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Full text of "Memoria sobre a absoluta necessidade, que ha, de nitreiras nacionaes para a independencia e defensa dos Estados com a descripção da origem, actual estado, e vantagens da Real Nitreira Artificial de Braço de Prata: : lida na Secção pública da Sociedade Real Maritima, Militar, e Geografica de 19 de janeiro de 1802 pelo socio Manoel Jacinto Nogueira da Gama ."

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MEMORIA 

SOBRE 

A  .bíoluta  n«e«!dade,  que  ha  ,  de  Nltrelr.^  nacío„,n  puu 
a  independência  e  defensa  dos  Estados 

COMA 

Descrlpção  da  origem,  actual  estado,  e  vantagem 

D  A 

REAL  NITREIRA  ARTIFICIAL 

D   E 

BRAÇO   DE   PRATA: 

Lida  na  Secção  pública  da  Sociedade  Real  Marítima , 
Militar,  c  Geográfica  de  ip  de  Janeiro  de  1802 

PELO     SOGIO 

MANOEL  JACINTO  NOGUEIRA  DA  GAMA 

Tenente  Coro.ef  do  Real  Corpo  ,e  Engenheiros ,  Inspector  Geral 
das  Nareiras,  e  FaWica  de  Pólvora  ia  Capitania  de  Mi. 
.1!^'.^'''^' '  ■  ^'P^i^Ao  ,  e  Escrivão  da  Junta  da 
Reaí  Fazenda  da  mesma  Capitania. 


LISBOA.    M.DCCC.m. 

NA    IMPRESSÃO    REGIA. 
POR  ORDEM  SUPERIOR, 


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JL  ArecerÁ  impróprio ,  que  eu  haja  de  tratar 
da  Real  Nitreira  Artificial  de  Braço  de  Prata 
neste  respeitável  Congresso  ,  particularmente 
destinado  ao  Desenho ,  Gravura ,  e  Impressão 
das  Cartas  Hjdrograficas ,  Geográficas ,  e  Mi- 
litares. Observardes  Astronómicas  ,  e  resolu- 
ções, de  problemas  Fysico-Mathematicos  ,  que 
■digáo  respeito  ao  conhecimento  da  posição  dos 
differentes  pontos  do  nosso  Globo  :  melhora- 
mentos de  instrumentos  destinados  não  somente 
ás  observações  Astronómicas  feitas  em  terra, 
ou  sobre  o  mar  ,  mas  também  á  perfeição  da 
Gravura ,  e  Impressão  das  Cartas  :  propostas , 
€  descripçóes  dos  instrumentos ,  que  devem  ser 
com  preferencia  empregados  nos  trabalhos  Geo- 
désicos :  planos  da  ordem  ,  e  individuação , 
com  que  s  e  devem  fazer  todos  os  trabalhos 
re  spectivos  ao  conhecimento  ,  e  determinação 
dos  pontos,  ao  Desenho,  Gravura  ,  e  Impres- 
são das  sobreditas  Cartas  ,  são  com  effeito  os 

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objectos  próprios  desta  Real  Sociedade ,  e  que 
com  preferencia  devem  merecer  o  cuidado  de 
cada  hum  dos  seus  Membros.  Com  tudo  á 
huma  Sociedade  de  homens  de  Letras  ,  e  de 
Patrióticos :  á  huma  Sociedade ,  que  como  esta  , 
tem  por  ultimo  resultado  do  seu  objecto  a  se- 
gurança da  Marinha  Real ,  e  Mercante ,  o  seu 
augmento  ,  o.  augmento  da  industria  ,  e  do 
commercio  ^  a  defensa  do  Estado ,  e  a  gloria 
da  sua  Nação ,  de  algum  modo  pertence  todo , 
e  qualquer  objecto  ,  que  possa  conspirar  aos 
mesmos  fins.  Tal  he  seguramente  o  voto  desta 
sábia  ,  e  respeitável  Corporação  sobejamente 
demonstrado  pela  benevolência  ,  e  pelo  acolhi- 
mento ,  com  que  tem  recebido  muitos  traba- 
lhos ,  de  que  se  tem  dado  conta  neste  mesmo 
lugar  ,  não  obstante  parecerem  alheios  da  sua 
Instituição. 

Outras  razoes  me  deliberarão  também  á 
tarefa,  que  me  proponho. 

Tendo  satisfeito  a  todos  os  trabalhos  , 
que  de  ordem  desta  Real  Sociedade  me  tem 
sido  incumbidos  ,  ainda  não  appareceo  o  meu 
nome  nas  listas  até  agora  publicadas  das  Me- 
morias apresentadas  pelos   seus  Sócios  3  quer 


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sobre  objectos  mediata  ,   ou  im mediatamente 
pertencentes  á  sua  Instituirão,  quer  sobre  obje- 
ctos  a  eJJa  estraniios  :   e  sendo  estes   os  traba- 
liios ,   que  mais  se  tem  prezado ,   e  com  tanta 
maior  razão,  por  serem  voluntários  ,   servindo 
por  isso   de  indubitável   prova   da  appiicação 
e  dos  esforços  ,   que   os  seus  Autliores   fazem' 
por  cooperarem  para  a  gloria ,   e  credito  desta 
Real  Sociedade,    devo  expor  os  motivos,  que 
me  tem  desviado   de  liuma  semelhante  empre- 
sa  :   nenhuma  outra  maneira  tenho  para  o  fa- 
zer ,   do  que  dando  a  descripção  da  Real  Ni- 
treira  Artificial  ,   que  por  ordem  superior  me 
foi  mcumbida  ,  pois  que  delia  naturalmente  se 
poderá  concluir  ,   que  satisfazendo  ás  obriga- 
ções de  Lente   da  Real   Academia   da  Mari- 
nha ,   satisfazendo  as   commissoes   desta  Real 
Sociedade  ,   e  satisfazendo  aos  trabalhos  ,   que 
exigia  o  estabelecimento   daquella  Real  Fabri- 
ca ,  cuja  direcção   me  foi  confiada  ,   nenhum 
tempo   me  poderia   sobrar  para   trabalhos   de 
minha  escolha,  ainda  que  por  isso,  e  por  vo- 
luntários ser-me-hião  mais  agradáveis,  ou  mais 
bem  tratados. 

Outra  razão  nao  menos  imperiosa  me  de- 


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liberou   a  entreter   a  attencão   desta  Sociedade. 
Tendo   de  ausentar-me    para   a  Capitania   de 
Minas  Geraes  a  exercer  os  diversos  empregos, 
que  o  Nosso  Augusto  Principe ,  e  Senhor  pela 
sua  Real  Beneficência  se  dignou  confiar  de  mim, 
era   do  meu   capricho   o  dar  exacta  conta  do 
resultado  da  commissao  do  Real  Serviço,  que 
me  foi  encarregada :  era  do  meu  amor,  e  res- 
peito   pela  Gloria  do  nosso  Augusto  Soberano 
o  patentear  áface  de  toda  a  Europa,  eotrans- 
mittir  á  posteridade  mais  huma  prova  dos  seus 
paternaes  cuidados,  e  das  suas  iíluminadas  idéas 
a  beneficio  de  todos  os  seus  venturosos  Vassal- 
los.    E  que  meio  mais  apropriado  para  satisfa- 
zer a  todos  estes  fins,  do  que  aquelle,  que  es- 
colhi.   Procurando   a   approvaçao   desta   sábia 
Corporação,  e sendo  porella  correcto,  e  emen- 
dado este  meu  trabalho  ,   seguramente  poderá 
correr  a  Europa  ,   e  levar  á  posteridade  mais 
huma  das  immensas  provas  dos  benefícios ,  que 
aNaçáo    Portugueza    deve    ao    seu   Augusto 
Principe ,  e  Senhor. 

Por  tanto  passo  ao  meu  objecto  ,   que  di- 
vidirei em  três  Secções. 

íía  primçira  exporei  a  absoluta  necessida- 


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de,  que  toda  a  Nação  tem  de  Salitre,  o  qual 
deve  merecer  hum  dos  seus  príncipaes  cuida- 
dos. 

Darei  noticia  das  Feitorias  de  Salitre ,  que 
houve  em  Portugal  ,  c  das  descubertas  ,  que 
deste  se  fizerao  nas  nossas  Possessões  Ultrama- 
rinas, em  consequência  das  ordens  de  Sua  Al- 
teza Real ,  expedidas  pela  Secretaria  de  Estado 
dos  Negócios  da  Marinha ,  e  Domínios  Ultra- 
marinos. 

Na  segunda  darei  a  descripçao  da  Real 
Nitreira  Artificial  de  Braço  de  Prata. 

Na  terceira  exporei  o  seu  producto  ,  o 
seu  actual  lucro ,  e  o  augmento ,  que  se  deve 
-esperar  :  terminando  com  algumas  proposições 
■relativas  ao  estabelecimento  de  outi-as  Nitreí- 
'tãs,  e  á  sua  propagação.       ^ 


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_  E  o  Soberano  ,   que  conhece  a  influencia 
da  agricultura ,   das  manufacturas ,   e  do  com- 
mercio  no  augmento  da  população  ,  na  força 
dos  seus  Estados ,  na  riqueza ,  e  independência 
dos  seus  Vassallos  j   incessantemente  se  entrega 
ao  cuidado  de  os  elevar  ao  maior  gráo  de  per- 
feição :  Se  os  estabelecimentos  públicos  destina- 
dos á  pública  instrucçâo  merecem  o  mais  vigi- 
lante cuidado  do  Estado  ,    pela  grande  depen- 
dência ,  que  delles  tem :  Se  a  construcção  das 
estradas ,  e  pontes ,  o  ensecamento  dos  pânta- 
nos ,  o  roteamento  dos  terrenos  incultos ,  a  dis- 
tribuição dos  baldios  ,   a  construcção   dos   ca- 
naes  navegáveis ,    e  dos  canaes  de  rega ,  a  na- 
vegação  dos  rios   merecem  a  attenção   do  So- 
berano ,  que  conhece  a  dependência ,  que  des- 
tes objectos  tem  a  agricultura  ,  as  manufactu- 
ras,  e  o  commercio :  Se  o  Soberano  persuadi- 


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■do  ,   que  as  aites ,  e  manufacturas  mulriplicao 
os  meios  de  fortuna  ,   e  concorrem  com  a  dis- 
tribuição da  riqueza  para  li  uma  melhor  repar- 
tição das  propriedades ,  cessando  a  desigualda- 
de excessiva ,    fructo  da  ignorância ,  e  da  falta 
de  industria  Nacional :  Persuadido ,  que  os  po- 
vos  mais   industriosos   sao   os  m.ais  felizes  ,   e 
poderosos ,  ou  porque  tem  dentro  do  seu  terri- 
tório tudo ,  quanto  lhes  he  necessário  na  presen- 
ça de  huma  guerra ,   ou  porque  com  a  sua  ri- 
queza   podem  comprar   mais  munições  ,    mais 
soldados  ,   forças  maritimas  ,   e  terrestes  ;    ou 
porque  podem  comprar  a  mesma  paz ;  ou  por- 
que   cora   o  seu   industrioso   trabalho   reparao 
facilmente  as  perdas ,  que  experimentarão :  em 
Jiuma  palavra  :    Se  o  Soberano   altamente  per- 
suadido ,   que  a  balança ,   e  o  destino  das  Na- 
ções  existe  nas  mãos  daquellas  ,   que  se  occu- 
pão   da  agricultura  ,   das  artes  ,   e  das  manu- 
facturas, procura  todos  os  meios  de  as  condu- 
zir a  este  estado ,  já  creando ,  e  sustentando  os 
estabelecimentos  públicos ,  de  que  huma  gran- 
de parte  da  Sociedade  pode  tirar  prodigiosas 
vantagens  ,   e  cujas  despezas  são  superiores   ás 
forças  dos  paiticulares  :  já  protegendo  ^   e  en- 

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chendo  de  príviíegios ,  e  isenções  diversas  Com- 
panhias destinadas  a  empresas  ,  que  se  malo- 
grarião  sem  a  reunião  de  forças  pecuniárias : 
já  animando  os  Emprehendedores  de  Fabricas  , 
e  sustentando-os  com  avultados  soccorros  ,  pa- 
ra que  possão  lutar  com  as  desavantagens  inhe- 
rentes  á  plantação  de  hum  novo  ramo  de  in- 
dustria ,  sempre  acompanhada  de  riscos  ,  in- 
certezas 5  e  considemvel  empate  de  fundos  :  já 
estabelecendo  per  si  mesmo  aquellas  artes  ,  e 
manufacturas ,  que  por  ignoradas  ,  ou  por  sum- 
inamente  dispendiosas  não  são  emprehendidas 
pelos  particulares  ,  a  quem  depois  as  cede : 
Com  quanta  razão  nao  devem  merecer  o  sei* 
particular  desvdo  ,  e  protecção  aquelles  esta- 
belecimentos ,  que  forem  necessários  para  de- 
fender o  seu  povo  das  invasões  dos  outros  pó-^ 
Xõs? 

Mas  seja  qual  fór  o  cuidado ,  e  desvelo  ^ 
que  tiver  o  Soberano  em  conservar  em  bom^ 
estado  de  disciplina  ,  e  de  instrucçâo  os  exér- 
citos ,  que  destinar  á  defensa  dos  seus  Estados : 
por  muito  grandes ,  e  avultadas  sommas  de  di- 
nheiro 5  que  consuma  na  sua  manutenção  ,  e 
preparo  ,  nãq  terá  enchido  os  deveres,  de  So- 


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berano  ,  se  não  procui^ar  todos  os  meios  de  ti- 
rar partido  da  força  militar  em  qualquer  si* 
tuação ,  em  que  se  possa  achar.  De  que  servi^ 
rá  hum  exercito  sem  armas ,  e  sem  munições » 
que  possão  disputar  em  perfeição  ,  em  nume- 
ro,  e  em  força  com  as  armas,  e  munições  do 
exercito  inimigo  ? 

Para  evitar  as  funestas  consequências ,  que 
de  huma  tal  falta  podem  resultar ,    os  Sobera- 
nos tem  estabelecido  Arsenaes  Militares  ,  onde 
se  preparão   todas  as  qualidades   de  armas  ne- 
cessárias  ao  estado   actual  da  arte   da  guerra : 
procurão  dentro  dos  seus  Dominios  as  matérias 
primeiras ,  que  servem  á  sua  construcçao  :   fa- 
■zem  provisões  superabundantes  daqueiles  géne- 
ros ,   que  Jhes  recusa   o  seu  território  ,   tendo 
sempre  em  vista  os  embaraços,  que  na  presen- 
'ça  de:iiuma  guerra  soffre  a  importação  estran- 
geira ,   muito  principalmente  dos  petrechos  de 
guerra  :   p6e  em  actividade  as  suas  minas  me- 
tallicas ,   e  procurão  com  muita  especialidade , 
e  desvelo  ter  de  sua  própria  lavra  ,   e  sem  de- 
pendência dos  Estrangeiros  o  género  ,  que  es- 
palhando invisivelmente  a  morte  ,   e  o  terror , 
põe  quasi  de  nivel  o  exercito  forte,  e  o  fraco, 

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e  decide  da  sorte  das  batalhas :  o  género ,  que 
pela  sua  falta  obrigará  a  depor  as  armas  o 
mais  respeitável  exercito  pelo  seu  numero,  pe- 
la sua  força ,  pela  sua  disciplina  ,  e  a  receber 
o  jugo  do  seu  adversário-,  por  fraco,  e  inha- 
bil  que  seja. 

Este  o  motivo  ,  por  que  o  Salitre  ,  eíe- 
mento  essencial  da  Pólvora,  tem  merecido  hum 
particular  cuidado  a  todos  os  Soberanos ,  man- 
dando examinar  attentamente  se  a  natureza  lho 
concedco  no  seu  território ,  animando  com  pré- 
mios ,  e  soccorros  pecuniários  a  extracção  do 
natural  ,  espalhando  as  luzes  necessárias  para 
se  estabelecerem.  Nltreiras  Artiíiciaes  ,  e  man- 
dando estabeleceilas  por  sua  própria  conta  ,  e- 
despeza. 

Assim  vemos  qua?i  todos  os  Estados  díí 
Europa  aprovisionados  de  Salitre  do  seu  pró- 
prio território ;  Hespanha,  França  ,  Alemanha ,. 
Suissa  ,  Turquia  ,  Prússia  ,  Rússia ,  Suécia , 
Dinamarca,  possuem  Nitreiras  em  maior,  oir. 
menor  quantidade  :  a  Ásia  abunda  muito  em 
Salitre  :  a  Africa  o  possue  ,  e  não  menos  a 
America.  Parece  que  a  natureza  a  todos  con- 
çedeo  elemento  tão  essencial  á  sua  defensa  >  e 


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quando  mesmo  pela  aspereza  do  clima  ,  e  sua 
localidade  a  algum  negasse  as  Nitre  iras  natu- 
raes  ,  descubrindo-lhe  os  processos  occultos  , 
que  seguia  na  formação  do  Salitre ,  fazendo4he 
conhecer  ,  que  as  substancias  animaes  ,  as  ve- 
getaes ,  e  a  athmosfera  encerravão  os  seus  ele- 
mentos ,  pôz  a  todos  em  estado  de  possuírem 
]ium  tão  precioso  género. 

He  certo,  que  algumas  Nações,  despre- 
zando as  Nitreiras  naturaes  ,  ou  artiíiciaes  do 
seu  território,  tem  confiado  o  aprovisionamen- 
to de  tão  essencial  género  ao  commercio,  per- 
suadidas ,  de  que  possuindo  riquezas  ,  nunca 
terão  necessidade  de  Salitre  :  he  certo ,  que  a 
barateza  deste  género  na  Província  de  Patná, 
em  Bengala ,  em  Cambaia ,  em  Paliacate ,  Cos- 
ta de  Coromandel ,  em  Barbaria ,  Tunes ,  Ar- 
gel ,  tem  feito ,  com  que  algumas  Nações  tra- 
tem o  Salitre  como  hum  género  de  commer- 
cio summamente  lucrativo,  tirando  delle  o  ne- 
cessário para  a  sua  Pólvora  ,  vendendo  o  ex- 
cedente ,  e  desprezando  as  Nitreiras  naturaes , 
ou  artificiaes  ,  unicamente  pelo  motivo  do  seu 
maior  custo.  Esta  foi  a  conducta  da  Hollanda  , 
por  algum   tempo  senhora  do  commercio  d© 


14 

Salitre  em  Bengala ,  e  de  que  a  seu  arbítrio  fi- 
xava o  preço  ás  de  mais  Nações ,  até  que  em 
1732  foi  obrigada  a  ceder  hum  terço  aos  In- 
glezes,  e  o  outro  terço  aos  Francezes  sem  lu- 
cro algum.  Tal  foi  a  França  até  a  época  da 
sua  revolução  ,  nao  obstante  que  sempre  con- 
servou,  procurou  augmentar  (i)  ,  e  fazer  mais 


(i)  Turgot,  célebre  Ministro  das  Finanças^  de  Luiz  XVI. , 
l>em  mostrou  o  seu  desejo  do  bem  público  ,  e  do  augmento" 
das  rendas  do  Estado  com  as  providencias ,  que  deo  a  respei- 
to da  colheita  de  Salitre  em  Franqa,  e  da  factura  da  Pólvora 
por  conta  do  Estado.  A  Companhia  encarregada  da  compra 
do  Salitre  ,  e  da  factura  da  Pólvora  ,  tirava  immenso  lucro 
deste  privilegio  exclusivo,  que  apezar  de  se  figurar  muito  in- 
teressante ao  Estado ,  lhe  fazia  huma  bem  insignificante  eco- 
nomia,  e  pezava  muito,  e  desigualmente  sobre  parte  da  Na- 
ção Fraiiceza.  A  colheita  de  Salitre  no  espaço  de  pouco  mais 
de  meio  século  tinha  descido  de  trinta  e  sinco  mil  a  dezoito 
mil  quintaes  por  anno  ,  pois  não  era  promovida  pela  Com- 
panhia ,  que  preferia  a  compra  do  Salitre  da  índia ,  que  lhe 
ficava  maií  barato ,  do  que  o  nacional ,  tendo  só  em  vista  o 
seu  interesse  sem  se  importar  ,  com  o  que  succederla  ,  se  a 
guerra  viesse  a  interceptar  a  importação  do  Salitre  estran- 
geiro. 

Turgot  augraentou  o  preço  do  Salitre  bruto ,  para  animar 
a  sua  colheita:  procurou  conhecer  os  processos  seguidos  pelas 
Nações,  que  abundavão  deste  género:  aproveitou-se  das  ex- 
periências dos  Prussianos ,  e  Suecos  :  fez  «olher ,  e  traduzir 
os  seus  methodos  1  para  05  fazer  públicos  na  França  :_  espa- 


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productívas  as  suas  Nitreiras  ;  tal  a  conducta 
dos  Inglezes ;  tal  a  nossa  tem  sido. 

Esta  conducta ,  que  tão  fatal  hia  sendo  á 
Képublica  Franceza  ,   e  que  ainda  he  seguida 
peJa  Inglaterra  ,   não  pôde  deixar  de  ser  ex- 
posta a  funestas  consequências.  Se  a  Inglaterra 
em  outro  tempo  fomentou  o  Salitre  nacional : 
se  em  1625-,  i<$2Ó,  e  1634  Carlos  L  deo  al- 
gumas providencias  a  respeito  das  Nitreiras  ar- 
tifíciaes  ,   o  seu   espirito  me  parece  mais   cir- 
cunspecto ,   e  patriótico  ,   do  que  quando  em 
1640,  abandonando  as  mesmas  Nitreiras,  per- 
mittio   a   importação  de   Pólvora  ,    e  Salitre : 
mais  constância   na  primeira  empresa  :    provi- 
dencias mais  luminosas  ,   e  apropriadas  :   pré- 
mios concedidos  aos  que  fizessem  Pólvora  com. 

ihou  por  todas  as  Pròrincias  instrucções  impressas  sobre  a  ar- 
te de  formar  Nitreiras:  deo- fundos  á  Academia  das  Jclencias, 
para  propor  hum  premio  sobre  tão  importante  matéria;  man' 
dou  pessoas  hábeis  á  índia  para  examinarem  as  causas  ,  que 
fazem  o  Salitre  tão  abundante  ,  e  tão  barato  naquelle  paiz, 
e  para  se  instruírem  no  modo  de  promover  a  sua  formação , 
e  de  se  fazer  a  sua  colheita.  Com  estas,  e  outras  providen! 
cias,  em  pouco  tempo  sublo  a  colheita  do  Salitre  de  dezoito 
toil  a  vinte  e  sete  mil  quintaes  por  anno ;  e  se  continuasse  o 
mesmo  zelo  ,  em  poucos  annos  não  somente  se  colheria  o 
necessário  ao  consumo  da  Franija,  mas  poder.se-hia  exportar,, 


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16 

Salitre  nacional  ,  como  se  concedeo  em  1730 
aos  que  a  fizessem  com  Salitre  importado ,  teriao 
certamente  produzido  o  desejado  effeito.  Fran- 
queada a  importação  do  Salitre  ,  e  Pólvora , 
permittida  a  factura  desta  a  qualquer  particu- 
lar (o  que  certamente  foi  o  resultado  das  di- 
ligencias ,  e  ambiciosas  vistas  dos  Commerci- 
antes),  qual  d elles  deixaria  de  exportar  de  Ben- 
gala todo  o  Salitre  por  hum  insignificante  pre- 
ço ?  Qual  prefereria  o  Salitre  do  seu  território , 
que  dar-lhe-hia  se  não  perda  ,  ao  menos  hum 
lucro  incomparavelmente  menor  ? 

He  certo  ,  que  até  agora  tem  havido  a- 
bundancia  de  Salitre ,  e  Pólvora  em  Inglaterra , 
a  ponto  de  repartir  com  outras  Nações ,  e  com 
summo  interesse  tão  essencial  género  :  he  cer- 
to j  que  a  superioridade  da  Marinha  Ingleza, 
actualmente  sem  rival,  pode  servir  de  garante 
sobre  a  conservação  desta  vantagem  ;  mas  as 
revoluções  politicas  abalao  os  mais  firmes  Co- 
lossos :  e  huma  vez  cortada  a  importação  do 
Salitre  ,  a  Inglaterra  receberá  a  lei  do  seu  ad- 
versário. 

O  premio  de  duzentas  libras  esterlinas 
promettido  em  1763  pela  Sociedade  destinada 


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17 
a  animar ,   e  promover  as  Artes  ,   ao  primeiro 
que   fabricasse    em  Inglaterra   dez  mil  arráteis, 
de  Salitre ,  abona  a  minha  opinião. 

Os  muitos  portos  da  França  no  Oceano , 
e  Mediterrâneo :  as  suas  respeitáveis  forças  na- 
vacs :  o  seu  gi-ande  commercio  marítimo ,  tam- 
bém  poderião  afiançar-lhe  a  acquisiçao  de  Sa- 
iitre  estrangeiro.    Com  tudo  nós  vimos  a  sua 
Marinha  destruída ,  o  seu  commercio  interrom- 
pido ,   os  seus  portos   bloqueados.    Ella  certa- 
mente deporía    as  armas  ,   se  de  todo   tivesse 
abandonado  as  suas  Nitreiras ,  se  nao  recorresse 
ao  seu  território  ,   se  não  apromptasse  de  pro- 
pría  lavra  ,   e  com  incrível  actividade   todo  o 
Salitre ,  que  lhe  foi  necessário ,  c  em  cuja  falta 
tmha  fundado  a  Inglaterra  as  maiores  esperan- 
ças da  victoria. 

Portugal ,  bem  como  a  Inglaterra ,  já  te- 
ye  Feitorías  de  Salitre.  O  Alvará  do  Senhor 
Rei  D.  João  IV.  de  26  de  Julho  de  165-4,  e 
a  Apostila  de  10  de  Março  de  16$^  (i)  ,  as- 
sim o  provão  ;  mas  talvez  seguindo  os  passos 
da  sua  antiga  alliada,   abandonou  as  Nitreiras 


ií »)    ii^eja-se  a  Copla  no  fim. 


i8 

do  seu  território  ,  á  ponto  de  que  já  delias  mo 
havia  lembrança. 

Mas  graças  aos  Paternaes  cuidados  do 
nosso  Augusto  Príncipe  e  Senhor  :  por  ordem 
sua  se  acha  estabelecida  a  Real  Nitreira  Arti- 
ficial de  Braço  de  Prata  ,  feliz  presagio  ,  de 
que  possuiremos  mais  hum  ramo  de  industria , 
e  com  elle  de  nossa  lavra ,  e  sem  dependência 
dos  Estrangeiros  o  mais  essencial  artigo  para 
a  nossa  defensa.  Altamente  persuadido  ^  de  que 
a  Agricultura,  as  Artes,  as  Manufacturas,  e 
o  Commerçio  fórmao  a  felicidade  dos  seus 
Vassallos ,  á  que  unicamente  se  consagra  ,  re- 
parte os  baldios  ,  promove  a  construcçao  das 
estradas ,  e  a  navegação  dos  rios  ;  ampara ,  e 
soceorre  os  Emprehendedores  de  Fabricas ,  lo- 
go que  por  aígum  motivo  desfallecem  ;  poe 
em  respeitável  estado  os  Arsenaes  do  Exerci- 
to,  e  Marinha  ;  tira  do  abatimento,  sustenta 
á  custa  da  Real  Fazenda  ,  e  eleva  ao  melhor 
estado,  já  pela  independência,  que  nos  dá,  já 
pelos  seus  avultados  lucros  a  Real  Cordoaria  ^ 
em  cujo  seio  se  comprehendem  muitas  Artes  > 
e .  Manufacturas ;  manda  lavrar  as  ricas  Minas 
de  Ferro  ^  e  as  de  Carvão  ,  que  se  achavâo 


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infelizmente  abandonadas  ;  detennina  a  plan- 
tação de  bosques  ;  em  huma  palavra  ,  busca 
por  todos  os  modos  a  riqueza ,  e  independência 
de  seus  Vassallos. 

Não  satisfeito  com  as  descobertas  ,  que 
cm  consequência  de  suas  Ordens   se  fizerao  de 
abundantes  Nitreiras   naturaes   em  a  Ilha  Bra- 
va, nas  Capitanias  da  Bahia,   do  Maranhão ^ 
do  Seara  (i)  ,   do  Piauhi ,  de  Minas  Gera  es  , 
de  Goiazes  ;   acautelando  com  summa  prudên- 
cia os  males  ,   que  se  poderão  seguir  da  falta 
de  hum   género  tão  necessário  ,  não  obstante 
existir   nos  seus  Domínios  ,  por  isso  que  são 
separados  pelo  mar  ,  protege ,  c  sustenta  a  Real 
Nitreira  Artificial  ,    de  cuja   direcção   tive   a 
honra  de  ser  encarregado  ,   e  de  que  passo  a 
dar  conta. 


í" 


(i)  Além  de  pequenas  porqÕei!  de  Salitre  y  que  tem  vindo 
de  diversas  Capitanias  do  Brazil,  e  de  Cabo.  Verde  ,  em  pro- 
va de  haver  nellas  este  género  tão  lecommendado  aos  Gover- 
nadores pelo  Ministro,  e  Secretario  de  Estado  da  Marinha,  e 
Domínios  Ultramarinos,  tem  já  vindo  da  Capitania  do  Seara 
%6  avrobas  e  jo  arráteis  de  Salitre  de  segunda  cozida,  preparado 
pelo  Sargento  Mór  Feijó  ,  que  se  acha  encarregado  das  Ni«. 
tí€iras  d«sta  Capitania. 


I 


C   12 


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s  E  c  q  A  O    n. 


D 


IvuLGADA  a  particular  attenção,  que  Sua 
Alteza  Real  entrou  a  dar  ao  Salitre  nos  íins 
do  anno  de  1797  ,  mandando  expedir  ordens 
pela  Secretaria  de  Estado  dos  Negócios  da 
Marinha  ,  e  Domínios  Ultramarinos  a  todos 
os  Governadores  dos  seus  vastos  Domínios , 
para  que  fizessem  as  indagações  necessárias  so 
descobrimento  de  tão  interessante  objecto  :  co- 
nhecidos os  Reaes  desejos  de  Estabelecimentos 
de  Nitreiras  Artificiaes  dentro  deste  Reino,  já 
pela  publicação ,  que  por  ordem  sua  se  fez  de 
Memorias ,  que  expunhão  os  actuaes  methodos 
de  construir  as  mesmas  Nitreiras ,  já  pela  cons- 
trucção  ,  que  pela  mesma  Secretaria  se  man- 
dou fazer  (i)  de  huma  pequena  Nitreira  Arti- 


(i)     Estas  ordens   forao  expedidas  pelo  Illustrlssirao  e  Ex- 
celieiítissimo  Senhor  D.  Kodrigo  de  Sousa  Coutinho  ,  então 


"^  ^^l^ll 


ir 
Mal ,  para  servir  de  ensaio  na  Quinta  (i)  de- 
nominada do  Arco  do  Cego  ,    e  outra  na  Ri- 
beira de  Alcântara  (2) :  Hum  Negociante  des- 
ta Cidade  combinado  com  Luiz  Thomaz  Reg- 
nault  ,   emprehendeo  estabelecer  junto  do  Poço 
do  Bispo ,  e  á  borda  do  Tejo ,  em  o  sitio  de- 
nominado Braço  de  Prata,  huma  Nitreira Arti- 
ficial, a  que  deo  principio  em  Janeiro  de  1798; 
fez  conduzir  muitos  barcos  de  terra  de  entulhos , 
€  de  lama ,  bem  como  os  resíduos  da  queima , 
,  que  soffreo  o  palácio  do  Conde  de  Valladares  ^ 
formou  dentro  de  hum  Armazém  algumas  pi- 
lhas,-ou  montes  quadrangulares,  deixando  ain- 
da grande  quantidade  de  terra  ,   e  lama  sem 
disposição ;  assentou  vinte  e  quatro  tinas  ,  para 
servirem  árega  das  pilhas,  que  fazia  com  agua 

Ministro  ,  e  Secretario  de  Estado  dos  Negócios  da  Marinha, 
«  Domínios  Ultramarinos.  Nada  tem  escapado  ás  superiores 
luzes  ,  e  ao  assinalado  patriotismo  deste  sábio  e  incançavel 
Ministro  ,  unicamente  oceupado  do  Servi<;o  de  Sua  Alteza 
Real  ,  e  de  tudo  o  que  pôde  contribuir  para  a  seg-uranqa> 
prosperidade ,  e  independência  da  Nação  Portugueza. 

{O  Debaixo  da  direcção  do  R.  P.  M.  Fr.  José  Marlanno 
da  Conceição  Veloso. 

(2)  Debaixo  da  direcção  de  João  da  Silva  Feijó  ,  que 
passou  depois  paia  a  Gapit.«im»  do  Seara. 


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11 

passada  por  iamâ  ,  de  qué  enchia  as  mesmas 
tinas  ;  e  passados  alguns  mezes ,  se  dirigio  ao 
Ministro ,  e  Secretario  de  Estado  da  Marinha. 

Em  Agosto  do  mesmo  anno ,  tendo  noti- 
cia do  bom  estado  ,  em  que  se  achava  este 
Estabelecimento  ,  me  dirigi  á  Braço  de  Prata 
cheio  de  satisfação  de  ver  peks  sábias  Provi^ 
denciás  ,  e  pelo  imperioso  exemplo  do  nosso 
Soberano  encaminhados  os  seus  Vassallos  a  em- 
presas de  tão  grande  importância  para  a  nossa 
defensa. 

Regnault ,  director  deste  estabelecimento  ^ 
me  fez  ver  as  pilhas ,  que  havia  construído ,  e 
expôz  o  methodo ,  que  tinha  seguido ,  o  qual- 
me  pareceo  conforme  aos  prineipios  Químicos , 
e  ao  que  se  acha  escrito  sobre  a  formação  de 
Nitreiras  Artificiaes  ,  e  que  já  entre  nós  era 
conhecido  ,  em  consequência  da  publicação  ^ 
que  se  havia  feito  por  ordem  do  nosso  Sobe- 
rano para  instrucção  pública.  Parecêrão-me 
com  tudo  summamente  grandes  as  pilhas  ,  e 
com  pouco  accesso  ao  ar  athmosferico  no  seu 
interior  :  pareceo-me  também  ,  que  havia  al- 
guma falta  de  substancias  animaes  ,  não  obs- 
tante as  razões  ^  que  em  contrario  me  ponde-- 


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rou  o  seu  director,  cuja  prática,  e  observação 
me  fazião  algum  pezo. 

Conduzio-me  ás  casas  da  sua  residência , 
e  mostrou-me  dous ,  ou  três  alguidares  com  al- 
gum Salitre ,  que  disse  já  ter  obtido.  Nao  sei 
expressar  o  transporte  de  alegria  ,  que  sentio 
a  minha  alma  com  avista  de  Salitre,  não  por- 
que reputasse  mjsteriosa  a  sua  formação ;  não 
porque  desconfiasse  do  bom  êxito  das  Nitrei- 
ras  Artificiaes  ;  mas  por  ser  o  primeiro ,  que 
se  me  dizia  fora  delias  obtido  em  Portugal. 

Qualquer   que  fosse  o  objecto  das  confe- 
rencias ,   que  o  Negociante,   e  Regnault  tive- 
rão  com  o  Excellentissimo  Ministro  ,   e  Secre- 
tario de  Estado  da  Marinha ,  em  14  de  Agos- 
to de  17^8  tomou  Sua  Alteza  Real  conta  des- 
te Estabelecimento ,  mandando  pagar  ao  Nego- 
ciante toda  a  despesa,  que  havia  feito,  a  qual 
era ,   segundo  a  sua  conta ,  de  997<j)p^o  reis 
ordenando  ,    que   continuasse  á  custa  da   sua 
Real  Fazenda  ,   e  fazendo-me  a  honra  de  me 
encarregar  da  Direcção  deste  Estabelecimento  ^ 
e  de  vigiar  ,   e  fiscalizar  sobre  os  interesses  da 
Real  Fazenda. 

Ficou  Regnault  no  lugar  de  Mestre  da 


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^4 
Ueal  Fabrica  ,  yencendo  diariamente  2^^400 
reis  •  e  entrou  Narciso  António  da  Silva  no 
lugar  de  Administrador ,  não  só  para  se  encar- 
regar da  parte  económica  da  mesma  Fabrica , 
assento  de  todas  ;as  despesas  ,  e  arrecadação 
dos  seus  -utensílios  ,  mas  para  se  instruir  nos 
processos  convenientes  ao  bom  êxito  das  Ni- 
treiras  Artiíiciaes  ,  de  cuja  instrucçâo  muito 
positivamente  foi  incumbido  o  sobredito  Mes- 
tre. 

A  admiração ,  que  me  causou  a  desistên- 
cia ,  que  o  Negociante ,  e  Regnault  íizerão  da 
sua  louvável  empresa  ,  se  desvaneceo  ,  logo 
que  me  disse  Regnault  ,  que  resolverão  não 
continuar  o  Estabelecimento  projectado  ,  sem 
que  Sua  Alteza  Real  lhes  concedesse  privile- 
gio exclusivo  para  fazer  Salitre  em  Portugal ; 
outro  igual  privilegio  para  fabricas  de  Potas- 
sa  ;  as  rendas  destinadas  para  a  limpeza  das 
ruas  desta  Cidade  .,  e  sua  calçada  ,  ficando  a 
ellas  obrigados ;  e  hum  empréstimo  de  250  ou 
300  mil  cruzados ,  segundo  a  minha  lembrança. 

Não  era  possivel ,  que  tão  ambiciosas  pro- 
posições fossem  acceitas  ;  ellas  provão  ,  que 
erdinariamente  os  Negociantes  só  especulâo  os 


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ineios   de  aiigmentar  conslderaveímente  a  sua 
fortuna;  que  lhes  não  importa  a  quantidade  de 
numerário,    que  saJie  da  sua  Nado  ,   para  en- 
-riquecer  as  estranhas  ;   não   se  lembrao   de  fo- 
mentar a  industria  Nacional,  senão  em  quanto 
<ÍeJla  podem  tirar  maior  lucro  ,   do  que  da  in- 
dustria Estrangeira  ;   não   se  lembrão   do  aua- 
mento  da  população  ;   não  ol hão  para  a  inde- 
pendência do  Estado;  somente  o  Supremo  Go- 
verno he  que  attende  a  estes   tão  interessantes 
objectos. 

Continuou  o  trabalho   da  Real   Nitreira ; 
forcejei  ,   quanto   pude  ,  por  aprontar  semprJ 
tudo  o  que   pedia  Regnault  ,   com   o  fim   de 
■evitar  as  desculpas  ,   que  podésse  dar  do  mão 
successo  deste  Estabelecimento  ,   tendo  sempre 
em  vista  a  conducta  de  ium  homem,  que  tal- 
vez não  quereria  se  divulgassem  tão  interessan- 
tes Estabelecimentos ,  na  certeza  de  que  o  máo 
successo   desta   Fabrica   serviria   de  estorvo   á 
plantação  de  outras ,    assim  como  já  havia  fei- 
to parar   as  duas  pequenas  Nitreiras   de  ensaio 
acima  mencionadas,  por  se  julgarem  supérfluas , 
ficando  assim  illudidas  as  sábias  vistas  do  nosso 
Augusto  Soberano,  e  os  sacríficios  da  Real  Fâ- 


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^6 

zenda.  Cresceo  a  minha  desconfiança  com  os 
mysterios ,  e  segredos  de  Regnault  ,  e  com  a 
absoluta  opposiçâo  ,  que  fez  á  instrucçáo  do 
Administrador  ,  que  tão  positivamente  lhe  ha- 
via sido  ordenada  ,  a  ponto  de  lhe  occultar  os 
seus  areometros ,  para  evitar  que  por  elles  não 
construísse  hum ,  que  projectara  para  seu  uso ; 
.cresceo  a  minha  desconfiança  peia  opposiçâo , 
que  sempre  mostrou  a  fazer-se  hum  ensaio  das 
terras  da  Nitreira  ,  para  conhecer-se  o  seu  es- 
tado ,  e  a  sua  riqueza  salitrosa  ,  não  obstante 
os  desejos  do  Excellentissimo  Inspector  deste 
Real  Estabelecimento  ,  dando  em  desculpa, 
que  a  putrefaçao  ainda  não  estava  completa, 
çern  se  lembrar  do  Salitre  ,  que  muitos  raezes 
gates  me  liavia  mostrado. 

Áttendendo  porém  ,'  a  que  sem  paciência  ,. 
e  sem  tempo  não  se  podia  obter ,  o  que  devia 
ser  obra  da  Natureza ;  que  em  todas  as  partes 
da  Europa ,  onde  havião  Estabelecimentos  des- 
ta qualidade  ,  gastarão  muito  tempo  as  terras 
novas  a  nitrificar-se  ,  suspendi  o  meu  juízo, 
até  que  tivesse  mais  sólidos  fundamentos.  Es- 
tes  com  effeito  apparecêrao   (  I  )  por  occasiao 

(i)    Persuadido  Regnault  de  ter  acabado  a  sua  pensão  dia- 


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27 

da  ordem  ,  que  recebi  em  17  de  Janeiro  de 
1800  para  fazer  parar  o  trabalho  da  Real  Ni- 
treira ,  que  até  então  havia  dispendido  3829(^5'  1 3 
reis,  como  consta  dos  Livros  dos  assentos  res- 
pectivos. ;^, 

Por  novas  Ordens  ,  que  recebi  em  9  de 
Março  do  mesmo  anno ,  continuou  o  trabalho 
deste  Estabelecimento  sem  a  presença  de  Reg- 
nault.  Immediatamente  emprehendi  hum  ensaio 
das  terras ,  para  conhecer  qual  era  o  seu  esta- 
do de  Nitrificaçao.  Fez-se  este  ensaio  em  casa 
de  A^Ianoel  Ferreira  da  Camera  e  Betaneourt, 
cujos  talentos  ,  e  luzes  são  bem  conhecidos ;  e 
delle  resultou  concluirmos,  que  aNitreiraReal 
ainda  se  achava  muito  atrazada  ,  se  bem  que 
íiâo  nos  devíamos  desanimar  ,  pondo-se  em 
prática  todos  os  meios  mais  próprios  á  Nitriíi- 
cação. 

Passei  a  fazer  todas  as  alterações  ,  que 
julguei  convenientes  ;  diminuio-se  a  grandeza 
das  piilias  ;  çonstruírão-se  outras  de  novo  com 

íta  de  2(;^4po  reis,  entrou  a  declamar  contra  este  Estabelecí- 
nieuto  ,  dizendo  ,  que  nunca  se  obteria  Salitre  ;  que  havia 
obstado  á  sua  formaqao ;  e  que  as  terras  alli  accurauladas ,  sé 
SLervirlão  pára  al^um  jardim. 

D   ii 


1L% 

a  cautela  de  se  separarem  as  suas  camadas  por 
meio  de  grades  de  madeira  ,  para  que  ficasse 
livre  o  accesso  do  ar  ao  seu  interior  j  entrei  a 
fezer  grande  uso  de  sangue  de  boi  ,  e  de  uri- 
na na  sua  rega ,  e  construcçao  feita  por  ca- 
madas de  terra  dos  entulhos  ,  e  lamas  com 
sufíiciente  parte  calcarea ,  e  Tabaco  podre ,  sen- 
do cada  camada  de  per  si  regada  com  bastan- 
te sangue,  e  urina,  para  entreter  a  humidade 
conveniente  á  putrefaçao  j  e  para  conciliar  na- 
casa  das  pilhas  o  gráo  de  calor  necessário, 
nâo  somente  sefizerao  pequenos  montes  de  Ta- 
baco podre  nos  espaços  intermédios ,  mas  pro«^ 
curou-se  conservar  fechadas  as  portas  da  mes- 
ma casa  ,  o  mais  que  permittia  o  trabalho , 
sendo  aliás  muito  conveniente  o  conservar-se  a 
ar  quasi  estagnado  ,  para  se  evitar  a  perda  do 
azoto  antes  da  sua  combinação  com  o  oxigeno* 
Por  este  methodo  era  de  esperar  a  forma- 
ção do  Nitrato  de  Potassa  ou  Salitre  ,  e  dos 
Nitratos  térreos  :  a  putrefação  das  substancias 
animaes ,  e  vegetaes  feita  em  huma  athmosfera 
húmida ,  e  quasi  estagnada ,  não  podia  deixar 
de  dar  origem  á  formação  do  Acido  Nitrico^, 
©  qual  combinando-se  comi  a  Potassa ,  que  en-- 


1^ 


^9 

contrasse,   ou  com  as  terras  calcarea ,  e  mag-  .  mi 

nesiana ,  formaria  o  Salitre,  e  os  Nitratos  ter-  m 

reos  ,   que  facilmente  se  mudarião  em  Nitrato 

de  Potassa.  Com  effeito  passados  alguns  mezes 

de  trabalho  ,    depois   de  remechidas   as  pilhas 

por  muitas  vezes  ,   com  o  fim  de  apresentar  á  i!( 

athmosfera  differentes  superfícies ,  entrei  a  achar  ' 

nas  terras  algum   sabor  salitroso  ,   ainda  que 

muito  carregado  de  Sal   marino  ou  Muriato^ 

de  Soda. 

Tendo  feito  grande  uso  do  Tabaco  podre  '  \] 

na  construcção  das  pilhas  ,  já   com  o  fim  de  i 

ajudar  a  putrefaçao ,  já  com  o  fim  de  augnien- 
tar  o  calor ,  já  finalmente  com  o  fim  de  intro- 

duzir-lhes  bastante  Potassa  ,   na  persuasão,   de  '  I 

que  delia  abundava  o  mesmo  Tabaco,  confor-  \ 

me  a  opinião  dos  Químicos  ,  que  o  haviap 
analysado  ,  tive  occasião  de  persuadír-me  do 
erro  ,  em  que  me  achava  analysando  as  suas 
cinzas :  em  vez  de  Potassa  achei  huma  grande 
quantidade  de  Muriato  de  Potassa  (i)  :   entrei 

^ ^ '  :'/ 

(i)     Penso,   que   na  factura  do  Tabaco- em  rolo   fazem  no  :( 

Brazil  algum  uso  da  agoa  do  mar  ;   ou  talvez,  que  a  recebeo  ij 
no  seu  transporte   a- esta  Cidade  :   para  me  decidir  ,   mandei 

vir  hiim»  porção  de  Tabaco  em  folha  ,  e  ejn  rolo  preparada,  ( 


à    :. 


30 

a  recear  o  uso,  que  havia  feito  do  Tabaco  po- 
dre ,  visto  que  tinha  introduzido  nas  pilhas 
hum  sal  neutro,  que  talvez  complicaria ,  quan- 
do não  obstasse  o  successo  desta  empresa  j  via- 
me  com  huma  grande  provisão  do  mesmo  Ta- 
baco ,  que  entrava  a  parecer-me  inútil  j  e  para 
me  decidir  no  embaraço ,  em  que  me  julgava  , 
recorri  ás  leis  das  afjBnidades  dobradas :  consul- 
tando as  taboas  das  affinidades  dadas  por  Four- 
croy ,  resolvi  o  problema ,  suppondo  o  Nitrato 
Calcareo  ,  e  o  Muriato  de  Potassa  ;  achei  a 
somma  das  affinidades  divellentes  igual  á  som- 
ma  das  affinidades  quiescentes  :  o  mesmo  mç 
aconteceo  ,  suppondo  o  Nitrato  de  Animonia-. 
CO  e  o  Muriato  de  Potassa  ;  felizmente  não 
parando  aqui ,  consultei  as  taboas  das  affinida- 
des incertas  por  Morveau  nos  Annaes  de  Qui« 
mica ;  resolvi  por  ellas  os  mesmos  problemas ; 
e  achando  no  primeiro  caso  a  somma  das  affi-^ 
nidades  quiescentes  igual  a  76 ,  e  a  das  divel- 


sem  agoa  salgada ,  e  condiazído  Com  toda  a  cautela  ,  paia  exa- 
minar se  com  effelto  contém  o  Muriato  de  Potassa  ,  como 
achei  no  Tabaco  podre :  brevemente  darei  conta  do  resultado 
desta  analyse ,  pois  acabo  de  receber  o  Tabaco ,  que  mandai 
ník  ^e  "Gabo  Verde. 


-^."SSSCr  -^:_  ,ir     >■-  -  -  — "- 


■-v*-<jb^TBate-  • 


V-r.-^^--._^U 


31 

Jente»  igual  agi;  no  segundo  caso  aquellas 
igual  a  7O5  e  estas  a  79  ,  dei  por  acertado  o 
uso,  que  fiz  do  Tabaco  podre,  no  que  ainda 
mais  me  confirmei  com  o  resultado  de  huma 
experiência  ,  que  para  esse  fim  passei  a  fazer 
directamente. 

Tomei  este  trabalho  ,  e  me  tenho  demo- 
rado com  a  sua  exposição  ,  por  que  reputo  o 
Tabaco  podre  em  muito  valor  para  a  Real  Ni- 
treira  ;  com  elle  se  promove  a  putrefaçao  ;  evi- 
ta-se  a  grande  despesa ,  que  exigiria  a  compra 
de  Potassa  (i)  ,   em  razão  do  seu  grande  con- 

(i)  Não  esqueceo  ao  Illustrijslmo  e  Excellentissimo  Se- 
nhor D.  Rodrigo  de  Sousa  Coutinho  o  auxiliar  a  Real  Nitrei. 
ra  com  Potassa  a  bom  preço :  com  este  fim  me  ordenou ,  que 
examinasse  o  prec^o  ,  por  que  nos  ficaria  a  Potassa  extrahida 
do  sarro  do  vinho,  tão  abundante  no  nosso  paiz,  e  que  quasi 
geralmente  he  desprezado  ,  por  se  ignorar  o  seu  préstimo. 
Mandei  vir  do  Porto  huma  porção  de  Sarro  ,  e  fiz  varias  ex- 
periências :  delias  conclui ,  que  cem  arrobas  de  Sarro  de  vi- 
nho davão  trinta  arrobas  de  Potassa  cauitiea  ;  e  que  só  neste 
objecto  se  podia  ter  hum  lucro  de  124  por  cento,  como  mos- 
trei na  conta,  que  dei  em  51  de  Dezembro  de  1799. 

Suppondo  o  consummo  da  Potassa  em  Portugal  ser  de  doze 
mil  arrobas  por  anno  (  o  que  certamente  he  muito  pouco , 
Jembrando-nos  das  muitas  Fabricas  de  Estamparia,  Branquea- 
ria, e  Tinturaria,  que  temos,  do  grande  consummo,  que  só- 
mçntc  delia  faz  a  Fabrica  dos  Vidros,  e  do  consuramo  Faima»- 


mÊÊÊÊmÊÊÊmÊmmm 


3^ 
summo  nas  Branquearias ,  Vidrarias ,  Saboarias , 
&c.  5  sempre  tem  considerável  preço  ;   evita-se 
a  despesa  de  combustivel  ,   objecto ,   que  seria 
de  summa  ponderação. 

ContinuGu~se  o  trabalho  das  piUias,  e  fiz 
conduzir  para  a  Nitreira  algumas  terras  de  en- 
tulhos e  provenientes  de  ruinas  de  edifícios 
velhos ,  e  dos  que  forao  abatidos  pelo  terremo- 
to de  1755':  terras  tiradas  das  Cavalharices  do 
Regimento  do  Cães  ,  que  para  isso  forao  des- 
calçadas ,  e  outra  vez  renovadas  á  custa  da 
Real  Nitreira ,  reputando-as  pelo  voto  unanime 
de  todos  os  Químicos  ,  como  as  mais  apro- 
priadas a  este  género  de  Estabelecimentos ;  ai- 
trei  a  prover-me  de  tinas  de  madeira ,  dispon- 
do-me  para  principiar  a  lexiviaçao  j  fiz  assentar 
pelo  methodo  de  Rumford  huma  Caldeira  de 


ceutíco  êcc.)  he  de  admirar,  que  não  tenha  havido  quem  em» 
prehenda  entre  nós  huma  Fabrica  dePotassa,  que  certamente 
dará  grande  interesse  ao  Emprehendedor  ,  e  não  pequeno  á 
Nação  ,  por  nella  ficar  todo  o  cabedal ,  que  annualmente  le- 
vão  os  Estrangeiros  em  troco  de  Potassa.  Para  que  lhes  ser- 
virá o  Sarro ,  que  comprão  no  Douro ,  principalmente  os  In» 
jlezes,  e  mandão  conduzir  do  Porto?  Certamente  lhes  serve 
para  extrahirem  delle  a  Potassa ,  e  o  Tartarito  acidulo  de  Po- 
tassa ,  que  depois  nos  vendem  com  grande  lucro  seu. 


-«iSn .  —  i.t'ê<íf 


33 
Cobre  de  ires  palmos  de  altura ,  cinco  de  diâ- 
metro no  fundo  ,65-6  i  de  diâmetro  na  bo- 
ca ,  cuja  caldeira  leva  proximamente  44  almu- 
des  de  liquido  :    fiz  peio  mesmo  methodo  as- 
sentar outra ,  que  leva  65-  almudes ,  acommo- 
dada  porém  a  grellia  ,    e  o  fogão   ao  uso   do 
Tabaco  podre ,   que  devia  servir  de  combustí- 
vel :  assentou-se  outra  Caldeira  pequena  de  cin- 
co almudes ,   para  servir  aos  ensaios ,  e  ajudar 
também  a  evaporação  :  construio-se  huma  (bran- 
de barraca  cuberta  de  palha,  para  nelia  se  re- 
mecherem  as  terras  ,   que  se  fossem  tirando  da 
superfície  das  pillias ,  e  as  terras  das  cavalhari- 
ces  ,    com  o  fim  de  acabarem  de  se  oxigenar 
e  para  nos  seus  lados  se  assentarem  as  tinas  de 
lixiviação :  assentárão-se  estas ,  dispostas  conve- 
nientemente  á  passagem   das   agoas  ,   e  ,á  sua 
concentração. 

Concluídas  estas  disposições ,  principiou  a 
lavagem  das  teiras  ,  e  a  evaporação  das  lixí- 
vias ,  que  chegadas  ao  gráo  conveniente  de 
concentração,  e  de  pureza,  passarão  ás  tinas ^ 
que  forão  destinadas  na  mesma  casa  das  Cal- 
deiras para  a  cristalização,  e  principiou-se  a 
colher  Salitre  neste  Real  Estabelecimento, 


34 

Para  nao  augnientar  mais  a  extensão  des- 
ta Memoria  ,  deixo  de  referir  os  processos, 
que  se  seguirão  até  á  cristalização  do  Salitre  ^ 
e  os  meies,  que  se  pozerao  em  prática,  para 
evitar  alguns  embaraços ,  que  occorrêrao  :  se- 
ria repetir  operações  Químicas  muito  triviaes , 
ç  que  se  devem  julgar  sabidas  ;  pela  mesma 
razão  deixo  de  entrar  em  as  theorias  da  for- 
mação do  Salitre,  na  analyse  do  Acido  Nítri- 
co, na  anaijse  das  substancias  animaes,  e  ve- 
getaes  ,  que  sê  empregão  na  construcçao  das 
plliias  ,  e  em  outros  objectos  ,  que  só  servi- 
rião  para  ostentar  conhecimentos  Quimicos. 

Por  tanto  findarei  esta  segunda  Secção,, 
fazendo  unicamente  menção  do  dia  13  de  A- 
gosto-dfe  1801 3  dia,  em  que  havendo  Sua  Al- 
teza Real  incorporado  com  a  Fabrica  da.  Pól- 
vora ,  e  Refinação  do  Salitre  a  Real  Nitreira^ 
Artiiicial  de  Braço  de  Prata ,  a  ella  foi  o  H- 
lustrissirao  e  Excellentissimo  Senhor  D.  Ro- 
drigo éè  Sousa  Coutinho  ,  que  em  satisfação 
das  ordens  do  nosso  Augusto  Príncipe  e  Se- 
nhor havia  sustentado ,  e  promovido  este  Real 
Estabelecimento  ,  de  que  fora  até  então  Inspe- 
ctor y  em  companhia  do  Illustrissimo  e  Excel- 


¥»fcÍTt.fa.i 


■»."J  <»1*  ti  *'L  n,f  ^  '*!»-  • 


-5»!ie*»BÍBfc: 


35* 

lentíssimo  Senhor  D.  João  de  Almeida  de  Mel- 
lo e  Castro,  a  cuja  inspecção  devia  passar. 

Acharão   estes   Excellentissimos  Ministros 
e  Secretários  de  Estado    a  Real  Nitreira  Arti- 
iicial   na  sua  actividade  de  costume  ;   acharão 
as  duas   Caldeiras   grandes  ,   e  a  pequena   em 
evaporação,    sendo  duas  sustentadas  unicamen- 
te pelo  fogo  do  Tabaco  podre  ,   aquelle  mes- 
mo Tabaco  ,  que  antes  do  Estabelecimento  da 
Real  Nitreira    era  julgado  inútil  ,   e  fazia  an- 
nualmente   de  despesa   600   a  700   mil  reis  á 
Real   Fazenda  ,   por   cuja   conta   se   mandava 
queimar  no  Alfeite  (i)  .  Acharão  muitas  tinas 
com  SaUtre  cristalizado ,  e  vários  caixões  com 
Salitre  anteriormente   obtido  ;    examinarão  os 
diários ,  que  se  fazem  na  mesma  Nitreira ,  dos  • 
quaes  constava  ter-se  obtido  entre  10  a  12  ar- 
robas  de  Salitre  por   semana  ,   o  que  me  fez 
avaliar  em  40  arrobas  o  seu  producto  mensal  y 
visitarão    a  barraca   das   tinas   de  lixiviação  , 
:bem  como  a  palhoça   a  ellas  destinada  ,   e  ao 


(i)  Ao  estabelecimento  da  Real  Nitreira  se  deve  esta 
economia;  delia  porém  me  não  sirvo  para  mostrar  a  sua  titU 
íidade  á  Real  Fazenda,  como  adiante  se  verá, 


£  U 


i?i'< 


3á 

complemento  da  oxigenação  das  terras  das  pi- 
lhas ,  e  de  cavalharice  ;  acharão  1 6o  tinas  de 
madeira  arranjadas  competentemente  para  a  li- 
xiviação das  terras  ,  e  concentração  das  lixí- 
vias ,  além  de  outras  occupadas  com  escumas , 
ou  enterradas  ,  para  deposito  das  lixívias  con^ 
centradas  ,  e  das  agoas  ,  de  que  se  faz 
uso  5  passando  todas  de  270 ;  entrarão  na  casa 
das  pilhas  j  e  não  obstante  o  perigo ,  e  incom- 
modo ,  a  que  se  expunhão ,  pelo  nauseoso ,  e 
insoportavel  cheiro  desta  casa  ,  em  consequên- 
cia da  podridão  das  substancias  animaes ,  e  ve- 
getaes,  que  nella  tem  lugar,  virão,  e  obser- 
varão as  pilhas  ^  que  se  achavao  construídas , 
e  as;  que  se  renovavao. 

Satisfeitos  com  a  boa  ordem  deste  Real 
Estabelecimento  ,  e  com  a  vista ,  e  exame  da 
ssu  producto  salitroso  ,  que  então  era  de  40 
arrobas  por  mez  ;  e  que  attendida  a  despesa 
annual  da  mesma  Nitreira  ,  ficava  custando 
eada  arroda  de  Salitre  375'!  reis  ^  se  retira- 
rão ,  deixando-nos  muito  satisfeitos  com  as  suas 
obrigantes  expressões  ,  e  tendo,  annuido  a  al- 
gumas propostas  ,  que  fiz  relativas  a  objectos , 
que  julgava  necessários  para  o  progresso  da 


Nitreira,  sendo  as  princlpaes  duas  barracas  in- 
dispensáveis para  se  aiigmentar  o  numero  das 
pilhas ,  e  segurar-se  as  futuras  colheitas  de  Sa- 
litre ,  cujas  barracas  não  obstante  terem  sido 
logo  mandadas  fazer  ,  até  ao  presente  nem 
principiadas  estão  ,  com  bastante  prejuízo  das 
futuras  colheitas ,  e  mágoa  minha ,  se  bem  que 
já  devia  ter-me  acostumado  a  semelliantes  de- 
moras ,  que  desde  a  origem  deste  Estabeleci- 
mento me  tem  atormentado  ,  e  a  que  certa- 
mente he  devido  o  não  estar  em  muito  maior 
adiantamento  (i). 


li 


(i)  He  inexplicável  a  difficiildade  ,  que  se  encontra  na 
plantação  de  hum  novo  Estabelecimento.  Apezar  das  ordens 
mais  positivas  ,  que  constantemente  deo  o  Excellentissimo 
Inspector  desta  Real  Fabrica  desde  o  seu  principio  ,  para  s© 
apromptar  tudo  o  que  fosse  necessário  para  o  bom  êxito  desta 
empresa ,  forão  tantas  as  demoras  na  sua  execução  r  passava-se 
tanto  tempo  em  se  ministrar  ,  o  que  se  pedia  com  prejuízo, 
real  da  economia  da  mesma  Fabrica  i  fizerão-se  tantos  pro- 
nosticos  do  seu  máo  successo  í  exagerárão-se  tanto  as  despe- 
sas, que  se  fazião  :  que  por  vezes  teria  desanimado  ,  se  não 
fosse  o  desejo  de  fazer  este  serviqo  a  Sua  Alteza  Real  ,  se 
não  podésse  responder  ,  que  nenhum  lucro  pessoal  tirava  da 
sustentação  desta  Fabrica,  pois  que  na  sua  despesa  não  tinha 
parte  alguma  :  e  se  não  fosse  vigorosamente  animado  pelas 
sábias,  e  patrióticas  reflexões  de  hum  Chefe,  que  desprezava 


38 

Continuou  o  trabalho  da  Real  Nítreira 
até  ao  presente  do  mesmo  modo  ;  e  findou-se 
o  anno  de  1801  com  a  despesa  de  2670818 
reis  3  sendo  a  total  despesa  desde  a  origem 
deste  Estabelecimento ,  como  consta  dos  respe- 
ctivos Livros,  que  nelle  servem,  de  7202536 
reis ,  e  ficando  encaixotadas ,  e  promptas  a  se- 
rem transportadas  á  Real  Fabrica  da  Refina- 
ção de  Alcântara  210  arrobas  de  Salitre. 


as  vozes  da  ignorância  ,  e  da  calumnia  ,  persuadido  do  bom 
successo  do  seu  projecto,  e fundado  nois  conhecimentos,  que 
tão  amplamente  possue. 


1S»<fi^i,r.^^■.^.,,■\■■.- 


'•-4tM,±AtX»i^' 


39 


HOasSBBBSBSSBa 


s 


s  E  c  q  Â  o    iir. 


Endo  a  collieita  mensal  de  Salitre  na  Reaí 
Nitreira  Artificial  de  Braço  de  Prata  de  40 
arrobas ,  como  já  tem  sido ,  e  pôde  continuar 
a  ser  constantemente,  huma  vez  que  haja  tra- 
balho seguido  5  que  se  empreguem  terras  pró- 
prias y  que  se  construao  as  duas  barracas  ,  e 
que  haja  huma ,  ou  duas  caldeiras  de  reserva, 
para  se  nao  interromper  ,  como  já  aconteceo ,, 
a  evaporação  ,  no  caso  de  se  inhabilitar  algu- 
ma das  outras  ,  que  devem  estar  em  contínuo 
trabalho  j  e  sendo  a  despesa  média  de  hum 
anno  1 800634  deduzida  da  total  despesa ,  que 
se  tem  feito  em  quatro  annos  seguidos  desde 
1798  até  fim  de  1801  (i)  ,  ficará  cada  arroba 


(r)     A.  despesa  do  anno  de  1798  foi  de     . 

.    1708} 90. 

de  1799      •     .    . 

.       205J12J. 

de  1800      .     »     . 

.         76800J. 

de  1801       .     »    " 

2670818. 

Despesa  dos  4  annos    . 

.       72025560 

S  por  consequência  a  despesa  media  de  hwra 

anno  será  de     ,.   *.   .    ,...»«. 

,     iSoo6j4.. 

f'^m^:m^^i: 


40 

de  Salitre  bruto  feito  ria  Real  Nitreira  impor- 
tando em  3751  reis  (i)  ,  eterá  a  Real  Fazenda 
hum  lucro  de  212  porcento,  reduzindo  aPol- 


(r)  No  tempo  da  luminosa  administração  de  Necker  no 
$.  XI.  do  Regimento  das  Nitreiras  ,  e  Fabricas  de  Pólvora, 
publicado  em  5  de  Setembro  de  1779,  se  promette  pagar  aos 
Salitreiros  ,  que  fornecerem  Salitre  Nacional  obtido  das  Ni- 
treiras Artiíiciaes  a  lo  soldos  por  libra  de  pezo  ;  o  que  dá 
2560  reis  por  32  libras  de  pezo  ;  e  fazendo  a  reducqao  das 
libras  Francezas  aos  arráteis  Portuguezss,  suppondo  que  1,022 
libras  de  pezo  de  França  corresponde  a  1,094  arráteis  de  Por- 
tugal ,  temos  que  j4,2j  arráteis  Portuguezes  de  Salitre  se 
compravão  por  2560  reis,  e  por  tanto  cada  arroba  Portugueza 
custava  2592  reis,  com  tanto  que  não  desse  de  quebra  na  re- 
finação de  três  lavagens  mais  de  25  por  cento. 

No  anno  de  1800  comprou  o  nosso  Governo  57J  quiu- 
taes  de  Salitre  vindo  de  Goa  por  126125 59  reis  ,  e  por  tanto 
cada  arroba  custou  jjoj  reis. 

No  Moniteur  de  16  de  Junho  de  iSoj  numero  267  se  lê, 
que  o  Governo  Francez  acaba  de  estabelecer  o  preço  de  dous 
francos  por  cada  kilograma  de  Salitre  ,  que  os  Salitreiros  de 
França  levarem  aos  Estabelecimentos  Nacionaes.  Fazendo  a 
reducção  da  moeda  Franceza  á  nossa,  suppondo  hum  franco 
igual  a  160  reis,  e  dos  kilogramas  a  libras  Francezas ,  na  hj'- 
pothese  de  ser  hum  kilograma  —  2,044  libras  Francezas,  re- 
■duzindo  também  as  libras  Francezas  aos  arráteis  Portug^uezes, 
temos  que  o  Governo  Francez  compra  cada  arroba  de  Salitre 
por  4680  reis,  não  obstante  as  Nitreiras  Artifieiaes  da  França 
serem  tantas ,  e  se  acharem  estabelecidas  ha  tanto  tempo. 

He  de  admirar  ,  que  o  primeiro  Salitre  ,  que  se  obteve 
íiaE.eaI  Nitrçira  Artificitl  jáe  Brgço.de  P«ta  j  venha  a  tio 


ífiA^áM 


4f 
vora  as  4S0  arrobas  de  Salitre  produzidos  na 
Real  Nitreira  em  lium  anno  ,   sendo  esta  ven- 
dida pelos  actuaes  preços,   como  passo  a  mos- 
trar. Sendo  certo ,  que  com  75:  arrobas  de  Sa- 
litre refinado ,  >  dez  arrobas  de  enxofre  puro ,  e 
quinze  arrobas  de  carvão ,   se  fazem  cem  arro- 
bas de  Pólvora  da  melhor  qualidade  (i) ,  dan- 
do 25-  por  cento  de  quebra  na  refinação  do  Sa- 
litre bruto   da  Real  Nitreira    (2)  ,0   que   he 
muito  de  sobejo  ,   calculando  o  preço  de  cada 
arroba  de  carvão   a  480  reis  ,   e  o  do  enxofre 
refinado  a  ^60  reis  (3) ,  orçando  a  despesa  do 

baixo  preqo.  Consta-me  ,  que  ha  pouco  se  comprarão  500  e 
tantos  quintaes  de  Salitre  por  5000  reis  cada  arroba  ,  preço 
reputado  bom  em  tempo  de  guerra, 

(i)  Dose  ultimamente  adoptada  11a  Real  Fabrica  de  Bar- 
carena pelo  Inspector  do  Arsenal  Militar  o  CavaUeiro  de  Na- 
pion  ,  a  quem  se  deve  a  aetual  perfeição  da  nossa  Pólvora , 
como  era  de  esperar  das  suas  grandes  luzes  ,  e  superiores  co- 
nhecimentos Quimicos. 

(2)  Esta  quebra  he  superior  á  que  tenho  achado  ,  e  á  que 
se  achou  na  Real  Fabrica  de  Alcântara  ,  segundo  a  informa- 
ção ,  que  a  esse  respeito  deo  o  Coronel  Raposo. 

(j)  Nos  Armazéns  de  Alcântara  se  achão  14210  quintaes 
de  Enxofre,  que  custou  a  480  reis  por  arroba;  mas  quero  sup- 
pôr  a  960  reis  para  maior  segurança,  e  para  a  despesa,  e  que- 
bra no  seu  refino.  O  carvão  fica  á  Real  Fazenda  por  120  reis 
cada  arroba  :  mas  eu  o  avalio  pelo  quádruplo  ,   attendendo  á 

F 


mig0g/00imtmmm 


combustível,  e  mao  de  obra  das  duas  Fabricas 
do  refino  de  Alcântara ,  e  Pólvora  de  Barcare- 
na ,  em  Jium  conto  de  reis  para  a  factura  de 
■470  arrobas  de  Pólvora  ,  e  dando  de  quebra 
10  arrobas  nas  480  arrobas  de  misto  (i)  ,  te- 
remos 


perfeição  ,  com  que  actualmente  se  prepara  ,  e  á  que  em 
grande  parte  se  deve  a  bondade  da  Pólvora.  Estes  preqos  fo- 
rão  deduzidos  dos  Livros,  que  servem  na  Real  Fabrica  de  Al- 
cântara: o  augmento,  que  lhes  dou,  também  respeita  á  per- 
da, que  costuma  haver  em  ser  moido,  e  peneirado,  a  qual  an- 
da em  I  quarto  porcento  no  Enxofre;  2  por  cento  no  Carvão  ; 
I  oitavo  por  cento  no  Salitre  ,  segundo  as  informaíjôes ,  que 
obtive,  quando  visitei  a  Fabrica  de  Pólvora  de  Barcarena,  e 
examinei  os  iseus  processos. 

(i)  Também  me  constou  ,  que  a  perda  da  Pólvora  depois 
das  tarefas  promptas  até  embarricar-se  ,  costuma  ser  de  2  poF. 
«ento  :  o  orçamento ,  que  faqo,  he  certamente  muito  forte;, 
pois  elle  suppÕe,  que  nas  duas  Fabricas  se  faz  de  despesa  an- 
nualmente  para  se  fabricarem  220000  arrobas  de  Pólvora  ,  155- 
mil  cruzados:  pelo  exame,  que  fiz  na  Fabrica  de  Pólvora  de- 
Barcarena,  a  despesa  annual  me  consta-,  que  anda  por  25  mil- 
cruzados  :  a  despesa  da  Fabrica  do  refino  de  Alcântara  certa- 
jiiente  he  muito  menor;  por  tanto  poderia  suppôr,  que  a  de 
ambas  nao  excede  a  50  mil  cruzados  :  más  para  evitar  toda, 
e  qualquer  objecção  ,  que  possa  ser  lirdida  por  aquelles,  que 
são  inimigos  de  Estabelecimentos  novos  ,  e  de  que  pouco , , 
«u  Hada  entendem,  fiz  o  sobredito  orçamento. 


Mr.-ÍJtVa 


^^^'i^jímJim 


43 

480  arrobas  de  Salitre  bruto,  que  sendo  re- 
finado  com  a  quebra   de  25'   por  cento ,, 


darão  ....     3  60  arrobas 

1800634 

Enxofre  refinado  ,    .     48     .     . 

46080 

Caryão       ....     72     .     . 

345'óo 

480 

Combustível,  e  mão 

de  obra  das  duas 

Fabricas    ....... 

1000003 

Quebra  •  na  factura  da 

Pólvora     ...       10     .     . 

0 

Custo  das  470  arrobas     2881 274 

As  diversas  qualidades  de  Pólvora  ,  sendo  boa 
a  proporção  dos  elementos ,  que  a  compõe ,  e 
sendo  estes  bem  preparados  ,  e  conveniente- 
mente trabalhados  ,  só  dependem  da  grande- 
za ,  e  perfeição  do  seu  grão  :  esta  se  obtém 
por  meio  de  crivos  ,  ou  peneiras  de  differente 
malha ;  ao  mesmo  tempo  que  se  faz  a  Pólvora 
de  guerra  ,  se  faz  a  fina ,  e  a  superfina  :  so- 
mente ha  hum  pequeno ,  e  insignificante  traba- 
lho de  se  alizar ,  e  lustrar  os  grãos  da  fina ,  e 
superfina  ,  depois  de  terem  passado  pelas  pe- 
neiras da  malha ,  que  lihes  he  própria. 

F  ii 


'1"^'  "•  "  '""^'^"^"   '         '    -i.      .rui-    r-,      -     -|^, 


WÊÊÊ 


MMHMMMMi 


tf 


44 

Por  tanto  pa^so  a  calcular  o  valor  das 
470  arrobas  de  Pólvora  ,  suppondo  ,  que  se 
obtém  314  arrobas  de  Pólvora  fina,  e  156  ar- 
robas de  Pólvora  de  guerra ,  visto  que  são  di- 
versos os  preços  (i)  ,  por  que  actualmente  se 
vende,  não  contando  a  sua  venda  por  miúdo, 
que  deixa  muito  maior  lucro  ,  e  visto  que  na 
factura  da  Pólvora  se  obtém  hum  terço  de  Pol- 
Yora  grossa ,  e  dous  terços  de  Pólvora  fina. 
314  arrobas  de  Pólvora  fina  a 

1^235'  reis  por  arroba       .     .     60397^0 
156  arrobas  de  Pólvora  de  guer- 
ra a  18375-  reis  por  arroba     .     iSóó^oo 

Preço   da  venda  das  470  arro- 
bas de  Pólvora   .....     89062^0 
Custo       •     . 2881274 

6025016 

(i)  Por  huma  relação,  que  me  foi  dada  na  Real  Fabric» 
de  refinaqã.o  de  Alcântara  em  9  de  Janeiro  de  1802,  os  pre- 
gos, por  que  se  vendia  então  a  Pólvora,  erao  os  seguintes. 


Feio  grosso. 
J  Barril   de  2  arrobas  de  Pol- 

vora  6na     .     J97J0  reis. 
J  Dito  de  Pólvora  de 

guerra         .    J6750  reis. 


Feio  miúdo. 
i  Arrátel  de  Pólvora  do  Prín- 
cipe    .,    .     .     II 70  reis. 
I  Arrátel  de  dita  fina  750  reis. 
I  Arrátel  dita  de^guerra  675  reisí. 


têUSm 


lllgpll^-l 


■iiii  wtL^iaiaaiW 


mtmn 


4f 
Lucro  ,  que  dá  por  anno  a  Real 

Nitreira ^025016 

Cujo   lucro   corresponde  a  205? 
por  cento. 
Tomando  porém  o  anno  de  1801  ,   que  foi  o 
da  maior  despesa  ,  teremos   que  as  480  arro- 
bas de  Salitre  custarão     .     ,     .     .     2670818 
Por  tanto  as  470  arrobas  de  Pól- 
vora ,    que  com  elle  se  pode 

fazer,  custarão 375'i45'8 

E  sendo  o  preço  da  sua  venda   .     8006200 

O  lucro ,  que  dá  a  Nitreira  por 
anno  ,  sendo  avaliada  a  sua 
despesa  futura  pela  do  maior 

anno,  será S^S4^^ 

Cujo  lucro  corresponde  a  137 
por  cento. 
Na  primeira  hypothese  em  hum  anno  ,  dous 
mezes,  e  dez  dias  ,  ficará  paga  toda  a  despe- 
sa ,  que  consta  dos  Livros  da  Real  Nitreira 
ter-se  feito  desde  o  seu  principio  ate  o  íim  do 
anno  de  1801  ,  que  Jie  como  já  disse  de 
72025-36  réis.  Na  segunda  hypothese  são  ne- 
cessários hum  anno ,  quatro  mezes ,  e  vinte  e 
três  dias. 


il 


4é 

Siíppondo  porém  ,  que  o  actual  preço, 
por  que  se  vende  a  Pólvora ,   passa  a  ter  hum 
abatimento  de  30  por  cento  ,   isto  lie  ,  que  a 
Pólvora  fina  se  passa  a 
vender  por     .     .     .     13912  reis  ^  por  arroba 

a  de  guerra  por  .  12666  reis  ^  por  arroba 
as  470  arrobas  de  Pólvora  darão  .  6^44^00 
Custo  na  primeira  hypothese     .     .     2881274 

Lucro,  que  corresponde  a  120  por 

cento •      34^3^^^ 

E  na  segunda  hypothese  ,  em  que  se  toma  a 
despesa  do  anno  maior  com  o  mesmo  abati- 
mento de  30  por  cento  na  venda  da  Pólvora, 
dará  de  lucro  annual  ....  2$^S°4'^ 
que  corresponde  a  6^  por  cento. 

Em  tal  caso  na  primeira  hypothese  com 
o  abatimento  de  30  por  cento  ,  em  dous  an- 
nos  e  vinte  e  oito  dias  ficará  paga  a  despesa 
de  72025-36  reis  feira  até  o  fim  de  1801. 

E  na  segunda  hypothese  ,  em  que  se  to- 
ma a  despesa  annual  futura  pela  maior  ,  que 
houve  nos  quatro  annos  antecedentes  ,  e  com 
o  mesmo  abatimento  de  30  por  cento  na  ven- 
da da  Pólvora  ,  sao  necessários  dous  annos, 
nove  mezes ,  e  nove  dias. 


TT 


jmim 


■■ 


N 


47 
He  certo  ,  que  a  despesa  da  Real  Nitreí- 
ra  desde  o  seu  Estabelecimento  não  he  somen- 
te de  72025-36  reis  ;    esta  he  a  despesa  ,   que 
me  consta  peJos  Livros  dos  assentos  da  mesma 
Nitreira  ;   neJla  não  entrão  os  custos  das  ferra- 
mentas,  tinas,   e  caldeiras,  que  tem  sido  mi- 
nistradas pelo  Arsenal  Real  da  Marinha ;  bem 
como  a  despesa   da   construcção   da   barraca , 
cuberta  de  palha,  ou  caniço,  pois  que  não  te- 
nho noticia  do  seu  custo :    este  porém  não  pô- 
de ser  muito :   as  tinas  quasi  todas  forão  feitas 
de  pipas  velhas  ,   e  que  já  não  podião  ter  ou- 
tro uso  3  estou  persuadido ,  de  que  não  passará 
de  800000  reis:  mas  quero  suppôr  francamen- - 
te  3600000  reis.. 

Também  he  certo,,  que  se  comprou  o  ter- 
reno ,  em  que  existe  a  Real  Nitreira  com  dous, 
Armazéns  e  algumas  barracas  por  22000000 
reis.  Mas  como  hum  destes^  Armazéns  ,  e  o 
melhor  não  foi  entregue  ao  serviço  da  Real 
Nitreira  ,  por  se  achar  no  tempo  "'da  compra 
arrendado  a  hum  Negociante  de  Vinhos  por 
450000  reis  por  anno  ;  e  findo  o  arrendamen- 
to, teve  outro  destino,  reputarei  a  compra  fei- 
ta por  causa  da  Real  Nitreira ,  ou  em  seu  pro-.- 


MMwniniii 


Vi 


48 

veitOj  somente  em  15'ooocoo  reis,  descontan- 
do 7000000  reis  pelo  valor  do  Armazém , 
que  não  occupa. 

Em  tal  caso  temos 
Despesa  feita  na  Real  Nitreira       .     72025-36 
Despesa  orçada  ,  e  feita  na  Ribeira    .     3600000 
Compra  do  terreno,  e  Armazém   .  15000000 

Despesa  total     ...     25802536 

Nâo  obstante  porém  este  Capital  empregado 
pela  Real  Fazenda  ,  o  lucro ,  que  annualmente 
pode  dar  a  Nitreira  Artificial ,  a  que  foi  desti- 
nado ,  vale  bem  este  desembolso. 

-  Com  effeito  2593042  reis  ,  que  annual- 
mente pode  dar  (i)  a  Real  Nitreira,  como  já 
tenho  mostrado ,  lie  o  juro  de  5  por  cento  de 
51860840  reis,  ou  de  129  mil  e  tantos  cruza- 
dos, mais  do  dobro,  do  que  tem  desembolsa- 
do a  Real  Fazenda  :  e  com  esta  renda  annual  de 
259  3042  reis  ficará  paga  da  quantia  de  25  8025 3  6 


(i)  Tomando-se  a  despesa  annual  futura  pela  maior  ,  que 
tem  havido  nos  annos  antecedentes,  e  suppondo-se  ,  que  haja 
hum  abatimento  de  trinta  por  cento  no  preqo ,  porque  actu- 
ahnente  se  vende  a  Pólvora:  de  propósito  escolho  o  caso  mais 
desfavorável. 


!  —.JUJa!— ■■l.._JLJ  Ji!^-^^ 


49 
reis  em  nove  annos,  onze  mezes,  e  doze  dias; 
ficará  com  o  Armazém  ,  barracas  ,  terreno, 
em  que  existe  a  Real  Nitreira  ,  e  todos  os- 
utensilios  ;  e  continuará  ,  passado  este  tempo  , 
a  perceber  a  sobredita  renda  liquida  annual- 
mente. 

Se  porém  quizermos  que  a  Real  Fazenda 
receba   não  somente  o  Capital  ,   que  tem  des- 
embolsado ,   mas   também   os  seus  respectivos 
juros  de  5  por  ^ ,  nem  assim  mesmo  se  pode- 
rá deixar  -de  reconhecer  a  utilidade  deste  Esta- 
belecimento.   Por  quanto   he   claro  ,   que  sup- 
pondo  c  o  Capital  desembolsado  ,    e  que  deve 
canhar  o  juro  r   correspondente  á  unidade  no 
fim  de  cada  hum  anno  ,    a  fórmula  conhecida 
c  (  H-  r)«  mostrará  o  valor  do  Capital,  ju- 
ros ,  e  juros  de  juros  no  fim  do  numero  ';/  de 
annos. 

Também  he  claro  ,  que  pagando-se  an- 
nualmente  huma  certa  porção  a  com  o  fim  de 
se  conseguir  ,  passado  o  mesmo  numero  n  de 
annos,  a  amortisaçao  da  divida,  a  somma  da 
progressão  geométrica, 
H  ^?  (  I :  I  4-  r :  (  i-H  r  )  2 :  (i  + ;.)  j : .  _. 

G 


mostrara  quanto  se  tem  pago  com  a  annuidade 
a  em  ;;  de  annos. 

Ora     a    som  ma     desta    progressão     lie 
a(  I  -j-r  ) -^  ;    e  como  suppomos ,  que  com  a 

r 
annuidade  a  se  amortisa  a  divida ,  teremos 

r 

cr(,i  -\-rf  =:a  (i-hr  )1.a 

c r  >-' a       a  ^ cr 
e  tomando  os  logarithmos 

nl.{i-^r)=-l.a  --l.{a  ^cr) 
^__  l.a-l.^a-cr^ 

mas  como  no  nosso  caso  temos  c  =  25'8o25'36 

a-=-   2593042 
r~    ....  0,05" 
fazendo  as  substituições,  teremos 

7.25^9:^042  -/.  1 302915' 

"  /.  1,05 

6,4l38oQS'  "6,1149161 

OP211893 
2988934    _ 


;?  — 


tv.K^p^ 


*CXHMNMâè«MMMir  . 


Logo  em  14  annos,  hum  mez ,  e  8  dias 
a  Real  Fazenda  perceberá  o  Capital ,  que  des- 
embolsou  ,  e  o  seu  respectivo  juro  de  5-  por 
~  ;  e  passado  este  tempo ,  lhe  ficará  de  graça 
tudo  o  que  pertence  á  Real  Nitreira  ,  e  conti- 
nuará a  perceber  delia  a  renda  annual  e  hqui- 
da  de  255)3042  reis. 

He  claro ,  que  no  espaço  de  vinte  annos , 
seis  mezes ,  e  onze  dias ,  continuando  a  mesma 
renda   annual  ,   perceberá   a  Real   Fazenda   o 
Capital  328025-30  reis  ,  e  seu  respectivo  juro 
de   5-   por   cento.    Em  tal   caso   ficará   a  Real 
Fazenda    embolsada    também    da   quantia   de 
7000000  reis  ,   que  deduzi   do  total   da  com- 
pra ,   que  fez  ,  visto  que  a  Real  Nitreira  não 
occupa  hum  Armazém ,  que  entrou  na  mesma 
compra  ;   e  passados  os  vinte  annos,  seis  me- 
zes ,  e  onze  dias ,    terá  huma  renda  liquida ,  e 
annual  de  25-93042  reis  ,   e  deverá  ao  Estabe- 
lecimento da  Real  Nitreira  o  possuir  tudo  ,   o 
que  por  causa  delia  comprou. 

O  progresso  ,  que  seguramente  se  deve 
esperar  desta  Real  Fabrica,  visto  que  as  futu- 
ras colheitas  de  Salitre  devem  ser  muito  mais 
ricas  ,   e  pelo  menos  as  supponho  de  éoo  ar- 

G  ii 


w 


robas  annualmeníe  (i)  ,  liuma  vez  que  a  eílas 
se  attenda  convenientemente  ,  que  lucro  não 
promette  á  vista  do  exposto ,  e  de  ter  suppos- 
to  somente  480  arrobas  de  Salitre  ?  As  terras 
das  Nitreiras  Artiíiciaes  cada  vez  se  tornao 
mais  ricas  ,  se  bem  que  não  sejão  inexhauri- 
veis ,  tendo  mostrado  a  experiência ,  que  pas- 
sados dez  annos  j  nada  produzem  ;  mas  duran- 
te este  tempo ,  se  deve  ir  fazendo  provisão  de 
novas  terras,  que  durarão  por  seu  turno  outro 
tanto  tempo. 

Penso  ter-me  demorado  sobejamente  na 
demonstração  do  lucro,  que  dá  a  Real  Nitrei- 
m  ^  estou  persuadido  ,  de  que  ainda  que  ella 
nao   desse  presentemente   nem  dous   por  cento 

(i)  Por  huma  participação  ,  que  me  fizerao  os  dous  Ad- 
ministradores da  Real  Nitreiía  Narciso  António  da  Silva  ,.  e 
Anton-io  José  Tbomaz  da  Gosta  ,  de  que  dei  conta  á  Real  Jun- 
ta da  Fazenda  do  Arsenal  do  Exercito  ,  consta  ,  que  a  lava- 
gem das  terras  da  Real  Nrtreira,  que  se  achavão  nítrificadas , 
produzio  515  arrobas  e  24  arráteis  de  Salitre  bruto.  Espero, 
que  as  futuras  colheitas  sejão  mais  productivas  ,  e  sem  inter- 
rupção r  pois  que  a  primeira  lavagem  foi  da  terra  de  20  pi- 
lhas, ou  montes,  que  enchiao  o  único  Armazém  que  havia, 
e  agora  se  achão  construidas  no  antigo  Armazém ,  e  ivovo  Te- 
lheiro, mandado  fazer  pela  mesma  Real  Junta»  h  pilhas. 


3&?fi''^sssara'i  ■ 


4^ 


s 


ss 

de  toda  a  sua  despesa  ,  ninguém  seria  de  vo- 
to ,  que  fosse  abandonada  ;  todas  as  Fabricas 
no  seu  principio  dao  perda  j  isto  he ,  não  dão 
lucro  algum  do  Capital  empregado. 

A  importância  porém ,  que  dou  a  termos 
Salitre  de  nossa  lavra  ,  he  tão  grande  ,  que 
não  posso  deixar  de  demorar-me  ainda  sobre 
este  objecto. 

O  Decreto  de  165-4  do  Senhor  Rei  Dom 
João  IV.  e  a  Apostila  de  16^9,  provão,  que 
já  possuímos  Feitorias  de  Salitre.  Qual  seria  o 
motivo  de  tão  funesta  perda  ?  Talvez  que  dk 
ainda  possa  ser  a  causa  de  tornarmos  a  aban- 
donar tão  útil,  e  necessária  empreza  ;  o  lucro 
apparente  muitas  vezes  decide  de  estabeleci- 
mentos importantíssimos  -,  assim  creio,  que  a- 
conteceo  no  tempo  daquelle  Monarca.  O  po- 
der ter  Pólvora  mais  barata  feita  com  Salitre 
estrangeiro  ,  resolveo  a  Carlos  I.  a  abandonar 
as  suas  Nitreiras  ,  provavelmente  allucinado 
pelas  razoes  dos  Negociantes  Inglezes ,  que  na 
franqueza  do  commercio  do  Salitre  ,  e  Pólvo- 
ra vião  meios  de  ganhar  extraordinariamente , 
e  de  supprir  as  necessidades  ,  que  o  Estado' 
tinha  destes  géneros  ,  fícando-lhe  também  por 
menor  preço ,  do  que  d'antes. 


/. 


54 

O  mesmo  penso  ter  acontecido  no  tempo 
do  Senhor  Rei  D.  João  IV.  Monsenhor  Assi , 
que  á  custa  de  summo  trabalho ,  e  despesa  tem 
feito  huma  collecçao  de  importantissimos  ma- 
nuscriptos ,  teve  a  bondade  de  communicar-me 
huma  copia  do  assento  da  Pólvora  ,  e  Cobre 
feito  no  anno  de  i  ó^^» ,  pelo  qual  Simão  Fer- 
reira Luçano,  e  outros  se  obrigarão  a  fornecer 
por  anno  a  Sua  Magestade  dous  mil  quintaes 
de  Pólvora  a  preço  de  17200  reis  cada  quintal 
Portuguez  ,  que  importarão  em  34400000  reis  : 
este  diminuto  preço  da  Pólvora  estrangeira  , 
deixando  certamente  grande  lucro  aos  Negoci- 
antes importadores ,  foi  talvez  julgado  também 
conveniente  a  Sua  Magestade  ,  a  quem  pro- 
vavelmente a  Pólvora  feita  com  Salitre  das  suas 
Feitorias  ,  que  havia  animado  pelo  sobredito 
Decreto  de  16^^  ,  ficava  por  mais  de  4300 
reis  cada  arroba.-  Que  prejuizos  porém  se  não 
seguirão  deste  apparente  lucro  ?  Perdêrão-se  as 
Feitorias  de  Salitre  ,  a  ponto  de  já  não  haver 
a  menor  lembrança  delias  ;  perdeo-se  a  inde- 
pendência de  tão  essencial  género  para  a  nossa 
defensa ,  objecto ,  que  devia  merecer  muita  con- 
templação, até  porque  pelas  condições  9  e  10 
do  contrato,  que  então  íizerão,  ficarão  os  Ne- 


Í:»Í '*»■!»*>  «*■-•■-  «:-^.2^í'íC'';'-  'JiCÍJSVaí- 


'ÍTl     I     ■      mmmàiimmffmwm^ 


Si 

gociantes  importadores   desobrigados  do  forne- 
cimento da  Pólvora  ,  havendo  guerra  com  Hol- 
landa ,  e  Hamburgo ,   e  estando  bloqueados  os 
nossos  portos  ;    perdeo-se  este  ramo   de  indus- 
tria Nacional ;  por  anno  se  perderão  sem  lucro 
algum  dos  Portuguezes  34400000  reis ;   o  que 
não  succederia  ,   fabricando-se   a  Pólvora   com 
Salitre  de  nossa  lavra ;  pois  que  ainda  no  caso 
de  ficar  muito  mais  cara  ,   o  seu  custo  não  sa- 
hia  das  mãos  dos  Portuguezes  ,   no  que  muito 
interessa  o  Estado  ,   augmentando-se  a  povoa- 
ção com  os  meios  de  subsistência;  augmentan- 
do-se o  consummo   dos  géneros  ;  augmentan- 
do-se as  rendas  do  Estado. 

He  certo  ,  que  depois  se  remediou  em 
parte  este  grande  mal ,  fabricando-se  a  Pólvora 
em  Portugal  ;  mas  continuou  a  nossa  depen- 
dência ,  sendo-nos  necessário  o  Salitre  Estran- 
geiro; continuou  o  nosso  prejuízo  com  a  perda 
do  numerário  ,  que  este  exige  ,  ficando  delle 
privados  todos  os  Vassalios  Portuguezes  ,  que 
se  podião  occupar  no  fabrico  do  Salitre  Na- 
cional. 

Desde  Julho  de  175-3  >  ^^  ^"^  passou  a 
Fabrica  da  Pólvora    a  ser  administrada  pela 


N 


Real  FazeJida  até  1793  ,  se  comprarão  aos 
Estrangeiros  ii585'2  quintaes  de  Salitre  bruto, 
que  pelo  menos  a  preço  médio  de  16^000  reis 
por  quintal ,  nos  levou  de  Portugal  1 853 63 2000 
reis  j  ou  4  milhões  e  634  mil  cruzados. 

Nos  quatro  annos  de  1797  a  1800  com- 
prárâo-se  1795*8  quintaes,  três  arrobas,  e  onze 
arráteis  de  Salitre  bruto,  parte  do  qual  chegou 
a  custar  a  22015'  reis  por  quintal,  que  a  pre- 
ço médio  de  16000  reis  ,  nos  levou  de  Portu- 
gal 287331340  reis,  ou  718  mil  cruzados,  (i) 

Por  tanto  nos  levarão  os  Estrangeiros  em 
44  annos  mais  de  5"  milhões ,  3 5' 2  mil  cruza- 
dos  ,  deixando-nos  em  troco  de  tão  considerá- 
vel somma  hum  género  ,  de  que  nem  já  exis- 
tirá o  fumo.  Que  vantagens  não  teria  recebido 
Portugal  ,  tendo-se  derramado  pelos  seus  habi- 
tantes tão  grande  porção  de  numerário  em  tão 
curto  intervallo  de  tempo?  (2) 


(i)  Por  informações,  que  obtive  dg  Real  Fabrica  de  R€^ 
finaí^ão  de  Alcântara. 

(2)  Espero  ,  que  estas  razoes  bastarão  para  convencer  a- 
quelles  ,  que  sem  reflexão  alguma  ,  somente  dizem  ,  que 
a  Real  Fazenda  perderá  em  fomentar  o  Salitre  Nacional  todo 
o  excesso  do  Jucro,  que  podia  ter,  vendendo  a  Pólvora,  que 
fabricasse  com  Salitre  estrangeiro  ,  por  ser  este  mais  barato  t 


Felizmente  o  nosso  Augusto  Príncipe  e  Se- 
nhor tem  começado  a  dar  seguro  remédio  a  tão 
grande  mal.  A  Real  Nitreira  Artificial  de  Braço 
de  Prata   he  huma  das  muitas  provas   das  suas 
Paternaes  ,  e  Sábias  Vistas  :  ella  nos  augura  ver 
estabelecer  outras ,  que  possao  dar  de  nossa  la- 
vra todo  o  Salitre ,  de  que  necessitamos  :  pelo 
que   parecerá   impróprio  ;,   que  eu   inste   sobre 
objecto  ,   que  tanto  está   na  Real  Lembrança ; 
mas  a  obrigação  ,    e  a  lealdade   de  hum  Vas- 
sailo ,  que ,  como  eu ,  tem  a  honra  de  ser  em- 
pregado no  Real  Serviço  ,   e  que  tanto  deve  á 
Beneficência  de  Sua  Alteza  Real,   me  obrigao 
a  terminar  a  presente  Memoria  com  as  seguin- 
tes proposições. 

I.»  Que  se  mande  estabelecer  por  conta  da 
Real  Fazenda  42  Nitreiras  Artificiaes  de  ma- 
neira ,  que  possa  cada  huma  dar  40  arrobas 
de  Salitre  por  mez» 

Este  numero  he   muito  accommodado  á 


que  a  Real  Fazenda  consome  muita  Pólvora  em  defensa  do 
Estado  ,  e  que  em  toda  a  que  consome  ,  tem  hum  prejuizo 
real,  por  lhe  ficar  mais  cara.  Por6n  se  ainda  não  bastarem, 
penso  que  se  convencerão  da  utilidade  ,  do  que  aponto  na 
seguLute  nota. 


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•iÍikMirt«^>«<ifeM-i«Ma« 


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grandeza,  e  povoação  de  Portugal :  12  Nitrei- 
ras  na  Estremadura  5  dasquaes  podem  ser  mui- 
to bem  8  ou  10  nos  subúrbios  de  Lisboa;  10 
na  Beira ;  10  no  Minho ;  2  em  Traz  dos  Mon- 
tes y  8  no  Além-Téjo ,  e  Algarve ,  nenhum  pe- 
zo  faraó  a  estas  Províncias  ,  e  dar-nos-hiáo  o 
necessário  Salitre  para  o  fabrico  annual  da  Pól- 
vora j  de  que  necessitamos  ,  e  que  reputo  em 
20160  arrobas  ,  tomando  hum  meio  entre  as 
quantidades  de  Pólvora  fabricada  nos  annos  de 
^7985  I75>9  5  e  1800;  evitando  assim  a  perda 
de  200000  cruzados ,  que  annualmente  absor- 
verá a  compra  de  5000  quintaes  de  Salitre  Es- 
trangeiro, orçado  a  16000  reis  por  quintal,  (i) 

(i)  Sem  que  a  Rtal  Fazenda  se  encarregue  da  plantaqao 
destas  Fabricr.s,  póde-se  conseguir  tambera  aintroducção  des- 
te novo,  e  interessantíssimo  ramo  de  industria  pelo  seguinte- 
modo. 

Proponha-se  Privilegio  exclasivo  para  no  espaço  de  lOj^ 
ou  ij  annos  alguma  Companhia  Nacional  prover  a  PoNora,, 
de  que  necessitar  o  nosso  commercio  da  Costa  de  Africa,  sen- 
do esta  feita  na  Real  Fabrica  de  Barcarena  eom  Salitre  obtido< 
«m  Portuj-al  das  Nitrei ras  ArtifiGiaes  ,  que  fabricar  a  Hiesma 
Companhia  ,  e  das  terras  salitresas,  que  descobrir,  pagando 
iómente  a  despesa  do  seu  fabrico. 

Nao  faltaráõ  Companhias,  que  ambicionem  este  Privile-- 
fio  ,   quç  ceitamente   lhes  fará  ganhar  bum  grosso  cabedat,, 


"^ 


f9 

Todas  estas  42  Nitreiras  exigiráó  somen- 
te 672  homens  de  trabalho  ,  que  pouca  falta 
farão  á  Agricultura  ,  e  além  de  nos  darem 
hum  tão  precioso  género ,  augmentaráô  com  o 
seu  producto  as  rendas  do  Estado ;  sustentaráo 

vendendo  a  Pólvora,  que  fabricar  com  o  seu  Salitre,  que  segu- 
ramente lhe  ficará  por  muito  baixo  preço  ,  em  consequência 
das  economias  ,  que  ha  de  saber  fazer  na  sua  acqfciisiçSo  ,  a- 
prontando  tudo  ,  quanto  for  necessário  sem  perda  alguma 
de  tempo  ,  perda  ,  que  de  ordinário  infelizmente  não  he  at- 
tendida  nas  Administrações  por  conta  da  Real  Fazenda;  mas 
o  Estado  tirará  a  vantagem  de  se  poder  prover  de  Salitre  na- 
cional ,  findo  o  tempo  do  Privilegio  ,  por  se  achar  a  Nação 
instruida ,  e  em  posse  deste  noTo  ramo  de  interesse. 

o  commercio  tirará  a  vantagem   de  ter  Pólvora  para  as 
negociações  da  Costa  de  Africa,  onde  he  indispensável  hum  i 

tal  género ,  sem  passar  pelos  embaraços ,  que  actualmente  en- 
contra na  sua  acquisição  ,  mormente  em  tempo  de  guerra 

cm  que  a  defensa  píiblica  não  pôde  dispensar  a  Pólvora  ,   de  í 

que  necessitão  o$  Commerciantes  ,  a  quem  por  este  motivo 
se  tem  por  vezes  permittido  a  ruinosa  faculdade  de  a  comprar 
aos  Estrangeiros.  * 

A  Real  Fazenda  ficará  com  o  grande  lucro  ,  que  ainda 
pôde  tirar  da  venda  da  Pólvora,  que  fabricar,  em  todo  oBra-  f 

zil  ,   e  nas  restantes  Colónias  ;   inipondo-se  á  Companhia  a  f 

obrigação  de  vender  á  Real  Fazenda  ,    passados  seis  annos , 

o  Salitre,  de  que  necessitar,   sendo  fabricado  no  Reino,  pe-  -, 

Io  preço  médio  deduzido  da  compra  feita  aos  Estrangeiros  i 

nos  quatro  últimos  annos  antecedentes  ao  Estabelecimento  ; 

da  Companhia.  | 

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672  homens  ,  em  beneficio  do  augmento  da 
•povoação  ,  consummo  dos  géneros  ,  e  vanta- 
gem dos  Direitos  Reaes. 

Estas  mesmas  Nitreiras  servirão  de  esco- 
las ,  em  que  se  espalhem  os  conhecimentos 
práticos ,  que  são  necessários  a  tao  importante 
objecto  3  na  França,  Prússia,  Alemanha ,  &c. 
os  mais  rústicos  camponezes  sabem  conhecer 
as  terras  salitrosas  ;  formar  suas  Nitreiras ,  lí- 
xiviar  as  terras  ,  e  obter  o  Salitre  bruto ,  que 
passão  a  vender  ás  Fabricas  de  Refinação. 

Ao  Estabelecimento  de  Braço  de  Prata  se 
deve  o  termos  já  o  seu  primeiro  Administra- 
dor Narciso  António  da  Silva  instruído  de  ma- 
neira ,  que  pôde  com  muita  vantagem  ser  em- 
pregado na  plantação  de  semelhantes  objectos.; 
á  sua  intelligencia  ,  zelo  ,  e  probidade  certa- 
mente deve  muito  a  Real  Nitreira ;  o  segundo 
Administrador  António  José  Thomaz  da  Cos- 
ta já  possue  bastantes  idéas,  e  se  tem  feito  re- 
commendaveí  pelo  seu  zelo ,  e  actividade ;  não 
falio  nos  muitos  trabalhadores  ,  que  alli  tem, 
visto  como  se  preparão  as  terras ,  como  se  li- 
xivião  3  e  se  obtém  o  Salitre  bruto :  assim  he  ^ 
que  as  luzes  práticas  se  tornaQ  vijlggres. 


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2.3     Que  se  faça  reviver  o  Alvará   do  Se- 
nhor Rei  D.  João  IV.  de  26  de  Julho  de  1654 
e  a  Apostila  de  10  de  Março  de  16^^  ,    com 
as  alterações  próprias   dos  actuaes  conhecimen- 
tos. 

3.*  Qiie  seprometta  comprar  nos  primeiros 
4  ou  5  annos  todo  o  Salitre  bruto  ,  que  fize- 
rem os  particulares  pelo  dobro  do  preço  ,  em 
que  importar  o  feito  por  conta  da  Real  Fa- 
zeada. 

4.^  Que  ao  primeiro  Lavrador  ,  que  trou- 
xer á  Fabrica  da  Refinação  40  arrobas  de  Sa- 
litre bruto  obtido  das  terras  das  suas  alpendra- 
das ,  curraes  ,^  ou  abeguarias  ,  dispostas  conve- 
nientemente ,  ou  á  imitação  do  que  praticao  os 
Lavradores  do  Cantão  de  Appenzel  em  Suissa , 
não  somente  se  pague  o  dito  Salitre  pelo  dor 
bro  do  preço  do  fabricado  nas  Reaes  Nitrei- 
ras ;  mas  se  lhe  dê  hum  premio  pecuniário ,  q 
outro  honorifico ,  que  lho.  seja  proporcionado- 

5.^  Que  se  mande  fazer  huma  viagem  per 
lo  Reino  ,  com  o  intuito  de  se  descobrir  ter- 
renos salitrosos  ,  muito  principalmente  nos  si^ 
tios  ,  em  que  já  houvérao  Feitorias  de  Sali- 
tre.. 


/ 


)■  .1 


6^ 

A  sua  existência  he ,  quanto  a  mim ,  quasi 
certa  ,  não  só  por  ter  havido  as  sobreditas 
Feitorias  ,  mas  pelo  clima  de  Portugal  muito 
apropriado  a  formação  natural  do  Salitre  ,  e 
análogo  ao  de  Hespanha,  onde,  segundo Bow- 
les ,  hum  terço  das  terras  incultas ,  e  o  pó  das 
estradas  das  Províncias  Orientaes  ,  e  Meridio- 
naes  contém  Salitre  natural  ,  de  que  tirão  os 
Hespanhoes  bastante  lucro  ;  o  que  não  obstan- 
te, se  estabeleceo  em  Madrid  em  1778  huma 
muito  considerável  Fabrica  de  Salitre. 

A  descoberta  de  terras  salitrosas  será  de 
summa  importância  ,  já  por  ser  mais  barato  o 
Salitre  delias  obtido  ,  já  porque  depois  de  li- 
xlviadas  as  terras  ,  podem  ser  utilissimamente 
empregadas  na  formação  das  Nitreiras  Artifí- 
ciaes,  sendo  muito  próprias  a  Nitriíicação. 

6.*  Que  se  prohibao  dentro  das  Cidades  os 
matadouros  de  gado ,  sendo  permittidos  sómen-. 
te  nos  subúrbios ,  e  junto  das  Nitreiras  Artifi- 
ciaes. 

São  bem  constantes  os  incommodos ,  quô 
causa  ao  olfato  ,  e  á  saúde  o  matadouro  do 
Campo  de  Santa  Anna  ;  quem  passa  por  este 
sitio ,  bem  sente  a  abundância  de  vapores  nau- 


mm 


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^3 

seosos ,  que  nao  podem  deixar  de  prejudicar  á 
saúde  ;  também  são  attendiveis  os  incommo- 
dos,  e  desgraças,  que  causao  os  gados  condu- 
zidos pelo  interior  das  Cidades.  As  Nitreiras 
tirarão  grande  vantagem  de  todos  os  residuos, 
e  immundicias  destes  matadouros. 

7-^  Qiie  sejáo  renovadas  as  terras  das  se- 
pulturas das  nossas  Igrejas.  O  péssimo  estado , 
em  que  estão  quasi  todos  os  Templos ,  princi- 
palmente os  antigos  ,  pela  grande  quantidade 
de  miasmas  ,  que  se  desprendem  das  sepultu- 
ras ,  merece  particularíssima  attençao  ,  pelos 
males,  que  causao  á  saúde  pública. 

As  Nitreiras  podem  tirar  grandíssima  uti- 
lidade destas  terras  ;  em  1798  somente  duas 
das  Nitreiras  de  Paris  em  cada  década  fazia 
30000  libras  de  Salitre  das  terras  dos  Cemité- 
rios,  e  velhos  Edifícios  ,  ou  100  arrobas,  11 
arráteis,  5  onças  Portuguezas  por  dia.  (i) 


(i)  Deux  des  pias  grandes  Fabriques  de  Salpetre  de  Paris 
entre  plusieiírs  autres,  tirent  de  laterre  desCimítieres  e  des 
vieiix  batiments,  impregnes  de  Salpetre,  et  livre  chaque  De- 
cade  la  quantite  enorme  de  trente  mil  livres  de  Salpetre  pur. 
Fragmens  sur  Paris  179S,  T.  2.  pag.  108. 

Por  Aviso  do  ExceJIentissimo  Inspector  da  Real  Nitreira 
em  data  de  ^  de  Dezembro  de  1798  ,   me  foi  remettido  estJ 


mÊtSÊBtmmBssmm 


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64, 

8.^  Que  sejâo  obrigados  os  donos  dos  ani- 
maes ,  que  morrerem ,  a  fazer  conduzillos  ,  e 
enterrar  em  sitio  próximo  ás  Nitreiras  ;  e  os 
animaes  ,  que  apparecerem  mortos  peias  ruas , 
ignorando-se  seus  donos  ,  sejao  mandados  se- 
pultar nos  mesmos  sitios  por  aquelles ,  a  quem 
toca  providenciar  sobre  objecto  tão  importante 
á  saúde  pública. 

Deste  modo  nao  se  encontrarão  ,  como 
acontece  repetidas  vezes  nas  ruas  desta  Cidade , 
e  suas  visinhanças  ,  cadáveres  podres ,  e  dela- 
cerados  pelos  cães  ,  que  incommodao  a  vista , 
o  olfato ,  e  a  saúde  dos  que  passão  ;  e  ter-se- 
hão  terras  muito  apropriadas  ás  Nitreiras. 

9.»  Que  sejão  transportadas  para  as  Nitrei- 
ras todas  as  lamas ,  e  imimundicias  á  custa  da 
repartição ,  a  que  toca  este  ramo  de  Pohcia. 

Nos  subúrbios  de  Lisboa  podem  muito 
bem  escoiher-se  8  ou  10  sitios  para  deposito 
das  lamas ,  e  immundicias ;  e  nelles  com  gran- 


Exíracto ,  e  recommendado  o  seu  exame.  Quanto  não  he  pa- 
ra admirar  o  zelo  ,  e  actividade  de  hum  Ministro  ,  que  no 
meio  de  tantos  ,  e  tão  grandes  objectos  do  Real  Serviqo  se 
não  esquecia  de  ministrar  luzes,  que  podcssem  cooperar  para 
o  progresso  da  Real  Nitreira  1 


--<^'**'  -^•fMi^Pwpias 


6ir 

de  vantagem  se  estabeleceráo  outras  tantas  Ni' 
treiras. 

io%*  Que  sej  ao  transportadas  para  as  Ni- 
treiras  pela  repartição  das  Obras  públicas  to- 
das as  terras  de  entulhos  ,  e  edifícios  arruina- 
dos 3  que  os  Mesti'es  das  Nitreiras  julgarem 
convenientes  ;  sendo  esta  despesa  feita  pela 
mesma  repartição  ,  no  caso  de  lhe  competir, 
ou  pelos  donos  dos  chãos  entulhados  ,  e  que 
devem  edificar  ,  não  se  lhes  permittindo  outro 
yasadouro. 

11.^  Que  seja  permittido  o  tirar-se  as  ter- 
ras das  cavalhariças ,  adegas ,  palheiros ,  abo- 
goarias  ,  edifícios  velhos  ,  e  subterrâneos  sem 
prejuízo  de  seus  donos  ,  quando  os  Mestres 
das  Nitreiras  julgarem ,  que  são  convenientes , 
para  serem  lixiviadas  no  mesmo  sitio ,  ou  trans- 
portadas ás  Nitreiras. 

I2.«  Que  não  seja  permittido  a  Caíceteiro 
algum  o  trabalhar  em  calçadas  ,  principalmen- 
te de  cavalhariças  ,  sem  primeiramente  dar 
parte  aos  Mestres  Salitreiros  de  seus  Bairros , 
para  examinarem ,  se  lhes  convém ,  ou  não ,  as 
terras  das  mesmas  cavalharicas. 


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Com  estas  ,  e  outras  providencias  ,  que 

ratas  do  Nosso  Augusto  Principe  e  Senhor 
teremos  seguramente  de  nossa  lavra  todo  o  Sa- 
rtre necessário;  e  em  pouco  tempo  os  mesmos 
l^avradores,  e  Camponezes  abastecerás  a  Real 
Fabnca  de  Refinaria  de  Salitre  ,  sendo  então 
dwnecessaría  a  administração  das  Nitreiras  Ar- 
tiliciaes  por  conta  da  Real  Fazenda. 


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Ahãrâ  do  Senhor  Rei  D.  João  IV.  sobre  as 
Nitreiras  ,  e  fabrico  do  Salitre  em  PortU" 
gal ,  com  huma'  Apostilla  da  Senhora  Rai- 
nha  Regente  Dona  Luiza  de  Gusmão  ,  ex- 
trahidos  dos  Registos  da  Secretaria  da 
Junta  dos  Três  Estados, 


E 


U  ElRd  faço  saber  aos  que  este  Alvará 
virem ,  que  tendo  consideração  ao  muito ,  que 
se  necessita  neste  Reino  de  Salitre,  para  se  fa- 
bricar Pólvora ,  tão  necessária  para  sua  defensa, 
e  de  suas  Conquistas ,  e  ter  a  experiência  mos- 
trado de  annos  a  esta  parte  ,  que  ha  terras 
dentro  nelle ,  que  tem  bastante  virtude  para  se 
fabricar ,  e  ter  sido  de  tanta  utilidade ,  a  que 
se  formou  da  mesma  terra,  até  agora  ,  que  se 
entende  será  de  grande  proveito  continuar-se 
no  ministério  de  material  tão  importante  nos 
tempos  presentes ,  e  escusar ,  o  que  se  manda 
vir  da  índia  todos  os  annos  ^  e  o  que  se  com- 

I  ii 


À 


ia 

pra  aos  Estrangeiros,  introduzíndo-se  Feitorias 

de  Salure  nas  Cidades,  eViliasn^ais  a  pC 
«ito  para  se  fundarem  oíficinas,  em  que  se  be- 
neficie, encaminhando  aos  naturaes  ao  lavarem  • 
tíe.  por  bem ,  e  me  praz ,   que  por  ora  se  fa- 
^o  a.  Atas   oíHcinas   de  Salitre  somente  nas 
Comarcas  de  Alemquer,  Leiria,  e  Setúbal:   e 
a  respeito  do  que  delias  resultar ,   se  estenderá 
peias  mais   do  Reino  pela  maneira  seguinte - 
■Primeiramente  ,   que  em  cada  Cidade,  Yilla, 
^  Lugar  das  ditas  Comarcas  ,   as  quaes  forem' 
commodas  para  isso  ,   haverá   huma   pessoa, 
q^^  possa  lavrar  Salitre  ;  e  para  ter  melhor 
effeito  ,   há  por  bem  ,   que  as  taes   pessoas, 
Çue  o  fizerem ,   seus  filhos ,  é  criados ,  que  se 
occuparem  neste  mister  ,   sejao  isentos  de  ir  a> 
aiardos  ,  e  ás  fronteiras  ,    e  nao  sejáo  occupa-^ 
das  em  outra  Occupado  ,   e  nem  se  lhes  possa 
tomar  suas  cavalgaduras  ,   e  carros  ,   e  se  lhes. 
Hao  possa  lançar  decima  ,  nem  meneio  de>a^ 
^ancia ,  que  tiverem  do  dito  Salitre  ;   e  sendo- 
ihe  necessário  tomar  as  terras,  que  forem  pro- 
prias  para   este  material  em   qualquer  parte 
que^se  acharem  ,   as  possão  tomar  sem  contra-' 
^i^^jao  alguma  .   ç  se  em  algumas  as  houver. 


'  mmÊmÊÊHmmmÊÊmm 


6^ 

recorreráo  ao  Juiz  de  Fora  ,  ou  ao  Provedor 
da  Comarca  ,  que  tomando  a  informação  ne^ 
cessaria ,  julgará  se  faz  damno  ;  e  fazendo-o , 
a  nâo  poderáo  tirar  j  e  não  o  fazendo ,  se  lhes 
não  poderá  impedir  tirar  a  dita  terra  ,  pagan- 
do-a  a  seu  dono  por  seu  justo  valor  :  sobre  o 
que  poderá  haver  aggravo  ,  e  recorrer-se  ao 
Conselho  da  Minha  Fazenda ;  e  para  se  poder 

continuar  este  mister  ,   irá  o  Mestre  do  Salitre  ' 

por  todas  as  partes  das  Comarcas  referidas ,   e 

verá  a  quantidade  delle  ^   que  se  poderá  fazer  j  ' 

e  obrigará  a  pessoa ,  que  tiver  este  Privilegio  3 
a  dar  cada  anno  o  Salitre  ,  que  lhe  parecer,, 

pode  lavrar  conforme  a  conveniência ,   que  pa-  , 

ra  isso  houver ;  o  qual  será  refinado  a  conten- 
to do  Tenente  General  de  Artilharia ,  e  appro- 

vado  na  Torre  da  Pólvora ,  onde  se  ha  de  en-  \ 

tregar  ;   e  se  o  não  quizerem  dar  refinado,   se  1 

llies  pagará   por  cada  quintal   metade  do  pre-  j 

ço  ,   que  se  dá  pelo  refinado  ,   sendo  de  quali-  .  \ 

dade  do  que  se  faz  nesta  Cidade ;  e  o.  Mestre 
o  refinará  á  sua  custa :  e  sendo  caso  y  que  nas 
taes  partes  não  haja  Caldeiras ,.  se  farão  á  cus- 
ta da  Minha  Fazenda  do  tamanho ,  que  forem 
uecessarias  y  e  as  ditas  pessoas-  serão  obrigadas 


ttÍlwK..J*^^    1  t^hM^^t^^jA 


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70 

a  pagallas  logo,  ou  darâò  fíânçã  a  as  pagarem 
em  Salitre  na  primeira  até  segunda  entrega  •  e 
se  qualquer  Cidade,  Villa ,   ou  Lugar  das  so- 
breditas Comarcas   for  sufficiente  de  dar  quan- 
tidade de  Salitre,  a  pessoa,  que  nelle  o  fabri- 
car ,   escolherá  huma  casa  ,    que  seja  própria 
para  este  ministério ,  pagando  os  alugueres  del- 
ia a  seu   dono   por  seu  justo  preço  :    e  onde 
houver  pouco  ,  cada  hum  o  poderá  fazer  em 
sua  casa ,  como  se  faz  em  França ,  Alemanha 
e  Polónia  •    por  quanto   por  este  Alvará   não 
dou  casa  para  se  fazer  Salitre,   e  se  não  licen- 
ça  para  se  poder  fazer  :   e  poderão  todas  as 
pessoas ,  que  o  fizerem ,  tomar  lenha  em  qual- 
quer parte,  que  se  achar,  só  para  esta  Fabri- 
ca ,  com  tanto  que  não  façãó  prejuízo  ás  mi- 
nhas madeiras  ,   nem  tão  pouco  ás  arvores  de 
fructo  ,   posto  que  sejâo  de  particulares  ;   mas 
sendo  arvores  seccas,  ainda  que  sejão  Minhas., 
as  poderáô   cortar  ,   e  levar  sem   pagar  nada' 
por  ellasi  e  assim  mesmo  as  arvores  de  parti- 
culares ,  que  não  forem  de  préstimo ,   as  pode- 
ráô cortar  ,  e  levar  ,  pagando-as  a  seu  dono 
I^elo  seu  justo  preço  ;   e  se  os  taes  donos  im- 
pedirem algumas,  dizendo  lhe  fazem  prejuízo. 


7í 
o  Juiz  de  Fora  ,  ou  o  Provedor  da  Comarca 
fará  acerca  disso  o  que  se  dispõe  nas  terras, 
e  julgarão  se  se  deve  tomar  ,  ou  não  ;  e  o 
Mestre  do  Salitre  irá  ás  Comarcas  referidas 
ensinar  as  pessoas  ,  que  o  quizerem  apren- 
der ;  e  mando  ás  Justiças  delias  náo  impidao 
fazer  vestoria  ,  e  ver  a  quantidade  de  Salitre, 
que  se  poderá  fazer  em  qualquer  parte,  a  que 
elle  for  :  e  as  pessoas ,  que  aprenderem ,  e  se 
quizerem  obrigar  á  sua  manufactura  ,  farão 
obrigação  nos  meus  Armazéns  da  Tenencia 
diante  do  Tenente  General  de  Artillieria  ,  na 
forma  deste  meu  Alvará  ,  obrigando-se  a  dar 
a  quantidade,  que  o  mesmo  disser  ,  e  a  cada 
huma  das  ditas  pessoas  se  lho.  dará  a  copia  au- 
thentica  deste  Alvará ,  para  delle  usarem  j  por- 
que só  os  que  fizerem  a  tal  obrigação ,  goza- 
ráo  dos  Privilégios  nelle  concedidos  :  á  qual 
eopia  se  dará  também  inteiro  cumprimento^ 
como  se  fora  o  próprio  por  mim  assignado. 
Pelo  que  mando ,  &c.  Luiz  da  Costa  o  fez 
em  Lisboa  aos  29  de  Julho  de  16^^.  ts  Rei, 
s  Marquez  Almirante.  =5. 


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Or   quanto   pelo   Alvará    acima   copiado; 
mando ,  que  somente  nas  Comarcas  de  Alem- 
quer,   Leiria,   e  Setúbal -possa  hayer  Feitorias 
de  Salitre  ,    tendo  respeito   ao  que  ora  me  re- 
presentou o  Conselho  de  Minha  Fazenda  sobre 
o  motivo  ,   que  convinha  obrar-se  neste  Reino 
o  mais  Salitre  ,  que  ser  possa  ,   para  que  não 
^aja  falta  deik  ,    pelo  muito  que  se  necessita: 
Hei  por  bem  ,    e  mando  ,   que  nas  mais  Co- 
marcas do  Reino  possa  haver  as  taes  Fabricas 
pelo  modo  ,   e  fôrma  ,   que  pelo   dito  Alvará 
mando,    que  as  haja  nas  três  Comarcas  referi- 
das,  sem  nenhuma  alteração  ,   nem  innovaçao 
do  disposto  nelle;  e  as  pessoas,  que  nellas  as- 
sistirem,  serão  approvadas  pelo  Mestre  do  Sa- 
litre daTabrica  desta  Cidade  ,  o  que  constará 
por  Certidão  do  Tenente  General  de  Artilha- 
ria Rui  Corrêa  Lucas,  ou  de  quem  seu  cargo 


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s-ervir ;  e  com  esta  Apostllla ,  que  não  passará 
pela  Chancellaria ,  se  cumprirá  o  dito  Alvará ,. 
como  nelle  se  contém.  Luiz  da  Costa  Corrêa 
o  fez  em  Lisboa  a  lo  de  Março  de  165-5^^ 
K  Rainha.  =:  Marquez  Almirante.  =5 

*       N.  B. 

António  Rotier ,  Francez  de  Nação ,  em 
2641  foi  o  primeiro  ,  que  fez  hum  Contrato 
€om  ElRei ,  para  lhe  dar  Salitre  feito  no  Rei- 
no :  em  1642  associou  por  novo  Contrato  a 
Manoel  Mattheus  ,  Polvorista  de  Sua  Mages- 
tade  ;  em  1648  Francisco  Roberto  ^  também 
Francez ,  e  Administrador  da  Fabrica  de  Sali- 
tre de  Torres  Novas ,  encarregou-se  igualmen- 
te da  de  Lisboa  ,  e  celebrou  njoyo  Contrato 
em  16^0  ;  associou  a  Francisco  de  Tour  ,  e 
renovou  o  Contrato  com  novas  condições. 


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