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Full text of "Noções de grammatica portugueza, de accordo com o programma official para os exames geraes preparatorios do corrente anno, [por] Pacheco da Silva Junior e Lameira de Andrade"

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HANDBOUND 
AT  THE 


UNIVERSITY  OF 
TORONTO  PRESS 


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A^:t>   7z<^?  (,^x 

NOÇÕES 


DE 


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iií*  ^ 


A  PORTDGUEZA 


DE    ACCORDO    COM    O    PROGRAMMA    OFFICIAL 


Para  os  exames  geiaes  fie  preparatórios  do  corrente  anno 


PELOS     PROFESSORES 


'Ifiji/h/o^JL^^oheco  da  Silva  Júnior 


Lameira  de   Andrade 


Ainda  quando  a  grammatica  histórica  só 
desse  em  resultado  tomar  as  grammaticas 
ordinárias  mais  lógicas  e  mais  simples,  já 
nâo  prestava  pequeno  serviço. 


RIO  DE  JANEIRO 

33     RUA    DA    URUGUAYANA     33 


1887 


Serão     reputados    falsos   todos  os    exemplares    não    rubricados 

t 

e    numerados   pelos   autores,   os    quaes   protestam    contra   qualquer 
reproducção. 


SEP  28  1967^^ 


Tínhamos  emprehendido  escrever  uma  gram- 
matica  completa  da  língua  portugueza,  rompendo  em 
lucta  a  tradição,  e  fazíamos  fundamento  de  entregal-a 
em  breve  á  publicidade.  O  novo  programma  para  os 
exames  geraes  de  preparatórios,  porem,  veio  fazer- nos 
mudar  do  propósito.  E*  que  muitos  dos  pontos  nelle 
exigidos. para  os  exames  de  portuguez  não  se  encon- 
trando nas  grammaticas  que  por  ahi  correm  impressas,' 
e  os  alumnos  não  tendo  fontes  onde  possam  haurir 
a  instrucção  de  que  carecem,  resolvemos  vir  ainda 
uma  vez  em  auxilio  da  mocidade  estudiosa. 

Não  apresentamos  este  trabalho  como  merecedor 
de  gabos  de  excellente,.  nem  no  intuito  de  nos  reve- 
larmos professores  de  sciencia  jubilada.  O  tempo 
urgia;  bosquejamos  apenas  o  assumpto. 

Nem  sempre  o  nosso  parecer  coincidiu  com  a 
indicação  do  programma  ofticial ;  seguimos  todavia, 
para  maior  segurança  dos  viajantes  novéis,  o  roteiro 
apresentado  pelo  governo. 


A  única  difficuldade,  e  não  pequena,  com  que 
tivemos  de  pleitear,  foi  a  dosagem. 

Acertadamente  escreveu  o  illustre  pedagogista 
Alberto  Brandão : 

A  grande  difficuldade  com  que  vão  arcar  os  profes- 
sores é  a  dosagem,  porquanto,  como  disse  Michel  Bréal, 
não  ha  methodo  mais  perigoso  do  que  o  histórico,  quando 
mal  applicado,  e  os  autores  do  livro  a  apparecer  têm  de 
pôr  de  parte  a  vaidade  natural  aos  que  muito  estudam 
para  formularem  um  livro  modesto  e  comprehendido 
pelos  que  começam  a  estudar. 

E  isso,  parece,  ficará  de  accôrilo  com  os  organi- 
sadores  do  programma,  que  devem  saber  que  muitos  dos 
pontos  exigidos  só  poderiam  ser  tratados  em  theses,  não 
de  exames  de  preparatórios,  mas  de  concurso  no  imperial 
collegio. 

Seguindo  esse  conselho  de  mestre,  fizemos  o  que 
devíamos;  se  o  nosso  trabalho,  porem,  não  agradar 
a  alguns,  escrevam  elles  um  outro  —  a  maior  aprovei- 
tamento dos  estudantes — ,  e  mostrem  o  que  sabem  e 
o  que  podem. 


Nota.  —  A  matéria  que  o  alumno  é  obrigado  a  cncerebrar 
vae  impressa  em  typo  maior ;  as  notas  encasadas  no  texto,  e  as 
que  vão  embaixo  cia  pagina  são  destinadas  aos  que  mais  desejam 
aprender. 

Entendemos  dever  forrar-nos  á  tarcfii  de  nos  occuparmos 
de  definições  e  outras  cousas  elementares,  que  o  alumno  já  deve 
conhecer  desde  a  escola  primaria. 


PRIMEIRA  LIÇÃO 


Observações  geraes  sobre  o  que  se  entende  por  grammatica 
geral,  grammatica  histórica  ou  comparativa,  descriptiva, 
ou  expositiva.—  Objecto  da  grammatica  e  divisão  do  seu 
sentido.— Phonologia:  os  sons  e  as  lettras;  classificação 
dos  sons  e  das  lettras;  vcgaes;  grupos  vocálicos;  con- 
soantes, grupos  consonantes;  syllabas,  grupos  syllabicos; 
vocábulo ;  -  notações  léxicas. 


I. —  Grammatica  geral  é  o  estudo  dos  factos  e 
das  leis  da  linguagem  em  toda  a  sua  extensão. 

E'  o  conjuncto  dos  processos  communs  a  muitas 
línguas  comparadas. 

O  fim,  pois,  da  grammatica  geral  é  coordenar  as 
seinellianças  c  dhcrgoicias  dos  vários  processos  oraes, 
seguidos  no  maior  numero  das  linguas  conhecidas,  para 
a  expressão  dos  sentimentos  e  das  idéas,  estabele- 
cendo ao  mesmo  tempo  regras  geraes,  principies  fun- 
damentaes,  leis  communs  e  positivas. 


Nesta  accepção  a  grammatica  geral  é  propria- 
mente o  estudo  da  linguagem  (glottologia),  isto  é,  o 
estudo  dos  meios  extraordinariamente  numerosos  pelos 
quaes  o  género  humano,  na  diversidade  das  raças  e 
na  successão  dos  tempos,  exprimiu  o  pensamento. 

No  domínio  da  grammatica  geral  ha  duas  orientações: — a  ten- 
dência exclusivamente  lógica,  que  impõe  a  priori  uma  theoria  do 
pensamento  a  todas  as  modalidades  linguisticas;  e  a  tendência  ex- 
clusivamente inorJ)hiai,(\\.\Q  procura  explicar  o  sentido  pela  structura, 
o  interno  pelo  externo. 

Quando  exclusivas,  systematicas,  ciumentas,  essas  orientações 
tornam  se  viciosas;  pois  cumpre  não  esquecer  que  a  palavra  com- 
põe-se  de  dous  factores  invariáveis  — u  physiologico  e  o  psycolo- 
gico,  a  idéa  e  ?i  forma.  Para  perfeita  constituição  da  glottologia  é 
pois  de  mister  a  intima  combinaçcão  dos  dous  processos. 

2. —  Grammatica  histórica  ou  comparativa. — É 
a  que  emprega  7s.Jiistoriíi  e  ?l  comparação  como  instru- 
mentos verificadores  da  linguagem. 

Só  ella  nos  ensina  a  dissecação  scientifica  dos 
vocábulos;  permitte  remontar  ao  passado  obscuro, 
muito  além  do  ponto  em  que  param,  a  lenda  e  a  tradi- 
ção; pode  reconstituir  a  forma  typica  das  palavras  des- 
figuradas ou  gastas  pelas  migrações  e  pelos  séculos. 
Assim,  por  exemplo,  se  quizessemos  estudar  o  vo- 
cábulo pomba,  a  historia  nos  indicaria  a  origem  no 
latim  palumba,  e — como  todas  as  evoluções  na  vida 
humana  foram  lentas  e  graduaes — as  formas  interme- 
diarias/•íz/^wí^í?,  j(^íZí?/;^^z,y^6>í?w/^í?  (does.  do  Sec.  XIII); 
fr.  colombe,  palombe;  hesp.  coltimba  paloma;  it.  co- 
lomba,  palombo.  ' 


*  Em  lat.  coluniha,   gen.  gall.;  paliiinba  (=.paliinibcs,  paltiin- 
^//íj=  pombo  trocaz.    Em  port.  tenioso  adj.  columbino  e  colombina. 


3-  —  Grammatica  descriptiva  ou  expositiva. — 
E'  a  codificação  empyrica,  a  exposição  analytica  dos 
factos  da  linguagem. 

Não  investiga  as  causas  nem  explica  as  leis ;  seu 
fim  é  apenas  classificar,  definir,  e  exemplificar  os  ma- 
teriaes  linguisticos. 

Este  niethodo  grammatical,  posto  estude  mui  incompletamente 
a  linguagem,  é  todavia  de  grande  utilidade  por  sua  clareza  didá- 
ctica, e  ainda  accrescentado  pelos  muitos  respigos  ào.  provas  cumu- 
lativas. 

4.  O    OBJECTO    DA    GRAMMATICA    PORTUGUEZA,   é 

poiso  estudo  geral,  descriptivo,  histórico,  comparativo 
e  coordinativo  ,mas  tão  somente  no  dominio  da  lingua 
portugueza,  dos  factos  da  linguagem  e  das  leis  que 
os  reo;em. 

5.  —  Divide-se  em  lexycologia  Gsyntaxe. 

A  lexycologia  estuda  a  palavra  individualmente, 
e  subdivide-se  ç.\x\  phonologiaow  estudo  dos  sons  (que 
comprehende — phonetica,  prosódia  e  orthographia), 
inorpJwlogia  ou  estudo  das  formas,  e  semiologia  ou 
estudo  do  sentido  das  palavras  e  da  sua  variabi- 
lidade. 

A  syntaxe  trata  da  palavra  collectiva,  isto  é,  da 
phrase  e  à2i  proposição,  e  divide-se  ç^xw  grammatical e. 
litteraria. 

A  primeira  é  a  theoria  da  coordenação  e  subor- 
dinação das  palavras  em  suas  relações  de  pura  expres- 
são form.al  do  pensamento ;  a  segunda  é  a  theoria 
artística  da  palavra  em  suas  relações  com  a  esthetica 


do  pensamento.      Desta    nos    occuparemos  no  ponto 
46  (estylistica).  ' 

6.  —  Phonologia  é  o  estudo  dos  sons  em  geral. 
PJionetica  é  a  parte  da  grammatica  que  estuda  as 

modificações,  permutas  e  transformações  dos  sons. 

A  phonetica portugueza,  pois,  tem  por  fim  o  estudo 
histórico  de  cada  uma  das  lettras  do  nosso  alphabeto, 
das  permutas  que  sofí'reram  na  passagem  do  latim 
para  a  nossa  lingua,  e  ainda  o  das  modificações  por 
que  passaram  até  a  fixação  das  formas  vocabularias. 

Base  dos  estudos  grammaticaes,  philologicos  e 
glottologicos ;  esteio  da  etymologia  scientifica,  é  ainda 
a  phoneticaque  nos  ministra  as  formas  intermediarias 
hypotheticas,  mas  verificáveis,  de  tão  subida  utilidade 
para  os  estudos  comparativos. 

Não  obstante,  as  íeis  phoneticas  não  são  absolutas 
e  rigorosamente  fataes;  representam  apenas  tendên- 
cias desenvolvidas  da  Hno^uasfem. 

7.  —  Sons  e  lettras.  O  som  é  um  phenomeno 
natural  que  se  produz  em  todas  as  suas  variedades, 
mas  subordinado  a  condições  grganicas  ;  e  o  alphabeto 
natural  é  hoje  perfeitamente  explicado  pela  anatomia 
e  pela  physiologia,  e  ainda  pela  physica. 

Podemos  pois  definir  o  som  —  producto  do 
apparelho  phonico. 


'  Esta  divisão  da  grammatica  é  a  mais  vasta  e  geral.  Outra, 
que  também  aceitamos,  e  mais  determinada,  é  a  seguinte — phono- 
logia, lexicologia,  morp/iologia,  morphologia  analytica,  syntaxe. 


Lettras  são  as  representações  graphicas  dos  sons. 
A'  sua  disposição  methodica,  bem  como  á  dos  sons, 
dá- se  o  nome  de  alphabeto. 

Um  systema  alphabetico,  deve  estender-se  do  a  aberto  aos 
sons  mudos  e  completamente  fechados.  São  esses  — diz  Whitney — 
os  seus  limites  naturaes  e  necessários,  e  só  os  gráos  intermediários 
podem  dividir-se  em  classes. 

8.  —  Ha  tres  cadiegorias  de  sons  ou  lettras,  cor- 
respondentes a  tres  ordens  de  modificações  do  appa- 
relho  vocal  —  vogaes,  consoantes  momentâneas,  con- 
soantes continuas. 

A  divisão  geral  dos  sons  em  vogaes  e  consoantes, 
basea-se:  i?,  no  esforço  que  se  emprega  para  superar 
o  obstáculo  opposto  á  emissão  do  som  ;  29,  na  natureza 
especial  dos  órgãos  que  constituem  esse  obstáculo, 
-D'ahi  ainda  a  divisão  das  consoantes  em  contÍ7iiias 
(vibrantes,  liquidas,  aspirantes)  ;  instantâneas  ou 
explosivas,  nasaes,  c/iiantes,  e — gnttnraes,  palataes, 
dentaes  e  labiaes. 

9.  —  As  vogaes,  são  produzidas  peto  larynge, 
posto  que  modificadas  no  som  pelas  differentes  posi- 
ções da  lingua  e  dos  lábios.  Cada  uma  dessas  modi- 
ficações  do   som  origina  uma  voz  ou  vogal  differente. 

A  cavidade  bocal  forma  um  canal  igualmente  largo  ou  dila- 
ta-lhe  o  segmento  anterior  estreitando  o  posterior  :  dá-se  o  primeiro 
caso  para  as  vogaes  a,  o,  11,  o  segundo  para  e,  e  /.  Na  emissão 
desses  sons  ('vogaes  puras),  os  orifícios  das  cavidades  nasaes 
fecham-se  pela  elevação  da  aboboda  palatina :  o  contrario  produz 
as  iiasafs.  (Burnt.  Kiin.  Vhys.). 

As   vogaes  fundamentaes,  typicas  são — a,  e,  u\ 

i  ç.  o  representam  sons  puros,  porém    intermediários. 

2 


IO 


A  nasalisação  vocálica  em  portuguez,  posto  fosse  vulgar  no 
celta  e  no  francez.  não  deve  ser  attiibuida  a  estas  influencias  senão 
á  da  lingua  romana. ' 

O  y  entre  duas  consoantes  origina-se  de  um 
ypsiloii  grego,  ainda  mesmo  nas  palavras  importadas 
pelo  latim . 

Entre  vogaes  equivale  a  um  i  o\\  y  latino,  ou  é 
de  intercalação  euphonica.  Serve  ainda,  no  fim  da 
palavra  principalmente,  para  alongara  vogal  {aly,  /ly, 
etc.) 

'  No  latim  o  ypsilon  era  representado  nas  mais 
antigas  inscripções  por  ii  ou  por  //e  nos  nossos  pri- 
meiros documentos  equivalia  a  i  ç.  j  {mayo,  mayoi', 
peyor,  etc), 

E'  final  em  algumas  palavras  de  origem  estran- 
geira {bcy,  dcy,  joc/ccy),  e  neste  caso  representa 
signal  etymologico  ;  e  ainda  nos  nomes  locaes  deriva- 
dos da  lingua  indigena  (Cafumby,  Andarahy). 

IO.  — As  vogaes  podem  ser  duplas  ou  compostas 
(de  uma  forte  e  uma  fi^aca).  A  estes  grupos  vocálicos 
dá-se  o  nome  de  diphthongo;  consistem  na  emissão 
de  duas  vozes  constituindo  um  som  unicO;  e  dividem- 
se  em  oraes  e  nasacs :  ac,  (ai),  au,  (ao),  ci,  eu  (eo,)  oc 
(oi),  oií,  líi,  e  ãc,  ã  (an),  ão,  õe,  nim. 

O  diphthongo  é  sempre  consequência  de  reforço 
ou  abrandamento. 

Chama-se  semi-diphthongos  aos  grupos  ea,  ia,  té, 
7ia,  tie  MO,  e  a  razão  salta  aos  olhos  —  as  duas  vogaes 


*  V.   Pacheco  Júnior  —  Rcvisia  Brazileira.  i"  vol.  122. 


i 


1 1 


posto  não  se  possam  separar  soam  todavia  distincta- 
mente  {ténue,  eontiiiiió). 

Alguns  grammaticos, —  entre  os  qiiaes  Diez — 
consideram  triphthongos  portuguezes  os  grupos  — 
uae,  uei : — iguaes,  averigueis. 

Os  monophthongos  (<?/,=<?,  ei^,  etc)  só  se  conservaram  no 
portiigiiez  em  relações  etyniologicas  (Encas  =  .E/ieas,  coevo 
=  aTi///i,  etc. ) 

II.  —  A  theoria  que  explica  a  funcção  das  vogaes 
e  as  suas  permutas  na  formação  e  derivação  das 
palavras,  chama-se  vocalistno. 

As  alterações  phoneticas  mais  são  devidas  á  natureza  das 
vogaes,  cujas  intimas  relações  physiologicas  são  manifestas  na  sua 
gradação  c  degradação,'  e  que  —  como  ponderou  Bopp — obe- 
decem a  uma^  escala  de  peso  relativo. 

12. — A  consoante  é  um    ruido,  e  não  um   som. 

Simples  ruidos  ou  vibrações,  não  podem  ser 
pronunciados  senão  com  auxilio  de  uma  vogal,  e 
d'ahi  lhes  veio  a  denominação  {cuni  somire). 

Uma  corrente  de  ar  passando  por  um  tubo,  fresta  ou  aresta, 
produz  um  som.  Si  o  som  é  produzido  por  uma  vibração  regular  e 
rythmica,  chama-se  som  musu\tl  ou  simplesmente  som  ;  se  a  vibração 
é  irregular,  isto  é,  se  as  suas  ondulações  successivassão  intervalladas 
irregularmente,  o  tympano  recebe  a  impreãsão  de  um  simples  ruido, 
e  não  de  um  som. 

Os  órgãos  de  respiração,  pela  inspiração  e  expiração,  podem 
produzir  muitos  sons  e  ruidos. 

Os  órgãos  necessários  para  a  producção  da  voz  e  pronuncia 
são  os  pulmões — os  bronchios,  a  trachéa,  o  larynge  (que  compre- 
hende  as  cordas  vocaes,  as  fossas  nasaes,  e  finalmente  a  boca 
língua,  lábios,  dentes). 


'  Caso  curioso  de  reforço  vocálico,  á  maneira  do  guna  sansk., 
é  a  forma  dialectal  de  Beira  — ai  aula,  ai  atigua,  etc. 


12 


O  ar  expellido  pelos  pulmões,  passa  dos  bronchios  para  a 
tracbéa,  e  chega  á  glotte  :  não  podendo  romper  facilmente  por  esta 
fenda,  é  impellido  com  força  pelo  sopro  contra  as  cordas  vocaes 
inferiores,  que  entram   em  vibração.   O  ar  torna-se  linlão  so/wro.'^ 

13.  — O  /i  é  simples  signal  etymologico  ; — /lora, 
Âoy/o.. .z=:\at.  /lora,  ho7'tiim;  hydrogeneo,  (gr.  luidros), 
Homero  ;  notação  de  dierese  ou  resolução  vocálica  — 
sahí,  ahi. 

Parece  que  esta  lettra  era  aspirada  nos  primeiros 
annos  da  formação  da  lingua,  á  semelhança  do  latim. 

Deixando  de  soar,  deixou  também  de  ser  repre- 
sentada graphicamente  (í7w^;2.  onrra,  etc);  mais  tarde, 
porem,  os  latinistas  introduziram  de  novo  esse  signal 
naescriptae  d'elle  abusaram  osescriptores  dos  séculos 
XIV  e  XV — he,  hir,  huDi,  ho,  ke,  (verbo  e  conjuncção) 
husofructo,  kiusidias,  hestroniento,  higualdaçoni,  etc. 
E  ainda  hoje  ç.scrQXftvaos  Jie?i/ním  por  }ie7n  luii. 

Em  muitos  casos,  porem,  parece  que  seu  fim  era 
indicar  o  alongamento   da  vogal  (in/icu  sabina,  etc.) 

14.  —  As  consoantes  são  simples — b,  c,  d,/,  etc: 
ou  compostas: —  cli,  lli,  nli,  pli,  etc.  Ao  lli  e  nh  dá-se 
o  nome  de  molhadas. 

Ás  combinações  bl,  br,  pi  p^^,  gl,  gr,  etc.  — accor- 
dadas,  em  geral,  á  euphonia  latina, — chamamos 
grammaticos  —  grupos    cojisonaiitaes.    (V.    ponto    3). 

A  theoria  explicativa  da  historia  das  funcções 
e  permutas  das  consoantes  denomina-se  consoiian- 
tismo. 

A  geminação  das  lettras  só  se  dá  no  dominio  das  consoan- 
tes :  I."  por  transmissão  etymologicaou  uso  tradiccional — cavallo-=z 


caballits;  2.°  pelo  reforço  do  a  proslhetico  regional :— íí/zt^ív/Aí/v 
3.°  por  assimilação,  nos  compostos  (directa  ou  indirectamente)  : — 
a)  raigtrr,  atlrahir. 

Nos  escriptos  antigos  empregavam  a  geminação  vocálica 
])ara  indicar  a  tonicidade  ou  transparência  etymologica  (Sec.  XII- 
XVI): — a7'oo,  fo/>oo,  diaboo,  seetii,  Vaasio,  Aícciíi.  .  .;  leo;  seede. 
inrde,  aojes,   soo/n,  Jáa,  cncii,  Jiwestno,  ineestre,  door.  .  .  (Sec.   XI 11).* 

A  substituição  d'esta  graphia  por  vogal  accentuada  data  do  sé- 
culo XV  em  Ruy  de  Pina,e  desapparece  com  Damião  de  Góes.  As 
mesmas  tendências  se  observam  na  geminação  das  consoantes 
(reforço,  alongamento  exterior,  etc.)  nos  mesmos  séculos  o/irras,  ssa, 
nios,  metisse,  /a/l,  capi/o//o,^i//os,  ffa/sos,  fforom  (Sec.  XIII  XV).  .  . 
ao  passo  que,  quando  etymologica,  raro  se  encontra  nos  primeuos 
documentos  da  lingua  {aba/c,  vosa  — século  XII  —  ,  ape/ido,  a/y 
—  século  XIII — ,  etc.) 

A  geminação  //representava  na  jiiesma  época  a  molhada  //;; 
{bar a/ lar,  mo//er,  conce//o..  .),  ////  =^  11  h. 

A  maioria  d'estes  factos  representa  o  período  syneretico  da 
orthographia. 

15, —  SVLLABAS,  GKUPO.S  SVLLABICOS,   VOCÁBULO. 

As  syllabas  representam  os  sons  elementares  do  vo- 
cábulo :  são  as  suas  articulações  ou  juncturas. 

Podemos  ainda  definir  a  syllaba — todo  e  qualquer 
som  produzido  por  uma  única  emissão  de  voz.  ^ 

Vocábulo  é  uma  forma  expoente  de  uma  idéa 
ou  sentimento.  ' 

A  formação  das  syllabas  e  dos  grupos  syllabicos 
depende  principalmente  da  afíinidade  physiologica  dos 
sons  e  sua  correspondência,  '*  e  de  hábitos  euphonicos 
regionaes,  subordinados  quasi  invariavelmente  á  lei  ou 
ao  principio  de  menor  acção. 


'  Gane.    Vat. ,    Ined.  d'Alle.,  L.  Gons.,  etc. 

-  E  como  a  voz  é  a  emissão  dos  sons  vocaes,  segue-se  que 
não  pode  haver  syllaba  sem  vogal. 

■^  Por  excusado  não  nos  referimos  á  sua  constituição  em 
monosy/Zabos,  dissy/Zabos,  etc. 

*  Ayer — Gramm. 


H 


Assim  por  exemplo,  as  combinações  syllabicas  — cz,  _ç//,  pth 
iniciaes,  são  transcripções  de  vocábulos  não  vernáculos,  isto  é,  na 
sua  formação  desviaram-se  das  leis  harmónicas  do  syllabismo  por- 
tuguez.  A  verdadeira  integridade  ou  unidade  syllabica  é  quasi  sem- 
pre consequência  do  principio  de  menor  esforço  a  que  acima  nos 
referimos. 

Phonica  e  morphologicamente  os  vocábulos  são — homonymos 
(liomophonos  ou  homographos)  e.  paronymos;  semiologicamenlesão 
mononymos,  polynomyno-,  syuonymos  e  antonymos.  (V.  lições  6* 
e  12."). 

i6. —  Notações  léxicas. — Sãosignaesgraphicos 
que  servem  para  exprimir  a  natureza,  predominância, 
contracção  ou  suppressão  de  vozes  livres,  e  ainda 
para  a  representação  abreviada  das  palavras. 

São  de  três  espécies — phonicas,  etymologicas  e 
tachygraph  iças. 

a)  A  primeira  espécie  pertencem  os  accentos 
agudo,  circiimjiexo,  a  dierese,  o  asterisco,  a  cedil/ia, 
e  o  ///  ou  accento  nasal,  etc 

O  accento  agudo  indica  não  somente  a  tonicidade  da  syl- 
labn,  senão  também  uma  contracção — ã  =z  aa  =;  lat.  s.i\-ilhiin. 

A  ãieirse  representa  uma  resolução  vocálica,  ou  emprega-se 
em  certas  palavras  para  indicar  cpie  as  duas  vogaes  não  formam 
diphthongo   (ataiide,  alaúde')  * 

O  circiiinflexo  indica  ensurdecimento  vocálico  (sede  =:l  siã),  e 
contracção  (têm  =  teem  =  lat.  tenent). 

A  ccdilha  é  de  origem  hespanhola.  O  seu  emprego  data  do 
século  XIII,  posto  que  nem  sempre  a  em|)regassem  os  escriptores 
{Gu/uan),  que  outras  vezes  d'ella  se  serviam  pleonaslicamente 
{Gotidisa/ves). 

O  ///  representa  sempre  uma  nasal,  e  até  as  primeiras  déca- 
das do  século  XVI  era  empregado  como  notação  abreviadora 
[cô  ^^  com,  pêdiça  ^.  pendença=  penitencia).  Ainda  hoje  escreve-se 
q,  =(jne,  etc.  - 


•  E'  este  o  meio  graphico  aconselhado  por  A.  Garrett  ;  ge- 
ralmente, porem,  emprega-se  o  accento  agudo,  e  antigamente 
representavam-no  por  um  h  {ala/iiidt). 

-  IT=-  til  {iiiacjio  ==  mão,  cristaho  —  christão,...)  F.  da  Guarda, 
Ined.  Port.  Nestes  últimos  —  doe.  409  —  o  til  não  é  representado  : 
maao,  sayoes. 


b)  Os  accentos  etyuwlogieos  são  o  apostropho  e 
a  diastase. 

O  ultimo  emprega-se  em  palavras  formadas  por 
juxtaposição ;  mas  hoje  o  seu  emprego  é  muito 
menos  vulgar  porque  nos  juxtapostos  os  elementos 
componentes  vêm  sempre  claros  e  distinctos.  Serve 
também,  como  signal  formativo,  para  separar  as 
syllabas   da   palavra. 

c)  Os  accentos  iachygrapJios  são  as  abreviaturas, 
usadas  oferalmente  em  formas  onomásticas,  de  títulos 
honoríficos  e  pronominaes. 

Exemplifiquemos: 


Sec.  VIII  —  Test. 

—     testis 

YA\—conf. 

confirmo 

—  dha. 

dona 

—  F. 

firma 

XIV  ~  ag. 

aqui 

—  díXij. 

daqui 

—  qscra. 

quisera 

—  s. 

saber 

XV  —  dy. 

Deus 

—  S'\ 

senhor 

V 

vós 

XVI       Bartoli. 

Bartolomeu 

—  Frez. 

Fernandes 

GIL 

Gonçalves 

—  i?. 

Réo 

-^V.  A. 

Vossa  Alteza 

i6 


XVI  —  F  (fr) 

=    Frei 

—  VE 

Vossa  Excellencia 

—  V.  M. 

Vossa  Mercê 

—  V.P. 

Vossa  Paternidade 

—  V.R 

Vossa  Reverencia 

V.  s. 

Vossa  Senhoria 

—  c/iro. 

Christo 

yns 

Jesus 

XVIII       ner. 

mulher 

—  uto. 

muito 

—  Rdo. 

Reverendo 

—  Rmo. 

Reverendissimo 

—  Sor 

Senhor 

—  Sna 

Senhora 

Sec.  yji^Att.o,  B/l,  Cr  o,  Dig.^iio^  cx.  (exemplo), 
Snr.,  P.  S.  (post.  escriptum), /.  e. /,  (por  especial 
favor),  o.  d.  c.  (offerece,  dedica  e  consagra),  etc. 

Todas  essas  notações  são  convencionaes. 


SEGUNDA   LIÇÃO 


ACCENTO  E  aUANTIDADE 


T. — Accento  (lat.  acce?ihis,  ah-accínendo^iLgv&go 
prosódia)  é  a  influencia  ou  regra  que  determina  a  ele- 
vação ou  ensurdecimento  da  syllaba. 

E'  a  alma  da  palavra,  como  o  definiu  Diomedes ; 
a  viva  emoção  do  sentimento  que  acompanha  o  dis- 
curso, o  mediador  entre  o  pensamento  e  a  forma,  — 
na  phrase  de  Humboldt. 

2.  —  Ha  quatro  espécies  de  accentos  :  ionico, 
grammatical  ou  lógico,  oratório  ou  phraseologico,  e 
provinciano  ou  local. 

a)  O  accento  tónico  (gr.  tonos)  é  a  elevação  da 
voz  na  pronuncia  de  uma  syllaba  para  tornal-a  mais 
saliente. 

E'  uma  força  conservadora,  diz  o  professor  Díez, 
que  resiste  em  todo  o  dominio  da  linguagem  á  corrente 

3 


da  degeneração  phonetica,  e  por  isso  é  a  alma,  o 
centro  de  gravidade  da  palavra. 

Como  em  geral  nos  idiomas  congéneres,  o  estudo 
do  accento  tónico  é  de  summa  importância  no  portu- 
giiez  *  pois  que  na  formação  da  lingua  foi  grande  a 
sua  influencra,  a  qual  se  manifesta: 

i9  na  persistência  do  accento,  principalmente  no 
vocabulário  de  fimdo  popular  : 

ángelus anjo  (arch.  anged) — Angelo 

clavicula.  .cavilha,  cravelha, — clavícula 
parábola,  .palavra, — parábola 
viatictim .  -  viagem, — viatico 
acudia agulha 

A  deslocação  do  accento  tónico  dá-se  sempre  por 
circumstancias  apreciáveis,  taes  como — influencia  eru- 
dita (ainda  que  cm  muito  menor  proporção  que 
em  fiancez),  o  imparisyllabismo  latino,  a  composição, 
a  enclise,  as  derivações  dialectaes  : 

pólypíis polypo   (polvo) 

plátea platéa     (praça) 

cáthedra cadeira 

renego renego 

explico explico 

pústula bostélla 


'  Sobre  a  deslocação  do  accento  tónico  nas  palavras  de  ori- 
gem latina,  é  muito  para  ser  comultado  o  que  escreveu  o  Dr:  Alfredo 
Gomes. 


19 


cómpater compadre 

Hig7ies Ignez 

Didocíis Diogo 

tímor temor 

etc.  etc. 

O  accento  latino  estava  subordinado  á  quantidade  :  d'ahi  a 
influencia  da  penúltima  longa,  sobre  a  qual  elle  recahia  [cantórem, 
amare...  rígitii/s,  poiticus. ..) 

Em  muitissimos  casos  a  deslocação  do  accento  remonta  ao 
latim  vulgar  (fícaiiim  —  figado,  currcie,  scrihere,  géincre,  consintere, 
rúmpere,  faceie,  converte re,  regere,  etc.  =^  correr,  escrever,  gemer, 
construir,  etc). 

Estes  verbos  proparoxytonos  em  ere  tinham  uma  forma 
concurrente  oxytona  tmiie  —  ciírfíri,  scribíre,  eic.  donde  se  deri- 
varam as  formas  verbaes  portuguezas,  accentuadas  na  ultima  pela 
queda  regular  da  vogal  final. 

2. —  Na  derivação.  Os  suffixos  originários  atonos 
tornam-se  tónicos  em  vocábulos  de  nova  formação: 

C7Ístal-mo  =  lat.  cristalum  +  inus 
primaz-và.  =  primarium 

3.  —  Na  analogia — imbecil,  dúctil,  têxtil. 
4. —  Na  obliteração  dos  casos,  ou  melhor  no  con- 
sequente desappareciniento  das  syllabas  atonas: 

lição lectionem 

lei legem 

face facem 

E  as  syllabas  finaes  eram  sempre  atonas. 

5. —  Na  homonymia.  Muitas  vezes  o  accento  dis- 
tingue as  formas  homonymicas,  que  deixam  conse- 
quentemente de  ser  homophonas:  ulti^no  último,  vín- 
culo vinculo. 


20 


6. —  Na  poesia.  A  obliteração  e  assonancia  só 
produzem  verdadeiros  effeitos  métricos,  quando  as 
lettras  ou  syllabas  são  accentuadas  {tants  temes  tanto 
mando — S.  Res.  Misc. — ;  as  que  foratn  terra  acima 
tiveram  melhor  atina...;  deram  á  rainJia  o  filho  e  d  es- 
crava deram  a  filha  ;  mal  se  levanta  a  rainha,  vae-se  ter 
com  a  cativa..,  — Th.  Br.  Anth.)  ;  e  o  mesmo  se  dá  com 
a  rima,  que  consiste  exclusivamente  na  homophonia 
de  syllabas  tónicas.* 

Em  regra,  no  portuguez,  o  accento  cahe:  i",  na 
ultima  se  a  palavra  termina  por  vogal  livre  nasal, 
diphthongo  ou  consoante:  coração,  irmã,  bacalháo, 
etc.^;  ou  nas  vogaes  /  e  n:  frenesi,  bahiâ;  2°,  na  penúl- 
tima syllaba  se  a  palavra  termina  em  vogal  pura:  rosa, 
peito,...  ou  nos  diphthongos  ea,  eo,  ia,  ie,  io,  tia,  tio, — 
níveo,  série,  magna ;  3°,  na  antepenúltima,  quando  no 
latim  era  essa  a  syllaba  accentuada:  magnifico,  car- 
nívoro, artificio'*,  celeberrimo  (e  todos  os  superlativos 
orgânicos),  ou  ainda  nos  substantivos  terminados  por 
certas  desinências  gregas:  misanthropo,  hydroce'phalo, 
homonymo,  diaphano,  monótono,  etc. 


'  G.  Paris —  Acc.  107. 

'  Excep.  martyr,  homem,  virgem,  etc ;  e  principalmente 
nas  palavras  de  origem  ncão  latina — âmbar,  a/jofaf,...  e  em  voz  livre 
nasal —  tman,   orphão,  orphã. 

^  Excep.  quasi,  tribti. 

*  Estes  adjectivos  seguem  u  regra  latina  por  motivo  das 
desinências,  que  são:  aco,  aro,  cola,  fero,  fluo,  frago,  fuga,  geno,  gero, 
ico,  ido,  imo,  iplo,  loquo,  nubo,paro,  pede,  pelo,  sono,ubo,  uplo,  volo, 
7>omo,  voro. 


21 


D'ahi  a  divisão  das  palavras  em  oxytonas  ou 
agudas,  paroxytojias  ou  graves,  e  proparoxy tonas  ou 
esdrúxulas.  * 

Os  factos  contrários  a  este  systema  são  devidos 
á  inlluencia  da  enclise,  cujo  caracter  principal  é 
atonisar  as  palavras  :  annuncia-se-lhes,  mandando- 
se-lhes^ 

2. — 'Como  em  latim,  os  vocábulos  polysyllabos 
tinham  um  accento  secundário,  que  muitas  vezes  se 
confundia  com  o  tónico  nos  dissyllabicos.  Cahia  na 
primeira  syllaba  de  cada  palavra  ou  syllaba  inicial,  e 
era  representado  por  uma  elevação  de  voz  menos  forte 
que  sobre  a  tónica.  Em  portuguez  pôde  o  accento  se- 
cundário cahir  na  primeira  syllaba,  na  segunda,  e 
sobre  a  terceira,  isto  é  de  accordo  com  os  vocábulos 
primitivos  :    s/mp /es mente,    coytézanía,    valorosíssimo. 

Em  portuguez  nota-se  mais  geralmente  o  ac- 
cento secundaria  nos  compostos  e  derivados:  qiiebra- 
nozes,  setecentos,  constitucionalmente ,  etc. 

Neste  caso  os  elementos  da  palavra  conservam  seu  valor  in- 
dividual e  significativo,  o  que — ■  como  acertadamente  pondera  um 
grammatico   moderno — basta  para  explicar  o  facto. 

3. —  Esta  herança  dos  dous  accentos  latinos  con- 
stitue  em  todo  o  dominio  romano  um  facto  de  má- 
xima importância. 


*  Em  latim  as  palavras  eram  somente  paroxytonas  e  pro- 
paroxytonas. 

'  Sobre  a  origem  e  o  histórico  da  enclise,  vide — Lameira 
de  Andrade,  Vestigios  da  declinação  latina,  pags.  56,  57  —  1886, 


Dando  mais  duração  ou  consistência  ás  syllabas, 
provocava  ao  mesmo  tempo  o  ensurdecimento  ou  a 
queda  das  atonas  que  lhe  estavam  próximas.  No  por- 
tuguez,  como  no  francez,  a  predominância  da  tónica 
mais  cresceu  de  ponto,  dando  em  resultado  muitas 
formas  atrophiadas  ou  contractas. 

Este  phenomeno  já  era  conhecido  do  latim  popular  e  mesmo 
clássico:  tabla  portiiguez  iabula  (tábua ;  mas  que  deu  table  em 
francez),  temflum,  scc^lum,  ctc. 

Para  conservar  o  accento  na  mesma  syllaba,  foi 
o  portuguez  obrigado  muitas  vezes  a  essas  contracções 
dos  vocábulos  latinos,  supprimindo  as  vogaes  breves 
que  no  latim  seguiam  a  syllaba  accentuada,  —  e 
d'essa  apocope  resultou  o  termos  syllabas  finaes 
accentuadas,  desconhecidas  dos  Latinos.  ^ 

4. — Geralmente  o  accento  tónico  cahe  na  penúl- 
tima, principalmente  nos  dissyllabos,  se  essa  syllaba 
era  longa  em  latim. 

Esta  tendência  já  manifesta  na  linguagem  dos  Romanos  para 
pronunciarem  a  syllaba  final  com  accento  grave,  tem  modificado 
forçosamente  a  prosódia  de  varias  palavras.  Assim  por  exemplo: 
o  portuguez  accentua  as  palavras  compostas  importadas  do  latim, 
como  se  fossem  simples  {j-enégo,  compadre,  etc),  e,  por  extensão,  as 
compostas  de  outras  já  portuguezas.^ 

5. —  Cahe  na  antepenúltima,  como  em  latim, 
quando  a  syllaba  no  vocábulo  originário  fôr  breve: 
rígido,  pórtico,  tímido. 


*  Pacheco  Júnior. — prosódia —  Quantidade  e  accento. — Ph., 
pg.  116. 

*  Idçm. 


23 


o  portuguez  regeita  a  pronuncia  das  palavras  em  que  todas 
as  syllabas  são  breves,  o  que  era  usual  entre  os  Latinos.  Todavia 
conservamos  algumas  amostras :  mínimo,  tímido,  mórbido,...^ 

6. — Nos  proparoxytonos  é  de  notar  a  syncope 
da  vogal  latina  da  antepenúltima  syllaba,  o  que  con- 
stitue  em  portuguez  principio  importante  na  formação 
da  lino^ua. 

o 

7.  —  Em  geral,  o  accento  persiste  nos  vocábulos 
importados  directamente  do  grego  {gcograpliia,  cos- 
mograp/iia. . . .);  m2LS  são  accentuados  na  antepenúl- 
tima, por  analogia,  os  que  nos  vieram  por  intermédio 
do  latim  {astrónomo,  apóstropho,  etc.) 

8. — O  accento  secundário  é  também  resultado 
de  variações  prosodicas  dialectaes,  e  neste  caso  cha- 
ma-se   accento    provinciano,    ou  sotaque    provincial.* 

São  intonações  de  voz  particulares,  devidas  ás 
influencias  mesologicas  muitas  vezes  de  difficil  apre- 
ciação, e  que  muito  desvalorisam  o  accento  tónico 
{ó  homem,  Maceió,  mólJiér.-.  . .) 

9.  —  O  accento  oratório  é  do  dominioda  rhetorica. 
Provem  do  sentido  que  se  dá  a  uma  palavra  ou 
phrase :  não  tem  relação  alguma  com  os  elementos 
materiaes  syllabicos. 

Na  contextura  phraseologica  são  de  notar  as  re- 
lações de  dependência  entre  este  accento  e  o    tónico. 


1  Pacheco  Júnior —  73,  75. 

*  Sotaque  é  propriamente  —  um  dito  ou  apodo  vulgar;  hoje» 
porém,  é  empregado  extensivamente  para  significar  o  accento  par- 
ticular a  uma  provincia,    a  peculiar  modulação,  etc. 


24 


Dá-sc-lhc  também  a  denominação  de  pathetico, 
o  racional  ou  phraseologico. 

Influenciou  muitas  vezes  na  formação  dos  vocá- 
bulos, como  veremos  em  outro  logar. 

Ha  ainda  outro  acccnto  a  que  se  pode  chamar  mímico. 
Origem  das  duplas  de  sentido,  como,  por  exemolo,  nas  variadas 
modulações  das  partículas  ah  !  oh  /  ai /  iii  / —  que  podem  exprimir 
espanto,  admiração,  dor,  alegria,  e  reprehensão,  enojo,  etc,  muito 
deve  elle  influenciar' na  accentuação.  Modificando  os  sons,  produz 
também  outros  accidenies,  por  tal  forma  postos  em  seguimento, 
que  podem    ser  considerados — phowinenos   reflexos  da  phoiiaçâo. 

QUANTIDADE 

Em  latim,  a  quantidade  era  a  alma  do  accento ; 
em  portuguez  ella  perdeu,  porém,  a  sua  força  primi- 
tiva, e  o  accento  —  por  sua  persistência  ainda  mais 
influenciou  sobre  aquella  modalidade. 

E'  esta  tão  vaga  em  portuguez,  que  em  geral  os 
grammaticos    só    consideram  longa  a  syllaba    tónica. 

Damos  em  seguida  as"  regras,  que  todavia  nos 
parecem  mais  seguras  sobre  a  quantidade  no  nosso 
idioma:  ^ 

i."" —  E'  longa  a  vogal  tónica  em  posição,  princi- 
palmente quando  nasal — pintura. 

Ha  excepções,  mas  cumpre  observar  conservamos  a  quan- 
tidade latina  sempre  que  ella  é  resultado  da  queda  de  uma  vogal 
(fé,fée^fl(Ies)  ou  da  intercalação  de  uma  consoante  {lembrar). 

Uma  vogal  em  posição  pode  alongar-se  em  diphthongos. 
(Vide  terceiro  ponto). 


í  Estas  regras  são  excerptad.is  da   Prosódia  de    Pacheco  Jú- 
nior, {Photi.) 


^5 


2.^ — E'  longa  a  vogal  accentuada  quando  se  acha 
entre   uma    consoante    e   uma    vogal : — aj'ea  (arena). 

E'  consequência  da  contracção  dos  vocábulos  pela  queda  da 
consoante  média  ou  da  syllaba  de  derivação  e  da  tlexâo.- 

3.^ —  E'  longa  a  vogal  nas  terminações  do  sin- 
gular em  ó'  ou  z  : — feliz,  dirás  ;  nas  do  plural  em  aes 
oes,  eis,  es :  —  soes,  fúteis,  deuses. 

4/ —  Ainda  é  longa  quando  vem  antes  de  um  m 
ou  n  seguidos  de  uma  consoante  inicial  :  —  gambia 
dansa. 

5.^ —  Também  é  longa  quando  se  acha  na  penúl- 
tima syllaba  antes  de  s,  z,  e  r. 

6.'' —  E'  longa  toda  a  syllaba  contracta  : — 7nesmo, 
pôr,  ver,  seta,  crença. . .  =  meesmo,  poer,  veer,  seeta, 
creença,  credencia,  etc. 

7." —  Os    diphthongos    são    geralmente    longos. 

S."* —  Em  regra,  a  voçral  alonQ;a-se  antes  das  con- 
soantes  dobradas,  principalmente  rr,  e  ///,  7i/i. 

9/  As  vogaes  atonas,  principalmente  quando 
seguem  a  syllaba  tónica,  são  geralmente  breves,  e  é 
esta  a  causa  de  frequente  simplificação  dos  diphthon- 
gos latinos  no  portuguez, 

A  vogal  final  é,  em  regra,  breve. 

A  longa  accentuada  do  radical  abrevia-se  muitas 
vezes  quando  se  lhe  ajunta  um  suffixo  ou  uma  flexão, 
que  deslocam  o  accento. 

A  quantidade,  elemento  material,  devia  necessariamente  enfra- 
quecer-se  e  variar,  já  pelas  idyosincrasias  do  fallar  do  povo,  já  pela 
tendência  para  a  contracção. 

4 


26 


Eslas  mesmas  causas  se  observam  na  lingua  latina  e  explicam 
a  obliteração  da  quantidade  na  lingua  fallada,  e  lambem  a  abre- 
viação do  o  final  dos  espondeos  na  e])oclia  de  Augusto,  do  /  final 
longo  dos  verbos,  etc.  {Cornelio  \>ox  Conielius,  deiiro  por  dederunt, 
etc),  breves  accentuadas  consideradas  longas  nos  hymnos  de 
S,  Ambrósio,  os  herametros  de  Commadianos  sem  a  quantidade;  o 
metro  janibico  de  12  syllabas  accentuadas  na  4"  e  10",  origem 
do  endeeassyllabo  italiano,  e  do  decassyllabo  francez  da  idade 
média.  E'  claro  pois — conclue  Reinach  {Pliil.  C/ass) — que  desde 
os  Romanos  a  accentuação  vencera  a  quantidade. 


TERCEIRA    LIÇÃO 


Origem  das  lettras  portuguezas;  ieis  que  presidem  á  permuta 
das  lettras;  importância  d'estas  transformações  phonicas 
no  processo  de  derivação  das  palavras. 


ORIGEM  DAS  LETTRAS  PORTUGUEZAS 


a)  VOGA  ES 

A.  —  Em  regra,  representa:  i?,  um  AJatinafivre, 
atono.  inicial,  médio  ou  final  ;  tónico  seguido  de 
liquida;  em  posição  (principalmente  antes  de  /,  r,  ^■, 
ou  nasal) :  as/io  (asinus),  saúde  (s^lutem),  />or/ci  (porta), 
òaróa  (barba),  campo  (campum) ;  2?,  um  E  latino :  eba- 
710  (ebenus),  rainha  (regina ;  port.  arch.-reinha) ; 
3?,  um  I  originário  eiu  posição:  balança  (bilancemj, 
maravilha  (mirabilia) ;   4?,   um  o :    lagosta   (locusta),. 


28 


dama  (domina);  5?,  um  u:  irancar  (truncarc),  ant. 
esbalho  =1  esbulho. 

E.  —  Origina-se  :  1?,  de  um  e  latino,  livre,  atono, 
inicial,  médio  ou  final  ;  em  posição  (principalmente 
depois  de  guttural),  ou  ainda  de  um  e  accentuado  : 
egreja  (ecclesia),  legume  (legumem),  régua  (regula)  ; 
2?,  de  um  A  atono  ou  tónico,  livre  ou  em  posição: 
alegre  (alacris)  ;  3?,  de  um  i  longo  ou  breve :  cercar 
(circare),  receber  írecipere) ;  4",  de  um  o:  frente  (fron- 
tem);   5?,  de  íe  e  .e  :  feno   (foenum),  cebolla    (caepulla). 

I.  —  Deriva:  1?,  de  um  i  latino  longo,  atono  ou 
tónico  (principalmente  na  penúltima  syllaba) :  liquido 
(liquidus),  espinha  (espina) ;  2?,  de  um  e  longo,  breve, 
ou  accentuado:  rim  (ren),  isca  (esca) ;  3?,  de  um  ae  : 
cimento  (csementum). 

0.  — Tira  origem:  i9,  em  um  o  latino  tónico  ou 
atono,  livre  ou  em  posição  :  amor  (amorem) :  2?,  em 
um  u  inicial  ou  médio,  livre  ou  em  posição:  07ida 
(unda),  ^(^z^^r/^âtr  (gubernare) ;  3?,  em  um  a  em  posi- 
ção '.fome  (fames),  ceroto{Q.ç:X2iX.ww\)  ;  4?,  no  diphthongo 
latino  AU :  pobre  (pauper),  orelha  (aurícula). 

O  ó  aberto  deriva-se  de  um  o  tónico  ou  de  um 
u  :  sorte  (sortem),  grota  (gruta). 

U.  — Representa:  i?,  um  u  latino,  longo  ou  breve, 
accentuado  (na  penúltima  syllaba)  :  agudo  (acutus) ; 
2**,  um  u  atono  em  posição  :  rugir  (rugire)  ;  3?,  um  o: 
tudo  (totus),  testimunho  (testimonium). 

Y.  —  Corresponde  ^.oypsilon  grego,  ainda  quando 
nas  palavras  importadas  pelo  latim  :  analyse,  lyra,  etc. 


29 


Deriva  também  de  um  i  ou  j  latino,  quando 
entre  vogaes  (Troya),  ant.  mayo,  peyor. 

As  permutas  e  transformações  das  vogaes  podem 
reduzir-se  aos  dous  factos  de  alongamento  e  abran- 
damento. 

As  suas  modificações  podem  ser  devidas  á  in- 
fluencia de  outras  vogaes  ou  á  das  consoantes,  á  accen- 
tuação,  e  também  em  composição  á  assimilação,  dissi- 
milação  e  contracção. 

b)  DIPHTHONGOS 

Os  nossos  diphthongos  provêm: 

1?  de  um  diphthongo  originário  :  rt^/z/f;- (autorem), 
pouco  (paucum) ; 

2?  da  queda  de  uma  consoante  :  vaidade  (va-n- 
itatem),  meio  (me-d-ius) ; 

3?  de  um  a  latino  em  posição  antes  de  l  :  outro 
(alterum) ; 

4?  da  attracção  ou  transposição  da  vogal :  aipo 
(apium),y^/r^  (feria); 

5?  do  alongamento  da  vogal :  dou  (do),  estou 
(sto),  uoute,  noite  (noctem),  tnuito,  arch.  munto 
(multum),  freio  (frenum). 


*  Não  admitto  vocnlisaçâo  das  consoantes,  posto  tcdos  os 
philologos  se  esteiem  nessa  theoiia.  A  queda  da  consoante  trouxe 
o  inevitável  alongamento  da  vogal,  que  a  principio  era  representada 
por  imi  nasal  o\\  pela  reduplicação  da  vogal.  Qualquer  que  seja  o 
gY\.\}^o  pt,  cf,  ii,  etc,  (preceiio  —  ])receptus,  direito  —  directus,  etc.) 
deu-se  sempre  a  queda  da  i*  consoante  e  o  alongamento  da  vogal 
precedentç.  —  Pacheco  Júnior  [Grammatica  his/orica.) 


30 


Ui  só  é  diphthongo  nasal  em  mui,  muiío,  que 
soam  mtiin  mtnnto. 

Os  diplithongos  nasaes  (am,  an,  ão,  ãe,  õé)  deri- 
vam-se  das  desinências  latinas  anus,  onem  :  christãos 
(lat.  cJiristianus,  p.  arch.  christiano,  ainda  hoje  con- 
servado como  nome  próprio),  benção  (benedictionem) ; 
ariin,  .  . . 

As  modificações  das  vogaes  em  posição  dependem 
maiormente,  não  de  sua  tonacidade  ou  atonicidade, 
mas  da  natureza  da  primeira  consoante  que  se  lhe 
segue.  Assim,  por  exemplo:  si  fôr  /,  a  vogal  diph- 
thonga-se  em  o?i  ( outro— ^\X.itrv\m  ),  ou  simplifica-se 
scopro — scalpruni);  si  fôr  guttural,  esta  cahe,  e  a  vogal 
diphthonga-sepor  alongamento  (feito — factum,  direito 

—  directum).  E  o  mesmo  acontece  ao  /  no  grupo 
pt,  etc.  :  — preceito  —  preceptus  * 

As  modificações  das  vogaes  reduzem-se  pois  aos  dous  factos 
de  alongamento  e  abrandamento ;  as  suas  permutas  e  sorte  de- 
pendem, não  somente  da  sua  natureza,  quantidade  e  accentuaçâo. 

—  a  cujas  regras  latinas,  o  portuguez  na  sua  formação  foi  sempre 
adstricto — ,  senão  também  da  natureza  dos  elementos  (vogaes  e 
consoantes)  que  as  cercam.  E  já  nos  referimos  á  preponderância  de 
uns  sons  sobre  outros,  á  sua  mutua  reacção. 

E'  esta  a  causa  de  serem  menos  persistentes  as  vogaes  livres 
que  as  em  posição. 

Em  muitos  casos  as  transformações  indicadas  pela  phonclica 
nada  mais  são  do  que  ditTerenças  graphicas,  cunqjrindo  advertir 
que  os  iiossos  primeiros  escriplores  mais  .se  regulavam  na  ortho- 
grahia  pela  pronunciação.  Assim  é,  por  exemplo,  ipie,  parece-nos, 
o  diphthongo  lat.  ausoa.va.ou  foi,  oj  quando  se  lhe  seguia  consoante, 


*  Esta  minha  opinião  foi  publicada  em  1871  ;  os  professores 
Fausto  Barreto,  Alfredo  Gomes  e  outros  aceilaramn'a;  em  uma 
obra  deste  anno,  impressa  na  Europa  por  Brunot,  é  este  também  da 
nnnha  opinião. — Pacheco  "yunior. 


e  a  prova  temos  em  que  todos  os  povos  romanos  nas  palavras  po- 
pulares aprendidas  de  outiva,  representaram  o  diphthongo  latino 
sonicamente  por  ou  e  o  (oiiniin,  ouro,  or,  oro.  etc.) 


C)  CONSOANTES 

Todas  as  consoantes  portuguezas  vieram  do 
latim. 

B  —  Em  geral  representa  :  i9,  um  h  originário 
inicial  ou  médio: —  bom  (bónus),  diabo  (diabolus);  2?, 
um  v\ —  bexiga  (vessica) ;  3?,  de  um/: —  lobo  (lúpus), 
cabello  (capillo). 

Temos  um  exemplo  em  que  o  b  origina-se  de  um/ — ábrego 
—  africus;  mas  por  intermédio  de  uma  forma  em  v. 

C —  Guttural  ou  forte  (A'),  provém  de  um  c  duro 
latino  ou  da  sua  equivalente  qu, —  inicial  ou  médio: — 
co7'po  (corpus),  nunca  (hunquam);  ou  ainda  de  cc  lat, 

C  —  brando  origina-se:  1?,  de  um  c  brando  do 
latim  da  decadência  : — eco  (coelum),  cidade  (1.  p.  cita- 
/é';// =  civ-i-tatem) ;  2?,  de  um  q  {qii): — cinco  \<:\y\\\\- 
que)* ;  3?,  de  um  x : — tecei'  (texere) ;  4?  de  ss: — ruço 
(russus)  ;  5?,  da  combinação  ti  seguida  de  vogal  : — 
graça  (gratia),  nação  (nationem). 

Os  grupos  t-ia,  t-ie,  t-io,  t-iii,  cumpre  advertir,  soavam  já 
no  latim  d  e  /z;  nos  antigos  monumentos  até  o  Sec.  de  Augusto 
concorrem  aquellas  formas  parallelas  ás  em  ci,  ssi,  si,  (eciani,  alter- 
ca sio/ie.')  * 

Nos  séculos  V,  VI  e  VII,  os  Romanos  pronunciavam  z  por  /. 


*  Cp.  francez —  i  cttiç;  it.  cinque,  hesp.  cinco. 
í  Dahi  o  som  brando  em  todas  as  linguas  neo-latinas, — fr.  na- 
tionj  it.  naziofiej  hesp.  nacion,  etc. 


D— Deriva:  i",  de  um  d  primitivo  (inicial  ou 
médio): — dedo  (digitus),  surdo  (surdum);  2?,  de  um 
T  médio,  abrandamento  este  muito  frequente  nos 
vocábulos  de  origem  popular  : — todo,  tudo  (totus), 
vida  (vita). 

F — Esta  consoante  representa:  i",  um  f  ou  ph, 
originário: — frasco  (^^'à.^Q.2),  cofre,  (cóphinus)  ;  2.°, 
um  V  :  - — fisgar  (viscare) ;  3?,  o  khe  árabe  (=:/  aspi- 
rado) :  —  alforges  (alkhordj). 

A  transformação  do  /  em  v,  e  7'ice-versa,  foi  mui  fre- 
quente  na   provincia  hispânica  depois    do   dominio  árabe. 

G  — Provém:  1?,  de  um  (i  forte  ou  brando  primi- 
tivo (principalmente  inicial)  : — gosto  (gustus),  7iegro 
(niger)  ;  2",  de  um  c  forte:  —  fagar  (pacare), 
lagrima  (lacrima)  ;  3.°,  de  um  (i  : — águia  (aquila) 
guitarra  (ar.  quitarra) :  4.",  de  um  v: — gastar 
(vastare) ;  5?,  de  um  w  germânico  :  — trégua  (triwa) 
guante  (wantus)  *  ;  69,  de  um  gamma  grego :  — 
glotte   (glottis). 

O  G  brando  origina-se  : — 19,  de  um  <;  brando 
primitivo  : — gemer  (gemere) ;  2?,  de  um  c  brando — 
muito  frequente  no  século  XVI : — aduger  (addu- 
cere) ;  3?,  de  um  z: — gettgibre  (zinziber),  ant. 
prigon  (presionem). 


>  Lat.  pop.  wantos,    Lê-se  nas  actas  Sanct, — chiroteas  quacs 
vulgo  Wantos  vocant. 


33 


H  — Representa  :      i.°,     um    h   latino: — herva  .• 
(herba)  ;    2?,     um    f    latino  : — arch.     harto,     ahinco 
(=  fartus  ;    afinco,  de  afico)  ;  3?,    a    aspiração  grega. 

Não  é  modificação  phonica  ;  mas,  propriamente  fallando, 
uma  simples  notação  graphica   e  etymologica. 

J  —  Deriva-se  :  i9,  de  um  j  e  G  brando  latinos  ; 
2?,  de  um  z  ou  s :  — gargarejar  (gargarisare), 
arch.  cajo77i,  cajão  (occasionem) ;  3?  de  um  hi  (i)  : 
— JaciíitJio  (Hiacinthus) ;  4?,  de  um  s,  seguido  de 
1 :  beijo  (basium),  cerveja  (cervisia)  ;  5?,  de  um  d, 
seguido  de  I  :—^'/?;';;^/  (diurnalis),  Jioje  (hodie)  ;  69, 
do  dijint  árabe  :  — jarra  (dijarra,  dijarres)  ;  julepç 
(djulab). 

Representa  o  abrandamento  do  dj,  cujo  som  ainda  persiste 
em  alguns  ângulos  de  Portugal  e  em  S.  Paulo  (no  linguajar 
caipira): — t/Já,  tijogo,  (ige?ite,  ^  ainda  no  galleziano,  provençal  e 
italiano. 

A  permuta  do  d  pelo  g  brando  ouy  já  era  usual  no  latim  do 
século  IX  ;    e  o  (//'  representa  um  verdadeiro  som  românico. 

K  —  Representa,  ainda  que  inorthologicamente, 
o  c/n  grego  : — Kisto  (chistos),  killogramma  {chiio  e 
g7'amma). 

L  —  Provém:  i9,  de  um  l  originário —  inicial, 
médio  ou  final: — lettra  (littera),  pello  (pillus),  sol 
(sol);  29,  de  um  r:  —  palavra  (parábola)';  39  de  um 
N  : — arch.  lomear  (nominare),  alimal^  Bolonha  (Bo- 
nonia),  etc. 


1  Does.  Secos.  XIII  e  XIV — parava,  peravaa,perabola. 
*  Estas  e  outras  amostras  ainda  perduram  na  linguagem  in- 
culta de  Portugal. 

6 


Em/Vz/vv//'  (juzgar)  do  \at.j//d  (i)  carc  não  foi, — parece-nos — , 
o  D  que  se  coveiteu  em  \.  port.,  mas  sim  este  que  se  inteicallou 
por  motivo  euphonico,  .de[)()is  da  queda  do  dental. 

Em  lembrar  o  l  não  representa  um  ni  latino,  pois  não  deriva 
directamente  de  incmorare,  mas  da  forma  interniediaria  port.  nem- 
brar. 

M  —  Tem  por  origem  :  i9,  um  m  typico  inicial, 
médio  ou  final: — morte  (niorteni),  homem  (howinew); 
2?,  um  N,  principalmente  final : —  bem  (ben-e),  bom 
(bon-.us)  ;  3?,  um  b  em  mormo  (morbum) ;  4?,  repre- 
senta, ainda  que  raro,  um  c  final  latino  : — nem  (nec), 
sim  (sic). 

Não  somos  hoje  accordes  com  os  que  acreditam  na  permuta 
do  rlat.  por  um  m  port.  Acreditamos  que  a  n.isal  foi  introduzida 
tão  somente  para  o  alongamento  vocálico,  tanto  mais  que  o  c  final 
não  soava  na  pronuncia. 

N —  Origina  se  :  i?,  de  um  x  inicial,  médio  ou 
final:  —  nariz  {\.h.  nares),  mina  (idem),  joven  (^]w- 
ven-is),  hysson  (v,  asiática)  ;  2",  de  tnn  m  inicial  ou 
médio  :-^ — nespera  (mesphiluni).  r<v//í2'/-(comp'tare);  3", 
de  um  l: — ;//"t'í'/ (libella,  p.  ant.  //rt*/,  olivel),  mortan- 
dade (mortalitatem), 

P —  Tira  origeni  :  em  um  P  inicial  ou  médio 
(geralmente  protegido  por  imia  outra  consoante, 
r,  /,  ou  p)  : — pae  (pater)  .  .  . ;  2'.',  em  inn  i"  : —  soprar 
(sufflare)  ;  3^,  em  um  i!  : — alparca  (ant.  abarca  ou  ala- 
barca  =  árabe  albaoat). 

Q — Provém  de  um  o  originário  ou  de  imi  c 
forte. 

R —  Origina-se:  1?,  de  um  r  inicial,  médio  ou 
final  :—  rainha  (regina),  direito  (directas), /ar  (par)  ; 


35 


2?,  de  iim  l: — obrigar  (obligare  :  port,  ardi.  e  ant.— 
oblidar,  ohligar);  3V,  de  um  x — sarar  (sanare). 

S  —  Deriva-se  :  i*.',  de  um  s  originário  : —  só 
(solus),  casa  (1.  p.  casn)  ;  2?,  de  um  c  brando  latino: — 
visinJio  (vicinus),  amizade  (amicitatem). 

SS  —  Esta  consoante  dupla  origina-se  de  ss  ou 
X  : —  Icissar  per  Icixar  (Sec,  XIV),  ou  ainda  de  uma 
assimilação  —  assas  (ad  satis). 

T — Origina-se  de  um  t  inicial  ou  médio  :  i?,  teutpo 
(lempus),  estado  (status). 

V  —  Vem:  i?,  de  um  v  originário  inicial  ou 
médio: — verdade  (veritatem);  calvo  {ç-^xvwá);  2?,  de 
um  ij  cavallo  (caballu^),  //í?rvr  (habere) ;  3?,  de  um  f:  — 
ourives  (aurifex) ;  de  um  r,  povo  (populus),  escova 
(scopa). 

Pistas  ulliinas,  en»  geral,  passaram  pelas  formas  intermediarias 
em  u: — poblo,  poblança^  poboaçom,  pobLulor.  (Sec.  XlIeXlII).  E 
nisto  cumpre  aitentar. 

X  —  Origina-se  :  i?,  de  um  s,  se,  es  ou  ss  lat.  :  — 
bexiga  (vessica),  enxugar  (ccsucarc) ;  2?,  da  chiante 
árabe  sen  —  oxalá  (inshallah),  xaqueca  ou  enchaqueca 
(schaqueca). 

Z  —  Representa:  i",  s  latino  ou  c  brando:  — 
p7'azer  (placere),  juizo  (judicium),  fazer  (facere) ; 
2?,  um  (^)U :  —  cozer  (coquere);  3*?,  a  combinação 
latina  ti  : —  razão  (rationem),  dureza  (duritia) ;  '  4?,  as 
terminações  \2X\k\-x%  ace,  ice,  oce  —  que  também  eram 


*  Porque,  já  vimos,  ti  soava  ç. 


36 


as  portuguezas — feliz  {{óxce),  feroz  {í&rocç) ;  5?,  um  x 
(noz  =  nox,  voz  =  vox  )  ? . . . 

Estes  últimos  podem  derivar  do  nome  lat.;  mas  geralmente 
todos  consideram-os  moldados  no  accus.  — voceni,  etc.  Não  vemos 
razão  para  rejeitar-se  o  nom.  (Vide — Pacheco  Júnior. — Pho- 
nologia). 


d)  CH,  LII,  NH 

CH  —  Os  Romanos  desconheciam  o  nosso  eh 
com  o  som  de  x,  e  que  os  nossos  maiores,  pronun- 
ciavam tsche,  como  ainda  hoje  os  da  Beira,  Minho, 
S.  Paulo,  os  Provençaes,  Gallegos,  Italianos,  etc.  E 
som  romano,  genuíno,  que  passou  para  a  Inglaterra 
por    influencia    franceza    {Charles,    cherry). 

Os  Beirões  dizem,  e  mui  corretamenta,  tchapéo, 
tchd,    etc. 

E  difficil  precisar  com  acerto  as  varias  relações 
etymologicasd'estaIettra  complexa.  Deriva-se,  porem, 
em  geral:  i9,  dos  grupos  latinos  cl,  pl,  fl: —  chamar 
(clamare),  chorar  {^Xordívo),  chamma  (flamma)  *;  29,  do 
c  forte  latino  (seguido  de  a  q\\  i) : —  charrua  (carruca), 
marchante  (mercatitem). 

Ch  duro=:  K,  sem  o  som  chiante,  deriva-se  do 
latim  : — chrístão,  monarchia  ;  do  chi  grego  : —  chiro- 
mania ;  do  chet  hebraico: — chemibím. 


*    Em  does.  do  sec.  XII,  como  p,  ex.  no  Foral  de  Évora,  en- 
contra-se  afiar  —  achar,  etc. 


Ò7 


Algumas  vezes  a  palavra  latina  dá-nos  duas 
formas  divergentes,  uma  que  conserva  o  c  duro,  outra 
que  o  transforma  em  ch  chiante  : — capa,  chapa. 

Já  era  frequente  nas  inscripções  da  Republica  o  emprega  do 
ch  por  c  antes  das  vogaes  e  dos  dijihlhongos  ;  e  esta  orihogtaphia, 
que  reviveu  na  época  imperial,  era  a  vulgar  nos  tempos  de  Au- 
gusto : —  chcniiirioncs,  choronac,  etc. 

Nos  nossos  does.  antigos  encontram- se  as  formas  charidade, 
chato,  etc,  ao  ])asso  que — gamar  owjamar  por  chamar  (clamare), 
e  ainda  acado  por  achado  (doe.  de  141 8),  etc. 

O  CH  parece  ser  um  abrandamento  de  dj. 

LH  —  Esta  consoante  dupla  provém:  i?,  dos 
grupos  latinos  bl,  cl,  gl,  pl,  tl  : — ralhar  (rab-u- 
lare),  orelha  (  auric-u-la  ),  coalhar  (  coag-u-lare  ),  í"í- 
rí7///í?(escop-u-lus) ;  2?,  das  combinações  latinas /<',  //.• 
—  palha  (palca),  batalha  (battualia). 

Neste  segundo  caso  é  clara  a  funcção  do  h,  que  se  limita  a 
representar  o  i  palatal  latino,  indicando  ao  mesmo  tempo  a  atoni- 
cidade  da  vogal  -.—Batalha, palha,  mulher,  etc,  soam  perfeitamente 
— batália,  palia,  miilicr.  * 

Esta  molhada  corresponde  etymologicamente  ao  li,  hesp  , 
mas  o  modo  de  represental-a  graphicamente  foi  tomado  do  ])ro- 
vençal.  Nos  séculos  XIV  e  XV,  porem,  representa vam-na  indiffe- 
rentemente  por  i.l  ou  l: — filo  e  filio,  melor  e  mcllor,  migala  e 
inigalla,  ele,  sendo  de  notar  que  nos  primeiros  documentos  da 
línguas  essas  palavras  eram  escriptas  sem  o  elemento  consonantico 
{uioyer,  w^-t?/),  como  aintla  se  pronuncia  em  S.  Paulo  e  em  certos 
logares  de  Minas  Geraes  (/fti^  filho,  /////■/>'=  nndher, //</  =  telha, 
teiado,  w/í7  =  milho,  etc.)  ' 

Em  nosso  parecer,  esta  molhada  —  exclusiva  das  linguas 
néo-latinas  —  não  se  deriva  do  céltico. 

A's  vezes  o  //  representa  signal  etymologico,  e  não  se  molha 
com  oh  —  ^^entil homem. 


'  Era  o  processo  seguido  no  século  XIV  {cambhar,  saâha), 
á  maneira  do  ombriano  e  provençal.  Os  Bretões,  os  Celtas,  os 
Bascos  e  os  Iberos  também  possuem  esta  molhada. 

*  E  esta  é  a  pronuncia  provençalesca  e  parisiense  do  //(  =  Ih). 

Para  maior  explanação  sobre  as  molhadas  Z/Te  A'Iíy  V.  Pa- 
checo Júnior  —  J^evisfa  Brazileira, 


38 

NH  —  Apparece  na  liiigua  desde  o  século  XIII, 
e  a  sua  adopção  foi  consequência  lógica  do  emprego 
do  Ih. 

Deriva-se  :  i?,  de  nx  originário  : — grunhir  (grun  • 
nire);  2?,  de  um  \  simples: — í"í?/;///í//(7  (caminus),  vinho 
(vinus);  3?,  de  um  n  seguido  de  um  e  palatal: —  aranha 
(aranea),  vinha  {\''\w^2Í)\  4?,  dos  grupos  c;n  lat.:  —anho 
(agnus),  desdenhar  (desdignari);  5?,  de  um  mn  ou  x 
(no  port.  ant.): —  danho  -^^^-^  damno. 

Este  som  era  conimiun  no  ibero  e  céltico  ;  as  lingiias  néo- 
latinas,  porem,  lierdaram-no  directamente  do  latim,  pois  que, 
—  certo — ,  os  Romanos  pronunciavam  ;,v/  =»=  ////,  e  não  como  Hoje 
o  fazemos,  dando  som  furte  ao  o  {<ii^ m/s,  //tirx-/i//s).  E  é  prova  «ia 
nossa  asseveraçcão  o  ter  aquelle  grupo  latino  passado  pnra  as 
línguas  néo  latinas,  com  o  mesmo  som  (fi/i)  que  conservam  em 
todas  as  palavras  de  fundo  popular. 

No  século  XVI  ainda  i/iag/i()^o^.\:\.  nianho:  e  d"essn  pronuncia 
temos  vestigio  em  tamanho  (::=  tão  manho,  tão  magno). 

Nos  primeiros  documentos  da  nossa  lingua,  esta 
molhada  era  representada  pelas  mesmas  lettras  lati- 
nas {g}i)  '. — pegnoraj;  segnor,  etc  ,  ou  por////. 

Os  elementos  g  e  n  soam  separados  somente 
nos  vocábulos  de  creação  artificial  ou  origem  erudita 
(estag-nado,  ig-neo). 

Em  anhelo,  anhelar,  anhelito,  e  nos  vocábulos 
formados  de  derivados  latinos  com  o  prefixo  /'//,  o  // 
não  se  molha  com  o  n{inh:ibil),  etc.  * 


*  Para  estudo  mais  desenvolvido,  e  maior  copia  de  e.Kcm- 
plos  —  cons.  Pacheco  Júnior  —  Phonologia,  Gratnin.  histórica, 
Revista  Brasileira,  2?  vol. 


2. — As  permutas  das  vogaes  e  suas  transforma- 
ções, como  já  vimos,  podem  reduzir-se  aos  dous  factos 
de  alongamento  e  abrandamento. 

Os  sons  vocálicos  também  se  transformam  pela 
influencia  das  consoantes. 

A  fusão  de  duas  vogaes  differentes  é  sempre 
precedida  pela  assimilação. 

3. — Do  facto  de  poderem  as  consoantes  ser 
fortes  ou  brandas,  resultaram  as  leis  seguintes  a  que 
estão   ellas  sujeitas  nas  permutas  : 

r?  As  permutas  dão-se  geralmente  entre  con- 
soantes da  mesma  ordem  ou  homorganicas,  isto  é,  um 
b  latino  pode  dar  um  b  portuguez,  um  v,  mesmo  um/ 
ou  f,  mas  nunca  um  g  ou  5-. 

2'?  Deve-se  attender,  e  muito,  á  classe  das  lettras 
(forte  ou  branda) .  A  tendência  é  sempre  para  o 
abrandamento;  e  por  isso  o  /  latino,  que  é  labial  forte, 
muda-se  frequentemente  em  b  ou  v  no  portuguez,  ao 
passo  que  b  e  v  latinos  raro  se  permutam  em  p   ou   f. 

3?  Pôde  dar-se  a  permuta  de  uma  branda  pela 
forte  homorganicn  ;  estas  transformações,  porem,  são 
rarissimas  e  só  se  fazem  giadualmente. 

4. — A  inqjortancia  d'estas  transformações  plio- 
nicas  resalia  do  que  dissemos  acima.  Pouco  acrescen- 
taremos. 

Adoptando  o  vocabulário  do  \2X\\\\  popular,  2.?, 
linguas  néo-latinas  conservaram -se  adstrictas  a  leis  in- 
stinctivas,  fataes  (mesologicase  ethnographicas),  e  ao 
próprio   génio  do  fallar    nativo  ;  mas  também  sempre 


40 


subordinadas  a  outra  lei  incoercível, — a  do  menor 
esforço. 

D'ahi,  a  queda  dos  sons,  no  principio,  no  meio, 
no  fim  das  palavras;  a  intercalação  de  sons  eupho- 
nicos ;  a  permuta  dos  sons  homorganicos  ;  a  prepon- 
dencia  ou  reacção  dos  vários  sons  entre  si,  d'onde  a 
assimilação  e  a  dissimilação ;  as  metatheses,  etc.  D'ahi 
ainda  o  atrophiamento  das  formas  populares,  ao  passo 
que  as  de  creação  erudita  encostam-se  ao  typo  latino 
ou  grego,  differindo  ás  vezes  tão  somente  nas  desinên- 
cias. E  fácil  pois  assertar  a  camada  a  que  pertence  o 
vocábulo. 

A's  vezes  acontece  que  o  vocábulo  popular  antes 
de  se  fixar,  passou  por  uma  ou  mais  formas  interme- 
diarias. Assim,  por  exemplo  :  —  povo,  papel  e  lembrar 
não  nos  vieram  <X\xç.Q.'í-à\\\eA\'íç:  C\.q  popiiliis,  papyrus  e 
memorare,  mas  pelas  formas  intermediarias /^<^/£?  e 
poboo,  papillo,  nembrar,  etc.     A^aliira-  7ion  facit  saltus. 

5. —  A  analyse  phonetica  do  vocábulo  pôde  pois 
facilmente  fazer- nos  remontar  á  sua  origem,  á  sua 
forma  completa,  descobrir-lhe  as  intermediarias,  co- 
nhecer pela  estructura  a  época  do  seu  império,  etc,  e 
achar  a  explicação  de  todas  as  transformações  phone- 
licas  porque  passaram  os  elementos  constituídos  do 
typo  originário. 

6. — Tomemos  para  exemplo  a  palavra  mesmo, 
que  se  deriva  do  latim  mclipsimíis,  contracção  de  me- 
tipsissimus  =  impsimusmet.  Só  a  analyse  phonetica 
nos  explica  essa  transformação  :    i?,  indicando-nos   a 


41 


forma  latina  regularmente  contracta  metips  mus  (queda 
da  vogal  breve)  ;  2.°,  a  assimilação  das  consoantes/i" 
em  i-,  já  mui  frequente  no  latim;  3.°,  o  abrandamento 
do  T.  De  todas  essas  transformações  resultou  a  forma 
archaica  portugueza  medess^no,  que  se  contrahiu  re- 
gularmente em  viedês  e  meesmo  (Sec.  XV),  d'onde 
mesmo  (Sec.  XVI). 

7. — Mas  se  a  phonetica  é  a  base  da  etymologia, 
não  é  comtudo  a  única  condição  necessária  para  se  dar 
no  ponto  da  verdade. 

E  força  applicar  essas  transformações  particulares 
ás  leis  geraes  ;  cumpre  que  as  estudemos  á  luz  da 
historia  e  da  comparação. 


QUARTA    LIÇÃO 


METAPLASMOS  ' 


1.  —  Dá-se  este  nome  a  certas  modificações 
accidentaes  no  systema  phonetico,  de  maior  impor- 
tância —  talvez  —  que  as  regulares,  e  devidas  á  com- 
binação dos  elementos  phonicos  da  palavra,  ou  ás 
varias  influencias  do  meio. 

2.  —  Estas  alterações  são  em  numero  de  seis  ;  a 
saber :  substituição,  addição,  subtracção,  fusão,  abran- 
damefito,   reforço. 

i.°  SUBSTITUIÇÃO 

3. — È  uma  simples  permuta  de  lettras,  devida  ás 
tendências  ou  ás  necessidades  phoneticas  de  um  povo. 


'  Do  grego  nutaplásmos,  do  v.  mctaplásio,  transforiiiíir. 
Esta  liçào   é  extrahida  da  phonologia    de   Pacheco  Júnior 
(cap.  IV). 


44 


Esta  liiodificação  depende  da  relação  ou  affinidade,  mais 
ou  menos  estreita,  entie  as  lettras  na  sua  formação  physiologica, 
correspondente  aos  órgãos  vocaes  que  as  pronunciam. 

Dá-se  a  substituição  por  —  iransformação,  dissi- 
tnilação,  assimilação,  e  transposição. 

a)  Traxrformação.  —  Temos  por  excusado 
accrescentar  mais  nada  ao  que  já  dissemos  sobre  as 
leis  das  permutas  das  vogaes  e  equivalências  das  con- 
soantes. 

Notemos  todavia  : 

I."  A  permuta  do  li  em  v  e  vice- versa,  tão  frequente  em 
todas  as  linguas  romanas,  e  já  vulgar  na  linguagem  popular  de 
Roma  desde  o  II  século  da  era  christá,  parece  ser  devida  a  ter  o  B, 
—  principalmente  no  dialecto  latino  de  Africa — ,  o  som  do  grupo 
DV  (Belhdii  soava  dvel/um,  ele.) 

2°  O  c  já  tinha  o  som  da  sibillante  branda  antes  de  e  e  i  no 
latim  vulgar  da  decadência;  o  g  antes  d'essas  vogaes, —  e  na 
mesma  época — ,  soava  como  a  chiante  palatal  j  ;  a  transformação 
do  D  quando  seguido  de  ia,  ie,  io,  iii,  remonta  ao  II  século  ;  o 
valor  phonetico  da  dental  branda  T  antes  d'esses  grupos  vocálicos 
já  era  o  da  guttural  branda  c  (//  =<-i)  desde  o  V  século  p.  C;  a 
permuta  do  u  latino  em  z  portuguez  acha  explicação  no  antigo 
som  da  dental  (=  (/sj. 

3.''  A  transformação  de  certos  sons  explosivos  em  sibilantes 
palataes  nas  linguas  néo.-latinas,  indicam  apenas  mais  um  valor 
phonetico  da  Unguagem  popular  de  Roma.  (V.  lição  3") 

òj  DissiMiL.AçÃo. —  Dá-se  quando  os  dous  sons 
se    repellem    ou    reagem  :  — Marselha    {Masselha). 

c)  Assimilação. — E'  a  attracção  phonetica  de  dous 
SG.ns ;  a  preponderância  de  um  sobre  o  outro  :  — /al- 
iar (fab-u-lari),  pessoa  (persona),  esse  (ipse). 

Pôde  ser  coinpleta  ou  incompleta. 

Toda  consoante  dobrada  é  consequência  de  uma 
assimilação. 


I 


45 

d)  Transposição.  —  Esta  mudança  de  logar  da 
lettra  ousyllaba,  dá-se  de  três  diíiferentes  modos  :  por 
7netathese,  hyperthese,  anastrophe. 

i9  Por  metatliese  *  quando  a  transposição  é  na 
mesma  syllaba:  —pobre  (pauper),  patil  {^2\ws). 

As  liquidas  são  as  consoantes  mais  sujeitas  a  estfi 
transposição. 

Nos  escriptos  amigos  (Secs.  XII  a  X\'I)  são  em  numero  mais 
crescido  as  formas  metathesicas: — osínar  ^ommar .stnrmeií/o,  freiíioso, 
/rol,  etc,  muitas  das  quaes  ainda  persistem  na  linguagem  do  povo 
{pirgunliir, prcsistir.  ci  avão,  etc.) 

2?  Por  hyperthese,  quando  a  mudança  se  effec- 
túa  entre  lettras  de  syllabas  diversas: — beiço  (basium), 
aceíro  (1.  b.  acerium). 

Nos  escriplos  dos  autores  antigos,  principalmente  dos  secs. 
XV  e  XVI,  encontrani-se  muitos  exemplos  hyperthesicos,  alguns 
dos  quaes  ainda  são  conseivados  na  linguagem  plcbéa  : — picne  {^o- 
hvc),faíiairo,  co/ilrayio,  etc. 

3?  Chama-se  anastropJie^  à  inversão  quasi  que  to- 
tal das  lettras  da  palavra  typica:  chiiiella  (1.  b.  planelli), 
ladainha  (lat.litania)  ^ 

Dá-se  também  o  nome  de  anastrophe  á  inversão  das  palavras; 
eil-o  alli,  eis  alli  clle;  e  á  errónea  deslocação  do  accento  tónico 
— P^S^^^*^,  bi imanto. 


'  Gr.  mefaí/iesis,    transposição.    Também   se  pôde    diir  a   de 
\una  syllaba. 

2  Gr.  anastrophe,  reviramento,  volta. 
'  Temos  também  litania,  ant.  lidania. 


46 


2?  ADDIÇÃO 

4. —  As  lettras  acrescentadas  ás  palavras  primiti- 
vas podem  sar  protkesicas,  epenthesicas  e  epithesicas, 
isto  é,  iniciaes,  medias  e  finaes. 

a)  Prothese  (gr.  prothesís,  apposição).  —  É,  em 
geral,  concequencia  da  lei  eiiphonica,  e  d'este  au- 
gmento  temos  muitas  amostras  no  portuguez:  acon- 
selhar, acredor,  escrever,  etc.   * 

No  latim  (la  decadência,  nas  inscrii)ções  africanas  e  nas 
chiistâsde  Roma,  etc.  são  innumeros  os  exemplos  da  prothese  do 
^  ou  /. 

13e  uso  mais  frequente  nos  escriptores  antigos,  — maiormenle 
a  do  A, —  ainda  é  ella  muito  vulgar  na  linguagem  do  povo  :  ainos- 
ínir,  alaiitei na,  avoat,  aparar  (p.  parar),  etc.  .  .  . 

O  portuguez,  bem  como  o  hespanhol,  regeitou  o  s  impuro. 
Todavia  nos  documentos  anteriores  ao  Sec.  XV  são  muitas  as 
formas  nominaes  e  verbaes  escri[)tas  sein  o  e  protliesico  :  s<:a/a, 
scfl/idudo,  etc  ,  e  ainda  posteriormente.  Os  vocábulos  que  em  portu- 
guez começam  por  um  s  impuro,  são  de  origem  erudita  {sphenoide, 
sternon,  etc),  aos  quaes  já  vão  todavia  vencendo  na  lucta  as  formas, 
com  e  protliesico.  « 

b)  Epentiiese  (gr.  epeutkesís,  inserção).  —  Tem 
por  fim  tornar  mais  eiiphonica  a  palavra,  facilitar 
a  sua  pronunciação,  ou  reforçar-lhe  o  som :  liuinilde 
(humilis),  hombro  (humerus),  estrella  (stella). 

No  portuguez  antigo  a  epenihese  também  era  muito  mais 
vulgar  que  no  moderno  :  hoidrar,  nicatia,  incliidir  prasi/iar,  etc 


^  Cumpre  também  notar  a  prothese  regional, 
*  Addição  ou  replicação. 


4] 


São  epentheticas  as  vogaes  a,  e,  i,  e  as  consoan- 
tes b,  p,  V,  d,  h,  l,  r,  n,  s. 

São  exemplos  d'esta  intercalação  euphonica,  as 
formas — aviaram-no,  dissej'am-nos,  etc.  * 

c)  Epithese  (gr.  epithesis). —  Essa  modificação  é 
raríssima  em  portuguez,  A  addição  de  terminações 
para  formar  derivados  não  constitue  propriamente 
epithese  ou  augmento  paragogico  (eiifom,  èntonces, 
entonce,  viartyre). 

As  formas  eshrile,  felice,  prodnze,  etc.  —  anteriores  a  João  de 
Barros  —  não  são  exemplos  epitliesicos,  mas  tão  somente  formas 
mais  encostadas  aos  typos  latinos. 

3?  SUBTRACÇÃO 

5. — O  abrandamento  é  muitas  vezes  a  causa  d'este 
phenomeno  phonetico,  que  pôde  effectuar-se  de  três 
modos    differentes  —  por  apherese,  syncope  e  apocope. 

a)  Apherese  (gr.  aphairesis,  subtracção)  é  a 
subtracção  da  vogal  ou  syllaba  inicial :  botica  (apothe- 
ca),  diamante  (adamantem),  bispo  (episcopus),  onça 
(lonza). 

Esta  modificação  é  também  instinctiva,  e  sempre  motivada 
pela  lei  do  menor  esforço. 

É  nniito  frequente  nos  nomes  próprios  —  Zé,  Lota,  Chico,  To' 
nico.  Nico,  etc,  que  muitas  vezes  mais  tarde  soffrem  a  reduplicaçào 
—  Z^zé,  Lolota,  ele. 


1  Dá-se  também  o  nome  Aq  diástole  (gr.  diástole  de  diastelto^. 
dilatar)  ao  alongamento  particular  da  vogal  ou  syllaba  breve  pel, 
addição  de  uma  consoante. 


48 


ò)  SvNCOPE  (gr.  sygkopc,  corte,  de  syn,  com :  coptih 
corto).  —  E  o  desappareciniento,  a  queda,  da  vogal  ou 
syllaba  breve,  quando  precede  immediatamente  a  tó- 
nica :  as7io  {2íúx\w%),  pregar  (predicare). 

As  consoantes  podem  também  ser  s)'ncopadas,  e 
d'ellas  mais  frequentemente  —  b,g,  v,  n  e /,  d,  p,  r,  s  : 
frio  (frigido),  eu  (ego),  ríó  (rivus),  cruel  (crudel),  rosto 
(rostrum). 


Estas  alterações  phoneticas,  já  vulgares  na  linguagem  de 
Roma  {/rii^do  p.  fn\i:;id(>,  mesa  \>.  viensa,  ele),  são  devidas,  em  regra, 
á  tendência  popular  para  abreviar  as  palavras. 

A  suppresscão  de  syllabas  medias,  para  maior  ra[)idez  ou  sua- 
vidade na  pronuncia,  deu-nos  ás  vezes  vocábulos  muito  apartados 
dos  typos  primitivos ://///// (fundibulum),  quaresma  (quadragésima), 
mister  (ministério),  dovia,  Sec.  XIV"  (hebdomada),  anco  (=r  angulo, 
em  J,  de  Barros),  encréo  (=  incrédulo),  etc. 


c)  Apocope  (gr.  apokope;  apo,  fora  de  koptô, 
corto).  —  E'  a  suppressão  de  lettras  ou  syllabas  finaes  : 
m7n,gran. 

Esta  alteração  phonetica,  por  ventura  a  mais  im- 
portante, é  consequência  do  clima,  cuja  influencia  não 
podia  deixar  de  ser  immensa  nos  systemas  phoneticos 
dos  diversos  povos. 


1 — Das  consoantes  finaes  latinas,  que  eram  essencialmente 
«/,  i\  s,  f,  só  as  duas  primeiras  persistiram  no  portuguez  :  as  outras 
{/,s. .  . .)  originaram-se  da  queda  das  vogaes  atonas  da  ultima  syl- 
laba, que  tornaram  finaes  consoantes  médias  latinas. 

2 —  Em  latim,  já  o  m  final  das  flexões  nominaes,  e  verbaes 
da  i"  pess.  sing.  do  Ind.  e  do  opt,  activo,  bem  como  o  ;//,  s,  /  e  (/, 
cabiam  geralmente,  do  tempo  dos  Graceos  ao  de  Augusto  e  no  latim 
popular  da  decadência  -.pão  p.  p/ius,  ello  p.  illiid,  es^  est,  etc. 


49 


4?  FUSÃO 

6. —  Esta  modificação  phòiietica  pôde  dar-se  não 
só  entro  as  lettras,  senão  também  entre  syllabas. 

Pode  ser  completa  ou  incompleta,  perfeita  ou  im- 
perfeita. 

7.  —  É  completa  quando  ha  contracção  do  vocá- 
bulo, isto  é,  quando  se  omittem  lettras  ou  syllabas  me- 
dias: semana  (sept-i-mana)  ;  incompleta  {^or  synizese), 
quando  pronunciamos  duas  vozes  simples  e  livres 
como  se  ellas  formassem  grupo  vocálico  ou  diph- 
thongo :  Deus. 

8. —  A  fusão  é  perfeita:  i?,  por  synalepha,  quer 
supprimindo  a  vogal  final  antes  de  vogal  inicial  da  pala- 
"vra  seguinte  {esf outro,  minJi  alma),  quer  omittindo  a 
inicial  d'esta  ultima ;  2?,  por  syneresis,  *  que  consiste 
em  formar  de  duas  vogaes  uma  única  longa  {pôrc=z 
poerz=i\at.  ponere),  ou  reunir,  diphthongando-as,  duas 
syllabas  sem  que  soffram  alteração  :  or-phe-u,  or-pheo\ 
39,  pela  crase,  *  quando  se  contrahe  em  uma  syllaba 
longa  a  final  de  uma  palavra  e  a  inicial  da  seguinte 
{áquellé),  etc. 

5?  ABRANDAMENTO 

9. —  Já  no  correr  d'estes  dous  últimos  capítulos 
deixámos  indicados  muitos  exemplos  {vida=zv\tdL).. .  . 

1  gr.  synairesis,  contracção. 
»  gr.  krasis,  mistura. 


50 


Cumpre  notar  :  i",é  esta  a  primeira  modificação  phonetica 
em  relação  á  quantidade  ;  2°,  que  a  ella  deve  se  muitas  vezes  a 
queda  das  lettias  ;  3.°,  que  o  abrandamento  é  consequência  natural 
da  influencia  climatérica,  principalmente  o  das  vogaes  finaes. 


69  REFORÇO 

10. —  Sob  esta  denominação  comprehende-se  a 
prolação  ou  alongamento  dos  sons,  que  pôde  dar-se 
por  èpenthesey  prothese  eparagoge.  * 


*  Para  maior  desenvolviuiento  do  ponto  V. — Pacheco  Júnior 
-Est.  da  ling.  vem, —  metaplasmos. 


QUINTA    LIÇÃO 


Dos  syatsmas  orthographicos ;  caudas  da  sua  irreg-alaridade 


I. —  São  três  os  systemas  orthographicos  — pho- 
netíco  ou  sonico,  etymologíco,  e  niixto  ou  usual. 

2. —  A  primeira  orthographia  devia  necessaria- 
mente ser  phonetica,  isto  é,  devia  consistir  na  repre- 
sentação graphica  dos  sons,    infiltrados    pelo   ouvido. 

E  a  lingua  portugueza  foi  fallada  muito  tempo 
antes  de  ser  escripta,  o  que  também  explica  as  varias 
modificações  porque  passaram  os  vocábulos. 

3. —  A  todas  as  incorrecções  e  innovações  dos 
povos  ignorantes,  oppoz  se  a  corrente  erudita  que 
luctou  pela  tradição  da  orthographia  latina. 

D'esta  luta  sahiu  mais  vezes  vencedor  o  uso 
tradicional.  No  Sec.  XVI  ainda  era  muito  irregular  a 
orthographia  ;    mas  a  influencia  clássica,  já  manifesta 


52 


no  século  anterior,  era  impedimento  a  que  a  ortbogra- 
phia  acompanhasse  as  vicissitudes  phoneticas  do 
vocábulo. 

Por  fim,  os  eruditos  começaram  systematicamentc 
a  vasar  as  formas  portuguezas  em  moldes  latinos, 
posto  que  substituindo  as  lettras  latinas  pelas  corres- 
pondentes no  portuguez  {senhor — segnor,  poblo — povo, 
outro — altro,  etc.);*  restabelecendo  algumas  que  já 
haviam  desapparecido  {contar — computar,  anco — an- 
giiflo,  etc.) ;  supprimindo  algumas  erradamente  interca- 
ladas pelo  povo  {aínigno,  loguo,  cuigo,  etc  ) 

E  no  século  XV  o  capi iclio  dos  Uaductores,  ainda  mais  apar- 
tou a  lingua  da  sua  evolução  natural.  Os  eruditos  em  tudo  mais 
se  encostaram  á  autoridade  latina  ;  foi  a  cultura  litterari.i,  que  intro- 
duziu crescido  numero  de  vocábulos  importados  immediatamente 
de  autores  latinos,  e  apenas  modificados  na  terminaçjio. 

4. —  A  orthographia  etymologica,  e  que  consiste 
em  escrever  o  vocábulo  com  as  mesmas  lettras  da 
palavra  originaria  (com  excepção  das  flexões  e  termi- 
nações), mais  tem  occorrido  aos  homens  eminentes,  e 
d'elles  mais  tem  sido  preconisada  que  7\  phonetica. 

Da  erudição  etymologica,  porem,  ha  resultado 
erros  de  formas  por  enganos  de  origem  {charo,  /lo, 
etc) 

5.—  A  pronuncia,  variando  de  época  para  época, 
de    provincia   para  provincia,  de  cidade  para    cidade, 


*  Como  já  dissemos  na  Intr.  á  Gramm.  hist.  :  são  de  mera 
convenção  as  relações  entre  o  signal  escripto  e  a  palavra  que  o 
representa. 


53 


ás  vezes  de  aldêa  para  aldêa,  e  mesmo  de  escriptor 
para  escriptor,  "  é  escabroso  pioblcnia  tentar  accor- 
dar  a  escripta  com  a  pronuncia. 

Cada  terra  ou  provincia,  julgando  ser  ahi  onde  a 
lingua  correctamente  se  falia,  não  se  subordinará  ás 
locuções  que  considera  peiores  que  os  seus  dizeres,  e 
até  estrangeiradas. 

Onde  pois  o  juiz  cuja  competência  nesse  pleito 
não  fosse  sempre  desconhecida? 

6. —  As  lettras  que  os  neographos  desterram  por 
ociosas,  não  são  inúteis  —  servem  para  attestar  a  ori- 
gem do  vocábulo,  a  sua  evolução,  a  camada  a  que 
pertence,  etc.  Esse  desterro  de  lettras  daria  em 
resultado  numero  crescente  de  homonymos,  o  que 
seria  um  mal, 

7. —  Si  a  orthographia  acompanhasse  a  pronun- 
cia nas  suas  frequentes  modificações,  difficil  seria 
entendex-se  um  escriptor  que  nos  houvesse  precedido 
um  ou  dons  séculos  ;  si  fosse  sinceramente  etymologica, 
sel-o-hia  outrosim  ridicula  e  pedantesca. 

8. —  Deve-se  pois  preferir  por  sobre  todas,  a 
orthographia  mixta,  a  que  hoje  estamos  subordi- 
nados. 

As  palavras  de  origem  popular,  que  foram 
aprendidas  de  outiva,  escrevem-se  phoneticamente ; 
as  de  fundo  erudito,  importadas  dos  escriptores  latinos 
ou  gregos,  devem  ser  representadas  com  as  suas 
relações  etymologicasí/r/í? — -ffigido,  respeito — respec- 
tivo, suor — stidorijico,  etc). 


54 


E  assim  fica  extremada  a  linha  divisória,  que 
separa  o  léxico  popular  do  erudito. 

7. —  A  variabilidade  da  pronuncia,  quer  por  mo- 
tivo orgânico,  quer  ainda,  pelo  accordar  das  formas 
derivadas  por  influencia  popular  ás  que  liie  serviam 
de  typos,  foi  consequência  natural  da  irregularidade 
orthographica,  ainda  manifesta  nos  escriptores  do 
sec.  XVI,  e  ás  vezes  no  mesmo  escriptor. 

8.  —  Nesse  século  imperavam  as  formas  despois, 
friLÍto,  enxuito,  mico,  antre,  sojugciclo,  cJiuiva,  coresma, 
abobeda,  estainago,  piadoso,  calidade,  pranta,  contrairo, 
piibríca,  giolho,  cudar,  devação,  tevcras,  resíio,  ingrez, 
frol,  craro,  etc,  porque  mais  persistia  na  phoneiica  a 
permuta  áob  pelo  v  e  vice  versa, a  do /pelo  r,  a  queda 
do  d  médio  ou  a  troca  do  o  pelo  u,  do  e  pelo  i  {pidir, 
firir,  disciilpar,  etc),  o  qu  soava  c  duro,  etc. 

Não  havia  ainda  então  regras  fixas,  mas  somente 
hábitos  grapkicos,  essenciahuente  variáveis  segundo 
as  épocas,  as  províncias  e  aindi  os  escriptores. 

8. —  São  d'esse  século  também  as  formas  trado, 
acto,  etc,  porque  soavam  czA^  trato,  mas  que  nas  épo- 
cas anteriores  eram  pronunciadas  anto,  trauto,  etc. 
As  alterações  phonicas  deram-nos  do  sec.  XIII  ao 
XV  as  formas  participaesem  <?íi^í?,  mio,  ido  ;  a  mudança 
da  terminação  om  em  am  e  ão  etc. 


*  Com.  j.  F.  Castilho — Oií/io<^nip/iia;  Bjscoli  — iil.  ;  Paclieco 
Júnior  —  A  Reforma  de  orthographia,  1879,  e  neste  ponto,  como  em 
t)Ulios,  a  i^rainin.  port.  tio  distincto  professor  Júlio  Ribeiro,  trabalho 
que  consideramos  de  grande  valor,  posto  as  nossas  opiniões  eni 
alguns  pontos  não  coincidam. 


DD 


9. —  Em  remate. —  A  irregularidade  da  orthogra- 
phia  acha  explicação  nos  processos  especiaes,  regidos 
quasi  sempre  pela  euphonia,  que,  conforme  o  clima, 
usanças,  costumes,  gráo  de  civilisação  e  movimentos 
políticos,  vasani  o  elemento  material  dá  palavra  em 
novo  molde.  Acontece  muitas  vezes  que  a  pronuncia 
verberada  em  uma  época  é  mais  tarde  a  corrente,  no 
emtanto  que  a  até  então  tida  por  certa,  é  considerada 
errónea  e  reprovada.  ' 

E  essa  vacillação  perdura  até  que  se  fixam  as 
regras  únicas  de  escrever  os  vocábulos,  "  ainda  quando 
diversíssimo  seja  o  modo  de  proferil-os.  " 


í  Freire,  p.  ex.:  condemna  celeuma,  chusma,  resposta,  pestane- 
jar, estômago,  ele,  e  dá  como  correctas  as  formas  celcusma,  churma, 
pstanear,  reposta^  estamago,  anteado,  etc.  .  . . 


SEXTA  LIÇÃO 


Morphologia :  estnictnra  da  palavra :  raiz ;  thema,  terminação ; 
affixos.—  Lo  sentido  das  palavras  deduzido  dos  elementos 
morphicos  que  as  constituem :  desenvolvimento  de  sentidos 
novos  das  palavras. 


I. —  MoRPHOLOGiA  é  a  parte  da  grammatica  que 
estuda  a  forma  das  palavras,  sua  flexão  e  classificação. 
E'  —  por  outras  palavras  —  a  theoria  da  formação 
dos  vocábulos. 

2. —  A  analyse  de  qualquer  palavra,  revela-nos  o 
elemento  essencial  e  irreductivel,  contendo  a  idéa  prin- 
cipal,—  a  RAIZ ;  e  vários  elementos  accessorios  que  a 
modificam  —  os  affixos. 

A  raiz  é,  consequentemente,  parte  commum  a 
todas  as  palavras  de  uma  mesma  familia. 

3. —  A  reunião  da  raiz  aos  affixos  é  que  constitue 
a  palavra  no  estado  actual. 


58 


4. —  Os  affixos  distinguem-se  &m prefixos  e  suffi- 
xos  (fixos  antes  ou  depais):  são  elementos  determinantes 
ou  modificadores.  (V.  Lições  176  18). 

5. —  As  raízes  não  representam  a  forma  da  linguagem  primiiiva, 
simples,  rudimentar,  o  seu  periodo  embryonario,  emfim  ;  mas  a 
consequência  de  diversos  attritos  e  atrophiamenios  vocabulares, 
devidos  á  força  natural  de  cohesão  no  organismo  da  phrase. 

A  hypothese  de  um  periodo  rhematico,  isto  é,  em  que  a  lin- 
guagem só  constava  de  palavras-raizes,  posto  satisfaça  a  importante 
lei  da  evolução  (do  simples  para  o  complexo,  do  homogéneo  para  o 
heterogéneo')  não  é  todavia  verificável.  E  o  estudo  das  primeiras 
camadas  da  linguagem  nos  descobre  crescido  numero  de  factos 
contradictorios. 

Devemos  pois  considerar  essa  theoria,  simples  postulado  de 
philologia  metaphysica,  mas  não  scientifica;  aceital-a  tão  somente 
como  instrumento  lógico  para  a  analyse  do  mechanismo  gram- 
matical. 

As  theorias  da  escola  allemã  —  entre  cujos  propugnadores 
tanto  se  sobrelevou  o  professor  Max  MuUer  —  têm  sido  controver- 
tidas modernamente  com  argumentos  do  mais  alto  valor. 

A  palavra —  espelho  do  pensamento  e  do  sentido — -  não  podia 
ter  existido  antes  da  phrase,  que  implica  um  juizo  mental,  a  limi- 
tação de  uma  idéa  por  outra.  E  a  linguagem  é  a  expressão  exterior 
do  pensamento  consciente  (Sayce —  Pr.  of  cotnp.  phil.') 

Logo,  a  raiz  não  podia  ser  de  natureza  vaga  e  indefinita ;  os 
primeiros  vagidos  da  linguagem  "  não  podiam  ser  idênticos  ao 
residuo  da  analyse  dos  sons  phoneticos.  " 

Devem  ser  consideradas  restos  obtidos  pela  selecção  de  um 
numero  infinito  de  palavras-phrases  primitivas.  O  seu  monosylla- 
bismo  explica-se  pelo  producto  da  alteração  phonetica;  e  a  ten- 
dência da  linguagem  foi  sempre  a  usura  e  a  contracção,  o  menor 
esforço  ou  acção.  * 


*  Sayce —  Pott. —  La  div.  des  races  humaines. 

Não  se  deve  attribuir  ás  raizes  significação  vaga,  geral, 
abstracta,  porque  essa  theoria  esteia-se  no  principio  falso  da  prece- 
dência do  geral  ao  particular.  (Id.)  Mais.  As  raizes  nem  sempre 
foram  monosylabicas  :  no  chinez  actual  encontram-se  ainda  raizes 
dissylabicas ;  no  accadiano  dos  monumentos  cuneiformes  de  Baby- 
lonia,  nas  investigações  do  Baniu  da  Africa  Austral,  descobrem-se 
também  raizes  polyssylabicas  em  numero  cemdobrado  {Edkins 
Bleek,  Layce.) 


I 


59 


6. —  Thema  ou  radical  é  a  palavra  já  apta  para 
receber  a  desinência  de  flexão  —  nominal  ou  verbal, 
isto  é,  o  seu  desenvolvimento  flexionai.  E'  pois  uma 
semi-flexão. 

Podemos  ainda  definil-o :  raiz  +  suffixo,  sem  ca- 
tegoria grammatical  definida,  mas  promptos  para 
recebel-a. 

Os  themas  são  —  nomiivies  e  verhaes  ;  e,  segundo  as  formas 
e  accidentes  das  raizes, —  redupUcaiivos  {gar-gar-ej-ar),  epeuthesicos 
(homemzarrão);  quanto  á  energia  de  derivação  —  activos  {^pedra, 
terra... )  e  inactivos  (trevas. ..). 

7> —  Os  verbos  apresentam  vários  themas :  um 
puro,  que  serve  de  fundamento  (thema  geral)  ;  outros 
d'elles  provenientes,  chamados  especiaes.  No  verbo 
amar,  ama  é  o  thema  geral ;  amar,  porém,  é  o  thema 
especial  do  imperfeito  do  indicativo. 

8. —  Terminação  ou  desinência  é  a  ultima  parte 
da  palavra;  a  que  encerra  a  idéa  accessoria  que  se 
quer  juntar  á  fundamental. 

E'  o  elemento  flexionai,  que  do  mesmo  passo 
modifica  as  formas  e  indica  as  varias  funcções  que  a 
idéa  incluída  no  thema   representa  no  discurso. 

As  desinências,  caracterisando  os  casos,  géneros, 
números,  pessoas,  tempos  e  modos,  são  factores  gram- 
maticaes  que  dão  ás  formas  —  variabilidade  e  vida. 
(V.   Lições  i6  e  17). 


Devemos  notar  mais,  1°  que  a  mesma  raiz  pode  ter  diversa 
significação,  e  formas  diversas  a  mesma  significação ;  2"  que  ha 
palavras  que  de  todo  perderam  a  raiz  :  —  gr.  ci:  =  ecn  =  cs-c:i  =  port. 
ei-ini ;  fr.  c/6'/7  =  ]at.  /labcrc  =  de/iiòci. 


6o 


9. —  A  estas  desinências  chamam  os  g;  ammalicos 
— de  flexão  ;  ás  que  servem  para  formar  derivados, — 
de  derivação. 

Não  se  deve  confundir  a  terminação  (suffixo  de  desinência  ou 
flexionai)  com  o  suffixo  thematico,  que  figura  entre  a  raiz  ou  o 
primeiro  thema  e  a  desinência. 

IO. — Analysemos  agora  algumas  palavras,  distin- 
guindo a  parte  essencial,  dos  elementos  modificadores 
que  concorreram  para  a  sua  formação.  Vejamos 
como,  eliminando-os,  chegamos  ao  elemento  funda- 
mental,—  a  raiz. 

Em  impermeável,  se.  tirarmos  os  prefixos  im  ^per, 
e  o  suffixo  vel  {=  suf.  lat.  comp.  b-ili),  signal  dos  adj., 
e  emfim  o  suffixo  verbal  a,  a  palavra  reduz-se  á  syl- 
laba  ;;^^,  que  encerra  a  idéa  fundamental — passar, 
escoar,-  em  respeitável,  na  qual  facilmente  se  distingue 
o  verbo  respeitar  e  a  terminação  vel,  se  eliminarmos 
o  prefixo  re,  teremos  speitar  =  {xç.(\w^vú.2X\v(ò  spectare, 
que  remonta  ao  verbo  simples  lat.  specere  ( =  ver, 
olhar),  formado  da  terminação  movei  e-re  e  da  parte 
invariável — spec,  que  se  encontra  em  todas  as  linguas 
indo-européas. 

Em  historicamente,  supprimindo  a  terminação  «/«fw/d- (que  já  se 
encontra  no  latim  com  sentido  de  animo,  disposição  (bona  mente), 
a  palavra  reduz-se  a  um  adjectivo  derivado  do  correspondente  latino 
{histórica),  e  si  d'elle  eliminarmos  o  suffixo  ca,  teremos  historia, — 
palavra  latina  formada  do  grego  histor  e  do  suffixo  fem,  ia, 
indicador  de  nomes  abstractos  e  correspondente  ao  sankrito^'<í,  e 
ao  grego  iã.  Histor,  é  porém  corrupção  de  Hstor,  forma  que  se 
decompõe  em  Hs  e  tor,  representando  o  segundo  elemento  \íor)  o 
nom.  sing.  do  suffixo  derivativo  tar —  latim  dâtor,  sansk.  dâ-tar, 
grego  do-ter,  (—  o  que  dá),  e  serve  para  formar  nomes  de  agentes 
e  instrumentos  {leitor,  esmptor,  ect.) 


6[ 


Na  raiz  altribuitiva  '/V,  o  s  representa  uma  modificação  plio- 
nelica  ;  a  permuta  de  um  í/ primitivo.  E  esta  aiialyse  conduz-nos 
á  raiz  ;V/ —  sansk.  7'^íía,  grego  o'/(/i/,  forma  simples  do  perf.  da  raiz 
77V/  —  saber.  * 

Ainda  devemos  notar  a  vogal  cliamada  de  ligação.  Inter- 
calada entre  a  consoante  da  raiz  e  o  suffixo  ou  entre  o  suffixo  e  a 
terminação,  não  faz  parte  integrante  da  raiz  ou  do  thema,  nem  da 
desinência ;  é  apenas  de  intercalação  euphonica. 

II. —  Nas  línguas  modernas,  analyticas,  é  de 
pouca  importância  o  estudo  das  raízes  e  formas  the- 
matícas,  ao  envez  das  línguas  synthetícas  como  o 
sanskrito,  grego  e  latim. 

No  portuguez,  em  consequência  dos  vários  ele- 
mentos históricos,  *  é  dífficíl  a  determinação  sincera 
e  criteriosa  de  todas  as  raízes,  e  ás  vezes  por  ventura 
iiiipossivel.  Só  se  pôde  determinar  com  segurança, 
as  gregas  e  latinas,  as  germânicas  e  algumas  célticas : 

a)  Latinas: — ^=  d iic  =^  conáuzxr,  fer  (for)  ==  levar,  frag  = 
quebrar,  Wí7^(med)  ^julgar,  apreciar,  regular 

b)  Gregas  .• —  arch  —  ser  o  primeiro,  cop  —  cortar,  gno  —  co- 
nhecer is^nsk.  gnà) ,  sech  — ler  (sansk.  sahj,  ther  —  aquecer  (sansk. 
ghar) 

12.  — As  raízes  distinguem-se  em  typicas  e  ono- 
matopicas.  A  escola  allemã,  porem,  divide- as  em  duas 
grandes  classes : —  attributivas,  que  exprimem  noções 
de  relações,  e  deuioiistrativas,  que  designam  os  seres 
e  suas  modificações. 

E  como  os  seres  só  podem  ser  conhecidos  por 
suas  qualidades  sensíveis  ou  manifestações  activas,  as 


*  Bopp.  —  Vergl.  Gramm. 

'  Latim,  grego,  céltico,  germânico,  phenicío,  árabe,  hebraico, 
africano,  tupy,  etc, 


62 


raizes  demonstrativas  dividem  se  em  quantitativas, 
predicativas,  nominantes,  objectivas,  idcaes  e  verbaes, 
ao  passo  que  as  attributivas  distinguem-se  em  demon- 
strativas, indicativas,  subjectivas,  formaes  e  prononii- 
naes. 

Na  impossibilidcade  de  remontar  sempre  á  forma  mais  simples, 
admittem  os  glottologos  as  seguintes  combinações: 

I." —  Vogal  :   /  —  ir. 

2." —  vogal  -f-  consoante  :  ad  —  comer, 

3." — consoante -{- vogal :  da  —  dar. 

4." —  cons.  4-  vogal  -}-  cons. :  cad  - —  cahir. 

5." —  vogal  -j-  grupo  cons.:  are  —  afastar. 

6." —  grupo  de  duas  consoantes  -\-  vogal  :  sía  —  estar  em  pé 
////  . .  correr,  escoar- se. 

7." —  grupo  de  duas  consoantes  -f-  vogal  -|-  consoante  :  spect 
—  olhar,  spas — olhar. 

8."—  cons.  -}-  vogal  +  grupo  de  duas  consoantes  :  vert  —  girar. 

9.° —  grupo  de  duas  consoantes  +  vogal  +  grupo  de  duas  cons.: 
sparg  —  espalhar,  spaiid  —  tremer. 

13.  No  portuguez,  coexistem  —  e  mui  naturalmente — raizes 
cagnatas  das  linguas  grega  e  latina  : 

Grego  Ijatim 

raiz  ag paragoge  raiz  ag agente 

aug auxesis  aug augmento 

gen . .  génesis  geti general 

gno gnosis  gno ignorante 

etc.  etc. 

14. —  Coexistem  outrosim  no  portuguez  formas  corresponden- 
tes do  prefixos  e  suffixos  gregos  e  latinos: 

Grego  Latím 

an in  (neg) 

anti ante 

apo ah 

dia dis 

etc.  etc. 

icos iciis 

çn. , , , , . çns 


63 


15. —  Quanto  á  vogal  de  ligação,  devemos  advertir  que  ella 
ás  vezes  varia  lios  compostos  latinos  e  gregos: — aer-o- nauta  (gr.) 
aer-\fonne  (lat.) 

16.  — 'Do  SENTIDO    DAS    PALAVRAS  DEDUZIDO   DOS 
ELEMENTOS    MORPHICOS  QUE  AS  CONSTITUEM. ,Do  qUC 

levamos  dito  resalta  que  podemos  deduzil-o—  da  iden- 
tidade radical  {^espelho  espécie),^  o  que  constitue  uma 
espécie  de  synonymia  latente,  ou  da  especialisação  de 
afifixos,  como  a  e  in  privativos  {atonia,  injusto),  per  e 
/r^  sup.  {per lúcido,  preclaro),  os  expoentes  augmen- 
tativos  e  diminutivos  {caixão,  caixinha,  espadim, 
quintalete,  homunciilo),  o  suffixo  adverbial  mente. 

Quando  as  palavras  são  formadas  pelo  processo 
reduplicativo,  podemos  também  dos  seus  elementos 
morphicos  deduzir-lhes  o  sentido: — ruge-ruge,  bule- 
bule. 

1 7.  —  Desenvolvimento  de  sentidos  novos  nas 
PALAVRAS. —  o  léxico,  como  as  fómias  grammaticaes 
e  a  pronunciação,  varia  de  época  para  época.  O  povo 
não  se  contenta  com  exprimir  o  pensamento  e  as  idéas 
novas  ;  é-lhe  força  apresental-os  animados  e  revestidos 
em  variadas  cores  ;  não  lhe  basta  pois  o  processo  de 
importação  de  vocábulos  novos  de  origem  estrangeira, 
nem  o  da    formação  portugueza  propriamente   dita 


Vide  Lição.  1 2 

Segundo  a  escola  Heyscana,  se  deduziria  o  sentido  dos 
vocábulos  do  symbolismo  directo  dos  sons  elementares :  assim, 
por  ex.,  da  lettra  m,  inuiio  =  mu/um,  innrinurio  =  mmmur,  ele. 

V.  Lam.  de  Andrade  —  Phi/ohgia  viodi'rna  e  a  origem  da 
linguagem  (Vulgarisador  18). 


64 


(V.  Lições  1 7  a  24) ;  aquella  tendência  natural  e  expon- 
tânea da  sua  vida  intellectual  leva-o  (sob  a  acção  da 
analogia)  a  alterar,  renovar,  e  accrescerq  léxico  pelo 
processo  modificador  do  sentido  das  palavras. 

O  principio  da  analogia  deve  ser  attribuido  em 
parte  ao  instincto  natural  da  imitação,  e  em  parte  á 
lei  do  menor  esforço.  A  multiplicidade  dos  sentidos 
de  uma  mesma  palavra,  é  pois  resultante  da  neces- 
sidade ou  desejo  de  adquirir  novas  ideassem  trabalho 
de  inventar  ou  formar  palavras  novas. 

E'  grande  a  influencia  da  analogia — falsa  ou  verdadeira — na 
linguagem.  Revela-se  nos  phenomenos  de  alteração  phonetica, 
accentuaç<1o,  pronuncia;  na  alteração  das  relações  grani niaticaes, 
das  regras  syntaxicas,  da  significação  das  palavras;  na  mudança 
insensível  da  fórma  exterior,  e  caracter  de  vocabulário. 

18.  —  Todas  as  mudanças  de  sentido  fundam-se 
na  comparação  e  analogia ;  mas  dos  objectos  materiaes, 
dos  idéaes  sensíveis,  é  que  os  homens  passaram  ás  abs- 
tractos. 

Foi  a  analogia  que  deu  origem  ao  que  vulgar- 
mente se  chama  figuras  de  palavras  {tropos  —  Vide 
Lição  46  ) :  pé  da  cadeira  ;  a  perna  do  compasso  ;  a 
cabeça  da  comarca,  da  revolução,  o  olho  da  enchada  . . . 
o  bronze  =  sino,  o  ferro  =  punhal,  etc  ,  um  havana, 
um  Terra  nova,  cognac,  bordeaux,  etc.  * 


*  Investir  era  pôr  nas  vestes,  peiplexo  o  que  está  emaranhado, 
etc. ,  trivial  o  que  se  encontra  ao  atravessar  a  rua,  etc. 

Metaphora,  catachrese,    metonymico,    synecdoque,  metalefre, 
etc. 


19- — A  influencia  d'essa  lei  é  sempre  obvia  directa 
ou  indirectamente.  Assim  :  —  €07"=  lat.  coi'  (coração), 
tinha  nos  séculos  XIII  —  XVI  o  sentido  de  desejo, 
vontade,  grado  {boa  cor,  coi"  de  rir)  e  conservou  se 
na  accepção  de  memoria  {de  cór;  Cp.  fr.  par  coeur,  ing. 
by  heart,  hesp.  de  cor  —  Obs.  cor  =  coração) ; . . . 
cabo  =  lat.  caput  (cabeça)  teve  varias  extensões  de 
sentido,  — de  fim,  termo,  limite  (Sec.  XII),  *  fazendas, 
riquezas,  capital  (Sec,  VIII),  '  logar,  parte  (Sec  XIV); 
mídato  até  o  sec.  XVI,  siofnificava  macho  asneiro  ; 
manceba  era  mulher  nova,  até  o  sec.  XV;  depois  veio 
a  ter  sentido  de  w^r^/r/>  (pelas  formas  de  transição 
manceba  mundanaria  —  solteira  —  F.  Lopes);  coco  <\ue. 
significava  originariamente  o  fructo  do  coqueiro, 
designava  no  sec.  XVI  um  abantesma,  um  papão  (J. 
de  B,  Dec) ;  '  doiizella  até  o  sec.  XVI  era  uma 
dama  do  paço,  solteira;  hoje  —  mulher  solteira,  mas 
virgem,  ainda  que  maior  de  25  annos  (Leão  CJir. 
Af.  V);  corja,  antigamente  collecção  de  20  (de 
roupa,  louça,  etc),  hoje  —  agrupamento  indetermi- 
nado de  indivíduos  malandrinos,  canalhas  ; /íw/^r,  era 
lançar  finta,  tributo  {Ord.;  Bem.  Floresta),  hoje — eti- 
ganar,  etc. 

20.  —  As  palavras  soffrem,  no  dobar  dos  annos, 
três  mudanças  principaes  no  tocante  ao  sentido:  i.°,  a 


1  Donde  ir  ás  do  cabo.  —  Ao  cabo  de  dous  dias,  da  rua,  etc. 
Cabo  =  cauda. 

2  Donde  —  cada  um  de  seu  cabo  (por  si). 

8  Idem  no  hespanhol.  Rom.  N.  41,  pag.  119. 


66 


que  depende  da  associação  de  idéas  e  do  sentido 
novo  que  ella  desenvolve,  da  especialisação,  emíim  ; 
2.°,  a  que  é  determinada  pelo  sentimento  encomiástico 
ou  degradativo ;  3.',  a  que  acompanha  a  evolução 
syntaxica  da  linguagem. 

O  professor  Whitney,  reduz  as  perpetuas  mu- 
danças de  sentido  das  palavras  a  dous  processos  — 
o  de  especialisação  do  geral  e  o  de  especialisação  do 
particular. 

21.  —  Estudemos  agora  as  principaes  causas 
particulares  das  varias  applicações  de  sentido  nas 
palavras ; 

d)  Generalisação  do  particular.  O  sentido  de 
particular  torna-se  geral ;  Alpes  desde  o  século  XI 
emprega va-se  para  indicar  qualquer  monte  ou  col- 
lina;  oráculo  era  qualquer  oratório  ou  pequeno 
templo;  Belchior  chamava-se  o  primeiro  adelo  esta- 
belecido, no  Rio  de  Janeiro,  e  esse  nome,  por  uma 
extensão  menos  natural,  veiu  a  significar  todos  os 
que   compram   e  vendem    roupas    e  trastes    usados. 

b)  Especialisação  do  geral.  O  sentido  do  vocábulo 
restringe-se.  —  Britar  significava  arrombar  ou 
quebrar  qualquer  cousa,*  e  hoje  só  se  emprega  no 
sentido  de  quebrar  pedras ;  criação  designava  nos 
antigos  does.  —  todas  as  fazendas,  bens,    propriedades 


*  Britar  as  portas,  um  olho,  a^  lança ;  aS  leis,  os  fbraes,  etc. 
(Nob.,  Ord.  Alf.,  Chr.  D.  J.  I.,  Galvão  Chr,,  etc.)  —  Escumuuhom 
nom  brita  osso  (dito  do  povo —  Ord.  Aíf.) 


6/ 


(fructos,  rebanhos...)  e  bem  assim  a  pátria;  os  criados 
de  El-Rei,  etc.  ;  hoje  o  seu  sentido  limita-se  (alem  do 
acto  de  criar — crear — já  originário)  ao  da  criação 
ou  propagação  de  animaes  domésticos  ;  botica,  que 
era  qualquer  loja  pequena,  agora  só  é  usado  tão 
somente  na  accepção  de  pharmacia  ;  guisar  era  em- 
pregado no  sentido  de  guiar,' ajudar,  dispor,  ordenar, 
preparar,*  e  hoje  só  se  usa  no  de  preparar  a  comida. 

c)  Mudaiiça  de  numero. —  Algumas  palavras 
mudam  de  significação  quando  no  plural.  Ex.:  bem  (o 
que  é  bom,  honesto,  vantajoso,  conveniente)  e  bens 
(riqueza,  propriedade);  honra  (estimação,  culto,  apreço 
que  acompanha  a  virtude  e  o  saber,  boa  fama,  credito) 
e  honras  (terras, — sec.  XIV;  e  publicas  demonstrações 
de  respeito)  \  fumaça  (vapor  que  se  desprende  dos  cor- 
pos em  combustão)  ç.  fumaças  (tolo  desvanecimento, 
parva  jactância),  ferro  ^  ferros,  prata  e  pratas,  gloria 
e  glorias,  etc. . . .  Dá-se  quasi  sempre  mudança  de  ap- 
plicação  nos  pluraes  emphaticos. 

d)  Mudança  de  género. —  O  femenino  dá  mais 
extensão  ao  sentido  da  palavra  :  fructo  fructa,  lenho 
lenha,  ramo  rama,  grito  grita. 

e)  Do  abstracto  para  o  concrecto  e  vice-versa  (por 
falsas  ou  verdadeiras  analogias: — ou  tomando  o  effeito 

pela  causa,  a  causa    pelo  effeito,  a    parte  pelo  todo  e 


*  Ined.  d'Alc. ,  Ord.  Aff,  Vieira  (guisar  o  engano  :=  faze^ 
en  gano). 

Calamidade,  pessoa,  cynismo,  etc,  já  nos  vieram  do  latim 
com  a  significação  corrente. 


6S 


o  todo  pela  parte).  Mundo,  corrente,    terra,   etc,    são 
amostras   da   materialisação  das  idéas. 

f)  M.  de  seyitido  passivo  para  o  activo,  e  vice-versa, 
do  objectivo  para  subjectivo. —  Hospede  ^xdi  originaria- 
mente o  homem  que  dava  pousada  ou  agasalho,  dono 
de  estalagem  ;  depois —  pessoa  a  quem  se  dá  hospeda- 
gem.    E  só  nesta  accepção  é  hoje  usada. 

g)  M.  por  encarecimento. — :  A  palavra,  depois  de 
certo  tempo,  toma  sentido  mais  nobre  ou  elevado.  Ex.- 
méco  significava  devasso,  adultero,  e  hoje,  mas  em 
linguagem  vulgar,  tem  o  sentido  de  esperto. 

h)  M.  por  degradação  ou  remoque.  —  Manceba 
era  mulher  nova  até  o  século  XV ;  depois —  moça  de 
servir  ;  hoje,  só  no  sentido  de  concubina.  Manceba 
do  mundo  =  meretriz  (Lobo,  Corte  na  Aldeia).  — Pa- 
tife significava  moço  de  ceira  ou  ribeirinho,  hoje — 
um  maroto,  bregeiro ;  mariola  era  o  homem  de  fretes, 
que  se  aluga  para  carregar,  e  actualmente  um  dis- 
soluto, etc.  ;  tratante  applicava-se  ás  pessoas  que  tra- 
tavam ou  negociavam*,  hoje  só  se  emprega  á  má  parte, 
isto  é,  com  relação  ao  individuo  que  faz  negócios  com 
tretas  e  dolos. 

Muitos  augmentativos  já  são  hoje  considerados 
irónicos  ou  pejorativos :  —  sabichão,  santarrão,  poe~ 
tdço....y  e  synonymos  de  —  ignorante,  hypocrita, 
máo  poeta... 


*  Tratar  •:=.  negociar  em  alguma  mercadoria, 


69 


t)  Derivação  diverge7ite  ou  degeneração phonetica. 
E'  também  um  phenomeno  semeiologico.  Comparar 
=  lat.  cotnparare,  que  significa  adquirir  alguma  cousa 
por  dinheiro.  Cp.  —  Comparar  e  comprar,  esmaf 
e  estimar,  acto  e  atcto,  bolha  bolla  bulia. 

j )  Inversão  da  ordem,  dos  factores  na  composição. 

—  Cp  : —  homem  rico  e    rico   homem,  gentil  homem  e 
homef?i  ge7ttil  {dLVoh.  pej=  rico  omaz.    Canc.  Vat.) 

Esta  mudança  é  muito  commum  nos  toponymicos 

—  Villa  Nova  =  nova    villa,    Penha  Longa  =  longa 
penha. 

h)  Origem  histórica. —  Assanino^=-  -âiX-a^ò^  hacha- 
chi  ou  hachichi  (lat.  baixo  —  heissesin,  assassi,  assas- 
sini,  etc. —  D.  C.  Gloss.)  O  vocábulo  árabe  deriva  de 
Jiachich,  bebida  inebriante  que  papel  importante  re- 
presentou na  fanatisação  dos  terriveis  sectários  Ismae- 
linos  ou  Bathenianos.'  — ArmÍ7iho,miisselina,  cache- 
mtra,  um  havana,  o  gruyère,  o  paraty,  o  champag7ie, 
um  Lerra  nova,  etc,  lembram  as  localidades  d'onde 
procedem  esses  productos;  amphitryão,  tartufo,  etc, 
trazem  á  memoria  personagens  que  de  feito  existiram 
ou  foram  creados  pela  imaginação  dos  escriptores. 
Amphitryão  (comedia   de   Plauto,    e   vulgarisada  por 


1  E'  esta  a  verdadeira  etyniologia,  provada  por  Sylv.  de  Sacy 
{R.  de  VA.  des  Inscrípt.  et  belles  letires),  Defrémery  (y.  asiatique), 
Davic,  etc. 

Dozy  (Gloss.')  é  de  opinião  que  port.  não  importou  o  vo- 
cobulo  directamente  do  árabe,  mas  por  intermédio  do  francez  ou 
do  italiano. 

Mas  as  formas  acima  citadas  do  b.  lat.  ? 


ro 


Molière)  significa  hoje  aquelle  que  á  sua  mesa  reúne 
convidados,  e  ainda  o  ricaço  e  poderoso  cujo  egois- 
mo  obriga  á  lisonja  e  adulação ;  Tartufo  é  uma 
creação  de  Molière,  e  representa  o  typo  da  corrupção 
embiocada  sob  exterioridades  de  santo,  o  typo  emfim 
do  hypocrita.  E  todos  esses  nomes  tornaram-se 
proverbiaes  (Attila,  Nero,  Calligula,  etc),  como  no 
dominio  da  toleima  são  populares  os  de  Calino, 
e   os   nossos   Manuel  de    Souza  e  Cónego  Philippe. 

Exemplo  de  mudança  de  sentido  pela  origem  his- 
tórica, temos  ainda  no  neologismo  bofid,  no  sentido  de 
ferro-carril  urbano.  Estes  neologismos  por  mudança 
de  sentido  derivam  de  ou  correspondem  a  um  facto 
histórico;  e  com  effeito  a  inauguração  desses  vehiculos 
públicos  coincidiu  com  a  emissão  dos  bonds  (obriga- 
ções do  Thesouro,  vales). 

/)  Falsa  etymologia  ou  esquecimento  etymologico  : 
—  Hortelã  pimenta  (p.  mentha),  respondo  =  re- 
ponho e  resposta  =  reposta  (no  jogo  do  voltarete), 
braço  e  cutello  p.  baraço  e  cutello,  come?  a  dous  car- 
rinhos p.  comer  a  dous  carrilhos,  sarabanda  p.  zeri- 
banda. 

m)  Limitação  regional  ou  dialectal. —  As  pala- 
vras ás  vezes  mudam  de  sentido  da  metrópole  para  a 
colónia,  de  provincia  para  província,  etc.  Estas  mu- 
danças constituem  os  brazileirismos,  americanismos, 
provincia lismos...  Ex.:  Babado  em  Portugal  =  cheio 
de  baba,  no  Brazil  —  id.,  ^folhos  de  vestido  ;  capoeira 
em  Po-rt.  =  gaiola  para  guardar  aves,  no  Brazil— id., 


71 


e  matagal  de  arvoredos  teimes^  ave,  indivíduos  que 
atacam  com  a  cabeça  e  os  pés,  etc. ;  muqueca  em  Port. 
é  termo  de  agricultura,  e  no  Brazil — guisado  de  peixe 
acamarão/  calunga  (voz  africana)  na  Bahia  significa 
ratinho,*  em  Pernambuco  —  boneco  de  pão,  no  Rio  de 
Janeiro  —  companheiro,  parceiro  (só  em  linguagem 
plebéa,    dial.  brazil.  afr.) 

«)  Ellipse  de  palavras: —  cada  que  (=  cada  vez 
que,  Sec.  XIII),  estou  que  (=  estou  crente  em 
que.) 

o)  Reforço  negativo. —  Já  era  mui  frequente  no 
latim  clássico.  Ex.:  nem  mica,  nem  sombra,  nem  um 
piftgo.^ 

p)  Por  mudança  de  categoria  grammatical:  — 
babado  (part.)  e  babado  (subst.),  pe?idulo  (subst.)  e  pên- 
dulo (adj.),  offícial  (adj.)  e  officíal  (subst.) 

q)  Por  mudança  de  categoria  mental:  —  lustro 
(periodo  de  cinco  annos),^?/^/;///^^/^  (período  de  quatro 
annos),  feira  (que  ficou  sendo  a  denominação  de 
5  dias  de  semana.) 

r)  Por  mudança  de  accentuação  ou  deslocação  da 
tónica: — nível  e  7iívél  (livel,  olivel.)  Nível  é  a  pro- 
nuncia hoje  corrente  para  exprimir  um  plano  hori- 
zontal: nível  é  o  instrumento  que  serve  para  se  reco- 
nhecer a  horizontalidade  de  um  plano. 


*  Murganho,  que  no   Rio  de  Janeiro  chama-se  camondongo. 
V.  Lam.  de  Andrade. —  Yid,  negação  intensiva,  1886. 


/- 


I. —  D'esses  empregos  metaphoricos  eram  os  nossos  maiores 
muito  mais  ricos  do  que  nós,  como  veremos  quando  tratarmos 
da  negação. 

Ainda  poderiamos  adduzir,  talvez,  mais  uma  causa  para  a 
modificação  do  sentido  das  palavras —  a  influencia  do  gesto,  como 
por  ex.:  nestas  phrases  populares  que  ouvimos  todos  os  dias  e  cujo 
sentido  só  é  completo  pelo  gesto  — por  esta  (se.  cruz),  nem  isto,  etc. 

2. —  Na  evolução  semeiologica  das  palavras  é  também  de 
notar  a  lei  da  inferência  lógica,  que  constitue  a  modalidade  funda- 
mental do  raciocinio,  a  trajectória  do  particular  para  o  geral, 
voltando  de  novo  o  sentido  ao  particular,  onde  se  fixa  por  fim. 

Ex.:  Amor  =  lat.  amarem,  passou  do  sentido  de  affeição, 
amisade,  a  significar  —  mercê,  beneficio  (sec.  XIII),  voltando  ao 
sentido  primitivo  unicamente. 

3  Sentimento  —  a  principio  sensação,  percepção  interna  dos 
objectos  pelos  sentidos,  teve  também  a  significação  de  opinião, 
voto, parecer ;  sensibilidade  physica  e  moral;  aptidão  para  receber 
as  impressões ;  intelligencia,  discernimento,  consciência  intima  ; 
perfeito  conhecimento  e  segura  observação  ;  magoa,  queixa,  pezar ; 
máo  cheiro,  principio  de  podridão  ;  abalo  (S.  de  edificio,  etc.)  ;  e 
hoje  ainda  a  de  tendência,  predisposição  para  alguma  cousa  —  sen- 
timento de  honra,  ^^  probidade.  Por  este  exemplo  vê-se  quanto 
uma  palavra  pôde  apresentar  novos  aspectos,  dilatar  as  raias  da 
sua  significação. 

24.  — A's  vezes,  pois,  o  mentido  figurado  prevalece 
e  tanto  se  vulgarisa,  que  o  sentido  próprio  se  perde ; 
outras,  as  varias  applicações  de  sentido  desenvolvem- 
se  juntamente,  e  acabam  por  fazer-nos  esquecer  a 
relação  que  as  liga.  Assim  p.  ex.: —  Tabefe  não  mais 
lembra  a  idéa  de  leite  com  assucar  e  ovos ;  garganta 
de  serra  ou  de  montanha,  já  parece  palavra  distincta 
àç^ garganta,  parte  anterior  do  pescoço,  etc... 

A  ultima  phase  da  variabilidade"  signifieativa  da  palavra  é  a 
perda  do  próprio  sentido  {ca,  la,...') 

25. —  Esta  importante  elaboração  não  se  limitou 
ao  vocabulário  e  ao  esquecimento    das    etymologias ; 


73 


estende-se  mesmamente  ás  construcções,  ás  locuções 
e  phrases.     E  a  este  facto  já  nos  referimos. 

São  verdadeiros  idiotismos  de  sentido,  que  con- 
stituem uma  das  riquezas  de  todas  as  linguas,  e  dos 
populares  passam  aos  escriptos  clássicos.  Ex.: — estar 
de  asa  cahida,  fazer  gato  sapato  de  alguém,  ter  dous 
dedos  de...,  dar  em  droga,  perder  as  estribeiras,  ver- se  em 
calças  pardas,  metter-se  em  camizas  de  onze  varas, 
chegar  a  roupa  ao  couro. ...^ 

26.  —  Nos  dizeres,  apodos  e  provérbios  popu- 
lares é  que  taes  mudanças  de  applicações  mais  são 
frequentes : —  Quem  quer  bolota  trepa  na  arvore,  cada 
um  chega  a  brasa  á  sua  sardinha,  não  se  apanha?n 
trutOrS  a  bragas  enxutas 

Estes  factos  mostram  claramente  a  reacção  da  phrase  sobre  o 
valor  individual  dos  vocábulos.  As  palavras  (como  acabamos  de 
ver  nos  vários  exemplos)  comprehendem  muitas  relações — mais  ou 
menos  simples,  mais  ou  menos  naturaes — ,  certa  caracterisação  de 
virtualidade  para  todas  as  equivalências  possíveis,  "  certo  poder  de 
symbolismo  vago." 

E'  nessas  tendências  expontâneas  e  fecundas  dos  povos  que 
se  descobre  o  laço  artificial  e  de  convenção,  que  torna  a  palavra 
pensamento,  representando-o  outrosim  sob  múltiplas  formas  objec- 
tivas. 


i  Cav.  de  Oliv.  vol.  i.°,  etc. 

10 


SÉTIMA  LIÇÃO 


Da  classificação  das  palavras.—  Do  substantivo  e  suas  espécies 


I. —  Entende-se  por  classificação  das  palavras,  a 
distribuição  das  palavras  em  suas  varias  espécies  ou 
partes  do  discurso. 

Outros  definem  a  classificação —  conjuncto  das 
idéas  coordenadas  por  géneros  e  espécies. 

A  classificação  das  palavras  em  classes  corres- 
pondentes aos  grupos  de  idéas  de  que  se  compõe  o 
pensamento,  chama-se  Taxionomia. 

2. —  E'  antiquíssima  a  theoria  das  parles  do  dis- 
curso ou  da  oração. 

O  portuguez  classifica  as  palavras,  quanto  á  sua 
significação,  em  oito  espécies:  substantivo,  adjectivo, 
pfonome,  verbo,  adverbio,  preposição,  conjuncção  e  inter- 
jeição, si  a  não  considerarmos  forma  rudimentar,  in- 
stinctiva,  não  exprimindo — como  as  outras  palavras — 
idéas,  ou  relações  (Lição  nona). 

Thomson  {Laws  of  thoughf)  classifica  as  palavras  em — sub- 
stantivos, adjectivos  e  preposições.     Beeker  classifica- as  em  duas 


76 


categorias  —  palavras  nocionaes^  que  exprimem  noções,  isto  é, 
idéas  de  seres  ou  acções  formadas  no  espirito —  substantivo  adje- 
ctivo, verbo,  adverbio  de  modo,  tempo  e  logar;  e  palavras  telacio- 
naeSy  que  não  exprimem  noção  ou  idéa,  mas  indicam  meramente  a 
relação  entre  duas  palavras  nocionaes,  ou  entre  uma  nocional  e  a 
pessoa  que  falia —  verbos  auxiliares,  artigos,  pronomes,  numeraes, 
preposições,  conjuncções,  e  os  advérbios  chamados  de  relação. 

E'  difficil — diz  Ticknor — applicar  os  principios  de  classifi- 
cação a  palavas  particulares ;  ellas  podem  mudar  de  classe  em 
certo  periodo  da  historia  da  linguagem,  e  ainda  pertencer  a  diffe- 
rentes  classes  em  uma  mesma  época  histórica. 

3.  — Tocante  ás  susls /uncções  naíuraes,  dividem- 
se  as  palavras  em : 

a)  Nominativas^  ideaes  (dependentes  e  indepen- 
dentes). São  as  que  servem  para  distinguir  os  seres, 
as  substancias  reaes  ou  abstractas ;  as  qualidades  e 
acções,  os  diversos  estados  das  pessoas  e  cousas, 
todas  as  manifestações  da  vida  {nome  e  verbo). 

ô)  Connectivas  ou  relativas.  São  as  que  expri- 
mem as  numerosas  relações  de  tempo,  logar,  numero, 
quantidade,  causa,  effeito,  etc.  ( preposição  e  conjunc- 
ção). 

O  adverbio  participa  de  ambas  as  classes.  Por 
sua  natureza  especial  é  adjectivo  e  partícula  a  vezes; 
marca  a  transição  das  palavras  de  flexão  para  as 
invariáveis. 

4.  —  Quanto  k  forma,  estas  cathegorias  de  pa- 
lavras dividem-se  em  variáveis  e  invariáveis.  Perten- 
cem ás  primeiras  os  dous  grandes  factores  da  lingua- 
gem— o  nome  e  o  verbo ;  *  ás  segundas,  as  partículas 


*  Sob  o  termo  genérico  de  tiome,   comprehende-se  o  substan- 
tivo,  adjectivo  e  pronome. 


77 


—  destroços    orgânicos     ou    organismos    inferiores 

—  muitas  d'ellas  sem  mais    existência  independente. 

5.  —  Conhecidos  os  elementos  que,  classificados 
segundo  as  suas  funcções  ou  relação  com  a  proposi- 
ção, formam  as  partes  do  discurso,  passamos  agora  a 
tratar  de  cada  um  d'elles  separadamente  mas,  nesta 
e  nas  quatro  lições  seguintes,  apenas  sob  o  ponto  de 
vista  taxionomico. 

Do  substantivo  e  suas  espécies 

6.  —  Uma  palavra  pode,  só  por  si,  com  todos  os 
verbos  finitos,  ser  sujeito  de  uma  proposição  ;  ecom  o 
verbo  ser  tornar- se  predicado: — O  homem  morre 
(suj.),  também  és  homem  (pred.). 

Ora,  a  palavra  que  designa  pessoa,  logar  ou 
cousa — segundo  a  '  idéa  da  sua  natureza,  por  suas 
qualidades  distinctivas — é  um  substantivo  : — Pedro, 
Tijuca,  livro,  virtude. 

7. —  O  substantivo  exprime  estrictamente  o  que 
subsiste,  isto  é,  o  que  constitue  a  base,  o  fundamento 
de  accidehtes  ou  attributos.  e  por  isso  pode  ser  con-. 
siderado  independente,  e  viver  só  por  si. 

E'  o  nome  de  um  objecto  de  pensamento,  perce- 
bido pelos  sentidos  ou  comprehendido.  Ora,  o  nome 
de  tudo  quanto  existe  ou  é  concebido  existir  é  um 
substantivo. 

8. —  O  substantivo,  pois,  exprime  a  idéa  de  um  sêr 
vivo  ou  de  um  objecto,  uma  concepção  ou  idéa. 


78 


9- —  O  substantivo  pode  convir  a  todos  os  seres 
ou  cousas  da  mesma  espécie,  ou  designar  apenas  uma 
cousa  individualmente,  uma  pessoa  determinada  :  — 
rio,  cão. . .  Amazonas,  Mário. 

D'ahi  2i  sMdi  àxviSdiO  GCíi  próprios  e  communs  ou 
appellativos. 

IO. —  O  nome  commum  é  o  nome  da  espécie  :  o 
nome  próprio,  o  do  individuo. 

O  nome  provinda,  por  ex.,  significa — divisão 
territorial  pertencente  a  um  Estado :  é  o  nome  da  es- 
pécie, o  nome  commum. 

A  palavra  Pernambuco  designa  uma  província 
particular  do  Brasil,  distincta  de  todas  as  outras :  é  o 
nome  do  individuo  isolado,  é  o  nome  próprio . 

Os  substantivos,  pois,  designam  os  seres  como  indivíduos,  es- 
pécies e  géneros.  O  individuo  é  o  ser  considerado  isoladamente ; 
a  espécie  —  a  reunião  de  muitos  seres,  de  muitas  cousas  (individuos) 
distinctas  das  outras  do  mesmo  género,  por  caracteres  distinctivos  : 
o  género  é  a  reunião  de  muitas  espécies. 

II. —  Nos  nomes  communs  e  próprios  é  muito  de 
notar  —  a  compre/tensão  da  idéa  e  a  extensão  da  signi- 
ficação. 

Por  extensão  entende-se  o  numero  maior  ou 
menor  de  indivíduos  ou  objectos  comprehendídos  na 
significação ;  comprehensão  é  o  numero  maior  ou 
menor  de  attributos  comprehendídos  em  uma  idéa 
geral. 

E — como  judiciosamente  pondera  Ayer —  a  com- 
prehensão de  uma  palavra  está  na  razão  inversa  da 
sua  extensão,  e  reciprocamente. 


79 


Quanto  mais  geral  for  o  nome,  tanto  maior  será  a  sua  ex- 
tensão e  menor  a  comprehensáo.  Os  nomes  próprios  de  indivíduos 
sâo  pois  os  que  teera  menos  extensão  e  mais  comprehensáo  (Gram. 
comp.). 

E'  pois  de  summa  importância  grammatical  a 
dístincção  entre  as  pessoas  e  cousas,  não  só  para  a 
theoria  da  formação,  mas  também  — e  acrescentado — 
para  o  emprego  das  formas  pronominaes  {que^  çuem, 
alguém,  outro,  outrem). 

12.  Os  nomes  próprios  foram  originariamente 
communs  ;  são  verdadeiros  substantivos  significativos  ^ 
Maria  =  soberana,  Úrsula  =  pequena  ursa,  Clau- 
dina  =  mulher  que  coxêa  (claudica),  Theophilo  = 
amante  de  Deus,  Portugal  =  Porto  de  Cale  (Portus 
Cale),  Itapuca  =  pedra  furada,  Marco  =  nascido  no 
mez  de  Março,  Dorothea  =:^áoví\  de  Deus,  etc. 

E  ainda  temos  muitos  exemplos  do  caracter 
appellativo  ou  significativo  dos  nomes  próprios  :  — 
Rosa,  Clara,  Prudência,  Felicidade,  Ventura,  Silva, 
Amoroso,  Pereira,  Limoeiro,  Botafogo,  Rio  Verde, 
Aguas  Claras ....  * 

i.'^  Entre  os  nomes  próprios  de  pessoas,  distínguem-se  opre- 
nome  ou  nome  de  baptismo,  o  nome  ou  nome  de  família,  o  sobre  nome 
e  ainda  o  cognome.  Muitos  sobrenomes  sâo  \\.o]tptenotnes.  (Cicero, 
César,  Scipião,  etc.) 

Entre  os  Romanos  o  nome  {nomen  gentis,  nomina  gentilitià) 
correspondia  ao  patronymico  dos  Gregos.  Todos  esses  nomes  sâo 
propriamente  adjectivos. 

2.°    A  lettra  inicial  dos  nomes  próprios  é  sempre  maiúscula. 


*  V.  Pacheco  da  Silva  Júnior. —  Historia  dos  nomes  próprios 
(portuguezes).  Sobre  os  nomes  de  origem  tupy,  Cons.  Martius. 
Gloss.,  etc. 


8o 


13.  Alguns  nomes  communs  são  considerados 
próprios,  quando  empregados  de  modo  peculiar,  indi. 
vidual,  restrictivo:  - —  o  Senhor,  a  Egreja. 

14.  Os  próprios  tornam-se  communs  pela  mu- 
dança de  applicação,  desenvolvimento  do  sentido: 
Calepino,  damasco,  cachemira  (V.  Lição  6f) ;  e  ainda 
/ — no  parecer  de  alguns  grammaticos/ —  quando  estão 
no  plural :  os  Mirandas,  as  Emilias, 

15.  Os  substantivos  appellativos  subdividem-se 
em  concretos,  abstractos,  collectivos,  verbaes. 

á)  São  concretos  os  que  significam  seres  de 
existência  verdadeira  ou  supposta:  seres  reaes  cujo 
sentido  nos  faz  conhecer-lhes  as  propriedades:  o 
livro,    o  amigo. 

Exprimem  uma  acção,  qualidade,  condição  ou 
propriedade,  dependente  da  substancia  que  lhes  é 
inherente. 

b)  Abstractos  são  os  que  exprimem  uma  quali- 
dade, condição  ou  propriedade,  considerada  inde- 
pendente da  substancia  (cousa)  a  que  se  acha  geral- 
mente ligada: — belleza,  amizade,  justiça.  Aqui,  p. 
ex.:  não  consideramos  quem  tem  belleza,  nem  quem  é 
amigo. 

Exprimem  uma  idéa  de  acção,  condição  ou 
qualidade,  só  existente  no  espirito,  que  a  personifica, 
separando-a  (por  abstracção)  do  individuo  a  que 
pertence. 

Os  nomes  abstractos  de  acção  derivam  de  verbos  por  meio 
dossuffixos  —  ão,  agem,  ura,  menio,...os  de  qualidade  formam-se 


geralmente  de  adjectivos  com   os  suffixos— ízz/if,  eza,  iça...  (V.l^i- 
ção  18.='). 

c)  Collectivos.  São  os  substantivos  que,  posto 
na  forma  do  singular,  indicam  agrupamento  de  indi- 
vidues da  mesma  espécie : — armada,  esquadra,  reba- 
nho, pellotão,  manada,  corja,  anno... 

Representam  todavia  uma  cousa  única;  encerram  um  caso 
àe  plural  imJ>lidío _;  constituem  uma  deflexão  ou  flexão  interna,  so- 
mente no  sentido.  (V.  Lição  12*). 

O  nome  collectivo  pôde  ser  geral  ou  partitivo, 
conforme  indica  a  totalidade  da  collecção  ou  tão  so- 
mente uma  parte  indeterminada : — o  exercito,  a  es- 
quadra... UMA  cáfila,  UM  ar  medito,  uma  quantidade^ 
UMA  multidão. 

O  partilivo  pôde  subdividir-se  em  determinado 
e  indeterminado^  segundo  indicar  ou  não  uma  quan- 
tidade certa,  exacta : — uma  recova,  um  concilio,...  dúzia, 
milheiro. 

d)  Verbaes.  São  certas  partes  dos  verbos  em- 
pregadas substantivadamente — castigo,  jantar. 

O  Infinito  é  em  todas  as  linguas,  uma  verdadeira 
forma  nominal. 

16.  —  Ainda  temos  mais  : 

a)  S.  Correlativos.  São  os  substantivos  communs 
considerados  em  relação  reciproca: — Pai  ç.  filho,  Rei 
e  Súbdito. 

b)  Materiaes.  São  os  que  exprimem  cousas  que 
não  despertam  idéa  de  individualidade,  mas  tão  so- 
mente uma  noção  de  aggregação : —  leite,  agua. 

11 


82 


17-  — Todas  as  palavras,  e  até  mesmo  as  propo- 
sições, podem  ser    empregadas    substantivadamente. 

A  formação  de  subst.  abstractos  de  adjectivos  ou  antes  o  uso 
de  adjectivos  como  subst.  abstractos,  é  feição  característica  de 
muitas  linguas,  ás  quaes  dão  força  mui  peculiar, pois  que  taes  nomes 
não  podem  ser  substituidos  exactamente  por  uma  periphrase.  Gr. 
tò  Kalòn,  ali.  das  Sc/ione,  o  bello.  Estas  formas  abstractas  portu- 
guezas  constituem  vestígio  do  adjectivo  neutro. 

i8.  —  Sob  o  ponto  de  vista  da  forma,  ainda  os 
substantivos  dividem-se  em  simples  e  compostos,  pri- 
mitivos &  derivados. 

a)  Simples:  — mesa,  papel. 

b)  Compostos.  São  os  formados  de  duas  ou  três 
palavras  simples: 

1" — Subst.     4"  subst arcõ-iris 

2° — Subst.      -f"  ^dj agua-ardente 

3" — Verbo     -f-  subst saca-rolhas,  papa-moscas 

4° — Prep.      -j-  subst sub-delegado 

5° — Subst.  -["  prep.  -\-  subst.  chefe  de  turma 

6° — Verbo     -j-  verbo Jtige-ruge 

7° — Verbo    -j-  adv falia  mansinho 

8° — três  palavras  diíferentes . . .  mal  me  quer,  údalgo  (filho  de  algo; 

c)  Primitivos: — arvore,  pedra,  barca.,.. 

d)  Derivados: — arvoredo,  arvorejar;  pedreiro, 
pedranceira,  pedregulho;  barcaça,  barqíieiro,.. 

Para  maior  dilucidação  d'este  paragrapho  —  V.  Lições 
17  e  18.  {composição  e  deriva (ão^ 

18.  —  Os  substantivos  communs  ainda  podem 
ser  augmentativos  e  diminutivos: — komemzarrão, 
quintalete;  epicenos  òu  promíscuos:  sabiá,  anta.  (V. 
Lição  1 3?  Flexão  dos  nomes,  género,  etc.) 


83 

19.  —  Os  substantivos  patronymicos  eram  na 
origem  simples  adjectivos  indicadores  da  filiação. 
São  propriamente  adjectivos,  mas  pertencem  hoje  á 
classe  dos  substantivos  adjectivos: — Ex.:  Sanches, 
Vasques,  Gonçalves,  Alvares,...  =  descendente  de 
Saficho,  Vasco,  Gonçalo,  Álvaro.... 

Em  latim  esses  adjectivos  terminavam  em — ius. 

Historicamente  o  subst. — com  ocategoria  grammatical — sue- 
cedeu  ao  adjectivo  e  precedeu  ao  verbo. 

Militam  a  favor  da  primeira  hypothese  as  seguintes    provas  : 

1°  No  sanskrito  antigo  encontram-se  subst.  nos  gráos  com- 
parativo e  superlativo,  mudando  de  sentido  pela  simples  forma  de 
género : 

2°  Certa  tendência  instinctiva  do  adjectivo,  que  perdendo  o 
seu  valor  qualificativo  originário  veio  a  significar  exclusivamente  o 
objecto/ 

3"  Especialisação  de  sufiixos,  como  se  vê  em  latim  com  o 
subst.  instrumentaes.* 

A  segunda  hypothese   esteia-se  nos  dous  factos   seguintes  : 

i." —  Na  introducção  de  formas  nominaes  na  conjugação 
(infinito,  supino,  gerúndio,  participio)  ; 

2." — Na  existência  dos  nomes  abstractos  em /í»  no  latim  ante 
clássico,  regendo  accus. : — Quid iibi  hanc  curatio  est  (Plauto). ' 


I  Bréal,  Bop|). — Gr.   comp. 
Idem. 


OITAVA  LIÇÃO 


Da  classificação  das  palavras.—  Do  adjectivo  e  suas  espécies 


I. Vide  LIÇÃO  SÉTIMA 

2. —  Adjectivo  (lat.  adiectivum,  de  ad-icere,  por  a 
par,  que  ajunta)  é  o  nome  que  se  junta  ao  substantivo 
para  qualifical-o  ou  determinal-o.  Designa  as  pro- 
priedades de  um  sêr  ou  de  um  objecto,  de  uma  pessoa 
ou  idéa ;  serve  para  aclarar  a  comprehensão  da  idéa 
expressa  pelo  substantivo.  Ex.:  Homem  sábio ^  sete 
livros,  esta  penna. 

3. —  O  adjectivo  não  pôde  por  si  só  ser  sujeito 
da  proposição,  mas  com  o  verbo  ser,  pode  formar  o 
predicado :  Deus  é  justo,  o  homem  é  mortal. 

Antigamente  o  adj.  não  era  parte  distincta  da  oração,  mas  sim- 
ples substantivo  commum. 

*'  E  de  feito,  os  nomes  appellativos  mais  indicam  qualidade 
que  substancia.  " 

A  classificação  moderna,  porém,  íundamenta-se  em  que  o 
adjectivo  vem  sempre  ligado  a  um  substantivo  ou  pronome,  na 
qualidade  de  attributo  ou  predicado. 

Desde  que  não  preenche  essas  funcções,  o  adj.  é  considerado 
substantivo  ou  pronome. 


86 


4. —  Os  adjectivos  qualificam  em  geral  os  sub- 
stantivos, sem  os  quaes  não  formam  sentido  completo, 
ou  são  empregados  substantivadamente : —  gr.  ho  so- 
phos,  lat.  sapiens,  o  sábio. 

O  adjectivo  attributivo  pode  tornar-se  um  sub- 
stantivo {chão,  frio);  o  circumstancial,  um  pronome 
{Oy  este,  aquelle.) 

5. —  Os  adjectivos  classificam-se  segundo  a  sua 
significação  e  forma. 

Quanto  á  significação,  dividem-se  em  qualifica- 
tivos (attributivos  ou  descriptivos),  e  em  determina- 
tivos (circumstanciaes  ou  definitos.)  Aquelles  expri- 
mem uma  qualidade  ou  condição;  estes  definem, 
limitam,  a  significação  do  nome  a  que  se  ajunta. 

Alguns  grammaticos  hodiernos  rejeitam  a  moderna  classifica- 
ção dos  adjectivos  em  determinativos  e  qualificativos,  apoiados  nas 
duas  seguintes  ponderações : — 1.°,  que  todos  os  adjectivos  ajuntan- 
do-se  aos  nomes  para  determinar-lhes  ou  restringir-lhes  a  significa- 
ção á  idéa  da  espécie  particular,  são  forçosamente  determinativos ; 
2°,  que  tal  classificação  obriga  a  considerar,  ora  na  classe  do  adjec- 
tivo, ora  na  cathegoria  do  pronome,  certas  palavras  da  mesma  na- 
tureza, posto  não  exerçam  as  mesmas  funcções  no  discurso  (tfieu, 
qual....) 

6. —  Essas  duas  categorias  subdividem-se  do 
modo  seguinte: 

possessivos 
demonstrativos 

conjvMctivos  .  (  collectivos 

Deter miimtivos    \  ,.,  ,.  <  umversaes  j  ^  distributivos 

J  quantitativos  \  ^ 

ou  )   j,    ff        ^  definidos 

de  números  .  ^  )  e  indefinidos 


^     i-j:    j-      \  essenciaes  ou  explicativos 
Qualificativos  \        j    4^  ^  .  ■  *.- 

^       '  (  accidentâes  ou  restrutrvos 


Possessivos,  são  os  adjectivos  pronominaes  que  exprimem 
idé  a  de  posse :  —  mai,  teu,  seu,  nosso,  vosso, 

Demonstrativos,  são  os  que  indicam  pessoa  ou  cousa,  com 
idéa  de  logar  ou  tempo : —  este,  esse,  aqttelle... 

CoNjUNCTivos,  são  os  que  conjunctam  clausulas: — que,  qual, 
cujo. 

Quantitativos,  são  os  que  determinam  todos  os  indivíduos 
de  uma  classe,  ou  parte  d'ella,  e  por  isso  dividem-se  em  univetsaes 
ou  geraes  e  pariitivos. 

Aquelles  subdividem-se  em  collectivos  [todo,  nenhum)  e  dis- 
tributivos {cada,  cada  um);  os  partitivos  podem  ser  deJi?iidos  {iim, 
dous...)  e  indefinidos  {algum,  certo,  pouco.. ^ 

7. —  Os  determinativos  quantitativos  ou  nomes 
de  numero,  determinam  as  pessoas  ou  cousas  quanto 
ao  numero  e  2i  qua7itidade  ;  e  como  essa  funcção  pôde 
ser  geral  ou  restricta,  precisa,  d'ahi  a  subdivisão  em 
indefinidos  e  definidos. 

Os  indefinidos  assignalam  um  numero  ou  uma 
quantidade  indeterminada:  algum,  certo,  muitos... {uni- 
dade e  pluralidade);  cada,  nenâum,  todos...  (totalidade 
e  universalidade.) 

I?  Empregados  absolutamente,  qualquer,  todos,  cada,  nenhum, 
teem  valor  pronominal. 

2.° —  Os  nomes  collectivos  partitivos  pouco  diíferem  pelo 
sentido  dos  nomes  de  numero  indefinido;  mas  quanto  á forma,  distin- 
guem-se  em  que  só  os  collectivos  geraes  ou  partitivos — como  todos 
os  substantivos  —são  sempre  determinados  pelo  articular  ou  seus 
equivalentes.  A  mesma  palavra  pode  ser  coUectivo  geral  com  articu- 
lar o,  partitivo  com  o  det.  indef.  um,  nome  de  numero  indefinido 
sem  determinante.  (V.  Cons.  Ayer — noms  de  nombre  indeúnis). 

8.  —  Os  nomes  de  numero  definidos  exprimem 
um  numero  determinado.  Dividem-se  em  numeraes 
cardinaese.  ordinaes:  aquelles  representam  os  núme- 
ros  formadores  de  qualquer  numeração — um^dous, 


88 


vinte,    etc;    estes,     são   verdadeiros   adjectivos   que 
exprimem  a  ordem,  —  primeiro,   quinto,   vigésimo..?) 

Os  Multiplicativos  são  os  nomes  de  números 
que  denotam  as  vezes  que  uma  cousa  é  multiplicada: 
— duplo,  triplo,  cêntuplo... 

9. —  Alguns  numeraes  mudam  de  categoria  gram- 
matical,  pelo  esquecimento  etymologico  : —  quartel 
=  trimestre,  corja  =  collecção  de  20  objectos,  dizima 
=  a  dizima  parte,  decima,  quaderno,  etc. 

10.  —  Os  possessivos,  demonstrativos,  relativos  e 
quantitativos  ou  nomes  de  numero, — fazendo  ás  vezes 
as  funcções  de  adjectivos  e  as  de  pronome,  são  con- 
siderados— adjectivos  pronominaes. 

11.  —  O  artigo  é  um  verdadeiro  adjectivo  deter- 
minativo, quer  individualise  o  nome  que  se  lhe  segue, 
quer  designe  uma  espécie — geral  ou  particular.  (V. 
Lição,  26). 


Tirou  origem  na  necessidade  que  tem  o  povo  de  nomear 
claramente  as  cousas  de  vida  commum,  de  individualisar  a  signi- 
ficação do  nome. 

Sobre  a  origem  do  artigo  como  categoria  grammatical,  é 
errónea  a  hypothese  de  consideral-o  resultante  da  obliteração  do 
sentido  vivo  das  raizes  indicativas  ou  relacionaes.  De  feito,  o 
zend,  o  sanskrito,  o  grego  ani  homérico,  e  o  latim  clássico,  conser- 
vam mais  clara  a  consciência  dos  elementos  de  relação ;  mas  as 
linguas  semíticas  —  que  mais  conservam  a  significação  primitiva, 
concreta  e  material  de  seus  typos  radicaes  (Renan)  —  possuíam  o 
artigo,  e  desde  o  mais  remoto  período  histórico. 


12.  —  As  qualidades  podem  ser  physicas  ou  ma- 
ieriaes : — alto,  baixo,  quente,  frio  ;  e  moraes: — dili- 
gente, preguiçoso,  alegre. 


89 


13-  —  Podem  mais  ser  essenciaes  e  accidentaes, 
conforme  indicam  propriedades  essencialmente  carac- 
teristicas  da  pessoa  ou  cousa,  ou  não : — Bra?ica  neve^ 
o  cavallo  é  quadrúpede,  são  propriedades  essenciaes  ; 
chapéo  alto,  cavallo  náfego,  são  propriedades  acci- 
dentaes. 


Aos  primeiros  denominam  alguns  grammaticos — explicativos; 
aos  segundos — restrictivos. 

Também  são  considerados  adj.  accidentaes  ou  restrictivos,  os 
subst.  que  modificam  outros  : — Rei  navegador. 


14.  —  Quanto  á  forma,  os  adjectivos  dividem- se 
em  primitivos  e  derivados : — rico,  furioso;  simples  e 
compostos: — verde,  auri-verde. 

15.  —  Aos  derivados  pertencem  os  pátrios,  gen- 
tilicos  e  verbaes. 

Pátrios  são  os  que  indicam  a  naturalidade  de  um 
ser  ou  de  uma  cousa: — Bahiano,  Maranhense. 

Gentílicos,  os  que  indicam  a  nacionalidade: — 
Brdzileiro,  Inglez. 

Verbaes,  os  que  tiram  origem  em  um  verbo: — 
amante,  pedÍ7ite,  fallador.  (V.  L.  derivação). 

16.  —  Ha  uma  outra  classificação  dos    adjectivos 

também  em  duas  classes:  i?,  dos  o^^  fixam  a  attenção 

na  qualidade  ou  propriedade   que    descrevem,    quer 

esta  propriedade  seja  objecto  de  sentido  physico  {certo, 

alto),  quer  de    percepções  mentaes   e  affeições  {caro, 

verdadeiro) ;  2?,  dos  que  se  referem    manifesta  e  dis- 

tinctamente  a   algum  primitivo    {férreo,  pedregoso), 

12 


90 


Aos  da  primeira  classe,   chamam,  .adj.  qualificativos \ 
aos  de  segunda,  adj.   de  relação. 

17.  —  O  adjectivo  é  uma  simples  differenciação 
do  substantivo.  Prova-o  a  sua  syntaxe.  (V.  Lição  6? 
in  fine). 


NONA  LIÇÃO 


Da  classificação  das  palavras.—  Do  pronome  e  suas  espécies 


I. —  Vide  Lição  sétima, 

2. —  Conforme  a  etymologia,  o  pronome  é  uma 
palavra  que  substitue  o  nome. 

O  substantivo  exprime  uma  idéa,  designa  as  pes- 
soas ou  cousas  por  suas  qualidades  distinctivas,  cara- 
cterísticas, naturaes.  O  pronome,  porem,  exprime 
apenas  uma  relação,  isto  é,  designa  as  pessoas  ou 
cousas  por  sua  relação  oracional. 

3. —  Os  pronomes  dividem-se  em  duas  grandes 
classes : —  Pronomes  substantivos  e  adjectivos. 

d)  Os  pronomes  são  substantivos  —  quando  ex- 
cercem  as  funcções  de  substantivo,  isto  é,  quando 
ocupam  o  logar  do  sujeito,  objecto,  etc. : —  Elle  (o 
professor)  deu-\M.Y.  (ao  alumno)  tem  livro. 

b)  Pronomes  adjectivos  são  os  que  determinam  o 
substantivo  juntando-lhe  uma  relação  de  posse  ou 
indicação: — Este  (quadro)  é de  Pedro,  isto  é,  o  quadro 


92 


indicado  pela  pessoa  que  falia :  o  teu  (escripto)  é  de 
mais  valor. 

O  pronome  adjectivo,  pois,  limita  também  de 
algum  modo  o  substantivo,  com  uma  idéa  de  espaço 
ou  distancia :  Aquelle  (autor)  é  mais  clássico  que  este. 

4. —  Os  pronomes  substantivos  dividem- se  em 
pessoaes  e  indefinidos. 

a)  Os  pessoaes  designam  a  pessoa  que  falia,  a 
com  quem  se  falia,  e  a  pessoa  ou  cousa  de  que  se  falia 
{/allanle,  interlocutor,  assumpto?) 

São  consequentemente  de  três  classes:  i?^  pessoa 
—  eu,  nós :  2?, —  tu,  vós ;  3^  elle,  ella  ;  elles,  ellas  {o, 
a,  os,  as: —  Tinha  essa  obra,  mas  já  a  dei.) 

São  estes  os  verdadeiros  pronomes.  A  sua  origem  foi  poste- 
rior ao  plural,  e  a  idéa  do  pronome  sujeito  foi  a  ultima  a  formar-se. 

Os  pronomes  pessoaes  —  diz  Sayce  —  tiveram  origem  no 
periodo  epithetico,  e  provavelmente  sensível  como  a  dos  nomes  de 
números.  Eram  a  principio  —  como  refere  Bleeck  —  substantivos 
com  a  significação  de  senhor,  reverencia,  criado,  etc,  Cp.  port. 
Fulano  ou  Fiião,  Beltrano,  Sicrano  (==elle,  alguém)  o  Degas 
(=  eu),  etc. 

Amostra  mais  evidente  desse  facto  na  lingua  por- 
tugueza,  temos  na  palavra  você,  forma  atrophiada  de 
vosmecê,  contracção  de  vossemecê  ou  vocemecê,  que  re- 
presenta a  transformação  do  titulo  honorifico  Vossa 
Mercê  em  um  simples  signal  unitário.  A  palavra  você 
desterrou  quasi  que  completamente  da  linguagem 
popular  o  pronome  vós,^  conservando  todavia  as  suas 


*   Vós  ainda  é  empregado  em  alguns   pontos   de  Portugal  e 
Brazil  na  linguagem  familiar. 


93 


prerogativas  de  reverencia,  ceremonial  (3?  pessoa),  e 
é  hoje  um  verdadeiro  pronome.* 

Foi  também  o  que  succedeu  em  Hespanha  com 
a  differença  que  o  pronomen  reverentice — Usted,  tam- 
bém se  applica  a  pessoas  de  respeito  e  com  quem  não 
privamos. 

a)  Os  indefinidos  são  também  essencialmente 
pronominaes,  isto  é,  não  podem  ser  construidos  com 
substantivos    claros :  —  alguém,  ninguém,  se,  outrem, 

tudo,  nada  ;  fulano,  sicrano,  beltrano  (^  elle.) 

* 

Os  substantivos  homem  e  gente  são  empregados  na  linguagem 
popular  de  Portugal  e  Brazil,  como  verdadeiros  pronomes:  aquelle, 
desde  o  século  XV  (D.  Duarte,  Ferreira,  Sá  de  Miranda,  etc.) ; 
este,  mais  modernamente:  Cp.:  fr,  on ;  ali.  tnatm ;  ing.  mafiçpeople 
(alem  de  one.  e  ihey).  * 

5. —  Os  pronomes  adjectivos  dividem-se  em  de- 
monstrativos, distributivos  e  conjunctivos  ou  relativos 
(interrogativos). —  (V.  Lição  oitava). 

Os  demonstrativos  isso,  isto,  aquillo,  são,  porem, 
essencialmente  pronominaes,  e  neste  caso  acham-se 
outrosim  os  conjunctivos —  que,  quem,  quem  quer  que, 
o  que  quer  que. 

6. —  Os  conjunctivos  referem-se  a  alguma  cousa  já 
expressa  em  outra  proposição,  mas  cuja  determinação 
elles  mais  tornam  precisa. 

São  interrogativos  quando  perguntam  a  relação 
demonstrativa.     Nas  phrases  interrogativas,  e  ainda 


*  Pacheco  Júnior. —  Questões grammaikaes,  1886. 
»  V.  Pacheco  Júnior. —  Rev.  Braz.,  1882. 


94 


nas  interjectivas,  o  pronome  que  é  adjectivo :  —  Que 
flor  é  essa  ? —  Que  menino  / 

Os  pronomes  relativos  foram  primitivamente  demonstrativos, 
e  ainda  no  chinez  o  relativo  so=  logar.  (Philippi,  Schoflf — gram. 
ap.  Sayce  /V.) 

O  pronome  é  pois  uma  differenciação  lógica  do  nome.  A  sua 
origem  repousa  na  dupla  modalidade  psycologica  do  subjectivo  e 
do  objectivo,  distincção  característica  de  todas  as  formas  da  vida 
consciente. 

Os  pronomes  e  os  nomes  de  números  constituem  "  o  traço  de 
união  entre  a  grammatica  e  o  vocabulário  " ;  os  primeiros  ensaios 
"da  passagem  do  abstracto  para  o  concreto." 

A  origem  dos  pronomes  pessoaes,  ou  melhor  a  fixação  e  limi- 
tação da  sua  funcçâo,  que  mais  se  especialisou  com  o  appareci- 
mento  do  verbo,  perde-se'  no  génesis  da  historia  da  linguagem." 


1  Em  algumas  línguas  em  que  o  mechanismo  pronominal  é 
imperfeito,  occorrem  á  necessidade  por  meio  do  gesto  ou  de  certas 
intonaçõcs  de  voz.  (Wilson,  etc.) 


J 


DECIMA  LIÇÃO 


Classificação  das  palavras.—  Bo  verbo  e  suas  espécies 

I. —  Vide  Lição  sétima. 

2. —  Verbo  é  a  palavra  que  exprime  uma  acção, 
uma  affirmação.  * 

Sem  asserção  não  pôde  haver  communicação  de  pensa- 
mento. 

Mas  quanto  á  noção  de  tempo  (período  de  acção  —  passado, 
presente  ou  futuro),  devemos  advertir :  i.°  que  na  maior  parte  das 
línguas  os  verbos  teem  formas  que  excluem  aquella  noção,  como 
por  ex.,  o  infinito;  2.°  que  as  próprias  formas  grammaticalmente 
expressivas  de  tempo,  são  —  em  proposições  geraes  —  empregadas 
aoristícamente,  ou  sem  referencia  a  tempo.  Quando  dizemos  —  os 
pássaros  voatn,  não  affirmamos  que  elles  voam  agora,  que  já  voaram^ 
ou  que//ã<7  de  voar;  mas  simplesmente  que  o  poder  de  voar  é  delles 
attríbuto  em  todos  os  tempos. 

O  emprego  do  presente  pelo  futuro  é  ainda  uma  prova  da 
nossa  asseveração.  Nas  phrases  vmi amanhã,  je  vais  demain,  Igo,  ou 
am  going  to  nwrrow,  Ich  gehe  morgen,  etc,  os  advérbios  amanhã, 
demain,  to  morrow,  morgen,  e  não  os  verbos  vou,  je  vais,  go,  gehe, 
é  que  representam  verdadeiramente  as  palavras  de  tempo  (Mars- 
Lect). 

Chamar  ao  verbo  palavra  de  tempo  com  os  AUemâes  {Zeit- 
wort),  é  pois  denominal-o  por  um  incidente,  e  não  por  um  carac- 
terístico essencial;  por  uma  propriedade  occasional,  e  não  universal. 


*  Todos  os  verbos  exprimem  uma  noção  de  actividade,  con- 
siderada nas  relações  da  pessoa,  tempo  e  modo.  Os  apparenteraente 
inactivos  já  exprimiram  uma  acção  originariamente. 


96 


3» —  Consta  de  dous  elementos  —  um  material 
(a  acção  enunciada),  e  o  formal  (a  affirmação  ou 
copula  lógica.)  A  acção  é  indicada  pelo  t/iema,  a  affir- 
mação pela  desinência. 

4. —  Por  sua  natureza,  o  verbo  lembra  o  substan- 
tivo e  o  adjectivo.  Os  gerúndios,  os  participios  e  os 
infinitos  são  formas  nominaes. 

5. —  A  analyse  do  verbo  descobre  também  três 
circumstancias  distinctas: —  a  significação,  o  modo  de 
significar,  e  difuncção.  * 

a)  Significação.  E'  o  sentido  originário  da  pala- 
vra, expresso  pelo  radical.  Em  amar,  a  idéa  primitiva 
é  amor,  indicada  no  thema  am. 

b)  Modo  de  significar.  São  os  tempos,  modos  e 
vozes,  que  determinam  rigorosamente  a  idéa  contida 
no  radical. 

c)  Funcção.  E'  a  faculdade  de  poder  o  verbo 
exprimir  a  ligação  relacional  entre  o  sujeito  e  o  attri- 
buto.  Em  amamos,  a  idéa  de  amor  é  attribuida  ao 
sujeito  nós. 

6. —  As  funcções  do  verbo  estão  pois  sujeitas  a 
quatro  modificações  —  de  pessoa,  numero,  tempo  e 
modo. 

7. —  Os  verbos  dividem-se  em  duas  grandes  clas- 
ses : —  nocionaes  (transitivos  e  intransitivos)  e  relacio- 
naes  (auxiliares.) 


*  Ay —  Gramm.  comp. 


I 


97 


8. —  Quanto  á  sua  significação  também  podemos 
dividil-os : 

a)  Segundo  a  natureza  do  sujeito ;  em  péssoaes  e 
unipessoaes. 

ò)  Segundo  a  natureza  da  acção,  os  péssoaes  — 
em  transitivos  e  intransitivos.  * 

c)  Segundo  a  natureza  da  affirmação,  os  transi- 
tivos —  em  activos,  passivos,  neutros  e  reflexos. 

9. —  Verbo  unipessoal  é  aquelle  que  não  tem 
expresso  o  seu  sujeito  lógico: —  trovejar,  chover.  Só 
se  emprega  na  3^  pessoa  do  singular,  e  constitue  só 
por  si  uma  proposição,  cujo  sujeito  é  a  idéa  de  uma 
acção  ou  de  um  phenomeno  natural  expresso  pelo 
verbo. 

E'  de  algum  modo  um  nome  com  terminação 
verbal,  e  que  se  conjuga  (Egger.) 

No  sentido  figurado  tornam-se,  porém,  péssoaes  : —  choveram 
empenhos,  Deus  choverá  sobre  os  máos  peivias,  tormentos  (H.  P.  352), 
em  nossas  almas  choves  certas  e  altas  doutrinas,  Cam.  Ò  de  8) ;  tro- 
veja o  orador,  relampague  a  estes  olhos  a  verdade.  (Esc.  da  Verd.). 

10. —  Os  transitivos  ou  objectivos  designam  acções 
passantes  do  sujeito  para  um  objecto.  A  sua  idéa  é 
incompleta  sem  a  noção  complementar  de  um  objecto. 

Pertencem  a  esta  classe  os  chamados  cansativos,  que  se  podem 
periphrasear  com  auxilio  de  certos  verbos : —  trabalho  e  economia 
augmentani  ^fazenda  (í=  fazem  augmentar.) 


1  Esta  classificação  tem  por  fundamento  a  natureza  do  pre- 
dicado incluído  no  verbo. 

13 


98 

1 1. —  Os  verbos  intrans Uivos  ou  subjectivos  affir- 
mam  acções  limitadas  aos  sujeitos  que  as  fazem  :  — 
dormir,  chorar,  morrer,  cahir.  A  sua  idéa  é  completa 
sem  a  noção  complementar  de  um  objecto. 

Por  sua  natureza  não  podem  ser  conjugados  na 
forma  passiva. 

As  acções  dos  verbos  intransitivos,  ás  vezes,  mais  exprimem 
modos  de  ser  ou  estado,  e  por  isso  muitos  definem  o  verbo  — 
palavra  que  exprime  acção  ou  estado. 

Todavia  ha  muitos  verbos  intransitivos  indicadores  de  movi- 
mento —  correr,  andar;  mas  as  idéas  nelles  contidas  não  represen- 
tam os  objectos  de  que  são  predicados  as  qualidades  —  andante, 
corrente,  como  exercitando  uma  acção  sobre  outro  objecto. 

1 2. —  Entre  os  verbos  intransitivos  são  de  notar 
os  inchoativos,  que  exprimem  principio  de  acção  ou 
uma  acção  successiva  (passagem  de  um  para  outro 
estado) : —  empallidecer,  envelhecer. 

13. —  A  classificação  em  transitivos  e  intransitivos 
não  é  absoluta,  que  muitissimos  verbos  transitivos  são 
empregados  intransitivamente  e  vice- versa. 

14. —  A  relação  existente  entre  o  sujeito  e  o  pre- 
dicado, pode  ser  activa  ou  passiva,  isto  é,  o  sujeito 
pôde  fazer  ou  soffrer  a  acção  expressa  pelo  verbo. 
D'ahi  os  verbos  activos  &  passivos. 

15. —  Reflexos,  sdiO  os  verbos  pronominaes  cuja 
acção  recahe  na  mesma  pessoa  que  a  pratica  : —  elle 
feriu -í^,  arrependeu- se. 

São  uma  consequência  da  voz  reflexa  ou  media^ 
em  que  o  sujeito  é  ao  mesmo  tempo  activo  e  passivo. 
Constituem  pois  formas  intermediarias   entre  a  voz 


99 


activa  e  passiva,  e  conjugam-se  com  um  pronome 
objectivo  da  mesma  pessoa  do  sujeito. 

Distinguem-se  em  reflexivos  intrajisitivos  e  tran- 
sitivos.^ 

Os  intransitivos  subdvidem-se  em  essenciaes  e 
accidentaes,  conforme  são  reflexos  na  forma  e  no  sen- 
tido (e  neste  caso  o  pronome  reflexivo  é  emphatico) 
ou  transitivos  apenas  na  forma : — arrepender- se;  refu- 
giar^se. 

Refugiar  sem  o  pronome  indica  idéa  causativa : —  elles  re- 
fugiaram os  escravos. 

Os  accidentalmente  reflexivos  são  de  muito  menor 
importância.  Não  [recahe  no  agente  a  acção  por 
elles  exercida,  o  pronome  reflexivo  tem  apenas  sentido 
intransitivo  : — e7iganar-se,  deleitar- se,  exercitar-se,  en- 
fadar-se,  enferrujar- se,  admirar-se,  etc. 

i.°  Alguns  verbos  neutros  podem  empregar-se  como  verbos 
reflexos  impróprios  para  exprimirem  a  reacção  do  sujeito  (pessoa) 
sobre  si  mesmo: — elles  riram-se,  eu  me /ar^íTi?  (Garrett,  etc.) 
O  pron.  neste  caso  é  compl.  indirecto  (dativo.) 
2?  A  forma  reflexiva  ou  média  foi  que  deu  origem  á  nova 
forma  passiva  dos  verbos  —  espalhou-se  uma  noticia,  queimaram-se 
prédios.  (V.  Licções  i6.^  e  27."). 

16. —  Os  verbos  reflexos  (activos  ou  neutros)  ex- 
primem muitas  vezes  uma  acção  reciproca  entre  dous 
ou  mais  sujeitos : —  elles  fallaram-se,  nós  ?tos  batemos. 


*  Quasi  todos  os  verbos  reflexos  são  transitivos  (adjectivos) 
que  na  forma  reflexa,  exprimem  uma  idéa  intransitiva  ou  conser- 
vam sua  significação  transitiva.  D'ahi  a  distincção  em  verbos 
reflexivos  intransitivos  (propriamente  ditos),  e  reflexivos  transitivos 
(verbos  transitivos  empregados  como  reflexivos). 


lOO 


A  estes  verbos  é  que  geralmente  chamam  os  gram- 
maticos  —  recíprocos. 

17. —  Os  verbos  auxiliares  são  os  elementos 
formadores  dos  tempos  compostos,  da  voz  passiva,  dos 
verbos  periphrasticos  e  frequentativos. 

Egger  define-os  —  verbos  que,  privados  de  uma 
parte  do  seu  sentido  próprio  e  desviado  da  sua  primi- 
tiva funcção,  tornam-se  elementos  de  uma  locução 
complexa. 

Podemos  classifical-os  em  três  categorias : 

i.**  dos  que  se  combinam  com  os  participios  pre- 
sentes (activos)  e  passados  (passivos): — estou  f aliando ^ 
sou  estimado. 

2.^  com  infinitos: — heide f aliar ^  tenho  de  f aliar. 

3.^  com  infinito  e  participios : —  has  de  ter  f al- 
iado. 

Representam  um  exemplo  notável  do  processo 
analytico. 

O  poder  auxiliante  desses  verbos  é  apenas  uma  modificação 
do  poder  originário,  que  elles  teem  ou  tinham  quando  não  auxiliares. 

A  verdade  é  que  o  espirito  não  mais  se  recorda  do  sentido 
primitivo  dos  verbos  ser,  ter,  tornat-se,  etc.  {sou  amado,  ing.  I  shali 
go,  ali.  Ich  werde  gehen  —  litt.  eu  torno-nie  ir  )  /  "  subordina-os  ao 
participio  passado  ou  ao  infinito  para  com  elles  exprimirem  um 
único  juizo.  " 

Os  auxiliares  são  verbos  relacionaes.  Só  expri- 
mem o  tempo  ou  modalidade  e  a  voz  passiva  dos  verbos 
nocionaes,  que  então  se  chamam — principaes. 

Os  auxiliares  e  o  principal  fazem,  na  composição,  a  mesma 
funcção  que  a  inflexão  nas  línguas  clássicas. 


lOI 


Semi-auxiliares  —  Sâo  certos  verbos  que  só  teem  caracter 
de  auxiliares  nas  formas  verbaes  em  que  elles  apenas  conservam 
parte  da  sua  significação  própria  : —  tornar,  ir,  dever,  vir. . . 

i8. —  Os  verbos  ainda  podem  ser  classificados 
segundo  a  sua  natureza  em  concretos  e  abstractos,  ter- 
minativos,  frequentativos  e  periphrasticos. 

a)  Os  concretos  exprimem  uma  idéa  de    acção : 

—  ler,  matar.     Tanto  pôde  formar  a  copula  como  o 
predicado  de  uma  proposição. 

b)  Os  abstractos  exprimem  uma  simples  relação 
da  proposição.  Só  podem  formar-lhe  a  copula,  e 
nunca  o  predicado. 

Ainda  temos  mais : 

á)  Os  terminativos,  que  são  os  verbos  cujo  predi- 
cado requer  um  termo  indirecto  de  acção : — dar  esmola 
AOS  pobres.  Os  terminativos  podem  ser  transitivos  ou 
intransitivos. 

b)  Frequentativos,  aquelles  cujo  participio  im- 
perfeito juritam-se  aos  tempos  do  mesmo  verbo  ou  de 
outro,  afim  de  indicarem  com  mais  colorido  a  acção 
expressa  pelo  predicado : —  vir  vindo,  vou  indo,  andar 
cahindo. 

c)  Verbos  periphrasticos  são  as  locuções  comple- 
xas formadas  dos  tempos  dos  verbos  haver  e  ter  e  do 
infinito  do  verbo  principal,  ligados  pela  preposição  de: 

—  tu  tens  de  escrever  (v.  p.  obrigatório),  havemos  de 
estudar  (v.  p.  promittente.) 

19. —  Sob  o  ponto  de  vista  da  forma,  os  ver- 
bos   dividem-se    em  primitivos   c  derivados  (beber, 


I02 


beberricar),  simples  e  compostos  (dizer,  contradizer), 
defectivos,  regulares  e  irregulares. 

Z^^í/íz^í?^  quando  carecem  de  formas: — jazer, 
feder. 

São  regulares  (fortes)  ou  irregulares  (fracos) 
conforme  seguem  o  paradigma  da  conjugação  a  que 
pertencem  ou  d'ella  se  afastam:  — temer,  valer.^ 

20. —  Damos  em  seguida  a  tabeliã  da  classifica- 
ção geral : 


..«  Segundo  a  natureza |  XrS. 

/  transitivo. 

2."  Segundo  as  funcções. .        •  •  •  )  intransitivo. 

(  auxiliar. 

3."  Segundo  0  modo  de  significar  \  ^^Í'^°' 

f  passivo» 

'  primitivo. 

derivado. 

simples. 

4."  Segundo  a  origem  ou  forma    composto. 

j  defectivo. 

1  regular. 

\  irregular. 

inchoativo . . . 

.  envelhecer,  ador- 

mecer. 

imitativo 

•  grugulejar,  coa- 

xar,  troar,  ri- 

bombar. 

frequentativo 

.  ir  indo,  estar  an- 

5." Segundo  a  significação < 

dando. 

iterativo 

.     latejar,    salti- 

tar. 

periphrastico . 

.     ter  de. 

terminativo . . 

.     dar  a. 

.  pronominal . . . 

1  Reflexivo. 
(Reciproco. 

'  Vide  Lições  16?  e  27" 


I03 


Verbo  =  palavra.  O  chinez  chama  aos  verbos — palavras 
vivas y  aos  nomes  —  palavras  mortas. 

E,  de  feito.  O  verbo  é  o  termo  essencial  da  proposição,  a 
palavra  por  excellencia,  o  elemento  vital  do  discurso,  "  o  verda- 
deiro signal  do  juizo.  "  "  Onde  ha  um  verbo  ha  um  juizo  e  uma 
proposição;  sempre  que  elle  falta,  ha  apenas  noções  isoladas,  idéas 
sem  ligação  —  ou  pelo  menos  incompletas.  " 

E'  de  creação  muito  mais  moderna  que  o  nome,  e  o  seu 
desenvolvimento  flexionai  é  de  origem  mais  recente  que  as  flexões 
nominaes. 


DECIMA  SEGUNDA  LIÇÃO 

Classificação  das  palavras.—  Das  palavras  invariáveis 

I. —  Vide  sétima  lição. 

2. —  Estudemos  agora  a  taxionomia  das  palavra- 
invariaveis.* 

i.«  ADVERBIO 

3. —  Adverbio  (lat.  adverbium  =  ad  verbum)  é 
uma  palavra  que  se  junta  ao  verbo,  e  ainda  a  um  adje- 
ctivo ou  outro  adverbio,  para  (exprimindo  as  circum- 
stancias  da  acção)  determinar-lhes  ou  modificar-lhes 
a  significação: — Pedro  estuda  aturadamente,  ella 
cafita  MUITO  bem,  e  é  muito  bella. 

4. —  Ainda  podemos  juntal-os  ao  substantivo 
commum :  —  Gonçalves  Dias  era  verdadeiramente 
poeta.  E'  uma  prova  de  que  no  substantivo  domina 
a  idéa  de  uma  ou  mais  qualidades. 


1  Nas  lições  20.^  e  28."  occupar-nos-hemos  da  sua  formação 
e  etyínologia.  —  Escrevemos  adstrictos  ás  indicações  do  novo  pro- 
gramma  official  para  os  exames  geraes  de  preparatórios :  cada  lição 
corresponde  exatamente  a  um  potito. 

14 


io6 


2, —  O  adverbio  corresponde  a  uma  preposição 
com  seu  complemento;  pode  ser  considerado  comple- 
mento de  um  adjectivo. 

Espécie  de  qualificativo  por  sua  origem  e  fun- 
cção/  encosta-se  mais  que  as  outras  partículas  ás  pa- 
lavras flexionaes,  e  admitte  gráos  de  comparação  e 
formas  diminutivas:  —  Elle  procede  muito  (mais, 
menos,  tão)  nobremente  ;  falar  baixinho. 

Exprime  todas  as  circumstancias  em  que  se  dá  a 
acção —  de  logar  e  de  tempo,  quantidade  e  modo, 
certeza,  duvida  e  negação.  Em  todos  esses  casos, 
elle  qualifica  o  verbo  como  o  adjectivo  qualifica  o 
nome.  (Vide  Lição  decima). 

6.  —  Os  advérbios  dividem-se,  quanto  á  forma 
ou  origem,  em  essenciaes  ou  propriamente  ditos,  acci- 
deniaes,  e  compostos  ou  locuções  adverbiaes. 

I?  São  essenciaes  os  que  figuram  sempre  como 
advérbios.  Podem  s^^r  simples,  formados — em  regra — 
de  advérbios  latinos — onde  (unáe),  sempre  (semper),  tão 
(tam),  ja  (jam),  menos  (minus), . . . ;  ou  compostos,  cujos 
elementos  já  de  todo  se  fundiram  no  portuguez  — alli 
(a  li  =  1.  illic),  agora  (ac-hora),  assas  (ad  satis).  . . 
Os  compostos  são  formados  de  advérbios  latinos 
reforçados  por  uma  preposição. 

2?  Os  accidentaes  são  palavras  de  outra  cate- 
goria  grammatical  (substantivo,  e  adjectivo  na  forma 


*  E  são  muitas  as  relações  entre  o  adverbio  e   o  adjectivo, 
que  ás  vezes  até  permutara  de  categoria. 


107 


masculina),  mas  empregadas  adverbialmente : — forte^ 
certo,  alto ;  bem,  tarde, .... 

3?  As  locuções  adverbiaes  formam-se  de  duas  ou 
mais  palavras  (substantivo  ou  adjectivo)  precedidas 
geralmente  de  uma  preposição  {a,  de,  em,  por,  sobre) : 
—em  vão,  de  balde,  ás  cegas,  de  chofre,  por  fas  e  por 
fiefas,  sobremodo. 

7. —  Sob  o  ponto  de  vista  da  significação,  os 
advérbios  classificam-se  do  modo  seguinte,  conforme  a 
circumstancia  que  exprimem : 

1 9  Advérbios  de  tempo: — -  hoje,  agora,  já, 
actualmente  (presente) ;  hontem,  já,  outrora,  antiga- 
mente (passado) ;  amanhã,  em   breve  (futuro). 

Quando,  antes,  depois,  (relativo) ;  sempre,  nu7tca, 
algumas  vezes  (absoluto) ;  'muitas  vezes,  raramente, 
(frequência). 

Responde  á  pergunta — quando? 

29  De  LOGAR :  —  aqui,  alli,  ahi,  acolá,  onde,  cá, 
lá,    algures,    alem,  perto,    longe,    proximamente 

Responde  ás  perguntas  —  otide  f   d' onde  ?  aonde  ? 

3?  De  ORDEM  :  —  primeiramente,  ultimamente, 
antes,  depois,  entre. 

49  De    QUANTIDADE      OU      INTENSIDADE   : assás, 

apenas,  muito,  pouco,  mais,  menos,  abundantemente.... 

Responde  ás  perguntas — qtianto?  quantas  vezes? 

59  De  MODO. —  Chamam-se  advérbios  de  modo 
—  alem  da   maior  parte  dos  acabados    em   mente — : 

a)  os  de  qualidade  : —  bem,  mal,  prudentemente. 

b)  de  DESIGNAÇÃO  : —  eis. 


io8 


c)  de  EXCLUSÃO : —  só,  somente,  apenas,  siquer. 

d)  de  CONCLUSÃO   lógica : —  consequentemente. 

e)  de  AFFiRMAçÃo  :  — sim,  certamente. 

f)  de  DUVIDA : —  talvez,  quiçá,  acaso,  não.^ 

g)  de  INTERROGAÇÃO : —  porque,  como,  qua^ido... 
h)  de  NEGAÇÃO : —  não,  nunca,  jamais. 

As  negativas  subdividem-se  em —  simples  e  intensivas  (refor- 
çadas.) 

Simples —  não,  nada,  nunca...  As  intensivas  são  resultado 
do  principio  da  emphase : —  não  quero  não ;  não-nem ;  nefihmn- 
nem  ;  nunca  Jamais  j-  não  ter  mais  de  ;  etc...  (Vide  Lições  20/,  28.% 
e  37.0  ' 

8. —  Os  advérbios  de  modo,  derivados  de  adje- 
ctivos, GX^Yim&m  idéas  ;  todos  os  mais  são  meras  pala- 
vras de  relação. 

9. —  Alguns  advérbios  pertencem  a  duas  ou  mais 
das  cinco  classes  supr  acitadas.  Antes,  por  ex,,  refe- 
re-se  atempo  ou  logar;  remotamente,  a  tempo,  logar, 
modo,  etc. 

Em  conclusão : 

i.° —  Não  ha  negar  a  natureza  nominal  do  adverbio.  E'  uma 
forma  invariável  da  flexão  nominal ;  representa  uma  migração  voca- 
bular;  deriva  de  adjectivos,  substantivos,  pronomes,  numeraes  e 
verbos. 

Posto  que  parte  subordinada  na  phrase,  ainda  conserva  ás 
vezes,  e  em  diíferentes  connexões,  sentido  próprio  {súbito  —  adj., 
adv.) 

2."' — A  natureza  nominal  do  adverbio  ainda  é  clara  no  facto  de 
poderem  alguns  representar  um  predicado  ( fallar  alto.)  Latham 
chama  a  esses  advérbios  —  catego-rematicos  (ing.  TJiafs  verily  ;  fr. 
ant. —  comment  es  tu  si  nobremente 


*  A  partícula  não  nem  sempre  tem  força  negativa  como  vere- 
mos nas  Lições  28,^  e  37.  ^ 

'  Sobre  a  negação  int.  cons.  Lameira  de  Andrade  (monogra- 
phia. ) 


I09 


3.° —  Como  os  adjectivos  correspondentes,  os  advérbios  de 
tempo  e  os  de  logar  exprimem  verdadeiras  circumstancias,  que 
nada  mais  são  do  que  a  qualidade  accessoria  ou  accidental  da 
acção, 

4.° —  O  adverbio  pode  também,  em  alguns  casos,  representar 
uma  conjuncção  (advérbios  conjundivos.) 

5.*' —  Uma  preposição  sem  complemento  torna-se  adverbio  : 
—  elle  marchou  contra  o  inimigo  (prep.),  elle  fallou  contra  (adv.) 


Como   escreveu   o   grammatico  —  omnis  pars  orationes   mi- 
grai in  adverbium. 


2?  —  PREPOSIÇÃO 

10. —  Preposição  é  uma  partícula  invariável  que 
serve  para  ligar  duas  palavras  (subst.  ou  pronome  a 
substantivo,  pronome,  adjectivo  ou  verbo)  com  o  fim 
de  indicar-lhes  a  mutua  relação. 

A  palavra  preposição  =  lat.  prcepositio,  isto  é,  palavra  que  se 
coUoca  antes  do  nome  a  que  se  refere.  Esta  definição  era  errónea, 
e  não  indicava  a  natureza  interna  da  preposição,  pois  que  em  latim 
ella  nem  sempre  precedia  o  nome  ou  verbo.  {Tenus  coUoca-se 
depois  do  ablativo  ;  cum,  depois  de  me,  te,  se,  nobis,  vobis,  qiii.)  No 
portuguez,  porem,  sempre  a  preposição  é  precedente. 

Os  grammaticos  gregos  classificam  as  preposições  com  as 
conjuncções,  sob  o  nome  de  connectivas  (sundesmos.) 

1 1. —  Sob  o  ponto  de  vista  da  forma  ou  origem, 
as  preposições  classificam-se  em  essenciaes  (propria- 
mente ditas),  accidentaes,  ^  compostas  ow.  locuções  prep  o - 
sitivas. 

i9 —  As  essenciaes  são  palavras  simples  ou  como 
taes  consideradas  (pela  fusão  dos  elementos  compo- 
nentes) : —  a,  antes,  com,  contra,  em^  entre,  per,  por, 
sem,  sob...  após,  para,  desde,  até... 


I  IO 


As  nossas  preposições  simples  sáo  de  origem  directa  latina,  e 
conservam  as  formas  e  relações  originarias.  (V.  Lição  aS.'') 

Muitas  derivam-se  de  antigos  advérbios  ou  são  formadas  de 
duas  preposições  simples  ou  de  uma  preposição  {a,  de,  em,  por)  com 
um  adverbio,  substantivo,  participios  : —  á^aiite,  pem/i/e,  átfronie ; 
apezar,  excepto,  salvo,  tocante,  coticernente...  (V,  Lição  i8.*) 


2? —  Accidentaes.  São  as  palavras  (substanti- 
vos, adjectivos,  participios),  que,  posto  de  categoria 
differente,  empregam-se  todavia  com  força  prepo- 
sitiva :  —  segundo,  durante,  consoante,  salvo,  visto, 
excepto. 

3? —  Locução  prepositiva.  Forma-se,  em  geral,  de 
adjectivos  ou  substantivos  seguidos  de  preposição 
(a,  de)  :  —  e  bem  assim  de  advérbios  ou  locuções 
adverbiaes  :  —  d  força  de,  quanto  a,  perto  de,  acima 
de,  concernente  a...  eis  aqui,  eis  alli. . . 

12. —  Muitas  preposições,  como  já  vimos,  deri- 
vam-se de  antigos  advérbios  ou  são  preposições  e 
advérbios  conforme  a  circumstancia  é  expressa  só  pela 
particula  (adverbio)  ou  pela  partícula  seguida  de  com- 
plemento (preposição).  As  relações  entre  estas  partes 
do  discurso  são  tão  intimas,  que  a  distincção  entre 
ellas  não  está  na  significação,  mas  no  diverso  valor 
syntaxico  com  que  indicam  a  mesma  circumstancia 
de  logar,  origem  ou  causa,  tendência  ou  aparta- 
mento. 

13.  —  Ainda  mais.  São  varias  as  relações  ex- 
pressas por  certas  preposições:  não  podemos  pois 
classificai -as  segundo  as  suas  significações  actuaes,  nem 
tão  pouco  de  conformidade  com  as  originarias. 


1 1 1 


14. —  O  que,  porem,  se  pôde  affirmar  de  modo 
geral,  é  que  as  preposições  indicam  relações  de /íT^^r, 
tempo  e  movimentou 

D'ahi  a  sua  divisão  em  quatro  classes : 

a)  De  logar  e  direcção'. —  em^ por,  sob,  sobre, 
entre,  para,  após. 

b)  'Dg  tempo  e  duração-. —  antes,  depois,  desde, 
durante. 

c)  De  catísa,  meio  ou  fim: — de,  por,  para, 
com. 

d)  De  modo : —  segwido,  conforme. 


i.° —  As  preposições  são  palavras  relacionaes  (geralmente  de 
logar  e  direcção).  Servem  para  exprimir  as  varias  formas  das 
novas  idéas ;  "são  prefixos  moveis  que  representam  papel  análogo 
ao  das  desinências  nominaes." 

2.'' —  O  seu  nm   principal   é  indicar   as  relações  adverbiaes. 

3.° —  Exprimem  as  relações  externas  e  internas  do  espirito 
humano ;  as  de  natureza  physica,  e  as  do  dominio  intellectual. 
"As  relações  physicas  são  geralmente  locaes,  as  de  actividade  são 
de  direcção  e  movimento."  As  relações  do  dominio  intellectual 
são  concebidas  como  se  fossem  physicas,  e  expressas  por  prepo- 
sições que  denotam  relações  physicas: — descançar  em  alguém,  con- 
sultar com  alguém,  copiar  de  alguém. 


1  O  emprego  abstracto  e  metaphorico  das  preposições  é 
resultado  de  um  desenvolvimento  posterior. 

Ex. :  —  A,  por  sua  etymologia,  remonta  á  preposição  ad; 
mas  por  suas  funcções,  corresponde  também  z.  ab  t  apiid  {dei  um 
livro  a  Pedro,  ksfurtadellas,  a  sós,  matou-o  a  tiro. . .)  De  =  lat.  de, 
com  diversos  sentidos,  e  representando  o  gen.  e  accus.  D'ahi  a 
variedade  de  relações  em  portuguez — de  tempo,  causa,  instru- 
mento, meio,  modo,  matéria,  quantidade,  preço ;  corresponde  ao 
gen.  poss.,  obj.  e  de  quantidade ;  entrou  em  grande  numero  de 
composições  com  substantivo  e  adjectivo  (como  já  vimos) — de 
maravillia,  de  seguro,  etc. 


I  12 


4.° —  A  preposição  e  a  flexão  nominal  coexistiram  no  dominio 
histórico  da  linguagem.» 

Foi  em  vários  casos  o  verdadeiro  expoente  relacional  de 
declinação ;  e  esta  funcção  elia  ainda  conserva  nas  linguas  analy- 
ticas. 

Nas  linguas  flexionaes  ou  syntheticas,  as  preposições  —  por 
sua  tendência  agglutinativa,  e  consequentemente  enclytica — já 
eram,  por  assim  dizer,  uma  flexão  dupla,  principalmente  —  por 
motivo  de  clareza  —  nos  casos  como  o  ablativo  latino,  que  mais 
representava  relações  significativas  {inecum,  cutn  nobis,  in  agro,  ex 
agro,..) 

Este  facto  devia  ter  concorrido  forçosamente  para  o  enfra- 
quecimento gradual  dos  casos,  e  mais  tarde  para  a  sua  perda  total, 
como  se  deu  em  geral  nas  linguas  néo-latinas.  (V.  Bréal,  Egger,  etc.) 


39  — CONJUNCÇÃO 

15. —  Conjuncção  (lat.  conjunctionem,  de  cum 
jungeré)  é  a  palavra  invariável  e  relacional,  que  serve 
para  ligar  palavras  e  proposições. 

16. —  O  seu  característico é  indicara  relação  que 
teem  entre  si  as  phrases  ou  proposições,  e  também  as 
partes  do  discurso  subordinadas  á  flexão  (nome  e 
verbo.) 

1 7. —  Consideradas  quanto  aos  seus  elementos, 
dividem-se  ^m  simples  o.  compostas  {pois,  mas... todavia, 
outrosim...) 

18. —  Quanto  á  sua  significação  ou  funcções  no 
discurso,  podemos  dividil-as  em  duas  grandes  classes 


1  A  origem  nominal  das  preposições  é  que  explica  as  flexões 
casuaes  de  certas  formas : —  lat.  abs  e  apiid  =  arch.  a-por,  ai.*  um 
genitivo  e  a  a.''  um  locativo  e  ablativo;  e  os  gráos  de  comparação 
como  in-ter,  sup-er  (  =  sub-ier  ).  (V.  Curtius,  Meunier,  etc.) 


1 1 


—  de  coordenação  e  de   subordinação,  que  se  subdivi- 
dem do  modo  seguinte : 


I "  copulativas  ~  e,  também . . . 

disjunctivas  —  <?//,  quer. . , 

continuativas  —  pois,  ora,  outro- 
sim . . . 

adversativas  —  mas,  porem,  to- 
davia . . . 

explicativas —  como,  assim  como... 

conclusivas —  logo,  portanto,  por 
consequência .  . . 

comparativas  —  mais-que,  tão- 
como ... 


Coordinativas  ou  connectivas 
copulativas 


SuDoidinativas  ou  connectivas 
continuativas 


(. 

( '  condicionaes  (suppositivas) — si, 

com  tanto  que,  se  pot 

ventura . . . 

causaes   (  positivas  )  —  porque, 

visto  que,  pois  que . .  . 

concessivas   —  embora,    ainda 

que,  posto  que .  .  . 
temporaes  —  como,  quando,  logo 
I  que.  . . 

(_  finaes  (integrantes)  —  que,  si. 


19. —  A  conjuncção  coordinativa  liga  entre  si 
asserções  ou  palavras  independentes  ;  a  subordinativa 
só  liga   affirmações  dependentes,   e    nunca  palavras. 

20. —  Segundo  a  forma,  as  conjuncções  dividem- 
se  em  : 

i9  Essenciaes : — e,  nem,  mas, pois,  quando,  como... 
{simples,  e  todas  de  origem  directa  latina),  e  também, 

todavia,  portanto {compostas, —  entre  si  ou  com 

advérbios.) 

2?  Accidentaes : — Assim,  logo,  ora,  já.... 

3?  Locuções  conjunctivas : —  Não  obstante,  de  sorte 
que... 

15 


114 


Muitas  conjuncções  actuaes  são  antigas  locuções 
reduzidas  a  simples  signal  unitário : —  senão,  também, 
outrosim. 

21. —  Consideradas  ainda  sob  o  ponto  de  vista 
da  ORIGEM,  as  conjuncções  podem  dividir-se  em  duas 
categorias,  a  de  derivação  latina  e  a  de  formação 
portugueza : —  e,  ou,  como,  quando,  si,  pois,  mas,  nem, 
quando,  que...  (1.  class.),  também,  pois  que,  porem.. ^ 
(1.  pop.),  outrosim,  entretanto,  pois  que,  posto  que... 
(f.  port.) 

i.° — As  funcções  de  certas  conjuncções  pouco  dififerem  das  de 
alguns  advérbios,  e  das  suas  relações  resultam  delicadas  cambiantes 
do  pensamento  (Wierz.  Gratum.) 

2." — A  preposição  equivale — pela  significação — á  flexão  casual; 
a  conjuncção  quasi  que  equivale  á  flexão  modal  pelo  muito  que 
contribue  para  variar-lhe  o  sentido  e  uso  :  Cp.  sei  que  estudas,  sei 
como  estudas,  etc. 

Os  modos  não  podem  exprimir,  só  por  si,  as  relações  indica- 
das pelas  conjuncções,  e  este  facto  basta  para  mostrar  a  importân- 
cia da  partícula. 

3.° —  A  conjuncção  pertence  ao  ultimo  periodo  da  diflferen- 
ciação  grammatical.  Mais  encostada  ao  pronome  —  pela  origem  e 
valor  —  foi  a  principio  simples  junctura  ou  articulação  phraseo- 
logica. 

Tornando-se,  de  simples  connectiva,  palavra  de  subordinação, 
deu  origem  á  complexidade  syntaxica  do  modo  subjunctivo. 


40  __  INTERJEIÇÃO 

22. —  Os  physiologistas  grammaticaes  differem 
muito  quanto  á  ordem  de  successão  das  outras  partes 
do  discurso ;  mas  quanto  a  esta,  são  todos  accordes 
em  que  no  génesis  da  linguagem    a    interjeição,  e  as 


1 1 


palavras  onomatopaicas  devem  ser  consideradas  os 
primeiros  vagidos  linguisticos.    (W.  Smith.  Manual.) 

No  esboço  histórico  do  desenvolvimento  genético 
das  partes  da  oração,  devia-se  pois  naturalmente 
começar  pela  interjeição. 

23. —  A  interjeição  propriamente  dita  —  primi- 
tiva, originaria —  é  um  grito  espontâneo  e  instinctivo, 
um  som  animal. 

Não  constitue  technicamente  parte  da  oração;  é 
uma  voz  intercalada  na  phrase,  atirada'^  na  proposi- 
ção para  exprimir  um  súbito  sentimento,  uma  emoção 
do  espirito. 

E'  um  grito  do  instincto  ;  o  echo  dos  sentimentos 
naturaes. 

24. —  Verdadeiro  grito  da  natureza,  as  conjunc- 
ções  primitivas  são  monosyllabicas,  e  parecem-se  em 
todas  as  linguas^  comquanto  modificadas  na  intonação. 

As  interjeições  —  diz  Breal  —  semelham  certas  raças  selva- 
gens, que  embora  vivendo  a  par  da  civilisação,  conservam-se  toda- 
via apartadas,  independentes,   nunca   assimiladas   nem  destruidas. 

25. —  Do  grito  natural  e  espontâneo,  porem, 
transformou-se  a  interjeição  em  palavras  convencionaes, 
intencionaes,  reflectidas,  representando  a  forma  abre- 
viada de  uma  phrase,  a  synthese  de  uma  proposição. 
Ex.:  Coragem  !=^x.^xiàiÇ^  coragem,  Credo /=  ouço -te, 
vejo,  etc,  com  o  Credo  na  boca,  isto  é,  com  medo, 
apavorado. 


*  Lat.  interjectio,  de  interjicere  ^^  jogar,  atirar,  etc. 


ii6 


26. —  Podemos  pois  classificar  as  interjeições 
quanto  á  origem  ou  natureza,  em  instinctivas  ou  pri- 
mitivas, onomatopicas ,  convencionaes  ou  derivadas. 

i9  As  instinctivas  (essenciaes)  são  as  que  repre- 
sentam simples  gritos  da  natureza;  são  quasi  idên- 
ticas em  todas  as  linguas,  e  —  como  as  palavras  no 
chinez  —  a  mesma  interjeição  pode  exprimir  vários 
sentimentos  ou  emoções,  conforme  a  intonação :  — 
Ah  !  eh!  ih!  ha  !  ho !  /ti !  ai!  hui !... 

2?  As  onomatopicas  podem  ser  consideradas  pri- 
mitivas:—  CO  cà,  tic  tac,  bum,  zape,  sape...  geralmente 
com  força  intensiva.  A  interjeição  psiu,  usada  para 
silenciar,  também  é  onomatopica,  e  consiste  mera- 
mente em  um  som  atono,  e  como  que  segredado. 

Não  devemos,  porem,  confundir  onomatopeas 
com  interjeições.  Estas  indicam  sensações,  aquellas 
—  percepções :  bum  bum  e  cliape  chape  são  vozes 
tão  onomatopaicas  como  ronco,  troar,  clangor.  As 
primeiras  são  espontâneas,  as  segundas  conven- 
cionaes. 

3?  As  convencionaes  são  verdadeiras  palavras 
(subst.,  adjv.,  verbo,  adv.) 

a)  Termos  descriptivos  de  emoção,  com  entona- 
ções appropriadas — Jiorrivel!  bravo!  misericórdia ! 
diabo  \  (convencionaes). 

b)  Nomes  próprios  ou  communs,  usados  para 
chamar  a nimaes,  etc. 

é)  Verbos  no  imperativo  —  vamos  !  olha  !  (com 
particular  intonação  de  voz). 


117 


c)  Nomes  usados  imperativamente  por  meio  da 
intonação  :^—  silencio  !  fora  !  firme  ^ 

e)  Formas  abreviadas,  empregadas  particular- 
mente pelo  vulgo  (locuções  interjectivas) — Honiessaf, 
pardeos  =  por  Deus,  bofé=-  boa  fé,  ayesú  =  ai  Jesus ! 
aqui  (VEl-rei!  Ave  Maria !  Valha-me  Deus\  O  diabo 
te  leve !    Mãos   raios   te  partam  \   Deus    te  favoreça ! 

A  esta  classe  pertence  a  maior  parte  das  formas 
familiares  optativas  e  deprecativas,  e  ainda  as  de 
invocação  de  bênçãos,  as  precativas.  Adeus  /  é  um 
exemplo,  e  dos  mais  bonitos. 

Nas  imprecações  e  juras  é  o  portuguez  mui  rico  de  formas 
interjectivas,  e  delias  são  grandes  repositórios  o  Canc.  da  Vaticana 
e  as  obras  de  Gil  Vicente. 

PRECATIVAS.  Sec.  XIII,  C.V. —  Por  deus  (var.  par  deus 
perdeus,pardes),perboafé,(y2LX.  per  bo7ia  fé),  per  fios tr o  Senhor 
Grad^  a  Deus,  Ay  Deus  vai.  Por  Deus  da  cruz. .  .  Sec.  XVIII  — 
Nome  de  '^esu,  Oh  corpo  de  Deus  sagrado,  Ah  .'  santo  corpo  de  mi, 
Ave  Matia,  Poios  santos  evaftgelhos,  por  minha  alma. . . . 

Impfecativas  — Sec.  XIII. —  Aia  morte  me  prenda,  nunca  me 
valha  nos tro  Senhor.  Maldito  seia.  Mao peccado,  mal  me  venha,  que 
o  tal  demo  tome,  lança  de  morte  me  feyra.  . .  Sec.  XVI —  Choros 
mãos  chorem  por  ti,  dores  de  jnorte  te  dem,  O  ^  diabo  dou  a  morte, 
màos  lobos  me  acabem  já,  olho  máo  se  meta  nelle,  eego  seja.  . . 

As  juras  e  pragas  são  vulgarissimas  em  todas  as  linguas,  e 
eram  mui  frequentes  e  populares  no  latim — pro  deum  fidem,  pro 
sancte  'yupiter,  Proh  !  humane  Júpiter,  Divene  mortant,  malam  iibi, 
Júpiter  te perdat,  mala  cncz.  ..  .  (Flauto). 

São  também  de  notar  as  formas  cómicas  portuguezas  :  — 
Fernão  d^£sculho  me  pique,  Pezar  ora  de  San  Pego,  viagem  de  J^oão 
Maleiro,  pezar  a  Jam  lamentei.  Por  vida  de  San  Fará,  Juro  a  San 
Juneo  Sagrado,  O '  renego  de  San  Grou. .  . 

2  1.  —  Vê-se  pois  do  que  acabamos  de  dizer  que 
o  sentido  das  interjeições  depende  das  modulações  da 
voz. 


ii8 


22.  —  Sob  o  ponto  de  vista  do  sentido,  as  inter- 
terjeições  classificam-se  em : 

a)  de  admiração,  espanto  —  a/i !  oh  !  Jesus  ! 

b)  dôr,  magoa, —  ai  /  hui  ! 

c)  exhortação,  acoroçoamento  —  eia  !  avante  ! 
bravo  / ' 

d)  prazer,  alegria —  oh  !  olá  /  caspite  ! 

e)  desejo,  saudade  — oxalá,  praza  a  Deus. 

f)  chamamento,  invocação — ó,  olá,  psiuf 

g)  aversão,  cólera — fora!  irra!   arre!  apage ! 
h)  zombaria — fora  !  hi\  /tu  hu  !  lia  ha  ! 

i)  de  calamento  ou  silenciadora  —  chiton !  psiu  ! 
caluda  !  silencio  \ ' 

Alguns  glottologos  dividem  as  interjeições  (quanto  á  signi- 
ficação) em  duas  classes:  i"  das  que  exprimem  dôr  ou  prazer 
mental  ou  physico ;  2'  das  que  indicam  impressões  derivadas  de 
objectos  externos  pelos  órgãos  do  ouvido  e  da  vista. 

24.  —  Em  remate.  As  interjeições  portuguezas 
pois  dividem-se :  a)  em  exclamações  naturaes  expri- 
mindo paixão  ou  emoção ;  b)  em  exclamações  natu- 
raes exprimindo  um  estado  da  vontade  (calamento, 
invocação,    animação,  mando) ;  c)   imitação  dos    sons 


^  A's  involuntárias  expressões  de  sensação  ou  emoção,  mas 
dirigidas  a  outras  pessoas  ou  a  animaes,  indicando  desejo,  mando 
(imperativos),  chamamento,  acoroçoamento,  etc,  emfim  todas  as 
articulações  destacadas,  tendentes  a  influenciar  a  acção,  ou  chamar 
a  attenção  de  outros,  mas  não  syntaxicamente  ligadas  com  o  pe- 
ríodo, dão  os  AUemães  o  nome    de  Lautgeberden   (mimica  vocal). 

*  Hurrah  !  hip  /  hallow  !]k  são  hoje  de  uso  corrente  na  lingua 
portugueza  e  fazem  parte  do  nosso  léxico. 


119 


naturaes: — qua  qua  (c.  v.)  rii  rii  ru,  patepate  (G.V.), 
glu  glíi,  plash  !  bum  bum  ! 


Nota.  Banida  do  districto  grammatical,  é  to- 
davia a  interjeição  muito  para  ser  estudada  — não  só 
por  sua  importância  sob  o  ponto  de  vista  philoso- 
phico,  mas  também  pela  vivacidade  que  ella  empresta 
ao  estylo,  por  sua  expressividade  inherente  e  inde- 
pendente. A  interjeição  é  a  palavra,  a  phrase  pri- 
mitiva, a  parte  fundamental  da  linguagem :  com  ella, 
a  phrase  actual,  de   descripliva   torna-se    expressiva. 

As  interjeições  correspondem  ás  expletivas  dos 
rhetoricos,  com  a  diíferença  de  que  estas  carecem  de 
significação. 

"Consideremos  poisa  interjeição — palavra;  não 
de  caracter  lógico  ou  didáctico,  mas  rhetorico  e  dra- 
mático." 

Fechamos  esta  lição  com  as  palavras  de  um  no- 
tável philologo  americano: 

"  O  facto  de  exprimirem  as  interjeições  as  múl- 
tiplas emoções  do  espirito  humano,  favorecendo 
consequentemente  a  súbita  e  viva  manifestação  do 
pensamento  ;  de  serem  os  únicos  intermediários  entre 
o  homem  e  os  brutos,  e  ainda  entre  estes ;  e  de  con- 
stituírem uma  lingua  universal, —  é  quanto  basta  para 
patentear-lhes  a  importância  sob  o  ponto    de   vista 


I  20 


philosophico.  Não  ha  negar  que  os  interjeições, 
quando  bem  empregadas,  muito  contribuem  para 
tornar  a  linguagem  o  exacto  psychographo  do  espi- 
rito humano." 


DECIM4  SEGUNDA  LIÇÃO 

Aggrupamento  de  palavras  por  famílias  e  por  associações 
de  idéas.—  Synonyaios,  homonymcs  e  paronymos 

I. —  Famílias  DE  PALAVRAS  são  grupos  de  vo- 
cábulos, que  tem  entre  si  certa  analogia  ou  relação 
de  som,  forma,  sentido  ou  construcção. 

2. —  São  pois  em  numero  de  quatro  as  famílias 
de  palavras. 

1/  Familia  philologica. —  E'  aquella  cujas  pala- 
vras constituintes  apresentam  relações  morphicas,  e 
teem  raiz  ou  radical  commum.  Ex.  : 

Raiz  AM  :  —  amor,  amoroso,  amorabundo,  amo- 
rifero,  amoravel ;  amar^  amante,  amacia,  amador, 
am  ibilidade  ;  amigo,  amisade,  amistoso^  amigável; 
namoro,  -ar, -dor  ;  amistar,  amistança  ;  inimi:{ade, 
inimigo,  desamor 

Raiz  Duc  (  conduzir,  levar,  reger,  governar  ): — 
conduzir,  conductor,  conducta,  coaducção ;  seduzir,  se- 
ducção^  seductor  ;  deduzir,  deducçâo  ;  educar^  educa- 
ção, educador ;  introduzir,  introducção,  introductor  ; 
indu{ir,  inducção,  inductor,  indu{imento  ;  reduzir,   re- 

16 


122 


diicção,  reductor,  redií{ipel,  reductivOy  reductivel ;   tra- 
dupr,  traducção,  íraductor 

Raiz  LEG  (  reunir  )  :  —  lei  ( 1.  legem  J,  leal,  leal- 
dade^ legalidade,  legalisar^  legalisação^  legalisador ; 
legista,  legitimo,  lidimo,  legitimar,  legitimação,  legi- 
timista,  legitimidade ;  legiferar,  legislar,  legislador^ 
legislação,  legislativo,  legisL-ítiira,  privilegio 

Radical  grapho  ( gr.  graphein,  escrever,  des- 
crever )  :  —  graphia,  graphar,  graphico  ;  epigraphe, 
epigraphia, — ico,— ista  ;  graphite  ;  graphomelro,  pa- 
ra gr  aphç  ( párafo  )  

Comi^'Ojto  com  as  palavras  prefixas  — uer,  autos,  hiblion,  bio,  caco,  cilk, 
clíiro,  choro,  cosmo,  eilmo,  geo.  Mero,  icJuio,  micro,  léxico,  oreo,  ortho,  paleo, 
photo,  phoné,  sc?no,  telé,  topo,  ti/po,  ctc,  deu-nos  í/ra;)//»  um  grupo  impor- 
tante de  vocábulos  de  formação  erudita,  c  com  jus  de  accrescer. 

O  radical  indica  a  idéa  principal  ;  as  desviaçóes 
dependem  do  valor  dos  prefixos  e  suffixos. 

2.'' Familia phonica. —  E'  a  que  se  compõe  de 
palavras-,  que  —  ainda  quando  de  radical  differente, 
e  não  representando  relações  de  idéas  —  confun- 
dem se  todavia  na  pronuncia,  e  ás  vezes  também  na 
graphia  :  — sellacella,  pena  penna,  ami  (  subst.  )  e 
ama  {verbo),  dado  (s.)  e  dado  (part.),...  ?neta  meda, 
sede  sede, 

Esta   família    consta   dos  homonymos  e   paro- 

NYMOS. 

3/  Familia  ideológica. —  Compõe-se:  i.°  de  pa- 
lavras de  radical  commum  ou  diíferente,    mas   cujas 


133 


relações  teem  sentido  mais  ou  menos  semelhante^  ou 
idêntico  :  —  amo"^,  ami{ad^,  affecto^  affeiçãO;  estima; 
sermão^  pratica,  predica,  exhortação  ; 2 .°  de  pa- 
lavras representantes  de  idéas  oppostas,  antagó- 
nicas :  —  bonito  feio,  alto  baixo,  corajoso  covarde, 

A's  palavras  que  constituem  esta  familia  dá-se 
os  nomes  de  synonymos  e  antonymos. 

4.*^  Familia  syntaxica  ou  de  construcção  diver- 
gente.—  Compõe-se  de  palavras  que  representam 
as  mesmas  funcções  na  estructura  da  phrase  :  —  co- 
meçou de  f aliar,  começou  a  fatiar  ;  pegar  da  penna, 
pegar  na  penna  : 

(  V.  Synon.  e  Liç.  29.  } 

Synonymos 

3.  Synonymos  (  gr.  sun  e  onumaj. 

São  palavras  de  uma  mesma  língua,  que  — 
posto  de  radical  diíferente  e  diversa  categoria  gram- 
matical  —  teem  todavia  idêntico  sentido,  ou  repre« 
sentam  diíferenciações  significativas  de  uma  idéa 
piincipal. 

í/  Na  opinião  do  profeís  jr  Marsh,  synonymos  verdadeiros  devem 
f>cr  pnlavras  que,  em  uma  mesma  lingua.  teem  idêntica  significação  e  per- 
tencem á  mesma  classe  grammatical:  —  mérito  merecimento,  a/íold  alli,  ver 
enchergnr.  O  uso,  pijrém,  arrolou  também  nesta  familia,  as  palavras  de 
significação  ligeiramente  difFerentes. 

2.«  * '  Para  que  as  palavras  sejam  synonymas  é  mister  representem  noções 
complexas  e  geraes,  collecções  de  idéas  simples.  "  'Eva.ateraão,  ódio,  ininii- 
aaãe,  cada  uma  dessas  palavras  encerra  certo  numero  de  idéas  mais  geraes, 
mais  simples,  elementares  (antipj.thia,  aborrecimento,  nojo,  tédio J,  "  que 
constituem  o  seu  domiuio,  a  sua  exteusilo,  a  sua  significaçUo  ". 


134 

———  ^ 

Mas,  ás  veaes,  um  ou  mais  termos  signiflcatl\tos  de  uma  ou  mala 
esrpecm,  sSo  synonymos  do  termo  que  exprime  o  gener^^or  elles  indicado. 
Mocim  e  corêol  silo  synonymos  de  eavallo,  quo  designa  a  idéa  geral  de  rocim 
e  corsd.  ^ 

4.  Os  synonymos,  pois,  quanto  á  sua  natureza, 
devem  dividir  se  Qm  perfeitos  e  imperfeitos. 

Perfeitos  —  são  os  que  teem  idêntico  sentido  : 
encarouchar  embruxar^  frade  freire  (frei)^  arroto  eru- 
ctação,  usurário  usureiro^  avaro  avarento,  cara  rosto, 
perna  gambia^  cabedal  capital.,  caminho  de  ferro  o. 
ferro- via.,  dedo  minimo  e  dedo  meiminho,  tremor  de 
terra  e    terremoto,  spectro  abantesma  ... 

Ha  synonymos  perfeitos,  e  nem  pode  deixar  de  liavel-os.  Basta  attender 
á  formaçfio  divergente  do  nosso  vocabulário,  aos  elementos  históricos  da 
liuguii,  á  importação  neologlca,  ás  forças  creadoras  e  modificadoras  (prefixos 
e  suffixos),  ás  differenciações  locaes,  etc,  (V.  §  5.<») 

Imperfeitos  —  os  que  apenas  apresentam  entre 
si  relações  mais  ou  menos  intimas,  mas  nunca  iden- 
tidade  de  sentido. 

5.  Estudemos  agora  as  varias  causas  da  syno- 
nymia. 

I."-  -  Tendência  polyonymica. —  E'  geral,  e  na- 
tural, a  tendência  que  tem  o  povo  para  designar  um 
objecto  por  mais  de  um  dos  seus  respectivos  cara- 
cteres. Além  do  facto  de  idiosyncrasias  de  consti- 
tuição mental,  ha  a  necessidade  de  fugir  ao  tédio  das 
repetições  constantes,  e  de  exprimir  o  pensamento 
do  modo  mais  vivo  e  colorido  possível.  Ex.: —  diabo, 
demónio,   demo,    diacho,  arch.  decho  e  dexemo  ( G. 


125 


Vic),  Saian^  Satafia{,  canhoto,  tinhoso,  espirito  máo, 
etc.  Pateta,  tolo,  palerma,  papalvo^  paspallião,  bas- 
baque, néscio.,  imbecil,  tolai,  parvo  (parvoalho  ),  es- 
tólido^ idiota,  bolonio,  patola  .... 

Essa  exuberância  synonymica  é  mais  própria  dos  primeiros  períodos 
das  lindas,  pelo  pendor  natural  para  o  estylo  figurado  ou  meiapliorico. 
No  sanskri'o  veda  o  sol  tinha  diversas  denominações  —  o  brilhante,  o  amigo, 
o  generoso,  o  nutrídor,  o  creador,  etc.  (  M.  MUller  Lect.  );  o  árabe  tem  500 
synonymoe  para  designar  o  leíío  (Renan,  L.  Sem.J;  no  dialecto  islandico  ha 
150  synonymos  para  espada  (  Snorro's  EddaJ. 

2." — Derivação  divergente,  e  renovação  eru- 
dita.—  A  cultura  litteraria  introduziu  no  portuguez 
crescido  numero  de  vocábulos  de  fundo  erudito,  ti- 
rados immediatamente  dos  autores  latinos. 

E  assim  originaram-se  grande  numero  de  formas 
divergentes,  porque  a  maior  parte  desses  vocábulos 
já  pertencia  ao  fundo  popular  da  lingua  : — coalhar 
coagular  ( =  1.  coagulare  ),  prêa  preda  presa  (  -:  1. 
proeda  ),  mancha  macula  (  =  1.  macula  ),  paço  palácio 
(  =_  1.  palatium  ),  quedo  quieto  (  =^  1.  quietus  ),  doar 
dotar  (  =  1.  dotare  ),  alhear  alienar  (  =  1.  alienare  ), 
nédio  nitido  (  =1.  nitidus ),  etc.  (  V.  Liç.  23  ). 

Mais.  Um  vocábulo  deriva  do  nominativo,  e 
o  outro  do  accusativo  latino  :  —  ladro  ( latro)  e 
ladrão  ( latronem  ),  preste  (  presbyter  )  e  presbytero 
( presbyterum  ). 

Foi  a  renovação  litteraria  que  nos  deu  —  legi- 
timo p.  lidimo,  dispensa  p.  dispensaçom,  secular  p. 
se  gr  ar,   integro  p.   iiíteirOy  plano  p.    chão^  logar  p. 


136 


logo^  mesura  p.  medida^  tédio  tristeza  pe^ar  nojo 
desprazer  saudade  (  suydade  ),  ira  e  sanha,  astúcia 
e  arteince,  etc.  ',  hypothese  {  gr.  hypothesis  )  e  sup- 
posição  (1.  SLippositionem  ),  esphera  (gr.  sphaira) 
globo  ( 1.  globus  ),  léxico  (  gr.  lexikon)  e  diccionario 
(  =  1.  diccionarium  )  etc. 

3  '■'—  CreaçÃo  portugueza.—  Mendai  (  =  l. 
mendax)  e  mentiroso^  avaro  avarento  (  =  1.   avariis)... 

4.^-—  Importação  peregrina  (  V.  Liç.  22  ).  — 
E'  esta  uma  grande  fonte  synonymica  e  inexhau- 
rivel  : —  orgia  (  —  1.  orgia  ±  gr.  orgia)  e  deboche 
( fr.  debauchejy  trovador  (  prov.  )  e  bardo  {(ze\\.), 
alvo  ( 1.  albus  )  e  branco  (  germ.  blanch  ) ;  ventre  (  1. 
venter ),  abdon-en  (1.  abdómen),  barriga  (germ. 
baldrich);  cavallo  (1.  p.  caballus ),  rocim(germ. 
ross ),  palafrem  (  fr.  palefroi)^  alfarai  (  árabe  al- 
farás)  ;  vagão  (  ing.  wagon  ),  carro  ( l.  currus);  beija 
flor  (  form.  port.  )  e  colibri  (  caraíba  )  ;  casquilho  e 
petitnetre  [  ív .  peiit  mâitre  ) ,  chapada  (planalto,  pla- 
nura )  e  plató  (  fr.  plateau  ).  - 

5.^—  Technologia  scientifica. —  O  progresso 


*  Leal  Coiis. —  Foi  D.  Duarte  o  primeiro  que  encontrou  o  veio  syno- 
nymico. 

A  cultura  litteraria  começou  no  declinar  do  Século  xiv;  no  xv  a 
língua  mais  se  apartou  da  sua  evolução  natural  pelo  capriclio  dos  tradu- 
ctores,  que,  como  era  natural,  introduziu  no  portugue?  grande  cópia  de 
vocábulos  tirados  directamente  das  fontes  latinas. 

'  Gallicismo.  Enxovalho  da  Ymgna.  como  bouquei,  i/}ilette,  soirèe.faii- 
Uuil  ... 


127 


scientifico  e  o  industrial  muito  teem  concorrido 
para  augmento  da  corrente  synonymica.  Ex.:  bexiga 
varíola,  veneno  toxico,  contraveneno  antídoto,  san. 
gria  phlebotomía,  barriga  d' agua  ascite,  poaya  ipe- 
cacuanha, damnação  hydrophobia,  dôr  de  dente  odon- 
talgia,  anta  tapir,  somnambido  noctambido  uyctobato, 
terçol  hordeolo, 

6/ —  Semeiologia.  — Sarabanda  p.  ^eribanda  \ 
sé  sede  ( sanatséde  —  Vieira  ),  são  santo,  saldar  soldar, 
exquisito  ridictUo,  -  confiado  atrevido,  cunha  empenho 
(  metter-se  no  cargo  á  cunha  de  valias  },  patife  ma- 
roto, etc. 

7/ —  O  VOCABULÁRIO  PLEBEU  E  A   GIRA. —  Mata- 

sanos  =  medico  imperito,  sacamollas  =  máo  dentista, 
bisbórria  =  homem  de  borra,  grosseiro  e  ridículo. 

8.^* —  DiFFERENÇAs  LOCAEs. —  São  ás  vezcs  de- 
vidas á  maior  influencia  de  um  dos  elementos  histó- 
ricos da  língua.  No  Brazil,  por  exemplo,  devc-se  ter 
em  muita  conta  o  elemento  indígena  e  o  africano. 
ExQ.m^^\o\  pacova  banana,  gerimwn  abóbora,  quiabos 
quíngombô,  calunga  camondongo.  '^ 


*  Ambos  sao  hoje  empregados  no  sentido  de  reprehenmo  seccra;  mas 
zeribanda  (or.  •àív.)  =  soca,  e  sarabanda  {ov.  hesp.)  signiticava  umadansa 
lasciva,  com  muitos  saracotes,  etc. 

^  Ekquisito,  propriamente  é  cousa  rara,  excellente,  etc.  Do  lat.  exqni- 
sitm  =  buscado  com  diligencia,  etc. 

'Já  vimos  que  o  nome  portuguez  correspondente  —  é  murganho,  e 
bem  assim  que  em  Pernambuco  calunga  não  significa  camondongo,  como  na 
Bahia,  mas  sim  um  bomfrate. 


128 


Na  ichtiologia  e  na  oraiotbologia,   è  imraensa  a  differença  da  no- 
menclatura do  Norte  do  Brazil,  comparada  com  a  do  Sul. 

O  mesmo  podemos  afflrraar  quanto  aos  vegetaes.  —  Lê-se  cm  um  trabalho 
do  Dr.  J.  de  Saldauha  da  Gama  ^*%?i.  de  diverso»  veffetaes  do  BmzU  Í8G8):... 
"em  muitos  casos  existem  2,  3,  4  ou  mais  nomes  vulgares  para  uma  só 
espécie:...  Os  nomes  ciilgares  mnd&m  de  província  para  outra,  pelo  menos 
a  respeito  de  alguns  vegetaes,  e  ás  vezes  nos  municípios  de  uma  mesma 
província".  Ex. :  CutucanM  Carvalho  (no  Paraná);  coco  de  caiarrho  macauba 
mocajuba;  camomilla  macclla,  (Anthemis  nobilis),  herca  íoníão(R.  de  3  ) pega- 
pinto  (Ceará)  Boerhavia  hirsuta;  gravata  cura ud  (Amazonas)  caragoatá  = 
Bromelia  sp.,  tinhorão  — pé  de  bezerro  (Caladium  bicolor),  pdo  ferro  (R.  de  J  ) 
jucá  (Ceará),  cajueiro  bravo  cambaiba,  coco  da  pi'aia  —  garnry;  pdo  santo  — 
guaico,  jatobá  (R.  de  J.)  — jetahy  (Amazonas) ;  maçaranduba  —  apraiú  (S.  Fi - 
delis",  canna  cayanna  —  tacomarê  ou  tacoaraêm,  capim  melado  (IX.  de  J.' 
capim  gordura  (Minas  Geraes),  guaxima  ou  carrapicho  (R.  de  J.)  uaissima 
(Amazonas). 

Q."" —  Os  synonymos  perfeitos  são  hoje  em  nu- 
mero decrescido,  e  cada  vez  mais  tendem  a  rarear. 
E'  que  o  conhecimento  mais  profundo  da  lingua 
também  mais  lhes  vae  particularisando,  restringin- 
do, as  significações.  Ex.:  «eí^/b  e  «/7/<Yó,  confiança  e 
confidencia^  re^ar  e  recitar^  meio  e  médio ^  solteiro  e  so- 
litário. 

lo. —  Laffay  divide  os  synonymos,  quanto  á 
natureza  das  suas  diíferenças,  em  grammaticaes  ou 
de  radical  commum,  e  etymologicos  ou  de  radical  di- 
verso . 

II. —  Os  de  radicai commum  só  diíferem  entre  si 
por  certas  circumstancias  grammaticaes  —  prefixos 
e  sufíixos  ou  desinências  :j?roúfMcto/>roí/«cçíío,-  risa 
risada.^  melhora  melhoria  melhoramento,  vão  vaidoso, 
difficil  difficidtoso. 


139 

São  avultados,  e  dividemse  em  simples  q' com- 
postos. 

12. —  Para  bem  profundarmos  no  génio  de  uma 
lingua,  devemos  estudar  a  synonymia  grammatical,  a 
qual  pôde  dar-se  dos  vários  modos  seguintes  :  ^ 

i.° —  Synonymia  entre  substantivos  que  só  diffe- 
rem  cm  numero  :  baixe  {a  baixelas. 

2°-^  Entre  substantivos  que  só  differem  no  gé- 
nero :  montanha  monte,  fortaleza  forte. 

S."" —  Entre  coUectivos  e  substantivos  no  plural: 
os  homens,  a  humanidade . 

4." —  Entre  substantivos  e  infinitos  substan- 
tivados :  sensação  sentir,  riso  rir,  pensamento  pensar , 
sabedoria  saber. 

5.° —  Entre  substantivos  e  participios  passados 
tomados  subslantivadamente  :  —  imposição  imposto, 
enunciação  enunciado. 

6.° — Entre  substantivos  e  adjectivos  substan- 
tivados :  —  belleia  —  o  bellu,  utilidade  -  -  o  útil,  extre- 
midade— o  extremo. 

7." —  Entre  adjectivos  e  locuções  adjectivaes 
compostas  da  preposição  de  e  de  um  substantivo  : 
oriental — do  oriente,  homem  criterioso — homem  de  cri- 
tério, litterato — homem  de  lettras. 


*  Xo  estudo  dos  synonymos  seguimos  o  methodo  aprefientado  por 
Laffay. 


i3o 


8/ — Entre  adjectivo  e  participio  passado  to- 
mado   adjectivadamente  :  convwa  convidado. 

9.° —  Entre  adjectivos,  um  de  derivação  verbal 
outro  da  forma  nominal  correspondente  :  —  vibrante 
(de  vibrar)  e  vibratório  (  de   vibração  ). 

10. ° —  Entre  verbos  neutros  e  os  mesmos  na 
forma  activa  reflexa  :  sahir  sahir-se. 

ii.° — Entre  verbos  neutros  eo  seu  participio 
presente  precedido  do  verbo  ser  ou  estar  :  depender 
—  estar  dependente . 

12.°—  Entre  verbos  no  indicativo,  e  outros  no 
futuro  subjunctivo  :  Creio  que  ellefa\  bem^  que  fará 
bem  ;  crés  que  ellefai  bem  ?  que  elle  faça  bem  ? 

i3.° —  Entre  verbos  ir.choativos  e  as  formas 
correspondentes  periphrasticas  :  envelhecer  =  fa- 
ler-se  velho  ;  empallidecer  =  tornar-se  pallido,  ajoelhar 
=^ pór,  cahir,  em  joelhos. 

14." — Entre  verbos  activos  e  as  suas  formas  pro- 
nominaes  :  rir  rir-se ;  resolver  resolver-se. 

i5.° —  Entre  verbos  activos  e  suas  formas  pe- 
riphrasticas (  verbo/<2{^r,  dar,  etc.  -h  substantivo  ): 
acariciar,  fa^er  caricias  ;  gritar,  dar  gritos. 

16. ° —  Synonymia  das  preposições  a.,  para,  com 
as  preposições  de,  com,  por  :  —  servir  de,  •  ■-  para  ; 
aproximar-se  a,  —  de;  acostumar-se  a,  —  com  ;  com- 
parar a,  —  com  ;  ao  menos,  pelo  menos  ;   afim,  com 
o  fim.,  etc. 


i3i 


17.** —  Entre  adjectivos  e  advérbios,  e  entre 
advérbios  e  locuções  adverbiaes  :  raro,  raramente, 
com  raridade  ;  triste,  tristemente^  com  tristeza  ;  cega- 
mente, ás  cegas  ;  vanmente,  em  vão  ;  litteraimente,  d 
lettra. 

i8.° —  Entre  palavras  que  modificam  o  sentido 
conforme  o  logar  que  occupam  na  phrase  :  verda- 
deiro amigo,  amigo  verdadeiro  ;  maltratar,  tratar  mal; 
bemfa{er,  fa^er  bem  ;  sobrelevar,  elevar  sobre.  São 
verdadeiros  synonymos  syntaxicos.  Todavia  a  mu- 
dança de  logar  não  raro  modifica  o  sentido  das  pa- 
lavras. (  V.  Liç.  5/ ).  Disse  Gil  Vicente  :  a  quem  ou- 
rives chamar  bom  homem  dae-lhe  esmola  de  dó  delle  ; 
e  Vieira  sentenciou  vje  grande  differença  de  ser  nosso 
rei  ou  de  ser  rei  nosso. 

19.°—=-  Entre  palavras  cujas  differenças  de  sen- 
tido são  determinadas  pelo  valor  dos  prefixos  e  sufíi- 
xos  : —  pasto  pastura  pastagem.,  corajoso  corajento. 

14. —  Os  synonymos  de  rai{  diversa  são  palavras 
de  varias  origens,  imp  jrtadas  para  expressão  de 
uma  mesma  idéa  ou  de  suas  cambiantes.  Muitas 
vezes  não  é  a  necessidade  a  causa  de  tal  importação, 
mas  tão  somente  a  sympathia  ou  a  moda 

i5. —  As  dissimilhanças  de  significação  expli- 
cam-se  pela  etymologia,  pela  ditfcrença  dos  radi- 
cães:  — caro  querido,  carniceria  (carnificina)  ma- 
tança mortandade  hecatombe. 

16. —  Não  estão,    como    os  grammatieaes,  su- 


l32 


jeitos  a  leis  geraes.  «  Do  seu  sentido  particular  só 
decide  a  autoridade  clássica,  a  menos  que  a  origem 
etymologica,  conservada  pela  tradição,  baste  para 
indical-o  de  modo  scientifico  »  : —  cavallo^  corsel^ 
ginete^  rocim,  hacanêa^  palafrem,  alfarai^  faca ; 
espada^  cimitarra,  catana^  alfange,  chifarote,  cutelo, 
estoque,  gladio,  montante,  sabre,  terçado,  refles,  etc. 
17. —  E'  de  grande  utilidade  o  estudo  desta 
categoria  de  synonymos,  que  nos  faz  conhecer  as 
distincções  philologicas  consagradas  pelos  exemplos 
de  bons  escriptores,  e  habilita-nos  a  dar  mais  pro- 
priedade  e  vivacidade  á  phrase.  Exemplifiquemos  : 

Prejuízo,  preoccupaçÃo,  prevenção. — Expri- 
mem o  erro  permanente  ou  a  predisposição  para  o 
erro,  por  motivo  orgânico,  do  meio  ou  da  educação, 
ao  passo  que  illusão,  engano,  desacerto,  significam 
erros  ou  faltas  accidentaes. 

O  prejui{0  refere-se  ás  crenças,  opiniões,  su- 
perstições ;  prende-se  á  nossa  infância,  ao  lar  domes- 
tico, á  escola.  Explica-se  por  uma  certa  fraqueza 
do  espirito,  credulidade  condemnavel. 

A  preoccupação  é  o  erro  da  consciência,  ao 
envez  do  prejui^o,  que  é  o  erro  da  autoridade. 

Representa  o  aíferro  a  certas  idéas,  capri- 
choso, obstinado. 

A  prevenção  tem  por  fim  dispor  os  ânimos  ao 
nosso  intento  :  fere  o  coração  para  actuar  sobre  a 
razão,  e  por  isso  torna-nos  as  mais  das  vezes  parcial 


i33 


e  apaixonado.  Constitue  o  que  se  chama  erro  do  co- 
ração.  ^ 

Incerteza,  duvida,  indeterminação,  indecisão, 

IRRESOLUÇÃO,     PERPLEXIDADE. TodoS     CStCS      VOCa- 

bulos  exprimem  um  estado  de  enleio,  suspensão, 
embaraço,  em  que  o  individuo  em  nada  assenta,  e 
nada  toma  por  partido. 

A  incerte:{a  e  a  duvida  referem-se  ao  entendi- 
mento ;  é  delle  que  parte  a  hesitação  no  caminho  da 
verdade.  A  indeterminação,  a  irresolução,  indecisão  e 
a  perplexidade  teem  por  origem  a  faUa  de  vontade 
própria,  de  energia,  a  inércia  e  o  receio. 

No  primeiro  caso  (da  incerteza  e  duvida)  é  pre- 
ciso ter  crença,  fé  ou  confiança  para  vencel-as  ;  cul- 
tivo intellectual,  e  razões  convincentes  para  remo- 
vel-as.  No  caso  da  irresolução,  indecisão  e  indeter- 
minação, fallece  ao  individuo  a  necessária  energia 
para  pôr  em  pratica  a  empreza  a  que  se  quer  aba- 
lançar, para  resolver-se  em  cousa  certa.  A  indetermi- 
nação é  proveniente  de  fraqueza  de  animo,  a  inde- 
cisão é  devida  á  fraqueza  de  espirito.  O  indeciso 
carece  de  convicções  firmes  ;  o  irresoluto  de  império 
sobre  si  mesmo,  firmeza  de  caracter.  Para  vencer- 
Ihes  a  inércia,  é  preciso  esclarecer,  instruir,  conven- 
cer o  indeciso  ;  estimular,  excitar,  persuadir,  o  irre- 
soluto. 

*  Lalf.  Dki.  etyin. 


i34 


A  perplexidade  exprime  indecisão  com  desasso- 
cego  de  espirito  ;  uma  conjunctura  apertada  entre  a 
indeterminação  e  a  duvida,  a  perturbação  do  espirito  e 
o  desanimo.  A  duvida  affecta  a  crença;  a  irresolução, 
indeterminação  e  a  indecisão  dependem  da  vontade  ; 
a  perplexid ide  aífecta  o  entendimento  e  a  vontade, 
e  só  pôde  cessar  ante  a  convicção  de  não  se  dever 
inquietar  com  o  resultado  de  um  commettimento 
quem  procede  sempre  com  recta  intenção 

A  incerteza  é  o  caso  do  ignorante  ;  a  duvida  é  a 
hesitação  em  pontos  de  dogma,  a  suspensão  do  enten- 
dimento no  ajuizar.  Aquella  mais  se  refere  a  aconte- 
cimentos, esta  a  opiniões  ;  a  incerteza  é  subjectiva,  a 
duvida  é  objectiva  ;  a  primeira — íixa-se,  a  segunda 
—  resolve-se. 

i8. — A  synonymia  é  do  mesmo  passo  uma  força 
modificadora  e  um  factor  de  reducção  do  vocabu- 
lário (  V.  Liç.  21.)  Exemplo  :  monja  (arch.  mong-a  = 
1.  monacha)  archaisou-se  pela  preferencia  dada  á 
forma  synonymica  freira,  feminina  de  freire  (  =  1. 
frater  ),  que  por  seu  turno  foi  supplantado  pela 
forma  concurrente  frade  (  =  l.fratrem,  irmão  )  no 
século  XVI  ;  ^  gargantuyse  ( L.  Gons.  )  é  oblite- 
rado pelo  vocábulo  ^«//a  (  Século  xv  )  ;  agro  p. 
campo ^  terreno  ;criameiitos  p.  afagos  ;frontar  p.  pro- 
testar,   etc. 


*  Freire  conservou-se  na  fórraa  atrophiada  frei  quando    se  segue  o 
ftome  do  frade  — i^/ei  Bento,  Frei  Pedro. 


i35 


19. —  A's  vezes  o  vocábulo  novo  não  consegue 
archaisar  o  outro  já  existente,  mas  altera-lhc  o  sen- 
tido ou  restringe-Ihe  o  uso.  Exemplo  :  comer  {  =  l. 
come-d-ere  )  era  de  emprego  vulgar  até  o  século  xv 
com  a  significação  á^  jantar  (  D.  D,  —  L.  Cons  );  de- 
pois —  pela  concurrencia  desta  forma  hespanhola  — 
veio  a  designar  simplesmente  comida,  alimento  (Cp. 
verbos  —  comer  e  jantar  );  eira  e  área  (  1.  área  ), 
obrar  e  operar  '  —■  \.  operare  ),  chão  e plano  (  =1.  pla- 
nus ),  solteiro  e  solitirio  (=  1.  solitarius  ). 

Outras  vezes,  um  dos  vocábulos  fica  adstricto 
somente  ao  dominio  da  poesia.  Exemplo  :  ledo  (  =  1. 
Icetumj  era  de  uso  popular  nos  primeiros  tempos  da 
lingua(Docs.  séculos  xii  e  xni,  C.  V.  )  ;  no  sé- 
culo XIV  a  forma  alegre  (  —  1.  alacrem  )  substituiu-o 
de  todo  na  prosa.  ^ 

1.0  —  o  estudo  dos  syaoaymos  —  de  que  é  o  portuguez  riquíssimo  —  é 
indispensável  para  o  bem  cnbi<io  emprego  das  palavras,  para  a  exacta  e 
precisa  expressão  do  pensamento.  Os  Gregos  tinham  em  muito  valor  o 
perfeito  conhecimento  da  significação  das  palavras ;  os  Latinos,  posto  que 
menor  lhes  fosse  a  riqueza  syuonvmica.  também  muito  curavam  desse 
estudo,  como  se  deprebende  da  3.*  epistola  do  grammatico  Froutoa  a 
Marco  Aurélio.  « 

Nas  línguas  modernas,  porém,  o  esquecimento  ou  desconhecimento 
da  significaçilo  primitiva  do  radical,  faz  com  que  nHo  raro  as  palavras, 
tenham  sentido  diverso  do  expresso  pelo  radical.  E  este  facto  é  mais 
pateate  nos  derivados  secundários,  ou  palavras  formadas  por  derivação 
ou  composiçáo  de  formas  também  derivadas  ou  compostas,  ou  impor- 
tadas de  fontes  estrangeiras  ( Egger ). 


'  Ap.  Egg.  Gr.  eomp. 
*  8.  Eufros.  Rom. 


i36 


2.*—  A  synonyniia  explica  outrosiin  as  divergências  léxicas,  quês» 
notam  nos  idiomas  congéneres  e  nos  c.  dialectos.  E'  assim  que  dos  syno- 
nymos  latinos  frater  e  germanus,  pastor  e  berbericus,  infirmus  e  7nale  aptus, 
casa  e  mcmsio,  o  portuguez  adoptou  de  preferencia,  e  espontaneamente, 
germano  germaho  irmão,  pastor  (pastoremj,  enfermo,  casa,  e  o  francez 
frkre,berger,  inalade,  maison  (mansionem).  — M.   Múller,  Lect. 

Mais  tarde  o  francez  admittiu  as  palavras  germaia  pâtre,  infirme, 
easerne,  e  o  portuguez  por  sua  vez  —  fi'ade  ( só  applicavel  aos  irmãos 
de  ordem  religiosa),  malato  (p.  infl.  it&Yi&na. ),  meijão  {^p.  inf.  franceza), 
mansão  {inú.  erudita). 


HOMONYMOS 

20.  —  HoMONYMOs  (gr.  Jiomoios  semelhante,  onu- 
ma  nome ).  São  palavras  que,  comquanto  expri- 
mam idéas  diííerentes,  pronunciam-se  do  mesmo 
modo,   quer  tenham  ou  não  idêntica  orthographia. 

21.  —  Dividem-se  : 

\.°  Em  aunoculares,  que  soam  e  se  escrevem 
identicamente: — cattto  (ária,  melodia,  e  angulo 
formado  por  dous  planos,  etc.  ),  manga  (frucio,  e 
parte  do  vestuário  que  cobre  o  braço },  maneira 
(  modo,  uso.  e  abertura  na  saia  ),  são  (  sadio  e  contr. 
de  santo  ),  salsa  (hortaliça  e  salgada  ),  salva  (  prato 
de  metal,  vidro,  etc,  e  descargas  de  artilheria,  sem 
bala,  em  demonstração  de  respeito,  honra  militar, 
herva,  e  participio  passado  do  verbo  salvar)^  dado 
(  substantivo  e  participio  passado  ),  lente  (  professor 
e  instrumento  ),  etc. 

2.°  Em  homophonos (auriculares) ^  que  se  escrevem 
diíFerentementej   mas  teem  a  mesma  pronuncia  :  — 


i37 


sumo  siimmo^  concelho  cojiselho,  cita  sitta  sitj^  cervo 
servo y  condessa  condeça,  ruço  russo,  ceda  seda,  cinto 
sinto,  pena  penna,  pulo pul-o,  ama  minha — a  mami- 
nha,  que  ouço  —  que  osso,  concebo  —  com  sebo  .. 

3.^  Em  homographos  (  oculares  ]  que  tem  idên- 
tica orthographia,  mas  diversa  phonação  :  sabia  sa- 
biá^ sede  sede. 

A  classe  dos  homophonos   c  a  mais  numerosa. 

Por  mais  rica  que  sejsi  uma  lingiia,  uílo  pódc  deixar  de  ter  homonymos. 

As  linguas  antigas  eram  mais  pobres  em  homouyitos  que  as  modernas, 
e  a  raziTo  é  obvia. 

Da  homonymia  é  que  resulta  os  trocados  de  palavras  ou  equívocos,  a 
que  os  Francezes  chamam  calembourgs.  Para  esses  mesmos  effeitos,  serviam- 
se  os  cómicos  gregos  da  homonymia,  transpondo  muitas  vezes  os  limites  da 
decência.  Os  Latinos  também  delia  se  aproveitaram;  evc,  ate,  aves  esse  ates, 
e  é  também  muito  conhecido  o  verso  sobre  as  cortezAs. 

(*)  Quid fácies,  fácies  Vcneris  oim  tenerís  atite? 

ye  sedeas,  sed  eas  ne  pereas  per  eas. 

22.  —  São  varias  as  causas  da  homonymia  : 
í.°  —  Contracção  das  palavras  do  vocabu- 
lário popular:  —  são  (  =  santo,  lat.  sanctusj,  são 
(  =  sano,  lat.  sanus  e  são  (arch.  som,  lat.  sunt), 
cem  (  =  cento,  lat.  centum )  e  sem  (  =  lat.  sine),  grão 
(  =  grande,  1.  grandis  j  e  grão  \=\-  granum)  ,  paço 
( =  palácio,  1.  palatium)  e  passo  (S  =  1.  passus^  e  ver- 
bo), era  (  ~  1.  eratj  e  hera  (  arch.  hedra,  Sec.  xvi, 
lat.  hedera,,  som  (  =  lat,  sonus j  e  arch.  som  (  =  lat. 
suntjj  etc. 

2.° —  Formação  de  substantivos  verbaes  :  — 
pega,  (  substantivo  e  verbo  ),  consulta,  rega,  rubrica, 

IS 


i38 


canto,  mando j  calo  {  verbo  calar )  e  calo  (  S.   do  lat. 
calum  ),  passo,  etc,  capital — Lente. 

3.° —  Mudança  de  categoria  por  mudança  de 
SENTIDO.—  o  verbo  latino  soldare,  contr.  át  solidare 
(  tornar  solido,  solidificar  )  veio  a  significar  ajustar 
contas,  —  soldare  rationes  (  Bréal,  Dict.  Etym.  lat. ),  e 
por  extensão  —  ligar  metaes.  Esses  dous  verbos  pas- 
saram para  o  portuguez  (soldar  e  solidar ),  este  com 
a  significação  de  fazer  solido,  aquelle  no  sentido  de 
unir  metaes  por  meio  de  solda,  unir  os  lábios  de  uma 
ferida,  e  no  de  pagara  divida. — Soldar  passou  depois 
a  ter  accepção  particular  de  receber  soldo,  soldada. 
(  Foral  de  Coimbra,  Nob.,  Ord.  Aíf.  ),  que  era  a 
paga,  a  contia,  por  analogia  de  soldo,  solido  (moeda), 
• — Sec.  xn  ={\3Li.  soldus  solidusj,  donde  vieram  o 
substantivo  soldadeiro  —  o  que  recebe  soldo,  e  mais 
tarde  soldado  —  homem  de  guerra  ao  soldo  do  Es- 
tado, que  assim  tornou-se  homonymo  do  participio 
do  verbo  soldar  =  ajustar  contas,  pagar  dividas,  ou 
unir  por  meio  de  solda. 

4.*^ — Diversidade  das  fontes  léxicas. — Temos, 
por  exemplo,  a  palavra  canto^  que  no  sentido  de 
melodia,  modulações  de  sons  vocaes,  tira  origem  no 
latim  cantus ;  e  com  a  significação  de  angulo  for- 
mado por  dous  planos^  etc.   no  germ.   Kante  ^  Acer 


*  Cp.  D.  Kftnl,  Isl.  Kantr.  gal.  ami,  mg.  cani.  fr.  ant,  cant.  gr.  Kandós 
(li.canthusj. 


í39 


c  ager  deram-nos  de  accordo  com  a  leis  phoneticas 
— a  forma  agro  ; pen.i^  dor,  trabalho,  castigo,  deriva 
do  latim  poena,  e  pena,  penha,  rocha,  do  céltico 
pen  ;  ^  manga^  fructo,  é  de  origem  indiana,  manga^ 
parte  do  vestuário,  deriva  do  latim  man  (i)  ca  ;  lima^ 
fructo,  é  de  derivação  pérsica,  /zwíJ  instrumento,  do 
latim  lima. 

5.° —  Corrupção  phonetica. —  O  facto  de  não 
mais  fazermos  soar  as  lettras  geminadas  ( suma 
siimmOj  pelo  pe/loj;  ^  a  perda  da  verdadeira  pho- 
nação  do  grupo  eh,  só  conservada  na  Beira  =  tchj 
(chá,  shahxàjy  etc... 

6.° —  Influencia  local. —  E'  manisfesta  na 
linguagem  popular.  A  troca  das  syllabas  iniciaes  en 
e  m  em  an,  por  exemplo,  mui  frequente  em  todos  os 
periodos  da  lingua  (  antre  p.  entre  —  1.  inter,  antre- 
meio,  antremetter,  antremei,  antrepo.\  antretanto,  an- 
irevallo,  antreuir,  anteado,  andoenças,  etc),  transfor- 
mou o  adverbio  então  ( arch.  entonce,  entonces, 
antonces  )  em  antão,  que  se  tornou  homonymo  de 
Antão,    f.    contr.   de   António. 

PARONYMOS 

23. —  São  palavras  de  sentido  diverso,  mas 
apresentando  algumas  relações   morphicas  e  phoni- 


*  Aiuda  mui  frequente  nos  t&ponymicos  —  Penadono,  Penacota,   Pe- 
nafiel, etc.    ^osísa  Senhora  da  Pena,  diziam  o.s  autigos. 

*  No   italiano  ainda  as  consoantes  duplas  soam  di.stinctas. 


140 


cas,e,  ás  vezes, — etymologicas:  Sujeição  sug'estão, 
biographia  bibliographia,  som  são,  pendença  pendência; 
premissa  premida,  detrahir  distrahir^  propagar  pro- 
palar. 

24. —  A  paronymia  é  resultante  da  troca  de 
sons  physiologicamente  semelhantes  ( leis  phoneti- 
cas  ),  dos  metaplasmos,  e  ainda  da  derivação  diver- 
gente : —  soar  suar  ( latim  sonare  e  sudare  J,  segredo 
secreto  (latim  secretusj,  degredo  decreto  (latim  de- 
cretus  )  braga  barca  ( latim  bracca  e  barca  J. 


DECIMA  TERCEIRA  LlCÃO 

Flezão  dcs  nomes:  género,  numero,  caso.— Noções  de  decli- 
nação latina.  -  Desapparecimento  do  neutro  latino  em 
pcrtuguea ;  vestígios  do  neutro  em  portuguez.  —  Ves- 
tígios da  declinação  em  portuguez.  -  Origem  do  s  do 
plural. 

I. —  Flexões  (do  participio  laúno  flecto,  curvo) 
são  as  mudanças  morphologicas  tendentes  á  indica- 
ção das  mutuas  relações  grammaticaes  das  palavras 
no  mesmo  periodo,  ou  de  alguma  condição  acciden- 
tal   da   cousa  expressa  pela  palavra   inflexa. 

A  flexão  é  uma  espécie  de  derivação.  Abrange 
a  declinação  e  a  conjugação. 

As  linguas  litterarias,  antigas  e  modernas,  em- 
pregam inflexões  : 

i.^  com  substantivos,  adjectivos,  pronomes  e 
artigos,  para  indicarem. 

a)  género. 

bj  numero. 

c )  caso,  ou  relação  grammatical. 

2^  Com  adjectivos  e  advérbios,  para  marcarem 
os  gráos  de  comparação. 


142 


3/  Com  adjectivos,  para  indicarem  si  a  palavra 
é  empregada  com  sentido  definito  ou  indefinito.' 

4.^  Com  verbos,  para  exprimirem  o  numero, 
pessoa,  voz,  modo  e  tempo;  ou.  em  outras  palavras, 
para  determinarem  si  o  caso  nominativo  (sujeito 
do  verbo  )  é  singular  ou  plural  ;  si  a  pessoa  que 
falia,  com  quem  se  falia,  ou  de  quem  se  falia, 
é  o  sujeito  ;  si  a  acção  expressa  pelo  verbo  é  con- 
cebida somente  com  referencia  ao  sujeito,  ou  occa- 
sionada  por  um  agente  externo  ;  si  aquella  acção  é 
absoluta  ou  condicional ;  e  si  é  passada,  presente, 
ou  futura.  ^ 

As  interjeições,  preposições  e  conjuncções  não 
são  flexionáveis. 

As  flexões  dividem-se  pois  em  —  nominaes  e 
verbaes. 

K  flexão  é  constituída  pela  combinaçíto  de  um  sentido  e  de  uma  forma. 

As  terminações  (por  si  mesmas  insignificantes)  foram  empregadas 
como  signaes  externos  e  instrumentos  desta  determinação.  E  assim  tornou-se 
perfeita  a  flexão,  interna  e  externamente. 

A  flexão  nas  linguas  avyanas  implica  uma  flexão  anterior  pela  qual  ella 
modelou-se. 

2. —  As  flexões  são  ainda  fortes  ow  fracas  con- 
forme consistem  na  mudança  de  lettra  do  radical, 
ou  na  addição  de  elementos  vocaes  ao  radical. 

"  Esta  nomenclatura  fuudamcuta-se  em  que  o  poder  que  tem  uma  pa- 
lavra de  variar  pela  mudança  de  seus  elemtutos  mais  desnecessários,  sem 

1  M.  L. 


143 


auxilio  externe  (composição  ou  addiçflo  de  syllabas),  revela  certa  vitali- 
dade, certa  força  orgânica  innata,  que  as  raizesníío  possuem,  pois  só  variam 
pela  incorporação  òu  addiçaode  elementos  extranhos.  " 

3. —  São  varias  as  theorias  suggeridas  para  a 
explicação  da  origem  das  mudanças  de  formas  nas 
diíFerentes  classes  de  palavras  nas  linguas  flexionaes. 

Schleicher  é  de  parecer  que  ellas  devem  ser  denominadas,  linguas  orgâ- 
nicas, porque  incluem  um  principio  vivo  de  desenvolvimento  e  accrescimo. 

"  o  admirável  mecanismo  destas  linguas  —  diz  elle  —  consiste  em  for- 
mar uma  variedade  immensa  de  palavras,  e  em  marcar  a  connexaio  de  idéas 
expressas  por  aquellas  pala\Tas  por  meio  de  um  numero  considerável  de  syl 
labas,  que,  isoladas,  nSo  teem  significaçílo,  mas  que  determinam  com  pre- 
cisão o  sentido  das  palavras  a  que  se  ligam.  Modificando  as  lettras  das  raízes, 
formam-se  palavras  derivadas  de  varias  espécies,  e  derivadas  de  palavras 
derivadas.  As  palavras  compoem-se  de  varias  raizes  indicadoras  de  idéas 
complexas.  Finalmente,  substantivos,  adjectivos,  e  pronomes  declinam-se 
com  género,  numero  e  caso  ;  os  verbos  conjugam-se  com  vozes,  modos, 
tempos,  números  e  pessoas,  também  por  meio  de  terminações,  que  também 
nada  significam  só  por  si.  Este  methodo  tem  a  vantagem  de  enunciar  com 
uma  simples  palavra  a  idéa  principal,  muitas  vezes  extremamente  modificada 
e  já  mui  complexa,  com  a  sua  inteira  serie  de  idéas  accessorias  e  relações 
mutáveis." 

A  escola  moderna,  avessa  ás  theorias  de  Schlegel,  é  mais  aceitável.  As 
inflexões  foram  originariamente  palavras  que,  como  as  outras,  tinham  signi- 
ficação distincta:  eram  pronomes,  auxiliares  ou  participios  que  se  soldaram 
á  raiz;  e  que  por  tal  forma  se  modificaram  que  mais  nSo  podem  ser  reconhe- 
cidas em  sua  combinaçílo  com  a  palavra  flexionada.  Ainda  nas  linguas 
modernas  ha  alguns  exemplos  que  evidenciam  a  historia  dessa  coaliçSo.  A 
terminaçílo  do  pretérito  inglez  —  doned  è  o  pretérito  diâ  ;  a  terminaçio  do 
futuro  dos  verbos  nas  linguas  românicas  —  ei  C amarei -^  amaxlici,  amarás 
•=  amar  has,  etc) ;  a  terminação  do  condicional  nas  mesmas  linguas  neo- 
latinas  —  ia  (amaria  ==  amar  Jiia,  conírsiC^SLO  ác  Mtia,  etc.)  * 


*  Em  portuguez  os  constituintes  do  futuro  e  do  condicional  ainda  ae 
podem  separar,  e  até  mesmo  soffrem  a  intercalação  de  um  caso  obliquo  — 
dar-lhe-hd. 

No  catalão  ( Doe.  Sec .  xvi)  —  nos  donar  los  niem  ço  q  vallen  (nós  lhes  da- 
remos o  que  valem ),  e  em  outro  doe. —  focemos  lehandf^ar  (far-nos-hão 
deixal-o). 


144 


4. —  Latham  affirma  que  quanto  mais  remoto  é  o  período  de  uma 
liugua,  tanto  maior  é  o  numero  das  suas  formas  flexiouaes. 

Esta  theoria  nãoé  de  todo  ponto  exacta,  e  todas  astheorias  genéticas  da 
origem  das  flexões  a  contradizem,  porque  para  aceital-a  fora  mister  suppôr 
que  a  linguagem  não  estava  sujeita  a  uma  evolução  orgânica,  de  crescimento 
e  desenvolvimento,  e  que  todas  as  mudanças  consequentes  eram  apenas  cor- 
rupções. 

As  linguas  selvagens  que  nunca  foram  escriptase as  das  nações  ainda 
atrazadas  na  litteratura,  sjlo  extraordinariamente  complexas  e  multiformes 
nas  suas  inflexões. 

5.—  Géneros. —  O  latim  tinha  três  géneros  — 
masculino,  feminino  e  neutro;  o  portuguez  só  con- 
servou os  dous  primeiros. 

SUBSTANTIVOS 

6. —  A  propriedade  dos  substantivos  de  indi- 
carem o  género,  foi  sempre  caprichosa,  e  a  arbitra- 
riedade salta  immediatamente  aos  olhos  dos  que 
comparam  o  grego  com  o  latim,  este  com  o  por- 
tuguez, o  portuguez  com  o  francez,  inglez  ou  alle- 
mão,   etc. 

Em  todas  essas  linguas  o  neutro  lógico  c  o  neutro  grammatical  nem 
sempre  se  correspondem  :  em  grego  e  em  latim,  por  exemplo,  os  nomes  de 
mulheres  teem  muitas  vezes  terminações  masculinas — Plokioii  {formai  ái- 
minutiva  deplókos  J,  nua  Qlycerium  (  Ter.  Andria  )  ;  mea  Silenium  ( P. ),  em 
allemão  —  mulher  é  do  género  neutro  (das  WeibJ,  a  lua  m&sc.  fãer  MondJ 
o  sol  (i  feminino  (die  SoiineJ,  etc. 

"  Gregos  e  Latinos  empregavam  geralmente  o  género  como  um 
simples  signal  grammatical,  pois  que  milhares  de  nomes  de  cousas  sfto  em 
ambas  essas  linguas  do  género  masculino  e  feminino,  ao  passo  que  nomes 
de  seres  sflo  em  muitos  casos  designados  por  palavras  do  género  neutro, 
o  género  grammatical  não  era  essencialmente  indicador  do  sexo.  O  adjectivo 
neutro  tó  Theion  cm  grego  é  empregado  absolutamente  por  Heródoto  c 
Eschylo  para  exprimir  o  Ser  ou  a  essência  Divina. 


E45 


O  sexo  c  a  distincção  natural,  o  geuero  é  a 
distincção  grammatical. 

Segundo  a  theoria  de  Bleek  —  os  nomes,  combinados  com  suffixos 
pronominaes,  que  na  origem  eram  simples  substantivos  ej;plicativos, 
podiam  ser  substituídos  pelos  pronomes  correspondentes.  Foram  estes  que 
determinaram  o  que  chamamos  ^^cnejv. 

y. —  Os  Romanos  perderam  muito  cedo  o  senti- 
mento do  verdadeiro  emprego  do  neutro, a  idéa  da  sua 
utilidade,  e  supprimiram-lhe  a  forma  grammatical, 
ou  antes,  transformaram-na  no  masculino.  Esta  arbi- 
trariedade, assignalada  como  de  frequente  uso  na 
época  imperial,  encontra-se  a  miúdo  nas  inscripções 

'templus,   membrus^  brachios^ p.  templum,  mem- 

briim,  brachium^ '>,  e  mais  tarde  —  por  occasião 

da  queda  do  império,  e  por  motivo  da  analogia  —  a 
forma  neutra  em  a  do  plural    folia^  pela.  festa,  pira, 

poema, de  foHum  velimi  feslumy,  foi  considerada 

nom.  sing.  fem.  da  primeira  declinação. 

8. —  Os  nomes  neutros,  pois,  passaram  para  o 
portuguez,  e  mais  linguas  romanas,  ora  no  mas- 
culino, ora  no  feminino  :  lábio  ( labrum ),  aiiro 
í  aurum  ),    alho   (  allium  ),    século  (  seculum  ),    pidro 

(  vitrum  ),  estudo  (  studium  ) obra  (  opera  ),  folha 

(  folia  ),  festa   (  festa  ),    pela   (  vela  )... 

Estes  últimos,  femininos,  do  nom.  pi.  dos  nomes 
neutros. 

9. — Todavia,  conservamos  ainda  em  muitos  vo- 
cábulos, vestigios  morphologicos   da  origem  neutra. 

19 


146 


Já  no  conceito  de  J.  de  Barros  —  jquiilo^  ^Ig^^  isto, 
isso,  outrem  (arch.  al.J  eram  formas  do  gen.  neutro  ;  ^ 
Diez  (gram.  der  Rom.  Spracher)  é  lambem  de  parecer 
que  sempre  que  esses  adjectivos  preencherem  as 
funcções  de  um  substantivo  e  vierem  empregados 
como  predicados  de  um  nome  neutro  ou  de  uma 
phrase  inteira,  devem  ser  considerados  do  género 
neutro.  Bergmann  affirma  que  as  formas  substan- 
tivas —  o  verdadeiro  (  verum  ),  o  hello  (  pulchrum  ), 
o  bom  ( bonum  ).  etc  são  verdadeiros  typos  do 
género  neutro,  que  «  por  estar  logicamente  especia- 
lisado  não  tem  mais  forma  exterior  especial,  nem 
differente  da  do  masculino  ». 

10.  —  Muitos  nomes  de  fructos  são  femininos 
em  portuguez,  mas  derivados  do  neutro  latino  — 
pêra  (  pirum  ),  cereja  (  ceraseum  ).  Em  does.  do  Sec. 
XIV  encontram-se  as  formas  pomas  e  legumas  (  le- 
gumlhas  ),  vestígios  tão  evidentes  do  neutro,  como 
penhora,  arch.  pindra  (  Sec.  xni  For.  Cast.  Rod),e 
anima/ha  anima/ia  alimária  (Sec.  xiv.   Rg.  S  B.j 

II. — -  Na  linguagem  popular  dos  primeiros  sé- 
culos havia  também  modos  de  dizer,  que  relembram 
as  formas  neutras  primitivas,  e  delias  ainda  são  al- 
gumas usadas  hodiernamente,  como,  por  exemplo, 
—  escapou  de  boa,  fel-a  b  )a.  Nestas  phrases  não  ha 
ellipse  de  substantivo  ;  o  feminino  representa  sim- 
plesmente uma   forma  neutra. 

•  Is(o.  esto  (  =  istud),   isso,  esso  (  =  ipsum),  «(/t/íí/o  (  — hicillud). 


H7 


Cp.   mais — chns  phts  (Soe.  xir  —  xvi),    menos  =^  ordi. 
mm  (Sec.  xii),  =  miuus,  ttc.  Trom  eoin. 

12. —  Os  substantivos  portugezes.  em  regra, 
reconhecem  três  origens  : 

i.^  Latina — Neste  caso  os  vocábulos  portu- 
guezes  conservam  geralmente  o  género  das  palavras 
latinas,  com  exepção  dos  que  derivam  do  género 
neutro,  que  —  como  vimos  —  passam  para  o  mas- 
culino ou  feminino. 

2.^  Portiigiie{es  —  Os  vocábulos  desta  origem 
teem  o  género  indicado  pelo  suffixo.  Ha  excepções, 
como  por  exemplo — abusão,  aleijão^  alluvião^  que  são 
femininos. 

Nos  compostos,  é  a  forma  de  composição  que 
determina  o  género  [  V.  Lição   17). 

3.^  Estrangeira  —  As  palavras  importadas  das 
varias  linguas  estrangeiras  consevam  o  género  das 
de  que  se  originam,  ou  género  analógico  ( um  va- 
gão, um  trenó ^  o  whist,  a  tanga,  a  hemicrania,  um 
chope  {a\t^  ali   sckoppen,  masc.  ),   uma  soirée,  ^  etc; 

i3.  —  Mas,  em  consequência  de  varias  influen- 
cias, muitos  vocábulos  mudaram  de  género,  quer  na 
passagem  do  latim  ou  grego  para  o  portugez,  quer 
mesmo  —  uma  ou  mais  vezes  —  depois  de  já  perten- 
cerem ao  nosso  léxico.  Carvalho,  cedro,  roble.,  as  let- 
tras  do  alphabeto,  etc,  eram  do  género  feminino  em 

Soirée  é  um  dos  euxovalhos  da  uos  sa  linírua.    Devo  dizer  se  um  sardo. 


148 


latim  ',  catjplas}7ia  era  mãsc.  em  grego;  ainda  nos 
Secs.  XVI,  XVII  e  xviii  — pyramide^  emetista,  sa- 
fira (ametisto,  safiro),  hyperbo/e,  catastrophe,  al/ehua, 
bagagem,  base,  coragem,  homenagem,  linhagem,  ori- 
gem, decadência,  epigraphe,  anecdota,  ....  eram 
masculinos,  e  epiphonema,  enthimema,fim,  ^  grude, 
cometa^  planeta,  echo^  estratagema^  mappa,  synodo^.. 
eram  do  género  feminino. 

14. —  Nos  clássicos  antigos  não  c  raro  topar-se 
de  olhos,  em  um  mesmo  escripto,  ás  vezes  em  uma 
mesma  pagina,  com  um  nome  ora  no  masculino,  ora 
no  feminino: —  catastrophe,  metamorphose,  phantasma 
hyperbole,  torrente^  espinho  (espinha),  tribu,  etc. 
( Vieira,  etc.) 

Em  personagem  (  masculino  c  feminino)  conser- 
vamos ainda  mostra  dessa  lucta  travada  entre  a  tra- 
dição e  a  etymologia,  e  que  por  tempo  dilatado 
empeceu  a  prioridade  e  fixação  do  género.  Só  nas 
ultimas  décadas  do  século  passado  é  que  foram 
grammaticos  e  eruditos  fixando  a  regra,  esteiados  na 
etymologia . 

i5.  —  Alguns  nomes,  por  influencia  erudita,  re- 
tomaram o  género  etymologico,  dissemos  nós  acima  ; 
mas  ás  vezes  perderamno  novamente  :  —  labor ^ 
eccho,  arvore,  base.  diadema,  syncope,  apostema^ 
aneurisma^  e  outros  muitos. 

•  A  devida  fym,    as  qvttro  fys,   ma  fim  (Sue.  xv,   xvi.— L.    cons. 
7.  30;  B.  Rib.  247.) 


149 


i6.  —  Já  vimos  (  Liç.  6.^)  que  á  mudança  de  gé- 
nero  corresponde   muitas  vezes  a  do  sentido  do  vo- 
cábulo. 
uma  guia  —  cousa  que  serve  para  um  guia  —  conductor 

guiar,  etc. 
uma  guarda  — acção  de  guardar,    um  guai  da  —guardador, 

corpo  de  soldado,  etc.  soldado. 

uma    lingua  —  orgao   da    boca,    um  iingua  —  interprete. 

idioma. 
uma  banana  —  fructo.  um  banana  —  homem 

fraco. 
preguiça  —  negligencia.  um  preguiça  -preguiçoso. 

Estes  substantivos  —  originariamente  femininos 
—  são,  em  geral,  nomes  de  cousas,  principalmente 
abstractas,  que  por  metonymia  se  applicam  ás  pes- 
soas (  homens  ,  e  teem  no  masculino  sentido  con- 
creto. 

17-  —  O  género  dos  nomes  distinguem-se  pelo 
sentido  e  pela  forma.  O  dos  nomes  derivados,  só 
pela  forma. 

17.-' Pela  significação  ou.  \)t\o  sentido .  Depois 
de  algumas  vacilla.ões,  são  : 

Masculinos  —  Os  nomes  de  homens  e  animaes 
machos,  rios,  montes  e  montanhas,  cadêas  de  mon- 
tanhas empregadas  no  singular  e  no  plural  (  Caneaso, 
Parnaso  e  Apepinos,  os  Pyreneos,  os  Balkans,os  Al- 
pes ),  os  de  metaes  (  raras  excepções ),  mezes,  ven- 
tos, os  pontos  cardeaes,  povos,  sertões,  lettras  do  al- 
phabeto  (em  lat.  do  gen.  fem.  e  também  do  neutro ), 


i5o 


algarismos,  as  estações  (excep.  aprimavera)^  os  no- 
vos pesos  e  medidas  (ant.  eram  do  género  feminino — 
uma  vara,  braça,  légua,  arroba^  quarta  ...)  q  qualquer 
palavra  empregada  substantivamente  ;  —  um  por- 
que^ um  fá,  um  lá  (  notas  de  musicas), 

Femeinnos  —  Os  nomes  de  mulheres  e  animaes 
fêmeas  ;  a  maior  parte  dos  nomes  de  arvores  (  fructi- 
feras),  regiões  cidades,  ilhas,  aldeãs,  viilas,  serras  ; 
virtudes,  a  maior  parte  dos  nomes  de  vicios,  os  dos 
peccados  conhecidos  por  capitães  ;  sciencias  e  artes  : 
quasi  todas  as  festas  do  anno  (excep.  Peiítecosie.,  Na- 
tal, Carnaval ),  os  dias  da  semana  (  por  causa  da  sua 
composição,  ecom  excepção  de  SabbadoQ  Domingo), 
os  nomes  de  cousas  abstractas. 

Os  nomes  de  pedras  preciosas  são  masc.  ou 
fem.  conforme  a  terminação  —  uma  saphyra,  uma 
amethysta,  um  topázio,  jacintho,  rubi .  .  . 

Os  nomes  de  arvores,  femininos,  distinguem-se 
pela  desinência  feminina.  São  muitas  as  excepções  : 
alguns  arbustos,  e  o  Carvalho,  Roble,  Pinheiro, 
Cedro,  Jequitibá,  o  Jacarandá,..}  A  parte  utilisave! 
da  arvore  ou  planta  é,  em  geral,  do  género  mas- 
culino :  —  páo,  fructo,    bálsamo. . . 

Quanto  aos  nomes  de  paizes  e  cidades,  muitas 
são  as  excepções;  ora  decidiu  á  etymologia  ora  a 
tradição,  ora  o  capricho  ora  a  terminação — :  O  Hei- 

*  No  latim  só  havia  um  nomo  de  arvore  Uiaí^culiu  j.—  O  itai-lei: 


i5i 


lesponto,  Peloponeso^  o  Bosphoro,  o  Ponto  ,  a  Bahia ^ 
a  Inglaterra,  a  França,  a  Rússia,  o  Ceará,  o  Hanover 
o  México,  o  Brasil,  o  Gt/Vo  o  Haure  . . .  Até  o  Sec . 
XVI  reinava  grande  contusão  neste  ponto  :—  um 
Londres,  o  Diu,  o  Orniu^,  etc.  (Leão,  Freire,  C. 
Real,  Camões  ...) 

A  analyse  explica  estas  regras,  que  tecm  — 
como  vimos  —  muitas  excepções.  Deve-se  attender 
ao  nome  que  se  subentende  —  mei,  rio,  monte,  ilha, 
etc.  Os  ventos  são  masculinos  porque  represen- 
tavam á  íorçá  irresistivel,  e  eram  considerados 
deuses. 

Nota.  Em  todas  essas  regras, o  portuguez  acom- 
panhou a  grammatica  latina.  . 

i8. —  Do  género  pela  forma.  As  flexões  corre- 
spondentes ao  género  dos  substantivos  são  de  origem 
latina  : 

A.—  Os  nomes  terminados  em  a  são  do  género 
fem.  porque  se  originam,  em  geral,  dos  latinos  da 
primeira  declinação  em —  a. 

Exceptuam- SC  os  que  já  eram  masculinos  em 
latim  ou  pertenciam  á  terceira  declinação  neutra  :  — 
Íncola,    cometa,  planeta,  poema,... ^   que    os  no.:>sos 


*  Cometa,  planeta,  jioema,  duulema,  etc  ,  vieramuos  do  grego  f planeies 
coineies,  poienia,  diadema,  mas  por  intermédio  do  \-àúva.  planeta,  cometa,  dia- 
dema, poema.... 

Em  diadenM  houve  deslocação  do  aceento  grego. 

Pfanef'io  eiTnd^í*,  ovtras  planetai  (C.  Vat.  931  ),  Camões  f  Lui.  V.  24  — 
Sec.  XVI ). 


l52 


maiores  arrolavam   no  género  feminino  por  se  guia- 
rem somente  pela  terminação. 

Os  nomes  acabados  em  a  agudo  (  com  excepção 
de  pá,  maná,  únicos  de  origem  latina — P^[^)  ^> 
mamia  )  são  do  género  masculino.  Os  outros  são  de 
origem  oriental,  indigena  ou  africana  ; — chá,  shá,... 
tupáy  maracá. 

E — Os  substantivos  eme  procedem  geralmente 
da  terceira  declinação  latina,  e  consequentemente 
uns  são  masc.  (limite,  dente,  pente,  lume,  leite,...)  — 
outros /(?m.  (febre,  noute,fome,nepe,.  .).  São  mascu 
linos  não  só  os  for. nados  da  terceira  declinação 
neutra,  mas  tarnbem  os  de  origem  não  latina  :  — 
beque,  leque,  bule,  bote,  açude, . .  ) 

].<»  Muitos  duquelles  nomes  terminavam  cm  o  no  poituguez:  —  deleito, 
appetito,  Akxandro.  Sao  restos  dessa  oscilUiçflo  grapliica — alcanço  a  par  de 
alcance,  moto  parallelo  a  mote,  etc. 

2. "  E  agudo  desinencial,  a  niTo  ser  vestigio  da  palavra  originaria  (café 
•*=ar.  Kahweh,  alinotacé,  ralé,  maré,,..),  iudica  uma  contracção  — /é  (ant. 
fee  =  lat.  fl-d-emj,  «é(ant.  see,  contr,  de  seede,  sede  =  lat.    sedes,...) 

O. — São  masc.  os  substantivos  acabados  cm  o, 
derivados  da  2.''  ou  4/  decl.  masc.  em  —  m5  ou 
neutra  em  —  um  (mundo,  anno,  servo,  fructo... 
==lat.  mundus,  annus,  servus,fructiis;  reino,  templo, 
século,  segredo,...— regnwrij  templum,  seculum,  se- 
cretum  ). 

Os  de  derivação  extranha  terminados  em  o 
grave,  seguem  a  mesma  regra  ;  e  bem  assim  os 
acabados  em  o   agudo,  de  qualquer  origem  f^^orò, 


i53 


pó,    teiró,   quiproquó,   covocó,...   Except.  —  íii^d,  í/d, 
mo,  enxó,  que  são  femininos.  ^ 

XJ.  —  Os  terminados  nesta  vogal,  sejam  quaes 
forem  suas  origens,  são  masc.  porque  seguem  a 
regra  latina,  thema  em  —  u  (masc.  —  z^í,  neutros 
—  tim  ). 

Exceptua-se  tribu,  que  é  hoje  feminino.  O  vo- 
cábulo latino  era  masc.  (tribus),  e  até  o  Sec.  xyii 
também  assim  o  consideravam  alguns  clássicos. 

Depois  de  voltar  ao  género  etymologico,  venceu 
na  lucta  (  que  lucta  houve  entre  os  dous  géneros  )  o 
capricho  do  acaso. 

Adie. —  São  fem.  quando  tiram  origem  nos 
nomes  latinos  da  S.'' decl.  nom.  em  —  as  :  bondade 
(  bon-i-tatem  ;  nom.  bonitasjy  piedade  ( pietatem  ;  nom. 
pietas}^  felicidade  (flicitatein  ;  nom .  felicitas) ;  porque 
exprimem  idéas  abstractas. 

Excep.,  e  mui  naturalmente,  —  abbade  (1.  ab- 
batemjj  frade   (frater). 

A^'oiii,  igem,  ixgeiTi. —  Os  derivados  do 
latim  são  femininos  porque  formaram-se  da  3.^  decl. 
lat.  nom.  em  —  (^go,  que  também  são  femininos  ;  e 
por  analogia  os  de  origem  portugueza  ou  pere- 
grina :  —  imagem    (1.    imaginem ;    nom.    imago) ^ 


•  E  mui  etymok)gi(!amei)te  Atá  represcnía  mulher  ;  dó  é  contracção  de 
dolor,  dor ;  mó  =  I.  inola. —  Fillió  era  masc,  como  se  vô  do  provérbio 
popular  —  não  é  por  ahi  que  vai  o  gato  aos  Jilhós. 

20 


!54 


vertigem  {\.  pertiginem^  nom.  períigo.,  ferrugem, 
lambugem,  plumagem,  etc. 

Excepluam-se  — pagem,  selvagem,  que  também 
eram   masc.    em  latim  (  1.  b.  paghim,  seluat-i-cum) . 

Do  Sec.  XIV  ao  xvii  os  nomes  em  —  agem 
eram  geralmente  masc.  — •  um  imagem,  um  viagem, 
seu  linhagem. 

A.Ô. —  São  masc,  quer  se  derivem  do  accus. 
sing.  da  3/  decl.  masc.  em  —  o  :  sabão  =  saponem 
(nom.  sapo),  sermão  .—  sermonem  (nom.  sermoj, 
pulmão, =z  pulmonem  (  nom.  pulmo  ),  bordão  z=z  bur- 
doncm  (nom.  burdo) —  ;  do  masc.  em  —  amis^ 
christào  =  christianus   (  p.    arch.  christiano),  cidadão, 

capitão,  escrivão, ou    de    qualquer  decl.    lat.   do 

género  neutro  ;  quer  tenham  origem  não  latina,  e 
ainda  quando  a  terminação  indica  augmentativo  :  — 
limão,   trovão,...  portão,  carão). 

Cordão  é  diminutivo  de  corda. 

Excepções. —  São  femininos  os  subst.  que  de- 
rivam do  caso  regimen  dos  nomes  abstractos  em 
—  zo  ou  <Í6>  da  S.**  decl.  lat..  porque  já  eram  desse 
género  :  religião  =  reiigionem  (nom.  religio),  lição 
=-  lectionem  (  nom.  lectio ),  servidão  =  servitudinem 
{nom,  ser vitudoj,  solidão,  =sQ\\iuáw\Qm  (nom.  soli- 
tudo),  —  Q  abusão,  aleijão,  alluvião. 

Em,  iiii,  oiiT,  um. —  São  masc,  excepto 
ordem  e  nuvem.  Derivam  do  caso  regimen  dos  subst. 


i55 


latinos  da  declinação  em  —  o  : —  homem  —  hominem 
(  nom.  homo  J. 

Onlo,  i/lis,  accus.  onliuem,  era  masc.  e  bem  assim  nubes,  accus.  nubem, 
forma  collaleral  ante  clássica  de  nubis,  is. 

Rem,  era  fem.,  de  accordo  com  a  forma  ori- 
ginaria latina  (res,  rei)  :  — pêro  direy-vos  anfunha 

rem.  (  C.  V.  J 

Eu. —  Os  acabados  em  en  são  masc,  pois 
correspondem  aos  latinos,  nom.  —  en^  que  são 
masc.  ou  neutros  :  —  dictamen^  certamen^  ^  regimen, 
gérmen. 

le.— São  do  gen.  /ew,  porque  trazem  seu 
principio  da  ò.'^  decl.  iat.  em  — es^  que  também  é 
feminina  :  —  ^ffigie,  espécie.,  serie,  superficie. 

Or. —  Em  regra,  são  masc..,  á  semelhança  dos 
correspondentes  latinos  de  que  precedem. 

Excep. — flor.,  cor,  dòr,  =  port.  ant.—folor, 
color,  dolor,  contr.  em  coor,  door.  No  latim,  flos^ 
color  dolor,  eram,  porém,  do  género  masculino, 
conservado  no   hesp,    color   c    dolor. 

Até  <i  Sec.  XVI  só  tinliam  uma  forma  —  mha  (mia)  senhor,  senhor 
fremom,  outnis  trcx  j'M«ío/e«  ( Sec.  xrii  c.  v. ),  ella  era  conforUidor,  mulher 
peccudor,  minha  ojvdudoí'  {Hom.  xi). 

Z. —  Os  substantivos  terminados  nesta  lettra 
derivam  :  i.°  dos  nomes  latinos  em  jc,  que  são  femi- 


1  Mais  modcrnameute  —  eertamc,  diríame. 


i56 


ninos  :  pa{  =  ( pacem^  nom.  pax  J,  crii^,  =  crucem 
(  nom.  crux )^  lu^  =  lucem  (nom.  lux )^  po{  =  vocem 
(nom.  vox  J  ;  ^  2.°  do  caso  regimen  dos  subst.  da  3.^ 
decl.  latina  nom.  em  —  as,  os  qnaes  também  são 
femininos  :  —  solideis   nudei^  placidez.... 

ExcEPT. —  gai^  arnei^  me^^  gii^  obu{^  cado{, 
matri:(^  nari{,  arcabu{,  capu{^  alcatrui^  l.ipu^^  que  são 
masculinos. 

19. —  Alguns  substantivos  que  exprimem  cousas 
sem  sexo  teem  todavia  uma  forma  masculina  e 
outra  feminina,  servindo  esta  para  indicar  o  mesmo 
objecto  mais  amplo,  largo  ou  dilatado  :  —  bacio, 
bacia,  gigo  giga,  jarro  jarra,  cesto,  cesta,  barco, 
barca...  (V.  Lição  12).  Neste  caso  ainda  o  femi- 
nino exprime  o  género,  o  todo  ;  o  masc.  a  espécie, 
bem   caracterisada  {o  pendido  é   parte  da  pêndula  J. 

20. —  As  vezes  o  masculino  exprime  a  cousa 
simplesmente,  e  a  forma  feminina  acrescenta-lhe 
idéa  de  collectividade  (Liç.  12):  — titarujo,  ma- 
ruja, grito,  grita. 

21. —  Ha  nomes  de  pessoas  e  de  animaes  que 
teem  femininos  correspondentes  anómalos  :  -^  poeta 
poetisa,  cavallo  égua,....  A  explicação  dessas  formas 
femininas  dá-nos  a  etymologia  (  Lat.  poetria,  de  or. 
estrang.  fem.  de  poeta,  equa,...),  c^ar,  C{arina,  abba- 
dessa,  archiduqueia,  sacerdotisa,  rapariga  ( ant.  ra- 
pada).... 


'  Vide  pag.  —  Lição. 


ID7 


22. —  Nos  nomes  que  abrangem  os  dous  sexos, 
predomina  o  género   masc. —  deuses^  filhos^  irmãos. 

23. —  Temos  ainda  os  nomes  epicenos  e  os  com- 
mims  de  dous.  Aquelles  debaixo  de  uma  só  forma, 
designam  animaes  dos  dous  sexos  :  —  tig'fe,  onça, 
jaguar y  tatii,  cegonha,...  Determina-selhes  o  género 
pospondo  ao  substantivo  o  adjectivo  macho  ou  fêmea 
(uma  onça  macho  j.  Este  processo  (  adptado  pelo 
inglez ),  também  já  era  usual  no  latim.:  —  vidpes 
máscula.  Plin..  porcus  f emitia.   Cie. 

Dos  communs  de  dous  são  exemplos  —  doente, 
martyr^  etc.  Infante  faz  infanta,  posto  que  nos  clás- 
sicos mais  se  encontre  a  infante. 

DO  ADJECTIVO 

24. —  O  adjectivo  portuguez  é  também  va- 
riável como  o  latino. 

Como  já  vimos,  quando  tratamos  do  género 
neutro,  alguns  adj.  pronominaes  teem  também  uma 
S.'*  forma. 


este 

aquella 

isto 

esse 

essa 

isso 

aquelle 

aquella 

aquillo 

uliíum 

alguma 

algo 

outro 

(/Utia 

outrem  (al.J 

todo 

toda 

tudo 

25. —  Na   formação   do    feminino,  seguiram  os 
adjectivos   exactamente   as   regras  latinas. 


i58 


i.^  Os  acabados  em  o  é  u  formam  o  feminino 
em  a,  signal  —  já  em  latim  —  distinctivo  desse  gé- 
nero :  —  justo,  —  a  ;  crú,  —  a  =  lat.  jiistus^  —  a  ; 
crudus^  —  a.  , 

2."  Os  em  ol  e  or  seguem  a  regra  geral  ;  alguns 
em  or  fazem  o  fem.  em  i^. 

Eram  porém  defectivos  em  género  :  —  mulher 
hespanhol,  mulher  amador,  peccador  hom\idor  de  Deus  ; 
minha  senhor,  a  devedor,  manceba  morador  em  Lisboa, 
donas  entendedores,  lettras  conservadores,....  ;  Gane. 
da  Vat. —  D.  Diniz,  Arraes,  F.  Lopes,  .1.  de  Barros, 
Jorge  Ferreira,  etc.  )  Estes  adj.  portuguezes  derivam 
do  caso  regimen  latino. 

Desde  o  Sec.  xv  é  manifesta  a  tendência  para  o 
desapparecimento  desses  typos  defectivos  em  género. 

Só  no  Sec.  xvii  é  que  se  fixaram  as  regras  dos 
adjectivos  em  — o/e  or.^  ajustando-se  pela  regra  geral 
(  em  a  ).  ^ 

O  latim  tinha  a  flexão  — trix  ( tr-ic,  tr-ic-i), 
para  o  fem.  dos  nomes  em  —  tor  actor  actrix,  pec- 
cator  pe  oca  trix,  impera  tor,  imperatrix  ^  ama  tor  ama- 
trix..  J.  Nós  só  conservamos  fidelidade  á  tradição  em 
actri\,  embaixatriz  imperatrii,  directriz.  Este  ultimo 
porém,    tem   significação     especial,    e   não   mais  se 


•  J.  de  Barros  ainda  recommenda  na  sua,5'?'aw???a^<m  (  1533),  que 
"o  nome  conveniente  a  mnlhev  v  homem  será  commum  de  dous  ".  romo 
autár,  devedor,  etc, 


139 


emprega  para  indicar  o  feminino  de  director  dire- 
ctora ). 

Todos  esses  adjectivos  cm  or  «jíIo  hoje  considtTíidos  substantives 
ou  adjcctivos-sutstnntivados. 

3."  Os  terminados  no  diphthongo  eu  (eo)  fazem 
o  fem.  em  —  éa^  segundo  o  molde  latino  :  —  europeu 
européa,  pebleu  plebéa,  hebreu  hebréa. 

Except.—  judeu ^  sandeu^  que  fazem  — judia, 
sandia,   e  os  possessivos  meu.  teu,    seu.    que    fazem 

—  minha,  tua.  sua  \  Judia,  minha,  tua.  sua,  consti- 
tuem legados  maternos  (lat.  judia,  mea  — ■  port.  arch. 
mia,  ma — ,  tua.  sua  j  ;  sandia  é  o  fem.  regular  de 
5íz;zí/zo.  forma  parailela  de   sandeu.   (Cap.   meu  mia. 

Os  acabados  em  eo  è»  como  ÍIIím  tnbaréo,  fnzein  f)  fem.  em  <?-7 
íiUiôa,    tíibarôa J. 

4^  Os  adjectivos  acabados  em  ão,  derivados 
dos  latinos  em  —  anus,  formam  o  feminino  mui 
regularmente,    i.    e.,  em  —  ana,  que  se  contrahiu  em 

—  an,  ã :  —  chrístiana.  christan.  christã,  saia,  san,  sã. 

5.' — Temos  um  acabado  cm  — om,  que  faz  o 
fem    á  maneira  latina  :  bom  boa  =:  bon  (us),  bo  (n)  a. 
26.—  São  invariáveis   os    seguintes  adjectivos  : 
1,0.==,  Os  terminados  em  e  derivados  do  caso  re- 
gimen —  a)  dos  adjectivos   latinos  em  er,  f.  is,  n.  e  : 


'  A  nssirailaçào  dos  casos  S.  c  li.  dos  pronomcá  p.j.scssivas  fmcxi-^ 
meu-m,  etc.)  dou-nos  uma  única  fórma,  ao  contrario  do  francez  que 
conservou  as  formas  atonas  c  tónicas  —  mon  inii  son  e  7nien  tieti  sien. 


i6o 


acre  =  1.  acer  aci  is  acre,  pobre  =  pauper,  celebre  = 
celeber  ;  b)  dos  adjectivos  em  is  masc.  e  fem.  e  e 
neutro  :  —  brepe  =  brevis  breve,  silvestre  =  silves- 
tris  ;  c)  dos  em  ens  entis  (  uniformes  )  :  diligente^ 
prudente  ;  d)  dos  participios  presentes  em  ante,  ente, 
inte  =  1.  ns,  abl.  abs.  em  e  :  —  reinante,  escrevente, 
pedinte. 

A  invariabilidade  desses  nomes  é  devida  a 
que,  —  procedentes  do  caso  regimen  — ,  só  encon- 
traram um  typo  uniforme  para  os  dous  ou  três  gé- 
neros —  acre  (m),  breve  (m),  diligente  (m). —  Homo 
ou  femina  fortis  ou  prudens,  diziam  também  os 
Latinos  ( homem  ou   mulher  forte  ou   prudente  ). 

2.° —  Os  acabados  em  al,  que  se  derivam  da 
declinação  latina  em  —  ahs  masc.  e  fem.,  são  inva- 
riáveis pela  razão  acima  : —  mortal  =  mortalis,  masc. 
e  fem.,  faial  —  fatalis  M.  e  F. 

Homo  ou  femina   mortalis. 

Também  são  invariáveis  os  terminados  em  el, 
il :  —  cruel,  estéril,  hábil  (  arch.  esterile,  habilej, 
3=  lat.  cruddis  masc.  e  fem.,  — e  neutro,  esterilis 
masc.   e  fem.,  e  os  em  ul,  por  analogia  (  a^ul,  taful). 

Até  o  Sec.  XV  os  em  ol  tinham  também  uma 
única  forma   (  uma  ?nulher  hespanhol ). 

3.° —  Os  adjectivos  acabados  em  vel  (  ant.  bil  J, 
são  defectivos  porque  se  derivam  dos  latinos  em  bilis 
masc.  fem.,  em  e  neutro  (V.  §  i.°}:  —  amável,  ter- 
r/VcV  =  amabil-is,   terribil-is.  No  Sec.  xvi  estes  adje- 


i6i 


ctivos  conservavam  a  forma  latina  —  terribii  (  Ca- 
mões  I.   14),... 

4.° —  Nos  em  ar.  er  {fciminar  esmoler ),  e  em 
m,  n,  s  ( ruim,  joven^  simples  )^  a  invariabilidade  é 
devida  ao  facto  já  citado  dos  adjectivos  latinos  em 
is  masc.  fem.  ( familiaris^  jiwems ) .  Quanto  a  sim- 
ples (  arch.  simplice )  é  defectivo  porque  deriva  do 
adjectivo  de  uma  só  forma  latina  (simplex  simplicis). 

5.° —  Os  em  a:[^  e^^  z^,  o^^  derivam  dos  lati- 
nos, também  de  uma  só  forma,  em  ax  axis^  ex  ecis, 
ix  íciSj  ox  ocis,  e  ainda  em  ânsis  : —  audai  audace  m, 
feb\  (  felice-m  ),  atroi  (  atroce-m  ),  montanhei  (  mon- 
taniese-m  ).  Até  o  Sec.  xv  as  formas  portuguezas 
foram  sempre  mais  encostadas  ás  latinas  f  audace, 
felice,   atroce^  ..,  J. 

No  Sec.  XVI  c  que  começaram  as  formas  em 
eia  ( montanhesa,  calabresa  y,  talvez  por  analogia 
dos  nomes  fem.  em  issa. 

2j.-^  INumoro. —  O  portuguez  tem  dous 
números  —  singular  e plural,  como  em  latim.  O  dual 
não  lh'o  podia  elle  legar,  que  muito  cedo  perdeu-o, 
ao  envez  do  grego  e  do  hebraico,  que  sempre  o 
conservaram. 

No  latim  as  únicas  formas  de  dual  são  ambo 
e  duo,  que  são  também  no  portuguez  os  únicos 
vestígios   dessa   primeira  concepção  da  pluralidade. 

o  dual  precedeu  ao  plural ;  e  sao  provas  do  asserto  os  seguintes 
argumentos:  1.°  o  eraprego  extensíssimo  do  dual  no  doniiuio  aryano, 
semítico,  turaniano,  ctc,  que  declina  e  cahe  de  todo  com  o  progresso  intel- 

3X 


r62 


lectual  (los  povos,  ao  pnsso  que  mais  se  vulgarisa  o  uso  do  plural;  3."  a  for- 
niaçflo,  relativamente  recente,  em  muitas  línguas,  dos  números  superiores 
a  dous.  ( 8ay.  Pr.  ) 

As  tribus  occidcntaes  da  Nova  Hoilanda  (segundo  Adfieid).  mio  es- 
tendem a  numeração  além  de  dous;  no  gnipo  das  línguas  c/iatnHicas  (de 
Africa),  o  subst.  náo  tem  plural;  no  accadiano,  o  signal  do  plural  do 
adj.    é  o  sufflxo  mes  (muito). 

Na  lingua  indígina  do  Brazil,  o  plural  é  expresso  pela  addiçflo  da 
partícula — ,  eíd,  contr.dcsí/a^^multidilo,  grande  quantidade:  —  oku  =  CA\síi, 
oka  cid  —»  casas,  npengdna  =  um  homem,  apeagan  etd  =  homens.  ( Dr.  Am. 
Cavalcanti —  The  Brasilmn  Lavg.J 

lia  ainda  outro  systema,  usr.do  pelos  Canarmos,  Bascos,  ^lalaios, 
Boschimans,  que  corísiste  na  reãiiplicnção.  líednplicar  —  diz  Sayce — é 
identificar  a  pluralidade  com  a  dualidade,  é  indicar  a  prioridade  do 
dual.  "A  reduplicaçiío  foi  um  dos  mais  antigos  processos  da  linguagem 
para  a  formaçilo  do  plural,  que  mais  se  accentuou  com  a  definiçito  clara  e 
precisa,  da  concepção  da  dualidade". 

Deste  processo  conservamos  amostra  nas  phrascs  populares  p  infantis 
—  innío  Umto  hmimii,  nvita  muita  Jfó)%  o  que  se  verifica  ainda  na  formação 
do  superlativo,  oue  tem  com  o  plural  estreita  connexão.  ( Liç.  14.)' 


*  Qu;jrem  alguns  que  a  forma  plural,  única  antigamente  para  exprimir 
certos  objectos  compostos  do  duas  partes  iguaes  (ccrouUis,  oilçu^,  ventaa, 
tesoura»),  seja  um  verdadeiro  dual  ;  outros  são  de  pareccn-  que  o  em- 
prego do  adjectivo  uns,  uma»,  constituo  o  numero  dual  em  certo.s  casos 
(quando  se  trata  de  parte  do  corpo  que  temos  em  duplicata)  fdk  tem 
uns  lábios  vincados,  umas  orelhiis  cabana.»^;  alguns  consideram  uma  quasi 
equivalência  do  dual,  o  emprego  do  possessivo  twsso  em  certos  casos,  como. 
por  exemplo,  quando  por  corte/ia  dizemos  á  pessoa  a  quem  nos  dirigimos 

—  sua  casa  p.  tiossa  casa. 

A  1.*  hypothese  é  errónea;  a  3.»  —  e  esse  u.'!0  do  intlefiuito  é  peculiar 
a  todas  as  liuguaes  romanas,  ao  inglez,  etc. ,  —  também  não  nos  parece 
aceitável. 

Hoje,  por  influencia  franceza,  abusamos  do  emprego  do  indeflnitò,  e, 
até  em    escriptores  de  boa  nota.    apparccc  elie  com  os  nomes  no  singular 

—  die  tem  um  nariz  pequeno,  um  pé  grande  (fr.  il  a  un  grand  picd,  ingl.  he 
haJi  a  largcfoot),  comt>  se  tivesse  um  outro  nariz  grande,  ou  o  outro  pó  fosse 
menor. 


i63 


28. —  O  s  c  a  nossa  característica  do  plural 
desde  a  origem  da  lingiia.  Representa  o  plural  do 
accusativo  latino,  caso  que  o  portuguez  mais  tomou 
para  lypo  geral  dos  substantivos  ;  e  nas  cinco  de- 
clinações latinas  o  accusativo  termina  em  5,  com 
excepção   dos   neutros.  i- 

Alguns  glottologos  consideram  essa  sibilante  um  equivalente  ila 
preposição  san«k.  sani,  sahã,  ou  ilo  s  do  nom.  e  gcn.  sing.  —  A  !.• 
hj-pothcse  c  insustentável  porque  o  dual  nõo  é  uma  simplificarão  das  for- 
mas do  plural;  a  2.»,  porque  '■  os  nominativos  da  2.»  decl.  latin;i  e 
grega,  e  os  neutros  em  i  e  u  do  sansk.  nilo  encerrara  o  menor  ves 
tigio  de   sibilante  originaria  ". 

29. —  Substantivos  com  flexão  numeral. — 
Os  nomes  substantivos  seguem,  na  formação  do 
plural,    as   regras  latinas. 

i.° —  Nomes  abstractos.—  Os  nossos  gramma- 
ticos  condemnam,  no  portuguez,  o  emprego  do  plu- 
ral dos  nomes  abstractos.  Não  obstante,  é  elle  vul- 
gar em  escriptores  clássicos  e  de  boa  nota  desde 
o  Sec.  XVI  :  —  negniras^  as  soberbas.,  silêncios.,  em- 
briagiieies.  pobre{as,  etc.  Tomarão  os  cálices  e  vasos 
sagrados,  apflical-os-hão  a  suas  nefandas  embria- 
guezes  (  Vieira  3.  486  },  Deus  aborrece  avarezas,  a 
alma  assaltada  de  ambições   e   invejas. 

Quando  esses  nomes  vierem  considerados  indi- 
vidualmente, devemos  consideral-os  defectivos  no 
plural  ^  a  fé  diinna,  a  fé  catholica);  mas  são.  suscep- 
tíveis dessa  flexão  quando  as  qualidades  por  elles 
expressas  forem    tomadas  pelos   actos   a   ellas   in- 


164 


herentes,  e  em  suas  diversas  manifestações  ç  ha 
três  fés  e  crenças  distinctas). 

Em  latim  eram  muitos  os  substantivos  ab- 
stractos com  plural  consagrado  pelo  uso  —  vitae^ 
superbiae^   nobilitaíes,  ... 

2° — Nomes  próprios.—  Em  latim  eram  elles 
empregados  no  plural  (Cicerones.,  Verrones,  Me- 
teili^  Marones,  ...J;só  no  Sec.  xvi  é  que  no  por- 
tuguez   apparecem   os   primeiros   exemplos. 

Os  nossos  grammaticos  ( mesmo  os  de  mais 
alto  valor )  sentenceiam  esse  emprego  do  plural, 
a  menos  que  «  os  nomes  não  sejam  tomados  figu- 
radamente para  significar  indivíduos  da  mesma 
classe».  (Ex.  :  os  Osorios.,  isto  é,  os  generaes  es- 
forçados como  Osório.  )  ^ 

Por  boa  lógica  desaceitamos  a  regra  estabe- 
lecida, e  temos  em  nosso  apoio  a  tradição  ma- 
terna e  os  escriptos  aos  mestres.  Quando  dizemos 
os  Andradas,  os  Mellos,  os  Braganças,  os  Bour- 
bons,  é  claro  que  nos  referimos  a  duas  ou  mais 
pessoas  distinctas,  do  mesmo  nome,  de  uma  mesma 
familia.  Considerar  taes  nomes  logicamente  no 
plural,  e  negar-lhes  a  caracterista  flexionai,  é  cahir 
em  erro.  Assim  pois,  diremos  doiis  Pedros  reina- 
ram  no  Brasil,   e   com  um   clássico   moderno  —  a 


1  Por  cmphase:  —  Os  Andradas  distinguiram  se  ua  politica  ;  an- 
tonomaisia  —  ou  Shakspeurcs  e  Byrous  mo  raros;  metonymia  —  os  Rubens, 
08  2'icianos  (os  quadros,   ttc,   de....). 


i65 


obra  impávida  dos  Albuquerques,  dos  Castros,   e  dos 
Almeida:;. 

É  que  estes  nomes  próprios  tornamse  com- 
muns,  como  aconteceu  innumeras  veze>  —  dédalos^ 
harpagões,  macadam,  mentor,  tartufo,...  champagne., 
cognac,  bordeaux,  gruyère,  al^epir,  um  terra  nova, 
galgo  ( cão  da  Gallia  ),  go^o  ( cão  godo ),  perro 
(cão  párria,  pariak).^  —  V.  Liç.    6/ 

3o. —  São    de   formação  anómala  os  seguintes  : 

i.*^ —  Os  terminados  em  ai,  el,  il  (  oxytono  e 
paroxytono  ),  o/,  ul,  formaram  o  plural  no  portu- 
guez  antigo  e  médio  mui  regularmente  : —  cales, 
corales,  arreboles,  aniles.  Destas  formas,  regular- 
mente contrahidas  pela  queda  da  consoante  média  —  , 
originaram-se  as  actuaes  —  coraes,  arrebóes,  anis, 
fosseis.,  tafues. 

Figuram  ainda  como  amostras  da  flexão  primi- 
tiva —  males.,  cônsules.,  curules,  reales. 

2.^ —  Dos  nomes  acabados  em  5,  só  Deus  toma 
signal  de  plural  quando  nos  referimos  aos  do  paga- 
nismo. Das  antigas  formas  regulares  —  alfereses, 
(Cam.  Lus.  4,  27;  arraeses.,  caeses,  ouriveses.,  etc. 
(  as  variantes  orises  e  origes)  '^  não  temos  amostras  ; 
simples  (droga  ),  calis  (cálix  )  e  o  adj.  duplex  não 
constituem    excepção    á    regra,    pois    formaram    o 


»  Sansk.   para  (  fora  de  )  T.  parcyer,  parnnr  ;  ind  paliariya.  Pariah 
dogs  =  native  dogs   which  have  master  and  home  (  Webster ). 
•  "  Ourirezes e  escultores  "  (  Garcia  de  Rezende.) 


i66 


plural  regularmente  dos  typos  parallelos  simplice^ 
cálice^  diiplice,  (  d.  do   caso  regimen).  ^ 

3.'' —  Os  subst.  em  Ão  fazem  o  plural  em  ãoSy 
ães,  ôeSj  conforme  se  derivam  de  vocábulos  latinos 
em  anus,  anes^  (  anis)  ou  /o,  accus.  onem,  Christiano^ 
christão  =  lat.  Christianus  —  christãos  (  christianos  ), 
Cão  —  1.  canis  (  p.  canes  )  —  cães  (  canes  ),  legião  = 
legio7iem  (  p.  legiones  )  —  legiões  (legiones). 

Até  o  Sec.  XV  eram  duas  as  formas  do  sing.  — 
ani  (pam,  cam  y  cujo  plural  era  em  ães;  e  om  (educa- 
com,  liçom,  que  fazia  o  plural  em  ões. 

Houve  lucta  a  principio  entre  as  três  formas 
do  plural,  e  muitas  vacillaçóes  (  Sec.  xvi  xvn).  A 
prova  temos  nos  pluraes  biformes  e  triformes  ainda 
hoje  existentes  : 

alao  ulões,  alães, 

soldao  soldões,  soldíles. 

aldeão  aldeãos,  aldeáes,  aldeões, 

anão  anAos,  aniles,  aniSes. 

vulcão  vulcftos,  vulcâes,  vulcões. 

Os  que  se  não  originam  do  latim  formam  o 
plural  em  õeSj  desinência  a  que  sempre  mais  se  aífei- 
çoou  o  povo  ;  —  botões  (or.  germ.),  limões  (or.  ar.), 
vagões  (  ==  ing.  wagons.) 

3i. —  Nomes  de fec tipos  em  numero. — Podem  ser 
defectivos  no  sing.  ou  no  plural ;  concretos,  abstrac- 
tos ou  collectivos. 


Cp. —  Índex  itidice,  appendix  appendiee,  codex  códice. 


167 


1." —  Defect.  no  plural,  a)  Os  nomes  de  sciençias 
e  artes  só  se  empregam  no  singular  quando  tomados 
individualmente.  Já  se  abriu  excepção  para  as  ma- 
them  atiças. 

bj  Os  nomes  de  raetaes  só  teem  plural  quando 
exprimem  objectos  delles  fabricados  ; —  quando  sig- 
nificam objectos  que  tiram  o  nome  da  matéria  de 
que  são  feitos  (os  ouros,  as  pratas ^  os  ferros,  os 
bronies,  os  nickeís 

cj  Os  de  cereaes,  productos  animaes  e  vegetaes 
pluralisam-se  em  linguagem  commercial,  quando  se 
quer  expecificar  as  varias  espécies  ou  qualidades, 
ou  quando  exprimem  objectos  cujos  nomes  são 
tirados  da  matéria  de  que  são  feitos  : —  assucares, 
trigos,  favas,  ervilhas^  sedas,  linhas^  cimentos 

Os  antigos  escreviam  —  meles  e  méis,  arrobes, 
aieites^  leites. 

dj  Os  nomes  de  ventos  usam-se  no  plural  so- 
mente quando  estes  reinam  por  tempo  mais  ou 
menos  dilatado  (as  brisas,  os  nord'estes ).  ^ 

ej  São  ainda  defectivos  no  plural  os  nomes  abs- 
tractos (fama,  pudor,  compaixão j^  e  os  collectivos 
(prole,  plebe ^   vulgo  -. 

2.° —  Defectivos  no  singular.  Também  já  os 
havia  em  latim  ;  o  seu  numero  era  muito  mais  cres- 
cido  nos  antigos  escriptores  —  caleis.,  ceroulas,  te- 


'   Algun?  defectivos  ein  hitim,    tem   ambus   os  números  cm  port. — 
viíruni,  reliquine,  arma,  ipeciíncn,... 


i68 


souras,  fauces,    esgares,     cócegas,   sêmeas,    ventas, 
trevas, ... 

Alviçaras,  arredores,  ambages,  andas,  annaes, 
calendas,  confins  ( limite  ),  escouvens,  esponsaes,  exé- 
quias, ferias  (vacação),  lampas,  laudes,  lamures,  ma- 
tinas, manes,  nonas,  núpcias,  ovens,  penates,  páreas, 
próceres,  primicias,  semeias,  syríes,  trevas  (h.  treva), 
victualhas,  viveres,  elementos  (no  sentido  de  principios 
ou  fundamento  de  arte  ou  sciencia).  os  nomes  dos 
naipes,  {elos,  (íiumes),  í^/505(ares),  os  nomes  de  povos 
collectivos  —  Aborigenes,  Romanos;  os  de  grupos 
de  ilhas  —  os  Açores,  as  Canárias. 

32. —  Alguns  nomes  mudam  de  significação 
quando  passam  para  o  plural.  A  este  facto  de  patho- 
logia  verbal  já  nos  referimos  na  lição  6/ 

lÁberilnde  —  Poder  do  agir  ou  u lo  Uberdaães  —  atrevimentos 

meninice  —  idarle  tenra  meniniceH  —  puerilidades 

lltra  —  cada  um  dos  caraí-teres do  hitran  —  litteratura.  sciencia 

alpliabeto 

fticyUhide —  poder  physico  ou  moral  que  fiiculdítdcs — disposi(;ões,  meios. 

torna  algum  ente  c  ipaz  de 

agir. 

33.—  Os   nomes  de    origens   estrangeiras,    ou 

mesma  latina,  substantivados,  fazem  o  plural  segundo 

a  regra  geral  —  hurrahs,  álbuns,    tenores,  tramways, 

deficits,   benedicites,  tnisereres,  améns,  requiems,    in- 

fólios,  post  scripiums.  Te  Deums, 

Nota.  Os  adjectivos  seguem  as  mesmas  regras 
do  subst.  na  formação  do  plural. 


169 


Os  acabados  em  ão^  com  significação  augmen- 
tativa,  fazem  o  plural  em  Ões. 

34. —  Casos. —  Caso  ( l.  casus^  queda,  de  ca- 
dere  cahir  )  é  a  união  do  thema  nominal  á  desinência 
para  indicação  de  certas  relações — de  causa,  origem 
ou  propriedade,  condição,  direcção,  instrumento  ou 
meio;  emfim  a  funcção  do  nome  na  phrase.  ^  As 
desinências  casuaes  designam  também  os  números,  e 
—  mas  nem  sem.pre  —  os  géneros  dos  nomes.  -^ 

S.  P. 

N.  Pater  o  pai  (suj.)  Patr  -  es 

G.  Patr  -  is  do  pai  PatJ'  -  um 

D.  Patr  -  i  ao  pai  Patr  -  i  -  bus 

Ac.  Patr  -em  o  pai  (reg.)  Patr  -  es 

Ab.  Patr  '  e  do  pai,  etc.  Patr -i- bus 


*  Assim,  na  phrase  amo  Deum  o  m  de  Deum  mostra  que  elle  está 
no  accus.,  e  é  complemento  directo  de  amo. 

Esta  construcçao,  com  ellipse  da  preposiçiTo,  é  também  portugueza: 
E  correram   quasi  todo  aquelle  dia  arvore  sccca. 

(  F.   X*.    Ilisl.   da  índia:  J 
...  eis  que  alia  noite  sentem  um  rumor  extraordinário. 

(  Souza  —  V.  do  Are.) 
.' .  .  el-rei  vestido  eru  uma  cota  d'armas,   rosto  e  cabeça  descoberta. 

( Id.  //.  de  S.  D.J 
.  .  .  levauta-se  o  conde  cedo  cerõo  e  Jiyncerno. 

(  Vieira  —  Serm . ) 

'  As  terminações    dos  casos  nos  dialectos  primitivos   da  familia 
indo  européa  eram,  na  origem,  preposições  justapostas  á  raiz,  que  com 

o  tempo  fundiram-se. 

22 


170 


35. —  No  latim,  não  havendo  tantas  formas 
características  quantos  eram  os  casos,  forçosamente 
a  mesma  desinência  devia  servir  para  dous  ou  três. 
Todavia,  o  systema  das  declinações  era  meca- 
nismo complicado  para  os  populares,  que  não  lhe 
comprehendendo  a  vantagem,  acabaram  por  com- 
balil-a  de  todo  sob  a  acção  destruidora  das  leis 
phoneticas.  As  vogaes  atonas  cada  vez  mais  se 
atonisaram,  as  características  fiexionaes  do  nom. 
e  do  accus.  ( s  Qtn )  cahiram,  e  dahi  a  confusão 
entre  esses  casos,  e  entre  elles  e  o  abiativo.  Seruns 
( N.  )  e  servum  (Ac),  pela  queda  das  caracterís- 
ticas transformaram-se  em  servu.  e  como  o  n  final 
latino   soava  ô  confundiram-se   com  o  abl.   servo. 

No  Sec.  V  a  declinação  latina  resumiu-se 
aos    dous   casos  —  sujeito   e   regimen. 

O  descuramento  das  inflexões  nomínaes,  a 
tendência  do  povo  para  simplificar  as  formas,  ori- 
ginaram a  necessidade  de  palavras  auxiliares  (  pre- 
posições )  para  maior  precisão  e  clareza  da  língua, 
cujo  emprego  cada  vez  mais  se  tornou  frequente 
porque  os  casos  já  não  indicavam  as  varias  re- 
lações,   mas  tão    somente  o  género   e  o    numero. 

36. —  Das  línguas  néo-latínas,  só  o  italiano, 
o  valachio  e  o  francez  herdaram  o  systema  das 
declinações,  mantido  até  hoje  apenas  pela  pri- 
meira. 

•   As   unicair  flexões  nomínaes  portuguezas   são 


—  o  género   e  numero,  o  superlativo   dos  adj.,  as 
variações   dos   pronomes  pessoaes. 

37. — A  DECLINAÇÃO  LATINA. —  DecHnação  é  a 
serie  de  formas  que  os  nomes  tomam  na  sua  passa- 
gem por  todos  os  casos.  Desenvolvida  ou  não,  a 
declinação  indica  o  género^  tiumero  e  caso,  como 
a  conjugação  exprime  a  P0{,  o  modo,  o  tempo  e  a 
pessoa. 

Havia  no  latim  cinco  declinações,  constituídas 
por  seis  casos  no  período  clássico.  ^ 

i.°  Nominativo.  Era  o  expoente  do  sujeito,  fle- 
xionado por  s  em  ambos  os  números  nos  nomes  da 
3.',  4."  e  5.^  decls. 

Jto-s       flore-a 

currv-s 

die-s 

e  por  s  no  sing. ,  e  e  (ai),  /,  no  plural  da  i  .^  e  2  .^ 

^nea-s  hora-e 

tervu-s  se7'v-i 

A  flexão  neutra  era  geralmente  em  a  ( regn-a, 
corpor-a).  ^ 


•  Desde  a  primeira  pLase  da  lingna  desappareccram  o  locativo  e  o  in- 
strumeníal.  O  loc.  era  o  antigo  gen.  em  as  (pater  familiasj  ,  sufif.  as  =  ai 
(  ae  )  ->  sansk.  ayas.  Assim  confundirara-se  o  loc.  e  o  gen.  —  Sáo  também 
verdadeiros  locativos,  os  dativos  da  decl.  simples  ( Benfils,  —  Intr.  XXVI). 

•  A  flexão  ori;anica  do  uom.  plural  em  ««/•  «—saj/er  saí,  cujo  vesti- 
gio  encontra-se  nas  f.  arch.  maginter-ta,  2)opul-c\s,  liber-is,  donde  derivam— 
magiatri,  populi,  liberi. 


172 

2.*'  Genitipo.  E'  o  expoente  de  restricção  fle- 
xionado no  sing.  poree  i  para  a  i.%  2/  e  5/ 

Jiora-e      serv-i      diei 

e  z5  para  a  3/  e  4/ 

arbor-is     curru-\s  * 

No  plural  a  flexão  da  i.%  2.''  e  5.==  é  rww,  e  wm 
para  a  3/  e  4/ 

hora-rum        xervo-rum        (lie-runi 
m'bor-r\im      avt-um.  * 

3.°  Dativo.  Expoente  de  attribuição,  flexionado 
no  singular  por  e  qí 

hora-G    servo  (i)  àrbor-i    cin'ru-i    die-\ 

No  plural  por  is  para  a  1/  e  2.%  e  bus  para  as 
outras. 

horls  se7'cAs 

arbori-hns        cvjvi-hns        dieltns  ' 

4.°  Accusativo.  Expoente  do  objecto  (  caso  re- 
gimen )  flexionado  por  m  no  sing.  e  s  no  plural  para 
todas  as  declinações  (  masculinas  e  femininas  ). 


•  As  term.    orgânicas  do  gen.  sing.    eram  —  is  —  os  —  us  fsenaíu-os, 
venerusj.   Is  foi  subst.  na  1.».  2.»  e  5.»  pelo  suff.  loc  i  (rasai  rosa.) 

•  o  prototypo  do  su#.    orgânico  do  gen.  plural  era  =  san9k.  sams 
^  ams  —  lat.  vm. 

•  o  dat.  sing.  prototypo  —  .sansk,  aya.  No  plural  =-  ablativo. 


173 


?iora-xa    sertum    arhore-m    currum    die  ra 
horas      servos      arbore-s     curro  s     die-s  * 

Para  os  neutros  —  em  a  f  corpora  J. 
5.''    Vocativo.    Expoente     interjectivo,   e    quasi 
sempre  idêntico  ao  nominativo. 

puer    arhor    eorpu-s 
die-s    corpora 

6.°  Ablatívo.  Expoente  de  origem  ;  no  plural, 
de  flexão  idêntica  ao  dativo.  ^ 

Estas  flexões  casuaes  do  latim  clássico  (  já  nos 
referimos  a  este^ facto  )  foram  pouco  a  pouco  se  al- 
terando, principalmente  pela  queda  do  5  e  m  finaes  ; 
e  esta  alteração  posto  remonte  aos  mais  antigos 
monumentos  da  lingua  ( poetas  scriba-Sy  .  j  ',  com- 
tudo^mais  se  generalisou  na  corrente  popular,  o  que 
muito  concorreu  para  transformar  a  declinação  syn- 
thetica    latina  na    declinação    analytica  românica. 


*  A  forma  orgânica  originaria  era  ma  no  sing.,  e  no  plural  ?«-«  = 
\&i.'  as,  os,  ns.  es  frosams  =  rosa-s,  serv^-ins^^  servo-s,  etc.) 

'  A  teiminaçílo  orgânica  do  ablalivo  sing.  era  d  =  ad,  ed  =  at  (for- 
mas arch.  siceliaú,  macestatad  marido.  No  plural  —  bis  =  bus  (  bos  )  =-=  is 
==  san&k.  bhi^-bhyas.  (Talbot.—  Hist.  LUt.  Bom. ;  Schleicber,  Bopp.,  etc.  ) 

'  Sflo  formas  epigraphicas  do  tempo  dos  últimos  imperadores  — 
Themloru,  filio,  admirabili,  etc.  Remonta  ao  velho  lat.  — optumo='  optimum, 
xiro  -=  virum,  etc.  (  Sec.  iii.  ) 


174 


QUADRQ  SYNOPTICO  DAS  FLEXÕES^ 

l/'   GRUPO.-  •   FLEXÕES  EM  A,  E,  -  -  O 


SINGULyVR 


CASOS 


V. 

G. 

Ac. 

D. 

Ab. 


M. 


—  1 


—  m 


(d) 


F. 

N. 

—  s 

—  ra 

— 

—  ra 

—  ds,  i 

~  i 

—  m 

—  m 

~-i 

—  i 

-  (d) 

-  (d) 

PLURAL 


M. 

F. 

N. 

-  i 

—  i 

—  a 

-  1 

—  i 

—  a 

-  rum 

—  rura 

—  rura 

-(n)s 

—  ^n)  s 

—  a 

bus,  is 

—  bus,  is 

—  bus,  is 

bus,  is 

—  bus,  is 

—  bus,  is 

2.°  GRUPO. —   FLEXÕES  EM  I, —   CONS.   U 


SINGULAR 


CASOS 


PLURAL 

IN. 

M. 

F. 

N. 

—  1'5 

—  es 

—  a 

— 

—  es 

—  es 

—  a 

—  IS 

—  um 

—  ura 

—  um 

- 

-(e)(n)s 

--  (e)  (n)s 

—  a 

—  i 

—  i 

—  ibus 

-  (ê)  (s) 

—  (i)bus 

—  (i)  bus 

—  ibus 

1  Quadro  —  Grainniatica  Latina. 

MoeUer  —  Fonnelehre  {  c.    sobre  unidade   das   flexões). 


173 


Podciios  pois  traçar  o  schema  da  evolução 
histórica  da   declinação  latina. 

lypo  areJuiieo  T.  clássico  T.  romano 

SINGULAR 

N. — Tiora  s aròor-?,  hora  arbor  hora  arbor  {hxvor) 

Q  —  Jiora-is  (i),  arborasi$,  Tiorae  arbor-is         hore  arhor-ie, 

Ac. —  hora-m  arbore-ia  HORA-roARBoRE-m  hora  aurore  ( arvore ) 

D. —  Tiora-i  arbor -i  hora-a  arbor-i  fior-e  arbori {e) 

Abl. —  7iora-d  a7'bore-d  hora  arbore  hora  arbobb  (arvore) 

PLURAL 

N.  —  hora-ses  arbor-ses  A<?ra-e  arbore-s         hora  arvore 

S. —  hora-sam  ( sum )  arbor-sam  hora -rum  arbo-rum  horaro  arboro 
Ac. — hora-ms  arbore-ams  hora-s  arbore-s     horas  arvores 

D.  Alb.— hnra-bis  arbor-b!s         hor-is  arbor  ribus    hori  ( e )  arboribo 

Em  consequência  das  leis  phoneticas,  e  das 
deslocações  do  accento  tónico,  a  declinação  portu- 
gueza  resLime-se  a  uma  única  forma  —  hora  horas, 
arvore  (  arvor  Sec.  xiv )  arvores,  como  melhor  ve- 
remos adiante. 

38. —  Vestígios  da  declinação  latina  no  por- 
TUGUEz.  —  «  No  portuguez  antigo  e  médio  (  Sec.  xii  e 
XVI )  muitos  typos  syntaxicos  recordam  immediata 
e   mediatamente   a  declinação  latina.»  ^  (V.  Lição.) 

Já  vimos:  i.°  que  a  i.''  declinação,  de  todas 
a  mais  fácil  na  creação  de  typos  femininos,  fazia 
o  nom.  em  a^  accus.  am  (hora  horam),  casoS 
que  vieram  a  confundir-se  pela  queda  do    m   final. 

2.°  que  os  nossos  maiores,  assim  como,  por 
ignorância,   importaram  do   árabe  e  hebraico  pala- 


'  Lam.  cie   Andrade  —  Ve*t  de  ded.  lai. 


176 


vras  no  plural,  julgandoas  formas  do  sing.  (che- 
rubim,  seraphim,  etc.  ^),  também  tomaram  nomes 
neutros  no  plural  por  formas  do  fem.  sing.:  — 
animalia,  insignia,  folha,  maravilha^  etc. 

3.*"  A  i.'"*  declin.  masc.  attrahiu  os  nomes 
neutros  em  um  da  2.*  declin.,  e  alguns  da  3."  e 
4.^  (panis^  fructus,   dies). 

4.*^  Os  nomes  da  2.^  declin.  masc.  nom.  em 
W5,  accus.  em  i/m,  confundiram  por  fim  esses  casos 
pela  queda  do  5  e  m.,  característicos  do  nom. 
e    accus.     Servu    servum^    soavam   servu    (servo). 

b.°  Em  muitas  palavras  latinas  da  3/decl., 
em  algumas  de  themas  e  desinências  differentes, 
houve  deslocação  do  accento  no  accus. : —  ratio  ra- 
tiónem,    sénior   seniórem,   imperátor   imperatórem. 

O  portuguez  ou  conservou  apenas  o  caso 
regimen,  principalmente  nos  nomQs  Qm  eo  (io) ^  anis : — 
raiãOy  senhor^  imperador,  lição  ( lectionem),  leão 
(leonem),  etc,  ou  ambos  elles  distinctos  :  — preste 
presbytero^   ladro  ladrão. 

Também  derivam  do  caso  regimen,  os  nomes 
de  outras  declinações  terminados  geralmente  em  s 
no  nom.  sing.: — mors  mor/em  (  morte  ),  virtus  vir- 
tutem  (virtude ). 

O  imparissyllabismo  (i.  e.,  a  diíFerença  no 
numero  de  syllabas  entre  o  nom.  e  o  accus.  ) 
mais  pertence  á  2.^  declinação. 


1  Ling.   hebr.  —  {^herubs.   Seraphs. 


177 
39-  —    Acompanhemos    agora    os   casos  lati- 


1 


nos. 

I,''  Nominativo. —  A  carateristica  do  caso  su- 
jeito era  o  sufíixo  originário  5,  perdido  em  muitis- 
simos  vocábulos  latinos  (hora,  patçr^  puer,  etc),  e 
cujo  desapparecimento  mais  cresceu  de  ponto  na 
linguagem  popular  de  Roma,  facto  este  a  que  por 
vezes  nos  hemos  referido. 

Desse  expoente  do  nominativo  ainda  conser- 
vamos vestigios  em  algumas  palavras  : —  ca/is  (cali{, 
cálix,  e  cálice)  =  1.  cálix,  Deus,  Jesus,  sages  (Sec. 
xiv),  simples  (simples,  simprei  e  simplicej,  e  muitos 
onomásticos  de  origem  litteraria  : — Marcos,  Lucas 
Vénus,  Ceres,  Moyses,  Isaias,  Matheus,  Boreas, 
íris. 

2°  Genitivo. —  São  poucos  os  vestigios  mor- 
phicos,  o  que  não  é  para  causar  extranheza  desde 
que  reflectirmos  já  no  latim  era  esse  caso  de  uso 
pouco  frequente,  por  ter  sido  supplantado  desde  o 
periodo  clássico  pelo  ablativo  com  a  proposição  de. 


aqueãud/} 

aquae  ductus 

tiaducío 

viae  ductus  (f.  port. ) 

condenlatel 

comes  stabuli 

jurmomuUo 

juris-consultus 

legvflação 

legis  lationejn 

petróleo 

petrse  oleura 

terremoto 

terrae  motus 

*  y.  monographia  Lam.  de  Andrade  ~  V.  daded.lat. 

28 


178 


Destes,  só  condestavel  ( conde -stable,  Sec.  xiv, 
condestabre^  Sec.  xv)  é  de  origem  popular. 

3.''  Dativo. —  Poucos  exemplos  podemos  res- 
pigar deste  caso,  que  —  conforme  pondera  Schlei- 
cher  —  já  no  latim  a  sua  flexão  orgânica  era 
imperfeita  pela  confusão  com  o  locativo,  gen.,  ablat. 
e    instrumental. 

C?  ucifixo  cruci  fixus 

Fideicommmo  fidei  commissus  (f.  er. ) 

4.°  AccusATivo. —  Era  a  forma  mais  primitiva 
da  declinação,  ^  mas  foi  também  a  que  mais  cedo 
desappareceu,  em  consequência  da  perda  da  con- 
soante característica,  que  deu  em  resultado  a  sua 
confusão  com  o  nominativo.  «  Nos  does.  em  latim 
lusitano  dos  Sec.  xni  —  x,  o  accus.  já  não  tinha 
valor  casual.  » 

Morcego  murs  coecus 

Jiomein  liouiinem 

Os  subst,  acabados  em  io,  ude,  ade,  agem 
(V.    pgs.    §§       ) 

VocATivo. —  Avemaria  =  ave  Maria. 

S.**  Ablativo.--  Era  o  caso  de  maior  emprego 
no  latim,  principalmente  depois  da  perda  do  locativo 


*  o  nom.  parece  —  no  òouceito  de  alguns  glottologos  —  ter  sido 
"  addiçào  posterior  á  declinação  nominal  ";  e  o  accusativo  on  caso  com- 
plementar "a  forma  primitiva  do  nome".  Ex.  desta  liypothese  encon- 
tram-sc  nas  linguas  aryanas  e  semiticas  (sansk.,  grego,  latim,  gothico,.... ); 
e  ainda  na  linguagem-ipfantil  —  Nené  quer,  Carlos  não  qu-er  p.  eu  qu^ro. 


179 


e  do  instrumental  ;  e  sendo  o  que  mais  relações 
representava,  foilhe  necessário  o  auxilio  de  certas 
preposições.  ' 

Talvez,  por  isso  mesmo,  tão  raros  são  os  seus 
vestigios  morphicos  conservados  em  portuguez  na 
formação  do  substantivo  :  amanuense  =  a  manu  en- 
siSj  hontem  (  ante  hodie  }. 

42.  —  A-djectivos.  —  Também  resumem-se 
no  nom.  e  accus.  os  casos  de  que  conservaram  vesti- 
gios os  adj.  portuguezes. 

Foram  estes  os  conservados  pelo  latim  popular 
quando  —  depois  de  se  terem  simplificado  as  duas 
declinações  distinctas,  uma  em  us^  o.  outra  em 
is^ — ,  aquellcs  adjectivos  da  2.*  classe  em  er  (  ac- 
cus. em — em)  assimilaram-se  por  analogia  aos 
da  i.^  classe  em  er  (accus.  em  —  um),  e  empare- 
Ihou-os  por  fim  aos  adjectivos  em  us.  Assim  niger 
(accus.  nigrem)j  fortis  [accus.  for  tem  )y  prudens 
(  accus. prudentem  J,  celeber  (  accus.  celebrem)^  acer 
(  accus,  facrum  p.  acrem,  donde  acre,  acro),  foram 
considerados  de  i.*  classe  e  declinados  por  bónus. 


*  J.  F.  de  Castilho  afflrma  que  de  cada  grupo  de  palavras,  nove 
descendem  do  ablativo,  e  que  em  uma  pagina  de  Cicero  verificou  que  dous 
terços  dos  subst.  e  adj.,  estavam  no  ablativo. 

'  Que  comprehendia  os  adjectivos  que  só  differiam  pelo  nom.  sing. 
raasc.  em  er,  accus.  em  em. 

'  A  esta  classe  pertenciam  adjs.  análogo.*  a  pnidens  ç  fcl-eber,  que  só 
divergiam  no  noraipatiyo  e  vocatjvo, 


i8o 


Só  restaram  pois  duas  declinações  distinctas, 
uma  das  quaes  —  a  2/  —  não  tinha  forma  para  o 
feminino.  E  destas  duas  declinações  conservamos 
vestígios  tm  bom  (  boa  ^  bónus,  a  ),  máo  máy  (  ma- 
lus,  a ),  negro  negra,  (  niger,  nigrem  ). 

Do  genitivo,  são  raras  as  amostras. 

O  accusativo  é  a  principal  origem  dos  nomes 
adjectivos  imparissyllabicos.  Ex.—fe/ii,  arch.  felice 
=  felice  (  m  ),  atro{,  arch.  atroce  =  atroce  (  m  ),  trai- 
dor tradito-r  (  e )  {  m  ),  amainei,  arch.  amabile  =  ama- 
bil  e  (m),  prudente  =  prudente  (m).  acre  =^  acre-m 

Conserva,   pois,   o  portuguez  vestígios  da  declinaçflo  latina.  Houve, 
porém,  na  língua  fallada  uma  declínavão  embryonaría  portugucza,  ainda 
que  de  dous  casos  como  a  do  francez  antigo  ? 
Delia  nao  encontramos  vestígios  seguros. 

A  verdade  é  que  o  Romano  conservou  a  distincçào  dos  casos,  sujeito 
e  regimen,  e  a  flexão  do  sing.  e  do  plural.  O  caso  sujeito  era,  cm  geral,  ti- 
rado do  nom.  ;  o  regimen,  do  accus.  E  nós  temos  palavras  derivadas  dos 
dous  casos  distinctamentc 

serpe  —  serpens  serpente  —  serpentem 

chantre  —  cantor  cantor  —  cantorem 

prente  —  présbj^ter  presbyiero  —  pix-sbyterum 

fray  —  f  rater  frade  —  fratrem 

mãi  —  mater  madre  —  matrem 

pai  —  pater  padre  —  patrem 

sénior  —  sénior  senTwr  —  seniorem 

compáno  —  companus       companhm    companJteiro  —  companionem 
ladro  —  latro  ladrão  —  latrouem 

virgo  —  virgo  virgem  —  virginem 

Bem,  ren,  sem,  sen,  irom,  com  (  C.  V.,  Canc.  do  Fig-  ),  etc. 

Serfto  estes  os  duplos  vestígios  de  uma  antiga  declinação  portugueza  ? 
Nfto  ousamos  asseverar. 


DECIMA  QUARTA  LIÇÃO 

Flexão  dos  nomes.  Gráo  do  substantivo  e  do  adjectivo ;  com- 
parativos e  superlativos  syntheticos ;  comparativos  e  su- 
perlativos analyticos. 

I.''  —  V.  Lição  i3. 

2.°  —  Gráo  é  a  flexão  nominal,  que  augmenta 
ou  diminue  a  idéa  de  palavra.  ^ 

3.°  São  principaes  suffixos  augmentativos  :  — 
ão,  aço^  a^y  a^io,  alho,  a/ha,  orio,  astro,  ati'o. 

Aço-a  (  =  lat.  ax,  acc.  acemj  —  Senhoraço,  ri- 
caço. 

A's  vezes  teem  sentido   pejorativo  — poetaço. 

Esta  dessinencia  corrompe-se  emalho: — po- 
pulacho. 

Alha  (  2=  suff.  alia).  Tem  sentido  collectivo  : — 
^■entalha,  canalha. 

Alho  :  —  parpoalho. 

Aõ  :  —  rapagão.,  espião,  portão. 


*  Vide  Liçáo  Sufflxos. 


iSa 


Que  indica  maior  intensidade,  provam    ~  os  se- 
guintes exempJos  : 


affecto 

afifeiçflo 

domínio 

dominação 

repulsa 

repulsfto 

perda 

perdição. 

Tem  ás  vezes  sentido  pejorativo  :  —  pobretào. 

ELHO,-a  (  =  suíf.  lat.  iculus,  ic'lus  ) folhelho^  a:{e- 
IhOj  francelho,  fedelho  (  pejor  ). 

ÉoLO  (lat.  eolus ).  —  Forma  erudita.  Ex.  — 
alvéolo.^  capreolo. 

Ebre.  Tem  sentido  pej. — Só  nos  resta  um 
exemplo  :  —  casebre. 

Eta,  ete,  óte,  ôto.  —  São  suffixos  romanos. 
Ex  :  —  trombeta,  costelleta  :  diabrete,  capote,  ve- 
lhote, perdigoto. 

Os  femininos  correspondentes  são  —  êta^  óta, 
agem  e  ilha  (ilheta  e  ilhota,  villota  e  villagem, 
mantilha,  forquilha ). 

Ico  ( lat.  /cw5,-culus,  )  :  —  abanico^  burrico^ 
Joanico. 

Ás  vezes  intercala  um  s  euphonico  :  —  chopiscOj 
pedrisco. 

IcuLo,-A  ( lat-ícz^/ws,-a  )  :  —  montículo,    aurícula. 

Ilho,-a  (  sufF.  dim.  port.,  de  iculo,  mas  que  tam* 
bem  corresponde  ao  lat.  ilhis^  a):  —  cabresíilhOj 
rastilho,  vidrilho  ;  mantilha,  cartilha,  partilha,  serrilha. 


i83 


Corresponde  a  inho,  e  é  mui  crescido  o  numero 
de  diminutivos  em  ilho,~a,  formados  de  radicaes  por- 
tuguezes. 

Ito,-a  :  livrito^  mosquito  ;  mídherita^  cabrita.  E' 
uma  diíferenciação  do  suffixo  —  inho. 

Im  :  ( inus  ) —  espadim .^  flautim,  tamborim. 

Az  : —  Cartas^  montar a^.,  lobai,  Satana^j  ladrava^ 
(  de   ladro). 

A's  vezes  teem  sentido  pejorativo  —  dançara:^ 
machaca{. 

Azio  :  —  copa^io. 

Orio  :  — finório^  sabidorio. 

Ona  : — Fem.  da  desin.  port. —  ão  :  mocetona., 
valentona. 

Stnt.  pe'].—  sabichona,  pobretona. 

Corresponde  ao  suíf,  —  (aça)  (  ricaça  ). 

Além  destes — ainda  temos  os  suffixos  populares 
portuguezes —  arão.^  —  arrão  fhomeniarrão ,  casarão, 
santarrãoj,  e  algumas  formas  anómalas,  idiomáti- 
cas, geralmente  de  sentido  deprimente  f  cateçoKviA. 
amigaLHÃo.fradaLHÃo,  corp\^z\L,  sabicviÃo  ), 

Temos  mais  alguns  augmentativos  verbaes: 
fujão,  beber  rão,  chorão... 

Astro  é  de  origem  litteraria  : — poetastro. 

4.°  São  de  Sec.  xm  os  seguintes  :  estaturão,  lampaãões,  cordões,  cal- 
{õc3,  cabrões,  Altão,  garganiom,  jaquetão,  malcaz,  pescai,  vagando,  viaráz. 
( C.  vat.) 


i84 


5. — Diminutivos. — Os  principaes  suffixos  dimi- 
nutivos são  : 

Acho  :  —  riacho. 

Ejo  :  —  logarejOj  animalejOf  quintalejo.  (  E'  de 
sentido  pejorativo.) 

Ello,-a  (  corr.  1.  ello^  illa  ): — portello^  viella. 

El  (  contr.  de   el)  : —  cordel^  fardel^    canastrel. 

Inho. —  (=  1.  inus).  E  este  o  mais  vulgar  de 
todos  os  suffixos  diminutivos  da  nossa  língua.  Alguns 
diminutivos  teem  as  duas  formas  —  inhOy  ino,  e  ás 
vezes  ainda  —  ito^  ico,  ete,  ejo,  etc: —  grão,  gra- 
nito ;  quintal  —  quintalinho,  quintalete,  quintalejo^  etc. 

Os  nomes  terminados  em  consoante,  formam 
também  os  diminutivos  em  ^inho  —  desde  o  Sec.  xii, 
(principalmente  os  monosyllabos)  — flor  flor  ic  a  flor  ita 
florinha,  florsinha,  quintal,  quintalinho  quintalsinho , 
somsinho,  dorsinha  cersinha.  Esta  regra  é  absoluta 
quando  a  palavra  thema  acaba  por  voz  livre  (  nasal 
ou  diphthongo  ),  ou  é  oxitona  em  voz  livre  pura  : — 
irmansinha,  ^rãosinho,  crz/<3sinha,  «wsinho. 

No  uso  familiar,  formamos  diminutivos  de  dimi- 
nutivos : —  pequenininha,  pequerichinho. 

Cândido  Lusitano  e  outros  verberam  as  formas 
capinha,  florinha,  sapatinho,...  p.  capasinha,  florsinha^ 
sapatosinho , . . .  O  uso  consagrou  essas  formas,  que 
datam  do  começo  de  lingua  (Sec.  xii  —  xiii),  e  são 
empregadas  por  vários  clássicos,  entre  os  quaes 
Manuel   Bernardes,    Camões,    Castilho  : 


i85 

Eatd  o  hiscico  doce  passarinho 

(7<>//t  obiquiulio  aspeunas  ordenando 

a  csfas  criancinhas  (em  respeito 

aos  peitos  os  filhinhos  apertavam 

(TaisJ 

Rezende  (MiscJ,  ridicularisando  as  modas 
do  seu  tempo,  diz  : 

Agora  vemos  capinhas, 
muitos  curtos  pellotiuhos, 
golphinhos  e  sapatinhos, 
fundas  pequenas,  mulinlias, 
giboesinhos,  harretinlios 

Muitas  vezes  o  diminutivo  exprime  carinho  : — 
filhinho,  maninho  ;  outras,  ---  dó,  interesse,  compai- 
xão:—  iim  pobresinho. 

Olo-a  :  —  bolinholo,  sacola^  portinhola,  rapazola. 
Olho-a  ;  ULHO-A  ( 1.  culiis~a  )  :  —  E'  de    origem 
erudita.    Ex,  :  ferrolho. 

Em  muitos  destes  n:\o  existo  no  portuguez  a  palavra  simples;  ou  as 
formas  diminutivas  latinas  passaram  para  as  linguas  romanas  como  pri 
mitivas  :  —  agulha  acucVa  dim.  do  açus  =  agulha,  apicula,  dim.  de  apis 
-=  abelha:  ovicula,  dim.   de  ovis  •=  oyQ\h-à ,  lentilha  iim.  de  ?^«í<í  =entilh  a^ 

Ote  : —  velhote,  rapa^ote. 

6, —  São  de  derivação  erudita  -  •  olo,  tilo,  colo  : 
—  pellicula,   granulo,  capreolo  . 

7.  —  A  lingua  portugueza  é  riquissima  neste 
género  de  derivação.  O  vocábulo  primitivo  pode  ter 
significação  graduada,  desde  o  mais  alto  gráo  até  o 
mais  Ínfimo  ; — 7nulher,~ona,-aça,-ão,~sinha,-ita,-ica, . . . 

24 


i86 


E  essa  exuberância  levou-nos  até  a  formar  diminu- 
tivos anómalos,  do  mesmo  thema  ou  de  thema  di- 
verso:—  canito,  diabrete y  casebre. 

8. —  Para  os  filhos  dos  animaes  temos  vocá- 
bulos próprios ;  leãosinho  cachorro^  lobosinho  lo- 
binho   lobato  lobacho^  pombosinho   borracho^    etc. 

9. —  Os  diminutivos  da  linguagem  familiar  e 
vulgar  formam-se  pela  reduplicação  ou  pelo  atro- 
phiamento  da  palavra  : —  mamãe,  papae,  titio ^  vovô^ 
dindinho  (padrinho)  ;  sôr^  sô,  seu  (!)  =  senhor  ;  sóra, 
sinhá,  siá,  sá  (  Minas  Geraes.  Rio  de  Janeiro  ),  nhò, 
nhã,  (  S.  Paulo  ),  nhonhô,  uhanhã,  (R.  J.  etc.) 

10. —  Também  teem  formas  diminutivas  os 
nomes  próprios  como  já  vimos  :  Pedrinho  Pedroca^ 
Anninha  Nicota,  Chico  Chiquinho,  Jucá  Zé\é^  Zé  ( só 
em  Portugal),  Lulu  (Luiz),  Maricas  Maricota  (Maria), 
Lola  Lolota  (Carlota),    Manduca  (Manuel),  etc. 

II. —  Aqui  cumpre  lembrar  uma  forma  diminu- 
tiva, que,  por  pouco  frequente,  não  deixa  de  ser 
graciosa. 

E'  o  emprego  dos  gerúndios  em  diminutivo 
( dor  mindinho  )^  que  o  nosso  escriptor  José  de 
Alencar  escreveu  —  era  um  bra^ileiíistno,  muito  par- 
ticular d  provinda  do   Ceará. 

No  hespanhol  também  é  frequente  essa  forma 
diminutiva  do  participio  presente,  e,  ainda  acres- 
centado, no  fallado  nas  Republicas  da"  America, 
e  na  Galliza  (Saco  Arce,  Gramm.    gallega).    Em 


i87 


todos  os  poetas  gallegos  eiicontram-se  essas  formas 
a   exprimirem   carinho : 

Eu  noa  lie  quero  dar  bicos 
e  solo  me  folgo   en  vel-o 
dormindinõ  cal  un  auxel. 

o  Visconde  de  Castilho,  "  por  achar  muito  graciosito  esse  modo  de 
dizer  dos  Hespanhocs,"  empregou-o  nas  falias  de  Titaniaa  Oberon  f Sonho 
de  uma  noite   de  8.   João  J : 

andamos  muito  manas 

Passandito  a  par  naquellas  indianas. 

12. —  Sao  dos  Sec.  xii  e  xiiios  seguintes  diminutivos: — Fen/cm,  Al- 
vim, Celoricí»,  Cerzeía,  EisfeZ,  Pedrozeías,  CorneoZa,  A\\elo,  Meendi/iAí>,  Pi- 
mentel, BodwiAo,  fremoswiAa,  bayonín^o,  moceh"rt/ía,  passa^^■7l/^í»,  pastorin/ía, 
\\\eco.  marseU'nA«.  oapeyr<;te,  cxhvito.  (P.  Ri)).  Dm.  Crit.,  C.  Vat.J 

i3. —  Gráos  de  significação. —  Herdamos  do 
latim  os  três  gráos  :  positwo^  comparatwo  e  super- 
lativo. 

COMPARATIVO 

14. —  Comparativos  synthettcos  (orgânicos).  — 
Em  latim  o  comparativo  era  geralmente  expresso 
pelo  sLifíixo  —  ior  (  masc.  e  fem.  ),  ius  [nf  unido  ao 
thema:— '  altior,  diílcior^   sapientior. 

A  tradição  conservou  fielmente  no  portuguez 
algumas  amostras  desses  comp.  syntheticos  : 


1  A  forma  neutra  só  se  distinguiu  em  pleno  período  histórico  como 
attestam  os  exemplos  seguintes  :  "  Bcllum  puuicum  posterior.  —  Senatus 
consultum  prior.  "  ( Sayce.  ) 


maior  =•  1.  majóiíw  ' 
menor  —  miuóre?»  ' 
melhor  — *  molió?r??i  ' 
•peior  =—  pejó?'«7»  * 

Júnior,  senhor,  prior,  exterior,  interior,  superior^ 
posterior^  anterior,  são  também  etymologicamente 
superlativos  orgânicos. 

i5. Alguns  destes   comparativos   tornaram-se 

substantivos,  conservando  comtudo  a  significação 
originaria  latina — major,  senhor,  prior,...  melhora, 
peiora. 

Nota.  Até  o  Sec.  xtv  essas  formas  conservaram  o  seu  valor  com- 
parativo : — nostro  senJioi'  demonstre  aojumor  aquelle  que  melhore  (  R.  de  S. 
B.,  Ined.    d' Ale.  3),  todos  os  juniores  sexis  priores,   obedeeseam  ( Id,  280). 

Pmr  — id.    (  C.  Vat.,  R.  S.  B.  Ined.  ) 

Nas  formas  interior,  posterior,  etc. .  nota  se  uma  dupla  suffixaçao 
Comparativa.  Interior, =  \.  interiorem  =-^in-\-ter  (sufE.  ant.  comp.==gr.  feros J 

+  01'. 

Nota-se  o  mesmo  em  mestre  (arch.  meestre,  maestrej  1.  =  magister 
magis  (  p.  magias  J  +  ter,  ministro  =-  1.  minister  ^  minis  ( =  minus )  + 
ter.  (Oramm.  Comp.  Bopp. ) 


1  Maior.  Já  se  encontra  nos  does.  do  Sec.  xii:  mowr «;'«/(?«.  (P.Rib. 
doe.  LX),  e  as  variantes  moor  mor,  frequentes  desde  o  Sec.  xv,  bem  como  os 
derivados  maioria,  maioral,  maioridade,  mordomia,  meirinho,  etc.  Meyrinho 
(C. Vat.  987)  é  forma  parallela  de  maiorino-=  h.  lat.  maiorimis{Sec.  xi),  cujas 
formas  pleonastica  e  antithetica —  maiorino-maior(meirinJio-mvr  Sec.  xix  ) 
e  meirinho  menor  provam  o  esquecimento  otymologico. 

2  Menor  e  as  variantes  arch.  meor  mei  já  pertenciam  aos  Secs.  xiii  e 
XIV,  e  bem  assim  os  der.  minoria,  minoiidade.  O  typo  menos  -=  minus  deriva- 
do neutro;  e  tanto  ella  como  as  var.  arch.  meos,  mus,  muz,  c  os  compostos  e 
derivados  —  menosprezo,  menosprezar,  etc . ,  datam  também  do  Sec.  xiii. 

8  MeUwr.    Sec.  xiii.— as  melhores  terras  (C.  Vat.  786);  as  variantes 
arch.  melor,  melhur,  milhor  (  Sec.  xiii-xiv  ).  Id.  o  der. —  vullíoría. 
*  Peior  Cpeyor.  peorj.  (Sec.  xni,  C.  Vat.  lA.)peiorar. 
P^orative  é  importação  recente  (Sec.  xix). 
•^  Júnior  (  iiuiior,  iuvenior  )  compar.  de  ?'««'«/«. 


i89 


Entre  =  iuter.  sobre  =—  super  =  contra,  íru,  traz  =  tians,  etc,  sao  pois 
restos  petrificados  do  comp.  orgânico.  (Meuier.  Comp.  J 

Dos  comp.  diminutivos  latinos  grandiusculua,  duriusculus,  longiuseu' 
lus,  etc,  citados  por  Meedvig  fOr.  lat.J  temos  exemplos  directos  em  maiús- 
culo, minúsculo,  e  indirectamente,  ua  formação  portugueza  —  maiorsinho, 
ssnhortinho,  etc,  já  doSec.  xii. 

Cp.  —  Prov.  —  bou    melhor 

mal   peior    pesme 
gran  maior    — 
passe  menor  — 
Catalão  —  bo  millor       — 
mal  pitjor  pessim 
gran  major  máximo 
petit  menor  mismim 
Franccz  prim.  —  bom  meillor      — 

mal  pior  pejor  pesme 
grand  maor  major  — 
petit  míittor  mesme 

i6.—  Comparativo  analytico  (  periphrasiico  ). 
—  Exceptuando  esses  quatro  casos,  o  portuguez 
forma  os  comparativos  analyticamente,  ajuntando 
ao  positivo  o  adverbio  mais  ;  systema  formativo  já 
mui  frequente  no  declinar  do  império  romano  (magis 
piíis,  magis  egregiej.  Alguns  clássicos  latinos  se- 
guiram esta  tendência  do  espirito  analytico,  princi- 
palmente com  os  adj.  cm  —  us. 

São  pois  latinos  os  moldes  em  que  se  vasaram 
os  comparativos  poriuguezes. 

O  latim  vulgar  deu  preferencia  ao  adverbio 
pliis  na  formação  destes  CQmparativos  (plus  sajpium, 
plus  clarum). 

Plus  linha  o  mesmo  sentido  (\UQmagis^  tornou-se 
modelo  dos  comparativos  italianos  e  francezes  fpliis, 


igo 


piú  )y  e  deixou-nos  vestígios  da  sua  existência  nos 
primeiros  documentos  da  lingua  portugueza,  na 
forma  pop.  chus  :  —  chus  pouco  (  can.  Ined. ),  chus 
negros  {  Nob.  )  Esta  forma  archaisou-se  no  Sec.  xiv/ 
íy. —  Os  comp.  de  igualdade,  inferioridade  e 
superioridade  formaram-se  com  os  advérbios  tão... 
como,  tanto...  quanto  ;  e  os  adv.  mais  menos  ;  muito 
menos,  muito  mais.  Estas  formas  datam  do  pri- 
meiro periodo  da  lingua  :  —  may  /cda^  mays  perto 
(  C.  Vat.  98,  293  )y  tan  cruamente  ( Id.  280  ),... 

Advertências. —  l.a  Nos  comp.  de  inferioridade  e  superioridade  é 
tão  correcto  empregar  do  que,  como  simplesmente  que.  Mais  depende 
ás  vezes  do  tecido  da  phrase,  que  pôde  parecer  mais  ou  menos  harmonioso. 
—  2.8  Em  vez  de  tão  grande  podemos  usar  de  tantMnho  (=tão  manho,  arch. 
-=  tão  magno  (Sec.  xvii).  E'  força  porém  curvar-nos  ao  despotismo  da  moda, 
e  essa  forma — também  camoneana  —  deve  ser  rejeitada. —  3.»  O  compa- 
rativo pleonastico  era  frequente  no  Sec.  -ku  (may  melhores  C.  V.  1154),  á 
maneira  do  latim  —  magis  maiores,  magis  dulciores,  magis  certius. 

São  equivalentes  do  comp,  antes  e  sobj-e  {  =  mais):  —  antes  ser  des- 
feito que  cançado  (Ant.  Ferr.  Son,  1 — 8.),  soh)'eiudo  {  =  mais  qne  tudo). 

DO    SUPERLATIVO 

19.  —  Superlativo  synthetico  ou  orgânico 
(formados  por  suffixos  ). —  O  superlativo  synthetico 
latino  emimuSy  deixou  muitíssimos  vestígios  na  lingua 
portugueza  : 


máo 

pesnmo 

lat.  pessimus 

bom 

óptimo 

Optimus 

grande 

máximo 

maximus 

pequeno  (parvo) 

minimo  * 

minimus 

*  No  hesp.  e  doe.  rom. —  mm,  mais. 

«  Minimo,  meindinho,   meiminlio,  miminho,  menino. 


19 1 


e   desta    composição    orgânica  cada  vez  mais  cres- 
ceram   as    formas  ; —     reverendíssimo ,    illustrissimo^ 

excellentissimo,    sereníssimo, 

O  latim  emprega  na  formação  do  superla- 
tivo synthetico,  a  terminação  —  simus,  <3,  «m, 
junto  ao  sufíixo  do  comparativo  contrahido  em 
is  {  de  ius  =  ios )  :  —  felic-is -simus,  doct-is-simus 
f  doct-ior-simus :  pela  assimilação).  E'  esta  a  ori- 
gem da  forma  caracteristica  portugueza  dos  super- 
lativos orgânicos  (issimo==\dit.  is-simus),  que  todavia, 
só  apparece  pela  i/  vez  em  does.  do  Sec.  xv, 
e  fixa~se  no  xvi  ( Illusfrissimo,  sereníssimo,  L.  Cons.; 
vitosissimo  Th.  Braga  Ch ;  C.  de  Évora,  G.  de 
Rez,  etc. )  Nos  séculos  anteriores  empregavam  a 
forma   analytica. 

19. —  Temos  mais  uma  forma  orgânica  em 
wzo(z=lat.  mo,  contr,  de  simoj,  que  é  de  fundo 
erudito  : — humilimo,  aspérrimo,  (Camões),  acérrimo, 
etc.  Data  do    Sec.    xvi. 

São  delia  vestigios,  embora  hajam  ás  vezes 
perdido  o  sentido  etymologico, —  intimo,  imo,  pós- 
tumo/ máximo,  Ínfimo,  summo,  supremo,  etc.^  Destes 


*  E  os  der.   arch. — prestumeiío,  pestuineiro  —  Sec.   xiii — xvi. 

•  Estes    sup.    derivam    da    forma    ter  ( gr.  tepo; ),  que  se  encontra 
nas   palavras  de   sign.   comp.  —  dexier,  sinister,  alter,  nosier,  vester,  exteri, 

posieri, (Struchtmeyer,  Rud.   ling.   graecae;  Lennep. —  Elymologicum 

l.  gr. 

E  ainda  temos  os  numeraes  formados  com  o  suff.   timo  =-  mo : — 
primo,  decimo,  vigésimo  ( Bopp.   II  246 ). 


192 


typos  formam-se  outros  superlativos  :  uns  moldados 
em  formas  latinas  (  Cicero,  Ovidio^  etc): — supre- 
missimo,  immensissimo ^  excellentissimo;  outros  de  ori- 
gem analógica  portugueza  —  grandessissimo,  de 
grandissimo.^ 

20. —  Os  adjectivos  em  il  (=  1. ///5  )  fazem  o 
superlativo  em  imo  e  issimo  :—  fácil  facilirno  facilis- 
simOj  frágil  fragilimo  fragilissitno,  subtilissimo. 

No  latim  dava-se  a  mesma  concurrencia  de 
formas  do  sup.  synthetico  : —  gracillimus  (  Suet. ), 
e  gracillissimuSj  agillimus  (  Prisc.  )  e  agillissimus, 
imbecillimus  (Sen.)  e  imbecilissimus,  etc. 

Dahi  as  f.  port.  —  humilimo  humilissimoy  aspér- 
rimo e  asperrissimo  (ambas  em  Camões),  etc. 

Os  nossos  adj.  seguem  a  regra  dos  latinos  em  // 
(ili,  ile)  com  vogal  breve  antes  da  terminação  (radical 
atono),e  daquelles  cuja  vogal  é  longa  (radical  tónica): 
— facilis  —  facillimus,  humilis  humillimus,  nobilis 
—  nobilissimus. 

21. —  Os  adj.  em  vel  (=  1.  bilis)  fazem  o  sup. 
mudando  a  terminação  em  bil  antes  de  suííixarem  a 
desinência  do  grão  :  —  notavEL  —  notaBiússimo  — , 
miser  A\EL  —  miseraBiússimo . 

Estes  sup.  não  se  afastaram  das  formas  positivas 
portuguezas  para  mais  se  encostarem  ás  latinas. 
Formaram-se   das  nossas  formas  archaicas  ferribil. 


Cp.  iuglez  —  inmrmost,  híndermost. 


igS 


miserabi/j    etc,  bem  como   nobilhsimo  (de   nobile)^ 
esterelissimo  (de   esterile  ,  audacíssimo  {  de   audacej, 
felicíssimo  (  defelicej,  christianissimo  (  de  chrisíianoj, 
antiquissimo  (  de  antiquo),  etc, 

O  latim  deu-nos  o  modelo;  o  portuguez  antigo 
imitou-o  ;  a  analogia  alargou  o  circulo  dos  exemplos. 

22. —  A's  vezes,  porém,  um  dos  superlativos 
syntheticos  é  de  fundo  popular,  c  o  outro  de  for- 
mação erudita —  pobríssimo  paupérrimo,  friíssimo f ri- 
gidissimo,  docíssimo  dulcíssimo^  amiguissímo  amicís- 
simo, cruel  crudelissimo,    inteirissimo    integerrimo,... 

23. —  São  pois  susceptiveis  da  formação  orgâ- 
nica do  superlativo  só  os  adjectivos  acabados  em  e, 
o,  u,  /,  r,  i. 

24. —  Alguns  rejeitam  as  flexões  do  gráo  por- 
que já  exprimem  idéa  de  superlatividade  ou  por  lhes 
serem  naturalmente  refractários: — egrégio^  superior^ 
ulterior^  posterior,  ínclito,  invicto,  longíquo,  joven, 
adolescente,...  (já  temos  porém  Excellentissímo  e  om- 
nípotentissimo) ,  ou  pelo  respeito  á  tradição  latina, 
como,  p.  ex.  alguns  nomes  de  cores,  alguns  em  ão, 
(pagão,  ladrão),  os  em  ico  (pacifico),  os  verbaes  em 
bundo  ( gemebundo),  etc. 

2  5. —  Em  compensação,  conservamos  super- 
lativos (  e  comparativos  ),  cujos  positivos  mais  não 
são  usados: — minacissimo,  de  mmí7{  (  ameaçador 
=  1.  mínax,  acis),  belacíssimo  (  Camões,  Lus. )  de 
belai  (  =  1.  belai,  f.  muitíssimo  rara),  etc. 

35 


E94 

Na  poesia,  porém,  é  permittido  o  reviver  desses  positivos,  e  o  nosso 
poeta  Odorico  Mendes  empregou  belaz  na  sua  traducção  da  lUiada,  32. 

26. —  Superlativos  divergentes  : — summo- su- 
premo superno,  intimo  interno,  etc. 

27. — ^^O  sup.  synthetico  lambem  pôde  formar-se 
pela  prefixação.  Neste  processo  que.  no  portuguez, 
remonta  á  origem  da  lingua,  e  estendeu-se  ao  Sec.  xiv 
fperlongadamente  R.  S.  B.  ;  tamanho  =  tão  magno  ; 
tamaninoG.  Vic,  perdurauel  —  Id.  ;  preclaro  per- 
claro.  Cam.  Liis.;  translúcido  ;...)^  é  de  notar  — 
como  observou  Diez  —  a  usual  separação  do  pre- 
fixo per  :  —  port.  ant.  mal  vos  per  está.,  ben  mi  o  per 
depedes  a  creer  ;  lat.  per  mihi  mirum  visiim  est.,  per 
pol  quam  paucos  ;  fr.  ant.  tant pas  est  sages  .^ 

28. —  Superlativo  analytico  ou  periphras- 
Tico. —  Este  superlativo,  formado  pela  anteposição 
do  adverbio,  mais  alcançou  popularisar-se  do  que  o 


*  As  formas  principaes  do  sup.  intensivo  são  mui  maii,  muita  j)eior, 
muy  melhor  ( 1.  multo  carior ),  mui  bem ;  —  melhor  de  quantos,  melhor  dos 
outros,  a  jnelhor  do  mundo,  etc.  (Secs.  xiri  —  xvi. —  C.  Vat.  G.  Rez.,  Fern. 
Mendes. ) 

—  o  comp.  sup.  é  o  typo  que  representa,  só  por  si,  a  synthese  dos 
gráos  de  comparação.  Ex.  c^ysm«  =  port.  are.  cA?ís=  lat.  plus  (plous 
plosius ),  í)íunwa=  plusima  =  gr.  pólitis  e  ma,  fem.    de  tima  =  inaa. 

—  Os  superlativos  podem  também  formar  se  metaphoricamente,  como 
acontece  nas  línguas  semíticas.  Ex.  hebr.  —  Jilha  das  mullier es  {=^ formosís- 
sima, lat.  filiam  feminarumj,  varões  das  valentias  =—  foi'tissimtis  lat.  viri 
virtutumj...  V.  Dr.  Souza.  Idiot.  da  lingna  Ti-ebr.  e grega. 

Nós  dizemos  o  homem,  dos  homens,  o  sábio  dos  sábios,  o  bun'o  do» 
burros,  i.  é,  o  maior  d'entre  os. . . 


igS 


synthetico.  A  tendência  foi  sempre  para  o  analy- 
tismo,  para  a  simplificação. 

Em  latim  era  frequente  o  emprego  dessas  for- 
mas :  os  adjectivos  que  formavam  o  comp.  com  o 
adv.  magis,  tinham  um  surperlativo  também  ana- 
lytico  construido  com  inaxime,  que  algumas  vezes, 
por  amor  da  variedade,  era  substituido  por  uma 
outra  particula  —  satis,  per,  ultra,  prceíer,  super,  ante, 
multo,...  (multo  tanto  carior,  Plauto,  multo  optimus 
hostis,  Lucil.  ) 

O  portuguez  mais  se  aíFeiçoou  ao  adverbio 
tnuito  mui),  e  fel-o  indicador  do  superlativo,  apro- 
veitando-sc  comtudo  da  liberdade  de  poder  também 
substituil-o  por  outros  (assas,  demasiado,  ultra,  extra, 
super,  hyper,  archi, excessivamente, horrivelmente,  etc.) 

O  emprego  destes  últimos  advérbios  tem  aug- 
mentado  de  dia  para  dia  :  —  uma  mulher  adoravel- 
mente  bella,  imi  critico  genialmente  patarata, 

29. —  Até    o   Sec.   XVI  indicava-se  outrosim   o 
superlativo   antepondo   mui  e  muito  ao  adjectivo  :  — 
gente  de  pé  n-]\x\  muita  sem  conta  (F.  Lopes.  Chron.  de 
João  I)  ;  monte  mui  muito  alto  (S.   Luiz  ). 
que  dos  mui  muitos  ciúmes 
nace  o  mui  muito  amor. 

(Gil  Vicente.) 

costume  que,  na  linguagem  popular  e  familiar  ainda 
se  conserva  para  dar  mais  intensidade  ou  vehemen- 
cia  á  phrase  : —  João  é  muito  muito /e-Zo. 


igó 


-  o  processo  rcduplicativo  approxima  o  suj).  do  uuuicio  plural,  de  que  é 
apenas  simples  prolougameuto.  (  Sa}'cc. ) 

Este  processo  é  conservado  em  Portugal,  Brazil  e  nos  dialectos  de 
Africa  e  Ásia : —  secc-osecco,  quenti-quenti (  =.  muito  secco,  muito  quente, — 
port.  de  Cochim),  lecco-lecco,...  das  melhares  mdhor,  o  peyor  de  peyor{C.\. 
119,  129  );  ieu  tio,  doa  mawres,  o  inór.  (A.  Ferr.  Luait.  I.  130. ) —  Id.  nos  he- 
braísmos —  cântico  dos  cânticos,  senhor  dos  senhores,  rei  dos  reis,  vaidade  das 
raidade^,  servo  dos  servos,  aic.  (Rciswerk  —  Gram.heb.J 

3o.  ■=—  Mais  divorciadas  da  regra  grammatical 
estão  as  expressões  formadas  com  os  advérbios 
mui  e  tão y  e  os  superlativos  de  uso  vulgar  no  Sec. 
XVIII  —  mui  sapientissimo  senhor,  tão  grandíssimo . 
(  Tam  muito.  Sec.  xiii.  C.  V.  f8i.  )  Hoje  ninguém 
ousará  escrever  taes  solecismos,  que  todavia  repre- 
sentam exemplos  do  fallar  romano  (  multo  Optimus, 
pulcherrimum^  utilissima,....  Cie.  Quint.,  etc. ) 

3i. —  Os  augmentati'vos  podem  indicar  o  gráo 
superlativo  :  —  pan^oeirão,  pobretão,  etc,  muitas  ve- 
zes com  sentido  degradado  : —  sabichão,  grammati- 
cão. 

Os  diminutivos  também  indicam  superlativi- 
dade,  mas  com  certo  sentimento  de  dor  ou  lastima. 
Quando  dizemos  —  elle  está  pobresinho,  não  temos 
só  em  mente  apresentar  o  individuo  como  miserabi- 
lissimo  e  mui  fallido  ao  dinheiro,  mas  manifestar 
também  o  sentimento  de  dor  ou  lastima,  o  interesse, 
que  nos  causa  a  seu  estado  de  penúria.    ^ 

32. —  Superlativo  relativo.  —  No  latim  só 
havia  uma  forma  para  os  superlativos  absolutos  e  re- 


197 


lativos.    Assim  —  femina  pulcherrima  tanto   significa 
mulher  m\i\Xo formosa^  como  a  mulher  mais  formosa. 

É  que  o  latim  só  attendia  á  idéa  de  superlativi- 
dade,  no  emtanto  o  portuguez  e  as  demais  linguas 
romanas,  mais  suppoem  a  de  comparação  (o  mais 
de...  hesp.  lo  tnas^  franc.  leplus,  it.  ilpiú,..Jj  e  com 
justo  fundamento.  Na  phrase  a  mulher  mais  bella^ 
não  está  contida  somente  a  idéa  de  ser  ella  muito 
bella,  mas  também, —  e  acrescentado,  —  a  de  ser 
mais  bella  que  todas  as  outras.  A  mulher  a  que  nos 
referimos,  em  relação  ás  outras^  é  muito  bella.  Domina 
pois  a  idéa  de  comparação. 

No  dominio  do  portuguez  houve  lucta  entre  as 
duas  formas,  que  mais  se  estremaram  no  Sec.  xv. 
Data  desta  época  o  emprego  do  artigo  antes  do 
superlativo  relativo  ;  mas  o  emprego  distincto  e 
judicioso  das  duas  formas  só  se  assegurou  no  sé- 
culo XVI. 

Hoje  não  mais  se  pode  supprimir  o  artigo,  a  meuos  que  o  substantivo 
venha  precedido  de  um  possessivo —  Onteuamigo  maia  intúno  de  todoii,... 

tuas  mais  bellas  aspirações. 

33. —  São  ainda  equivalentes  do  superlativo 
analytico  : 

SOBRE  TODOS  ! —  E  O  Infante  Dom  Pedro  meu 
sobre  Xoáos preiado  Yrmaão  (Sec.  xv  L.  Cons.  27  ). 

Mil: —  Mú  lindo,  mil gamenho  (  Fil.  Elys.  Obe- 
ron ).   Só   encontramos    este   emprego  em  F.  M.  do 


igS 


Nascimento  f  Af//  =  gr3nde  numero,  muitissimos, — 
mil  ra{õesj . 

Assas  : —  assas  de  forte  está  minha  alma  (Alm. 
Tr.  de  Biblia)...^  Assas  de  pouco  f ai  quem  perde  a 
pida  (Cam.) —  Cp.  de  suso. 

Que  (  Sec.  xin  )  :  —  que  leda  que  oj '  eu  sejo 
(C.  V.  3o7). 

Muito  mais. —  É  também  um  reforço  do  sentido 
comp, —  muito  mais  bello,  muito  maior. 

Bem. —  Também  é  um  reforço  mui  usado  em 
todas  as  línguas  romanas  : —  bem  bom^  bem  doente^ 
bem  mal^  bem  caro,...  (:=  lat.  bene  multi^  b.  lat.  filiam 
bene  idoiteam,. . ./  Bem  mais. 

Os  comp.  e  superl.  —  diz  Brugraflf — sSo  os  expoentes  próprios  da 
qualidade  intensiva  dos  objectos  considerados  relatitameuU. 

Essas  flexões  estendiam-se  nas  primeiras  phases  da  linguagem  a 
todo  o  dominio  nominal,  do  que  conservam  vestígios  muitos  idiomas,  prin- 
cipalmente em  formações  analógicas  de  fundo  popular. 

No  sansk.  védico  o  comp.  tirou  origem  no  subst.  No  port.  temos 
consismo,  lat.  oculismne  homo  (Plauto),  e  analyticamente  —  mui  trobador 
( C.  Vat.  97  ),  erajd  mvito  noitfe,  b.  lat.  pro  me  nimium  peccaiorl  (  Diez  III, 
13). 

A  distincçao  entre  comp.  e  sup.  é  de  origem  secundaria.  Primitiva- 
mente os  seus  sufRxos  apenas  indicavam  uma  relaçfio  de  maior  afustamento, 
como  se  vê  das  f .  sansks .  —  apa-ra  apa-mk  apa.  (Bréal,  Intr.  Bopp,  3 
XIX.) 


í  Diez.  Oram.  der  Bom.  Spraclien. 


DEC1M4  QUINTA   LIÇÃO 

Flexão  dos  nomes.  Flexão  do  pronome ;  declinação  dos  prono- 
mes pessoaes. 

1.  —  V.  Lição  i3   e  14. 

2.  —  Só  estão  sujeitos  á  flexão  de  género  e  nu- 
mero os  pronomes-adjectivos  — demonstratipos  e  pos- 
sessivos ;  os  indefinitos  —  aigiim,  certo,  nenhum^  nullo^ 
outro j  todo,  um  ;    o  relativo  (  conjunctivo  )  : —  cujo. 

Qual  e  qualquer  (  adj.-pron.  ind.  )  só  tem  flexão 
de  numero  ;  dos  pronomes  pessoaes  só  tem  flexão 
de  género  e  numero   o  da  3.''  ( elle ). 

E'  quanto  nos  cabe  dizer  aqui  sobre  a  flexão 
desses  pronomes.  V.  Lição  26.  Etimologia. 

3. —  Declinação  dos  pronomes  pessoaes. —  As 
tabeilas  seguintes  apresentam  a  declinação  dos 
nossos  pronomes  pessoaes  comparada  com  a  dos 
latinos. 


2O0 


SINGULAR 


N.  (Sujeito) 
Acc.  (R.  dilecto) 
Dat.  (R.  indirecto) 
Em  relação  prepos. 
Abl. 


PRIMEIRA    PESSOA 


LATIM 


ego 

me 

mihi 

me 


PORTUGUBZ 


eu 

me 

me 

mim 

migo 


SEGUNDA     PESSOA 


LATIM 


tu 
te 
tibi 

te 


PORTUGUEZ 


tu 
te 
te 
ti 
tigo 


PLURAL 


PRIMEIRA 

PESSOA 

SEGUNDA 

PESSOA 

LATIM 

PORTUGUEZ 

LATIM 

PORTUGUEZ 

N.  (Sujeito) 

nos 

nós 

IfOS 

vós 

Acc.  (R.  directo) 

71  OS 

nos 

vos 

vos 

Dat.  (R.  indirecto) 

nobis 

nos 

vobis 

vcs 

Em  relação  prepos. 

— 

nós 

— 

vós 

Abl. 

nobis 

nosco 

j>obis 

vosco 

201 


Notas,  i.-'  São  formas  archaicas  da  i.*  pessoa 
do  sing. —  ez,  leii  (geu),  aquella  no  Sec.  xii,  esta  — 
que  era  tónica  —  no  Sec.  xiii. 

Ma  se  iii  for  para  Monde g- o 

(  C.  DE  Egas  Moniz.  ) 
ei  boyme  por  hifóra 

(ID.  ) 

por  quanto  ieu  crer  sey 

(  C.   DA  VaT.   ) 

estraynã  vida  vivo  geu  senhor 

(ID.) 

Attribue-se  a  forma  ieu  —  idêntica  a  ^^z/  —  á 
influencia  provençalesca  (  =  fr.  ant.  giè^  f.  tónica 
áejojej.' 

2.^  Ale.  Abrange  o  domínio  do  dativo  (desde  o 
Sec.  xni),  accus.  e  genitivo  :  deu-me,  amas-me,  secca- 
ram-se-me  as  iUusôes  ( para  mim  seccaram-se  as 
illusões ).  Este  accumular  de  funcções  é  devido  ao 
emprego  de  me  p.  mihi  (mche,  Quint.,  etc.)  e  tam- 
bém a  ser  mi  f,  dativo  de  ego. 

E'  para  sentir  haver  a  forma  objectiva  me 
obliterado  a  terminativa  m/,  que  constituía  mais  uma 
riqueza  da  nossa  lingua. 


^  Ern  grande  a  confusilo  na  e^scripía  entre  i  ej  (já  no  latim),  e  por 
isso  representavam  muitas  vezes  o  i  latino  pelo^'  portuguez  ou  g  braado. 
A  diíferença  entre  ieu  e  geu,  é  simplesmente  grapbica,  como  também 
entre  eu  e  eo.  ( Sec .  xrn. ) 

Quanto  ás  formas  eu  ei,  Cp.  meu  e  mei,  mê,  ainda  boje  vulgares  no 

Alemtejo,  Algarves,  c  em  algumas  ilhas  A(oria7utii. 

26 


302 


3." —  Mim  (  arch.  mi —  mhi),  O  m  representa 
exemplo  epithesico  ou  paragogieo.  —  Cp.  assi  assim, 
si  sim j  ^  nem,  ....  (=  lat.  si-c,  ne-c^...). 

Como  vimos  acima,  mi  derivou  de  mi,  dativo  de 
ego  e  de  mihi,  regularmente  contrahido  em  mii,  mi. 
Appareee  nos  primeiros  monumentos  da  lingua  (Sec. 
XIII  e  xiv),  mas  sempre  a  par  de  mim  (min^  7nê) ;  só 
cahiu  na  lucta  no  declinar  do  Sec.  xvi )} 

4.^  Houve  no  portuguez  uma  variante  popular 
che  (  Couto  —  M.  Z.,  Euf.^  ap.  Moraes  ). 

Esse  archaismo  pronominal  (che,  xej,  não  nos 
parece  forma  equivalente  a  te,  como  suppóe  Moraes. 
Os  exemplos  xi  quer,  xe  quer  (  S.  de  Mir.  )  provam 
que  elle  corresponde  a  52  ou  se  (it.  5^a;gallego 
ge,  xe,  que  soa  tchej.  Em  desto  xe  vos  seguer 
grandes  perdas  (  O.  Aíf.  )  =  pron.  se ;  a  phrase  não 
significa  disto  te  sobrevirão  grandes  perdas  ( como 
querem  alguns),  mas  —  disto  se  vos  hade  provir  gran- 
des perdas  ou  ha-se-de provir-vos . . .;  a  vacca  morreu-xe 
{S.  M.);  Jtã  sey  que  chQ  heprêfermoso.   (S.    Mir.  Eg.) 

Em  hespanhol  é  frequente  este   uso  :^-  Le  en- 


*  Sim  p.  si,  pron.  da  terceira  pessoa,  ainda  no  A.lemtejo  (Vasconcel  • 
los  —  Bev.  dos  Estudos  livfes. 

E' uma  necessidade  euphonica  do  povo,  que  pronuncia  também  — 
muin  p.  mui,  muinto  p.  muito.  E  no  port.  antigo  muitas  sao  as  palavras 
com  formas  duplas  nasalisadas  e  nSo  —  (assi  assim,  home  iMmem,  hoo 
bo  boom  bom,   eo  com,   soo  toam). 

'  Camões  ainda  empregoH-a. 


20S 


rega  V.  la  carta  ?  —  Si^  se  la  entregue  ;  e  em  portu- 
guez  ainda  temos  exemplos : — cá  seme  está  parecendo, 
etc. 

O  me  nestes  casos  é  dativo  :—  não  datur  mihi 
(  cura  )  ;  seja-se  elle  vossa  amante.  (  Euphros.  ) 

A  permuta  do  s  pela  chiante  jc,  cã,  é  um  dos 
casos  de  corrupção  phonetica,  que  o  Sr.  Thephilo 
Braga  attribue  a  idoisincracia  galleziana. 

5/  Migo  =  1.  mecum  (  =  ciim  me) ;  tigo  =  1.  te- 
ciim  ( cum  te  ).^  Os  escriptores  antigos  escreviam 
simplesmente  —  migo,  tigo^  ^igo^  ou  porque  obede- 
cessem inconscientes  á  tradição  latina,  ou  conservas- 
sem ainda  a  noção  lógica  da  composição  : 
non  trago  migo  qitesto  coraçon 

( C.  Vat.) 
tigo  começar  fui 

.( ii>- ) 

Perdida,  porém,  de  todo  essa  noção^,  origina- 
ram-se  as  formas  redundantes,  pleonasticas  —  com- 
migo^  comtigo,  comsigo,  que  vecejaram  simultanea- 
mente com  as  mais  simples  —  migo^  í/^o,  sigo,  nos 
Secs.  xin  e  xiv. 

No  Sec.  xni  appareceram  as  variantes  comego, 
comtegOj  comsego,  ainda  muito  populares  no  Sec. 
XVI.  (G.  Vic,  etc.) 


*  Meco,  meeu,  p.  mecum.  A  queda  da  nasal  fioal,  apesar  da  influeaj 
cia  dos  estudos  gregos,  prevaleceu  no  latim  popular  desde  as  guerras  da 
Macedónia  e  Syria,  ainda  na  época  de  Cícero  e  Tito,  e  mais  se  tornou 
frequente  depois  do  terceiro  século   da  nossa  época. 


204 


4.—  O  Latim,  só  possuía  dous  pronomes  pes- 
soaes  propriamente  ditos  (ego,nós^  tu,  vós);  para  a  3/ 
p.  empregava  o  pron.  definito  ou  demonstrativo  ille,- 
a,-udj  hic  haec  hoc,  iste^-ãy-ud. —  V.    Lição   Artigo. 

SINGULAR 


MASCULINO 

FEMININO 

LATIM 

PORTUGUEZ 

LATIM 

PORTUG. 

IN.  (Sujeito) 

ille 

elle 

illa 

ella 

Acc.  (Reg.  directo) 

illum 

0  (ello,  lo) 

illam 

a  (la) 

Dat.  (Reg.  indirecto) 

illui  {ili,  li) 

lhe  (er,  lures) 

illei    {illi,  li) 

lhe 

Relação  prepositiva 

— 

elle 

- 

ella 

Abl. 

mo 

comsigo 

illa 

comsigo 

PLURAL 


Sujeito 

Regimen  directo 
Regimen  indirecto 
Relação  prepositiva 
Abl. 


MASCULINO 


LATIM 


illi 

illos 

illorum 

illis 


PORTUGUEZ 


elles  (ellos) 
OS  (los) 
lhes  (lures) 
elles 
comsigo 


FEMININO 


LATIM 

PORTUGUEZ 

tilas 

ellas 

illas 

as  (las) 

illorum 

lhes 

— 

ellas 

illis 

comsigo 

205 


Advertências. —  i^  Elle^  ella^  são  formas  dos 
primeiros  does.  (  Sec.  xii),  que  tinham  por  concur- 
rentes  as  archaicas  —  el,  ello  (  n.  z=:  illnd)  e  ille. 

Renhiram  ellas  por  tempo  mais  ou  raenos  dila- 
tado, ^/desappareceu  no  fim  do  período  archaico  ; 
elhos,  elhas,  só  persistiram  no  Sec.  xii,  e  nas  primei- 
ras décadas  do  immediato  ;  a  forma  pura  tile  cahiu 
no  fim  do  xiv  ;  ello  perdeu-se  no  xv,  em  que  tam- 
bém  concorreu  uma  forma  tónica   de  el  (salveseli), 

A  forma  ello^  eile,  do  regimen  directo,  desappa- 
receu  ante  a  do  pronome  o  ( lo  ).' 

2.'  Lhe.  Deriva  de  illi  (ÚY\  huic=este,  contr.  em 
ili'huic,  d'onde  illiiic^  que  se  encontra  na  forma  illui 
nasinscrip.  romanas). 

Apresenta  três  formas  intermediarias  —  /z,  illi  e 
llú  (He,  liy,)  plural  les^  Ihis. 

Li  (le)  é  frequente  nos  primeiros  does.  da  lingua 
(J.  P.  Rib.  Dissert.);  illi  (ille)  apparecem  esporadica- 
mente nos  Secs.  xii  e  xiii ;  le,  les  ;  lie,  lies,  lly,  Ihi,  são 
variantes  graphicas  do  Sec.  xiv,  já  corresponden- 
tes a //ie,  lhes.  Ex. — que' li  pla^a  faceies  ajuda  (Rib. 
Diss.J,  llefe:(  Deus  (Canc.  Aff.),  lly  for  demandando 
(F.  de  Gravão),  antes  lhe  quero  a  mha  senhor  diíer, 
coytas  Ihi   davan  amor,    (G.  Vat.) 


*  2Í0  africano  portuguez  de  S,  Thomó  elle  =-=  é,  ;  no  indo  portuguez  de 
Diu  —  êU  (Schuchardt  —  Ereolisclie  Sínãkri);  no  portuguez  africano  do 
Brazil  —  zére,  c  o  z  prothesico  também  é  vulgar  no  francez  da  Reunião  e  da 
Mauricia  (Eumania),  e  em  alguns  pontos  de  Portugal  —  zuma  tez,  etc. 
(Vaso.  Op.  cit.) 

—   V.  Lam.  de  Andrade.  —  Ye^i,  da  decl,  latina. 


206 


Lhe  conservou- se  invariável  até  o  Sec.  xvi, 

A's  ondas  torna  as  ondas  que  tomou  ; 
mas  o  sabor-do  sul  lhe  tira  e  tolhe. 

(Camões.) 


Qual  pávida  leoa,  ferae  brava, 
que  os  filhos,  que  no  ninho  só  estão, 
sentia  que,  emquanto  lhe  buscara, 
o  pastor  da  Massylia  lh'os  furtara. 

(ID.) 


A  cidade  correram  e  notaram 
muito  menos  d'aquillo  que  queriam, 
que  os  Mouros  cautelosos  se  guardaram 
de  lhe  mostrarem  tudo  que  pediam.  * 

ÇL-D.) 

5. —  A's  vezes  o  pronome  elle  é  substituído  por 
ai  {=z  aliud)  : —  cá  nunca  jne  d^ a\  pude  nembrar .  (Sec. 
XIXI,   C.  de  Vat.) 

Note-se,  porém,  que  ai  correspondia  a  outrem^ 
e  era  já  arch.  no  tempo  de  J.  de  Barros. 

6.  —  O  pronome  o  (/o  =  1.  illo  =  illud)  é  que  de 
feito  substituiu  o  pronome  elle  no  caso  objectivo, 
desde  o  Sec.  xvi. 

7.  —  Terceira  pessoa  reflexa. —  Se  =  lat.  se. 
Atonisou-se  por  influencia  da  enclise  (id. —  me,  te). 
Formas  archaicas  —  se,  sse,  xi,  xe  (Secs.  xii  e  xni). 

Além  da  sua  funcção  reflexiva  e  reciproca,  tem 
mais  a  passivadora.  As  linguas  romanas  deram-lhe 
foros  de  pronome  pessoal. 


1  ^hrc  l,  11  =-  Ih  -  V.  LirAo. 


207 

Tem  três  casos, defectivos  em'genero  e  numero  : 

ohjoctivo— ,<í'  i 

dativo — .St;  ) 
Kiii  iria<;<n>  adv.  OU  prcp. —  «  -=  1.  sibi. 

Si  data  do  Sec.  xiv  (  =  sy,  ssi,  ssy ).  No  fallar 
do  Alemtejo  dá-se  a  nasalisação   (sim). 

8.  —  Sigo  =  1.  secum  (  cum  se  ).  Deu-se  com 
esta  variação  pronominal  o  mesmo  que  com  migo, 
tigo;  mais  se  empregava  nas  formas  pleonasticas  — 
comsigo,  comsego. 

9.  —  Segundas  pessoas  do  plural. —  O  latim 
já  tinha  uma  só  forma  nos,  vos  para  o  nom.  e  accus., 
recrescendo  a  confusão  depois  que,  pela  subordi- 
nação ás  leis  phoneticas,  os  dativos  wo^Í5,  vobis, 
transformaram-se  em  nos,  vos. 

Em  portuguez  estes  casos  só  se  diíferenciam 
pelo  o  agudo  do  nom.  e  do  caso  que  exprime  re- 
lação  adverbial   ou   prepositiva   (nós). 

Nosco  z=  1.  barb.  noscum  (cum  nobis),  con- 
tracção regular  de  nobiscum  ;  assim  como  vosco  é 
contracção  de  pobiscwn   ( nob-i-scum,   uob-i-scum). 

Nosco,  uoscOj  datam  do  Sec.  xiii. 

Que  noii  mor'en  uosco  per  boa  fé 
fui  vosco  falar. 

No  Sec.  XV  as  formas  commummente  usadas 
são  as    pleonasticas  —  comnosco,  comvosco. 

Em  Viterbo  encontra-se  uma  forma  em  vosquo, 
das  cortes  de  Coimbra  (  Sec.  xiv  )  que  também  vem 
citada  nos  Monum,  hstoricos. 


208 


IO.  —  Os  escriptores  antigos  confundiam  os 
vários  casos  dos  pronomes  pessoaes.  Ex.  requerer 
ojui:{  da  terra  que  se^ue  mim  (  Ord.  Aff.  )  ;  se  eu  fora 
a  ti  (  esta  phrase  ainda  é  muito  vulgar  no  povo  ), 
mais  que  mim,  melhor  que  si,  tenho  mais  poder  que  si  ; 
por    amor    dos    Mouros    que    lhe  peitaram    ( Fern. 

Lopes ) ^ 

n. —  Havia  também  uma  forma  correspon- 
dente ao  lat.  illoriim.  Era  lures  ( do  lat.  barb.  ), 
de  uso  mui  frequente  nos  Sec.  xii  e  xiv.  mas  que 
cedo  atrophiou-se  em  er  (her).—  Equivalia  a 
lhe  (seu),  o  (elle).  Os  exemplos  melhor  nos  con- 
vencerão. 

nem    er   costrange,   nem    veda 

(O.   Aff.) 
e   outros    er    ordinharam. 

( D.  DE  Pend.  i347 ) 
mays  quand^Qv  quis  tomar  pola  ver. 

(C.  D.  Diniz.  ) 
depois  de  comer  er  veo  espellar  outiva   ve^. 

(ID.) 

O  latim  empregava  para  o  possessivo  da  3." 
pessoa  do  plural  o  sing.  suus,  que  foi  supplan- 
tado  pelo  gentivo  illorum  (eorum).  Esta  con- 
strucção.  restricta  na  origem,  tornou-se  regra  (por 
analogia  )  sempre  que  o  nome  do  possuidor  estava 
no  plural,   qualquer   que  fosse  o  género. 


*  Nao  é  para  admirar  essee  enganos  nos  does.  e  clássicos  antigos, 
quando  ainda  hoje  ouvimos  frequentemente  desteraperos  de  igual  marca 
—  eu  vidle,  chameio  tolo,faUo  comsigo  p.  comvosco,  etc. 


209 

E  dahi  derivaram  as  formas  leur  em  fran- 
cez  (  ant.  íor  íour),  loro  cm  iíal.,  /or  prov.,  lures 
iiesp.    arch. 

O  portuguez  só  conservou  a  constracção  la- 
tina, e  com  isso  não  só  perdeu  um  elemento  de 
riqueza  vernácula,  mas  também  obriga  os  menos 
adestrados  —  para  evitar  equívocos  —  a  phrases 
de  estylo  fraldoso  e  arrastado  (  a  sua  casa  delle^ 
ele.  ) 

Os  possessivos  sendo  por  sua  definição  adje- 
ctivos dos  pronomes  pessoaes,  e  substituiado-os 
no  genitivo  ( meu  filho  —  o  filho  de  mim),  resulta 
poderem,  inversamente,  os  pronomes  pessoaes  no 
gen.  substituir  em  certos  casos  os  possessivos 
(por  amor  áe\\Q  z=  por  seu  amor  J. 

Em  —  segure-lhe  a  mão,  pendi- lhe  as  terras^  lhe 
lhes  =  sua^  suas. 

Esiudemos  os  exemplos  do  emprego  do  er  em 
todos  os  does.  antigos  ;  tenhamos  em  conta  o 
barbarismo  ainda  hoje  tão  frequente  do  emprego 
de  lhe  por  o  (  eile  )  —  pi-lhe  hoje,  amstei-lhe,  chamei-o 
tolo,  etc;  lembremo-nos  de  que  lhe  é  forma 
synthetica  de  a  eile,  a  ella  ( ainda  hoje  de  uso 
constante  —  eu  disse  a  eile,  recommende  -lhe  a  eile), 
e  de  que  era  frequente  a  omissão  da  preposição 
no  port.  antigo,  e  teremos  em  remate  a  eviden- 
cia de  que  er  não  corresponde  a  eu,  vós,  eile, 
etc,   como   diz  Viterbo,   mas  a  lhe. 

Notemos  mais  as  phrases  pleonasticas  —  lhe 
disse  a  eile,   vi-o  a  elle^  etc. 


27 


DECIMA  SEXTA  LICAO 

riexao  do  verbo  ;  conjugação ;  formas  de  conjugação 
I.  —  Vide    lição    IO  e  a    27. 

ADDITAMENTO    Á     LIÇÃO    IO 

1.0 —  O  verbo  compõe-se  de  dous  elementos  —  thema  e  desinência. 

Esta  — que  corresponde  ao  sufflxo  nas  formas  nominaes  — exprime  as 
três  pessoas,  os  dous  números  ( sem  distincção  de  género ),  os  tempos  e  os 
modos. 

2." —  Os  radicaes  sS,o  ato^ios  ou  tónicos.  Em  mover,  p.  ex-,  move  tem  o 
radical  tónico ;  e  7novia  tem-no  atono  (  =  1.  mávet,  movébaij.  Em  regra,  se- 
guimos a  accentuação  dos  verbos  latinos,  que  se  deslocava  segundo  a  natt- 
reza  da  flexão.  Kegularmente  tem  radical  tónico  as  três  pess.  sing.  do 
Ind.  presente,  e  as  do  Imperativo  sing. 

As  deslocações  da  tónica  mais  de  notar  são  : 

aj  —  Nos  verbos  em  erc  —  curvere,  gemere,  tremere, =  correr,  ge- 
mer, tremer,  etc.  Esta  deslocação  do  accento  remonta,  porém,  ao  latim  popu- 
lar, que  a  par  dessas  formas  proparoxytonas,  creara  as  oiytonas  em  ire(ge- 
mire,  iremire,  currtrej  e  pela  accentuaçfto  do  prefixo  na  época  romana  — 
^rot'i(í<!r«  =-=  ^TíwzV/^re  (prover).  Dabi  as  formas  portuguezas  construir 
( constrúere ),  destruir  (dcstruiere), /(^«er  ( f acere),  invadir,  romper,  mnverter, 
reger,  jwer,   etc,,' 


211 


Xos  does.  primitivos  da  lingua  muitos  desses  verbos  seguiam  a  flexão 
eni  í  e  vicc-versa;  arrompir,  corrire,  eacreviren,  comiste,  cingeste,  ení€ndiste,fe- 
zisfi,  meíir,  perdir,  nacire,  recibir,  etc. 

hj — Nas  l.a  e  2.*  pess.  do  plural  do  prés.  do  Ind.  da  conj.  cm  ere  :  — 
rumpimus,  rúmpitis,  =  rompemos  rompeis.  Aqui  actuou  no  port.  o  principio 
da  analogia. 

cj  —  Na  l.=^pess.  do  plural  do  pret.  do  Ind. — fécimxis,  rúpimHS'~ fi- 
zemos, rompemos. 

3.0 — Os  tempos  e  os  modos  sito  resultantes  das  modificações  do  thema 
em  suas  combinações  com  os  suíHxos  e  as  desinências. 

aj  — Modo  é  a  forma  do  verbo  tendente  a  marcar  as  differentes  ma- 
neiras da  aflirmação.  Temos  quatro  modos  —  o  indimtivo,  o  subjunctivo,  o 
condicional,  o  imperativo. 

O  Indicatico  exprime  uma  realidade ;  o  subjunctivo  a  contingência ;  o 
condicional 0.  possibilidade  ou  condição;  o  imperativo,  necessidade  ou  mando. 

O  Infinúo  é  subs. ;  oparticipio  —  adj.  verbal  ;  os  supinos  representam 
formas  adverbiaes. 

bj  —  O  t£mpo  é  a  forma  verbal  para  indicar  a  época  em  que  se  faz, 
passou-se  ou  far-se-ba  a  acção.  São  em  numero  de  três  — passado,  presente 
e  /m?m7'í>,  correspondentes  ás  três  grandes  divisões  da  duraçfto. 

cJ  — As  pessoas  sfto  também  indicadas  pelas  terminações.  São  três  para 
o  sing.  e  três  para  o  plural. 

dj  —O  part.  presente  tem  sentido  activo;  termina  sempre  em  nte  (ante, 
ente,  intej;  só  tem  flexão  de  plural.  (  V.  Liç.  37. )  Corr.  lat.  ans  fensj  antis 
fentisj . 

O  gerúndio  e  o  part.  presente  empregado  adverbialmente.  Termina 
etandofando,  endo,  indoj.  E'  invariável,  e  corresponde  ao  ger,  lat.  em 
ando  (endo). 

4.0 —  São  duas  as  vozes  nos  verbos  que  exprimem  acçfto.  A  activa  re- 
presenta o  sujeito;  apasbita,  o  objecto  do  verbo  (amo.  sou  amado J.  Perde- 
mos a  flexão  da  voz  passiva,—  a  periphrase  de  que  usamos  é  todavia  de 


212 


origem  latina  (V.  L.  27).  Na  forma  periphrastica  é  o  auxiliar  «2r  que  lú- 
dica a  pessoa,  o  numero  e  o  modo, 

Í5.0  —  A  conjugação  simples  contém  onze  formas,  daa  quaes  três  sfto 
impessoaes  (infinito,   participios presente  e  passado): 

f     1 .  °  indicativo  —  amo  (  o  imp.  cantava ) 


imperativo  — ama 
\      3.    subjnnctivo  —  que  eu  fl!77?<3 
l     4.' participio  —  amando 

["     1.0  In  d.  perf. —  amei 
-{      2.0  Subj   imp. —  que  eu  amasse 
[     3."  part.  passado  —  amado 

r     1."  luf.  — 'amar 
-{      2.°  Ind. —  amarei 
[     3.0  Condicional  —  amaria 
2. —  A  flexão  verbal  é  como  segue: 

f     3  para  o  sing. 
3  para  o  plural 
2  para  o  Imperativo 


Formas  do  presente     "i, 


F.  do  paleado 


F.  áo  futuro 


Pessoas 


Números  2 


Vozes  3 


Tempos  6 


singular 
plural 

activa 
passiva 

presente 
perfeito 
futuro 
imperfeito 
mais  que  perfeito 
futuro  perfeito 
\     futuro  anterior 

Os  trcs  primeiros  sao  chamados  pi  incipaes,  os  outros  —  históricos. 

r     Indicativo 

.,,    ,  i      Subiunctivo 

Modos  ^      _     V  •       1 

Condicional 

1^     Imperativo 
Os  tempos  do  Infinito  sfto  formas  n»minaes. 


3l3 

2.—  Todos  os  verbos  podem  reduzir-se  a  uma 
única  flexão.   As  modificações  devidas  á  lettra  final 
do  thema,   é   que   deram    origem   ás  quatro  conju- 
gações. 

E  como  o  infinito  era  que  mais  distinctamente 
apresentava  a  vogal  característica,  foi  elle  tomado 
para  typo  da  flexão  verbal. 

Para  cada  grupo  —  a  que  chamamos  conju- 
gação— temos   uma  vogal  thematica  característica  : 

l.a  — a?'  =  1.  «-re 
2.*  — er=  ].  e-re,  ere 
3.*  —  w"=  ].  ?-re,  ere 
A.^—or  (ant.  erj  =1.  ere 

A  quarta  conjugação  data  do  Sec.  xvi.  For- 
mou-se  pela  degeneração  phonetica  do  verbo  da  sq- 
%unásí  poer ,  poner ^  e  esterilisou-se  completamente. 

3. —  Quadro  synoptico  das  desinências  ver- 
BAEs. — Os  themas  verbaes  são  pois  em  a^  e,  i,  (dei- 
xamos de  parte  o  Yerbo pôr) — ama-r^  teme-v^  parti-v. 


214 


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eSeoceeSQeS-Mw~ 

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'VOâ)oa>c;a>tf)</)W'Xiw 


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1    1 

1    1    1 

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• 

1.;       c/ic^c/3 

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t/3 

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j^ 

c/j 

ai 

s  «  ,. 

O 

t"     »5     C 

o 

1 

5í  c  « 

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3 

1 

o   «  £; 

o. 

3 

i 

C^íOíC- 

s 

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í 

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"« 

i 
1 
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c 

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j 

£     1 

1 

1 

o 

S*    ^ 

•o 

1 

S      5 

9 

, 

-^       *2 

u 

í 

1 
i 

2l6 


FORMAS    NOMINAES 


Infinito  imp. — ar,  er,  ir,  or. 

Gerúndio. — ndo  (para  as  quatro  conjugações.) 

Part.  prés. — nte  (idem.) 

Part.  pass.—  do  ( id.  )  —  Os  da  segunda  conj. 
mudam   o  e  thematico    em  /  (vendido). 

Temos  ainda  no  portuguez  o  Infinito  pessoal, 
que  constitue  uma  das  nossas  riquezas  vernáculas. 
E'  idêntico  ao  futuro  do  Subjunctivo. 

Comparando  as  desinências,  ver-se-ha  facil- 
mente que,  de  facto,  como  dissemos  acima,  todos  os 
verbos  podem  reduzir-se  a  uma  única  flexão,  e  que 
as  conjugações  só  tiveram  origem  na  diíTerença  da 
lettra  final  dos  themas  (a^  e^  i.J 

4. —  Advertências  : 

I.''  INDICATIVO. — presente:  No  Sec.  xiii  as 
formas  da  i.-''  p.  do  plural  eram  —  amamus,  outor- 
gamiis,  veiidemiis^  etc.  mais  conchegadas  ás  latinas. 

Nas  2."  p.  do  plural  o  /  (de  origem  latina) 
abrandara  em  d: — di\edes,  amades.  leyxades.  uirJides, 
perdedeSj  etc. 

Essas  eram  as  unitas  formas  usadas  do  Sec. 
XII  ao  XVI  (valedes,  fareacs^  c  f acedes,  queredes, 
sodes^  passades,   sejades),  etc. 

No   Sec.  XV  é  que  começou  a  syncope  do  i' 


*  o  primeiro  doe.  em  qnc  nppr.rece  a  fórran  contractn,  mas  ainda 
n  pnr  (ia  outra,  tem  a  data  m\í\^  —  guards,  guardes-gvardades.  (Cap. 
gerae»  propostos  péla   Camará  de  SaruaremJ. 


217 


fa\Qes^  di\ees^  embarqiiees,  sooes,  avees.  daees^  etc. 
( J.  de  Barros,  etc),  que  só  conseguem  fixar-se 
no  XVI.  Vestígios  dessas  primeiras  phases  da  língua 
ainJa  conservamos  em  certos  verbos  — creAes^  iedi^s, 
tendes,   pedes^  vindes,     te. 

O  í/ primitivo  conservou-se  apoiado  no  n  e  no  r 
(  futuro  do  Gonjunctivo  e  Inf.    pessoal  —  cantardes  J.^ 

A  3.''  pessoa  do  plural  terminava  em  am  e 
em  (flexão  ê  ou  /y.  No  Sec.  xv  é  .que  começa  a 
forma    em   aõ,  om  on,   am    an. 

No  Imperf. —  a  2.^  p.  do  plural,  do  port. 
antigo  era  também  evades  (  tinhades,  haviades^  ctc.j. 
Esta  desinência  conservou-se — como  acertadamente 
pondera  A.  Coelho  —  apesar  de  íicar  em  con- 
tacto coni  a  vogal  do  thema  pela  queda  do  d^ 
sempre  que  esta  vogal  era  úf  tónico  ( ama-QS^  mata-es 
—  amadQs  maUdesJ,  etc.  :  funJe-se  com  ella  quando 
é  a  atono  (  -amáveis,  diiieis^  sentíeis ) ;  muda-se 
para  i  se  a  vogal  for  um  ó  fdi{e  is^  have-is )  ;  é 
absorvido  por  ella  se  fôr  um  i  (sentí-s,  menti-s, 
vesíi-s  ). 

Mas  nos  textos  do  tempo  de  João  de  Barros 
encontram -se  ainda  as  formas  querijiis^  faiiais  ( z=z 
queriades,  fa^tadesj. 


1  Diez-acrescenta  que  o  a  precedente  ao  d  mudou-ae  —  em  e,  na 
queda  da  dental,  quando  não  era  protegido  pelo  accento :— oa/i<rt«« — 
eaniarieín. 

28 


2l8 


'  Pretérito  perfeito. —  A  2/  pess.  terminava  em 
//  á  maneira  latina  —  escolisti,  fe{isti,  eniendistij 
deitastiy  etc.  ( Sec.  xii  ).  O  /  até  o  Sec.  xv  abran- 
dou em  d.  É  este  o  único  tempo  que  conservou 
a  dental  latina  da  2/  p,  do  plural  (amaste,  per- 
deste). 

A  3/  p.  do  plural  terminava  em  um:  — fórum, 

operum^  fecerum,   derum,  etc.   (Sec.   xu ) ;   depois, 

em   om,  on.   (Sec.    xiii  ),  e   mais  tarde  em  o:  — 

foro,    trounerõ^    até   que    no   Sec.    xvi    íixou-se  na 

forma    actual. 

Futuro. —  O  nosso  futuro  não  é  propriamente 
um  tempo  simples^  mas  os  seus  elementos  com- 
ponentes acham- se  por  tal  geito  soldados,  que  é 
impossivel  classifical-o  nos  tempos  compostos,  com- 
quanto,  e  bem  assim  no  hespanhol,  italiano,  e 
provençal,  a  desinência  apparente  do  futuro  possa 
ser  considerada  palavra  independente  :  —  port. — 
far-lo-he\^   hesp.  hacer-lo-he,    prov.   dir-vosai,    etc.^ 

Essas  expressões,  que  se  encontram  desde 
as  primeiras  phases  da  lingua  fpoder-m^edes^  leuar-vos- 
ey,  poel-os-hemos,  lepantar-s^am,  etc.)  mostram  á  evi- 
dencia  a   origem   do  futuro  dos  idiomas  néolatinos 


»  A  descoberta  deste  futuro  fel-a  o  gramm.  hesp.  Xebrissa  (1492), 
o  Ste.  Palaye,  M.  Muller,  Raj^nouard,  Diez.  etc.  confirmaram  a  expli- 
cação. Nunes  de  Leílo  foi  o  primeiro  graram.  port.  que  fez  esta 
observação;  e  A.  Ribeiro  dos  Santos  ^.P<«»,  port. ^  notou  que  o  galleziauo 
"  emprega  a  expletiva  ai  e  o  algario  ei\ 


219 


que  adotaram   a  forma   peniphrastica  latina  f  amare 
habeo  =  ainabo  ) . 


Port. 

hei 

eanto7'-ei 

besp. 

hè 

caniar-d 

ital. 

no 

canter-ó 

francez 

ai 

chanter-vÁ 

prov. 

ai  (ei 

chantar-'ài  * 

Os  verbos  diíer,  fa^er,  traier,  etc,  perdem  o  { 
no  futuro,  do  que  resulta  a  contracção  regular  das 
duas  vogaes  :-  -  dir-ei,  far-ei  tra-rei^  correspondentes 
ás  archaicas  —  di{erei,faierei,  íra^erei,  etc.  ^ 

Só  o  verbo  ja^er  conserva  hoje  a  forma  não 
syncopada  — jazerei. 

Condicional. — O  latim  desconhecia  este  modo. 
A  sua  formação  é  indentica  á  do  futuro,  com  a  dif- 
ferença  de  que  formou-se  do  imperfeito^  e  não  do 
presente, do  verbo  hai^er  (amar-ia  =  amar-hia=  amar 
havia}.   Corresponde   ao  imperf.  do  subj.  latino. 

A  desinência,  i.  e.,  o  auxiliar  em  estado  agglu- 
tinante,  também  pôde  separar-sc,  como  acontece 
no    futuro,    deixando   perceber   claramente    a   sua 


'  Em  Iodas  as  línguas  o  futuro  forma-se  pela  composiçílo. 

Em  inglez  com  shall  e  will,  ali.  com  werden,  goth.  com  ícair- 
than;  grego  mod.  (romaico)  com  theto;  no  românico  com  vegnir  (tenga 
a  venir-vireij ,  no  valachio  com  vom  (is  voin  candii-qneTO  cantar,  can- 
tarei^ V,  Bopp.    Of.  cit. —  Suney  of  languages. 

•  Da  syncope  da  vogal  final  do  Infinito  originaram-se  varias  formas 
de  fut.  querrey  p.  quererei,  querra,  quarrey,  etc.  (D.  Diniz),  guarrei  p.  gva- 
rirei  (Tr.  e  Cant.)  etc.  Em  algumas  deu-se  a  duplicação  do  r  do  Infinito — 
Tulrrá  p.  vaUrd  ;  terrey,  verrd,  etc (Cf.  Ad.  Coelho.) 


220 


origem  : —  deper-me-hias^  amar-vos-hia.,.  guysar-lh'ía 
quitar  m'end-Ú7,  etc.  (Sec.xiii.) 

E'  pois  propriamente  um  tempo  composto.  ^ 

ÍMPi'RATi/o. —  A  i^  ''itíiicia  da  segunda  pesr.oa 
do  plural  e.ri  todos  os  do-s.  anteriores  ao  Sec.  xiv 
tra  invariavelmente  em  — -  de  {=:\.  te)  : — fa^ede,  sof- 
frede,  qut:rede^  pimhade,  diiede,  metede^  ai^ede,  sa- 
bede,  amade^  sej.ides^  etc,  formas  que  ainda  vigo- 
raram nos  Secs.  xv  e  xvi,  mas  tendo  já  por  concur- 
rentes  as  syncopadas  : —  femperaae,  ordenaae,  sabee, 
pensaac,  etc,  idiníicas  ás  modernas,  pois  que  o  a  c  e 
geminados   indicam  apenas  a  syllaba  tónica. 

Também  o  Imperativo  conserva,  como  o  Indi- 
cativo, algumas  formas  relembradoras  das  archaicas 
em  de :  crede,  íède^  vede,  ride,  ide,  tende,  vinde,  ponde, 
sede. 

O  d  persistiu  geralmente  :  i.°  quando  o  thema 
compunha-se  de  uma  única  vogal  (i-de.  i-te)  ;  2." 
quando,  por  motivo  da  qiicda  da  consoante  média,  o 
thema  ficou  reduzido  em  latim  á  parte  inicial  da  raiz 
ride  ^  ri  (d)  ete,  vê-de  =  vi  (d)  ete;  :  3  °  quando  o  / 
latino  vinha  protegido  por  uma  nasal   {tende,  ponde.) 

SuBjuNCTivo. — F.  arch. — prés. — seiayes,  ameys, 
ouçayes,  Itáyes  (Sec.  xvi)  ;  vçn^.—fosseyes,  amasseyes, 


*  o  couJi  pôde  ser  substituído  pelo  mp.  do  Ind.,  e  os  nossos  clás- 
sicos empregaram  de  profereacia  o  inais  que  perfeito  : — sem  outra,  vurcc 
nem  despacho,  me  dera  por  muit)  conic  ite.  (Vieira)  ;  no  moa  próprio  vierc- 
cifíieuio  achara  razões  de  me  comolar.  (Id.) 


221 


oiivisseyes.  As  f.  do  futuro  já  se  encontram  no 
L.  Cons.,  em  J.  Claro,  F,  Lopes,  etc. 

Infinito. —  E'  o  portuguez  a  única  língua  que 
tem  a  propriedade  de  dar  inflexões  de  pes-^oa  e  nu- 
mero aos  infinitos.  E'  um  formoso  e  singular  idio- 
tismo, «  que  tem  a  vantagem  de  tornar  o  nosso 
idioma  mais  breve  e  elegante  ».  (V.  Syniaxe  ) 

Participio  presente. —  O  actual  part.  presente 
port.  forma-se  do  ablativo  do  gerúndio  latino:  (andOj 
endo)  ;  mas  até  o  Sec.  xiv  tirava  origem  no  tempo 
correspondente  em  latim,  e  o  portuguez  antigo  oífe- 
rece-nos  muitas  amostras  desses  participios  em  — nte 
ainda  no  Sec.  xvi  : — entrante  aa  casa;  os  quaes 
tementes  Nostro  Senõr  ;  a  Sineta  Escriptura  de  Deus 
di^ente  ;  eu  temente  minha  morte,  rompente  o  alifor 
da  manhã  (Nob,  D.  Pedro);  as  perlas  imitantes 
a  còr  da  Aurora  {  Canc.  ). 

Hoje  estas  formas  são  consideradas  simples  ad- 
jectivos ou  substantivos,  como  já  a  alguns  delles 
acontecia  no  latim  e  no  port.  antigo:  amante , peniten- 
te, consoante,  escrevente,  obediente,  p,  edominante,  ca- 
minhante, semente,  tirante,  nascente, —  occidente, 
poente,  oriente,  lente,  etc.  A  águia  mais  voantc,  escre- 
veu Pereira. 

Modernamente, Cc^millo  e  outros  teem  revivido, 
c  ainda  bem,  o  emprego  desses  participios. 

Participio  passado. —  Até  o  século  xv,  o  por- 
tuguez seguia  também  o  latim  na  desinência  do  part. 


232 


passado  dos  verbos    da  2/  conj.  (derivados  em  ã  e 
/,  e  flexão  cons.  ) 

Ex.  :  estabeleçudo,  perdudo,  metiido,  perduda,  te- 
hudo^  conhoçudo,  recebudo,  venduda^  temiido,  avuda^ 
tenda,  responduda,  etc.  Só  no  Sec.  xvi  é  que  se  intro- 
duziu a  forma  em  ido  por  analogia  da  3.*  conjuga- 
ção : —  vencido^  collidas,  estabelecido,  etc,. ou,  talvez, 
por  haver  prevalecido  a  vogal  accentuada  da  forma 
completa  —  uiins,  dando  em  resultado  a  perda  do  u. 

Na  linguagem  hodierna  ainda  temos  exemplos 
da  forma  archaica  em  teúdo,  mantendo,  conteúdo,  sa- 
nhudo,  etc,  mas  considerados  simples  adjectivos, 
excepto  na  phrase  mulher  teuda  e  manteuda. 

Esses  participios,  ainda  mesmo  com  significa- 
ção activa,  concordaram,  até  o  Sec.  xvi,  com  os 
substantivos  em  género  e  numero  :  quantas  culpas  ti- 
nham commetúáas,  (F.  y[.  Pinto),  ser uiços  que  lhe 
tinham  feitos  ( F.  Lopes ),  também  tmham  mortos 
muitos  e  bons  soldados  (  Pr.  L.  de  Souza)  ^ 

No  portuguez  antigo  era  de  uso  frequente  o 
participio  do  futuro  ( enpolvedouro,  enxugadouro, 
esperadouro,  miradouro,  travadouro,  escorre gadouro, 
etc.  ),  de  que  subsistem  apenas  algumas  formas, 
mas  como  adjectivos  ou  substantivos  :  —  duradouro, 
bebedouro,  espojadouro,  ancoradouro,  lavadouro,  7na- 
tadouro,  suadouro,  etc.  Estes  substantivos  ainda  in- 
dicam uma  acção  futura. 


Hoje  S(5  variam  com  o  verbo  «cr.  { 


223 


O  part.  do  futuro  era  também  expresso  no  por- 
tuguez  antigo  por  uma  forma  em  —  ondo  ( recebondo 
=  capaz  de  receber,  etc.  ),  da  qual  conservamos 
vestigios  em  —  nefando^  execrando^  miserando^  vene- 
rando, educando^,..,  Francisco  Manoel  do  Nasci- 
mento ainda  empregava  essas  formas,  e  mui  fre- 
quentemente ;  hoje,  porém,  tem  cabido  em  desuso,  e 
são  substituídas  pelas  em  —  avel^  ( execravel^  mi- 
serável, invejável^  admirável^ ) 

5. — Muitos  verbos  portuguezes  teem  dous  parti- 
cipios,  um  regular  e  outro  irregular.  Este  em  geral, 
é  forma  contracta,  ou  mais  conchegada  á  latina 
correspondente. 

PRIMEIRA  CONJUGAÇÃO 


Aceitado, 

aceito. 

Affeiçoado, 

aífecto. 

Agradado, 

grato. 

Annexado, 

annexo. 

Apromptado, 

prompto 

Captivado, 

capto. 

Cegado, 

cego. 

Descalçado, 

descalço, 

Entregado, 

entregue, 

Enxugado, 

enxuto. 

Exceptuado, 

excepto. 

Escusado, 

escuso. 

Expressado, 

expresso 

224 


Expulsado, 

expulso. 

Findado 

findo. 

Fixado 

fixo. 

Fartado, 

farto. 

Ganhado 

ganho 

Gastado, 

gasto. 

Ignorado, 

ignoto. 

Infestado, 

infesto. 

Isentado, 

isento. 

Juntado, 

junto. 

Limpado, 

limpo. 

Livrado, 

livre. 

Manifestado, 

manifesto 

Matado, 

morto. 

Misturado, 

mixto. 

Molestado, 

molesto 

Occultado, 

occulto. 

Pagado, 

pago. 

Professado, 

professo. 

Quietado, 

quieto. 

Salvado 

salvo 

Secado, 

secco. 

Segurado, 

seguro. 

Sepultado, 

sepulto. 

Soltado, 

solto. 

Sujeitado, 

sujeito. 

Suspeitado, 

suspeito. 

Vagado, 

vago. 

22  5 


Ha  alguns  archaicos  :  —  rapto  ( Camões,  Fr.  L, 
de  S.,  Sá  iMenezes,  etc.  ),  e  hoje  só  subst.  ou  adj.  ; 
bolo  ^  embotado  (  Ferr.  Põem.  Lus.  Son.  41),  etc, 
z^o/Zo  =  voltado,   etc... 

SEGUNDA     CONJUGAÇÃO 


Absolvido, 

Absorvido, 

Accendido, 

Agradecido, 

Attendido, 

Comido, 

Conhecido, 

Contido, 

Convencido, 

Convertido, 

Corrompido, 

Cozido 

Defendido, 

Descrevido, 

Elegido, 

Enchido, 

Envolvido, 

Escurecido, 

Estendido, 

Incorrido, 

Interrompido,, 

Mantido, 


absoluto,   absolto. 

absorto. 

acceso- 

grato. 

attento. 

comesto  (ant.) 

cognito. 

conteú  io   (  ant.  ) 

convicto. 

converso. 

corrupto. 

couto 

defeso. 

descripto. 

eleito. 

cheio. 

envolto. 

escuro. 

extenso. 

incurso. 

interrupto. 

mantendo  ( ant.  } 


39 


226 


Morrido, 

Nascido. 

Pervertido, 

Prendido, 

Recosido, 

Reconhecido. 

Resolvido, 

Retido, 

Revolvido, 

Rompido, 

Submettido 

Suspendido, 

Tido, 

Torcido, 

Volvido, 


morto. 

nato. 

perverso. 

preso. 

reconto  (  arch. ) 

recognito  (ant.) 

resoluto. 

retento. 

revolto. 

roto. 

submisso 

suspenso. 

teudo  (  ant.  ) 

torto. 

volto  (  ant.  ) 


Além  destes  participios,  ha  arrepeso^  de  arre- 
pender ;  colheita^  de  colher  ;  comesto,  de  comer  ;  con. 
cesso,  de  conceder  ;  coieito,  de  cozer  ;  despeso,  de 
despender,  etc. 

As  segundas  sSo  formas  syncopadas  ou  contrahidas  das  regu- 
lares. Sao  de  origem  edudita,  [em  geral,  econservaram-sc  como  adjectivos 
verbaes;  e  é  esta  a  razSo  por  que  as  primeiras  conjugam-se  com  os  aux.  ter 
e  haver,  e  estas  principalmente  com  ser  ou  estar,  f  Dissoluto  devoluto, 
difuso  afflicio,  etc. ) 

TERCEIRA     CONJUGAÇÃO 


Abrido, 

Abstrahido, 

Affligido, 


aberto. 

abstracto. 

afflicto. 


227 


Assumido, 

Cobrido, 

Compellido, 

Concluído, 

Circumduzido, 

Ditfundido, 

Digerido, 

Dirigido, 

Distinguido, 

Dividido, 

Encobrido, 

Erigido, 

Excluido, 

Exhaurido, 

Eximido, 

Expellido, 

Exprimido, 

Extinguido, 

Frigido, 

Imprimido, 

Incluido, 

Infundido, 

Inserido, 

Instruido, 

Opprimido, 

Possuido, 

Repellido 

KepremidOj 


assumpto. 

coberto. 

compulso. 

concluso, 

circumducto. 

diffuso. 

digesto. 

directo. 

distincto. 

diviso. 

encoberto. 

erecto. 

excluso. 

exhausto. 

exempto. 

expulso. 

expresso. 

extincto. 

frito. 

impresso. 

incluso. 

infuso. 

inserto. 

instructo. 

oppresso. 

possesso. 

repulso. 

represso. 


228 


Submergido,  submerso. 

Supprimido,  suppresso. 

Surgido,  surto. 

Tingido,  tinto. 

6. —  Muitas  das  formas  irregulares  dos  partici- 
pios  são  hoje  desusadas  :— »  rapto  (de  arrebatar),  boto 
( de  botar ),  volto  ( de  voltar ),  absoluto  (de  absol- 
ver ),  colheita  (  de  colher),  comesta  (  de  comer  ),  con- 
cesso  (  de  conceder),  coseito  (de  cozer ),  despe{0  (de 
despender),  escolheita  {  áe  escolher),  reprehenso  (de 
rcprehender  ),  tolheito  (  de  tolher  ),  acqiiisito  (  de  ad- 
quirir ),  assumpto  (  de  assumir),  cincto  {  de  cingir  ), 
digesto  (  de  digerir  ),  extorto  (  de  extorquir  ),  instructo 
(  de  instruir  ),  escreuido  (  de  escrever  ),  nado  (  de  nas- 
cer ),  etc. 

7. —  Muitos  desses  participios  irregulares  são 
hoje  subst.  ou  adj.  verbaes  ;  e  o  seu  estudo  é  de  in- 
teresse porque  nos  mostra  evidentemente  a  influen- 
cia do  accento  latino  na  formação  do  nosso  idioma 
-'  actOj  colheita^  escripto,  facto j  annexo,  feito,  reduclo, 
digesto,  contracto,  prognesso,  etc 

8. —  A  QUARTA  CONJUGAÇÃO. —  O  tj^po  desta 
conjungação  é  o  verbo  j7or  (arch.  poner  ant.  pòer  z=z 
\at.  vonerej.  Pertencia  á  2/  até  o  Sec,  xvi,  mas 
a  qaéda  do  n  e  a  consequente  acção  do  o  sobre 
o  e  obrigou  a  creação  de  um  novo  paradigma 
em  or. 


^^9 

The  ma  pon 

Ponh-o 

P-.L--S 

r-ôe 
P:>-aos 

ro-cm 

O  n  nasalou-se  ao  passar  para  o  portugaez,  mo- 
Ihandose  por  fim  na  i/'  pess.  sing.  (nhj.  Deu-se  o 
mesmo  que  com  /er,  jnr,  eíc.  (tenho,  venho  =  lat. 
teneOy  venio). 

Já  vimos  na  phonologia  que  antes  do  e  c  áo  i  palatal  e  7i  e  o  Z  mo- 
lham-se. 

Os  antigos  escreviam  põemos,  põeis,  põeetn.  ^ 

No  imperfeito  apresenta  o  verbo  pôr  flexão  já 
particular  aos  verbos  /ét,  vir  : — punha,  punhas,  pu- 
nha, púnhamos,  púnheis,  punham  (  Zp.  linha,  pinha, 
etc.)  A  forma  antiga  era  pónia,  o  /  palatal  foi  repre- 
sentado graphicamente- pelo  h  (ponha).' 

No  ímperf.  e  perf.  do  Indic.  e  no  subj.,  prés.  o 
o  do  radical  muda-se  em  u  — punha^  pui,  pudesse. 
Esta  transformação  era  frequente  principalmente 
quando  o  o  era  longo  (f urar  z=  for  are,  cumprir  =  com- 
plere,  tudo  =  toium,  etc.  ),  assim  como  o  era  a  do  e 
em  /  (tinha,  vinha J. 

A  i."  pessoa  do   prct.  perf.   é  a  que  apresenta 


*  E  bem  assim  poeria  poesto,  etc. 

•  Niáe  lylwnologia. 


23o 


mais  desvivação  (lat.  possui,-sti,-tJj  mas  é  preciso  ad- 
vertir que  ella  passou  por  varias  transformações  até 
íixar-se  :  —  pusy  (pusij,  piige,  pugy  (pugi)^pose^  pôs, 
pús  (  Sec.  XIV.  ). 

Part.  passado  —  posto  =  1.  pos  ( i )  futn. 

A  quarta  conjugação  formou  uns 24  verbos,  mas  hoje  devemos  consi- 
deral-a  esterilisada,  morta. 

9.-- Venhamos   agora    aos   verbos  irregulares. 

PRIMEIRA    CONJUGAÇÃO 

Esta  conjugação  tem  apenas  dous  verbos  primi- 
tivos irregulares  : — estar  e  dar.  Todos  os  mais  (como 
encommendar^  sobreestar^  etc.)  são  com  elles  com- 
postos, e  seguem  o  mesmo  paradigma. 

Dar. — (  =  1.  dore). —  índ.  prés.—  dou,  dás,  dá, 
damos,  dais,  dão  =  lat.  do,  daSj  dat,  damus,  datis, 
dant. — Pret.  perf.  : — dei  deste,  deu,  demos,  destes, 
deram  =  lat.  dedi,  dedisti,  dedit,  dedimus,  etc. —  Subj. 
prés.  : — dè,  dês,  demos,  deis,  dêem  =  lat.  de-m,  de-s, 
de-tj  de-mus,  de-tis,  de-nt. 

Formou-se  pois  regularmente  pelo  molde  latino, 
sendo  apenas  de  notar  a  queda  do  d  médio  fdaes  = 
da-t-is,  demos  =  de-d-imus,  deste  =  de-d-isti,  etc. 

Estar. — (1.  esiarej.  Formou-se  do  mesmo  modo 
que  o  verbo  ser.  Ind.  prés. —  estou,  estás,  está,  etc. 
=  1.  sto,  stas,  stat,  etc.  ;  Pret.  perí.—estipe,  estiveste, 
estepe,  etc.  —  esteti,  etc.  Subj,  prés.---  esteja,  estejas, 


23l 


esteja^  etc.  formado  por   analogia    com   seja  ;  Snbj. 
imp. —  estivesse,   estivesses,    etc. 

Da  terceira  pess.  sing.  do  pret.  imp.  do  Ind. 
acha-se  a  forma  sia  (e  o  dito  Jui^  que  presente  sia  per- 
guntou —  XIV  Sec.  Rib.  Diss.J  ;  no  Subj.  prés.  fazia 
estê^  estes,  este,  esternos,  esteis,  estêm,  correspondentes 
ao  latim  stem,  stes,  stet,  etc.  ;  mais  tarde — sia,  siades, 
etc...  Aquellas  formas  ainda  eram  as  empregadas  por 
S.  de  Miranda  e  Gamões.  Em  Miranda  não  se  encon- 
tram as  modernas  esteja^  estejam  ;  Camões  foi  o  pri- 
meiro a  empregal-as. —  Cfr.  gall.  estea  s  estia, —  sea, 
sia. 

Os  verbos  acabados  em  ear  intercalam  um  i 
entre  as  duas  vogaes  thematicas  nas  três  pessoas  do 
sing.  e  terceira  do  plural  do  prés.  do  Ind.  e  do  Subj., 
e  na  segunda  sing.  do  Imperativo  : — discretear,  dis- 
creteio, discreteias,  etc.  Esta  intercalação,  porém, 
não  é  forçosa  ;  e  muitos  indicam  o  alongamento  do 
e  por  um  accento  circumflexo  fdsicretêo),  assim  como 
alguns  escrevem  o  Infinito  com  /  (ceiar,  discreteiar) 
cessando  assim  a  irregularidade. 

Crear  só  é  irregular  no  prés.  do  Ind.  e  do  Subj. 
—  crio,  crias,  cria,  criam,  crie,  cries,  etc.^ 

A  irregularidade  das  segundas  pessoas  do  Ind. 
prés.  estende  sempre  ás   do  Imperativo. 


*  Faz  também  criar  uo   iufiuito     A  differença  do   sentido  é  mo 
derna. 


232 


SEGUNDA   CONJUGAÇÃO 

Caber  ( lat.  capere^  tosiiar  )  ^  Ind.  prés.—  c^z/Z^o, 
cabes  ^  Cábe,  ele...  A  i.^  pess.  formou-se  regular - 
mc.ue  á^àccpio.  Pret.  pe.  í. —  coube,  coubeste^  cj;;^", 
etc.  Coube  p.  caube  =  lat.  capui^  e  esta  transformação 
deu-se  nos  perf.  latinos  em  ui :  —  soube  (  sapiii ), 
prouve  (  plabuit ),  houve  (  habuit ),  poude  (  potui  ), 
trouxe  ant.  trouve  {lax.  vulg.  tracsui  traxi),  e  na  f. 
arch.  jouve,  jougue  (  ~  ].  jacui). 

Crer  (ant.  creer  =  lat.  crédere^)  Ind.  prés. 
—  creio,  créSy  crê,  etc.  =  1.  credo,  —  es,  —  <?/,  etc, 
pela  queda  da  consoante  média,  que  só  se  conservou 
na  2."  pess.  plural  do  !nd.  e  do  Imp.,  para  evitar 
equivoco  com  a  do  sing.  (credes,  crede J. —  Ind, 
perf. —  cri,  creste,  creu,  etc,  de  credidi^  etc,  con- 
trahido  regularmente  em  cr^^di ,  donde  (  pela  xjuéda 
do  d  médio)  —  crei,  creiste,  etc,  port.  ant. 
(  Sec  XVI ),  crii  (  e  bem  assim  ///,  corrii,  vii,  etc) 

O  /  epenthesico  em  creio  serve  para  evitar  a 
diphthongação,  (Cp.  leio,  etc) 

Imp. —  crè,  crede. 

Dizer  (  =  1.  dicerej. —  Ind.  prés: —  digo,  di{es, 
di{  (ant.  dige ).  etc  =  1,  dico,  dices,    etc  Pret.  perf. 


*  Que  esta  ó  ;\  verdadeira  ètyinoloçia  provam-no  os  antigos  textos. 
Ex. :  Sse  obrigou  de  estar,  e  a  caber  toda  rem,  que  os  ditos  Juizes  urvidos 
julgasnem  (Eliic.  Vit.,  doe.  1389). 

'  Crédere  =  ered're.  Pela  perda  da  consoante  média  —  crer  fej.  Vrer 
já  é  do  Sec.  xvi. 


233 


—  disse,  disseste,  disse,  etc.  (  ant.  dii,  dixe,  dixeste, 
f.  pop.  mui  frequentes  nos  escriptores  do  Sec.  xvi) 
=  I.  dixi,  dixisti,  dixit,  etc. —  O  futuro  e  o  condi- 
cional formaram-se  com  a  forma  atrophiada  do  Infi- 
nito ( dir  )  ;  —  direi,  -ás,  -d,  etc, ,  diria,  ■  as,  etc.  No 
Sec.  xvT  ainda  se  encontram  as  formas  comple- 
tas —  di^erei,  diferia,  Part.  pass. —  dito  =  I.  dictus. 
Di{  por  dice  disse  (  Sec.  xvi )  como  pla{  p.  pld^s, 
etc.  Dii  que  por  diiem  que.  (  S.  de  M.  ) 

Fazer  (lat.  f acere )  —  Ind.  prés. —  faço,fa-{es^ 
fa\,  etc.  =1.  facio,  faces,  facet...  Fais  p.  fa{eSy 
Sec.  XVI  :  olha  o  que  fais  (S.  de  Mir.)  A  i."  pess.  sing. 
conservou  o  c,  em  consequência  do  /da  forma  latina 
( facio J. —  Pret.  perf. — fii,  fiieste,  fe^,  filemos, — 
=  lat.  fecit  fecisti  fecit,....  A  i.*"  pess.  sing.  mudou 
o  e  thematicò  em  /para  distinguil-a  da  3.^  ;  a  2.*  do 
sing.  e  as  do  plural  adoptaram  o  /  por  analogia. 
O  futuro  —  (farei, -ás,  etc.  )  e  o  condicional  (fa- 
ria,-as,  etc. )  eram  tanbem  (  como  nos  verbos  di^er 
e  trazer J  insyncopadas  até  o  Sec.  xvi  ( f acerei, 
f aderia  ). 

Haver  ( haber,  lat.  habere)  —  Ind.  prés. —  hei^ 
has,  ha,  havemos  (hemos),  haveis  (heis),  hão  ^  lat.  ha^ 
beo,  habeSj  habet,  habemus,  habetis,  habent.  (Ha-h-eo=i 
hai,  hei  :  ha-be-nt  =  han,  hã,  hão )  —  Pret.  perf.  — 
houpe  houveste,  etc,  r^l.habui,  habuisti,  habuitj...  ; 
arch.  oube,  ouve,  ouvo  ( Trov.  e  Cant.  ),  iivi,  tiveste 
(  D.    Diniz  )  ;    ovi,   ove  (  Rib.  diss.  )  —  Subj.  prés. — 

80 


2  34 

fórma-se  do  tempo  correspondente  latino  :  —  haja 
(ha-b-eam  ),  hajas  (  ha-b-eas  ),  etc;  Sub.  imp. —  do 
mais  que  perf.  latino: —  houuesse  (  habuissem  ),  hou- 
vesses (  habiiisse  ),  etc. 

No  port.  ant,  o  infinito  não  tinha  h  inicial 
(  aper  ),  e  d'ahi  —  avees^  aveeyes^  avede^  etc. 

Part.  pass. —  havido  {  =  \.  habitum  )  ;  ant.  ha- 
pudo  -—  1.  barb.  habutum. 

Heis  p.  haveis  no  futuro,  e  hemos  p.  havemos,  etc,  é  do  Sec.  xvi, 
bem  como  também /íííí  p.  havia  no  modo  condicional:  —  se  os  ódios  antre  vos 
crescem  comer  vos  fieis  a  bocados  ;  Si  la  deuda  acaso  es  líuestra  Pagar  la  hemos 
ain  dineros ;  sen,  ela  ter  se  hia  mal. 

Jazer  ( l.jacere). — Ind.  prés. — ja^o  {ant.  jaço  j, 
ja^es^  ja^^  etc. 

A  primeira  pess.  é  desusada. —  Pret.  perf.  — 
ja{i^  jazeste ( z=^  jacidt^  etc.  ),  é  forma  mod.  ;  a  an- 
tiga éjoiíue,  joupeste,  etc,  por  jougue  (1,  jaukit  p. 
jacidt ).  C  f r .  prouve . 

Ja^er  era  verbo  muito  usado  antigamente  (  até 
o  Sec.  XVI ),  no  sentido  de  estar ^  estar  situado,  assen- 
tado ou  deitado,  áQ  permanecer  na  mesma  posição,  etc. 

A  moça  ensinou  mais 
simpreza  sauta  ejoiíve, 

Q  clioraudo  em  terra  um  tempo,  perd ilo  houve. 
M.  Eo,  ExcANT.  502. 
Serrana  onde  jouoeate  ? 

ViLANCETE  VI. 

Tudo  espirito  e  tudo  é  vida 
mal  jard  a  morte  escondida. 

(  Tu.  x.xn.  ) 

Cal  onde  ora  jaço. 

8.  DE  M.  ixm. 


23-5 


Ler  (  ant.  !eer  =  \.  légere  ). —  Conjuga-se  por 
crer.  Leio,  lés,  /è,...  =  le-(g)-o,  le-(g)-es,  le-(g)-et,...; 
li j  leste,  leu,...  =\e-{§yi,  le-(g)-isti,  le-(g)-it,...;  lede 
=  íe-(gi)-te. 

Perder  (lat.  pérdere ).-^  Ind.  prés.  — percOj 
perdes,  perde.,  etc.  =  I.  perdo,  perdes,  perdei,  ... 
A  mudança  do  í/ latino  em  c  ( i."  p.  do  sing.  )  é  rara  ', 
todavia  delia  temos  amostras   (  ant.  arcer  =  arder  J. 

Poder  (  lat.  pótere ) —  Ind,  prés. —  posso,  po- 
des, etc.  =1.  possum,  potest,  potet,  ...  Ind.  perf.  — 
pude,  pudeste,  ponde,  etc.  =z\. posui,^posuisli,  posuit,... 
No  port.  ant.  as  formas  das  primeiras  pess.  sing.  do 
prés.  afastavam-se  da  latina  e  seguiam  o  thema  do 
Infinito  : —  podi,  pude  (  D.  Din.  ),  puyd,  pude  (  Tr.  e 
Gant.  )  ;  a  terceira  pess.  fazia  podo,  pudo  ( G.  Vic. 
etc.  ) 

Não  tem  Imperativo,  comquanto  em  alguns 
clássicos  se  encontrem  exemplos  do  seu  emprego  : — 
Si  quereis  ser  omnipotentes  podei  só  o  justo  e  o  licito. 
(  Vieira  ). 

Y^KxzEK  {\.  plácere )  —  Ind.  prés. —  pra^  (ant. 
piai);  Ind.  perf. — prouve  p.  prouge  ( placui ) .  Cp. 
caber,  trazer. 

Era  frequente  o  emprego  âas  íóvmas  plougue, 
etc,  Inf.  pla^er  {LW.  de  Linh.,  Ord.  AfF.  etc); 
mais  tarde  —  prouguer,  prouguesse.  Só  no  Sec  xv 
é  que  appareceu  pela  primeira  vez  a  forma  actual 
prouve,  mas  a  par  deplouge. 


236 


Este  verbo  é  hoje  unipessoal  :  no  port.  antigo, 
até  o  Sec.  xvi,  só  do  part.  pass.  é  que  não  ha  exem- 
pios  :  —  assi  IQ  praza  que  seja^  prazerá  a  Deus,  si 
prouver,  prouvera^  prouvesse^  prazendo,  etc. 

Também  empregavam-no  interrogativamente, 
quando  se  desejava  se  repetisse  o  dito  por  o  não 
haver  entendido  (  =  fr.  phit-il?) 

Querer  (lat.  quaerere  )  —  Ind.  perf. —  qui^y 
qui^esie,  qui{^  etc.  Qui{  é  (órma  abreviada  das  anti- 
gas quigi,  quigo\  qui\o,  que  no  Sec.  xvi  escrevia  se 
quis.  —  Subj.  prés.   —  queira.,  queiras^  etc. 

Não  tem  Imperativo,  posto  o  houvesse  empre- 
gado o  Padre  A.  Vieira  ( Serm.  IV.  297  )  :  — queirei 
só  o  que  podeis. 

Quês  é  f.  poj).  contrahida  de  queres  (  S.  de  Mir. 
.  G.  V.);  Csisi.  quies  p.  quieres ;  gall.  quês.  Queip, 
querei^  nos  Autos  de  Prestes. 

Requerer  (lat.  requirere j  —  Ind.  prés. —  re- 
queirOj  requeres,  requer,  etc...  O  i  da  primeira  pess. 
sing,  foi  intercalado  para  reforçar  a  vogal  thematica. 

Saber  (  lat.  sapére  ) —  Ind.  prés. —  sei^  sabes, 
etc.  ;  Ind.  perf.  — soube,  soubeste,  etc.  (Cp.  coube, 
houve  J ;  Subj.  prés.  —  saiba,  saib.is,  etc.  (  1.  vulg. 
sapeam,  saepam). 

Sei  (  Cp.  hei)  é  i".  contr.  de  sabi  (  sa-b-i  ). 


3-37 


Ser  (  f.  rom.  essere  —  !.  esse  ^ ) — Forma-se  como 
cm  latim  de  duas  raízes  —  es  efu. 
A    1/   fórma  : 
i.° —  O  presente   e  o  imperfeito  do    Indicativo 

—  sou  (  siim  ),  és  (  es  ),  é  (  est ),  somos  (  sumus  ), 
^ois  ( são ). 

2.° —  O  futuro  e  o  condicional  :  serei  seria. 

3.° —  O  Imperativo  - —  sê,  sede  =  es-5^,  es-sete, 
ou  de  sedere. 

4.'' — O  Subj.  prés.,  que  se  não  formou  do 
tempo  correspondente  no  latim  (sim,  sis,  5//,  etc.  ) 
mas  das  formas  archaicas — si-em,  si-es,  si-eí,  si-a- 
miis  si-a-tis,  si-enl. 

5.° —  Participios  —  sendo.,  sido.  O  presente  = 
\sii.senSj  entis  QUQ  só  apparece  n  js  compostos  f^^^- 
sens,  prae-SQU^),  port.  arch.  : — seente  \  o  passado 
formou-se    analogicamente,    e   não    havia  em  latim, 

A  raiifu  fórma  : 

I /■ —  O  pret.  perf.  e  mais  que   perfeito  do  Ind. 

—  fui,  foste.,  foi,  fomos,  fostes,  foram  =  lat. — fui 
fuiste,  fuit,fuimus,fuistis,  fuerujit ;  fora,  foras,  etc. 
=  fue''am,  fueras,  fuerat,  ... 

2.° —  O  Imp.  e  futuro  do  Subj. —  fosse,  fosses, 
fosse,  etc.  —lat.  fuissem,fmsses,  fuisset,  etc.   O  fu- 


*  Desde  o  vi  Sec.  os  verbos  defect.  latinos  terminavam  cm  —  re  ua 
linguagem  popular,  por  analogia  aos  verbos  da  segunda  conj.  :  poiere,  volere, 
inferrcre,  etc.  p.  posise,  telle,  iiiferre.  Ced  cstis  fui  et  quodsum  essere  oMtf. 
VnJfaldo  episcoptis  essere  d^uisset.  {  Grutcr  — ^  Imcrip.  Rom.  j 


238 


turo  deriva  do  infinito  futuro  latino  — fore  (amatiim 
fore^  illud  spero,  me  fore  immortalem.  (  Cie.  ) 

FORMAS  ARCHAiCAs. —  Comparando  a  conjuga- 
ção latina  com  o  arch.  port.  torna-se  mais  manifesta 
a  identidade  de  formas. 

Ind.  prés. —  i.*  pess.  sing.  sum^  som,  soon,  soo, 
sam^  san  (D.  Diniz,  Liv.  de  Linh.,  G.  Rez.,  Sá  de 
Mir.,  G.  Vic,  etc),  soon  (Gane.  d'Ajuda),  soô  (Gane. 
da  Vat.),  são,  sejo  (Cancs..  G.  Wic.)  Son  apparece  pela 
primeira  vez  em  um  doe.  de  126 5. 

São  p.  sou  também  foi  empregado  por  Sá  de  Mi- 
randa e  Gamões  ;  e  hoje  ainda  é  usual  entre  os  Mi- 
nhotos. 

Na  3."  p.  é  de  notar  a  forma  est  a  par  de  é  nos 
autores  do  xiii  e  xiv  Secs.,  que  parece  mais  era 
usada  antes  de  palavra  que  começava  por  vogal:  — 
est  opraso  salido;  est  o  meu  sen  (  D.  Din.  ).  Em  B.  Rib. 
fmen.  e  moça)^  Moraes,  Palm  etc,  encontra-se  er<?5 
em  vez  de  és.  E^s  por  fim  reduziu-se  em  é  por  ser 
o  5  característico  da  2'.  pess..  e  assim  fixou-se  a 
forma. 

No  plural,  a  i.^  pessoa  fazia  também  sumus  [so- 
mos );  a  2.^  era  soedes,  sooes  (L.  Gons.),  sodes,  (Fr.  J. 
Glaro  e  G.  Vic,  em  cujas  obras  também  se  encontra 
a  forma  sondes)^  até  que  com  J.  de  Barros  apparece 
a  forma  actual  —  soes  (  =  so-d-es  ). 

Aqui  houve  completa  desviação  do  typo  latino 
—  estis  :  a  forma  port.  moldouse  na  correspondente 


239 

latina  do  Subj. —  sitis.  A  3/  pess.  passou  por  varias 
evoluções  : —  sunt  (  Sec  xiii ),  sufHy  som,  son^  sam 
(Sec.  XIV,  R.  de.  S.  B.,  Rib.  Diss.,  Canc  d'Aj.,  Trov. 
e  Cant.j,  são  ( já  usada  no  xiv  Sec.  ). 

No  pret.  imp.  é  de  notar  a  2.^  p.  pi. —  erades  r=z 
1.  eratis,  depois  erais.  f  Freis  data  do  Sec.  xvi ),  e  a 
forma  5/<3,  como  se  vê  de  does.  do  Sec.  xiv  ,  para  a 
3.^  (e  ojui^  que  presente  sia  — era  — perguntou). 

Esta  ultima  forma  explica-se  pela  synonymia 
entre  esse,  stare  e  sedere.  Sia  e  seia  p.  siia  ( lat.  sede- 
bat ),  imp.  de  seer  (  sedere  )  —  em  Sá  de  Miranda  ; 
Cp.  mais  sé,  see  sei  p.  é,  —  formas  muito  usadas  an- 
tigamente fez/ 5^/0,  íí/  ses,  elle  see,  sei,etc.,  Sá  de 
Miranda,  G.  V.  )  : —  tu  que  sés  na  celdj,  qual  fizeres 
tal  espera  (  Prov.  pop  ),  quem  bem  see  nam  se  leve, 
pê  o  mar  e  sê  na  terra  ( Id.  )  ;  seiaya,  seiayes,  etc.  = 
éreis  (  Sec.  xvi). 

O  pret.  perf.  tem   a  forma  seve  por  fui,  que  se 
encontra  no   Canc.  de  D.  Diniz,  a  par  de  foy,fuy, 
fui,  Fu  (  Foros  do  Cast.  ),fui  (  doe.  1298  ),  fou  (doe. 
i3io  ),/oe(Fr.  J.  Claro  ). 

O  subjunctivo  apresenta  formas  mais  encos- 
tadas ás  latinas  —  siades  (  sejaes  ),  seiaya,  seiayes, 
seiaces  (Sec.  xvi )  ;  focedes  ( J.  Cl,  ),  etc.  ;  e  no 
futuro  —  sever,  severim  (  F.  da  Guarda  401,  422  ). 

No  infinito,  além  das  formas  seer,  soer  (  C. 
Vat.  ),  que  fez  com  que  alguns  acreditem  deriva  a 
I  .^  de  sedere  e  a  2.^  de  solere  ;  temos  o  part.  prés. — 
seendo  (  Cp.  tendo  j,  see n te. 


240 


SoER  (  soher,  lat.  solerej.  H  )je  quasi  obsoleto, 
era  comtudo  regular  e  de  uso  frequente  no  Sec.  xvi  :* 
—  o  silencio  que  sohe  encobrir  a  tristeza  ;  Portugal 
já  não  é  o  que  d' antes  ser  sohia  ;  do  que  soi  (  por  soe  ) 
acontecer. 

Ter.  E'  reproducção  do  verbo  latino  tenere,  e 
serviu,  em  alguns  tempos,  de  typo  para  o  verbo 
estar   ( estive,  estivesse^.,.) 

Ind.  prés.  —  tenho^  tens,  tem,  ternos^  tendes^ 
teem  ( têm  )  =  lat.  teneo,  tenes,  tenet,  tenenius,  tene- 
tis^  tenent ; —  imp. —  tinha,  tinhas,  etc.  =  tene  {h)am^ 
etc.  ;  perf.  —  tive,  ti  1^ este,  teve,  tivemos,  etc.  = 
te-(nyin,  te-{x\)-uisti,  etc.  ;  imper. —  tende,  ( tenete  )  ; 
Subj.  prés. —  tenha  ;  imp.  —  tivesse  ;  part.  pass.  — 
tido,    arch.  —  teudo  ( tenetum  ). 

A  forma  do  imp.  Ind.  era  em  ades  para  a  -i.'^ 
p.  pi.  (tinhades),  como  era  regra  geral  na  conjuga- 
ção até  o  Sec.   XVI   (queirades,façadesj. 

No  prés.  e  imp.  Ind.  e  prés.  Subj.  o  n  latino 
molhou-se  ( V.  Phonetica),  mas  nos  antigos  textos 
encontram-se  esses  tempos  sem  o  n  ( teeya  a  par  de 
tinha,  etc.  ). 

No  port,  ant.  raro  permutou  o  e  thematico  em  i 
(eu  teve,  tevera^  teverom^  teeya^  tevesse,  tendo,.  .). 

Trazer  (ant.  ti^aeer,  trager,  traxer  do  lat. 
trahere).  Ind.  prés.  —  trago,,  tra{es,  tra^,  tra{emos, 
etc.  =  lat.  traheo^-es,  etc.  O  ^  da  i.*"  pess.  sing.  é 
vestígio  da  ant.  f.  do  Inf.  trager ^  que—  consequen- 


241 


temente  —  estende-se  ao  prés.  do  Subj.  —  No  Sec. 
XVI,  por  motivo  da  forma  traer  do  Inf.  —  diziam 
traio,  traia ^  p.  íraigo,  traiga  ( trago,  traga  ). 

Pret.  perf.  —  trouxe^  trouxeste^  etc.  =  1.  traxi^ 
1.  vulg.  tr.  csiii.  Até  o  Scc.  xvi  as  f.  usadas  eram 
traje,  trajo,  alternando  com  ti^uje,  trujo,  troiiue  (  por 
trougue — ti'acuit ;  Cp.  houwQ^joiwe,  =  jacuit,  prouve 
=  placLiit  ),  trouge  (  gall.  trougue  ),  troperão,  trou^ 
ves:e  (  L.  Linh. ),    etc. 

Só  no  Sec.  xvii  é  que  se  fixou  a  forma  do 
Infinito.  Futuro  — trarei,  etc.  ;  ant.  tra^erei,   etc. 

Valer  (I.  valere)—  Ind.  prés. — 'Valho,  vales,  etc. 
=  lat.  valeo,...\  port.  ant.  valo,  vales,  vai (  Sec.  xvi ). 
—  Sobre  o  Ih  da  1/  pessoa,  Vide  Phonetica. 

Ver  (ant.  veer  =  lat.  vidére). — Ind.  prés. —  i^ejOy 
vès,  vè,  etc.  =  lat.  video,  vides,  etc.  Quanto  ao 
j  da  I.''  pess.  (  e  consequentemente  das  do  Subj. 
prés.)  Cp. —  hoje  hodie,  inveja  invidia,  haja  habeam, 
granja  granea,   etc, 

Pret.  perf. —  vi,  viste,  viu,  vimos,  etc.  =  vidi,  vi- 
disti,  vidit,  etc  ,  port.  ant. —  vii,  vi  is  ti,  viimos,...  AS." 
pess.  siuQ.  fez  viu  para  não  se  confundir  com  a  i.'"*,  e 
de  accôrdo   com   a   theoria  ia  nossa  conjugação. 

Vim  p.  vi  é  galleguismo  que  se  encontra  em  es- 
criptos  do  Sec.  xvi. 

O  d.  latino  conservou-se  na  2.^  p.  pi.  do  prés.  do 
ind.  {íédesj\  e   (como  em   outros  verbos )  quando 


1    IVífí.s  p.  )x'ii<.  ,sec.  XVI. 


242 

elle  acha-se  protegido  por  um  r  ou  n  (virdes^  terdes... 
vindes^   tendes,  pondes). 

Fart    pass. —  visto. 

O  verbo  prover.,  derivado  de  vér.,  íazprovi,  pro- 
veste^ provemos,  provestes,  proveram,  e  o  part.  pass. 
—  provido. 

PoER —  V.  pgs.  228  e  247. 

Arder  fazia  arco  (  =  ardo  )  ainda  no  Sec.  xvi. 

TERCEIRA     CONJUGAÇÃO 

Cahir  (lat.  cadere)  —  Ind.  prés. —  caio.,  cães, 
cáe,  cahimos,  etc.  A  anomalia  está  somente  na  in- 
tercalação euphonic*  do  i  fca-d-o.  cáo,  caio). 

Seguem  a  mesma  conjugação  —  sahir  e  trahir. 

CoRTiR  —  Ind.  prés. —  curto,  curtes.,  curte.^  corti- 
mos.,  cortis  curtem.  A  mudança  do  o  do  radical  em 
u  tem  a  conveniência  de  as  pessoas  se  não  confundi- 
rem com  as  do  verbo  cortar  (corto,  cortes.,  corte.,  cor- 
tem)., mas  não  constitue  propriamente  uma  desvia- 
ção  porque  o  infinito  era  curtir.,  ainda  hoje  por  mui- 
tos empregado. 

Seguem  esta  conjugação  os  verbos  ordir  e  sor- 
tir, que  também  não  pedem  ser  considerados  verda- 
deiramente irregulres,  pois  tinham  outra  forma  de 
infinito  —  urdir,  surtir.,  como  se  lê  em  alguns  clássi- 
cos. 

Cobrir  (lat.  cuperire) —  Ind.  prés. —  cubro.,  co- 
bres, cobre.,  etc.    A  irregularidade  é  tão  somente  na 


243 


1.^  pess.  sing.  (e  consequentemente  nas  do  Subj. 
prés.),  para  evitar  equivoco  com  a  do  verbo  cobrar 
(cobro);  mas  que  se  dá  em  todos  os  verbos  cujo  o  da 
raiz  é  seguido  dos  grupos  br^  rm  (cobrir  cwbro,  dor- 
mir di/rmo). 

Tinha  também  um  infinito  em  11  fcubrirj,  e  por 
isso  diziam  os  antigos  —  elle  encubre^  cubre  tu,  des- 
ciibre^  etc.  (M.  Bern.,  Ferr.,  D.  Nunes,  etc.  ) 

Segue  a  mesma  conjugação  —  dormir  (lat.  dor- 
mire,  durmo  dormio,  dormes  dormis,  etc.  ). 

Ir  ( lat.  irej. —  Este  verbo  completa  a  sua  con- 
jugação com  o  verbo  arch.  port.  par  (  =  lat.  vadere) 
e  ser. 

Ind.  prés. —  vou,  pás,  pae,  pamos  (\mos).  ides 
(ant.  padesj,  pão  =z  pado,  padis,  padit,  etc.  Vado,  pela 
queda  do  d  =  pao,  d'onde  ;^oí/. 

Ind.  imp. —  ia,  ias,  ia,  iamos,  ieis,  iam  ;  perf. 
— /"^  foste,  foi,  etc;  Imperativo  — pae,  ide  ;  Subj. 
prés. —  pá,  pás,  vá,  etc.  ;  Subj.  imp.--  fosse,  fosses, 
etc.  ;  pas,  p.  pais  ;  pe  pee  p.  pay  ant.  forma  de  pa  ; 
Imperativo,    ainda    são    formas    de    Sec.   xvi. 

Medir  (lat.  metiri—jnetiorj — Ind.  prés.— m^ço, 
medes,  mede,  medimos,  etc.  z=  1.  metior,  metins,  etc. 

Na  i.^  p.  sing.  muda  o  d  em  c  brando,  mas 
a  forma  ant.  era  mido  (Cp.  arch.  arco  =  ardo, 
peço  pido,  despeço  —  despido,   etc.^  ).  Essa  mudança 


*  A.  mudança  do  grupo    ãi  (  de  )  em  r  era  usual  :  —  baeo  (  badius  ), 
arch.  terffonça  (ver'cuDdia),  etc. 


244 


nota-se  também  nas  pess.  do  Subj.  prés.  que,  como 
já  dissemos  —  tomou,  em  regra,  para  typo  a  i." 
sing.  Ind.  prés. —  eu  meça,  meçaSy  meça^  etc;  port. 
ant.  mida  (  id.  pida^  etc.  ) 

Segue  pois  esta  conjugação  o  verbo  pedir. 

No  Sec.  XVI  ainda  imperavam  as  formas  regu- 
lares : — despida-se  Vossa  Alteia  dos  livros  ;  eu  vos  des- 
pido ou  me  despido  de  vós  (  Vieira  ),  e  D.  N.  de  Leão 
assim  recommenda  que  se  escreva  e  pronuncie  ( pi~ 
do^pideSy  impidOy  etc.  ). 

Ouvir  ( lat.  audire  J-  -  Ind.  prés.  i.^p.  sing. — 
ouçOy  ouves,...  ^  audio,  audes,...  Sub.  prés. —  ouça, 
ouças,  etc.  A  divergência  explica-se  pela  razão  já 
indicada  (  di  lat.  =  ç  -—  audio,  ouço ). 

Em  Gil  Vicente,  — oivo  —  ouço,  ouvamos  =  ou- 
çamos, o  que  prova  eram  aquellas  formas  populares. 

Pret.  perf.  Ind.  :  ouvi,  ouviste,  ouviu,  etc.=  au- 
{ái)-vit,  au-(di)-visti,  etc- 

Remir  (redimire).  —  Ind.  prés. — redimo,  redimes, 
redime,  remimos,  remis,  redimem;  Imperativo  — redi- 
me, remi.  A  actual  ir^-egularidade  é  devida  á  con- 
tracção do  Infinito  redimir. 

Rir  (1.  V.  ridere).—  \ná  prés.— no,  ris,  ri, 
rimos,  rides,   riem  =  \.   p.    ridi,   riiis,    etc. 

Só  conservou  o  d  etymologico  na  2.''p.  pi.  do 
prés.  Ind.  e  na  do  Imperativo   f  rides,   ride  ). 

Sahir  (  sair  =  I.  salire  \  —  Saio  —  salio,  etc. 
V,  cahir. 


24^ 


Seguir  (  1.  b.  sequere^  Prisc.  ). —  Na  i.''  p.  sing, 
pres.  Ind.  íazsigo^  ant.  sig-iio  ==  lat.  sequo. 

Sentir  (  1.  sentire  ). —  Soífre  a  mesma  mudança 
que  seguir  ;—  sinto  =  sendo. 

No  Sec.  XIV  prevalecia  a  fórma  em  e  — sento., 
senta ;  no  xvi  todo  o  paradigma  era  em  i  -=-  sinte^ 
sintem.  sentistes.,    etc.  ^ 

Vir  (  f.  contr.  de  venire  ) —  Ind.  pres.--  i^enho. 
vens.,  vem.,  vimos.,  vindes.,  vêem  (vêm)  =  1.  venio,  venis 
(  n  =  nh,  Cp.  pôr,  ter  j  ;  Ind.  imp.  —  vinha,  vinhas, 
etc.  ;  Ind  perf. —  vim.,  viestes,  veio,  viemos,  viestes, 
vieram  z=i].  veni  venisti  venit.  ... 

Imperativo  —  vem,    vinde. 

A  i.'*  pess.  sing.  pres.  Ind.  —  vim,  passou  pela 
fórma  intermediaria  ven  ;  vieste  =  venisti  pela  f.  in- 
term.  veiste. 

O  part.  pass.  seguiu  o  typo  latino  —  ventiim,  e 
d'ahi  o  ser  idêntico  ao  presente. 

Vir  —  Ind,  pres. —  venho,  vens,  vem.,  vimos, 
vindes,  vêm  fveem)  ;  Ind.  imp. —  vinha,  vinhas,  vi- 
nha, vinhamos,  vínheis,  vmham  ;  Ind.  perf. —  vim, 
vieste,  veiu,  viemjs  viestes,  vieram ;  Imperativo  — 
vem,   vinde, 

Accudir,  bulir,  construir,  consumir,  destruir, 
cumprir,  engulir,  fugir,  sacudir,  subir,  sumir,  tus- 
sir  (tosíiir),   mudam  o  «  do  radical  na  segunda  e  ter- 


*  Já  nos  referimos  á  grande  Gonfusao  reinante  até  o  Sec.  xvu  na  cr; 
thographia  :  ~.  premeu  premia,  fina,  feria  etc. 


246 


ceira  pess.  do  sing.  e  terceira  do  plural  — (acodes^ 
acode ^  acodem). 

Dá-se  essa  mudança  —  e  consequentemente 
na  da  segunda  pess.  sing.  do  Imperativo  —  quando 
o   o   é    seguido    de    b,    d,    g^    /,    m,   ^,   ss,    s_p,   st. 

Os  antigos  monumentos,  porém,  não  apre- 
sentam esta  irregularidade  na  conjugação  : —  açude 
tu,  elle  açude,  elle  destrue,  tu  destrueSj  elle  fuge^ 
sube^   construe,  etc. 

Advertir,  aggredir,  perseguir,  prevenir  pro- 
gredir, transgredir,  etc,  mudam  em  todas  as  três 
pessoas  do  sing.  e  terceira  pessoa  do  plural,  e 
consequentemente  nas  do  Subj.  —  o  e  thematico 
em  i,  como  também  em  sentir.  São  irregulares  tão 
somente  por  essa  mudança  de  lettras,  que  mais 
se  nota  nos  autores  clássicos ;  e  também  era 
frequente  no  i  em  e :  —  advirte,  compite,  con- 
sinte,  tninte,  etc,  e  mento  p.  minto,  persigue,  pro- 
sigue,   sinte,    sigue,  sirve,  etc). 

Geralmente  mudam  o  e  em  i  quando  aquella 
vogal  vem  precedida  de/,  g,  p,  r,  nt,  sp,  st  (con- 
firo, dispo,firOy  f rijo, ^  visto,  etc), 

^-  As  formas  verbaes  em  m{  da  3.^  pessoa  sing. 
Ind.  prés.  (condu^,  indui,  etc  )  eram  regulares  — 
elle  indu^e,  lu^e,  produ^e,  redu^e,  tradu^e.  Deu-se 
o  mesmo  que  com  as  formas  nominaes  em  a^,  i^,  o^, 


i  Frigir  —  faz  no  lad.  prés,  —  friio,  frgees,  frege,  frigimos,  frigia, 
f regem. 


247 


uij  — capace^felice,  veloce^  etc,  que  se  transforma- 
ram em  capais  fil^{^  pelo{.  Parece,  porém,  que  a 
apocope  do  e  foi  feita  muito  de  industria  para  evitar 
a  equivocação  entre  a  3.^pess.  do  sing.  prés.  Ind.  e 
3  2/  sing.  do  Imperativo  ( fa^fa^Cj  trai  traie^dii 
diiCj  etc.  ) 

—  As  irregularidades  da  3."p.  plural  Ind.  perf. 
estendem-se  ás  formas  do  plus  quam  perfeito  e  do 
Sub.  imp.,  e  futuro  :  —  trouxeram^  trouxera ^-as^- a, 
etc.  ;  trouxesse, -s, -e  ;  trouxer,  trouxeres,  etc. 

Advertência. —  A  defectividade  dos  verbos 
não  basta  para  classiíical-os  entre  os  irregulares, 
nem  também  as  divergências  graphicas  tendentes  á 
conservação  da  mesma  pronuncia  em  todos  os 
tempos. 

Ex,:  —  Nos  verbos  acabados  em  car,  a  mudança 
do  c  em  qu  (  calcar^  calquQ,  cal^wemos  )  ;  nos  em 
gar,  a  intercalação  de  um  u  entre  a  guttural  e  a 
vogal  thematica  ( galgar,  galgwes,  galgwem  ) ;  nos 
terminados  em  ger,  gir,  a  troca  do  g  pelo  7  antes 
de  a  e  o  (  re/o,  corri/diyi  ;  a  perda  do  u  nos  verbos  em 
guir,  antes  áa  a  q  o  {  distingo,  (Xisimgas)j  etc. 

Q.UARTA    CONJUGAÇÃO 

Hoje  não  se  pôde  negar  asua  existência.  Data 
do  Sec.  XVI  pela  degeneração  phonetica  do  verbo 
poer  ( l    ponere  ). 


24^ 


Comparando-o  no  presente  do  indicativo  com 
as  formas  correspondentes  no  latim,  vêse  clara- 
mente que  as  irregularidades  são  apparentes. 


ponho 

poneo 

pões 

penes 

põe 

ponet 

pomos 

ponemus 

pondes 

ponetis 

põem 

ponent 

No  imp.  são  particulares  as  flexões  :  — punha^ 
as,  etc,  com  deslocação  do  accento  e  mudança  da 
vogal  do  radical  ( Cp.  íer,  ver  —  tinha,  via ;  vir, 
vinha,  etc.  )  A  forma  primittiva  era  pónia ;  a  des- 
locação da  tónica  foi  para  melhor  conservar  o  n 
thematico,  que  sem  isso  teria  cabido  como  aconteceu 
no  infinito  ;  o  molhar-se  o  n  quando  seguido  de  i 
palatal  era  facto  frequente. 

Prep.  perf — pui,  pudeste,  po{,  etc.  =  arch. 
puge  (piigi.  piigy),  pôs,  pose,  pusy,  pus,  etc.  (Sec.  xiv 
=  lat.  posui,-sti,-t. 

Part.  pass. —  posto  =  1.  positum 


DECIMA  SÉTIMA  LIÇÃO 

Formação  das   palavras  em  geral.  —  Composição  por  pre- 
fixos e  por  juxt aposição.  —  Estudo  dos  prefixos. 

1.  —  São  dous  os  processos  empregados  para  a 
formação  das   palavras  :   —  composição  e  derivação. 

As  palavras  compostas  indicam  periodo  adiantado  na  historia  de  uma 
lingua  ;  uma  differenciação  progressiva.  E,  de  feito,  para  que  com  duas 
palavras  se  possa  formar  uma  terceira  sinceramente  determinada  na  forma 
e  no  sentido,  é  preciso  que  aquellas  teuiiam  significação  já  bastante  clara 
e  definida.  "  A  diíIerenciaçSo  ainda  mais  se  accentúa  quando  a  idéa  contida 
no  composto  fixa-se  e  define-se  de  modo  tal  que  não  mais  conserva  relação 
alguma  com  os  seus  primeiros  factores,  a  ponto  de  perderem  a  significação 
independente,    e  só  terem    sentido  quando  reunidos.  "  * 

2.  —  A  palavra  composta  fórma-se  de  dous  ou 
mais  termos,  dos  quaes  só  um  exprime  a  idéa  prin- 
cipal, que  é  determinada  ou  precisada  pelos  outros. 

O    termo   determinante  pôde  ser  : 

i.°  — =  Um    prefixo  : —  wJieL 

A  esta  composição  por  prefixos,  —  que  forma 
substantivos  e  adjectivos,  e  principalmente  verbos-—, 


»  Savcc  —  Pr  me. 

32 


25o 


devemos  a  persistência  de  muitos  vocábulos  : —  con- 
vergir^  demolir^  disparate^  explorar^   irrupção. 

2.°  —  Um  substantivo  ou  adjectivo  : — arco-iris, 
planalto. 

3.  —  Nas  palavras  desta  ultima  categoria  os 
elementos  podem  estar  apenas  juxtapostos  e  ainda 
distinctos,  ou  fundidos  e  representados  por  um  sim  • 
pies  signal  unitário  :  — •  arco-iriSj  madre-sibja^  canto- 
c/ião,  ponta-pé,  couve  flor ,...  aguardente  ^  vinagre^  bi- 
cou to,  planalto^  botxfóra.... 

No  primeiro  easo  o  su')Rtantivo  apresenta  idéa  dupla  ;  no  segundo, 
só  uma  transparece,  —  que  é  a  do  objecto  "  em  toda  a  extensfio  de  suas 
qualidades.  "  E,  assim  como  o  substantivo  simples,  perdendo  a  sua  signi- 
ficaçflo  etymologica,  acaba  por  corresponder  inteiramente á  ideado  objecto, 
também  nos  compostos  o  determinante  e  o  determinado  desapparecem  para 
melhor  apresentarem  \ima  imagem  ou  idéa  única.  O  composto  torna-se 
simples.  1 

4.  —  As  palavras  achamse  pois  juxtapostas 
quando,  representando  uma  idéa  única,  conservam 
todavia  em  suas  formas  e  vida  própria,  o  mesmo 
valor  que  teem  quando  separadas  (v^a  roXis,  agri-cul- 
tura,  dies  doniinica,  amor  próprio^  padre  famílias 
(Sec.  xiv),  um  cara  dura,  espalha  brasas^  tranca  ruas, 
pintamonos^  tocartintas^  ichecorpos  ( impostor,  ocioso, 
Sec.  xv). 

Os  juxtapostos  tendem  por  íim  á  unitariedade 
do  signal  graphico,  á  simplificação  da  forma  :  — 
vinagre^  vinho   acre  (agro)  =   lat.    vinum  acre, 


*  Darmstcter.    Form.  ãen  mots  composés. 


25l 


carafiii  =  cara  fusca,  um  capemcólo  =  um  capa  em 
collo,  ^  qualquer  (Sec.  xiii)  =  en  qual  tempo  quer  (F. 
de  Gravão),  qual-xiquer  (F.  da  Guarda,  Ined.  Hist. 
Port.  Tom.  5),  ervoada  (Sec.  xv  p.  arpoada,  hoje  na 
ling.  vulgar  avoada),  etc. 

O  porluguez  não  rejeitou  esse  processo  do 
latim,  clássico  e  popular,  de  exprimir  a  idéa  sem  pre- 
posição clara  :  -  •  ferrovia,  pontapé,  o  ministério 
Rio  Branco,  a  casa  Norton  &  C.%  Collegio  Alberto 
Brandão,  tinta  Monteiro,  cerveja  Logos,  etc...  Essa 
pratica,  porém,  não  é  tão  extensa  como  se  suppõe, 
e  o  regimen  vem  geralmente  precedido  de  preposição 
(em,  de  J  :  —  bicho  de  seda,  sala  de  jantar,  bacharel 
em  lettras,  etc. 

Nestes  juxtapostos  de  subordinação,  devemos 
arrolar  certas  expressões,  que  por  metaphora  mudam 
de  sentido  e  applicação  :  —  pé  de  gallo,  pé  de  morto, 
rato  de  botica,  rato  d' alfandega,  eic. 

COMPOSIÇÃO   POR  PREFIXOS 

5. —  Este  processo  é  o  mais  rico  e  fecundo, 
maiormente  quando  combinado  com  o  da  deri- 
vação. 

Herdámos  do  latim  cerca  de  2.000  vocábulos, 
mas   por   esse  jus  que   tinham  de  accrescer,   delles 


*  No  Sep.  XVT  —  escrevia-se  cap^emcolo  e  mpem-coh.  Nflo  sign.  pobre- 
tão, miserável,  mas  sim  o  fanfarrão,  o  blazonador. 


2  52 


derivaram  uns  8.000  inteiramente  novos,  muitos  sem 
correspondentes  no  latim. 

Não  temos  compostos  de  mais  de  três  prefixos  : 
ir-re-con-ci-liapelj  in-de-com-por. 

6. —  As  particulas,  quanto  á  sua  natureza,  são 
preposições  e  advérbios  :  — bem  (bene),  mal  (male), 
pen  pene  (quasi),  semi  simul^  bis,  que  quasi  corres- 
ponde ao  des,  gr.  archi,....  un,  uni  (adv.  lat.  ima),  bis 
(2  vezes),  iri,  ter^  três,  cenii,  etc.  ;  não,  ne,  in 
fim,  il,  ir,  pela  assimilação  ),  etc. 

7. —  Das  particulas  empregadas  na  composição 
algumas  teem  vida  própria,  outras  só  existem  como 
elementos  de  composição.  São  pois  separáveis  e 
inseparáveis. 

São  separáveis  as  portuguezas  (  prep.  e  adv.)  : 
—  co^TK^por,  BEMdi:(ente,....;  inseparáveis,  as  prepo- 
sições latinas,  que  não  se  empregam  isoladamente, 
e  em  composição  teem  valor  adverbial  :  —  REler, 
DEsobedecer. 

Esses  prefixos  inseparáveis  são,  em  regra,  im- 
productivos,  e  só  se  apresentam  em  palavras  tiradas 
directamente  do  latim  ou  formadas  por  typos  la- 
tinos. ^  Muitas  são  porém  as  excepções,  principal- 
mente com  ex,  in,  des,  ultra,  inter. 

8. —  Acontece  muitas  vezes  que  a  juncção  do 
prefixo  á  palavra  causa  um  hiato  ou  choque    des- 


Ager 


253 


agradável  de  consoantes.  Para  evitar  esses  incon- 
venientes elide-se  a  vogal  ou  consoante  final  do 
prefixo:  antagonista^  aviltar  (ad-viltare),  alumiar^  emi- 
grar (  ex  migrare  ),  ou  assimila-se  esta  consoante  á 
inicial  da  palavra  simples  :  assimilar  (  ad-similare  ), 
irrupção  {in  rupere  ^). 

Estas  modificações  na  própria  forma  do  radical  já  eram  usuaes  no 
latim,  e  silo  communs  a  todas  as  linguas  neo-latinas  ^a5'eí'6  —  ad-?gere, 
red-ígere,  —  agir,  redigir J.  Muitos  desses  compostos  latinos,  pela  perda  de 
signal  externo  de  composição,  ficaram  considerados  palavras  simples 
(^colher  de  colligere,  e  nfío  de  con-legerej.  A  maior  parte  desses  compostos 
decompuzeram-se,  porém,  na  época  romana:  promlere,  pró  vidére,  prover; 
ex  por  e,  din  p.  ãe,  subtus  p.  sub;  etc.  ' 

9.  —  Algumas  partículas  teem  dupla  forma, 
uma  latina  e  outra  portugueza.  Posto  seja  esta  a 
preferida  na  formação  de  palavras  novas,  ha  todavia 
muitas  palavras  compostas  com  ambas  essas  formas, 
e  ás  vezes  com   sentido   diverso. 

10.  —  As  partículas  que  entram  no  processo  da 
composição  são  advérbios  ou  preposições.  Estas 
podem  ter  valor   adverbial  —  coNTRAí/z:{^r. 

11.  —  A  composição  só  pôde  formar  verbos^ 
sub  st.  e  adjectivos, 

\.^  —  ConiRAfaier^  soBREexcitar  (  adv.  )  ;  enco- 
rajAR,  REsfriAR.  Estes  últimos,  formados  de  prep. 
prefixadas  ao  substantivo  coragem  e  ao  adjectivo 
frioj  e  do  suffixo  verbal,   são  chamados  parasyntheti- 


*  Id. 

*  Parmsteter,  l-c  p.  78. 


254 


cos  verbaeSy  porque  formaram-se  syntheticamente^  de 
chofre,  da  juncção  simultânea  do  prefixo  e  do  suffixo 
ao  radical. 

2.°  —  ^Euestar,  UALcriado,  des/^í?/  ;  ENCordoa- 
MENTO,  suBmarinho.  Formados  por  pref.  prep.  e  de 
um  suffixo  nominal  juntos  a  um  subst.  ou  adj.,  rece- 
beram estes  compostos  a  denominação  de  parasyn- 
the ticos  nominaes. 

Nos  compostos  parasyntheticos  formados  de  substantivos,  o  su  fflxo 
dá  a  idéa  verbal  de  pôr,  fazer,  tornar,  si  o  composto  é  um  verbo  activo  ; 
de  ser,  estar,  vir  a  ser,  si  o  verbo  é  neutro,  e  o  prefixo  precisa  a  idéa  indi 
cando  a  relação  desse  verbo  com  o  substantivo  :  enterrar,  p.  ex.,  inalysa-sc 
pói-,  metter  (  =  er)  em;  ateirar,  ])ôr  (=er)  a  (=ad,  at)  tei'ra.  A  par 
ticula  nesse  caso  é  uma  preposição  ;  ajunta- se  a  um  subst.  que  lhe  serve 
de  complemento,  e  esse  composto  recebe,  com  a  terminação  verbal  do  suf- 
fixo, a  unidade  de  forma  e  de  idéa.  Acontece  o  mesmo  com  os  parasynthe- 
ticos formados  de  adjectivos  ;  enriqiiecer  é  torna-se  rico,  mctter-se  em 
riqueza  ;  desemburrar  é  pôr  fora  do  estado  de  ignorante.  A  analyse  mostra 
que  os  compostos  formados  de  adjectivos  tecm  valor  de  verbo sfactitivos. 
Todavia  a  maior  parte  delles,  sobretudo  os  em  ar,  er,  tendem  a  tornar-se 
neutros,  i.  e.,  empregam-se  absolutamente  ;  assim  embrutecer,  bestificar 
tanto  é  fazer  alguém  como  tornar-se  bruto  ou  besta.  (Darmesteter  l.  c.  ) 

12.  —  Damos  em  seguida  a  lista  das  preposições 
latinas  que  entrrtm  na  composição  de  palavras  por- 
luguezas, 

A,  AB,  ABS.  —  Significa  privação,  apartamento, 
separação  :  —  aversão^  abortar^  absorver ^  abstracção^ 
absurdo^  abdicar.,  abolir,  abstenção,  abjecto  (  de  jacere 
jactum ).  Tem  valor  adv.  qvh  abusar,  absolver,  etc. 
Equivale  a  uma  prep.  com  seu  complemento  em 
aborígenes j  abstinente ,  etc. 


255 

Indicam  direcção,  tendência,  fim,  e  são  de 
uso  mui  frequente  : —  admittir,  addiiiir,  cccedcr,  ctc. 
O  d  conserva-s'^.  antes  das  vogaes  e  das  con- 
soantes d.j.m^v  ( admittir  advertir  ^  adjacente,  adje- 
ctivo^ admirar j  admoestar^  adverbio^  adventicio  ) ;  assi- 
mila-se  á  consoante  seguinte  si  for  c,/,  g^  /,  n,p^ 
r,  s,  t  ( accordo^  accedcr,  affrontar,  affilic.r^  a g gra- 
var^ agg/omerar,  alliar,  allumiar^  aniiexo,  annitn- 
cio,  appeudice,  arrumar,  arrogar^  assaltar,  assimilar, 
aterrOy  atteniiar,...  údquQur,   (jcquisição. 

Algumas  vezes  o  d  do  prefixo  desa [aparece 
na  linguagem  popular  ;  —  abreviação,  alugar,  abor- 
dagem. 

Tem  força  adv.  primitiva  —  adlierir,  aggredir  : 
equivale  a  uma  prep.  e  um  complemento  — 
ajustar. 

A.  é  a  forma  portugueza  correspondente  a 
ad,  e  concorre  para  a  formação  de  palavras 
novas^  verbos  e  substantivos:  —  amestrar,  amiudar, 
adormecer,     amotinar,     apurar,     achatar,     apontar, 

abaixar, :  adeus,   ajim. 

Am.,  AiMB  ,(  contracção  de  ambi). —  Significa 
em  torno,  ao  redor.  Emprega-se  amb  antes  de 
vogal  ( amb  ages,  âmbito )  ;  perde  o  b  antes  de  p 
(amputar ),  muda  o  m  em  n  antes  das  gutturaes 
e   de  /,   h,   t  ( anhelo ). 

Tem   força   adv.    em  ambição,    ambiguo,    etc. 

-     Ante  (anti). —  Sign.  prioridade,  precedência  ;  c 

entra  principalmente  na  formação  de  nomes  :  —  an- 


256 


tepassado^  antetempo  antevéspera^  anteparto,  antenome; 
antidata,  antiface  (véo).  Form.  erudita  —  antecedente^ 
antecessor,  antepenúltimo ,  etc.  ;  de  creação  moderna 
— antedelupianOj  antídoto,  antecâmara. 

Antehontem=  antes  de  hontem,  e  em  todos  os 
compostos  portuguezes  a  prep.  ante  é  preferida  a 
antes. 

CiRCUM  (em  torno — circii). — Indica  também  prio- 
ridade, só  entra  na  formação  de  palavras  de  origem 
clássica  :  —  circumferencia,  circumloquio,  circum- 
stancia,  circumscrever^  etc....;  perde  o  m  em  circuito  ; 
formou  TCioátvndLmenXe, -— circumvalação,  circumna- 
vegação,    circumvisinho ,   circumpolação,    etc. 

Tem  força  adv.  em  circumspecto,  circumstancia, 

etc. 

Cis  (cit). —  Sign.  dquem  ;  oppõe  a  trans  ou  idtra 

(=  além)  :  —  cisgatigetico,    cisplatino,     cisalpino,   ci- 

terior. 

Com  (  con,  cuM).--Sign.  concurso,  reunião, 
acção,  simultânea. —  São  muitos  os  compostos  de 
formação  popular  no  portuguez  antigo,  quasi  todos 
herdados  do  latim  — ■  compaixão,  conceber,  conflicto, 
conduzir,  condemnar,  confessar,  converter,  conjuração, 
contar  (computarej .  Form.  eru.iita —  collegio,  collisão, 
contractar,  confirmar,  concentrar,  correlativo,  coerção, 
coherente,  combustível,  comestível  (edere,  estum, 
comer). 

Com  persiste  antes  de  m,  b,  p  ;  cum  nunca  appa- 
rece  em  composição  ;  o  m  assimila-se  ao  /,  r,  n   fcol- 


257 


Icgio^  corre  li gioso  ^correligionário^  connato,  connexão; 
cahe  antes  de  vogal,  ou  h  mudo  —  coalhar  (coagu- 
larej,  coadjuvar,  coherdeirOj  cohabitar,  coproprie- 
tario,    co;zcidadão. 

Contra  (opposição,  acção  ou  eífeito  contrario  ; 
situação  fronteira,  antagonismo). —  E'  prefixo  muito 
productor  ;  os  compostos  antigos  são^  porém,  quasi 
todos  de  creação  erudita  :  —  contramestre,  contra- 
marca ^  contraordem,  contrabando,  contrapeso,  contra- 
baixo,  contramina,  contraforte,  contramarcha, e 

muitos  outros  em  que  contra  tem  força  adverbial. 
Em  contrasenso,  contravetieno,  contrapello,...  a  par- 
ticula  é  preposição.  Contra  forma  muitos  verbos  : 
e  indica  juxtaposição^  opposição  e  subordinação 
(contra-baluarte,   contrareplica,    contramestre). 

De. —  Indica  origem,  logar  d'onde,  passagem  de 
um  estado  para  outro,  relação  de  apartamento,  e 
privação   (no  sentido    figurado)  :  Deduzir,   dejectar, 

defender^  debandar, dedicar,  desenhar  {áQ-ú^n^íV o), 

delonga,  demora,  descendência,  dependência.  Form. 
er. —  decapitar,  decidir,  definir,  degradar,  delegar, 
designar,  etc. 

Quando  o  de  {dd)  serve  apenas  para  ampliar  a 
significação  da  palavra,  chama-se  ampliativo  (de-XQX~ 
minar,  úfz-vulgar ). 

Des,  dis. —  Exprime  geralmente  negação,  sepa- 
ração, privação,  acção  contraria.  Dis  é  a  forma 
archaica.  Di  emprega-se  nos  mesnios  casos  que  de  ; 


258 


teem  muitos  compostos  antigos  e  de  forma  erudita  ; 
assimila  o  s  ao  f  (diffamar^  difficil^  diffiisão):  —  dispo- 
sição^ distrahir,  disjuntar ,  ...  discórdia^  disjiincção 
dissimular  disjunctiua^  etc.  A's  vezes  perde  o  s  (antes 
de  g.  l,  m,  r,  vj —  diminuir  diligente^  digerir j  divertir.^ 
divergência.^-  Des  é  a  fornia  moderna,  também 
inseparável  ;  desunir,  desobedecer,  deslocar,  desembar  ■ 
car,  desleal,  desfavor,  desordem,  desagradável,  etc.  A's 
vezes  concorre  na  composição  moderna  a  forma 
dis : — discernir,  dispor,  disgregar  (  desagregar  ),  etc. 

Ex,  ES,  E. — Indica  extracção,  ausência,  separa- 
ção, movimento  do  interior  para  o  exterior,  priva- 
ção ;  tem  quasi  o  mesmo  sentido  de  dis  c  de. —  ¥J 
mais  usada  a  forma  ex  Form.  prop. —  exalçar,  ex- 
presso, extrahir,  emittir,  exclamação,  espertar...;  erud 
— excepção,  excursão,  exhumação,  educar,  exigir,  eja- 
cular, eliminar,  exceder,  enumerar,  exabundancia, 
exautorar  ;  emissão,  emanação,  etc. 

Ex  é  inseparável,  posto  que  em  certos  compos- 
tos seja  empregada  como  palavra  distincta  ;  cx-go- 
vernador,  ex-deputado.  Este  processo  é  hoje  quasi 
que  orgânico. 

Em  regra  emprcga-sc  e,  es  antes  de  b,  d,  g,  i,  l, 
m,   n,  r,  v,  e  ex  antes  de  c,  p,  q,  t  c  vogacs.  O  jc  ás 
vezes  transforma-se  em  s  (  esforço)  ou  assimila  se  ao 
f  (effiiivio  ej^orescenciaj;  outras  vezes  a  particula  trans- 
forma-se por  degeneração  phonelica  em  is  (isenção) 

Extra. —  Sign.  fora,  alem  ;  denota  a  acção  de 
sahir  através.  —  Forma   verbos,   adjectivos  a  sub- 


2  59 


stantivos,  o  que  não  era  de  pratica  em  latim: — extra- 
vasar, extraordinário^  extrajudiciario,  extramuros,  ex- 
travaganci-i. 

Em  extraordinário^  etc.  tem  força  adv.  ( fora 
da  ordem  ordinária)  :  em  extravagante^  etc,  tem  va- 
lor prep.  (  que  vagueia  ahm   dos  limites  ). 

Entre,  inter  (  no  meio  de,  pelo  meio,  posição 
média,  reciprocidade ).  —  Inter  só  forma  palavras 
de  origem  erudita  —  interposição ^  iníerpellar,  interca- 
lar,  interceder^  intermediário^  intermittencia,...  Entre 
é  de  uso  frequente  e  popular:  forma  verbos  transiti- 
vos (entremeiar,  entrelaçar,  entreli Mar ^..})^  ou  ainda 
com  a  significação  de  a  meio,  um  pouco  (entrever,, 
entrecobrir,  .  .  .  J,  q  substantivos  e  adjectivos  (entre- 
casca,   entrecosto,    entrelinha). 

Inter  =  entre  port.  entra  ainda  muito  nas  for- 
mações modernascom  substantivos  e  adjectivos— /»- 
ternacio  uai,    inter  tropical, . . . 

Em  (  en  )  =  lat.  in. —  Prep.  port.,  separável  ; 
empregada  em  grande  numero  de  compostos  sem 
correspondente  no  latim  : —  encadear,  enterrar,  em- 
palhar, encaixar,  etc,...   (como  prep.)  encaixe. 

Intro,  intra  (  =  dentro,  dentro  de,  tendência 
para  logar  interno  ). —  Só  apparecem  nos  vocábulos 
herdados  do  latim: — introduiir,  introducção,  introfnet- 
ier,  intromissão  ,  intrínseco  ( intra  secus  ),  etc. 

1  Em  entreler  já  perdemos  a  idéii  primitiva  da  pai*ticuia. 


26o 


In  (  im  ),  en  (  em  )  (  il  ,  ir  ). —  Indica  logar  onde, 
movimento  do  exterior  para  o  interior. —  Induiir, 
infíammar^  inclinar,  infectar^  injecção^  imprimir^  im- 
plicar^ ...  infiltração^  iníhronisaçãOy..  in-foliOy  in- 
quarto. 

Além  de  introducção,  situação  interna,  a  prep. 
in  indica  também  negação  :  —  incógnito^  imberbe^ 
inanimado^   immuíavely    inactivo. 

O  n  assimila-se  ao  m,  /,  r  (illegal^  irreflectido.) 
O  nosso  en  corresponde  ás  vezes  ao  in  latino  =- 
embiiscada,  encravar,  ensinar ^encorrer  (inciirrere),etc. 

Ob  (oc,  op,  of,  obs).—  Sign.  em  face,  deante, 
logar  fronteiro,  contra  ;  indica  hostilidade,  obstá- 
culo, opposição  : —  Obedecer,  obstar,  obstáculo,  obje- 
ctar objecção,  obrigar,  observação,  oppor,  occasionar, 
offensa,   ostentar,   oscillar,  etc. 

Per. —  Exprime  por  onde,  o  meio,  a  passagem 
através.  Quasi  todos  os  compostos  com  este  pre- 
fixo são  de  origem  erudita  —  perplexo,  perseverar, 
perlucido, perceber, perdoar,  permittir,  etc.  Nos  de 
formação  popular />er  degenera  Qmpre,  e  era  substi- 
tuido  pela  prep.  por. 

Por  {  =  \.per). —  Indica  fim^  termo,  meio  de 
conseguir.  E'  de  emprego  raríssimo. 

Pre  ( 1,  prae ).  —  Indica  antecedência,  excel- 
lencia  augmento.  Só  existe  na  linguagem  popular  nos 
vocábulos  importados  directamente  do  latim  popu- 
lar :  todos  os  mais  são  de  origem  erudita  : — pregar 


26l 


(  praedicare  ) ,    preper    (praepidere) ,  presidência  (prae- 

sidentia  )^ preferir^  preludio^  prematuro ^  prefacio^ 

prefixar^  prescrever^  presidir^  precaução^  presumir^ . . . 
predominar j  preexistir ,   preliminar ^  etc. 

Preter  (  lat.  praeter,  —  além,  excesso  ). —  Só 
existe  em  raros  vocábulos  de  origem  clássica  : — pre- 
térito f praeter-ire  J ,  preterir ,  preterição ,  pretermittir, 
pretermissãOy  preternatural. 

Pro.  —  Indica  deante,  elevação,  protecção, 
procedência,  e  significa/^or,  em  logar  de  :  — prover, 
protrahir,  procurador^  procônsul,  produzir,  propi- 
denciaj...  proeminente ^  profanar,  professar, progres- 
são, promover,  pronome,  etc. 

r*os  (  post).  —  Indica  inferioridade,  retar- 
damento ;  sign.  depois.    E'   da   linguagem   clássica. 

Pos  é  forma  arch.  port.  que  se  transformou 
successivamente  em  empós,  após,  depôs,  depois.  Pos- 
por, pospontar,  póstero,  postergar,  posterior,  pos- 
posto, . . .  postescripto  (  post  scriptum  )  e  posdata , 
postmerediano  (  post  meredianus  )  e  pomerediano 
(  pomeredianus ).... 

Re.  —  Indica  reiteração,  regresso.  E'  prepo- 
sição iterativa.  Este  prefixo  é  abreviação  do  adver- 
bio latino  rursus,  que  significa  de  novo.  Indica 
repetição,  reduplicação  da  acção  ou  idéa  de  retrogra- 
dação :  —  reler,  refazer,  rehaver,.,.  recuar,  re- 
gresso..,. 

Tem  pois  sentido  ampliativo,  e  indica  conse- 


262 


guintemente  intensidade  de  acção  —  rejeitar^  resis- 
tir ;  sentido  iterativo  — reler  ;  indica  reacção,  oppo- 
sição  —  reprimir^  refrear,  repugnar^  sentido  adver- 
salivo. 

São  poucos  os  substantivos  com  re  :  —  retoque, 
re  torção,  re  torcedura,  retorno ,  retrahimento 

Retro.  —  Adverbio  latino  que  significa  atrás, 
para  trás,  regresso.  Só  figura  em  vocábulos  de  ori- 
gem erudita  :  retrogradar,  retroceder y.,  e  os  seus 
novos  derivadas  retrogradação,  retrocesso,  retroactii^o, 
retro  guarda   (retaguarda)   retrogrado. 

Se.  —  Partícula  inseparável  que  indica  idéa  de 
separação,  afastamento.  Só  existe  nas  palavras 
latinas  que  passaram  para  o  portuguez  pela  camada 
popular  :  — seduzir,  seguro,  separar,...  e  em  algumas 
de  fundo  clássico  —  selecção,  sedição,  segregar. 

Satis  (  SAT  ).  —  Partícula  latina  que  significa 
assas,  e  só  figura  em  palavras  que  nos  vieram  do 
latim  já  compostas  :  —  satisfa^er^  saturar,  saciedade. 

SiNE  (  siN  )  =  sem. — ^^  Indica  privação,  carência  : 
—  smecura  (  sem  cuidado,  cura),  sinceriedade,  sim- 
ples (  sem  folho,  de  plicarej. 

Seii:i.— E' part,  portugueza  =  lat.  sine  :  só 
entra  na  composição  de  substantivos  :  —  sem  cere- 
monia,  o  sem  ventura  amante,  sempar,  semjustiça 
(  injustiça ). 

Sub.  —  Indica  segredo,  profundeza,  inferiori- 
dade.  Nas  palavras  de  formação  popular  emprega-se 


I 


263 


su,  50,  sa  :  —  sorrir,  soffrer  ( suíFerre )  saccudir 
( succutere ),  sojugar^  soceder,  siimergir.  Formas 
eruditas  —  subjugar^  submergir,  substituir^  substancia^ 
succeder,  suggerir,...  e  os  de  creação  moderna  — 
subdividir^  subdivisão^  subordinar^  subjacente^  subsidio^ 
subcutâneo subterrâneo ,  sub  marinho. 

Com  força  adverbial — sub-chefe,  sub-acido. 

O  b  assimila-se  á  consoante  seguinte  se  for  c,  g^ 
f,p,  r,  —  succumbir,  sug gerir,  suffocar,  supposição, 
ou  cahe  —  sujeitar^    soca/c  o. 

SoB=  sub,  subtus  : — sobpé^  sobsello,  sobsollo, 
sopé. 

SuBTER  (sob,  a  baixo  de).  -•  Só  em  subterfúgio^ 
subterfugir,  subterfluente  (com  força  adv.)» 

Super  (solbne). — Indica  superioridade,  abun- 
dância, e  só  se  emprega  na  linguagem  clássica  ;  a  po- 
pular forma  compostos  com  a  partícula  correspon- 
dente portugueza  —  sobre  :  — superjicie^  superstição^ 

superfluidade,     superfino, sobrecenho,    sobrepelii, 

sobreloja,  sobreescripto,  sobrecarga,  sobrecheio ,  sobre- 
mesa  sobrenome. 

Tem  ás  vezes  força  adverbial  : —  superabundar^ 
superar, . . . 

Trans,  p.  TRAS  (três,  tra). —  Sign.  através  de, 
além  ;  exprime  a  translação,  a  passagem,  o  transito 
até  um  termo.  No  port.  antigo  trás  tra  e  três  são  as 
formas    mais    empregadas  :  —  traduzir,    tramontano, 

trasmudar,  trasladar,  trespassar Formas  eruditas  : 

-^ transcrever ,  translação,  transladar,  transcendente 


264 


Tem  ás  vezes  força  adv.  transgredir ^  transformar. 

Ultra  (além,  excessivamente)  : —  ultrapassar^ 
ultramar,  ultramontano,  ultraabolicionista.  São  com- 
postos portuguezes,   isto  é,   sem  análogos  no  latim. 

Vice  (em  logar  de), —  Com  esta  preposição  for- 
maram-se  alguns  compostos  populares  —  i^isconde, 
(vicecomite)  visconsul  (vice  cônsul),  vicerei  picereinOy 
vidama  (vice  dominus).  E'  frequente  o  emprego  desta 
partícula  (como  adverbio)  para  designar  pessoa 
que  substitue  outra  em  cargo  significado  pelo  outro 
termo  do  composto,  isto  é,  a  palavra  a  que  ella  se 
ajunta  : —  vice-presidente^  pice-rei {ant.  visrei,  visorei)^ 
vice-reino,  vice-deus  (Vieir.  II.  363).  Verbos — só  pice- 
rei  11  ar  ^  picegopernar. 

COMPOSIÇÃO   COM  ADVERBIO 

i3. —  As  partículas  adverbiaes  empregadas  com 
prefixos  podem  ser  quantiiatipas,  qiialificatipas,  nega- 
tipas. 

A  Quantitatipos 

Bis  (2  vezes,  repetição)  : —  biscouto  (bis  cocto), 
bisavô,  bisdona  fapó)^  bisneto^  bissexual^  bis  seção,... 
Posto  seja  forma  clássica, entra  no  vocabulário  popu- 
lar, e  tem  formado  alguns  compostos  portuguezes, 
sendo  de  notar  que  em  muitas  palavras  deuse  prefe- 
rencia á  forma  bi  —  bigorna  (bi-cornis),  bipede,  bino- 
eido  (bini  oculi);  bigano^  bimane,  binascido,  binocular, 
binómio. 


265 


Meio  (lat.  medius): — meío-relevo,  meio  -  sol  do,  meio- 
tcrraneo.  Em  meia  notte^  meio  dia,  é  adjectivo. 

Quasi  :    qiiasi-  delicio,  iim  quasi  nada 

Semi  (  meio  ).  Forma  tâo  somente  compostos  clássicos, 
principalmente  adjectivos. —  Semicirculo,  semitom,  semi- 
lunar,  semilunio,  semifusa,   semidonto. 

Satjs  (assas): —  satisf acção,'' saiis factor io,  etc. 

Tris  (  triplicação )  —  Trifolio,  trifiircação . 

b)  Qualificativos 

Bene.  Os  compostos  com  esta  partícula  são  em  geral  de 
origem  erudita : — beneficiar,  qx.c  benemerência,  beneplácito, 
benei^olo. 

Bem.  Part.  port.  separável,  forma  compostos  de 
origem   popular;  —  bemdito   (  benedicto  ),   bemaventurado, 

bemdiienie,bemquerença, bemdi^er,  —  estar, — faier, 

—  querer 

Bemvir  só  se  emprega  no  part.  prés. —  bemvindo 

AIale. —  malefício,  maleante,  malévolo^  (  Fórm.  eru- 
dicta )  Nos  outros  compostos  emprega-se  a  forma  por- 
tugueza  mal: — maldizer,  malfade)',  malcriado,  maltra- 
tar. . . 

menos  ( =  lat.  minus) :  menospre:{ar  (l.  minus-pre^ 
tiure  ),  menoscabo, . . . 

V,  des  (descrer,  desprezar. . .) 
c) — Negativas 

In. —  Part.  inseparável;  significa  impuridade,  indigni- 
dade. 

Entra  principalmente  na  composição  das  palavras  de 
origem  clássica  :  assimila-se  ao  /,  m,  r,  (//,  im,  ir.) 

Desde  o  século  XV  que  substituiu  a  negativa  não  nos 
compostos,  e  o  seu  emprego  é  hoje   familiar,  e  quasi  po- 

34 


266 


pular.  Combina-se  com  substantivos,  mas  principalmeme 
com  adjectivos  e  participios  : —  ingralidão,  irreligião^  tn- 
calculáveis  incauto^  inconsiderado^  inconsulto;  illegal, 
immoral^  irregular . 

Raro  deixou  de  ser  observada  a  regra  da  assimilação  : — 
inristar  (envhtss). 

IVão  : — não  ra^ão. 

Composição  propriamente  dita 

12.  —  Já  vimos  a  formação  por  prefixos;  estudemos 
agora  o  segundo  processo  em  que  os  vocábulos  unem-se 
sem  signal  de  relação,  soldam-se,  terminando  por  uma 
única  desinência  que  pertence  á  palavra  inteira,  e  dá -lhe 
unidade . 

i3. —  Muitos  compostos  latinos  já  passaram  para  o 
portuguez  como  palavras  simples  [infante^  de  infans^  tis= 
in  não  -{-  fans  fallante  ;  amanuense  ==  a  manu  ensis  ;  ouro- 
pel ^auripellis^  de  auri  pellis^  folha  de  ouro,  etc. 

i4.  — Os  compostos  são  logicamente  phrases  descripti- 
vas  abreviadas  ;  as  idéas  representadas  pelos  dous  ele- 
mentos reduzem-se  a  um  único  signal  que  muitas  vezes 
encobre  as  suas  relações. 

i5. —  Este  processo  não  é  propriamente  latino:  mas 
deu  ás  línguas  romanas  grande  numero  de  vocábulos,  em 
que  o  determinante  pode  preceder  ou  segnir  o  determinado 
[mãi pairia^  mestre  escola^  café  concerto,  paletot  sacco). 

i6.  — Si  as  palavras  acham-se  juxtapostas,  cada  uma 
delias  conserva  a  sua  accentuação  (  arco-iris^  porta-lapis ) : 
mas  desde  que  se  opera  a  fusão  dos  dous  termos,  o  i*^  :  vai 
pouco  a  pouco  perdendo  a  accentuação,  até  que  por  fim 
perde -a  de  todo  (  pedestal ^  mordomo  ). 

i7. — Os  compostos  são  synlaxicõs  ou  asyntacticos  con- 
forme as  relações  em  que  se  acham.  Em  geral,  é  asyntactico 
o  composto  em  que  o  i*  elemento  é  um  thema. 


267 


i8. —  Na  composição  propriamente  dita  notam-se  qua- 
tro processos  —  o  de  concordância  (  ou  coordenação  ),  de 
subordinação  (  ou  dependência  ),  verbal^  zomp articulas. 

a  )  Compostos  de  concordância  (  syntaxicos  ) 

19.  —  O  determinante  é  um  subst=  ou  adj.  em  relação 
syntaxica  de  concordância  com  o  termo  principal. 

1°  Subst.  +  subst.  :  —  beira  mar,  varapáo.  Os  dous 
substantivos  acham-se  em  relação  de  concordância,  e  o 
ultimo  determina  o  primeiro  appositivamente.  Nos  com- 
postos por  apposição  os  substantivos  ainda  podem  vir 
ligados  pela  preposição  de :  —  jui^  de  pa{,  inspector  de 
districto. 

O  determinante  segue,  em  regra,  o  determinado  :  —  /ol>ís  homenij 
gotnma  lacca  ou  arabicUj  couve  Jiôrj  papel  moeda j  etc.  :  precede-o  ás 
vezes  :  —  mãi-patriaj  madrepérola. 

2,°  —  Subst. H-  adj.  e  vice-versa. —  boqui- aberto  fant. 
bocaberto,  em  Gil  Vic.  boqui  amcho),  cabisbaixo.^  pon- 
te-agudo  . . ..,  menoridade,  baixa-mar,  gentil-homem . 
O  adjectivo  acha  -se  na  relação  attributiva  com  o  sub- 
stantivo. 

Geralmente  o  determinante  precede  o  determinado  :— 
primavera.,  gentil-homem.,  salva- guarda.,  clara-boia,  plata- 
forma., santo-padre.,  santa-sé.,  baixa-mar.,  baixa-latini- 
dade,  bom- senso  alio-mar  (mar  alto).,  novo-mundo.,  Santa 
Egreja...  São  muitas,  porém,  as  excepções: — canto- 
chão.,  bancoroto.,  Espirito- Santo.,  idade-media.,  republica., 
ponte- pênsil  ou  levadiça.,  sangue-frio.,  fogo-fatuo.,  guarda- 
nacioncil.,  senso-commum.,  terra- firme.,  terra- santa  ( Pa- 
lestina), etc. 

Si  o  adjectivo  for  de  numero,  determina  o  substantivo,  e 
precede-o  sempre  : —  tridente.,  triangulo.,  quadrúpede.,  qua- 
drilátero., semana.,  (septi  mana.,  sete  manhãs}.,  centopéa., 
binóculo^  centimetrc,  milligrammo.,  primogénito . 


268 


d)  Compostos  de  subordinação 

19. —  Nestes  compostos  o  determinante  é  um  substan- 
tivo em  relação  de  dependência,  regimen  directo  ou  com- 
plemento com  o  determinado. 

I.°    SUBST.+VERBO  ou  ADJ.   VERBAL — Viandante^    logãV 

tenente. 

2.^  SuBST.  H-  suBST.  :  —  viaducto^  ourives  (aurifex) 
ouropel  (auri pellem)^  salmoura  (de  sal  t  muria)^  petróleo 
(áo.  petrae  olum)^  quartel -mestre^  terrapleno^  lerremoto. . . 
O  1°  substantivo  em  todos  esses  exemplos  está  em  geni- 
tivo.  Exceptuam-se: —  condestavel^  mappamundi^  banho- 
tnaria . 

c  )  Verbal, 

20. —  Formam-se  de  um  verbo  no  imperativo  (  ou  3^ 
p.  sing.  do  prés.  do  Ind.  )  seguido  do  seu  comple- 
mento . 

Os  dous  termos  acham-se  em  relação  de  dependência: 
o  principal  é  um  verbo,  o  complemento  é  um  substantivo, 
um  adverbio,  ou  um  outro  verbo  também  no  impera- 
tivo. 

1°  )  VERBO  +  SUBST. —  Raro  vem  o  complemento  pre- 
cedido de  preposição ;  ás  vezes  os  elementos  fundem-se, 
outras  conservam-se  distinctos  :  —  batibarba^ferefolha^ 
beijamão,  sacarolha,  saca-trapo,  porta-voz^  guarda-pó, 
para-raio^  beija -flor^  valha-coulo,  passaporte,  porta-estan- 
daríe,  tira-pé,  girasol,  serrafila,  etc.  . 

A  esta  classe  pertencem  os  gallicismos  : —  abat  jour  (  quebra  luz  ) 
cache-ncz,  rcndcz-vous . 

2°. —  SUBST.  +  VERBO  :  — parricida,  carnijforo,  som- 
viambulo, .....  pedicura . 

3". —  VERBO  4-  ADV. . —  passavanle,  piixavaníe . 

4°. —  VERBO  -f-  \ERBo  :  —  vaivcm,  ganha-perde,  luie- 
lu{e,  bule  bule,  dicemediceme,  etc. 


26o 


Esta  composição  é  muito  fecunda,  e  só  a  linguagem 
popular  deu -nos  vocábulos  em  numero  passante  de  5oo. 

O  infinito  é  um  verdadeiro  substantivo: — o  poder j  o  jantar j  os 
teres j  os  viveres . 

Do  part.  presente  formaram-se  adjectivos,  que  mais  tarde  torna- 
ram-se  substantivos: —  a  coiistitíii)ite_,  o  amante . 

Do  part.  passado  formam-se  substantivos,  geralmente  do  género 
feminino,  e  esta  formação  é  mui  fecunda  : — vista j  tomada j   cscripta, 

d)  Cojii paniculas . 

21 . —  Prep.  ou  AD^^  +  subst.:  —  contra  veneno  ^-ante- 
manhã^ ante-braço^  parabém^  sem  raião^  contra  ordem^ 
sobresalto^  entre  acto,  ultra-mar,  entrecosto,  sobre-pelii, 
jnce  -  almirante,  sub  -  secretario . 

Este  processo  da  formação  já  existia  em  latim: —  pro-consu/j  inter- 
valluvi;  1.  pop.  in  ódio,  etc.,  com  o  x»  termo  adverbio,  também  se 
encontram  exemplos  :  —  2Cíi\.t-peaèSj  post-^enitus, 

—  Dos  advérbios  formam-se  substantivos,  por  meio  de 
ellipse  : —  o  melhor,  o  bem,  etc ... . 

//.  Formação  de  adjectivos 

22. —  O  portuguez  forma  adjectivos  pelos  mesmos 
processos  que  emprega  para  a  formação  de  substantivos, 
i .  e . ,  —  pela  composição  e  derivação . 

Forma  pela  composição  : 

I .°  Ajuntando  dous  adjectivos  simples  : — rosicler,  surdo- 
mudo,  agro-doce,  verde -gaio  ; 

2.°  Juxtapondo  um  adverbio  a  um  part.  passivo  : —  bejji- 
quisto,  bemáito,  ?nalcr ea.do. 

Temos  pois  também  compostos  juxtapostos  e  crystalli-' 
sados. 

Exemplos  de  juxtaposição  temos  nas  formas  numeraes  : 
i>inte  e  dous,  etc . 

3.°  Antepondo  certos  prefixos  aos  adjectivos,  modiíi- 
cando-lhes  o  sentido. 


270 


ITI.  Formação  dos  verbos 

23. —  o  portuguez  segue  para  a  formação  dos  verbos 
os  mesmos  processos  que  para  a  formação  dos   nomes. 

Pela  composição,  antepondo  um  siibstantipo  (raaficar, 
manohvdcc^  caval^ds. . . .),  um  adjectivo  empregado  adver- 
bialmente  {purijicar  * ,  doeiítar^,,.) ;  uma  partícula  (adv.) 
/ríjwsluzir,  wa/tratar,  antever. . . .) 

24. —  Os  prefixos  latinos  que  entram  na  composição 
dos  nossos  verbos  já  foram  citados  quando  tratámos  do 
Sub.   e  do  Adject. 

Atroar,  Amover,  Apegar  ;  Absolver,  Abjurar,  Abjurgar 
(f.  erud.)  ;  ABster-se,  ABStrahir  ;  AccEder,  ANnotar  (  ad 
lat.) 

ANTEpôr,  ANTidatar ;  BEMquerer,  BE.Mquistar  (pop)  ;  Bi- 
partir ;  ciRCUMdar  ciRCUMScrever ;  coMprometter,  coMplicar  ; 
coNTRAdizer  coNTRAfazer ;  Dsmitir,  DECompor  ;  OEsamparar, 
DEsempatar  ;  Divagar,  Dispor,  Discorrer ;  EMpoar,  ENrama- 
Ihetar  ;  ENTRElaçar,  ENTREabrir  (pop.);  Equiparar,  equi- 
librar  ;  Escorrer,  Espalhar ;  Excavar,  Exclamar  ;  inteiyôr 
iNternar,  iNTRometter  ;  MALdizer  MALtratar  (pop.),  obscu- 
recer  ;  PERfurar  PERCorrer  ;  pospor  pospontar ;  PREdispôr, 
PREdizer ;  pRoclamar  PROtahir  ;  REalçar,  REbater  RECom- 
pensar  REConstruir  ;  RETROceder  RETROgradar  ;  suslinhar 
suBScrever  suspender  ;  soBREpôr,  soBREvir,  TRANspôr 
TRANspassar  xREslêr  ;  ULTRApassar,  etc . 

25. —  Ha  nomes  compostos  de  phrases,  cuja  formação 
não  se  subordina  por  sua  irregularidade  a  uma  classifi- 
cação : —  mal  me  quer.,  aqui  d' El-Rei.,  salve-se  quem 
puder.,  etc .  Outros  formam-se  pela  reduplicação  :  —  naud.^ 
mifiu\  etc. 


'  São  muitos  os  derivados  com  ficar,  quasi  todos  de  imp.  latina.  Ftati- 
ficar  e  ramificar,  quo  na  opinião  de  um  grammatico  não  teem  corres- 
pondentes em  latim,  são  reproduções  do  lat.  \ulgav-ratificare,  ramificare. 
Temos  f.  pop.  —  bestifícar. 


271 


26. —  Temos  também  compostos  importados  de  línguas 
estrangeiras  :  —  visà-ins^  casse-têíe^  hors  d'oeuvre^  burgo - 
mestre^  feldpath^  landwehr^  caparosa^  bulldog^  beefsteak^ 
sieeple  chase ;  saltimbanco,  /iligrana^  salsaparrilha,  oran- 
giUango,  etc . . . 

Género 

27. —  O  género  dos  nomes  compostos  é  sempre  o  da 
palavra  principal :  —  a  grã  cruz,  o  canto  chão.  Os  com- 
postos verbaes,  são  essencialmente  masculinos  —  um 
guarda  prata,  um  salva  vidas.  Os  compostos  com  par- 
tículas são  sempre  (excepto  quando  nos  referimos  a  uma 
mulher  e  animal  fêmea )  masculinos,  si  ellas  forem  pre- 
posições ;  mas  si  forem  advérbios,  o  género  deve  ser  o 
mesmo  do  subst.  determinado:  —  uma  contra  marcha, 
um  contra  peso,   um  ante  braço. 

Numei^o 

28. —  Os  nomes  compostos  formam  o  plural  de  accôrdo 
com  as  regras  a  que  estão  sujeitos  os  nomes  simples  desde 
que  os  seus   elementos    estiverem    fundidos  (ferro-vias). 

Quando,  porém,  os  termos  conservam-se  distinctos,  a 
formação  do  plural  depende  dos  elementos  componentes  : 
só  o  subst.  e  adj. —  é  claro  —  são  susceptíveis  de  flexão 
numérica. 

Nos  compostos  de  adj. -h  subst.  só  este  toma  signal 
de  plural.  Excep. —  genttl-homem,  que  faz  gentis  homens, 
mas  que  no  Sec.  XVII  ainda  seguia  a  regra  geral :  geniil 
homens  escT&vtu  Vieira. 

Nos  compostos  de  dous  adjectivos,  só  o  2°  varia  :  — 
medico  -  ciru  rgicos. 

Em  relação  de  subordinação  ambos  os  termos  tomam 
signal  de  plural :  — couves-Jlores  (subst.  -f-  subst.),  pro' 
cessos  verbaes  (subst .  +  adj . ) . 


272 


Em  relação  de  dependência,  só  o  termo  principal  pôde 
ter  plural :  —  quartel -jnesíres. 

29. —  São  em  pequeno  numero  os  adjectivos  com- 
postos :  formam-se  de  dous  adjectivos  ou  de  prefixo  c 
adjectivo. 

No  1°  caso  acham-se  em  relação  de  coordenação 
(agro-doce^  surdo-mudo)  ou  de  subordinação  (recem- 
nascido) .  Temos  mais  os  que  exprimem  cor,  que  são  susce- 
ptíveis de  flexão,  excepto  quando  um  delles  determina 
o  outro . 

A'  classe  dos  compostos  de  coordenação  pertencem  os 
nomes  de   numeroe  cardeaes  —  de:{Otio^  inníe  quatro,  ttc. 

29. —  Nos  verbos  compostos  o  elemento  determinante 
pôde  ser  um  substantivo  ou  um  prefixo  (  manter^  ma- 
nobrar ) .  A  esta  serie  pertencem  os  verbos  formados  de 
um  substantivo  ou  adjectivo  e  de  /acere  ou  Jicare,  hoje 
verdadeiros  sufHxos  em  todas  as  línguas  romanas  (  per  si - 
ficar,  forti^cav ) . 

Si  o  determinante  fôr  um  prefixo,  a  palavra  principal 
é  um  verbo,  um  subst.  ou  um  adj.:  —  repor;  em-pedrar 
(  comp .  parasynthetico  verbal ) . 

Compostos  com  elementos  gregos 

3o. —  Alguns  nomes  já  nos  vieram  compostos  do 
^vtgo  [acrobata^  de  .acros  ponta,  e  bainein  andar);  am- 
phibio^  de  ampho  dupla  e  bios  vida  ;  amphibologia,  ana- 
gramma,  acephalo^  amphitheatro^  cosmographia^  caco- 
phonia^  apologia^  architecto^  dissyllabo^  dyspepsia^  aS' 
irologia^  aristocracia^  synonymo^  synagoga^  encephalo^ 
metamorphose^  epidemia^  prolegomenos^  etc;  outros,  e 
estes  mais  numerosos,  formaram-se  eruditamente,  e  não 
teem  correspondentes  no  grego  : —  typographia^  agerasia, 
arcipreste,  ecchymose,  enostose,  ea^ophthalmia,  anemia, 
anemoscopio,  philologo,  attthropologia,    necrotério,    tele- 


273 


phone^  ielegrapho^  kilometro^  pariamho^  synaniho^  hypo- 
carpo ^  etc. 

Nas  sciencias  é  que  mais  abundam  estes  compostos, 
cujos  elementos  formadores  podem  ser  partículas  ( prep . 
ou  advérbios )  e  palavras . 

Tarticulas 

A,  AN  (  áv,  á  =  l.  in).  Part.  privativa;  prefixo  ne- 
gativo : —  acephalo^  acaule^  aiheo^  aphonia^  atropina^ 
anonymo^  etc. 

AMPHi  ou  AMPHis  (  à  [x  íp  t  =  ambos,  1.  ambi  )  : —  am- 
phibio^  amphitheatro  ;  amphisbena^  amphiscios. 

ANA,  AN  (  á  V  á,  á  V  ,  equivale  prefixo  re  )  —  Indica 
repetição,  sign .  de  novo,  sobre  : —  analogia^  anatomia^ 
anabaptista,  anachoreta^  anachaiarttco^  anagogia^  ana- 
dema^  anamorphose  (  comp.  port.  —  mudança  de 
forma  ),  etc. 

ANTI  (  áv  T  t  =  l.  a«/e).  Denota  opposição,  etc  :  — 
antídoto^  antípoda^  antipathia^  antithese.  Com  adjectivos, 
forma  muitos  parasyntheticos  (  anti- febrífugo^  anuna- 
cional ).  etc. 

APO  (  á  Tt  ó  =  1 .  ab)  —  Indica  posição  superior,  afas- 
tamento, origem: —  apologia^  apocope,  apostrophe^  apo- 
plexia, apophonta  etc. 

Archi  (ã  p  X  t  —  commando,  primazia  :  é  adv.)  Indica 
superlatividade,  preeminência  : —  archtduque,  archanjo,  ar- 
chiteto, . . .  (oligarc///í7,  heptrarc/i/j,  arcipreste,  archipres- 
bjtero,  etc. 

E'  o  único  prefixo  grego  empregado  na  formação  de 
vocábulos  populares. 

Cata  (x  a  t  á,  contra,  sobre,  sob,  por).  Indica  ordem  — 
catalogo;  perturbação  —  cataclysmo,  catastrophe.  Entra 
na  formação  de  muitos  vocábulos  eruditos  : —  catachese, 
catacumba,  catar  acta,  catalepsia,  cataphonico,  etc. 


274 


Dia  (8  i  á  —  1.  dis  ;  através,  por  entre  ;  por  causa  de): 

—  diâmetro,  diapham,  diatribe,  diagnostico,  di.ilogo,  dia- 
phragma,  etc. 

Dis  (duplo) : — dissyllabo. 

Dys,  (S  ú  ç  —  pref.  adv.  pejorativo).  Significa  difficul- 
dade,  falta,  ummal,  máo —  d^^spesia  (má  digestão  —  dus 
difficilménte  e  pepto  digerir)  ;  dysorexia  (falta  de  appetite), 
djsuria  (difflculdade  em  ourinar),  djspnea,  djsenteria, 
dyscrasia,  dystalia,  (  difficuldade  no  fallar  —  dys  e  talein) . 

Ec,  Ex  ( é  £  X  —  I.  e,  ex  ;  —  de,  fora  de)  :—  êxodo, 
exógeno,  exanthema,  eclipse,  écloga,  ecchymose  (eflfusão  dos 
humores  sob  a  pelle),  etc. 

En,  em  (e  V  —  1.  IN.)  Indica  tendência  para  dentro  :  — 
encephalo,  endógeno,  enthymcma.  emphase,  embryão,  en- 
démica,  enthiisiasmo,  enostose  (en  e  octeon  osso),  etc. 

Epi  —  EP,  EPH  (e  7r  t).  Sign.  sobre,  perto  de. —  epitaphio, 
epidemia,  epigasiro,  epigraphe^  epilogo,  ephemero,  epi- 
craneo,  etc. 

Endo  (dentro)  : —  Comp.  vern. —  endocephalo. 

Eu  (adv .  e  o,  bem) :  —  euphonia,  encharistia^  evangelho^ 
euchromo^  (que  tem  bella  cor),  etc. 

Exo  (para  fora) :  —  exotérico, . . .  exophthalmia  (sabida 
do  olho  fora  da  orbita),  etc. 

Hemi  (vi  {jl  1  t  u,  1.  semi): — hemispherto,  hemicrania, 
hemistichio,  hemiplegia . 

Hyper  (u  tt  Ip,  1.  super.)  Indica  superioridade,  excesso ; 
sign.  acima,  além  : — liyperaspista,  hypercritico,  liyperbole, 
hjperthrophia,  etc. 

Hypo,  hyp  (  u  t:  ô  ,lat.  sub) : — Iiypocrisia,  hypocondrio, 
hfpogasiro,  hypoiheca^  etc.  Denota  ás  vezes  insufficiencia, 

—  hyposulphitroso. 

Mega  ({í  tí  y  «,  pref .  qual. —  grande): — megametro, 
megacephalo^  megatherio . 

Meta,  met.  ((x  e  x  á,  com,  depois,  acima,  entre,  conforme 
a  palavra  que  segue  :   sign .  successão,  mudança,  transfor- 


•275 


mação)  : — metamorphose,  metaphora,  metaphysica,  me- 
tliodo,  fjieiacarpo,  iiietachronismo  (erro  de  data),  etc. 

Para,  par  ( Trapa  — ao  lado  de,  perto  de  ).  Indica  paralle- 
lismo,  comparação,  tendência  :  paralogismo,  parodia,  pa- 
roxismo, parallelo^  parasita^  paradigma,  etc. 

Peri  (  r£çt  —  1.  per  ;  em  redor.  Em  composição  sign. 
muitas  vezes  o  mesmo  que  circiim  )  :  —  perimeíro,  peri- 
phrase,  pericárdio,  pericraneo,  peritoneo,  perianiho  (  peri  e 
antho  flor,  invólucro  da  flor ),  etc. 

Pro  (  rpo  —  1.  pro.,  prae  )  Indica  anteposição  :  — pro- 
gramma,  problema,  prognostico^  prophy láctico^  progna- 
ihismo^  prologo.^  proifpographico  (anterior  á  typographiaj 
etc. 

Prós  ( ■Jtpóç —  perto  de,  para  )  Indica  tendência  para  um 
logar  ou  cousa  :  —  prosel}'to,  prosódia,  prosthese. 

Syn,  5/w,  5;^/,  sj'  ( (TÚv,  (Tutx,  (pfk.,  (TU  —  1.  coii^  port.  com). 
Indica  ajuntamento,  simultaneidade  :  — synagoga,  sympa- 
ihia.f  symphonia.,  sj-meiria,  syníaxe.,  s/tionymo^  synchro- 
nismoy  systema.,  syi^ygia,  etc. 

b)  Palavras 

Acro  (  extremo,  cume  j  ;  —  acrobata,  acroteno.,  acró- 
stico, acrópole... 

Anthropo  (homem  ) :  —  antrhopophago,  anthropolo- 
gia,   anthropomorphismo . 

Anemo  (  verbo )  :  —  anemómetro.^  anemóscopo. 

Auto  (  por  si  mesmo  )  :  —  autonomia.,  autocrata,  auto- 
grapho,  aiitonofjio.,  aiitobiographia. 

Baro  (  peso  )  :  —  barómetro.,  bar/metria, . 

BiBLio  ("livro  ) :  —  bibliotheca,  bibliomania,  bibliophilo., 
bibliographo . 

Bio  ('vida) :  —  biographia,  biologia,  biometro,  etc. 

Caco  (  máo  )  :  —  cacochymo.,  cacographia.,  cacophonia, 
cacologia. 


276 


Cephalo  (cabeça): — ceplialalg-ia^  cephaloide^  cephalo- 
tomia. 

Chiro    (mão) :  —  chirographia^     chiromancta^    duro- 
logia,  etc. 

Chromo  (  cor  ) : —  chromolithographia^    chromophoro^ 
etc. 

Chrono  (tempo) :  —  chromca,    chronologia^    chrono- 
metro . 

Chryso,  cryso  (ouro) : —  chrysocalo^  chrjsocomo^  chrf- 
solitho^...  chrisma^  crysalide. 

Cosmo  (mundo)  : —  cosmogonia^  cosmographia^  cosmo- 
polita^ cosmorama^  etc. 

Crypto  (occulto)  : —  crypíographia^  cryptogamo^  etc. 

Cyano,  cyan  (azul): — c/anhydrico,  cyanogeno. 

Cyno  (cão)  : —  cynocephalo^  cfnegetica^  etc 

Cyclo  (circulo) : — cydolitho^  cfdoptero^  etc. 

Gysto,  cyst  (bexiga) : — cystocele^  cystalgia^  etc. 

Demo  (povo)  : — democrata^  democrilo^  demagogo. 

Deca  (dez)  —  decálogo, decagoiio.,  etc. 

Endo  : —  endosmose. . . 

Electro  (electricidade): — electro-dynamico,  electro' 
negativo,  electro geno,  electroscopo. 

Entomo  (insecto) : —  entomologia,  entomo'{oario,   enío- 
mophago . 

Etho  (costumes) : —  ethnographia,  ethologia,  ethopéa. 

Exo: — exosmose. 

Galacto  (leite)  : — galactophoro,  etc. 

Gastro,  gastr  (ventre,  estômago) : —  gastralgia,  gaS' 
tronomo,  gastro-enterite  etc . 

Geo    ( terra  )  : —  geographia,    geometria,    geologia, 
geodesia,  etc. 

Gymno  (  nu  )  : — gymnospermia,   gymnosophista,   etc. 

Gyn,  gyneco  (  mulher  )  : —  gynecocracia,  gynandria. 

Heli,  hélio  (sol)  : —    heliographia,  helioscopio,   lie- 
liotropo,  etc. 


277 


Hemo,  hema,  hè.mato  (  sangue  )  : —  hemorragia,  he- 
moptfsis^  hemaiiiria^  hematocele,  IiemorrJioides,  etc. 

Hetero  (  outro,  diverso  )  : —  heterodoxo^  heteróclito, 
heterogéneo . 

HiERO,  HiER  (  sagrado  )  : —  hierogljpho,  hierar-' 
chia,  etc. 

Hippo,  Hipp  (  cavallo  )  : —  hippiaírica,  hippodromo, 
hippogriffo,  Hippolttho,  hippopotamo,  etc. 

HoMEO  {  egual )  : — hoiUiXopathia. 

Homo  (  o  mesmo,  semelhante  )  : —  homogéneo,  ho- 
mologo, homonomo,  etc. 

Hydro,  hydr  (  agua  )  : —  hydrographia,  hydro- 
mancia,  hydromel,  hydrocephalo,  hfdrogeneo,  h/dro' 
iherapta,  hydropesia,  etc. 

Hygro  (húmido  ):—  hfgroscopo,  hygrometro,  etc. 

IcHTYO  (peixe)  : — ichtjologia,    ichty ophago,  ttc. 

IcoNO  ( imagem  ) : —  iconoclausía,  iconolatra,  icono- 
graphia,  etc. 

Ideo  (idéa): — ideographia,  ideologia,    ideogenia. 

Idio  (  próprio,  particular )  : —  idiogyno,  idiopathia, 
idiosyncracia,  etc. 

Iso  (  egual )  : —  isotherme,  isocele,  etc. 

LiTHO  ( pedra )  : —  lithographia,  lithographo,  litho- 
timia,  liíhotricia,  lithologia,  ete. 

Macro  (grande): — macrocephalo,  macroscomo,    etc. 

Micro  (pequeno)  : — microcephalo,  microcosmo,  mi- 
croscópio, mtcrosoario,  micographia,  etc. 

Meso,  mes  (  que  está  no  meio  )  : —  mesenterio,  meso- 
carpo.  Mesopotâmia,  etc. 

Metro  (medida)  : —  metrologia,  metronomo. 

Miso,  MIS  (  que  odeia  )  : —  misanthropo,  7iiisogamo, 
misogcneo . 

Mytho  (fabula): —  mjthologia,  mythologo,  etc. 

Mono  (  um  )  : —  monomania,  moitomio,  monopólio, 
monorima^  etc. 


278 


MoRPHE  (  forma  )  :  —  morphologia . 

Neo    (novo)    : —    neophyto^     neologia^    neographo^ 
neomenia^  etc. 

Nevro  (  nervo  )  : —  nevralgia,  nepropiero,    nevrosthe^ 
nico,  nevrotoniia^  etc. 

Noso  (  doença  )   : —    nososrraphia,    nosologia^    noso- 
genia^  etc . 

Nycto  (  de  noute  )  : —  nyctobato^  nyctographia. 

Odonto  (  dente  )  : —  odontalgia^    odontologia,    odon- 
toide^  etc. 

Onoma    (  nome  )   : —    onomástico,    onomatopéa,    ono- 
maneia . 

Ophi,  ophio  (serpente)  : —  ophidico,   ophiolitho^    etc. 

Opthalmo    (  olho  )    : —    ophiabnta,    ophialmotomia, 
ophtalmoscopio,  etc . 

Ornitho  (  pássaro  ): — orniihologia^  ornithoinancia^  etc. 

Ortho  (  recto,  certo  )  : —  orthographia^  orthophonia^ 
orthodóxo,  orthopedia,  etc. 

Orycto  (fóssil):  —  oryctotechnia^  ory etologia^  etc. 

OsTEO  (osso) :  —  osteologia^  osteoscopo,  osteoiomia,  etc. 

OxY  (acido-chimica  ;  agudo  — hist.  nat.)  :  — oxygeneo, 
oxymetria^  oxyphonia . 

Paleo,  paleonto  (antigo):  —  paleontologia^  paleogra- 
phia^  paleo^oologia^  etc. 

Pan  panto   (tudo) :  — panorama^  pantheismo^  panto- 
metro^  pantomima^  etc. 

Penta  (cinco): — pentametro,  pentágono,  etc. 

Pathos  (moléstia) — patliologia. 

Philo,  phil  (amante): — philologiã,  philanthropo,  phi- 
losophia,  philomatico,  etc. 

Phlebo  (veia):  —  phlebotomta,  phleborragia,  etc. 

Phono    (voz)  :  —  phonologia,   phonographia,    phono- 
metro,  phonação,  phonema,  etc. 

Photo  (luz) :  — photographia,  photometro, photobia,  etc. 

Phos  (id) : — phosphoro,  etc. 


2  7y 


Podo  (pé)  —  podopíero,  podagro^  etc . 

Physio  (natureza) :  —  physiologia^   physionomi.i^   etc . 

PoLY     (muito): — polysfllabo  ^    poljrtheama^    poly- 
clinica^  e/c. 

Pseudo  (mentira,  engano):  — pseudonymo^  pseudopro- 
pheía^  etc. 

PsYCHo  (alma) :  — psychologia^  ps/chtco,  psychiatria^ 
psychoguosia,  etc. 

PsYCHRO  (frescura):  —  psychromeiro. 

Pyro  (fogo) :  — pyrometro^pyrophoro^pyrotechnia^  etc. 

Proto    (primeiro,    principal): — prototypo ^   proto- 
nauta^  etc. 

Phren   (cérebro) :  —  phrenologia^  phrenetico^  phrenesi^ 
phrenttis . 

Rhino  (nariz)  : — rhinalgia^  rhinoplastia^  rhinoceronte. 

Semeion  (doença):  —  semeiologia^  semeiotica. 

Stereo  (solido) :  —  stereoscopto^  stereometna^  etc . 

Strato  (exercito) ;  —  estratégia,  estratagema,  estrato- 
cracia^  etc. 

Tele  (longe)  :  —  telegramma,  telephone^  telegrapho, 
telescópio^  etc. 

Tetra  (quatro)  :  —  ieíraedro,  tetrarchia. 

Thera  (cura); — therapeutica. 

Theo  (Deus) :  —  theocracia^  theodicéa^  theologia^  Iheo- 
phtlo^    Jheocrito^  etc. 

Thermo  (calor):  —  thertnometro^  thermal. 

Topo  (logar) :  —  iopographia^  topologico^  etc . 

Typo  (modelo) :  —  íypographia^  typomania^  etc . 

Zoo  (animal) :  —  '{oologia^  loophyto^  "{oographia^  etc. 

Os  nomes  de  números  gregos  entram  em  composi- 
ção de  muitos  vocábulos  :  —  mono,  dts,  tn\  tetra,  penta, 
hex,  hepta,  odo,  ennéa,  deca  (lo),  endeca  (ii),  dodeca 
(12),  icos  (120),  herato  (100),  kilo  (i.ooo),  myria  (10.000), 
poly  —  muitos,  hetni  —  meio,  proto  —  primeiro,  dento 
dentero  —  segundo,  trito  —  terceiro . 


28o 


3i.— Desde  os  primeiros  tempos  da  lingua  (Sec.  XII  e  XIII) 
que  apparecem  compostos  vernáculos  :  —  iiengunOj  sobrecabadura 
(F.  do  Cast.  Rod.  2.  IX),  semrazovij  ouVroinevi,  niaPsoffrcdorj 
desamor  j  dcsaqui  (Canc.  Vat.),  grand^a/go  ric^oiiiein ,  euvoí- 
iuradOj...,  e  grande  numero  de  toponymicos  e  antonomasticos  {Vyl 

—  H enrique j  Valongo,  Jograr  Sacco,  corpo  —  dei  gado j  etc.    C.  Vat.) 

32.  —  Mais  tarde,  e  principalmente  depois  do  Sec.  XVI,  apresenta-se 
uma  nova  corrente  de  compostos  vernáculos  de  formação  erudita. 
Ebri-festaniej  atiriltizcnteSj  ambri-odoro ,  fiimi  -fiavi  -  ruivas j  vio- 
narc/ti-  grapho,  doce  -  ambri  -  fogo  —  andeatite,  ovini  —  cores j  e/cr  no 

—  maíicoSj  ar  —  delicias j  *  longe  -— vibrador j  fitccti  —  sonantes j  aviplo 

—  reinante j  olhi  —  cernleaj  othigaseaj  jlaxipedeSj  celeripede,  *  atiri  — 
t/tronada  —  Juno  . . .  ^ 


»  Fil.  Elysio  — V.  14,  17,  34,  60,  86;  VII  — 105,  etc. 

«  Od.  Mendes  11.  U,  12,  14,  16,  25,  37,  120,  132.... 

^  Mac.  Or .  Inscreveu  um  critico  (Castilho^  que  se  a  deusa  estivesse 
seiíLada  em  unia  cadeira  de  palha  ou  empalhada,  devia-se  pois  dizer  — 
palhinha  —  enearleirada  —  Juno. 


DECIMA  OITAVA  LICÀO 


Formação  das  palavras  em  geral. — Derivação 
própria  e  imprópria. — Estudo  dos  suffixos. 


I. —  Dá-se  o  nome  de  derivação  aos  processos  for- 
madores de  palavras  pelo  accrescentamento  de  um  suffixo 
a  um  vocábulo  primitivo  ( i .  e .  ao  thema  como  signal 
de  categoria  grammatical)  ou  pela  modificação  de  sen- 
tido. O  1°  processo  chama-se  derivação  própria  ;  o  2° 
imprópria. 

digua  é  pois  palavra  primitiva  ;  aguadeiro^  aguaceiro^ 
agitador^  aguar ,  são  derixados. 

Os  suffixos  são  de  formação  popular  ou  de  origem 
erudita.  Só  os  primeiros  entram  na  derivação  propria- 
mente portugueza  ;  mas  alguns  de  origem  clássica  são 
hoje  de  uso  vulgar,  e  estão,  por  assim  dizer,  nacio- 
na Usados,  e  com  força  creadora  ( escripíurano,  instru' 
mental^  abolicionista.^  etc.) 

Alguns  teem  dupla  forma,  uma  popular  e  outra  eru- 
dita, muitas  vezes  com  significação  também  dupla  : — 
juslica.  justeza.^  razão  r jzão,  pritna.no  primúro .  A  forma 
popular  é  geralmente  a  mais  antiga. 

O  sentido  próprio  de  cada  um  dos  suffixos  portu- 
guezes  revela -se  em  todos  os  derivados  para  cuja  for- 
mação elle  concorre ;  mas,  em  geral,  o  derivado  tem 
sentido  mais  restricto  que  o  primitivo.   Equivale   a    um 

36 


282 


substantivo  adjectivado  (  homenzarrão  =  homem  grande  ) 
ou  a  um  verbo  e  seu  complemento  (  estudar  =íazer  es- 
tudo). 

O  mesmo  suffixo  pôde  ter  varias  significações.  Ex. 
—  //zreiro,  í/w/eiro,  primeiro^  limoúvo. 

Temos  muitos  derivados  cujos  primitivos  nunca  fi- 
zeram parte  do  nosso  léxico  ;  outros  cujos  primitivos  são 
palavras  portuguezas  já  archaisadas  ou  modificadas  na 
forma  : —  «wcluir,  transgvQáir,  í^epertorio, ....  repinicar^ 
piverada , 

A's  vezes,  entre  o  radical  e  o  sufíixo  das  palavras 
derivadas,  intercala-se  uma  consoante  euphonica  :  — 
chopisco,  florsinha^  cafeteira^  ou  uma  syllaba  que  equi- 
vale a  um  sufíixo  : — cabellúveiro . 

2. —  Estudemos  agora  a  formação  nominal,  que  pôde 
ser  própria  ou  imprópria . 

a)  'Derivação  imprópria. 

3. —  A  derivação  imprópria' forma  substantivos — de 
nomes,  verbos,  e  de  palavras  invariáveis. 

i.^ —  De  nomes  próprios,  que  pela  mudança  de  sentido, 
por  uma  acção  psychologica,  tornam-se  communs;  — 
macadam^  musselina,  cognac,  magnólia  (de  Magnol,  botâ- 
nico do  XVIII),  camélia  (Gamei,  introductor  da  flor  japo- 
nezana  Europa  em  1732),  nicotina  (Nicot,  physico  francez 
que  introduziu  o  tabaco  na  Europa),  pânico  (de  Pan), 
sardónico,  ^  saturnino,  caipora,  tartufo,  quassia  (nome  de 
um  negro  feiticeiro  de  Surivem,  que  em  1 780  descobriu  as 
propriedade  da  planta),  etc. . .  ^ 


1  Riso  causado  por  uma  planta  da  ilha  de  Sard«»U»,  que  occasionavu 
morte   çonvulcionad»  pelo   riso    aos   que   a  comiam. 
»  Vide  Lição  22*  e6.»         •     - 


283 


2.^ —  De  adjectivos  —  Consiste  em  designar  um  ente  ou 
objecto  pela  qualidade  que  mais  attrahe  a  attenção  :  — 
dormente,  jornal. 

Este  processo  já  era  vulgar  no  latim. 

O  adjectivo  pôde  também  empregar-se  substantivada- 
mente  :  —  um  louco,  um  pobre . 

3.° — Dq  jyerbos  —  Podemos  derivar  o  substantivo  di- 
rectamente do  thema  verbal  isiibst.  iferbaes)  ou  de  uma 
das  formas  nominaes. 

a)  Da  1®  pessoa  sing.  do  Ind.  prés.  (principalmente 
dos  verbos  da  i*  conj.)  amanho,  esgoto.,  appelo^  am- 
paro, ....  á  imitação  do  latim  da  decadência  (proba  de 
probare.,  liicta  de  luctarei .  « 

b)  Do  Imperativo :  —  combate.^  degola,  esfrega.,  receita., 
purga,  janta. 

ci  Tio  participio presente.  Deram  adjectivos  que  depois 
se  tornaram  substantivos  :  —  escrevente,  amante,  consti- 
tuinte, tratante. 

Temos  muitas  palavras  em  a/itej  enie,  sem  part.  prés.  corre- 
spondentes no  portuguez  : —  ambulante j  benevolctite .,  peiMlanfe j  elegante. 
Importação  directa. 

d)  Do  p ar ticipio  passado. —  Esta  formação  foi  muito 
productiva  :  hoje  porém  vai-se  esterilisando  :  — feito,  trás-' 
lado.,  tratado,  producto,  reducto.,  entrada,  saliida.,  pista, 
insto,  escripta,  escripto,  certificado,  rugido,  tecido.,  ge- 
mido., etc. 

e)  Do  Infinito. —  E'  doSec.  XVI  este  emprego  do  in- 
finito, que  toma  flexão  do  plural  quando,  em  vez  de  deno- 
tar uma  acção  (o  descambar,  o  cantar}.,  representa  um  ser 
ou  substancia  (os  seres  da  creação.,  os  meus  haveres  ou 
teres,  os  cantares  do  povo,  os  jantares,  etc. . . 

4. —  Não  é  indiíferente  o  emprego  das  duas  formas 
( invariável  e  variável ).  A  1*  indica  uma  acção  dilatada, 
reiterada.  Cp.  o  caJtir  das  folhas  e  a  queda  das  folhas,  o 


284 


troar  do  canhão  e  o  irom  do  canhão,  o  declinar  do  dia  e  o 
declinio  do  dia,  etc. 

De  resto,  o  infinito  é  uma  verdadeira  forma  nominal. 

Esta  propriedade  de  nossa  lingua,  era-o  também  da  lingua  mãl, 
que  empregava  o  infinito  dos  verbos  como  sujeito  c  como  comple- 
mento directo,  quer  na  época  archaica  (principalmente  entre  os 
cómicos),  quer  na  prosa  dos  séculos  anteriores  : —  oò/iíi  suni  Roniai 
loquier  lingua  latina  ;  Hic  vereri  ferdiáit ;  ipsuvi  crcmare  non  fni 
veteris  insíitnii  (PI.) ;  scire  ínnm  (Prisc.) ;  carere  igitnr  hoc  significai 
egere  co  quod  habcrc  velis  (Cic.^  E  também  depois  de  cavcrCj  cogiíarc, 
adornare,  per  gere j  foriíilarej  ttc.  A  lingua  clássica  fez  menos  em- 
prego dessa  derivação,  que  todavia  foi  muito  frequente  com  Ovidio, 
Horácio,  Sallustio,  etc. 

5. —  Muitas  vezes  o  verbo  desappareceu,  restando  só 
para  lembrança  o  infinito  ou  participio,  mas  na  categoria 
da  substantivos ; —  porvir^  lente . 

h)  derivação  própria 

6. —  Grande  parte  dos  vários  vocábulos  derivados  já 
nos  vieram  formados  do  latim  ;  em  compensação  o  portu- 
guez  formou  muitos  novos  tomando  do  latim  apenas  os 
elementos  de  formação. 

7 .  —  Ha  três  cousas  a  considerar  na  classificação  dos 
suffixos  nominaes  —  sl  forma  de  derivação  (verbal  ou  no- 
minal) ;  a  naUire:{a  ou  emprego  (substantivo,  adjectivo, 
coUectivos,  nomes  concretos  ou  abstractos,  etc);  o  sentido^ 
porque  os  suffixos,  como  as  palavras,  teem  a  sua  his- 
toria. 

1." —  As  mudanças  de  forma  são  devidas  á  analogia. 
Itia  é  e:{  e\a^  fortaleia  fortalitia^  negro  dá  enegrecer 
(intercalação  de  consoante  entre  o  radical  e  o  suffixo),  de 
cabello  forma- se  cakelleireiro  (intercalação  de  uma  syllaba 
suffixo) . 

2.°  Alguns  suffixos  suppoem  certas  categorias  de  pala- 
vras. Assim,  ada  supõe  thema  verbal : —  amar^  calçar^  — 
amada^  calçada.  Com  o  correr  do  tempo,  porém,  quando  já 


285 


na  lingua  existem  muitas  palavras  formadas  com  o  mesmo 
suffixo,  e  a  lei  já  está  esquecida  por  todos,  formam- se 
derivados  directamente  análogos  sem  mais  se  indagar  da 
forma  thematica  que  lhes  corresponde .  E  accresce  que 
muitos  suffixos  teem  vários  empregos  :  inchaço  tem  por 
base  um  verbo  ;  poeiap,   um  substantivo . 

3.° —  A's  vezes  o  suffixo  muda  de  sentido,  e^/za denota 
uma  reunião  de  pessoas  ou  cousas,  e  hoje  mais  tem  sentido 
pejorativo  :  — gentalha^  canalha. 

a)  Substantivos  derivados  de  substantivos 

8. —  São  numerosos  os  suffixos  portuguezes  desta 
categoria,  uns  derivados  do  latim,  outros  do  próprio  génio 
da  lingua,  e  servem  para  formar  nomes  concretos  e 
abstractos . 

Aça. —  Indica  quantidade  : — fumaça^  vidraça,  vinhaça. 

Aço  ( —  do  acc.  acem  dos  nomes  em  ax). —  Denota 
augmento  : —  cartapaço,  espinhaço^  estilhaço.  A^s  vezes 
com  sentido  pejorativo. —  poeiaço,  senhoraço. 

AcEo  (accus.) —  Este  suffixo  foi  adoptado  em  botânica, 
no  feminino,  para  a  designação  das  flores . 

Ada  fl.  actus,  a,  m.} — Indica  :  i°,  grandeza,  numero, 
extensão,  golpe,  acção  —  cumiada,  fachada.,  pedrada, 
cabeçada,  facada  ;  2°,  reunião,  collecção  de  objectos  da 
mesma  espécie  —  arcada,  rapaziada,  barricada,  carnei- 
rada;3^.f  tempo  —  alvorada.,  noitada;  4°,  productos  do 
primitivo,  derivados  de  fructos  —  mannelíada.,  goiabada, 
limonada. 

Encontra-se  em  alguns  nomes  derivados  do  grego  :  myriada 
(numero  de  dez  mil)^  Iliada  (  poema  sobre  o  Illion  ),  e  por  imitação 
Hciiriadaj  LiiziadaSj  Messiadn. 

Ade  (accus.  1.  atem  dos  nomes  do  3^  dec.  lat.  em  as) : — 
irmandade,  animalidade.,   mortandade . . . 

Ado,  ato  ^1.  atus.) — Indicam  cargo,  dignidade,  pro- 
fissão.   O   1°  é  de  origem  popular  : —  reinado,  bispado. 


286 


consulado. . .  ;  o  2*^  de  origem  clássica  : —  generalato^ 
bachalerato,  baronato,  ant.  baroado. 

Cp.  baronato  baronia. 

Agem  (\.  aticum,  at''cum.)  —  Indica  :  i°,  coUecçao  de 
objectos  da  mesma  espécie  —  folhagem.,  plumagem ; 
2°,  estado  —  aprendizagem ;  3^,  resultado  de  uma  acção  — 
ancoragem,  lapagem.  ^ 

Estes  nomes,  em  numero  de  3oo  pouco  mais  ou  menos,  são  pela 
maior  parte  novos  e  sem  correspondentes  em  latim. 

Al  (\,  alis.  elis.)  — Indica  extensão,  quantidade,  ou 
objecto  material  que  tem  o  mesmo  sentido  expresso  pelo 
thema  nominal :  —  colmeal,  areal,  lamaçal,  dedal,  memo- 
rial, pombal ;  e  quasi  todos  os  nomes  de  plantações  — 
cafesal,  inhamal,  capinsal,  faval. 

Alha  ^"1.  alia)  : —  muralha,  parelha.  Tem  também  sen- 
tido collectivo,  e  ás  vezes  pejorativo  : —  gentalha,  canalha. 

Ame,  ume  ( Pop .  —  1 .  ame  )  —  Indica  numero,  col- 
lecção,  intensidade  —  velame.^  cordame.^  correame.,  quei- 
xume. 

Anha —  ( 1.  anea )  —  Só  entra  na  formação  de  alguns 
nomes  femininos  com  significação  concreta  —  montanha. 

A5  (lat.  onem,  anum^  nom.  anus^  etc.  )  Indica  — 
além  de  maior  intensidade  e  superlatividade —  (pg.  i8i ); 
agente,  profissão  subalterna —  centurião.,  histrião.,  cirur- 
gião ( antigamente  de  categoria  inferior  ao  medico ), 
ladrão . 

Esta  derivação,  pela  etymologia,  abrange  a  forma  em 
—  ano: — africano.,  romano  (origem)  :  dominicano.,  re- 
publicano (seita,  profissão),  parochiano,   lutherano. 

Ária  {arius,  a,  um).  Indica  i°)  collecção  de  ob- 
jectos, quantidade  : —  livraria^    vo^eria^    grtíatia,    esca- 


*  A  acção  está  expressa  na  \/ o^. —  Lê-se  nos  Ined.  d'Alcob.  Tomo  2o, 
pag.  7  :—  «  E  posse  Adam  a  sua  mulher  nome  e  disse  :  esta  será  chamada 
Virago,  que  quer  dizer  feita  de  barom.» 


287 


dana  ;  2° )  otHcina,  domicilio,  estado  : —  confeitaria^  dro- 
garia^ chapelaria  ;  hospedaria^  albergaria^  celibatário  ;  3° ) 
acção  —  ventaneira^    choradeira . 

Ario,  eiró  (  arius^  aris^  erium  ) .  —  Ambos  indicam 
individuo  que  exerce  certa  profissão  : —  estatuário^  bo- 
ticario^  lapidario^  carpinteiro^  porteiro^  cosinheiro.  *  A 
i^  desinência,  de  forma  erudita,  indica  profissão  mais 
elevada  que  o  suffixo  eiró.  ^  Este,  de  forma  popular, 
indica  —  1°)  nomes  de  arvores  e  plantas: —  limoeiro^ 
mamoneiro^  cerejeira  ^  )\  3°  )  intensidade,  extensão  :  — 
aguaceiro^  luzeiro  \  logar  onde  se  guardam  certos  objectos 
(  expressos  pelo  radical) : —  celleiro^  gallinheiro^  tinteiro^ 
idéa  -esta  também  indicada  pelo  sufíixo  ario  ( de  arium )  : 
—  armário^  herbario^  erário. 

Os  antigos,  assim  como  diziam,  transpondo  as  lettras, — :  con- 
írairOj  adversairOj  também  diziam,  menos  se  afastando  do  typo  la- 
tino : —  forcairo  (  porqueiro  ),  caprairo  (  cabreiro  ),  caldario  (  cal- 
deiro )  etc . 

Este  suffixo  é  muito  productivo  : —  O  erudito  ario 
tomou  tal  extensão  na  linguagem  vulgar,  que  forma  pa- 
lavras com  radicaes  partuguezes : —  annuario^  horário^ 
inventario . 

Oppõe-se  a  ante  : —  mandante  mandatário  ;  a  j/  — 
original  originário  -^  a  oso  —  tumidtiiario  tumultuoso. 

Asio  (azio). —  Significa  extensão,  augmento  : — ba~ 
lasio,  copasio. 

Az. —  Indica  augmento,  intensidade: — carta:{.,  mon- 
tara^.,  Saíana^.  Temas  vezes  sentido  pejorativo  : — rfíZM- 
çara:{^  77iachaca:{. 


*)  ladividuos  que  fazem,  produzem,  fabricam,  os  objectos  indicados 
pelo  radical. 

*)  Cumpre  advertir  ha  certa  differença  na  significação  das  desi- 
nências —  ARIO,  KiRO,  OR,  ADo,  comquanto  todos  indiquem  cargo,  prvfissão 
—  Ario  denota  posição  inferior,  eiró  ainda  maia  inferior  ;  or  e  ado.  ato 
alta  dignidade,  posição  elevada, etc. 

*)  Isto  é  —  productores  de  tal  e  tal  fructo. 


288 


ferfma.v,/a//ax,  etc.    ''"''''''"''' ^   ^  ^s    ant.gas    formas  :- ^.,-/^^-^ 

Bulo,    culo,     bro,    cro  -    Dos     suffixos    latinos- 
bulum,    culum    (arch.    dum)    As    r-    formas    são    de 
ongem  erudita.  Ex. :  ^  ihuribulo,    paUbulo,    vocábulo 
cenáculo,  candelabro,  sepulcro.  ^«^^^«/o, 

O  de  origem  popular  tem  a  forma  agre  :-  milagre 
(miraculum  ).  muagre 

.«/.^;!;^a;lr^  e  já  no  latim  c,„„^ 

CiDA  (lat.  a^^ -matador)  :-  homicida,  regicida 
parricida  etc.  5*«-^^«, 

Cola  {\^x.  cola)  :-  I„diea  profissão  agraria  •- 
agricokt,    vinicola,   ;   habitação :-   arvicola,   monticola, 

Eço,-A,  iço,-A,  oço,-A.-São  varíacões  do  suffixo  a^^o 
e  correspondentes  ás  desinências  latinas -.A^,./v-oy 
Indica  augmento,  muitas  vezes  com  sentido  pejorativo- 
movimento  :  —  cabeço,  alvoroço. 

Dade  (accus.  atek  nom.  ^m  tas) :- autoridade,  mater, 
metade,  irmandade,  sociedade.  (V.  ade). 
EiRo  —  V.  ario. 

Eira -Corrupção  de  ária.  Indica  extensão,  colleccão 
arvoredos,  plantas,  etc:  sementeira,  parreira,  hananTa. 

^ícT3^^^,  Tdica^ír.wr  ^--'^em  correspondente 


no  masc, 


donde  a  expr^sãrvú  W     ^//.  T"'/   f^''^''^'^^'^^  -  "mulher  dissoluta' 
pai  conhecido)         "^^''  '~^'^''  '^''  ^"''""'^  ?'  «^^0  de  meretriz,  sem 

EDo(I.e/«;;^;-. Denota   coliecção,   produccão,   gran- 
deza; e  junto  dos  radicaes  dos  nomes  de  vegetae   forma 
substantivos  indicando  trato  de  terra  plantado  da  espede 
de  arvores  designada  pelo  radical  (=al,  eiró) .-  arvoledo 
penedo,  olivedo,  vinhedo .  ' 


289 


Ez,  EZA,  ISA,  ESSA  (1.  tssa  ittã) .  —  Os  três  últimos 
formam  somente  o  fem.  de  subst.: — princeia^  poetisa^ 
abbadessa.  Indica  posição,  cargo  e  a  origem,  habitação 
{burguei,  francei) .  A  forma  e-  é  muito  empregada  para  al- 
guns nomes  de  povos  —  Carihagine^,  lngle:{.  Português. . . 
e  ainda  de  habitantes  de  certas  cidades  francezas  —  Mar- 
selhei,  Bolonhe:{. 

Ia  —  Indica:  i°,  acção  própria  do  individuo  indicado 
pelo  radical : — raparia ;  2°,  cargo  e  o  logar  em  que  é  exer- 
cido —  abbadia^  recebedoria,  thesouraria . 

Io  —  Indica  collecção  : — mulherio,  rapa^io;  estado,  qua 
lidade  — poderio,  sombrio . 

Ico  —  Ind.  origem,  seita,  communidade,  profissão  : — 
musico,  esloico. 

Ina  (1.  ina) .  Indica  officio,  profissão,  logar  onde  elles 
são  exercidos,  habitação  :  —  medicina,  disciplina.,  officina. 

A  forma  masc.  wa  deu,  modificando -se  em  tn/io,  o  subst.  capn- 
chitiJio. 

IsTA  (1.  ista^  gr.  istes). —  Indica  emprego,  occupação  — 
oculista,  dentista,  sacristã.,  copista.,  jornalista.  E'  esta  a 
terminação  dos  nomes  de  pessoas  que  tocam  um  instru- 
mento, excepto  aquelles  que  derivam  por  mudança  de  sen- 
tido, por  metaphora  (um  piston,  um  tambor) : — flautista, 
pianista.  Hoje  é  de  grande  emprego,  e  entra  também  na 
formação  dos  nomes  que  exprimem  os  partidários  de  um 
systema,  escola,  seita  ou  idéa  —  abolicionista.,  socialista., 
mhilista . 

IsMO  (1.  ismus,  gr.  ismos  de  isme.,  espirito)  — In- 
dica. I",  religião,  crença,  seita,  doutrina  e  também  se 
junta  a  adjectivos)  —  christianismo.,  islamismo.,  sebastia- 
nismo, socialismo,  positivismo.,  mazhiauelismo^  altruísmo  (p . 
analogia  com  egoismo)  —  2°,  qualidade  —  brilhantismo ,  pu- 
rismo :  — 3°,  palavra,  locução  peculiar  a  uma  lingua  ou  ci- 
dade— gallicismo,  hellenismo,  solecismo.  Forma  pois  nomes 

37 


•i90 


abstractos  correspondentes  aos  adjectivos  em  /s/a, /co  - 

,orZro'noZrl  direcu>río ....;  logar  onde  se  fa.  a  acção 
canorio,escriptorio,  refettono.  , 

Sentido  pe)or.- chapelorto,  camelorto. 

c)  Substantwosderípadosde  adjeclivos. 

n_Formam-se    accrescentando    aos    adjectivos   os 
J;Z-acTado.o  cia  iade  d.o  ença  e„.  e«a.  (an- 

^■'^'Ili -1'nÍ^  '^^.rriiosa,  baixa  :  -  bre.érada, 
•''''f:'l'Z:::-lM.  q-Udade,  estado  ..-.e./«ç.-o, 

T,fr(^?t).-ln'^'-   qualidade,    tendencia:- 
a»á<»aa,  constar^cia,  prudência,  P''-f'f-  ,    ,^,. 

n.nv    /a/cm  accus.  dos  nomes   lat.   da  i     aeci. 
.mTs/MTca   qualidade: -forma  geralmente  nomes 

Xtracts   -?o»L.,  felia^^^e.  --««^^  -  -  -"- 
°X:riÍrri--dade  (..dade)  .U^o    A  inter- 

-^:est;i':drsr:xTnií;e7nrír.e.e 

..•iáo  (G.  Vic),  variedade  vartacao. ...  e  no  bec.  Avi 
eira^cegiiidade  cegueira  (cegutce). 

.  A,ui,  porém,  o  t.e.a  deve  ser  considerado  adjectivo,  isto  d,  cabelo 
é  empre^do  no  sentido  de  estumdo. 


2ql 


Aria. — Indica  acção,  efleito,  próprio  do  individuo, 
idéa  expressa  pelo  radical ;  o  estado  do  que  exerce  estas 
funcções,  etc. . . : —  enfermaria,  velhacaria 

Ena  —  De  nomes  de  números  :  —  novena^  quarentena. 

Ença  . —  Significa  —  qualidade,  estado  :  —  doença,  con- 
7*alescença. 

Encia  (1.  eniia). —  Denota  qualidade: — prudência. 

Ez,  tZA  (1.  iíia).  —  Indica  qualidade,  estado;  forma 
nomes  abstractos:  —  rapide^,  fortaleza,  surde^.,  lar- 
gueza. 

Oppunha-se  no  Sec.  XV  a  ura,  dade: — brande^a  p. 
brandura,  faríe:{ap.  fartura,  víuvidade  p.  viuve-{,  nuidade 
p.  nudez,....  E  ainda  temos  exemplos  dessa  con- 
fusão em  clareia  claridade,  lorpe^a  torpidade,  tristeza 
tristura,  etc. 

Ia  (lat.  /aatono). —  Significa  o  mesmo  que  esa: — per- 
fídia, monotonia,  cortesia. 

Iça  Icia  ( f .  pop.  accessoria  )  ;  do  lat.  itia  :  —  justiça, 
preguiça,  malicia. 

Ice  (l.itie) — Indica  estado: — patetice,  velhice,  cal' 
vice, 

IsMo  —  V .  —  subst .  de  subst . 

Mento  (1.  mentum). —  Indica  estado,  acção: — con- 
tentamento, atrevimento . 

MoNiAfL  monia  ) . —  Indica  acção: —  acrimonia,  par- 
cimonia.  Só  entra  na  formação  de  palavras  clássicas. 

Orio. —  Tem  sentido    pejorativo — finório,  simplório. 

TuDE  (lat.  tutem  der.  de  tus  tutis). —  Indica  estado 
qualidade  : — juventude  solicitude . 

Ura  (\.  ura,  2iX.uv2i } .  Idem: — amargura,  formosura, 
loucura . 

Oppõe-se  a  GR  —  amargor  amargura . 

Os  substantivos  derivados  de  adjectivos  são  do  género 
feminino,  como  em  latim.  Exceptuam-se  os  em — ismo, 
mento,  orio. 


2Q2 


c)  Substantivos  derivados  dos  jyerbos. 

IO.  Destes  substantivos,  alguns  indicam  a  acção  ex- 
pressa pelo  verbo  (ada,  anca,  âo,  ção^  (são)  ii>o,  ela,  en) ; 
outros,  o  resultado  dessa  acção  {aço^  ado,  ire^mento,  ura)  \ 
o  agente  da  acção  (or  dor^  tor^  sor) ;  o  logar  em  que  se 
passa  a  acção  (eiró,  io,  ouro,  etc  J  ;  a  significação  do  sub- 
stantivo no  superlativo  ^<a!;{'. 

Aço  (eíFeito)  : — cansaço,  andaço. 

AçÃo.  lat.  ionem,  nominativo  io  (t-io)  (acção).  Fórma-se 
geralmente  com  verbos  da  i^  conj. : —  ligação,  publicação, 
encadernação . 

A  maior  parte  destes  derivados  comp5e-se  de  nomes 
abstractos ;  muitos  delles  —  de  acção  — ,  tiveram  por  base 
o  part.  passado  latino  —  effusão  intuição. 

Agem  .  Indica  "acção  ou  resultado  da  acção  :  —  la- 
jfagem . 

Alho  —  Exprime  cousa  masc.  que  serve  de  instrumento: 

—  espantalho . 

Anca,  ença,  anciã,  encia  (1.  aníia  entia) .  Indica  acção, 
estado  de  acção  :  —  forma  geralmente  nomes  abstractos 
correspondentes  aos  adjectivos  em  ante.,  ente,  inte:  —  es- 
perança lembrança^  mudança ;  crença  detença  ;  resistência 
concurrencia ;  observância  vigilância. 

Ença  encia  são  as  formas  populares  ;  mas  temos  não 
obstante  muitos  vocábulos  de  derivação  clássica  com  este 
suffixo  :  —  exigência,  urgência,  adherencia. 

Muitos  dos  nossos  nomes  derivados  em  anca  não  teem 
correspondentes  em  latim . 

Ante — Suffixo  do  part.  prés.  Indica  acção ;  profissão  : 

—  marchante,  negociante,  purgante . 

Ao  CÃO  (são).  Do  latim  ionem  tionem  c-ionem  s-ionem). 

Indica  acção: — rasgão,  canonisação,  pronunciação,  abolição. 

Anda.  Forma  nomes  fem.  dos  part.  futuros  latinos  : 

—  propaganda.  Except.   multiplicando. 


■lijó 


EiRO  OURO  (oiro),  óRio. —  Do  latim  arium,  enum; 
oriíim  (t-orium,  t-sorium,  etc . )  Indicam  :  i  '^,  o  logar  onde 
se  faz  a  acção  : —  atoleiro  resvaleiro  ;  matadouro  anco- 
radouro ;  lavatorto,  dormitório^  oratório,  etc;  2^,  o  sutf. 
orio  significa  mais  o  instrumento  com  que  se  faz  a  acção  : 

—  vomitório^  seringatorio  ;  ?>°^  eiró  indica  outrosim  o 
agente  :  —  lavadeiro^  cosinheiro ;  4°,  ouro  indica  ainda 
estado :  —  casadouro. 

O  a  Q  o  i  são  consoantes  de  intercalação  frequente 
nestes  derivados,  como  já  acontecia  no  latim . 

Os  formados  do  supino  são,  em  regra,  masculinos  — 
directoria^  dormitório. . . .  Except. —  escapatória. . . 

Ouro  corresponde  a  ijo  —  escondedouro  esconderijo. 

Enda  —  forma,  bem  como  anda,  alguns  nomes  fe- 
mininos de  part.  futuros  latinos: — offerenda. . .  Kxct^t. 
dividendo. 

Eira  —  Indica  acção  : —  choradeira^  dormideira . 

Ela  (  ella  ).  do  1.  ela\  indica  resultado  de  uma  acção: 

—  tutda^machucadtlsi,  apalpadtla.  Nos  derivados  popu- 
lares nota -se  a  intercalação  do  d. 

Ia  (c/a,  etc,  com  os  verbos  da  2"  e  3^  conj.;  vidcENCiA) 
do  latim  arta  contrahido.  Indica  acção,  resultado  :  — 
berraria^  gritaria. 

Ivo  ( t-ivo)  (  1.  ivus). —  Exprime  acção,  resultado  da 
acção  :  —  paliativo.,   recitativo. 

Ido  (1.  itus). —  Exprime  o  resultado  da  acção: — 
rugido,  ganido.,  tecido.  Formam-se  todos  de  verbos  da 
3^   conj.  (  part.   pass.) 

Io  (1.  ium  ).  Indica  acção,  logar  onde  ella  se   exerce. 

—  império.,  pousio.,  vaticinio. 

Ente  —  Indica  acção,  resultado,  logar  onde,  agente. 
Suffixo  part . ,  derivado  do  part .  act.  lat .  em  —  e«5,  —  entis 
(entem) ;  e  por  motivo  desta  derivação  a  palavra  a  que  se 
ajunta  este  suffixo  tem  sentido  de  estar,  existir :  —  ausente 
(absentem),   servente  {sQrveniçm)^  precedente,  semente 


294 


A  maior  parte  dos  verbos  radicaes  destes  nomes,  todos 
de  origem  latina,  não  existe  em  portuguez. 

Iz  —  Só  temos  um  exemplo  em  que  corresponde  a  — 
mento:   chaman\  (pop.  port.) 

Men,  me.  —  Este  suffixo  só  apparece  em  palavras 
clássicas  de  origem  latina,  taes  como  —  exame^  certamen, 
regímen,  specimen. 

Mento  (1.  mentum,  de  minere).  Significa  acção,  resul- 
tado :  —  testamento.,  ornamento . . . .  cumprimento,  falle- 
cimento,   enchimento.,   aborrecimento,   etc. 

Muitos  já  nos  foram  transmittidos  pelo  latim :  —  docii- 
mento  (de  docere.,  instruir  ensinar),  alimento  {alimenium., 
de  alere,  alimentar),  fragmento  (fragmentum,  de  fran- 
gere,  quebrar) .... 

Forma-se    pois  como  em   latim,  do    presente  do    Indicativo  (Tesfv 
mento,  documento),  ou  do  supino  {detrimento ^  fragmento) . 
No  1°  caso  indica  o  resultado ;  no  2°  acção. 

OppÕe-se  a  cão: — fundamento  fundação,  fragmento 
fracção.,  sentimento  sensação.,  criamento  criação., ....  anca  : 
—  ensinamento  ensinança.,  etc. 

Or  (d-or,  t-or,  s-or;,  do  lat.  —  or  {t-or,  s-or).  Indica  : 
1°,  agente  —  abridor,  leitor,  imperador,  contador ;  2^.,  logar 
onde  :  — ja^edores^.  Uns  representam  typo  latinos  (leitor, 
injector,  ahactor),  outros  são  de  derivação  portugueza  etc. 
(contador ,  fumador . . .} 

Cp. —  leitor  ledor,  escriptor  escripturario,  fumador 
fumante,  tabaqueador  tabaquista,  etc . 

Orio  (t-orio)  —  V .  Eiró . 

Ura  {x-ura,  d-ura).  Do  latim  ura  {t-ura.,  s-ura). — 
Exprime  o  resultado,  o  eíFeito,  o  estado  —  queimadura, 
quebradura,    captura,  sepultura,  pintura,  etc. 


*  Na  Sec.  XIII  dava-se  está  denominação  aos  qnô  eram  sepultados  no 
cemjtefio  d«  S.   João  d«  Tarouca, 


29^ 


A  maior  parte  destes  derivados  são  portuguezes  for- 
mados pelo  t\po  latino  : —  molhadura,  cosedura^  desco}?t' 
postura, .... 

OppÕe-se  a.  meti  to  —  ligadura  ItgafneJtto,  quebradura 
quebramento ;  acção — fractura  fracção,  creaiura  creação. 

II, —  As  desinências  indicadoras  de  collecçao,  além 
das  que  já  ficaram  apontadas  (  ado,  ade,  edo,  io,  agem, 
ai,  ario,  eira,  mento,  orio,  ura ),  são  —  alho,  -ít,  ilha, 
ulho,  ame,  ama,   ume,   enta,   ura. 

Temos,  porém,  muitos  nomes  collectivos  simples  :— 
bando.,  mó,  chusma^  povo.,  recua.,  recova, . . . 

Estudemos  os  suffixos  de  que    ainda  não  tratámos. 

Alho,-  a  (  ilha  ulho  ). —  Tiram  origem  :  alho,-  a, 
não  da  desinência  latina  —  alo,  -  is  —  como  geralmente  se 
tem  escripto,  mas  de  aculus,-  a, -um.,  sem  mais  significação 
diminutiva  ;  e  do  suffixo  lat .  —  alia  ;  ilha.,  do  suffi .  —  ilia:, 
ulho.,  de  uculum ; —  cascalho.,  sei-ralho  ;  caniçalha,  ca- 
nalha ;  matilha.,  camarilha  ;  pedregulho .  São  quasi  todos 
de  derivação  portugueza. 

Ame,  ama  ume  (de  amen^  multidão)  : — barrilame., 
cartuchame.,  massame.,  vasilhame^  etc. —  Os  Romanos 
também  derivaram  —  examen.,  certamen.,  velamen .... 

As  formas  —  ama.,  ume.,  são  corrupções  de  ame  :— 
mourama.,  cardume. 

Ena. —  Forma-se  com  certos  nomes  de  números  : — 
centena,   trezena.,  deiena. 

Enta  (  1.  entum  )  : — ferramenta . 

b)  Suffixos    augmentativos  e  diminutivos 
11. —  Vide  Lição  14*  pags.  i8r  -  187.  *  ) 


»)  ADVERTÊNCIA.—  Por  um  erro  indesculpável  (}«  paginaçàio,  mas 
que  salta  immediatamente  aos  olhos,  os  suffixos  dimiqutivos  de  dho  (pg. 
182)  a    im  (pg.  183 )  figuram  entre  os   augment»tÍT08. 


2()b 


i3 . —  Ao  que  dissemos  na  Lição  14"  nada  mais  temos  a 
accrescentar  senão  que  muitos  nomes  femininos  formam 
o  augmentativo  em  ão  (p.  ona^ã).  passando  consequen- 
temente para  o  género  masculino  —  portão^  mulherão . 

Havia  nos  Sec.  XV  XVI  as  desinências  ego,  igOj  que,  parece,  cor- 
respondiam ás  actuaes  —  agenij  ia  : 

Fwnádego  —  fumagcm,  pensão  paga  por  fogo  ao   senhorio. 

Terradigo  terradego  —  quantia  que  o  foreiro  pagava  de  laudemio 
ao   direito  senhorio  para  poder  alienar  o  prédio^   etc. 

Portadgo  —  portagem. 

MordoDiadigo — mordomia . 

Hospcdarigo  —  hospedagem. 

Ainda  temos  amostra  desta  derivação  em  realengo  (  ant.  realego  ), 
avoengOj  terras  reguengas,  etc. 

II.   Formação    de    adjectivos 

14. —  O  portuguez  forma  adjectivos  também  pelo 
processo  de  derivação,  com  themas  nominaes  e  verbaes  : 
—  pedregoso^  negral^  enganador  : 

a)  oAdjectivos  derivados  de  substantivos 

i5. —  São  principaes  suf fixos,  além  de  alguns  já  es- 
tudados : 

Al,  EL,  iL,  ( lat.  alis,  elis,  ilis. .  )  —  Significa —  que 
se  prende  ou  refere  a,  da  mesma  natureza  que  : —  Estes 
adjectivos  não  nos  indicam  a  cousa  em  si ;  apenas  a  deter- 
minam : —  meridional  {Xo^ox)^  imperial  (classe),  occa- 
sional  ( tempo ),  etc . 

Al  é  muito  productivo,  e  sobem  a  cerca  de  Soo  os  adje- 
ctivos de  base  nominal  formados  com  esse   suftixo . 

As  outras  duas  formas  mais  se  apresentam  em  adje- 
ctivos importados  directamente  do  latim,  ou  formados  eru- 
ditamente de  themas  latinos  : —  cruel  (  crudelis  ),  Jiel 
(  fidelis ),  hostil  (  de  hos  hostis  inimigo  ),  viril  (  de  vir, 
homem ),  pueril  (  de  puer^  menino  ),  senil  (  de  senex, 
velho ),  etc febril,  catTil. 

Alguns  adjectivos  em  ai  são  hoje  substantivos  :  — 
natal^    riml^   jornal. 


297 


AcEo  (1.  aceiís)  —  Indica  semelhança  : — rosáceo,  galli' 
naceo . 

Ado  (1.  atus). —  Indica  posse:  —  esírelhdo,  alado. 

Ano  ão  (1.  anus)  —  Indica  origem,  seita,  profissão: 
—  transmontano.,  Pernambucano ;  dominicano,  christão, 
christiano . 

Ar  (1.  arisariusf. —  Denota  estado,  qualidade:  —  pati' 
biliar,  familiar. 

Ario  eiró  (1.  arius)  —  Indica  profissão,  estado,  quali- 
dade—  imaginário,  solitário,  embusteiro .^  interesseiro,  sol^ 
teiro.  Nas  palavras  de  fundo  popular  mais  predomina 
a  segunda  forma. 

Atiço  (1.  aticus) — Só  apparece  em  palavras  de  formação 
erudita:  —  lunático,   anseatico,   aquático,  fanático.  V,  Ico. 

EciMo,  ESíMo  (1.  esimus).  Junta-se  a  numeraes  car- 
dinaes  para  a  formação  de  ordinaes  :  decimo,  centésimo . 

Ejo.  Indica  procedência: — Sertanejo,  annejo. 

Enho  (1.  enus)  —  Exprime  uma  propriedade  ou  quali- 
dade, representada  pelo  radical: — ferrenho. 

Ente  (1.  ente)  —  Indica  estado  porque  ente  é  ablativo 
de  ens  participio  do  verbo   ser — paciente,  prudente. 

Ento  (1.  ento)  —  1.  lentus.  Indica  abundância,  ten- 
dência:—  ferrugento,  pestilento,  bulliento.,  succulento. 

Ense  (1.  ensis)  —  Exprime  procedência,  origem :  — 
forense,  Maranhense . 

Ez,  A  [\.  ensis) — (Indica  procedência,  próprio  de:  — 
montanhei.,  monte^.,  campone^. 

Eo  (1.  eus). — Indica  a  matéria  de  que  a  cousa  é 
feita: — férreo.,   argênteo.,  limo. 

Opp .   a  oso  :  — férreo  ferruginoso . 

Este  (1.  estis)  —  agreste.,  celeste.  E'  improductivo. 

EsTRE  (1,  estris  éster): — pedestre,  equestre,  terres- 
tre.,..   Destes  só  é  de  fundo  popular — campestre. 

Esco  (1.  iscum)  —  Indica  o  modo,  a  propriedade, 
origem,    semelhança :  — fradesco.,    burlesco,    pedantesco, 

38 


298 


arabesco,  pittoresco.  Pelos  exemplos  vê-se  que  ás  vezes 
tem  sentido  depreciador. 

Fero  (ifero). —  E'  um  dos  suíF.  lat.  que  mui  pro- 
ductivo  tem  sido  no  portuguez,  mas  só  em  vocábulos 
de  origem  erudita :  —  mortífero  (levo  a  morte),  pestí- 
fero^ salutifero. 

Ico  (1.  ícus). —  Denota  o  mesmo  que  ai  —  relação, 
origem,  ainda  que  mais  determinando  o  conjuncto  das 
propriedades  :  —  aristocrático^  geométrico. 

Opp .  a  // ;  —  cípíl  cívico ;  a  oso  —  harmónico  har- 
monioso; a  ar  —  monástico  monacal. 

A  desinência  fico  [á.t  fàcio^  faço)  entra  na  derivação 
de  muitos  adjectivos,  e  exprime  a  idéa  de  produzir  ou 
fazer  alguma  cousa:  —  pacifico,  soporijico,  prolífico. 

Iço  icio  (\.  icius). —  Indica  qualidade  : —  castiço.,  chuvC' 
diço.,  alagadiço,  patrício.   E'  suffixo  popular. 

Ido  (\.  idus). —  Exprime  a  qualidade  própria  do  substan- 
tivo radical,  mas  em  alto  gráo  : —  cálido.,  tímido,  húmido. 

Imo  (l.  imus,  suffixo  indicador  de  super  lati  vidadej. —  São 
poucos  os  vocábulos  em  que  apparece,  e  sempre  com  a 
intercalação  de  um  í  (t-imo)  : —  legiiif?to,  marítimo. 

Çp .  lídimo  leal  legal  legitimo, e  marino  marinho  marítimo. 

Ino  ^t-ino^  1.  inus,  t-inus.  —  Indica  semelhança,  origem, 
relação  : — crystallino,  marino,  salino,  libertino. 

iNHo  : —  marinho. . . 

Itico  :  V.  ico.  romântico. 

Lento  —  V.  ento. 

Olico  {\.  oMcus)  V.  ico.  Melancólico  ^ant.  merencoreo), 
symbolico . 

Onho  (onius).  Exprime  o  que  faz,  o  produz  : —  cnfa- 
donho,  tristonho. 

Oso  (1.  osíis).  Indica  posse: —  astucioso,  fogoso, 
manhoso,  nervoso,  montanhoso,  ocioso,  etc.  B'  uma  das 
mais  productivas  desinências  portuguezas,  e  já  o  era  no 
latim.  .  .        _  _        :;.:-. 


299 


Notemos  mais  os  derivados  em  uoso  formados  por  ana- 
logia : —  monstruoso^  voluptuoso. 

Udo  (1.  mus)  —  Ind.  abundância  ;  — posse,  mas  com 
idéa  de  grandeza,  augmento: —  cabelludo,  pelludo^  sanhudo^ 
barrigudo .  A'^s  vQZQs  ttm  sentido  pejorativo: —  lingua- 
rudo^ abelhudo. 

Um.  Os  adjectivos  formados  com  este  suffixo  só  se 
empregam  com  o  subst.  gado: —  vacum.,  cabrum.  Corr.  a 
ar  (cav aliar.) 

Undo.  (1.  undus)  —  Indica  tendência: — furibundo.,  ira- 
cundo . 

Opp .  a  oso  —  Cp .  furioso.,  iroso . 

Urno,  ierno,  (1 .  urnus.,  iernus) .  Indica  tempo  : —  di- 
urno., hodierno.,  nocturno.  Só  em  derivação  erudita. 

b)  Adjeciivos formados  de  adjectivos 

i6. —  Já  tratámos  dos  suftixos  augmentativos  e  dimi- 
nuitivos  etc,   dos  adjectivos  (Lição  14). 

Além  desses  temos  —  ento  {pardacento.,  alvacento).,  ai 
(negral),  tirante  a  negro,  oso  (verdoso),  aico  (judaico,  re- 
ferente a  judeu)  etc. . . . 

No  Sec .  XV  era  corrente  o  suffixo  engo.,  hoje  rarissi- 
simamente  empregado,  indicando  —  de,  referente  a:-:- 
Judengo.  ^ 

c)  Adjectivos  derivados  de  verbos 

17. —  O  portuguez  forma  adjectivos  verbaes  adoptan- 
do os  participios  do  verbo,  ou  ajuntando  certos  suíTixos 
ao  radical  verbal. 

18. —  Formação  pelo  participto . —  Empregamos  tanto 
o  participio  presente  latino  como  o  passado  : —  obediente  ; 
paciente.,  brilhante.,. . .  vago  (vagante),  sujo  (sujado). 


'  Além  deste,  perdemos  outros  .muitos,  como  igo^.  que  se  archaisoii  no 
Sec.  XVI  e  XVII —'ínoníediyo.  Mentodkié  o  Secl  X~\Í  "era  de  U80  ipais 
frequente:  correspondia  a  ta (ousamento),  a  aaqa  (mudamento)... 


3  00 


A^s  vezes  o  verbo  desappareceu  do  portuguez  moderno, 
persistindo,  porém,  os  participios  com  cathegoria  de  adje- 
ctivo ou  de  substantivo  : —  miserando  (de  miserar)^  pu- 
dendo e  pudeníe  (Sec.   XVI), bispado  (de  bispar^  "ver 

o  rebanho  cathedraP  ^),  calçado. 

19. —  Formação  cotn  suffixos .   Os  principaes  são  : 

Ado.  Já  nos  referimos  a  este  suffixo. 

Ante,  ente,  inte.=  Corrrespondem  ás  desinências  dos 
part.  prés,  activos  latinos  —  ante  {ans  antis)  e  ente  {ens 
entis)  : —  caminhante.,  imponente.,  conhecente  (Sec-  XV), 
pedinte. 

Alguns  tornaram-se  substantivos  —  /e/itt-j  affli4eiiie. 

Muitos  dos  verbos  thematicos  destes  adjectivos  não  existem  no  por- 
tuguez :  — apitit/a}ite,(\.  eimàu/are  andar)  benevolenle  (Sec.  XVIII), 
ou  já  vão,  ainda  que  mal,  cahindo  em  desuso  : — febricitante ,  {dcfcbri- 
cifnr),  proticberante . 

Aõ. —  Folgarão,  brincalhão  e  brincão. 

Ando  endo  undo  (endiis.,  arch.  iindus.) —  Como  em 
latim,  suffixam-se  ao  radical  do  prés.  do  Ind.,  e  indicam 
acção .  Correspondem  aos  derivados  em  avel :  —  venerando 
(venerável).  São  em  geral  de  origem  erudita  (oriundo), 
mas  com  uma  forma  s3'nonymica  popular  (originário). 

Az  (age)  1.  ax. —  Indica  alto  gráo  da  qualidade  expressa 
pelo  radical :  —  (ifficai  (efficere  eftectuar),  loqua:^.,  (loquere 
fallar),. . .  bebera^,  robai,  (Sec.  XV  e  XVI),  morda^. 

Bundo  fl.  hindus). —  Ajunta-se  ao  radical  do  presente 
do  Ind. —  Significa  tendência,  estado  : —  vagabundo 
(p.  vagamundo),  tremebundo,  meditabundo.,  gemebundo., 
moribundo. 

Equivale  ao  oso  das  bases  nominaes. —  Quasi  todas  as 
palavras  desta  terminação  são  importações  latinas. 

AvEL,  ivEL,  BiL,  iL  fl.  btUs  —  ibUis.,  ///5,  —  abUis,  ebilis, 
nos  poetas). —  Indicam  a   possibilidade  —  quasi  sempre 


Hoje  só  em  linguagem  muito  familiar,  vulgar,  por  vêr. 


3oi 


passiva  — ,  a  capacidade  de  fazer  alguma  cousa. —  Os  em 
apel  formam-se  pela  juncção  do  suffixo  aos  radicaes 
verbaes  de  i^  conj. : —  amável^  penetrável:  os  em  ivel, 
formam-se  do  part.  pass.  lat. —  vendível,  crivei.  Os  em 
avel  podem  também  formar-se  tomando  para  thema  um 
substantivo  —  genial.  ^ 

Ivel,  é  de  formação  erudita  ;  avel,  popular. 

Ai'el  opp5e-se  a  aníe^  oso  : —  amável,  amanle,  amoroso  ; 
ivel  a  ivo  : —  sensível.,  sensitivo . 

Os  em  BiL  —  /■/  formam-se  de  base  verbal  latina  ;  e 
todos  nos  vieram  já  formados  dessa  lingua  : —  fácil  f/a- 
cere fazerj  dócil,  (docere  ensinar^  frágil  (frangere 
quQhvsir ),  niibtl  (Hubere  caisa.r}.,  reptil  (àt  reptum  sup.  de 
repa  arrastar^,  7nobil  /de  mover e,  mo^'er  J 

Na  ling.  pop.  muda -se  o  b  tmv  —  rnoj^el. 

Neste  grupo  devem  entrar  os  em  uvel  (de  sentido 
passivo)  : —  indissolúvel,  insolúvel,  jfoluvel. 

A  acção  que  nas  línguas  romanas  a  i^  conj.  exerceu  sobre  as 
outras  no  part.  prés.  também  é  manifesta  na  derivação.  Temos 
alguns  exemplos  no  portuguez  desta  preferencia  pela  forma  em  ave/  ; 
que  hoje  muito  inais  se  acceutúa  no  francez.  Os  verbos  de  2*  conj. 
seguem  os  da  3*  porque,  adoptando  as  formas  a-biliSj  ibilis  latinas, 
desprezaram  de  todo  a  em  ebilis  (fle-e-bi/is) . 

Ejo  :  —  andarejo  andejo . 

Iço  (1.  icius). —  Indica  a  natureza  ou  condição:  — 
abafadiço,  alagadiço . 

lo  :  —  escorregadio,  luzidio. 

Ido  (  1.  idus  ). —  Como  a\  e  undo,  é  um  suffixo  im- 
productivo. —  Rigido,  timido. 

Ivo  ( 1.  ivus.,  que  corresponde  a  bilis  ). —  Indica  força, 
aptidão,  faculdade  para  fazer  alguma  cousa  :  —  putativo 
(  de  putare  pensar  julgar  ),  auditivo  (  de  aitdire  ouvir), . . . 
fugitivo.  ÍMStructii>o,  corrosivo . 


*  Medicinal,  f*  outros  vieram  flfl  verbos  nrchaisados  —  mtdicinai',  «te. 


302 


Forma  geralmente  adjectivos  de  sentido  activo : 
captipo^  adoptivo,  etc. 

E'  de  formação  clássica;  mas  já  vai  se  popularisando. 
Cp  —  negativa  negação  ;  persuasivo  persuasorio ;  nutritivo 
nutriente;  instructivo instruidor  (instructor) . 

Or  (  dor  /or-fem  iri^,  sôr,  óra  )  —  Corresponde  ao 
lat.  Or  ( tôr.  sor.  fem.  tri:{  )  sempre  que  o  radical  é  su- 
píno  latino  ou  particio  presente  :  —  seductor,  conciliador, 

d )  Substantivos  etlmicos,  gentilicos  e  patrominicos 

19.— Os  nomes  locaes  formam-se  também  de  varias 
terminações  :  ia  ( Itália,  Ásia,  Dalmácia,  Bulgária, . . . .)  í 
ica  (  Africa  ) ;  ento  ( Agrigento,  Buxento  ) ;  anha  (  Bre- 
tanha, Allemanha  ) ;  polis  (  gr .  polis,  cidade  )  Petrópolis, 
Jheresopolis^ ....  Os  do  Brasil,  porém,  são  na  quasi  to- 
talidade nomes  indígenas :  Piauhy  (  piau  peixe  +  hy 
agua  ),  Pará,  contracção  de  paraná  (  mar  )  Nictheroy  (  ni- 
tero  escondida  +  liy  agua  ),  Carioca.,  etc. . . 

20. —  Os  nomes  de  'povos  e  nações  formam-se  com  os 
nomes  próprios  de  paizes  e  cidades,  e  as  desinências  —  ano 
( iano  ),  ense,  ão,  e{,  ino,  ico,  ista.,  aicc,  etc  :  —  Per  nambu ' 
cano.,  Romano.)  Galle:{iano  (  Gallego  ),  Atheniense  Lisbo- 
nense Lisbones,  (  I  isboeta  ),  Coimbrense  (  Coimbrão  ), 
^eirense  (  Beirão  )  Maranhense.,  bretão.,  Egypciaco.,  La- 
tino., Paulista.,  Romaico.,  Judeu  (Judaico)  Chinei  (Chim) 
índio  (indico,  indiano)  Portugue^^  Ingle^.,  France^ :  Bra- 
sileiro (Brasiliense) ,  Essas  desinências  são  de  origem  latina, 
com  excepção  de  e^  (  contr.  de  e}ise,  mas  de  emprego  mo- 
derno ),  e  eiró.,  que  não  tem  correspondente  em  latim, 
mas  que  formou  alguns  nomes  ethnicos  —  Vimieiro., 
Barreiro,  etc. ... 

21 . —  Alguns  nomes,  pois,  teem  duas  e  três  desinências. 

Os  clássicos  conservavam  as  desinências  claras,  isto  é, 
as  formas  completas  dos  vocábulos  :  —  Egypciano  (Luc), 


3o3 


Persiano  (  Vieira  ),  SyrianoEtjopiano  (Pant.  de  Aveiro), 
Indiano^  Pormgalense^  etc  ;  hoje  quasi  todos  elles  se  apre- 
sentam   symcopados  :  —  Persa^  Egypcio^  Etjope^  Syrto^ 

Assyrio^  Tndío,  Vorluge^ 

22. —  Os  patronimicos,  já  vimos,  derivam-se  dos 
nomes  próprios  —  com  o  suffixo  es :  —  Alvares  de  Álvaro^ 
Gonçalves  de  Gonçalo.  Soares  de  Soeiro^  etc . 

e )   'Derivação  dos  verbos 

23. —  O  portuguez  forma  verbos  derivados,  de  sub- 
stantivos, adjectivos  primitivos,  e  de  verbos  simples. 

i"^. —  De  substantivos  —  Juntando-lhes  :  a)  a  termi- 
nação ar  :  —  caminhar,  tabaquear,  ajoelhar,  batalhar ;  b) 
a  terminação  —  isar,  de  iniroducção  mais  recente  (=1. 
iiare,  grego  issare  ) :  —  arborisar,  romantisar ;  c)  a  desi- 
nência içar  ( 1.  icare  )  : — fabricar  forjar,  pregar  ( predi- 
care  ) ;  f )  Ir,  mas  muito  raro  : —  divertir,  cuspir^  etc.) 

São  pois  quasi  todos  da  i^conj.  os  verbos  derivados 
de  substantivos,  os  quaes  exprimem  o  objecto  da  acção. 
Esses  verbos  exprimem  ao  mesmo  tempo  a  acção  e  o 
objecto  delia.  Alimentar  é  dar  alimento;  espanar,  saccu- 
dir  com  espanador  ;  ajoelhar  é  cahir  em  joelhos . 

Este  processo  era  conhecido  dos  Latinos  (  querelare  de 
querela),  e  delle  muito  se  aproveitaram  os  nossos  maiores. 
São  do  Canc.  da  Vat.  os  seguintes  exemplos  —  desemparar 
(84),  alongar,  alegerar  (m),  regai  lar  (20%)^  aven- 
tiirar. 

2°. —  De  adjectivos — Terminam:  a)  em  ar,  ir:  — 
manear,  ventar,  denegrir;  b)  em  isar  :  — fertilisar;  e  ) 
em  ecer  escer  (1.  escere)^  com  os  prefixos  a  em  (en) 
etc . :  —  amarellecer,   endurecei',   emmagrecer,  envelhecer . 

Os  em  ar  são  activos  com  sentido  cansativo  ;  os  em  er  e 
ir  significam  tornar-se,  fa-{er  (denegrir  é  fazer  negra 
qualquer  cousa,  envelhecer  — tornar-se  ou  fazer-se  velho  ). 


3o4 


3"^. —  Dq  verbos  simples.  Com  os  suffixos  —  icai',  itar., 
iscar,  inhar,  migar,  etc. ;  —  bebericar,  namoricar,  dor- 
mitar, chupitar,  escrevinhar  escoucinhar  '  Estes  verbos 
teem  sentido  diminutivo,  frequentativo  ou  pejorativo. 

Destes  verbos  derivados  formam-se  substantivos  em 
ola,  or,  ico,  iga :  —  cantarola,  escrevinhador,  namorico., 
choramigas. 

Nota. —  A  derivação  verbal,  pois,  faz-se  por  meio  de 
suffixos  próprios  (derivação  mediata  ) :  —  caval-g-ar, 
pulver-is-ar ;  ou  pela  simples  addição  ao  thema  de  flexão 
verbal :  —  cant  ir  pensar . 

Para  a  derivação  mediata  conserva  o  portuguez  quasi 
todos  os  suffixos  latinos. 

a )  Suffixos  nominaes. 

kgevi  —  viajar,  ultrajar;:  aço —  embaraçar  ;  ça  jã  (■==  [.  ia  )  — 
\nyQ.ja7'  ã.gx?LCÍar;  lho  a  (  1.  aliUj  i7ia,  ciihts  )  —  trabalha;-  maravilhrt;- 
envelhecíTy  ela  —  acautela;"/  ai  —  imniorta/zía;-  igualar/  //  —  facil- 
itar;  atiça  acção  —  semelhar  humilha;-/  bil  —  terrilil/.fa;"  /  ão  ano  — 
christianwar/  inho  ino  :  —  caminhar  assassinar/  sião  ião  —  occasiona;- 
questionar/  iitiie  —  costumar/  igcm  —  originar/  ngein  —  ferruginar/ 
anho  (  1.  anens)  —  estranhar  ;  itra  —  misturar  ;  ario  —  contrariar  : 
io  —  libertar  ;  ço  —  abraçar  soluçar  ;  icia  iça  —  acaricia;-^  espregui- 
çar ;  ÍTO  —  cultivar^  motivar/  e/c  —  banquetear  (  sem  mod .  do  the- 
ma ),  ífndo  —  vagabunda;-  vagabundear/  r///o  —  alimenta;-  parla- 
mentar, etc* 

Suffixos  consoantes  : 

Tb.  ^.  1°)  ic-ã  (icare).  Indica, /tv/í/ív/ír/a  para  o  estado  já  indi- 
cado j  semelhança,  c  frequência  ou  ainda  diminuição,  conforme  vem 
junto  a  um  nome  ou  a  um  verbo  : — fabricarj  pacificar j  mastigar ^ 
•vingar,  amargar j  folgar j  julgar,  castigar,  fustigar  ;  o  g  tam- 
bém é  formativo  em  espargir  (sparso)^  immergir  (immerso).  Nas 
linguas  Romanas,  ás  vezes  essas  gutturaes  são  representadas  por  um  jj 
o  que  faz  suppor  l°  :)  queda  do  r  primitivo,  2?)  intercalação  de  um  j 
euphonico  : —  verdejar,  flamejar,  forjar ,  bocejar,  calvcjar,  branque- 
jar, dardejar,  etc. 

Muitos  são  os  novos  derivados  deste  suffixo  em  portuguez  :— 
madrugar,  cavalgar,  outorgar,  (autorisare) ,  rasgar  (rasicare  lat. 
bar.),  salgar,  amolgar,  etc...  A  nossa  forma  em  ear,  iar,  já  era, 
segundo    affirma  Diez,  muito  frequente  nos  antigos  poetas  (eare,  iare) 


*  A  desin. -»íAaré  muito  popular:  e7ide>noninhar,  engofovinhar.  actnhar 


3o5 


— folhear j  guerrear j  senhorear,  manear j  branquear j  saborear j  mas 
entre  nós  é  mais  usual  o  suíT.  ejar^  planejar,  manejar j  cortejar,  ve- 
lejar j  etc. 

F*.  I>  —  1°)  /  —  a  (tare,  sare).  E'  intens.  em  captar j  imidar; 
mas  em  povtuguez  tem  em  geral  sentido  frequentatlvo  :  —  aproveitar, 
/untar j  conquistar j  despertar  ;  ousar ,  reuncarj  nsar,  avisar ,  olvidar j 
appelidar,  crocitar,  palpitar,  e  muitas  outras  palavras  de  creação  re- 
cente ;  2°)  —  i-t-a  (itare)  frepuent.  opt.  ou  simp.  denom  :  — dor- 
mitar, noòil-iíar,  dcbel-i'ar  •,y  t -i-a  (tiare,  siare)  port.  çar  sar . 
São  formas  particulares  do  lat.  vulgar,  ás  quaes  se  deve  uma  série  de 
verbos  transit.  da  i^conj.: — caçar,  traçar,  aliar,  (alço)  aguçar, 
(agudo)  avelgaçar,  pcusar,  etc. . . . 

R,  1  —  i»  RE  (lat.  RI,  Si)  junta-se  ao  suff.  DU,  TU  (lat.  tu),  e 
forma  verbos  desid  : — ama-dii-re-cer;  2°)  \kl  (ol,V),  tem  valor  frequent- 
e  dimin.  tanto  com  portuguez  como  em  latim  \— formigar,  tremolar, 
granular,  pull-ul-ar,  vi-ol-ar,  vent-il-ar  ;  3°)  C-UL  —  c-ulare),  fre- 
quent.    ás  vezes  dim.: — gesti-c-ular,  os^c-ul-ar,  .. .  .,• 

A's  vezes  a  consoante  vem  dobrada  (LL — illare,  dim.)LT  — 
altare,ettere,  ol-.arc,  id.  sombetear,  esgravatar). 

N — Esta  nasal  dental,  formava  o  thema  tn\  po-n-er  (põer,  por), 
IN  em  ob-st-in-a-r ,  de-st-in-a-r,  contam-in-a-r  ;  a  forma  UT  (untare, 
entare),  deu  ás  linguas  Romanas  grande  numero  de  verbos  da  i*  conj., 
quasi  todos  de  significação  intransitiva,  porque  nem  sempre  conser- 
varam a  primitiva  :—  acalentar,  levantar,  acrescentar  (crescer)  ama- 
nietttar  (mamar),  amedrontar,  tnolentar,  apascc?itar  (pascer)  aparentar, 
espantar,  ant.  queniar,  afugentar,  aquentar  (aquecer)^  endireitar, 
S.  Ros.  (endurecer)  etc. 

S  SC  (ascere,  escere  iscere),  forma  verbos  inchoativos,  em  geral 
da  2*  conjug.; —  crescer,  acquiescer,  nascer,  e  carecer,  empobrecer, 
agradecer,  atnanhecer,  merecer,  obscurecer,  padecer,  perecer,  ver^ 
decer,  envelhecer,  etc. 

Muitos  dos  verbos  derivados  em  SG,  porém,  perdem  o  sentido  in» 
choativo  :—  apetecer,  abastecer,  guarnecer,  enternecer,  enfraquecer, 
etc ... . 

Èss  iss  indica  reiteração,  imitação,  semelhança,  isto  é,  forma 
verbos  iterativos  e  desiderativos .  Nós  porém  despresando  esta  forma 
grega  lalinisada,  adoptamos  no  periodo  clássico,  a  puramente  grega 
nos  verbos  formados  com  o  suftixo  \z  (is)  :  —  baptisar,  (ant.  bautizar) 
escandalisar,  e  por  2i.na.\og\z.  jíídaisar,  latinisar,  autorisar,  moralisar, 
escravisar ,  poetisar,  tcmporisar,  aromatisar,  eternisar,  democraíisar, 
pulverisar,  tyrannisar,  etc. 

Além  destas  derivações  verbaes,  temos  —  UGAR  (batucar,  beijocar, 
retoucar)  USSARE,  USARE  (bambusar),  AZZARE  (escorraçar,  esvoaçar, 
espedaçar)  U22ARE  (relampejar),  ISCAR  (belliscar  petisc;ir);  U?CAR 
(corr.  do  ult.—  chamuscar)  etc. . . 

Derivação  grega 

24.  —  O  portuguez  também  tomou  do  grego  elementos 
de  derivação,  e  ajunta  os  suffixos  tanto  a  radicaes  gregos 
como  a  latinos  e  portuguezes  (F.  Hybidrismo.  Liç.  24). 

39 


3o6 


A  medicina  e  a  chimica  são  as  duas  sciencias  que  mais 
se  teem  aproveitado  desta  derivação  para  aperfeiçoamento 
de  sua  technologia  (vide  Liç.  24  Eiymologia  pormgueia). 

2,5.  —  São  principaes  suffixos  gregos  entrantes  na  for- 
mação dos  nossos  vocábulos. 

i%.lgi£i  (  «Xyoç  —  dôr )  :  —  odonialgia^  nevralgia^ 
nostalgia,  gastràlgia. 

Oracia  (  xpaTia  —  govemoj  :  —  democracia,  iheo- 
cracia,  arisirocacia. 

Orisia  ( xptSiç  —  juizo,  R. —  xpívw —  julgar) :  —  hfpo' 
crisia^  cacocrisia. 

Alguns  querem  que  hypocrisia  e  hypocrita  venham  do  latim 
porque  já  em  S.  Jeronymo  encontram-se  as  formas  hjpocrisis, 
hypocrita  ;  mas  a  sua  verdadeira  derivação  é  grega  — (  úirÒxptStç  — j 
dissimulação. 

Oosnro  (  xo(7[jlo  —  mundo  )  :  —  microcosmo,  macrocosmo.  já 
vimos  que  muitas  vezes  cosmo  serve  de  prefixo:—  cosmogonia,  coseno- 
graphia,  cosmologia,  cosmopolita j  etc.': 

Oamia  ( Ya(ji.oç  —  casamento  )  :  —  bigamia.,  poly- 
gamia. 

Oastpio  (  xa^-niv  —  ventre  )  :  —  epigrasírio,  hypo- 
gasirio. 

Oenia  (revia  =  geração) — :  androgenia.,  pathogenia., 
pyogeniaetc. 

Oeo  (yewv  =  terra) — :  perigeo,  apogeo. 

Gnosia,  gnose,  goosis,  (gnóstico)  gonia 
(yvocrta,  X^oait;,  yovía  =  conhecimento)  — :  anlognosia,  dia- 
gnosis,  íheogonia^  cosmogonia  ttc .  e  diagnostico. 

A  desin.  gonismo  em  aniogonisino  vem  do  grego  Y(óvt(T[jLaj  donde  se 
derivou  antagonista . 

Oi-anima  (Yp«{J^f*«  =t  letra  ) — :  anagramma.,  ept- 
gramma . 

Oraptie  (yp»?"^  )  ==  escripta)  —  :  epigraphe. 

Orapliia  (Ypá^w  =  escrevo  ou  Xpácpetv  =  escrever  — : 
geog7^aphia,  typographia,  lithographia  etc,  caeographia 
etc,  d' onde 


3o7 


Oi*aplio(=  que  escreve) — :  geographo,  tjpogra- 
pho,  liihographo. 

I^ittio  (XíGoç  =  pedra) — :  aerolitho 

LiOgia  ( lokíoL^  :=  tratado  X6yo;  ) — :  anthropologia,  bio- 
logia, cacologia^  philologia^  tautologia,  paleontologia, 
pathologia,  geologia,  astrologia.  Derivados  portuguezes — : 
tniPieralogia,  etc. 

Ufachia  ({^a/ta  =  combate) — :  tauromachia. 

lllailisfc  (fjiaAÍa  =  loucura)  — :  bibliomania,  jnonoma- 
ília . 

Metro  ( (JiéTpov  =  medida) — :  barómetro.,  cronometro^ 
pluviometro.,  etc. 

lHetria  (Ind.  sciencia  de  medição) — :  geometria.,  tri- 
gonometria 

maneia  (de  manteia)  acção  de  predizer  —  cartomancia. 

IHetra  (Ind=  o  que   mede)  —  geometra  etc. 

Hlétria  acção  de  medir  :• —  geojnetria. 

IHorpIío  (,u.od(p£=  forma) — :  amorpho.  etc,  donde  amor- 
phia,  etc . 

IVomo  (vo.aoç  =  conhecedor)  — ;  astrónomo,  agrónomo. 

IVomia  (=  conhecimento)  — :  astrono?7iia.,  agrono- 
mia . 

Orna  lo  (wfAaXoç  =  irregular) —  :  anómalo.,  donde  ano- 
malia . 

Patliia  (  ■JTotôoç  =  doença,  aíFecção  e  sentimento) — : 
allopathia,  Iiomeopathia^  sjmpathia.,  antipathia.,  etc. 

Phago   (oàystv  =  comer) —  :  anthropophago,   homo- 
phago.,  hippopJiago,  etc.  donde  anthrophagia.,  etc . 

I*liilo  ((piXo;  =  amigo) —  :  bibliophilo,  Theophilo. 

Pliobia   ( (poêoç  =  aversão,  temor) — :    hjdrophobia. 

F*liol>o  (Id  r=  o  que  teme,  e  tem  repugnância  a...) — : 
hydrophobo.,  que  tem  aversão  á  agua  com  o  mesmo  sen 
tido  em  lat .  hfdrophobus  (Plinio) . 

I*lioro  (^opo;  =  que  produz)  —  :  phosphoro,  (que  pro- 
duz luz)  aromatophoro,  etc . 


3o8 


í»liy to  (cpuToç  =  crescer,  «puxov,  planta,  creatura) —  : 
neophfto^  ^oophyto. 

I»lexia.  (de  plexta,  plexis)  acção  de  bater,  ferir,  ata- 
car :  apoplexia. 

I»oíia  (ir  o  âú  ç  pé) : —  antípoda,  etc.  No  lat.  ha  a  for- 
ma antis  podes. 

Pola  {^  to  A  £  t  V  vender)  : —  bibliopola . 

I^oli,-ii  ([A  o  À  t  ç  cidade)  : —  metropolis^  e  nos  nomes 
ethnicos  ou  locaes  : —  Tripoli.,  Andriopnli,  Sebastopol  cor- 
rupção, etc.   Sebaslopolis)^  Petrópolis,   Theresopolis . 

Scapi&i  (scopia  ;  acção  de  olhar,  ver): — microscopia. 

fâopliia  (<T  o  <p  í  a  sabedoria) :  —  philosophia,  donde 
philosopho,  etc. 

íStylo  (o-  T  u  X  o  V  columna,  pilar)  :  —  peristylo. 

Xsctiiiia  (t  é  X  "*"^ «  SiViQ.,  sciencia) : —  atechuia,  etc. 
d'onde  a  desinência  technico  —  polytechnico,  pyrotechnico 

Xlieca  ( 9  ^x  '^  deposito): — biblioiheca.,  pfnacotheca. 

Xliese  (6  6  (T  t ;  posição) : —  antithese. 

Xtiono,  tono  (t  o  v  o  c  som) ; —  monótono,  arterio^ 
thoHo.,   donde  monotonia,   etc. 

Xomia  (tomia)  — de  covt2iV  anatomia,  iirethrotomia . 

XIii*opti꣈  (t  p  o  Cp  í  a  nutrição): —  alrophia.  Der. 
atrophiar., —  mento . 

Typo    (t  u  TT  o  ç    typo  modelo) :  —  archetypo,  proto~ 

typo. 

A  nossa  lingua  tendo  a  faculdade  de  crear  novos  verbos,  é  para 
sentir  não  entrem  em  circulação  muitos  de  que  carecemos,  formando-os 
de  substantivos  ou  adjectivos  existentes,  ou  mesmo  desarchaisando-os 
—  No  i^  caso  estão— aZ/fuisnurr  (já  temos  cgoisviar)  inâifferenciarj  Jft- 
disthiguir,  vaguear  (pastorear  gado  vaccum)  T^r/íV^zZ/írtr,  etc:  no  27 
alfaiar^  harpar^  abeberar j  cvtbruscar-sej  encuminarj  esquerdear^  Jit- 
bilar,  medicinar,  evipegar-se,  frèarj  sabadearj  feriar^  palmejarj 
desprenhar  (uma  vez  que  conservarmos  emfrenhar}^  Gravidar,  di- 
mentarj  estugar,  patrisarj  reptar j  refertarj  esmec/iarj  iagantarj 
traiear,  lindar,  maridar, . . .  Alguns  desses  verbos  archaisados  con- 
servam-se  nas  províncias  e  em  alguns  logarcs  onde  mais  medrosa 
conservou -se  a  instrucção  :  por  ex.  o  verbo  pitichar  usado  no  Rio 
Grande  do  Sul,   e   que  é  do    tempo   de  Barros    e    Damião    de  Góes. 


DECIMA    NONA     LICAO 

Das  palavras  variáveis  formadas  no  próprio  seio 
da  lingua  portugueza. 


1  —  o  portuguez  formou  no  próprio  seio  da  lingua  — 
substantivos^  adjectivos^  pronomes,  e  principalmente  i^erbos . 

Já  nos  referimos  a  essa  necessidade  de  accrescer,  e  ao 
parallelismo  forçado  do  léxico  com  os  progressos  indus- 
triaes,  artísticos  e  scientificos ;  já  vimos  a  importância  da 
analogia  na  formação  das  palavras  novas;  o  caudal  im- 
menso  que  nos  offerecem  os  dous  processos  da  composição 
e  derivação  para  crearmos  palavras  vernaculamente,  e  lhes 
desenvolvermos  o  sentido  *  . 

2 — As  palavras  nascem  da  actividade  do  pensa- 
mento. «  O  vocabulário  é  a  photographia  completa  do 
saber  de  um  povo  ;  é  o  ps^xhographo  que  indica  e  deixa 
registrados  os  successivos  gráos  por  onde  o  espirito  foi 
ascendendo.  » 

Si  creamos,  descobrimos  ou  fabricamos  uma  cousa 
nova,  é  força  dar-lhe  um  nome ;  mas  isso  não  basta,  e 
em  breve  vem  a  necessidade  dos  compostos  e  derivados 
para  exprimirmos  a  acção  ou  o  logar  onde  ella  se  faz,  o 
agente,  a  collectividade,  o  augmento,  a  extensão,  a  de- 
gradação do  sentido,  etc.   Chuva,  p.  ex . ,  deu  chuveiro,  cho- 


«  T.  Lições  17,  18,  22,  23,  24. 


3io 


visco,  chopiscar,  chuvoso,  chovediço ;  feitoria^ — feitor ^fei' 
torisar^  feitorisação ;  telegrapho,  —  te.egraphar,  telegra- 
phista,  telegraphico^  etc. 

3  —  A  palavra  pôde  ser  de  formação  erudita  (necrotério, 
viaducto)  ou  de  creação  popular.  Sobre  os  vocábulos 
eruditos  nada  temos  que  accrescentar  ao  que  expu- 
zemos  nas  lições  passadas ;  dos  de  origem  popular  pouco 
mais  se  nos  offerece  dizer. 

A's  vezes  o  vocábulo  popular  logra  ter  entrada  nas 
camadas  superiores  da  sociedade  {  caniço,  derriço,  caliça, 
desobriga,  palhaço, . .  .)\  outras,  porém,  falta -lhe  a  força 
contraria  a  que  também  estão  sujeitas  as  linguas,  —  a  força 
conservadora — ,  e  o  vocábulo  morre  no  nascedouro  ou 
tempos  depois  (  esca/eder-se,  cacunha^  bilontra ) . 

Levado  também  pela  força  creadora  e  revolucionaria, 
e  sempre  pela  tendência  metaphorica,  o  povo  formou 
muitos  vocábulos  pejorativos  : —  um  máo  dentista  é  um 
sacamolas ;  um  medico  imperito  —  um  matasanos  \  um 
esfolacaras  é  um  máo  barbeiro,  um  vadio  \  um  pintamonos 
é  um  máo  pintor  ;  o  sonso  é  um  pisamansinho\  o  cas- 
quilho—  um  pisajlôres  ou  pisaverde -^  o  arruador — um 

trancaruas^ A    par  dos  nomes    scientificos    temos 

outros  também  de  formação  popular,  que  são  os  de  uso 
corrente  :  —  girasol,  77tal-me-quer^amor-perJ'eiio^  chupa- 
mel^  beija-Jlôr^  bico  de  lacre,  bem^te-vi,  etc. 

4. —  Os  substantivos  vernáculos  formam-se  pois  1° 
pela  composição  : 

a)  de  subst .  +  subst mestre-escola 

b)  subst .  +  adj redea-falsa 

c)  verbo  4-  subst troca-tintas 

poria 'j'oi 

d)  prep.  4-  subst emre-casca 

e)  subst.  -f  prep.  +  subst chefe  de  irem 

f )  verbo  +  verbo vaivém 

g)  de  palavras  diversas bem-te-vi 


3ii 


2  .**  —  De  um  verbo  : —  vivenda  ( de  viver  ),  choro  (  de 
chorar  =  1.  piorara ),  lida  {  de  lidar  )  chama  (  de  chamar 
=  1.  clamara  ),  chamarti^  ete. 

3.**  —  De  um  participio  : — achada^  nascida^  picada, 
desfolhada,  queimada 

4.0  —  Pela  derivação  : —  Os  suffixos  mais  usados  nas 
creações  vernáculas  são  —  ada  (  limonada,  chibatada  ), 
ária  (sapataria,  cavallaria  ),  ada  ( irmandade,  sujidade), 
eiró  (  sapateiro,  charuteiro  ),  ismo  (  abolicionismo,  jorna- 
lismo), isia  (abolicionista  escravista),  agem  (friagem, 
criadagem),  ão  (escravidão,  amarellidão )  etc.  Todos 
esses  nomes  derivados  portuguezes  formaram- se,  porém, 
.  dos  t}pos  latinos  (  Lição  18). 

5. —  Os  adjectivos  de  creação  vernácula  são  em  nu- 
mero avultado,  eformaram-se  pelos  processos  que  vimos 
nas  lições  17  e  18.  O  suf&xo  050  foi,  e  é  ainda,  um  dos 
mais  productivos: — gostoso^  buliçoso^  teimoso^  amargoso, 
feioso 

6.—  Os  nomes  de  números  também  deram  algumas 
formações  novas  : —  milhão,  billião,  trillião,  quairil- 
Hão,  etc . ;  de-{avos,  vinteavos,  etc . . .  vintena,  iresdobro .,.. 

7. —  São  pronomes  de  formação  portugueza  =  qual- 
quer, cada  qual,  quem  quer,  etc . 

8. —  Nos  verbos  não  pôde  ser  mais  rica  a  nossa  lingua 
no  tocante  a  força  creadora,  quer  sejam  diminutivos  ou 
frequentativos,  quer  inchoativos  ou  onomatopicos,  etc.  -, 
—  barbear,  entocar,  caíucar,  chatinar,  papaguear,  paga- 
guear,  feitorar,  bispar;  encaiporar,  mordomear,  macaquear, 
r alojar  (de  relógio,  F.  Man.),  velhaquear,  iabaquear,  ci' 
garrar,  cachimbar,  pinotear,  sapatear,  caranguejar,  en- 
gatinhar, judear,  cacarejar,  grugulejar,  miar,  telegraphar, 
ialaphonar. . .  ,  de  substantivos  com  uma  syllaba  prefixada 
ou  intercalação  de  lettra  —  adoecer,  amanhecer,  envelhecer, 
ensurdecer,  emmagrecer,  cabrejar,  irastejar,  sandejar 
CG.  Vic). . .;  de  verbos —/e//omar,  beijocar,  barregar  (de 


3l2 


berrar),  chupitar  (de  chupar),  espanejar  (espanar),  ajfor- 
mosenlar  (de  aíformosear), . . .  adocicar,  escrevinhar,  treme- 
Ihicar .... 

Esta  exuberância  verbal  data  propriamente  do  Sec. 
XVI.  - 

9.— O  substantivo  pôde  também  formar-se  vernacula- 
mente de  um  facto  histórico  :  —  abrilista,  setembrista^ 
cabralista,  bond,  etc. 

10. —  Na  derivação  tem  o  portuguez  uma  fonte  inesgo- 
tável para  o  augmento  do  vocabulário. 


V1GESI3ÍA   LICÀO 


Das  palavras  invariáveis  formadas  no  seio  da 

lingua 


I. —  Os  advérbios,  preposições  e  conjuncções  de  for- 
mação vernácula,  correspondem  a  locuções  anal3-ticas 
latinas  :  —  assim  =  ad  sic,  agora  hac  Iiora^  assas  =  ad 
satts^  após:=  adpos^  dentro  =de  intro,  outrosim,  ant.  aliro 
5í'(  =  l.  alierum  sic)^  outrotanto  ( =  1.  alíerum  tantum)^ 
etc,  ou  ainda  de  locuções  portuguezas  : —  embora  (em  boa 
hora),  outr'ora  (em  outra  hora),  etc. 

Todas  essas  palavras  são  phrases  cujos  eJementos  fun- 
diram-se  na  primeira  época  de  nossa  lingua.  A''s  vezes, 
porém,  a  crystallisação  já  se  encontra  no  latim  bárbaro 
{abanté) . 

2. —  Não  adoptou  o  portuguez  o  typo  latino  em  cr 
para  a  formação  de  advérbios  {proplei\  breviter ) ;  mas 
sim  o  em  e,  talvez  por  mais  facilidade  :  a  miude  (minute),... 
( —  V.  Lição  28),  e,  depois  (Sec.  XV  e  XVI)  o  processo  — 
também  conhecido  dos  Latinos  —  de  adverbiar  um  adje- 
ctivo, (V.  pg,  108).  Estes  advérbios  correspondem  aos  de 
modo  em  meme^  os  quaes  se  formam  de  adjectivos  qualifica- 
tivos femininos  e  de  superlativos  orgânicos  —  lindamente^ 
pessimamente .  De  melhormentc  é  expressão  correcta. 

43 


:)14 

O  portuguez  também  aproveitou -se  da  liberdade  latina 
de  empregar  participios  com  força  prepositiva  —  referente^ 
visto^ ... 

Todos  esses  processos  são  latinos  : —  1,  class  hodie  (hoc  die),  reipsa 
(re  ipsa)  ;  1.   pop. —  /laiic /loj-auij  òona   mente  efe. 

3 . —  São  de  formação  portugueza  : —  depois^  adeame^ 
Jiontem,  aníelioníem,  ainda  que^^  como  quei\  aosadas  aousa- 
das  (ousadamente),  taipe:;.,  portanto,  d' ora  avante.,  todavia., 
por  conseguinte.,  etc,  e  principalmente  as  locuções  :  —  a 
olho,  de  força.,  ás  occultas.,  de  siso,  de  maravilha.,  a  pin- 
cho., a  sabendas.,  de  espaço.,  ás  caladas.,  etc. 

Dos  mesmos  compostos  —  como  veremos  na  etymo- 
logia  —  encontram-se  formas  correspondentes  no  latim 
popular. 

4.  —  Interjeições  de  formação  vernácula  só  temos  con- 
vencionaes  e  locutivas  :  —  mal  peccado,  maocha  (  em  má 
hora  ),  farenego  !  safa  !  caluda !  aqui  d' El- Rei  !. . . 

5. —  No  port.  antigo  são  muitas  as  palavras  invariáveis, 
principalmente  formadas  pela  composição,  hoje  de  todo 
esquecida  :  aramá  (  hora  má  ),  hogano  \{  hoc  anno  ),  cada- 
nho  (  cada  anno  )  anproom  (  adiante,  ao  longo,  ao  sopé  ), 
anfeste  enfeste  (para  cima,  Sec.  XII,  XIII),  abondo 
(excessivamente  ;  Seé.  XIII  );  acarom  (  defronte  ),  cada 
^we  ( cada  vez  que,  Canc.  Vat.).,  desi  (desde  então),  de 
chano  (  de  prompto  ),  eiri  eyri  oyte  oojte  (  hontem  ),  jiiso 
(  abaixo  ),  suso  (  acima  ),  majiteneme  (  detidamente  ), 
euxano  (cada  um  anno,  Sec.  XIII,  C.  V.\  a  eertas 
(certamente,  R.  de  S.  "B.).,  Qtc—  V.  Lição  28,  etym. 


*  V.  Lição  28  —  htym.  das  paL  inv. 


VIGÉSIMA  PRIMEIRA  LlCÂO 


Etymologia  portugueza. —  Principios  em  que 
se  baseia  a  etymologia. — Leis  que  presidi- 
ram á  formação  do  léxico  portuguez. 


1  — A  philologia  é  a  ph3'siologia  de  uma  espécie  ;  a  glot- 
tologia  é  a  anatomia  comparada  de  diíferentes  espécies  ; 
a  etymologia  é  o  estudo  das  formas  primitivas,  derivadas, 
e  das  acções  physiologicas .   '■ 

2  —  A  etymologia  portugueza  é  pois  do  dominio  philo- 
iogico  :  estuda  somente  o  nosso  vocabulário. 

Guiado  por  ella,  mais  clara  se  torna  a  comprehensão  das 
palavras,  mais  acertado  o  seu  emprego. 

3. —  Ramo  principal  dos  estudos  philologicos  e  lin- 
guistiscos,  não  se  occupa  tão  somente  das  formas  pri- 
mitivas e  derivadas,  e  dos  sentidos  das  palavras  ;  mas 
também  das  inflexões  e  modificações  grammaticaes,  e 
considera  as  palavras  nas  suas  relações  syntaxicas. 

Por  isso  um  philologo  inglez  escreveu  que  era  a  etymo- 
logia a  historia  domestica,  a  glottologia  —  as  relações  es- 
trangeiras. 

4. —  De  varias  origens  são  os  nossos  vocábulos,  como 
veremos  na  lição  seguinte:  (22) —  O  grego,   o  púnico,  o 


Marsh,   Man. 


3i6 


gothico,  o  árabe,  o  francez,  inglez,  allemao,  italiano,  afri- 
cano, o  brazileiro  (tupy,  abanhaenã,). ...  e  maiormente, 
em  mil  dobrada  proporção  o  latim,  —  clássico  e  po- 
pular. 

5. —  Muitas  vezes,  percorrendo  o  léxico,  encontramos 
palavras  completamente  mudas  para  a  consciência  actual 
da  linguagem  que  só  despertam  sob  o  olhar  escrutador 
do  historiador,  e  revelando  a  sua  historia,  revelam  do 
mesmo  passo  os  costumes  e  a  civilisação  de  outros 
tempos .  —  (Reboras,  almotacé^  alcaide . . . .  J 

O  vocábulo  palavra^  no  sentido  actual, —  diz  Darm- 
steter  — ,  nada  exprime  hoje:  consultando  a  et\niologia, 
de  súbito  a  /?jraèo/a  christã,  a  predica  envangelica  c  um 
rejuvenescer  maravilhoso  de  um  mundo  em  decadência 
reapparecem  aos  nossos  olhos. —  E  ella  nos  ensinará 
mais  que  a  transformação  fez-se  pela  forma  interme  • 
daria  parola  \  hoje  só  empregada  com  sentido  pejorativo, 
paraavas^  pavapras  [\\\tá .  d^Alci. 

Si  procurarmos  a  palavra  liberiino^  a  et\'mologia  ensi- 
nar-nos-ha  que  se  deriva  do  latim  —  libertinus  {liberiíis) 
que  significava  o  individuo  livre  da  escravidão  legal. 
O  escravo  manumittido  era  liberto  (i.  e.  liberatus)  com 
relação  ao  senhor ;  em  relação,  porém,  á  classe  a  que 
pertencia  depois  da  manumissão,  era  libertino.  Id.  no 
portuguez  antigo,  e  íilho  de  escravo  romano ;  depois, 
homem   de  costumes  desmanchados. 

6. —  Por  esteio  principal  tem  a  etNmologia  a  pho- 
netica;  mas — -para  ter  cunho  scicntifico  —  não  pode  cila 
dispensar  o. > historia  e  a  comparação. 

7. —  A  phonetica  explica-nos  a  historia  de  cada  um 
dos  sons  que  compõem  o  vocábulo  {\ .   Lição  2*'^). 


'  Cep.  f.  j)fl ro/c,  prov.  paraula  (\n{ ,  iinrav1'i.    lie=!p.   jtalahra  nnt.  ^xi* 
rahla,  it.  parola. 

ro.rabula  é  de  iiiliud.  triiílUa. 


:>i 


As  transformações  phoneticas  estáo  subordinadas  a 
regras  geraes,  ás  quaes  o  homem  obedece  instinctiva- 
mente  por  motivo  da  acção  ph3'siologica  e  da  ps\xho- 
logica.  Assim,  p.  ex.,  o  enfraquecimento  —  mas  lento  e 
gradual  —  dos  sons  constitue  as  duas  leis  de  menor 
acção  e  de  transição^  communs  a  todas  as  línguas 
neolatinas , 

Cada  uma  delias,  porém,  e  bem  assim  os  dialectos 
e  sub-dialectos  têm  suas  leis  particulares ;  e,  como  já 
advertimos,  a  pronuncia  muda  de  época  para  época, 
de  província  para  província,  de  cidade  para  cidade,  e 
até  de  aldêa  para  aldêa  (reposta^  estamago,  anteado, 
jfentagem^   Cathelmi,   giollho....) 

Ha  excepções  devidas  : 

a)  C/í'  analogia. —  Cuidar,  de  cogiiare,  deu  cuidação^ 
e  cogitar  —  cogitação ;  dor,  de  dolor,  deu  doroso,  e 
dolor — doloroso;  do  Sec.  XII  ao  XIV  pronuncia-se  scola^ 
scondido^  spadua^  star,  stiido^  etc,  hoje  (e  assim  já 
praticavam  os  Romanos  no  V  Sec.  para  maior  faci- 
lidade da   pronuncia)    escola^   espádua^   etc. 

b)  Injlmncia  intei^mediaria . —  A's  vezes  adoptamos 
palavras  latinas  por  intermédio  de  outra  lingua,  que 
assim  escapam  á  acção  das  nossas  leis  phoneticas  : —  can- 
tata^ maestro^  {'it.)  ch:iminé  (  fr .  —  1 .   camminata  ) . 

c)  Injlmncia  entdiía. —  A  formação  erudita  não  se  su- 
bordina ás  leis  phoneticas  ;  e  nas  palavras  introduzidas  no 
portuguez  nos  Sec.  XV  e  XVI,  as  modificações  que  ellas 
apresentam  escapam  á  analyse  phonetica.  Segral  se- 
cular, cossario  corsário, .... 

A  essas  excepções  dá-se  o  nome  de  inizrferencias 
As  três  leis  geraes  das    modificações   phoneticas    são 
as  que  seguem  : 

I.*  Persistência  do  accento  tónico. —  A  conser- 
vação da  syllaba  que  mais  feria  o  ouvido  deu  ás  palavras 
physionomia  própria,  caracter  particular,  e  muitas  vezes 


3i8 


o  encurtamento  delias  ( na  camada  popular  )  pela  queda 
da  desinência  : — angdiis  anjo,  angiilus  anco  (ant.). 

2.®  Perda  da  vogal  breve  : — coalhar  =  coag  (  u  ) 
lare,  mascar  ==  mast  ( i )  care,  obj^ar  =  op  (  e  )  rare, .... 

Nas  inscripções  latinas  do  Impeiio,,  nos  autores  archaicos_,  etc, 
encontram-se  innumeros  exemplos  da  perda  da  vogal  atona  : — ^e- 
richtvij  pophiSj  templum,  t\.z.^^.  periculumjpoptihiSj  tempuhim,  etc. 

3.^  Queda  da  consoante  media: —  s«ar=su  (d) 
are,  zVw^ar  =  vin  (  d  )  (i)  care,  crer  ant.  creer  =cre 
(  d)  ere.  arta  =  are  (  n  )  a,  etc. 

8  —  Historia  —  A  historia  descobre  nos  textos  da 
baixa  latinidade  e  nos  primeiros  documentos  da  nossa 
lingua  a  serie  de  formas  intermediarias,  e  por  conseguinte 
as  varias  transformações  graduaes  por  que  passou  o  vocá- 
bulo. Só  ella  nos  ensina  que  bacharel  tem  origem  em  Sac- 
calarios,  de  'Baccalarias  ou  ^accalares  (lat.  'Baccalaria)^ 
nome  que  se  dava  até  osec.  IX  ás  propriedades  ruraes 
servidas  com  uma  junta  de  bois,  etc.   ^ 

O  ISacharel  (  bacculario )  era  o  que  tinha  dominio  útil 
da  propriedade,  e  era  mais  honrado  que  os  simples  lavra- 
dores ou  colonos^  e  desobrigado  e  livre  de  encargos  civis 
(sec.  X);  depois  designava  o  individuo  que  comquanto 
houvesse  conseguido  ordem  militar,  era  ainda  de  pouca 
idade  e  poucos  meios  para  ter  pendão  e  caldeira ;  mais 
tarde  passou  a  denominação  ('Bachaleres]  aos  benefi- 
ciados de  cathedral  e  mosteiro,  ou  aos  ministros  de 
2»  ordem  (assisio) ;  do  sec .  XVIII  começou  a  significar  o 
que  obtém  nas  universidades  dignidade  ou  titulo  inferior 
ao  de  doutor. 

E'  ainda  pela  historia  que  descobrimos  que_/*rí75co  não  se 
deriva  de  vasculum,  como  escreveu  o  professor  Diez,  mas 
de  flasca  pequena  garrafa   (Isid.  de  Sev.  ),   que  salário 


*  Baccalator  =  vaqueiro. 


3i9 


tira  origem  na  palavra  sal ;  que  espórtula  lembra  a  coena 
rec/a  dos  Romanos;  que  ybr/í7/(?ja,  boca^  batter^  semanal ^ 
dobrar^  bat^lJu^  testa^ ....  são  do  lat.  pop . ,  posto  muitas 
dessas  formas  se  encontrem  nos  clássicos  latinos. 

9  —  A  comparação  verifica  as  h3-potheses,  confrontando 
as  formas  portuguezas  com  as  correspondentes  nas  outras 
linguas  nio-latinas,  e  seus  dialectos.  Assim,  comparando 
viagem,  port.  ant.  vtage,  com  o  hesp.  viage,  it.  viaggio, 
prov.  viatge,  fr.  ant.  inaige,ví\oà.  voyage,  etc,  convenr 
cemo-nos  de  que  o  vocábulo  originário  é  o  lat.  viaticum, 
e  que  a  desinência  a'cum  deu  age  nas  formas  populares. 
Comparando /ròe=l.  lactem,  noite=\.  noctem^Qtc.  com  o 
italiano  latte^  notíe ;  hesp.  leche^  noclie^  franc.  latt,  nuit, 
etc.  chegamos  á  conclusão  de  que  o  c  latino  do  grupo  et 
não  soava  na  pronuncia,  como  acontece  nos  nossos  vocá- 
bulos jc/o.yijc/o,  contracto^  etc. 

Quanto  maior  for  o  numero  de  dialectos  romanos  em 
que  se  encontra  o  vocábulo,  tanto  maior  será  a  probabili- 
dade da  sua  derivação  do  latim  vulgar. 

Mescabar  poderá  parecer  á  primeira  vista  formado  do 
ali.  m\s.  it,  mis.  fr.  mes ;  mas  historiando  essa  palavra  nas 
outras  linguas  romanas,  vemos  que  mes  corresponde  ao 
prov.  meus,  port.  menos  =  lat.  minus.,  e  que  mescabar 
é  forma  atrophiada  de  menoscabar. 

A  comparação  é  pois  ao  mesmo  tempo  instrumento  de 
investigação  e  da  verificação. 

IO  —  Só  a  etymologia  pôde  reconstituir  a  forma  typica 
das  palavras  desfiguradas  ou  gastas  pelas  migraçães,  e  pelos 
séculos  no  seu  evolucionar  lento  e  graduado. 

li  — As  palavras  de  formação  erudita  estão  também 
subordinadas  a  certas  leis.  As  de  introducção  antiga  soffre- 
ram  transformações  phoneticas,  mui  principalmente  nas 
desinências,  compreição.,  reLimpado  (p .  relâmpago — Lucena 
etc.  )  abondanças,  malencolico^  etc. . . . 

As  formações  eruditas  são   em  palavras  importadas  do 


320 


latim  ou  grego  geralmente,  ou  ainda  formadas  no  seio  da 
lingua  com  elementos  latinos  ou  gregos  :  —  contumácia^ 
mamimissão^  hemicrania^  phoíographo,  etc. 

Ao  grego  muito  devem  as  sciencias  a  sua  technologia,  principal- 
mente a  botarica,  a  medicina  c  a  cliimica.  Mas  o  emprego  cada 
vez  mais  frequente  de  elementos  gregos  na  formação  das  palavras 
portuguezas  tem  aberto  brecha  a  muitos  hybridismos  —  mineralogia j 
anglomaniVj  plaiiispherio,   etc.  (Lição  24.) 

Essa  predilecção  pelas  nomenclaturas  scientificas  de  formação 
grega  é  um  mal  —  porque,  como  observa  Darmsteter,  a  plantação 
exótica,  tendendo  cada  vez  mais  a  desenvolver-se  no  meio  da  indígena, 
acabará  t  ilvez  por  abafal-as. 

Melhor  fora  buscar  ao  latim  os  elementos  para  novas  creações 
vocabulares.  Ainda  ha  mais:  muitos  dos  compostos  modernos  des- 
afiam —  na  phrase  de  C.  Nodier  —  as  leis  da  analogia  e  do  bom 
senso  ;    1  )  e  os  próprios  Gregos  não    lhes   comprehendem  o   sentido. 

A  prova  temos  em  que,  adoptando  o  systema  métrico,  elles  re- 
geitaram  a  technologia  por  não  comprehendel-a.  Assim  p.  cx.  — 
kilovieiro  ===  medida  de  um  asno  (killos)j  kliiloviciro,  como  outros 
escrevem  =  medida  de  feno,  forragem  (chi/os). 

Esta  terminologia  tem,  porém,  a  vantagem  de  se  fazer  entendida 
facilmente  dos  homens^dasciencia. 

12  — As  dicções  novas,  as  de  importação  moderna,  para 
terem  entrada  no  vocabulário  vulgar  e  existência  real,  de- 
vem nacionalisar-se,  tomar  devidamente  o  geito,  a  queda  e 
o  soar  das  com  que  ambiciona  conviver.  Ex.  comradansa^ 
—  ing,  coiintrf  danse  (  dansa  campestre )  manequim^  — 
ali.  manneken  (homemsinho.  ) 

Todavia  nas  palavras  importadas  das  linguas  vivas  mui- 
tas vezes  conservamos  o  próprio  tj  po  etymologico  com 
foros  de  cidade:  —  lunch^  koulevard  (  a  par  de  baluarte  ), 
Jioriíiire^jockey,  íram>vaj\  bidl-dog^  roast-beef  {o.  rosbif)^ 
beef-steak  (  e  bifs-tek)^  etc. . .  . 


'  Hyãroficnco  p.  ex,.    significa   cousa  produzida  pela   a^ua,  e  não  o 
que  produz    agua  ;   anemia  c   privação  dej  sangue,  falta  total. 


VIGESSIMA  SEGUNDA  LIÇÃO 

Da  constituição  do  léxico  portuguez. —  Lín- 
guas que  maior  contingente  forneceram  ao 
vocabulário  prtuguez. ' 


I .  —  o  vocabulário  antigo  é  essencialmente  latino:  re- 
presenta uma  evolução  lenta  da  lingua /70/7Z//ar  dos  Ro- 
manos. Do  Sec.  XV  em  deante  a  importação  latina  é 
artificial,  devida  á  corrente  erudita. 

Além  da  circumstancia  externa  —  persistência  do  vo- 
cabulário, havia  outro  interna,  que  dava  ao  portuguez  jus 
de  accrescer, —  a  fidelidade  á  tradição  latina  quanto  aos 
processos  essenciaes  da  composição  e  derivação  das  pa- 
lavras . 

2 . —  O  latim  popular  tinha  muitas  vezes  vocábulo  di- 
verso do  latim  clássico  para  exprimir  a  mesma  idéa.  Her- 
dámos ora  uma  só  das  formas,  ora  ambas ;  ás  vezes  o  erudito 
serve  apenas  para  formar  derivados. 


L.  pop, 

caballus 
batti  ere 
russus 
septimana 


Lat.  class. 

equus 
verberare 
lubeus 
hebdomadas 


forni.  pop. 

cavallo  * 
bater 
russo 
semana 


forvi.  erudita 

equestre j  etc. 
verberar 
ruivo 
hebdovtadario  * 


'  Pacheco  Júnior — Grainm.  hist, —  Elementos  históricos. 

*  Xo  lera.  encostou-se  ao  lai.  clássico — f.oua. 

*  Sec.  XIII — hcbdoma. 


41 


322 


Z.  pop. 

Lat.  cjass. 

form.  pop. 

form  erudita 

batualia 

pugna 

batalha 

pugna 

parentes 

aftines 

parentes 

affins 

casa 

do  mus 

casa 

domicilio 

testa 

frons 

testa 

fronte 

basiari 

osculari 

beijar 

oscular 

duplare 

duplicare 

dobrar 

duplicar 

focus 

ignis 

fogo 

Ígneo j  etc. 

catus 

felix 

gato 

Jelino 

lutum 

coenum 

lodo 

ceno 

porta 

jauna 

porta 

janella 

terra 

tellus 

terra 

tellurio 

villa,  civitatem 

urbs 

villa,  cidade 

urbano 

rivus 

flumen 

rio 

jiumineo 

etc. 

etc. 

3.  —  As  palavras  simples  ou  derivados  latinos  são  ás 
vezes  representados  no  nosso  léxico  por  derivados  e  com- 
postos formados  segundo  os  processos  de  derivação  e 
composição  popular .  Estas  formas,  porém,  são  heranças 
do  latim  basbaro  ou  por  ellas  moldadas  : — dies — diurnus^ 
anie-abante. 

Outras  vezes  os  substantivos  simples  são  substituidos 
pelos  diminutivos  correspontes  :  —  avíolusp.  avus  =  a.yô^ 
acucula  p.  acus=  agulha,  aurícula  p.  íjz/n5= orelha,  oviciila 
p.  om  =  ovelha,  apicida  p .  j/'/5  =  abelha,  luciniola  p. 
lucinia  =  rouxinol,  etc . 

Outras  vezes  ainda  adoptou  o  portuguez  derivados  com 
thema  ou  suffixo  diverso  : — duplare  —  duplicar^  octernalis 
—  ceiernus. 

4. —  A^s  vezes  o  mesmo  vocábulo  latino  é  que  deu 
duas,  três  e  quatro  formas  portuguezas  distinctas,  diver- 
gentes (  Lição  21^  )  : 


Lat.  Form.  prop. 

masticarc  mascar 

kfralitatevi  lealdade 

benedicere  benzer 

clavícula  cavilha,  chavelha,  cravelha 

macula  mancha,  malha,  magoa 

etc  .•  etc. 


Forvi .    erudita 

mastigar 

legalidade 

bemdizer 

clavicula 

macula 


323 


5. —  No  latim  popular  dos  does.  do  Sec.  XII,  primeiro 
periodo  da  lingua  portugueza,  muitas  palavras  já  apre- 
sentam forma  portugueza. —  sobrinho  (suprinis  nostris  ), 
rio  {  id.),  levar  (  levare),  havia  (avia  ),  arroio  ( id.),  ro~ 

dondo^ Sec.    XIII  ;    subúrbio^   pomar  (pumares), 

Í7'mão,  ant.  ^er;«j«o,  etc.  (iermano),  dona^  fornos,  neto, 
(  neptos  ),  criação  (  criagom),  logôa  (  lagona  ). . .  / 

6. —  E'  de  origem  latina  a  maioria  dos  nomes  de 
cousas  que  percebemos  pelos  sentidos  ou  conhecemos  pela 
experiência  (  hofnem,  mulher,  cavallo,  cão,  gaio,  sol,  lua, 

estrella,  arvore,  nuvem,  pão,  leite,  rio,  mar,   monte ) ; 

os  phenomenos  ph3'sicos  da  natureza  e  suas  causas  ( chuva, 
raio,  trovão,  calor,  frio,  tempestade. . . .  )i  ^^  divisões  do 
tempo  ( primavera,  outomno,  estio,  inverno,  anno,  mez, 
dia,  hora,  século,  semana,  os  nomes  dos  mezes,  os  dias  da 
semana,  ^) ) ;  os  nomes  de  cores  mais  usuaes  f  encar- 
nado, verde,  claro,   negro,   alvo ^)  ;    os   nomes    dos 

membros  do  corpo  animal,  e  os  das  suas  funcções  : — 
(  rosto,  cara,  *  boca  (1.  p.  bucca),  testa,  face,  nariz, 
(  narix,  p .  7tans  ),  lábios,  lingua,  pálpebra,  olho,  orelha 
(  aurícula  ),  sobrancelha  (  supercilium  ),  mão,  dedo,  pé, 
unha,  calcanhar  (  calcaneum  -  calcaneo  ),  dente,  ventre, 
perna,  gambia,  coxa,  peito,  costas,  hombros  (  humerus  ), 

cabello,  joelho  (  ant.  geoiho,  lat.  genuclum  ) ; 

os  nomes  de  porentesco  : — pai,  mãi,  avô,  filho,  padrinho, ' 


*  Poj-í,  Mon. 

*  — Saft&íJKfo  rigorosaraento  é  hebraico,  mas  no  1.  pop.  havia  sab- 
badi  =  Sabbati  dies  :  ÍT.  samedi,  it.  sabato,  vai.  sembete,  prov.  disapte 
=  dies  sabb'ti. 

*  —  Branco  =  germ.  blanch  :  amarello  e  preto,  do  grego:  azul  = 
árabe  í^mZ,  pers.  lazur  :=l3ii.  cceruleus  (cerúleo). 

*  —  Cara  =  gr.  cara.  lat,  vultus,  fácies,  forma:  mas  já  o  encon- 
tramos no  latim  do  Sec.  VI,' principalmente  no  sentido  figurado  : — Post- 
guam  venere  vcrendam  Caesaris  ante  caram  (  Coreppo  —  Panegyr.  de 
Justino.) 

Barriga  e  nuca  =  germ,  baldrich,  nocke  (  columna  vertebral  ) 
"  —  De  pater. —  Santissimum  vir  patrinus    videlicct  seu  sjnriticalis 
pater  lioter.  doe.  752. 


324 


sobrinho,  marido,  esposa,  sogro,  nora  (1.  barb.  nora)^ 
genro  (  id,  gener  ),  madrastra  ( 1.  prop.  matraster ),  neto 
(netos  neptis ),  irmão  ( germanus,  p.  ant.  germaho 
germaio  germano  Secs.  XIII  e  XIV);  cunhado  {  co- 
gnatus  ^ ), Tio  e  tia=^v.  theia,  talvez  por  in- 
termédio do  italiano  :{ia. 

E'  ainda  do  latim  que  nos  vieram  as  palavras  indi- 
cadoras dos  deveres  communs,  a  que  se  referem  á  vida 
moral  e  domestica,  as  que  exprimem  sentimentos,  os 
numeraes,  e  —  directa  ou  indirectamente  —  quasi  todos 
os  termos  da  vida  moral,  das  invectivas,  da  facécia,  e 
do  linguajar  da   plebe. 

E'  do  latim  que  nos  veio  o  emprego  nominal  de  infini- 
tos e  participios  :  —  dever ^  jantar^  manjar^  poder.  . . . 
appello,  recibo^  peccado^  escripto^, . . .  principalmente  nas 
formas  femininas  —  m/a,  vinda^  comida  escripta .... 

O  povo,  como  era  natural,  adoptou  o  vocabulário 
popular  —  calus  p .  felix^  caballus  p .  equiis,  batualia  p . 
pugna ;  mas  no  Sec .  XIII  a  lingua  era  uma  mistura 
de  latim  bárbaro  com  termos  godos,  árabes,  proven- 
çaes,  francezes  e  castelhanos. 

No  Sec .  XIV,  passou  ella  por  uma  transição  devida 
á  ascendência  da  escola  hespanhola,  e  á  predominância 
e  influencia  clássica  latina,  que  ainda  perdurou  no  Sec.  XV 
e  estendeu  -se  ao  XVI,  notável  pelo  aturamento  nos 
estudos  das  antiguidades  greco -romanas,  pelo  culto  ao 
clacismo^   e  pela   influencia  da  escola  italiana. 

E'  claro  que  essa  cultura  litteraria  devia  natural- 
mente e  forçosamente  introduzir  grande  numero  de  vocá- 
bulos tirados  immediatamente  dos  autores  latinos,  c 
ainda  das  outras  linguas  que  então  tinham  predominio. 

Dessa  elaboração  resultou  o  archaisamento  de  muitos 


'  —  Cognacio  ind.  parentescoconsaguiueo,  em  opposição  a  a/fímfos, 
que  ind.  gváo  de  parentesco  por  alliança. 


:>2D 


\ocabulos  já  portuguezes,  que  morreram  na  lucta  syno- 
n\mica  (V.  L.  12)  :— -ruão  —  cidadão,  acarão  —  a  par, 
samicas  —  por  ventura^  hogano^   mmtchola .... 

Legitimo  torna -se  forma  parallelo,  mas  preferida  a 
lidimo,  dispensa  a  dispensaçom^  logar  a.  logo^  secular 
a  se  gr  ar  ^  mesura  a  medida,  porque  a  cj,  quieto  a  quedo  ^ 
integro  a  inteiro^  plano  a  châo^ . . . .  e  assim  um  numero 
crescido  de  formas  divergentes. 

São  deformação  clássica  (  Sec.  XIV-XVI  )  : —  aniro=  axiimni, — 
agr!co/a=  agrícola, —  aírio=  atriíim, —  ajtla^=  aula, —  ara=  ara, — 
adnnco=^  aduncus,—  auriga'=  auriga, —  auxí/io=  auxilium, —  adoles- 
sentc=  adokscentcm, —  aítingir=  attingere, —  crnor —  cruorem, — 
coiiJiige=  conjugem, —  ceríaii!C=^  certamen, —  conJlicto=^  conflictus, — 
catttaro=^  cantharus, —  cohoric=  cohortem, —  diluctilo=  diluculus, — 
ilo!o=  dolus, —  dti;idia^=  desídia, —  cgrcgio=^  egregius, —  ertcío=  ere- 
ctus, — flagicic=  flagícium, — Jiagel/o=  flagellum, — fausto —  faustum, 

—  fu/gido=  fulgidus, —  gladio=  gladius, —  gelido=  gelídus, —  Í7isania 
==  insânia, —  iiicrcia=  inertia, —  inoxia=  inoxia, —  ig!ieo=  igneus, — 
ijic/iío=  inclítus, —  iiiervie^^^  mcrme., —  /(^/zrtV^  lapidem, —  /h'ido= 
lividus, —  languido^=  languidus, —  lasso==  lassus, —  messe=  messis, — 
iiauia  =  nauta, —  mimem  =  numen, —  odo7-=  odorem, — 5r<^6'=orbem, 

—  osciílo=  csculum, — petiiiria=  penúria, —  frelio=  prelium, —  prc- 
cella=^  procella, —  firogenie^^  progeniem, —  r2bido=  rabidus, —  sapido 
=  sapídus, —  iritimpho^=--  tríumphus, —  tnmuIo=  tumulus, —  liberdade 
=  ubertatem, —  verberais-  verberare  etc. . . 

8 — Elemento  gemanico  —  Dos  elementos  céltico,  pú- 
nico (  phenicio  e  casthaginez  )  e  germânico,  herdamos  algu- 
mas contribuições  léxicas,  mas  deste  ultimo  em  cem 
dobrado  numero.  Elias  vieram-nos,  porém,  já  latinisadas 
(mappa,  cambiar e,  parentes . . . ) 

Com  a  invasão  das  hordas  barharas  do  Norte,  o  po- 
derio romano  succumbiu  também  na  península  hispânica  ; 
mas  os  vencidos,  posto  que  pela  superioridade  de  cultura 
intellectual  e  civilisação,  houvessem  imposto  aos  vence- 
dores —  costumes,  culto,  e  o  próprio  idioma,  todavia  não 
poderam  deixar  de  aceitar  muitíssimos  vocábulos  da  lingua 
germânica,  referentes  ás  suas  instituições  politicas  e  judi- 
ciarias, ao  direito  privado, aos  titulos  herarchicos,  S3stema 
feudal,  á  guerra  c  navegação,  ás  di^■isõei  arbitrarias  do 


32Ó 


solo,  etc. . .  E  este  acressimoao  atque peregrinum  do  latim 
de  Hespanha,  era- lhes  de  facil  aceitação,  que  na  lingua 
latina  anterior  á  invasão  da  península  pelos  Godos,  já  pos- 
suía muitas  palavras  germânicas  importadas  pelos  bárbaros 
alistados  nos  exércitos  de  Roma: — burgo  (germ.  burg^  for- 
tificação, praça  fortificada;  lat.  biirgits)\  garante  ( germ. 
gwaraiU^X.  b.  —  yvarantus\  ganhar^  guerra  {  werra  — 
confusão  disputa),  ^//aw/e  (germ.  ^>í^í3!;i/,  1.  b.  wantus\ 
5íím,  salga  sayo  ( sago^  sagum}^    etc. 

São  de  origem  germaniea : —  '^arigel,  baluarte,  elmo 
Z^anfo  (homem  Ywvt)  ^^  marechal  mariscai  {\.  mariscalus, 
germ.  marahscall ),  seitechal  senescal  ( 1.  seniscallus,  germ. 
siniscall ),  bando  banho  (edital,  germ  bannan,  (b.  bannum); 
adaga;  patarata,  feudo,  rato  ^),  bosque  (  ger.  busch^  B.  L. 
boschus  ^ ),  brasa  *,  guindar  %  rato,  . . .  e  muitos 
termos  náuticos,  principalmente  introduzidos  pelos  Nor- 
mandos, que  invadiram  a  Gallizae  mais  tarde  estancearam 
nas  margens  do  Minho  : — ^ordo  (e  dahia  bordo,  abordar, 
bombordo,  estibordo. .  .),  arpéo,  boie  (bat.  bot.),  cábrea, 
canoa  {kaan,  barquinho),  fragata,  chalupa,  croque,  dique, 
galeota,  quilha,  etc. 

Muitos  desses  termos  já  nos  vieram  latinisados — senescaliiSj  via- 
riscalcusj  arauius,  etc. 

9. —  Elemento  árabe, —  No  sec.  VII  os  Árabes  se- 
nhorea-se,  de  todo  a  península  com  excepção  do  ter- 
ritório Basco .  A  lingua  arábica,  tão  grande  foi  a  sua  in- 
fluencia, muitíssimo  enriqueceu  o  nosso  léxico,  maior- 
mente  em  termos  referentes  á  vida  ph3^s!ca,  aos  usos  do- 
mésticos, intituições  civis,  politicas  e  militares,  á  techno- 


*  Der.  baronia,  baronato,  baronete. 
"*  Ratazana,  i-atoeira,. . . 

^  buscar,  embuscaãa. . , 

*  braseiro, 

*  guindaste., . 


I 


327 

logia  de  contrucção,  philosophia  e  sciencias  medica  e  natu- 
raes. 

Muitos  vocábulos  perdemos  desta  origem  :  restam  talvez 
uns  Soo. 

oAllah,  acicate,  acipípe,  asotéa,  açougue,  açude,  ala^ão, 
alarve,  alfandega,  alca^ar,  aljageme,  alfinete,  . . .  \  azei- 
tona, assassino,  argola,  âmbar:  beduíno,  ba\ar,  burnú,  bar- 
raca, café,  cáfila,  cafre,  camelo,  carmim,  caravana,  califa, 
cifra^  {ero,  cabala,  cubebas  ;  falua ^  faquir{fakir)^  fulano, 
( fallacli- lavrador),  farnel,  farraf a,  giveie,  ga^ella,  elixir, 
jasmin,  laudano,  kalifa,  mameluco,  marfim,  mascara  ar.) 
mascharat  —  risada,  mofa,  truonice),  nafé,  rababo,  mes- 
quinho, recife,  recua  {recova),  tamarindo,  ^enitli,  tarifa, 
talisman,  xarope,  etc. 

Como  succedeu  com  o  germânico,  dos  nomes  que  nos 
legou  o  elemento  histórico  árabe  formamos  verbos,  etc. — 
alambicar,   alcunhar,  almoxarifado,  alvoraçameníe . . . 

io.=  Hebraico — Hoje  são  em  numero  decrescido,  e 
muitos  delles,  principalmente  os  da  linguagem  hebraica, 
nos  foram  importadoi  pelo  latim  ;  como,  p-ex.,  —  abbade, 
alleluia,  hossana,  cherubim,  hyssope.  Nazareno,  Bel^ebut, 
amen,  seraphim,  Saian  Saianaz,  sabbado,  Messias  Missa, 
Jesus,  jubileo.  Éden,  7jiand,  jaspe,  saphira,  cabala,  tal- 
mud. . . 

II. —  A  muitas  outras  linguas  deve  o  portuguez  — 
pelas  relações  commerciaes  e  litterarias — grande  contin- 
gente para  o  léxico.  Só  trataremos  das  que  para  esse  fim 
mais  concorreram. 

a)  Indico: —  brâmane,  bambu,  bengala,  bon^o,  catana, 
cha,  chávena,  lacre,  leque,  mandarim,  salamalek,  xarão, 
cornaca,  laca,  mumia  orangutango  (homem  florestal), 
peri,  patchuli,  cipayo,  tambor y  tarlatana . . . 


'  Quasi  tedos  os  que  começam  por  aZ,  que  é  o  artigo  árabe. 


328 


b)  Slavo  : —  caleche^  ma^iivka^  vedowa^  Ixiiiit^  ciat^ 
cosaco^  dohnan^  steppe,  iikase^  etc . 

Hespanhol  : —  castanheta^  castanholas,  bolero^  sesta, 
sarabanda,  cabotagem,  camarilha,  cigarro,  mantilha,  fan- 
dango, gitano  (cigano),  oilapodrida,  piastra,  câchucha, 
habamera,  segiiidilha,  etc. 

c)  Italiano  : —  Este  elemento  mais  influenciou  a  datar 
do  Sec.  XVI  : —  oágio,  adagio,  alarma,  andante,  aqua- 
rella,  arlequim,  bandido,  bagatella,  belladona,  dilettanti, 
belveder,  imbróglio,  biiffo,  cantata, dilletanti,  doge,  ga^etta, 
gôndola,  lanarone,  cavatina,  madona,  charlatão  (de  ciar- 
lare),  contralto,  fresco  (t.  de  pint),  prima  dona,  piano, 
pi-^icato,  poltrona,  scher:{ando,  serenata,  sonata),  \soprano, 
tremnlo,  tenor,  libre tto, . . . 

d)  Inglez  : —  Poucos  vocábulos  entraram  na  lingua  no 
seu  1**  período  :  hoje  é  que  com  as  communicações  mais 
estreitas,  também  mais  vai  augmentando  o  contigente  : — 
bill,  bond,  btãdogue,  beefsteak,  rostbeef  (rosbife),  dand r, 
goom,  grog,  Jockey,  Innch,  piknik,  rhiim,  steeple-chase, 
sport,  tiinnel,   tilbnry,    whist,  boagoion,  paquete    (vapor), 

yacht,  cutier,  bolina,  brigue,  cheque  (bilhete  pagável  ao 
portador),  cabs,  clown,  club,  coke,  dollar,  penny,  jury, 
hurra,  pickpocket,  repórter,  pudim,  quaker,  revolver, 
vagão,  Sandwich,  whiskey,  tranuvay,  lender,  water-proof, 
high-life,  meeting,  etc. 

e)  Allemão.  Aqui  nos  referimos  aos  vocábulos  impor- 
tados directamente  do  allemão  moderno  :  —  bismuto, 
cobalto,  Kirsch,  landwehr,  mangane^,  potassa,  spath, 
:{inco,  feld -marechal,  feldspath,  schopp,  obu^,  Kermesse,  - 
canivete,  landgrave^  rixdal  (reichsihalep),  thalweg  (linha 


'  Do  lat.  se>'a,  noite  ;  e  sonare  resoar. 

*  Kirohmessc.  p.  comp.  :  missa  celebrada  para  conimemorar  a  fundaçiio 
011  inauguração  de  unia  ogreja  :  regosijos  públicos  dados  pr>r  esta 
occ.iísião. 


329 


de  juncção  dos  dous  declivios  de  um  valle,  indicando  a  di- 
recção do  curso  d^agua),  thalej\  etc. 

f)  Francez. —  Desde  o  primeiro  periodo  da  formação 
da  lingua  que  apparecem  os  vocábulos  desta  origem. 
A  influencia  do  elemento  francez  tem  sido  grande  desde  o 
século  XIII,  posto  muitas  das  palavras  implantadas  já 
se  tenham  archaisado  :  —  jalne  (amarello),  escote^  vianda^ 
ialha^  aprés,  ensembra^  oeta  (fr.  ouate),  avrecures^  prevoste^ 
aproxes^    castramentaçóes^    D:{eres,   ornaraques^  dobreíes, 

marídaes D''esses  termos,   porém,  ainda  nos  ficaram 

muitos  :  —  corneta^  caporal^  furriel^  quartel -me  sire^  bar- 
bacan^  esquadrões^  quadrados  ( de  soldados  ),  meijon  meison 
(maison),  etc.  ^ 

Não  somos  avessos  aos  gallicismos,  quando  necessários,  —  como  por 
exemplo  :  patinar,  guilhoiina,  soiiiache,  cache-nezj  vis-à-vis,Jichúj 
e  esses  termos  de  mil  cousas  para  enfeites  femininos,  modas,  etc.  uns 
por  não  terem  equivalente  no  portuguez,  outros  por  já  fazerem  parte 
da  lingua  popular. 

Si  não  consideramos  gallicismos  com  S.  Luiz,  N.  de  Leão,  Tullio, 
etc.  — adiar,  adiaine7ito,  activar,  felicitações j  inabalavelj  regressar j 
rotina,  etc,  e  menos  escusados,  temos  por  muito  para  censurar  a  lepra 

dos    bouquets,  soirces,faitteiiil,  lorgnonsj  toilletfeSj  blasé, ^ 

que  não  devem  figurar  no  nosso  léxico. 

Os  neologismos  de  origem  franceza  mais  se  referem  á 
moda,  á  mesa  (iguarias),  á  ficção  litteraria,  ou  são  nomes 
próprios  ou  geographicos  indicadores  do  producto  ou  in- 
venção :  —  gris-perle^  grenai^  ruche^  capotte, ....    vol- 

au-veui,   croqueiíe^    mayonnatse^    salada  panachée^ 

amphytriâo^  harpa gon^  iariufo^  pantagruel^ . . .  'Bordeaux, 
Chambertin^  brie^  cognac^  bayoneta^  7iiedoc^  daguer- 
re-o-typo^  guilhotina. 

g  )  Africano  —  Algumas  palavras  desta  origem  foram 
introduzidas  no  portuguez  indirectamente  pelos  Árabes 
até  o  Sec.  XIV  ( papagaio,  azagaia. . .  ) ;  as  outras  vieram 


'  Ou  do  lat.  mansionem,  mansão  f 


33o 


directamente  pelo  commercio  e  trato  entre  Por tuguezes  e 
Africanos  (  bugio,  bu^io,  gímbo...  —  Sec.  XV  e  XVI  ;  Gil 
Vic.  I*,  122  etc.  ),  e  ainda  acrescentado  no  Brazil  depois 
do  XVII  (  inhame,  calundu,  giló. ..). 

Quasi  todos  os  vocábulos  desta  origem  pertencem  á  lin- 
gua  bunda,  e  aos  dialectos  do  Congo  :  bania^  bambar,  ban^é, 
(  barulho,  motim,  disputa  ),  batuque^  cacunda  {  costas  ), 
calunga^  cangerè^  catinga^  caxeringuengue  (  faca  velha  ), 
jongo^  lundú^  macaco,  malungo^  moleca  moleque  ( ou  do 
Árabe?),  marimba,  manding a {íúúco)^  mulambo^  quegila, 
samba^  cumbuca^  sentai  a  ^  sova  (  governador)^  urucungo, 
( instrumento  mus.  ),  :{anga,  ■{umbi^  ^ungú^  etc. 

Muitos  desses  vocábulos  pertencem  tão  somente  ao  lé- 
xico brasileiro  :  camondongo^  calunga^  pucuman  picu- 
mam  ( fuligem  ),  muxinga  (  açoite  ),  etc. .. 

Tanga  é  também  palavra  africana  :  mas  no  código  Theod. 
C.  V.  XIV*  tit.  IO  —  cncontra-se  a  palavra  izanga^  com  o  mesmo 
sentido.  Ter-nos-hia  o  termo  vindo  de  Africa  directamente  ou 
pelo  latim  ? 

Na  linguagem  do  Brasil  muito  frequente  é  ainda  hoje  o 
emprego  de  termos  do  elemento  africano,  que  apparece 
também,  —  ainda  que  raro — ,  nas  canções  populares: 

Você  gosta  de  mim 

Eu  de  gosto  de  você  ; 

Si  papae  consenti 

Oh  l  meu  bem, 

Eu  caso  com  você. 

Alê,  alê,  calunga 

Mussutíga,  musssnnga  ê    (  ^  ) 

b  )  Elemento  brasileiro.  —  São  muitíssimos  os  vocá- 
bulos que  da  lingua  tupy  ou  abanaenga  figuram  no  nosso 
léxico  :  —  cabiuna,  caboclo^  cacique^  capoeira  (  mato  ténue, 
ave),  cuia^  embira^  P'^g'éi  taba  (aldeia),  bore^  maracd 
( instr.  mus. ),  igara  ( canoa  feita  de  um  toro  ),  ubá  ( id. 
feita  de  cortiça  ),  tanajura^  (espécie  de  formiga),  larabaia- 


Sylvio  Romero  —  Cant,  pog.  hras. 


À 


33i 


«j,  tacape^  langapema  ( instr.  de  guerra  ),  acanguape^ 
(  cocar  de  pennas ),  onduapes  ( tanga  de  pennas  ),  metara^ 
(pedaço  de  páo,  osso,  etc.  que  introduziam  nos  lábios), 
ay  ucara  (  collar  feito  de  dentes  e  ossinhos  dos  inimigos 
mortos  por  quem  o  trazia  ao  pescoço ),  curare  (  urari  ), 
caipora  (  d'onde  caiporismo  ),  —  caa-pora^  iiabitador  do 
matto  ;  mandioca^  tapera^  etc. 

Na  ichtiologia,  ornithologia,  e  na  flora,  etc.  muito  enri- 
queceu o  elemento  brasílico  o  nosso  vocabulário  :  —  aba- 
caxi^  abacate,  taquara^  taquãrussú,\  arara^  capini^  caroba, 
cajú^gerimum^  sipó^  goiaba^  guaxima^  embira^  jaboiicaba, 
peroba^  jacarandá,  poaya^  pita^  pitanga,  sapucaia^  ta- 
pioca, . . .  juriiti^  acará,  carapicú,  corocoroca,  mandy, 
mossum, . . .  inhambú  araponga^  arara,  caboré,  sabiá  (  e 
todas  as  espécies  :  —  guacú,  guba,  piranga,  pen\  poça, 
sica,  iinga,  una),  urubu  gaturamo,  jacu  soco. . .  capivara, 
coaii,  gia  (rã),  giboya,  mico,  marimbondo,  mutuca,  paca, 
snssuran2,  surucucú,  tamanduá, . . . 

Também  crescidissimo  é  o  numero  dos  nomes  locaes 

no  Brazil — oAndarahy  (morcegos  rio),  oAraripe,  Aracaju, 

Cacapava,  '\Baependf,  Capanema,  Cabuçú,  Carioca,  Ceará, 

Catumby,   Curitiba,    Icarahy,  Itapuca,  'Pernambuco,  Ti- 

juca,  Catteie, . . . 

Como  do  elemento  árabe  e  germânico,  etc  herdamos 
nomes,  e  delles  derivamos  verbos :  —  catucar,  capinar, 
E^caiporar,  íocaiar  (íicar  na  tocaia,  i  e. ,  á  espera),. . .  ^ 

Na  poesia  popular  do  Brazil,  principalmente  do  Norte, 
apparececem  phrases  indígenas  entresachadas,  como  es- 
tribilhos ; 

Te  mandei  um  passarinho 
Patuá  mire  pupê  ; 

Pintadinho  de  amarello 
Iporanga  ne  ianê 

(S.  Rom.  lac.  cit.) 


'  O  Dr.  Macedo  Soares  publicoa  aobreesta  derivação,  no  Rev,  Brás., 
Tim  trabalho  de  merecimento. 


332 


Vamos  dar  a  despedida 
Mandu  Sarará 

Como  deu  o  passarinho 
Mandu  Sarará  * . . . 

(Id) 

O  numero  de  vocábulos  desta  origem,  que  só  figuram 
no  léxico  brasileiro,  i  e.,  que  são  desconhecidos  em 
Portugal,  é  passante  de  5ooo. 

1 1  —  Ainda,  além  desses  elementos,  com  o  jus  de 
augmental-os  pelos  processos  da  composição  e  derivação 
(Lições  17  e  18,  19*),  temo  portuguez  outros  de  não 
menor  valor  para  a  constituição   do  léxico. 

I. —  Nomes  locaes: — artesiano  (de  Artois  ),  arminho 
(  da  Armemia  ),  avellã  (  Avella,  cidade  da  Campania  ), 
baioneta  (  Bayonna,  cidade  da  França  ),  berlinda  ( Berlim  ), 
bohemio  (Bohemia),  ^ne  (  França  ),  casimira,  cambraia, 
cachemira,  campeche,  chambertin  (França,  vinho  tinto), 
chajupagne,  chester^  curaçao  (  licor  das  Antilhas  ), 
falerno  (  Itália  ),  Gallileo  (  J^sus,  antiga  provincia  da 
Palestina  ),  gaivota  (  Gavot,  cidade  da  França),  gruyere, 
itálico  ( typo  de  imprensa  ),  laconismo  (  Laconia),  landau 
(  Baviera  rhenana  ),  madapolão  (  cidade  do  Indostão  ), 
havana,  musselina  (  Mussul,  cidade  da  Mesopotâmia  ), 
nankin  (  cidade  de  China  ),  Nazareno  {  de  Nazareih )  pa- 
raty  (  aguardente  de  Paraty ),  'Persianna{  Pérsia  ),  faisâo 
(  Phasis),  Torto^  Siirnhy  (farinha  de  S.  ),  sauterne, 
sevres,  xere:{,  cordovão  (Córdova  ),  marroqiàm  (Marrocos), 
pistola  ( Pist03'a  ) 

2 .  — Nomes  próprios  de  individuos:  oAristarco  juiz  severo, 
biicephalo  (  cavallo  de  Alexandre  :  hojecavallo  de  batalha  j, 
Cíi/e/jmo  ( lexicographo  italiano — hoje  collecção de  notas), 
catilinarias  (  de  Catelina),  elzevir  ( impressores  do  Leyde  ), 
el^everiano^  etc . ,  Galvanismo  galvanoplasta  ( de  Galvani, 


*  Zatm— la tinisar,  alatinado,  latininismo,  lalino-mauia,  etc. 


333 


physico  e  medico  de  Bolonha,  século  XMII )  la^aro^  laza- 
rento lazareto  la:{arísla  (  Lazaro,  da  parábola  evangélica ), 
mecenas  protetor  das  lettras,  de  Mecenas  favorito  de  Au- 
gusto, macadam  (  do  engenheiro  Mac-Adam  ),  nicotina  (  de 
Nicot,  embaixador  de  França  em  Portugal,  conhecido 
sobretudo  por  ter  importado  o  tabaco  em  França  1492- 
1577),   etc... 

3. —  Transferencia  —  Egi^eja  romana^  cúria  Romana, 
pedante  iy.  também —  semeiologia^Xicõ.06^)  alarve^  ma- 
landrino . 

4. —  Ficção  litterarta  : —  um  matamouros  (com.  hesp.) 
um  harpagão  (muito  avarento  —  com.  de  Molière),  um 
dom  Quixote  (blasonador  de  bravo,  etc.  —  romance  de 
Cevantes),  Tartufo^"Toltchinello^  Rocinanle. 

5. —  Mythologia,  CRENÇAS  E  CRENDICES: —  avgouauto 
(de  argos)^  QArgus\{olhos  de  o/lrgos^  muito  penetrantes). 
Medusa  (cabeça  de  Medusa  — )  ;  hermes  hermético  her- 
meticamente (de  Hermes,  nome  grego  de  Mercúrio,  e 
Hermes  Trismegista)  ;  chimera  chimerico,  pânico  (de  Pan), 
hercúleo  (de  Hercules),  vutcanico  vulcanite^  etc.  (Vulcano) 
lamures.  caipora^  jovial  (Jove,  porque  Júpiter  era  a  planeta 
mais  feliz),  5J?/?/rwmo  (triste,  grave,  refolhado — porque  o 
planeta  Saturno  inspirava  gravidade,  etc),  lunático^  marcial 
(de  Marte) . . . 

6. —  Erro  etymologico  : —  Índio  {o  habitante  do  Bra- 
zil). 

7. —  Analogia  : —     bom  humor ^  máo  humor ^tic. 

8. —  Títulos,  CARGOS, OFFicios: — maire^  landlord^  land- 
grave^  delegado,  presidente. . . 

9. —  Os  costumes,  a  caça,  a  pesca,  os  vicios  e  as  artes, 
a  guerra  e  a  politica,  os  jogos  e  a  agricultura,  as  machinas 
e  instrumentos,  as  peças  delles  componentes  (  gata.,  porca., 
cachorro.,  cavalete.,  mosquete.,  etc.)  ;  as  metaphoras  (emolu- 
meníum.,  o  que  se  pagava  a  moleiro  pela  moenda,  depois 
proveito,  ganho  ;  salarium.,  quantidade  de  sal|que  se  dava 


334 


como  pagamento,  hoje  estipendio  ou  aluguel  do  traba- 
lhador —  (V.  Lição  —  6^  e  21®) ;  o  condestaifel  era  o  chefe 
das  estribarias ;  o  marechal^  o  guarda  dos  cavallos  ;  o  vassalo 
transforma-se  no  vassalete^  que  se  degrada  no  valete  \  o  hu- 
milde ;mm5/èr  (criado)  torna -se  ministro  do  Estado. 

«  As  phases  percorridas  pela  lingua  em  suas  modificações 
são  como  o  reflexo  exacto  das  revoluções  politicas  e  mo- 
raes  »  porque  passara  o  espirito  publico  na  provinda  his- 
pânica, em  Portugal  e  no  Brazil. 

Ainda  temos  mais  as  viagens  e  o  commercio  : —  tatua- 
gem^ Simun  etc. 

Resta  fallar  do  elemento  grego. 

Na  formação  do  portuguez  vulgar  foi  este  elemento 
etymologico  em  extremo  insignificante. 

Só  no  sec.  XIV  é  que  elle  começa  a  entrar  na  lingua, 
mas  por  intermédio  do  latim,  que  já  posssuia  certo  numero 
de  palavras  gregas  (bjrsa^  buticula,  cara,  colla, ...  —  bolsa, 

botelha,  cara,  colla, episcopus,  apostolus,  diaconus, 

parábola,  ecclesia. . . .) 

Temos  alguns  nomes  dessa  derivação  que  hoje  fazem 
parte  de  lingua  popular: — democracia,  monarchta,  eco^ 
nomia,  agonia,  harmonia,  anarchia,  melodia,  gymnastica, 
poema,  politica,  sophisma,  tyrannia,  déspota. . . 

Nos  séculos  XV  e  XVI  a  corrente  erudita  deu  entrada  a 
mais  algumas  palavras  cujo  numero  recresceu  desde  o 
XVIII,  especialmente  na  terminologia  scientifica.  Hoje,  na 
medicina  e  nas  sciencias  naturaes,  triumpha  a  nomencla- 
tura grega,  principalmente  por  sua  força  formadora  pelos 
processos  da  derivação  e  composição  (  Lições  17®  e  18®.) 

Dos  vocábulos  de  creação  moderna,  muitos  também  já 
pertencem  á  linguagem  popular  : —  telegrapho,  telephone, 
typographia,  polftheama,  cosmorana,  necrotério,  gaio- 
metro,  polytechnica,  gramma  (  peso ),  metro  ( medida  de 
extensão ) . . . 

São  hoje  em  não  pequeno  numero  os  suffixos  e  prefixos 


335 


gregos  (partículas  e  termos),  que  entram  na  formação  de 
palavras  portuguezas ;  mais  de  8o  raízes  verbaes  gregas 
contém  o  nosso  léxico  ;  mais  de  3.ooo  vocábulos  possuí- 
mos actualmente  derivados  desse  elemento  histórico,  graças 
ao  direito  de  accrescimo  que  nos  facultam  os  processos  de 
novas  formações.  Assim,  p.  ex.,  kosmos  deu-nos —  cós- 
mico, cosmogonia,  cosmogonico,  cosmographia,  cosmo- 
logia, cosmopolita,  cosmorama,  microcosmo  ;  metro,  — 
metro,  decametro,  decimetro,  millimetro,  metrologia,  me- 
trologo,  metronomo,  pirimetro,  isoperimetro,  diâmetro, 
symetria,  S3^metríco,  semetrisar,  symetricamente,  asyme- 
trico,  acrometro,  gazometro,  chronometro,  hydrometro, 
pentametro,  fpluvíometro,  thermometro,  barómetro,  geo- 
metria, trigonometria,  hexametro,  etc . ;  auto  — autobrígra- 
phia,  autobiographo,  autobiographico,  autochthone,  au- 
tocracia, autocrata,  autocrático,  autographo  ( —  iar,  —  ia, 

—  ico),   autómato,  automático,    automotor,    automotriz, 
autonomia,  autónomo,  autoplastia  (t.  de  cirurgia),  autopsia, 

—  ar,  etc. , . . 

i3. —  Em  remate  —  O  portuguez  recebeu  do  latim  a 
tradição  oral  de  expressões,  idéas  e  imagens ;  transmittiu-a 
ás  gerações  seguintes  pela  força  conservadora,  mas  modi- 
ficada, e  dilatada  neologicamente,  pela  força  revolucio- 
naria . 

E  cumpre  não  esquecer  a  acção  ps3xhologica,  cujo  pro- 
cesso muito  tem  avolumado  o  nosso  léxico,  e  consiste  na 
transferenciado  sentido  do  vocábulo  (V.  Lição  6^). 

As  línguas  não  se  fixam  :  «  são  rios  que  tendem  sempre 
a  augmentar  em  caudaes  á  proporção  que  mais  se  alongam 
da  matriz.  » 


VIGÉSIMA  TERCEIRA  LIÇÃO 

Caracter  differencial  entre  os  vocábulos  de 
origem  popular  e  os  de  formação  erudita. 
Duplas,  formas  divergente. 

i.o  —  o  nosso  vocabulário  comp5e-se  de  três  cama- 
das de  palavras  —  popular,  estrangeira  e  erudita  (Lie.  22). 

São,  por  assim  dizer,  distinctas,  a  linguagem  vulgar  e 
a  erudita ;  mas  a  instrucção,  que  cada  vez  mais  se  vae 
entranhando  na  classe  popular,  e  a  imprensa  (que  é  a 
lingua  escripta),  muito  concorrem  para  que  se  vá  apa- 
gando pouco  e  pouco  a  linha  que  as  estrema.  Já  vimos 
que  muitos  vocábulos  de  formação  erudita  figuram  hoje 
no  léxico  popular  {varíola^  applacar^  pústula,  blasphemar^ 
arcJianjo^  telegramma^  atheo,  geographia^ •'••)'■>  certas 
partículas  formativas,  latinas  e  gregas,  são  hoje  vulgar 
(ex  —  ex- chefe,   ario  —  partidário, . . . . ) 

O  que  acontece  muitas  vezes  na  linguagem  popular  é 
o  vocábulo  mudar  de  sentido  (Lie.  6^)  ou  soíírer  alguma 
modificação  —  alarve^  patife^  murcido  (cp.  murcho),.... 
"Beeito  bieito  bento  ^enedicto. 

2.°  —  A's  vezes  da  mesma  palavra  latina  derivam 
duas  ou  mais  portuguezas,  umas  de  fundo  classieo  e 
outras  de  fundo   popular,    (pag.       ) 

LAT.  FORM.    rOP.  FORM.    ERUD. 

Niíidiivt  nédio  nitido 

cuviulus  combro  cumulo 

colliçcrc  colher  colligir 

*  °  43 


338 


LAT. 

FORM.    POP. 

FORM.    ERUD 

captare 
plejiíis 

catar 
cheio 

captar 
pleno 

impregnare 
coghatus 
especuhini 
stagnare 

imprenhar 
cunhado 
espelho 
estancar 

impregnar 
cognato 
especulo 
estagnar 

3 .  °  —  Os  vocábulos  populares  (infiltrados  pelo  ouvido) 
são  mais  contrahidos  porque  moldaram-se  nas  formas 
populares  latinas,  ]á  regularmente  contrahidas  (frigdo 
p.  frigidus^  anglo  p.  angulus^  caldo  p.  calidus^  poplo 
p.  popiiliís,  templo  p.  tempiilnm^. . .  .)  \  e  a  sua  for- 
mação foi  sempre  presidida  pelas  três  leis  geraes  e  fe- 
cundas a  que  nos  referimos  na  lição  antecedente  {mascar 
=  mast  (i)  care,  obrar t:=op  (e)  rare  ;  mãe  =  ma.  (t) 
er,  arêa  =  are,  (n)  a,   doar  =  do  (t)   are,....) 

Os  vocábulos  de  origem  erudita,  vasando-se  directa- 
mente no  typo  escripto  latino,  retomam  a  vogal  atona 
e  a  consoante  media  (mastigar^  operar,  arena,  dotar. . . .) 

4. —  A  essas  palavras,  de  origem  commum  e  muitas 
vezes  de  sentido  diverso,  deram  os  philologos  os  nomes 
de  FORMAS  DIVERGENTES  OU  DUPLAS.  Esta  denomiuação  é  mal 
cabida  porque  se  as  derivações  são  geralmente  duplas, 
também  as  temos  triplas  e  quadrupnlas,  etc . :  cavilha  cha- 
velha cravelha  clavícula^  mancha  malha  magoa  macula; 
ben:{ido  bento  beneito  (Canc.  Vat.)  Beento  (Sec.  XIV)  Bieito 
Fie/Vo  (Canc.  Vat.)  Benedicto;  cabedal  cabedel{Act.  dos 
Apost.  Sec.  XV)  coudel  caudal  capital .. . 

5. —  São  varias  as  causas  das  formas  divergentes. 

I  .*  A  degeneração  phonetica,  a  que  nos  referimos  acima 
e  que  ás  vezes  por  tal  forma  modifica  o  vocábulo  que  de 
todo  perdemos  o  seu  sentido  etymologico.  Foi  o  que  p.  ex. 
succedeu  com  o  verbo  ben^er^  que  fez-nos  ir  buscar  a  outra 
forma  á  lingua  originaria  —  benidi^er  (  =  benedicere )  para 
exprimir  acção  opposta  a  maldizer ;  artelho  e  artigo ;  área 
e  arena f  bodega  e  botica,  ladino  e  latino, etc. . 


339 


2.*  A  adopção  de  uma  palavra  de  língua  estrangeira, 
mas  da  mesma  origem  que  outra  já  existente  no  portuguez 
e  de  derivação  directa. 


LATIM 

F.    PORT. 

F.    ESTR. 

Crespus 

Crespo 

Crepe   (fr) 

Domina 

Dona 

Dama  (id) 

Hospitalem 

Hospital 

Hotel  (id.) 

Alacrem 

Alegre 

AUegro  (it) 

Opera 

Obra.    id. 

Opera  (it) 

Planus 

Chão  plano 

Lhano   (htsp) 

Caballarium 

Cavalleiro 

Cavalheiro  (fr) 

Duos 

Dous 

Duo  (it) 

3 .  ^ —  A  variação    dialectal,     que  deriva   uma    forma 
popular  de   outra   já  existente  no  portuguez : 


LAT. 


PORT. 


Basium 

Beijo  beiço 

Platus 

Chato  prato 

Dominus 

Dono  dom 

Santus 

Santo  são 

Plaga 

Chaga  praça 

Medulla 

Moella  mioUo 

Patrem 

Padre  pae 

4*  —  Renovação  erudita,    principalmente  do  sec.  XV 
em  diante. 


F.  POP. 

F.  ERUD. 

Lat. 

adro 

átrio  (S.  XVI) 

atrium 

alvitre 

arbitrio  (XV) 

arbitrium 

amêndoa 

amygdala  (XIX) 

amydala 

bramar 

blasphemar  (XIV) 

blasphemare 

confiança 

confidencia 

confidentia 

delgado 

delicado 

delicatus 

estreito 

estricto 

strictus 

cobrar 

coperar 

coaperare 

inteiro 

integro 

integrus 

A's  vezes  o  mesmo  typo  latino  dá  duas  e  mais  formas 
populares  :  —  coroa  coronha  (  =  corona  ),  chumbo  plumo 
prumo  (  plumbus  ),  mancha  magoa  malha  ( macnla).. . 

5*  —  A  deslocação  do  accento  da  palavra  popular  e  o 
imparisyllabismo  da   derivação   latina:  —  polpa    polvpo^ 


340 


praça  platéa  (  =  plátea),. . .  drago  dragão  (  =  draco  dra- 
conem),  serpe  (  nom. )  serpente  (acc.)  virgo  inrgem  (  acc.  ), 
erro  (nom . )  error  ( accus . ) . . . 

6.* — A  mudança  de  género: — tormento  tormenta^ 
gigo  giga,  barco  barca^  cinto  cinta 

6. —  O  processo  da  derivação  divergente  data  das  pri- 
meiras phases  da  lingua,  e  muitas  formas  são  hoje  archai- 
cas  : —  sages  sábio  sapiente,  esmar  estimar  (  suspeitar 
avaliar  )  tredo  trahidor,  fio  ^do,  enseja  insidia,  cajom  cajão 
occasião,  etc.  denostos  deostos  áoQstos,  emprir  encher  =  1. 
implere,  etc 

7.  — A  onomástica  também  apresenta  grande  numero 
de  duplas  : 

Fagundo  de  facundo 

Dulce  doce 

Angelo  anjo 

Bcnedicto  Bento 

8.''^ —  Em  algumas  palavras  derivadas  transparece 
ainda  o  processo  de  derivação  divergente  : 

íímeigar  mitigar 

rt^^vastar  gastar 

í/í?plorar  chorar 

9.=  Temos  ainda  formas  sub -duplas  ou  rcdiver gentes, 
de  derivação  secundaria  : —  Sanchico  de  Sancho,  Paulino 
de  Taulo 

A  esta  categoria  pertencem  as  formas  divergentes  de 
nomes  gentílicos  : —  T^eirão  Tíeirense^  Sergipano  Sergi" 
pense  Lisboeta  Lisbonense,  T^raguei  Bracarense, ....  Bra^ 
fileira  Bra^iliense^  oAnglo  Ingle^^ 

10, —  o  Intim  já  conhecia  essas   bifurcações    vocabulares  : —  //;//- 

pidiis  liqniãtis,  bcllmn  dtie/hniij  coluvniba  falinnba,  fel  bi lis ,  que 

no  portuguez  constituem  formas  divergentes  indirectas  *).  O  Grego 
também  apresenta  certo  numcio  de  duplas  : —  Kr  adia  Kardia  (  co- 
ração ),  Kirneini  Kerammmi  (  misturar  )  etc.  * 


»)  Bréal  et  Railly  —dict.  Etym.  ixt. 
*)  Buflry  —  Grani'  coivp. 


34 1 


II.—  Em  seguida,  damos  uma  lista  abreviada  de  al- 
gumas formas  divergentes,  advertindo,  porém,  que  muitís- 
simas vezes  a  derivação  é  apparente  ;  houve  apenas  concur- 
rencia  entre  palavras  latines  populares  e  eruditas: — 'Dobrar 
^^ \.  hd.rh.  duplare -^   duplicar  =\.  class.    diiplicare. 

Tropa  é  do  lat.  barb.  irupiis^  trupa  (=  rebanho  \  Si 
enim  in  tróppo  úq  jumeniis^  etc,  Lex  oAlamannorum  ),  e 
não  é  forma  divergente  de  turba. 

Coda  =  {^t.  pop.  codã^  cauda  =\.  class.  cauda  \  Siso 
deriva  de  seso.,  e  consequentemente  não  é  dupla  de  senso= 
1 .  S2HSUS  ;  pardo  =  1 .  pop .  pardiis  ( da  cor  de  panthera  — 
pard  ),  pallidus=  1.  class.  pallidus  ),....;  prisão  não  é 
forma  divergente,  como  se  tem  escripto,  depreJiensão.,  mas 
deriva  át presionem  ;. . .  A's  vezes  uma  das  palavras  tira 
origem  no  latim  e  a  outra  deriva  de  vocábulo  já  portuguez : 
—  colheita  vem  de  colher  (  colligido,  escolheito  ),  collecta  de 
collectar  \  bispado  de  bispo,  episcopado  do  lat .  episcopatus  ; 
coser.,  do  lat.  cosere,  cosiuhar  de  cosinha  (lat.    coquina ; 

1.    pop.   coquinare  ?  ), ;  ou   ainda  uma  palavra  é  de 

origem  popular  a  outra  de  origem  estrangeira. 


F.   fort.    pap. 


Derivação  erudita 


/•".  class. 


Lat, 


acro 

átrio 

Atrium 

avrego  abrego  afrcgo 

africo 

africus 

alegria 

alacridade 

alacritatem 

Agosto 

Augusto 

angustus 

ajndorio 

adjutorio 

adjutorium 

acenar 

assigr.ar 

assignare 

arêa 

arena 

arena 

alhear 

allienar 

allienare 

allumiar 

illuminar 

illuminare 

alvedrio  alvitre  * 

arbítrio 

arbitrium 

austinado 

obstinado 

obstinatns 

amêndoa 

amygdala 

amygdala 

apagar 

aplacar 

aplacara 

*  Eibitrio,  eibitrario,  eibitrar,  Sec.  XV. 


342 


F.  port.  pop' 

F,  class. 

Lat. 

anjeo  anjo 

Angelo 

angelus 

aprender 

aprehender 

aprehendere 

artigo 

artelho 

articulus 

aspeito 

aspecto 

aspectus 

assemelhar 

assimilar 

assim  ilare 

asmo 

ázimo 

azimus 

assobio 

silvo  sibillo 

sibilum 

assoprar 

insuflar 

iusuflare 

avesso 

adverso 

adversus 

bainha 

vagina 

vagina 

bodega 

botica  ( inf .  franc. 

? )  apotheca 

bolla  bolha 

bulia 

bulia 

bento  (  beeito   etc. 

)            Benedlcto 

benedictus 

bolbo 

bulbo 

bulbus 

bostella 

pustuUa 

pústulla 

cabido 

capitulo 

capitulus 

cadafalso 

catafalco 

catafalcus 

cadeira 

cathedra 

cathedra 

caldo 

callido 

callidus 

cousa 

causa 

causa 

carrear 

carregar 

carricare 

cabedal 

capital 

capital 

cantiga 

cântico 

oanticus 

caramunha 

querimonia 

querimonia 

chamar  (jamar  Sec, 

•  XlV)  clamar 

clamara 

chão 

plano 

planus 

chantar  (  arch . ') 

plantar 

plantara 

chanto  (  arch.) 

pranto 

planctus 

ehave 

clave 

clavis 

eheio 

pleno 

plenus 

chico  (  arch.) 

exíguo 

exiguus 

chumbo 

prumo  plumo 

plumbus 

cem 

cento 

centum 

chamma 

flamma 

flamma 

chocarre.ro 

jograleiro 

jocularius 

chaga 

praga 

plaga 

conchavo 

conclave 

conclave   2 

cobrar 

cooperar 

cooperare 

côdea 

crosta 

coima 

calumnia 

calumnia 

catar  caçar 

captar 

captiare,   captara  3 

colher 

colligir 

colligira 

colgar 

coUocar 

coUocare 

coalhar 

coagular 

coagulara 

*  D'oQde  canteiro,  logar  onde  se  planta. 

*  Cum  clxvis  =  com  chave . 

'  Geralmente  dão  como  dupla  capturar  de  eaptMrarc—  Capture  feras, 
(Prop.) 


i 


343 


F.  port'  fap. 

F,  class. 

Lat. 

cômoro 

cumulo 

cumulus 

contar 

computar 

computare 

cunhado 

cognato 

cognatus 

comprar 

comparar 

comparare 

creto  (ant.) 

credito 

creditns 

chavelha  cravelha  cavilha  clavícula 

clavícula 

crasta 

claustro 

claustrum 

cuidar 

cogitar 

cogitare 

chapa 

capa 

capa 

desenho 

desígnio 

designium 

delgado 

delicado 

delicatus 

dedo 

digito 

digitus 

doar 

dotar 

dotare 

doação 

dotação 

dotationem 

direito 

direito 

directus 

deão 

decano 

decanus 

divida 

debito 

debitus 

descer 

descender 

deseendere 

dizima 

decima 

decima 

dobro 

duplo 

duplus  duplum 

dormidouro 

dormitório 

dormitorius  1 

eira 

área 

área 

emprenhar 

impregnar 

impregnare 

ensosso 

insulso 

insulsus 

enxabido 

insípido 

insipidus 

esburgar 

expurgar 

expurgare 

escada 

escala 

scala 

escutar 

auscultar 

auscultare 

escuro 

obscuro 

obscuras 

esgaravatar 

escarificar 

scarificare 

espádua 

espátula 

spatula 

estancar 

estagnar 

stagnare 

extorcer 

extorquir 

extorquire  2 

esvigar  (arch.) 

edificar 

editicare 

estreito 

escricto 

strictus 

espelho 

especulo 

speculum 

errada 

errata 

errata 

estiar 

estivar 

stivare 

eiguer 

erigir 

erigere 

febra 

fibra 

fibra 

feira 

feria 

feria 

feitura 

factura 

factura 

fino,  finto  findo  (Sec. 

XVl)  finito 

finitus 

frio 

frigidc 

frigidus 

fiúza 

fiducia 

fidutiae 

froco 

floco 

flocus 

*  V .  suffixos  —  ouro  e  orio . 

*  Torcer  —  1.  torquere. 


344 


F.  poxt.  pap. 

F.  c/ss. 

Lat, 

funil. 

fundibulo 

fundibulum 

frente . 

irontc 

frontem 

gotto . 

guttur 

guttur 

gola 

gula 

gula 

geral 

general 

general 

hombro 

humero 

humerus 

herdeiro 

hereditário 

heredtarius 

herege 

herético 

hereticus 

inereo  (arch) 

incrédulo 

incrcdulus  ' 

ilha 

insua 

insula 

inxabido 

insípido 

insapidus 

inteiro 

integro 

integrus 

ladino 

latino 

latinus 

ladainha 

litania 

litania 

lande 

glande 

glandem 

lavrar  lobotar 

laborar 

lavorarc 

livrar 

liberar 

liberarc 

lembrar  ^ 

memorar 

mcmorarc 

leal 

legal 

legalem 

ligeiro 

aligero 

aligeri 

liar 

ligar 

ligare 

limpo  (lindo) 

limpido 

limpidus 

logro 

lucro 

lucrum 

moimento 

monumento 

raonumentum 

meolo 

meduUa 

mcdulla 

mister 

ministério 

ministerium 

molde 

modulo 

modulus 

mosteiro  * 

monastcrio 

monasterium 

murcho 

murcido 

murcidus 

marear 

marcar 

morcare 

marchante 

mercante 

mercantem 

mascar 

mastigar 

masticare 

macho 

másculo 

masculus 

mancha  malha 

magoa  (mazela) 

macula 

macula 

névoa 

nebula 

nebula 

nédio 

nitido 

nitidus 

nalga 

nádega 

obrar 

operar 

operare 

olho 

óculo 

oculus 

olvidar 

obliternr 

obliterara 

orago 

oráculo 

oraculum 

orelha 

aurícula 

aurícula 

órgão 

organo 

organum 

partilha 

partícula 

partícula 

polme 

polpa 

'  Appareceu  pe' 

la  1=^  vez  nas  Trov.  e  Car, 

lí  —  ant  ncnyhrar. 

I 


345 


F.  port.  pap 

F.  class. 

Lat. 

polvo 

polypo 

polypus  (do  grego) 

praça 

platea 

plátea 

papel 

papyro 

papyrus 

pego 

pélago 

pelagus 

palavra  * 

parábola 

parábola 

pende  (arcb) 

penitente 

penitemtem 

pellicata 

pellicula 

pellicula 

peso 

penso 

pensum 

pesar 

pensar 

pensare 

povoação  * 

população 

populationem 

praia 

plaga 

plaga 

primeiro 

primário 

primarius 

puchar 

pulsar 

pulsara 

podre 

pútrido 

putridus 

precedência 

presidência 

presidentia 

pousar 

pausar 

pausare 

prêa  prcda 

presa 

presa 

queimar 

cremar 

cremara 

quedo 

quieto 

quietus 

redondo  ("ant.  rodondo) 

rotundo 

rotundus 

ração 

razão 

rationem 

regrar 

regular 

regulara 

rezar 

recitar 

recitara 

rotura 

ruptura 

ruptura 

recobrar 

le cu  per ar 

recuperara 

raiar 

radiar 

radiare 

rijo 

rigido 

rigitus 

remissa 

remessa 

remissa 

ruido 

rugido 

rugidus 

Ralhar 

rabular 

rabulara 

sanha 

insânia 

insânia 

sangrento 

sanguinolento 

sanguinolentus 

sarar 

sanar 

sanara 

soldar 

solidar 

solidara 

suor 

sudor 

sudor 

Solteiro 

solitário 

solitarius 

senha 

signo 

signus 

sello 

sigillo 

sigillus 

selva 

silva 

silva 

segredo 

secreto 

secretus 

semblante 

simulante 

simulantem 

silha  (cilha) 

cingulo 

somma 

summa 

summa 

somno 

sonho 

somnium 

semblar 

simular 

simulare 

sustancia 

substancia 

substantia 

'   F.  int.   jwraôoa  jjara f o» jparatra,  e te. 
*  F.  int.  j5o6/açom,  etc. 


44 


346 


F.  port.  pop. 

F,  class. 

Lát. 

sobrar 

superar 

superara 

serra 

cerro 

serra 

tousar  (ant.) 

taxar 

taxare 

tudo 

todo 

totus 

transe 

transito 

transitus 

teia 

tela 

tela 

taboa 

tabola 

tabola 

terno 

tenro 

tenrus 

tredor  tredo 

traidor 

traditorem 

vincilho  (vincelho) 

vinculo 

vinculum 

viagem 

viatico 

viaticum 

vigia 

vigília 

vigilia 

vodo  (ant.) 

voto 

votum 

Derivação  popular 


Alvedrio 

alvitre 

leixar    ( 1 

e  issar 

Sec.  XIV)  deixar 

Beijo 

beiço 

=  laxare 

cinto 

cinta 

oyr  (C.  D. 

Din) 

ouvir 

creia 

querela 

lomear 

nomear 

coresma 

quaresma 

madre 

mãe 

diato 

diacho 

padre 

pae 

dono 

dom 

polir 

poir 

gaiola 

charola 

palomba 

pomba 

germano 

germaho,  mano 

chantar 

plantar 

irmão 

palácio 

paço 

loar  (D.  Din.) 

louvar 

medicina 

meizinha 

maldicta 

maleita 

roxo 
santo 

russo 
são 

ELEMENTO     ESTRANGEIRO 


Além  dos  citados  (pg.  SSq,  2°) 


esquadro (ixquadro) 

bannido 

fabrica 

bodega 

cantada 

soberano 

dous 

jurado  (1.  Juratum) 

mestre  {magister) 

plano  chão 

tosto  (1.  fosium) 


square  (ing.) 
bandido  (it.) 
forja  (fr.) 
botica  (id.  ?) 
cantata  (it.) 
soprano  (id.) 
duo  (it.) 
jury  (ing.) 
maestro  (it.) 
piano   (it.) 
toast  (ing.) 


347 


12. —  As  formas  eruditas,  é  o  que  resulta  do  confronto, 
raro  supprimem  as  vogaes  atonas  —  liberar  (p.  livrar  = 
lat.  liberare)^  hereditário  (p.  herdeiro  =  ]a.t .  heredita^ 
riiim),  etc . ;  conservam  a  consoante  media,  que  cahe  na 
forma  popular  —  dotar  (p.  doar  =  \,  dotare),  legal  (p. 
leal  =  \.  legalem)  ;  desloca  ás  vezes  o  accento  tónico  latino 
conservado  sempre  no  vocábulo  popular  :  platéa,  renego, 
invólucro,  decano,  pol/po. 

i3.  —  Perderam-se  muitas  formas  divergentes  pelo  ar- 
chaisamento  —  cossario  corsário  (Sec.  XVIII),  giolho  geolho 
joelho,  arcepelago  archipelago,  etc . 

Temos  formas  divergentes  do  árabe  —  \ero  cifra  (zifr) ; 
das  linguas  germânicas  :  —  bando  banho,  baluarte  boulepard 
(este ultimo  por  influencia  franceza),  etc. 


VIGÉSIMA  QUARTA  LIÇÃO 

Da  creação  de  palavras  novas. —  Hybridismos 


Advertência. —  Esta  lição  é  por  assim  dizer  ;_ um 
relancear  de  olhos  pelas  lições  6*  (i6  seq.),  17,  18,  19,  22 
e  45. 

1 .  —  As  linguas  estão  em  perpetua  evolução  :  equili  - 
bram-se  nas  duas  forças  oppostas,  —  uma  conservadora  e 
outra  revolucionaria.  Constituem  a  1^,  a .  civilisação,  o 
respeito  á  tradição,  o  desenvolvimento  litterario ;  a  2*  tem 
por  fundamento  as  alterações  pJioneticas  e  analógicas.^  o 
neologismo.  ^ 

2. —  Não  bastava  ao  portuguez  as  expressões,  idéas  e 
imagens  recebidas  do  latim  pela  tradição  oral;  outras 
idéas  agitaram-se  no  espirito  popular,  e  força  foi  augmentar 
o  vocabulário.  O  léxico  está  sempre  em  mobilidade:  ora 
registra  palavras  novas,  or*  apresenta-as  sob  novos  as- 
pectos. (L.  19.*) 

3 .  —  Muitos  são  os  factores  neologicos,  os  centros  for- 
madores de  palavras  :  a  politica,  a  moda,  o  quartel,  as 
as  officinas,  a  lavoura, . . .  tudo  concorre  para  opulentar 
o  vocabulário  e  renoval-o.  «  São  tantos  os  centros  de 
neologismos  quantos  os  grupos  naturaes  de  pessoas  e  de 
occupações.  » 


•  Darmst.  La,  vie  des  mots. 


35o 


4. —  Dessa  actividade  incessante  da  linguagem  dá  prova 
a  formação  erudita^  que  crêa  um  léxico  novo  e  artificia  1 
(de  origem  latina  e  grega)  no  próprio  seio  do  léxico  na- 
tural ;  e  a  creação  popular  que  importa  termos  novos  das 
linguas  vivas,  ou  forma-os  com  elementos  da  lingua  pelos 
processos  que  lhe  são  peculiares.  Chamar  p.  ex.,  foi 
substituído  na  linguagem  clássica  por  plantar,  do  lat. 
plantare ;  phonographo  é  de  composição  grega  ; . . .  jockey 
foi  importado  da  lingua  ingleza ;  Jlorsmha,  rabiscador^  são 
creaçÕes  populares  vernáculas. 

5 . —  São  três,  pois,  as  fontes  das  palavras  novas.  1"  as 
linguas  estrangeiras  ;  2°  os  processos  da  derivação  e  da 
composição;  3°  os  neologismos  de  significações. 

6. —  Crear  uma  palavra  é  fazel-a  expressão  habitual 
deumaidéa.  «  k^çdXdiNXQ.  desenvolvesse  quando  o  espirito 
prende  a  ella  um  grupo  mais  ou  menos  extenso  de  imagens 
ou  de  idéas . » 

A  creação  de  palavras  novas  funda-se  na  analogia  e  na 
emphase .  Um  producto  novo  terá  denominação  formada 
de  um  thema  ou  termos  indicadores  da  matéria  de  que  é 
elle  feito  (  cafeina.,  cajurubeba  )  \  do  nome  do  logar  do  pro- 
ducto (  paratf,  aguardente  feito  em  Paraty  ;  Siirnhy.,  fa- 
rinha feita  em  Suruhy,  etc.) ;  o  nome  do  fabricante  ou  in- 
troductor  do  producto,  do  inventor,  etc.  ( V. —  Lição  22^  ). 
—  As  crenças,  crendices  e  superstições  ou  os  costumes 
também  abrem  largo  espaço  ás  novas  formações  de  pa- 
lavras. Caipora^  tupy  caa-pora.,  pequeno  caboclo,  que, 
segundo  a  supersttçao,  vive  nas  florestas  do  sertão 
( caa )  malfazendo  ás  vezes,  prineipalmente  aos  que 
lhe  negam  tabaco,  deu-nos  caipora  ( individuo  infeliz 
nas  emprezas,  commettimentos,  etc),  caiporismo  en- 
caiporar  encaiporisar  \  feitiço  feiticera  feiticeiro  enfei- 
tiçar., etc 

A  creação  de  palavras  novas  marca  ás  vezes  uma  nova 
época  ou  desenvolvimento    histórico.   Assim,  a    palavra 


35i 


christão^  diz  Renan,  marca  a  data  precisa  em  que  a  Egreja 
de  Jesus  separa-se  do  judaismo. 

7. —  O  deierminanie  nem  sempre  exerce  a  suafuncçao 
especial  porque  condição  necessária  para  a  formação  de 
substantivos,  «  é  o  esquecimento  da  significação  etymo- 
logica .  y>  Qnaderno^  grupo  de  quatro  ;  luneta,  pequena  lua  5 
soldado,  homem  que  recebe  soldo,  etc.  não  indicam  ety- 
mologicamente  ao  espirito  as  idéas  em  nosso  parecer 
essenciaes  —  de  folhas  de  papel,  instrumento  visual,  mi- 
litar ou  homem  de  guerra,  etc.  * 

8. —  Na  linguagem  popular  são  curiosas  as  creaçÕes. 
Eftcordoar  é  enfiar  por  chufas  e  motejos ;  desfructavel  é  o 
individuo  que  se  dá  ao  ridiculo  :  debicar  é  chufar;  mofar ; 
massada — aborrecimento,  importunação,  etc. 

A  semeiotica  é  uma  das  fontes  para  a  formação,  não  de 
vocábulos  novos,  mas  de  novas  significações  : —  Chrtsto 
é  o  Salvador^  o  Redemptor^  o  Na:{areno .  ^  Mas  a  acção  do 
espirito  popular,  ao  passo  que  modifica  o  sentido  das  pa- 
lavras, forma  outras  derivadas,  já  subordinadas  á  nova  si- 
gnifação .  Imbecil  (  falto  de  forças  )  veiu  a  significar  néscio^ 
e  dahi  os  derivados  tmbeciltía?'  (  tornar  estúpido  )  imbecili^ 
dade  ( toleima,  necedade  ),  etc. 

9. —  Colónia,  magistrado^  triumpho,  fastos^  facção^ 
aristocracia^  democracia,  demagogo^  déspota^  insur- 
reição^ monarchia^  seducçâo^  etc...  são  do  Sec.  XIV; 
companheiro  {  p.  companha  companhom)^  legiiimo  (p. 
lidimo  ),  ira  (  p.  sanha  ),  expansão^  ponderação^  ob- 
stáculo^ allivio^  angustia^  sagacidade^  resplandecente^  es- 
plendido, architecto^  avdacia^  aurora^  auxilio,  ciume^ 
conjectura^  crueldade  (  p.  crueza),  desculpa^  desordem, 
maledicência^  transacção^  affavel^  difficil^  imaginário,  in- 
crédulo (p.incréo),  doloroso,  iracundo^  néscio^  magna- 


*  Darms  —  I. 

*  Trench — R.  af  words. 


352 


nimo^  posihumo^  próprio^  continuo^  obstinado^  superno,  va- 
loroso^ desejoso^   negligente^   rebelde,    arguir,  fulminar^ 

restituir,    criticar,  castigar,  etc são  do  declinar  do 

Sec.  XV  ao  XVI,  pertencem  ao  período  chamado  qui- 
nhentista, no  qual  também  se  generalisou  o  emprego  do 
superlativo  em  issitno.  Inflexão,  infracção,  alienar,  re- 
trogrado, correccional,  monóculo,  undécimo,  duodécimo, 
binóculo,  assimilar,  sinuosidade,  etc,  são  de  introducção 
mais  recente  ;  photographia  photographo  photographar, 
escravismo,  evoluir  voluir  volutir,  veriicalisar,  telephone 
ielephonar  lelephonico,  sociologia,  altruísmo  altruísta,  al- 
truismar  (cp.  egoismar  ),  subjectividade,  assimilação,  e 
mais  cerca  de  mil  vocábulos,  são  do    Sec.  XIX. 

São  principalmente  do  Sec.  XVI  ao  XIX,  os  compostos 
por  nós  citados  a  pags.  280  —  altivolame,  capriba^bicornipe, 
olhicerulea,  levipede,  ignivomo,  fluctison antes,  etc. 

Finado  (  defunto  ),  saga:{,  atavio,  falha  ( omissão 
falta ),  arrefecer  andrajo  passamento  sandice,  bipede,  quei- 
xume delonga  derradeiro  fallecer  lide,  pristino,  trucu- 
lento, vociferar^  longiquo,  enérgico,  prematuro,  probo, 
fragor,  etc ... .  são  por  assim  dizer  palavras  novas, 
neologismos  por  achaismos,  porque  no  Sec.  XVI  eram 
ellas  consideradas  archaicas,  reprovadas  ou  de  autori- 
dade equivoca. 

10  —  Hybridismos —  Dá-se  este  nome  ás  palavras  com- 
postas de  termos  tirados  de  linguas  diversas  : 

Areometro O  1°  elemento  é  latino,  o  2^ 

grego 

decimetro Idem 

bigamo Idem 

socicolosria Idem 

oleographia Idem 

aviceptologia Idem 

linguistica Idem 


353 


monóculo i  °  grego,  o  2''  latino 

monomania. Idem 

antinacional Idem 

antiácido Idem 

Esses  productos  bárbaros  de  elementos  latinos  e  gregos 
muito  afeiam  a  lingua,  e  são  —  na  phrase  de  Latham  — 
um  malum  per  se. 

As  vezes,  porem,  não  ha  evital-os,  como,  acontece 
quando  a  lingua  que  nos  dá  o  termo  principal  não  possúe 
o  determinante,  ou  não  o  conhecemos,  etc.  :  Cí/^d-chumbo, 
capim-rcit\3iáo . 

8  )  Mas  cipó  e  capim^  de  origem  tupi,  já  são  palavras 
do  léxico  portuguez,  assim  como  ar  chi  está  tão  populari- 
sado  ou  nacionalisado,  que  o  cruzamento  faz-se  já  mui 
naturalmente,  e  os  termos  da  composição  adaptam-se 
facilmente  como  se  entre  elles  houvesse  affinidade :  — 
archiminisiro^  architrave^  architolo. 

II  —  O  h3'dridismo  é  pois  um  facto  artificial  ou  natu- 
ral, reprovado  ou  admissível,  conforme  é  de  formação 
erudita  ou  popular,  etc. 


VIGÉSIMA  QUINTA  LIÇÃO 

Etymologia  do  sutstantivo  e  do  adjectivo.  — 
Influencia  dos  casos  na  etymologia 

a  )  Do  substantivo 

I  —  Múltiplas  são  as  origens  nos  nossos  substantivos,  e 
d^ahi  a  difficuldade  muitas  vezes  de  indicar-lhes  com  segu- 
rança a  etymologia. 

Os  nomes  próprios  derivam-se  do  hebraico,  grego, 
latim  e  germânico  ;  todos  elles  foram  a  prineipio  significa- 
tivos, que  ainda  temos  abundantes  exemplos  no  portuguez 

—  (V.  Lição  7.*  pag.yo)  ^ 

Os  patronymiços  teem  também  varias  origens  :  os  deri- 
vados do  latim  formam-se  geralmente  do  abl.  plural  :  — 
Vaio^  Paes,  Pelagio  (  V.  pg.  ) ;  os  do  árabe,  pela  antepo- 
sição  da  palavra  ben^  que  significa /?Mo  :  —  ^en-i-Egas 
— Viegas,  mas   que  se  encontra  no  hebraico  —  Benjamin 

—  filho  da  direita. 


*  Hebraico  —  Marta,  Sara,  Esther,  Anna,  Pedro,  Joaquim,  Ma- 
nuel, João,  David,  Jeronymo,  Jeremias,  Moysês,  Job,  eto. . .,  que  passaram 
para  o  portuguez  pelo  latim. 

Gregos  —  Theophilo,  Theocrito,  Philippe,  Eugénio,  Diógenes,  eto .. . 

Latinos  —  Caio,  António,  Mário,  Felis,  Deodato,  Claudina,  Ursxãa, 
eto... 

Germânico  —  Carlos,  Luiz,  Duarte,  Eduardo,  Radolpho,  Affonso, 
Adolpho,  Izabel,  etc. ., 

Sign. — Maria,  sobarana,  a  rainha  dos  mares  ;  Sara,  immunda,  C^m- 
dina,  que  coxèa,  Anna,  graciosa,  Job,  paciente,  Joel,  quieto.  Judas, 
louvado,  Theophilo,  amante  de  Deus,  Eugénio,  nobre,  Theodoro  e  Deodato, 
dadiva  de  Deus,  etc.  .r 


356 


Já  vimos  também  (  L.  22*^  etc.  )  que  os  nossos  substan- 
tivos originam-se  geralmante  do  latim  :  que  a  technologia 
scientiíica  deriva  do  grego  ;  que  terminologia  artística  é 
emprestada  ás  linguas  vivas  —  maiormente  ao  italiano  no 
tocante  a  pintura  e  a  musica . 

2 . —  Os  de  origem  latina  formam- se  do  nominativo  ou 
do  accusativo.  O  accento  tónico  indica  a  derivação.  (  V. 
pags.  175  e  176) . 

A's  vezes  teem  dupla  derivação  : 

ladro  do  nom.  latro  e  ladrão  do  accus.  latro?tem 
erro        —        erro  e  error        —  error  em 

virgo      — ■        YW^oQ  virgem     —  virnigem 

etc .  etc . 

Outras  vezes  conservram  apenas  o  caso  regimen,  princi- 
palmente nos  nomes  em  /o,  onis  : — religião  (  religionem), 
lição  (lectionem), . . .  em  iis,^  iitis  : — virtude  (virtutem). 
saúde  ( salutem ) . 

Dos  outros  casos,  além  do  sujeito  e  regimen,  derivam 
também  alguns  substantivos  (V.   pgs  .  177,   178). 

b)    Do    ADJECTIVO 

4. —  Os  adjectivos  também  tiram  origem  no  nominativo 
e  accusativo  (V.  pgs.    179,  180). 

5. —  No  latim  eram  quatro  os  pronomes  demonstra- 
tivos .  Todos  elles  conserva  o  portuguez  ( hic,  iste^  ille^ 
ipse ) . 

Nem  sempre,  porém,  passaram  elles  para  o  portuguez 
na  forma  simples .  Quando  os  Romanos  queriam  indicar 
mais  claramente  a  idéa  demonstrativa  dos  pronomes  hic, 
ille,  iste,  antepunham-lhes  a  partícula  adverbial  demon- 
strativa ecce,  ou  o  pronome /»c.  Dahi  os  pronomes  po- 
pulares —  ecce  iste,  ecce  ille,  contrahidos  regularmente  em 
ecciste  eccille,  hic  isle  hic  ille,  etc . 

Este  —  1.  iste  (  fem.  esta  —  ista  ;  neutro  isto  istud  ). 


3Õ7 


Já  são  commummente  empregadas  nos  dov,„.  dos  Secs. 
XIII  e  XI V  as  formas  este  esta^  parallelas  a  isteista^  piural 
isies . 

Viterbo  cita  as  variantes  graphicas  sta^  siOj  do    Sec   XIV. 

Os  seus  compostos  —  aqueste  aquesío  (ecc'isie,  ecc'istum) 
remontam  também  áquella  época,  e  ainda  persistiam  no 
Sec.  X^'I  (Bern.  Rib.  27q,  280,  etc.  ant.  canc). 

Se  por  palavras  pudera 
dáqucsto  meu  mal  cantar 

Comp. —  esf  outro 

Esse,  a. —  Derivam-se  de  ipse^  ipsa^  e  sua  forma 
neutra  isso  de  ipsum.  Devemos,  porém,  advertir  que  o 
p  do  grupo  ps  não  soava  na  linguagem  popular,  o  que 
reduz  phoneticamente  esses  adjectivos  pronominaes  a  — 
me,  issa,  isso.  Suetonio  refere  que  o  Imperador  Cláudio 
multara  um  Senador  por  haver  pronunciado  isse  p  ipse. 

Comp. —  ess' outro 

Aquellk,  a^. —  Do  latim  hic-ille^  hic-tlla^  segundo  a 
opinião  geral . 

Parece-nos,  porém,  melhor  seria  derival-os  das  formas 
populares  contractas  —  ecce-ille,  ecce-illa^  de  icce  ille, 
tcce-illa^  que  soavam  ek-ille,  ek~illd. 

Comp .  —  aquell' outro . 

Adjeciivos  pronominaes  possessivos 

Todos  os  nossos  possessivos  são  de  origem  latina. 

PORT.  LAT. 

Meu  mia  minha  vieus  viea  (meam) 

teu  tua  íciis  hia 

seu  sua  S7ius  sua 

nosso  nossa  iiosiruiUj  a 

vosso  vossa  vostrnvi,  a 

seu  sua  SU7/S  sua  


'  Aquell,  Nos  Foros  de  Beja,  Ined.  da  Acad.  V.  523. 


358 


Derivados  geralmente  dos  pronomes  pessoaes,  são  antes 
adjectivos  que  pronomes . 

Por  motivo  da  degeneração  phonetica  os  casos  sujeito  e 
regimen  assimilaram-se,  e  ficaram  ambos  com  uma  única 
forma.  Neste  ponto  é  o  francez  mais  rico  do  que  nós  comas 
suas  formas  atonas  e  tónicas  (mon,  ton,  son;  inien,  tien^  sien). 

Cp.  port. —  ella  é  minha;  fr.  elle  est' à  moi,  ç.  elle  est 
miejine  (Rac.) 

Meu  é  dos  primeiros  does .  da  lingua  (meo  ;  we,  mei, 
ainda  nos  Açores,  Alemtejo  e  Algarvej .  A  forma  feminina 
é  que  passou  por  varias  e  curiosas  transformações  : 

i.°  Mia  (=hesp.,prov.,  ital.)  E' do  ssc.  XII  (coK mia 
morte.  Canc.  Rez  \  mia  molher  S.  Ros.)  a  par  da  forma 
ma  (ma  molher.,  mas  filias}.,  que  persistiu  até  o  Sec.  XV 
(madama). 

2.°  Mha.  E'  puramente  desconformidade  na  graphia 
{h=i ;  y.  Phoneiica). 

3.°  Miana,  miona,  (fem.  de  meono.^  forma  citada  por 
Viterbo,  Eluc.)  Sec.  XII  e  XIII  ' 

4 .  **  Enha,  de  uso  muito  popular  nos  Secs .  XV  e  XVI : 

—  a  enha  esposa,  enha  mulher  (G.  Vic),  e  correspondente 

—  segundo  Schuchardt  —  ao  portuguez  de  Cabo   Verde 

—  nha. 

5.°  Minha  (Sec.  XVI),  correspondente  á  íórma  minha 
do  port.  de  Diu,  formado  analogicamente  do  masc.  minho. 

Esta  ultima  forma  tem  sido  muito  discutida.  O  pro- 
fessor Diez  é  de  opinião  que  ella  está  em  connexão  com 
mim.,  e  suppõe  que  o  masc.  meu  não  soffreu  alteração  por 
estar  protegido  pelo  e . 

Estudemos  a  questão. 

Os  vários  t\'pos  do  pronome  minha  indicam  diversas 
influencias  ? 


*  Miana  miona   é  mais  pi'opriamente  =  maãama  madona  ;  ana  =  se- 
nhora —  en  "O  senhor,  hom«ni  graduado. 


35e) 


Mia  é  a  fórma  latina  mea.  Mhia  é  a  mesma  \  o  h  repre- 
sema  o  í' palatal .  No  Sec.  XIV  escreviam  viheii^  theii  \ 
o  h  era  imercalado  para /o«/5í2r  o  pronome.  Nlio  p.  no, 
{em  o)  é  do  Sec .  XII . 

Ma  corresponde  ao  francez  ma,  e  nem  é  essa  a  única  se- 
melhança que  em  suas  formas  femininas  apresentam  os 
pronomes  das  duas  linguas.  Ma  =  mta  =  \aLl,  mea  \  e 
temos  mais  ta  e  sa  =  tua^  sua  (Secs.  XII-XXY),  quando 
ainda  no  francez  popular  eram  meie  moie^  miem.  Meu 
devia  dar  7iiea^  mia  ;  me  devia  dar  ma .  r . 

Minha.  Sempre,  em  francez  ( mie h,  mienneí ^^itsd. 
(mieHa==mia).,  hesp.  miena,  incorrecção  que,  tem  por 
fiadores  Berceo  e  outros)  ;  inglez  —  mifie,  ali .  die  mine^ 
mein,  no  dialecto  indo  —  portuguez  minh,  a  nasal  appa- 
rece. 

O  phenomeno  do  impariss}  llabismo  é  já  conhecido  ; 
o  portuguez  tinha  duas  formas  para  o  possessivo  fem., 
uma  atona  —  tnia,  e  outra  tónica  —  jneana. 

O  molhar-se  o  n  era  transformação  muitíssimo  vulgar 
nas  primeiras  phases  da  língua,  desde  a  Sec.  Xlll  (extra- 
nho  extra«^Ms,  sobrinho.,  meiminho  minimo,  campanha.^ 
ordinhar.,  determinhar,  Crisíinha. . . .),  deixando  todavia 
muitas  vezes  de  ser  representado  graphicamente  {filo  p. 
Jilho.)  moler  p.  mulher.,  melor  p.  melhor.,  senora,  camino, 
penna  p.  penha.,  etc. 

O  povo  pronunciava  mianha.,  mienha.,  d'onde  minha., 
f.  correspondente  á  franceza  mienne.,  hesp.  mienâ.  ^) 

A  foama  vulgar  enhaj  motejada  por  Gil  Vicente,  e  que  era  de  uso 
desde  o  Sec.  XIII  aos  que  demoravam  nas  abas  dos  Pyrineos,  os 
quaes  antepunham  ao  nome  próprio  Eu,  Nã,  é  o  mesmo  phenomeno 
de  pathologia  verbal  que  em  S,  Paulo  reduziu  Senhor,  Sen/tora,  a 
tihô  nhã,  e  entre  nós  a  seu,  sá. 


')~No  port.  do  povo  ignoranta  antes  é  anantes  inhantea. 


36o 


Ainda   mais- No  Lyonez  temos  la  min,  la  sin;  no 

la  meinS,    la    lewâ,    la   sema,  a  par   da.    formas  mais 
antiaas-la  mronã,  la  ífonS.  la  xona. 

pfde-se  também  explicar  o  phenomeno,  que  nao  e 
isolado,  pela  queda  do  a  de  mia,  e  nasahsaçao  do  , 
r^f^U   influencia  da  nasal  inicial.  . 

^  No  sovcftso.- Passaram  pelas  formas  intermediarias 
J°o.;^rTque  persistiram  até  o  Sec.  XIV.  A  trans- 
:rcáol^Ucl-se'.  t«  pela  queda  de  consoante  medi 
i^osl-r-um/rost-r-um  rosto,  aral-r-um  arado) ,  2   pela 
assimilação  do  /  ao  s. 

7.  dádjecttpos  proii.  indefinidos 

At  cum  Segundo  uns,  é  formado  de  algo  e  um  (  c  p. 
./im^  ^  cLespondea./^^^^^^^  Outros  buscam-lhe  a 
Si  em  ali,uam,  outros  ainda  em  aU.ms  uuus 
(  aliquuno  aliquno  àl^quno,  algum  ). 

Esta  ultima  opiníâo  é  a  mais  seguida. 

E^  forma  popular  parallela  a  .-^^"^'" '-/íf  ^^^^^^^^^^ 
fi  aue  a  verdadeira  nobreza  consiste  na  virtude,  Apezar 
de  tymo  ogicamente  oppostos,  confunde-se  com  ..*m^ 
lpalavra\rab.  alguma  se  lhe  entende  [  cr..  ).  em 
tempo  algum  •, 

Tem  flexão  de  género  e  numeio  i,^iam    muitas    vezes  o 

malferidos  (  C .  Real,  Cerco  de  Dm  ) . 


7-  7N  w  rln*  Secs  XII  e  XIII,  mas 
)  Al,o.  acl,.  =  algum  (  1.  ±^f^i:^;\  '^°\dv  equivalente  a  aZ- 
'     .•''o„„     vvi  era  empregado  como  aclj .  e   '^         -  i   j^        /^c-ama. 


ainda  noSec.  XV 


çumacowsa  (  «m  rerez  ''^^^'^^^'-''""i^^do  •_  lz?e  tem  alquma  cousa.  (Algo 
•È  ainda  hoje  íH^e'"««  "?,f,Ss  ves  ígiôs  que  nos  restam  deste  pronome 

rvTior^^n^.  rSo ^;s%s:: A^^^^^^  ^^^-  ^^  «^^^^ ^  ^  '^^'°  '^ 

afgumric?,   importante,  al^ir,  algures,  eic. 


3bi 


F.  archaicas  :  —  agií,  agua.  (  S.  de  Mir.),  aigu^ 
algiiã\  algúo  {Hist.  de  Ep.  Res.  : — faier  alguo  ;ze- 
gocto ) . 

Cada. —  Representa  o  latim  ^;;/5^z/e  (  hesp.  cada^  fr. 
chasque  chaque  ) . 

De  derivação  grega  (  kata  ),  veiu-nos,  porém,  a  pa- 
lavra por  intermédio  do  latim  medievo . 

Notemos  todavia  que  o  emprego  de  cada  é  posterior 
ao  de  cada  um,  ant.  cadhun,  cadiin  ;  arch.  qiiiscadaun 
=  lat.  qu isque  ad  unum. 

No  Sec.  XVI  ainda  cada  um  era  considerado  adjec- 
tivo:—  cadi  um  homem  \  e  no  Sec.  XMI  empregavam-no 
ainda  no  plural  : —  tynha  encarrego  de  dar  cada  umas 
aos  desembargadores,  Jicaram  cada  um  onde  a  7norie  o 
tomou 

Este  emprego  do  verbo  no  plural  tem  exemplos  em  latim  : —  nH 
quiique  vident,  etint  olnimn  (  Plant.  ),  nbi  quisque  habeant,  qv.od 
suuin  est.    (  Id.)  . 


Cada  qual  i  de    formação  portugueza, 

Estavam  três  a  três,  e  quatro  a  quatro. 
Bem  como  a  cada  ^?<rt/ coubera  em  sorte. 


(  Cani.) 


Também   (  como   cada  um )  leva  o    verbo  ao  plural 
quando  a  acção  ou  attributo  é  de  todos  : 

Cada  qual  sobre  o  remo  qne  procura 
contendavi    entre   si,    que  o   mais  é  erro. 

Cada  que  é  um  antigo  composto,  de  sentido  idêntico  a 
cadavei  que  (Ord.  Aíf.;  C.  de  D.  Din.). 

Cada  ve\  que  equivale  a  uma  loc.  adv.  (  =  de  cada  ve\ 
que..,.)^ 

Cada  é  simplesmente  adjectivo. 

Çerto  (1.  p.  certus=\.  class.  quídam,  que  só  ficou- 
nos  como  subst.  — ufjt  qmdam.,  na  linguagem  vulgar  e 
galhofeira).  —  E'  somente  adjectivo. 

46 


3Ò2 


Tem  duplo  sentido,  conservado  pela  tradição  latina,  — 
de  resolvido,  deierminado^  e  coupencido^  da  accordo  com  a 
verdade,  Ex  : —  certo  homem  viu. . .,  ficamos  certos  nisto; 
estou  certo  de  que. . . ,  amigo  certo  (verdadeiro). 

Mesmo — Deriva- se  do  lat.  me//)?^'' ;«;/5,  contr.  regular 
de  metipsÍ7mis  (contr,  dosup.  itietipsissimiis=^ipsimusmet), 
por  intermédio  das  formas  medessmo.,  medesmo.,  donde  se 
originou  a  forma  meesmo.,  Sec.  VX  (pela  queda  regular 
do  d  médio),  e  a  forma  actual  {mesmo)  no  Sec.  XVI. 

Havia  mais  uma  forma  popular  parallela  a  meesmo.,  que 
se  encontra  em  does.  do  Sec.  XIV  e  XV  ;  nas  ord.  Aíí'., 
D.  Duarte,  etc.  Era  medes  : —  e  que  elles  medeses  paga- 
rão (Doe.  das  Salzedas  de  i832). 

Alem  do  sentido  etymologico,  ha  muito  que  este  adj.  pron.  é  empre- 
gado com  sentido  diverso,  como  p.  ex.  na  phrase  —  aviamos  a  mesma 
vuilher,  cm  que  mesma  deve  ser  vertido  em  latim  por  eamdevi  e  não, 
por  ipsam. 

Mesmo,  a,  em  logar  de  próprio,  é  de  nobre  estirpe  c  cunho  clássico, 
de  bom  quilate  emfim.  A  mesma  naureza  enamorada,  escreveu  o  nisso 
épico  ;  elle  mesmo  disse  =  ispse  dlxit,  de  Ciccro  ;  nesse  mesmo  o  ia  = 
ipso  illo  die.  No  latim,  ipse  servia  para  indicar  rigorosamente  a  per- 
sonalidade, a  opposição  :-ntre  dous    indivíduos. 

Não  ha  razão  para  refugarem  alguns  grammaticos  esses  modos  de 
dizer.  Barbarismo,  linj^uagcm  mascavada  com  sabor  gallico,  sim,  é  — 
o  atíctor  elle  mesmo  disse. ..  .,x(sva.\o  frequente  dos  menos  sabedores 
da  lingua  (l'aíítetir  lui  méme) . 

Muito  =  1 .  ímiltum . 

Nenhum.  E'  também  de  formação  portugueza,  pela  jux- 
taposição  de  /íew  +  /2Z/;;z  =  1 .  nec-umis.  Nemo  unus  = 
ninguém,  nenhuma  pessoa . 

Desses  compostos  morphicos,  porém,  herdamos  do  latim  o  processo 
de  formação  :  —  nemo='  ne  liem  o  ;  E  assim  formaram-se  ncmigálha 
=  nem  migalha  ;  nenkicres  em  opposição  a  algures. . . .,  e  mais  mo- 
dernamente com  o  adverbio  proclytico  fião  {twn)  :  —  nonnada  no- 
nada,  íião  vinda . 

F.archaicas:  —  nemguum,  nengun,  neun.,  nemú  (Ined. 
d'Alc.  F.  de  Thomar,  Canc.  ined.,.  . .),  e  as  atrophicas  — 
nhum  nhua. 


363 


Cp.  ital.  —  nessuno  neuno ;  hesp.  ninguno  nenguno^ 
f.  arch.  nisiin  (nisiin)  nesiine. 

Outro,  ant.  altro^  de  ai  ter  ^  accus.  alter  um. 

Formou  as  locuções  —  nm  e  outro,  nem  um  nem  outro. 

F.  arch.  —  outro  e  nenhum  p.  nenhum  ou  Iro  ;  com- 
binação de  outro  e  outrem  com  o  pron.  indef.  ninguém:  — 
^///outrem  ninguém  me  conhecera  (Cam.);  bem  sei  que  outro 
nmguQm.  ponde  valer ^ — Ninguém  outrem  é  forma  ainda 
corrente,  mas  também  do  Sec.  XVI :  —  de  ninguém  ou- 
trem se  poderão  aceitar  estas  cousas  (Ferr.). 

Conib.  com  os  pron.  pess.  «ííj-j  vóSj  e  demonstrativos  essCj  aquelle. 

Qualquer. —  Poderíamos  derival-o  do  prononle  qual 
e  do  adv ,  conj .  quer,  que  serve  para  exprimir  a  generali- 
sação  de  um  acto,  tempo,  acontecimento,  etc.  Corresponde 
ao  latim  cumque  {=  quum  que) .  Mas  a  forma  archaica 
qualqui^er  prova  que  é  esta  a  sua  etymologia  {qual  quer 
=  qui\er) .   ^ 

Tem  flexão  de  numero  —  quaesquer. 

Forma  as  locuções  —  qualquer  que,  equivalente  ao  latim 
qualiscumque. 

Tal  —  (lat .  talis) .  Significa  —  igual,  semelhante  ;  ta- 
manho^ nenhum. 

Tem  plural  —  taes. —  Vide  Syntaxc. 

Todo  (=  lat.  toíus).  E'  variável  em  gen.  e  nnmero.  i°  E'  de 
emprego  antigo  o  pron.  todo  desacompanhado  do  artigo  —  todo  ho- 
mem j  todo  mundo j  cm  toda  farte  :  hoje  ha  regras  a  que  estão  ad- 
strictos  os  disciplinados  (V.  Sjittaxe)j  ■pos.to  (\\xe  cada  vez  mais  se  vá 
generalisando  o  emprega  do  artigo.  JEin  todo  o  casOj  a  todo  o  tcmpo^ 
a  iodo  o  fnovientOj  toda  a  natureza,  evi  toda  a  ttudes..,.  escreveu  o 
athleta  do  estylo  C.  Castello  Branco  ;  em  tcda  parte j  viveiro  de  todo 
malj  -pomo  de  toda  discórdia j. . .  (Bem.)  Todos  douSj  todos  três,. . . 

2.°  Dizem  os  nossos  grammaticos  era  muito  freqnente,  entre  os  clás- 
sicos, o  emprego  de  todos  por  tudo  :  —  armadores  e  marinhagem  tudo 
da  mesma  terra  (V.  do  Arcb.);  as  abobadas, pilares  e paredes  são  tudo 
cantaria  (H.  de  S.  Dom.) 


lued.  d'Alcob.  V".  18.  Gorresp.  lat,  xcUc. 


364 


Cremos,  de  nós,  não  ha  nesses  exemplos  resaibo  synonymico.  Tudo 
é  como  que  um  pronome  rcsumidor,  epilogador,  synthetisador  (ou  como 
melhor  queiram  chamar)  ;  é  do  gen.  neutro  ;  equivale  a  itiãoisso. 
Cp.  na  ultima  phrase  —  as  abcbadaSj  filíucs  c paredes  são  —  tudo 
(isso)  —  caiiiaria^  e  abobadas .,  pilares  e  paredes ,  indo  é  cantaria . 

Não  negamos  porém  a  vacillação  no  emprego  entre  lodo  e  a  sua  forma 
divergente  tudo — fizeram  tudo  o  necessário,  em  toilo  e/or  todo,  etc... 

Um  (hum)  =  lat.  ///«/^(adj.  pron.) 

O  emprego  do  numeral  com  significação  indeterminada,  equivalente 
a  nm  ceriOj  alguém,  é  de  origem  popular  latina,  c  fonte  também 
clássica  (unum  vidi  incrtmtm  afferri —  PI.)  Por  viais  que  resplandeça 
um    cm  virtudes  (Arraes). 

c)  Dos    numeraes 

8  —  Numero  cardinaes. —  E'  cópia  dos  Romanos  o 
iiosso  modo  de  enunciar  e  escrever  os  números.  A  dif- 
ferença  que  entre  eiles  existe  é  apenas  phonetica . 

nm  unus 

doíis,  arch.  di:os  duos 

ires  trcs 

quairo  quatuor  ' 

cinco  quinquc  * 

seis  scx 

seíe  scptem 

oito  octus 

nove  novem 

dez  decen 

Nas  palavras  de  origem  clássica,  adoptámos  a  forma 
latina  —  duo- decimo^  duo-deaiplo  ;  septeuario^  quinqna- 
gemaria^  qinnqiitmo^  ocíacordo 

De  II  a  20,  excepto  i:',  17,  18,  19  que  se  compõem 
com  de:{,  os  numeraes  portuguezes  são  expressos  por  uma 
palavra  simples  : 

onze  un  (  de  )  cim  * 

doze  duo  (  de  )  cim 


*  Empregamos    qualuor    no  sentido  de  uma  jMrtitura  que  só    tem 
quíitro  partes  (  neol.  ) 

*  A  permuta  do  q  lat.  em    c    ou  s  brando    port.   é  mui  frequento  — 

antes  de  e  e   i  (torqvcrc  =  toi'cer.  coquina  =  cosinlia, )  Em  latim. 

nas  inscrip.  romanas  do  Sec.  III,  encontra-se  c  p.  §?(  o  vice  versa ;  teem 
pois  o  mesmo  som.  Fr.  cinq.  hcsp.  cinco,  it.  cinque, 

*  Úechn  pr  ãioem. 


365 


treze  trc  (  de  )  cim 

quatorze  quatuor  (  de  )  cim 

quinze  quin  (  de  )    cim 

dezeseis  st'x  deciw  ;  sedecim 

dcresetc  scpíevi  decivi 

dc.oito  octo  decivi 

dezenovc  iiovein  decim 

vinte  viginti 

De  1 1  a  1 5  03  nossos  numeraes  indicam  uma  contracção 
regular  dos  typos  latinos,  sujeitos  á  acção  dissolvente  das 
leis  phoneticas,  que  transformou  a  desinência  cim  em  ^e. 
De  i6  a  19,  abandonando  as  formas  syntheticas,  seguiu  o 
portuguez  outro  modelo  a  que  os  Romanos  davam  pre- 
ferencia por  ser  mais  chro,  segundo  refere  Prisciano  *  : 
—  decem  et  septem^  decem  et  octo^  decem  et  nopem^  {T . 
Livio,  Cie,  Gesar,  ete.),  e  em  toda  a  numeração  delle  não 
mais  se  apartou. 

De  20  a  90  só  temos  a  notar  o  atrophiamento  do  nu- 
meral latino  : 

vtnte  vi  (  g  )  inti 

trinta  tri  (  g  )    inta 

quarent  •  quadra  (  g  )  inta 

cincoenta  quinqu  (  g  )  inta 

sessenta  sexa  (  g  )  inta 

setenta  '  septua  (  g  )  inta 

oitenta  octo  (  g  )  inta 

noventa  nona  (  g  )  inta 

Os  Latinos  diziam  indifferentemente  vig-iiiíi  três  e  três 
et  viginti^  á  semelhança  do  gothieo  (  ing.  twentf  three  ou 
trhee  and  twentf;  em  ali.  sempre  as  unidades  vêem  antes  — 
drei  iiud  pvan\ig. 

De  1 00  a  900  só  é  de  notar  a  transformação  muito  na- 
tural, e  lógica,  da  terminação  gentt  em  centos  (  centos  ) . 

cem  (  para  diff.  àeceu/o)  centum 

duzentos    (  dous  centos  )  ducenti 

taezentos    (  três  centos  )  trecenti 


•  Giwmmatico. 


366 


quatrocentos  quadrigenti 

quinhentos  qningenti 

seiscentos  sexcenti 

setecentos  septingenti 

oitocentos  octogenti 

novecentos  nongenti 

Quigenti  deu  qninhentos  pela  perda  do^,  que  poz  a  nasal 
em  contacto  com  a  vogal  e. 

Como  em  latim,  os  números  cardinaes  são  invariáveis, 
com  excepção  de  um  e  dous  {no  lat.  também  iria  p.  ires.)  e  os 
,que  exprimem  centenas  [ducenti.,  ce^  a..,  duzentos., —  j5,...) 

g  —  ^il  e  seus  múltiplos  correspondem  exactamente 
a  formas  latinas.  Mille^  declinavel,  tinha  um  ablativo 
archaico  milli,  e  fazia  no  plural  milita,  donde  derivou 
o  nosso    subst.  jnilhar, )  ^ 

Milhão,    billião,  etc.   são  de  creação   portugueza. 

NUMERAES  ORDiNAEs  —  Como  em  todas  as  linguas,  os 
ordinaes  lembram  os  cardinaes  correspondentes  ;  mas  no 
portuguez  elles  representam  formas  importadas  directa- 
mente  do  latim. 

Primo  2  primus 

primeiro  (primário)  ^  primarius 

segundo  sccundus  * 

terceiro  (terciário)  tertiarius  * 

quatro  quartus 


*  Der.  pop.  Milheiro,  mil  pés,  millionario,  milefolhas, . . .  Millenio 
millenario  raillepedes,  mlLefolio,  milliario,  millefomie. 

*  Ad  instar  ào%  Latinos,  escreviam  os  nossos  maiores  os  mumeros  por 
extenso  ou  represe ntavam-os  pelos  caracteres  romanos,  (V  etLXet, 
CCC  =  5 -f-  60  +  300  =  365;  era  MCCXXX  ).  Apesar  de  modificado 
apresentava  este  systema  graves  inconvenientes  para  a  representação 
dos  números  elevados  ;  d'ahi  a  introducção  do  sysiema  árabe,  que  muito 
se  avantajava  áquelle  na  simplicidade  do  mechanjsmo.  para  expimir 
um  numero  elevado   e  indeterminado. 

'  Primeiro  é  iioja  a  forma  usual;  primo  só  se  conservou  em  compo- 
sição—  primogénito,  primoponendo,  primazia,  primevo,  primioias,  pri- 
micerio,  primado,  primipara,  primitivo,  pri^riariçau  primichica,  prima- 
dona,  etc....,  prima  (1*  hora  do  officio  divino). —  Primário,  é  f.  diver- 
gente de  primeiro ;  pertence  á  classe  dos  distributivos. 

*  Secimdus  encontra-se  em  secundário,  secundogenito.  etc.  (  Segunda 
feira). 

■  Tertius  deu  terço,  terça,  que  são  substantivos. 


367 


quinto 

quintus 

sexto 

sextus 

sétimo 

septimus 

oitavo 

octavus 

nono 

nonus 

decimo 

decimus 

e  assim  por  diante  —  undécimo^  duodécimo^  ingestmo 
(arch.  vicesimo),  trigésimo  (arch.  tricesimo),  centésimo^ 
millesimo  =  \dX.  undecimus,  duodecimus^  jncesimus,  tricc' 
simus,  centesimus,   millesimiis . 

10.  —  Nos  números  compostos,  ambos  os  elementos 
tomam  forma  ordinal :  vigésimo  segundo  =  lat.  vicesimus 
secundus. 

11.  —  Usavam  os  Latinos  da  forma  ordinal  para  as 
datas  do  mez,  do  anno,  as  horas,  ^  duração  de  um 
reinado,  cargo,  officio,  etc,  indicação  dos  séculos  e  de  certos 
prazos,  successão  de  monarchas.  Com  todas  essas  regras 
conformou-se  o  portuguez  exclusive  as  três  primeiras 
referentes  ás  datas  do  mez  e  anno,  e  ás  horas ;  pois 
empregamos  a  forma  ordinal,  por  excepção,  somente 
para  o  i°  do  mez  (e  também  se  emprega  o  cardinal), 
e  em  linguagem  ecclesiastica  —  horas  de  prima,  terça, 
nonas. 

Nem  para  todas  as  indicações  de  prazo,  isto  é,  de  espaço 
de  tempo  dentro  do  qual  ha  se  de  fazer  alguma  cousa,  em- 
prega o  portuguez  o  ordinal . 

Dizemos  antes  ou  depois  do  3^  dia  =  também  3  dias  antes 
=  lat.  ante  tertiam  diem^  etc,  mas  os  Latinos  diziam  tertio 
qiioque  die  =  port.  de  três  em  ires  dias  (fr.  ious  les 
trois  jonrs,  ing.   every  three  dafs...).  ' 

12. —  Das  formas  distributivas  latinas  em  amis-2i^  con- 


*  Modernamente,^  decíino,  vigésimo,  quarto,  são  também  subst. 

*  Anno    raille=3imo    octingentesimo     septuage^imo    quarto.    Octavam 
horam,  nonam,.... 

-*  .Veste  ultimo  emprego  dão-lhe  alg.  gramm,  —   o  nome  de  antidaZa. 


368 


cernentes  ás  classes  ou  ordem  dos  legionários  *  pnmanus,  a^ 
iim^  secundanus,  tercianus,  vicesimani  txc),  só  nos  restam 
lembrança  em  alguns  raros  vocábulos,  hoje  já  obsoletos  — 
terçã^  quarlã  (febre  — ,  que  tem  intermittencias  de  trez 
ou  de  quatro  dias)  (  =  lat.  febris  tertiana^  qiiartana). 

i3. —  MuLTiPicATivos  —  Derivam-se  todos  das  formas 
latinas  emplus  (declináveis),  que  tinham  uma  concurrente 
em  plex  {diiplus  duplex^  triplus  irtplex) . 


ant.  s'iniplo 

(simples) 

simplus 

duplo 

duplus 

triplo 

triplus 

quádruplo 

quadiuplus 

decuplo 

dccuplus 

cêntuplo 

centuplus 

múltiplo 

multiplus 

Da  2*  forma  temos  simplice  (arch.),  diiplice^  tríplice  o. 
multiplico. . 

São  de  formação  erudita,  e  correspondem  aos  de  fundo 
popular  —  dobro^  tresdobro^  cemdobvo  (cemdobrar  = 
centuplicar) . 

Ainda  temos  uma  forma  pop.  para  multiplicativos  —  duas 
vezes  tanto,  três  — ,  quatro  — .  Responde  á  pergunta  quan- 
tas veies  ?  e  corresponde  á  latina —  septies  tanlum  etc. 

A'  pergunta  —  em  quantas  partes  ?  responde  o  latim  no 
ordinal,  iterum  (p.  secundum),  tertium^  etc,  Nós  pelo  car- 
dinal —  diias^  ires . 

14. —  Oadv.  numeral  5^5^///  (f.  cont.  de  sefyiis  qiii?) 
=  mais  uma  ametade^  só  se  emprega  no  portuguez  em  vo- 
cábulos de  fundo  clássico.  Também  em  latim  só  uma  vez 
occorre  empregado  separadamente  ;  era  porém  de  uso 
frequente  ligado  a  uma  outra  palavra,  indicadora  de  nu- 
mero ou   quantidade,  e  neste  caso   significava  uma  ]>e-  e 


*  Não  s,')  iirlicav.im  a  oi'rteni  da,  legião,  mas  dos  soldado'!  que  a  eom- 
]junha-",  e  enipref^avam-se  em  relação  a  tudo  quanto  lho  pertencia  ou 
dizia  respeito  —  Primanus  Tribumis  is  dicebatur  qiii  primae  legioni  tri- 
l)utum  scril)e))at  (Pnul.cx  Fest) 


369 


meia.  ^  Ex  : —  sesquialtera  (t.  musica),  sesquipcdal^  ses- 
qtiihora 

Distributivos  —  Estes  números  são  ao  mesmo  tempo 
coUectivos  e  analyticos,  porque  «  decompõem  a  coUecção, 
o  total,  em  tamas  unidades  quanias  ellas  cntêm  »  £**  latina 
também  a  origem  desces  adjectivos,  todos  de  fundo  erudito. 

Centenário^  já  pertence  ao  vocabulário  popular. 

l'rimario  Primai  ius 

binário  binarius 

scptenario  septenarius 

centenário  centenarius 

sexagenário  sexagenários 

octogenário  octagenarius 

A  desinência  ario  —  lat.  orius  (sign.  que  contem).  Indica  uma 
classe,  medida,  compasso,  intervallos  iguaes,  divisão  da  duração  de 
uma   ária,  (bin.  tern.  quat). 

Dos  ordinaes  em  um,  temos  ex.  em  primo.,  lercio  (Cp. 
terço . . . ) 

6. —  Existem  no  portuguez  formas  numéricas  ou  nomes 
formados  dos  numeraes,  que  não  devem  ser  alistados  na 
classe  dos  adjectivos.  Neste  numero  estão  —  ameíade, 
dobro,  cento  ( centenar,  centenário ),  milhão^  cêntimo,  e 
viennio,  quatriewiio^  deiena,  vintena,  tre:{ena^  quaren- 
tena^ centena,  da  forma  neutra  em  a  dos  numeraes  distri- 
butivos latinos  (  centeni,  ce  a  —  em  poesia  em  prosa  post. 
class.  Cp.  bini,  temi)  e  com  os  compostos  com  avo  —  cin~ 
coentavo,  de\avo,  etc. . . 

Bis  é  adv.  numeral  (  do  latim  bis  der.  de  dtds  de  ditOj  como 
belhíin  à.c  duclluin).  Di/ns  i  escSj  uma  seçuuífn  rez. 


'  Iiigam-S3  outfosim  a  numeraes  (o3lavus  e  Isrtius),  como  o  grego  i-^[ 
(em  sttÒySoo!;)  pai'a  denotar  um  total  e  mais  uma  fracção.  Sesquiocta  — 
riis,  p.  ex  =  encerra  a  relação  de  8  para  9. 

—  F.  frac.  —  temos  os  formados  com  os  lermos  aco,  octata,  et?...,e 
vm  meio,  tcron.  quarto,  quinto   ete. 

47 


370 


Já  faz  parte  do  léxico  o  verbo  bisar.  Só,  emprega-se  com  sen- 
tido vocalivo  para  pedir  a  actores  a  repetição  de  um  passo :  é 
porém,  de  uso  frequente  como  elemento  de  derivação  —  bipcdc,  bí- 
gamo j  bijloro,  biforme,  bissecção,  bifoliadOj  biferOj  bi/abíaceas, . . , 
bisndOj   bissexual j  bissexto j  bicepSj  bifronte. 

E'  mutto  crescido  o  numero  dos  compostos  com  os  adjectivos 
numeraes  :  primícias j  primífivo^primogetiitOj  prímiparaj. . .  bimestre^ 
trimestre j  se7/iestre,  qiuidrupedej  se^íqitipedej  trivio,  guadrivio,  decem- 
virOjtriumvirOj  cen'iiria,  decuriaj.. .  os  nomes  dos  mezes  Setembro  j 
OíitubrOj  Novembro f  Dezembro ^  e  os  dias  de  semana,  excepto  sabbado 
e  domingo. 


VIGÉSIMA  SEXTA  LICÀO 


ETYMOLOGIA    DO    ARTiGO    E    DO    PRONOME  » 

i.° — Pronomes. —  Vide  lição  i5*^  (declin.  dos  pron. 
PESSOAEs)  e23^(adj.  pronominaes) . 

Pronomes  demonstrativos 

1.^ — Isto  isso  (  forma  neut.  lai. —  istud^  ipsum).  São 
formas  neutras  concurrentes  com  as  archaicas  portu- 
guezas  esto^  esso^  que  se  archaisaram  no  periodo  clássico  : 
—  e  con  esto  pei^co  a  esperança  ;  porque  fizeste  esto  ?  ^  (esso 
mesmo  lhe  fe\erom  ^) . 

Nos  antigos  cancioneiros,  Leal  Cons.  de  D.  Duarte,  etc.  é 
de  uso  vulgar  a  forma  referida  ou  composta — aquisto^ 
que  persistiu  até  o  See .  XVI  :  —  em  aquisto  Jano  ou- 
vindo (B.  Rib).  Nos  antigos  textos  é  frequente  o  emprego 
de  elle  (ello)  p.  isto -^  solecismo  que  vecejou  até  o  Sec. 
XVI: —  asst  fos?,e  tWt  verdade  (Sá  de  Mir.) —  Cp.  fr. 
si  c'téait  vrai ;  ing.  ifii  >vas  triie^. . . 

oAquillo —  1.  hic-illui —  ecc-illud  {ek-illo)^  arch. 
aquello, 

ludefiiiitos 

3.** —  Os  pronomes  indefinitos,  além  dos  que  já  vimos  na 
lição  antecedente  (adj .  pronominaes),  são  —  alguém,  cada 
um,  alguns,  outrem,  outros,  nada,  ninguém,  qual,  um,  se. 


»  Ined.  d'Alcob  II  8. 
*  Jd.  II  201. 


372 


ALGUÉM  (  =  \a.t  altguem  —  ailqiiem  ^).    E'    invariável. 

Gonfundia-se  nos  primeiros  tempos  da  lingua  com  o 
adj.  algum;  do  mesmo  modo  que  na  linguagem  dos  có- 
micos, aliqtiis  aliqiiid  eram  algumas  vezes  usados  por 
aliqui  aliqiiod. 

OUTREM    (composto  =  a//ír//w).  "No  lat.  pop.,    na  b. 
latinidade,  já  alleritm  superara  alium. 
'  C. —  ninguém  outrem^  outrem  ninguém  (Camões). 

Sign .  —  oiiiro  homem . 

QUEM  QUER.  E'  de  fomiação  popular  vernácula  = 
(prom.   quem -^  quer.  Cp.   qualquer). 

Quem  quer  que  é  equivalente  do  comp    lat.    cmcumque. 

NINGUÉM.  Corresponde  ao  latim  popular  itequem^  forma. 
que  se  encontra  nas  Inscrip.  romanas  do  2'^  Sec.  da  nossa 
era,  e  que  conseguiu  obliterar  o  nom.  nemo  {  =  ue 
homo  ^) . 

A  forma  alongada  é  nem  alguém :  derival-o  pois  de 
nenheme  p .  nec  hem  ==  nem  homem  é  hvpothese  que  de 
todo  rejeitamos.  E  bem  assim  a  que  dá  outrem  =  outro 
hem  =  outro  homem . 

Nos  escriptos  antigos  ninguém  tinha  também  o  sentido  de  alguém ^ 
equivalia  a  ncnJiuvi :  —  lonnira  c  cuidar  ninguém  que. . .;  hc  atrevi- 
mento pedir  ninguém  açni/lo  que  deseja  j  *  Viingucm  outrem 
(nenhum). 

Emprega-se  substantivamente  para  significar  pessoa  de  nenhum 
valimento  :  —  é  ninguém ^  um  ninguevi. 

NULLO,  A  (=:lat.  nullus,  j,  um  p.  ne  illus).  E'de  sen- 
tido negativo  pela  etymologia  ;  e  —  como  )á  vimos  —  ainda 
que  originariamente  oppostos,  confundia  desde  os  pri- 
meiros tempos  a  sua  significação  com  a  do  pron.  uenhnm, 
Deve-se  porém  advertir  que  em  latim,  nullus  era  conside- 


*  Prep.   iieque  =  Jiec,  nc. 

*  Accin.  de  uliquis  (=^iitiits  quis). 

'  Talvoz  por  analogia  ã->  cniprezo  de  alpiitn  por  Jioihiim. 


SyS 


rado  subst.==  nemo  (ninguém,  nenhum)  —  siint  nulli 
(Planto);  bemjicia properanlius  reddere:  ipse  ab  iiullo  re- 
perlere  (Cie  . 

Se  —  Deriva-se  do  accus.  5e  do  pron.   reflexivo  latino 

—  sui  sibi  se  (  sem  nominativo  ),  e  cujos  números  confun- 
dem-se  soba  mesma  forma  flexionai. 

E'  pois  o  mesmo  pronome  reflexivo  portuguez. 

Corresponde  ao  francez  on  (o/;z,  no  Sec.  XIII),  cuja 
origem  claramente  se  percebe  na  forma  primaria  Iio?n, 
contracçáo  de  Iiomme ;  allemão  man  ( contracção  de  mann- 
homem);   anglo -saxonio,   inglez  e  dinamarquez  —  man  ^ 

—  italiano,  hespanhol,  provençal  —  se. 

Nos  Secs.  XV  e  XVI  empregava-se  também  o  sub- 
stantivo ho?nem  como  pronome  indefinido,  nos  mesmos 
casos  em  que  hoje  empregamos  se: —  homem  não  sabe  como 
se  valha  contra  a  ccihimnia  (  Barros  ) ;  cuida  homem  que  es- 
colhe... (S.  deM.)  etc...  Este  uso  ainda  é  vulgar  em  Portugal, 
( anda  homem  a  trote  para  ganhar  capote );  no  Brasil  dá -se 
preferencia  á  palavra  genle  (  a  gente  não  sabe  que  hade 
Mer'). 

Com  o  Sec.  XVI  é  que  começou  na  linguagem  clás- 
sica a  verdadeira  preponderância  do  pron.  indef.  5?,  e  a 
queda  das  suppletorias  homem  e  gente. 

A  sua  derivação  do  caso  regimen  não  é  para  causar 
estranheza.  O  inglez  antigo  (  1 25o- lõoo)  usava  do  caso 
objectivo  me,  do  pron,  pess.  da  i^  pess.  sing.  ( /)  como 
pronome  indefinido  correspondente  a  man,  one.,  etc,  e 
ainda  hoje   na  linguagem  familiar  e  vulgar  persiste  o  solle- 


'  — AU. —  man  sagfc  (  diz-se  ),  man  muss  (deve-se);  ang.  sax. — 
man  greaf  (  deu-se  )  :  ing.  man  says  (diz-se);  dinam.  )Ma?i  siger.  No 
saxonio  mav=elles  /maíi  o/ls/')c/i=ell'^s  mataram  ou  motaram-se  )  ;  no 
ingl-^z  antigj  com  pi  irai — mcn  Iierd  ==  elles  ouviram.  No  inglez  mo- 
derno o  pron.  ind.  se  é  também  representado  pelo  pron.  jjess.  they  (elles, 
cilas  ). 

*_No  inglez  também  o  substantivo  people  (poxo,  gente)  indica  o  prou. 
indrsó  ( thcij  áay,    nia'n  savs,— •  peOPLe  saj':=  diz-sc:  on  dizíra  ).■ 


374 


cismo  ^ ;   o   portuguez  também  empregava  cujo  no   sen- 
tido de  dono,  senhor  (  sou  cujo  de  quanto  tendes  ^ ) . 

Si  um  objectivo  e  genitivo  pronominaes  podiam  ser 
sujeitos  de  uma  oração,  que  muito  fossemos  buscar,  e  com 
mais  cabida  e  propriedade,  o  ciccus.  de  um  pronome  re- 
flexivo para  exprimir  o  pronome  sujeito  da  3"  pessoa  que 
desejamos  apresentar  de  modo  vago,  indeterminado,  inde- 
finito,  no  sentido  lato  da  palavra  homem  ? 

Pronomes  relativos 

4).    São  : —  que,  quem,  qual,  cujo. 

Que  (  =  lat .  qut\  arch .  quei,  de  quí  quoe  quod  ) .  Da 
declinação  latina,  que  era  perfeita,  herdamos  o  nom. — 
qut^  oaccus.  quem.  o  gen.  cujus. 

Etymoiogicamente,  pois,  temos  formas  especiaes  para  o 
sujeito,  regimen  directo,  e  indirecto.  Quem.,  porém, 
tornou -se  pronome  independente,  e  de  uso  mais  geral, 
como  veremos.  Neste  ponto  ainda  é  o  francez  mais 
abastado,  que  conserva  qm  para  o  caso  subjectivo,  e  que 
para  o  caso  objectivo,  além  de  quot. 

Que  apparece  desde  a  formação  da  lingua,  e  não  lhe 
conhecemos  variantes  morphologicas,  exceptuantes  as 
formas  dialectaes.  Assim,  p.  ex..  em  S.  Thomé —  se- 
gnndo  o  testemuuho  de  Schuchardt  — ,  é  elle  equivalente 
a.  cu  : —  Padre  nosso  cu  já  no  cjé  =  Padre  nosso  que  estás 
no  céo. 

Quem,  arch.  qui  (  qm  ferir  moller. ...  F.  de  Gravao  ; 
qm  J/ilhos  ouuer. . .   S.   Ros.). 


*  You  are  torong. —  Me  ?  (por  I). 

'  —  Meti  cujo  p.  meu  marido,  os  meus  cujos  p.  os  meies  parentes,  a 
rainha  familia,  etc.  ainda  são  dizeres  miut'^  vulgares  na  linguagem  po- 
pular. Esta  moça  tem  ciyo(Eupbr.) 

V.  Pacheco  J-or. —  Rev.Brãz.    .  . 


SyS 


Deriva  directamente  do  accus .  lat.  quem  (de  qui  quoe 
quod.  ^) 

Os  clássicos  antigos  empregavam-no  também  em  refenencia  a 
animacs  e  cousas;  e  (  o  que  não  deixa  de  ter  elegância  )  em  substi- 
tuição dos  demonstrativos  esíe,  aquelle  : —  as  boas  ariorcs  dão  bom 
frucio  e  as  viás  como  quem  são  (  H.  Pinto  )  ;  quem  lhe  dava  ovelha, 
queai  um  carneiro,  qncm  um  novilho  (  Luc)  ;  quem  de  vós  não  ttvi 
placado,  este  atire  as  pedras.  (Vieira). 

O  emprego  de  quem  é  também  dos  primeiros  séculos  da 
lingua  : —  m.ha  senhor^  quem  me  vos  guarda,  guarda  a 
myn  (  C.  da  Vat. ) —  quem  se  louva.,  tn  H^eus  se  louve  ( R. 
de  S .  B . )  ;  quem  amar  ho  padre  e  ha  madre  mais  que  mi 
(V,  de  S.  Euphros.);  porque  no  avia  aquém  leyxasse 
ssua  Reque^a  ( Id.). 

Qual  =  proa.  im.  erelat.  lat.  qualis  —  quale,  corre- 
lativo de  talis.  2. 

E' invariável  em  género.   Plural  —  quaes. 

Form.  port. —  qualquer. 

Eram  vários  os  seus  empregos  até  o  Sec.  XVII.  como  veremos  na 
syntaxe,  entre  os  quacs  o  da  substituição  de  alguns,  alguém,  de  mui 
agradável  effeito  e  muito  para  serem  imitados  pelos  que  prezam  a 
vernaculidade. 

Qual  do  cavallo  vôa,  que  não  desce  ; 
qual  co'o  cavallo  em  terra  dando  geme  ; 
qual  vermelhas  das  armas  faz  de  brancas  ; 
qual  co'os  penachos  do  elmo  açouta  as  ancas. 

(Camões,  Lus.  C.  VI). 

Cujo,  arch.  cuyo.,  cu/ia  —  Sec.  XIII ;  cuigo  — Sec.  XA', 
(==  lat .  cuios,  cujus) . 

E'  pois  dos  1°^  does.  da  lingua  escripta. 

O  gen.  de  qui  quoe  quod  exprimia  varias  relações,  e 
desde  o  periodo  clássico  começou  a  ser  substituído  pelo 
ablativo  regido  da  preposição  de. 


•  Querer  com  Th.  Braga  e  outros  deacobrir-llie  a  origem  om  qiie'heme 
=  que,  homem,   parece-me  desacerto. 

*  Leoni  e  outros  derivam-no  de  qua  illa  ! 


376 


Imperava  também  nas  mesmas  épocas  o  pron.  interrogativo  ít/z/V/j-j 
ãj  7itn  (com  uma  forma  arcli.  qiiojj  também  idêntica  á  arçh.  do  pron. 
relativo) . 

Cu  jus j  pron.  interr.  poss.,  significava  —  de  çiian  ?  cujo  ?  ; 
cujiiSj  genitivo,  era  mais  empregado  no  sentido  de  pertencente  a 
quem,  a  qtiej  de  quem,  de  que^  dos  quaeSj  sem  idéa  relacional  de 
posse.  ' 

Da  analogia  das  formas,  resultou  o  duplo  emprego  de 
cujo  no  portuguez  antigo.  D^ahi  estas  phrases  que  os  gram- 
maticos  condemnam  :■ —  Represenlam  estes  delineamentos  ao 
Senhor,  de  cujo  ha  de  ser  o  ediíicio  (B .  Dec . ) ;  SanCIgnacio 
Interciso  de  cuja  nação  fosse  nâo  nos  consta  (D.  Nunes, 
Descr.  de  Port.j,  -  este  sacerdote  cujas  eram  estas  Jilhas 
(íni.  de  Ale.)  Um  clássico,  a  quem  temos  por  contem- 
porâneo, escreveu  :  —  Os  Sds  e  Mem\es  cujos  era  de  jus  e 
herdade  a  alcaiad ária.  (G.  Castello  Branco). 

A  pbrase  —  este  sacerdote  cujas  eram  estas  filhas,  é  correcta,  e  não 
repugnarih  ao  ouvido  dos  menos  lidos  por  cias  icos  si  mudássemos 
apenas  a  collocação  do  pronome  —  este  sacerdote  cujas  filhas  eram 
estas.  A  pkrase  de  Castello  Branco,  equivale  &—-  os  Sas  e  Menezes  de 
quem  (dos  q^uaes)  era  de  jiis  e  herdade  a  alcaiadaria  j  si  disséssemos 
—  cuja.  alcaiadaria  era  de  Jus  e  herdade,  é  claro  que  daríamos  a  en- 
tender já  lhes  pertencia  a  alcaiadaria. 

Deve  pois  este  pronome,  conforme  a  proposição,  ser 
considerado  relalii^o  ou  possessivo. 

O  emprego  da  prep.  de  antes  de  cujo,  sempre  que  o 
subst.  com  elle  concorda  exprime  relação  restricta  circum- 
stancial  ou  terminativa,  data  do  Sec.  XII  {. . .  de  cuja  ifida, 
Rib.  Diss.)  Esta  construcção  é  hoje  de  rigor. 


'  Cp.  Gôíí.— is  denique,  cuja  est  uxor  fuerat  (Plin.);  ea  caedes  si 
potissimnm  crimini  datur,  detur  ei  cuja  interfuit,  non  ei  euja  nihil  in- 
terfuit  (Cie.) 

Interr.  j[ass.—  Ut  óptima  conditione  sit  is  euja  res  sit,  cujum  perl- 
c  ilum  (Cie.  Verr.)  cujam  esas  te  vi!3  maxime,  ad  eum  duco  te  (Plauto 
Cure.) 

*  O  erro  está  no  emprego  da  prep.  de,  por  se  haver  perdido  a  noção 
etymologica  (do  gen.)  E  erro  mais  grosseiro  ó  o  (>mpi'ego  de  cujo  por 
que. 


377 


Pronomes  inienogativos 

5.—  Sâo  os  mesmos  relativos  qiie^  quem,  qual. 

Tal  também  se  pôde  empregar  interrogativamente  :  — 
tal  ha  que  assim  proceda  ? 

Cujo.,  com  funcção  interrogativa  é  um  archaismo.  Era, 
porém,  de  uso  até  o  Sec.  XVill :  —  cujas  s!'o  eslas  ricas 
armas  ?  (J.  de  Barros);  cuja  é  esta  caveira  ?  (Vieira),  e  tinha 
exemplo  no  latim  —  cujus  pecus  ?  an  Meltboei  ?  (Mrg.  En . ) 

Nota  , —  Sobre  o  pron,   Oj  cnclytico  V.  Lição  34  : 
Era  muito  usado  na  forma  /o  claramente  : — poz-lOjfez-laSj  ei'los, 
110-IoSj   vo-lo j  vede-las j   vc-lo,  que  ainda  conservamos  posto  que  alte- 
radcs  no  modo  de   escrever  Y7'<^/-í^^  veíidel-as)^  e    em  alguns  nomes  de 
jogos  populares  de   Portugal  —  dcu-che-lo-i.nvOj  dou~che-lo-morio . 

6. —  Tratemos  agora  de  duas  palavras  archaicas  ge- 
ralmente consideradas  pronomes.,  mas  que  mais  devem  ser 
arroladas  txsx^c o.  o^s,  advérbios  supplementares. 

Ende  —  Nos  canc.  e  does.  dos  Secs.  XIII  e  XIV  appa- 
rece  esta  palavra,  e  a  forma  encurtada  en  (de  ulterior  em- 
prego), que  correspondem  ao  pronome  francezew. 

O  primeiro  que  fez  este  reparo  em  lettra  de  forma, 
suppomos  foi  o  nosso  lexicographo  Moraes.  Desacertou, 
porém,  acreditando  que  essa  partícula  adverbial  equivale 
somente  a  d'elle,  d'ella,  d'elles,  d'ellas. 

e  nom  dom  a  mi  os  meus  foros  que  e/ide  ei  de  haver. 

(Ind.  de  Ale.) 
...  molheres  casadas...  que   andavam   a  preito  nas  audiências  e 
nossa  corte,  em  tal  guisa  que  levaram  eude  maa  fama. 

. . .  fará  queixume  aos  que  se  e;/de  queixarem. 

. . .  fará  complimento  de  direito  e  justiça  aos  que  eude  se  queixarem. 

(Id.) 
Pays  de  vós  non  ey  nenhum  ben 
de  vos   amar  não    vos   pesV«   senhor. 

(C.  de  AJ.) 
E  pêro  m'eu  da  falta  non  sey  ren, 
de   quanfeu    vi,    madre,    ey  grã  prazer  e». 

(C.  de  Vat.) 
E  pays  e;/d'as  novas  saber. 
Também  possVv;. 

(8 


378 


Ende  =  \a.t.  inde  :  é  partícula  adverbial  equivalente  a 
d'ahi^  d'alli^  d' isso,   d'elle   ou  d'ella,  d'elles  d'ellas.  ^ 

Dessa  palavra  só  nos  resta  vestígio  na  locução  em  que 
pese  =  arch.  endi  que  pese,  ant.  em  que  pés  {pe^),  e  é  equi- 
valente a  ainda  que  lhe  pese^  i  e...  que  lhe  cause  pesar,  a 
seu  pesar,  despeito,  a  mal  do  seu  gado.  - 

Por  ende  (mesmo  em  hesp.)=  portanto,  então,  em  conse- 
quência dSsso  Também  este  sentido  tinha  em  latim  o 
adverbio  imde,  como  se  pode  verificarem  Scheller,  Gesner, 
Freund  e  Facciolati. 

Hl  {i,jy)  —  Correspondem  ao  francezj^. 

Não  é  pron.  pessoal.  Propriamente,  hi,  i,y,  sign.  ahi,alli 
(onde)  ;  mas  —  por  tranferencias  —  (como  ende)  então, 
portanto  {^ov\s,so),c.Q\nàQ.  nessa  ansa,  nesse  caso.  Todas 
essas  applicações  são  legados  da  lingua  mãe  ^ 

Tantas  coytas  passey  de  la  sazon 

que  vos  eu  vi,  per  bona  fé, 

que  non  posso  i  osmar  a  mayor  qual  é.  * 

Non  ha  hi  quem  me  soccorra 

(Ferr.  afií.) 
veno  a  vos  senor 

que  me  digades  que  farei  eu  y 

(Trov.  Cant.) 

se  nessa  ha  ki  mudar-se  hum  triste  estado. 

(Chr.  do  Cond.) 


1  De  todas  essas  funcçõeg  nos  dá  amostras  o  latim:  lo  (d'ahi)  si  legioius 
sese  recipis^ent  inde  quo  temere  essent  progressão  :  2°,  (d'isso)  —  e.v  avaritia 
erumpat  audácia  necesse  est.  ;  ixde  omnia  acelera  gignu7itur  ;  3",  (d'elle). 
etc) —  nat  filu  Duo,  inde  ego  hunc  majorem  adoptavi  jníAi  (tempo,  d'ahi 
em  diante). 

*  Mas  no  século  XVI  a  partícula  em  que  era  muito  frequente: —  em  que 
eu  seja  lavradora  bem  vos  hei  de  responder 

G.  V.  I.  259 
e  jura,  em  qzie  veja  bonançoso 
o  violento    mar  e    socegado 
não  entre  elle  masi 

Cam.  S.  8o. 
'  Demaratus  fugit  Tarquinios  Corintho  et   tibi  suas  fortunas  constituit 
(Planto)  ;  invocat  deos    immortales  :    ibi  continuo  contonat    Sonitu  má- 
ximo (Id). 

*  Tantas  foram  as  degraças  que  passei 
do   tempo  em    que    vos   vi  —  era  boa  fé  — 
que  não  posso  portanto  avaliar 
a  maior  qual  delias  é. 


3-9 


Empregava-3e  com  preposição  —  de  i,  de  hi ;para  hi,  i; 
per  Ju\  i ;  des  h\  i,  des  i ;  d' kit  d'  i. 

De  uso  frequente  nos  primeiros  séculos  da  lingua  nas 
nas  trovas  e  cantares,  não  o  foi  menos  nos  que  se  lhe  se- 
guiram até  o  XV.  A  forma  preferida  era  /. 

Qual  a  sua  etymologia  ? 

Derivam-n3  alguns  do  lat.  ihi^  outros  da  adv,  ahi.  E' 
este  o  nosso  parecer.  Cp.  qiii  aqui.-^  e  nos  mesmos  casos 
em  que  se  empregava  ///,  /,  /,  usamos  nós  na  linguagem 
familiar  e  vulgar  dos  advérbios  ahi^  aqui: 

a/li  estávamos  nós  quando  elle  chegou  (  iicssc  /ogar.) 

dissc-me  elle  que. . . .  ,  açiti  eu  redargui. . .  (  eníão.) 

a/li  o  que  se  deve  fazer  é. . . .  (  nesse  caso  ). 

a/li  nada  mais  ha  que  fazer. 

Nota  Suvi  ibi  traduz-se  por  aqui  estou  eu.  Nesta  phrase,  e  bem 
assim  em  ai/i  está  e/le  (  que  também  se  diz  ),  ctc,  o  sentido  é  locativo 
e  o  seu  emprego  é  tão  sómenfe  para  mais  dar  força  á  indicação  da 
pessoa.  Equivalem  a  —  eis-ine  aqui,  aqui  me  tens  ;  em  mim,  nelie,  etc. 
tensa  pr(n'a  presente  —  aqui  mesmo  —  do  que  digo,  etc.  Ex.:  — 
Estás  muito  envelhecido  !  Aqui  estou  eu  que  com  8o  annos  ainda 
não  me  branquejaram  os  cabellos. 

E  este  modo  de  dizer  é  commum  a  outras  muitas  linguas. 

DO  ARTIGO  ' 

O  artigo  definito  c  uma  voz  demonstrativa  em  todas 
as  linguas,  não  só  pela  derivação  como  por  suas  funcções 
e  propriedades  (  grego  ó  Sovto;  =  este;  ali.  der  de  dieser^ 
ing.  lhe  de  íluí.  quQ  servia  de  artigo  no  A.  S.  e  vinha 
prefixado  á  palavra,  e  ainda  em  muitos  paióis  encon- 
tra-se  o  emprego  do  pronome  demonstrativo  como  ar- 
tigo —  c/l  cure.,  eh'  tnarichau  ■=  ce  cure.,  ce  iHÀrechjl.,  por 
lecuréttc.  (  P.  Picard.)  ce=hicce.  E'  equivalente  en- 
fraquecido de  um  demonstrativo . 


*  Para  nós  o  artigo,  como  já  dissemos,  entra  no  rol  dos  adjectivos 
daraonslrativos:  não  é  parte  distineta  do  discurso —  A  nossa  divisão,  ex- 
-plica-se  pelo  dever  de    não  nod  afastarmos  do  programma  official. 


38o 


No  latim,  o  analytUmo  introduziu  também  o  Uso  do 
pronome  ills,  que  depois  transforniou-se  em  ILLO  (  alte- 
ração geral  nas  declinações  masc).  lllo  Iionto^  tila  miiller^ 
illo  caballo^  illa  ecclesia^s^ò  no  laiim  popular  verdadeiras 
formas  de  nominativo  ;  e  esse  uso  tornou-se  frequente  nos 
melhores  autores  latinos,  (  Cie,  Sen.,  Plauto )  ^ 

0  demonstrativo  latino,  passou  por  varias  evoluções  — 
<?/,  elJi,  lo,  la  \  plural  e/5,  elhs^  li^  los^  las,  e  destas  formas 
esnocadas  bracejaram  as  que  deram  origem  aos  artigos 
das  línguas neo- latinas  :  hesp.  <?/,  /í7,  los^  /a5  ;  ital — el, 
la,  lo^  /e,  glt  '^  fr. —  el,  il,  la^  li  -^  /e,  la,  les  ;  valachio  — 
/e,  (3,  /,  le  (  postposto  ao  subst.) ;  prov.  /o,  /c7,  ti  ( li )  i 
//,  //  ( los ),  las  ;  port. —  <?/,  /o,  lio  ;  o,  j,  05,  as. 

São  varias  as  opiniões  sobre  a  origem  do  nosso  artigo 
dejinito,  das  quaes  três  são  mais  seguidas.  Só  destas  nos 
occuparemos.  Uns  opinam  que  elle  descende  do  grego  ò 
(  m)  ev)  (  fem.)  ;  outros  são  de  parecer  que  deve-se 
buscar  a  sua  origem  no  demonstrativo  latino  hk^  haec,  hoc\ 
certo  numero  inclina -se  á  fonte  que  já  deixamos  apontada 
como  verdadeira  ( iíío^  a  ) . 

1  .^  Regeitamos  de  todo  a  origem  grega  porque  o 
génio  de  uma  lingua  pôde  ser  modificado  por  outras  ;  mas 
essas  modificações  não  se  podem  estender  mesmamente  ao 
caracter,  e  tão  profundamente  que  consigam  a  implantação 
de  uma  nova  parte  da  oração. 

O  Grego  desde  os  tempos  mais  remotos  estanceou  na 
Itália,  onde  dominou  a  par  do  latim  ;  á  Grécia  deveram  os 
Latinos  os  rudimentos  de  civilisação,  copiosidade  de  vocá- 
bulos, '^  a  religião,  a  legislação.  O  estudo  do  grego  era  muito 
mais  usual  —  affirma  Quintiliano  — do  que  o  do  latim  ;  e 
no  tempo  de  Gatão  saber  grego  era  signal  de  boa  educação. 


'  Pacheco  Juiiioi*  — G''amm.  hist.  Intr.  p;ig.  21. 
*  Foi  Dyonisio  da  Thracia  q  lem    inh-odiuiu  em    lloina  a    lenuiiio- 
logia  Grega. 


38i 


Tibério  Graccho  discursava,  e  Flaminino  versejava  nessa 
lingua  ;  a  primeira  historia  de  Roma  foi  escripta  em  grego 
por  Fábio  Pictor  (  Mommsen  I  425  -  902  )  ;  Cicero,  pe- 
rante o  senado  de  Syracusa,  e  Augusto  em  Alexandria, 
fizeram  allocuções  em  grego  :  as  mulheres. —  referem 
Ovidio  e  Juvenal  — ,  liam  Menandro  e  outros  escriptores 
Gregos, 

Ora,  si  apesar  de  toda  essa  legitima  influencia  da  Grécia 
sobre  a  intellectualidade  romana,  não  conseguiram  os  Hel- 
lenos  introduzir  na  lingua  latina  o  emprego  do  artigo,  com 
razão  mais  forte  na  peninsuia  hispânica  onde  a  influencia 
grega   só  se  fez  sentir  nos  usos  e  costumes . 

Na  linguagem  não  é  ella.  reconhecida  ;  este  elemento 
et3'mologico  foi  em  extremo  insignificante  no  léxico  po- 
pular. O  predomínio  deste  elemento  só  se  manifestou  na 
technologia  scientiftca,  no  vocabulário  erudito,  isto  é, 
quando  a  lingua  já  estava  formada,  e  já  era  geral  o  uso  do 
artigo  em  todos  os  idiomas  romanos,  inclusive  o  por- 
tuguez . 

Em  remate.  O  artigo  definitivo,  que  também  era  co- 
nhecido dos  Celtas  e  dos  Godos,  não  veiu  da  Greeia. 

2°. —  Estudemos  agora  a  segunda  hypothese. 

Leoni  e  outros  muitos,  são  de  parecer  que  em  Portugal 
o  artigo  provém  do  ablativo  hoc^  hac,  que  mais  tarde  sim- 
plificou-se  ern  ho,  ha,  e  finalmente  fixou-se  em  o,  a. 

O  principal  esteio  de  argumentação  de  Leoni  e  seus 
proselytos  é  a  graphia  ho,  ha. 

Sabemos  que  Plinio  escreveu  devia-se  considerar  os 
pronomes  hi:,  hx:,  hoc,  verdadeiros  artigos  sempre  que 
estivessem  exercendo  funcções  de  demonstrativos . 

Lê-se  em  Eggerde  que  nas  escolar  do  Império  do  Occi- 
dente,  os  grammaticos  romanos  empregavam  hic,  h.vc,  hoc., 
para  designação  do  género  dos  nomes. 

Mas  se  todas  as  outras  lin^uas  irmãs  derivam  o  artigo 
•definito  do  demonstrativo  lat.    ilh,  illa,   illud,  porque  o 


382 


portuguez,  delias  se  desviando,  foi  buscar  a  sua  muleta 
grammatical  ao  ablativo  hoc,  hac^  posto  que  em  legitima 
concurrencia  com  aquelle  outro  typo  ? 

O  facto  náo  seria  novo,  e  se  fosse  verdadeiro  não  nos 
causaria  estranheza. 

Mas  o  nosso  artigo  dirivou-se  das  formas  illo,  illa,  illos^ 
tilas.  São  provas  incontradictaveis  do  novo  asserto,  os 
documentos  históricos. 

Nos  escriptoá  dos  Secs.  XII  e  XIII,  isto  é,  nos  primeiros 
períodos  da  lingua,  as  formas  articulares  são  ilo  i.o  (  por 
jm\o  de  ilo  re;,  a  los  alcalddes^  las  vertudes,  los  santos}^ 
2l  par  das  hodiernas  o,  a  ( o  abale  de  Santo  Mariino^  a  jnaior 
ajtída^  os  amem,  o  Jiel  dixer,).  Nas  contracções  ainda  se 
descobre  a  forma  actual,  que  foi  das  primitivas  —  dus 
(  dos  ),  no,  nus^  nos^  lus  ( los  )  i  .  ^  As  formas  contrahidas 
d'is.,  nus,  lus.,  constituem  simples  variantes  graphicas  e 
ainda  no  sec.  XIV  coexistiam  as  formas  usqous{o).  "•^ 

No  Século  XIV — persistem  as  formas  o,  a,  além  das 
variantes  citadas  —  iis,  oiis,  ^ .  Apparece  a  forma  El- 
Rei=  tio  rei:— foram  dt\er  a  elrrey  qus. . .  [Livro  de  Liiih. 
D.  Pedro  ),  que  persistiu   até  hoje. 

No  sec.  XV  temos  as  formas  o,  a,  os,  as, ;  ao,  do,  das, 
ni,  por  o  etc.  * 

No  sec.  XVI,  isto  é,  no  portuguez  moderno,  é  que  se 
implantaram  as  formas  /lo,  ha,  cujo  império  estende-se 
ao  XVII ;  mas  sempre  a  par  da  actual  (  o,  a,  ).  * 


'  Enclises   noniinaes:  —  todolo,   todolos,  ambolos,   todoltcs Sec. 

XIII.  V. 

*  Vide  Cano.  da  Vat.,  Car.  da  Vat.,  Foros  de  Gravão,  J.  P.  Ribeiro 
loc.  cit.,  Canc.  Affonsiin. 

'  Iti  de  S.  Dento  de  Foros  Gravão,  de  Santarém  ect.,  Fr.   J.  Claro.... 

*  No  Liv.  das  Linhagens  :  —  de  máa  ventura  he  ho  homem  que  sse 
lia  per  nenhuma  molher  ;  o  curral  era  alto  de  muros  ;  o  ilTante  disse  con- 
tra seu  pae,  etc. 

»  ieaZ  Coíis-,  Mor.,  J.  Ciar.  J.  Ferr.  etc. 

Conservamos  la,  etc.  em  algiimas  expressões  —  a  la  fè,  a  la  moda  ; 
El  em  El-Rey  (  é  a  forma  usada  exclusivamente^  na  ilha  da  Madeira, 
segundo  refere  a  eminente  glottologa  Car.  Michaolis.  ) 


383 


A  orthographia  —  como  vimos  na  Lição  Quinta  —  era 
ainda  muito  irregular  e  vacillante  ;  e  a  corrente  erudita, 
que  tanto  se  manifestou  nesta  phase  evolutiva  da  lingua, 
cahiu  em  muita  estultice  pelo  culto  exagerado  ao  clacismo. 
Predominava  o  gosto  pelas  antiguidades  gregas  e  romanas  ; 
e  sem  mais  exame,  talvez  descobrissem  no  grego  os 
pergaminhos  nobiliários  do  nosso  artigo  definitivo.  Mas 
cumpre  advertir  que  o  abuso  do  emprego  do  h  no  sec. 
XIV  (introduzido  pelos  latinistas)  e  no  XV,  continuou 
no  periodo  áureo  ( hinsidias,  heslromento,  higiialãaçon^ 
husofructo,  husaro77i... ) 

D"'onde  se  originou  o  Ji  áz  hum,  hunia  S  (  que  conserva- 
mos em  nenhum  ),  he  (  ainda  dos  Sec.  XVII  e  XVIII  ),  ao 
passo  que  escreviam OMrr<:z,  omen,  oje,  aver,  etc. . .  ? 

Ainda  mais.  Illo  homo  era  forçosamente  pronunciado 
com  um  único  acento  tónico,  que  recahia  sobre  o  primeiro 
o  de  homo.  O  accento  secundário,  em  geral  sobre  a  syl- 
laba  inicial,  deslocou- se  para  a  2^  /o,  como  acontece  fre- 
quentemente nos  procliticos. 

O  h  pois  não  é  etymologico.  O  artigo  procede  em  linha 
recta  do  illo :  prova-o  mais  a  sua  dupla  formação  (o  homem., 
eu  vi~o  —  V.  Syntaxe.  ) 

As  contracções  do  artigo  definito  começaram  no  Sec.  XII ; 
as  primeiras  empregadas  foram  as  das  preposições  em 
e  de   {nos.,  luts.,  dos  deles.,  etc.)  ^ 

A  contracção  da  preposição  a  e  per  (por)  só  appa- 
receu  no  fim  do  Sec.  XIII,  principio  do  XIV  (ao,  pelo., 
pola.,  etc);  ^  mas  costumavam    também  indical-a  apenas 


•  Nas  primeiras  décadas  do  Sec.  XIV —  ?í7jo,  a  ti»,  (Cd.  Aff.  ) 
mais  tarde — Ai/,  htia,  hú,  huã,  hum,  huma,  humxs,  (  L.  de  Linh.  do  CoU. 
dos  Nobres  )  :  dep  >is  w,  uã,  a  par  de  Iwm  huma,  e  por  íim  xim  uma. 

*  E  leriim  deles  quanto  que  overum  ;  devision  que  fazemos  entre  nos 
dos  erdamcntiis  e  dos  coutos  e  das  onrras ;  nas  três  quartas  partes  do 
Padroidigo  dessa  Eygreyga. 

'  Vaya  ao  plazo  ;  peyte  médio  m.orahitino  a  aquel  con  que  non  quer  yr 
(Foros  do  Cast.  de  Itod.) ;  o  noso  senhor  pola  sua  piedade  nos  demostra  a 
carípcira  da  vida  (R.  de  S.  Bento). 


384 


aa^  por  o,  per  o.  Muitas  vezes,  no  mesmo  documento, 
deparam-se  ambas  as  formas  contrahidas  e  nâo.  ^  A 
contracção  com  o  artigo  masc.  era  o  ^  e  ainda  tinham 
a  forma  ai  =  alo . 

A  prep.  pér,  foi  ferida  de  morte^  pela  prep.  por  na  lucta  pela  vida, 
e  com  isso  perdemos  uma  riqueza  da  nessa  lingua :  aquella  empre- 
garam-na  os  antigos  com  o  accus.,  esta  com  o  dativo  — Já  novi  pode- 
des  per  x&va.  bem  haver  ;  a  voos  graças  faço  por  íxs  mercees  qite  vte 
fizestes.   3 

9.  —  Artigo  iNDEFiNiTo. —  O  artigo  indefinito,  como  o 
definito,  tem  por  fim  —  diz  F.  Diez  —  a  individualidade 
de  um  objecto. 

Resta  accrescentar  que  o  indefinito,  ao  contrario  do 
definito,  só  se  emprega  em  referencia  a  cousas  ou  indi- 
viduos  indeterminados.  O  artigo  indefinito  é  um  adjectivo 
determinativo  indefinito . 

O  nosso  artigo  indefinito  é  iim,  iima=^\2LX.  umis., — 
j,  que  entre  os  Romanos  significava  U/ii  certo^  algum., 
alguém  (por  transf.)  E'  esta  a  razão  porque  tocou  a 
esse  numeral  o  papel  de  artigo  indefinito,  em  que  alguns 
acreditam  ver  —  e  talvez  com  fundamento  —  vestígio  da 
palavra  homo  (homem). 

Skiit  unus  paterfamilias  his  de  rebiis  loquor  (Cie),  est  hitic  unus 
scr7'!is  violeiítissivuíS  (Quin.)y  fonite  aiiie  óculos  iinimi  qí.'C7iiçue  rcgeinj 
íienio  de  nobis  iiniís  excellaí;  unos  sex  dics  (Plaut.)  D'ahi  é  qne 
nos  veio  o  modo  de  dizer  —  umas  faces  rosadas,  uns  cabellos  calanm- 
trados j   uns   quitizc  dias,  etc. 

Emprega-se  também  o  artigo  indefinito,  por  extensão, 
para  designar  um  individuo  como  typo  da  espécie :  — 
um  bom  filho  será  bom  pai.  Neste  sentido  é  que  elle 
se  approxima  do  definito. 


'  Ashí  coní  lliis  fora  mandado  jtelos  reis  ;  per  rs  grandes  e  dur^s  g(TÍIpcs 
que  se  darani  (I.irro  de  Linh,  D.  Pedivi^. 

*  E'  fraqueiifca  o  emprígí  de  ó=.ao  até  os  quinhentistas,  N.  Sec.  XVII 
já  e  esporádico. 

'  Vid.  Carim  —  Jlrmunii. 


VÍGESLMA  SÉTIMA  LIÇÃO 

Etymologia  das  formas  vertaes.  —  Compa- 
ração da  conjugação  latina  com  a  por- 
tugueza.  ^ 

1.  —  A  historia  da  conjugação  portugueza  mostra  cla- 
ramente a  lucta  entre  as  duas  forças  oppostas,  a  que 
por  vezes  nos  hemos  referido,  e  a  que  estão  as  línguas 
sujeitas  na  sua  formação. 

Mostra -nos  mais  ainda  a  lucta  entre  a  tradição  das 
formas  s3'ntheticas  latinas,   e  o   anahtismo. 

2.  —  Temos   quatro   conjugações. 

A  1^  em  jr,   que  corresponde  á  latina  em  are. 

A  2^  em  er,  correspondente  á  latina  em  ère  e  ere. 
Nos  derivados  dos  verbos  em  ere  houve  deslocação  do 
accento,  que  já  remontava  ao  latim  vulgar,  porque  a 
par  das  formas  proparox}'tonas  {críarere.,  gémere.,  fdcerc, 
dícere.,  íj'émere^  rúmpere., . . . . )  creara  as  oxytonas  em 
ere  ire  {currire  g-emire.,  f acere .^  dicére . . . . ) 

A  3®  em  /r,  que  corresponde  á  latina  em  ire  e  ere, 

A  4*  em  or,  que,  como  vimos  á  pag.  228  §  8,  per- 
tencia á  2°  até  o  Sec.  XV,  e  corresponde  á  latina  em  ere. 

3. —  No  tocante  ás  flexões  de  tempo  e  modo,  já  notamos 
o  desapparecimento  de  formas  simples  (  futuro  ),  substi- 
tuídos por  outras  compostas  ou    periphrasticas. 


■-    »  Vid--   Licfio  16^  pag-.  210  §  4" 

49 


386, 


Perdemos  mais  o  snpino  e  o  geriindio^  mas  em  com- 
pensação creámos  o    condicional. 

Emíim,  e  isso  ja  resalta  do  que  dissemos  na  16*  .lição, 
apesar  de  todas  as  modificações  porque  passou,  a  con- 
jugação portugueza  conservou  prefeita  analogia  com  a 
latina. 

Tempos    simples 

4.  —  Tempos  simples  são  os  que  se  formam  pelo  acres- 
centamento de  uma  desinência  ao  radical  do  verbo. 

5. —  INDICATIVO  PRESENTE. —  Não  apresenta  na  sua 
formação  differença  dos  tempos  correspondentes  no 
latim. 


amo-o 

ama-s 

ama 

ama- mos 

ama-is 

ama-m 


que  correspondem  a 


am-o 

ama-s 

amat 

amã-mus 

amã-tis 

ama-nt 


dev-o 

deve-s 

deve 

deve-mos 

deve-eis 

deve-ra 

applaud-o 

applaude-s 

applaude 

applaudi-mos 

applaud-is 

applaude-m 

mone-o 

audi-o 

mone-s 

audi-s 

mone-t 

audi-t 

mone-mus 

audi-mus 

mone-tis 

audi  tis 

none-nt 

audi-u-nt 

A  desinência  da  i*  pessou  sing.  é  idêntica  á  latina  em 
todas  as  conjugações  ;  a  2^.  conservou  o  5  final  carac- 
terístico, mas  muda  o  /  dos  verbos  latinos  da  3*.  e  4*. 
conjug.  em  (?;  na  3*  pessoa  deu-se  em  todos  os  tempos 
a  queda  do   t  final.  * 

O  único  vestígio  que  nos  restou  desta  característica  é  a 
forma  est.,  que  se  encontra  nos  primeiros  cancioneiros.,  etc  : 


•  Já  frequenti  no  latim  desde  o  sec. —  IV  da  nossa  era,  porque  não  mais 
soava  na  linguagem    popular    de  Roma. 


387 


—  esl  a  pra'^0  passjdo  (  D.  Din  ),  est  asst\  est' est 
o  m.T/er   beii,  grave  est  a  mi^  etc. 

Já  dissemos  que  esta  forma  era  principalmente  em- 
pregada antes    de  vogal . 

A  1*.  pessou  do  plural  muda  regularmente  o  u  da 
desinência  em  o  (  mus=:mo5  )  ;  mas  no  sec.  XIII  ainda  as 
formas  eram  verdadeiras  reproducçõ;s  —  amamus  ven- 
demiis . 

Nas  2*^  pessoas  do  plural  o  t  desinencial  (ama-t-ts) 
cahiu,  mas  depois  de  haver  abrandado  em  d  [ama-d-es, 
vale-d-es).  No  Sec.  XV  é  que  começou  a  s3'ncope  do  d^ 
que  se  tornou  definitiva  no  XVI  ^  [soes,  amayes^  oiiuis}^ 
coniquanto  ainda  as  encontremos  em  Gil  Vicente  — 
(olhade,  diiedes,  sodes^sabedes,   deixades^  etc.) 

Conservamos  ainda  vestígios  dessas  formas  em  —  ledes^ 
credes^  vedes  tendes^  vindes^  pondes  (V.  pg.  217-nota.) 

A  3*  pessoa  do  plural  é  em  m  (am^  efn)  =  \sit.  nt  (p. 
ntt)  \  •  mas  a  nossa  flexão  já  era  a   do  latim  popular . 

Segundo  Corssen  (Uber  Ansspr.),  a  articulação  cons.  final  —  ;//, 
tendia  a  cahir  dtsde  o  periodo  comprehendido  entre  a  1*  e  2*  guerra 
púnica,  na  linguagem  popular  e  na  poesia,  ao  passo  que  na  linguagem 
clássica  e  na  prosa  predominaram  as  formas  completas  em  —  etunt . 
No  latim  da  decadência,  porém,  dava-se  a  queda  do  /^  persistindo  o 
«_,  que  se  tornou  final,  e  que  por  ser  surdo,  transformava-se  muitas 
vezes  em  ;//  (Jeceria/i,  couve iienim,  dedicaru)!; .) 

Nos  Foros  do  Casiello  Rodrigo  (Port.  vtoií.  hist .  leges)  as  formas 
façan,  euire»,  deu,  &\.c,  eram  todavia  concurrentes  com  as  em  tií :  — 
denf,  facent, ... 

Em  alguns  verbos,  o  ii  •  o)  formando  hiato  com  a  vogal 
do  radical,   deu   em   resultado  o  diphtongo  ão:  —  va  (d) 


^  Sansk. —  nti,  gr. —  ivti,  gilh.  ?i ',  ant.  alio  ali. —  nt,  moderno  —  n, 
gallez  —  nt,  franeez  —  nt,  eVc. 

*  Achades,  sejalcs  pxssades,  soles,  faczici  e  fazedes,. .,  posto  mais  pre- 
dominem as  syncopadas —  fazezs,  dicee.t,  tocees,  avce-<,  daaes,  sooes,  em 
que  dobravam  a  vogal  para  conservar  a  tonicidade    latina. 

O  1°  doe.  em  que  appare^e  a  íorma  contraliida,  parallela  a  antiga, 
tem  a  data  de  1410:  —  fjiiards  guardes  guardados  (Cap.  geraes  propostos 
pela^Cam.  d",  Santarém), 


388 


iml  =  vaom,  vão .  Cp. —  sermom^  coroçon^  oraçom,  non^ 
galardon, . .  . 

No  Sec.  XV  é  que  começou  a  forma  em  ão. 

6. —  Ind.   Imperfeito — Forma-se  do  modo  seguinte  : 

ama-va  dcvi-a  applaudi-a 

ama-vas  devi-as  applaudi-as 

ama-va  devi-a  applaudi-a 

ama-va-mos  devi-a-mos  applaudi-a-mos 

ama-ve-is  devi-e-is  npplaudi-e-is 

ama-va-m  devi-a-m  applaudi-a-m 

que  corresponde  ao  latim  : 

ama-ba-m  mone-ba-m  audi-c-ba-m 

—  ba-s  —      bã-s  —  —  —  s 

—  ba-t  — .      ba-t  t 

—  bã-mus  —      bã-mus  —  —  —  mus 

—  bã-tis  —      bã-tis  — tis 

—  ba-nt  —      ba-n  —  —  —  nt 

Duas  cousas  são  de  notar  neste  tempo  : 

I  .*  —  A  transformação  da  desinência  latina  da  i^  pess. 
sing .  —  bam  em  va,  ( i  ^  conj . ) 

No  latim  vulgar  da  decadência  já  era  frequente  a 
apocope  do  m  (5«  p.  siim,  carpere  p.  carperem^  dice  p. 
di:em^  ctc),  á  imitação  do  que  se  praticava  nas  formações 
nominaes,  principalmente  nos  tempos  de  Cicero  e  Tito,  e 
ainda  accrescentado  depois  do   Sec.    III    da  era  christã. 

—  Quanto  á  permuta  do  b  pelo  v  (que  remonta  ao  latim 
do  2"  Século  D.  C. —  mirainlt  Fapío,  lavoratiim^. . ,  e 
tornou -se  geral  desde  o  4°),  vide  lição  3  .* 

2.°  —  A  deslocação  do  accento  primitivo  latino  na  i^  e 
2^  pess.  áo  ^\nvd\  {amávamos  amabdmus.) 

Nos  verbos  de  2^  e  3"  conj.  seguimos  o  typo  do  Im- 
perfeito da  3^^  conj.  lat.  em  i,  desprezada  porém  a  ter- 
minação derivada  ;  e  por  isso  os  da  2*^  mudam  a  vogal 
thematica  em  1  {temia,  vendia). 

Ouvia  —  aiidi  (e)   (b)  a  (m),  — s,  — ,   mos,  —  eis, —  m. 

Nos  primeiros  does.  as  formas  dos  verbos  da  2*  conj. 
eram  em  ades^  i.  e.,  mais  encostadas  ás  latinas  (ba-iis) ; 


38ç) 

—  qUerhdes^  fa{údes\ . . .  A  queda  do  d  trouxe  as  fórmaâ 
quer iat s /a{tais^  ainda,  frequentes  nôâ  does.  do  XV, 

7. —  Pret.  perfeito. —  Formou-se  tomando  para  typo 
o  dos  perfeitos  latinos  em  —  avi,  evi,  vi. 


amii 

devi 

applauaV 

ama-ste 

deve-ste 

applaudi-ste 

am-ou 

deve-u 

applaudi-u 

amá-mos 

deve-mos 

applaudi-mos 

ama-ste 

deve-ste 

applaudi-stes 

ama-ram  ' 

deve-ram 

applaudi-ram 

que  correspondem 

ás  formas  latinas 

ama-v-i 

mon-u-i 

audi-v-i 

ama-v-i-sti 

nion-u-i-sti 

audi-v-i-sti 

ama-v-i-t 

ir.on-u-i-t 

audi-v-i-t 

ama-v-i-mus 

mon-u-i-mus 

audi-v-i-mus 

ama-v-i -stis 

mon-u-i-stis 

audi-v-i-stis 

ama-ve-runt 

mon-u-i-runt 

audi-v-e-runt 

Dizem  os  grammaticos  que  amei  é  contracção  de  amado 
hei,  amasie  de  amacio  has^  etc.  De  feito,  são  estas  as  formas 
correspondentes,  e  sabemos  que  no  latim  o  participio 
precedia  o  auxiliar ;  mas  basta  confrontar  o  paradigma 
portuguez  com  o  latino  para  nos  convencermos  de  que  a 
nossa  língua  aceitou  o  typo  latino,  e  que  as  desviações 
que  apresenta  são  devidas  ás  regulares  modificações 
phonicas . 

No  latim  líi  e  vi  exprimem  o  thema  do  perf.  da  raiz  fn  e  d'alii  — 
avia  fui  =  aina-Iuii,   ama-iii,  aina-vi. 

F/ juntava-se,  em  regra,  aos  themas  do  prés.  dos  verbos  derivados 
das  flexões  —  </,  e,  \.  para  formar  o  perfeito  avio  aviavij  avian.ns, 
avia^nviiis. 

Nos  verbos  de  primeira  conjugação  {  di-íu'^,  deu-se  a 
queda  do  v  em  todas  as  pessoas  ^,  e  d^ahi  pela  mudança 
regular  do   diphthongo   ai  em  ei  ^  ami,   ( v  )  /  =  amei.  A 


*  Esta  forma  am  õo  fixou-se  no  Soe.  XVI  —  Sec.  XII  —  em  um,  XIII 
om^  on,  XIV,  XV  — om,  õ. 

•  Probai  p,  probavi,  probaisl,  calcai,  p,  calcavi,  etc. 
*^>*í»?aj'í(t.=p.  aiit.-o>*i»iatVo,  primeiro:  Jamtaviu$=janeiro. 


Sijo 


queda  do  v  médio  arrastou  a  do  /  ( <?  /  ^  e  d'ahi  amasíe=ama 
( V  )  (i)  sti,  amamos  =  ama  (v)  ( i  )  mus,  amasies,  amaram. 

Na  terceira  pessoa  do  sing.  (  amou  —  amant )  a  termina- 
ção it  cahiu  porque  não  soava  na  linguagem  popular  ;  o  v 
(  principalmente  por  se  tornar  flnal  )  mudou  para  a  vogal 
u  (  amauit,  arui,  deseruit. . .)  \  o  diphthongo  aii  transfor- 
mou-se  em  ou. 

Os  verbos  da  2^  e  3*^  conj.  formaram  o  pretérito  ana- 
logicamente, dando- se  apenas  na  1*  pessoa  do  sig.  a 
cantracção  de  ei  em  i — ozm,  applaudi.  Formaram-se  pois 
os  da  2''*  das  formas  latinas  não  syncopadas,  de  accordo 
com  as  regras  da  accentuação  (  Cp .  audi-p-i  —  oudit 
ouvi.  ) 

Nos  verbos  de  "ò^  conj .  é  de  notar  que  os  Latinos  ajun- 
tavam simplesmente  um/  ao  radical  para  a  formação  d'este 
pretérito  : —  prehendo  —  eprhendi.,  prendi. 

A  2^  pess.  do  sing.  tinha  no  Sec.  XII  desineneia  idêntica 
á  latina  ( feiista)  —  ;  no  Sec.  XV.  a  dental  abrandou  em 
d,  encostando- se  no  XVI  de  novo  ao  typo  primitivo. 
E'  o  único  tempo  que  conservou  a  dental  latina  das  2^* 
pessoas  —  amastes.,  vendestes,  applaudiste. 

8.  Mais  que  perfeito —  Formou-se  do  tempo  corres- 
pondente em  latim.  O  que  dissemos  com  relação  ao  pre- 
térito, explica  as  modificações  phoniças  porque  passou. 


ana-ra 

ama-v-era-m 

amára-s 

ama-v-era-s 

amá-ra 

ama-v-cra-t 

amára-mos 

ama-v-cra-mus 

amá-re-is 

ama-v-era-tis 

amá-ra-m 

ama-v-cra-nt 

E  assim  para  as  outras  duas  conjugações. 
Houve  deslocação    do  accento  na    i^  e  2*  pessoas  do 
plural . 


»  Abit  =  abLvit,  exit  exivit  (  P.  1.):   ierut  t  =  ieverunt,  redit  =  redivit. 
(  Ter.  ).,.  E  o  i  loago   latino   soava  ás  vezes  e-o  que  fez  com  que  Lu- 
erlio  propuzessa  fossJ  eile  representado  pelo  diphthongo  ci. 


39 1 


Já  são  do  Sec.  XVI  as  formas — foreys^  amáreys^ 
léreyes,  ouvir eys . 

9. —  Futuro.  A  sua  formação  remonta  aos  tempos 
históricos . 

O  latim  tinha  um  futuro,  que  se  conserva  na  forma 
c-ro,  antigo  e~so  (=  <t  o) ;  e  outro  primitivamente  peri- 
phrastico,  composto  de  um  thema  verbal  ou  de  uma 
flexão  nominal  dp  verbo  e  do  presente  de_/«o,  que  só  se 
empregava  em  composição.  Fiio  mudou -se  em  z/-o,  v-o;  a 
semivogal  v,  permutou  em  b,  e  assim  formou-se  o  futuro 
em  bo  na  latinidade  antiga. 

Na  época  da  decadência,  porém,  as  finaes  latinas  dei- 
xando de  ser  pronunciadas,  houve  forçosa  confusão  de 
formas,  e  impossivel  era  aos  populares  a  distincção  entre 
o  imperfeito  amabtt,  amabam,  e  o  futuro  aniabit  amabo. 
Para  removerem  esse  embaraço,  crearam  os  Romanos  uma 
nova  forma  de  futuro,  composta  com  o  infinito  do  verbo 
e  o  presente  de  habere :  —  amare  Jiabeo^  habeo  dicere,  habeo 
ad te  scribere  (Cie. ), . . . 

Este  futuro  periphrastico  por  fim  alterou  o  clássico,  e 
foi  o  adoptado  por  todas  as  linguas  romanas,  que  conser- 
varam a  inversão  latina. 

Amare  habeo  deu  amar  hei  (assim  como  habeo  amare  — 
het  de  amar),  e  pela  fusão  dos  elementos, —  amarei,  amarás, 
amará^  etc.  Que  a  desinência  ainda  conserva,  porém, 
foros  de  palavra  independente  prova-o  o  facto  de 
poder  separar-se  do  verbo: — escreper-íe-hei^  etc.  (V. 
pag.  218  e  seg.) 

10. —  Condicional.  Nada  temos  a  accrescentar  ao  que 
dissemos  a  pag.  219. 

II. —  Imperativo.  As  2*^  pessoas  (ama  amae)  for- 
mam-se  das  correspondentes  latinos  (ama  amaíe^  mone 
monete,  audi  audite, ...  As  3^^,  de  uma  reproducçao  da 
formado  prés.  do  subjunctivo — ame  elle^  amem  elles,  e 
bem  assim  amemos,  applaudamos,  etc . 


39Í 


Quanto  ás  modificações  porque  passaram  essas  formas 
até  o  Sec.  XVI,  V.  pag.  220. 

Conserva  a  2^  pess.  pi.  de  alguns   verbos,  vestígio  do 
t  latino  :  ponde  tende ^  lede.  ^ 

12.— SuBJUNCTivo.    '^Presente .    E'  uma   reproducção 
do  typo  latino . 


I™    coiijvgarao 

2*  e  3 

*  conj\ 

Hgaçao 

Port. 

Lat. 

Port. 

Lat. 

ame 

ame  -  iii 

—  a 

ít  -  in 

ame  -  s 

ame  -  s 

—  rtS 

a  -  s 

ame 

ame  -  / 

—  a 

a-  t 

ame  -  mus 

ame  -  mus 

—  «mos 

a  -  mus 

ame  -  is 

ame  -  /is 

—  flCS 

a  -  /li 

ame  -  m 

am  -  cn/ 

—  am. 

a  -  n/. 

As  modificações  únicas  são  a  queda  do  m  latino  das 
1^2  pessoas  sing.,  do  i  final  das  3^%  e  do  /  médio  das 
2**  do  plural ,  Todas  são  regulares,  e  a  ellas  já  nos  refe- 
rimos acima. 

Nos  derivados  da  flexão  em  e 
perda  da  vogal  thematica  (  deva 
vista^  p .  vestia  =  1 .  vestia-m . 

1 3  —  S .  IMPERFEITO .  —  Forma-se  do  mais  que  perfeito 
do  subjunctivo  latino  (  forma  popular  ). 


e  /,  dá-se  ás   vezes  a 
p .  devea  =  1 .  debea-m, 


Por. 

ama  -  sse 
ama  -  sse  -  s 
ama  -  sse 
ama  -  sse  -  mos 
ama  -  sse  -  is 
ama  -  sse  -  m 


Lat.  pop. 

amassem 

amasses 

amassei 

atnasscmiis 

amasseis 

amasseiit 


Lat.  class. 

ama  -  v  -  issem 

—  —    isse  -  s 

—  —     isse  -  t 

—  —     isse  -  mus 

—  —     isse  -  tis 

—  —     isse  -  nt 


No  Sec.  XVI  ainda  era  frequente  o  emprego  do  mais  que  per- 
jeito  do  Lidicativo  pelo  subj.  prcs.  (  Se  eu  fora  inn  dos  õetiemerifos 
—  Vieira  Ser7H  ),  e  no  Soe.  XV  o  do  Iníidito  pessoal  pelo  subjunctivo 
(  O  Imperador  desejara  muiio    de  ficardes    7ia  sua   íerra,   Barros  :  ) 

O  I®  emprego  ainda  é  usado  por  alguns  escriptores  puritanos ;  do 
2°,  ha  exemplos  que  entendo  devem  ser  imitados  :—  trabalha,  filho 
meu,  por  agradarem  tuas  obras  a  Deus  (  M.  Pinto.) 


*  Sac.  Wl  amay,  oei,...  e  sede,  lide. 


J 


393 


14  Futuro. —  São  encontradas  as  opiniões  quanto  á 
sua  et3'mologia.  Querem  alguns  gramma ticos  que  elle  se 
forme  da  2^  pessoa  sing.  do  pret.  perf.  do  Ind .;  outros 
opinam  que  do  infinito  ;  raros  —  e  com  mais  cabimento  — 
derivam-no  do  futuro  perfeito  do  subjunctivo  latino. 

ama  -  r  ama  ••  v  -  erim 

ama  -  r  -  es  —      —    eri  -  s 

ama  -  r  —      —    eri  -  t 

ama  -  r  mos  —      —    eri  -  mus 

ama  -  r  í/es  —      —    eri  -  t!s 

ama  -  re  -  m  —      —    eri  -  nt 

Amares  corresponde  de  feito  a  teres  de  amar^  amar- 
mos a  leiamos  de  amar^  etc;  mas  as  differenças  que  apre- 
sentam esses  dous  paradigmas  desde  que  attendermos  a 
que  —  como  jà  vimos  —  o  ?^  cahiu  sempre,  e  bem  assim 
o  met  da  1*  pess.  do  sing.  e  3^  pess.  de  ambos  os  números, 
perdas  estas  que  arrastaram  forçosamente  a  queda  do  i  da 
flexão,  que  d''outra  forma  tornar-se-hia  final.  Assim  ex- 
plica-se  a  semelhança  que  apresentam  com  o  Infinito  as 
I*  e  3*  pess.  sing.  Ama  (v)  er  (im),  ama  (v)  er  (\t)  =  a77iaer 
amar. 

As  formas  do  futuro  do  subj .  já  se  encontram  em  does. 
doSec.  XV  (ouvirdes,  fordes^  amardes^  lerdes,) 

i5. —  Infinito.   E' de  origem  latina. 

16. —  Participios.  Pouco  mais  temos  que  accres- 
centar  ao  que  dissemos  na  pg.  221  e  seguintes.  Sobre  o 
part.  pass.  em  eito  (alguns  ainda  muito  frequente  nos 
textos  do  Sec.  XVI)  —  escolheiio,  escorreito,  correiío,  co- 
Iheito,  recolheito.,  cncolheito,  coieito^  tolheiíò,  (=  ido,  typo 
latino  em  ectus^  collectiis,  etc),  Cp. — feito  leito  peito  treito 
contreito  (G.  V.  III  25 1)  maltreito,,  bieito  (benedicto)  •,  /e- 
eiío,   empleita^  colheita,  etc . . . 

Tempos  compostos 

17.  —  Na  formação  dos  tempos  compostos,  emprega 
o   portuguez  os  auxiliares  —  ter,  haver ^  ser  e  estar. 

50 


394 


O  processo  não  era  estranho  ao  genis  da  lingua  ;  já  era 
conhecido  dos  Romanos,  que,  perdido  o  sentimento  da  de- 
clinação e  das  flexões  vèrbaes,  tiveram,  seguindo  a  tendentia 
analytica,  de  empregar  palavras  auxiliares  —  preposições  e 
certos  verbos  de  significação  muito  geral,  para  clareza  da 
phrase.  D'ahi as  fórmafe  —  habeo  dictum,  habeam scriptum... 
a  par  das  syntheticas  —  dixi,  scripseram,  habeas  scriptum 
p .  scripseras,  hâbes  instituta  p .  msítiutsíí\  redempta  habet 
p .  redemit . . .  ^ 

VERBOS   PASSIVOS 

i8. —  O  portuguez  regeitou  de  todo  a  forma  S3^nthetica 
do  passivo  latino,  substituindo-a  —  pela  composta  do  par- 
tieipio  passado  e  do  verbo  ser  ou  estar . 

Esta  mudança  morphologica,  porém,  já  era  frequente 
no  latim  popular:— Aoc  volo  esse  donatum  (p.  donari), 
quod  ei  nosira  largitate  est  concessum  (p.  conceditur)»,  sitm 
ãniatus  (jp.  amor)^  sunt  aspecta  (aspectantur)^  est  possessum 
(posseditur),  etc.  E  assim  amatiis  sum  ou  fui,  eram  ou 
fuet^ami  ero,  essem,  esse. 

Por  outras  palavras.  A  conjugação  passiva  latina  era 
expressa  por  varias  formas  simples  :  —  aman\  ser  amado, 
amor,  sou  amado,  amabar,  eu  era  amado,  etc.  Mas  em 
alguils  tempos,  como  no  perfeito  e  mais  que  perfeito  do 
Indicativo,  etnpregaram  os  Romanos  formas  compostas  do 
participio  passado  do  verbo  principal  e  do  auxiliar  ser : — 
àmatiis  fuit.  As  linguas  romanas  adoptaram  essas  formas 
aiiàlyticas)  «  que  mais  estavam  em  harmonia  com  o  espi- 
tito  da  lingua  popular,  e  que  de  todo  suplantaram  as  formas 
simples  » . 

19. —  Tinham  mais  os  Latinos  grande  numero  de  verbos 
activos  intransitivòs  de  forma  deJ)oriente  (passiva),  e  de 


*  Todos  eâsea   dizeres  são  class.— César,  Cicero. 


395 


formas  passivas  de  sentido  activo  :  —  revevsus  sum^  pro- 
fecttis  sum,....;  me  uliiis  sum  (eu  me  sou  vingado,  eu 
vinguei- me ;   fr .  je  me  suis  vengé ) . 

Neste  ultimo  caso,  o  sujeito  sendo  ao  mesmo  tempo 
autof  e  objecto  da  acção,  o  verbo  reflexo  latino  assimilou- 
seao  passivo. 

20. —  O  processo  apassivador  dos  verbos  activos  pela 
juncção  da  enclise  rê  nâs  terceiras  pessoas  e  rio  Infinito  im- 
pessoal (cultiva-se  a  terra  é  a  intelligencia)^  já  era  conhe- 
cido dos  Latinosi  ^  jà  nos  referimos  á  forma  periphrastica 
(pronome  se  -f-  forma  vefbal  activa),  cujos  elementos  fun- 
diram-se  por  fim.  ^ 

O  portuguez  absorveu  na  forma  activa  todos  os  verbos 
deponentes  latinos,  que  já  eram  pela  maior  transitivos  na 
linguagem  vulgar  : — arbitrarei,  moderare,  pariire,. . . .  por 
arbitrari,  moderaria  partiria .... 

Os  nossos  clássicos,  porém,  estendiam  o  emprego  desta 
forma  aos  verbos  neutros  :^  a  avesinha  se  cahiu  ;  ella  se 
morreu  (B.  Rib.),  cahtr-se^  emmdgrecer-se,  acofitecer-se, 
partir-se  {d'  alli  nos  partíramos^  Gam.)  etc. ..  Hoje  só  temos 
esta  liberdade  quando  o  verbo  neutro  exprime  exponta- 
neidade  da  aeçao  : — víVe~se^  come-se^  bebe-se^  dorme-se^ . . . 

O  latim  procedia  da  mesma  forma  com  os  verbos  mixtos 
{semi  depoentes,  neutro  passivos  \  —  ceno^  praiideo^  poto. 
{a.z}a.m  cenatns  sum^  pransus  sum^  poius  svim^...  Cp.  port. 
—  bem  comido^  estar  dormido . 

21. —  Os  Latinos  tinham  também  um  outro  modo  de 
oxprimir  que  a  acção  era  feita  e  sotVrida  pela  mesma  pessoa, 
além  da  voz  passiva.  Empregavam  o  verbo  na  voz  activa, 
mas  acompanhado  de  um  pronome  regimen  (reflexivo  da  3''' 


'  Amor  =  amo-se,  etc,.  Como  no  grego,  o  pronome  serre  de  reflexivo  ás 
3^"  pesííôas.  Esta  formação  periphrastica  autor isa  a  supposição  de  que  o 
latim  teve  desinências  correspondentes  ás  gregas  mai  sai  tai,  para  exprimir 
o  médio  paosivo  :  e  o  gregj  com  excepção -do  aoristo  i»  do  futuro,  exprime 
o  sentido  passivo  e  médio  pelas  mesmas  formas  : —  luoinai  =  eu  me  des' 
■prendo  e  sou  desprendido. 


396 


pessoa) : —  Virgo  de  cespite  se  levat  {a  virgem  levanta-se 
da  relva).  O  portuguez,  como  as  outras  línguas  congéneres, 
adoptou  esta  construcção  latina,  e  assim  crearam-se  os 
nossos  verbos  reflexos  pronominaes . 

Si  o  verbo  é  transitivo,  o  pronome  é  regimen  directo 
(mover-se) ;  si  intransitivo,  o  pronome  é  regimen  indirecto 
[arrepender^se). 

O  desenvolvimemo  analógico  d'essa  forma  no  portuguez 
antigo,  deu  em  resultado  uma  serie  de  verbos  que  não  são 
propriamente  reflexivos,  mas  simplesmente  pronominaes, 
porque  o  pronome  nem  fazia  as  funcções  de  regimen  di- 
recto nem  de  regimen  indirecto  {apoderar-se^  partir-se, 
morrer-se.,  deliberar-se^  etc). 

22. — Já  fizemos  sentir  em  outra  lição  a  grande  influencia 
da  analogia  na  conjugação  portugueza,  e  bem  assim  que  as 
irregularidades  são  devidas  a  uma  lei  de  accentuação  ou  á 
acção  de  certas  lettras  sobre  as  do  radical. 

Na  conjugação  latina  o  accento  dos  verbos  deslocava-se 
segundo  a  natureza  da  flexão  que  se  juntava  ao  radical,  e 
este  facto  é  de  grande  importância . 

No  portuguez  antigo  eram  em  maior  numero  os  verbos 
de  duplo  radical  (atono  e  tónico)  hoje  resumido  pela  acção 
da  analogia. 

Por  estreiteza  de  tempo  e  de  espaço  não  damos  aqui  as  regras  rela- 
tivas aos  verbos  de  radical  monosyllabico  ou  polysyllabico. 

23. —  A  acção  flexionai  depende  :  1°  da  presença  de  um 
io\ie. —  Neste  caso  a  acção  flexionai  cahe  ora  na  vogal 
diphthongada,  ora  na  consoante  que  se  modifica  oués3'nco- 
pada,  e  ás  vezes  sobre  ambas . 

D'ahi  as  transformações  dos  radicaes .  Cp .  audio^  debeo ; 
hav  (radical  de  haver)  —  hei.  etc . 

2." —  Introducção  de  letras  euphonicas  :  —  Já  nos  refe- 
rimos a  este  facto,  que  obriga  ás  vezes  esses  verbos,  por 
motivos  euphonicos,  a  dous  radicaes . 


VIGÉSIMA  OITAVA  LIÇÃO 

Etymologia  das  palavras  invariáveis 

I. —    Do     ADVERBIO 

1  —  Os  nossos» advérbios  originam-se  : 

a)  de  um  advervio  latino  simples  : — jd^  onde^  Id. 

b)  de  partículas  latinas  :  —  assas  (  =  ad  satis  ),  avante 
(  ab-ante  ). 

c)  de  adjectivos  : — a//o,  forte^  baixo^  certo,  raro, 
tarde,  etc . . . . 

d)  de  um  adjectivo  na  terminação  feminina  e  o  suffixo 
mente  : —  rarajuente .  Por  derivação . 

e)  de  duas  palavras  portuguezas  : —  atue-hontem, 
outr^ora^  atJianhã. 

2  —  Das  modificações  adverbiaes  a  mais  de  notar  é  a 
do  s  paragogico,  mais  frequente  nas  formas  archaicas  :  — 
entonces,  ames^  algures^ 

Advérbios  de  tempo 

3  —  Vide  lição  20. 

Amanhã  =  Form.  port. : —  a  -\-  manhã  {ad  mane ). 

Antes,  ante  ;  anttrci}.  de  Barros,  Ined.  d"'Alc.  etc. 
Do  latim  ante. 

Ate  —  1.  hactenus,  d^onde  a  forma  port.  hacté  Formas 
arch.  atd^  athd,  attá,  atda  (  Liv.  deLinh.,  Nob.,  Ord  Aíf. 
e  M.,  Ined.,  Azur.) 

Agora  =  ac  hora . 


398 


Cedo  ==  1 .  cito . 

Hoje  =  1.  hodtè  (  hoc  die  ) ; port.  arch.  q/  {S.  Ros,), 
oje  ;  hesp .  hor  ;  fr .   atijourd' hm\  arch .  Jioi  hui^  it .  ogge . 

HoNTEM  =  1 .  anie  hodie^  na  opinião  de  alguns  ;  de  ad 
noctem^  segupdo  outros  (Cornu,  etc),  E'  dos  primeiros  do- 
cumentos da  lingua  \  port,  arch.  herí=  1.  heri.  fr.  híer^  it. 
tere^  hesp .  ayer . 

Havia,  porém,  no  port.  a  forma  o//e,  Qoyte  (  Doe.  de 
1  -743  =  Eluc  ),  a  par  de  oníe  ontem . 

Não  será  hontem    de    formação    portugueza  :  anfoy,  ont*oy  ; 
{oiit  p,  aftt  —  também  no  hesp.)  ?  O  m  epithesico,    a  nasalisação  da 
vogal  final,  é  muito  frequente  no  portuguez  — (  si  sim,  assi  assim,  etc). 
De  restOj  ad note1n^  hesp.  anoc/ie,    não   significam   avianhã,    mas    ao 
declinar  do  dia^  perto  da  notite,  ♦ 

Cp.  mais  —  ogÇj  ogè  die  7=  hodie  ;  l^t. —  hesterno  die  ou  simples- 
mente hesier7w  <==  hontem^  antehac  em  tempo  passado,  e  nesse 
mesmo  sentido  empregar-se  /w«/í?;«  ;  antCf hontem,  etc.  Jam  ante  = 
d'antes,  anteriormente  (Cie). 

Já  =  1 .  jam , 

jamais. —  De  jd  e  mais  (  Sign.  propriamente  nunca 
mm^ ) . 

Logo  =  1.  loco  ( in  Joço  ). 

Nunca.  =  1  •  nunquam .  —  F .  arch .  iiuncas,  nunqua . 

Ogano,  oganho  =  \.  hoc  anno  (este  agora,  agora), 
Vem  og2i.no  mais portugueimente  {E.UÍV.) -^Yt.  ant.  uan 
oan  QuaH .  E'  forma  archaica , 

Outr'ora  —  E'  de  formação  portugueza  ^^  outra  hora 
(  d'antes  ) . 

Pós  =  1 .  post .  —  Deu  após,  empôs  arch . ,  depois . 

Quando  =  1 .  quando . 

^EUWSL==\,  semper. 

Tapde  =  1.  tarde. 

Além  das  formas  de  creação  vernácula  já  citadas,  temos 
-^dliora  em  diante,  ante  hontem,  ha  pouco,  depois  d''amanhã, 
tresantehoniem-,.,,  ., 

Além  d'estes,  temos  mais  —  ainda,  inda==i\.  inde, 
amanhã {  a  -f-  manhã  ),  depois  (  de  +  pois  ),    então  arch. 


39,) 


entonce entonces,  ant.  entom  {  in  -f- tunc  ),..-.  e  os  ob- 
soletos —  crj5  =  amanhã  (  G.  Vic  )  =  1.  crds  ;  aliqiiando 
(  f .  lat .  \  asinha  =  depressa  ( 1 .  agililer  ? ) .  Creio  mais  é 
forma  abreviada  de  agilsinha,  ^ ;  desende  desen  desi  de~y 
=  deinde^  d'ahi,  desde  ahi, 

Advérbios  de  logar 

4  —  Perdeu  o  portuguez  algumas  das  perguntas  de  logar 
dos  Latinos,  que  eram  quatro.  Assim  unde  tem  sempre 
a  mesma  forma  para  o  logar  em  que  estamos,  de  que 
viemos,  e  para  onde  vamos.  Para  exprimir  es^as  differenças 
somos  obrigados  a  fazer  preceder  o  adverbio  onde  da 
prep.  ífí?  (  pergunta  unda)  ou  íj,  para  (pergunta  quã) 
(  onde,  d''onde,  aonde  para  onde,  por  onde ) . 

Aqui,  4nt,    qui  \  hesp.  aqui  acá  ;  it-qui  \  fr.  ící. 

Diez  deriva -o  de  ecce  hic  (  ec'hic  ) ;  outros  da  forma 
pleonastisa  hac  hic . 

Tenho,  porérp,  para  mim,  que  este  açjverbio,  e  JDem 
assim  alli,  ah\  acá  alá^  forrnaram-se  do  adverbio  latino 
com  a  prep.  j,  do  mesmo  modo  que  de  unde  formou-se 
o;iie,  e  depois  aoude^- etc.  Nos  clássicos  encontram-se  £ts 
formas  —  j-  i  Iu\  té  U^  té  qui^per  hi  t  hi'Vos  4'hi,    etc. 

Em  açuój  acujusOj  acasusç  (  d'aquem,  em  baixo,  em  cima  ),  é  que 
mait  parece  dar-se  a  influencia  do  demonstr.  lat. —  Mas  notemos 
que  no  port.  havia  as  fóimas  jnss-ãOj  ante,  (  de  baixo  ).  e  sttsão 
suso  (  de  ciiua  :  açujuso  pode  pois  ser  corrupção  de  aquijuso  (  aq^i 
de  babco),  acasuso^  de  aquisuso.  (  acásuso  ). 

Ahi,'--  Corresponde  ao  latim  ibi'^  deriva  de  hi,  /, 
ç}'onde  as  formas  archaicas  portuguezas  »-r^j'  il  }\i  aj. 
Ahi=  a  +  hi. 


*  Trabalhos  não  a  quebrantam. 

com  elles  vae  mais  as?nha. 

(  F.  de  Castilho.) 
Nos  Ined.  d'Alc,,  Versão  da  R.    de  S.    Bento, — agina.  I  256,   270, 
II,  258. 

*  Afora,  odentro,...  desi,  dcshojé,  ein  muito,  ãe  ascinte,  de  adp«de,  efe 
aqiliçaraeofre,  de  pjeHioFmeptQ,  ^tÇp 


400 


D^ahi  tem  por  etymologia,  na  opinião  geral,  o  composto 
latino  deinde^  a  que  corresponde.  Mas  força  seria  então 
derivar  ahi  de  inde.  D'ahi  é  de  creação  portugueza  ;  a  forma 
que  directamente  se  derivou  de  deinde  é  a  arch.  desende^ 
-  ende   {  d' ahi } . 

Alli  =  1.  illic^  tllt\poTt.  ant.  li.  O  e  final  tendeu 
sempre  a  cahir  (  hic  Ju\  nec  ne^  illic  illi^  Ter.)  ;  o  zinicial 
transformou -se  em  a  (cp.  inier  antre  entre). 

A'quem  —  Derivam-no  os  grammaticos  de  hinc. —  Em 
minha  opinião  é  um  adv.  composto,  de  origem  portugueza, 
e  de  formação  emphatica  (  a  +  adv.  quem  =  para  cá 
d'esse  logar.  cp.  adeaníé).  Corresponde  a  a  ende. 

Alem  —  Deriva  de  alHiinde,  que  ás  vezes  corresponde 
a    alibi.  Cp.    allende.  ( hesp.  ) 

Ante,  k^tes  =  l  ante  antea. —  O  s  da  2^.  forma  é 
como  que  a  característica  dos  advérbios  antigos.  Em 
composição  —  deanie^    adeanie. 

O  esquecimento  etymologico  é  que  nos  obrigou  ás 
formas  actuaes  —  <ieante  de.,  etc . 

Ante  com  ante  é  loc.  adv.  antiga;  de  hora  em  ante 
diziam  ainda  os  do  sec.  passado  por  d' ora  em  deante,  avante. 

Avante  =  lat.  pop.    abante  (  ab  +  ante  ) . 

Acolá  t=:  /.  ecc"*  illd  (  c  ),  ou  melhor  de  hac  illà  (illac) 
Significa  aquelle  logar,  propriamente  ahi  Id  para  indicar 
logar  mais  remoto  d^aquelle  em  que    estamos. 

Lá  no  port.  ant.  era  alá  ( hac  ala,  acolá  )  ? 
Algures. —  Querem  geralmente  que  este  adverbio  se 
origine  de  alicubi  =  aliqiio  ubi,  ant .  aliquobi,  que  ás  vezes 
vem  reforçado  por  hic  (hic  ahcubi,  C\c) .  Parece-nos  porem 
mais  acertada  a  etymologia  al'quoris  {aliquis  om=alguma 
região) . 

F .  arch .  —  algur 

Alhur  .  alhures  (  arch  ) .   São    varias  as    etymologias 
apresentadas  : —  aliubi  {=  alio  ubi),  aliunde  (=  alio  unde), 


401 


mais  acertadamente  de  aliors^  alíorstwi^  ou  de  alioris  (  alii 
+  oris). 

Arriba  =  1.  v.  arriba  ( =  ad.  ripam). 

Arredo,  aredo,  arch.  an^eo=\.  v.  à  re/rò(  =  para 
traz,  para  longe) :  —  arredo  m  de  nós  o  sestro  agouro 
(D.  Fr.  Man.). 

Perdeu-se  o  adv.  portuguez,  ao  passo  que  a  phrase  la- 
tina —  vade  retro  é  hoje  popular  ^ . 

Alló,  alô,  arch .  ( =  1 .  illo  =  illuc,  para  aquelle  logar, 
então):—  allò  hallara  holgança  (Canc.  ger.),  di\endo  a 
El-Rei  tudo  o  que  sobre  este  negocio  allò  viera  (Fern.  Lopes. 
Chron.  de  Guiné.) 

Cá,  port.  ant.  qua  ;  ízci  =  para  cá.  Do  lat.  ecc'  hac, 
d^onde  ecd,  cá  (  Cp.  enomorar  namorar,  egreja  greja,  £thi- 
opicos  Tiopicos,  etc.) 

Cerca  =  1.  circa. 

Dentro  =  de  intro . 

EsDE,  desende  desen  desi  de ~y,  Qtc=  inde,  deinde,  V. 
Lição  26. 

FóRA  =  1 .  foras  ( for  is ) . 

Lá,  arch.  ai  d  ^)=1.  illac,  cAlld  {pava.  \á)  oppÕe-se  a 
acd  —  Cp .  alli  acolá  aqui. 

Longe  =  lat.  longe. 

Nenhures.  De  nec  ubi^  necorsum^  conforme  os  gram- 
maticos.  Em  minha  opinião  de  neoris  (nec  oris)  opposto 
a  algures ' . 

Ondé  =  1.  unde,  port.  arch.  u^  hu., — o  fJiel  vae  vuscar-se 
hw  ha  colmeias ;  non  cries  gallinhas  hu  raposa  mora.  Os 
antigos  também  empregavam,  como  ainda  hoje  a  gente 
ignorante,  aonde  e  adonde  p.  onde  ;  e  u  hu  no  sentido  de 
aonde  (Cp.  fr.  ou: —  oii  vas-tu  ?  aonde  vás?) 


*  Como  outras    muitas  —  Te-Deum,    Dominus-tecum,    Amen,    Arreo, 
V.  do  Arcebispo:  a    reqxie  é  forma  Açoriaaa. 

'  Neoris,  nenoris  (nec  ne  =  nem),  nenhores,  nenhum. 

3  Chron.  do  Cond.,  Ord.  Aff.,  Ined.  d'AIc.,  etc. 

51 


402 

U  cofitrahiu^^se  ap  adj.  articular  (uIq  ?//í?  =  on4e  o)  ; 
—  ulas  partes  que  damos  á  virtude ;  ullo  ser  e  autoridade 
de  fidalgo  ?  (  Szã  V.  do  Are, ) 

Adú=ia.á''oiide  :  —  se  partiu  ad'u  viera. 

Nos  clássicos  ( Lucena,  etc. )  ençontra-se  erradamente 
onde  p .  donde . 

Deve -se  empregar  onde,  aonde.,  d'onde^  conforme  o  logar 
a  que  nos  referimos  ( onde  esfas  f  d''Qnde  vens  P  aonde  (para 
onde )  vás? 

Perto  =  1.  pertus, 

Traz,  ( atraz,  detrás )  =1.  trans. 

Suso,  arch.  =  emcima.  Do  lat.  susum  ^.  sursum  (PI. 
Gat.  etc.  ) 

Advérbios  de  quantidade 

5  —  São  quasi  todos  de  origem  latina. 

Apenas  =  1.  poena  (  a  +  penoe  ).  Pene  ^ 

AssÁs  =  l.    diásatts.   Tinha     muitrs    vezes    sentido  de 
jniiito. 
.    Bastante  —  do  adj.  —  verbal. 

Cerca  =  1.  circa. 

CoMo  =  l.  quomodo.,  pelas  formas  intermediarias  quo^ 
mo,  Cop.  cowo  geralmente  na  poesia, 

Mais  =  1.  magis. 

Meio  =  1.  medius.  Sign.   algum  tanto. 

Menos  =  1.  mínus. 

Mui  muito  =  1.  multum.  No  sec,  XV  empregavam 
ambas  a  formas  para  o  sup.  abs. ;  —  gente  de  pé  mui 
muita  sem  conta  ( =  muitíssima ). 

F.  arch.  wm//(Sec.  XII— XIII). 

Nada  =  1.  nata?  (filha,  pequena;  Res  nata). 

Pouco  =  1 .  paucum . 


^2)cnas,  com  pçíia,  a  4- paiia^í^JífiÇ^Wfidfí;  trab^JJ^p). 


4o3 


QuÃo  =  l.  quatn,  Ernprega''5e  antes  de  adjectivo  e 
advérbios  com  sentido  de  - —  por  tal  modo  ou  tanio  ( qiiam 
sem  exciíscf.  Luc.  ;  quão  aiiJthci  em  jneii  dano  vos  tomastes, 
Cam.  ;  camanJio. 

Quanto  =  1 .  quaninm . 

QuASi  =  í.  quasi.  F.  arch,  çasi quage  qiiagi . 

TÃo==l.  iam-  Corresponde  a  tanto  \  sign.  a  tal  ponto, 
em  tanto  mg^P.  Empregado  com  muito  representava  p 
superlativo  absoluto  (Sec.  XIV): — porque  tão  muito 
tarde  d' esta  ve^. . .  ( Canc. ) 

Formas  ant .  tam  tom . 

Em  çppiposição  çom  mcmho  ( ==  magno )  çjeu   tamanho. 

Tanto^I.  tantnm. 

Compostos  : —  outroíanto^  (  alternm  tantum  )  com^ 
tanto.  ,  no  emtanto, . . . . , 

Formas  arch .  —  adar  —  apenas,  çhus.,  plus  —  mais,, , , , 
que  farte  ( — ,  fartim)  — assas  ;  /j;«-j-/j-?'e{:=  algum 
tanto,  raro,  etc. 

Noía.ie^  Os  clássicos  empregavarri  frequentemente  os 
advérbios  bem  (  benè  ),  7nal  (  malè  )  para  á  maneira  dos 
Latinos,  darem  aos  adjectivos  força  intensiva  :  o  coração 
bem  mais  largo  que  as  praias  do  Oceano  (  Luç.  ),  ete. 
E  ainda  hoje  dizemos  çom  Souza  —  ficar  meti  ferido^  bem 
como-dei-lhe  bem  a  entender^^  etc. 

oAdverbios  de  exclusão  e  designação 

6. —  De  alguns  já  tratamos,  como  apenas  \  outrps  for- 
mam-se  por  derivação — somente.,  unicamente. 

I .  PopEM .  arch .  porende  =\ .  proinde. 

Senão.   De  si-hnão{\,    siç  non). 

Sequer.  E'  dos  primieros  does. —  Significa  propria- 
mente se  quiser,   ao  menos. 

Só=l.  solus. 

5.°  Eis,  port.   arch.  ex  =  1.  ecce  —  Sec.  XIII  e  XIV. 
Com.  —  eis  aqui.,  eis  ai  li. . . 


4o4 


cAdverbtos  de  modo 

7  —  São  em  crescidissimo  numero,  que  múltiplos  são  os 
modos  de  ser  da  matéria  ou  do  pensamento . 

São  advérbios  de  modo  —  assim  (  ant.  assi)^  assim 
assim,  bem^  mal,  como,  e  quasi  todos  os  derivados,  i.  e. 
formados  de  um  adjectivo  feminino  e  da  terminação  — 
mente.  oAssim  derivou  de  ad-\-sic  ou  de  zw+síc,  segundo 
Littré.  ^ 

O  portuguez,  regeitando  as  terminações  adverbiaes 
latinas  em  e  t  ter  ( certe^  prudemer  ^  recorreu  á  forma  pe- 
riphrastica  latina,  mui  frequente  entre  os  escriptores  do 
Império  —  bona  mente  factum  (  Quint,  ),  devota  meme 
tuentur. 

A  terminação  mente  pois  é  o  ablativo  latino  do  subst. 
fem.  mens  jnentis  (  espirito,  entendimento,  mente  )  ;  mas 
que  os  Latinos  já  empregavam  no  sentido  de  modo^  ma- 
neira. 

l"  Cp.:  Elle  procedeu  de  boa  mente-,  elle  trabalha  boa- 
mente. 

Esta  desinência  conserva  ainda  a  idéa  etymologica,e  nem 
perdeu  sua  vida  própria  e  independência  :  não  soífreu  mo- 
dificação phonetica,  e  pôde  separar -se  do  adjectivo  :  — Elle 
escreve  clara,  concisa  e  elegantemew^e. 

Não  ha  razão  —  a  não  ser  a  ignorância  —  para  não 
empregarmos  —  maior  mente  (  mormente  ),  melhor  mente 
( Camões,  etc. ),  mesmameme.,  etc. 

Alias  =  1.  alias. 

Adrede  —  acinte,  propositalmente.  Forma  outro  adj.  de 
modo  —  adredemente  ;  com  prep .  —  de  adrede. 

Acinte  (  assinte  ).  —  De  caso  pensado,  mas  com  má  in- 
tenção. De  acinte.,  aciniemente.   (L.   ad  scieme.,  áo  ytrho 


•   Outrosim=alte'rum  sie 


40D 


seio  =  saber,  conhecer,  ter  noticias  :  ad  scienter  =  sabida- 
mente, Ex.  —  quer  fosse  acinte,  feito  quer  acaso  (  Eufr.)  ; 
assintes  77ius  de  pensado  (  Vieira  ).  Siuie  ;  a  sinte  ~  a  saben- 
das.  Cp.  a-ienlo. 

Alguns  "advérbios  de  modo  derivam- se  da  forma  com- 
parativa do  adjectivo  :  —  antiqiiissimamente  =  muito  anti- 
gamente. 

Adverbias  de  interrogação  e  duvida 

8  —  Daremos  os  principaes  : 

I .  °  Porque  =  por-f-que  ^  1.   barb  =  per  quce^  per  qtiod. 

Como,  ant  quomo  ^=  lat.  quomodo. 

Quanto  =  1.  quantum. 

Quando  =  1.  quando. 

2.0  Acaso  =  \.  a  casu  —  Tor  acaso. 

Porventura  ( por-l-ventura ). 

Talvez  (tal-f-vez). 

Qyiiç^.,  3sch..  quesais^qniçais^  quissd,  quiçaes.  Correspon- 
ao  fr.  quisait  ?  ital.  chi  5<í?  — gall.  qui^aves^  que^ayes^ 
quisais^i  qidxais.  E'  o  latim  pop. —  quis  sapit  (  quis  sap. 
pui  sab,  quiçá. ) 

NÃO.  (  =  1.  non)  Esta  partícula  [nem  sempre  tem 
força  negativa;  ás  vezes  significa  porventura.,  acaso  —  a 
duvida.  ^ 


»  jlned.  d'Alco?>  II,  26G. 

*  Apparece,  e  mui  frequentemente,  em  certos  clássicos  (como  ponderou 
o  V.  de  Castillio),  um  não,  que  nem  nega,  nem  pergunta,  nem  aífirma, 
é  que  mais  parece,  o  que  succede  no  latim  e  outras  línguas,  se  intro- 
metteu  no  fallar  e  no  escrever  unicamente  para  arredondar  a  plirase,  sem 
que  desses  termos  respigue  um  átomo  de  idéa  :  — nem  itma  só  palavra 
dirá  ate  lhe  não  responderem  á  ferg^mta  ;  temo  que  elle  não  venha  hoje 
p,  temo  qrie  elle  venha. 

Cp.  lat. —  timeo  (ut)  ne  veniat ;  etc,  je  crains  qiCil  ne  vienne.  Mais 
tarde,  pela  perda  da  distincção  entre  ne  e  ?íí  non :  —  timeo  itt  non 
veniat,  e  emíim  quando  a  conj.  popular  quod  subst.  a  conj.  ut: — tiiueo 
quod  non  veniat. 

Na  phrase  de  Castilho  —  si  tantos  deleites  ha  na  terra,  que  não  será 
no  céo?  a  particula  não  tem  íorça  negativa. 


4o6 


Advérbios  de  àffirmàção  é  úêgâçãú 

9.  São  de  affir mação -^éim  (=1,  sic^  st);  port.  arch. 
5/c,  ant.  si;  certo  certamente^  seguramente. . . .  -^Também 
=  tão  bem. 

As  negativas  dividem-se  em  simples  e  intensivas  ou 
rejbrçadas. 

a)  Negativa  simples.  E'  não  =  1.  ;íom,  também  única 
neg.   simples  no  latim 

F .  arch .  —  no  num  non . 

Menos  (minus),  nada-.,  nunca  (1.  nunquam) 

Sem    nos    Sec.   XIV    e    XV  tinha  força  negativa,  e 

empregava-se  pela  neg.    wõb,  como  se  vê  em  mais  de 

um  passo  de  Fern.  Lopes  {chron.  G). 

b)  Negação  intensiva: — Resultado  doesse  principio 
conservador  a  que  se  chama  emphase,  a  negação  inten- 
siva é  facto  vulgar  em  todas  as  línguas,  maiormente  nas 
locuções  populares. 

Consiste  o  processo  em  substituir  a  idéa  pela  imagem  ;  pluma 
Aaud  interesty  non  fili  facere,  non  nauci  facere,  e  assim  flocns, 
maticuSj  triobolunij  etc. . . .  Por  fim  a  imagem  desapparece  ;  a  expres- 
são deixa  de  ser  figurada  para  se  tornar  abstracta  :  nihihtni  nihil  ^=^ 
nadaj  são  compostos  de  ne  -f-  hiinni.,  que  significava  «  nem  mesmo 
um  desses  pontos  negros  que  s-5  encontram  no  extremo  das  favas  ». 
'—  Nihil  igittir  inors  estj  aã  nos  ncqnem  ptriinct  hilum  (Lucr.) 

Para  dizer  que  um  homem  nada  vale.  diz-se  que  não 
vale  quatro  vinténs.,  meia  pataca,  uma  castanha.,  etc .  ;  que 
é  fraco — um  banaita ;  quQ  é  estúpido  —  um  cíiwe//o,  um 
tajliânco,  um  burro....  A  figura  perde-se,  e  a  idéa 
torna-se  abstracta,  como  p.   ex.   em  f\7/i/è  (riachosinho). 

Seguimos  pois  o  processo  latino ;  e  muitos  são  os 
substantivos  empregados  para  esse  fim:  —  mica  (arch. 
mique — nem  mique  nem  nada).,  c\\it  já  no  latim  exprimia 
negação  —  nullaque  mica  5a//s  (Marc.) ;  migalha,  sombra, 
polegada,  um  nickel,  passo  [nem  passo  se  esquecia.,  G. 
Vic),  ponto  {hum  ponto  nh  esteia  parado.,  id.),  ponta 


407 


( móçds  apraieradas  sem  ponta  de  miolo ),  fumo  ( nem 
fumo  de  cãô  óu  de  cadella)^  ceitil^  fava^  pingo  (de  ver- 
gonha, etc),  gota  [não  lhe  marra  ellà  aqui  gota,  G* 
Vic),  espaço  {nenhum  espaço  dormia^  B.  Rib.),  boia-^ 
patavina^  fumaça,. . . .  além  dos  já  archaisados -^ me^f ra, 
cornado^  ren.,  àl^  ome, ....  A  fonte  é  iriexhaurivel,  e 
acompanha  sempre  a  corrente  das  idéas  novas.   *■ 

Muitas  vezes  duplica-se  a  negativa  para  mais  reforçál-a  : 
—  nem  tiií|Ue  nem  nada ;  item  eira  neiii  beii'a,  nem  rámò 
de  figueira ;  nern  chique,  nem  miqiie^  nem  náda{G.   Vic;) 

Vejamos  agora  rapidamente  os  principaes  processos  do 
reforço  iiegativo.   * 

a)  repetição  similar  -.  —  não-nãOj  nem-nevij  nada-nada.. .  bata  do 
Sec.  XIII. 

b)  repetição  dissimar  :  -^  iiern-fião^  não-nem,  7iao-nada ,  etc . 

c)  eiTi prego  de  equivalentes  pronominaes  : —  7ienhnm-tiev!_,  ciiíra- 
iienhnm  ou  iiingitevi,. , .  Data  do  Sec.  XIII 

d)  emprego  de  equivalentes  adverbiaes  :  ^^  nuyica-nenhnntj  nem- 
nuiicãj  muica  jamais j  nem-jaiuais,  iião-nnitca,. ..  do  Sec.  XII. 

e)  emprego  semeiotico  da  prep.  iem  :  —  sern  tom  nem  som  ;  sem 
tirar  nem  porj  sem  tirte  nem  giiarte 

f)  reforço  epithetico  :  —  alma  perdida,  não  vale  um  figo  podre, 
não  ter  onde  cahir   morto,  etc.  Do  Sec.  XIII. 

g)  da  condicional  negativa  senão,  e  das  equivalentes  gjie  e  nego, 
nega,.  São  archaicas  : —  não  tem  mais  de  dons  vinténs  ;  não  se  ame  a 
consa  pelo  que  c  ;  o  emprego  dO  (jneí^^  senão  é  frequente  nos  classicbs, 
pirincipalmeute  nos  secs.  XVII  e  XVIII. 

h)  de  equivalentes  interjectivas,  diminutivas,  e  superlativas  —  setião 
não  ;  não  bofe  ;  nem  um  bocadinho  ;  etc. . .  cotísissimà  nenhuma. 

i)  do  infinito  pleonastico  intensivo  :  —  eu  não  canto  para  cantar  ; 
nem  qne  chova  que  chover,  nem  que  vente  que  ventar. 

j)  depois  de  certas  locuções  — não  se  podia  ter  que  lh'o  não  mos- 
trasse;  nam  tardou  que  logo  nam  tomasse. 

k)  com  o  verbo  negar  e  outros,  nás  proposições  depeildentes  :  — 
neguei  que  nunca  lhe  houvesse  fcdlado . 

1)  negação  intensiva  seriaria,  periódica,  ou  melhor  cOmulativa  :  — 
e  não  menos  me,  maravilho  daquelles  que  crevi  que  nenhiim  homéhi 
pôde  saber  aquillo  que  não  têm  ser  scrião  no  segredo  da  eternal  sabedoria 
(G.  Vicente.) 


'  Facto  commum  a  todas  as  línguas.  Em  franeez — pis.  point,  gontte 
(J3  ne  vois  gontte),  mie,  pzrsonne,  rien,  etc,  são  verdadeiros  substan- 
tivos concretos. 

*  Lam.  de  Andrade  —  da  negaçãro  intensiva   1882. 


4o8 


IO. — Muitas  partículas  e  locuções  adverbiaes  archaisa- 
ram-se  e  obsoletaram-se,  além  das  que  já  deixamos  apon- 
tadas :  — cras=  homem  (1.  eras),  empero  ==  certamente, 
a  la  fé,  bofe  =  a.  boa  fé,  íjiwr  =  apenas,  difficilmente  ; 
chus=  mais,  er  =  aliás,  tambe  m,  samicas=  por  ventura  ; 
ai  gorem,  todíoge,  soncas  =  ta.\vQz^  w  =  onde  (gall.  uloula), 
ogano^  essora^  acorão^  camanho  e  qiiamanho  (quão  manho 
==■  tamanho  ^),  alhures,  desende  desen  desi  (contr-em  de-y) 
=  lat.  deinde  ^),  ;íe^o  =  senão  (G.  Vic),  a  osadas,  a  oU' 
saííí35  =  ousadamente  ^),  nessora,  logo  essora,  agora 
estora,  a  deshora  quando,  adesora  =  \ogo  que  (G.  V., 
Mir.,  etc)  de  vedro  — outr'ora,  a  sciente  ( —  1.  a  sciente\ 
d  mveja  (lat.  ad  invicem)  no  sentido  de  aporfia,  á  com- 
petência, de  uso  frequente  nos  clássicos  {andavam  á  inveja 
de  quem  daria  melhor  mesa  as  do  seu  quarto,  —  Bar.  dec.) 
de  ligeiro  =  {a.cúmentQ,  de  íjiaravil ha  =^rd.vamcntQ,  de  pu- 
blico, de  secreto,  pran,  de  plano,  presentemente ;  de  frecha 
=  directamente,  sem  detença,  de  chofre  ou  de  entuviada, 
de  cote  =  toàos  os  dias  (1.  quoiidie''),  a  sabendas  =  com 
conhecimento,  acinte,  etc. 

II. —  Este  processo  de  formação  adverbial  é  latino  ;  e 
ainda  hoje  temos  grande  cópia  desses  advérbios  de  modo  : 
—  de  leve,  de  feito,  de  certo,  de  espaço,  de  industria,  de  veras, 
de  rijo,  de  siso,  de  pnmeiro ;   em  breve,  em  balde,  em  vão, 


*  Moraes  diz  que  quamanho  altei'ou-se  em  tamanho  pela  ignorância 
dõs  edictores.  A  verdade  é  que  o  emprego  era  diverso  (Cp.  tão  quão)  : — 
no  que  passaram  ta.)n«7í7io  trabalho   camanho  não  se  póae  imaginar. 

*  O  emprego  frequente  desse  adverbio  noport.  antigo,  ainda  se  reflecte 
no  f aliar  do  povo  — rt'aAi  foi,  d'ahi  disse,  etc. 

'  Que  posto  que  ás  vezes  tarde  em  lhe  dar  o  pago,  a  ousadas, 
que  não  vão  sem  lhe  dares  como  na  sua  testialidade  merecem  (S. 
Mir.) 

*  Tenho  assaz  pêra  decote 
se  mais  quizer  vesigar  (a) 
também  sei  laços  armar 
também  tirar  com  virote. 
Eg.  II,  167. 
(a)  Comer ™«1.  b.  vesicarip.  vesci. 


409 

em  fim^  em  cima ;  a  miúdo,  d  destra^  d  ve^,  d  medida,  a 
porfia^  a  espaço^  a  vulto;  com  efeito,  por  ventura. . . 

12. —  A's  vezes  o  nome  vai  para  para  o  plural  para 
maior  reforço  ou  mudança  de  sentido  {ás  tontas^  ás  furtai 
delias,  ds  cegas,  as  occultas,  a  espaços,  a  ve^es. , .) 

i3,_No  Sec.  XIV  é  que  começou  o  emprego  dos 
adjectivos  em  o  com  força  adverbial,  correspondentes 
ao  ablativo  latino  sem  preposição  : —  cerío>  claro,  manso, 
passo.  ..= de  certo  certamente,  de  manso  mansamente,  de 
passo  pausadamente . 

14. —  Dos  adjectivos  uniformes  em  e  menos  vestígios 
nos  restam  : —  tarde,  longe,  suave,  leve. . , 

i5. —  Na  linguagem  litteraria  empregamos  alguns  ad- 
\'erbios  latinos  :  —  maxime,  grátis,  retro,  supra,  infra, 
item. 

Também  formamos  advérbios  de  modo  do  superlativo 
orgânico :  —  deligentissmamente . 

DA    PREPOSIÇÃO 

I." — A  maior  parte  das  nossas  preposições  simples 
são  de  origem  directa  latina,  e  conservam  as  formas  e 
relações  originarias:  de  =  úq^  —  e;n  (in),  entre  (inter), 
contra  (contra),  por  (pro,  per  ^),  ante  antes  (ante),  sem 
(sinè),  sobf^e  (super),  co;«  (cum),  etc. 

Note- se  que  muitas  preposições  derivam-se  de  antigos 
advérbios  ou  são  preposições  e  advérbios  conforme 
a  circumstancia  é  expressa  só  pela  partícula  (adverbio)  ou 
pela  partícula  seguida  de  complemento .  As  relações  entre 
estas  partes  do  discurso  são  tão  intimas,  que  a  distincção 
entre  ellas  não  está  na  significação,  mas  no  valor  synta- 
xico  diverso  com  que  indicam  a  mesma  circumstancia  de 
logar,  origem  ou  causa,  tendência  ou  apartamento. 


Pai'  p.  jwr  em  pardès  =  fr.  jMr  Dicu,  kesp.  pardcz  ;  etc. 

53 


410 


2  ° —  Muitas  são  as  preposições  formadas  pela  deri- 
vação imprópria ; 

a)  de  duas  pvQposicÕQs  simples  ^:  —  depois  (de-post.), 
deante  (de  ante),  atrás  (a-trans),  após  (ant.  em  pós,  após  de) 
perante,  dentro  (de  intro),  para  (por  a,  per  a),...  oAdeante^ 
desde  (de  ex  de),  até  (a  +  té  =  hactenus),  etc. 

b)  de  substantivos  e  adjectivos: — apesar^  a  par..., 

c)  dos  participios  passados  e  das  antigas  formas  em 
aníe,  ente,  inte  dos  participios  presentes  : —  excepto,  salvo, 
junto,. . .  tocante,  referenie,  concernente. . . 

d)  —  de  advérbios  :  —  eis  aqui,  eis  alli, . . .  dentro  de, 
defronte  de,  perto  de, . . . 

2. —  As  locuções  prepositivas  são  muito  portuguezas,  e 
formam- se,  pela  maior  parte,  de  substantivos  ou  adjectivos 
seguidos  das  preposições  de,  a,  e  bem  assim  de  advérbios 
elocuções  adverviaes  :  —  em  face  ác,  em  virtude  de,  por 
causa  de,  d  força  de.  longe  de,  deante  de,  concernente  a, 
referente  a. . . 

3. —  Das  preposições  simples  já  existentes  no  latim,  a 
maior  parte  só  occorre  no  processo  da  composição  ou  nas 
palavras  de  creação  artificial  (  extr afino,  superfiuo).  São 
ellas  —  a  ab  abs,  ad,  ante,  circum,  (  co,  cou),  de  des  dis,  e, 
em  {evi)  inter,  es,  ex,  extra,  in,  intro,  ob  obs,  per,  pre,  pro, 
re,  retro,  sub,  super,  irans,  trás  três,  ultra,  etc. 

Doestas,  como  se  vê  das  listas  dos  prefixos,  algumas 
teem  uma  forma  concurrente  popular  : —  entre  inter,  sob 
soto  ^  sub  50,  pos,  sobre  super. 


*  Avante  =  lat.  pop.  abantc  p.  anti',  como  provam  as  seguintes  linhas 
de  um  grammatico  romano: —  ante  me  fugit  dicimus,  non  ab-antc  me 
fugit :  nam  proepositio  proepositioni  adjxingitur  imprudenter  :  quia  ante 
et  ab  sunt  dn  prwpositiones.  O  tal  grammalico  njio  percebia  que  ab 
reforçava  a  idéa  (adeante,  atrás),  que  ainda  mais  se  tornou  intensiva 
em  devant  {=^  de  ab  ante),  porque  por  ponto  de  partida  tomou  uma 
forma  já  reforçada. 

*  Toma  erroneamente  a  forma  feminina  em  sotacomitrc  sotajuloto, 
sotaoocheiro,  etc.  Diz-se  tombem  sotavento» 


411 


Façamos  agora  algmas  considerações  muito /t'/-  summa  capita,  por- 
que a  contextura  d'ellas  mais  pertence  ao  dominio  da  syntaxe. 

I  '"^  São  varias  as  relações  expressas  por  certas  preposições  ;  não  po- 
demos pois  classifical-as  segundo  as  suas  significações,  nem  tão  pouco 
de  conformidade  com  as  originarias. 

O  que,  porém,  se  pôde  affirmar  de  modo  geral,  é  as  preposições 
indicam  relações  de  logar,  e  por  extensão  —  as  de  tempo.  Que  o 
emprego  abstracto  e  metaphorico  é  resultado  de  um  desenvolvimento 
posterior.    * 

2°. —  E'  muito  para  sentir  haja  o  portuguez  perdido  a  preposição/^^ 
(só  conservada  nas  contracções  com  o  antigo  *),  cujo  emprego  era 
diíferente  do  que  tinha  a  prep.  por,  que  dupla  também  lhe  era  a 
origem. 

Por  =  XzXpro,  e  passou  para  o  portuguez  com  a  significação  de 
deanie  : — face  por  face  (Ined.  d'Alc)  ;  rosto  por  rosto  (Barros,  dec),,..; 
per  =  lat.  per .  Por  isso  empregaram  os  antigos  per  nas  relações  de 
espaço,  tempo,  logar,  meio,  instrumento,  etc,  e  por  nas  de  causa, 
preço,  etc. —  per  montes  e  vales,  per  obrigação,. . .  polo  aífior  de  Vens, 
combater  ^o\o pátria  etc. 

Ne  periodo  archaico,  claro  está,  é  que  menos  raro  se  encontra  o  em- 
prego correcto  át  per  com  accus.,/í?r  com  ablat.,  i.  e.,  em  suas  natu- 
raes  relações ;    ainda    frequente  nos    documentos  do  Sec.  XIV.   ^ 

Exemplifiquemos  : 

Perecerem  per  espada  e  per  fome   ataa  que 
sejam  de  todo  consumidos  (J>  B.   dec) 

...  da  índia jí^r  o  rumo  (Id.) 

viveu  per  espaço  de  septenta  annos  (Id.) 

Foram  pregar  a  fé  uns  per  Itália,  per  Grécia  outros  ;  outros  per 
Hespanha  (  Luc). 

, . .  per  tempo  eram  enfermos,  ataa  que  se  reformaram  com  a  na- 
tureza da  terra.   (  Azur.  C/ir.  de  G.) 

per  noites  de  hynverno  se  ouviam  gemidos  (  F.    Mendes  Perego  ). 

Tanto  \iver per  nulha  ren  —  (  C.  Vat.). 

Por  suas  grandes  partes  e  provada  virtude  (Szã.  V,  do  are). 

Por  culpas, /íir  feitos  vergonhosos  —  (  Cam.). 

Mandou  dar  aviso .. .  que  trabalhassem  por  lhe  tomar  o  galeão 
(  Bar.    dec). 


*  A,  por  suaetymologia,  remonta  á  prep.  ad  ;  mas.  por  suas  funcções, 
corresponde  também  a  aft  e  apud  :  dei  um  livro  a  Pedro  (ad)  :  a  sós,  ás 
fnrtadellas,  maton-o  a  tiro;. . . .  De,  vem  do  1.  de  com  diversos  sentidos,  e 
representando  o  gen.  e  oaccns.  D'ahi  a  variedade  de  relações  em  portu- 
guez —  de  tempo,  causa,  instrumento,  meio,  modo,  mataria,  quantidade 
preço,...  Corresponde  ao  genitivo  possessivo,  objectivo,  e  de  quontidade. 
Enti*a  em  grande  uumerode  composições  com  substantivos  e  adjectivos  como 
jávimos:^  de  maravilha,  de  seffuro... 

*  V.  Q,ovrm-Ramania  \S&2-ii~Et.  do  gramm.  port. 

^  Pela  confusão  synonymica  a  combinação  pelo  venceu  na  hicta  a  com- 
binação po\o,  cuja  decadência  e  morte  datam  do  Sec.  XVII. 


412 


A  voos  graças  íaço  por  as  mereces  que  me  fezestes(  Fr.  J.  Claro). 

A's  vezes —  mas  raro—  se  eucontra  divergência  nos  textos  : — per 
mar  e  per  terra  ;  por  mar  ou  por  terra  (  J.  Bar.  d^e  )  ;  assim  como 
também  diziam  —  çue  o  inesi7io  Affonso  fosse  per  pessoa,  que  nós  di- 
zemos —  em  dessoa . 

No  baixo  latim,  também  reinava  a  confnsão  àe  per  pro  ;  per  otnnes 
montes  ac  pro  illis  locis  ;  obligo  per  me  et  per  iiteos   heredes. 

III    DA    CONJUNCÇlO 

I. —  As  conjuncções,  quanto  á  origem,  podem  di- 
vidir-se  em  duas  categorias  : —  as  de  derivação  latina  — 
e  as  de  formação  portugueza . 

Estas,  em  geral,  são  antigas  locuções  conjunctivas  cujos 
elementos  se  acham  juxtapostos  : —  portanto^  senão^ 
outrosim  {olUX.  outro  si),  todavia^  postoqtie^  entreíanio^  sup^ 
posto  que^  porque^  afim  de  que^  poisqiie^  etc . 

2  —  Estudemos  a  etymologia : 

Como  =  1.  quomodo, 

Ergo  =  1.  ergOi  No  Sec.  XVI  empregam  de  prefe- 
rencia a  forma  contracta  er. 

E  =  lat.  et,  port.  ant.  et  (  Sec.  XII  -  XIV.). 

Logo  =  1.  loco  ( in  loco.). 

Mas  =  1.  magis  ( adv . ) 

Nem  =  1.  nec. 

Ora  =  1.  hora. 

Ou=l.  aui, 

0\jTROsm= outro  que  st\  ant,  ou trosi\  F.  port.=  lat. 
alterum  sic. 

Porem,  —  port.  arch. /^ero  (  Bar.,  Azur.).  Do  latim 
popular  per  inde  pro  inde  =  port .  ant .  por  ende  (  por 
isso . ) 

Porque  =  1.  pop.  per  quoe,  per  quod.  Corresponde  a 
por  causa  de,  para  que,  ao  que . 

Pois=  1.  post. 

Que  ==  1 .  que  (  quod ) . 

Quando  =  1 .  quando . 


4i3 


Também  =  1 .   vulgar  iat?i  bem . 

Si  (  se  )=  1.  si. 

Formas  populares  archaicas  —  aqiie  =  ets  que^  1.  ecce 
( Ined,  d' Ale),  sed  ( =  lat.  sed ) — sed  inays  been^en  ( In.  de 
Ale.)  ;  nega  {  excepto,  senão  )  ;  sicaes  (  si  quâ,  si  casú )  =; 
si  acaso  ;  —  stcaes  não  foi  morto  (G.  Vicente  ),  ca,  arch. 
quá^  cjr  =  porque  (  Ined.  d^Alc,  Nob.  D.  Pedro,  F.  de 
Thomar,  etc),  que  corresponde  ao  latim  quare  \  er  = 
tsLmhem  \  naiíja  ( =  iieja)^  quQ  SQ  ]unta.  ao  pronome  pes- 
soal ainda  hoje  na  linguagem  do  povo  em  Portugal,  narija 
e«,  e  que  era  frequente  no  Sec .  XXl  —  nas  formas  nanjeu 
nenjeu  \  pero^  emperol^  perol  -  porém,  ende  f  pg.),  etc. 

IV  —  'Da  interjeição 

1 .  — As  instinctivas  ou  naturaes  (ai^  hui. .  .j  e  onoma- 
topicas  (bum.,  trá^^  psiu ),  ainda  mesmo  as  formadas  pelo 
reforço  similar  ( \ás  trás,  bum  bu?n^  tini  iim,  ^um  :{um., 
babau^  grogotó  )^  não  teem  ef\mologia. 

2 .  —  As  convencionaes  tiram  origem  em  substantivos, 
adjectivos,  verbos  e  advérbios,  que  bem  espelhem  a 
emoção  de  que  nos  achamos  possuídos,  que  represente 
a  S3mthese  da  proposição,  e  seja  verdadeiro  echo  dos 
nossos  sentimentos  naturaes  (pag.  114,  22.) 

3 .  —  oápage  e  sics  são  de  origem  latina  ( 1.  apage  = 

(XTrays  ;   adv .  lat .  SUS  ) . 

oAy  Deus]  aj  tul  ay  mel  ave  Maria  l...  são  ves- 
tígios do  vocativo  latino. 

oArre  e  oxold  originam-se  do  árabe  :  a  i^  de  arrie  = 
caminha;  a  2^  de  ez/A-^/a/z  =  praza  a  Allah  ^    Apre  é 


'  Cp.  praza  a  Deus. 

Arre  era  a  voz  usada  pelos  azeméis  para  excitarem  os  animaes  a  estu- 
garem o  passo:  hoje  os  cangalbeiros  empregam  outras  interjeições  {anda! 
caminha  !  vamos  !  arreda! ),  e  arre  só  serve  para  exprimir  cólera  (  Cp. 
arrelia ) . 


414 


corrupção  de  arre;  e  também  tpra,  irra  muitos  usados  no 
Sec.xVl. 

4.  —  Formas  archaicas,  e  antiquadas  : — hulid  ( G.  Vic.) 
=  cast.  huiha,  hiifá;  hio  =  1.  io  (  G.  Vic.  ) ;  ipra=  apre 
bofa  =  hoíé^  aramá  eramd  leramá  =  tm  liora  má,  (id.), 
muilíeramã  =  muho  em  hora  má,  appello  eu  ;  vae-íe  a 
reqiít  (corrupção  do  vade  retro) ;  maocha  (em  má  hora), 
horasus  (hora  sus,  hoje  diz-se —  ora  i>amos!  pãva.  calar) ^ 
td  (estae)^  i.  e.  cala -te  !  pára  !  detem-te  !  : —  Ta,  Pedro^ 
embainha  a  espada  (  Vieira  Serm.  XV,  7.),  hou  Id  =  holá, 
mal  peccado  ( de  pezar :  hoje  ainda  se  diz  —  por  meus 
peccados) ;  guai  (  de  pesar,  sentimento  )  é  forma  vulgar  de 
ai,  posto  se  encontre  em  Souza  e  outros.  Que  era  ex- 
pressão de  ignorância  popular  provam  os  seguintes  versos 
de  Gil  Vic: 

Andava  elle  namorado 

e  por,  má  hora,  dizer  ai 

á\z\ã.-\\\t  guaij 

e  por  dizer-lhc  minha  senhora 

chamava-lhe  minha  sinoga. 

A  precativa  aqui  d' El- Rei,  e  não  ail  que  é  d'El-Rei^ 
ou  ak  d' El- Rei ^  é  essencialmente  de  formação  portugueza  *. 


'  Aqui  iãelrei,   Doe.    1733. 


VIGÉSIMA  NONA  LIÇÃO 

Da  syntaxe  em  geral  —  Breves  noções  sobre  a 
estructura  oracional  ào  latim  popular  e  do 
latim  culto.—  Typos  syntacticos  diver- 
gentes na  lingua  portugueza^ 

I  —  Syntaxe  é  a  parte  da  grammatica  que  ensina  a 
concordância  das  palavras  e  orações  ;  a  boa  eoUucaçao 
das  palavras  na  proposição,  e  das  proposições  na  phrase  ; 
a  correcção  dos  complementos . 

Divide -se  pois  em  syntaxe  de  palavras  e  de  proposições^ 
é  de  concordância  quando  rege  palavras  ;  de  subordinação^ 
regimen  ou  de  complemento,  quando  rege  palavras  ou  os 
membros  de  phrase   subordinadas. 

A  concordância  das  palavras  e  sua  dependência  são 
expressas  no  latim  (  e  grego  /  pelos  casos  :  em  portuguez 
por  preposições  e  conjuncções.  E'  esta  a  principal  diffe- 
rença  entre  as  svntaxes  do  latim  clássico,  do  latim  popular  e 
das  línguas  romanas  ;  caracter  ou  diíferença  que  também  se 
apresenta  na  união  das  proposições  do  infinito  e  participio. 

Para  escrever-se  de  fundamento  a  historia  de  uma 
lingua,  ha-se-de  mister  conhecer  a  codificação  das  dou- 
trinas relativas  á  construcção,  a  syntaxe  histórica .  ^ 


1  A.  estreiteza  cio  tempo,  porém,  etoriga-nos  a  re- 
sxxmlr  as  llQÒes  segixinteo  S—  Temos  um  compromisso 
e  ó  força  satisfazel-o.  'Na,  x-efixndigão  «leste  tratoalHo, 
esTtxdaremos  ontao  inais  a  £und.o  a  pliysiologia  e  génio 
da  nossa  lingua. 


4i6 


2  —  E'  grande  a  diíferença  da  estructura  oracional  do 
latim  popular  e  do  latim  culto,  e  o  facto  explica-se  histori- 
camente. No  século  V  a.  G.  operava-se  a  evolução  lin- 
guistica, quando  esçriptores  e  traductores  fizeram  retro- 
ceder e  lingua  a  formas  já  então  refugadas,  ou  introduziram 
directamente  grande  numero  dehellenismos.  Os  esçriptores 
que  se  lhes  seguiram  imitaram-os,  e  ao  passo  que  a 
lingua  fallada  seguia  a  sua  marcha  analytica,  o  latim  clás- 
sico sustava  a  sua  evolução  natural  com  a  lingua  escripta. 

D'ahi  o  grapharem  lettras,  que  não  mais  soavam  na 
pronuncia  ;  d'ahi  a  Unha  divisória  estreme  entre  â  lingua 
escripta  e  a  fallada,  entre  o  latim  clássico  e  o  popular,  na 
phonetica,  no  léxico,  nas  flexões,  na  syntaxe. 

Com  a  queda  do  Império  romano,  sobreveiu  a  des- 
truição da  cultura  lítteraria,  e  consequentemente  o  predo- 
mínio da  lingua  vulgar.  A  lingua  fallada  era  o  latim  vulgar^ 
pedesífe^  castrense^  bárbaro,  e  medieval^  baixo  ;  a  lingua 
clássica  de  Cicero  ou  da  Biblia  de  S .  Jeron3^mo  só  era, 
comprehendida  pelos  raros  eruditos  dessa  época . 

A  principal  diflferença  na  estructura  oracional  é  pois  a 
tendência  cada  vez  mais  caracterisada  do  latim  popular 
para  o  analytismo  (  ordem  directa  ) .  A  queda  e  o  enfra- 
quecimento das  lettras  finaes  (  ama  p .  amat^  vivon  p .  vi~ 
vunt^  liipo  p,  lupiis^  poplo  p.  populus^  templo  p.  tem- 
pliim,  etc . . . . ,  e  o  descuramento  das  flexões  nominaes  e 
verbaes,  a  tendência  do  povo  emfim  para  simplificar  as 
formas  e  construcções,  produziram  essas  alterações  pho- 
neticas  e  grammatlcaes  que  constituem  a  differença  essen- 
cial entre  o  latim  clássico  e  o  vulgar  (  e  consequentemente 
as  li nguas  romanas  ),  e  originaram  a  necessidade  das  pa- 
lavras auxiliares  ( verbos,  preposições  econjuncçÕes  )  para 
a  necessária  clareza  e  precisão  da  linguagem.  Ex.:—»  Capiit 
d§  aquilla^  genera  de  ulmo  {  Plínio  j,  de  Coesare  satts 
dicium  habeo  \  Romani  sales  salsior)s  snnt  quam  illt  oAi- 
iicorum  (  Cie,  j  ;  Vrbem  qnam  parte  captam^  parte  dirutam 


417 


habet  (  T.  Livio  ),  cum  illum^  adiibt\  Episcopi  de  regna 
nostra  \ln  prestntia  dejudíces^  donabo  adconjux  ;  templnm 
de  i?iarmore  (Virg.)^  restitui t  ad  parentes  (  T.  Livio); 
amatnm  Jiabm\  coptas  quas  habebat  paratas,  liabiam  etiam 
dícere^  habeo  convenire  fCic),  Romani  sales  salsiores 
suvit  qiiam  illi  oAtticonem  (  Cie.)*. 

Torna-se  mais  frequente  o  uso  dos  pronomes  junto  aos 
verbos  '  (il  dedít^  salvarai  eo) ;  o  emprego  abusivo  do 
anxiliar  esse^  como  a  obliterar  a  forma  passiva  (est  con- 
cessum  p.  conceditur^  esse don num  p.  donan\  etc.) 

Com  o  prevalecer  da  ordem  anal3tica,  diminuem  as 
regras  de  concordância.  Mas  a  lingua  latina  culta  de  Ci- 
cero  )á  trazia  em  si  esses  germens  da  nossa  construcçao  ; 
Quintiliano  )á  reconhecia  um  modo  natural  e  mais  oratório 
do  arranjo  dos  vocábulos  ;  Plinio,  commentando  Virgilio, 
para  tornar  mais  claras  certas  passagens,  põe -nas  em  ordem 
analytica,  indicando  a  modificação  pelas  palavras  —  ardo 
est.  ') 

3. —  Typos  syntacticos  divergentes.—-  Dàcse  esta  de- 
nominação ás  bifurcações  syntaxicas,  aos  diversos  modos 
—  mas  análogos  —  de  construcçao,  regência  e  concor- 
dância . 

a)  De  construcçao. —  O  portuguez,  posto  que  lingua 
analytica,  mais  conservou  que  as  outras  linguas  romanas 
a  liberdade  no  arranjo  syntâxico  das  palavras,  privilegio 
da  construcçao  tnifersativa  ou  iranspositiva. 

Recebi  hoje  três  cartas  juntas  de  V.  S. 
De  V.  S.jtres  cartas  juntas  recibi  hoje. 
Hoje  recebi  de  V.  S.  três  cartas  juntas. 
Três  cartas  de  V.  S.  hoje  recebi  juntas. 
Juntas   recebi  hoje  três  cartas  de  V.   S. 

A  sytitaxe  é  a  mesma  em  todos  esses  exemplos  ;  e  em- 
bora destituido  de  flexões  nominaes,  o   portuguez  con- 


•  Pacheco  Juúiop  —  Gram,  /itst.  — Introduóção, 
'  Idem. 


4i8 


servou,  principalmente  até  o  Sec.  XVI,  muitas  construcções 
similares  ás  latinas,  tão  livres  e  variadas,  tão  ricas  e  har- 
moniosas . 

O  castello  de  Santarém  aos  Mouros  o  tolhy 

(F.  de  Santarém.) 
. . .  mal   as  despendendo  em  custosas  uyandas  que   bem  acusar  se 
temperados  foseem,  poderiam 

(D.  Duarte,  L.  C.) 
como  a  todos  os  triste  acaece 

(R.  Ril>.) 
mays  en  pêro  direi  vos  huã  ren 

(C.  Vat.) 
descobril-a-ha  a  primeira  vossa  frota 

(Cainõcs.) 
embarcação  que  o  leve  ás  náos  lhe  pedo 

(Id.) 
Em  Centa  indo  D.  Aífonso  atraz  de  um  mouro 

(M.   Bem.) 

b)  De  concordância. —  Ex.  —  a  maioria  dos  homens 
entende  ou  entendem  ;  estamos  convicto  ou  convictos  ;  o 
primeiro  e  quarto  rei  ou  reis.,  etc . 

c)  De  regência. —  São  estes  os  tj^pos  syntacticos  di- 
vergentes de  mais  subida  importância  : 

Morrer  a  fome,  morrer  de  fome 

mandou  ler^  mandou  que  lesse 

me,  a  mim 

começar  a  escrever  ou  de  escrever 

pegar  de  penna  ou  na  penna 

arrancar  a  espada  ou  da  espada 

até  casa,  até  a  casa,  ate  ã  casa 

apaixonado  ;^í?/aí  cousas  da  pátria  (R.  L.)  ou  das 

O  seu  amor  ás  almas  (M.   Bern.)  ou  pelas, para  com 

depôs  sua  morte  (Sec.  XIV,  S*  Eufr.),  ou  depois  de 

que  os  frades  huns  outros  sejam  obediyntes  (R.  de  S.  C.) —  nus  aos 
outros 

alçado  por  Rei  em  Portugal,  alçado  em  Rei  de  Portugal  (F. 
Lopes) . 

São  varias  as  causas  das  bifurcações  sintaxicas  : 

a  )  Typos  similares  originários  —  igual  a,  igual  de. 

b  )  S3'nonymia  de  preposições  :  —  cercado  por,  cercado 
de. 

c  )  Extensão  crescente  do  infinito  impessoal :  —  começou 
fa\ei\  átfa^er,  d.fa\er. 


4íl' 


d  )  Vestígios  da  voz  media  :  — comenim-se-a^  comeriim- 
s'sílo  (  Sec.  XII ) ;  affirmar  que,  se  ajjirmav  que  ;  morrer 
morrer- se  (  B.  Rib  ),  cahir  cahir-se,  etc. 

e  )  Acção  verbal  dupla  :  —  f aliou  todo,  f aliou  de  tudo . 

f )  Influencia  estrangeira  :  —  moro  a  rua  de — ,  mora  na 
rua. 

g  )  Euphonia  :  —  alçar  por  Rei,  —  em  Rei. 

k )  Influencia  articular  e  pronominal  :  —  o  que  aconte- 
ceu^ que  aconteceu. 

i  )  Elipse  :  —  após  elle,  —  d'ellc. 

j )  Influencia  da  declinação  orgânica  :  —  . . .  en  cas  sa 
madre  (  C .  Vat .  ) ,  em  cas  de  sa  madre  ;  quem  vos  ouve, 
mim  ouve  (  Sec.  XIII),  a  mim  ouve,  ouve-mt.  *■ 

r )  Equivalência  de  formas  verbaes  :  —  andar  buscan- 
do, —  a  buscar  -,  servindo  (  Sec.  XIV  )  sem  vir  ;  em  sen- 
do,  sendo. 

1 )  Invariabilidade  do  participio  passado  :  —  regadas 
tinha  (  as  flores  ),  Cam.,  regado  tinha. 

m  )  Tendência  anal}  tica  :  — di{em  ser,  di-{em  que  é. 

n  )  Mudança  de  categoria  grammatical  :  —  desde  Março 
t?ieado  (  Sec.  XIV  ),  desde  o  meado  de  Março. 

o  )  Emphase :  —  de  como  o  cavelleiro  (  R .  Rib .  ) 


*  Lam.  de  Andrade  —  Vest.  ãa  decl.  lat. 


TRIGÉSIMA  LIÇÃO 

Syntaxe  da  proposição  simples. — Espécies  de 
proposição  simples  quanto  á  forma  e  signi- 
ficação,— Dos  membros  da  proposição  sim- 
ples. '' 

1  —  o  proposição  ou  período  grammaiical  diviáe^st  em 
simples  e  composto.  * 

2  —  E'  simples  quando  contem  uma  única  affirmação . 

A  proposição  comp5e-se  de  termos  essemiaes  (  sujeito 
e  predicado  )  e  de  termos  accessorios^  elementos  syntaxicos 
modificadores  ou  determinadores  dos  essenciaes. 

3  —  Aos  termos  modificadores  do  sujeito  (  adjectivo  e 
palavra  ou  expressão  adjectiva  )  dá-se  o  nome  de  attribulos ; 
aos  do  predicado  objecio  e  complemento  adverbial^  confor- 
me são  representados  pelo  substantivo.,  palavra  ou  expres- 
são de  natureza  substanti/a,  ou  ainda  pelo  adverbio,  e  pa- 
lavra ou  expressão  adverbiada. 

4 —  O  objecto  p5de  ser  direcio  ou  indirecto.,  coníovm& 
modifica  immediatamente  ou  mediatamente  o  sentido  do 
predicado,  i.  e.,  sem  ou  com  preposição  :  Deus  recompensa 
os  justos  ;  elle  matou-sQ  \ .  ..vivo  do  trabalho,  preciso  de  ti... 


*  Damos  este  ponto  e  o  seguinte  muito  i-esumidos,  não  só  porque  é 
matéria  já  conhecida  dos  aluranos  da  classe  de  exame,  como  porque 
todos  elles  já  devem  possuir  a  SeUecçào  iútcrana  dos  professores  F. 
Barreto  e  Vicente  de  Souza,  onde  a  matéria  é  tratada  com  mais  abundân- 
cia.— Consulte-so  também  o  excellente  trabalho  do  professor  Alexander  — 
Analyse  relacional. 

*  Ainda  temos  proposição  absoluta  e  relativa. 


I 


421 


Em  alguns  casos,  porém,  o  objecto  directo  é  precedido  de 
preposição  : —  amp  a  T>eus^  arrancam  das  espadas  ÇViáQ 
lição) . 

As  variações  pronominaes  —  7ne  ie  se  lhe  nos  jfos  lhes, 
empregam-se  sem  preposição  quando  exercem  as  funcções 
de  objecto  indirecto,  porque  já  a  incluem  em  si  e  conser- 
vam «  a  força  synthetita  dos  dativos  latinos  » . 

5 .  —  O  comple)7iento  adverbial  não  é  necessário  para  o 
perfeito  sentido  do  elemento  que  elle  modifica,  e  pôde  ser 
substituído  por  outro  termo  accessorio  : —  comprei  ha  dias 
um  bom  livro  ;  elle  escreve  correctamente,  elle  escreve  com 
correcção . 

6. —  O  sujeito  é  expresso  por  um  substantivo^  ou  por 
outra  palavra  ou  expressão  substantivada-^  ;  o  predicado  é 
representado  simplesmente  pelo  verbo  de  predicação  com- 
pleta (intransitivo)  ^  ou  pelo  de  predicação  incompleta 
(transitivo),  mas  neste  caso  também  pelos  seus  termos  mo- 
dificadores . 

7. —  Quanto  á  fórma^  as  proposições  dividem-se  em 
completas  e  incompletas  ou  ellipticas. 

Sob  o  ponto  de  vista  da  signijlcação^  em  expositivas^ 
interrogativas^  imperativas^  optativas . 

Sob  o  da  lógica,  em  principaes  e  sudordinadas . 

8. —  As  relações,  pois,  das  palavras  na  proposição  sim- 
ples são  —  subjectivas^  adjectivas  [predicativas,  attributi- 
vas^  objectivas)^  adverbiaes. 


'  Ha  algumas  excepções  : —  elle  é  bom,  cu  estou  hom,    tu    pax-eces  con- 
tente, etc. 


TRIGÉSIMA  PRIMEIRA  LIÇÃO 

Syntaxe  de  proposições  compostas  ou  do  período 
composto  —  Coordenações  —  Subordinação 
—  Classificação  das  proposições. 


I .  —  'Troposição  composta  é  a  formada  pela  reunião  de 
duas  ou  mais  proposições  simples . 

2 . —  Essas  proposições  podem  ettar  em  relação  de  coor- 
denação ou  de  subordinação . 

3 . —  No  1°  caso  estão  as  proposições,  que,  de  igual  cate- 
goria intellectual  ou  força  significativa,  e  por  meio  de  simples 
justaposição  ou  de  con).  connectivas,  concorrerem 
para  a  formação  do  periodo  composto  : —  o  homem  pensa^ 
falia  e  ri.  Neste  exemplo  ha  três  proposições  simples  :  as 
primeiras  estão  ligadas  intellectualmente  ;  a  terceira  pela 
GonjuncçãO  e. 

4. —  As  proposições  que  concorrem  para  a  formação  de 
uma  proposição  composta  coordenada  são  sempre  prin- 
cipaes. 

5 .  —  As  coordenadas  dividem-se  —  quanto  á  natureza 
dos  seus  connectivos  —  em  copulattvas.,  adversativas.  dis- 
junchvas.,  conclusivas . 

6. —  As  proposições  coordenadas  por  mera  justaposição 
chamam-se  asjndeíicas:^  as  ligadas  por  conjuncções  con- 
nectivas (e,  mas.,  ou.,  logo.,  etc)  syndeiicas. 

6.  —  Proposição  composta  por  subordinação  é  aquella  que 
determina  um  dos  seus  termos,  ou  serve-lhe  de  comple- 


423 


mento,  tornando  o  sentido  das  orações  simples  dependente 
do  sentido  das  outras,    e  a  elle  subordinado. 

7 .  —  As  proposições  compostas  por  subordinação  só 
podem  ligar-se  em  relação  puramente  grammaíical . 

8. —  A  categoria  das  subordinadas  depende  da  contex- 
tura do  periodo . 

Q. —  Quanto  ao  connectivo^  classiíicam-se  as  subordi- 
nadas em  conjunccionaes  e  relativas,  conforme  for  elle 
uma  conjuncção,  adjectivo  ou  pronome  relativo . 

10. —  Com.  v^ítvtnó.di  éi  natureza,  dividem-se  em  sub- 
stantivas^ adjectivas  e  adverbiaes^  conforme  representam 
uma  dessas  três  categorias  grammaticaes. 

II.  —  Quanto  á  funcção,  podem  ser  subjectivas,  obje- 
ctivas^ attribiiiivas,  ou  adi^erbiaes^  conforme  preenchem  as 
funceões  de  sujeito^  objecto^  attribulo  ou  adjun:to  adver- 
bial. 

Ex.^  Noticiaram  que  elle  morreu  ( i.  e.  a  sua  morte); 
a  mulher  de  pudor  ( i.  e.  a  mulher  pudica,  pudenda,  pu- 
dibunda); chegou  depois  que  sahimos  (circumst.  de  tempo 
=  depois  da  nossa  sabida) . 

As  subordinadas  •  adverbiaes  podemexprimir  diversas 
circumstancias,  de  tempo^  Jim.,  logar.,  causa^  consequência .^ 
comparação^  conclusão . 

12. —  As  proposições  subordinadas  ainda  são  classi- 
ficadas por  alguns  grammaticos  em  completivas  (  que  en- 
cerram um  complemento  essencial  para  o  sentido  de 
outra  proposição) ;  incidentes  (  as  que  se  unem  ao  sujeito 
ou  attributo  de  uma  outra  proposição  por  um  pronome 
relativo,  e  podem  ser  explicativas  ou  terminativas) ;  ctrcum- 
stanciaes  (as  que  exprimem  circumstancia  complementar 
do  sentido  de  outra  proposição  — ^  de  tempo  modo,  causa, 
etc). 


TRIGÉSIMA  SEGUiNDA  LIÇÃO 

Regras  de  syntaxe  relativas  a  cada  um  dos 
memliros  da  proposição 


I. —  SuGEiTO  —  O  sugeito  de  uma  proposição  pôde 
ser  expresso  por  um  substantivo,  pronome,  por  outra 
qualquer  palavra  substantivada,  ou  ainda  por  uma  outra 
oração . 

2.—  Em  regra,  o  verbo  concorda  com  o  sujeito  em 
numero  e  pessoa . 

Com  os  collectivos  o  verbo  emprega-se  no  singular :— - 
o  exercito  árabe  não  respirava  de  combates  contra  os 
Godos. 

Mas  si  o  collectivo  for  partitivo  e  vier  seguido  de  um 
determinativo  no  plural,  o  verbo  irá  para  o  plural ;  —  a 
maior  parte  dos  martfres  subscreveram  com  o  sangue  o 
testemunho  de  Christo. 

Esta  regra  tem  excepções,  e  no  latim  havia  a  mesma 
liberdade:  a  maioria  dos  deputados  votou  contra  o  projecto. 
(Vide  lição  35 ). 

Quando  os  sujeitos  são  de  pessoas  dillerentes  o  verbo 
vae  para  o  plural  e  concorda  com  a  que  tem  prioridade  : 
—  Tueo  medico  sois  dos  malandrinos  ;  vós  e  eu  temos  o  amor 
da  liberdade  por  invencível  como  a  morte . 

Si  o  sujeito  fôr  expresso  por  palavras  s\non3^mas,  ou 
representantes  de  uma  mesma  idéa  ( paesso  ou  eousa),  o 
verbo  (  é  claro  )  conserva-se  no  sing.:=Era  um  velho, 


425 


a  quem  o  trôpego^  o  quast  morto  dos  membros^  embar" 
gava  o  caminhar: 

Estas  e  outras  regras  de  concordância  já  são  muito 
eommuns  para  que  nellas  nos  demoremos. 

Logar  do  sujeito  —  Desde  os  primeiros  documentos  que 
regularmente  se  encontra  o  sujeito  no  principio  da  phrase  ; 
mas  numerossimos  são  os  exemplos  em  contrario  : —  hum 
lal  home  sey  eu^  tenho  eii^  vou  eu  (  c.  vt.  ),  se  me  a  ra:{ão 
lu  dz{es  ( R.  S.  Bento  )  ;  Haverá  pa:{  no  tumulo  ?  Pára 
o  que  ahi  repousa^  sei  eu  que  ha  na  terra  o  esquecimento  ! 
(A.  Herc),  Sonhou  um  homem  que  via  um  ovo  atado 
na  ponta  do  lençol  (  M.  Bern.  ) 

A  inversão  do  sujeito  é  ás  vezes  rigorosamente  pres- 
cripta  : 

a)  Nas  orações  incidentes,  e  com  os  verbos  accres- 
centar,  contar^  referir  ^  perguntar,  desejar^  di^er^  cuidar^  etc. 

Pergntitando  cerio  sujeito  a  um  guarda  portão  se  seu  amo  estava 
em  casa,  respondeu-lhe  ; —  Não  senhor. —  Bem,  acrescentou  o  outro 
mas  a  que  horas  voltará  ?  —  Não  seij  replicou  o  malicioso  criado^ 
quando  meu  amo  manda  dL-^er  que  não  está  em  casa,  ninguém  pôde 
saber  a  que  horas  voltará. 
(  M-  Bern.  Flor.  ) 

b  )  Quando  a  phrase  começa  por  um  atributo,  regimen 
directo  ou  circumstancial,  adverbio  ou  coniuncção ;  e  a 
inversão  era  mais  frequente  no  portugez  antigo  :  —  o  maior 
e  mais\certo  motivo  de  ser  amado,  é  anticipar  o  seu  amor 
(  Vieira  ),  si  a  tanto  me  ajudara  engenho  e  arte  (  Cam.) ; 
agora  tu,  Calliope,  me  ensina  ;  onde  nos  estreitava  cada  ve:( 
mais  altiva    oppressão  (  L.  Coelho  ). 

No  portuguez  moderno  é  ampla  a  liberdade  inversa tiva 
quando  a  proposição  começa  por  d'2Lhi,  talve^,  apenas. . . 

c  ) —  Com  os  verbos  no  Imperativo,  que  só  por  emphase 
se  emprega  claro  quando  é  pronome  :  —  daoede-vos  por 
mesura  (D.  Din.  Canc.  );  nembre-vos  que  eu  sô  o  vosso 
Rei  almofacem  (Liv.  Linh.  );  si  queres  que  eu  te  ouça, 
ouve -me  tu  primeiro. 

5i 


426 


Ex.  emphatico  =  tu  mesmo  faze  isio -^  tu,  que  tens 
de  humano  o  gesio  e  o  peito,  a  estas  criancinhas  ttm  respeito 
(Cam.  ). 

d) — Com  os  verbos  no  subjunctivo,  quando  se  supprime 
a  óonjuncçáo: —  quisesse  elle,  queira  'Deus,  dissera  o  dono 
do  campo  a  seus  criados .... 

Díz-se,  porcm,-^  Deus  queira,  Deus  me  lipr^e .  etò. 

e) — Nas  formas  do  Infinito,  principalmente  regido  de  pre- 
posição ; —  de  mandar  os  criados  e  fa^er^se  a  obra  vae  ainda 
muito  tempo. —  Para  m' irdes  de  estorvar,  de  mifa'{evdes 
mal  ou  bem.  (  D.  Din.  Canc.  ),  sem  lhe  lembrar  casa  nem 
fazenda  (  J.  de  Barros  ),por  vos  servir  a  tudo  apparelhados 
(Cam.  ). 

f)  Nas  proposições  completivas  começando  por  que. 
Era  a  inversão  mais  usada  até  o  Sec.  XVI. 

g  )—  Nas  proposições  adverbiaes  indicando  circum- 
stancia  de  logar  ou  de  tempo .  No  segundo  caso  é  frequente 
a  deslocação  inclitica : 

por  si  el  Rey  achar  em  Tavilla  sem  dinheiro. 

(  G-  de  Rez.  ) 
para  acabar  onde  o  ninguém  visse. 

(  B.  Rib.  ) 
emquanto  lhes  o  dia  todo  deu  logar. 

(  F.  Mor.  ) 

São  muitos,  porem,  os  exemplos  contradictorios . 

Nas  phrases  imerrogaiivas  a  inversão  é  mais  de  uso : — 
podermiades  vos  di^er  hu  ficou  ?  [h.  Linh.  ). 

Receava- se  Miihridades  dos  tóxicos  ? 

Mas  o  sujeito  antepõe-se  ao  verbo  quando  o  queremos 
pôr  em  relevo  :  vós  me  perguntat^des  per  vossa  amada  ? 
(  Cane  D.  Dín. ),  vós  quem  sois?  (  vos  quiestis?  ),  eu  faria 
tal  cousa  ?  ( Egon*  isthuc /acerem  ?  ) . 

Thrases  exclamativas  ou  vocaiivas,-^  Não  há  regra 
fixa  : —  Deus  seja  louvado  !  louvado  seja  Deus.  Mas 
quando  o  sujeito    exprime    pessoa    ou    cousa    pela    qual 


427 


fazemos  votos  propiciatórios,  dá-se  sempre  a  inversão  : — 
VíPJ  a  nação  brasileira  ! 

i  Verbo. ^—  No  latim  o  verbo,  em  regra,  era  final  \  más 
no  da  decadência  occupava  muitas  vezes  o  logar  médio.  Já 
nos  referimos  ao  facto  do  analytismo. 

O  põrtuguez  adoptou  a  forma  ánalyticâi 

quando  me  mays  forçava  seu  amor 

(  Cé  Vai.) 
que  nom  queria  bem  outra  molher  senom  mi 

(Id.) 
e  se  hum  meenfestar  esse  prendam  por  enmigo  e    daquelles  que 
forom  negos  prettdàhi  outro 

(  F.  da  Guarda.) 
quem  me  a  vos  levou  tão  longe 

(  B.  Rib.) 

Mas  exemplos  do  verbo  final  são  abundantes  nos  pri- 
meiros documentos  (  Sc.  XIII  a  XVI )  : 

cunucundá  cousa  seja  (  Sc.  XIII ) 

(J.  P.  Rib.  Diss.). 
e  nos  de  suso  ditus  en   esta  carta  revoramus  (  Sec.  XIII ) 

(Id.) 
Aqúel  que  casa  feier,  ou  vinha  èu  sa  hefdade  onríar 

(  F.  da  Guarda.) 

incommende  a  nos  ajudoyro  ministrar 

(  R.  de  S.  Benh.) 
do  peccado  da  Itlxuria  brevemente  fallando 

(D.  Duarte,  L.  Coiis.) 

que  já  remediar  hem  nom  pode 

(M.) 
que  chorando  vossa  mãi  nasceis 

(B.  Rib.) 
como  a  todos  os  tristes  acaece 

(Id.) 

Nos  tempos  èompostos,  é  o  auxiliar,  considerado  verbo 
da  oração,  que  occupa  o  logar  médio  :—  e  fuy  COrH  grâm 
coyta  diíer  ( C.  Vat.). 

O  participio  pôde  ser  inicial  ou  final  : —  abusado  jd  tens., 
jâ  iens  abusado  (  V.  lição  36  ). 

3 — Regimens. —  Os  regimens  podem  ser  directos  ou 
ittdirectos. 


428 


aj  Regimen  directo,  A  construcção  varia  nos  antigos 
textos  portuguezes  :  em  latim  quasi  sempre  o  regimen  di- 
recto vem  antes  do  verbo,  de  accôrdo  com  o  uso  das 
linguas  syntheticas. 

Notemos  as  seguintes  construcçÕes  : 

i.°  Regimen,  verbo,  sujeito  :—  Nos  seus  olhos  via 
eu..,. 

2.°  Regimen,  sujeito,  verbo  : — alguns  meies  antes  de 
se  partir. 

3.°  Sujeito,  regimen,  verbo : —  eu  com  carinho  te 
obrigo .  Mais  frequente  nas  proposições  relativas . 

4.°  Verbo,  sujeito,  regimen  : —  manda  Theobaldo  uma 
carta. 

5.°  Verbo,  regimen,  sujeito  : —  recebeu-o  elle. 

Estas  ultimas  construcções  eram  mais  frequentes  nas  proposições 
começantes  por  um  adverbio  ou  complemento  circumstancial,  que 
obrigava  a  inversão  do  sujeito.  Depois  da  perda  dos  casos  tenderam  a 
desapparecer  porc^ue  traziam  equivoco . 

O  pronome  regimen  tende  sempre  a  aproximar- se  do 
verbo  de  modo  a  receber  a  sua  acção  mais  directamente 
que  os  outros  elementos  da  proposição. 

Em  latim  os  pronomes  procliticos  we,  te.,  se.,  coUoca- 
vam-se  muitas  vezes  immediatamente  antes  do  verbo  ;  e  o 
mesmo  acontecia  no  portuguez  antigo .  * 

b)  Regimen  indirecto .  —  Estes  regimens  podem  ser  pro- 
nomes, substantivos,  infinitos,  e  nesta  distincção  cumpre 
attentar  quando  se  estuda  o  seu  logar  na  phrase. 

O  regimen  indirecto  pronome  depende  do  logar  que 
occupam  as  formas  atonas  do  pronome  ;  quanto  ás  tónicas, 
seguem  em  geral  a  regra  dos  substantivos    (V.  licção  40.) 

O  regimen  indirecto  substantivo  podia  vir  em  qualquer 
logar  na  phrase  :   tendeu,  porem,  sempre  para  collocar-se 


*  V.  Lições  34  e  4Q—Syntaxc  do pfonome ;    Cdlocação  dos  pronomes 
pessoaes. 


I 


429 


depois  do  verbo,  quer  immediatamente,  quer  após  o 
regimen  directo.  Muitos  exemplos  ainda  lembram  a  antiga 
liberdade  ^  mas  a  regra  começa  a  firmar-se. 

O  regimen  indirecto  infinito  segue  a  mesma  regrra  do 
substantivo,  e  desde  os  primeiros  documentos  que  regu- 
larmente o  encontramos  depois  do  verbo. 

4. —  Complementos. —  Era  immensa  a  liberdade,  e 
ainda  hoje  nos  não  repugna  a  inversão.  No  portuguez 
antigo  o  complemento  circumstancial  vinha  principalmente 
no  principio,  prendendo  assim  o  espirito  do  leitor  ás  cir- 
cumstancias  antes  de  enunciar  a  acção . 


TRIGÉSIMA  TERCEIRA  LIÇÃO 

Regras  de  syntaxe  relativas  ao  substantivo 
e  ao  adjectivo 

a)    Substantivo 

1 .  —  O  substantivo  em  geral  precede  o  adjectivo  ; 
pôde  dar-se  porém  a  inversão,  excepto  em  certos  casos 
consagrados  pelo  uso,  em  que  ella  é  inadmissível, 
ou  muda  totalmente  o  sentido  do  adj .  "epitheto  : —  código 
civil ^  mão  direita. . .  mão  signal  e  signal  máo.,  novos 
homens  e  homens  novos. 

2 .  —  Já  nos  referimos  á  mudança  de  significação  con- 
forme muda  o  subst.  de  género  ou  de  numero  :  —  madeiro 
madeira.,  honra  honras  (Y .  Lição). 

3 .  —  A  construcção  dos  nomes  concretos  no  plural 
concordando  com  adjectivos  ou  substantivos  (  apposição  ) 
no  sing.,  não  é  para  ser  condemnada  por  estulta.  Her- 
damo-la do  latim,  temos  fiança  nos  clássicos  portuguezes: 
-^  oAraiiones  Campana  et  Leontina  (Cie),  qiiantum  et 
duoetricesimum  legiones  (T.  L.  ).  A  phrase  pois  —  as 
grammaticas  portuguesa  e  francesa,  é  tão  correcta  como 
a  —  o  quarto  e  quinto  oãffonso  (Cam . ) 

4.  — Os  gramma ticos  condemnam  erradamente  a  flexão 
do  plural  dos  nomes  qne  exprimem  producções  naturaes, 
dos  antigos  elementos,  dos  de  virtudes  e  vicios.  Mas 
deve -se  dizer  —  aguas  de  Caxambu.,  de  Vichy.,. . .  (  aquae 
Sextiae  diziam  os  Latinos ) :  aguas  no  sentido  de  enxurra- 


43 1 


das,  correntes  d'agua,  mar,  vislumbre ; /o^os  no  sentido 
figurado,  com  referencia  aos  que  se  accendem  para  signaes 
e  aos  chammados  de  artificio^  etc,  ou  ainda  com  signi- 
ficação de  casas^  chammas  fugidias  produzidas  pelas  ema- 
nações do  gaz  hydrogeneo  phosphorado,  que  também  sç 
levantam  nos  logares  paludosos,  cemitérios,  etc.  {fogos 
errantes^  faíuos )  ;  oAres  p.  clima,  vento,  pátria,  apparen- 
cia  ;  —  as  novas  ilhas  vendo  e  os  novos  ares  (  Cam, ),  mal 
cobertos  contra  os  agudos  ares  que  assopravam;  ares 
pátrios,  de  familia,  de  fadista  \  estranhar  os  ares.  Suores, 
também  é  de  uso  vulgar,  e  já  o  era  também  em  latim  :  — 
passar  suores  de  morte  (Luc.  ),  e5/arew  suores  frios, — 
Urinas.,  id.,  cereaes,  etc,  (V.  Lição  14^.) 

Lat. —  aconitãj  fabaej  viciaCj  viteSj  snlphtira^  arenae,  'etc. 

5  —  Também  teem  plural,  e  não  devem  os  grammaticos 
regeital-o,  os  nomes  designativos  dos  phenomenos  mete- 
reologicos  :  —  as  chuvas,  os  ardores  do  estio,  os  rigores  do 
inverno^  as  trovoadas  de  verão.,  os  ventos  do  sul. 

6.  —  Em  latim  os  nomes  abstractos  eram  empregados 
no  plural  \  e  no  portuguez  antigo  o  uso  era  mais  frequente 
que  hodiernamente: — esperanças.,  ires  constancias.  Como 
que  augmenta  o  gráo  do  sentimento  ou  faculdade.  Outras 
vezes  exprime  vicissitudes,  alternativas  e  revezes,  os  lavo- 
res do  mundo,  emfim,  e  as  voltas  da  fortuna  : — familiari- 
dades^ amisades.,  temores.,  tristezas.  (V.  Lição  14*^). 

Além  da  tradição,  temos  para  justificar  esses  plurais, 
a  relação  existente  entre  os  nomes  abstractos  e  concretos, 
de  regra  muito  incerta  \  o  serem  concresciveis  os  abstractos 
(  santidades.,  beatices,  industriaes . . .  delicias,  amores,  sau- 
dades, aftectos. . .  )  etc;  a  convenção,  que  manda  se  diga 
no  plural  —  invenções,  cogitações,  etc. 

Os  collectivos  teem  plural  em  portuguez,  e  oseu  emprego  nas  línguas 
romanas  é  muito  mais  lato  que  no  latim,  principalmente  na  lingua- 
gem clássica  :  —  exércitos j  povos ^  gentes. , . 


432 


O  adjectivo  em  relação  correlativa  com  um  subs.  coUe- 
ctivo  ou  partitivo,  vae  ás  vezes  para  o  plural,  construcção 
esta  mais  geral  no  portuguez  antigo,  e  o  verbo  também  ia 
para  o  plural  :  —  gente  cega  nem  os  estimo  nem  me  vão 
movendo  {¥qvv,)  \  começou  a  quebrantar  o  ^oyo  com  di- 
versos gravames^  tirando-lhts  as  forças  para  melhor  os 
dominar^  timidos  e  sujeitos  ;  Logo  todo  o  restante  se  partiu 
da  Lusitânia  postos  em  fugida. 

8. —  O  subs.  apposto  concorda  com  o  principal  em 
género  e  numero  : —  as  musas^  irmãs  de  oApollo ;  oAtilla^  o 
flagello  de  'Deus. 

O  subst.  fem.  empregado  epitheticamente  em  referencia 
a  um  subst.  masc.  toma  o  género  deste  na  linguagem 
vulgar  :  —  és  um  besta,  um  trouxa,  um  banana,  um  bolas, 
um  mancas, 

9. —  O  subst.  pôde  substituir  o  adj.  : —  Sideris  ora- 
sidérea,  e  outras  expressões  como  esta  eram  raras  no 
lat.  clássico;  mas  na  lingua  popular  eram  frequentes  as 
excepções,  e  por  fim  constituiram  a  regra  : — poculum 
aureum,  it  bicchier  d' oro,  hesp.,  port.  vaso  de  ouro. 

E  só  empregamos  o  adj.  em  poesia,  est3do  elevado  : — 
licor  áureo,  esiylo  áureo,  argênteas  conchinhas,  brônzea 
côr,  férreo  somno,  etc. . . . 

Dizemos,  porém  —  aguas  férreas , 

10. —  Quando  o  nome  qualificador  é  nome  de  cousa 
inanimada,  pôde  diíFerir  de  género  e  numero  : —  Tito,  as 
delicias  do  género  humano . 

TI. —  Apposição. —  O  nome  commum  de  uma  cousa, 
quando  tem  por  apposição  a  palavra  que  a  distingue  das 
cousas  semelhantes,  vem  unida  a  ella,  em  regra,  pela  pre- 
posição de,  que  é  puro  expletivo  (=  que  é,  que  se  chama) : 
a  cidade  do  Rio  de  Janeiro,  o  me^  de  Setembro. 

E  o  povo  diz  —  o  dramaláa.  Morte  j?wral,  a  cofjiedia 
da  Torre  em  concurso. 


433 


Os  nomes  monte  e  /j^o  raro  se  empregam  com  a  prepo- 
sição íi?e.  Este,  só  quando  tem  por  complemento  um  nome 
de  cidade  [lago  de  Genebra.) 

Na  linguagem  vulgar  diz-se  :  uma  pesie  de  mulher,  um 
diabo  de  homem.,  o  tratante  do  Joaquim. 

Nestas  phrases  compostas  por  apposição  ha  uma  espécie 
de  ellipse . 

O  latim  dizia  simplesmente  —  urbs  Roma.,  Ctceroms 
opera.  *■ 

6)  Do  adjectivo 

II. —  O  adjectivo  cancorda  com  o  seu  substantivo  em 
género  e  numero  :  iwi  bom  lipro.  Empregado  como  attri- 
buto,  concorda  também  com  o  sujeito  em  género  e  nu- 
mero :  Deus  é  justo .^  etc. 

12. —  Muitos  adjectivos  no  singular  podem  acompanhar 
um  nome,  que  cada  um  delles  qualifica  separadamente  :  — 
as  línguas  ft^ance:;a,   ingle^a^  allemã. 

Si  o  subst.  está  no  sing.  é  mais  correcto  o  emprego 
repetido  do  artigo  :  —  a  lingua  francesa.,  a  inglesa  e  a 
allemã. 

Diz-se  também :  o  ^°,  4°  e  5^  Séculos  (ou  o-3°,  o  4e  o 
S°  Século.) 

i3. —  Quando  o  adjectivo  refere-se  a  muitos  [nomes  do 
mesmo  género,  vae  para  o  plural  desse  género  ;  si  os 
substantivos  forem  de  géneros  differentes,  o  adjectivo  vae 
para  o  plural  do  género  do  ultimo,  ou  melhor  para  o 
masculino . 


*  Sobre  as  preposições  que  devem  acompanhar  os  vários  complementos 
do  substantivo  —  Vide  lição  37. 

De,  p.  ex.,  indica  as  varias  relações  de  dependência,  causa,  origem, 
tempo,  instrumento,  união  physica  ou  moral,  de  objecto  ou  fim,  destino 
habitual  (sala  de  jantar),  profissão  ou  condição,  qualidade,  peso,  medida, 
valor,  extensão  ou  duração  (uma  garrafa  de  vinho,  etc  .^,  parte,  quanti- 
dade, matéria,  (gotta  á'agua,  ponte  de  madeira,  etc.)  Essas  relações,  o 
latim  e  o  grego  exprimiam-nas  pelo  genitivo  (caso  de  dependedcia). 

55 


434 


14.'— Alguns  comparativos  e  superlativos  latinos  pas- 
saram para  o  portuguez  sem  a  sua  força  gradativa :  — 
imerior^  exterior,   intimo^  extremo. 

Os  superlativos  absolutos  podem  ser  empregados  sub- 
stantivadamente,  e,  á  maneira  da  syntaxe  latina,  por  super- 
lativos relativos  :  —  O  optiino  de  lodos^  o  sapientissimo  do 
Instituto.  A  I*  construcção  deve  ser  reprovada. 

i5. —  Quando  a  comparação  refere-se  unicamente  a 
dous  objectos,  o  latim  emprega  o  comparativo  :  =  minor 
fratrum.  As  linguas  romanas  apartaram-se  desta  regra 
sempre  que  o  adjectivo  vinha  acompanhado  forçosamente 
do  demonstrativo  o  (artigo),  porque  d'ahi  resultaria  a  gra- 
dação do  superlativo  :  Cp. —  terás  louvores  de  mais  sisudo 
critico;  o  mais  novo  dos  dous  irmãos  (fr.  leplusjeum  des 
deux  frères.,  ital — .ilpiu  giovane  de  due  fratelli .) 

i6. —  Depois  dos  relativos  quão  quanto.  O  superlativo 
latino,  que  exprimia  o  mais  alto  gráo  da  possibilidade 
{quam  celerrime  poiuit).,  é  representado  em  portuguez 
pelo  comparativo  :  —  quanto  mais  depressa  possivel .  E  o 
mesmo  dá-se  no  ital.,  fr.  hesp.,  valachio. 

B.  \ã!i.'~^  quam  cithts poterit 

quandocumque  ego  citius  potuero 

Emprega-se  também  o  comparativo  depois  de  outros 
relativos  {quando.,  onde.,  etc),  ede  certos  verbos  :  — quando 
o  sol  mais  formoso  se  mostrou  (pulcherrime) ;  depois  do 
pronome  relativo  :  O  filho  que  eu  mais  amava. 

B.  \c>X .— fa.ciat  exittde  quidqiiid  inelins  elegent 

17  —  E'  frequente  o  emprego  de  muito  com  subst.  (  era 
mui  Jioute.,  é  muito  verdade )  ;  e  quando  concorrem  dous 
subst.  em  relação  attributiva,  referindo-se  a  um  único 
sujeito,  indica-se  a  preeminência  de  um  sobre  o  outro  por 
meio  da  particula  comparativa  :  —  és  mais  philologo  do 
que  X\és  tão  poeta  como  Z: 


435 


i8 —  Com  os  verbos ^car,  zr,  estai\  parecer^  etc,  usa-se 
do  demonstr.  o  em  vez  de  outro  adjectivo  tomado  attributi<^ 
vãmente  : —  Não  fora  C/nisto  o  que  era^  nem  a  esposa  o  que 
devera  ser  (  Vieira  )  \  ao  feio  nem  por  serem  o  deixam  de  ser 
estimáveis  se  tem  virtudes  (  Lobo.  ) 

Este  o  =.  el/o  (  illud  ),  e  nao  se  deve  confundir  com  o  adj,  art. 

i9  —  O  adjectivo  que  faz  as  vezes  de  adverbio  é  sem- 
pre invariável.  E'  erro  dizer -se  :  —  a  porta  está  meia 
abeta  p.  meio  aberta.  No  i°  caso  sign.  que  a  metade  da 
porta  está  aberta  ;  no  2°  que  a  porta  está  algum  tanto 
aberta.  E  assim  devemos  dizer:  casas  meio  queimadas^  etc. 
O  emprego  dos  adjectivos  na  forma  masc.  com  força 
adverbial  data  do  Sec.  XVI  ;  no  periodo  ante  clássico 
empregavam  os  advérbios  em  mente. 

20  —  Quando  um  substantivo  refere-se  a  outro  de  gé- 
nero diíferente,  o  adjectivo  concorda  com  02°  —  Cleópa- 
tra., aquelle  tfpo  de  belle^a . 

Os  escriptores  antigos  faziam-no  concordar  com  o  pri- 
meiro substantivo,  e  o  povo  ainda  diz  :  —  J.  é  um  :{ebra^ 
um  besta 

21. — Nos  adjectivos  compostos  por  juxtaposição,  só 
o  ultimo  elemento  toma  flexão  de  plural:  escola  medico- 
cirúrgica^  guerra  franco-prussiana. 

22.  — Os  possessivos  empregam-se  geralmente  antes 
dos  substantivos.  Dá-se,  porém,  a  inversão  quando  o 
substantivo  é  precedido  de  um  indefinito  ou  de  demon- 
strativo : —  alguns  livros  seus^  um  parente  meu . 

O  possessivo  era  geralmente  precedido  do  artigo: 
o  meu  amigo  \  seja  feita  a  tua  vontade.  Esta  forma  é 
hoje  a  mais  usual,  meno5  antes  dos  nomes  de  parentesco, 
quando  não  se  segue  o  nome  próprio  ou  epitheto  : —  wiew 
pai :  minha  querida  filha, 

O  emprego  do  pron .  pessoal  pelo  possessivo  era  raro 
no  latim,  e  considerado  hellenismo ;  na  linguagem  archaica 


436 


portugueza  encontram-se  alguns  exemplos  desta  substi- 
tuição, hoje  de  todo  condemnada : —  senhor  de  mi;  la 
moller  de  mi  (G.  Vic),  etc.  No  hesp.  era  esse  emprego  de 
frequente  uso  (  el  cuerpo  de  mi ) ^  e  bem  assim  no  italiano  e 
no  francez  [un  ami  à  moi) . 

Mas  si  o  sujeito  acha-se  em  relação  de  dependência, 
emprega-se  o  gen.  do  pessoal : — parte  de  mim  ==  lat.  pars 
mei,  por  amor  de  ti. 

O  dativo  do  pron .  pessoal  —  quando  se  acha  depen- 
dente de  um  verbo  —  pode  fazer  as  vezes  do  possessivo: — 
si  não  mt  fosseis  amigo.,  vejo-te  o  coração  triste^  quebrei^ 
lhe  a  cabeça.  Em  lat.  empregava-se  o  adj.  mihi  iibi.,  etc. 

O  possessivo  pileonasiico.,  consiste  no  emprego  claro  do 
possuidor  : —  os  seus  feitos  delle ;  dos  Santos  não  me  mato 
em  seus  louvores  (S .  de  Mir . ) 

E'  o  possessivo  que  forma  o  pleonasmo. 

O  possessivo  periphrastico  fórma-se  com  os  verbos  ter  e 
haver  {Com  a  sede  que  XQvho  de  vingança.,  eq.  a  com  a  minha 
sede).  B.  lat.: —  de  filio  vestro  quem  habetis. 

23. — Os  demonstrativos  este  aquelle  são  ás  vezes 
substituídos  pelo  pronome  o,  o  que  bem  indica  a  sua  etymo- 
logia  ;  o  demonstrativo  articular  faz  também  as  vezes  de 
determinativo  relativo: 

Os  grandes  feitos  que  os  Portuguezes  obraram  neste  dia  o  Oriente 
os  diga.  (Frei.  Castr.   II,  154  ). 

Leis  em  favor  dos  reis  se  estabelecem, 
as  em  favor  do  povo  só  perecem  (  Carn.) 

24  —  E  a  mesma  propriedade  teem  os  possessivos  e  os 
demonstrativos: — Olha-me  aquelle  assobiar  (G.  Vic); 
mandou  Lopo  Soares  que  neste  ir  e  vir  aos  comprar  andasse 
sómenienm  largantim.  (  Bar.  Dec.  I.). 

O  demonstrativo  concorda,  como  em  latim,  com  o  sub- 
stantivo que  serve  de  attributo : —  esia  é  a  verdade.  Mas  si 
o  pronome  refere -se  a  um  enunciado  anterior,  em  relação 


437 


com  um  substantivo  abstracto,  por  intermédio  do  verbo 
ser,  emprega-se  a  forma  neutra  : —  tsío  é  verdade . 

Os  demonstrativos  conservaram  a  relação  latina. 
Quanto  á  de /z/c  e ///e,  deve -se  observar:  i»,  que  se  em- 
pregam sem  attenção  á  distancia  mais  próxima  ou  remota 
do  objecto  grammatical,  como  se  dava  em  latim ;  2®,  que 
ambos  a  par,  representam  dous  objectos  indeterminados, 
independentemente  da  idéa  de  proximidade  ou  afastamento: 
—  esta  e  aquella  parte;  estes  o  gabam,  aquelles  o  deprimem 
(  uns. . . .   outros. . . .) 

Os  dous  pronomes  podem  também  referir-se  (  em  iin- 
guagem vulgar)  a  uma  única  idéa  : — este  é  aquelle  de 
quem  vos  tenho /aliado. —  Este  modo  de  dizer  é  commum 
ás  outras  linguas  romanas  :  —  cet  homme  esi  celui,  quês  /'è 
colei  che,  este  e  aquello  de  qutem. .  . ,  esto  és  accelo  que, . . . 
Lat. —  híc  esí  tile  senex,  cui  verba  data  sunt. 

Tem  o  portuguez  um  outro  modo  de  exprimir  o  de- 
monstrativo /5/e  ;  que  é  empregando  aquelle  ou  simples- 
mente o,  a  (\]\ç. ) : —  direi  somente  o  em  que  pararam  estas 
coisas  (  F .  Mend . ),  determmou  de  effectuar  o  para  que  alli 
era  inndo . 

Em  latim  is  não  podia  substituir  um  subst.  precedente, 
porque  bastava  a  relação  de  genitivo  : —  amicitiae  nomen 
tollitur,  propinqualis  manet ;  mas  no  latim  vulgar  da  media 
idade  dizia-se  —  de  vinea  S .  Eulália  ei  de  illa  de  S .   Justi.  ^ 

O  vulgo  costuma  antepor  o  determinativo  o  ao  demons- 
trativo aquelle,  para  indicar  pessoa  de  cujo  nome  não  se 
lembra  (  o  aquelle  ),  e  do  Sec .  XV  temos  uma  composição 
idêntica,  que  é  a  expressão  elle  esse  :— .  ^om  jamva^  lhe 
seria  elle  esse  (  J .  F .  Eufros . ) . 

25  —  Quem  transforma-se  em  o  qual  quando  prece-« 
dido  da  conj.  sem,  simplesmente  por  euphonia  ;  Esta  trans- 
ferencia data  propriamente   do  Sec .    XVII  ou   declinar  do 

*  Diez^  ioe.  cit. 


438 


XVI  :  <?5/70SO  sem  quem  ;/ão  qiiii  amor^  escreveu  Camões 
[Liis.  IV,  gi  ). 

Cujo^  gozava  no  portuguez  da  propriedade  de  ser  inter- 
rogativo, como  em  latim  :< —  cujas  sam  estas  ricas  armas  ? 
(  Barr.  Chron.  1.  CL)  -  V.  pg. 

Qiie  emprega-se  interrogativamente  com  ou  sem  artigo 
conforme  o  sentido  ;  Cp .  •—  Qiie  queres  ?  que  Itrros  são 
estes  ?  O  que  é  grammaítca  ? 

26--"  Quanto  aos  indefinitos  pouco  mais  temos  a  aceres 
centar ao  que  dissemos  na  pag.  Cp.  —  pessoa  alguma, 
homem,  um  (  Sec.  XIII ),  geme  ( t=:  pron.  se  ),  etc. 

37.*— O  emprego  dós  ordmaes  pelos  cardeaes  data 
das  primeiras  épocas  da  lingua,  e  tornou -se  mais  frequente 
no  portuguez  dos  Secs .  XV  e  XVI :  —  capitulo  vinie^  século 
do^e,  etc. 

38. —  As  vezes  emprega-se  o  adjectivo  no  plural  para 
exprimir  a  idéa  substantivada  :  —  superiorest  inferiores, 
Ínfimos,  Íntimos^  nobres^  pósteros^  maiores^  menores^  mor- 
taes,  meus,  teus,  etc. 

A  pratica  já  era  latina . 

39. —  O  adjectivo  com  sentido  pessoal,  tem  tias  lín- 
guas romanas  emprego  mais  extenso  que  em  latim  :  — 
homo  doctus  ==  o  douto.  O  erudito,  o  sábio,  o  litterato^ 
etc. 

Em  latim,  porém,  também  dizia-se  —  indocti  discant^ 
sapiens . . . 

40. —  Si  o  adjectivo  exprime  uma  idéa  abstracta,  em- 
prega-se na  forma  masc,  correspondente  ao  neutro,  e 
sempre  precedeu  ao  artigo':  o  bello^  o  sublime,  o  verdadeiro. 
Com  a  palavra  cousa  (ant.  rem)  formam-àe  periphrasticas 
desses  neutros . 

Artigo 

41 .—  O  demonstrativo  articular  emprega-se  para  de- 
terminar restrictamente,  individualisar,  o  subst.   appela- 


439 


tivo,  próprio,  verbal,  ou  para  substantivar  qualquer  outra 
parte  do  discurso,  e  ainda  phrases,  clausulas  e  sentenças  : 
-^ofico  de  D.  Pedro  I,  o  morra  e  vtngue-se á^Yleira^  etc. 

42. —  O  emprego  do  artigo  é  obrigatório  com  os  no- 
mes próprios  no  plutal :  —  os  Césares;  mas,  como  acon- 
tecia em  grego  com  os  nomes  de  pessoas  celebres,  também 
se  usa  delle  no  sing.  para  maior  distincção  do  individuo  e 
que  se  não  confunda  com  algum  homonymo  :-^o  Gama. 
No  sing.,  porém,  excepto  esse  caso,  é  mais  de  uso  o  não 
emprego  do  artigo  :  —  Phrynéa^  D .  João  K/,  Pasteur^ . . . 
porque  não  ha  receio  de  confusão  com  outro .  Dizemos  o 
'Pacheco^  o  oAbilio^  etc » . .  mas  é  gallecismo,  e  erro,  dizer-se 
o  Dante^  o  Christo^  o  Shakspeare,  o  Tasso . 

E'  porém  de  rigor  o  emprego  do  artigo  no  sing.  quando 
o  nome  próprio  tem  sentido  commum,  como  acontece 
com  os  primores  da  estatuária  e  pintura,  Juptter  de 
Thidias,  o  Chrislo  de  Rubens,  a  Vemis  de  Milo^  o  La- 
coonte. 

E'  tàmbem  de  rigor  antes  das  obras  jprimas  lias  lettras,  ehsitiam 
os  grammaticos,  —  a  Illiadaj  os  TavioyoSj  o  Unigtiayj  o  Paraizo 
perdido.  Empregamosj  porém,  o  artigo  antes  de  qualquer  titulo  de 
obra  a  que  nos   referimos,  excepto  quando   fazemos  citação, 

43. —  Ha  nomes  communs  que  regeitam  o  artigo  por 
terem  sentido  muito  restricto  a  um  ser  ou  objecto  :—-Deus» 
Deve -se  porém  dizer,  é  claro, —  o  Deus  de  Israel,  o  Deus  dos 
Christãos. 

44. —  O  nomes  dos  dias  da  semana  e  dos  mezes 
empregam-se  sem  o  demonstrativo ;  mas  não  assim  os 
adjectivos  numeraes  indicando  horas  (ds  3  horas) . 

45» —  E'  também  de  rigor  o  demonstrativo  antes  dos 
epithetos,  alcunhas  ou  cognomentos  :  —  o  Jiradentes<,  o 
^arba  ruwa ;  Platão,  o  divino ;  D .  Pedro,  o  justiceivo  ; 
Tasso  o  louco  sublime . 

46. —  Omitte-se  em  prop.  geral  depois  da  preposição  : 
está  em  casa,  chegou  de  Pernambuco.    Except.   quando 


440 


queremos  determinar  mais  particularmente  o  logar  já  co- 
nhecido e  de  que  se  trata,  e  com  certos  nomes  locaes  (estou 
na  casa^  i,  e,  na  que  desmoronou- se,  etc),  cheguei  da 
IBahia,  da  Suissa,  etc.  V.  pgs. 

47. —  Emprega-se  com  idéas  genéricas,  em  sentido 
coUectivo  : — o  homem  é  sujeito  ao  erro.  Era  esta  a  pra- 
tica no  grego  ;  no  lat.  class.  dizia -se  simplesmente  homo^ 
o  popular  empregava  ho?no  com  os  demonstrativos  tile 
ou  hic. 

Também  com  as  idéas  abstractas  :  —  a  sabedoria,  o 
ódio . 

48. —  Emprega-se  o  artigo  quando  na  locução  con- 
correm dous  substantivos,  e  o  a''  exprime  ds  modo  preciso 
o  fim  do  1*^ :  — o  homem  do  leite  (que  vende  leite),  o  vidro 
do  sal,  etc.  Este  emprego,  porém,  é  arbitrário,  e  dizemos 
—  garrafa  de  pinho,  feira  de  gado,  etc. 

49. —  Supprime-se  o  artigo  quando  o  substantivo  — 
concreto  ou  abstracto  —  forma  com  o  verbo  (ter,  haver, 
estar, . . . )  uma  idéa  única  :  —  ter  sede,  correr  risco,  ter 
paciência . . . 

Estas  locuções,  cuia  idéa  principal  está  encerrada  no 
substantivo,  podem  muitas  vezes  ser  representadas  por 
um  verbo  que  contenha  a  mesma  idéa  : —  arriscar-se, 
pacientar. 

5o. —  Omitte-se  mais  na  apposição  :—  Deus  padre, 
todo  poderoso  ;  Blumenau,  colónia  allemã  no  Brasil, 

Ainda,  ás  vezes,  nas  palavras  negativas  :—  violdi  jamais 
cantou  feitos  heróicos . 
Cp.  a  viola  também  nos  canta  amores. 
5i . —  Pode-se  empregar  o  determ.  antes  dos  adj.  poss. 
e  dos  infinitos  :  —  a  tua  mão  (V .  pg . ) 

O  emprego,  porém,  é  de  rigor  quando  queremos  affirmar 
ou  negar  alguma  couza  com  mais  emphase  ou  vehemen- 
cia  : —  este  ê  o  meu  livro  e  aquelle  o  teu  ;  todos  vós  sois 
meus  filhos,  masfalia-me  aqui  o  mtu  filho  (Vieira)* 


441 


52. —  O  artigo  é  também  de  rigor  antes  das  palavras 
senhor^  Senhora^  excepto  quando  nos  dirigimos  a  alguém 
sem  que  lhe  pronunciemos  o  nome,  titulo  ou  dignidade. 

Mas  omitte-se  antes  de  titulos  compostos  com  o  gen.  — 
monsenhor^  messer,  madama^  e  também  antes  de  Frei  e  de 
Santo,  fftesírep.  sábio,  etc, 

52. —  Depois  de  todo,  deve-se  empregar  o  adj.  art. 
sempre  no  plural  ;  no  sing.  é  facultativo  o  seu  emprego, 
quando  toíio  indica  totalidade. 

Oital.  ehesp.  regeitam  o  artigo  quando  representa  o 
sentido  de  quisque  ou  de  omnis ;  no  portuguez  antigo  escre- 
via-se  todo  homem,  toda  mulher,  todo  animal,  toda  pessoa 
que  erê,  todo  logar,  em  toda  villa,  etc.  Quando  iodo  cor- 
respondia a  intiramente,  á  cousa  em  sua  generalidade, 
supprimia-se  o  artigo,  cujo  emprego  era  de  rigor  quando 
todo  se  referia  somente  ao  individuo,  á  totalidade  das  partes 
integrantes  : —  gastou  todo  o  cabedal,  toda  a  parte,  todo 
o  dia,  toda  a  casa,  etc . 

Cp .  Todo  o  homem,  todo  homem .  Neste  ultimo  caso  me- 
lhor é  empregar  o  plural  —  todos  os  homens. 

Nos  clássicos  modernos  o  emprego  do  artigo  é  arbitrário 
(Camillo,  L.  Coelho,  Rab.  da  Silva,  etc). 

Para  saber  o  emprego  basta  poder  inverter  a  phrase  sem 
mudar  de  sentido  : —  todo  o  mundo  =  o  mundo  iodo  {totus 
islemundus),  iodo  o  homem  nãoé  o  mesmo  que  o  homem 
todo  ;  etc. 

54. —  O  artigo  é  de  regra  no  superlativo  relativo  (ex- 
cepto quando  ao  adjectivo  precedia  um  pronome)  : — as 
minhas  mais  bellas  i/lusões . 

Supprime-se  geralmente  quando  o  superlativo  vem  pos- 
posto ao  subst.  já  precedido  do  artigo  ou  acompanhado 
de  possessivo  :  sua  idade  mais  feliz,  seu  filho  mais  velho, 
os  seus  trabalhos  mais  notáveis. 

Si  o  subst.,  porém,  vier  precedido  do indef.  um,  empre- 
ga-se  o  artigo. 

36 


442 


55 . —  Tivemos  uma  forma  de  partitivo  até  o  Sec.  XVI, 

—  empresta-me  áo  aceite  (V.  Vic).  dd-me  do  pão^  etc. 
Hoje  empregamos  as  expressões  um   pouco^    algum,  etc . 

56. —  Quanto  aos  complementos  dos  adjectivos,  só  di- 
remos que  alguns  adjectivos  (ehrío,  consciente,  pobre, 
rico,  digno,  capa^,  ávido,  cheio,  vasto,  certo,  etc.y,  e  os 
partitivos,  unem-se  aos  seus  complementos  pela  prep.  de  : 

—  digno  de  louvores,  isento  de  dissabores,  incapa^  de  /ím- 
mildade, ...  o  ouro  é  o  primeiro  dos  metaes,  um  dos  sol- 
dados (=um  d' entre  os  soldados ;  lat.  —  unusdemilitibus.) 

Os  participios  formados  com  a  prep .  de,  conservam-na 
quando  empregados  adjectivamente : —  ausentar-se  de, 
ausente  de. 

Temos,  porém,  construcçÕes  divergentes  :  —  Jertil 
(em,  de),  ignorante  (em,  de),  rico  (em  de),  suspeito  (de,  a), 
etc. 

Também  é  a  prep.  de  a  que  une  o  adjectivo  ao  comple- 
mento indicador  da  parte,  qualidade,  defeito,  origem  : 
feio  de  corpo,  fnas  bonito  d' alma  ;  bem  feito  de  corpo. 

5j , —  Entre  um  partitivo  e  o  participio  ou  adjectivo  que 
o  qualifica,  de  é  expletivo,  e  não  signal  de  complemento  : — 
no  que  elle  di{  ha  alguma  cousa  de  verdadeiro  ;  nada  teem 
de  assentado.  \ 

58. —  Outros  adjectivos  unem-se  ao  complemento  pela 
preposição  a  ou  para  (igual,  prompto,  fel,  acostumado, 
análogo,  anterior,  aitento,  estranho,  desagradável,  repu" 
guante,  sensivel,  inútil,  etc.) 


TRIGÉSIMA  QUARTA  LIÇÀO 

Regras   de   syntaxe  relativas  ao  pronome 


I. —  Pronomes  pessoaes. —  Os  pronomes  pessoaes  em 
relação  adverbial  vem  sempre  regidos  de  preposição  depois 
do  Sec.  XIII,  (a  ií\  de  ti ; para  ti). 

Migo^  tigo^  sigo^  empregavam-se  sem  a  prep .  com  até 
o  Sec .  XIV,  posto  que  desde  o  XIII  já  concorressem  a  par 
das  formas  pleonasticas  cowe^o,  comigo,  com/e^o,  comtigo, 
comsego  comsigo  :  —  poys  sen  mandad'ey  migo,  e  sigo 
medes  di{ta  (dizia  comsigo  mesmo),  poys  tigo  começar  Jni. 

St,  porém,  emprega-se  sem  preposição  : 

a)  Depois  da  conj .  que  quando  a  esta  precede  um  com- 
parativo :  —  outros  majores  que  si  \  pe/or  que  si,  a  mesma 
estrella  Vemis  se  mostra  maior  que  si  mesma  (Vieira) . 

b)  Depois  do  adj .  outro  :  —  após  elle  não  ha  outro  si 
(e  também  diziam  outro  ;?//),  este  que  ahi  está  he  outro  si^ 
etc. 

Estas  phrases  já  estão  archaisantes,  e  a  construcçãó 
moderna  é  —  outro  ew,  maior  que  elle . . . . ;  mas  dizemos 
superior  a  si  (a  mim^  a  ti),  estar  em  si,  sobre  si,  de  si 
mesmo,  etc. . . . 

No  Sec.  XVI  supprimia-se  ás  vezes  a  prep .  antes  do 
pronome  :  —  quem  me  vos  guarda^  guarda  myn  (C.  Vat.), 
despre^arom  mim,  m'albergue  cabo  sj  (id.),  mim  ouve 
(R.   S.  Bento  —  ouve-me,  i.  e.  a  mim). 

Em  portuguez  (hesp.,  e  ital.  ás  vezes)  o  caso  sujeito 
do  pronome  pessoal,  dependente  do  verbo  ser^  persiste 


444 


em  algumas  expressões,  que  em  outras  línguas  cedeu 
espaço  ao  caso  regimen:  —  fr.  cesi  ?noi,  ing.  it  is  me, 
din.  det  er  mig^  ali.  er  ist  mij%  port.  sou  eu  {és  tu,  é 
elle)^  it.  sono  10....;  io  non  sono  /e,  s'io  fossi  lui.,  egli 
é  come  me  stesso;  fr.  je  ne  suis  iot\  si  fetais  lui....; 
eu  não  sou  iu.,  se  eu  fosse  elle . 

2.  —  Pron.  pess.  conjunclivo. — Para  os  dous  casos 
oblíquos  (accus.  e  dat.)  as  línguas  romanas  teem  duas 
formas  pronominaes,  uma  absoluta  e  outra  conjunctiva. 

Emprega-se  a  i^  (que  é  de  rigor  quando  o  pronome 
acha-se  dependente  de  preposição)  quando  se  quer  dar 
realce  á  ídéa  pronominal;  e  consequentemente  é  nalle 
que  recahe  o  acento.  Emprega-se  a  2*  quando  predo- 
mina o  accento  do  verbo. — Parece-me.,  parece  a  yjiim ; 
digo-vos.,  digo  a  vós.,  dei- lhe,  dei  a  elle. 

Os  pronomes  conjunctivos  só  representam  relação 
objectiva  ou  predicativa,  ainda  mesmo  com  o  verbo  ser 
teu  o  sou).  O,  a.,  os,  as.,  são  verdadeiras  formas  de 
accus.,  como  prova  o  emprego  do  le  no  hesp.  ant.  e  lo 
no  portuguez  das  primeiras  phrases  da  lingua. 

Notemos  aqui  as  confusões  da  relação  entre  as  for- 
mos lhe  (illi)  e  o  (illo),  ainda  nas  i**  décadas  do  periodo 
clássico;  e  a  de  //  por  tu.,  etc,  entre  os  quinhentistas 
e  seiscentistas: — mais  forte  que  ti. 

3 .  —  Pronomes  de  reifcrencia .  —  Só  empregamos  o  aluar 
entre  pessoas  da  mais  estreita  privança;  o  avosar  só 
em  discursos  e  escriptos,  e  na  linguagem  familiar  em 
alguns  ângulos  de  S.  Paulo  e  de  Portugal  *■ 

Com  o  pron.  pós  o  verbo  vae  para  o  plural,  mas  o  adje- 
ctivo ou  participio  segue  o  género  e  numero  da  pessoa  aquém 
nos  dirigimos  : — vois  sois  bom,  boa,  bons,  estimado,  a,  os. 


*  No  1).  lat.  diKia-se  tuissare,  volisare  (tratar  por  tu  ou  vós) ;  o  hesp. 
tem  tutear,  vosear ;  cat.  tuejai'  somente;  fr. —  tutoyer,  ant.  eifootíser, 
genovi^z  rousoycr ;  it.  —  dar  dei  tú,  dei  voi.  Temos  atHtW,  formemos 
avosar,  que  .]á  temos  vosear  cora  outra   accepção. 


445 


No  b .  lat .  dizia-se,  mais  de  accordo  com  a  restricção 
grammatical. —  vos  estis  inlionorati^  como  no  grego  mo- 
derno (Grimm.) 

Também  em  estylo  elevado,  na  tribuna,  na  imprensa, 
emprega-se  nós  por  e«,  ficando  o  adjectivo  no  sing.  em 
relação  attributiva  ou  predicativa :  —  mestre  é  sermos 
antes  breve  que  prolixo . 

No  portuguez  são  muitos  os  pronomes  de  reverencia  — 
Vossa  Mercê^  V.  5.,  V.  Ex.,  V.  Em.,  V.  oAlieia,  etc.  ; 
o  pronome  pessoal  correspondente  é  da  3*  pessoa  por  isso 
dizemos  wcc  sabe,  V.  S.  conhece. 

Você  é  contração  de  posmecê,  f .  já  contracta  de  Vossa 
Mercê,  como  no  hesp.  usencia,  de  intestr a  reverencia,  use- 
nofia  e  usia  de  vuesira  senoria,  vosencta  de  V.  Ex.,  também 
jã  introduzida  hoje  em  Portugal. —  Relativamente  ao  pro- 
nome de  reverencia  í^oce,  vide  pg.  92. 

4. —  Tronome  pess.  plecnastico. —  A's  vezes,  posto 
venha  claro  o  sujeito,  emprega-se  pleonasticamente,  junto 
ao  verbo,  um  pronome  da  3*  pessoa  em  relação  sub- 
jectiva :  —  seu  pai  delle,  a  mim  já  me  pesa,  capa  não  a 
tinha,  ao  doente  não  se  lhe  ha  de  fa\er  a  vontade 
(S.  Mir.),  linguagem  daquella  terra  nam  a  sabiam  (J. 
B.),  etc. 

Destes  últimos  exemplos,  que  consiste  no  emprego  do 
pronome  conjunctivo  em  relação  objectiva  ou  predica- 
tiva quando  a  phrase  começa  pelo  substantivo,  —  é 
abundaute  o  portuguez  moderno. 

Este  reforço  já  era  usado  na  baixa  latinidade :  -. —  ipsam 
citatem  resiaiiramus  eam,  ipsas  res  volemus  eas  esse 
donaias  S 

As  vezes  a  reduplicação  dá  mais  clareza  á  expressão  ou 
m.is  vivacidade  :  —  Mas  se  bem  atteniaes  elle  só  traía  de 


*  Cartas  d' Hesp.  D.  Gr.  der  Bom.  Spr. 


446 


se  consolar  a  si  (Luc .)  '■>  os  cabellos  que  os  trabalhos  do 
mundo,  lhe  branquearam  (Bern.) ;  outras,  porém,  torna 
o  estylo  mais  arrastado  e  é  defeito  :  —  Os  padres  lhe  dtiem 
a  elles  as  coisas  da  fé  (Luc),  etc.  Estas  ultimas  ex- 
pressões, que  não  tinham  correspondentes  em  latim,  porque 
a  funcção  de  tllum  era  lembrar  o  regimen  afastado,  devem 
ser  rejeitadas. 

Em  relação  adverbial,  os  nossos  pronomes  subst.  originam  um  idio- 
tismo intensivo  :  —  çnem  me  atida  a  meí/er-fe  estas   cousas  7ia  cabeça  ? 

Já  nos  referimos  ao  emprego  do  pronome  pessoal  pelo  adjectivo 
possessivo  :  —  levoti-me  o  livro j  segure-me  a  braço . 

Sobre  a  collocaçao  dos  pron.  pessoaes  vide  lição  40  : 

5  —  Pron.  reflexivos  —  A  concordância  é  a  mesma  em 
todas  as  linguas .  Si  o  sujeito  está  na  mesma  phrase,  em- 
prega-se  o  conj .  si  ; —  Elle  fa{  isto  por  si  mesmo  \  mas  si  o 
sujeito  está  em  outra  phrase,  o  demonstrativo  elle  (o  )  com 
sentido  pronominal ;  elle  disse-lhe  que  o  tinha  convidado 
(  qui  se  invitaverat  ),  pediu4he  que  se  sentasse  com  elle  (  ut 
sederet  secum  ) . 

Este  modo  de  fallar  accentuou-se  no  latim  da  decadência  e  na  baixa 
latinidade  : —  scripsiíj  ut  illi  (  sibi  ipsi  )  sémen  mitteretur  (  Petr . )  ; 
se  veniuruni  in  imperinirij  quod  olitn  fuerat  illi  (  sibi  )  datuvt  ;  inter 
eos  (  se  )  partiant. 

Elle  por  se  em  relação  objectiva  é  frequente  nos  i°s  documentos 
do  portuguez. 

O  emprego  de  comsigOj  a  sij  por  comnoscoj  a  vós  {falia  comsigOj 
refiro-me  a  si)  é  destempero  de  ignorância  que  modernamente  nos  foi 
importado  de  Portugal. 

6  —  Pronomes  inde/initos  —  Um  é  adj .  pronome  indefi- 
nito,  e  é  de  creação  posterior  ao  demonstrativo  o,  a,  a  que 
deram  o  nome  de  artigo  definito . 

Nos  antigos  textos  contem  sempre  noção  pronominal,  e 
ás  vezes  eomo  observou  o  professor  Diez,  apenas  valor 
pleonastico  (  o  homem  é  um  animal ) . 

Ha  palavras  que  obrigam  o  emprego  d'este  pronome  ; 
as  que  só  se  emoregam  no  plural  (  umas  bodas^  umas 
exéquias  ),  e  as  que  significam  objectos  que  são  sempre  em 


447 


numero  de  dous  ou  se  usam  em  par  (uns  pês,  uns  sapatos y 
umas  líivas ) . 

Também  se  emprega  antes  dos  nomes  próprios 
quando  se  quer  designar  a  pessoa  mui  particularmente,  ou 
ainda  exaltal-a ; —  como  quando  dizemos  —  um  MonfAl- 
perne.  Neste  caso  é  adjectivo. 

A's  vezes  encerra  idéa  de  pessoa  indeterminada  e  cor- 
responde a  aliquis :  ás  ve^es  um  d{:{  o  que  não  pensa  (  o 
liomem  diz,  diz-se  ). 

Quando  exprime  identidade  tem  valor  numeral: — 
iodos  fallai'am  a  umavo^. 

E'  de  bom  emprego  o  pronome  qiiem  por  uns : 

Quem  se  affoga  nas  ondas  encurvadas, 
qeum  bebe  o  mar  e  o  deita  juntamnte 

(  Lus  I  92) 

Outro.'"  É  adj.  pronominal.  Neutro  ai  •  —  não  enten- 
dem en  ai ;  o  ai  não  ha  de  louvar. 

Quando  refere  relativamente  umsubst.  a  outro  prece- 
dente, «  ambos  os  substantivos  devem  estar  entre  si  na 
mesma  relação  que  a  idéa  restringida  com  a  idéa  geral  »  ; 
—  a  gula  e  os  outros  peccados ;  o  amor  e  as  outras  offensas 
(falma . 

Um  e  outro  —  Empregam-se  correlativamente,  e  neste 
caso  um  pôde  ter  plural  {uns e  outros ).  Um  e outro  =  unus 
et  alter  \  corresponde  a  uterque^  nnus  alterum^  class .  alter 
alterum,  altus  alium.  —  Outi'o.. .  outro  ;  um. . .  um. 

Todos  esses  modos  de  dizer  teem  typos  correspondentes 
no  b.  lat.  —  uno  caput  tenente  tnfo{{a  et  alioin palude  ; 
;calicesdu0yunum  aureum  etunum  argenteum.  * 

Certo  —  Correspnde  a  quidam^  mas  no  latim  havia  o 
ind .  certus  {certi  homines) . 


*  Ap.  Deiz. 


448 


O  emprego  do  pronome  mui  diverge  do  emprego  do 
adjectivo. 

Oãlgiiem  —  Substitue  — como  também  algnm  —  o  ind. 
nm\ —  ponha  Deus  algum  termo  aos  meus  tormentos, 
Pr enderam-no julgando  que  era  algum  sedicioso. 

Estes  empregos  tiram  origem  na  tradição  latina,  que 
do  mesmo  modo  empregava  a//"^MZ5,  quidam,  quisquam. 

O  pronome  é  ás  vezes  representado  por  substantivos, 
que  designam  a  pessoa  ou  cousa  de  modo  ainda  mais 
vago  e  geral : —  chegou  onde  nunca  homem  (  ou  pessoa) 
nunca  chegou ;  Lat .  —  accipii  hominem  nemo  fnelius  (  Ter. 
Eun.  ap.  Diez,  G.  R.  S.) 

Tal — (V.  pgs.).  Corresponde  a.  quidam,  e  a  nonnemo 
{tal  semêa  que  não  colhe) . 

Serve  também  para  designar  pessoa  que  não  existe ;  ou 
cujo  nome  se  quer  occultar ;  junta-se  aos  nomes  da  pessoa 
com  sentido  pejorativo  —  um  tal  Onofre;  e  aospessoaes 
fulano  e  sicrano  {fulano  de  tal ) .  Corresponde  no  pri- 
meiro caso  ao  ille  do  b .  latim , 

Emprega-se  com  valor  distributivo  por  uns. .  .outros., 
uns. .  .uns  : —  taes  applaudiram  taes  reproifaram  (v.  pg.). 
Quanto. —  Perdemos  a  forma  alequanto.,  a.,  (==1, 
aliquantus  )  :  —  alquanta  gente  {  aliquot  homines  ),  al- 
quantos  d^elles  ;  com  força  adverbial : — ^ialquanto  mais 
esforçado . 
(Ined.  ) 

São  também  de  notar  certas  palavras  que  expnimem  uma 
víéa  geral  de  numero  ;  todo  (  todo  /lomein,  etc  V .  artigo  ),  tanto 
(  tanto  homevi ),  quanto  ( também  se  refere  a  grandeza,  e  então  a 
relação  é  expressa  pelo  plural  )  : —  quanta  viiscria . . .  quantos 
filhos,  etc. 

A  formula  latina  necio  quis,  que  serve  para  designar  alguma  cousa 
de  desconhecido,  é  peculiar  a  todas  as  linguas  românicas.  Corres- 
ponde ao  port. —  uvi  não  sei  que  ;  r.  je  ne  sais  quoi  ;  hesp.  no  se 
que';  it.  non    so  che. 


TRIGÉSIMA  QUINTA  LIÇÃO 

Regras  de  syntaxe  relativas  ao  verbo. — 
Do  emprego  dos  modos  e  tempos  —  Cor- 
respondência dos  tempos  dos  verbos  nas 
proposições  coordenadas  e  nas  proposições 
subordinadas. 


I .  —  A  funcção  syntaxica  do  verbo  deriva  naturalmente 
de  sua  própria  natureza  cathegorica.  E'  por  assim  dizer  o 
elemento  disciplinador  da  proposição,  a  synthese  da 
phrase. 

2. —  Voz  ACTIVA  —  Os  verbos  transitivos  exigem  um 
termo  indicador  do  objecto  directo  e  immediato  da  acção. 
E'  o  seu  complemento  directo .  Ex .  •:  —  o  sol  abranda  a 
cera  e  endurece  o  barro . 

Os  verbos  intransitivos  exprimem  uma  acção  cujo, 
objecto  directo  se  não  indica  \  venho^  corro . 

Muitos  verbos,  no  correr  dos  séculos,  mudaram  de 
classe  :  —  cahtr,  morrer,  crescer^  sahtr . 

Essas  mudanças  explicam-se : 

i.°  —  Um  verbo  transitivo  pôde  construir-se  quasi 
sempre  intransitivamente  {crêr^  encontrar^  esperar,  con- 
sentir^ etc),  mas  o  objecto  vae  para  relação  adverbial :  — 
Creta  o  que  referes^  creio  no  que  referes. 

2.°  —  O  verbo  intransitivo  pôde  ter  um  complemento 
directo,  i.  e.,  pôde  ter  significação  transitiva  {trabalhar, 

67 


45o 


gritar^  chorar,  calar^  andar^  correr,  dansar^  e  todos  os 
que  exprimem  locomoção,  etc) .  Dormir  um  somno .  Esta 
faculdade  era  mais  ampla  no  portuguez  antigo . 

3.°  —  Muitos  verbos  intransitivos  empregam-se  com 
sign.  trans.,  valor  factitivo  {descer^  entrar,  passar^  cessar^ 
chegar,  etc). 

O  caso  objecto  pôde  ser  acompanhado  de  preposição, 
principalmente  quando  designa  funcção  pessoal  :  — 
oámarãs  ao  Senhor  teu  'Deus^  e  ao  próximo  como  a  // 
mesmo.  E  quando  é  expresso  por  formas  verbaes  :  —  co- 
mecei a.  cuidar^  começava  úq  querer  {B .  Rib.), 

Nas  phrases,  de  construcção  similar,  — peguei  da  penna, 
arrancam  das  espadas,  o  de  é  pariiculà  de  realce . 

Alguns  verbos  transitivos  recebem  um  complemento 
duplo  :  — Nomearam-no  professor ;  e  o  alçarão  por  Rey 
(também  em  Rey . ) 

A's  vezes  a  dupla  predicação  é  simplesmente  emphatica 
ou  expletiva  :  —  Os  feiíos  que  os  Poriu guetes  obraram  nesse 
dia  o  oriente  os  diga . 

3 .  —  A  voi  passsiva  exige  um  caso  agente  representado 
pela  prep .  por  ou  de  :  —  Esta  terra  foi  ganhada  pelos 
mouros  (Sec.  XIV.  L.  de  Linh.) ;  sendo  das  mãos  lascivas 
maltratado  (Cam.) 

A  tendência  nominal  do  participio  prefere  a  construcção 
de^  como  se  vê  da  historia  da  lingua  :  —  E'  feito  de  aspe- 
rodes.,  he  aborbotado  de  escudos  (Sec.  XIII  e  XIV.) 

A  influencia  da  construcção  latina  {  a.,  ab  )  não  raro  ap- 
parece  no  portuguez  até  o  Sec.  XVII  : —  Era  ensinada  d 
livros  de  historias  (  B .  Rib . ) . 

4  —  As  formas  da  voz  activa,  em  certos  casos,  substi- 
tuem as  do  passivo,  e  reciprocamente .  Assim  : 

1°  —  activo  peio  passivo.,  no  infinito,  participio  presente 
{ fácil  de  áizQT -^  assi  meixente  os  esprov amemos -.,  Ined. 
d^Alc).  Quasi  todos  os  participios  perderam  a  propriedade 
transitiva . 


45 1 


2° — T^assivo  pelo  activo. —  Esta  construcção  ori- 
ginou-se  da  falta  de  uma  fórma  de  participio  activo  ;  só 
se  dá  com  o  participio  :  Com  este  feito  que  foi  mui  soado 
por  todas  aqiiellas  partes.^  ficaram  os  amigos  e  liados 
d' el -rei  de  'fintam  mui  quebrados  (Bar.  ^ec).  Muitas 
cousas  gostosas  aos  lidos  e  curiosos  (  Pant.  de  Aveir.) 

E  ainda  na  linguagem  actual,  muitos  são  os  exemplos  ; 
—  uma  politica  dissiimilada^  ?im  homem  sabido.^  reflectido, 
previsto^  presumido.,  inentido.,  etc . 

3°  —  O  refiexo  pelo  passivo .  —  Já  nos  referimos  a  esta 
construcção,  que  mais  se  tornou  frequente  depois  do 
Sec.Xv'. 

Em  França  também  dizia-se  —  La  }iaUire  et  ntilitc  ãn  regne  de  J. 
C.  ne  se  peut  aiifrement  comprendre  ;  construcção  que  se  desenvolveu 
com  a  influencia  italiana  : —  E'  do  Sec.  XVIII  a  phrase  seguinte  :  Je 
n^eníretiendraipas  V .  M.  de  fontes  les  sotiises  qui  se  font  et  qui  se 
disent,  f/  ^^7// se  lisent  í^/í  ne  se  lisent  pas  (d'Alembert.)'  E  ainda 
hoje  —  ce  qui  se  dit,  etc. 

5  —  ^as  pessoas  e  nnmeros. —  Vide  Lição  i6  ;  flexões 
pronominaes  e  verbaes 

Conservamos  muitos  verbos  imptssoaes  ;  perdemos 
alguns  ;  no  sentido  figurado  emprega-se  na  3^  pessoa  do 
plural,  e  também  na  2*  (  com  valor  factitivo  ) . —  Troveja 
a  olympia  sala  ;  trovejam  iras  de  oAchilles  \  troveja,  mi- 
serável., chove  sobre  nós  tuas  verrinas  ! 

Em  regra,  no  portuguez  antigo  e  moderno,  o  verbo 
concorda  em  numero  e  pessoa  com  o  sujeito. 

Notemos  as  principaes  dificuldades  : 

a)  Quando  concorre  mais  de  um  sujeito  de  varias 
pessoas,  o  verbo  vae  para  o  plural  e  concorda  com  a  que 
tiver  prioridade  ;  i,e., 

,    Si  forem  os  sujeitos  da  i»  e  2^  pessoa  ou  3%  o  verbo 
vae  para  a  i^  do  plural  : —  Tu  e  eu  estamos  bons. 

Si  forem  da  2^  c  3*,  vae  para  a  2*  do  plural : —  Tu  e  o 
medico  sois  dous  sabidos . 


4^2 


b)  O  verbo  vae  para  o  plural  quando  os  sujeitos  são 
seriarios  e  do  singular  (  syndetiea  ou  asyndeticamente  )  : — 
o  ouro,   a  prata,  o  ferro,  são  meíaes. 

E'  frequente  neste  caso  a  anteposição  do  verbo  : —  São 
os  dous  entes  mais  parecidos  de  natureza,  o  poeta  e  a 
mulher  namorada (  Garrett.)** 

c)  Quando,  porém,  o  sujeito  seriario  é  representado  por 
um  expoente  geral,  ou  quando  a  sua  correlativ idade 
funda-se  num  único  conceito,  o  verbo  ordinariamente 
fica  no  singular  (  V,  pag. . . .)  : —  c4  gloria,  a  riqueza,  a 
formosura,  tudo  é  vaidade  ;  O  ouro,  os  diamantes  e  as  pé- 
rolas tudo  é  tet^ra  e  da  terra .  (  Vieira  ) . 

d)  Nos  does.  doSec.IIIao  XV,  são  frequentes  as 
anomaliar  : —  Ho  monte  grande  escalnitado  no  qual  nem 
arvores  nem  mato  aparece  (  Sec.  XV  )  ;  Seus  olhos  fontes 
d' agua  parecia  ( G .  Vic . ) 

6  —  Concordância  com  os  col lectivos. —  Em  geral, 
quando  o  sujeito  de  um  verbo  estava  no  singular  expri- 
mindo idéa  de  collectividade,  o  portuguez  antigo,  fazendo 
a  concordância  com  o  sentido,  levava  o  verbo  para  o 
plural  (  gente,  povo,  etc.  de  que  já  demos  alguns  exemplos). 

Porque,  saindo  a  £vn/e  descuidada 
cairão  facilmente  na  cilada. 

(  Cam.  Lus.  I  S.) 

Mas  ; 

A  gente  da  cidade  aquelle  dia 
(  Uns  por  amigos,  outros  por  parentes^ 
Outros  por  ver  somente  )  concorria, 
Saudosos  na  vista  e  descontentes 

(  Id.)  V.  83i. 

em  que  se  nota  o  effeito  da  attracçao. 


'  A  prep.  com  (  =  e)  é  também  uma  equivalente  syndetiea  : 
Que  eu  c'o  grão  Macedónio  e  c'o  Roqiaao 
Demos  logar  ao  nome  Luzitano 

( Camões  ) 
C.  a  locução  ume  outro  :—  Vede  a  differença  com    que  um  e  outro 
ouvirão  um  íion  lioet  (Vieira). 


453 


As  outras  línguas  romauas  eonservaram-se  fieis  a  este 
principio,  que  era  latino  : —  prov.  gens  monteron\  fr. 
ant.  gent  estoient,  corrente  la  noblesse  de  Rome  ront 
elu  ;  etc. 

Na  lingua  moderna  ha  dous  casos  principaes  dignos  de 
nota  : 

a)  O  sujeito  do  verbo  é  um  nome  como  —  multidão, 
recova,  bando,  porção.  Neste  caso  o  verbo  vae  para  o  sin- 
gular, si  a  idéa  mais  se  refere  ao  coUectivo  ;  para  o  plural, 
se  mais  se  refere  ao  complemento. 

b)  O  sujeito  do  verbo  é  uma  locução  exprimindo  quan- 
tidade : —  muito,  assas,  pouco,  a  mator  parte,  etc.  Em 
geral  depois  dessas  palavras  emprega-se  o  plural  :  a  maior 
parte  dos  homens  são  inclinados  ao  mal . 

Ha  excepções. 

7  —  A  impersonalidade  do  sujeito  fixava  o  verbo  no 
singular  :  —  Se  y  a  provas  (  F.  de  Gravão  )\  ha  homens 
que  ainda  depois  de  f aliar  são  mudos  (  Vieira  ). 

TEMPOS 

I. — Vide  Lições  ib  e  27. 

a)  O  Presente  —  representa  a  acção  como  que  feita 
(presente)  no  momento  em   que  se   falia  :   Esiãs  alegre ; 

Figuradamente  emprega-se  pelo  passado  e  pelo  futuro 
(pouco  remoto): —  Moniz,  lhes  tem  rosto.,  os  aperta.,  e  re- 
chaça ;  vou  amanhã.,  volto  já ; 
Tanio  vae  o  pote  ã  fonte  que  afinal  lã  fica. 

Emprega-se  o  prés .  pelo  futuro  quando  a  acção  tem 
de  effectuar-se  em  época  próxima,  que  quasi  entesta  com 
o  presente  {vou  logo):,  quando  a  acção  futura  começa  no 
momento  em  que  se  falia  (elle  esta  de  volta  dentro  de  i5 
dias) ;  quando  é  indeterminado  o  tempo  em  que  tencio- 
namos fazer  a  acção  annunciada  : —  logo  que  poder.,  parto 
para  S .  'Paulo . 


454 


Emprega- se  ainda  pelo  imperfeito  e  futuro  do  subjun- 
ctivo  : —  Si  adevinho,  não  cahia  nessa;  si  falias,  arrepen- 
de s-te. 

b)  '■'Pretérito  —  A  principio  era  distincta  a  diíferença 
entre  o  pretérito  definito  (perfeito)  e  indefinito.  Este  in- 
dicava um  tempo  menos  remoto. 

c)  O  futuro  simples  ou  absoluto  ennuncia  a  acção  que 
se  deve  fazer  em  tempo  posterior  ao  que  falíamos. 

O  futuro  pôde  substituir  o  presente  : —  Quantos  não  es- 
tarão agora  arrependidos ! 

9. —  «  Uma  acção  determinada  pôde  ser  não  só  ante- 
rior ou  posterio  ou  contemporânea  do  momento  em  que 
se  falia,  mas  também  de  um  acção  qualquer  presente, 
passada  ou  futura,  em  relação  ao  momento  em  que  se  falia. 
Quando  dizemos: — elle  tinha  sahido  quando\eu  fui,  indi- 
camos que  elle  tinha  sahido  antes  do  momento  em  que 
contamos  o  facto,  e  outrosim  antes  de  um  outro  momento 
que  é  aquelle  em  que  fomos  á  sua  casa.  A  acção  indi- 
cada pelo  verbo  elle  tinha  sahido  é  pois  passada  em  rela- 
ção a  uma  outra  acção  passada . » 

10. —  Não  temos  todos  esses  tempos  precisos;  mas  o 
hnperfeito  e  o  tnais  que  perfeito^  representam  o  Ipresente 
no  passado  ;  assim  como  o  condicional  exprime  o  futuro 
no  passado  \  e  o  futuro  anterior  —  o  passado  em  relação 
ao  fuiuro . 

a)  Imperfeito  indica  uma  acção  contemporânea  de  outra 
já  passada.  Devemos  pois  empregal-o  sempre  que  qui- 
zermos  indicar  circumstancias  referentes  a  um  facto  pas- 
sado. Essa  relação  de  circumstancias  é  ás  vezes  indicada 
mui  estreitamente  ;  outras,  porem,  deixa  de  ser  expressa 
{Raiava  o  dia  \  Era  renhida  a  peleja^ ..,) 

V.  o  que  dissemos  sobre  o  emprego  do  presente  pelo  possado  e  futuro. 

O  imperfeito  pôde  ainda  ser  empregado  simplesmente 
como  tempo  do  passado,  sem  relação  entre  essa  acção 


455 


passada  e  outra .  Os  factos  são  ennunciados  apenas  como 
simultâneos,  e  não  como  successivos.  *)» 

Indica  outrosim  uma  acção  habitual  {estudava  todos 
os  dias) . 

b)  O  mais  que  perfeito  e  o  pretérito  anterior  exprimem 
acção  passada  em  relação  ao  tempo  em  que  se  falia,  e  ao 
mesmo  tempo  que  ella  foi  feita  em  época  anterior  a  outra 
igualmente  feita .  O  pretérito  anterior  é  hoje  de  uso  muito 
menos  frequente,  e  só  em  phrase  subordinada  (  em  rela- 
ção com  o  pretérito )  ou  quando  se  quer  mostrar  que  a 
acção  do  verbo  principal  começou  no  momento  preciso 
em  q»e  a  já  era  acabada  a  acção  do  verbo  no  pretérito 
anterior. 

A  significação  do  mais  que  perfeito  é  muito  mais  lata . 

Não  indica  que  a  acção  durava  havia  muito,  nem  que 
acabava  de  começar.  Quando  dizemos:  elle  tinha  faltado 
quando  eu  entrei,  o  mais  que  perfeito  {tinha  faltado)  mos- 
tra que  a  acção  de  faltar  durava  ainda  no  momento  em  que 
que  se  deu  outra  acção  passada  {entrei). 

c)  O  latim,  para  exprimir  o  futuro  no  passado,  servia-se 
do  participio  do  futuro  e  do  imperf .  ou  perf .  do  auxiliar 
esse  (ser)  :  dicturus  eraín  ou  fui.  A  forma  portugueza 
que  corresponde  perfeitamente  á  latina  é  a  da  condi- 
cional. 

O  condicional  era  pois  na  origem  uma  forma  temporal,  o 
verdadeiro  futuro  no  passado,  e  como  tal  empregado  nas 
proposições  subordinadas.» 

Para  suprimirmos  a  simultaneidade  do  futuro  (para  o 
que  não  tinha  também  o  latim  tempo  particular)  empre- 
gamos o  futuro  simples  e  o  do  conj.  —  irei  quando 
fordes. 

IO. —  Para  exprimirmos  outras  subdivisões  do  tempo, 
temos  ainda  os  tempos  compostos,  entre  os  quaes  o  do  con-^ 


*  V.  G.  hi  Formes  et  syntaxe468 . 


456 


diciona\  que  —  como  os  simples  —  também  conservam  a 
sua  significação  temporal  nas  proposições  subordinadas 
No  ex .  soube  que  elle  seria  sacrificado  antes  que  chegasse 
o  perdão^  a  acção  expressa  pelo  condiciona]  é  anterior  á 
indicada  pelo  verbo  chegasse^  que  é  futura  em  relação 
ã  que  se  acha  indicada  pelo  verbo  soube,  que  está  no 
passado . 

i3. —  O  presente  do  subjunctivo  corresponde  i°ao  pre- 
sente do  indicativo  (espero  que  elle  penha)  5  2''  ao  futuro 
(espero  que  elle  Ptrd) . 

O  imperfeito  :  1°  ao  condicional  presente  (pensei  que  elle 
viria)  ;  2°  ao  mais  que  perfeito  do  Ind.  {quem pegara  então 
de  uma  mulher  errada,  e  a  levara  pela  mão  ! ) . 

14. —  Dos  tempos  nominaes  occupar-nos-hemos  na 
lição  seguinte. 

Dos    MODOS 

1 1 . —  Do  IMPERATIVO. —  o  Imperativo  negativo  é repre- 
sentado pelo  conjunctivo.  Este  emprego  remonta  aos  mais 
antigos  textos  [não  falles),  e  no  latim  já  o  subjunctivo 
substitue  o  imperativo  em  todas  as  pessoas  do  plural  e  do 
singular  nas  phrases  negativas. 

Deste  emprego  na  forma  positiva    temos  exemplos  em 
alguns    modos    de  dizer    conservados  pelo  uso :    Viva  o 
^ra-{il !)  ;  mas,  em  regra,  e  com  certos  verbos,  o  subjun- 
ctivo é  precedido  de  que  :  —  que  elle  parta  ! ;    que  eu  não 
mais  o  encontre  em  meu  caminho. 

Também  o  imperativo  pôde  ser  substituído  pelo  futuro 
do  Indicativo  :  —  Honrarás  pai  e  mãi  ;  e  ainda  pelo  infi- 
nito, principalmente  até  o  XVI  século  : —  eia  !  indo  apear, 
d  barca,  chegar  a  ella  (G.  Vic). 

12. —  Do  Condicional.  —  Corresponde  no  latim  ao 
subjunctivo   como  já  explicamos. 

1 3  —  Do  SUBJUNCTIVO  —  Já  vimos    que  se  emprega  pelo 
Imperativo . 


4D7 

O  subjunctivo,  chamado  de  cortezia  em  latim,foi  substi- 
tuído pelo  condicional. —  versus  tuos  audtre  velim  (  =  eu 
desejasse  onvir  teus  versos  )  =  eu  desejaria  ouvir  teus 
versos. 

Correspondência    dos  tempos 

14  —  Proposições  coordenadas. —  Já  nos  referimos  ao 
presente  iiistorico,  isto  é,  á  faculdade  de  poder-se  repre- 
sentar o  passado  e  o  futuro  pelo  presente. 

No  portuguez  antigo,  porém,  a  confusão  dos  tempos 
nas  proposições  coordenadas  são  muitas,  e  muito  de  notar, 
ainda    mesmo  no  sec.   XV  e    XVI. 

1 5  —  Proposições  subordinadas  —  No  portuguez  antigo 
era  muito  mais  ampla  a  liberdade  de  concordância  dos 
tempos  nas  proposições  subordinadas. 

I  o  —  'Proposições  compleíivas  —  O  modo  depende 
principalmente  do  sentido  do  verbo  da  proposição  prin- 
cipal . 

a)  O  verbo  da  subordinada  vae  para  o  Indicativo 
quando  o  principal  significa  pensar,  crer,  sentir,  saber, 
suppor.  Parece-me  que  elle  vem  (  virá  );  creio  que  elle 
sabe,  pensavas  que  elle  dissera  a  verdade . 

Mesmo  na  prop .  principal  negativa,  interrogativa  ou 
dubitativa .  Não  creias  que  eu  tenho  (  tenha  )  niedo  \  crês 
que  eu  não  sei  ?  (  saiba  ) . 

b  )  Si  a  principal  exprime  admiração,  alegria,  tristeza, 
duvida,  receio,  surpreza,  mando,  etc,  o  verbo  da  subor- 
dinada vae  para  o  subjunctivo  : —  Receio  que  elle  venha  ; 
mando  que  vás. 

c  )  Nas  proposições  hypotheticas  o  verbo  põe-se  no 
Indicativo  quando  exprime  facto  positivo,  actual  (  si  sof- 
fres,  a  culpa  não  é  tua  ) ;  vae  para  o  subjunctivo  quando 
significa  duvida  ou  condição  (  não  sei  si  te  entregue  este 
Itvro  :   si  tu  fores  eu  escreverei» 

83 


458 


No  port.  ant.  empregava-se  depreferncia  o  mais  que 
perfeito  do  Indicativo. 

As  locuções  conjunctivas  idênticas  a  si  {com  a  condição 
que^  de,  com  tanto  qiie^  masque^  etc.)  levam  sempre  o  verbo 
para  o  conjunctivo  :  —  comtanto  que  leias ;  mas  que  chegues 
a  tempo. 

4. —  Nas  proposições  co«ce>sró'as,  desiderativas  e  im- 
precativas,  o  verbo  da  clausula  principal  vai  para  o 
subjunctivo.  Nas  concessivas  latinas  quando  nelias  fi- 
guravam um  pronome  como  quisquís,  qualiscumque,  o  latim 
punha  em  geral  o  verbo  no  Indicativo,  e  dessa  pratica 
se  encontram  muitos  exemplos  no  portuguez  antigo. 

Quando  a  proposição  era  annunciada  por  uma  con- 
juncção,  o  latim  mudava  de  modo  conforme  o  valor  da 
partícula  empregada  (etsi.,  etiamsi^ . . .  Ind .  ;  quamvis, 
Subj.) 

O  portuguez  seguiu  mais  ou  menos  as  mesmas  regras  \ 
depois  nota-se  certa  duvida  quanto  ás  conjuncções  ;  hoje 
emprega-s;  o  subjunctivo:  —  ainda  que  eu  saiba;  não 
obstante  saberes ;  quer  queiras^  quer  não ;  posto  que 
venhas,  não  obstante  teres^  si  bem  que.,  comtanto  que,  ete . 

5. — Proposições  causaes.  São  em  geral  annunciadas  por 
—  insto  que.,  pois  que,  porque.,  attendendo  a  que,  etc . ,  que 
desde  o  principio  da  lingua  levam  o  verbo  da  propo- 
sição subordinada  para  o  Indicativo  :  —  Visto  que  vens, 
eu  não  vou. 

Com  algumas  conjuncções  pôde  elle  ir  também  para  o 
Indicativo  : — como  elle  está  bom  (esteja),  como  elle  não  en- 
tendeu (entendesse),  etc. 

Com  as  proposições  negativas  annunciadas  por  não 
que  (non  qtiod,  non  quia)^  o  portuguez  empregou  sempre 
o  subjunctivo,  á  imitação  do  latim :  —  Não  que  eu  te  queira 
mal. 

6. —  Proposições  /e/w/joríjw.^- Nestas  proposições  a 
syntaxe    depende  da  conjuncção  empregada.  Assim  : — 


450 


com  antes  que,  primeiro  que^  empregou  o  portuguez  senipre 
de  preferencia  o  subjunctivo  (antes  que  o  seu  peito  d 
ferir  chegues),  com  até  que,  de  preferencia  o  Indicativo 
quando  se  trata  de  um  facto  positivo  e  já  realisado  (até 
que  por  fim  acalmar aiii- se  os  ânimos)^  e  o  subjuntivo 
quando  a  acção  é  futura  e  hypotlietica  {até  que  cheguem  as 
noticias);  com  —  emquauto^  entretanto^  etc.  tanto  se 
emprega  um  modo  como  outro  [emquanto  estiveres  (estás) 
ahi. 

6. —  Proposições  relativas. —  No  latim  empregava-se 
o  subjunctivo  nas  proposições  relativas  \  no  portuguez 
também,  sempre  que  a  acção  é  representada  como  incerta 
ou  simplesmente  possivel  {Indica-me  um  carninho  que  vd 
dar  d  villa) ;  mas  quando  a  acção  é  certa,  positiva,  o  verbo 
da  clausula  subordinada  vai  para  o  Indicativo  {Indica-me 
o  caminho  que  vae  d  villa . )  ^ 

O  que  acabair.oi  de  dizer  muito  a  traços  largcs  basta  para  mostrar 
que  cada  umas  das  fórmas_  verbaes  não  tem  papel  perfeitamente  res- 
tricto,  funcção  verdadeiramente  especial.  Eessa  discordância  entre  o  uso 
syntaxico  e  a  lógica  mais  se  nota  nas  correspondências  do  subjunctivo. 
E;n  regra,  porém,  emprega-se  de  preferencia  o  Indicativo  quando 
queremos  exprimir  a  certeza  absoluta  da  aftirmação  contida  na  propo- 
sição relativa,  iiidefeiidenievieiite  do  valor  chronologico. 

12. —  Ha  diíFerença  no  emprego  entre  ser  e  estar. 

O  1°  serve  de  auxiliar  da  voz  passiva  ;  exprime  uma  qua- 
lidade inherente  ao  sujeito,  um  estado  que  lhe  é  costumeiro  : 
—  o  ''Bra:[il  foi  descoberto  por  'P .  M .  Cabral ,  a  neve  é 
branca ;  'Plácido  é  alegre. 

O  2°  significa  uma  qualidade  occasional,  um  estado 
transitório  :  —  a  agua  está  fria  ;  Fernandes  está    alegre. 

O  verbo  ser  exprime  procedência  —  este  rapai  ^  *^^ 
Campinas ;  o  verbo  estar  a  situação  do  sujeito,  o  logar 
onde  :  — elle  está  em  Campinas . 


*  Na  divisão  desta  lição,  seguimos  Briiut.— 6rr.  hUt. 


4^0 

A's  vezes,  porém,  é  indiíFerente  o  emprego  :  é  claro  que, 
está  clai^o  que .  A  idéa  é  então  sempre  a  mesma . 

Na  linguagem  poética  emprega-se  também  o  verbo  ser 
por  estar  :  eu  era  ?nudo  e  só  ;  porem  já  cinco  soes  eram 
passados  {p.  estavam). 


TRIGÉSIMA  SEXTA  LIÇÃO 

Regras  de  syntaxe  relativas  ás  formas 
nominaes  do  verto 

Infinito 

I. —  Já  vimos  que  um  infinito  pôde  ser  empregado 
substantivadamente  \  e  que  para  isso  basta  fazel-o  pre- 
ceder de  um  ad).  determinativo  (demonst.,  poss.,  art.)  : 
O  viver ^  os  dt\eres. 

2. —  O  infinito  portuguez  tem  a  singularidade  de  poder 
flexionar-se.  ^  D'aiii  a  sua  divisão  em  pessoal  e  impessoal. 

E'  pessoal  o  infinito  : 

1°  quando  a  clausula  do  infinito  pôde  ser  substituída  por 
outra  do  mdicativo  ou  do  subjuntivo  :  —  Virtude^  sem  tra- 
balhares e  padeceres  (sem  que  trabalhes  e  padeças),  não 
verás  tu  jamais  com  teus  olhos  (Bern.) 

2°  quando  é  sujeito,  attributo  de  um  verbo  ou  comple- 
mento de  uma  preposição.  E'  muito  próprio  das  mu- 
lheres o  sahir  para  verem  e  serem  vistas. 

Cp. —  Comprei  esta  pêra  para  comeres,  comprei  esta  pêra  para 
comer.  No  i°  caso  o  Infinito  pode  ser  substituído  pelo  subjunctivo 
(para  que  comas)  e  refcje-se  á  -x^  pess.  do  sing.;  ao  passo  que  no  2" 
exemplo  o  infinito  refere-se  á  i*  (para  ^/^  comer}. 


*  No  gallego  também, 

'  E  por  isso  pôde  coastruLr-se  na  qualidade  de  sujeito,  attributo,  ou 
em  apposição  com  um  outro  nome. 

Ò  infinito,  é  forma  nomiaal  primitiva  introduzida  na  conjugação. 

O  infinito  como  substantivo  neutro  era  já  do  latim  clássico,  e  ainda 
acompanhado  de  formas  pronominaes  :  —  illud  pecca,re,  hoo  ricicre 
(Schneider). 


462 


Este  grande  elemento  de  clareza —  o  Inf.  pessoal —  não 
se  encontra  nos  primeiros  does.  authenticos  da  lingua. 
Seu  emprego  data  do  sec.  XIII: 

Conserva -se  impessoal  o  infinito  : 

I . —  Quando  o  verbo  da  clausula  do  infinito  não  pode 
ser  substituído  por  outro  dolnd.  ou  Subj.  —  outros  são 
incrédulos  até  crer  (  Vieira ) ;  applicadas  a  grangear  com 
trabalho  ( Sza.  V.  do  odre.) ;  faltando-lhes  valor  e  accordo 
para  se  defender  ou  morrer  (Fr. —  V.  de  Castro),  etc. 

2. —  Com  sujeitos  idênticos,  raro  nos  clássicos. 

Cp.  os  seguintes  exemplos. —  Narn  curees  de  maj's 
chorardes ;  não  cures  de  te  queixar  (  canc .  Geral  —  ) ; 
o  que  se  lhes  7ião  pode  defender  com  artilharia  por 
trabalhar  cobertos  (Fr.),  ^  folgarás  de  iteres  ("Cam.), 
vieram  constrangidos  a  buscarem  refugio  (A.  Herc. ), 
restricções  de  amor  que  impedem  os  Jilhos  de  Amor  de 
acharem  (Garrett.)  ;  se  queixavam  de  verem  sahir  d  meia 
noite  (  R.  da  Silva ) ;  forçareis  as  pedras  a  vos  fazer 
a  vontade  (Ulys.  ),  etc. 

3. — O  infinito  pode  fazer  parte  de  proposições  inde- 
pendentes, exclamativas,  optativas,  deliberativas  :  —  Mu- 
lher muito  grande  é  o  teu  bom  perseverar  (  G.  Vic); 
Que  fa^er! 

4. — Substitue  o  subjunctivo  latino  nas  interrogações 
indirectas.  Lat.  class .  qutd  seriberem  non  habebam  \  baixo 
latim  :  —  quid  scribere  non  habebam  (  non  habent  quid  res- 
ponderei S.  Agost.)  O  portuguez  muito  desenvolveu  esta 
construcção :  não  tenho  que  responder,  nzo  sei  que  dizer, 
etc. 

5 .  —  Já  vimos  que  o  infinito,  por  sua  qualidade  no- 
minal, pode  ser  sujeito  e  attributo.  Pode  ainda  construir-se 
1°  em  qualidade  de  complemento  indirecto  [depois  de  um 
certo  numero  de  preposições  (a,  para^  por^  de,  etc),  e  de 
muitas  locuções  prepositivas  ( longe  de,  a  menos^  em  lagar ^ 
d  força  de,  etc.) 


4r33 


o  latim  empregava  o  supino  ou  o  gerúndio,  modos  que 

—  desde  a  decadência  —  foram  substituidos  paio  infinito. 

—  2°  como  complemento  directo  marcando  o  objecto  da 
acção.  Já  era  latina  a  faculdade  de  construir  para  esse 
fim  um  infinito  sem  sujeito,  depois  de  certos  verbos  que 
exprimiam  a  idéa  de  vontade,  poder,  intenção,  alegria,  pejo. 
Ire  valo  ;  quero  ir. 

Com  muitos  verbos  construímos  o  infinito  sem  pre- 
posição nem  sujeito  {temer ^  receiar,  sentir^  mostrar, 
7'er....);  mas  essa  construcção  directa  era  muito  mais 
geral  no  portuguez  antigo,  que  empregava  o  infinito  em 
muitos  casos,  em  que  ho)e  é  elle  precedido  de  preposi- 
ções ou  substituído  pelo  subjunctívo. 

6.  —  Os  traductores  introduziram  na  língua  portugueza 
os  primeiros  vestígios  das  proposições  do  infinito,  isto 
é,  proposições  que  serviam  de  complemento  ao  verbo, 
e  eonstruiam-se  em  latim  com  um  verbo  transitivo  se- 
guido de  um  infinito,  e  de  um  nome  no  accus.,  sujeito 
do  infinito.  No  principio  da  língua  essa  proposição  era 
substituída  por  outras  precedidas  de  conjuncção,  cor- 
respondentes ás  formas  do  baixo  latim  (Cp.  1.  class. 
audto  te  dicere,   b .    lat .  —  audio  quod  tu  dicis) . 

O  emprego  no  XV  sec.  era  muito  mais  livre  do  que 
hoje ;  mas  em  muitos  casos,  quando  o  sujeito  do  infi- 
nito é  o  relativo  que,  empregamos  ainda  a  proposição 
do  infinito. 

Além  dessa  forma  da  proposição  infinitiva,  temos 
outra,  caracterisada  pela  círcumstancia  de  ser  o  sujeito 
regimen  indirecto.  Este  emprego,  de  uso  muito  limitado, 
já  era  conhecido  dos  Latinos  {hoc  comitibus  scire  J^actant). 
Ex.   eu  o  vi   fazer  os   seus  preparativos. 

A  proposição  infinitiva  refere-se  sempre  logicamente 
a  um  sujeito,  quando  não  o  tem  apparente.  Este  sujeito 
pode  ser  determinado  pelo  contexto  ou  proposição  geral : 
( —  muito   soffri,  para  desejar  a  morte).,  ou    indetermi- 


464 

nado  {para  que  uma  nação  prospere^  ê  força  civilisar  o 
rico  tanto  quanto  o  pobre.   (V.  H.) 

7.  —  Para  indicar  o  íim  da  acção,  empregamos  o 
infinito :  construcção  regular  no  baixo  latim,  e  excepcio- 
nalmente empregada  no  latim  pelo  supino  (pecus  egit 
altos  visere  ?nonies).  Vou  soccorrel-o;  venho  ao  theatro 
applaudir  o  génio. 

8.  —  Podemos  empregar  o  infinito  pelo  imperativo, 
herança  que  nos  veio  do  latim,  e  era  mais  usada  dos 
clássicos  portuguezes;  alegrar  que  é  chegada  a  hora; 
sus,  levantar  dahi  muito  nas  más  horas:,  fugir,  fugir  do 
infante  que  vos  quer  prender. 

oádvertencias . —  O  dominio  romano  muito  mais  es- 
tendeu o  emprego  nominal  do  infinito  ]  sendo  de  notar  em 
portuguez  os  casos  seguintes  : 

a  ) —  Infinito  articular  —  o  beber,  o  comer,  e  no  plural 
os  cantares.,- os  dares  e  tomares . 

Encontra-se  nos  primeiros  documentos  da  lingua. 

b) — Infinito  preprosicional — Jade  uso  frequente  no 
baixo  latim  do  1°  sqcuIo  {  ad  abitare.,  ad  firmare),tn- 
contra-se  nos  mais  antigos  textos  do  portuguez : —  getar  in 
terra  ^úo  cegar  [  Sec.  XII ). 

A's  vezes  a  euphonia,  e  certa  força  de  attração  morphica, 
desvia  o  infinito  do  uso  legitimo  e  natural:  —  galantes  são 
os  poetas  l  Todos  z^erm  queixar  da  malacia  dos  lempos.  * 

'^Participios 

8 —  O  PARTiciPio  PRESENTE,  hoje  usado  exclusivamente 
como  adjectivo,  só  admitte  flexão  de  numero:  homem  ou 
wwMer  amante,  homens  ou  ím/Mere^  amantes .  Esta  pro- 
priedade já  era  peculiar  ao  latim  clássico,  e  teve  mais  in- 
cremento no  latim  bárbaro .  ^ 


*  D.  Man.  Apol,  ap.  prof.  Aurci.  Pimentel  —  r/tese  de  concurso. 
«  Vide  lições  —  16,  19  e  27. 


465 


Até  o  Sec.  XV  tinha  funcção  verbal  com  o  comple- 
mento :  —  Os  desprezintes  'Deiiscaem  no  (  R.  S.  Bento,  In. 
d^Acol. ) ;  filhantes  inferno  a saia^  leixam  o  7nanto  ( In.);  etc. 
Conservamos  vestígios  dessa  forma  nominal  mas  já  sem 
propriedade  transitiva: —  perlas  imitantes  á  côr  da  aurora 
(  Cam .  ) ;  assim  como  a  águia  e  o  louro  não  sam  domi- 
nadas, senão  predominantes  ao  raio  (  Viera  V,  48 1  );e 
assim  — tirante  esta  clausula,  tendente  á  paz,  tocante 2i  mo- 
ral, referente  á  lei,  passante  cincoenta,  pertencente  di  nós, 
durante  o  anno,  ect.  De  obedecer  fizemos  obediente  por 
obedecente. 

No  sec .  XV,  é  de  notar  a  confusão  do  part .  presente 
com  o  gerúndio  e  participio  passado  (homem  bem  parecente 
de  corpo)^  e  também  o  seu  emprego  pelo  adjectivo  corres- 
pondente em  : —  era  o  conhecente  d'aquelle  Judêo  ;  sabentes 
per  aquesta  carreyra  da  obedeença  ;  temente  (temendo) 
minha  morte,  rompente  o  alvor  da  inanhã ;  acabante  aquelle 
feito . 

9. —  O  Gerúndio  (part.  imp.,  que  no  port.  substituiu  o 
part.  prés.  latino)  é  sempre  invariável.  Quando  vem  pre- 
cedido da  preposição  em^  indica  que  á  1*  acção  segue-se  im- 
mediatamente  outra  : —  Em  chegandoX^  parto  para  Itú^ 
em  fatiando^  em  diiendo^  em  dormindo,  etc .  *■ 

Equivale  a  uma  locução  adverbial  : —  chegando  (quando 
chegar),  amanhecendo  (quando  amanhecer),  etc,  e  é  ves- 
tígio do  gerúndio  latino  em  e,  que  mais  se  vulgarisou  na 
época  da  decadência . 

10. —  O  PARTICIPIO  PASSADO,  no  portuguez  antigo,  sem- 
pre que  vinha  construído  com  o  verbo  ter  (e  ser)  e  —  ainda 
no  Sec.  XVI  — ,  concordava  com  o  sujeito  do  verbo  em 
género  e  numero  :  —  bom  servidor  e  leal  nos  serviços  que 
lhe  tinha  feitos  (F.  Lopes)  ;  e  do  Jordão  a  areia  tinha 


*  Cp.  estando  dormindo,  andando  appretidendo, . . .  =  estando  a  dormir; 
andando  a  aprender... 

59 


466 


vista  (Cam . ) ;  votos  que  Unha  feitos  ;  quantas  culpas  tinham 
commettidas  (F.  Mendes),  etc.  E  qualquer  que  fosse  a 
ordem,  o  part.  concordava  com  o  seu  complemento,  con- 
forme a  syntaxe  latina,  que  com  o  auxiliar  habeo  também 
dizia  —  habeo  cognitam  amicitiam  =  eu  tenho  conhecida  a 
amisade . 

Mas  desde  a  origem  que  houve  tendência  para  consi  - 
derar-se  o  part.  passado  apenas  como  forma  de  um  pre- 
térito composto.  Cognitum  habeo=cognovi.  Tenho  conhe- 
cido ^=  conheci.  E  mesmo  nos  textos  antigos  já  se  encontram 
exemplos  da  invariabilidade  do  participio  quando  se  apre- 
sentava mais  perto  do  verbo  que  do  regimen  : —  maravilhas 
que  deixou  feito  (Caminha),  deixar -lhe  queimado  a  cortina 
(P.  Per.),  deixando  descoberto  3So  léguas  {Bsivros)...  etc, 

A  concordância  continuou,  e  é  observada,  quando  o 
participio  segue  o  complemento  : — não  è  preciso  tenha  as 
cartas  escriptas. 

A  leitura  dos  textos  mostra  claramente  a  tendência  para 
a  suppressão  da  concordância,  que  ficou  retardada  pela 
influencia  clássica,  adstricta  á  tradição  latina. 

Por  sua  natureza,  o  part.  passado  dos  verbos~intran- 
sitos  pôde  tomar  significação  activa,  que  —  como  em 
latim — tornou-se  extensiva  a  particicipios  de  verbos  de 
natureza  transitiva  : —  homem  applicado:,  aborrecido.^  ca- 
lado., confiado  descrido.,  dissimulado.^  esquecido.,  divertido., 
entendido^  poupado,  lido.^  pei^dido.,  sabido., .... 

Sobre    as    formas    em   ítdú,    as    contractas,    etc  V. —  Lições     i6, 
19,  27. 
5obre  o  participio  attributo  fallaremos  adiante. 

II. —  Os  PARTicipios  DO  FUTURO — são hojc  raros,  c  só 
usados  como  substantiveis  ou  adjectivos.  Já  a  elles  nos  re- 
ferimos nas  lições  19627. 

Terminam  1°  em  ouro  (oiro)  :  — ascendedouro,  cscorre- 
gadouro,  idouro,  regedoiro. . . .,  que  se  confundiram  com 
os    em  eira  (casadoura    casadeira).  Ainda    conservamos 


467 


vestígios  deste  participio  em  duvadiiro.  imniorredoitro^ 
morredouro^  vmdouro  {Sguardaníe  nas  cousas  vijdoiras  ; 
Leal  Cons.). 

2**. —  em  í7W<io,  endo.  No  does.  antigos,  e  mesmo  do 
Sec.  XVII,  estes  participios  tinham  sign.  do  futuro:  — 
entre  os  despreios  d'' esta  expianda  angustia  (Fil.  Elis) ;  se 
mostra  pura  e  brilhante  á  consolanda  (Id.) ;  oh  l  adorandos 
sempre  e  adorados  ! ;  culpandas  armas  ;  etc. 

São  participios  da  voz  passiva  latina,  e  apenas  em- 
pregados no  portuguez  em  linguagem  clássica,  pjincipal- 
mente  depois  do  Sec .  XVI .  Temos  dessa  origem  —  mi- 
seiwido,  horrendo,  educando,  doutorando,  excerando,  exa- 
minando^ etc. 

3 .  —  Os  participios  em  uudo  (  bundo  ) : —  gemebundo, 
nioribundo^  etc.  Quasi  todas  as  palavras  desta  termi- 
nação representam  importações  latinas.  Este  suflixo  equi- 
vale ao  oso  das  bases  nominaes . 

O  part.  imper.  e  o  aoristo  (part.  passado),  quando  não  são  em- 
pregados como  adju netos  attributivos,  nem  como  elementos  de  for- 
mação- nos  tempos  compostos  da  voz  activa  e  da  passiva,  e  nos  verbos 
Irequentativos,  formam  clausulas  participaes  absolutas,  equivalentes 
a  outras  do  modo  Indicativo  e  do  Subjunctivo,  Taes  clausulas  prin- 
cipaes,  bem  como  as  que  se  formam  com  o  participio  aoristo,  corres- 
pondem exactamente  aos  absolutos  latinos — (  J.  Rib.  Grain7n. 
Pari,). 


TRIGÉSIMA  SÉTIMA  LlCÃO 

« 

Regras  de  syntaxe  relativas  ás  palavras 
invariáveis 

Q/ldperbios 

I. —  V.  lições  II,  20,  28. 

2 .  —  Alguns  advérbios  conservaram  a  regência  das  pa- 
lavras donde  derivam: — cegamente  de  aífeições  (Ined.), 
dos  meus  pôde  vir  seguramente  (  Barros  ),  etc . . .  e 
também,  ainda  no  Sec.  XVI,  um  pouco  de  proveito^ 
assas  de  dinheiro  (Barros). 

Hoje  essa  construcção  mais  se  applica  aos  advérbios 
de  modo  : —  par  aliei  amente  a;  confiadamente  em,  etc. 

3. —  Quando  concorrem  dous  ou  mais  advérbios  em 
mente^  só  o  ultimo  toma  geralmente  a  terminação  ; — 
sabia,  pia,  e  justamente.  Mas  podemos  empregar  em  todos 
a  forma  completa,  principalmente  quando  queremos  pre- 
cisar bem  o  valor  significativo  de  cada  um  delles  : —  pi- 
vamos  neste  mundo  sabiamente,  piamente  e  justamente. 
(Vieira) . 

3t — Também  são  advérbios  de  modo  —  co;«o,  a rch. 
empero,  e  aosadas  (aousadas),  asstm ;  —  Razão  é  que  façaes 
como  vos  fazem  (F .  Mendes) ;  mas  abasta-lhe  ser  frade  e 
bem  Narciso  a  oasadas  (G.  Vic.)  ;  etc. 

4. —  G/íss/w  emprega-se  em  phrases  desiderativas  : — 
assim  te  eu  vejafelii,  assim  me  veja  eu  casar  (Camões). 

5. —  O  adverbio  bem  junta-se  a  outro  adverbio  ou  a  um 
nome  para  lhe  dar  força  augmentativa  :  —  um  menino  pobre 


469 


e  bem  malreparado  de  roupa  (Souza,  V.  aârc.)^  bem  sabío, 
bem  notório. 

Junto  aos  verbos  e  comparativos  dá  mais  força  á  aífir- 
mação  :  —  Bem  deu  o  Infante  a  entender  a  grande  digni' 
dade  que  conhecia  em  seu  irmw  (Azur.  Chron.  Guin.); 
o  coração  bem  mais  largo  que  as  praias  do  oceano. 

Todos  esses  empregos  teem  exemplos  em  latim  ;  e  da 
mesma  forma  empregavam  o  adv.  fiial  : — mal  doente.,  mal 
ferido^  mal  vencido  ;  sendo  todos  mal  contentes   (Vieira) . 

6. —  A  negação  pôde  ser  simples  ou  intensipa,  a  que 
também  se  chama  reforçada. 

A  simples  é  expressa  pelo  adverbio  não,  nem.,  nada, 
nenhum,  ninguém.,  nunca. 

Nenhum,  ninguém,  nunca.,  empregam-se  simplesmente 
quando  precedem  o  verbo;  —  nenhum  sabe,  ninguém  veiu, 
nunca  trabalhas.  Si,  porém,  vierem  depois  do  verbo,  exigem 
o  reforço  : —  nHo  tenho  nenhum,  não  w"  ninguém,  não  tra- 
balhas nunca . 

Jamais  emprega-se  por  nunca.,  e  também  é  sujeita  nos 
mesmos  casos  ao  reforço  da  negativa  principal  não  :  —  não 
áhsQ  jamais.,  nunca  jamais. 

Sobre  a  negação  intensiva  —  Vide  pag.  406. 

Quanto  ao  emprego  de  não  sem  força  negativa  — 
pag.  4o5,  nota  2*. 

Algum.,  no  fim  ou  meio  da  phrase,  equivale  a  nenhum  : — 
de  modo  algum  consentirei ;  de  guisa  que  fugiram  todos., 
sem  curando  de  levar  cousa  alguma  (F.  Lopes). 

Pelo  ultimo  exemplo  vemos  ainda  que  a  preposição  — 
por  significar  falta,  carência,  privação  —  empregava-se 
também  com  sentido  negativo,  junto  dos  verbos  no  ge- 
rúndio (  Secs .  XIV  e  XV  ) . 

7  ^  Comoqv.eTj  guanioquerj  equivalentes  a  posfo  que,  e  quando^ 
querqiie,  são  formas  archaicas  : 

....  que  te  nembre  como  eu  andei  ant  ty  em  verdade,  e  comoqncr 
agora  pequei,  nem  sse  percam  porem  alguns  bêes,  se  õs  fige  ante  ty. 

(  Ined.  d'Ak.) 


470 


Porque  o  muito  não  é  nada 
Quando  qiierqiic    não  é  bom 

(G.   Vic.) 

Por  qnantoqiicr   que  os  membros    sejam  enfermos,  e  jaçam  e  mal 
cheiram  non  son  de  Christo  empuxados,  nem  desemparados    d'tlle 

(  Vida  Monast.)  ' 

7 — O  adverbio  colloca-se  perto  da  palavra  por  elle 
modificada:  —  elle  mora  longe  ;  uma  porta  meio  aberta  . 

8  ~  Certos  adjectivos  são  empregados  adverbialmente  : 
os  de  flexão  de  género  só  na  forma  masculina  :  muito 
noute^  muito  mais  razões,  fallar  alto^  vender  barato,  parede 
meia^  louvores  justo  devidos,  plantas  ?Jieio  queimadas,  faia 
puro  altiva  (  Cam.) 

'Preposições 

9  —  Vide   lições  —  1 1 ,  17,  20,  28 . 

10  —  Em  latim,  as  preposições  não  tinham  a  mesma 
importância  que  em  portuguez.  E  a  razão  está  em  que  hoje 
ellas  substituem  os  casos . 

As  preposições  indicam  relações  adverbiaes  de  logar, 
tempo,  causa,  meio,  modo.  Mas  ás  vezes  só  uma  delias 
exprime  muitas  dessas  relações,  sinão  todas.  A  verdade  é 
que  a  principio  (  e  principalmente  no  latim  )  ellas  exprimiam 
relações  de  logar  e,  metaphoricamente,  de  tempo .  «  O  em- 
prego abstracto  e  figurado  é  resultado  de  um  desenvolvi- 
mento posterior. » 

Si  tomarmos  a  prep.  a^  veremos  que  etymologica- 
mente  corresponde  á  prep .  latina  ad  (  e  ao  dativo )  '^ ;  e 
todavia,  por  seus  múltiplos  empregos,  corresponde 
também  a  apud  e  ás  vezes  a  ab. 

A  regra  é  geral,  mas  não  absoluta . 


*  Leoni  —  Génio  da  l,  port . 

*  Lai.  clas3. —  librum  dedi  Petro  ;  l.  baixo  —  librumdedi  ad  Petrum. 


471 


a)  Correspondendo  ao  lat.  ad  indica  essencialmente 
direcção,  movimento,  tendência,  para  um  logar  ou  ob- 
jecto. 

Comeste  sentido  era  mais  livre  o  emprego  de  a  no  por- 
tuguez  antigo  : — o.  ?nais  da  gente  se  tornou  a  suas  casas 
(  Barros  ) .  Hoje  diremos  para^  e  em—  manso  aos  humildes, 
cruel  aos  fortes,  também  em  J .  de  Barros, — para  com  os  : 

Por  analogia  a  preposição  a  indica  tempo  —  d' aqui  a 
oiio  dias  \  di  5  de  Fevereiro  ;  a  uma  hora . 

A  o  dia  seguinte  em  amanhecendo,  a  o  pôr  do  sol ;  esta 
festa  era  a  os  quator^e  dias  do  /°  me^  (  Ined.  d'Alc.).  ao 
primeiro  romper  da  lu{. 

Lat .  —  ad  diem,  ad  kalendas . 

Por  transferencia,  i.  e.,  figuradamente,  pode-se  indicar 
a  direcção  ou  tendência  moral: — in:iíará  cólera. 

Essas  construcções  generalisaram-se  por  tal  forma, 
que  em  muitos  casos  a  prep .  a  serve  apenas  para  indicar  o 
infinito.  Da  antiga  construcção  temos  exemplos  com  os 
verbos  chegar,  etc . 

qA  (de  ad.)  indica  também  logar  onde,  posição,  si- 
tuação :  —  estava  em  mão  estado  com  outra  a  olhos  e  face 
do  mundo  (Szã.  V .  Arcb .)  ;  affrontava  o  exercito  do  povo 
de  T>eus,  não  ausente  sendo  de  cara  a  cara  (Vieira)  -  Tor- 
namos aos  nossos  que  á  ponte  de  Jacob  nos  estavam  espe- 
rando (Pant.  d'Av.) ;  vivem  á  borda  do  Eufrates ;  assen- 
tando-se  comnosco  o  abbade  á  mesa  (Id.) 

Por  analogia  em  referencia  ao  tempo  :  —  chegou  á  hora 
(na). 

Figuradamente  neste  sentido  :  — fel  ao  conde  ;  esiar 
á  tJiorte  (perto  da)  ;  criar  aos  peitos  da  esperança  (Cam.) 

Cp. —  útil  ao  pai:^,  conforme  a  lei,  prestes  a  partir, 
commum  a  todos,  proiiiptos  para  o  combate,  etc. 

Remonta-sea  um  adj.  latino,  ou  segue-se  a  etymologia. 

b)  A  preposição  a,  por  uma  extensão  natural  ainda  in- 
dica o  modo  :  —  chorar  a  potes,  rir  ás  gargalhadas,  beber 


472 


aos  goles,  ttc.-^foi  alevantado  por  rei SiO  cosnime  de  seus  pas^ 
sados  (D.  Nunes) ;  poria  lavrada  á  antiga  :  o  instrumento, 
o  meio,  e  corresponde  a  com :  —  ijiatar  a  bala,  raspar  á 
navalha^  apanhar  á  mãó^  etc. 

c)  A  preposição  a  ainda  indica  o  complemento  ter- 
minativo  e  objectivo,  quando  expresso  por  nome  de  pessoa 
ou  cousa  personificada  :  —  ^ei  um  livro  a  Tedro ;  adoro 
a  'Deus;  obra  mandada  por  Deus  e  muito  acceita  a  elle ;  a 
mais  companhia  eram  mulheres  moças,  tangendo  em  seus 
instrumentos  e  algumas  meninas  que  cantavam  a.  elles  (F. 
Mendes) . 

II. —  Não  ["podemos  demorar-nos  em  todas  as  pre- 
posições .  Faremos  tão  somente  algumas  mais  inevitáveis 
considerações. 

Com  — Indica.  i°  Simultaneidade^  companhia  :  —  e  no 
quarto  de  prima  nos  deu  uma  trovoada  com  grande  força 
de  vento ;  qualquer  que  se  fa^  amigo  do  iimndo^  fa\  banco 
roto  com  Deus  (Heitor  Pinto) . 

2.°  Modo  —  '^Pedir  com  bom  modo,  com  despreso^ 
Póde-se  ás  vezes  supprimir  a  preposição  :  —  levar-te-hei 
pelos  atalhos  da  egualdade  e  entrando  nelles  andarás  teu 
passo  largo  ( Arraes) . 

3 .°  Mew^  instrumento :  —  Os  mesmos  que  os  murmuram 
com  a  boca,  os  approvam  com  o  coração  (Vieira) ;  as  cousas 
árduas  e  lustrosas  se  alcançam  com  trabalho  e  com  fadiga 
(Cam.)  No  lat. —  cum  saggita  sancius^  ferido  cow  uma 
setta,  etc. 

Contra  —  Empregava-se  antigamente,  á  maneira  latina, 
para  indicar  situação  fronteira  :  —  c/dade  contra  a  íen^a 
d' Israel,  p.  defronte  (Ined.  d'Alc.);  e  ainda  direcção  :  — 
foram  correndo  contra  o  theatro  (Ined.  d^Acol.),  viu  descer 
contra  a  praia  um  hotnem  ;  e  por  analogia  —  começou  de 
se  rir  contra  elles  (Azur.),  a  rainha  disse  contra  Tedro  de 
Faria  (F.  Mend.)  E  todos  esses  empregos  vieram  pela 
tradição  latina . 


473 


Hoje  ainda  conservamos  vestígios  dessas  construcçÕes  : 
mas  a  prep .  .  contra  mais  significa  opposiçdo,  etc . 

De  —  Indica:  i°,  logar  d' onde  :  —  do  porto  amado  nos 
partimos;  procedência —  sou  de  S.  "Paulo  \  agua  de  poço; 
a  /«de  'Deus —  Por  an.,  o  ponto  de  partida :  —  de  hoje  em 
deanle  ;  passados  dous  dias  de  sua  chegada. 

2°,  posse  —~  casa  de  João . 

3°,  7710^0^  jtieio:  —  Toda  a  gente  vinha  át  mulas^  (Ra- 
mos) ;  di-{er  de  palavra  (Vieira);  ouvir  de  confissão  ;. . . . 
vivem  de  suas  lavouras^  agasalhar  de  palavras  (Souza),  etc. 

4",  causa: — folgaram  de  o  ver  \  de  ciosos  n-o  cor- 
rem as  mulheres  com  elles  ;  de  appressado  ;  de  contente  ; 
de  dó  delle. 

5°,  qualidade^  matéria:  —  liomem  de  juizo,  o  vaso  de 
ouro. 

ó"*,  tempo  em  que :  —  de  manhã  \  de  dia  ;  de  verão  ; 
de  maré  vásia, 

7"^,  Extensão^  tnedida  de  tempo^  e,  por  transi".,  idade  : 
—  cCrca  de  20  milhas,  homem  de  3o  annos. 

8",  etnprego,  serventia,  fim  :  —  moço  de  servir,  carro 
de  aluguel,  copo  de  a^w<3,  ízn/a  de  marcar. 

9®,  A^s  vezes  o  emprego  da  prep.  «ie  é  expletivo  : 
pobre  de  77iim  ;  o  ^ow  do  Joslo  ;  dcu-lhe  de  /íz«tó  pancada. 
(G.  Vic.) 

Pôde  dar-se  a  ellipse  da  prep.,  o  seu  emprego  em- 
phatico  e  partitivo :  —  per  de  ;  muito  poderoso  Senhor 
per  de  Deus  Rei  de  Castella  e  de  Lia77i  (coron.  Reys. 
de  Port.);  e  tomou  das  pedras  (F.  d'Alm.,  trad.  do 
Bibl.) 

Em  resumo,  de,  no  tempo,  indica :  ponto  de  partida, 
svccessão,  duração,  o  77iot7iento  da  acção;  em  sentido 
figurado,  indica  :  origem,  causa,  instrumento,  77ieio,  modo, 
a  viate7'ia,  e  ainda,   a  quantidade  e  o  preço. 


•  .V  cavallo. 

«O 


474 


De  corresponde  ao  genitivo  possessivo  ou  subjectivo. 
Já  vimos  que  o  gen.  latino  indicava  uma  relação  de 
propriedade,  causa,  conteúdo,  dependência,  reciproci- 
dade, etc,  mas  que  essas  relações  podiam  ser  expressas 
por  de  —  de  ipsas  (ipsius)  domus ;  ramos  de  illas  arbores. 
E  essa  construcção  reagiu  por  fim  sobre  a  dos  nomes 
próprios . 

De  também  indica  a  pessoa  ou  cousa  de  que  se 
trata,  equivale  ao  genitivo  objectivo.  —  D'ahi  as  phrases 

—  medo  da  morte ;  desejo  de  viver ;  o  amor  de  Deus. 

De  substitue  o  genitivo  de  qualidade.  Os  Latinos 
empregavam  um  substantivo  no  genitivo,  acompanhado 
de  um  qualificativo  qualquer  epithetico,  principalmente 
com  as  palavras  de  significação  geral  —  w/7e 5  (soldado)  ; 
vir  (homem),  etc.  Este  genitivo  entrou  então  em  con- 
currencia  com  o  ablativo   e  deu  no  portuguez  as  phrases 

—  um  homem  de  grande  valor .^  de  grande  cabeça. 

De  substitue  outrosim  o  genitivo  de  apposição  (  Flumen 
Rhodani  —  o  rio  {do)  Rhodano) ;  si  passares  o  rio  do 
Jordom  (Barros)  ;  o  cabo  que  chamam  de  Catherina.,  etc. 
(Id . ) .  Ilha  do  Fayal . . . ,  e  esses  modos  tão  frequentes, 
principalmente  depois  do  Sec.  XVI  —  que  diabo  de  rapai  5 
que  estúpido  de  criado ;  ladrão  do  negro  melro . 

De  precede  o  complemento  dos  adjectivos,  indicando 
varias  relações,  conforme  o  sentido  do  adjectivo:  —  áese- 
joso  de,  mas  já  dizemos co«/rjnb  a,  etc. 

Annuncia  o  infinito,  e  este  é,  dos  seus  empregos,  um 
dos  mais  importantes  e  caracteristico,  posto  seguissemos 
sempre  de  perto  a  syntaxe  latina . 

Em  —  Sign.  propriamente  —  no  interior  de.,  demro  de,  e 
logar  onde.,  sobre.,  no  exterior  :  —  em  Roma.,  a  cidade  é 
em  campo,  no  chão,  na  mesa,  pér  joelho  ou  pé  em  terra,  etc. 

Tempo  em  que,  duração :  —  no  jferão  ;  em  sahindo  a 
lua  ;  em  sendo  horas  (vide  Lição  3í)  gerúndio) ;  em  dous 
dias. 


475 


Ainda  ha  mais  algumas  significações  concretas,  e  muitos 
são  os  sentidos  figurados  desta  preposição  :  —  correr  em 
ajuda  de  alguém  ;  gente  religiosa  em  seu  modo  de  crença 
(Bar.) ;  homens  atrevidos  em  commetter  (Id.) ;  deram  em 
uma  aldêa  de  pescadores  ( Id .  ) ;  estar  em  ódio  ;  em 
cidade;  ^m  fugida  ;  em  botão;  em  bra^a  (estado occasional 
ou  permanente)  ;  em  signal  de ;  em  figura  de  oval ;  ir  em 
pessoa  ;  repartidos  em  tribus. 

Notemos  estas  duas  construcções  em  que  em  é  hoje 
substituido  por  para :  —  pondo  a  proa  em  atravessar 
aquelle  golphão  (Barros) ;  apontajido  {com  a  outra  mão)  em 
uma  mulher  (Souza)  ;  passando  em  Africa  todo  o  poder 
e  nobreza  deste  reino  (Souza),  andam  de  emenda  em  emenda 
(S .  Mir. ) ;  e  assim  ;  de  porta  emporta^  de  mão  em  mão,  de 
dia  em  dia  (1.  barb. —  de  die  in  diem  ),  etc. 

Por  —  E'  dupla  a  sua  origem  —  de  per  e  de  pro  ( Leia- 
se  o  que  escrevi  na  pg.  4i3  ). 

i.°  A  derivada  de  per,  tinha  a  mesma  forma  no  por- 
tuguez  antigo  e  médio,  e  ainda  no  moderno  indica  logar 
por  onde,  uma  relação  de  logar,  e,  no  tempo,  a  dura- 
ção, o  momento  ;  no  sentido  figurado  tem  vários  sentidos, 
como  p.  ex.:  o  instrumento,  o  ?Jteio,  o  intermediário,  o 
modo. 

Foram  pregar  a  fé  nns  ^er  Itália, /^^  Grécia  outros  (Luc.) 

Passando  alem  de  um  rio  per  uma  ponte  (  Bar.) 

Teem  muitos  jejuns,  ^í-r  todo  anno  (  Id.) 

Viveu /í'r  espaço  de  setenta  annos  (  Id.) 

per  morte  de  Synxermo  se  ouviam  gemidos  (  F.  Mendes  ). 

P>er  espaço  de  quinze  léguas  (  Bar.)  ;  deitado  no  seu  catre  humilde 
em  cujo  topo  pendia  o  crucifixo  que  talvez  ^í?r  sessenta  a7inos^  tinha 
visto  a  seus  pés  consumir-se  na  meditação,  nas  preces,  e  na  peniten- 
cia, aquella  dilatada  vida  (  Al.  Her.) 

Pereceram  ^í'r  espada  &per  fome  (  Ined.  d'AIcob.  ) 

Ordenou  que  o  mesmo  Aífonso  Lopes  fosse^^r  pessoa  (  Bar.) 

Também  empregavam  a  prep.  per  em  relação  relativa : 
teem  lingua  per  si  ;  seriam  i5o  homens  per  todos. 

Quando  per  significa  transição,  passagem,  pôde  suppri- 
mir-se  :  —  e  esses  foram-se  sua  via  ( Ined.  d^Alcob. ) ;  me 


476 


partt  de  ■  ^açorá  em  companhia  de  um  mouro  alarve  pêra 
me  guiar  lio  caminho  e  atravessar  ho  deserto. 

Agora  damos  aqui  em  excerpto,  e  applicadaá  nossa  lín- 
gua, a  opinião  de  um  professor  de  Lyão. 

O  emprego  de  per^  exprimindo  causa,  é  de  notar.  O  la- 
tim considerava  o  autor  da  acção  como  origem  d'ella  e  fazia 
preceder  o  seu  nome  da  preposição  que  indicava  o  ponto 
de  partida  —  ab.  O  portuguez  antigo  substituiu  a  prep.  a 
por  de^  que  também  indicava  o  ponto  de  partida.  Ainda 
temos  certas  phrases  em  que  depois  de  certos  verbos  de 
acção  illimitada,  o  complemento  de  causa  vem  precedido 
da  preposição  de  :  —  estimado  de  todos.,  ornado  dejlores^ 
esgorovinhado  de  somno. 

Por  fim  prevaleceu  a  nova  construcção,  porque  a  causa 
da  acção  já  era  considerada  não  mais  como  a  origem,  e  sim 
como  o  instrumento  da  acção. 

E  hoje,  com  todos  os  verbos  passivos  que  indicam  uma 
acção  instantânea  ou  de  duração  determinada,  a  prep.  por 
precede  o  complemento  de  causa,  quer  seja  nome  de  homem 
quer  de  cousa  : —  venzido  por  sius  discursos. 

Por  ajunta-se  acertas  palavras  invariáveis  para  formar 
locuções  : — por  cima;  por  baixo ;  por  deante;  por  trás,  etc. 

2.°  "Por,  derivado  do  lat.  pro,  perdeu  o  seu  sentido 
originário  (  relação  de  logar  ),  «  e  deu  um  verdadeiro  t3'po 
de  prep .  das  linguas  analyticas,  despojada  de  todo  valor 
concreto,  e  só  conservada  para  exprimir  relação  abstracta». 

Significa  —  troca,  substituição  ( e  dahi  pre^o,  etc  ),  a 
proporção,  o  favor,  interesse,  dedicação  ;  o  fim,  a  causa . 

Dar  um  homem  por  si. 

Esta  herdade  comprou  Jacob /w    cem  cordeiros  (  Ined.  d'Alcob.) 
Por  amor    d'elle  ;  ser  pf/o    Imperador;  Apparelhado  a  pôr    a  vida 

/<7r  tãm  bom  rei  ;  />or  gente  tãm  sublime  (  Cam.). 

Por  dar   seu  parecer  se  poz  deante  ;  For  nos  roubarem  mais  a  seu 

seguro  (  Cam.  )  Hoje  emprega-se^írrí?. 

Também  indica  convicção,  opinião  : —  assim  se  hou- 
veram   por  vencidos  {  Arraes )  ;  eu  tenho    por  de  grande 


477 


estima  qualquer  lettra  antiga  (  Souza  )  ;  havendo  por  ver- 
dade o  que  dizia  (  Cam.  ),  etc. 

Também  indica  apposição  : —  vi  eu  o  senhor  face  por 
face  (  I.  d^Alc.  )  ;  rosto  por  rosto  ;  tantos  por  tantos,  dia 
por  dia  ;  hora  por  hora ;  arca  por  arca  (  Ramos,  Souza, 
Vieira,  Couto,  etc  ). 

Para  —  A  antiga  forma  era  pera^  e  indica  :  direcção, 
inclina :ío  : — espirito  invo  para  tiido^  (Bar.) ;  sobre  a  tarde 
declinamos  para  a  mão  dtreita  (  Id.  )  ;  logar  para  onde  : 
o  ni-indou  para  Goa;  vou  para  Paris —  '^finv. —  (  marearam 
as  velas  para  embocarem  o  estreito  \  conveniência^  oppov- 
tunidade  tempo  para  navegar  para  tal  parte  (  Bar.  )  \  re- 
ferencia : —  teve  muita  aiiiorid.ids  para  os  graves  ;  teve  para 
si  que  era  obrigado  cumprir  aquelle  simulado  juramento . 
Id.),etc. 

Depois,  pos.  Os  antigos  empregavam  esta  prep.  por 
detrás^  para  trás  : —  Imã  arvor  que  está  depois  a  cidade  de 
Sichen{  Ined.d'Alcob.),  cp.  lat.  post urbcm  Sichen.  D'ahi 
o  emprego  figurado  indicando  inferioridade^  degradação  : 
—  E''  a  2^    pessoa   depois    de  Fr.   João. 

Antigamente  depois  empregava-se  sem  a  repetição 
pleonastica  da  prep .  de  :  —  Deposjnort  de  Rey  Salamon 
(Ined.  d'Ale.  ). 

Também  empregavam  depois  nos  casos  em  que  hoje 
usamos  át  após.,  em  seguimento.,  etc: — efoysseconsua 
host  átpois  os  filhos  de  Israel  (In.d'Alc.),  Saul  vinha  do 
agro  depôs  seus  bois  (Id.) ;  segui  empós  elles  ( Azur.  )  Cp. 
venite  post .  me . 

Sobre — Indica  sup?rioridjd?.,  e  por  extensão —  excesso^ 
emin2n:ii ;  por  transferencia,  supuemazia.,  sobreexcel- 
lencia  :  Em  os  quaes  lugares  cada  hú  quer  ser  sobre  os 
outros  (V.  Monast ) ;  Remontae  o  pensamento  sobre  as 
nuvens,  sobre  o  céo  (Vieira).  Fig.  indica  tambem/?ro- 
ximidade: —  estava  sobre  Goa.,  sobre  os  inimigos,  sobre 
a  noite,   sobre  a  manhã,  sobre  o  inverno,  etc. ;  e  ainda  a 


478 


referencia,  o  assumpto^  a  contextura  ;  Elle  escreveu  sobre 
philologia-^  P.  f aliou  sobre  anatomia;  logo  inquiriram 
sobre  o  nascimento ;  tomando  conselho  sobre  o  caminho 
que  dalli  se  fazia  (  F .  Mendes ). 

Conjuncção 

12.— As  conjuncçÕes  dividem-se  em  conjuncçÕes  de 
coordenação  e  de  subordinação  ;  as  i^'  ligam  entre  si  duas  ou 
mais  proposições  independentes  ( e,  mas  logo^  etc.) ;  as  2®^ 
ligam  uma  proposição  accessoria  á  principal  ( pois  que^  etc, ) 

i3. — ConjuncçÕes  de  coordenação. — As  proposições  ou 
palavras  que  se  pretende  unir  podem  ter  ou  não  o  mesmo 
valor  lógico . 

No  i"  caso  omitte-se  ou  não  a  conjuncção  (que  cor- 
responde ás  latinas  e/,  ac^  atque,  que  ). 

Iam,  cantavam,  descuidosos,  como  avesinha  ao  sol  na  mata  virgem. 

Quando  ha  exclusão  de  idéas,  uma  das  proposições  é 
forçosamente  negativa  e  a  outra  positiva.  Esta  é  prece- 
dida de  mas  ou  de  senão^  porem^  etc :  —  Os  imigos  amar^ 
os  maldizentes  si  non  remaldi:{er  sed  mays  beenier  (In. 
d^Alc);  A  toda  parte  posso  já  ir  segura  stnSiO  só  do  meu 
cuidado  [B.  Rib.);  Para  tudo  ha  remédio  senão  para  a 
morte  (Prov.  pop.). 

Arch. —  nega,  nanja^  emque^  pêro ^  per ol^  empei^ol. 

Si  a  palavra  indica  uma  alternativa,  os  dous  termos  vem 
então  ligados  pela  conjuncção  o« :  —  o  caso  é^  que  ou  haja 
outra  vida^  ou  não^  a  mim  me  cumpre  viver  cotno  se  a  houvera. 

Também  empregamos  quer  (  principalmente  com  os 
verbos  do  subjunctivo,  e  correspondente  ao  latim  vel)^ 
e  agora,  ora^  já^  quando . 

Nao  lhes  escapando  ningtiem  çuer  por  terra  çucr  pelo  rio.— 
Qíícr   elle  venha  çiter  não. 

Agora  lhe  perguntei  pela  |[ente 
Agora  pelos  povos  seus  vismhos 

(Cam.) 


479 


Amiudaram  os  combates,  hora  da  parte  da  Almina,  hora  da 
banda  contraria. 

{Souza . ) 

yá  com  palavras,  Já  com  o  exemplo  de  suas  obras. 
Maneamos  com  vigor  os  braços  soltos 
Quando  estendido  já^  quando  encurvados   * 

A  conjuncção  porque  precede  a  proposição  enunciadora 
da  razão  ou  cansa  át  um  facto. —  no  argumentar  tinha 
particular  graça  porque  tocava  exceli entemente  o  ponto 
da  difficuldade  {Souia). 

Mas  si  a  proposição  exprime  a  consequência  de  uma 
outra  já  expressa,  precede-a  uma  das  conjuncções  pois^ 
por  isso^  por  conseguinte^  etc. : —  Pois  assim  como  naquelle 
tempo  se  faliam  os  conselhos  sem  papel  ^  também^  se  poderão 
fa\er  agora  (Vieira) . 

Conjuncções  de  subordinação. —  No  correr  deste  tra- 
balho, e  principalmente  na  lição  35,  já  dissemos  o  que 
ha  de  mais  importante  sobre  o  emprego  das  conjuncções 
nas  proposições  subordinadas. 

Remataremos  pois  esta  lição  com  algumas  breves 
exemplificações. 

Phrases  comparativas  : —  O  sol  não  só  excede  na  lu\  a 
cada  uma  das  estrellas^  senão  a  iodas  incomparavelmente, 
(  Vieira  )  ;  Assim  como  no  echo,  guando  se  bate  entre 
montes^  o  tom  ê  em  uma  parte  e  em  outra  a  pancada  ;  assim 
nas  adulações  do  lisongeiro  o  tom  é  em  nossos  louvores^  mas 
a  pancada  em  seus  interesses .  (  H .  Pinto  ) . 

Emque  : —  Emque  peccasse  algum^ora  venha  a  piedosa 
alçada  (  G.  Vic). 

Comoquerque: —  Alli  lhe  pugerÕ  nome  o  Bom  Velho 
Lidador,  comoquerque  ja  ante  se  chamasse  avia  gram  têpo 
Lidador  ( Nob .  Conde  D .  Pedro . ) 


*  Lat.—  Quando  que  igitur  fiunt  trabes,  qicando  que    clypei  —  Leoni 
II  206. 


48o 


Atndaque: — A  dispensação  que  se  concede  a  um, 
porque  a  pede,  não  se  pode  negar  a  outro  aindaque  a  não 
peça  ( Vieira  ) . 

Ca : —  Melhor  é  calar  ca  de  fallar. 

Como: —  Co??io  se  sobe  com  trabalho  o  áspero  d^aquella 
subida,  fica  uma  terra  chan  (Bar.  ^ec.) -^  Como  isto 
disse,  a  cabeça  inclinando,  consentiu  no  que  disse  Ma- 
vorte(  Cam.). 

Tanto  que: —  Tantoque  fot  cortada,  esta  arvore,  as  aves 
voavam,  e  os  outros  animaes  fugiram  (  Vieira  ) . 

Que: —  E'  em  portuguez  a  conjuncção  por  exeellencia, 
pois  representa  varias  partículas  latinas  (  ut,  ne,  quin,  quo- 
minus^  quód^  quid. . .),  e  é  de  emprego  muito  vulgar. 

Emprega-se  na  comp .  de  outras  conjuncções  —  posto- 
que,   aindaque^  etc. 

Por  isso  —  que  pôde  substituir  outras  conjuncções  : — 
como  todo  o  bem  deriva  de  ^eus^  e  que  o  homem  é  nida  por 
si  mesmo. . . . ;  "Para  curar  as  lagrimas  da  sem-ra^^o^  que 
remédio  lhe  havemos  de  dar,  que  ellas  nio  teem  causa  ? 
(  Vieira  );  Mormente  que  em  nadz  tem  a  fortuna  maior 
império^  que  nas  cousas  da  guerra.  (  J.  Fr. ). 

Si: —  Concorre  não  somente  nas  proposições  subordi- 
nadas indicando  uma  hypothese  ;  mas  também  nas  phrases 
principaes  a  exprimir  pesar,  desejo. —  Si  eu  pudesse ! 


TRIGÉSIMA  OITAVA  LIÇÃO 

Syntaxe  do  verbo  haver  e  do  pronome  se 


I  —  A  s3-ntaxe  do  verbo  haver  armou  controvérsia  que 
ainda  perdura.  Uns  explicam  a  discordância  declarando-a 
idiotismo  ;  outros  descobrem  uma  ellipse  de  sujeito  apro- 
priado ao  caso  (  ha  homens  =  o  mundo  ha  homens  ). 

E'  preciso  notar  que  assim  como  confundiam  o  emprego 
dos  verbos  ser  e  estar  (  et^a  a  folgar^,  por  estava  a  folgar, 
B.  Rib.;  fui  na  guerra  por  estive  na  guerra.  Cam.), 
também  empregavam  o  verbo  haver  por  /er,  costume  que 
ainda  persiste  no  povo  ( tem  dtis  que  n.io  posso  ler;  no 
museo  tem  muitas  cousas  que  nio  vi  ) .  Em  latim  já  o  verbo 
hahere  significava  ter  ;  e  passou  também  a  empregar-se 
por  ser .  ^ 

Hoje  a  phrase  —  ha  homem,  haverá  cavallos^  etc . ,  é  um 
facto  grammatical.  A  regra  de  concordância  em  numero 
entre  o  verbo  e  o  seu  nommativo  é  universal :  mas  a  pecu- 
liaridade idiomática  do  verbo  haver ^  não  é  singular.  Assim 
do  Grego,  entre  outras  excepções,  temos  uma  muito  fa- 
miliar, quando  o  nominativo  é  de  género  neutro  : — 
ot  àvôptÓTTot  àtYaôol  èifftv,  os  homens  são  bons  ;  mas  xát  ^t^yioc 
àXaOát  ecr-rtv,  os  livros  é  bom.  E^^csta  regra  era  geral  para 
todos  os  verbos  e  nominativos  neutros . 


'  No  dialecto  portuguez  de   Ceylão  ter  p.  ser  : — todasjninhas  covsas 
tem  vossas  (  Schuchardt  ) . 

61 


482 


No  grego  ainda,  si  o  verbo  chamado  substantivo  precede 
o  seu  nominativo,  «  de  modo  que  o  numero  do  sujeito  fica 
indeterminado  quando  se  pronuncia  o  verbo  »,  este  deve 
ficar  no  singular,  embora  o  nominativo  seja  masc.  ou 
fem.  plural.  E  o  mesmo  acontece  no  francez  : —  //  est 
{il  y  a)  des  hommes. 

Do  mesmo  modo,  a  nossa  construcção  caracteristica  e 
individual,  constitue  uma  peculiaridade  ou  idiotismo . 

2  —  Já  tratamos  do  pronome  se  como  apassivante, 
indefinito,  reflexivo  e  reciproco . 

Já  vimos  também  que  se  corresponde  a  hom  homem 
(alguém^  pessoa,  gente  )  : —  ca  sem  ra\om  parece  a  aqiielle 
que  é atormentado  dar4heh.om.  outro  tormento  {  T) .  Duarte. 
Ord.)^  ca  sem  ra:{om  seria  ao  affltcto  accrescemar  hom 
affliçom .  ( id . ) 

Também  nos  dialectos  escandinavicos  o  pronome  re- 
flexivo 5/-^  5/^  =  lat .  5e,  junta-se  aos  verbos,  e  forma  um 
suffixo  reflexo  :  —  at  falia  =  cahir,  at/allask  é  a  forma 
reflexa  ou  media .  Sk^  contracção  do  accus .  sik^  transfor- 
mou-se  ainda  em  st  e  apassivava  os  verbos. 

O  pron.  se  pôde,  pois,  ser  substituido  pela  palavra 
gente  ou  alguém :  —  onde  a  gente  p5e  sua  esperança ;  pela 
I*  pessoa  do  plural :  —  deve-se  amar  ao  próximo  como  a 
nós  mesmos  (devemos  atitar) ;  pela  3*  pessoa  do  plural : 
di:{~se  que  o  errar  é  dos  homens,  (dizem  que  o  errar). 

Cp.  ing.  people  say^  tpe  say^  they  sqy,  one  say. 
Nas  phrases  —  vive-se^  come-se^  dorme-se^  etc,  opinam 
alguns  que  o  se  é  sujeito,  outros  que  a  phrase  é  tão 
passiva  como  as  formadas  com  verbos  transitivos :  — 
alugam~se  casas^  quetmaram-se  as  cearas,  (V.  verbos, 
Liç.  16.*).  Estaé  a  nossa  opinião  ;  a  phrase  vive-se  é  ves- 
tigio  da  voz  média  passiva,  e  os  antigos  diziam  esiar  bem 
vivido^  bem  comido^  bem  dormido. 


TRIGÉSIMA  NONA  LIÇÃO 

Da  construcção. —  Ordem  das  palavras  na 
proposição  simples,  e  das  proposições  simples 
no  periodo  composto. 


I. —  Na  conversação,  parte -se  geralmente  de  uma 
noção  já  conhecida  pelo  interlocutor,  para  a  desconhecida 
que  se  lhe  quer  apresentar.  A  mesma  idéa,  pois,  pôde  vir 
a  vezes  no  principio  ou  no  fim  da  phrase . 

2 .  —  A  construcção  é  lógica  quando  a  phrase  caminha 
parallela  ao  pensamento,  quando  as  palavras  succedem-se 
na  mesma  ordem  das  idéas. 

No  grego  e  latim  a  S3'ntaxe  registra  apenas  para  dous  ou 
três  casos  a  ordem  da  collocação  das  palavras,  porque  a  sua 
deslocação  nada  ou  quasi  nada  influia  no  sentido  e  relações 
delias .  Só  attendiam  á  forma  grammatical  dos  vocábulos  ; 
não  seguiam  de  todo  o  ponto  as  regras  de  collocação  porque 
as  flexões  indicavam  de  prompto  qual  o  papel  syntaxico 
da  palavra  na  phrase.  Em 

Scipio  delevit  Carihaginem 
Carthaginem  delevit  Scipio^ 
Delevit  Scipio  Carthaginem  *■ 

a  construcção  é  diversa,  e  a  syntaxe  a  mesma. 


*  Egger  —  Gram.  comp. 


484 


3. —  Não  obstante  ser  lingua  analytica,  o  poriuguez 
conserva  todavia  (como  já  vimos)  certa  liberdade  no 
arranjo  syntactico  das  palavras,  por  tradição,  costume 
e  harmonia,  principalmente  até  o  Sec.  XVI.  Eesse  afastar 
da  ordem  analytica,  essa  liberdade  de  construcção,  é  uma 
das  suas  muitas  excellencias. 

Depressa  um  pouco  vtm  {Sqc.  XVI.),  a  que  pelo  ordi- 
nário concebimento  estava  obrigada  (Arraes) . 

Nos  clássicos  e  nos  escriptores  de  boa  nota  encontram-se 
construcções  similares  ás  latinas,  tão  livres  e  variadas,  tão 
ricas  e  harmoniosas  (já  citámos  exemplos  na  lição  29)  ; 
mos  o  portuguez  moderno  por  seu  caracter  ainda  mais 
analytico,  obedece  na  ordem  das  palavras  a  regras  relativa- 
mente fixas  :  —  1»  sujeito,  2°  verbo,  3"^  attributo,  comple- 
mento do  attributo,  etc. 

Esta  construcção  ou  ordem  directa,  analytica,  é  cha- 
mada synlactica  e  também  lógica. 

4. —  Não  podendo  mudar  a  ordem  das  palavras^  o  es- 
criptor  muda  a  das  ideis^  antes  de  traduzil-as  em  palavras . 
Tomemos  para  exemplo  a  phrase  citada  —  Scipio  delevit 
Carthaginem. 

Não  podendo,  como  em  latim,  alterar  a  ordem  dos  ele- 
mentos prepositivos  conservando  a  mesma  S3'ntaxe,  apre- 
sentamos (dando  um  outro  g/ro  á  phrase)  Scipião  e 
Carthago  como  sujeito  ou  como  regimen  do  verbo,  conforme 
queremos  tornar  saliente  uma  ou  outra  dessas  idéas.  E, 
conforme  também  tivermos  concebido  e  apresentado  de  um 
modo  ou  de  outro  a  idéa  da  victoria  de  Carthago,  o  verbo 
estará  na  voz  activa  ou  na  passiva  : —  Scipio  conjuistou 
Carthago ;  Carthago  foi  conquistada  por  Scipião  ;  Car- 
thago.^ conquistou-a  Scipião .   * 

5. —  Em  maioria,  os  factos  da  syntaxe  de  uma  lingua 


•  Eggar  loc.  cit. 


485 


dependem  directa  ou  indirectamente,  como  consequência 
natural,  da  própria  natureza  do  léxico  e  somente  do  léxico. 

E'  esta  também  a  opinião  de  Tobler  [Rom.   XI  p.  455) : 

«  Esse  asserto  torna-se  ainda  mais  exacto  e  geral  quando 
circumscripto  exclusivamente  ás  diversas  modalidades  da 
estructura  vocabular. 

«  E  é  isso,  com  etfeito,  o  que  a  philologia  histórica  e 
comparada  nos  mostra,  desde  o  monosyliabiámo,  que  é  a 
negação  da  s\  ntaxe,  até  o  perfeito  flexionismo,  que  faculta 
a  mais  alta  e  variada  complexidade  constructiva. » 

6.  -  E'  claro,  em  face  do  que  acabamos  de  referir,  que 
o  portuguez  muito  perdeu  da  liberdade  quasi  illimitada  do 
latim  clássico  ;  mas  que  — todavia —  ainda  lhe  resia  grande 
e  boa  liberdade  na  pratica  da  inversão . 

Das  linguas  neo -latinas  é  a  franceza  a  que  mais  se 
conserva  adstricta  ás  regras  do  analytismo . 

No  tocante  a  separação  dos  elementos  da  phrase  estrei- 
tamente ligados  pelo  sentido,  aponta-lhe  o  prof.  Diez, 
além  da  causa  hereditária  (o  génio  da  lingua  latina),  mais 
duas.  Uma,  o  terem  sido  os  primeiros  documentos  dos 
novos  idiomas,  composições  poéticas  ;  outra,  a  imitação 
do  estylo  latino,  que  lhes  servia  de  modelo. 

Resultado  necessário  da  applicação  de  uma  ordem  mais 
livre,  diz  o  celebre  romanista,  foi  o  triumpho  do  principio 
lógico  sobre  o  grammatical:  a  construcção  fica  dependente 
da  intelligencia  e  do  bom  senso  do  leitor,  e  não  mais  se 
opera  segundo  as  estrictas  conveniências  grammaúcaes. 

7  — A  regra  ordena  a  collocação  do  subsí.  em  relação  attri- 
butiva,  depois  do  subst .  principal,  mas  a  faculdade  inver- 
sativaé  grande,  mormente  noest*lo  erguido,  alcandorado: 

Cessem  do  sábio  Crcgo,  e  do  Troiano 
as  navegações  grardes  que  fizeram 
Calle-se  te  Alexandre,  e  de  Trajano 
a  fama  das  victorias  que  tiveram. 

(  Cavi . ) 

do  peccado  da  luxaria  brevemente  fallando. 


486 


8. —  Adjectivo.  —  i .°  A  significação  de  muitos  adjectivos 
é  determinada  pelo  logar  que  elles  occupam  na  proposição, 
e  este  facto  era  extranho  ao  latim.  No  sentido  próprio  occupa 
o  logar  que  especialmente  lhe  convém  ;  no  figurado  é  pro- 
clytico  : — pallida;  morte;  cego  desejo;  agro-doce; 
(Liç.  XI). 

O  exemplo  de  certo  é  curioso ;  noticia  certa,  (certa  noticia). 
Próprio  antes  do  substantivo  conserva  a  significação  ori- 
ginaria ;  depois,  toma  sentido  desconhecido  no  latim,  de  — 
purus,  mundus  ;  casa  própria  (própria  casa).  5d,  antes  do 
art.  indef .  =  unus ;  depois  =  singulus  ( um  homem  só ;  um 
só  momento  ). 

2.°  Quando  attributo,  o  adjectivo  colloca-se  de  prefe- 
rencia em  latim  antes  do  verbo  sum,  e  muitos  exemplos  se 
encontram  dessa  construcção  no  portuguez  antigo. 

3 .°  Temos,  porém,  regras  mais  ou  menos restrictas.  Vem 
antes  mais  ou  menos  rigorosamente  : 

a)  —  Quando,  de  pequena  extensão,  o  sentido  nada  con- 
tem de  característico ; 

b)  —  Quando  o  substantivo  é  nome  próprio  :  —  o  sublime 
Tasso ;  o  divino  Platão;  Mas  segue-o  quando  queremos 
chamar  a  attenção  para  o  nome  :  =  oAffonso  o  sábio ;  Fre- 
derico o  grande  ;  Albuquerque  terripel ;  Castro  forte. 

c) —  Quando  designa  qualidade  que  pertence  essencial  - 
mente  ao  substamivo. 

d) —  Quando  o  adjectivo  exprime  certas  relações  ex- 
ternas (só  em  estylo  poético)  :  —  o  brasileo  solo ;  a  forte 
gente . 

4.0 —  Vem  depois  :  a)  —  Quando  o  adjectivo  acha-se  na 
dependência  de  outras  palavras,  e  seguido  de  um  comple- 
mento ou  acompanhado  de  adv.,  cede  quasi  sempre  o  1° 
logar  ao  substantivo  :  — homem  ambicioso  de  glorias. 

b)  —  Em  regra,  quando  os  adjectivos  referem-se  ao 
mesmo  nome,  este  deve  ser  expresso  em  1°  logar  : — uma 
estrada  areenta,  fragosa,  declive. 


487 


Na  phrase  —  eu  amo  a  boa  musica  italiana,  bóa  é  o 
epitheto,  tnustca  italiana  é  uma  expressão  composta,  de- 
signativa de  um  género  particular  de  musica.  Id.  formoso 
ginete  ala-yão.  Nestes  casos  o  subst.  toma  logar  interme- 
diário . 

c)  —  Quando  o  adjectivo  indica  uma  qualidade  ca- 
racterística do  substantivo,  e  como  que  a  quer  pôr  em  evi- 
dencia : —  o  império  romano;  a  guerra  civil . 

5.° —  Ha  muitos  adjectivos  que  não  podem  preceder  os 
substantivos.  Neste  caso  estão  alguns  participios  passados, 
que  não  podem  ser  proclyticos  por  haverem  conservado 
vestígio  do  valor  verbal.  Antigamente,  porém,  vinham 
esses  part.  pass.  de  preferencia  antes  do  substantivo, 
como  hoje  acontece  com  os  part.  presentes. 

6.° — A  collocação  do  adjectivo  epitheto  era  livre  entre 
os  antigos,  quer  concorressem  muitos  adjectivos  referentes 
ao  mesmo  substantivo,  quer  viesse  o  adj .  acompanhado 
de  complemento  :  —  somos  filhos  da  nova  Jerusalém  e 
celeste . 

A  verdade  é  que  o  logar  do  attributo  é  arbitrário  ainda 
hoje,  e  parece  que  nessa  collocação  influe  o  accento  tónico 
oratório,  que  recahe  no  adjectivo  posposto  ao  subs .  —  ca- 
V  ali  o  preto ;  quando  se  dá  a  inversão,  como,  p.  ex.,  no 
caso  em  que  o  adjectivo  exprime  uma  qualidade  particular 
ou  distinctiva  do  substantivo,  o  accento,  recahindo  no  ad- 
jectivo, dá- lhe  á  significação  mais  vigor,  mais  energia  :  — 
horrível  crime  ;  infausta  noticia . 

7.° — Os  nomes  de  numero  seguem  a  syntaxe  antiga,  com 
ligeiras  modificações,  comop.  ex.  na  maior  liberdade  que 
havia  na  inversão  :  —  o  nove  capitulo  por  capitulo  nove . 

Empregamos  na  successão,  ordem,  tanto  o  ordinal 
como  o  cardinal  (século  14  ou  7^°,  Lui:{  11  ou  7/°),  e  este 
de  preferencia,  excepto  quando  o  numero  vem  antes,  que 
então  deve  ser  ordinário.  Podemos  empregar  os  cardinaes 
por  que  esses  adjectivos  são  determinativos,  e  como  também 


488 


que  qualificam  os  nomes  :  —  diz-se  LuiiXIV  como  se  diz 
Pedro  o  Cru . 

Excep.  'Pedro  2° ;  cAJonso  /°  ;  Napole.:o  3° ;  (os  nú- 
meros simples,  emfim),  etc. 

8. —  O  artigo  vem  sempre  antes  do  substantivo  ou  ad- 
jectivo que  determina. 

Nas  phrases  ^.  Henrique  o  navegador;  todo  o  dia ; 
ambos  os  livros^  etc . ,  a  ordem  do  determinativo  não  é 
devida  a  previlegio  seu,  mas  á  liberdade  que  teem  o  substan- 
tivo e  adjectivo procl  tico.  Como  observa  o  professor  Diez, 
elle  só  se  prende  á  idéa  que  deve  determinar. 

Todavia  o  artigo  pôde  ser  separado  do  nome  por  um 
adverbio  ou  expressão  adverbial: — a  sempre  senhora 
minha . 

Q. —  Participio  e  verbo  auxiliar  —  Nos  tempos  peri- 
phrasticos  a  ordem  regular  é  —  1°  o  auxiliar  e  depois  o 
participio,  mas  a  inversão  faz-se  commummente:  —  todos 
chegados  haviím;  pois  que  chegado  era;  a  dama  que 
visto  elle  já  tinha^  etc. 

E  a  mesma  liberdade  existiu  em  todos  os  tempos 
com  relação  ao  in   nito;  ouvir  n.íoqui:^;  vir  n~o  poude. 

10.  —  Attributo  do  regimen.  O  regimem  pôde  vir  perto 
do  attributo  ou  delle  separado  por  uma  ou  mais  palavras. 

i.°  O  attributo  pôde  preceder  ou  seguir  immediata- 
mente  o  regimen; 

a)  — verbo -f- attributo -h  regimen, 

b)  —  verbo  +  regimen  4-  attributo . 

A  2®  ordem  é  hoje  mais  usual;  a  1*  era  mais  fre- 
quente no  portuguez  antigo. 

2.°  O  attributo  pôde  vir  separado  do  regimen  por 
varias  palavras,  e  geralmente  neste  caso  o  verbo  occupa 
logar  intermediário. 

a)  — Attributo  -f-  verbo  +  regimen. 

b)  -^  Regimen  4-  verbo  -4-  attributo. 


489 


A  i*^  ordem  era  frequente  no  latim;  a  2^  — a  inversa 
—  é  ho)e  a  mais  usada. 

Esta  ordem,  que  traz  o  attributo  separado  do  re- 
gimen, é  a  regularmente  empregada  quando  o  regimen 
é  pronome  ;  mas  se  o  regimem  for  um  nome,  deve 
ficar  perto  do  seu  attributo. 

11.  —  O  pronome  pessoal  pôde  vir  antes  ou  depois  do 
verbo,  ás  vezes  de  rigor,  como  nas  pessoas  do  impe- 
rativo, outras  para  maior  elegância  ou  energia  da  phrase  : 
daqui  me  i^em  a  mim  o  parecer. 

O  pessoal  conjuncUvo  deve  vir  immediatamente  ligado 
ao  verbo,  afim  de  que  receba  a  sua  acção  antes  dos 
outros  membros  da  proposição.  Desde  os  primeiros 
tempos  da  lingua,  porém,  que  elle  se  pode  separar,  como 
também  acontecia  no  hespanhol  antigo:  —  se  me  iu  não 
vales.,  m'o  não  consentiu  elle.,  onde  a  ninguém  visse.  (  Vide 
lição  40). 

12.  —  Com  os  verbos  di:{er,  replicar,  responder.,  retor- 
quir., etc,  nas  citações  e  phrases  incidentes,  o  sujeito 
deve  vir  depois  do  verbo. 

i3. —  São  em  geral  construidas  na  ordem  inversa, 
as  proposições  que  começam  por  um  adverbio,  e  no 
portuguez  antigo  também  as  que  começavam  por  um 
attributo,  regimem  directo,  indirecto  ou  circumstancial 
e  ainda  por  uma  conjuncção. 

14. —  O  complemento  circumstancial  (de  tempo,  logar, 
etc),  que  hoje  mais  se  colloca  depois  do  verbo,  occu- 
pava  vários  logares  da  phrase  no  portuguez,  conforme 
a  conveniência  do  sentido,  mas  vinha  particularmente  no 
principio. 

i5.  —  Também,  como  no  latim,  tinha  o  portuguez 
antigo  mais  liberdade  na  coUocação  do  adverbio.,  quer 
fosse  de  logar,  de  tempo  ou  de  modo. 

Em  regra,  sempre  se  colloca va  perto  da  palavra  que 
elle  modificava  \  mas  nos  primeiros  tempos  nota-se  certa 

69 


490 


tendência  para  collocal-o  no  começo  da  phrase,  princi- 
palmente os  de  modo. 

16.  —  Da  ordem  das  proposições  simples  no  período, 
—  As  subordinadas  coUocam-se  na  ordem  de  depen- 
dência em  que  estão  da  principal ;  as  coordenadas  — 
conforme  o  sentido  e  a  successão  de  idéas  que  se  quer 
manifestar. 


QUADRAGÉSIMA  LIÇÃO 

CoUocação  dos  pronomes   pessoaes 

I. —  Os  pronomes  podem  ser  endiikos,  mesocUiicos  e 
procliticos. 

A  sua  collocação  depende  de  ser  elle  sujeito  ou  objecto ; 
e  muitas  vezes  mais  lhe  determina  o  logar,  a  harmonia,  o 
ouvido,  a  emphase. 

2. —  T^ronome  sujeito.  — ^^Golioca-se  em  geral  antes  do 
verbo,  excepto  os  casos  acima  apontados  : 

a  qual  cousa  se  a  tu  ouvires ; 

(R.  S.  Bento) 
se  me  a  razão  tti  dizes 

(Id.) 
Tudo  isso  sois  vós,  ou  é  vos  tudo  isso. 

(Castilho) 

E'  enclitico; 

a)  —  Com  o  imperativo  dos  verbos,  quer  a  phrase  seja 
affirmativa,  quer  negativa  : — chama  tu  ;  não  ciúmes  tu.  Só 
se  emprega  o  pronome  para  dar  mais  vigor  á  phrase, 
emphase . 

b)  —  Quando  a  phrase  começa  por  um  participio  :  — ■ 
cansado  eu  de  escrever ;  acabando  elle  de  f aliar . 

c)  —  Nas  phrases  interrogativas  :  —  Qiie  estudam  elles 
agora  ?  —  Mas  si  a  phrase  começar  pelo  verbo,  temos 
modernamenle  .liberdade  de  inversão :  —  esiudam  elles 
agora  ? ;  elles  estudam  agora  ? 

d)  —  Com  os  verbos  no  subjunctivo  quando  se  supprime 
a  conjuncção  :  —  5/ elle  quisesse  vir;  quiiesse  tWt  vir. 

e)  —  Com  verbos  no  infinito  :  —  Procederes  (tu)  assim  é 
cahires  no  peccado  da  preguiça . 

Nota.^  Nos  tempos  compostos  o  pronome  sujeito  vem 
antes  do  auxiliar  ou  entre  p  auxiliar  e   o  participio . 


492 


3.° —  Pronome  objecto — Também  a  sua  collocação 
está  sujeita  a  regras. 

a)  —  Com  o  infinito  pessoal  o  pronome  objecto  antepõe - 
se  sempre  :  —  amares-me-lu  (Cp. —  para  tu  me  amares.) 

b)  —  Nas  phrases  imperativas  o  pronome  objecto  é  en- 
clitico  nas  phrases  negativas,  e  isso  desde  os  primeiros 
tempos  da  lingua  :  —  chama-o  ;  não  o  chames. 

c)  —  Quando  concorrem  dous  pronomes  regimens,  o  que 
está  em  relação  de  dativo  deve  preceder  ao  outro  em 
relação  accusativa  :  —  Elle  vrCo  deu. 

Por  muyto  mal  que  me  Ih^eu   menti  (D.  Din.) 

d)  —  Nos  tempos  compostos  coUoca-se  o  pronome  antes 
do  auxiliar,  qu  entre  o  auxiliar  e  o  participio  :  —  ISós  o 
temos  visto,  tinha-o  visto,  temol-o  visto. 

E'  proclitico  : 

a)  —  Depois  de  qualquer  adverbio  de  negação,  de  tempo, 
logar,  quantidade  e  modo,  quando  a  phrase  começa  por 
elle : 

Elle  não  me  diz 
nunca  me  esqueço. 
sempre  te  esiiviei 
lá  nos  encontraremos 
muito  me  agrada 
bevi  me  parece. 

b)  — Com  as  formas  do  futuro  e  do  condicional, 
quando  vem  claro  o  pronome  sujeito  : — eu  te  lembrarei 
( ==:  lembrar-íe  hei )  tu  lhe  dirás  )=dir-//ze-as  )  elle  me  lem- 
braria (  =  lembrar -we-hia  ) . 

No  futuro  anterior  ou  condicional  composto,  precede-o 
sempre  o  auxiliar  : —  elle  me  terá  dito.,  me  teria  dito 
(  =  ter-me-hia,  ter-;«e-ha  dito  .) 

Nota  —  Nas  2^^  formas  os  pronomes  são  mesocliticos, 
e  só  se  empregam  com  futuro  do  indicativo,  condicional, 
ou  na  interrogativa . 

c  )  Nas  orações  de  gerúndio,  quando  a  phrase  começa 
pela  particula  em  : —  em   me   /aliando  {=  fallando-;;/e  ). 


493 


d )  —  Com  verbos  no  subjunctiv^o  :  —  si  me  visses  ; 
quandu  elles  te  procurarem;  sei  que  me  estimas  ;  Prin- 
cipalmeme  precedido  de  que. 

e  )  —  com  o  verbo  no  infinito  :  —  sem  o  ler.  Mas 
também  —  sem  lel-o. 

Quando  concorrem  dous  verbos  do  infinito,  é  grande 
a  liberdade    de  collocação  : 

sem  lios  poder  conter 
sem    poder    conter-nos 
íem    poder-«íij  conter 

4  —  Não  se  deve  começar  uma  oração  pelo  pronome 
em  relação  objectiva  (me  parece.,  te  disse.,  lhe  f aliei ) .  O 
povo  (no  Brazil)  conserva -se,  porem  aíferrado  ás  formas 
procliticas,  que  ainda  são  correntes  no  hesp.  e  no  ital. 
(me  voy.,  me  ne  pado).,  e  eram  dos  primeiros  documentos 
da  lingua  portuguza,  que  moldou-as  peia  syntaxe  latina  ^ . 

O  emprego  proclitico  do  pronome,  a  par  da  forma 
enclitica,  data  do  sec.  XII.;  No  XIV  é  manifesta  a  pre- 
ferencia pelas  formas  procliticas  ( quando  em  relação 
adverbial  ou  conjunctiva ),  e  que  mais  se  accentua  e 
torna-se  geral,  uniforme,  no  XV. 

5  —  No  latim  bárbaro  a  preferencia  é  pela  posposição  do 
pronome  obliquo  :  —  non  calumniemus  vos;  quos  me  dedisti; 
dedit  uno  servo  ettornavit  illo;  concedimus  tibi,  placuit  nobis; 
etc.     ' 

Mas  que  o  povo  portuguez  mais  se  affeiçoou  á  antepo- 
sição,  provam-no  os  seus  dizeres,  provérbios,  juras,  pre- 
cações  e  imprecações  :  —  O  demo  te  leve ;  o  diabo  te  carre- 
gue ;  'Deus  te  ouça  ;  Deus  te  ajude ;  7náos  raios  te  partam  ; 
Deus  mt  livre,  tic.   ^ 


*  Comos  verbos  poenitet  (f. feias?,  pienitere),  miseret,  puãet  (ás  vezes) 
com  apaje,  ecoe,  cam  certos  dativos  pleonasticos  ou  expletivos  ( dafí, 
vus  etkicus  ).   etc. 

»  Rib.  Diss. 

*  Recommeadamos  os  que  estudam,  leiam  as  excellentes  theses  do 
concurso  do  erudito  professor  A.  Pimentel,  e  dos  seus  bem  doutrinados 
concurrentes  Dr.  Alf.  Gomes  e  Fern.  Pinheiro,  etc. 


QUADRAGÉSIMA   PRIMEIRA  LIÇÃO 

Das   notações  syntacticas.  —  Pontuação.  — 
Emprego  de  lettras  maiúsculas. 

1  —  Notações  syntacticas'—  Dá -se  esta  denominação 
aós  signaes  de  que  nos  servimos  na  escriptapara  mais 
aclarar  o  sentido  daphrase,  e  indicar  ao  leitor  não  somen- 
te as  varias  pausas  necessárias,  senão  também  os" vários 
passos  emocionaes  ou  de  movimento  psychico . 

Umas  referem- se  ao  sentido  da  phrase  ;  outras  indicam 
a  intensão,  o  sentimento  de  que  se  acha  possuído  o  escriptor 
Aquellas  são  objectivas ;  estas,  subjectivas. 

2  —  As  i^^  constituem  propriamente  os  signaes  de  pon- 
tuação :  —  virgula,  o  ponto  q  virgula,  os  dous  pontos  e  o 
■ponto  (final). 

F/r^w/í:3!.-^Emprega-se  a  virgula : 
Para  separar  os  termos  e  orações  de  igual  espécie,- não 
ligados  por  conjuncção  : 

O  raciocinio,  a  palavra  articulada,  a  crença  em  um  Deus,  são  as 
qualidades  que  distinguem   o  homem  do  bruto. 

Tudo  isto  que  vemos  com  os  nossos  olhos  é  aquelle  espirito  sublime, 
grande,  ardente,  immenso.  (Vieira). 

A  virtude  risonha  acompanha-nos  a  toda  a  parte,  amolda-se  aos 
tempos,  e  cinge-se  ás  occurrencias.  (Rab.  da  Silva), 

Depois,  vem  outra  época  da  vida  em  que  a  felicidade  é  mentira, 
mais  ainda  é  felicidade,  posto  que  já  é  eivada  de  vaga  inquietação, 
de  ambições  desregradas,  de  especulações  mesquinhas  e  outras  contra- 
dictorias  (A .  Herc. ) 

Para  separar  as  palavras  em  apostrophe,  ou  as  appo- 
siçÕes  : 

Boas  lettras,  senhor,  não  são  baixc2a. 


495 

Para  separar  orações  intercaladas  :  * 

A  vida,  dizia  Sócrates,  só  deve  ser  a  meditação  da  morte. 

Para  separar  proposições  de  gerúndio  e  participio,  e 
outras  circumstancias  pouco  extensas,  principalmente  si 
precedem  verbo : 

Espedaçando  as  lanças,  tudo  atroam. 

Chegada  a  eppca,  mostrou  que  lhe  não  podiam  negar  a  fé,  o  amor, 
o  esforço,  e  arte. 

Para  separar  advérbios  e  locuções  adverbiaes  da  sen- 
tença com  força  conjunctiva,  quando  por  ellas  começam  as 
sentenças  : 

Assim,  lembra-te  sempre  de  que  a  morte  pisa  com  o  pé  igual  o 
palácio  do  rei  e  a  choça  do  pobre. 

Para  separar,  no  meio  da  phrase,  as  conjuncçÕes  con- 
clusivas e  a  adversativa  porém  : 

Quiz  o  fado,  porém,  que  Camões  definhasse  á  mingua,  só,  desam- 
parado dos  amigos,  do  rei,  da  pátria. 

Para  indicar  a  ellipse  do  verbo,  quando  §e  dá  a  figura 
zeugma,  e  ainda  na  inversão  asyntactica  : 

A  grita  se  levanta  ao  céo,  da  gente . 

O  ponto  e  virgula  separa  as  proposições  extensas 
coordenadas,  as  enumerações  mais  amplas,  principal- 
mente  quando  já  estão  divididas  por  virgulas  : 

O  dito  árabe  foi  desmentido ;  mas  a  resposta  gastou  oito  séculos  a 
escrever-se  :  Pelaio  entalhou  com  a  espada  a  primeira  palavra  delia 
no  Serros  das  Astúrias  ;  a  ultima  gravaram-na  Fernando  e  Isabel  com 
pelouros  de  suas  bombardas,  nos  panos  das  muralhas  da  formosa  Gra- 
nada ;  e  a  esta  escriptura  estampada  em  alcantis  de  montanhas,  em 
campos  de  batalha,  nos  portaes  e  torres  dos  templos,  nos  lanços  dos 
muros  das  cidades  e  castellos,  accrescentou  no  fim  a  mão  da  Provi-» 
dencia;    «  assim  para  todo  o  sempre.  » 


*  Neste  caso,  em  logar  das  virgulas  podemos  empregar  o  parenthesis, 
ou  o  travessão :  o  parenthesis  é  preferível  quando  a  phrase  intercalada  é  de 
certa  extensão. 


496 


Os  dous  pontos  empregam-se  antes  de  uma  citação, 
enumeração,  explicação  ou  conclusão  : 

Não  se  farta  a  cobiça  com  a  riqueza  : 
mais  arde  o  fogo  quando  tem  mais  lenha 

(Cam. —  Ecl.  i3.) 

Diz  o  provérbio  popular  :  Quem  falia,  semêa ;  quem  ouve  re- 
colhe. 

Dos  meninos  é  próprio  o  aprender  ;  dos  mancebos  o  emprehender, 
dos  varões  o  comprehender  ;  dos  velhos  o  reprehendcr. 

O  ponto  final  emprega-se  no  fim  da  phrase,  sempre  que 
o  sentido  estiver  completo . 

O  vento  dorme,  o  mar  e  as  ondas  jazem.  » 

3. —  As  notações  subjectivas  ou  psy cincas  são  as  re- 
ticencias^  o  ponto  de  interrogação  t  o  de  exclamação . 

A  reticencia  indica  súbita  suspensão  do  pensamento,  e 
ainda  tibieza,  duvida  ou  refolho  : 

não  vos  atalho  mover  o  passo  a  longes  territórios. . .  mas  não  ;  fica, 

O  ponto  de  interrogação  é  empregado  no  fim  das  phrases 
interrogativas : 

Homem,  que  es  tu  perante  a  face  do  Senhor  ? 

O  ponto  de  admiração^  no  fim  de  uma  phrase  excla- 
mativa : 

Oh  immatura  morte,  que  a  ninguém 
de  quantos  vida  teem,  jamais  perdoas  ! 

4  —  Ha  outros  signaes  ainda,  simples  auxiliares,  que 
servem  apenas  para  maior  clareza  da  escripta .  São  —  as 
aspas^  o  hyperbato^  a  alinea^  o  parenthesis^  o  travessão^  etc. 

As  aspas  indicam  uma  citação  textual.  Escreve-se  este 
signal  ao  começar  e  fechar  a  citação. 

a  Se  amas  a  vida  —  disse  um  sábio  —  não  desperdices  o  tempo, 
que  é  o  estofo,  de  que  ella  é  feita  » . 


497 


X  alínea. —  O  seu  nome  está  dizendo  o  que  é  (d 
linha  )  : 

Quanto  ao  desenvolvimento  da  expressão,  o  estylo  pôde  classifi- 
car-se  do  seguinte  modo  : 

conciso 
preciso 
desenvolvido 
prolixo . 

O  parenthesis  serve  para  encerrar  palavras  ou  phrases 
de  sentido  independente  ao  periodo.  O  parenthesis  não 
deve  ser  extenso,  nem  empregado  frequentemente,  c  como 
fazem  os  que  não  sabem  achar  logar  conveniente  para  as 
idéas.» 

Perseverar  no  erro  (  depois  de  conhecel-o  enelle  ter  cabido)  é  fazer 
do  erro  porfia,  com  descrédito  do  juizo. 

O  travessão  indica  maior  pausa  que  a  virgula,  que 
chamamos  a  attençâo  do  leitor  para  o  que  se  segue,  e,  nos 
diálogos,  á  entrada  de  cada  interlocutor. 

Elmano,  iê-me  os  teus  versos. 

—  Melhor  scrte  me  dê  Deus  ! 
Tremo  d'isso  ! —  E  porque  tremes  ? 

—  Porque  podes  ler-me  os  teus. 

(  O  hyphen  é  um  traço  horisontal  que  serve  para  se- 
parar syllabas  no  fim  da  linha,  etc.) 

5  —  Nos  primeiros  mss .  o  único  signal  de  que  usavam  era  o  ponto 
(  colo  )  ;  nos  Cancioneiros ,  a  pontuação  deve  ser  considerada  antes 
como  indicativa  de  inflexões  ou  accidentes  da  musica  porque  eram  no- 
tadas as  cantigas^  de  que  como  lógica  d'incisos  grammaticaes ;  pois 
«  afora  pontos  fallecem-lhe  todos  os  outros  signaes  orthographicos 
actualmente  em  uso  ».* 

No  Sec.  XVI  muito  descuravam  os  copistas  da  pontuação,  que  já 
consistia  no  coma  (  dous  pontos  ),  colo  (  ponto  ),  vergas  e  virgulas . 
C.  Michaelis  confessa  a  difficuldade  que  muitas  vezes  encontrou  para 
comprehender  immediatamente  o  pensamento  do  autor,  pelo  máo  ou 
nenhum  pontuado. 


»  Castilho  (A.  F.  )  —  ^<»»'  1845. 

63 


498 


6  ^  Emprego  de  lettras  maiúsculas.— São  usadas 
nos  seguintes  casos : 

No  começo  de  um  período,  e  no  de  uma  phrase  que  se 
segue  a  um  ponto  íinal,  de  interrogação  ou  admiração. 
Nem  sempre,  porém,  se  emprega  depois  do  interrogativo, 
principalmente  quando  não  é  para  obter  resposta,  mas  para 
dar  mais  força  ao  pensamento,  para  exprimir  emoção 
violenta  : 

Como  ?  da  gente  illustre  Portugueza 

ha  de  haver  quem  refuse  o  pátrio  Marte  ? 

Para  começar  uma  citação,  que  neste  caso  é  precedida 
por  dous  pontos  : 

S.  Paulo  disse  :  Quem  ama  ao  próximo  cumpre  a  lei. 

Nos  nomes  próprios,  pronomes  de  reverencia,  títulos 
nobiliarchicos  ; 

João;  Vossa  Senhoria;  o  Visconde  do  Rio  Branco. 

Nos  nomes  de  composições  litterarias  e  artísticas, 
jornaes,  etc . : 

AI  Ilíada  ;  os  Lusíadas ;  a  Noute  é  uma  das telasde  Pedro  Américo  ; 

o  Jornal  do  Cointnercio , 

Como  inicial  dos  nomes  de  cousas  personnificadas  : —  a 
oáríe^  e  das  adjectivações  consagradas  pelo  uso  ou  con- 
venção : —  Creador  'Pae  Omnipotente  (  com  referencia  a 
Dt\Jis)\  Fidelissmo{ià..  aos  Reis  de   Portugal),  etc. 

Nos  nomes  dos  edifícios  notáveis,  repartições  pu- 
blicas, etc: —  oTantheon^  o  Museu  Nacional^  a  Cusa  da 
Moeda. 

Mas  hoje  já  se  escreve  com  muito  mais  liberdade  quanto  ao  em- 
prego de  maiúsculas  (  ai f ande {^a  da  cárie j  thesouro  7iacional  —  o  que 
pôde  dar  logar  a  equivoco  — ,  o  barão  de  .  Macahubas,  etc. 

O  começar  cada  verso  por  lettra  maiúscula  não  é  hoje 
de  rigor. 


QUADRAGÉSIMA  SEGUNDA  LIÇÃO 

Figuras  de  syntaxe  —  Partículas  do  realce 


I. —  A  svntaxe  emprega  varias  figuras  para  maior 
clareza  do  pensamento  ou  harmonia  da  phrase,  para  maior 
energia  da  expressão  ou  colorido. 

2. —  As  pnncipãQs  figuras  de  syntaxe  (de  construcção 
'OU  grammatica)  são  : 

a)  Ellipse. —  E' a  suppresão  de  uma  ou  mais  palavras 
necessárias  á  perfeita  construcção  da  phrase,  que  todavia 
conserva  sentido  claro . 

A  ellipse  tanto  omitte  o  sujeito,  o  verbo  e  o  attribulo, 
como  todos  elles  ao  mesmo  tempo,  os  vários  complementos, 
preposições,  conjuncções,  etc. 

Redobrae  (zós)  com  mãos  piedosas 
Esmolas  que  milagrosas 
Recobrareis  feitas    rosas 
Nos  campos  do  eterno  abril 

(Cast.) 

Bemaventurados  {são)  os  pobres  de  espirito. 
Era  um  velho  {dotado)  áe.  semblante  severo. 
(Nos)  Somos  (alninnos)  do  CoUegio  Menezes  Vieira. 
Irei  (no)  domingo  ;  (por)  sessenta  annos  vi-o    consumir-se  na  medi- 
tação ;  peço-te  (que)  me  escrevas,  etc . 

A  ellipse  é  devida  á  impaciência  do  espirito  humano,  á 
sua  imaginação  arrebatada,  ao  desejo  de  chegar  com  rapi- 
dez á  solução  do  raciocínio  (Lat.   Coelho) . 

A  ellipse  é  um  dos  resultados  da  lei  de  menor  acção. 
A  do  verbo  é  frequente  em  todos  os  períodos  da  lingua. 


5oo 

Occorre  principalmente  : 

a)  Nas  phrases  intimativas  : 

Aos  infiéis,  Senhor,  aos  infiéis 

E  não  a  mim  que  creio  o  que  pcdeis. 

(Camões) 

b)  Nas  exclamações  :  —  No  mar  tanta  tormenta  e  tanto 
damno  (Id.) 

c)  No  começo  das  interlocuções  : 

Qual  em  cabello  :  Oh  !  doce  e  amado  esposo 
Sem  quem  não  quiz  amor  que  viver  possa. 

(Id.) 

d)  Nas  locuções  populares  :  —  commigo  não  ;  mão  mão, 
etc.  Também  é  vestígio  da  tradição  latina  —  ?ii/nl  ad  me; 
dl  meliora  (deut) . 

e)  Nas  construcçÕes  participaes  :  — Tassados  alguns 
annos.  E' vestígio  do  ablativo  absoluto  latino  ^  :  Em  pene- 
dos os  ossos  se  /iteram  ;  Mostrou- se  affavel  com  os  povos, 
com  os  soldados  liberal. 

Pleonasmo. —  E' o  emprego  de  palavras  supérfluas  na 
apparencia,  mas  que  servem  para  dar  mais  força  ao  pen- 
samento : —  Importa-lhe  a  um  homem  passar  ãs  índias  ; 
Ouvir  com  os  ouvidos  ;  ver  com  os  olhos.,  etc. 

O  pleonasmo  oppõe-se  á  ellipse .  E'  figura  que  em  nada 
altera  a  construcção  grammatical . 

Inversão. —  E' inverter  a  ordem,  consagrada  pelo  uso, 
dos  termos  da  proposição  ou  dos  membros  da  phrase ; 
para  evitar  ambiguidade  ou  dissonâncias,  para  tornar  a 
expresão  mais  enérgica  ou  graciosa. 

Anastrophe. —  Consiste  na  inversão  das  palavras  corre- 
lativas . 

Hyperbato. —  E'  também  uma  espécie  de  inversão,  que 
transpõe  expressões  e  pensamentos,  geralmente  para  har- 


*  Vid.  Lição  36. 


5o  I 


monia  do  tecido  da  phrase  :  —  Nas  tormentas  da  maledi- 
cência o  mais  Iranqitillo  e  abrigado  porto  é  o  silencio . 

E**  tão  frequente  no  portuguez  como  a  ellipse . 

D'ahi  a  graciosa  brevidade  da  nossa  lingua,  e  a  sua  har- 
monia . 

Hypallage. —  E'  a  figura  que  muda  a  construcção  in- 
vertendo a  correlação  das  idéas . 

Enallage  .  —  Consiste  em  mudar  os  modos  e  tempos 
dos  verbos  {vou  p .  trei^  fora  p .  fosse,  amara  p .  amaria^ 
chega  p .  chegou^ ) 

As  narrações  mais  ganham  em  colorido,  quando  se  em- 
prega o  presente  pelo  passado. 

Syllepse. —  Esta  figura  faz  a  palavra  concordar,  não 
com  o  seu  correlativo,  mas  com  a  idéa  que  elle  com- 
prehende.  t  A  palavra  deixa  então  de  responder  ás 
regras  grammaticaes,  para  responder  ao  novo  pensa- 
mento. »E'  incorrecção  a  que  ninguém  hoje  se  abalan- 
çaria, mas  de  que  temos  exemplos  no  portuguez  antigo . 
(Essa  gente^  eu  os  vi  bradando ;  e  o  povo  apedrejaram. .  , . ) 

3. —  Temos  ainda  algumas  figuras,  a  que  chamam  de 
dicção  ou  de  palavras  propriamente  ditas: 

Repetição. —  Para  dar  mais  energia  á  phrase,  repe- 
te-se  uma  ou  mais  palavras. —  C/í///  coitado  de  til  ah 
triste,  triste!;  Tu,  só  tu,  puro  amor  \  Já  mo  me  oures? 
Já  não  te  hei  de  ver  ? ;  No  mar  tanta  tormenta  e  tanto  dano, 
tantas  ve^es  a  morte  apercebendo  (Cam. ) ;  O  ouro  a  terra 
o  cria.,  a  terra  o  tem  {k.  Ferr.) 

Reduplicação. —  E"*  a  repetição,  não  de  palavras,  mas 
de  idéas  : —  quedou-se  mudo.,  e  não  articulou  palavra. 

Pode  dar-se  pela  synonymia  ou  quasi  s\nonymià : — 
Era  fogo.,  era  raio.,  era  coiisco  (V.  do  Are . ) . 

Anaphora. —  E' a  repetição  de  uma  ou  mais  palavras 
no  principio  dos  diversos  membros  de  um  periodo. 

Antistrophe  —  E"*  o  contrario  da  palavra.  Sirva  de 
exemplo  esta  passagem  de  Bourd :  —  O  universo  é  domi- 


502 


nado  pdo  espirito  do  mundo;  o  homem  julga  segundo  o 
espirito  do  mundo ;  procede  e  governasse  de  accôrdo 
com  o  espirito  do  fnundo ;  até  estimaria  servir  .a  Deus  con- 
forme o  espirito  do  mundo . 

DisjuNcçÃo. —  Subtracção  das  partículas  subjunctivas, 
e  com  isso  oestylo  ganha  em  rapidez  e  melhor  destaca  os 
objectos  —  vim^  vi^  venci.  Está  tudo  contente^  alegre  tudo; 
eu  5d,  só  pensativo,  triste^  e  mudo.  (Cam.  Ecl.) 

Antanaclase. —  E'  a  repetição  na  phrase,  de  uma 
mesma  palavra  tomada  em  diversa  accepção: —  Formosa 
inrgem  clara,  inda  jnais  clara  que  a  lu^  ante  quem  foge  a 
noite  escura ;  Com  pena  te  lavro  a  pena.  , 

Si  as  palavras  formam  opposição,  a  figura  chama- se 
antimetathese . 

Paronomasia. —  E'  a  approximação  de  palavras  de  som 
quasi  idêntico,  mas  cujo  sentido  diífere,  ou  trocado 
feito  pelas  varias  mudanças  de  sentido  : —  E  o  peior  é  que 
não  sO  se  vê  em  nós  a  meninice.,  que  é  defeito  da  idade.,  senão 
as  meninices.,  que  o  são  dojui:{o ;  'Dos  meninos  é  próprio  o 
aprender ;  dos  mancebos  o  emprehender  ;  dos  varões  o  com- 
prehender.,  mas  dos  velhos  o  reprehender . 

4. — Partículas  de  realce  —  A's  vezes  acompa- 
nham esporadicamente  o  objecto  directo,  certas  partículas 
—  sem  significação  nem  funcção  grammatical  —  a  que 
chamam  alguns  grammaticos  —  de  realce.,  outros  ■— 
expletivas.  Ex.  Quasi  que  jne  perdi ;  ^m  começando  a 
chover;  deixa-os  lã  fallar ;  cumpri  o  meu  dever ;  arrancou 
das  espadas. 

Em  sabe  fazel-aSj  disse-as  boaSj  as  não  é  partícula  de  realce, 
como  erradamente  se  tem  cscripto.  Em  outro  logar  já  lhe  explicamos 
a  origem. 

O  professor  F.  Barreto,  visto  haver  exemplos  de  objecto  directo 
acompanhado  de  preposição  não  expletiva  (ncíii  elle  entende  a  nós,  nem 
nós  a  ellc)^  diz  que  melhor,  fora  empregar  a  denominação  objecto  di- 
recto sporadicamente  preposiciotial^  que  comprehende  os  casos  exple- 
tivos  e  ,não  cxpletivos. 


QUADRAGÉSIMA  TERCEIRA  LIÇÃO 

Dos    vicios    de    linguagem 


I. —  Chamam-se  vícios  de  /m^wa^ew  as  anomalias  da 
lingua,  devidas  á  ignorância  popular,  ao  deleixo  do  escri- 
ptor  subalterno,  e  ás  vezes  ao  pedantismo  clássico . 
Comprehendem  os  barbarismos  e  os  solecismos , 
^arbarismos  são  os  vicios  léxico logkos  :  consistem  no 
emprego  excusado  de  palavras  e  phrases  estranhas  á  lingua, 
sem  a  queda  e  o  geito  das  nossas  «  com  que  querem  con- 
viver »  ;  em  dar  á  palavra  emprego  differente  do  que 
realmente  tem  ;  em  articular  e  accentuar  erradamente  os 
vocábulos.  Ex.: — bouquet^  comité,.,,  taciturno  (em- 
pregado por  triste  ),  carrinhos  ( em  vez  de  carrilhos ),  con- 
feccionar ^ovídiZt\:.,   organisar,   pég-ada  por  pegada^  ttc. 

Os  solecismos  ( barbarismos  de  phrases )  consistem  no 
emprego  de  construcç5es  viciosas,  contra  a  Índole  da 
lingua.  São  pois  vicios  sintácticos:  —  tu  sois^  para  tu, 
hóuperam  homens,  etc. 

2 .  —  São  principaes  vicios  de  construcção  : 
Pi.uv\imohOGi^  OM  ambiguidade .  E' a  construcção  a  que 
se  pôde  dar  duplo  sentido  :  ama  o  povo  o  bo?n  rei.,  a  águia 
matou  a  pomba  no  seu  Jtinho . 

Obscuridade. —  E'  a  falta  de  clareza,  pelas  muitas 
ellipses  ou  hyperbatos  exagerados  : —  Certo  é  que  quaesquer 
hitorias  muito  melhor  se  entendem,  se  perfeitamente  e  bem 
ordenadas,  que  o  sendo  por  outra  maneira . 


5o4 


A  certas  as  quaes  cartas  ou  os  quaes  sermões  de  saneia 
auctortdade  do  vedro,  ou  novo  Testamento,  non  é  senon  muy 
dereyta  carreyra  da  inda  humana . 

3. —  Os  barbarismos  tomam  as  denominações  de  helle- 
nismos,  latinismos,  germanismos,  hebraismos,  etc.  con- 
forme a  sua  origem. 

Do  sec.  XII  ao  XIV  é  a  época  dos  latinismos  entrados  na 
lingua  naturalmente  ;  do  V  ao  XII  é  o  dos  germanismos  ; 
do  VII  ao  XIII  é  o  dos  semitícismos  ;  no  XII  germinam  os 
gallecismos ;  No  XV  recomeça  o  império  dos  latinismos, 
que  se  estende  ao  XVI,  notável  ainda  pelos  hespanholismos 
e  italianismos,  etc.  Hoje  temos  de  tudo  isso  a  mascavar  a 
lingua  ;  mas  os  principaes  barbarismos,  não  só  porque  mais 
avultam  em  numero,  senão  também  porque  mais  a  afeiam, 
são  os  gallicismos . 

4. —  Temos  gallicismos  léxicos  e  syntaxicos. 

a)  São  gallecismos  léxicos  :  —  bouquet,  soirée,  negligé, 
fauteuil,  comité,  toilette,  boudoir,  coquette,  desolado, 
nuança,  petimetre,  plateau,  bello  espirito,  (p.  engraçado, 
chistoso),  chefe  d'obra  (obra  prima),  grande  mundo  (so- 
ciedade selecta,  elevada),  guardar  o  leito  (estar  de  cama), 
deboche  (dissolução,  desmancho  de  costumes,  devassidão, 
corrupção),  etc. 

A  era  dos  gallicismos  data  do  Sec.  XII  ;  mas  é  principal- 
mente da  época  de  D.  João  IV  que  o  portuguez  começou  a 
modificar-se  sob  esta  influencia  no  léxico  e  na  syntaxe 
{taclia^  vianda^  trampear  —  tromper  —  quitar^  esguardo^ 
apres  —  ensembra^  Jj/we-amarello. . .) 

Alguns  gallicismos,  condemnados  —  por  S.  Luiz,  N.  de 
Leão,  TuUio,  etc,  não  o  devem  ser.  oAdiar^  acti- 
var, anuuidade,  barricada,  felicitações  (porq.  se  temos 
felicitar^  lat.  felicitare=tornar  feli\^  Donato?),  inabalável, 
inconcebivel^  regressar  (1.  regredior^  regressus)^  rotina 
(dim.  de  rota,  ant.  ruto^  lat.  rupta)^  etc.  Também  não 
devemos  condemnar  trenó  =  fr.    ireneau,    porque    não 


5o5 


exprime  exactamente  o  mesmo  que  trilho^  gorra  ou  seléa  ; 
Tartufo  (  que  é  um  neol.  por  ficção  litteraria),  nem  os 
modos  usuaes  de  fallar  —  cahi  das  nuvens^  perdi  a  cabeça, 
etc.  porque  representam  figuras  communs  a  todas  as  lín- 
guas .  ^ 

Ha  gallicismos  hoje  correntes,  —  cache-ne:[^  abat-jour 
(que  chamaria  —  quebra  lu^^)^  banal^  fatigante^  etc. 

b)  São  gallecismos  de  construcção  : — fa^er  um  passeio  ; 
a  festa  terá  logar ;  partilho  das  suas  opiniões;  rapa^  de  má 
conducta,   etc,  e  enxertos   que    devemos  regei tar. 

Também  ha  construcções  para  as  quaes  achamos  in- 
justas a  condemnação  de  ^<3r^í2ra5,  como  p.  ex.:  sem  ti 
7ião  alcançaria  es le  logar ;  o  que  ha  de  ruim,  etc. 

5  —  Quando  os  vicios  oppoem-se  á  harmonia  daphrase 
ou  euphonia,  chamam-se  vicios  de  harmonia. —  Os  prin- 
cipaes  são  —  a  cacophonia,  o  echo^  o  hiaío^  a  collisão . 

Cacophato  é  o  vicio  resultante  da  concurrencia  de 
syllabas  formando  um  vocábulo  inconveniente,  ou  torpe  : 
—  alma  minha,  a  tua  opinião  como  as  concebo^  ttns-me  já 
dado  amor  bastantes  penas,  por  cada  vez,  a  /aca  d'ella, . . 

EcHO  é  a  dissonância  resultante  da  repetição  das 
mesmas  s\'llabas  : —  o  seu  estado  inspira  cuidado ;  um  ente 
independente . 

Hiato  é  a  dissonância  produzida  pela  successão  de 
vogaes,  principalmente  abertas  : —  d  aula. 

Collisão  é  o  vicio  resultante  da  repetição  de  certas 
consoantes  (r^  s  finaes  ). 


*  Pacheco  Júnior,  Gr.  hist.  Elen\entos  históricos  138 , 


64 


QUADRAGÉSIMA  QUARTA  LIÇÃO 

Anomalias  graminaticaes — Idiotismos — Dia- 
lectos—Provincialismos— Brasileirismos 


1.  —  Anomalias  grammaticaes.  —  São  factos  da  lin- 
guagem insubordinados  ás  leis  grammaticaes. 

Podem  ser  phonicas,  morphologicas  e  syntaciicas. 

a)  O  /  inicial  latino  persistiu  no  portuguez,  ou  per- 
mutou—  raras  vezes  —  em  r  e  n;  t  todavia  —  como  acon- 
tecia ao  médio,  mesmo  em  latim,  o  /  inicial  latino  trans- 
formou-se   em    d:  —  deixar^   ant.    leixar,  lat.    lasciare ; 

dimtte  (limite), O  grupo  pi  latino  foi  substituído  na 

linguagem  popular  pelo  grupo  portuguez  eh :  — plorare  = 
chorar,  pliivia  =  chuva,  plemis  =  cheio, ....  mas,  por  in- 
fluencia hespanhola,  planiis  deu  lhano  (por  —  chano,  chão^ 
chaneia  p.  lhaneza,   etc.) 

b) — A  palavra  carrilho  =  múo^  caminho,  adulte- 
rou-se  em  carrinho  na  phrase  vulgar  —  comer  a  dous 
carrinhos;  malandrim  corrompe -se  em  malandro;  cima 
alarga-se  em  cincada. 

A  semântica  ^,  pois,  é  também  origem  de  anoma- 
lias grammaticaes. 

c)  —  São  mais  raras  as  anomalias  syntacticas,  e  ás 
principaes  já  nos  temos  referido:  —  eu  parece -me^  íerp. 
haver  (tem  muitos  homens  incapazes  do  bem),  o  pro- 


'  Este  termo  foi  creado  por  Darmsteter  na  sua  ultima  obra,  e  aceito 
por  G.  Paria,  Bréal. 


507 


nome  sujeito  proclitico,  nas  phrases  interrogativas:  — 
iti  queres  comer  ? ;  começar  a  sentença  pelo  pronome 
apassivador  se:  =  se  contam  cousas  do  arco  da  velha^  etc. 

2. —  Idiotismo.  —  Dá-se  este  nome  (do  grego  idio- 
tismos =  modo  de  fallar  trivial,  vulgar)  ás  dicções,  aos 
factos  grammaticaes,  peculiares  a  uma  lingua,  mas  que 
muitas  vezes  reagem   á   analyse. 

Os  idiotismos  germinam  de  preferencia  na  lingua- 
gem familiar  e  popular  ;  mas  —  como  pondera  Longino  — 
dão  elegância  e  energia  ao  discurso,  e  delles  se  aprovei- 
taram com  vantagem  escriptores  clássicos  e  de  boa  nota. 

Os  idiotismos  são  phrases  construídas  contra  a  etymo- 
logia  e  a  syntaxe  natural  da  lingua,  e  cuja  significação  é,  em 
regra,  arbitraria  e  convencional. 

Os  idiotismos  convencionaes  coincidem  em  varias 
linguas  :  —  schone  Fraue,  a  prettry  >voman^  bonita  mulher 
é  o  mesmo  que  femina  formosa^  apesar  da  inversão  dos 
termos  ;  there  are  birds^  il  est  —  il  y  a  —  des  oiseaux,  ha 
pássaros^  tem  em  outras  linguas  equivalentes  lógicos.  Ho>p 
do  you  do=comment  votis porte:[-vous  =  como  estaes? 

Ha,  porém,  differenças  idiomáticas  que  só  podemos 
verter  para  outra  lingua  por  meio  de  um  equivalente  peri- 
phrastico  ;  ha  palavras  cuja  traducção  exacta  é  impossível, 
como  p.  ex. —  aW.  ahnen,  verbo,  e  o  subst.  derivado 
ahnumg\  ing.  home;  port.  saudade^  etc.  ^) 

São  idiotismos  vernáculos  —  o  infinito  pessoal,  a  pro- 
priedade singular  do  verbo  haver^  varias  transposições 
arbitrarias,  o  emprego  do  adj .  art .  antes  do  adj .  poss . 
{a  minha  casa)^  que  também  era  de  uso  no  hesp .  do  Século 


•  V.  Pacheco  Júnior  Cartas  lexicologicas  1880. 

Para  home  dêmos  pátria,  e  lar,  os  penates,  a  família,  etc.  ;  mas  tudo 
isso  apresenta  friamente  a  palavra  ingleza  que  nos  transporta  súbito  á 
pátria,  ao  lar,  á  família,  juntamente,  com  amor  e  saudade.  O  Su-eet 
home  é  a  doce,  a  branda  estancia;  a  querida,  a  saudosa  pátria,  etc... 
mas  tudo  isso  não  despsrta  subitamente  no  Inglez  a  idéa  do  seu  home, 
swcct  home. 


bo8 


XVII,  e  nas  outras  línguas  romanas  —  /'/  mia  faveila  ;  le 
mten  chepal,  etc . 

3. —  Dialectos. —  Dialecto  é  a  lingua  peculiar  a  uma 
provinda,  cidade  ou  estado,  alterada  do  idioma  d''onde 
procede  —  na  pronuncia,  na  accentuação,  desinências,  no 
léxico,  na  syntaxe . 

A^s  vezes  o  dialecto  conserva  formas  mais  primitivas  que 
a  lingua  clássica,  e  muitas  outras  o  seu  vocabulário  excede 
ao  desta  em  riqueza  ^ 

Varias  são  as  causas  concurrentes  para  as  differenciações 
dialectaes,  —  o  clima,  os  grandes  cataclismas  das  raças  e 
sociedades,  o  gráo  de  cultura  litteraria. 

São  três  os  dialectos 'portuguez  —  gallego,  —  o  indo- 
portiigiie:{f  o  siiajo. 

O  gallego  representa  uma  phase  evolutiva  do  portuguez 
antigo.  No  século  XII  havia  em  Portugal  duas  línguas 
idênticas  no  fundo  —  o  galleiiano  fallado  ao  norte  do 
Mondego,  e  o  aravio^  ao  sul.  Estes  dous  dialectos,  que 
mais  dííferençavam  na  phonetica,  «  foram  gradualmente  a 
fundir- se  á  medida  que  se  estabelecia  a  unidade  do  ter- 
ritório portuguez  » . 

O  gallego  ficou  estacionário ;  ao  passo  que  o  portuguez 
seguiu  o  seu  desenvolvimento  natural .  ^ 

Vou  âs  vecinas  romaxes, 
Vou  ôs  pobos,  vou  âs  feiras, 
E  de  cote  vcn  meus  ollos 
Rapazas  garridas  n'elas 
Vexo  mocinãs  que  tenem 
Dentes  que  parecen  pelras, 
Meixelas  como  craveles 
E  dourada  cabeleira, 
Bermellos  lábios,  y-ús  ollos 
Que  tolo  a  un  santo  volveran 


')  O  portuguez  fallado  no  interior  do  BrazLl  conserva  muitaí?  formas 
■já  archaisadag  em  Portigal,  e  o  nosso  léxico  possúe  pelos  menos  uns 
6.000  vocábulos  mais. 

*)  Quem  quizer  aaber  mais  sobre  este  dialecto  leia  *^  gramm.  GaUega 
de  Sacco  Arce. 


5o9 


O  africano  e  o  indo-porttiguei  datao  do  Sec.  XV,  e  são 
fallados  em  Ce3'lão,  Diu,  S.  Thomé,  Cochim,  etc.  O  ultimo 
tende  a  desapparecer  ante  a  supremacia  do  governo  inglez. 

No  poríug'ue:{  de  S .  Thotné  é  de  notar  a  queda  dor 
{jadim,  stoia^  beudC',  bendedô^ . . .  =  jardim,  historia,  vender, 
vendedor) ;  a  sua  permuta  pelo  /  (  /«i,  pledê^  calo  = 
rua,  perder,  caro) ;  os  vestígios  da  antiga  pronuncia 
(Sec.  XII,  ainda  conservada  na  Galiiza)  —  ;7o/c/«  noite, 
negocho  negocio;  as  formas  S3'ncopadas  nino  menino, 
poçon  povoação,  etc. 

Formam  o  plural  emí,  mas  geralmente  pela  antepo- 
sição  pronominal :  —  inet7i  moço  =  elles  moço  (moços). 

Espécimen 

Padê  nosso  cu  sá  no  cjé,  santificado  seja  vosso  nome,  venha  nosso 
vosso  lêno,  seja  feta  vossa  vontade  achi  na  tela  cumo  no  cjé,  pom  nosso 
dji  cada  djá  non  da  hodje,  podoá  nom  dji  tudo  djivida  cu  nom  câ  lê, 
achi  cumô  nom  cá  podoá  nosso  devedô,  nom  dessa  nom  quiê  ni  tentaçon, 
mas  livlanom  de  tudo  mah.  Amen  Jigú. 

No  portuguez  de  Cochim^  são  muitas  as  corrupções  pho- 
neticas  : — e  p.  a  lainde^  noves} ^  i  p.  e  (carni^  grandt), 
na  p.  em  (na  todo  logar),  o  p.  a  (madrinha^  miseno)^  etc. 

Formam  o  pretérito  com  ja  {quem  ja  fala=/J/o^/^  o 
\v!\pQ.vdAwo  coxn  vae  (yoi  nos  faie)  ;  empregam  o  presente 
pelo  imperfeito  e  futuro  {qiiilai  ^  te  bote  —  botavas  ;  que 
dia  posse  te  parti  =  partirás),  etc. 

Formam  o  plural  pela  reduplicação  : —  senhor  senhor  = 
senhores. 

Espécimen 

Bom  dia,  senho,  quilai  tem  saúde  ?  —  Tem  bom,  muito  mercê. — 
Vambos  nos  vai  pesca  hoje  ?  Vambos  vai.  —  Quem  ja  fala  ?  —  Ante 
tarde  ja  foi  dos  manchu  nosso  jente,  cada  manchu  ja  pegasinco  peixi. 

Si  nos  vai,  nos  lo  pegue  peixi.  *  —  Nos  pode  vai  justo  sinco  hora  — 
Vosse  més  (locê  mesmo)  compre  isca,  eu  lo  faze  pronto  cordo.— 
Vossa  pedi  impesta  por  mi  um  anzol  ? 


•  Qí«7ae(  =  que  laia)  =  como. 
'  ho  indica  o  futuro  dos  verbos. 


DIO 


O  portuguez  de  *Z)///,  também  apresenta  muitas  modifi- 
cações phoneticas  :  v.  gr.  —  a  troca  do  e  púo  a  (IsiPanta)^ 
a  queda  das  molhadas,  das  vogaes  e  consoantes  medias 
{imbriii  embrulho,  quiio  quinhãoj,  me  meu,  os  vossos,  su 
seu,  oulr^  corp^  sempr  (omissão  da  vogal  final). 

Espécimen 

Eu  já  comeu,  já  fez,  etc.  Eu  had  vai. 

Mais  logo  que  vêo  est  os  filh  que  já  gastou  tud  quant  tinh  com 
mulher  de  má  vid,  log  já  mandou  mata  cabrit  gord.  Então  su  pai  já 
fallou  :    Filh,  os  semj.r   tem  junt  de  mim  e  tud  de  min    é  de  ós. 

O  portuguez  de  Ceylão  é  muito  mais  correcto  na  pro- 
nuncia e  construcção.  Basta  confrontar  o  espécimen  acima 
com  o  seguinte  : 

Mas  este  teu  filho  quem  já  desperdiça  tua  fazenda  .com  mundanas 
quando  já  vi,  tu  já  mata  por  elle  o  vaccinha  gourda.  E  cUe  já  falia 
por  elle,  Filho,  vosse  sempre  tem  com  mi,  e  todas  as  minhas  cousas  tem 
vossas.  > 

O  portuguez  fallado  no  Brazil  diverge  do  fallado  em 
Portugal,  não  só,  e  mui  principalmente,  na  pronuncia,  mas 
também  em  algumas  transferencias  de  significação,  facto 
este  a  que  já  nos  referimos  em  outro  logar  (babado^  que  no 
Brazil  também  sign.  folhos  de  vestido,  fa^^enda  —  pro- 
priedade rural,  xacara  —  casa  de  campo,  miiqiieca  —  gui- 
sado de  peixe,  etc . ) 

O  vocabulário  é  o  mesmo,  mais  opulentado  com  o 
elemento  tupy-guarani,  e  mais  alguns  termos  africanos. 
Devemos,  porém,  attender  ás  inevitáveis  idisyoncracias 
mentaes . 

Na  pronuncia  a  diíTerença  consiste  principalmente  em 
mais  fazermos  soar  as  vogaes,  no  accentuarmos  syllabas 
subordinadas,  e  ainda  não  estarmos  tão  sob  a  lei  da  menor 
acção.  Influencia  climatérica.  Pronunciamos /Jj/e/,  ^dr^Yo, 


Schuchardt  —  Knolische  Studiev,  Wien,  1882. 


Ml 


imperador^  corô.T^  pelotão,...  o  Portuguez  papel,  bordo., 
tmp'rado7^.,  croa.,  p'lot.70.,  etc.  E"*  também  muito  commum 
a  troca  do  e  pelo  / :  —  mt  deixi\  miniuo,  que  em  Port.  pron. 
sempre  iiienino,  etc. 

DifFerenças  S3'ntaxicas  importantes  são  raras,  e  apenas 
na  linguagem  vulgar:  —  fui  na.  casa,  estava  ndijanella  ;  o 
emprego  do  pronome  sujeito  pelo  objecto  —  vielle,  e  tam- 
bém Pt-lhe,  isto  é  pjra  mim  ler . 

4. —  Provincialismos  *. —  São  particularidades  locaes 
no  modo  de  fallar  uma  mesma  lingua  dentro  do  mesmo 
paiz,  mais  ou  menos  accentuadas  na  pronuncia,  vocabulário 
e  phraseologia . 

As  circumstancias  que  concorrem  para  o  enfranqueci- 
mento  dos  laços  políticos  e  sociaes,  ou  para  o  enfraqueci- 
mento de  um  povo,  augmentam  o  numero  das  discordân- 
cias no  seio  da  lingua  geral  ( Whitney) . 

Mais .  Na  mesma  cidade  o  homem  culto  pronuncia  de 
modo  mui  diíferente  do  analphabeto . 

Já  S .  Rosa  de  Viterbo  notara  no  Elucidário  que,  em 
innumeraveis  dos  nossos  antigos  documentos  variava  a 
escripta  á  proporção  que  variava  a  pronuncia,  a  qual 
muitas  vezes  até  em  cada  província  discordava  :  —  S.  Ci' 
brâo,  S.  CipriaHjy  S.  Cibriam,  S.  C/dram  p.  S.  C)'priano\ 
Sanhoane^Sanoanne,  Sonoane,  S.  Oan,  S.  Jam,  S.  Jom, 
p.  S.  João,  etc. 

Os  Madeirenses  pron : — mdoo,  bâoa,  p.  mdo,  boa., 
trocam  o  e  grave  accentuado  antes  de  articulação  chiante 
ou  molhada  por  a  grave:  —  pajo,  p.  pejo,  tânho;  toe 
agudo  antes  das  mesmas  articulações  em  ei:  —  meicha  = 
mecha ;  /z/m^e=  herege  ;  seige  =  sege,  etc. 

Em  alguns  logares  de  Portugal  mudam  e  ç  ei  em  ai :  — 
baijo  ;  meu  bdim . 


'  Pacheco  3nn\ov  —  Phortologia  portugtieza. 


5l2 


Os  Minhotos  trocam  obp.VQOvp.b;  pron.  om 
nasal  onde  nós  dizemos  ão : — fi^erom,  ra^om,  e  dão  ao 
diphthongo  ou  o  som  de  ão :  — são  ==  sou. 

Também  os  Beirenses  trocam  o  b  por  v  reciprocamente ; 
dizem  non.,  som,  etc,  (formas  mais  próximas  do  typo  la- 
tino nom,  sum,  t\.c.)\  terminam  os  verbos  archaicamente 
em  jn,  en,  iri  (amari,  beberi,  etc),  ^  e  dão  ao  í{  um  som 
de  x:  —  dixe,  dtxere.,  que  em  outras  provincias  se  pro- 
nuncia com  o  som  de^ — digere^  etc. 

Nestes  modos  de  fallar  ha  uma  certa  harmonia  com  o 
prisco  escrever,  que  muitas  vezes  é  mais  etymologico  e 
harmonioso,  como  succede  nas  formas  antiquadas  —  ter- 
ribil,  a?7íabil^  etc. 

Os  do  Algarve  e  Alemtejo  mudam  o  diphthongo  eu  em 
et:  —  meipa{\  a  molhada  Ih  simplifica-se  na  liquida / ;  —  eu 
dicele  (e  assim  pronunciavam  os  nossos  maiores) ;  o  ei  dos 
pret.  em  i: — almoct,  etc;  dizem — ptdir.,  midii\  etc. 
Trocam  o  i  por  g  —  digia,  fagia,  vigilar^  e  dizem  — 
fuge^  pacencia^  home.,  canairo,  pregunlar.,  precurar.,  leixar., 
dixe.,  trouve,  ao  redol  (=ao  redor),  etc 

Os  Conimbrenses  pronunciam: — aialma,  aiaula.,  se- 
tiora.,novóra.,  fruita.,  astrever-se,  etc 

Em  Lisboa  onde,  como  espirituosamente  observou 
um  escriptor  Portuguez,  «  hadex  ver  como  franze  pi  o 
narix  á  cuxta  do  Gallego,  e  como  não  handem  perceber  ou 
imaginar  que  sam  ellex  quem  ex  lá  no  erro»,  pronunciam 
—  cravão.,  cravoeiro.,  cravalho.,  crapinteiro.,  menia,  auga., 
augadeiro.,  todódia.,  etc 

Também  em  Extremadura  notam-se  as  mesmas  indes- 
culpáveis incorrecções,  questães,  grões,  affliçães,  etc . 

Os  da  Beira,  onde  se  pron.: — noti  (  =  não;,  som 
( =  sou ),  hai  (=  ha  ),  e  trocam  o  diphthongo  ou  em  oi : 


'  Foi  por  isso  que  Bluteau  observou  que  «  nos  infinitos  dos  verbos, 
falam  os  nossos  Ratinhos  melhor  que  os  Palacianos.  » 


bi3 


—  oivir^  oivido,  cowe^  etc;  são,  todavia,  os  únicos  que 
pronunciam  com  verdade  o  c/z,  cujo  som  confundimos,  e 
confundem  os  de  Lisboa,  com  o  de  x.  E'  assim  que  elles 
dize  Ichapéo^  tchave^  tchcí,  e  nunca  xapéo^  etc.  As  articu- 
lações eh  e  X  não  tinham  o  mesmo  valor,  e  nessas  varie- 
dades e  distincções  de  som  está  muito  a  belleza  e  perfeição 
das  linguas . 

Todos  esses  vicios,  porém,  são  devidos  á  tradição,  e  a 
sua  persistência  á  falta  de  cultivo  intellectual. 

NoBrazil  são  mais  de  notar  os  provincialismos  do 
Geará,  Rio  Grande  do  Sul,  Goyaz  e  S .  Paulo . 

Nesta  ultima  provinda  as  syllabas  soam  todas  ellas 
largas,  abertas  \  a  falia  é  descansada  e  como  que  caden- 
ciada, a  molhada  Ih  não  sôa  na  pronuncia  —  ietado^  miio^ 
fiio  p.  telhado^  mtlho,  filho,  etc. 

5  —  Brasileirismos  ^. —  São  termos  e  modos  de  fallar 
pecaliares  aos  Brasileiros,  e  muitíssimos  d'elles  desconhe- 
cidos em  Portugal,  o  que  não  é  para  admirar  porque  o 
mesmo  acontece  aqui  deprovincia  para  província. 

Os  termos  que  seguem  são  brasileirismos  e  modos  de 
dizer  próprios  a  cada  provinda . 

oArrelia  —  birra . 

cAmojada  —  No  norte  diz-se,  e  com  cabimento,  que  a 
rez  está  amojada  quando  está  prestes  a  parir  ;  estado  que 
também  se  conhece  pelo  amojo,  rigidez  das  tetas. 

oAlui  —  bebida  feita  com  agua,  assucar  e  farinha  de 
milho  torrada . 

QÁtpim  —  mandioca  (  Rio  de  Janeiro  ) . 

oArapúca  —  armadilha  de  varinhas  para  apanhar  passa- 
rinhos . 

oAiirar—'  é  a  acção  que  faz  o  dansante  nas  dansas  po- 
pulares, para  tirar  quem  o  substitua. 


*  Pacheco  Júnior  —  Grammatica  histórica  pag.  142  a  150. 

63 


DI4 


oAtapú  —  búzio  que  serve  de  trombeta  ao  jangadeiro 
para  chamar  freguezes  ao  peixe . 

oAmolar —  enfadar  alguém  com  importunidades,  pa- 
lavras de  ôca  d'orna,  etc. 

QÁmolador  —  homem  enfadonho. 

Batuque   )     ,  ,  ,  ,.    , 

,  }    dansa  de  negros  (voe.    air.) 

Jongo      )  o       V  / 

Boquinha  —  beijo. 

'Cocaína  —  lugar  estreitado  entre  serras  ou  cabeços . 

Baião  — dansa  popular. 

Tiebida  —  bebedouro  (  Ceará  ). 

Barbicacho  —  cordão  com  borla,  preso  ao  chapéo  para 
que  o  vento  o  não  leve  (  Rio  Grande  ) . 

"Banieiro  ■ —  (  alem  da  signif .  própria )  —  individuo  me- 
ditabundo . 

Tarado  e  corado  —  homem  sem  medo,  destemido . 

"Bala        j 

Onça        I  homem  valente,  destemido. 

Jopeiudo  1 

Cauim  —  vinho  de  mandioca . 

Ciscar  —  estorcer-se  no  chão  após  um  golpe,  pan- 
cada, etc. 

Chiquerador  —  tira  de  couro  torcida  presa  á  extremi- 
dade de  um  páo.  Instrumento  de  castigo.  No  Rio  de  Janeiro 
e  Minas  dá-se-lhe  o  nome  de  relho. 

Cuia  —  vasilha  feita  de  cabaça  partida  ao  meio,  e  tirado 
o  miolo . 

Combuca  — vasilha  feita  de  uma  cabacinha  furada,  onde 
se  toma  matte . 

Capeta  —  duende  ( Ceará ),  demónio. 

Chibio  —  garoto,  bregeiro  ( Norte) . 

Capim  —  herva  para  pasto  do  gado  (  voe.  tupy ). 

Coivára  —  pequenas  fogueiras  para  queimar  os  galhos 
etc,  que  escaparam  ao  fogo  geral. 

Ciichillar  —  dormitar  sentado  ou  de  pé. 


bib 


Cangote  —  cachaço . 

Cj.rapina  —  carpinteiro. 

Caçulo^  a —  ultimo -genito. 

Calundu  —  amuo,  arrufo . 

Chilenas  —  esporas  enormes  de  ferro  ou  prata,  com 
grandes  rosetas . 

^  j  )   —  boneco  (  Pernambuco  ) . 

^     }   rato  pequeno,  murganho  (  Bahia ) 

Camondongo  —  id .  Rio  de  Janeiro) 

Campeão  —  cavallo  em  que  o  vaqueiro  campeã  (Ceará). 

Cavallairauo — homem  que  negocia  em  cavallos  (Geará). 

Cangaceiro  —  individuo  que  blasona  de  valente,  sem 
ter  bulias  para  isso. 

Cabra  —  filho  de  mulato  e  negra  ou  vice-versa.  No 
Norte  dá -se  este  nome  aos  que  andam  descalços,  ou  uns 
aos  outros  na  conversa  familiar. 

Cangaçôes  —  cacarecos  ( no  Norte . ) 

Catinga  —  transpiração  fétida  dos  sovacos,  bodum, 
especialmente  dos  negros  ;  mato  pouco  espesso  mas  garran- 
choso.  ( Ind.)  D*'ahi  vemchamar-se  re^  catingueira  á  que 
se  esconde  nas  catingas. 

Camâra  —  bezerro  enfezado,  doente . 

Chimango  —  que  pertence  ao  partido  liberal  ( ao  Norte) 

Carcará  —  caranguejo  : —  que  pertence  ao  partido 
conservador  (  Ind . ) 

Crod  —  abóbora  vermelha  (  Ceará  ). 

Coirama  —  botas  curtas  de  couro  branco . 

Caipira  —  sertanejo. 

Caipora  —  ( lu^icaa-pora  )  i°,  pequeno  caboclo  bravo, 
que  vive  nas  florestas  do  sertão,  malfazendo  ás  vezes, 
principalmente  quando  lhe  negam  fumo  (  superst.  pop.)  ; 
2°,  luz  fátua  que  apparece  nos  matos  ;  3°,  homem  infeliz 
nos  seus  commettimentos . 

Caiporismo  —  infelicidade ,  insuccesso  nas  empre- 
zas. 


5i6 


Chapelina  —  chapéo  usado  pelas  mulheres  sertanejas  em 
algumas  provindas  do  Norte. 

Comadre  —  mulher  do  povo,  que  parteja  a  gente  pobre 
e  escravas. 

Carito  —  pequena  prateleira  que    se   põe  a  um  canto 
(  Ceará,  etc . ) 

Cangapé  — ponta-pé  que  faz  cahir  quem  o  leva. 
Cargueiro  animal  de  carga,  e,  por  extensão,  o  homem 
que  o  tange . 

Caco  —  tabaco  em  pó,  fabricado  e  usado  pelo  povo 
(Ceará) .  Em  Minas  dá-se-lhe  simplesmente  o  nome  de  pó. 
Desabusado  —  homem  corajoso,  pouco  soífredor  de  in- 
jurias. 
Desfruciavel  —  individuo  que  se  dá  ao  ridículo. 
Desfructar  alguém  —  metter  alguém  a  ridículo. 
Debicar  —  chufar,  mofar,  fazer  com  que  alguém  enfie. 
Debiqvie  —  chufa,  mofa . 
Dadeira  —  mulher  adultera. 
Destabacado  —  destemido. 
Encartado  —  galhofeiro,  jovial. 
•Exquisiio  —  extravagante,  que  move  a  riso . 
Embiratanha  —  planta  de  embira. 
Enxamear  — encher  os  vãos  das  paredes  feitas  com  tai- 
pas, de  pedaços  de  páo  e  barro. 

Encordoar  )  amuar-se  ou  enfiar  por  motivo  de  chufas  ou 
EncalistrarS  gracejos,  também  se  emprega  activamente. 
Fadista    \ 
FindingaS  V^^^^'^^'^^  barregan. 

Fuxicar  —  amarrotar,  enxovalhar  (roupa,  etc.) 
Farofa  —  carne  mexida  com  farinha. 
Fabrica  —  (Ceará)  rapaz  que  ajuda  o  vaqueiro  na   es- 
tancia . 
Fachina —  soldado  em  serviço  fora  do  quartel. 
Famanai  —  ( ao  Norte  )  muito  afamado. 
Flato  —  ataque  de  nervos. 


517 


Goraca  —  cinta  de  couro  que  se  fecha  com  dous  botões 
grandes  ou  moedas  de  ouro  ou  prata,  com  uma  bolsa. 

Girinmm  —  (ao  Norte)  abóbora.  (Ind.). 

Geraes —  logares  ermos  (N.)  ^^  Perdi-me  nesses  Geraes" 

Gereré  — rede  de  pescaria. 

Girão  —  leito  de  varas  sobre  forquilhas  ;  também  serve 
para  moquear  carne,  guardar  louça,  etc. 

Graiicá) 

GaiijcA  c^^^nguego. 

Garapa  —  caldo  de  canna  moida  no  engenho . 

Isqueiro  —  pequeno  tubo  de  metal  ou  ponta  de  chifre 
com  tampa  de  porongo  ou  metal,  que  serve  para  guardar 
isca  a  que  pegam  fogo  com  fuzil  e  pederneira  para  accen- 
der  cigarro. 

Igacaba  —  talha  grande  para  agua  (Norte.) 

Igarvana  —  homem  navegador. 

Ipiieiras  —  logares  que  no  inverno  se  enchem  d'agua, 
conservando-a  por  tempo  dilatado. 

Jacd  —  cesto  comprido  com   tampo,  feito  de   taquaras. 

Jandahira  —  abelha. 

Muxinga  —  açoute  (voe.  afr.) 

Mnxingiieiro  —  o  que  açouta . 

Miingangas  —  momos . 

Muxox(^ —  estalo  com  os  lábios  em  signal  de  des- 
prezo . 

Miilambo  —  farrapo,  andrajo. 

Mascate  —  antigamente  mercador  estrangeiro;  hoje  o 
que  vende  fazenda  pela  rua . 

Mascatear  —  vender  fazendas  pela  rua. 

Mandinga  —  feitiço . 

Muquiar  —  preparar  certo  guisado. 

Muqiiem  —  logar  onde  se  muquia. 

Manjo  —  jogo  do  tempo  será  ;  Maria  mocangueiro. 

Macachêra  —  mandioca  doce  (  Norte  )  a  que  no  Rio  de 
Janeiro  dão  o  nome  de  aipim . 


5i8 


Mocambmho  —  (Norte)  habitação  feita  no  mato  por  ne- 
gros fugitivos. 

Mocambos  — vastas  moutas  no  sertão  onde  se  esconde  o 
gado. 

Maldictãs — sezões,  maleitas,  febres  de  crescimento. 

Mocotó  —  mão  de  vacca. 

Muxiba  —  pelles  de  carne  magra. 

Matuto —  sertanejo,  homem  atoleimado. 

Massada  —  cousa  que  causa  fastio,  aborrecimento. 

Nonhô^    ã  *     i  mancebo,  senhor  moço, 

Yoyô,  yafá  I  senhora  moça. 

Oi^denança  —  além  da  significação  própria,  designa  a 
praça  que  acompanha  e  está  á  disposição  dos  Ministros, 
Presidentes  de  Províncias,  e  outras  autoridades. 

Obrigação  —  família   (como  vai  a  obrigação  ? ) 

Tresiganga  —  náo  que  serve  de  prisão . 

Peqiiira  —  cavallo  pequeno. 

T^agé  —  adevinho  ;  homem  que  livra  de  feitiços  e  encan- 
tamentos (Ind.) 

Toncho  (ponche)  —  espécie  de  cobertor  quasi  redondo 
com  uma  abertura  e  gola  no  centro  por  onde  passa  a 
cabeça .  Serve  para  resguardar  o  cavalleiro  do  frio  e  da 
chuva.  Sendo  de  linho  (por  causa  do  pó  nos  dias  de  grande 
calma)  chama -se  palla. 

'Pacoua  —  banana  (Pernambuco . ) 

Ttão — homem  que  amansa  cavallo  e  burros  chucros 
(bravos). 

'Tassoca  —  carne  secca  pilada  com  farinha  e  cebolas . 

Puxado — aposentos  feitos^depois  de  construído  o  prédio. 

Taspalhão  —  papalvo,  fátuo . 

'Pereba  (pareba)  —  qualquer  erupção  cutânea,  feridinha 
com  puz,  sarninha. 

Pipoca  —  milho  arrebentado  ao  calor  do  fogo . 


•  Em  S.  Paulo  e  em  alguns   lugares    de    Minas  abreviam-no  em    Nhô, 
Nhà,  e  dizem  NhóQuini  (Sr.  Joaquim),  Nhó  sim,  nhõ  «ão,  etc. 


5i9 


Quindins  —  requebros,  melindres . 

Quitute  —  iguaria  exquisita  e  appetitosa. 

Quitanda  ^  —  mercado  volante  de  hortaliça,  etc . 

Quitandeiro  —  o  que  i>ende  quitanda . 

Quicé  —  (Norte)  faca  pequena. 

Quilombo —  lugar  onde  se  refugiam  e  reúnem  negros 
fugidos. 

Quilombóla  —  negro  que  se  acolhe  ao  quilombo . 

Quimanga  —  cabaço  em  que  se  guarda  comida . 

Rebenque —  chicote  curto  de  couro  trançado,  e  com  uma 
ou  mais  pontas  de  sola  ou  couro  trançado, 

Réve  —  vasilha  de  barro  que  não  vasa  pelos  poros. 

Samburd  —  cesto  de  cipó  de  boca  apertada  em  que  o 
pescador  guarda  o  peixe .  No  Rio  de  Janeiro  é  uma  espécie 
de  cesta  com  alça. 

Senzala  —  habitação  de  negros  nas  fazendas . 

Sipoada  —  vergastada  (com  cipó) . 

Sura —  ave  sem  pennas  na  cauda. 

Samba  (sambar)  —  festa  popular  no  interior  na  qual  dan- 
ça-se,  bebe-se,  e  canta-se  á  viola  ;  ir  a  samba,  divertir-se 
nella . 

Taba  —  aldeia  (voe .  tupy) . 

Tapera  —  estancia  abandonada  -  lugar  ermo . 

Trapiche —  casa  onde  se  guardam  géneros  de  embarque 
e  onde  carregam  e  descarregam  navios . 

Tala  — chicote  pequeno  com  uma  ponta  larga  de  sola. 

Tijuco  —  barro  de  estrada,  pegajoso  (voe.  tupy). 

Tupmambaba  —  maçame  de  linhas  e  anzóes . 

Teméro  —  temerário . 

Tirador — peça  de  couro  que  se  prende  á  cintura  para 
facilitar  o  serviço  do  laço,  e  não  estragar  a  roupa . 


*  Antigamente  chamavam  quitanda  aos  campos  Romanos  onde  se 
estabeleciam  os  vivandeiros  {Be  antiq,  Rom.)  Em  Portugal  também 
outr'ora  assim  se  denominavam  as  feiras  e  mercados  de  comestiveis  :  em 
Angola,  ainda  hoje,  como  no  Brasil,  significa  mercado  volante.  (Lopes  de 
Lima —  Ensaio  Statis,  sobre  as  poss.  Port.  na  ultramar.) 


520 


Tornbador  —  (terreno)  desigual,  cheio  de  borracaes. 

lauçú  —  pedra  furada  presa  a  uma  corda  para  servir  de 
ancora  ás  canoas. 

Torém  —  instrumento  e  dansa  popular.  ^ 

Urú  —  bolsa  de  palha  de  palmeira  buruty  ou  carna- 
huba.  (id.  ave). 

Varjota  —  vargem  pequena. 
Vigário  —  homem  astuto . 

Xingar  —  chamar  nomes  a  alguém . 

Xingamento  —  descompostura  de  palavras. 

Xeripá —  chalés  com  que  os  camponezes  no  Rio  Grande 
cingem  a  cintura. 

Xenxem  —  cousa  desprezível.  Dava-se  este  nome  a 
uma  moeda  hoje  sem    valor. 

Também  são  de  notar  as  mudanças  phonicas  ;  assim  é 
que  no  Pará  diz-se  Labisonhosp.  lobis -homem  :  gtTsl' 
mente  em  todo  Brasil  a  gente  illetrada  diz  Vosmecêp.  vossa 
merçc ;  pronunciam  quarar  por  corar^  i.  é,  enxugar  a 
a  roupa  ao  sol  depois  de  ensaboada  qiiarador  o  logar 
grammado  onde  se  estende  a  roupa  a  corar  cadc  p .  que  é 
de. 

Nada  tem  entre  o  povo  mais  denominações  do  que  a 
aguardente  : —  é  a  bixa^  a  teimosa^  a  branca^  as  sete  virtudes., 
d.  pilóia^  etc,  por  beber  um  trago  de  aguardente  dizem 
—  tomar    um  codôrio,  matar  o    bicho. 

Vejamos  agora  alguns  modos  de  dizer  do  povo  : 

Levar  taboca.,  ou  de  taboa,  na  cuia  —  não  conseguir  o 
intento  ;  não  obter    despacho    favorável  á  pretenção . 


*  Muitas  são  as  danças  populares  no  Brasil.  Além  das  já  mencionadas 
tomos  o  fado,  o  choradinho,  a  tyranna,  o  córta-jacca,  o  coco  inchado, 
baião,  o  sorongo,  o  batuque,  ojongo,  catereté,  etc. 

Muitos  também  são  os  nomes  de  arreios  especiaes  de  que  se  servem  no 
Rio  Grande,  S.  Paulo  e  Minas  (bastos,  lombilhos,  serigotes,  etc.)  cujas 
peças  teem  nomes  também  especiaes. 


521 

Tomar  chá  com  alguém  —  mofar  de . 

Subir  a  serra )     , 
^  lentiar. 

Dar   cavaco  > 

Ver -se  em  assado^  em  apuros  —  achar-se  em  apertos. 

Homem  ralado  do  mundo  —  experimentado. 

Ter  UKS  biquinhos  —  dividas  de   pouca  morna. 

Andar  de  ponta  com  alguém  —  estar  picado,  estimu- 
lado. 

Entrosar  —  importunar  ;  querer  parecer  o  que  não  é . 

batera  bota,  esiicar  a  canella —  morrer. 

Crescer  para  cima  de  alguém  —  dirigir-se  para  alguém 
ameaçando-o. 

Estar  de  venta   inchada  —  zangado . 

Querer  ensebar  alguém,  embaçal-o  —  querer  illudil-o . 

Dar  as  dedicas  —  empregar  os  meios  convenientes 
( Ceará  ) . 

No  Ceará  é  expressão  muito  vulgar — para  esse  tanto, 
ex.  : — ^'Não  julgar  que  se  fallasse  n' esse  tanto.'''' {d.  QstQ 
respeito),   uma  razão  para  esse  tanto,  etc." 

Advertimos  que  estes  modos  de  fallar  são  apenas 
ostensivos  na  conversação  familiar,  e  alguns  só  na  da 
plebe,  e  que  nunca  se  encontram  em  nossos  escriptores,  a 
não  ser,  execusado  era  accrescentar,  os  que  o  uso  sanc- 
cionou  e  são  necessários,  como  sura,  girdo,  ordenança, 
etc. 

Outrosim,  é  muito  de  notar  a  tendência  que  tem  o 
povo  para  dar  a  cousas  ou  profissões  nomes  que  lhes  não 
cabem,  mas  que  todavia  persistem,  vendo-se  a  classe  culta 
muitas  vezes  obrigada   a  sanccional-a : 

Belchior  —  adello. 

Maxambo??iba  —  antiga    ferro-via  urbana . 

barata  —  mulher  pobre,  que  usa  capona,'i.  é  capa 
ampla  e    longa    que    cobre  também  a  cabeça. 

'Bispo  —  vehiculo  publico,  vicíoria  pequena  tirada  por 
um  animal. 

66 


523 


'\Bond  —  ferro-carril  suburbano  e  urbano  ;  além  de 
denominações  de  certas  moléstias  epidemicas,  taes  como  : 
—  lamperina,  polka^  lanceivos^  etc.  Quasi  todas  essas  de- 
nominações,,  porém,  coincidem  com  um  facto  politico 
ou  social  que  lhes  deu  origem.  São  neologismos  históricos. 

Já  dissemos  —  é  o  povo  que  representa  as  forças  livres 
e  espontâneas  da  humanidade. 


QUADRAGÉSIMA  QUINTA  LIÇÃO 

Alterações  léxicas  e  syntacticas.  — Archaismos 
e  neologismos 

1  — Já  vimos  que  as  línguas  transformam -se  no  correr 
dos  tempos  não  só  na  phonologia,  mas  também  no  léxico 
e  na  syntaxe . 

Esta  evolução  já  ficou  claramente  explicada. 

As  alterações,  pois,  podem  ser  phonicas,  léxicas  e  syn- 
tacticas . 

oAlteraçÕes  phonicas. —  Já  as  estudamos. 

Alterações  léxicas. —  Também  já  vimos  nas  liç5es  pas- 
sadas (  29,  etc.)  quaes  ellas  são,  e  quaes  as  suas  causas. 

oAlteraçôes  syntacticas.  —  O  confronto  dos  exemplos 
com  que  quarteamos  as  lições  29,  33,  34  e  35  basta  para 
fazer-nos  sentir  a  differença  de  construcção  nos  diversos 
períodos  de  lingua. 

O  optmw  ò.e  todos 

direi  somente  o  em  que  pararam   estas  cousas. 

determinou  ãe 

O  Castello  de  Santarém  aos  Mouros  o   tolhy . 

estamos  convicto  ou  convictos 

as  cousas  que  elles  WvihdiXa  feitos , 

morrer  á  fome,  de  fome 

até  á  casa,  até  casa,  até  a  casa 

começou  fazer,  de  fazer,  a  fazer 

en  cas  sa  madre,  en  cas  de  sa  madre 

regadas  tinha  as  flores  ;  regado  tinha,  etc. 

desde  Março  meado,  desde  o  meado  de  Março 

2  —  Para  o  desenvolvimento  da  lingua  e  para  o  seu 
continuo  evolucionar,  muito  concorrem  duas  forças  co- 
nhecidas pelos  nomes  de  archaismos  e  neologismos . 


524 


3  —  Archaismos. —  São  palavras  que  se  perdem  na 
solução  de  continuidade,  mas  cujo  desapparecimento,  como 
nos  seres  orgânicos,  concorre  para  o  desenvolvimento  da 
linguagem. 

Acontece  —  diz  Whitney  —  como  nos  seres  organisados 
nos  quaes  a  eliminação  faz  parte  do  desenvolvimento 
tanto  quanto  á  assimilação. 

As  causas  da  morte  das  palavras  podem-se  reduzir  a 
quatro : 

1  Perda  da  idéa  ou  do  objecto  expresso  pela  palavra : 
—  algaiil,  escamei,  behetria,  biicellario .... 

2  A  synonymia,  o  neologismo  :  —  agro  (  campo  ), 
emprir  (  encher  ),  lidimo  (  legitimo  ),  piinçante  ( pun- 
gente ), 

3.°  —  O  uso,  a  ignorância  dos  escriptores,  o  pedan- 
tismo litterario  :  —  pellkeiro,  empegar,  medicinar,  sor- 
var,   

4.0  —  O  dar-se  á  palavra,  por  transferencia,  sentido 
obsceno,  ou  ser  considerada — por  eífeito  de  idisyon- 
cracia  mental  —  termo  vulgar,  chulo  :  — fider,  tresandar, 
rabo, . . . 

Os  archaismos  podem  ser : 

Próprios,  isto  é,  termos  inteiramente  mortos,  e  sem 
esperança  de  resurreição,  a  não  ser  em  does.  históri- 
cos:—  bayanca,  cabiscol,   soforar,  julgajul,  biilhom,. .. . 

qA.  de  sentido.  —  São  palavras  que,  conservando  a 
forma  integral  originaria,  perderam  certo  e  determinado 
sentido.  Ex. — /acenda  significando  sentimento  ou  estado 
d^alma;  mesura — generosidade,  torto — injuria,  damno, 
arraial,  aguadeiro,  caldeira,  esmolar,  tfianhas, .... 

Mesura  seria,  senhor, 
de  vos  amercear  de  mi. 

Cauc.  Vant. 
Da  minha  senhor  que  eu  servi 
sempre  que  mays  c'ami  amey, 
veed   amigos  que  fort^cy. 

(Id). 


525 


A.  Jlexionaes. — São  as  terminações  verbaes  ades^ 
edes^  odes  (Sec.  XIII,  XIV),  os  participios  em  udo 
(Sec.  XV),  etc. 

qA.  phonicos.  —  São  innu meros  —  abtsso  abysmo, 
boveda  abobada,   tredor  traidor. 

qA.  orthographtcos . —  Constituem  archaismos  ortho- 
graphicos  o  emprego  de  om  p.  ão,  de  /  ou  //  p.  Ih 
{melor  muller  alleo\  de  dous  f  iniciaes  ou  r  médio 
{ffalsas  oHvra)^  etc. 

qA.  syntaxicos. —  Destes  são  mais  importantes  o  em- 
prego de  certos  verbos  sem  preposição  :  —  começar  dar 
testimunho,  entrou  casa  de,  casou  a  filha  de ;  do  gerúndio 
precedido  da  prep.  ew,  equivalente  a  —  no  tempo  em 
que: — em  sendo  abbadessa  oujfe  um  Jilho  (Liv.  Linh.); 
certas    inversões   arrojadas,   etc. 

4 .  —  Os  neologismos  são  novos  meios  de  exprimir  o 
pensamento,  e  de  enriquecer  a  lingua  dando  outrosim  varias 
accepçÕes  a  cada  uma  das  palavras. 

Formam-se  da  combinação  dos  próprios  elementos,  ou 
da  importação  grega,  Jatina  ou  de  qualquer  outra  lingua. 

Os  1**^  são  intrínsecos^  os  2°^  —  extrínsecos .  D'estes 
assas  nos  temos  occupado  ;  d'aquelles  basta  ler  o  que  es- 
crevemos sobre  os  dous  grandes  processos  de  for- 
mação . 

Temos  ainda  o  que  chamaremos  —  neologismos  por 
archaismos^  facto  curioso  no  desenvolvimento  das  linguas, 
e  que  consiste  no  resurgir  em  época  mais  ou  menos  remota, 
de  palavras  condemnadas  ao  esquecimento.  Entre  as  128 
palavras  citadas  por  D .  Nunes  como  antiquadas,  figuram 
— finado  p.  morto,  saga:{^  atroar,  atavio^  arrefecer^ 
algures ;  nas  apontadas  por  F.  Freire  acham-se  arro- 
ladas —  andrajo,  adrede^  passamento^  sandice^  bipede,  bipar- 
tido^ queixumes^  delonga^  derradeiro^  pristino^  voci- 
ferar^ longiquo^  etc. . . . 

Os  neologismos  vicejaram  em  todas  as  épocas  da  vida  ; 


536 


mas  a  sua  influencia  mais  se  tornou  manifesta  no  Sec.  X, 
e  accrescentada  nos  dous  seguintes. 

No  sec.  XV  a  fonte  principal  dos  neologismos  extrinsecos 
era  o  latim,  no  XVI  —  o  francez,  nos  seguintes  —  o  hes- 
panhol,  italiano  e  a  influencia  greco-latina. 

«  O  archaismo  vale  principalmente  como  tradição  litte- 
raria,  como  correctivo  ao  neologismo,  e,  em  summa,  como 
material  expressivo  e  representativo  do  espirito  e  da  forma 
das  composições  antigas. »  * 

As  linguas  estão  sujeitas  ás  duas  forças  da  conserpação 
e  revolução,  de  que  nos  falia  Darmstater ;  o  neologismo 
será  um  dia  archaismo,  disse  Littré . 


*  Lameira  de  Andrade  —  These  de  concurso.    Vide  mais  F.  Bai-reto, 
id.  ;  Pacheco  Júnior  —  Gram.  hist. 


QUADRAGÉSIMA  SEXTA  LIÇÃO 

Syntaxe  e  estylo 

I . —  o  estylo  é  « a  feitura  característica,  que  dá  ao  dizer 
de  cada  um  o  modo  especial,  porque  elle  concebe,  ordena 
e  exprime  os  seus  pensamentos.  » 

a  Tudo  o  que  se  diz  fallando  ou  escrevendo,  consta  de 
pensamemos,  concebidos  sob  certas  formas  ou  Jigiiras, 
expressadas  por  palavras^  ordenadas  em  phrases^  e  estas 
distribuídas  em  clausulas, 

A  syntaxe  é,  pois,  o  processo  geral,  e  o  estylo  o  pro- 
cesso indmdual . 

2. —  A  estylistica  é  a  arte  de  bem  escrever;  para  o 
escriptor,  a  palavra  é  um  symbolo  que  se  modifica  á  força 
inventiva  da  imaginação,  transformando -se  numa  verda- 
deira suggestão  de  imagens.  ^) 

E  a  perfeita  comprehensão  da  natureza  das  palavras 
exige  uma  forma  qualquer  figurativa .  ^) 

Este  caracter  extrema  forçosamente  a  phraseologia  dr- 
/wízca  da  phraseologia  grammaiical  \  Si  t^xyXisúcoL  da  syn- 
taxe commum,  sem  todavia  excluir  as  muitas  modalidades 
de  dependência  a  que  estão  sujeitos  os  dous  processos . 

3. —  Em  geral,  pôde -se  affirmar,  ha  sempre  connexão 
estreita  e  fatal  entre  as  producções  litterarias  e  a  indolç 
especifica  das  línguas  que  lhes  servem  de  instrumento .  E' 
Sl  conoXdiCdiO  áo  apparelho  e   ádi  funcção.    E"*  força,  pois. 


*)  Taine  —  N.  Essais  de  critique  et  d'histoire, 
*)  Stricker  Du  langage  et  de  la  musique. 


528 


distinguir  no  estudo  scientifico  do  estylo  duas  ordens  de 
factores  importantes  :  —  a  influencia  do  caracter  e  das 
normas  tradicionaes  da  lingua,  do  meio  sociológico  sobre  o 
escriptor,  e  da  reacção  por  este  exercida,  tendente  á  pro- 
ducção  de  novos  effeitos  psychologicos,  e  á  acquisiçao,  para 
os  seus  trabalhos,  do  cunho  de  originalidade .  No  i°  caso  a 
estylistica  é  objectiva^  no  2°  é  subjectiva. 

3. —  Em  seu  periodo  embryonario  (Sec.  XII-XIV)  a 
estylistica  portugueza  é  sinceramente  objectiva.  A  pobreza 
do  léxico  e  o  cunho  vocabular  uniforme  pelos  effeitos  pho- 
neticos  regionaes,  a  construcção  da  phrase  simples  indecisa 
na  sua  inversão,  o  agrupamento  inconsciente  do  periodo, 
as  formulas  oflficiaes  da  diplomática  e  da  agiologia.,  a 
tyrannia  da  métrica  convencional,  — além  de  outras  causas 
talvez  — ,  imprimiram  nos  escriptos  d'essa  época  uma  feição 
característica,  singular,  de  homogeneidade  total.  E' rigo- 
rosamente uma  litteratura  anonyma,  que,  na  prosa  e  na 
poesia  —  como  se  vê  dos  Cancioneiros  e  does .  recolhidos 
por  Fr.  F.  de  S.  Boaventura — ,  a  psychologia  geral 
daquelles  tempos  via-se  tolhida  pela  tradição,  que  im- 
punha uma  forma  monotypica . 

4.—*  Todavia,  esses  documentos  deram  resultados,  que 
já  por  si  constituem  perfeição  de  estylo,  e  de  que  se  apro- 
veitou a  estylistica  subjectiva.  Foi  o  emprego  de  termos 
populares  —  que  poupa  a  energia  do  leitor  ou  ouvinte,  e  o 
emprego  de  pouco  crescido  numero  de  vocábulos  —  que 
poupa  o  esforço  mental. 

E'  o  que  Spencer  denomina  —  economia  da  attenção^ 
uma  das  modalidades  do  grande  principio  do  minimo  es- 
forço^ que,  com  a  emphase.,  domina  a  maior  parte  dos  factos 
da  vida  e  evolução  da  linguagem. 

Menina  e  moça  me  levaram  de  casa  de  meu  pai  pêra  longes  terras: 
qual  fosse  então  a  causa  d'aquella  minha  levada,  era  pequena  não  na 
soube .  Agora  não  lhe  ponho  outra,  senão  parece  havia  de  ser  o  que 
depois  foi. 

(Bem.  Rib.) 


D2Q 


Estavas,  linda  Ignez,  posta  em  socego, 
de  teus  annos  colhendo  o  doce  fruito, 
Naquelle  engano  de  alma  ledo  e    cego 
Que  a  fortuna  não  deixa  durar  muito  ; 
Nos  saudosos  campos  do  Mondego, 
De  teus  formosos  olhos  nunca  enxuitos. 
Aos  montes  ensinando  e  ás  hervinhas 
O  nome,  que  no  peito  escripto  tinhas 

(Camões.) 

5. —  Outra  vantagem  é  o  emprego  dos  termos  con- 
cretos de  preferencia  aos  abstractos,  e  d^ahi  também  o 
emprego  dos  tropos  *  e  onomatopéas,  que  —  materialisando 
as  cousas  abstractas  —  facilita  a  sua  immediata  compre- 
hensão.  Exemplos  destes  processos  ofFerecem-nos  ospro- 
loquios  e  annexins  populares,  cheios  de  vida  e  de  energia. 

Tirar  sardinha  com  a  mão  do  gato. 
Não  se  pescam  trutas  a  bragas  enxutas. 
Miguel,  Miguel,  não  tens  abelhas  e  vendes  mel. 

Já  dizia  Rodrigues  Lobo  {Corte  na  Aldeia)  «  ha  meta- 
phoras  e  translações  tão  usadas  e  próprias,  que  pare- 
cem nascidas  com  a  mesma  lingua,  que  como  adágios 
andam  pegadas  a  ella.  » 

6. —  Outro  elemento  do  estylo  objectivo  são  as  ono- 
matopéas, a  principio  directas,  depois  ostentando  sem 
as  palavras,  só  pela  cadencia  e  som,  a  imagem  que  se 
pretende  pintar.  E  as  vozes  onomatopaicas  constituem 
grande  riqueza  da  nossa  lingua. 

O  louvar  com  cymbalos  bem  retittintes ;  o  louvar  com  cymbalos 
de  alegre  resonattcia.   Tudo  quanto  tem   fôlego,  louve   ao  Senhor. 

{P salmo  150-5-6) 

De  terras  e  povos  fazendo  uma  dansa  vindo  cantando  com  doce 
harmonia  estas  palavras  de  grande  alegria,  vivamos  cantando  com 
tanta  bonança. 

(J.  ^.—  Clarim). 

Os  vastos   campos,  c'o  baque j  longe j  e  roncos  ribombaram. 

(F.  "EX-y sio.— O ber.) 


V.  Lição  6.» 

67 


53o 


Lhe  embebe  o  ferro  pela  aberta  boca 

Na  hastea,  que  os  fere,  os  dentes  reiiniravi 

(Id.  í?.  Ptm.) 
Brama  e  rebrama  em  échos  o  estampido j 
Por  âcas  furnas j  reboajites  brenhas, 
Creras  que  cada  tronco  estala  e  escacha 

(Id.) 
A  plúmbea  pela  mata,  o  brado  espanta 
Ferido  o  mar  retumba  e  assovia  ' 

{Camões') 

escarcéos  e  escarceos,  rebentam^  bramam j 
alvejam j  troam :  o  intimo  do  abysmo 
sobe  á  flor,  desce  a  espuma  ao  fundo  inquieto 

(Id.) 

Jíue  a  raivosa  rústica  torrente 

(Bocage) 

Secca  a  terra  apparece,  nella  é  tudo 
Informe,  e  rude,  e  solitário,  e  mudo. 

(Macedo) 

Exemplo  magnifico  é  este  em  que  Camões  descreve 
as  cadenciadas  e  monótonas  pancadas  do  pente  e  pedaes 
do  tear : 

Quando  em  face  ao  tear  rojaes  cantando 
de  cá  láj  de  lá  cáj  por  entre  os  fios 
do  alvo  ordume  a  lisa  lançadeira, 
E  dos  pedaes  ao  compassado  toque 
O  p^te  acode,  e  vos  condensa  o  panno. 

7.  —  oAlliteração  e  assonancia  —  A  alliteração  é  in- 
stinctiva  e  popular;  delia  encontramos  exemplos  nos 
primeiros   does.    da   lingua. 

cheguei   chegar 

(C.     Vat.) 
disse-m'a  mi  meu  amigo 

(  Id.) 
são  e  salvo,  feio  e  forte,  berliques  e  berloques  : 
Padre   Santo  san  Gião 
Que  ve7n  e  vae  com  os  que  vão 
(G.  Vic.) 

E'  mui  frequente  a  alliteração  dos  nomes  próprios  nas 
canções  antigas  : — Martim  Morxa^  Lopo  Lecas,  etc. 
(G.'Vat.). 


*  V.  Alliteração,  id. 


53 1 


São  exemplos  de  assonancia  : 

a  Sevilha  el  rey  servir  (  C.  Vaf.) 

domar  foíros  porém  poucos 
Não  levantes  lebre  que  outro    leve 
Si  não  forej  casto  sê  cauto 
Cesteiro  que  faz  um  cesto  faz  um  cento 

8. —  Elemento  também  objectivo  do  estylo  é  a  ten- 
dência sempre  crescente  para  a  construcção  analytica 
(Secs .  XVIII  -  XIX),  que  nos  poupa  fadiga  mental,  mas 
nem  sempre  se  presta  aos  effeitos  estheticos. 

9  —  Não  nos  demoraremos  nas  qualidades  essenciaes 
das  palavras,  das  phrases  e  clausulas . 

As  palavras  devem  ser  vernáculas,  ter  por  fiadores  os 
que  bem  escrevem  e  faliam  a  lingua,  ser  empregadas  com 
propriedade^  clareia  e  conveniência  (  relativamente  á  con- 
textura do  assumpto  —  elevadas,  familiares,  communs 
plebéas  ou  chulas ) . 

São  qualidades  essenciaes  das  phrases  e  clausulas  —  a 
correcção,  pure:{a,  isto  é,  que  na  combinação  das  partes  e 
arranjo  geral  sigam  o  génio  da  lingua  ou  uso  dos  melhores 
escriptores  ^  \  clareia  (  e  para  isso  é  mister,  além  de  vocá- 
bulos nitidos  e  bem  cabidos,  claros,  e  syntaxe  correcta  — 
precisão^  ordem  ^ ,  unidade  ),  emphase^  harmonia . 

Estudo  necessário  para  que  se  forme  o  estylo  é  também, 
alem  do  vocabulário  completo,  e  syntaxe  correcta,  a  da  sy- 
nonymia,  e  a  leitura  joeirada  dos  clássicos  antigos  e  mo- 
dernos . 

10  —  O  estylo  classifica-se,  quanto  ao  desenvolvimento 
dos  pensamentos  e  expressão,  em  —  conciso,  preciso,  desen- 
volvido, prolixo. 

Quanto  á  qualidade  e  gráo  de  ornato,  em  simples,  tem- 
perado e  sublime . 


*  V.  Barbarismos. 

'  Criteriosa    transposição,  boa  collocação  dos  advérbios,    de  orações 
incidentes,  complementos  circumstanciaes  «  casos  continuados. 


532 


O  estylo  simples  subdivide -se  em  simples,  natural  (que 
á  simplicidade  da  expressão,  junta  a  dos  pensamentos), 
familiar.  E'  o  estylo  preferido  nos  livros  didácticos,  de 
narrativas  vulgares,  etc... 

Estylo  simples. —  E'  doutrina  certa  entre  os  antigos  grammaticos 
e  rhetoricGS,  assim  gregos  como  latinos,  que  a  principalissima  quali- 
dade, que  deve  ter  qualquer  escriptor,  é  a  pureza  da  linguagem  em 
que  escreve.  Sem  propriedade  no  fallar  perde  muito  qualquer  obra 
litteraria  d'aquelle  solido  merecimento,  que  depende  não  do  juizo  do 
povo  ignorante,  mas  da  sentença  da  critica  judiciosa.  Esta  propriedade 
consiste  em  usar  d'aquelles  vocábulos,  d'aquellas  phrases  e  idiotismos, 
que  constituem  o  distinctivo  e  indole  legitima  do  idioma  em  que  se 
escreve, 

(  J.  Freire — Reflexões  .sobre  a    lingim poríugueza .  ) 

Estylo  natural  —  Quando  ás  vezes  ponho  diante  dos  olhos  os 
muitos  e  grandes  trabalhos  e  infortúnios,  que  por  mim  passaram,  co- 
meçados no  principio  da  minha  primeira  idade,  e  continuados  pela 
maior  parte  e  melhor  tempo  da  minha  vida ;  acho  que  com  muita 
razão  me  posso  queixar  da  ventura,  que  parece  que  tomou  por  p?rti- 
cular  tenção  e  empreza  sua,  perseguir-me  e  maltratar-me,  como  se 
isso  lhe  houvera  de  ser  matéria  de  grande  nome  e  gloria  ;  porque 
vejo  que  nãó  contente  de  me  pôr  na  minha  pátria,  logo  no  começo  da 
minha  mocidade,  em  tal  estado  que  n'elle  vivi  sempre  em  misérias  e 
em  pobreza,  e  não  sem  alguns  sobresaltcs  e  perigos  de  vida,  me  quiz 
também  levar  ás  partes  da  índia,  onde  em  lugar  de  remédio  que  eu  ia 
buscar  a  ellas,  me  foram  crescendo  com  a  idade  os  trabalhos  e  os 
perigos . 

(  Fernão  Mendes  Pinto  —  Peregrinação  .) 

A  naturalidade  não  pôde  vir  desacompanhada  de  ta- 
lento, de  imaginação,  e  grande  sensibilidade.  Si  assim 
não  for  cahe  na  puerilidade  e  chateza . 

Estylo  familiar.—  Ha  outros  (  proseguiu  Leonardo  )  que  nem  com 
isso  se  contentam  -,  e  andam  buscando  palavras  mui  exquisitas,  que 
por  termos  mui  escuros  significam  o  que  querem  dizer.  Como  um 
que  se  queixava  da  sua  dama,  que,  de  ciosa,  andava^  inquirindo  os  es- 
crutitiios  do  seu  pensamento .  E  outro  a  um  barbeiro  disse,  que  lhe 
rubricara  a  parede  com  a  sangria. 

(  F.  R.  LOBO  —  Corte  na  Aldéa.) 

O  género  temperado  divide-se  em  estylo  apurado., 
elegante.,  espirituoso . 

O  estylo  apurado  mais  se  eleva  pela  propriedade  e  bom 
cunho  das  palavras,  pela  sua  correcta  e  elegante  collocação, 
do  que  pelo  excesso  de  colorido,  de  ornatos,  etc . 


533 


De  muitos  Santos  lemos,  que  o  começaram  a  ser  ainda  no  berço. 
Assim  madrugou  neste  menino  a  inclinação  ás  cousas  da  Religião  e 
da  Igreja.  Inda  não  tinha  idade  para  entender  e  discernir,  já  assistia 
a  uma  missa  com  tanto  siso,  e  com  tanta  quietação,  que  dava  que 
fallar  aos  que  o  viam,  mostrando  na  applicação,  que  não  ignorava  de 
todo  o  que  alli  via  e  ouvia. 

{Sovzh  —  V.  do  Arco.) 

O  estylo  elegante  é  o  que  mais  apresenta  a  phrase  ren- 
dilhada, colorida,  o  período  boleado,  harmónico,  etc. 
Quando  o  assumpto  não  comporta  o  peso  dos  ornatos,  por 
muito  ricos  para  o  caso,  ou  muito  multiplicados,  o  estylo 
degenera,  e  longe  de  ser  belleza  é  um  defeito. 

A  aurora  é  o  riso  do  céo,  a  alegria  dos  campos,  a  respiração  das 
flores,  a  harmonia  das  aves,  a  vida  e  alento  do  mundo.  Começa  a 
sahir  e  a  crescer  o  sol,  eis  o  gesto  do  mundo  e  a  composição  da 
mesma  natureza  toda  mudada  ;  o  céo  accende-se  ;  os  campos  sec- 
cam-se  ;  as  flores  murcham-se  ;  as  aves  emmudecem;  os  animaes 
buscam  as  covas;  os  homens  as  sombras.  E  se  Deus  não  cortara  a 
carreira  ao  sol,  fervera  e  abrazára-se  a  terra,  arderam  as  plantas,  sec- 
caram-se  os  rios,  sumiram-se  as  fontes  ;  e  foram  verdadeiros  e  não  fa- 
bulosos os  incêndios  de  Phaetonte. 

(Vieira—  i,  251). 

O  estylo  espirituoso  (faceto,  etc.  ^),  em  que  o  escriptor 
deve  sempre  conservar  delicadeza  e  finura  do  senti- 
mento, para  que  o  sal  attico  não  degenere  em  sal  de  co- 
zinha . 

Fossem  lá  á  rainha  Anna  que  deixasse  entrar  no  seu  gabinete 
quatro  calças  de  couro  sem  creação  nem  instrucção,  e  não  mais  senão 
só  porque  este  sabia  jogar  nos  fundos,  aquelle  tinha  boas  tretas  para 
o  canvassing  (manejo)  de  umas  eleições,  o  outro  era  figura  impor- 
tante no  Frecmasson^ s-hall !  (loja  maçónica). 

Já  se  vê  que  em  nada  d'isto  ha  a  minima  allusão  ao  feliz  sys- 
tema  que  nos  rege  :  estou  fallando  de  modéstia,  e  nós  vivemos  em 
Portugal. 

(Garret  —  Viagens  na  minha  terra.) 

O  estylo  temperado  é  o  estylo  próprio  do  senti- 
mento, é  o  mais  empregado  em  poesia,  historia,  ro- 
mance .  • 


*  Os  antigos  diziam  faceto,  jocoso,  etc;  com  a  morte  da  velha  chalaça 
portiigiieza — introduziu -sô  o  csptViío,  e  mais  moderadamente  o  humoure 
o  estylo  humor istico,  etc. 


534 


O  enérgico.  Exige  talento,  gosto,  e  estudo,  porque 
muito  depende  do  bom  cabimento  do  termo,  que  vá  im- 
mediatamente  gravar  a  idéa  no  pensamento .  E  para  isso 
são  também  precisos  o  jogo  delicado  das  antitheses,  e  a 
concisão,  a  graciosa  e  emphatica  brevidade . 

Eu  vos  mando,  filho,  com  esse  soccorro  a  Diu,  que  pelos  avisos 
que  tenho,  hoje  estará  cercado  de  multidão  de  Turcos  ;  pelo  que  toca 
a  vossa  pessoa,  não  fico  com  cuidado,  porque  por  cada  pedra  daquella 
fortaleza  arriscarei  um  filho.  Encommendo-vos  que  tenhaes  lem- 
branças daquellesj  de  quem  vindes,  que  para  a  linhagem  são  vossos 
avós,  e  para  as  obras  são  vossos  exemplos  ;  fazei  por  merecer  o  appel- 
lido  que  herdastes,  acordando-vos  que  o  nascimento  em  todos  é  igual, 
as  obras  fazem  os  homens  differentes  ;  e  lembro -vos  que  o  que  vier 
mais  honrado,  esse  será  meu  filho.  Esta  é  a  bençam  que  nos  deixaram 
nossos  maiores  ;  morrer  gloriosamente  pela  lei,  pelo  rei,  e  pela  pátria. 
Eu   vos  ponho  no  caminho  da  honra  ;  em   vós   está   agora  oganhal-a. 

(J.  Freire  —  Vida  de  D.  João  de  Castro.) 

O  vehemente  —  é  o  irrumpir  de  um  vulcão,  cujas  ma- 
térias incandescentes  recalcara  por  tempo  dilatado .  Mil 
idéas  atravessam  ao  mesmo  tempo  o  cérebro  do  orador, 
dominam-lhe  o  sentimento,  —  a  paixão,  a  ira,  etc;  e  d'ahi 
essas  phrases  ^desligadas,  o  apostrophe,  a  interrogação  e 
exclamação,  a  prosopopéa,  a  repetição,  a  ellipse,  a  meta- 
phora,  etc. . . 

Crescerá  com  a  nossa  paciência  o  seu  atrevimento.  Depois  de  com- 
mettido  o  maior  delicto,  qual  não  terão  por  leve  ?  Quem  duvidará  ser 
oífensor  onde  se  não  vingam  injurias?  Acabemos  pois  de  despertar 
d'este  mortal  Icthargo ;  mettamos  até  aos  cotovellos  os  braços  no 
sangue  d'estes  cruéis  tyrannos  ;  n'este  veneno  banhemos  os  alfanges  ; 
porque  percam  com  as  vidas  a  gloria  de  tão  grandes  insultos. 

(J.  Friere —  Vida  de  D.  João  de  Castro.) 

No  estylo  magnifico  ou  sublime  a  pompa  das  imagens, 
a  louçania  das  palavras,  a  elevação  dos  pensamentos,  a 
pujança  das  figuras  em  criterioso  dominio,  a  harmonia  do 
tecido  da  phrase  e  da  contextura  do  periodo,  eis  o  que 
constitue  este  estylo,  de  que  é  excellente  exemplo  o  trecho 
de  Herculano    citado  a  pgs.  495 . 

1 1  —  ff  Todas  estas  classificações  são  boas  debaixo  do 
ponto  de  vista  a  que  olham ;  mas  insufficientes  para  cara- 


535 


cterisar  todos  os  est3los.  Dous  ou  mais  escriptores 
escrevem,  por  exemplo,  em  estylo  simples  e  conciso,  e 
todavia  náo  deixa  cada  um  d'elles  de  ter  um  estylo  tão 
individual  como  a  sua  physionomia.  Serão  simples  e 
concisos  ;  mas  um  será  obscuro,  outro  claro ;  um  profundo 
outro  superficial ;  um  original,  outro  vulgar,  etc.  Assim 
designar  o  estylo  de  cada  um  delles  pelas  qualificações  de 
simples  e  conciso  não  é  caracterisar-lhes  o  estylo  ;  porque 
não  é  indicar  a  feição  característica,  que  distingue  esse 
escriptor  d^outro  também  simples  e  conciso.» 

12  —  Os  estylos  litterarios  são  pois  muitos  ;  mas  no 
portuguez  [podemos  perfeitamente  distinguir  três  cate- 
gorias que  bem  espelham  as  transições . 

1°.  — O  estylo  c/íi55/co,  creado  no  sec.  XVI  artificial- 
mente pela  cultura  latina . 

2°. —  O  est\lo gongorico,  caracterisado  pelas  túrgidas 
metaphoras,  empolado  da  phrase,  antitheses  desvairadas, 
hyperboles  disparatadas,  pelo  fraldoso  arrastar  da 
phrase,  etc. . . 

«  Não  o  nascer  se  não  o  nascer  sabiamente,  é  o  que  faz  viver 
para  todos:  a  sabedoria  do  nascimento  dá  universalidade  á  vida,  bem  é 
universal  o  que  é  sciente,  que  as  sciencias  tratão  de  universaes,  e  quem 
nasce  entre  sábios,  por  isso  mesmo  nasce  sabiamente.   » 

«  Affonso  e  Beatriz  gerão  em  Pedro  sua  imagem,  e  semelhança, 
Pedro  o  é  de  seus  pais;  este  foi  ditoso  em  que  teve  pais,  de  que 
mereceu  ser  filho,  aquelles  em  ter  um  filho,  de  que  mereceram  ser 
pais  :  de  um,  e  outro  é  a  felicidade,  e  a  sorte,  dos  pais,  porque  se 
representam  em  tão  bom  filho,  do  filho,  porque  é  imagem  de  seus  pais.i» 

(Fr.    H.    de  Nofbnha  Exemplar 
Poético)     1623. 

Donde  começarei  ?  Briareu  eburno 
De  cem  braços  de  plectros,  de  um  custodio 
Virrei  te  doto  ;  abre  em  Dorio  turno 
As  pestanas,  vê  o  Sol  deste  episodio  ; 
Vossa  Excellencia  é  o  Sol ;  pelo  coturno 
O  abração  tantos  braços  :  eu  neste  ódio 
Rasgo  para  cantar,   e  as  cordas  plenas 
Dizendo  vão  Menezes,  e  Mecenas. 

F.    j.    da  Costa  (  O  Imeneu  dos 
Metienei  e  CdStrõ  )  1740. 


536 


3. —  O  estylo  contemporâneo,  que  influenciado  pela 
escola  romântica,  afastou -se  do  clássico  no  arrevesado  da 
phrase,  nos  periodos  estirados,  nas  inversões  á  latina,  etc. 
Esta  escola  foi  iniciada  em  Portugal  por  A.  Herculano, 
Garrett,  Castilhos,  Rebello  da  Silva,  Latino  Coelho, 
Mendes  Leal,  Castello  Branco, ...  e  tem  produzido  em 
prosa  e  verso  uma  serie  de  escriptores  de  mui  subido 
mérito . 

Entre  nós  são  escriptores  correctíssimos  J.  M.  Velho  da 
Silva,  Carlos  de  Laet,  Aureliano  Pimentel,  B.  de  Parana- 
piacaba.  Machado  de  Assis,  Luiz  de  Castro,  Muniz  Barreto, 
José  Banifacio,  Bellegarde, 

i3  —  A  estylistica  teve  pois  a  sua  evolução. 

No  fim  do  Sec.  XIV  é  que  apparece  pela  primeira  vez  um  exemplo 
concreto,  na  rude  descripção  da  batalha  do  Salado ;  no  XVI  Sá  de 
Miranda  influencia  no  meio  objectivo  pela  cópia  de  seus  dizeres 
populares,  ao  passo  que,  ao  envez, o  objectivo  influe  em  A. Ferreira  pela 
tradição  da  autoridade  clássica. 

No  declinar  desse  século  começa  a  prosa  abstracta  ;  mas  o  estylo 
affectado  e  campanudo  dos  seiscentistas  afeia  os  escriptos. 

No  Sec.  XVII  nota-se  a  influencia  hespanhola,  do  que  nos  dá 
prova  sobeja  o  estylo  de  Rod.  Lobo,  sem  individualidade,  todo  de  con- 
venção. D.  Francisco  M.  de  Mello  subordina  a  sua  individualidade 
ao  que  elle  chama  re suscitar  o  grave  estylo  de  nossos  antepassados  ; 
Fr.  Luiz  de  Souza  e  Freire  de  Andrade  escrevem  adstrictos  a  umarhe- 
torica  convencional :  Bocage  dá  ao  estylo  mais  harmonia  pela  conti- 
fiuidade  dos  epithetos  regularmente  repetidos —  diz  o  Sr.  Th.  Braga-^  ; 
Filinto  Elysio—  é  o  grande  artista  das  riquezas  da  construcção  por- 
tugueza. 

t a   velha  querela  de  purismo 

«  e  peregrinismo  phraseologico  deixa  de  ter  razão  de  ser  e 
«  se  resolve  numa  verdadeira  logomachia,  que  só  apraz 
«  intelligencias  ociosas  e  vasias  de  doutrina . 

«  Que  um escriptor originalcontemporaneo, influenciado 
«  por  um  meio  physico  social  particular,  deva  vasar  seus 
«  pensamentos  e  suas  emoções  conforme  os  modelos  de  um 
«  convencionalismo  clássico  e  de  certa  bitola  académica 
€  (sempre  apoiada  na  rotina  da  imitação,  e  procurando 
«  mais  o  figurativo  do  que  o  expressivo),  isto,  aftirmamol-o, 


I 


Doy 


«  é  uma  exigência  que  só  pôde  partir  de  uma  critica  er- 
«  ronea  ou  apaixonada. 

«  Neste  caso  estão  os  frequentes  reparos  que  os  críticos 
«  de  Portugal  fazem  de  certas  differenciações  do  fallar  e 
«  escrever  brazileiro,  onde  o  que  mais  se  lamenta  é  a 
«  nossa  indocilidade  para  com  <  a  tyrannia  de  Lobato  » . 

«  Mas  é  claro  que,  por  exemplo,  José  de  Alencar  não 
«  poderia,  sem  máximo  ridículo,  escrever  a  sua  bellissima 
«  Iracema  na.  feição  pesada  e  grossa  do  quinhentismo  clas- 
«  sico,  que  tão  de  perto  trescala  ao  fragmento  da  Capa  e 
«  á  canção  de  Guesto  oAnsures. 

«  As  pequenas  modificações  synthaxicas  (que  outras  não 
<  são),  com  que  variamos  e  originalisamos  a  lingua  de 
«  nossos  maiores,  tem  em  seu  favor,  além  das  causas  na- 
t  turaes  que  a  sciencia  descobre  e  aponta,  a  vantagem  de 
«  uma  suavidade  maior  em  vários  sentidos.  »  *■ 

E'  pelo  estylo  —  diz  Taine  —  que  se  julga  um  autor:  o 
estylo  representa  o  que  no  homem  ha  de  verdadeiro  e 
predominante . 


*  L.  de  Andrade  —  These  de  concurso. 


6K 


índice 


PAGS. 

I*  lição. —  Observações  geraes  sobre  o  que  se  entende  por 
grammatica  geral,  por  grammatica  histórica  ou  comparativa  e 
por  grammatica  dcscriptiva  ou  expositiva. 

Objecto  da  grammatica  portugueza  e  divisão  do  seu  estudo. 
Phonologia  :  os  sons  e  as  lettras  ;  classificação  dos  sons  e  das 
lettras;  vogaes  ;  grupos  vocálicos  ;  consoantes ;  grupos  consonan- 
taes  ;  syllaba  ;  grupos  syllabicos  ;  vocábulo  ;  notações  léxicas. . .  5 

2*  lição. —  Da  accentuação  e  da  quantidade 17 

y-  lição. —  Origem  das  lettras  portuguczas  ;  leis  que  pre- 
sidem á  permuta  das  lettras  ;  importância  destas  transformações 
phonicas  no  processo  de  derivação  das  palavras 27 

4*  lição .  —  Dos  metaplasmos 44 

5*  lição. —  Dos  systemas  de  ortographia  e  das  causas  de 
sua    irregularidade 52 

6* /zfã^.— Morphologia  :  estructura  da  palavra:  raiz; 
thema  ;  terminação  ;  afiflxos.  Do  sentido  das  palavras  deduzido 
dos  elementos  morphicos  que  as  constituem  ;  desenvolvimento 
de  sentidos  novos  nas  palavras 57 

7^  lição. —  Da  classificação  das  palavras.  Do  substantivo  e 
suas  espécies 76 

8*  lição. —  Da  classificação  das  palavras.  Do  adjectivo  e 
suas  espécies 86 

9*  l/ção. —  Classificação  das  palavras.  Do  pronome  e  suas 
espécies 91 

10*  lição. —  Classificação  das  palavras.  Do  verbo  e  suas 
espécies 95 

II»  lição. —  Classificação  das  palavras.  Das  palavras  inva- 
riáveis        106 


pags. 

12^  lição. —  Agrupamento  de  palavras  por  família  e  por 
associação  de  idéas.  Dos  synonymos,  hoironymos  e  paronymos.       121 

i3»  lição. —  Fkxão  dos  nomes:  género;  numero;  caso. 
Moções  de  declinação  latina.  Desapparecimento  do  neutro  latino 
em  portuguez ;  vestígios  do  neutro  em  portuguez ;  vestígios  da 
declinação  em  portuguez.  Origem  do  s  do  plural   141 

14*  lição. —  Flexão  dos  nomes  :  grão  do  substantivo  e  do 
adjectivo  ;  comparativos  e  superlativos  syntheticos ;  comparativos 
e  superlativos  analyticos 181 

15a  lição. —  Flexão  dos  nomes  ;  flexão  do  pronome;  decli- 
nação dos  pronomes  pessoaes 199 

16*  lição. —  Flexão  dos  verbos  :  conjugação  ;  formas  de 
conjugação 210 

17.^  Lição. —  Formação  das  palavras  em  geral :  composição 
por  prefixos  e  por  juxtaposição.  Estudo  dos  prefixos 249 

18.*  Lição. —  Formação  das  palavras  em  geral:  derivação 
própria  (por  suffixos);  derivação  imprópria  (sem  suffixos). 
Estudo  dos  suffixes 281 

19.*  Lição.—  Das  paiavras  variáveis  formadas  no  próprio 
seio  da  língua  portugueza 3o9 

20.*  Lição. — Das  palavras  invariáveis  formadas  no  próprio 
seio  da  língua  portugueza 3i2 

21.*  Lição. —  Etymología  portugueza;  princípios  em  que 
se  baseia  a  etymología.  Leis  que  presidiram  á  formação  do 
léxico  portnguez 3i5 

22.*  Lição. —  Da  constituição  do  léxico  portuguez.  Línguas 
que  maior  contingente  offereceram  ao  vocabulário  portuguez. . .       32 1 

23.*  Lição. —  Caracter  differencial  entre  os  vocabulários  de 
origem  popular  e  os  de  formação  erudita  ;  duplas  ou  formas 
divergentes • ' t . . .       336 

24.*  Lição. —  Da  creação  de  palavra  novas.  Hybrídismo. . .       348 

25.*  Lição. —  Etymología  do  substantivo  e  do  adjectivo. 
Influencia  dos  casos  na  etymología  dos  nomes 355 

26.*  Lição. ^  Etymología  do  artigo  e  do  pronome 371 

27.*  ZíVãí».^  Etymología  das  formas  verbaes  ;  comparação 
da  conjugação  laúna  com  a  portugueza 38$ 

28.*  lição. —  Etymología  das  palavras. 397 


PAGS. 

29.*  lição.—  Da  syntaxe  em  geral.  Breves  noções  sobre  a 
estructura  oracinal  do  latim  pxjpular  e  do  latim  culto.  Typos 
syntaxicos  divergentes  na  lingua  portugueza 415 

3o.*  /z^rtí?.— Syntaxe  da  proposição  simples.  Espécies  de 
proposição  simples  quanto  á  forma  e  á  significação.  Dos  mem- 
bros da  proposição  simples • 420 . 

3i.*  lição''-'  Syntaxe  da  proposição  composta  ou  do  periodo 
composto.  Coordenação.  Subordinação.  Classificação  das  pro- 
posições         422 

32.*  lição. —  Regras  de  syntaxe  relativas  a  cada  um  dos 
termos  ou  membros  da  proposição 425 

33.*  lição. —  Regras  de  syntaxe  relativas  ao  substantivo  e 
ao  adjectivo 43o 

34*  lição. —  Regras  da  syntaxe  relativas  ao  pronome. .....       443 

35*  lição.— '  Regras  de  syntaxe  relativas  ao  verbo.  Do  em- 
prego dos  modos  e  tempos.  Corrrespondencia  dos  tempos  dos 
verbos  nas  proposições  coordenadas  e  nas  proposições  subor- 
dinadas         449 

36*  lição.'—  Regras  de  syntaxe  relativas  ás  formas  nominaes 
do  verbo 461 

37*  lição. —  Regras  de  syntaxe  relativas  ás  palavras  inva- 
variaveis 

38*  lição. —  Syntaxe  do  verbo  haver  e  do  pronome  se 468 

39*  lição. —  Da  construcção  :  ordem  das  palavras  na  pro- 
posição simples  e  das  proposições  simples  no  periodo  composto. . ,       481 

40*  lição. —  Da  collocação  dos  pronomes  pessoaes 483 

41*  lição. —  Das  notações  syntaxicas  :  pontuação  ;  emprego 
de  lettras  maiúsculas 491 

42*  lição . —  Figuras  de  syntaxe.  Partículas  de  realce 494 

43*  lição.—  Dos  vxios  de  linguagem 498 

44*  lição . —  Das  anomalias  grammaticaes  ;  idiotismos  ;  pro- 
vincialismos  ;  brazileirismos  ;  dialecto 5o3 

45*  lição. —  Das  alterações  léxicas  e  syntaxicas  ;  archaismo 
c  neologismo 5^-^ 

46*  lição. —  A  syntaxe  e  o  estylo 527 


CORRIGENDA 


Pags. 

4 —  linha  4^ —  em  vez  de  sentido  lêa-se  estudo. 
7 —  16  e  17 —  lexycolojria  —  lexicologia. 

II—  3o  a  32 —  lêa-se...  (que  comprehende  as  cordas  vocaes)^  as 
fossas  nasaes,  e  finalmente  a  boca  (lingua,  lábios, 
dentes) . 
15 —  9  —  tachygrapho  —  iachygraphico. 

24 —  6  —  exetnolo  —  exemplo. 

26—  7  —  herametros  —  hexametros . 

59L.  15  —  cm  vez  de  amar,  porem j   é  o    tJieina  especial, 

lêa-se  AMAV. ... 
62  »  15  —  spect,\^z.-?,ç.  spec . 

64  »  18  —    ãs  abstractos,  loa-se  aos  abstractos. 

64  »  28  —  meto  Jty  mico j  \èa.-se  metonymia. 

64  »  28  —  metale/rCj  lêa-se  tnetalepse. 

66  »  18  —  estabelecidos  yiio  Rio  de  Janeiro, —  estabelecidos  no 

Rio  de  Janeiro. 
68  »  18  —  alugc^,  lêa-se   alugava. 

127  »  9  —  sana  t  Sé j   lèa-se  Santa  Se' . 

185       25  entilha  lentilha 

—  27  colo  colo 
188      36              invenior                  iuvenior 

2o3        8  idoisincracia  idiosyncracia 

209        4  só  conservou  não  conservou 

—  7  evitar  evitarem 
216      23             faredcs                  f acedes 


PAas. 

217 

5 

— 

10 

218 

5 

— 

9 

219 

10 

226 

21 

23o 

I 

daces  daaes 

ão,  om  on  aõ=om,  on 
2*  p.  do  plural       2^»  p.  dosing.  e  plural 

o  õ 

tra-rei  trar-ei 

edudita  erudita 

desvivação  desviação 

Mais  —  Nas  pags.  214  e  215  (tabeliã  das  flexões  verbaes),  4' 
observação,  lêa-se  têm-x  em  vez  de  íem-ti .  Na  etymologia  explica-se 
esta  formação  'í^o perfeito j  2*  conj.  2*  pess.  sing.—  oUj  Cpor  an)^  u, 
u  em  vez  de  ou,  eUj  iu.  No  prés.  do  Ind.  3*  conj.  2»  pess.  plural  a 
flexão  c  is  também ;  mais  o  i  da  fllexão  fundiu-se  com  o  do  radical, 
dando  em  resultado  tornar-se  tónica  a  syllaba  final  (  partis=parti-\%). 
Na  6*  observação  em  vez  de  —  os  da  3*  mudam  o  i?  em  í  —  lêa-se —  o 
i  em  e;  mudança  que  teve  por  fim  diíFerenciar  graphicamente  as 
pessoas  do  Imperativo   (parte  parti) 

Na  pag.  245  supprimam-se  as  linhas  19  a  23,  por  excusadas. 


n 


BINDING  SECT.  FEB  2  3  1968 


PC  Pacheco  da  Silva,  Manuel 

5067  Noções  de  grainroatica 

P3  portugueza 


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