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Full text of "O apóstolo da Madeira (Dr. Robert Reid Kalley) : tradução de Manuel de Sousa Campos : edição commemorativa do 125. aniversário da chegada de Kalley à ilha da Madeira"

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AL  Mc 


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O  APÓSTOLO  DA  MADEIRA 


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y 

MICHAEL  P.  TESTA 


O  APÓSTOLO 
DA  MADEIRA 

(Dr.  Robert  Reid  Kalley) 

TRADUÇÃO 

DE 

MANUEL  DE  SOUSA  CAMPOS 


EDIÇÃO  COMEMORATIVA  DO  125.»  ANIVERSÁRIO 
DA  CHEGADA  DE  KALLEY  À  ILHA  DA  MADEIRA 

Igreja  Evangélica  Presbiteriana  de  Portugal 


OUTUBRO  DE  1963 


PREFÁCIO 


Robert  Reid  Kalley,  um  cirurgião  de  Glasgow, 
foi  o  primeiro  médico  missionário  da  Sociedade 
Missionária  de  Londres.  O  seu  destino  era  a 
China  e  o  seu  propósito  era  assegurar  a  conti- 
nuidade da  obra  missionária  que  um  distinto 
compatriota,  Robert  Morrison  (1782-1843),  tinha 
interrompido  devido  à  sua  morte.  Durante  os 
preparativos  para  a  longa  viagem  à  China,  a 
doença  súbita  da  Senhora  Kalley  tornou  aconse- 
lhável deixar  o  inverno  rigoroso  da  Escócia  e 
procurar  um  mais  rápido  restabelecimento  no 
clima  moderado  da  portuguesa  Ilha  da  Madeira. 
Chegara  ao  Funchal  a  12  de  Outubro  de  1838, 
onde  deviam  permanecer  oito  anos. 

Ali,  no  meio  de  um  povo  ilhéu  extremamente 
fanático,  Dr.  Kalley  fundou  uma  cadeia  de  esco- 
las primárias,  um  pequeno  hospital  e  empreendeu 
o  único  movimento  de  evangelismo  em  massa, 
de  toda  a  história  do  Protestantismo  em  Portugal. 
As  dimensões  e  a  eficiência  do  seu  trabalho 
missionário  na  Madeira  podem  ser  avaliadas  pelas 
perseguições  de  1844  e  1846.  Fugidos  às  violên- 


5 


cias  de  1846,  mais  de  dois  mil  «hereges  calvinis- 
tas» deixaram  a  sua  ilha  natal,  estabelecendo -se 
principalmente  nas  Antilhas  e  Illinois. 

Tomando  em  conta  todas  estas  circunstâncias, 
este  trabalho  extraordinário,  um  esforço  inteira- 
mente pessoal  na  sua  origem,  foi  um  dos  mais 
notáveis  movimentos  missionários  do  segundo 
quartel  do  século  dezanove.  O  Dr.  A.  Bonar, 
dirigindo-se  à  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre 
da  Escócia,  refere-se  a  ele  como  «O  maior  acon- 
tecimento das  missões  modernas». 

A  preocupação  deste  trabalho  é  retratar  a  fi- 
gura desse  tão  generoso,  prendado  e  competente 
missionário  e  narrar  as  importantes  proezas  leva- 
das a  cabo  sob  a  sua  dedicada  orientação.  O  pio- 
neiro do  Presbiterianismo  em  Portugal  tornou-se, 
mais  tarde,  no  pioneiro  do  Congregacionalismo 
no  Brasil.  No  decurso  da  sua  vida  missionária, 
através  de  volumosa  correspondência  e  viagens 
longas,  Dr.  Kalley  palmilhou  três  continentes, 
constrangido  por  um  persistente  interesse  e  por 
uma  paixão  verdadeiramente  dominante:  o  bem- 


6 


-estar  espiritual  e  material  dos  protestantes  de 
língua  portuguesa.  Os  seus  esforços  evangélicos 
deram  como  resultado  várias  assembleias  de  cren- 
tes; Dr.  Kalley  foi  extraordinariamente  zeloso  pela 
saúde  espiritual  e  pelo  crescimento  das  igrejas 
sob  o  seu  cuidado  e  responsabilidade  pastorais. 

Eis  aqui  um  homem  estranhamente  esquecido 
na  literatura  das  missões  e  do  movimento  ecumé- 
nico. A  sua  vida  e  os  seus  feitos  são  recordados 
com  gratidão  pelos  protestantes  tanto  de  Portu- 
gal como  do  Brasil  e  pelos  descendentes  dos 
refugiados  madeirenses  de  Religião  Evangélica 
que,  para  não  comprometer  as  suas  consciências 
em  matéria  de  fé,  aceitaram  a  dureza  da  vida  no 
clima  tropical  da  índia  Ocidental  Britânica  ou 
na  estranha  fixação  do  médio  oriente  americano. 

O  objectivo  deste  estudo  é  despertar  um  inte- 
resse maior  sobre  este  tão  digno  médico  e  cirur- 
gião, escritor  e  autor  de  hinos,  educador  e 
filantropo,  missionário  e  amado  ministro  do  Evan- 
gelho, cujo  espirito  e  serviço  merece  ser  conhe- 
cido e  lembrado. 


7 


TÁBUA  DAS  MATÉRIAS 

pá*. 

Prefácio   5 

Introdução   11 

Capítulo  I  —  Apostolado  na  Ilha  da  Madeira 

(1838-1846)   15 

A  —  A  Chamada  para  o  Apostolado   ....  17 
Início  e  Preparação  para  a  Carreira  .    .  17 
Do  Agnosticismo  ao  Evangelismo   ...  19 
Notas  da  Sociedade  Missionária  de  Lon- 
dres   21 

Novas  Direcções   24 

B  —  Apostolado  na  Madeira   26 

O  Bom  Doutor  Inglês   26 

As  Escolas  Domésticas   30 

O  Movimento  Espiritual   32 

C  —  Oposição  ao  Cristianismo   34 

Injúrias  e  Perseguições   34 

Perturbações  do  Programa  Escolar    .    .  37 

Prisão  do  Dr.  Kalley   38 

D  —  Um  Companheiro  de  Trabalho:   O  Rev. 

William  Hepburn  Hewitson   44 

A  sua  Nomeação  e  a  sua  Chegada  à  Ma- 
deira   44 

Inválido,  Santo  e  Erudito   45 

O  Ministério  do  Rev.  W.  H.  Hewitson  entre 

os  Portugueses   49 

E  —  Perseguição  e  Ilegalidade   52 

Violência  contra  os  «Hereges  Calvinistas»  52 
Atitudes  da  Comunidade  Britânica  e  do 

Cônsul  Britânico   56 

«O  Dia  de  S.  Bartolomeu»  na  Madeira  .    .  57 

F  — A  Prova  de  Fogo   59 

A  Fuga  do  Dr.  Kalley   59 

A  Situação  dos  Convertidos   61 

Fuga  da  Madeira   62 

Capítulo  II  — Após  a  Tempestade  (1846-1855)  65 

A  —  Os  Madeirenses  nas  Antilhas  e  suas  Pro- 
vações em  Terra  Estranha   67 

9 


Pág. 


Vida  e  Testemunho   68 

Ministério  do  Sr.  Hewitson  na  Trindade  70 

B  —  Fixação  dos  Madeirenses  em  Illinois  .    .  73 

Chamada  para  a  América   73 

Igrejas  Estabelecidas  em  Jacksonville  e 

Springfield   76 

Novos  Emigrantes  da  Madeira    ....  79 

C  —  Madeira,  após  a  Partida  dos  Exilados  .    .  81 
As   Bíblias    Escondidas    e    as  Reuniões 

Secretas  dos  Crentes   81 

O  Interesse  e  os  Esforços  da  Igreja  da 

Escócia   82 

A  Nova  Comunidade  dos  Fiéis    ....  85 

Capítulo  III  —  Apostolado  em  Outras  Terras  .  87 
A  —  O  Apóstulo  à  Procura  de  um  Novo  Campo 

Missionário    89 

Residência  Temporária  em  Malta  e  Pales- 
tina   89 

Inverno  entre  os  Madeirenses  em  Illinois  90 

B  —  Trabalho  Missionário  no  Brasil  ....  92 

Novas  Normas  para  o  Novo  Mundo  ...  92 

Reunindo  Novo  Rebanho   97 

O  Ministério  da  Palavra  Impressa  ...  101 

C  —  Fim  de  uma  Carreira  Missionária   .    .    .  106 

Aposentação  na  Escócia   106 

Robert  Reid  Kalley:  Uma  Apreciação  .    .  109 
Apêndice  I  —  A  Sentença  da  Excomunhão    .  113 
Apêndice  II  —  Notas  sobre  as  Igrejas  Portu- 
guesas Organizadas  no  Estado  de  Illinois  .  119 

Igrejas  de  Springfield   121 

A   Primeira   Igreja   Presbiteriana  Portu- 
guesa (1849-1908)   121 

A    Segunda    Igreja    Presbiteriana  Portu- 
guesa (1858-1897)   i22 

Em  Jacksonville   122 

Primeira  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa 

(1849-1887)    122 

A    Segunda    Igreja    Presbiteriana  Portu- 
guesa (1855-1900)   123 

A  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  Central 

(1876-1887)    124 

A  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  Unida  124 

Apêndice  III   125 

Apêndice  IV   135 

Notas   141 


10 


I  N  T  R  O  D  U  Ç  Ã  O 


O  extraordinariamente  prendado  e  hábil  mis- 
sionário para  os  portugueses  de  três  continentes 
tem  sido  estranhamente  esquecido  na  literatura 
do  movimento  missionário  moderno.  A  natureza 
e  dimensões  dos  seus  esforços  missionários  não 
têm  sido  apreciadas  devidamente  pelos  historia- 
dores da  Igreja.  O  pioneiro  que  lançou  os  alicer- 
ces do  Presbiterianismo  na  Madeira  e  do  Con- 
gregacionalismo  no  Brasil  está  ainda  para  ser 
descoberto  por  aqueles  que  têm  a  tarefa  de 
reunir  numa  só  meada  os  fios  dispersos  do  mo- 
vimento Ecuménico. 

A  história  de  missões  lembra  duas  perseguições 
de  maior  importância  durante  a  primeira  metade 
do  século  XIX,  designado  como  «O  grande  sé- 
culo Missionário»  as  quais  se  deram  nas  ilhas 
de  Madagáscar  e  Madeira.  O  Professor  Keneth 
Scott  Latourette,  na  sua  monumental  «History 
of  the  Expansion  of  Christianity»,  passa  sem  a 
necessária  paciência,  sobre  a  perseguição  na  Ma- 
deira e  não  a  considera  de  importância  tal,  que 
mereça  mencionar  o  nome  do  missionário  cuja 


11 


corajosa  pregação  e  filantropia  provocaram  as 
violentas  perseguições  de  1844  e  1846.  A  pessoa 
e  os  acontecimentos  que  são  a  causa  deste  tra- 
balho estão  reunidos  pelo  Professor  Latourette 
num  parágrafo.  Escreve  ele: 

«Não  devemos  perder  tempo  na  Madeira; 
desde  o  século  XV  os  Madeirenses  são  portu- 
gueses e  católicos  romanos.  Em  1830  começou 
a  activa  propagação  do  Protestantismo,  no- 
meadamente por  um  clérigo  da  Igreja  Livre 
da  Escócia.  O  movimento  espalhou-se  rapi- 
damente mas  suscitou  amarga  perseguição. 
Muitas  centenas  de  convertidos  procuraram 
refúgio  na  índia  Ocidental  Britânica  e  nos 
Estados  Unidos.  A  sua  fuga  trouxe  uma 
grande  baixa  sobre  o  protestantismo»  (2). 

A  narrativa  da  vida  e  obra  do  Reverendo 
Dr.  Robert  Reid  Kalley  devia  ser  empreendida 
por  um  hábil  biógrafo.  Esperamos,  contudo,  que 


12 


estas  páginas  possam  servir  para  despertar  inte- 
resse por  aquele  intrépido  filho  de  Glasgow, 
distinto  cirurgião  e  querido  ministro  do  Evange- 
lho, cujo  espírito  e  serviço  merecem  ser  conhe- 
cidos e  lembrados. 


13 


CAPÍTULO  I 


APOSTOLADO  NA  ILHA  DA  MADEIRA 
(1838-1846) 


CAPITULO  I 


APOSTOLADO   NA   ILHA   DA  MADEIRA 

(1838-1846) 

A  — A   CHAMADA    PARA   O  APOSTOLADO 

INÍCIO  E  PREPARAÇÃO  PARA  A  CARREIRA 

Aparentemente,  nada,  na  vida  inicial  e  na 
preparação  de  Robert  Reid  Kalley,  evidenciava 
a  tarefa  que  a  Providência  lhe  destinava,  como 
o  maior  evangelista  enviado  aos  Portugueses. 
Nada  parecia  indicar  que  o  influente  cirurgião 
agnóstico  de  Glasgow  viria  a  ser  o  primeiro 
portador  da  mensagem  evangélica  à  pequenina 
ilha  da  Madeira,  onde  a  eficácia  do  testemunho 
do  Evangelho  ia  atingir  proporções  tais,  que  a 
Ilha,  em  breve,  não  poderia  contê-lo;  assim  é 
que  o  Apóstolo  da  Madeira  se  viu  constrangido 
a  alargar  as  fronteiras  de  sua  paróquia,  para 
incluir  crentes  portugueses  nos  Estados  Unidos 
da  América,  Brasil  e  Portugal  continental. 

Pouco  se  sabe  da  juventude  do  Dr.  Kalley,  à 
excepção  de  algumas  referências  pessoais  que 


2 


17 


MICHAEL   P.  TESTA 

ele  fazia  mais  tarde  com  frequência,  recordando 
cenas  da  sua  mocidade. 

O  seu  pai,  Robert  Kalley,  era  um  afortunado 
negociante  em  Glasgow  e,  tal  como  sua  esposa, 
Jane  Reid  Kalley,  era  membro  dedicado  da 
Igreja  da  Escócia  (3). 

Robert  Reid  Kalley  nasceu  em  Mount  Florida, 
nos  subúrbios  de  Glasgow,  em  8  de  Setembro  de 
1809  e  foi  baptizado  a  16  de  Outubro  do  mesmo 
ano  (4). 

Antes  que  tivesse  um  ano  de  idade,  morreu- 
-lhe  o  pai  e,  dois  anos  mais  tarde,  sua  mãe  voltou 
a  casar  com  o  senhor  David  Kay,  igualmente 
viúvo,  mas  com  quatro  filhos.  Poucos  anos  de- 
pois, em  1815,  a  senhora  Kay  morreu  também, 
deixando  órfãos  Jane  e  Robert  Reid  Kalley,  sem 
pais  naturais,  ao  cuidado  do  seu  padrasto.  Jane 
e  Robert,  todavia,  foram  felizes  porque  em  casa 
de  seu  padrasto  não  se  fazia  distinção  entre  eles 
e  os  meninos  Kay  (5). 

Depois  de  completos  os  estudos  preparatórios 
na  escola  de  Rennie  e  no  liceu,  Robert  entrou  na 
Universidade  de  Glasgow  com  a  idade  de  de- 
zasseis anos.  Tanto  o  seu  avô  como  o  padrasto 
queriam  que  ele  se  preparasse  para  o  ministério 
da  Igreja  da  Escócia.  O  jovem  Robert,  contudo, 
estava  já  sob  a  acção  dos  princípios  do  cepti- 
cismo, tão  em  voga  naqueles  dias,  e  por  isso 
preferiu  matricular-se  na  Faculdade  de  Medicina 
e  Cirurgia,  onde  se  licenciou  em  cirurgia  a  31  de 
Agosto  de  1829  (6).  Cirurgião  com  apenas  vinte 


18 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


anos  de  idade,  sentia  necessidade  de  adquirir 
experiência  antes  de  estabelecer-se,  razão  por  que 
aceitou  a  sua  nomeação  corno  médico  de  bordo 
em  duas  longas  viagens  a  Bombaim.  Teve  assim 
oportunidade  de  tocar  em  muitas  cidades  costei- 
ras e  ficou  chocado  com  o  alto  grau  de  pobreza, 
miséria  e  fanatismo  religioso  do  Oriente.  A  sua 
reacção  contra  as  aberrações  sociais  e  religiosas 
da  índia  e  a  convicção  de  que  um  Deus  pessoal 
não  devia  ser  indiferente  e  cego  em  face  de  tão 
geral  sofrimento,  degradação  e  necessidade  hu- 
mana, foram  suficientes  para  confirmar  o  seu 
agnosticismo  (7). 

DO  AGNOSTICISMO  AO  EVANGELISMO 

Após  a  sua  segunda  viagem  a  Bombaim,  o 
Dr.  Kalley  estabeleceu-se  em  Kilmarnock,  em 
1832,  e  num  breve  espaço  de  dois  anos  distin- 
guiu-se  como  cirurgião  muito  competente.  Foi 
em  Kilmarnock  que  se  deu  a  profunda  mudança 
espiritual  que  alterou  todo  o  curso  da  sua  vida. 
A  morte  de  um  doente  confiado  ao  seu  cuidado, 
deu  ensejo  ao  processo  de  sua  conversão.  Foi  o 
testemunho  de  uma  de  suas  clientes,  uma  pobre 
e  piedosa  velhinha,  que  suportava  os  sofrimentos 
e  privações  com  indizível  calma,  paciência  e  que 
aguardava  a  morte  como  a  «chamada  certa  de 
Deus»  que  levou  Dr.  Kalley  de  volta  a  Deus  (8). 
Dr.  Kalley,  o  agnóstico,  declarou  que  se  sentiu 
impelido,  contra  a  sua  própria  vontade,  a  aceitar 
«o  facto  de  Cristo»  (9).  Sentindo-se  chamado  a 


19 


MICHAEL   P.  TESTA 


uma  vida  de  fé,  impôs  a  si  mesmo,  com  dili- 
gência e  entusiasmo,  um  estudo  sistemático  da 
Bíblia.  Sua  conversão  estava  completa. 
Confessou  ao  seu  diário: 

«Bastante  jovem  ainda,  propus-me  estudar  os 
vários  ramos  da  ciência.  Com  a  ajuda  do  micros- 
cópio, investigava  maravilhas  da  Natureza,  invi- 
síveis à  vista  desarmada.  Com  a  ajuda  do  teles- 
cópio, penetrei  o  vasto  espaço  sideral,  conhecendo 
as  distâncias,  a  dimensão  imensa  e  a  grande 
velocidade  dos  corpos  celestes.  Como  resultado 
dessas  investigações,  cheguei  à  conclusão  que  me 
era  impossível  aceitar  a  doutrina  da  existência 
de  um  Ser  Divino,  e  nessa  convicção  continuei 
por  muitos  anos.  Concluí  que  era  impossível  a 
um  Ser  existir  eternamente  e  ter  o  conhecimento 
de  cada  objecto  no  Universo.  Não  podia  admitir 
que  um  Ser  assim  tivesse  recursos  para  formar 
energia  perpétua,  própria  para  manter  em  mo- 
vimento, cada  qual  na  sua  respectiva  órbita,  a 
massa  astral  e  corpos  planetários,  e,  ao  mesmo 
tempo,  possuísse  tão  extraordinária  atenção  a 
ponto  de  poder  formar  os  ínfimos  detalhes  dum 
corpo  microscópico»  (10). 

Dirigindo-se  à  Assembleia  Geral  da  Igreja  da 
Escócia,  a  21  de  Agosto  de  1845,  o  Dr.  Kalley 
fez  esta  referência  aos  seus  primeiros  anos  de 
irreligião: 

«Eu  fui  um  infiel,  acostumado  a  desprezar 
toda  a  religião,  sentindo  grande  gozo  na  frieza, 
nas    trevas   e   na   exibição   da  infidelidade... 


20 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


Quando  senti,  satisfeito,  que  há  um  Deus,  que 
este  livro  (apontando  a  Bíblia)  é  de  Deus,  então 
eu  senti  que  cada  cristão  é  chamado  a  entrar 
naquele  campo  de  actividade  em  que  melhor 
possa  usar  para  Deus,  todos  os  talentos  que 
Deus  lhe  deu.  E  quanto  a  mim,  tenho  pensado 
sèriamente  de  que  maneira,  como  médico  cris- 
tão, posso  melhor  servir  o  Filho  de  Deus»  (n). 

NOTAS  DA  SOCIEDADE  MISSIONÁRIA  DE  LONDRES 

Em  1836,  o  estimado  médico  de  Kilmarnock 
procurava  um  meio  pelo  qual  pudesse  ser  enviado 
à  China,  para  continuar  a  obra  em  Cantão  do 
grande  missionário  e  pioneiro,  Robert  Morrison, 
cujo  lugar  ficara  vago,  pela  sua  morte,  em  1834. 
Seu  oferecimento,  primeiramente  feito  à  Junta  de 
Missões  da  Igreja  da  Escócia,  era  o  de  um  pio- 
neiro. Ele  se  oferecia  para  ir  para  a  China  como 
médico^missionário  e  evangelista,  e  não  como 
ministro  ordenado  do  Evangelho.  A  Junta  de 
Missões  da  Igreja  da  Escócia  tomou  conheci- 
mento mas  declinou  aceitá-lo,  declarando  que 
«não  parecia  próprio  entrar  em  qualquer  campo 
de  trabalho,  que  não  aquele  em  que  a  Igreja  da 
Escócia  já  estivesse  envolvida»  (a). 

Dr.  Kalley  então  endereçou  seu  oferecimento 
à  Sociedade  Missionária  de  Londres  e,  em  reu- 


(a)  Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  Edimburgo,  1845,  p.  9. 


21 


MICHAEL  P.  TESTA 


nião  de  20  de  Novembro  de  1837  (b),  a  Comissão 
de  Exame  de  Candidatos  examinou  todas  as  fór- 
mulas de  inscrição  para  o  trabalho  missionário  (°). 
Uma  semana  depois  Dr.  Kalley  apresentou-se 
pessoalmente  perante  a  Comissão  de  Exame,  a 
qual,  tendo  procedido  ao  exame  de  praxe,  o 
aceitou  como  missionário  assistente  e  médico 
para  a  China,  com  instruções  para  que  estivesse 
pronto  a  embarcar  para  a  China  em  1839,  e  que 
naquele  Ínterim,  «procurasse  desenvolver  os  seus 
conhecimentos  em  alguns  ramos  da  ciência  mé- 
dica e  da  Teologia»  (d).  Ele  deu  então  imediata- 
mente providências  para  dispor  de  sua  casa  e  de 
sua  clínica  em  Kilmarnock.  Com  autorização  da 
Sociedade  Missionária  de  Londres,  entrou  na 
Universidade  de  Glasgow  a  fim  de  fazer  novos 


(b)  Actas  da  Comissão  Examinadora,  Livro  7,  p.  348. 
Sociedade  Missionária  de  Londres. 

(c)  Miss  Irene  Fletcher,  bibliotecária  e  arquivista  da 
Sociedade  Missionária  de  Londres,  informa-nos  que 
os  documentos  referentes  ao  pedido  de  admissão  do 
Dr.  Kalley  não  foram  preservados.  As  declarações  e 
respostas  ao  questionário  prestariam  valiosa  contri- 
buição para  o  entendimento  do  trabalho  e  vida  de 
nosso  biografado.  Entre  outras  coisas  que  a  sociedade 
desejaria  saber,  estão  as  razões  que  o  levaram  a  dese- 
jar ser  missionário  e  a  sua  posição  doutrinária  quando 
fez  o  seu  pedido  de  admissão. 

(d)  Actas  da  Comissão  Examinadora,  livro  7,  p.  352, 
Sociedade  Missionária  de  Londres,  a  27  de  Novembro 
de  1837. 


22 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


estudos  e  onde  também  principiou  seus  estudos 
de  Teologia  (e). 

Dois  meses  depois  da  sua  indicação,  contrà- 
riamente  aos  regulamentos  da  Sociedade  (f), 
Dr.  Kalley  fazia  planos  para  se  casar  com 
Miss  Margareth  Crawford  de  Paisley.  Sabendo 
que  o  estado  de  saúde  de  sua  noiva  poderia 
indubitàvelmente  desqualificá-lo  para  a  obra 
missionária  na  China,  informou  a  Sociedade  Mis- 
sionária de  Londres  que: 

«Como  as  circunstâncias  poderiam  possivel- 
mente mostrar-se  contrárias  à  sua  viagem,  ele 
desejava  ser  informado  de  todas  as  despesas 
lançadas  em  sua  conta,  e,  como  estava  em 
posição  de  fazer  face  às  suas  próprias  despesas, 
não  desejava  sobrecarregar  a  Sociedade  com  ne- 


(e)  Id.,  Livro  7,  pp.  365-366,  Sociedade  Missionária 
de  Londres. 

(f)  Devemos  a  Miss  Irene  M.  Fletcher  a  informação 
seguinte,  que  lança  luz  sobre  o  motivo  que  levou  o 
Dr.  Kalley  a  interromper  suas  relações  com  a  L.  M.  S., 
pouco  após  ter  sido  aceito  como  missionário  por 
aquela  mesma  sociedade.  Os  candidato  ao  trabalho 
missionário  da  S.  M.  L.  deviam  assinar  uma  declara- 
ção pela  qual  se  comprometiam  a  respeitar  os  regula- 
mentos da  Sociedade.  Um  destes  regulamentos  dizia 
respeito  ao  casamento,  onde  se  afirmava  que  o  noivo 
ou  a  noiva  do  candidato  ao  trabalho  missionário  deve- 
ria ser  aprovado  pela  Sociedade.  Também  a  questão 
de  tempo  para  o  casamento  estava  sujeito  à  autori- 
zação da  Sociedade,  tanto  no  caso  de  o  missionário  já 


23 


MICHAEL  P.  TESTA 


nhum  gasto  durante  o  tempo  de  seus  estudos 
preparatórios»  (8). 

A  Sociedade  não  teve  outra  alternativa  senão 
a  de  cancelar  a  indicação  do  Dr.  Kalley,  mas, 
graciosamente  admitiu  que  «se  em  qualquer 
tempo  ele  sentisse  ser  de  seu  dever  entregar-se 
à  obra  missionária  em  conexão  com  aquela  So- 
ciedade, eles  dispensariam  o  melhor  de  sua  aten- 
ção a  qualquer  pedido  que  ele  julgasse  próprio 
fazer»  (h). 

NOVAS  DIRECÇÕES 

À  sua  própria  expensa  Kalley  continuou  os 
seus  estudos  de  Medicina  e  Teologia,  e,  junta- 
mente com  a  sua  noiva,  começou  a  fazer  os 
necessários  preparativos,  não  somente  para  a  sua 


estar  no  seu  campo  de  trabalho,  como  no  caso  de  não 
ter  ainda  embarcado.  A  dispensa  do  Dr.  Kalley  não 
foi  uma  surpresa,  quando  ele  anunciou  sua  intenção 
de  casar-se  com  Miss  Margaret  Crawford  sem  prévia 
aprovação  e  até  mesmo  em  violação  das  regras  da 
Sociedade  —  regras  essas  que  ele  antes  havia  decla- 
rado aceitar. 

(g)  Actas  da  Comissão  Examinadora,  Livro  7,  p.  379, 
Sociedade  Missionária  de  Londres,  a  30  de  Janeiro 
de  1838. 

(h)  Id.,  p.  369.  Resolveu-se  informar  Mr.  Kalley,  que 
em  vista  do  propósito  manifestado  em  sua  carta  de 
27  de  Janeiro,  de  consorciar-se,  sem  mais  delongas, 
com  uma  senhora  cujo  estado  de  saúde  não  parece 
ser  o  mais  satisfatório  para  a  vida  missionária,  os 
directores  resolvem  cancelar  sua  indicação  como 
missionário  dessa  Sociedade. 


24 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


longa  viagem,  como  também  para  um  prolongado 
tempo  de  residência  na  China.  Mas  o  plano  de 
sua  vida  seria  completamente  diverso  daquele 
que  parecia  estar  à  frente,  e  que  tanto  o  em- 
polgava. Mais  ou  menos  nessa  mesma  altura, 
Margareth  C.  Kalley  ficou  tão  gravemente  en- 
ferma que  toda  a  esperança  de  ir  para  a  China 
teve  de  ser  abandonada,  pelo  menos  temporària- 
mente.  Parecia  aconselhável  deixar  a  Escócia,  ao 
aproximar-se  o  rigoroso  inverno,  em  busca  de 
clima  mais  ameno.  Como  jovem  cirurgião  a  bordo 
de  um  navio  em  viagem  para  Bombaim,  tivera 
oportunidade  de  visitar  a  Madeira  e  ficara  en- 
cantado com  a  beleza  espectacular  da  ilha  e 
com  o  clima  salubérrimo  daquela  «Pérola  do 
Atlântico».  Foram  as  agradáveis  recordações  da 
ilha  que  determinaram  a  escolha  da  Madeira 
para  ali  passar  aquele  próximo  Inverno  e  Prima- 
vera em  busca  de  saúde. 

Seu  plano  não  era  estabelecer-se  na  Madeira, 
nem  tão  pouco  radicar-se  como  médico  na  Escó- 
cia; a  China  era  ainda  o  seu  alvo. 

Foi-lhe  oferecida  importante  colocação  como 
médico  na  Inglaterra,  colocação  esta  que  estaria 
à  sua  disposição  após  o  seu  regresso  da  Madeira, 
mas  ele  a  recusou  afirmando  que  seu  supremo 
objectivo  era  servir  a  Deus  no  além-mar,  e  na 
China,  se  lhe  fosse  possível»  (12). 

Os  Kalleys  embarcaram  em  Greenock,  no  navio 
«Jane»  e,  duas  semanas  depois,  em  12  de  Outu- 
bro de  1838,  chegaram  à  Madeira. 


25 


MICHAEL   P.  TESTA 


Na  providência  de  Deus,  eles  ali  deveriam 
permanecer  por  um  período  de  8  anos;  e,  embora 
nos  anos  subsequentes  o  Dr.  Kalley  viajasse 
extensivamente,  na  realização  de  sua  vocação 
missionária,  a  China  foi  durante  toda  a  vida,  a 
terra  de  seus  sonhos. 

B— APOSTOLADO    NA  MADEIRA 

O  BOM  DOUTOR  INGLÊS 

O  Dr.  Kalley  associou-se  desde  início  às  Reu- 
niões de  Oração,  então  encetadas  pelos  Ingleses, 
que  no  Inverno  faziam  da  Madeira  a  sua  habi- 
tação. E  em  1842  foi  eleito  Presbítero  da  Igreja 
da  Escócia.  Estava-lhe  entretanto  destinado  um 
grande  papel,  de  muito  maior  importância;  evan- 
gelista de  grandes  dotes  e  chefe  corajoso,  foi 
por  isso  mesmo  chamado  para  uma  tarefa  ainda 
mais  elevada. 

É  digno  de  nota  que  o  seu  trabalho  quase 
sobre-humano,  levado  a  efeito  entre  um  povo 
extremamente  fanático,  se  fez  de  maneira  inteira- 
mente independente  da  Igreja  da  Escócia  e  da 
Igreja  local  (1S). 

Homem  de  recursos  extraordinários,  o  Dr.  Kalley 
sentiu-se  imediatamente  impelido  a  usar  os  seus 
esforços  e  a  sua  fortuna  a  favor  do  povo  pobre 
e  analfabeto  da  ilha.  Resolveu  estudar  a  língua 
portuguesa  e  requerer  licença  para  praticar  a  sua 
profissão  em  terra  portuguesa.  Entretanto  deslo- 


26 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


cou-se  a  Lisboa  e  matriculou-se  na  Faculdade 
de  Medicina  e  Cirurgia.  A  17  de  Junho  de  1839, 
tendo  passado  no  exame  oficial,  foi  licenciado  a 
exercer  Medicina  e  Cirurgia  em  Portugal  e  nas 
Ilhas  Adjacentes.  Dirigiu-se  então  para  Londres, 
onde  a  8  de  Julho,  foi  ordenado  ministro  do 
Evangelho  pela  Comissão  de  Exame  da  Socie- 
dade Missionária  de  Londres,  cujos  membros, 
neste  caso,  agiram  «em  sua  capacidade  indivi- 
dual» (14). 

Nenhuma  evidência  possuímos  que  indique  ter 
o  Dr.  Kalley  recebido  uma  educação  teológica 
formal,  nem  o  tempo  requerido  para  o  breve 
curso  em  disciplinas  teológicas  se  ajusta  perfei- 
tamente ao  período  anterior  à  sua  ordenação. 
Todavia,  enquanto  se  consagrava  a  ulteriores 
estudos  de  medicina,  na  Universidade  de  Glasgow 
em  1838,  fez  simultâneamente  um  curso  de  estu- 
dos a  fim  de  obter  maiores  conhecimentos  teoló- 
gicos (15).  Somos  tentados  a  supor  que  neste 
terreno  ele  foi  simplesmente  um  autodidacta, 
mas  seus  conhecimentos  foram  considerados  su- 
ficientes para  dar-lhe  a  aprovação  em  Teologia 
e  literatura  Bíblica,  exame  esse  que  prestou  pe- 
rante uma  selecta  Comissão  de  competentes  mi- 
nistros e  teólogos  da  Sociedade  Missionária  de 
Londres  (1G).  Mais  tarde,  em  28  de  Fevereiro  de 
1860,  nós  o  encontramos  no  Rio  de  Janeiro  a 
discutir  com  o  Imperador  D.  Pedro  II,  questões 
relacionadas  com  as  línguas  originais  das  Escri- 
turas (17).  Apesar  da  possível  limitação  dos  seus 

27 


MICHAEL   P.  TESTA 


conhecimentos  teológicos,  através  da  sua  vida 
defendeu-se  sempre  muito  hàbilmente  de  pode- 
rosos e  sábios  adversários. 

Em  Outubro  de  1839,  exactamente  um  ano 
após  a  sua  primeira  chegada  ao  Funchal,  re- 
gressou à  Madeira.  Estava  agora  melhor  prepa- 
rado para  levar  a  bom  termo  o  seu  trabalho 
médico,  bem  como  para  praticar  o  ensino  e  a 
pregação  do  Evangelho,  ministério  esse  que  se- 
gundo lhe  parecia  deveria  desenvolver-se  na 
China.  A  saúde  da  esposa  não  o  impediu  de 
exercer  o  cargo,  que  lhe  fora  indicado;  simples- 
mente o  mudou  de  local  para  continuar  a  cum- 
prir a  sua  missão.  Estava  ainda  inclinado  para 
a  «chamada))  que  sentia  ter-lhe  sido  feita  para 
a  China,  mas  também  estava  preparado  para 
exercer  esta  «chamada»  onde  o  Senhor  quisesse. 
No  relatório  que  apresentou  à  Assembleia  Livre 
da  Escócia,  a  21  de  Agosto  de  1845,  assim  se 
referiu: 

«Acho  estranho  encontrar-me  numa  pequena 
ilha  no  meio  do  oceano,  em  vez  de  avançar  para 
onde  supus  ser  o  campo  da  minha  chamada 
cristã  —  o  mais  largo  e  mais  extenso  campo  de 
serviço  cristão.  Contudo,  posso  dizer:  «Usa-me, 
Pai,  como  pareça  melhor  aos  Teus  olhos». 

A  comunidade  britânica  já  tinha  dois  médicos 
na  Madeira,  o  que  deixava  ao  Dr.  Kalley  liber- 
dade para  cuidar  mais  particularmente  de  por- 
tugueses pobres.  Naquela  ilha  superlotada  de 


28 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


gente,  onde  a  distinção  de  classes  era  bastante 
acentuada,  ficavam  os  pobres  sem  cuidados  mé- 
dicos, insuficientes  até  para  os  mais  ricos. 

Mas  o  Dr.  Kalley,  que  era  um  escocês  prático, 
prontificou-se  a  tomar  sobre  si  a  missão  de  servir 
aos  pobres  nas  suas  necessidades  de  assistência 
médica.  Todavia,  a  prática  de  medicina  e  de 
cirurgia  foi  a  maneira  de  chegar  ao  seu  fim 
principal,  a  evangelização  dos  pobres  e  analfa- 
betos ilhéus,  com  a  mesma  dedicação  e  paixão 
que  o  incitaram  de  início  a  seguir  como  missio- 
nário para  a  China. 

Em  1840,  instalou  no  Funchal,  por  sua  conta, 
um  hospital  de  doze  camas,  que  incluía  serviços 
de  clínica  e  farmácia.  Oferecia  aos  pobres  trata- 
mento e  hospitalização  gratuitos,  sem  lhes  apre- 
sentar conta  dos  seus  serviços  médicos,  nem  do 
fornecimento  de  medicamentos.  Muitos  ricos 
igualmente  requeriam  a  assistência  médica  do 
Dr.  Kalley,  mas  estes  pagavam  bem  os  seus  ser- 
viços. O  seu  fim  ao  cobrar  contas  elevadas  aos 
ricos,  segundo  o  seu  próprio  testemunho,  era 
afastá-los,  para  lhe  deixarem  o  tempo  livre  para 
o  cuidado  dos  pobres...  E  estas  verbas  eram 
usadas  para  suportar  os  encargos  do  hospital, 
bem  como  muitas  outras  despesas  que  fazia  com 
os  pobrezinhos  (1S). 

A  dedicação  profissional  do  Dr.  Kalley,  bem 
como  a  sua  generosidade  invulgar,  eram  retribuí- 
das com  gratidão,  afecto  e  estima  tanto  dos  po- 


29 


MICHAEL   P.  TESTA 


bres  como  dos  ricos.  Os  pobres,  movidos  pela 
sua  bondade  pessoal,  referiam-se  a  ele  como 
«o  santo  inglês»  e  através  de  toda  a  ilha  era 
conhecido  como  o  «bom  doutor  inglês». 

AS  ESCOLAS  DOMÉSTICAS 

O  Dr.  Robert  Reid  Kalley  era  um  homem 
com  a  estatura  e  a  dignidade  dum  chefe,  era 
uma  figura  sempre  notável,  onde  quer  que  com- 
parecesse. Tinha  o  aspecto  de  um  verdadeiro 
escocês,  sem  dolo,  forte  e  resoluto.  A  sua  simpa- 
tia, delicadeza  e  bondade  tornaram-no  um  ho- 
mem de  aptidões  invulgares  e  de  nobre  carácter, 
possuindo  grande  abnegação  e  amor  ao  pró- 
ximo (19).  Inspirava  confiança.  A  sua  carreira 
médica  e  o  interesse  constante  de  servir  aos  seus 
semelhantes  forneceram-lhe  os  meios  de  comu- 
nicação imediata  e  directa  de  contacto  com  o 
povo.  Escolas  elementares,  diurnas  para  crianças 
e  nocturnas  para  adultos,  foram  abertas  por  esse 
independente  missionário,  em  vários  pontos  da 
ilha,  fornecendo  ele  os  professores,  mobiliário  e 
livros  indispensáveis.  Foi  um  plano  sem  prece- 
dentes, visto  que  jamais  houvera  na  Madeira 
qualquer  sistema  de  escolas  públicas  gratuitas  e, 
por  isso  mesmo,  a  maioria  da  população  não 
sabia  ler  nem  escrever  (20).  O  padrão  educacional 
vigente  limitava-se  às  famílias  mais  abastadas 
que  enviavam  o  filho  mais  velho  para  uma 


30 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


escola  paroquial,  enquanto  os  mais  novos,  por 
sua  vez,  aprendiam  o  que  podiam  com  o  mais 
favorecido  (21). 

A  necessidade  desesperadora  e  o  desejo  impe- 
rioso de  educação  determinaram  a  decisão  de 
criar  um  programa  de  ensino.  Com  a  generosa 
ajuda  de  amigos,  fizeram-se  os  preparativos  indis- 
pensáveis a  um  sistema  de  educação  que  funcio- 
naria em  algumas  casas  pertencentes  àqueles  que 
estavam  aptos  e  desejosos  de  dar  uma  educação 
rudimentar  aos  outros.  As  escolas  não  eram  mais 
que  pobres  choupanas,  cujos  alunos  provinham 
das  quintas  próximas,  pequenas  escolas  gratuitas 
que  cumpriam  a  grande  missão  a  que  se  propu- 
seram, graças  à  dedicação  dum  pequeno  grupo 
de  professores,  que  nem  sequer  esperavam  grande 
recompensa  (22).  Assim,  um  século  antes  do  cele- 
brado Método  Laubach,  o  Dr.  Robert  Reid 
Kalley  já  instituía  o  movimento  pró-alfabetização, 
conhecido  pelo  moto — cada  um  ensino  um  outro. 

A  resposta,  em  termos  de  apreciação  e  resul- 
tado, foi  atestada  pelo  extraordinário  número  de 
matrículas  verificado  nas  escolas  e  pelo  rápido 
progresso  na  aprendizagem.  Dezassete  escolas 
foram  criadas,  as  quais  comportavam  mais  de 
oitocentos  adultos.  O  Dr.  Kalley  atestou: 

«Centenas  de  homens,  após  os  seus  trabalhos 
duros  nos  campos,  iam  à  escola  de  noite,  e,  em 
quase  todos  os  casos,  eram  movidos  por  um 
desejo  de  ler  não  as  palavras  dos  homens,  mas 


31 


MICHAEL  P.  TESTA 


a  de  Deus  (23)...  Eu  creio  que  cerca  de  duas  mil 
e  quinhentas  pessoas  frequentaram  estas  escolas, 
num  período  mais  ou  menos  longo,  entre  os  anos 
de  1839  e  1845,  e  que  para  cima  de  um  milhar 
entre  as  idades  de  quinze  e  trinta  anos,  apren- 
deram a  ler  as  Escrituras  inteligentemente  fi- 
cando aptos  a  estudá-las  por  si  mesmos»  (24). 

A  Bíblia  era  o  principal  livro  de  texto,  e,  mais 
de  três  mil  exemplares  das  Escrituras,  foram 
distribuídos  entre  os  anos  de  1839  e  1845  (25). 
Estes  foram  os  únicos  exemplares  da  Bíblia  exis- 
tentes na  Madeira,  à  excepção  de  oitenta  volu- 
mes que  consignados  por  expresso  desejo  da 
Rainha  de  Portugal,  D.  Maria  II,  foram  enviados 
para  uso  do  clero  a  3  de  Janeiro  de  1842  (26). 

O  MOVIMENTO  ESPIRITUAL 

A  natureza  evangelística  do  ministério  do 
Dr.  Kalley  começava  a  tomar  forma  silenciosa  e 
muito  modestamente,  em  conversas  que  o  doutor 
tinha  com  os  seus  pacientes,  e  através  do  uso  da 
Bíblia  nas  escolas  domésticas.  Mas,  os  pobres, 
como  nos  dias  de  Jesus,  ouviam  o  Evangelho, 
alegremente  e  respondiam  entusiàsticamente  à 
orientação  espiritual  do  seu  doutor,  professor  e 
benfeitor.  Nas  suas  «Notas»  o  Dr.  Kalley  deixou 
esta  introdução: 

«Em  1839  uns  poucos  mostraram  grande  de- 
sejo de  ler  e  ouvir  a  Palavra  de  Deus.  Em 


32 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


1840  este  interesse  cresceu  um  pouco  e  muitos 
adultos  foram  para  a  escola  porque  queriam 
aprender  a  ler  a  Bíblia.  Em  1841  cresceu  ainda 
mais.  Em  1842,  especialmente  no  Verão  e  no 
Outono,  o  povo  acorreu  em  grande  número  para 
ouvir  as  Escrituras  lidas  e  explicadas.  Muitos 
deles  caminhavam  durante  dez  ou  doze  horas  e 
escalavam  montanhas  de  mil  metros  de  altitude 
à  ida  e  à  volta  para  suas  casas;  durante  muitos 
meses,  creio,  não  havia  menos  que  um  milhar  de 
presenças  cada  Domingo;  geralmente  excediam 
os  dois  milhares;  ocasionalmente  três  milhares  e 
uma  vez  foram  cerca  de  cinco  mil»  (2T). 

Qual  era  a  forte  atracção  que  compelia  estas 
multidões  para  a  montanha  no  dia  do  Senhor, 
dos  pontos  mais  difíceis  e  distantes  da  ilha  ? 
Eles  eram  atraídos  pela  exposição  simples  e  clara 
de  passagens  bíblicas,  e  pela  oportunidade  de 
participarem  no  cântico  das  doutrinas  cristãs 
postas  em  hinos  que  o  próprio  Dr.  Kalley  escre- 
via e  compilava.  Ficavam  visivelmente  comovi- 
dos pela  pregação  efectiva  das  doutrinas  evangé- 
licas. Os  temas  dos  sermões  eram  baseados  na 
infinita  graça  de  Deus;  Cristo,  o  Salvador  todo- 
-poderoso;  a  presença  e  poder  do  Espírito  Santo, 
o  Confortador  e  Santificador  (28).  Indubitável- 
mente,  o  povo  da  ilha  era  igualmente  atraído 
àquele  homem  cuja  maneira  de  viver  dava  auto- 
ridade à  sua  mensagem  e  testemunhava  do  poder 
de  uma  vida  dedicada. 


3 


33 


MICHAEL   P.  TESTA 


Foi  na  Ilha  da  Madeira  que  o  Dr.  Kalley 
compôs  os  primeiros  hinos  evangélicos  da  língua 
portuguesa,  e  onde  preparou  os  primeiros  pan- 
fletos em  português.  Em  1842  escreveu  os  hinos 
«Louvemos  todos  ao  Pai  do  Céu»  e  «Meu  fiel 
Pastor».  Estes  hinos  tornaram-se  tão  populares 
que  podiam  ser  ouvidos  nos  campos,  cantados 
pelos  trabalhadores  em  quase  todos  os  recantos 
da  ilha  (29).  Entre  os  panfletos  que  foram  publi- 
cados durante  este  período  podem  mencionar-se: 
«O  Sr.  Esperança  da  Glória»,  «O  professor  Gomes 
e  o  bom  farmacêutico  Faria»,  e  «A  Grande 
Festa»,  ou  «O  melhor  alimento  para  os  famin- 
tos» (30).  Antes  da  sua  expulsão  da  Madeira,  o 
Dr.  Kalley  tinha  também  completado  a  primeira 
tradução  de  «O  Peregrino»,  de  John  Bunyan. 

C  —  OPOSIÇÃO   AO  CRISTIANISMO 

INJÚRIAS  E  PERSEGUIÇÕES 

Era  óbvio  que  um  movimento  de  tal  magni- 
tude e  aceitabilidade  chamasse  a  atenção  das 
autoridades  portuguesas  e  causasse  alarme  na 
chancelaria  do  Bispo  da  Madeira.  Inicialmente  a 
cidade  do  Funchal  distinguira  publicamente  o 
Dr.  Kalley  pelos  seus  «esforços  filantrópicos»  a 
favor  dos  pobres,  doentes  e  analfabetos.  A  25  de 
Maio  de  1841,  na  publicação  «Actas  da  Câmara 
do  Governo  Municipal»,  apareceu  uma  menção 
de  gratidão  ao  «bom  doutor  inglês»  (31).  Simul- 


34 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


tâneamente  contudo,  começavam  a  ouvir-se  mur- 
múrios de  protesto.  No  mesmo  mês  o  Bispo  da 
Madeira,  que  era  cliente  e  amigo  do  Dr.  Kalley, 
comunicou-lhe  ter  recebido  uma  carta  de  Lisboa 
recomendando-lhe  que  estimulasse  as  autoridades 
governamentais  a  enfraquecer  as  actividades  mé- 
dicas e  educacionais  que  prejudicassem  a  «ordem 
normal».  O  Bispo  tinha  o  doutor  em  grande 
estima  e  por  isso  apelou  para  que  ele  renunciasse 
ao  seu  apostolado.  Isto  era  impossível  para  quem 
estava  sob  as  ordens  divinas. 

O  ano  seguinte  de  1842  foi  marcadamente  fru- 
tífero. As  escolas  domésticas  multiplicaram-se  em 
virtude  do  rápido  aumento  de  matrículas.  A  assis- 
tência às  escolas  nocturnas,  onde  a  Bíblia  era 
lida  e  explicada,  abriram  durante  os  meses  de 
Verão  e  de  Outono.  Não  era  difícil  reunir  em-se 
duas  mil  pessoas  numa  colina  ou  numa  herdade 
para  ouvirem  pregar  o  Evangelho.  O  ensino  do 
Novo  Testamento  e  a  sua  aplicação  à  vida 
tornou-se  o  tema  de  conversações  nos  lares  ou 
nos  campos,  nos  caminhos  e  nos  mercados.  Era 
impossível  conservar  em  armazém  os  exemplares 
da  Bíblia  ou  do  Novo  Testamento;  eles  eram 
comprados  pelo  povo  tão  ràpidamente  quanto 
as  reduzidas  remessas  chegavam  de  Londres, 
enviadas  pela  Sociedade  Bíblica  Britânica  e 
Estrangeira.  O  que  mais  imediatamente  atraía 
e  encantava  aqueles  novos  seguidores  era  o 
cântico  de  hinos  evangélicos.  Por  todos  os  re- 
cantos da  ilha  se  podia  encontrar  gente  que 


35 


MICHAEL  P.  TESTA 


conhecia  os  «hinos  calvinistas»,  nome  dado  à 
versão  métrica  dos  salmos  traduzidos. 

O  grande  interesse  e  o  fervor  evangélico 
dos  ilhéus  colocou  na  defensiva  o  clero  católico 
romano.  Sob  as  ordens  do  cónego  Carlos  Teles 
de  Meneses,  muitas  tentativas  foram  feitas,  sem 
sucesso  algum,  para  incitar  a  oposição  fanática 
contra  aquela  onda  de  testemunho  evangélico. 
Começou  no  último  de  Janeiro  de  1843  a  latente 
hostilidade  do  clero  católico  romano  e  tomou 
expressão  trágica  num  movimento  anti-herético, 
que  em  breve  assumiu  proporções  alarmantes. 
Instigações  contra  os  hereges  calvinistas,  nome 
dado  aos  cristãos  reformados,  eram  lançadas  dos 
púlpitos.  Dichotes  ridículos  eram  ensinados  às 
crianças  (32).  Ouviam-se  discussões  azedas  nas 
lojas  ou  nas  esquinas  e  artigos  e  panfletos  de 
polémica  inflamada  eram  distribuídos  abundan- 
temente. Estes  foram  refutados  calma,  lógica  e 
eserituristicamente,  num  panfleto  intitulado  «Uma 
exposição  dos  factos»  (33). 

Em  Setembro  de  1843  os  serviços  médicos  do 
Dr.  Kalley  foram  proibidos  por  interpretação  da 
lei  que  estabelece  que  «só  um  farmacêutico  pode 
exercer  farmacologia».  O  doutor  requereu  per- 
missão de  submeter-se  ao  exame  oficial  de  Far- 
macologia e  foi  informado  que  poderia  fazê-lo, 
«mas  se  o  Sr.  exercer  farmacologia,  não  poderá 
exercer  medicina.  Ninguém  pode  ser  as  duas 
coisas  ao  mesmo  tempo»  (34).  Esta  decisão,  que 
negava  medicamentos  grátis  aos  pobres,  afectou 


36 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


seriamente  a  utilidade  do  Dr.  Kalley  no  trata- 
mento médico  daqueles  que  ele  mais  desejava 
ajudar.  «Não  há  utilidade  em  tê-los  como  meus 
clientes»,  disse  ele,  «desde  que  não  lhes  sejam 
fornecidos  remédios»  (35). 

PERTURBAÇÕES  DO  PROGRAMA  ESCOLAR 

O  mesmo  município  que  em  1841  tinha  agra- 
ciado publicamente  o  Dr.  Kalley  como  benfeitor, 
por  ele  ter  estabelecido  uma  cadeia  de  escolas 
na  ilha,  agora,  dois  anos  volvidos,  impõe  o  encer- 
ramento das  escolas  (36).  Foram  colocados  guar- 
das nas  escolas  domésticas  para  manterem  a 
ordem  e  a  polícia  estacionava  à  porta  do 
Dr.  Kalley  para  observar  as  suas  actividades. 
Depois  de  cerrada  vigilância  enfraqueceu  a  pres- 
são e  as  classes  ficaram  reduzidas  às  escolas 
mais  distantes  da  capital,  Funchal.  O  esforço  foi 
ràpidamente  abandonado  quando  a  11  de  Janeiro 
de  1843,  um  professor,  sua  esposa  e  um  filho 
foram  presos,  acusados  de  desobediência  civil 
por  ensinarem  sem  o  respectivo  diploma  (3r).  No 
mesmo  dia  outra  crente  acusada  de  «ler  e  expli- 
car a  Palavra  de  Deus»,  foi  condenada  a  quatro 
meses  de  prisão  (38). 

Os  serviços  médicos  que  o  Dr.  Kalley  tornara 
acessíveis  aos  pobres  estavam  limitados  por  de- 
creto, e  o  programa  de  ensino  que  ele  estabele- 
cera era  proibido  por  lei.  A  sua  pregação  e  mi- 
nistério evangélico  também  caíram  por  terra  sob 


37 


MICHAEL  P.  TESTA 


restrição  legal.  Em  palavras  do  Dr.  Kalley,  diri- 
gidas à  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  reunida  em  Inverness  durante  o  mês  de 
Agosto  de  1845,  lemos: 

«Próximo  ao  tempo  em  que  esta  lei,  afectando 
o  exercício  do  meu  trabalho  médico,  foi  passada, 
uma  decisão  foi  tomada  pelo  tribunal  de  Lisboa, 
declarando  criminoso,  a  cidadãos  ingleses,  ensi- 
nar em  reuniões  de  portugueses,  doutrinas  con- 
trárias à  religião  do  Estado.  Depois  de  receber 
uma  cópia  desta  decisão,  não  me  senti  em  liber- 
dade para  continuar  a  manter  as  reuniões  reli- 
giosas com  portugueses  e  as  suspendi  imediata- 
mente)) (39). 

PRISÃO  DO  DR.  KALLEY 

Atingiu-se  o  clímax  dessa  situação  quando  as 
autoridades  portuguesas,  tanto  do  Estado  como 
da  Igreja,  uniram  forças  contra  o  Dr.  Kalley. 
Por  mais  de  uma  ocasião  aconteceu,  perseguindo-o 
mesmo  contra  a  lei,  interromperem  reuniões  em 
sua  própria  casa.  Finalmente,  invocando  uma 
lei  inquisitorial  datada  de  1603,  contra  a  heresia, 
as  autoridades  civis  ordenaram  a  prisão  do 
Dr.  Kalley  e  levaram-no  para  a  prisão  do  Fun- 
chal, onde  havia  de  permanecer  durante  seis 
meses. 

Os  residentes  ingleses  da  Madeira,  a  Igreja 
Livre  da  Escócia,  a  Sociedade  Missionária  de 
Londres,  outros  indivíduos  e  instituições  foram 


.38 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


activos  em  procurar  meios  para  a  libertação  do 
Dr.  Kalley.  Um  panfleto  em  sua  defesa  foi  pu- 
blicado em  Londres,  por  «um  inglês  residente 
na  Madeira»  (40).  A  Igreja  da  Escócia,  em  certa 
circular,  chamou  a  «atenção  das  várias  denomi- 
nações religiosas»  e  do  público  cristão  em  geral, 
para  os  sofrimentos  do  nosso  amado  irmão 
Dr.  Kalley,  agora  preso  pelo  Evangelho,  na  Ilha 
da  Madeira  (41). 

Nessa  prisão,  há  cento  e  dezanove  anos  teve 
lugar  um  encontro  da  Comissão  Administrativa 
da  Igreja  da  Escócia,  então  recentemente  orga- 
nizada. Tudo  o  que  foi  preservado  desta  reunião 
se  encontra  aqui  expresso: 

«Acta  do  encontro  dos  Administradores  da 
Igreja  da  Escócia,  reunidos  na  cela  do  Dr.  Kalley 
na  cadeia  da  cidade,  a  fim  de  que  o  Rev.  Sr.  Wood 
seja  nomeado  ministro  da  Igreja  da  Escócia  neste 
lugar. 

Funchal,  15  de  Dezembro  de  1843. 

Presentes:  Sr.  Fullarton,  pres.,  Sr.  Grant, 
Dr.  Kalley,  Sr.  Innes,  e  o  Rev.  J.  J.  Julius 
WoocIb. 

Esta  singela  nota  de  agenda  de  trabalho,  do 
encontro  realizado  numa  fria  cela  da  prisão,  em 
que  tomaram  parte  cinco  homens,  não  foi  insig- 
nificante. Os  obreiros  da  Igreja  da  Escócia  en- 
contraram-se  para  receber  e  examinar  uma  carta 


39 


MICHAEL  P.  TESTA 


do  secretário  para  os  planos  coloniais  da  Igreja 
Livre  da  Escócia,  anunciando  a  colocação  do 
Rev.  Julius  Wood  no  pastorado  da  Igreja  Escocesa 
no  Funchal,  Madeira.  Em  que  estranhas  circuns- 
tâncias e  em  que  horrendo  ambiente  para  um 
ministro,  foi  feita  esta  nomeação  pastoral ! 

As  actas  não  fazem  referência  a  qualquer  outro 
documento  recebido  pelos  administradores  nesse 
dia,  o  qual  está  ainda  para  ser  encontrado  nos 
arquivos  do  Consulado  Britânico  no  Funchal. 
Havia  o  documento  oficial  passado  por  Lord 
Aberdeen,  Secretário  do  Estado  da  Grã-Bretanha 
para  Assuntos  Estrangeiros,  acedendo  ao  pedido 
da  Congregação  em  que  «o  Cônsul  de  Sua  Ma- 
jestade estava  autorizado  a  permitir  ao  ministro 
Presbiteriano,  o  registo  de  nascimento,  casamento 
e  óbitos  no  Consulado  Britânico». 

Apesar  disso,  esta  autoridade  foi  anulada  den- 
tro de  três  meses.  O  Governo  de  Sua  Majestade 
tinha  a  impressão,  quando  autorizou  os  registos, 
que  o  ministro  pertencia  à  Igreja  oficial  da  Escó- 
cia (42).  Assim,  quinze  meses  volvidos,  o  Rev.  J. 
Julius  Wood  terminou  o  seu  ministério  na  Ma- 
deira para  tomar  um  cargo  pastoral  inferior  na 
Escócia.  A  nomeação  do  novo  ministro  e  a  auto- 
rização de  registos  de  nascimento,  casamento  e 
óbito,  no  Consulado  Britânico,  como  é  óbvio, 
não  foram  elementos  de  primordial  importância 
no  drama  daquele  dia  de  Inverno,  em  que  ho- 
mens de  responsabilidade  se  reuniram  consti- 
tuindo um  conselho  eclesiástico,  numa  cadeia 


40 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


da  cidade.  O  facto  de  suma  importância  foi  a 
prisão  do  Dr.  Kalley,  e  seu  julgamento  por 
causa  do  seu  zelo  na  proclamação  do  Evangelho 
aos  Madeirenses.  Desde  que  ele  fora  acusado  de 
cumplicidade  em  heresia  e  apostasia  tinha  de 
suportar  a  prisão,  sem  direito  de  fiança  (43). 

Durante  os  seis  meses  que  o  Dr.  Kalley  ocupou 
a  cela  na  cadeia  da  cidade,  desde  Julho  de  1843, 
foi-lhe  concedida  a  permissão  de  ter  até  três 
visitantes  ao  mesmo  tempo,  mas  com  a  proibição 
de  cantar  hinos  com  eles  ou  de  lhes  ler  a  Bíblia. 
Podia  ver-se  diàriamente  uma  procissão  de  cam- 
poneses, vindos  de  pontos  distantes  da  ilha,  assim 
como  muito  povo  do  Funchal,  aguardando  a  sua 
vez  à  porta  da  prisão  para  visitarem  «o  santo 
inglês».  Estes  eram  frequentemente  escarnecidos 
e  injuriados  pela  gentalha,  mas  não  se  intimida- 
vam nem  reagiam  hostilmente  contra  os  seus 
perseguidores.  A  catedral  ficava  perto  da  prisão 
e,  frequentemente,  fiéis  católicos  romanos  no  seu 
caminho  para  a  missa,  mostravam  o  seu  fervor 
religioso  cuspindo  sobre  os  «hereges  calvinis- 
tas» (44).  A  proclamação  oral  do  Evangelho  silen- 
ciou temporàriamente,  e  o  clero  proibiu  a  posse 
ou  o  uso  da  Palavra  impressa,  a  Bíblia.  No  Outono 
daquele  mesmo  ano,  o  bispo-eleito,  D.  Januário 
Vicente  Camacho,  emitiu  uma  carta  pastoral  que 
foi  lida  em  todos  os  púlpitos.  Esta  pastoral  esta- 
belecia que  a  Bíblia  em  circulação  na  ilha,  em- 
bora apresentando-se  como  uma  versão  da  Bíblia 
traduzida  pelo  Padre  António  Pereira  de  Figuei- 


41 


MICHAEL  P.  TESTA 


redo  (4S),  estava  «seriamente  adulterada».  D.  Ja- 
nuário condenava  completamente  a  leitura  da 
Bíblia  e  excomungava,  «ipso  facto»,  todo  aquele 
que  continuasse  a  possuir  ou  a  ler  a  Bíblia  (46). 

Enquanto  esteve  na  prisão,  o  Dr.  Kalley  fez 
uma  cuidadosa  colecção  das  edições  de  Lisboa 
e  Londres  da  Bíblia  traduzida  pelo  Padre  Figuei- 
redo, e  encontrou  apenas  cinco  versos  que  con- 
tinham leves  variantes  e  dois  erros  tipográficos. 
O  seu  propósito  de  publicar  o  resultado  das  suas 
pesquisas  num  panfleto,  tornou-se  desnecessário, 
quando  um  jornal  da  Ilha  Terceira,  Açores,  acei- 
tou a  discussão  do  assunto  (47).  Continha  o  folheto 
uma  transcrição  do  Mandato  Real,  datado  de  17 
de  Outubro  de  1842  (48),  acerca  da  verdadeira 
edição  da  Bíblia,  que  o  vice-cônsul  britânico  em 
Ponta  Delgada,  Sr.  Thomas  Carew-Hunt,  tinha 
recebido  da  Sociedade  Bíblica  Britânica  e  Estran- 
geira de  Londres  para  distribuição  na  Ilha  Ter- 
ceira. Estabelecia  ainda  que  Sua  Majestade  a 
Rainha,  com  a  aprovação  do  Patriarca  Arcebispo 
eleito,  Frei  Francisco  de  S.  Luís,  aprovava  a 
edição  londrina  da  tradução  da  Bíblia  por  Figuei- 
redo e  recomendava  que  ela  devia  circular  na 
Terceira  pelo  benefício  moral  e  espiritual  dos 
seus  súbditos. 

Mas  a  determinação  de  destruir  o  movimento 
nascente  do  evangelismo  era  implacável.  Os  dois 
primeiros  convertidos  que  tiveram  assento  à  Mesa 
do  Senhor,  na  comunhão  da  Igreja  Presbiteriana 
da  Escócia,  no  Funchal,  Srs.  Nicolau  Tolentino 


42 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


Vieira  e  Francisco  Pires  Soares,  foram  excomun- 
gados publicamente  (49).  Sofreram  tantas  afrontas 
e  maus  tratos  que,  para  salvarem  a  vida,  fugiram 
para  uma  gruta  na  montanha  onde  permanece- 
ram ocultos  mais  de  um  ano  (50).  Tudo  isto  acon- 
teceu durante  os  meses  em  que  o  Dr.  Kalley 
aguardava  o  julgamento.  Mais  vinte  e  seis  here- 
ges foram  igualmente  encarcerados  (51),  incluindo 
José  Ferreira  Lomelino,  abastado  proprietário 
que  foi  deportado  para  a  África  Ocidental  Por- 
tuguesa por  crime  de  heresia  (52).  Uma  pobre 
mulher,  D.  Maria  Joaquina  Alves,  mãe  de  sete 
filhos,  foi  igualmente  presa  sob  acusação  de  após- 
tata, herege  e  blasfema  (53). 

Posto  em  liberdade,  após  seis  meses  de  prisão 
sem  julgamento,  o  Dr.  Kalley  retomou  o  seu 
arrojado  trabalho,  concentrando  todos  os  seus 
esforços  na  paróquia  de  Santo  António  da  Serra, 
na  montanha,  a  24  quilómetros  do  Funchal, 
aproximadamente.  Este  havia  de  tornar-se  num 
dos  principais  centros  do  movimento  protestante 
da  ilha. 

Das  suas  memórias  podemos  concluir  que  o  seu 
zelo  e  a  sua  coragem  não  foram  diminuídos 
pelos  meses  de  prisão,  nem  pelos  acontecimentos 
que  tinham  ocorrido  durante  aquele  período  de 
afastamento  do  seu  rebanho. 

«Fui  solto  da  cadeia  em  Janeiro  de  1844  e 
retomei  o  caminho  interrompido,  porque  o  único 
juiz  competente  que  se  pronunciou  a  este  res- 
peito declarou  não  haver  qualquer  violação  da 


43 


MICHAEL   P.  TESTA 


lei  nem  da  Constituição  Portuguesa.  A  polícia 
continua  vigilante,  como  dantes,  mas,  apesar  de 
tudo  a  assistência  média,  durante  o  verão,  em 
Santo  António  da  Serra,  era  de  cerca  de  seiscentos 
aos  domingos  e  trinta  nas  outras  noites»  (54). 

D  — UM  COMPANHEIRO  DE  TRABALHO:  O  REV.  WILLIAM 
HEPBURN  HEWITSON 

A  SUA  NOMEAÇÃO  E  A  SUA  CHEGADA  À  MADEIRA 

A  Comissão  Colonial  da  Igreja  Livre  da  Escó- 
cia nomeou  o  Rev.  William  Hepburn  Hewitson 
para  tomar  a  responsabilidade  do  trabalho  entre 
os  portugueses  da  Madeira,  organizar  a  Igreja 
entre  eles,  com  presbíteros  e  diáconos,  e  desen- 
volver ainda  o  programa  de  educação  elementar, 
iniciado  pelo  Rev.  Dr.  Robert  Reid  Kalley.  Foi 
primeiramente  enviado  a  Lisboa  para  estudar  a 
língua,  e  três  meses  depois,  em  Fevereiro  de  1845, 
Mr.  Hewitson  chegou  à  Madeira.  A  nomeação 
foi  feita  sem  o  conhecimento  do  Dr.  Kalley,  cujo 
trabalho  missionário  não  era  dirigido  nem  susten- 
tado pela  sua  Igreja  na  Escócia.  Contudo,  o 
Dr.  Kalley  não  se  ressentiu  com  o  que  qualquer 
homem  de  menor  envergadura  teria  tomado,  jus- 
tamente, como  uma  usurpação  despótica.  O  seu 
espírito  nobre  revela-se-nos  em  suas  «Memórias», 
onde  faz  estas  referências,  à  chegada  de  Mr. 
Hewitson  à  Madeira:  «A  sua  presença  foi  verda- 
deiramente providencial»  (55).  A  hostilidade  le- 


44 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


vada  a  cabo  pela  Igreja  e  pelo  Estado  chegou  ao 
ponto  de  colocar  o  Dr.  Kalley  em  face  da  alter- 
nativa de  acabar  com  as  suas  reuniões  religiosas 
ou  de  ser  expulso  da  ilha.  O  Secretário  Britânico 
para  o  Estrangeiro,  Lord  Aberdeen,  preveniu  o 
Dr.  Kalley  de  que  ele  não  seria  defendido  pelo 
seu  governo  contra  quaisquer  medidas  que  as 
autoridades  portuguesas  adoptassem  para  ex- 
pulsá-lo da  ilha,  caso  ele  continuasse  a  receber 
madeirenses  em  sua  casa  para  fins  religiosos  (56). 
Receando  que  as  suas  actividades  pusessem  em 
perigo  a  obra  evangélica,  e  sentindo  que  a  sua 
presença  era  necessária  e  vantajosa  para  centenas 
de  pessoas  já  identificadas  com  o  movimento 
evangélico,  o  Dr.  Kalley  colocou  lealmente  nas 
mãos  do  Rev.  Hewitson  a  direcção  do  traba- 
lho que  havia  começado  com  tanto  sucesso  e 
tanto  sacrifício.  «Se  não  houvesse  ninguém  para 
continuar  o  meu  trabalho»,  escreveu  ele,  «sentir- 
-me-ia  muito  triste;  mas  graças  a  Deus  que  temos 
aqui  mão  ainda  melhor  do  que  a  minha,  para 
polir  as  pedras»  (57). 

INVÁLIDO,  SANTO  E  ERUDITO 

William  Hepburn  Hewitson  nasceu  em  Ayr,  a 
16  de  Setembro  de  1812,  exibindo  desde  bastante 
jovem  uma  mente  brilhante  num  corpo  frágil. 
Foi  distinguido  como  estudante  excepcional  dos 
clássicos,  antes  de  entrar  para  a  Universidade  de 
Edimburgo,  onde  conquistou  os  mais  altos  valores 


45 


MICHAEL  P.  TESTA 


em  Letras  Clássicas  e  Lógica.  A  sua  aplicação  ex- 
cessiva ao  estudo,  muitas  vezes  por  vinte  horas 
diárias  (58),  e  o  seu  indomável  desejo  de  exceder 
todos,  sem  sombra  de  dúvida,  minaram,  ainda 
mais,  as  suas  já  tão  pobres  forças  físicas,  e  devem 
ter  contribuído  imenso  para  a  doença,  a  tuber- 
culose, que  tão  cedo  lhe  ceifou  a  vida. 

No  Colégio  Teológico  da  mesma  Universidade 
de  Edimburgo,  conquistou  de  novo  prémios  e 
bolsas  de  estudo  a  par  de  invulgares  qualidades 
de  carácter  e  piedade  cristã.  O  maço  de  corres- 
pondência, escrita  durante  os  seus  tempos  de 
estudante,  revela  o  carácter  sério  e  o  espírito 
evangélico  de  Mr.  Hewitson.  Numa  carta  para  um 
amigo  em  Edimburgo,  datada  de  15  de  Junho 
de  1840,  pode  descortinar-se  o  interesse  quase 
místico  de  Mr.  Hewitson  pela  vida  espiritual: 

«O  cristão  evangélico  o  é  de  coração,  no 
espírito,  e  não  na  letra  —  cuja  glória  não  vem 
do  homem,  mas  de  Deus...  Se  Cristo  habita  em 
nós,  as  evidências  da  Sua  graciosa  presença  não 
são  confusas  nem  ilegíveis.  A  fé  que  vivifica, 
ilumina  igualmente,  porque  a  fé  é  precisamente 
a  graça  dum  Salvador  que  reside  em  nós;  assim 
o  Salvador  é  a  vida,  e  «a  vida  é  a  luz  do  ho- 
mem» (59). 

Concluiu  a  sua  graduação  na  Faculdade  de 
Teologia,  em  Março  de  1841,  e  foi  considerado 
como  um  dos  estudantes  mais  brilhantes  e  mais 


46 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


perfeitos  do  seu  colégio  (60).  O  seu  estado  de 
saúde,  todavia,  continuava  a  piorar  de  forma 
alarmante.  A  23  de  Outubro  de  1841,  escreveu 
estas  palavras  de  angústia  numa  carta  a  um 
amigo: 

«Estou  ainda  fraco;  cada  dia  que  passa  mais 
me  convenço  de  que  o  meu  estado  quase  que- 
brantado, necessita  de  uma  época  de  repouso 
maior  do  que  previa.  Para  reunir  forças  para  o 
trabalho  do  ministério  devo  tomar  como  preo- 
cupação principal,  desde  já,  aprender  a  morrer 
diàriamente. . .  Estou  resolvido  a  abster-me  intei- 
ramente de  todo  o  estudo  que  não  seja  realmente 
necessário.  O  doutor  disse-me  que  no  meu  estado 
actual  qualquer  outra  doença  pode  fàcilmente 
tomar  posse  de  mim,  se  eu  não  tiver  cuidado,  e 
pode  ser-me  fatal  ...  eis  que  nós  reputamos  por 
felizes  aqueles  que  sofrem»  (61). 

A  «outra  doença»  apareceu  e,  a  8  de  Novem- 
bro, foi  proibido  pelos  seus  médicos  de  estudar 
durante  um  ano.  A  4  de  Maio  do  ano  seguinte, 
Mr.  Hewitson  foi  licenciado  pelo  Presbitério  de 
Ayr  e  seguiu  para  Bona,  na  Alemanha,  com  a 
esperança  de  mais  rápida  convalescença.  Insta- 
lou-se  em  casa  de  um  distinto  filósofo,  o  pro- 
fessor Brandis.  De  lá  escreveu  numerosas  cartas 
aos  amigos  da  Escócia,  nas  quais  apresenta  o 
seu  ponto  de  vista  quanto  à  situação  religiosa  na 
Alemanha,  lamentando  especialmente  a  falta  de 
observância  do  Dia  do  Senhor  e  a  natureza 


47 


MICHAEL   P.  TESTA 


insípida  e  seca  do  culto,  nas  igrejas  protestantes 
de  Bona  (62).  Volvidos  cerca  de  seis  meses,  a 
20  de  Setembro,  considerou-se  suficientemente 
curado  para  regressar  à  Escócia.  O  exame  mé- 
dico, após  a  sua  chegada  a  Edimburgo,  foi  satis- 
fatório, mas  os  médicos  avisaram  Mr.  Hewitson 
que  tivesse  o  maior  cuidado  e  continuasse  em 
repouso  durante  mais  seis  meses.  A  comissão  de 
relações  missionárias  e  estrangeiras  da  Igreja 
Livre  da  Escócia,  num  esforço  para  ajudar  o 
Rev.  William  H.  Hewitson  a  resolver  o  problema 
de  sua  saúde  e  num  crescente  desejo  de  iniciar 
o  seu  ministério,  decidiu  considerar  aconselhável 
indicá-lo  para  um  dos  lugares  ao  Sul:  França, 
Malta  ou  Madeira.  A  17  de  Outubro  de  1844, 
decidiram  que  fosse  na  Madeira  por  causa  do 
clima  favorável  e  porque  um  período  para  o 
estudo  da  língua  permitiria  tempo  adicional  para 
repouso  e  reclamaria  uma  actividade  menos  pe- 
sada. Consequentemente,  a  7  de  Novembro  foi 
ordenado  pelo  Presbitério  de  Edimburgo  da 
Igreja  Livre  da  Escócia  e  nomeado  para  o  serviço 
missionário  na  Madeira.  Os  seus  amigos,  ao  des- 
pedirem-se  do  inválido  e  exausto  ministro,  teme- 
ram, sem  dúvida,  que  esta  viagem  para  Portugal 
não  fosse  senão  o  primeiro  passo  na  sua  descida 
para  a  sepultura. 

À  sua  chegada  a  Lisboa,  a  7  de  Dezembro  de 
1844,  Mr.  Hewitson  escreveu  aos  amigos  da 
Escócia,  comentando  a  agradável  viagem  e  infor- 


48 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


mando  sobre  a  sua  saúde,  razoàvelmente  boa  (63). 
Ele  tinha  vindo  para  a  Madeira,  passando  por 
Lisboa,  para  tomar  parte  na  responsabilidade  que 
a  Igreja  Livre  da  Escócia  tinha  assumido  nessa 
ilha  estrangeira,  e  para  escrever  um  capítulo  no 
desenrolar  do  drama  de  testemunho,  perseguição 
e  exílio  dos  «hereges  calvinistas»  da  Madeira. 

O  MINISTÉRIO  DO  REV.  W.  H.  HEWITSON  ENTRE 
OS  PORTUGUESES 

No  princípio,  Mr.  Hewitson  residiu  na  casa 
pastoral  com  o  Rev.  J.  Julius  Wood,  que  estava 
servindo  como  pastor  da  Igreja  Escocesa.  Um 
quarto  da  mesma  residência  era  reservado  para 
reuniões  com  pessoas  interessadas  e  crentes  por- 
tugueses, recentemente  convertidos.  O  programa 
de  evangelismo  tinha  de  ser  levado  a  cabo  tão 
discretamente  quanto  possível  e  com  considerá- 
vel cuidado.  Os  portugueses  eram  admitidos  na 
granja  em  grupos  de  dois  e  três  na  tentativa  de 
escapar  à  vigilância  das  autoridades.  O  Sacra- 
mento da  Ceia  do  Senhor,  foi  celebrado  pela  pri- 
meira vez  em  língua  portuguesa  de  acordo  com 
a  liturgia  Presbiteriana,  naquela  granja  na  noite 
de  25  de  Março  de  1845.  Foi  celebrante  o 
Rev.  Hewitson  que  a  ministrou  a  34  portugueses 
convertidos.  «Mais  deviam  ter  sido  admitidos 
mas  não  havia  lugar  para  eles.  Foi  uma  ocasião 
muito  abençoada.  Observou-se  o  maior  sigilo»  (64). 


4 


49 


MICHAEL   P.  TESTA 


Duas  semanas  antes,  em  casa  de  Miss  Den- 
niston,  foram  baptizadas  duas  crianças,  o  primeiro 
baptismo  infantil  entre  os  portugueses  converti- 
dos. Os  pais,  sob  a  coberta  escura  da  noite  pre- 
cedente, caminharam  durante  quatro  horas  desde 
Santo  António  da  Serra,  para  apresentarem  os 
seus  filhos  ao  Sacramento  do  Baptismo  (65). 
Apesar  do  perigo  da  cadeia,  a  junta  da  Igreja 
reorganizada  recebeu  muitos  pedidos  de  bap- 
tismo e  muitas  inscrições  de  candidatos  à  admis- 
são à  mesa  do  Senhor.  Trinta  novos  comungantes, 
após  um  curso  intensivo  de  instrução,  foram 
admitidos  na  celebração  seguinte  da  Ceia  do 
Senhor,  a  20  de  Abril,  tendo  participado  no 
sacramento  um  total  de  61  crentes  (66).  O  Rev.  J. 
Julius  Wood,  escrevendo  que  aquelas  reuniões 
recordavam  as  experiências  da  Igreja  Primitiva, 
diz:  «Muitos  ficaram  profundamente  emociona- 
dos; Mr.  Hewitson  falou  acerca  do  Filho  Pródigo. 
Foi  a  primeira  vez  que  eu  o  ouvi  pregar  em 
português,  e  fiquei  deveras  impressionado  com  a 
sua  fluência,  o  seu  domínio  da  língua  e  a  perfei- 
ção da  sua  pronúncia»  (67). 

A  comunidade  crescente  de  crentes  evangélicos 
foi  organizada  como  igreja  a  8  de  Maio  de  1845 
e  foram  eleitos  e  ordenados  para  constituir  o 
Consistório  da  primeira  Igreja  Presbiteriana  Por- 
tuguesa, os  seguintes  Presbíteros:  Arsénio  N.  da 
Silva,  João  de  Freitas,  João  Carreira,  Martinho 
José  de  Sousa,  João  de  Gouveia  e  Manuel  Joa- 


50 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


quim  de  Andrade.  Foram  também  eleitos  e  orde- 
nados os  seguintes  diáconos:  António  de  Matos, 
António  Carreira,  José  Marques,  Joaquim  Vieira 
e  Manuel  Pires  (68). 

Mais  tarde,  nesse  mês,  o  Rev.  J.  Julius  Wood 
regressou  à  Escócia  e  Mr.  Hewitson  trocou  então 
a  granja  por  uma  casa  mais  afastada.  A  despeito 
da  sua  doença  crónica,  trabalhou  incessante- 
mente, viajando  através  da  ilha  para  servir  a  pe- 
quenos grupos  de  crentes,  sempre  sob  a  ameaça 
de  prisão.  Assim  informou  a  Comissão  Colonial 
da  Escócia: 

«Fui  visitado  por  um  notário  público,  que  me 
apresentou  intimação  da  Administração  da  Polí- 
cia, admoestando-me  para  que  ponha  termo  às 
reuniões  religiosas  em  minha  casa  com  súbditos 
portugueses,  sob  pena  de  ser  processado  e  de  ser 
entregue  ao  poder  judicial»  (69). 

As  ameaças  e  perseguições  não  surtiram  o 
efeito  de  impedir  o  crescimento  da  Causa  Evan- 
gélica ou  de  suspender  o  aumento  do  número  de 
convertidos.  Aquele  movimento,  iniciado  pelo 
Dr.  Robert  Reid  Kalley  e  continuado  pelo 
Rev.  W.  H.  Hewitson,  assumiu  tão  dramáticas 
proporções  que  o  Dr.  Andrew  Bonar  o  descreveu, 
na  reunião  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre 
da  Escócia,  que  teve  lugar  em  Edimburgo  em 
Maio  de  1846,  como  «o  maior  acontecimento  das 
missões  modernas»  (70). 


51 


MICHAEL   P.  TESTA 

E  —  PERSEGUIÇÃO   E  ILEGALIDADE 

VIOLÊNCIA  CONTRA  OS  «HEREGES  CALVINISTAS» 

Finalmente,  a  5  de  Maio  de  1845,  D.  Maria 
Joaquina  Alves  foi  posta  em  liberdade,  depois  de 
cumprir  dois  anos  e  meio  de  prisão.  Após  de- 
zasseis meses  de  separação  da  família,  inclusive 
de  uma  filha  pequenina,  foi  levada  a  julgamento 
no  dia  2  de  Maio  de  1844.  Era  acusada  de  apos- 
tasia, de  heresia  e  blasfémia  mas  deu-se  ênfase 
apenas  à  última.  Em  resposta  à  pergunta  que  lhe 
fez  o  juiz: 

«Acredita  que  na  hóstia  consagrada  está  o 
verdadeiro  corpo  e  o  verdadeiro  sangue,  a  alma 
humana  e  a  Divindade  de  Jesus  Cristo  ?»  (rl), 
ela  respondeu  calma  e  firmemente:  «Não  creio». 
O  julgamento  terminou  com  essa  resposta,  pela 
qual  foi  condenada  à  morte  (72).  Mas  a  pena  foi 
comutada  pelo  Tribunal  de  Relação  de  Lisboa, 
a  5  de  Fevereiro  de  1845,  em  virtude  dum  erro 
técnico  do  julgamento.  Tendo  sido  julgada  so- 
mente por  blasfémia,  descobriu-se  que  ela  não 
podia  ser  condenada  por  heresia  e  apostasia  (73). 

No  dia  seguinte  à  sua  libertação,  D.  Maria  Joa- 
quina esteve  presente  no  culto  e  pediu  que  a 
aceitassem  como  membro  da  igreja.  Sem  dúvida, 
poucos  podiam  apresentar  melhores  e  mais  acei- 
táveis credenciais  de  fidelidade  e  firmeza,  em 
tão  perigosas  condições.  Ela  tornou-se  um  sím- 


52 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


bolo  para  os  crentes  evangélicos  e  provou  a  sua 
prontidão  para  sofrer  e  arriscar  tudo  em  defesa 
da  sua  consciência  e  de  sua  lealdade  a  Cristo. 

No  Outono  de  1845  houve  uma  aceleração 
notável,  em  tempo  e  grau,  da  agressiva  actividade 
e  oposição  contra  os  «hereges  calvinistas»,  nome 
pelo  qual  os  cristãos  evangélicos  eram  conheci- 
dos entre  os  seus  compatriotas  intolerantes.  O 
seu  testemunho  trouxe-lhes  sofrimentos  em  casa 
e  arredores  e  sérias  dificuldades  nos  empregos 
e  diante  das  autoridades  civis.  Numa  carta  ao 
convocador  da  Comissão  Colonial  da  Igreja  Livre 
da  Escócia,  datada  de  17  de  Dezembro  de  1845, 
o  Rev.  William  H.  Hewitson  apresentou  a  situa- 
ção, nas  seguintes  palavras: 

«O  povo  da  Serra  está  ainda  preso  e  é  impos- 
sível predizer  quando  será  julgado.  ...  O  número 
actual  de  crentes,  presos  por  lerem  a  Palavra 
de  Deus  e  por  outras  ofensas  contra  o  homem 
do  pecado,  é  de  vinte  e  oito.  Seis  deles  foram 
capturados  há  poucas  semanas.  O  seu  crime  foi 
terem-se  reunido  num  domingo  à  noite  para  se 
edificarem  uns  aos  outros  pela  oração  e  leitura 
da  Palavra.  Três  outras  pessoas  foram  presas  no 
mesmo  tempo,  mas  obtiveram  logo  a  liberdade, 
por  comprovada  ilegalidade  da  sua  prisão.  ... 
Uma  família  de  três  pessoas  foi  avisada  de  que 
uma  sentença  de  deportação  por  7  anos  para  a 
África,  acrescida  de  pesada  multa,  estava  já 


53 


MICHAEL  P.  TESTA 


pronta,  cx)ntra  eles  e  pendia  sobre  as  suas  cabe- 
ças pelo  facto  de  não  se  confessarem  e  por  deli- 
tos semelhantes.  Antes  que  eles  fossem  formal- 
mente condenados,  escaparam  à  pena,  fugindo  da 
ilha  para  Demerara.  Aqueles  que  abraçaram  a 
verdade  têm,  com  raras  excepções,  permanecido 
firmes  aos  assaltos  da  perseguição.  Tenho  a  cer- 
teza de  que  há  alguns  aqui  que  lêem  a  Bíblia 
em  segredo,  e  só  esperam  a  salvação  em  Cristo, 
sem  terem  confiança  bastante  no  Senhor  para  O 
confessarem  abertamente.  Elias  foi  a  única  tes- 
temunha pública  de  Deus  em  Israel,  ainda  que 
Deus  tivesse  em  Israel  sete  mil  que  prestavam 
culto  às  escondidas.  É  bom  louvar  ao  verdadeiro 
Deus,  mesmo  em  oculto;  mas  é  melhor  ser 
uma  testemunha  visível,  um  Elias»  (74). 

Mr.  Hewitson,  sob  vigilância  e  ameaça  de 
expulsão,  deixou  a  Madeira  no  princípio  de  Maio 
de  1846,  com  o  propósito  de  voltar  ao  seu 
«amado  rebanho»  após  alguns  meses  em  Ingla- 
terra. Mas  não  lhe  foi  permitido  o  regresso  à 
Madeira.  A  grande  torrente  de  hostilidade  lan- 
çada contra  os  «hereges  calvinistas»  estava  pieste 
a  rebentar  em  tremenda  fúria.  O  assassínio  foi 
sugerido  na  imprensa  como  resposta  ao  movi- 
mento herético  (75).  Recomendava-se  o  uso  do 
chicote  como  o  argumento  que  os  camponeses 
podiam  sentir  e  compreender;  e  propunha-se  a 
repetição  do  dia  de  S.  Bartolomeu  ou  da  Véspera 
Siciliana  (76).  Durante  os  meses  de  Junho  e  Julho, 


54 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


com  alguns  intervalos,  a  multidão  era  incitada  a 
cometer  atrocidades  e  os  protestantes,  sem  ofere- 
cerem resistência,  eram  cruelmente  espancados 
e  apedrejados  e  cinco  casas  foram  queimadas. 
Houve  famílias  a  quem  foi  recusado  o  direito  de 
um  palmo  de  terra  para  enterrar  os  seus  mortos, 
à  excepção  dos  caminhos  públicos  (").  Com  en- 
tusiasmo sempre  crescente  eram  apontadas  as 
forcas  e  os  pelourinhos  como  a  única  cura  para 
a  heresia. 

Na  noite  de  domingo,  2  de  Agosto,  um  bando 
de  rufiões,  chefiados  pelo  cónego  Teles,  vestido 
com  as  suas  vestes  litúrgicas,  atacaram  a  casa  de 
Miss  Rutherford,  súbdita  britânica,  onde  aproxi- 
madamente quarenta  portugueses,  na  maioria  se- 
nhoras, se  encontravam  reunidos  em  oração.  Du- 
rante horas  a  casa  foi  sitiada,  por  um  número 
sempre  crescente  de  homens  e  mulheres  rudes, 
em  gritaria  infernal.  À  meia-noite,  quando  o 
cónego  se  foi  embora,  foram  arrombadas  as 
portas  e  as  janelas  e  a  casa  foi  invadida  por 
homens  com  archotes.  Soldados  e  polícia  chega- 
ram a  tempo  de  evitar  sérias  ofensas  corporais 
e  prejuízos  de  maior  monta,  e  os  crentes  que  se 
tinham  mantido  em  oração,  numa  das  divisões 
do  último  andar,  foram  conduzidos  a  salvo  para 
suas  casas.  Não  foram  poupados  a  insultos  e  ao 
baixo  calão  das  multidões,  nem  ao  muito  repetido 
insulto  que  lhes  era  dirigido:  «Não  há  leis  para 
calvinistas»  (78). 


55 


MICHAEL  P.  TESTA 

ATITUDES   DA  COMUNIDADE  BRITÂNICA 
E  DO  CÔNSUL  BRITÂNICO 

No  dia  3  de  Agosto,  a  pedido  de  Miss  Ruther- 
ford,  o  capitão  J.  Roddam  Tate,  R.  N.  que  tinha 
assistido  à  parte  dos  acontecimentos  da  noite 
anterior,  comunicou  o  caso  ao  cônsul  inglês.  O 
representante  de  Sua  Majestade  manifestou  ex- 
trema frieza  e  alegou  que  o  caso  pertencia  às 
autoridades  civis  e,  por  isso,  ele  não  podia  inter- 
vir (79).  João  Fernandes  da  Gama,  que  tinha 
acompanhado  os  Drs.  Miller  e  MacKeller  na 
visita  ao  cônsul  e  ao  chefe  da  polícia  do  Funchal, 
em  busca  de  protecção  para  as  vidas  e  proprie- 
dades dos  residentes  ingléses,  descreveu  mais 
tarde  o  cônsul  inglês  como  um  homem  sem  reli- 
gião (80).  Certamente,  ele  não  simpatizava  com 
o  Dr.  Kalley  e  os  residentes  ingleses  que  tinham 
ajudado  e  encorajado  os  portugueses  a  deixarem 
a  religião  do  Estado. 

Desde  a  chegada  do  Rev.  William  H.  Hewitson 
à  Madeira,  o  Dr.  Kalley  continuou  a  ajudar, 
calma  e  discretamente,  os  evangélicos  portu- 
gueses e  a  encorajar  todos  os  esforços  missioná- 
rios dos  seus^  colegas  e  compatriotas.  O  interesse 
do  médico  e  o  seu  cuidado  profissional  tomaram 
possível  a  Mr.  Hewitson  manter  razoável  saúde, 
apesar  do  extenuante  trabalho  missionário. 

Com  a  ida  de  Mr.  Hewitson  para  a  Grã- 
-Bretanha,  o  Dr.  Kalley  tornou-se  de  novo  o  alvo 
principal  do  cónego  Teles  da  Meneses.  O  doutor 
estava  marcado  para  «a  aniquilação»,  que  devia 


56 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


ter  lugar  antes  do  fim  da  semana  (81).  A  fraca 
saúde  de  sua  esposa  e  as  ameaças  exaltadas  de 
todos  aqueles  que  passavam  à  sua  porta,  obriga- 
ram o  Dr.  Kalley  a  pedir  protecção  ao  chefe  da 
Polícia,  José  de  Freitas  de  Almeida.  Um  empre- 
gado que  se  dirigia  à  esquadra  da  Polícia,  com 
a  mensagem,  foi  apanhado  por  um  grupo  de  ho- 
mens que  o  espancaram  brutalmente  e  destruí- 
ram a  carta.  O  Dr.  Kalley,  então,  apelou  para  o 
Governador  Civil,  Valentim  de  Freitas  Leal.  No 
dia  4,  à  tarde,  recebeu  uma  resposta  insultante 
à  sua  carta  da  véspera.  O  governador  acusava-o 
de  ter  sido  causador  de  distúrbios  graves,  «que 
eram  o  fruto  da  árvore  que  plantou  na  ilha,  a 
qual  nunca  produziu  senão  discórdia  e  con- 
fusão» (82). 

Nessa  mesma  tarde,  o  cônsul  inglês,  assegurou 
a  Miss  Rutherford,  por  carta,  que  ela  estaria 
protegida  de  futuros  aborrecimentos,  visto  o  caso 
já  ter  sido  apresentado  ao  Governador  Civil.  Mas 
a  sua  quinta  continuava  sitiada  dia  e  noite,  im- 
portunando-a  uma  arruaça  constante.  Toda  a 
gente  afirmava  agora  que  o  Dr.  Kalley  não 
podia  escapar-lhes  desta  vez,  «a  menos  que  ele 
fosse  o  diabo  em  pessoa»  (S3). 

«O  DIA  DE  S.  BARTOLOMEU»  NA  MADEIRA 

No  domingo,  9  de  Agosto,  pelo  meio-dia,  ter- 
minava a  missa  a  Nossa  Senhora  do  Monte, 
celebrada  na  Catedral.  Um  foguete  subiu  esta- 


57 


MICHAEL  P.  TESTA 


lando  no  ar,  sinal  que  marcava  o  «Dia  de 
S.  Bartolomeu  Madeirense»,  ainda  que  exagerada- 
mente assim  chamado.  A  violência  que  rebentou 
em  toda  a  ilha,  foi  terrível  e  devastadora.  A  bru- 
talidade e  os  archotes  foram  mobilizados  numa 
cruzada  para  exterminar  a  heresia. 

A  ameaça  crescente  do  antiprotestantismo,  du- 
rante a  semana  precedente,  só  podia  ter  resultado 
em  desenfreadas  violências.  Desde  o  dia  2  de 
Agosto  que  ameaças  e  injúrias  atrozes  eram  diri- 
gidas contra  os  «calvinistas».  Afinal,  uma  série  de 
ataques  foram  feitos,  começando  pelas  casas  e 
campos  cultivados  dos  protestantes  portugueses. 
«Todas  as  noites»,  escreve  o  capitão  J.  Roddam 
Tate,  um  oficial  aposentado  da  Armada  britânica, 
residente  na  Madeira,  «nós  sabíamos  de  algum 
novo  caso  de  violência  e  crueldade,  até  que  por 
fim  eles  se  sentiram  na  necessidade  de  buscar 
salvação  na  fuga»  (84). 

Em  Santo  António  da  Serra  e  Lombo  das 
Faias,  as  autoridades  invadiram  as  casas  dos 
crentes,  altas  horas  da  noite.  Soldados  aquarte- 
laram-se  nas  casas  donde  haviam  expulsado  os 
seus  locatários  hereges,  muitos  deles  mesmo  em 
roupas  de  dormir.  Os  soldados  e  os  seus  cúmpli- 
ces saqueavam  as  casas,  matando  porcos,  cabras 
e  galinhas,  banqueteando-se  com  as  provisões  dos 
camponeses  que  fugiam  para  lugares  escondidos 
nas  montanhas  (85).  Mulheres  e  raparigas  sofre- 
ram indignidades  e  os  homens  foram  severa- 
mente espancados.  Vinte  e  dois  homens  e  rapa- 


58 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

rigas.  tidos  como  dirigentes  do  movimento,  foram 
apanhados  e  metidos  numa  velha  masmorra  onde 
as  condições  eram  simplesmente  chocantes..  À 
semelhança  de  Paulo  e  Silas  na  prisão  de  Filipos, 
eles  «cantavam  hinos  a  Deus»  (86): 

Cá  sofremos  aflição 

Cá,  desgostos  perto  estão, 

Mas  lá  no  céu  há  paz  (G7). 

Oito  e  nove  de  Agosto.  Foram  dias  de  grave 
perigo  e  sofrimento  para  todos  aqueles,  que  de 
qualquer  forma,  estivessem  associados  ao  movi- 
mento evangélico.  Centenas  buscaram  abrigo  ou 
esconderijo  entre  os  matagais,  nas  vertentes  das 
montanhas,  onde  vagabundearam  dias  e  dias, 
perseguidos  pelos  seus  inexoráveis  inimigos.  As 
autoridades  civis  perderam  o  controle  sobre  as 
quadrilhas  de  despojadores,  muitos  deles  conven- 
cidos de  que  estavam  cooperando  numa  cruzada 
santa  contra  os  hereges.  Os  protestos  dos  resi- 
dentes ingleses  e  de  muitos  bons  portugueses  que 
estavam  horrorizados  com  o  bárbaro  espectáculo 
de  fanatismo  e  terror,  não  foram  atendidos. 

F  —  A   PROVA   DE  FOCO 

A  FUGA  DO  DR.  KALLEY 

Na  manhã  de  domingo,  9  de  Agosto,  a  senhora 
Kalley  foi  conduzida,  sob  disfarce,  a  casa  do 
cônsul  inglês,  que,  veio  depois  a  saber-se,  na 


59 


MICHAEL  P.  TESTA 


manhã  daquele  mesmo  dia,  saiu  para  a  sua  casa 
de  campo  (88).  Durante  a  semana  anterior  o 
Dr.  Kalley  fora  aconselhado  pelos  seus  amigos  e 
pelo  cônsul  inglês  a  deixar  a  ilha,  antes  que  a 
sua  vida  corresse  perigo  maior.  Era  já  quase  tarde 
demais  quando  ele  atendeu  aos  persistentes  con- 
selhos de  seus  amigos.  Disfarçou-se  de  mulher 
doente,  e  foi  transportado  numa  rede,  que  era  a 
maneira  habitual  de  então  transportar  os  inváli- 
dos, para  a  quinta  dos  Pinheiros  e,  ali,  antes  que 
nascesse  o  Sol,  no  dia  9  de  Agosto,  foi  posto  a 
bordo  do  navio  britânico  «Forth»,  o  qual,  pro- 
videncialmente,  tinha  aportado  na  baía  do  Fun- 
chal. Nesse  mesmo  dia,  do  convés  do  navio 
«Forth»  pôde  ver  uma  espessa  coluna  de  fumo 
e  chamas  envolvendo  a  sua  casa  no  distrito  de 
Santa  Luzia.  Casa,  mobília,  material  cirúrgico  e 
provisões,  valiosa  biblioteca  e  insubstituíveis  ma- 
nuscritos foram  destruídos  naquele  holocausto  (89). 
Pôde  ainda  observar  outra  nuvem  de  fumo  que 
se  levantava  de  todas  as  Bíblias  e  publicações 
evangélicas  que  foram  impiedosamente  destruí- 
das pelo  fogo,  na  Praça  da  República.  O  hospital 
foi  saqueado  e  grandemente  danificado;  muitas 
das  escolas  domésticas  foram  também  incendia- 
das (90). 

Naquela  tarde  o  «Forth»  seguiu  o  seu  destino 
para  Trindade  nas  Índias  Ocidentais  Inglesas, 
como  estava  previsto.  Ali  o  Dr.  Kalley  e  sua 
esposa  mais  tarde  se  reencontraram  e  juntos  se- 
guiram para  a  Inglaterra. 


60 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

A  SITUAÇÃO  DOS  CONVERTIDOS 

Acabada  a  obra  de  destruição  no  Funchal,  os 
perseguidores,  ainda  insatisfeitos,  perseguiram  o 
rebanho  disperso  pelas  montanhas,  buscando-o 
por  toda  a  parte  «como  animais  ferozes  e  esfai- 
mados» (91).  Alguns  dos  crentes  eram  pastores  e 
estavam  habituados  a  guardar  os  seus  rebanhos 
de  carneiros  e  cabras  nas  montanhas.  Por  isso  as 
conheciam  bem.  Ali  encontraram  bons  esconde- 
rijos nas  ravinas  e  cavernas  para  os  seus  irmãos 
fugitivos,  a  quem  forneciam  leite  e  queijo  para 
o  seu  sustento.  Outros  sofreram  nos  seus  escon- 
derijos grande  fome  e  incontáveis  privações,  en- 
quanto as  suas  casas  e  seus  campos  eram  asso- 
lados. 

Não  havia  segurança,  nem  lei,  para  os  hereges 
desprezados.  Eram  fugitivos  numa  terra  que  era 
a  sua  própria  terra,  e  perseguidos  na  sua  ilha 
natal.  As  duas  semanas  seguintes  à  fuga  do 
Dr.  Kalley  foram  de  confusão  e  de  grandes 
apreensões  para  o  povo  perseguido  e  sem  pastor. 

Havia  agora  prisões  diàriamente  e  julgamentos 
aos  quais  nenhum  leitor  da  Bíblia,  como  eles 
eram  depreciativamente  chamados,  podia  escapar 
e  dos  quais  também  não  se  podia  esperar  justiça. 
Testemunhas  falsas  eram  muitas  vezes  suborna- 
das; o  acusado  era  obrigado  a  pagar  as  despesas 
do  seu  próprio  julgamento  e  do  tempo  em  que 
permanecesse  cativo.  Eram  excomungados.  E 
todos  os  fiéis  católicos  romanos  proclamavam  aos 


61 


MICHAEL  P.  TESTA 


quatro  ventos,  sentenciosamente:  «Que  ninguém 
lhes  dê  lume,  água,  pão  ou  qualquer  outra  coisa 
que  venham  a  necessitar.  E  ninguém  pague  o 
que  lhes  deve.  Esta  ordem  foi  tão  estritamente 
observada  que  os  que  tinham  algum  coisa  para 
vender,  não  encontravam  comprador  por  preço 
algum.  Alguns  deixaram  com  os  amigos  para  lhes 
guardarem,  em  confiança,  aquilo  que  tinham; 
mas  a  sentença  de  excomunhão  reduziu  pràtica- 
mente  à  miséria  todos  os  crentes  (92). 

Pode-se  perceber  que  não  somente  os  bens 
pessoais  do  Dr.  Kalley  mas  também  toda  a  sua 
obria  missionária,  levada  a  efeito  durante  oito 
anos,  na  Madeira,  fora  igualmente  reduzida  a 
cinzas.  A  oposição  e  o  sofrimento  sem  limites 
que  os  crentes  tiveram  de  suportar,  pareciam 
atingir  um  novo  clímax.  João  Fernandes  da  Gama, 
que  fora  testemunha  ocular  destas  cenas,  relata 
incidentes  de  tortura  cruel,  tais  como  as  que 
foram  infligidas  a  uma  mãe  e  três  filhos  peque- 
nos, D.  Mariazinha  de  Vasconcelos  (93).  Ele  dá 
ainda  uma  descrição  minuciosa  do  assassínio  e 
bárbara  mutilação  de  António  Martins,  natural 
de  S.  Roque. 

FUGA  DA  MADEIRA 

Os  incidentes  na  Madeira  coincidiram  com 
um  plano  inglês  de  recrutar  trabalhadores  para 
Trindade,  Antigua  e  St.a  Kitts,  nas  Antilhas  Me- 
nores. Barcos  ingleses,  à  procura  de  trabalhado- 


62 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

res,  tocavam  os  portos  dos  Açores  e  atracavam 
no  porto  do  Funchal,  Madeira,  no  mês  de 
Agosto  (94). 

A  23  de  Agosto  o  «William»,  de  Glasgow, 
largava  da  baía  do  Funchal  em  direcção  da 
Trindade.  Levava  a  bordo  mais  de  duzentos  re- 
fugiados religiosos,  sem  bagagem  e  muitos  deles 
vestindo  roupas  oferecidas  pela  tripulação.  Secre- 
tamente, durante  a  noite  ou  às  primeiras  horas 
da  madrugada,  despediam-se  das  matas,  nas  fal- 
das das  montanhas,  e  dirigiam-se  às  praias  mais 
isoladas,  onde  eram  recebidos  em  barcos  que  os 
conduziam  às  pontes  do  navio  britânico. 

Era  verdadeiramente  tocante  ver  as  lágrimas 
de  gratidão,  ouvir  preces  de  intercessão  pelos 
seus  inimigos  e  escutar  hinos  de  louvor  e  acção 
de  graças;  era  comovente  ver,  à  medida  que  o 
seu  número  aumentava,  reunindo-se  agora  em 
multidões,  a  procurar  entre  estranhos  a  protecção 
que  os  seus  compatriotas  lhes  negavam.  Velhos 
e  novos,  fortes  e  fracos,  raparigas  e  mulheres 
com  crianças  ao  peito  —  todos  se  precipitavam 
para  o  «William)),  sabendo  que  ali  havia  corações 
batendo  com  afecto  e  ternura  pelo  rebanho  so- 
fredor de  Cristo  (95). 

Apesar  de  tudo  foi  com  lágrimas  nos  olhos  que 
viram  desaparecer  no  horizonte,  a  23  de  Agosto, 
a  sua  ilha  natal.  Poucos  dias  volvidos,  mais  de 
quinhentos  haviam  de  seguir-lhes  o  rasto  para 
a  Trindade,  a  bordo  do  «Lord  Seaton».  Durante 
os  meses  seguintes  muitos  mais  abandonaram  a 


63 


MICHAEL  P.  TESTA 


sua  ilha  natal,  em  busca  de  liberdade  de  culto 
em  terras  de  além-mar.  As  autoridades,  nessa 
altura,  permitiram  a  sua  emigração,  num  esforço 
de  limpar  da  ilha  os  calvinistas  e  de  restaurar  a 
ordem.  Os  primeiros  emigrantes  estabeleceram-se 
na  Trindade,  em  Antigua,  em  St.a  Kitts,  em 
Demerara  e  na  Jamaica. 

O  governo  britânico  pediu  e  recebeu  dos  Por- 
tugueses uma  indemnização  no  valor  de  sete  mil 
libras  pelos  prejuízos  sofridos  pelo  Dr.  Robert 
Reid  Kalley.  Mas  os  portugueses  dispersos  no 
exílio,  que  também  perderam  tudo  quanto  tinham, 
encontraram  apenas  compensação  no  maior  grau 
de  liberdade  que  experimentaram  na  terra  que 
os  recebeu.  Não  há  números  certos  para  apre- 
sentar, mas,  por  estimativa,  pode  calcular-se  o 
número  de  refugiados  religiosos  que  deixaram  a 
ilha  da  Madeira,  como  resultado  das  perseguições 
de  1846,  em  cerca  de  dois  milhares. 


64 


CAPÍTULO  II 


APÓS  A  TEMPESTADE 
(1846-1855) 


CAPITULO  II 


APÓS  A  TEMPESTADE 

(1846-1855) 

A  — OS  MADEIRENSES  NAS  ANTILHAS  E  SUAS  PROVA- 
ÇÕES   EM    TERRA  ESTRANHA 

Depois  de  chegarem  às  ilhas  espalhadas  das 
Antilhas  Menores,  os  madeirenses  arranjaram  tra- 
balho nas  plantações  de  açúcar,  onde  havia 
grande  falta  de  mão-de-obra  Foi-lhes  difícil  acli- 
matarenvse;  sofreram  as  consequências  do  calor 
e  da  humidade,  com  ataques  de  febre  e  desinteria. 
Muitos  adoeceram,  e  o  número  de  mortos  tornou- 
-se  assustador  (96).  O  Governador  da  Trindade, 
Lord  Harvis,  tornou-se  pessoalmente  preocupado 
com  a  situação  e  ordenou  a  mudança  dos  por- 
tugueses para  regiões  mais  salubres  da  ilha. 
Novos  empregos  se  lhes  depararam  nas  planta- 
ções de  cacau  e  café  que  eram  cultivadas  à  som- 
bra de  grandes  árvores,  e  não  sob  o  intenso  sol 
tropical,  como  acontece  com  a  cana  de  açúcar. 

67 


MICHAEL  P.  TESTA 


Grandes  manifestações  de  bondade  eram  dis- 
pensadas aos  refugiados  religiosos  portugueses 
pelos  residentes  da  ilha.  A  barreira  da  linguagem 
dificultou  as  comunicações,  mas  os  madeirenses 
gravaram  na  sua  própria  língua,  a  sua  gratidão 
pelas  provas  de  bondade  e  simpatia  que  recebe- 
ram de  mãos  estrangeiras  (97). 

Eventualmente,  em  cidades  como  o  Porto  de 
Espanha,  os  portugueses  abriram  pequenas  lojas 
de  barbeiro,  sapateiro,  alfaiate,  carpinteiro  e  can- 
teiro. Mas,  o  preço  de  novas  mobílias  para  a 
casa  e  a  substituição  dos  fatos  perdidos  estavam 
para  além  das  suas  possibilidades  imediatas.  O 
nível  de  vida  era  muito  mais  alto  que  na  Madeira, 
e  o  novo  ambiente  era  estranho  para  eles;  bem 
longe  ficara  a  vida  simples  que  eles  conheciam; 
o  novo  ambiente  tornava  inevitável  uma  transfor- 
mação radical  nos  seus  costumes. 

VIDA  E  TESTEMUNHO 

Os  crentes  portugueses  caracterizavam-se  como 
puritanos  e  pietistas,  em  contraste  com  os  ingle- 
ses, mais  mundanos,  ou  com  os  franceses  e  espa- 
nhóis, seus  vizinhos  nas  ilhas,  que  eram  menos 
dados  à  religião  (98).  A  atitude  religiosa  dos 
madeirenses,  combinada  com  as  barreiras  étnicas 
e  linguísticas,  acabaram  por  separá-los  em  peque- 
nas comunidades  nas  muitas  ilhas  onde  se  esta- 
beleceram. Cada  comunidade  tinha  o  seu  lugar 


68 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


e  a  sua  hora  de  culto,  Escola  Dominical  para  as 
crianças  e  grupos  de  Estudo  Bíblico  durante  a 
semana. 

O  presbítero  Arsénio  Nicos  da  Silva,  que  tinha 
sido  tão  bom  servo  sob  a  tutela  do  Rev.  William 
H.  Hewitson,  foi  ordenado  ao  ministério  e  indi- 
cado pela  Igreja  Livre  da  Escócia  como  pastor 
da  congregação  da  Trindade.  Em  Porto  de  Espa- 
nha, durante  o  ano  de  1847,  era  normal  ver  para 
cima  de  trezentos  crentes  nos  cultos  de  domingo, 
e  muitas  presenças  nos  estudos  bíblicos  e  reu- 
niões de  oração  (").  A  fervorosa  convicção  cristã 
dos  madeirenses  reflectia-se  em  elevado  grau  nas 
suas  vidas  diárias  e  nas  suas  relações  com  os 
outros.  Este  testemunho  atraiu,  irresistivelmente, 
outros,  muitos  deles,  anteriormente,  católicos  ro- 
manos (10°). 

O  pastor  Arsénio  Nicos  da  Silva  era  muitíssimo 
estimado  pelos  seus  compatriotas,  aos  quais  ser- 
via fielmente  e  com  notável  eficiência.  O  seu 
ministério  pastoral  confortou-os  e  ajudou-os  du- 
rante os  primeiros  meses  de  dificuldades  finan- 
ceiras, de  solidão  e  de  nostálgica  saudade  da 
família  e  amigos  e  da  Pátria.  O  seu  ministério 
foi  curto.  Uma  doença  bastante  séria  tomou  acon- 
selhável submeter-se  a  um  melindroso  e  mais 
cuidado  tratamento  em  Nova  York,  onde  morreu, 
cinco  semanas  após  a  sua  chegada,  a  10  de 
Janeiro  de  1849. 

A  direcção  espiritual  da  comunidade  protes- 
tante portuguesa  na  ilha  de  St.a  Kitts  foi  confiada 


69 


MICHAEL  P.  TESTA 


ao  presbítero  Martinho  José  de  Sousa,  e,  em 
Antigua,  ao  diácono  José  Marques.  Embora  eles 
não  tivessem  tido  uma  preparação  prévia  para  a 
responsabilidade  repentinamente  imposta  sobre 
os  seus  ombros,  a  sua  obra  foi  reconhecida  nas 
comunidades  que  serviram,  e  a  sua  contribuição 
para  o  sustento  cristão  e  estabilidade  das  suas 
respectivas  congregações  foi  substancial. 

De  tempos  a  tempos  chegavam  novos  imi- 
grantes da  Madeira  com  as  últimas  novas  da 
terra  natal  e  nova  coragem  para  os  seus  irmãos 
no  exílio.  O  montante  das  dificuldades  financei- 
ras e  de  todos  os  problemas  a  atender  com  a 
reinstalação  dos  que  iam  chegando,  contudo, 
estava  para  além  das  suas  capacidades  de  pas- 
tores e  para  além  dos  recursos  e  provisões  das 
igrejas  portuguesas. 

MINISTÉRIO  DO  SR.  HEWITSON  NA  TRINDADE 

A  2  de  Janeiro  de  1847  o  Rev.  William  H. 
Hewitson,  a  pedido  da  Comissão  Colonial  da 
Igreja  Livre  da  Escócia,  embarcou  para  a  Trin- 
dade. O  objectivo  da  sua  missão  entre  os  exilados, 
como  ele  mesmo  afirmou,  era  «não  somente 
administrar  consolo  evangélico,  mas  reorganizá- 
-los  ordenadamente  numa  Igreja»  (101).  Era  inten- 
ção sua  realizar  esse  projecto  em  apenas  três 
meses  e  a  medida  do  sucesso  obtido  por  esse 
ministro,  fisicamente  débil,  é  simplesmente  no- 
tável. 


70 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

Na  sua  passagem  pela  Madeira  parou  secreta- 
mente para  visitar  alguns  amigos  e  conhecidos, 
novos  convertidos  portugueses.  A  28  de  Janeiro 
chegou  a  Porto  de  Espanha,  na  Trindade,  onde 
foi  recebido  com  saudações  e  abraços,  lágrimas 
e  risos,  de  amáveis  e  cordiais  boas-vindas  (102). 
Descrevendo  este  encontro  ele  diz: 

«O  encontro  foi  de  ambos  os  lados,  pleno  de 
alegrias,  em  vista  dos  afectuosos  laços  que  já  nos 
uniam,  desde  a  Madeira,  laços  esses  que  foram 
estreitados  em  circunstâncias  de  perigo  e  dificul- 
dade, que  eram  mais  do  que  suficientes  para 
colocar  o  momento  acima  duma  ternura  vul- 
gar. 

O  Rev.  Hewitson  depressa  deu  ao  presbítero 
Martinho  de  Sousa  o  encargo  de  professor  das 
crianças  portuguesas,  confiando-lhe  também  clas- 
ses nocturnas  para  os  adultos.  Organizaram-se 
também  classes  de  catecúmenos  e,  durante  os 
primeiros  dois  meses,  foram  convenientemente 
preparados  dezoito  crentes  para  o  rigoroso  exame 
que  os  tornaria  membros  da  Igreja.  Mr.  Hewitson 
fez  referências  a  outros  catecúmenos  que  tinham 
a  lâmpada  da  palavra  de  Deus  nas  mãos,  mas  a 
quem  faltava  o  óleo  da  Graça  de  Deus  nos 
corações  (104). 

Mr.  Hewitson  empenhou-se  num  ministério  iti- 
nerante que  devia  levá-lo  a  outras  ilhas  em 
demanda  da  diáspora  madeirense.  A  sua  própria 
descrição  destas  jornadas  missionárias  revela  a 


71 


MICHAEL  P.  TESTA 


qualidade  do  seu  zelo  e  o  amor  que  nutria  pela 
sua  congregação  dispersa. 

«Ontem  fui  a  Santa  Cruz  —  a  nove  ou  dez 
milhas  daqui  —  em  busca  dos  portugueses,  e 
encontrei  vinte  na  mesma  fazenda;  após  o  tér- 
mino do  dia  de  trabalho,  celebramos  o  culto 
juntos.  Era  sempre  um  culto  muito  anima- 
dor. ...  Trabalhar  neste  clima  quente  não  faz 
bem  à  minha  doença.  Dificilmente  tenho  um  dia 
em  que  não  me  sinta  fatigado»  (105). 

E  para  seus  pais,  a  31  de  Março: 

«Na  quarta-feira  da  semana  passada,  saí  daqui 
numa  carrinha  pouco  depois  das  seis  horas  da 
manhã;  e,  viajando  dez  milhas,  preguei  para 
quarenta  portugueses  ao  ar  livre,  à  sombra  duma 
grande  árvore.  Depois  andei  mais  de  seis  ou  sete 
milhas  para  pregar  a  cerca  de  vinte  portugueses 
numa  água-furtada.  Voltei  então  para  trás  mais 
quatro  ou  cinco  milhas  e  tornei  a  pregar  ...  em 
Arouca,  para  um  grupo  de  portugueses  que  se 
reuniu  após  o  seu  trabalho  diário,  vindo  de  duas 
milhas  em  redor.  Na  quinta-feira  de  manhã 
estava  aqui  para  o  pequeno  almoço,  depois  de 
sair  de  Arouca  muito  cedo.  Se  Deus  quiser  estarei 
outra  vez  em  Arouca  no  próximo  domingo,  para 
administrar  a  comunhão  e  pregar  duas  vezes. 
No  domingo  passado  celebrei  a  Ceia  do  Senhor 
aqui  para  oitenta  comungantes  portugueses.  To- 
dos os  presentes  eram  portugueses  menos  eu»  (106). 


72 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

O  Rev.  Hewitson  despediu-se  dos  exilados  na 
Trindade  no  princípio  de  Maio  de  1847,  satisfeito 
por  deixar  a  igreja  dos  refugiados  em  boa  ordem 
e  de  maneira  muito  promissora  (107).  A  despeito 
das  suas  forças  físicas  e  do  enervante  calor  tro- 
pical, Mr.  Hewitson  visitou  St.a  Kitts,,  onde 
pregou  catorze  vezes  e  ministrou  duas  vezes  o 
Sacramento  da  Ceia  do  Senhor  (108). 

Chegou  a  Clyde  a  15  de  Julho  de  1847  e  logo 
em  seguida  foi  colocado  como  pastor  da  congre- 
gação da  Igreja  Livre  da  Escócia,  em  Dirleton, 
a  cerca  de  vinte  milhas  de  Edimburgo.  Ali  serviu 
com  a  sua  habitual  eficiência,  e,  durante  os  três 
anos  restantes  da  sua  vida,  manteve  um  interesse 
pastoral  pelos  crentes  portugueses  da  Madeira, 
na  índia  Ocidental  Britânica  e  nos  Estados  Uni- 
dos da  América.  A  7  de  Agosto  de  1850,  esse 
homem  grandemente  provado,  e  que  alcançou 
um  lugar  logo  a  seguir  ao  do  Dr.  Kalley,  na  reali- 
zação do  apostolado  aos  madeirenses,  achou 
libertação  na  morte. 

B  —  FIXAÇÃO   DOS    MADEIRENSES    EM  ILLINOIS 

CHAMADA  PARA  A  AMÉRICA 

Como  ficou  dito  acima,  as  condições  econó- 
micas da  grande  maioria  dos  madeirenses  exila- 
dos nas  Antilhas  Menores  foram  sérias  desde  o 
princípio.  E  isto  atingiu  proporções  alarmantes 
com  a  falência  do  Banco  das  Antilhas,  a  baixa 


73 


MICHAEL  P.  TESTA 


de  preço  do  açúcar  nos  mercados  mundiais  e 
com  a  bancarrota  das  principais  firmas  comer- 
ciais de  Trindade  (109).  A  situação  agravou-se 
ainda  mais  pela  cessação  dos  projectos  de  cons- 
trução do  Governo,  onde  muitos  madeirenses 
estavam  empregados. 

Com  a  aquiescência  da  Igreja  Livre  da  Escó- 
cia, foram  dirigidos  apelos  à  Sociedade  Protes- 
tante Americana  e  à  União  Cristã  Americana, 
em  Março  de  1848,  solicitando: 

«...Uma  porção  de  terra  boa  para  cultivar  nos 
Estados  Unidos,  onde  possam  viver  perto  uns  dos 
outros,  construir  igreja  e  escolas  para  as  crianças, 
e  onde  possam  ganhar  honestamente  o  pão  de 
cada  dia  e  prestar  culto  ao  Senhor  Deus  de 
Israel  em  espírito  e  em  verdade»  (110). 

O  Rev.  Sr.  Norton  e  N.  Demotte,  Secre- 
tário da  Sociedade  Protestante  Americana,  res- 
ponderam a  9  de  Maio,  assegurando-lhes  que 
poderiam  obter  terra  e  que  lhes  seria  prestada 
assistência  financeira.  Encorajados  pela  pronta  e 
generosa  simpatia  e  pelo  auxílio  do  povo  ameri- 
cano, dentro  de  pouco  tempo  os  crentes  come- 
çaram a  chegar  em  grupos  sucessivos  a  Nova 
York  e  Baltimore.  Em  Novembro  de  1848  um 
íirupo  de  mais  de  uma  centena  chegou  a  Balti- 
more, num  domingo  de  manhã.  Foram  calorosa- 
mente recebidos,  generosamente  tratados  e  pre- 
senteados com  roupas  indispensáveis.  O  presbí- 
tero Sr.  Francisco  Sousa  Jardim,  profundamente 


74 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

comovido  pela  forma  carinhosa  como  ele  e  os 
seus  compatriotas  foram  recebidos,  escreveu: 

«Somente  pela  intervenção  de  Nosso  Bondoso 
Deus,  depois  das  perseguições  sofridas  por  causa 
do  Evangelho,  na  nossa  terra  natal,  e  por  causa 
desse  mesmo  Evangelho,  nós  pudemos  ser  rece- 
bidos agora,  de  braços  abertos  numa  terra  estra- 
nha e  ser  atendidos  em  todas  as  nossas  necessi- 
dades» O11). 

A  Sociedade  Protestante  Americana  enviou  o 
Rev.  Manuel  G.  Gonçalves  à  Trindade  para 
estudar  o  caso  e  as  condições  dos  madeirenses 
ali  e  recomendar  um  plano  para  a  sua  emigração. 
É  interessante  notar  que  o  Rev.  Gonçalves  nas- 
ceu na  Madeira  e  emigrou  para  os  Estados  Uni- 
dos da  América,  com  seus  pais,  quando  era 
ainda  criança.  Era  agora  um  ministro  ordenado 
Baptista  ao  serviço  da  Sociedade,  como  Evange- 
lista, entre  os  seiscentos  pescadores  portugueses 
provenientes  dos  Açores  que  viviam  nos  portos 
de  pesca  de  Nova  Inglaterra. 

O  Rev.  Gonçalves  impressionou-se  pela  sim- 
plicidade, pela  sinceridade  e  pela  piedade  dos 
exilados  da  Madeira.  É  em  termos  inflamados 
que  se  refere  à  condição  espiritual  e  à  diligência 
daqueles  que  «tinham  sacrificado  as  suas  pro- 
priedades e  tudo  quanto  possuíam  —  amigos,  fa- 
mília, a  terra  onde  nasceram  —  tudo  por  causa 
do  Evangelho  e  em  obediência  aos  ensinos  e  à 
lei  de  Deus»  (112).  Regressou  aos  E.  U.  A.  na 


75 


MICHAEL  P.  TESTA 


Primavera  de  1848  e  tomou  parte  na  recolha  de 
grandes  somas  de  dinheiro  para  fazer  face  às 
despesas  de  viagem  e  sustento  de  mais  emi- 
grantes. Os  novos  grupos  foram  recebidos  na 
«Casa  dos  Marinheiros»,  de  Nova  York,  a  qual  foi 
usada  para  este  fim  pela  Sociedade  Protestante 
Americana  desde  Agosto  de  1848  até  Março  do 
ano  seguinte. 

Em  Maio  de  1849  o  Rev.  Manuel  Gonçalves 
fez  uma  segunda  viagem  à  Trindade  a  fim  de 
dirigir  a  fase  final  do  plano  emigração.  Três 
barcos  americanos  foram  contratados  para  trans- 
portar os  restantes  madeirenses,  em  número  apro- 
ximado de  quinhentos.  As  embarcações  foram 
contratadas  para  24  de  Maio  e  15  de  Junho  de 
1849  (113).  Os  lugares  deixados  vagos  pelo  êxodo 
em  tão  larga  escala  de  Trindade,  foram  mais 
tarde  ocupados  por  outros  refugiados,  vindos  das 
ilhas  mais  pequenas  e  mais  retiradas.  Num 
espaço  de  tempo  relativamente  curto,  a  igreja 
fundada  pelos  calvinistas  portugueses  na  Trin- 
dade era  mais  forte  do  que  nunca.  E  ainda  hoje 
a  igreja  de  Santa  Ana  é  uma  das  congregações 
da  Igreja  Escocesa  em  Porto  de  Espanha  (114). 

IGREJAS  ESTABELECIDAS  EM  JACKSONVILLE 
E  SPRINGFIELD 

No  princípio  de  1848,  a  American  Hemp 
Company  ofereceu  possibilidades  e  garantias 
muito  satisfatórias  para  a  instalação  e  colocação 


76 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


dos  madeirenses  em  Nova  Berlim,  situada  entre 
Jacksonville  Springfield,  em  Illinois  (115).  Con- 
tudo, a  companhia  faliu,  deixando  perto  de  sete- 
centos refugiados  na  cidade  de  Nova  York,  ao 
cuidado  da  Sociedade  Protestante  Americana. 
As  igrejas  protestantes  de  Jacksonville  e  Spring- 
field  tiveram  conhecimento  desta  reviravolta  da 
fortuna  e  tomaram  a  seu  cargo  a  responsabilidade 
de  encontrar  casas  e  empregos  para  os  madei- 
renses. A  oferta  foi  gratamente  aceita  pela  coló- 
nia inditosa.  Os  exilados  que  estavam  sobre  o 
Atlântico  desde  que  haviam  deixado  a  sua  terra 
até  que  chegaram  a  Nova  York,  embarcaram  de 
novo  para  Jacksonville  -e  Springfied,  através  do 
Rio  Hudson,  Eric  Canal,  Grandes  Lagos  e  Rio 
Illinois.  A  única  parte  da  viagem  feita  por  terra 
foi  a  distância  de  vinte  milhas  que  separa  o  Rio 
Illinois,  em  Nápoles,  de  Jacksonville,  onde  o 
primeiro  grupo  de  duzentas  e  oitenta  pessoas 
chegou  a  15  de  Novembro  de  1849,  sob  a  orien- 
tação do  Rev.  Manuel  G.  Gonçalves  (116).  Metade 
do  grupo  seguiu  até  Springfield,  trinta  milhas 
adiante. 

A  comissão  designada  para  os  preparativos  ne- 
cessários à  recepção  e  instalação  de  tão  grande 
colónia  de  refugiados,  antes  que  o  Inverno  che- 
gasse, trabalhava  sob  a  direcção  do  Governador 
de  Illinois,  Sr.  Charles  French,  Rev.  M.  Stewart, 
presidente  do  Illinois  College,  em  Jacksonville  e 
Rev.  Albert  Hale,  de  Springfield.  Todos  recebe- 
ram hospitalidade  em  casa  dos  membros  da 


77 


MICHAEL   P.  TESTA 


Igreja  até  que  fosse  possível  arranjar  melhores 
e  mais  permanentes  acomodações.  As  únicas  di- 
ficuldades que  os  madeirenses  encontraram  fo- 
ram os  entraves  da  língua  e  a  transição  brusca 
do  calor  tropical  das  Antilhas  para  o  clima  de 
inverno  em  Illinois. 

O  segundo  grupo  de  refugiados,  também  acom- 
panhados pelo  Rev.  Manuel  Gonçalves,  instalou- 
-se  em  Waverly,  a  meio  caminho  de  Jacksonville 
e  Springfield.  No  terceiro  grupo  vinham  todos 
os  que  restavam  aguardando  em  Nova  York. 
Dirigidos  pelo  presbítero  João  Dias  dos  Santos, 
este  último  grupo  fez  a  mesma  longa  jornada  e 
acomodou-se  distribuindo-se,  em  números  iguais, 
por  Jacksonville  e  Springfield  (117). 

Na  altura  da  fuga  da  Madeira,  em  1846,  dois 
jovens  diáconos  da  Igreja  do  Funchal,  Srs.  Antó- 
nio de  Matos  e  Henrique  Vieira,  foram  convi- 
dados pela  Igreja  Livre  da  Escócia  a  prepara- 
rem-se  para  o  ministério.  Estavam  concluindo 
os  seus  estudos  no  Divinity  Hall  da  Universidade 
de  Glasgow,  quando  as  igrejas  reorganizadas  em 
Jecksonville  e  Springfield  apelaram  para  a  Igreja 
mãe  na  Escócia,  a  fim  de  que  eles  fossem  orde- 
nados e  enviados  a  Illinois,  o  mais  cedo  possível. 

O  Rev.  António  de  Matos  chegou  na  Primavera 
de  1850.  Foi  colocado  como  pastor  das  igrejas 
portuguesas  de  Springfield  e  Jacksonville,  e  o 
seu  salário  foi-lhe  enviado  pela  Igreja  da  Escócia 
durante  os  três  primeiros  anos  de  ministério. 
Com  o  encorajamento  e  a  autorização  da  Igreja 


78 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

Livre  da  Escócia,  foi  recebida  sob  o  cuidado  do 
Presbitério  de  Springfield,  no  Sínodo  de  Illinois, 
em  Setembro  de  1855,  a  Primeira  Igreja  Presbite- 
riana Portuguesa  de  Springfield  (118).  A  Segunda 
Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  foi  organizada 
com  uma  colónia  da  primeira  Igreja,  em  Maio 
de  1858. 

Situação  semelhante  se  desenvolvia  em  Jack- 
sonville,  onde  a  Primeira  Igreja  Presbiteriana 
Portuguesa  foi  recebida  pelo  Presbitério  de 
Springfield  em  Abril  de  1856.  A  Segunda  Igreja 
Presbiteriana  Portuguesa  foi  organizada  em  Maio 
de  1858,  como  consequência  de  uma  dissensão 
na  Primeira  Igreja.  Anos  volvidos,  em  1878,  foi 
organizada  a  Igreja  Presbiteriana  Central  Portu- 
guesa, recebida  sob  protecção  do  Presbitério  de 
Springfield,  a  27  de  Setembro  de  1882.  A  Igreja 
Central  uniu-se  à  Primeira  Igreja,  em  Abril  de 
1887,  passando  a  formar  a  Igreja  Presbiteriana 
Portuguesa  Unida  de  Jacksonville  (119). 

NOVOS  EMIGRANTES  DA  MADEIRA 

A  emigração  de  madeirenses,  provenientes  do 
Funchal  para  o  Novo  Mundo  ocasionou  um  res- 
tabelecimento de  portugueses  protestantes  em 
Porto  de  Espanha,  vindos  de  outras  ilhas  no 
Arquipélago  das  Antilhas  Menores. 

Além  disso  chegaram  ainda  pequenos  grupos 
da  Madeira  os  quais  fugiram  à  falta  de  comida 


79 


MICHAEL  P.  TESTA 


e  à  crise  económica  de  1847  (120),  e  foram 
ocupando  gradualmente  os  lugares  das  famílias 
que  haviam  emigrado  para  os  Estados  Unidos  da 
América.  A  colónia  estabelecida  na  Trindade  foi 
assim  revitalizada  e  garantido  o  crescimento  con- 
tínuo da  Igreja.  A  Igreja  Livre  da  Escócia  orde- 
nou e  enviou  o  Rev.  Henrique  Vieira  para  ser  o 
pastor  da  Igreja  Portuguesa  na  Trindade,  mais 
ou  menos  ao  mesmo  tempo  que  ao  Rev.  António 
de  Matos  fora  dado  o  cuidado  pastoral  das  con- 
gregações de  Illinois. 

Todavia,  muitos  dos  calvinistas  que  permane- 
ceram na  Madeira  e  conseguiram  resistir  a  anos 
de  violência  e  perseguição,  e  outros  que  secreta- 
mente, tinham  abraçado  a  fé  evangélica,  e  ainda 
outros  cujos  parentes  estavam  agora  vivendo  em 
Illinois,  não  se  sentiam  atraídos  para  a  Trindade, 
mas  buscavam  todos  os  meios  de  emigrar  para 
os  E.  U.  A.  (121).  O  Dr.  Robert  Reid  Kalley,  que 
esteve  de  visita  em  Illinois  no  ano  de  1853  (122), 
e  outros  habitantes  de  Nova  York  e  Edimburgo 
foram  bem  sucedidos  na  busca  de  fundos  para 
poderem  custear  as  passagens  de  madeirenses 
para  Nova  York.  Os  recursos  obtidos  tornaram 
possíveis  três  carregamentos  em  1855.  A  pedido 
do  Dr.  Kalley,  o  Sr.  João  Fernandes  da  Gama, 
um  estudante  de  Teologia,  viajou  de  Springfield 
para  dar  assistência  ao  desembarque  do  segundo 
grupo,  que  contava  cento  e  trinta  almas  (123). 


80 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 
C—  MADEIRA,   APÓS   A    PARTIDA   DOS  EXILADOS 

AS  BÍBLIAS  ESCONDIDAS  E  AS  REUNIÕES  SECRETAS 
DOS  CRENTES 

A  fúria  com  que  os  «hereges  calvinistas» 
tinham  sido  arrebatados  da  Madeira  dava  a 
ilusão  de  que  o  movimento  fora  tão  fundamente 
abalado  ou  arrancado  pela  raiz,  que  seria  impos- 
sível qualquer  ressurgimento.  Todos  os  portu- 
gueses, conhecidamente  ligados  ao  movimento, 
estavam  no  exílio. 

Não  havia  sinais  de  protestantismo  entre  os 
portugueses  na  ilha  da  Madeira.  A  planta  tenra, 
derribada  por  mãos  violentas,  parecia  morta.  A 
Igreja  e  o  Estado,  a  despeito  de  uma  nova  vaga 
de  tolerância  religiosa,  descansavam  seguros  de 
que  a  heresia  tinha  sido  erradicada.  O  Bispo  do 
Funchal,  numa  carta  pastoral  emitida  a  30  de 
Outubro  de  1846  e  publicada  no  jornal  da  Ma- 
deira em  Novembro,  denunciava  severamente 
«Aquele  Lobo  da  Escócia»  e  impunha  aos  fies 
que  «Juntassem  devotamente  suas  preces  às  da 
Santa  Igreja,  em  acção  de  Graças  ao  Senhor,  por 
ter  libertado  o  seu  povo  do  flagelo  da  heresia, 
com  que,  nos  dias  da  sua  ira,  os  tinha  visi- 
tado» (124). 

Embora  não  houvesse  sinais  óbvios  de  teste- 
munho evangélico  na  Madeira,  deve  ter  causado 
certa  ansiedade  na  chancelaria  diocesana  o  facto 
de,  em  1853,  um  segundo  e  grande  grupo  de 


6 


81 


MICHAEL  P.  TESTA 


emigrantes  se  tivesse  passado  da  Madeira  para 
Illinois,  afirmando  à  chegada,  mais  de  mil  ma- 
deirenses, serem  de  religião  protestante  (12S). 

Como  eram  revivificadas  e  alimentadas  as 
cinzas  da  fé  ?  Algo  devia  estar  activo  na  Madeira, 
ainda  que  não  houvesse  cultos  nem  fossem  en- 
contradas Bíblias.  E  assim  era.  Algumas  Bíblias 
escaparam  à  fogueira  da  praça  pública.  Estas 
eram  escondidas,  durante  o  dia,  sob  as  pedras 
das  lareiras,  desaparecendo  cuidadosamente  sob 
uma  negra  capa  protectora.  À  noite,  um  ou  outro 
dos  restantes  crentes  deixava  o  seu  esconderijo 
no  pinhal  e  encaminhava-se  para  uma  determi- 
nada choupana  no  fundo  do  vale.  Ali  encontraria 
um  pequeno  grupo  de  irmãos  na  fé,  que  não 
podiam  ler  por  si  mesmos,  reunidos  secretamente 
para  ouvir  a  Palavra  da  Vida  (126).  Uma  destas 
Bíblias  pode  ser  vista  hoje  na  Igreja  Presbiteriana 
do  Funchal,  onde  é  guardada  numa  redoma, 
junto  à  parede  ocidental. 

O  INTERESSE  E  OS  ESFORÇOS  DA  IGREJA 
DA  ESCÓCIA 

O  papel  representado  por  membros  individuais 
da  Igreja  Escocesa  e  pelo  Rev.  William  H. 
Hewitson,  durante  os  oito  anos  de  trabalho  mis- 
sionário do  Dr.  Kalley  entre  os  Portugueses, 
afectou  indubitàvelmente  o  status  da  jovem 
congregação  escocesa  e  vida  da  colónia  britâ- 
nica na  Madeira.  Apesar  disso,  nem  nas  actas 


82 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


oficiais  da  igreja,  nem  nas  publicações  e  cartas 
pessoais  se  encontrou  qualquer  recriminação 
contra  o  encorajamento  ou  aceitação  nas  igrejas 
protestantes  de  prosélitos  portugueses,  vindos  do 
Catolicismo  Romano.  A  Congregação  ligada  à 
Igreja  da  Inglaterra,  ao  contrário,  adoptou  uma 
política  que  excluía  completamente  tudo  o  que 
pudesse  parecer  qualquer  esforço  ou  encoraja- 
mento de  levar  portugueses  da  Madeira  à  Igreja 
Protestante.  Quando  precisavam  de  um  novo 
clérigo  na  congregação  inglesa,  especificavam  o 
seu  desejo  de  convidar  um  homem  que  evitasse 
ofender  os  preconceitos  da  comunidade  Católica 
Romana  no  país  em  que  teria  de  residir  (127). 

A  Igreja  Escocesa  sentia-se  envolvida  com  os 
Portugueses  quase  desde  o  princípio.  Entre  os 
nomes  dos  seus  setenta  e  três  comungantes,  qua- 
tro são  portugueses:  Breciano,  Costeira,  Pires  e 
Vieira.  Esta  pequena  congregação  nunca  chegou 
a  atingir  o  alvo  de  grande  expectativa,  que  levou 
à  sua  edificação  na  Madeira.  Em  muitas  ocasiões, 
durante  os  interregnos  pastorais,  suas  actividades 
eram  suspensas,  e,  mais  do  que  uma  vez,  quase 
se  extinguiu.  Todavia,  o  movimento  evangélico, 
iniciado  pelo  Dr.  Robert  Reid  Kalley  entre  os 
madeirenses,  embora  muitas  vezes  preseguidos  e 
seriamente  maltratados,  manteve  um  testemunho 
contínuo  na  ilha. 

Nutrindo  e  fortalecendo  aquele  movimento,  os 
residentes  escoceses  revivificavam-se  de  tempos 
a  tempos.  Um  exemplo  notável  foi  a  resignação 


83 


MICHAEL  P.  TESTA 


do  Rev.  John  Munro  Allan,  de  pastor  da  congre- 
gação escocesa  em  Abril  de  1883,  quando  a 
Comissão  Colonial  de  Edimburgo  decidiu  «inter- 
romper os  cultos  em  língua  inglesa  até  que  cir- 
cunstâncias mais  favoráveis  se  oferecessem  de 
novo».  A  Congregação  Presbiteriana  Portuguesa 
foi  digna  de  nota,  pois  apesar  de  tudo,  na  Igreja 
Escocesa  continuaram  os  serviços  dirigidos  pelo 
presbítero  Manuel  Helin.  O  Presbiterianismo  foi 
salvo  de  vitupério  de  ter  fechado  as  portas  da 
sua  igreja,  ali,  durante  os  anos  de  1883  e  1892. 
Em  Janeiro  de  1892,  o  Rev.  Drummond  Paterson, 
M.  A.,  foi  nomeado  pela  Comissão  Colonial  da 
Igreja  Livre  da  Escócia  e  começou  um  ministério 
que  prolongou  durante  trinta  e  dois  anos,  o  mais 
longo  nos  anais  da  Igreja  Escocesa  na  Madeira. 

Durante  o  período  em  que  a  Igreja  e  o  Estado 
hostilizaram  os  «hereges  calvinistas»,  os  membros 
da  Igreja  Escocesa  que  já  se  tinham  arriscado 
tanto  através  do  encorajamento  e  da  assistência 
prestada  ao  movimento  evangélico  entre  os  Por- 
tugueses, não  ousaram  arriscar  muito  mais  todo 
o  seu  futuro  continuando  a  auxiliá-lo  aberta- 
mente. Secretamente,  todavia,  continuavam  a  dis- 
pensar assistência  material,  fazendo  o  possível 
por  amenizar  os  sofrimentos  dos  protestantes 
portugueses.  Na  esteira  das  perseguições  e  do 
êxodo  de  1846,  quando  todos  os  traços  de  movi- 
mento pareciam  estar  apagados,  a  Igreja  da 
Escócia  foi  impotente  para  restabelecer  a  si- 
tuação. 


84 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 
A  NOVA  COMUNIDADE  DOS  FIÉIS 

«Finalmente,  em  1875,  quase  trinta  anos  após 
a  perseguição  que  tinha  desviado  da  ilha  pelo 
menos  duas  mil  almas,  foi  renovada  a  amizade 
franca  entre  Portugueses  e  Escoceses».  Uma 
atitude  mais  liberal  e  tolerante  triunfou,  a  qual 
impeliu  a  Igreja  da  Escócia  a  iniciar  um  novo 
esforço  missionário  entre  os  madeirenses.  O 
Rev.  Robert  Angus,  pastor  da  Igreja  Escocesa, 
recolheu,  numa  congregação  fervorosa,  os  frutos 
os  seus  esforços  evangelísticos  entre  os  Portu- 
gueses. A  nova  comunidade  foi  entregue  ao 
cuidado  pastoral  do  Rev.  António  de  Matos,  que 
tinha  estado  em  Lisboa,  gozando  a  sua  aposen- 
tação, depois  de  anos  ao  serviço  das  congregações 
de  Illinois. 

A  congregação  portuguesa  passou  a  usar,  até 
aos  nossos  dias,  a  igreja  escocesa,  com  todos  os 
direitos  e  facilidades,  na  cidade  do  Funchal. 
Depressa  foi  aberto  um  entreposto  para  a  distri- 
buição de  Bíblias  e  de  literatura  evangélica. 
Abriram-se  três  escolas,  duas  no  Funchal  e  outra 
em  S.  Roque. 

Em  Santo  António  da  Serra,  onde  a  maioria 
dos  crentes  foram  alcançados  pela  pregação  evan- 
gelística  e  pelo  trabalho  pastoral  do  Dr.  Kalley, 
reuniu-se  a  relíquia  ali  existente  num  corpo  vivo. 
Em  Machico,  vale  isolado,  com  o  seu  aconche- 
gado porto  de  pesca,  um  outro  grupo  da  pri- 
meira geração  calvinista  foi  reunido  numa  comu- 
nidade de  fiéis  e  firmes  crentes. 


85 


MICHAEL  P.  TESTA 


Mas  o  renascimento  do  Protestantismo  na 
Madeira,  com  o  relaxamento  das  leis  que  regiam 
os  cultos,  é  uma  outra  história.  É  suficiente  afir- 
mar aqui  que  a  comunidade  evangélica  reviveu, 
sob  orientação  espiritual  duma  sucessão  de  hábeis 
ministros  portugueses  e  escoceses,  crescendo  e 
fortalecendo-se  cada  vez  mais.  Hoje,  os  descen- 
dentes espirituais  do  Dr.  Kalley  e  os  «calvinistas» 
encontram-se  distribuídos  por  quatro  activas 
Igrejas  Presbiterianas  na  ilha.  Mantêm  duas  esco- 
las primárias,  um  depósito  de  Bíblias  e  uma  pe- 
quena clínica  e  um  dispensário. 


86 


CAPÍTULO  III 
APOSTOLADO  EM  OUTRAS  TERRAS 


CAPITULO  III 


APOSTOLADO  EM   OUTRAS  TERRAS 

A  — O  APÓSTOLO  À  PROCURA  DE  UM   NOVO  CAMPO 
MISSIONÁRIO 

RESIDÊNCIA  TEMPORÁRIA  EM  MALTA  E  PALESTINA 

A  seguir  à  sua  dramática  expulsão  da  Madeira 
e  a  um  período  de  muitos  meses  na  Escócia  e 
Inglaterra,  o  Dr.  Kalley  prosseguiu  infatigàvel- 
mente  a  sua  missão  de  servir  o  Evangelho  em 
terras  longínquas.  Passou  dois  anos  em  Malta 
onde  uma  vez  mais,  procurou  cumprir  a  sua 
chamada  missionária  como  evangelista,  médico  e 
professor  (128).  Dali  seguiu  para  a  Palestina,  onde, 
desde  1850  até  1852,  trabalhou  como  missioná- 
rio evangelista  e  médico  entre  os  judeus  (129). 

Em  companhia  do  Dr.  William  M.  Thomson, 
missionário  escocês  na  Síria  e  Palestina  e,  mais 
tarde,  autor  do  livro  «The  Land  And  The  Book», 
Dr.  Kalley  viajou  extensivamente  na  Terra  Santa 
e  tornou-se  muito  conhecedor  da  Geografia  e 
da  Historia  extrabíblica  da  Palestina.  Organi- 


89 


MICHAEL  P.  TESTA 


zou  em  Safed  uma  pequena  congregação,  metade 
da  qual  era  constituída  de  judeus  convertidos  e 
a  metade  restante  era  de  antigos  muçulmanos  e 
nestorianos  (130). 

Em  Janeiro  de  1852,  morreu  a  senhora  Kalley, 
que  tão  corajosamente  tinha  participado  daqueles 
difíceis  anos  na  Madeira,  e  foi  sepultada  no 
Cemitério  da  Colónia  Estrangeira  em  Beirute. 
E  a  12  de  Dezembro  do  mesmo  ano,  o  Dr.  Kalley 
casou  com  Miss  Sarah  Poulton  (1823-1907),  uma 
talentosa  escritora,  musicista  e  poetisa.  Era  mem- 
bro duma  família  riquíssima  em  manufactura 
têxtil  de  Nottingham,  família  que  estava  activa- 
mente associada  ao  movimento  dos  Brethren  of 
Plymouth  (131).  Sarah  Poulton  Kalley  era  uma 
mulher  prendada,  de  grande  encanto  e  piedade 
profunda,  capaz  de  compartilhar  inteiramente  da 
paixão  e  actividade  missionária  do  seu  marido. 

INVERNO  ENTRE  OS   MADEIRENSES  EM  ILLINOIS 

O  Dr.  Kalley  deixou  em  outras  mãos  a  respon- 
sabilidade pelo  pequeno  trabalho  que  iniciara  em 
Safed  e,  acompanhado  pela  esposa,  regressou  à 
Inglaterra.  Na  Primavera  de  1855  embarcai  am 
em  Southampton  para  Porto  de  Espanha,  para 
uma  viagem  de  três  meses  a  seus  amigos  paro- 
quianos, primeiro  na  Madeira  e  agora  com  resi- 
dência fixa  na  Trindade.  Foi  um  encontro  mara- 
vilhoso. A  pregação,  os  estudos  bíblicos,  para 
compensar  os  madeirenses  dos  sofrimentos  e  pri- 


90 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


vações  que  tinham  suportado  desde  os  aconteci- 
mentos daquele  dia  de  Agosto  de  1846. 

O  Dr.  Kalley  e  a  esposa  passaram  o  Inverno 
de  1853-1854  com  os  Madeirenses  em  Illinois  (132). 
A  sua  chegada  a  Springfield  e,  mais  tarde,  a 
Jacksonville  e  Waverly  foi  marcada  com  um 
festivo  feriado  para  os  Luso-Americanos,  passado 
entre  calorosas  manifestações  de  boas-vindas, 
acompanhadas  de  lágrimas  de  alegria  e  hinos  de 
acção  de  graças.  O  Dr.  Kalley  não  perdeu  tempo 
em  reassumir  o  seu  ministério  de  pregação  e  cura 
entre  os  seus  «filhos  na  fé»,  incitando-os  a  «man- 
terem um  interesse  vivo  por  todos  os  crentes 
de  língua  portuguesa  em  qualquer  parte  do 
mundo»  (133).  Em  Springfield  organizou  uma 
classe  blíblica  que  se  reunia  duas  vezes  por 
semana,  e  a  senhora  Kalley  ensinou  piano,  e, 
por  meio  de  ensaios  semanais,  melhorou  o  cân- 
tico dos  hinos  nos  cultos  da  igreja  (134).  Du- 
rante a  sua  permanência  nos  Estados  Unidos, 
o  Dr.  Kalley  serviu  como  pastor  interino  da 
Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  de  Springfield. 
Com  o  seu  trabalho  a  igreja  cresceu  sensivel- 
mente e  foram  eleitos  e  ordenados  quatro  novos 
presbíteros  e  igual  número  de  diáconos  (135). 

A  construção  de  um  templo  próprio  para  a 
congregação  portuguesa  de  Jacksonville,  sob 
orientação  do  Rev.  António  de  Matos  foi  con- 
cluída em  1853.  Foi  convidado  o  Dr.  Kalley  para 
preparar  a  liturgia  apropriada  e  pregar  o  sermão 
de  dedicação  da  igreja,  naquele  culto  de  impor- 


91 


MICHAEL  P.  TESTA 


tância  extraordinária  para  os  protestantes  portu- 
gueses, cujas  raízes  estavam  já  fixadas  para  sem- 
pre no  solo  americano  (136). 

O  Dr.  Kalley  sentia  grande  satisfação  com  a 
sua  vida  e  o  seu  trabalho  entre  os  seus  prezados 
'madeirenses  em  Illinois.  É  provável,  contudo, 
que  a  primeira  chamada,  indistinta  ainda,  para 
o  Brasil,  surgisse  durante  aqueles  meses  de  muita 
ocupação  e  felicidade  do  seu  ministério  em 
Springfield.  No  Brasil  pôde  melhor  cumprir  o 
seu  apostolado  entre  os  Portugueses,  do  que 
seria  possível  entre  os  madeirenses  agora  arrai- 
gados e  integrados  no  meio  protestante  do  médio 
ocidente  americano.  No  fim  do  ano  de  1854,  o 
Dr.  Kalley  e  sua  esposa  deixaram  Illinois  com 
profunda  emoção,  e  navegaram  para  a  Inglaterra. 

B  —  TRABALHO   MISSIONÁRIO   NO  BRASIL 

NOVAS  NORMAS  PARA  O  NOVO  MUNDO 

A  24  de  Janeiro  de  1855  o  Dr.  Robert  Reid 
Kalley  escreveu  uma  carta  pastoral  às  igrejas 
portuguesas  de  Illinois,  da  qual  o  seguinte  ex- 
tracto pode  bem  mostrar  a  previsão  da  aber- 
tura, no  Brasil,  duma  obra  pioneira  como  a  sua: 

«Rogai  a  Deus  que  me  abra  o  caminho  para 
o  lugar  onde  Ele  deseje  os  meus  serviços.  Ali- 
mento a  esperança  de  que  possa  ser  entre  Portu- 


92 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

gueses,  onde  não  há  Bíblias  nem  pregadores  do 
Evangelho;  e  se  for  este  o  caso,  talvez  alguns  de 
vós  sintam  grande  alegria  na  oração  e  serviço  a 
fim  de  que  a  Verdade  de  Deus  seja  conhecida 
entre  aqueles  que  falam  a  vossa  língua;  mas,  por 
enquanto  nada  está  decidido»  (137). 

Não  eram  passadas  muitas  semanas,  quando, 
a  9  de  Abril,  o  Dr.  Kalley  e  a  esposa  embarcaram 
em  Southampton  no  S.  S.  «Great  Western»,  da 
Royai  Mail  Lines.  Desembarcaram  no  Rio  de 
Janeiro  a  10  de  Maio  de  1855,  e  foi  no  Brasil 
que  este  denodado  escocês  deu  a  maior  parte 
dos  seus  anos  de  serviço  para  o  Reino  de 
Deus  (138). 

Fixaram  residência  em  Petrópolis,  do  outro 
lado  da  Baía  do  Rio  de  Janeiro,  no  enorme 
bairro  germânico  de  Schneizerthal.  As  duas  cria- 
das alemãs  e  o  jardineiro  português  que  acom- 
panhavam todas  as  noites  o  Dr.  Kalley  e  a  esposa 
nas  orações  familiares,  marcaram  o  modesto 
começo  dum  grande  movimento  missionário  que 
havia  de  culminar  com  o  estabelecimento  do 
Congregacionalismo  no  Brasil.  A  senhora  Kalley 
organizou  uma  Escola  Dominical  que  se  reuniu 
pela  primeira  vez  a  19  de  Agosto  de  1855  (139), 
e,  duas  ou  três  semanas  depois,  deu  início  à 
primeira  classe  bíblica,  para  os  portugueses  do 
Rio.  Com  tão  fracos  começos,  a  primeira  Igreja 
Evangélica  para  os  portugueses  do  Brasil,  foi 
fundada  em  1856  (140).  Dois  anos  depois,  a  11  de 


93 


MICHAEL  P.  TESTA 


Julho,  a  congregação  foi  organizada  de  acordo 
com  o  sistema  congregacional,  e  tornou-se  conhe- 
cida através  do  mundo  da  língua  portuguesa 
como  a  «Igreja  Evangélica  Fluminense»  (141). 
Esta  continua  a  ser,  até  aos  nossos  dias,  uma  das 
mais  proeminentes  igrejas  evangélicas  na  Amé- 
rica Latina,  honrada  como  a  igreja  mãe  do  Con- 
gregacionalismo  no  Brasil  e  Portugal  Continen- 
tal (142). 

No  Rio  de  Janeiro  não  havia  congregação 
estabelecida  da  Igreja  da  Escócia,  à  qual  o 
Dr.  Kalley  pudesse  vincular  os  seus  esforços 
missionários  individuais,  como  acontecera  na 
Madeira  anteriormente.  Além  disso,  ele  não 
estava  ali  por  nomeação  da  Comissão  Colonial 
da  Igreja  Livre  da  Escócia,  nem  de  qualquer 
outra  Junta  ou  Acção  Missionária.  Em  tais  cir- 
cunstâncias, Dr.  Kalley  achou  conveniente  adop- 
tar uma  forma  simples  de  culto  e  uma  estrutura 
congregacional  de  organização  e  administração 
eclesiástica.  A  chegada  do  Rev.  Ashbel  Green 
Simmonton,  a  12  de  Agosto  de  1859,  marcou  o 
início  do  trabalho  missionário  no  Brasil  pela 
Junta  de  Missões  Estrangeiras  da  Igreja  Presbi- 
teriana nos  E.  U.  A.  Os  dois  missionários,  pio- 
neiros e  contemporâneos,  mantinham  relações 
amigáveis  e  cooperantes;  mas  a  mais  rápida 
expansão  do  trabalho  missionário  presbiteriano, 
serviu  somente  para  confirmar  em  Dr.  Kalley  a 
convicção  de  que  o  regime  congregacionalista 
seria  a  característica  das  igrejas  por  ele  organi- 
zadas (143). 


94 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


No  princípio  de  1856  o  Dr.  Kalley  escreveu  à 
comunidade  portuguesa  de  Illinois,  convidando 
os  Srs.  Francisco  da  Gama,  Francisco  de  Sousa 
Jardim  e  Manuel  Fernandes  e  suas  famílias,  para 
tomarem  parte  na  obra  missionária  do  Brasil. 
Como  sinal  da  medida  de  sua  dedicação  e  da 
estima  em  que  tinham  o  seu  «pai  espiritual», 
todos  três  venderam  suas  casas  e  fazendas,  e  a  7 
de  Junho,  iniciaram,  em  Baltimore,  a  viagem  de 
sessenta  dias  para  o  Rio  de  Janeiro  (144). 

Os  cooperadores  do  Dr.  Kalley,  vindos  de 
Illinois,  começaram  logo  o  seu  trabalho  de  col- 
portagem,  vendendo  Bíblias,  Novos  Testamentos, 
livros  e  panfletos  devocionais,  e  «falando  do 
amor  de  Jesus».  Sempre  que  tinham  oportuni- 
dade, pregavam  o  Evangelho  e  davam  testemu- 
nho de  sua  fé  em  Jesus  Cristo,  pelo  qual  tinham 
sofrido  muito  e  estavam  prontos  a  sofrer  ainda 
mais.  Com  este  programa  organizado  de  colpor- 
tagem  e  evangelismo  itinerante,  Dr.  Kalley  ante- 
cipara o  trabalho  da  Sociedade  Bíblica  Britânica 
e  Estrangeira,  a  qual  enviou  o  seu  primeiro 
agente,  Mr.  Robert  Corfield,  ao  Brasil,  em  No- 
vembro de  1856.  Os  relatórios  e  estatísticas  dos 
colportores,  mantidos  a  expensas  do  Dr.  Kalley, 
apresentam  um  volume  crescente  de  vendas,  um 
número  cada  vez  maior  de  perguntas  acerca  da 
doutrina  e  prática  cristãs,  e  uma  lista  enorme  de 
indivíduos  e  famílias  atraídos  à  fé  evangélica  (145). 
Na  cidade  do  Rio  de  Janeiro  reoebianvse  os  con- 
vertidos dentro  da  família  da  Igreja  Evangélica 


95 


MICHAEL  P.  TESTA 


Fluminense.  Nas  áreas  mais  distantes  e  isoladas, 
os  neófitos  —  muitas  vezes  visitados  para  serem 
submetidos  a  insultos  e  sofrimentos  físicos  — 
formavam  pequenos  grupos  de  crentes,  que  eram 
visitados,  de  tempos  a  tempos,  por  evangelistas 
itinerantes  e  pelo  Rev.  Kalley.  A  assistência  mé- 
dica que  o  Dr.  Kalley  administrou  aos  pobres 
durante  a  epidemia  da  cólera  em  Petrópolis,  em 
Novembro  de  1855,  foi  mencionada  com  elogios 
e  gratidão  num  dos  principais  jornais  da  capi- 
tal (146).  Foi  louvado  ainda  pelos  serviços  gra- 
tuitos e  efectivos  prestados  no  combate  à  epide- 
mia da  febre  amarela  que  grassou  no  Rio,  em 
Julho  de  1858  (147).  Os  bons  e  valiosos  serviços 
prestados  pelo  Dr.  Kalley,  em  tempos  de  grave 
emergência,  nunca  o  escusaram  de  prestar  auxílio 
e  assistência  aos  pobres,  como  afirma  a  imprensa 
de  26  de  Maio  de  1859.  Submetido  a  exames 
pela  Universidade  Médica  da  Escola  Médica 
Brasileira,  a  29  de  Agosto  do  mesmo  ano,  dois 
dias  depois  recebia  as  credenciais  de  médico  e 
cirurgião,  válidas  em  todo  o  Império  do  Brasil  (148). 
Este  reconhecimento  tornou  possível  um  minis- 
tério contínuo  de  cura  entre  os  necessitados  que 
requeriam  o  seu  bondoso  e  sábio  serviço,  o  que 
o  punha  constantemente  diante  de  situações  que 
o  habilitavam  a  realizar,  de  maneira  muito  acen- 
tuada, a  sua  vocação  missionária.  É  interessante 
notar  que  no  ano  de  1860,  o  Dr.  Robert  Reid 
Kalley  foi  eleito  como  Membro  do  Royai  College 
of  Physicians  and  Surgeons  de  Edimburgo  (149). 


96 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 
REUNINDO  NOVO  REBANHO 

No  fim  de  1859  estavam  assegurados  a  estabi- 
lidade e  o  progresso  da  Igreja  Evangélica  Flumi- 
nense. Era  uma  congregação  bem  organizada 
com  crentes  activos  e  prontos  a  dar  o  seu  teste- 
munho, incluindo  indivíduos  de  várias  nacionali- 
dades e  de  todas  as  classes  sociais,  e  ainda  algu- 
mas senhoras  de  grande  distinção,  tais  como  as 
consumadas  musicistas  D.  Gabriela  Augusta  Car- 
neiro Leão  e  D.  Henriqueta  Soares  Couto  (150). 

A  proeminência  profissional  do  Dr.  Kalley, 
como  médico-cirurgião,  as  suas  classes  de  estudo 
bíblico  e  pregação  efectiva,  os  seus  numerosos 
panfletos  e  livros  devocionais,  e  o  avanço  do  seu 
ministério  pelo  trabalho  dos  seus  colportores, 
contribuíram  imenso  para  o  crescimento  contínuo 
da  Igreja  no  Rio,  e  tornaram  possível  a  abertura 
de  missões  em  bairros  muito  distantes.  Um  exem- 
plo notável  foi  o  grande  salão  arrendado  na 
Travessa  das  Partilhas,  onde  instalou  uma  «Mis- 
são de  Socorro»,  a  fim  de  resgatar  degenerados 
e  criminosos  do  «Velho  Rio  Colonial»  (151). 

Mas  nem  no  Brasil  o  Dr.  Kalley  se  livrou  de 
determinados  esforços  fanáticos  para  esmagar-lhe 
o  espírito  e,  se  possível,  intimidá-lo  e  eliminar  o 
seu  trabalho.  Em  alguns  bairros  do  Rio  de  Janeiro 
ele  e  «os  bíblias»  eram  descarada  e  cruelmente 
maltratados  enquanto,  muitas  vezes,  a  polícia  e 
as  autoridades  assistiam  indiferentemente  ao  in- 
feliz espectáculo.  O  incidente  que  vamos  narrar 


7 


97 


MICHAEL  P.  TESTA 


não  é  uni  caso  isolado,  mas  um,  dentre  muitas 
experiências  semelhantes: 

Um  domingo,  à  tarde,  de  Agosto  de  1861, 
quando  a  congregação  se  tinha  dispersado  e  antes 
que  iniciasse  a  reunião  dos  oficiais  da  Igreja, 
apareceu  uma  multidão  à  volta  da  casa  no  Rio. 
Os  amotinadores  vinham  armados  com  trancas  e 
pedras,  pronunciando  repugnantes  ameaças  e  bra- 
midos ferozes...  em  todos  os  tons  imagináveis  de 
escárnio  e  de  raiva.  Num  ápice  as  vidraças  foram 
quebradas  e  as  telhas  partidas  e,  se  a  casa  não 
estivesse  assente  no  cimo  duma  rocha,  sem  acesso 
—  senão  por  uma  longa  escada  exterior  —  sem 
dúvida  teriam  forçado  a  porta  e  maltratado  bàr- 
baramente,  talvez  matado  mesmo,  todos  os  que 
estavam  lá  dentro.  À  uma,  a  multidão  investiu 
pela  escada,  em  direcção  à  porta,  quando  uma 
garrafa  bem  dirigida,  duma  das  janelas,  se  fez 
em  pedaços  contra  a  rocha  da  parede  lateral, 
mesmo  à  frente  deles.  Quebrando-se  numa  chuva 
de  estilhaços  de  vidro,  fê-los  recuar,  mas  conti- 
nuaram gritando,  ameaçando  e  apedrejando  a 
casa  durante  três  horas,  antes  que  a  polícia  inter- 
ferisse (152). 

O  Dr.  Kalley  era  frequentemente  atacado  na 
imprensa,  apesar  de  ser  correspondente  dum  dos 
primeiros  jornais  do  Rio,  «O  Correio  Mercantil». 
Em  1858  começou  a  ser  publicado  um  jornal 
inflamadíssimo,  chamado  «O  Popular».  O  seu 
propósito  era  defender  a  religião  do  Estado  e 


98 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


combater  a  lei  em  que  se  reconhecia  o  casamento 
civil.  Em  Outubro  de  1858,  publicou  ele  um 
artigo  em  termos  violentos,  chamando  a  atenção 
para  o  facto  que  o  «apóstolo  da  Madeira  está 
agora  connosco  no  Brasil». 

Contudo,  o  denodado  escocês  continuou  na 
senda  que  havia  estabelecido  para  a  sua  vida. 
Seu  nome  tornou-se  uma  palavra  familiar  e  era 
tido  em  grande  estima,  tendo  até  recebido  a  visita 
de  Sua  Majestade  D.  Pedro  II,  Imperador  do 
Brasil  (153).  Dr.  Kalley  gozou  também  da  amizade 
e  preferência  de  muitos  brasileiros  ilustres.  Tor- 
nou-se amigo  pessoal  do  naturalista  suíço,  pro- 
fessor Louis  Agassis,  que  visitou  o  Brasil  em 
1865  (154).  Entre  o  grande  círculo  das  suas  relações 
estavam  cientistas  e  oficiais  representativos  da 
Grã-Bretanha,  dos  Estados  Unidos  da  América, 
da  Alemanha,  da  Rússia  e  da  Suécia. 

Deve  fazer-se  aqui  referência  à  chegada  do 
Rev.  Ashbel  Green  Simonton,  a  12  de  Agosto 
de  1859,  como  missionário  pioneiro  no  Brasil  da 
Junta  de  Missões  Estrangeiras  de  Nova  York. 
Conheceu  logo  Dr.  Kalley  e  ficou  muito  impres- 
sionado com  ele  (155)  e  com  o  trabalho  que  já  tinha 
conseguido  realizar,  independentemente  de  qual- 
quer Sociedade  Missionária.  Um  incidente,  infeliz, 
quatro  meses  depois,  veio  a  afectar  bastante  as 
suas  relações,  numa  hora  em  que  os  dons  com- 
plementares de  cada  um  eram  necessários  para 
a  realização,  em  bases  firmes,  da  obra  reformada 
no  Brasil.  O  Dr.  Kalley  escreveu  e  distribuiu 


99 


MICHAEL  P.  TESTA 


uma  declaração  anónima,  em  que  chamava  a 
atenção  para  o  facto  de  Mr.  Simonton  ter  pre- 
ferido iniciar  o  seu  campo  missionário  no  Rio  de 
Janeiro,  quando  todo  o  vasto  Brasil  estava  ainda 
por  evangelizar.  Depois  de  assegurar-se  sobre 
quem  era  o  autor  do  relato,  Mr.  Simonton  vi- 
sitou o  Dr.  Kalley  e  lamentou  o  anonimato  de 
sua  crítica,  e  fez  sentir  a  impropriedade  de  suas 
declarações.  Esses  dois  homens  de  tão  raro  ta- 
lento estavam  preparados  para  resolver  as  suas 
dificuldades  e  estabelecer  uma  amizade  baseada 
no  respeito  mútuo,  que  havia  de  servir  como 
uma  constante  fonte  de  força  para  cada  um 
e  de  enriquecimento  para  os  seus  respectivos 
trabalhos  missionários  (156).  Antes  de  ausentar-se 
do  Brasil,  o  Dr.  Robert  Reid  Kalley  fundou 
igrejas  em  Niterói,  opulento  subúrbio  do  Rio, 
e  em  Pernambuco,  ao  norte.  Estas  duas  igrejas 
e  a  Igreja  Evangélica  Fluminense,  com  todas 
as  suas  missões  largamente  disseminadas,  fo- 
ram os  elementos  que  deram  origem  às  Igrejas 
Congregacionais  do  Brasil.  Outras  congregações 
surgiram  igualmente  do  trabalho  missionário  do 
Dr.  Kalley,  cuja  responsabilidade  ele  colocou  em 
outras  mãos.  Por  exemplo,  em  1873,  o  Dr.  Kalley 
visitou  o  Norte  do  Brasil,  após  enérgica  insistên- 
cia de  dois  dos  seus  colportores.  Abriu -se  igreja 
no  Recife,  nessa  altura,  a  qual,  mais  tarde,  se 
tornou  numa  congregação  florescente  sob  orien- 
tação pastoral  do  missionário  pioneiro  do  Norte 
do  Brasil,  Rev.  James  Fanstone  (157),  que  era 


100 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


igualmente  um  obreiro  que  trabalhava  indepen- 
dentemente de  qualquer  Sociedade  Missioná- 
ria (158). 

O  MINISTÉRIO  DA  PALAVRA  IMPRESSA 

O  Dr.  Kalley  impressionou-se  grandemente 
com  a  falta  de  literatura  doutrinária  e  devocional 
em  português  e  contribuiu  significativamente 
para  preencher  esta  lacuna.  Os  colportores  ao  seu 
serviço,  a  Sociedade  Bíblica  Britânica  e  Estran- 
geira e  a  Sociedade  Bíblica  Americana  vendiam 
e  distribuíam  Bíblias,  livros  e  panfletos  em  quan- 
tidades crescentes  e  havia  sempre  renovados  pe- 
didos de  mais  literatura.  A  Sociedade  para  Pu- 
blicações de  Folhetos  Religiosos  concedeu  subsí- 
dios para  a  publicação  de  numerosos  panfletos 
da  autoria  do  Dr.  Kalley  (159).  Entre  eles  encon- 
tram-se  os  seguintes  (160): 

A  Serpente  de  Bronze. 
A  Autoridade  Divina  do  Novo  Testamento. 
O  que  é  a  Bíblia  ? 
O  Ladrão  na  Cruz. 
O  Altar  da  Família. 
A  Terra  Abençoada. 
Incidentes  nos  Caminhos  de  Ferro. 
Uma  Cura  Efectiva  para  os  que  estão  em 
Desespero. 

Semana  Santa. 
Domingo  de  Ramos. 
Irmão  Bartolomeu. 


101 


MICHAEL  P.  TESTA 


O  Dr.  Kalley  com  a  colaboração  proveitosa 
de  sua  esposa,  traduziu  para  português  e  publi- 
cou em  seguida  «A  Guerra  Santa»  (161),  de  John 
Bunyan.  Usando  a  linguagem  alegórica  de  Bu- 
nyan, escreveu  a  «Jornada  do  Cristão  para  a 
Bem-Aventurança  Eterna»,  a  qual  aparecera  pri- 
meiro, em  folhetim,  em  «O  Correio  Mercantil», 
do  Rio  (162).  Houve  tão  bom  acolhimento  do 
público  que  a  tradução  do  «Pilgrim's  Progress», 
a  A  Viagem  do  Peregrino»,  também  de  Bunyan, 
seguiu  a  série.  Eventualmente  ambos  foram  pu- 
blicados em  volumes  separados  a  fim  de  satisfa- 
zer o  pedido  dos  leitores  que  desejavam  ter 
«As  Histórias  Maravilhosas»  de  forma  mais  per- 
manente (163).  Mais  tarde,  a  Senhora  Kalley 
escreveu  «A  Vida  de  John  Bunyan»  que  também 
foi  publicada  (164).  Outros  livros  devocionais, 
escritos  pelo  Dr.  Robert  Reid  Kalley,  foram: 
«Cleon  e  Maia»,  «A  Felicidade  do  Lar»  e 
«Breves  Orações».  Pode  mencionar-se  ainda  o 
catecismo  que  o  Dr.  Kalley  preparou,  intitulado 
«Uma  Breve  Exposição  das  Doutrinas  Funda- 
mentais da  Fé  Cristã»  que  foi  recebido  como 
norma  de  doutrina  na  Igreja  Evangélica  Flumi- 
nense, a  2  de  Julho  de  1876  (165)  e  que  foi 
adoptado,  mais  tarde,  como  regra  de  fé  para  o 
Congregacionalismo  do  Brasil  e  Portugal  Conti- 
nental. 

Além  da  série  alegórica,  o  Dr.  Kalley  escreveu 
um  grande  número  de  artigos  em  jornais,  tanto 
de  polémica,  como  de  evangelismo.  Por  estranho 


102 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

que  pareça,  estes  artigos  saíram  no  «Correio 
Mercantil»  e  «Jornal  do  Comércio»  do  Rio  de 
Janeiro  sob  vários  pseudónimos,  porem,  no  maior 
número  de  vezes,  assinado  sob  o  pseudónimo 
«O  crítico»  ou  «Um  católico-protestante».  Os  tí- 
tulos dos  artigos  dão-nos  uma  ideia  do  uso  que 
o  Dr.  Kalley  fez  da  oportunidade  que  teve  de 
acesso  ao  único  meio  de  comunicação  com  as 
massas,  posto  à  sua  disposição.  Eis  alguns  títulos 
dos  seus  artigos  nos  jornais: 

A  Regra  da  nossa  Fé. 
Uma  Confissão  Importante. 
O  Jesuitismo  no  Parlamento. 
O  que  é  o  Mundo  ? 

Imperium  Brasiliense  in  Império  Eclesiástico. 

As  Sagradas  Escrituras. 

A  Sentença  de  Excomunhão  (166). 

Apareciam  ainda  de  vez  em  quando,  nos  jor- 
nais do  Rio,  artigos  de  natureza  polémica,  em 
resposta  a  ataques  feitos  ao  Protestantismo  na 
imprensa  católica  romana,  especialmente  nos  se- 
manários «A  Cruz»,  «O  Cruzeiro»  e  «O  Após- 
tolo». Os  editoriais  acidulados  do  cónego  Pinto 
de  Campos  em  «O  Apóstolo»,  publicado  no  Re- 
cife, parecem  ter  incitado  o  Dr.  Kalley  a  replicar 
com  menos  lógica  e  menos  caridade  do  que  era 
o  seu  costume  (167). 

Todavia,  Dr.  Kalley  e  sua  esposa,  Sarah,  são 
mais  conhecidos  e  lembrados  pela  grande  e  valiosa 


103 


MICHAEL  P.  TESTA 


contribuição  que  deram  à  hinologia  evangélica 
portuguesa.  O  «Salmos  e  Hinos»,  hinário  usado 
pelos  evangélicos  de  língua  portuguesa  em  todo 
o  mundo,  seria  bastante  pobre  sem  os  hinos  e 
versões  metrificadas  de  alguns  salmos  compostos 
e  traduzidos  pelos  Kalleys. 

A  primeira  edição  de  «Salmos  e  Hinos»  (168), 
publicada  em  1861,  contém  cinquenta  hinos,  me- 
tade dos  quais  foram  escritos  pelo  doutor  e  pela 
senhora  Kalley.  Quatro  anos  depois,  seis  novos 
hinos  foram  acrescentados,  como  num  apêndice, 
ao  hinário  (169).  Viajando  pela  Europa,  em  1861, 
o  Dr.  Robert  Reid  Kalley  mandou  publicar  a 
segunda  edição  de  «Salmos  e  Hinos»,  em  Lisboa. 
Nesta  edição  já  aparece  uma  centena  de  hinos  e 
salmos  metrificados,  alguns  dos  quais  foram  com- 
postos por  Mr.  Richard  Holden,  o  agente  da  So- 
ciedade Bíblica  Britânica  no  Rio  de  Janeiro.  A 
quarta  edição,  publicada  em  Londres,  no  ano  de 
1873,  já  contava  cento  e  trinta  e  um  «cânticos 
sagrados».  A  quinta  edição,  também  publicada 
em  Londres,  quatro  anos  mais  tarde,  incluía  cento 
e  oitenta  hinos.  A  sétima  e  oitava  edições  foram 
feitas  em  Edimburgo  e  apresentavam  mais  vinte 
novos  hinos.  Com  a  autorização  do  Dr.  Kalley, 
surgiram  outra  edições  em  Illinois,  na  Trindade  e 
em  Portugal  e  muitos  hinos  do  «Salmos  e  Hinos» 
foram  incluídos  nos  hinários  evangélicos  de  Espa- 
nha, México  e  Argentina  (170).  A  edição  mais 
recente  de  «Salmos  e  Hinos»,  publicada  em  1959, 


104 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


contém  seiscentos  e  oito  hinos  e  salmos  metrifi- 
cados; a  autoria  de  setenta  e  dois  desses  hinos  é 
atribuída  a  Sarah  Poulton  Kalley,  e  treze  ainda, 
a  seu  marido  Robert  Reid  Kalley  (171). 

Sarah  P.  Kalley  também  devotou  o  seu  talento 
e  conhecimento  musical  preparando  a  primeira 
edição  de  ((Música  Sacra»,  que  foi  publicada  em 
Leipzig,  em  1868  (172).  Continha  essa  colecção 
setenta  e  seis  hinos  e  coros  e  foi  o  precursor  de 
«Salmos  e  Hinos»  com  música  sacra,  publicado 
em  Londres  no  ano  de  1889.  A  introdução  de 
«Música  Sacra»  oferece  um  resumo  do  emprego 
litúrgico  da  música  sacra  e  sugestões  para  o  cân- 
tico congregacional,  do  qual  seleccionámos  os 
seguintes  extractos: 

«É  prudente  não  esforçar  a  voz;  é  preferível 
cantar  demasiado  suave,  a  forte  em  demasia.  ... 
Convém  lembrar,  também,  que  deve  haver  grande 
solenidade  e  reverência  na  nossa  maneira  de 
entoar  louvores  ao  Deus  Altíssimo;  o  hábito  de 
enunciar  preguiçosamente  as  palavras  não  corres- 
ponde à  alegria  Santa  que  deve  caracterizar  o 
culto  daqueles  que  foram  remidos  pelo  precioso 
sangue  de  Cristo. 

...  A  coisa  principal,  por  conseguinte,  é  render 
a  Deus  o  verdadeiro  louvor  dos  nossos  corações; 
seria  verdadeiramente  lamentável  se  maior  aten- 
ção fosse  dada  à  música  do  que  às  palavras,  que 
dão  expressão  ao  cântico»  (173). 


105 


MICHAEL  P.  TESTA 


O  talento  poético  e  musical  da  Senhora  Kalley 
foi  consagrado  ao  desenvolvimento  duma  hinolo- 
gia  para  as  comunidades  evangélicas  de  língua 
portuguesa  nos  pontos  mais  diversos  do  Globo. 
Quer  escrevendo  hinos,  quer  compondo  músicas, 
ensinando  organistas  para  as  igrejas,  ou  dirigindo 
os  coros  das  mesmas,  ou  ainda  estabelecendo  pa- 
drões para  o  cântico  congregacional,  o  seu  grande 
serviço  prestado  à  primeira  geração  do  Protes- 
tantismo brasileiro,  foi  singular  e  os  benefícios 
das  contribuições  que  ela  deu  são  ainda  aprecia- 
dos com  gratidão,  um  século  depois. 

C  —  FIM    DE    UMA   CARREIRA  MISSIONÁRIA 

APOSENTAÇÃO  NA  ESCÓCIA 

O  Dr.  Robert  Reid  Kalley  e  sua  esposa,  ao  fim 
de  quase  vinte  e  dois  anos  de  trabalho  missio- 
nário no  Brasil,  embarcaram  para  a  Inglaterra  a 
10  de  Julho  de  1876  (174).  Indiscutivelmente 
gratos  pelos  serviços  do  Dr.  Kalley  e  esposa,  os 
brasileiros  foram,  apesar  de  oprimidos  pela  pro- 
funda tristeza  da  separação,  assistir  à  sua  derra- 
deira partida.  Dr.  Kalley  serviu  bem  e  edificou 
bem.  O  trabalho  por  ele  estabelecido  no  Brasil  é 
uma  lembrança  constante  do  seu  ministério  de 
amor  e  bondade;  da  dedicada  abnegação  de 
sua  pessoa,  pelo  bem-estar  espiritual  e  material 
de  todos  os  que  entraram  no  círculo  dos  seus 


106 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


interesses  cristãos;  da  sua  coragem  e  fé  diante 
das  dificuldades  e  oposições;  e  da  sua  firme 
paixão  de  trazer  almas  para  a  «família  dos 
reunidos  em  Cristo».  Para  aqueles  que  o  tinham 
conhecido  melhor  e  estimado  mais,  havia  o 
sentimento  constante  de  que  a  sua  presença 
continuava  no  meio  deles  e  na  vida  da  Igreja 
Fluminense  (175). 

A  responsabilidade  das  igrejas  foi  entregue  à 
competente  e  consagrada  orientação  de  um  filho 
da  Igreja  Evangélica  Fluminense,  o  Rev.  João 
Manuel  Gonçalves  dos  Santos.  Sendo,  talvez,  o 
primeiro  pastor  do  Brasil  com  preparação  Teoló- 
gica, o  Rev.  João  Manuel  Gonçalves  dos  Santos 
estudou  no  Spurgeon  Theological  College,  em 
Londres  (176). 

O  Dr.  Kalley  e  sua  esposa,  agora  em  Greenfield, 
a  sua  casa  de  Edimburgo,  recebiam  os  amigos  de 
longa  data,  mas  agradava-lhes,  acima  de  tudo, 
ser  visitados  por  aqueles  que  tivessem  partici- 
pado das  suas  vidas  e  esforços  na  Madeira, 
Illinois  ou  Brasil.  O  Dr.  Kalley  continuou  a 
manter  volumosa  correspondência  com  pastores, 
evangelistas,  colportores  e  presbíteros  de  língua 
portuguesa  de  Portugal,  Madeira,  Trindade, 
Illinois  e  Brasil.  Esses  repartiam  com  ele  seus 
variados  problemas  e  suas  pequenas  vitórias  e 
seguiam  seu  sábio  conselho  e  o  seu  encoraja- 
mento. Ele  foi  a  ponte  que  ligou  três  continentes 
e  giande  número  de  ilhas,  onde  quer  que  estives- 


107 


MICHAEL  P.  TESTA 


sem  evangélicos  de  língua  portuguesa;  tinha  a 
habilidade  especial  de  desfazer  as  divisões  que 
surgissem  dentro  da  comunidade  evangélica.  Foi 
o  mentor  e  pai  espiritual  duma  nova  geração  de 
ministros  e  missionários,  imitando  a  sua  visão,  o 
seu  zelo  e  a  sua  dedicação.  Entre  eles  encontra- 
mos o  Rev.  António  de  Matos,  em  Illinois;  o 
Rev.  David  Artur,  nas  Honduras,  servindo  uma 
pequena  congregação  de  residentes  portugueses 
provenientes  da  Madeira,  através  da  Trindade;  o 
Rev.  Henrique  Vieira,  na  Trindade;  o  Rev.  Ema- 
nuel N.  Pires,  em  Honolulu,  como  pastor  da 
igreja  portuguesa  fundada  por  emigrantes  dos 
Açores,  da  Madeira,  de  Macau;  o  Presbítero  Mar- 
tinho Vieira,  na  Madeira;  e  os  Reverendos  João 
Manuel  Gonçalves  dos  Santos,  João  Fernandes 
da  Gama,  Presbítero  Bernardino  Guilherme  da 
Silva,  e  os  colportores  Manuel  Fernandes,  Fran- 
cisco de  Sousa  Jardim  e  Francisco  da  Gama,  no 
Brasil. 

Outros  ministros  luso-americanos  que  trabalha- 
ram em  Illinois  ou  Brasil  foram  os  Reverendos 
Robert  Lennington,  Joseph  Cherry,  Ernest  Fer- 
nandes e  J.  J.  Silvester.  Deve  mencionar-se  ainda 
o  Senhor  Manuel  Vieira,  um  humilde  emigrante 
português  que  fora  para  o  Brasil  e  lá  ouviu  a 
pregação  do  Evangelho,  pelo  Dr.  Robert  R. 
Kalley,  no  Rio  de  Janeiro.  O  senhor  Vieira  voltou 
para  Portugal,  em  1861,  no  ano  seguinte  —  dois 
anos  antes  que  a  Sociedade  Bíblica  Britânica  e 


108 


O  APÓSTOLO  DA  MADEIRA 


Estrangeira  montasse  uma  agência  em  Lisboa  e 
começou  um  trabalho  de  colportagem  e  evange- 
lização de  casa  em  casa  (177). 

ROBERT  REID  KALLEY:  UMA  APRECIAÇÃO 

Robert  Reid  Kalley  era  um  homem  de  espírito 
pronunciadamente  evangélico,  mas  empenhado 
em  permanecer  alheio  a  estreitos  denominaciona- 
lismos  e  a  fórmulas  rígidas  de  credo.  A  sua 
atitude  para  com  os  outros  era  caridosa  e  era 
generoso  no  exercício  da  sua  profissão,  como 
médico  e  cirurgião,  à  disposição  de  quem  neces- 
sitasse dele,  sem  distinção  de  raça,  nacionalidade 
ou  credo.  Respeitava  todas  as  coisas  cristãs  e,  re- 
lembrando os  tempos  do  seu  agnosticismo,  sabia 
ser  amigo  de  homens  com  vários  graus  de  crença 
ou  de  descrença. 

Todavia,  o  Dr.  Kalley  deplorava  o  antieclesias- 
ticismo  e  algumas  das  doutrinas  a  que  os  «Irmãos 
de  Plymouth»  dão  particular  ênfase,  embora 
fosse  ele  mesmo,  até  certo  ponto,  influenciado 
pelos  seus  padrões  de  simplicidade  de  vida  e  de 
culto,  nunca  porém  pelo  seu  terrível  individua- 
lismo. Numa  série  de  cartas  escritas  à  Igreja  Evan- 
gélica Fluminense,  durante  a  sua  aposentação  em 
Edimburgo — mais  tarde  reunidas  e  publicadas  sob 
o  título  de  «O  Darbismo»  (178)  —  o  Dr.  Kalley 
esforçou-se  por  corrigir  a  confusão  teológica  em 
relação  ao  conceito  de  igreja  que  os  darbistas 
estavam  criando  na  jovem  comunidade  do  Rio. 


109 


MICHAEL  P.  TESTA 


Com  o  seguinte  parágrafo  concluiu  ele  uma 
exposição  doutrinal,  subordinada  ao  tema  da 
comunhão  aberta  a  todos  os  «crentes  em  Cristo»: 

«Deveis  compreender  agora  porque  eu  não 
desejava  trazer  estes  assuntos  à  baila  na  imprensa. 
É  muito  melhor  que  nem  a  Igreja  nem  o  mundo 
perca  tempo  a  discutir  estas  coisas.  Somente 
quando  alguém  apresente  um  erro  que  exija  uma 
defesa  da  verdade,  eu  acho  justificado  o  tempo 
gasto  a  escrever  sobre  o  assunto.  Oro  para  que  o 
Senhor  abençoe  o  que  aqui  escrevo  e  guarde  do 
erro  e  falsidade  o  seu  pequeno  rebanho  no  Rio 
de  Janeiro»  (179). 

É  digno  de  menção  que  o  Dr.  Kalley  também 
desejou  manter  relações  com  o  clero  da  Igreja 
Católica  Romana.  Era  este  o  seu  propósito, 
mesmo  na  Madeira,  onde,  até  1842,  foi  médico 
e  amigo  do  Bispo  do  Funchal.  Aceitava  de  bom 
grado  todas  as  oportunidades  de  conversar  e  con- 
viver com  padres  católicos  romanos  e,  por  várias 
vezes,  teve  o  prazer  de  manter  com  eles  conver- 
sações amigáveis  e  discussões  teológicas.  Um 
caso  desta  natureza  é  a  sua  amizade  com  o 
erudito  Padre  Moniz,  no  Rio  de  Janeiro.  Troca- 
vam visitas  frequentemente  e  discutiam  livre- 
mente em  toda  a  extensão  temas  como  «a  luz 
interior  da  experiência  religiosa»  (180).  Em  geral, 
a  atitude  do  Dr.  Kalley  com  representantes  da 
Igreja  dominante  no  Estado  era  irénica  ou  polé- 
mica, conforme  as  circunstâncias  o  exigissem. 


110 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


Os  preceitos  de  conduta  cristã  que  o  Dr.  Kalley 
recomendava  eram:  viver  vida  simples,  evitar 
dívidas,  empenhar-se  cada  um  por  uma  mais  alta 
educação,  testemunhar  a  toda  a  hora,  e  nutrir 
interesse  continuamente  activo  pelos  pobres  e 
analfabetos.  Sua  grande  ênfase  se  assentava  sobre 
um  testemunho  vivo  de  Cristo,  como  vem  reve- 
lado nas  Escrituras.  Em  relação  à  liturgia  e  go- 
verno da  Igreja,  não  era  muito  meticuloso.  Ele 
não  requeria,  por  exemplo,  o  rebaptismo  dos 
novos  convertidos  vindos  da  Igreja  Católica  Ro- 
mana, preferindo  deixar  a  decisão  à  consciência 
de  cada  um,  a  despeito  do  facto  de  a  Junta 
Congregacional  da  Igreja  Evangélica  Fluminense, 
em  harmonia  com  a  orientação  doutrinal  dada 
pelo  Dr.  Kalley,  afirmar  que  o  baptismo  só  deve 
ser  administrado  rectamente  àqueles  que  o  peçam 
e  professem  arrependimento  diante  Deus  e  fé 
em  Jesus  Cristo  (181).  O  Rev.  Jaimes  Fanstone 
afirma  que  o  Dr.  Kalley,  que  permaneceu  minis- 
tro prebisteriano  até  à  saia  morte,  duvidava  da 
realidade  do  seu  próprio  baptismo  e,  perto  do 
fim  da  sua  vida,  considerou  sèriamente  a  questão 
e  submeteu-se  ao  baptismo  de  imersão  (182).  Se 
isto  for  verdade,  representa  uma  mudança  muito 
significativa  na  sua  posição  inicial  em  relação  à 
imersão  (183). 

Durante  o  seu  ministério  no  Brasil,  o  Dr.  Kalley 
contestou  o  pedobaptismo  e  o  confessionalismo. 
Contudo,  antes  de  regressar  à  sua  terra  natal, 
deixou  nas  Igrejas  Congregacionais  do  Brasil  um 


111 


MICHAEL  P.  TESTA 


símbolo  de  fé  que  encerra  padrões  de  doutrina 
aceites  pelas  igrejas  da  tradição  Reformada,  sem 
entretanto,  se  envolverem  em  afirmações  de  natu- 
reza controversa.  Poucos  homens  são  dotados  com 
tanto  talento,  com  tanto  força  de  carácter  e  sin- 
geleza de  propósitos,  com  tão  atraente  personali- 
dade e  com  tamanha  capacidade  de  servir  aos 
outros  gratuitamente,  como  Robert  Reid  Kalley. 
Menos  ainda  são  capazes  de  realizar  um  trabalho 
de  tão  persistente  qualidade  através  de  limitações 
tão  grandes  de  espaço  e  tempo.  O  Apóstolo  da 
Madeira  exerceu  um  apostolado  de  vastíssimas 
proporções  e  sobre  uma  área  maior  do  que  os  li- 
mites duma  diocese  insular.  As  fronteiras  da  sua 
província  de  testemunho  e  serviço  cristão  não 
foram  determinadas  pela  geografia,  mas  esten- 
diam-se  necessàriaente  até  onde  coincidissem  com 
aqueles  lugares,  onde  o  português  fosse  a  língua 
falada.  Quão  grande  é  a  dívida  espiritual  que  têm 
para  com  esse  homem,  todas  as  pessoas  de  língua 
lusitana.  Gerações  sucessivas  de  evangélicos  de 
língua  portuguesa,  guardam  na  lembrança  este 
moderno  Abraão  que  obedeceu  e  «saiu  sem  saber 
para  onde  ia»,  e  que,  como  pioneiro  escolhido  por 
Deus,  estabeleceu  entre  eles  os  marcos  da  fé  à 
medida  que  Ele  lhe  abria  o  caminho. 


112 


APÊNDICE  I 
A  SENTENÇA  DA  EXCOMUNHÃO 


■ 


APÊNDICE  I 


A  SENTENÇA   DA  EXCOMUNHÃO 

Em  1843,  Francisco  Pires  Soares  e  Nicolau 
Tolentino  Vieira  renunciaram  à  Igreja  Romana  e 
foram  recebidos  em  profissão  de  fé,  à  Comunhão 
da  Igreja  Presbiteriana  de  Funchal.  Logo  depois, 
a  seguinte  sentença  de  excomunhão  foi  proferida 
contra  eles,  e  cópias  da  mesma  foram  afixadas  à 
porta  de  todas  as  Igrejas  da  Madeira: 

« Sebastião  Cazemiro  Medinna  Vasconcellos, 
dirigente  do  coro  da  Catedral,  e  examinador  do 
Sínodo,  Vigário-Geral  na  Diocese  de  Funchal,  na 
Ilha  da  Madeira,  ao  excelentíssimo  Senhor  Reve- 
rendo Dom  Januário  Vicente  Camacho,  membro 
do  Conselho  de  Sua  Majestade  a  Rainha,  Deão 
da  Catedral  de  Funchal,  Comandante  da  Ordem 
de  Cristo,  Bispo-eleito  de  Castelo  Branco,  Gover- 
nador provisório  e  Vigário-Geral  do  Bispo  do 
Funchal,  Porto  Santo  e  Arguinot. 

A  todos  os  reverendos  vigários  e  curas,  auxi- 
liares e  capelães,  bem  como  a  todos  os  juízes  de 


115 


MICHAEL  P.  TESTA 


paz,  aos  delegados  do  secretário  de  Justiça,  aos 
administradores  dos  Concelhos  e  a  todos  os  ofi- 
ciais de  Justiça,  a  todos  os  eclesiásticos  e  leigos, 
de  qualquer  grau  ou  condição,  em  todo  o  bispado 
e  fora  dele,  a  quem  esta  carta  alcançar,  a  todos 
que  a  ouvirem  ou  dela  tiverem  conhecimento, 
paz  e  saúde  em  Jesus  Cristo,  Nosso  Senhor,  o 
qual  é  o  verdadeiro  remédio  e  salvação  para 
todos.  Faço-vos  saber  que,  tendo  procedido  a 
cuidadoso  exame  de  testemunhas,  como  me  com- 
pete fazer,  provou-se  por  elas,  o  que  se  con- 
firma pela  minha  sentença,  que  Francisco  Pires 
Soares,  casado,  e  Nicolau  Tolentino  Vieira,  sol- 
teiro, ambos  desta  diocese  e  residentes  nas  pro- 
ximidades da  Igreja  da  Paróquia  de  Santa  Luzia, 
apostataram  da  união  e  seio  da  Santa  Madre 
Igreja  Católica  Romana  e  se  tornaram  adeptos  da 
seita  e  comunhão  Presbiteriana,  incorrendo  por 
isso  mesmo  à  censura  eclesiástica  e  ao  castigo 
canónico  de  excomunhão  maior.  Devendo  ser 
aprovadas  as  censuras,  determinei  que  esta  carta 
fosse  escrita,  pela  qual  exijo  e  ordeno,  sob  pena 
de  excomunhão  maior,  a  todos  eclesiásticos,  mi- 
nistros e  oficiais  de  justiça,  e  a  todos  os  demais 
anteriormente  citados,  que  tão  logo  tenham  dela 
ciência,  não  toquem  ou  tenham  comunhão  com 
aqueles  que  são  excomungados  pela  maldição  de 
Deus,  Todo-Poderoso,  e  dos  bem -aventurados 
S.  Pedro  e  S.  Paulo,  estando  eles  sob  a  mesma 
maldição  de  Sodoma  e  de  Gomorra,  de  Dathan  e 
Abiram,  os  quais  a  terra  engoliu  vivos,  por  causa 


116 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


do  seu  grande  pecado  de  desobediência.  Que 
ninguém  lhes  dê  fogo,  água,  pão  ou  qualquer 
outra  coisa  que  venham  a  precisar  para  a  sua 
subsistência.  Que  ninguém  lhes  pague  qualquer 
dívida;  que  ninguém  os  socorra  ou  auxilie  em 
qualquer  cousa  que  porventura  tragam  a  juízo. 
Que  todos  os  coloquem  à  parte  como  membros 
maus  e  excomungados,  separados  do  seio  e  união 
da  Santa  Madre  Igreja  Católica,  como  rebeldes, 
e  porque  se  alguém  fizer  o  contrário  do  que  aqui 
se  ordena,  o  que  Deus  tal  não  permita,  eu  im- 
porei,  como  imposto  tenho,  que  considero  sobre 
os  tais,  a  penalidade  de  excomunhão  maior.  Se- 
jam portanto  seus  nomes  e  sobrenomes  expres- 
samente declarados,  e,  para  que  todos  o  saibam, 
eu  determinei  ao  Rev.  padre  da  paróquia  dar 
publicidade  a  esta  carta  nas  reuniões  do  primeiro 
sábado  e  dia  santo,  e  a  afixá-la  à  porta  da  Igreja, 
de  onde  ninguém  a  tirará  nem  a  rasgará,  sob 
pena  de  excomunhão,  até  que,  prestando  satis- 
fação completa,  possam  merecer  os  benefícios  de 
absolvição. 

Passado  em  Funchal,  sob  Selo  do  Vigário-Geral 
e  com  minha  assinatura,  a  27  de  Abril  de  1843. 
Jacinto  Monteiro  Cabral,  Secretário  do  Conselho 
Eclesiástico,  o  escreveu. 

Sebastião  Cazemiro  Medina  e  Vas» 


117 


APÊNDICE  II 


NOTAS  SOBRE  AS  IGREJAS  PORTUGUESAS 
ORGANIZADAS  NO  ESTADO  DE  ILLINOIS 


APÊNDICE  II 


NOTAS  SOBRE  AS  IGREJAS  PORTUGUESAS 
ORGANIZADAS  NO  ESTADO  DE  ILLINOIS 

IGREJAS   DE  SPRINCFIELD 

A  PRIMEIRA  IGREJA  PRESBITERIANA  PORTUGUESA 
1849-1908 

Originàriamente  organizada  como  uma  Igreja 
Presbiteriana  Independente,  foi  fundada  em  1849 
por  imigrantes  portugueses  que  fugiram  à  perse- 
guição religiosa  na  Ilha  da  Madeira.  Em  23  de 
Agosto  de  1855,  a  Congregação  passou  a  ser  parte 
da  Igreja  Livre  da  Escócia.  Veio  mais  tarde,  a 
4  de  Abril  de  1856,  a  ser  recebida  pelo  Presbi- 
tério de  Springfield,  do  Sínodo  de  Illinois.  Em 
1897  essa  Igreja  se  uniu  à  Segunda  Igreja  Pres- 
biteriana, a  fim  de  formar  a  Igreja  Presbiteriana 
Portuguesa.  Em  1908,  mudou-se  o  nome  para 
Quarta  Igreja  Presbiteriana,  que  é  o  que  ainda 
hoje  prevalece. 


121 


MICHAEL  P.  TESTA 


O  primeiro  Consistório  era  constituído  pelos 
presbíteros:  João  Gouveia,  João  de  Freitas,  J. 
Correia  e  João  de  Ornellas. 

Os  primeiros  três  pastores  da  Igreja  foram  os 
Reverendos  António  de  Matos  (1851-1855),  Robert 
Lennington  (1862-1867)  e  Hugo  W.  McKee 
(1872-1877). 

A  SEGUNDA  IGREJA  PRESBITERIANA  PORTUGUESA 
1858-1897 

A  participação  dos  presbiterianos  portugueses 
na  controvérsia  chamada  «Velha  Escola»  e  «Nova 
Escola»,  determinou  o  rompimento  dos  adeptos 
da  «Velha  Escola»,  os  quais  vieram  a  formar  a 
segunda  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa,  o  que 
se  deu  em  Maio  de  1858. 

O  primeiro  Consistório  era  constituído  pelos 
presbíteros  José  Rodrigues,  Manuel  Fernandes  e 
António  José  Correia.  Os  três  primeiros  pastores 
foram  os  Reverendos  António  de  Matos  (1858- 
-1862),  Hugo  W.  McKee  (1870-1872)  e  Henrique 
Vieira  (1872-1877). 

EM  JACKSONVILLE 

PRIMEIRA    IGREJA    PRESBITERIANA  PORTUGUESA 
1849-1887 

Originàriamente  também  uma  congregação 
Presbiteriana  Independente,  foi  fundada  por  imi- 
grantes da  Madeira  que  se  estabeleceram  em 
Jacksonville,  1849,  por  ocasião  do  25.°  aniversário 


122 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


da  fundação  da  cidade.  Esta  congregação  reuniu- 
-se  nos  edifícios  da  Igreja  Baptista  até  1853, 
quando  se  transferiu  para  as  suas  próprias  insta- 
lações, acabadas  de  construir.  A  Igreja  estava 
sob  o  cuidado  da  Igreja  Livre  da  Escócia.  Em  4 
de  Abril  de  1856  passou  a  fazer  parte  do  Presbi- 
tério de  Springfield,  no  Sínodo  de  Illinois. 

A  Igreja  tinha  os  seguintes  presbíteros:  João 
C.  Vasconcelos,  Domingos  de  Castro  e  João  Ja- 
cinto de  Meneses.  Os  três  primeiros  pastores 
dessa  igreja  foram  os  Reverendos  António  de 
Matos  (1850-1868),  Hugo  W.  McKee  (1870-1872) 
e  Henrique  Vieira  (1872-1877). 

A  SEGUNDA  IGREJA  PRESBITERIANA  PORTUGUESA 
1855-1900 

A  questão  «Escola  Velha»  e  «Escola  Nova» 
afectou  também  a  comunidade  portuguesa  de 
Jacksonville.  A  Segunda  Igreja  Presbiteriana, 
tendo  adoptado  a  posição  da  «Escola  Velha», 
organizou-se  em  Maio  de  1855,  sob  os  cuidados 
pastorais  do  Rev.  Robert  Lennington. 

O  primeiro  Consistório  era  constituído  pelos 
presbíteros  João  Jacinto  de  Meneses,  Manuel  de 
Melino,  Manuel  Andrade,  José  de  Meneses  e 
Emanuel  N.  Pires.  Os  primeiros  três  pastores  que 
serviram  à  Igreja  foram  os  Reverendos  Roberto 
Lennington  (1862-1867),  Emanuel  N.  Pires  (1870- 
-1877)  e  Charles  B.  Barron  (1866-1900). 


123 


MICHAEL   P.  TESTA 


A  IGREJA  PRESBITERIANA  PORTUGUESA  CENTRAL 
1876-1887 

A  maioria  dos  membros  da  segunda  Igreja 
Presbiteriana  Portuguesa  não  estavam  satisfeitos 
com  o  Rev.  Emanuel  N.  Pires  e,  em  1875,  sepa- 
rou-se  do  outro  grupo  e  reclamou  direito  de 
propriedade  sobre  os  edifícios.  Depois  de  ouvir 
o  caso,  o  presbitério  de  Springfield  concedeu  di- 
reitos de  propriedade  à  facção  minoritária.  Os 
demais  desocuparam  a  Igreja  em  1876  e  organi- 
zaram a  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  Central, 
em  27  de  Setembro  de  1882. 

A  IGREJA  PRESBITERIANA  PORTUGUESA  UNIDA: 

A  27  de  Fevereiro  de  1887,  a  Primeira  Igreja 
Presbiteriana  de  Jacksonville  se  uniu  com  a 
Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  Central  para  cons- 
tituir a  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  Unida. 

O  1.°  Consistório  era  composto  dos  presbíteros 
António  Vieira,  José  Correia  e  João  Dias. 

A  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  Unida  e  a 
2.a  Igreja  Presbiteriana  Portuguesa  se  uniram 
para  que  se  pudesse  organizar  o  Presbitério  Por- 
tuguês de  Jacksonville,  a  21  de  Outubro  de  1900. 
Actualmente  esta  igreja  se  denomina  Igreja  Pres- 
biteriana de  Northminster. 


124 


APÊNDICE  III 


APÊNDICE  III 


Carta  do  Dr.  KaHey  ao  secretário  da  Sociedade 
Missionária  de  Londres. 

Funchal,  1  de  Fevereiro  de  1839 

Rev.  John  Arundel 

Casa  da  Missão,  Rua  Blomfield 

Finsbury,  Londres 

Certo  de  que  o  serviço  de  Jesus  Cristo,  o 
Salvador  dos  pecadores  e  o  Senhor  de  toda  a  gló- 
ria, é  o  mais  nobre  e  o  mais  ideal  para  o  homem 
na  terra,  bem  como  o  mais  útil  para  a  nossa  raça, 
e  crendo  que  Deus,  em  sua  Providência  parece 
indicar  este  sítio  como  o  lugar  de  minha  resi- 
dência, por  tempo  mais  ou  menos  considerável, 
procuro  descobrir  como  posso  servir  melhor  aqui, 
os  interesses  de  Seu  Reino. 

A  situação  de  pobreza  e  ignorância,  com  todo 
o  seu  cortejo  de  grosseiras  superstições,  é  verda- 
deiramente impressionante.  Dos  três  serviçais  de 


127 


MICHAEL   P.  TESTA 


minha  casa,  um  homem,  uma  mulher  e  um 
rapaz,  que  nos  servem  desde  há  cerca  de  três 
meses,  apenas  um  conhece  as  primeiras  letras  e 
quando  lhes  perguntei  se  sabiam  o  nome  do  pri- 
meiro homem  e  da  primeira  mulher,  responde- 
ram: Manuel  e  Maria.  Os  nomes  dos  santos  do 
Velho  Testamento  eram  completamente  des- 
conhecidos, e  de  Cristo  só  sabiam  que  nasceu, 
que  foi  circuncidado  e  crucificado.  A  história  da 
queda  e  do  dilúvio  eram  completamente  novas 
para  eles,  e  suas  ideias  de  Deus,  eram  pouco 
mais  do  que  a  que  lhes  davam  as  imagens  pe- 
rante as  quais  estavam  acostumados  a  inclinar-se. 
E,  todavia,  com  toda  esta  ignorância,  acredito 
que  estejam  ainda  bem  acima  da  média  de  sua 
própria  gente,  pois  dois  deles  têm  estado  a  ser- 
viço de  famílias  inglesas  por  certo  tempo  e  um 
deles  até  fala  inglês  razoàvelmente. 

Como  ilustração  do  estado  de  superstição  em 
que  se  encontram,  menciono  o  que  ocorreu  no 
dia  1.°  do  ano.  Ao  passar  por  uma  choupana 
pobre,  no  campo,  notámos,  pela  porta  aberta,  que 
havia  um  estranho  ar  de  festa  no  seu  interior. 
Havia  uma  espécie  de  pequenina  cama,  coberta 
de  ramos  e  de  flores  colocados  em  arco  e,  sobre 
a  mesma,  laranjas  e  frutas  de  várias  espécies. 
Quando  a  mulher  notou  o  nosso  interesse,  con- 
vidou-nos  a  entrar.  Perguntei-lhe  então  o  que 
era  aquilo;  ela  se  persignou  e  assumindo  um 
aspecto  de  profunda  reverência,  disse:  é  o  me- 
nino Jesus.  Então  entrámos  e  vimos  no  centro  de 


128 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


uma  pequena  plataforma,  três  bonecas,  caricatu- 
ras horrendas  de  seres  humanos;  uma  delas, 
que  estava  envolta  em  uns  pedaços  de  rede,  e  que 
tinha  ao  redor  da  cabeça  umas  aparas  de  estanho 
como  a  representar  raios  de  um  halo,  foi  indicada 
como  sendo  Jesus.  Como  se  sentiria  o  amigo, 
assim  eu  também  me  senti  ao  ver  tão  grave 
insulto  feito  ao  Senhor  da  Glória.  Diante  daquela 
figura,  a  mulher  cruzou  os  braços  sobre  o  peito 
e  inclinou-se;  depois  voltou-se  para  nos  assegurar 
que,  de  facto,  aquele  era  «o  Bom  Jesus».  Respon- 
di-lhe  que  aquela  era  uma  figura  hedionda,  impró- 
pria até  para  representar  o  homem,  como  então 
poderia  ela  representar  o  Deus  Homem  em  toda 
a  Sua  glória  ?!  Mostrei-lhe  que  aquela  não  podia 
ser  a  imagem  verdadeira,  porque  representava 
como  menor  ainda  do  que  o  homem,  aquele  que 
era,  ao  mesmo  tempo,  Deus  e  Homem.  Li  depois 
algumas  passagens  da  Escritura  para  mostrar  que 
o  corpo  de  Jesus  está  nos  ceus  e  que  a  Lei  de 
Deus  proibe  adorar  imagens  de  tudo  que  está  no 
céu.  Sua  expressão  era  a  de  grande  pena  pelos 
infelizes  hereges  que  nós  éramos. 

A  situação  dos  mais  ricos  não  é  também  muito 
melhor.  Embora  muitos  dentre  eles  saibam  ler, 
muito  poucos  sabem  alguma  coisa  da  Palavra  de 
Deus,  e  o  cepticismo  religioso  entre  esses,  ocupa 
o  lugar  da  superstição  que  há  entre  as  classes 
pobres.  Tenho  uma  classe  onde  está  matriculado 
um  número  considerável  de  filhos  daqueles  que 
têm  casas  a  alugar  para  os  ingleses.  Ao  ler- 


9 


129 


MICHAEL  P.  TESTA 


-lhes  Mateus  26:31,  etc,  perguntei  a  um  deles  a 
quem  se  referiam  as  palavras  «FiDio  do  Homem». 
Sendo  um  rapaz  de  cerca  de  20  anos,  razoàvel- 
mente  esperto,  ficou  todavia  completamente  em- 
baraçado com  a  pergunta,  mas,  por  instigação  de 
um  companheiro  respondeu:  Deus.  Perguntei-lhe 
então,  como  podia  Deus  ser  o  Filho  do  homem  ? 
Após  algum  tempo  de  reflexão,  tornou  a  respon- 
der: anjos.  Porém,  quando  confrontado  com  a 
mesma  objecção,  respondeu,  já  agora  com  bas- 
tante hesitação:  Jesus  Cristo,  talvez.  Respeito  a 
qualquer  coisa  que  se  relacione  com  a  religião, 
e  até  mesmo  o  respeito  pelos  seus  sacerdotes  e 
pelo  papa,  parecem  ter  desaparecido  por  com- 
pleto, e,  ouço  que  muitos  dos  autores  cépticos 
franceses  estão  nas  mãos  daqueles  que  acham 
que  religião  é  ainda  um  assunto  digno  de  leitura. 

Considerando  a  tremenda  ignorância  e  a  situa- 
ção miserável  destas  almas  imortais,  sinto  ser  de 
meu  dever  aprender  sua  língua,  e  já  posso  dirigir 
algumas  classes  para  sua  instrução.  Tenho  50 
estudantes  e  poderia  fàcilmente  ter  muitos  mais, 
se  tivesse  lugar  e  livros  para  oferecer-lhes.  O  que 
os  induz  a  procurar  -me  é  o  desejo  que  têm  de 
aprender  inglês,  que  é  sempre  de  grande  utili- 
dade para  pessoas  de  qualquer  posição  social 
aqui  na  Ilha. 

Desejo  ensinar-lhes  tudo  o  que  eu  possa  e  que 
seja  bom  para  elevá-los  à  posição  de  seres  verda- 
deiramente inteligentes,  mas  acima  de  tudo, 
desejo  ensinar-lhes  as  coisas  que  dizem  respeito 


130 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


ao  seu  bem-estar  eterno.  Sobre  assunto  de  reli- 
gião, tenho  até  agora  podido  dizer  muito  pouco, 
visto  que  eles  ainda  parecem  estar  cheios  de  sus- 
peitas e  de  receios  de  heresia,  e  eu  temo  perdê-los. 
Parece-  me  entretanto  que  estou  a  ganhar-lhes  a 
confiança  e  espero  logo  poder  falar-lhes  mais 
livremente. 

A  situação  de  nossos  patrícios  aqui  é  igual- 
mente muito  lamentável,  e  é  exactamente  sobre 
isto  que  desejo  escrever-lhe.  Presentemente  temos 
pregação  aos  domingos,  feita  pelo  ministro  da 
Igreja  Evangélica  Independente  da  Escócia  que 
veio  com  um  amigo,  e  temos  também  uma  reu- 
nião de  oração  às  quintas-feiras  dirigida  por  um 
excelente  ministro  da  Igreja  Episcopal  e  por  um 
estudante  da  Igreja  Presbiteriana,  mas,  dentro  de 
um  ou  dois  meses  regressarão,  possivelmente, 
ao  seu  país,  e  então  o  único  serviço  será  o  do 
pastor  episcopal,  Sr.  Lowe,  que  reside  aqui,  e 
cuja  posição  teológica  é  a  do  grupo  herético  do 
tratado  de  Oxford. 

Nesta  emergência,  penso  ser  de  meu  dever, 
ainda  que  pouco  possa  fazer,  contribuir  para 
levantar  aqui  o  pendão  da  verdade.  De  boa  von- 
tade farei  isto,  logo  após  à  saída  do  Sr.  Barry 
(nosso  amigo  independente),  visto  que  não  con- 
sidero como  essencial,  licença  para  pregar  con- 
ferida por  qualquer  organização.  Sendo  a  men- 
sagem de  Deus  e  não  de  homens,  insisto  em  que 
a  única  licença  que  se  requer  é  a  licença  que  vem 
de  Deus,  na  Sua  Palavra,  e  quanto  a  essa  tenho 


131 


MICHAEL  P.  TESTA 


pouca  hesitação.  As  preocupações  com  a  alta 
igreja  são  extremamente  elevadas  aqui,  e  a  pre- 
gação de  um  leigo  seria  quase  um  ultrage  tão 
grande  a  ponto  de  arruinar  por  completo  a  possi- 
bilidade de  ser  útil,  já  no  seu  próprio  início.  E 
como  seria  de  todo  desejável  ter-se  aqui  uma 
igreja  regularmente  organizada,  eu  estou  pronto 
a  retornar  à  Inglaterra,  para  ser  formalmente 
separado  para  este  propósito  —  se  eu  pudesse  ser 
ordenado  —  e  depois  voltar  para  continuar  a  tra- 
balhar neste  lugar.  Estou  mais  desejoso  de  assim 
proceder,  porque,  como  creio,  não  parece  haver  a 
mínima  possibilidade  de  levantar-se  aqui  a  impor- 
tância necessária  para  o  sustento  de  um  ministro 
do  Evangelho.  Isto  torna  ainda  mais  urgente  a 
necessidade  de  alguém,  a  quem  Deus  tem  dado 
uma  certa  independência,  para  trabalhar  neste 
campo. 

Meu  objectivo  seria  agir  como  um  embaixador 
de  Cristo  perante  nossos  patrícios  aos  domingos  e 
abrir  uni  caminho  entre  os  portugueses,  para  ins- 
truí-los durante  a  semana. 

Quanto  à  Igreja  da  qual  espero  minha  orde- 
nação, considero  o  nome  como  de  pouca  impor- 
tância, desde  que  sejam  pastores  cristãos,  que 
sustentem  a  verdade  pura  do  Evangelho,  e  este- 
jam prontos  a  separar-me  para  pregar  a  Cristo  e 
este  crucificado,  e  deixar-me  em  liberdade  para 
seguir,  em  questões  de  menor  monta,  o  que  me 
pareça  ser  a  orientação  de  Deus.  Quanto  à  minha 
posição  em  relação  às  grandes  doutrinas  da  Escri- 


132 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


tura,  peço-lhe  que  se  reporte  às  minhas  respostas 
anteriormente  dadas  aos  quesitos  propostos  por 
essa  Sociedade. 

Pedir-lhe-ia  que  me  respondesse  com  a  máxima 
urgência  possível.  Nossos  dois  barcos  de  carreira 
partirão  possivelmente  daqui  em  Abril  e,  se  for 
para  eu  ir  à  Inglaterra,  seria  talvez  melhor  que 
eu  fizesse  reserva  em  um  deles. 

Os  barcos  partem  da  Inglaterra  para  a  Madeira 
às  sextas-feiras,  depois  da  primeira  terça-feira  de 
cada  mês.  Poderia  V.  Ex.a  apresentar  esta  carta 
(em  que  me  ofereço  como  um  agente  da  Sociedade 
Missionária  de  Londres  sob  Jesus  Cristo  o  Cabeça 
da  Igreja)  aos  srs.  directores,  e,  se  eles  consideram 
este  lugar,  de  alguma  forma  fora  da  esfera  de 
trabalho  dessa  Sociedade,  queira  entregá-la  ao 
secretário  da  Sociedade  Continental,  e,  por  favor, 
envie-me  algumas  linhas  pelo  barco  de  Abril  sobre 
o  que  tenha  ocorrido. 

E  que  Deus  abençoe  a  cada  um  de  vós  bem 
como  à  Sociedade  para  a  difusão  das  Boas  Novas 
da  Salvação,  e  que  Ele  acompanhe  os  trabalhos 
de  todos  e  de  cada  um  com  a  influência  vitali- 
za dor  a  do  Espírito  Santo. 

Sinceramente 


Rohert  R.  Kalleij  —  M.  D. 


APÊNDICE  IV 


APÊNDICE  IV 


Carta  circular  enviada  por  ocasião  da  prisão  do 
Dr.  Kalley. 

Enviada  pelo  Rev.  Robert  Walter  Stewart,  se- 
cretário da  Junta  de  Missões  da  Igreja  Livre  da 
Escócia. 

A  comissão  do  bi-centenário  deseja  chamar  a 
atenção  das  várias  denominações  religiosas  que 
ela  representa,  e  de  todo  o  público  cristão  em 
geral,  para  os  sofrimentos  de  nosso  amado  irmão, 
Dr.  Kalley,  agora  preso  por  causa  do  Evangelho, 
na  Ilha  da  Madeira. 

Essa  Ilha  pertencente  a  Portugal  tem  cerca  de 
115  000  habitantes,  mergulhados  nas  trevas  das 
superstições  papistas.  Dr.  Kalley,  escocês  de  nas- 
cimento, residente  naquela  ilha  há  já  cerca  de 
5  anos,  servindo  como  médico^missionário,  embora 
não  financeiramente  ligado  a  nenhuma  sociedade 
missionária,  visto  que  depende  inteiramente  de 
seus  próprios  recursos.  Como  médico,  ele  tem 


137 


MICHAEL  P.  TESTA 


sido  incansável  em  atender  as  classes  pobres  e 
em  ministrar-lhes  medicamentos,  e  centenas  de 
pessoas  enfermas  bendizem  o  seu  nome  e  o  acla- 
mam como  seu  benfeitor.  Como  portador  do  Pão 
da  Vida,  ele  tem  já  distribuído  alguns  milhares 
de  cópias  do  Velho  e  do  Novo  Testamentos,  esta- 
belecido escolas,  através  das  quais  mais  de  800 
pessoas  aprenderam  a  ler.  E,  em  trabalhos  di- 
rectos de  evangelização,  ele  tem  exposto  a  Palavra 
de  Deus  em  língua  Portuguesa,  diàriamente  e 
todos  os  domingos  a  centenas  e  às  vezes  até  a  mi- 
lhares, com  infatigável  diligência,  fidelidade  e 
amor.  Tudo  isto  tem  sido  feito  com  sabedoria  e 
humildade.  A  exposição  da  Palavra  tem  sido  con- 
duzida de  acordo  com  seu  próprio  critério,  e  num 
espírito  muito  conciliatório,  sem  que  nela  se 
pudesse  encontrar  qualquer  coisa  que  pudesse 
ofender  ou  irritar,  senão  até  onde  o  Cristo  cruci- 
ficado se  faz,  Ele  mesmo,  uma  pedra  de  tropeço 
e  de  ofensa.  Tão  extraordinários  têm  sido  todavia 
seus  serviços  e  tão  católico  o  seu  espírito,  que  as 
autoridades  civis  do  Funchal  em  certa  ocasião  lhe 
conferiram  um  voto  de  público  agradecimento. 

Mas,  pela  graça  de  Deus  e  pelo  poder  do  Espí- 
rito, a  Palavra  não  tem  ficado  sem  resultados 
práticos.  As  Escrituras  são  lidas  com  grande  inte- 
resse e  o  Evangelho  da  Salvação  é  ouvido  com 
alegria;  o  progresso  da  verdade  não  pode  ser  nem 
impedido  nem  dissimulado;  suas  queridas  imagens 
são  lançadas  fora;  a  confissão  auricular  feita  ao 
sacerdote  vai  pouco  a  pouco  sendo  abandonada, 


138 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


e,  o  climax  da  ofensa  sobreveio,  quando  três  novos 
convertidos  pediram  admissão  numa  das  igrejas 
inglesas,  de  fé  protestante. 

A  consequência  foi  que,  depois  de  muitas  amea- 
ças do  governo  local,  Dr.  Kalley  foi  recolhido  e 
preso  em  cárcere  comum,  no  último  mês  de  Julho, 
o  que  veio  a  ser  apenas  o  começo  de  um  período 
dos  mais  angustiantes  sobressaltos,  naquele  ano. 
As  últimas  notícias  diziam  que  ele  ainda  conti- 
nuava a  sofrer  esse  doloroso  confinamento  e  que 
estava  a  recuperar-se  vagarosamente  de  um  ata- 
que de  febre;  assim  sendo,  este  devotado  missio- 
nário está,  já  há  quatro  meses,  a  sofrer  prisão  como 
se  fosse  um  criminoso,  acusado  todavia,  apenas 
do  crime  de  pregar  a  Palavra  de  Deus,  da  maneira 
a  que  eles  chamam  heresia.  Enquanto  obede- 
cendo ao  comando  de  Nosso  Salvador,  de  pregar 
o  Evangelho  a  toda  a  criatura,  ele  se  esforçava 
para  evitar  qualquer  transgressão  das  leis  do  país, 
e  quando  acusado  de  muita  transgressão,  ele  não 
abriu  mão  de  seu  julgamento  legal,  mas  ao  con- 
trário, muito  o  desejou.  Ele,  entretanto,  queixava- 
-se  de  que  todo  o  curso  dos  eventos  desenca- 
deados contra  ele  e  a  sua  prisão  sem  fiança  tinham 
sido  elegais  e  opressivos,  além  de  serem  uma  vio- 
lação dos  direitos  de  súdito  britânico,  garantidos 
por  tratado.  E  a  justiça  dessa  sua  reclamação  foi 
praticamente  reconhecida  pelo  governo  britânico, 
que  exigiu  do  governo  local  sua  libertação  ime- 
diata, mediante  fiança,  e  um  julgamento  limpo. 
Apesar  de  tudo  isso,  ele  continua  ainda  preso, 


139 


MICHAEL  P.  TESTA 


sofrendo  toda  sorte  de  vexame,  e  ainda  mais, 
sujeito  ao  curso  do  mais  arbitrário,  vexatório  e 
opressivo  tratamento. 

Portanto,  em  favor  deste  preso  de  Jesus  Cristo, 
a  Junta  pede  com  grande  empenho,  a  todos  os 
irmãos  ministros  que  esposem  como  se  fora  sua 
própria,  a  causa  de  nosso  amado  sofredor  irmão, 
a  orar  por  ele  em  todas  as  suas  congregações,  lem- 
brando aqueles  que  estão  em  prisão  como  se 
estivessem  presos  com  ele  e  a  empregar  todos  os 
meios  possíveis  para  influenciar  o  governo  a  recla- 
mar sua  imediata  soltura.  E  exortam  os  membros 
da  comunidade  cristã  a  cooperar  com  seus  pas- 
tores neste  santo  esforço,  e  a  lembrar  este  servo 
sofredor  do  Senhor  em  suas  devoções  pessoais  e 
familiares,  carregando  seu  caso  como  se  fora  uma 
carga  para  seus  próprios  corações,  até  que  ele 
seja  libertado.  Estes  pedidos  contudo,  eles  os 
fazem,  não  propriamente  por  causa  dele  apenas, 
mas  na  esperança  de  que  o  poço  de  águas  vivas 
que  irrompeu  fresco  e  cristalino  no  deserto,  não 
seja  repentinamente  fechado  e  destruído,  mas 
possa  continuar  a  correr  livremente  até  que  se 
faça  um  poderoso  rio,  e  esta  ilha  exteriormente 
bela  e  sorridente,  mas  moralmente  desolada  e 
fria,  se  transforme  num  jardim  de  almas. 

5  de  Dezembro  de  1843. 


140 


NOTAS 


NOTAS 


(')  Kenneth  Scott  Latourette,  A  History  of  the 
Expansion  of  Christianity ,  vol.  4,  New  York, 
1941,  pp.  458,  459. 

<2)  ld.,  vol.  6  (1944),  p.  9. 

(3)  João  Gomes  da  Rocha,  Lembranças  do  Passado, 
vol.  3,  Rio  de  Janeiro,  1946,  p.  90.  Dr.  Rocha, 
filho  adoptivo  do  Dr.  e  Mrs.  Kalley,  formou-se 
em  medicina  pela  Universidade  de  Edimburgo 
e  fez-se  eminente  médico  e  dedicado  cristão  na 
cidade  do  Rio  de  Janeiro.  Dr.  Gomes  da  Rocha 
possuia  notas,  jornais,  sermões  e  correspondên- 
cia do  Dr.  Kalley  e  da  sua  esposa.  Publicou  todo 
este  material  nessa  série  de  três  volumes. 

(*)  John  T.  Tucker,  Heróis  da  Cruz,  Lisboa,  1957, 
p.  29. 

(5)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  3,  p.  91. 

(6)  Eduardo  Moreira,  Vidas  Convergentes,  Lisboa, 
1958,  p.  152. 

V)  ld.,  p.  152. 

(8)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  3,  p.  93. 

(9)  ld.,  vol.  3,  p.  94. 

(10)  ld.,  vol.  3,  p.  92. 

(u)  Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  Edimburgo,  1845,  p.  9. 

(12)  James  Purves,  An  Island  Story;  The  Scots  in 
Madeira,  Edimburgh,  n.  d.  p.  13. 

(13)  ld.,  p.  12. 


143 


MICHAEL  P.  TESTA 

(14)  Actas  da  Comissão  de  Exame  da  Sociedade  Mis- 
sionária de  Londres,  a  25  de  Março  de  1839. 
«Foi  lida  a  carta  do  Sr.  Dr.  R.  R.  Kalley,  M.  D., 
datada  de  Funchal,  1  de  Fevereiro  de  1839,  na 
qual  oferece  seus  serviços  como  agente  desta 
Sociedade,  para  trabalhar  na  Madeira,  caso  os 
Srs.  Directores  considerem  aquele  lugar  dentro 
da  esfera  de  operação  da  Sociedade;  requerendo 
ainda  seja  ele  ordenado  como  pregador  do 
Evangelho,  tanto  aos  seus  próprios  patrícios  ali 
residentes,  bem  como  aos  portugueses — (carta 
passada  às  mãos  desta  comissão  pela  Junta 
Directora) — Resolveu-se:  Recomendar  à  Junta 
Directora  que,  de  acordo  com  o  parecer  desta 
Comissão,  visto  que  a  Madeira  não  está  dentro  da 
esfera  de  trabalho  desta  Sociedade,  declina-se 
aceitar  seu  oferecimento.  Ficou  decidido  tam- 
bém que  como  vários  membros  da  Comissão  de 
Exame  estão  prontos,  no  exercício  de  suas  capa- 
cidades individuais,  a  ordenar  Dr.  Kalley,  como 
pregador  do  Evangelho  de  Cristo,  que  esta  comu- 
nicação lhe  seja  imediatamente  feita  a  fim  de 
que  ele  possa  vir  a  Londres  para  o  fim  proposto. 

(")  ld.  —  Livro  7,  p.  360  —  8  de  Janeiro  de  1838. 

(16)  A  Christian  Remembrancer  n.°  26,  MDCCC,  XLVI, 
Londres,  p.  114. 

(17)  Rocha  —  op.  cit.y  vol.  I,  p.  116. 

(18)  Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  Edimburgo,  1845,  p.  10. 

(19)  Della  Dimitt,  A  Story  of  Madeira,  Cincinnati, 
1896,  p.  19. 

(20)  Eduardo  Moreira,  The  Significance  of  Portugal; 
A  Survey  of  the  Religious  Situation,  London, 
1933,  p.  16.  Até  1930,  o  índice  de  analfabetismo 
nas  ilhas  adjacentes  —  Madeira  e  Açores  —  era 
de  77  %. 

144 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

(21)  A.  Drummond  Patterson,  Chronicles  of  a  Struggle, 

Edinburgh,  1894,  p.  7. 
(**)  Dimitt,  op.  cit.,  p.  2. 

(")  Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  1845,  p.  11. 

(24)  Robert  Reid  Kalley,  Notes,  Beyroot,  1851,  entrada 
sob  a  data  de  15  de  Janeiro. 

(25)  Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  1845,  p.  12. 

(26)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  pp.  170,  171.  Cit. 
do  Livro  3.°  da  Contadoria,  n.°  2213,  Arquivo  do 
Ministério  do  Reino. 

(-7)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  3,  p.  61. 

(28)  Sara  P.  Kalley,  O  Verdadeiro  Christo;  E  Outros 
Trechos  das  Cartas  do  Doutor  Roberto  Reid 
Kalley,  Edimburgo,  1888,  pp.  11,  etc.  Este  pe- 
queno volume,  publicado  postumamente,  editado 
por  Mrs.  Kalley  sob  o  título  Uma  Lembraça  con- 
tém também  o  trabalho  do  Dr.  Kalley  O  Ver- 
dadeiro Christo,  e  trechos  de  sermões,  notas  e 
cartas. 

(29)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  p.  158. 

(30)  Id.,  p.  159.  As  primeiras  edições  destes  folhetos 
e  de  vários  outros  foram  oferecidas  pelo  prof. 
Eduardo  Moreira  à  Biblioteca  do  Seminário  Teo- 
lógico Presbiteriano,  em  Carcavelos,  Portugal. 

(31)  João  Fernandes  Dagama,  Perseguição  dos  Calvi- 
nistas da  Madeira,  São  João  do  Rio  Claro,  Brasil, 
1896,  p.  9.  O  rev.  João  Fernandes  Dagama  asistiu 
à  perseguição  dos  calvinistas  na  Madeira.  Ele 
mesmo  fugiu  com  sua  família  para  Trindade  e 
mais  tarde  emigrou  para  Springfield,  Illinois. 
Fez-se  ministro  mais  tarde,  da  Igreja  Presbite- 
riana do  Brasil,  onde  chegou  em  Outubro  de 
1870.  Júlio  Andrade  Ferreira  em  sua  História  da 
Igreja  Presbiteriana  do  Brasil  faz  várias  refe- 
rências elogiosas  ao  rev.  Dagama. 


10 


145 


MICHAEL  P.  TESTA 

(32)  «Mandei  fazer  um  barquinho, 

Das  tábuas  de  pau  de  aderno, 

Para  acartar  calvinistas 

Para  as  caldeiras  do  inferno.» 
(3S)  Kalley,  Uma  Exposição  de  Factos,  Lisboa,  1875. 

(34)  Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  Edimburgo,  1845,  pp.  10-11.  Naquela 
reunião  de  Inverness,  Dr.  Kalley  falou  à  Assem- 
bleia Geral  da  Igreja  Livre  da  Escócia,  e  usando 
notas  prèviamente  preparadas,  deu  informações 
sobre  os  incidentes  ocorridos  na  Madeira. 

(35)  Id.,  p.  11. 

(36)  Id.,  p.  13. 

(37)  Id.,  p.  13. 
(»')  Id.,  p.  13. 

(39)  Id.,  p.  11. 

(40)  An  English  Resident  —  Narrative  of  Circunstances 
connected  with  the  Confinement  of  Dr.  Robert 
Kalley,  now  a  prisoner  in  the  gaol  at  Madeira, 
London  1844.  Publicado  por  J.  Hatchard  &  Son. 

(41)  Ver  o  apêndice  II. 

(42)  Livro  de  Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja 
Livre  da  Escócia,  2  de  Fevereiro  de  1844. 

(43)  W.  Carus  Wilson,  The  Madeira  Persecutions, 
London,  1853,  p.  13.  O  Rev.  W.  Wilson  usou, 
como  uma  de  suas  fontes,  Madeira  em  Í8b6,  de 
Roddam  Tate.  Um  esforço  infrutífero  foi  feito 
para  localizar  um  exemplar  de  J.  Roddam  Tate 
que,  por  ocasião  dos  eventos  ocorridos  em  1846, 
residia  na  Madeira. 

(44)  Id.,  p.  14. 

(45)  Padre  António  Pereira  de  Figueiredo,  A  Santa 
Bíblia;  Contendo  o  Velho  e  Novo  Testamento, 
Londres,  1828.  Esta  edição  foi  traduzida  para  o 
português  da  Vulgata  Latina. 

(46)  Wilson,  op.  cit.,  p.  14. 


146 


O  APÓSTOLO   DA  MADEIRA 

(47)  0  periódico  0  Angrense,  publicado  em  Angra  do 

Heroísmo,  na  ilha  Terceira,  com  data  de  8  de 

Dezembro  de  1842. 
(4S)  Livro  3.°  da  Contadoria,  N.°  2213,  arquivo  do 

Ministério  do  Reino,  Portaria  de  17  de  Novembro 

de  1842. 

(49)  Veja  apêndice  1.° 

(50)  Dagama,  op.  cit.,  p.  25. 

(51)  John  Baillie,  Memoir  of  the  Rev.  W.  H.  Hewitson, 
London,  1851,  p.  132. 

(")  Moreira,  Vidas  Convergentes,  p.  162. 

(53)  Wilson,  op.  cit.,  p.  17. 

(54)  Baillie,  op.  cit.,  p.  126. 

(55)  Id.,  p.  131.  Dr.  Kalley  registou  isto  em  suas  Notas: 
«encontrei  o  Rev.  Hewitson  pela  primeira  vez  em 
Lisboa.  Ele  tinha  sido,  sem  meu  conhecimento, 
indicado  na  Escócia,  pouco  antes  para  trabalhar 
na  Madeira.  Voltou  comigo  para  a  Ilha  e  iniciou 
com  muito  zelo  e  amor  o  trabalho  para  o  qual 
Deus  tão  graciosa  e  extraordinàriamente  o  havia 
aparelhado.  Sua  presença  veio  realmente  a  ser 
providencial.  Que  o  Senhor  da  seara  envie  mui- 
tos trabalhadores  como  este  para  a  Sua  seara». 

(56)  Wilson,  op.  cit.,  p.  26. 

(37)  Carta  dirigida  ao  Rev.  John  Sym,  convocador  da 
Junta  Colonial  da  Igreja  Livre  da  Escócia,  datada 
de  Funchal,  27  de  Março  de  1845. 

(°8)  Baillie,  op.  cit.,  pp.  9-10. 

C9)  Id.,  pp.  32-33. 

(co)  Id.,  p.  36. 

(61)  Id.,  p.  45. 

(62)  Id.,  pp.  53,  etc. 

(63)  Carta  escrita  na  hospedaria  de  Mrs.  Lawrence, 
à  Rua  Nova  de  S.  Francisco  de  Paula,  n.°  39, 
Buenos  Aires,  Lisboa.  A  carta  foi  dirigida  a  um 
amigo  em  Edimburgo,  William  Dickson,  e  datada 
de  7  de  Dezembro  de  1884. 


147 


MICHAEL  P.  TESTA 


('*)  Carta  dirigida  ao  Rev.  John  Sym  convocador  da 
Junta  Colonial  da  Igreja  Livre  da  Escócia,  datada 
de  Funchal,  25  de  Março  de  1845. 

(65)  Baillie,  op.  cit.,  p.  134. 

(6Í)  Id.  p.  141. 

D  Id.,  p.  141. 

í68)  Dagama,  op.  cit.,  pp.  38-39. 

(69)  Purves,  op.  cit.,  p.  17. 

(70)  Relatório  anual  da  Junta  Colonial  à  Assembleia 
Geral  da  Igreja  Livre  da  Escócia  pelo  seu  convo- 
cador, rev.  Andrew  Bonar,  D.  D.  em  Maio  de  1850. 
Actas  da  Assembleia  Geral  da  Igreja  Livre  da 
Escócia,  Edimburgo,  1850,  p.  34. 

(71)  Baillie,  op.  cit.,  p.  127. 

(72)  Wilson,  op.  cit.,  pp.  18-19. 

(73)  Id.,  p.  18. 

(7*>  Carta  ao  secretário  da  Junta  Colonial,  James 
Balfour,  datada  de  Funchal,  17  de  Dezembro 
de  1845. 

(75)  Wilson,  op.  cit.,  pp.  47-48.  A  pedido  do  Bispo 
de  Funchal,  a  série  de  artigos  com  falsas  e  abu- 
sivas acusações  contra  o  Dr.  Kalley  e  os  calvi- 
nistas, que  apareceu  no  periódico  O  Imparcial, 
foi  coleccionado  e  publicado  sob  extenso  título  na 
Revista  Histórica  do  Proselitismo  Anti-Católico, 
exercido  na  Ilha  da  Madeira  pelo  Dr.  Roberto 
Reid  Kalley,  médico  escocês,  desde  1838,  até 
hoje,  por  um  madeirense,  1845.  Uma  cópia  deste 
livreto  se  encontra  na  biblioteca  do  Seminário 
Teológico  Presbiteriano  de  Carcavelos,  Portugal. 

(76)  Wilson,  op.  cit.,  p.  19. 

(77)  Id.,  p.  19. 

(78)  Dagama,  op.  cit.,  p.  53. 

(79)  Id.,  pp.  57,  etc. 

(80)  Id.,  p.  65.  Também,  Wilson,  op.  cit.,  p.  89. 

(81)  Wilson,  op.  cit.,  p.  91. 

(82)  Dagama,  op.  cit.,  p.  90. 


148 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


(8S)  Wilson,  op.  cit.,  p.  91. 

(")  Id.,  p.  96. 

(85)  Tucker,  op.  cit.,  p.  31. 

(")  Actos  dos  Apóstolos,  16:25. 

(87)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  p.  165. 

(M)  Wilson,  op.  cit.,  pp.  94-95. 

(89)  Purves,  op.  cit.,  p.  18. 

(90)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  pp.  164,  etc. 
Carta  do  Rev.  W.  H.  Hewitson  ao  Rev.  James 
Dodds,  Edimburgo,  datada  de  Glasglow,  17  de 
Setembro  de  1846. 

(°2)  Dimitt,  op.  cit.,  pp.  38-39. 

(95)  Dagama,  op.  cit.,  pp.  106,  etc. 
(94)  Wilson,  op.  cit.f  p.  98. 

C5)  Moreira,  The  Significance  of  Portugal,  p.  27. 

(96)  Walter  H.  DeShara,  Historical  Sketch:  Northmi- 
niter  Church  Centennial,  1850-1950,  Jacksonville, 
Illinois,  1950.  O  autor  deste  manuscrito  é  des- 
cendente dos  exilados  madeirenses.  É  também 
professor  de  História  no  Colégio  Illinois  de 
Jacksonville,  Illinois. 

(97)  Dagama,  op.  cit.,  p.  122. 
D  Id.,  p.  126. 

(")  Baillie,  op.  cit.,  p.  202. 
(10°)  Id.,  p.  204. 
(1C1)  Wilson,  op.  cit.,  p.  138. 
(102)  Id.,  p.  147. 

(ies)  Carta  ao  Rev.  A.  A.  Bonar,  Edimburgo,  datada  de 
Trindade,  17  de  Março  de  1847. 

(104)  Carta  a  seus  pais,  datada  de  Trindade,  31  de 
Março  de  1847. 

(105)  Baillie,  op.  cit.,  p.  215. 
(J06)  Id.,  p.  215. 

(107)  Dagama,  op.  cit.,  p.  156. 
<108)  Wilson,  op.  cit,  p.  154 
(109)  Tucker,  op.  cit.,  p.  32. 
(no)  Dagama,  op.  cit.,  p.  129. 


149 


MICHAEL  P.  TESTA 


(m)  /</.,p.  135. 

(112)  Purves,  op.  cit.,  p.  40. 

(113)  DeShara,  op.  cit.,  p.  4. 
(U4)  /d.,  p.  4. 

(us)  Dagama,  op.  cit.,  p.  141. 
(1I6)  Veja  apêndice  n.°  2. 
(,17)  Idem. 

(118)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  p.  167. 
('")  Dagama,  op.  cit.,  p.  177. 

(120)  Id.,  p.  178. 

(121)  Purves,  op.  cit.,  p.  41. 

(122)  Wilson,  op.  cit.,  pp.  124-125. 

(123)  Purves,  op.  cit.,  p.  41. 
(12*)  Id.,  p.  42. 

(125)  Livro  de  Actas  do  Consistório  da  Igreja  Escocesa 
da  Madeira,  Funchal,  1840-1850,  entrada  sob  a 
data  de  6  de  Janeiro  de  1834. 

(126)  Purves,  op.  cit.,  p.  43. 

(127)  Folha  de  Estatística  da  Igreja  Evangélica  Pres- 
biteriana de  Portugal,  para  o  ano  de  1961. 

(,28)  Purves,  op.  cit.,  p.  57. 

(129)  Tucker,  op.  cit.,  p.  32. 

(1S0)  Rocha,  op.  cit.,  volume  3.°,  p.  151. 

(m)  Id.,  vol.  3,  p.  25. 

(132)  Dagama,  op.  cit.,  pp.  177-178. 

(133)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  1,  p.  18. 

(134)  Dagama,  op.  cit.,  p.  178. 

(135)  Id.,  p.  178. 

(136)  DeShara,  op.  cit.,  p.  5. 

(137)  Carta  às  Igrejas  Portuguesas  de  Springfield  e 
Jacksonville,  Illinois,  datadas  de  Nottingham, 
Inglaterra,  de  24  de  Janeiro  de  1855. 

(13S)  Purves,  op.  cit.,  p.  58. 

(1S9)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  1,  p.  33. 

(14°)  Júlio  Andrade  Ferreira,  História  da  Igreja  Pres- 
biteriana do  Brasil,  vol.  l.°,  São  Paulo,  1959, 
p.  15. 


150 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


("*)  Rocha,  op.  cit.,  pp.  73-74. 

(U2)  John  Taylor  Tucker,  Compêndio  de  História  de 

Missões,  Lisboa,  1954,  pp.  241-242. 
(us)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  1,  pp.  37,  etc. 

(144)  Id.,  vol.  1,  pp.  54,  etc;  pp.  83,  etc. 

(145)  Id.,  vol.  1,  p.  70.  O  artigo  foi  publicado  no  Rio 
de  Janeiro  em  O  Correio  Mercantil  em  20  de 
Novembro  de  1855. 

(M4)  Id.,  vol.  1,  p.  70. 

("')  Id.,  vol.  1,  p.  101. 

("•)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  p.  188. 

(149)  Ferreira,  op.  cit.,  p.  15. 

(lso)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  p.  188. 

(m)  Carta  do  Dr.  R.  R.  Kalley  citada  no  Neglected 

Continents,  Toronto,  1932,  o  artigo  de  F.  C.  Glass, 

A  Great  Pioneer,  pp.  19-21. 

(152)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  1,  pp.  115,  etc. 

(153)  Id.,  vol.  2,  pp.  74,  etc. 

(154)  Carta  do  Rev.  Asbel  Green  Simonton  ao  Dr.  J. 
Leighton  Wilson,  secretário  da  Junta  Pesbite- 
riana  de  Missões  Estrangeiras  em  New  York, 
datada  do  Rio  de  Janeiro,  31  de  Agosto  de  1859. 

(*")  Id.,  sob  data  do  Rio  de  Janeiro  em  24  de  Dezem- 
bro de  1859. 

(156)  F.  C.  Glass,  artigo  no  A  Great  Pioneer,  publicado 
no  Neglected  Continents,  1932  pp.  12-21.  (Com 
referência  ao  Rev.  James  Fanstone,  ele  escreveu 
o  seguinte  parágrafo:  «este  valoroso  jovem 
desembarcou  em  Pernambuco  escorado  num  par 
de  muletas,  com  tão  tremenda  desvantagem  e 
sob  tanta  zombaria  e  perseguição,  semelhantes 
àquelas  que  Dr.  Kalley  suportou.  Ele  revigorou 
o  trabalho  e  estendeu  seus  limites  até  o  interior 
de  Pernambuco,  e  ao  mesmo  tempo  em  que  se 
mantinha  e  sustentava  numerosa  família  ensi- 
nando inglês  aos  brasileiros. 

(157)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  2,  p.  166. 


151 


MICHAEL  P.  TESTA 


(158)  Os  títulos  originais  destes  folhetos  em  português 
são  os  seguintes:  «A  Serpente  de  Bronze»,  «A 
Divina  Autoridade  do  Novo  Testamento»,  «Que 
é  a  Bíblia  ?»,  «0  Ladrão  na  Cruz»,  «0  Culto 
Doméstico»,  «O  Mundo  Feliz»,  «Incidentes  nos 
Caminhos  de  Ferro»,  «O  Remédio  Eficaz  para  os 
mais  Desesperados»,  «A  Semana  Santa»,  «Do- 
mingo de  Ramos»  e  «Frei  Bartolomeu». 

(159)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  3,  p.  17.  O  título  português 
dado  à  tradução  do  Livro  de  John  Bunyon  — 
Holy  War —  é  As  Guerras  da  Famosa  Cidade  da 
Alma  Humana. 

(;60)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  1,  p.  47. 
(1C1)  Id.,  vol.  1,  p.  50. 
(U2)  Id.,  vol.  2,  p.  265. 

(1C3)  Robert  R.  Kalley,  Breve  Exposição  das  Doutrinas 
Fundamentais  do  Cristianismo,  Rio  de  Janeiro, 
1876,  pp.  1-12. 

(lC4)  Os  títulos  em  português  dos  artigos  que  apare- 
ceram em  O  Correio  Mercantil  e  O  Jornal  do 
Comércio  do  Rio  de  Janeiro  são  os  seguintes: 

A  Regra  de  Nossa  Fé 
Uma  Confissão  Importante 
O  Jesuitismo  na  Corte 
Que  é  o  Mundo  ? 

Imperium  Brasiliense  in  Império  Eclesiás- 
tico, com  o  subtítulo:  Jurisdição  Absoluta 
do  Sacerdote  sem  Recurso  à  Coroa  ou  a 
Outro  Qualquer  Poder. 
As  Escrituras  Sagradas 
A  Sentença  de  Excomunhão. 

(165)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  2,  p.  130. 

(,ee)  Id.,  vol.  2,  p.  219. 

(167)  Salmos  e  Hinos,  l.a  edição,  publicada  pela  Tipo- 
grafia Laemmert,  Rio  de  Janeiro,  1861. 


152 


O   APÓSTOLO   DA  MADEIRA 


(168)  O  apêndice  da  L"  edição  do  Salmos  e  Hinos  con- 
tinha os  seguintes  novos  hinos,  que  se  podem 
encontrar  em  edições  mais  recentes  desse  mesmo 
hinário: 

«Falamos  do  inundo  feliz» 

«Vinde,  pobres  pecadores» 

«Senhor  Jesus,  ensina-nos...» 

«Jesus  ressuscitou» 

«Ando  errante  no  deserto» 

«Quero  louvar  meu  Salvador» 
(1£')  Rocha,  op.  cit.,  vo.l  1,  p.  168. 
(1T0)  Salmos  e  Hinos,  edição  de  1959,  publicado  pela 
Igreja  Evangélica  Fluminense,  Rio  de  Janeiro, 
1959. 

(171)  Sara  P.  Kalley,  Música  Súcra,  Leipzig,  1868. 

(172)  Ferreira,  op.  cit.,  p.  200. 

(5Í3)  Tucker,  Heróis  da  Cruz,  p.  37. 

(1T*)  Rocha,  op.  cit.,  voL  1,  Introdução,  p.  8. 

(,7S)  Ferreira,  op.  cit.,  p.  200. 

(5r*)  Moreira,  The  Significance  of  Portugal,  pp.  28-29. 

(17r)  Robert  R.  Kalley,  O  Darbismo,  Lisboa,  1891,  publi- 
cado postumamente.  Este  livrinho  é  uma  colec- 
ção de  oito  longas  e  minuciosas  cartas  pastorais, 
que  o  Dr.  Kalley  escreveu  em  sua  residência  em 
Typper  Lin  Road,  Edimburgo,  durante  os  anos 
de  1878  e  1879.  As  cartas  tratam  dos  erros  doutri- 
nários do  Darbismo,  e  são  endereçadas  à  Igreja 
Evangélica  Fluminense.  Em  apêndice  estão  notas 
extensas  em  resposta  a  um  folheto  publicado  por 
Richard  Holden,  apologista  da  doutrina  dos 
Plymouth  Brethren,  no  Rio  de  Janeiro.  Mr.  Hol- 
den tinha  sido  anteriormente  Anglicano,  e  era 
um  agente  da  Sociedade  Bíblica  Britânica  e 
Estrangeira  no  Rio.  Tinha  estado  intimamente 
associado  com  o  Dr.  Kalley  e  com  a  Igreja  Flu- 
minense, até  a  época  em  que  se  tornou  darbista. 


MICHAEL   P.  TESTA 

(178)  Kalley,  O  Darbismo,  p.  26. 

(17J)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  2,  p.  136. 

(lso)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  2,  p.  37. 

(1S1)  Moreira,  Vidas  Convergentes,  p.  190. 

(182)  Rocha,  op.  cit.,  vol.  2,  p.  37. 

(,83)  Kalley,  Breve  Exposição  das  Doutrinas  Funda- 
mentais do  Cristianismo.  Esta  confissão  de  fé 
foi  adoptada  pela  Igreja  Evangélica  Fluminense, 
em  2  de  Julho  de  1876,  e  ainda  hoje  constitui 
o  padrão  de  doutrinas  das  Igrejas  Congregacio- 
nais  do  Brasil  e  de  Portugal. 

("*)  Wilson,  op.  cit.,  pp.  9-12. 

(185)  W.  H.  Prestly,  The  History  of  the  Presbytery  of 
Springfietd,  Synod  of  Illinois,  1870-1888,  Deca- 
tur,  1888,  pp.  42,  etc.  Os  livros  de  actas  destas 
respectivas  igrejas  foram  também  consultadas. 


154 


ACABOU-SE  DE  IMPRIMIR 
AOS  27  DE  SETEMBRO  DE  1963 
NAS  OFICINAS  GRÁFICAS 
DA  PAPELARIA  FERNANDES  —  LISBOA