HANDBOUND
AT THE
UNIVERSITY OF
TORONTO PRESS
II
A^:t> 7z<^? (,^x
NOÇÕES
DE
m
iií* ^
A PORTDGUEZA
DE ACCORDO COM O PROGRAMMA OFFICIAL
Para os exames geiaes fie preparatórios do corrente anno
PELOS PROFESSORES
'Ifiji/h/o^JL^^oheco da Silva Júnior
Lameira de Andrade
Ainda quando a grammatica histórica só
desse em resultado tomar as grammaticas
ordinárias mais lógicas e mais simples, já
nâo prestava pequeno serviço.
RIO DE JANEIRO
33 RUA DA URUGUAYANA 33
1887
Serão reputados falsos todos os exemplares não rubricados
t
e numerados pelos autores, os quaes protestam contra qualquer
reproducção.
SEP 28 1967^^
Tínhamos emprehendido escrever uma gram-
matica completa da língua portugueza, rompendo em
lucta a tradição, e fazíamos fundamento de entregal-a
em breve á publicidade. O novo programma para os
exames geraes de preparatórios, porem, veio fazer- nos
mudar do propósito. E* que muitos dos pontos nelle
exigidos. para os exames de portuguez não se encon-
trando nas grammaticas que por ahi correm impressas,'
e os alumnos não tendo fontes onde possam haurir
a instrucção de que carecem, resolvemos vir ainda
uma vez em auxilio da mocidade estudiosa.
Não apresentamos este trabalho como merecedor
de gabos de excellente,. nem no intuito de nos reve-
larmos professores de sciencia jubilada. O tempo
urgia; bosquejamos apenas o assumpto.
Nem sempre o nosso parecer coincidiu com a
indicação do programma ofticial ; seguimos todavia,
para maior segurança dos viajantes novéis, o roteiro
apresentado pelo governo.
A única difficuldade, e não pequena, com que
tivemos de pleitear, foi a dosagem.
Acertadamente escreveu o illustre pedagogista
Alberto Brandão :
A grande difficuldade com que vão arcar os profes-
sores é a dosagem, porquanto, como disse Michel Bréal,
não ha methodo mais perigoso do que o histórico, quando
mal applicado, e os autores do livro a apparecer têm de
pôr de parte a vaidade natural aos que muito estudam
para formularem um livro modesto e comprehendido
pelos que começam a estudar.
E isso, parece, ficará de accôrilo com os organi-
sadores do programma, que devem saber que muitos dos
pontos exigidos só poderiam ser tratados em theses, não
de exames de preparatórios, mas de concurso no imperial
collegio.
Seguindo esse conselho de mestre, fizemos o que
devíamos; se o nosso trabalho, porem, não agradar
a alguns, escrevam elles um outro — a maior aprovei-
tamento dos estudantes — , e mostrem o que sabem e
o que podem.
Nota. — A matéria que o alumno é obrigado a cncerebrar
vae impressa em typo maior ; as notas encasadas no texto, e as
que vão embaixo cia pagina são destinadas aos que mais desejam
aprender.
Entendemos dever forrar-nos á tarcfii de nos occuparmos
de definições e outras cousas elementares, que o alumno já deve
conhecer desde a escola primaria.
PRIMEIRA LIÇÃO
Observações geraes sobre o que se entende por grammatica
geral, grammatica histórica ou comparativa, descriptiva,
ou expositiva.— Objecto da grammatica e divisão do seu
sentido.— Phonologia: os sons e as lettras; classificação
dos sons e das lettras; vcgaes; grupos vocálicos; con-
soantes, grupos consonantes; syllabas, grupos syllabicos;
vocábulo ; - notações léxicas.
I. — Grammatica geral é o estudo dos factos e
das leis da linguagem em toda a sua extensão.
E' o conjuncto dos processos communs a muitas
línguas comparadas.
O fim, pois, da grammatica geral é coordenar as
seinellianças c dhcrgoicias dos vários processos oraes,
seguidos no maior numero das linguas conhecidas, para
a expressão dos sentimentos e das idéas, estabele-
cendo ao mesmo tempo regras geraes, principies fun-
damentaes, leis communs e positivas.
Nesta accepção a grammatica geral é propria-
mente o estudo da linguagem (glottologia), isto é, o
estudo dos meios extraordinariamente numerosos pelos
quaes o género humano, na diversidade das raças e
na successão dos tempos, exprimiu o pensamento.
No domínio da grammatica geral ha duas orientações: — a ten-
dência exclusivamente lógica, que impõe a priori uma theoria do
pensamento a todas as modalidades linguisticas; e a tendência ex-
clusivamente inorJ)hiai,(\\.\Q procura explicar o sentido pela structura,
o interno pelo externo.
Quando exclusivas, systematicas, ciumentas, essas orientações
tornam se viciosas; pois cumpre não esquecer que a palavra com-
põe-se de dous factores invariáveis — u physiologico e o psycolo-
gico, a idéa e ?i forma. Para perfeita constituição da glottologia é
pois de mister a intima combinaçcão dos dous processos.
2. — Grammatica histórica ou comparativa. — É
a que emprega 7s.Jiistoriíi e ?l comparação como instru-
mentos verificadores da linguagem.
Só ella nos ensina a dissecação scientifica dos
vocábulos; permitte remontar ao passado obscuro,
muito além do ponto em que param, a lenda e a tradi-
ção; pode reconstituir a forma typica das palavras des-
figuradas ou gastas pelas migrações e pelos séculos.
Assim, por exemplo, se quizessemos estudar o vo-
cábulo pomba, a historia nos indicaria a origem no
latim palumba, e — como todas as evoluções na vida
humana foram lentas e graduaes — as formas interme-
diarias/•íz/^wí^í?, j(^íZí?/;^^z,y^6>í?w/^í? (does. do Sec. XIII);
fr. colombe, palombe; hesp. coltimba paloma; it. co-
lomba, palombo. '
* Em lat. coluniha, gen. gall.; paliiinba (=.paliinibcs, paltiin-
^//íj= pombo trocaz. Em port. tenioso adj. columbino e colombina.
3- — Grammatica descriptiva ou expositiva. —
E' a codificação empyrica, a exposição analytica dos
factos da linguagem.
Não investiga as causas nem explica as leis ; seu
fim é apenas classificar, definir, e exemplificar os ma-
teriaes linguisticos.
Este niethodo grammatical, posto estude mui incompletamente
a linguagem, é todavia de grande utilidade por sua clareza didá-
ctica, e ainda accrescentado pelos muitos respigos ào. provas cumu-
lativas.
4. O OBJECTO DA GRAMMATICA PORTUGUEZA, é
poiso estudo geral, descriptivo, histórico, comparativo
e coordinativo ,mas tão somente no dominio da lingua
portugueza, dos factos da linguagem e das leis que
os reo;em.
5. — Divide-se em lexycologia Gsyntaxe.
A lexycologia estuda a palavra individualmente,
e subdivide-se ç.\x\ phonologiaow estudo dos sons (que
comprehende — phonetica, prosódia e orthographia),
inorpJwlogia ou estudo das formas, e semiologia ou
estudo do sentido das palavras e da sua variabi-
lidade.
A syntaxe trata da palavra collectiva, isto é, da
phrase e à2i proposição, e divide-se ç^xw grammatical e.
litteraria.
A primeira é a theoria da coordenação e subor-
dinação das palavras em suas relações de pura expres-
são form.al do pensamento ; a segunda é a theoria
artística da palavra em suas relações com a esthetica
do pensamento. Desta nos occuparemos no ponto
46 (estylistica). '
6. — Phonologia é o estudo dos sons em geral.
PJionetica é a parte da grammatica que estuda as
modificações, permutas e transformações dos sons.
A phonetica portugueza, pois, tem por fim o estudo
histórico de cada uma das lettras do nosso alphabeto,
das permutas que sofí'reram na passagem do latim
para a nossa lingua, e ainda o das modificações por
que passaram até a fixação das formas vocabularias.
Base dos estudos grammaticaes, philologicos e
glottologicos ; esteio da etymologia scientifica, é ainda
a phoneticaque nos ministra as formas intermediarias
hypotheticas, mas verificáveis, de tão subida utilidade
para os estudos comparativos.
Não obstante, as íeis phoneticas não são absolutas
e rigorosamente fataes; representam apenas tendên-
cias desenvolvidas da Hno^uasfem.
7. — Sons e lettras. O som é um phenomeno
natural que se produz em todas as suas variedades,
mas subordinado a condições grganicas ; e o alphabeto
natural é hoje perfeitamente explicado pela anatomia
e pela physiologia, e ainda pela physica.
Podemos pois definir o som — producto do
apparelho phonico.
' Esta divisão da grammatica é a mais vasta e geral. Outra,
que também aceitamos, e mais determinada, é a seguinte — phono-
logia, lexicologia, morp/iologia, morphologia analytica, syntaxe.
Lettras são as representações graphicas dos sons.
A' sua disposição methodica, bem como á dos sons,
dá- se o nome de alphabeto.
Um systema alphabetico, deve estender-se do a aberto aos
sons mudos e completamente fechados. São esses — diz Whitney —
os seus limites naturaes e necessários, e só os gráos intermediários
podem dividir-se em classes.
8. — Ha tres cadiegorias de sons ou lettras, cor-
respondentes a tres ordens de modificações do appa-
relho vocal — vogaes, consoantes momentâneas, con-
soantes continuas.
A divisão geral dos sons em vogaes e consoantes,
basea-se: i?, no esforço que se emprega para superar
o obstáculo opposto á emissão do som ; 29, na natureza
especial dos órgãos que constituem esse obstáculo,
-D'ahi ainda a divisão das consoantes em contÍ7iiias
(vibrantes, liquidas, aspirantes) ; instantâneas ou
explosivas, nasaes, c/iiantes, e — gnttnraes, palataes,
dentaes e labiaes.
9. — As vogaes, são produzidas peto larynge,
posto que modificadas no som pelas differentes posi-
ções da lingua e dos lábios. Cada uma dessas modi-
ficações do som origina uma voz ou vogal differente.
A cavidade bocal forma um canal igualmente largo ou dila-
ta-lhe o segmento anterior estreitando o posterior : dá-se o primeiro
caso para as vogaes a, o, 11, o segundo para e, e /. Na emissão
desses sons ('vogaes puras), os orifícios das cavidades nasaes
fecham-se pela elevação da aboboda palatina : o contrario produz
as iiasafs. (Burnt. Kiin. Vhys.).
As vogaes fundamentaes, typicas são — a, e, u\
i ç. o representam sons puros, porém intermediários.
2
IO
A nasalisação vocálica em portuguez, posto fosse vulgar no
celta e no francez. não deve ser attiibuida a estas influencias senão
á da lingua romana. '
O y entre duas consoantes origina-se de um
ypsiloii grego, ainda mesmo nas palavras importadas
pelo latim .
Entre vogaes equivale a um i o\\ y latino, ou é
de intercalação euphonica. Serve ainda, no fim da
palavra principalmente, para alongara vogal {aly, /ly,
etc.)
' No latim o ypsilon era representado nas mais
antigas inscripções por ii ou por //e nos nossos pri-
meiros documentos equivalia a i ç. j {mayo, mayoi',
peyor, etc),
E' final em algumas palavras de origem estran-
geira {bcy, dcy, joc/ccy), e neste caso representa
signal etymologico ; e ainda nos nomes locaes deriva-
dos da lingua indigena (Cafumby, Andarahy).
IO. — As vogaes podem ser duplas ou compostas
(de uma forte e uma fi^aca). A estes grupos vocálicos
dá-se o nome de diphthongo; consistem na emissão
de duas vozes constituindo um som unicO; e dividem-
se em oraes e nasacs : ac, (ai), au, (ao), ci, eu (eo,) oc
(oi), oií, líi, e ãc, ã (an), ão, õe, nim.
O diphthongo é sempre consequência de reforço
ou abrandamento.
Chama-se semi-diphthongos aos grupos ea, ia, té,
7ia, tie MO, e a razão salta aos olhos — as duas vogaes
* V. Pacheco Júnior — Rcvisia Brazileira. i" vol. 122.
i
1 1
posto não se possam separar soam todavia distincta-
mente {ténue, eontiiiiió).
Alguns grammaticos, — entre os qiiaes Diez —
consideram triphthongos portuguezes os grupos —
uae, uei : — iguaes, averigueis.
Os monophthongos (<?/,=<?, ei^, etc) só se conservaram no
portiigiiez em relações etyniologicas (Encas = .E/ieas, coevo
= aTi///i, etc. )
II. — A theoria que explica a funcção das vogaes
e as suas permutas na formação e derivação das
palavras, chama-se vocalistno.
As alterações phoneticas mais são devidas á natureza das
vogaes, cujas intimas relações physiologicas são manifestas na sua
gradação c degradação,' e que — como ponderou Bopp — obe-
decem a uma^ escala de peso relativo.
12. — A consoante é um ruido, e não um som.
Simples ruidos ou vibrações, não podem ser
pronunciados senão com auxilio de uma vogal, e
d'ahi lhes veio a denominação {cuni somire).
Uma corrente de ar passando por um tubo, fresta ou aresta,
produz um som. Si o som é produzido por uma vibração regular e
rythmica, chama-se som musu\tl ou simplesmente som ; se a vibração
é irregular, isto é, se as suas ondulações successivassão intervalladas
irregularmente, o tympano recebe a impreãsão de um simples ruido,
e não de um som.
Os órgãos de respiração, pela inspiração e expiração, podem
produzir muitos sons e ruidos.
Os órgãos necessários para a producção da voz e pronuncia
são os pulmões — os bronchios, a trachéa, o larynge (que compre-
hende as cordas vocaes, as fossas nasaes, e finalmente a boca
língua, lábios, dentes).
' Caso curioso de reforço vocálico, á maneira do guna sansk.,
é a forma dialectal de Beira — ai aula, ai atigua, etc.
12
O ar expellido pelos pulmões, passa dos bronchios para a
tracbéa, e chega á glotte : não podendo romper facilmente por esta
fenda, é impellido com força pelo sopro contra as cordas vocaes
inferiores, que entram em vibração. O ar torna-se linlão so/wro.'^
13. — O /i é simples signal etymologico ; — /lora,
Âoy/o.. .z=:\at. /lora, ho7'tiim; hydrogeneo, (gr. luidros),
Homero ; notação de dierese ou resolução vocálica —
sahí, ahi.
Parece que esta lettra era aspirada nos primeiros
annos da formação da lingua, á semelhança do latim.
Deixando de soar, deixou também de ser repre-
sentada graphicamente (í7w^;2. onrra, etc); mais tarde,
porem, os latinistas introduziram de novo esse signal
naescriptae d'elle abusaram osescriptores dos séculos
XIV e XV — he, hir, huDi, ho, ke, (verbo e conjuncção)
husofructo, kiusidias, hestroniento, higualdaçoni, etc.
E ainda hoje ç.scrQXftvaos Jie?i/ním por }ie7n luii.
Em muitos casos, porem, parece que seu fim era
indicar o alongamento da vogal (in/icu sabina, etc.)
14. — As consoantes são simples — b, c, d,/, etc:
ou compostas: — cli, lli, nli, pli, etc. Ao lli e nh dá-se
o nome de molhadas.
Ás combinações bl, br, pi p^^, gl, gr, etc. — accor-
dadas, em geral, á euphonia latina, — chamamos
grammaticos — grupos cojisonaiitaes. (V. ponto 3).
A theoria explicativa da historia das funcções
e permutas das consoantes denomina-se consoiian-
tismo.
A geminação das lettras só se dá no dominio das consoan-
tes : I." por transmissão etymologicaou uso tradiccional — cavallo-=z
caballits; 2.° pelo reforço do a proslhetico regional :— íí/zt^ív/Aí/v
3.° por assimilação, nos compostos (directa ou indirectamente) : —
a) raigtrr, atlrahir.
Nos escriptos antigos empregavam a geminação vocálica
])ara indicar a tonicidade ou transparência etymologica (Sec. XII-
XVI): — a7'oo, fo/>oo, diaboo, seetii, Vaasio, Aícciíi. . .; leo; seede.
inrde, aojes, soo/n, Jáa, cncii, Jiwestno, ineestre, door. . . (Sec. XI 11).*
A substituição d'esta graphia por vogal accentuada data do sé-
culo XV em Ruy de Pina,e desapparece com Damião de Góes. As
mesmas tendências se observam na geminação das consoantes
(reforço, alongamento exterior, etc.) nos mesmos séculos o/irras, ssa,
nios, metisse, /a/l, capi/o//o,^i//os, ffa/sos, fforom (Sec. XIII XV). . .
ao passo que, quando etymologica, raro se encontra nos primeuos
documentos da lingua {aba/c, vosa — século XII — , ape/ido, a/y
— século XIII — , etc.)
A geminação //representava na jiiesma época a molhada //;;
{bar a/ lar, mo//er, conce//o.. .), //// =^ 11 h.
A maioria d'estes factos representa o período syneretico da
orthographia.
15, — SVLLABAS, GKUPO.S SVLLABICOS, VOCÁBULO.
As syllabas representam os sons elementares do vo-
cábulo : são as suas articulações ou juncturas.
Podemos ainda definir a syllaba — todo e qualquer
som produzido por uma única emissão de voz. ^
Vocábulo é uma forma expoente de uma idéa
ou sentimento. '
A formação das syllabas e dos grupos syllabicos
depende principalmente da afíinidade physiologica dos
sons e sua correspondência, '* e de hábitos euphonicos
regionaes, subordinados quasi invariavelmente á lei ou
ao principio de menor acção.
' Gane. Vat. , Ined. d'Alle., L. Gons., etc.
- E como a voz é a emissão dos sons vocaes, segue-se que
não pode haver syllaba sem vogal.
■^ Por excusado não nos referimos á sua constituição em
monosy/Zabos, dissy/Zabos, etc.
* Ayer — Gramm.
H
Assim por exemplo, as combinações syllabicas — cz, _ç//, pth
iniciaes, são transcripções de vocábulos não vernáculos, isto é, na
sua formação desviaram-se das leis harmónicas do syllabismo por-
tuguez. A verdadeira integridade ou unidade syllabica é quasi sem-
pre consequência do principio de menor esforço a que acima nos
referimos.
Phonica e morphologicamente os vocábulos são — homonymos
(liomophonos ou homographos) e. paronymos; semiologicamenlesão
mononymos, polynomyno-, syuonymos e antonymos. (V. lições 6*
e 12.").
i6. — Notações léxicas. — Sãosignaesgraphicos
que servem para exprimir a natureza, predominância,
contracção ou suppressão de vozes livres, e ainda
para a representação abreviada das palavras.
São de três espécies — phonicas, etymologicas e
tachygraph iças.
a) A primeira espécie pertencem os accentos
agudo, circiimjiexo, a dierese, o asterisco, a cedil/ia,
e o /// ou accento nasal, etc
O accento agudo indica não somente a tonicidade da syl-
labn, senão também uma contracção — ã =z aa =; lat. s.i\-ilhiin.
A ãieirse representa uma resolução vocálica, ou emprega-se
em certas palavras para indicar cpie as duas vogaes não formam
diphthongo (ataiide, alaúde') *
O circiiinflexo indica ensurdecimento vocálico (sede =:l siã), e
contracção (têm = teem = lat. tenent).
A ccdilha é de origem hespanhola. O seu emprego data do
século XIII, posto que nem sempre a em|)regassem os escriptores
{Gu/uan), que outras vezes d'ella se serviam pleonaslicamente
{Gotidisa/ves).
O /// representa sempre uma nasal, e até as primeiras déca-
das do século XVI era empregado como notação abreviadora
[cô ^^ com, pêdiça ^. pendença= penitencia). Ainda hoje escreve-se
q, =(jne, etc. -
• E' este o meio graphico aconselhado por A. Garrett ; ge-
ralmente, porem, emprega-se o accento agudo, e antigamente
representavam-no por um h {ala/iiidt).
- IT=- til {iiiacjio == mão, cristaho — christão,...) F. da Guarda,
Ined. Port. Nestes últimos — doe. 409 — o til não é representado :
maao, sayoes.
b) Os accentos etyuwlogieos são o apostropho e
a diastase.
O ultimo emprega-se em palavras formadas por
juxtaposição ; mas hoje o seu emprego é muito
menos vulgar porque nos juxtapostos os elementos
componentes vêm sempre claros e distinctos. Serve
também, como signal formativo, para separar as
syllabas da palavra.
c) Os accentos iachygrapJios são as abreviaturas,
usadas oferalmente em formas onomásticas, de títulos
honoríficos e pronominaes.
Exemplifiquemos:
Sec. VIII — Test.
— testis
YA\—conf.
confirmo
— dha.
dona
— F.
firma
XIV ~ ag.
aqui
— díXij.
daqui
— qscra.
quisera
— s.
saber
XV — dy.
Deus
— S'\
senhor
V
vós
XVI Bartoli.
Bartolomeu
— Frez.
Fernandes
GIL
Gonçalves
— i?.
Réo
-^V. A.
Vossa Alteza
i6
XVI — F (fr)
= Frei
— VE
Vossa Excellencia
— V. M.
Vossa Mercê
— V.P.
Vossa Paternidade
— V.R
Vossa Reverencia
V. s.
Vossa Senhoria
— c/iro.
Christo
yns
Jesus
XVIII ner.
mulher
— uto.
muito
— Rdo.
Reverendo
— Rmo.
Reverendissimo
— Sor
Senhor
— Sna
Senhora
Sec. yji^Att.o, B/l, Cr o, Dig.^iio^ cx. (exemplo),
Snr., P. S. (post. escriptum), /. e. /, (por especial
favor), o. d. c. (offerece, dedica e consagra), etc.
Todas essas notações são convencionaes.
SEGUNDA LIÇÃO
ACCENTO E aUANTIDADE
T. — Accento (lat. acce?ihis, ah-accínendo^iLgv&go
prosódia) é a influencia ou regra que determina a ele-
vação ou ensurdecimento da syllaba.
E' a alma da palavra, como o definiu Diomedes ;
a viva emoção do sentimento que acompanha o dis-
curso, o mediador entre o pensamento e a forma, —
na phrase de Humboldt.
2. — Ha quatro espécies de accentos : ionico,
grammatical ou lógico, oratório ou phraseologico, e
provinciano ou local.
a) O accento tónico (gr. tonos) é a elevação da
voz na pronuncia de uma syllaba para tornal-a mais
saliente.
E' uma força conservadora, diz o professor Díez,
que resiste em todo o dominio da linguagem á corrente
3
da degeneração phonetica, e por isso é a alma, o
centro de gravidade da palavra.
Como em geral nos idiomas congéneres, o estudo
do accento tónico é de summa importância no portu-
giiez * pois que na formação da lingua foi grande a
sua influencra, a qual se manifesta:
i9 na persistência do accento, principalmente no
vocabulário de fimdo popular :
ángelus anjo (arch. anged) — Angelo
clavicula. .cavilha, cravelha, — clavícula
parábola, .palavra, — parábola
viatictim . - viagem, — viatico
acudia agulha
A deslocação do accento tónico dá-se sempre por
circumstancias apreciáveis, taes como — influencia eru-
dita (ainda que cm muito menor proporção que
em fiancez), o imparisyllabismo latino, a composição,
a enclise, as derivações dialectaes :
pólypíis polypo (polvo)
plátea platéa (praça)
cáthedra cadeira
renego renego
explico explico
pústula bostélla
' Sobre a deslocação do accento tónico nas palavras de ori-
gem latina, é muito para ser comultado o que escreveu o Dr: Alfredo
Gomes.
19
cómpater compadre
Hig7ies Ignez
Didocíis Diogo
tímor temor
etc. etc.
O accento latino estava subordinado á quantidade : d'ahi a
influencia da penúltima longa, sobre a qual elle recahia [cantórem,
amare... rígitii/s, poiticus. ..)
Em muitissimos casos a deslocação do accento remonta ao
latim vulgar (fícaiiim — figado, currcie, scrihere, géincre, consintere,
rúmpere, faceie, converte re, regere, etc. =^ correr, escrever, gemer,
construir, etc).
Estes verbos proparoxytonos em ere tinham uma forma
concurrente oxytona tmiie — ciírfíri, scribíre, eic. donde se deri-
varam as formas verbaes portuguezas, accentuadas na ultima pela
queda regular da vogal final.
2. — Na derivação. Os suffixos originários atonos
tornam-se tónicos em vocábulos de nova formação:
C7Ístal-mo = lat. cristalum + inus
primaz-và. = primarium
3. — Na analogia — imbecil, dúctil, têxtil.
4. — Na obliteração dos casos, ou melhor no con-
sequente desappareciniento das syllabas atonas:
lição lectionem
lei legem
face facem
E as syllabas finaes eram sempre atonas.
5. — Na homonymia. Muitas vezes o accento dis-
tingue as formas homonymicas, que deixam conse-
quentemente de ser homophonas: ulti^no último, vín-
culo vinculo.
20
6. — Na poesia. A obliteração e assonancia só
produzem verdadeiros effeitos métricos, quando as
lettras ou syllabas são accentuadas {tants temes tanto
mando — S. Res. Misc. — ; as que foratn terra acima
tiveram melhor atina...; deram á rainJia o filho e d es-
crava deram a filha ; mal se levanta a rainha, vae-se ter
com a cativa.., — Th. Br. Anth.) ; e o mesmo se dá com
a rima, que consiste exclusivamente na homophonia
de syllabas tónicas.*
Em regra, no portuguez, o accento cahe: i", na
ultima se a palavra termina por vogal livre nasal,
diphthongo ou consoante: coração, irmã, bacalháo,
etc.^; ou nas vogaes / e n: frenesi, bahiâ; 2°, na penúl-
tima syllaba se a palavra termina em vogal pura: rosa,
peito,... ou nos diphthongos ea, eo, ia, ie, io, tia, tio, —
níveo, série, magna ; 3°, na antepenúltima, quando no
latim era essa a syllaba accentuada: magnifico, car-
nívoro, artificio'*, celeberrimo (e todos os superlativos
orgânicos), ou ainda nos substantivos terminados por
certas desinências gregas: misanthropo, hydroce'phalo,
homonymo, diaphano, monótono, etc.
' G. Paris — Acc. 107.
' Excep. martyr, homem, virgem, etc ; e principalmente
nas palavras de origem ncão latina — âmbar, a/jofaf,... e em voz livre
nasal — tman, orphão, orphã.
^ Excep. quasi, tribti.
* Estes adjectivos seguem u regra latina por motivo das
desinências, que são: aco, aro, cola, fero, fluo, frago, fuga, geno, gero,
ico, ido, imo, iplo, loquo, nubo,paro, pede, pelo, sono,ubo, uplo, volo,
7>omo, voro.
21
D'ahi a divisão das palavras em oxytonas ou
agudas, paroxytojias ou graves, e proparoxy tonas ou
esdrúxulas. *
Os factos contrários a este systema são devidos
á inlluencia da enclise, cujo caracter principal é
atonisar as palavras : annuncia-se-lhes, mandando-
se-lhes^
2. — 'Como em latim, os vocábulos polysyllabos
tinham um accento secundário, que muitas vezes se
confundia com o tónico nos dissyllabicos. Cahia na
primeira syllaba de cada palavra ou syllaba inicial, e
era representado por uma elevação de voz menos forte
que sobre a tónica. Em portuguez pôde o accento se-
cundário cahir na primeira syllaba, na segunda, e
sobre a terceira, isto é de accordo com os vocábulos
primitivos : s/mp /es mente, coytézanía, valorosíssimo.
Em portuguez nota-se mais geralmente o ac-
cento secundaria nos compostos e derivados: qiiebra-
nozes, setecentos, constitucionalmente , etc.
Neste caso os elementos da palavra conservam seu valor in-
dividual e significativo, o que — ■ como acertadamente pondera um
grammatico moderno — basta para explicar o facto.
3. — Esta herança dos dous accentos latinos con-
stitue em todo o dominio romano um facto de má-
xima importância.
* Em latim as palavras eram somente paroxytonas e pro-
paroxytonas.
' Sobre a origem e o histórico da enclise, vide — Lameira
de Andrade, Vestigios da declinação latina, pags. 56, 57 — 1886,
Dando mais duração ou consistência ás syllabas,
provocava ao mesmo tempo o ensurdecimento ou a
queda das atonas que lhe estavam próximas. No por-
tuguez, como no francez, a predominância da tónica
mais cresceu de ponto, dando em resultado muitas
formas atrophiadas ou contractas.
Este phenomeno já era conhecido do latim popular e mesmo
clássico: tabla portiiguez iabula (tábua ; mas que deu table em
francez), temflum, scc^lum, ctc.
Para conservar o accento na mesma syllaba, foi
o portuguez obrigado muitas vezes a essas contracções
dos vocábulos latinos, supprimindo as vogaes breves
que no latim seguiam a syllaba accentuada, — e
d'essa apocope resultou o termos syllabas finaes
accentuadas, desconhecidas dos Latinos. ^
4. — Geralmente o accento tónico cahe na penúl-
tima, principalmente nos dissyllabos, se essa syllaba
era longa em latim.
Esta tendência já manifesta na linguagem dos Romanos para
pronunciarem a syllaba final com accento grave, tem modificado
forçosamente a prosódia de varias palavras. Assim por exemplo:
o portuguez accentua as palavras compostas importadas do latim,
como se fossem simples {j-enégo, compadre, etc), e, por extensão, as
compostas de outras já portuguezas.^
5. — Cahe na antepenúltima, como em latim,
quando a syllaba no vocábulo originário fôr breve:
rígido, pórtico, tímido.
* Pacheco Júnior. — prosódia — Quantidade e accento. — Ph.,
pg. 116.
* Idçm.
23
o portuguez regeita a pronuncia das palavras em que todas
as syllabas são breves, o que era usual entre os Latinos. Todavia
conservamos algumas amostras : mínimo, tímido, mórbido,...^
6. — Nos proparoxytonos é de notar a syncope
da vogal latina da antepenúltima syllaba, o que con-
stitue em portuguez principio importante na formação
da lino^ua.
o
7. — Em geral, o accento persiste nos vocábulos
importados directamente do grego {gcograpliia, cos-
mograp/iia. . . .); m2LS são accentuados na antepenúl-
tima, por analogia, os que nos vieram por intermédio
do latim {astrónomo, apóstropho, etc.)
8. — O accento secundário é também resultado
de variações prosodicas dialectaes, e neste caso cha-
ma-se accento provinciano, ou sotaque provincial.*
São intonações de voz particulares, devidas ás
influencias mesologicas muitas vezes de difficil apre-
ciação, e que muito desvalorisam o accento tónico
{ó homem, Maceió, mólJiér.-. . .)
9. — O accento oratório é do dominioda rhetorica.
Provem do sentido que se dá a uma palavra ou
phrase : não tem relação alguma com os elementos
materiaes syllabicos.
Na contextura phraseologica são de notar as re-
lações de dependência entre este accento e o tónico.
1 Pacheco Júnior — 73, 75.
* Sotaque é propriamente — um dito ou apodo vulgar; hoje»
porém, é empregado extensivamente para significar o accento par-
ticular a uma provincia, a peculiar modulação, etc.
24
Dá-sc-lhc também a denominação de pathetico,
o racional ou phraseologico.
Influenciou muitas vezes na formação dos vocá-
bulos, como veremos em outro logar.
Ha ainda outro acccnto a que se pode chamar mímico.
Origem das duplas de sentido, como, por exemolo, nas variadas
modulações das partículas ah ! oh / ai / iii / — que podem exprimir
espanto, admiração, dor, alegria, e reprehensão, enojo, etc, muito
deve elle influenciar' na accentuação. Modificando os sons, produz
também outros accidenies, por tal forma postos em seguimento,
que podem ser considerados — phowinenos reflexos da phoiiaçâo.
QUANTIDADE
Em latim, a quantidade era a alma do accento ;
em portuguez ella perdeu, porém, a sua força primi-
tiva, e o accento — por sua persistência ainda mais
influenciou sobre aquella modalidade.
E' esta tão vaga em portuguez, que em geral os
grammaticos só consideram longa a syllaba tónica.
Damos em seguida as" regras, que todavia nos
parecem mais seguras sobre a quantidade no nosso
idioma: ^
i."" — E' longa a vogal tónica em posição, princi-
palmente quando nasal — pintura.
Ha excepções, mas cumpre observar conservamos a quan-
tidade latina sempre que ella é resultado da queda de uma vogal
(fé,fée^fl(Ies) ou da intercalação de uma consoante {lembrar).
Uma vogal em posição pode alongar-se em diphthongos.
(Vide terceiro ponto).
í Estas regras são excerptad.is da Prosódia de Pacheco Jú-
nior, {Photi.)
^5
2.^ — E' longa a vogal accentuada quando se acha
entre uma consoante e uma vogal : — aj'ea (arena).
E' consequência da contracção dos vocábulos pela queda da
consoante média ou da syllaba de derivação e da tlexâo.-
3.^ — E' longa a vogal nas terminações do sin-
gular em ó' ou z : — feliz, dirás ; nas do plural em aes
oes, eis, es : — soes, fúteis, deuses.
4/ — Ainda é longa quando vem antes de um m
ou n seguidos de uma consoante inicial : — gambia
dansa.
5.^ — Também é longa quando se acha na penúl-
tima syllaba antes de s, z, e r.
6.'' — E' longa toda a syllaba contracta : — 7nesmo,
pôr, ver, seta, crença. . . = meesmo, poer, veer, seeta,
creença, credencia, etc.
7." — Os diphthongos são geralmente longos.
S."* — Em regra, a voçral alonQ;a-se antes das con-
soantes dobradas, principalmente rr, e ///, 7i/i.
9/ As vogaes atonas, principalmente quando
seguem a syllaba tónica, são geralmente breves, e é
esta a causa de frequente simplificação dos diphthon-
gos latinos no portuguez,
A vogal final é, em regra, breve.
A longa accentuada do radical abrevia-se muitas
vezes quando se lhe ajunta um suffixo ou uma flexão,
que deslocam o accento.
A quantidade, elemento material, devia necessariamente enfra-
quecer-se e variar, já pelas idyosincrasias do fallar do povo, já pela
tendência para a contracção.
4
26
Eslas mesmas causas se observam na lingua latina e explicam
a obliteração da quantidade na lingua fallada, e lambem a abre-
viação do o final dos espondeos na e])oclia de Augusto, do / final
longo dos verbos, etc. {Cornelio \>ox Conielius, deiiro por dederunt,
etc), breves accentuadas consideradas longas nos hymnos de
S, Ambrósio, os herametros de Commadianos sem a quantidade; o
metro janibico de 12 syllabas accentuadas na 4" e 10", origem
do endeeassyllabo italiano, e do decassyllabo francez da idade
média. E' claro pois — conclue Reinach {Pliil. C/ass) — que desde
os Romanos a accentuação vencera a quantidade.
TERCEIRA LIÇÃO
Origem das lettras portuguezas; ieis que presidem á permuta
das lettras; importância d'estas transformações phonicas
no processo de derivação das palavras.
ORIGEM DAS LETTRAS PORTUGUEZAS
a) VOGA ES
A. — Em regra, representa: i?, um AJatinafivre,
atono. inicial, médio ou final ; tónico seguido de
liquida; em posição (principalmente antes de /, r, ^■,
ou nasal) : as/io (asinus), saúde (s^lutem), />or/ci (porta),
òaróa (barba), campo (campum) ; 2?, um E latino : eba-
710 (ebenus), rainha (regina ; port. arch.-reinha) ;
3?, um I originário eiu posição: balança (bilancemj,
maravilha (mirabilia) ; 4?, um o : lagosta (locusta),.
28
dama (domina); 5?, um u: irancar (truncarc), ant.
esbalho =1 esbulho.
E. — Origina-se : 1?, de um e latino, livre, atono,
inicial, médio ou final ; em posição (principalmente
depois de guttural), ou ainda de um e accentuado :
egreja (ecclesia), legume (legumem), régua (regula) ;
2?, de um A atono ou tónico, livre ou em posição:
alegre (alacris) ; 3?, de um i longo ou breve : cercar
(circare), receber írecipere) ; 4", de um o: frente (fron-
tem); 5?, de íe e .e : feno (foenum), cebolla (caepulla).
I. — Deriva: 1?, de um i latino longo, atono ou
tónico (principalmente na penúltima syllaba) : liquido
(liquidus), espinha (espina) ; 2?, de um e longo, breve,
ou accentuado: rim (ren), isca (esca) ; 3?, de um ae :
cimento (csementum).
0. — Tira origem: i9, em um o latino tónico ou
atono, livre ou em posição : amor (amorem) : 2?, em
um u inicial ou médio, livre ou em posição: 07ida
(unda), ^(^z^^r/^âtr (gubernare) ; 3?, em um a em posi-
ção '.fome (fames), ceroto{Q.ç:X2iX.ww\) ; 4?, no diphthongo
latino AU : pobre (pauper), orelha (aurícula).
O ó aberto deriva-se de um o tónico ou de um
u : sorte (sortem), grota (gruta).
U. — Representa: i?, um u latino, longo ou breve,
accentuado (na penúltima syllaba) : agudo (acutus) ;
2**, um u atono em posição : rugir (rugire) ; 3?, um o:
tudo (totus), testimunho (testimonium).
Y. — Corresponde ^.oypsilon grego, ainda quando
nas palavras importadas pelo latim : analyse, lyra, etc.
29
Deriva também de um i ou j latino, quando
entre vogaes (Troya), ant. mayo, peyor.
As permutas e transformações das vogaes podem
reduzir-se aos dous factos de alongamento e abran-
damento.
As suas modificações podem ser devidas á in-
fluencia de outras vogaes ou á das consoantes, á accen-
tuação, e também em composição á assimilação, dissi-
milação e contracção.
b) DIPHTHONGOS
Os nossos diphthongos provêm:
1? de um diphthongo originário : rt^/z/f;- (autorem),
pouco (paucum) ;
2? da queda de uma consoante : vaidade (va-n-
itatem), meio (me-d-ius) ;
3? de um a latino em posição antes de l : outro
(alterum) ;
4? da attracção ou transposição da vogal : aipo
(apium),y^/r^ (feria);
5? do alongamento da vogal : dou (do), estou
(sto), uoute, noite (noctem), tnuito, arch. munto
(multum), freio (frenum).
* Não admitto vocnlisaçâo das consoantes, posto tcdos os
philologos se esteiem nessa theoiia. A queda da consoante trouxe
o inevitável alongamento da vogal, que a principio era representada
por imi nasal o\\ pela reduplicação da vogal. Qualquer que seja o
gY\.\}^o pt, cf, ii, etc, (preceiio — ])receptus, direito — directus, etc.)
deu-se sempre a queda da i* consoante e o alongamento da vogal
precedentç. — Pacheco Júnior [Grammatica his/orica.)
30
Ui só é diphthongo nasal em mui, muiío, que
soam mtiin mtnnto.
Os diplithongos nasaes (am, an, ão, ãe, õé) deri-
vam-se das desinências latinas anus, onem : christãos
(lat. cJiristianus, p. arch. christiano, ainda hoje con-
servado como nome próprio), benção (benedictionem) ;
ariin, . . .
As modificações das vogaes em posição dependem
maiormente, não de sua tonacidade ou atonicidade,
mas da natureza da primeira consoante que se lhe
segue. Assim, por exemplo: si fôr /, a vogal diph-
thonga-se em o?i ( outro— ^\X.itrv\m ), ou simplifica-se
scopro — scalpruni); si fôr guttural, esta cahe, e a vogal
diphthonga-sepor alongamento (feito — factum, direito
— directum). E o mesmo acontece ao / no grupo
pt, etc. : — preceito — preceptus *
As modificações das vogaes reduzem-se pois aos dous factos
de alongamento e abrandamento ; as suas permutas e sorte de-
pendem, não somente da sua natureza, quantidade e accentuaçâo.
— a cujas regras latinas, o portuguez na sua formação foi sempre
adstricto — , senão também da natureza dos elementos (vogaes e
consoantes) que as cercam. E já nos referimos á preponderância de
uns sons sobre outros, á sua mutua reacção.
E' esta a causa de serem menos persistentes as vogaes livres
que as em posição.
Em muitos casos as transformações indicadas pela phonclica
nada mais são do que ditTerenças graphicas, cunqjrindo advertir
que os iiossos primeiros escriplores mais .se regulavam na ortho-
grahia pela pronunciação. Assim é, por exemplo, ipie, parece-nos,
o diphthongo lat. ausoa.va.ou foi, oj quando se lhe seguia consoante,
* Esta minha opinião foi publicada em 1871 ; os professores
Fausto Barreto, Alfredo Gomes e outros aceilaramn'a; em uma
obra deste anno, impressa na Europa por Brunot, é este também da
nnnha opinião. — Pacheco "yunior.
e a prova temos em que todos os povos romanos nas palavras po-
pulares aprendidas de outiva, representaram o diphthongo latino
sonicamente por ou e o (oiiniin, ouro, or, oro. etc.)
C) CONSOANTES
Todas as consoantes portuguezas vieram do
latim.
B — Em geral representa : i9, um h originário
inicial ou médio: — bom (bónus), diabo (diabolus); 2?,
um v\ — bexiga (vessica) ; 3?, de um/: — lobo (lúpus),
cabello (capillo).
Temos um exemplo em que o b origina-se de um/ — ábrego
— africus; mas por intermédio de uma forma em v.
C — Guttural ou forte (A'), provém de um c duro
latino ou da sua equivalente qu, — inicial ou médio: —
co7'po (corpus), nunca (hunquam); ou ainda de cc lat,
C — brando origina-se: 1?, de um c brando do
latim da decadência : — eco (coelum), cidade (1. p. cita-
/é';// = civ-i-tatem) ; 2?, de um q {qii): — cinco \<:\y\\\\-
que)* ; 3?, de um x : — tecei' (texere) ; 4? de ss: — ruço
(russus) ; 5?, da combinação ti seguida de vogal : —
graça (gratia), nação (nationem).
Os grupos t-ia, t-ie, t-io, t-iii, cumpre advertir, soavam já
no latim d e /z; nos antigos monumentos até o Sec. de Augusto
concorrem aquellas formas parallelas ás em ci, ssi, si, (eciani, alter-
ca sio/ie.') *
Nos séculos V, VI e VII, os Romanos pronunciavam z por /.
* Cp. francez — i cttiç; it. cinque, hesp. cinco.
í Dahi o som brando em todas as linguas neo-latinas, — fr. na-
tionj it. naziofiej hesp. nacion, etc.
D— Deriva: i", de um d primitivo (inicial ou
médio): — dedo (digitus), surdo (surdum); 2?, de um
T médio, abrandamento este muito frequente nos
vocábulos de origem popular : — todo, tudo (totus),
vida (vita).
F — Esta consoante representa: i", um f ou ph,
originário: — frasco (^^'à.^Q.2), cofre, (cóphinus) ; 2.°,
um V : - — fisgar (viscare) ; 3?, o khe árabe (=:/ aspi-
rado) : — alforges (alkhordj).
A transformação do / em v, e 7'ice-versa, foi mui fre-
quente na provincia hispânica depois do dominio árabe.
G — Provém: 1?, de um (i forte ou brando primi-
tivo (principalmente inicial) : — gosto (gustus), 7iegro
(niger) ; 2", de um c forte: — fagar (pacare),
lagrima (lacrima) ; 3.°, de um (i : — águia (aquila)
guitarra (ar. quitarra) : 4.", de um v: — gastar
(vastare) ; 5?, de um w germânico : — trégua (triwa)
guante (wantus) * ; 69, de um gamma grego : —
glotte (glottis).
O G brando origina-se : — 19, de um <; brando
primitivo : — gemer (gemere) ; 2?, de um c brando —
muito frequente no século XVI : — aduger (addu-
cere) ; 3?, de um z: — gettgibre (zinziber), ant.
prigon (presionem).
> Lat. pop. wantos, Lê-se nas actas Sanct, — chiroteas quacs
vulgo Wantos vocant.
33
H — Representa : i.°, um h latino: — herva .•
(herba) ; 2?, um f latino : — arch. harto, ahinco
(= fartus ; afinco, de afico) ; 3?, a aspiração grega.
Não é modificação phonica ; mas, propriamente fallando,
uma simples notação graphica e etymologica.
J — Deriva-se : i9, de um j e G brando latinos ;
2?, de um z ou s : — gargarejar (gargarisare),
arch. cajo77i, cajão (occasionem) ; 3? de um hi (i) :
— JaciíitJio (Hiacinthus) ; 4?, de um s, seguido de
1 : beijo (basium), cerveja (cervisia) ; 5?, de um d,
seguido de I :—^'/?;';;^/ (diurnalis), Jioje (hodie) ; 69,
do dijint árabe : — jarra (dijarra, dijarres) ; julepç
(djulab).
Representa o abrandamento do dj, cujo som ainda persiste
em alguns ângulos de Portugal e em S. Paulo (no linguajar
caipira): — t/Já, tijogo, (ige?ite, ^ ainda no galleziano, provençal e
italiano.
A permuta do d pelo g brando ouy já era usual no latim do
século IX ; e o (//' representa um verdadeiro som românico.
K — Representa, ainda que inorthologicamente,
o c/n grego : — Kisto (chistos), killogramma {chiio e
g7'amma).
L — Provém: i9, de um l originário — inicial,
médio ou final: — lettra (littera), pello (pillus), sol
(sol); 29, de um r: — palavra (parábola)'; 39 de um
N : — arch. lomear (nominare), alimal^ Bolonha (Bo-
nonia), etc.
1 Does. Secos. XIII e XIV — parava, peravaa,perabola.
* Estas e outras amostras ainda perduram na linguagem in-
culta de Portugal.
6
Em/Vz/vv//' (juzgar) do \at.j//d (i) carc não foi, — parece-nos — ,
o D que se coveiteu em \. port., mas sim este que se inteicallou
por motivo euphonico, .de[)()is da queda do dental.
Em lembrar o l não representa um ni latino, pois não deriva
directamente de incmorare, mas da forma interniediaria port. nem-
brar.
M — Tem por origem : i9, um m typico inicial,
médio ou final: — morte (niorteni), homem (howinew);
2?, um N, principalmente final : — bem (ben-e), bom
(bon-.us) ; 3?, um b em mormo (morbum) ; 4?, repre-
senta, ainda que raro, um c final latino : — nem (nec),
sim (sic).
Não somos hoje accordes com os que acreditam na permuta
do rlat. por um m port. Acreditamos que a n.isal foi introduzida
tão somente para o alongamento vocálico, tanto mais que o c final
não soava na pronuncia.
N — Origina se : i?, de um x inicial, médio ou
final: — nariz {\.h. nares), mina (idem), joven (^]w-
ven-is), hysson (v, asiática) ; 2", de tnn m inicial ou
médio :-^ — nespera (mesphiluni). r<v//í2'/-(comp'tare); 3",
de um l: — ;//"t'í'/ (libella, p. ant. //rt*/, olivel), mortan-
dade (mortalitatem),
P — Tira origeni : em um P inicial ou médio
(geralmente protegido por imia outra consoante,
r, /, ou p) : — pae (pater) . . . ; 2'.', em inn i" : — soprar
(sufflare) ; 3^, em um i! : — alparca (ant. abarca ou ala-
barca = árabe albaoat).
Q — Provém de um o originário ou de imi c
forte.
R — Origina-se: 1?, de um r inicial, médio ou
final :— rainha (regina), direito (directas), /ar (par) ;
35
2?, de iim l: — obrigar (obligare : port, ardi. e ant.—
oblidar, ohligar); 3V, de um x — sarar (sanare).
S — Deriva-se : i*.', de um s originário : — só
(solus), casa (1. p. casn) ; 2?, de um c brando latino: —
visinJio (vicinus), amizade (amicitatem).
SS — Esta consoante dupla origina-se de ss ou
X : — Icissar per Icixar (Sec, XIV), ou ainda de uma
assimilação — assas (ad satis).
T — Origina-se de um t inicial ou médio : i?, teutpo
(lempus), estado (status).
V — Vem: i?, de um v originário inicial ou
médio: — verdade (veritatem); calvo {ç-^xvwá); 2?, de
um ij cavallo (caballu^), //í?rvr (habere) ; 3?, de um f: —
ourives (aurifex) ; de um r, povo (populus), escova
(scopa).
Pistas ulliinas, en» geral, passaram pelas formas intermediarias
em u: — poblo, poblança^ poboaçom, pobLulor. (Sec. XlIeXlII). E
nisto cumpre aitentar.
X — Origina-se : i?, de um s, se, es ou ss lat. : —
bexiga (vessica), enxugar (ccsucarc) ; 2?, da chiante
árabe sen — oxalá (inshallah), xaqueca ou enchaqueca
(schaqueca).
Z — Representa: i", s latino ou c brando: —
p7'azer (placere), juizo (judicium), fazer (facere) ;
2?, um (^)U : — cozer (coquere); 3*?, a combinação
latina ti : — razão (rationem), dureza (duritia) ; ' 4?, as
terminações \2X\k\-x% ace, ice, oce — que também eram
* Porque, já vimos, ti soava ç.
36
as portuguezas — feliz {{óxce), feroz {í&rocç) ; 5?, um x
(noz = nox, voz = vox ) ? . . .
Estes últimos podem derivar do nome lat.; mas geralmente
todos consideram-os moldados no accus. — voceni, etc. Não vemos
razão para rejeitar-se o nom. (Vide — Pacheco Júnior. — Pho-
nologia).
d) CH, LII, NH
CH — Os Romanos desconheciam o nosso eh
com o som de x, e que os nossos maiores, pronun-
ciavam tsche, como ainda hoje os da Beira, Minho,
S. Paulo, os Provençaes, Gallegos, Italianos, etc. E
som romano, genuíno, que passou para a Inglaterra
por influencia franceza {Charles, cherry).
Os Beirões dizem, e mui corretamenta, tchapéo,
tchd, etc.
E difficil precisar com acerto as varias relações
etymologicasd'estaIettra complexa. Deriva-se, porem,
em geral: i9, dos grupos latinos cl, pl, fl: — chamar
(clamare), chorar {^Xordívo), chamma (flamma) *; 29, do
c forte latino (seguido de a q\\ i) : — charrua (carruca),
marchante (mercatitem).
Ch duro=: K, sem o som chiante, deriva-se do
latim : — chrístão, monarchia ; do chi grego : — chiro-
mania ; do chet hebraico: — chemibím.
* Em does. do sec. XII, como p, ex. no Foral de Évora, en-
contra-se afiar — achar, etc.
Ò7
Algumas vezes a palavra latina dá-nos duas
formas divergentes, uma que conserva o c duro, outra
que o transforma em ch chiante : — capa, chapa.
Já era frequente nas inscripções da Republica o emprega do
ch por c antes das vogaes e dos dijihlhongos ; e esta orihogtaphia,
que reviveu na época imperial, era a vulgar nos tempos de Au-
gusto : — chcniiirioncs, choronac, etc.
Nos nossos does. antigos encontram- se as formas charidade,
chato, etc, ao ])asso que — gamar owjamar por chamar (clamare),
e ainda acado por achado (doe. de 141 8), etc.
O CH parece ser um abrandamento de dj.
LH — Esta consoante dupla provém: i?, dos
grupos latinos bl, cl, gl, pl, tl : — ralhar (rab-u-
lare), orelha ( auric-u-la ), coalhar ( coag-u-lare ), í"í-
rí7///í?(escop-u-lus) ; 2?, das combinações latinas /<', //.•
— palha (palca), batalha (battualia).
Neste segundo caso é clara a funcção do h, que se limita a
representar o i palatal latino, indicando ao mesmo tempo a atoni-
cidade da vogal -.—Batalha, palha, mulher, etc, soam perfeitamente
— batália, palia, miilicr. *
Esta molhada corresponde etymologicamente ao li, hesp ,
mas o modo de represental-a graphicamente foi tomado do ])ro-
vençal. Nos séculos XIV e XV, porem, representa vam-na indiffe-
rentemente por i.l ou l: — filo e filio, melor e mcllor, migala e
inigalla, ele, sendo de notar que nos primeiros documentos da
línguas essas palavras eram escriptas sem o elemento consonantico
{uioyer, w^-t?/), como aintla se pronuncia em S. Paulo e em certos
logares de Minas Geraes (/fti^ filho, /////■/>'= nndher, //</ = telha,
teiado, w/í7 = milho, etc.) '
Em nosso parecer, esta molhada — exclusiva das linguas
néo-latinas — não se deriva do céltico.
A's vezes o // representa signal etymologico, e não se molha
com oh — ^^entil homem.
' Era o processo seguido no século XIV {cambhar, saâha),
á maneira do ombriano e provençal. Os Bretões, os Celtas, os
Bascos e os Iberos também possuem esta molhada.
* E esta é a pronuncia provençalesca e parisiense do //( = Ih).
Para maior explanação sobre as molhadas Z/Te A'Iíy V. Pa-
checo Júnior — J^evisfa Brazileira,
38
NH — Apparece na liiigua desde o século XIII,
e a sua adopção foi consequência lógica do emprego
do Ih.
Deriva-se : i?, de nx originário : — grunhir (grun •
nire); 2?, de um \ simples: — í"í?/;///í//(7 (caminus), vinho
(vinus); 3?, de um n seguido de um e palatal: — aranha
(aranea), vinha {\''\w^2Í)\ 4?, dos grupos c;n lat.: —anho
(agnus), desdenhar (desdignari); 5?, de um mn ou x
(no port. ant.): — danho -^^^-^ damno.
Este som era conimiun no ibero e céltico ; as lingiias néo-
latinas, porem, lierdaram-no directamente do latim, pois que,
— certo — , os Romanos pronunciavam ;,v/ =»= ////, e não como Hoje
o fazemos, dando som furte ao o {<ii^ m/s, //tirx-/i//s). E é prova «ia
nossa asseveraçcão o ter aquelle grupo latino passado pnra as
línguas néo latinas, com o mesmo som (fi/i) que conservam em
todas as palavras de fundo popular.
No século XVI ainda i/iag/i()^o^.\:\. nianho: e d"essn pronuncia
temos vestigio em tamanho (::= tão manho, tão magno).
Nos primeiros documentos da nossa lingua, esta
molhada era representada pelas mesmas lettras lati-
nas {g}i) '. — pegnoraj; segnor, etc , ou por////.
Os elementos g e n soam separados somente
nos vocábulos de creação artificial ou origem erudita
(estag-nado, ig-neo).
Em anhelo, anhelar, anhelito, e nos vocábulos
formados de derivados latinos com o prefixo /'//, o //
não se molha com o n{inh:ibil), etc. *
* Para estudo mais desenvolvido, e maior copia de e.Kcm-
plos — cons. Pacheco Júnior — Phonologia, Gratnin. histórica,
Revista Brasileira, 2? vol.
2. — As permutas das vogaes e suas transforma-
ções, como já vimos, podem reduzir-se aos dous factos
de alongamento e abrandamento.
Os sons vocálicos também se transformam pela
influencia das consoantes.
A fusão de duas vogaes differentes é sempre
precedida pela assimilação.
3. — Do facto de poderem as consoantes ser
fortes ou brandas, resultaram as leis seguintes a que
estão ellas sujeitas nas permutas :
r? As permutas dão-se geralmente entre con-
soantes da mesma ordem ou homorganicas, isto é, um
b latino pode dar um b portuguez, um v, mesmo um/
ou f, mas nunca um g ou 5-.
2'? Deve-se attender, e muito, á classe das lettras
(forte ou branda) . A tendência é sempre para o
abrandamento; e por isso o / latino, que é labial forte,
muda-se frequentemente em b ou v no portuguez, ao
passo que b e v latinos raro se permutam em p ou f.
3? Pôde dar-se a permuta de uma branda pela
forte homorganicn ; estas transformações, porem, são
rarissimas e só se fazem giadualmente.
4. — A inqjortancia d'estas transformações plio-
nicas resalia do que dissemos acima. Pouco acrescen-
taremos.
Adoptando o vocabulário do \2X\\\\ popular, 2.?,
linguas néo-latinas conservaram -se adstrictas a leis in-
stinctivas, fataes (mesologicase ethnographicas), e ao
próprio génio do fallar nativo ; mas também sempre
40
subordinadas a outra lei incoercível, — a do menor
esforço.
D'ahi, a queda dos sons, no principio, no meio,
no fim das palavras; a intercalação de sons eupho-
nicos ; a permuta dos sons homorganicos ; a prepon-
dencia ou reacção dos vários sons entre si, d'onde a
assimilação e a dissimilação ; as metatheses, etc. D'ahi
ainda o atrophiamento das formas populares, ao passo
que as de creação erudita encostam-se ao typo latino
ou grego, differindo ás vezes tão somente nas desinên-
cias. E fácil pois assertar a camada a que pertence o
vocábulo.
A's vezes acontece que o vocábulo popular antes
de se fixar, passou por uma ou mais formas interme-
diarias. Assim, por exemplo : — povo, papel e lembrar
não nos vieram <X\xç.Q.'í-à\\\eA\'íç: C\.q popiiliis, papyrus e
memorare, mas pelas formas intermediarias /^<^/£? e
poboo, papillo, nembrar, etc. A^aliira- 7ion facit saltus.
5. — A analyse phonetica do vocábulo pôde pois
facilmente fazer- nos remontar á sua origem, á sua
forma completa, descobrir-lhe as intermediarias, co-
nhecer pela estructura a época do seu império, etc, e
achar a explicação de todas as transformações phone-
licas porque passaram os elementos constituídos do
typo originário.
6. — Tomemos para exemplo a palavra mesmo,
que se deriva do latim mclipsimíis, contracção de me-
tipsissimus = impsimusmet. Só a analyse phonetica
nos explica essa transformação : i?, indicando-nos a
41
forma latina regularmente contracta metips mus (queda
da vogal breve) ; 2.°, a assimilação das consoantes/i"
em i-, já mui frequente no latim; 3.°, o abrandamento
do T. De todas essas transformações resultou a forma
archaica portugueza medess^no, que se contrahiu re-
gularmente em viedês e meesmo (Sec. XV), d'onde
mesmo (Sec. XVI).
7. — Mas se a phonetica é a base da etymologia,
não é comtudo a única condição necessária para se dar
no ponto da verdade.
E força applicar essas transformações particulares
ás leis geraes ; cumpre que as estudemos á luz da
historia e da comparação.
QUARTA LIÇÃO
METAPLASMOS '
1. — Dá-se este nome a certas modificações
accidentaes no systema phonetico, de maior impor-
tância — talvez — que as regulares, e devidas á com-
binação dos elementos phonicos da palavra, ou ás
varias influencias do meio.
2. — Estas alterações são em numero de seis ; a
saber : substituição, addição, subtracção, fusão, abran-
damefito, reforço.
i.° SUBSTITUIÇÃO
3. — È uma simples permuta de lettras, devida ás
tendências ou ás necessidades phoneticas de um povo.
' Do grego nutaplásmos, do v. mctaplásio, transforiiiíir.
Esta liçào é extrahida da phonologia de Pacheco Júnior
(cap. IV).
44
Esta liiodificação depende da relação ou affinidade, mais
ou menos estreita, entie as lettras na sua formação physiologica,
correspondente aos órgãos vocaes que as pronunciam.
Dá-se a substituição por — iransformação, dissi-
tnilação, assimilação, e transposição.
a) Traxrformação. — Temos por excusado
accrescentar mais nada ao que já dissemos sobre as
leis das permutas das vogaes e equivalências das con-
soantes.
Notemos todavia :
I." A permuta do li em v e vice- versa, tão frequente em
todas as linguas romanas, e já vulgar na linguagem popular de
Roma desde o II século da era christá, parece ser devida a ter o B,
— principalmente no dialecto latino de Africa — , o som do grupo
DV (Belhdii soava dvel/um, ele.)
2° O c já tinha o som da sibillante branda antes de e e i no
latim vulgar da decadência; o g antes d'essas vogaes, — e na
mesma época — , soava como a chiante palatal j ; a transformação
do D quando seguido de ia, ie, io, iii, remonta ao II século ; o
valor phonetico da dental branda T antes d'esses grupos vocálicos
já era o da guttural branda c (// =<-i) desde o V século p. C; a
permuta do u latino em z portuguez acha explicação no antigo
som da dental (= (/sj.
3.'' A transformação de certos sons explosivos em sibilantes
palataes nas linguas néo.-latinas, indicam apenas mais um valor
phonetico da Unguagem popular de Roma. (V. lição 3")
òj DissiMiL.AçÃo. — Dá-se quando os dous sons
se repellem ou reagem : — Marselha {Masselha).
c) Assimilação. — E' a attracção phonetica de dous
SG.ns ; a preponderância de um sobre o outro : — /al-
iar (fab-u-lari), pessoa (persona), esse (ipse).
Pôde ser coinpleta ou incompleta.
Toda consoante dobrada é consequência de uma
assimilação.
I
45
d) Transposição. — Esta mudança de logar da
lettra ousyllaba, dá-se de três diíiferentes modos : por
7netathese, hyperthese, anastrophe.
i9 Por metatliese * quando a transposição é na
mesma syllaba: —pobre (pauper), patil {^2\ws).
As liquidas são as consoantes mais sujeitas a estfi
transposição.
Nos escriptos amigos (Secs. XII a X\'I) são em numero mais
crescido as formas metathesicas: — osínar ^ommar .stnrmeií/o, freiíioso,
/rol, etc, muitas das quaes ainda persistem na linguagem do povo
{pirgunliir, prcsistir. ci avão, etc.)
2? Por hyperthese, quando a mudança se effec-
túa entre lettras de syllabas diversas: — beiço (basium),
aceíro (1. b. acerium).
Nos escriplos dos autores antigos, principalmente dos secs.
XV e XVI, encontrani-se muitos exemplos hyperthesicos, alguns
dos quaes ainda são conseivados na linguagem plcbéa : — picne {^o-
hvc),faíiairo, co/ilrayio, etc.
3? Chama-se anastropJie^ à inversão quasi que to-
tal das lettras da palavra typica: chiiiella (1. b. planelli),
ladainha (lat.litania) ^
Dá-se também o nome de anastrophe á inversão das palavras;
eil-o alli, eis alli clle; e á errónea deslocação do accento tónico
— P^S^^^*^, bi imanto.
' Gr. mefaí/iesis, transposição. Também se pôde diir a de
\una syllaba.
2 Gr. anastrophe, reviramento, volta.
' Temos também litania, ant. lidania.
46
2? ADDIÇÃO
4. — As lettras acrescentadas ás palavras primiti-
vas podem sar protkesicas, epenthesicas e epithesicas,
isto é, iniciaes, medias e finaes.
a) Prothese (gr. prothesís, apposição). — É, em
geral, concequencia da lei eiiphonica, e d'este au-
gmento temos muitas amostras no portuguez: acon-
selhar, acredor, escrever, etc. *
No latim (la decadência, nas inscrii)ções africanas e nas
chiistâsde Roma, etc. são innumeros os exemplos da prothese do
^ ou /.
13e uso mais frequente nos escriptores antigos, — maiormenle
a do A, — ainda é ella muito vulgar na linguagem do povo : ainos-
ínir, alaiitei na, avoat, aparar (p. parar), etc. . . .
O portuguez, bem como o hespanhol, regeitou o s impuro.
Todavia nos documentos anteriores ao Sec. XV são muitas as
formas nominaes e verbaes escri[)tas sein o e protliesico : s<:a/a,
scfl/idudo, etc , e ainda posteriormente. Os vocábulos que em portu-
guez começam por um s impuro, são de origem erudita {sphenoide,
sternon, etc), aos quaes já vão todavia vencendo na lucta as formas,
com e protliesico. «
b) Epentiiese (gr. epeutkesís, inserção). — Tem
por fim tornar mais eiiphonica a palavra, facilitar
a sua pronunciação, ou reforçar-lhe o som : liuinilde
(humilis), hombro (humerus), estrella (stella).
No portuguez antigo a epenihese também era muito mais
vulgar que no moderno : hoidrar, nicatia, incliidir prasi/iar, etc
^ Cumpre também notar a prothese regional,
* Addição ou replicação.
4]
São epentheticas as vogaes a, e, i, e as consoan-
tes b, p, V, d, h, l, r, n, s.
São exemplos d'esta intercalação euphonica, as
formas — aviaram-no, dissej'am-nos, etc. *
c) Epithese (gr. epithesis). — Essa modificação é
raríssima em portuguez, A addição de terminações
para formar derivados não constitue propriamente
epithese ou augmento paragogico (eiifom, èntonces,
entonce, viartyre).
As formas eshrile, felice, prodnze, etc. — anteriores a João de
Barros — não são exemplos epitliesicos, mas tão somente formas
mais encostadas aos typos latinos.
3? SUBTRACÇÃO
5. — O abrandamento é muitas vezes a causa d'este
phenomeno phonetico, que pôde effectuar-se de três
modos differentes — por apherese, syncope e apocope.
a) Apherese (gr. aphairesis, subtracção) é a
subtracção da vogal ou syllaba inicial : botica (apothe-
ca), diamante (adamantem), bispo (episcopus), onça
(lonza).
Esta modificação é também instinctiva, e sempre motivada
pela lei do menor esforço.
É nniito frequente nos nomes próprios — Zé, Lota, Chico, To'
nico. Nico, etc, que muitas vezes mais tarde soffrem a reduplicaçào
— Z^zé, Lolota, ele.
1 Dá-se também o nome Aq diástole (gr. diástole de diastelto^.
dilatar) ao alongamento particular da vogal ou syllaba breve pel,
addição de uma consoante.
48
ò) SvNCOPE (gr. sygkopc, corte, de syn, com : coptih
corto). — E o desappareciniento, a queda, da vogal ou
syllaba breve, quando precede immediatamente a tó-
nica : as7io {2íúx\w%), pregar (predicare).
As consoantes podem também ser s)'ncopadas, e
d'ellas mais frequentemente — b,g, v, n e /, d, p, r, s :
frio (frigido), eu (ego), ríó (rivus), cruel (crudel), rosto
(rostrum).
Estas alterações phoneticas, já vulgares na linguagem de
Roma {/rii^do p. fn\i:;id(>, mesa \>. viensa, ele), são devidas, em regra,
á tendência popular para abreviar as palavras.
A suppresscão de syllabas medias, para maior ra[)idez ou sua-
vidade na pronuncia, deu-nos ás vezes vocábulos muito apartados
dos typos primitivos ://///// (fundibulum), quaresma (quadragésima),
mister (ministério), dovia, Sec. XIV" (hebdomada), anco (=r angulo,
em J, de Barros), encréo (= incrédulo), etc.
c) Apocope (gr. apokope; apo, fora de koptô,
corto). — E' a suppressão de lettras ou syllabas finaes :
m7n,gran.
Esta alteração phonetica, por ventura a mais im-
portante, é consequência do clima, cuja influencia não
podia deixar de ser immensa nos systemas phoneticos
dos diversos povos.
1 — Das consoantes finaes latinas, que eram essencialmente
«/, i\ s, f, só as duas primeiras persistiram no portuguez : as outras
{/,s. . . .) originaram-se da queda das vogaes atonas da ultima syl-
laba, que tornaram finaes consoantes médias latinas.
2 — Em latim, já o m final das flexões nominaes, e verbaes
da i" pess. sing. do Ind. e do opt, activo, bem como o ;//, s, / e (/,
cabiam geralmente, do tempo dos Graceos ao de Augusto e no latim
popular da decadência -.pão p. p/ius, ello p. illiid, es^ est, etc.
49
4? FUSÃO
6. — Esta modificação phòiietica pôde dar-se não
só entro as lettras, senão também entre syllabas.
Pode ser completa ou incompleta, perfeita ou im-
perfeita.
7. — É completa quando ha contracção do vocá-
bulo, isto é, quando se omittem lettras ou syllabas me-
dias: semana (sept-i-mana) ; incompleta {^or synizese),
quando pronunciamos duas vozes simples e livres
como se ellas formassem grupo vocálico ou diph-
thongo : Deus.
8. — A fusão é perfeita: i?, por synalepha, quer
supprimindo a vogal final antes de vogal inicial da pala-
"vra seguinte {esf outro, minJi alma), quer omittindo a
inicial d'esta ultima ; 2?, por syneresis, * que consiste
em formar de duas vogaes uma única longa {pôrc=z
poerz=i\at. ponere), ou reunir, diphthongando-as, duas
syllabas sem que soffram alteração : or-phe-u, or-pheo\
39, pela crase, * quando se contrahe em uma syllaba
longa a final de uma palavra e a inicial da seguinte
{áquellé), etc.
5? ABRANDAMENTO
9. — Já no correr d'estes dous últimos capítulos
deixámos indicados muitos exemplos {vida=zv\tdL).. . .
1 gr. synairesis, contracção.
» gr. krasis, mistura.
50
Cumpre notar : i",é esta a primeira modificação phonetica
em relação á quantidade ; 2°, que a ella deve se muitas vezes a
queda das lettias ; 3.°, que o abrandamento é consequência natural
da influencia climatérica, principalmente o das vogaes finaes.
69 REFORÇO
10. — Sob esta denominação comprehende-se a
prolação ou alongamento dos sons, que pôde dar-se
por èpenthesey prothese eparagoge. *
* Para maior desenvolviuiento do ponto V. — Pacheco Júnior
-Est. da ling. vem, — metaplasmos.
QUINTA LIÇÃO
Dos syatsmas orthographicos ; caudas da sua irreg-alaridade
I. — São três os systemas orthographicos — pho-
netíco ou sonico, etymologíco, e niixto ou usual.
2. — A primeira orthographia devia necessaria-
mente ser phonetica, isto é, devia consistir na repre-
sentação graphica dos sons, infiltrados pelo ouvido.
E a lingua portugueza foi fallada muito tempo
antes de ser escripta, o que também explica as varias
modificações porque passaram os vocábulos.
3. — A todas as incorrecções e innovações dos
povos ignorantes, oppoz se a corrente erudita que
luctou pela tradição da orthographia latina.
D'esta luta sahiu mais vezes vencedor o uso
tradicional. No Sec. XVI ainda era muito irregular a
orthographia ; mas a influencia clássica, já manifesta
52
no século anterior, era impedimento a que a ortbogra-
phia acompanhasse as vicissitudes phoneticas do
vocábulo.
Por fim, os eruditos começaram systematicamentc
a vasar as formas portuguezas em moldes latinos,
posto que substituindo as lettras latinas pelas corres-
pondentes no portuguez {senhor — segnor, poblo — povo,
outro — altro, etc.);* restabelecendo algumas que já
haviam desapparecido {contar — computar, anco — an-
giiflo, etc.) ; supprimindo algumas erradamente interca-
ladas pelo povo {aínigno, loguo, cuigo, etc )
E no século XV o capi iclio dos Uaductores, ainda mais apar-
tou a lingua da sua evolução natural. Os eruditos em tudo mais
se encostaram á autoridade latina ; foi a cultura litterari.i, que intro-
duziu crescido numero de vocábulos importados immediatamente
de autores latinos, e apenas modificados na terminaçjio.
4. — A orthographia etymologica, e que consiste
em escrever o vocábulo com as mesmas lettras da
palavra originaria (com excepção das flexões e termi-
nações), mais tem occorrido aos homens eminentes, e
d'elles mais tem sido preconisada que 7\ phonetica.
Da erudição etymologica, porem, ha resultado
erros de formas por enganos de origem {charo, /lo,
etc)
5.— A pronuncia, variando de época para época,
de provincia para provincia, de cidade para cidade,
* Como já dissemos na Intr. á Gramm. hist. : são de mera
convenção as relações entre o signal escripto e a palavra que o
representa.
53
ás vezes de aldêa para aldêa, e mesmo de escriptor
para escriptor, " é escabroso pioblcnia tentar accor-
dar a escripta com a pronuncia.
Cada terra ou provincia, julgando ser ahi onde a
lingua correctamente se falia, não se subordinará ás
locuções que considera peiores que os seus dizeres, e
até estrangeiradas.
Onde pois o juiz cuja competência nesse pleito
não fosse sempre desconhecida?
6. — As lettras que os neographos desterram por
ociosas, não são inúteis — servem para attestar a ori-
gem do vocábulo, a sua evolução, a camada a que
pertence, etc. Esse desterro de lettras daria em
resultado numero crescente de homonymos, o que
seria um mal,
7. — Si a orthographia acompanhasse a pronun-
cia nas suas frequentes modificações, difficil seria
entendex-se um escriptor que nos houvesse precedido
um ou dons séculos ; si fosse sinceramente etymologica,
sel-o-hia outrosim ridicula e pedantesca.
8. — Deve-se pois preferir por sobre todas, a
orthographia mixta, a que hoje estamos subordi-
nados.
As palavras de origem popular, que foram
aprendidas de outiva, escrevem-se phoneticamente ;
as de fundo erudito, importadas dos escriptores latinos
ou gregos, devem ser representadas com as suas
relações etymologicasí/r/í? — -ffigido, respeito — respec-
tivo, suor — stidorijico, etc).
54
E assim fica extremada a linha divisória, que
separa o léxico popular do erudito.
7. — A variabilidade da pronuncia, quer por mo-
tivo orgânico, quer ainda, pelo accordar das formas
derivadas por influencia popular ás que liie serviam
de typos, foi consequência natural da irregularidade
orthographica, ainda manifesta nos escriptores do
sec. XVI, e ás vezes no mesmo escriptor.
8. — Nesse século imperavam as formas despois,
friLÍto, enxuito, mico, antre, sojugciclo, cJiuiva, coresma,
abobeda, estainago, piadoso, calidade, pranta, contrairo,
piibríca, giolho, cudar, devação, tevcras, resíio, ingrez,
frol, craro, etc, porque mais persistia na phoneiica a
permuta áob pelo v e vice versa, a do /pelo r, a queda
do d médio ou a troca do o pelo u, do e pelo i {pidir,
firir, disciilpar, etc), o qu soava c duro, etc.
Não havia ainda então regras fixas, mas somente
hábitos grapkicos, essenciahuente variáveis segundo
as épocas, as províncias e aindi os escriptores.
8. — São d'esse século também as formas trado,
acto, etc, porque soavam czA^ trato, mas que nas épo-
cas anteriores eram pronunciadas anto, trauto, etc.
As alterações phonicas deram-nos do sec. XIII ao
XV as formas participaesem <?íi^í?, mio, ido ; a mudança
da terminação om em am e ão etc.
* Com. j. F. Castilho — Oií/io<^nip/iia; Bjscoli — iil. ; Paclieco
Júnior — A Reforma de orthographia, 1879, e neste ponto, como em
t)Ulios, a i^rainin. port. tio distincto professor Júlio Ribeiro, trabalho
que consideramos de grande valor, posto as nossas opiniões eni
alguns pontos não coincidam.
DD
9. — Em remate. — A irregularidade da orthogra-
phia acha explicação nos processos especiaes, regidos
quasi sempre pela euphonia, que, conforme o clima,
usanças, costumes, gráo de civilisação e movimentos
políticos, vasani o elemento material dá palavra em
novo molde. Acontece muitas vezes que a pronuncia
verberada em uma época é mais tarde a corrente, no
emtanto que a até então tida por certa, é considerada
errónea e reprovada. '
E essa vacillação perdura até que se fixam as
regras únicas de escrever os vocábulos, " ainda quando
diversíssimo seja o modo de proferil-os. "
í Freire, p. ex.: condemna celeuma, chusma, resposta, pestane-
jar, estômago, ele, e dá como correctas as formas celcusma, churma,
pstanear, reposta^ estamago, anteado, etc. . . .
SEXTA LIÇÃO
Morphologia : estnictnra da palavra : raiz ; thema, terminação ;
affixos.— Lo sentido das palavras deduzido dos elementos
morphicos que as constituem : desenvolvimento de sentidos
novos das palavras.
I. — MoRPHOLOGiA é a parte da grammatica que
estuda a forma das palavras, sua flexão e classificação.
E' — por outras palavras — a theoria da formação
dos vocábulos.
2. — A analyse de qualquer palavra, revela-nos o
elemento essencial e irreductivel, contendo a idéa prin-
cipal,— a RAIZ ; e vários elementos accessorios que a
modificam — os affixos.
A raiz é, consequentemente, parte commum a
todas as palavras de uma mesma familia.
3. — A reunião da raiz aos affixos é que constitue
a palavra no estado actual.
58
4. — Os affixos distinguem-se &m prefixos e suffi-
xos (fixos antes ou depais): são elementos determinantes
ou modificadores. (V. Lições 176 18).
5. — As raízes não representam a forma da linguagem primiiiva,
simples, rudimentar, o seu periodo embryonario, emfim ; mas a
consequência de diversos attritos e atrophiamenios vocabulares,
devidos á força natural de cohesão no organismo da phrase.
A hypothese de um periodo rhematico, isto é, em que a lin-
guagem só constava de palavras-raizes, posto satisfaça a importante
lei da evolução (do simples para o complexo, do homogéneo para o
heterogéneo') não é todavia verificável. E o estudo das primeiras
camadas da linguagem nos descobre crescido numero de factos
contradictorios.
Devemos pois considerar essa theoria, simples postulado de
philologia metaphysica, mas não scientifica; aceital-a tão somente
como instrumento lógico para a analyse do mechanismo gram-
matical.
As theorias da escola allemã — entre cujos propugnadores
tanto se sobrelevou o professor Max MuUer — têm sido controver-
tidas modernamente com argumentos do mais alto valor.
A palavra — espelho do pensamento e do sentido — - não podia
ter existido antes da phrase, que implica um juizo mental, a limi-
tação de uma idéa por outra. E a linguagem é a expressão exterior
do pensamento consciente (Sayce — Pr. of cotnp. phil.')
Logo, a raiz não podia ser de natureza vaga e indefinita ; os
primeiros vagidos da linguagem " não podiam ser idênticos ao
residuo da analyse dos sons phoneticos. "
Devem ser consideradas restos obtidos pela selecção de um
numero infinito de palavras-phrases primitivas. O seu monosylla-
bismo explica-se pelo producto da alteração phonetica; e a ten-
dência da linguagem foi sempre a usura e a contracção, o menor
esforço ou acção. *
* Sayce — Pott. — La div. des races humaines.
Não se deve attribuir ás raizes significação vaga, geral,
abstracta, porque essa theoria esteia-se no principio falso da prece-
dência do geral ao particular. (Id.) Mais. As raizes nem sempre
foram monosylabicas : no chinez actual encontram-se ainda raizes
dissylabicas ; no accadiano dos monumentos cuneiformes de Baby-
lonia, nas investigações do Baniu da Africa Austral, descobrem-se
também raizes polyssylabicas em numero cemdobrado {Edkins
Bleek, Layce.)
I
59
6. — Thema ou radical é a palavra já apta para
receber a desinência de flexão — nominal ou verbal,
isto é, o seu desenvolvimento flexionai. E' pois uma
semi-flexão.
Podemos ainda definil-o : raiz + suffixo, sem ca-
tegoria grammatical definida, mas promptos para
recebel-a.
Os themas são — nomiivies e verhaes ; e, segundo as formas
e accidentes das raizes, — redupUcaiivos {gar-gar-ej-ar), epeuthesicos
(homemzarrão); quanto á energia de derivação — activos {^pedra,
terra... ) e inactivos (trevas. ..).
7> — Os verbos apresentam vários themas : um
puro, que serve de fundamento (thema geral) ; outros
d'elles provenientes, chamados especiaes. No verbo
amar, ama é o thema geral ; amar, porém, é o thema
especial do imperfeito do indicativo.
8. — Terminação ou desinência é a ultima parte
da palavra; a que encerra a idéa accessoria que se
quer juntar á fundamental.
E' o elemento flexionai, que do mesmo passo
modifica as formas e indica as varias funcções que a
idéa incluída no thema representa no discurso.
As desinências, caracterisando os casos, géneros,
números, pessoas, tempos e modos, são factores gram-
maticaes que dão ás formas — variabilidade e vida.
(V. Lições i6 e 17).
Devemos notar mais, 1° que a mesma raiz pode ter diversa
significação, e formas diversas a mesma significação ; 2" que ha
palavras que de todo perderam a raiz : — gr. ci: = ecn = cs-c:i = port.
ei-ini ; fr. c/6'/7 = ]at. /labcrc = de/iiòci.
6o
9. — A estas desinências chamam os g; ammalicos
— de flexão ; ás que servem para formar derivados, —
de derivação.
Não se deve confundir a terminação (suffixo de desinência ou
flexionai) com o suffixo thematico, que figura entre a raiz ou o
primeiro thema e a desinência.
IO. — Analysemos agora algumas palavras, distin-
guindo a parte essencial, dos elementos modificadores
que concorreram para a sua formação. Vejamos
como, eliminando-os, chegamos ao elemento funda-
mental,— a raiz.
Em impermeável, se. tirarmos os prefixos im ^per,
e o suffixo vel {= suf. lat. comp. b-ili), signal dos adj.,
e emfim o suffixo verbal a, a palavra reduz-se á syl-
laba ;;^^, que encerra a idéa fundamental — passar,
escoar,- em respeitável, na qual facilmente se distingue
o verbo respeitar e a terminação vel, se eliminarmos
o prefixo re, teremos speitar = {xç.(\w^vú.2X\v(ò spectare,
que remonta ao verbo simples lat. specere ( = ver,
olhar), formado da terminação movei e-re e da parte
invariável — spec, que se encontra em todas as linguas
indo-européas.
Em historicamente, supprimindo a terminação «/«fw/d- (que já se
encontra no latim com sentido de animo, disposição (bona mente),
a palavra reduz-se a um adjectivo derivado do correspondente latino
{histórica), e si d'elle eliminarmos o suffixo ca, teremos historia, —
palavra latina formada do grego histor e do suffixo fem, ia,
indicador de nomes abstractos e correspondente ao sankrito^'<í, e
ao grego iã. Histor, é porém corrupção de Hstor, forma que se
decompõe em Hs e tor, representando o segundo elemento \íor) o
nom. sing. do suffixo derivativo tar — latim dâtor, sansk. dâ-tar,
grego do-ter, (— o que dá), e serve para formar nomes de agentes
e instrumentos {leitor, esmptor, ect.)
6[
Na raiz altribuitiva '/V, o s representa uma modificação plio-
nelica ; a permuta de um í/ primitivo. E esta aiialyse conduz-nos
á raiz ;V/ — sansk. 7'^íía, grego o'/(/i/, forma simples do perf. da raiz
77V/ — saber. *
Ainda devemos notar a vogal cliamada de ligação. Inter-
calada entre a consoante da raiz e o suffixo ou entre o suffixo e a
terminação, não faz parte integrante da raiz ou do thema, nem da
desinência ; é apenas de intercalação euphonica.
II. — Nas línguas modernas, analyticas, é de
pouca importância o estudo das raízes e formas the-
matícas, ao envez das línguas synthetícas como o
sanskrito, grego e latim.
No portuguez, em consequência dos vários ele-
mentos históricos, * é dífficíl a determinação sincera
e criteriosa de todas as raízes, e ás vezes por ventura
iiiipossivel. Só se pôde determinar com segurança,
as gregas e latinas, as germânicas e algumas célticas :
a) Latinas: — ^= d iic =^ conáuzxr, fer (for) == levar, frag =
quebrar, Wí7^(med) ^julgar, apreciar, regular
b) Gregas .• — arch — ser o primeiro, cop — cortar, gno — co-
nhecer is^nsk. gnà) , sech — ler (sansk. sahj, ther — aquecer (sansk.
ghar)
12. — As raízes distinguem-se em typicas e ono-
matopicas. A escola allemã, porem, divide- as em duas
grandes classes : — attributivas, que exprimem noções
de relações, e deuioiistrativas, que designam os seres
e suas modificações.
E como os seres só podem ser conhecidos por
suas qualidades sensíveis ou manifestações activas, as
* Bopp. — Vergl. Gramm.
' Latim, grego, céltico, germânico, phenicío, árabe, hebraico,
africano, tupy, etc,
62
raizes demonstrativas dividem se em quantitativas,
predicativas, nominantes, objectivas, idcaes e verbaes,
ao passo que as attributivas distinguem-se em demon-
strativas, indicativas, subjectivas, formaes e prononii-
naes.
Na impossibilidcade de remontar sempre á forma mais simples,
admittem os glottologos as seguintes combinações:
I." — Vogal : / — ir.
2." — vogal -f- consoante : ad — comer,
3." — consoante -{- vogal : da — dar.
4." — cons. 4- vogal -}- cons. : cad - — cahir.
5." — vogal -j- grupo cons.: are — afastar.
6." — grupo de duas consoantes -\- vogal : sía — estar em pé
//// . . correr, escoar- se.
7." — grupo de duas consoantes -f- vogal -|- consoante : spect
— olhar, spas — olhar.
8."— cons. -}- vogal + grupo de duas consoantes : vert — girar.
9.° — grupo de duas consoantes + vogal + grupo de duas cons.:
sparg — espalhar, spaiid — tremer.
13. No portuguez, coexistem — e mui naturalmente — raizes
cagnatas das linguas grega e latina :
Grego Ijatim
raiz ag paragoge raiz ag agente
aug auxesis aug augmento
gen . . génesis geti general
gno gnosis gno ignorante
etc. etc.
14. — Coexistem outrosim no portuguez formas corresponden-
tes do prefixos e suffixos gregos e latinos:
Grego Latím
an in (neg)
anti ante
apo ah
dia dis
etc. etc.
icos iciis
çn. , , , , . çns
63
15. — Quanto á vogal de ligação, devemos advertir que ella
ás vezes varia lios compostos latinos e gregos: — aer-o- nauta (gr.)
aer-\fonne (lat.)
16. — 'Do SENTIDO DAS PALAVRAS DEDUZIDO DOS
ELEMENTOS MORPHICOS QUE AS CONSTITUEM. ,Do qUC
levamos dito resalta que podemos deduzil-o— da iden-
tidade radical {^espelho espécie),^ o que constitue uma
espécie de synonymia latente, ou da especialisação de
afifixos, como a e in privativos {atonia, injusto), per e
/r^ sup. {per lúcido, preclaro), os expoentes augmen-
tativos e diminutivos {caixão, caixinha, espadim,
quintalete, homunciilo), o suffixo adverbial mente.
Quando as palavras são formadas pelo processo
reduplicativo, podemos também dos seus elementos
morphicos deduzir-lhes o sentido: — ruge-ruge, bule-
bule.
1 7. — Desenvolvimento de sentidos novos nas
PALAVRAS. — o léxico, como as fómias grammaticaes
e a pronunciação, varia de época para época. O povo
não se contenta com exprimir o pensamento e as idéas
novas ; é-lhe força apresental-os animados e revestidos
em variadas cores ; não lhe basta pois o processo de
importação de vocábulos novos de origem estrangeira,
nem o da formação portugueza propriamente dita
Vide Lição. 1 2
Segundo a escola Heyscana, se deduziria o sentido dos
vocábulos do symbolismo directo dos sons elementares : assim,
por ex., da lettra m, inuiio = mu/um, innrinurio = mmmur, ele.
V. Lam. de Andrade — Phi/ohgia viodi'rna e a origem da
linguagem (Vulgarisador 18).
64
(V. Lições 1 7 a 24) ; aquella tendência natural e expon-
tânea da sua vida intellectual leva-o (sob a acção da
analogia) a alterar, renovar, e accrescerq léxico pelo
processo modificador do sentido das palavras.
O principio da analogia deve ser attribuido em
parte ao instincto natural da imitação, e em parte á
lei do menor esforço. A multiplicidade dos sentidos
de uma mesma palavra, é pois resultante da neces-
sidade ou desejo de adquirir novas ideassem trabalho
de inventar ou formar palavras novas.
E' grande a influencia da analogia — falsa ou verdadeira — na
linguagem. Revela-se nos phenomenos de alteração phonetica,
accentuaç<1o, pronuncia; na alteração das relações grani niaticaes,
das regras syntaxicas, da significação das palavras; na mudança
insensível da fórma exterior, e caracter de vocabulário.
18. — Todas as mudanças de sentido fundam-se
na comparação e analogia ; mas dos objectos materiaes,
dos idéaes sensíveis, é que os homens passaram ás abs-
tractos.
Foi a analogia que deu origem ao que vulgar-
mente se chama figuras de palavras {tropos — Vide
Lição 46 ) : pé da cadeira ; a perna do compasso ; a
cabeça da comarca, da revolução, o olho da enchada . . .
o bronze = sino, o ferro = punhal, etc , um havana,
um Terra nova, cognac, bordeaux, etc. *
* Investir era pôr nas vestes, peiplexo o que está emaranhado,
etc. , trivial o que se encontra ao atravessar a rua, etc.
Metaphora, catachrese, metonymico, synecdoque, metalefre,
etc.
19- — A influencia d'essa lei é sempre obvia directa
ou indirectamente. Assim : — €07"= lat. coi' (coração),
tinha nos séculos XIII — XVI o sentido de desejo,
vontade, grado {boa cor, coi" de rir) e conservou se
na accepção de memoria {de cór; Cp. fr. par coeur, ing.
by heart, hesp. de cor — Obs. cor = coração) ; . . .
cabo = lat. caput (cabeça) teve varias extensões de
sentido, — de fim, termo, limite (Sec. XII), * fazendas,
riquezas, capital (Sec, VIII), ' logar, parte (Sec XIV);
mídato até o sec. XVI, siofnificava macho asneiro ;
manceba era mulher nova, até o sec. XV; depois veio
a ter sentido de w^r^/r/> (pelas formas de transição
manceba mundanaria — solteira — F. Lopes); coco <\ue.
significava originariamente o fructo do coqueiro,
designava no sec. XVI um abantesma, um papão (J.
de B, Dec) ; ' doiizella até o sec. XVI era uma
dama do paço, solteira; hoje — mulher solteira, mas
virgem, ainda que maior de 25 annos (Leão CJir.
Af. V); corja, antigamente collecção de 20 (de
roupa, louça, etc), hoje — agrupamento indetermi-
nado de indivíduos malandrinos, canalhas ; /íw/^r, era
lançar finta, tributo {Ord.; Bem. Floresta), hoje — eti-
ganar, etc.
20. — As palavras soffrem, no dobar dos annos,
três mudanças principaes no tocante ao sentido: i.°, a
1 Donde ir ás do cabo. — Ao cabo de dous dias, da rua, etc.
Cabo = cauda.
2 Donde — cada um de seu cabo (por si).
8 Idem no hespanhol. Rom. N. 41, pag. 119.
66
que depende da associação de idéas e do sentido
novo que ella desenvolve, da especialisação, emíim ;
2.°, a que é determinada pelo sentimento encomiástico
ou degradativo ; 3.', a que acompanha a evolução
syntaxica da linguagem.
O professor Whitney, reduz as perpetuas mu-
danças de sentido das palavras a dous processos —
o de especialisação do geral e o de especialisação do
particular.
21. — Estudemos agora as principaes causas
particulares das varias applicações de sentido nas
palavras ;
d) Generalisação do particular. O sentido de
particular torna-se geral ; Alpes desde o século XI
emprega va-se para indicar qualquer monte ou col-
lina; oráculo era qualquer oratório ou pequeno
templo; Belchior chamava-se o primeiro adelo esta-
belecido, no Rio de Janeiro, e esse nome, por uma
extensão menos natural, veiu a significar todos os
que compram e vendem roupas e trastes usados.
b) Especialisação do geral. O sentido do vocábulo
restringe-se. — Britar significava arrombar ou
quebrar qualquer cousa,* e hoje só se emprega no
sentido de quebrar pedras ; criação designava nos
antigos does. — todas as fazendas, bens, propriedades
* Britar as portas, um olho, a^ lança ; aS leis, os fbraes, etc.
(Nob., Ord. Alf., Chr. D. J. I., Galvão Chr,, etc.) — Escumuuhom
nom brita osso (dito do povo — Ord. Aíf.)
6/
(fructos, rebanhos...) e bem assim a pátria; os criados
de El-Rei, etc. ; hoje o seu sentido limita-se (alem do
acto de criar — crear — já originário) ao da criação
ou propagação de animaes domésticos ; botica, que
era qualquer loja pequena, agora só é usado tão
somente na accepção de pharmacia ; guisar era em-
pregado no sentido de guiar,' ajudar, dispor, ordenar,
preparar,* e hoje só se usa no de preparar a comida.
c) Mudaiiça de numero. — Algumas palavras
mudam de significação quando no plural. Ex.: bem (o
que é bom, honesto, vantajoso, conveniente) e bens
(riqueza, propriedade); honra (estimação, culto, apreço
que acompanha a virtude e o saber, boa fama, credito)
e honras (terras, — sec. XIV; e publicas demonstrações
de respeito) \ fumaça (vapor que se desprende dos cor-
pos em combustão) ç. fumaças (tolo desvanecimento,
parva jactância), ferro ^ ferros, prata e pratas, gloria
e glorias, etc. . . . Dá-se quasi sempre mudança de ap-
plicação nos pluraes emphaticos.
d) Mudança de género. — O femenino dá mais
extensão ao sentido da palavra : fructo fructa, lenho
lenha, ramo rama, grito grita.
e) Do abstracto para o concrecto e vice-versa (por
falsas ou verdadeiras analogias: — ou tomando o effeito
pela causa, a causa pelo effeito, a parte pelo todo e
* Ined. d'Alc. , Ord. Aff, Vieira (guisar o engano := faze^
en gano).
Calamidade, pessoa, cynismo, etc, já nos vieram do latim
com a significação corrente.
6S
o todo pela parte). Mundo, corrente, terra, etc, são
amostras da materialisação das idéas.
f) M. de seyitido passivo para o activo, e vice-versa,
do objectivo para subjectivo. — Hospede ^xdi originaria-
mente o homem que dava pousada ou agasalho, dono
de estalagem ; depois — pessoa a quem se dá hospeda-
gem. E só nesta accepção é hoje usada.
g) M. por encarecimento. — : A palavra, depois de
certo tempo, toma sentido mais nobre ou elevado. Ex.-
méco significava devasso, adultero, e hoje, mas em
linguagem vulgar, tem o sentido de esperto.
h) M. por degradação ou remoque. — Manceba
era mulher nova até o século XV ; depois — moça de
servir ; hoje, só no sentido de concubina. Manceba
do mundo = meretriz (Lobo, Corte na Aldeia). — Pa-
tife significava moço de ceira ou ribeirinho, hoje —
um maroto, bregeiro ; mariola era o homem de fretes,
que se aluga para carregar, e actualmente um dis-
soluto, etc. ; tratante applicava-se ás pessoas que tra-
tavam ou negociavam*, hoje só se emprega á má parte,
isto é, com relação ao individuo que faz negócios com
tretas e dolos.
Muitos augmentativos já são hoje considerados
irónicos ou pejorativos : — sabichão, santarrão, poe~
tdço....y e synonymos de — ignorante, hypocrita,
máo poeta...
* Tratar •:=. negociar em alguma mercadoria,
69
t) Derivação diverge7ite ou degeneração phonetica.
E' também um phenomeno semeiologico. Comparar
= lat. cotnparare, que significa adquirir alguma cousa
por dinheiro. Cp. — Comparar e comprar, esmaf
e estimar, acto e atcto, bolha bolla bulia.
j ) Inversão da ordem, dos factores na composição.
— Cp : — homem rico e rico homem, gentil homem e
homef?i ge7ttil {dLVoh. pej= rico omaz. Canc. Vat.)
Esta mudança é muito commum nos toponymicos
— Villa Nova = nova villa, Penha Longa = longa
penha.
h) Origem histórica. — Assanino^=- -âiX-a^ò^ hacha-
chi ou hachichi (lat. baixo — heissesin, assassi, assas-
sini, etc. — D. C. Gloss.) O vocábulo árabe deriva de
Jiachich, bebida inebriante que papel importante re-
presentou na fanatisação dos terriveis sectários Ismae-
linos ou Bathenianos.' — ArmÍ7iho,miisselina, cache-
mtra, um havana, o gruyère, o paraty, o champag7ie,
um Lerra nova, etc, lembram as localidades d'onde
procedem esses productos; amphitryão, tartufo, etc,
trazem á memoria personagens que de feito existiram
ou foram creados pela imaginação dos escriptores.
Amphitryão (comedia de Plauto, e vulgarisada por
1 E' esta a verdadeira etyniologia, provada por Sylv. de Sacy
{R. de VA. des Inscrípt. et belles letires), Defrémery (y. asiatique),
Davic, etc.
Dozy (Gloss.') é de opinião que port. não importou o vo-
cobulo directamente do árabe, mas por intermédio do francez ou
do italiano.
Mas as formas acima citadas do b. lat. ?
ro
Molière) significa hoje aquelle que á sua mesa reúne
convidados, e ainda o ricaço e poderoso cujo egois-
mo obriga á lisonja e adulação ; Tartufo é uma
creação de Molière, e representa o typo da corrupção
embiocada sob exterioridades de santo, o typo emfim
do hypocrita. E todos esses nomes tornaram-se
proverbiaes (Attila, Nero, Calligula, etc), como no
dominio da toleima são populares os de Calino,
e os nossos Manuel de Souza e Cónego Philippe.
Exemplo de mudança de sentido pela origem his-
tórica, temos ainda no neologismo bofid, no sentido de
ferro-carril urbano. Estes neologismos por mudança
de sentido derivam de ou correspondem a um facto
histórico; e com effeito a inauguração desses vehiculos
públicos coincidiu com a emissão dos bonds (obriga-
ções do Thesouro, vales).
/) Falsa etymologia ou esquecimento etymologico :
— Hortelã pimenta (p. mentha), respondo = re-
ponho e resposta = reposta (no jogo do voltarete),
braço e cutello p. baraço e cutello, come? a dous car-
rinhos p. comer a dous carrilhos, sarabanda p. zeri-
banda.
m) Limitação regional ou dialectal. — As pala-
vras ás vezes mudam de sentido da metrópole para a
colónia, de provincia para província, etc. Estas mu-
danças constituem os brazileirismos, americanismos,
provincia lismos... Ex.: Babado em Portugal = cheio
de baba, no Brazil — id., ^folhos de vestido ; capoeira
em Po-rt. = gaiola para guardar aves, no Brazil— id.,
71
e matagal de arvoredos teimes^ ave, indivíduos que
atacam com a cabeça e os pés, etc. ; muqueca em Port.
é termo de agricultura, e no Brazil — guisado de peixe
acamarão/ calunga (voz africana) na Bahia significa
ratinho,* em Pernambuco — boneco de pão, no Rio de
Janeiro — companheiro, parceiro (só em linguagem
plebéa, dial. brazil. afr.)
«) Ellipse de palavras: — cada que (= cada vez
que, Sec. XIII), estou que (= estou crente em
que.)
o) Reforço negativo. — Já era mui frequente no
latim clássico. Ex.: nem mica, nem sombra, nem um
piftgo.^
p) Por mudança de categoria grammatical: —
babado (part.) e babado (subst.), pe?idulo (subst.) e pên-
dulo (adj.), offícial (adj.) e officíal (subst.)
q) Por mudança de categoria mental: — lustro
(periodo de cinco annos),^?/^/;///^^/^ (período de quatro
annos), feira (que ficou sendo a denominação de
5 dias de semana.)
r) Por mudança de accentuação ou deslocação da
tónica: — nível e 7iívél (livel, olivel.) Nível é a pro-
nuncia hoje corrente para exprimir um plano hori-
zontal: nível é o instrumento que serve para se reco-
nhecer a horizontalidade de um plano.
* Murganho, que no Rio de Janeiro chama-se camondongo.
V. Lam. de Andrade. — Yid, negação intensiva, 1886.
/-
I. — D'esses empregos metaphoricos eram os nossos maiores
muito mais ricos do que nós, como veremos quando tratarmos
da negação.
Ainda poderiamos adduzir, talvez, mais uma causa para a
modificação do sentido das palavras — a influencia do gesto, como
por ex.: nestas phrases populares que ouvimos todos os dias e cujo
sentido só é completo pelo gesto — por esta (se. cruz), nem isto, etc.
2. — Na evolução semeiologica das palavras é também de
notar a lei da inferência lógica, que constitue a modalidade funda-
mental do raciocinio, a trajectória do particular para o geral,
voltando de novo o sentido ao particular, onde se fixa por fim.
Ex.: Amor = lat. amarem, passou do sentido de affeição,
amisade, a significar — mercê, beneficio (sec. XIII), voltando ao
sentido primitivo unicamente.
3 Sentimento — a principio sensação, percepção interna dos
objectos pelos sentidos, teve também a significação de opinião,
voto, parecer ; sensibilidade physica e moral; aptidão para receber
as impressões ; intelligencia, discernimento, consciência intima ;
perfeito conhecimento e segura observação ; magoa, queixa, pezar ;
máo cheiro, principio de podridão ; abalo (S. de edificio, etc.) ; e
hoje ainda a de tendência, predisposição para alguma cousa — sen-
timento de honra, ^^ probidade. Por este exemplo vê-se quanto
uma palavra pôde apresentar novos aspectos, dilatar as raias da
sua significação.
24. — A's vezes, pois, o mentido figurado prevalece
e tanto se vulgarisa, que o sentido próprio se perde ;
outras, as varias applicações de sentido desenvolvem-
se juntamente, e acabam por fazer-nos esquecer a
relação que as liga. Assim p. ex.: — Tabefe não mais
lembra a idéa de leite com assucar e ovos ; garganta
de serra ou de montanha, já parece palavra distincta
àç^ garganta, parte anterior do pescoço, etc...
A ultima phase da variabilidade" signifieativa da palavra é a
perda do próprio sentido {ca, la,...')
25. — Esta importante elaboração não se limitou
ao vocabulário e ao esquecimento das etymologias ;
73
estende-se mesmamente ás construcções, ás locuções
e phrases. E a este facto já nos referimos.
São verdadeiros idiotismos de sentido, que con-
stituem uma das riquezas de todas as linguas, e dos
populares passam aos escriptos clássicos. Ex.: — estar
de asa cahida, fazer gato sapato de alguém, ter dous
dedos de..., dar em droga, perder as estribeiras, ver- se em
calças pardas, metter-se em camizas de onze varas,
chegar a roupa ao couro. ...^
26. — Nos dizeres, apodos e provérbios popu-
lares é que taes mudanças de applicações mais são
frequentes : — Quem quer bolota trepa na arvore, cada
um chega a brasa á sua sardinha, não se apanha?n
trutOrS a bragas enxutas
Estes factos mostram claramente a reacção da phrase sobre o
valor individual dos vocábulos. As palavras (como acabamos de
ver nos vários exemplos) comprehendem muitas relações — mais ou
menos simples, mais ou menos naturaes — , certa caracterisação de
virtualidade para todas as equivalências possíveis, " certo poder de
symbolismo vago."
E' nessas tendências expontâneas e fecundas dos povos que
se descobre o laço artificial e de convenção, que torna a palavra
pensamento, representando-o outrosim sob múltiplas formas objec-
tivas.
i Cav. de Oliv. vol. i.°, etc.
10
SÉTIMA LIÇÃO
Da classificação das palavras.— Do substantivo e suas espécies
I. — Entende-se por classificação das palavras, a
distribuição das palavras em suas varias espécies ou
partes do discurso.
Outros definem a classificação — conjuncto das
idéas coordenadas por géneros e espécies.
A classificação das palavras em classes corres-
pondentes aos grupos de idéas de que se compõe o
pensamento, chama-se Taxionomia.
2. — E' antiquíssima a theoria das parles do dis-
curso ou da oração.
O portuguez classifica as palavras, quanto á sua
significação, em oito espécies: substantivo, adjectivo,
pfonome, verbo, adverbio, preposição, conjuncção e inter-
jeição, si a não considerarmos forma rudimentar, in-
stinctiva, não exprimindo — como as outras palavras —
idéas, ou relações (Lição nona).
Thomson {Laws of thoughf) classifica as palavras em — sub-
stantivos, adjectivos e preposições. Beeker classifica- as em duas
76
categorias — palavras nocionaes^ que exprimem noções, isto é,
idéas de seres ou acções formadas no espirito — substantivo adje-
ctivo, verbo, adverbio de modo, tempo e logar; e palavras telacio-
naeSy que não exprimem noção ou idéa, mas indicam meramente a
relação entre duas palavras nocionaes, ou entre uma nocional e a
pessoa que falia — verbos auxiliares, artigos, pronomes, numeraes,
preposições, conjuncções, e os advérbios chamados de relação.
E' difficil — diz Ticknor — applicar os principios de classifi-
cação a palavas particulares ; ellas podem mudar de classe em
certo periodo da historia da linguagem, e ainda pertencer a diffe-
rentes classes em uma mesma época histórica.
3. — Tocante ás susls /uncções naíuraes, dividem-
se as palavras em :
a) Nominativas^ ideaes (dependentes e indepen-
dentes). São as que servem para distinguir os seres,
as substancias reaes ou abstractas ; as qualidades e
acções, os diversos estados das pessoas e cousas,
todas as manifestações da vida {nome e verbo).
ô) Connectivas ou relativas. São as que expri-
mem as numerosas relações de tempo, logar, numero,
quantidade, causa, effeito, etc. ( preposição e conjunc-
ção).
O adverbio participa de ambas as classes. Por
sua natureza especial é adjectivo e partícula a vezes;
marca a transição das palavras de flexão para as
invariáveis.
4. — Quanto k forma, estas cathegorias de pa-
lavras dividem-se em variáveis e invariáveis. Perten-
cem ás primeiras os dous grandes factores da lingua-
gem— o nome e o verbo ; * ás segundas, as partículas
* Sob o termo genérico de tiome, comprehende-se o substan-
tivo, adjectivo e pronome.
77
— destroços orgânicos ou organismos inferiores
— muitas d'ellas sem mais existência independente.
5. — Conhecidos os elementos que, classificados
segundo as suas funcções ou relação com a proposi-
ção, formam as partes do discurso, passamos agora a
tratar de cada um d'elles separadamente mas, nesta
e nas quatro lições seguintes, apenas sob o ponto de
vista taxionomico.
Do substantivo e suas espécies
6. — Uma palavra pode, só por si, com todos os
verbos finitos, ser sujeito de uma proposição ; ecom o
verbo ser tornar- se predicado: — O homem morre
(suj.), também és homem (pred.).
Ora, a palavra que designa pessoa, logar ou
cousa — segundo a ' idéa da sua natureza, por suas
qualidades distinctivas — é um substantivo : — Pedro,
Tijuca, livro, virtude.
7. — O substantivo exprime estrictamente o que
subsiste, isto é, o que constitue a base, o fundamento
de accidehtes ou attributos. e por isso pode ser con-.
siderado independente, e viver só por si.
E' o nome de um objecto de pensamento, perce-
bido pelos sentidos ou comprehendido. Ora, o nome
de tudo quanto existe ou é concebido existir é um
substantivo.
8. — O substantivo, pois, exprime a idéa de um sêr
vivo ou de um objecto, uma concepção ou idéa.
78
9- — O substantivo pode convir a todos os seres
ou cousas da mesma espécie, ou designar apenas uma
cousa individualmente, uma pessoa determinada : —
rio, cão. . . Amazonas, Mário.
D'ahi 2i sMdi àxviSdiO GCíi próprios e communs ou
appellativos.
IO. — O nome commum é o nome da espécie : o
nome próprio, o do individuo.
O nome provinda, por ex., significa — divisão
territorial pertencente a um Estado : é o nome da es-
pécie, o nome commum.
A palavra Pernambuco designa uma província
particular do Brasil, distincta de todas as outras : é o
nome do individuo isolado, é o nome próprio .
Os substantivos, pois, designam os seres como indivíduos, es-
pécies e géneros. O individuo é o ser considerado isoladamente ;
a espécie — a reunião de muitos seres, de muitas cousas (individuos)
distinctas das outras do mesmo género, por caracteres distinctivos :
o género é a reunião de muitas espécies.
II. — Nos nomes communs e próprios é muito de
notar — a compre/tensão da idéa e a extensão da signi-
ficação.
Por extensão entende-se o numero maior ou
menor de indivíduos ou objectos comprehendídos na
significação ; comprehensão é o numero maior ou
menor de attributos comprehendídos em uma idéa
geral.
E — como judiciosamente pondera Ayer — a com-
prehensão de uma palavra está na razão inversa da
sua extensão, e reciprocamente.
79
Quanto mais geral for o nome, tanto maior será a sua ex-
tensão e menor a comprehensáo. Os nomes próprios de indivíduos
sâo pois os que teera menos extensão e mais comprehensáo (Gram.
comp.).
E' pois de summa importância grammatical a
dístincção entre as pessoas e cousas, não só para a
theoria da formação, mas também — e acrescentado —
para o emprego das formas pronominaes {que^ çuem,
alguém, outro, outrem).
12. Os nomes próprios foram originariamente
communs ; são verdadeiros substantivos significativos ^
Maria = soberana, Úrsula = pequena ursa, Clau-
dina = mulher que coxêa (claudica), Theophilo =
amante de Deus, Portugal = Porto de Cale (Portus
Cale), Itapuca = pedra furada, Marco = nascido no
mez de Março, Dorothea =:^áoví\ de Deus, etc.
E ainda temos muitos exemplos do caracter
appellativo ou significativo dos nomes próprios : —
Rosa, Clara, Prudência, Felicidade, Ventura, Silva,
Amoroso, Pereira, Limoeiro, Botafogo, Rio Verde,
Aguas Claras .... *
i.'^ Entre os nomes próprios de pessoas, distínguem-se opre-
nome ou nome de baptismo, o nome ou nome de família, o sobre nome
e ainda o cognome. Muitos sobrenomes sâo \\.o]tptenotnes. (Cicero,
César, Scipião, etc.)
Entre os Romanos o nome {nomen gentis, nomina gentilitià)
correspondia ao patronymico dos Gregos. Todos esses nomes sâo
propriamente adjectivos.
2.° A lettra inicial dos nomes próprios é sempre maiúscula.
* V. Pacheco da Silva Júnior. — Historia dos nomes próprios
(portuguezes). Sobre os nomes de origem tupy, Cons. Martius.
Gloss., etc.
8o
13. Alguns nomes communs são considerados
próprios, quando empregados de modo peculiar, indi.
vidual, restrictivo: - — o Senhor, a Egreja.
14. Os próprios tornam-se communs pela mu-
dança de applicação, desenvolvimento do sentido:
Calepino, damasco, cachemira (V. Lição 6f) ; e ainda
/ — no parecer de alguns grammaticos/ — quando estão
no plural : os Mirandas, as Emilias,
15. Os substantivos appellativos subdividem-se
em concretos, abstractos, collectivos, verbaes.
á) São concretos os que significam seres de
existência verdadeira ou supposta: seres reaes cujo
sentido nos faz conhecer-lhes as propriedades: o
livro, o amigo.
Exprimem uma acção, qualidade, condição ou
propriedade, dependente da substancia que lhes é
inherente.
b) Abstractos são os que exprimem uma quali-
dade, condição ou propriedade, considerada inde-
pendente da substancia (cousa) a que se acha geral-
mente ligada: — belleza, amizade, justiça. Aqui, p.
ex.: não consideramos quem tem belleza, nem quem é
amigo.
Exprimem uma idéa de acção, condição ou
qualidade, só existente no espirito, que a personifica,
separando-a (por abstracção) do individuo a que
pertence.
Os nomes abstractos de acção derivam de verbos por meio
dossuffixos — ão, agem, ura, menio,...os de qualidade formam-se
geralmente de adjectivos com os suffixos— ízz/if, eza, iça... (V.l^i-
ção 18.=').
c) Collectivos. São os substantivos que, posto
na forma do singular, indicam agrupamento de indi-
vidues da mesma espécie : — armada, esquadra, reba-
nho, pellotão, manada, corja, anno...
Representam todavia uma cousa única; encerram um caso
àe plural imJ>lidío _; constituem uma deflexão ou flexão interna, so-
mente no sentido. (V. Lição 12*).
O nome collectivo pôde ser geral ou partitivo,
conforme indica a totalidade da collecção ou tão so-
mente uma parte indeterminada : — o exercito, a es-
quadra... UMA cáfila, UM ar medito, uma quantidade^
UMA multidão.
O partilivo pôde subdividir-se em determinado
e indeterminado^ segundo indicar ou não uma quan-
tidade certa, exacta : — uma recova, um concilio,... dúzia,
milheiro.
d) Verbaes. São certas partes dos verbos em-
pregadas substantivadamente — castigo, jantar.
O Infinito é em todas as linguas, uma verdadeira
forma nominal.
16. — Ainda temos mais :
a) S. Correlativos. São os substantivos communs
considerados em relação reciproca: — Pai ç. filho, Rei
e Súbdito.
b) Materiaes. São os que exprimem cousas que
não despertam idéa de individualidade, mas tão so-
mente uma noção de aggregação : — leite, agua.
11
82
17- — Todas as palavras, e até mesmo as propo-
sições, podem ser empregadas substantivadamente.
A formação de subst. abstractos de adjectivos ou antes o uso
de adjectivos como subst. abstractos, é feição característica de
muitas linguas, ás quaes dão força mui peculiar, pois que taes nomes
não podem ser substituidos exactamente por uma periphrase. Gr.
tò Kalòn, ali. das Sc/ione, o bello. Estas formas abstractas portu-
guezas constituem vestígio do adjectivo neutro.
i8. — Sob o ponto de vista da forma, ainda os
substantivos dividem-se em simples e compostos, pri-
mitivos & derivados.
a) Simples: — mesa, papel.
b) Compostos. São os formados de duas ou três
palavras simples:
1" — Subst. 4" subst arcõ-iris
2° — Subst. -f" ^dj agua-ardente
3" — Verbo -f- subst saca-rolhas, papa-moscas
4° — Prep. -j- subst sub-delegado
5° — Subst. -[" prep. -\- subst. chefe de turma
6° — Verbo -j- verbo Jtige-ruge
7° — Verbo -j- adv falia mansinho
8° — três palavras diíferentes . . . mal me quer, údalgo (filho de algo;
c) Primitivos: — arvore, pedra, barca.,..
d) Derivados: — arvoredo, arvorejar; pedreiro,
pedranceira, pedregulho; barcaça, barqíieiro,..
Para maior dilucidação d'este paragrapho — V. Lições
17 e 18. {composição e deriva (ão^
18. — Os substantivos communs ainda podem
ser augmentativos e diminutivos: — komemzarrão,
quintalete; epicenos òu promíscuos: sabiá, anta. (V.
Lição 1 3? Flexão dos nomes, género, etc.)
83
19. — Os substantivos patronymicos eram na
origem simples adjectivos indicadores da filiação.
São propriamente adjectivos, mas pertencem hoje á
classe dos substantivos adjectivos: — Ex.: Sanches,
Vasques, Gonçalves, Alvares,... = descendente de
Saficho, Vasco, Gonçalo, Álvaro....
Em latim esses adjectivos terminavam em — ius.
Historicamente o subst. — com ocategoria grammatical — sue-
cedeu ao adjectivo e precedeu ao verbo.
Militam a favor da primeira hypothese as seguintes provas :
1° No sanskrito antigo encontram-se subst. nos gráos com-
parativo e superlativo, mudando de sentido pela simples forma de
género :
2° Certa tendência instinctiva do adjectivo, que perdendo o
seu valor qualificativo originário veio a significar exclusivamente o
objecto/
3" Especialisação de sufiixos, como se vê em latim com o
subst. instrumentaes.*
A segunda hypothese esteia-se nos dous factos seguintes :
i." — Na introducção de formas nominaes na conjugação
(infinito, supino, gerúndio, participio) ;
2." — Na existência dos nomes abstractos em /í» no latim ante
clássico, regendo accus. : — Quid iibi hanc curatio est (Plauto). '
I Bréal, Bop|). — Gr. comp.
Idem.
OITAVA LIÇÃO
Da classificação das palavras.— Do adjectivo e suas espécies
I. Vide LIÇÃO SÉTIMA
2. — Adjectivo (lat. adiectivum, de ad-icere, por a
par, que ajunta) é o nome que se junta ao substantivo
para qualifical-o ou determinal-o. Designa as pro-
priedades de um sêr ou de um objecto, de uma pessoa
ou idéa ; serve para aclarar a comprehensão da idéa
expressa pelo substantivo. Ex.: Homem sábio ^ sete
livros, esta penna.
3. — O adjectivo não pôde por si só ser sujeito
da proposição, mas com o verbo ser, pode formar o
predicado : Deus é justo, o homem é mortal.
Antigamente o adj. não era parte distincta da oração, mas sim-
ples substantivo commum.
*' E de feito, os nomes appellativos mais indicam qualidade
que substancia. "
A classificação moderna, porém, íundamenta-se em que o
adjectivo vem sempre ligado a um substantivo ou pronome, na
qualidade de attributo ou predicado.
Desde que não preenche essas funcções, o adj. é considerado
substantivo ou pronome.
86
4. — Os adjectivos qualificam em geral os sub-
stantivos, sem os quaes não formam sentido completo,
ou são empregados substantivadamente : — gr. ho so-
phos, lat. sapiens, o sábio.
O adjectivo attributivo pode tornar-se um sub-
stantivo {chão, frio); o circumstancial, um pronome
{Oy este, aquelle.)
5. — Os adjectivos classificam-se segundo a sua
significação e forma.
Quanto á significação, dividem-se em qualifica-
tivos (attributivos ou descriptivos), e em determina-
tivos (circumstanciaes ou definitos.) Aquelles expri-
mem uma qualidade ou condição; estes definem,
limitam, a significação do nome a que se ajunta.
Alguns grammaticos hodiernos rejeitam a moderna classifica-
ção dos adjectivos em determinativos e qualificativos, apoiados nas
duas seguintes ponderações : — 1.°, que todos os adjectivos ajuntan-
do-se aos nomes para determinar-lhes ou restringir-lhes a significa-
ção á idéa da espécie particular, são forçosamente determinativos ;
2°, que tal classificação obriga a considerar, ora na classe do adjec-
tivo, ora na cathegoria do pronome, certas palavras da mesma na-
tureza, posto não exerçam as mesmas funcções no discurso (tfieu,
qual....)
6. — Essas duas categorias subdividem-se do
modo seguinte:
possessivos
demonstrativos
conjvMctivos . ( collectivos
Deter miimtivos \ ,., ,. < umversaes j ^ distributivos
J quantitativos \ ^
ou ) j, ff ^ definidos
de números . ^ ) e indefinidos
^ i-j: j- \ essenciaes ou explicativos
Qualificativos \ j 4^ ^ . ■ *.-
^ ' ( accidentâes ou restrutrvos
Possessivos, são os adjectivos pronominaes que exprimem
idé a de posse : — mai, teu, seu, nosso, vosso,
Demonstrativos, são os que indicam pessoa ou cousa, com
idéa de logar ou tempo : — este, esse, aqttelle...
CoNjUNCTivos, são os que conjunctam clausulas: — que, qual,
cujo.
Quantitativos, são os que determinam todos os indivíduos
de uma classe, ou parte d'ella, e por isso dividem-se em univetsaes
ou geraes e pariitivos.
Aquelles subdividem-se em collectivos [todo, nenhum) e dis-
tributivos {cada, cada um); os partitivos podem ser deJi?iidos {iim,
dous...) e indefinidos {algum, certo, pouco.. ^
7. — Os determinativos quantitativos ou nomes
de numero, determinam as pessoas ou cousas quanto
ao numero e 2i qua7itidade ; e como essa funcção pôde
ser geral ou restricta, precisa, d'ahi a subdivisão em
indefinidos e definidos.
Os indefinidos assignalam um numero ou uma
quantidade indeterminada: algum, certo, muitos... {uni-
dade e pluralidade); cada, nenâum, todos... (totalidade
e universalidade.)
I? Empregados absolutamente, qualquer, todos, cada, nenhum,
teem valor pronominal.
2.° — Os nomes collectivos partitivos pouco diíferem pelo
sentido dos nomes de numero indefinido; mas quanto á forma, distin-
guem-se em que só os collectivos geraes ou partitivos — como todos
os substantivos —são sempre determinados pelo articular ou seus
equivalentes. A mesma palavra pode ser coUectivo geral com articu-
lar o, partitivo com o det. indef. um, nome de numero indefinido
sem determinante. (V. Cons. Ayer — noms de nombre indeúnis).
8. — Os nomes de numero definidos exprimem
um numero determinado. Dividem-se em numeraes
cardinaese. ordinaes: aquelles representam os núme-
ros formadores de qualquer numeração — um^dous,
88
vinte, etc; estes, são verdadeiros adjectivos que
exprimem a ordem, — primeiro, quinto, vigésimo..?)
Os Multiplicativos são os nomes de números
que denotam as vezes que uma cousa é multiplicada:
— duplo, triplo, cêntuplo...
9. — Alguns numeraes mudam de categoria gram-
matical, pelo esquecimento etymologico : — quartel
= trimestre, corja = collecção de 20 objectos, dizima
= a dizima parte, decima, quaderno, etc.
10. — Os possessivos, demonstrativos, relativos e
quantitativos ou nomes de numero, — fazendo ás vezes
as funcções de adjectivos e as de pronome, são con-
siderados— adjectivos pronominaes.
11. — O artigo é um verdadeiro adjectivo deter-
minativo, quer individualise o nome que se lhe segue,
quer designe uma espécie — geral ou particular. (V.
Lição, 26).
Tirou origem na necessidade que tem o povo de nomear
claramente as cousas de vida commum, de individualisar a signi-
ficação do nome.
Sobre a origem do artigo como categoria grammatical, é
errónea a hypothese de consideral-o resultante da obliteração do
sentido vivo das raizes indicativas ou relacionaes. De feito, o
zend, o sanskrito, o grego ani homérico, e o latim clássico, conser-
vam mais clara a consciência dos elementos de relação ; mas as
linguas semíticas — que mais conservam a significação primitiva,
concreta e material de seus typos radicaes (Renan) — possuíam o
artigo, e desde o mais remoto período histórico.
12. — As qualidades podem ser physicas ou ma-
ieriaes : — alto, baixo, quente, frio ; e moraes: — dili-
gente, preguiçoso, alegre.
89
13- — Podem mais ser essenciaes e accidentaes,
conforme indicam propriedades essencialmente carac-
teristicas da pessoa ou cousa, ou não : — Bra?ica neve^
o cavallo é quadrúpede, são propriedades essenciaes ;
chapéo alto, cavallo náfego, são propriedades acci-
dentaes.
Aos primeiros denominam alguns grammaticos — explicativos;
aos segundos — restrictivos.
Também são considerados adj. accidentaes ou restrictivos, os
subst. que modificam outros : — Rei navegador.
14. — Quanto á forma, os adjectivos dividem- se
em primitivos e derivados : — rico, furioso; simples e
compostos: — verde, auri-verde.
15. — Aos derivados pertencem os pátrios, gen-
tilicos e verbaes.
Pátrios são os que indicam a naturalidade de um
ser ou de uma cousa: — Bahiano, Maranhense.
Gentílicos, os que indicam a nacionalidade: —
Brdzileiro, Inglez.
Verbaes, os que tiram origem em um verbo: —
amante, pedÍ7ite, fallador. (V. L. derivação).
16. — Ha uma outra classificação dos adjectivos
também em duas classes: i?, dos o^^ fixam a attenção
na qualidade ou propriedade que descrevem, quer
esta propriedade seja objecto de sentido physico {certo,
alto), quer de percepções mentaes e affeições {caro,
verdadeiro) ; 2?, dos que se referem manifesta e dis-
tinctamente a algum primitivo {férreo, pedregoso),
12
90
Aos da primeira classe, chamam, .adj. qualificativos \
aos de segunda, adj. de relação.
17. — O adjectivo é uma simples differenciação
do substantivo. Prova-o a sua syntaxe. (V. Lição 6?
in fine).
NONA LIÇÃO
Da classificação das palavras.— Do pronome e suas espécies
I. — Vide Lição sétima,
2. — Conforme a etymologia, o pronome é uma
palavra que substitue o nome.
O substantivo exprime uma idéa, designa as pes-
soas ou cousas por suas qualidades distinctivas, cara-
cterísticas, naturaes. O pronome, porem, exprime
apenas uma relação, isto é, designa as pessoas ou
cousas por sua relação oracional.
3. — Os pronomes dividem-se em duas grandes
classes : — Pronomes substantivos e adjectivos.
d) Os pronomes são substantivos — quando ex-
cercem as funcções de substantivo, isto é, quando
ocupam o logar do sujeito, objecto, etc. : — Elle (o
professor) deu-\M.Y. (ao alumno) tem livro.
b) Pronomes adjectivos são os que determinam o
substantivo juntando-lhe uma relação de posse ou
indicação: — Este (quadro) é de Pedro, isto é, o quadro
92
indicado pela pessoa que falia : o teu (escripto) é de
mais valor.
O pronome adjectivo, pois, limita também de
algum modo o substantivo, com uma idéa de espaço
ou distancia : Aquelle (autor) é mais clássico que este.
4. — Os pronomes substantivos dividem- se em
pessoaes e indefinidos.
a) Os pessoaes designam a pessoa que falia, a
com quem se falia, e a pessoa ou cousa de que se falia
{/allanle, interlocutor, assumpto?)
São consequentemente de três classes: i?^ pessoa
— eu, nós : 2?, — tu, vós ; 3^ elle, ella ; elles, ellas {o,
a, os, as: — Tinha essa obra, mas já a dei.)
São estes os verdadeiros pronomes. A sua origem foi poste-
rior ao plural, e a idéa do pronome sujeito foi a ultima a formar-se.
Os pronomes pessoaes — diz Sayce — tiveram origem no
periodo epithetico, e provavelmente sensível como a dos nomes de
números. Eram a principio — como refere Bleeck — substantivos
com a significação de senhor, reverencia, criado, etc, Cp. port.
Fulano ou Fiião, Beltrano, Sicrano (==elle, alguém) o Degas
(= eu), etc.
Amostra mais evidente desse facto na lingua por-
tugueza, temos na palavra você, forma atrophiada de
vosmecê, contracção de vossemecê ou vocemecê, que re-
presenta a transformação do titulo honorifico Vossa
Mercê em um simples signal unitário. A palavra você
desterrou quasi que completamente da linguagem
popular o pronome vós,^ conservando todavia as suas
* Vós ainda é empregado em alguns pontos de Portugal e
Brazil na linguagem familiar.
93
prerogativas de reverencia, ceremonial (3? pessoa), e
é hoje um verdadeiro pronome.*
Foi também o que succedeu em Hespanha com
a differença que o pronomen reverentice — Usted, tam-
bém se applica a pessoas de respeito e com quem não
privamos.
a) Os indefinidos são também essencialmente
pronominaes, isto é, não podem ser construidos com
substantivos claros : — alguém, ninguém, se, outrem,
tudo, nada ; fulano, sicrano, beltrano (^ elle.)
*
Os substantivos homem e gente são empregados na linguagem
popular de Portugal e Brazil, como verdadeiros pronomes: aquelle,
desde o século XV (D. Duarte, Ferreira, Sá de Miranda, etc.) ;
este, mais modernamente: Cp.: fr, on ; ali. tnatm ; ing. mafiçpeople
(alem de one. e ihey). *
5. — Os pronomes adjectivos dividem-se em de-
monstrativos, distributivos e conjunctivos ou relativos
(interrogativos). — (V. Lição oitava).
Os demonstrativos isso, isto, aquillo, são, porem,
essencialmente pronominaes, e neste caso acham-se
outrosim os conjunctivos — que, quem, quem quer que,
o que quer que.
6. — Os conjunctivos referem-se a alguma cousa já
expressa em outra proposição, mas cuja determinação
elles mais tornam precisa.
São interrogativos quando perguntam a relação
demonstrativa. Nas phrases interrogativas, e ainda
* Pacheco Júnior. — Questões grammaikaes, 1886.
» V. Pacheco Júnior. — Rev. Braz., 1882.
94
nas interjectivas, o pronome que é adjectivo : — Que
flor é essa ? — Que menino /
Os pronomes relativos foram primitivamente demonstrativos,
e ainda no chinez o relativo so= logar. (Philippi, Schoflf — gram.
ap. Sayce /V.)
O pronome é pois uma differenciação lógica do nome. A sua
origem repousa na dupla modalidade psycologica do subjectivo e
do objectivo, distincção característica de todas as formas da vida
consciente.
Os pronomes e os nomes de números constituem " o traço de
união entre a grammatica e o vocabulário " ; os primeiros ensaios
"da passagem do abstracto para o concreto."
A origem dos pronomes pessoaes, ou melhor a fixação e limi-
tação da sua funcçâo, que mais se especialisou com o appareci-
mento do verbo, perde-se' no génesis da historia da linguagem."
1 Em algumas línguas em que o mechanismo pronominal é
imperfeito, occorrem á necessidade por meio do gesto ou de certas
intonaçõcs de voz. (Wilson, etc.)
J
DECIMA LIÇÃO
Classificação das palavras.— Bo verbo e suas espécies
I. — Vide Lição sétima.
2. — Verbo é a palavra que exprime uma acção,
uma affirmação. *
Sem asserção não pôde haver communicação de pensa-
mento.
Mas quanto á noção de tempo (período de acção — passado,
presente ou futuro), devemos advertir : i.° que na maior parte das
línguas os verbos teem formas que excluem aquella noção, como
por ex., o infinito; 2.° que as próprias formas grammaticalmente
expressivas de tempo, são — em proposições geraes — empregadas
aoristícamente, ou sem referencia a tempo. Quando dizemos — os
pássaros voatn, não affirmamos que elles voam agora, que já voaram^
ou que//ã<7 de voar; mas simplesmente que o poder de voar é delles
attríbuto em todos os tempos.
O emprego do presente pelo futuro é ainda uma prova da
nossa asseveração. Nas phrases vmi amanhã, je vais demain, Igo, ou
am going to nwrrow, Ich gehe morgen, etc, os advérbios amanhã,
demain, to morrow, morgen, e não os verbos vou, je vais, go, gehe,
é que representam verdadeiramente as palavras de tempo (Mars-
Lect).
Chamar ao verbo palavra de tempo com os AUemâes {Zeit-
wort), é pois denominal-o por um incidente, e não por um carac-
terístico essencial; por uma propriedade occasional, e não universal.
* Todos os verbos exprimem uma noção de actividade, con-
siderada nas relações da pessoa, tempo e modo. Os apparenteraente
inactivos já exprimiram uma acção originariamente.
96
3» — Consta de dous elementos — um material
(a acção enunciada), e o formal (a affirmação ou
copula lógica.) A acção é indicada pelo t/iema, a affir-
mação pela desinência.
4. — Por sua natureza, o verbo lembra o substan-
tivo e o adjectivo. Os gerúndios, os participios e os
infinitos são formas nominaes.
5. — A analyse do verbo descobre também três
circumstancias distinctas: — a significação, o modo de
significar, e difuncção. *
a) Significação. E' o sentido originário da pala-
vra, expresso pelo radical. Em amar, a idéa primitiva
é amor, indicada no thema am.
b) Modo de significar. São os tempos, modos e
vozes, que determinam rigorosamente a idéa contida
no radical.
c) Funcção. E' a faculdade de poder o verbo
exprimir a ligação relacional entre o sujeito e o attri-
buto. Em amamos, a idéa de amor é attribuida ao
sujeito nós.
6. — As funcções do verbo estão pois sujeitas a
quatro modificações — de pessoa, numero, tempo e
modo.
7. — Os verbos dividem-se em duas grandes clas-
ses : — nocionaes (transitivos e intransitivos) e relacio-
naes (auxiliares.)
* Ay — Gramm. comp.
I
97
8. — Quanto á sua significação também podemos
dividil-os :
a) Segundo a natureza do sujeito ; em péssoaes e
unipessoaes.
ò) Segundo a natureza da acção, os péssoaes —
em transitivos e intransitivos. *
c) Segundo a natureza da affirmação, os transi-
tivos — em activos, passivos, neutros e reflexos.
9. — Verbo unipessoal é aquelle que não tem
expresso o seu sujeito lógico: — trovejar, chover. Só
se emprega na 3^ pessoa do singular, e constitue só
por si uma proposição, cujo sujeito é a idéa de uma
acção ou de um phenomeno natural expresso pelo
verbo.
E' de algum modo um nome com terminação
verbal, e que se conjuga (Egger.)
No sentido figurado tornam-se, porém, péssoaes : — choveram
empenhos, Deus choverá sobre os máos peivias, tormentos (H. P. 352),
em nossas almas choves certas e altas doutrinas, Cam. Ò de 8) ; tro-
veja o orador, relampague a estes olhos a verdade. (Esc. da Verd.).
10. — Os transitivos ou objectivos designam acções
passantes do sujeito para um objecto. A sua idéa é
incompleta sem a noção complementar de um objecto.
Pertencem a esta classe os chamados cansativos, que se podem
periphrasear com auxilio de certos verbos : — trabalho e economia
augmentani ^fazenda (í= fazem augmentar.)
1 Esta classificação tem por fundamento a natureza do pre-
dicado incluído no verbo.
13
98
1 1. — Os verbos intrans Uivos ou subjectivos affir-
mam acções limitadas aos sujeitos que as fazem : —
dormir, chorar, morrer, cahir. A sua idéa é completa
sem a noção complementar de um objecto.
Por sua natureza não podem ser conjugados na
forma passiva.
As acções dos verbos intransitivos, ás vezes, mais exprimem
modos de ser ou estado, e por isso muitos definem o verbo —
palavra que exprime acção ou estado.
Todavia ha muitos verbos intransitivos indicadores de movi-
mento — correr, andar; mas as idéas nelles contidas não represen-
tam os objectos de que são predicados as qualidades — andante,
corrente, como exercitando uma acção sobre outro objecto.
1 2. — Entre os verbos intransitivos são de notar
os inchoativos, que exprimem principio de acção ou
uma acção successiva (passagem de um para outro
estado) : — empallidecer, envelhecer.
13. — A classificação em transitivos e intransitivos
não é absoluta, que muitissimos verbos transitivos são
empregados intransitivamente e vice- versa.
14. — A relação existente entre o sujeito e o pre-
dicado, pode ser activa ou passiva, isto é, o sujeito
pôde fazer ou soffrer a acção expressa pelo verbo.
D'ahi os verbos activos & passivos.
15. — Reflexos, sdiO os verbos pronominaes cuja
acção recahe na mesma pessoa que a pratica : — elle
feriu -í^, arrependeu- se.
São uma consequência da voz reflexa ou media^
em que o sujeito é ao mesmo tempo activo e passivo.
Constituem pois formas intermediarias entre a voz
99
activa e passiva, e conjugam-se com um pronome
objectivo da mesma pessoa do sujeito.
Distinguem-se em reflexivos intrajisitivos e tran-
sitivos.^
Os intransitivos subdvidem-se em essenciaes e
accidentaes, conforme são reflexos na forma e no sen-
tido (e neste caso o pronome reflexivo é emphatico)
ou transitivos apenas na forma : — arrepender- se; refu-
giar^se.
Refugiar sem o pronome indica idéa causativa : — elles re-
fugiaram os escravos.
Os accidentalmente reflexivos são de muito menor
importância. Não [recahe no agente a acção por
elles exercida, o pronome reflexivo tem apenas sentido
intransitivo : — e7iganar-se, deleitar- se, exercitar-se, en-
fadar-se, enferrujar- se, admirar-se, etc.
i.° Alguns verbos neutros podem empregar-se como verbos
reflexos impróprios para exprimirem a reacção do sujeito (pessoa)
sobre si mesmo: — elles riram-se, eu me /ar^íTi? (Garrett, etc.)
O pron. neste caso é compl. indirecto (dativo.)
2? A forma reflexiva ou média foi que deu origem á nova
forma passiva dos verbos — espalhou-se uma noticia, queimaram-se
prédios. (V. Licções i6.^ e 27.").
16. — Os verbos reflexos (activos ou neutros) ex-
primem muitas vezes uma acção reciproca entre dous
ou mais sujeitos : — elles fallaram-se, nós ?tos batemos.
* Quasi todos os verbos reflexos são transitivos (adjectivos)
que na forma reflexa, exprimem uma idéa intransitiva ou conser-
vam sua significação transitiva. D'ahi a distincção em verbos
reflexivos intransitivos (propriamente ditos), e reflexivos transitivos
(verbos transitivos empregados como reflexivos).
lOO
A estes verbos é que geralmente chamam os gram-
maticos — recíprocos.
17. — Os verbos auxiliares são os elementos
formadores dos tempos compostos, da voz passiva, dos
verbos periphrasticos e frequentativos.
Egger define-os — verbos que, privados de uma
parte do seu sentido próprio e desviado da sua primi-
tiva funcção, tornam-se elementos de uma locução
complexa.
Podemos classifical-os em três categorias :
i.** dos que se combinam com os participios pre-
sentes (activos) e passados (passivos): — estou f aliando ^
sou estimado.
2.^ com infinitos: — heide f aliar ^ tenho de f aliar.
3.^ com infinito e participios : — has de ter f al-
iado.
Representam um exemplo notável do processo
analytico.
O poder auxiliante desses verbos é apenas uma modificação
do poder originário, que elles teem ou tinham quando não auxiliares.
A verdade é que o espirito não mais se recorda do sentido
primitivo dos verbos ser, ter, tornat-se, etc. {sou amado, ing. I shali
go, ali. Ich werde gehen — litt. eu torno-nie ir ) / " subordina-os ao
participio passado ou ao infinito para com elles exprimirem um
único juizo. "
Os auxiliares são verbos relacionaes. Só expri-
mem o tempo ou modalidade e a voz passiva dos verbos
nocionaes, que então se chamam — principaes.
Os auxiliares e o principal fazem, na composição, a mesma
funcção que a inflexão nas línguas clássicas.
lOI
Semi-auxiliares — Sâo certos verbos que só teem caracter
de auxiliares nas formas verbaes em que elles apenas conservam
parte da sua significação própria : — tornar, ir, dever, vir. . .
i8. — Os verbos ainda podem ser classificados
segundo a sua natureza em concretos e abstractos, ter-
minativos, frequentativos e periphrasticos.
a) Os concretos exprimem uma idéa de acção :
— ler, matar. Tanto pôde formar a copula como o
predicado de uma proposição.
b) Os abstractos exprimem uma simples relação
da proposição. Só podem formar-lhe a copula, e
nunca o predicado.
Ainda temos mais :
á) Os terminativos, que são os verbos cujo predi-
cado requer um termo indirecto de acção : — dar esmola
AOS pobres. Os terminativos podem ser transitivos ou
intransitivos.
b) Frequentativos, aquelles cujo participio im-
perfeito juritam-se aos tempos do mesmo verbo ou de
outro, afim de indicarem com mais colorido a acção
expressa pelo predicado : — vir vindo, vou indo, andar
cahindo.
c) Verbos periphrasticos são as locuções comple-
xas formadas dos tempos dos verbos haver e ter e do
infinito do verbo principal, ligados pela preposição de:
— tu tens de escrever (v. p. obrigatório), havemos de
estudar (v. p. promittente.)
19. — Sob o ponto de vista da forma, os ver-
bos dividem-se em primitivos c derivados (beber,
I02
beberricar), simples e compostos (dizer, contradizer),
defectivos, regulares e irregulares.
Z^^í/íz^í?^ quando carecem de formas: — jazer,
feder.
São regulares (fortes) ou irregulares (fracos)
conforme seguem o paradigma da conjugação a que
pertencem ou d'ella se afastam: — temer, valer.^
20. — Damos em seguida a tabeliã da classifica-
ção geral :
..« Segundo a natureza | XrS.
/ transitivo.
2." Segundo as funcções. . • • • ) intransitivo.
( auxiliar.
3." Segundo 0 modo de significar \ ^^Í'^°'
f passivo»
' primitivo.
derivado.
simples.
4." Segundo a origem ou forma composto.
j defectivo.
1 regular.
\ irregular.
inchoativo . . .
. envelhecer, ador-
mecer.
imitativo
• grugulejar, coa-
xar, troar, ri-
bombar.
frequentativo
. ir indo, estar an-
5." Segundo a significação <
dando.
iterativo
. latejar, salti-
tar.
periphrastico .
. ter de.
terminativo . .
. dar a.
. pronominal . . .
1 Reflexivo.
(Reciproco.
' Vide Lições 16? e 27"
I03
Verbo = palavra. O chinez chama aos verbos — palavras
vivas y aos nomes — palavras mortas.
E, de feito. O verbo é o termo essencial da proposição, a
palavra por excellencia, o elemento vital do discurso, " o verda-
deiro signal do juizo. " " Onde ha um verbo ha um juizo e uma
proposição; sempre que elle falta, ha apenas noções isoladas, idéas
sem ligação — ou pelo menos incompletas. "
E' de creação muito mais moderna que o nome, e o seu
desenvolvimento flexionai é de origem mais recente que as flexões
nominaes.
DECIMA SEGUNDA LIÇÃO
Classificação das palavras.— Das palavras invariáveis
I. — Vide sétima lição.
2. — Estudemos agora a taxionomia das palavra-
invariaveis.*
i.« ADVERBIO
3. — Adverbio (lat. adverbium = ad verbum) é
uma palavra que se junta ao verbo, e ainda a um adje-
ctivo ou outro adverbio, para (exprimindo as circum-
stancias da acção) determinar-lhes ou modificar-lhes
a significação: — Pedro estuda aturadamente, ella
cafita MUITO bem, e é muito bella.
4. — Ainda podemos juntal-os ao substantivo
commum : — Gonçalves Dias era verdadeiramente
poeta. E' uma prova de que no substantivo domina
a idéa de uma ou mais qualidades.
1 Nas lições 20.^ e 28." occupar-nos-hemos da sua formação
e etyínologia. — Escrevemos adstrictos ás indicações do novo pro-
gramma official para os exames geraes de preparatórios : cada lição
corresponde exatamente a um potito.
14
io6
2, — O adverbio corresponde a uma preposição
com seu complemento; pode ser considerado comple-
mento de um adjectivo.
Espécie de qualificativo por sua origem e fun-
cção/ encosta-se mais que as outras partículas ás pa-
lavras flexionaes, e admitte gráos de comparação e
formas diminutivas: — Elle procede muito (mais,
menos, tão) nobremente ; falar baixinho.
Exprime todas as circumstancias em que se dá a
acção — de logar e de tempo, quantidade e modo,
certeza, duvida e negação. Em todos esses casos,
elle qualifica o verbo como o adjectivo qualifica o
nome. (Vide Lição decima).
6. — Os advérbios dividem-se, quanto á forma
ou origem, em essenciaes ou propriamente ditos, acci-
deniaes, e compostos ou locuções adverbiaes.
I? São essenciaes os que figuram sempre como
advérbios. Podem s^^r simples, formados — em regra —
de advérbios latinos — onde (unáe), sempre (semper), tão
(tam), ja (jam), menos (minus), . . . ; ou compostos, cujos
elementos já de todo se fundiram no portuguez — alli
(a li = 1. illic), agora (ac-hora), assas (ad satis). . .
Os compostos são formados de advérbios latinos
reforçados por uma preposição.
2? Os accidentaes são palavras de outra cate-
goria grammatical (substantivo, e adjectivo na forma
* E são muitas as relações entre o adverbio e o adjectivo,
que ás vezes até permutara de categoria.
107
masculina), mas empregadas adverbialmente : — forte^
certo, alto ; bem, tarde, ....
3? As locuções adverbiaes formam-se de duas ou
mais palavras (substantivo ou adjectivo) precedidas
geralmente de uma preposição {a, de, em, por, sobre) :
—em vão, de balde, ás cegas, de chofre, por fas e por
fiefas, sobremodo.
7. — Sob o ponto de vista da significação, os
advérbios classificam-se do modo seguinte, conforme a
circumstancia que exprimem :
1 9 Advérbios de tempo: — - hoje, agora, já,
actualmente (presente) ; hontem, já, outrora, antiga-
mente (passado) ; amanhã, em breve (futuro).
Quando, antes, depois, (relativo) ; sempre, nu7tca,
algumas vezes (absoluto) ; 'muitas vezes, raramente,
(frequência).
Responde á pergunta — quando?
29 De LOGAR : — aqui, alli, ahi, acolá, onde, cá,
lá, algures, alem, perto, longe, proximamente
Responde ás perguntas — otide f d' onde ? aonde ?
3? De ORDEM : — primeiramente, ultimamente,
antes, depois, entre.
49 De QUANTIDADE OU INTENSIDADE : assás,
apenas, muito, pouco, mais, menos, abundantemente....
Responde ás perguntas — qtianto? quantas vezes?
59 De MODO. — Chamam-se advérbios de modo
— alem da maior parte dos acabados em mente — :
a) os de qualidade : — bem, mal, prudentemente.
b) de DESIGNAÇÃO : — eis.
io8
c) de EXCLUSÃO : — só, somente, apenas, siquer.
d) de CONCLUSÃO lógica : — consequentemente.
e) de AFFiRMAçÃo : — sim, certamente.
f) de DUVIDA : — talvez, quiçá, acaso, não.^
g) de INTERROGAÇÃO : — porque, como, qua^ido...
h) de NEGAÇÃO : — não, nunca, jamais.
As negativas subdividem-se em — simples e intensivas (refor-
çadas.)
Simples — não, nada, nunca... As intensivas são resultado
do principio da emphase : — não quero não ; não-nem ; nefihmn-
nem ; nunca Jamais j- não ter mais de ; etc... (Vide Lições 20/, 28.%
e 37.0 '
8. — Os advérbios de modo, derivados de adje-
ctivos, GX^Yim&m idéas ; todos os mais são meras pala-
vras de relação.
9. — Alguns advérbios pertencem a duas ou mais
das cinco classes supr acitadas. Antes, por ex,, refe-
re-se atempo ou logar; remotamente, a tempo, logar,
modo, etc.
Em conclusão :
i.° — Não ha negar a natureza nominal do adverbio. E' uma
forma invariável da flexão nominal ; representa uma migração voca-
bular; deriva de adjectivos, substantivos, pronomes, numeraes e
verbos.
Posto que parte subordinada na phrase, ainda conserva ás
vezes, e em diíferentes connexões, sentido próprio {súbito — adj.,
adv.)
2."' — A natureza nominal do adverbio ainda é clara no facto de
poderem alguns representar um predicado ( fallar alto.) Latham
chama a esses advérbios — catego-rematicos (ing. TJiafs verily ; fr.
ant. — comment es tu si nobremente
* A partícula não nem sempre tem força negativa como vere-
mos nas Lições 28,^ e 37. ^
' Sobre a negação int. cons. Lameira de Andrade (monogra-
phia. )
I09
3.° — Como os adjectivos correspondentes, os advérbios de
tempo e os de logar exprimem verdadeiras circumstancias, que
nada mais são do que a qualidade accessoria ou accidental da
acção,
4.° — O adverbio pode também, em alguns casos, representar
uma conjuncção (advérbios conjundivos.)
5.*' — Uma preposição sem complemento torna-se adverbio :
— elle marchou contra o inimigo (prep.), elle fallou contra (adv.)
Como escreveu o grammatico — omnis pars orationes mi-
grai in adverbium.
2? — PREPOSIÇÃO
10. — Preposição é uma partícula invariável que
serve para ligar duas palavras (subst. ou pronome a
substantivo, pronome, adjectivo ou verbo) com o fim
de indicar-lhes a mutua relação.
A palavra preposição = lat. prcepositio, isto é, palavra que se
coUoca antes do nome a que se refere. Esta definição era errónea,
e não indicava a natureza interna da preposição, pois que em latim
ella nem sempre precedia o nome ou verbo. {Tenus coUoca-se
depois do ablativo ; cum, depois de me, te, se, nobis, vobis, qiii.) No
portuguez, porem, sempre a preposição é precedente.
Os grammaticos gregos classificam as preposições com as
conjuncções, sob o nome de connectivas (sundesmos.)
1 1. — Sob o ponto de vista da forma ou origem,
as preposições classificam-se em essenciaes (propria-
mente ditas), accidentaes, ^ compostas ow. locuções prep o -
sitivas.
i9 — As essenciaes são palavras simples ou como
taes consideradas (pela fusão dos elementos compo-
nentes) : — a, antes, com, contra, em^ entre, per, por,
sem, sob... após, para, desde, até...
I IO
As nossas preposições simples sáo de origem directa latina, e
conservam as formas e relações originarias. (V. Lição aS.'')
Muitas derivam-se de antigos advérbios ou são formadas de
duas preposições simples ou de uma preposição {a, de, em, por) com
um adverbio, substantivo, participios : — á^aiite, pem/i/e, átfronie ;
apezar, excepto, salvo, tocante, coticernente... (V, Lição i8.*)
2? — Accidentaes. São as palavras (substanti-
vos, adjectivos, participios), que, posto de categoria
differente, empregam-se todavia com força prepo-
sitiva : — segundo, durante, consoante, salvo, visto,
excepto.
3? — Locução prepositiva. Forma-se, em geral, de
adjectivos ou substantivos seguidos de preposição
(a, de) : — e bem assim de advérbios ou locuções
adverbiaes : — d força de, quanto a, perto de, acima
de, concernente a... eis aqui, eis alli. . .
12. — Muitas preposições, como já vimos, deri-
vam-se de antigos advérbios ou são preposições e
advérbios conforme a circumstancia é expressa só pela
particula (adverbio) ou pela partícula seguida de com-
plemento (preposição). As relações entre estas partes
do discurso são tão intimas, que a distincção entre
ellas não está na significação, mas no diverso valor
syntaxico com que indicam a mesma circumstancia
de logar, origem ou causa, tendência ou aparta-
mento.
13. — Ainda mais. São varias as relações ex-
pressas por certas preposições: não podemos pois
classificai -as segundo as suas significações actuaes, nem
tão pouco de conformidade com as originarias.
1 1 1
14. — O que, porem, se pôde affirmar de modo
geral, é que as preposições indicam relações de /íT^^r,
tempo e movimentou
D'ahi a sua divisão em quatro classes :
a) De logar e direcção'. — em^ por, sob, sobre,
entre, para, após.
b) 'Dg tempo e duração-. — antes, depois, desde,
durante.
c) De catísa, meio ou fim: — de, por, para,
com.
d) De modo : — segwido, conforme.
i.° — As preposições são palavras relacionaes (geralmente de
logar e direcção). Servem para exprimir as varias formas das
novas idéas ; "são prefixos moveis que representam papel análogo
ao das desinências nominaes."
2.'' — O seu nm principal é indicar as relações adverbiaes.
3.° — Exprimem as relações externas e internas do espirito
humano ; as de natureza physica, e as do dominio intellectual.
"As relações physicas são geralmente locaes, as de actividade são
de direcção e movimento." As relações do dominio intellectual
são concebidas como se fossem physicas, e expressas por prepo-
sições que denotam relações physicas: — descançar em alguém, con-
sultar com alguém, copiar de alguém.
1 O emprego abstracto e metaphorico das preposições é
resultado de um desenvolvimento posterior.
Ex. : — A, por sua etymologia, remonta á preposição ad;
mas por suas funcções, corresponde também z. ab t apiid {dei um
livro a Pedro, ksfurtadellas, a sós, matou-o a tiro. . .) De = lat. de,
com diversos sentidos, e representando o gen. e accus. D'ahi a
variedade de relações em portuguez — de tempo, causa, instru-
mento, meio, modo, matéria, quantidade, preço ; corresponde ao
gen. poss., obj. e de quantidade ; entrou em grande numero de
composições com substantivo e adjectivo (como já vimos) — de
maravillia, de seguro, etc.
I 12
4.° — A preposição e a flexão nominal coexistiram no dominio
histórico da linguagem.»
Foi em vários casos o verdadeiro expoente relacional de
declinação ; e esta funcção elia ainda conserva nas linguas analy-
ticas.
Nas linguas flexionaes ou syntheticas, as preposições — por
sua tendência agglutinativa, e consequentemente enclytica — já
eram, por assim dizer, uma flexão dupla, principalmente — por
motivo de clareza — nos casos como o ablativo latino, que mais
representava relações significativas {inecum, cutn nobis, in agro, ex
agro,..)
Este facto devia ter concorrido forçosamente para o enfra-
quecimento gradual dos casos, e mais tarde para a sua perda total,
como se deu em geral nas linguas néo-latinas. (V. Bréal, Egger, etc.)
39 — CONJUNCÇÃO
15. — Conjuncção (lat. conjunctionem, de cum
jungeré) é a palavra invariável e relacional, que serve
para ligar palavras e proposições.
16. — O seu característico é indicara relação que
teem entre si as phrases ou proposições, e também as
partes do discurso subordinadas á flexão (nome e
verbo.)
1 7. — Consideradas quanto aos seus elementos,
dividem-se ^m simples o. compostas {pois, mas... todavia,
outrosim...)
18. — Quanto á sua significação ou funcções no
discurso, podemos dividil-as em duas grandes classes
1 A origem nominal das preposições é que explica as flexões
casuaes de certas formas : — lat. abs e apiid = arch. a-por, ai.* um
genitivo e a a.'' um locativo e ablativo; e os gráos de comparação
como in-ter, sup-er ( = sub-ier ). (V. Curtius, Meunier, etc.)
1 1
— de coordenação e de subordinação, que se subdivi-
dem do modo seguinte :
I " copulativas ~ e, também . . .
disjunctivas — <?//, quer. . ,
continuativas — pois, ora, outro-
sim . . .
adversativas — mas, porem, to-
davia . . .
explicativas — como, assim como...
conclusivas — logo, portanto, por
consequência . . .
comparativas — mais-que, tão-
como ...
Coordinativas ou connectivas
copulativas
SuDoidinativas ou connectivas
continuativas
(.
( ' condicionaes (suppositivas) — si,
com tanto que, se pot
ventura . . .
causaes ( positivas ) — porque,
visto que, pois que . . .
concessivas — embora, ainda
que, posto que . . .
temporaes — como, quando, logo
I que. . .
(_ finaes (integrantes) — que, si.
19. — A conjuncção coordinativa liga entre si
asserções ou palavras independentes ; a subordinativa
só liga affirmações dependentes, e nunca palavras.
20. — Segundo a forma, as conjuncções dividem-
se em :
i9 Essenciaes : — e, nem, mas, pois, quando, como...
{simples, e todas de origem directa latina), e também,
todavia, portanto {compostas, — entre si ou com
advérbios.)
2? Accidentaes : — Assim, logo, ora, já....
3? Locuções conjunctivas : — Não obstante, de sorte
que...
15
114
Muitas conjuncções actuaes são antigas locuções
reduzidas a simples signal unitário : — senão, também,
outrosim.
21. — Consideradas ainda sob o ponto de vista
da ORIGEM, as conjuncções podem dividir-se em duas
categorias, a de derivação latina e a de formação
portugueza : — e, ou, como, quando, si, pois, mas, nem,
quando, que... (1. class.), também, pois que, porem.. ^
(1. pop.), outrosim, entretanto, pois que, posto que...
(f. port.)
i.° — As funcções de certas conjuncções pouco dififerem das de
alguns advérbios, e das suas relações resultam delicadas cambiantes
do pensamento (Wierz. Gratum.)
2." — A preposição equivale — pela significação — á flexão casual;
a conjuncção quasi que equivale á flexão modal pelo muito que
contribue para variar-lhe o sentido e uso : Cp. sei que estudas, sei
como estudas, etc.
Os modos não podem exprimir, só por si, as relações indica-
das pelas conjuncções, e este facto basta para mostrar a importân-
cia da partícula.
3.° — A conjuncção pertence ao ultimo periodo da diflferen-
ciação grammatical. Mais encostada ao pronome — pela origem e
valor — foi a principio simples junctura ou articulação phraseo-
logica.
Tornando-se, de simples connectiva, palavra de subordinação,
deu origem á complexidade syntaxica do modo subjunctivo.
40 __ INTERJEIÇÃO
22. — Os physiologistas grammaticaes differem
muito quanto á ordem de successão das outras partes
do discurso ; mas quanto a esta, são todos accordes
em que no génesis da linguagem a interjeição, e as
1 1
palavras onomatopaicas devem ser consideradas os
primeiros vagidos linguisticos. (W. Smith. Manual.)
No esboço histórico do desenvolvimento genético
das partes da oração, devia-se pois naturalmente
começar pela interjeição.
23. — A interjeição propriamente dita — primi-
tiva, originaria — é um grito espontâneo e instinctivo,
um som animal.
Não constitue technicamente parte da oração; é
uma voz intercalada na phrase, atirada'^ na proposi-
ção para exprimir um súbito sentimento, uma emoção
do espirito.
E' um grito do instincto ; o echo dos sentimentos
naturaes.
24. — Verdadeiro grito da natureza, as conjunc-
ções primitivas são monosyllabicas, e parecem-se em
todas as linguas^ comquanto modificadas na intonação.
As interjeições — diz Breal — semelham certas raças selva-
gens, que embora vivendo a par da civilisação, conservam-se toda-
via apartadas, independentes, nunca assimiladas nem destruidas.
25. — Do grito natural e espontâneo, porem,
transformou-se a interjeição em palavras convencionaes,
intencionaes, reflectidas, representando a forma abre-
viada de uma phrase, a synthese de uma proposição.
Ex.: Coragem !=^x.^xiàiÇ^ coragem, Credo /= ouço -te,
vejo, etc, com o Credo na boca, isto é, com medo,
apavorado.
* Lat. interjectio, de interjicere ^^ jogar, atirar, etc.
ii6
26. — Podemos pois classificar as interjeições
quanto á origem ou natureza, em instinctivas ou pri-
mitivas, onomatopicas , convencionaes ou derivadas.
i9 As instinctivas (essenciaes) são as que repre-
sentam simples gritos da natureza; são quasi idên-
ticas em todas as linguas, e — como as palavras no
chinez — a mesma interjeição pode exprimir vários
sentimentos ou emoções, conforme a intonação : —
Ah ! eh! ih! ha ! ho ! /ti ! ai! hui !...
2? As onomatopicas podem ser consideradas pri-
mitivas:— CO cà, tic tac, bum, zape, sape... geralmente
com força intensiva. A interjeição psiu, usada para
silenciar, também é onomatopica, e consiste mera-
mente em um som atono, e como que segredado.
Não devemos, porem, confundir onomatopeas
com interjeições. Estas indicam sensações, aquellas
— percepções : bum bum e cliape chape são vozes
tão onomatopaicas como ronco, troar, clangor. As
primeiras são espontâneas, as segundas conven-
cionaes.
3? As convencionaes são verdadeiras palavras
(subst., adjv., verbo, adv.)
a) Termos descriptivos de emoção, com entona-
ções appropriadas — Jiorrivel! bravo! misericórdia !
diabo \ (convencionaes).
b) Nomes próprios ou communs, usados para
chamar a nimaes, etc.
é) Verbos no imperativo — vamos ! olha ! (com
particular intonação de voz).
117
c) Nomes usados imperativamente por meio da
intonação :^— silencio ! fora ! firme ^
e) Formas abreviadas, empregadas particular-
mente pelo vulgo (locuções interjectivas) — Honiessaf,
pardeos = por Deus, bofé=- boa fé, ayesú = ai Jesus !
aqui (VEl-rei! Ave Maria ! Valha-me Deus\ O diabo
te leve ! Mãos raios te partam \ Deus te favoreça !
A esta classe pertence a maior parte das formas
familiares optativas e deprecativas, e ainda as de
invocação de bênçãos, as precativas. Adeus / é um
exemplo, e dos mais bonitos.
Nas imprecações e juras é o portuguez mui rico de formas
interjectivas, e delias são grandes repositórios o Canc. da Vaticana
e as obras de Gil Vicente.
PRECATIVAS. Sec. XIII, C.V. — Por deus (var. par deus
perdeus,pardes),perboafé,(y2LX. per bo7ia fé), per fios tr o Senhor
Grad^ a Deus, Ay Deus vai. Por Deus da cruz. . . Sec. XVIII —
Nome de '^esu, Oh corpo de Deus sagrado, Ah .' santo corpo de mi,
Ave Matia, Poios santos evaftgelhos, por minha alma. . . .
Impfecativas — Sec. XIII. — Aia morte me prenda, nunca me
valha nos tro Senhor. Maldito seia. Mao peccado, mal me venha, que
o tal demo tome, lança de morte me feyra. . . Sec. XVI — Choros
mãos chorem por ti, dores de jnorte te dem, O ^ diabo dou a morte,
màos lobos me acabem já, olho máo se meta nelle, eego seja. . .
As juras e pragas são vulgarissimas em todas as linguas, e
eram mui frequentes e populares no latim — pro deum fidem, pro
sancte 'yupiter, Proh ! humane Júpiter, Divene mortant, malam iibi,
Júpiter te perdat, mala cncz. .. . (Flauto).
São também de notar as formas cómicas portuguezas : —
Fernão d^£sculho me pique, Pezar ora de San Pego, viagem de J^oão
Maleiro, pezar a Jam lamentei. Por vida de San Fará, Juro a San
Juneo Sagrado, O ' renego de San Grou. . .
2 1. — Vê-se pois do que acabamos de dizer que
o sentido das interjeições depende das modulações da
voz.
ii8
22. — Sob o ponto de vista do sentido, as inter-
terjeições classificam-se em :
a) de admiração, espanto — a/i ! oh ! Jesus !
b) dôr, magoa, — ai / hui !
c) exhortação, acoroçoamento — eia ! avante !
bravo / '
d) prazer, alegria — oh ! olá / caspite !
e) desejo, saudade — oxalá, praza a Deus.
f) chamamento, invocação — ó, olá, psiuf
g) aversão, cólera — fora! irra! arre! apage !
h) zombaria — fora ! hi\ /tu hu ! lia ha !
i) de calamento ou silenciadora — chiton ! psiu !
caluda ! silencio \ '
Alguns glottologos dividem as interjeições (quanto á signi-
ficação) em duas classes: i" das que exprimem dôr ou prazer
mental ou physico ; 2' das que indicam impressões derivadas de
objectos externos pelos órgãos do ouvido e da vista.
24. — Em remate. As interjeições portuguezas
pois dividem-se : a) em exclamações naturaes expri-
mindo paixão ou emoção ; b) em exclamações natu-
raes exprimindo um estado da vontade (calamento,
invocação, animação, mando) ; c) imitação dos sons
^ A's involuntárias expressões de sensação ou emoção, mas
dirigidas a outras pessoas ou a animaes, indicando desejo, mando
(imperativos), chamamento, acoroçoamento, etc, emfim todas as
articulações destacadas, tendentes a influenciar a acção, ou chamar
a attenção de outros, mas não syntaxicamente ligadas com o pe-
ríodo, dão os AUemães o nome de Lautgeberden (mimica vocal).
* Hurrah ! hip / hallow !]k são hoje de uso corrente na lingua
portugueza e fazem parte do nosso léxico.
119
naturaes: — qua qua (c. v.) rii rii ru, patepate (G.V.),
glu glíi, plash ! bum bum !
Nota. Banida do districto grammatical, é to-
davia a interjeição muito para ser estudada — não só
por sua importância sob o ponto de vista philoso-
phico, mas também pela vivacidade que ella empresta
ao estylo, por sua expressividade inherente e inde-
pendente. A interjeição é a palavra, a phrase pri-
mitiva, a parte fundamental da linguagem : com ella,
a phrase actual, de descripliva torna-se expressiva.
As interjeições correspondem ás expletivas dos
rhetoricos, com a diíferença de que estas carecem de
significação.
"Consideremos poisa interjeição — palavra; não
de caracter lógico ou didáctico, mas rhetorico e dra-
mático."
Fechamos esta lição com as palavras de um no-
tável philologo americano:
" O facto de exprimirem as interjeições as múl-
tiplas emoções do espirito humano, favorecendo
consequentemente a súbita e viva manifestação do
pensamento ; de serem os únicos intermediários entre
o homem e os brutos, e ainda entre estes ; e de con-
stituírem uma lingua universal, — é quanto basta para
patentear-lhes a importância sob o ponto de vista
I 20
philosophico. Não ha negar que os interjeições,
quando bem empregadas, muito contribuem para
tornar a linguagem o exacto psychographo do espi-
rito humano."
DECIM4 SEGUNDA LIÇÃO
Aggrupamento de palavras por famílias e por associações
de idéas.— Synonyaios, homonymcs e paronymos
I. — Famílias DE PALAVRAS são grupos de vo-
cábulos, que tem entre si certa analogia ou relação
de som, forma, sentido ou construcção.
2. — São pois em numero de quatro as famílias
de palavras.
1/ Familia philologica. — E' aquella cujas pala-
vras constituintes apresentam relações morphicas, e
teem raiz ou radical commum. Ex. :
Raiz AM : — amor, amoroso, amorabundo, amo-
rifero, amoravel ; amar^ amante, amacia, amador,
am ibilidade ; amigo, amisade, amistoso^ amigável;
namoro, -ar, -dor ; amistar, amistança ; inimi:{ade,
inimigo, desamor
Raiz Duc ( conduzir, levar, reger, governar ): —
conduzir, conductor, conducta, coaducção ; seduzir, se-
ducção^ seductor ; deduzir, deducçâo ; educar^ educa-
ção, educador ; introduzir, introducção, introductor ;
indu{ir, inducção, inductor, indu{imento ; reduzir, re-
16
122
diicção, reductor, redií{ipel, reductivOy reductivel ; tra-
dupr, traducção, íraductor
Raiz LEG ( reunir ) : — lei ( 1. legem J, leal, leal-
dade^ legalidade, legalisar^ legalisação^ legalisador ;
legista, legitimo, lidimo, legitimar, legitimação, legi-
timista, legitimidade ; legiferar, legislar, legislador^
legislação, legislativo, legisL-ítiira, privilegio
Radical grapho ( gr. graphein, escrever, des-
crever ) : — graphia, graphar, graphico ; epigraphe,
epigraphia, — ico,— ista ; graphite ; graphomelro, pa-
ra gr aphç ( párafo )
Comi^'Ojto com as palavras prefixas — uer, autos, hiblion, bio, caco, cilk,
clíiro, choro, cosmo, eilmo, geo. Mero, icJuio, micro, léxico, oreo, ortho, paleo,
photo, phoné, sc?no, telé, topo, ti/po, ctc, deu-nos í/ra;)//» um grupo impor-
tante de vocábulos de formação erudita, c com jus de accrescer.
O radical indica a idéa principal ; as desviaçóes
dependem do valor dos prefixos e suffixos.
2.'' Familia phonica. — E' a que se compõe de
palavras-, que — ainda quando de radical differente,
e não representando relações de idéas — confun-
dem se todavia na pronuncia, e ás vezes também na
graphia : — sellacella, pena penna, ami ( subst. ) e
ama {verbo), dado (s.) e dado (part.),... ?neta meda,
sede sede,
Esta família consta dos homonymos e paro-
NYMOS.
3/ Familia ideológica. — Compõe-se: i.° de pa-
lavras de radical commum ou diíferente, mas cujas
133
relações teem sentido mais ou menos semelhante^ ou
idêntico : — amo"^, ami{ad^, affecto^ affeiçãO; estima;
sermão^ pratica, predica, exhortação ; 2 .° de pa-
lavras representantes de idéas oppostas, antagó-
nicas : — bonito feio, alto baixo, corajoso covarde,
A's palavras que constituem esta familia dá-se
os nomes de synonymos e antonymos.
4.*^ Familia syntaxica ou de construcção diver-
gente.— Compõe-se de palavras que representam
as mesmas funcções na estructura da phrase : — co-
meçou de f aliar, começou a fatiar ; pegar da penna,
pegar na penna :
( V. Synon. e Liç. 29. }
Synonymos
3. Synonymos ( gr. sun e onumaj.
São palavras de uma mesma língua, que —
posto de radical diíferente e diversa categoria gram-
matical — teem todavia idêntico sentido, ou repre«
sentam diíferenciações significativas de uma idéa
piincipal.
í/ Na opinião do profeís jr Marsh, synonymos verdadeiros devem
f>cr pnlavras que, em uma mesma lingua. teem idêntica significação e per-
tencem á mesma classe grammatical: — mérito merecimento, a/íold alli, ver
enchergnr. O uso, pijrém, arrolou também nesta familia, as palavras de
significação ligeiramente difFerentes.
2.« * ' Para que as palavras sejam synonymas é mister representem noções
complexas e geraes, collecções de idéas simples. " 'Eva.ateraão, ódio, ininii-
aaãe, cada uma dessas palavras encerra certo numero de idéas mais geraes,
mais simples, elementares (antipj.thia, aborrecimento, nojo, tédio J, " que
constituem o seu domiuio, a sua exteusilo, a sua significaçUo ".
134
——— ^
Mas, ás veaes, um ou mais termos signiflcatl\tos de uma ou mala
esrpecm, sSo synonymos do termo que exprime o gener^^or elles indicado.
Mocim e corêol silo synonymos de eavallo, quo designa a idéa geral de rocim
e corsd. ^
4. Os synonymos, pois, quanto á sua natureza,
devem dividir se Qm perfeitos e imperfeitos.
Perfeitos — são os que teem idêntico sentido :
encarouchar embruxar^ frade freire (frei)^ arroto eru-
ctação, usurário usureiro^ avaro avarento, cara rosto,
perna gambia^ cabedal capital., caminho de ferro o.
ferro- via., dedo minimo e dedo meiminho, tremor de
terra e terremoto, spectro abantesma ...
Ha synonymos perfeitos, e nem pode deixar de liavel-os. Basta attender
á formaçfio divergente do nosso vocabulário, aos elementos históricos da
liuguii, á importação neologlca, ás forças creadoras e modificadoras (prefixos
e suffixos), ás differenciações locaes, etc, (V. § 5.<»)
Imperfeitos — os que apenas apresentam entre
si relações mais ou menos intimas, mas nunca iden-
tidade de sentido.
5. Estudemos agora as varias causas da syno-
nymia.
I."- - Tendência polyonymica. — E' geral, e na-
tural, a tendência que tem o povo para designar um
objecto por mais de um dos seus respectivos cara-
cteres. Além do facto de idiosyncrasias de consti-
tuição mental, ha a necessidade de fugir ao tédio das
repetições constantes, e de exprimir o pensamento
do modo mais vivo e colorido possível. Ex.: — diabo,
demónio, demo, diacho, arch. decho e dexemo ( G.
125
Vic), Saian^ Satafia{, canhoto, tinhoso, espirito máo,
etc. Pateta, tolo, palerma, papalvo^ paspallião, bas-
baque, néscio., imbecil, tolai, parvo (parvoalho ), es-
tólido^ idiota, bolonio, patola ....
Essa exuberância synonymica é mais própria dos primeiros períodos
das lindas, pelo pendor natural para o estylo figurado ou meiapliorico.
No sanskri'o veda o sol tinha diversas denominações — o brilhante, o amigo,
o generoso, o nutrídor, o creador, etc. ( M. MUller Lect. ); o árabe tem 500
synonymoe para designar o leíío (Renan, L. Sem.J; no dialecto islandico ha
150 synonymos para espada ( Snorro's EddaJ.
2." — Derivação divergente, e renovação eru-
dita.— A cultura litteraria introduziu no portuguez
crescido numero de vocábulos de fundo erudito, ti-
rados immediatamente dos autores latinos.
E assim originaram-se grande numero de formas
divergentes, porque a maior parte desses vocábulos
já pertencia ao fundo popular da lingua : — coalhar
coagular ( = 1. coagulare ), prêa preda presa ( -: 1.
proeda ), mancha macula ( = 1. macula ), paço palácio
( =_ 1. palatium ), quedo quieto ( =^ 1. quietus ), doar
dotar ( = 1. dotare ), alhear alienar ( = 1. alienare ),
nédio nitido ( =1. nitidus ), etc. ( V. Liç. 23 ).
Mais. Um vocábulo deriva do nominativo, e
o outro do accusativo latino : — ladro ( latro) e
ladrão ( latronem ), preste ( presbyter ) e presbytero
( presbyterum ).
Foi a renovação litteraria que nos deu — legi-
timo p. lidimo, dispensa p. dispensaçom, secular p.
se gr ar, integro p. iiíteirOy plano p. chão^ logar p.
136
logo^ mesura p. medida^ tédio tristeza pe^ar nojo
desprazer saudade ( suydade ), ira e sanha, astúcia
e arteince, etc. ', hypothese { gr. hypothesis ) e sup-
posição (1. SLippositionem ), esphera (gr. sphaira)
globo ( 1. globus ), léxico ( gr. lexikon) e diccionario
( = 1. diccionarium ) etc.
3 '■'— CreaçÃo portugueza.— Mendai ( = l.
mendax) e mentiroso^ avaro avarento ( = 1. avariis)...
4.^-— Importação peregrina ( V. Liç. 22 ). —
E' esta uma grande fonte synonymica e inexhau-
rivel : — orgia ( — 1. orgia ± gr. orgia) e deboche
( fr. debauchejy trovador ( prov. ) e bardo {(ze\\.),
alvo ( 1. albus ) e branco ( germ. blanch ) ; ventre ( 1.
venter ), abdon-en (1. abdómen), barriga (germ.
baldrich); cavallo (1. p. caballus ), rocim(germ.
ross ), palafrem ( fr. palefroi)^ alfarai ( árabe al-
farás) ; vagão ( ing. wagon ), carro ( l. currus); beija
flor ( form. port. ) e colibri ( caraíba ) ; casquilho e
petitnetre [ ív . peiit mâitre ) , chapada (planalto, pla-
nura ) e plató ( fr. plateau ). -
5.^— Technologia scientifica. — O progresso
* Leal Coiis. — Foi D. Duarte o primeiro que encontrou o veio syno-
nymico.
A cultura litteraria começou no declinar do Século xiv; no xv a
língua mais se apartou da sua evolução natural pelo capriclio dos tradu-
ctores, que, como era natural, introduziu no portugue? grande cópia de
vocábulos tirados directamente das fontes latinas.
' Gallicismo. Enxovalho da Ymgna. como bouquei, i/}ilette, soirèe.faii-
Uuil ...
127
scientifico e o industrial muito teem concorrido
para augmento da corrente synonymica. Ex.: bexiga
varíola, veneno toxico, contraveneno antídoto, san.
gria phlebotomía, barriga d' agua ascite, poaya ipe-
cacuanha, damnação hydrophobia, dôr de dente odon-
talgia, anta tapir, somnambido noctambido uyctobato,
terçol hordeolo,
6/ — Semeiologia. — Sarabanda p. ^eribanda \
sé sede ( sanatséde — Vieira ), são santo, saldar soldar,
exquisito ridictUo, - confiado atrevido, cunha empenho
( metter-se no cargo á cunha de valias }, patife ma-
roto, etc.
7/ — O VOCABULÁRIO PLEBEU E A GIRA. — Mata-
sanos = medico imperito, sacamollas = máo dentista,
bisbórria = homem de borra, grosseiro e ridículo.
8.^* — DiFFERENÇAs LOCAEs. — São ás vezcs de-
vidas á maior influencia de um dos elementos histó-
ricos da língua. No Brazil, por exemplo, devc-se ter
em muita conta o elemento indígena e o africano.
ExQ.m^^\o\ pacova banana, gerimwn abóbora, quiabos
quíngombô, calunga camondongo. '^
* Ambos sao hoje empregados no sentido de reprehenmo seccra; mas
zeribanda (or. •àív.) = soca, e sarabanda {ov. hesp.) signiticava umadansa
lasciva, com muitos saracotes, etc.
^ Ekquisito, propriamente é cousa rara, excellente, etc. Do lat. exqni-
sitm = buscado com diligencia, etc.
'Já vimos que o nome portuguez correspondente — é murganho, e
bem assim que em Pernambuco calunga não significa camondongo, como na
Bahia, mas sim um bomfrate.
128
Na ichtiologia e na oraiotbologia, è imraensa a differença da no-
menclatura do Norte do Brazil, comparada com a do Sul.
O mesmo podemos afflrraar quanto aos vegetaes. — Lê-se cm um trabalho
do Dr. J. de Saldauha da Gama ^*%?i. de diverso» veffetaes do BmzU Í8G8):...
"em muitos casos existem 2, 3, 4 ou mais nomes vulgares para uma só
espécie:... Os nomes ciilgares mnd&m de província para outra, pelo menos
a respeito de alguns vegetaes, e ás vezes nos municípios de uma mesma
província". Ex. : CutucanM Carvalho (no Paraná); coco de caiarrho macauba
mocajuba; camomilla macclla, (Anthemis nobilis), herca íoníão(R. de 3 ) pega-
pinto (Ceará) Boerhavia hirsuta; gravata cura ud (Amazonas) caragoatá =
Bromelia sp., tinhorão — pé de bezerro (Caladium bicolor), pdo ferro (R. de J )
jucá (Ceará), cajueiro bravo cambaiba, coco da pi'aia — garnry; pdo santo —
guaico, jatobá (R. de J.) — jetahy (Amazonas) ; maçaranduba — apraiú (S. Fi -
delis", canna cayanna — tacomarê ou tacoaraêm, capim melado (IX. de J.'
capim gordura (Minas Geraes), guaxima ou carrapicho (R. de J.) uaissima
(Amazonas).
Q."" — Os synonymos perfeitos são hoje em nu-
mero decrescido, e cada vez mais tendem a rarear.
E' que o conhecimento mais profundo da lingua
também mais lhes vae particularisando, restringin-
do, as significações. Ex.: «eí^/b e «/7/<Yó, confiança e
confidencia^ re^ar e recitar^ meio e médio ^ solteiro e so-
litário.
lo. — Laffay divide os synonymos, quanto á
natureza das suas diíferenças, em grammaticaes ou
de radical commum, e etymologicos ou de radical di-
verso .
II. — Os de radicai commum só diíferem entre si
por certas circumstancias grammaticaes — prefixos
e sufíixos ou desinências :j?roúfMcto/>roí/«cçíío,- risa
risada.^ melhora melhoria melhoramento, vão vaidoso,
difficil difficidtoso.
139
São avultados, e dividemse em simples q' com-
postos.
12. — Para bem profundarmos no génio de uma
lingua, devemos estudar a synonymia grammatical, a
qual pôde dar-se dos vários modos seguintes : ^
i.° — Synonymia entre substantivos que só diffe-
rem cm numero : baixe {a baixelas.
2°-^ Entre substantivos que só differem no gé-
nero : montanha monte, fortaleza forte.
S."" — Entre coUectivos e substantivos no plural:
os homens, a humanidade .
4." — Entre substantivos e infinitos substan-
tivados : sensação sentir, riso rir, pensamento pensar ,
sabedoria saber.
5.° — Entre substantivos e participios passados
tomados subslantivadamente : — imposição imposto,
enunciação enunciado.
6.° — Entre substantivos e adjectivos substan-
tivados : — belleia — o bellu, utilidade - - o útil, extre-
midade— o extremo.
7." — Entre adjectivos e locuções adjectivaes
compostas da preposição de e de um substantivo :
oriental — do oriente, homem criterioso — homem de cri-
tério, litterato — homem de lettras.
* Xo estudo dos synonymos seguimos o methodo aprefientado por
Laffay.
i3o
8/ — Entre adjectivo e participio passado to-
mado adjectivadamente : convwa convidado.
9.° — Entre adjectivos, um de derivação verbal
outro da forma nominal correspondente : — vibrante
(de vibrar) e vibratório ( de vibração ).
10. ° — Entre verbos neutros e os mesmos na
forma activa reflexa : sahir sahir-se.
ii.° — Entre verbos neutros eo seu participio
presente precedido do verbo ser ou estar : depender
— estar dependente .
12.°— Entre verbos no indicativo, e outros no
futuro subjunctivo : Creio que ellefa\ bem^ que fará
bem ; crés que ellefai bem ? que elle faça bem ?
i3.° — Entre verbos ir.choativos e as formas
correspondentes periphrasticas : envelhecer = fa-
ler-se velho ; empallidecer = tornar-se pallido, ajoelhar
=^ pór, cahir, em joelhos.
14." — Entre verbos activos e as suas formas pro-
nominaes : rir rir-se ; resolver resolver-se.
i5.° — Entre verbos activos e suas formas pe-
riphrasticas ( verbo/<2{^r, dar, etc. -h substantivo ):
acariciar, fa^er caricias ; gritar, dar gritos.
16. ° — Synonymia das preposições a., para, com
as preposições de, com, por : — servir de, • ■- para ;
aproximar-se a, — de; acostumar-se a, — com ; com-
parar a, — com ; ao menos, pelo menos ; afim, com
o fim., etc.
i3i
17.** — Entre adjectivos e advérbios, e entre
advérbios e locuções adverbiaes : raro, raramente,
com raridade ; triste, tristemente^ com tristeza ; cega-
mente, ás cegas ; vanmente, em vão ; litteraimente, d
lettra.
i8.° — Entre palavras que modificam o sentido
conforme o logar que occupam na phrase : verda-
deiro amigo, amigo verdadeiro ; maltratar, tratar mal;
bemfa{er, fa^er bem ; sobrelevar, elevar sobre. São
verdadeiros synonymos syntaxicos. Todavia a mu-
dança de logar não raro modifica o sentido das pa-
lavras. ( V. Liç. 5/ ). Disse Gil Vicente : a quem ou-
rives chamar bom homem dae-lhe esmola de dó delle ;
e Vieira sentenciou vje grande differença de ser nosso
rei ou de ser rei nosso.
19.°—=- Entre palavras cujas differenças de sen-
tido são determinadas pelo valor dos prefixos e sufíi-
xos : — pasto pastura pastagem., corajoso corajento.
14. — Os synonymos de rai{ diversa são palavras
de varias origens, imp jrtadas para expressão de
uma mesma idéa ou de suas cambiantes. Muitas
vezes não é a necessidade a causa de tal importação,
mas tão somente a sympathia ou a moda
i5. — As dissimilhanças de significação expli-
cam-se pela etymologia, pela ditfcrença dos radi-
cães: — caro querido, carniceria (carnificina) ma-
tança mortandade hecatombe.
16. — Não estão, como os grammatieaes, su-
l32
jeitos a leis geraes. « Do seu sentido particular só
decide a autoridade clássica, a menos que a origem
etymologica, conservada pela tradição, baste para
indical-o de modo scientifico » : — cavallo^ corsel^
ginete^ rocim, hacanêa^ palafrem, alfarai^ faca ;
espada^ cimitarra, catana^ alfange, chifarote, cutelo,
estoque, gladio, montante, sabre, terçado, refles, etc.
17. — E' de grande utilidade o estudo desta
categoria de synonymos, que nos faz conhecer as
distincções philologicas consagradas pelos exemplos
de bons escriptores, e habilita-nos a dar mais pro-
priedade e vivacidade á phrase. Exemplifiquemos :
Prejuízo, preoccupaçÃo, prevenção. — Expri-
mem o erro permanente ou a predisposição para o
erro, por motivo orgânico, do meio ou da educação,
ao passo que illusão, engano, desacerto, significam
erros ou faltas accidentaes.
O prejui{0 refere-se ás crenças, opiniões, su-
perstições ; prende-se á nossa infância, ao lar domes-
tico, á escola. Explica-se por uma certa fraqueza
do espirito, credulidade condemnavel.
A preoccupação é o erro da consciência, ao
envez do prejui^o, que é o erro da autoridade.
Representa o aíferro a certas idéas, capri-
choso, obstinado.
A prevenção tem por fim dispor os ânimos ao
nosso intento : fere o coração para actuar sobre a
razão, e por isso torna-nos as mais das vezes parcial
i33
e apaixonado. Constitue o que se chama erro do co-
ração. ^
Incerteza, duvida, indeterminação, indecisão,
IRRESOLUÇÃO, PERPLEXIDADE. TodoS CStCS VOCa-
bulos exprimem um estado de enleio, suspensão,
embaraço, em que o individuo em nada assenta, e
nada toma por partido.
A incerte:{a e a duvida referem-se ao entendi-
mento ; é delle que parte a hesitação no caminho da
verdade. A indeterminação, a irresolução, indecisão e
a perplexidade teem por origem a faUa de vontade
própria, de energia, a inércia e o receio.
No primeiro caso (da incerteza e duvida) é pre-
ciso ter crença, fé ou confiança para vencel-as ; cul-
tivo intellectual, e razões convincentes para remo-
vel-as. No caso da irresolução, indecisão e indeter-
minação, fallece ao individuo a necessária energia
para pôr em pratica a empreza a que se quer aba-
lançar, para resolver-se em cousa certa. A indetermi-
nação é proveniente de fraqueza de animo, a inde-
cisão é devida á fraqueza de espirito. O indeciso
carece de convicções firmes ; o irresoluto de império
sobre si mesmo, firmeza de caracter. Para vencer-
Ihes a inércia, é preciso esclarecer, instruir, conven-
cer o indeciso ; estimular, excitar, persuadir, o irre-
soluto.
* Lalf. Dki. etyin.
i34
A perplexidade exprime indecisão com desasso-
cego de espirito ; uma conjunctura apertada entre a
indeterminação e a duvida, a perturbação do espirito e
o desanimo. A duvida affecta a crença; a irresolução,
indeterminação e a indecisão dependem da vontade ;
a perplexid ide aífecta o entendimento e a vontade,
e só pôde cessar ante a convicção de não se dever
inquietar com o resultado de um commettimento
quem procede sempre com recta intenção
A incerteza é o caso do ignorante ; a duvida é a
hesitação em pontos de dogma, a suspensão do enten-
dimento no ajuizar. Aquella mais se refere a aconte-
cimentos, esta a opiniões ; a incerteza é subjectiva, a
duvida é objectiva ; a primeira — íixa-se, a segunda
— resolve-se.
i8. — A synonymia é do mesmo passo uma força
modificadora e um factor de reducção do vocabu-
lário ( V. Liç. 21.) Exemplo : monja (arch. mong-a =
1. monacha) archaisou-se pela preferencia dada á
forma synonymica freira, feminina de freire ( = 1.
frater ), que por seu turno foi supplantado pela
forma concurrente frade ( = l.fratrem, irmão ) no
século XVI ; ^ gargantuyse ( L. Gons. ) é oblite-
rado pelo vocábulo ^«//a ( Século xv ) ; agro p.
campo ^ terreno ;criameiitos p. afagos ;frontar p. pro-
testar, etc.
* Freire conservou-se na fórraa atrophiada frei quando se segue o
ftome do frade — i^/ei Bento, Frei Pedro.
i35
19. — A's vezes o vocábulo novo não consegue
archaisar o outro já existente, mas altera-lhc o sen-
tido ou restringe-Ihe o uso. Exemplo : comer { = l.
come-d-ere ) era de emprego vulgar até o século xv
com a significação á^ jantar ( D. D, — L. Cons ); de-
pois — pela concurrencia desta forma hespanhola —
veio a designar simplesmente comida, alimento (Cp.
verbos — comer e jantar ); eira e área ( 1. área ),
obrar e operar ' —■ \. operare ), chão e plano ( =1. pla-
nus ), solteiro e solitirio (= 1. solitarius ).
Outras vezes, um dos vocábulos fica adstricto
somente ao dominio da poesia. Exemplo : ledo ( = 1.
Icetumj era de uso popular nos primeiros tempos da
lingua(Docs. séculos xii e xni, C. V. ) ; no sé-
culo XIV a forma alegre ( — 1. alacrem ) substituiu-o
de todo na prosa. ^
1.0 — o estudo dos syaoaymos — de que é o portuguez riquíssimo — é
indispensável para o bem cnbi<io emprego das palavras, para a exacta e
precisa expressão do pensamento. Os Gregos tinham em muito valor o
perfeito conhecimento da significação das palavras ; os Latinos, posto que
menor lhes fosse a riqueza syuonvmica. também muito curavam desse
estudo, como se deprebende da 3.* epistola do grammatico Froutoa a
Marco Aurélio. «
Nas línguas modernas, porém, o esquecimento ou desconhecimento
da significaçilo primitiva do radical, faz com que nHo raro as palavras,
tenham sentido diverso do expresso pelo radical. E este facto é mais
pateate nos derivados secundários, ou palavras formadas por derivação
ou composiçáo de formas também derivadas ou compostas, ou impor-
tadas de fontes estrangeiras ( Egger ).
' Ap. Egg. Gr. eomp.
* 8. Eufros. Rom.
i36
2.*— A synonyniia explica outrosiin as divergências léxicas, quês»
notam nos idiomas congéneres e nos c. dialectos. E' assim que dos syno-
nymos latinos frater e germanus, pastor e berbericus, infirmus e 7nale aptus,
casa e mcmsio, o portuguez adoptou de preferencia, e espontaneamente,
germano germaho irmão, pastor (pastoremj, enfermo, casa, e o francez
frkre,berger, inalade, maison (mansionem). — M. Múller, Lect.
Mais tarde o francez admittiu as palavras germaia pâtre, infirme,
easerne, e o portuguez por sua vez — fi'ade ( só applicavel aos irmãos
de ordem religiosa), malato (p. infl. it&Yi&na. ), meijão {^p. inf. franceza),
mansão {inú. erudita).
HOMONYMOS
20. — HoMONYMOs (gr. Jiomoios semelhante, onu-
ma nome ). São palavras que, comquanto expri-
mam idéas diííerentes, pronunciam-se do mesmo
modo, quer tenham ou não idêntica orthographia.
21. — Dividem-se :
\.° Em aunoculares, que soam e se escrevem
identicamente: — cattto (ária, melodia, e angulo
formado por dous planos, etc. ), manga (frucio, e
parte do vestuário que cobre o braço }, maneira
( modo, uso. e abertura na saia ), são ( sadio e contr.
de santo ), salsa (hortaliça e salgada ), salva ( prato
de metal, vidro, etc, e descargas de artilheria, sem
bala, em demonstração de respeito, honra militar,
herva, e participio passado do verbo salvar)^ dado
( substantivo e participio passado ), lente ( professor
e instrumento ), etc.
2.° Em homophonos (auriculares) ^ que se escrevem
diíFerentementej mas teem a mesma pronuncia : —
i37
sumo siimmo^ concelho cojiselho, cita sitta sitj^ cervo
servo y condessa condeça, ruço russo, ceda seda, cinto
sinto, pena penna, pulo pul-o, ama minha — a mami-
nha, que ouço — que osso, concebo — com sebo ..
3.^ Em homographos ( oculares ] que tem idên-
tica orthographia, mas diversa phonação : sabia sa-
biá^ sede sede.
A classe dos homophonos c a mais numerosa.
Por mais rica que sejsi uma lingiia, uílo pódc deixar de ter homonymos.
As linguas antigas eram mais pobres em homouyitos que as modernas,
e a raziTo é obvia.
Da homonymia é que resulta os trocados de palavras ou equívocos, a
que os Francezes chamam calembourgs. Para esses mesmos effeitos, serviam-
se os cómicos gregos da homonymia, transpondo muitas vezes os limites da
decência. Os Latinos também delia se aproveitaram; evc, ate, aves esse ates,
e é também muito conhecido o verso sobre as cortezAs.
(*) Quid fácies, fácies Vcneris oim tenerís atite?
ye sedeas, sed eas ne pereas per eas.
22. — São varias as causas da homonymia :
í.° — Contracção das palavras do vocabu-
lário popular: — são ( = santo, lat. sanctusj, são
( = sano, lat. sanus e são (arch. som, lat. sunt),
cem ( = cento, lat. centum ) e sem ( = lat. sine), grão
( = grande, 1. grandis j e grão \=\- granum) , paço
( = palácio, 1. palatium) e passo (S = 1. passus^ e ver-
bo), era ( ~ 1. eratj e hera ( arch. hedra, Sec. xvi,
lat. hedera,, som ( = lat, sonus j e arch. som ( = lat.
suntjj etc.
2.° — Formação de substantivos verbaes : —
pega, ( substantivo e verbo ), consulta, rega, rubrica,
IS
i38
canto, mando j calo { verbo calar ) e calo ( S. do lat.
calum ), passo, etc, capital — Lente.
3.° — Mudança de categoria por mudança de
SENTIDO.— o verbo latino soldare, contr. át solidare
( tornar solido, solidificar ) veio a significar ajustar
contas, — soldare rationes ( Bréal, Dict. Etym. lat. ), e
por extensão — ligar metaes. Esses dous verbos pas-
saram para o portuguez (soldar e solidar ), este com
a significação de fazer solido, aquelle no sentido de
unir metaes por meio de solda, unir os lábios de uma
ferida, e no de pagara divida. — Soldar passou depois
a ter accepção particular de receber soldo, soldada.
( Foral de Coimbra, Nob., Ord. Aíf. ), que era a
paga, a contia, por analogia de soldo, solido (moeda),
• — Sec. xn ={\3Li. soldus solidusj, donde vieram o
substantivo soldadeiro — o que recebe soldo, e mais
tarde soldado — homem de guerra ao soldo do Es-
tado, que assim tornou-se homonymo do participio
do verbo soldar = ajustar contas, pagar dividas, ou
unir por meio de solda.
4.*^ — Diversidade das fontes léxicas. — Temos,
por exemplo, a palavra canto^ que no sentido de
melodia, modulações de sons vocaes, tira origem no
latim cantus ; e com a significação de angulo for-
mado por dous planos^ etc. no germ. Kante ^ Acer
* Cp. D. Kftnl, Isl. Kantr. gal. ami, mg. cani. fr. ant, cant. gr. Kandós
(li.canthusj.
í39
c ager deram-nos de accordo com a leis phoneticas
— a forma agro ; pen.i^ dor, trabalho, castigo, deriva
do latim poena, e pena, penha, rocha, do céltico
pen ; ^ manga^ fructo, é de origem indiana, manga^
parte do vestuário, deriva do latim man (i) ca ; lima^
fructo, é de derivação pérsica, /zwíJ instrumento, do
latim lima.
5.° — Corrupção phonetica. — O facto de não
mais fazermos soar as lettras geminadas ( suma
siimmOj pelo pe/loj; ^ a perda da verdadeira pho-
nação do grupo eh, só conservada na Beira = tchj
(chá, shahxàjy etc...
6.° — Influencia local. — E' manisfesta na
linguagem popular. A troca das syllabas iniciaes en
e m em an, por exemplo, mui frequente em todos os
periodos da lingua ( antre p. entre — 1. inter, antre-
meio, antremetter, antremei, antrepo.\ antretanto, an-
irevallo, antreuir, anteado, andoenças, etc), transfor-
mou o adverbio então ( arch. entonce, entonces,
antonces ) em antão, que se tornou homonymo de
Antão, f. contr. de António.
PARONYMOS
23. — São palavras de sentido diverso, mas
apresentando algumas relações morphicas e phoni-
* Aiuda mui frequente nos t&ponymicos — Penadono, Penacota, Pe-
nafiel, etc. ^osísa Senhora da Pena, diziam o.s autigos.
* No italiano ainda as consoantes duplas soam di.stinctas.
140
cas,e, ás vezes, — etymologicas: Sujeição sug'estão,
biographia bibliographia, som são, pendença pendência;
premissa premida, detrahir distrahir^ propagar pro-
palar.
24. — A paronymia é resultante da troca de
sons physiologicamente semelhantes ( leis phoneti-
cas ), dos metaplasmos, e ainda da derivação diver-
gente : — soar suar ( latim sonare e sudare J, segredo
secreto (latim secretusj, degredo decreto (latim de-
cretus ) braga barca ( latim bracca e barca J.
DECIMA TERCEIRA LlCÃO
Flezão dcs nomes: género, numero, caso.— Noções de decli-
nação latina. - Desapparecimento do neutro latino em
pcrtuguea ; vestígios do neutro em portuguez. — Ves-
tígios da declinação em portuguez. - Origem do s do
plural.
I. — Flexões (do participio laúno flecto, curvo)
são as mudanças morphologicas tendentes á indica-
ção das mutuas relações grammaticaes das palavras
no mesmo periodo, ou de alguma condição acciden-
tal da cousa expressa pela palavra inflexa.
A flexão é uma espécie de derivação. Abrange
a declinação e a conjugação.
As linguas litterarias, antigas e modernas, em-
pregam inflexões :
i.^ com substantivos, adjectivos, pronomes e
artigos, para indicarem.
a) género.
bj numero.
c ) caso, ou relação grammatical.
2^ Com adjectivos e advérbios, para marcarem
os gráos de comparação.
142
3/ Com adjectivos, para indicarem si a palavra
é empregada com sentido definito ou indefinito.'
4.^ Com verbos, para exprimirem o numero,
pessoa, voz, modo e tempo; ou. em outras palavras,
para determinarem si o caso nominativo (sujeito
do verbo ) é singular ou plural ; si a pessoa que
falia, com quem se falia, ou de quem se falia,
é o sujeito ; si a acção expressa pelo verbo é con-
cebida somente com referencia ao sujeito, ou occa-
sionada por um agente externo ; si aquella acção é
absoluta ou condicional ; e si é passada, presente,
ou futura. ^
As interjeições, preposições e conjuncções não
são flexionáveis.
As flexões dividem-se pois em — nominaes e
verbaes.
K flexão é constituída pela combinaçíto de um sentido e de uma forma.
As terminações (por si mesmas insignificantes) foram empregadas
como signaes externos e instrumentos desta determinação. E assim tornou-se
perfeita a flexão, interna e externamente.
A flexão nas linguas avyanas implica uma flexão anterior pela qual ella
modelou-se.
2. — As flexões são ainda fortes ow fracas con-
forme consistem na mudança de lettra do radical,
ou na addição de elementos vocaes ao radical.
" Esta nomenclatura fuudamcuta-se em que o poder que tem uma pa-
lavra de variar pela mudança de seus elemtutos mais desnecessários, sem
1 M. L.
143
auxilio externe (composição ou addiçflo de syllabas), revela certa vitali-
dade, certa força orgânica innata, que as raizesníío possuem, pois só variam
pela incorporação òu addiçaode elementos extranhos. "
3. — São varias as theorias suggeridas para a
explicação da origem das mudanças de formas nas
diíFerentes classes de palavras nas linguas flexionaes.
Schleicher é de parecer que ellas devem ser denominadas, linguas orgâ-
nicas, porque incluem um principio vivo de desenvolvimento e accrescimo.
" o admirável mecanismo destas linguas — diz elle — consiste em for-
mar uma variedade immensa de palavras, e em marcar a connexaio de idéas
expressas por aquellas pala\Tas por meio de um numero considerável de syl
labas, que, isoladas, nSo teem significaçílo, mas que determinam com pre-
cisão o sentido das palavras a que se ligam. Modificando as lettras das raízes,
formam-se palavras derivadas de varias espécies, e derivadas de palavras
derivadas. As palavras compoem-se de varias raizes indicadoras de idéas
complexas. Finalmente, substantivos, adjectivos, e pronomes declinam-se
com género, numero e caso ; os verbos conjugam-se com vozes, modos,
tempos, números e pessoas, também por meio de terminações, que também
nada significam só por si. Este methodo tem a vantagem de enunciar com
uma simples palavra a idéa principal, muitas vezes extremamente modificada
e já mui complexa, com a sua inteira serie de idéas accessorias e relações
mutáveis."
A escola moderna, avessa ás theorias de Schlegel, é mais aceitável. As
inflexões foram originariamente palavras que, como as outras, tinham signi-
ficação distincta: eram pronomes, auxiliares ou participios que se soldaram
á raiz; e que por tal forma se modificaram que mais nSo podem ser reconhe-
cidas em sua combinaçílo com a palavra flexionada. Ainda nas linguas
modernas ha alguns exemplos que evidenciam a historia dessa coaliçSo. A
terminaçílo do pretérito inglez — doned è o pretérito diâ ; a terminaçio do
futuro dos verbos nas linguas românicas — ei C amarei -^ amaxlici, amarás
•= amar has, etc) ; a terminação do condicional nas mesmas linguas neo-
latinas — ia (amaria == amar Jiia, conírsiC^SLO ác Mtia, etc.) *
* Em portuguez os constituintes do futuro e do condicional ainda ae
podem separar, e até mesmo soffrem a intercalação de um caso obliquo —
dar-lhe-hd.
No catalão ( Doe. Sec . xvi) — nos donar los niem ço q vallen (nós lhes da-
remos o que valem ), e em outro doe. — focemos lehandf^ar (far-nos-hão
deixal-o).
144
4. — Latham affirma que quanto mais remoto é o período de uma
liugua, tanto maior é o numero das suas formas flexiouaes.
Esta theoria nãoé de todo ponto exacta, e todas astheorias genéticas da
origem das flexões a contradizem, porque para aceital-a fora mister suppôr
que a linguagem não estava sujeita a uma evolução orgânica, de crescimento
e desenvolvimento, e que todas as mudanças consequentes eram apenas cor-
rupções.
As linguas selvagens que nunca foram escriptase as das nações ainda
atrazadas na litteratura, sjlo extraordinariamente complexas e multiformes
nas suas inflexões.
5.— Géneros. — O latim tinha três géneros —
masculino, feminino e neutro; o portuguez só con-
servou os dous primeiros.
SUBSTANTIVOS
6. — A propriedade dos substantivos de indi-
carem o género, foi sempre caprichosa, e a arbitra-
riedade salta immediatamente aos olhos dos que
comparam o grego com o latim, este com o por-
tuguez, o portuguez com o francez, inglez ou alle-
mão, etc.
Em todas essas linguas o neutro lógico c o neutro grammatical nem
sempre se correspondem : em grego e em latim, por exemplo, os nomes de
mulheres teem muitas vezes terminações masculinas — Plokioii {formai ái-
minutiva deplókos J, nua Qlycerium ( Ter. Andria ) ; mea Silenium ( P. ), em
allemão — mulher é do género neutro (das WeibJ, a lua m&sc. fãer MondJ
o sol (i feminino (die SoiineJ, etc.
" Gregos e Latinos empregavam geralmente o género como um
simples signal grammatical, pois que milhares de nomes de cousas sfto em
ambas essas linguas do género masculino e feminino, ao passo que nomes
de seres sflo em muitos casos designados por palavras do género neutro,
o género grammatical não era essencialmente indicador do sexo. O adjectivo
neutro tó Theion cm grego é empregado absolutamente por Heródoto c
Eschylo para exprimir o Ser ou a essência Divina.
E45
O sexo c a distincção natural, o geuero é a
distincção grammatical.
Segundo a theoria de Bleek — os nomes, combinados com suffixos
pronominaes, que na origem eram simples substantivos ej;plicativos,
podiam ser substituídos pelos pronomes correspondentes. Foram estes que
determinaram o que chamamos ^^cnejv.
y. — Os Romanos perderam muito cedo o senti-
mento do verdadeiro emprego do neutro, a idéa da sua
utilidade, e supprimiram-lhe a forma grammatical,
ou antes, transformaram-na no masculino. Esta arbi-
trariedade, assignalada como de frequente uso na
época imperial, encontra-se a miúdo nas inscripções
'templus, membrus^ brachios^ p. templum, mem-
briim, brachium^ '>, e mais tarde — por occasião
da queda do império, e por motivo da analogia — a
forma neutra em a do plural folia^ pela. festa, pira,
poema, de foHum velimi feslumy, foi considerada
nom. sing. fem. da primeira declinação.
8. — Os nomes neutros, pois, passaram para o
portuguez, e mais linguas romanas, ora no mas-
culino, ora no feminino : lábio ( labrum ), aiiro
í aurum ), alho ( allium ), século ( seculum ), pidro
( vitrum ), estudo ( studium ) obra ( opera ), folha
( folia ), festa ( festa ), pela ( vela )...
Estes últimos, femininos, do nom. pi. dos nomes
neutros.
9. — Todavia, conservamos ainda em muitos vo-
cábulos, vestigios morphologicos da origem neutra.
19
146
Já no conceito de J. de Barros — jquiilo^ ^Ig^^ isto,
isso, outrem (arch. al.J eram formas do gen. neutro ; ^
Diez (gram. der Rom. Spracher) é lambem de parecer
que sempre que esses adjectivos preencherem as
funcções de um substantivo e vierem empregados
como predicados de um nome neutro ou de uma
phrase inteira, devem ser considerados do género
neutro. Bergmann affirma que as formas substan-
tivas — o verdadeiro ( verum ), o hello ( pulchrum ),
o bom ( bonum ). etc são verdadeiros typos do
género neutro, que « por estar logicamente especia-
lisado não tem mais forma exterior especial, nem
differente da do masculino ».
10. — Muitos nomes de fructos são femininos
em portuguez, mas derivados do neutro latino —
pêra ( pirum ), cereja ( ceraseum ). Em does. do Sec.
XIV encontram-se as formas pomas e legumas ( le-
gumlhas ), vestígios tão evidentes do neutro, como
penhora, arch. pindra ( Sec. xni For. Cast. Rod),e
anima/ha anima/ia alimária (Sec. xiv. Rg. S B.j
II. — - Na linguagem popular dos primeiros sé-
culos havia também modos de dizer, que relembram
as formas neutras primitivas, e delias ainda são al-
gumas usadas hodiernamente, como, por exemplo,
— escapou de boa, fel-a b )a. Nestas phrases não ha
ellipse de substantivo ; o feminino representa sim-
plesmente uma forma neutra.
• Is(o. esto ( = istud), isso, esso ( = ipsum), «(/t/íí/o ( — hicillud).
H7
Cp. mais — chns phts (Soe. xir — xvi), menos =^ ordi.
mm (Sec. xii), = miuus, ttc. Trom eoin.
12. — Os substantivos portugezes. em regra,
reconhecem três origens :
i.^ Latina — Neste caso os vocábulos portu-
guezes conservam geralmente o género das palavras
latinas, com exepção dos que derivam do género
neutro, que — como vimos — passam para o mas-
culino ou feminino.
2.^ Portiigiie{es — Os vocábulos desta origem
teem o género indicado pelo suffixo. Ha excepções,
como por exemplo — abusão, aleijão^ alluvião^ que são
femininos.
Nos compostos, é a forma de composição que
determina o género [ V. Lição 17).
3.^ Estrangeira — As palavras importadas das
varias linguas estrangeiras consevam o género das
de que se originam, ou género analógico ( um va-
gão, um trenó ^ o whist, a tanga, a hemicrania, um
chope {a\t^ ali sckoppen, masc. ), uma soirée, ^ etc;
i3. — Mas, em consequência de varias influen-
cias, muitos vocábulos mudaram de género, quer na
passagem do latim ou grego para o portugez, quer
mesmo — uma ou mais vezes — depois de já perten-
cerem ao nosso léxico. Carvalho, cedro, roble., as let-
tras do alphabeto, etc, eram do género feminino em
Soirée é um dos euxovalhos da uos sa linírua. Devo dizer se um sardo.
148
latim ', catjplas}7ia era mãsc. em grego; ainda nos
Secs. XVI, XVII e xviii — pyramide^ emetista, sa-
fira (ametisto, safiro), hyperbo/e, catastrophe, al/ehua,
bagagem, base, coragem, homenagem, linhagem, ori-
gem, decadência, epigraphe, anecdota, .... eram
masculinos, e epiphonema, enthimema,fim, ^ grude,
cometa^ planeta, echo^ estratagema^ mappa, synodo^..
eram do género feminino.
14. — Nos clássicos antigos não c raro topar-se
de olhos, em um mesmo escripto, ás vezes em uma
mesma pagina, com um nome ora no masculino, ora
no feminino: — catastrophe, metamorphose, phantasma
hyperbole, torrente^ espinho (espinha), tribu, etc.
( Vieira, etc.)
Em personagem ( masculino c feminino) conser-
vamos ainda mostra dessa lucta travada entre a tra-
dição e a etymologia, e que por tempo dilatado
empeceu a prioridade e fixação do género. Só nas
ultimas décadas do século passado é que foram
grammaticos e eruditos fixando a regra, esteiados na
etymologia .
i5. — Alguns nomes, por influencia erudita, re-
tomaram o género etymologico, dissemos nós acima ;
mas ás vezes perderamno novamente : — labor ^
eccho, arvore, base. diadema, syncope, apostema^
aneurisma^ e outros muitos.
• A devida fym, as qvttro fys, ma fim (Sue. xv, xvi.— L. cons.
7. 30; B. Rib. 247.)
149
i6. — Já vimos ( Liç. 6.^) que á mudança de gé-
nero corresponde muitas vezes a do sentido do vo-
cábulo.
uma guia — cousa que serve para um guia — conductor
guiar, etc.
uma guarda — acção de guardar, um guai da —guardador,
corpo de soldado, etc. soldado.
uma lingua — orgao da boca, um iingua — interprete.
idioma.
uma banana — fructo. um banana — homem
fraco.
preguiça — negligencia. um preguiça -preguiçoso.
Estes substantivos — originariamente femininos
— são, em geral, nomes de cousas, principalmente
abstractas, que por metonymia se applicam ás pes-
soas ( homens , e teem no masculino sentido con-
creto.
17- — O género dos nomes distinguem-se pelo
sentido e pela forma. O dos nomes derivados, só
pela forma.
17.-' Pela significação ou. \)t\o sentido . Depois
de algumas vacilla.ões, são :
Masculinos — Os nomes de homens e animaes
machos, rios, montes e montanhas, cadêas de mon-
tanhas empregadas no singular e no plural ( Caneaso,
Parnaso e Apepinos, os Pyreneos, os Balkans,os Al-
pes ), os de metaes ( raras excepções ), mezes, ven-
tos, os pontos cardeaes, povos, sertões, lettras do al-
phabeto (em lat. do gen. fem. e também do neutro ),
i5o
algarismos, as estações (excep. aprimavera)^ os no-
vos pesos e medidas (ant. eram do género feminino —
uma vara, braça, légua, arroba^ quarta ...) q qualquer
palavra empregada substantivamente ; — um por-
que^ um fá, um lá ( notas de musicas),
Femeinnos — Os nomes de mulheres e animaes
fêmeas ; a maior parte dos nomes de arvores ( fructi-
feras), regiões cidades, ilhas, aldeãs, viilas, serras ;
virtudes, a maior parte dos nomes de vicios, os dos
peccados conhecidos por capitães ; sciencias e artes :
quasi todas as festas do anno (excep. Peiítecosie., Na-
tal, Carnaval ), os dias da semana ( por causa da sua
composição, ecom excepção de SabbadoQ Domingo),
os nomes de cousas abstractas.
Os nomes de pedras preciosas são masc. ou
fem. conforme a terminação — uma saphyra, uma
amethysta, um topázio, jacintho, rubi . . .
Os nomes de arvores, femininos, distinguem-se
pela desinência feminina. São muitas as excepções :
alguns arbustos, e o Carvalho, Roble, Pinheiro,
Cedro, Jequitibá, o Jacarandá,..} A parte utilisave!
da arvore ou planta é, em geral, do género mas-
culino : — páo, fructo, bálsamo. . .
Quanto aos nomes de paizes e cidades, muitas
são as excepções; ora decidiu á etymologia ora a
tradição, ora o capricho ora a terminação — : O Hei-
* No latim só havia um nomo de arvore Uiaí^culiu j.— O itai-lei:
i5i
lesponto, Peloponeso^ o Bosphoro, o Ponto , a Bahia ^
a Inglaterra, a França, a Rússia, o Ceará, o Hanover
o México, o Brasil, o Gt/Vo o Haure . . . Até o Sec .
XVI reinava grande contusão neste ponto :— um
Londres, o Diu, o Orniu^, etc. (Leão, Freire, C.
Real, Camões ...)
A analyse explica estas regras, que tecm —
como vimos — muitas excepções. Deve-se attender
ao nome que se subentende — mei, rio, monte, ilha,
etc. Os ventos são masculinos porque represen-
tavam á íorçá irresistivel, e eram considerados
deuses.
Nota. Em todas essas regras, o portuguez acom-
panhou a grammatica latina. .
i8. — Do género pela forma. As flexões corre-
spondentes ao género dos substantivos são de origem
latina :
A.— Os nomes terminados em a são do género
fem. porque se originam, em geral, dos latinos da
primeira declinação em — a.
Exceptuam- SC os que já eram masculinos em
latim ou pertenciam á terceira declinação neutra : —
Íncola, cometa, planeta, poema,... ^ que os no.:>sos
* Cometa, planeta, jioema, duulema, etc , vieramuos do grego f planeies
coineies, poienia, diadema, mas por intermédio do \-àúva. planeta, cometa, dia-
dema, poema....
Em diadenM houve deslocação do aceento grego.
Pfanef'io eiTnd^í*, ovtras planetai (C. Vat. 931 ), Camões f Lui. V. 24 —
Sec. XVI ).
l52
maiores arrolavam no género feminino por se guia-
rem somente pela terminação.
Os nomes acabados em a agudo ( com excepção
de pá, maná, únicos de origem latina — P^[^) ^>
mamia ) são do género masculino. Os outros são de
origem oriental, indigena ou africana ; — chá, shá,...
tupáy maracá.
E — Os substantivos eme procedem geralmente
da terceira declinação latina, e consequentemente
uns são masc. (limite, dente, pente, lume, leite,...) —
outros /(?m. (febre, noute,fome,nepe,. .). São mascu
linos não só os for. nados da terceira declinação
neutra, mas tarnbem os de origem não latina : —
beque, leque, bule, bote, açude, . . )
].<» Muitos duquelles nomes terminavam cm o no poituguez: — deleito,
appetito, Akxandro. Sao restos dessa oscilUiçflo grapliica — alcanço a par de
alcance, moto parallelo a mote, etc.
2. " E agudo desinencial, a niTo ser vestigio da palavra originaria (café
•*=ar. Kahweh, alinotacé, ralé, maré,,..), iudica uma contracção — /é (ant.
fee = lat. fl-d-emj, «é(ant. see, contr, de seede, sede = lat. sedes,...)
O. — São masc. os substantivos acabados cm o,
derivados da 2.'' ou 4/ decl. masc. em — m5 ou
neutra em — um (mundo, anno, servo, fructo...
==lat. mundus, annus, servus,fructiis; reino, templo,
século, segredo,...— regnwrij templum, seculum, se-
cretum ).
Os de derivação extranha terminados em o
grave, seguem a mesma regra ; e bem assim os
acabados em o agudo, de qualquer origem f^^orò,
i53
pó, teiró, quiproquó, covocó,... Except. — íii^d, í/d,
mo, enxó, que são femininos. ^
XJ. — Os terminados nesta vogal, sejam quaes
forem suas origens, são masc. porque seguem a
regra latina, thema em — u (masc. — z^í, neutros
— tim ).
Exceptua-se tribu, que é hoje feminino. O vo-
cábulo latino era masc. (tribus), e até o Sec. xyii
também assim o consideravam alguns clássicos.
Depois de voltar ao género etymologico, venceu
na lucta ( que lucta houve entre os dous géneros ) o
capricho do acaso.
Adie. — São fem. quando tiram origem nos
nomes latinos da S.'' decl. nom. em — as : bondade
( bon-i-tatem ; nom. bonitasjy piedade ( pietatem ; nom.
pietas}^ felicidade (flicitatein ; nom . felicitas) ; porque
exprimem idéas abstractas.
Excep., e mui naturalmente, — abbade (1. ab-
batemjj frade (frater).
A^'oiii, igem, ixgeiTi. — Os derivados do
latim são femininos porque formaram-se da 3.^ decl.
lat. nom. em — (^go, que também são femininos ; e
por analogia os de origem portugueza ou pere-
grina : — imagem (1. imaginem ; nom. imago) ^
• E mui etymok)gi(!amei)te Atá represcnía mulher ; dó é contracção de
dolor, dor ; mó = I. inola. — Fillió era masc, como se vô do provérbio
popular — não é por ahi que vai o gato aos Jilhós.
20
!54
vertigem {\. pertiginem^ nom. períigo., ferrugem,
lambugem, plumagem, etc.
Excepluam-se — pagem, selvagem, que também
eram masc. em latim ( 1. b. paghim, seluat-i-cum) .
Do Sec. XIV ao xvii os nomes em — agem
eram geralmente masc. — • um imagem, um viagem,
seu linhagem.
A.Ô. — São masc, quer se derivem do accus.
sing. da 3/ decl. masc. em — o : sabão = saponem
(nom. sapo), sermão .— sermonem (nom. sermoj,
pulmão, =z pulmonem ( nom. pulmo ), bordão z=z bur-
doncm (nom. burdo) — ; do masc. em — amis^
christào = christianus ( p. arch. christiano), cidadão,
capitão, escrivão, ou de qualquer decl. lat. do
género neutro ; quer tenham origem não latina, e
ainda quando a terminação indica augmentativo : —
limão, trovão,... portão, carão).
Cordão é diminutivo de corda.
Excepções. — São femininos os subst. que de-
rivam do caso regimen dos nomes abstractos em
— zo ou <Í6> da S.** decl. lat.. porque já eram desse
género : religião = reiigionem (nom. religio), lição
=- lectionem ( nom. lectio ), servidão = servitudinem
{nom, ser vitudoj, solidão, =sQ\\iuáw\Qm (nom. soli-
tudo), — Q abusão, aleijão, alluvião.
Em, iiii, oiiT, um. — São masc, excepto
ordem e nuvem. Derivam do caso regimen dos subst.
i55
latinos da declinação em — o : — homem — hominem
( nom. homo J.
Onlo, i/lis, accus. onliuem, era masc. e bem assim nubes, accus. nubem,
forma collaleral ante clássica de nubis, is.
Rem, era fem., de accordo com a forma ori-
ginaria latina (res, rei) : — pêro direy-vos anfunha
rem. ( C. V. J
Eu. — Os acabados em en são masc, pois
correspondem aos latinos, nom. — en^ que são
masc. ou neutros : — dictamen^ certamen^ ^ regimen,
gérmen.
le.— São do gen. /ew, porque trazem seu
principio da ò.'^ decl. iat. em — es^ que também é
feminina : — ^ffigie, espécie., serie, superficie.
Or. — Em regra, são masc.., á semelhança dos
correspondentes latinos de que precedem.
Excep. — flor., cor, dòr, = port. ant.—folor,
color, dolor, contr. em coor, door. No latim, flos^
color dolor, eram, porém, do género masculino,
conservado no hesp, color c dolor.
Até <i Sec. XVI só tinliam uma forma — mha (mia) senhor, senhor
fremom, outnis trcx j'M«ío/e« ( Sec. xrii c. v. ), ella era conforUidor, mulher
peccudor, minha ojvdudoí' {Hom. xi).
Z. — Os substantivos terminados nesta lettra
derivam : i.° dos nomes latinos em jc, que são femi-
1 Mais modcrnameute — eertamc, diríame.
i56
ninos : pa{ = ( pacem^ nom. pax J, crii^, = crucem
( nom. crux )^ lu^ = lucem (nom. lux )^ po{ = vocem
(nom. vox J ; ^ 2.° do caso regimen dos subst. da 3.^
decl. latina nom. em — as, os qnaes também são
femininos : — solideis nudei^ placidez....
ExcEPT. — gai^ arnei^ me^^ gii^ obu{^ cado{,
matri:(^ nari{, arcabu{, capu{^ alcatrui^ l.ipu^^ que são
masculinos.
19. — Alguns substantivos que exprimem cousas
sem sexo teem todavia uma forma masculina e
outra feminina, servindo esta para indicar o mesmo
objecto mais amplo, largo ou dilatado : — bacio,
bacia, gigo giga, jarro jarra, cesto, cesta, barco,
barca... (V. Lição 12). Neste caso ainda o femi-
nino exprime o género, o todo ; o masc. a espécie,
bem caracterisada {o pendido é parte da pêndula J.
20. — As vezes o masculino exprime a cousa
simplesmente, e a forma feminina acrescenta-lhe
idéa de collectividade (Liç. 12): — titarujo, ma-
ruja, grito, grita.
21. — Ha nomes de pessoas e de animaes que
teem femininos correspondentes anómalos : -^ poeta
poetisa, cavallo égua,.... A explicação dessas formas
femininas dá-nos a etymologia ( Lat. poetria, de or.
estrang. fem. de poeta, equa,...), c^ar, C{arina, abba-
dessa, archiduqueia, sacerdotisa, rapariga ( ant. ra-
pada)....
' Vide pag. — Lição.
ID7
22. — Nos nomes que abrangem os dous sexos,
predomina o género masc. — deuses^ filhos^ irmãos.
23. — Temos ainda os nomes epicenos e os com-
mims de dous. Aquelles debaixo de uma só forma,
designam animaes dos dous sexos : — tig'fe, onça,
jaguar y tatii, cegonha,... Determina-selhes o género
pospondo ao substantivo o adjectivo macho ou fêmea
(uma onça macho j. Este processo ( adptado pelo
inglez ), também já era usual no latim.: — vidpes
máscula. Plin.. porcus f emitia. Cie.
Dos communs de dous são exemplos — doente,
martyr^ etc. Infante faz infanta, posto que nos clás-
sicos mais se encontre a infante.
DO ADJECTIVO
24. — O adjectivo portuguez é também va-
riável como o latino.
Como já vimos, quando tratamos do género
neutro, alguns adj. pronominaes teem também uma
S.'* forma.
este
aquella
isto
esse
essa
isso
aquelle
aquella
aquillo
uliíum
alguma
algo
outro
(/Utia
outrem (al.J
todo
toda
tudo
25. — Na formação do feminino, seguiram os
adjectivos exactamente as regras latinas.
i58
i.^ Os acabados em o é u formam o feminino
em a, signal — já em latim — distinctivo desse gé-
nero : — justo, — a ; crú, — a = lat. jiistus^ — a ;
crudus^ — a. ,
2." Os em ol e or seguem a regra geral ; alguns
em or fazem o fem. em i^.
Eram porém defectivos em género : — mulher
hespanhol, mulher amador, peccador hom\idor de Deus ;
minha senhor, a devedor, manceba morador em Lisboa,
donas entendedores, lettras conservadores,.... ; Gane.
da Vat. — D. Diniz, Arraes, F. Lopes, .1. de Barros,
Jorge Ferreira, etc. ) Estes adj. portuguezes derivam
do caso regimen latino.
Desde o Sec. xv é manifesta a tendência para o
desapparecimento desses typos defectivos em género.
Só no Sec. xvii é que se fixaram as regras dos
adjectivos em — o/e or.^ ajustando-se pela regra geral
( em a ). ^
O latim tinha a flexão — trix ( tr-ic, tr-ic-i),
para o fem. dos nomes em — tor actor actrix, pec-
cator pe oca trix, impera tor, imperatrix ^ ama tor ama-
trix.. J. Nós só conservamos fidelidade á tradição em
actri\, embaixatriz imperatrii, directriz. Este ultimo
porém, tem significação especial, e não mais se
• J. de Barros ainda recommenda na sua,5'?'aw???a^<m ( 1533), que
"o nome conveniente a mnlhev v homem será commum de dous ". romo
autár, devedor, etc,
139
emprega para indicar o feminino de director dire-
ctora ).
Todos esses adjectivos cm or «jíIo hoje considtTíidos substantives
ou adjcctivos-sutstnntivados.
3." Os terminados no diphthongo eu (eo) fazem
o fem. em — éa^ segundo o molde latino : — europeu
européa, pebleu plebéa, hebreu hebréa.
Except.— judeu ^ sandeu^ que fazem — judia,
sandia, e os possessivos meu. teu, seu. que fazem
— minha, tua. sua \ Judia, minha, tua. sua, consti-
tuem legados maternos (lat. judia, mea — ■ port. arch.
mia, ma — , tua. sua j ; sandia é o fem. regular de
5íz;zí/zo. forma parailela de sandeu. (Cap. meu mia.
Os acabados em eo è» como ÍIIím tnbaréo, fnzein f) fem. em <?-7
íiUiôa, tíibarôa J.
4^ Os adjectivos acabados em ão, derivados
dos latinos em — anus, formam o feminino mui
regularmente, i. e., em — ana, que se contrahiu em
— an, ã : — chrístiana. christan. christã, saia, san, sã.
5.' — Temos um acabado cm — om, que faz o
fem á maneira latina : bom boa =: bon (us), bo (n) a.
26.— São invariáveis os seguintes adjectivos :
1,0.==, Os terminados em e derivados do caso re-
gimen — a) dos adjectivos latinos em er, f. is, n. e :
' A nssirailaçào dos casos S. c li. dos pronomcá p.j.scssivas fmcxi-^
meu-m, etc.) dou-nos uma única fórma, ao contrario do francez que
conservou as formas atonas c tónicas — mon inii son e 7nien tieti sien.
i6o
acre = 1. acer aci is acre, pobre = pauper, celebre =
celeber ; b) dos adjectivos em is masc. e fem. e e
neutro : — brepe = brevis breve, silvestre = silves-
tris ; c) dos em ens entis ( uniformes ) : diligente^
prudente ; d) dos participios presentes em ante, ente,
inte = 1. ns, abl. abs. em e : — reinante, escrevente,
pedinte.
A invariabilidade desses nomes é devida a
que, — procedentes do caso regimen — , só encon-
traram um typo uniforme para os dous ou três gé-
neros — acre (m), breve (m), diligente (m). — Homo
ou femina fortis ou prudens, diziam também os
Latinos ( homem ou mulher forte ou prudente ).
2.° — Os acabados em al, que se derivam da
declinação latina em — ahs masc. e fem., são inva-
riáveis pela razão acima : — mortal = mortalis, masc.
e fem., faial — fatalis M. e F.
Homo ou femina mortalis.
Também são invariáveis os terminados em el,
il : — cruel, estéril, hábil ( arch. esterile, habilej,
3= lat. cruddis masc. e fem., — e neutro, esterilis
masc. e fem., e os em ul, por analogia ( a^ul, taful).
Até o Sec. XV os em ol tinham também uma
única forma ( uma ?nulher hespanhol ).
3.° — Os adjectivos acabados em vel ( ant. bil J,
são defectivos porque se derivam dos latinos em bilis
masc. fem., em e neutro (V. § i.°}: — amável, ter-
r/VcV = amabil-is, terribil-is. No Sec. xvi estes adje-
i6i
ctivos conservavam a forma latina — terribii ( Ca-
mões I. 14),...
4.° — Nos em ar. er {fciminar esmoler ), e em
m, n, s ( ruim, joven^ simples )^ a invariabilidade é
devida ao facto já citado dos adjectivos latinos em
is masc. fem. ( familiaris^ jiwems ) . Quanto a sim-
ples ( arch. simplice ) é defectivo porque deriva do
adjectivo de uma só forma latina (simplex simplicis).
5.° — Os em a:[^ e^^ z^, o^^ derivam dos lati-
nos, também de uma só forma, em ax axis^ ex ecis,
ix íciSj ox ocis, e ainda em ânsis : — audai audace m,
feb\ ( felice-m ), atroi ( atroce-m ), montanhei ( mon-
taniese-m ). Até o Sec. xv as formas portuguezas
foram sempre mais encostadas ás latinas f audace,
felice, atroce^ .., J.
No Sec. XVI c que começaram as formas em
eia ( montanhesa, calabresa y, talvez por analogia
dos nomes fem. em issa.
2j.-^ INumoro. — O portuguez tem dous
números — singular e plural, como em latim. O dual
não lh'o podia elle legar, que muito cedo perdeu-o,
ao envez do grego e do hebraico, que sempre o
conservaram.
No latim as únicas formas de dual são ambo
e duo, que são também no portuguez os únicos
vestígios dessa primeira concepção da pluralidade.
o dual precedeu ao plural ; e sao provas do asserto os seguintes
argumentos: 1.° o eraprego extensíssimo do dual no doniiuio aryano,
semítico, turaniano, ctc, que declina e cahe de todo com o progresso intel-
3X
r62
lectual (los povos, ao pnsso que mais se vulgarisa o uso do plural; 3." a for-
niaçflo, relativamente recente, em muitas línguas, dos números superiores
a dous. ( 8ay. Pr. )
As tribus occidcntaes da Nova Hoilanda (segundo Adfieid). mio es-
tendem a numeração além de dous; no gnipo das línguas c/iatnHicas (de
Africa), o subst. náo tem plural; no accadiano, o signal do plural do
adj. é o sufflxo mes (muito).
Na lingua indígina do Brazil, o plural é expresso pela addiçflo da
partícula — , eíd, contr.dcsí/a^^multidilo, grande quantidade: — oku = CA\síi,
oka cid —» casas, npengdna = um homem, apeagan etd = homens. ( Dr. Am.
Cavalcanti — The Brasilmn Lavg.J
lia ainda outro systema, usr.do pelos Canarmos, Bascos, ^lalaios,
Boschimans, que corísiste na reãiiplicnção. líednplicar — diz Sayce — é
identificar a pluralidade com a dualidade, é indicar a prioridade do
dual. "A reduplicaçiío foi um dos mais antigos processos da linguagem
para a formaçilo do plural, que mais se accentuou com a definiçito clara e
precisa, da concepção da dualidade".
Deste processo conservamos amostra nas phrascs populares p infantis
— innío Umto hmimii, nvita muita Jfó)% o que se verifica ainda na formação
do superlativo, oue tem com o plural estreita connexão. ( Liç. 14.)'
* Qu;jrem alguns que a forma plural, única antigamente para exprimir
certos objectos compostos do duas partes iguaes (ccrouUis, oilçu^, ventaa,
tesoura»), seja um verdadeiro dual ; outros são de pareccn- que o em-
prego do adjectivo uns, uma», constituo o numero dual em certo.s casos
(quando se trata de parte do corpo que temos em duplicata) fdk tem
uns lábios vincados, umas orelhiis cabana.»^; alguns consideram uma quasi
equivalência do dual, o emprego do possessivo twsso em certos casos, como.
por exemplo, quando por corte/ia dizemos á pessoa a quem nos dirigimos
— sua casa p. tiossa casa.
A 1.* hypothese é errónea; a 3.» — e esse u.'!0 do intlefiuito é peculiar
a todas as liuguaes romanas, ao inglez, etc. , — também não nos parece
aceitável.
Hoje, por influencia franceza, abusamos do emprego do indeflnitò, e,
até em escriptores de boa nota. apparccc elie com os nomes no singular
— die tem um nariz pequeno, um pé grande (fr. il a un grand picd, ingl. he
haJi a largcfoot), comt> se tivesse um outro nariz grande, ou o outro pó fosse
menor.
i63
28. — O s c a nossa característica do plural
desde a origem da lingiia. Representa o plural do
accusativo latino, caso que o portuguez mais tomou
para lypo geral dos substantivos ; e nas cinco de-
clinações latinas o accusativo termina em 5, com
excepção dos neutros. i-
Alguns glottologos consideram essa sibilante um equivalente ila
preposição san«k. sani, sahã, ou ilo s do nom. e gcn. sing. — A !.•
hj-pothcse c insustentável porque o dual nõo é uma simplificarão das for-
mas do plural; a 2.», porque '■ os nominativos da 2.» decl. latin;i e
grega, e os neutros em i e u do sansk. nilo encerrara o menor ves
tigio de sibilante originaria ".
29. — Substantivos com flexão numeral. —
Os nomes substantivos seguem, na formação do
plural, as regras latinas.
i.° — Nomes abstractos.— Os nossos gramma-
ticos condemnam, no portuguez, o emprego do plu-
ral dos nomes abstractos. Não obstante, é elle vul-
gar em escriptores clássicos e de boa nota desde
o Sec. XVI : — negniras^ as soberbas., silêncios., em-
briagiieies. pobre{as, etc. Tomarão os cálices e vasos
sagrados, apflical-os-hão a suas nefandas embria-
guezes ( Vieira 3. 486 }, Deus aborrece avarezas, a
alma assaltada de ambições e invejas.
Quando esses nomes vierem considerados indi-
vidualmente, devemos consideral-os defectivos no
plural ^ a fé diinna, a fé catholica); mas são. suscep-
tíveis dessa flexão quando as qualidades por elles
expressas forem tomadas pelos actos a ellas in-
164
herentes, e em suas diversas manifestações ç ha
três fés e crenças distinctas).
Em latim eram muitos os substantivos ab-
stractos com plural consagrado pelo uso — vitae^
superbiae^ nobilitaíes, ...
2° — Nomes próprios.— Em latim eram elles
empregados no plural (Cicerones., Verrones, Me-
teili^ Marones, ...J;só no Sec. xvi é que no por-
tuguez apparecem os primeiros exemplos.
Os nossos grammaticos ( mesmo os de mais
alto valor ) sentenceiam esse emprego do plural,
a menos que « os nomes não sejam tomados figu-
radamente para significar indivíduos da mesma
classe». (Ex. : os Osorios., isto é, os generaes es-
forçados como Osório. ) ^
Por boa lógica desaceitamos a regra estabe-
lecida, e temos em nosso apoio a tradição ma-
terna e os escriptos aos mestres. Quando dizemos
os Andradas, os Mellos, os Braganças, os Bour-
bons, é claro que nos referimos a duas ou mais
pessoas distinctas, do mesmo nome, de uma mesma
familia. Considerar taes nomes logicamente no
plural, e negar-lhes a caracterista flexionai, é cahir
em erro. Assim pois, diremos doiis Pedros reina-
ram no Brasil, e com um clássico moderno — a
1 Por cmphase: — Os Andradas distinguiram se ua politica ; an-
tonomaisia — ou Shakspeurcs e Byrous mo raros; metonymia — os Rubens,
08 2'icianos (os quadros, ttc, de....).
i65
obra impávida dos Albuquerques, dos Castros, e dos
Almeida:;.
É que estes nomes próprios tornamse com-
muns, como aconteceu innumeras veze> — dédalos^
harpagões, macadam, mentor, tartufo,... champagne.,
cognac, bordeaux, gruyère, al^epir, um terra nova,
galgo ( cão da Gallia ), go^o ( cão godo ), perro
(cão párria, pariak).^ — V. Liç. 6/
3o. — São de formação anómala os seguintes :
i.*^ — Os terminados em ai, el, il ( oxytono e
paroxytono ), o/, ul, formaram o plural no portu-
guez antigo e médio mui regularmente : — cales,
corales, arreboles, aniles. Destas formas, regular-
mente contrahidas pela queda da consoante média — ,
originaram-se as actuaes — coraes, arrebóes, anis,
fosseis., tafues.
Figuram ainda como amostras da flexão primi-
tiva — males., cônsules., curules, reales.
2.^ — Dos nomes acabados em 5, só Deus toma
signal de plural quando nos referimos aos do paga-
nismo. Das antigas formas regulares — alfereses,
(Cam. Lus. 4, 27; arraeses., caeses, ouriveses., etc.
( as variantes orises e origes) '^ não temos amostras ;
simples (droga ), calis (cálix ) e o adj. duplex não
constituem excepção á regra, pois formaram o
» Sansk. para ( fora de ) T. parcyer, parnnr ; ind paliariya. Pariah
dogs = native dogs which have master and home ( Webster ).
• " Ourirezes e escultores " ( Garcia de Rezende.)
i66
plural regularmente dos typos parallelos simplice^
cálice^ diiplice, ( d. do caso regimen). ^
3.'' — Os subst. em Ão fazem o plural em ãoSy
ães, ôeSj conforme se derivam de vocábulos latinos
em anus, anes^ ( anis) ou /o, accus. onem, Christiano^
christão = lat. Christianus — christãos ( christianos ),
Cão — 1. canis ( p. canes ) — cães ( canes ), legião =
legio7iem ( p. legiones ) — legiões (legiones).
Até o Sec. XV eram duas as formas do sing. —
ani (pam, cam y cujo plural era em ães; e om (educa-
com, liçom, que fazia o plural em ões.
Houve lucta a principio entre as três formas
do plural, e muitas vacillaçóes ( Sec. xvi xvn). A
prova temos nos pluraes biformes e triformes ainda
hoje existentes :
alao ulões, alães,
soldao soldões, soldíles.
aldeão aldeãos, aldeáes, aldeões,
anão anAos, aniles, aniSes.
vulcão vulcftos, vulcâes, vulcões.
Os que se não originam do latim formam o
plural em õeSj desinência a que sempre mais se aífei-
çoou o povo ; — botões (or. germ.), limões (or. ar.),
vagões ( == ing. wagons.)
3i. — Nomes de fec tipos em numero. — Podem ser
defectivos no sing. ou no plural ; concretos, abstrac-
tos ou collectivos.
Cp. — Índex itidice, appendix appendiee, codex códice.
167
1." — Defect. no plural, a) Os nomes de sciençias
e artes só se empregam no singular quando tomados
individualmente. Já se abriu excepção para as ma-
them atiças.
bj Os nomes de raetaes só teem plural quando
exprimem objectos delles fabricados ; — quando sig-
nificam objectos que tiram o nome da matéria de
que são feitos (os ouros, as pratas ^ os ferros, os
bronies, os nickeís
cj Os de cereaes, productos animaes e vegetaes
pluralisam-se em linguagem commercial, quando se
quer expecificar as varias espécies ou qualidades,
ou quando exprimem objectos cujos nomes são
tirados da matéria de que são feitos : — assucares,
trigos, favas, ervilhas^ sedas, linhas^ cimentos
Os antigos escreviam — meles e méis, arrobes,
aieites^ leites.
dj Os nomes de ventos usam-se no plural so-
mente quando estes reinam por tempo mais ou
menos dilatado (as brisas, os nord'estes ). ^
ej São ainda defectivos no plural os nomes abs-
tractos (fama, pudor, compaixão j^ e os collectivos
(prole, plebe ^ vulgo -.
2.° — Defectivos no singular. Também já os
havia em latim ; o seu numero era muito mais cres-
cido nos antigos escriptores — caleis., ceroulas, te-
' Algun? defectivos ein hitim, tem ambus os números cm port. —
viíruni, reliquine, arma, ipeciíncn,...
i68
souras, fauces, esgares, cócegas, sêmeas, ventas,
trevas, ...
Alviçaras, arredores, ambages, andas, annaes,
calendas, confins ( limite ), escouvens, esponsaes, exé-
quias, ferias (vacação), lampas, laudes, lamures, ma-
tinas, manes, nonas, núpcias, ovens, penates, páreas,
próceres, primicias, semeias, syríes, trevas (h. treva),
victualhas, viveres, elementos (no sentido de principios
ou fundamento de arte ou sciencia). os nomes dos
naipes, {elos, (íiumes), í^/505(ares), os nomes de povos
collectivos — Aborigenes, Romanos; os de grupos
de ilhas — os Açores, as Canárias.
32. — Alguns nomes mudam de significação
quando passam para o plural. A este facto de patho-
logia verbal já nos referimos na lição 6/
lÁberilnde — Poder do agir ou u lo Uberdaães — atrevimentos
meninice — idarle tenra meniniceH — puerilidades
lltra — cada um dos caraí-teres do hitran — litteratura. sciencia
alpliabeto
fticyUhide — poder physico ou moral que fiiculdítdcs — disposi(;ões, meios.
torna algum ente c ipaz de
agir.
33.— Os nomes de origens estrangeiras, ou
mesma latina, substantivados, fazem o plural segundo
a regra geral — hurrahs, álbuns, tenores, tramways,
deficits, benedicites, tnisereres, améns, requiems, in-
fólios, post scripiums. Te Deums,
Nota. Os adjectivos seguem as mesmas regras
do subst. na formação do plural.
169
Os acabados em ão^ com significação augmen-
tativa, fazem o plural em Ões.
34. — Casos. — Caso ( l. casus^ queda, de ca-
dere cahir ) é a união do thema nominal á desinência
para indicação de certas relações — de causa, origem
ou propriedade, condição, direcção, instrumento ou
meio; emfim a funcção do nome na phrase. ^ As
desinências casuaes designam também os números, e
— mas nem sem.pre — os géneros dos nomes. -^
S. P.
N. Pater o pai (suj.) Patr - es
G. Patr - is do pai PatJ' - um
D. Patr - i ao pai Patr - i - bus
Ac. Patr -em o pai (reg.) Patr - es
Ab. Patr ' e do pai, etc. Patr -i- bus
* Assim, na phrase amo Deum o m de Deum mostra que elle está
no accus., e é complemento directo de amo.
Esta construcçao, com ellipse da preposiçiTo, é também portugueza:
E correram quasi todo aquelle dia arvore sccca.
( F. X*. Ilisl. da índia: J
... eis que alia noite sentem um rumor extraordinário.
( Souza — V. do Are.)
.' . . el-rei vestido eru uma cota d'armas, rosto e cabeça descoberta.
( Id. //. de S. D.J
. . . levauta-se o conde cedo cerõo e Jiyncerno.
( Vieira — Serm . )
' As terminações dos casos nos dialectos primitivos da familia
indo européa eram, na origem, preposições justapostas á raiz, que com
o tempo fundiram-se.
22
170
35. — No latim, não havendo tantas formas
características quantos eram os casos, forçosamente
a mesma desinência devia servir para dous ou três.
Todavia, o systema das declinações era meca-
nismo complicado para os populares, que não lhe
comprehendendo a vantagem, acabaram por com-
balil-a de todo sob a acção destruidora das leis
phoneticas. As vogaes atonas cada vez mais se
atonisaram, as características fiexionaes do nom.
e do accus. ( s Qtn ) cahiram, e dahi a confusão
entre esses casos, e entre elles e o abiativo. Seruns
( N. ) e servum (Ac), pela queda das caracterís-
ticas transformaram-se em servu. e como o n final
latino soava ô confundiram-se com o abl. servo.
No Sec. V a declinação latina resumiu-se
aos dous casos — sujeito e regimen.
O descuramento das inflexões nomínaes, a
tendência do povo para simplificar as formas, ori-
ginaram a necessidade de palavras auxiliares ( pre-
posições ) para maior precisão e clareza da língua,
cujo emprego cada vez mais se tornou frequente
porque os casos já não indicavam as varias re-
lações, mas tão somente o género e o numero.
36. — Das línguas néo-latínas, só o italiano,
o valachio e o francez herdaram o systema das
declinações, mantido até hoje apenas pela pri-
meira.
• As unicair flexões nomínaes portuguezas são
— o género e numero, o superlativo dos adj., as
variações dos pronomes pessoaes.
37. — A DECLINAÇÃO LATINA. — DecHnação é a
serie de formas que os nomes tomam na sua passa-
gem por todos os casos. Desenvolvida ou não, a
declinação indica o género^ tiumero e caso, como
a conjugação exprime a P0{, o modo, o tempo e a
pessoa.
Havia no latim cinco declinações, constituídas
por seis casos no período clássico. ^
i.° Nominativo. Era o expoente do sujeito, fle-
xionado por s em ambos os números nos nomes da
3.', 4." e 5.^ decls.
Jto-s flore-a
currv-s
die-s
e por s no sing. , e e (ai), /, no plural da i .^ e 2 .^
^nea-s hora-e
tervu-s se7'v-i
A flexão neutra era geralmente em a ( regn-a,
corpor-a). ^
• Desde a primeira pLase da lingna desappareccram o locativo e o in-
strumeníal. O loc. era o antigo gen. em as (pater familiasj , sufif. as = ai
( ae ) -> sansk. ayas. Assim confundirara-se o loc. e o gen. — Sáo também
verdadeiros locativos, os dativos da decl. simples ( Benfils, — Intr. XXVI).
• A flexão ori;anica do uom. plural em ««/• «—saj/er saí, cujo vesti-
gio encontra-se nas f. arch. maginter-ta, 2)opul-c\s, liber-is, donde derivam—
magiatri, populi, liberi.
172
2.*' Genitipo. E' o expoente de restricção fle-
xionado no sing. poree i para a i.% 2/ e 5/
Jiora-e serv-i diei
e z5 para a 3/ e 4/
arbor-is curru-\s *
No plural a flexão da i.% 2.'' e 5.== é rww, e wm
para a 3/ e 4/
hora-rum xervo-rum (lie-runi
m'bor-r\im avt-um. *
3.° Dativo. Expoente de attribuição, flexionado
no singular por e qí
hora-G servo (i) àrbor-i cin'ru-i die-\
No plural por is para a 1/ e 2.% e bus para as
outras.
horls se7'cAs
arbori-hns cvjvi-hns dieltns '
4.° Accusativo. Expoente do objecto ( caso re-
gimen ) flexionado por m no sing. e s no plural para
todas as declinações ( masculinas e femininas ).
• As term. orgânicas do gen. sing. eram — is — os — us fsenaíu-os,
venerusj. Is foi subst. na 1.». 2.» e 5.» pelo suff. loc i (rasai rosa.)
• o prototypo do su#. orgânico do gen. plural era = san9k. sams
^ ams — lat. vm.
• o dat. sing. prototypo — .sansk, aya. No plural =- ablativo.
173
?iora-xa sertum arhore-m currum die ra
horas servos arbore-s curro s die-s *
Para os neutros — em a f corpora J.
5.'' Vocativo. Expoente interjectivo, e quasi
sempre idêntico ao nominativo.
puer arhor eorpu-s
die-s corpora
6.° Ablatívo. Expoente de origem ; no plural,
de flexão idêntica ao dativo. ^
Estas flexões casuaes do latim clássico ( já nos
referimos a este^ facto ) foram pouco a pouco se al-
terando, principalmente pela queda do 5 e m finaes ;
e esta alteração posto remonte aos mais antigos
monumentos da lingua ( poetas scriba-Sy . j ', com-
tudo^mais se generalisou na corrente popular, o que
muito concorreu para transformar a declinação syn-
thetica latina na declinação analytica românica.
* A forma orgânica originaria era ma no sing., e no plural ?«-« =
\&i.' as, os, ns. es frosams = rosa-s, serv^-ins^^ servo-s, etc.)
' A teiminaçílo orgânica do ablalivo sing. era d = ad, ed = at (for-
mas arch. siceliaú, macestatad marido. No plural — bis = bus ( bos ) =-= is
== san&k. bhi^-bhyas. (Talbot.— Hist. LUt. Bom. ; Schleicber, Bopp., etc. )
' Sflo formas epigraphicas do tempo dos últimos imperadores —
Themloru, filio, admirabili, etc. Remonta ao velho lat. — optumo=' optimum,
xiro -= virum, etc. ( Sec. iii. )
174
QUADRQ SYNOPTICO DAS FLEXÕES^
l/' GRUPO.- • FLEXÕES EM A, E, - - O
SINGULyVR
CASOS
V.
G.
Ac.
D.
Ab.
M.
— 1
— m
(d)
F.
N.
— s
— ra
—
— ra
— ds, i
~ i
— m
— m
~-i
— i
- (d)
- (d)
PLURAL
M.
F.
N.
- i
— i
— a
- 1
— i
— a
- rum
— rura
— rura
-(n)s
— ^n) s
— a
bus, is
— bus, is
— bus, is
bus, is
— bus, is
— bus, is
2.° GRUPO. — FLEXÕES EM I, — CONS. U
SINGULAR
CASOS
PLURAL
IN.
M.
F.
N.
— 1'5
— es
— a
—
— es
— es
— a
— IS
— um
— ura
— um
-
-(e)(n)s
-- (e) (n)s
— a
— i
— i
— ibus
- (ê) (s)
— (i)bus
— (i) bus
— ibus
1 Quadro — Grainniatica Latina.
MoeUer — Fonnelehre { c. sobre unidade das flexões).
173
Podciios pois traçar o schema da evolução
histórica da declinação latina.
lypo areJuiieo T. clássico T. romano
SINGULAR
N. — Tiora s aròor-?, hora arbor hora arbor {hxvor)
Q — Jiora-is (i), arborasi$, Tiorae arbor-is hore arhor-ie,
Ac. — hora-m arbore-ia HORA-roARBoRE-m hora aurore ( arvore )
D. — Tiora-i arbor -i hora-a arbor-i fior-e arbori {e)
Abl. — 7iora-d a7'bore-d hora arbore hora arbobb (arvore)
PLURAL
N. — hora-ses arbor-ses A<?ra-e arbore-s hora arvore
S. — hora-sam ( sum ) arbor-sam hora -rum arbo-rum horaro arboro
Ac. — hora-ms arbore-ams hora-s arbore-s horas arvores
D. Alb.— hnra-bis arbor-b!s hor-is arbor ribus hori ( e ) arboribo
Em consequência das leis phoneticas, e das
deslocações do accento tónico, a declinação portu-
gueza resLime-se a uma única forma — hora horas,
arvore ( arvor Sec. xiv ) arvores, como melhor ve-
remos adiante.
38. — Vestígios da declinação latina no por-
TUGUEz. — « No portuguez antigo e médio ( Sec. xii e
XVI ) muitos typos syntaxicos recordam immediata
e mediatamente a declinação latina.» ^ (V. Lição.)
Já vimos: i.° que a i.'' declinação, de todas
a mais fácil na creação de typos femininos, fazia
o nom. em a^ accus. am (hora horam), casoS
que vieram a confundir-se pela queda do m final.
2.° que os nossos maiores, assim como, por
ignorância, importaram do árabe e hebraico pala-
' Lam. cie Andrade — Ve*t de ded. lai.
176
vras no plural, julgandoas formas do sing. (che-
rubim, seraphim, etc. ^), também tomaram nomes
neutros no plural por formas do fem. sing.: —
animalia, insignia, folha, maravilha^ etc.
3.*" A i.'"* declin. masc. attrahiu os nomes
neutros em um da 2.* declin., e alguns da 3." e
4.^ (panis^ fructus, dies).
4.*^ Os nomes da 2.^ declin. masc. nom. em
W5, accus. em i/m, confundiram por fim esses casos
pela queda do 5 e m., característicos do nom.
e accus. Servu servum^ soavam servu (servo).
b.° Em muitas palavras latinas da 3/decl.,
em algumas de themas e desinências differentes,
houve deslocação do accento no accus. : — ratio ra-
tiónem, sénior seniórem, imperátor imperatórem.
O portuguez ou conservou apenas o caso
regimen, principalmente nos nomQs Qm eo (io) ^ anis : —
raiãOy senhor^ imperador, lição ( lectionem), leão
(leonem), etc, ou ambos elles distinctos : — preste
presbytero^ ladro ladrão.
Também derivam do caso regimen, os nomes
de outras declinações terminados geralmente em s
no nom. sing.: — mors mor/em ( morte ), virtus vir-
tutem (virtude ).
O imparissyllabismo (i. e., a diíFerença no
numero de syllabas entre o nom. e o accus. )
mais pertence á 2.^ declinação.
1 Ling. hebr. — {^herubs. Seraphs.
177
39- — Acompanhemos agora os casos lati-
1
nos.
I,'' Nominativo. — A carateristica do caso su-
jeito era o sufíixo originário 5, perdido em muitis-
simos vocábulos latinos (hora, patçr^ puer, etc), e
cujo desapparecimento mais cresceu de ponto na
linguagem popular de Roma, facto este a que por
vezes nos hemos referido.
Desse expoente do nominativo ainda conser-
vamos vestigios em algumas palavras : — ca/is (cali{,
cálix, e cálice) = 1. cálix, Deus, Jesus, sages (Sec.
xiv), simples (simples, simprei e simplicej, e muitos
onomásticos de origem litteraria : — Marcos, Lucas
Vénus, Ceres, Moyses, Isaias, Matheus, Boreas,
íris.
2° Genitivo. — São poucos os vestigios mor-
phicos, o que não é para causar extranheza desde
que reflectirmos já no latim era esse caso de uso
pouco frequente, por ter sido supplantado desde o
periodo clássico pelo ablativo com a proposição de.
aqueãud/}
aquae ductus
tiaducío
viae ductus (f. port. )
condenlatel
comes stabuli
jurmomuUo
juris-consultus
legvflação
legis lationejn
petróleo
petrse oleura
terremoto
terrae motus
* y. monographia Lam. de Andrade ~ V. daded.lat.
28
178
Destes, só condestavel ( conde -stable, Sec. xiv,
condestabre^ Sec. xv) é de origem popular.
3.'' Dativo. — Poucos exemplos podemos res-
pigar deste caso, que — conforme pondera Schlei-
cher — já no latim a sua flexão orgânica era
imperfeita pela confusão com o locativo, gen., ablat.
e instrumental.
C? ucifixo cruci fixus
Fideicommmo fidei commissus (f. er. )
4.° AccusATivo. — Era a forma mais primitiva
da declinação, ^ mas foi também a que mais cedo
desappareceu, em consequência da perda da con-
soante característica, que deu em resultado a sua
confusão com o nominativo. « Nos does. em latim
lusitano dos Sec. xni — x, o accus. já não tinha
valor casual. »
Morcego murs coecus
Jiomein liouiinem
Os subst, acabados em io, ude, ade, agem
(V. pgs. §§ )
VocATivo. — Avemaria = ave Maria.
S.** Ablativo.-- Era o caso de maior emprego
no latim, principalmente depois da perda do locativo
* o nom. parece — no òouceito de alguns glottologos — ter sido
" addiçào posterior á declinação nominal "; e o accusativo on caso com-
plementar "a forma primitiva do nome". Ex. desta liypothese encon-
tram-sc nas linguas aryanas e semiticas (sansk., grego, latim, gothico,.... );
e ainda na linguagem-ipfantil — Nené quer, Carlos não qu-er p. eu qu^ro.
179
e do instrumental ; e sendo o que mais relações
representava, foilhe necessário o auxilio de certas
preposições. '
Talvez, por isso mesmo, tão raros são os seus
vestigios morphicos conservados em portuguez na
formação do substantivo : amanuense = a manu en-
siSj hontem ( ante hodie }.
42. — A-djectivos. — Também resumem-se
no nom. e accus. os casos de que conservaram vesti-
gios os adj. portuguezes.
Foram estes os conservados pelo latim popular
quando — depois de se terem simplificado as duas
declinações distinctas, uma em us^ o. outra em
is^ — , aquellcs adjectivos da 2.* classe em er ( ac-
cus. em — em) assimilaram-se por analogia aos
da i.^ classe em er (accus. em — um), e empare-
Ihou-os por fim aos adjectivos em us. Assim niger
(accus. nigrem)j fortis [accus. for tem )y prudens
( accus. prudentem J, celeber ( accus. celebrem)^ acer
( accus, facrum p. acrem, donde acre, acro), foram
considerados de i.* classe e declinados por bónus.
* J. F. de Castilho afflrma que de cada grupo de palavras, nove
descendem do ablativo, e que em uma pagina de Cicero verificou que dous
terços dos subst. e adj., estavam no ablativo.
' Que comprehendia os adjectivos que só differiam pelo nom. sing.
raasc. em er, accus. em em.
' A esta classe pertenciam adjs. análogo.* a pnidens ç fcl-eber, que só
divergiam no noraipatiyo e vocatjvo,
i8o
Só restaram pois duas declinações distinctas,
uma das quaes — a 2/ — não tinha forma para o
feminino. E destas duas declinações conservamos
vestígios tm bom ( boa ^ bónus, a ), máo máy ( ma-
lus, a ), negro negra, ( niger, nigrem ).
Do genitivo, são raras as amostras.
O accusativo é a principal origem dos nomes
adjectivos imparissyllabicos. Ex.—fe/ii, arch. felice
= felice ( m ), atro{, arch. atroce = atroce ( m ), trai-
dor tradito-r ( e ) { m ), amainei, arch. amabile = ama-
bil e (m), prudente = prudente (m). acre =^ acre-m
Conserva, pois, o portuguez vestígios da declinaçflo latina. Houve,
porém, na língua fallada uma declínavão embryonaría portugucza, ainda
que de dous casos como a do francez antigo ?
Delia nao encontramos vestígios seguros.
A verdade é que o Romano conservou a distincçào dos casos, sujeito
e regimen, e a flexão do sing. e do plural. O caso sujeito era, cm geral, ti-
rado do nom. ; o regimen, do accus. E nós temos palavras derivadas dos
dous casos distinctamentc
serpe — serpens serpente — serpentem
chantre — cantor cantor — cantorem
prente — présbj^ter presbyiero — pix-sbyterum
fray — f rater frade — fratrem
mãi — mater madre — matrem
pai — pater padre — patrem
sénior — sénior senTwr — seniorem
compáno — companus companhm companJteiro — companionem
ladro — latro ladrão — latrouem
virgo — virgo virgem — virginem
Bem, ren, sem, sen, irom, com ( C. V., Canc. do Fig- ), etc.
Serfto estes os duplos vestígios de uma antiga declinação portugueza ?
Nfto ousamos asseverar.
DECIMA QUARTA LIÇÃO
Flexão dos nomes. Gráo do substantivo e do adjectivo ; com-
parativos e superlativos syntheticos ; comparativos e su-
perlativos analyticos.
I.'' — V. Lição i3.
2.° — Gráo é a flexão nominal, que augmenta
ou diminue a idéa de palavra. ^
3.° São principaes suffixos augmentativos : —
ão, aço^ a^y a^io, alho, a/ha, orio, astro, ati'o.
Aço-a ( = lat. ax, acc. acemj — Senhoraço, ri-
caço.
A's vezes teem sentido pejorativo — poetaço.
Esta dessinencia corrompe-se emalho: — po-
pulacho.
Alha ( 2= suff. alia). Tem sentido collectivo : —
^■entalha, canalha.
Alho : — parpoalho.
Aõ : — rapagão., espião, portão.
* Vide Liçáo Sufflxos.
iSa
Que indica maior intensidade, provam ~ os se-
guintes exempJos :
affecto
afifeiçflo
domínio
dominação
repulsa
repulsfto
perda
perdição.
Tem ás vezes sentido pejorativo : — pobretào.
ELHO,-a ( = suíf. lat. iculus, ic'lus ) folhelho^ a:{e-
IhOj francelho, fedelho ( pejor ).
ÉoLO (lat. eolus ). — Forma erudita. Ex. —
alvéolo.^ capreolo.
Ebre. Tem sentido pej. — Só nos resta um
exemplo : — casebre.
Eta, ete, óte, ôto. — São suffixos romanos.
Ex : — trombeta, costelleta : diabrete, capote, ve-
lhote, perdigoto.
Os femininos correspondentes são — êta^ óta,
agem e ilha (ilheta e ilhota, villota e villagem,
mantilha, forquilha ).
Ico ( lat. /cw5,-culus, ) : — abanico^ burrico^
Joanico.
Ás vezes intercala um s euphonico : — chopiscOj
pedrisco.
IcuLo,-A ( lat-ícz^/ws,-a ) : — montículo, aurícula.
Ilho,-a ( sufF. dim. port., de iculo, mas que tam*
bem corresponde ao lat. ilhis^ a): — cabresíilhOj
rastilho, vidrilho ; mantilha, cartilha, partilha, serrilha.
i83
Corresponde a inho, e é mui crescido o numero
de diminutivos em ilho,~a, formados de radicaes por-
tuguezes.
Ito,-a : livrito^ mosquito ; mídherita^ cabrita. E'
uma diíferenciação do suffixo — inho.
Im : ( inus ) — espadim .^ flautim, tamborim.
Az : — Cartas^ montar a^., lobai, Satana^j ladrava^
( de ladro).
A's vezes teem sentido pejorativo — dançara:^
machaca{.
Azio : — copa^io.
Orio : — finório^ sabidorio.
Ona : — Fem. da desin. port. — ão : mocetona.,
valentona.
Stnt. pe'].— sabichona, pobretona.
Corresponde ao suíf, — (aça) ( ricaça ).
Além destes — ainda temos os suffixos populares
portuguezes — arão.^ — arrão fhomeniarrão , casarão,
santarrãoj, e algumas formas anómalas, idiomáti-
cas, geralmente de sentido deprimente f cateçoKviA.
amigaLHÃo.fradaLHÃo, corp\^z\L, sabicviÃo ),
Temos mais alguns augmentativos verbaes:
fujão, beber rão, chorão...
Astro é de origem litteraria : — poetastro.
4.° São de Sec. xm os seguintes : estaturão, lampaãões, cordões, cal-
{õc3, cabrões, Altão, garganiom, jaquetão, malcaz, pescai, vagando, viaráz.
( C. vat.)
i84
5. — Diminutivos. — Os principaes suffixos dimi-
nutivos são :
Acho : — riacho.
Ejo : — logarejOj animalejOf quintalejo. ( E' de
sentido pejorativo.)
Ello,-a ( corr. 1. ello^ illa ): — portello^ viella.
El ( contr. de el) : — cordel^ fardel^ canastrel.
Inho. — (= 1. inus). E este o mais vulgar de
todos os suffixos diminutivos da nossa língua. Alguns
diminutivos teem as duas formas — inhOy ino, e ás
vezes ainda — ito^ ico, ete, ejo, etc: — grão, gra-
nito ; quintal — quintalinho, quintalete, quintalejo^ etc.
Os nomes terminados em consoante, formam
também os diminutivos em ^inho — desde o Sec. xii,
(principalmente os monosyllabos) — flor flor ic a flor ita
florinha, florsinha, quintal, quintalinho quintalsinho ,
somsinho, dorsinha cersinha. Esta regra é absoluta
quando a palavra thema acaba por voz livre ( nasal
ou diphthongo ), ou é oxitona em voz livre pura : —
irmansinha, ^rãosinho, crz/<3sinha, «wsinho.
No uso familiar, formamos diminutivos de dimi-
nutivos : — pequenininha, pequerichinho.
Cândido Lusitano e outros verberam as formas
capinha, florinha, sapatinho,... p. capasinha, florsinha^
sapatosinho , . . . O uso consagrou essas formas, que
datam do começo de lingua (Sec. xii — xiii), e são
empregadas por vários clássicos, entre os quaes
Manuel Bernardes, Camões, Castilho :
i85
Eatd o hiscico doce passarinho
(7<>//t obiquiulio aspeunas ordenando
a csfas criancinhas (em respeito
aos peitos os filhinhos apertavam
(TaisJ
Rezende (MiscJ, ridicularisando as modas
do seu tempo, diz :
Agora vemos capinhas,
muitos curtos pellotiuhos,
golphinhos e sapatinhos,
fundas pequenas, mulinlias,
giboesinhos, harretinlios
Muitas vezes o diminutivo exprime carinho : —
filhinho, maninho ; outras, --- dó, interesse, compai-
xão:— iim pobresinho.
Olo-a : — bolinholo, sacola^ portinhola, rapazola.
Olho-a ; ULHO-A ( 1. culiis~a ) : — E' de origem
erudita. Ex, : ferrolho.
Em muitos destes n:\o existo no portuguez a palavra simples; ou as
formas diminutivas latinas passaram para as linguas romanas como pri
mitivas : — agulha acucVa dim. do açus = agulha, apicula, dim. de apis
-= abelha: ovicula, dim. de ovis •= oyQ\h-à , lentilha iim. de ?^«í<í =entilh a^
Ote : — velhote, rapa^ote.
6, — São de derivação erudita - • olo, tilo, colo :
— pellicula, granulo, capreolo .
7. — A lingua portugueza é riquissima neste
género de derivação. O vocábulo primitivo pode ter
significação graduada, desde o mais alto gráo até o
mais Ínfimo ; — 7nulher,~ona,-aça,-ão,~sinha,-ita,-ica, . . .
24
i86
E essa exuberância levou-nos até a formar diminu-
tivos anómalos, do mesmo thema ou de thema di-
verso:— canito, diabrete y casebre.
8. — Para os filhos dos animaes temos vocá-
bulos próprios ; leãosinho cachorro^ lobosinho lo-
binho lobato lobacho^ pombosinho borracho^ etc.
9. — Os diminutivos da linguagem familiar e
vulgar formam-se pela reduplicação ou pelo atro-
phiamento da palavra : — mamãe, papae, titio ^ vovô^
dindinho (padrinho) ; sôr^ sô, seu (!) = senhor ; sóra,
sinhá, siá, sá ( Minas Geraes. Rio de Janeiro ), nhò,
nhã, ( S. Paulo ), nhonhô, uhanhã, (R. J. etc.)
10. — Também teem formas diminutivas os
nomes próprios como já vimos : Pedrinho Pedroca^
Anninha Nicota, Chico Chiquinho, Jucá Zé\é^ Zé ( só
em Portugal), Lulu (Luiz), Maricas Maricota (Maria),
Lola Lolota (Carlota), Manduca (Manuel), etc.
II. — Aqui cumpre lembrar uma forma diminu-
tiva, que, por pouco frequente, não deixa de ser
graciosa.
E' o emprego dos gerúndios em diminutivo
( dor mindinho )^ que o nosso escriptor José de
Alencar escreveu — era um bra^ileiíistno, muito par-
ticular d provinda do Ceará.
No hespanhol também é frequente essa forma
diminutiva do participio presente, e, ainda acres-
centado, no fallado nas Republicas da" America,
e na Galliza (Saco Arce, Gramm. gallega). Em
i87
todos os poetas gallegos eiicontram-se essas formas
a exprimirem carinho :
Eu noa lie quero dar bicos
e solo me folgo en vel-o
dormindinõ cal un auxel.
o Visconde de Castilho, " por achar muito graciosito esse modo de
dizer dos Hespanhocs," empregou-o nas falias de Titaniaa Oberon f Sonho
de uma noite de 8. João J :
andamos muito manas
Passandito a par naquellas indianas.
12. — Sao dos Sec. xii e xiiios seguintes diminutivos: — Fen/cm, Al-
vim, Celoricí», Cerzeía, EisfeZ, Pedrozeías, CorneoZa, A\\elo, Meendi/iAí>, Pi-
mentel, BodwiAo, fremoswiAa, bayonín^o, moceh"rt/ía, passa^^■7l/^í», pastorin/ía,
\\\eco. marseU'nA«. oapeyr<;te, cxhvito. (P. Ri)). Dm. Crit., C. Vat.J
i3. — Gráos de significação. — Herdamos do
latim os três gráos : positwo^ comparatwo e super-
lativo.
COMPARATIVO
14. — Comparativos synthettcos (orgânicos). —
Em latim o comparativo era geralmente expresso
pelo sLifíixo — ior ( masc. e fem. ), ius [nf unido ao
thema:— ' altior, diílcior^ sapientior.
A tradição conservou fielmente no portuguez
algumas amostras desses comp. syntheticos :
1 A forma neutra só se distinguiu em pleno período histórico como
attestam os exemplos seguintes : " Bcllum puuicum posterior. — Senatus
consultum prior. " ( Sayce. )
maior =• 1. majóiíw '
menor — miuóre?» '
melhor — * molió?r??i '
•peior =— pejó?'«7» *
Júnior, senhor, prior, exterior, interior, superior^
posterior^ anterior, são também etymologicamente
superlativos orgânicos.
i5. Alguns destes comparativos tornaram-se
substantivos, conservando comtudo a significação
originaria latina — major, senhor, prior,... melhora,
peiora.
Nota. Até o Sec. xtv essas formas conservaram o seu valor com-
parativo : — nostro senJioi' demonstre aojumor aquelle que melhore ( R. de S.
B., Ined. d' Ale. 3), todos os juniores sexis priores, obedeeseam ( Id, 280).
Pmr — id. ( C. Vat., R. S. B. Ined. )
Nas formas interior, posterior, etc. . nota se uma dupla suffixaçao
Comparativa. Interior, = \. interiorem =-^in-\-ter (sufE. ant. comp.==gr. feros J
+ 01'.
Nota-se o mesmo em mestre (arch. meestre, maestrej 1. = magister
magis ( p. magias J + ter, ministro =- 1. minister ^ minis ( = minus ) +
ter. (Oramm. Comp. Bopp. )
1 Maior. Já se encontra nos does. do Sec. xii: mowr «;'«/(?«. (P.Rib.
doe. LX), e as variantes moor mor, frequentes desde o Sec. xv, bem como os
derivados maioria, maioral, maioridade, mordomia, meirinho, etc. Meyrinho
(C. Vat. 987) é forma parallela de maiorino-= h. lat. maiorimis{Sec. xi), cujas
formas pleonastica e antithetica — maiorino-maior(meirinJio-mvr Sec. xix )
e meirinho menor provam o esquecimento otymologico.
2 Menor e as variantes arch. meor mei já pertenciam aos Secs. xiii e
XIV, e bem assim os der. minoria, minoiidade. O typo menos -= minus deriva-
do neutro; e tanto ella como as var. arch. meos, mus, muz, c os compostos e
derivados — menosprezo, menosprezar, etc . , datam também do Sec. xiii.
8 MeUwr. Sec. xiii.— as melhores terras (C. Vat. 786); as variantes
arch. melor, melhur, milhor ( Sec. xiii-xiv ). Id. o der. — vullíoría.
* Peior Cpeyor. peorj. (Sec. xni, C. Vat. lA.)peiorar.
P^orative é importação recente (Sec. xix).
•^ Júnior ( iiuiior, iuvenior ) compar. de ?'««'«/«.
i89
Entre = iuter. sobre =— super = contra, íru, traz = tians, etc, sao pois
restos petrificados do comp. orgânico. (Meuier. Comp. J
Dos comp. diminutivos latinos grandiusculua, duriusculus, longiuseu'
lus, etc, citados por Meedvig fOr. lat.J temos exemplos directos em maiús-
culo, minúsculo, e indirectamente, ua formação portugueza — maiorsinho,
ssnhortinho, etc, já doSec. xii.
Cp. — Prov. — bou melhor
mal peior pesme
gran maior —
passe menor —
Catalão — bo millor —
mal pitjor pessim
gran major máximo
petit menor mismim
Franccz prim. — bom meillor —
mal pior pejor pesme
grand maor major —
petit míittor mesme
i6.— Comparativo analytico ( periphrasiico ).
— Exceptuando esses quatro casos, o portuguez
forma os comparativos analyticamente, ajuntando
ao positivo o adverbio mais ; systema formativo já
mui frequente no declinar do império romano (magis
piíis, magis egregiej. Alguns clássicos latinos se-
guiram esta tendência do espirito analytico, princi-
palmente com os adj. cm — us.
São pois latinos os moldes em que se vasaram
os comparativos poriuguezes.
O latim vulgar deu preferencia ao adverbio
pliis na formação destes CQmparativos (plus sajpium,
plus clarum).
Plus linha o mesmo sentido (\UQmagis^ tornou-se
modelo dos comparativos italianos e francezes fpliis,
igo
piú )y e deixou-nos vestígios da sua existência nos
primeiros documentos da lingua portugueza, na
forma pop. chus : — chus pouco ( can. Ined. ), chus
negros { Nob. ) Esta forma archaisou-se no Sec. xiv/
íy. — Os comp. de igualdade, inferioridade e
superioridade formaram-se com os advérbios tão...
como, tanto... quanto ; e os adv. mais menos ; muito
menos, muito mais. Estas formas datam do pri-
meiro periodo da lingua : — may /cda^ mays perto
( C. Vat. 98, 293 )y tan cruamente ( Id. 280 ),...
Advertências. — l.a Nos comp. de inferioridade e superioridade é
tão correcto empregar do que, como simplesmente que. Mais depende
ás vezes do tecido da phrase, que pôde parecer mais ou menos harmonioso.
— 2.8 Em vez de tão grande podemos usar de tantMnho (=tão manho, arch.
-= tão magno (Sec. xvii). E' força porém curvar-nos ao despotismo da moda,
e essa forma — também camoneana — deve ser rejeitada. — 3.» O compa-
rativo pleonastico era frequente no Sec. -ku (may melhores C. V. 1154), á
maneira do latim — magis maiores, magis dulciores, magis certius.
São equivalentes do comp, antes e sobj-e { = mais): — antes ser des-
feito que cançado (Ant. Ferr. Son, 1 — 8.), soh)'eiudo { = mais qne tudo).
DO SUPERLATIVO
19. — Superlativo synthetico ou orgânico
(formados por suffixos ). — O superlativo synthetico
latino emimuSy deixou muitíssimos vestígios na lingua
portugueza :
máo
pesnmo
lat. pessimus
bom
óptimo
Optimus
grande
máximo
maximus
pequeno (parvo)
minimo *
minimus
* No hesp. e doe. rom. — mm, mais.
« Minimo, meindinho, meiminlio, miminho, menino.
19 1
e desta composição orgânica cada vez mais cres-
ceram as formas ; — reverendíssimo , illustrissimo^
excellentissimo, sereníssimo,
O latim emprega na formação do superla-
tivo synthetico, a terminação — simus, <3, «m,
junto ao sufíixo do comparativo contrahido em
is { de ius = ios ) : — felic-is -simus, doct-is-simus
f doct-ior-simus : pela assimilação). E' esta a ori-
gem da forma caracteristica portugueza dos super-
lativos orgânicos (issimo==\dit. is-simus), que todavia,
só apparece pela i/ vez em does. do Sec. xv,
e fixa~se no xvi ( Illusfrissimo, sereníssimo, L. Cons.;
vitosissimo Th. Braga Ch ; C. de Évora, G. de
Rez, etc. ) Nos séculos anteriores empregavam a
forma analytica.
19. — Temos mais uma forma orgânica em
wzo(z=lat. mo, contr, de simoj, que é de fundo
erudito : — humilimo, aspérrimo, (Camões), acérrimo,
etc. Data do Sec. xvi.
São delia vestigios, embora hajam ás vezes
perdido o sentido etymologico, — intimo, imo, pós-
tumo/ máximo, Ínfimo, summo, supremo, etc.^ Destes
* E os der. arch. — prestumeiío, pestuineiro — Sec. xiii — xvi.
• Estes sup. derivam da forma ter ( gr. tepo; ), que se encontra
nas palavras de sign. comp. — dexier, sinister, alter, nosier, vester, exteri,
posieri, (Struchtmeyer, Rud. ling. graecae; Lennep. — Elymologicum
l. gr.
E ainda temos os numeraes formados com o suff. timo =- mo : —
primo, decimo, vigésimo ( Bopp. II 246 ).
192
typos formam-se outros superlativos : uns moldados
em formas latinas ( Cicero, Ovidio^ etc): — supre-
missimo, immensissimo ^ excellentissimo; outros de ori-
gem analógica portugueza — grandessissimo, de
grandissimo.^
20. — Os adjectivos em il (= 1. ///5 ) fazem o
superlativo em imo e issimo :— fácil facilirno facilis-
simOj frágil fragilimo fragilissitno, subtilissimo.
No latim dava-se a mesma concurrencia de
formas do sup. synthetico : — gracillimus ( Suet. ),
e gracillissimuSj agillimus ( Prisc. ) e agillissimus,
imbecillimus (Sen.) e imbecilissimus, etc.
Dahi as f. port. — humilimo humilissimoy aspér-
rimo e asperrissimo (ambas em Camões), etc.
Os nossos adj. seguem a regra dos latinos em //
(ili, ile) com vogal breve antes da terminação (radical
atono),e daquelles cuja vogal é longa (radical tónica):
— facilis — facillimus, humilis humillimus, nobilis
— nobilissimus.
21. — Os adj. em vel (= 1. bilis) fazem o sup.
mudando a terminação em bil antes de suííixarem a
desinência do grão : — notavEL — notaBiússimo — ,
miser A\EL — miseraBiússimo .
Estes sup. não se afastaram das formas positivas
portuguezas para mais se encostarem ás latinas.
Formaram-se das nossas formas archaicas ferribil.
Cp. iuglez — inmrmost, híndermost.
igS
miserabi/j etc, bem como nobilhsimo (de nobile)^
esterelissimo (de esterile , audacíssimo { de audacej,
felicíssimo ( defelicej, christianissimo ( de chrisíianoj,
antiquissimo ( de antiquo), etc,
O latim deu-nos o modelo; o portuguez antigo
imitou-o ; a analogia alargou o circulo dos exemplos.
22. — A's vezes, porém, um dos superlativos
syntheticos é de fundo popular, c o outro de for-
mação erudita — pobríssimo paupérrimo, friíssimo f ri-
gidissimo, docíssimo dulcíssimo^ amiguissímo amicís-
simo, cruel crudelissimo, inteirissimo integerrimo,...
23. — São pois susceptiveis da formação orgâ-
nica do superlativo só os adjectivos acabados em e,
o, u, /, r, i.
24. — Alguns rejeitam as flexões do gráo por-
que já exprimem idéa de superlatividade ou por lhes
serem naturalmente refractários: — egrégio^ superior^
ulterior^ posterior, ínclito, invicto, longíquo, joven,
adolescente,... (já temos porém Excellentissímo e om-
nípotentissimo) , ou pelo respeito á tradição latina,
como, p. ex. alguns nomes de cores, alguns em ão,
(pagão, ladrão), os em ico (pacifico), os verbaes em
bundo ( gemebundo), etc.
2 5. — Em compensação, conservamos super-
lativos ( e comparativos ), cujos positivos mais não
são usados: — minacissimo, de mmí7{ ( ameaçador
= 1. mínax, acis), belacíssimo ( Camões, Lus. ) de
belai ( = 1. belai, f. muitíssimo rara), etc.
35
E94
Na poesia, porém, é permittido o reviver desses positivos, e o nosso
poeta Odorico Mendes empregou belaz na sua traducção da lUiada, 32.
26. — Superlativos divergentes : — summo- su-
premo superno, intimo interno, etc.
27. — ^^O sup. synthetico lambem pôde formar-se
pela prefixação. Neste processo que. no portuguez,
remonta á origem da lingua, e estendeu-se ao Sec. xiv
fperlongadamente R. S. B. ; tamanho = tão magno ;
tamaninoG. Vic, perdurauel — Id. ; preclaro per-
claro. Cam. Liis.; translúcido ;...)^ é de notar —
como observou Diez — a usual separação do pre-
fixo per : — port. ant. mal vos per está., ben mi o per
depedes a creer ; lat. per mihi mirum visiim est., per
pol quam paucos ; fr. ant. tant pas est sages .^
28. — Superlativo analytico ou periphras-
Tico. — Este superlativo, formado pela anteposição
do adverbio, mais alcançou popularisar-se do que o
* As formas principaes do sup. intensivo são mui maii, muita j)eior,
muy melhor ( 1. multo carior ), mui bem ; — melhor de quantos, melhor dos
outros, a jnelhor do mundo, etc. (Secs. xiri — xvi. — C. Vat. G. Rez., Fern.
Mendes. )
— o comp. sup. é o typo que representa, só por si, a synthese dos
gráos de comparação. Ex. c^ysm« = port. are. cA?ís= lat. plus (plous
plosius ), í)íunwa= plusima = gr. pólitis e ma, fem. de tima = inaa.
— Os superlativos podem também formar se metaphoricamente, como
acontece nas línguas semíticas. Ex. hebr. — Jilha das mullier es {=^ formosís-
sima, lat. filiam feminarumj, varões das valentias =— foi'tissimtis lat. viri
virtutumj... V. Dr. Souza. Idiot. da lingna Ti-ebr. e grega.
Nós dizemos o homem, dos homens, o sábio dos sábios, o bun'o do»
burros, i. é, o maior d'entre os. . .
igS
synthetico. A tendência foi sempre para o analy-
tismo, para a simplificação.
Em latim era frequente o emprego dessas for-
mas : os adjectivos que formavam o comp. com o
adv. magis, tinham um surperlativo também ana-
lytico construido com inaxime, que algumas vezes,
por amor da variedade, era substituido por uma
outra particula — satis, per, ultra, prceíer, super, ante,
multo,... (multo tanto carior, Plauto, multo optimus
hostis, Lucil. )
O portuguez mais se aíFeiçoou ao adverbio
tnuito mui), e fel-o indicador do superlativo, apro-
veitando-sc comtudo da liberdade de poder também
substituil-o por outros (assas, demasiado, ultra, extra,
super, hyper, archi, excessivamente, horrivelmente, etc.)
O emprego destes últimos advérbios tem aug-
mentado de dia para dia : — uma mulher adoravel-
mente bella, imi critico genialmente patarata,
29. — Até o Sec. XVI indicava-se outrosim o
superlativo antepondo mui e muito ao adjectivo : —
gente de pé n-]\x\ muita sem conta (F. Lopes. Chron. de
João I) ; monte mui muito alto (S. Luiz ).
que dos mui muitos ciúmes
nace o mui muito amor.
(Gil Vicente.)
costume que, na linguagem popular e familiar ainda
se conserva para dar mais intensidade ou vehemen-
cia á phrase : — João é muito muito /e-Zo.
igó
- o processo rcduplicativo approxima o suj). do uuuicio plural, de que é
apenas simples prolougameuto. ( Sa}'cc. )
Este processo é conservado em Portugal, Brazil e nos dialectos de
Africa e Ásia : — secc-osecco, quenti-quenti ( =. muito secco, muito quente, —
port. de Cochim), lecco-lecco,... das melhares mdhor, o peyor de peyor{C.\.
119, 129 ); ieu tio, doa mawres, o inór. (A. Ferr. Luait. I. 130. ) — Id. nos he-
braísmos — cântico dos cânticos, senhor dos senhores, rei dos reis, vaidade das
raidade^, servo dos servos, aic. (Rciswerk — Gram.heb.J
3o. ■=— Mais divorciadas da regra grammatical
estão as expressões formadas com os advérbios
mui e tão y e os superlativos de uso vulgar no Sec.
XVIII — mui sapientissimo senhor, tão grandíssimo .
( Tam muito. Sec. xiii. C. V. f8i. ) Hoje ninguém
ousará escrever taes solecismos, que todavia repre-
sentam exemplos do fallar romano ( multo Optimus,
pulcherrimum^ utilissima,.... Cie. Quint., etc. )
3i. — Os augmentati'vos podem indicar o gráo
superlativo : — pan^oeirão, pobretão, etc, muitas ve-
zes com sentido degradado : — sabichão, grammati-
cão.
Os diminutivos também indicam superlativi-
dade, mas com certo sentimento de dor ou lastima.
Quando dizemos — elle está pobresinho, não temos
só em mente apresentar o individuo como miserabi-
lissimo e mui fallido ao dinheiro, mas manifestar
também o sentimento de dor ou lastima, o interesse,
que nos causa a seu estado de penúria. ^
32. — Superlativo relativo. — No latim só
havia uma forma para os superlativos absolutos e re-
197
lativos. Assim — femina pulcherrima tanto significa
mulher m\i\Xo formosa^ como a mulher mais formosa.
É que o latim só attendia á idéa de superlativi-
dade, no emtanto o portuguez e as demais linguas
romanas, mais suppoem a de comparação (o mais
de... hesp. lo tnas^ franc. leplus, it. ilpiú,..Jj e com
justo fundamento. Na phrase a mulher mais bella^
não está contida somente a idéa de ser ella muito
bella, mas também, — e acrescentado, — a de ser
mais bella que todas as outras. A mulher a que nos
referimos, em relação ás outras^ é muito bella. Domina
pois a idéa de comparação.
No dominio do portuguez houve lucta entre as
duas formas, que mais se estremaram no Sec. xv.
Data desta época o emprego do artigo antes do
superlativo relativo ; mas o emprego distincto e
judicioso das duas formas só se assegurou no sé-
culo XVI.
Hoje não mais se pode supprimir o artigo, a meuos que o substantivo
venha precedido de um possessivo — Onteuamigo maia intúno de todoii,...
tuas mais bellas aspirações.
33. — São ainda equivalentes do superlativo
analytico :
SOBRE TODOS ! — E O Infante Dom Pedro meu
sobre Xoáos preiado Yrmaão (Sec. xv L. Cons. 27 ).
Mil: — Mú lindo, mil gamenho ( Fil. Elys. Obe-
ron ). Só encontramos este emprego em F. M. do
igS
Nascimento f Af// = gr3nde numero, muitissimos, —
mil ra{õesj .
Assas : — assas de forte está minha alma (Alm.
Tr. de Biblia)...^ Assas de pouco f ai quem perde a
pida (Cam.) — Cp. de suso.
Que ( Sec. xin ) : — que leda que oj ' eu sejo
(C. V. 3o7).
Muito mais. — É também um reforço do sentido
comp, — muito mais bello, muito maior.
Bem. — Também é um reforço mui usado em
todas as línguas romanas : — bem bom^ bem doente^
bem mal^ bem caro,... (:= lat. bene multi^ b. lat. filiam
bene idoiteam,. . ./ Bem mais.
Os comp. e superl. — diz Brugraflf — sSo os expoentes próprios da
qualidade intensiva dos objectos considerados relatitameuU.
Essas flexões estendiam-se nas primeiras phases da linguagem a
todo o dominio nominal, do que conservam vestígios muitos idiomas, prin-
cipalmente em formações analógicas de fundo popular.
No sansk. védico o comp. tirou origem no subst. No port. temos
consismo, lat. oculismne homo (Plauto), e analyticamente — mui trobador
( C. Vat. 97 ), erajd mvito noitfe, b. lat. pro me nimium peccaiorl ( Diez III,
13).
A distincçao entre comp. e sup. é de origem secundaria. Primitiva-
mente os seus sufRxos apenas indicavam uma relaçfio de maior afustamento,
como se vê das f . sansks . — apa-ra apa-mk apa. (Bréal, Intr. Bopp, 3
XIX.)
í Diez. Oram. der Bom. Spraclien.
DEC1M4 QUINTA LIÇÃO
Flexão dos nomes. Flexão do pronome ; declinação dos prono-
mes pessoaes.
1. — V. Lição i3 e 14.
2. — Só estão sujeitos á flexão de género e nu-
mero os pronomes-adjectivos — demonstratipos e pos-
sessivos ; os indefinitos — aigiim, certo, nenhum^ nullo^
outro j todo, um ; o relativo ( conjunctivo ) : — cujo.
Qual e qualquer ( adj.-pron. ind. ) só tem flexão
de numero ; dos pronomes pessoaes só tem flexão
de género e numero o da 3.'' ( elle ).
E' quanto nos cabe dizer aqui sobre a flexão
desses pronomes. V. Lição 26. Etimologia.
3. — Declinação dos pronomes pessoaes. — As
tabeilas seguintes apresentam a declinação dos
nossos pronomes pessoaes comparada com a dos
latinos.
2O0
SINGULAR
N. (Sujeito)
Acc. (R. dilecto)
Dat. (R. indirecto)
Em relação prepos.
Abl.
PRIMEIRA PESSOA
LATIM
ego
me
mihi
me
PORTUGUBZ
eu
me
me
mim
migo
SEGUNDA PESSOA
LATIM
tu
te
tibi
te
PORTUGUEZ
tu
te
te
ti
tigo
PLURAL
PRIMEIRA
PESSOA
SEGUNDA
PESSOA
LATIM
PORTUGUEZ
LATIM
PORTUGUEZ
N. (Sujeito)
nos
nós
IfOS
vós
Acc. (R. directo)
71 OS
nos
vos
vos
Dat. (R. indirecto)
nobis
nos
vobis
vcs
Em relação prepos.
—
nós
—
vós
Abl.
nobis
nosco
j>obis
vosco
201
Notas, i.-' São formas archaicas da i.* pessoa
do sing. — ez, leii (geu), aquella no Sec. xii, esta —
que era tónica — no Sec. xiii.
Ma se iii for para Monde g- o
( C. DE Egas Moniz. )
ei boyme por hifóra
(ID. )
por quanto ieu crer sey
( C. DA VaT. )
estraynã vida vivo geu senhor
(ID.)
Attribue-se a forma ieu — idêntica a ^^z/ — á
influencia provençalesca ( = fr. ant. giè^ f. tónica
áejojej.'
2.^ Ale. Abrange o domínio do dativo (desde o
Sec. xni), accus. e genitivo : deu-me, amas-me, secca-
ram-se-me as iUusôes ( para mim seccaram-se as
illusões ). Este accumular de funcções é devido ao
emprego de me p. mihi (mche, Quint., etc.) e tam-
bém a ser mi f, dativo de ego.
E' para sentir haver a forma objectiva me
obliterado a terminativa m/, que constituía mais uma
riqueza da nossa lingua.
^ Ern grande a confusilo na e^scripía entre i ej (já no latim), e por
isso representavam muitas vezes o i latino pelo^' portuguez ou g braado.
A diíferença entre ieu e geu, é simplesmente grapbica, como também
entre eu e eo. ( Sec . xrn. )
Quanto ás formas eu ei, Cp. meu e mei, mê, ainda boje vulgares no
Alemtejo, Algarves, c em algumas ilhas A(oria7utii.
26
302
3." — Mim ( arch. mi — mhi), O m representa
exemplo epithesico ou paragogieo. — Cp. assi assim,
si sim j ^ nem, .... (= lat. si-c, ne-c^...).
Como vimos acima, mi derivou de mi, dativo de
ego e de mihi, regularmente contrahido em mii, mi.
Appareee nos primeiros monumentos da lingua (Sec.
XIII e xiv), mas sempre a par de mim (min^ 7nê) ; só
cahiu na lucta no declinar do Sec. xvi )}
4.^ Houve no portuguez uma variante popular
che ( Couto — M. Z., Euf.^ ap. Moraes ).
Esse archaismo pronominal (che, xej, não nos
parece forma equivalente a te, como suppóe Moraes.
Os exemplos xi quer, xe quer ( S. de Mir. ) provam
que elle corresponde a 52 ou se (it. 5^a;gallego
ge, xe, que soa tchej. Em desto xe vos seguer
grandes perdas ( O. Aíf. ) = pron. se ; a phrase não
significa disto te sobrevirão grandes perdas ( como
querem alguns), mas — disto se vos hade provir gran-
des perdas ou ha-se-de provir-vos . . .; a vacca morreu-xe
{S. M.); Jtã sey que chQ heprêfermoso. (S. Mir. Eg.)
Em hespanhol é frequente este uso :^- Le en-
* Sim p. si, pron. da terceira pessoa, ainda no A.lemtejo (Vasconcel •
los — Bev. dos Estudos livfes.
E' uma necessidade euphonica do povo, que pronuncia também —
muin p. mui, muinto p. muito. E no port. antigo muitas sao as palavras
com formas duplas nasalisadas e nSo — (assi assim, home iMmem, hoo
bo boom bom, eo com, soo toam).
' Camões ainda empregoH-a.
20S
rega V. la carta ? — Si^ se la entregue ; e em portu-
guez ainda temos exemplos : — cá seme está parecendo,
etc.
O me nestes casos é dativo :— não datur mihi
( cura ) ; seja-se elle vossa amante. ( Euphros. )
A permuta do s pela chiante jc, cã, é um dos
casos de corrupção phonetica, que o Sr. Thephilo
Braga attribue a idoisincracia galleziana.
5/ Migo = 1. mecum ( = ciim me) ; tigo = 1. te-
ciim ( cum te ).^ Os escriptores antigos escreviam
simplesmente — migo, tigo^ ^igo^ ou porque obede-
cessem inconscientes á tradição latina, ou conservas-
sem ainda a noção lógica da composição :
non trago migo qitesto coraçon
( C. Vat.)
tigo começar fui
.( ii>- )
Perdida, porém, de todo essa noção^, origina-
ram-se as formas redundantes, pleonasticas — com-
migo^ comtigo, comsigo, que vecejaram simultanea-
mente com as mais simples — migo^ í/^o, sigo, nos
Secs. xin e xiv.
No Sec. xni appareceram as variantes comego,
comtegOj comsego, ainda muito populares no Sec.
XVI. (G. Vic, etc.)
* Meco, meeu, p. mecum. A queda da nasal fioal, apesar da influeaj
cia dos estudos gregos, prevaleceu no latim popular desde as guerras da
Macedónia e Syria, ainda na época de Cícero e Tito, e mais se tornou
frequente depois do terceiro século da nossa época.
204
4.— O Latim, só possuía dous pronomes pes-
soaes propriamente ditos (ego,nós^ tu, vós); para a 3/
p. empregava o pron. definito ou demonstrativo ille,-
a,-udj hic haec hoc, iste^-ãy-ud. — V. Lição Artigo.
SINGULAR
MASCULINO
FEMININO
LATIM
PORTUGUEZ
LATIM
PORTUG.
IN. (Sujeito)
ille
elle
illa
ella
Acc. (Reg. directo)
illum
0 (ello, lo)
illam
a (la)
Dat. (Reg. indirecto)
illui {ili, li)
lhe (er, lures)
illei {illi, li)
lhe
Relação prepositiva
—
elle
-
ella
Abl.
mo
comsigo
illa
comsigo
PLURAL
Sujeito
Regimen directo
Regimen indirecto
Relação prepositiva
Abl.
MASCULINO
LATIM
illi
illos
illorum
illis
PORTUGUEZ
elles (ellos)
OS (los)
lhes (lures)
elles
comsigo
FEMININO
LATIM
PORTUGUEZ
tilas
ellas
illas
as (las)
illorum
lhes
—
ellas
illis
comsigo
205
Advertências. — i^ Elle^ ella^ são formas dos
primeiros does. ( Sec. xii), que tinham por concur-
rentes as archaicas — el, ello ( n. z=: illnd) e ille.
Renhiram ellas por tempo mais ou raenos dila-
tado, ^/desappareceu no fim do período archaico ;
elhos, elhas, só persistiram no Sec. xii, e nas primei-
ras décadas do immediato ; a forma pura tile cahiu
no fim do xiv ; ello perdeu-se no xv, em que tam-
bém concorreu uma forma tónica de el (salveseli),
A forma ello^ eile, do regimen directo, desappa-
receu ante a do pronome o ( lo ).'
2.' Lhe. Deriva de illi (ÚY\ huic=este, contr. em
ili'huic, d'onde illiiic^ que se encontra na forma illui
nasinscrip. romanas).
Apresenta três formas intermediarias — /z, illi e
llú (He, liy,) plural les^ Ihis.
Li (le) é frequente nos primeiros does. da lingua
(J. P. Rib. Dissert.); illi (ille) apparecem esporadica-
mente nos Secs. xii e xiii ; le, les ; lie, lies, lly, Ihi, são
variantes graphicas do Sec. xiv, já corresponden-
tes a //ie, lhes. Ex. — que' li pla^a faceies ajuda (Rib.
Diss.J, llefe:( Deus (Canc. Aff.), lly for demandando
(F. de Gravão), antes lhe quero a mha senhor diíer,
coytas Ihi davan amor, (G. Vat.)
* 2Í0 africano portuguez de S, Thomó elle =-= é, ; no indo portuguez de
Diu — êU (Schuchardt — Ereolisclie Sínãkri); no portuguez africano do
Brazil — zére, c o z prothesico também é vulgar no francez da Reunião e da
Mauricia (Eumania), e em alguns pontos de Portugal — zuma tez, etc.
(Vaso. Op. cit.)
— V. Lam. de Andrade. — Ye^i, da decl, latina.
206
Lhe conservou- se invariável até o Sec. xvi,
A's ondas torna as ondas que tomou ;
mas o sabor-do sul lhe tira e tolhe.
(Camões.)
Qual pávida leoa, ferae brava,
que os filhos, que no ninho só estão,
sentia que, emquanto lhe buscara,
o pastor da Massylia lh'os furtara.
(ID.)
A cidade correram e notaram
muito menos d'aquillo que queriam,
que os Mouros cautelosos se guardaram
de lhe mostrarem tudo que pediam. *
ÇL-D.)
5. — A's vezes o pronome elle é substituído por
ai {=z aliud) : — cá nunca jne d^ a\ pude nembrar . (Sec.
XIXI, C. de Vat.)
Note-se, porém, que ai correspondia a outrem^
e era já arch. no tempo de J. de Barros.
6. — O pronome o (/o = 1. illo = illud) é que de
feito substituiu o pronome elle no caso objectivo,
desde o Sec. xvi.
7. — Terceira pessoa reflexa. — Se = lat. se.
Atonisou-se por influencia da enclise (id. — me, te).
Formas archaicas — se, sse, xi, xe (Secs. xii e xni).
Além da sua funcção reflexiva e reciproca, tem
mais a passivadora. As linguas romanas deram-lhe
foros de pronome pessoal.
1 ^hrc l, 11 =- Ih - V. LirAo.
207
Tem três casos, defectivos em'genero e numero :
ohjoctivo— ,<í' i
dativo — .St; )
Kiii iria<;<n> adv. OU prcp. — « -= 1. sibi.
Si data do Sec. xiv ( = sy, ssi, ssy ). No fallar
do Alemtejo dá-se a nasalisação (sim).
8. — Sigo = 1. secum ( cum se ). Deu-se com
esta variação pronominal o mesmo que com migo,
tigo; mais se empregava nas formas pleonasticas —
comsigo, comsego.
9. — Segundas pessoas do plural. — O latim
já tinha uma só forma nos, vos para o nom. e accus.,
recrescendo a confusão depois que, pela subordi-
nação ás leis phoneticas, os dativos wo^Í5, vobis,
transformaram-se em nos, vos.
Em portuguez estes casos só se diíferenciam
pelo o agudo do nom. e do caso que exprime re-
lação adverbial ou prepositiva (nós).
Nosco z= 1. barb. noscum (cum nobis), con-
tracção regular de nobiscum ; assim como vosco é
contracção de pobiscwn ( nob-i-scum, uob-i-scum).
Nosco, uoscOj datam do Sec. xiii.
Que noii mor'en uosco per boa fé
fui vosco falar.
No Sec. XV as formas commummente usadas
são as pleonasticas — comnosco, comvosco.
Em Viterbo encontra-se uma forma em vosquo,
das cortes de Coimbra ( Sec. xiv ) que também vem
citada nos Monum, hstoricos.
208
IO. — Os escriptores antigos confundiam os
vários casos dos pronomes pessoaes. Ex. requerer
ojui:{ da terra que se^ue mim ( Ord. Aff. ) ; se eu fora
a ti ( esta phrase ainda é muito vulgar no povo ),
mais que mim, melhor que si, tenho mais poder que si ;
por amor dos Mouros que lhe peitaram ( Fern.
Lopes ) ^
n. — Havia também uma forma correspon-
dente ao lat. illoriim. Era lures ( do lat. barb. ),
de uso mui frequente nos Sec. xii e xiv. mas que
cedo atrophiou-se em er (her).— Equivalia a
lhe (seu), o (elle). Os exemplos melhor nos con-
vencerão.
nem er costrange, nem veda
(O. Aff.)
e outros er ordinharam.
( D. DE Pend. i347 )
mays quand^Qv quis tomar pola ver.
(C. D. Diniz. )
depois de comer er veo espellar outiva ve^.
(ID.)
O latim empregava para o possessivo da 3."
pessoa do plural o sing. suus, que foi supplan-
tado pelo gentivo illorum (eorum). Esta con-
strucção. restricta na origem, tornou-se regra (por
analogia ) sempre que o nome do possuidor estava
no plural, qualquer que fosse o género.
* Nao é para admirar essee enganos nos does. e clássicos antigos,
quando ainda hoje ouvimos frequentemente desteraperos de igual marca
— eu vidle, chameio tolo,faUo comsigo p. comvosco, etc.
209
E dahi derivaram as formas leur em fran-
cez ( ant. íor íour), loro cm iíal., /or prov., lures
iiesp. arch.
O portuguez só conservou a constracção la-
tina, e com isso não só perdeu um elemento de
riqueza vernácula, mas também obriga os menos
adestrados — para evitar equívocos — a phrases
de estylo fraldoso e arrastado ( a sua casa delle^
ele. )
Os possessivos sendo por sua definição adje-
ctivos dos pronomes pessoaes, e substituiado-os
no genitivo ( meu filho — o filho de mim), resulta
poderem, inversamente, os pronomes pessoaes no
gen. substituir em certos casos os possessivos
(por amor áe\\Q z= por seu amor J.
Em — segure-lhe a mão, pendi- lhe as terras^ lhe
lhes = sua^ suas.
Esiudemos os exemplos do emprego do er em
todos os does. antigos ; tenhamos em conta o
barbarismo ainda hoje tão frequente do emprego
de lhe por o ( eile ) — pi-lhe hoje, amstei-lhe, chamei-o
tolo, etc; lembremo-nos de que lhe é forma
synthetica de a eile, a ella ( ainda hoje de uso
constante — eu disse a eile, recommende -lhe a eile),
e de que era frequente a omissão da preposição
no port. antigo, e teremos em remate a eviden-
cia de que er não corresponde a eu, vós, eile,
etc, como diz Viterbo, mas a lhe.
Notemos mais as phrases pleonasticas — lhe
disse a eile, vi-o a elle^ etc.
27
DECIMA SEXTA LICAO
riexao do verbo ; conjugação ; formas de conjugação
I. — Vide lição IO e a 27.
ADDITAMENTO Á LIÇÃO IO
1.0 — O verbo compõe-se de dous elementos — thema e desinência.
Esta — que corresponde ao sufflxo nas formas nominaes — exprime as
três pessoas, os dous números ( sem distincção de género ), os tempos e os
modos.
2." — Os radicaes sS,o ato^ios ou tónicos. Em mover, p. ex-, move tem o
radical tónico ; e 7novia tem-no atono ( = 1. mávet, movébaij. Em regra, se-
guimos a accentuação dos verbos latinos, que se deslocava segundo a natt-
reza da flexão. Kegularmente tem radical tónico as três pess. sing. do
Ind. presente, e as do Imperativo sing.
As deslocações da tónica mais de notar são :
aj — Nos verbos em erc — curvere, gemere, tremere, = correr, ge-
mer, tremer, etc. Esta deslocação do accento remonta, porém, ao latim popu-
lar, que a par dessas formas proparoxytonas, creara as oiytonas em ire(ge-
mire, iremire, currtrej e pela accentuaçfto do prefixo na época romana —
^rot'i(í<!r« =-= ^TíwzV/^re (prover). Dabi as formas portuguezas construir
( constrúere ), destruir (dcstruiere), /(^«er ( f acere), invadir, romper, mnverter,
reger, jwer, etc,,'
211
Xos does. primitivos da lingua muitos desses verbos seguiam a flexão
eni í e vicc-versa; arrompir, corrire, eacreviren, comiste, cingeste, ení€ndiste,fe-
zisfi, meíir, perdir, nacire, recibir, etc.
hj — Nas l.a e 2.* pess. do plural do prés. do Ind. da conj. cm ere : —
rumpimus, rúmpitis, = rompemos rompeis. Aqui actuou no port. o principio
da analogia.
cj — Na l.=^pess. do plural do pret. do Ind. — fécimxis, rúpimHS'~ fi-
zemos, rompemos.
3.0 — Os tempos e os modos sito resultantes das modificações do thema
em suas combinações com os suíHxos e as desinências.
aj — Modo é a forma do verbo tendente a marcar as differentes ma-
neiras da aflirmação. Temos quatro modos — o indimtivo, o subjunctivo, o
condicional, o imperativo.
O Indicatico exprime uma realidade ; o subjunctivo a contingência ; o
condicional 0. possibilidade ou condição; o imperativo, necessidade ou mando.
O Infinúo é subs. ; oparticipio — adj. verbal ; os supinos representam
formas adverbiaes.
bj — O t£mpo é a forma verbal para indicar a época em que se faz,
passou-se ou far-se-ba a acção. São em numero de três — passado, presente
e /m?m7'í>, correspondentes ás três grandes divisões da duraçfto.
cJ — As pessoas sfto também indicadas pelas terminações. São três para
o sing. e três para o plural.
dj —O part. presente tem sentido activo; termina sempre em nte (ante,
ente, intej; só tem flexão de plural. ( V. Liç. 37. ) Corr. lat. ans fensj antis
fentisj .
O gerúndio e o part. presente empregado adverbialmente. Termina
etandofando, endo, indoj. E' invariável, e corresponde ao ger, lat. em
ando (endo).
4.0 — São duas as vozes nos verbos que exprimem acçfto. A activa re-
presenta o sujeito; apasbita, o objecto do verbo (amo. sou amado J. Perde-
mos a flexão da voz passiva,— a periphrase de que usamos é todavia de
212
origem latina (V. L. 27). Na forma periphrastica é o auxiliar «2r que lú-
dica a pessoa, o numero e o modo,
Í5.0 — A conjugação simples contém onze formas, daa quaes três sfto
impessoaes (infinito, participios presente e passado):
f 1 . ° indicativo — amo ( o imp. cantava )
imperativo — ama
\ 3. subjnnctivo — que eu fl!77?<3
l 4.' participio — amando
[" 1.0 In d. perf. — amei
-{ 2.0 Subj imp. — que eu amasse
[ 3." part. passado — amado
r 1." luf. — 'amar
-{ 2.° Ind. — amarei
[ 3.0 Condicional — amaria
2. — A flexão verbal é como segue:
f 3 para o sing.
3 para o plural
2 para o Imperativo
Formas do presente "i,
F. do paleado
F. áo futuro
Pessoas
Números 2
Vozes 3
Tempos 6
singular
plural
activa
passiva
presente
perfeito
futuro
imperfeito
mais que perfeito
futuro perfeito
\ futuro anterior
Os trcs primeiros sao chamados pi incipaes, os outros — históricos.
r Indicativo
.,, , i Subiunctivo
Modos ^ _ V • 1
Condicional
1^ Imperativo
Os tempos do Infinito sfto formas n»minaes.
3l3
2.— Todos os verbos podem reduzir-se a uma
única flexão. As modificações devidas á lettra final
do thema, é que deram origem ás quatro conju-
gações.
E como o infinito era que mais distinctamente
apresentava a vogal característica, foi elle tomado
para typo da flexão verbal.
Para cada grupo — a que chamamos conju-
gação— temos uma vogal thematica característica :
l.a — a?' = 1. «-re
2.* — er= ]. e-re, ere
3.* — w"= ]. ?-re, ere
A.^—or (ant. erj =1. ere
A quarta conjugação data do Sec. xvi. For-
mou-se pela degeneração phonetica do verbo da sq-
%unásí poer , poner ^ e esterilisou-se completamente.
3. — Quadro synoptico das desinências ver-
BAEs. — Os themas verbaes são pois em a^ e, i, (dei-
xamos de parte o Yerbo pôr) — ama-r^ teme-v^ parti-v.
214
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2l6
FORMAS NOMINAES
Infinito imp. — ar, er, ir, or.
Gerúndio. — ndo (para as quatro conjugações.)
Part. prés. — nte (idem.)
Part. pass.— do ( id. ) — Os da segunda conj.
mudam o e thematico em / (vendido).
Temos ainda no portuguez o Infinito pessoal,
que constitue uma das nossas riquezas vernáculas.
E' idêntico ao futuro do Subjunctivo.
Comparando as desinências, ver-se-ha facil-
mente que, de facto, como dissemos acima, todos os
verbos podem reduzir-se a uma única flexão, e que
as conjugações só tiveram origem na diíTerença da
lettra final dos themas (a^ e^ i.J
4. — Advertências :
I.'' INDICATIVO. — presente: No Sec. xiii as
formas da i.-'' p. do plural eram — amamus, outor-
gamiis, veiidemiis^ etc. mais conchegadas ás latinas.
Nas 2." p. do plural o / (de origem latina)
abrandara em d: — di\edes, amades. leyxades. uirJides,
perdedeSj etc.
Essas eram as unitas formas usadas do Sec.
XII ao XVI (valedes, fareacs^ c f acedes, queredes,
sodes^ passades, sejades), etc.
No Sec. XV é que começou a syncope do i'
* o primeiro doe. em qnc nppr.rece a fórran contractn, mas ainda
n pnr (ia outra, tem a data m\í\^ — guards, guardes-gvardades. (Cap.
gerae» propostos péla Camará de SaruaremJ.
217
fa\Qes^ di\ees^ embarqiiees, sooes, avees. daees^ etc.
( J. de Barros, etc), que só conseguem fixar-se
no XVI. Vestígios dessas primeiras phases da língua
ainJa conservamos em certos verbos — creAes^ iedi^s,
tendes, pedes^ vindes, te.
O í/ primitivo conservou-se apoiado no n e no r
( futuro do Gonjunctivo e Inf. pessoal — cantardes J.^
A 3.'' pessoa do plural terminava em am e
em (flexão ê ou /y. No Sec. xv é .que começa a
forma em aõ, om on, am an.
No Imperf. — a 2.^ p. do plural, do port.
antigo era também evades ( tinhades, haviades^ ctc.j.
Esta desinência conservou-se — como acertadamente
pondera A. Coelho — apesar de íicar em con-
tacto coni a vogal do thema pela queda do d^
sempre que esta vogal era úf tónico ( ama-QS^ mata-es
— amadQs maUdesJ, etc. : funJe-se com ella quando
é a atono ( -amáveis, diiieis^ sentíeis ) ; muda-se
para i se a vogal for um ó fdi{e is^ have-is ) ; é
absorvido por ella se fôr um i (sentí-s, menti-s,
vesíi-s ).
Mas nos textos do tempo de João de Barros
encontram -se ainda as formas querijiis^ faiiais ( z=z
queriades, fa^tadesj.
1 Diez-acrescenta que o a precedente ao d mudou-ae — em e, na
queda da dental, quando não era protegido pelo accento :— oa/i<rt«« —
eaniarieín.
28
2l8
' Pretérito perfeito. — A 2/ pess. terminava em
// á maneira latina — escolisti, fe{isti, eniendistij
deitastiy etc. ( Sec. xii ). O / até o Sec. xv abran-
dou em d. É este o único tempo que conservou
a dental latina da 2/ p, do plural (amaste, per-
deste).
A 3/ p. do plural terminava em um: — fórum,
operum^ fecerum, derum, etc. (Sec. xu ) ; depois,
em om, on. (Sec. xiii ), e mais tarde em o: —
foro, trounerõ^ até que no Sec. xvi íixou-se na
forma actual.
Futuro. — O nosso futuro não é propriamente
um tempo simples^ mas os seus elementos com-
ponentes acham- se por tal geito soldados, que é
impossivel classifical-o nos tempos compostos, com-
quanto, e bem assim no hespanhol, italiano, e
provençal, a desinência apparente do futuro possa
ser considerada palavra independente : — port. —
far-lo-he\^ hesp. hacer-lo-he, prov. dir-vosai, etc.^
Essas expressões, que se encontram desde
as primeiras phases da lingua fpoder-m^edes^ leuar-vos-
ey, poel-os-hemos, lepantar-s^am, etc.) mostram á evi-
dencia a origem do futuro dos idiomas néolatinos
» A descoberta deste futuro fel-a o gramm. hesp. Xebrissa (1492),
o Ste. Palaye, M. Muller, Raj^nouard, Diez. etc. confirmaram a expli-
cação. Nunes de Leílo foi o primeiro graram. port. que fez esta
observação; e A. Ribeiro dos Santos ^.P<«», port. ^ notou que o galleziauo
" emprega a expletiva ai e o algario ei\
219
que adotaram a forma peniphrastica latina f amare
habeo = ainabo ) .
Port.
hei
eanto7'-ei
besp.
hè
caniar-d
ital.
no
canter-ó
francez
ai
chanter-vÁ
prov.
ai (ei
chantar-'ài *
Os verbos diíer, fa^er, traier, etc, perdem o {
no futuro, do que resulta a contracção regular das
duas vogaes :- - dir-ei, far-ei tra-rei^ correspondentes
ás archaicas — di{erei,faierei, íra^erei, etc. ^
Só o verbo ja^er conserva hoje a forma não
syncopada — jazerei.
Condicional. — O latim desconhecia este modo.
A sua formação é indentica á do futuro, com a dif-
ferença de que formou-se do imperfeito^ e não do
presente, do verbo hai^er (amar-ia = amar-hia= amar
havia}. Corresponde ao imperf. do subj. latino.
A desinência, i. e., o auxiliar em estado agglu-
tinante, também pôde separar-sc, como acontece
no futuro, deixando perceber claramente a sua
' Em Iodas as línguas o futuro forma-se pela composiçílo.
Em inglez com shall e will, ali. com werden, goth. com ícair-
than; grego mod. (romaico) com theto; no românico com vegnir (tenga
a venir-vireij , no valachio com vom (is voin candii-qneTO cantar, can-
tarei^ V, Bopp. Of. cit. — Suney of languages.
• Da syncope da vogal final do Infinito originaram-se varias formas
de fut. querrey p. quererei, querra, quarrey, etc. (D. Diniz), guarrei p. gva-
rirei (Tr. e Cant.) etc. Em algumas deu-se a duplicação do r do Infinito —
Tulrrá p. vaUrd ; terrey, verrd, etc (Cf. Ad. Coelho.)
220
origem : — deper-me-hias^ amar-vos-hia.,. guysar-lh'ía
quitar m'end-Ú7, etc. (Sec.xiii.)
E' pois propriamente um tempo composto. ^
ÍMPi'RATi/o. — A i^ ''itíiicia da segunda pesr.oa
do plural e.ri todos os do-s. anteriores ao Sec. xiv
tra invariavelmente em — - de {=:\. te) : — fa^ede, sof-
frede, qut:rede^ pimhade, diiede, metede^ ai^ede, sa-
bede, amade^ sej.ides^ etc, formas que ainda vigo-
raram nos Secs. xv e xvi, mas tendo já por concur-
rentes as syncopadas : — femperaae, ordenaae, sabee,
pensaac, etc, idiníicas ás modernas, pois que o a c e
geminados indicam apenas a syllaba tónica.
Também o Imperativo conserva, como o Indi-
cativo, algumas formas relembradoras das archaicas
em de : crede, íède^ vede, ride, ide, tende, vinde, ponde,
sede.
O d persistiu geralmente : i.° quando o thema
compunha-se de uma única vogal (i-de. i-te) ; 2."
quando, por motivo da qiicda da consoante média, o
thema ficou reduzido em latim á parte inicial da raiz
ride ^ ri (d) ete, vê-de = vi (d) ete; : 3 ° quando o /
latino vinha protegido por uma nasal {tende, ponde.)
SuBjuNCTivo. — F. arch. — prés. — seiayes, ameys,
ouçayes, Itáyes (Sec. xvi) ; vçn^.—fosseyes, amasseyes,
* o couJi pôde ser substituído pelo mp. do Ind., e os nossos clás-
sicos empregaram de profereacia o inais que perfeito : — sem outra, vurcc
nem despacho, me dera por muit) conic ite. (Vieira) ; no moa próprio vierc-
cifíieuio achara razões de me comolar. (Id.)
221
oiivisseyes. As f. do futuro já se encontram no
L. Cons., em J. Claro, F, Lopes, etc.
Infinito. — E' o portuguez a única língua que
tem a propriedade de dar inflexões de pes-^oa e nu-
mero aos infinitos. E' um formoso e singular idio-
tismo, « que tem a vantagem de tornar o nosso
idioma mais breve e elegante ». (V. Syniaxe )
Participio presente. — O actual part. presente
port. forma-se do ablativo do gerúndio latino: (andOj
endo) ; mas até o Sec. xiv tirava origem no tempo
correspondente em latim, e o portuguez antigo oífe-
rece-nos muitas amostras desses participios em — nte
ainda no Sec. xvi : — entrante aa casa; os quaes
tementes Nostro Senõr ; a Sineta Escriptura de Deus
di^ente ; eu temente minha morte, rompente o alifor
da manhã (Nob, D. Pedro); as perlas imitantes
a còr da Aurora { Canc. ).
Hoje estas formas são consideradas simples ad-
jectivos ou substantivos, como já a alguns delles
acontecia no latim e no port. antigo: amante , peniten-
te, consoante, escrevente, obediente, p, edominante, ca-
minhante, semente, tirante, nascente, — occidente,
poente, oriente, lente, etc. A águia mais voantc, escre-
veu Pereira.
Modernamente, Cc^millo e outros teem revivido,
c ainda bem, o emprego desses participios.
Participio passado. — Até o século xv, o por-
tuguez seguia também o latim na desinência do part.
232
passado dos verbos da 2/ conj. (derivados em ã e
/, e flexão cons. )
Ex. : estabeleçudo, perdudo, metiido, perduda, te-
hudo^ conhoçudo, recebudo, venduda^ temiido, avuda^
tenda, responduda, etc. Só no Sec. xvi é que se intro-
duziu a forma em ido por analogia da 3.* conjuga-
ção : — vencido^ collidas, estabelecido, etc,. ou, talvez,
por haver prevalecido a vogal accentuada da forma
completa — uiins, dando em resultado a perda do u.
Na linguagem hodierna ainda temos exemplos
da forma archaica em teúdo, mantendo, conteúdo, sa-
nhudo, etc, mas considerados simples adjectivos,
excepto na phrase mulher teuda e manteuda.
Esses participios, ainda mesmo com significa-
ção activa, concordaram, até o Sec. xvi, com os
substantivos em género e numero : quantas culpas ti-
nham commetúáas, (F. y[. Pinto), ser uiços que lhe
tinham feitos ( F. Lopes ), também tmham mortos
muitos e bons soldados ( Pr. L. de Souza) ^
No portuguez antigo era de uso frequente o
participio do futuro ( enpolvedouro, enxugadouro,
esperadouro, miradouro, travadouro, escorre gadouro,
etc. ), de que subsistem apenas algumas formas,
mas como adjectivos ou substantivos : — duradouro,
bebedouro, espojadouro, ancoradouro, lavadouro, 7na-
tadouro, suadouro, etc. Estes substantivos ainda in-
dicam uma acção futura.
Hoje S(5 variam com o verbo «cr. {
223
O part. do futuro era também expresso no por-
tuguez antigo por uma forma em — ondo ( recebondo
= capaz de receber, etc. ), da qual conservamos
vestigios em — nefando^ execrando^ miserando^ vene-
rando, educando^,.., Francisco Manoel do Nasci-
mento ainda empregava essas formas, e mui fre-
quentemente ; hoje, porém, tem cabido em desuso, e
são substituídas pelas em — avel^ ( execravel^ mi-
serável, invejável^ admirável^ )
5. — Muitos verbos portuguezes teem dous parti-
cipios, um regular e outro irregular. Este em geral,
é forma contracta, ou mais conchegada á latina
correspondente.
PRIMEIRA CONJUGAÇÃO
Aceitado,
aceito.
Affeiçoado,
aífecto.
Agradado,
grato.
Annexado,
annexo.
Apromptado,
prompto
Captivado,
capto.
Cegado,
cego.
Descalçado,
descalço,
Entregado,
entregue,
Enxugado,
enxuto.
Exceptuado,
excepto.
Escusado,
escuso.
Expressado,
expresso
224
Expulsado,
expulso.
Findado
findo.
Fixado
fixo.
Fartado,
farto.
Ganhado
ganho
Gastado,
gasto.
Ignorado,
ignoto.
Infestado,
infesto.
Isentado,
isento.
Juntado,
junto.
Limpado,
limpo.
Livrado,
livre.
Manifestado,
manifesto
Matado,
morto.
Misturado,
mixto.
Molestado,
molesto
Occultado,
occulto.
Pagado,
pago.
Professado,
professo.
Quietado,
quieto.
Salvado
salvo
Secado,
secco.
Segurado,
seguro.
Sepultado,
sepulto.
Soltado,
solto.
Sujeitado,
sujeito.
Suspeitado,
suspeito.
Vagado,
vago.
22 5
Ha alguns archaicos : — rapto ( Camões, Fr. L,
de S., Sá iMenezes, etc. ), e hoje só subst. ou adj. ;
bolo ^ embotado ( Ferr. Põem. Lus. Son. 41), etc,
z^o/Zo = voltado, etc...
SEGUNDA CONJUGAÇÃO
Absolvido,
Absorvido,
Accendido,
Agradecido,
Attendido,
Comido,
Conhecido,
Contido,
Convencido,
Convertido,
Corrompido,
Cozido
Defendido,
Descrevido,
Elegido,
Enchido,
Envolvido,
Escurecido,
Estendido,
Incorrido,
Interrompido,,
Mantido,
absoluto, absolto.
absorto.
acceso-
grato.
attento.
comesto (ant.)
cognito.
conteú io ( ant. )
convicto.
converso.
corrupto.
couto
defeso.
descripto.
eleito.
cheio.
envolto.
escuro.
extenso.
incurso.
interrupto.
mantendo ( ant. }
39
226
Morrido,
Nascido.
Pervertido,
Prendido,
Recosido,
Reconhecido.
Resolvido,
Retido,
Revolvido,
Rompido,
Submettido
Suspendido,
Tido,
Torcido,
Volvido,
morto.
nato.
perverso.
preso.
reconto ( arch. )
recognito (ant.)
resoluto.
retento.
revolto.
roto.
submisso
suspenso.
teudo ( ant. )
torto.
volto ( ant. )
Além destes participios, ha arrepeso^ de arre-
pender ; colheita^ de colher ; comesto, de comer ; con.
cesso, de conceder ; coieito, de cozer ; despeso, de
despender, etc.
As segundas sSo formas syncopadas ou contrahidas das regu-
lares. Sao de origem edudita, [em geral, econservaram-sc como adjectivos
verbaes; e é esta a razSo por que as primeiras conjugam-se com os aux. ter
e haver, e estas principalmente com ser ou estar, f Dissoluto devoluto,
difuso afflicio, etc. )
TERCEIRA CONJUGAÇÃO
Abrido,
Abstrahido,
Affligido,
aberto.
abstracto.
afflicto.
227
Assumido,
Cobrido,
Compellido,
Concluído,
Circumduzido,
Ditfundido,
Digerido,
Dirigido,
Distinguido,
Dividido,
Encobrido,
Erigido,
Excluido,
Exhaurido,
Eximido,
Expellido,
Exprimido,
Extinguido,
Frigido,
Imprimido,
Incluido,
Infundido,
Inserido,
Instruido,
Opprimido,
Possuido,
Repellido
KepremidOj
assumpto.
coberto.
compulso.
concluso,
circumducto.
diffuso.
digesto.
directo.
distincto.
diviso.
encoberto.
erecto.
excluso.
exhausto.
exempto.
expulso.
expresso.
extincto.
frito.
impresso.
incluso.
infuso.
inserto.
instructo.
oppresso.
possesso.
repulso.
represso.
228
Submergido, submerso.
Supprimido, suppresso.
Surgido, surto.
Tingido, tinto.
6. — Muitas das formas irregulares dos partici-
pios são hoje desusadas :— » rapto (de arrebatar), boto
( de botar ), volto ( de voltar ), absoluto (de absol-
ver ), colheita ( de colher), comesta ( de comer ), con-
cesso ( de conceder), coseito (de cozer ), despe{0 (de
despender), escolheita { áe escolher), reprehenso (de
rcprehender ), tolheito ( de tolher ), acqiiisito ( de ad-
quirir ), assumpto ( de assumir), cincto { de cingir ),
digesto ( de digerir ), extorto ( de extorquir ), instructo
( de instruir ), escreuido ( de escrever ), nado ( de nas-
cer ), etc.
7. — Muitos desses participios irregulares são
hoje subst. ou adj. verbaes ; e o seu estudo é de in-
teresse porque nos mostra evidentemente a influen-
cia do accento latino na formação do nosso idioma
-' actOj colheita^ escripto, facto j annexo, feito, reduclo,
digesto, contracto, prognesso, etc
8. — A QUARTA CONJUGAÇÃO. — O tj^po desta
conjungação é o verbo j7or (arch. poner ant. pòer z=z
\at. vonerej. Pertencia á 2/ até o Sec, xvi, mas
a qaéda do n e a consequente acção do o sobre
o e obrigou a creação de um novo paradigma
em or.
^^9
The ma pon
Ponh-o
P-.L--S
r-ôe
P:>-aos
ro-cm
O n nasalou-se ao passar para o portugaez, mo-
Ihandose por fim na i/' pess. sing. (nhj. Deu-se o
mesmo que com /er, jnr, eíc. (tenho, venho = lat.
teneOy venio).
Já vimos na phonologia que antes do e c áo i palatal e 7i e o Z mo-
lham-se.
Os antigos escreviam põemos, põeis, põeetn. ^
No imperfeito apresenta o verbo pôr flexão já
particular aos verbos /ét, vir : — punha, punhas, pu-
nha, púnhamos, púnheis, punham ( Zp. linha, pinha,
etc.) A forma antiga era pónia, o / palatal foi repre-
sentado graphicamente- pelo h (ponha).'
No ímperf. e perf. do Indic. e no subj., prés. o
o do radical muda-se em u — punha^ pui, pudesse.
Esta transformação era frequente principalmente
quando o o era longo (f urar z= for are, cumprir = com-
plere, tudo = toium, etc. ), assim como o era a do e
em / (tinha, vinha J.
A i." pessoa do prct. perf. é a que apresenta
* E bem assim poeria poesto, etc.
• Niáe lylwnologia.
23o
mais desvivação (lat. possui,-sti,-tJj mas é preciso ad-
vertir que ella passou por varias transformações até
íixar-se : — pusy (pusij, piige, pugy (pugi)^pose^ pôs,
pús ( Sec. XIV. ).
Part. passado — posto = 1. pos ( i ) futn.
A quarta conjugação formou uns 24 verbos, mas hoje devemos consi-
deral-a esterilisada, morta.
9.-- Venhamos agora aos verbos irregulares.
PRIMEIRA CONJUGAÇÃO
Esta conjugação tem apenas dous verbos primi-
tivos irregulares : — estar e dar. Todos os mais (como
encommendar^ sobreestar^ etc.) são com elles com-
postos, e seguem o mesmo paradigma.
Dar. — ( = 1. dore). — índ. prés.— dou, dás, dá,
damos, dais, dão = lat. do, daSj dat, damus, datis,
dant. — Pret. perf. : — dei deste, deu, demos, destes,
deram = lat. dedi, dedisti, dedit, dedimus, etc. — Subj.
prés. : — dè, dês, demos, deis, dêem = lat. de-m, de-s,
de-tj de-mus, de-tis, de-nt.
Formou-se pois regularmente pelo molde latino,
sendo apenas de notar a queda do d médio fdaes =
da-t-is, demos = de-d-imus, deste = de-d-isti, etc.
Estar. — (1. esiarej. Formou-se do mesmo modo
que o verbo ser. Ind. prés. — estou, estás, está, etc.
= 1. sto, stas, stat, etc. ; Pret. perí.—estipe, estiveste,
estepe, etc. — esteti, etc. Subj, prés.--- esteja, estejas,
23l
esteja^ etc. formado por analogia com seja ; Snbj.
imp. — estivesse, estivesses, etc.
Da terceira pess. sing. do pret. imp. do Ind.
acha-se a forma sia (e o dito Jui^ que presente sia per-
guntou — XIV Sec. Rib. Diss.J ; no Subj. prés. fazia
estê^ estes, este, esternos, esteis, estêm, correspondentes
ao latim stem, stes, stet, etc. ; mais tarde — sia, siades,
etc... Aquellas formas ainda eram as empregadas por
S. de Miranda e Gamões. Em Miranda não se encon-
tram as modernas esteja^ estejam ; Camões foi o pri-
meiro a empregal-as. — Cfr. gall. estea s estia, — sea,
sia.
Os verbos acabados em ear intercalam um i
entre as duas vogaes thematicas nas três pessoas do
sing. e terceira do plural do prés. do Ind. e do Subj.,
e na segunda sing. do Imperativo : — discretear, dis-
creteio, discreteias, etc. Esta intercalação, porém,
não é forçosa ; e muitos indicam o alongamento do
e por um accento circumflexo fdsicretêo), assim como
alguns escrevem o Infinito com / (ceiar, discreteiar)
cessando assim a irregularidade.
Crear só é irregular no prés. do Ind. e do Subj.
— crio, crias, cria, criam, crie, cries, etc.^
A irregularidade das segundas pessoas do Ind.
prés. estende sempre ás do Imperativo.
* Faz também criar uo iufiuito A differença do sentido é mo
derna.
232
SEGUNDA CONJUGAÇÃO
Caber ( lat. capere^ tosiiar ) ^ Ind. prés.— c^z/Z^o,
cabes ^ Cábe, ele... A i.^ pess. formou-se regular -
mc.ue á^àccpio. Pret. pe. í. — coube, coubeste^ cj;;^",
etc. Coube p. caube = lat. capui^ e esta transformação
deu-se nos perf. latinos em ui : — soube ( sapiii ),
prouve ( plabuit ), houve ( habuit ), poude ( potui ),
trouxe ant. trouve {lax. vulg. tracsui traxi), e na f.
arch. jouve, jougue ( ~ ]. jacui).
Crer (ant. creer = lat. crédere^) Ind. prés.
— creio, créSy crê, etc. = 1. credo, — es, — <?/, etc,
pela queda da consoante média, que só se conservou
na 2." pess. plural do !nd. e do Imp., para evitar
equivoco com a do sing. (credes, crede J. — Ind,
perf. — cri, creste, creu, etc, de credidi^ etc, con-
trahido regularmente em cr^^di , donde ( pela xjuéda
do d médio) — crei, creiste, etc, port. ant.
( Sec XVI ), crii ( e bem assim ///, corrii, vii, etc)
O / epenthesico em creio serve para evitar a
diphthongação, (Cp. leio, etc)
Imp. — crè, crede.
Dizer ( = 1. dicerej. — Ind. prés: — digo, di{es,
di{ (ant. dige ). etc = 1, dico, dices, etc Pret. perf.
* Que esta ó ;\ verdadeira ètyinoloçia provam-no os antigos textos.
Ex. : Sse obrigou de estar, e a caber toda rem, que os ditos Juizes urvidos
julgasnem (Eliic. Vit., doe. 1389).
' Crédere = ered're. Pela perda da consoante média — crer fej. Vrer
já é do Sec. xvi.
233
— disse, disseste, disse, etc. ( ant. dii, dixe, dixeste,
f. pop. mui frequentes nos escriptores do Sec. xvi)
= I. dixi, dixisti, dixit, etc. — O futuro e o condi-
cional formaram-se com a forma atrophiada do Infi-
nito ( dir ) ; — direi, -ás, -d, etc, , diria, ■ as, etc. No
Sec. xvT ainda se encontram as formas comple-
tas — di^erei, diferia, Part. pass. — dito = I. dictus.
Di{ por dice disse ( Sec. xvi ) como pla{ p. pld^s,
etc. Dii que por diiem que. ( S. de M. )
Fazer (lat. f acere ) — Ind. prés. — faço,fa-{es^
fa\, etc. =1. facio, faces, facet... Fais p. fa{eSy
Sec. XVI : olha o que fais (S. de Mir.) A i." pess. sing.
conservou o c, em consequência do /da forma latina
( facio J. — Pret. perf. — fii, fiieste, fe^, filemos, —
= lat. fecit fecisti fecit,.... A i.*" pess. sing. mudou
o e thematicò em /para distinguil-a da 3.^ ; a 2.* do
sing. e as do plural adoptaram o / por analogia.
O futuro — (farei, -ás, etc. ) e o condicional (fa-
ria,-as, etc. ) eram tanbem ( como nos verbos di^er
e trazer J insyncopadas até o Sec. xvi ( f acerei,
f aderia ).
Haver ( haber, lat. habere) — Ind. prés. — hei^
has, ha, havemos (hemos), haveis (heis), hão ^ lat. ha^
beo, habeSj habet, habemus, habetis, habent. (Ha-h-eo=i
hai, hei : ha-be-nt = han, hã, hão ) — Pret. perf. —
houpe houveste, etc, r^l.habui, habuisti, habuitj... ;
arch. oube, ouve, ouvo ( Trov. e Cant. ), iivi, tiveste
( D. Diniz ) ; ovi, ove ( Rib. diss. ) — Subj. prés. —
80
2 34
fórma-se do tempo correspondente latino : — haja
(ha-b-eam ), hajas ( ha-b-eas ), etc; Sub. imp. — do
mais que perf. latino: — houuesse ( habuissem ), hou-
vesses ( habiiisse ), etc.
No port. ant, o infinito não tinha h inicial
( aper ), e d'ahi — avees^ aveeyes^ avede^ etc.
Part. pass. — havido { = \. habitum ) ; ant. ha-
pudo -— 1. barb. habutum.
Heis p. haveis no futuro, e hemos p. havemos, etc, é do Sec. xvi,
bem como também /íííí p. havia no modo condicional: — se os ódios antre vos
crescem comer vos fieis a bocados ; Si la deuda acaso es líuestra Pagar la hemos
ain dineros ; sen, ela ter se hia mal.
Jazer ( l.jacere). — Ind. prés. — ja^o {ant. jaço j,
ja^es^ ja^^ etc.
A primeira pess. é desusada. — Pret. perf. —
ja{i^ jazeste ( z=^ jacidt^ etc. ), é forma mod. ; a an-
tiga éjoiíue, joupeste, etc, por jougue (1, jaukit p.
jacidt ). C f r . prouve .
Ja^er era verbo muito usado antigamente ( até
o Sec. XVI ), no sentido de estar ^ estar situado, assen-
tado ou deitado, áQ permanecer na mesma posição, etc.
A moça ensinou mais
simpreza sauta ejoiíve,
Q clioraudo em terra um tempo, perd ilo houve.
M. Eo, ExcANT. 502.
Serrana onde jouoeate ?
ViLANCETE VI.
Tudo espirito e tudo é vida
mal jard a morte escondida.
( Tu. x.xn. )
Cal onde ora jaço.
8. DE M. ixm.
23-5
Ler ( ant. !eer = \. légere ). — Conjuga-se por
crer. Leio, lés, /è,... = le-(g)-o, le-(g)-es, le-(g)-et,...;
li j leste, leu,... =\e-{§yi, le-(g)-isti, le-(g)-it,...; lede
= íe-(gi)-te.
Perder (lat. pérdere ).-^ Ind. prés. — percOj
perdes, perde., etc. = I. perdo, perdes, perdei, ...
A mudança do í/ latino em c ( i." p. do sing. ) é rara ',
todavia delia temos amostras ( ant. arcer = arder J.
Poder ( lat. pótere ) — Ind, prés. — posso, po-
des, etc. =1. possum, potest, potet, ... Ind. perf. —
pude, pudeste, ponde, etc. =z\. posui,^posuisli, posuit,...
No port. ant. as formas das primeiras pess. sing. do
prés. afastavam-se da latina e seguiam o thema do
Infinito : — podi, pude ( D. Din. ), puyd, pude ( Tr. e
Gant. ) ; a terceira pess. fazia podo, pudo ( G. Vic.
etc. )
Não tem Imperativo, comquanto em alguns
clássicos se encontrem exemplos do seu emprego : —
Si quereis ser omnipotentes podei só o justo e o licito.
( Vieira ).
Y^KxzEK {\. plácere ) — Ind. prés. — pra^ (ant.
piai); Ind. perf. — prouve p. prouge ( placui ) . Cp.
caber, trazer.
Era frequente o emprego âas íóvmas plougue,
etc, Inf. pla^er {LW. de Linh., Ord. AfF. etc);
mais tarde — prouguer, prouguesse. Só no Sec xv
é que appareceu pela primeira vez a forma actual
prouve, mas a par deplouge.
236
Este verbo é hoje unipessoal : no port. antigo,
até o Sec. xvi, só do part. pass. é que não ha exem-
pios : — assi IQ praza que seja^ prazerá a Deus, si
prouver, prouvera^ prouvesse^ prazendo, etc.
Também empregavam-no interrogativamente,
quando se desejava se repetisse o dito por o não
haver entendido ( = fr. phit-il?)
Querer (lat. quaerere ) — Ind. perf. — qui^y
qui^esie, qui{^ etc. Qui{ é (órma abreviada das anti-
gas quigi, quigo\ qui\o, que no Sec. xvi escrevia se
quis. — Subj. prés. — queira., queiras^ etc.
Não tem Imperativo, posto o houvesse empre-
gado o Padre A. Vieira ( Serm. IV. 297 ) : — queirei
só o que podeis.
Quês é f. poj). contrahida de queres ( S. de Mir.
. G. V.); Csisi. quies p. quieres ; gall. quês. Queip,
querei^ nos Autos de Prestes.
Requerer (lat. requirere j — Ind. prés. — re-
queirOj requeres, requer, etc... O i da primeira pess.
sing, foi intercalado para reforçar a vogal thematica.
Saber ( lat. sapére ) — Ind. prés. — sei^ sabes,
etc. ; Ind. perf. — soube, soubeste, etc. (Cp. coube,
houve J ; Subj. prés. — saiba, saib.is, etc. ( 1. vulg.
sapeam, saepam).
Sei ( Cp. hei) é i". contr. de sabi ( sa-b-i ).
3-37
Ser ( f. rom. essere — !. esse ^ ) — Forma-se como
cm latim de duas raízes — es efu.
A 1/ fórma :
i.° — O presente e o imperfeito do Indicativo
— sou ( siim ), és ( es ), é ( est ), somos ( sumus ),
^ois ( são ).
2.° — O futuro e o condicional : serei seria.
3.° — O Imperativo - — sê, sede = es-5^, es-sete,
ou de sedere.
4.'' — O Subj. prés., que se não formou do
tempo correspondente no latim (sim, sis, 5//, etc. )
mas das formas archaicas — si-em, si-es, si-eí, si-a-
miis si-a-tis, si-enl.
5.° — Participios — sendo., sido. O presente =
\sii.senSj entis QUQ só apparece n js compostos f^^^-
sens, prae-SQU^), port. arch. : — seente \ o passado
formou-se analogicamente, e não havia em latim,
A raiifu fórma :
I /■ — O pret. perf. e mais que perfeito do Ind.
— fui, foste., foi, fomos, fostes, foram = lat. — fui
fuiste, fuit,fuimus,fuistis, fuerujit ; fora, foras, etc.
= fue''am, fueras, fuerat, ...
2.° — O Imp. e futuro do Subj. — fosse, fosses,
fosse, etc. —lat. fuissem,fmsses, fuisset, etc. O fu-
* Desde o vi Sec. os verbos defect. latinos terminavam cm — re ua
linguagem popular, por analogia aos verbos da segunda conj. : poiere, volere,
inferrcre, etc. p. posise, telle, iiiferre. Ced cstis fui et quodsum essere oMtf.
VnJfaldo episcoptis essere d^uisset. { Grutcr — ^ Imcrip. Rom. j
238
turo deriva do infinito futuro latino — fore (amatiim
fore^ illud spero, me fore immortalem. ( Cie. )
FORMAS ARCHAiCAs. — Comparando a conjuga-
ção latina com o arch. port. torna-se mais manifesta
a identidade de formas.
Ind. prés. — i.* pess. sing. sum^ som, soon, soo,
sam^ san (D. Diniz, Liv. de Linh., G. Rez., Sá de
Mir., G. Vic, etc), soon (Gane. d'Ajuda), soô (Gane.
da Vat.), são, sejo (Cancs.. G. Wic.) Son apparece pela
primeira vez em um doe. de 126 5.
São p. sou também foi empregado por Sá de Mi-
randa e Gamões ; e hoje ainda é usual entre os Mi-
nhotos.
Na 3." p. é de notar a forma est a par de é nos
autores do xiii e xiv Secs., que parece mais era
usada antes de palavra que começava por vogal: —
est opraso salido; est o meu sen ( D. Din. ). Em B. Rib.
fmen. e moça)^ Moraes, Palm etc, encontra-se er<?5
em vez de és. E^s por fim reduziu-se em é por ser
o 5 característico da 2'. pess.. e assim fixou-se a
forma.
No plural, a i.^ pessoa fazia também sumus [so-
mos ); a 2.^ era soedes, sooes (L. Gons.), sodes, (Fr. J.
Glaro e G. Vic, em cujas obras também se encontra
a forma sondes)^ até que com J. de Barros apparece
a forma actual — soes ( = so-d-es ).
Aqui houve completa desviação do typo latino
— estis : a forma port. moldouse na correspondente
239
latina do Subj. — sitis. A 3/ pess. passou por varias
evoluções : — sunt ( Sec xiii ), sufHy som, son^ sam
(Sec. XIV, R. de. S. B., Rib. Diss., Canc d'Aj., Trov.
e Cant.j, são ( já usada no xiv Sec. ).
No pret. imp. é de notar a 2.^ p. pi. — erades r=z
1. eratis, depois erais. f Freis data do Sec. xvi ), e a
forma 5/<3, como se vê de does. do Sec. xiv , para a
3.^ (e ojui^ que presente sia — era — perguntou).
Esta ultima forma explica-se pela synonymia
entre esse, stare e sedere. Sia e seia p. siia ( lat. sede-
bat ), imp. de seer ( sedere ) — em Sá de Miranda ;
Cp. mais sé, see sei p. é, — formas muito usadas an-
tigamente fez/ 5^/0, íí/ ses, elle see, sei,etc., Sá de
Miranda, G. V. ) : — tu que sés na celdj, qual fizeres
tal espera ( Prov. pop ), quem bem see nam se leve,
pê o mar e sê na terra ( Id. ) ; seiaya, seiayes, etc. =
éreis ( Sec. xvi).
O pret. perf. tem a forma seve por fui, que se
encontra no Canc. de D. Diniz, a par de foy,fuy,
fui, Fu ( Foros do Cast. ),fui ( doe. 1298 ), fou (doe.
i3io ),/oe(Fr. J. Claro ).
O subjunctivo apresenta formas mais encos-
tadas ás latinas — siades ( sejaes ), seiaya, seiayes,
seiaces (Sec. xvi ) ; focedes ( J. Cl, ), etc. ; e no
futuro — sever, severim ( F. da Guarda 401, 422 ).
No infinito, além das formas seer, soer ( C.
Vat. ), que fez com que alguns acreditem deriva a
I .^ de sedere e a 2.^ de solere ; temos o part. prés. —
seendo ( Cp. tendo j, see n te.
240
SoER ( soher, lat. solerej. H )je quasi obsoleto,
era comtudo regular e de uso frequente no Sec. xvi :*
— o silencio que sohe encobrir a tristeza ; Portugal
já não é o que d' antes ser sohia ; do que soi ( por soe )
acontecer.
Ter. E' reproducção do verbo latino tenere, e
serviu, em alguns tempos, de typo para o verbo
estar ( estive, estivesse^.,.)
Ind. prés. — tenho^ tens, tem, ternos^ tendes^
teem ( têm ) = lat. teneo, tenes, tenet, tenenius, tene-
tis^ tenent ; — imp. — tinha, tinhas, etc. = tene {h)am^
etc. ; perf. — tive, ti 1^ este, teve, tivemos, etc. =
te-(nyin, te-{x\)-uisti, etc. ; imper. — tende, ( tenete ) ;
Subj. prés. — tenha ; imp. — tivesse ; part. pass. —
tido, arch. — teudo ( tenetum ).
A forma do imp. Ind. era em ades para a -i.'^
p. pi. (tinhades), como era regra geral na conjuga-
ção até o Sec. XVI (queirades,façadesj.
No prés. e imp. Ind. e prés. Subj. o n latino
molhou-se ( V. Phonetica), mas nos antigos textos
encontram-se esses tempos sem o n ( teeya a par de
tinha, etc. ).
No port, ant. raro permutou o e thematico em i
(eu teve, tevera^ teverom^ teeya^ tevesse, tendo,. .).
Trazer (ant. ti^aeer, trager, traxer do lat.
trahere). Ind. prés. — trago,, tra{es, tra^, tra{emos,
etc. = lat. traheo^-es, etc. O ^ da i.*" pess. sing. é
vestígio da ant. f. do Inf. trager ^ que— consequen-
241
temente — estende-se ao prés. do Subj. — No Sec.
XVI, por motivo da forma traer do Inf. — diziam
traio, traia ^ p. íraigo, traiga ( trago, traga ).
Pret. perf. — trouxe^ trouxeste^ etc. = 1. traxi^
1. vulg. tr. csiii. Até o Scc. xvi as f. usadas eram
traje, trajo, alternando com ti^uje, trujo, troiiue ( por
trougue — ti'acuit ; Cp. houwQ^joiwe, = jacuit, prouve
= placLiit ), trouge ( gall. trougue ), troperão, trou^
ves:e ( L. Linh. ), etc.
Só no Sec. xvii é que se fixou a forma do
Infinito. Futuro — trarei, etc. ; ant. tra^erei, etc.
Valer (I. valere)— Ind. prés. — 'Valho, vales, etc.
= lat. valeo,...\ port. ant. valo, vales, vai ( Sec. xvi ).
— Sobre o Ih da 1/ pessoa, Vide Phonetica.
Ver (ant. veer = lat. vidére). — Ind. prés. — i^ejOy
vès, vè, etc. = lat. video, vides, etc. Quanto ao
j da I.'' pess. ( e consequentemente das do Subj.
prés.) Cp. — hoje hodie, inveja invidia, haja habeam,
granja granea, etc,
Pret. perf. — vi, viste, viu, vimos, etc. = vidi, vi-
disti, vidit, etc , port. ant. — vii, vi is ti, viimos,... AS."
pess. siuQ. fez viu para não se confundir com a i.'"*, e
de accôrdo com a theoria ia nossa conjugação.
Vim p. vi é galleguismo que se encontra em es-
criptos do Sec. xvi.
O d. latino conservou-se na 2.^ p. pi. do prés. do
ind. {íédesj\ e (como em outros verbos ) quando
1 IVífí.s p. )x'ii<. ,sec. XVI.
242
elle acha-se protegido por um r ou n (virdes^ terdes...
vindes^ tendes, pondes).
Fart pass. — visto.
O verbo prover., derivado de vér., íazprovi, pro-
veste^ provemos, provestes, proveram, e o part. pass.
— provido.
PoER — V. pgs. 228 e 247.
Arder fazia arco ( = ardo ) ainda no Sec. xvi.
TERCEIRA CONJUGAÇÃO
Cahir (lat. cadere) — Ind. prés. — caio., cães,
cáe, cahimos, etc. A anomalia está somente na in-
tercalação euphonic* do i fca-d-o. cáo, caio).
Seguem a mesma conjugação — sahir e trahir.
CoRTiR — Ind. prés. — curto, curtes., curte.^ corti-
mos., cortis curtem. A mudança do o do radical em
u tem a conveniência de as pessoas se não confundi-
rem com as do verbo cortar (corto, cortes., corte., cor-
tem)., mas não constitue propriamente uma desvia-
ção porque o infinito era curtir., ainda hoje por mui-
tos empregado.
Seguem esta conjugação os verbos ordir e sor-
tir, que também não pedem ser considerados verda-
deiramente irregulres, pois tinham outra forma de
infinito — urdir, surtir., como se lê em alguns clássi-
cos.
Cobrir (lat. cuperire) — Ind. prés. — cubro., co-
bres, cobre., etc. A irregularidade é tão somente na
243
1.^ pess. sing. (e consequentemente nas do Subj.
prés.), para evitar equivoco com a do verbo cobrar
(cobro); mas que se dá em todos os verbos cujo o da
raiz é seguido dos grupos br^ rm (cobrir cwbro, dor-
mir di/rmo).
Tinha também um infinito em 11 fcubrirj, e por
isso diziam os antigos — elle encubre^ cubre tu, des-
ciibre^ etc. (M. Bern., Ferr., D. Nunes, etc. )
Segue a mesma conjugação — dormir (lat. dor-
mire, durmo dormio, dormes dormis, etc. ).
Ir ( lat. irej. — Este verbo completa a sua con-
jugação com o verbo arch. port. par ( = lat. vadere)
e ser.
Ind. prés. — vou, pás, pae, pamos (\mos). ides
(ant. padesj, pão =z pado, padis, padit, etc. Vado, pela
queda do d = pao, d'onde ;^oí/.
Ind. imp. — ia, ias, ia, iamos, ieis, iam ; perf.
— /"^ foste, foi, etc; Imperativo — pae, ide ; Subj.
prés. — pá, pás, vá, etc. ; Subj. imp.-- fosse, fosses,
etc. ; pas, p. pais ; pe pee p. pay ant. forma de pa ;
Imperativo, ainda são formas de Sec. xvi.
Medir (lat. metiri—jnetiorj — Ind. prés.— m^ço,
medes, mede, medimos, etc. z= 1. metior, metins, etc.
Na i.^ p. sing. muda o d em c brando, mas
a forma ant. era mido (Cp. arch. arco = ardo,
peço pido, despeço — despido, etc.^ ). Essa mudança
* A. mudança do grupo ãi ( de ) em r era usual : — baeo ( badius ),
arch. terffonça (ver'cuDdia), etc.
244
nota-se também nas pess. do Subj. prés. que, como
já dissemos — tomou, em regra, para typo a i."
sing. Ind. prés. — eu meça, meçaSy meça^ etc; port.
ant. mida ( id. pida^ etc. )
Segue pois esta conjugação o verbo pedir.
No Sec. XVI ainda imperavam as formas regu-
lares : — despida-se Vossa Alteia dos livros ; eu vos des-
pido ou me despido de vós ( Vieira ), e D. N. de Leão
assim recommenda que se escreva e pronuncie ( pi~
do^pideSy impidOy etc. ).
Ouvir ( lat. audire J- - Ind. prés. i.^p. sing. —
ouçOy ouves,... ^ audio, audes,... Sub. prés. — ouça,
ouças, etc. A divergência explica-se pela razão já
indicada ( di lat. = ç -— audio, ouço ).
Em Gil Vicente, — oivo — ouço, ouvamos = ou-
çamos, o que prova eram aquellas formas populares.
Pret. perf. Ind. : ouvi, ouviste, ouviu, etc.= au-
{ái)-vit, au-(di)-visti, etc-
Remir (redimire). — Ind. prés. — redimo, redimes,
redime, remimos, remis, redimem; Imperativo — redi-
me, remi. A actual ir^-egularidade é devida á con-
tracção do Infinito redimir.
Rir (1. V. ridere).— \ná prés.— no, ris, ri,
rimos, rides, riem = \. p. ridi, riiis, etc.
Só conservou o d etymologico na 2.''p. pi. do
prés. Ind. e na do Imperativo f rides, ride ).
Sahir ( sair = I. salire \ — Saio — salio, etc.
V, cahir.
24^
Seguir ( 1. b. sequere^ Prisc. ). — Na i.'' p. sing,
pres. Ind. íazsigo^ ant. sig-iio == lat. sequo.
Sentir ( 1. sentire ). — Soífre a mesma mudança
que seguir ;— sinto = sendo.
No Sec. XIV prevalecia a fórma em e — sento.,
senta ; no xvi todo o paradigma era em i -=- sinte^
sintem. sentistes., etc. ^
Vir ( f. contr. de venire ) — Ind. pres.-- i^enho.
vens., vem., vimos., vindes., vêem (vêm) = 1. venio, venis
( n = nh, Cp. pôr, ter j ; Ind. imp. — vinha, vinhas,
etc. ; Ind perf. — vim., viestes, veio, viemos, viestes,
vieram z=i]. veni venisti venit. ...
Imperativo — vem, vinde.
A i.'* pess. sing. pres. Ind. — vim, passou pela
fórma intermediaria ven ; vieste = venisti pela f. in-
term. veiste.
O part. pass. seguiu o typo latino — ventiim, e
d'ahi o ser idêntico ao presente.
Vir — Ind, pres. — venho, vens, vem., vimos,
vindes, vêm fveem) ; Ind. imp. — vinha, vinhas, vi-
nha, vinhamos, vínheis, vmham ; Ind. perf. — vim,
vieste, veiu, viemjs viestes, vieram ; Imperativo —
vem, vinde,
Accudir, bulir, construir, consumir, destruir,
cumprir, engulir, fugir, sacudir, subir, sumir, tus-
sir (tosíiir), mudam o « do radical na segunda e ter-
* Já nos referimos á grande Gonfusao reinante até o Sec. xvu na cr;
thographia : ~. premeu premia, fina, feria etc.
246
ceira pess. do sing. e terceira do plural — (acodes^
acode ^ acodem).
Dá-se essa mudança — e consequentemente
na da segunda pess. sing. do Imperativo — quando
o o é seguido de b, d, g^ /, m, ^, ss, s_p, st.
Os antigos monumentos, porém, não apre-
sentam esta irregularidade na conjugação : — açude
tu, elle açude, elle destrue, tu destrueSj elle fuge^
sube^ construe, etc.
Advertir, aggredir, perseguir, prevenir pro-
gredir, transgredir, etc, mudam em todas as três
pessoas do sing. e terceira pessoa do plural, e
consequentemente nas do Subj. — o e thematico
em i, como também em sentir. São irregulares tão
somente por essa mudança de lettras, que mais
se nota nos autores clássicos ; e também era
frequente no i em e : — advirte, compite, con-
sinte, tninte, etc, e mento p. minto, persigue, pro-
sigue, sinte, sigue, sirve, etc).
Geralmente mudam o e em i quando aquella
vogal vem precedida de/, g, p, r, nt, sp, st (con-
firo, dispo,firOy f rijo, ^ visto, etc),
^- As formas verbaes em m{ da 3.^ pessoa sing.
Ind. prés. (condu^, indui, etc ) eram regulares —
elle indu^e, lu^e, produ^e, redu^e, tradu^e. Deu-se
o mesmo que com as formas nominaes em a^, i^, o^,
i Frigir — faz no lad. prés, — friio, frgees, frege, frigimos, frigia,
f regem.
247
uij — capace^felice, veloce^ etc, que se transforma-
ram em capais fil^{^ pelo{. Parece, porém, que a
apocope do e foi feita muito de industria para evitar
a equivocação entre a 3.^pess. do sing. prés. Ind. e
3 2/ sing. do Imperativo ( fa^fa^Cj trai traie^dii
diiCj etc. )
— As irregularidades da 3."p. plural Ind. perf.
estendem-se ás formas do plus quam perfeito e do
Sub. imp., e futuro : — trouxeram^ trouxera ^-as^- a,
etc. ; trouxesse, -s, -e ; trouxer, trouxeres, etc.
Advertência. — A defectividade dos verbos
não basta para classiíical-os entre os irregulares,
nem também as divergências graphicas tendentes á
conservação da mesma pronuncia em todos os
tempos.
Ex,: — Nos verbos acabados em car, a mudança
do c em qu ( calcar^ calquQ, cal^wemos ) ; nos em
gar, a intercalação de um u entre a guttural e a
vogal thematica ( galgar, galgwes, galgwem ) ; nos
terminados em ger, gir, a troca do g pelo 7 antes
de a e o ( re/o, corri/diyi ; a perda do u nos verbos em
guir, antes áa a q o { distingo, (Xisimgas)j etc.
Q.UARTA CONJUGAÇÃO
Hoje não se pôde negar asua existência. Data
do Sec. XVI pela degeneração phonetica do verbo
poer ( l ponere ).
24^
Comparando-o no presente do indicativo com
as formas correspondentes no latim, vêse clara-
mente que as irregularidades são apparentes.
ponho
poneo
pões
penes
põe
ponet
pomos
ponemus
pondes
ponetis
põem
ponent
No imp. são particulares as flexões : — punha^
as, etc, com deslocação do accento e mudança da
vogal do radical ( Cp. íer, ver — tinha, via ; vir,
vinha, etc. ) A forma primittiva era pónia ; a des-
locação da tónica foi para melhor conservar o n
thematico, que sem isso teria cabido como aconteceu
no infinito ; o molhar-se o n quando seguido de i
palatal era facto frequente.
Prep. perf — pui, pudeste, po{, etc. = arch.
puge (piigi. piigy), pôs, pose, pusy, pus, etc. (Sec. xiv
= lat. posui,-sti,-t.
Part. pass. — posto = 1. positum
DECIMA SÉTIMA LIÇÃO
Formação das palavras em geral. — Composição por pre-
fixos e por juxt aposição. — Estudo dos prefixos.
1. — São dous os processos empregados para a
formação das palavras : — composição e derivação.
As palavras compostas indicam periodo adiantado na historia de uma
lingua ; uma differenciação progressiva. E, de feito, para que com duas
palavras se possa formar uma terceira sinceramente determinada na forma
e no sentido, é preciso que aquellas teuiiam significação já bastante clara
e definida. " A diíIerenciaçSo ainda mais se accentúa quando a idéa contida
no composto fixa-se e define-se de modo tal que não mais conserva relação
alguma com os seus primeiros factores, a ponto de perderem a significação
independente, e só terem sentido quando reunidos. " *
2. — A palavra composta fórma-se de dous ou
mais termos, dos quaes só um exprime a idéa prin-
cipal, que é determinada ou precisada pelos outros.
O termo determinante pôde ser :
i.° — = Um prefixo : — wJieL
A esta composição por prefixos, — que forma
substantivos e adjectivos, e principalmente verbos-—,
» Savcc — Pr me.
32
25o
devemos a persistência de muitos vocábulos : — con-
vergir^ demolir^ disparate^ explorar^ irrupção.
2.° — Um substantivo ou adjectivo : — arco-iris,
planalto.
3. — Nas palavras desta ultima categoria os
elementos podem estar apenas juxtapostos e ainda
distinctos, ou fundidos e representados por um sim •
pies signal unitário : — • arco-iriSj madre-sibja^ canto-
c/ião, ponta-pé, couve flor ,... aguardente ^ vinagre^ bi-
cou to, planalto^ botxfóra....
No primeiro easo o su')Rtantivo apresenta idéa dupla ; no segundo,
só uma transparece, — que é a do objecto " em toda a extensfio de suas
qualidades. " E, assim como o substantivo simples, perdendo a sua signi-
ficaçflo etymologica, acaba por corresponder inteiramente á ideado objecto,
também nos compostos o determinante e o determinado desapparecem para
melhor apresentarem \ima imagem ou idéa única. O composto torna-se
simples. 1
4. — As palavras achamse pois juxtapostas
quando, representando uma idéa única, conservam
todavia em suas formas e vida própria, o mesmo
valor que teem quando separadas (v^a roXis, agri-cul-
tura, dies doniinica, amor próprio^ padre famílias
(Sec. xiv), um cara dura, espalha brasas^ tranca ruas,
pintamonos^ tocartintas^ ichecorpos ( impostor, ocioso,
Sec. xv).
Os juxtapostos tendem por íim á unitariedade
do signal graphico, á simplificação da forma : —
vinagre^ vinho acre (agro) = lat. vinum acre,
* Darmstcter. Form. ãen mots composés.
25l
carafiii = cara fusca, um capemcólo = um capa em
collo, ^ qualquer (Sec. xiii) = en qual tempo quer (F.
de Gravão), qual-xiquer (F. da Guarda, Ined. Hist.
Port. Tom. 5), ervoada (Sec. xv p. arpoada, hoje na
ling. vulgar avoada), etc.
O porluguez não rejeitou esse processo do
latim, clássico e popular, de exprimir a idéa sem pre-
posição clara : - • ferrovia, pontapé, o ministério
Rio Branco, a casa Norton & C.% Collegio Alberto
Brandão, tinta Monteiro, cerveja Logos, etc... Essa
pratica, porém, não é tão extensa como se suppõe,
e o regimen vem geralmente precedido de preposição
(em, de J : — bicho de seda, sala de jantar, bacharel
em lettras, etc.
Nestes juxtapostos de subordinação, devemos
arrolar certas expressões, que por metaphora mudam
de sentido e applicação : — pé de gallo, pé de morto,
rato de botica, rato d' alfandega, eic.
COMPOSIÇÃO POR PREFIXOS
5. — Este processo é o mais rico e fecundo,
maiormente quando combinado com o da deri-
vação.
Herdámos do latim cerca de 2.000 vocábulos,
mas por esse jus que tinham de accrescer, delles
* No Sep. XVT — escrevia-se cap^emcolo e mpem-coh. Nflo sign. pobre-
tão, miserável, mas sim o fanfarrão, o blazonador.
2 52
derivaram uns 8.000 inteiramente novos, muitos sem
correspondentes no latim.
Não temos compostos de mais de três prefixos :
ir-re-con-ci-liapelj in-de-com-por.
6. — As particulas, quanto á sua natureza, são
preposições e advérbios : — bem (bene), mal (male),
pen pene (quasi), semi simul^ bis, que quasi corres-
ponde ao des, gr. archi,.... un, uni (adv. lat. ima), bis
(2 vezes), iri, ter^ três, cenii, etc. ; não, ne, in
fim, il, ir, pela assimilação ), etc.
7. — Das particulas empregadas na composição
algumas teem vida própria, outras só existem como
elementos de composição. São pois separáveis e
inseparáveis.
São separáveis as portuguezas ( prep. e adv.) :
— co^TK^por, BEMdi:(ente,....; inseparáveis, as prepo-
sições latinas, que não se empregam isoladamente,
e em composição teem valor adverbial : — REler,
DEsobedecer.
Esses prefixos inseparáveis são, em regra, im-
productivos, e só se apresentam em palavras tiradas
directamente do latim ou formadas por typos la-
tinos. ^ Muitas são porém as excepções, principal-
mente com ex, in, des, ultra, inter.
8. — Acontece muitas vezes que a juncção do
prefixo á palavra causa um hiato ou choque des-
Ager
253
agradável de consoantes. Para evitar esses incon-
venientes elide-se a vogal ou consoante final do
prefixo: antagonista^ aviltar (ad-viltare), alumiar^ emi-
grar ( ex migrare ), ou assimila-se esta consoante á
inicial da palavra simples : assimilar ( ad-similare ),
irrupção {in rupere ^).
Estas modificações na própria forma do radical já eram usuaes no
latim, e silo communs a todas as linguas neo-latinas ^a5'eí'6 — ad-?gere,
red-ígere, — agir, redigir J. Muitos desses compostos latinos, pela perda de
signal externo de composição, ficaram considerados palavras simples
(^colher de colligere, e nfío de con-legerej. A maior parte desses compostos
decompuzeram-se, porém, na época romana: promlere, pró vidére, prover;
ex por e, din p. ãe, subtus p. sub; etc. '
9. — Algumas partículas teem dupla forma,
uma latina e outra portugueza. Posto seja esta a
preferida na formação de palavras novas, ha todavia
muitas palavras compostas com ambas essas formas,
e ás vezes com sentido diverso.
10. — As partículas que entram no processo da
composição são advérbios ou preposições. Estas
podem ter valor adverbial — coNTRAí/z:{^r.
11. — A composição só pôde formar verbos^
sub st. e adjectivos,
\.^ — ConiRAfaier^ soBREexcitar ( adv. ) ; enco-
rajAR, REsfriAR. Estes últimos, formados de prep.
prefixadas ao substantivo coragem e ao adjectivo
frioj e do suffixo verbal, são chamados parasyntheti-
* Id.
* Parmsteter, l-c p. 78.
254
cos verbaeSy porque formaram-se syntheticamente^ de
chofre, da juncção simultânea do prefixo e do suffixo
ao radical.
2.° — ^Euestar, UALcriado, des/^í?/ ; ENCordoa-
MENTO, suBmarinho. Formados por pref. prep. e de
um suffixo nominal juntos a um subst. ou adj., rece-
beram estes compostos a denominação de parasyn-
the ticos nominaes.
Nos compostos parasyntheticos formados de substantivos, o su fflxo
dá a idéa verbal de pôr, fazer, tornar, si o composto é um verbo activo ;
de ser, estar, vir a ser, si o verbo é neutro, e o prefixo precisa a idéa indi
cando a relação desse verbo com o substantivo : enterrar, p. ex., inalysa-sc
pói-, metter ( = er) em; ateirar, ])ôr (=er) a (=ad, at) tei'ra. A par
ticula nesse caso é uma preposição ; ajunta- se a um subst. que lhe serve
de complemento, e esse composto recebe, com a terminação verbal do suf-
fixo, a unidade de forma e de idéa. Acontece o mesmo com os parasynthe-
ticos formados de adjectivos ; enriqiiecer é torna-se rico, mctter-se em
riqueza ; desemburrar é pôr fora do estado de ignorante. A analyse mostra
que os compostos formados de adjectivos tecm valor de verbo sfactitivos.
Todavia a maior parte delles, sobretudo os em ar, er, tendem a tornar-se
neutros, i. e., empregam-se absolutamente ; assim embrutecer, bestificar
tanto é fazer alguém como tornar-se bruto ou besta. (Darmesteter l. c. )
12. — Damos em seguida a lista das preposições
latinas que entrrtm na composição de palavras por-
luguezas,
A, AB, ABS. — Significa privação, apartamento,
separação : — aversão^ abortar^ absorver ^ abstracção^
absurdo^ abdicar., abolir, abstenção, abjecto ( de jacere
jactum ). Tem valor adv. qvh abusar, absolver, etc.
Equivale a uma prep. com seu complemento em
aborígenes j abstinente , etc.
255
Indicam direcção, tendência, fim, e são de
uso mui frequente : — admittir, addiiiir, cccedcr, ctc.
O d conserva-s'^. antes das vogaes e das con-
soantes d.j.m^v ( admittir advertir ^ adjacente, adje-
ctivo^ admirar j admoestar^ adverbio^ adventicio ) ; assi-
mila-se á consoante seguinte si for c,/, g^ /, n,p^
r, s, t ( accordo^ accedcr, affrontar, affilic.r^ a g gra-
var^ agg/omerar, alliar, allumiar^ aniiexo, annitn-
cio, appeudice, arrumar, arrogar^ assaltar, assimilar,
aterrOy atteniiar,... údquQur, (jcquisição.
Algumas vezes o d do prefixo desa [aparece
na linguagem popular ; — abreviação, alugar, abor-
dagem.
Tem força adv. primitiva — adlierir, aggredir :
equivale a uma prep. e um complemento —
ajustar.
A. é a forma portugueza correspondente a
ad, e concorre para a formação de palavras
novas^ verbos e substantivos: — amestrar, amiudar,
adormecer, amotinar, apurar, achatar, apontar,
abaixar, : adeus, ajim.
Am., AiMB ,( contracção de ambi). — Significa
em torno, ao redor. Emprega-se amb antes de
vogal ( amb ages, âmbito ) ; perde o b antes de p
(amputar ), muda o m em n antes das gutturaes
e de /, h, t ( anhelo ).
Tem força adv. em ambição, ambiguo, etc.
- Ante (anti). — Sign. prioridade, precedência ; c
entra principalmente na formação de nomes : — an-
256
tepassado^ antetempo antevéspera^ anteparto, antenome;
antidata, antiface (véo). Form. erudita — antecedente^
antecessor, antepenúltimo , etc. ; de creação moderna
— antedelupianOj antídoto, antecâmara.
Antehontem= antes de hontem, e em todos os
compostos portuguezes a prep. ante é preferida a
antes.
CiRCUM (em torno — circii). — Indica também prio-
ridade, só entra na formação de palavras de origem
clássica : — circumferencia, circumloquio, circum-
stancia, circumscrever^ etc....; perde o m em circuito ;
formou TCioátvndLmenXe, -— circumvalação, circumna-
vegação, circumvisinho , circumpolação, etc.
Tem força adv. em circumspecto, circumstancia,
etc.
Cis (cit). — Sign. dquem ; oppõe a trans ou idtra
(= além) : — cisgatigetico, cisplatino, cisalpino, ci-
terior.
Com ( con, cuM).--Sign. concurso, reunião,
acção, simultânea. — São muitos os compostos de
formação popular no portuguez antigo, quasi todos
herdados do latim — ■ compaixão, conceber, conflicto,
conduzir, condemnar, confessar, converter, conjuração,
contar (computarej . Form. eru.iita — collegio, collisão,
contractar, confirmar, concentrar, correlativo, coerção,
coherente, combustível, comestível (edere, estum,
comer).
Com persiste antes de m, b, p ; cum nunca appa-
rece em composição ; o m assimila-se ao /, r, n fcol-
257
Icgio^ corre li gioso ^correligionário^ connato, connexão;
cahe antes de vogal, ou h mudo — coalhar (coagu-
larej, coadjuvar, coherdeirOj cohabitar, coproprie-
tario, co;zcidadão.
Contra (opposição, acção ou eífeito contrario ;
situação fronteira, antagonismo). — E' prefixo muito
productor ; os compostos antigos são^ porém, quasi
todos de creação erudita : — contramestre, contra-
marca ^ contraordem, contrabando, contrapeso, contra-
baixo, contramina, contraforte, contramarcha, e
muitos outros em que contra tem força adverbial.
Em contrasenso, contravetieno, contrapello,... a par-
ticula é preposição. Contra forma muitos verbos :
e indica juxtaposição^ opposição e subordinação
(contra-baluarte, contrareplica, contramestre).
De. — Indica origem, logar d'onde, passagem de
um estado para outro, relação de apartamento, e
privação (no sentido figurado) : Deduzir, dejectar,
defender^ debandar, dedicar, desenhar {áQ-ú^n^íV o),
delonga, demora, descendência, dependência. Form.
er. — decapitar, decidir, definir, degradar, delegar,
designar, etc.
Quando o de {dd) serve apenas para ampliar a
significação da palavra, chama-se ampliativo (de-XQX~
minar, úfz-vulgar ).
Des, dis. — Exprime geralmente negação, sepa-
ração, privação, acção contraria. Dis é a forma
archaica. Di emprega-se nos mesnios casos que de ;
258
teem muitos compostos antigos e de forma erudita ;
assimila o s ao f (diffamar^ difficil^ diffiisão): — dispo-
sição^ distrahir, disjuntar , ... discórdia^ disjiincção
dissimular disjunctiua^ etc. A's vezes perde o s (antes
de g. l, m, r, vj — diminuir diligente^ digerir j divertir.^
divergência.^- Des é a fornia moderna, também
inseparável ; desunir, desobedecer, deslocar, desembar ■
car, desleal, desfavor, desordem, desagradável, etc. A's
vezes concorre na composição moderna a forma
dis : — discernir, dispor, disgregar ( desagregar ), etc.
Ex, ES, E. — Indica extracção, ausência, separa-
ção, movimento do interior para o exterior, priva-
ção ; tem quasi o mesmo sentido de dis c de. — ¥J
mais usada a forma ex Form. prop. — exalçar, ex-
presso, extrahir, emittir, exclamação, espertar...; erud
— excepção, excursão, exhumação, educar, exigir, eja-
cular, eliminar, exceder, enumerar, exabundancia,
exautorar ; emissão, emanação, etc.
Ex é inseparável, posto que em certos compos-
tos seja empregada como palavra distincta ; cx-go-
vernador, ex-deputado. Este processo é hoje quasi
que orgânico.
Em regra emprcga-sc e, es antes de b, d, g, i, l,
m, n, r, v, e ex antes de c, p, q, t c vogacs. O jc ás
vezes transforma-se em s ( esforço) ou assimila se ao
f (effiiivio ej^orescenciaj; outras vezes a particula trans-
forma-se por degeneração phonelica em is (isenção)
Extra. — Sign. fora, alem ; denota a acção de
sahir através. — Forma verbos, adjectivos a sub-
2 59
stantivos, o que não era de pratica em latim: — extra-
vasar, extraordinário^ extrajudiciario, extramuros, ex-
travaganci-i.
Em extraordinário^ etc. tem força adv. ( fora
da ordem ordinária) : em extravagante^ etc, tem va-
lor prep. ( que vagueia ahm dos limites ).
Entre, inter ( no meio de, pelo meio, posição
média, reciprocidade ). — Inter só forma palavras
de origem erudita — interposição ^ iníerpellar, interca-
lar, interceder^ intermediário^ intermittencia,... Entre
é de uso frequente e popular: forma verbos transiti-
vos (entremeiar, entrelaçar, entreli Mar ^..})^ ou ainda
com a significação de a meio, um pouco (entrever,,
entrecobrir, . . . J, q substantivos e adjectivos (entre-
casca, entrecosto, entrelinha).
Inter = entre port. entra ainda muito nas for-
mações modernascom substantivos e adjectivos— /»-
ternacio uai, inter tropical, . . .
Em ( en ) = lat. in. — Prep. port., separável ;
empregada em grande numero de compostos sem
correspondente no latim : — encadear, enterrar, em-
palhar, encaixar, etc,... (como prep.) encaixe.
Intro, intra ( = dentro, dentro de, tendência
para logar interno ). — Só apparecem nos vocábulos
herdados do latim: — introduiir, introducção, introfnet-
ier, intromissão , intrínseco ( intra secus ), etc.
1 Em entreler já perdemos a idéii primitiva da pai*ticuia.
26o
In ( im ), en ( em ) ( il , ir ). — Indica logar onde,
movimento do exterior para o interior. — Induiir,
infíammar^ inclinar, infectar^ injecção^ imprimir^ im-
plicar^ ... infiltração^ iníhronisaçãOy.. in-foliOy in-
quarto.
Além de introducção, situação interna, a prep.
in indica também negação : — incógnito^ imberbe^
inanimado^ immuíavely inactivo.
O n assimila-se ao m, /, r (illegal^ irreflectido.)
O nosso en corresponde ás vezes ao in latino =-
embiiscada, encravar, ensinar ^encorrer (inciirrere),etc.
Ob (oc, op, of, obs).— Sign. em face, deante,
logar fronteiro, contra ; indica hostilidade, obstá-
culo, opposição : — Obedecer, obstar, obstáculo, obje-
ctar objecção, obrigar, observação, oppor, occasionar,
offensa, ostentar, oscillar, etc.
Per. — Exprime por onde, o meio, a passagem
através. Quasi todos os compostos com este pre-
fixo são de origem erudita — perplexo, perseverar,
perlucido, perceber, perdoar, permittir, etc. Nos de
formação popular />er degenera Qmpre, e era substi-
tuido pela prep. por.
Por { = \.per). — Indica fim^ termo, meio de
conseguir. E' de emprego raríssimo.
Pre ( 1, prae ). — Indica antecedência, excel-
lencia augmento. Só existe na linguagem popular nos
vocábulos importados directamente do latim popu-
lar : todos os mais são de origem erudita : — pregar
26l
( praedicare ) , preper (praepidere) , presidência (prae-
sidentia )^ preferir^ preludio^ prematuro ^ prefacio^
prefixar^ prescrever^ presidir^ precaução^ presumir^ . . .
predominar j preexistir , preliminar ^ etc.
Preter ( lat. praeter, — além, excesso ). — Só
existe em raros vocábulos de origem clássica : — pre-
térito f praeter-ire J , preterir , preterição , pretermittir,
pretermissãOy preternatural.
Pro. — Indica deante, elevação, protecção,
procedência, e significa/^or, em logar de : — prover,
protrahir, procurador^ procônsul, produzir, propi-
denciaj... proeminente ^ profanar, professar, progres-
são, promover, pronome, etc.
r*os ( post). — Indica inferioridade, retar-
damento ; sign. depois. E' da linguagem clássica.
Pos é forma arch. port. que se transformou
successivamente em empós, após, depôs, depois. Pos-
por, pospontar, póstero, postergar, posterior, pos-
posto, . . . postescripto ( post scriptum ) e posdata ,
postmerediano ( post meredianus ) e pomerediano
( pomeredianus )....
Re. — Indica reiteração, regresso. E' prepo-
sição iterativa. Este prefixo é abreviação do adver-
bio latino rursus, que significa de novo. Indica
repetição, reduplicação da acção ou idéa de retrogra-
dação : — reler, refazer, rehaver,.,. recuar, re-
gresso..,.
Tem pois sentido ampliativo, e indica conse-
262
guintemente intensidade de acção — rejeitar^ resis-
tir ; sentido iterativo — reler ; indica reacção, oppo-
sição — reprimir^ refrear, repugnar^ sentido adver-
salivo.
São poucos os substantivos com re : — retoque,
re torção, re torcedura, retorno , retrahimento
Retro. — Adverbio latino que significa atrás,
para trás, regresso. Só figura em vocábulos de ori-
gem erudita : retrogradar, retroceder y., e os seus
novos derivadas retrogradação, retrocesso, retroactii^o,
retro guarda (retaguarda) retrogrado.
Se. — Partícula inseparável que indica idéa de
separação, afastamento. Só existe nas palavras
latinas que passaram para o portuguez pela camada
popular : — seduzir, seguro, separar,... e em algumas
de fundo clássico — selecção, sedição, segregar.
Satis ( SAT ). — Partícula latina que significa
assas, e só figura em palavras que nos vieram do
latim já compostas : — satisfa^er^ saturar, saciedade.
SiNE ( siN ) = sem. — ^^ Indica privação, carência :
— smecura ( sem cuidado, cura), sinceriedade, sim-
ples ( sem folho, de plicarej.
Seii:i.— E' part, portugueza = lat. sine : só
entra na composição de substantivos : — sem cere-
monia, o sem ventura amante, sempar, semjustiça
( injustiça ).
Sub. — Indica segredo, profundeza, inferiori-
dade. Nas palavras de formação popular emprega-se
I
263
su, 50, sa : — sorrir, soffrer ( suíFerre ) saccudir
( succutere ), sojugar^ soceder, siimergir. Formas
eruditas — subjugar^ submergir, substituir^ substancia^
succeder, suggerir,... e os de creação moderna —
subdividir^ subdivisão^ subordinar^ subjacente^ subsidio^
subcutâneo subterrâneo , sub marinho.
Com força adverbial — sub-chefe, sub-acido.
O b assimila-se á consoante seguinte se for c, g^
f,p, r, — succumbir, sug gerir, suffocar, supposição,
ou cahe — sujeitar^ soca/c o.
SoB= sub, subtus : — sobpé^ sobsello, sobsollo,
sopé.
SuBTER (sob, a baixo de). -• Só em subterfúgio^
subterfugir, subterfluente (com força adv.)»
Super (solbne). — Indica superioridade, abun-
dância, e só se emprega na linguagem clássica ; a po-
pular forma compostos com a partícula correspon-
dente portugueza — sobre : — superjicie^ superstição^
superfluidade, superfino, sobrecenho, sobrepelii,
sobreloja, sobreescripto, sobrecarga, sobrecheio , sobre-
mesa sobrenome.
Tem ás vezes força adverbial : — superabundar^
superar, . . .
Trans, p. TRAS (três, tra). — Sign. através de,
além ; exprime a translação, a passagem, o transito
até um termo. No port. antigo trás tra e três são as
formas mais empregadas : — traduzir, tramontano,
trasmudar, trasladar, trespassar Formas eruditas :
-^ transcrever , translação, transladar, transcendente
264
Tem ás vezes força adv. transgredir ^ transformar.
Ultra (além, excessivamente) : — ultrapassar^
ultramar, ultramontano, ultraabolicionista. São com-
postos portuguezes, isto é, sem análogos no latim.
Vice (em logar de), — Com esta preposição for-
maram-se alguns compostos populares — i^isconde,
(vicecomite) visconsul (vice cônsul), vicerei picereinOy
vidama (vice dominus). E' frequente o emprego desta
partícula (como adverbio) para designar pessoa
que substitue outra em cargo significado pelo outro
termo do composto, isto é, a palavra a que ella se
ajunta : — vice-presidente^ pice-rei {ant. visrei, visorei)^
vice-reino, vice-deus (Vieir. II. 363). Verbos — só pice-
rei 11 ar ^ picegopernar.
COMPOSIÇÃO COM ADVERBIO
i3. — As partículas adverbiaes empregadas com
prefixos podem ser quantiiatipas, qiialificatipas, nega-
tipas.
A Quantitatipos
Bis (2 vezes, repetição) : — biscouto (bis cocto),
bisavô, bisdona fapó)^ bisneto^ bissexual^ bis seção,...
Posto seja forma clássica, entra no vocabulário popu-
lar, e tem formado alguns compostos portuguezes,
sendo de notar que em muitas palavras deuse prefe-
rencia á forma bi — bigorna (bi-cornis), bipede, bino-
eido (bini oculi); bigano^ bimane, binascido, binocular,
binómio.
265
Meio (lat. medius): — meío-relevo, meio - sol do, meio-
tcrraneo. Em meia notte^ meio dia, é adjectivo.
Quasi : qiiasi- delicio, iim quasi nada
Semi ( meio ). Forma tâo somente compostos clássicos,
principalmente adjectivos. — Semicirculo, semitom, semi-
lunar, semilunio, semifusa, semidonto.
Satjs (assas): — satisf acção,'' saiis factor io, etc.
Tris ( triplicação ) — Trifolio, trifiircação .
b) Qualificativos
Bene. Os compostos com esta partícula são em geral de
origem erudita : — beneficiar, qx.c benemerência, beneplácito,
benei^olo.
Bem. Part. port. separável, forma compostos de
origem popular; — bemdito ( benedicto ), bemaventurado,
bemdiienie,bemquerença, bemdi^er, — estar, — faier,
— querer
Bemvir só se emprega no part. prés. — bemvindo
AIale. — malefício, maleante, malévolo^ ( Fórm. eru-
dicta ) Nos outros compostos emprega-se a forma por-
tugueza mal: — maldizer, malfade)', malcriado, maltra-
tar. . .
menos ( = lat. minus) : menospre:{ar (l. minus-pre^
tiure ), menoscabo, . . .
V, des (descrer, desprezar. . .)
c) — Negativas
In. — Part. inseparável; significa impuridade, indigni-
dade.
Entra principalmente na composição das palavras de
origem clássica : assimila-se ao /, m, r, (//, im, ir.)
Desde o século XV que substituiu a negativa não nos
compostos, e o seu emprego é hoje familiar, e quasi po-
34
266
pular. Combina-se com substantivos, mas principalmeme
com adjectivos e participios : — ingralidão, irreligião^ tn-
calculáveis incauto^ inconsiderado^ inconsulto; illegal,
immoral^ irregular .
Raro deixou de ser observada a regra da assimilação : —
inristar (envhtss).
IVão : — não ra^ão.
Composição propriamente dita
12. — Já vimos a formação por prefixos; estudemos
agora o segundo processo em que os vocábulos unem-se
sem signal de relação, soldam-se, terminando por uma
única desinência que pertence á palavra inteira, e dá -lhe
unidade .
i3. — Muitos compostos latinos já passaram para o
portuguez como palavras simples [infante^ de infans^ tis=
in não -{- fans fallante ; amanuense == a manu ensis ; ouro-
pel ^auripellis^ de auri pellis^ folha de ouro, etc.
i4. — Os compostos são logicamente phrases descripti-
vas abreviadas ; as idéas representadas pelos dous ele-
mentos reduzem-se a um único signal que muitas vezes
encobre as suas relações.
i5. — Este processo não é propriamente latino: mas
deu ás línguas romanas grande numero de vocábulos, em
que o determinante pode preceder ou segnir o determinado
[mãi pairia^ mestre escola^ café concerto, paletot sacco).
i6. — Si as palavras acham-se juxtapostas, cada uma
delias conserva a sua accentuação ( arco-iris^ porta-lapis ) :
mas desde que se opera a fusão dos dous termos, o i*^ : vai
pouco a pouco perdendo a accentuação, até que por fim
perde -a de todo ( pedestal ^ mordomo ).
i7. — Os compostos são synlaxicõs ou asyntacticos con-
forme as relações em que se acham. Em geral, é asyntactico
o composto em que o i* elemento é um thema.
267
i8. — Na composição propriamente dita notam-se qua-
tro processos — o de concordância ( ou coordenação ), de
subordinação ( ou dependência ), verbal^ zomp articulas.
a ) Compostos de concordância ( syntaxicos )
19. — O determinante é um subst= ou adj. em relação
syntaxica de concordância com o termo principal.
1° Subst. + subst. : — beira mar, varapáo. Os dous
substantivos acham-se em relação de concordância, e o
ultimo determina o primeiro appositivamente. Nos com-
postos por apposição os substantivos ainda podem vir
ligados pela preposição de : — jui^ de pa{, inspector de
districto.
O determinante segue, em regra, o determinado : — /ol>ís homenij
gotnma lacca ou arabicUj couve Jiôrj papel moeda j etc. : precede-o ás
vezes : — mãi-patriaj madrepérola.
2,° — Subst. H- adj. e vice-versa. — boqui- aberto fant.
bocaberto, em Gil Vic. boqui amcho), cabisbaixo.^ pon-
te-agudo . . .., menoridade, baixa-mar, gentil-homem .
O adjectivo acha -se na relação attributiva com o sub-
stantivo.
Geralmente o determinante precede o determinado :—
primavera., gentil-homem., salva- guarda., clara-boia, plata-
forma., santo-padre., santa-sé., baixa-mar., baixa-latini-
dade, bom- senso alio-mar (mar alto)., novo-mundo., Santa
Egreja... São muitas, porém, as excepções: — canto-
chão., bancoroto., Espirito- Santo., idade-media., republica.,
ponte- pênsil ou levadiça., sangue-frio., fogo-fatuo., guarda-
nacioncil., senso-commum., terra- firme., terra- santa ( Pa-
lestina), etc.
Si o adjectivo for de numero, determina o substantivo, e
precede-o sempre : — tridente., triangulo., quadrúpede., qua-
drilátero., semana., (septi mana., sete manhãs}., centopéa.,
binóculo^ centimetrc, milligrammo., primogénito .
268
d) Compostos de subordinação
19. — Nestes compostos o determinante é um substan-
tivo em relação de dependência, regimen directo ou com-
plemento com o determinado.
I.° SUBST.+VERBO ou ADJ. VERBAL — Viandante^ logãV
tenente.
2.^ SuBST. H- suBST. : — viaducto^ ourives (aurifex)
ouropel (auri pellem)^ salmoura (de sal t muria)^ petróleo
(áo. petrae olum)^ quartel -mestre^ terrapleno^ lerremoto. . .
O 1° substantivo em todos esses exemplos está em geni-
tivo. Exceptuam-se: — condestavel^ mappamundi^ banho-
tnaria .
c ) Verbal,
20. — Formam-se de um verbo no imperativo ( ou 3^
p. sing. do prés. do Ind. ) seguido do seu comple-
mento .
Os dous termos acham-se em relação de dependência:
o principal é um verbo, o complemento é um substantivo,
um adverbio, ou um outro verbo também no impera-
tivo.
1° ) VERBO + SUBST. — Raro vem o complemento pre-
cedido de preposição ; ás vezes os elementos fundem-se,
outras conservam-se distinctos : — batibarba^ferefolha^
beijamão, sacarolha, saca-trapo, porta-voz^ guarda-pó,
para-raio^ beija -flor^ valha-coulo, passaporte, porta-estan-
daríe, tira-pé, girasol, serrafila, etc. .
A esta classe pertencem os gallicismos : — abat jour ( quebra luz )
cache-ncz, rcndcz-vous .
2°. — SUBST. + VERBO : — parricida, carnijforo, som-
viambulo, ..... pedicura .
3". — VERBO 4- ADV. . — passavanle, piixavaníe .
4°. — VERBO -f- \ERBo : — vaivcm, ganha-perde, luie-
lu{e, bule bule, dicemediceme, etc.
26o
Esta composição é muito fecunda, e só a linguagem
popular deu -nos vocábulos em numero passante de 5oo.
O infinito é um verdadeiro substantivo: — o poder j o jantar j os
teres j os viveres .
Do part. presente formaram-se adjectivos, que mais tarde torna-
ram-se substantivos: — a coiistitíii)ite_, o amante .
Do part. passado formam-se substantivos, geralmente do género
feminino, e esta formação é mui fecunda : — vista j tomada j cscripta,
d) Cojii paniculas .
21 . — Prep. ou AD^^ + subst.: — contra veneno ^-ante-
manhã^ ante-braço^ parabém^ sem raião^ contra ordem^
sobresalto^ entre acto, ultra-mar, entrecosto, sobre-pelii,
jnce - almirante, sub - secretario .
Este processo da formação já existia em latim: — pro-consu/j inter-
valluvi; 1. pop. in ódio, etc., com o x» termo adverbio, também se
encontram exemplos : — 2Cíi\.t-peaèSj post-^enitus,
— Dos advérbios formam-se substantivos, por meio de
ellipse : — o melhor, o bem, etc ... .
//. Formação de adjectivos
22. — O portuguez forma adjectivos pelos mesmos
processos que emprega para a formação de substantivos,
i . e . , — pela composição e derivação .
Forma pela composição :
I .° Ajuntando dous adjectivos simples : — rosicler, surdo-
mudo, agro-doce, verde -gaio ;
2.° Juxtapondo um adverbio a um part. passivo : — bejji-
quisto, bemáito, ?nalcr ea.do.
Temos pois também compostos juxtapostos e crystalli-'
sados.
Exemplos de juxtaposição temos nas formas numeraes :
i>inte e dous, etc .
3.° Antepondo certos prefixos aos adjectivos, modiíi-
cando-lhes o sentido.
270
ITI. Formação dos verbos
23. — o portuguez segue para a formação dos verbos
os mesmos processos que para a formação dos nomes.
Pela composição, antepondo um siibstantipo (raaficar,
manohvdcc^ caval^ds. . . .), um adjectivo empregado adver-
bialmente {purijicar * , doeiítar^,,.) ; uma partícula (adv.)
/ríjwsluzir, wa/tratar, antever. . . .)
24. — Os prefixos latinos que entram na composição
dos nossos verbos já foram citados quando tratámos do
Sub. e do Adject.
Atroar, Amover, Apegar ; Absolver, Abjurar, Abjurgar
(f. erud.) ; ABster-se, ABStrahir ; AccEder, ANnotar ( ad
lat.)
ANTEpôr, ANTidatar ; BEMquerer, BE.Mquistar (pop) ; Bi-
partir ; ciRCUMdar ciRCUMScrever ; coMprometter, coMplicar ;
coNTRAdizer coNTRAfazer ; Dsmitir, DECompor ; OEsamparar,
DEsempatar ; Divagar, Dispor, Discorrer ; EMpoar, ENrama-
Ihetar ; ENTRElaçar, ENTREabrir (pop.); Equiparar, equi-
librar ; Escorrer, Espalhar ; Excavar, Exclamar ; inteiyôr
iNternar, iNTRometter ; MALdizer MALtratar (pop.), obscu-
recer ; PERfurar PERCorrer ; pospor pospontar ; PREdispôr,
PREdizer ; pRoclamar PROtahir ; REalçar, REbater RECom-
pensar REConstruir ; RETROceder RETROgradar ; suslinhar
suBScrever suspender ; soBREpôr, soBREvir, TRANspôr
TRANspassar xREslêr ; ULTRApassar, etc .
25. — Ha nomes compostos de phrases, cuja formação
não se subordina por sua irregularidade a uma classifi-
cação : — mal me quer., aqui d' El-Rei., salve-se quem
puder., etc . Outros formam-se pela reduplicação : — naud.^
mifiu\ etc.
' São muitos os derivados com ficar, quasi todos de imp. latina. Ftati-
ficar e ramificar, quo na opinião de um grammatico não teem corres-
pondentes em latim, são reproduções do lat. \ulgav-ratificare, ramificare.
Temos f. pop. — bestifícar.
271
26. — Temos também compostos importados de línguas
estrangeiras : — visà-ins^ casse-têíe^ hors d'oeuvre^ burgo -
mestre^ feldpath^ landwehr^ caparosa^ bulldog^ beefsteak^
sieeple chase ; saltimbanco, /iligrana^ salsaparrilha, oran-
giUango, etc . . .
Género
27. — O género dos nomes compostos é sempre o da
palavra principal : — a grã cruz, o canto chão. Os com-
postos verbaes, são essencialmente masculinos — um
guarda prata, um salva vidas. Os compostos com par-
tículas são sempre (excepto quando nos referimos a uma
mulher e animal fêmea ) masculinos, si ellas forem pre-
posições ; mas si forem advérbios, o género deve ser o
mesmo do subst. determinado: — uma contra marcha,
um contra peso, um ante braço.
Numei^o
28. — Os nomes compostos formam o plural de accôrdo
com as regras a que estão sujeitos os nomes simples desde
que os seus elementos estiverem fundidos (ferro-vias).
Quando, porém, os termos conservam-se distinctos, a
formação do plural depende dos elementos componentes :
só o subst. e adj. — é claro — são susceptíveis de flexão
numérica.
Nos compostos de adj. -h subst. só este toma signal
de plural. Excep. — genttl-homem, que faz gentis homens,
mas que no Sec. XVII ainda seguia a regra geral : geniil
homens escT&vtu Vieira.
Nos compostos de dous adjectivos, só o 2° varia : —
medico - ciru rgicos.
Em relação de subordinação ambos os termos tomam
signal de plural : — couves-Jlores (subst. -f- subst.), pro'
cessos verbaes (subst . + adj . ) .
272
Em relação de dependência, só o termo principal pôde
ter plural : — quartel -jnesíres.
29. — São em pequeno numero os adjectivos com-
postos : formam-se de dous adjectivos ou de prefixo c
adjectivo.
No 1° caso acham-se em relação de coordenação
(agro-doce^ surdo-mudo) ou de subordinação (recem-
nascido) . Temos mais os que exprimem cor, que são susce-
ptíveis de flexão, excepto quando um delles determina
o outro .
A' classe dos compostos de coordenação pertencem os
nomes de numeroe cardeaes — de:{Otio^ inníe quatro, ttc.
29. — Nos verbos compostos o elemento determinante
pôde ser um substantivo ou um prefixo ( manter^ ma-
nobrar ) . A esta serie pertencem os verbos formados de
um substantivo ou adjectivo e de /acere ou Jicare, hoje
verdadeiros sufHxos em todas as línguas romanas ( per si -
ficar, forti^cav ) .
Si o determinante fôr um prefixo, a palavra principal
é um verbo, um subst. ou um adj.: — repor; em-pedrar
( comp . parasynthetico verbal ) .
Compostos com elementos gregos
3o. — Alguns nomes já nos vieram compostos do
^vtgo [acrobata^ de .acros ponta, e bainein andar); am-
phibio^ de ampho dupla e bios vida ; amphibologia, ana-
gramma, acephalo^ amphitheatro^ cosmographia^ caco-
phonia^ apologia^ architecto^ dissyllabo^ dyspepsia^ aS'
irologia^ aristocracia^ synonymo^ synagoga^ encephalo^
metamorphose^ epidemia^ prolegomenos^ etc; outros, e
estes mais numerosos, formaram-se eruditamente, e não
teem correspondentes no grego : — typographia^ agerasia,
arcipreste, ecchymose, enostose, ea^ophthalmia, anemia,
anemoscopio, philologo, attthropologia, necrotério, tele-
273
phone^ ielegrapho^ kilometro^ pariamho^ synaniho^ hypo-
carpo ^ etc.
Nas sciencias é que mais abundam estes compostos,
cujos elementos formadores podem ser partículas ( prep .
ou advérbios ) e palavras .
Tarticulas
A, AN ( áv, á = l. in). Part. privativa; prefixo ne-
gativo : — acephalo^ acaule^ aiheo^ aphonia^ atropina^
anonymo^ etc.
AMPHi ou AMPHis ( à [x íp t = ambos, 1. ambi ) : — am-
phibio^ amphitheatro ; amphisbena^ amphiscios.
ANA, AN ( á V á, á V , equivale prefixo re ) — Indica
repetição, sign . de novo, sobre : — analogia^ anatomia^
anabaptista, anachoreta^ anachaiarttco^ anagogia^ ana-
dema^ anamorphose ( comp. port. — mudança de
forma ), etc.
ANTI ( áv T t = l. a«/e). Denota opposição, etc : —
antídoto^ antípoda^ antipathia^ antithese. Com adjectivos,
forma muitos parasyntheticos ( anti- febrífugo^ anuna-
cional ). etc.
APO ( á Tt ó = 1 . ab) — Indica posição superior, afas-
tamento, origem: — apologia^ apocope, apostrophe^ apo-
plexia, apophonta etc.
Archi (ã p X t — commando, primazia : é adv.) Indica
superlatividade, preeminência : — archtduque, archanjo, ar-
chiteto, . . . (oligarc///í7, heptrarc/i/j, arcipreste, archipres-
bjtero, etc.
E' o único prefixo grego empregado na formação de
vocábulos populares.
Cata (x a t á, contra, sobre, sob, por). Indica ordem —
catalogo; perturbação — cataclysmo, catastrophe. Entra
na formação de muitos vocábulos eruditos : — catachese,
catacumba, catar acta, catalepsia, cataphonico, etc.
274
Dia (8 i á — 1. dis ; através, por entre ; por causa de):
— diâmetro, diapham, diatribe, diagnostico, di.ilogo, dia-
phragma, etc.
Dis (duplo) : — dissyllabo.
Dys, (S ú ç — pref. adv. pejorativo). Significa difficul-
dade, falta, ummal, máo — d^^spesia (má digestão — dus
difficilménte e pepto digerir) ; dysorexia (falta de appetite),
djsuria (difflculdade em ourinar), djspnea, djsenteria,
dyscrasia, dystalia, ( difficuldade no fallar — dys e talein) .
Ec, Ex ( é £ X — I. e, ex ; — de, fora de) :— êxodo,
exógeno, exanthema, eclipse, écloga, ecchymose (eflfusão dos
humores sob a pelle), etc.
En, em (e V — 1. IN.) Indica tendência para dentro : —
encephalo, endógeno, enthymcma. emphase, embryão, en-
démica, enthiisiasmo, enostose (en e octeon osso), etc.
Epi — EP, EPH (e 7r t). Sign. sobre, perto de. — epitaphio,
epidemia, epigasiro, epigraphe^ epilogo, ephemero, epi-
craneo, etc.
Endo (dentro) : — Comp. vern. — endocephalo.
Eu (adv . e o, bem) : — euphonia, encharistia^ evangelho^
euchromo^ (que tem bella cor), etc.
Exo (para fora) : — exotérico, . . . exophthalmia (sabida
do olho fora da orbita), etc.
Hemi (vi {jl 1 t u, 1. semi): — hemispherto, hemicrania,
hemistichio, hemiplegia .
Hyper (u tt Ip, 1. super.) Indica superioridade, excesso ;
sign. acima, além : — liyperaspista, hypercritico, liyperbole,
hjperthrophia, etc.
Hypo, hyp ( u t: ô ,lat. sub) : — Iiypocrisia, hypocondrio,
hfpogasiro, hypoiheca^ etc. Denota ás vezes insufficiencia,
— hyposulphitroso.
Mega ({í tí y «, pref . qual. — grande): — megametro,
megacephalo^ megatherio .
Meta, met. ((x e x á, com, depois, acima, entre, conforme
a palavra que segue : sign . successão, mudança, transfor-
•275
mação) : — metamorphose, metaphora, metaphysica, me-
tliodo, fjieiacarpo, iiietachronismo (erro de data), etc.
Para, par ( Trapa — ao lado de, perto de ). Indica paralle-
lismo, comparação, tendência : paralogismo, parodia, pa-
roxismo, parallelo^ parasita^ paradigma, etc.
Peri ( r£çt — 1. per ; em redor. Em composição sign.
muitas vezes o mesmo que circiim ) : — perimeíro, peri-
phrase, pericárdio, pericraneo, peritoneo, perianiho ( peri e
antho flor, invólucro da flor ), etc.
Pro ( rpo — 1. pro., prae ) Indica anteposição : — pro-
gramma, problema, prognostico^ prophy láctico^ progna-
ihismo^ prologo.^ proifpographico (anterior á typographiaj
etc.
Prós ( ■Jtpóç — perto de, para ) Indica tendência para um
logar ou cousa : — prosel}'to, prosódia, prosthese.
Syn, 5/w, 5;^/, sj' ( (TÚv, (Tutx, (pfk., (TU — 1. coii^ port. com).
Indica ajuntamento, simultaneidade : — synagoga, sympa-
ihia.f symphonia., sj-meiria, syníaxe., s/tionymo^ synchro-
nismoy systema., syi^ygia, etc.
b) Palavras
Acro ( extremo, cume j ; — acrobata, acroteno., acró-
stico, acrópole...
Anthropo (homem ) : — antrhopophago, anthropolo-
gia, anthropomorphismo .
Anemo ( verbo ) : — anemómetro.^ anemóscopo.
Auto ( por si mesmo ) : — autonomia., autocrata, auto-
grapho, aiitonofjio., aiitobiographia.
Baro ( peso ) : — barómetro., bar/metria, .
BiBLio ("livro ) : — bibliotheca, bibliomania, bibliophilo.,
bibliographo .
Bio ('vida) : — biographia, biologia, biometro, etc.
Caco ( máo ) : — cacochymo., cacographia., cacophonia,
cacologia.
276
Cephalo (cabeça): — ceplialalg-ia^ cephaloide^ cephalo-
tomia.
Chiro (mão) : — chirographia^ chiromancta^ duro-
logia, etc.
Chromo ( cor ) : — chromolithographia^ chromophoro^
etc.
Chrono (tempo) : — chromca, chronologia^ chrono-
metro .
Chryso, cryso (ouro) : — chrysocalo^ chrjsocomo^ chrf-
solitho^... chrisma^ crysalide.
Cosmo (mundo) : — cosmogonia^ cosmographia^ cosmo-
polita^ cosmorama^ etc.
Crypto (occulto) : — crypíographia^ cryptogamo^ etc.
Cyano, cyan (azul): — c/anhydrico, cyanogeno.
Cyno (cão) : — cynocephalo^ cfnegetica^ etc
Cyclo (circulo) : — cydolitho^ cfdoptero^ etc.
Gysto, cyst (bexiga) : — cystocele^ cystalgia^ etc.
Demo (povo) : — democrata^ democrilo^ demagogo.
Deca (dez) — decálogo, decagoiio., etc.
Endo : — endosmose. . .
Electro (electricidade): — electro-dynamico, electro'
negativo, electro geno, electroscopo.
Entomo (insecto) : — entomologia, entomo'{oario, enío-
mophago .
Etho (costumes) : — ethnographia, ethologia, ethopéa.
Exo: — exosmose.
Galacto (leite) : — galactophoro, etc.
Gastro, gastr (ventre, estômago) : — gastralgia, gaS'
tronomo, gastro-enterite etc .
Geo ( terra ) : — geographia, geometria, geologia,
geodesia, etc.
Gymno ( nu ) : — gymnospermia, gymnosophista, etc.
Gyn, gyneco ( mulher ) : — gynecocracia, gynandria.
Heli, hélio (sol) : — heliographia, helioscopio, lie-
liotropo, etc.
277
Hemo, hema, hè.mato ( sangue ) : — hemorragia, he-
moptfsis^ hemaiiiria^ hematocele, IiemorrJioides, etc.
Hetero ( outro, diverso ) : — heterodoxo^ heteróclito,
heterogéneo .
HiERO, HiER ( sagrado ) : — hierogljpho, hierar-'
chia, etc.
Hippo, Hipp ( cavallo ) : — hippiaírica, hippodromo,
hippogriffo, Hippolttho, hippopotamo, etc.
HoMEO { egual ) : — hoiUiXopathia.
Homo ( o mesmo, semelhante ) : — homogéneo, ho-
mologo, homonomo, etc.
Hydro, hydr ( agua ) : — hydrographia, hydro-
mancia, hydromel, hydrocephalo, hfdrogeneo, h/dro'
iherapta, hydropesia, etc.
Hygro (húmido ):— hfgroscopo, hygrometro, etc.
IcHTYO (peixe) : — ichtjologia, ichty ophago, ttc.
IcoNO ( imagem ) : — iconoclausía, iconolatra, icono-
graphia, etc.
Ideo (idéa): — ideographia, ideologia, ideogenia.
Idio ( próprio, particular ) : — idiogyno, idiopathia,
idiosyncracia, etc.
Iso ( egual ) : — isotherme, isocele, etc.
LiTHO ( pedra ) : — lithographia, lithographo, litho-
timia, liíhotricia, lithologia, ete.
Macro (grande): — macrocephalo, macroscomo, etc.
Micro (pequeno) : — microcephalo, microcosmo, mi-
croscópio, mtcrosoario, micographia, etc.
Meso, mes ( que está no meio ) : — mesenterio, meso-
carpo. Mesopotâmia, etc.
Metro (medida) : — metrologia, metronomo.
Miso, MIS ( que odeia ) : — misanthropo, 7iiisogamo,
misogcneo .
Mytho (fabula): — mjthologia, mythologo, etc.
Mono ( um ) : — monomania, moitomio, monopólio,
monorima^ etc.
278
MoRPHE ( forma ) : — morphologia .
Neo (novo) : — neophyto^ neologia^ neographo^
neomenia^ etc.
Nevro ( nervo ) : — nevralgia, nepropiero, nevrosthe^
nico, nevrotoniia^ etc.
Noso ( doença ) : — nososrraphia, nosologia^ noso-
genia^ etc .
Nycto ( de noute ) : — nyctobato^ nyctographia.
Odonto ( dente ) : — odontalgia^ odontologia, odon-
toide^ etc.
Onoma ( nome ) : — onomástico, onomatopéa, ono-
maneia .
Ophi, ophio (serpente) : — ophidico, ophiolitho^ etc.
Opthalmo ( olho ) : — ophiabnta, ophialmotomia,
ophtalmoscopio, etc .
Ornitho ( pássaro ): — orniihologia^ ornithoinancia^ etc.
Ortho ( recto, certo ) : — orthographia^ orthophonia^
orthodóxo, orthopedia, etc.
Orycto (fóssil): — oryctotechnia^ ory etologia^ etc.
OsTEO (osso) : — osteologia^ osteoscopo, osteoiomia, etc.
OxY (acido-chimica ; agudo — hist. nat.) : — oxygeneo,
oxymetria^ oxyphonia .
Paleo, paleonto (antigo): — paleontologia^ paleogra-
phia^ paleo^oologia^ etc.
Pan panto (tudo) : — panorama^ pantheismo^ panto-
metro^ pantomima^ etc.
Penta (cinco): — pentametro, pentágono, etc.
Pathos (moléstia) — patliologia.
Philo, phil (amante): — philologiã, philanthropo, phi-
losophia, philomatico, etc.
Phlebo (veia): — phlebotomta, phleborragia, etc.
Phono (voz) : — phonologia, phonographia, phono-
metro, phonação, phonema, etc.
Photo (luz) : — photographia, photometro, photobia, etc.
Phos (id) : — phosphoro, etc.
2 7y
Podo (pé) — podopíero, podagro^ etc .
Physio (natureza) : — physiologia^ physionomi.i^ etc .
PoLY (muito): — polysfllabo ^ poljrtheama^ poly-
clinica^ e/c.
Pseudo (mentira, engano): — pseudonymo^ pseudopro-
pheía^ etc.
PsYCHo (alma) : — psychologia^ ps/chtco, psychiatria^
psychoguosia, etc.
PsYCHRO (frescura): — psychromeiro.
Pyro (fogo) : — pyrometro^pyrophoro^pyrotechnia^ etc.
Proto (primeiro, principal): — prototypo ^ proto-
nauta^ etc.
Phren (cérebro) : — phrenologia^ phrenetico^ phrenesi^
phrenttis .
Rhino (nariz) : — rhinalgia^ rhinoplastia^ rhinoceronte.
Semeion (doença): — semeiologia^ semeiotica.
Stereo (solido) : — stereoscopto^ stereometna^ etc .
Strato (exercito) ; — estratégia, estratagema, estrato-
cracia^ etc.
Tele (longe) : — telegramma, telephone^ telegrapho,
telescópio^ etc.
Tetra (quatro) : — ieíraedro, tetrarchia.
Thera (cura); — therapeutica.
Theo (Deus) : — theocracia^ theodicéa^ theologia^ Iheo-
phtlo^ Jheocrito^ etc.
Thermo (calor): — thertnometro^ thermal.
Topo (logar) : — iopographia^ topologico^ etc .
Typo (modelo) : — íypographia^ typomania^ etc .
Zoo (animal) : — '{oologia^ loophyto^ "{oographia^ etc.
Os nomes de números gregos entram em composi-
ção de muitos vocábulos : — mono, dts, tn\ tetra, penta,
hex, hepta, odo, ennéa, deca (lo), endeca (ii), dodeca
(12), icos (120), herato (100), kilo (i.ooo), myria (10.000),
poly — muitos, hetni — meio, proto — primeiro, dento
dentero — segundo, trito — terceiro .
28o
3i.— Desde os primeiros tempos da lingua (Sec. XII e XIII)
que apparecem compostos vernáculos : — iiengunOj sobrecabadura
(F. do Cast. Rod. 2. IX), semrazovij ouVroinevi, niaPsoffrcdorj
desamor j dcsaqui (Canc. Vat.), grand^a/go ric^oiiiein , euvoí-
iuradOj..., e grande numero de toponymicos e antonomasticos {Vyl
— H enrique j Valongo, Jograr Sacco, corpo — dei gado j etc. C. Vat.)
32. — Mais tarde, e principalmente depois do Sec. XVI, apresenta-se
uma nova corrente de compostos vernáculos de formação erudita.
Ebri-festaniej atiriltizcnteSj ambri-odoro , fiimi -fiavi - ruivas j vio-
narc/ti- grapho, doce - ambri - fogo — andeatite, ovini — cores j e/cr no
— maíicoSj ar — delicias j * longe -— vibrador j fitccti — sonantes j aviplo
— reinante j olhi — cernleaj othigaseaj jlaxipedeSj celeripede, * atiri —
t/tronada — Juno . . . ^
» Fil. Elysio — V. 14, 17, 34, 60, 86; VII — 105, etc.
« Od. Mendes 11. U, 12, 14, 16, 25, 37, 120, 132....
^ Mac. Or . Inscreveu um critico (Castilho^ que se a deusa estivesse
seiíLada em unia cadeira de palha ou empalhada, devia-se pois dizer —
palhinha — enearleirada — Juno.
DECIMA OITAVA LICÀO
Formação das palavras em geral. — Derivação
própria e imprópria. — Estudo dos suffixos.
I. — Dá-se o nome de derivação aos processos for-
madores de palavras pelo accrescentamento de um suffixo
a um vocábulo primitivo ( i . e . ao thema como signal
de categoria grammatical) ou pela modificação de sen-
tido. O 1° processo chama-se derivação própria ; o 2°
imprópria.
digua é pois palavra primitiva ; aguadeiro^ aguaceiro^
agitador^ aguar , são derixados.
Os suffixos são de formação popular ou de origem
erudita. Só os primeiros entram na derivação propria-
mente portugueza ; mas alguns de origem clássica são
hoje de uso vulgar, e estão, por assim dizer, nacio-
na Usados, e com força creadora ( escripíurano, instru'
mental^ abolicionista.^ etc.)
Alguns teem dupla forma, uma popular e outra eru-
dita, muitas vezes com significação também dupla : —
juslica. justeza.^ razão r jzão, pritna.no primúro . A forma
popular é geralmente a mais antiga.
O sentido próprio de cada um dos suffixos portu-
guezes revela -se em todos os derivados para cuja for-
mação elle concorre ; mas, em geral, o derivado tem
sentido mais restricto que o primitivo. Equivale a um
36
282
substantivo adjectivado ( homenzarrão = homem grande )
ou a um verbo e seu complemento ( estudar =íazer es-
tudo).
O mesmo suffixo pôde ter varias significações. Ex.
— //zreiro, í/w/eiro, primeiro^ limoúvo.
Temos muitos derivados cujos primitivos nunca fi-
zeram parte do nosso léxico ; outros cujos primitivos são
palavras portuguezas já archaisadas ou modificadas na
forma : — «wcluir, transgvQáir, í^epertorio, .... repinicar^
piverada ,
A's vezes, entre o radical e o sufíixo das palavras
derivadas, intercala-se uma consoante euphonica : —
chopisco, florsinha^ cafeteira^ ou uma syllaba que equi-
vale a um sufíixo : — cabellúveiro .
2. — Estudemos agora a formação nominal, que pôde
ser própria ou imprópria .
a) 'Derivação imprópria.
3. — A derivação imprópria' forma substantivos — de
nomes, verbos, e de palavras invariáveis.
i.^ — De nomes próprios, que pela mudança de sentido,
por uma acção psychologica, tornam-se communs; —
macadam^ musselina, cognac, magnólia (de Magnol, botâ-
nico do XVIII), camélia (Gamei, introductor da flor japo-
nezana Europa em 1732), nicotina (Nicot, physico francez
que introduziu o tabaco na Europa), pânico (de Pan),
sardónico, ^ saturnino, caipora, tartufo, quassia (nome de
um negro feiticeiro de Surivem, que em 1 780 descobriu as
propriedade da planta), etc. . . ^
1 Riso causado por uma planta da ilha de Sard«»U», que occasionavu
morte çonvulcionad» pelo riso aos que a comiam.
» Vide Lição 22* e6.» • -
283
2.^ — De adjectivos — Consiste em designar um ente ou
objecto pela qualidade que mais attrahe a attenção : —
dormente, jornal.
Este processo já era vulgar no latim.
O adjectivo pôde também empregar-se substantivada-
mente : — um louco, um pobre .
3.° — Dq jyerbos — Podemos derivar o substantivo di-
rectamente do thema verbal isiibst. iferbaes) ou de uma
das formas nominaes.
a) Da 1® pessoa sing. do Ind. prés. (principalmente
dos verbos da i* conj.) amanho, esgoto., appelo^ am-
paro, .... á imitação do latim da decadência (proba de
probare., liicta de luctarei . «
b) Do Imperativo : — combate.^ degola, esfrega., receita.,
purga, janta.
ci Tio participio presente. Deram adjectivos que depois
se tornaram substantivos : — escrevente, amante, consti-
tuinte, tratante.
Temos muitas palavras em a/itej enie, sem part. prés. corre-
spondentes no portuguez : — ambulante j benevolctite ., peiMlanfe j elegante.
Importação directa.
d) Do p ar ticipio passado. — Esta formação foi muito
productiva : hoje porém vai-se esterilisando : — feito, trás-'
lado., tratado, producto, reducto., entrada, saliida., pista,
insto, escripta, escripto, certificado, rugido, tecido., ge-
mido., etc.
e) Do Infinito. — E' doSec. XVI este emprego do in-
finito, que toma flexão do plural quando, em vez de deno-
tar uma acção (o descambar, o cantar}., representa um ser
ou substancia (os seres da creação., os meus haveres ou
teres, os cantares do povo, os jantares, etc. . .
4. — Não é indiíferente o emprego das duas formas
( invariável e variável ). A 1* indica uma acção dilatada,
reiterada. Cp. o caJtir das folhas e a queda das folhas, o
284
troar do canhão e o irom do canhão, o declinar do dia e o
declinio do dia, etc.
De resto, o infinito é uma verdadeira forma nominal.
Esta propriedade de nossa lingua, era-o também da lingua mãl,
que empregava o infinito dos verbos como sujeito c como comple-
mento directo, quer na época archaica (principalmente entre os
cómicos), quer na prosa dos séculos anteriores : — oò/iíi suni Roniai
loquier lingua latina ; Hic vereri ferdiáit ; ipsuvi crcmare non fni
veteris insíitnii (PI.) ; scire ínnm (Prisc.) ; carere igitnr hoc significai
egere co quod habcrc velis (Cic.^ E também depois de cavcrCj cogiíarc,
adornare, per gere j foriíilarej ttc. A lingua clássica fez menos em-
prego dessa derivação, que todavia foi muito frequente com Ovidio,
Horácio, Sallustio, etc.
5. — Muitas vezes o verbo desappareceu, restando só
para lembrança o infinito ou participio, mas na categoria
da substantivos ; — porvir^ lente .
h) derivação própria
6. — Grande parte dos vários vocábulos derivados já
nos vieram formados do latim ; em compensação o portu-
guez formou muitos novos tomando do latim apenas os
elementos de formação.
7 . — Ha três cousas a considerar na classificação dos
suffixos nominaes — sl forma de derivação (verbal ou no-
minal) ; a naUire:{a ou emprego (substantivo, adjectivo,
coUectivos, nomes concretos ou abstractos, etc); o sentido^
porque os suffixos, como as palavras, teem a sua his-
toria.
1." — As mudanças de forma são devidas á analogia.
Itia é e:{ e\a^ fortaleia fortalitia^ negro dá enegrecer
(intercalação de consoante entre o radical e o suffixo), de
cabello forma- se cakelleireiro (intercalação de uma syllaba
suffixo) .
2.° Alguns suffixos suppoem certas categorias de pala-
vras. Assim, ada supõe thema verbal : — amar^ calçar^ —
amada^ calçada. Com o correr do tempo, porém, quando já
285
na lingua existem muitas palavras formadas com o mesmo
suffixo, e a lei já está esquecida por todos, formam- se
derivados directamente análogos sem mais se indagar da
forma thematica que lhes corresponde . E accresce que
muitos suffixos teem vários empregos : inchaço tem por
base um verbo ; poeiap, um substantivo .
3.° — A's vezes o suffixo muda de sentido, e^/za denota
uma reunião de pessoas ou cousas, e hoje mais tem sentido
pejorativo : — gentalha^ canalha.
a) Substantivos derivados de substantivos
8. — São numerosos os suffixos portuguezes desta
categoria, uns derivados do latim, outros do próprio génio
da lingua, e servem para formar nomes concretos e
abstractos .
Aça. — Indica quantidade : — fumaça^ vidraça, vinhaça.
Aço ( — do acc. acem dos nomes em ax). — Denota
augmento : — cartapaço, espinhaço^ estilhaço. A^s vezes
com sentido pejorativo. — poeiaço, senhoraço.
AcEo (accus.) — Este suffixo foi adoptado em botânica,
no feminino, para a designação das flores .
Ada fl. actus, a, m.} — Indica : i°, grandeza, numero,
extensão, golpe, acção — cumiada, fachada., pedrada,
cabeçada, facada ; 2°, reunião, collecção de objectos da
mesma espécie — arcada, rapaziada, barricada, carnei-
rada;3^.f tempo — alvorada., noitada; 4°, productos do
primitivo, derivados de fructos — mannelíada., goiabada,
limonada.
Encontra-se em alguns nomes derivados do grego : myriada
(numero de dez mil)^ Iliada ( poema sobre o Illion ), e por imitação
Hciiriadaj LiiziadaSj Messiadn.
Ade (accus. 1. atem dos nomes do 3^ dec. lat. em as) : —
irmandade, animalidade., mortandade . . .
Ado, ato ^1. atus.) — Indicam cargo, dignidade, pro-
fissão. O 1° é de origem popular : — reinado, bispado.
286
consulado. . . ; o 2*^ de origem clássica : — generalato^
bachalerato, baronato, ant. baroado.
Cp. baronato baronia.
Agem (\. aticum, at''cum.) — Indica : i°, coUecçao de
objectos da mesma espécie — folhagem., plumagem ;
2°, estado — aprendizagem ; 3^, resultado de uma acção —
ancoragem, lapagem. ^
Estes nomes, em numero de 3oo pouco mais ou menos, são pela
maior parte novos e sem correspondentes em latim.
Al (\, alis. elis.) — Indica extensão, quantidade, ou
objecto material que tem o mesmo sentido expresso pelo
thema nominal : — colmeal, areal, lamaçal, dedal, memo-
rial, pombal ; e quasi todos os nomes de plantações —
cafesal, inhamal, capinsal, faval.
Alha ^"1. alia) : — muralha, parelha. Tem também sen-
tido collectivo, e ás vezes pejorativo : — gentalha, canalha.
Ame, ume ( Pop . — 1 . ame ) — Indica numero, col-
lecção, intensidade — velame.^ cordame.^ correame., quei-
xume.
Anha — ( 1. anea ) — Só entra na formação de alguns
nomes femininos com significação concreta — montanha.
A5 (lat. onem, anum^ nom. anus^ etc. ) Indica —
além de maior intensidade e superlatividade — (pg. i8i );
agente, profissão subalterna — centurião., histrião., cirur-
gião ( antigamente de categoria inferior ao medico ),
ladrão .
Esta derivação, pela etymologia, abrange a forma em
— ano: — africano., romano (origem) : dominicano., re-
publicano (seita, profissão), parochiano, lutherano.
Ária {arius, a, um). Indica i°) collecção de ob-
jectos, quantidade : — livraria^ vo^eria^ grtíatia, esca-
* A acção está expressa na \/ o^. — Lê-se nos Ined. d'Alcob. Tomo 2o,
pag. 7 :— « E posse Adam a sua mulher nome e disse : esta será chamada
Virago, que quer dizer feita de barom.»
287
dana ; 2° ) otHcina, domicilio, estado : — confeitaria^ dro-
garia^ chapelaria ; hospedaria^ albergaria^ celibatário ; 3° )
acção — ventaneira^ choradeira .
Ario, eiró ( arius^ aris^ erium ) . — Ambos indicam
individuo que exerce certa profissão : — estatuário^ bo-
ticario^ lapidario^ carpinteiro^ porteiro^ cosinheiro. * A
i^ desinência, de forma erudita, indica profissão mais
elevada que o suffixo eiró. ^ Este, de forma popular,
indica — 1°) nomes de arvores e plantas: — limoeiro^
mamoneiro^ cerejeira ^ )\ 3° ) intensidade, extensão : —
aguaceiro^ luzeiro \ logar onde se guardam certos objectos
( expressos pelo radical) : — celleiro^ gallinheiro^ tinteiro^
idéa -esta também indicada pelo sufíixo ario ( de arium ) :
— armário^ herbario^ erário.
Os antigos, assim como diziam, transpondo as lettras, — : con-
írairOj adversairOj também diziam, menos se afastando do typo la-
tino : — forcairo ( porqueiro ), caprairo ( cabreiro ), caldario ( cal-
deiro ) etc .
Este suffixo é muito productivo : — O erudito ario
tomou tal extensão na linguagem vulgar, que forma pa-
lavras com radicaes partuguezes : — annuario^ horário^
inventario .
Oppõe-se a ante : — mandante mandatário ; a j/ —
original originário -^ a oso — tumidtiiario tumultuoso.
Asio (azio). — Significa extensão, augmento : — ba~
lasio, copasio.
Az. — Indica augmento, intensidade: — carta:{., mon-
tara^., Saíana^. Temas vezes sentido pejorativo : — rfíZM-
çara:{^ 77iachaca:{.
*) ladividuos que fazem, produzem, fabricam, os objectos indicados
pelo radical.
*) Cumpre advertir ha certa differença na significação das desi-
nências — ARIO, KiRO, OR, ADo, comquanto todos indiquem cargo, prvfissão
— Ario denota posição inferior, eiró ainda maia inferior ; or e ado. ato
alta dignidade, posição elevada, etc.
*) Isto é — productores de tal e tal fructo.
288
ferfma.v,/a//ax, etc. ''"''''''"''' ^ ^ ^s ant.gas formas :- ^.,-/^^-^
Bulo, culo, bro, cro - Dos suffixos latinos-
bulum, culum (arch. dum) As r- formas são de
ongem erudita. Ex. : ^ ihuribulo, paUbulo, vocábulo
cenáculo, candelabro, sepulcro. ^«^^^«/o,
O de origem popular tem a forma agre :- milagre
(miraculum ). muagre
.«/.^;!;^a;lr^ e já no latim c,„„^
CiDA (lat. a^^ -matador) :- homicida, regicida
parricida etc. 5*«-^^«,
Cola {\^x. cola) :- I„diea profissão agraria •-
agricokt, vinicola, ; habitação :- arvicola, monticola,
Eço,-A, iço,-A, oço,-A.-São varíacões do suffixo a^^o
e correspondentes ás desinências latinas -.A^,./v-oy
Indica augmento, muitas vezes com sentido pejorativo-
movimento : — cabeço, alvoroço.
Dade (accus. atek nom. ^m tas) :- autoridade, mater,
metade, irmandade, sociedade. (V. ade).
EiRo — V. ario.
Eira -Corrupção de ária. Indica extensão, colleccão
arvoredos, plantas, etc: sementeira, parreira, hananTa.
^ícT3^^^, Tdica^ír.wr ^--'^em correspondente
no masc,
donde a expr^sãrvú W ^//. T"'/ f^''^''^'^^'^^ - "mulher dissoluta'
pai conhecido) "^^'' '~^'^'' '^'' ^"''""'^ ?' «^^0 de meretriz, sem
EDo(I.e/«;;^;-. Denota coliecção, produccão, gran-
deza; e junto dos radicaes dos nomes de vegetae forma
substantivos indicando trato de terra plantado da espede
de arvores designada pelo radical (=al, eiró) .- arvoledo
penedo, olivedo, vinhedo . '
289
Ez, EZA, ISA, ESSA (1. tssa ittã) . — Os três últimos
formam somente o fem. de subst.: — princeia^ poetisa^
abbadessa. Indica posição, cargo e a origem, habitação
{burguei, francei) . A forma e- é muito empregada para al-
guns nomes de povos — Carihagine^, lngle:{. Português. . .
e ainda de habitantes de certas cidades francezas — Mar-
selhei, Bolonhe:{.
Ia — Indica: i°, acção própria do individuo indicado
pelo radical : — raparia ; 2°, cargo e o logar em que é exer-
cido — abbadia^ recebedoria, thesouraria .
Io — Indica collecção : — mulherio, rapa^io; estado, qua
lidade — poderio, sombrio .
Ico — Ind. origem, seita, communidade, profissão : —
musico, esloico.
Ina (1. ina) . Indica officio, profissão, logar onde elles
são exercidos, habitação : — medicina, disciplina., officina.
A forma masc. wa deu, modificando -se em tn/io, o subst. capn-
chitiJio.
IsTA (1. ista^ gr. istes). — Indica emprego, occupação —
oculista, dentista, sacristã., copista., jornalista. E' esta a
terminação dos nomes de pessoas que tocam um instru-
mento, excepto aquelles que derivam por mudança de sen-
tido, por metaphora (um piston, um tambor) : — flautista,
pianista. Hoje é de grande emprego, e entra também na
formação dos nomes que exprimem os partidários de um
systema, escola, seita ou idéa — abolicionista., socialista.,
mhilista .
IsMO (1. ismus, gr. ismos de isme., espirito) — In-
dica. I", religião, crença, seita, doutrina e também se
junta a adjectivos) — christianismo., islamismo., sebastia-
nismo, socialismo, positivismo., mazhiauelismo^ altruísmo (p .
analogia com egoismo) — 2°, qualidade — brilhantismo , pu-
rismo : — 3°, palavra, locução peculiar a uma lingua ou ci-
dade— gallicismo, hellenismo, solecismo. Forma pois nomes
37
•i90
abstractos correspondentes aos adjectivos em /s/a, /co -
,orZro'noZrl direcu>río ....; logar onde se fa. a acção
canorio,escriptorio, refettono. ,
Sentido pe)or.- chapelorto, camelorto.
c) Substantwosderípadosde adjeclivos.
n_Formam-se accrescentando aos adjectivos os
J;Z-acTado.o cia iade d.o ença e„. e«a. (an-
^■'^'Ili -1'nÍ^ '^^.rriiosa, baixa : - bre.érada,
•''''f:'l'Z:::-lM. q-Udade, estado ..-.e./«ç.-o,
T,fr(^?t).-ln'^'- qualidade, tendencia:-
a»á<»aa, constar^cia, prudência, P''-f'f- , ,^,.
n.nv /a/cm accus. dos nomes lat. da i aeci.
.mTs/MTca qualidade: -forma geralmente nomes
Xtracts -?o»L., felia^^^e. --««^^ - - -"-
°X:riÍrri--dade (..dade) .U^o A inter-
-^:est;i':drsr:xTnií;e7nrír.e.e
..•iáo (G. Vic), variedade vartacao. ... e no bec. Avi
eira^cegiiidade cegueira (cegutce).
. A,ui, porém, o t.e.a deve ser considerado adjectivo, isto d, cabelo
é empre^do no sentido de estumdo.
2ql
Aria. — Indica acção, efleito, próprio do individuo,
idéa expressa pelo radical ; o estado do que exerce estas
funcções, etc. . . : — enfermaria, velhacaria
Ena — De nomes de números : — novena^ quarentena.
Ença . — Significa — qualidade, estado : — doença, con-
7*alescença.
Encia (1. eniia). — Denota qualidade: — prudência.
Ez, tZA (1. iíia). — Indica qualidade, estado; forma
nomes abstractos: — rapide^, fortaleza, surde^., lar-
gueza.
Oppunha-se no Sec. XV a ura, dade: — brande^a p.
brandura, faríe:{ap. fartura, víuvidade p. viuve-{, nuidade
p. nudez,.... E ainda temos exemplos dessa con-
fusão em clareia claridade, lorpe^a torpidade, tristeza
tristura, etc.
Ia (lat. /aatono). — Significa o mesmo que esa: — per-
fídia, monotonia, cortesia.
Iça Icia ( f . pop. accessoria ) ; do lat. itia : — justiça,
preguiça, malicia.
Ice (l.itie) — Indica estado: — patetice, velhice, cal'
vice,
IsMo — V . — subst . de subst .
Mento (1. mentum). — Indica estado, acção: — con-
tentamento, atrevimento .
MoNiAfL monia ) . — Indica acção: — acrimonia, par-
cimonia. Só entra na formação de palavras clássicas.
Orio. — Tem sentido pejorativo — finório, simplório.
TuDE (lat. tutem der. de tus tutis). — Indica estado
qualidade : — juventude solicitude .
Ura (\. ura, 2iX.uv2i } . Idem: — amargura, formosura,
loucura .
Oppõe-se a GR — amargor amargura .
Os substantivos derivados de adjectivos são do género
feminino, como em latim. Exceptuam-se os em — ismo,
mento, orio.
2Q2
c) Substantivos derivados dos jyerbos.
IO. Destes substantivos, alguns indicam a acção ex-
pressa pelo verbo (ada, anca, âo, ção^ (são) ii>o, ela, en) ;
outros, o resultado dessa acção {aço^ ado, ire^mento, ura) \
o agente da acção (or dor^ tor^ sor) ; o logar em que se
passa a acção (eiró, io, ouro, etc J ; a significação do sub-
stantivo no superlativo ^<a!;{'.
Aço (eíFeito) : — cansaço, andaço.
AçÃo. lat. ionem, nominativo io (t-io) (acção). Fórma-se
geralmente com verbos da i^ conj. : — ligação, publicação,
encadernação .
A maior parte destes derivados comp5e-se de nomes
abstractos ; muitos delles — de acção — , tiveram por base
o part. passado latino — effusão intuição.
Agem . Indica "acção ou resultado da acção : — la-
jfagem .
Alho — Exprime cousa masc. que serve de instrumento:
— espantalho .
Anca, ença, anciã, encia (1. aníia entia) . Indica acção,
estado de acção : — forma geralmente nomes abstractos
correspondentes aos adjectivos em ante., ente, inte: — es-
perança lembrança^ mudança ; crença detença ; resistência
concurrencia ; observância vigilância.
Ença encia são as formas populares ; mas temos não
obstante muitos vocábulos de derivação clássica com este
suffixo : — exigência, urgência, adherencia.
Muitos dos nossos nomes derivados em anca não teem
correspondentes em latim .
Ante — Suffixo do part. prés. Indica acção ; profissão :
— marchante, negociante, purgante .
Ao CÃO (são). Do latim ionem tionem c-ionem s-ionem).
Indica acção: — rasgão, canonisação, pronunciação, abolição.
Anda. Forma nomes fem. dos part. futuros latinos :
— propaganda. Except. multiplicando.
■lijó
EiRO OURO (oiro), óRio. — Do latim arium, enum;
oriíim (t-orium, t-sorium, etc . ) Indicam : i '^, o logar onde
se faz a acção : — atoleiro resvaleiro ; matadouro anco-
radouro ; lavatorto, dormitório^ oratório, etc; 2^, o sutf.
orio significa mais o instrumento com que se faz a acção :
— vomitório^ seringatorio ; ?>°^ eiró indica outrosim o
agente : — lavadeiro^ cosinheiro ; 4°, ouro indica ainda
estado : — casadouro.
O a Q o i são consoantes de intercalação frequente
nestes derivados, como já acontecia no latim .
Os formados do supino são, em regra, masculinos —
directoria^ dormitório. . . . Except. — escapatória. . .
Ouro corresponde a ijo — escondedouro esconderijo.
Enda — forma, bem como anda, alguns nomes fe-
mininos de part. futuros latinos: — offerenda. . . Kxct^t.
dividendo.
Eira — Indica acção : — choradeira^ dormideira .
Ela ( ella ). do 1. ela\ indica resultado de uma acção:
— tutda^machucadtlsi, apalpadtla. Nos derivados popu-
lares nota -se a intercalação do d.
Ia (c/a, etc, com os verbos da 2" e 3^ conj.; vidcENCiA)
do latim arta contrahido. Indica acção, resultado : —
berraria^ gritaria.
Ivo ( t-ivo) ( 1. ivus). — Exprime acção, resultado da
acção : — paliativo., recitativo.
Ido (1. itus). — Exprime o resultado da acção: —
rugido, ganido., tecido. Formam-se todos de verbos da
3^ conj. ( part. pass.)
Io (1. ium ). Indica acção, logar onde ella se exerce.
— império., pousio., vaticinio.
Ente — Indica acção, resultado, logar onde, agente.
Suffixo part . , derivado do part . act. lat . em — e«5, — entis
(entem) ; e por motivo desta derivação a palavra a que se
ajunta este suffixo tem sentido de estar, existir : — ausente
(absentem), servente {sQrveniçm)^ precedente, semente
294
A maior parte dos verbos radicaes destes nomes, todos
de origem latina, não existe em portuguez.
Iz — Só temos um exemplo em que corresponde a —
mento: chaman\ (pop. port.)
Men, me. — Este suffixo só apparece em palavras
clássicas de origem latina, taes como — exame^ certamen,
regímen, specimen.
Mento (1. mentum, de minere). Significa acção, resul-
tado : — testamento., ornamento . . . . cumprimento, falle-
cimento, enchimento., aborrecimento, etc.
Muitos já nos foram transmittidos pelo latim : — docii-
mento (de docere., instruir ensinar), alimento {alimenium.,
de alere, alimentar), fragmento (fragmentum, de fran-
gere, quebrar) ....
Forma-se pois como em latim, do presente do Indicativo (Tesfv
mento, documento), ou do supino {detrimento ^ fragmento) .
No 1° caso indica o resultado ; no 2° acção.
OppÕe-se a cão: — fundamento fundação, fragmento
fracção., sentimento sensação., criamento criação., .... anca :
— ensinamento ensinança., etc.
Or (d-or, t-or, s-or;, do lat. — or {t-or, s-or). Indica :
1°, agente — abridor, leitor, imperador, contador ; 2^., logar
onde : — ja^edores^. Uns representam typo latinos (leitor,
injector, ahactor), outros são de derivação portugueza etc.
(contador , fumador . . .}
Cp. — leitor ledor, escriptor escripturario, fumador
fumante, tabaqueador tabaquista, etc .
Orio (t-orio) — V . Eiró .
Ura {x-ura, d-ura). Do latim ura {t-ura., s-ura). —
Exprime o resultado, o eíFeito, o estado — queimadura,
quebradura, captura, sepultura, pintura, etc.
* Na Sec. XIII dava-se está denominação aos qnô eram sepultados no
cemjtefio d« S. João d« Tarouca,
29^
A maior parte destes derivados são portuguezes for-
mados pelo t\po latino : — molhadura, cosedura^ desco}?t'
postura, ....
OppÕe-se a. meti to — ligadura ItgafneJtto, quebradura
quebramento ; acção — fractura fracção, creaiura creação.
II, — As desinências indicadoras de collecçao, além
das que já ficaram apontadas ( ado, ade, edo, io, agem,
ai, ario, eira, mento, orio, ura ), são — alho, -ít, ilha,
ulho, ame, ama, ume, enta, ura.
Temos, porém, muitos nomes collectivos simples :—
bando., mó, chusma^ povo., recua., recova, . . .
Estudemos os suffixos de que ainda não tratámos.
Alho,- a ( ilha ulho ). — Tiram origem : alho,- a,
não da desinência latina — alo, - is — como geralmente se
tem escripto, mas de aculus,- a, -um., sem mais significação
diminutiva ; e do suffixo lat . — alia ; ilha., do suffi . — ilia:,
ulho., de uculum ; — cascalho., sei-ralho ; caniçalha, ca-
nalha ; matilha., camarilha ; pedregulho . São quasi todos
de derivação portugueza.
Ame, ama ume (de amen^ multidão) : — barrilame.,
cartuchame., massame., vasilhame^ etc. — Os Romanos
também derivaram — examen., certamen., velamen ....
As formas — ama., ume., são corrupções de ame :—
mourama., cardume.
Ena. — Forma-se com certos nomes de números : —
centena, trezena., deiena.
Enta ( 1. entum ) : — ferramenta .
b) Suffixos augmentativos e diminutivos
11. — Vide Lição 14* pags. i8r - 187. * )
») ADVERTÊNCIA.— Por um erro indesculpável (}« paginaçàio, mas
que salta immediatamente aos olhos, os suffixos dimiqutivos de dho (pg.
182) a im (pg. 183 ) figuram entre os augment»tÍT08.
2()b
i3 . — Ao que dissemos na Lição 14" nada mais temos a
accrescentar senão que muitos nomes femininos formam
o augmentativo em ão (p. ona^ã). passando consequen-
temente para o género masculino — portão^ mulherão .
Havia nos Sec. XV XVI as desinências ego, igOj que, parece, cor-
respondiam ás actuaes — agenij ia :
Fwnádego — fumagcm, pensão paga por fogo ao senhorio.
Terradigo terradego — quantia que o foreiro pagava de laudemio
ao direito senhorio para poder alienar o prédio^ etc.
Portadgo — portagem.
MordoDiadigo — mordomia .
Hospcdarigo — hospedagem.
Ainda temos amostra desta derivação em realengo ( ant. realego ),
avoengOj terras reguengas, etc.
II. Formação de adjectivos
14. — O portuguez forma adjectivos também pelo
processo de derivação, com themas nominaes e verbaes :
— pedregoso^ negral^ enganador :
a) oAdjectivos derivados de substantivos
i5. — São principaes suf fixos, além de alguns já es-
tudados :
Al, EL, iL, ( lat. alis, elis, ilis. . ) — Significa — que
se prende ou refere a, da mesma natureza que : — Estes
adjectivos não nos indicam a cousa em si ; apenas a deter-
minam : — meridional {Xo^ox)^ imperial (classe), occa-
sional ( tempo ), etc .
Al é muito productivo, e sobem a cerca de Soo os adje-
ctivos de base nominal formados com esse suftixo .
As outras duas formas mais se apresentam em adje-
ctivos importados directamente do latim, ou formados eru-
ditamente de themas latinos : — cruel ( crudelis ), Jiel
( fidelis ), hostil ( de hos hostis inimigo ), viril ( de vir,
homem ), pueril ( de puer^ menino ), senil ( de senex,
velho ), etc febril, catTil.
Alguns adjectivos em ai são hoje substantivos : —
natal^ riml^ jornal.
297
AcEo (1. aceiís) — Indica semelhança : — rosáceo, galli'
naceo .
Ado (1. atus). — Indica posse: — esírelhdo, alado.
Ano ão (1. anus) — Indica origem, seita, profissão:
— transmontano., Pernambucano ; dominicano, christão,
christiano .
Ar (1. arisariusf. — Denota estado, qualidade: — pati'
biliar, familiar.
Ario eiró (1. arius) — Indica profissão, estado, quali-
dade— imaginário, solitário, embusteiro .^ interesseiro, sol^
teiro. Nas palavras de fundo popular mais predomina
a segunda forma.
Atiço (1. aticus) — Só apparece em palavras de formação
erudita: — lunático, anseatico, aquático, fanático. V, Ico.
EciMo, ESíMo (1. esimus). Junta-se a numeraes car-
dinaes para a formação de ordinaes : decimo, centésimo .
Ejo. Indica procedência: — Sertanejo, annejo.
Enho (1. enus) — Exprime uma propriedade ou quali-
dade, representada pelo radical: — ferrenho.
Ente (1. ente) — Indica estado porque ente é ablativo
de ens participio do verbo ser — paciente, prudente.
Ento (1. ento) — 1. lentus. Indica abundância, ten-
dência:— ferrugento, pestilento, bulliento., succulento.
Ense (1. ensis) — Exprime procedência, origem : —
forense, Maranhense .
Ez, A [\. ensis) — (Indica procedência, próprio de: —
montanhei., monte^., campone^.
Eo (1. eus). — Indica a matéria de que a cousa é
feita: — férreo., argênteo., limo.
Opp . a oso : — férreo ferruginoso .
Este (1. estis) — agreste., celeste. E' improductivo.
EsTRE (1, estris éster): — pedestre, equestre, terres-
tre.,.. Destes só é de fundo popular — campestre.
Esco (1. iscum) — Indica o modo, a propriedade,
origem, semelhança : — fradesco., burlesco, pedantesco,
38
298
arabesco, pittoresco. Pelos exemplos vê-se que ás vezes
tem sentido depreciador.
Fero (ifero). — E' um dos suíF. lat. que mui pro-
ductivo tem sido no portuguez, mas só em vocábulos
de origem erudita : — mortífero (levo a morte), pestí-
fero^ salutifero.
Ico (1. ícus). — Denota o mesmo que ai — relação,
origem, ainda que mais determinando o conjuncto das
propriedades : — aristocrático^ geométrico.
Opp . a // ; — cípíl cívico ; a oso — harmónico har-
monioso; a ar — monástico monacal.
A desinência fico [á.t fàcio^ faço) entra na derivação
de muitos adjectivos, e exprime a idéa de produzir ou
fazer alguma cousa: — pacifico, soporijico, prolífico.
Iço icio (\. icius). — Indica qualidade : — castiço., chuvC'
diço., alagadiço, patrício. E' suffixo popular.
Ido (\. idus). — Exprime a qualidade própria do substan-
tivo radical, mas em alto gráo : — cálido., tímido, húmido.
Imo (l. imus, suffixo indicador de super lati vidadej. — São
poucos os vocábulos em que apparece, e sempre com a
intercalação de um í (t-imo) : — legiiif?to, marítimo.
Çp . lídimo leal legal legitimo, e marino marinho marítimo.
Ino ^t-ino^ 1. inus, t-inus. — Indica semelhança, origem,
relação : — crystallino, marino, salino, libertino.
iNHo : — marinho. . .
Itico : V. ico. romântico.
Lento — V. ento.
Olico {\. oMcus) V. ico. Melancólico ^ant. merencoreo),
symbolico .
Onho (onius). Exprime o que faz, o produz : — cnfa-
donho, tristonho.
Oso (1. osíis). Indica posse: — astucioso, fogoso,
manhoso, nervoso, montanhoso, ocioso, etc. B' uma das
mais productivas desinências portuguezas, e já o era no
latim. . . _ _ :;.:-.
299
Notemos mais os derivados em uoso formados por ana-
logia : — monstruoso^ voluptuoso.
Udo (1. mus) — Ind. abundância ; — posse, mas com
idéa de grandeza, augmento: — cabelludo, pelludo^ sanhudo^
barrigudo . A'^s vQZQs ttm sentido pejorativo: — lingua-
rudo^ abelhudo.
Um. Os adjectivos formados com este suffixo só se
empregam com o subst. gado: — vacum., cabrum. Corr. a
ar (cav aliar.)
Undo. (1. undus) — Indica tendência: — furibundo., ira-
cundo .
Opp . a oso — Cp . furioso., iroso .
Urno, ierno, (1 . urnus., iernus) . Indica tempo : — di-
urno., hodierno., nocturno. Só em derivação erudita.
b) Adjeciivos formados de adjectivos
i6. — Já tratámos dos suftixos augmentativos e dimi-
nuitivos etc, dos adjectivos (Lição 14).
Além desses temos — ento {pardacento., alvacento)., ai
(negral), tirante a negro, oso (verdoso), aico (judaico, re-
ferente a judeu) etc. . . .
No Sec . XV era corrente o suffixo engo., hoje rarissi-
simamente empregado, indicando — de, referente a:-:-
Judengo. ^
c) Adjectivos derivados de verbos
17. — O portuguez forma adjectivos verbaes adoptan-
do os participios do verbo, ou ajuntando certos suíTixos
ao radical verbal.
18. — Formação pelo participto . — Empregamos tanto
o participio presente latino como o passado : — obediente ;
paciente., brilhante.,. . . vago (vagante), sujo (sujado).
' Além deste, perdemos outros .muitos, como igo^. que se archaisoii no
Sec. XVI e XVII —'ínoníediyo. Mentodkié o Secl X~\Í "era de U80 ipais
frequente: correspondia a ta (ousamento), a aaqa (mudamento)...
3 00
A^s vezes o verbo desappareceu do portuguez moderno,
persistindo, porém, os participios com cathegoria de adje-
ctivo ou de substantivo : — miserando (de miserar)^ pu-
dendo e pudeníe (Sec. XVI), bispado (de bispar^ "ver
o rebanho cathedraP ^), calçado.
19. — Formação cotn suffixos . Os principaes são :
Ado. Já nos referimos a este suffixo.
Ante, ente, inte.= Corrrespondem ás desinências dos
part. prés, activos latinos — ante {ans antis) e ente {ens
entis) : — caminhante., imponente., conhecente (Sec- XV),
pedinte.
Alguns tornaram-se substantivos — /e/itt-j affli4eiiie.
Muitos dos verbos thematicos destes adjectivos não existem no por-
tuguez : — apitit/a}ite,(\. eimàu/are andar) benevolenle (Sec. XVIII),
ou já vão, ainda que mal, cahindo em desuso : — febricitante , {dcfcbri-
cifnr), proticberante .
Aõ. — Folgarão, brincalhão e brincão.
Ando endo undo (endiis., arch. iindus.) — Como em
latim, suffixam-se ao radical do prés. do Ind., e indicam
acção . Correspondem aos derivados em avel : — venerando
(venerável). São em geral de origem erudita (oriundo),
mas com uma forma s3'nonymica popular (originário).
Az (age) 1. ax. — Indica alto gráo da qualidade expressa
pelo radical : — (ifficai (efficere eftectuar), loqua:^., (loquere
fallar),. . . bebera^, robai, (Sec. XV e XVI), morda^.
Bundo fl. hindus). — Ajunta-se ao radical do presente
do Ind. — Significa tendência, estado : — vagabundo
(p. vagamundo), tremebundo, meditabundo., gemebundo.,
moribundo.
Equivale ao oso das bases nominaes. — Quasi todas as
palavras desta terminação são importações latinas.
AvEL, ivEL, BiL, iL fl. btUs — ibUis., ///5, — abUis, ebilis,
nos poetas). — Indicam a possibilidade — quasi sempre
Hoje só em linguagem muito familiar, vulgar, por vêr.
3oi
passiva — , a capacidade de fazer alguma cousa. — Os em
apel formam-se pela juncção do suffixo aos radicaes
verbaes de i^ conj. : — amável^ penetrável: os em ivel,
formam-se do part. pass. lat. — vendível, crivei. Os em
avel podem também formar-se tomando para thema um
substantivo — genial. ^
Ivel, é de formação erudita ; avel, popular.
Ai'el opp5e-se a aníe^ oso : — amável, amanle, amoroso ;
ivel a ivo : — sensível., sensitivo .
Os em BiL — /■/ formam-se de base verbal latina ; e
todos nos vieram já formados dessa lingua : — fácil f/a-
cere fazerj dócil, (docere ensinar^ frágil (frangere
quQhvsir ), niibtl (Hubere caisa.r}., reptil (àt reptum sup. de
repa arrastar^, 7nobil /de mover e, mo^'er J
Na ling. pop. muda -se o b tmv — rnoj^el.
Neste grupo devem entrar os em uvel (de sentido
passivo) : — indissolúvel, insolúvel, jfoluvel.
A acção que nas línguas romanas a i^ conj. exerceu sobre as
outras no part. prés. também é manifesta na derivação. Temos
alguns exemplos no portuguez desta preferencia pela forma em ave/ ;
que hoje muito inais se acceutúa no francez. Os verbos de 2* conj.
seguem os da 3* porque, adoptando as formas a-biliSj ibilis latinas,
desprezaram de todo a em ebilis (fle-e-bi/is) .
Ejo : — andarejo andejo .
Iço (1. icius). — Indica a natureza ou condição: —
abafadiço, alagadiço .
lo : — escorregadio, luzidio.
Ido ( 1. idus ). — Como a\ e undo, é um suffixo im-
productivo. — Rigido, timido.
Ivo ( 1. ivus., que corresponde a bilis ). — Indica força,
aptidão, faculdade para fazer alguma cousa : — putativo
( de putare pensar julgar ), auditivo ( de aitdire ouvir), . . .
fugitivo. ÍMStructii>o, corrosivo .
* Medicinal, f* outros vieram flfl verbos nrchaisados — mtdicinai', «te.
302
Forma geralmente adjectivos de sentido activo :
captipo^ adoptivo, etc.
E' de formação clássica; mas já vai se popularisando.
Cp — negativa negação ; persuasivo persuasorio ; nutritivo
nutriente; instructivo instruidor (instructor) .
Or ( dor /or-fem iri^, sôr, óra ) — Corresponde ao
lat. Or ( tôr. sor. fem. tri:{ ) sempre que o radical é su-
píno latino ou particio presente : — seductor, conciliador,
d ) Substantivos etlmicos, gentilicos e patrominicos
19.— Os nomes locaes formam-se também de varias
terminações : ia ( Itália, Ásia, Dalmácia, Bulgária, . . . .) í
ica ( Africa ) ; ento ( Agrigento, Buxento ) ; anha ( Bre-
tanha, Allemanha ) ; polis ( gr . polis, cidade ) Petrópolis,
Jheresopolis^ .... Os do Brasil, porém, são na quasi to-
talidade nomes indígenas : Piauhy ( piau peixe + hy
agua ), Pará, contracção de paraná ( mar ) Nictheroy ( ni-
tero escondida + liy agua ), Carioca., etc. . .
20. — Os nomes de 'povos e nações formam-se com os
nomes próprios de paizes e cidades, e as desinências — ano
( iano ), ense, ão, e{, ino, ico, ista., aicc, etc : — Per nambu '
cano., Romano.) Galle:{iano ( Gallego ), Atheniense Lisbo-
nense Lisbones, ( I isboeta ), Coimbrense ( Coimbrão ),
^eirense ( Beirão ) Maranhense., bretão., Egypciaco., La-
tino., Paulista., Romaico., Judeu (Judaico) Chinei (Chim)
índio (indico, indiano) Portugue^^ Ingle^., France^ : Bra-
sileiro (Brasiliense) , Essas desinências são de origem latina,
com excepção de e^ ( contr. de e}ise, mas de emprego mo-
derno ), e eiró., que não tem correspondente em latim,
mas que formou alguns nomes ethnicos — Vimieiro.,
Barreiro, etc. ...
21 . — Alguns nomes, pois, teem duas e três desinências.
Os clássicos conservavam as desinências claras, isto é,
as formas completas dos vocábulos : — Egypciano (Luc),
3o3
Persiano ( Vieira ), SyrianoEtjopiano (Pant. de Aveiro),
Indiano^ Pormgalense^ etc ; hoje quasi todos elles se apre-
sentam symcopados : — Persa^ Egypcio^ Etjope^ Syrto^
Assyrio^ Tndío, Vorluge^
22. — Os patronimicos, já vimos, derivam-se dos
nomes próprios — com o suffixo es : — Alvares de Álvaro^
Gonçalves de Gonçalo. Soares de Soeiro^ etc .
e ) 'Derivação dos verbos
23. — O portuguez forma verbos derivados, de sub-
stantivos, adjectivos primitivos, e de verbos simples.
i"^. — De substantivos — Juntando-lhes : a) a termi-
nação ar : — caminhar, tabaquear, ajoelhar, batalhar ; b)
a terminação — isar, de iniroducção mais recente (=1.
iiare, grego issare ) : — arborisar, romantisar ; c) a desi-
nência içar ( 1. icare ) : — fabricar forjar, pregar ( predi-
care ) ; f ) Ir, mas muito raro : — divertir, cuspir^ etc.)
São pois quasi todos da i^conj. os verbos derivados
de substantivos, os quaes exprimem o objecto da acção.
Esses verbos exprimem ao mesmo tempo a acção e o
objecto delia. Alimentar é dar alimento; espanar, saccu-
dir com espanador ; ajoelhar é cahir em joelhos .
Este processo era conhecido dos Latinos ( querelare de
querela), e delle muito se aproveitaram os nossos maiores.
São do Canc. da Vat. os seguintes exemplos — desemparar
(84), alongar, alegerar (m), regai lar (20%)^ aven-
tiirar.
2°. — De adjectivos — Terminam: a) em ar, ir: —
manear, ventar, denegrir; b) em isar : — fertilisar; e )
em ecer escer (1. escere)^ com os prefixos a em (en)
etc . : — amarellecer, endurecei', emmagrecer, envelhecer .
Os em ar são activos com sentido cansativo ; os em er e
ir significam tornar-se, fa-{er (denegrir é fazer negra
qualquer cousa, envelhecer — tornar-se ou fazer-se velho ).
3o4
3"^. — Dq verbos simples. Com os suffixos — icai', itar.,
iscar, inhar, migar, etc. ; — bebericar, namoricar, dor-
mitar, chupitar, escrevinhar escoucinhar ' Estes verbos
teem sentido diminutivo, frequentativo ou pejorativo.
Destes verbos derivados formam-se substantivos em
ola, or, ico, iga : — cantarola, escrevinhador, namorico.,
choramigas.
Nota. — A derivação verbal, pois, faz-se por meio de
suffixos próprios (derivação mediata ) : — caval-g-ar,
pulver-is-ar ; ou pela simples addição ao thema de flexão
verbal : — cant ir pensar .
Para a derivação mediata conserva o portuguez quasi
todos os suffixos latinos.
a ) Suffixos nominaes.
kgevi — viajar, ultrajar;: aço — embaraçar ; ça jã (■== [. ia ) —
\nyQ.ja7' ã.gx?LCÍar; lho a ( 1. aliUj i7ia, ciihts ) — trabalha;- maravilhrt;-
envelhecíTy ela — acautela;"/ ai — imniorta/zía;- igualar/ // — facil-
itar; atiça acção — semelhar humilha;-/ bil — terrilil/.fa;" / ão ano —
christianwar/ inho ino : — caminhar assassinar/ sião ião — occasiona;-
questionar/ iitiie — costumar/ igcm — originar/ ngein — ferruginar/
anho ( 1. anens) — estranhar ; itra — misturar ; ario — contrariar :
io — libertar ; ço — abraçar soluçar ; icia iça — acaricia;-^ espregui-
çar ; ÍTO — cultivar^ motivar/ e/c — banquetear ( sem mod . do the-
ma ), ífndo — vagabunda;- vagabundear/ r///o — alimenta;- parla-
mentar, etc*
Suffixos consoantes :
Tb. ^. 1°) ic-ã (icare). Indica, /tv/í/ív/ír/a para o estado já indi-
cado j semelhança, c frequência ou ainda diminuição, conforme vem
junto a um nome ou a um verbo : — fabricarj pacificar j mastigar ^
•vingar, amargar j folgar j julgar, castigar, fustigar ; o g tam-
bém é formativo em espargir (sparso)^ immergir (immerso). Nas
linguas Romanas, ás vezes essas gutturaes são representadas por um jj
o que faz suppor l° :) queda do r primitivo, 2?) intercalação de um j
euphonico : — verdejar, flamejar, forjar , bocejar, calvcjar, branque-
jar, dardejar, etc.
Muitos são os novos derivados deste suffixo em portuguez :—
madrugar, cavalgar, outorgar, (autorisare) , rasgar (rasicare lat.
bar.), salgar, amolgar, etc... A nossa forma em ear, iar, já era,
segundo affirma Diez, muito frequente nos antigos poetas (eare, iare)
* A desin. -»íAaré muito popular: e7ide>noninhar, engofovinhar. actnhar
3o5
— folhear j guerrear j senhorear, manear j branquear j saborear j mas
entre nós é mais usual o suíT. ejar^ planejar, manejar j cortejar, ve-
lejar j etc.
F*. I> — 1°) / — a (tare, sare). E' intens. em captar j imidar;
mas em povtuguez tem em geral sentido frequentatlvo : — aproveitar,
/untar j conquistar j despertar ; ousar , reuncarj nsar, avisar , olvidar j
appelidar, crocitar, palpitar, e muitas outras palavras de creação re-
cente ; 2°) — i-t-a (itare) frepuent. opt. ou simp. denom : — dor-
mitar, noòil-iíar, dcbel-i'ar •,y t -i-a (tiare, siare) port. çar sar .
São formas particulares do lat. vulgar, ás quaes se deve uma série de
verbos transit. da i^conj.: — caçar, traçar, aliar, (alço) aguçar,
(agudo) avelgaçar, pcusar, etc. . . .
R, 1 — i» RE (lat. RI, Si) junta-se ao suff. DU, TU (lat. tu), e
forma verbos desid : — ama-dii-re-cer; 2°) \kl (ol,V), tem valor frequent-
e dimin. tanto com portuguez como em latim \— formigar, tremolar,
granular, pull-ul-ar, vi-ol-ar, vent-il-ar ; 3°) C-UL — c-ulare), fre-
quent. ás vezes dim.: — gesti-c-ular, os^c-ul-ar, .. . .,•
A's vezes a consoante vem dobrada (LL — illare, dim.)LT —
altare,ettere, ol-.arc, id. sombetear, esgravatar).
N — Esta nasal dental, formava o thema tn\ po-n-er (põer, por),
IN em ob-st-in-a-r , de-st-in-a-r, contam-in-a-r ; a forma UT (untare,
entare), deu ás linguas Romanas grande numero de verbos da i* conj.,
quasi todos de significação intransitiva, porque nem sempre conser-
varam a primitiva :— acalentar, levantar, acrescentar (crescer) ama-
nietttar (mamar), amedrontar, tnolentar, apascc?itar (pascer) aparentar,
espantar, ant. queniar, afugentar, aquentar (aquecer)^ endireitar,
S. Ros. (endurecer) etc.
S SC (ascere, escere iscere), forma verbos inchoativos, em geral
da 2* conjug.; — crescer, acquiescer, nascer, e carecer, empobrecer,
agradecer, atnanhecer, merecer, obscurecer, padecer, perecer, ver^
decer, envelhecer, etc.
Muitos dos verbos derivados em SG, porém, perdem o sentido in»
choativo :— apetecer, abastecer, guarnecer, enternecer, enfraquecer,
etc ... .
Èss iss indica reiteração, imitação, semelhança, isto é, forma
verbos iterativos e desiderativos . Nós porém despresando esta forma
grega lalinisada, adoptamos no periodo clássico, a puramente grega
nos verbos formados com o suftixo \z (is) : — baptisar, (ant. bautizar)
escandalisar, e por 2i.na.\og\z. jíídaisar, latinisar, autorisar, moralisar,
escravisar , poetisar, tcmporisar, aromatisar, eternisar, democraíisar,
pulverisar, tyrannisar, etc.
Além destas derivações verbaes, temos — UGAR (batucar, beijocar,
retoucar) USSARE, USARE (bambusar), AZZARE (escorraçar, esvoaçar,
espedaçar) U22ARE (relampejar), ISCAR (belliscar petisc;ir); U?CAR
(corr. do ult.— chamuscar) etc. . .
Derivação grega
24. — O portuguez também tomou do grego elementos
de derivação, e ajunta os suffixos tanto a radicaes gregos
como a latinos e portuguezes (F. Hybidrismo. Liç. 24).
39
3o6
A medicina e a chimica são as duas sciencias que mais
se teem aproveitado desta derivação para aperfeiçoamento
de sua technologia (vide Liç. 24 Eiymologia pormgueia).
2,5. — São principaes suffixos gregos entrantes na for-
mação dos nossos vocábulos.
i%.lgi£i ( «Xyoç — dôr ) : — odonialgia^ nevralgia^
nostalgia, gastràlgia.
Oracia ( xpaTia — govemoj : — democracia, iheo-
cracia, arisirocacia.
Orisia ( xptSiç — juizo, R. — xpívw — julgar) : — hfpo'
crisia^ cacocrisia.
Alguns querem que hypocrisia e hypocrita venham do latim
porque já em S. Jeronymo encontram-se as formas hjpocrisis,
hypocrita ; mas a sua verdadeira derivação é grega — ( úirÒxptStç — j
dissimulação.
Oosnro ( xo(7[jlo — mundo ) : — microcosmo, macrocosmo. já
vimos que muitas vezes cosmo serve de prefixo:— cosmogonia, coseno-
graphia, cosmologia, cosmopolita j etc.':
Oamia ( Ya(ji.oç — casamento ) : — bigamia., poly-
gamia.
Oastpio ( xa^-niv — ventre ) : — epigrasírio, hypo-
gasirio.
Oenia (revia = geração) — : androgenia., pathogenia.,
pyogeniaetc.
Oeo (yewv = terra) — : perigeo, apogeo.
Gnosia, gnose, goosis, (gnóstico) gonia
(yvocrta, X^oait;, yovía = conhecimento) — : anlognosia, dia-
gnosis, íheogonia^ cosmogonia ttc . e diagnostico.
A desin. gonismo em aniogonisino vem do grego Y(óvt(T[jLaj donde se
derivou antagonista .
Oi-anima (Yp«{J^f*« =t letra ) — : anagramma., ept-
gramma .
Oraptie (yp»?"^ ) == escripta) — : epigraphe.
Orapliia (Ypá^w = escrevo ou Xpácpetv = escrever — :
geog7^aphia, typographia, lithographia etc, caeographia
etc, d' onde
3o7
Oi*aplio(= que escreve) — : geographo, tjpogra-
pho, liihographo.
I^ittio (XíGoç = pedra) — : aerolitho
LiOgia ( lokíoL^ := tratado X6yo; ) — : anthropologia, bio-
logia, cacologia^ philologia^ tautologia, paleontologia,
pathologia, geologia, astrologia. Derivados portuguezes — :
tniPieralogia, etc.
Ufachia ({^a/ta = combate) — : tauromachia.
lllailisfc (fjiaAÍa = loucura) — : bibliomania, jnonoma-
ília .
Metro ( (JiéTpov = medida) — : barómetro., cronometro^
pluviometro., etc.
lHetria (Ind. sciencia de medição) — : geometria., tri-
gonometria
maneia (de manteia) acção de predizer — cartomancia.
IHetra (Ind= o que mede) — geometra etc.
Hlétria acção de medir :• — geojnetria.
IHorpIío (,u.od(p£= forma) — : amorpho. etc, donde amor-
phia, etc .
IVomo (vo.aoç = conhecedor) — ; astrónomo, agrónomo.
IVomia (= conhecimento) — : astrono?7iia., agrono-
mia .
Orna lo (wfAaXoç = irregular) — : anómalo., donde ano-
malia .
Patliia ( ■JTotôoç = doença, aíFecção e sentimento) — :
allopathia, Iiomeopathia^ sjmpathia., antipathia., etc.
Phago (oàystv = comer) — : anthropophago, homo-
phago., hippopJiago, etc. donde anthrophagia., etc .
I*liilo ((piXo; = amigo) — : bibliophilo, Theophilo.
Pliobia ( (poêoç = aversão, temor) — : hjdrophobia.
F*liol>o (Id r= o que teme, e tem repugnância a...) — :
hydrophobo., que tem aversão á agua com o mesmo sen
tido em lat . hfdrophobus (Plinio) .
I*lioro (^opo; = que produz) — : phosphoro, (que pro-
duz luz) aromatophoro, etc .
3o8
í»liy to (cpuToç = crescer, «puxov, planta, creatura) — :
neophfto^ ^oophyto.
I»lexia. (de plexta, plexis) acção de bater, ferir, ata-
car : apoplexia.
I»oíia (ir o âú ç pé) : — antípoda, etc. No lat. ha a for-
ma antis podes.
Pola {^ to A £ t V vender) : — bibliopola .
I^oli,-ii ([A o À t ç cidade) : — metropolis^ e nos nomes
ethnicos ou locaes : — Tripoli., Andriopnli, Sebastopol cor-
rupção, etc. Sebaslopolis)^ Petrópolis, Theresopolis .
Scapi&i (scopia ; acção de olhar, ver): — microscopia.
fâopliia (<T o <p í a sabedoria) : — philosophia, donde
philosopho, etc.
íStylo (o- T u X o V columna, pilar) : — peristylo.
Xsctiiiia (t é X "*"^ « SiViQ., sciencia) : — atechuia, etc.
d'onde a desinência technico — polytechnico, pyrotechnico
Xlieca ( 9 ^x '^ deposito): — biblioiheca., pfnacotheca.
Xliese (6 6 (T t ; posição) : — antithese.
Xtiono, tono (t o v o c som) ; — monótono, arterio^
thoHo., donde monotonia, etc.
Xomia (tomia) — de covt2iV anatomia, iirethrotomia .
XIii*optiÍ£à (t p o Cp í a nutrição): — alrophia. Der.
atrophiar., — mento .
Typo (t u TT o ç typo modelo) : — archetypo, proto~
typo.
A nossa lingua tendo a faculdade de crear novos verbos, é para
sentir não entrem em circulação muitos de que carecemos, formando-os
de substantivos ou adjectivos existentes, ou mesmo desarchaisando-os
— No i^ caso estão— aZ/fuisnurr (já temos cgoisviar) inâifferenciarj Jft-
disthiguir, vaguear (pastorear gado vaccum) T^r/íV^zZ/írtr, etc: no 27
alfaiar^ harpar^ abeberar j cvtbruscar-sej encuminarj esquerdear^ Jit-
bilar, medicinar, evipegar-se, frèarj sabadearj feriar^ palmejarj
desprenhar (uma vez que conservarmos emfrenhar}^ Gravidar, di-
mentarj estugar, patrisarj reptar j refertarj esmec/iarj iagantarj
traiear, lindar, maridar, . . . Alguns desses verbos archaisados con-
servam-se nas províncias e em alguns logarcs onde mais medrosa
conservou -se a instrucção : por ex. o verbo pitichar usado no Rio
Grande do Sul, e que é do tempo de Barros e Damião de Góes.
DECIMA NONA LICAO
Das palavras variáveis formadas no próprio seio
da lingua portugueza.
1 — o portuguez formou no próprio seio da lingua —
substantivos^ adjectivos^ pronomes, e principalmente i^erbos .
Já nos referimos a essa necessidade de accrescer, e ao
parallelismo forçado do léxico com os progressos indus-
triaes, artísticos e scientificos ; já vimos a importância da
analogia na formação das palavras novas; o caudal im-
menso que nos offerecem os dous processos da composição
e derivação para crearmos palavras vernaculamente, e lhes
desenvolvermos o sentido * .
2 — As palavras nascem da actividade do pensa-
mento. « O vocabulário é a photographia completa do
saber de um povo ; é o ps^xhographo que indica e deixa
registrados os successivos gráos por onde o espirito foi
ascendendo. »
Si creamos, descobrimos ou fabricamos uma cousa
nova, é força dar-lhe um nome ; mas isso não basta, e
em breve vem a necessidade dos compostos e derivados
para exprimirmos a acção ou o logar onde ella se faz, o
agente, a collectividade, o augmento, a extensão, a de-
gradação do sentido, etc. Chuva, p. ex . , deu chuveiro, cho-
« T. Lições 17, 18, 22, 23, 24.
3io
visco, chopiscar, chuvoso, chovediço ; feitoria^ — feitor ^fei'
torisar^ feitorisação ; telegrapho, — te.egraphar, telegra-
phista, telegraphico^ etc.
3 — A palavra pôde ser de formação erudita (necrotério,
viaducto) ou de creação popular. Sobre os vocábulos
eruditos nada temos que accrescentar ao que expu-
zemos nas lições passadas ; dos de origem popular pouco
mais se nos offerece dizer.
A's vezes o vocábulo popular logra ter entrada nas
camadas superiores da sociedade { caniço, derriço, caliça,
desobriga, palhaço, . . .)\ outras, porém, falta -lhe a força
contraria a que também estão sujeitas as linguas, — a força
conservadora — , e o vocábulo morre no nascedouro ou
tempos depois ( esca/eder-se, cacunha^ bilontra ) .
Levado também pela força creadora e revolucionaria,
e sempre pela tendência metaphorica, o povo formou
muitos vocábulos pejorativos : — um máo dentista é um
sacamolas ; um medico imperito — um matasanos \ um
esfolacaras é um máo barbeiro, um vadio \ um pintamonos
é um máo pintor ; o sonso é um pisamansinho\ o cas-
quilho— um pisajlôres ou pisaverde -^ o arruador — um
trancaruas^ A par dos nomes scientificos temos
outros também de formação popular, que são os de uso
corrente : — girasol, 77tal-me-quer^amor-perJ'eiio^ chupa-
mel^ beija-Jlôr^ bico de lacre, bem^te-vi, etc.
4. — Os substantivos vernáculos formam-se pois 1°
pela composição :
a) de subst . + subst mestre-escola
b) subst . + adj redea-falsa
c) verbo 4- subst troca-tintas
poria 'j'oi
d) prep. 4- subst emre-casca
e) subst. -f prep. + subst chefe de irem
f ) verbo + verbo vaivém
g) de palavras diversas bem-te-vi
3ii
2 .** — De um verbo : — vivenda ( de viver ), choro ( de
chorar = 1. piorara ), lida { de lidar ) chama ( de chamar
= 1. clamara ), chamarti^ ete.
3.** — De um participio : — achada^ nascida^ picada,
desfolhada, queimada
4.0 — Pela derivação : — Os suffixos mais usados nas
creações vernáculas são — ada ( limonada, chibatada ),
ária (sapataria, cavallaria ), ada ( irmandade, sujidade),
eiró ( sapateiro, charuteiro ), ismo ( abolicionismo, jorna-
lismo), isia (abolicionista escravista), agem (friagem,
criadagem), ão (escravidão, amarellidão ) etc. Todos
esses nomes derivados portuguezes formaram- se, porém,
. dos t}pos latinos ( Lição 18).
5. — Os adjectivos de creação vernácula são em nu-
mero avultado, eformaram-se pelos processos que vimos
nas lições 17 e 18. O suf&xo 050 foi, e é ainda, um dos
mais productivos: — gostoso^ buliçoso^ teimoso^ amargoso,
feioso
6.— Os nomes de números também deram algumas
formações novas : — milhão, billião, trillião, quairil-
Hão, etc . ; de-{avos, vinteavos, etc . . . vintena, iresdobro .,..
7. — São pronomes de formação portugueza = qual-
quer, cada qual, quem quer, etc .
8. — Nos verbos não pôde ser mais rica a nossa lingua
no tocante a força creadora, quer sejam diminutivos ou
frequentativos, quer inchoativos ou onomatopicos, etc. -,
— barbear, entocar, caíucar, chatinar, papaguear, paga-
guear, feitorar, bispar; encaiporar, mordomear, macaquear,
r alojar (de relógio, F. Man.), velhaquear, iabaquear, ci'
garrar, cachimbar, pinotear, sapatear, caranguejar, en-
gatinhar, judear, cacarejar, grugulejar, miar, telegraphar,
ialaphonar. . . , de substantivos com uma syllaba prefixada
ou intercalação de lettra — adoecer, amanhecer, envelhecer,
ensurdecer, emmagrecer, cabrejar, irastejar, sandejar
CG. Vic). . .; de verbos —/e//omar, beijocar, barregar (de
3l2
berrar), chupitar (de chupar), espanejar (espanar), ajfor-
mosenlar (de aíformosear), . . . adocicar, escrevinhar, treme-
Ihicar ....
Esta exuberância verbal data propriamente do Sec.
XVI. -
9.— O substantivo pôde também formar-se vernacula-
mente de um facto histórico : — abrilista, setembrista^
cabralista, bond, etc.
10. — Na derivação tem o portuguez uma fonte inesgo-
tável para o augmento do vocabulário.
V1GESI3ÍA LICÀO
Das palavras invariáveis formadas no seio da
lingua
I. — Os advérbios, preposições e conjuncções de for-
mação vernácula, correspondem a locuções anal3-ticas
latinas : — assim = ad sic, agora hac Iiora^ assas = ad
satts^ após:= adpos^ dentro =de intro, outrosim, ant. aliro
5í'( = l. alierum sic)^ outrotanto ( = 1. alíerum tantum)^
etc, ou ainda de locuções portuguezas : — embora (em boa
hora), outr'ora (em outra hora), etc.
Todas essas palavras são phrases cujos eJementos fun-
diram-se na primeira época de nossa lingua. A''s vezes,
porém, a crystallisação já se encontra no latim bárbaro
{abanté) .
2. — Não adoptou o portuguez o typo latino em cr
para a formação de advérbios {proplei\ breviter ) ; mas
sim o em e, talvez por mais facilidade : a miude (minute),...
( — V. Lição 28), e, depois (Sec. XV e XVI) o processo —
também conhecido dos Latinos — de adverbiar um adje-
ctivo, (V. pg, 108). Estes advérbios correspondem aos de
modo em meme^ os quaes se formam de adjectivos qualifica-
tivos femininos e de superlativos orgânicos — lindamente^
pessimamente . De melhormentc é expressão correcta.
43
:)14
O portuguez também aproveitou -se da liberdade latina
de empregar participios com força prepositiva — referente^
visto^ ...
Todos esses processos são latinos : — 1, class hodie (hoc die), reipsa
(re ipsa) ; 1. pop. — /laiic /loj-auij òona mente efe.
3 . — São de formação portugueza : — depois^ adeame^
Jiontem, aníelioníem, ainda que^^ como quei\ aosadas aousa-
das (ousadamente), taipe:;., portanto, d' ora avante., todavia.,
por conseguinte., etc, e principalmente as locuções : — a
olho, de força., ás occultas., de siso, de maravilha., a pin-
cho., a sabendas., de espaço., ás caladas., etc.
Dos mesmos compostos — como veremos na etymo-
logia — encontram-se formas correspondentes no latim
popular.
4. — Interjeições de formação vernácula só temos con-
vencionaes e locutivas : — mal peccado, maocha ( em má
hora ), farenego ! safa ! caluda ! aqui d' El- Rei !. . .
5. — No port. antigo são muitas as palavras invariáveis,
principalmente formadas pela composição, hoje de todo
esquecida : aramá ( hora má ), hogano \{ hoc anno ), cada-
nho ( cada anno ) anproom ( adiante, ao longo, ao sopé ),
anfeste enfeste (para cima, Sec. XII, XIII), abondo
(excessivamente ; Seé. XIII ); acarom ( defronte ), cada
^we ( cada vez que, Canc. Vat.)., desi (desde então), de
chano ( de prompto ), eiri eyri oyte oojte ( hontem ), jiiso
( abaixo ), suso ( acima ), majiteneme ( detidamente ),
euxano (cada um anno, Sec. XIII, C. V.\ a eertas
(certamente, R. de S. "B.)., Qtc— V. Lição 28, etym.
* V. Lição 28 — htym. das paL inv.
VIGÉSIMA PRIMEIRA LlCÂO
Etymologia portugueza. — Principios em que
se baseia a etymologia. — Leis que presidi-
ram á formação do léxico portuguez.
1 — A philologia é a ph3'siologia de uma espécie ; a glot-
tologia é a anatomia comparada de diíferentes espécies ;
a etymologia é o estudo das formas primitivas, derivadas,
e das acções physiologicas . '■
2 — A etymologia portugueza é pois do dominio philo-
iogico : estuda somente o nosso vocabulário.
Guiado por ella, mais clara se torna a comprehensão das
palavras, mais acertado o seu emprego.
3. — Ramo principal dos estudos philologicos e lin-
guistiscos, não se occupa tão somente das formas pri-
mitivas e derivadas, e dos sentidos das palavras ; mas
também das inflexões e modificações grammaticaes, e
considera as palavras nas suas relações syntaxicas.
Por isso um philologo inglez escreveu que era a etymo-
logia a historia domestica, a glottologia — as relações es-
trangeiras.
4. — De varias origens são os nossos vocábulos, como
veremos na lição seguinte: (22) — O grego, o púnico, o
Marsh, Man.
3i6
gothico, o árabe, o francez, inglez, allemao, italiano, afri-
cano, o brazileiro (tupy, abanhaenã,). ... e maiormente,
em mil dobrada proporção o latim, — clássico e po-
pular.
5. — Muitas vezes, percorrendo o léxico, encontramos
palavras completamente mudas para a consciência actual
da linguagem que só despertam sob o olhar escrutador
do historiador, e revelando a sua historia, revelam do
mesmo passo os costumes e a civilisação de outros
tempos . — (Reboras, almotacé^ alcaide . . . . J
O vocábulo palavra^ no sentido actual, — diz Darm-
steter — , nada exprime hoje: consultando a et\niologia,
de súbito a /?jraèo/a christã, a predica envangelica c um
rejuvenescer maravilhoso de um mundo em decadência
reapparecem aos nossos olhos. — E ella nos ensinará
mais que a transformação fez-se pela forma interme •
daria parola \ hoje só empregada com sentido pejorativo,
paraavas^ pavapras [\\\tá . d^Alci.
Si procurarmos a palavra liberiino^ a et\'mologia ensi-
nar-nos-ha que se deriva do latim — libertinus {liberiíis)
que significava o individuo livre da escravidão legal.
O escravo manumittido era liberto (i. e. liberatus) com
relação ao senhor ; em relação, porém, á classe a que
pertencia depois da manumissão, era libertino. Id. no
portuguez antigo, e íilho de escravo romano ; depois,
homem de costumes desmanchados.
6. — Por esteio principal tem a etNmologia a pho-
netica; mas — -para ter cunho scicntifico — não pode cila
dispensar o. > historia e a comparação.
7. — A phonetica explica-nos a historia de cada um
dos sons que compõem o vocábulo {\ . Lição 2*'^).
' Cep. f. j)fl ro/c, prov. paraula (\n{ , iinrav1'i. lie=!p. jtalahra nnt. ^xi*
rahla, it. parola.
ro.rabula é de iiiliud. triiílUa.
:>i
As transformações phoneticas estáo subordinadas a
regras geraes, ás quaes o homem obedece instinctiva-
mente por motivo da acção ph3'siologica e da ps\xho-
logica. Assim, p. ex., o enfraquecimento — mas lento e
gradual — dos sons constitue as duas leis de menor
acção e de transição^ communs a todas as línguas
neolatinas ,
Cada uma delias, porém, e bem assim os dialectos
e sub-dialectos têm suas leis particulares ; e, como já
advertimos, a pronuncia muda de época para época,
de província para província, de cidade para cidade, e
até de aldêa para aldêa (reposta^ estamago, anteado,
jfentagem^ Cathelmi, giollho....)
Ha excepções devidas :
a) C/í' analogia. — Cuidar, de cogiiare, deu cuidação^
e cogitar — cogitação ; dor, de dolor, deu doroso, e
dolor — doloroso; do Sec. XII ao XIV pronuncia-se scola^
scondido^ spadua^ star, stiido^ etc, hoje (e assim já
praticavam os Romanos no V Sec. para maior faci-
lidade da pronuncia) escola^ espádua^ etc.
b) Injlmncia intei^mediaria . — A's vezes adoptamos
palavras latinas por intermédio de outra lingua, que
assim escapam á acção das nossas leis phoneticas : — can-
tata^ maestro^ {'it.) ch:iminé ( fr . — 1 . camminata ) .
c) Injlmncia entdiía. — A formação erudita não se su-
bordina ás leis phoneticas ; e nas palavras introduzidas no
portuguez nos Sec. XV e XVI, as modificações que ellas
apresentam escapam á analyse phonetica. Segral se-
cular, cossario corsário, ....
A essas excepções dá-se o nome de inizrferencias
As três leis geraes das modificações phoneticas são
as que seguem :
I.* Persistência do accento tónico. — A conser-
vação da syllaba que mais feria o ouvido deu ás palavras
physionomia própria, caracter particular, e muitas vezes
3i8
o encurtamento delias ( na camada popular ) pela queda
da desinência : — angdiis anjo, angiilus anco (ant.).
2.® Perda da vogal breve : — coalhar = coag ( u )
lare, mascar == mast ( i ) care, obj^ar = op ( e ) rare, ....
Nas inscripções latinas do Impeiio,, nos autores archaicos_, etc,
encontram-se innumeros exemplos da perda da vogal atona : — ^e-
richtvij pophiSj templum, t\.z.^^. periculumjpoptihiSj tempuhim, etc.
3.^ Queda da consoante media: — s«ar=su (d)
are, zVw^ar = vin ( d ) (i) care, crer ant. creer =cre
( d) ere. arta = are ( n ) a, etc.
8 — Historia — A historia descobre nos textos da
baixa latinidade e nos primeiros documentos da nossa
lingua a serie de formas intermediarias, e por conseguinte
as varias transformações graduaes por que passou o vocá-
bulo. Só ella nos ensina que bacharel tem origem em Sac-
calarios, de 'Baccalarias ou ^accalares (lat. 'Baccalaria)^
nome que se dava até osec. IX ás propriedades ruraes
servidas com uma junta de bois, etc. ^
O ISacharel ( bacculario ) era o que tinha dominio útil
da propriedade, e era mais honrado que os simples lavra-
dores ou colonos^ e desobrigado e livre de encargos civis
(sec. X); depois designava o individuo que comquanto
houvesse conseguido ordem militar, era ainda de pouca
idade e poucos meios para ter pendão e caldeira ; mais
tarde passou a denominação ('Bachaleres] aos benefi-
ciados de cathedral e mosteiro, ou aos ministros de
2» ordem (assisio) ; do sec . XVIII começou a significar o
que obtém nas universidades dignidade ou titulo inferior
ao de doutor.
E' ainda pela historia que descobrimos que_/*rí75co não se
deriva de vasculum, como escreveu o professor Diez, mas
de flasca pequena garrafa (Isid. de Sev. ), que salário
* Baccalator = vaqueiro.
3i9
tira origem na palavra sal ; que espórtula lembra a coena
rec/a dos Romanos; que ybr/í7/(?ja, boca^ batter^ semanal ^
dobrar^ bat^lJu^ testa^ .... são do lat. pop . , posto muitas
dessas formas se encontrem nos clássicos latinos.
9 — A comparação verifica as h3-potheses, confrontando
as formas portuguezas com as correspondentes nas outras
linguas nio-latinas, e seus dialectos. Assim, comparando
viagem, port. ant. vtage, com o hesp. viage, it. viaggio,
prov. viatge, fr. ant. inaige,ví\oà. voyage, etc, convenr
cemo-nos de que o vocábulo originário é o lat. viaticum,
e que a desinência a'cum deu age nas formas populares.
Comparando /ròe=l. lactem, noite=\. noctem^Qtc. com o
italiano latte^ notíe ; hesp. leche^ noclie^ franc. latt, nuit,
etc. chegamos á conclusão de que o c latino do grupo et
não soava na pronuncia, como acontece nos nossos vocá-
bulos jc/o.yijc/o, contracto^ etc.
Quanto maior for o numero de dialectos romanos em
que se encontra o vocábulo, tanto maior será a probabili-
dade da sua derivação do latim vulgar.
Mescabar poderá parecer á primeira vista formado do
ali. m\s. it, mis. fr. mes ; mas historiando essa palavra nas
outras linguas romanas, vemos que mes corresponde ao
prov. meus, port. menos = lat. minus., e que mescabar
é forma atrophiada de menoscabar.
A comparação é pois ao mesmo tempo instrumento de
investigação e da verificação.
IO — Só a etymologia pôde reconstituir a forma typica
das palavras desfiguradas ou gastas pelas migraçães, e pelos
séculos no seu evolucionar lento e graduado.
li — As palavras de formação erudita estão também
subordinadas a certas leis. As de introducção antiga soffre-
ram transformações phoneticas, mui principalmente nas
desinências, compreição., reLimpado (p . relâmpago — Lucena
etc. ) abondanças, malencolico^ etc. . . .
As formações eruditas são em palavras importadas do
320
latim ou grego geralmente, ou ainda formadas no seio da
lingua com elementos latinos ou gregos : — contumácia^
mamimissão^ hemicrania^ phoíographo, etc.
Ao grego muito devem as sciencias a sua technologia, principal-
mente a botarica, a medicina c a cliimica. Mas o emprego cada
vez mais frequente de elementos gregos na formação das palavras
portuguezas tem aberto brecha a muitos hybridismos — mineralogia j
anglomaniVj plaiiispherio, etc. (Lição 24.)
Essa predilecção pelas nomenclaturas scientificas de formação
grega é um mal — porque, como observa Darmsteter, a plantação
exótica, tendendo cada vez mais a desenvolver-se no meio da indígena,
acabará t ilvez por abafal-as.
Melhor fora buscar ao latim os elementos para novas creações
vocabulares. Ainda ha mais: muitos dos compostos modernos des-
afiam — na phrase de C. Nodier — as leis da analogia e do bom
senso ; 1 ) e os próprios Gregos não lhes comprehendem o sentido.
A prova temos em que, adoptando o systema métrico, elles re-
geitaram a technologia por não comprehendel-a. Assim p. cx. —
kilovieiro === medida de um asno (killos)j kliiloviciro, como outros
escrevem = medida de feno, forragem (chi/os).
Esta terminologia tem, porém, a vantagem de se fazer entendida
facilmente dos homens^dasciencia.
12 — As dicções novas, as de importação moderna, para
terem entrada no vocabulário vulgar e existência real, de-
vem nacionalisar-se, tomar devidamente o geito, a queda e
o soar das com que ambiciona conviver. Ex. comradansa^
— ing, coiintrf danse ( dansa campestre ) manequim^ —
ali. manneken (homemsinho. )
Todavia nas palavras importadas das linguas vivas mui-
tas vezes conservamos o próprio tj po etymologico com
foros de cidade: — lunch^ koulevard ( a par de baluarte ),
Jioriíiire^jockey, íram>vaj\ bidl-dog^ roast-beef {o. rosbif)^
beef-steak ( e bifs-tek)^ etc. . . .
' Hyãroficnco p. ex,. significa cousa produzida pela a^ua, e não o
que produz agua ; anemia c privação dej sangue, falta total.
VIGESSIMA SEGUNDA LIÇÃO
Da constituição do léxico portuguez. — Lín-
guas que maior contingente forneceram ao
vocabulário prtuguez. '
I . — o vocabulário antigo é essencialmente latino: re-
presenta uma evolução lenta da lingua /70/7Z//ar dos Ro-
manos. Do Sec. XV em deante a importação latina é
artificial, devida á corrente erudita.
Além da circumstancia externa — persistência do vo-
cabulário, havia outro interna, que dava ao portuguez jus
de accrescer, — a fidelidade á tradição latina quanto aos
processos essenciaes da composição e derivação das pa-
lavras .
2 . — O latim popular tinha muitas vezes vocábulo di-
verso do latim clássico para exprimir a mesma idéa. Her-
dámos ora uma só das formas, ora ambas ; ás vezes o erudito
serve apenas para formar derivados.
L. pop,
caballus
batti ere
russus
septimana
Lat. class.
equus
verberare
lubeus
hebdomadas
forni. pop.
cavallo *
bater
russo
semana
forvi. erudita
equestre j etc.
verberar
ruivo
hebdovtadario *
' Pacheco Júnior — Grainm. hist, — Elementos históricos.
* Xo lera. encostou-se ao lai. clássico — f.oua.
* Sec. XIII — hcbdoma.
41
322
Z. pop.
Lat. cjass.
form. pop.
form erudita
batualia
pugna
batalha
pugna
parentes
aftines
parentes
affins
casa
do mus
casa
domicilio
testa
frons
testa
fronte
basiari
osculari
beijar
oscular
duplare
duplicare
dobrar
duplicar
focus
ignis
fogo
Ígneo j etc.
catus
felix
gato
Jelino
lutum
coenum
lodo
ceno
porta
jauna
porta
janella
terra
tellus
terra
tellurio
villa, civitatem
urbs
villa, cidade
urbano
rivus
flumen
rio
jiumineo
etc.
etc.
3. — As palavras simples ou derivados latinos são ás
vezes representados no nosso léxico por derivados e com-
postos formados segundo os processos de derivação e
composição popular . Estas formas, porém, são heranças
do latim basbaro ou por ellas moldadas : — dies — diurnus^
anie-abante.
Outras vezes os substantivos simples são substituidos
pelos diminutivos correspontes : — avíolusp. avus = a.yô^
acucula p. acus= agulha, aurícula p. íjz/n5= orelha, oviciila
p. om = ovelha, apicida p . j/'/5 = abelha, luciniola p.
lucinia = rouxinol, etc .
Outras vezes ainda adoptou o portuguez derivados com
thema ou suffixo diverso : — duplare — duplicar^ octernalis
— ceiernus.
4. — A^s vezes o mesmo vocábulo latino é que deu
duas, três e quatro formas portuguezas distinctas, diver-
gentes ( Lição 21^ ) :
Lat. Form. prop.
masticarc mascar
kfralitatevi lealdade
benedicere benzer
clavícula cavilha, chavelha, cravelha
macula mancha, malha, magoa
etc .• etc.
Forvi . erudita
mastigar
legalidade
bemdizer
clavicula
macula
323
5. — No latim popular dos does. do Sec. XII, primeiro
periodo da lingua portugueza, muitas palavras já apre-
sentam forma portugueza. — sobrinho (suprinis nostris ),
rio { id.), levar ( levare), havia (avia ), arroio ( id.), ro~
dondo^ Sec. XIII ; subúrbio^ pomar (pumares),
Í7'mão, ant. ^er;«j«o, etc. (iermano), dona^ fornos, neto,
( neptos ), criação ( criagom), logôa ( lagona ). . . /
6. — E' de origem latina a maioria dos nomes de
cousas que percebemos pelos sentidos ou conhecemos pela
experiência ( hofnem, mulher, cavallo, cão, gaio, sol, lua,
estrella, arvore, nuvem, pão, leite, rio, mar, monte ) ;
os phenomenos ph3'sicos da natureza e suas causas ( chuva,
raio, trovão, calor, frio, tempestade. . . . )i ^^ divisões do
tempo ( primavera, outomno, estio, inverno, anno, mez,
dia, hora, século, semana, os nomes dos mezes, os dias da
semana, ^) ) ; os nomes de cores mais usuaes f encar-
nado, verde, claro, negro, alvo ^) ; os nomes dos
membros do corpo animal, e os das suas funcções : —
( rosto, cara, * boca (1. p. bucca), testa, face, nariz,
( narix, p . 7tans ), lábios, lingua, pálpebra, olho, orelha
( aurícula ), sobrancelha ( supercilium ), mão, dedo, pé,
unha, calcanhar ( calcaneum - calcaneo ), dente, ventre,
perna, gambia, coxa, peito, costas, hombros ( humerus ),
cabello, joelho ( ant. geoiho, lat. genuclum ) ;
os nomes de porentesco : — pai, mãi, avô, filho, padrinho, '
* Poj-í, Mon.
* — Saft&íJKfo rigorosaraento é hebraico, mas no 1. pop. havia sab-
badi = Sabbati dies : ÍT. samedi, it. sabato, vai. sembete, prov. disapte
= dies sabb'ti.
* — Branco = germ. blanch : amarello e preto, do grego: azul =
árabe í^mZ, pers. lazur :=l3ii. cceruleus (cerúleo).
* — Cara = gr. cara. lat, vultus, fácies, forma: mas já o encon-
tramos no latim do Sec. VI,' principalmente no sentido figurado : — Post-
guam venere vcrendam Caesaris ante caram ( Coreppo — Panegyr. de
Justino.)
Barriga e nuca = germ, baldrich, nocke ( columna vertebral )
" — De pater. — Santissimum vir patrinus videlicct seu sjnriticalis
pater lioter. doe. 752.
324
sobrinho, marido, esposa, sogro, nora (1. barb. nora)^
genro ( id, gener ), madrastra ( 1. prop. matraster ), neto
(netos neptis ), irmão ( germanus, p. ant. germaho
germaio germano Secs. XIII e XIV); cunhado { co-
gnatus ^ ), Tio e tia=^v. theia, talvez por in-
termédio do italiano :{ia.
E' ainda do latim que nos vieram as palavras indi-
cadoras dos deveres communs, a que se referem á vida
moral e domestica, as que exprimem sentimentos, os
numeraes, e — directa ou indirectamente — quasi todos
os termos da vida moral, das invectivas, da facécia, e
do linguajar da plebe.
E' do latim que nos veio o emprego nominal de infini-
tos e participios : — dever ^ jantar^ manjar^ poder. . . .
appello, recibo^ peccado^ escripto^, . . . principalmente nas
formas femininas — m/a, vinda^ comida escripta ....
O povo, como era natural, adoptou o vocabulário
popular — calus p . felix^ caballus p . equiis, batualia p .
pugna ; mas no Sec . XIII a lingua era uma mistura
de latim bárbaro com termos godos, árabes, proven-
çaes, francezes e castelhanos.
No Sec . XIV, passou ella por uma transição devida
á ascendência da escola hespanhola, e á predominância
e influencia clássica latina, que ainda perdurou no Sec. XV
e estendeu -se ao XVI, notável pelo aturamento nos
estudos das antiguidades greco -romanas, pelo culto ao
clacismo^ e pela influencia da escola italiana.
E' claro que essa cultura litteraria devia natural-
mente e forçosamente introduzir grande numero de vocá-
bulos tirados immediatamente dos autores latinos, c
ainda das outras linguas que então tinham predominio.
Dessa elaboração resultou o archaisamento de muitos
' — Cognacio ind. parentescoconsaguiueo, em opposição a a/fímfos,
que ind. gváo de parentesco por alliança.
:>2D
\ocabulos já portuguezes, que morreram na lucta syno-
n\mica (V. L. 12) :— -ruão — cidadão, acarão — a par,
samicas — por ventura^ hogano^ mmtchola ....
Legitimo torna -se forma parallelo, mas preferida a
lidimo, dispensa a dispensaçom^ logar a. logo^ secular
a se gr ar ^ mesura a medida, porque a cj, quieto a quedo ^
integro a inteiro^ plano a châo^ . . . . e assim um numero
crescido de formas divergentes.
São deformação clássica ( Sec. XIV-XVI ) : — aniro= axiimni, —
agr!co/a= agrícola, — aírio= atriíim, — ajtla^= aula, — ara= ara, —
adnnco=^ aduncus,— auriga'= auriga, — auxí/io= auxilium, — adoles-
sentc= adokscentcm, — aítingir= attingere, — crnor — cruorem, —
coiiJiige= conjugem, — ceríaii!C=^ certamen, — conJlicto=^ conflictus, —
catttaro=^ cantharus, — cohoric= cohortem, — diluctilo= diluculus, —
ilo!o= dolus, — dti;idia^= desídia, — cgrcgio=^ egregius, — ertcío= ere-
ctus, — flagicic= flagícium, — Jiagel/o= flagellum, — fausto — faustum,
— fu/gido= fulgidus, — gladio= gladius, — gelido= gelídus, — Í7isania
== insânia, — iiicrcia= inertia, — inoxia= inoxia, — ig!ieo= igneus, —
ijic/iío= inclítus, — iiiervie^^^ mcrme., — /(^/zrtV^ lapidem, — /h'ido=
lividus, — languido^= languidus, — lasso== lassus, — messe= messis, —
iiauia = nauta, — mimem = numen, — odo7-= odorem, — 5r<^6'=orbem,
— osciílo= csculum, — petiiiria= penúria, — frelio= prelium, — prc-
cella=^ procella, — firogenie^^ progeniem, — r2bido= rabidus, — sapido
= sapídus, — iritimpho^=-- tríumphus, — tnmuIo= tumulus, — liberdade
= ubertatem, — verberais- verberare etc. . .
8 — Elemento gemanico — Dos elementos céltico, pú-
nico ( phenicio e casthaginez ) e germânico, herdamos algu-
mas contribuições léxicas, mas deste ultimo em cem
dobrado numero. Elias vieram-nos, porém, já latinisadas
(mappa, cambiar e, parentes . . . )
Com a invasão das hordas barharas do Norte, o po-
derio romano succumbiu também na península hispânica ;
mas os vencidos, posto que pela superioridade de cultura
intellectual e civilisação, houvessem imposto aos vence-
dores — costumes, culto, e o próprio idioma, todavia não
poderam deixar de aceitar muitíssimos vocábulos da lingua
germânica, referentes ás suas instituições politicas e judi-
ciarias, ao direito privado, aos titulos herarchicos, S3stema
feudal, á guerra c navegação, ás di^■isõei arbitrarias do
32Ó
solo, etc. . . E este acressimoao atque peregrinum do latim
de Hespanha, era- lhes de facil aceitação, que na lingua
latina anterior á invasão da península pelos Godos, já pos-
suía muitas palavras germânicas importadas pelos bárbaros
alistados nos exércitos de Roma: — burgo (germ. burg^ for-
tificação, praça fortificada; lat. biirgits)\ garante ( germ.
gwaraiU^X. b. — yvarantus\ ganhar^ guerra { werra —
confusão disputa), ^//aw/e (germ. ^>í^í3!;i/, 1. b. wantus\
5íím, salga sayo ( sago^ sagum}^ etc.
São de origem germaniea : — '^arigel, baluarte, elmo
Z^anfo (homem Ywvt) ^^ marechal mariscai {\. mariscalus,
germ. marahscall ), seitechal senescal ( 1. seniscallus, germ.
siniscall ), bando banho (edital, germ bannan, (b. bannum);
adaga; patarata, feudo, rato ^), bosque ( ger. busch^ B. L.
boschus ^ ), brasa *, guindar % rato, . . . e muitos
termos náuticos, principalmente introduzidos pelos Nor-
mandos, que invadiram a Gallizae mais tarde estancearam
nas margens do Minho : — ^ordo (e dahia bordo, abordar,
bombordo, estibordo. . .), arpéo, boie (bat. bot.), cábrea,
canoa {kaan, barquinho), fragata, chalupa, croque, dique,
galeota, quilha, etc.
Muitos desses termos já nos vieram latinisados — senescaliiSj via-
riscalcusj arauius, etc.
9. — Elemento árabe, — No sec. VII os Árabes se-
nhorea-se, de todo a península com excepção do ter-
ritório Basco . A lingua arábica, tão grande foi a sua in-
fluencia, muitíssimo enriqueceu o nosso léxico, maior-
mente em termos referentes á vida ph3^s!ca, aos usos do-
mésticos, intituições civis, politicas e militares, á techno-
* Der. baronia, baronato, baronete.
"* Ratazana, i-atoeira,. . .
^ buscar, embuscaãa. . ,
* braseiro,
* guindaste., .
I
327
logia de contrucção, philosophia e sciencias medica e natu-
raes.
Muitos vocábulos perdemos desta origem : restam talvez
uns Soo.
oAllah, acicate, acipípe, asotéa, açougue, açude, ala^ão,
alarve, alfandega, alca^ar, aljageme, alfinete, . . . \ azei-
tona, assassino, argola, âmbar: beduíno, ba\ar, burnú, bar-
raca, café, cáfila, cafre, camelo, carmim, caravana, califa,
cifra^ {ero, cabala, cubebas ; falua ^ faquir{fakir)^ fulano,
( fallacli- lavrador), farnel, farraf a, giveie, ga^ella, elixir,
jasmin, laudano, kalifa, mameluco, marfim, mascara ar.)
mascharat — risada, mofa, truonice), nafé, rababo, mes-
quinho, recife, recua {recova), tamarindo, ^enitli, tarifa,
talisman, xarope, etc.
Como succedeu com o germânico, dos nomes que nos
legou o elemento histórico árabe formamos verbos, etc. —
alambicar, alcunhar, almoxarifado, alvoraçameníe . . .
io.= Hebraico — Hoje são em numero decrescido, e
muitos delles, principalmente os da linguagem hebraica,
nos foram importadoi pelo latim ; como, p-ex., — abbade,
alleluia, hossana, cherubim, hyssope. Nazareno, Bel^ebut,
amen, seraphim, Saian Saianaz, sabbado, Messias Missa,
Jesus, jubileo. Éden, 7jiand, jaspe, saphira, cabala, tal-
mud. . .
II. — A muitas outras linguas deve o portuguez —
pelas relações commerciaes e litterarias — grande contin-
gente para o léxico. Só trataremos das que para esse fim
mais concorreram.
a) Indico: — brâmane, bambu, bengala, bon^o, catana,
cha, chávena, lacre, leque, mandarim, salamalek, xarão,
cornaca, laca, mumia orangutango (homem florestal),
peri, patchuli, cipayo, tambor y tarlatana . . .
' Quasi tedos os que começam por aZ, que é o artigo árabe.
328
b) Slavo : — caleche^ ma^iivka^ vedowa^ Ixiiiit^ ciat^
cosaco^ dohnan^ steppe, iikase^ etc .
Hespanhol : — castanheta^ castanholas, bolero^ sesta,
sarabanda, cabotagem, camarilha, cigarro, mantilha, fan-
dango, gitano (cigano), oilapodrida, piastra, câchucha,
habamera, segiiidilha, etc.
c) Italiano : — Este elemento mais influenciou a datar
do Sec. XVI : — oágio, adagio, alarma, andante, aqua-
rella, arlequim, bandido, bagatella, belladona, dilettanti,
belveder, imbróglio, biiffo, cantata, dilletanti, doge, ga^etta,
gôndola, lanarone, cavatina, madona, charlatão (de ciar-
lare), contralto, fresco (t. de pint), prima dona, piano,
pi-^icato, poltrona, scher:{ando, serenata, sonata), \soprano,
tremnlo, tenor, libre tto, . . .
d) Inglez : — Poucos vocábulos entraram na lingua no
seu 1** período : hoje é que com as communicações mais
estreitas, também mais vai augmentando o contigente : —
bill, bond, btãdogue, beefsteak, rostbeef (rosbife), dand r,
goom, grog, Jockey, Innch, piknik, rhiim, steeple-chase,
sport, tiinnel, tilbnry, whist, boagoion, paquete (vapor),
yacht, cutier, bolina, brigue, cheque (bilhete pagável ao
portador), cabs, clown, club, coke, dollar, penny, jury,
hurra, pickpocket, repórter, pudim, quaker, revolver,
vagão, Sandwich, whiskey, tranuvay, lender, water-proof,
high-life, meeting, etc.
e) Allemão. Aqui nos referimos aos vocábulos impor-
tados directamente do allemão moderno : — bismuto,
cobalto, Kirsch, landwehr, mangane^, potassa, spath,
:{inco, feld -marechal, feldspath, schopp, obu^, Kermesse, -
canivete, landgrave^ rixdal (reichsihalep), thalweg (linha
' Do lat. se>'a, noite ; e sonare resoar.
* Kirohmessc. p. comp. : missa celebrada para conimemorar a fundaçiio
011 inauguração de unia ogreja : regosijos públicos dados pr>r esta
occ.iísião.
329
de juncção dos dous declivios de um valle, indicando a di-
recção do curso d^agua), thalej\ etc.
f) Francez. — Desde o primeiro periodo da formação
da lingua que apparecem os vocábulos desta origem.
A influencia do elemento francez tem sido grande desde o
século XIII, posto muitas das palavras implantadas já
se tenham archaisado : — jalne (amarello), escote^ vianda^
ialha^ aprés, ensembra^ oeta (fr. ouate), avrecures^ prevoste^
aproxes^ castramentaçóes^ D:{eres, ornaraques^ dobreíes,
marídaes D''esses termos, porém, ainda nos ficaram
muitos : — corneta^ caporal^ furriel^ quartel -me sire^ bar-
bacan^ esquadrões^ quadrados ( de soldados ), meijon meison
(maison), etc. ^
Não somos avessos aos gallicismos, quando necessários, — como por
exemplo : patinar, guilhoiina, soiiiache, cache-nezj vis-à-vis,Jichúj
e esses termos de mil cousas para enfeites femininos, modas, etc. uns
por não terem equivalente no portuguez, outros por já fazerem parte
da lingua popular.
Si não consideramos gallicismos com S. Luiz, N. de Leão, Tullio,
etc. — adiar, adiaine7ito, activar, felicitações j inabalavelj regressar j
rotina, etc, e menos escusados, temos por muito para censurar a lepra
dos bouquets, soirces,faitteiiil, lorgnonsj toilletfeSj blasé, ^
que não devem figurar no nosso léxico.
Os neologismos de origem franceza mais se referem á
moda, á mesa (iguarias), á ficção litteraria, ou são nomes
próprios ou geographicos indicadores do producto ou in-
venção : — gris-perle^ grenai^ ruche^ capotte, .... vol-
au-veui, croqueiíe^ mayonnatse^ salada panachée^
amphytriâo^ harpa gon^ iariufo^ pantagruel^ . . . 'Bordeaux,
Chambertin^ brie^ cognac^ bayoneta^ 7iiedoc^ daguer-
re-o-typo^ guilhotina.
g ) Africano — Algumas palavras desta origem foram
introduzidas no portuguez indirectamente pelos Árabes
até o Sec. XIV ( papagaio, azagaia. . . ) ; as outras vieram
' Ou do lat. mansionem, mansão f
33o
directamente pelo commercio e trato entre Por tuguezes e
Africanos ( bugio, bu^io, gímbo... — Sec. XV e XVI ; Gil
Vic. I*, 122 etc. ), e ainda acrescentado no Brazil depois
do XVII ( inhame, calundu, giló. ..).
Quasi todos os vocábulos desta origem pertencem á lin-
gua bunda, e aos dialectos do Congo : bania^ bambar, ban^é,
( barulho, motim, disputa ), batuque^ cacunda { costas ),
calunga^ cangerè^ catinga^ caxeringuengue ( faca velha ),
jongo^ lundú^ macaco, malungo^ moleca moleque ( ou do
Árabe?), marimba, manding a {íúúco)^ mulambo^ quegila,
samba^ cumbuca^ sentai a ^ sova ( governador)^ urucungo,
( instrumento mus. ), :{anga, ■{umbi^ ^ungú^ etc.
Muitos desses vocábulos pertencem tão somente ao lé-
xico brasileiro : camondongo^ calunga^ pucuman picu-
mam ( fuligem ), muxinga ( açoite ), etc. ..
Tanga é também palavra africana : mas no código Theod.
C. V. XIV* tit. IO — cncontra-se a palavra izanga^ com o mesmo
sentido. Ter-nos-hia o termo vindo de Africa directamente ou
pelo latim ?
Na linguagem do Brasil muito frequente é ainda hoje o
emprego de termos do elemento africano, que apparece
também, — ainda que raro — , nas canções populares:
Você gosta de mim
Eu de gosto de você ;
Si papae consenti
Oh l meu bem,
Eu caso com você.
Alê, alê, calunga
Mussutíga, musssnnga ê ( ^ )
b ) Elemento brasileiro. — São muitíssimos os vocá-
bulos que da lingua tupy ou abanaenga figuram no nosso
léxico : — cabiuna, caboclo^ cacique^ capoeira ( mato ténue,
ave), cuia^ embira^ P'^g'éi taba (aldeia), bore^ maracd
( instr. mus. ), igara ( canoa feita de um toro ), ubá ( id.
feita de cortiça ), tanajura^ (espécie de formiga), larabaia-
Sylvio Romero — Cant, pog. hras.
À
33i
«j, tacape^ langapema ( instr. de guerra ), acanguape^
( cocar de pennas ), onduapes ( tanga de pennas ), metara^
(pedaço de páo, osso, etc. que introduziam nos lábios),
ay ucara ( collar feito de dentes e ossinhos dos inimigos
mortos por quem o trazia ao pescoço ), curare ( urari ),
caipora ( d'onde caiporismo ), — caa-pora^ iiabitador do
matto ; mandioca^ tapera^ etc.
Na ichtiologia, ornithologia, e na flora, etc. muito enri-
queceu o elemento brasílico o nosso vocabulário : — aba-
caxi^ abacate, taquara^ taquãrussú,\ arara^ capini^ caroba,
cajú^gerimum^ sipó^ goiaba^ guaxima^ embira^ jaboiicaba,
peroba^ jacarandá, poaya^ pita^ pitanga, sapucaia^ ta-
pioca, . . . juriiti^ acará, carapicú, corocoroca, mandy,
mossum, . . . inhambú araponga^ arara, caboré, sabiá ( e
todas as espécies : — guacú, guba, piranga, pen\ poça,
sica, iinga, una), urubu gaturamo, jacu soco. . . capivara,
coaii, gia (rã), giboya, mico, marimbondo, mutuca, paca,
snssuran2, surucucú, tamanduá, . . .
Também crescidissimo é o numero dos nomes locaes
no Brazil — oAndarahy (morcegos rio), oAraripe, Aracaju,
Cacapava, '\Baependf, Capanema, Cabuçú, Carioca, Ceará,
Catumby, Curitiba, Icarahy, Itapuca, 'Pernambuco, Ti-
juca, Catteie, . . .
Como do elemento árabe e germânico, etc herdamos
nomes, e delles derivamos verbos : — catucar, capinar,
E^caiporar, íocaiar (íicar na tocaia, i e. , á espera),. . . ^
Na poesia popular do Brazil, principalmente do Norte,
apparececem phrases indígenas entresachadas, como es-
tribilhos ;
Te mandei um passarinho
Patuá mire pupê ;
Pintadinho de amarello
Iporanga ne ianê
(S. Rom. lac. cit.)
' O Dr. Macedo Soares publicoa aobreesta derivação, no Rev, Brás.,
Tim trabalho de merecimento.
332
Vamos dar a despedida
Mandu Sarará
Como deu o passarinho
Mandu Sarará * . . .
(Id)
O numero de vocábulos desta origem, que só figuram
no léxico brasileiro, i e., que são desconhecidos em
Portugal, é passante de 5ooo.
1 1 — Ainda, além desses elementos, com o jus de
augmental-os pelos processos da composição e derivação
(Lições 17 e 18, 19*), temo portuguez outros de não
menor valor para a constituição do léxico.
I. — Nomes locaes: — artesiano (de Artois ), arminho
( da Armemia ), avellã ( Avella, cidade da Campania ),
baioneta ( Bayonna, cidade da França ), berlinda ( Berlim ),
bohemio (Bohemia), ^ne ( França ), casimira, cambraia,
cachemira, campeche, chambertin (França, vinho tinto),
chajupagne, chester^ curaçao ( licor das Antilhas ),
falerno ( Itália ), Gallileo ( J^sus, antiga provincia da
Palestina ), gaivota ( Gavot, cidade da França), gruyere,
itálico ( typo de imprensa ), laconismo ( Laconia), landau
( Baviera rhenana ), madapolão ( cidade do Indostão ),
havana, musselina ( Mussul, cidade da Mesopotâmia ),
nankin ( cidade de China ), Nazareno { de Nazareih ) pa-
raty ( aguardente de Paraty ), 'Persianna{ Pérsia ), faisâo
( Phasis), Torto^ Siirnhy (farinha de S. ), sauterne,
sevres, xere:{, cordovão (Córdova ), marroqiàm (Marrocos),
pistola ( Pist03'a )
2 . — Nomes próprios de individuos: oAristarco juiz severo,
biicephalo ( cavallo de Alexandre : hojecavallo de batalha j,
Cíi/e/jmo ( lexicographo italiano — hoje collecção de notas),
catilinarias ( de Catelina), elzevir ( impressores do Leyde ),
el^everiano^ etc . , Galvanismo galvanoplasta ( de Galvani,
* Zatm— la tinisar, alatinado, latininismo, lalino-mauia, etc.
333
physico e medico de Bolonha, século XMII ) la^aro^ laza-
rento lazareto la:{arísla ( Lazaro, da parábola evangélica ),
mecenas protetor das lettras, de Mecenas favorito de Au-
gusto, macadam ( do engenheiro Mac-Adam ), nicotina ( de
Nicot, embaixador de França em Portugal, conhecido
sobretudo por ter importado o tabaco em França 1492-
1577), etc...
3. — Transferencia — Egi^eja romana^ cúria Romana,
pedante iy. também — semeiologia^Xicõ.06^) alarve^ ma-
landrino .
4. — Ficção litterarta : — um matamouros (com. hesp.)
um harpagão (muito avarento — com. de Molière), um
dom Quixote (blasonador de bravo, etc. — romance de
Cevantes), Tartufo^"Toltchinello^ Rocinanle.
5. — Mythologia, CRENÇAS E CRENDICES: — avgouauto
(de argos)^ QArgus\{olhos de o/lrgos^ muito penetrantes).
Medusa (cabeça de Medusa — ) ; hermes hermético her-
meticamente (de Hermes, nome grego de Mercúrio, e
Hermes Trismegista) ; chimera chimerico, pânico (de Pan),
hercúleo (de Hercules), vutcanico vulcanite^ etc. (Vulcano)
lamures. caipora^ jovial (Jove, porque Júpiter era a planeta
mais feliz), 5J?/?/rwmo (triste, grave, refolhado — porque o
planeta Saturno inspirava gravidade, etc), lunático^ marcial
(de Marte) . . .
6. — Erro etymologico : — Índio {o habitante do Bra-
zil).
7. — Analogia : — bom humor ^ máo humor ^tic.
8. — Títulos, CARGOS, OFFicios: — maire^ landlord^ land-
grave^ delegado, presidente. . .
9. — Os costumes, a caça, a pesca, os vicios e as artes,
a guerra e a politica, os jogos e a agricultura, as machinas
e instrumentos, as peças delles componentes ( gata., porca.,
cachorro., cavalete., mosquete., etc.) ; as metaphoras (emolu-
meníum., o que se pagava a moleiro pela moenda, depois
proveito, ganho ; salarium., quantidade de sal|que se dava
334
como pagamento, hoje estipendio ou aluguel do traba-
lhador — (V. Lição — 6^ e 21®) ; o condestaifel era o chefe
das estribarias ; o marechal^ o guarda dos cavallos ; o vassalo
transforma-se no vassalete^ que se degrada no valete \ o hu-
milde ;mm5/èr (criado) torna -se ministro do Estado.
« As phases percorridas pela lingua em suas modificações
são como o reflexo exacto das revoluções politicas e mo-
raes » porque passara o espirito publico na provinda his-
pânica, em Portugal e no Brazil.
Ainda temos mais as viagens e o commercio : — tatua-
gem^ Simun etc.
Resta fallar do elemento grego.
Na formação do portuguez vulgar foi este elemento
etymologico em extremo insignificante.
Só no sec. XIV é que elle começa a entrar na lingua,
mas por intermédio do latim, que já posssuia certo numero
de palavras gregas (bjrsa^ buticula, cara, colla, ... — bolsa,
botelha, cara, colla, episcopus, apostolus, diaconus,
parábola, ecclesia. . . .)
Temos alguns nomes dessa derivação que hoje fazem
parte de lingua popular: — democracia, monarchta, eco^
nomia, agonia, harmonia, anarchia, melodia, gymnastica,
poema, politica, sophisma, tyrannia, déspota. . .
Nos séculos XV e XVI a corrente erudita deu entrada a
mais algumas palavras cujo numero recresceu desde o
XVIII, especialmente na terminologia scientifica. Hoje, na
medicina e nas sciencias naturaes, triumpha a nomencla-
tura grega, principalmente por sua força formadora pelos
processos da derivação e composição ( Lições 17® e 18®.)
Dos vocábulos de creação moderna, muitos também já
pertencem á linguagem popular : — telegrapho, telephone,
typographia, polftheama, cosmorana, necrotério, gaio-
metro, polytechnica, gramma ( peso ), metro ( medida de
extensão ) . . .
São hoje em não pequeno numero os suffixos e prefixos
335
gregos (partículas e termos), que entram na formação de
palavras portuguezas ; mais de 8o raízes verbaes gregas
contém o nosso léxico ; mais de 3.ooo vocábulos possuí-
mos actualmente derivados desse elemento histórico, graças
ao direito de accrescimo que nos facultam os processos de
novas formações. Assim, p. ex., kosmos deu-nos — cós-
mico, cosmogonia, cosmogonico, cosmographia, cosmo-
logia, cosmopolita, cosmorama, microcosmo ; metro, —
metro, decametro, decimetro, millimetro, metrologia, me-
trologo, metronomo, pirimetro, isoperimetro, diâmetro,
symetria, S3^metríco, semetrisar, symetricamente, asyme-
trico, acrometro, gazometro, chronometro, hydrometro,
pentametro, fpluvíometro, thermometro, barómetro, geo-
metria, trigonometria, hexametro, etc . ; auto — autobrígra-
phia, autobiographo, autobiographico, autochthone, au-
tocracia, autocrata, autocrático, autographo ( — iar, — ia,
— ico), autómato, automático, automotor, automotriz,
autonomia, autónomo, autoplastia (t. de cirurgia), autopsia,
— ar, etc. , . .
i3. — Em remate — O portuguez recebeu do latim a
tradição oral de expressões, idéas e imagens ; transmittiu-a
ás gerações seguintes pela força conservadora, mas modi-
ficada, e dilatada neologicamente, pela força revolucio-
naria .
E cumpre não esquecer a acção ps3xhologica, cujo pro-
cesso muito tem avolumado o nosso léxico, e consiste na
transferenciado sentido do vocábulo (V. Lição 6^).
As línguas não se fixam : « são rios que tendem sempre
a augmentar em caudaes á proporção que mais se alongam
da matriz. »
VIGÉSIMA TERCEIRA LIÇÃO
Caracter differencial entre os vocábulos de
origem popular e os de formação erudita.
Duplas, formas divergente.
i.o — o nosso vocabulário comp5e-se de três cama-
das de palavras — popular, estrangeira e erudita (Lie. 22).
São, por assim dizer, distinctas, a linguagem vulgar e
a erudita ; mas a instrucção, que cada vez mais se vae
entranhando na classe popular, e a imprensa (que é a
lingua escripta), muito concorrem para que se vá apa-
gando pouco e pouco a linha que as estrema. Já vimos
que muitos vocábulos de formação erudita figuram hoje
no léxico popular {varíola^ applacar^ pústula, blasphemar^
arcJianjo^ telegramma^ atheo, geographia^ •'••)'■> certas
partículas formativas, latinas e gregas, são hoje vulgar
(ex — ex- chefe, ario — partidário, . . . . )
O que acontece muitas vezes na linguagem popular é
o vocábulo mudar de sentido (Lie. 6^) ou soíírer alguma
modificação — alarve^ patife^ murcido (cp. murcho),....
"Beeito bieito bento ^enedicto.
2.° — A's vezes da mesma palavra latina derivam
duas ou mais portuguezas, umas de fundo classieo e
outras de fundo popular, (pag. )
LAT. FORM. rOP. FORM. ERUD.
Niíidiivt nédio nitido
cuviulus combro cumulo
colliçcrc colher colligir
* ° 43
338
LAT.
FORM. POP.
FORM. ERUD
captare
plejiíis
catar
cheio
captar
pleno
impregnare
coghatus
especuhini
stagnare
imprenhar
cunhado
espelho
estancar
impregnar
cognato
especulo
estagnar
3 . ° — Os vocábulos populares (infiltrados pelo ouvido)
são mais contrahidos porque moldaram-se nas formas
populares latinas, ]á regularmente contrahidas (frigdo
p. frigidus^ anglo p. angulus^ caldo p. calidus^ poplo
p. popiiliís, templo p. tempiilnm^. . . .) \ e a sua for-
mação foi sempre presidida pelas três leis geraes e fe-
cundas a que nos referimos na lição antecedente {mascar
= mast (i) care, obrar t:=op (e) rare ; mãe = ma. (t)
er, arêa = are, (n) a, doar = do (t) are,....)
Os vocábulos de origem erudita, vasando-se directa-
mente no typo escripto latino, retomam a vogal atona
e a consoante media (mastigar^ operar, arena, dotar. . . .)
4. — A essas palavras, de origem commum e muitas
vezes de sentido diverso, deram os philologos os nomes
de FORMAS DIVERGENTES OU DUPLAS. Esta denomiuação é mal
cabida porque se as derivações são geralmente duplas,
também as temos triplas e quadrupnlas, etc . : cavilha cha-
velha cravelha clavícula^ mancha malha magoa macula;
ben:{ido bento beneito (Canc. Vat.) Beento (Sec. XIV) Bieito
Fie/Vo (Canc. Vat.) Benedicto; cabedal cabedel{Act. dos
Apost. Sec. XV) coudel caudal capital .. .
5. — São varias as causas das formas divergentes.
I .* A degeneração phonetica, a que nos referimos acima
e que ás vezes por tal forma modifica o vocábulo que de
todo perdemos o seu sentido etymologico. Foi o que p. ex.
succedeu com o verbo ben^er^ que fez-nos ir buscar a outra
forma á lingua originaria — benidi^er ( = benedicere ) para
exprimir acção opposta a maldizer ; artelho e artigo ; área
e arena f bodega e botica, ladino e latino, etc. .
339
2.* A adopção de uma palavra de língua estrangeira,
mas da mesma origem que outra já existente no portuguez
e de derivação directa.
LATIM
F. PORT.
F. ESTR.
Crespus
Crespo
Crepe (fr)
Domina
Dona
Dama (id)
Hospitalem
Hospital
Hotel (id.)
Alacrem
Alegre
AUegro (it)
Opera
Obra. id.
Opera (it)
Planus
Chão plano
Lhano (htsp)
Caballarium
Cavalleiro
Cavalheiro (fr)
Duos
Dous
Duo (it)
3 . ^ — A variação dialectal, que deriva uma forma
popular de outra já existente no portuguez :
LAT.
PORT.
Basium
Beijo beiço
Platus
Chato prato
Dominus
Dono dom
Santus
Santo são
Plaga
Chaga praça
Medulla
Moella mioUo
Patrem
Padre pae
4* — Renovação erudita, principalmente do sec. XV
em diante.
F. POP.
F. ERUD.
Lat.
adro
átrio (S. XVI)
atrium
alvitre
arbitrio (XV)
arbitrium
amêndoa
amygdala (XIX)
amydala
bramar
blasphemar (XIV)
blasphemare
confiança
confidencia
confidentia
delgado
delicado
delicatus
estreito
estricto
strictus
cobrar
coperar
coaperare
inteiro
integro
integrus
A's vezes o mesmo typo latino dá duas e mais formas
populares : — coroa coronha ( = corona ), chumbo plumo
prumo ( plumbus ), mancha magoa malha ( macnla).. .
5* — A deslocação do accento da palavra popular e o
imparisyllabismo da derivação latina: — polpa polvpo^
340
praça platéa ( = plátea),. . . drago dragão ( = draco dra-
conem), serpe ( nom. ) serpente (acc.) virgo inrgem ( acc. ),
erro (nom . ) error ( accus . ) . . .
6.* — A mudança de género: — tormento tormenta^
gigo giga, barco barca^ cinto cinta
6. — O processo da derivação divergente data das pri-
meiras phases da lingua, e muitas formas são hoje archai-
cas : — sages sábio sapiente, esmar estimar ( suspeitar
avaliar ) tredo trahidor, fio ^do, enseja insidia, cajom cajão
occasião, etc. denostos deostos áoQstos, emprir encher = 1.
implere, etc
7. — A onomástica também apresenta grande numero
de duplas :
Fagundo de facundo
Dulce doce
Angelo anjo
Bcnedicto Bento
8.''^ — Em algumas palavras derivadas transparece
ainda o processo de derivação divergente :
íímeigar mitigar
rt^^vastar gastar
í/í?plorar chorar
9.= Temos ainda formas sub -duplas ou rcdiver gentes,
de derivação secundaria : — Sanchico de Sancho, Paulino
de Taulo
A esta categoria pertencem as formas divergentes de
nomes gentílicos : — T^eirão Tíeirense^ Sergipano Sergi"
pense Lisboeta Lisbonense, T^raguei Bracarense, .... Bra^
fileira Bra^iliense^ oAnglo Ingle^^
10, — o Intim já conhecia essas bifurcações vocabulares : — //;//-
pidiis liqniãtis, bcllmn dtie/hniij coluvniba falinnba, fel bi lis , que
no portuguez constituem formas divergentes indirectas *). O Grego
também apresenta certo numcio de duplas : — Kr adia Kardia ( co-
ração ), Kirneini Kerammmi ( misturar ) etc. *
») Bréal et Railly —dict. Etym. ixt.
*) Buflry — Grani' coivp.
34 1
II.— Em seguida, damos uma lista abreviada de al-
gumas formas divergentes, advertindo, porém, que muitís-
simas vezes a derivação é apparente ; houve apenas concur-
rencia entre palavras latines populares e eruditas: — 'Dobrar
^^ \. hd.rh. duplare -^ duplicar =\. class. diiplicare.
Tropa é do lat. barb. irupiis^ trupa (= rebanho \ Si
enim in tróppo úq jumeniis^ etc, Lex oAlamannorum ), e
não é forma divergente de turba.
Coda = {^t. pop. codã^ cauda =\. class. cauda \ Siso
deriva de seso., e consequentemente não é dupla de senso=
1 . S2HSUS ; pardo = 1 . pop . pardiis ( da cor de panthera —
pard ), pallidus= 1. class. pallidus ),....; prisão não é
forma divergente, como se tem escripto, depreJiensão., mas
deriva át presionem ;. . . A's vezes uma das palavras tira
origem no latim e a outra deriva de vocábulo já portuguez :
— colheita vem de colher ( colligido, escolheito ), collecta de
collectar \ bispado de bispo, episcopado do lat . episcopatus ;
coser., do lat. cosere, cosiuhar de cosinha (lat. coquina ;
1. pop. coquinare ? ), ; ou ainda uma palavra é de
origem popular a outra de origem estrangeira.
F. fort. pap.
Derivação erudita
/•". class.
Lat,
acro
átrio
Atrium
avrego abrego afrcgo
africo
africus
alegria
alacridade
alacritatem
Agosto
Augusto
angustus
ajndorio
adjutorio
adjutorium
acenar
assigr.ar
assignare
arêa
arena
arena
alhear
allienar
allienare
allumiar
illuminar
illuminare
alvedrio alvitre *
arbítrio
arbitrium
austinado
obstinado
obstinatns
amêndoa
amygdala
amygdala
apagar
aplacar
aplacara
* Eibitrio, eibitrario, eibitrar, Sec. XV.
342
F. port. pop'
F, class.
Lat.
anjeo anjo
Angelo
angelus
aprender
aprehender
aprehendere
artigo
artelho
articulus
aspeito
aspecto
aspectus
assemelhar
assimilar
assim ilare
asmo
ázimo
azimus
assobio
silvo sibillo
sibilum
assoprar
insuflar
iusuflare
avesso
adverso
adversus
bainha
vagina
vagina
bodega
botica ( inf . franc.
? ) apotheca
bolla bolha
bulia
bulia
bento ( beeito etc.
) Benedlcto
benedictus
bolbo
bulbo
bulbus
bostella
pustuUa
pústulla
cabido
capitulo
capitulus
cadafalso
catafalco
catafalcus
cadeira
cathedra
cathedra
caldo
callido
callidus
cousa
causa
causa
carrear
carregar
carricare
cabedal
capital
capital
cantiga
cântico
oanticus
caramunha
querimonia
querimonia
chamar (jamar Sec,
• XlV) clamar
clamara
chão
plano
planus
chantar ( arch . ')
plantar
plantara
chanto ( arch.)
pranto
planctus
ehave
clave
clavis
eheio
pleno
plenus
chico ( arch.)
exíguo
exiguus
chumbo
prumo plumo
plumbus
cem
cento
centum
chamma
flamma
flamma
chocarre.ro
jograleiro
jocularius
chaga
praga
plaga
conchavo
conclave
conclave 2
cobrar
cooperar
cooperare
côdea
crosta
coima
calumnia
calumnia
catar caçar
captar
captiare, captara 3
colher
colligir
colligira
colgar
coUocar
coUocare
coalhar
coagular
coagulara
* D'oQde canteiro, logar onde se planta.
* Cum clxvis = com chave .
' Geralmente dão como dupla capturar de eaptMrarc— Capture feras,
(Prop.)
i
343
F. port' fap.
F, class.
Lat.
cômoro
cumulo
cumulus
contar
computar
computare
cunhado
cognato
cognatus
comprar
comparar
comparare
creto (ant.)
credito
creditns
chavelha cravelha cavilha clavícula
clavícula
crasta
claustro
claustrum
cuidar
cogitar
cogitare
chapa
capa
capa
desenho
desígnio
designium
delgado
delicado
delicatus
dedo
digito
digitus
doar
dotar
dotare
doação
dotação
dotationem
direito
direito
directus
deão
decano
decanus
divida
debito
debitus
descer
descender
deseendere
dizima
decima
decima
dobro
duplo
duplus duplum
dormidouro
dormitório
dormitorius 1
eira
área
área
emprenhar
impregnar
impregnare
ensosso
insulso
insulsus
enxabido
insípido
insipidus
esburgar
expurgar
expurgare
escada
escala
scala
escutar
auscultar
auscultare
escuro
obscuro
obscuras
esgaravatar
escarificar
scarificare
espádua
espátula
spatula
estancar
estagnar
stagnare
extorcer
extorquir
extorquire 2
esvigar (arch.)
edificar
editicare
estreito
escricto
strictus
espelho
especulo
speculum
errada
errata
errata
estiar
estivar
stivare
eiguer
erigir
erigere
febra
fibra
fibra
feira
feria
feria
feitura
factura
factura
fino, finto findo (Sec.
XVl) finito
finitus
frio
frigidc
frigidus
fiúza
fiducia
fidutiae
froco
floco
flocus
* V . suffixos — ouro e orio .
* Torcer — 1. torquere.
344
F. poxt. pap.
F. c/ss.
Lat,
funil.
fundibulo
fundibulum
frente .
irontc
frontem
gotto .
guttur
guttur
gola
gula
gula
geral
general
general
hombro
humero
humerus
herdeiro
hereditário
heredtarius
herege
herético
hereticus
inereo (arch)
incrédulo
incrcdulus '
ilha
insua
insula
inxabido
insípido
insapidus
inteiro
integro
integrus
ladino
latino
latinus
ladainha
litania
litania
lande
glande
glandem
lavrar lobotar
laborar
lavorarc
livrar
liberar
liberarc
lembrar ^
memorar
mcmorarc
leal
legal
legalem
ligeiro
aligero
aligeri
liar
ligar
ligare
limpo (lindo)
limpido
limpidus
logro
lucro
lucrum
moimento
monumento
raonumentum
meolo
meduUa
mcdulla
mister
ministério
ministerium
molde
modulo
modulus
mosteiro *
monastcrio
monasterium
murcho
murcido
murcidus
marear
marcar
morcare
marchante
mercante
mercantem
mascar
mastigar
masticare
macho
másculo
masculus
mancha malha
magoa (mazela)
macula
macula
névoa
nebula
nebula
nédio
nitido
nitidus
nalga
nádega
obrar
operar
operare
olho
óculo
oculus
olvidar
obliternr
obliterara
orago
oráculo
oraculum
orelha
aurícula
aurícula
órgão
organo
organum
partilha
partícula
partícula
polme
polpa
' Appareceu pe'
la 1=^ vez nas Trov. e Car,
lí — ant ncnyhrar.
I
345
F. port. pap
F. class.
Lat.
polvo
polypo
polypus (do grego)
praça
platea
plátea
papel
papyro
papyrus
pego
pélago
pelagus
palavra *
parábola
parábola
pende (arcb)
penitente
penitemtem
pellicata
pellicula
pellicula
peso
penso
pensum
pesar
pensar
pensare
povoação *
população
populationem
praia
plaga
plaga
primeiro
primário
primarius
puchar
pulsar
pulsara
podre
pútrido
putridus
precedência
presidência
presidentia
pousar
pausar
pausare
prêa prcda
presa
presa
queimar
cremar
cremara
quedo
quieto
quietus
redondo ("ant. rodondo)
rotundo
rotundus
ração
razão
rationem
regrar
regular
regulara
rezar
recitar
recitara
rotura
ruptura
ruptura
recobrar
le cu per ar
recuperara
raiar
radiar
radiare
rijo
rigido
rigitus
remissa
remessa
remissa
ruido
rugido
rugidus
Ralhar
rabular
rabulara
sanha
insânia
insânia
sangrento
sanguinolento
sanguinolentus
sarar
sanar
sanara
soldar
solidar
solidara
suor
sudor
sudor
Solteiro
solitário
solitarius
senha
signo
signus
sello
sigillo
sigillus
selva
silva
silva
segredo
secreto
secretus
semblante
simulante
simulantem
silha (cilha)
cingulo
somma
summa
summa
somno
sonho
somnium
semblar
simular
simulare
sustancia
substancia
substantia
' F. int. jwraôoa jjara f o» jparatra, e te.
* F. int. j5o6/açom, etc.
44
346
F. port. pop.
F, class.
Lát.
sobrar
superar
superara
serra
cerro
serra
tousar (ant.)
taxar
taxare
tudo
todo
totus
transe
transito
transitus
teia
tela
tela
taboa
tabola
tabola
terno
tenro
tenrus
tredor tredo
traidor
traditorem
vincilho (vincelho)
vinculo
vinculum
viagem
viatico
viaticum
vigia
vigília
vigilia
vodo (ant.)
voto
votum
Derivação popular
Alvedrio
alvitre
leixar ( 1
e issar
Sec. XIV) deixar
Beijo
beiço
= laxare
cinto
cinta
oyr (C. D.
Din)
ouvir
creia
querela
lomear
nomear
coresma
quaresma
madre
mãe
diato
diacho
padre
pae
dono
dom
polir
poir
gaiola
charola
palomba
pomba
germano
germaho, mano
chantar
plantar
irmão
palácio
paço
loar (D. Din.)
louvar
medicina
meizinha
maldicta
maleita
roxo
santo
russo
são
ELEMENTO ESTRANGEIRO
Além dos citados (pg. SSq, 2°)
esquadro (ixquadro)
bannido
fabrica
bodega
cantada
soberano
dous
jurado (1. Juratum)
mestre {magister)
plano chão
tosto (1. fosium)
square (ing.)
bandido (it.)
forja (fr.)
botica (id. ?)
cantata (it.)
soprano (id.)
duo (it.)
jury (ing.)
maestro (it.)
piano (it.)
toast (ing.)
347
12. — As formas eruditas, é o que resulta do confronto,
raro supprimem as vogaes atonas — liberar (p. livrar =
lat. liberare)^ hereditário (p. herdeiro = ]a.t . heredita^
riiim), etc . ; conservam a consoante media, que cahe na
forma popular — dotar (p. doar = \, dotare), legal (p.
leal = \. legalem) ; desloca ás vezes o accento tónico latino
conservado sempre no vocábulo popular : platéa, renego,
invólucro, decano, pol/po.
i3. — Perderam-se muitas formas divergentes pelo ar-
chaisamento — cossario corsário (Sec. XVIII), giolho geolho
joelho, arcepelago archipelago, etc .
Temos formas divergentes do árabe — \ero cifra (zifr) ;
das linguas germânicas : — bando banho, baluarte boulepard
(este ultimo por influencia franceza), etc.
VIGÉSIMA QUARTA LIÇÃO
Da creação de palavras novas. — Hybridismos
Advertência. — Esta lição é por assim dizer ;_ um
relancear de olhos pelas lições 6* (i6 seq.), 17, 18, 19, 22
e 45.
1 . — As linguas estão em perpetua evolução : equili -
bram-se nas duas forças oppostas, — uma conservadora e
outra revolucionaria. Constituem a 1^, a . civilisação, o
respeito á tradição, o desenvolvimento litterario ; a 2* tem
por fundamento as alterações pJioneticas e analógicas.^ o
neologismo. ^
2. — Não bastava ao portuguez as expressões, idéas e
imagens recebidas do latim pela tradição oral; outras
idéas agitaram-se no espirito popular, e força foi augmentar
o vocabulário. O léxico está sempre em mobilidade: ora
registra palavras novas, or* apresenta-as sob novos as-
pectos. (L. 19.*)
3 . — Muitos são os factores neologicos, os centros for-
madores de palavras : a politica, a moda, o quartel, as
as officinas, a lavoura, . . . tudo concorre para opulentar
o vocabulário e renoval-o. « São tantos os centros de
neologismos quantos os grupos naturaes de pessoas e de
occupações. »
• Darmst. La, vie des mots.
35o
4. — Dessa actividade incessante da linguagem dá prova
a formação erudita^ que crêa um léxico novo e artificia 1
(de origem latina e grega) no próprio seio do léxico na-
tural ; e a creação popular que importa termos novos das
linguas vivas, ou forma-os com elementos da lingua pelos
processos que lhe são peculiares. Chamar p. ex., foi
substituído na linguagem clássica por plantar, do lat.
plantare ; phonographo é de composição grega ; . . . jockey
foi importado da lingua ingleza ; Jlorsmha, rabiscador^ são
creaçÕes populares vernáculas.
5 . — São três, pois, as fontes das palavras novas. 1" as
linguas estrangeiras ; 2° os processos da derivação e da
composição; 3° os neologismos de significações.
6. — Crear uma palavra é fazel-a expressão habitual
deumaidéa. « k^çdXdiNXQ. desenvolvesse quando o espirito
prende a ella um grupo mais ou menos extenso de imagens
ou de idéas . »
A creação de palavras novas funda-se na analogia e na
emphase . Um producto novo terá denominação formada
de um thema ou termos indicadores da matéria de que é
elle feito ( cafeina., cajurubeba ) \ do nome do logar do pro-
ducto ( paratf, aguardente feito em Paraty ; Siirnhy., fa-
rinha feita em Suruhy, etc.) ; o nome do fabricante ou in-
troductor do producto, do inventor, etc. ( V. — Lição 22^ ).
— As crenças, crendices e superstições ou os costumes
também abrem largo espaço ás novas formações de pa-
lavras. Caipora^ tupy caa-pora., pequeno caboclo, que,
segundo a supersttçao, vive nas florestas do sertão
( caa ) malfazendo ás vezes, prineipalmente aos que
lhe negam tabaco, deu-nos caipora ( individuo infeliz
nas emprezas, commettimentos, etc), caiporismo en-
caiporar encaiporisar \ feitiço feiticera feiticeiro enfei-
tiçar., etc
A creação de palavras novas marca ás vezes uma nova
época ou desenvolvimento histórico. Assim, a palavra
35i
christão^ diz Renan, marca a data precisa em que a Egreja
de Jesus separa-se do judaismo.
7. — O deierminanie nem sempre exerce a suafuncçao
especial porque condição necessária para a formação de
substantivos, « é o esquecimento da significação etymo-
logica . y> Qnaderno^ grupo de quatro ; luneta, pequena lua 5
soldado, homem que recebe soldo, etc. não indicam ety-
mologicamente ao espirito as idéas em nosso parecer
essenciaes — de folhas de papel, instrumento visual, mi-
litar ou homem de guerra, etc. *
8. — Na linguagem popular são curiosas as creaçÕes.
Eftcordoar é enfiar por chufas e motejos ; desfructavel é o
individuo que se dá ao ridiculo : debicar é chufar; mofar ;
massada — aborrecimento, importunação, etc.
A semeiotica é uma das fontes para a formação, não de
vocábulos novos, mas de novas significações : — Chrtsto
é o Salvador^ o Redemptor^ o Na:{areno . ^ Mas a acção do
espirito popular, ao passo que modifica o sentido das pa-
lavras, forma outras derivadas, já subordinadas á nova si-
gnifação . Imbecil ( falto de forças ) veiu a significar néscio^
e dahi os derivados tmbeciltía?' ( tornar estúpido ) imbecili^
dade ( toleima, necedade ), etc.
9. — Colónia, magistrado^ triumpho, fastos^ facção^
aristocracia^ democracia, demagogo^ déspota^ insur-
reição^ monarchia^ seducçâo^ etc... são do Sec. XIV;
companheiro { p. companha companhom)^ legiiimo (p.
lidimo ), ira ( p. sanha ), expansão^ ponderação^ ob-
stáculo^ allivio^ angustia^ sagacidade^ resplandecente^ es-
plendido, architecto^ avdacia^ aurora^ auxilio, ciume^
conjectura^ crueldade ( p. crueza), desculpa^ desordem,
maledicência^ transacção^ affavel^ difficil^ imaginário, in-
crédulo (p.incréo), doloroso, iracundo^ néscio^ magna-
* Darms — I.
* Trench — R. af words.
352
nimo^ posihumo^ próprio^ continuo^ obstinado^ superno, va-
loroso^ desejoso^ negligente^ rebelde, arguir, fulminar^
restituir, criticar, castigar, etc são do declinar do
Sec. XV ao XVI, pertencem ao período chamado qui-
nhentista, no qual também se generalisou o emprego do
superlativo em issitno. Inflexão, infracção, alienar, re-
trogrado, correccional, monóculo, undécimo, duodécimo,
binóculo, assimilar, sinuosidade, etc, são de introducção
mais recente ; photographia photographo photographar,
escravismo, evoluir voluir volutir, veriicalisar, telephone
ielephonar lelephonico, sociologia, altruísmo altruísta, al-
truismar (cp. egoismar ), subjectividade, assimilação, e
mais cerca de mil vocábulos, são do Sec. XIX.
São principalmente do Sec. XVI ao XIX, os compostos
por nós citados a pags. 280 — altivolame, capriba^bicornipe,
olhicerulea, levipede, ignivomo, fluctison antes, etc.
Finado ( defunto ), saga:{, atavio, falha ( omissão
falta ), arrefecer andrajo passamento sandice, bipede, quei-
xume delonga derradeiro fallecer lide, pristino, trucu-
lento, vociferar^ longiquo, enérgico, prematuro, probo,
fragor, etc ... . são por assim dizer palavras novas,
neologismos por achaismos, porque no Sec. XVI eram
ellas consideradas archaicas, reprovadas ou de autori-
dade equivoca.
10 — Hybridismos — Dá-se este nome ás palavras com-
postas de termos tirados de linguas diversas :
Areometro O 1° elemento é latino, o 2^
grego
decimetro Idem
bigamo Idem
socicolosria Idem
oleographia Idem
aviceptologia Idem
linguistica Idem
353
monóculo i ° grego, o 2'' latino
monomania. Idem
antinacional Idem
antiácido Idem
Esses productos bárbaros de elementos latinos e gregos
muito afeiam a lingua, e são — na phrase de Latham —
um malum per se.
As vezes, porem, não ha evital-os, como, acontece
quando a lingua que nos dá o termo principal não possúe
o determinante, ou não o conhecemos, etc. : Cí/^d-chumbo,
capim-rcit\3iáo .
8 ) Mas cipó e capim^ de origem tupi, já são palavras
do léxico portuguez, assim como ar chi está tão populari-
sado ou nacionalisado, que o cruzamento faz-se já mui
naturalmente, e os termos da composição adaptam-se
facilmente como se entre elles houvesse affinidade : —
archiminisiro^ architrave^ architolo.
II — O h3'dridismo é pois um facto artificial ou natu-
ral, reprovado ou admissível, conforme é de formação
erudita ou popular, etc.
VIGÉSIMA QUINTA LIÇÃO
Etymologia do sutstantivo e do adjectivo. —
Influencia dos casos na etymologia
a ) Do substantivo
I — Múltiplas são as origens nos nossos substantivos, e
d^ahi a difficuldade muitas vezes de indicar-lhes com segu-
rança a etymologia.
Os nomes próprios derivam-se do hebraico, grego,
latim e germânico ; todos elles foram a prineipio significa-
tivos, que ainda temos abundantes exemplos no portuguez
— (V. Lição 7.* pag.yo) ^
Os patronymiços teem também varias origens : os deri-
vados do latim formam-se geralmente do abl. plural : —
Vaio^ Paes, Pelagio ( V. pg. ) ; os do árabe, pela antepo-
sição da palavra ben^ que significa /?Mo : — ^en-i-Egas
— Viegas, mas que se encontra no hebraico — Benjamin
— filho da direita.
* Hebraico — Marta, Sara, Esther, Anna, Pedro, Joaquim, Ma-
nuel, João, David, Jeronymo, Jeremias, Moysês, Job, eto. . ., que passaram
para o portuguez pelo latim.
Gregos — Theophilo, Theocrito, Philippe, Eugénio, Diógenes, eto .. .
Latinos — Caio, António, Mário, Felis, Deodato, Claudina, Ursxãa,
eto...
Germânico — Carlos, Luiz, Duarte, Eduardo, Radolpho, Affonso,
Adolpho, Izabel, etc. .,
Sign. — Maria, sobarana, a rainha dos mares ; Sara, immunda, C^m-
dina, que coxèa, Anna, graciosa, Job, paciente, Joel, quieto. Judas,
louvado, Theophilo, amante de Deus, Eugénio, nobre, Theodoro e Deodato,
dadiva de Deus, etc. .r
356
Já vimos também ( L. 22*^ etc. ) que os nossos substan-
tivos originam-se geralmante do latim : que a technologia
scientiíica deriva do grego ; que terminologia artística é
emprestada ás linguas vivas — maiormente ao italiano no
tocante a pintura e a musica .
2 . — Os de origem latina formam- se do nominativo ou
do accusativo. O accento tónico indica a derivação. ( V.
pags. 175 e 176) .
A's vezes teem dupla derivação :
ladro do nom. latro e ladrão do accus. latro?tem
erro — erro e error — error em
virgo — ■ YW^oQ virgem — virnigem
etc . etc .
Outras vezes conservram apenas o caso regimen, princi-
palmente nos nomes em /o, onis : — religião ( religionem),
lição (lectionem), . . . em iis,^ iitis : — virtude (virtutem).
saúde ( salutem ) .
Dos outros casos, além do sujeito e regimen, derivam
também alguns substantivos (V. pgs . 177, 178).
b) Do ADJECTIVO
4. — Os adjectivos também tiram origem no nominativo
e accusativo (V. pgs. 179, 180).
5. — No latim eram quatro os pronomes demonstra-
tivos . Todos elles conserva o portuguez ( hic, iste^ ille^
ipse ) .
Nem sempre, porém, passaram elles para o portuguez
na forma simples . Quando os Romanos queriam indicar
mais claramente a idéa demonstrativa dos pronomes hic,
ille, iste, antepunham-lhes a partícula adverbial demon-
strativa ecce, ou o pronome /»c. Dahi os pronomes po-
pulares — ecce iste, ecce ille, contrahidos regularmente em
ecciste eccille, hic isle hic ille, etc .
Este — 1. iste ( fem. esta — ista ; neutro isto istud ).
3Õ7
Já são commummente empregadas nos dov,„. dos Secs.
XIII e XI V as formas este esta^ parallelas a isteista^ piural
isies .
Viterbo cita as variantes graphicas sta^ siOj do Sec XIV.
Os seus compostos — aqueste aquesío (ecc'isie, ecc'istum)
remontam também áquella época, e ainda persistiam no
Sec. X^'I (Bern. Rib. 27q, 280, etc. ant. canc).
Se por palavras pudera
dáqucsto meu mal cantar
Comp. — esf outro
Esse, a. — Derivam-se de ipse^ ipsa^ e sua forma
neutra isso de ipsum. Devemos, porém, advertir que o
p do grupo ps não soava na linguagem popular, o que
reduz phoneticamente esses adjectivos pronominaes a —
me, issa, isso. Suetonio refere que o Imperador Cláudio
multara um Senador por haver pronunciado isse p ipse.
Comp. — ess' outro
Aquellk, a^. — Do latim hic-ille^ hic-tlla^ segundo a
opinião geral .
Parece-nos, porém, melhor seria derival-os das formas
populares contractas — ecce-ille, ecce-illa^ de icce ille,
tcce-illa^ que soavam ek-ille, ek~illd.
Comp . — aquell' outro .
Adjeciivos pronominaes possessivos
Todos os nossos possessivos são de origem latina.
PORT. LAT.
Meu mia minha vieus viea (meam)
teu tua íciis hia
seu sua S7ius sua
nosso nossa iiosiruiUj a
vosso vossa vostrnvi, a
seu sua SU7/S sua
' Aquell, Nos Foros de Beja, Ined. da Acad. V. 523.
358
Derivados geralmente dos pronomes pessoaes, são antes
adjectivos que pronomes .
Por motivo da degeneração phonetica os casos sujeito e
regimen assimilaram-se, e ficaram ambos com uma única
forma. Neste ponto é o francez mais rico do que nós comas
suas formas atonas e tónicas (mon, ton, son; inien, tien^ sien).
Cp. port. — ella é minha; fr. elle est' à moi, ç. elle est
miejine (Rac.)
Meu é dos primeiros does . da lingua (meo ; we, mei,
ainda nos Açores, Alemtejo e Algarvej . A forma feminina
é que passou por varias e curiosas transformações :
i.° Mia (=hesp.,prov., ital.) E' do ssc. XII (coK mia
morte. Canc. Rez \ mia molher S. Ros.) a par da forma
ma (ma molher., mas filias}., que persistiu até o Sec. XV
(madama).
2.° Mha. E' puramente desconformidade na graphia
{h=i ; y. Phoneiica).
3.° Miana, miona, (fem. de meono.^ forma citada por
Viterbo, Eluc.) Sec. XII e XIII '
4 . ** Enha, de uso muito popular nos Secs . XV e XVI :
— a enha esposa, enha mulher (G. Vic), e correspondente
— segundo Schuchardt — ao portuguez de Cabo Verde
— nha.
5.° Minha (Sec. XVI), correspondente á íórma minha
do port. de Diu, formado analogicamente do masc. minho.
Esta ultima forma tem sido muito discutida. O pro-
fessor Diez é de opinião que ella está em connexão com
mim., e suppõe que o masc. meu não soffreu alteração por
estar protegido pelo e .
Estudemos a questão.
Os vários t\'pos do pronome minha indicam diversas
influencias ?
* Miana miona é mais pi'opriamente = maãama madona ; ana = se-
nhora — en "O senhor, hom«ni graduado.
35e)
Mia é a fórma latina mea. Mhia é a mesma \ o h repre-
sema o í' palatal . No Sec. XIV escreviam viheii^ theii \
o h era imercalado para /o«/5í2r o pronome. Nlio p. no,
{em o) é do Sec . XII .
Ma corresponde ao francez ma, e nem é essa a única se-
melhança que em suas formas femininas apresentam os
pronomes das duas linguas. Ma = mta = \aLl, mea \ e
temos mais ta e sa = tua^ sua (Secs. XII-XXY), quando
ainda no francez popular eram meie moie^ miem. Meu
devia dar 7iiea^ mia ; me devia dar ma . r .
Minha. Sempre, em francez ( mie h, mienneí ^^itsd.
(mieHa==mia)., hesp. miena, incorrecção que, tem por
fiadores Berceo e outros) ; inglez — mifie, ali . die mine^
mein, no dialecto indo — portuguez minh, a nasal appa-
rece.
O phenomeno do impariss} llabismo é já conhecido ;
o portuguez tinha duas formas para o possessivo fem.,
uma atona — tnia, e outra tónica — jneana.
O molhar-se o n era transformação muitíssimo vulgar
nas primeiras phases da língua, desde a Sec. Xlll (extra-
nho extra«^Ms, sobrinho., meiminho minimo, campanha.^
ordinhar., determinhar, Crisíinha. . . .), deixando todavia
muitas vezes de ser representado graphicamente {filo p.
Jilho.) moler p. mulher., melor p. melhor., senora, camino,
penna p. penha., etc.
O povo pronunciava mianha., mienha., d'onde minha.,
f. correspondente á franceza mienne., hesp. mienâ. ^)
A foama vulgar enhaj motejada por Gil Vicente, e que era de uso
desde o Sec. XIII aos que demoravam nas abas dos Pyrineos, os
quaes antepunham ao nome próprio Eu, Nã, é o mesmo phenomeno
de pathologia verbal que em S, Paulo reduziu Senhor, Sen/tora, a
tihô nhã, e entre nós a seu, sá.
')~No port. do povo ignoranta antes é anantes inhantea.
36o
Ainda mais- No Lyonez temos la min, la sin; no
la meinS, la lewâ, la sema, a par da. formas mais
antiaas-la mronã, la ífonS. la xona.
pfde-se também explicar o phenomeno, que nao e
isolado, pela queda do a de mia, e nasahsaçao do ,
r^f^U influencia da nasal inicial. .
^ No sovcftso.- Passaram pelas formas intermediarias
J°o.;^rTque persistiram até o Sec. XIV. A trans-
:rcáol^Ucl-se'. t« pela queda de consoante medi
i^osl-r-um/rost-r-um rosto, aral-r-um arado) , 2 pela
assimilação do / ao s.
7. dádjecttpos proii. indefinidos
At cum Segundo uns, é formado de algo e um ( c p.
./im^ ^ cLespondea./^^^^^^^ Outros buscam-lhe a
Si em ali,uam, outros ainda em aU.ms uuus
( aliquuno aliquno àl^quno, algum ).
Esta ultima opiníâo é a mais seguida.
E^ forma popular parallela a .-^^"^'" '-/íf ^^^^^^^^^^
fi aue a verdadeira nobreza consiste na virtude, Apezar
de tymo ogicamente oppostos, confunde-se com ..*m^
lpalavra\rab. alguma se lhe entende [ cr.. ). em
tempo algum •,
Tem flexão de género e numeio i,^iam muitas vezes o
malferidos ( C . Real, Cerco de Dm ) .
7- 7N w rln* Secs XII e XIII, mas
) Al,o. acl,. = algum ( 1. ±^f^i:^;\ '^°\dv equivalente a aZ-
' .•''o„„ vvi era empregado como aclj . e '^ - i j^ /^c-ama.
ainda noSec. XV
çumacowsa ( «m rerez ''^^^'^^^'-''""i^^do •_ lz?e tem alquma cousa. (Algo
•È ainda hoje íH^e'"«« "?,f,Ss ves ígiôs que nos restam deste pronome
rvTior^^n^. rSo ^;s%s:: A^^^^^^ ^^^- ^^ «^^^^ ^ ^ '^^'° '^
afgumric?, importante, al^ir, algures, eic.
3bi
F. archaicas : — agií, agua. ( S. de Mir.), aigu^
algiiã\ algúo {Hist. de Ep. Res. : — faier alguo ;ze-
gocto ) .
Cada. — Representa o latim ^;;/5^z/e ( hesp. cada^ fr.
chasque chaque ) .
De derivação grega ( kata ), veiu-nos, porém, a pa-
lavra por intermédio do latim medievo .
Notemos todavia que o emprego de cada é posterior
ao de cada um, ant. cadhun, cadiin ; arch. qiiiscadaun
= lat. qu isque ad unum.
No Sec. XVI ainda cada um era considerado adjec-
tivo:— cadi um homem \ e no Sec. XMI empregavam-no
ainda no plural : — tynha encarrego de dar cada umas
aos desembargadores, Jicaram cada um onde a 7norie o
tomou
Este emprego do verbo no plural tem exemplos em latim : — nH
quiique vident, etint olnimn ( Plant. ), nbi quisque habeant, qv.od
suuin est. ( Id.) .
Cada qual i de formação portugueza,
Estavam três a três, e quatro a quatro.
Bem como a cada ^?<rt/ coubera em sorte.
( Cani.)
Também ( como cada um ) leva o verbo ao plural
quando a acção ou attributo é de todos :
Cada qual sobre o remo qne procura
contendavi entre si, que o mais é erro.
Cada que é um antigo composto, de sentido idêntico a
cadavei que (Ord. Aíf.; C. de D. Din.).
Cada ve\ que equivale a uma loc. adv. ( = de cada ve\
que..,.)^
Cada é simplesmente adjectivo.
Çerto (1. p. certus=\. class. quídam, que só ficou-
nos como subst. — ufjt qmdam., na linguagem vulgar e
galhofeira). — E' somente adjectivo.
46
3Ò2
Tem duplo sentido, conservado pela tradição latina, —
de resolvido, deierminado^ e coupencido^ da accordo com a
verdade, Ex : — certo homem viu. . ., ficamos certos nisto;
estou certo de que. . . , amigo certo (verdadeiro).
Mesmo — Deriva- se do lat. me//)?^'' ;«;/5, contr. regular
de metipsÍ7mis (contr, dosup. itietipsissimiis=^ipsimusmet),
por intermédio das formas medessmo., medesmo., donde se
originou a forma meesmo., Sec. VX (pela queda regular
do d médio), e a forma actual {mesmo) no Sec. XVI.
Havia mais uma forma popular parallela a meesmo., que
se encontra em does. do Sec. XIV e XV ; nas ord. Aíí'.,
D. Duarte, etc. Era medes : — e que elles medeses paga-
rão (Doe. das Salzedas de i832).
Alem do sentido etymologico, ha muito que este adj. pron. é empre-
gado com sentido diverso, como p. ex. na phrase — aviamos a mesma
vuilher, cm que mesma deve ser vertido em latim por eamdevi e não,
por ipsam.
Mesmo, a, em logar de próprio, é de nobre estirpe c cunho clássico,
de bom quilate emfim. A mesma naureza enamorada, escreveu o nisso
épico ; elle mesmo disse = ispse dlxit, de Ciccro ; nesse mesmo o ia =
ipso illo die. No latim, ipse servia para indicar rigorosamente a per-
sonalidade, a opposição :-ntre dous indivíduos.
Não ha razão para refugarem alguns grammaticos esses modos de
dizer. Barbarismo, linj^uagcm mascavada com sabor gallico, sim, é —
o atíctor elle mesmo disse. .. .,x(sva.\o frequente dos menos sabedores
da lingua (l'aíítetir lui méme) .
Muito = 1 . ímiltum .
Nenhum. E' também de formação portugueza, pela jux-
taposição de /íew + /2Z/;;z = 1 . nec-umis. Nemo unus =
ninguém, nenhuma pessoa .
Desses compostos morphicos, porém, herdamos do latim o processo
de formação : — nemo=' ne liem o ; E assim formaram-se ncmigálha
= nem migalha ; nenkicres em opposição a algures. . . ., e mais mo-
dernamente com o adverbio proclytico fião {twn) : — nonnada no-
nada, íião vinda .
F.archaicas: — nemguum, nengun, neun., nemú (Ined.
d'Alc. F. de Thomar, Canc. ined.,. . .), e as atrophicas —
nhum nhua.
363
Cp. ital. — nessuno neuno ; hesp. ninguno nenguno^
f. arch. nisiin (nisiin) nesiine.
Outro, ant. altro^ de ai ter ^ accus. alter um.
Formou as locuções — nm e outro, nem um nem outro.
F. arch. — outro e nenhum p. nenhum ou Iro ; com-
binação de outro e outrem com o pron. indef. ninguém: —
^///outrem ninguém me conhecera (Cam.); bem sei que outro
nmguQm. ponde valer ^ — Ninguém outrem é forma ainda
corrente, mas também do Sec. XVI : — de ninguém ou-
trem se poderão aceitar estas cousas (Ferr.).
Conib. com os pron. pess. «ííj-j vóSj e demonstrativos essCj aquelle.
Qualquer. — Poderíamos derival-o do prononle qual
e do adv , conj . quer, que serve para exprimir a generali-
sação de um acto, tempo, acontecimento, etc. Corresponde
ao latim cumque {= quum que) . Mas a forma archaica
qualqui^er prova que é esta a sua etymologia {qual quer
= qui\er) . ^
Tem flexão de numero — quaesquer.
Forma as locuções — qualquer que, equivalente ao latim
qualiscumque.
Tal — (lat . talis) . Significa — igual, semelhante ; ta-
manho^ nenhum.
Tem plural — taes. — Vide Syntaxc.
Todo (= lat. toíus). E' variável em gen. e nnmero. i° E' de
emprego antigo o pron. todo desacompanhado do artigo — todo ho-
mem j todo mundo j cm toda farte : hoje ha regras a que estão ad-
strictos os disciplinados (V. Sjittaxe)j ■pos.to (\\xe cada vez mais se vá
generalisando o emprega do artigo. JEin todo o casOj a todo o tcmpo^
a iodo o fnovientOj toda a natureza, evi toda a ttudes..,. escreveu o
athleta do estylo C. Castello Branco ; em tcda parte j viveiro de todo
malj -pomo de toda discórdia j. . . (Bem.) Todos douSj todos três,. . .
2.° Dizem os nossos grammaticos era muito freqnente, entre os clás-
sicos, o emprego de todos por tudo : — armadores e marinhagem tudo
da mesma terra (V. do Arcb.); as abobadas, pilares e paredes são tudo
cantaria (H. de S. Dom.)
lued. d'Alcob. V". 18. Gorresp. lat, xcUc.
364
Cremos, de nós, não ha nesses exemplos resaibo synonymico. Tudo
é como que um pronome rcsumidor, epilogador, synthetisador (ou como
melhor queiram chamar) ; é do gen. neutro ; equivale a itiãoisso.
Cp. na ultima phrase — as abcbadaSj filíucs c paredes são — tudo
(isso) — caiiiaria^ e abobadas ., pilares e paredes , indo é cantaria .
Não negamos porém a vacillação no emprego entre lodo e a sua forma
divergente tudo — fizeram tudo o necessário, em toilo e/or todo, etc...
Um (hum) = lat. ///«/^(adj. pron.)
O emprego do numeral com significação indeterminada, equivalente
a nm ceriOj alguém, é de origem popular latina, c fonte também
clássica (unum vidi incrtmtm afferri — PI.) Por viais que resplandeça
um cm virtudes (Arraes).
c) Dos numeraes
8 — Numero cardinaes. — E' cópia dos Romanos o
iiosso modo de enunciar e escrever os números. A dif-
ferença que entre eiles existe é apenas phonetica .
nm unus
doíis, arch. di:os duos
ires trcs
quairo quatuor '
cinco quinquc *
seis scx
seíe scptem
oito octus
nove novem
dez decen
Nas palavras de origem clássica, adoptámos a forma
latina — duo- decimo^ duo-deaiplo ; septeuario^ quinqna-
gemaria^ qinnqiitmo^ ocíacordo
De II a 20, excepto i:', 17, 18, 19 que se compõem
com de:{, os numeraes portuguezes são expressos por uma
palavra simples :
onze un ( de ) cim *
doze duo ( de ) cim
* Empregamos qualuor no sentido de uma jMrtitura que só tem
quíitro partes ( neol. )
* A permuta do q lat. em c ou s brando port. é mui frequento —
antes de e e i (torqvcrc = toi'cer. coquina = cosinlia, ) Em latim.
nas inscrip. romanas do Sec. III, encontra-se c p. §?( o vice versa ; teem
pois o mesmo som. Fr. cinq. hcsp. cinco, it. cinque,
* Úechn pr ãioem.
365
treze trc ( de ) cim
quatorze quatuor ( de ) cim
quinze quin ( de ) cim
dezeseis st'x deciw ; sedecim
dcresetc scpíevi decivi
dc.oito octo decivi
dezenovc iiovein decim
vinte viginti
De 1 1 a 1 5 03 nossos numeraes indicam uma contracção
regular dos typos latinos, sujeitos á acção dissolvente das
leis phoneticas, que transformou a desinência cim em ^e.
De i6 a 19, abandonando as formas syntheticas, seguiu o
portuguez outro modelo a que os Romanos davam pre-
ferencia por ser mais chro, segundo refere Prisciano * :
— decem et septem^ decem et octo^ decem et nopem^ {T .
Livio, Cie, Gesar, ete.), e em toda a numeração delle não
mais se apartou.
De 20 a 90 só temos a notar o atrophiamento do nu-
meral latino :
vtnte vi ( g ) inti
trinta tri ( g ) inta
quarent • quadra ( g ) inta
cincoenta quinqu ( g ) inta
sessenta sexa ( g ) inta
setenta ' septua ( g ) inta
oitenta octo ( g ) inta
noventa nona ( g ) inta
Os Latinos diziam indifferentemente vig-iiiíi três e três
et viginti^ á semelhança do gothieo ( ing. twentf three ou
trhee and twentf; em ali. sempre as unidades vêem antes —
drei iiud pvan\ig.
De 1 00 a 900 só é de notar a transformação muito na-
tural, e lógica, da terminação gentt em centos ( centos ) .
cem ( para diff. àeceu/o) centum
duzentos ( dous centos ) ducenti
taezentos ( três centos ) trecenti
• Giwmmatico.
366
quatrocentos quadrigenti
quinhentos qningenti
seiscentos sexcenti
setecentos septingenti
oitocentos octogenti
novecentos nongenti
Quigenti deu qninhentos pela perda do^, que poz a nasal
em contacto com a vogal e.
Como em latim, os números cardinaes são invariáveis,
com excepção de um e dous {no lat. também iria p. ires.) e os
,que exprimem centenas [ducenti., ce^ a.., duzentos., — j5,...)
g — ^il e seus múltiplos correspondem exactamente
a formas latinas. Mille^ declinavel, tinha um ablativo
archaico milli, e fazia no plural milita, donde derivou
o nosso subst. jnilhar, ) ^
Milhão, billião, etc. são de creação portugueza.
NUMERAES ORDiNAEs — Como em todas as linguas, os
ordinaes lembram os cardinaes correspondentes ; mas no
portuguez elles representam formas importadas directa-
mente do latim.
Primo 2 primus
primeiro (primário) ^ primarius
segundo sccundus *
terceiro (terciário) tertiarius *
quatro quartus
* Der. pop. Milheiro, mil pés, millionario, milefolhas, . . . Millenio
millenario raillepedes, mlLefolio, milliario, millefomie.
* Ad instar ào% Latinos, escreviam os nossos maiores os mumeros por
extenso ou represe ntavam-os pelos caracteres romanos, (V etLXet,
CCC = 5 -f- 60 + 300 = 365; era MCCXXX ). Apesar de modificado
apresentava este systema graves inconvenientes para a representação
dos números elevados ; d'ahi a introducção do sysiema árabe, que muito
se avantajava áquelle na simplicidade do mechanjsmo. para expimir
um numero elevado e indeterminado.
' Primeiro é iioja a forma usual; primo só se conservou em compo-
sição— primogénito, primoponendo, primazia, primevo, primioias, pri-
micerio, primado, primipara, primitivo, pri^riariçau primichica, prima-
dona, etc...., prima (1* hora do officio divino). — Primário, é f. diver-
gente de primeiro ; pertence á classe dos distributivos.
* Secimdus encontra-se em secundário, secundogenito. etc. ( Segunda
feira).
■ Tertius deu terço, terça, que são substantivos.
367
quinto
quintus
sexto
sextus
sétimo
septimus
oitavo
octavus
nono
nonus
decimo
decimus
e assim por diante — undécimo^ duodécimo^ ingestmo
(arch. vicesimo), trigésimo (arch. tricesimo), centésimo^
millesimo = \dX. undecimus, duodecimus^ jncesimus, tricc'
simus, centesimus, millesimiis .
10. — Nos números compostos, ambos os elementos
tomam forma ordinal : vigésimo segundo = lat. vicesimus
secundus.
11. — Usavam os Latinos da forma ordinal para as
datas do mez, do anno, as horas, ^ duração de um
reinado, cargo, officio, etc, indicação dos séculos e de certos
prazos, successão de monarchas. Com todas essas regras
conformou-se o portuguez exclusive as três primeiras
referentes ás datas do mez e anno, e ás horas ; pois
empregamos a forma ordinal, por excepção, somente
para o i° do mez (e também se emprega o cardinal),
e em linguagem ecclesiastica — horas de prima, terça,
nonas.
Nem para todas as indicações de prazo, isto é, de espaço
de tempo dentro do qual ha se de fazer alguma cousa, em-
prega o portuguez o ordinal .
Dizemos antes ou depois do 3^ dia = também 3 dias antes
= lat. ante tertiam diem^ etc, mas os Latinos diziam tertio
qiioque die = port. de três em ires dias (fr. ious les
trois jonrs, ing. every three dafs...). '
12. — Das formas distributivas latinas em amis-2i^ con-
* Modernamente,^ decíino, vigésimo, quarto, são também subst.
* Anno raille=3imo octingentesimo septuage^imo quarto. Octavam
horam, nonam,....
-* .Veste ultimo emprego dão-lhe alg. gramm, — o nome de antidaZa.
368
cernentes ás classes ou ordem dos legionários * pnmanus, a^
iim^ secundanus, tercianus, vicesimani txc), só nos restam
lembrança em alguns raros vocábulos, hoje já obsoletos —
terçã^ quarlã (febre — , que tem intermittencias de trez
ou de quatro dias) ( = lat. febris tertiana^ qiiartana).
i3. — MuLTiPicATivos — Derivam-se todos das formas
latinas emplus (declináveis), que tinham uma concurrente
em plex {diiplus duplex^ triplus irtplex) .
ant. s'iniplo
(simples)
simplus
duplo
duplus
triplo
triplus
quádruplo
quadiuplus
decuplo
dccuplus
cêntuplo
centuplus
múltiplo
multiplus
Da 2* forma temos simplice (arch.), diiplice^ tríplice o.
multiplico. .
São de formação erudita, e correspondem aos de fundo
popular — dobro^ tresdobro^ cemdobvo (cemdobrar =
centuplicar) .
Ainda temos uma forma pop. para multiplicativos — duas
vezes tanto, três — , quatro — . Responde á pergunta quan-
tas veies ? e corresponde á latina — septies tanlum etc.
A' pergunta — em quantas partes ? responde o latim no
ordinal, iterum (p. secundum), tertium^ etc, Nós pelo car-
dinal — diias^ ires .
14. — Oadv. numeral 5^5^/// (f. cont. de sefyiis qiii?)
= mais uma ametade^ só se emprega no portuguez em vo-
cábulos de fundo clássico. Também em latim só uma vez
occorre empregado separadamente ; era porém de uso
frequente ligado a uma outra palavra, indicadora de nu-
mero ou quantidade, e neste caso significava uma ]>e- e
* Não s,') iirlicav.im a oi'rteni da, legião, mas dos soldado'! que a eom-
]junha-", e enipref^avam-se em relação a tudo quanto lho pertencia ou
dizia respeito — Primanus Tribumis is dicebatur qiii primae legioni tri-
l)utum scril)e))at (Pnul.cx Fest)
369
meia. ^ Ex : — sesquialtera (t. musica), sesquipcdal^ ses-
qtiihora
Distributivos — Estes números são ao mesmo tempo
coUectivos e analyticos, porque « decompõem a coUecção,
o total, em tamas unidades quanias ellas cntêm » £** latina
também a origem desces adjectivos, todos de fundo erudito.
Centenário^ já pertence ao vocabulário popular.
l'rimario Primai ius
binário binarius
scptenario septenarius
centenário centenarius
sexagenário sexagenários
octogenário octagenarius
A desinência ario — lat. orius (sign. que contem). Indica uma
classe, medida, compasso, intervallos iguaes, divisão da duração de
uma ária, (bin. tern. quat).
Dos ordinaes em um, temos ex. em primo., lercio (Cp.
terço . . . )
6. — Existem no portuguez formas numéricas ou nomes
formados dos numeraes, que não devem ser alistados na
classe dos adjectivos. Neste numero estão — ameíade,
dobro, cento ( centenar, centenário ), milhão^ cêntimo, e
viennio, quatriewiio^ deiena, vintena, tre:{ena^ quaren-
tena^ centena, da forma neutra em a dos numeraes distri-
butivos latinos ( centeni, ce a — em poesia em prosa post.
class. Cp. bini, temi) e com os compostos com avo — cin~
coentavo, de\avo, etc. . .
Bis é adv. numeral ( do latim bis der. de dtds de ditOj como
belhíin à.c duclluin). Di/ns i escSj uma seçuuífn rez.
' Iiigam-S3 outfosim a numeraes (o3lavus e Isrtius), como o grego i-^[
(em sttÒySoo!;) pai'a denotar um total e mais uma fracção. Sesquiocta —
riis, p. ex = encerra a relação de 8 para 9.
— F. frac. — temos os formados com os lermos aco, octata, et?...,e
vm meio, tcron. quarto, quinto ete.
47
370
Já faz parte do léxico o verbo bisar. Só, emprega-se com sen-
tido vocalivo para pedir a actores a repetição de um passo : é
porém, de uso frequente como elemento de derivação — bipcdc, bí-
gamo j bijloro, biforme, bissecção, bifoliadOj biferOj bi/abíaceas, . . ,
bisndOj bissexual j bissexto j bicepSj bifronte.
E' mutto crescido o numero dos compostos com os adjectivos
numeraes : primícias j primífivo^primogetiitOj prímiparaj. . . bimestre^
trimestre j se7/iestre, qiuidrupedej se^íqitipedej trivio, guadrivio, decem-
virOjtriumvirOj cen'iiria, decuriaj.. . os nomes dos mezes Setembro j
OíitubrOj Novembro f Dezembro ^ e os dias de semana, excepto sabbado
e domingo.
VIGÉSIMA SEXTA LICÀO
ETYMOLOGIA DO ARTiGO E DO PRONOME »
i.° — Pronomes. — Vide lição i5*^ (declin. dos pron.
PESSOAEs) e23^(adj. pronominaes) .
Pronomes demonstrativos
1.^ — Isto isso ( forma neut. lai. — istud^ ipsum). São
formas neutras concurrentes com as archaicas portu-
guezas esto^ esso^ que se archaisaram no periodo clássico :
— e con esto pei^co a esperança ; porque fizeste esto ? ^ (esso
mesmo lhe fe\erom ^) .
Nos antigos cancioneiros, Leal Cons. de D. Duarte, etc. é
de uso vulgar a forma referida ou composta — aquisto^
que persistiu até o See . XVI : — em aquisto Jano ou-
vindo (B. Rib). Nos antigos textos é frequente o emprego
de elle (ello) p. isto -^ solecismo que vecejou até o Sec.
XVI: — asst fos?,e tWt verdade (Sá de Mir.) — Cp. fr.
si c'téait vrai ; ing. ifii >vas triie^. . .
oAquillo — 1. hic-illui — ecc-illud {ek-illo)^ arch.
aquello,
ludefiiiitos
3.** — Os pronomes indefinitos, além dos que já vimos na
lição antecedente (adj . pronominaes), são — alguém, cada
um, alguns, outrem, outros, nada, ninguém, qual, um, se.
» Ined. d'Alcob II 8.
* Jd. II 201.
372
ALGUÉM ( = \a.t altguem — ailqiiem ^). E' invariável.
Gonfundia-se nos primeiros tempos da lingua com o
adj. algum; do mesmo modo que na linguagem dos có-
micos, aliqtiis aliqiiid eram algumas vezes usados por
aliqui aliqiiod.
OUTREM (composto = a//ír//w). "No lat. pop., na b.
latinidade, já alleritm superara alium.
' C. — ninguém outrem^ outrem ninguém (Camões).
Sign . — oiiiro homem .
QUEM QUER. E' de fomiação popular vernácula =
(prom. quem -^ quer. Cp. qualquer).
Quem quer que é equivalente do comp lat. cmcumque.
NINGUÉM. Corresponde ao latim popular itequem^ forma.
que se encontra nas Inscrip. romanas do 2'^ Sec. da nossa
era, e que conseguiu obliterar o nom. nemo { = ue
homo ^) .
A forma alongada é nem alguém : derival-o pois de
nenheme p . nec hem == nem homem é hvpothese que de
todo rejeitamos. E bem assim a que dá outrem = outro
hem = outro homem .
Nos escriptos antigos ninguém tinha também o sentido de alguém ^
equivalia a ncnJiuvi : — lonnira c cuidar ninguém que. . .; hc atrevi-
mento pedir ninguém açni/lo que deseja j * Viingucm outrem
(nenhum).
Emprega-se substantivamente para significar pessoa de nenhum
valimento : — é ninguém ^ um ninguevi.
NULLO, A (=:lat. nullus, j, um p. ne illus). E'de sen-
tido negativo pela etymologia ; e — como )á vimos — ainda
que originariamente oppostos, confundia desde os pri-
meiros tempos a sua significação com a do pron. uenhnm,
Deve-se porém advertir que em latim, nullus era conside-
* Prep. iieque = Jiec, nc.
* Accin. de uliquis (=^iitiits quis).
' Talvoz por analogia ã-> cniprezo de alpiitn por Jioihiim.
SyS
rado subst.== nemo (ninguém, nenhum) — siint nulli
(Planto); bemjicia properanlius reddere: ipse ab iiullo re-
perlere (Cie .
Se — Deriva-se do accus. 5e do pron. reflexivo latino
— sui sibi se ( sem nominativo ), e cujos números confun-
dem-se soba mesma forma flexionai.
E' pois o mesmo pronome reflexivo portuguez.
Corresponde ao francez on (o/;z, no Sec. XIII), cuja
origem claramente se percebe na forma primaria Iio?n,
contracçáo de Iiomme ; allemão man ( contracção de mann-
homem); anglo -saxonio, inglez e dinamarquez — man ^
— italiano, hespanhol, provençal — se.
Nos Secs. XV e XVI empregava-se também o sub-
stantivo ho?nem como pronome indefinido, nos mesmos
casos em que hoje empregamos se: — homem não sabe como
se valha contra a ccihimnia ( Barros ) ; cuida homem que es-
colhe... (S. deM.) etc... Este uso ainda é vulgar em Portugal,
( anda homem a trote para ganhar capote ); no Brasil dá -se
preferencia á palavra genle ( a gente não sabe que hade
Mer').
Com o Sec. XVI é que começou na linguagem clás-
sica a verdadeira preponderância do pron. indef. 5?, e a
queda das suppletorias homem e gente.
A sua derivação do caso regimen não é para causar
estranheza. O inglez antigo ( 1 25o- lõoo) usava do caso
objectivo me, do pron, pess. da i^ pess. sing. ( /) como
pronome indefinido correspondente a man, one., etc, e
ainda hoje na linguagem familiar e vulgar persiste o solle-
' — AU. — man sagfc ( diz-se ), man muss (deve-se); ang. sax. —
man greaf ( deu-se ) : ing. man says (diz-se); dinam. )Ma?i siger. No
saxonio mav=elles /maíi o/ls/')c/i=ell'^s mataram ou motaram-se ) ; no
ingl-^z antigj com pi irai — mcn Iierd == elles ouviram. No inglez mo-
derno o pron. ind. se é também representado pelo pron. jjess. they (elles,
cilas ).
*_No inglez também o substantivo people (poxo, gente) indica o prou.
indrsó ( thcij áay, nia'n savs,— • peOPLe saj':= diz-sc: on dizíra ).■
374
cismo ^ ; o portuguez também empregava cujo no sen-
tido de dono, senhor ( sou cujo de quanto tendes ^ ) .
Si um objectivo e genitivo pronominaes podiam ser
sujeitos de uma oração, que muito fossemos buscar, e com
mais cabida e propriedade, o ciccus. de um pronome re-
flexivo para exprimir o pronome sujeito da 3" pessoa que
desejamos apresentar de modo vago, indeterminado, inde-
finito, no sentido lato da palavra homem ?
Pronomes relativos
4). São : — que, quem, qual, cujo.
Que ( = lat . qut\ arch . quei, de quí quoe quod ) . Da
declinação latina, que era perfeita, herdamos o nom. —
qut^ oaccus. quem. o gen. cujus.
Etymoiogicamente, pois, temos formas especiaes para o
sujeito, regimen directo, e indirecto. Quem., porém,
tornou -se pronome independente, e de uso mais geral,
como veremos. Neste ponto ainda é o francez mais
abastado, que conserva qm para o caso subjectivo, e que
para o caso objectivo, além de quot.
Que apparece desde a formação da lingua, e não lhe
conhecemos variantes morphologicas, exceptuantes as
formas dialectaes. Assim, p. ex.. em S. Thomé — se-
gnndo o testemuuho de Schuchardt — , é elle equivalente
a. cu : — Padre nosso cu já no cjé = Padre nosso que estás
no céo.
Quem, arch. qui ( qm ferir moller. ... F. de Gravao ;
qm J/ilhos ouuer. . . S. Ros.).
* You are torong. — Me ? (por I).
' — Meti cujo p. meu marido, os meus cujos p. os meies parentes, a
rainha familia, etc. ainda são dizeres miut'^ vulgares na linguagem po-
pular. Esta moça tem ciyo(Eupbr.)
V. Pacheco J-or. — Rev.Brãz. . .
SyS
Deriva directamente do accus . lat. quem (de qui quoe
quod. ^)
Os clássicos antigos empregavam-no também em refenencia a
animacs e cousas; e ( o que não deixa de ter elegância ) em substi-
tuição dos demonstrativos esíe, aquelle : — as boas ariorcs dão bom
frucio e as viás como quem são ( H. Pinto ) ; quem lhe dava ovelha,
queai um carneiro, qncm um novilho ( Luc) ; quem de vós não ttvi
placado, este atire as pedras. (Vieira).
O emprego de quem é também dos primeiros séculos da
lingua : — m.ha senhor^ quem me vos guarda, guarda a
myn ( C. da Vat. ) — quem se louva., tn H^eus se louve ( R.
de S . B . ) ; quem amar ho padre e ha madre mais que mi
(V, de S. Euphros.); porque no avia aquém leyxasse
ssua Reque^a ( Id.).
Qual = proa. im. erelat. lat. qualis — quale, corre-
lativo de talis. 2.
E' invariável em género. Plural — quaes.
Form. port. — qualquer.
Eram vários os seus empregos até o Sec. XVII. como veremos na
syntaxe, entre os quacs o da substituição de alguns, alguém, de mui
agradável effeito e muito para serem imitados pelos que prezam a
vernaculidade.
Qual do cavallo vôa, que não desce ;
qual co'o cavallo em terra dando geme ;
qual vermelhas das armas faz de brancas ;
qual co'os penachos do elmo açouta as ancas.
(Camões, Lus. C. VI).
Cujo, arch. cuyo., cu/ia — Sec. XIII ; cuigo — Sec. XA',
(== lat . cuios, cujus) .
E' pois dos 1°^ does. da lingua escripta.
O gen. de qui quoe quod exprimia varias relações, e
desde o periodo clássico começou a ser substituído pelo
ablativo regido da preposição de.
• Querer com Th. Braga e outros deacobrir-llie a origem om qiie'heme
= que, homem, parece-me desacerto.
* Leoni e outros derivam-no de qua illa !
376
Imperava também nas mesmas épocas o pron. interrogativo ít/z/V/j-j
ãj 7itn (com uma forma arcli. qiiojj também idêntica á arçh. do pron.
relativo) .
Cu jus j pron. interr. poss., significava — de çiian ? cujo ? ;
cujiiSj genitivo, era mais empregado no sentido de pertencente a
quem, a qtiej de quem, de que^ dos quaeSj sem idéa relacional de
posse. '
Da analogia das formas, resultou o duplo emprego de
cujo no portuguez antigo. D^ahi estas phrases que os gram-
maticos condemnam :■ — Represenlam estes delineamentos ao
Senhor, de cujo ha de ser o ediíicio (B . Dec . ) ; SanCIgnacio
Interciso de cuja nação fosse nâo nos consta (D. Nunes,
Descr. de Port.j, - este sacerdote cujas eram estas Jilhas
(íni. de Ale.) Um clássico, a quem temos por contem-
porâneo, escreveu : — Os Sds e Mem\es cujos era de jus e
herdade a alcaiad ária. (G. Castello Branco).
A pbrase — este sacerdote cujas eram estas filhas, é correcta, e não
repugnarih ao ouvido dos menos lidos por cias icos si mudássemos
apenas a collocação do pronome — este sacerdote cujas filhas eram
estas. A pkrase de Castello Branco, equivale &—- os Sas e Menezes de
quem (dos q^uaes) era de jiis e herdade a alcaiadaria j si disséssemos
— cuja. alcaiadaria era de Jus e herdade, é claro que daríamos a en-
tender já lhes pertencia a alcaiadaria.
Deve pois este pronome, conforme a proposição, ser
considerado relalii^o ou possessivo.
O emprego da prep. de antes de cujo, sempre que o
subst. com elle concorda exprime relação restricta circum-
stancial ou terminativa, data do Sec. XII {. . . de cuja ifida,
Rib. Diss.) Esta construcção é hoje de rigor.
' Cp. Gôíí.— is denique, cuja est uxor fuerat (Plin.); ea caedes si
potissimnm crimini datur, detur ei cuja interfuit, non ei euja nihil in-
terfuit (Cie.)
Interr. j[ass.— Ut óptima conditione sit is euja res sit, cujum perl-
c ilum (Cie. Verr.) cujam esas te vi!3 maxime, ad eum duco te (Plauto
Cure.)
* O erro está no emprego da prep. de, por se haver perdido a noção
etymologica (do gen.) E erro mais grosseiro ó o (>mpi'ego de cujo por
que.
377
Pronomes inienogativos
5.— Sâo os mesmos relativos qiie^ quem, qual.
Tal também se pôde empregar interrogativamente : —
tal ha que assim proceda ?
Cujo., com funcção interrogativa é um archaismo. Era,
porém, de uso até o Sec. XVill : — cujas s!'o eslas ricas
armas ? (J. de Barros); cuja é esta caveira ? (Vieira), e tinha
exemplo no latim — cujus pecus ? an Meltboei ? (Mrg. En . )
Nota , — Sobre o pron, Oj cnclytico V. Lição 34 :
Era muito usado na forma /o claramente : — poz-lOjfez-laSj ei'los,
110-IoSj vo-lo j vede-las j vc-lo, que ainda conservamos posto que alte-
radcs no modo de escrever Y7'<^/-í^^ veíidel-as)^ e em alguns nomes de
jogos populares de Portugal — dcu-che-lo-i.nvOj dou~che-lo-morio .
6. — Tratemos agora de duas palavras archaicas ge-
ralmente consideradas pronomes., mas que mais devem ser
arroladas txsx^c o. o^s, advérbios supplementares.
Ende — Nos canc. e does. dos Secs. XIII e XIV appa-
rece esta palavra, e a forma encurtada en (de ulterior em-
prego), que correspondem ao pronome francezew.
O primeiro que fez este reparo em lettra de forma,
suppomos foi o nosso lexicographo Moraes. Desacertou,
porém, acreditando que essa partícula adverbial equivale
somente a d'elle, d'ella, d'elles, d'ellas.
e nom dom a mi os meus foros que e/ide ei de haver.
(Ind. de Ale.)
... molheres casadas... que andavam a preito nas audiências e
nossa corte, em tal guisa que levaram eude maa fama.
. . . fará queixume aos que se e;/de queixarem.
. . . fará complimento de direito e justiça aos que eude se queixarem.
(Id.)
Pays de vós non ey nenhum ben
de vos amar não vos pesV« senhor.
(C. de AJ.)
E pêro m'eu da falta non sey ren,
de quanfeu vi, madre, ey grã prazer e».
(C. de Vat.)
E pays e;/d'as novas saber.
Também possVv;.
(8
378
Ende = \a.t. inde : é partícula adverbial equivalente a
d'ahi^ d'alli^ d' isso, d'elle ou d'ella, d'elles d'ellas. ^
Dessa palavra só nos resta vestígio na locução em que
pese = arch. endi que pese, ant. em que pés {pe^), e é equi-
valente a ainda que lhe pese^ i e... que lhe cause pesar, a
seu pesar, despeito, a mal do seu gado. -
Por ende (mesmo em hesp.)= portanto, então, em conse-
quência dSsso Também este sentido tinha em latim o
adverbio imde, como se pode verificarem Scheller, Gesner,
Freund e Facciolati.
Hl {i,jy) — Correspondem ao francezj^.
Não é pron. pessoal. Propriamente, hi, i,y, sign. ahi,alli
(onde) ; mas — por tranferencias — (como ende) então,
portanto {^ov\s,so),c.Q\nàQ. nessa ansa, nesse caso. Todas
essas applicações são legados da lingua mãe ^
Tantas coytas passey de la sazon
que vos eu vi, per bona fé,
que non posso i osmar a mayor qual é. *
Non ha hi quem me soccorra
(Ferr. afií.)
veno a vos senor
que me digades que farei eu y
(Trov. Cant.)
se nessa ha ki mudar-se hum triste estado.
(Chr. do Cond.)
1 De todas essas funcçõeg nos dá amostras o latim: lo (d'ahi) si legioius
sese recipis^ent inde quo temere essent progressão : 2°, (d'isso) — e.v avaritia
erumpat audácia necesse est. ; ixde omnia acelera gignu7itur ; 3", (d'elle).
etc) — nat filu Duo, inde ego hunc majorem adoptavi jníAi (tempo, d'ahi
em diante).
* Mas no século XVI a partícula em que era muito frequente: — em que
eu seja lavradora bem vos hei de responder
G. V. I. 259
e jura, em qzie veja bonançoso
o violento mar e socegado
não entre elle masi
Cam. S. 8o.
' Demaratus fugit Tarquinios Corintho et tibi suas fortunas constituit
(Planto) ; invocat deos immortales : ibi continuo contonat Sonitu má-
ximo (Id).
* Tantas foram as degraças que passei
do tempo em que vos vi — era boa fé —
que não posso portanto avaliar
a maior qual delias é.
3-9
Empregava-3e com preposição — de i, de hi ;para hi, i;
per Ju\ i ; des h\ i, des i ; d' kit d' i.
De uso frequente nos primeiros séculos da lingua nas
nas trovas e cantares, não o foi menos nos que se lhe se-
guiram até o XV. A forma preferida era /.
Qual a sua etymologia ?
Derivam-n3 alguns do lat. ihi^ outros da adv, ahi. E'
este o nosso parecer. Cp. qiii aqui.-^ e nos mesmos casos
em que se empregava ///, /, /, usamos nós na linguagem
familiar e vulgar dos advérbios ahi^ aqui:
a/li estávamos nós quando elle chegou ( iicssc /ogar.)
dissc-me elle que. . . . , açiti eu redargui. . . ( eníão.)
a/li o que se deve fazer é. . . . ( nesse caso ).
a/li nada mais ha que fazer.
Nota Suvi ibi traduz-se por aqui estou eu. Nesta phrase, e bem
assim em ai/i está e/le ( que também se diz ), ctc, o sentido é locativo
e o seu emprego é tão sómenfe para mais dar força á indicação da
pessoa. Equivalem a — eis-ine aqui, aqui me tens ; em mim, nelie, etc.
tensa pr(n'a presente — aqui mesmo — do que digo, etc. Ex.: —
Estás muito envelhecido ! Aqui estou eu que com 8o annos ainda
não me branquejaram os cabellos.
E este modo de dizer é commum a outras muitas linguas.
DO ARTIGO '
O artigo definito c uma voz demonstrativa em todas
as linguas, não só pela derivação como por suas funcções
e propriedades ( grego ó Sovto; = este; ali. der de dieser^
ing. lhe de íluí. quQ servia de artigo no A. S. e vinha
prefixado á palavra, e ainda em muitos paióis encon-
tra-se o emprego do pronome demonstrativo como ar-
tigo — c/l cure., eh' tnarichau ■= ce cure., ce iHÀrechjl., por
lecuréttc. ( P. Picard.) ce=hicce. E' equivalente en-
fraquecido de um demonstrativo .
* Para nós o artigo, como já dissemos, entra no rol dos adjectivos
daraonslrativos: não é parte distineta do discurso — A nossa divisão, ex-
-plica-se pelo dever de não nod afastarmos do programma official.
38o
No latim, o analytUmo introduziu também o Uso do
pronome ills, que depois transforniou-se em ILLO ( alte-
ração geral nas declinações masc). lllo Iionto^ tila miiller^
illo caballo^ illa ecclesia^s^ò no laiim popular verdadeiras
formas de nominativo ; e esse uso tornou-se frequente nos
melhores autores latinos, ( Cie, Sen., Plauto ) ^
0 demonstrativo latino, passou por varias evoluções —
<?/, elJi, lo, la \ plural e/5, elhs^ li^ los^ las, e destas formas
esnocadas bracejaram as que deram origem aos artigos
das línguas neo- latinas : hesp. <?/, /í7, los^ /a5 ; ital — el,
la, lo^ /e, glt '^ fr. — el, il, la^ li -^ /e, la, les ; valachio —
/e, (3, /, le ( postposto ao subst.) ; prov. /o, /c7, ti ( li ) i
//, // ( los ), las ; port. — <?/, /o, lio ; o, j, 05, as.
São varias as opiniões sobre a origem do nosso artigo
dejinito, das quaes três são mais seguidas. Só destas nos
occuparemos. Uns opinam que elle descende do grego ò
( m) ev) ( fem.) ; outros são de parecer que deve-se
buscar a sua origem no demonstrativo latino hk^ haec, hoc\
certo numero inclina -se á fonte que já deixamos apontada
como verdadeira ( iíío^ a ) .
1 .^ Regeitamos de todo a origem grega porque o
génio de uma lingua pôde ser modificado por outras ; mas
essas modificações não se podem estender mesmamente ao
caracter, e tão profundamente que consigam a implantação
de uma nova parte da oração.
O Grego desde os tempos mais remotos estanceou na
Itália, onde dominou a par do latim ; á Grécia deveram os
Latinos os rudimentos de civilisação, copiosidade de vocá-
bulos, '^ a religião, a legislação. O estudo do grego era muito
mais usual — affirma Quintiliano — do que o do latim ; e
no tempo de Gatão saber grego era signal de boa educação.
' Pacheco Juiiioi* — G''amm. hist. Intr. p;ig. 21.
* Foi Dyonisio da Thracia q lem inh-odiuiu em lloina a lenuiiio-
logia Grega.
38i
Tibério Graccho discursava, e Flaminino versejava nessa
lingua ; a primeira historia de Roma foi escripta em grego
por Fábio Pictor ( Mommsen I 425 - 902 ) ; Cicero, pe-
rante o senado de Syracusa, e Augusto em Alexandria,
fizeram allocuções em grego : as mulheres. — referem
Ovidio e Juvenal — , liam Menandro e outros escriptores
Gregos,
Ora, si apesar de toda essa legitima influencia da Grécia
sobre a intellectualidade romana, não conseguiram os Hel-
lenos introduzir na lingua latina o emprego do artigo, com
razão mais forte na peninsuia hispânica onde a influencia
grega só se fez sentir nos usos e costumes .
Na linguagem não é ella. reconhecida ; este elemento
et3'mologico foi em extremo insignificante no léxico po-
pular. O predomínio deste elemento só se manifestou na
technologia scientiftca, no vocabulário erudito, isto é,
quando a lingua já estava formada, e já era geral o uso do
artigo em todos os idiomas romanos, inclusive o por-
tuguez .
Em remate. O artigo definitivo, que também era co-
nhecido dos Celtas e dos Godos, não veiu da Greeia.
2°. — Estudemos agora a segunda hypothese.
Leoni e outros muitos, são de parecer que em Portugal
o artigo provém do ablativo hoc^ hac, que mais tarde sim-
plificou-se ern ho, ha, e finalmente fixou-se em o, a.
O principal esteio de argumentação de Leoni e seus
proselytos é a graphia ho, ha.
Sabemos que Plinio escreveu devia-se considerar os
pronomes hi:, hx:, hoc, verdadeiros artigos sempre que
estivessem exercendo funcções de demonstrativos .
Lê-se em Eggerde que nas escolar do Império do Occi-
dente, os grammaticos romanos empregavam hic, h.vc, hoc.,
para designação do género dos nomes.
Mas se todas as outras lin^uas irmãs derivam o artigo
•definito do demonstrativo lat. ilh, illa, illud, porque o
382
portuguez, delias se desviando, foi buscar a sua muleta
grammatical ao ablativo hoc, hac^ posto que em legitima
concurrencia com aquelle outro typo ?
O facto náo seria novo, e se fosse verdadeiro não nos
causaria estranheza.
Mas o nosso artigo dirivou-se das formas illo, illa, illos^
tilas. São provas incontradictaveis do novo asserto, os
documentos históricos.
Nos escriptoá dos Secs. XII e XIII, isto é, nos primeiros
períodos da lingua, as formas articulares são ilo i.o ( por
jm\o de ilo re;, a los alcalddes^ las vertudes, los santos}^
2l par das hodiernas o, a ( o abale de Santo Mariino^ a jnaior
ajtída^ os amem, o Jiel dixer,). Nas contracções ainda se
descobre a forma actual, que foi das primitivas — dus
( dos ), no, nus^ nos^ lus ( los ) i . ^ As formas contrahidas
d'is., nus, lus., constituem simples variantes graphicas e
ainda no sec. XIV coexistiam as formas usqous{o). "•^
No Século XIV — persistem as formas o, a, além das
variantes citadas — iis, oiis, ^ . Apparece a forma El-
Rei= tio rei:— foram dt\er a elrrey qus. . . [Livro de Liiih.
D. Pedro ), que persistiu até hoje.
No sec. XV temos as formas o, a, os, as, ; ao, do, das,
ni, por o etc. *
No sec. XVI, isto é, no portuguez moderno, é que se
implantaram as formas /lo, ha, cujo império estende-se
ao XVII ; mas sempre a par da actual ( o, a, ). *
' Enclises noniinaes: — todolo, todolos, ambolos, todoltcs Sec.
XIII. V.
* Vide Cano. da Vat., Car. da Vat., Foros de Gravão, J. P. Ribeiro
loc. cit., Canc. Affonsiin.
' Iti de S. Dento de Foros Gravão, de Santarém ect., Fr. J. Claro....
* No Liv. das Linhagens : — de máa ventura he ho homem que sse
lia per nenhuma molher ; o curral era alto de muros ; o ilTante disse con-
tra seu pae, etc.
» ieaZ Coíis-, Mor., J. Ciar. J. Ferr. etc.
Conservamos la, etc. em algiimas expressões — a la fè, a la moda ;
El em El-Rey ( é a forma usada exclusivamente^ na ilha da Madeira,
segundo refere a eminente glottologa Car. Michaolis. )
383
A orthographia — como vimos na Lição Quinta — era
ainda muito irregular e vacillante ; e a corrente erudita,
que tanto se manifestou nesta phase evolutiva da lingua,
cahiu em muita estultice pelo culto exagerado ao clacismo.
Predominava o gosto pelas antiguidades gregas e romanas ;
e sem mais exame, talvez descobrissem no grego os
pergaminhos nobiliários do nosso artigo definitivo. Mas
cumpre advertir que o abuso do emprego do h no sec.
XIV (introduzido pelos latinistas) e no XV, continuou
no periodo áureo ( hinsidias, heslromento, higiialãaçon^
husofructo, husaro77i... )
D"'onde se originou o Ji áz hum, hunia S ( que conserva-
mos em nenhum ), he ( ainda dos Sec. XVII e XVIII ), ao
passo que escreviam OMrr<:z, omen, oje, aver, etc. . . ?
Ainda mais. Illo homo era forçosamente pronunciado
com um único acento tónico, que recahia sobre o primeiro
o de homo. O accento secundário, em geral sobre a syl-
laba inicial, deslocou- se para a 2^ /o, como acontece fre-
quentemente nos procliticos.
O h pois não é etymologico. O artigo procede em linha
recta do illo : prova-o mais a sua dupla formação (o homem.,
eu vi~o — V. Syntaxe. )
As contracções do artigo definito começaram no Sec. XII ;
as primeiras empregadas foram as das preposições em
e de {nos., luts., dos deles., etc.) ^
A contracção da preposição a e per (por) só appa-
receu no fim do Sec. XIII, principio do XIV (ao, pelo.,
pola., etc); ^ mas costumavam também indical-a apenas
• Nas primeiras décadas do Sec. XIV — ?í7jo, a ti», (Cd. Aff. )
mais tarde — Ai/, htia, hú, huã, hum, huma, humxs, ( L. de Linh. do CoU.
dos Nobres ) : dep >is w, uã, a par de Iwm huma, e por íim xim uma.
* E leriim deles quanto que overum ; devision que fazemos entre nos
dos erdamcntiis e dos coutos e das onrras ; nas três quartas partes do
Padroidigo dessa Eygreyga.
' Vaya ao plazo ; peyte médio m.orahitino a aquel con que non quer yr
(Foros do Cast. de Itod.) ; o noso senhor pola sua piedade nos demostra a
carípcira da vida (R. de S. Bento).
384
aa^ por o, per o. Muitas vezes, no mesmo documento,
deparam-se ambas as formas contrahidas e nâo. ^ A
contracção com o artigo masc. era o ^ e ainda tinham
a forma ai = alo .
A prep. pér, foi ferida de morte^ pela prep. por na lucta pela vida,
e com isso perdemos uma riqueza da nessa lingua : aquella empre-
garam-na os antigos com o accus., esta com o dativo — Já novi pode-
des per x&va. bem haver ; a voos graças faço por íxs mercees qite vte
fizestes. 3
9. — Artigo iNDEFiNiTo. — O artigo indefinito, como o
definito, tem por fim — diz F. Diez — a individualidade
de um objecto.
Resta accrescentar que o indefinito, ao contrario do
definito, só se emprega em referencia a cousas ou indi-
viduos indeterminados. O artigo indefinito é um adjectivo
determinativo indefinito .
O nosso artigo indefinito é iim, iima=^\2LX. umis., —
j, que entre os Romanos significava U/ii certo^ algum.,
alguém (por transf.) E' esta a razão porque tocou a
esse numeral o papel de artigo indefinito, em que alguns
acreditam ver — e talvez com fundamento — vestígio da
palavra homo (homem).
Skiit unus paterfamilias his de rebiis loquor (Cie), est hitic unus
scr7'!is violeiítissivuíS (Quin.)y fonite aiiie óculos iinimi qí.'C7iiçue rcgeinj
íienio de nobis iiniís excellaí; unos sex dics (Plaut.) D'ahi é qne
nos veio o modo de dizer — umas faces rosadas, uns cabellos calanm-
trados j uns quitizc dias, etc.
Emprega-se também o artigo indefinito, por extensão,
para designar um individuo como typo da espécie : —
um bom filho será bom pai. Neste sentido é que elle
se approxima do definito.
' Ashí coní lliis fora mandado jtelos reis ; per rs grandes e dur^s g(TÍIpcs
que se darani (I.irro de Linh, D. Pedivi^.
* E' fraqueiifca o emprígí de ó=.ao até os quinhentistas, N. Sec. XVII
já e esporádico.
' Vid. Carim — Jlrmunii.
VÍGESLMA SÉTIMA LIÇÃO
Etymologia das formas vertaes. — Compa-
ração da conjugação latina com a por-
tugueza. ^
1. — A historia da conjugação portugueza mostra cla-
ramente a lucta entre as duas forças oppostas, a que
por vezes nos hemos referido, e a que estão as línguas
sujeitas na sua formação.
Mostra -nos mais ainda a lucta entre a tradição das
formas s3'ntheticas latinas, e o anahtismo.
2. — Temos quatro conjugações.
A 1^ em jr, que corresponde á latina em are.
A 2^ em er, correspondente á latina em ère e ere.
Nos derivados dos verbos em ere houve deslocação do
accento, que já remontava ao latim vulgar, porque a
par das formas proparox}'tonas {críarere., gémere., fdcerc,
dícere., íj'émere^ rúmpere., . . . . ) creara as oxytonas em
ere ire {currire g-emire., f acere .^ dicére . . . . )
A 3® em /r, que corresponde á latina em ire e ere,
A 4* em or, que, como vimos á pag. 228 § 8, per-
tencia á 2° até o Sec. XV, e corresponde á latina em ere.
3. — No tocante ás flexões de tempo e modo, já notamos
o desapparecimento de formas simples ( futuro ), substi-
tuídos por outras compostas ou periphrasticas.
■- » Vid-- Licfio 16^ pag-. 210 § 4"
49
386,
Perdemos mais o snpino e o geriindio^ mas em com-
pensação creámos o condicional.
Emíim, e isso ja resalta do que dissemos na 16* .lição,
apesar de todas as modificações porque passou, a con-
jugação portugueza conservou prefeita analogia com a
latina.
Tempos simples
4. — Tempos simples são os que se formam pelo acres-
centamento de uma desinência ao radical do verbo.
5. — INDICATIVO PRESENTE. — Não apresenta na sua
formação differença dos tempos correspondentes no
latim.
amo-o
ama-s
ama
ama- mos
ama-is
ama-m
que correspondem a
am-o
ama-s
amat
amã-mus
amã-tis
ama-nt
dev-o
deve-s
deve
deve-mos
deve-eis
deve-ra
applaud-o
applaude-s
applaude
applaudi-mos
applaud-is
applaude-m
mone-o
audi-o
mone-s
audi-s
mone-t
audi-t
mone-mus
audi-mus
mone-tis
audi tis
none-nt
audi-u-nt
A desinência da i* pessou sing. é idêntica á latina em
todas as conjugações ; a 2^. conservou o 5 final carac-
terístico, mas muda o / dos verbos latinos da 3*. e 4*.
conjug. em (?; na 3* pessoa deu-se em todos os tempos
a queda do t final. *
O único vestígio que nos restou desta característica é a
forma est., que se encontra nos primeiros cancioneiros., etc :
• Já frequenti no latim desde o sec. — IV da nossa era, porque não mais
soava na linguagem popular de Roma.
387
— esl a pra'^0 passjdo ( D. Din ), est asst\ est' est
o m.T/er beii, grave est a mi^ etc.
Já dissemos que esta forma era principalmente em-
pregada antes de vogal .
A 1*. pessou do plural muda regularmente o u da
desinência em o ( mus=:mo5 ) ; mas no sec. XIII ainda as
formas eram verdadeiras reproducçõ;s — amamus ven-
demiis .
Nas 2*^ pessoas do plural o t desinencial (ama-t-ts)
cahiu, mas depois de haver abrandado em d [ama-d-es,
vale-d-es). No Sec. XV é que começou a s3'ncope do d^
que se tornou definitiva no XVI ^ [soes, amayes^ oiiuis}^
coniquanto ainda as encontremos em Gil Vicente —
(olhade, diiedes, sodes^sabedes, deixades^ etc.)
Conservamos ainda vestígios dessas formas em — ledes^
credes^ vedes tendes^ vindes^ pondes (V. pg. 217-nota.)
A 3* pessoa do plural é em m (am^ efn) = \sit. nt (p.
ntt) \ • mas a nossa flexão já era a do latim popular .
Segundo Corssen (Uber Ansspr.), a articulação cons. final — ;//,
tendia a cahir dtsde o periodo comprehendido entre a 1* e 2* guerra
púnica, na linguagem popular e na poesia, ao passo que na linguagem
clássica e na prosa predominaram as formas completas em — etunt .
No latim da decadência, porém, dava-se a queda do /^ persistindo o
«_, que se tornou final, e que por ser surdo, transformava-se muitas
vezes em ;// (Jeceria/i, couve iienim, dedicaru)!; .)
Nos Foros do Casiello Rodrigo (Port. vtoií. hist . leges) as formas
façan, euire», deu, &\.c, eram todavia concurrentes com as em tií : —
denf, facent, ...
Em alguns verbos, o ii • o) formando hiato com a vogal
do radical, deu em resultado o diphtongo ão: — va (d)
^ Sansk. — nti, gr. — ivti, gilh. ?i ', ant. alio ali. — nt, moderno — n,
gallez — nt, franeez — nt, eVc.
* Achades, sejalcs pxssades, soles, faczici e fazedes,. ., posto mais pre-
dominem as syncopadas — fazezs, dicee.t, tocees, avce-<, daaes, sooes, em
que dobravam a vogal para conservar a tonicidade latina.
O 1° doe. em que appare^e a íorma contraliida, parallela a antiga,
tem a data de 1410: — fjiiards guardes guardados (Cap. geraes propostos
pela^Cam. d", Santarém),
388
iml = vaom, vão . Cp. — sermom^ coroçon^ oraçom, non^
galardon, . . .
No Sec. XV é que começou a forma em ão.
6. — Ind. Imperfeito — Forma-se do modo seguinte :
ama-va dcvi-a applaudi-a
ama-vas devi-as applaudi-as
ama-va devi-a applaudi-a
ama-va-mos devi-a-mos applaudi-a-mos
ama-ve-is devi-e-is npplaudi-e-is
ama-va-m devi-a-m applaudi-a-m
que corresponde ao latim :
ama-ba-m mone-ba-m audi-c-ba-m
— ba-s — bã-s — — — s
— ba-t — . ba-t t
— bã-mus — bã-mus — — — mus
— bã-tis — bã-tis — tis
— ba-nt — ba-n — — — nt
Duas cousas são de notar neste tempo :
I .* — A transformação da desinência latina da i^ pess.
sing . — bam em va, ( i ^ conj . )
No latim vulgar da decadência já era frequente a
apocope do m (5« p. siim, carpere p. carperem^ dice p.
di:em^ ctc), á imitação do que se praticava nas formações
nominaes, principalmente nos tempos de Cicero e Tito, e
ainda accrescentado depois do Sec. III da era christã.
— Quanto á permuta do b pelo v (que remonta ao latim
do 2" Século D. C. — mirainlt Fapío, lavoratiim^. . , e
tornou -se geral desde o 4°), vide lição 3 .*
2.° — A deslocação do accento primitivo latino na i^ e
2^ pess. áo ^\nvd\ {amávamos amabdmus.)
Nos verbos de 2^ e 3" conj. seguimos o typo do Im-
perfeito da 3^^ conj. lat. em i, desprezada porém a ter-
minação derivada ; e por isso os da 2*^ mudam a vogal
thematica em 1 {temia, vendia).
Ouvia — aiidi (e) (b) a (m), — s, — , mos, — eis, — m.
Nos primeiros does. as formas dos verbos da 2* conj.
eram em ades^ i. e., mais encostadas ás latinas (ba-iis) ;
38ç)
— qUerhdes^ fa{údes\ . . . A queda do d trouxe as fórmaâ
quer iat s /a{tais^ ainda, frequentes nôâ does. do XV,
7. — Pret. perfeito. — Formou-se tomando para typo
o dos perfeitos latinos em — avi, evi, vi.
amii
devi
applauaV
ama-ste
deve-ste
applaudi-ste
am-ou
deve-u
applaudi-u
amá-mos
deve-mos
applaudi-mos
ama-ste
deve-ste
applaudi-stes
ama-ram '
deve-ram
applaudi-ram
que correspondem
ás formas latinas
ama-v-i
mon-u-i
audi-v-i
ama-v-i-sti
nion-u-i-sti
audi-v-i-sti
ama-v-i-t
ir.on-u-i-t
audi-v-i-t
ama-v-i-mus
mon-u-i-mus
audi-v-i-mus
ama-v-i -stis
mon-u-i-stis
audi-v-i-stis
ama-ve-runt
mon-u-i-runt
audi-v-e-runt
Dizem os grammaticos que amei é contracção de amado
hei, amasie de amacio has^ etc. De feito, são estas as formas
correspondentes, e sabemos que no latim o participio
precedia o auxiliar ; mas basta confrontar o paradigma
portuguez com o latino para nos convencermos de que a
nossa língua aceitou o typo latino, e que as desviações
que apresenta são devidas ás regulares modificações
phonicas .
No latim líi e vi exprimem o thema do perf. da raiz fn e d'alii —
avia fui = aina-Iuii, ama-iii, aina-vi.
F/ juntava-se, em regra, aos themas do prés. dos verbos derivados
das flexões — </, e, \. para formar o perfeito avio aviavij avian.ns,
avia^nviiis.
Nos verbos de primeira conjugação { di-íu'^, deu-se a
queda do v em todas as pessoas ^, e d^ahi pela mudança
regular do diphthongo ai em ei ^ ami, ( v ) / = amei. A
* Esta forma am õo fixou-se no Soe. XVI — Sec. XII — em um, XIII
om^ on, XIV, XV — om, õ.
• Probai p, probavi, probaisl, calcai, p, calcavi, etc.
*^>*í»?aj'í(t.=p. aiit.-o>*i»iatVo, primeiro: Jamtaviu$=janeiro.
Sijo
queda do v médio arrastou a do / ( <? / ^ e d'ahi amasíe=ama
( V ) (i) sti, amamos = ama (v) ( i ) mus, amasies, amaram.
Na terceira pessoa do sing. ( amou — amant ) a termina-
ção it cahiu porque não soava na linguagem popular ; o v
( principalmente por se tornar flnal ) mudou para a vogal
u ( amauit, arui, deseruit. . .) \ o diphthongo aii transfor-
mou-se em ou.
Os verbos da 2^ e 3*^ conj. formaram o pretérito ana-
logicamente, dando- se apenas na 1* pessoa do sig. a
cantracção de ei em i — ozm, applaudi. Formaram-se pois
os da 2''* das formas latinas não syncopadas, de accordo
com as regras da accentuação ( Cp . audi-p-i — oudit
ouvi. )
Nos verbos de "ò^ conj . é de notar que os Latinos ajun-
tavam simplesmente um/ ao radical para a formação d'este
pretérito : — prehendo — eprhendi., prendi.
A 2^ pess. do sing. tinha no Sec. XII desineneia idêntica
á latina ( feiista) — ; no Sec. XV. a dental abrandou em
d, encostando- se no XVI de novo ao typo primitivo.
E' o único tempo que conservou a dental latina das 2^*
pessoas — amastes., vendestes, applaudiste.
8. Mais que perfeito — Formou-se do tempo corres-
pondente em latim. O que dissemos com relação ao pre-
térito, explica as modificações phoniças porque passou.
ana-ra
ama-v-era-m
amára-s
ama-v-era-s
amá-ra
ama-v-cra-t
amára-mos
ama-v-cra-mus
amá-re-is
ama-v-era-tis
amá-ra-m
ama-v-cra-nt
E assim para as outras duas conjugações.
Houve deslocação do accento na i^ e 2* pessoas do
plural .
» Abit = abLvit, exit exivit ( P. 1.): ierut t = ieverunt, redit = redivit.
( Ter. ).,. E o i loago latino soava ás vezes e-o que fez com que Lu-
erlio propuzessa fossJ eile representado pelo diphthongo ci.
39 1
Já são do Sec. XVI as formas — foreys^ amáreys^
léreyes, ouvir eys .
9. — Futuro. A sua formação remonta aos tempos
históricos .
O latim tinha um futuro, que se conserva na forma
c-ro, antigo e~so (= <t o) ; e outro primitivamente peri-
phrastico, composto de um thema verbal ou de uma
flexão nominal dp verbo e do presente de_/«o, que só se
empregava em composição. Fiio mudou -se em z/-o, v-o; a
semivogal v, permutou em b, e assim formou-se o futuro
em bo na latinidade antiga.
Na época da decadência, porém, as finaes latinas dei-
xando de ser pronunciadas, houve forçosa confusão de
formas, e impossivel era aos populares a distincção entre
o imperfeito amabtt, amabam, e o futuro aniabit amabo.
Para removerem esse embaraço, crearam os Romanos uma
nova forma de futuro, composta com o infinito do verbo
e o presente de habere : — amare Jiabeo^ habeo dicere, habeo
ad te scribere (Cie. ), . . .
Este futuro periphrastico por fim alterou o clássico, e
foi o adoptado por todas as linguas romanas, que conser-
varam a inversão latina.
Amare habeo deu amar hei (assim como habeo amare —
het de amar), e pela fusão dos elementos, — amarei, amarás,
amará^ etc. Que a desinência ainda conserva, porém,
foros de palavra independente prova-o o facto de
poder separar-se do verbo: — escreper-íe-hei^ etc. (V.
pag. 218 e seg.)
10. — Condicional. Nada temos a accrescentar ao que
dissemos a pag. 219.
II. — Imperativo. As 2*^ pessoas (ama amae) for-
mam-se das correspondentes latinos (ama amaíe^ mone
monete, audi audite, ... As 3^^, de uma reproducçao da
formado prés. do subjunctivo — ame elle^ amem elles, e
bem assim amemos, applaudamos, etc .
39Í
Quanto ás modificações porque passaram essas formas
até o Sec. XVI, V. pag. 220.
Conserva a 2^ pess. pi. de alguns verbos, vestígio do
t latino : ponde tende ^ lede. ^
12.— SuBJUNCTivo. '^Presente . E' uma reproducção
do typo latino .
I™ coiijvgarao
2* e 3
* conj\
Hgaçao
Port.
Lat.
Port.
Lat.
ame
ame - iii
— a
ít - in
ame - s
ame - s
— rtS
a - s
ame
ame - /
— a
a- t
ame - mus
ame - mus
— «mos
a - mus
ame - is
ame - /is
— flCS
a - /li
ame - m
am - cn/
— am.
a - n/.
As modificações únicas são a queda do m latino das
1^2 pessoas sing., do i final das 3^% e do / médio das
2** do plural , Todas são regulares, e a ellas já nos refe-
rimos acima.
Nos derivados da flexão em e
perda da vogal thematica ( deva
vista^ p . vestia = 1 . vestia-m .
1 3 — S . IMPERFEITO . — Forma-se do mais que perfeito
do subjunctivo latino ( forma popular ).
e /, dá-se ás vezes a
p . devea = 1 . debea-m,
Por.
ama - sse
ama - sse - s
ama - sse
ama - sse - mos
ama - sse - is
ama - sse - m
Lat. pop.
amassem
amasses
amassei
atnasscmiis
amasseis
amasseiit
Lat. class.
ama - v - issem
— — isse - s
— — isse - t
— — isse - mus
— — isse - tis
— — isse - nt
No Sec. XVI ainda era frequente o emprego do mais que per-
jeito do Lidicativo pelo subj. prcs. ( Se eu fora inn dos õetiemerifos
— Vieira Ser7H ), e no Soe. XV o do Iníidito pessoal pelo subjunctivo
( O Imperador desejara muiio de ficardes 7ia sua íerra, Barros : )
O I® emprego ainda é usado por alguns escriptores puritanos ; do
2°, ha exemplos que entendo devem ser imitados :— trabalha, filho
meu, por agradarem tuas obras a Deus ( M. Pinto.)
* Sac. Wl amay, oei,... e sede, lide.
J
393
14 Futuro. — São encontradas as opiniões quanto á
sua et3'mologia. Querem alguns gramma ticos que elle se
forme da 2^ pessoa sing. do pret. perf. do Ind .; outros
opinam que do infinito ; raros — e com mais cabimento —
derivam-no do futuro perfeito do subjunctivo latino.
ama - r ama •• v - erim
ama - r - es — — eri - s
ama - r — — eri - t
ama - r mos — — eri - mus
ama - r í/es — — eri - t!s
ama - re - m — — eri - nt
Amares corresponde de feito a teres de amar^ amar-
mos a leiamos de amar^ etc; mas as differenças que apre-
sentam esses dous paradigmas desde que attendermos a
que — como jà vimos — o ?^ cahiu sempre, e bem assim
o met da 1* pess. do sing. e 3^ pess. de ambos os números,
perdas estas que arrastaram forçosamente a queda do i da
flexão, que d''outra forma tornar-se-hia final. Assim ex-
plica-se a semelhança que apresentam com o Infinito as
I* e 3* pess. sing. Ama (v) er (im), ama (v) er (\t) = a77iaer
amar.
As formas do futuro do subj . já se encontram em does.
doSec. XV (ouvirdes, fordes^ amardes^ lerdes,)
i5. — Infinito. E' de origem latina.
16. — Participios. Pouco mais temos que accres-
centar ao que dissemos na pg. 221 e seguintes. Sobre o
part. pass. em eito (alguns ainda muito frequente nos
textos do Sec. XVI) — escolheiio, escorreito, correiío, co-
Iheito, recolheito., cncolheito, coieito^ tolheiíò, (= ido, typo
latino em ectus^ collectiis, etc), Cp. — feito leito peito treito
contreito (G. V. III 25 1) maltreito,, bieito (benedicto) •, /e-
eiío, empleita^ colheita, etc . . .
Tempos compostos
17. — Na formação dos tempos compostos, emprega
o portuguez os auxiliares — ter, haver ^ ser e estar.
50
394
O processo não era estranho ao genis da lingua ; já era
conhecido dos Romanos, que, perdido o sentimento da de-
clinação e das flexões vèrbaes, tiveram, seguindo a tendentia
analytica, de empregar palavras auxiliares — preposições e
certos verbos de significação muito geral, para clareza da
phrase. D'ahi as fórmafe — habeo dictum, habeam scriptum...
a par das syntheticas — dixi, scripseram, habeas scriptum
p . scripseras, hâbes instituta p . msítiutsíí\ redempta habet
p . redemit . . . ^
VERBOS PASSIVOS
i8. — O portuguez regeitou de todo a forma S3^nthetica
do passivo latino, substituindo-a — pela composta do par-
tieipio passado e do verbo ser ou estar .
Esta mudança morphologica, porém, já era frequente
no latim popular:— Aoc volo esse donatum (p. donari),
quod ei nosira largitate est concessum (p. conceditur)», sitm
ãniatus (jp. amor)^ sunt aspecta (aspectantur)^ est possessum
(posseditur), etc. E assim amatiis sum ou fui, eram ou
fuet^ami ero, essem, esse.
Por outras palavras. A conjugação passiva latina era
expressa por varias formas simples : — aman\ ser amado,
amor, sou amado, amabar, eu era amado, etc. Mas em
alguils tempos, como no perfeito e mais que perfeito do
Indicativo, etnpregaram os Romanos formas compostas do
participio passado do verbo principal e do auxiliar ser : —
àmatiis fuit. As linguas romanas adoptaram essas formas
aiiàlyticas) « que mais estavam em harmonia com o espi-
tito da lingua popular, e que de todo suplantaram as formas
simples » .
19. — Tinham mais os Latinos grande numero de verbos
activos intransitivòs de forma deJ)oriente (passiva), e de
* Todos eâsea dizeres são class.— César, Cicero.
395
formas passivas de sentido activo : — revevsus sum^ pro-
fecttis sum,....; me uliiis sum (eu me sou vingado, eu
vinguei- me ; fr . je me suis vengé ) .
Neste ultimo caso, o sujeito sendo ao mesmo tempo
autof e objecto da acção, o verbo reflexo latino assimilou-
seao passivo.
20. — O processo apassivador dos verbos activos pela
juncção da enclise rê nâs terceiras pessoas e rio Infinito im-
pessoal (cultiva-se a terra é a intelligencia)^ já era conhe-
cido dos Latinosi ^ jà nos referimos á forma periphrastica
(pronome se -f- forma vefbal activa), cujos elementos fun-
diram-se por fim. ^
O portuguez absorveu na forma activa todos os verbos
deponentes latinos, que já eram pela maior transitivos na
linguagem vulgar : — arbitrarei, moderare, pariire,. . . . por
arbitrari, moderaria partiria ....
Os nossos clássicos, porém, estendiam o emprego desta
forma aos verbos neutros :^ a avesinha se cahiu ; ella se
morreu (B. Rib.), cahtr-se^ emmdgrecer-se, acofitecer-se,
partir-se {d' alli nos partíramos^ Gam.) etc. .. Hoje só temos
esta liberdade quando o verbo neutro exprime exponta-
neidade da aeçao : — víVe~se^ come-se^ bebe-se^ dorme-se^ . . .
O latim procedia da mesma forma com os verbos mixtos
{semi depoentes, neutro passivos \ — ceno^ praiideo^ poto.
{a.z}a.m cenatns sum^ pransus sum^ poius svim^... Cp. port.
— bem comido^ estar dormido .
21. — Os Latinos tinham também um outro modo de
oxprimir que a acção era feita e sotVrida pela mesma pessoa,
além da voz passiva. Empregavam o verbo na voz activa,
mas acompanhado de um pronome regimen (reflexivo da 3'''
' Amor = amo-se, etc,. Como no grego, o pronome serre de reflexivo ás
3^" pesííôas. Esta formação periphrastica autor isa a supposição de que o
latim teve desinências correspondentes ás gregas mai sai tai, para exprimir
o médio paosivo : e o gregj com excepção -do aoristo i» do futuro, exprime
o sentido passivo e médio pelas mesmas formas : — luoinai = eu me des'
■prendo e sou desprendido.
396
pessoa) : — Virgo de cespite se levat {a virgem levanta-se
da relva). O portuguez, como as outras línguas congéneres,
adoptou esta construcção latina, e assim crearam-se os
nossos verbos reflexos pronominaes .
Si o verbo é transitivo, o pronome é regimen directo
(mover-se) ; si intransitivo, o pronome é regimen indirecto
[arrepender^se).
O desenvolvimemo analógico d'essa forma no portuguez
antigo, deu em resultado uma serie de verbos que não são
propriamente reflexivos, mas simplesmente pronominaes,
porque o pronome nem fazia as funcções de regimen di-
recto nem de regimen indirecto {apoderar-se^ partir-se,
morrer-se., deliberar-se^ etc).
22. — Já fizemos sentir em outra lição a grande influencia
da analogia na conjugação portugueza, e bem assim que as
irregularidades são devidas a uma lei de accentuação ou á
acção de certas lettras sobre as do radical.
Na conjugação latina o accento dos verbos deslocava-se
segundo a natureza da flexão que se juntava ao radical, e
este facto é de grande importância .
No portuguez antigo eram em maior numero os verbos
de duplo radical (atono e tónico) hoje resumido pela acção
da analogia.
Por estreiteza de tempo e de espaço não damos aqui as regras rela-
tivas aos verbos de radical monosyllabico ou polysyllabico.
23. — A acção flexionai depende : 1° da presença de um
io\ie. — Neste caso a acção flexionai cahe ora na vogal
diphthongada, ora na consoante que se modifica oués3'nco-
pada, e ás vezes sobre ambas .
D'ahi as transformações dos radicaes . Cp . audio^ debeo ;
hav (radical de haver) — hei. etc .
2." — Introducção de letras euphonicas : — Já nos refe-
rimos a este facto, que obriga ás vezes esses verbos, por
motivos euphonicos, a dous radicaes .
VIGÉSIMA OITAVA LIÇÃO
Etymologia das palavras invariáveis
I. — Do ADVERBIO
1 — Os nossos» advérbios originam-se :
a) de um advervio latino simples : — jd^ onde^ Id.
b) de partículas latinas : — assas ( = ad satis ), avante
( ab-ante ).
c) de adjectivos : — a//o, forte^ baixo^ certo, raro,
tarde, etc . . . .
d) de um adjectivo na terminação feminina e o suffixo
mente : — rarajuente . Por derivação .
e) de duas palavras portuguezas : — atue-hontem,
outr^ora^ atJianhã.
2 — Das modificações adverbiaes a mais de notar é a
do s paragogico, mais frequente nas formas archaicas : —
entonces, ames^ algures^
Advérbios de tempo
3 — Vide lição 20.
Amanhã = Form. port. : — a -\- manhã {ad mane ).
Antes, ante ; anttrci}. de Barros, Ined. d"'Alc. etc.
Do latim ante.
Ate — 1. hactenus, d^onde a forma port. hacté Formas
arch. atd^ athd, attá, atda ( Liv. deLinh., Nob., Ord Aíf.
e M., Ined., Azur.)
Agora = ac hora .
398
Cedo == 1 . cito .
Hoje = 1. hodtè ( hoc die ) ; port. arch. q/ {S. Ros,),
oje ; hesp . hor ; fr . atijourd' hm\ arch . Jioi hui^ it . ogge .
HoNTEM = 1 . anie hodie^ na opinião de alguns ; de ad
noctem^ segupdo outros (Cornu, etc), E' dos primeiros do-
cumentos da lingua \ port, arch. herí= 1. heri. fr. híer^ it.
tere^ hesp . ayer .
Havia, porém, no port. a forma o//e, Qoyte ( Doe. de
1 -743 = Eluc ), a par de oníe ontem .
Não será hontem de formação portugueza : anfoy, ont*oy ;
{oiit p, aftt — também no hesp.) ? O m epithesico, a nasalisação da
vogal final, é muito frequente no portuguez — ( si sim, assi assim, etc).
De restOj ad note1n^ hesp. anoc/ie, não significam avianhã, mas ao
declinar do dia^ perto da notite, ♦
Cp. mais — ogÇj ogè die 7= hodie ; l^t. — hesterno die ou simples-
mente hesier7w <== hontem^ antehac em tempo passado, e nesse
mesmo sentido empregar-se /w«/í?;« ; antCf hontem, etc. Jam ante =
d'antes, anteriormente (Cie).
Já = 1 . jam ,
jamais. — De jd e mais ( Sign. propriamente nunca
mm^ ) .
Logo = 1. loco ( in Joço ).
Nunca. = 1 • nunquam . — F . arch . iiuncas, nunqua .
Ogano, oganho = \. hoc anno (este agora, agora),
Vem og2i.no mais portugueimente {E.UÍV.) -^Yt. ant. uan
oan QuaH . E' forma archaica ,
Outr'ora — E' de formação portugueza ^^ outra hora
( d'antes ) .
Pós = 1 . post . — Deu após, empôs arch . , depois .
Quando = 1 . quando .
^EUWSL==\, semper.
Tapde = 1. tarde.
Além das formas de creação vernácula já citadas, temos
-^dliora em diante, ante hontem, ha pouco, depois d''amanhã,
tresantehoniem-,.,, .,
Além d'estes, temos mais — ainda, inda==i\. inde,
amanhã { a -f- manhã ), depois ( de + pois ), então arch.
39,)
entonce entonces, ant. entom { in -f- tunc ),..-. e os ob-
soletos — crj5 = amanhã ( G. Vic ) = 1. crds ; aliqiiando
( f . lat . \ asinha = depressa ( 1 . agililer ? ) . Creio mais é
forma abreviada de agilsinha, ^ ; desende desen desi de~y
= deinde^ d'ahi, desde ahi,
Advérbios de logar
4 — Perdeu o portuguez algumas das perguntas de logar
dos Latinos, que eram quatro. Assim unde tem sempre
a mesma forma para o logar em que estamos, de que
viemos, e para onde vamos. Para exprimir es^as differenças
somos obrigados a fazer preceder o adverbio onde da
prep. ífí? ( pergunta unda) ou íj, para (pergunta quã)
( onde, d''onde, aonde para onde, por onde ) .
Aqui, 4nt, qui \ hesp. aqui acá ; it-qui \ fr. ící.
Diez deriva -o de ecce hic ( ec'hic ) ; outros da forma
pleonastisa hac hic .
Tenho, porérp, para mim, que este açjverbio, e JDem
assim alli, ah\ acá alá^ forrnaram-se do adverbio latino
com a prep. j, do mesmo modo que de unde formou-se
o;iie, e depois aoude^- etc. Nos clássicos encontram-se £ts
formas — j- i Iu\ té U^ té qui^per hi t hi'Vos 4'hi, etc.
Em açuój acujusOj acasusç ( d'aquem, em baixo, em cima ), é que
mait parece dar-se a influencia do demonstr. lat. — Mas notemos
que no port. havia as fóimas jnss-ãOj ante, ( de baixo ). e sttsão
suso ( de ciiua : açujuso pode pois ser corrupção de aquijuso ( aq^i
de babco), acasuso^ de aquisuso. ( acásuso ).
Ahi,'-- Corresponde ao latim ibi'^ deriva de hi, /,
ç}'onde as formas archaicas portuguezas »-r^j' il }\i aj.
Ahi= a + hi.
* Trabalhos não a quebrantam.
com elles vae mais as?nha.
( F. de Castilho.)
Nos Ined. d'Alc,, Versão da R. de S. Bento, — agina. I 256, 270,
II, 258.
* Afora, odentro,... desi, dcshojé, ein muito, ãe ascinte, de adp«de, efe
aqiliçaraeofre, de pjeHioFmeptQ, ^tÇp
400
D^ahi tem por etymologia, na opinião geral, o composto
latino deinde^ a que corresponde. Mas força seria então
derivar ahi de inde. D'ahi é de creação portugueza ; a forma
que directamente se derivou de deinde é a arch. desende^
- ende { d' ahi } .
Alli = 1. illic^ tllt\poTt. ant. li. O e final tendeu
sempre a cahir ( hic Ju\ nec ne^ illic illi^ Ter.) ; o zinicial
transformou -se em a (cp. inier antre entre).
A'quem — Derivam-no os grammaticos de hinc. — Em
minha opinião é um adv. composto, de origem portugueza,
e de formação emphatica ( a + adv. quem = para cá
d'esse logar. cp. adeaníé). Corresponde a a ende.
Alem — Deriva de alHiinde, que ás vezes corresponde
a alibi. Cp. allende. ( hesp. )
Ante, k^tes = l ante antea. — O s da 2^. forma é
como que a característica dos advérbios antigos. Em
composição — deanie^ adeanie.
O esquecimento etymologico é que nos obrigou ás
formas actuaes — <ieante de., etc .
Ante com ante é loc. adv. antiga; de hora em ante
diziam ainda os do sec. passado por d' ora em deante, avante.
Avante = lat. pop. abante ( ab + ante ) .
Acolá t=: /. ecc"* illd ( c ), ou melhor de hac illà (illac)
Significa aquelle logar, propriamente ahi Id para indicar
logar mais remoto d^aquelle em que estamos.
Lá no port. ant. era alá ( hac ala, acolá ) ?
Algures. — Querem geralmente que este adverbio se
origine de alicubi = aliqiio ubi, ant . aliquobi, que ás vezes
vem reforçado por hic (hic ahcubi, C\c) . Parece-nos porem
mais acertada a etymologia al'quoris {aliquis om=alguma
região) .
F . arch . — algur
Alhur . alhures ( arch ) . São varias as etymologias
apresentadas : — aliubi {= alio ubi), aliunde (= alio unde),
401
mais acertadamente de aliors^ alíorstwi^ ou de alioris ( alii
+ oris).
Arriba = 1. v. arriba ( = ad. ripam).
Arredo, aredo, arch. an^eo=\. v. à re/rò( = para
traz, para longe) : — arredo m de nós o sestro agouro
(D. Fr. Man.).
Perdeu-se o adv. portuguez, ao passo que a phrase la-
tina — vade retro é hoje popular ^ .
Alló, alô, arch . ( = 1 . illo = illuc, para aquelle logar,
então):— allò hallara holgança (Canc. ger.), di\endo a
El-Rei tudo o que sobre este negocio allò viera (Fern. Lopes.
Chron. de Guiné.)
Cá, port. ant. qua ; ízci = para cá. Do lat. ecc' hac,
d^onde ecd, cá ( Cp. enomorar namorar, egreja greja, £thi-
opicos Tiopicos, etc.)
Cerca = 1. circa.
Dentro = de intro .
EsDE, desende desen desi de ~y, Qtc= inde, deinde, V.
Lição 26.
FóRA = 1 . foras ( for is ) .
Lá, arch. ai d ^)=1. illac, cAlld {pava. \á) oppÕe-se a
acd — Cp . alli acolá aqui.
Longe = lat. longe.
Nenhures. De nec ubi^ necorsum^ conforme os gram-
maticos. Em minha opinião de neoris (nec oris) opposto
a algures ' .
Ondé = 1. unde, port. arch. u^ hu., — o fJiel vae vuscar-se
hw ha colmeias ; non cries gallinhas hu raposa mora. Os
antigos também empregavam, como ainda hoje a gente
ignorante, aonde e adonde p. onde ; e u hu no sentido de
aonde (Cp. fr. ou: — oii vas-tu ? aonde vás?)
* Como outras muitas — Te-Deum, Dominus-tecum, Amen, Arreo,
V. do Arcebispo: a reqxie é forma Açoriaaa.
' Neoris, nenoris (nec ne = nem), nenhores, nenhum.
3 Chron. do Cond., Ord. Aff., Ined. d'AIc., etc.
51
402
U cofitrahiu^^se ap adj. articular (uIq ?//í? = on4e o) ;
— ulas partes que damos á virtude ; ullo ser e autoridade
de fidalgo ? ( Szã V. do Are, )
Adú=ia.á''oiide : — se partiu ad'u viera.
Nos clássicos ( Lucena, etc. ) ençontra-se erradamente
onde p . donde .
Deve -se empregar onde, aonde., d'onde^ conforme o logar
a que nos referimos ( onde esfas f d''Qnde vens P aonde (para
onde ) vás?
Perto = 1. pertus,
Traz, ( atraz, detrás ) =1. trans.
Suso, arch. = emcima. Do lat. susum ^. sursum (PI.
Gat. etc. )
Advérbios de quantidade
5 — São quasi todos de origem latina.
Apenas = 1. poena ( a + penoe ). Pene ^
AssÁs = l. diásatts. Tinha muitrs vezes sentido de
jniiito.
. Bastante — do adj. — verbal.
Cerca = 1. circa.
CoMo = l. quomodo., pelas formas intermediarias quo^
mo, Cop. cowo geralmente na poesia,
Mais = 1. magis.
Meio = 1. medius. Sign. algum tanto.
Menos = 1. mínus.
Mui muito = 1. multum. No sec, XV empregavam
ambas a formas para o sup. abs. ; — gente de pé mui
muita sem conta ( = muitíssima ).
F. arch. wm//(Sec. XII— XIII).
Nada = 1. nata? (filha, pequena; Res nata).
Pouco = 1 . paucum .
^2)cnas, com pçíia, a 4- paiia^í^JífiÇ^Wfidfí; trab^JJ^p).
4o3
QuÃo = l. quatn, Ernprega''5e antes de adjectivo e
advérbios com sentido de - — por tal modo ou tanio ( qiiam
sem exciíscf. Luc. ; quão aiiJthci em jneii dano vos tomastes,
Cam. ; camanJio.
Quanto = 1 . quaninm .
QuASi = í. quasi. F. arch, çasi quage qiiagi .
TÃo==l. iam- Corresponde a tanto \ sign. a tal ponto,
em tanto mg^P. Empregado com muito representava p
superlativo absoluto (Sec. XIV): — porque tão muito
tarde d' esta ve^. . . ( Canc. )
Formas ant . tam tom .
Em çppiposição çom mcmho ( == magno ) çjeu tamanho.
Tanto^I. tantnm.
Compostos : — outroíanto^ ( alternm tantum ) com^
tanto. , no emtanto, . . . . ,
Formas arch . — adar — apenas, çhus., plus — mais,, , , ,
que farte ( — , fartim) — assas ; /j;«-j-/j-?'e{:= algum
tanto, raro, etc.
Noía.ie^ Os clássicos empregavarri frequentemente os
advérbios bem ( benè ), 7nal ( malè ) para á maneira dos
Latinos, darem aos adjectivos força intensiva : o coração
bem mais largo que as praias do Oceano ( Luç. ), ete.
E ainda hoje dizemos çom Souza — ficar meti ferido^ bem
como-dei-lhe bem a entender^^ etc.
oAdverbios de exclusão e designação
6. — De alguns já tratamos, como apenas \ outrps for-
mam-se por derivação — somente., unicamente.
I . PopEM . arch . porende =\ . proinde.
Senão. De si-hnão{\, siç non).
Sequer. E' dos primieros does. — Significa propria-
mente se quiser, ao menos.
Só=l. solus.
5.° Eis, port. arch. ex = 1. ecce — Sec. XIII e XIV.
Com. — eis aqui., eis ai li. . .
4o4
cAdverbtos de modo
7 — São em crescidissimo numero, que múltiplos são os
modos de ser da matéria ou do pensamento .
São advérbios de modo — assim ( ant. assi)^ assim
assim, bem^ mal, como, e quasi todos os derivados, i. e.
formados de um adjectivo feminino e da terminação —
mente. oAssim derivou de ad-\-sic ou de zw+síc, segundo
Littré. ^
O portuguez, regeitando as terminações adverbiaes
latinas em e t ter ( certe^ prudemer ^ recorreu á forma pe-
riphrastica latina, mui frequente entre os escriptores do
Império — bona mente factum ( Quint, ), devota meme
tuentur.
A terminação mente pois é o ablativo latino do subst.
fem. mens jnentis ( espirito, entendimento, mente ) ; mas
que os Latinos já empregavam no sentido de modo^ ma-
neira.
l" Cp.: Elle procedeu de boa mente-, elle trabalha boa-
mente.
Esta desinência conserva ainda a idéa etymologica,e nem
perdeu sua vida própria e independência : não soífreu mo-
dificação phonetica, e pôde separar -se do adjectivo : — Elle
escreve clara, concisa e elegantemew^e.
Não ha razão — a não ser a ignorância — para não
empregarmos — maior mente ( mormente ), melhor mente
( Camões, etc. ), mesmameme., etc.
Alias = 1. alias.
Adrede — acinte, propositalmente. Forma outro adj. de
modo — adredemente ; com prep . — de adrede.
Acinte ( assinte ). — De caso pensado, mas com má in-
tenção. De acinte., aciniemente. (L. ad scieme., áo ytrho
• Outrosim=alte'rum sie
40D
seio = saber, conhecer, ter noticias : ad scienter = sabida-
mente, Ex. — quer fosse acinte, feito quer acaso ( Eufr.) ;
assintes 77ius de pensado ( Vieira ). Siuie ; a sinte ~ a saben-
das. Cp. a-ienlo.
Alguns "advérbios de modo derivam- se da forma com-
parativa do adjectivo : — antiqiiissimamente = muito anti-
gamente.
Adverbias de interrogação e duvida
8 — Daremos os principaes :
I . ° Porque = por-f-que ^ 1. barb = per quce^ per qtiod.
Como, ant quomo ^= lat. quomodo.
Quanto = 1. quantum.
Quando = 1. quando.
2.0 Acaso = \. a casu — Tor acaso.
Porventura ( por-l-ventura ).
Talvez (tal-f-vez).
Qyiiç^., 3sch.. quesais^qniçais^ quissd, quiçaes. Correspon-
ao fr. quisait ? ital. chi 5<í? — gall. qui^aves^ que^ayes^
quisais^i qidxais. E' o latim pop. — quis sapit ( quis sap.
pui sab, quiçá. )
NÃO. ( = 1. non) Esta partícula [nem sempre tem
força negativa; ás vezes significa porventura., acaso — a
duvida. ^
» jlned. d'Alco?> II, 26G.
* Apparece, e mui frequentemente, em certos clássicos (como ponderou
o V. de Castillio), um não, que nem nega, nem pergunta, nem aífirma,
é que mais parece, o que succede no latim e outras línguas, se intro-
metteu no fallar e no escrever unicamente para arredondar a plirase, sem
que desses termos respigue um átomo de idéa : — nem itma só palavra
dirá ate lhe não responderem á ferg^mta ; temo que elle não venha hoje
p, temo qrie elle venha.
Cp. lat. — timeo (ut) ne veniat ; etc, je crains qiCil ne vienne. Mais
tarde, pela perda da distincção entre ne e ?íí non : — timeo itt non
veniat, e emíim quando a conj. popular quod subst. a conj. ut: — tiiueo
quod non veniat.
Na phrase de Castilho — si tantos deleites ha na terra, que não será
no céo? a particula não tem íorça negativa.
4o6
Advérbios de àffirmàção é úêgâçãú
9. São de affir mação -^éim (=1, sic^ st); port. arch.
5/c, ant. si; certo certamente^ seguramente. . . . -^Também
= tão bem.
As negativas dividem-se em simples e intensivas ou
rejbrçadas.
a) Negativa simples. E' não = 1. ;íom, também única
neg. simples no latim
F . arch . — no num non .
Menos (minus), nada-., nunca (1. nunquam)
Sem nos Sec. XIV e XV tinha força negativa, e
empregava-se pela neg. wõb, como se vê em mais de
um passo de Fern. Lopes {chron. G).
b) Negação intensiva: — Resultado doesse principio
conservador a que se chama emphase, a negação inten-
siva é facto vulgar em todas as línguas, maiormente nas
locuções populares.
Consiste o processo em substituir a idéa pela imagem ; pluma
Aaud interesty non fili facere, non nauci facere, e assim flocns,
maticuSj triobolunij etc. . . . Por fim a imagem desapparece ; a expres-
são deixa de ser figurada para se tornar abstracta : nihihtni nihil ^=^
nadaj são compostos de ne -f- hiinni., que significava « nem mesmo
um desses pontos negros que s-5 encontram no extremo das favas ».
'— Nihil igittir inors estj aã nos ncqnem ptriinct hilum (Lucr.)
Para dizer que um homem nada vale. diz-se que não
vale quatro vinténs., meia pataca, uma castanha., etc . ; que
é fraco — um banaita ; quQ é estúpido — um cíiwe//o, um
tajliânco, um burro.... A figura perde-se, e a idéa
torna-se abstracta, como p. ex. em f\7/i/è (riachosinho).
Seguimos pois o processo latino ; e muitos são os
substantivos empregados para esse fim: — mica (arch.
mique — nem mique nem nada)., c\\it já no latim exprimia
negação — nullaque mica 5a//s (Marc.) ; migalha, sombra,
polegada, um nickel, passo [nem passo se esquecia., G.
Vic), ponto {hum ponto nh esteia parado., id.), ponta
407
( móçds apraieradas sem ponta de miolo ), fumo ( nem
fumo de cãô óu de cadella)^ ceitil^ fava^ pingo (de ver-
gonha, etc), gota [não lhe marra ellà aqui gota, G*
Vic), espaço {nenhum espaço dormia^ B. Rib.), boia-^
patavina^ fumaça,. . . . além dos já archaisados -^ me^f ra,
cornado^ ren., àl^ ome, .... A fonte é iriexhaurivel, e
acompanha sempre a corrente das idéas novas. *■
Muitas vezes duplica-se a negativa para mais reforçál-a :
— nem tiií|Ue nem nada ; item eira neiii beii'a, nem rámò
de figueira ; nern chique, nem miqiie^ nem náda{G. Vic;)
Vejamos agora rapidamente os principaes processos do
reforço iiegativo. *
a) repetição similar -. — não-nãOj nem-nevij nada-nada.. . bata do
Sec. XIII.
b) repetição dissimar : -^ iiern-fião^ não-nem, 7iao-nada , etc .
c) eiTi prego de equivalentes pronominaes : — 7ienhnm-tiev!_, ciiíra-
iienhnm ou iiingitevi,. , . Data do Sec. XIII
d) emprego de equivalentes adverbiaes : ^^ nuyica-nenhnntj nem-
nuiicãj muica jamais j nem-jaiuais, iião-nnitca,. .. do Sec. XII.
e) emprego semeiotico da prep. iem : — sern tom nem som ; sem
tirar nem porj sem tirte nem giiarte
f) reforço epithetico : — alma perdida, não vale um figo podre,
não ter onde cahir morto, etc. Do Sec. XIII.
g) da condicional negativa senão, e das equivalentes gjie e nego,
nega,. São archaicas : — não tem mais de dons vinténs ; não se ame a
consa pelo que c ; o emprego dO (jneí^^ senão é frequente nos classicbs,
pirincipalmeute nos secs. XVII e XVIII.
h) de equivalentes interjectivas, diminutivas, e superlativas — setião
não ; não bofe ; nem um bocadinho ; etc. . . cotísissimà nenhuma.
i) do infinito pleonastico intensivo : — eu não canto para cantar ;
nem qne chova que chover, nem que vente que ventar.
j) depois de certas locuções — não se podia ter que lh'o não mos-
trasse; nam tardou que logo nam tomasse.
k) com o verbo negar e outros, nás proposições depeildentes : —
neguei que nunca lhe houvesse fcdlado .
1) negação intensiva seriaria, periódica, ou melhor cOmulativa : —
e não menos me, maravilho daquelles que crevi que nenhiim homéhi
pôde saber aquillo que não têm ser scrião no segredo da eternal sabedoria
(G. Vicente.)
' Facto commum a todas as línguas. Em franeez — pis. point, gontte
(J3 ne vois gontte), mie, pzrsonne, rien, etc, são verdadeiros substan-
tivos concretos.
* Lam. de Andrade — da negaçãro intensiva 1882.
4o8
IO. — Muitas partículas e locuções adverbiaes archaisa-
ram-se e obsoletaram-se, além das que já deixamos apon-
tadas : — cras= homem (1. eras), empero == certamente,
a la fé, bofe = a. boa fé, íjiwr = apenas, difficilmente ;
chus= mais, er = aliás, tambe m, samicas= por ventura ;
ai gorem, todíoge, soncas = ta.\vQz^ w = onde (gall. uloula),
ogano^ essora^ acorão^ camanho e qiiamanho (quão manho
==■ tamanho ^), alhures, desende desen desi (contr-em de-y)
= lat. deinde ^), ;íe^o = senão (G. Vic), a osadas, a oU'
saííí35 = ousadamente ^), nessora, logo essora, agora
estora, a deshora quando, adesora = \ogo que (G. V.,
Mir., etc) de vedro — outr'ora, a sciente ( — 1. a sciente\
d mveja (lat. ad invicem) no sentido de aporfia, á com-
petência, de uso frequente nos clássicos {andavam á inveja
de quem daria melhor mesa as do seu quarto, — Bar. dec.)
de ligeiro = {a.cúmentQ, de íjiaravil ha =^rd.vamcntQ, de pu-
blico, de secreto, pran, de plano, presentemente ; de frecha
= directamente, sem detença, de chofre ou de entuviada,
de cote = toàos os dias (1. quoiidie''), a sabendas = com
conhecimento, acinte, etc.
II. — Este processo de formação adverbial é latino ; e
ainda hoje temos grande cópia desses advérbios de modo :
— de leve, de feito, de certo, de espaço, de industria, de veras,
de rijo, de siso, de pnmeiro ; em breve, em balde, em vão,
* Moraes diz que quamanho altei'ou-se em tamanho pela ignorância
dõs edictores. A verdade é que o emprego era diverso (Cp. tão quão) : —
no que passaram ta.)n«7í7io trabalho camanho não se póae imaginar.
* O emprego frequente desse adverbio noport. antigo, ainda se reflecte
no f aliar do povo — rt'aAi foi, d'ahi disse, etc.
' Que posto que ás vezes tarde em lhe dar o pago, a ousadas,
que não vão sem lhe dares como na sua testialidade merecem (S.
Mir.)
* Tenho assaz pêra decote
se mais quizer vesigar (a)
também sei laços armar
também tirar com virote.
Eg. II, 167.
(a) Comer ™«1. b. vesicarip. vesci.
409
em fim^ em cima ; a miúdo, d destra^ d ve^, d medida, a
porfia^ a espaço^ a vulto; com efeito, por ventura. . .
12. — A's vezes o nome vai para para o plural para
maior reforço ou mudança de sentido {ás tontas^ ás furtai
delias, ds cegas, as occultas, a espaços, a ve^es. , .)
i3,_No Sec. XIV é que começou o emprego dos
adjectivos em o com força adverbial, correspondentes
ao ablativo latino sem preposição : — cerío> claro, manso,
passo. ..= de certo certamente, de manso mansamente, de
passo pausadamente .
14. — Dos adjectivos uniformes em e menos vestígios
nos restam : — tarde, longe, suave, leve. . ,
i5. — Na linguagem litteraria empregamos alguns ad-
\'erbios latinos : — maxime, grátis, retro, supra, infra,
item.
Também formamos advérbios de modo do superlativo
orgânico : — deligentissmamente .
DA PREPOSIÇÃO
I." — A maior parte das nossas preposições simples
são de origem directa latina, e conservam as formas e
relações originarias: de = úq^ — e;n (in), entre (inter),
contra (contra), por (pro, per ^), ante antes (ante), sem
(sinè), sobf^e (super), co;« (cum), etc.
Note- se que muitas preposições derivam-se de antigos
advérbios ou são preposições e advérbios conforme
a circumstancia é expressa só pela partícula (adverbio) ou
pela partícula seguida de complemento . As relações entre
estas partes do discurso são tão intimas, que a distincção
entre ellas não está na significação, mas no valor synta-
xico diverso com que indicam a mesma circumstancia de
logar, origem ou causa, tendência ou apartamento.
Pai' p. jwr em pardès = fr. jMr Dicu, kesp. pardcz ; etc.
53
410
2 ° — Muitas são as preposições formadas pela deri-
vação imprópria ;
a) de duas pvQposicÕQs simples ^: — depois (de-post.),
deante (de ante), atrás (a-trans), após (ant. em pós, após de)
perante, dentro (de intro), para (por a, per a),... oAdeante^
desde (de ex de), até (a + té = hactenus), etc.
b) de substantivos e adjectivos: — apesar^ a par...,
c) dos participios passados e das antigas formas em
aníe, ente, inte dos participios presentes : — excepto, salvo,
junto,. . . tocante, referenie, concernente. . .
d) — de advérbios : — eis aqui, eis alli, . . . dentro de,
defronte de, perto de, . . .
2. — As locuções prepositivas são muito portuguezas, e
formam- se, pela maior parte, de substantivos ou adjectivos
seguidos das preposições de, a, e bem assim de advérbios
elocuções adverviaes : — em face ác, em virtude de, por
causa de, d força de. longe de, deante de, concernente a,
referente a. . .
3. — Das preposições simples já existentes no latim, a
maior parte só occorre no processo da composição ou nas
palavras de creação artificial ( extr afino, superfiuo). São
ellas — a ab abs, ad, ante, circum, ( co, cou), de des dis, e,
em {evi) inter, es, ex, extra, in, intro, ob obs, per, pre, pro,
re, retro, sub, super, irans, trás três, ultra, etc.
Doestas, como se vê das listas dos prefixos, algumas
teem uma forma concurrente popular : — entre inter, sob
soto ^ sub 50, pos, sobre super.
* Avante = lat. pop. abantc p. anti', como provam as seguintes linhas
de um grammatico romano: — ante me fugit dicimus, non ab-antc me
fugit : nam proepositio proepositioni adjxingitur imprudenter : quia ante
et ab sunt dn prwpositiones. O tal grammalico njio percebia que ab
reforçava a idéa (adeante, atrás), que ainda mais se tornou intensiva
em devant {=^ de ab ante), porque por ponto de partida tomou uma
forma já reforçada.
* Toma erroneamente a forma feminina em sotacomitrc sotajuloto,
sotaoocheiro, etc. Diz-se tombem sotavento»
411
Façamos agora algmas considerações muito /t'/- summa capita, por-
que a contextura d'ellas mais pertence ao dominio da syntaxe.
I '"^ São varias as relações expressas por certas preposições ; não po-
demos pois classifical-as segundo as suas significações, nem tão pouco
de conformidade com as originarias.
O que, porém, se pôde affirmar de modo geral, é as preposições
indicam relações de logar, e por extensão — as de tempo. Que o
emprego abstracto e metaphorico é resultado de um desenvolvimento
posterior. *
2°. — E' muito para sentir haja o portuguez perdido a preposição/^^
(só conservada nas contracções com o antigo *), cujo emprego era
diíferente do que tinha a prep. por, que dupla também lhe era a
origem.
Por = XzXpro, e passou para o portuguez com a significação de
deanie : — face por face (Ined. d'Alc) ; rosto por rosto (Barros, dec),,..;
per = lat. per . Por isso empregaram os antigos per nas relações de
espaço, tempo, logar, meio, instrumento, etc, e por nas de causa,
preço, etc. — per montes e vales, per obrigação,. . . polo aífior de Vens,
combater ^o\o pátria etc.
Ne periodo archaico, claro está, é que menos raro se encontra o em-
prego correcto át per com accus.,/í?r com ablat., i. e., em suas natu-
raes relações ; ainda frequente nos documentos do Sec. XIV. ^
Exemplifiquemos :
Perecerem per espada e per fome ataa que
sejam de todo consumidos (J> B. dec)
... da índia jí^r o rumo (Id.)
viveu per espaço de septenta annos (Id.)
Foram pregar a fé uns per Itália, per Grécia outros ; outros per
Hespanha ( Luc).
, . . per tempo eram enfermos, ataa que se reformaram com a na-
tureza da terra. ( Azur. C/ir. de G.)
per noites de hynverno se ouviam gemidos ( F. Mendes Perego ).
Tanto \iver per nulha ren — ( C. Vat.).
Por suas grandes partes e provada virtude (Szã. V, do are).
Por culpas, /íir feitos vergonhosos — ( Cam.).
Mandou dar aviso .. . que trabalhassem por lhe tomar o galeão
( Bar. dec).
* A, por suaetymologia, remonta á prep. ad ; mas. por suas funcções,
corresponde também a aft e apud : dei um livro a Pedro (ad) : a sós, ás
fnrtadellas, maton-o a tiro;. . . . De, vem do 1. de com diversos sentidos, e
representando o gen. e oaccns. D'ahi a variedade de relações em portu-
guez — de tempo, causa, instrumento, meio, modo, mataria, quantidade
preço,... Corresponde ao genitivo possessivo, objectivo, e de quontidade.
Enti*a em grande uumerode composições com substantivos e adjectivos como
jávimos:^ de maravilha, de seffuro...
* V. Q,ovrm-Ramania \S&2-ii~Et. do gramm. port.
^ Pela confusão synonymica a combinação pelo venceu na hicta a com-
binação po\o, cuja decadência e morte datam do Sec. XVII.
412
A voos graças íaço por as mereces que me fezestes( Fr. J. Claro).
A's vezes — mas raro— se eucontra divergência nos textos : — per
mar e per terra ; por mar ou por terra ( J. Bar. d^e ) ; assim como
também diziam — çue o inesi7io Affonso fosse per pessoa, que nós di-
zemos — em dessoa .
No baixo latim, também reinava a confnsão àe per pro ; per otnnes
montes ac pro illis locis ; obligo per me et per iiteos heredes.
III DA CONJUNCÇlO
I. — As conjuncções, quanto á origem, podem di-
vidir-se em duas categorias : — as de derivação latina —
e as de formação portugueza .
Estas, em geral, são antigas locuções conjunctivas cujos
elementos se acham juxtapostos : — portanto^ senão^
outrosim {olUX. outro si), todavia^ postoqtie^ entreíanio^ sup^
posto que^ porque^ afim de que^ poisqiie^ etc .
2 — Estudemos a etymologia :
Como = 1. quomodo,
Ergo = 1. ergOi No Sec. XVI empregam de prefe-
rencia a forma contracta er.
E = lat. et, port. ant. et ( Sec. XII - XIV.).
Logo = 1. loco ( in loco.).
Mas = 1. magis ( adv . )
Nem = 1. nec.
Ora = 1. hora.
Ou=l. aui,
0\jTROsm= outro que st\ ant, ou trosi\ F. port.= lat.
alterum sic.
Porem, — port. arch. /^ero ( Bar., Azur.). Do latim
popular per inde pro inde = port . ant . por ende ( por
isso . )
Porque = 1. pop. per quoe, per quod. Corresponde a
por causa de, para que, ao que .
Pois= 1. post.
Que == 1 . que ( quod ) .
Quando = 1 . quando .
4i3
Também = 1 . vulgar iat?i bem .
Si ( se )= 1. si.
Formas populares archaicas — aqiie = ets que^ 1. ecce
( Ined, d' Ale), sed ( = lat. sed ) — sed inays been^en ( In. de
Ale.) ; nega { excepto, senão ) ; sicaes ( si quâ, si casú ) =;
si acaso ; — stcaes não foi morto (G. Vicente ), ca, arch.
quá^ cjr = porque ( Ined. d^Alc, Nob. D. Pedro, F. de
Thomar, etc), que corresponde ao latim quare \ er =
tsLmhem \ naiíja ( = iieja)^ quQ SQ ]unta. ao pronome pes-
soal ainda hoje na linguagem do povo em Portugal, narija
e«, e que era frequente no Sec . XXl — nas formas nanjeu
nenjeu \ pero^ emperol^ perol - porém, ende f pg.), etc.
IV — 'Da interjeição
1 . — As instinctivas ou naturaes (ai^ hui. . .j e onoma-
topicas (bum., trá^^ psiu ), ainda mesmo as formadas pelo
reforço similar ( \ás trás, bum bu?n^ tini iim, ^um :{um.,
babau^ grogotó )^ não teem ef\mologia.
2 . — As convencionaes tiram origem em substantivos,
adjectivos, verbos e advérbios, que bem espelhem a
emoção de que nos achamos possuídos, que represente
a S3mthese da proposição, e seja verdadeiro echo dos
nossos sentimentos naturaes (pag. 114, 22.)
3 . — oápage e sics são de origem latina ( 1. apage =
(XTrays ; adv . lat . SUS ) .
oAy Deus] aj tul ay mel ave Maria l... são ves-
tígios do vocativo latino.
oArre e oxold originam-se do árabe : a i^ de arrie =
caminha; a 2^ de ez/A-^/a/z = praza a Allah ^ Apre é
' Cp. praza a Deus.
Arre era a voz usada pelos azeméis para excitarem os animaes a estu-
garem o passo: hoje os cangalbeiros empregam outras interjeições {anda!
caminha ! vamos ! arreda! ), e arre só serve para exprimir cólera ( Cp.
arrelia ) .
414
corrupção de arre; e também tpra, irra muitos usados no
Sec.xVl.
4. — Formas archaicas, e antiquadas : — hulid ( G. Vic.)
= cast. huiha, hiifá; hio = 1. io ( G. Vic. ) ; ipra= apre
bofa = hoíé^ aramá eramd leramá = tm liora má, (id.),
muilíeramã = muho em hora má, appello eu ; vae-íe a
reqiít (corrupção do vade retro) ; maocha (em má hora),
horasus (hora sus, hoje diz-se — ora i>amos! pãva. calar) ^
td (estae)^ i. e. cala -te ! pára ! detem-te ! : — Ta, Pedro^
embainha a espada ( Vieira Serm. XV, 7.), hou Id = holá,
mal peccado ( de pezar : hoje ainda se diz — por meus
peccados) ; guai ( de pesar, sentimento ) é forma vulgar de
ai, posto se encontre em Souza e outros. Que era ex-
pressão de ignorância popular provam os seguintes versos
de Gil Vic:
Andava elle namorado
e por, má hora, dizer ai
á\z\ã.-\\\t guaij
e por dizer-lhc minha senhora
chamava-lhe minha sinoga.
A precativa aqui d' El- Rei, e não ail que é d'El-Rei^
ou ak d' El- Rei ^ é essencialmente de formação portugueza *.
' Aqui iãelrei, Doe. 1733.
VIGÉSIMA NONA LIÇÃO
Da syntaxe em geral — Breves noções sobre a
estructura oracional ào latim popular e do
latim culto.— Typos syntacticos diver-
gentes na lingua portugueza^
I — Syntaxe é a parte da grammatica que ensina a
concordância das palavras e orações ; a boa eoUucaçao
das palavras na proposição, e das proposições na phrase ;
a correcção dos complementos .
Divide -se pois em syntaxe de palavras e de proposições^
é de concordância quando rege palavras ; de subordinação^
regimen ou de complemento, quando rege palavras ou os
membros de phrase subordinadas.
A concordância das palavras e sua dependência são
expressas no latim ( e grego / pelos casos : em portuguez
por preposições e conjuncções. E' esta a principal diffe-
rença entre as svntaxes do latim clássico, do latim popular e
das línguas romanas ; caracter ou diíferença que também se
apresenta na união das proposições do infinito e participio.
Para escrever-se de fundamento a historia de uma
lingua, ha-se-de mister conhecer a codificação das dou-
trinas relativas á construcção, a syntaxe histórica . ^
1 A. estreiteza cio tempo, porém, etoriga-nos a re-
sxxmlr as llQÒes segixinteo S— Temos um compromisso
e ó força satisfazel-o. 'Na, x-efixndigão «leste tratoalHo,
esTtxdaremos ontao inais a £und.o a pliysiologia e génio
da nossa lingua.
4i6
2 — E' grande a diíferença da estructura oracional do
latim popular e do latim culto, e o facto explica-se histori-
camente. No século V a. G. operava-se a evolução lin-
guistica, quando esçriptores e traductores fizeram retro-
ceder e lingua a formas já então refugadas, ou introduziram
directamente grande numero dehellenismos. Os esçriptores
que se lhes seguiram imitaram-os, e ao passo que a
lingua fallada seguia a sua marcha analytica, o latim clás-
sico sustava a sua evolução natural com a lingua escripta.
D'ahi o grapharem lettras, que não mais soavam na
pronuncia ; d'ahi a Unha divisória estreme entre â lingua
escripta e a fallada, entre o latim clássico e o popular, na
phonetica, no léxico, nas flexões, na syntaxe.
Com a queda do Império romano, sobreveiu a des-
truição da cultura lítteraria, e consequentemente o predo-
mínio da lingua vulgar. A lingua fallada era o latim vulgar^
pedesífe^ castrense^ bárbaro, e medieval^ baixo ; a lingua
clássica de Cicero ou da Biblia de S . Jeron3^mo só era,
comprehendida pelos raros eruditos dessa época .
A principal diflferença na estructura oracional é pois a
tendência cada vez mais caracterisada do latim popular
para o analytismo ( ordem directa ) . A queda e o enfra-
quecimento das lettras finaes ( ama p . amat^ vivon p . vi~
vunt^ liipo p, lupiis^ poplo p. populus^ templo p. tem-
pliim, etc . . . . , e o descuramento das flexões nominaes e
verbaes, a tendência do povo emfim para simplificar as
formas e construcções, produziram essas alterações pho-
neticas e grammatlcaes que constituem a differença essen-
cial entre o latim clássico e o vulgar ( e consequentemente
as li nguas romanas ), e originaram a necessidade das pa-
lavras auxiliares ( verbos, preposições econjuncçÕes ) para
a necessária clareza e precisão da linguagem. Ex.:—» Capiit
d§ aquilla^ genera de ulmo { Plínio j, de Coesare satts
dicium habeo \ Romani sales salsior)s snnt quam illt oAi-
iicorum ( Cie, j ; Vrbem qnam parte captam^ parte dirutam
417
habet ( T. Livio ), cum illum^ adiibt\ Episcopi de regna
nostra \ln prestntia dejudíces^ donabo adconjux ; templnm
de i?iarmore (Virg.)^ restitui t ad parentes ( T. Livio);
amatnm Jiabm\ coptas quas habebat paratas, liabiam etiam
dícere^ habeo convenire fCic), Romani sales salsiores
suvit qiiam illi oAtticonem ( Cie.)*.
Torna-se mais frequente o uso dos pronomes junto aos
verbos ' (il dedít^ salvarai eo) ; o emprego abusivo do
anxiliar esse^ como a obliterar a forma passiva (est con-
cessum p. conceditur^ esse don num p. donan\ etc.)
Com o prevalecer da ordem anal3tica, diminuem as
regras de concordância. Mas a lingua latina culta de Ci-
cero )á trazia em si esses germens da nossa construcçao ;
Quintiliano )á reconhecia um modo natural e mais oratório
do arranjo dos vocábulos ; Plinio, commentando Virgilio,
para tornar mais claras certas passagens, põe -nas em ordem
analytica, indicando a modificação pelas palavras — ardo
est. ')
3. — Typos syntacticos divergentes.—- Dàcse esta de-
nominação ás bifurcações syntaxicas, aos diversos modos
— mas análogos — de construcçao, regência e concor-
dância .
a) De construcçao. — O portuguez, posto que lingua
analytica, mais conservou que as outras linguas romanas
a liberdade no arranjo syntâxico das palavras, privilegio
da construcçao tnifersativa ou iranspositiva.
Recebi hoje três cartas juntas de V. S.
De V. S.jtres cartas juntas recibi hoje.
Hoje recebi de V. S. três cartas juntas.
Três cartas de V. S. hoje recebi juntas.
Juntas recebi hoje três cartas de V. S.
A sytitaxe é a mesma em todos esses exemplos ; e em-
bora destituido de flexões nominaes, o portuguez con-
• Pacheco Juúiop — Gram, /itst. — Introduóção,
' Idem.
4i8
servou, principalmente até o Sec. XVI, muitas construcções
similares ás latinas, tão livres e variadas, tão ricas e har-
moniosas .
O castello de Santarém aos Mouros o tolhy
(F. de Santarém.)
. . . mal as despendendo em custosas uyandas que bem acusar se
temperados foseem, poderiam
(D. Duarte, L. C.)
como a todos os triste acaece
(R. Ril>.)
mays en pêro direi vos huã ren
(C. Vat.)
descobril-a-ha a primeira vossa frota
(Cainõcs.)
embarcação que o leve ás náos lhe pedo
(Id.)
Em Centa indo D. Aífonso atraz de um mouro
(M. Bem.)
b) De concordância. — Ex. — a maioria dos homens
entende ou entendem ; estamos convicto ou convictos ; o
primeiro e quarto rei ou reis., etc .
c) De regência. — São estes os tj^pos syntacticos di-
vergentes de mais subida importância :
Morrer a fome, morrer de fome
mandou ler^ mandou que lesse
me, a mim
começar a escrever ou de escrever
pegar de penna ou na penna
arrancar a espada ou da espada
até casa, até a casa, ate ã casa
apaixonado ;^í?/aí cousas da pátria (R. L.) ou das
O seu amor ás almas (M. Bern.) ou pelas, para com
depôs sua morte (Sec. XIV, S* Eufr.), ou depois de
que os frades huns outros sejam obediyntes (R. de S. C.) — nus aos
outros
alçado por Rei em Portugal, alçado em Rei de Portugal (F.
Lopes) .
São varias as causas das bifurcações sintaxicas :
a ) Typos similares originários — igual a, igual de.
b ) S3'nonymia de preposições : — cercado por, cercado
de.
c ) Extensão crescente do infinito impessoal : — começou
fa\ei\ átfa^er, d.fa\er.
4íl'
d ) Vestígios da voz media : — comenim-se-a^ comeriim-
s'sílo ( Sec. XII ) ; affirmar que, se ajjirmav que ; morrer
morrer- se ( B. Rib ), cahir cahir-se, etc.
e ) Acção verbal dupla : — f aliou todo, f aliou de tudo .
f ) Influencia estrangeira : — moro a rua de — , mora na
rua.
g ) Euphonia : — alçar por Rei, — em Rei.
k ) Influencia articular e pronominal : — o que aconte-
ceu^ que aconteceu.
i ) Elipse : — após elle, — d'ellc.
j ) Influencia da declinação orgânica : — . . . en cas sa
madre ( C . Vat . ) , em cas de sa madre ; quem vos ouve,
mim ouve ( Sec. XIII), a mim ouve, ouve-mt. *■
r ) Equivalência de formas verbaes : — andar buscan-
do, — a buscar -, servindo ( Sec. XIV ) sem vir ; em sen-
do, sendo.
1 ) Invariabilidade do participio passado : — regadas
tinha ( as flores ), Cam., regado tinha.
m ) Tendência anal} tica : — di{em ser, di-{em que é.
n ) Mudança de categoria grammatical : — desde Março
t?ieado ( Sec. XIV ), desde o meado de Março.
o ) Emphase : — de como o cavelleiro ( R . Rib . )
* Lam. de Andrade — Vest. ãa decl. lat.
TRIGÉSIMA LIÇÃO
Syntaxe da proposição simples. — Espécies de
proposição simples quanto á forma e signi-
ficação,— Dos membros da proposição sim-
ples. ''
1 — o proposição ou período grammaiical diviáe^st em
simples e composto. *
2 — E' simples quando contem uma única affirmação .
A proposição comp5e-se de termos essemiaes ( sujeito
e predicado ) e de termos accessorios^ elementos syntaxicos
modificadores ou determinadores dos essenciaes.
3 — Aos termos modificadores do sujeito ( adjectivo e
palavra ou expressão adjectiva ) dá-se o nome de attribulos ;
aos do predicado objecio e complemento adverbial^ confor-
me são representados pelo substantivo., palavra ou expres-
são de natureza substanti/a, ou ainda pelo adverbio, e pa-
lavra ou expressão adverbiada.
4 — O objecto p5de ser direcio ou indirecto., coníovm&
modifica immediatamente ou mediatamente o sentido do
predicado, i. e., sem ou com preposição : Deus recompensa
os justos ; elle matou-sQ \ . ..vivo do trabalho, preciso de ti...
* Damos este ponto e o seguinte muito i-esumidos, não só porque é
matéria já conhecida dos aluranos da classe de exame, como porque
todos elles já devem possuir a SeUecçào iútcrana dos professores F.
Barreto e Vicente de Souza, onde a matéria é tratada com mais abundân-
cia.— Consulte-so também o excellente trabalho do professor Alexander —
Analyse relacional.
* Ainda temos proposição absoluta e relativa.
I
421
Em alguns casos, porém, o objecto directo é precedido de
preposição : — amp a T>eus^ arrancam das espadas ÇViáQ
lição) .
As variações pronominaes — 7ne ie se lhe nos jfos lhes,
empregam-se sem preposição quando exercem as funcções
de objecto indirecto, porque já a incluem em si e conser-
vam « a força synthetita dos dativos latinos » .
5 . — O comple)7iento adverbial não é necessário para o
perfeito sentido do elemento que elle modifica, e pôde ser
substituído por outro termo accessorio : — comprei ha dias
um bom livro ; elle escreve correctamente, elle escreve com
correcção .
6. — O sujeito é expresso por um substantivo^ ou por
outra palavra ou expressão substantivada-^ ; o predicado é
representado simplesmente pelo verbo de predicação com-
pleta (intransitivo) ^ ou pelo de predicação incompleta
(transitivo), mas neste caso também pelos seus termos mo-
dificadores .
7. — Quanto á fórma^ as proposições dividem-se em
completas e incompletas ou ellipticas.
Sob o ponto de vista da signijlcação^ em expositivas^
interrogativas^ imperativas^ optativas .
Sob o da lógica, em principaes e sudordinadas .
8. — As relações, pois, das palavras na proposição sim-
ples são — subjectivas^ adjectivas [predicativas, attributi-
vas^ objectivas)^ adverbiaes.
' Ha algumas excepções : — elle é bom, cu estou hom, tu pax-eces con-
tente, etc.
TRIGÉSIMA PRIMEIRA LIÇÃO
Syntaxe de proposições compostas ou do período
composto — Coordenações — Subordinação
— Classificação das proposições.
I . — 'Troposição composta é a formada pela reunião de
duas ou mais proposições simples .
2 . — Essas proposições podem ettar em relação de coor-
denação ou de subordinação .
3 . — No 1° caso estão as proposições, que, de igual cate-
goria intellectual ou força significativa, e por meio de simples
justaposição ou de con). connectivas, concorrerem
para a formação do periodo composto : — o homem pensa^
falia e ri. Neste exemplo ha três proposições simples : as
primeiras estão ligadas intellectualmente ; a terceira pela
GonjuncçãO e.
4. — As proposições que concorrem para a formação de
uma proposição composta coordenada são sempre prin-
cipaes.
5 . — As coordenadas dividem-se — quanto á natureza
dos seus connectivos — em copulattvas., adversativas. dis-
junchvas., conclusivas .
6. — As proposições coordenadas por mera justaposição
chamam-se asjndeíicas:^ as ligadas por conjuncções con-
nectivas (e, mas., ou., logo., etc) syndeiicas.
6. — Proposição composta por subordinação é aquella que
determina um dos seus termos, ou serve-lhe de comple-
423
mento, tornando o sentido das orações simples dependente
do sentido das outras, e a elle subordinado.
7 . — As proposições compostas por subordinação só
podem ligar-se em relação puramente grammaíical .
8. — A categoria das subordinadas depende da contex-
tura do periodo .
Q. — Quanto ao connectivo^ classiíicam-se as subordi-
nadas em conjunccionaes e relativas, conforme for elle
uma conjuncção, adjectivo ou pronome relativo .
10. — Com. v^ítvtnó.di éi natureza, dividem-se em sub-
stantivas^ adjectivas e adverbiaes^ conforme representam
uma dessas três categorias grammaticaes.
II. — Quanto á funcção, podem ser subjectivas, obje-
ctivas^ attribiiiivas, ou adi^erbiaes^ conforme preenchem as
funceões de sujeito^ objecto^ attribulo ou adjun:to adver-
bial.
Ex.^ Noticiaram que elle morreu ( i. e. a sua morte);
a mulher de pudor ( i. e. a mulher pudica, pudenda, pu-
dibunda); chegou depois que sahimos (circumst. de tempo
= depois da nossa sabida) .
As subordinadas • adverbiaes podemexprimir diversas
circumstancias, de tempo^ Jim., logar., causa^ consequência .^
comparação^ conclusão .
12. — As proposições subordinadas ainda são classi-
ficadas por alguns grammaticos em completivas ( que en-
cerram um complemento essencial para o sentido de
outra proposição) ; incidentes ( as que se unem ao sujeito
ou attributo de uma outra proposição por um pronome
relativo, e podem ser explicativas ou terminativas) ; ctrcum-
stanciaes (as que exprimem circumstancia complementar
do sentido de outra proposição — ^ de tempo modo, causa,
etc).
TRIGÉSIMA SEGUiNDA LIÇÃO
Regras de syntaxe relativas a cada um dos
memliros da proposição
I. — SuGEiTO — O sugeito de uma proposição pôde
ser expresso por um substantivo, pronome, por outra
qualquer palavra substantivada, ou ainda por uma outra
oração .
2.— Em regra, o verbo concorda com o sujeito em
numero e pessoa .
Com os collectivos o verbo emprega-se no singular :— -
o exercito árabe não respirava de combates contra os
Godos.
Mas si o collectivo for partitivo e vier seguido de um
determinativo no plural, o verbo irá para o plural ; — a
maior parte dos martfres subscreveram com o sangue o
testemunho de Christo.
Esta regra tem excepções, e no latim havia a mesma
liberdade: a maioria dos deputados votou contra o projecto.
(Vide lição 35 ).
Quando os sujeitos são de pessoas dillerentes o verbo
vae para o plural e concorda com a que tem prioridade :
— Tueo medico sois dos malandrinos ; vós e eu temos o amor
da liberdade por invencível como a morte .
Si o sujeito fôr expresso por palavras s\non3^mas, ou
representantes de uma mesma idéa ( paesso ou eousa), o
verbo ( é claro ) conserva-se no sing.:=Era um velho,
425
a quem o trôpego^ o quast morto dos membros^ embar"
gava o caminhar:
Estas e outras regras de concordância já são muito
eommuns para que nellas nos demoremos.
Logar do sujeito — Desde os primeiros documentos que
regularmente se encontra o sujeito no principio da phrase ;
mas numerossimos são os exemplos em contrario : — hum
lal home sey eu^ tenho eii^ vou eu ( c. vt. ), se me a ra:{ão
lu dz{es ( R. S. Bento ) ; Haverá pa:{ no tumulo ? Pára
o que ahi repousa^ sei eu que ha na terra o esquecimento !
(A. Herc), Sonhou um homem que via um ovo atado
na ponta do lençol ( M. Bern. )
A inversão do sujeito é ás vezes rigorosamente pres-
cripta :
a) Nas orações incidentes, e com os verbos accres-
centar, contar^ referir ^ perguntar, desejar^ di^er^ cuidar^ etc.
Pergntitando cerio sujeito a um guarda portão se seu amo estava
em casa, respondeu-lhe ; — Não senhor. — Bem, acrescentou o outro
mas a que horas voltará ? — Não seij replicou o malicioso criado^
quando meu amo manda dL-^er que não está em casa, ninguém pôde
saber a que horas voltará.
( M- Bern. Flor. )
b ) Quando a phrase começa por um atributo, regimen
directo ou circumstancial, adverbio ou coniuncção ; e a
inversão era mais frequente no portugez antigo : — o maior
e mais\certo motivo de ser amado, é anticipar o seu amor
( Vieira ), si a tanto me ajudara engenho e arte ( Cam.) ;
agora tu, Calliope, me ensina ; onde nos estreitava cada ve:(
mais altiva oppressão ( L. Coelho ).
No portuguez moderno é ampla a liberdade inversa tiva
quando a proposição começa por d'2Lhi, talve^, apenas. . .
c ) — Com os verbos no Imperativo, que só por emphase
se emprega claro quando é pronome : — daoede-vos por
mesura (D. Din. Canc. ); nembre-vos que eu sô o vosso
Rei almofacem (Liv. Linh. ); si queres que eu te ouça,
ouve -me tu primeiro.
5i
426
Ex. emphatico = tu mesmo faze isio -^ tu, que tens
de humano o gesio e o peito, a estas criancinhas ttm respeito
(Cam. ).
d) — Com os verbos no subjunctivo, quando se supprime
a óonjuncçáo: — quisesse elle, queira 'Deus, dissera o dono
do campo a seus criados ....
Díz-se, porcm,-^ Deus queira, Deus me lipr^e . etò.
e) — Nas formas do Infinito, principalmente regido de pre-
posição ; — de mandar os criados e fa^er^se a obra vae ainda
muito tempo. — Para m' irdes de estorvar, de mifa'{evdes
mal ou bem. ( D. Din. Canc. ), sem lhe lembrar casa nem
fazenda ( J. de Barros ),por vos servir a tudo apparelhados
(Cam. ).
f) Nas proposições completivas começando por que.
Era a inversão mais usada até o Sec. XVI.
g )— Nas proposições adverbiaes indicando circum-
stancia de logar ou de tempo . No segundo caso é frequente
a deslocação inclitica :
por si el Rey achar em Tavilla sem dinheiro.
( G- de Rez. )
para acabar onde o ninguém visse.
( B. Rib. )
emquanto lhes o dia todo deu logar.
( F. Mor. )
São muitos, porem, os exemplos contradictorios .
Nas phrases imerrogaiivas a inversão é mais de uso : —
podermiades vos di^er hu ficou ? [h. Linh. ).
Receava- se Miihridades dos tóxicos ?
Mas o sujeito antepõe-se ao verbo quando o queremos
pôr em relevo : vós me perguntat^des per vossa amada ?
( Cane D. Dín. ), vós quem sois? ( vos quiestis? ), eu faria
tal cousa ? ( Egon* isthuc /acerem ? ) .
Thrases exclamativas ou vocaiivas,-^ Não há regra
fixa : — Deus seja louvado ! louvado seja Deus. Mas
quando o sujeito exprime pessoa ou cousa pela qual
427
fazemos votos propiciatórios, dá-se sempre a inversão : —
VíPJ a nação brasileira !
i Verbo. ^— No latim o verbo, em regra, era final \ más
no da decadência occupava muitas vezes o logar médio. Já
nos referimos ao facto do analytismo.
O põrtuguez adoptou a forma ánalyticâi
quando me mays forçava seu amor
( Cé Vai.)
que nom queria bem outra molher senom mi
(Id.)
e se hum meenfestar esse prendam por enmigo e daquelles que
forom negos prettdàhi outro
( F. da Guarda.)
quem me a vos levou tão longe
( B. Rib.)
Mas exemplos do verbo final são abundantes nos pri-
meiros documentos ( Sc. XIII a XVI ) :
cunucundá cousa seja ( Sc. XIII )
(J. P. Rib. Diss.).
e nos de suso ditus en esta carta revoramus ( Sec. XIII )
(Id.)
Aqúel que casa feier, ou vinha èu sa hefdade onríar
( F. da Guarda.)
incommende a nos ajudoyro ministrar
( R. de S. Benh.)
do peccado da Itlxuria brevemente fallando
(D. Duarte, L. Coiis.)
que já remediar hem nom pode
(M.)
que chorando vossa mãi nasceis
(B. Rib.)
como a todos os tristes acaece
(Id.)
Nos tempos èompostos, é o auxiliar, considerado verbo
da oração, que occupa o logar médio :— e fuy COrH grâm
coyta diíer ( C. Vat.).
O participio pôde ser inicial ou final : — abusado jd tens.,
jâ iens abusado ( V. lição 36 ).
3 — Regimens. — Os regimens podem ser directos ou
ittdirectos.
428
aj Regimen directo, A construcção varia nos antigos
textos portuguezes : em latim quasi sempre o regimen di-
recto vem antes do verbo, de accôrdo com o uso das
linguas syntheticas.
Notemos as seguintes construcçÕes :
i.° Regimen, verbo, sujeito :— Nos seus olhos via
eu..,.
2.° Regimen, sujeito, verbo : — alguns meies antes de
se partir.
3.° Sujeito, regimen, verbo : — eu com carinho te
obrigo . Mais frequente nas proposições relativas .
4.° Verbo, sujeito, regimen : — manda Theobaldo uma
carta.
5.° Verbo, regimen, sujeito : — recebeu-o elle.
Estas ultimas construcções eram mais frequentes nas proposições
começantes por um adverbio ou complemento circumstancial, que
obrigava a inversão do sujeito. Depois da perda dos casos tenderam a
desapparecer porc^ue traziam equivoco .
O pronome regimen tende sempre a aproximar- se do
verbo de modo a receber a sua acção mais directamente
que os outros elementos da proposição.
Em latim os pronomes procliticos we, te., se., coUoca-
vam-se muitas vezes immediatamente antes do verbo ; e o
mesmo acontecia no portuguez antigo . *
b) Regimen indirecto . — Estes regimens podem ser pro-
nomes, substantivos, infinitos, e nesta distincção cumpre
attentar quando se estuda o seu logar na phrase.
O regimen indirecto pronome depende do logar que
occupam as formas atonas do pronome ; quanto ás tónicas,
seguem em geral a regra dos substantivos (V. licção 40.)
O regimen indirecto substantivo podia vir em qualquer
logar na phrase : tendeu, porem, sempre para collocar-se
* V. Lições 34 e 4Q—Syntaxc do pfonome ; Cdlocação dos pronomes
pessoaes.
I
429
depois do verbo, quer immediatamente, quer após o
regimen directo. Muitos exemplos ainda lembram a antiga
liberdade ^ mas a regra começa a firmar-se.
O regimen indirecto infinito segue a mesma regrra do
substantivo, e desde os primeiros documentos que regu-
larmente o encontramos depois do verbo.
4. — Complementos. — Era immensa a liberdade, e
ainda hoje nos não repugna a inversão. No portuguez
antigo o complemento circumstancial vinha principalmente
no principio, prendendo assim o espirito do leitor ás cir-
cumstancias antes de enunciar a acção .
TRIGÉSIMA TERCEIRA LIÇÃO
Regras de syntaxe relativas ao substantivo
e ao adjectivo
a) Substantivo
1 . — O substantivo em geral precede o adjectivo ;
pôde dar-se porém a inversão, excepto em certos casos
consagrados pelo uso, em que ella é inadmissível,
ou muda totalmente o sentido do adj . "epitheto : — código
civil ^ mão direita. . . mão signal e signal máo., novos
homens e homens novos.
2 . — Já nos referimos á mudança de significação con-
forme muda o subst. de género ou de numero : — madeiro
madeira., honra honras (Y . Lição).
3 . — A construcção dos nomes concretos no plural
concordando com adjectivos ou substantivos ( apposição )
no sing., não é para ser condemnada por estulta. Her-
damo-la do latim, temos fiança nos clássicos portuguezes:
-^ oAraiiones Campana et Leontina (Cie), qiiantum et
duoetricesimum legiones (T. L. ). A phrase pois — as
grammaticas portuguesa e francesa, é tão correcta como
a — o quarto e quinto oãffonso (Cam . )
4. — Os gramma ticos condemnam erradamente a flexão
do plural dos nomes qne exprimem producções naturaes,
dos antigos elementos, dos de virtudes e vicios. Mas
deve -se dizer — aguas de Caxambu., de Vichy.,. . . ( aquae
Sextiae diziam os Latinos ) : aguas no sentido de enxurra-
43 1
das, correntes d'agua, mar, vislumbre ; /o^os no sentido
figurado, com referencia aos que se accendem para signaes
e aos chammados de artificio^ etc, ou ainda com signi-
ficação de casas^ chammas fugidias produzidas pelas ema-
nações do gaz hydrogeneo phosphorado, que também sç
levantam nos logares paludosos, cemitérios, etc. {fogos
errantes^ faíuos ) ; oAres p. clima, vento, pátria, apparen-
cia ; — as novas ilhas vendo e os novos ares ( Cam, ), mal
cobertos contra os agudos ares que assopravam; ares
pátrios, de familia, de fadista \ estranhar os ares. Suores,
também é de uso vulgar, e já o era também em latim : —
passar suores de morte (Luc. ), e5/arew suores frios, —
Urinas., id., cereaes, etc, (V. Lição 14^.)
Lat. — aconitãj fabaej viciaCj viteSj snlphtira^ arenae, 'etc.
5 — Também teem plural, e não devem os grammaticos
regeital-o, os nomes designativos dos phenomenos mete-
reologicos : — as chuvas, os ardores do estio, os rigores do
inverno^ as trovoadas de verão., os ventos do sul.
6. — Em latim os nomes abstractos eram empregados
no plural \ e no portuguez antigo o uso era mais frequente
que hodiernamente: — esperanças., ires constancias. Como
que augmenta o gráo do sentimento ou faculdade. Outras
vezes exprime vicissitudes, alternativas e revezes, os lavo-
res do mundo, emfim, e as voltas da fortuna : — familiari-
dades^ amisades., temores., tristezas. (V. Lição 14*^).
Além da tradição, temos para justificar esses plurais,
a relação existente entre os nomes abstractos e concretos,
de regra muito incerta \ o serem concresciveis os abstractos
( santidades., beatices, industriaes . . . delicias, amores, sau-
dades, aftectos. . . ) etc; a convenção, que manda se diga
no plural — invenções, cogitações, etc.
Os collectivos teem plural em portuguez, e oseu emprego nas línguas
romanas é muito mais lato que no latim, principalmente na lingua-
gem clássica : — exércitos j povos ^ gentes. , .
432
O adjectivo em relação correlativa com um subs. coUe-
ctivo ou partitivo, vae ás vezes para o plural, construcção
esta mais geral no portuguez antigo, e o verbo também ia
para o plural : — gente cega nem os estimo nem me vão
movendo {¥qvv,) \ começou a quebrantar o ^oyo com di-
versos gravames^ tirando-lhts as forças para melhor os
dominar^ timidos e sujeitos ; Logo todo o restante se partiu
da Lusitânia postos em fugida.
8. — O subs. apposto concorda com o principal em
género e numero : — as musas^ irmãs de oApollo ; oAtilla^ o
flagello de 'Deus.
O subst. fem. empregado epitheticamente em referencia
a um subst. masc. toma o género deste na linguagem
vulgar : — és um besta, um trouxa, um banana, um bolas,
um mancas,
9. — O subst. pôde substituir o adj. : — Sideris ora-
sidérea, e outras expressões como esta eram raras no
lat. clássico; mas na lingua popular eram frequentes as
excepções, e por fim constituiram a regra : — poculum
aureum, it bicchier d' oro, hesp., port. vaso de ouro.
E só empregamos o adj. em poesia, est3do elevado : —
licor áureo, esiylo áureo, argênteas conchinhas, brônzea
côr, férreo somno, etc. . . .
Dizemos, porém — aguas férreas ,
10. — Quando o nome qualificador é nome de cousa
inanimada, pôde diíFerir de género e numero : — Tito, as
delicias do género humano .
TI. — Apposição. — O nome commum de uma cousa,
quando tem por apposição a palavra que a distingue das
cousas semelhantes, vem unida a ella, em regra, pela pre-
posição de, que é puro expletivo (= que é, que se chama) :
a cidade do Rio de Janeiro, o me^ de Setembro.
E o povo diz — o dramaláa. Morte j?wral, a cofjiedia
da Torre em concurso.
433
Os nomes monte e /j^o raro se empregam com a prepo-
sição íi?e. Este, só quando tem por complemento um nome
de cidade [lago de Genebra.)
Na linguagem vulgar diz-se : uma pesie de mulher, um
diabo de homem., o tratante do Joaquim.
Nestas phrases compostas por apposição ha uma espécie
de ellipse .
O latim dizia simplesmente — urbs Roma., Ctceroms
opera. *■
6) Do adjectivo
II. — O adjectivo cancorda com o seu substantivo em
género e numero : iwi bom lipro. Empregado como attri-
buto, concorda também com o sujeito em género e nu-
mero : Deus é justo .^ etc.
12. — Muitos adjectivos no singular podem acompanhar
um nome, que cada um delles qualifica separadamente : —
as línguas ft^ance:;a, ingle^a^ allemã.
Si o subst. está no sing. é mais correcto o emprego
repetido do artigo : — a lingua francesa., a inglesa e a
allemã.
Diz-se também : o ^°, 4° e 5^ Séculos (ou o-3°, o 4e o
S° Século.)
i3. — Quando o adjectivo refere-se a muitos [nomes do
mesmo género, vae para o plural desse género ; si os
substantivos forem de géneros differentes, o adjectivo vae
para o plural do género do ultimo, ou melhor para o
masculino .
* Sobre as preposições que devem acompanhar os vários complementos
do substantivo — Vide lição 37.
De, p. ex., indica as varias relações de dependência, causa, origem,
tempo, instrumento, união physica ou moral, de objecto ou fim, destino
habitual (sala de jantar), profissão ou condição, qualidade, peso, medida,
valor, extensão ou duração (uma garrafa de vinho, etc .^, parte, quanti-
dade, matéria, (gotta á'agua, ponte de madeira, etc.) Essas relações, o
latim e o grego exprimiam-nas pelo genitivo (caso de dependedcia).
55
434
14.'— Alguns comparativos e superlativos latinos pas-
saram para o portuguez sem a sua força gradativa : —
imerior^ exterior, intimo^ extremo.
Os superlativos absolutos podem ser empregados sub-
stantivadamente, e, á maneira da syntaxe latina, por super-
lativos relativos : — O optiino de lodos^ o sapientissimo do
Instituto. A I* construcção deve ser reprovada.
i5. — Quando a comparação refere-se unicamente a
dous objectos, o latim emprega o comparativo : = minor
fratrum. As linguas romanas apartaram-se desta regra
sempre que o adjectivo vinha acompanhado forçosamente
do demonstrativo o (artigo), porque d'ahi resultaria a gra-
dação do superlativo : Cp. — terás louvores de mais sisudo
critico; o mais novo dos dous irmãos (fr. leplusjeum des
deux frères., ital — .ilpiu giovane de due fratelli .)
i6. — Depois dos relativos quão quanto. O superlativo
latino, que exprimia o mais alto gráo da possibilidade
{quam celerrime poiuit)., é representado em portuguez
pelo comparativo : — quanto mais depressa possivel . E o
mesmo dá-se no ital., fr. hesp., valachio.
B. \ã!i.'~^ quam cithts poterit
quandocumque ego citius potuero
Emprega-se também o comparativo depois de outros
relativos {quando., onde., etc), ede certos verbos : — quando
o sol mais formoso se mostrou (pulcherrime) ; depois do
pronome relativo : O filho que eu mais amava.
B. \c>X .— fa.ciat exittde quidqiiid inelins elegent
17 — E' frequente o emprego de muito com subst. ( era
mui Jioute., é muito verdade ) ; e quando concorrem dous
subst. em relação attributiva, referindo-se a um único
sujeito, indica-se a preeminência de um sobre o outro por
meio da particula comparativa : — és mais philologo do
que X\és tão poeta como Z:
435
i8 — Com os verbos ^car, zr, estai\ parecer^ etc, usa-se
do demonstr. o em vez de outro adjectivo tomado attributi<^
vãmente : — Não fora C/nisto o que era^ nem a esposa o que
devera ser ( Vieira ) \ ao feio nem por serem o deixam de ser
estimáveis se tem virtudes ( Lobo. )
Este o =. el/o ( illud ), e nao se deve confundir com o adj, art.
i9 — O adjectivo que faz as vezes de adverbio é sem-
pre invariável. E' erro dizer -se : — a porta está meia
abeta p. meio aberta. No i° caso sign. que a metade da
porta está aberta ; no 2° que a porta está algum tanto
aberta. E assim devemos dizer: casas meio queimadas^ etc.
O emprego dos adjectivos na forma masc. com força
adverbial data do Sec. XVI ; no periodo ante clássico
empregavam os advérbios em mente.
20 — Quando um substantivo refere-se a outro de gé-
nero diíferente, o adjectivo concorda com 02° — Cleópa-
tra., aquelle tfpo de belle^a .
Os escriptores antigos faziam-no concordar com o pri-
meiro substantivo, e o povo ainda diz : — J. é um :{ebra^
um besta
21. — Nos adjectivos compostos por juxtaposição, só
o ultimo elemento toma flexão de plural: escola medico-
cirúrgica^ guerra franco-prussiana.
22. — Os possessivos empregam-se geralmente antes
dos substantivos. Dá-se, porém, a inversão quando o
substantivo é precedido de um indefinito ou de demon-
strativo : — alguns livros seus^ um parente meu .
O possessivo era geralmente precedido do artigo:
o meu amigo \ seja feita a tua vontade. Esta forma é
hoje a mais usual, meno5 antes dos nomes de parentesco,
quando não se segue o nome próprio ou epitheto : — wiew
pai : minha querida filha,
O emprego do pron . pessoal pelo possessivo era raro
no latim, e considerado hellenismo ; na linguagem archaica
436
portugueza encontram-se alguns exemplos desta substi-
tuição, hoje de todo condemnada : — senhor de mi; la
moller de mi (G. Vic), etc. No hesp. era esse emprego de
frequente uso ( el cuerpo de mi ) ^ e bem assim no italiano e
no francez [un ami à moi) .
Mas si o sujeito acha-se em relação de dependência,
emprega-se o gen. do pessoal : — parte de mim == lat. pars
mei, por amor de ti.
O dativo do pron . pessoal — quando se acha depen-
dente de um verbo — pode fazer as vezes do possessivo: —
si não mt fosseis amigo., vejo-te o coração triste^ quebrei^
lhe a cabeça. Em lat. empregava-se o adj. mihi iibi., etc.
O possessivo pileonasiico., consiste no emprego claro do
possuidor : — os seus feitos delle ; dos Santos não me mato
em seus louvores (S . de Mir . )
E' o possessivo que forma o pleonasmo.
O possessivo periphrastico fórma-se com os verbos ter e
haver {Com a sede que XQvho de vingança., eq. a com a minha
sede). B. lat.: — de filio vestro quem habetis.
23. — Os demonstrativos este aquelle são ás vezes
substituídos pelo pronome o, o que bem indica a sua etymo-
logia ; o demonstrativo articular faz também as vezes de
determinativo relativo:
Os grandes feitos que os Portuguezes obraram neste dia o Oriente
os diga. (Frei. Castr. II, 154 ).
Leis em favor dos reis se estabelecem,
as em favor do povo só perecem ( Carn.)
24 — E a mesma propriedade teem os possessivos e os
demonstrativos: — Olha-me aquelle assobiar (G. Vic);
mandou Lopo Soares que neste ir e vir aos comprar andasse
sómenienm largantim. ( Bar. Dec. I.).
O demonstrativo concorda, como em latim, com o sub-
stantivo que serve de attributo : — esia é a verdade. Mas si
o pronome refere -se a um enunciado anterior, em relação
437
com um substantivo abstracto, por intermédio do verbo
ser, emprega-se a forma neutra : — tsío é verdade .
Os demonstrativos conservaram a relação latina.
Quanto á de /z/c e ///e, deve -se observar: i», que se em-
pregam sem attenção á distancia mais próxima ou remota
do objecto grammatical, como se dava em latim ; 2®, que
ambos a par, representam dous objectos indeterminados,
independentemente da idéa de proximidade ou afastamento:
— esta e aquella parte; estes o gabam, aquelles o deprimem
( uns. . . . outros. . . .)
Os dous pronomes podem também referir-se ( em iin-
guagem vulgar) a uma única idéa : — este é aquelle de
quem vos tenho /aliado. — Este modo de dizer é commum
ás outras linguas romanas : — cet homme esi celui, quês /'è
colei che, este e aquello de qutem. . . , esto és accelo que, . . .
Lat. — híc esí tile senex, cui verba data sunt.
Tem o portuguez um outro modo de exprimir o de-
monstrativo /5/e ; que é empregando aquelle ou simples-
mente o, a (\]\ç. ) : — direi somente o em que pararam estas
coisas ( F . Mend . ), determmou de effectuar o para que alli
era inndo .
Em latim is não podia substituir um subst. precedente,
porque bastava a relação de genitivo : — amicitiae nomen
tollitur, propinqualis manet ; mas no latim vulgar da media
idade dizia-se — de vinea S . Eulália ei de illa de S . Justi. ^
O vulgo costuma antepor o determinativo o ao demons-
trativo aquelle, para indicar pessoa de cujo nome não se
lembra ( o aquelle ), e do Sec . XV temos uma composição
idêntica, que é a expressão elle esse :— . ^om jamva^ lhe
seria elle esse ( J . F . Eufros . ) .
25 — Quem transforma-se em o qual quando prece-«
dido da conj. sem, simplesmente por euphonia ; Esta trans-
ferencia data propriamente do Sec . XVII ou declinar do
* Diez^ ioe. cit.
438
XVI : <?5/70SO sem quem ;/ão qiiii amor^ escreveu Camões
[Liis. IV, gi ).
Cujo^ gozava no portuguez da propriedade de ser inter-
rogativo, como em latim :< — cujas sam estas ricas armas ?
( Barr. Chron. 1. CL) - V. pg.
Qiie emprega-se interrogativamente com ou sem artigo
conforme o sentido ; Cp . •— Qiie queres ? que Itrros são
estes ? O que é grammaítca ?
26--" Quanto aos indefinitos pouco mais temos a aceres
centar ao que dissemos na pag. Cp. — pessoa alguma,
homem, um ( Sec. XIII ), geme ( t=: pron. se ), etc.
37.*— O emprego dós ordmaes pelos cardeaes data
das primeiras épocas da lingua, e tornou -se mais frequente
no portuguez dos Secs . XV e XVI : — capitulo vinie^ século
do^e, etc.
38. — As vezes emprega-se o adjectivo no plural para
exprimir a idéa substantivada : — superiorest inferiores,
Ínfimos, Íntimos^ nobres^ pósteros^ maiores^ menores^ mor-
taes, meus, teus, etc.
A pratica já era latina .
39. — O adjectivo com sentido pessoal, tem tias lín-
guas romanas emprego mais extenso que em latim : —
homo doctus == o douto. O erudito, o sábio, o litterato^
etc.
Em latim, porém, também dizia-se — indocti discant^
sapiens . . .
40. — Si o adjectivo exprime uma idéa abstracta, em-
prega-se na forma masc, correspondente ao neutro, e
sempre precedeu ao artigo': o bello^ o sublime, o verdadeiro.
Com a palavra cousa (ant. rem) formam-àe periphrasticas
desses neutros .
Artigo
41 .— O demonstrativo articular emprega-se para de-
terminar restrictamente, individualisar, o subst. appela-
439
tivo, próprio, verbal, ou para substantivar qualquer outra
parte do discurso, e ainda phrases, clausulas e sentenças :
-^ofico de D. Pedro I, o morra e vtngue-se á^Yleira^ etc.
42. — O emprego do artigo é obrigatório com os no-
mes próprios no plutal : — os Césares; mas, como acon-
tecia em grego com os nomes de pessoas celebres, também
se usa delle no sing. para maior distincção do individuo e
que se não confunda com algum homonymo :-^o Gama.
No sing., porém, excepto esse caso, é mais de uso o não
emprego do artigo : — Phrynéa^ D . João K/, Pasteur^ . . .
porque não ha receio de confusão com outro . Dizemos o
'Pacheco^ o oAbilio^ etc » . . mas é gallecismo, e erro, dizer-se
o Dante^ o Christo^ o Shakspeare, o Tasso .
E' porém de rigor o emprego do artigo no sing. quando
o nome próprio tem sentido commum, como acontece
com os primores da estatuária e pintura, Juptter de
Thidias, o Chrislo de Rubens, a Vemis de Milo^ o La-
coonte.
E' tàmbem de rigor antes das obras jprimas lias lettras, ehsitiam
os grammaticos, — a Illiadaj os TavioyoSj o Unigtiayj o Paraizo
perdido. Empregamosj porém, o artigo antes de qualquer titulo de
obra a que nos referimos, excepto quando fazemos citação,
43. — Ha nomes communs que regeitam o artigo por
terem sentido muito restricto a um ser ou objecto :—-Deus»
Deve -se porém dizer, é claro, — o Deus de Israel, o Deus dos
Christãos.
44. — O nomes dos dias da semana e dos mezes
empregam-se sem o demonstrativo ; mas não assim os
adjectivos numeraes indicando horas (ds 3 horas) .
45» — E' também de rigor o demonstrativo antes dos
epithetos, alcunhas ou cognomentos : — o Jiradentes<, o
^arba ruwa ; Platão, o divino ; D . Pedro, o justiceivo ;
Tasso o louco sublime .
46. — Omitte-se em prop. geral depois da preposição :
está em casa, chegou de Pernambuco. Except. quando
440
queremos determinar mais particularmente o logar já co-
nhecido e de que se trata, e com certos nomes locaes (estou
na casa^ i, e, na que desmoronou- se, etc), cheguei da
IBahia, da Suissa, etc. V. pgs.
47. — Emprega-se com idéas genéricas, em sentido
coUectivo : — o homem é sujeito ao erro. Era esta a pra-
tica no grego ; no lat. class. dizia -se simplesmente homo^
o popular empregava ho?no com os demonstrativos tile
ou hic.
Também com as idéas abstractas : — a sabedoria, o
ódio .
48. — Emprega-se o artigo quando na locução con-
correm dous substantivos, e o a'' exprime ds modo preciso
o fim do 1*^ : — o homem do leite (que vende leite), o vidro
do sal, etc. Este emprego, porém, é arbitrário, e dizemos
— garrafa de pinho, feira de gado, etc.
49. — Supprime-se o artigo quando o substantivo —
concreto ou abstracto — forma com o verbo (ter, haver,
estar, . . . ) uma idéa única : — ter sede, correr risco, ter
paciência . . .
Estas locuções, cuia idéa principal está encerrada no
substantivo, podem muitas vezes ser representadas por
um verbo que contenha a mesma idéa : — arriscar-se,
pacientar.
5o. — Omitte-se mais na apposição :— Deus padre,
todo poderoso ; Blumenau, colónia allemã no Brasil,
Ainda, ás vezes, nas palavras negativas :— violdi jamais
cantou feitos heróicos .
Cp. a viola também nos canta amores.
5i . — Pode-se empregar o determ. antes dos adj. poss.
e dos infinitos : — a tua mão (V . pg . )
O emprego, porém, é de rigor quando queremos affirmar
ou negar alguma couza com mais emphase ou vehemen-
cia : — este ê o meu livro e aquelle o teu ; todos vós sois
meus filhos, masfalia-me aqui o mtu filho (Vieira)*
441
52. — O artigo é também de rigor antes das palavras
senhor^ Senhora^ excepto quando nos dirigimos a alguém
sem que lhe pronunciemos o nome, titulo ou dignidade.
Mas omitte-se antes de titulos compostos com o gen. —
monsenhor^ messer, madama^ e também antes de Frei e de
Santo, fftesírep. sábio, etc,
52. — Depois de todo, deve-se empregar o adj. art.
sempre no plural ; no sing. é facultativo o seu emprego,
quando toíio indica totalidade.
Oital. ehesp. regeitam o artigo quando representa o
sentido de quisque ou de omnis ; no portuguez antigo escre-
via-se todo homem, toda mulher, todo animal, toda pessoa
que erê, todo logar, em toda villa, etc. Quando iodo cor-
respondia a intiramente, á cousa em sua generalidade,
supprimia-se o artigo, cujo emprego era de rigor quando
todo se referia somente ao individuo, á totalidade das partes
integrantes : — gastou todo o cabedal, toda a parte, todo
o dia, toda a casa, etc .
Cp . Todo o homem, todo homem . Neste ultimo caso me-
lhor é empregar o plural — todos os homens.
Nos clássicos modernos o emprego do artigo é arbitrário
(Camillo, L. Coelho, Rab. da Silva, etc).
Para saber o emprego basta poder inverter a phrase sem
mudar de sentido : — todo o mundo = o mundo iodo {totus
islemundus), iodo o homem nãoé o mesmo que o homem
todo ; etc.
54. — O artigo é de regra no superlativo relativo (ex-
cepto quando ao adjectivo precedia um pronome) : — as
minhas mais bellas i/lusões .
Supprime-se geralmente quando o superlativo vem pos-
posto ao subst. já precedido do artigo ou acompanhado
de possessivo : sua idade mais feliz, seu filho mais velho,
os seus trabalhos mais notáveis.
Si o subst., porém, vier precedido do indef. um, empre-
ga-se o artigo.
36
442
55 . — Tivemos uma forma de partitivo até o Sec. XVI,
— empresta-me áo aceite (V. Vic). dd-me do pão^ etc.
Hoje empregamos as expressões um pouco^ algum, etc .
56. — Quanto aos complementos dos adjectivos, só di-
remos que alguns adjectivos (ehrío, consciente, pobre,
rico, digno, capa^, ávido, cheio, vasto, certo, etc.y, e os
partitivos, unem-se aos seus complementos pela prep. de :
— digno de louvores, isento de dissabores, incapa^ de /ím-
mildade, ... o ouro é o primeiro dos metaes, um dos sol-
dados (=um d' entre os soldados ; lat. — unusdemilitibus.)
Os participios formados com a prep . de, conservam-na
quando empregados adjectivamente : — ausentar-se de,
ausente de.
Temos, porém, construcçÕes divergentes : — Jertil
(em, de), ignorante (em, de), rico (em de), suspeito (de, a),
etc.
Também é a prep. de a que une o adjectivo ao comple-
mento indicador da parte, qualidade, defeito, origem :
feio de corpo, fnas bonito d' alma ; bem feito de corpo.
5j , — Entre um partitivo e o participio ou adjectivo que
o qualifica, de é expletivo, e não signal de complemento : —
no que elle di{ ha alguma cousa de verdadeiro ; nada teem
de assentado. \
58. — Outros adjectivos unem-se ao complemento pela
preposição a ou para (igual, prompto, fel, acostumado,
análogo, anterior, aitento, estranho, desagradável, repu"
guante, sensivel, inútil, etc.)
TRIGÉSIMA QUARTA LIÇÀO
Regras de syntaxe relativas ao pronome
I. — Pronomes pessoaes. — Os pronomes pessoaes em
relação adverbial vem sempre regidos de preposição depois
do Sec. XIII, (a ií\ de ti ; para ti).
Migo^ tigo^ sigo^ empregavam-se sem a prep . com até
o Sec . XIV, posto que desde o XIII já concorressem a par
das formas pleonasticas cowe^o, comigo, com/e^o, comtigo,
comsego comsigo : — poys sen mandad'ey migo, e sigo
medes di{ta (dizia comsigo mesmo), poys tigo começar Jni.
St, porém, emprega-se sem preposição :
a) Depois da conj . que quando a esta precede um com-
parativo : — outros majores que si \ pe/or que si, a mesma
estrella Vemis se mostra maior que si mesma (Vieira) .
b) Depois do adj . outro : — após elle não ha outro si
(e também diziam outro ;?//), este que ahi está he outro si^
etc.
Estas phrases já estão archaisantes, e a construcçãó
moderna é — outro ew, maior que elle . . . . ; mas dizemos
superior a si (a mim^ a ti), estar em si, sobre si, de si
mesmo, etc. . . .
No Sec. XVI supprimia-se ás vezes a prep . antes do
pronome : — quem me vos guarda^ guarda myn (C. Vat.),
despre^arom mim, m'albergue cabo sj (id.), mim ouve
(R. S. Bento — ouve-me, i. e. a mim).
Em portuguez (hesp., e ital. ás vezes) o caso sujeito
do pronome pessoal, dependente do verbo ser^ persiste
444
em algumas expressões, que em outras línguas cedeu
espaço ao caso regimen: — fr. cesi ?noi, ing. it is me,
din. det er mig^ ali. er ist mij% port. sou eu {és tu, é
elle)^ it. sono 10....; io non sono /e, s'io fossi lui., egli
é come me stesso; fr. je ne suis iot\ si fetais lui....;
eu não sou iu., se eu fosse elle .
2. — Pron. pess. conjunclivo. — Para os dous casos
oblíquos (accus. e dat.) as línguas romanas teem duas
formas pronominaes, uma absoluta e outra conjunctiva.
Emprega-se a i^ (que é de rigor quando o pronome
acha-se dependente de preposição) quando se quer dar
realce á ídéa pronominal; e consequentemente é nalle
que recahe o acento. Emprega-se a 2* quando predo-
mina o accento do verbo. — Parece-me., parece a yjiim ;
digo-vos., digo a vós., dei- lhe, dei a elle.
Os pronomes conjunctivos só representam relação
objectiva ou predicativa, ainda mesmo com o verbo ser
teu o sou). O, a., os, as., são verdadeiras formas de
accus., como prova o emprego do le no hesp. ant. e lo
no portuguez das primeiras phrases da lingua.
Notemos aqui as confusões da relação entre as for-
mos lhe (illi) e o (illo), ainda nas i** décadas do periodo
clássico; e a de // por tu., etc, entre os quinhentistas
e seiscentistas: — mais forte que ti.
3 . — Pronomes de reifcrencia . — Só empregamos o aluar
entre pessoas da mais estreita privança; o avosar só
em discursos e escriptos, e na linguagem familiar em
alguns ângulos de S. Paulo e de Portugal *■
Com o pron. pós o verbo vae para o plural, mas o adje-
ctivo ou participio segue o género e numero da pessoa aquém
nos dirigimos : — vois sois bom, boa, bons, estimado, a, os.
* No 1). lat. diKia-se tuissare, volisare (tratar por tu ou vós) ; o hesp.
tem tutear, vosear ; cat. tuejai' somente; fr. — tutoyer, ant. eifootíser,
genovi^z rousoycr ; it. — dar dei tú, dei voi. Temos atHtW, formemos
avosar, que .]á temos vosear cora outra accepção.
445
No b . lat . dizia-se, mais de accordo com a restricção
grammatical. — vos estis inlionorati^ como no grego mo-
derno (Grimm.)
Também em estylo elevado, na tribuna, na imprensa,
emprega-se nós por e«, ficando o adjectivo no sing. em
relação attributiva ou predicativa : — mestre é sermos
antes breve que prolixo .
No portuguez são muitos os pronomes de reverencia —
Vossa Mercê^ V. 5., V. Ex., V. Em., V. oAlieia, etc. ;
o pronome pessoal correspondente é da 3* pessoa por isso
dizemos wcc sabe, V. S. conhece.
Você é contração de posmecê, f . já contracta de Vossa
Mercê, como no hesp. usencia, de intestr a reverencia, use-
nofia e usia de vuesira senoria, vosencta de V. Ex., também
jã introduzida hoje em Portugal. — Relativamente ao pro-
nome de reverencia í^oce, vide pg. 92.
4. — Tronome pess. plecnastico. — A's vezes, posto
venha claro o sujeito, emprega-se pleonasticamente, junto
ao verbo, um pronome da 3* pessoa em relação sub-
jectiva : — seu pai delle, a mim já me pesa, capa não a
tinha, ao doente não se lhe ha de fa\er a vontade
(S. Mir.), linguagem daquella terra nam a sabiam (J.
B.), etc.
Destes últimos exemplos, que consiste no emprego do
pronome conjunctivo em relação objectiva ou predica-
tiva quando a phrase começa pelo substantivo, — é
abundaute o portuguez moderno.
Este reforço já era usado na baixa latinidade : -. — ipsam
citatem resiaiiramus eam, ipsas res volemus eas esse
donaias S
As vezes a reduplicação dá mais clareza á expressão ou
m.is vivacidade : — Mas se bem atteniaes elle só traía de
* Cartas d' Hesp. D. Gr. der Bom. Spr.
446
se consolar a si (Luc .) '■> os cabellos que os trabalhos do
mundo, lhe branquearam (Bern.) ; outras, porém, torna
o estylo mais arrastado e é defeito : — Os padres lhe dtiem
a elles as coisas da fé (Luc), etc. Estas ultimas ex-
pressões, que não tinham correspondentes em latim, porque
a funcção de tllum era lembrar o regimen afastado, devem
ser rejeitadas.
Em relação adverbial, os nossos pronomes subst. originam um idio-
tismo intensivo : — çnem me atida a meí/er-fe estas cousas 7ia cabeça ?
Já nos referimos ao emprego do pronome pessoal pelo adjectivo
possessivo : — levoti-me o livro j segure-me a braço .
Sobre a collocaçao dos pron. pessoaes vide lição 40 :
5 — Pron. reflexivos — A concordância é a mesma em
todas as linguas . Si o sujeito está na mesma phrase, em-
prega-se o conj . si ; — Elle fa{ isto por si mesmo \ mas si o
sujeito está em outra phrase, o demonstrativo elle (o ) com
sentido pronominal ; elle disse-lhe que o tinha convidado
( qui se invitaverat ), pediu4he que se sentasse com elle ( ut
sederet secum ) .
Este modo de fallar accentuou-se no latim da decadência e na baixa
latinidade : — scripsiíj ut illi ( sibi ipsi ) sémen mitteretur ( Petr . ) ;
se veniuruni in imperinirij quod olitn fuerat illi ( sibi ) datuvt ; inter
eos ( se ) partiant.
Elle por se em relação objectiva é frequente nos i°s documentos
do portuguez.
O emprego de comsigOj a sij por comnoscoj a vós {falia comsigOj
refiro-me a si) é destempero de ignorância que modernamente nos foi
importado de Portugal.
6 — Pronomes inde/initos — Um é adj . pronome indefi-
nito, e é de creação posterior ao demonstrativo o, a, a que
deram o nome de artigo definito .
Nos antigos textos contem sempre noção pronominal, e
ás vezes eomo observou o professor Diez, apenas valor
pleonastico ( o homem é um animal ) .
Ha palavras que obrigam o emprego d'este pronome ;
as que só se emoregam no plural ( umas bodas^ umas
exéquias ), e as que significam objectos que são sempre em
447
numero de dous ou se usam em par (uns pês, uns sapatos y
umas líivas ) .
Também se emprega antes dos nomes próprios
quando se quer designar a pessoa mui particularmente, ou
ainda exaltal-a ; — como quando dizemos — um MonfAl-
perne. Neste caso é adjectivo.
A's vezes encerra idéa de pessoa indeterminada e cor-
responde a aliquis : ás ve^es um d{:{ o que não pensa ( o
liomem diz, diz-se ).
Quando exprime identidade tem valor numeral: —
iodos fallai'am a umavo^.
E' de bom emprego o pronome qiiem por uns :
Quem se affoga nas ondas encurvadas,
qeum bebe o mar e o deita juntamnte
( Lus I 92)
Outro.'" É adj. pronominal. Neutro ai • — não enten-
dem en ai ; o ai não ha de louvar.
Quando refere relativamente umsubst. a outro prece-
dente, « ambos os substantivos devem estar entre si na
mesma relação que a idéa restringida com a idéa geral » ;
— a gula e os outros peccados ; o amor e as outras offensas
(falma .
Um e outro — Empregam-se correlativamente, e neste
caso um pôde ter plural {uns e outros ). Um e outro = unus
et alter \ corresponde a uterque^ nnus alterum^ class . alter
alterum, altus alium. — Outi'o.. . outro ; um. . . um.
Todos esses modos de dizer teem typos correspondentes
no b. lat. — uno caput tenente tnfo{{a et alioin palude ;
;calicesdu0yunum aureum etunum argenteum. *
Certo — Correspnde a quidam^ mas no latim havia o
ind . certus {certi homines) .
* Ap. Deiz.
448
O emprego do pronome mui diverge do emprego do
adjectivo.
Oãlgiiem — Substitue — como também algnm — o ind.
nm\ — ponha Deus algum termo aos meus tormentos,
Pr enderam-no julgando que era algum sedicioso.
Estes empregos tiram origem na tradição latina, que
do mesmo modo empregava a//"^MZ5, quidam, quisquam.
O pronome é ás vezes representado por substantivos,
que designam a pessoa ou cousa de modo ainda mais
vago e geral : — chegou onde nunca homem ( ou pessoa)
nunca chegou ; Lat . — accipii hominem nemo fnelius ( Ter.
Eun. ap. Diez, G. R. S.)
Tal — (V. pgs.). Corresponde a. quidam, e a nonnemo
{tal semêa que não colhe) .
Serve também para designar pessoa que não existe ; ou
cujo nome se quer occultar ; junta-se aos nomes da pessoa
com sentido pejorativo — um tal Onofre; e aospessoaes
fulano e sicrano {fulano de tal ) . Corresponde no pri-
meiro caso ao ille do b . latim ,
Emprega-se com valor distributivo por uns. . .outros.,
uns. . .uns : — taes applaudiram taes reproifaram (v. pg.).
Quanto. — Perdemos a forma alequanto., a., (==1,
aliquantus ) : — alquanta gente { aliquot homines ), al-
quantos d^elles ; com força adverbial : — ^ialquanto mais
esforçado .
(Ined. )
São também de notar certas palavras que expnimem uma
víéa geral de numero ; todo ( todo /lomein, etc V . artigo ), tanto
( tanto homevi ), quanto ( também se refere a grandeza, e então a
relação é expressa pelo plural ) : — quanta viiscria . . . quantos
filhos, etc.
A formula latina necio quis, que serve para designar alguma cousa
de desconhecido, é peculiar a todas as linguas românicas. Corres-
ponde ao port. — uvi não sei que ; r. je ne sais quoi ; hesp. no se
que'; it. non so che.
TRIGÉSIMA QUINTA LIÇÃO
Regras de syntaxe relativas ao verbo. —
Do emprego dos modos e tempos — Cor-
respondência dos tempos dos verbos nas
proposições coordenadas e nas proposições
subordinadas.
I . — A funcção syntaxica do verbo deriva naturalmente
de sua própria natureza cathegorica. E' por assim dizer o
elemento disciplinador da proposição, a synthese da
phrase.
2. — Voz ACTIVA — Os verbos transitivos exigem um
termo indicador do objecto directo e immediato da acção.
E' o seu complemento directo . Ex . •: — o sol abranda a
cera e endurece o barro .
Os verbos intransitivos exprimem uma acção cujo,
objecto directo se não indica \ venho^ corro .
Muitos verbos, no correr dos séculos, mudaram de
classe : — cahtr, morrer, crescer^ sahtr .
Essas mudanças explicam-se :
i.° — Um verbo transitivo pôde construir-se quasi
sempre intransitivamente {crêr^ encontrar^ esperar, con-
sentir^ etc), mas o objecto vae para relação adverbial : —
Creta o que referes^ creio no que referes.
2.° — O verbo intransitivo pôde ter um complemento
directo, i. e., pôde ter significação transitiva {trabalhar,
67
45o
gritar^ chorar, calar^ andar^ correr, dansar^ e todos os
que exprimem locomoção, etc) . Dormir um somno . Esta
faculdade era mais ampla no portuguez antigo .
3.° — Muitos verbos intransitivos empregam-se com
sign. trans., valor factitivo {descer^ entrar, passar^ cessar^
chegar, etc).
O caso objecto pôde ser acompanhado de preposição,
principalmente quando designa funcção pessoal : —
oámarãs ao Senhor teu 'Deus^ e ao próximo como a //
mesmo. E quando é expresso por formas verbaes : — co-
mecei a. cuidar^ começava úq querer {B . Rib.),
Nas phrases, de construcção similar, — peguei da penna,
arrancam das espadas, o de é pariiculà de realce .
Alguns verbos transitivos recebem um complemento
duplo : — Nomearam-no professor ; e o alçarão por Rey
(também em Rey . )
A's vezes a dupla predicação é simplesmente emphatica
ou expletiva : — Os feiíos que os Poriu guetes obraram nesse
dia o oriente os diga .
3 . — A voi passsiva exige um caso agente representado
pela prep . por ou de : — Esta terra foi ganhada pelos
mouros (Sec. XIV. L. de Linh.) ; sendo das mãos lascivas
maltratado (Cam.)
A tendência nominal do participio prefere a construcção
de^ como se vê da historia da lingua : — E' feito de aspe-
rodes., he aborbotado de escudos (Sec. XIII e XIV.)
A influencia da construcção latina { a., ab ) não raro ap-
parece no portuguez até o Sec. XVII : — Era ensinada d
livros de historias ( B . Rib . ) .
4 — As formas da voz activa, em certos casos, substi-
tuem as do passivo, e reciprocamente . Assim :
1° — activo peio passivo., no infinito, participio presente
{ fácil de áizQT -^ assi meixente os esprov amemos -., Ined.
d^Alc). Quasi todos os participios perderam a propriedade
transitiva .
45 1
2° — T^assivo pelo activo. — Esta construcção ori-
ginou-se da falta de uma fórma de participio activo ; só
se dá com o participio : Com este feito que foi mui soado
por todas aqiiellas partes.^ ficaram os amigos e liados
d' el -rei de 'fintam mui quebrados (Bar. ^ec). Muitas
cousas gostosas aos lidos e curiosos ( Pant. de Aveir.)
E ainda na linguagem actual, muitos são os exemplos ;
— uma politica dissiimilada^ ?im homem sabido.^ reflectido,
previsto^ presumido., inentido., etc .
3° — O refiexo pelo passivo . — Já nos referimos a esta
construcção, que mais se tornou frequente depois do
Sec.Xv'.
Em França também dizia-se — La }iaUire et ntilitc ãn regne de J.
C. ne se peut aiifrement comprendre ; construcção que se desenvolveu
com a influencia italiana : — E' do Sec. XVIII a phrase seguinte : Je
n^eníretiendraipas V . M. de fontes les sotiises qui se font et qui se
disent, f/ ^^7// se lisent í^/í ne se lisent pas (d'Alembert.)' E ainda
hoje — ce qui se dit, etc.
5 — ^as pessoas e nnmeros. — Vide Lição i6 ; flexões
pronominaes e verbaes
Conservamos muitos verbos imptssoaes ; perdemos
alguns ; no sentido figurado emprega-se na 3^ pessoa do
plural, e também na 2* ( com valor factitivo ) . — Troveja
a olympia sala ; trovejam iras de oAchilles \ troveja, mi-
serável., chove sobre nós tuas verrinas !
Em regra, no portuguez antigo e moderno, o verbo
concorda em numero e pessoa com o sujeito.
Notemos as principaes dificuldades :
a) Quando concorre mais de um sujeito de varias
pessoas, o verbo vae para o plural e concorda com a que
tiver prioridade ; i,e.,
, Si forem os sujeitos da i» e 2^ pessoa ou 3% o verbo
vae para a i^ do plural : — Tu e eu estamos bons.
Si forem da 2^ c 3*, vae para a 2* do plural : — Tu e o
medico sois dous sabidos .
4^2
b) O verbo vae para o plural quando os sujeitos são
seriarios e do singular ( syndetiea ou asyndeticamente ) : —
o ouro, a prata, o ferro, são meíaes.
E' frequente neste caso a anteposição do verbo : — São
os dous entes mais parecidos de natureza, o poeta e a
mulher namorada ( Garrett.)**
c) Quando, porém, o sujeito seriario é representado por
um expoente geral, ou quando a sua correlativ idade
funda-se num único conceito, o verbo ordinariamente
fica no singular ( V, pag. . . .) : — c4 gloria, a riqueza, a
formosura, tudo é vaidade ; O ouro, os diamantes e as pé-
rolas tudo é tet^ra e da terra . ( Vieira ) .
d) Nos does. doSec.IIIao XV, são frequentes as
anomaliar : — Ho monte grande escalnitado no qual nem
arvores nem mato aparece ( Sec. XV ) ; Seus olhos fontes
d' agua parecia ( G . Vic . )
6 — Concordância com os col lectivos. — Em geral,
quando o sujeito de um verbo estava no singular expri-
mindo idéa de collectividade, o portuguez antigo, fazendo
a concordância com o sentido, levava o verbo para o
plural ( gente, povo, etc. de que já demos alguns exemplos).
Porque, saindo a £vn/e descuidada
cairão facilmente na cilada.
( Cam. Lus. I S.)
Mas ;
A gente da cidade aquelle dia
( Uns por amigos, outros por parentes^
Outros por ver somente ) concorria,
Saudosos na vista e descontentes
( Id.) V. 83i.
em que se nota o effeito da attracçao.
' A prep. com ( = e) é também uma equivalente syndetiea :
Que eu c'o grão Macedónio e c'o Roqiaao
Demos logar ao nome Luzitano
( Camões )
C. a locução ume outro :— Vede a differença com que um e outro
ouvirão um íion lioet (Vieira).
453
As outras línguas romauas eonservaram-se fieis a este
principio, que era latino : — prov. gens monteron\ fr.
ant. gent estoient, corrente la noblesse de Rome ront
elu ; etc.
Na lingua moderna ha dous casos principaes dignos de
nota :
a) O sujeito do verbo é um nome como — multidão,
recova, bando, porção. Neste caso o verbo vae para o sin-
gular, si a idéa mais se refere ao coUectivo ; para o plural,
se mais se refere ao complemento.
b) O sujeito do verbo é uma locução exprimindo quan-
tidade : — muito, assas, pouco, a mator parte, etc. Em
geral depois dessas palavras emprega-se o plural : a maior
parte dos homens são inclinados ao mal .
Ha excepções.
7 — A impersonalidade do sujeito fixava o verbo no
singular : — Se y a provas ( F. de Gravão )\ ha homens
que ainda depois de f aliar são mudos ( Vieira ).
TEMPOS
I. — Vide Lições ib e 27.
a) O Presente — representa a acção como que feita
(presente) no momento em que se falia : Esiãs alegre ;
Figuradamente emprega-se pelo passado e pelo futuro
(pouco remoto): — Moniz, lhes tem rosto., os aperta., e re-
chaça ; vou amanhã., volto já ;
Tanio vae o pote ã fonte que afinal lã fica.
Emprega-se o prés . pelo futuro quando a acção tem
de effectuar-se em época próxima, que quasi entesta com
o presente {vou logo):, quando a acção futura começa no
momento em que se falia (elle esta de volta dentro de i5
dias) ; quando é indeterminado o tempo em que tencio-
namos fazer a acção annunciada : — logo que poder., parto
para S . 'Paulo .
454
Emprega- se ainda pelo imperfeito e futuro do subjun-
ctivo : — Si adevinho, não cahia nessa; si falias, arrepen-
de s-te.
b) '■'Pretérito — A principio era distincta a diíferença
entre o pretérito definito (perfeito) e indefinito. Este in-
dicava um tempo menos remoto.
c) O futuro simples ou absoluto ennuncia a acção que
se deve fazer em tempo posterior ao que falíamos.
O futuro pôde substituir o presente : — Quantos não es-
tarão agora arrependidos !
9. — « Uma acção determinada pôde ser não só ante-
rior ou posterio ou contemporânea do momento em que
se falia, mas também de um acção qualquer presente,
passada ou futura, em relação ao momento em que se falia.
Quando dizemos: — elle tinha sahido quando\eu fui, indi-
camos que elle tinha sahido antes do momento em que
contamos o facto, e outrosim antes de um outro momento
que é aquelle em que fomos á sua casa. A acção indi-
cada pelo verbo elle tinha sahido é pois passada em rela-
ção a uma outra acção passada . »
10. — Não temos todos esses tempos precisos; mas o
hnperfeito e o tnais que perfeito^ representam o Ipresente
no passado ; assim como o condicional exprime o futuro
no passado \ e o futuro anterior — o passado em relação
ao fuiuro .
a) Imperfeito indica uma acção contemporânea de outra
já passada. Devemos pois empregal-o sempre que qui-
zermos indicar circumstancias referentes a um facto pas-
sado. Essa relação de circumstancias é ás vezes indicada
mui estreitamente ; outras, porem, deixa de ser expressa
{Raiava o dia \ Era renhida a peleja^ ..,)
V. o que dissemos sobre o emprego do presente pelo possado e futuro.
O imperfeito pôde ainda ser empregado simplesmente
como tempo do passado, sem relação entre essa acção
455
passada e outra . Os factos são ennunciados apenas como
simultâneos, e não como successivos. *)»
Indica outrosim uma acção habitual {estudava todos
os dias) .
b) O mais que perfeito e o pretérito anterior exprimem
acção passada em relação ao tempo em que se falia, e ao
mesmo tempo que ella foi feita em época anterior a outra
igualmente feita . O pretérito anterior é hoje de uso muito
menos frequente, e só em phrase subordinada ( em rela-
ção com o pretérito ) ou quando se quer mostrar que a
acção do verbo principal começou no momento preciso
em q»e a já era acabada a acção do verbo no pretérito
anterior.
A significação do mais que perfeito é muito mais lata .
Não indica que a acção durava havia muito, nem que
acabava de começar. Quando dizemos: elle tinha faltado
quando eu entrei, o mais que perfeito {tinha faltado) mos-
tra que a acção de faltar durava ainda no momento em que
que se deu outra acção passada {entrei).
c) O latim, para exprimir o futuro no passado, servia-se
do participio do futuro e do imperf . ou perf . do auxiliar
esse (ser) : dicturus eraín ou fui. A forma portugueza
que corresponde perfeitamente á latina é a da condi-
cional.
O condicional era pois na origem uma forma temporal, o
verdadeiro futuro no passado, e como tal empregado nas
proposições subordinadas.»
Para suprimirmos a simultaneidade do futuro (para o
que não tinha também o latim tempo particular) empre-
gamos o futuro simples e o do conj. — irei quando
fordes.
IO. — Para exprimirmos outras subdivisões do tempo,
temos ainda os tempos compostos, entre os quaes o do con-^
* V. G. hi Formes et syntaxe468 .
456
diciona\ que — como os simples — também conservam a
sua significação temporal nas proposições subordinadas
No ex . soube que elle seria sacrificado antes que chegasse
o perdão^ a acção expressa pelo condiciona] é anterior á
indicada pelo verbo chegasse^ que é futura em relação
ã que se acha indicada pelo verbo soube, que está no
passado .
i3. — O presente do subjunctivo corresponde i°ao pre-
sente do indicativo (espero que elle penha) 5 2'' ao futuro
(espero que elle Ptrd) .
O imperfeito : 1° ao condicional presente (pensei que elle
viria) ; 2° ao mais que perfeito do Ind. {quem pegara então
de uma mulher errada, e a levara pela mão ! ) .
14. — Dos tempos nominaes occupar-nos-hemos na
lição seguinte.
Dos MODOS
1 1 . — Do IMPERATIVO. — o Imperativo negativo é repre-
sentado pelo conjunctivo. Este emprego remonta aos mais
antigos textos [não falles), e no latim já o subjunctivo
substitue o imperativo em todas as pessoas do plural e do
singular nas phrases negativas.
Deste emprego na forma positiva temos exemplos em
alguns modos de dizer conservados pelo uso : Viva o
^ra-{il !) ; mas, em regra, e com certos verbos, o subjun-
ctivo é precedido de que : — que elle parta ! ; que eu não
mais o encontre em meu caminho.
Também o imperativo pôde ser substituído pelo futuro
do Indicativo : — Honrarás pai e mãi ; e ainda pelo infi-
nito, principalmente até o XVI século : — eia ! indo apear,
d barca, chegar a ella (G. Vic).
12. — Do Condicional. — Corresponde no latim ao
subjunctivo como já explicamos.
1 3 — Do SUBJUNCTIVO — Já vimos que se emprega pelo
Imperativo .
4D7
O subjunctivo, chamado de cortezia em latim,foi substi-
tuído pelo condicional. — versus tuos audtre velim ( = eu
desejasse onvir teus versos ) = eu desejaria ouvir teus
versos.
Correspondência dos tempos
14 — Proposições coordenadas. — Já nos referimos ao
presente iiistorico, isto é, á faculdade de poder-se repre-
sentar o passado e o futuro pelo presente.
No portuguez antigo, porém, a confusão dos tempos
nas proposições coordenadas são muitas, e muito de notar,
ainda mesmo no sec. XV e XVI.
1 5 — Proposições subordinadas — No portuguez antigo
era muito mais ampla a liberdade de concordância dos
tempos nas proposições subordinadas.
I o — 'Proposições compleíivas — O modo depende
principalmente do sentido do verbo da proposição prin-
cipal .
a) O verbo da subordinada vae para o Indicativo
quando o principal significa pensar, crer, sentir, saber,
suppor. Parece-me que elle vem ( virá ); creio que elle
sabe, pensavas que elle dissera a verdade .
Mesmo na prop . principal negativa, interrogativa ou
dubitativa . Não creias que eu tenho ( tenha ) niedo \ crês
que eu não sei ? ( saiba ) .
b ) Si a principal exprime admiração, alegria, tristeza,
duvida, receio, surpreza, mando, etc, o verbo da subor-
dinada vae para o subjunctivo : — Receio que elle venha ;
mando que vás.
c ) Nas proposições hypotheticas o verbo põe-se no
Indicativo quando exprime facto positivo, actual ( si sof-
fres, a culpa não é tua ) ; vae para o subjunctivo quando
significa duvida ou condição ( não sei si te entregue este
Itvro : si tu fores eu escreverei»
83
458
No port. ant. empregava-se depreferncia o mais que
perfeito do Indicativo.
As locuções conjunctivas idênticas a si {com a condição
que^ de, com tanto qiie^ masque^ etc.) levam sempre o verbo
para o conjunctivo : — comtanto que leias ; mas que chegues
a tempo.
4. — Nas proposições co«ce>sró'as, desiderativas e im-
precativas, o verbo da clausula principal vai para o
subjunctivo. Nas concessivas latinas quando nelias fi-
guravam um pronome como quisquís, qualiscumque, o latim
punha em geral o verbo no Indicativo, e dessa pratica
se encontram muitos exemplos no portuguez antigo.
Quando a proposição era annunciada por uma con-
juncção, o latim mudava de modo conforme o valor da
partícula empregada (etsi., etiamsi^ . . . Ind . ; quamvis,
Subj.)
O portuguez seguiu mais ou menos as mesmas regras \
depois nota-se certa duvida quanto ás conjuncções ; hoje
emprega-s; o subjunctivo: — ainda que eu saiba; não
obstante saberes ; quer queiras^ quer não ; posto que
venhas, não obstante teres^ si bem que., comtanto que, ete .
5. — Proposições causaes. São em geral annunciadas por
— insto que., pois que, porque., attendendo a que, etc . , que
desde o principio da lingua levam o verbo da propo-
sição subordinada para o Indicativo : — Visto que vens,
eu não vou.
Com algumas conjuncções pôde elle ir também para o
Indicativo : — como elle está bom (esteja), como elle não en-
tendeu (entendesse), etc.
Com as proposições negativas annunciadas por não
que (non qtiod, non quia)^ o portuguez empregou sempre
o subjunctivo, á imitação do latim : — Não que eu te queira
mal.
6. — Proposições /e/w/joríjw.^- Nestas proposições a
syntaxe depende da conjuncção empregada. Assim : —
450
com antes que, primeiro que^ empregou o portuguez senipre
de preferencia o subjunctivo (antes que o seu peito d
ferir chegues), com até que, de preferencia o Indicativo
quando se trata de um facto positivo e já realisado (até
que por fim acalmar aiii- se os ânimos)^ e o subjuntivo
quando a acção é futura e hypotlietica {até que cheguem as
noticias); com — emquauto^ entretanto^ etc. tanto se
emprega um modo como outro [emquanto estiveres (estás)
ahi.
6. — Proposições relativas. — No latim empregava-se
o subjunctivo nas proposições relativas \ no portuguez
também, sempre que a acção é representada como incerta
ou simplesmente possivel {Indica-me um carninho que vd
dar d villa) ; mas quando a acção é certa, positiva, o verbo
da clausula subordinada vai para o Indicativo {Indica-me
o caminho que vae d villa . ) ^
O que acabair.oi de dizer muito a traços largcs basta para mostrar
que cada umas das fórmas_ verbaes não tem papel perfeitamente res-
tricto, funcção verdadeiramente especial. Eessa discordância entre o uso
syntaxico e a lógica mais se nota nas correspondências do subjunctivo.
E;n regra, porém, emprega-se de preferencia o Indicativo quando
queremos exprimir a certeza absoluta da aftirmação contida na propo-
sição relativa, iiidefeiidenievieiite do valor chronologico.
12. — Ha diíFerença no emprego entre ser e estar.
O 1° serve de auxiliar da voz passiva ; exprime uma qua-
lidade inherente ao sujeito, um estado que lhe é costumeiro :
— o ''Bra:[il foi descoberto por 'P . M . Cabral , a neve é
branca ; 'Plácido é alegre.
O 2° significa uma qualidade occasional, um estado
transitório : — a agua está fria ; Fernandes está alegre.
O verbo ser exprime procedência — este rapai ^ *^^
Campinas ; o verbo estar a situação do sujeito, o logar
onde : — elle está em Campinas .
* Na divisão desta lição, seguimos Briiut.— 6rr. hUt.
4^0
A's vezes, porém, é indiíFerente o emprego : é claro que,
está clai^o que . A idéa é então sempre a mesma .
Na linguagem poética emprega-se também o verbo ser
por estar : eu era ?nudo e só ; porem já cinco soes eram
passados {p. estavam).
TRIGÉSIMA SEXTA LIÇÃO
Regras de syntaxe relativas ás formas
nominaes do verto
Infinito
I. — Já vimos que um infinito pôde ser empregado
substantivadamente \ e que para isso basta fazel-o pre-
ceder de um ad). determinativo (demonst., poss., art.) :
O viver ^ os dt\eres.
2. — O infinito portuguez tem a singularidade de poder
flexionar-se. ^ D'aiii a sua divisão em pessoal e impessoal.
E' pessoal o infinito :
1° quando a clausula do infinito pôde ser substituída por
outra do mdicativo ou do subjuntivo : — Virtude^ sem tra-
balhares e padeceres (sem que trabalhes e padeças), não
verás tu jamais com teus olhos (Bern.)
2° quando é sujeito, attributo de um verbo ou comple-
mento de uma preposição. E' muito próprio das mu-
lheres o sahir para verem e serem vistas.
Cp. — Comprei esta pêra para comeres, comprei esta pêra para
comer. No i° caso o Infinito pode ser substituído pelo subjunctivo
(para que comas) e refcje-se á -x^ pess. do sing.; ao passo que no 2"
exemplo o infinito refere-se á i* (para ^/^ comer}.
* No gallego também,
' E por isso pôde coastruLr-se na qualidade de sujeito, attributo, ou
em apposição com um outro nome.
Ò infinito, é forma nomiaal primitiva introduzida na conjugação.
O infinito como substantivo neutro era já do latim clássico, e ainda
acompanhado de formas pronominaes : — illud pecca,re, hoo ricicre
(Schneider).
462
Este grande elemento de clareza — o Inf. pessoal — não
se encontra nos primeiros does. authenticos da lingua.
Seu emprego data do sec. XIII:
Conserva -se impessoal o infinito :
I . — Quando o verbo da clausula do infinito não pode
ser substituído por outro dolnd. ou Subj. — outros são
incrédulos até crer ( Vieira ) ; applicadas a grangear com
trabalho ( Sza. V. do odre.) ; faltando-lhes valor e accordo
para se defender ou morrer (Fr. — V. de Castro), etc.
2. — Com sujeitos idênticos, raro nos clássicos.
Cp. os seguintes exemplos. — Narn curees de maj's
chorardes ; não cures de te queixar ( canc . Geral — ) ;
o que se lhes 7ião pode defender com artilharia por
trabalhar cobertos (Fr.), ^ folgarás de iteres ("Cam.),
vieram constrangidos a buscarem refugio (A. Herc. ),
restricções de amor que impedem os Jilhos de Amor de
acharem (Garrett.) ; se queixavam de verem sahir d meia
noite ( R. da Silva ) ; forçareis as pedras a vos fazer
a vontade (Ulys. ), etc.
3. — O infinito pode fazer parte de proposições inde-
pendentes, exclamativas, optativas, deliberativas : — Mu-
lher muito grande é o teu bom perseverar ( G. Vic);
Que fa^er!
4. — Substitue o subjunctivo latino nas interrogações
indirectas. Lat. class . qutd seriberem non habebam \ baixo
latim : — quid scribere non habebam ( non habent quid res-
ponderei S. Agost.) O portuguez muito desenvolveu esta
construcção : não tenho que responder, nzo sei que dizer,
etc.
5 . — Já vimos que o infinito, por sua qualidade no-
minal, pode ser sujeito e attributo. Pode ainda construir-se
1° em qualidade de complemento indirecto [depois de um
certo numero de preposições (a, para^ por^ de, etc), e de
muitas locuções prepositivas ( longe de, a menos^ em lagar ^
d força de, etc.)
4r33
o latim empregava o supino ou o gerúndio, modos que
— desde a decadência — foram substituidos paio infinito.
— 2° como complemento directo marcando o objecto da
acção. Já era latina a faculdade de construir para esse
fim um infinito sem sujeito, depois de certos verbos que
exprimiam a idéa de vontade, poder, intenção, alegria, pejo.
Ire valo ; quero ir.
Com muitos verbos construímos o infinito sem pre-
posição nem sujeito {temer ^ receiar, sentir^ mostrar,
7'er....); mas essa construcção directa era muito mais
geral no portuguez antigo, que empregava o infinito em
muitos casos, em que ho)e é elle precedido de preposi-
ções ou substituído pelo subjunctívo.
6. — Os traductores introduziram na língua portugueza
os primeiros vestígios das proposições do infinito, isto
é, proposições que serviam de complemento ao verbo,
e eonstruiam-se em latim com um verbo transitivo se-
guido de um infinito, e de um nome no accus., sujeito
do infinito. No principio da língua essa proposição era
substituída por outras precedidas de conjuncção, cor-
respondentes ás formas do baixo latim (Cp. 1. class.
audto te dicere, b . lat . — audio quod tu dicis) .
O emprego no XV sec. era muito mais livre do que
hoje ; mas em muitos casos, quando o sujeito do infi-
nito é o relativo que, empregamos ainda a proposição
do infinito.
Além dessa forma da proposição infinitiva, temos
outra, caracterisada pela círcumstancia de ser o sujeito
regimen indirecto. Este emprego, de uso muito limitado,
já era conhecido dos Latinos {hoc comitibus scire J^actant).
Ex. eu o vi fazer os seus preparativos.
A proposição infinitiva refere-se sempre logicamente
a um sujeito, quando não o tem apparente. Este sujeito
pode ser determinado pelo contexto ou proposição geral :
( — muito soffri, para desejar a morte)., ou indetermi-
464
nado {para que uma nação prospere^ ê força civilisar o
rico tanto quanto o pobre. (V. H.)
7. — Para indicar o íim da acção, empregamos o
infinito : construcção regular no baixo latim, e excepcio-
nalmente empregada no latim pelo supino (pecus egit
altos visere ?nonies). Vou soccorrel-o; venho ao theatro
applaudir o génio.
8. — Podemos empregar o infinito pelo imperativo,
herança que nos veio do latim, e era mais usada dos
clássicos portuguezes; alegrar que é chegada a hora;
sus, levantar dahi muito nas más horas:, fugir, fugir do
infante que vos quer prender.
oádvertencias . — O dominio romano muito mais es-
tendeu o emprego nominal do infinito ] sendo de notar em
portuguez os casos seguintes :
a ) — Infinito articular — o beber, o comer, e no plural
os cantares.,- os dares e tomares .
Encontra-se nos primeiros documentos da lingua.
b) — Infinito preprosicional — Jade uso frequente no
baixo latim do 1° sqcuIo { ad abitare., ad firmare),tn-
contra-se nos mais antigos textos do portuguez : — getar in
terra ^úo cegar [ Sec. XII ).
A's vezes a euphonia, e certa força de attração morphica,
desvia o infinito do uso legitimo e natural: — galantes são
os poetas l Todos z^erm queixar da malacia dos lempos. *
'^Participios
8 — O PARTiciPio PRESENTE, hoje usado exclusivamente
como adjectivo, só admitte flexão de numero: homem ou
wwMer amante, homens ou ím/Mere^ amantes . Esta pro-
priedade já era peculiar ao latim clássico, e teve mais in-
cremento no latim bárbaro . ^
* D. Man. Apol, ap. prof. Aurci. Pimentel — r/tese de concurso.
« Vide lições — 16, 19 e 27.
465
Até o Sec. XV tinha funcção verbal com o comple-
mento : — Os desprezintes 'Deiiscaem no ( R. S. Bento, In.
d^Acol. ) ; filhantes inferno a saia^ leixam o 7nanto ( In.); etc.
Conservamos vestígios dessa forma nominal mas já sem
propriedade transitiva: — perlas imitantes á côr da aurora
( Cam . ) ; assim como a águia e o louro não sam domi-
nadas, senão predominantes ao raio ( Viera V, 48 1 );e
assim — tirante esta clausula, tendente á paz, tocante 2i mo-
ral, referente á lei, passante cincoenta, pertencente di nós,
durante o anno, ect. De obedecer fizemos obediente por
obedecente.
No sec . XV, é de notar a confusão do part . presente
com o gerúndio e participio passado (homem bem parecente
de corpo)^ e também o seu emprego pelo adjectivo corres-
pondente em : — era o conhecente d'aquelle Judêo ; sabentes
per aquesta carreyra da obedeença ; temente (temendo)
minha morte, rompente o alvor da inanhã ; acabante aquelle
feito .
9. — O Gerúndio (part. imp., que no port. substituiu o
part. prés. latino) é sempre invariável. Quando vem pre-
cedido da preposição em^ indica que á 1* acção segue-se im-
mediatamente outra : — Em chegandoX^ parto para Itú^
em fatiando^ em diiendo^ em dormindo, etc . *■
Equivale a uma locução adverbial : — chegando (quando
chegar), amanhecendo (quando amanhecer), etc, e é ves-
tígio do gerúndio latino em e, que mais se vulgarisou na
época da decadência .
10. — O PARTICIPIO PASSADO, no portuguez antigo, sem-
pre que vinha construído com o verbo ter (e ser) e — ainda
no Sec. XVI — , concordava com o sujeito do verbo em
género e numero : — bom servidor e leal nos serviços que
lhe tinha feitos (F. Lopes) ; e do Jordão a areia tinha
* Cp. estando dormindo, andando appretidendo, . . . = estando a dormir;
andando a aprender...
59
466
vista (Cam . ) ; votos que Unha feitos ; quantas culpas tinham
commettidas (F. Mendes), etc. E qualquer que fosse a
ordem, o part. concordava com o seu complemento, con-
forme a syntaxe latina, que com o auxiliar habeo também
dizia — habeo cognitam amicitiam = eu tenho conhecida a
amisade .
Mas desde a origem que houve tendência para consi -
derar-se o part. passado apenas como forma de um pre-
térito composto. Cognitum habeo=cognovi. Tenho conhe-
cido ^= conheci. E mesmo nos textos antigos já se encontram
exemplos da invariabilidade do participio quando se apre-
sentava mais perto do verbo que do regimen : — maravilhas
que deixou feito (Caminha), deixar -lhe queimado a cortina
(P. Per.), deixando descoberto 3So léguas {Bsivros)... etc,
A concordância continuou, e é observada, quando o
participio segue o complemento : — não è preciso tenha as
cartas escriptas.
A leitura dos textos mostra claramente a tendência para
a suppressão da concordância, que ficou retardada pela
influencia clássica, adstricta á tradição latina.
Por sua natureza, o part. passado dos verbos~intran-
sitos pôde tomar significação activa, que — como em
latim — tornou-se extensiva a particicipios de verbos de
natureza transitiva : — homem applicado:, aborrecido.^ ca-
lado., confiado descrido., dissimulado.^ esquecido., divertido.,
entendido^ poupado, lido.^ pei^dido., sabido., ....
Sobre as formas em ítdú, as contractas, etc V. — Lições i6,
19, 27.
5obre o participio attributo fallaremos adiante.
II. — Os PARTicipios DO FUTURO — são hojc raros, c só
usados como substantiveis ou adjectivos. Já a elles nos re-
ferimos nas lições 19627.
Terminam 1° em ouro (oiro) : — ascendedouro, cscorre-
gadouro, idouro, regedoiro. . . ., que se confundiram com
os em eira (casadoura casadeira). Ainda conservamos
467
vestígios deste participio em duvadiiro. imniorredoitro^
morredouro^ vmdouro {Sguardaníe nas cousas vijdoiras ;
Leal Cons.).
2**. — em í7W<io, endo. No does. antigos, e mesmo do
Sec. XVII, estes participios tinham sign. do futuro: —
entre os despreios d'' esta expianda angustia (Fil. Elis) ; se
mostra pura e brilhante á consolanda (Id.) ; oh l adorandos
sempre e adorados ! ; culpandas armas ; etc.
São participios da voz passiva latina, e apenas em-
pregados no portuguez em linguagem clássica, pjincipal-
mente depois do Sec . XVI . Temos dessa origem — mi-
seiwido, horrendo, educando, doutorando, excerando, exa-
minando^ etc.
3 . — Os participios em uudo ( bundo ) : — gemebundo,
nioribundo^ etc. Quasi todas as palavras desta termi-
nação representam importações latinas. Este suflixo equi-
vale ao oso das bases nominaes .
O part. imper. e o aoristo (part. passado), quando não são em-
pregados como adju netos attributivos, nem como elementos de for-
mação- nos tempos compostos da voz activa e da passiva, e nos verbos
Irequentativos, formam clausulas participaes absolutas, equivalentes
a outras do modo Indicativo e do Subjunctivo, Taes clausulas prin-
cipaes, bem como as que se formam com o participio aoristo, corres-
pondem exactamente aos absolutos latinos — ( J. Rib. Grain7n.
Pari,).
TRIGÉSIMA SÉTIMA LlCÃO
«
Regras de syntaxe relativas ás palavras
invariáveis
Q/ldperbios
I. — V. lições II, 20, 28.
2 . — Alguns advérbios conservaram a regência das pa-
lavras donde derivam: — cegamente de aífeições (Ined.),
dos meus pôde vir seguramente ( Barros ), etc . . . e
também, ainda no Sec. XVI, um pouco de proveito^
assas de dinheiro (Barros).
Hoje essa construcção mais se applica aos advérbios
de modo : — par aliei amente a; confiadamente em, etc.
3. — Quando concorrem dous ou mais advérbios em
mente^ só o ultimo toma geralmente a terminação ; —
sabia, pia, e justamente. Mas podemos empregar em todos
a forma completa, principalmente quando queremos pre-
cisar bem o valor significativo de cada um delles : — pi-
vamos neste mundo sabiamente, piamente e justamente.
(Vieira) .
3t — Também são advérbios de modo — co;«o, a rch.
empero, e aosadas (aousadas), asstm ; — Razão é que façaes
como vos fazem (F . Mendes) ; mas abasta-lhe ser frade e
bem Narciso a oasadas (G. Vic.) ; etc.
4. — G/íss/w emprega-se em phrases desiderativas : —
assim te eu vejafelii, assim me veja eu casar (Camões).
5. — O adverbio bem junta-se a outro adverbio ou a um
nome para lhe dar força augmentativa : — um menino pobre
469
e bem malreparado de roupa (Souza, V. aârc.)^ bem sabío,
bem notório.
Junto aos verbos e comparativos dá mais força á aífir-
mação : — Bem deu o Infante a entender a grande digni'
dade que conhecia em seu irmw (Azur. Chron. Guin.);
o coração bem mais largo que as praias do oceano.
Todos esses empregos teem exemplos em latim ; e da
mesma forma empregavam o adv. fiial : — mal doente., mal
ferido^ mal vencido ; sendo todos mal contentes (Vieira) .
6. — A negação pôde ser simples ou intensipa, a que
também se chama reforçada.
A simples é expressa pelo adverbio não, nem., nada,
nenhum, ninguém., nunca.
Nenhum, ninguém, nunca., empregam-se simplesmente
quando precedem o verbo; — nenhum sabe, ninguém veiu,
nunca trabalhas. Si, porém, vierem depois do verbo, exigem
o reforço : — nHo tenho nenhum, não w" ninguém, não tra-
balhas nunca .
Jamais emprega-se por nunca., e também é sujeita nos
mesmos casos ao reforço da negativa principal não : — não
áhsQ jamais., nunca jamais.
Sobre a negação intensiva — Vide pag. 406.
Quanto ao emprego de não sem força negativa —
pag. 4o5, nota 2*.
Algum., no fim ou meio da phrase, equivale a nenhum : —
de modo algum consentirei ; de guisa que fugiram todos.,
sem curando de levar cousa alguma (F. Lopes).
Pelo ultimo exemplo vemos ainda que a preposição —
por significar falta, carência, privação — empregava-se
também com sentido negativo, junto dos verbos no ge-
rúndio ( Secs . XIV e XV ) .
7 ^ Comoqv.eTj guanioquerj equivalentes a posfo que, e quando^
querqiie, são formas archaicas :
.... que te nembre como eu andei ant ty em verdade, e comoqncr
agora pequei, nem sse percam porem alguns bêes, se õs fige ante ty.
( Ined. d'Ak.)
470
Porque o muito não é nada
Quando qiierqiic não é bom
(G. Vic.)
Por qnantoqiicr que os membros sejam enfermos, e jaçam e mal
cheiram non son de Christo empuxados, nem desemparados d'tlle
( Vida Monast.) '
7 — O adverbio colloca-se perto da palavra por elle
modificada: — elle mora longe ; uma porta meio aberta .
8 ~ Certos adjectivos são empregados adverbialmente :
os de flexão de género só na forma masculina : muito
noute^ muito mais razões, fallar alto^ vender barato, parede
meia^ louvores justo devidos, plantas ?Jieio queimadas, faia
puro altiva ( Cam.)
'Preposições
9 — Vide lições — 1 1 , 17, 20, 28 .
10 — Em latim, as preposições não tinham a mesma
importância que em portuguez. E a razão está em que hoje
ellas substituem os casos .
As preposições indicam relações adverbiaes de logar,
tempo, causa, meio, modo. Mas ás vezes só uma delias
exprime muitas dessas relações, sinão todas. A verdade é
que a principio ( e principalmente no latim ) ellas exprimiam
relações de logar e, metaphoricamente, de tempo . « O em-
prego abstracto e figurado é resultado de um desenvolvi-
mento posterior. »
Si tomarmos a prep. a^ veremos que etymologica-
mente corresponde á prep . latina ad ( e ao dativo ) '^ ; e
todavia, por seus múltiplos empregos, corresponde
também a apud e ás vezes a ab.
A regra é geral, mas não absoluta .
* Leoni — Génio da l, port .
* Lai. clas3. — librum dedi Petro ; l. baixo — librumdedi ad Petrum.
471
a) Correspondendo ao lat. ad indica essencialmente
direcção, movimento, tendência, para um logar ou ob-
jecto.
Comeste sentido era mais livre o emprego de a no por-
tuguez antigo : — o. ?nais da gente se tornou a suas casas
( Barros ) . Hoje diremos para^ e em— manso aos humildes,
cruel aos fortes, também em J . de Barros, — para com os :
Por analogia a preposição a indica tempo — d' aqui a
oiio dias \ di 5 de Fevereiro ; a uma hora .
A o dia seguinte em amanhecendo, a o pôr do sol ; esta
festa era a os quator^e dias do /° me^ ( Ined. d'Alc.). ao
primeiro romper da lu{.
Lat . — ad diem, ad kalendas .
Por transferencia, i. e., figuradamente, pode-se indicar
a direcção ou tendência moral: — in:iíará cólera.
Essas construcções generalisaram-se por tal forma,
que em muitos casos a prep . a serve apenas para indicar o
infinito. Da antiga construcção temos exemplos com os
verbos chegar, etc .
qA (de ad.) indica também logar onde, posição, si-
tuação : — estava em mão estado com outra a olhos e face
do mundo (Szã. V . Arcb .) ; affrontava o exercito do povo
de T>eus, não ausente sendo de cara a cara (Vieira) - Tor-
namos aos nossos que á ponte de Jacob nos estavam espe-
rando (Pant. d'Av.) ; vivem á borda do Eufrates ; assen-
tando-se comnosco o abbade á mesa (Id.)
Por analogia em referencia ao tempo : — chegou á hora
(na).
Figuradamente neste sentido : — fel ao conde ; esiar
á tJiorte (perto da) ; criar aos peitos da esperança (Cam.)
Cp. — útil ao pai:^, conforme a lei, prestes a partir,
commum a todos, proiiiptos para o combate, etc.
Remonta-sea um adj. latino, ou segue-se a etymologia.
b) A preposição a, por uma extensão natural ainda in-
dica o modo : — chorar a potes, rir ás gargalhadas, beber
472
aos goles, ttc.-^foi alevantado por rei SiO cosnime de seus pas^
sados (D. Nunes) ; poria lavrada á antiga : o instrumento,
o meio, e corresponde a com : — ijiatar a bala, raspar á
navalha^ apanhar á mãó^ etc.
c) A preposição a ainda indica o complemento ter-
minativo e objectivo, quando expresso por nome de pessoa
ou cousa personificada : — ^ei um livro a Tedro ; adoro
a 'Deus; obra mandada por Deus e muito acceita a elle ; a
mais companhia eram mulheres moças, tangendo em seus
instrumentos e algumas meninas que cantavam a. elles (F.
Mendes) .
II. — Não ["podemos demorar-nos em todas as pre-
posições . Faremos tão somente algumas mais inevitáveis
considerações.
Com — Indica. i° Simultaneidade^ companhia : — e no
quarto de prima nos deu uma trovoada com grande força
de vento ; qualquer que se fa^ amigo do iimndo^ fa\ banco
roto com Deus (Heitor Pinto) .
2.° Modo — '^Pedir com bom modo, com despreso^
Póde-se ás vezes supprimir a preposição : — levar-te-hei
pelos atalhos da egualdade e entrando nelles andarás teu
passo largo ( Arraes) .
3 .° Mew^ instrumento : — Os mesmos que os murmuram
com a boca, os approvam com o coração (Vieira) ; as cousas
árduas e lustrosas se alcançam com trabalho e com fadiga
(Cam.) No lat. — cum saggita sancius^ ferido cow uma
setta, etc.
Contra — Empregava-se antigamente, á maneira latina,
para indicar situação fronteira : — c/dade contra a íen^a
d' Israel, p. defronte (Ined. d'Alc.); e ainda direcção : —
foram correndo contra o theatro (Ined. d^Acol.), viu descer
contra a praia um hotnem ; e por analogia — começou de
se rir contra elles (Azur.), a rainha disse contra Tedro de
Faria (F. Mend.) E todos esses empregos vieram pela
tradição latina .
473
Hoje ainda conservamos vestígios dessas construcçÕes :
mas a prep . . contra mais significa opposiçdo, etc .
De — Indica: i°, logar d' onde : — do porto amado nos
partimos; procedência — sou de S. "Paulo \ agua de poço;
a /«de 'Deus — Por an., o ponto de partida : — de hoje em
deanle ; passados dous dias de sua chegada.
2°, posse —~ casa de João .
3°, 7710^0^ jtieio: — Toda a gente vinha át mulas^ (Ra-
mos) ; di-{er de palavra (Vieira); ouvir de confissão ;. . . .
vivem de suas lavouras^ agasalhar de palavras (Souza), etc.
4", causa: — folgaram de o ver \ de ciosos n-o cor-
rem as mulheres com elles ; de appressado ; de contente ;
de dó delle.
5°, qualidade^ matéria: — liomem de juizo, o vaso de
ouro.
ó"*, tempo em que : — de manhã \ de dia ; de verão ;
de maré vásia,
7"^, Extensão^ tnedida de tempo^ e, por transi"., idade :
— cCrca de 20 milhas, homem de 3o annos.
8", etnprego, serventia, fim : — moço de servir, carro
de aluguel, copo de a^w<3, ízn/a de marcar.
9®, A^s vezes o emprego da prep. «ie é expletivo :
pobre de 77iim ; o ^ow do Joslo ; dcu-lhe de /íz«tó pancada.
(G. Vic.)
Pôde dar-se a ellipse da prep., o seu emprego em-
phatico e partitivo : — per de ; muito poderoso Senhor
per de Deus Rei de Castella e de Lia77i (coron. Reys.
de Port.); e tomou das pedras (F. d'Alm., trad. do
Bibl.)
Em resumo, de, no tempo, indica : ponto de partida,
svccessão, duração, o 77iot7iento da acção; em sentido
figurado, indica : origem, causa, instrumento, 77ieio, modo,
a viate7'ia, e ainda, a quantidade e o preço.
• .V cavallo.
«O
474
De corresponde ao genitivo possessivo ou subjectivo.
Já vimos que o gen. latino indicava uma relação de
propriedade, causa, conteúdo, dependência, reciproci-
dade, etc, mas que essas relações podiam ser expressas
por de — de ipsas (ipsius) domus ; ramos de illas arbores.
E essa construcção reagiu por fim sobre a dos nomes
próprios .
De também indica a pessoa ou cousa de que se
trata, equivale ao genitivo objectivo. — D'ahi as phrases
— medo da morte ; desejo de viver ; o amor de Deus.
De substitue o genitivo de qualidade. Os Latinos
empregavam um substantivo no genitivo, acompanhado
de um qualificativo qualquer epithetico, principalmente
com as palavras de significação geral — w/7e 5 (soldado) ;
vir (homem), etc. Este genitivo entrou então em con-
currencia com o ablativo e deu no portuguez as phrases
— um homem de grande valor .^ de grande cabeça.
De substitue outrosim o genitivo de apposição ( Flumen
Rhodani — o rio {do) Rhodano) ; si passares o rio do
Jordom (Barros) ; o cabo que chamam de Catherina., etc.
(Id . ) . Ilha do Fayal . . . , e esses modos tão frequentes,
principalmente depois do Sec. XVI — que diabo de rapai 5
que estúpido de criado ; ladrão do negro melro .
De precede o complemento dos adjectivos, indicando
varias relações, conforme o sentido do adjectivo: — áese-
joso de, mas já dizemos co«/rjnb a, etc.
Annuncia o infinito, e este é, dos seus empregos, um
dos mais importantes e caracteristico, posto seguissemos
sempre de perto a syntaxe latina .
Em — Sign. propriamente — no interior de., demro de, e
logar onde., sobre., no exterior : — em Roma., a cidade é
em campo, no chão, na mesa, pér joelho ou pé em terra, etc.
Tempo em que, duração : — no jferão ; em sahindo a
lua ; em sendo horas (vide Lição 3í) gerúndio) ; em dous
dias.
475
Ainda ha mais algumas significações concretas, e muitos
são os sentidos figurados desta preposição : — correr em
ajuda de alguém ; gente religiosa em seu modo de crença
(Bar.) ; homens atrevidos em commetter (Id.) ; deram em
uma aldêa de pescadores ( Id . ) ; estar em ódio ; em
cidade; ^m fugida ; em botão; em bra^a (estado occasional
ou permanente) ; em signal de ; em figura de oval ; ir em
pessoa ; repartidos em tribus.
Notemos estas duas construcções em que em é hoje
substituido por para : — pondo a proa em atravessar
aquelle golphão (Barros) ; apontajido {com a outra mão) em
uma mulher (Souza) ; passando em Africa todo o poder
e nobreza deste reino (Souza), andam de emenda em emenda
(S . Mir. ) ; e assim ; de porta emporta^ de mão em mão, de
dia em dia (1. barb. — de die in diem ), etc.
Por — E' dupla a sua origem — de per e de pro ( Leia-
se o que escrevi na pg. 4i3 ).
i.° A derivada de per, tinha a mesma forma no por-
tuguez antigo e médio, e ainda no moderno indica logar
por onde, uma relação de logar, e, no tempo, a dura-
ção, o momento ; no sentido figurado tem vários sentidos,
como p. ex.: o instrumento, o ?Jteio, o intermediário, o
modo.
Foram pregar a fé nns ^er Itália, /^^ Grécia outros (Luc.)
Passando alem de um rio per uma ponte ( Bar.)
Teem muitos jejuns, ^í-r todo anno ( Id.)
Viveu /í'r espaço de setenta annos ( Id.)
per morte de Synxermo se ouviam gemidos ( F. Mendes ).
P>er espaço de quinze léguas ( Bar.) ; deitado no seu catre humilde
em cujo topo pendia o crucifixo que talvez ^í?r sessenta a7inos^ tinha
visto a seus pés consumir-se na meditação, nas preces, e na peniten-
cia, aquella dilatada vida ( Al. Her.)
Pereceram ^í'r espada &per fome ( Ined. d'AIcob. )
Ordenou que o mesmo Aífonso Lopes fosse^^r pessoa ( Bar.)
Também empregavam a prep. per em relação relativa :
teem lingua per si ; seriam i5o homens per todos.
Quando per significa transição, passagem, pôde suppri-
mir-se : — e esses foram-se sua via ( Ined. d^Alcob. ) ; me
476
partt de ■ ^açorá em companhia de um mouro alarve pêra
me guiar lio caminho e atravessar ho deserto.
Agora damos aqui em excerpto, e applicadaá nossa lín-
gua, a opinião de um professor de Lyão.
O emprego de per^ exprimindo causa, é de notar. O la-
tim considerava o autor da acção como origem d'ella e fazia
preceder o seu nome da preposição que indicava o ponto
de partida — ab. O portuguez antigo substituiu a prep. a
por de^ que também indicava o ponto de partida. Ainda
temos certas phrases em que depois de certos verbos de
acção illimitada, o complemento de causa vem precedido
da preposição de : — estimado de todos., ornado dejlores^
esgorovinhado de somno.
Por fim prevaleceu a nova construcção, porque a causa
da acção já era considerada não mais como a origem, e sim
como o instrumento da acção.
E hoje, com todos os verbos passivos que indicam uma
acção instantânea ou de duração determinada, a prep. por
precede o complemento de causa, quer seja nome de homem
quer de cousa : — venzido por sius discursos.
Por ajunta-se acertas palavras invariáveis para formar
locuções : — por cima; por baixo ; por deante; por trás, etc.
2.° "Por, derivado do lat. pro, perdeu o seu sentido
originário ( relação de logar ), « e deu um verdadeiro t3'po
de prep . das linguas analyticas, despojada de todo valor
concreto, e só conservada para exprimir relação abstracta».
Significa — troca, substituição ( e dahi pre^o, etc ), a
proporção, o favor, interesse, dedicação ; o fim, a causa .
Dar um homem por si.
Esta herdade comprou Jacob /w cem cordeiros ( Ined. d'Alcob.)
Por amor d'elle ; ser pf/o Imperador; Apparelhado a pôr a vida
/<7r tãm bom rei ; />or gente tãm sublime ( Cam.).
Por dar seu parecer se poz deante ; For nos roubarem mais a seu
seguro ( Cam. ) Hoje emprega-se^írrí?.
Também indica convicção, opinião : — assim se hou-
veram por vencidos { Arraes ) ; eu tenho por de grande
477
estima qualquer lettra antiga ( Souza ) ; havendo por ver-
dade o que dizia ( Cam. ), etc.
Também indica apposição : — vi eu o senhor face por
face ( I. d^Alc. ) ; rosto por rosto ; tantos por tantos, dia
por dia ; hora por hora ; arca por arca ( Ramos, Souza,
Vieira, Couto, etc ).
Para — A antiga forma era pera^ e indica : direcção,
inclina :ío : — espirito invo para tiido^ (Bar.) ; sobre a tarde
declinamos para a mão dtreita ( Id. ) ; logar para onde :
o ni-indou para Goa; vou para Paris — '^finv. — ( marearam
as velas para embocarem o estreito \ conveniência^ oppov-
tunidade tempo para navegar para tal parte ( Bar. ) \ re-
ferencia : — teve muita aiiiorid.ids para os graves ; teve para
si que era obrigado cumprir aquelle simulado juramento .
Id.),etc.
Depois, pos. Os antigos empregavam esta prep. por
detrás^ para trás : — Imã arvor que está depois a cidade de
Sichen{ Ined.d'Alcob.), cp. lat. post urbcm Sichen. D'ahi
o emprego figurado indicando inferioridade^ degradação :
— E'' a 2^ pessoa depois de Fr. João.
Antigamente depois empregava-se sem a repetição
pleonastica da prep . de : — Deposjnort de Rey Salamon
(Ined. d'Ale. ).
Também empregavam depois nos casos em que hoje
usamos át após., em seguimento., etc: — efoysseconsua
host átpois os filhos de Israel (In.d'Alc.), Saul vinha do
agro depôs seus bois (Id.) ; segui empós elles ( Azur. ) Cp.
venite post . me .
Sobre — Indica sup?rioridjd?., e por extensão — excesso^
emin2n:ii ; por transferencia, supuemazia., sobreexcel-
lencia : Em os quaes lugares cada hú quer ser sobre os
outros (V. Monast ) ; Remontae o pensamento sobre as
nuvens, sobre o céo (Vieira). Fig. indica tambem/?ro-
ximidade: — estava sobre Goa., sobre os inimigos, sobre
a noite, sobre a manhã, sobre o inverno, etc. ; e ainda a
478
referencia, o assumpto^ a contextura ; Elle escreveu sobre
philologia-^ P. f aliou sobre anatomia; logo inquiriram
sobre o nascimento ; tomando conselho sobre o caminho
que dalli se fazia ( F . Mendes ).
Conjuncção
12.— As conjuncçÕes dividem-se em conjuncçÕes de
coordenação e de subordinação ; as i^' ligam entre si duas ou
mais proposições independentes ( e, mas logo^ etc.) ; as 2®^
ligam uma proposição accessoria á principal ( pois que^ etc, )
i3. — ConjuncçÕes de coordenação. — As proposições ou
palavras que se pretende unir podem ter ou não o mesmo
valor lógico .
No i" caso omitte-se ou não a conjuncção (que cor-
responde ás latinas e/, ac^ atque, que ).
Iam, cantavam, descuidosos, como avesinha ao sol na mata virgem.
Quando ha exclusão de idéas, uma das proposições é
forçosamente negativa e a outra positiva. Esta é prece-
dida de mas ou de senão^ porem^ etc : — Os imigos amar^
os maldizentes si non remaldi:{er sed mays beenier (In.
d^Alc); A toda parte posso já ir segura stnSiO só do meu
cuidado [B. Rib.); Para tudo ha remédio senão para a
morte (Prov. pop.).
Arch. — nega, nanja^ emque^ pêro ^ per ol^ empei^ol.
Si a palavra indica uma alternativa, os dous termos vem
então ligados pela conjuncção o« : — o caso é^ que ou haja
outra vida^ ou não^ a mim me cumpre viver cotno se a houvera.
Também empregamos quer ( principalmente com os
verbos do subjunctivo, e correspondente ao latim vel)^
e agora, ora^ já^ quando .
Nao lhes escapando ningtiem çuer por terra çucr pelo rio.—
Qíícr elle venha çiter não.
Agora lhe perguntei pela |[ente
Agora pelos povos seus vismhos
(Cam.)
479
Amiudaram os combates, hora da parte da Almina, hora da
banda contraria.
{Souza . )
yá com palavras, Já com o exemplo de suas obras.
Maneamos com vigor os braços soltos
Quando estendido já^ quando encurvados *
A conjuncção porque precede a proposição enunciadora
da razão ou cansa át um facto. — no argumentar tinha
particular graça porque tocava exceli entemente o ponto
da difficuldade {Souia).
Mas si a proposição exprime a consequência de uma
outra já expressa, precede-a uma das conjuncções pois^
por isso^ por conseguinte^ etc. : — Pois assim como naquelle
tempo se faliam os conselhos sem papel ^ também^ se poderão
fa\er agora (Vieira) .
Conjuncções de subordinação. — No correr deste tra-
balho, e principalmente na lição 35, já dissemos o que
ha de mais importante sobre o emprego das conjuncções
nas proposições subordinadas.
Remataremos pois esta lição com algumas breves
exemplificações.
Phrases comparativas : — O sol não só excede na lu\ a
cada uma das estrellas^ senão a iodas incomparavelmente,
( Vieira ) ; Assim como no echo, guando se bate entre
montes^ o tom ê em uma parte e em outra a pancada ; assim
nas adulações do lisongeiro o tom é em nossos louvores^ mas
a pancada em seus interesses . ( H . Pinto ) .
Emque : — Emque peccasse algum^ora venha a piedosa
alçada ( G. Vic).
Comoquerque: — Alli lhe pugerÕ nome o Bom Velho
Lidador, comoquerque ja ante se chamasse avia gram têpo
Lidador ( Nob . Conde D . Pedro . )
* Lat.— Quando que igitur fiunt trabes, qicando que clypei — Leoni
II 206.
48o
Atndaque: — A dispensação que se concede a um,
porque a pede, não se pode negar a outro aindaque a não
peça ( Vieira ) .
Ca : — Melhor é calar ca de fallar.
Como: — Co??io se sobe com trabalho o áspero d^aquella
subida, fica uma terra chan (Bar. ^ec.) -^ Como isto
disse, a cabeça inclinando, consentiu no que disse Ma-
vorte( Cam.).
Tanto que: — Tantoque fot cortada, esta arvore, as aves
voavam, e os outros animaes fugiram ( Vieira ) .
Que: — E' em portuguez a conjuncção por exeellencia,
pois representa varias partículas latinas ( ut, ne, quin, quo-
minus^ quód^ quid. . .), e é de emprego muito vulgar.
Emprega-se na comp . de outras conjuncções — posto-
que, aindaque^ etc.
Por isso — que pôde substituir outras conjuncções : —
como todo o bem deriva de ^eus^ e que o homem é nida por
si mesmo. . . . ; "Para curar as lagrimas da sem-ra^^o^ que
remédio lhe havemos de dar, que ellas nio teem causa ?
( Vieira ); Mormente que em nadz tem a fortuna maior
império^ que nas cousas da guerra. ( J. Fr. ).
Si: — Concorre não somente nas proposições subordi-
nadas indicando uma hypothese ; mas também nas phrases
principaes a exprimir pesar, desejo. — Si eu pudesse !
TRIGÉSIMA OITAVA LIÇÃO
Syntaxe do verbo haver e do pronome se
I — A s3-ntaxe do verbo haver armou controvérsia que
ainda perdura. Uns explicam a discordância declarando-a
idiotismo ; outros descobrem uma ellipse de sujeito apro-
priado ao caso ( ha homens = o mundo ha homens ).
E' preciso notar que assim como confundiam o emprego
dos verbos ser e estar ( et^a a folgar^, por estava a folgar,
B. Rib.; fui na guerra por estive na guerra. Cam.),
também empregavam o verbo haver por /er, costume que
ainda persiste no povo ( tem dtis que n.io posso ler; no
museo tem muitas cousas que nio vi ) . Em latim já o verbo
hahere significava ter ; e passou também a empregar-se
por ser . ^
Hoje a phrase — ha homem, haverá cavallos^ etc . , é um
facto grammatical. A regra de concordância em numero
entre o verbo e o seu nommativo é universal : mas a pecu-
liaridade idiomática do verbo haver ^ não é singular. Assim
do Grego, entre outras excepções, temos uma muito fa-
miliar, quando o nominativo é de género neutro : —
ot àvôptÓTTot àtYaôol èifftv, os homens são bons ; mas xát ^t^yioc
àXaOát ecr-rtv, os livros é bom. E^^csta regra era geral para
todos os verbos e nominativos neutros .
' No dialecto portuguez de Ceylão ter p. ser : — todasjninhas covsas
tem vossas ( Schuchardt ) .
61
482
No grego ainda, si o verbo chamado substantivo precede
o seu nominativo, « de modo que o numero do sujeito fica
indeterminado quando se pronuncia o verbo », este deve
ficar no singular, embora o nominativo seja masc. ou
fem. plural. E o mesmo acontece no francez : — // est
{il y a) des hommes.
Do mesmo modo, a nossa construcção caracteristica e
individual, constitue uma peculiaridade ou idiotismo .
2 — Já tratamos do pronome se como apassivante,
indefinito, reflexivo e reciproco .
Já vimos também que se corresponde a hom homem
(alguém^ pessoa, gente ) : — ca sem ra\om parece a aqiielle
que é atormentado dar4heh.om. outro tormento { T) . Duarte.
Ord.)^ ca sem ra:{om seria ao affltcto accrescemar hom
affliçom . ( id . )
Também nos dialectos escandinavicos o pronome re-
flexivo 5/-^ 5/^ = lat . 5e, junta-se aos verbos, e forma um
suffixo reflexo : — at falia = cahir, at/allask é a forma
reflexa ou media . Sk^ contracção do accus . sik^ transfor-
mou-se ainda em st e apassivava os verbos.
O pron. se pôde, pois, ser substituido pela palavra
gente ou alguém : — onde a gente p5e sua esperança ; pela
I* pessoa do plural : — deve-se amar ao próximo como a
nós mesmos (devemos atitar) ; pela 3* pessoa do plural :
di:{~se que o errar é dos homens, (dizem que o errar).
Cp. ing. people say^ tpe say^ they sqy, one say.
Nas phrases — vive-se^ come-se^ dorme-se^ etc, opinam
alguns que o se é sujeito, outros que a phrase é tão
passiva como as formadas com verbos transitivos : —
alugam~se casas^ quetmaram-se as cearas, (V. verbos,
Liç. 16.*). Estaé a nossa opinião ; a phrase vive-se é ves-
tigio da voz média passiva, e os antigos diziam esiar bem
vivido^ bem comido^ bem dormido.
TRIGÉSIMA NONA LIÇÃO
Da construcção. — Ordem das palavras na
proposição simples, e das proposições simples
no periodo composto.
I. — Na conversação, parte -se geralmente de uma
noção já conhecida pelo interlocutor, para a desconhecida
que se lhe quer apresentar. A mesma idéa, pois, pôde vir
a vezes no principio ou no fim da phrase .
2 . — A construcção é lógica quando a phrase caminha
parallela ao pensamento, quando as palavras succedem-se
na mesma ordem das idéas.
No grego e latim a S3'ntaxe registra apenas para dous ou
três casos a ordem da collocação das palavras, porque a sua
deslocação nada ou quasi nada influia no sentido e relações
delias . Só attendiam á forma grammatical dos vocábulos ;
não seguiam de todo o ponto as regras de collocação porque
as flexões indicavam de prompto qual o papel syntaxico
da palavra na phrase. Em
Scipio delevit Carihaginem
Carthaginem delevit Scipio^
Delevit Scipio Carthaginem *■
a construcção é diversa, e a syntaxe a mesma.
* Egger — Gram. comp.
484
3. — Não obstante ser lingua analytica, o poriuguez
conserva todavia (como já vimos) certa liberdade no
arranjo syntactico das palavras, por tradição, costume
e harmonia, principalmente até o Sec. XVI. Eesse afastar
da ordem analytica, essa liberdade de construcção, é uma
das suas muitas excellencias.
Depressa um pouco vtm {Sqc. XVI.), a que pelo ordi-
nário concebimento estava obrigada (Arraes) .
Nos clássicos e nos escriptores de boa nota encontram-se
construcções similares ás latinas, tão livres e variadas, tão
ricas e harmoniosas (já citámos exemplos na lição 29) ;
mos o portuguez moderno por seu caracter ainda mais
analytico, obedece na ordem das palavras a regras relativa-
mente fixas : — 1» sujeito, 2° verbo, 3"^ attributo, comple-
mento do attributo, etc.
Esta construcção ou ordem directa, analytica, é cha-
mada synlactica e também lógica.
4. — Não podendo mudar a ordem das palavras^ o es-
criptor muda a das ideis^ antes de traduzil-as em palavras .
Tomemos para exemplo a phrase citada — Scipio delevit
Carthaginem.
Não podendo, como em latim, alterar a ordem dos ele-
mentos prepositivos conservando a mesma S3'ntaxe, apre-
sentamos (dando um outro g/ro á phrase) Scipião e
Carthago como sujeito ou como regimen do verbo, conforme
queremos tornar saliente uma ou outra dessas idéas. E,
conforme também tivermos concebido e apresentado de um
modo ou de outro a idéa da victoria de Carthago, o verbo
estará na voz activa ou na passiva : — Scipio conjuistou
Carthago ; Carthago foi conquistada por Scipião ; Car-
thago.^ conquistou-a Scipião . *
5. — Em maioria, os factos da syntaxe de uma lingua
• Eggar loc. cit.
485
dependem directa ou indirectamente, como consequência
natural, da própria natureza do léxico e somente do léxico.
E' esta também a opinião de Tobler [Rom. XI p. 455) :
« Esse asserto torna-se ainda mais exacto e geral quando
circumscripto exclusivamente ás diversas modalidades da
estructura vocabular.
« E é isso, com etfeito, o que a philologia histórica e
comparada nos mostra, desde o monosyliabiámo, que é a
negação da s\ ntaxe, até o perfeito flexionismo, que faculta
a mais alta e variada complexidade constructiva. »
6. - E' claro, em face do que acabamos de referir, que
o portuguez muito perdeu da liberdade quasi illimitada do
latim clássico ; mas que — todavia — ainda lhe resia grande
e boa liberdade na pratica da inversão .
Das linguas neo -latinas é a franceza a que mais se
conserva adstricta ás regras do analytismo .
No tocante a separação dos elementos da phrase estrei-
tamente ligados pelo sentido, aponta-lhe o prof. Diez,
além da causa hereditária (o génio da lingua latina), mais
duas. Uma, o terem sido os primeiros documentos dos
novos idiomas, composições poéticas ; outra, a imitação
do estylo latino, que lhes servia de modelo.
Resultado necessário da applicação de uma ordem mais
livre, diz o celebre romanista, foi o triumpho do principio
lógico sobre o grammatical: a construcção fica dependente
da intelligencia e do bom senso do leitor, e não mais se
opera segundo as estrictas conveniências grammaúcaes.
7 — A regra ordena a collocação do subsí. em relação attri-
butiva, depois do subst . principal, mas a faculdade inver-
sativaé grande, mormente noest*lo erguido, alcandorado:
Cessem do sábio Crcgo, e do Troiano
as navegações grardes que fizeram
Calle-se te Alexandre, e de Trajano
a fama das victorias que tiveram.
( Cavi . )
do peccado da luxaria brevemente fallando.
486
8. — Adjectivo. — i .° A significação de muitos adjectivos
é determinada pelo logar que elles occupam na proposição,
e este facto era extranho ao latim. No sentido próprio occupa
o logar que especialmente lhe convém ; no figurado é pro-
clytico : — pallida; morte; cego desejo; agro-doce;
(Liç. XI).
O exemplo de certo é curioso ; noticia certa, (certa noticia).
Próprio antes do substantivo conserva a significação ori-
ginaria ; depois, toma sentido desconhecido no latim, de —
purus, mundus ; casa própria (própria casa). 5d, antes do
art. indef . = unus ; depois = singulus ( um homem só ; um
só momento ).
2.° Quando attributo, o adjectivo colloca-se de prefe-
rencia em latim antes do verbo sum, e muitos exemplos se
encontram dessa construcção no portuguez antigo.
3 .° Temos, porém, regras mais ou menos restrictas. Vem
antes mais ou menos rigorosamente :
a) — Quando, de pequena extensão, o sentido nada con-
tem de característico ;
b) — Quando o substantivo é nome próprio : — o sublime
Tasso ; o divino Platão; Mas segue-o quando queremos
chamar a attenção para o nome : = oAffonso o sábio ; Fre-
derico o grande ; Albuquerque terripel ; Castro forte.
c) — Quando designa qualidade que pertence essencial -
mente ao substamivo.
d) — Quando o adjectivo exprime certas relações ex-
ternas (só em estylo poético) : — o brasileo solo ; a forte
gente .
4.0 — Vem depois : a) — Quando o adjectivo acha-se na
dependência de outras palavras, e seguido de um comple-
mento ou acompanhado de adv., cede quasi sempre o 1°
logar ao substantivo : — homem ambicioso de glorias.
b) — Em regra, quando os adjectivos referem-se ao
mesmo nome, este deve ser expresso em 1° logar : — uma
estrada areenta, fragosa, declive.
487
Na phrase — eu amo a boa musica italiana, bóa é o
epitheto, tnustca italiana é uma expressão composta, de-
signativa de um género particular de musica. Id. formoso
ginete ala-yão. Nestes casos o subst. toma logar interme-
diário .
c) — Quando o adjectivo indica uma qualidade ca-
racterística do substantivo, e como que a quer pôr em evi-
dencia : — o império romano; a guerra civil .
5.° — Ha muitos adjectivos que não podem preceder os
substantivos. Neste caso estão alguns participios passados,
que não podem ser proclyticos por haverem conservado
vestígio do valor verbal. Antigamente, porém, vinham
esses part. pass. de preferencia antes do substantivo,
como hoje acontece com os part. presentes.
6.° — A collocação do adjectivo epitheto era livre entre
os antigos, quer concorressem muitos adjectivos referentes
ao mesmo substantivo, quer viesse o adj . acompanhado
de complemento : — somos filhos da nova Jerusalém e
celeste .
A verdade é que o logar do attributo é arbitrário ainda
hoje, e parece que nessa collocação influe o accento tónico
oratório, que recahe no adjectivo posposto ao subs . — ca-
V ali o preto ; quando se dá a inversão, como, p. ex., no
caso em que o adjectivo exprime uma qualidade particular
ou distinctiva do substantivo, o accento, recahindo no ad-
jectivo, dá- lhe á significação mais vigor, mais energia : —
horrível crime ; infausta noticia .
7.° — Os nomes de numero seguem a syntaxe antiga, com
ligeiras modificações, comop. ex. na maior liberdade que
havia na inversão : — o nove capitulo por capitulo nove .
Empregamos na successão, ordem, tanto o ordinal
como o cardinal (século 14 ou 7^°, Lui:{ 11 ou 7/°), e este
de preferencia, excepto quando o numero vem antes, que
então deve ser ordinário. Podemos empregar os cardinaes
por que esses adjectivos são determinativos, e como também
488
que qualificam os nomes : — diz-se LuiiXIV como se diz
Pedro o Cru .
Excep. 'Pedro 2° ; cAJonso /° ; Napole.:o 3° ; (os nú-
meros simples, emfim), etc.
8. — O artigo vem sempre antes do substantivo ou ad-
jectivo que determina.
Nas phrases ^. Henrique o navegador; todo o dia ;
ambos os livros^ etc . , a ordem do determinativo não é
devida a previlegio seu, mas á liberdade que teem o substan-
tivo e adjectivo procl tico. Como observa o professor Diez,
elle só se prende á idéa que deve determinar.
Todavia o artigo pôde ser separado do nome por um
adverbio ou expressão adverbial: — a sempre senhora
minha .
Q. — Participio e verbo auxiliar — Nos tempos peri-
phrasticos a ordem regular é — 1° o auxiliar e depois o
participio, mas a inversão faz-se commummente: — todos
chegados haviím; pois que chegado era; a dama que
visto elle já tinha^ etc.
E a mesma liberdade existiu em todos os tempos
com relação ao in nito; ouvir n.íoqui:^; vir n~o poude.
10. — Attributo do regimen. O regimem pôde vir perto
do attributo ou delle separado por uma ou mais palavras.
i.° O attributo pôde preceder ou seguir immediata-
mente o regimen;
a) — verbo -f- attributo -h regimen,
b) — verbo + regimen 4- attributo .
A 2® ordem é hoje mais usual; a 1* era mais fre-
quente no portuguez antigo.
2.° O attributo pôde vir separado do regimen por
varias palavras, e geralmente neste caso o verbo occupa
logar intermediário.
a) — Attributo -f- verbo + regimen.
b) -^ Regimen 4- verbo -4- attributo.
489
A i*^ ordem era frequente no latim; a 2^ — a inversa
— é ho)e a mais usada.
Esta ordem, que traz o attributo separado do re-
gimen, é a regularmente empregada quando o regimen
é pronome ; mas se o regimem for um nome, deve
ficar perto do seu attributo.
11. — O pronome pessoal pôde vir antes ou depois do
verbo, ás vezes de rigor, como nas pessoas do impe-
rativo, outras para maior elegância ou energia da phrase :
daqui me i^em a mim o parecer.
O pessoal conjuncUvo deve vir immediatamente ligado
ao verbo, afim de que receba a sua acção antes dos
outros membros da proposição. Desde os primeiros
tempos da lingua, porém, que elle se pode separar, como
também acontecia no hespanhol antigo: — se me iu não
vales., m'o não consentiu elle., onde a ninguém visse. ( Vide
lição 40).
12. — Com os verbos di:{er, replicar, responder., retor-
quir., etc, nas citações e phrases incidentes, o sujeito
deve vir depois do verbo.
i3. — São em geral construidas na ordem inversa,
as proposições que começam por um adverbio, e no
portuguez antigo também as que começavam por um
attributo, regimem directo, indirecto ou circumstancial
e ainda por uma conjuncção.
14. — O complemento circumstancial (de tempo, logar,
etc), que hoje mais se colloca depois do verbo, occu-
pava vários logares da phrase no portuguez, conforme
a conveniência do sentido, mas vinha particularmente no
principio.
i5. — Também, como no latim, tinha o portuguez
antigo mais liberdade na coUocação do adverbio., quer
fosse de logar, de tempo ou de modo.
Em regra, sempre se colloca va perto da palavra que
elle modificava \ mas nos primeiros tempos nota-se certa
69
490
tendência para collocal-o no começo da phrase, princi-
palmente os de modo.
16. — Da ordem das proposições simples no período,
— As subordinadas coUocam-se na ordem de depen-
dência em que estão da principal ; as coordenadas —
conforme o sentido e a successão de idéas que se quer
manifestar.
QUADRAGÉSIMA LIÇÃO
CoUocação dos pronomes pessoaes
I. — Os pronomes podem ser endiikos, mesocUiicos e
procliticos.
A sua collocação depende de ser elle sujeito ou objecto ;
e muitas vezes mais lhe determina o logar, a harmonia, o
ouvido, a emphase.
2. — T^ronome sujeito. — ^^Golioca-se em geral antes do
verbo, excepto os casos acima apontados :
a qual cousa se a tu ouvires ;
(R. S. Bento)
se me a razão tti dizes
(Id.)
Tudo isso sois vós, ou é vos tudo isso.
(Castilho)
E' enclitico;
a) — Com o imperativo dos verbos, quer a phrase seja
affirmativa, quer negativa : — chama tu ; não ciúmes tu. Só
se emprega o pronome para dar mais vigor á phrase,
emphase .
b) — Quando a phrase começa por um participio : — ■
cansado eu de escrever ; acabando elle de f aliar .
c) — Nas phrases interrogativas : — Qiie estudam elles
agora ? — Mas si a phrase começar pelo verbo, temos
modernamenle .liberdade de inversão : — esiudam elles
agora ? ; elles estudam agora ?
d) — Com os verbos no subjunctivo quando se supprime
a conjuncção : — 5/ elle quisesse vir; quiiesse tWt vir.
e) — Com verbos no infinito : — Procederes (tu) assim é
cahires no peccado da preguiça .
Nota.^ Nos tempos compostos o pronome sujeito vem
antes do auxiliar ou entre p auxiliar e o participio .
492
3.° — Pronome objecto — Também a sua collocação
está sujeita a regras.
a) — Com o infinito pessoal o pronome objecto antepõe -
se sempre : — amares-me-lu (Cp. — para tu me amares.)
b) — Nas phrases imperativas o pronome objecto é en-
clitico nas phrases negativas, e isso desde os primeiros
tempos da lingua : — chama-o ; não o chames.
c) — Quando concorrem dous pronomes regimens, o que
está em relação de dativo deve preceder ao outro em
relação accusativa : — Elle vrCo deu.
Por muyto mal que me Ih^eu menti (D. Din.)
d) — Nos tempos compostos coUoca-se o pronome antes
do auxiliar, qu entre o auxiliar e o participio : — ISós o
temos visto, tinha-o visto, temol-o visto.
E' proclitico :
a) — Depois de qualquer adverbio de negação, de tempo,
logar, quantidade e modo, quando a phrase começa por
elle :
Elle não me diz
nunca me esqueço.
sempre te esiiviei
lá nos encontraremos
muito me agrada
bevi me parece.
b) — Com as formas do futuro e do condicional,
quando vem claro o pronome sujeito : — eu te lembrarei
( ==: lembrar-íe hei ) tu lhe dirás )=dir-//ze-as ) elle me lem-
braria ( = lembrar -we-hia ) .
No futuro anterior ou condicional composto, precede-o
sempre o auxiliar : — elle me terá dito., me teria dito
( = ter-me-hia, ter-;«e-ha dito .)
Nota — Nas 2^^ formas os pronomes são mesocliticos,
e só se empregam com futuro do indicativo, condicional,
ou na interrogativa .
c ) Nas orações de gerúndio, quando a phrase começa
pela particula em : — em me /aliando {= fallando-;;/e ).
493
d ) — Com verbos no subjunctiv^o : — si me visses ;
quandu elles te procurarem; sei que me estimas ; Prin-
cipalmeme precedido de que.
e ) — com o verbo no infinito : — sem o ler. Mas
também — sem lel-o.
Quando concorrem dous verbos do infinito, é grande
a liberdade de collocação :
sem lios poder conter
sem poder conter-nos
íem poder-«íij conter
4 — Não se deve começar uma oração pelo pronome
em relação objectiva (me parece., te disse., lhe f aliei ) . O
povo (no Brazil) conserva -se, porem aíferrado ás formas
procliticas, que ainda são correntes no hesp. e no ital.
(me voy., me ne pado)., e eram dos primeiros documentos
da lingua portuguza, que moldou-as peia syntaxe latina ^ .
O emprego proclitico do pronome, a par da forma
enclitica, data do sec. XII.; No XIV é manifesta a pre-
ferencia pelas formas procliticas ( quando em relação
adverbial ou conjunctiva ), e que mais se accentua e
torna-se geral, uniforme, no XV.
5 — No latim bárbaro a preferencia é pela posposição do
pronome obliquo : — non calumniemus vos; quos me dedisti;
dedit uno servo ettornavit illo; concedimus tibi, placuit nobis;
etc. '
Mas que o povo portuguez mais se affeiçoou á antepo-
sição, provam-no os seus dizeres, provérbios, juras, pre-
cações e imprecações : — O demo te leve ; o diabo te carre-
gue ; 'Deus te ouça ; Deus te ajude ; 7náos raios te partam ;
Deus mt livre, tic. ^
* Comos verbos poenitet (f. feias?, pienitere), miseret, puãet (ás vezes)
com apaje, ecoe, cam certos dativos pleonasticos ou expletivos ( dafí,
vus etkicus ). etc.
» Rib. Diss.
* Recommeadamos os que estudam, leiam as excellentes theses do
concurso do erudito professor A. Pimentel, e dos seus bem doutrinados
concurrentes Dr. Alf. Gomes e Fern. Pinheiro, etc.
QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA LIÇÃO
Das notações syntacticas. — Pontuação. —
Emprego de lettras maiúsculas.
1 — Notações syntacticas'— Dá -se esta denominação
aós signaes de que nos servimos na escriptapara mais
aclarar o sentido daphrase, e indicar ao leitor não somen-
te as varias pausas necessárias, senão também os" vários
passos emocionaes ou de movimento psychico .
Umas referem- se ao sentido da phrase ; outras indicam
a intensão, o sentimento de que se acha possuído o escriptor
Aquellas são objectivas ; estas, subjectivas.
2 — As i^^ constituem propriamente os signaes de pon-
tuação : — virgula, o ponto q virgula, os dous pontos e o
■ponto (final).
F/r^w/í:3!.-^Emprega-se a virgula :
Para separar os termos e orações de igual espécie,- não
ligados por conjuncção :
O raciocinio, a palavra articulada, a crença em um Deus, são as
qualidades que distinguem o homem do bruto.
Tudo isto que vemos com os nossos olhos é aquelle espirito sublime,
grande, ardente, immenso. (Vieira).
A virtude risonha acompanha-nos a toda a parte, amolda-se aos
tempos, e cinge-se ás occurrencias. (Rab. da Silva),
Depois, vem outra época da vida em que a felicidade é mentira,
mais ainda é felicidade, posto que já é eivada de vaga inquietação,
de ambições desregradas, de especulações mesquinhas e outras contra-
dictorias (A . Herc. )
Para separar as palavras em apostrophe, ou as appo-
siçÕes :
Boas lettras, senhor, não são baixc2a.
495
Para separar orações intercaladas : *
A vida, dizia Sócrates, só deve ser a meditação da morte.
Para separar proposições de gerúndio e participio, e
outras circumstancias pouco extensas, principalmente si
precedem verbo :
Espedaçando as lanças, tudo atroam.
Chegada a eppca, mostrou que lhe não podiam negar a fé, o amor,
o esforço, e arte.
Para separar advérbios e locuções adverbiaes da sen-
tença com força conjunctiva, quando por ellas começam as
sentenças :
Assim, lembra-te sempre de que a morte pisa com o pé igual o
palácio do rei e a choça do pobre.
Para separar, no meio da phrase, as conjuncçÕes con-
clusivas e a adversativa porém :
Quiz o fado, porém, que Camões definhasse á mingua, só, desam-
parado dos amigos, do rei, da pátria.
Para indicar a ellipse do verbo, quando §e dá a figura
zeugma, e ainda na inversão asyntactica :
A grita se levanta ao céo, da gente .
O ponto e virgula separa as proposições extensas
coordenadas, as enumerações mais amplas, principal-
mente quando já estão divididas por virgulas :
O dito árabe foi desmentido ; mas a resposta gastou oito séculos a
escrever-se : Pelaio entalhou com a espada a primeira palavra delia
no Serros das Astúrias ; a ultima gravaram-na Fernando e Isabel com
pelouros de suas bombardas, nos panos das muralhas da formosa Gra-
nada ; e a esta escriptura estampada em alcantis de montanhas, em
campos de batalha, nos portaes e torres dos templos, nos lanços dos
muros das cidades e castellos, accrescentou no fim a mão da Provi-»
dencia; « assim para todo o sempre. »
* Neste caso, em logar das virgulas podemos empregar o parenthesis,
ou o travessão : o parenthesis é preferível quando a phrase intercalada é de
certa extensão.
496
Os dous pontos empregam-se antes de uma citação,
enumeração, explicação ou conclusão :
Não se farta a cobiça com a riqueza :
mais arde o fogo quando tem mais lenha
(Cam. — Ecl. i3.)
Diz o provérbio popular : Quem falia, semêa ; quem ouve re-
colhe.
Dos meninos é próprio o aprender ; dos mancebos o emprehender,
dos varões o comprehender ; dos velhos o reprehendcr.
O ponto final emprega-se no fim da phrase, sempre que
o sentido estiver completo .
O vento dorme, o mar e as ondas jazem. »
3. — As notações subjectivas ou psy cincas são as re-
ticencias^ o ponto de interrogação t o de exclamação .
A reticencia indica súbita suspensão do pensamento, e
ainda tibieza, duvida ou refolho :
não vos atalho mover o passo a longes territórios. . . mas não ; fica,
O ponto de interrogação é empregado no fim das phrases
interrogativas :
Homem, que es tu perante a face do Senhor ?
O ponto de admiração^ no fim de uma phrase excla-
mativa :
Oh immatura morte, que a ninguém
de quantos vida teem, jamais perdoas !
4 — Ha outros signaes ainda, simples auxiliares, que
servem apenas para maior clareza da escripta . São — as
aspas^ o hyperbato^ a alinea^ o parenthesis^ o travessão^ etc.
As aspas indicam uma citação textual. Escreve-se este
signal ao começar e fechar a citação.
a Se amas a vida — disse um sábio — não desperdices o tempo,
que é o estofo, de que ella é feita » .
497
X alínea. — O seu nome está dizendo o que é (d
linha ) :
Quanto ao desenvolvimento da expressão, o estylo pôde classifi-
car-se do seguinte modo :
conciso
preciso
desenvolvido
prolixo .
O parenthesis serve para encerrar palavras ou phrases
de sentido independente ao periodo. O parenthesis não
deve ser extenso, nem empregado frequentemente, c como
fazem os que não sabem achar logar conveniente para as
idéas.»
Perseverar no erro ( depois de conhecel-o enelle ter cabido) é fazer
do erro porfia, com descrédito do juizo.
O travessão indica maior pausa que a virgula, que
chamamos a attençâo do leitor para o que se segue, e, nos
diálogos, á entrada de cada interlocutor.
Elmano, iê-me os teus versos.
— Melhor scrte me dê Deus !
Tremo d'isso ! — E porque tremes ?
— Porque podes ler-me os teus.
( O hyphen é um traço horisontal que serve para se-
parar syllabas no fim da linha, etc.)
5 — Nos primeiros mss . o único signal de que usavam era o ponto
( colo ) ; nos Cancioneiros , a pontuação deve ser considerada antes
como indicativa de inflexões ou accidentes da musica porque eram no-
tadas as cantigas^ de que como lógica d'incisos grammaticaes ; pois
« afora pontos fallecem-lhe todos os outros signaes orthographicos
actualmente em uso ».*
No Sec. XVI muito descuravam os copistas da pontuação, que já
consistia no coma ( dous pontos ), colo ( ponto ), vergas e virgulas .
C. Michaelis confessa a difficuldade que muitas vezes encontrou para
comprehender immediatamente o pensamento do autor, pelo máo ou
nenhum pontuado.
» Castilho (A. F. ) — ^<»»' 1845.
63
498
6 ^ Emprego de lettras maiúsculas.— São usadas
nos seguintes casos :
No começo de um período, e no de uma phrase que se
segue a um ponto íinal, de interrogação ou admiração.
Nem sempre, porém, se emprega depois do interrogativo,
principalmente quando não é para obter resposta, mas para
dar mais força ao pensamento, para exprimir emoção
violenta :
Como ? da gente illustre Portugueza
ha de haver quem refuse o pátrio Marte ?
Para começar uma citação, que neste caso é precedida
por dous pontos :
S. Paulo disse : Quem ama ao próximo cumpre a lei.
Nos nomes próprios, pronomes de reverencia, títulos
nobiliarchicos ;
João; Vossa Senhoria; o Visconde do Rio Branco.
Nos nomes de composições litterarias e artísticas,
jornaes, etc . :
AI Ilíada ; os Lusíadas ; a Noute é uma das telasde Pedro Américo ;
o Jornal do Cointnercio ,
Como inicial dos nomes de cousas personnificadas : — a
oáríe^ e das adjectivações consagradas pelo uso ou con-
venção : — Creador 'Pae Omnipotente ( com referencia a
Dt\Jis)\ Fidelissmo{ià.. aos Reis de Portugal), etc.
Nos nomes dos edifícios notáveis, repartições pu-
blicas, etc: — oTantheon^ o Museu Nacional^ a Cusa da
Moeda.
Mas hoje já se escreve com muito mais liberdade quanto ao em-
prego de maiúsculas ( ai f ande {^a da cárie j thesouro 7iacional — o que
pôde dar logar a equivoco — , o barão de . Macahubas, etc.
O começar cada verso por lettra maiúscula não é hoje
de rigor.
QUADRAGÉSIMA SEGUNDA LIÇÃO
Figuras de syntaxe — Partículas do realce
I. — A svntaxe emprega varias figuras para maior
clareza do pensamento ou harmonia da phrase, para maior
energia da expressão ou colorido.
2. — As pnncipãQs figuras de syntaxe (de construcção
'OU grammatica) são :
a) Ellipse. — E' a suppresão de uma ou mais palavras
necessárias á perfeita construcção da phrase, que todavia
conserva sentido claro .
A ellipse tanto omitte o sujeito, o verbo e o attribulo,
como todos elles ao mesmo tempo, os vários complementos,
preposições, conjuncções, etc.
Redobrae (zós) com mãos piedosas
Esmolas que milagrosas
Recobrareis feitas rosas
Nos campos do eterno abril
(Cast.)
Bemaventurados {são) os pobres de espirito.
Era um velho {dotado) áe. semblante severo.
(Nos) Somos (alninnos) do CoUegio Menezes Vieira.
Irei (no) domingo ; (por) sessenta annos vi-o consumir-se na medi-
tação ; peço-te (que) me escrevas, etc .
A ellipse é devida á impaciência do espirito humano, á
sua imaginação arrebatada, ao desejo de chegar com rapi-
dez á solução do raciocínio (Lat. Coelho) .
A ellipse é um dos resultados da lei de menor acção.
A do verbo é frequente em todos os períodos da lingua.
5oo
Occorre principalmente :
a) Nas phrases intimativas :
Aos infiéis, Senhor, aos infiéis
E não a mim que creio o que pcdeis.
(Camões)
b) Nas exclamações : — No mar tanta tormenta e tanto
damno (Id.)
c) No começo das interlocuções :
Qual em cabello : Oh ! doce e amado esposo
Sem quem não quiz amor que viver possa.
(Id.)
d) Nas locuções populares : — commigo não ; mão mão,
etc. Também é vestígio da tradição latina — ?ii/nl ad me;
dl meliora (deut) .
e) Nas construcçÕes participaes : — Tassados alguns
annos. E' vestígio do ablativo absoluto latino ^ : Em pene-
dos os ossos se /iteram ; Mostrou- se affavel com os povos,
com os soldados liberal.
Pleonasmo. — E' o emprego de palavras supérfluas na
apparencia, mas que servem para dar mais força ao pen-
samento : — Importa-lhe a um homem passar ãs índias ;
Ouvir com os ouvidos ; ver com os olhos., etc.
O pleonasmo oppõe-se á ellipse . E' figura que em nada
altera a construcção grammatical .
Inversão. — E' inverter a ordem, consagrada pelo uso,
dos termos da proposição ou dos membros da phrase ;
para evitar ambiguidade ou dissonâncias, para tornar a
expresão mais enérgica ou graciosa.
Anastrophe. — Consiste na inversão das palavras corre-
lativas .
Hyperbato. — E' também uma espécie de inversão, que
transpõe expressões e pensamentos, geralmente para har-
* Vid. Lição 36.
5o I
monia do tecido da phrase : — Nas tormentas da maledi-
cência o mais Iranqitillo e abrigado porto é o silencio .
E** tão frequente no portuguez como a ellipse .
D'ahi a graciosa brevidade da nossa lingua, e a sua har-
monia .
Hypallage. — E' a figura que muda a construcção in-
vertendo a correlação das idéas .
Enallage . — Consiste em mudar os modos e tempos
dos verbos {vou p . trei^ fora p . fosse, amara p . amaria^
chega p . chegou^ )
As narrações mais ganham em colorido, quando se em-
prega o presente pelo passado.
Syllepse. — Esta figura faz a palavra concordar, não
com o seu correlativo, mas com a idéa que elle com-
prehende. t A palavra deixa então de responder ás
regras grammaticaes, para responder ao novo pensa-
mento. »E' incorrecção a que ninguém hoje se abalan-
çaria, mas de que temos exemplos no portuguez antigo .
(Essa gente^ eu os vi bradando ; e o povo apedrejaram. . , . )
3. — Temos ainda algumas figuras, a que chamam de
dicção ou de palavras propriamente ditas:
Repetição. — Para dar mais energia á phrase, repe-
te-se uma ou mais palavras. — C/í/// coitado de til ah
triste, triste!; Tu, só tu, puro amor \ Já mo me oures?
Já não te hei de ver ? ; No mar tanta tormenta e tanto dano,
tantas ve^es a morte apercebendo (Cam. ) ; O ouro a terra
o cria., a terra o tem {k. Ferr.)
Reduplicação. — E"* a repetição, não de palavras, mas
de idéas : — quedou-se mudo., e não articulou palavra.
Pode dar-se pela synonymia ou quasi s\nonymià : —
Era fogo., era raio., era coiisco (V. do Are . ) .
Anaphora. — E' a repetição de uma ou mais palavras
no principio dos diversos membros de um periodo.
Antistrophe — E"* o contrario da palavra. Sirva de
exemplo esta passagem de Bourd : — O universo é domi-
502
nado pdo espirito do mundo; o homem julga segundo o
espirito do mundo ; procede e governasse de accôrdo
com o espirito do fnundo ; até estimaria servir .a Deus con-
forme o espirito do mundo .
DisjuNcçÃo. — Subtracção das partículas subjunctivas,
e com isso oestylo ganha em rapidez e melhor destaca os
objectos — vim^ vi^ venci. Está tudo contente^ alegre tudo;
eu 5d, só pensativo, triste^ e mudo. (Cam. Ecl.)
Antanaclase. — E' a repetição na phrase, de uma
mesma palavra tomada em diversa accepção: — Formosa
inrgem clara, inda jnais clara que a lu^ ante quem foge a
noite escura ; Com pena te lavro a pena. ,
Si as palavras formam opposição, a figura chama- se
antimetathese .
Paronomasia. — E' a approximação de palavras de som
quasi idêntico, mas cujo sentido diífere, ou trocado
feito pelas varias mudanças de sentido : — E o peior é que
não sO se vê em nós a meninice., que é defeito da idade., senão
as meninices., que o são dojui:{o ; 'Dos meninos é próprio o
aprender ; dos mancebos o emprehender ; dos varões o com-
prehender., mas dos velhos o reprehender .
4. — Partículas de realce — A's vezes acompa-
nham esporadicamente o objecto directo, certas partículas
— sem significação nem funcção grammatical — a que
chamam alguns grammaticos — de realce., outros ■—
expletivas. Ex. Quasi que jne perdi ; ^m começando a
chover; deixa-os lã fallar ; cumpri o meu dever ; arrancou
das espadas.
Em sabe fazel-aSj disse-as boaSj as não é partícula de realce,
como erradamente se tem cscripto. Em outro logar já lhe explicamos
a origem.
O professor F. Barreto, visto haver exemplos de objecto directo
acompanhado de preposição não expletiva (ncíii elle entende a nós, nem
nós a ellc)^ diz que melhor, fora empregar a denominação objecto di-
recto sporadicamente preposiciotial^ que comprehende os casos exple-
tivos e ,não cxpletivos.
QUADRAGÉSIMA TERCEIRA LIÇÃO
Dos vicios de linguagem
I. — Chamam-se vícios de /m^wa^ew as anomalias da
lingua, devidas á ignorância popular, ao deleixo do escri-
ptor subalterno, e ás vezes ao pedantismo clássico .
Comprehendem os barbarismos e os solecismos ,
^arbarismos são os vicios léxico logkos : consistem no
emprego excusado de palavras e phrases estranhas á lingua,
sem a queda e o geito das nossas « com que querem con-
viver » ; em dar á palavra emprego differente do que
realmente tem ; em articular e accentuar erradamente os
vocábulos. Ex.: — bouquet^ comité,.,, taciturno (em-
pregado por triste ), carrinhos ( em vez de carrilhos ), con-
feccionar ^ovídiZt\:., organisar, pég-ada por pegada^ ttc.
Os solecismos ( barbarismos de phrases ) consistem no
emprego de construcç5es viciosas, contra a Índole da
lingua. São pois vicios sintácticos: — tu sois^ para tu,
hóuperam homens, etc.
2 . — São principaes vicios de construcção :
Pi.uv\imohOGi^ OM ambiguidade . E' a construcção a que
se pôde dar duplo sentido : ama o povo o bo?n rei., a águia
matou a pomba no seu Jtinho .
Obscuridade. — E' a falta de clareza, pelas muitas
ellipses ou hyperbatos exagerados : — Certo é que quaesquer
hitorias muito melhor se entendem, se perfeitamente e bem
ordenadas, que o sendo por outra maneira .
5o4
A certas as quaes cartas ou os quaes sermões de saneia
auctortdade do vedro, ou novo Testamento, non é senon muy
dereyta carreyra da inda humana .
3. — Os barbarismos tomam as denominações de helle-
nismos, latinismos, germanismos, hebraismos, etc. con-
forme a sua origem.
Do sec. XII ao XIV é a época dos latinismos entrados na
lingua naturalmente ; do V ao XII é o dos germanismos ;
do VII ao XIII é o dos semitícismos ; no XII germinam os
gallecismos ; No XV recomeça o império dos latinismos,
que se estende ao XVI, notável ainda pelos hespanholismos
e italianismos, etc. Hoje temos de tudo isso a mascavar a
lingua ; mas os principaes barbarismos, não só porque mais
avultam em numero, senão também porque mais a afeiam,
são os gallicismos .
4. — Temos gallicismos léxicos e syntaxicos.
a) São gallecismos léxicos : — bouquet, soirée, negligé,
fauteuil, comité, toilette, boudoir, coquette, desolado,
nuança, petimetre, plateau, bello espirito, (p. engraçado,
chistoso), chefe d'obra (obra prima), grande mundo (so-
ciedade selecta, elevada), guardar o leito (estar de cama),
deboche (dissolução, desmancho de costumes, devassidão,
corrupção), etc.
A era dos gallicismos data do Sec. XII ; mas é principal-
mente da época de D. João IV que o portuguez começou a
modificar-se sob esta influencia no léxico e na syntaxe
{taclia^ vianda^ trampear — tromper — quitar^ esguardo^
apres — ensembra^ Jj/we-amarello. . .)
Alguns gallicismos, condemnados — por S. Luiz, N. de
Leão, TuUio, etc, não o devem ser. oAdiar^ acti-
var, anuuidade, barricada, felicitações (porq. se temos
felicitar^ lat. felicitare=tornar feli\^ Donato?), inabalável,
inconcebivel^ regressar (1. regredior^ regressus)^ rotina
(dim. de rota, ant. ruto^ lat. rupta)^ etc. Também não
devemos condemnar trenó = fr. ireneau, porque não
5o5
exprime exactamente o mesmo que trilho^ gorra ou seléa ;
Tartufo ( que é um neol. por ficção litteraria), nem os
modos usuaes de fallar — cahi das nuvens^ perdi a cabeça,
etc. porque representam figuras communs a todas as lín-
guas . ^
Ha gallicismos hoje correntes, — cache-ne:[^ abat-jour
(que chamaria — quebra lu^^)^ banal^ fatigante^ etc.
b) São gallecismos de construcção : — fa^er um passeio ;
a festa terá logar ; partilho das suas opiniões; rapa^ de má
conducta, etc, e enxertos que devemos regei tar.
Também ha construcções para as quaes achamos in-
justas a condemnação de ^<3r^í2ra5, como p. ex.: sem ti
7ião alcançaria es le logar ; o que ha de ruim, etc.
5 — Quando os vicios oppoem-se á harmonia daphrase
ou euphonia, chamam-se vicios de harmonia. — Os prin-
cipaes são — a cacophonia, o echo^ o hiaío^ a collisão .
Cacophato é o vicio resultante da concurrencia de
syllabas formando um vocábulo inconveniente, ou torpe :
— alma minha, a tua opinião como as concebo^ ttns-me já
dado amor bastantes penas, por cada vez, a /aca d'ella, . .
EcHO é a dissonância resultante da repetição das
mesmas s\'llabas : — o seu estado inspira cuidado ; um ente
independente .
Hiato é a dissonância produzida pela successão de
vogaes, principalmente abertas : — d aula.
Collisão é o vicio resultante da repetição de certas
consoantes (r^ s finaes ).
* Pacheco Júnior, Gr. hist. Elen\entos históricos 138 ,
64
QUADRAGÉSIMA QUARTA LIÇÃO
Anomalias graminaticaes — Idiotismos — Dia-
lectos—Provincialismos— Brasileirismos
1. — Anomalias grammaticaes. — São factos da lin-
guagem insubordinados ás leis grammaticaes.
Podem ser phonicas, morphologicas e syntaciicas.
a) O / inicial latino persistiu no portuguez, ou per-
mutou— raras vezes — em r e n; t todavia — como acon-
tecia ao médio, mesmo em latim, o / inicial latino trans-
formou-se em d: — deixar^ ant. leixar, lat. lasciare ;
dimtte (limite), O grupo pi latino foi substituído na
linguagem popular pelo grupo portuguez eh : — plorare =
chorar, pliivia = chuva, plemis = cheio, .... mas, por in-
fluencia hespanhola, planiis deu lhano (por — chano, chão^
chaneia p. lhaneza, etc.)
b) — A palavra carrilho = múo^ caminho, adulte-
rou-se em carrinho na phrase vulgar — comer a dous
carrinhos; malandrim corrompe -se em malandro; cima
alarga-se em cincada.
A semântica ^, pois, é também origem de anoma-
lias grammaticaes.
c) — São mais raras as anomalias syntacticas, e ás
principaes já nos temos referido: — eu parece -me^ íerp.
haver (tem muitos homens incapazes do bem), o pro-
' Este termo foi creado por Darmsteter na sua ultima obra, e aceito
por G. Paria, Bréal.
507
nome sujeito proclitico, nas phrases interrogativas: —
iti queres comer ? ; começar a sentença pelo pronome
apassivador se: = se contam cousas do arco da velha^ etc.
2. — Idiotismo. — Dá-se este nome (do grego idio-
tismos = modo de fallar trivial, vulgar) ás dicções, aos
factos grammaticaes, peculiares a uma lingua, mas que
muitas vezes reagem á analyse.
Os idiotismos germinam de preferencia na lingua-
gem familiar e popular ; mas — como pondera Longino —
dão elegância e energia ao discurso, e delles se aprovei-
taram com vantagem escriptores clássicos e de boa nota.
Os idiotismos são phrases construídas contra a etymo-
logia e a syntaxe natural da lingua, e cuja significação é, em
regra, arbitraria e convencional.
Os idiotismos convencionaes coincidem em varias
linguas : — schone Fraue, a prettry >voman^ bonita mulher
é o mesmo que femina formosa^ apesar da inversão dos
termos ; there are birds^ il est — il y a — des oiseaux, ha
pássaros^ tem em outras linguas equivalentes lógicos. Ho>p
do you do=comment votis porte:[-vous = como estaes?
Ha, porém, differenças idiomáticas que só podemos
verter para outra lingua por meio de um equivalente peri-
phrastico ; ha palavras cuja traducção exacta é impossível,
como p. ex. — aW. ahnen, verbo, e o subst. derivado
ahnumg\ ing. home; port. saudade^ etc. ^)
São idiotismos vernáculos — o infinito pessoal, a pro-
priedade singular do verbo haver^ varias transposições
arbitrarias, o emprego do adj . art . antes do adj . poss .
{a minha casa)^ que também era de uso no hesp . do Século
• V. Pacheco Júnior Cartas lexicologicas 1880.
Para home dêmos pátria, e lar, os penates, a família, etc. ; mas tudo
isso apresenta friamente a palavra ingleza que nos transporta súbito á
pátria, ao lar, á família, juntamente, com amor e saudade. O Su-eet
home é a doce, a branda estancia; a querida, a saudosa pátria, etc...
mas tudo isso não despsrta subitamente no Inglez a idéa do seu home,
swcct home.
bo8
XVII, e nas outras línguas romanas — /'/ mia faveila ; le
mten chepal, etc .
3. — Dialectos. — Dialecto é a lingua peculiar a uma
provinda, cidade ou estado, alterada do idioma d''onde
procede — na pronuncia, na accentuação, desinências, no
léxico, na syntaxe .
A^s vezes o dialecto conserva formas mais primitivas que
a lingua clássica, e muitas outras o seu vocabulário excede
ao desta em riqueza ^
Varias são as causas concurrentes para as differenciações
dialectaes, — o clima, os grandes cataclismas das raças e
sociedades, o gráo de cultura litteraria.
São três os dialectos 'portuguez — gallego, — o indo-
portiigiie:{f o siiajo.
O gallego representa uma phase evolutiva do portuguez
antigo. No século XII havia em Portugal duas línguas
idênticas no fundo — o galleiiano fallado ao norte do
Mondego, e o aravio^ ao sul. Estes dous dialectos, que
mais dííferençavam na phonetica, « foram gradualmente a
fundir- se á medida que se estabelecia a unidade do ter-
ritório portuguez » .
O gallego ficou estacionário ; ao passo que o portuguez
seguiu o seu desenvolvimento natural . ^
Vou âs vecinas romaxes,
Vou ôs pobos, vou âs feiras,
E de cote vcn meus ollos
Rapazas garridas n'elas
Vexo mocinãs que tenem
Dentes que parecen pelras,
Meixelas como craveles
E dourada cabeleira,
Bermellos lábios, y-ús ollos
Que tolo a un santo volveran
') O portuguez fallado no interior do BrazLl conserva muitaí? formas
■já archaisadag em Portigal, e o nosso léxico possúe pelos menos uns
6.000 vocábulos mais.
*) Quem quizer aaber mais sobre este dialecto leia *^ gramm. GaUega
de Sacco Arce.
5o9
O africano e o indo-porttiguei datao do Sec. XV, e são
fallados em Ce3'lão, Diu, S. Thomé, Cochim, etc. O ultimo
tende a desapparecer ante a supremacia do governo inglez.
No poríug'ue:{ de S . Thotné é de notar a queda dor
{jadim, stoia^ beudC', bendedô^ . . . = jardim, historia, vender,
vendedor) ; a sua permuta pelo / ( /«i, pledê^ calo =
rua, perder, caro) ; os vestígios da antiga pronuncia
(Sec. XII, ainda conservada na Galiiza) — ;7o/c/« noite,
negocho negocio; as formas S3'ncopadas nino menino,
poçon povoação, etc.
Formam o plural emí, mas geralmente pela antepo-
sição pronominal : — inet7i moço = elles moço (moços).
Espécimen
Padê nosso cu sá no cjé, santificado seja vosso nome, venha nosso
vosso lêno, seja feta vossa vontade achi na tela cumo no cjé, pom nosso
dji cada djá non da hodje, podoá nom dji tudo djivida cu nom câ lê,
achi cumô nom cá podoá nosso devedô, nom dessa nom quiê ni tentaçon,
mas livlanom de tudo mah. Amen Jigú.
No portuguez de Cochim^ são muitas as corrupções pho-
neticas : — e p. a lainde^ noves} ^ i p. e (carni^ grandt),
na p. em (na todo logar), o p. a (madrinha^ miseno)^ etc.
Formam o pretérito com ja {quem ja fala=/J/o^/^ o
\v!\pQ.vdAwo coxn vae (yoi nos faie) ; empregam o presente
pelo imperfeito e futuro {qiiilai ^ te bote — botavas ; que
dia posse te parti = partirás), etc.
Formam o plural pela reduplicação : — senhor senhor =
senhores.
Espécimen
Bom dia, senho, quilai tem saúde ? — Tem bom, muito mercê. —
Vambos nos vai pesca hoje ? Vambos vai. — Quem ja fala ? — Ante
tarde ja foi dos manchu nosso jente, cada manchu ja pegasinco peixi.
Si nos vai, nos lo pegue peixi. * — Nos pode vai justo sinco hora —
Vosse més (locê mesmo) compre isca, eu lo faze pronto cordo.—
Vossa pedi impesta por mi um anzol ?
• Qí«7ae( = que laia) = como.
' ho indica o futuro dos verbos.
DIO
O portuguez de *Z)///, também apresenta muitas modifi-
cações phoneticas : v. gr. — a troca do e púo a (IsiPanta)^
a queda das molhadas, das vogaes e consoantes medias
{imbriii embrulho, quiio quinhãoj, me meu, os vossos, su
seu, oulr^ corp^ sempr (omissão da vogal final).
Espécimen
Eu já comeu, já fez, etc. Eu had vai.
Mais logo que vêo est os filh que já gastou tud quant tinh com
mulher de má vid, log já mandou mata cabrit gord. Então su pai já
fallou : Filh, os semj.r tem junt de mim e tud de min é de ós.
O portuguez de Ceylão é muito mais correcto na pro-
nuncia e construcção. Basta confrontar o espécimen acima
com o seguinte :
Mas este teu filho quem já desperdiça tua fazenda .com mundanas
quando já vi, tu já mata por elle o vaccinha gourda. E cUe já falia
por elle, Filho, vosse sempre tem com mi, e todas as minhas cousas tem
vossas. >
O portuguez fallado no Brazil diverge do fallado em
Portugal, não só, e mui principalmente, na pronuncia, mas
também em algumas transferencias de significação, facto
este a que já nos referimos em outro logar (babado^ que no
Brazil também sign. folhos de vestido, fa^^enda — pro-
priedade rural, xacara — casa de campo, miiqiieca — gui-
sado de peixe, etc . )
O vocabulário é o mesmo, mais opulentado com o
elemento tupy-guarani, e mais alguns termos africanos.
Devemos, porém, attender ás inevitáveis idisyoncracias
mentaes .
Na pronuncia a diíTerença consiste principalmente em
mais fazermos soar as vogaes, no accentuarmos syllabas
subordinadas, e ainda não estarmos tão sob a lei da menor
acção. Influencia climatérica. Pronunciamos /Jj/e/, ^dr^Yo,
Schuchardt — Knolische Studiev, Wien, 1882.
Ml
imperador^ corô.T^ pelotão,... o Portuguez papel, bordo.,
tmp'rado7^., croa., p'lot.70., etc. E"* também muito commum
a troca do e pelo / : — mt deixi\ miniuo, que em Port. pron.
sempre iiienino, etc.
DifFerenças S3'ntaxicas importantes são raras, e apenas
na linguagem vulgar: — fui na. casa, estava ndijanella ; o
emprego do pronome sujeito pelo objecto — vielle, e tam-
bém Pt-lhe, isto é pjra mim ler .
4. — Provincialismos *. — São particularidades locaes
no modo de fallar uma mesma lingua dentro do mesmo
paiz, mais ou menos accentuadas na pronuncia, vocabulário
e phraseologia .
As circumstancias que concorrem para o enfranqueci-
mento dos laços políticos e sociaes, ou para o enfraqueci-
mento de um povo, augmentam o numero das discordân-
cias no seio da lingua geral ( Whitney) .
Mais . Na mesma cidade o homem culto pronuncia de
modo mui diíferente do analphabeto .
Já S . Rosa de Viterbo notara no Elucidário que, em
innumeraveis dos nossos antigos documentos variava a
escripta á proporção que variava a pronuncia, a qual
muitas vezes até em cada província discordava : — S. Ci'
brâo, S. CipriaHjy S. Cibriam, S. C/dram p. S. C)'priano\
Sanhoane^Sanoanne, Sonoane, S. Oan, S. Jam, S. Jom,
p. S. João, etc.
Os Madeirenses pron : — mdoo, bâoa, p. mdo, boa.,
trocam o e grave accentuado antes de articulação chiante
ou molhada por a grave: — pajo, p. pejo, tânho; toe
agudo antes das mesmas articulações em ei: — meicha =
mecha ; /z/m^e= herege ; seige = sege, etc.
Em alguns logares de Portugal mudam e ç ei em ai : —
baijo ; meu bdim .
' Pacheco 3nn\ov — Phortologia portugtieza.
5l2
Os Minhotos trocam obp.VQOvp.b; pron. om
nasal onde nós dizemos ão : — fi^erom, ra^om, e dão ao
diphthongo ou o som de ão : — são == sou.
Também os Beirenses trocam o b por v reciprocamente ;
dizem non., som, etc, (formas mais próximas do typo la-
tino nom, sum, t\.c.)\ terminam os verbos archaicamente
em jn, en, iri (amari, beberi, etc), ^ e dão ao í{ um som
de x: — dixe, dtxere., que em outras provincias se pro-
nuncia com o som de^ — digere^ etc.
Nestes modos de fallar ha uma certa harmonia com o
prisco escrever, que muitas vezes é mais etymologico e
harmonioso, como succede nas formas antiquadas — ter-
ribil, a?7íabil^ etc.
Os do Algarve e Alemtejo mudam o diphthongo eu em
et: — meipa{\ a molhada Ih simplifica-se na liquida / ; — eu
dicele (e assim pronunciavam os nossos maiores) ; o ei dos
pret. em i: — almoct, etc; dizem — ptdir., midii\ etc.
Trocam o i por g — digia, fagia, vigilar^ e dizem —
fuge^ pacencia^ home., canairo, pregunlar., precurar., leixar.,
dixe., trouve, ao redol (=ao redor), etc
Os Conimbrenses pronunciam: — aialma, aiaula., se-
tiora.,novóra., fruita., astrever-se, etc
Em Lisboa onde, como espirituosamente observou
um escriptor Portuguez, « hadex ver como franze pi o
narix á cuxta do Gallego, e como não handem perceber ou
imaginar que sam ellex quem ex lá no erro», pronunciam
— cravão., cravoeiro., cravalho., crapinteiro., menia, auga.,
augadeiro., todódia., etc
Também em Extremadura notam-se as mesmas indes-
culpáveis incorrecções, questães, grões, affliçães, etc .
Os da Beira, onde se pron.: — noti ( = não;, som
( = sou ), hai (= ha ), e trocam o diphthongo ou em oi :
' Foi por isso que Bluteau observou que « nos infinitos dos verbos,
falam os nossos Ratinhos melhor que os Palacianos. »
bi3
— oivir^ oivido, cowe^ etc; são, todavia, os únicos que
pronunciam com verdade o c/z, cujo som confundimos, e
confundem os de Lisboa, com o de x. E' assim que elles
dize Ichapéo^ tchave^ tchcí, e nunca xapéo^ etc. As articu-
lações eh e X não tinham o mesmo valor, e nessas varie-
dades e distincções de som está muito a belleza e perfeição
das linguas .
Todos esses vicios, porém, são devidos á tradição, e a
sua persistência á falta de cultivo intellectual.
NoBrazil são mais de notar os provincialismos do
Geará, Rio Grande do Sul, Goyaz e S . Paulo .
Nesta ultima provinda as syllabas soam todas ellas
largas, abertas \ a falia é descansada e como que caden-
ciada, a molhada Ih não sôa na pronuncia — ietado^ miio^
fiio p. telhado^ mtlho, filho, etc.
5 — Brasileirismos ^. — São termos e modos de fallar
pecaliares aos Brasileiros, e muitíssimos d'elles desconhe-
cidos em Portugal, o que não é para admirar porque o
mesmo acontece aqui deprovincia para província.
Os termos que seguem são brasileirismos e modos de
dizer próprios a cada provinda .
oArrelia — birra .
cAmojada — No norte diz-se, e com cabimento, que a
rez está amojada quando está prestes a parir ; estado que
também se conhece pelo amojo, rigidez das tetas.
oAlui — bebida feita com agua, assucar e farinha de
milho torrada .
QÁtpim — mandioca ( Rio de Janeiro ) .
oArapúca — armadilha de varinhas para apanhar passa-
rinhos .
oAiirar—' é a acção que faz o dansante nas dansas po-
pulares, para tirar quem o substitua.
* Pacheco Júnior — Grammatica histórica pag. 142 a 150.
63
DI4
oAtapú — búzio que serve de trombeta ao jangadeiro
para chamar freguezes ao peixe .
oAmolar — enfadar alguém com importunidades, pa-
lavras de ôca d'orna, etc.
QÁmolador — homem enfadonho.
Batuque ) , , , ,. ,
, } dansa de negros (voe. air.)
Jongo ) o V /
Boquinha — beijo.
'Cocaína — lugar estreitado entre serras ou cabeços .
Baião — dansa popular.
Tiebida — bebedouro ( Ceará ).
Barbicacho — cordão com borla, preso ao chapéo para
que o vento o não leve ( Rio Grande ) .
"Banieiro ■ — ( alem da signif . própria ) — individuo me-
ditabundo .
Tarado e corado — homem sem medo, destemido .
"Bala j
Onça I homem valente, destemido.
Jopeiudo 1
Cauim — vinho de mandioca .
Ciscar — estorcer-se no chão após um golpe, pan-
cada, etc.
Chiquerador — tira de couro torcida presa á extremi-
dade de um páo. Instrumento de castigo. No Rio de Janeiro
e Minas dá-se-lhe o nome de relho.
Cuia — vasilha feita de cabaça partida ao meio, e tirado
o miolo .
Combuca — vasilha feita de uma cabacinha furada, onde
se toma matte .
Capeta — duende ( Ceará ), demónio.
Chibio — garoto, bregeiro ( Norte) .
Capim — herva para pasto do gado ( voe. tupy ).
Coivára — pequenas fogueiras para queimar os galhos
etc, que escaparam ao fogo geral.
Ciichillar — dormitar sentado ou de pé.
bib
Cangote — cachaço .
Cj.rapina — carpinteiro.
Caçulo^ a — ultimo -genito.
Calundu — amuo, arrufo .
Chilenas — esporas enormes de ferro ou prata, com
grandes rosetas .
^ j ) — boneco ( Pernambuco ) .
^ } rato pequeno, murganho ( Bahia )
Camondongo — id . Rio de Janeiro)
Campeão — cavallo em que o vaqueiro campeã (Ceará).
Cavallairauo — homem que negocia em cavallos (Geará).
Cangaceiro — individuo que blasona de valente, sem
ter bulias para isso.
Cabra — filho de mulato e negra ou vice-versa. No
Norte dá -se este nome aos que andam descalços, ou uns
aos outros na conversa familiar.
Cangaçôes — cacarecos ( no Norte . )
Catinga — transpiração fétida dos sovacos, bodum,
especialmente dos negros ; mato pouco espesso mas garran-
choso. ( Ind.) D*'ahi vemchamar-se re^ catingueira á que
se esconde nas catingas.
Camâra — bezerro enfezado, doente .
Chimango — que pertence ao partido liberal ( ao Norte)
Carcará — caranguejo : — que pertence ao partido
conservador ( Ind . )
Crod — abóbora vermelha ( Ceará ).
Coirama — botas curtas de couro branco .
Caipira — sertanejo.
Caipora — ( lu^icaa-pora ) i°, pequeno caboclo bravo,
que vive nas florestas do sertão, malfazendo ás vezes,
principalmente quando lhe negam fumo ( superst. pop.) ;
2°, luz fátua que apparece nos matos ; 3°, homem infeliz
nos seus commettimentos .
Caiporismo — infelicidade , insuccesso nas empre-
zas.
5i6
Chapelina — chapéo usado pelas mulheres sertanejas em
algumas provindas do Norte.
Comadre — mulher do povo, que parteja a gente pobre
e escravas.
Carito — pequena prateleira que se põe a um canto
( Ceará, etc . )
Cangapé — ponta-pé que faz cahir quem o leva.
Cargueiro animal de carga, e, por extensão, o homem
que o tange .
Caco — tabaco em pó, fabricado e usado pelo povo
(Ceará) . Em Minas dá-se-lhe simplesmente o nome de pó.
Desabusado — homem corajoso, pouco soífredor de in-
jurias.
Desfruciavel — individuo que se dá ao ridículo.
Desfructar alguém — metter alguém a ridículo.
Debicar — chufar, mofar, fazer com que alguém enfie.
Debiqvie — chufa, mofa .
Dadeira — mulher adultera.
Destabacado — destemido.
Encartado — galhofeiro, jovial.
•Exquisiio — extravagante, que move a riso .
Embiratanha — planta de embira.
Enxamear — encher os vãos das paredes feitas com tai-
pas, de pedaços de páo e barro.
Encordoar ) amuar-se ou enfiar por motivo de chufas ou
EncalistrarS gracejos, também se emprega activamente.
Fadista \
FindingaS V^^^^'^^'^^ barregan.
Fuxicar — amarrotar, enxovalhar (roupa, etc.)
Farofa — carne mexida com farinha.
Fabrica — (Ceará) rapaz que ajuda o vaqueiro na es-
tancia .
Fachina — soldado em serviço fora do quartel.
Famanai — ( ao Norte ) muito afamado.
Flato — ataque de nervos.
517
Goraca — cinta de couro que se fecha com dous botões
grandes ou moedas de ouro ou prata, com uma bolsa.
Girinmm — (ao Norte) abóbora. (Ind.).
Geraes — logares ermos (N.) ^^ Perdi-me nesses Geraes"
Gereré — rede de pescaria.
Girão — leito de varas sobre forquilhas ; também serve
para moquear carne, guardar louça, etc.
Graiicá)
GaiijcA c^^^nguego.
Garapa — caldo de canna moida no engenho .
Isqueiro — pequeno tubo de metal ou ponta de chifre
com tampa de porongo ou metal, que serve para guardar
isca a que pegam fogo com fuzil e pederneira para accen-
der cigarro.
Igacaba — talha grande para agua (Norte.)
Igarvana — homem navegador.
Ipiieiras — logares que no inverno se enchem d'agua,
conservando-a por tempo dilatado.
Jacd — cesto comprido com tampo, feito de taquaras.
Jandahira — abelha.
Muxinga — açoute (voe. afr.)
Mnxingiieiro — o que açouta .
Miingangas — momos .
Muxox(^ — estalo com os lábios em signal de des-
prezo .
Miilambo — farrapo, andrajo.
Mascate — antigamente mercador estrangeiro; hoje o
que vende fazenda pela rua .
Mascatear — vender fazendas pela rua.
Mandinga — feitiço .
Muquiar — preparar certo guisado.
Muqiiem — logar onde se muquia.
Manjo — jogo do tempo será ; Maria mocangueiro.
Macachêra — mandioca doce ( Norte ) a que no Rio de
Janeiro dão o nome de aipim .
5i8
Mocambmho — (Norte) habitação feita no mato por ne-
gros fugitivos.
Mocambos — vastas moutas no sertão onde se esconde o
gado.
Maldictãs — sezões, maleitas, febres de crescimento.
Mocotó — mão de vacca.
Muxiba — pelles de carne magra.
Matuto — sertanejo, homem atoleimado.
Massada — cousa que causa fastio, aborrecimento.
Nonhô^ ã * i mancebo, senhor moço,
Yoyô, yafá I senhora moça.
Oi^denança — além da significação própria, designa a
praça que acompanha e está á disposição dos Ministros,
Presidentes de Províncias, e outras autoridades.
Obrigação — família (como vai a obrigação ? )
Tresiganga — náo que serve de prisão .
Peqiiira — cavallo pequeno.
T^agé — adevinho ; homem que livra de feitiços e encan-
tamentos (Ind.)
Toncho (ponche) — espécie de cobertor quasi redondo
com uma abertura e gola no centro por onde passa a
cabeça . Serve para resguardar o cavalleiro do frio e da
chuva. Sendo de linho (por causa do pó nos dias de grande
calma) chama -se palla.
'Pacoua — banana (Pernambuco . )
Ttão — homem que amansa cavallo e burros chucros
(bravos).
'Tassoca — carne secca pilada com farinha e cebolas .
Puxado — aposentos feitos^depois de construído o prédio.
Taspalhão — papalvo, fátuo .
'Pereba (pareba) — qualquer erupção cutânea, feridinha
com puz, sarninha.
Pipoca — milho arrebentado ao calor do fogo .
• Em S. Paulo e em alguns lugares de Minas abreviam-no em Nhô,
Nhà, e dizem NhóQuini (Sr. Joaquim), Nhó sim, nhõ «ão, etc.
5i9
Quindins — requebros, melindres .
Quitute — iguaria exquisita e appetitosa.
Quitanda ^ — mercado volante de hortaliça, etc .
Quitandeiro — o que i>ende quitanda .
Quicé — (Norte) faca pequena.
Quilombo — lugar onde se refugiam e reúnem negros
fugidos.
Quilombóla — negro que se acolhe ao quilombo .
Quimanga — cabaço em que se guarda comida .
Rebenque — chicote curto de couro trançado, e com uma
ou mais pontas de sola ou couro trançado,
Réve — vasilha de barro que não vasa pelos poros.
Samburd — cesto de cipó de boca apertada em que o
pescador guarda o peixe . No Rio de Janeiro é uma espécie
de cesta com alça.
Senzala — habitação de negros nas fazendas .
Sipoada — vergastada (com cipó) .
Sura — ave sem pennas na cauda.
Samba (sambar) — festa popular no interior na qual dan-
ça-se, bebe-se, e canta-se á viola ; ir a samba, divertir-se
nella .
Taba — aldeia (voe . tupy) .
Tapera — estancia abandonada - lugar ermo .
Trapiche — casa onde se guardam géneros de embarque
e onde carregam e descarregam navios .
Tala — chicote pequeno com uma ponta larga de sola.
Tijuco — barro de estrada, pegajoso (voe. tupy).
Tupmambaba — maçame de linhas e anzóes .
Teméro — temerário .
Tirador — peça de couro que se prende á cintura para
facilitar o serviço do laço, e não estragar a roupa .
* Antigamente chamavam quitanda aos campos Romanos onde se
estabeleciam os vivandeiros {Be antiq, Rom.) Em Portugal também
outr'ora assim se denominavam as feiras e mercados de comestiveis : em
Angola, ainda hoje, como no Brasil, significa mercado volante. (Lopes de
Lima — Ensaio Statis, sobre as poss. Port. na ultramar.)
520
Tornbador — (terreno) desigual, cheio de borracaes.
lauçú — pedra furada presa a uma corda para servir de
ancora ás canoas.
Torém — instrumento e dansa popular. ^
Urú — bolsa de palha de palmeira buruty ou carna-
huba. (id. ave).
Varjota — vargem pequena.
Vigário — homem astuto .
Xingar — chamar nomes a alguém .
Xingamento — descompostura de palavras.
Xeripá — chalés com que os camponezes no Rio Grande
cingem a cintura.
Xenxem — cousa desprezível. Dava-se este nome a
uma moeda hoje sem valor.
Também são de notar as mudanças phonicas ; assim é
que no Pará diz-se Labisonhosp. lobis -homem : gtTsl'
mente em todo Brasil a gente illetrada diz Vosmecêp. vossa
merçc ; pronunciam quarar por corar^ i. é, enxugar a
a roupa ao sol depois de ensaboada qiiarador o logar
grammado onde se estende a roupa a corar cadc p . que é
de.
Nada tem entre o povo mais denominações do que a
aguardente : — é a bixa^ a teimosa^ a branca^ as sete virtudes.,
d. pilóia^ etc, por beber um trago de aguardente dizem
— tomar um codôrio, matar o bicho.
Vejamos agora alguns modos de dizer do povo :
Levar taboca., ou de taboa, na cuia — não conseguir o
intento ; não obter despacho favorável á pretenção .
* Muitas são as danças populares no Brasil. Além das já mencionadas
tomos o fado, o choradinho, a tyranna, o córta-jacca, o coco inchado,
baião, o sorongo, o batuque, ojongo, catereté, etc.
Muitos também são os nomes de arreios especiaes de que se servem no
Rio Grande, S. Paulo e Minas (bastos, lombilhos, serigotes, etc.) cujas
peças teem nomes também especiaes.
521
Tomar chá com alguém — mofar de .
Subir a serra ) ,
^ lentiar.
Dar cavaco >
Ver -se em assado^ em apuros — achar-se em apertos.
Homem ralado do mundo — experimentado.
Ter UKS biquinhos — dividas de pouca morna.
Andar de ponta com alguém — estar picado, estimu-
lado.
Entrosar — importunar ; querer parecer o que não é .
batera bota, esiicar a canella — morrer.
Crescer para cima de alguém — dirigir-se para alguém
ameaçando-o.
Estar de venta inchada — zangado .
Querer ensebar alguém, embaçal-o — querer illudil-o .
Dar as dedicas — empregar os meios convenientes
( Ceará ) .
No Ceará é expressão muito vulgar — para esse tanto,
ex. : — ^'Não julgar que se fallasse n' esse tanto.'''' {d. QstQ
respeito), uma razão para esse tanto, etc."
Advertimos que estes modos de fallar são apenas
ostensivos na conversação familiar, e alguns só na da
plebe, e que nunca se encontram em nossos escriptores, a
não ser, execusado era accrescentar, os que o uso sanc-
cionou e são necessários, como sura, girdo, ordenança,
etc.
Outrosim, é muito de notar a tendência que tem o
povo para dar a cousas ou profissões nomes que lhes não
cabem, mas que todavia persistem, vendo-se a classe culta
muitas vezes obrigada a sanccional-a :
Belchior — adello.
Maxambo??iba — antiga ferro-via urbana .
barata — mulher pobre, que usa capona,'i. é capa
ampla e longa que cobre também a cabeça.
'Bispo — vehiculo publico, vicíoria pequena tirada por
um animal.
66
523
'\Bond — ferro-carril suburbano e urbano ; além de
denominações de certas moléstias epidemicas, taes como :
— lamperina, polka^ lanceivos^ etc. Quasi todas essas de-
nominações,, porém, coincidem com um facto politico
ou social que lhes deu origem. São neologismos históricos.
Já dissemos — é o povo que representa as forças livres
e espontâneas da humanidade.
QUADRAGÉSIMA QUINTA LIÇÃO
Alterações léxicas e syntacticas. — Archaismos
e neologismos
1 — Já vimos que as línguas transformam -se no correr
dos tempos não só na phonologia, mas também no léxico
e na syntaxe .
Esta evolução já ficou claramente explicada.
As alterações, pois, podem ser phonicas, léxicas e syn-
tacticas .
oAlteraçÕes phonicas. — Já as estudamos.
Alterações léxicas. — Também já vimos nas liç5es pas-
sadas ( 29, etc.) quaes ellas são, e quaes as suas causas.
oAlteraçôes syntacticas. — O confronto dos exemplos
com que quarteamos as lições 29, 33, 34 e 35 basta para
fazer-nos sentir a differença de construcção nos diversos
períodos de lingua.
O optmw ò.e todos
direi somente o em que pararam estas cousas.
determinou ãe
O Castello de Santarém aos Mouros o tolhy .
estamos convicto ou convictos
as cousas que elles WvihdiXa feitos ,
morrer á fome, de fome
até á casa, até casa, até a casa
começou fazer, de fazer, a fazer
en cas sa madre, en cas de sa madre
regadas tinha as flores ; regado tinha, etc.
desde Março meado, desde o meado de Março
2 — Para o desenvolvimento da lingua e para o seu
continuo evolucionar, muito concorrem duas forças co-
nhecidas pelos nomes de archaismos e neologismos .
524
3 — Archaismos. — São palavras que se perdem na
solução de continuidade, mas cujo desapparecimento, como
nos seres orgânicos, concorre para o desenvolvimento da
linguagem.
Acontece — diz Whitney — como nos seres organisados
nos quaes a eliminação faz parte do desenvolvimento
tanto quanto á assimilação.
As causas da morte das palavras podem-se reduzir a
quatro :
1 Perda da idéa ou do objecto expresso pela palavra :
— algaiil, escamei, behetria, biicellario ....
2 A synonymia, o neologismo : — agro ( campo ),
emprir ( encher ), lidimo ( legitimo ), piinçante ( pun-
gente ),
3.° — O uso, a ignorância dos escriptores, o pedan-
tismo litterario : — pellkeiro, empegar, medicinar, sor-
var,
4.0 — O dar-se á palavra, por transferencia, sentido
obsceno, ou ser considerada — por eífeito de idisyon-
cracia mental — termo vulgar, chulo : — fider, tresandar,
rabo, . . .
Os archaismos podem ser :
Próprios, isto é, termos inteiramente mortos, e sem
esperança de resurreição, a não ser em does. históri-
cos:— bayanca, cabiscol, soforar, julgajul, biilhom,. .. .
qA. de sentido. — São palavras que, conservando a
forma integral originaria, perderam certo e determinado
sentido. Ex. — /acenda significando sentimento ou estado
d^alma; mesura — generosidade, torto — injuria, damno,
arraial, aguadeiro, caldeira, esmolar, tfianhas, ....
Mesura seria, senhor,
de vos amercear de mi.
Cauc. Vant.
Da minha senhor que eu servi
sempre que mays c'ami amey,
veed amigos que fort^cy.
(Id).
525
A. Jlexionaes. — São as terminações verbaes ades^
edes^ odes (Sec. XIII, XIV), os participios em udo
(Sec. XV), etc.
qA. phonicos. — São innu meros — abtsso abysmo,
boveda abobada, tredor traidor.
qA. orthographtcos . — Constituem archaismos ortho-
graphicos o emprego de om p. ão, de / ou // p. Ih
{melor muller alleo\ de dous f iniciaes ou r médio
{ffalsas oHvra)^ etc.
qA. syntaxicos. — Destes são mais importantes o em-
prego de certos verbos sem preposição : — começar dar
testimunho, entrou casa de, casou a filha de ; do gerúndio
precedido da prep. ew, equivalente a — no tempo em
que: — em sendo abbadessa oujfe um Jilho (Liv. Linh.);
certas inversões arrojadas, etc.
4 . — Os neologismos são novos meios de exprimir o
pensamento, e de enriquecer a lingua dando outrosim varias
accepçÕes a cada uma das palavras.
Formam-se da combinação dos próprios elementos, ou
da importação grega, Jatina ou de qualquer outra lingua.
Os 1**^ são intrínsecos^ os 2°^ — extrínsecos . D'estes
assas nos temos occupado ; d'aquelles basta ler o que es-
crevemos sobre os dous grandes processos de for-
mação .
Temos ainda o que chamaremos — neologismos por
archaismos^ facto curioso no desenvolvimento das linguas,
e que consiste no resurgir em época mais ou menos remota,
de palavras condemnadas ao esquecimento. Entre as 128
palavras citadas por D . Nunes como antiquadas, figuram
— finado p. morto, saga:{^ atroar, atavio^ arrefecer^
algures ; nas apontadas por F. Freire acham-se arro-
ladas — andrajo, adrede^ passamento^ sandice^ bipede, bipar-
tido^ queixumes^ delonga^ derradeiro^ pristino^ voci-
ferar^ longiquo^ etc. . . .
Os neologismos vicejaram em todas as épocas da vida ;
536
mas a sua influencia mais se tornou manifesta no Sec. X,
e accrescentada nos dous seguintes.
No sec. XV a fonte principal dos neologismos extrinsecos
era o latim, no XVI — o francez, nos seguintes — o hes-
panhol, italiano e a influencia greco-latina.
« O archaismo vale principalmente como tradição litte-
raria, como correctivo ao neologismo, e, em summa, como
material expressivo e representativo do espirito e da forma
das composições antigas. » *
As linguas estão sujeitas ás duas forças da conserpação
e revolução, de que nos falia Darmstater ; o neologismo
será um dia archaismo, disse Littré .
* Lameira de Andrade — These de concurso. Vide mais F. Bai-reto,
id. ; Pacheco Júnior — Gram. hist.
QUADRAGÉSIMA SEXTA LIÇÃO
Syntaxe e estylo
I . — o estylo é « a feitura característica, que dá ao dizer
de cada um o modo especial, porque elle concebe, ordena
e exprime os seus pensamentos. »
a Tudo o que se diz fallando ou escrevendo, consta de
pensamemos, concebidos sob certas formas ou Jigiiras,
expressadas por palavras^ ordenadas em phrases^ e estas
distribuídas em clausulas,
A syntaxe é, pois, o processo geral, e o estylo o pro-
cesso indmdual .
2. — A estylistica é a arte de bem escrever; para o
escriptor, a palavra é um symbolo que se modifica á força
inventiva da imaginação, transformando -se numa verda-
deira suggestão de imagens. ^)
E a perfeita comprehensão da natureza das palavras
exige uma forma qualquer figurativa . ^)
Este caracter extrema forçosamente a phraseologia dr-
/wízca da phraseologia grammaiical \ Si t^xyXisúcoL da syn-
taxe commum, sem todavia excluir as muitas modalidades
de dependência a que estão sujeitos os dous processos .
3. — Em geral, pôde -se affirmar, ha sempre connexão
estreita e fatal entre as producções litterarias e a indolç
especifica das línguas que lhes servem de instrumento . E'
Sl conoXdiCdiO áo apparelho e ádi funcção. E"* força, pois.
*) Taine — N. Essais de critique et d'histoire,
*) Stricker Du langage et de la musique.
528
distinguir no estudo scientifico do estylo duas ordens de
factores importantes : — a influencia do caracter e das
normas tradicionaes da lingua, do meio sociológico sobre o
escriptor, e da reacção por este exercida, tendente á pro-
ducção de novos effeitos psychologicos, e á acquisiçao, para
os seus trabalhos, do cunho de originalidade . No i° caso a
estylistica é objectiva^ no 2° é subjectiva.
3. — Em seu periodo embryonario (Sec. XII-XIV) a
estylistica portugueza é sinceramente objectiva. A pobreza
do léxico e o cunho vocabular uniforme pelos effeitos pho-
neticos regionaes, a construcção da phrase simples indecisa
na sua inversão, o agrupamento inconsciente do periodo,
as formulas oflficiaes da diplomática e da agiologia., a
tyrannia da métrica convencional, — além de outras causas
talvez — , imprimiram nos escriptos d'essa época uma feição
característica, singular, de homogeneidade total. E' rigo-
rosamente uma litteratura anonyma, que, na prosa e na
poesia — como se vê dos Cancioneiros e does . recolhidos
por Fr. F. de S. Boaventura — , a psychologia geral
daquelles tempos via-se tolhida pela tradição, que im-
punha uma forma monotypica .
4.—* Todavia, esses documentos deram resultados, que
já por si constituem perfeição de estylo, e de que se apro-
veitou a estylistica subjectiva. Foi o emprego de termos
populares — que poupa a energia do leitor ou ouvinte, e o
emprego de pouco crescido numero de vocábulos — que
poupa o esforço mental.
E' o que Spencer denomina — economia da attenção^
uma das modalidades do grande principio do minimo es-
forço^ que, com a emphase., domina a maior parte dos factos
da vida e evolução da linguagem.
Menina e moça me levaram de casa de meu pai pêra longes terras:
qual fosse então a causa d'aquella minha levada, era pequena não na
soube . Agora não lhe ponho outra, senão parece havia de ser o que
depois foi.
(Bem. Rib.)
D2Q
Estavas, linda Ignez, posta em socego,
de teus annos colhendo o doce fruito,
Naquelle engano de alma ledo e cego
Que a fortuna não deixa durar muito ;
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuitos.
Aos montes ensinando e ás hervinhas
O nome, que no peito escripto tinhas
(Camões.)
5. — Outra vantagem é o emprego dos termos con-
cretos de preferencia aos abstractos, e d^ahi também o
emprego dos tropos * e onomatopéas, que — materialisando
as cousas abstractas — facilita a sua immediata compre-
hensão. Exemplos destes processos ofFerecem-nos ospro-
loquios e annexins populares, cheios de vida e de energia.
Tirar sardinha com a mão do gato.
Não se pescam trutas a bragas enxutas.
Miguel, Miguel, não tens abelhas e vendes mel.
Já dizia Rodrigues Lobo {Corte na Aldeia) « ha meta-
phoras e translações tão usadas e próprias, que pare-
cem nascidas com a mesma lingua, que como adágios
andam pegadas a ella. »
6. — Outro elemento do estylo objectivo são as ono-
matopéas, a principio directas, depois ostentando sem
as palavras, só pela cadencia e som, a imagem que se
pretende pintar. E as vozes onomatopaicas constituem
grande riqueza da nossa lingua.
O louvar com cymbalos bem retittintes ; o louvar com cymbalos
de alegre resonattcia. Tudo quanto tem fôlego, louve ao Senhor.
{P salmo 150-5-6)
De terras e povos fazendo uma dansa vindo cantando com doce
harmonia estas palavras de grande alegria, vivamos cantando com
tanta bonança.
(J. ^.— Clarim).
Os vastos campos, c'o baque j longe j e roncos ribombaram.
(F. "EX-y sio.— O ber.)
V. Lição 6.»
67
53o
Lhe embebe o ferro pela aberta boca
Na hastea, que os fere, os dentes reiiniravi
(Id. í?. Ptm.)
Brama e rebrama em échos o estampido j
Por âcas furnas j reboajites brenhas,
Creras que cada tronco estala e escacha
(Id.)
A plúmbea pela mata, o brado espanta
Ferido o mar retumba e assovia '
{Camões')
escarcéos e escarceos, rebentam^ bramam j
alvejam j troam : o intimo do abysmo
sobe á flor, desce a espuma ao fundo inquieto
(Id.)
Jíue a raivosa rústica torrente
(Bocage)
Secca a terra apparece, nella é tudo
Informe, e rude, e solitário, e mudo.
(Macedo)
Exemplo magnifico é este em que Camões descreve
as cadenciadas e monótonas pancadas do pente e pedaes
do tear :
Quando em face ao tear rojaes cantando
de cá láj de lá cáj por entre os fios
do alvo ordume a lisa lançadeira,
E dos pedaes ao compassado toque
O p^te acode, e vos condensa o panno.
7. — oAlliteração e assonancia — A alliteração é in-
stinctiva e popular; delia encontramos exemplos nos
primeiros does. da lingua.
cheguei chegar
(C. Vat.)
disse-m'a mi meu amigo
( Id.)
são e salvo, feio e forte, berliques e berloques :
Padre Santo san Gião
Que ve7n e vae com os que vão
(G. Vic.)
E' mui frequente a alliteração dos nomes próprios nas
canções antigas : — Martim Morxa^ Lopo Lecas, etc.
(G.'Vat.).
* V. Alliteração, id.
53 1
São exemplos de assonancia :
a Sevilha el rey servir ( C. Vaf.)
domar foíros porém poucos
Não levantes lebre que outro leve
Si não forej casto sê cauto
Cesteiro que faz um cesto faz um cento
8. — Elemento também objectivo do estylo é a ten-
dência sempre crescente para a construcção analytica
(Secs . XVIII - XIX), que nos poupa fadiga mental, mas
nem sempre se presta aos effeitos estheticos.
9 — Não nos demoraremos nas qualidades essenciaes
das palavras, das phrases e clausulas .
As palavras devem ser vernáculas, ter por fiadores os
que bem escrevem e faliam a lingua, ser empregadas com
propriedade^ clareia e conveniência ( relativamente á con-
textura do assumpto — elevadas, familiares, communs
plebéas ou chulas ) .
São qualidades essenciaes das phrases e clausulas — a
correcção, pure:{a, isto é, que na combinação das partes e
arranjo geral sigam o génio da lingua ou uso dos melhores
escriptores ^ \ clareia ( e para isso é mister, além de vocá-
bulos nitidos e bem cabidos, claros, e syntaxe correcta —
precisão^ ordem ^ , unidade ), emphase^ harmonia .
Estudo necessário para que se forme o estylo é também,
alem do vocabulário completo, e syntaxe correcta, a da sy-
nonymia, e a leitura joeirada dos clássicos antigos e mo-
dernos .
10 — O estylo classifica-se, quanto ao desenvolvimento
dos pensamentos e expressão, em — conciso, preciso, desen-
volvido, prolixo.
Quanto á qualidade e gráo de ornato, em simples, tem-
perado e sublime .
* V. Barbarismos.
' Criteriosa transposição, boa collocação dos advérbios, de orações
incidentes, complementos circumstanciaes « casos continuados.
532
O estylo simples subdivide -se em simples, natural (que
á simplicidade da expressão, junta a dos pensamentos),
familiar. E' o estylo preferido nos livros didácticos, de
narrativas vulgares, etc...
Estylo simples. — E' doutrina certa entre os antigos grammaticos
e rhetoricGS, assim gregos como latinos, que a principalissima quali-
dade, que deve ter qualquer escriptor, é a pureza da linguagem em
que escreve. Sem propriedade no fallar perde muito qualquer obra
litteraria d'aquelle solido merecimento, que depende não do juizo do
povo ignorante, mas da sentença da critica judiciosa. Esta propriedade
consiste em usar d'aquelles vocábulos, d'aquellas phrases e idiotismos,
que constituem o distinctivo e indole legitima do idioma em que se
escreve,
( J. Freire — Reflexões .sobre a lingim poríugueza . )
Estylo natural — Quando ás vezes ponho diante dos olhos os
muitos e grandes trabalhos e infortúnios, que por mim passaram, co-
meçados no principio da minha primeira idade, e continuados pela
maior parte e melhor tempo da minha vida ; acho que com muita
razão me posso queixar da ventura, que parece que tomou por p?rti-
cular tenção e empreza sua, perseguir-me e maltratar-me, como se
isso lhe houvera de ser matéria de grande nome e gloria ; porque
vejo que nãó contente de me pôr na minha pátria, logo no começo da
minha mocidade, em tal estado que n'elle vivi sempre em misérias e
em pobreza, e não sem alguns sobresaltcs e perigos de vida, me quiz
também levar ás partes da índia, onde em lugar de remédio que eu ia
buscar a ellas, me foram crescendo com a idade os trabalhos e os
perigos .
( Fernão Mendes Pinto — Peregrinação .)
A naturalidade não pôde vir desacompanhada de ta-
lento, de imaginação, e grande sensibilidade. Si assim
não for cahe na puerilidade e chateza .
Estylo familiar.— Ha outros ( proseguiu Leonardo ) que nem com
isso se contentam -, e andam buscando palavras mui exquisitas, que
por termos mui escuros significam o que querem dizer. Como um
que se queixava da sua dama, que, de ciosa, andava^ inquirindo os es-
crutitiios do seu pensamento . E outro a um barbeiro disse, que lhe
rubricara a parede com a sangria.
( F. R. LOBO — Corte na Aldéa.)
O género temperado divide-se em estylo apurado.,
elegante., espirituoso .
O estylo apurado mais se eleva pela propriedade e bom
cunho das palavras, pela sua correcta e elegante collocação,
do que pelo excesso de colorido, de ornatos, etc .
533
De muitos Santos lemos, que o começaram a ser ainda no berço.
Assim madrugou neste menino a inclinação ás cousas da Religião e
da Igreja. Inda não tinha idade para entender e discernir, já assistia
a uma missa com tanto siso, e com tanta quietação, que dava que
fallar aos que o viam, mostrando na applicação, que não ignorava de
todo o que alli via e ouvia.
{Sovzh — V. do Arco.)
O estylo elegante é o que mais apresenta a phrase ren-
dilhada, colorida, o período boleado, harmónico, etc.
Quando o assumpto não comporta o peso dos ornatos, por
muito ricos para o caso, ou muito multiplicados, o estylo
degenera, e longe de ser belleza é um defeito.
A aurora é o riso do céo, a alegria dos campos, a respiração das
flores, a harmonia das aves, a vida e alento do mundo. Começa a
sahir e a crescer o sol, eis o gesto do mundo e a composição da
mesma natureza toda mudada ; o céo accende-se ; os campos sec-
cam-se ; as flores murcham-se ; as aves emmudecem; os animaes
buscam as covas; os homens as sombras. E se Deus não cortara a
carreira ao sol, fervera e abrazára-se a terra, arderam as plantas, sec-
caram-se os rios, sumiram-se as fontes ; e foram verdadeiros e não fa-
bulosos os incêndios de Phaetonte.
(Vieira— i, 251).
O estylo espirituoso (faceto, etc. ^), em que o escriptor
deve sempre conservar delicadeza e finura do senti-
mento, para que o sal attico não degenere em sal de co-
zinha .
Fossem lá á rainha Anna que deixasse entrar no seu gabinete
quatro calças de couro sem creação nem instrucção, e não mais senão
só porque este sabia jogar nos fundos, aquelle tinha boas tretas para
o canvassing (manejo) de umas eleições, o outro era figura impor-
tante no Frecmasson^ s-hall ! (loja maçónica).
Já se vê que em nada d'isto ha a minima allusão ao feliz sys-
tema que nos rege : estou fallando de modéstia, e nós vivemos em
Portugal.
(Garret — Viagens na minha terra.)
O estylo temperado é o estylo próprio do senti-
mento, é o mais empregado em poesia, historia, ro-
mance . •
* Os antigos diziam faceto, jocoso, etc; com a morte da velha chalaça
portiigiieza — introduziu -sô o csptViío, e mais moderadamente o humoure
o estylo humor istico, etc.
534
O enérgico. Exige talento, gosto, e estudo, porque
muito depende do bom cabimento do termo, que vá im-
mediatamente gravar a idéa no pensamento . E para isso
são também precisos o jogo delicado das antitheses, e a
concisão, a graciosa e emphatica brevidade .
Eu vos mando, filho, com esse soccorro a Diu, que pelos avisos
que tenho, hoje estará cercado de multidão de Turcos ; pelo que toca
a vossa pessoa, não fico com cuidado, porque por cada pedra daquella
fortaleza arriscarei um filho. Encommendo-vos que tenhaes lem-
branças daquellesj de quem vindes, que para a linhagem são vossos
avós, e para as obras são vossos exemplos ; fazei por merecer o appel-
lido que herdastes, acordando-vos que o nascimento em todos é igual,
as obras fazem os homens differentes ; e lembro -vos que o que vier
mais honrado, esse será meu filho. Esta é a bençam que nos deixaram
nossos maiores ; morrer gloriosamente pela lei, pelo rei, e pela pátria.
Eu vos ponho no caminho da honra ; em vós está agora oganhal-a.
(J. Freire — Vida de D. João de Castro.)
O vehemente — é o irrumpir de um vulcão, cujas ma-
térias incandescentes recalcara por tempo dilatado . Mil
idéas atravessam ao mesmo tempo o cérebro do orador,
dominam-lhe o sentimento, — a paixão, a ira, etc; e d'ahi
essas phrases ^desligadas, o apostrophe, a interrogação e
exclamação, a prosopopéa, a repetição, a ellipse, a meta-
phora, etc. . .
Crescerá com a nossa paciência o seu atrevimento. Depois de com-
mettido o maior delicto, qual não terão por leve ? Quem duvidará ser
oífensor onde se não vingam injurias? Acabemos pois de despertar
d'este mortal Icthargo ; mettamos até aos cotovellos os braços no
sangue d'estes cruéis tyrannos ; n'este veneno banhemos os alfanges ;
porque percam com as vidas a gloria de tão grandes insultos.
(J. Friere — Vida de D. João de Castro.)
No estylo magnifico ou sublime a pompa das imagens,
a louçania das palavras, a elevação dos pensamentos, a
pujança das figuras em criterioso dominio, a harmonia do
tecido da phrase e da contextura do periodo, eis o que
constitue este estylo, de que é excellente exemplo o trecho
de Herculano citado a pgs. 495 .
1 1 — ff Todas estas classificações são boas debaixo do
ponto de vista a que olham ; mas insufficientes para cara-
535
cterisar todos os est3los. Dous ou mais escriptores
escrevem, por exemplo, em estylo simples e conciso, e
todavia náo deixa cada um d'elles de ter um estylo tão
individual como a sua physionomia. Serão simples e
concisos ; mas um será obscuro, outro claro ; um profundo
outro superficial ; um original, outro vulgar, etc. Assim
designar o estylo de cada um delles pelas qualificações de
simples e conciso não é caracterisar-lhes o estylo ; porque
não é indicar a feição característica, que distingue esse
escriptor d^outro também simples e conciso.»
12 — Os estylos litterarios são pois muitos ; mas no
portuguez [podemos perfeitamente distinguir três cate-
gorias que bem espelham as transições .
1°. — O estylo c/íi55/co, creado no sec. XVI artificial-
mente pela cultura latina .
2°. — O est\lo gongorico, caracterisado pelas túrgidas
metaphoras, empolado da phrase, antitheses desvairadas,
hyperboles disparatadas, pelo fraldoso arrastar da
phrase, etc. . .
« Não o nascer se não o nascer sabiamente, é o que faz viver
para todos: a sabedoria do nascimento dá universalidade á vida, bem é
universal o que é sciente, que as sciencias tratão de universaes, e quem
nasce entre sábios, por isso mesmo nasce sabiamente. »
« Affonso e Beatriz gerão em Pedro sua imagem, e semelhança,
Pedro o é de seus pais; este foi ditoso em que teve pais, de que
mereceu ser filho, aquelles em ter um filho, de que mereceram ser
pais : de um, e outro é a felicidade, e a sorte, dos pais, porque se
representam em tão bom filho, do filho, porque é imagem de seus pais.i»
(Fr. H. de Nofbnha Exemplar
Poético) 1623.
Donde começarei ? Briareu eburno
De cem braços de plectros, de um custodio
Virrei te doto ; abre em Dorio turno
As pestanas, vê o Sol deste episodio ;
Vossa Excellencia é o Sol ; pelo coturno
O abração tantos braços : eu neste ódio
Rasgo para cantar, e as cordas plenas
Dizendo vão Menezes, e Mecenas.
F. j. da Costa ( O Imeneu dos
Metienei e CdStrõ ) 1740.
536
3. — O estylo contemporâneo, que influenciado pela
escola romântica, afastou -se do clássico no arrevesado da
phrase, nos periodos estirados, nas inversões á latina, etc.
Esta escola foi iniciada em Portugal por A. Herculano,
Garrett, Castilhos, Rebello da Silva, Latino Coelho,
Mendes Leal, Castello Branco, ... e tem produzido em
prosa e verso uma serie de escriptores de mui subido
mérito .
Entre nós são escriptores correctíssimos J. M. Velho da
Silva, Carlos de Laet, Aureliano Pimentel, B. de Parana-
piacaba. Machado de Assis, Luiz de Castro, Muniz Barreto,
José Banifacio, Bellegarde,
i3 — A estylistica teve pois a sua evolução.
No fim do Sec. XIV é que apparece pela primeira vez um exemplo
concreto, na rude descripção da batalha do Salado ; no XVI Sá de
Miranda influencia no meio objectivo pela cópia de seus dizeres
populares, ao passo que, ao envez, o objectivo influe em A. Ferreira pela
tradição da autoridade clássica.
No declinar desse século começa a prosa abstracta ; mas o estylo
affectado e campanudo dos seiscentistas afeia os escriptos.
No Sec. XVII nota-se a influencia hespanhola, do que nos dá
prova sobeja o estylo de Rod. Lobo, sem individualidade, todo de con-
venção. D. Francisco M. de Mello subordina a sua individualidade
ao que elle chama re suscitar o grave estylo de nossos antepassados ;
Fr. Luiz de Souza e Freire de Andrade escrevem adstrictos a umarhe-
torica convencional : Bocage dá ao estylo mais harmonia pela conti-
fiuidade dos epithetos regularmente repetidos — diz o Sr. Th. Braga-^ ;
Filinto Elysio— é o grande artista das riquezas da construcção por-
tugueza.
t a velha querela de purismo
« e peregrinismo phraseologico deixa de ter razão de ser e
« se resolve numa verdadeira logomachia, que só apraz
« intelligencias ociosas e vasias de doutrina .
« Que um escriptor originalcontemporaneo, influenciado
« por um meio physico social particular, deva vasar seus
« pensamentos e suas emoções conforme os modelos de um
« convencionalismo clássico e de certa bitola académica
€ (sempre apoiada na rotina da imitação, e procurando
« mais o figurativo do que o expressivo), isto, aftirmamol-o,
I
Doy
« é uma exigência que só pôde partir de uma critica er-
« ronea ou apaixonada.
« Neste caso estão os frequentes reparos que os críticos
« de Portugal fazem de certas differenciações do fallar e
« escrever brazileiro, onde o que mais se lamenta é a
« nossa indocilidade para com < a tyrannia de Lobato » .
« Mas é claro que, por exemplo, José de Alencar não
« poderia, sem máximo ridículo, escrever a sua bellissima
« Iracema na. feição pesada e grossa do quinhentismo clas-
« sico, que tão de perto trescala ao fragmento da Capa e
« á canção de Guesto oAnsures.
« As pequenas modificações synthaxicas (que outras não
< são), com que variamos e originalisamos a lingua de
« nossos maiores, tem em seu favor, além das causas na-
t turaes que a sciencia descobre e aponta, a vantagem de
« uma suavidade maior em vários sentidos. » *■
E' pelo estylo — diz Taine — que se julga um autor: o
estylo representa o que no homem ha de verdadeiro e
predominante .
* L. de Andrade — These de concurso.
6K
índice
PAGS.
I* lição. — Observações geraes sobre o que se entende por
grammatica geral, por grammatica histórica ou comparativa e
por grammatica dcscriptiva ou expositiva.
Objecto da grammatica portugueza e divisão do seu estudo.
Phonologia : os sons e as lettras ; classificação dos sons e das
lettras; vogaes ; grupos vocálicos ; consoantes ; grupos consonan-
taes ; syllaba ; grupos syllabicos ; vocábulo ; notações léxicas. . . 5
2* lição. — Da accentuação e da quantidade 17
y- lição. — Origem das lettras portuguczas ; leis que pre-
sidem á permuta das lettras ; importância destas transformações
phonicas no processo de derivação das palavras 27
4* lição . — Dos metaplasmos 44
5* lição. — Dos systemas de ortographia e das causas de
sua irregularidade 52
6* /zfã^.— Morphologia : estructura da palavra: raiz;
thema ; terminação ; afiflxos. Do sentido das palavras deduzido
dos elementos morphicos que as constituem ; desenvolvimento
de sentidos novos nas palavras 57
7^ lição. — Da classificação das palavras. Do substantivo e
suas espécies 76
8* lição. — Da classificação das palavras. Do adjectivo e
suas espécies 86
9* l/ção. — Classificação das palavras. Do pronome e suas
espécies 91
10* lição. — Classificação das palavras. Do verbo e suas
espécies 95
II» lição. — Classificação das palavras. Das palavras inva-
riáveis 106
pags.
12^ lição. — Agrupamento de palavras por família e por
associação de idéas. Dos synonymos, hoironymos e paronymos. 121
i3» lição. — Fkxão dos nomes: género; numero; caso.
Moções de declinação latina. Desapparecimento do neutro latino
em portuguez ; vestígios do neutro em portuguez ; vestígios da
declinação em portuguez. Origem do s do plural 141
14* lição. — Flexão dos nomes : grão do substantivo e do
adjectivo ; comparativos e superlativos syntheticos ; comparativos
e superlativos analyticos 181
15a lição. — Flexão dos nomes ; flexão do pronome; decli-
nação dos pronomes pessoaes 199
16* lição. — Flexão dos verbos : conjugação ; formas de
conjugação 210
17.^ Lição. — Formação das palavras em geral : composição
por prefixos e por juxtaposição. Estudo dos prefixos 249
18.* Lição. — Formação das palavras em geral: derivação
própria (por suffixos); derivação imprópria (sem suffixos).
Estudo dos suffixes 281
19.* Lição.— Das paiavras variáveis formadas no próprio
seio da língua portugueza 3o9
20.* Lição. — Das palavras invariáveis formadas no próprio
seio da língua portugueza 3i2
21.* Lição. — Etymología portugueza; princípios em que
se baseia a etymología. Leis que presidiram á formação do
léxico portnguez 3i5
22.* Lição. — Da constituição do léxico portuguez. Línguas
que maior contingente offereceram ao vocabulário portuguez. . . 32 1
23.* Lição. — Caracter differencial entre os vocabulários de
origem popular e os de formação erudita ; duplas ou formas
divergentes • ' t . . . 336
24.* Lição. — Da creação de palavra novas. Hybrídismo. . . 348
25.* Lição. — Etymología do substantivo e do adjectivo.
Influencia dos casos na etymología dos nomes 355
26.* Lição. ^ Etymología do artigo e do pronome 371
27.* ZíVãí».^ Etymología das formas verbaes ; comparação
da conjugação laúna com a portugueza 38$
28.* lição. — Etymología das palavras. 397
PAGS.
29.* lição.— Da syntaxe em geral. Breves noções sobre a
estructura oracinal do latim pxjpular e do latim culto. Typos
syntaxicos divergentes na lingua portugueza 415
3o.* /z^rtí?.— Syntaxe da proposição simples. Espécies de
proposição simples quanto á forma e á significação. Dos mem-
bros da proposição simples • 420 .
3i.* lição''-' Syntaxe da proposição composta ou do periodo
composto. Coordenação. Subordinação. Classificação das pro-
posições 422
32.* lição. — Regras de syntaxe relativas a cada um dos
termos ou membros da proposição 425
33.* lição. — Regras de syntaxe relativas ao substantivo e
ao adjectivo 43o
34* lição. — Regras da syntaxe relativas ao pronome. ..... 443
35* lição.— ' Regras de syntaxe relativas ao verbo. Do em-
prego dos modos e tempos. Corrrespondencia dos tempos dos
verbos nas proposições coordenadas e nas proposições subor-
dinadas 449
36* lição.'— Regras de syntaxe relativas ás formas nominaes
do verbo 461
37* lição. — Regras de syntaxe relativas ás palavras inva-
variaveis
38* lição. — Syntaxe do verbo haver e do pronome se 468
39* lição. — Da construcção : ordem das palavras na pro-
posição simples e das proposições simples no periodo composto. . , 481
40* lição. — Da collocação dos pronomes pessoaes 483
41* lição. — Das notações syntaxicas : pontuação ; emprego
de lettras maiúsculas 491
42* lição . — Figuras de syntaxe. Partículas de realce 494
43* lição.— Dos vxios de linguagem 498
44* lição . — Das anomalias grammaticaes ; idiotismos ; pro-
vincialismos ; brazileirismos ; dialecto 5o3
45* lição. — Das alterações léxicas e syntaxicas ; archaismo
c neologismo 5^-^
46* lição. — A syntaxe e o estylo 527
CORRIGENDA
Pags.
4 — linha 4^ — em vez de sentido lêa-se estudo.
7 — 16 e 17 — lexycolojria — lexicologia.
II— 3o a 32 — lêa-se... (que comprehende as cordas vocaes)^ as
fossas nasaes, e finalmente a boca (lingua, lábios,
dentes) .
15 — 9 — tachygrapho — iachygraphico.
24 — 6 — exetnolo — exemplo.
26— 7 — herametros — hexametros .
59L. 15 — cm vez de amar, porem j é o tJieina especial,
lêa-se AMAV. ...
62 » 15 — spect,\^z.-?,ç. spec .
64 » 18 — ãs abstractos, loa-se aos abstractos.
64 » 28 — meto Jty mico j \èa.-se metonymia.
64 » 28 — metale/rCj lêa-se tnetalepse.
66 » 18 — estabelecidos yiio Rio de Janeiro, — estabelecidos no
Rio de Janeiro.
68 » 18 — alugc^, lêa-se alugava.
127 » 9 — sana t Sé j lèa-se Santa Se' .
185 25 entilha lentilha
— 27 colo colo
188 36 invenior iuvenior
2o3 8 idoisincracia idiosyncracia
209 4 só conservou não conservou
— 7 evitar evitarem
216 23 faredcs f acedes
PAas.
217
5
—
10
218
5
—
9
219
10
226
21
23o
I
daces daaes
ão, om on aõ=om, on
2* p. do plural 2^» p. dosing. e plural
o õ
tra-rei trar-ei
edudita erudita
desvivação desviação
Mais — Nas pags. 214 e 215 (tabeliã das flexões verbaes), 4'
observação, lêa-se têm-x em vez de íem-ti . Na etymologia explica-se
esta formação 'í^o perfeito j 2* conj. 2* pess. sing.— oUj Cpor an)^ u,
u em vez de ou, eUj iu. No prés. do Ind. 3* conj. 2» pess. plural a
flexão c is também ; mais o i da fllexão fundiu-se com o do radical,
dando em resultado tornar-se tónica a syllaba final ( partis=parti-\%).
Na 6* observação em vez de — os da 3* mudam o i? em í — lêa-se — o
i em e; mudança que teve por fim diíFerenciar graphicamente as
pessoas do Imperativo (parte parti)
Na pag. 245 supprimam-se as linhas 19 a 23, por excusadas.
n
BINDING SECT. FEB 2 3 1968
PC Pacheco da Silva, Manuel
5067 Noções de grainroatica
P3 portugueza
PLEASE DO NOT REMOVE
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