ao  general  Bento  Gonçalves 
DA   Silva,   chefe   da   revolução   rio-grandense, 

NASCIDO  N'ESTA  CASA  A  23  DE  SETEMBRO  DE  1788. 

Esta  placa  foi  mandada  collocar  pelo  tenente-coronel 
Manoel  António  Pires,  commandante  do  i.°  batalhão  da  bri- 
gada militar,  que  residia  na  referida  casa. 

•  A  21  de  Agosto  de  1900  chegaram  ao  Rio  Grande, 
trazidos  pelo  hiate  Doca^  procedente  de  S.  João  Baptista  de 
Camaquam,  os  ossos  de  Bento  Gonçalves,  que  foram  entregues 
por  seu  único  filho  sobrevivente,  capitão  Joaquim  Gonçalves 
da  Silva,  ao  infatigável  historiador  rio-grandense  Alfredo 
Ferreira  Rodrigues  e  por  este  cidadão  confiados  á  intendência 


agradava  e  aUrahia  a  quantos  se  lhe  approximavam.  A  este  physico  possante  e 
rijo,  juntavam -se,  dando  a  todos  a  m?lhor  impressão,  a  sua  linha  naturalmente 
erecta  e  o  seu  innato  e  despretencio.so  garbo  marcial,  que  o  traziam  em  constante 
relevo  nas  rodas  militares.  ,  . » 


CAPITULO  XXXV  531 

Municipal  da  cidade  do  Rio  Grande,  até  que  se  levante  um 
monumento  em  cuja  base  deverão  ser  depositados. 

A  20  de  Setembro  de  1900,  65.°  anniversario  do  rompi- 
mento da  revolução  dos  farrapos,  a  cidade  do  Rio  Grande 
promoveu  uma  festa  civica  á  memoria  do  heróico  revolu- 
cionário. 

Segundo  apontamentos  colhidos  de  uma  gazeta  da  locali- 
dade, o  Rio  Grandense^  a  uma  hora  da  tarde  doesse  dia, 
pôz-se  em  marcha  da  Intendência  Municipal  immenso  préstito 
popular  precedido  pelo  piquete  do  6.°  districto  militar  e  pelo 
esquadrão  de  cavallaria  da  guarda  municipal.  D'elle  fa^^iam 
parte  todas  as  bandas  de  musica  e  associações  existentes  na 
cidade,  com  seus  estandartes,  corpo  consular,  imprensa,  lojas 
maçónicas,  auctoridades  civis  e  militares,  funccionarios 
públicos,  coUegios,  além  dos  representantes  do  presidente  e 
auctoridades  superiores  do  Estado,  dos  commandantes  do  6.° 
districto  militar  e  da  flotilha,  dos  intendentes  das  diversas 
municipalidades.  No  centro  da  procissão  civica  ia  um  andor, 
vistosamente  enfeitado  para  conduzir  a  urna  de  mármore 
com  os  despojos  de  Bento  Gonçalves.  Formavam-lhe  guarda 
de  honra  diversos  officiaes  do  exercito,  marinha,  brigada 
militar  e  guarda  nacional. 

O  préstito  estacionou  no  cães,  seguindo  em  escaler 
especial  os  membros  da  Commissão  Glorificadora  composta 
do  intendente  dr.  Conrado  Miller  de  Campos,  dr.  Arlindo 
Corrêa  Leite  e  Alfredo  Ferreira  Rodrigues.  Acompanhandoos, 


532  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 

veiu  O  filho  do  heroe  rio-grandense,  capitão  Joaquim  Gonçal- 
ves da  Silva,  que  pronunciou  estas  palavras : 

«  Esta  uma  contem  os  ossos  do  general  Bento  Gonçah-es 
da  Silva,  meu  respeitável  Pae.  Por  mais  de  50  annos 
conservei-os  sob  minha  guarda,  e  n'este  momento  solemne, 
n'este  grandioso  e  memorável  dia,  tão  cheio  de  gloriosas 
recordações,  eu  vol-os  entrego  para  que  os  entregueis  ao 
patriota  e  digno  dr.  intendente,  representante  da  municipali- 
dade d'esta  heróica  cidade. » 

Uma  força  do  exercito  fez,  na  passagem  da  urna,  a  conti- 
nência de  apresentar  armas. 

Pôz-se  de  novo  em  marcha  o  préstito  e  seguiu  para  o 
paço  da  intendência,  onde  o  dr.  Arlindo  Corrêa  Leite  pro- 
nunciou discurso  congratulatorio  ao  povo.  Em  seguida, 
muitas  alumnas  de  aulas  publicas  cantaram  o  hymno  revolu- 
cionário dos  farrapos. 

A  Commissão  Glorificadora  fez  entrega  dos  venerandos 
despojos  do  general  gaúcho  ao  Conselho  Municipal,  que  se 
achava  reunido. 

lUuminaram-se  á  noite  os  edifícios  públicos,  estabeleci- 
mentos commerciaes  e  casas  particulares,  constituindo-se  alvo 
de  applansos  públicos  o  velho  farroupilha  capitão  Joaquim 
(ionçalves  da  Silva. 

A  22  do  mesmo  mez,  ás  3  horas  da  tarde,  procede u-se  á 
cerimonia  da  collocação  da  acta  na  urna  de  mármore,  que  foi 
sellada  pelo  capitão  Joaquim  Gonçalves,  pelo  intendente  e 
por  Alfredo  Ferreira  Rodrigues. 


CAPITULO  XXXV  533 


Dizia  a  acta : 

«Aos  vinte  dias  do  mez  de  Setembro  do  anno  de  mil 
e  novecentos,  reunidos  os  membros  da  Commissão  Glorifica- 
dora  e  demais  pessoas,  representantes  da  familia  e  membros 
do  Conselho  Municipal  na  casa  do  governo  d'este  municipio 
do  Rio  Grande,  resolveram  lavrar  a  presente  acta  com  uma 
ligeira  exposição  previa  e  resumida. 

a  Em  i8  de  Julho  de  1847  falleceu  Bento  Gonçalves  da 
Silva,  em  casa  de  José  Gomes  de  Vasconcellos  Jardim,  nas 
Pedras  Brancas,  sendo  sepultado  na  povoação,  com  assistência 
dos  filhos  e  pessoas  de  familia. 

tf  Em  fins  de  1850,  o  capitão  Joaquim  Gonçalves  da  Silva, 
filho  mais  velho  do  general,  foi  assistir  á  exhumação,  tendo 
verificado  cuidadosamente  o  local  da  sepultura  e  a  authenti- 
cidade  dos  despojos  encontrados.  Levou-os  em  seguida  para  a 
casa  da  familia,  na  estancia  do  Crystal,  em  S.  João  do 
Camaquam,  onde  estiveram  sob  sua  guarda  até  Setembro  de 
1893,  data  em  que  se  retirou  para  Bagé,  ficando  os  despojos 
mortaes  de  seu  pae  confiados  a  seu  innão  Bento  Gonçalves 
da  Silva,  até  o  dia  de  sua  morte  em  14  de  Novembro  de 
1897,  e  depois  á  sua  cunhada  Maria  Thomazia  de  Azambuja 
Gonçalves,  viuva  d'aquelle  coronel. 

«Em  i.°  de  Agosto  de  1900,  foram  por  esta  entregues, 
por  deliberação  do  único  filho  sobrevivente,  o  capitão  Joaquim 
Gonçalves  da  Silva,  ao  capitão  Ignacio  Azambuja,  parente 
próximo  e  intimo  amigo  da  familia,  o  qual  se  encarregou  de 
transportal-os  com  toda  a  segurança  para  a  cidade  do  Rio 


534  MEMORIAS  BRAZILBIRAS 


Grande,  onde  chegaram  no  dia  21  de  Agosto,  a  bordo  do 
hiate  Doca^  sendo  logo  recolhidos  á  residência  do  referido 
capitão  Azambuja. 

if  Em  18  de  Setembro,  foram  entregues  ao  capitão  Joaquim 
Gonçalves  da  Silva,  que  n'esse  dia  chegou  de  Bagé  e  que  os 
reconheceu  e  guardou  até  o  dia  20  de  Setembro,  em  que 
foram  encerrados  na  urna  de  mármore  offerecida  pela  Inten- 
dência Municipal  do  Rio  Grande,  pelo  próprio  capitão 
Joaquim  Gonçalves  da  Silva,  na  presença  de  Caetano  Gon- 
çalves da  Silva,  neto  do  general,  Nicanor  Rodrigues  Barbosa, 
capitão  Ignacio  Azambuja,  João  Alt,  João  King,  que  tirou 
uma  photographia  do  acto,  e  de  João  Frant^isco  Bueno, 
patrão  do  hiate  Villeta^  para  onde  tinham  sido  levados  pouco 
antes  e  d'onde  foi  a  urna  transportada  para  o  escaler  em  que 
foi  recebel-a  a  Commissão  Promotora  do  Monumento  Com- 
memorativo  ao  general  rio-grandense,  composta  dos  drs.  Q>n- 
rado  Miller  de  Campos,  Arlindo  Corrêa  Leite  e  Alfredo 
Ferreira  Rodrigues,  acompanhados  dos  senhores  capitão  de 
fragata  Gustavo  António  Gamier,  capitão  do  porto,  i.^  tenente 
Alberto  Carlos  da  Cunha,  representando  o  capitão  de  mar  e 
guerra  Joaquim  Thomaz  da  Silva  Coelho,  commandante  da 
flotilha,  tenente-coronel  Procopio  Barretto  Meirelles,  represen- 
tando o  general  Cláudio  do  Amaral  Savaget,  commandante 
do  6.°  districio  militar,  e,  em  outros  escaleres,  diversos 
officiaes  do  exercito,  marinha,  brigada  militar  do  estado  e 
guarda  nacional. 

«Ao  desembarcar  na  escada  do  cães,  em   frente  á  rua 


CAPITULO  XXXV  535 


Benjamin  Constant,  o  capitão  Joaquim  Gonçalves  da  Silva 
fez  entrega  dos  despojos  mortaes  á  Commissão  Promotora  do 
Monumento,  como  representante  do  povo  do  Rio  Grande. 

«E  para  certificar  em  todo  o  tempo  a  identidade  dos 
despojos  mortaes,  lavrou-se  a  presente  acta,  de  que  se  fizeram 
sete  exemplares,  devendo  ser  remettido  um  ao  sr.  desembar- 
gador dr.  António  Augusto  Borges  de  Medeiros,  presidente 
do  Estado,  e  entregue  um  a  cada  um  dos  membros  da  com- 
missão, outro  guardado  no  archivo  da  Intendência  Municipal 
e  outro  encerrado  na  urna,  que  foi  depois  fechada  e  lacrada 
com  o  sinete  da  Intendência. 

«  E  por  estar  tudo  conforme  com  a  verdade,  vae  a  presente 
assignada  pelas  testemunhas  presentes  e  pessoas  interessadas. 

«Eu,  João  Bernardino  dos  Santos  Conde,  secretario  do 
municipio,  subscrevo  a  presente  acta  com  a  seguinte  decla- 
ração complementar : 

«  O  sétimo  exemplar  doesta  acta  será  entregue  ao  venerando 
capitão  Joaquim  Gonçalves  da  Silva. 

^Joào  Bernardino  dos  Santos  Conde^  secretario  do  muni- 
cipio, Joaquim  Gonçalves  da  Silva^  Caetano  Gonçalves  da 
Silva^  Clara  Gonçalves^  Ignacio  Azambuja^  Nicanor  Rodri- 
gues Barbosa^  João  Alty  Frederico  Ernesto  Boaventura 
Dias^  Lepnidio  Pereira  das  Neves^  António  B.  PrimOy  Ernesto 
Alves  de  Castro^  Theophilo  C  Lopes^  Carlos  C  Mattos^ 
Conrado  Miller  de  Campos^  Arlindo  da  Costa  Corrêa  Leite^ 
Alfredo  Ferreira  Rodrigues, » 


536  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


A  27  de  Setembro,  ao  retirar-se  do  Rio  Grande,  o  capitão 
Joaquim  Gonçalves  da  Silva  fez  publicar  o  seguinte,  eui  todos 
os  jornaes  da  cidade : 

Ao  Rio  Grande 

«Rendo  graças  á  Providencia  Divina  por  me  haver  pei- 
mittido  presenciar  as  magnificentes  homenagens  prestadas 
pela  culta  população  do  Rio  Grande  á  memoria  de  meu 
respeitabilissimo  Pae,  o  general  Bento  Gonçalves  da  Silva, 
a  20  de  Setembro  de  1900,  65.°  anniversario  do  movimento 
revolucionário  por  elle  chefiado. 

« Na  qualidade  de  único  filho  sobrevivente  do  inesquecível 
varão,  deixo  n'estas  linhas  expressa  a  minha  gratidão  immor- 
redoura  a  todos  quantos  concorreram  para  a  deslumbrante 
apotheose  em  honra  de  tão  preclaros  restos. 

« Em  primeiro  logar  está  o  estimável  cavalheiro,  o  Ulmo. 
Sr.  Alfredo  Ferreira  Rodrigues,  a  quem  a  cidade  do  Rio 
Grande  deve  a  preferencia  de  possuir  hoje  a  sagrada  relíquia 
que  eu  conservava,  por  ella  velando  com  a  veneração  que 
dev^o  áquelle  que  nunca  deixou  de  povoar  a  minha  alma  com 
as  mais  doces  recordações.  Foi  elle  o  escriptor  interessado 
em  reviver  os  factos  do  passado  e  a  desentranhar  dos  velhos 
archivos  a  verdade  sobre  os  homens  de  35,  e  quem  de  mim 
conseguiu  a  entrega  dos  ossos  de  Bento  Gonçalves  a  este 
municipio. 

«Cabe  depois  a  vez  aos  Exmos.  Srs.  Dr.  Conrado  Miller 
de  Campos,  illustrado  intendente  municipal,  e  Dr.  Arlindo 


CAPITUI^O   XXXV  537 


Corrêa  Leite,  talentoso  promotor  publico  da  comarca,  os 
qiiaes,  coiii  aquelle  consciencioso  historiador  das  glorias 
gaúchas,  constituiram  a  Commissão  Glorificadora,^  que  com 
tanto  critério  dirigiu  as  cerimonias  de  20  do  corrente,  até  ás 
homenagens  pessoaes  que  generosamente  me  foram  tributadas. 
«Rio  Grande,  26  de  Setembro  de  1900. — Joaquim  Gon- 
çalves da  Silva, » 

Ao  concluir  a  exposição  da  guerra  dos  farrapos,  em  seus 
traços  geraes,  de  accordo  com  o  plano  doesta  obra,  applaudimos 
o  modo  por  que  foi  feita  a  paz,  concedendo  o  governo  imperial 
todas  as  garantias  aos  revolucionários,  como  testemunho  de 
publico  apreço  á  coragem  e  á  rara  valentia  que  desenvolveram 
em  favor  da  causa  da  Republica,  a  mais  alta  aspiração  da 
civilisação  universal. 


^ 


CAPITULO  XXXVI 


A  Sabinada  ou  Guerra  civil  na  Bahia  a  7  de  Novembro  de  1837. 

Dr.  Joaquim  Sabino  Alvares  da  Rocha  Vieira. 

General  JoAo  Chrvsostomo  Callado  e  tenente-coronel 

JosÊ  Joaquim  Coelho.  Homenagem  ao  Dr.  Sabino 

Vieira  — 1837-1838-1896. 


^MQUANTO  ardia  a  guerra  civil  110  Rio  Grande  do  Sul, 
a  cidade  do  Salvador,  capital  da  Bahia,  representada  por 
alguns  homens  de  importância  social,  promoveu  um  grande 
motim  a  7  de  Novembro  de  1837,  com  o  fim  de  se  proclamar 
o  governo  da  provincia  independente  do  governo  regencial 
que  interinamente  dirigia  os  destinos  de  nossa  pátria,  sob  a 
direcção  do  senador  Pedro  de  Araújo  Lima,  depois  marquez 
dé  Olinda,  empossado  do  cargo  desde  19  de  Setembro  do 
mesmo  anuo. 

Como  no  movimento  sedicioso  figurasse,  no  caracter  de 
uma  das  principaes  influencias,  o  estimado  e  popular  medico 


540  MEMORIAS  BRAZILEI&AS 


bahiano,  dr.  Francisco  Sabino  Ah^ares  da  Rocha  Vieira,  teve 
o  motim  a  denominação  de  Sabinada  (*). 

A  anarchia,  em  que  se  debateu  a  capital,  durou  quatro 
mezes  e  nove  dias  (de  7  de  Novembro  de  1837  a  16  de  Março 
de  1838),  período  angustioso  para  uma  grande  cidade  que  se 
viu  entregue  ás  incertezas  de  politicos  sem  ideal,  sem  orien- 
tação, inspirados  apenas  por  suas  paixões  partidárias. 

í)á  sabinos  ou  raposas^  como  os  legaes  lhes  chama- 
vam (^),  queriam  a  provincia  independente  só  durante  a 
menoridade  de  D.  Pedro  II ;  attingida  a  maioridade  do  prin- 
cipe,  voltariam  os  rebeldes  a  obedecer  ao  governo  do  Rio  de 
Janeiro:  a  Sabinada  foi,  portanto,  uma  questão  puramente 
pessoal,  sem  significação  de  ordem  transcendente,  e,  em 
ultima  analyse,  uma  revolta  sem  ponto  de  vista  republicano. 

A  esta  convicção  nos  leva  a  simples  exposição  dos  factos. 

Das  8  para  as  9  horas  da  noite  de  6  de  Novembro  de  1837, 
ouviram-se  toques  de  rebate  no  quartel  do  forte  de  S.  Pedro 
e  para  este  local  accorreram  muitos  cidadãos  que  foram  fazer 


(  I  )  Hscreveram  sobre  a  Sabinada:  dr.  Joiquim  Pires  Machado  PorteHa 
(  Ktv.  dl)  Inst.  líisí.  f  Geog.  do  fíraz.  tom.  XLV,  2.-*  part..  pag.  13);  dr. 
Moreira  de  Azevedo  '.  mesma  obra.  tomo  XLVII,  2.*  part.,  pag.  283  e  Historia 
Pairia,  Rio  de  Janeiro.  l^S4 ) ;  dr.  .\.  V.  A.  Sacramento  Blake  {Rev.  do  Insl. 
I/isí.  c  Gcog.  dit  lira:,  tom.  XLVIII,  2.^  part.,  pag.  245  e  tom.  L,  2.»  part.,  pag. 
177);  Henrique  Praguer  i  A  Sabinada,  Bihia,  1889);  Urbano  Neves  {  Rcz'.  do 
ÍHst.  (iroíT.  €  Hist.  da  Hafiia,  vol.  III,  pag.  3S3 ) ;  dr.  Francisco  Vicente  Vianna 
^  mesmi  obra,  vol.  IV.  pag.s.  187  c  571  :  vol.  V,  pag.  417;  vol.  VII,  pag.  261  ). 

í  2  )  Os  raposas  (relxrldes)  deram  aos  legaes  o  appellido  de  pfrus. 


CAPITULO  XXXVI  541 


causa  coiiiinuin  Com  a  tropa  amotinada — officiaes  e  soldados 
do  3.°  corpo  de  artilheria  de  posição.  Não  tardou  que  a  estes 
sediciosos  se  reunissem  officiaes  e  soldados  do  3."  batallião 
de  primeira  linha,  erguendo  vivas  á  liberdade  e  á  união 
brazileira. 

N'essa  mesma  noite,  scientificado  o  presidente  da  provin- 
cia,  dr.  Francisco  de  Souza  Paraíso,  de  que  as  tropas  da  cidade 
moviam-se  em  favor  da  rebelliáo,  tratou  de  embarcar,  no 
arsenal  de  marinha,  em  companhia  do  commandante  das 
armas,  tenente-coronel  Luiz  da  França  Pinto  Garcez,  e  foi 
acolher-se  a  bordo  do  brigue  de  guerra  Trcs  de  Maio;  doeste 
navio  officiou,  no  dia  7,  ao  tenente-coronel  Alexandre  Gomes 
de  Argollo  Ferrão,  depois  barão  de  Cajahyba  ('),  convi- 
dando-o  a  auxilial-o  na  reacção  que  se  devia  operar. 

No  mesmo  dia  7  de  Novembro,  ás  11  horas- da  manhã, 
sahiram  do  forte  de  S.  Pedro  os  revoltosos,  dirigiram-se  á 
Praça  de  Palácio  e,  por  meio  de  toques  do  sino  da  Camará, 
reuniram  os  vereadores.  Concordes  com  o  movimento  revo- 
lucionário, os  representantes  do  municipio  fizeram  lavrar  esta 
importante  acta : 


(  I  )  Alexandre  GomeB  de  Ar^rollo  Ferrão  nasceu  na  cidade  du  Saljrador  da 
Bahia  no  principio  de  i8op  e  faUeccu  na  mesma  cidade  a  lo  de  Maio  de  1S70,  no 
posto  de  marechal  de  campo. 


542  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


SESSÃO  EXTRAORDINÁRIA  DE  ^  DE  NOVEMBRO  DE  1837 

<f  Aos  sete  dias  do  inez  de  Novembro  de  mil  oitocentos  e 
trinta  e  sete,  presentes  o  Sr.  Presidente  Souza  Gomes  e  verea- 
dores Antunes,  Villaça,  Lúcio,  Teixeira  e  Barbosa  de  Almeida, 
servindo  este  de  secretario  por  grave  impedimento  de  saúde  do 
actual  José  de  Barros  Reis,  concorreram  aos  paços  da  Camará 
Municipal  doesta  cidade  as  pessoas  mais  gradas  da  provincia, 
auctoridades  militares  e  civis  e  grande  numero  ou  concurso 
de  povo  de  todas  as  classes  e  fizeram  declarar  que  a  opinião 
geral  da  provincia  continlia-se  nos  seguintes  artigos,  que 
foram  altamente  lidos  pelo  advogado  José  Duarte  da  Silva. 

« Declaração: —  A  tropa,  povo  bahiano,  guardas  nacionaes 
e  policiaes,  reunidos  no  forte  de  S.  Pedro,  em  vista  das 
necessidades  publicas  e  das  bem  conhecidas  más  intenções 
do  governo  central,  que  a  todas  as  luzes  procura  enfraquecer 
as  províncias  do  Brazil  e  tratai-as  como  colónias,  com  notável 
menoscabo  de  sua  dignidade  e  categoria,  têem  deliberado  os 
seguintes  artigos : 

«Art.  i.**  A  provincia  da  Bahia  fica  inteira  e  perfeita- 
mente desligada  do  governo  denominado  central  do  Rio  de 
Janeiro,  e  considerado  Estado  livre  e  independente  pela 
maneira  por  que  for  confeccionado  o  pacto  fundamental,  que 
organizar  a  Assembléa  Constituinte,  que  deverá  desde  já  ser 
convocada,  precedida  a  eleição  de  eleitores  na  capital,  e  ao 
mesmo  tempo  proceder-se  por  toda  a  provincia  á  eleição  de 
eleitores  que  elegerão  nova  assembléa  para  desenvolver  as 


CAPITUI^O  XXXVI  543 


bases  apresentadas  pela  primeira.  O  numero  de  deputados 
será  de  trinta  e  seis. 

« Art.  2.**  O  sr.  Innocencio  da  Rocha  Galvão  é  nomeado 
para  presidir  o  Estado,  e,  na  sua  ausência,  aquelle  que  fôr  de 
presente  directamente  eleito.  O  commandp.das  annas  fica  ao 
cargo  do  sr.  major  do  3.*^  corpo  de  artilheria  Sérgio  José 
Velloso,  elevado  a  coronel  eflFectivo  e  brigadeiro  graduado, 
em  attençáo  aos  relevantes  serviços  por  elle  prestados. 

«Art.  3.*^  Os  demais  officiaes  militares  gosarão  de  dois 
postos  de  accesso,  attentos  os  seus  serviços  e  preterições  que 
hão  soffrido. 

«Art.  4.*^  O  commando  do  brioso  corpo  de  artilheria  é 
confiado  ao  sr.  major  Innocencio  Eustachio  Ferreira  de 
Araújo,  no  posto  de  tenente-coronel  effectivo  e  coronel 
graduado. 

«Art.  5.**  O  governo  executivo  proverá  a  segurança  da 
província  com  aquella  tropa  que  fôr  necessária,  nomeando 
officiaes  de  sua  confiança,  e  tendo  sempre  em  vista  aquelles 
das  extinctas  milícias  que  têem  prestado  importantes  serviços 
á  Pátria. 

«Art.  6.°  Fica  elevado  ao  posto  de  tenente-coronel  o 
sr.  i.°  tenente  Daniel  Gomes  de  Freitas,  e  a  major  o  sr.  2.® 
tenente  José  Nunes  Bahiense,  attentos  os  seus  serviços. 
O  soldo  da  tropa  de  linha  fica  egualado  ao  do  corpo  de 
policia.» 

« Depois  d'esta  leitura,  que  foi  approvada  por  acclamação 
das  pessoas  que  se  achavam  presentes,  houve  o  sr.  presidente. 


544  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


cni  vista  do  art.  a.",  lembrar  que  se  devia  nomear,  desde  já, 
quem  houvesse  interinamente  de  tomar  conta  da  presidência 
do  Kstado,  visto  que  a  provincia  se  achava  acephala ;  razão 
por  que  a  Camará  se  havia  reunido,  e  sendo  por  um  dos 
concorrentes  apontado  o  sr.  João  Carneiro  da  Silva  Rego, 
foi  unanimemente  eleito,  e  a  Camará  o  convidou  para  tomar 
conta  das  rédeas  do  governo,  depois  de  prestar  o  respectivo  e 
necessário  juramento  de  bem  desempenhar  o  logar  para  que 
interinamente  tinha  sido  eleito  e  acceitado;  feito  o  que,  e 
deix)is  de  dois  discursos  recitados  pelo  mesmo  senhor  eleito 
e  pelo  sr.  Francisco  Ribeiro  Neves,  retirou-se  o  povo,  e  o 
sr.  presidente  da  Camará  houve  a  sessão  por  levantada. 
Hahia,  5cte  de  Novembro  de  mil  oitocentos  e  trinta  e  sete. 
K  eu,  Luiz  António  Barbosa  de  Almeida,  vereador  servindo 
de  secretario,  o  escrevi  e  assignei». 

Sc*>uc-se  grande  numero  de  assignaturas  ('). 


V  I  )  Para  que  se  não  repila  que  a  Sabinada,  na  phrasc  injusta  do  conse- 
lluito  IVrcira  da  Silva,  ft>i  ;/;;/  partido  rvcruiado  uas  in/iifias  r/assrs  da 
pitht  (  *  K  oilanios.  cnlre  os  siifUíilarios,  alguns  cidadAos  distinctos: 

O  dr.  I.uiz  António  Ikirbosa  do  Almeida,  que  posteriormente  foi  na  Bahia  o 
chefe  dos  lilHTacs  lnstt>ricos  ;  deputado  em  muitas  leg^islaturas  á  assembléa 
Reral  ;  presidente  <la  Bahia  por  oocasiAo  da  ^erra  do  ParaífU-'»y :  redactor  do 
StYNÍo  em  iS|S  e  do  .l/i);//A);em  1S7S;  senador  á  assembléa  constituinte  bahtana  ^ 
ilosemlwrjfador  da  RelaçA*»  da  Bahia  e  dei>ois  ministro  do  Supremo  Tribunal 
d»»  Justiça,  earjio  em  que  se  aposentou. 

Domingos  fiuedos  Cabral,  natur.il  do  Rio  (>rande  do  Sul  ■  Pelotas^  que  de 
is;(»a  1842  niAuteve  umigi/^ta  francAnunte  rcpublic.inaintitulad.i  O  Guiivcurú, 
a  qual  ti  azia  no  cabeçalho  estes  dois  versos  do  Almeida  Garrett: 
D.i  liberdade  a  arvore  náo  cresce 
Si  a  nj\o  regar  dos  déspotas  o  sangue  (  **  ». 


CAPITULO  XXXVI  545 


Vê-se,  por  esta  acta,  que  a  província  da  Bahia  procla- 
mava-se  livre .  e  independente,  sem  restricção  de  praso. 
Reconhecendo,  porém,  os  chefes  revolucionários  que  a  idéa 
separatista  nenhuma  repercussão  encontrava,  tanto  no  Recôn- 
cavo (^)  como  nas  demais  partes,  apressaram-se  em  alterar 
profundamente  aquelle  documento,  mandando  lavrar  nova 
acta,  a   ir  do  mesmo  mez,    na  qual   se    declarou   que   a 


o  coronel  commandante  da  guarda  iiacioual,  Ignacio  Accioly  de  Cerqueira 
Silva,  auctor  das  Memorias  Históricas  e  Poíiticas  da  Provinda  da  Bahia 
e  sócio  do  Inslitulo  Histórico  e  Geographico  do  BrazU. 

Médicos,  dr.  Joào  Antunes  de  Azevedo  Chaves,  dr.  Sabino  Vieira,  dr.  Fran- 
cisco Quirino  Gomes,  dr.  Igrnacio  da  Silva  Oliveira  e  dr.  Silvino  José  de  Moura. 

Pertencentes  á  jurisprudência,  o  citado  dr.  I,uiz  António,  dr.  António  Gomes 
Villaça,  dr.  Joào  Carneiro  da  Silva  Rego  Filho,  dr.  António  José  Pereira  dç 
Albuquerque,  dr.  Manoel  Pinto  Ribeiro  de  Bulhões  e  o  advogado  Lúcio  Pereira 
de  Azevedo.  . 

Oi  tabclliães  Manoel  Pinto  da  Cunha  e  Francisco  Ribeiro  Neves. 

O  professor  António  Gentil  Ibirapitanga,  auctor  de  uma  grammatica  da  lin- 
gu.i  portugu  eza. 

0:i  funccionarios  públicos  Francisco  Fausto  da  Silva  Castro  e  José  Pedro 
Bastos  Varella. 

O^  commerciantes  Luiz  de  Souza  Gomes,  Manoel  Gomes  Pereira,  JoAo 
Carneiro  d.i  Silva  Rego,  Manoel  Joaquim  Coelho  Travessa  e  Jo.sé  Joaquim 
Florença. 

Capitalistas  e  fazendeiros  Cláudio  Tiburcio  Moreira,  Rodrigo  Xavier  de 
Figueiredo  Ardignac,  Manoel  José  Pereira,  dr.  Francisco  Vicente  Vianna 
( i.o  barão  do  Rio  de  Contas). 

li  os  parentes  <lo  dr.  Barata,  Francisco  J.  Barata  de  Almeida  e  José  Ray- 
mundo  Barata  de  Almeida. 

(  *  )  J.  M.  PicRKiRA  i).\  Silva  :  Historia  do  Brazil  durante  a  menoridade 
de  J).  Pedro  II  (  Rio  de  Janeiro,  2.^  edic,  sem  data ),  pag.  241. 

{  **  )  Tragedia  Catão,  acto  IV,  scena  III  (palavras  de  Marco-Bruto ) . 

(  I  )  Na  Bahia  denomina-se  Recôncavo  a  zona  de  terra  banhada  pela  bahia 
de  Todos  os  Santos  em  sua  ampliaçfto  para  o  interior. 

CU  TOM.  II 


546  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


separação   só  vigoraria  durante  a   menoridade   do  príncipe 
D.  Pedro. 

Pelo  confronto  das  duas  actas  reconhece-se  o  estado  de 
vacillação  em  que  se  achavam  os  espirítos. 

SKSSÃO  EXTRAORDINÁRIA  EM   II  DE  NOVEMBRO  DE  1837 

«Presentes  os  srs.  Luiz  António  Barbosa  de  Almeida, 
Lúcio  Pereira  de  Azevedo,  dr.  João  Antunes  de  Azevedo 
Chaves,  Vicente  José  Teixeira  e  António  Gomes  Villaça, 
faltando  com  parte  de  doente  o  sr.  Souza  Gomes  e  sem  ella 
os  srs.  Abreu,  Angelo  da  Costa  e  Ponce  de  I^ão,  tomou  o 
logar  de  Presidente  da  Camará  o  sr.  Luiz  António  Barbosa 
d'Almeida  e  declarou  que  o  objecto  da  sessão  de  hoje  era 
uma  portaria  do  Vice-Presidente  d'este  Estado,  que  mandou 
convocar  a  Camará  a  fim  de  que,  á  vista  da  representação 
que  remettia,  assignada  pela  maioria  dos  cidadãos  que 
assistiram  ao  acto  da  acclamação  da  independência  d'esta 
provincia,  pedindo  declaração  na  acta  de  sete  do  corrente 
acerca  de  considerar-se  a  independência  somente  até  á 
maioridade  do  Imperador  sr.  D.  Pedro  II,  em  conformidade 
do  art.  121  da  Constituição  do  Império,  fizesse  a  Camará  a 
referida  declaração ;  depois  do  que,  o  sr.  Presidente  mandou  ler 
o  predito  officio  e  representação,  que  são  do  theor  seguinte: 

•í  Officio: — Recebendo  este  governo  a  inclusa  representação 
assignada  por  mais  da  maioria  dos  cidadãos  que  assistiram 
ao  acto  (la  acclamação  da  independência  doeste  Estado,  ua 


CAPITULO  XXXVI  547 


qual  mostram  ter  havido  omissão  na  acta  que  ante  essa 
Camará  foi  lavrada  em  o  memorável  dia  7  do  corrente  mez, 
em  que  teve  logar  a  dita  acclamação,  quanto  a  não  se  ter 
expressamente  declarado  que  a  separação  da  província  em 
Estado  independente  era  até  á  maioridade  de  S.  M.  o 
Imperador  sr.  D.  Pedro  II,  como  diz  o  artigo  cento  e  vinte 
e  um  da  Constituição  para  o  Império  do  Brazil,  transmitto 
a  Vmcs.  a  mencionada  representação,  para  que,  mandando 
lavrar  uina  acta  da  declaração  requerida,  façam  isso  mesmo 
publicar  por  editaes,  convidando  ao  mesmo  tempo  os  cidadãos 
que  quizerem  assignar  a  referida  declarado. — Deus  Guarde 
a  Vmcs.  —  Palácio  do  Governo  da  Bahia,  onze  de  Novembro 
de  mil  oitocentos  trinta  e  sete. — João  Carneiro  da  Silva 
Rego,  Srs.  Presidente  e  Vereadores  da  Camará  Municipal 
doesta  cidade. 

a  Representação: — Ulmo.  eExnio.  Sr.  Os  cidadãos  abaixo- 
assignados,  desejosos  de  que  a  tranquillidade  publica  por 
nenhuma  maneira  soíFra  a  mais  leve  alteração,  por  isso  que 
se  ha  conhecido  que  o  lapso  de  penna  da  acta  que  teve  logar 
em  o  memorável  dia  sete  do  corrente,  ante  a  Camará  Muni- 
cipal, quanto  a  não  se  ter  expressamente  declarado  que  a 
.separação  doeste  Estado  será  até  á  maioridade  de  dezoito  annos 
de  S.  M.  o  Imperador,  o  Sr.  D.  Pedro  JI,  como  diz  o  artigo 
cento  vinte  e  um  da  Constituição  para  o  Império  do  Brazil, 
ha  introduzido  receios  e  desconfianças  n'esta  capital,  em 
consequência  de  ter-se  assentado  n'esta  medida,  quando  se 
tratou  do  glorioso  feito  promovido  n^aquelle  dia,  e  por  aquella 


548  MEMdRIAS  BRAZILEIRAS 


acta,  vêm  representar  o  expendido  a  V.  Exa.  para  que  se 
digue,  com  a  brevidade  possivel,  convocar  a  Camará  Municipal 
e  as  classes  geraes  doeste  Estado,  a  fim  de  que,  reunidas,  se 
proceda  em  acta  á  mencionada  declaração,  pois  que  estão 
convencidos  de  que  esta  medida  é  tanto  de  summa  vanta- 
gem, quanto  a  única  capaz  de  fazer  conseguir  todos  os  âni- 
mos a  abraçarem  a  causa  proclamada,  livrando  o  Estado 
do  flagello  que  ordinariamente  se  experimenta,  quando  as 
mudanças  politicas  do  governo  não  são  unanimemente  abra- 
çadas.—  Bahia,  nove  de  Novembro  de  mil  oitocentos  trinta 
e  sete  (seguiam-se^  assignaturas). 

« E  resolveu-se  que  se  mandasse  publicar  por  editaes,  não 
só  a  declaração  feita,  senão  também  o  convite  aos  cidadãos 
para  que  comparecessem  no  paço  d'esta  Camará,  a  fim  de 
assignarem  a  presente  acta,  que  se  mandou  imprimir.  Feito 
o  que,  passou-se  á  nomeação  interina  de  Juiz  Municipal  para 
a  cidade,  em  consequência  do  impedimento  de  moléstia  do 
actual,  e  foi  eleito  o  bacharel  formado  António  José  Pereira 
de  Albuquerque,  a  quem  se  mandou  fazer  o  competente  aviso 
para  vir  prestar  o  juramento  do  estylo.  Fecliou-se  a  sessão. 
Luiz  António  Barbosa  de  A/metday  Presidentç. — /oão  Car- 
neiro da  Silva  RegOy  Vice-Presidente. — Francisco  Sabino 
Alvares  da  Rocha  Vieira^  Secretario  (^). 

(Seguem-se  mais  26  assignaturas). 


( I  )  No  anno  de  1833  deu-se  com  o  dr.  Sabino  Vieira  um  facto  lamentável 
que  precisa  de  ser  esclarecido  para  que  fique  accentuado  o  pundonor  do  concei- 
tuado bahiano. 


CAPITULO  XXXVI  549 

'  Do  brigue  Três  de  Maio  passaiido-se  para  o  brigiie-barca 
Vinte  e  Nove  de  Agosto^  o  presidente  Francisco  de  Souza 
Paraíso  expediu,  no  dia  9,  esta  enérgica  proclamação: 

«Bahianos!  Tendes  testemunhado  que  a  mais  vergonhosa 

revolta   permittiu   que   triumphasse   ná   capital   o  nefando 

plano  de  separar-se  esta  bella  provincia  da  união  do  Império, 

projectado  por  pessoas  só  conhecidas  por  desfavoráveis  cir- 

.  cumstancias. 

«íE  será  possivel,  bahianos,  que,  resfriado  o  vosso  patrio- 
tismo, e  o  amor  á  sagrada  pessoa  do  nosso  joven  Imperador, 
por  muitos  dias  taes  individuos,  despidos  de  todos  os  prestí- 
gios e  incapazes  de  fazerem  a  felicidade  de  alguém,  se 
julguem  victoriosos  ? ! 

..  «Aonde  a  vossa  nobreza?  Aonde  o  vosso  brio?  Não, 
bahianos,  não  é  possivel  que  sejamos  mudos  e  inertes 
espectadores  dos  destinos  que  espera  a  nossa  capital ! 


Redigia  eUe  a  gazeta  O  Investigador  Brazileiro,  quindo  soube  que  Vicente 
Ribeiro  Moreira,  editor  do  Jornal  do  Comntercio^  náo  cessava  de  deprimil-o 
lias  lojas  e  boticas  que  frequentava.  O  dr.  Sabino  chegou  mesmo  a  surprehender 
o  diffamador  em  umi  de  suas  murmurações  calumniosas,  e  ameaçou-o  de  que  o 
espancaria  si  eUe  proseguisse  em  sua  aviltante  missão. 

Considerando-se  insultado,  o  intrigante  levou  este  facto  ao  conhecimento 
de  um  irmilo,  alfere.4  Moreira,  que  jurou  vingil-o,  e,  pira  ls=io,  armou-se  de  um 
chicote. 

Umi  occasiáo  em  que  o  dr.  Sabino,  vindo  da  Academia  de  Medicina,  atra- 
vessava a  praça  de  Palácio,  surge-lhe  ao  encontro  o  alferes  Moreira  e  o  ofTende 
com  o  instrumento  aviltante.  Ripidimentc  o  aggredido  tira  de  seu  estojo  de 
operações  um  bisturi  e  com  elle  fere  a  carótida  do  official,  que  cai  e  morre 
momentos  depois. 

O  dr.  Sabino  apresentou-se  á  prisáo,  compareceu  a  jury  e  foi  absolvido 
unanimemente. 


550  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 

«É  tempo;  corramos  ás  armas;  a  villa  de  S.  Francisco  é 
o  ponto  de  reunião;  o  tenente-coronel  Argollo  é  o  vosso 
chefe;  a  cidade  da  Cachoeira  é  destinada  para  sede  da 
Relação. 

«O  bahiano  que  não  procurar  nos  pontos  marcados  o 
governo  legal,  quer  silenciosamente  commetter  um  crime 
imperdoável;  o  empregado  publico  que  geralmente  não 
comparecer,  não  pôde  ser- contemplado  como  empregado  do 
governo  imperial;  o  militar  que  dentro  de  15  dias  se  não 
apresentar,  será  rigorosamente  punido. 

«Escolhei,  bahianos:  ou  supportar  o  jugo  de  um  partido 
que  só  nos  pôde  offertar  a  anarchia,  ou  vingar  a  maior  das 
affrontas  que  foi  feita  ao  Imperador,  á  lei  e  a  seus  fieis 
súbditos.  Viva  a  Religião!  Viva  o  Imperador!  Vivam  os 
bahianos  defensores  da  legalidade! 

«Bordo  do  brigue-barca  Vinte  e  Nove  de  Agosto^  surto  no 
porto  da  Bahia,  aos  9  de  Novembro  de  1837. — Francisco  de 
Sousa  Paraiso  (^). 

A  10  de  Novembro,  o  tenente-coronel  Argollo,  de  seu 
engenho  Cajahyba,  dirigiu  ao  presidente  um  officio,  assignado 
também  pelo  chefe  de  policia  dr.  Francisco  Gonçalves 
Martins,  depois  bar?o  de  S.  Lourenço  ('),  concitando  aquella 


(  I  )  Impresso  a  bordo  do  briguc-bíM-ca  í  'inie  e  Nove  de  Af^osto, 

(  2 )  O  dr.  Francisco  Gonçalves  Martins  nasceu  na  freguezia  do  Rio  Fundo, 
termo  de  Santo  Amaro  (Bahia),  a  12  de  Março  de  1807,  e  falleceu  a  10  de 
Setembro  de  1872.  Deputado  geral  nas  le.?islaturus  de  1831  a  1850,  foi  n'este 
anno  escolhido  senador.  Presidiu  a  Bahia  nos  annos  de  1848  a  1852  e  de  i86íj 


CAPITULO  XXXVI  551 


auctóridade  a  promover  o  bloqueio  da  capital,  lembrando-lhe 
providencias  acertadas  que  deveriam  ser  postas  em  execução 
immediatamente,  como  a  chamada  do  arcebispo  D.  Romualdo 
António  de  Seixas  ('),  funccionarios  civis  e  militares  para  o 
grémio  dos  legaes,  e  convidando-o  para  constituir  sede  do 
governo  em  Santo  Amaro  ou  Cachoeira. 

Accedendo  ao  convite,  o  presidente  seguiu  para  o  engenho 
Cajahyba,  onde,  inspirado  por  seus  amigos,  tomou  medidas 
enérgicas  para  sufíocar  a  revolta  no  ponto  do  nascedouro ;  a 
13  de  Novembro  fez  proclamação  aos  habitantes  do  Recôn- 
cavo; officiou  ao  coronel  Ignacio  Bulcão  para  que  organi- 
zasse um  esquadrão  de  cavallaria  na  villa  de  S.  Francisco; 
ao  coronel  Rodrigo  Brandão,  nomeando-o  commandante  das 
forças  que  levantasse  na  Cachoeira  e  ao  coronel  António  de 
Souza  lyima,  nomeando-o  commandante  das  forças  estaciona- 
das na  ilha  de  Itaparica. 

De  Santo  Amaro  officiou  na  mesma  data  ao  juiz  de 
direito  António  Simões  da  Silva,  avisando-o  de  que  o  total 
das  forças  ia  reunir-se  em  Pirajá,  no  sentido  de  pôr  em  sitio 
a  capital. 

Sentindo,   porém,   aggravar-se   os  seus  incommodos  de 


a  1871.  Exerceu  o  carg^o  de  ministro  do  império  no  gabinete  de  11  de  Maio 
de  1852,  assignalando  a  sua  passagem  no  governo  pela  inauguração  da  primeira 
estrada  de  ferro  no  Brazil  e  naveg^açáo  a  vapor  no  Amazonas. 

( I )  D.  Romualdo  António  de  Seixas,  marquez  de  Santa  Cruz,  17.*'  arcebispo 
da  Bahia  e  primaz  do  Brazil,  nasceu  em  Canietá  (  Kstado  do  Pará ),  a  7  de  Feve- 
reiro de  1787  e  fallcceu  na  Bahia  a  29  de  Dezembro  de  1860. 


552  MEMORIAS   BRAZII.EIRAS 


saúde,  o  presidente  Souza  Paraíso  —  que  por  occasião  da 
fuga  de  Bento  Gonçalves  da  fortaleza  de  S.  Marcello  havia 
pedido  demissão  de  seu  cargo — passou  a  administração  da 
província  a  Luiz  Paulo  de  Araújo  Bastos;  este  não  a  poude 
acceitar  por  doente.  Aquella  auctoridade  teve  de  officiar,  no 
dia  14,  a  Honorato  Josi  de  Barros  Paim,  entregando-lhe  a 
presidência,  que  foi  acceita. 

Ao  investir-se  do  poder,  o  vice-presidente  Honorato  Paim 
enviou  da  Cachoeira,  em  data  de  15,  uma  forte  proclamação 
aos  habitantes  da  capital  da  Bahia,  estimulaudo-os  a  abando- 
nar os  tyrannos  que  os  opprimiam^  os  infames  e  perversos 
que  assim  haviam  abusado  da  credulidade  dos  soldados  da 
guarnição^  e  convidando-os  a  se  reunirem  no  Recôncavo. 

Emquanto  occorriam  estes  acontecimentos,  vejamos  o  que 
se  passava  na  ilha  de  Itaparica. 

Um  emissário  dos  revoltosos,  Manoel  Joaquim  Tupinambá, 
natural  da  ilha,  lavrador  e  morador  na  fazenda  de  S.  João, 
prevalecendo-se  do  cargo  de  juiz  de  paz,  conseguiu  penetrar 
no  edifício  da  camará  municipal  e  ahi,  no  dia  1 1  de  Novembro, 
fez  lavrar  uma  acta  de  adhesão  á  causa  dos  rebeldes. 

Tupinambá  remetteu,  no  dia  15,  copia  da  acta  ao  vice- 
presidente  intruso  João  Carneiro  da  Silva  Rego,  acompa- 
nhada de  officio,  dizendo  que,  em  observância  ao  officio 
d^aquella  auctoridade,  de  10  de  Novembro,  havia  a  tropa 
e  o  povo  da  ilha  elevado  uossa  palria  A  categoria  de 
Estado  livre  e  independente^  durante  a  menoridade  do 
Sr.  D,  Pedro  lí. 


CAPITUtÔ  XXXVI  553 


r^o  mesmo  documento  queixava-se  de  que  Itaparica  esti- 

de^armada  absolutamente,  pois  o  revolucionário  s6  tinha 

II  poder  20  armas  ruins  e  desconcertadas;  denunciava 

'  íarâgogipe  recusava  commerciar  em  farinhas  com  a  ilha 

•a  um  apparato  de  força  e  duas  canhoneiras  para  influir 

limas  e  resolver  vontades  i^tdecisas. 

^^o  mesmo  dia  15,  em  que  Tupinambá  dava  conta  de  sua 

^'dibencia,    reunia-se  a  camará   municipal  de  Itaparica 

£ia  a  seguinte  proclamação: 

.<r  Itapari canos!  A  camará  municipal  d'esta  villa  se  congra- 

.a  comvosco.  Acaba  de  ir  por  terra  o  governo  fratricida  da 

capitaL  O  brio  que  bem  como  a  vós  anima  a  todos  os  amigos 

da  lei,  tem  regenerado  a  ordem  que  havia  sido  perturbada 

e  vai  restituiudo  a  paz  ás  familias. 

« A  aversão  doesta  camará  á  acta  do  tal  dia  1 1  doeste  mez 
vos  foi  bem  manifesta  e  evidente.  Nem  uma  s6  voz  de  adhesão 
partiu  d'esta  camará,  nem  uma  publicação  se  fez,  no  muni- 
cipio,  d'aquella  fatal  acta,  nem  de  papel  algum  em  que  esta 
mesma  camará  mostrasse  a  menor  S)'mpathia  com  a  desordem 
da  capital. 

«Eia!  Uni-vos,  abraçai- vos  e  sede  fieis  á  Constituição;     1 
só  d'ella  pode  emanar  a  felicidade  dos  brazileiros.  Viva  a     i 
Religião !  Viva  a  Constituição !  Viva  o  Sr.  D.  Pedro  II  e  o 
governo  legal  estacionado  em  Santo  Amaro ! 

70  .  TOM.  II 


554  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


«Paço  da  camará  municipal,  15  de  Novembro  de  1837. 
— Agostinho  da  Cosia  Lima^  presidente.  —  Caetano  Alvares 
de  Souza^  vereador  e  secretario. — Luiz  Gonzaga  da  Luz. — 
José  Narciso  de  Carvalho, — Elias  José  Barbosa, — José  Car- 
neiro Ribeiro, — Marcellino  António  Rodrigues^, 

Em  seguida — a  exemplo  de  que  se  praticou  na  capital — 
lavrou-se  uma  acta  que  destruiu  completamente  a  talá^  11  de 
Novembro  e  foi  assignada  por  muitas  pessoas  de  consideração, 
como  o  padre  João  Nepomuceno  da  Rocha;  coronel  do  estado 
maior  Manoel  da  Silva  Daltro;  coronel  José  Ricardo  da  Silva 
Horta;  tenente-coronel  Francisco  Xavier  de  Barros  Galvão; 
tenente-coronel  João  António  de  Souza  Portugal;  tenente, 
commandante  da  fortaleza,  José  Pedro  de  Menezes;  juiz  de 
orphãos,  José  Caetano  da  Costa;  capitão  do  i.°  batalhão  da 
guarda  nacional,  António  da  Costa  Chastinet;  ajudante  de 
ordens  do  commandante  superior  da  guarda  nacional  da  Bahia, 
Rodrigo  Pereira  de  Menezes  da  Silva  Daltro;  capitão  José 
Venâncio  Tupinambá;  tenente  Ale^candre  Xavier  de  Barros 
Galvão;  José  Thomaz  de  Aquino,  escrivão  da  entrada  da 
alfandega,  e  outros. 

Receosos  de  tropelias,  abandonaram  a  capital  quasi  todos 
os  funccionarios  públicos,  auctoridades,  negociantes  e  clero 
e  passaram-se  para  Santo  Amaro,  onde  o  illustrado  arcebispo 
D.  Romualdo  publicou  uma  pastoral  chamando  á  obediência 
os  cidadãos  rebellados. 

O  thesoureiro  geral  Manoel  José  de  Almeida  Couto  con— 


CAPITULO  XXXVI  555 

seguiu  reunir  o  dinheiro  existente  nos  cofres  a  seu  cargo  e 
entregou-o,  na  importância  de  46d:6oo#cx)0,  ao  vice-presidente 
Paini,  a  fim  de  fazer  face  ás  despezas  da  guerra  que  se  ia 
encetar. 

Reunidos  os  funccionarios  em  Santo  Amaro,  ahi  formaram 
uma  companhia  que  se  incorporou  ao  batalhão  da  guarda 
nacional  e  tomou  a  si  a  defesa  da  cidade. 

Picou  a  cidade  do  Salvador  completamente  entregue  aos 
sediciosos. 

Por  achar-se  ausente,  nos  Estados  Unidos,  o  presidente 
acclamado  Innocencio  da  Rocha  Galvão,  assumiu  o  supremo 
governo,  como  dissemos,  o  vice-presidente  João  Carneiro  da 
Silva  Rego,  o  qual  nomeou  seu  secretario  o  dr.  Sabino  e 
commandante  das  armas  o  major  Sérgio  José  Velloso. 

O  chefe  rebelde  João  Carneiro  convidou  o  juiz  de  direito 
dr.  António  Simões  da  Silva  para  assumir  o  logar  de  chefe 
de  policia,  visto  ter-se  ausentado  da  cidade  o  dr.  Francisco 
Gonçalves  Martins,  que  exercia  o  cargo. 

O  dr.  Simões  acceitou  a. incumbência  e  á  frente  de  um 
batalhão  de  policia  atravessou  as  ruas  da  cidade  dando  vivas 
ao  Imperador  e  á  Constituição,  e,  marchando  para  o  campo 
de  Pirajá,  ahi  preparou-se  para  contraminar  o  plano  revoltoso. 

  força  do  dr.  Simões  aggregaram-se  diversos  contingentes 
vindos  do  Recôncavo,  de  S.  Francisco,  de  Santo  Amaro,  indios 
de  Pedra  Branca  e  o  batalhão  de  voluntários  da  Cachoeira, 
enthusiasmados  todos  pela  idéa  de  libertar  a  capital  dos  desas- 
tres da  anarchia. 


556  MEMORIAS  BRAZILKIRAS 


Como  na  guerra  contra  o  general  Madeira,  Pirajá  tomou-se 
o  centro  das  operações,  com  a  differença  de  que  os  patriotas 
não  iam  combater  soldados  portuguezes  e  obrigal-os  a  deixar 
este  solo,  porém  preparavam-se  para  luctar  contra  irmãos,  em 
bem  da  tranquilidade  geral  e  victoria  da  lei. 

Assumiu  o  commando  em  chefe  das  forças  legaes  o  tenente- 
coronel  Alexandre  Gomes  de  ArgoUo  Ferrão,  pae  do  bravo 
official  do  mesmo  nome  que  tanto  se  distinguiu  na  guerra 
do  Paraguay. 

O  governo  central  nomeou  para  dirigir  a  provincia  o 
cidadão  António  Pereira  Barretto  Pedroso.  Ao  chegar,  o  novo 
presidente  incumbiu  ao  commandante  do  brigue  Três  de  Maio 
estabelecer  o  bloqueio  do  porto  e  dirigiu-se  para  a  cidade  da 
Cachoeira,  onde  assumiu  oexercicio  do  cargo  a  19  de  Novem- 
bro de  1837. 

Da  Cachoeira  Barretto  Pedroso  expediu  ordens  para  que 
se  estreitasse  o  bloqueio,  collocando-se  os  vasos  de  guerra  ém 
linha,  para  que  a  capital  fosse,  ao  mesmo  tempo,  atacada  por 
terra  e  por  mar.  ^ 

Para  offerecer  completa  resistência,  os  revoltosos  retiraram 
dos  armazéns  da  alfandega  quinhentas  armas;  trataram  de 
fortificar  a  cidade  por  meio  de  trincheiras  em  diversos  pon- 
tos e  tentaram,  rompendo  o  sitio,  alHciar  á  sua  causa  os 
escravos  dos  engenhos. 

A  18  de  Novembro  saltaram  no  porto  do  Manguinho, 
na  ilha  de  Itaparica,  e  em  numero  de  cento  e  vinte  preten- 
deram apossar-se  da  povoação  e  da  fortaleza,  porém  foram 


CAPITULO  XXXVI  557 


valentemente  repellidos  pela  força  commandada  pelo  coronel 
António  de  Souza  Lima.  A  30  do  mesmo  mez  travaram  novo 
combate,  porém  foram  derrotados  e  obrigados  a  refugiar-se 
na  capital. 

Convidado  o  presidente  da  provincia  de  Sergipe  no  sen- 
tido de  auxiliar  a  revolta,  deu  como  resposta  enviar  soldados 
em  defesa  da  causa  legal. 

O  presidente  de  Pernambuco,  Francisco  do  Rego  Barros, 
enviou  também  uma  columna  de  500  praças  ao  mando  do 
tenente-coronel  José  Joaquim  Coelho,  a  qual  chegou  a 
Pirajá  a  3  de  Janeiro,  elevando  a  4,000  o  numero  de  com- 
batentes. 

A  5  de  Janeiro  de  1838  o  governo  revoltoso  publicou 
uma  circular  chamando  ás  armas  todos  os  cidadãos  residentes 
na  cidade  da  Bahia,  que  deviam  servir,  ou  voluntariamente 
ou  compellidos  pela  força. 

Nos  dias  6  e  8  de  Janeiro  foram  de  novo  atacados  alguns 
pontos  guarnecidos  pelas  forças  legaes,  travando-se  o  princi- 
pal combate  na  Campina,  onde  os  pernambucanos  conquis- 
taram completa  victoria. 

A  vista  d'estes  revezes  e  da  fome  que  já  fazia  sentir  os 
seus  desesperadores  effeitos,  começou  a  população  a  mostrar-se 
inquieta  e  impaciente  para  que  a  lucta  findasse  quanto  antes. 

Escasseando  cada  vez  mais  os  mantimentos,  resolveu  o 
governo  permittir  que  sahissem  da  capital  as  mulheres,  os 
meninos  menores  de  15  annos  e  cidadãos  maiores  de  50,  com 
prohibiçáo   de  levarem  escravos,  considerados   soldados  da 


55^  MEMORIAS  BRAZILEIBAS 


revolta.  Conta-se  que  quando  o  na\no  conductor  doestes  emi- 
grantes passou  por  deante  do  Forte  do  Mar  ou  de  S.  Marcello, 
partiram  d'ahi  descargas  contra  elle,  occasionando  ferimentos 
e  mortes. 

A  17  e  i8  de  Janeiro,  as  forças  legaes,  sob  o  commando  do 
tenente-coronel  Argollo,  travaram  sanguinolentos  combates 
com  os  revoltosos,  cabendo  o  triumpho  ao  governo  imperial, 
que  contou  entre  os  mortos  os  capitães  Joaquim  Marques  de 
Carvalho  e  José  de  Cerqueira  Sussuarana,  alferes  Silvério  de 
Souza  Pinheiro  e  dez  soldados,  e  entre  os  feridos  o  capitão 
Solidonio  que,  baleado  em  uma  perna,  sustentou  durante  seis 
horas  nutrido  fogo. 

A  19  do  mesmo  mez,  o  presidente  revoltoso  creou  Minis- 
tério, expedindo  decretos  das  nomeações  seguintes : 

Ministro  da  Fazenda  e  Presidente  do  Thesouro  Publico 
— Joaquim  da  Silva  Freire. 

Ministro  da  Justiça — Dr.  João  Carneiro  da  Silva  Filho. 

Ministro  da  Marinha — Tenente-general  Manoel  Pedro  de 
Freitas  Guimarães. 

Ministro  da  Gueçra — Tenente-coronel  Daniel  Gomes  de 
PVeitas. 

Ministro  do  Interior  e  interinamente  de  Extrangeiros — 
Dr.  Francisco  Sabino  Alvares  da  Rocha  Vieira. 

Foi  designado  Vice-Presideute  o  Dr.  João  Carneiro  Filho, 
o  qual,  por  edital  de  22  de  Janeiro,  ordenou  ao  major  Pedro 
Barbosa  Leal,  incumbido  da  policia  da  cidade,  que  procedesse 
ao  recrutamento  forçado. 


CAPITULO  XXXVI  559 


Dispunham  os  revoltosos  de  uin  navio,  o  brigue-escuua 
Trovão^  commandado  por  um  official  de  appelHdo  Malhado^ 
que  só  constrangidamente  acceitára  a  perigosa  incumbência. 

Na  primeira  opportunidade  que  se  lhe  offereceu,  Malhado 
passou-se  para  os  legalistas — procedimento  que  encheu  de 
ódio  aos  revolucionários  a  ponto  de  queimarem  dez  casas 
pertencentes  áquelle  official. 

A  16  de  Fevereiro  decretou  o  governo  de  João  Carneiro 
a  confiscação  de  todos  os  prédios  pertencentes  a  brazileiros  e 
a  portuguezes  que  estivessem  em  armas  contra  a  sedição. 

Por  esse  tempo  chegou  ao  porto  da  Bahia  o  brigue  inglez 
Visard^    conduzindo    mantimentos    destinados    a    súbditos 
de  sua  nação :  atormentado  pela  fome,  o  povo  tomou  conta 
de  todos  os  viveres,  apezar  da  viva  reluctancia  dos  mari- 
nheiros. 

Também  uma  barca  austríaca  tentou  trazer  á  capital  um 
grande  carregamento  de  farinha;  mas,  ao  approximar-se  do 
ancoradouro,  foi  obrígada  a  virar  de  bordo  e  afastar-se,  em 
vista  da  perseguição  que  contra  ella  desenvolveu  o  brigue 
Constança^  do  commando  do  capitão-tenente  Joaquim  José 
Ignacio,  mais  tarde  visconde  de  Inhaúma  ( * ). 

Affrontando  os  tiros  que  de  terra  lhe  eram  disparados, 
este  bravo  official  expelliu  do  porto  o  navio  extrangeiro,  e, 
ao  voltar  ao  ponto  de  ancoragem,  mereceu  enthusiasticos  vivas 


( I )  Joaquim  José  Ignacio  nasceu  em  Lisboa  a  30  de  Julho  de  1808  e  faUeceu 
no  Rio  de  Janeiro  a  8  de  Março  de  1869,  no  posto  de  almirante. 


560  MEMORIAS  BRÂZILBIRAS 


das  guarnições  de  uma  corveta  ingleza,  de  iim  brigue  francez 
e  de  uma  escuna  norte-americana. 

A  21  de  Fevereiro  chegava  á  Bahia  o  marechal  João  Chr>'- 
sostomo  Callado,  nomeado  commandante  em  chefe  das  forças 
imperiaes. 

Em  conferencia  com  o  commandante  da  esquadrilha,  deli- 
berou que  se  apertasse  cada  vez  mais  o  cerco  da  capital,  por 
terra  e  por  mar,  obrigando  os  rebeldes  a  reuder-se  pela  fome. 
N'este  propósito  conservava-se,  preferindo  a  inacção  ao  derra- 
mamento de  sangue.  Baldadamente  lhe  officiava  o  presidente 
Barretto  Pedroso:  «Ataque  V.  S.,  quanto  antes,  os  rebeldes 
da  capital,  o  que  lhe  é  mui  positivamente  ordenado  por  este 
governo». 

E  em  officio  de  6  de  Março:  «Não  resta,  pois,  senão  que 
V.  S.  dê  suas  ordens  a  fim  de  que  acabe  a  desgraçada  revolta, 
que  tantos  males  está  causando  a  esta  provincia.  Comquanto 
tenha  por  varias  vezes  exposto  a  V.  S.  a  urgentissima  neces- 
sidade que  ha  de  dar  o  ultimo  golpe  á  rebeldia,  não  posso 
comtudo,  por  esta  occasiào,  deixar  de  inteirar  a  V.  S.  de  varias 
noticias  que  obrigam  ao  governo  da  provincia  a  exigir  de 
V.  S.  que  seja  quanto  antes  dado  aquelle  golpe». 

Como  estimulo  ao  marechal,  declarava  o  presidente  que 
havia  suspeitas  de  que  a  setiiçào  tendia  a  espalhar-se  pela 
Feira  de  SanfAnna,  arrastando,  talvez,  uma  insurreição  de 
escravos. 

O  commandante  em  chefe  preferia  prudenciar. 

Contra  esta  inactividade  reclamou  o  tenente-coronel  José 


CAPITULO   XXXVI  561 


Joaquim  Coelho,  com  mandante  da  força  pernambucana,  a 
qual,  por  se  achar  muito  próxima  da  linha  inimiga,  soffria 
continuos  tiroteios. 

Obtida  do  marechal  permissão  para  atacar,  este  comman- 
dante,  á  frente  de  três  companhias,  investiu  contra  os  revol- 
tosos no  dia  13  de  Março  e  desalojou-os  dos  pontos  occupados. 
Ganhando  cada  vez  mais  terreno,  conseguiu  tomar-lhes  uma 
peça  de  artilheria  e  approximar-se  dos  pontos  Bate-Folha 
e  S.  Caetano,  guarnecidos  fortemente  com  sete  canhões  de 
grosso  calibre;  uniu-se  depois  a  sua-columna  á  primeira  bri- 
gada do  exercito  sob  as  ordens  do  coronel  António  Corrêa 
Seara  e  ambas  fizeram  recuar  os  rebeldes  até  á  Lapinha ; 
d'ahi  ao  forte  do  Barbalho  e  d'este  ponto  ao  forte  de  S.  Pedro, 
onde  se  entrincheiraram. 

No  mesmo  dia  13,  uma  columna  ao  mando  do  major  do 
7.°  batalhão  Carlos  César  Burlamaqui  tomou  os  fortes  da 
Lagartixa  e  Jequitaia,  e  foi  occupado  Itapagipe  pelas  forças 
estacionadas  nos  engenhos  da  Plataforma  e  Cabrito,  auxiliadas 
pelas  barcas  commandadas  pelo  i.°  tenente  Benjamin  Car- 
neiro de  Campos. 

A  14  de  Março,  a  terceira  brigada,  commandada  pelo 
coronel  José  de  Sá  Bittencourt  e  Camará,  que  havia  occupado 
os  pontos  de  Itapoan  ç  Rio  Vermelho,  entrava  pelo  lado  do 
Bom  Gosto  c  ia  reunir-se  ás  demais  forças  no  largo  de 
S.   Pedro. 

Vendo  os  revoltosos  que  se  achavam  inteiramente  perdidos, 
atearam  fogo  em  mais  de  sessenta  edifícios,  no  cães  novo,  no 


562  MEMORIAS  BRAZII^EIRAS 


largo  da  Piedade,  no  Areal,  na  Ajuda  e  nas  ruas  do  Paço 
e  do  Cabeça,  pondo  em  alarme  a  população. 

O  alarido  produzido  pelos  incêndios  e  o  continuo  tanger 
dos  sinos  incutiram  febre  nos  belligerantes  e  horrorosa  foi  a 
carnificina  dos  dias  14  e  15  de  Março. 

As  6  horas  da  tarde  do  dia  15,  o  forte  de  S.  Pedro  içou 
bandeira  branca  e  o  commandante  Sérgio  José  Velloso  enviou 
ao  marechal  Callado  uma'  proposta  de  capitulação  n'estes 
termos : 

«A  força  militar  sob  o  commando  do  abaixo-assignado, 
desejando  evitar  de  uma  vez  o  derramamento  do  sangue 
brazileiro,  propõe  o  seguinte:  que  se  depõem  desde  já  as 
armas,  sob  condição  de  liberdade  a  todos,  que  jamais  devem 
ser  tidos  como  criminosos  pelo  simples  facto  de  dissentimento 
de  opiniões  politicas. — Sérgio  José  Velloso,^» 

O  marechal  respondeu  á  proposta : 

«O  general  do  exercito  brazileiro  com  forças  sobre  o  forte 
S.  Pedro,  s6  convém  que  a  guarnição  rebelde  se  entregue  á 
discrição.  —  Campo  sobre  o  forte  de  S.  Pedro,  15  de  Março 
de  1838,  ás  6  horas  da  tarde. — Joào  Chrysostomo  Callndo^ 
marechal  de  campo. » 

Submettidos  á  lei,  desfilaram  do  forte  586  praças,  15 
músicos  e  cornetas,  8  officiaes  e  o  chefe.  Renderam-se  em 
seguida  a  fortaleza  da  Gamboa  e  o  Forte  de  S.  Marcello. 

Segundo  a  participação  official  mandada  pelo  general 
Callado  ao   ministro  da  guerra  em  data  de  17  de  Março, 


CAPITULO  XXXVI  563 


houve  por  parte  dos  revoltosos  600  mortos  e  mais  de  1.700 
prisioneiros. 

Effectuou-se  a  prisão  dos  chefes  revolucionários:  o  presi- 
dente João  Carneiro,  seu  filho  e  o  chefe  de  policia  António 
José  de  Sá  Freire  e  Mattos,  que  foram  encontrados  em  uma 
casa  para  alugar,  na  Lapinha ;  o  medico  Alexandre  Gaulette, 
que  se  achava  occulto  em  um  quarto  da  casa  do  vice-consul 
francez  Degrivel;  o  dr.  Sabino,  que  foi  encontrado  occulto  em 
um  guarda-roupa  do  mesmo  Degrivel;  o  ministro  da  marinha, 
tenente-general  Manoel  Pedro  de  Freitas  Guimarães ;  majores 
Innocencio  Eustachio  Ferreira  de  Araújo  e  José  Joaquim 
Leite,  que  commandaram  divisões,  dr.  Francisco  Liberato- 
de  Mattos,  encarregado  do  expediente  da  justiça,  e  muitos 
outros. 

Conduzido  para  bordo  da  corveta  SeUdeAónV^  o  dr.  Sabino 
teve  de  submetter-se  a  ferros  e  permanecer  incommunicavel. 

Levados  a  jury  os  revoltosos  civis  e  á  Junta  Militar 
de  Justiça  da  Bahia  os  officiaes,  foram  condemnados.  á 
morte  o  dr.  Sabino,  João  Carneiro  pae  e  filho,  Sérgio 
Velloso,  Innocencio  Eustachio,  José  Leite  e  Alexandre  Fer- 
reira do  Carmo  Sucupira ;  a  galés  perpetuas  Hermes  Corrêa 
de  Moraes;  a  prisão  com  trabalhos  António  de  Sá  Freire 
e  Mattos  e  Alexandre  Gaulette. 

Como  um  documento  curioso,  pela  agglotneração  de  cri- 
mes imputados  a  um  só  homem,  registamos  a  sentença  pro- 
ferida contra  o  dr.  Sabino: 


564  MEMORIAS   BRAZILEIRAS 


SENTENÇA  DADA  PELO  JURY  DA  CAPITAL  DA  BAHIA  CONTRA 
O  DR.  FRANCISCO  SABINO  ALVARES  DA  ROCHA  VIEIRA 

  vista  da  decisão  do  jur}-,  coiideinno  o  réo  Francisco 
Sabino  Alvares  da  Rocha  Vieira  nas  penas  seguintes:  pelo 
crime  do  art.  201 — em  um  anno  de  prisão  e  multa  corre- 
spondente á  metade  do  tempo;  pelo  crime  do  art.  202 — em 
sete  annos  de  prisão  e  multa  correspondente  á  metade  do 
tempo;  pelo  crime  do  art.  203 — em  sete  annos  de  prisão  e 
multa  correspondente  á  metade  do  tempo;  pelo  crime  do 
art.  204 — em  tfes  annos  e  meio  de  prisão  e  multa  correspon- 
dente á  metade  do  tempo;  pelo  crime  do  art.  205 — em  nove 
annos  e  quatro  mezes  de  prisão  e  multa  correspondente  á 
metade  do  tempo;  pelo  crime  do  art.  89 — em  vinte  e  três 
annos  e  quatro  mezes  de  prisão;  pelo  crime  dos  arts.  68,  85 
e  87 — em  prisão  perpetua  com  trabalho,  e,  finalmente,  pelos 
crimes  dos  arts.  113  e  192  —  condemno  o  réo  á  morte. 
Guarde-se  na  imposição  doestas  penas  o  disposto  no  art.  61 
do  código  penal  e  condemno  também  o  réo  por  todos  estes 
crimes  na  indemnização  que  se  liquidará  em  juizo  competente. 
O  escrivão  faça  as  intimações  da  lei,  pagas  as  custas  pelos 
bens  do  réo. 

Bahia,  2  de  Jiniho  de  1838. —  Victor  de  Oliveira, 

Por  decreto  de  22  de  Agosto  de  1840,  houve  por  bem  o 
Imperador  conceder  amnistia  a  todos  os  brazileiros  envolvidos 
em  crimes  politicos,  e,  em  conformidade  com  os  S§  2.°  e  3.** 


CAPITULO   XXXVI  565 


do  art.  i.°  do  mesmo  decreto,  foram  obrigados  a  segitir 
diversos  destinos  os  réos: 

Dr.  Francisco  Sabino  Alvares  da  Rocha  Vieira,  para 
residir  temporariamente  na  provincia  de  Goyaz. 

João  Carneiro  da  Silva  Rego,  dr.  João  Carneiro  da  Silva 
Rego  Filho  e  Daniel  Gomes  de  Freitas,  para  a  provincia  de 
S.  Paulo. 

vSergio  José  Velloso,  José  Joaquim  Leite,  Alexandre  Fer- 
reira do  Carmo  Sucupira  e  Innocencio  Eustachio  Ferreira  de 
Araújo,  para  Ouro  Preto  (Minas  Geraes). 

Alexandre  Gaulette,  francez,  deportado  para  fora  do 
Brazil. 

O  dr.  Sabino  Vieira  chegou  a  Goyaz  em  1840. 

Ahi  casou  em  1843  com  d.  Rosa,  filha  de  Francisco  Manoel 
Vieira.  Nasceram  doeste  consorcio  dois  filhos,  Fábio  e  Epo- 
nina,  que  fallcceram  ainda  jovens. 

Tendo-se  tornado  chefe  do  partido  liberal  em  Goyaz  e 
contrario  á  politica  seguida  pelo  presidente  conservador 
D.  José  de  Assis  Mascarenhas,  o  dr.  Sabino  foi  remettido 
preso  para  Matto  Grosso,  em  1844.  Passou  a  residir  na  fazenda 
de  Santo  António  da  Jacobina  (municipio  da  cidade  de  S.  Luiz 
de  Cáceres),  onde  falleceu  a  25  de  Dezembro  de  1846  e  foi 
sepultado  na  capella  da  mesma  fazenda. 

O  Instituto  Geographico  e  Histórico  da  Bahia  incumbiu 
a  três  de  seus  sócios,  dr.  Thomaz  Garcez  Paranhos  Montene- 
gro, dr.  Francisco  de  Paula  Oliveira  Guimarães  e  Rogociano 


566  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


Pires  Teixeira,  a  tarefa  de  promoverem  a  trasladação  dos  ossos 
do  revolucionário  para  aquelle  estabelecimento  scientifico. 
O  auto  de  exhumação  foi  concebido  nos  termos  seguintes: 
«Aos  vinte  e  seis  dias  do  mez  de  Janeiro  do  anno  de  mil 
oitocentos  noventa  e  seis,  8.°  da  Republica  dos  Estados  Uni- 
dos do  Brazil,  n'esta  fazenda  de  Santo  António  da  Jacobina, 
municipio  da  cidade  de  S.  Luiz  de  Cáceres,  do  Estado  do 
Matto  Grosso,  presente  o  meretissimo  subdelegado  de  policia 
do  i.°  dístricto,  Honório  Augusto  Nunes  da  Cunha,  commigo 
escrivão  do  seu  cargo  abaixo  nomeado,  bem  como  as  testemu 
uhas  tenente-coronel  Diogo  Nunes  de  Souza  e  Duarte  Bastos, 
pelo  mesmo  subdelegado  foi  ordenado  que  se  procedesse  á 
exhumação  dos  restos  mortaes  de  medico  bahiano  dr.  Fran- 
cisco Sabino  Alvares  da  Rocha  Vieira,  fallecido  n'esta  fazenda 
em  25  de  Dezembro  de  1846  e  sepultado  na  capella  da  mesma 
fazenda. 

«  Em  acto  continuo,  e  no  centro  da  referida  capella,  quasi 
junto  ao  altar,  deu-se  começo  ao  trabalho  da  excavação  de 
uma  sepultura,  em  cuja  tampa  no  assoalho  da  egreja  se  lia  a 
seguinte  inscripção:  Tributo  ao  saber  e  â  amizade.  Aqui 

DORME   o  SOMNO  DOS  MORTOS  O  DR.    F.    SaBINO  A.   DA   R. 

Vieira,  nascido  na  província  da  Bahia.  Falleceu  aos 
25  DE  Dezembro  de  1846,  deixando  de  sua  morte  sau- 
dosas RECORDAÇÕES  AO  SEU  COMPADRE  E  AMICxO  J.  C.  P. 
Leite  ('),  o  que  feito,  foram  n^ella  encontrados  os  ossos  do 


( I  )  Joào  Carlos  Pereira  I^eite. 


CAPITULO   XXXVI  567 


referido  dr.  Sabino,  os  qiiaes  o  meretissimo  subdelegado  man- 
dou recolher  u'uma  urna  de  madeira,  que,  depois  de  fechada, 
tem  de  ser  enviada  ao  Estado  da  Bahia,  conforme  a  requisição 
do  Instituto  Geographico  e  Histórico  do^mesmo  Estado. 

<c  E  para  constar,  foi  lavrado  o  presente  auto,  que  lido  e 
achado  conforme,  vai  assignado  pelo  meretissimo  subdelegado 
de  policia  e  por  duas  testemunhas;  do  que  dou  fé. 

«  Eu,  Miguel  Angelo  Pinto  de  Arruda,  escrivão  de  policia, 
o  escrevi  e  subscrevi. — Honório  Augusto  Nunes  da  Cunha^ 
subdelegado  de  policia. — Miguel  Angelo  Pinto  de  Arruda^ 
escrivão. — Diogo  Nunes  de  Souza^  Duarte  Bastos^  teste- 
munhas. » 

O  Instituto  Geographico  e  Histórico  da  Bahia  conserva, 
como  relíquias  preciosas,  os  venerandos  restos  do  illustre 
bahiano. 

Como  tributo  á  sua  memoria,  trasladamos  para  este  livro 
as  palavras  que  o  illustrado  dr.  Augusto  Victorino  Alves 
Sacramento  Blake  ( ' )  proferiu  no  Instituto  Histórico  Geogra- 
phico do  Brasil  em  referencia  a  seu  distincto  conterrâneo  : 


( I  )  o  dr.  Sicramcnto  Blake  nasceu  na  cidade  do  Salvador  da  Bahia  a  2  de 
Novembro  de  1827  e  falleceu  no  Rio  de  Janeiro  a  24  de  Março  de  1903.  Fundou  o 
Aihcncu,  periódico  scicntifico  e  literário  dos  estudantes  da  faculdade  de  medi- 
cina da  Bahia,  o  qual  floresceu  nos  annos  de  1849  e  1850.  Bra  formado  pela 
referida  faculdade.  CoUaborou  nas  gazetas  Cuaj^curú,  Mosaico,  Crepúsculo, 
Noiiiiador  CaihoUco,  Borboleta  e  Marmota,  da  Bahia,  assim  como  no  Archii^ 
medico  brasileiro,  Annaes  de  Medicina,  Gazeta  dos  hospitaes,  Guaraciaba 
e  fíeija-flòr,  do  Rio  de  Janeiro.  Era  sócio  do  Instituto  Histórico  e  Geogra- 
phico do  Brazil,  do  Instituto  Geographico  e  Histórico  da  Bahia,  do  Instituto' 


568  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


«O  dr.  Sabino  Vieira  èra  um  dos  afamados  médicos  da 
Bahia,  de  uma  larga  clientela,  não  só  por  seu  vasto  saber  e 
illustração,  como  pela  verdadeira  caridade  com  que  exercia  a 
medicina.  No  leito  da  doença  eram  todos  os  homens  eguaes 
para  elle.  Não  sábia  distinguir  o  que  nas  alturas  da  opulência 
fruia  os  gosos  da  vida,  do  que  arrastava  a  existência  em  lucta 
com  a  miséria ;  não  sabia  distinguir  o  rico,  o  que  pagava  gene- 
rosamente seus  serviços,  do  pobre,  do  indigente,  a  quem  muitas 
vezes  deixava  com  a  receita  a  moeda  necessária  para  a 
comprado  remédio  ou  de  qualquer  género  de  dieta.  O  gemido 
de  dor  echoava  egualmente  em  seu  coração  bemfazejo, 
achav^a  a  mesma  guarida  em  sua  alma  caridosa. 

«Era  querido  muito  merecidamente  de  toda  a  grande 
corporação  medica  da  Bahia,  principalmente  da  congregação 
da  Academia,  de  que  era  um  dos  ornamentos,  dos  estudantes 
pela  elevação  de  seu  espirito,  pela  pujança  de  seu  talento, 
pela  profundeza  de  seus  conhecimentos,  pela  eloquência  e  ao 
mesmo  tempo  clareza  de  expressão  que  captivavam  sempre 
seus  aluinnos  quando  occupava  a  cadeira  como  lente  substi- 
tuto da  mesma  Academia.  N 'essas  occasiões  lhe  podiam  ser 


.tn/iro/oj^iío  c  Gcograpliito  de  Pernambuco,  membro  honorário  do  Athenen  de 
I.ima  c  sócio  da  Academia  do  Ceará. 

Legou  á  pátria  uma  obra  monumental,  o  Diecionario  Bihliographico  Bra- 
ziletpo,  em  7  vols.,  o  maior  e  o  mais  importante  repositório  que  possuímos  de 
preciosos  ai)ontamcntos  sobre  escriptores  nacionaes.  Obra  levada  ao  cabo  após 
dezcnove  annos  de  continuas  luctas  e  de  sacrifícios,  que  alteraram  profunda- 
mente a  saúde  do  auctor  e  o  privaram  da  vista,  ella  compensou-lhe  os  gigan- 
tescos esforços,  concedendc-lhe  a  immortalidade  literária. 


CAPITULO   XXXVI  569 


applicadas  as  palavras  que  escreveu  Connenin  em  relação  ao 
sábio  da  ^França,  Arago:  «Si,  face  a  face  com  a  scieucia,  a 
contempla  com  profundeza  para  devassar  seus  arcanos  e 
observar  suas  maravilhas,  então  sua  admiração  por  ella 
começa  a  tomar  uma  linguagem  magnifica,  sua  voz  se 
inflamma,  sua  palavra  adquire  um  certo  colorido,  sua  elo- 
que  ncia  toma-se  sublime,  como  é  sublime  o  assumpto  ( ^ ). » 

A  16  de  Março  de  1838,  entrava  na  capital  bahiana 
o  presidente  legal  António  Pereira  Barretto  Pedroso,  que 
assim  proclamou  a  victoria  da  lei : 

«Baliianosi  A  capital  doesta  importante  provincia  está 
arrancada  ás  garras  da  demagogia ;  o  denodo  com  que  tantos 
heróes  da  pátria  se  distinguiram  n^este  successo  eternizará 
seus  nomes  e  encherá  de  espanto  a  posteridade. 

«  O  campo  da  gloria,  esse  Pirajá  outr'ora  assignalado  com 
os  trophéos  da  independência,  acaba  de  radicar  a  constituição, 
o  throno  e  o  altar,  tão  ignominiosamente  ultrajados  por  esse 
bando  de  perversos  que  vindes  de  debellar. 

«  Bahianos  !  Valentes  Pernambucanos !  Honrados  Sergi- 
panos, distincto  corpo  da  armada,  que  com  as  vossas  vidas 
e  á  custa  do  vosso  sangue,  esmagastes  a  hydra  da  anarchia, 
vossos  feitos  são  outras  tantas  cohunnas  em  que  acabais 
de  firmar  o  throno  augusto  de  nosso  joven  monarcha,  e  com 
elle  a  existência  e  prosperidade  de  vossas  provincias. 


(  I  )  Riv.  do  Inst.  Hist.  c  Geog.  do  Braz,  tom.  XLVIII,  2,a  part.,  pag.  246. 

72  TOM^U 


570  MEMORIAS  BRAZILEIRAS 


«VÓS  acabais  de  testemunhar  o  incêndio,  o  roubo  ('), 
e  horrores  de  toda  a  casta  de  que  foi  victima  esta  cidade; 
certificai-vos  por  ahi  quanto  perigam  nossas  vidas  e  nossas 
fortunas  com  o  bello  ideal  d'essas  republicas  que  nos  inculcam 
os  inimigos  da  ordem. 

«O  sempre  memorável  dia  i6  de  Março  de  1838,  que 
trouxe  a  paz  á  Bahia  e  ao  Brazil,  será  estampado  na  historia 
em  caracteres  de  ouro;  seja  elle  para  nossos  vindouros  dia 
sempre  de  gloria  e  de  estimulo. 

«Eia,  pois,  voltai  aos  vossos  lares  a  gosar  da  paz  de  que 
ha  tanto  estais  privados;  esse  resto  de  bandidos  que  ainda 
infesta  o  interior  da  província,  prestes  a  ser  esmagado  pelos 
nossos  bravos  que  marcham  sobre  elles,  acabará  de  sellar 
nossa  gloria,  nosso  triumpho ;  rendamos,  pois,  as  devidas 
graças  ao  Altissimo,  que  tanto  vela  sobre  os  destinos  da  nossa 
pátria,  e  entoemos  vivas  á  nossa  santa  religião,  á  Consti- 
tuição, ao  nosso  augusto  e  joven  monarcha  o  Sr.  D.  Pedro  II, 
ao  regente  interino  e  aos  bravos  defensores  da  integridade  do 
império. 


(  I  )  Vinte  e  seis  foram  os  cofres  arrombados  pelos  rebeldes,  na  alfandega» 
na  thesouraria  de  fazenda,  na  camará,  cahindo,  portanto,  em  poder  d*elles  toda 
a  fortuna  publica  existente  na  Bahia.  Apenas  se  conseguiu  salvar  460 :6oo$ooo  que 
o  thesoureiro  geral  Manoel  José  de  Almeida  Couto  poude  conduzir  ao  governo 
legal  e  io:20(j$uoo  que  ao  mesmo  governo  entregou  no  Recôncavo  o  pagador 
da  intendência  da  marinha,  Joào  I^pes  de  I,eào. 

Vide  Rev.  do  Inst.  C7roj^.  e  Hisi.  da  Bahia,  vol.  VII,  pags.  280  e  281. 


CAPITULO  XXXVI  571 


«Palácio  do  governo  da  Bahia,  16  de  l^arço  de  1838. — 
Afitonio  Pereira  Barrei  to  Pedroso  ( ' )». 

Como  premio  aos  serviços  prestados  á  pacificação  da 
Bahia,  o  governo  imperial  promoveu  o  marechal  Callado  (^) 
a  tenente-general  effectivo  e  o  tenente-coronel  José  Joaquim 
Coelho  a  brigadeiro,  sendo  mais  tarde  distinguido  com  o 
titulo  de  barão  da  Victoria. 

Em  signal  de  reconhecimento,  o  povo  da  capital  fez  correr 
uma  subscripção  com  o  fim  de  offerecer  valioso  mimo  ao 
marechal  Callado;  este,  porém,  oppoz-se  á  idéa,  pedindo  que 
a  quantia  angariada  fosse  distribuída  entre  as  viuvas  e  os 
orphãos  dos  que  succumbiram  na  lucta. 

Como  retribuição  a  esta  prova  de  generosidade,  ofFertou-se 
um  bello  retrato  de  D.  Pedro  II  á  esposa  d'aquelle  official, 
com  esta  dedicatória:  Os  bahianos  agradecidos  ao  mare- 
chal Callado. 

Ao  presidente  de  Pernambuco,  em  testemunho  de  gratidão, 
os  bahianos  offereceram  uma  espada  de  honra,  de  ouro,  crave- 
jada de  pedras  finas. 

De  que  modo  tem  a  geração  actual  apreciado  a  Sabi- 
nada  ? 


(  I  )  Barretto  Pedroso  fallcccu  cm  Vassouras  (  Estado  do  Rio  de  Janeiro  }  a  6 
de  Agosto  de  18S3. 

(2)0  marechal  JoAo  Chrysostomo  Callado  nasceu  a  24  de  Março  de  17S0  na 
cidade  de  Elvas  (  Portugal )  e  fallcccu  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro  a  i.»  de  Abril 
de  1857. 


572  3IEMORIAS   BRAZILEIRAS 

A  constituição  bahiana  considerou  Axai  feriado  ou  de  festa 
estadual  o  j  de  XovembrOy  reconhecendo  assim,  na  sedição, 
intuito  republicano,  o  que  é  claramente  impugnado  pela 
historia. 

Porém  uma  lx:m  redijfida  e  criteriosa  gazeta  bahiana, 
estudando  o  movimento  á  luz  dos  factos  documentados,  assim 
se  externa : 

« Por  uma  disposição  da  Constituição  do  Estado,  quando 
inaugurámos  a  era  republicana,  foi  considerado  no  caso  de 
merecer  as  honras  do  /í/vW/;,  o  dia  commemorativo  da  ultima 
revolta  havida  n'esta  capital,  como  sendo  o  facto  revelação 
de  anceios  democráticos,  synthetizados  na  forma  do  regimen 
adoptado. 

"Foi  um  erro  histórico,  e  uma  injustiça  perpetrada 
contra  os  defensores  da  legalidade,  que  não  fora  alli  atacada 
cm  sua  essência,  mas  tão  somente  no  pessoal  do  Executivo. . . 

« A  revolução  de  7  de  Xovembro  foi  o  impulso  de  uma 
facção,  auxiliada  pela  tropa  de  linha  em  más  condições  de 
disciplina.  Queria-sc  o  dominio  local,  não  para  desenrolar  um 
novo  prograunna  de  liberdades,  mas  tão  somente  para  mudar 
o  pessoal  da  dominação  na  actualidade. 

ff  Não  se  tratava  de  deposição  do  imperialismo,  acceitando 
todos  a  fornia  monarchica;  visava-se  apenas  arredar  os 
políticos  cm  evidencia  para  abrir  caminho  a  novas  ambições 
(jue  fermentavam.  Era  a  regência  que  desafiava  os  rancores, 
poniue   a    inquinaram    de    parcialidade  manifesta    no    jogo 


CAPITULO  XXXVI  573 


constitucional,    quando    a   sua    attitude   deveria    ser  a  da 
completa  neutralidade. 

Cf  O  caracter,  pois,  de  revolução  provincial  desappareceu 
para  dar  logar  ao  de  revolta  localizada. 

«Tanto  a  idéa  dos  revoltosos  não  fora  plantar  o  regimen 
republicano,  que  os  promotores  do  facto  appellaram  para  a 
maioridade  do  Imperador,  como  salvaterio  do  paiz,  prestando 
elles  á  forma  monarchica  pleno  devotamento.  O  programma 
que  exibiram  não  traz  uma  só  idéa  que  justifique  o  conceito 
hoje  dispensado  ao  lamentável  acontecimento. 

« Foi  um  desconchavo  e  não  um  systema,  uma  iniquidade 
que  reduziu  a  cinzas  parte  da  cidade  e  fez  correr  rios  de 
sangue,  siem  que  os  sacrificados  soubessem  por  que  se  batiam. 

«A  Republica  não  pôde  ir  buscar  sua  origem  em  tão 
monstniosos  attentados. 

<f  Abafado  o  parto  da  loucura,  dois  ânuos  depois  effectuou-se 
a  maioridade,  que  foi  saudada  como  a  satisfacção  dada  aos 
resentimentos  politicos  accumulados.  Basta  ler-se  os  annaes 
do  parlamento  d'aquella  data  para  se  conhecer  o  alcance 
da  intitulada — Sabinada, 

«Como  irmãos,  devemos  passar  uma  esponja  sobre  essas 
aberrações  tristissimas  e  esquecer  os  moveis  que  as  determi- 
naram. 

«Já  que  o  Estado  entendeu  que  também  deveria  apresentar 
o  seu  titulo  republicano,  antedatado,  e  escolheu  o  y  de 
Novembro  para  symbolizal-o,  não  podemos  retroceder,  e  o 
remédio  que  ha  é  deixar  correr  o  tempo,  até  que,  restabele- 


574  UEUORIAS  BRAZILEOLAS 

csda  a  calma  nos  espíritos  e  firmada  a  republica  nos  hábitos 
e  nas  aspirações  conscientes,  o  bom  senso  descasque  essa 
amêndoa  assucarada,  e  dê  o  devido  valor  ao  fragmento  do 
fructo  que  os  enfeites  avolumam. 

«  Náo  é  de  taes  tradições  que  o  nosso  regimen  \nverá, 
nem  por  ella»  lhe  virá  o  menor  prestigio  (' ),  ■ 

Cremos  ter  caracterizado,  por  meio  de  documentos  \-alio- 
sos,  o  movimento  sedicioso  conhecido  na  historia  por  Saòt- 
fiar/a^  apresentando-o  tal  qual  se  deu,  completamente  alheio 
á  idca  de  republica. 

Intencionalmente  abrimos  e  encerramos  este  segundo  e 
ultimo  tomo  de  nossa  obra  com  a  narração  minuciosa  das 
duas  guerras  bahianas,  porque  desejamos,  com  estes  fortes 
trabalhos  investigadores,  prestar  homenagem  -e  ao  mesmo 
temix)  tributo  de  gratidão  á  terra  em  cujo  seio  fecundo,  no 
próprio  anno  das  solenmes  festas  votadas  ao  centenário  e  em 
meio  de  nossa  ardente  febre  de  estudos  históricos,  vimos, 
com  justo  desvanecimento,  nascer  um  filho — flor  de  nosso 
coração  brotada  no  alto  da  formosa  e  privilegiada  montanha, 
pnxhictora  de  tantas  notabilidades  na  Scieucia  e  na  Litera- 
tura, semelhantes,  em  brilho  e  em  duração  perenne,  ás 
estrellas  da  constellação  que  singulannente  fulgura  em  nosso 
c6)  e  SC  reflecte,  como  um  syinbolo  de  honra,  no  pavilhão 
de  nossa  Pátria. 

FIM 


(  i  )  ,i  liifiia  de  7  de  Novembro  de  1901. 


I 


ÍNDICE  ANALYTICO 


7ft 


ÍNDICE  ANALYTICO 


TOMO  SEGUNDO 


CAPITULO  XXII 

Guerra  da  independência  da  Bahia  em  Fevereiro  de  1822.  — 
O  general  portuguez  Ignacio  Luiz  Madeira  de  Mello  e  o 
brigadeiro  bahiano  Manoel  Pedro  de  Freitas  Guimarães. 

—  Violências  dos  madeiristas.  — Assalto  ao  convento  da 
Lapa.  —  Concentração  de  forças  brazileiras  no  Recôncavo. 
— Discussão  nas  cortes  portuguezas  sobre  a  guerra  bahia- 
na.  —  Desforço  pessoal  do  dr.  Cypriano  José  Barata  de 
Almeida  contra  o  marechal  Luiz  Paulino  de  Oliveira  Pinto 
da  França.  —  Intimação  de  D.  Pedro  ao  general  Madeira. 

/  — Derrota  de  madeiristas  na  Cachoeira.  —  Victoria  dos 
bahianos  no  Funil.  —  Maria  Quitéria  de  Jesus  Medeiros, 
alferes  do  exercito. — O  general  Pedro  Labatut.  —  Perse- 
guição dos  madeiristas  contra  o  revolucionário  pernam- 
bucano Gervásio  Pires  Ferreira.  —Conselho  governativo 
na  Cachoeira. — Conflicto  entre  o  governo  civil  e  o  militar 
do  general  Pedro  Labatut.  —  Combate  e  victoria  bahiana 
em  Pirajá.  —  O  corneta  Luiz  Lopes.  —  O  official  da  armada 
João  Francisco  de  Oliveira  Bottas,  vM\goJoão  das  Bottas, 

—  Victoria  dos  bahianos  na  ilha  de  Itaparica.  — Discórdia 
entre  Labatut  e  o  coronel  Felisberto  Gomes  Caldeira.  — 
Deposição  de  Labatut  e  sua  substituição  pelo  coronel  José 


Pags. 


570  índice   ANALYl*ICO 


Joaquim  de  Lima  e  Silva.  — ^Despedida  de  Labatut  á  Bahia. 
— Julgamento  do  conselho  de  gueira  sobre  este  general, 
considerado  innocen te.  -Trasladação  dos  ossos  de  La- 
batut da  egreja  da  Piedade  á  matriz  de  Pirajá.  —  Retirada 
do  general  Madeira  para  Portugal.  —  Entrada  do  exercito 
libertador  na  capital  bahiana  a  2  de  Julho  de  1823.  — 
Festas  commemorativas  da  victoria  dos  bahianos.  —  Des- 
•  cripçào  da  Columna  2  de  Julho.  — Trechos  de  discursos  dos 
drs.  Satyro  Dias  e  Augusto  Alvares  Guimarães.  —  Poesias 
de  João  de  Britto,  Guimarães  Cerne,  Manoel  Pessoa  da 
Silva. — Glorificação  de  um  heróe  da  independência,  Fran- 
cisco das  Chagas,  na  ilha  de  Itaparica. 

EM   NOTAS 

Referencia  ao  quadro  do  pintor  brazileiro  Firmino  Monteiro, 
representando  o  assassinato  da  abbadéssa  Joanna  Angé- 
lica, e  existente  no  Lyceu  de  Artes  e  Officios  da  Bahia.  — 
Soneto  de'  D.  Amélia  Rodrigues  sobre  este  assumpto. : — 
Carta  do  dr.  Cypriano  Barata  em  resposta  ao  desafio  do 
marechal  Luiz  Paulino. —  Biographia  do  dr.  Barata. — 
Versos  á  memoria  dos  bahianos  mortos  na  guerra  da  inde- 
pendência. —  Versos  de  Agrário  de  Menezes  á  cidade  da 
Cachoeira. —Biographia  do  poeta  frei  Bastos;  versos  de 
Junqueira  Freire;  soneto  d*aquelle  franciscano  ao  bispo 
D.  Romualdo,  pedindo  soltura  da  prisão.  —  Referencia  em 
verso  ao  capitão-mór  de  Nazareth,  Manoel  Bento.  — Ver- 
sos de  Franklin  Dória  á  heroina  Maria  Quitéria.  —  Hymno 
á  Bahia,  por  Evaristo  da  Veiga.  —  Versos  de  Agrário  de 
Menezes  aos  heróes  de  Pirajá.  —  Versos  do  dr.  Luiz  Alva- 
res dos  Santos  ao  general  Labatut. — Hymno  da  Cabocla, 
versos  de  Junqueira  Freire. — Referencia  ao  csculptor  Bento 
Sabino.  —  Biographia  do  poeta  repentista  Francisco  Moniz 
Barretto. —  Biographia  do  poeta  Castro  Alves;  decennario 
de  sua  morte ;  opiniões  de  José  Palmella,  Ruy  Barbosa  e 
Frota  Pessoa 


Pas^. 


índice   ANAI.YTICX)  579 


Pags. 
CAPITULO  XXIII 

Manifesto  do  príncipe  D.  Pedro  ás  nações  amigas  contra  as 
cortes  portjiguezas. — ^^  Visita  de  D.  Pedro  á  cidade  de 
S.  Paulo. — Proclamação  da  independência  do  Brazil. — 
Hymno  da  independência,  por  Evaristo  da  Veiga.  —  Procla- 
mação aos  paulistas.^  Revoltado  3.°  batalhão  na  Bahia. 

—  Assassinato  do  coronel  Felisberto  Gomes  Caldeira. — 
Sessões  violentas  nas  cortes  de  Lisboa.  — Testemunho  do 
visconde  de  S.  Leopoldo.  —  Sete  deputados  brazileiros 
divergentes  da  politica  portugueza.—  Manifesto  de  Antó- 
nio Carlos  e  Costa  Aguiar. 

EM   NOTAS 

Trechos  do  áspero  discurso  do  deputado  portuguez  Ferreira 
de  Moura ;  accusaçâo  do  deputado  Ferreira  Borges  con- 
tra José  Bonifácio ;  defesa  do  patriarcaha  por  António 
Carlos.  —  Equivocos  de  limites  do  Brazil. — Trecho  de 
carta  de  D.  Pedro  a  D.  João  VI.— O  titulo  de  Defensor 
Perpetuo  do  Brazil,  dado  a  D.  Pedro.  —  Devaneio  do  his- 
toriador Pereira  da  Silva,  sobre  o  modo  por  que  foi  pro- 
clamada a  independência. —-Onde  era  o  antigo  quartel 
general  na  Bahia.  — Sobre  os  accusados  do  assassinato  do 
coronel  Felisberto  Caldeira.  —  Apontamentos  sobre  o 
dr.   Cypriano  Barata 89 

CAPITULO  XXIV 

Acclamação  e  coroação  de  D.  Pedro  I,  imperador  do  Brazil. 

—  Lucta  entre  o  partido  liberal,  dirigido  pelo  jornalista  Joa- 
quim Gonçalves  Ledo,  e  o  governista,  patrocinado  por 
José  Bonifácio  e  Martim  Francisco,  ministros  de  D.  Pedro. 
A  ordem  do  Cruzeiro,  —  Recusa  de  José  Bonifácio  á  gran- 
cruz  da  ordem.  — Como  José  Bonifácio  foi  nomeado  mor- 


580  índice  analytico 


Pagrs. 
domo-mór.  —  O    almirante    Cochrane    no   Maranhão.  — 
Barbaridade  do  capitão  inglez  João  Pascoe  Greenfell  para 
com  portuguezes  residentes  no  Pará.  —  Retirada  de  forças 
luzitanas  da  província  Cisplatina. 

EM   NOTAS 

Annullação  do  processo  relativo  á  bernarda  Francisco  Igna- 
cio.  — O  palacete  imperial  do  Campo  de  SanfAnna.  —  Po- 
líticos perseguidos  pelos  Andradas. — Biographia  do 
cónego  Januário  da  Cunha  Barbosa.  —  Sobre  a  gran-cruz 
de  José  Bonifácio  .   .    . 139 

CAPITULO  XXV 

A  primeira  assembléa  geral  legislativa  e  constituinte.  —  In- 
tuito de  D.  Pedro  em  unir  o  Brazil  a  Portugal.  — A  mar- 
queza  de  Santos  e  os  Andradas.  — Gazetas  opposicionistas, 
A  Sentinella  e  o  Tamoyo.  —  Attitude  dos  deputados  Antó- 
nio Carlos  e  Montezuma.  —  O  partido  luzitano. — O  con- 
flicto  Pamplona. — Dissolução  da  assembléa.  —  Prisão  e 
deportação  de  José  Bonifácio,  Martim  Francisco,  António 
Carlos,  padre  Belchior,  José  Joaquim  da  Rocha  e  Monte- 
zuma.—  A  Confederação  do  Equador,  em  Pernambuco. — 
Manifesto  do  revolucionário  Manoel  de  Carvalho  Paes  de 
Andrade.  —  Adhesões  da  Parahyba,  Rio  Grande  do  Norte 
e  Ceará  — Capitulação  dos  revolucionários.  — Commissão 
militar  julgadora.  — Biographia  de  frei  Joaquim  do  Amor 
Divino  Caneca;  seu  julgamento  em  Pernambuco.  —  Sup- 
plicio,  na  forca,  dos  revolucionários  Agostinho  Bezerra 
(aquém  frei  António  das  Mercês  dedicou  um  soneto  de 
ódio  ao  imperador).  Lazaro  Fontes,  António  Macário,  An- 
tónio do  Monte  ô  Nicolau  Martins:  biographia  d'este 
martyr  da  liberdade.  —  Execução  do  padre  Gonçalo Mororó, 
coronel  João  de  Andrade,  Francisco  Ibiapina,  major  Luiz 
de  Azevedo,  Feliciano  Carapinima.  — Biographia  do  revo- 


índice  analytico  581 


Pags. 
lucionario  portuguezjoào  Guilherme  RatclifF,  enforcado, 
no  Rio  de  Janeiro,  com  o  maltez  João  Metrowich  e  o  per- 
nambucano Joaquim  da  Silva  Loureiro. 

EM   NOTAS 

Filhos  de  Pedro  I  e  Domitilia.  —  Satyra  de  José  Bonifácio 
contra  a  dissolução  da  assembléa geral.  — Trabalhos  lite- 
rários de  frei  Caneca.  —  Data  do  fuzilamento  do  coronel 
Pessoa  Anta,  padre  Mororó  e  Carapinima.  —  Publicação 
em  que  se  encontra  o  processo  Ratcíiff.  — Onde  foram  en- 
forcados Ratcliff  e  seus  companheiros  :  equivoco  de  Esqui- 
ros  (dr.  Alfredo  Moreira  Pinto).  — D.  Pedro  I  e  Domitilia 
por  occasião  do  encerramento  da  assembléa  geral.  —  Bio- 
graphia  de  d.  Demithildes  de  Castro  Canto  e  Mello,  mar- 
queza  de, Santos 157 

CAPITULO  XXVI 

A  esquadra  imperial  na  Confederação  do  Equador,  —  Lord 
Cochrane  no  Maranhão;  o  irregular  pagamento  de  seus 
honorários;  sua  retirada  para  a  Inglaterra. —O  illegal 
pagamento  da  independência  do  Brazil  a  Portugal,  por 
mediação  da  Inglaterra. — A  proclamação  da  independência 
da  Provinda  Cisplatina,  convertida  em  Província  Oriental 
do  Rio  da  Praia  e,  mais  tarde,  em  Republica  Oriental  do 
Uruguay. — Combates  do  Rincão  das  Gallinhas  e  do 
Sarandy. — Combates  navaes  no  Rio  da  Prata.  — O  general 
Felisberto  Caldeira  Brant  Pontes  (inarquez  de  Barbacena) ; 
plano  d  'este  commandante  em  chefe  das  forças  brazileiras 
no  Rio  Grande  do  Sul. — A  batalha  de  Ituzaingo. — 
O  barão  do  Cerro  Largo.  —  Altitude  neutra  de  Bento 
Manoel  Ribeiro. — Estatistica  da  batalha  de  Ituzaingo.  — 
Opiniões  pró  e  contra  o  marquez  de  Barbacena  n^estií 
batalha :  sua  rehabilitaçâo  histórica ;  referencia  de  £una- 


582  índice  analytico 


Pags. 
pio  Deiró.  —  Tratados  commerciaes.— Fundação  de  facul- 
dades   de  direito ;   augmento  das  escolas   primarias.  — 
Revolta  de  corpos  irlandezeg  e  allemães  no  Rio  de  Janeiro. 

EM   NOTAS 

Acta  da  independência  da  Provincia  Oriental  do  Rio  da 
Prata.  —  Documentos  sobre  a  morte  heróica  do  coronel 
rio-grandense  José  Luiz  Menna  Barretto.  —Biographia  do 
marquez  de  Barbacena. — Opinião  do  escriptor  allemâo 
Carlos  Seidler  sobre  o  fallecimento  da  imperatriz  Maria 
Leopoldina.  —  Biographia  do  general  José  de  Abreu, 
barão  do  Cerro  Largo. — Conselho  de  guerra  do  coronel 
Thomé  Madeira. — Commentarios  sobre  a  ausência  de 
Bento  Manoel  na  batalha  de  Ituzaingo. — Opinião  do 
coronel  allemão  Seweloch.— Apontamento  sobre  o  esta- 
dista Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos. — Opiniões  cita- 
das por  Pereira  da  Silva  sobre  os  desastres  das  tropas  no 
sul.  —  As  commissões  do  .marquez  de  Barbacena  na 
Europa,  em  relação  a  D.  Maria  da  Gloria,  rainha  de 
Portugal,  e  á  segunda  esposa  do  imperador,  D.  Amélia  de 
Leuchtenberg.  —  Carta  de  apreço  de  D.  Pedro  I  ao 
marquez  de  Barbacena.  —  Apontamento  sobre  a  imperatriz 
D.  Amélia.  —  Creaçào  da  Ordem  de  Pedro  I. 197 

CAPITULO  XXVII 

A  imprensa  brazileira  em  1828.  —  Fundação  áo  Jornal  do 
CommerciOy  do  Rio  de  Janeiro. — A  Aurora  Fluminense y  de 
Evaristo  Ferreira  da  Veiga.  —  Levantamento  de  escravos 
na  Bahia;  combate  em  Pirajá. — Partida  de  D.  Maria  da 
Gloria  para  a  Europa.  —A  reclamação  do  contra-almirante 
francez  barão  de  Roussin.— -Rebellião  em  Pernambuco.  — 
Creaçào  de  Commissões  Militares  em  doze  provincias. — 
Protestos  dos  deputados  Xavier  de  Carvalho,  HoUanda 


índice  analytico  583 


Pags. 
Cavalcanti,  Ferreira  França,  padre  Custodio  Dias,  Limpo 
de  Abreu,  Bernardo  de  Vasconcellos,  Cunha  Mattos,  Lino 
Coutinho  e  Odorico  Mendes  contra  as  Commissões  Mili- 
tares.—'DennnQidi  contra  os  ministros  da  justiça  e  da 
guerra. — O  lacónico  encerramento  da  Camará  pelo  impe- 
rador. 

EM   NOTAS 

O  Jornal  do  Commcrcio  do  Rio  de  Janeiro,  actualmente.  — 
Biographia  de  Evaristo  Ferreira  da  Veiga. —Aponta- 
mento do  barão  do  Rio  Branco  sobre  a  reclamação 
Roussin.  —  Onde  se  encontra  a  convenção  para  paga- 
mento da  reclamação  Roussin. — Biographia  do  illustre  . 
maranhense  Manoel  Odorico  Mendes 237 

CAPITULO  XXVIII 

Usurpação  do  throno  de  Portugal  por  D.  Miguel  de 
Bragança,  irmão  de  D.  Pedro  I.  — Attitude  do  monarcha 
brazileiro.  —  Critica  de  Evaristo  da  Veiga  contra  a 
profusão  de  titulos  de  nobreza. — Volta  de  José  Bonifácio 
do  desterro.  —  D.  Pedro  e  seus  conselheiros  privados.  — 
Acintosa  demissão  do  marquez  de  Barbacena  do  cargo  de 
ministro  da  fazenda;  justificação  d'evSte  illustre  titular  e 
sua  carta  de  acres  recriminações  ao  imperador.  —  Aponta- 
mentos sobre  o  jornalista  italiano  João  Baptista  Libero 
Badaró,  assassinado  em  S.  Paulo.  —D.  Pedro  ea  imprensa 
fluminense,  dirigida  por  Evaristo  da  Veiga.  —  Visita  do 
imperador  a  Minas  Geraes.  —  Frieza  dos  mineiros.  —  Re- 
gresso do  imperante  a  11  de  Março  de  1831.— AW/r  das 
garrafadas.  —  Representação  enérgica,  redigida  por  Eva- 
risto da  Veiga,  contra  os  distúrbios  dos  luzitanos.  — 
Acintosa  mudança  do  ministério. 

74  TOM.  11 


584  índice  analytico 


EM   NOTAS 


Pag». 


Apontamento  sobre  a  morte  de  D.  João  VI.  —D.  Pedro  I,  rei 
de  Portugal  e  imperador  do  Brazil.  -—Apontamento  extra- 
hido  do  Annuar  Register,  do  anno  de  1829,  sobre  os  pre- 
juisos  causados  pela  revolução  absolutista  de  D.  Miguel. 
Quando  findou  a  guerra  civil  portugneza.— Apontamento 
do  conselheiro  Drummond  sobre  os  creados  do  paço, 
Íntimos  do  imperador. — A  compra  da  independência  do 
Brazil  por  dois  milhões  de  libras  esterlinas.  —  O  folheto 
do  escriptor  Pedro  Chapuis  sobre  esta  transacção :  depor- 
tação de  Chapuis.  —  Como  era  conhecida  a  caixa  de  paga- 
mentos effectuados  em  I/>ndres.  —  Sobre  D.  Aífonso  VI.- 
Apontamento  sobre  o  rio-grandense  dr.  Pedro  Rodrigues 
Fernandes  Chaves.  —  Periódicos  fluminenses  do  anno 
de  1830 257 

V 

CAPITULO    XXIX 

Assassinato  do  visconde  de  Camamá,  na  Bahia.  —  A  revo-. 
lução  no  Rio  de  Janeiro  a  6  e  7  de  Abril  de  1831  contra  o 
novo  ministério.  — A  abdicação  de  D.  Pedro  e  sua  partida 
para  Portugal. — Cartas  do  ex-imperador  D.  Pedro  a  José 
Bonifácio  e  ao  infante  D.  Pedro,  e  da  ex-imperatriz 
D.  Amélia  ao  mesmo  infante.  —  Carta  de  despedida  de 
D.  Pedro  a  seus  amigos. — Reconhecimento  dos  grandes 
serviços  prestados  por  D.  Pedro  ao  Brazil  e  a  Portugal. 

EM   NOTAS 

Biographia  do  senador  Nicolau  Vergueiro  Pereira  de 
Campos.  — Apontamentos  sobre  os  filhos  de  D.  Pedro  I  — 
Apontamentos  sobre  a  familia  de  D.  Marianna  Carlota  de 
Vema  Magalhães  Coutinho,  mãe  de  creação  de  D.  Pedro  II. 
—  Biographia   de   D.    Pedro   I. --Descripçào  da  estatua 


índice  analytico  585 


Pags. 
equestre  consagrada  á  memoria  do  primeiro  imperador. — 
Homenagem  poética  de  José  Bonifácio  (sobrinho  do  patri- 
archa)  a  D.  Pedro  I 281 

CAPITULO   XXX 

Governo  regencial :  marquez  de  Caravellas,  general  Fran- 
cisco de  Lima  e  Silva  e  Nicolau  Pereira  de  Campos  Ver- 
#gueiro. — Regência  trina  permanente:  general  Francisco 
de  Lima  e  Silva,  marquez  de  Monte  Alegre  e  João  Braulio 
Moniz. — O  ministro  da  justiça,  padre  Diogo  António 
Feijó.  —  Revolta  do  corpo   de  artilheria  de  marinha,   na 

.  ilha  das  Cobras.  — Consequências  da  abdicação  de  D.  Pe- 
dro I.  — Motim  no  Pará :  o  revolucionário  cónego  Baptista. 
Commandante  das  armas  Pedro  Vinagre:  assassinato  do 
presidente  Félix  Malcher.  O  marechal  Manoel  Jorge  Ro- 
drigues e  o  brigadeiro  Soares  de  Andréa.  — Motim  no 
Maranhão:  marquez  de  Sapucahy,  revolucionário  António 
João  Damasceno. — Motim  no' Ceará :  o  revolucionário  Joa- 
quim Pinto  Madeira,  o  general  Pedro  Labatut,  fuzilamento 
de  Pinto  Madeira.  Reprehensào  áç  presidente,  padre  Alen- 
car, contra  o  juiz  de  direito  José  Victoriano  Maciel. — 
Motim  em  Pernambuco:  2i  Setembrizada,  Os  revolucioná- 
rios, tenente-coronel  Francisco  José  Martins  e  major  José 
Meyer.  A  guerra  AosS^àatios.  —  Motim  na  Bahia:  depo- 
sição do  commandante  das  armas,  marechal  Callado,  per- 
segtiição  contra  portuguezes.  Revolta  na  cidade  deS.  Félix 
e  no  forte  de  S.  Marcello.— Sedição  militar  em  Minas- 
Geraes:  deposição  do  vice-presidente  Bernardo  Pereira 
de  Vasconcellos. —  Motins  no  Kspirito-Santo,  Santa  Catha- 
rina  e  Matto-Grosso. 

KM   NOTAS 

Periódicos  fluminenses  no  anno  de  183  r.  —  Apontamento  do 
dr.  Américo  Braziliense  sobre  o  assassinato  de  Malcher,  no 


586  índice  analytico 


Pa«8. 
Pará. — Apontamento  do  major  Joáo  Erigido  dos  Santos 
sobre  a  morte  de  Pinto  Madeira,  no  Ceará 299 

CAPITULO  XXXI 

Sedição  militar  no  Rio  de  Janeiro  a  3  de  Abril  de  J832  :  os 
partidos  restaurador,  moderado  e  exaltado.  O  major  Miguel 
de  Frias  e  Vasconcellos,  O  major  Luiz  Alves  de  Lima  e 
Silva. — Accusação  contra  José  Bonifácio,  como  restau- 
rador ;  suspensão  do  patriarcha  da  independência  de  tutor 
do  infante  D.  Pedro. — Dissolução  violenta  da  Sociedade 
Militar.  —  Reacção  contra  os  restauradores  ou  caramurús. 

—  Fallecimento  de  José  Bonifácio.  —O  Acto  Addicional.  — 
Fallecimento  de  D.  Pedro  I.  — O  regente,  padre  Feijó. 

EM   NOTAS 

Alcunhas  dos  revolucionários.  —  Periódicos  fluminenses  no 
anno  de  1833.  —  Biographia  de  José  Bonifácio 329 

1 

CAPITULO  XXXII 

A  guerra  dos  Farrapos  ou  rio-grandense,  de  1835.  —  Prin- 
cipaes  causas.  — Presidentes  Manoel  António  Galvão,  José 
Mariani,  Fernandes  Braga,  Araújo  Ribeiro.  —  O  revolu- 
cionário italiano  Tito  l^ivio  de  Zambicari.  —  A  Sociedade 
Militar.  —  Majores  Joáo  Manoel  de  Lima  e  Silva  e  José 
Marianno  de  Mattos.  —  Chefe  revolucionário  Bento  Gon- 
çalves da  Silva.  — Dr.  Pedro  Rodrigues  Fernandes  Chaves. 

—  Attentados  em  Rio  Pardo.  —  Capitão  José  Gomes  de 
Vasconcellos  Jardim.  —  Coronel  Onofre  Pires.  —-José  Igna- 
cio  da  Silva  (Jucá  Ourives). — Assassinato  de  Vicente 
Ferrer.  —  Manifesto  de  Bento  Gonçalves.  — Os  legaes  Ma- 
noel Marques  de  Souza  (depois  conde  de  Porto  Alegre)  e 
tenente-coronel  da  guarda  nacional  João  da  Silva  Tavares, 
mais  tarde  barão  do  Cerro  Alegre.  —  Passagem  do  farrapo 


índice  analytico  587 


Pags. 
Bento  Manoel  para  a  legalidade :  sua  ordem  do  dia  contra 
os  revolucionários.  Divisão  do  Rio  Grande  do  Sul  em  dois 
governos.  —  Prisão  de  Manoel  Marques  de  Souza.  —  Assas- 
sinato do  coronel  de  milicias  Albano  de  Oliveira  Bueno. 

—  Diversos  combates.  —  Restauração  da  cidade  de  Porto 
Alegre.  —  Proclamação  da  Republica  Rio-Grandense,— 
Combate  da  ilha  do  Fanfa.— Prisão  de  Bento  Gonçalves, 
Onofre  Pires,  Corte  Real,  Zambicari  e  outros.  —  A ttitude 
de  Pedro  Boticário  perante  a  Sociedade  Militar,  —  O  coronel 
farrapo  António  de  Souza  Netto. 

EM   NOTAS 

Versos  populares  contra  brazileiros,  contra  portuguezes  e 
contra  farrapos. — Apontamento  sobre  o  revolucionário, 
padre  José  António  Caldas.  — Sobre  o  eminente  professor, 
gloria  do  magistério  rio-grandense,  Fernando  Ferreira 
Gomes. — Sobre  o  visconde  de  Camamú.'-Art.  26  da  re- 
forma constitucional  sobre  a  eleição  de  um  regente. — 
Biograpliia  do  dr.  José  de  Araújo  Ribeiro,  visconde  do 
Rio  Gfande. — Opinião  do  dr.  Sylvio  Roméro  sobre  a  obra 
intitulada  O  Fim  da  Creação,  de  Araújo  Ribeiro. —Biogra- 
phia  do  professor  António  Alvares  Pereira  Coruja.  — Perió- 
dicos yízrríi^^?^  e  caramurús. — Opiniões  do  major  Lobo 
Barretto,  Alencar  Araripe,  Assis  Brazil  e  Fernando  Osório 
sobre  a  morte  do  coronel  Albano  de  Oliveira  Bueno.  — 
Satyra  contra  o  coronel  João  Manoel  de  Lima  e  Silva.  — 
O  soneto  7  de  Setembro^  de  Félix  da  Cunha.— Documento 
sobre  a  capitulação  dos  farrapos  na  ilha  do  Fanfa 353 

CAPITULO  XXXIII 

Proclamação  do  presidente  legal,  dr.  José  de  Araújo  Ribeiro. 

—  Proclamação  do  coronel  revolucionário  António  de  Souza 
Netto,  após  a  derrota  dos  farrapos  na  ilha  do  Fanfa.  — 
Inauguração  da  Republica  Rio-Grandense  em  Piratiny.— 


588  índice  analyticx) 


Pags. 
O  ministro  da  fazenda  Domingos  José  de  Almeida.  — Re- 
gresso de  Bento  Manoel  para  os  farrapos.  —  Prisão  do 
presidente  legal  Antero  de  Britto  por  Bento  Manoel.  — 
Projectos  de  paz.  —  Tomada  de  Caçapava  pelos  revolucio- 
nários. — Bento  Gonçalves  e  Pedro  Boticário  na  fortaleza 
da  Lage.  —  Fuga  de  Onofre  Pires  e  Affonso  Corte  Real  da 
fortaleza  de  Santa  Cruz,  no  Rio  de  Janeiro.  —  Fuga  de 
Bento  Gonçalves  do  forte  de  S.  Marcello,  na  Bahia  :  officio 
do  presidente  Francisco  de  Souza  Paraiso  e  carta  de  Bento 
Gonçalves  sobre  esta  evasão.  —  Chegada  do  revolucionário 
ao  Rio  Grande  do  Sul. —  A  tomada  da  Laguna  (Santa 
Catharina ) :  José  Garibaldi,  marechal  Soares  de  Andréa. 
Uma  carta  de  José  Garibaldi. — Victorias  dos  revolucio- 
nários. —  Hymnos  farrapos.  —Assassinato  de  João  Manoel 
de  Lima  e  Silva  :  homenagem  a  seus  restos. 

EM   NOTAS 

Critica  da  Gazeta  Mercantil  de  Porto  Alegre  a  dois  chefes 
revolucionários.  —  Forma  do  escudo  republicano.  —  Saty.- 
ras  contra  Bento  Manoel  e  contra  António  Netto.  —  Pala- 
vras do  padre  António  Feijó  sobre  a  entrega  da  regência 
ao  ministro  do  império  Pedro  de  Araújo  Lima.  —  Penas 
aos  commandantes  da  fortaleza  de  S.  Marcello.  —  Aponta- 
mentos prestados  por  Joaquim  Gonçalves  da  Silva  sobre 
a  evasão  de  seu  pae  Bento  Gonçalves,  da  fortaleza  de  S. 
Marcello. — Apontamentos  sobre  o  casamento  e  bravura 
da  catharinense  Annita  Garibaldi.  —  Sobre  o  appellido 
Moringue,  dado  a  Francisco  Pedro  de  Abreu,  chefe  legal. 
—  Lenços  emblemáticos  da  Republica  Rio-Grandense.  — 
Biographia  do  revolucionário  João  Manoel  de  Lima  e 
Silva 409 


índice  analytico  589 


Pags. 
CAPITULO  XXXI V 

Novo  presidente,  dr.  Saturnino  de  Souza  Oliveira.  —  Com- 
bate de  Taquary.  —  Morte  do  coronel  Affonso  José  de 
Almeida  Corte  Real.  —  Combate  de  S.  José  do  Norte.— 
O  presidente,  marechal  Francisco  José  de  Souza  Soares  de 
Andréa.  —  Intervenção  do  dr.  Francisco  Alvares  Machado, 
como  pacificador.  —  O  general  Pedro  Labatut.  —  David 
Canabarro.  —  O  general  João  Paulo.  —  O  coronel  Fran- 
cisco Pedro  de  Abreu  (vulgarmente  Chico  Pedro  ou 
Moringue), — Proclamação  do  barão  de  Caxias  aos  rio- 
grandenses.  —  Os  54  deputados  á  assembléa  geral  consti- 
tuinte da  Republica  Rio-Grandense.  -—Fala  de  Bento  Gon- 
çalves.— Traços  geraes  da  Constituição  Rio-Grandense. 

EM    NOTAS 

A  morte  de  Corte  Real :  apontamentos  sobre  este  heróe  rio- 
grandense.  —  Curiosos  despachos  do  general  Soares  de 
Andréa. — Noticia  do  periódico  ^wrrto//(7 465 

CAPITULO  XXXV 

Operações  militares  do  barão  de  Caxias  no  Rio  Grande  do 
Sul  — Assassinato  do  revolucionário  António  Paulo  da 
Fontoura.  —  Combate  de  Poncho  l^enie.  —  O  brigadeiro 
Francisco  de  Arruda  Camera.  —  Morte  de  Onofre  Pires  em 
duello  com  Bento  Gonçalves.  —  Combate  -do  cerro  da 
Palma. — Combate  ou  surpresa  de  Porongos. — As  seis 
honrosas  condições  de  paz.  — Proclamações  dos  generaes 
David  Canabarro  e  barão  de  Caxias.  —  Homenagens  ao 
revolucionário  Bento  Gonçalves  da  Silva,  na  villa  do 
Triumpho  e  na  cidade  do  Rio  Grande. 


590  índice  analytico 


EM  NOTAS 


PafiTB. 


O  coronel  Raphael  Tobias  de  Aguiar  e  a  marqueza  de  San- 
tos.—Carta  do  barão  de  Caxias  ao  ministro  da  guerra 
sobre  Bento  Manoel.  —  Onde  fica  o  arroio  Poncho  Verde. 
Elogio  de  Caxias  a  vários  ofHciaes  que  combateram  em 
Poncho  Verde.  —  Fuga  do  ministro  farrapo  Domingos  José 
de  Almeida.  —  Supposta  causa  do  desastre  da  batalha  de 
Porongos. — Opinião  de  Caxias  sobre  o  caracter  de  Fru- 
ctuoso  Rivera.  —  Apontamentos  do  escriptor  Virgílio 
Várzea  sobre  os  dotes  physicos  de  Bento  Gonçalves.  .   .   .  495 

CAPITULO  XXXVI 

A  Sabinada  ou  guerra  civil,  bahiana,  a  7  de  Novembro  de 
1837. — Chefes  revolucionários:  João  Carneiro  da  Silva 
Rego,  presidente;  dr.  Francisco  Sabino  Alvares  da  Rocha 
Vieira,  secretario ;  dr.  Luiz  António  Barl)Osa  de  Almeida, 
vereador;  major  Sérgio  José  Velloso,  commandante  das 
forças.  —  Auctoridades  legaes :  dr.  Francisco  de  Souza 
Paraíso,  presidente  ;  tenente-coronel  Luiz  da  Fraftça  Pinto 
Garcez,  commandante  das  armas  e  dr.  Francisco  Gonçal- 
ves Martins  (depois  barão  de  S.  Lourenço),  chefe  de 
policia. — Actas  das  sessões  de  7  e  11  de  Novembro  de 
1837.  —  Proclamação  do  presidente  Francisco  Paraiso  aos 
bahianos.  — Tenente-coronel  Alexandre  Gomes  de  Argollo 
Ferrão,  posteriormente  barão  de  Cajahyba.  — Vice-presi- 
dente Honorato  Paim.  —  O  revoltoso  Manoel  Tupinambá 
na  ilha  de  Itapariòa. — Proclamação  legal  em  Itaparica. 
—  Concentração  de  forças  em  Santo  Amaro,  Cachoeira  e 
I  Pirajá.  —  A  honradez  do  thesoureiro  Manoel  José  de  Al- 
\  meida  Couto.  —  A  attitude  do  dr.  António  Simões  da 
Silva,  juiz  de  direito.  —  O  presidente  António  Pereira  Bar- 
retto  Pedroso.  — Tenente-coronel  José  Joaquim  Coelho. — 
O  ministério  revolucionário.  —  O  assedio  da  capital.—  O 


'  íl  INDICK   ANALYTICO  59I 


y 


Pags. 
capitáo-tenente  Joaquim  José  Ignacio,  depois  visconde  de 
Inhaúma.  —  O  marechal  Chtysostomo  Callado.  —  Major 
Carlos  César  Burlamaqui,  i.°  tenente  da  armada  Benja- 
min Carneiro. — Coronel  José  de  Sá. — O  incêndio  na 
capital.  —  Capitulação  dos  revoltosos.  —  Prisão  dos  chefes 
revolucionários. — Sentença  contra  o  dr.  Sabino  Vieira. — 
Auto  de  exhiimação  dos  ossos  d 'este  revolucionário  para 
serem  conservados  no  histUuto  Geographico  e  Histórico  da 
Bahia. — Elogio  do  dr.  Sabino  Vieira  produzido  pelo 
dr.  Sacramento  Blake  no  histituto  Histórico  e  Geographico 
do  Brazil.  —  Proclamação  do  presidente  Barretto  Pedroso 
aos  bahianos.  —  Testemunho  de  reconhecimento  da  Bahia 
ao  marechal  Callado  e  ao  presidente  de  Pernambuco.  — 
Julgamento  da  Sabinada  á  luz  dos  documentos. 

KM    NOTAS 

Cidadãos  que  escreveram  sobre  a  Sabinada.  —  Alcunhas  dos 
rebeldes  e  dos  legaes.  —  Apontamento  sobre  o  marechal 
de  campo  Alexandre  Gomes  de  ArgoUo  Ferrão.  — Princi- 
paes  promotores  da  Sabi fiada.  —  Assassinato  do  alferes 
Moreira  pelo  dr.  Sabino:  absolvição  doeste  illustre  me- 
dico e  democrata.  —  Apontamentos  biographicos  sobre  o 
dr.  Francisco  Gonçalves  Martins ;  arcebispo  D.  Romualdo 
António  de  Seixas,  marquez  de  Santa  Cruz;  Joaquim  José 
Ignacio,  visconde  de  Inhaúma  e  dr.  Sacramento  Blake.  — 
Arrombamento  de  cofres  públicos  pelos  rebeldes.  —  Apon- 
tamento biographico  sobre  o  marechal  Callado 539