o MUNDO
DO LIVRO
ll-L. da Trindade- 13
Telef. 36 99 51
Lisboa
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Library
of the
University of Toronto
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OBRAS
DO GRANDE
luís de CAMÕES,
príncipe dos poetas heroycos,
& Lyricos de Hefpanha,
NOVAMENTE DADAS A LUZ COM OS SEUS LUSÍADAS
COMMENTADOS PELO LECENCIJDO
MANOEL CORRÊA EXAMINADOR SINODAL
do Arcebifpado de Lisboa , & Cura da Igreja de S.Scballiaõ da Mouraria,
& natural da Cidade de Elvas,
COM OS ARGUMENTOS DO LECENCIADO
JOAM FRANCO BARRETO,
E agora nejía ultimalmfrejfaô cortei a^ acere fcentada com a fua Vida efcrlta,
PorMANOELDEFARIA SEVERIM,
OFFERECIDO AO SENHOR
ANTÓNIO DE BASTO PEREYR A,
DO CONCELHO DE EURET NOSSO SBNBOR, E DO DE SUA
Real Fax^nda^feu SecretariOyQf fui^da Inconfidencia^Ç^ das JuJiificacôeSy
& Secretario da Aíiguftiffima Raynha No^aSenhora,(^edor de fua Fa*
^nda^ Qf E fiado , Chanceler mor de fua Ca^a^ Qf da da Suppíin
cafaôj Prt^dente do Concelho da dita Senhor a^Çs^ dignif^
Jtmo Regedor das fufii^as , ^c.
LISBOA OCCIDENTAL,
NaOffidnade JOSEPH LOPES FERREYR A, ImprcíTor da SercmíTima
Raynha NoíTa Senhora, & a fua cuíla.
M.DCC.XX.
Com todas as licenças necejfariasy
5;,
'V^.
Isf) c'
AOSENHOR ( )^lli:
ANTÓNIO DE BASTO PEREYRA; ^
Do Concelho de El-Rey NoíTo Senhor,& do de fua
Real Fazédajeu Secretario,&Juiz da Inconfiden*
cia,&das Juftificaçóes, &Secretarioda Auguf-
tiílima Raynha NoíTa Senhora, Vedor de íua
Fazenda, & Eftado,Chanceler mòr de íua
Caza, & do da Supplicaçâo,Prezidéte do
Cocei ho da dita Senhora , & dígnií-
íirao Regedor das J uftiças, &G.
\JSCA ejla neva Eftawpa das Lufiaãas , que ef»
creveo o Virgilw PortugueZo o Grade Luis de Ca*'
moes Príncipe dos Poetas de Hefpanha^ (jafem a
notta do Efcuropois tjao comentados por feu ami'^
go^if com temporaneo o Lecenciado Manoel Cor*'
rea ) o amparo de V. Senhoria nao como azjtlo de
defez^a^ mas como Oráculo ^i^vo da Juíttça^ por que fe eft a faltou anti"
gamem e em remunerar aquelle grande efpirito^que unindo humJíS ou»
tro miniflerio de Palas foy terror em Africa^ af ombro em Europa 5 0*
admiração na Afia \ protegidas agora fuás obras por hum Illuíirijfmo
Mecenas Regedor da^ Juíliças^conhecerá o mundo fatisfey ta a queyxa
de quando confagrados pelo feu Autor ao Serenifjtmo Rey DSebafliao
forao menos eítimados pelos que ajfisliao aquelle Principe^njendo ja na
protecção de V.Senhoúa emendada a injuria tao indifculpa^vel ( qual a
de Ajax morto na reflituiçao das armas de Achilles ) pelo primeyra
^ ij Minijiroy
Moref!
in Diâi-
onar.
Minijlro-i que rege as JufUças^ Çf que ao lado do maisperfeyto^ Çf So^
bérdno Alonarcha ejlima os bons Engenhos 0 favorece as boas Letras,
porqne em a Efcola de 2\dmerva com tantos eãudos as adqmrio V^Se»
ríhoria-i(3' com tanta comprehençao as profeffou-^que admtrao em V,Se*
nboria todos o q deHer cu les fabulou a antigaGrecia acopanhando ame^
lodici d:is Aiuz^as com a valentia da Jidafa 5 pois qual outro Hercules
nafortalez^a da Juíliça'^ despedaça V.Senhoriacom o baslaoos deliãos
quando mais feroz^es^que o Dragão de Lerna^infefiao a armonia da Re»
publica^vmcuUndo o temor com a docelidade^ o refpeyío com o amor^
'virtudes t ao admiráveis em V* Senhoria como próprias defeo emprego,
iS dofeo nafcimentoipois nadfò he V.Senhoria vigtlantijjnno Secretario
de ambas as AugufitJJnnAs Aíagejiades ? (^ Minijlro de Graduação
taoaltijjima-i que como Athalantefufienta na Juíliça-i (^ Concdho to»
do o LuZiitano globo^mas tambí he V. Senhoria efclarecido tronco das II»
luftrifjimas Familtas dos BaíloS) Pereyras5preíiellos5Rãgeis,
& NLcliOS^enla fadas todas na antiga^ elevada Arvore da afcendé"
cia de V.Senhoria^ qualidades q vencendo os majores Elogios ao mefma
i^ilkx tempo , que tornao problemático o que efcreveo S.Joao Ch rifo logo. Ma-
^^' jor eft innata gloria qnam qua^íita ; faz^em certo o que por V.
caffiod. Senhoria díjfe CaJ]íodoroi^\Jimmu\t'àtVzhzS'Ú>'ànÚ^^^^ me-
Epirt.j. ryjíti placere de propriis. Mereçapois a aceytaçao de V^Senho»
ria huma obra^quetor tantos titulos lhe he devida.como também a lar»
ga vontade com quefou obrigado a deZjCjar continue o Ceo a V. Senhoria
■vida^ Çf Succejfao taõ dilatada como feus mais afeãuozjOs criados de»
frecamos
'\\j'
DE VOSSA SENHORIA
O mais obzequiozo,& obrigado
MANOEL LOPES FEKREYRA.
PRO-
o L o GO
A o L E Y T o R.
M I G o ou inimigo Lcytor qnem^quer que fores , que para eíla
Obra te efcuzo inclinado fabcràs , que vendo o muyto cuy dado
com que todos procuravaõ as Obras do noíTo Grande Portuguez
Luís de Camões , & a falta que havia delias ; determiney (por
fazer lerviço à Pátria , & aos amigos , que com grande anciã me
pediaõ publicallè novamente as fuás Obras ) de as mandar ajuntar
todas quantas o noílb ínfigne Poeta compoz , & dalas à ellampa:
pondo-as n^ forma que veras , & os Luziadas Commentados pelo
Lecenciado Manoel Corrêa o mais fiel , & verdadeyro Commen-
' tador dellas,pois era muyto amigo,& comtemporaneo defte noiio
Príncipe da Poezia , & com quem continuamente converfava, & me certificarão, que
^r fer taõ verdadeyro fora muyto eítimado o dito Commento.
Também entre tantos Efcriptores , que o fizeraõ da Vida do noífo Poeta, feeílimou
por única naõ fó no eítillo douta , mas verdadeyra na Hiíloria a que compoz Manoel de
Faria Severim, & eíla achey ler de mais agrado para os curiòzos,como o de fazer aos mef-
mos , o goílo de que eítas Obras fe imprimiílem de folio naõ reparando no culto da Im-
prenfa, íó para que elles como me diziaõ acreditarem as fuás Livrarias pondo nellas eíle
taõ fuperior Volume, o qualleva no principio deite Livro o feu Retrato verdadeyro, fey-
to ao natural, & de corpo inteyro atè agora não viíto em Livro algum:& aííim te ofiereço
eíta Obra , não temendo , como dilTe às tuas Cenfuras fe fores inimigo , porque a tua mor-
dacidade não pôde entrar , nem fubfiítir à viíta de tantos Varões Sábios , que o aplaudem
naõ fò Naturaes , mas Eltrangeyros ; pois para eftes terem também a gloria de as logra-
rem as verterão nos feus próprios Idiomas , em que moílraõ o grande apreço , q ue fazem
tíètaesObras, &oquantoasacreditáo, & aííim ficaras com a tua malevofencia repré-
hendido, com a nota de ingrato pelo quedefprezas , &com a de ignorante pelo que
calumnias ; & fe fores amigo , jà fey que es douto , & que me hades rogar muytos bens
por te fazer patente o que hà tanto apetecias, & hà tanto dezejavas.
Vale.
LI-
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LICENÇAS
DO SANTO OFFICIO.
PO'de-fe tornar a imprimir os Lufiadas de Camões de que trata eíla petição, &:im-
prelFas tornarão ( pelo Meílre Frey Pedro Monteyro Qualificador,conferidas ) para
ie lhe dar licenCa,que corráo,& fem ella nao correràò. Lisboa 1 1 . de Mayo de 1 7 1 5.
Haffe. Monteyro. Ribeiro. Rocha, Barreto. Fr.LencaJire.
DO ORDINÁRIO.
Confirmamos a licença concedida para a impreíTaõ do Livro dequefetratta,&tor-
narà,para fe dar licença que corra iem a qual nao correra. Lisboa Occidental 30. de
Julho de 1710. 'D.J.A.L.
DO PAÇO.
^~\ Ue fe poíTa tornar a imprimir viílas as licenças do Santo Officio, & Ordinário, & de-^
Vx-pois de impreilb tornem à Menza para ie conferir , &: taxar , & Iem iíTo naõ correra.
Lisboa 21.de Agoíto de 171 j.
Cojla. Andrade. Botelho. Galvão, Noronha.
eminentíssimo senhor.
POr ordem de V.Eminencia conferi as Lufiadas de Camões comentadas pelo Lecen-
ciado Manoel Corea,& as mais Obras de Camões unidas nelle Tomo, & eítaõ con-
formes com o feu original. S.Domingos de Lisboa Occidental 19. de Agoíto de 1720.
Fr. Tedro Monteyro.
VIfto eílar conforme com o original, pode correr. Lisboa Occidental 17. de Agofto
de 1710.
Rocha. Fr.Lencaflre. Cunha. Teyxeyra,
lílo eílar conf(5rme,pòde correr. Lisboa Occidental 19.de Agofto de 1710.
T>.J,A.L.
AxaÕ efte Livro em dezoyto toftoens. Lisboa Occidental 19. de Agofto de i/x*.
Botelho, Tereyra, Galvaô, Qllveyra. Noronha, Teyxeyra.
VIDA
V
T
V I D
D O G R A N D E
LUISDECAMÕES
príncipe dos poetas de hespanha.
^^mmí^^^mmmm U L G A V A PHnio por a mayor felicidade da vida fazer pnn. uvi
^rK.^^«.*- - ^.í— -oc i^umhomcm taes Obras, que todos dezejairemfaber qual jí-cap.ii
foffc o Autor delias : ^í equldem arbitror (diz elle) nullum
1 cft felicitatis fpecimen , quam femfer omnes jcire cupere
qualisfuerit aliquis, Nafce eíle dezejo da conaiçaõ do en-
tendimento humano , o qual como feu fim feja o conheci-
mento da verdade, não fe íatisfaz, como diz o Filolofo, até
naõ alcançar a cauza verdadeyra das couzas. Daqui tiverão
leu fundamento todas as difputas , & queílóes das Scien-
cias,quercndo moítrar cada qual,que a Tua noticia eftà mais
ajudada com a razaõ natural de cada couza. Daqui nafceo efcreverem-fe fobre hu-
ma matéria tantos livros. Daqui tam^bem comporem-íe tantas hiítorias da vida de
hum mefmo Principe, ou Varão illuílre,nas quaes o que ultimamente a refere, pro-
cura apurar a verdade com mais particulares circunltancias, contando mio fomen-
te os cazos,& fucceílos das couzas,mas os concelhos, & razões com que foraõ fey-
tas. Pelo que por fatisfazer a elle tao divido dezejo , nos pareceo , deviamos tam-
bém efcrcvcr a Vida do noílo Poeta Luis de Camões Principe dos Heróicos de
Hefpanha , por quanto o que delle anda impreíTo he taõ pouco , & diminuto , que
não iatisfaz em muyta parte com o que todos pretendem faber de femclhantes Va-
rões;comohea qualidade, vida, coítumes>engenho,feyções, & outras particulari-
dades fem as quaes fica muyto imperfeyta a noticia que fe requere na hiíloria de
hu m homem infigne. De todas ellas couzas vay acrelcentada elta Relação quanto
foy poífivel à boa diligencia que fobre iíTo fe fez,aproveytando-nos principalmen-
te do que o mefmo Luis de Caoiões de fi refere em feus verlbs , onde ordinaria-
mente os Poetas deyxão efcritas fuás vidas ; porque he natural aos homens deley-
tarie de contar os trabalhos, que padecerão , depois de efcaparcm delles. E coma
Luis de Camões paliou a mayor parte da vida em peregrinações, & fucceííbs vá-
rios , não he muyto que os deyxalfe pòítos em memoria ; & porque a pobreza com
que viveo tinha efcurecido em parte a clareza de feus antepaflàdos começaremos
eíla Rclacãa de fua Vida,dando-a hum pouco mais larga de fua familia, pai*aque fo-
bre
Vtda do Grande Luts de Carmes^
■ bre eíle illuílre fundamento íique mais eílimado feu engenho.
FatnUia A família dosCamócs, hcnaturaldo Rcyno de Galiza ; feu appellido dizem ai-
reóí*" g^"S> 4^^ ^^ alcunha tomada do paíTaro CamSo, a quem os antigos chamarão Tor-
pjyrw , celebrado de muytos Autores pela admirável propriedade de morrer ven-
do commetter adultério contra o fenhor da cafa. Alciato o traz no Emblema 47,
por fimbolo da vergonha,& honeítidade,com eítes vcrfos.
TroPhyYio^omtm fiincefttt in £dibus uxor,
IDeJpondetque anmumypr^que doloreperit,
Ahiita in ar canis tmíura eji caufa,\fit inde»^ - ,.
Sincera h^ecvpkícris certa fudiciti£.
O meí mo refere Camões n'huina cartaem verfo, que anda nas fuás Rimas terceyra
parte dizendo: 1-
Exprimentoufe algum' hora^^c.
Porem o mais certo he nam fer^lle iobrenomeálcunhà, fenam appellido, tomado
do Caáello de Camóes,tam antigo no Reyno deGaHza, c] jà íe faz delle mençam na
Chronica de S. Máximo , fituando-o junto do promontório Nereo , que agora f©
chama Cabo de Finis terra. Deite território hà noticia , que tomaram nome os Pe*
tos chamados Camoefes, tam conhecidos em toda Hefpanha, & que daqui fe Jevà-
ram para as outras Províncias delia , onde hoje fe vem em grande copia , & o que
maishe:
Melhor tornados no terreno alheyo,
Principalmehteneíle Reyno,porque fam os nolfos muyto aventajados no íabor, &
fuavidade aos cie Galiza,& por iíTo muyto mais prezados. O primeyro da famiiia de
s Camões , que paíTou a Portugal foy Vafco Pires de Camões em tempo d'ií.l-Rey
Dom Fernarido,poi* ter feguido fuás partes contra El-Rey Dom Henrique de Caf-
tclla o haílarclo. Deu El-Rey Dom F ernando neíle Reyno a eíte Fidalgo em lugar
doquedeyxàra emGaliza,as Villas doSardoal,Punhete,Maráo,& Amendoa,com
o Concelho de Geftacò,^ as herdades , & terras, que foram em Eílremos, & Avis
da Infante Dona Beatriz;. & o íez Alcayde mor de Portalegre,& Alemquer,& hum
dos principaes Fidalgos de leu Confelho. Obrigado Vafco Pires delias mercês fe-
guio depois as partes das Raynhas Dona Leonor , & Dona Beatriz contra El-Rey
Domjoâm o í. de Portugal , como largamente fe contem tudo nasChronicas do
mefmo Rey.Pelo que lendo prezo na batalha de Aljubarrota perdco todos os V af-
fallos,& fortalezas,que tinha no Reyno,& fomente lhe dcyxou a benignidade Real
chromc. as tcrras , & herdades de Elh'emos , & Aviz , & outros bens particulares, que tinha
D.tôfõ^o ^^ Aléquer,& Lisboa de que feus defcendentes inítituiram depois morgados ren-
i.*p. I. c. dozos , principalmente em Aviz, & na Cidade de Évora , onde polTuem algumas
|o.&í ío herdadeSjàs quaes pelo appellido dos polTuidores deu o povo nome de Camoeyras.
J7s»!& p. Foy cazado Vafco Pires de Camões com huma filha de Gonçallo Tinreyro,a quem
».c. 39. El-Rcy Dom Fernando fez Capitam mordas Armadas de Portugal , & El-Rey
Kcgiftof t^^íTí^ joam o í.fendo ainda defenfor do Reyno lhe deu a Capitania de Lisboa. É
d'Ei.Rey depoisfeguiudo aspartcsdaRaynhaDoua Beatris fe intitulou Meítre de Chriíto.
D. Fer- }])elle matrimonio teve Vafco Pires a Gonçallo Vaz de Camões , Joaõ Vaz de Ca^
mõcs,& Conitança Pires de Camões mulher de Pêro Scverim Fidalgo Francez, de
Chronic. q\jem fç faz mcnçam na tomadadc Ccuta. Gonçallo Vaz,que foy o filho maisve-
D.fo^ó^o '^h^cazou com Conllança da Fonfeca , filha de Afonfo Vaíques da Fonfeca, Alcay-
1. p. 2. c. de ir.òr de Moreyra , & Marialva ( filho de Vaíco Fernandes Coutinho Meirinho
^jftos^^' ^^^^*' ^ fenhor de Liomil, progenitor dos Condes de Marialva)da qual teve Anto-
d^ENR-ey ^ío Vaz dc Camocs, oijual foy pay de Lopo Vaz de Camões, & de Dona Aldonça
D.Ferua. Anncs deCamocs molfier de Ruy Cafco Alcayde mòr d' Avis.
joaõl L Lopo Vaz de Cimões cafou com Ignes Dias cia Camera, filha de Diogo Afõío de
* Aguiar: da Ilha da Madeyra , & de fua primey ra mulher Izabel Gonçalves da Ca-
í^ lu mera.
Príncipe dos Poetas de fíefpanha.
mera,fÍIha de Joaõ Gonçalves da Camera primeyro Capitão do Funchal, & proge-
nitor dos Condes da Calheta , da qual teve António Vaz de Camões , Simão de
Camoes,& Duarte de Camões.
António Vaz de Camões cafou com Dona líabel de Caílro filha de Dom João
de Cai{:ro(irmao de Dom Fernando de Callro,que foy Avò do primeyro Conde de
Bailo) <& de Dona Franciíba de Brito filha de Fernaõ Brandão o V elho de Évora,
da qual teve a Lopo Vaz de Camões, & Luis Gonçalves de Camões que fez hum
morgado em Aviz chamado da Torre,que hoje pollue Simaõ de Camões filho de
Duarte de Camões , teve mais a Dona Franciíca de Caítro molher de Dom Marti--
nho de Souza.
Lopo V^az de Camões cafou cÕ Dona Maria da Fonceca filha de GafparRodri*
guês Preto jíilho de Jorge Rodrigues Preto Eítribeyro morda Fmperatris Dona
li abei , da qual teve a António Vaz de Camoes,& Dona Anna de Caílro mulher de
Diogo Lopes de Carvalho,Senhor dos Coutos de Negrellos,& A badim.
Amónio Vas de Camões calou com Dona Franchcada Silveyra, filha de Dom
Álvaro da Silveyra, filho de Dom Diogo da Silveyra, Conde de Sortelha , & (yuar*
da niòr d'El-Rey Dõ J oao o Ill.da qual teve a Lopo Vaz de Camões,&: outtos filhos
que hoje vivem.
João Vaz de Comões filho fegundo do primeyro Vafco Pires de Camões , foy Afíéns
vaílaílo d'El-Rey Dom Afofo o V.(titolo muyto principal naquclletêpo) & fervio décia At
ao meímoRey nas guerras de Africa, & Callela. Viveo na Cidade de Coimbra da^"^'^^^^
qual foy benemérito Cidadão, indo por feu Procurador às Cortes daquellestraba-
Ihoíos tempos da criação d'El-Rey Dom Afonfo , teve o cargo de Corregedor c?*-
queila Comarca : oíiicio em tam de grande jurifdiçam ; porque nao havia mais c e
leis no Reyno , & ordinariamente erao fidalgos muyto honrados , & náo proieha-
vão letras ; como amda agora fe ufa em algumas partes de Hefpanha. Tudoill:o
coníta do Epitáfio de fua íepultura , que eltà em huma Capella da Craíla da Sè de
Coimbra , que o meímo Joaõ Vaz de Camões mandou fazer,onde à parte do Evan-
gelho lèvè hum tumulo levantado de mármore, todo lavrado de figuras de meyo
reIevo,& nos cantos duas mayores com efcudos das fuás armas nas máos,& cm cima
do tumulo eíbàa figura do mclmo João Vaz armado ao modo antigo com huma
efpada na mao, & aos pes hum rafeyro deytado. Eíla Capella tem agora o arco quaíi
tapado de huma parede de tijolo, porque como faltarão os defcendentes do iníti-
tuidor,ficou devoluta,& fem aver quem a ornaíre,& tivelTe cuydado delia.
Cafou João Vaz de Camões com Ignes Gomes da Silvâ,filha baílarda de Jorge da
Silva , o qual era filho de Gonçallo Gomes da Silva, & neto de Diogo Gomes da .
Silva , irmáo de João Gomes da Silva, Alferes mor d'El-Rey Dõ João o I.& fenhor '
de muytas terras. Delia teve a Antaõ Vaz de Camões , o qual cafou com Guimar
Vaz da Gama (dos Gamas do Algarve qtrazê fua origem dos de Alentejo)& delia
houve Simão Vaz de Camões , que indo por Capitão de huma nao à índia fegundo
Pêro de Maris , fe perdeo na Colla de terra firme de Goa,& efcapando do naufrá-
gio morreo pouco depois na mefma Cidade. Foycafado Simaõ Vaz com Anna de
Macedo (dos Macedos de Santarém) & delia teve o noíTo Poeta Luis de CarRÕes.
Eítes foráo feus progenitores , pelos quaes fe moílra que naõ foy menos illuílre no
fangue, que no engenho ; & ainda que a falta dos bens da fortuna em que fe criou
(como quem perdeo o pay de taõ pouca idade,)lhe tirallè em parte os ornamentos
exteriores , com que fe faz eílimar a nobreza , naõ lhe pode nunca tirar a grandeza
de peníamentos,que de feus antepaíTados herdara. ' ^
Nafceo Luis de Camões Reynando El-Rey Dom Manoel , pelos annos de 1 5'i 7. Pâtríâ ié J/o /^
na Cidade de Lisboa , como o teílifica Manoel Corrêa feu Comentador > ^^^'ca"m/*' ^^^S
o conheceo, & foy feu famaliar amigo, & naõ em Coimbra como alguns cuydàraõ, ^"^'^^r/^V ^ojv;
pela vivenda antiga que feus Avós ali tiverão. Por eík rezào chama tantas vezes cní iia^ces
**
/
vida do Grande Lu is de Camões,
ao Tejo, pátrio, & invoca no principio dos feus Luíiadas as Ninfas do mefmo rio,
dizendo: . , c^
E vòs Tágides mMas,pOiS criado, ^c.
E no Canto 3 .eítanc.i. quando pede favor a Caliope:
^oem tu Nym^ha em effeyto meu defejo,^c.
Porém naõ foy fò Coimbra à que contendeo lobre ter por leu filho taõ excellente
cngenho;pois antigamente as iete Cidades Gregas pertenderáocora nao menores
!>lut.m invejas o nafcimento de Homero,querendo cada qual,feríua pátria. Sendo moço
. vir. Ho- foy eítudar a Coimbra, qentáo começava a tlorecer em todas as Sciècias por bene-
'"^''* íicio de El-Rcy Dom Joaõ o III. condufmdo eile excellente Principe para meíb-QS
dellas,Varoes infignes,& dos mais peritos que entáo avia em Europn,dos quaes elle
aprendeo t lingoa Latina, & Filofofia, & mais letras humanas com tanta perfeyçáo,
como moílráo íeusefcrites , &: adiante diremos. Deíiaeílada em Coimbra face
menção em alguns dos feus verfos , &: cm particular na Canção q na íegunda parte
das luas Rimas he a 2 . & começa:
VaÔ asferenas agoas,^c,
O mefmo fe ve no Soneto 1 39. da primeyra parte das Rimas que diz:
'Doces,& claras agoas ao Mondego,^c.
Déíles, & outros verfos que fazia naquelle tempo íe vè bem quam cedo começou
a exercitar a Pocfia, & com quanta perfeyçáo; & como cila arte leja ils vezes mais
cllimada nas Corres dos Principes, que nas efcolas, parece que efta o trouxe outra
He def- vez a Lisboa, onde continuou algum tempo, até quehuns amores, que(fegundo
terrado^ dizem)tomou no Paço o íizeráo deíterrar da Corte.Defta auíencia parece fe quey-
'xa naquellâ fua Elegia que começa:
O fulmonenje Ovidio defterrado^Sc.
Onde depois de defcrever o fentimento que Ovidio tinha no dcílerro , diz alfi:
'Defia arte me afigura afhantafia^c,
Emaisabayxo:
Ali me reprejenta efta lemhrança,^c.
E porque naõ cuydemos que falia de alguma das fuás peregiinações fora do Reyno
diz logo abayxo as couías que via do lugar onde eílava degradado:
^ Vejo ê piro juave,^ br andoTejo^^c.
Affifte Neíle comenos devia de paíTar a Ceuta, onde eíleve algum tempo , como fe vè da
cmAíri- fua Elegia,que começa:
"' Aquella que de Amof defcomedido, t^c.
Onde abayxo dis:
Ando gaftando a vida trabalho fa^c,
Elogo:
E com ifto afiguro na lembrançafêc.
Aqui parece teve fua primeyra milicia , E que n'algum recontro com os Mouros,
foy ferid ode hum pelouro no olho direy to, com que o perdeo, como elie toca na
Cançam que começa:
Vtnde qua meu tam certo fecretario.
Onde depois de cantar os fentimentos de fua afeyção,diz aííi: ^
'D efta arte a vida neutrafuy trocando^ ^r.
Que lhe aconteceíTe iíto em Africa, & naõ na índia, fe moílra pela. carta primeyra
que efcreveo da índia a hum amigo. Ao qual, dando novas de hum Manoel Sartão;
^ diz QuQ ftcut, ^ nos,manqueja de hum olho, como couza jà antiga, & notória nelle
^".'^ ' em Portugal. Eíla ferida lhe afiou notavelmente o roíto, por onde era chamado das
Damas, Diabo, & Cara fem olhos , a que elle refpondeo muy tas vezes cortefam,&
.v^' , * grsciofamente como le vè de feus verfos. Porém ainda que a falta da vifta lhe tirou
■:■ . ^ gentileza exterior com asDamas,não a perdeo no concey to dos que o vião aíTma-
lada
ri. '■;.*'•- A
Príncipe dos Poetas de He fpanh a.
lado no roílo à::. mão dos iníieis;porque femelhantes íinaes de Marte fazem as faceç •'
mais fermoías , que os de Vénus. E alíi le na Poelia o podemos comparar a Home-
ro ^que tambeni, fegundo alguns, careceo da viltajnas armas naó ira menos ufano,
que Feiipe, Aniiocíio, Annibal, & Sertório, que de perderem iiuma vilh na guerra
ic nao gloriarão pouco. Tornado ao Reyno, ou por caula dos amores da CoVte,óu
porverqueasíioresde fua poefialhe nao davão fruyto(como coílumáo)ou por
os reipcytos que na primeyra carta que anda nas fuás Rimas aponta, determinou de
fe pa\lar à índia, por íer eíta (fegundo elle diz) fepultura de todo o pobre honrado,
& fem duvida que elle levava peníamento de a efcolher por fua , porque alem de fe
embarcar dizendo aquellas palavras de 'òi^izõ: Ingrata pátria^ non pojjldebis ojja
mea , como refere na fua Carta , náo fe veyo da Índia acabados os annos da milicia
ordinária mas depois de 1 6.de aililtencia como veremos adiate. Náo achey em léus
verlos,nem em memoria alguma o anno em que fe embarcou ; fomente efcreve que
tàto que chegou a Goa fahio o Viío-Rey cõ huma grande Armada íobre El-Rey da
Pimenta. Foyeílaemprefa fegundo refere as hiílorias da índia no fim do anno de
1553. Pelo que coníla que partio de Lisboa no Março de 1 55 3 . com Fernando Al- ch-toní "
vres Cabral, que indo por Capitão mór de quatro nãos, fò elle chegou á índia nos d' Ei-Rcy
primeyros de Setembro do mefmo anno. Era entaõ Vifo-Rey,daquelle Eílado Dõ ^^^'"^ ^
Afonío de Noronha , com oquallogonoNovembrofeguinteLuisdeCamoesfe^o,!^'*^'
embarcou em hí;»a groíTa Armada,em que o Vifo-Rey foy ao Malavar,para favore-
cer El-Rey deCochim,&o de Porcà,& outros amigos do Eílaco,a que Il-Rey ca
Pimenta(que por outro nome Chnmao de Chembè)tinha apertado , àton-aco
algumas ílhas.Tanto que o Vifo-Rey furgio no porto mandou fair a gente nas Ilhas*
& com morte de muytos Malavares forao deítruidas , & quey miadas pelos noííos
o que obrigou a pedir pazes ao Rey da Pimenta , como largamenteie conta na
Chronica u'EI-ReyDomJoáooIII. & na Sexta Década de DiogodeCouto. Eíiachronic;
primeyra jornada defcreve Luís de Camões breve , & elegantemente na Elegia da d' F.i.Rcy
fua viagem,que começa: iy]^zó o
O Toeta Simonidisfallandoy^c, ubi lup^
Onde depois de contar como partira de Lisboa , & paíl^ra o cabo de Boa Efperan- ^outo
ça,dizaíri: ^^'\ò^i
^(fta arte me chegou minha ventura^c. 1 «.& 17»
F Provaíe também paliar nefte anno à Índia, porque no mefmo tempo fuccedeo em
Ceuta a perda de DomPedro de Menefes,a quem El-Rey Dom João o lll.mandàra
por Capitão daquella Cidadenoannodei549. emlugardeDom AfonfodeNoro- chronic;
nha quando foy para Vifo-Rey da Indit,& entre outros fidalgos,aquem os Mouros d^ ti h ey
matarão naquclle recontro , foy Dom António de Noronha fobrinho do mefmo J^jj'^^'' ^
Capitão,filho do Conde de Linhares DomFrancifco deNoronha,o qual tinha fido c,6Í. "**
particular amigo de Luis de Camões no Reyno. Chegarão eílas novas à índia, jun-
tamente com as do falecimento do Príncipe Dom Joaõ que foy em Janeyro de
155-4. no Setembro do mefmo anno , & dèraõ ocafráo a Luis de Camões compor a
Egioga de Umbrano, & Frõdelio que anda nas fuás Rimas, como elle mefmo diz na
fua primeyra carta que efcreveo da índia no Janeyro de 155- 5*. em que lamenta eílas
duas mortes. Ncíte mefmo anno de i5'5'5'.mandou o Vifo-Rey Dom Pedro Mafca-
renhasfquejàfuccederaaDom Afonío de Noronha)huma Armada ao Eítreyto de ^^^jo
Meca , de que deu aCapitania mor a Manoel de Vafconcelos,o qual partio de Goa pecad.rJ
em Fever€yro,& levou ordem doVilb-Rey que fe folfe por nas portas do Fllreyte, i»^-^ -«-í!
junto do Monte Félix , a elperar as nãos dos Mouros. Eílevc neíle porto Manoel
de Vafconcellos ate fe lhe gaitar a monção, & depois fe foy invernar a Ormus. don-
de dando guarda ã frota, tornou a entrar em Goa nos primeyros de Outubro. Neíla
Armada , parece foy Luis de Camões, & que na eítancia do monte Félix compôs
aquellafuaCanfao em que defcreve particularmente aquelle monte , d' paragem,
como
' ' Vida do Grande Luís de Camões^
como fe delia vè,que diz alli:
Junto de hirnifeco^erofê efterilmonte^^c.
Chegado a Goa, diz Pêro de Maris que o mandou o Vifo-Rey por Provedor mòr
dos defuntos da China,o que parec€ naõ pôde fer ; porque o Viío-Rey Dom Pedro
Mafcarenhas,íârieceo emGoa,aos dezaleis de Junho delle anno de i55'5-.& a Arma-
da do monte Félix tornou âquella Cidade no Outubro íeguinte do mefmo anno
em que jà governava havia quaíi quatro mezesFranciícoBarreto;pelo que mais
certo parece o que outros afiirmão, & he que chegando Luis de Camões a Goa fei
■aquella Sátira , que anda na terceyra parte das luas Rimas , contra alguns
moradores daquclla Cidade, com titulo , de feitas que fe fizeráo à luccellào do
Governador , do que íencindofe Franciíco Barreto , ou por zello da juíl;iça,ou por
'^' annofe-
4ào.
ecem
flizer
pelo Governador , & de hum terribél naufrágio que padeceo na colla de Camboja,
junto do rio Mecom,comG diz na eílanc.128. do Cant.io,
Ejie recebe) à plácido,^ brando^ ^c.
E no Canto 7.eflanc.8 1 .onde pede favor às Nymfas do Tejo para cantar os Varões
Illuílres que finge levava Dom Vaíco da Gama pintados nos toldos , (& bandeyras,
& moítrava ao Catual,feu irmaõ Paulo da Gama. Entre outras queyxas que da do$
poucos prémios que recebia de feus verfos diz affi:
E ainda Njmphas minhas naÒ bajiava, &c.
Ena Canção i f.da fegunda parte das Rimas:
Em fim não ouve tranfe de Fortuna.
De maneyra que eíla jornada nam foy por deínacho fe naõ por pena , & àegvQàoi
pois dis que a fez quando foy contra elle oínjuilo mando executado. Neíle temp^
em que andou pelas partes do Sul eíleve nas Ilhas de Moluco , & particularmente
na de Ternate,de quem,& do I eu Vulcão queeítà no fimo do monte faz particular
mençam na íua Cançaõ i4.que diz:
Comforça defufadàyièc. "
AíTifte À aíliílcncia de Macáo parece que foy a ultima do tempo que andou no Sul , pois
vindo de la padeceo o naufrágio , que foy o dcfradeyro traoalho antes de chegar a
Goa. Em Macào teve o oíiicio de Provedormòr dos defuntos , & com a comodi-
dade do lugar devia de compor aqui alguma boa parte dos feus Lufiadas, pois de là
os trouxe configo. Acabado o feu tempo fe embarcou para Goa com efperanças
de lograr algum deícanço nella;porque vinha rico do que houvera do cargo,& dos
amigos; porém fuccedeolhe ao cõtrario, como acontece às mais das efperanças da
mundo. Porque navegando pela Colla de Camboja fe perdeo na paragem da Foz
do Mecon, Rio quenafcendo na China, corre por muyta diltancia de terras, & di-
vidindo pelo meyo a Camboja , crefcido com as grandes correntes de outros rios
que recebe , vem fair ao mar em hum lago de mais de fellenta legoas de Comprido.'
Aqui deu a fua nao em huns bayxos onde fc fez em pedaços padecendo todos hum
mlferavel naufrágio: Luis de Camões fe falvou em huma taboa, & em taõ apertado,
& manifeíto perigo fò teve lembrança dos Cantos dos feus Lufiadas para os levar
configo , eíquecèndo-fe de tudo o mais que trafia , no que naõ merece menor lou--
vor,que o que fe dà a Cefar,quando efcapou no porto de Alexandria nadando com
huma maõ , & levando os í eus Comentários na outra. Deite naufrágio fe queyxa
Luis de Camões muytas vezes,& em particular no Canto 7. eiUnc. 80. referindo-o
entre outros trabalhos feus:
Agora com pobreza aborrecida^c.
Ena Cançaõ ij.das Rimas:
t A piedade humana mefaltava^c^
Na
Frtncife dos To et as de He/panha.
No porto dcílc Rio eíleve Luis de Camões algum tempo repãran-^o-íeítapérdà
do naufrágio , & com eíia occaliam , dizem que compoz aqui aqueiia íua traduçam
do Píalmo: Su^erflumina Bahylonis^c^wt começa:
S óbolos ri$s que vaõ^^c^
Na qual acomodando a li aquelies trabalhos , &fentimeritodequetratao Píalmo,
moítra bem o que padeceo,Òi: como recorreo logo a Deos por remédio de feu mal,
conformando-ie Chiillãmente neíle, & nos outros infortúnios da vida, com o que
delle deípunha a Divina Providencia , como fe vè da íua Cançam jà referida on-
de diz:
Jade mal que me venha na õ me arredo^Xêc.
Reformado deíle naufrágio íe veyo a Malaca , & dahi a Goa, onde chegouGover-
nando o V iío-Rey Dom Conílantino , & nam Francifco Barreto , como diz Pêro
deMariz. O que alem de conllar pelo íeu Comentador Manoel Corrêa , fe prova
também pela rezao dos tempos. Porque vindo Luis de Camões da Armada do
monte Félix em Outubro de 15- 5- 5'. não podia partir para o Sul íe naõ jà no annode
I f 56. em que o Governador Francifco Barreto defpachou os Capitães das viages
para aquelias partes,como temos dito. E acabando o governo de Francifco Barre- p^ ..
to a 3. de Setembro de iffS. em que chegou o Vifo-Rey Dom Conílantino a Goa, dSt:
nao podia fer , que em efpaço de dous annos íòmente foíTe a Malaca , eíliveíle em i'v-í.c.8*
Maluco, & voltailè à China, & exercitaíTe là o cargo de Provedor mor, & tornaíTe de^^r.
a Goa. Por onde o cerro parece, que veyo a Goa depois que o Vifo-Rey Dom Cam. 7*.
Conílantino entrou no governo daquelle Filado. Ajudam também a eílas conje- ^^^^i '
duras as oytavas que fez ao mefmo Vifo-Rey eílando jà em Goa, que começam: 1©. cftáe!
Como nos vojfos hombros tam confiantes y&c. i * 8.
Nasquaes Oytavas fe trata jà da tomada de Damaõ , & jornada de Jafanapatam, fey-
tas pelo Vifo-Rey. Pelo que fegundo illo chegou Luis de Camões a Goa depois
do anno de 15-60. em que o Vifo-Rey Dom Conílantino tinha jà acabadas ellas em*
prezas. Pouco mais durou o governo ao Vifo-Rey , em cujo tempo nam parece,
que Luis de Camões teve prizam alguma , pelo omcio que admiuiiLrou na China,
antes moilra nas Oytavas referidas , eílar favorecido delle , & parece que devia fer
feu antigo Mecenas , como também o tinha fido antes no Reyno o Duque Dora
Theodotio feu irmáo. A'lem diílo coníla que neíle tempo foy o feu graciozo ban-
quete,parao qual convidou a Dom Franciíco de Almeyda,Dom Vaíco de Ataide,
Éytor da Silveyra, Joaõ Lopes Leytão,íS(: Francifco de Mello,&: depois de os rece-
ber em huma caía bem adereçada , & os fentar à meza , que tinha muy to compoíla^
deícobrindo-fe os pratos achàraõ nelles veríos efcritos,em lugar de iguarias, como
fe vè na terceyra parte das fuás Rimas ; com o que o banquete íicou aliaz feílejado,
&: celebrado entaò ^ & depois em toda a parte. Todos eíles Fidalgos andavam em
Goa no ultimo anno do Vifo-Rey Dom Conílãtino , & na fctima Década de Diogo
do Couto, íe faz entaõ menção delles. Deíle tempo faõ também as Oytavas que fez
do deíconcerto do mundo a Dom António de Noronha,q depois governou aquel-
le Filado , & outros muytos veríos a vários fidalgos , que eílaõ nas fuás Rimas ; dos
quaes íe vè bem quaõ eftimado andava o noíTo Poeta de toda a fidalguia da índia, &
naõcom novas moleilias. Aqui gaílou liberalmente o que trouxe do Sul, & lhe dè-
raõ feus amigos, & foy niílo tam largo que em breve teinpo torno^â pobreza com
que começara; o que lhe aconteceo por vezes , com alguma nota dos que por iífo o
tinham em conta de mal coníiderado, nam atentando que os generozos efpiritos
padeceram muytas vezes eíla falta , porque nam lhe fofre a grandeza do animo apli-
carfe às couzas inferiores, & de intereíTe ; aíli lemos de Homero, Sócrates, Crates, Autores
Marcial,Valerio Fíaco, & outros fublimes engenhos, que nunca curaram de fer ri- cmfuM
cos,mas de enriquecer a todos com luas obras. '^'^^^'
Em Setembro de ifóx, teve fuccelibrno cargo o Vifo-Rey Dom Conílantino.
£4
Vida do Grande Ltás de Camões}
•E diz Diogo do Couto , que atè íeu tempo durou naquelle Eíladò a primitiva In-
- diíi,em que os homens pretendiam fomente ler valerozos,& honrados,& deíprcza^
vam o intereíie ; & que dalÍi;:>or diante começou a ler idolatrada a avareza, aoqual
vicio chama a Sabedoria Divina,Raiz de todos os males, & como eíle íe foy apode-
rando daquelle Eltado , tem introduzido nelle tantos , que parece jà agora irremi-
diavel fua cura,{e Deos milagrozamente lhe nam acode.
Começou logo Luis de Camões a fentir elta declinaçam , porque nam lhe valeo
ó favor que o Conde do Redondo novo Viib-Rey lhe fez (como fe vè dos veríos,
que lhe compôs) para deyxar de ter em feu tempo prezo: & fegundo parece pelas
culpas de que foy acúfado na adminiílraçam do officio da China. E nam bailou li«
Vrarle deíla acuíaçam para íair do cárcere, onde elteve algum tempo, porque Mi-
guel Rodrigues Coutinho fios fecos , peiroa nobre , & rica o embargou na prizaò
por certo dinheyro que lhe tinha empreitado. De maneyra , que lhe foy neceirario
a Luis de Camões foccorrerle de novo ao Conde Viib-Rey , como fe vè daquellas
Redondilhas que andaõ na terceyra parte das Rimas,& começa'o;
?'i ^46 ^Diabo hà tão aanado^^c.
■Livre deita prizam continuou depois alguns annos em Goainvernando em terra,
& embarcando-fe os verões nas Armadas onde compoz as mais de luas Odes , &
Canções como fe delias vè , que todas falaõ com Neptuno com as Nereidas , & ou-
tras Nymphas , a quem a Gentilidade venerava por Deidades marítimas. Nos fuc- 1
ceílòs de guerra em que eílas Armadas fe achàrno,iè moílrou íem.pre valerozo Sol-
dado 5 como quem nam fabia voltar as coílas aos inimigos. Nem lhe empataram as
letras a lança antes Iheaccrefcentàram o valor,p0rq por iiio tingiam os Antigos, q a
mefma Palas era Deofa das Sciencias , & das A rmas; & Luis de Camões íervio nef- i
tas occafioes de maneyra que íempre fe louvou dillb , como fe vè no Cí\nto lo. '
eílanc.penult.falando com fcl-Rey Dom Sebaítiaõ onde diz:
^ ara fervirvos braço às armãs feytt^^c.
E no Canto 7.eítanc.79. 1
jlgorao MaY-,agoraexPerimentando^^c. ]
He eíla abonaçam que Luis de Camões dà de feu esforço de grande credito , pelas
muytasteítemunhas vivas que tinha naquelle tempo , &osPortuguefeslãotaõri-
guroibs cenfores da verdade, que não coníenícm,a feus vifinhos gabarfedoque
não tem,mas ainda àsvefeslhe confeílaõ diffilcultofamente o que na verdade pof-
fuem.Tinhajà neile tempo compoitoofeu Poema Heróico dos Luliadas,& como
«lie conhecia o grande preço deila obra , determinou de fe embarcar para o Reyno
Q oferecela a El-Rey Dom Sebaíliam( ainda que entílo por fer de pouca idade naõ
.governava.) Porém Pêro Barreto o tirou deite peníamento , por o levar configo a
Moçambique,onde hia entrar por Capitam de Sofalla. Foyíe com elle Luis de Ca-
mões movido de luas promeílas , mas em breve tempo fe vio defenganado delias.
Pelo que chegando àquella Ilha a nao Santa F^è^que vinha para o Reyno fe quiz nel-
la embarcar. Acodio alho impedir Pêro Barreto , & ou movido do defejo de o ter
conligo , ou por qualquer outros refpeytos lhe pedio duzentos cruzados que gaita-
ra com elle na matalotagem de Goa atè Moçambique. Vinham naquella nao muy-
tos fidalgos amigos de Luis de Camões, em que entravam Eytor da Silveyra, Antó-
nio Cabra'5Luisda Veyga, Duarte de Abreu, & António Sarraõ, aos quaes deu no-
ticia do quepaifava, & elles fintando-fe entre fi,pagdraõ eíta quãtia, & o trouxerao
-à fua conta atè o Reyno. Vinha também neita nao Diogo do Couto, que depois foy
Chroniita , & primeyro Guarda mòr do Tombo do Ellado da índia , o qual diz em
huma carta,que no anno de mil & feifcentos & onze efcreveo a hum amigo feu def-
te Reyno , que por o fer grande de Luis de Camões lhe comunicou elle a obra dos
feus Lufiadas, & que lhe pedio os quifeílè comeatar,o que Diogo do Couto fez de-
pois em parte,como em fua vida fe vera.
^i Chegou
Príncipe dos Poetas de Hefpanha,
Chegou Lnis de Camões a Lisboa na mayor força da peite, que chamao grande
correndo o anno de mil & quinhentos felTenta & nove , & alíi líie foy necceííario
eíperar que acabaífe aquelle mal para poder por fuás coufas em ordem,& imprimir
o í eu Poema; em que le palíàram,quaíi dous annos, porque no de mil & quinhentos
fetenta & dous íahio a lus com eíia admirável obra;6^porque de íua mihcia,& pere-
grinações eilà batbntemente dito, falaremos agora da excellcnciadeíeu engenho,
te doutrina,que nos vários doutos he o que principalmente fc confidera.
Para poder explicar asperfeyções deíle Poema faõneceíFarios mais livros que ^^[acroK
os que gaitou Macrobio em apontar as das Eneadas. Porque elle género de poema, àiiv.5. '
alii como tem oprincipal lugar na poefia , aíTi he tão dilHcultolo na compofiçáo , fe ^J'"'"*.
fe iiouverem de guardar perfeytaméte todos os preceytos da arte,que defde o prin- "omm
cipio do mundo atè o tempo do noiío Poeta mio houve mais que quatro aquem'^xtum;
íe pudeile dar elle louvor. Eiles forão Homero entre os Gregos, Virgílio nos Lati- scaiiVc.
nos, 1 orquato Taíib entre os italianos , & o noUb Poeta em Helpanha.Com tudo rus v^i
entre eítes , merece Luis de Camões particular louvor,porque ainda que naô exce- ^«s.iib.
deo em tudo a todos,ao menos fe aventejou a cada hum em alguma paite,como logo ^'^'*^*
veremos.
O Poema heroyco,a que os Gregos chamao Épico, tem cinco partes eíTenciaesCa y>^^^^
q parece fe redufem todas as mais jque faòiferlmitaçáo de huma acção heroyca,ho- do Poe-'
neila,util,& deleytofa. O ler huma ib acçáo he coufa taõ importante,que no poema ^^. *^«*
Épico fe tem por lua fuitancia,como fe vè de toda a Arte poética de Ariitoteles, &: ^^'^^'
fundafe elle preceyto na razão natural da imitação, & pintura , que moílra não fe Ariftotc;
poderem imitar duas acções juntamente,& eita he a diferença que ha entre o Poeta j"ç^
Heroico,& Hiiloriador,porque o Hiiloriador efcreve a narração das coufas como
acontecerão fucceííi vãmente , mas o Poeta efcolhe huma fò acção de hum Heroc,
& eíIa refere,não pontualmente como foy, mas como convinha fer,ornando a nar-
ração com vários Epifodios, que fão digreífões de fabulas,acontecimentos,& enre-
dos , comquecomfuavidadeprefuadaaosqucolerem, & ouvirem: 0/í>r^^f/^/-
tur,á\z Atiítoteles, quem admodum in alijs imitatrtcibus^ una imitatio tmiusejfjic^
Xê fabulítm^ quia atíionis Imitatio eftyUniufque ejfe^ ^ hujus totius, E noutra parte:
Fabula quiUem eft una , non quemadmodum nonnulli arbitrantur^fi circa unum fue-
rlt ; multa enim , ^ infinita genere contingunt , ex quibns nonnullis nihilejl unumi
Jic aiitemfê afliones unius multa funt^ex quibus una multafit a^io: quare omnes vt"
denturpeccare quicumque poetar um Herac lidem , t^ Thefiidem^ ^ httjtifiemodi poe*
matafecerunt , -putant enim , quia uniis erat Hercules , unam , ^fabulam ejfeopor-'
tere. Homerus aiitem quem-idmodum , ^ c ater is rebus antecellit^ & hoc videtur pui-
cher Vidí(fe , (ive propter artern^ Jivepropter naturam , Ody/eam enimfaciens non
complexus efl carmine iUo omnia quacumque illi contigere^ í^c. Ver um circa unam
aãíonem^qualem dicir/ius Odyjfeam manJityeodempaãofêilliadem.O meímo refolve
Horácio na íua Poética dizendo:
"Deniqiiejit quoàvisjiwflex duntaxat^ unum.
Por faltarem neílc eíTencial fnndamento de huma fò acção Ovidio, Silo Itálico , &
Lucano,fenam tem por Poetas heroic0S;& entre os Modernos cahio também nef- Erro de
te defeyto Ludovico Arioilo, que no feu Orlando feguio, &: propoz taõ mukipli- 5í""q°?.
cadas acções; coufa tanto contra os preceytos da Arte, o que verdadeyramentehe dio , &
muyto de fentir em tão florido,&ornado Poema,como o de Arioíto,hum dos mais Ariofto
cngcnhofos , & abundantes entendimentos que atè feu tempo houve , porque por pfíc^^çalli
errar ella acção , naõ tomou a palma a muytos dos antigos, & modernos , & fe pro- das ac-;
pufera , l\: feguira perfeytamente o furor de Orlando , que elle fez acçáo fecunda- ^°^^*'
ria,ainda tivera defculpa, mas propondo tantas acções,como faõ:
Ledone,icaualierJ'arme^gli amori,
Le cortefayl^audaci impre/e io canto^c^
***
Errou
vida dó Grande Luís de CàniÕef,
Errou muyto, aíTi cm as multiplicar,como em as propor primeyras. E fe o que diffe
_ por acçào fecundaria de Orlando.
*Díròde Orlando en un medejhio tratto
Coja no detta m^rofa^mai ne in rima^
Cheper Amor vene infurore^ matto
,^ Huêmo chefifaggio er aftimato p'hna^ ^c.
* Ò propufera por primeyra, pudera defenderfe , & foráo então menos , & mais cur^
tos os epiíbdios, que por razào,das acções multiplicadas accumulou,com que o po-
ema ficara mais proporcionado, & fermofo: ainda qne fempre lhe faltara o princi-
pal, que he a qualidade da acção, pois por fer Fúria nafcida de caufa tam indigna,
como os amores de Angelica,náo,deve fer imitada. Tanto perdem ainda os grandes
engenhos faltos de Arte ^vendo , como diíFe Horácio de fogeytar a fertilidade
IcTnc do engenho aos preceytos delia,
poética. y^EgonecftudiumJínedtvitevena^
^, i^>^ l^ec rude quidprofit vide o ingenium : alter tus
Alter a^ofctt ofem res^^S coniurat amicê^^c,
Eíle preceyto de íeguir huma fò acçam guardou excellcntemente o noíTo Poeta
állux' propondo o deícobrimento da India,o qual fez Dom Vafco da Gama com ícus fol-
fiaJas. dados, como fe vè do difcurfo do poema, que começa navegando Vafco da Gama
junto a Moçambique : & acaba , quando o Capitam entrou em Lisboa. Porem na
propofiçam , & titulo (como eíla obra era de outros fegundos Argonautas) fcguio
a Appollonio Rhodio a quem fe dà o primeyro lugar entre os Gregos depois de
Homero, o.qual intitulou o feu poema, dos Argonautas, & na propofiçam nam no-
meou a Jafao Capitam da jornada,fe nam a todos os que commetteram aquella em-
preza,& aíii começa:
Apoiíon. A teprinciftum ò Thabc^prifiorum laudes virorum
"^^oàXx^» Memorabo^quí Tontipr os^^S Cetras
^^yj"^^*^" Cjaneas regis mandato Tell^y
Au) etim advelluspYokè mftruBam trãnftris inpuleriint Argo^
Depois defta primeyra acçam tocou também Luisde Camões alguns dos princi-
pães epifodios do Poema,o que por fer depois da principal acçam propoíta , nam
:he defeyto , fegundo fe vè em Homero, & Virgilio, que também propuleram eiías
acções fecundarias CO mo julgará, facilmente quem os bem confiderar.
Acçam A fegunda condiçam do Poema heróico , he fer acçam honella , & digna de fe
honeib. í^T^i^^i'? po^" quauto O fim da poefia, & principalmente heróica, he enfmar, incitar,
' & mover deleytando. Neíla parte excedeo muyto Luis de Camões a Eílacio na
Erro de fua Thcbaida , & a Claudiano no feu Rapto de Proferpina , porque ainda que eíles
Eftac.ôc Poetas acertaram mais que os outros em efcolher huma fò acçam com tudo falta-
no^na^' ram ua qualidade delia ; porque as fuás acções namfam verdadeyramente dignas,
quaiida- de íe imitar,que he o fim,& intento de toda a poefiajpois o Argumento de Eílacio
Acçam. ^*^y ^ ^^^^ ^^^ ^*^"^ irmãos Etheocles , & Polynices , acçam indigna de fer fabida,
quanto mais imitada;& a de Claudiano he o roubo de Proferpina,tanto mais abor-
re , recivel,quanto mayor foy o roubador delle. O argumento do poema heróico ha de
fer honeíto para fe imitar , & admirável para mover , & deleytar , no que Homero
he digno de louvor em quanto conta os trabalhos que Olyfies padeceo atè tornar à
fua p?:tria, mas não na conclufam do Poema , com as mortes que deu privadamente
aos pretenfores de Penélope defarmados. A eíla matéria fe avantaja pouco a chega-
da de Eneas a Itália , & guerras fobre o Cervo , que andando à caíTa ferio Afcanio,
acções em que hà pouco do grande , & admirável. E aíli fica muy fuperior a todas
ellas o argumento do noíTo Poeta, que trata do defcobrimento da índia , em que
Vafco da Gama rodeou a mayor parte da terra, vencendo com fingular valor as for-
ças dos elementos , as treyções , &: armas dos inimigos , fomes, fedes , ellranhefa de
climas.
pYtnclfe 4os ^Poetas àe Hejpanha,
climas, injurias dos tempos , & moítrou ao mundo o verdadeyro conhecimento de
íi meímo , em que defde íeu principio até entam eilivera ignorante acl:iando novas
eílrellas,& novos mares, communicando o Oriente com o Occidente,de que le íe^
guio dar aos povos de Europa a noticia de tantas drogas, fruytos , & pedras em que
a natureza í'e moílrou maraviihoza, & benigna para com os mortaes, & aos mora-
dores de Aíia o conhecimento das Artes, policia,Sciencias de Europa^ & fobre tu-
do do verdadeyroDeos,de que osmaisdelles eltavam totalmente ignorantes. Por
onde na qualidade da acçam heróica fica onoíToPoemaruperior a todos os Anti-
gos,& modernos.
Nem oblta contra iílo , dizerem alguns , que profanou o Poeta eíla honcílidade,
& grandeza da acçam com nam guardar àReligiam o decoro devido , invocando
JMuías , & tingindo Concilios de Deofes, indecentes a Poeta Catholico, 6í que co-
mo tal devia antes invocar os Santos,& ufar nas ficções de milagres, & aparecimen*
tos de Anjos,como alguns modernos fizeram. Porque a iílo íe refponde; que noto*
rio he , nam ler a poelia outra coufa fe nam huma imitaçam , ou fabula , a qual traz
fempre contigo, como parte eílèncial a invocaçam das Mufas do Parnafo , iegundo
a divilam dos poemas, em que a Caliope coube o Heróico , & por illò he invocada
nos poemas épicos , & eíla fabula pertence tòmente à poefia , & íò pelos Poetas foy
inventada. De maneyra,que atè os Antigos que adoravam aos outros Deofes Gen*
tilicos por verdadeyros , tinham as Muías por fingidas , porque bem fabiam , que
nunca no Parnafo houvera taes Deoías, nem por elías eram tidas, nem adoradas das
Republicas; fendo pois itlo aí]i,claro fica , que nam ufou Luis de Camões de terrr.o
algum fuperíliciofo pedindo ajuda a divindades gentilicas (pois eílas foram fempre
conhecidas de todos por fabulofas ) mas que guardou o eílillo do Poema heróico
fegundo os Latinos,que he invocar as Mufas depois de propor a acçam, & aífi con*
tinuou a poefia com os termos até entam coílumados de poetas Catholicos , & gra-
viljimos, como foram Senafaro no poema de ^PartuVirgmis o Bil^po Hieronimo
Vide em quafi todas as poefias mayores , Bautiíla Mantuano Religiofo Carmelita
nas fuás vidas dos Santos, Juviano Pontano, Angelo Policiano, Miguel Marulo, &
outros que feria largo referir. Porém em nam introdufir Luis de Camões Anjos,
& Santos nas fabulas que fingio , mais parece digno de louvor que de reprehenfam,
porque he indecencia grandilfimaufar dos nomes dos Santos para fabulas profa-
nas , com a mefma facilidade com que os Gentios o faziam , & aíTi he muyto de ca-
lumniar,que nos poemas deTorcato, & Arioílo andem os Anjos,& Santos fallando
com os Cavalleyros andantes,trafendolhes recado do Ceo, & que Sam Joam Evan«
gelitla leve a Aítolfo fobre o globo da Lua,a moílrarlhe o íifo de Roldam, que eíla-
va metido em huma redoma de vidro. Não fe ham os Santos de tomar na boca, nem
na hiíloria para matéria de entretenimento,mas ha de fe efcrever delles com toda a
reverencia,& decência devida,que nam fe compadece miílurar as coufas Sagradas,
com as profanas. A'lera de fer inconveniente grande em hum livro que trata de ar-
gumento verdadeyro , & em que fe haõ de referir verdadeyros milagres , eícreve-
remfe milagres fabulofos,fem fe diferencearem huns dos outros,com que os leyto-
res ignorantes,pòdem cair em erro de nam conhecerem quaes devem de fer cridos.
Por tanto querendo o Poeta evitar tam grandes inconvenientes , ufou dos nomes
dos Deofes gentílicos por matéria commua , & notória de fingimentos poéticos,
com que ninguém le podia enganar,mas nas couzas verdadeyras,guardando intey-
ramente o decoro à Religiam, introduzio fempre a Vafco da Gama, fallando com
toda a piedade Catholica ; de maneyra que os milagres verdadeyros , & coufas tan-
tas , as traia com a decência, & gravidade divida , & as ficções ficam conhecidas de
todos yendofe que fam fabulas notórias. Eíte mefmo eítilo guardaram os mais dos
Poetas acima nomeados, a quem podemos acrefcentar Claudiano,que fegundo a
melhor opinião, & mais univerfal foy Catholico , &: ufou delias inyocações, &
***ij ' con*
P^da do Grande Lílts ãe Camões j
eònciliosdeDeofes com mayor liberdade do que vemos nos Lufiadas. Quanto
mais que Luís de Camões naó fez eílas ficções dos Deoies a ca{0:, íenam com múy ta
confideraçáo , introduíindo debayxo deltas fabullashuma exceli ente Alegoria,
(a que os Poetas chamáo a alma da fabula)& aiíi entendeo debayxo do nome de Jú-
piter, & Deoies , a Divina Providencia, 6c os efpiritos Angélicos , porque governa
o mundo,dos quaes os bons nos ajudam,& os mãos nos empecem. E hc ta ai antigo
eíle penfamento,que atè alguns dos primeyros \ iloíofosjque eíhs deydades inven-
ttirao,naõ quizeráo entender outra couza nellas , comoie vè largamente de banto
Agoííinho na fua Cidade de Deos, & ainda da Canónica de S.Pedro que por razão
yuft.in do tal intento ( íegundo S.Hieronimo alegado neíte lugar por o Padre Juitiniano)
Ewft '] chama a eílas fabricas doutas ; porem como eíles Filolofos pela falta do lume da
Pecr.' ' Fè cairão em muytos erros, & deráo com eílas fabulas caufa à íííiolatria, íorao con-
vcrf.i j. denadas do Apoitolo no dito lugar dizendo : Noh doclas fabulas fecutt notam feci^
"'■^ ' mus vobis "Domini nofiri Jefu Cíorifti virtutem^ ^^refentiam '^cm-às hoje que ncio
hà eíle perigo, com os exemplos, & razões jàalegadas tem lugar a Alegoria que o
Poeta nellas entédeo como imitando Virgílio no rim do íexto da iLneida, explicou
neílasOytavas em que introduz a Tetis declarado a;Efphera aDom Vafco da Gama,
onde Mando do Ceo Impirio,dizaíIi:
AqutfòveYdade)rosgloYÍofosfêc.
Por tanto aíTi pelas razões , como pelos exemplos íica Luis de Camões neíla parte
livredetoda acalumnia.
>■ Com tudo outra nos reíla ainda neílc ponto a que refponder , & he dizerfe tam-
\ bemquefoyonoíío Poeta pouco honeílo nos Cpiíodios detam honeílo poema,
G que tem fácil repoíla, porque como o argumento dos Lufiadas era tão grave foy
neceirario varialo com alguns epifodios alegres para entreter os leytores , ¶
iílofingioadeleytofallha de Santa Elena , & os efpoforios que nelk celebrarão
Vafco da Gama, &feus, foldados com as Ninfas do Oceano, imitando os Poetas
antigos, & modernos, que todos naeteráo nos feus poemas eíles Epifodios amato-
rios, como fe vè em Homero nos amores de Calipío, & de Vénus , & Marte, em
Virgílio nos da Raynha Dido, & em Appollonio Rhodio , & Valério Flaco nas Da-
i?ias de Lemnos com os Argonautas , & finalmente nos mais de Trocato Tallb do
feu poema Heroico.Mas neíla parte levou ainda Luis de Camões grande ventagém
aos ref€ridos,por quanto elles naõ pertendéraõ declarar algumas Alegorias debay-
xo deílas fabulas(que como diíTemos he a alma do poema)antes fe vè que naõ tive-
>ão nella5 outra tenção, íenão deleytarem aos leytoresCpoílo que a fabula de Cali-
pfo fofra mais Alegoria que as outras)& o noílb Poeta debayxo dos nomes daquel-
. las Ninfas quis entender a gloria, fâma,memoria, honra,maravilha , & todas as mais
preheminencias, queparticipao os Varões illuííres, & esforçados por premio de
tuas obras com os quaes feus nomes ficão perpetuamente unidos na lembrança dos
kQmenSjComo fe vè neíles verfos canto 9.eílanc.89.
^le as Nynfas ào Oceano taÕfermofas^^c.
Gomo com eílas palavras ficava a alegria taõ clara,nãofe podem imputar por in
decência ao Poeta os termos dos efpoforios com que a trata , porque eíla partici-
pação da imortalidade da fama fignificàrão íempre os antigos por cafamentos com
que fingião todos os Heroes ou cafados,ou aparentados com as Deofas.
- A utilidade que deíle poema fe alcança não fe pôde explicar em poucas palavras,
porque naõ ha ninguém que o lea , que não fique inflamado de hum admirável
delejo de gloria, & de empregar ávida em fey tos illuííres, aventurandoa pela Fò
pelo Rey,& pela pátria. . Aqui fe vem as partes , & experiência que haõ de ter os
confelheyros,o zello com que osMiniílros fupriores devem entender no bem publi^
\ CO , & o premio que fe deve dar aos que bem trabalhão. NaPeífoa de Vafco da
Gama fe reprcfenta hum excellente modello de prudente , & heróico Capitão,
Trhictpe dos Poetas de H efpãvha
& nas dos Reys de Portugal , o exemplo de hum períeyto Príncipe Ele não deu
eíte louvor a todos os que reynarao neíteReyno > íoy porque o poema heróico
quando íe funda em hiitoria verdadeyra , que he mais períèyto, ainda que pôde ac-
creicentar a verdade do que paílbujnam pôde contrariar ao que paliou na verdade,
de maneyra , que nem V irgilio pudera dizer que Achiles fora morto por Heytor,
nem HomerOjqAchiles matara a Pariz, & alíi referem ambos eíles Poetas muytos
vicios dos fcus Principes,& Rainhas,por nam fer licito à poefia encótrar nefla parte
a verdade da hií1:oria,da qual guarda eile,& outros muytos preceytos.Pelo que dei-
te poema ie podem tirar excellentes regras para a vida politica,& moral.
O eítillo deleytofo com que elles preceytos vam acompanhados nao reconhece
em toda a antiguidade Í'upcrior,& diiíicultofamentelhe poderemos dar femelhan-
te , porque deyxando a diilbnancia que os antigos achavam nos verfos de Homero,
como refere Jolefoliv. i. contra Apianurrij&os muytos, que deyxou Virgílio por
acabar na lua Eneida,a facilidade, & coníbnancia deite noilò poema he tal,que naó
parecem os verfos compoílos por artificio mas ditados da mefma natureza. E na*
quelles lugares que em a Poética de Ariítoteles fe chamam , Patéticos , ou Altera-
dores do animo, move os aíFedos com palavras tam próprias, & vehementes, que
com fumma eiiicacia faz força a quem os lè , de maneyra que tica participante das
payxoes q fe cotem encubertas debayxo daquellaspalavrasúmprimindo hú género-
lo alvoroço quádo tratta da guerra,alegria nas feílas,gravidade nas acções dos Prinv,
cipesjcompayxam na ad veria fortuna, & finalmente huma admirável fuavidade em
todas as partes do poema. Porém nas comparações, & defcripções fe aventaja tan-
to, que em certo modo fe vence aííi mefmo , porque com tanta vivefa as pinta, &
exprime que parece íe repreíentáo à viíla,& náo ao fentido interior.
He também a erudiçáo parte do eítilo deleytofo,& a muyta de que o noíTo Poeta
illuílrou o feu poema he all'às notória , náo havendo nelle Eílança que não tenha
particular conceyto, doutrina, ou penfamento peregrino, de maneyra,que náo fe
achará poema nenhum onde em táo breve efcritura fe tocaíTem tantos , &táo
doutos pallbs de liçáo varia, como nos feus Lufiadas, porque quafi náo hà nas letras
humanas lugar infigne de fabula, antiguidade, hiíloria, Mathematica, & qualquer
outra Sciêcia que nelle fe naõ achem, & quanto iito he mais ordinário nelte poema,
tãto he mais de ademirar nelle lendo eíta parte da Poeíia a mais dificultofa de todas.
Porque como o principal intento nella feja mover affeélos do animo , náofe pôde
alcançar elte eíifeyto ornado com elocuçáo, & erudiçáo eíles lugares,como ja o no-
tou excelentemente Ariítoteles neíta fentença: Opor t et labor are hi ignãvisfartl-
bus y ^nequemoratisy neque fententiarumacumine ornatis ; occtãit entmvalde
/plendída locutio mor es ^ ^fententias. lílo tem acoxit€<:!do a muytos em Hefpanha,
que fe fízerao duros , & afperos incobrindo a torça dos penfamentos com os orna-
mentos das palavras,de que he bom exemploFrancifco de Herrera.Porem Luis de
Camões loube tomar tal meyo neíta dificuldade,que não hà verfos que mais rpováo
o fentimento que os feus, nem ondejuntamentefe veja a Oração mais erudita, &
compoíta. Fazem aííi mefmo por eíta parte a novidade , & excellencia dos epifo-
dios,nosquaes quafi nenhum outro Poeta fe lhe pôde igualar ; porque os mais de
Virgilio faõ imitados de Homero, como o banquete de Dido,a Relação que ali fez
Ene.asdaperdadeTroya, feus trabalhos,& viagem os jogos de Sicilia,a jornada do
Inferno; & aíTi teve nelles pouco louvor. E Troquato TaíTo não fe melhorou com
as fabulas dos feus encantamentos , & cavaleyros andantes ; porque ainda.que ele-
geo fabulas poíTiveis tem muy to do improvável ; o que he centra os preceytos de
Ariítoteles, que diz que nos epifodios devemos efcolher antes osimpoíTiveispro-
vaveis,que náo os improváveis poffiveis: Eítgereimfojfibilia^^verijimíliafotius
quâfoffibilta^^ nuUò modopYobahiíta. Ellepreceyto guardou Luis de Camões ex-
celenteméte,porq depois de imitar a Virgilio ei?i íiuLer a acção cõpoíta, & não fim*
pies,
' f^ida do Grande Luís de Camões^
f]es,com referir Dom Vafco da Gama fua viagem a El-Rey de Miíinde , introdus
o Epiíbdio da deícripção de Europa , & hiítoria de Portugal,com as profeliias do
velho,& Adamaítor,admiravelmente; depois na figura de iVlonçaide conta os ritos ,
do Oriente,fez hum novo confelho dos deafes maritimos,& adilcripçao do Reyncv'
de Cupido no monte Idalio.NaO he menos excellente a pintura da Ilha de Satã Ele*'
na,o banquete q nella deu Thetis a Dom Vafco da Gama, ik íeus compaiiheyros,à
mufica da Serea 5 que cantou os Capitães illuílres Portuguefes que depois havião
deconquiílaralndia, &:íinalmenteíidefcripçao dos Globos celeíles,& geografia
das Provindas novamente defcubertas. Quaíi todos eítes epiíbdios forao pensa-
mentos novos, & peregrinos, & tratados com tanta gra^ , 6c arteticio que junta-
mente enfinaó, admiraò, & deleytaõ, porque não hà na Arte do bom dizer tropos
nem figuras que aqui fe naõ vejaó exercitadasrvariando o efiillo, hora grave, grandi
k)co,& vehemente, hora florido, brando , & ainda jocoíb; porque como o poema
heróico he hum meyo entre o Tragico,& Comico,affi participa íegundo Ariílote-
les da gravidade da Tragedia, como da graça da Comedia. Por onde Homero , em
muytas partes da Odyliea, & Illiada introdus, hiílorias jocofas, como fby n da priíaõ
de Venus,& Martena rede de Vulcano, & outrocafo quaíi íemelhante de Júpiter,
& Juno ; a peleja do pobre Hiro com feu competidor em cafa de Penélope , á^ ou-
tros muytos em que o mefmo Poeta refere o rifo a que com ellas íe moverão atè os
rnefmos feus Deofes , & Virgilio também no feu 5. liv. defcrevendo os jogos q ue
Eneas fez a leu Pay Anchifes , fegue no eílib jocofo as regras que neíle parricular
fe devem guardar na poefia heróica. Demaneyra queLuis de Camões affi neíla
parte como nas mais fe moílrou excellente Poeta , & com eíla fua obra ficou enre ^
quecida grandemente a Hngoa Portugueía ; porque Ihedeu muytos termos novos,
& palavras bem achadas, que depois ficarão perfeytamente introdufidas. Poílo que
neíla parte não deyxàrão alguns efcropulofos de o condenar , julgandolhe por
defey to as palavras alatinadas que ufou no feu poema. Porém deík cenfura o abíbl-
terá com facilidade quem tiver noticia das leis da poefia , & da licença que he con"
cedida aos Poetas para fingir , & derivar novas palavras , porque como tem obríga-
ção de falar ornadarnente , náo podem deyxar de enriquecer feus verfos com pala-
vras , ou defufadas , ou novas, ou transferidas , que fao as condições que cnfinaõ os
Retóricos para a Oração ficar cõ IVlageítade,& fora do eítilo humilde,tSrvulgar. Aíli
o aconfelha Ariftoteles na fua Poetica,dizendo: Locut tonem apertam , ^ non hnmi^
lemejfe: afertiffima quidem igitur eft ea , õfuaexpróprihnomtnibtis , fed humiltsi
'exemplttm autem Cleophonthpoefís^^ Stenelj. Grandis áutem^ ^ immutans vulgU"^
rem rationem , quaptrigrmoriimfpecietn ha bentibus utttur. V eregrinoritm autem^
. Jimllia dtco ^ linguam^ ^ transhúonem^ tê produóftonem^^ omne quodprateYpro^
prmm,^êc.^it'à.è lugar difcorre Ariílitoles largamente fobre eíla rhateria, & defen-
de a novidade dos termos que uíou Homero contra os que por eíla razão o calum-
niaváo. O mefmo afirma líbcrates pay da Eloquência Grega dizendo na vida de
Evagoras: Toetis multa dantur qulbus ornatejtmm Cármen pojfunt. His enim , t3
^eotumcum hominibus congrejfus^tum dijceptationes ,^ certamina quibus^cum
volunt^fingire licet , ^ ciim h£c narrare voluerint , non eadem verbortim legs , quet
Oratores ajíringunttir. Itaque nonfolum vèrbis ufitatis^ verum etiam novis , trans-
íatis\t§ perígrinis, ^ omnl denique dicendt genere^fnampoejim ornar e pojfunt. Ora-^
toribus autem nihil tale concejjkmefl ^ tíJ^. Eíla licença concede mais largamente
Horácio aos Poetas Latinos, porque não fò lhe permite, que ufem dos vocábulos
antigos que jà naõ eílaõ em coílutiie , mas que finjão de novo os que quiferem com
tanto que fe derivem da lingua Grega , diz elle:
Et nõva^fiãa que nuper habebunt verba fidemfi
Graco fonte cadut^parte de torta\qu'tdautem
decilioyP lauto que dabit Romanus^ademptum
Firgilh
Trhiclpe dos Poetas de He/panha
Virgilto Varioquel Ego ^cur^acquirerep anca
St pojjum^ínviàeor\ ^ua?n Imgua Catonis^^ Enni
SermonempatriumditaverifMiiovarerum
NominapYOtulertttLtcuit femper que llcebit
Sígnatumprafente nota,froducere nomen^^c.
Também TuUio Princepe dos Oradores confirma eíte privilegio aos Poetas dizen*
do no íeu Orador: In utroquefrequentioresjunt^^ liberiores Toeta^ nam & tranf-
ferunt verba cumcrebrius^tiimet'tamaudacms\ ^ grifeis Llbent tus utuntur^ ^libe^
riusnovis.
Deíle privilegio ufou tanto Virgilio,que alem de declinar rriuytos nomes latinos
pelas terminações Gregas, & falar pelas frafes daquella lingoa , efcreveo por pala*
vras tao fora do ufo ordmario que Macrobio gaita náo pouca leytura em moítrar
os fundamentos que para iíloVirgilio teve , dizendo que todas aquellas palavras
trafiao fua origem da antiguidade Latina , & foram em feus principios uíi\das. Do
mcímo modo falou Torcato, & tanto fe Valeo do antigo Tofcano , & da lingua la-
tina-.que deihs palavras novas lhe notaráo hum particular vocabulário. Comeítes
exemplos íica bem livre o noílo Poeta da calumniaque lhe impõem das palavras
alatinadas , as quais faó tam próprias , & naturais à nolTa lingua,que fe efcufáo os
Vocabulários de Torcato , & Virgilio , & fe entendem de todos igualmente com
o romance Português.
Cae aíTi mefmo debayxo do eílillo deleytofo a boa proporção do meímo poema,
o qual para fer perfeyto hà de íer fundado fobre hiítoria verdadeyra , & admirável
de algum varão infigne em virtude,& valor,& a hiíloria náo hà de fer larga,porque
avendoíelhe de acrefcentar os epifodios , fera o volume demafiado , & naõ tendo
epifodios ficara o poema feco, & fem ornamentos que deleytem. Nem menos fera
de coufas tam antigas que jà naõ eílejáo na memoria dos homens , nem tão moder-
nas que fejão vivos os de quem fe efcreve( o que todavia fe entende , na acção prin-
cipal,í^ naõ nos epiíbdios , onde íe introdufem profecias que falaõ dos prefentes.)
Nem fe hà de contar a hiíloria fucceíTivamente, mas começando no meyo dos fuc-
cefos , alcançarlehà depois a noticia do precedente com fubito conhecimento.
Eiles, & os mais preceytos da arte fe vem taõ bem guardados neíte poema como
aquemquerque o lè lie notório. Pelo que pudera bem fer , quefe Ariítoteleso
•alcançara náo gaílara tantas palavras em louvar os de Homero.
Mas fe por veneração da antiguidade fe náo conceder a palma a eíle noíTo poema
entre todos os heroicos,ao menos feguramenie fe pode julgar por igual ao milhor
dellcs. Delle tao alto merecimento , & gt ande beneficio que a pátria recebco com
tal obra, ficando tao illuftrada por feu meyo, naÕteve Luis de Camões galardão
algum; porque a mercê que lhe fez El-Rey Dom Sebaíliam de huma pequena tenía
he tal q ue em fua comparação juítamente lhe podemos chamar nenhuma. E ainda
que muy tos atribuão iílo a defgraça do Poeta , eu lho julgo por huma grande feli-
cidade ; porque não a pode haver mayor para hum varão infigne que achar ocafião
de exercitar alguma excelente virtude , & neíle cafo fe moílrou bem a grande ge-
nerofidade de Luis de Camões pois fò por amor da pátria, occupou íeu engenho
em illuítrar com fuás obras eíte Reyno , & immortalizar feus naturaes ; & foy tão
inteyro na verdade , & alhco de lifonja , que podendo receber prémios de muyta
conlideração por referir neíta obra peífoas particulares , fò tratou nelladaquelles
varões illuílres,que de todos faõ univerfalmente conhecidos por taesxomo o tefle-
fica claramentenaeilanc. IO. doprimeyro Canto em que diz a El-Rey Dom Se-
baíliam:
Vereis amor dafatria naõ movido^ ^c.
Eno canto y.cítanc.S 3 .pedindo favor is Nynfas do Tejo:
'Daymo vòs/os que eu tenho jàjurado^c,
Deíla
■ ' Vida do Grande Luis de Camões,
Deita tal inteyrefa, & verdade eíteve muyto alheyo Homero, do qual refere Diam
Chriíbílomo Orat. ii.deexcidio Illij que andando mendigando pelas Cidades de
Grécia , vendeo por dinheyro os louvores , que na íua Iliiada da indignamente
amuytos homens particulares , & a Virgílio deu Odavia irmá deAugullo cem
mil reis por cada verio , dos vinte hum que efcreveo de Marcello leu íiiho ; & do
-que lhe deráo os amigos deyxou depois por herdeyro a Auguílo em duzentos &
ciacoénta mil crufados, como aponta Budeo,íeguindo a Sérvio, Sc a Donato; pello
AíTciiv qtie nao he muyto que elle dedufiíTe a familia dos Julios dejulo , adosMemios
3. ^' de Mneíieo , a Sergia de Sergeíto , & de Cloanto a Cluenta, coufas todas fabuloías,
Acnca. ^ invcutadas delle mefmo , íò para liníbngear os poderofos daquelle tempo como
plmii. o nota doutamete Scipiáo Amirato.Quaõ longe eíteve deíle vicio Luis de Camões
Napoii fe ve claro no que efcreveo , pois nem ainda o Conde que então era da Vidigueyra
^an.de jj^g f^.^ favor algum em remuneração de quanto diz naquelle poema do grande
Amíra?^ Dom Vafco da Gama,como elle o teítefica dizendo no Canr.5'.eílanc.99.
DjIc.i. , Asmttfas agrade ça o NoffoGama^^c,
•Eíte foy Luis de Camões na compoli^ão dos feus Lufiadas. Porém nas outras
partes da pocfia não merece menor louvor, por guardar nellas os preceytos da Arte
perfeytam.ente. Nos verfos piquenos fe houve com tanta eloquência, & graça, que
Lopo da Veyga no prologo do feu Santo Ifidoro lhe dà o primeyro lugar; & verda-
deyramente foy taõ abundante de conceytos, & tão fácil em os por em verfo, q naÔ
fey de qualdeílas coufas nos políamos mais admirar , porque fendo muytas vezes
os motes fequiírimos , & incapafesdebompenfamento , hc tanto o que acha que
dizer em qualquer matéria, que parece increivel , ainda depois de viílo , & a fuavi-
, -dade do verfoiempretáo corrente , & fácil que parece fenaõ podia dizer aquillo
por outro melhor , nem mais graciofo modo. Nas Odes, & Canções feguio o eílilo
grandiloco,& alTi participáo da Mageftade dos feus Lufiadas.
Cuydaõ alguns,que eíla frafe grandi1oca,que fe vè em parte das fuás Eglogas, lhe
■ fez exceder o decoro que le deve guardarão fogeytopaíloril , naõ fe lembrando
de Virgiho que nas fuás Bucólicas introduz argumentos muyto fuperiores àquelle
fogeyto, como he o da quarta Egloga que trata iò da profecia da Sibilla Cumea , &
o da fexta , em que Sileno dilcorre pela fabrica do mundo,& hiílorias mais notáveis
^tíelle, o que tudo excede grandemente^) modo paíloril. Pelo que pois Virgílio a
juizo de todos os Críticos não merece cenfura em exceder o decoro neftes argu*,
-mentos muyto menos a merece Luis de Camões por exceder fó nas palavras guar-
dando o devido decoro nos argumentos , aíli das Eglogas Palloris , ccmodas
Pifcatorias. Antes he digno de muyto louvor neíle género de poefia , por fer o pri-
meyro que deílas duas efpecies fez hum mixto,compondo as Eglogas de Peícado-
res, & Paítores juntamente, por peííòas de dialogo, como fe vé na que dedicou ao
-Duque de Aveyro que começa:
Arufiim contenda de fufada^^c.
-Onde mais abayxo diz:
Ver€Ís(fDuque fereno)o efttllo vario^^c.
Nas comedias feguio a forma que então fe praticava , & ainda aíriintrodufiojà
algumas proías imitando os ingenhos Italianos, & ao noíío Francifco de Sà , que
deyxàraõ os verfos em que os Gregos , & Latinos as efcreveráo ; porque como
tinhão muyta diverfidade delles , efcolherão os que mais fe chegavão ao falar folto,
o que entrenós não pôde bem fer pela obrigação dos confoantes , mas ainda aííl
tradufio excelentemente a dos Amphitriões de Plauto. Outras traduções fez tam-
bern em verfo em que fe não molirou menos elegante como foy a Elegia da payxão
de Sanafaro,o Pfalmo: Super flumina Babylonis, a fabula de Biblisy ^ade Narcijo^
doutros. Também feachão algumas obras luas em profa folta, as mais delias de
matéria jocofa , & ellillo metafórico , que era o que então feprefava muyto na
isH. \ Corte
Príncipe dos Poetas de Hefpanha.
Corte; por o ter introdufido Fernão Cardofo , que foy nelle eminente , ainda que
Luís de Camões o ufou com mais policia,& facilidade.
De todas eílas obras fe pôde bem conhecer a grandeza do engenho de feu Au-
tiOr,,& a univerial noticia que teve das Sciècias,& letras humanas; porque quem cò-
íiderar feus eícritos , achará que teve conhecimento dalingua Grega^da Filoloíia,
Thcolo^naj Mathematic.is, Hiílorias humana: ,& que foy taó geral em toda a maie*
ria , que em qual quer faculdade que trata parece^porieliòr delia. Pelo que le em
^l^uas de íuas obras fe achar acafo couza que defdiga do que fe efpera de tal Autor
náo fe deve imputar o defeyto a elle , fenao ao tempo , & aos copiadores , porque
€omo feus verfos andarão tantos annos , antes de fe imprimirem tresladados de va-
rias mãos , com faciUdade fe poderiao corromper como vemos acõteceo às melho-
res obras da Antiguidade;^ em particular a eíta caufa fe atribuirão(como jà dilfe)
as dilfonancias dos verfos de Homero em tempo de \^efpafiano. Quanto mais que
como Luís de Camões não fazia ellas Rimas para as imprimir , mas conforme a
occafrio , & tempo lhe davao lugar , não hiaõ muytas delias com aquella peifeyçaõ
com que as acabara , fe gaitara niliò o tempo que gaílava V irgilio, o qual dizia, que
aperfeyçoava os feus verfos como o parto da Urfa;
Portodas eílas partes foy Luis de Camões tao louvado,&: conhecido no mundo ^
que Fernando de Herrera chamado de muy tos o Divino , fò a elle dava ventagem,
\ o excellente Torf:|uato Taifo canfelfava, que íò a elle temia, ^ fe admirou tanto
de ver os feus Lufiadas, que inflamado nos louvores do Autor publicou o que delle R iiimc
fentia netle foneto , que naó ficou para elle menos honroío que para quem o com- p Y^S,
pOSI , Vene.an-
VãfcoUcmfelice^ardite antene uo\6os.
In contro ai SoL^che ne rtporta Ugiorno " * '
Spiegar le vele^^ fer cola ritornOy
;' Ne^gl/parc/jfdicac(ere,accenne,
Honptu di te per afpero marfoftene
^lelchefecealCicopleoltraggio^^fcorno
Mechtt^írbol^^rpienelfuoJbggíornOy
Ne diepui belfubietto a coite penne.
Et hor que lia dei colto^t boiín luigi^
Tantooltrejiendeilgloriofovoloy
Cbe í tuoifpalmatilegni andar rnen lunge^
Onde àquelli a ctúpalzatlnoftro^PolOy
E achtferma Incôntra t fuoí vejfigi. ^
Per lui dei corfò tuo la fama aggmnge.
O grande conceyto queLopoda Vtyga celeberrimo Poeta denoíTos tempos faz
do nojTo Luis de Camões,fe vò bem em feus efcritos, dandolhefempre o epiteto de
excelleite. Eo Meílre Francifco Sanches Brocenfe , aífaz conhecido em toda
Hefpanha por fua rara erudição , lhe naò dà menores títulos , tratando do refpeyto
que fe deve ter aos efcritos de Virgílio, & doutros femelhantesPoetas,comofçvò
delias palavras: ^igo eftopor la veneracion en que havíamos de tener a los Poetas^ Dd ríuj
fiendo tales qve verdaderamente merefian efte nombre. Tal me parece a mi Luis de '""Ti-agc
Camões Lufitano^cuyo fubtil ingenio^doBrina entera^cognicton de lengvas , delicada caftrô
'vena mue flr an claramente no falt ar le nada para laperfeccionde tan alto nombre^ ^^ Dedi-
^c. O Padre,Chriílovão Del rio,& Dom Fernando Alvia de Caílro,o pocm- entre Xr^uo-
os melhores do mundo ; Chriílovaõ Soares de Figueyroa varão infigne nas letras riamos.
humanas,na vida do Marquez de Canhete, o iguala com Píomero,& o apb.ufo uni- ,^^^"^J*
verfal de tod os lhe dà o Titulo de Princepe dos Poetas ; o que na verdade parece ^. p* \^l^^
fe lhe deve juílamente ; porque fe muytos homens doutos de Europa , reconhece- 0.41-
rioàNaç^;o Portuguefahuma certa luperioridade naPoefia , como entre outros J^^^pj**^^
Vida dú Grande Luís de Camões,
Ò confeíla o Autor da Biblioctieca Hifpana dizendo Lu/ltaniinpvetka ^tit ^^ iti
Miijida regnarefer untar mira animipYopenfiofie^vehit eutJnifiafmo raptt^líiC. Com
razam fe pòdc dar o nome de Príncipe dos Poetas a Luis de Camões , pois elie tem
o principado entre todos os Portuguefes.
. Porem fe na eílimaçam de tantos autores graves eílà igual a Virgílio, & Home-
ro , também pareee que lhe náo ficou inferior nos prodigios ^ue fe delles em íuas
vidas contam; porque foy feu engenho tam fmgular, que nam faltam curioíbs,que
digam , que muytos feculos antes foy^prognoilicado ao mundo o feu Poema pela
Sibila Cu<mea,porqueaíTi como qualquer grande perfeyçam em humaSciencia, ou
Arte,nam fe pôde alcançar fem particular concurfo do CeG,affi parece que ordena
-algumas vezes fejaiílo prognoílicado aos homens muytos tempos antes ', que acon-
teça. Veile efla profecia na quarta Kgloga de Virgílio , a qual foy toda tirada dos
Wrfos da Sibila , em que profetizou a felicidade que havia de haver no mundo de-
pois do Nafcimento deGliriílonolfo Senhor onde diz que o Poeta que havia de
cantar a hiíloria dos fegundos Argonautas venceria na poefia a todos os paíIàdos;&
'deíejando Virgílio fer eíle que a Sibila prognoíticava,diz aoíilho de Polliao ( aque
elle erradamente aplicou eíla profecia) que fe lhe a elle caiíTe a forte de lereíle
Poeta, eítava certo, que havia de vencer na poefia atè os mefmos Deofes, ;& inven^»
Jtoresdos Verfos:
O mihi tam longe màneat pars ultima vitã
SpiritítSy^quantttmfateríttuadicerefMa,
•Non m€ cárminibus vincet nec Tracius Orpheus,
Nec Ltnusjouic mater quanvis atque hiácfater adjit
: OrpheiCaliopeayLinoformojíis Apollo.
^an etiam Arcadta mecumfijudtce certet
^anetiam Arcádia dicet jejiidicevi£ítim.
E certametite que eíle penfamento eílà fundado em boa razaõ , porque fe a gloríã
Cic.pro que os Antigos Argonauías,&: Achiles alcançàram,foy mais pelos excellentes ver-
ííu!a'r!in ^^^^ ^"^ 9^^ foram cantados,que pela grandefa das façanhas que obrâram,como aíir-
vitaAicx. mava Alexandre , com quanta mais razam parece que nam deviam ficar inferiores
Eoz.de neíla parte aos primeyros Argonautas os noíTos fegundos Argonautas Lufitanos,
ScCox' ^^ quem, fegundo Bozio, & muytos outros, alli falia a Sibila à letra, pois a noíTa na-
ici.Ari' ; vegaçam,& os heróicos feytos que os Capitães Portuguezes fizeram na India,exce-
i*f To"-' ^^^'^n^ tanto aos dos Argonautas, & Achilcs,que nam íbfrem comparaçam alguma.
cat.cam. Enamfòmeute podemos aplicar a Luis de Camões os verfos referidos da Sibila,
' J- mas também darlhe aquelle lugar que em Roma na coroaçam de Patriarca deyxou
dcfocupado entre Apollo , & as Mufas,no monte Parnalo , aquelle grande Afiro-
logo Barbante Senes, por cujo difcurfo aquella rica hiíloria fe pintou; dizendo que
o mereceria hum Poeta Occidental de Hngoa barbara(aíri chamavam entam os Ita-'
.lianos às^eHefpanha) que andando os tempos havia devir ao mundo. Condu-
• amos logo que fe o nolíb Poeta nam cedeo no engenho a Virgilio,& Homero,tam
pouco lhe cedeo nas maravilhas do nafcimento ; & com mais razam nos podemos
perfuadir que as houvelle em hum Poeta Catholico,que nos Gentios.
Nam foy menor ^ opiniam que Luis de Camões alcançou na pátria que a em que
o tiveram oselirangeyros : porque ainda que lhe faltaram com os prémios devidos
a íeus merecimentos, foy tido em grande eílima dos maiores fenhores, & mais pre-
zados daquelle tempo , como foraõ o Duque de Bragança Doni Theodozio , & o
Duque de Aveyro Dom Jorge, o Conde que depois foy (lo Vlmiofo Dom Francif-
CO de Portugaí,Dom Manoel de Portugal feu tio, o Vifo-Rey Dom Conílantino,o
Gonde de Atouguia Dom Luis de Ataide,o Conde do Redondo, & outros que fo-
ra largo contar. Nem era de menor valor a mercê que recebeo das Senhoras Dona
Francifca de Aragam , Dona Guiomar Blasfè , & da Senhora Infante Dona Maria,
como
Trlnclpe dos Toetas de He/panha "
comei fe vè em fuás obras/rambem referem muytos Fidalgos dlquelle tempo,que
quando íuccedeo neíte Pvcyno El-Rey Dom Feiipe o Prudcnte^depois de chegar a
Lisboa mandou fazer diligencia por Luis de Gamões, & labendo, que era fallecido
moilrara dillò feiuimento , porque defejava de o ver por fua fama , Óz fazerihe mer-
cê. De maneyra, que a pobreza em que viveo, nam lhe abateo entre os Principes a
grande opiniam que à íuas obras le devia, 6l fe as riquezas fugirão delle , ou foy pe-
ias razões , que o Plutão de Luciano dava contra Timon, ou por elle fazer pouco
pelas adquerir , ou por léus merecimentos ferem muy to grandes: pois he certa a
fentença de Tácito, que os beneticiosfaò agradáveis em quanto fe podem recom-
peníar,mas que paliando deite termo tem o defagradecimento em lugar de premio. _ . .,
Delia gèral reputação que os naturaes,& eílrangeyros tinhao delle, não he muy- ^Sor;
to lhe naíceíTe a eílima grande que de íi tinha, louvando, & abonando feu engenho
em muyras partes dos feus Lufiadas, & mais Obrasio que alguns lhe atribuirão a vi-*
cio , nao atentando que he impoílivel náofe conhecer hum bom entendimento
a íi próprio, 6c ter verdadeyra opinião de fuás coufas. Ariiloteles diz, que o varão
grande,! e fe nao tiver por tal,não o fera: Ejfe fane magnanimus is videtur , qui cum Hv. 4^
magmsfit dtgnus ^ magnis quoquefèmet dignum exijíimat: nam quis nonpro digni- ^"^'^*^
tate idfacit , ftoLidus eji ; at virtutepraditus neque ftolidus , neque ftultus efi
quifpidm^\êc. Ê noutro lugar : Magni enim virijoonorefe ipfos dignos maxime extf-
timant^acpYo digmtate xUi qiádem, E o mefmo afirma Balthezar Caiiilone no feu
PerfeytoCortezam,& lhe permite louvarfe em feu tempo,& lugar conveniente,di-
zendo na peiloa d" Gafpar Palavicino : Ho conofciuti poc hi hiiomini eccelenti , in El Corte;
qual Jivo-r lia cozã^chi non laudinofefieJJi\ ^paY me che molto bem comportare lorfi *"* ^^* **
pojfa. *Per che chi fifente valer e , quando fi vede non ejferper le opere conofciuto , fi
Jdegna che ilvalor fiio fia fep oito, EtfoYza è che a qual che modo lofcopra , per non
ejfere defraudato de le honor e^ che è il ver o premio de levirtuofe fatiche\ 'Ter o tragli
antichifcrittoYi chi molto vale^rare volte fiaftien di la udarfejiejfo^^c, E Tu llio na
fua primeyra Tufculana refolve , que aquelle celebre Oráculo Nofce te ipfun^ nao
foy dito, para fabermos as miíerias do corpo,mâs para cada hum conhecer as excel-
lencias de feu próprio animo , & entendimento. Porém ainda que naõ houvera as
authoridades de taõ doutos Varões,baítantemente ficava o noíTo Poeta dei culpado,
com fer eile o ufo comum de todos os Poetas, como diz o mefmo Tullio Tuícula-
\yàr\xm(\wdà{\.X\\í.^.Adhucneminem cognovt^ oetam^qui fibi non Optimus viderètuY,
E ad Atticu epiíí.2i.iV>.^íí? umquam^ neque Toeta^neque Oratorfuit^qui quemquam^
meliorem quamfe arbitraretur. Bom exemplo he dcíla opinião Homero na pelToa
de Demodoco,Virgilio em muytos lugares,& Horácio liv. i .Ode i.em que fe finge
coroado entre os Deofes dizendo:
Ale doãarum edenepramia fontium
T>ijsmifcent Juperis
Eno liv.2 .Car.efcreve toda,a Ode lo.em feu louvor,que começa:
Kon ufitata nec tenuiferar
Tennajbiformisperliquidum tethera Vatesfêc^
E no Terceyro Ode 30.
Exegi monumentum areperennius^
Regaliquefitupyramidum altius:
^i o d non imber edax^non Aquilo impo tens
^ Toffit erueYe^aut imiumeYabilis
AnnoYum feries ^^ fuga tempoYum.^c,
O mefmo faz Ovidio em muytos lugares , & em particular no liv. 4.DeTriílibus
Eleg.io.dizendoaifi.
Tu mihi{quod rarum efi vivo^fublime dedifti
^ Nomen^ab exequiis quodáare famafòlet.
****ij Neç^
Vida do Grande Luis de CamÕef^ '
Necquidetraãaíp'/ejent ia livor, iníquo
1)ilum de noftris ãente momordit opus.
Nam tulerint magnos cumfiecula nojira Toetasy
Nonfuit ingeniofama maligna meo .
Cnmque ego pr abonam multou mihi^non minor illis
^ícor,^ in totó plurimiis orbe legor.
Siquid habent igitur vatump^afagiaveri^
'■FrotinusutmoriaYHoneroterratuuSy^c,
Eílacio liv.ii^da fua Thebayda:
O mihi bijfenos multum vigi lata per annof
Thebayjam certèprafens tibifama begninum
Stravit iter^c iBpit que novata monftr are fut uris,
Jam te magnanimus dignatur no/cere Ciefary
ítala cumftudio difcit, memoratquejuventus,
Vivèf) ecory7iec tu divinam j^neyda tenta^
Sed longe fequere^ veftigia Jemj^er adora.
Mox tihifiquis adhucpY atendit nubila livoY
Occidetjê meritipofi me referentur hojiores.
E Sanafaro na fua 4.Pifcatoria naõ quis deyxar de lembrar que elle fora o primeyro
que trouxera as Eglogas atè entaõ Paíloris aos Peícadores;
^ Nuítc litoream nec de/p ice Mujam^
^uar/i tibipoft filvas^poft hórrida lujira licai,
{^Siquid ide ftSfalfas deduxiprimus adundasy
Au fus inexperta tentar epericula cymbac.
Dos outros vulgares não hà que referir mais exemplos , pois todos ostrafem nas
mãos. Pelo que bemfevèa pouca razão comque neíla parte pôde fero nolTo
Poeta notado.
Depois que Luis de Camões imprimio os feus Luíiadas palTou o reftante da vida
em Lisboa,no conhecimento de muytos, & converfação de poucos;porque tendo
jà paliado por elle as primeyra-s verduras da mocidade , tinha entrado na idade
madura, & fò continuava có alguns homens doutos feus amigos, principalmente no
Convento de Sam Domingos de Lisboa , onde tinha particular familiaridade com
alguns Religiofos daquella Santa Cafa. Neíle tépo lhe fobreveyo huma larga enfer-
midade, que lhe fervio de fe aparelhar para a morte , a qual elle trazia taõ prefente,
que atè nas cartas jocofas falava muyto de fifo nella, como fe vè bem das que andaõ
impreífas nas fuás Rimas. Acrefcentoufelhe eílemal com o fentimento da morte
d'El-ReyDomSebaíliam , a quem tinha intentado celebrar em outro heróico
poemajfe a ambos durara a vida,& melhor fortuna.
Com eíh , & outras moleílias fe lhe foy aggravando a enfermidade atè o anno de
15-79.no qual faleceo. Eílava neíle tempo em tanta pobreza , que de cafa de Dom
Francifco de Portugal lhe mandarão o lançol em que o amortalharão , & aíTi foy fe-
pulrado na Igreja de Santa Annafaonde fe acha hoje o Coro das Religiofas)fem le-
trcyro , ou campa alguma , que moltrafe o lugar de fua feplutura.
Era quando morreo de pouco mais de cincoenta annos,porque quando compu-
nha os feus Lufiadas , diz elle no canto lo.eílanc. 9. que tinha jà pouco que palFar
da idade do ÍLllio para o Oatono,o qual começa dos cincoenta por diante:
VaÒ os annos àefcendofêjà do EJtio,^c.
Efallecendoelle fete annos depois de fua impreiraõfa qual foy no de i5'7x.)parece
Partes quc não palTou dos cincoenta & cinco. Foy Luis de Camões de meã Oftafura,
dcCa-'^* gi*oíro,& cheyo do rollo,& algum táto carregado da frontc,tinha o nariz comprido
levantado no meyo,. &groíIò na ponta; afeavao notavelmente a fdta do olho di-
reyto,fendo mancebo, teve o cabello tão louro,q tirava a açafroado; ainda q naõ era
%i- * ^ graciofo
moes
príncipe dosToetas de fíefpanha.
graciofo na apíirencia,era na converfação muyto facil,alcgrc,&:áe2Ídor,como fe vè
em feiís moies,òx: eíparías, pofto que jàíobre a idade deu algum tanto em ma]enco«
lico. Nunca caiou , nem deyxou geração. Viveo , & morrco em tanta eílreyteza
doneceílarioparaavida , que íeaquelles tempos naòforaò taocalamitoíbsparao
Reyno, com as couí as de Africa , pudera redundar cm afronta dosnaturaes , &
cauíar admiração. Ainda que os que tem noticia das hiítorias humanas entenderão
bem , que eíle he o eílillo ordinário do mundo , no qual os mais dos homens emi-
nentes íao perieguidos , & deipreíados em vida. Do grande Homero fabemos que
fefullentava pedindo efmola por Grécia. A Sócrates faltava muy tas vezes huma
capa com que fe cobrir , & em íim veyo a morrer condenado pelos Athenienfes , &
Arilloteles , & Demoílhenes , porque o naõ foííem fugirão da mefma Cidade. Sci-
piáo morreo delpojado da fazenda , & deílerrado da pátria. A Tullio degollàraõ,
& por mais o afrontarcm,lhe cortarão ac]uella lingoa,em q por tantas vezes cõfiílio
a liberdade da Republica, & o grande Epideto viveo em Roma com tanta miferia,
que naó tinha mais de feu,que hum candieyro de barro,com que fe alumiava. Aca-
bando porém com a vida as armas da inveja , com que os grandes engenhos faõ
fempre combatidos , nafcem elles de novo depois da morte, & veílidos das azas
da tama,alcançâo a gloria,que fuás obras mereceráo;porque os homens não podem
fazer guerra, fenaó aos corpos , osquaes , como compollos de matéria frágil, &
caduca , fao vencidos de mayor potencia. Mas as obras do engenho , como repre-
fentaó o animo,que he eterno,duraõ igualmête com o tempo,& com elle adquirem
o premio igual a ieus merecimentos. Daqui veyo chegarem depois os Gregos a
venerar , como coufas Divinas, aos mefmos Homero , Sócrates, Demoílhenes , &
Arilloteles , a quem em vida perfeguirão, & em Roma a confeííàrem os Cidadãos,
que naõ podia fer caíligada aquella Cidade com mayor pena , que privala Scipiaô
do thefouro de fua íepultura, & a dizerem contra os matadores de Túlio, que por
fe livrarem de fua eloquente lingua, fizerão fallar contra íi as de toda a Republica?
&:foytaõeítimadoonòme de Epideto , que o feu candieyro de barro , porfe-r
poííliido de tal dono,fe comprou na praça de Roma por trezentos crufados. »"
Deite mefmomodovayíUGcedendo a Luisde Camões,o qual,fendo perfeguidò'
em vida de perpétuos infortúnios ; depois de morto tem alcançado gloriofif-
fimos prémios de íeus trabalhos, porque pouco depois de feu fallecimento,movidO'
Dom Gonçallo Coutinhodo zelo da pátria, a quem o Poeta tinha tanto merecido,
lhe mandou cobrir o lugar da Sepultura com huma campa de mármore com cite
honroío Epitaíio:
Aqui jaz Luis de CamóeSjPríncepe dos Poetas de
feu tempo: viveo pobrcSc miferavelmente, & aí-
íim morreo oanno de 1579.
Efia campa lhe 7nandou aqui por l^om Gonfalo Coutinho^ na qualfe naÕ enterrará
pejfoa alguma.
A eíte Epitáfio acrecentou depois outro mayor(cõ goíto do mefmo Dom Gon-"
çallo)!V[artim Gonçalves da Camera,Preíidente, que foy da mefa do Paço,& elcri-
vão da puridade d'El-Rey Dom Sebaítiam grande valido feu, & eítimado de todos
os Reys delle Rcyno?vâif:'a'o de fumma inteyrefa, virtude, & temperança, compôs
eíte Epitáfio à fua inítancia o Reverendo Padre Matheus Cardofo Reíigiofo da
Companhia de Jeíuí; Lente que foy da primeyra cadeyra da humanidade da Uni-
verfidade de Évora , que depois deyxando os Eítudos humanos, fe dedicou fò aos
Divinos , & à pregação dc) Evangelho nas barbaras Regiões de Angola , onde ao
prelente anda,& o picafiò diz aíli: « i^«tí» v;i^i. a;*; .y*^^'"'^^
Vida do Grande Lulsde^amoes^
Kafoeligis^Flacus Lyrkisyepigrãfnate Marcus
HkjacetyHeroo carminaytrgUius, ■
En/e/imulyca/amoque auxU tibt Lyfiafamamy
IJnam nobilitant Mars,^ Appollo manum.
Cajtaliumf ontem traxit moduLammey at Indo
Et Gangiytelísobjinpefectt aquas.
Indiamirata ejUquandoaur^a carmina lucrum
Ingenit^ haudgazas^ex Oriente tulit-y
Sic bene ãe pátria meruit^dumfutminat enfe,
AtPlus dum c álamo bellicafaãa refert,
Hunc Italí, GalliJHiiJpani vertère Toetam
V ^afibet hunc vellet terra voe ar ef num
( V€rterefas^£quare nefas aquabilis uni^
Eft (íbiypar nemo^nemofecundus erit .
Não he pequeno louvor alcançar Luís de Camões depois de morto eftas gloriofas
inemorias por Obra de Varões taõ Illuítres, quando até osmayores Principesdo
Mundo , & os parentes mais chegados com a morte le fepuítão juntamente no
efquecimento dos vivos.Porèm náo iie menos honra a que adquirio nos bons enge-
ohos, que íe dedicarão a traduíir o feu poema heróico, o qual anda convertido nas
melnores Lingoas de liuropa querêdo cada qual fazello próprio por ornamento da
fua própria , & para enriquecer íeus naturaes com taò preciofo thefouro. E ultima-
Hiente o ReverendiíTimo Bifpo de Targa Dorn Frey Thomède Faria o tradu*
^io com grande elegância em veríb Heróico Latino, tendo juítamenie tal occupa-
çáo por digna de fua proftiraõ , & dignidade , como outros muytos Prelados tem
íeyto em lemelhances fogeytos , por fer Obra em que fe moílra muyta erudição, &
engenho. Nefte Reyno íe tem também empregado naõ poucos em comentarem, &
louvarem o meí mo Poeta Luis de Camões ; alguns fairáo a luz , & outros fe con-
ftrvão manufcriptos , mais dignos, pôde ter , da Impreílaõ , que os que tiveraõ eíla
fortuna, qual he o que hà muytos annos tem compoíto Luis da Silva de Brito Prior
do Santo Milagre de Santarém, peíFoa aíTaz conhecida neíte Reyno pella muyta
Doutrina , & qualidades que nele concorrem. Dos verfos que fe tem compoílo em
íeu louvor , por ferem muytos , refirirey fô dous Epigramas que fe imprimirão com
as fuás Rimas no anno de mil & quinhentos 6^ noventa & oyto : o primeyro Latino
feyto por Manoel de SoufaCoutinho,taõ ílluílre no fangue,como nasLetras huma-
nas, o qual deyxando o feculo , & nome , entrou na Sagrada Religião dos Prega-
dores, onde fe chamou Frey Luis de Soufa, & tem dado com luas Obras outra nova
efperançaànoíra pátria. Pelo que pôr fer o Eprgrama detalfbgeyto , he para Luis
-de Camões de^rande reputação.
^odMarofublimiyquodfuavh^indarus^alto
^íodSophocles^triftinaJò^qmd^recanit.
Míejiitiamycafusjoorrentiâfraliayamores^
• Jimííafimulcantu^fedgraviore damus.
^íifiam Auãor^.CamoniusrOndehic^.Trotulit illum
Lyjiain Eo as imferiofa plagas.
IJnus tanta dedit?.T>edit^^ mayora daturusy
Ni calirifato corrij)íretur^erats.r/A vi
c"'- ^Itimus hic choreis Mu farumpraefuitullo \ ?o
^' li^lenior Acnidumeft^nobuiorquechorus.
- ~ '■ Flosveteris,virtusque novafuit ille ca^mena^
?'0; debita jure fibi jceptrapoefis habet.
or. In Lufitanos Heliconis culmina traBus
Tranftíditantra^lyras^fertafiuentaíDeas, •..
Currere
' Trtncífe dos To et as de ftefpanha,
Qurrere Cajt altos noftra de ru£e liqtiores
J ujjlt^abmvitof rata vir er e foío. "1
Cerne per inculcos^Tem^emelíora recejfns, *
Cerne fatas^jierilifejptte^verís oPes.
OmnibusOccidíáridenttibifloribushortt^
Non ego Jam Lifios^credo^Jed Elyjios,
Orpheus attonttas dulci modulamine cantei
Traxlt^^ ab ftygto fqualida monjiraforo
Thejfallcos Lodoiceyfacro ctimflumme montes ■
Tieridíimque t rabis aeLituum quíe choros
Sunt maior a tua Orphats miracula vocis^
Attica quiâfaceresjitibi linguaforetl
O outro he hum Soneto Português do nolFo Paeca Diogo Berníirdes, que no eftillo
paítorilnaõ reconhece fuperior , o qual por ler tao qualificado voto he digno de
inu)ta confideraçaõ:
^uem louvará Camões que elle naÕfeja
fuemnadvè que emvaÕ cança engenho^ arte
lie afifòfe louva em toda apa rte^
E toda aparte elle fo' enche de inveja,
"^icmjuntos num efpirito ver deleja \As;^0'^%'^
^lantos doens entre milThebo reparte " ^
( ^er elle de Amor cante^qtter de Marte^
Tormaisnaõ defejar elkfoveja. :;B
Honrou a pátria em tudo,imiga forte > "i jí ai/; vfiinuho-j oin "''^ •'^' "^
Afeztomellefoftrencoííúda^ ■'■ ■ -'■
Em premio de eftender delia a rnew^y-i/i^
Masfe Ibefoy fortuna efiafa em -i idj.
Naò Ihepode tirar depois da mor te \\
Hum rico emparo de fuafama^^ gloria,
Deíles teílemunhos poderamos trafer muytos , mas baile hum univerfal , que he a
grande eítima que nelle Reyno fe tem feyto de fuás obras,das quaes fe tem impref-
fo, & gaílado mais de vinte mil volumes ; & tao geral he hoje o conhecimento do
muyto , que mereceo à pátria , que fe durara ainda agora entre nos o coílume dos
Romanos , que aos Cidadãos beneméritos levantavam eítatuas nas praças , nam
duvido , que do publico fe lhe dedicara huma muy fumptuofa mas por nam carecer
defte premio,no modo em que fe permite a hum particular lhe mandou Gafpar de
Faria Severim,meu fobrinho''em o livro,que imprimio de vários difcurfos, em que
também hia eíla fua vida)efculpir em brõze de meyo corpo o feu natural retrato, cõ
fua inferi pçam , & para em toda a parte o poder acompanhar com o dito retrato
fez a breve noticia de fua vida , & lhe ajuntou hum Elogio Latino , que vertido
no nollb Idioma he o feguinte.
.s.a
rs.r
eu
ELO-r
c
ELOGIO.
^^Ameeshe Lujitanu , ejit que vos parece Homero , naj€m€lhança doYofto^
nos me/mos partos do etttendtmento , ^ na igiiãldade da vida. Homero
' fiy fa^to de ambas as viftas , Camões de bum a delias : aquelle pojjuhw pou-
cas riquezas, ejftviveoemperfetua pobreza: cantou aquelle^lyjfes, ejfeos^lyfi
/ecs^ mas Jèn do a Homero igual ne canto , no mais foyjuperior , porque cojtceben^
do emfeu animo humfoberano Toema , em que havia de pintar a braveza das tor-
mentas de Neptuno , ^ o furor de Marte aferro , <3fogo , navegou, ^ pajfQU à Inaia,
ouvioos fabíos delia, peleyjou valerofamente com os inimigos {cojno teftejícam as
fermofas feridas recebidas no rofto ,) (ê fendo outro 'Platam nas peregrinações, imi"
Sounonaufragio.aÇefar , contentando- fe de livrar fò das ondas feus ^Poemas. Tor»
naéo à pátria , experimentoufua ingratidam , depois de a ter Jingularmente emno^
brecido , ^fem receber premjos , nem honras da Poefia, acabou a vida como dejf er-
rado entre feus próprios C/dadãvs. Chegou porem 43. annos depois de morto o
bem merecido galar dam à fuás Obras procurando o agradecimento livraloda ad-
verfidade da fortuna , ^ efquecimento da morte com efe novo género de Efiatua^
cfue Gajpar de Faria Sever imprimeyro lhe levantou, em quanto outros de mármore^
tS de ouro lhas preparam. AnuoYdrt,
Deíle modo ficará a Imagem do noíFo Poeta ornando as Livrarias , & Cafas das
Sciencias, com grande gofto dos Doutos, & curioíos, os quaes jà em tempo de Pli*
Hin. liv- nio coílumavam ter orn,ados os roílos daquelles cujos ânimos confervavam retra-
^^'''*' tados no mefmo lugar em fuás Obras. E era eíle collume tam ufado em Roma,que
ate os Retratos que nani havia,íe fingiam, como aconteceo ao de Homero. Ex au--
ro^argentOyãvt certe ex are(diz elle jin Bibliothecis dicantur illi^ quorum immorta^
les anima in iifdem locis,ibi loquiintnr, qui nimò etiamqui nonfunt ,fing7intur,parí*
untqut defideria non tr aditivttltiis,ficut in Homero evenit,^c,
r. "No Retrato ficou Luis de Camões aventejado a qualquer grande Eílatuapor
•inaraviÍhofa,que folTe , porque as Eílatuas nam occupam rhais que hum fò lugar , &
padecem também as injurias do tempo , com as quaes fe acabaram atèaquel les
monílruofos Co]oíros,comque os Antigos quiferam eternizar fuamemoria,porèin
as Eíbmpastemaquelia propriedade da pintura com a qual diz o mefmo Plinio,
que os homens fe íiza*am iguaes aos Deofes , podendo eitar juntamente prefentcs
em toda a parte , & por benificio da ImpreíTam ticam izcntos dos poderes do tem-
po. Eítesexcellentcs prémios , queasObrasdeLuisdeCam.ões tem alcançado,
fparece antevio elle muytos annos antes,quando confiderando o pouco fruyto, que
entam lhe rendiam feus vcrfos diíTe na Eltanc. 100. do Canto 5*. de feus Luíiadas.
V " , Porém ndò deyxe em fim de ter difpcfto^ ^c.
Pello que tem nelle todos os profe (fores das Sciencias hum grande exemplo,
para nam deyxarem de occupar feus talentos em beneficio publico, por falta de fa-
vor , porque quanto mais elle lhe falecer de prefente , tanto mayores prémios po-
dem efperar de futuro.
Com razam logo nos podemos confolar da contraria fortuna:, queo noíTo Poeta
padeceo cm vida,pois alem de ter nella por companheyros aos mais Illuítres Varões
da Antiguidade, não lhe vay ficando depois da morte inferior nas honras da Sepul-
tura,naauthoridadeda^Ellatu; s,n dilataçam daFama,com aqual he celebrado por
todo o mundo, em tantas lingoas, dos melhores Poetas,Hiítoricos, & Oradores, de
inaneyra,que lua glorioía memoria durará igualmente cora os Scculos vindouros.
OS
Pag.i;
«01
os lusíadas
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
Commentados pelo Licenciado Manoel Corrêa.
ARGUMENTO.
Fazcm concilio os Deoíes na alta Corte,
Oppoemfe BaccoàLufitana gente,
Favorece-a Venus^ôc Mavorte,
E em Moçam bique lança o férreo dente:
Depois de aqui moílrar feu braço forte,
Deftruindo, & matando juntamente,
Torna as partes buícar da roxa Aurora,
E chegando a Mombaça íurge fora.
CANTO PRIMEYRO.
fede Canto primeyro fe conta o que acontece© ao Capitão MôrVafco da Gama,
depois que partio deLisboa a defcobrir as partes da índia por mandado d'£l-
Rey D. Manoel, té chegar a Mombaça na Cofta de Melinde.
AS armas j & os Varôer ajjinãlados ,
^le da Occidental praya Lufítanaf
*Por mares nunca d' antes navegados^
PaJ^ãraÕinda alem daTaprobanai
Em ptrigosj & guerras esforçados^
Mats do qtiepromettia a força humanai
E entre gente remota edificarão
Novo Reyno^que tanto fublimáraõ^
AS armas. Coftumaó , os que declaraõ obrts
alhca^.antes que entrem na declaração delias,
trattr aigúas coufas, affim do Autor da obra , ti-
mlo delia, como da ç[ualidade do verío , Ôc intcij-
ça© do Autor. O Autor dcfte Livro foy Luís de
Caniécs, Portu^ucz de naçaó,narcido,6c creado
naCidadcde Lisboa, de Pays nobres, 5c conheci-
dos: á qual, depois de haver citado muy tos annos
nas partes da Índia, fc recolheo, òc nellamorreo,
6c crtárepultadonoMoíleyro de Santa Anna. Pe-
las Armas foy na índia muyto conhecido, & efti-
madojcomo tcftemunhaó muytas ptílons dcqiia-
lidade.que o conhecerão naqtielias partes, ôc hoje
cm dia vivem neftas. Quanto á Letras , eft*, ÔC
outras obras luas, que andaõ iinpreflk*;, nioíliáo
fua erudição, & engenho: & quam alta puzera a
rirca,re deyxados outros exercif ios, le d^ra a cilas
de todo.Intitula-fe cfta obrajOi Lnfiaelai de Luís Jt
C<iwffí,por traur dos fcytos dos PgrcugueZ' s,aos
A quacs
2 ' , Lu^ada^ de LuU de Camões Commentaàos,
quaes os Latinos chíimaô Lufadas. Alguns que- Cantando efpalh ar ey poY toda aparte^
icnv, que os Portagu^zes íe chamem Lufiadas de Se a tanto me ajudar o enzenho, &aYte
Lufo decimo leptimoRcy de Efpanha, que rey- ^ iw, / ,
nou nella trinta annos , de cuja origemnão daó E também as memorias gloriofaí. Pron:ettr tratar
razaó alguma. O nojlo André de RcTende Hh. i. também dos Reys de Portugal, os quaes eílendc-
gntitj.Luf.in princ'tpio,á\zjB^\xc dcLuíb filho de Bac- raô a Fé de Chriílo nofio Senhor, tomando n^uy-
cho,& que fe chamarão tambcmLyfiadas de L) fa tas terras aos Mouros,aírim cm Europa, como eoT
feu companheyro: 6c aterra Lufitania, ou Lyfita- Africa, 6c Afia. E porqueaqui fefaz mcnçaóde-
niapor eíte,iferpeyro, o qual eu figo. Hoje fe cha- ftas partes doMundo,tratarey brevemente delias,
ma Portugal, de cuja oi*igem fe veja, o que efcre- para le entenderem meljior algumas couíhs, que
vemos no canto tcrceyro, Oóbava zo. A qualida- no difcuríb deite livro íc ofi^erecem.
de do verfo, he Oélava rima , verío heróico , co- Os antigos dividirão o Mundo em três partes,
mo entre os Latinos, & Gregos, o Hexametro. porque naó tiveraô noticia da outra novamente
Chama-fe Oâ:ava'"nma, por terçada eítanciaoy- defcuberta, á qual porcftererpeytochamão novo
to verfos. A tcnçaó do Poeta he tratar do defi;o- Mundo.Todos os Gcographos comcçaô fua dçí-
brimcntPíftcçonl^uiíladalndia, &dos valerofos cripçáo de Europa, por fcr ( ainda que na gran-
feytoiém âi^m^as.quc õsPortuguézes nella fizeraô. deza menor que todasjna bondade, & fertilidade
Guarda a ordem , que os Poetas heróicos coftu- muyto mayor. A qual Plínio lib, 3. c. i. cham.ou
mão guardar no principio de fuás obras.Propocm mãy do povo vencedor de todas as gentes , &a
naqucllas palavras: As*rmas, éf ot varões afjina' tnaisbella ,& íermo la de rodas as terras do Mun-
lades. Pede ajuda as Nymphas do Tejo naquella .do. O que os antigos quizeraó moftrar pelo nome
Qélava: E vh Tágides minhas. Começa a narração de Europa, chamada no Grego Europi, que quer
naquelle verfo : Ia no larg;o Oceano navegavao, dizer fermofa vifta : como he notório, aos que dc-
Da Occidental pr aja LuJitana.Chimi^ Portugal, íla lingua tem algum conhecimento , & Ic pôde
parte occidental, porq dç todas as de Europa, ne- ver no Thcfouro da Jingua Grega, no fegundo to-
nhúa o he m^is. Occidental quer dizcr,aonde o Sol mo. E efpantomc, nenhum Autor antigo , nem
fe põem, naó porq feponha,mas porq quâdo o dia moderno haver dado naverdadeyra etymologia
fe acaba ncfte nofio Emffpherio,parece,q alli aca- dcfl:a palavra; crendo todos, que o nome de Eu-
ba,& fenece leu curfo^pelo q vulgarmente fe diz,^ ropa lhe veyo de húa mulher aflim chamada, que
fe põem, como fe não ponha, mas andecmconti- Júpiter furtou, & levou a Cândia, que commum-
nuo moviméto, dando luz ás terras per onde pafia. mente fe tem por fabula. Tem Europa por termi-
Por mares nunca d*antes navegadts^ Efta he a ver- no , da parte do Norte, & Occidentc , o ^rande
dade, que atè o tempo de ElRey D. Manoel naó niar Oceano: do Sul , o Mediterrâneo: do Òrien-
foy defcuberta a carreyra da índia, nem fe nave- te, o Egco, chamado hoje Archipelago: a lagoa
gou, como hoje fe navega. Nem me move, o que Meotis chamada cm Italiano mar delle Zabacche:
diz Damião de Góes na hifl:oriado PrincipeDom o rio Tanais chamado Don,ou Taná. Divide-fc
Joaó,/í^.i.c<íp.67. pelo que leo em Plmio: que íc- em doze partes principaes: Elpanha, França, A- J
râ tal como o de Eudoxo, de que trata Efl:rabaó Icmanha, Itália, Rhecia, Vindelicia, Grccia, Pa- *
Uy. 1 fag.Ubtimeiyi. & tem porfabulofo. E o nof- nonia,Efi:lavonia, Noruega, Sarmacia, & Efcan-
fo Poeta tinha voto nefl:as, & íèmelhantes mate- dia, com as Ilhas adjacentes. Alguns modernos
lias. Leaô oscuriofosaGaípar Barreyrosemocô- efmiução mais efl:as partes , mas tudo oquetra-
mcntario, quefezda regiaó Ophyr , aonde trata taô fe reduz a efl:as doze, como (e verá no Canto
efta matéria com muyta claridade, & verdade. tcrceyro, aonde o Poeta trata efta matéria de pro-
Pafjarao inda além da Taprobana. Para encarecer a pofito.
comprida navegação do? Portuguczes, ufa defta A legunda parte he Africa; deraólhe os antigos
palavra Taprobana, á imitação dos antigos, os eftenome, que quer dizer Quentura, na língua
quaes quando queriaõ encarecer huma coufapor Grega, porfer pela mayor parte muyto quente,
muyto remota, diziaó, fcrà na Taprobana. Hoje Divide-fe em cinco partes:Berberia,Numidiâ,Li-
ie chama Ceylaô, & he fujeytaaos Reys de Por- bya,Ethiopia, 6c Egypto. Ainda que alguns daó
tugal.Veja-fc a nofia annotaçaõ no canto decimo Egypto à Afia, outros afazem parte per fi. Tem
Oótava ji. Berbéria cinco Reynos: Féz,Marrocos,Sirz, aon-
de eftá Trudante, Tremefier^i, aonde cae Argel,
2. & Tuncz, que he apropria Africa, aonde eftevc
E Também as memorias gloriofas Carthago, grande inimiga do Povo Romano: a
T>aquelle5 Reyí^qneforaõ dilatando qual foy muyto perto do lugar , aonde agora eftá
J Fè, o Império. & as terras viciofas ^ ^j'^^^^ '^^'^"í n^' "^^ ''"*2, """''^ ^°'^'' ^ ^^^>'''''
T>'^Srica,&d^Jfta andaram devafíando. í^^í^^"^*^^"^-^^ "«"^«^^^'^^^'^'^'^^"^ ^lÇ«^
t:- -^ ,1 ^ , ffff^i^vu/tmiuv. que Ihepuzerao osRomanos,porquenacon^ul-
^ aqueles, que por obras valerofas l^ jc Africa nenhuma gente acháraó mais barba-
òe vao da ley dá morte libertando: ra,quc a defta parte; a qual faz vcntagem hoic e-n
tudo
Canto Trlmeyro. 5
tudo a rocia a outra terra de Africa,como Tabemos os naturaes,pelo me^o refpeyto, chamac Sahu-
os Portuguezcs, pela muyta coramunicaçaõ que rá, he húu faxa de terra> que começa de Oceano
neítas partes temos. Outros lhe daó outras ery- occidtntal , das comarcas do cabo Bojador , ate
mologias, que í"e podem ver em Luís de Marmol chtgnr á nofla fortaleza de if^rguim : òí vay em
na priiT.eyra parte de íua Africa. krgura dé lcfienía,oytenra, ôíccmlegoas , 6c
Numidia, fe chama aílin),porque a gente defta mais em partes, atè dar nas correntes do rio Nilo.
parte naõ vive de outra coula , Tenaó da cultiva- He terra deieria, eíUril,& triílc,por Itrdc muyto
çaó das terras, & gado, que tem muyto. Aos dt- grandes areaes^ pelo que he falta do ncccílario pa-
Ita RegiaôchamáoosGregosNoroades,quequer ra a vida. EalTim nâo vivem nclla, lenaóalarveSj
dizer paílores: os Latines NimidaSjSc a terraNu- maisbiutosque osanimaes, que lhe náofaltaô.
mídia. Confina efta terra com humas ferras gran- Donde íe deo lugar áquelia fabula , dequeOvi*
des, que a dividem de Berbéria, ás qnaes os natu- dio faz nicnçâo nas íuas Metamorphoíes, lib, 4.
rricschamaô AyvacaJ,Sc os Latinos Atlâremayor, Que quando Ferfeo matou a Medula , paílardo
à diífercnça de outras, a que chamâo Atlante me- com íua cabeça pelo ar cm cima do cavailo Fega-
nor: 6c os Africanos Errif, queeftaó ao longo da fo, do langue, que da cabeça cahionaquellas par-
coíladomar Mediterrâneo. Hojelechamaõ vuU tes, ficou chea dt cobras, & bichos, de que tem
garmente MontesClaros.Tem Numidia três Pro- abundância.
vincias:Drá,Todegà,Sc Tophilete.Drà le chama Ethiopia, quarta parte de Africa, he terra lar*
aílim,dehum riodo raefmo nome,que dcfccdos ga, 6c quafitoda fujeyta ao Preílejoaó , Senhor
Montes Claros , 6c a rega por cfpaço de íeííenta daquellas partes, É Icgundo o que íabeinos por
legoas: nasquaes todas ao comprido, & huma de relações , & eícritos de noílos naturaes,jaz o eíta-
largo, de huma, Sc outra banda do rio hecheade dodcfte Príncipe entre as coi rentes de três muy
palmares,de que tera o Xarife grande tributo. Nd famoíos nos: Aítaborá, Nilo, Ôc Aftapo, deque
fim delia Província eftâ huma Cidade chamada Ptclomeo faz menção na qual ta taboa de Africa.
Quitauga, na entrada do deíerto , aonde levaó o Chama*le Ethiopia, por os moradores daquellas
ouro da grande Tumbuquutu. He a maispovoa- partes íerem negros , que iífo íigoifíca a palavra
da tcirado mundo , porque no dito elpaço de na lingua Grega. DonomedoPreífeJoaó, & da
leflenta legons, tem mais de trezentas villas,& lu- grandeza de leu Rey no trata Jctõ de Barros lar-
gares de calas grandes, Scfobradadas, mas fracas, gamente na terccyra década. Os Reys de
por ferem feytasde area,6c paos depalmajpíirn&õ Portugal tem também muyta parte na Ethiopia,
haver na terra pedra, nem outra madcyra:ôc vale- como laô os Rcynos de Sanagá.,Ganibca, Guincj
lhe chover poucas vezes naquellas p^irtes, porque Manicongo, Jaloph, Cantor, Mandirga: as Ilhas
fe acerta de chover dous. ou três dias, dâ com to- do Cabo verde, Saó Thoni c, Sc Príncipe, a grau -
das as caías no chaó. Crio Drá, ainda que he de de ilhadeSaõ Lourenço, Quilòa Mcrrbaça,Me-
muyta agua, não chega ao mar, porque o forve a linde, & outras naqutlía coíla. Egypto , quinta,
terra nosarcaes de Libya. Mantemleagente de Sc ultima parte de Africa, que m.uytos (como fi-
Drá, ôc Taphilete, que confina com ella, de tama- ca dito ) affinaõ a Afia , foy primcyro chamada
ras , ôc com os caroços d.llas pifados fe íuftenta o Aeria, por fêr ifenta das alterações , 2c tempcíh-
gado. Entre os palmares feda o -anil, como o que des, que fuccede haver em outras partes; por tcf
vertida índia, que ferve paratingir azul, & preto, femprc nella oar claro,5c limpo de névoas, Sc nu-
Taphiletetemelienomede huma Cidade pnnci- vens, 6c por fer terra muyto temperada. Pelo que
pãl damefmaProvincia. As cafas faô como as de nem os (rios do inverno, nem as calmas do verão
Dra pelas raeimas razões. Tem algCias minas de laó taes, queoffendão, 6c tratem mal a gente. A-
fal, que levâo em Camelos a Tumbuquutu,para gora fe chama Egypto, de híã filho de Etllo Rey
dará troco de ouro, donde trazem muyto, peloq deBabylonia, allim chamado, que toy Rey delU
efta terra he muyto rica dclle. He efta grande Ci- Província feílenta 6c oytoannos. Tem da parto
dadedeTumbuqiiutU5nagráde província Jaloph, do Occidente osdclertosde Libya, Marmarica,
diítante do rio Sanagá por cfpaço de três legoas. 6c Barca: do Oriente Afi 1, do Norte o mar Medi-
He de grande concurlb de mercadores de diffe- terraneo, doSul oRcyno de Nt.bia. Temmuy-
rcntes partes, por refpeyto do muyto ouro, que to grandes Cidades, Villas, 6c lugares, de que he
vem ter a ella da Província Mandinga. Taphilete, rouyto povoada. He fértil, 6c abundante de todas
6c Drá faõ de gente baça. Os deTodegá,quec{- ascoufas neceílarias para a vida, como diz Piinio
taô nomeyo por efpaço de fcífenta legoas, pouco lib zi.c.t^. pelo que os antigos lhe chamarão PU"
mais ou menos f-iõ alvos como Framengos ; mas bUcumorbu fj9rreuWyCc]\pyTO publico do mundo. E
poente bruta, 6c boçal, vivem elpalhiidospeloCer- porque ao diante me hadefcrncceflario tratar ai-
taó dentro, tey tos paítorcs, 6c lavradores. Naõ gCias coufasdcrta Província, 6c de alguns lugar.-s
ha nerta terra, lenáo algum trigo , 6c fruy tas, de
quefelurtcntaó.
Libya, terccyra parte de Afrí ca,chamada aflim
dos Gregos por fuaiecuru, 6ccílenlidade: a que
feus,do nafcimento do rio Niío , & caufis do íeu
crecimento, 6c outras coufas dignas de fe fabcr,o
não faço aqui.
Afia,terceyra parte doMundó,hc íó per fí mtiy -
Al to
4. Lupadas de Luís de Camões commentaàas\
to mayor que Europa , & Africa. Dizem alguns, zinha à nofla Europa he a da cafa Ottomana , &
que fe chamou aíTinijde Afio filho de Maneio Ly- Império do Turco,quc começa cm Conílantino-
dio; outros de Aíia filha de Promcthco: & outros pia , &: he fenhor de niu) tas Províncias na Aíla
lhe daó outras derivaçóes,& origens, como lhe dá mayor. & menor. A fegunda, he aquclla parte, q
gofto. Outros, qucrendo-le conformar como cae ao SeptentriAÓ , fujcyta ao graõ Duque de
Grego, dizem que fe diíle aííim de aíis , que quer Mofcovia. A terceyra, ôí mais Oriental, chama-
dizer lodo, ou lama: por ferem algúas partes delia da Tartaria do graõ Cão , que cflim (e intitula o
íujeytasa grandes enchentes dcmuytos,6c gran- Emperador dos Tártaros : porque naquclla lin-
des rios , que a regaó. Mas outro lodo , & lama gua,f^/«w C^w.qucr dizcr,Grãdc lenhor. A quarta
lhe acho eu mayor , que íaó as grandes fuperlti- he a teira do lenhor da Períía, chamado entre ellcs
çóes,genrilidades,& abominações , que a mayor Sophi : palavra entre os n cimos de preeminência,
parte deílas terras, & Reynosteve, Ôc rem,como 6c império, como entre nós Emperador: oqual he
he notório ao Mundo. Porque hús adoráo o Sol, fenhor de todo o Meridional da Aíia. Aquinta, Sc
outros a Lua, outros o Boy, ouiros,diíferentes a« ultima paite comprehende a índia, 6c China,aon-
nímaes : & tem outras torpezas indignas de fe cf- de ha differentcs nações. Aqui tem os Portuguc-
creverem, 6c hoje faõ fabidas pelo muyto, que os zes muyta parte.
noííos Portuguezeá tem tratado, & trataõ em ai- A quarta parte do Mundo , de que os antigos
gúas déftas partes. Pelo que fepó'ledizer,ferfua naô tiveraó conhecimento , fe chama America,
verdadeyraecymologia tirada do Grego aíios, q do nome de fcu defcubridor Vcfpucio Amcricc,
querdizer, lem Deos : por os moradores deílas Florentino. Chamaíe também novo Mundo, af-
partes ferem diílblutos , 5c defenfreados cm fcu íim por fua grandeza,como por fcr novaméte dcí^
modo de viver, & por efte refpeyto gente fem cuberta. Os que lhe chamáo índias, ainda q daó
Deos , perdida , & errada no conhecimento da alguma fahida a efte nome, ufaó do vocábulo im-
verdade. Nem he inconveniente, quehouvefie propríamétc: porque índias fomente fe entendem
fcmpreem Afia muyta Chriftanlade, Scqucho- asOrientaes, ditas aíTim por razaó do rio Indo
jc em dia a haja: antes he de crer que aqucllcs ían- que as rega. O principio do defcubrinento deftc
tos,& doutiílimos Varões lhe puzeraó efte nome, novo Mundo contmuou hum Chriftovaó Co-
vendo o grande defâtino, &(íe{variodefta gente, lombo, Genovez de nação , por mandado dos
EjaSailuftio , & Tito Livio em fcus tempos fc Reys Catholicos Dom Fcrnandc,6c Dona Ilabel,
queyxavãodograndedano,queos Romanos rc- noannode 1492. Hoje he dcfcuberta toda eftaA-
ctbião com acommunicaçaó da gente da Afia, mcrica, ou novoMundo, laivo no que toca ao
porfermolle, & afeminada, ôc entregue a todo Nortr,dódefe cftendepara oSul,a n ©do deduas
género de vicio: o que fe apegava aos Romanos, peninfulas , as quaes aparta hu ma pequena terra,
que aportavão áquellas partes. E afíim lhe chama A peninfula Scptentnonal comprehende a nova
o Poeta terras viciofas , por os moradores delias Efpanha, México, Florida, ôc Terra nova. A
ferem dados a todo género de vicios. Eftes faõ Meridional ( a quem os Efpanhots chamão Ter-
hoje os moradores, em grandes Reynos, & Pro- ra firme ) abraça o Peru, & Brafil.
vincias. E os que efcapaó defta torpeza, & lodo
genrilico, daó em outro, que he a maldita feyta V
de Mafamcde. Bem he verdade que nas partes da f^Effem dofabio Grego ^ & do Troyano
índia té os nofibs Portuguczes feyto grades pro- l ^ ^j navegações fraudes, que fizer ao:
vey tos nas coulas da Fr :&c que ha nella muy tos, ^Ca/efe de Alexanaro^& de Trajam,
ScmuyfirmesChriftaosi&cadadiaaBandeyrade . r j ■*. ■ *• -
Chriftofedeíenrola em novos Reynos , aonde Afama das vitorias , que tiver ao,
muytos Rehgiofos com zelo fanto , & caridade ^^^ ^« ^"^^^^ ^P^J^^ tllujtre Lujitano,^
grãdilTima, le põem em muy certo perigo de per- A quem Neptuno, & Marte obedecerão:
der a vida, por ganhar almas a Deos, arrancando CeJJe tudo^ o que a Mufa antigua cantay
idolatrias dos corações dos gentios , drsfazendo ^e outro valor mais altofe alevanta.
Ídolos, 6c dando os Templos a quem faõ devidos.
Tem Afia por termino da parte do Oriente,Nor- Celjim dofabio Grsgo. Por fabio Grego,entcnde
te, 6c Sul, o grande mar Oceano : doOccidente, Ulyfle» fenhor de Itaca ilha do mar Jonio, chama.
orioTanais, queadivide, 6c aparta da Europa, da hoje Valle de Compare: 6c primcyrofundador
juntamente com a lagoa Meotis,6c mar Egeo.Da de Lisboa. Se he verdade o que alguns dizem.ôc
Africa a divide o mar roxo, 6c húa linha, que paf. o nofib Poeta refere no canto cytavo, Odava 5.
fadodiro mar ao Mediterrâneo, que eftánotada FoyefteUlyiTcs taó avifado, 6c taõ aftuto, 6c fu
de negro na cai t:: Gcographica de Gafpar Vopel- gaz em íua viJa, 6c modo de proceder, que lhe fi-
lio, a grãos 6^. de longura. Os antigos, 6c moder- cou por appellido o Sábio. Suas coufas cota Ho-
nos varião na divilaõ da Afia. Hoje íc pôde divi- mero na Odyí!.'ía,que toda gafta cm tratar delias,
dir em cinco parter,rcfpeytando os Principes, q a pelo que a intitulou do leu nome.
governaô,Scfcnhorcâõ. Apiimeyra, 6c mais vi- E do Troj ano. EàcícyEntaiBWio deAnchircs,
6c
Canto Trimeyro, ^
5<; Vénus; oqualdepois dedeftruida, 8c queyma- outra banda dos rios Tigris, & Eufrates: como
da Troya fua pátria, fugindo da fúria dos Gregos Suria, Babylonia, Chaldea, &; eutras Províncias:
vencedores, paflbu grandes trabalhos no mar até entrou pelo rioTigris ao mardaPeríia, donde
chegar a Itália; os quaes conta Virgilio na lua E- determinou paflar á índia, & conquiftalla; mas a
neida : o que pudera bem fazer lem tocar na hon- idade (por ferjamuy to velho) naó lho confcntioj
ra de Elifa Dido, que Eneas nunca vio, nem co- pelo que dalli tornou a Roma.
nhecco. Lembro ao Leytor, que tudo, oqVir- A e^uem Neptuno , & Marte ebedecerao. Os anti-
giliocfcreve dos fucceflbs de Eneas : Homero gos, cegos no conliecinicnto dcDeos, adoravana
dos trabalhos deUiyncSj& Valério Flaco da jor- pordeoles a Neptuno do mar,&: a Marte da guer-
nada dos Argonautas , em comparação dos Por- ra: fendo aíTim eftes, como Júpiter,^ outros que
tuguezcs he quaíi nada. Porque a navegação dos elles tinhâo na mefma conta, homens, 6c nãobósi
Argonautas foy muyto breve,como he de Grécia antes difiolutos , & tyrsnnos. Mas como elles er-
aorioFaíode Colcos, regiaõ da Afia , fempreá ravaô no principal , tmhaõ por deofes homens
villa de terra:rahindo a cadapaflo nella, jantando peccadores, & de maoscollumes, para darem def-
cmhum porto, Sc ceando cmoutro.O caminho,q culpa a feus próprios vicios. Pelo que avifo ao
UJyfles,6c Eneas fizerác,foytambé muyto breve, Leytor, queoffercccndo-fe fallar neftes, ou em
porque nunca íahiraó do mar mediterrâneo. Pelo outros alguns deofes dos gentios, entenda que faõ
que tudo, o que dcilcs fe efcrcve , íaõ fabulas , & fabulas, & fingimentos, & que he ncceíTario tra*
encarecimentos de Poetas , que naó tendo outra t3r delles algúas vezes , para declaração dos Poe*
matcria,de que lançar maó,quizcraômoftrar feus tas, como neftc lugar. Onde por eftas palaVrasí
mgenhos ncftas mentiras, 5c patranhas. Os noflbs a quem l^eftun9^& Marte ooedeceraZ: quer rnoftrar
Portuguczc-s Correrão, êc defcobriraô tantos ma-
res, viráo tantas Ilhas, conquiftáraó tantas, & taõ
varias nações, 6c terras ; que para ícus feytos fe-
rem como faõ , differentes de todos os do n^undo,
naó lhes faltou, íenaõ quem os efcreveire,& cele-
braíTe como elles merecem. E trazer o nolTo Poe«
ta a terreyro Ulyfles, Sc Eneas, he, pelo que delles
bbulota, 6c poeticamente e diz ; & naó , porque
fejaõ fuás navegações , & trabalhos dignos de fe
comparar com os dos Portuguezes.
CAÍefe de Alexandra , é^ de Jrajano» Alcxandro
chamado, o Magno,por fua cavallaria, 6c esforço,
foy filho de Philippo Rey de Macedónia, 6c an-
tes do Nafcimento de Noflb Redcmptor,6c Sal- alludir áquclle difticho taõ celebrado > feyto em
vadorJeíuChrifto, trezentos, 6c vinte 6c quatro louvor de Virgilio:
annos : 6c natural da noíla Europa. Conquiílou Ceditf, Romani Scriptoresy cedite Graijt
Afia, paflbu à índia, atravcflando Perfia,& Arme- Nefcio ^uidmaius nafcitur Úiaãe,
nia, 6c outras muytas Pi ovinLÍas,6c Regiões, nas Eílem de parte os Efcritorcs Latinos , 6c Gi*e*
quaes houve grandes vitorias. EftegnndcEm- gos, que agora novamente fae a luz^ hum naó fey
perador, 6c Capitão, lujeytando o mundo, 6c ven- que> mayor que a Ilíada de Homero,
cendo varias nações, não fe foybe vencer a fi mef-
o esforço, com que os Portuguezes fe offercceraó
aos traba]hos,6c perigos: 6c como navegando ma-
res incógnitos, parecia,quc as próprias aguas lhes
obedeciaó. E nas guerras,recontros, Sc batalhas
fe haviaõ taõ valerofamentc , que á cuíla de muy-
to fangue de feus inimigos , fahiaó com a vitoria,
6cpareciaõ fcnhores da melma guerra, 6c que era
mandada por elles.
Cejpt tudo, o cjue a Muj a artúgua canta. Tudo o q
os antigos Poetas, 6c Hiftoriadores eícreveraó de
feytos excellentes de Varões illuítrcs , diz o Poe-
ta, que fe pôde pòr â parte, em comparação do que
ellehade tratardes Portuguezes. iNo que parece
mo: porque foy muyto foho no beber; pelo que
diz Solino no fcu Polihilt. cap. 14. que morreo de
rinho. Outros querem q morreffe com peçonha,
6c que feu meftrc AriftoteJes foflc em ajuda de fua
morte. Trajano Emperador dos Romanos, foy
Efpanhol de naçaó , natural de hum lugar cha-
mado antiguamente Italica,cinco legoas de Sevi-
lha: do qual hoje naó ha memoria; porque o tem-
po fez feu officio ncUe , como em outros muytos;
pelo que os Efcritorcs o fazem natural de Sevi-
lha. Foy cfte Emperador, omclhor (fegundo
fe dclle efcreve ) de todos os Emperadores gctios;
cm tanto que quando fe creava algum novo Em-
perador, diziáo em voz alta: Shfelicior Augufto^ &
Jrajano melior. Sejas mais felicc que Auguílo, 6c
melhor que Trajano: como refere aChronica do
mundo, pag. 10^. i„ fgxta atate mundK Sujeytou
Trajano toJos os Rey nos, quccílaõ de huma,6c
Eybs Tágides minhas ^pois criado
Tédes em mim hu novo engenho ardete^
Sefempre^ em ver/o humilde, celebrado
Foy de mim vojjo rio alegremente:
^ayme agora hum fom alto^ & fublimadol
Hum eftylograndíloquoy ^ corrente^
Torque de voj^as aguas Thebo ordene,
^e não tenbão inveja às de Hippocrefíe^
E vè$ Tágides Mtnbat. Até cila Oílava propòa
o Poeta, o que havia detratar nelle feu Livro. Pe-
de agora ajuda, 6c favor ás Nymphas doTcjo,por
efcrevercoufasde Portugal, por onde o rio Tejo
pafla, 6c por honrar fua Pátria , attnbuindclhe
Nymphas. E chamalhe Tágides, por eílc Rio cm
ktim fc chamar J^gui, AsNy mphas fingiaõ os an-
tigos
Lujiadas de Luis de Camões Conmientadôs,
tam necefiario, dizo noílbPoeta, que fua Pátria
criou nelle hum engenho ardente.
SefeTKprs em verjo humúde. Poe m lhe diante a o-
brigaçaó, que tem de o favorecer , pois toda Tua
vida gaílou cm leu ftrviço, cantando, & louvan-
do osPortuguezcs,&coulas de Portugal, as quaes
pelo rio Tejo entende. Verío humilde ^ chama
Éclogas, Elegias, & outras coufas, que compôz:
ás quaes, por naõ lerem em verlo heróico , ncai de
coufas heróicas, lhe põem nome de humildes, co-
mo os Poetas coftumaó.
/alegremente. O que he de agradecer, & por eíle
6
tigos fcr deofas c| viviaô ao logo dos nos, & fon-
tes, & em lugares frefcos, 6c apartados do com-
mercio, &c trato da gente, Davaólhe efte nome ^e
Nymphas, porque alguns nalinguaGrega cha-
niaó ás aguas nymphi. E porque os lugares mais
accommodados a gente eftudiofa,&; dada ao exer-
cício das letras , principalmente á Poeíia , laõ os
deleytofosâ vifta, acompanhados de fontes , &
rirs, em que fingiaó os antigos que as Nymphas
reíidiaõ ,coílumáraó os Poetas invocallas , como
Protectoras íuas, como faz o noíTo Lu is de Ca-
mões. Alguns querem, que Nymphas, ficMufas
ícjaõ a mefma coufa. Das Mufas fe veja o que ef- refpeyto merece o favor que pedc.Porque as cou-
crevemos no Canto 5. 0<5lava i. ias fcytas devagar, ou alcançadas com importina-
Tentles em mim hum novo engenho ar cUnte. Com çaõ, merecem pouco agradecimento. Donde di-
muyta razaó o nofib Poeta chama aqui ao feu cn- zé os Latinos : Care confiat quodprecibui impetratur,
genho , novo, & ardente. Porque não fomente Caro cufta, o que por rogos le alcança. E os Gre-
cm Portugal, mas ainda em toda Efpanha , até feu gos: A graça feyta devagar, hc graça Icmgraça,'
tcnipo,nunca nafceo ncHe outro algum engenho^ §Lue não ttnhm enveja as ãe fíippocrene. Pede aju-
que fe moílraíle taõ digno do nome de verdadey- da ásNymphas doTejo, para que deftamaney-
ro Poeta, como foy o noiTo l,uis de Camões, por ra fiquem as aguas defte Rio conhecidas , ôc no-
niais que as hiftorias de Efpanha engrandeçaó aos meadas , como asdafonte Hippocrene. Conta»
Jeus Efpanhoes, Séneca, Lucano» Marcial, Bof- defta fonte as fabulas , que todos os que bebiaó
can,&: GracilaíTo, ôc outros famolosPoetasi co- dclh,ficavaó Poetas. Chama-feHippocrenc de
mo das obras de cada hum dellcs confta claramen- duas palavras Gregas Hippos , e^ crwty que juntas
te.Pois com tanto artificio foube o noílo Camões querem dizer. Fonte do cavallo. Porque fingem
ordenar os Luí^adas, que aqui vamos explicando, os Poetas,que quando Perfeo filho de Júpiter ma-
que quem ler a mayor parte da Poefia dclles, a ca- tou a Medufa, do íangue que lhe cahio da cabeça^
da paílb lhe parecerá que encontra com Virgilio, fe gerou hum cavallo com azas , a que os Poetas
ôccom Homero, Principes da Poefia Heróica, chamãoPegafo, dandolhe o nome do lugar enni
Latina, & Grega , ainda que com tanto mayor que nafceo. No qual cavallo fubio Perfeo . & foy
vcntagem , como ha do vivo ao pintado. Pois o nelle a Boecia , écpoufando no monte Helicon,
cfpirito heróico que ambos moftrâraó em ashi- abrio no lugar aonde le póz, humafonte cem as
liorias fabulofas que fingirão , feeftâvcndoo mãosj que por eíle refpeyto foy chamada Hippo-
noílb Camões em tam verdadeyra hiftoria , co- crcnc, que (como fica dito ) quer dizer fonte do
mo faõas nofias conquiftas : 8c ifto com eípirito cavallo. Querem alguns fe deíle occafiaõ a eíla
taõ levantado , & tr.õ heróico , fublime , Sever- fabulado que fe conta de Cadmo, qucbulcando
dadeyramente Poético , que igualou na relação por Boecia lugar para edificar Cidades, andando
deftas verdades, com o encareciment© das ficções de huma parte para outra á cavallo, foy dar ncfia
fabulofas dos mai. famofos Poetas. Sendo verda- fonte. E porque elle era homem que lábia, & in-
de, qucnem osantigoj,nera modernos, quealgúa ventou algúas letras do alphabeto, daqui fe difie,
hiftoria verdadeyra compuzeraõ em verfo, o po- q eíla fonte era dedicada ás Mufas. De Medufa fe
déraõ fazer fem introduzirem nelles novas peíloas, vejaanoíla annotaçaõno terceyroCanto,0<5b.7(J,
1
ja mais nomeadAs,ncm fingidas na Poefia antigua;
da qual os preceycos rhetoricos mandaõ tirar o
ornamento Poético. E o nolIo Camões de tal ma-
neyra foube accõmodar os paflbs da hiftoria ver-
dadeyra, com tantos milhares de fabulas, como
aqui refere; que até as imitações, que como ver-
dadeyro Poeta aqui faz, parecem puras verdades;
de tal maneyra encadeadas, Reintroduzidas, que
com ellas fe naõ diminue 'hum ponto do credito
€|uc á hiftoria verdadeyra fe deve. Ficando ellas,
alem do ornamento Poético, para que fàõ princi-
palmente inventadas , abrindo caminho aos en-
tendimentos allegoricos, para muytas , &; muy
doutas moralidades, proveytofas ao governo, &
D /íyme hua furta grande j &lunorofa^
E não de agrejfe avena ^oufrauta ruda,
Mts de tuba cãnoraf^belllcofa^
^ue opeyto ãccende^& a ccraogefio muda,
"JJayme igual canto aos feytos áafamofa
Gente voffa^ a que Marte tanto ajuda:
^le ft efpalhe_, & Je cante no un/verjoj
Se tamfub Ume preço cabe em verfo,
Dayme hHa fúria granàe. Oròimno he entre La-
tinos , & Gregos chamaremfe os Poetas funofos.
Donde diflePlaiaó, in lone ^ 'vei de funre Peetico:
aos coftumcs da>Refpublicas,para que principal- Necjueenim Pueta pxtus canere potefí. ejuàm Oeo plenus,
mente as Poefias le inventarão. E por efte calor extra fe poetai, ae mente alienatus/it, Opoeia,diz
intrinicco , que para çftas allegorias Poéticas hc Plataó, naó pódc efcrever feys veifos, ícnão cilã-
do
Canto Trlmeyrol ^
docheyodcDcos, & arrebatado. E no mefmo MarHVtlhã fatal ^a nòjffatJaâêí
lugar: Omnes Poeta tnfigmi non arte^feddivmo affla^ "^Dado ãomuftdo pOY^ecS^ á todo O mâfldé
lu , foe7nat0 c^n.nt. O. Poetas inílgJKsnuofazem y>^^^ ^^ tnundoaTieos dar torte QY ande
luas obras por ai te, mas com eipinto , cc ajuda dl ^ ^ ^
\Mn3. ECiceróith.z. Je Orattre: Poetam bonumne" Evis,o hmríafaJa feguraHça» InvocaaElRey
rrÃmm {id c^tiod d Dtrnomto , & PUtom m/criptísre- Dom Scbaíliaó deldeeíte lugar até a 06lava,que
l^ílum ejje dícunt^fim wfiamwettone anmjorum txtfie' conieça: Méi itn quanto e/ie ttmpo pa£a Unte:moih'9,
r,i\poJJe, & fine p^uodam affiatu cjuafifuroris. DizCi- a felicidade deite Reyno, aflítn por leu naicimen-
cero referindo a Plataó, & a Demócrito, que ne- to taó defejado j & íegundo a commum opinião
nhum Poeta pófJc fer grande lemfuna. Pelo que neceflauo para fegurança j & bem dellc ; como
nem a todos os que fazem verfos , havemos logo também pelas cíperanças , que íe tinhaôdo aug-
de chamar Poetas. He efte hum nome muy alt^:, mento da Chriftandade, procedendo com ascou-
íc que fenaó deve, fenáo aqucmfor cxcellcnte, fas da índia, Sc Africa. Captalhe a benevolência
& infigne na Poeíia. cora muyto artificio de Rhetorica ^ como pelai
E nao de agrefie avena, iu frauta ruda. Pede .ás 0<^avas lemoftra^ Efte coftume de invocar os
Nymphas, lhe dem huma fúria grande, &hum Principe?, & Senhores , foy muyto ufado entre
cípirito Poético, fublime , & exccllentc, qual fc osgrandesPoetas:affimofezLucsno na fpa Phar-
rcquefcparacfcrever os heróicos, Ôcexccllentcs íalia, Virgílio nas GeorgicaS) Horácio cm todos
feytos dos Portuguezes : o que declara por eftas os feus livros, 8c outros muy tos.
•o^hvTzr. & nai de agrefie avena^tufrautàruda: pe- Maravilha fatal da mjja id^de. Chamalhe mara*
Jssquaes le entende o eílylo bayxo» êcpaftonl. vilhafatal, affim pelas grandes coulas, que dellô
Porque huma certa frauta dos pallorcs, fe chama fe elpcrav áo; como porque f oy dado a efte Rey-
avena em latim: do nome de híiaherva, a que nos no, por lagrimas, romarias, & procifsóes, & qua-
cm vulgar chaman;.os avéa, da qual ospaftores li alcançado por importunações: o que, parece ,de«
antiguamcnte coftumavão fazer frautas,com que clara naquellas palavras : dadê ao mundo por Dtos»
tangiaô. E ha diífercnça entre avena, Sctibia, q Do que toca ao fado, Ic veja a noiraannota^-aó
avena fe fazia defta berva: 6t tibia, Sc fiftulafefa- " - -
2ia de pao, ou de cana. Ainda que os Latinos cõy
fundem as palavras , Sc chamaõ avena qualquer
frauta: fendo propriamente a que digo , Sc a que
aqui o P(»etacntcndeo: porque de outra maneyra
naó fizera repetição. Pelo que entre os Poetas o
eftylo bayxo, Sc paftoril,fe chama agrefte avena,
como aqui lhe chama o noílb Poeta.
Mai de tuba. canora^ & bellicofa» Por tuba , que
he a trombeta, entende o eftylo heróico, no qual
fetrataó as couías da guerra , de que a trombeta
heprcgoeyra.
§iue opeyttí accende, éf * coraogeffo muda. Moftra
os efftytos da trombeta em tempo de guerra, que
he em l"e tocando alvoroçar os ânimos dos que
haó de entrar na batalha, mudarlhes a cor,Sc fazer
ncfte raeímo Canto,Oâ:ava 24.
7.
^y Os tenro j & notio ramo flor efe ente
f de húa arvore de Chrijio mais amadai
^e nenhiía nacida no Occidmte,
Ce f área i eu Chrtjfianijfsma chamada:
Vede^o no vo£o E feudo queprefente
Vos amoftra a vitoria japafjaday
JV4 qual vos deu por t^IrmaSj & deyxou^
As que elle fiara fina Cruz, tomou.
De huma arvore de Chri/lo mais amada. Entende
ofcliciílimo Rey Dom Affonfo Henriques, pri-
meyro de Portugal: ao qual Chrifto nolfo Senhor
que fe enfiem, que he final, de quem le determina appareceo hum diadeSan6tiago,anno de mil cc-
para algum feyro de perigo, to trinta Sc nove, eftando no can>po de Ourique
Da^ms igual canto. Pede ajuda , que correfpon- para dar batalha a cinco Reys Mouros : aond«
da á matéria de que ha de tratar, que faô os effey- foy levantado per Rey, êc venceo aos cinco Rcys
tos dos Portuguezes: paraque afamafeefpalhe com grande cftrago, & dcftruiçáo dos Mouros, fie
pelo mundo, Sc íejaó divulgados de todos , Sc a muyto pouca perda dos feus,
lodos. Cefarea , oU Cbri(iianijjima chamada. Por árvorcJ
Se t ao jublimt preço eabe emverfo. Se he poílivel Cefarea , entende os Empcradores , Sc Senhores
poderciiilè tratar em verfo coufas defta qualida
de: que he hum grande encarecimento.
6.
EVôsy òbem nafcidafegurança
T)a Lujitana antlgua liberdade;
E não menos certijfima efperança
íDo augmento da pequena Chrijlandade^
Vós, ò novo temer 4a Maura Unça^
de Europa, à imitação dos b^^iuperadoresde Ro-
ma, aonde ellesíccoroão. Por Chiiftianiífin)a,os
Reys de França , por fer efte titulo feu h^^redita-
rio, como notamos adiante Gelava 15. E diz aqui
o Poeta,quc efta arvore,Sc tronco,dondc os Rt ys
de Portugal procedem, foy mais amadii de Chri*
fto: porque fe não lé, que Deos noílo Senhor ii-
zeflctaõ claramente por Empeindor , o'i Rey, o
que fezpor eikfeliciíTmio Rey D. Affonfo Htn-
riqucã*
^ Vidt9
*f Lujtadas de Luis de Carnes Commentados,
Vede-o rt« vojfo efcufl». O Conde Dom Hcmiquc doo tempo veyo a calar, ScafcrRey, Sc houve
deyxou por lua morte a leu filho Dom Affonlò doze filhos,como Tc conta no Genefis, c. 25. 6c re-
HcnriqueshumEfcudo em branco, no qual ne- ferejofepho no livroprimeyro c. 21. defuasanti-
fte dia,que foy levantado por Rey, em memoria guidades. Os quaes elpalhados por diíFerentcs
do apparecimento deChnftonoíloSenhor,&: de partes de Africa, vieraóa fer fenhores , & Rcys
huraa taó finalada vitoria , que houve dos cinco delia, ôc do nome de Ifmael le chamaó os morado-
Rcys Mouros , & à honra das cinco Chagas de res daquellas partes Ifmaelitas : & Agarenos do
Chrifto noflb Senhor, lhe pózhumaCruz azul nome defua mãy Agar. Chamaó-fe eftes povos"
partida em cinco efcudos com outras particulari- hoje Mouros, de Mauron, palavra Gregajque fig-
dades , que no Canto terceyro Oétava 54. íe tra- nifica coufa negra,por ellcs ferem pela mayor par-
taõ. te negros. Chamáo-ferambemSaraccnos,6cprc-
Na ej uai vos deo por armai , (^ deyxou ^ as ejue elle zaó-femuyto dcftenome, dizendo que lhe vem
parafina Cruz tomou. Moftrao Poeta como Chri- de Sara mulher de Abraham. Mas ornais provável
lio noflo Senhor foy autor das Armas de Portu- he , que o tem de hum lugar chamado Saraco na
gal, 6c que elle próprio deo aos Reys delle as in- Arábia Pétrea. Porque quando fe leavntou a maU
fignias, que agora tem. V(ja-fe a noíla annotação dita feita de Mafamede , que foy no anno de fcis-'
no Canto terccyrojcomo acima.
8.
Osj podero/o Rey^ cujo alto Império^
O Soh logo em nafcendo, veprimeyroi
Ve o também no meyo do Emísphtrio^
E quando defce, o deyxa derradcyro,
VòSy que efperamosjugOy ^ vitupeno
1)0 torpe ífmaeltta cavalleyro^
Do Turco Oriental j ó* do Gentio^
^ue inda bebe o licor do fanto rio.
centos 6c vinte 6c nove de nofla lalraçaó, os deíle
lugar foráo os primeyros que a feguiráo. Veja-fe
anoíraannotaçaónelleCanto, Oólava 55. &no
VOs^ podero/o Rey^ cujo alto Império^ feptimo, Oét. 17.
O óo/, logo em nafiendo, veprinifyroi ^^ 7«rcí> Oriental. O Turco he fenhor de muy-
ta parte da Afia mayor, 6c menor, 6c Egypto, 6c
tem grande pé no Oriente, pelo que o Poeta lhe
chama aqui Turco Oriental. E porque neílas
partes confina com os nofibs , diz que efperadc
vir tempo, em que o ponha debayxo do feu jugo.
E de GeníÍ9y que ainda bebo o licor do fanto rio. Por
rio lanto, entende o Gângcs,quc atravefia o Rey-
no de Bengala na índia, 6c de húa, 6c outra parte
O Sollogo em nafcendo^ NeftaOâiava aponta o hemuyto povoado de Gentios idolatras. Chama-
Poeta as partes, aonde os Reys de Portugal tem lhe o Poeta lanto,porque he hum dos quatro rios,
dommio. Para cujo entendimento fe ha de notar, quefahem do Paraifo terreal : ao qual chamaa
que o Sol toca cada dia no feu curlo ordinário Efcritura fagrada cap.2. Genef. Philon, fegundo
três pontos: Oriente, Ponente, 6c Meridiano.Dos Eufebio, 6c o B, S. Hieronymo nas queílôcs He-
quaesosdous,Oriente,&; Ponente, íaô termo, 6c braicas. Os Gregos lhe chamaõ Geta,como diz
balizas do Orizsnte: 6c o Meridiano, he como à- Jofepho nas antiguidades, lib.i. cap. 2, Os Gen-
mago, 6c centro delles. O OrieRte abraça as par- tios errados lhe chamaó Santo. porque cuydáo, q
tcs da índia: o Ponente as Ilhas dos Açores, 6c lavando-fenellevaô direytos aoCeo,6c quenáo
Bralil : o Meridiano comprchende Portugal, Al- tem neceílidade de outro remédio para lua falva-
garves, Cabo Verde, S Thomé,al]hadâ Madey- ção. Eeftáo niílo taõ pertinazes, que Icváo a eíle
ra,6c tudo o mais, que pertence a elle Reyno,dif- rio 05 que eílão para morrer , 6c os lançaõ neJlc,
correndo pela coíla de Africa, 6c mar Atlântico, aonde acabãoaíogados, tendo parafi fercfteo
Pt-otambem no mtyo do ErTéifpherio, Emiípherio mayorbem, 6c felicidade que na vida podem al-
he palavra Grega , querdizer meyo mundo.To- cançar. Errónea heeíla já velha, 6c de muytosté-
ma-fc aqui pela linha Meridiana , pela qual fe en- pos atraz; porq aiíim lemos, que o fjziaó os anti-
tende o nollb Portugal , poílo no meyo dos d©us gos idolatras, não íómentc no Ganges , mas em
poiítos, Oriente, 6c Ponente, como cabeça , 6c qualquer outro rio, comofcpóde verem Macro-
centro delles : 6c pelo confeguinte fenhor de to- bio nosSaturnacs lib. $. cap. i. ao que também
das as partes fujeytas à Coroa deíles Reynos de allude Perfio na fegunda Satyra:
Portugal. Qiie ft ja E mifpherio, fe veja, o que ef- Bac fanãè ut pofcas, Tybertno in gurgite mergis,
Crcvemos no Canto quinto Oét.14. Mane caput bis, ter que, & noèiemflumtne purgai.
Torpe ijmaeltta. Os Mouros fe chamão Ifmaeli- Para pedirdes eílas coufas fantamente, lavais pela
tas dellmaelfilhode Agar,efcrava de Abraham. ínanhãaduas,6c três vezes a cabeça no rioTybre,
Conta-le no Genefis c.ii.quc vendo Sara mulher 6c alimpais no rio peccados,q cõmctteftes de noy-
de Abraham , que linvael filho de Agar fua efcra- te.
va, tolgavâ com leu filho Iiac, ( a que S. Paulo ef- 9.
crevendo ^2^'^'tZ^ ^;'i: ''^*"}^. V<''f'?.^iÇ^ó) y j^^/- p,y hum pouco » Mage^de,
procurou lançallo logo de lua cafa luntamenteco 1 ^ 'J^ f^ SJ '
fua mãy AÉ;ar. A qual ( como fe conta no lugar 1 ^^' ""'f' tenro geftn vos contemplo:
alienado) toy tçr a Egypto, »ondc o filho andan- ^^J^fi ^W^ » í'«^^ «^ mteyra idade ^
^uan*
Canto Trhneyvo.
fiando fubinào h'eis ao eterno Templo,
Os olhos da real benignidade
"iPonde no chão : vereis hum novo exemflo
^oamor do^ pátrios feytos valerofos^
Em verfos divulgado nurnerofis.
é
ir.
Indinay for hum pottcoa Mageftade. Ncíla Gela-
va lhe capta a benevolência ab mdole^ como dizem
osRhctoiicos: que he da grande moíb-aqucem
iua puericia dava de vir a fcr hum grande Rey. E
que ja na tenra idade parecia de muytos annos ,
pelo fifo, faber, & gravidade que moltrava,
Çlaandoftthmdo ireis ao eterno templo. Quando ja
velho ireis caminhando para o Ceo.
Oiivii que não vereis com vãs façanhas ^
Fantaflícas i fingidas jinentirofaf^
Louvar os vojjosj como nas ejlranhas
Miifas^ de engrandecer fe defejofas.
As verdadeyras vojjas fah tamanhas ,
^e excedem as fonhadas f abulo fas:
^e excede Redamontey& o vão Rtigeyto^
E Or laudo j ainda que fora verdadeiro.
Ouvi quenão vertif. Pede nefta Oílava attençáo
a ElRey Dom Sebaftiáo, louvando a matéria dc-
fta obra , que não íerá contar fabulas nem menti-
Oiolhâi íia real henignidaíle ponde no ch^o,?or ch^ó ras, de que os antigos foraó muyto curioíos, mas
entende o Poeta aqui os fcus verfos , dos quaes verdades como acontecerão,
falia por eíle termo taó humilde, porque naó pa- Çli4e excede Rodamont d & o vão Kugfyro» Ha dous
reça cahir em vicio de arrogância. Realça tam- livros, como todos fabemos. em oótava rima, hum
bem a Mageílade Real, em dizer , que ponha os que compózMattheoMaria Boyardo,quc fc cha-
olhos no chaõ, dando a entender j eftar occupada ma Orlando namorado, ôc out ró que fez Ludovi-
cm outras coufas de muy ta importância, ôcpeío* co Ariofto, que fe chama Orlando furiolo. Nos
Vereii bum novo exemplo. Novo aquiquer dizer quacs fecontaó muy tas fabulas de Rodamonte,
excellente , à imitação de Virgilio nas Éclogas, Rugcyro, & Orlando. As quaes pode nellcs ler,
Écloga 3. Poliío, & ipfefacit nova carmina. Pollio quem delias for curiofo.
taiTibem faz novos verfos, como íc diflera: Verfos
cxcellentGSj Sc aífim o uíaõ os mais Poetas»
it>
TO.
V Éreis amor de Vatria não movido
T)e premio vil, mas alto^& quafieternOi
^le não he premio viljfer conhecido
U^or hum pregão do ninho meu paterno.
Ouvi vereis o nome engrandecido
^aquelles , di quem fois Senhor fufremo-,
E julgareis qual he mais excellente^
Sejtr do Mundo Rey^fe de tal gente.
Vereis amor da Pátria, Moftra a natural inclina-
POr ejfes vos darey hum Nnnofero\
^efez ao Rey^& aoReyno talferviçot
Hú Egas^^ hum dos Fuás ^q de Homero
A Clíhara para elles fò cobiço,
*Pois pelos dozíe liares ^ darvos quero
Os doze de Inglaterra ^ò" ofeu Magriço^
^ouvos também aquelle illujlre Gama^
^e ^ara (ide Eneas toma afama.
Hum Nuno fero. Efte hc Dom Nuno Alvarez
Tereyra Condeftable deílesReynos de Portugal,
afíaz conhecido pelas guerras que ElRey Dom
taó dos Portuguezes , aos quaes fó o defejo de aU Joaó o primeyro teve com Caftella,aondc f ez ma
cançar nome , & ler conhecidos , 6c honrados na
íua pátria ( que aqui chama ninho paterno ) faz
ofFerecer a todos os contraíles, &: perigos. Cha-
maaoínterefle premio vil: porque a gente bay-
xa nenhuma outra couíii relpcyta. Donde difle
Ovidio íib.i. de Ponto : Vulgm amicitias utilifate pro»
hat, A gente bayxa naó tem olho , fenão ao inte-
reíle. Premio grande chama o nome, & fama que
fe alcança, fendo celebrados , & conhecidos dos
léus naturaes, petos feytos excellcntcs que fize-
rem.
ravilhas ajudando a leu Rey, & defendendo fua
pátria, como nas Chronicas fe pôde ver , & conta
onoílbPoetano Canto quarto,061:.57.,
Hum Egas. Egas Moniz Ayo de ElRey Dom
AffonfoHenriqueZjdo qual fe trata noCanto ter*
ccyro.
Hum Dom Fuás, Dom Fuás Roupinho muyto
esforçado cavalleyro. Trata-lc delle no Canto
oótavo, Oct. 16.
§luede Hotmro âCithara. Pela Cichara de Ho*
mero entende o engenho , 8t excellente eílylo de
Por hum prfgat) do ninho meu paterno. Eílas pala- efcrever do grande Poeta Homero , paradcfla
vras le haó de entender geralmente fer qualquer maneyra poder dignamente efcrever os feytos, ÔC
conhecido pelo pregão de feus naturaes. E náo q cavallarias dos PortuguczeSi Ao que já antigua-
diga Luís de Camões iílo por íi, como o dcclarão, mente Alexandre Magno tcvcenvela» quando
5c trshladáo em outra lingua:porquc elle naó per- não havia por tão venturofo a Achilles pelos fcy-
tende abonarlcafi, mas louvar os Portuguezes, tos que fizera em armas, como por alcançar hum
cujos feytos efcreve, como mnndáo as regras da tão excellente prcgoeyro delles, como foy o Poc-
Rhetorica, a» quaes elle cm tudo fcguc. ta Homero. Ufa dcfta palavra cithara, inílru-
B mcnCQ
^o Lufiâââs de Luís de Camões Commentaàos,
nvcnto munca j pela grande conformidade q ne- ta filha de EraclioEmperador de Conftantintípla,
ftas artes haj daqui os Verfos íe chumãò c arrama, Succedco no Reyno depois da morte do Pay.
que quer dizer cantigas, 6c ercrevellos,crf«(;re,que Foy tam grádc inimigo, ík perfegiiidor dos mãos
íignificacantarj porque para eftc fim ie fazem os Chriftãos, 6c tamaffeyçoado,& amigo dos bons,
verfos. Eporeííarazáo íe chamaó alguns Lyri- que merectoo nomedeChriítianiíTimo: de don-
cosdeLyra,quehe aviola , porque Ic cantaó a decftenome ficou como hereditário de França»
cila. Foy chamado o Magno , por leu grande esíorço,
Tois pelos dozjt Vares, Depois que Carlos Magno & cavallaria.Reflituhio a Roma o Papa Leaô, q
Rey de França , do qual havemos de tratarna fora lançado delia, pelo que foy coroado por Etn-
0£tava ícguinre, prendco a Defiderio Rey de pcrador.Viveoy^, sanos, dos quaes foy Rey 47.
Lombardia, a petição de Adriano Papa , por lhe & Emperador i4.Prendeo &dcfapofibu do Rey-
fazermuytosaggravos, ôclheter ufurpadomuy- no de Lombardia a Defiderio feu Rey, por ter
tos lugares da Igreja j Sc afiim mefmo fez que os ufurpados alguns lugares da Igreja. Entre cilas
Saxones léus fubditos , os quaes fe lhe haviaõ re- & outras muytas verdades , que ha defi:e grande
bellado, lequietafiem, & viveflem Chriíláa, & Rey,feefcrcvem muytas mentiras de feusfeytos,
religiofamente ; finalou doze homens dos princi- 6c dos doze Pares: como também de ElRey Ar-
paes de França, a modo de Coadjutores, 6c Con- tur de Inglaterra , 6c dos feus Cavaileyros de Ta-
lèlheyros, para tudo o que foflb neceflario para o boa redonda. As quaes foraó cauía de fe defacre-
bom governo, 6cconfervaçaó do Reyno. Eíles ditarem as verdades, quedeíles dous taõ esforça-
foraó féis Bifpos , três Duques , ôc três Condes, dos Princípes íe fabcm,que faõ muytas, 6c dignas
como fe refere naChronica deEípanha , aonde de memoria perpetua. A verdade he, que Carlos
cílaõ os ícus nomes poftos , 8c íe trata delles mais foy hum dos esforçados 6c valerofos Principes do
largamente. Pozlhc nome Peres, que na lingua mundo, 6í que nefta conta fe pódettr Artur. A
FranceZâ quer dizer Padres, ou Senadores, por- troco deíle Carlos, dizo Poeta, queda ElRey
que havião de fer Pays, 6c Governadores daquel- DomAffonfo Henriquez primeyro de Portugal,
la Republica, 6c corrompida a palavra Percsjhc quefoy grandiílimocavalleyro , amicifiTimo dos
chamarão Parcs. Eftes faó os doze Pares de Fran- Chriftáos, 6v inimigo capital dosinficis.
çaj 6c não Orlando, Oliveyros , 6c outros de que Ou de Cef ar quereis igual rmtnoria. Cayo JuIio Ce-
jábulofamente trata Arioíto. Os quaes não forão far foy de íangue muyto nobre,8c conhccido:pcr-
mais que cavaileyros esforçados da companhia de que por parte de feu pay procedia de JuIio Afca-
ElRey Carlos. Ha tanta mentira cfcrita lobre nio, filho de EneasTroyano, 6c neto de Vcnus;
cfies doze Pares, que me pareceo neccíTano por 6c por parte da may.de Areio Mareio quartoRey
aqui a verdade. dos Romanos. Foy pobre de património , mas ri-
Os doze de Inglaterra. Diz o Poeta que pelos do- co de animo 6c condição j as quaes partes o fubi-
7e P ares, de que Ariofto fabulofamente trata,lhe rão a grande eftado , porque veyo a fer Diétador
dará os doze Portuguezes, que foraó a Inglaterra, perpetuo, que era fer Senhor de t«do,6c afiim era
pedidos a ElRey Dom Joaõ o primeyro, que en- quafiuniverfal Monarcha do mundo. Oqualfu-
táo reynava , por híias Damas Ingrezas contra jeytára de todo (como diz Plutarcho) fe a morte
huns naturaes feus , que foltárão palavras contra lho não eítorv'ára,porque naturalmente ci a incli-
ellas. Eíta hiftoria trata o noflo Poeta no Canto nado a coufas grandes. Pelo que feefcrevedelle,
lexto. que vendo acafo em Cadiz huma eflatua de Ale-
^^rteUeilluftre Gama , que para Ji de Eneastoma a xandro, poílos os olhos ncUa chorou: pergunta-
fama. Eílefoy Dom Vafco da Gama, primeyro da acaufadaquelle choro , refpcndco , que era
defcubridor da índia. Dizquetomaparafi afa- porque Alexandro fizera coufas grandes em ida-
nia de Encas,pelas grandes proezas,6c maravilhas de, q elle não tinha feyto algúa digna de memo-
que delle conta Virgílio na fua Eneida, ria. Nas armas foy muyto valcrofo, porque fujey
tou varias 6c innumeravtis nações ao Povo Roma-
15. noi 6c nas letras tam engenhofo6c hábil , que le
Pois fe a troco de Carlos Rey de França não deyxára o eH:udo,fora o primeyro do mundo.
Ou de CeCar quereis t^ual memorta, Ellc excerientiíTimo varaó, 6c o primeyro Empe-
Vede o primeyro Affonfo. cuja lança «"^^^^ ^^^^ Romanos,houye por ^^^^^^^Zo^^^^
^, r, ^ , n 1 1 ■ que outros grandes Capitães hao no mundo,por-
Efcurafaz qualquer eftranha gloria-, ^^,^ ^^^^ publicaméte morto no Senado por Bru-
E aquelle, que a feu Reyno a fegurança ^ ^^ ^ Cafiio, 6: outros que contra elle íe conjura-
^eyxou com a grande lèprofpera vitoria; raõ, tendolhe elle feyto muytas mercês.
Outro Joanne mvi6Ío cavalleyrOi E acjuelle que a feu Reyno ajegura:iça. Entende
O quarto ^ quinto Afoníos^ & o terceyro, ElRey Dom Joaó de boa memoria , o piinicyro
^ ^^ ./ í ^ deftcnome,6c decimo dos Rcys de Portugal, filho
Tolsje a troco de Carlos Key de França. Foy efle baílardo dei Rey Dom Pedro Cfii , q teve gran-
Carlos filho de PipinoRey de França A de Bcr- des vitorias contra Caftelhanos ; principalmente
aquelh
CantvTrimêyro^ ^ j^
- aquella tam nomeada de Algibarrota, que houve Soidaó do ÈgyptójUapitaõ mór Mirhocem: o q
veípera de Noíla Senhora de Agoílo demiltre- fuccedeo em Chaul. A qual morte depois opay
lentos oytentaSc cinco, donde-lhe ficou nome de vingou. E vindo porá Portugal foy morto pelos
Boa memoria, per feusfey tos (erem merecedores Cafresnâ aguada de Saldanha, queeiládoCabo
delia, ainda que as Chronicas dap outra razáo> \ de Boa Efperança para Portugal. No Canto de-
a mim me não fatisfaz tanto. cimo fe trataô eftas coufas todas.
Outro loanne inviBo Cavalleyro. Eíle he o gran- Muejuer<jue terrível. O grande Aífoíllo àt Al-
deDomJoaó o fcgundo , & terciodccimo Rey buquerque, que íuccedeo a Dom Francifco de
de Portugal, filho dclRcy Dom AfFonlooQuin- Almeyda na governança da índia: que para tra-
to, tardafeusmerecimentosfic vitorias, que na índia
O tjuarto & efítintt ^ffcnfo^ér o terceiro. O quar- alcançou, era neceílario muyto tempo , & muy-
to Aftonfo hc ElRey D. Affonfo, chamado por to papel. Quem quizer faber fuás coufas maravi^
cognomcntooBravo, íeptimo Rey de Portugal. lholàs,IeaosCommmtarios, quefeu fiiho Afton-
O quinto foy pay delRcy Dom I oaõ o Grande, fo de Albuquerque fez, & o noflb Poeta no Can»
&; ícgundo defte nome. Oterceyro, filho dei- to decimo.
Rcy Dom AfFonfo o fegundo,&irmáo do dçfcuy- Ca^ro forte. Dom' Joaô de Caftro, a quem El-
dado, & inútil Dom Sancho Capello, que tàlcceo Rey Dom Joaõ terçeyro mandou por Governa-
emToledo, Ôcahijaz fcpultado, Deftcs Reys de dor àtndia, o anno de mil quinhentos Sc quarcn-
Portugal trata o noílb Poeta no Canto teiçcyro ta Sc cinco. E porque houve vitoria contra EU
& quarto. Rey de Cambaya, á:contra o Hydalcaó Scnhof
da terra firme defronte de Goa, & fez outras cou-
i^; fas dignas de memoria:ElRey, antes que acabiiíle
NEm deyxaràS meus verfos efquecidos o tempo de fua governança, lhe mandou titulo dê
j1queíles,quen0S Reynos la da Aurora V^l^Rey, para íic^r na índia outros três annos.
Òefizeraô por armas tâofubidos, ? ^"^ "^^ J^^^ «.^7^°' porque naô viveo.depois
rr^ , : -n -^ , deter a carta mais de dous mezes»
Vojfabandeyrafemrre vencedora:
Hum^Fachecofortif/iniOi^ os temidos i?.
Almeydas^prquemfempre o Tejo chordi -m Emquato eu e fies cãío.^a vos nSópofoi
jilkuquerque terrível, Caífro forte, Xl^òuí^/ime Rey, que naÕ me atrev9 a tàto,
E outros, em que poder não teve a morte. Tomay as rédeas vb r do Reyno vojio,
^cjuella ^ue no^Útynoi li jÍ^^S? íiirora he ^^'^^'^ «'^^^^^ ^ '^^'^ '^«^'^ ^^^^* ,
propriamente aquclla claridade, que noCeoap- ComéCemafêHttr 0 pefogroffo, ^
parece antes que o Sol fuya : a qual dura todo a- Ç^epeío mundo todo faça tfpayito')
quellc tempo , quegaíla oSòIeftando dezoyto 'T>e.exercitos,&feytos /insulares ,
grãos debayxo do Horizonte «a parte Oriental, ^éAjrica as terras ^&do Oriete os mareSi,
até tocar nelle, Sc nafccrneftc hemisfério íupdrior. ^ i ^ ^j, r i^ ^i-y^
Como também Crepufculo he o tempo antes da Torfiayat re^eatvh^o Reyno vojfo. Continuando
nGyte,queoSolgaftadefdeque fepoemjâtéeftar com a invocação dèlRcy Dom Sebaíliaó ^ èè
dezoyto grãos debayxo do Horizonte. Por Rey- promettenJolhe tratar os feytos de léus vafiallos,
nosda Aurora, fecntendem aqui os da Índia, por cfcufa-íe tratar dei le, por fenáo atrever acouía,
citarem no Oriente. iam alta , como hc celebrar, 6c cantar hum tam
Hum Packeco firtijjirfío. Duarte Pacheco Pe* lublime, ScpoderofoRey. Àconfelha-lhe tome
reyra, que venceo o Empcrador do Malavar,cha- o governo de feu Reyno , Sc comece a correr có
inado entre elles Samory, que he como entre nós fua obrigação,quc he pcifeguir os Africanos feus
Empcrador,Sc o deílruhio, Sc desbaratou fcte vc- vizinhos , Sc continuar eom a conquifta do Orié-
2es, vindo de todas com grande poder, como fe te: Sc dcftamancyradará matcria áos Efcritcrçs,
conta no Canto decimo. para que efcrcvaó coufas nunca viftas, nem ouyi-
E es temUos ^Imcydas. "Dom frznâÇcoàe A\- das. Tomar as rédeas do Reyno , he diíporfeab
incyda,primcyro ViíoReydalndia,ScDom Lou- governo dellc, tomada amctaphorado cavallo,
rençode Almeyda leu filho, dos quaes fe trata no que fe rege, Sc governa com as redciS. He modo
Canto decimo. de fallar muyco ufado entre Latinos.
Por t^uem (emftre o Tejo chora» lílo diz para cnca- £ do Ortente os mares. Entende os mares da In-
rccimcntode lua cavallaria, Sc boas partes, que diâj nas quaes partes os Portuguezes temfèyto, o
lempre os fcus naturaes fuípiraó por cllcs. Ou que a todo o mundo he notoiiv-, Sc fe pode ver n»
também porque nenhum delles tornou a Portu- qucdellcs efcrevcraó os ííiíloriadores. ^
gal: porque o filho foy morto em huma batalha ^
naval , que teve com huma armada delRey de ^
B% - - SfÁ
Cambaya , Capitão mór Meliqueaz j Sc outra do
II
Lufiadas de Luís de Camões Õommentados,
o que no mar he o mefmoi qué a pfbfundidade dai
t6, agua nos faz parecer a agua de cores diííerentes,
fendo branqiiiílima. O que o Poeta mofcra ne-
ftíi 06lava he , queTethys querfazcr a ElRe^
Dom Sebaítiaó Senhor do màr. ^
Ê' Mvòs OS olhos tem o Mouro frio ^
Em quem véfett exício affiguradoj
^ò com vos ver j o bárbaro Gentio
Moflra opejcoço ao jugo jà wclmado,
Tethys jtoáo o Cerúleo Jenhorioj
Tem para vos por dote apparelhado:
^e affeyçoada ao gejlo bello & tè7tr0f
^efejade com frârvos para ^enro.
E?h vês oi olhos tem o Mouro frio.Chamsi áoMou-
fóirio peloefFeyto que o medo faz nos homens,
que he deyxallos frios. A razão he^porque quãdo
o homem fetemè de alguma couía , recolhe-fc
o fangue ao coração para o acompanhai* , &
favorecer: & délerrtparados clellc os mais mem-
bros ficão frios. À caufa do medo em os Mouros,
he a vizinhança que tem cótri os Portúguezes, eftcrefpeytoíètoma peloCeo.Veja-feanoflagn-
dos quaes por muytas vezes foraõ vencidos. Ext- notação neíte nielmo Canto, Oftava i^.
ão quer dizer deftf uiçaô, & niorté. Doi dous avSi as almas cà famofas. Hum deíles
7ethys ytodo o Cerúleo fènhork. Nt^^s palavras, 6c fòy o Ernperador Dom Carlos, v por parte de fua
em todas as mais deílainvocaèâò delRey D. Sç- máy,pay de ElRcy Dom Philippenoflo Senhoii,
baftiaó, imitáoPoctaa Virgiho no principio do primeyro deftenome em Portugal. Outro El-
livro primcyro das Georgicás. Ê VirgiliofeHou Rcy Dom Joaó terceyro, muyto amigo da j^az,
conforme ao coftume antigo dos Romanos: que & muyto zelofo da Fé de Chrifto, que foy feu avó
era os pays das efpoladas comprarem os genros por parte de íeupiy,ôc hoje ha muy tos vivo^i^uc
Com os dotes que dava6afu.áís filhas. E efte cg- os conhecéraó,fic trátáraô, ^ -^""^^-^^-^-^ -• ''Y^^
ílume pareceo maí aLycUrgô Rcy dosLác<rd|- «^"^ -.'.-^ >. -^^v^vjI '^.v: í.\'v ,
»7-
EMvosfevemda Olympica morada j
1)05 dous avôs as almas êàfamofas^
Húa na Taz atigelica dourada j
Outra pelas batalhas fanguinofas.
Em vos efpefão verfe renovada
Sua memoria^ & obras valerofas^
E làvos tem íúgãr nofiníddidade
Nd templo dafuprema eternidade*
Olympka morada, He o Ceo , o q^iial cham« ai-
fim át Olympo monte deTheíTaliaaltiíTimojpor
monios, como dizjultinolib. 5. Pelo quQf?z húa
ley,que oshomens.elcolhejirem asmuihei;escõ q
ouveílcm decafar» & feus p^ys lhes nap âeíTem
dote : para que defta maneyra fóílem fçnhores de
íuas mulheres , Sc as pudeflcrn mélhof lujeytar.
QiiantoàTethysde que o Poeta aquifálla , íby
filha de Titano irmão de Saturno , ôí mulher de
Oceano, como diz Ovidio nos Faílos lib.3. Ou-
tros a fazem filhade Ceio, 5í Veífa. A eíla Tethys
chamaó algús a Grâde.a differençade outra The-
tys filha de Nerco, 6c cafada com Peleo Rey de
Theflalia, do qual houve Achillcs, hum cavalley-
ro entre os Hereges de grande nome.Tem diíFe*
rente orthographia, & quantidade entre os Poe-
tas: porque a mulher de Oceano leefcreve defta
maneyra: Tethys, &: a filhade Nerro cafada com
Peleo fe efcrcve aífim, Thdtis.Na primeyra o Te,
As em quanto efte tempo paffa lento
T>e regerdes òs ^ovos que o deJejaOf
^ay vós favor ao novo atrevimento,
^ara que eftes meus ver f os vojjosfejao^
E.ver€is ir eort ando ofalfo argento
Osvojjos Argonautas^ porque vejão,
^lefiõviftos de vós no mar irado j
£ coftumayvosja afer invocado^
Tthipiylkto. Ttúipó^àg^YóCo. Dá eí!e novuc
aotempo da idade tenra de ElRcy D. Sebaítiaó,
que era caufa delle naó reger , nem governar 05
feus: aos quaes cada dia parecia cem mil annos.
Sa/fi argento. Propriamente quer dizer prata
laígáda. Ufou defte medo defallar à imitação de
he longo, porquÊ no Grego fc efcrcve com H, q Homero, o qual chama muytás vezes ao mar pra-
fe converte cõ è longo: na fegunda breve porqíie
feelcreve com EV vogal fempre breve naquella
íiriguá. Ainda qòe algumas vezes fe confunde a
diftcrença, Sc fe põem huma por outra.
7edo o Cerúleo (enhòrio. Por fcnhorio Cerúleo en-
tende o mar, o qual fe chama aíTim , por caufa da
cor que parece ter : a que os Latinos chamaõ Ce-
rúlea, de Calum , que he o Ceo por parecer azul,
qual parece a cor do Cco,como na realidacfe oCeo
naó tenha cor alguma, & a que nos parece a nós
ta. E por efte refpeyto parece a alguns eílc ter*-
mo de fallar dyro , & outros femclhantes,que por
ferem à imitação Latina, parecem afperos, mas
fazendo-fe os Leytores a elles, perderão a afpere-
za, pois outros temos de difíercntelingua, ôc diF-
ferentes da Latina ,; de que ulamos como no fios
tendomuy to pouco de nós. Veja- fc o que notamos
nefte mefmo Canto, Oftava 67.
Oí njoffos argonautas. Argonautas foraõ hús ca-
vallcyros Gregos,quc na nao Argos(a qual dizem
fejamais hum.a repreíentaçaõdecor, queadiífã- foya primeyra que bouve no mundo) foraóà co-
ei^ íkapartamento^do lugar eaufa cm noílavifta: quiílado vellodc ourodeColcos regiaó de Afia.
^"''^ '■ '*- Daqui
jmitaçaô de Virgílio nas Georgicas
fuefce vocari, como iica dito.
ip.
/í no largo Oceano navegavao^
As inquietas ondas apartando^
Os ventos brandamente re/}f travão
^as nãos ús velas concavas mchandáí K
^a branca efiuma os mares fe moflravão
€ubert0Si aonde as proas vão cortando
As marittmas aguas confagradas ^
^e dobado de Fratheo/aÕ cortadas.
, . írA\'\^'£dífítoTrímeyro^\^A%V\. t-^
Daqui osnolTos Porruguezes , porque foraó os mos no Gatito íegundo, Oâ:aVa24. Chamaihc
primeyros que navegarão mares naó conhecidos, coníagradas , porque os Pocias a todas as coulas
nem navegados de outr.as nações , èc por ferem attribuhiaó léus Dcofés : & nas aguas diziaó , que
mu) to deftros na arte de navegar, laó chamados havia Nymphas, ás quaes òs rios, tontcs,& mares
Argonautas. craó conlagrados. Alem .diftofingiaó lias ap;uas
E cofiumayvos jd afer invocado. Neftas palavras do mar certa dtvindade , pelo que as tinhaõ por
concluc á invocação de EIRcy Dom Scbàftiaòà íantas, ôclagradas: & diziáó naó íer licito entrar
l^êtij^tte af- nellas homem que tivefle commetiido algum der
lito, por íêr lugar lagrado^ íegundo clles : & que
coftumava caftigar homens diilblutos, & de pou-
ca fé. Por efta razaó queyxádo-fe Dido de Eneas
J/í no largo Oceano navegavào^ por fe atrever acntrar no mar , tcndolhe quebra»
As inquietas ondas apartando^ ""' '' do a palavraque lhe tinhadado de caf^r com ella,
Os ventos brandamente reíp travão . ^ ^_ , : ' „ ■ , : / ' ^ • ^
• 'í-»*' v/ecviaíajjepdemtentatttwus aqtiõrapr0ag(tf
^' !t Per^Jiafeenas exigtt tile locas.
Fazmuyto mal aos que navegaô, quebrar apalâ*
vra , porque o mar caftiga aos homens de pouca
fé. Ifto he Ironia. A verdade he , que hum fó
Deos, Sc Senhor governa tudo , & que a eilc faó
todas as coufas fujeytas , compheFéCatholica*
la no largo Oe^âtto navigarfàV, Depois qac pro* O noíTo Camões falia comtx^ííeta, para' ornar, &
póZjO que havia de tratarnefta fua obra, & invo* fazer elegantes fuás obras*, stlài : .jíhm .
tou as Nynvphas do Tejo,& aElRey Dom Seba-
íliaó: começa a narração nefta Oótava. O marq
rodea tôdâa terra chama*le Oceano, de huma pa-
lavra Grega, que quer dizer ligeyro, pelas gran-
des revoltas, & tempcftades , que de íubito fe Ic-
vantaõ nellcj como diz Solino,cap.3tf. M,eh,cap,
i.lib.3. & outros. E pofto que efte íeja- oitu no-
me em geral , em particulaír tem outros muy tos,
conformcaos lugares por onde pafla, como Atlá*
tico, Cafpio, Indico, Rubro, Líguílico, & ou-
tros.
De gada Je Prothea. O gado de Protheo faô oí
pcyxes domar,dos quaes Protheo temcuydado
por m âdado de Neptuno Senhor do mefmo mar,
como fingem os Poeta?. .Deíle Protheo trata lar-
gamente Virgílio nas Georgicas , aonde diz que
lè coftumava mudar em differentesfíguras,porq
fe convertia em gato, caó, fogo, rio , & em tudo
o maisquc queria: de donde nafceo o Provérbio:
Trftheo mutabilior, roais mudável que Protheo; o
qual fe diz de hum homeminconftante, 6c mudá-
vel. O que Diodoro conta, ItLi. lib.meii%i. &
donde fecre ter origem efta fabula he , que Pro-
theo foy Rey de Egypto em tempo que Priamo
Quando osDeofesno Olyntpo lumlnofo^
Onde o governo € a à da humana gente ^
Se ajuntaõ em Concílio gpr 10 Jo^
Sobre as co ufas futurai do Orit níèf
^Pifando o cryJlaUimÇçofermofo,
Vem pela ^vta Laâleà juntamente.
Convocado r da par te Ao Tonante ^
'Pelo neto gentil do velha Atlante^
, •!..' ,'j>/ifoa ^uv .«íMt*^U fxniu-^ .'L> «iOi •
guando õí Desfei no Olympò Uminofõ: Finge O
Poeta nefta Oótava chamar Júpiter a Concilio os
Outros Deofes, para tratar com elles íobre a nave-
gação dos Portuguezesj que faziaó para o Orien-
te. Olympo luminofo heo Cco, como fica dito^
Oélava 17. Doze montes acho em os Autores
chamados defte nome Ol/mpo, em diííerenres par-
tes do mundo. Efte deque o Poétaíallii i heem
Theflalia Província de Grécia. O qual dizem fer
de tanta altura^ que paíla a regiaó do ar,em que lê
caufaó as nuvens, chuvas, trovões, 6c rcla'T>pagos«
Donde diz Lucnno na Pliarfalia, lib. 2. Nuhet ex-
o era de Troya : o qual Reyrio dizem quealcan- ceJit Olympm. O monte OLympo pafla pelas nu-
çou, naó por lhe pertencer por geração ; fenaó Vens. Solinocap. 15. Polylíift, acrefcenta,queno
porque faltando Rey em Egypto, decommum alto defte monte havia hum altar, emqueosan*
coníclho o elegerão a elle,por fer homem de graó tigos faziaó fcus facrificios cada anno a Júpiter: Ú
prudência & confelho. E daqui feveyo a dizer, que acontecia deyxarem aigúas letras efcritas lo*
quefcconvertia,6ctrásformavaemdiífercntesíi- brc acmzadosanímaes,q alliqueymavaõ para oí
guras: porque fe íabia accommodar a todos, ôc vi- facrificios: & eftas cinzas que ulli dcyxavaó,quât
irer cora clles. Donde o provérbio, Protbeantu- do oanno íeguintetornavaóàquelle lugar,acha.«
tabiliort fe accommoda entre muytos, mormente vaó da mefma maneyraque.as gavião deyxado: o
entre os Gregos, a hum homem íagaz, & avifa- que he final de eftarem por bayxo do cume, ôc ca-
do. beça defte monte todas as alterações que no ar l'e
yii maritimai águas confagraJas. Aguas mariti- geraó,como dizem todos os que dcUe traraó. Cha-
mas faó as aguas do mar. Vejaríc o que efcreve- ma-fe 01ympo,de duas palavras Gregas,que que-
rem
1 ^ Lu fiadas de Luis de Camões Cúmtnentados ",
rem dizír todo rerplandecénte, por naô ter fobre
íi nuvem alguma,iTem efcuridadej^anctscftarfem-
preclaro com osrayos do Sol. í -íi""- o
Fempelítvia laãea. Defcreve-fe o caminho por
onde os Deofcsforáó aos Paços de Júpiter , íua
chegada," 6c dçtcrminaçaõ.Chama a eftc caminho
yialaãfa\ caminho de leyte : ao qual os Gregos
pela meíma razaó chamaô Galáxia , por fer bran-
co como léyte. Alguns lhe chamaõy caminho de
Sanftiagò, enganados pelo vocábulo, porque co-
mo nO Grego fe chama Galáxia» cuidaó que quer
dizer Gaiiza: & como o Bemavcnturado Sanótia-
gô Padroe;yro dos Efpanhoes eftá em Galiza,cuja
II*
DEyxao dos fite Ceos o regimento,
^e do Todermais alto Ihesfoy dado: •
Alto f o der, que fó co -^enf amento
Governa o Ceot a ferra j^ó' o Mar irado.
Allife acharão juntos num momento^
Os que hahitaÕ o Arciuro congeladoj
E os que o Aufiro tem^à' as partes onde
A Aurora nafce , ^ o claro Sol/e efconde.
Deyxaè dos fett Ceos o regimento. Trata dos mãís
cafa he frequentada de muy ta gente, que o vay principaes que concorrerão àquellc ajuntamento,
viíitaf cm..romaria,dÍ2em,quc quíz Dcos íinalar q foraó osTete Planetas , Saturno, Júpiter, Mar"2^
no Ceo aquelle caminha, por onde os peregrinos te. Sol, Vénus, Mercúrio, & a L^a: os quaes por
feregeíTcm, para ir àfua Cafa. Entre os Philofo- ordemdo AltiifimòDeos,6c Senhor nolfccomo
phos -houve vários pareceres ,6c opiniões fobre dizaquio Poeta, eftaGemaquellcsiugaTcs,como
cila Via ladea. A verdade he, que a multidaõjSC Rcytores,&. Governadores dclles».
ajuntamento de muytas Eftrellas daoótavaEf- Os ciuehabitaòo Atãuro congeladQKX^iZv^úSy que
phera,- as quacs naó podemos alcançar com a vi* concorrerão de todas as partes do miindo, Norte,
lia, poreftarem muycodiílantcs, & defviadas de Sul, Oriente, ôcOccidcnte. As panes do Norte
nós, Ic mifturaõ entre fi^ entretecem ,6c confun- entende por efta palavra Aréluro, quehehuma
dem os (eus rayos de raaneyra, que parece aquelle Eftrella da primeyra. grandeza na cqnftellaçaõ
lugar banhado em leyte, pelorefplandordaqucl- Bootc, a que os Gregos chamaó Ar.â:ophylax, q
las eílrellàs. Pelo que lhe chamaô Cirí«/p/<íí/eo,ou quer dizer, guarda da Urla mayor , chamada He-
Vta latha-. Donde Qvidio nas Metam. lib.i, lice,na parte Septentrional,que he o Norte.Cha-
Efi viafuhltmis Calo manife(la ferem , ma ao Âréturo congelado, por citar eíla Eítrella
Lacfea nomen habciy canàore notabilis ipfo, em paragem fria, qual he a do Norte.
Ao qual o noflb Camões fegue ncfte ajuntamen- Oí cjUc o- iíu^ro tem.Snõ os moradores das partes
to, & Concilio dos Deofes. do Sul. Chamaó-fc aíTim do vento Auftro, q ven?
Pelo Neto gentil do veUo atlante. 'EntenàcMer» tadaquellas partes i & em vulgar lhe chamamos
curió filho de Júpiter, fie de Maya filha de Atlas Sul, ou Vendaval. : (, ; ,
Rey de Africa. Cinco Mercurios efcreve Cicero E as partes onde a Aurora ffafce. As partes onde
nos livros de Natura Deoruntt que houve, cujagc- nafce a Aurora.faô as do Oriente»Gomo atraz fica
nealogia trata. O mais celebrado dos Poetas, he dito,Odava 14. As partes onde fecfconde o Sol
eíle de que o Poeta aqui falia : o qual fingem fer faõ as do Poncnte , quaes faõ ellas do noílo Por-
intcrprete, fie menfageyrodcfeu payjupiter, 6c tugal. Vcja-fe a nolla annotaçaó ncfte mefmo
de todos os mais Deolcs: inventor da viola , 6c da
eloquência: padroeyro dos mercadores, 6c de ou-
tros officios,6c exercidos, que conta Luciano no
Dialogo Tyrannolib. 1.6c Ladancio nas inílrtui-
çóes divinas, cap.io. E porque Ihedaõofficiode
Embay xador, o pintaõ com azas nos pés, 6c na ca-
beça : porque quem ha de ter lemelhante cargo,
nem ha de ter preguiça nos pés, nem chumbo no
entendimento. Também o pintaõ com huma var
ra na raaô, poíla entre duas cobras, porque com
a eloquência fe vencem todos os monílros, 6c pe^.
çonhas do mundo:6c naõ ha coafa por difficultOf
la que feja,que com prudência fe naó acabe. Efta
he também a razaó porque osPoetas fingem Her-
cules grande domador demonftros, 6c que Or-
pheoattrahiaafiascoufasinfcnfiveis : & Arionos
Canto, Oâ:aYai4.
Estava 0 Tad)-e alllfublimey^^dmo,
^e vibra os feros rayos de Vulcano^
Num ajjento de Eftrellas cryftallin o,
Comgeífo alto^/everOj &foberano:
íDí? rofio ref pirava bum ar dtvino,
^e divino tornara hum corpo humano:
Com hua coroa, fí> fceftro rutilante,
^e outra pedra mais clara que diamante.
E/iava 0 Padre allíjubUmCf &dino. Depois que
o Poeta tratou da gente que concorreoaos Paços
de Júpiter, trata nefta 06lavadc fuaauthorida-
peyxes:porque foraó homens avífados, 6c que vi- de, & preeminência. O Padre fublime, que vibra
viaó de maneyraque perfuadiaô à gente,com que
tratavaó, tudo oquequeriaó.
os rayos de Vulcano , he Júpiter. De differentes
Vulcanos trataô os Autoreb , mas o mais nomea-
do entre elles, he eíle de q falia aqui Luis de Ca-
mões. Fingem os Poetas que eftc foy hlho de Jii-
piter, 6c Juno, Alguns o iazcm filho deJunolei|i
Canto Tríf^eyro. i ^
pay : & dizem que o kíiçou Júpiter do Ceo por põem de fua vida, como lhe parecrc^ Àci^éfcentaõ,
ier muytofeyo. Angelo Policiano nas fuás Mif- queeftas Parcas íiaó a vida do homem, pelo que
cellancas, cap.89. dá outra razaô. Depois de lan-
çado do Ceo > fez feu aíTento na ilha Lemnos do
mar Egeo chamada hoje Sidro, como diz 01i\ a-
no fobre Mella. Nefta Ilha dizem os Poetas que
tinha fua tenda com todos os mftrumentos necel-
larios para fazer os rayos a íeu pay Júpiter , & cõ
que fez as armas de Encas, ÔcAchiIles, como di-
zemos no Canto fexto, OólavajS.
P M luzentes ajfentos marchetados
pintaó Ooto com roca, L ache íis fiandojAtropos
cortando o fio. E que quand© querem perfeguir
alguém, lhe íiaó lua vida com fiado negro: o que
quiz dizer Marcial:
St mht Unifica ducunt nonfuUa for ora
Staminay necfurdos voxhabetijia Deos.
Sc às irmãs fiandcyras me náo fiaó a vida com fia-
do negro: como le dillera : fe os fados me favore-
cem , & ajudaó. lílo íaó fabulas , £c fingimentos
Poéticos, 6c Gcntilicos. Tomando fado como fe
deve tomar por humà ordem^ & curfo das coufasj
T)e ouro j& de ptrlas mais abayxo ejfavão encaminhado por divina Providencia, pode-íe
Os outros 'Deofes todos ajfentadosj
Como a razão j& a ordem concertavaS,
precedem os antigos mais honrados^
Mais abayxo os menores fe ajj em a'vaõ^
^ando Júpiter alto affim dizendo,
Lom tom de voz começa grave^^horrêde^
P Ternos moradores do luzente
^ EfteUtfero Toloj & claro afientoi
Se do grande valor da forte gente
*íDeLufa não perdeis openfamento:
'Devets de ttr fabido claramente.
Como he dos fados grandes certo intento»
^epor ellafe efqueçào os humanos
"De JJfyrios^Terfas .Gregos, & Romanos^
EJlellifero Polo. Nefta machina do Ceo que ve-
inos,aoqual osGregos por fuafermolurachamaó
Cofmos, & os Latinos Calum^ ou Mttndustpor fer
puriífimo, & apartado de todas as fezes da terra,
como diz Plínio : como feja redondo , ôc ande em
continuo movimento , fingirão os Aftrclosos
dous pontos, hum de fronte do outro, comhu^nia
linha, que imaginarão paliar pelo meyo da terra, Reys, & durou 202. annos, fendo o ultimo delU
de hum a outro. A'iinhapuzeraó nome Eyxodo Dário. A efte vcnceo Alexandro Magno Rey
mundo, & aos pontos , Pólos do verbo Grego, q dos Macedonios, & pafibu a Monarchia a Euro-
quer dizer volver: porque fobre ellesfe volve o pa,&aflimff chamou j& chama efta quarta Mo-i
Ceo, como hum carro fobre o eyxo.Eftes dous narquia dos Gregos, ou das Macedonios. Durou
Pólos faó os que commúmente chamamos Nor^ 302. annos, o ultimo Senhor da qual foy aRa^
te,&Suli junto aos quacseftaóaquellastam no- nhaCleopatra, porque depois da morte de Ale-i
meadas Eftrellas ditas do nome delles,pelas quacs xandro Magno fe repartio feu Império por dif^
os marinheyros fe governaó. Huma he a Eftrella ferentes, até que finalmente veyo parar cm Egy p^
do Norte, a outra a do Sul. Daqui Pólo, fe toma to,onde acabou fendo Rainha Cleópatra. A quin*
pelo Ceo: figura muy to ufada entre os Poetas: to- ta começou cm Octaviano, que vcnceo a Cleopa*
marfe a parte pelo todo, & o todo pela partCé tra , vinte 6c fcte annos antes do Nafcimcnto de
Cento he tios fados grandes certo intento. Entre os Chrifto. Durou 285. annos , 6c acabou em Gon-
antiguos houve grande alteração , que coufa era ftantino Magno, que mudou o Eílado imperial
fado, 6c o poder que tinha. Cicero,//^.^. àe natura de Roma para Conftâtinoplajnoanno 5 12. depois
I)far«m, AuloGellio,lib. 6,cap. 2.6c todos os Poe- do Nalcimento de Chrifto. Eftefoy oprimeyrt*
tas concordaó, que Fados, 6c Parcas laõ húa mef* Emperador Chriftaô, que mandou fe baptizalfem
ma coula,6c qucfaótrcs Cloto, Lacheíis, 6c A- todos, 6c que largou aCidade de RomaaoP;ip;í*
tropos: 6c que fe chamaó Parcas a partu, do parto^ A fexta Monarchia foy dosConílantincpoíitanos^
porque desde o nalcimento de húa creuturadil- 6c começou neftcConftahtino Magno , 6í teve
fim
admittir fallar cm tado, 6c negailo hefte lentido^
feria negar a divina Providencia, cçmo diz o B.S.
Thomás i.p. q.i i6.art.i.6c 5. E afiim avemos de
dizer, que o entendeo o Poeta, como fe pôde ver
no Canto decimo, Oftava ;8.
De AUyrtoi, Perfas,Gregor,(j^ Romanoi. No tratar
das Monarchias variáo os Autores : pelo que ló-
mentc direy o neceflàrio para entendimento , 6c
declaração defte lugar. Gontaó que houve fetc
mais notáveis. A primeyra foy dos Afi"yiios,cujo
primeyro inftituídor, dizem, que foy Nemrbt, fi-
lho de Cham,neto de Noé,do qual fe trata no Ge-
nefis cap. 10. Eftá Monarchia começou antes do
Nafcimento de Chrifto 2183. annos : teve trirtta
êc oyto Reys, o ultimo dos quaes foy Sardanapa-
lo. Durou 1557. annos. A legunda foy dividiJl
entre dous Capitães de Sardanapido , Os quaés ó
inatàráó, por fér homem molle , 6c affcíninádo*
Arbaces ficou com o Império dos Medos, 6c Be-
loco com o dos Chaldeos. Teye o dos Medos no-
ve Emperadorcs,6c durou 292. annos. O dosChal-
deos i5.6cdurou 295. CyroRey dos Perlas vena
ceo, 6c matou Aftyàges, 6c Balthazar , últimos
poíluidorcs da Monarchia dos Afiyrios , 6c nelld
começou á terccyra 551. annos antes do Nafci*
mento de Chriftoj chamada dos Perfas. Teve 14*
I ^ Lujiadas de Luis de
fim em Conflantíno Texto, 782. annos depois do
NarcimentodeChrillo. Teve 32. Emperadorcs,
& durou 470. annos. A letima começou em Ale-
manha, em Carlos Magno, 800. annos depois do
Kaícimcnto de Chrifto, por o Papa Leaó dividir
a Monarchia de Conftantinopla em Oriental, 6c
Occidencâli fazendo Emperador de Alemanha a
Carlos Magno, como fica dito, Oitava 15. por
defender as terras da Igreja contra os Longobar-
dos, que as deílruhiaó, ao qual dano naó acudiaõ
os Emperadores de Conílantinopla; Teve 45.
Emperadores,o ultimo dos quaes íoy Rodulpho,
anno do Senhor de 1291. depois que o Papa Leaõ
tcrceyro fez a divifaó do Império , que acima dif-
femos,trarpa fiando o de Roma,6c Conftantinopla
cm Alemanha. Os Emperadores de Conílatino-
pla,que fucccdéraó a Conítantino fexto, foraõ 47.
o ultimo <3os quaes foy Conftancino Paleogolo,
ao qual matcu,6c tomou aCidàde o Graõ Turcoí
aos 29. de May o de 145 5, 0 que o Poeta aqui mo-
ftra , he que naó merecem os feytos deíles Mo-
narchas, 6c Emperadores do mundo, fcr compa-
rados corn os dos Portuguezes#
J
*5.
■ A lhe foy Çlfem o vijles^ concedido^
Com poder taõ fijige lo i à" taÕ pequeno ^
Tomar ao Mouro forte ^ ^guarneado^
Toda a terra que rega o Tejo ameno,
'Pois contra o Cafle lhano taÕ temido^
Sempre alcançou favor do Ceofereno,
Âffim q^ fempre em fim cbfama^ & gloria^
Teve os trofheos pendentes da vitoria.
h lhe foy (hemo vi^ei) ffo»«í/<^*Iílo diz pelo fe-
lici^imo Rey Dom AfFonfo Henriquez primcy-
ro de Portugal, do qual fe trata cm muytas par-
tes defte livro. Efte bem afortunado Rey venceo
muytas batalhas campacs , 6c muyto arrifcadas,
con? muyto pouca gente. Desbaratou no campo
de Ourique cinco Rcys Mouros com muyto gra-
des exércitos juntos. Junto a Palmela aElRey
de Badajoz; em Santarém a ElRcy de Sevilha:
venceo também a ElKcy de Marrocos intitulado
Emperador, com outros treze Reys. Tomou
aos Mouroò Santarém, Lisboa,6c tudo o q ha del-
ia atè Coimbra ', em AlcmTejo, Cezimbra, Pal-
mela, Alcácer, Évora, Elvas,Moura,Scrpa,Beja,
& outros lugares, & fortalezas.
Pois contra o Ca(ldhan9. Vcja-fe o Canto quarto.
Jeve os tropheos fendentes. Tropheo vem de tro-
pi, palavra Grega, que quer dizer fugida. Era
hum padraó, ou coluna que fe levantava no tem-
po da vitoria em o lugar, onde os inimigos f ugiaô,
ÍC nellcs punhaô todos os defpojos, & armas que
naquella batalha alcançavaó, corao diz Virgilio
na Eneida lib. 11.
Camões Commentados,
DEyxo T>eofes atraz afama aritlga,
^e com agente de Rómulo alcãçàrâo^
fiando com Viriato na inimiga
Guerra Romana tanto fe ajfamàrao.
Também deyxo a memoria que os obriga
A grande nome^ quando alevantàrão
Mumpor feu Capitada que peregrino
Fingiona Cerva efpinto divino,
§^ndo com VtriaU, Veja-fe a nofla annotaçaõ
no Canto terccyro, 06bava 22. Foy Viriato em
principio de fua vida paftor , como conta Floro,
depois falteador de caminhos, pelo que veyo a ler
muyto rico, 6c levantarfe có a Lufitania no anno
de <So8. da edificação de Roma , lendo Confules
Cneo Cornelio Lentulo , 6c Lúcio Mumio, co-
mo efcreve onofloRcIcnde em hum tratado que
fez da Cidade de Évora cap. 2. o que foy cento &
quarenta annos antes do Nafcimento dsChriílo
noHb Redemptor,6c Salvador. Tratando Juílino
I1b.45.da Lufitania, diz que Viriato naô fe levan-
tou com ella, mas que os Lufitanos o tomàraó por
feu Capitão, por verem nellc partes para os poder
reger , & governar , por fcr homem de grande
prudência, 6c confelho.Veja-fe a nofla annotaçaõ
no Canto tcrceyro, Oétara 12.
agente de Rómulo. Entende os Romanos, por-^
que Rómulo foy fundador de Roma, 6c o primey-
ro Rey delia, como conta Tito Livio, 6c outros.
Humparfeu Capitão, Efte foy Quinto Sertório
natural da Cidade de Nurfia nos Sabinos , q hoje
fc chama Norza : o qual nas guerras cruéis entre
Mário, 6c Scylla feguio as partes de Mário. Ven-
do Scylla vencedor, & entrar a Cidade de Roma,
6c fazerfe Senhor delia, recolhcofe a Efpanha,on-
dc fendo Capitão fez coufas finaladas contra os
Romanos por efpaço de dez annos; 6c tinto, que
conta VeleioPatercuIo, que havia duvida qual j
permaneceria, leRoma, fe Elpanha.Foy Sertório j|
tam prudente, 6c ardilofo, que diz delle Appiano,
que era tido pelo mais valerofo Capitão do mun-
do ; pelo que os Efpanhoes lhe chamavaó Anni-
bal, por fe parecerem fuás coufas com as da-
quelle grandiflimo Capitão, do qual tinhaómuy-
ta noticia do terapo que andara naquellas partes:
Entre outros teve hum ardil avifadiííimo,quetez
crer aos feus que hua Cerva branca, que hum Por-
tuguezlhedéracmprífente, era Diana, que os
antiguos tinhaó porDeofa da caça, que andava
transformada naquella Cerva, 6c lhe aconfelhava
tudo o que havia de fazer. E como as coufas Ihu
fuccediaó bem , tinhaó os feus ilto por verdade,
6c aflim o tinhaó cm grande reputação. '
i^gora à
47-
A Gora vedes bem, que cÕmet tendo
O duvidofo mar num lenho ievcy
Yor vias nunca u/adas, não temenao
DeAfrko.à' Noto a forçada ynaisfe atreve^
^e avendo tanto jà que as partes vendo ^
Onde o dia he comprido ^ò onde brei^et
Inclinaõfeupropofioy & forjia
c/f ver os berços onde najce o dia.
Canto Trlmeyro] ly
mar da índia, o qual cm noíTo íefpeyto ^ comofi*
ca dito, vè pritneyro o nafcimcnto do Sol, coto a«
quella cor roxa, com que parece.
t9.
E Porque, como vifies^ tempâjfados
Na Viagem tain a/peros perigos^
Tantos climas, & Ceos exprimetitados^
Tanto furor de ventos inimigos i
^efejaõ, determino ^ agasalhados
Nefia cofta Ajricana, como amigos:
Duvidíjo mar. Chama ao mar duvidoíb,porqiie E tendo guarnecida a lajjafrota^
nclle tudo laó duvidas, 6c inconíUncias. Aílitn
lhe chamou Horácio no fim da Oda nona : aut
firtur incerto mart, ou caminha pelo mar duvido^
ÍG.
> Num tenho leve. Põem a materia,quehe o pao,
pelo que delia í"c faz que he anão, figuramuyto
ufada entre os Poetas.
De Africo, & Noto a força. Ainda que o Poeta
nomee aqui lós dous ventos Africo , & Noto, en-
tende todos. He Africo hum vento que ibpra do
€)ccidente,aque os Gregos chamaô Lybs, como
Tornarão afeguir/ua longa rota^
Tant9s climas , ii*f' Ceús exprimentadoi. Clima íiCf
palavra Grega, & fignifica propriamente hum eí*
paço grande de Cco ou terra. lílo hc quanto i
propriedade da palavra. Quanto à fígnificaçaõ,
que hoje té entre os Cofmographos, fc ha de no*
tar; que para os antiguos poderem mais clara , SC
diftintamente tratar das terras, de que tinhaó co*
nhccimento , & que le podiaô habitar , as dividi»
raó cm partes, a que puzeraô nome Climas : en*
diz Plinio lib.i. cap.47. Òc os Marinheyros, Oes- tendendo por Clima hum eípaço de terra, na qual
Aiduefte. Noto fopradomeyo dia, chamaólhs os houvelle differcnça de meyahora de tempo no
Latinos Auílro, & os Marinheyros Sul, ou Ven- mayor dia do anno. Quero dizer, Te em hum lu*
daval, iDiiiiE:; garo mayor dia era de doze horas, & cm outro de
Onde o dia he comprido , & ende breve. EntCfjde doze, & me) a; aquellc elpaço de terra que havia
as partes da Europa , aonde cílâ a noílaEípanhaj entre eftes dous lugares , le chamava Clima. E
na qual osdiasíeregulaõ pelo Sol: ôcaílimnodií- porque os Antiguos tiveraõ noticia de pouca ter-
curfo do anno ha defigualdade entre clles. Tam- ra, & defta pouca que fouberaó lhe pareceo fef
bem fe pode entender eíle lugar das partes por algúadeshabitada: aífim dcbayxo da Equinocial
onde andavaófâzendo outros delcubrimentos, 5c pela grande quentura, como debayxo dos Pólos
conquiílas, antes que tentafiem efta da índia. do mundo , pela frialddcle , refpeytando lómentô
A ver 0) berços onde najce o dia. Entende as par- a terra que lhe pareceo habitável , a dividirão em
tes do Oriente. U ta defta palavra berço,i que os ietctlimas, conformando-je com o numero dos
Latinos chamaô c««ie, ou c«»<«W«w7 , querendo Planeta,!, & nomcando-os de fcu nome» E para
moílrar a origem do Sol, que em noflb refpeyto conhecerem o fitio dos Climas, lhe puzeraó no-
he nas partes da índia, como na realidade o Sol mes , Sc balizas dos mais principaes
naó nafça, mas ande continuamente. Defta meí-
mapalavraufou Virgílio na Eneida lib. 5. Mans
Jdaui ubigenttt cunabuU vp(ira. O monte Ida, aon-
de cílaõ os berços da noflajgente, como fc diflera:
donde trazemos principio, ôc origem.
28.
PRomettido lhe eflà do Fado eterno^
Cuja alta Ley naÕpôdefer quebrada^
^le te nhaÕ longos tempos o governo
íDo mar, que vè do Sola roxa entrada:
Nas aguas tempaffado o duro inverno.
Agente vem perdida, & trabalhado:
'^J aparece bemfeytOj que Ihefeja
Moflrada a nova terra que dejèja.
Do eterno Fado. Dos Fados fe veja a nofa an lo-
tação nefte mcfmo Canto, 0<Sl:;iva 14.
Do mar ^ue itt do Sol a roxa entrada. Entende o
êcfínalados
lugares que nomcyo daquella paragccftiveírcm.
O primcyro chamarão diamerocs ^ que quer di-
zer, por Meroe, a qual Meroe hchíia Ilha muy^
to nomcnda , Reconhecida , fituada no rio Nilo,
Os mais Climas fe podem Ver em Sacrobofco na
fua Efphera, & Ptholomco l:b. 2. Geog. C. i. B
em nollbs tempos he ranta terra deícuberta, que
os modernos tem leyto 25. Climâs: como fe poJc
ver em Hieronymo Girava Tarragonez, lib. t. 5c
Joaó Pcrez de Moya na fua Aítronomia lib. 1* c.
5.ar.i7.aonde acrefcenta outro Clima.
E Ceosexprimentádos. Chamaô os Latioos ãO
Ceo Calantydc hum verbo C<f/o,ercrltocom diph*
tongo, que quer dizer,cículpir, por fer cfculpido,
& cfmaltâdo com tanta divcrfidade de Eílrellay,
como diz Plinio lib.2* cap. 55. Outros o dcrivaô
de Qelo, que quer dizer,cobrir, poi' fer manto , &
cobertura de todo ocreado. E eftes oeícreveni
femdiphrongo.Ulãõ também os Latinos defta pa-
lavra CétiHm , pela Rcgiaô do ar , &: por cfte r«L
C peyco
i8
Lufadas de Lutsde Camões Commentaàoí,
pcy to por Regíaõ, ou Parte do mundo , como diz
€> meímo Plínio , & o nofib Poeta nefte lugar , o
qual encarecendo aqui a navegação dos Portu-
gutzes, diz, que tinhaó cxpcrimétado tantos Cli-
mas, & Ceos: como fe diflbra que tinhaó corrido
tantas partes do mundo*
^o.
EStas palavras Júpiter dizia ^
fiando os 1)eofes for ordem rejpodêào
Najentença hum do outro diferia.
Razões àiverjas dando j & recebendo^
O Tadre Baccho alít naõ confentla
No que Júpiter dijje\ conhecendo
^e ejqueceraõfeusfeytos no Oriente^
òe làpaJl^araLufitanagente.
O Vadn Bacela alli nalo confentia. Baccho foy fi-
lho de Júpiter, & Semeie, como dizem os Poetas,
Solino cap.íJ^.Mclla lib.j. cap.7, & outros dizem
que naíceo em Niía Cidade da índia. Veja-fea
nofla annotaçaó no Canto y.Oótava 52. E porque
tinha naquelías partes alcançado muyta honra,
temia que indo lá os Portuguezes a perdeíIe;pclo
que naóconíentia no que Júpiter dizia, &íc mo-
ítrava inimigo dos Portuguezes. Chamalhe Pa-
dre, que he nome de dignidade, 6c termo, de que
fc ufa a efte propoíito ordinariamente , affim cm
Poetas, como cm todo o género de efcritur^. De
mo Oitava 75. nafceo Baccho. E por iílo cila ce-
lebrava a memoria dos fcytos , ôc cavallarias de
Baccho.
VEj quejà teve o Indofobjugado,
E nunca lhe tirou hortuna^ ou Lafi^
'Por vencedor da India^ fer cantado,
T>e quantos bebem a agua de Tarnafi^
Teme agora quefjafepultado
Seu tam ceie br*: nome em negro vafo
^a agua do ejquecimentoje là chegaÕ
Os fortes Tortuguezes quenavegao,
Ve, que teve jd o Indo (objugado. O Indo hc hunt
dos mayores í ios do mundo,que rega, & dá o no-
me à índia. Veja-fc a nolla annotaçaó no Canto
fetimo, 06tava 18.
De quantos bebem a agua de Varnafo. A agua de
ParnaíohcadAfonteCaftalia, quceftáaopé do
monte Parnafo, da regiaó Phocis de Grccia. Os
que bebiaó da agua delia fonte, ou da fonte Hip-
pocrene do monte Helicon de Beócia ,contaó as
fabulas , que ficavaó Poetas, como diz aqui o nof-
fo Camões, que pelos que bebem a agua de Parna-
lo entende os Poetas, & hc linguagem muy to or-
dinária entre cllcs.
Vaagua do efquecitnento. Fingem os Poetas que
ha no inferno quatro Rios , Letho , Cocytho »
Baccho fe veja o que cfcrcvemos neíleCanto, O- Phlegetonte, & Acheronte, & a lagoa Eftygia.O
él;ava49. Sc 75.
SI-
Ouvido tinha aos fados, que viria
Hua gente for tijjima de Efpanha,
Pelo mar alto^o qual fujiyt ária
1)a índia tudo , quanto Dor is banha:
E com novas vitorias venceria
t^fama antiga, ou fua^ ou foffe ejhanha.
Altamente lhe doe perder a gloria,
2)^ que Ntfa celebra inda a memoria.
Ouvido tinha os fados. O que Baccho receava,
como fica ditOjhe que fuás coufas fe elcureceíTem
naindiijcoiu as dos Portuguezes, Ôcque fe havia
de cun-prir iíto , pois eítava determinado por
Deos.
Tudo quanto Doris banha. Doris, como dizem os
Poetas, foy filha de Oceano, & Tethys,& mulher
de Nereo : & como foy Senhora do raar, toma-le
pelo melmo mar.
Oufua,oufoJ]teflranha. Ou a honra que elle ti-
nha alcançado, ou outros , como Alexandro, &
rio Letho fe chama afíim de lithi , que he na lin»
guaGrega oefquecimento, porque os que va5
áquellas partes, cfquccemfc lá. Eftas faó as aguas
doefquecimento, deque oPoetatalU. O.s mais
rios tomaõ feus nomes da trifteza, & fogo que na-
quelías partes naó falta, dos quaes trataremos
aonde fe offerccer,dandolheluas etymoUgias,
SVJletitava contra elle Fenus bella,
Ajfey coada à gente Lujitana^
Por quantas qualidades via nelUy
2)<sí antiga tad amada ftia Romana :
Nos fortes corações, na grande Eflrellaj
^e moflràrão na terra Tingitana,
E na língua, na qual quando imagina ^
Com pouca corrupção^ crè que he a Latina.
Fenuíbella, Vénus diziaô os Poetas fer Dcofa
dos amores. Tem diíF.rentes nomes, conforme aos
lugares onde era venerada. Paphia, Idalia, Cithc-
réa, Acidalia, Aphrodifea, Dione, 8c outros que
declararey aonde fe oíFerecer. Ouve eíla Vénus
Tiaiano,que naquelías partes fizeraó couías dig- de AnchifesTroyano hum filho por nome Eneas,
nas de memoria. p ,v^í;. donde procederão os Romanos. E por ifto diz
^ De qtt? Ntfa celebra inda a memoria.Nefí:^ Cidade aqui Luis de Camões , que era Vénus affeyçoada
de Niia, como apontamos atraz, Oétava 50. ôc ef- aos Portuguezes , porque via nelles partes , em
irrevemos mais largamente adiante no Canto feti- q^uc fepareciaó com os Romanos: afiim nas cou-
fas
Canlo Trimeyto,
ias da milícia , como na lingua , a qual le parece Tal andava o tumulto levantado
niuyto com a Latina. E os que entendem o La^ Entre Os T>eofes no Olympo coufagradôi
tim, vem ifto claramentCj porque de todas as lin-
*^
guas de Euiopa,rirada a Tofcana, (ainda que tam-
bém anda muyto corrupta) a Portugueza tira
mais ao Latim. E mais pura fora, fe os Mouros
naó entrarão em Portugal. AíTim o tem Francif-
co Tâmara no livro primeyro dos coftunics de
todas as gentes cap.7. E Pedro de Magalhães em
hum dialogo que fez cradefcnfaô, & louvor da
lingua Portugueza, o qual eílá no lim de fua Or-
tographia, & Joaó de Barros na fua Gramnnatica
Portuguew,em hum Dialogo que fez cm louvor
da nielma lingua.
Jerr^Tirt^ttana. Quer dizer terra de Berbéria,
de 7í»g', lugar da melma Provincia,qije hoje cha-
mamos Tangere, fujeito aos Reys de Portugal;
Toma-lc a qui terra Tingitana geralmente por
terra de Africa.
E
34-
^al aufiro fera. Nefta comparação imita o
Poeta aVirgilio, quando trata das importuna-
ções de Eliía Dido com Eneas , trabalhando en^
trctcllo cm Carthago. ^u/lro hco vento Sul. lio-à
reas he o vento que chamamos commummrnte
Nornordefle. Chamaõlhe aíHm os Gregos , por
íèr impetuolo , 6í rijo no feu fopro , pcJa qual ra-
zão lhe chamaô os Latinos /ííjutlo: no eftio íè cha-
maEtelias,q cmGrego íignifica o anno,porq nefte
tempo do eftio muda ruafuria,6c fopra maisbran-»
damente, como diz Plinio lib. 18.C.54.
Às Marte qug da T>eofafuflentãDai
Entre todos , as partes em porfia:
Qu forque o amor antiguo o obrigava.
Ou porque a gente forte o merecia-.
T)e entre os'Deofès em pèfe levantava^'
■^ St as coufas moviao Citherea, _
Emais,porque das 'Tarcas claro ent^ede, Menencortomgtftofarecta
ha defer celtbrada a clara Tiea, ^-f'^^' 'J'''^^ ^' collo pendurado,
^e ha defe
Onde agente belíigerafe eftende^
Aífim que humpela infâmia , que arrecea^
E outro pelas honras que per tende ^
^ebatem^ & na porfia permanecem\
A qualquer feus amigos favorecem,
Citherea. He Citherea hum dos nomes de Vé-
nus, como fica ditOi Chama-fe aííim de Cithera,
^tytanaopara traz medonho j& irado*
Mas Marte. Marte íuftentava a parte de Vciíus
em favorecer os Poi tiiguezcs,ou pela grande ami-
zade, que já tivera coui ella, como conta Ovidio
lib. i. de arte , ou porque os Portuguezcs lhe
mereciaõ efte favor, por feu esforço^ Reavalia-
ria. Eíle Marte, fingem os Poetas , que foy filho
dejunofémpay. A fabula de feu nafcimento fe
Cidade cm Chipre,aonde era venerada, que hoje veja nos faftos de Ovidio lib.^. Chamoufs Mar-
hehuma pequena Áldea chamada Conucha , co*. xtátMat, palavra Latina, que he o homem ma-
mo diz Orteli-o no íeuThefauro Geographico. cho: porque nem mulheres, nem homens affemi-
Outros querem que fe chame aflim da Ilha Cy
thera no Pelo ponncfo chamada hoje Ccrigo.Das
Parcas fe veja o que efcrevemos neíle meímo Ca-
to, 06lava 24.
iZlara Dea. He Venus^ 6c diz que ha de fer cele-
brada pelos Portuguezcs na matéria dos amores,
de que Vcnus entre os antiguos era tida por
Deola.
/í//zw que hum pela infâmia efut recea. Efte era
Baccho, o qual temia (eelqucceflem , 6c pcrdcf-
fem da memoria dos homens, as coulas que tinha
teyto na InJia, fe os Portuguezes lá chegaílem.
E outro pelat honrai ejne pertende. Eíta era Vénus,
que favorecia os Portuguezes pelas razões acnna
ditas.
55.
Qual Au /iro fer o y ou Boreas na efpejfura
T>efylveftre arvoredo abafteciàa.
Rompendo os ramos vaÕ da mata ejcura^
Com Ímpeto & braveza defmedida.
Brama toda a montanha^, ofom murmura:
Rtímpemfe as folhas^ ferve aferra erguida^
nados fervem para a guerra. Chamaòlhc os Poe-
tas Aítíforrtf , de duas palavras Latinas, Magnus^
que he grande , 6c Verto., revolver * & trastornarj
porque a guerra confunde,&: trastorna tudo.Dó-
de diflc Saiiuílio: Concórdia parva rei crefcunt : dtf
cárdia maxmè díUbítntur. Coma pazas coufas pe*
quenas crefcem, & com a guerra as grandes fe de*
ftrucm. Chamaólhc também Gradivo ácgradfor,
verbo Latino, que quer Jizer , ir por degraos :
porque nas coufas dâ nnlicia he neceliaru ordem,
Scconíeiho*
AVífeyra do elmo de diamante,
Alevantando hum pouco muy feguro^
Ter dar feu parecer fe posi diante
7^e Júpiter j armado^forte, & duro*.
E dando huma pancada penetrante j
Co conto do bajiãoi no folio puro,
O Ce o tremeo, & Apollo de torvado^
Hum pouco a luzperdeo como infiado»
Avtfqradoelmo, Reconta como fepoz Mar-
te dianie de Júpiter era favor dos Portuguezcs
Cl
c»
{u».
20 Lujladas de Lu/s de
Sólio turf>. Cadeyrarefplandeccnte. 5íi/whe pa-
lavra Latina , da qual entre outras íigniíicaçócs,
huma hc, afientoreal, na qual ufa aqui delia Luís
de Camões.
ApoUo dt torvaJo.V^ra encarecimento da valen-
tia de Marte, uílt deíle termode fallar : no que
guardou as regras daPoefia, como aconíelha
Hoiacio na arte Poética.
E1)iffe a f fim :0^'P adrega cujo império
Judo aquillo obedece, que criafte:
Se efia gente , que bufca outro Hemtspherio,
Cuja valia, & obras tanto amaífe,
NaÔ queres que ^adeção vitupério:
Como haja tanto tempo que ordenafte^
Não ouças mais pois es Juiz direyto.
Razões de quem parece ^ que he/ufpeyto.
Outro Hemiipberh. Outro mundo, outras partes
Sc regiões d-ftercntes das fuás, cm queatégorá
habitarão. Que feja Hemiipkcrio fica dito nefteGá-
to, 06fcava 8.
Raz,õeí de ejmm parece^ cjue he fttfpeyto. Baccho era
fufpeyto aosPortuguezes , pelas razões que de-
mos atra^.
^^^
aVe fe aqui a razão fe nao moftrajfe
Vencida do temor demafiado^
Bom for ay que aqui Baccho osfufítntafiet
Yois que de Lufo vem, feu taÕ privado.
Mas efta tenção fuaj agora pajje,
^Forque em fini vem d^eíUmago danado',
^e nunca tirará alhea inveja
O bem que outrem merece, & o Ceo de feja,
§ltie fe aqui a razão fe naomo^rajfe vencida do te'
mor. Onde entra payxaó , naõ ha prudência ,
nem ordem:antes tudo (aó erros, Sc defatinos. Por-
que he impoílivel haver r izaõ, onde ha colera:&
faltando elU,tudo vay perdido. Como aqui fuc-
cedeo, que fazia tanta iinpreílaõ a ira em Baccho,
que o obrigava a fer contra os Portuguezes,gen-
te tanto fua,poisprocediaõdofeu grande priva-
do Lufo; ou por melhor dizer, filho, como fica
dito Odiava i. Pelo que aconíelha aquelle gran-
de Philoíopho Epicleto : que quando fucceder
fernos neceílario fazer alga m acometimento , pe-
jemos primeyro rauytobem o que imos fazer,
5c confideremos muyco devagar , o que havemos
de fallar: porque de outra maneyra eílá à porta o
arrependimento, fico dano muyto certo.
(^c nunca tirará alhea inveja. Enveja, hehuma
chaga da alma, que trata principalmente mala
quem a tem; fegundariamente a gente de nome,&
que prella para alguma coufa , como diz Plataó
lih. 9. </« Ugíbuí : porque o cnvejoio naó cura da
Camões Commentados,
gente inutii, 6c que vai pouco : o íèu veneno não
pega lenaó em cou las altas, ê<. cxcellentes, como
diz Horácio, lib 2. epiíl. Urit entm Julgore juo ^ i^ui
pr agravai ar tei tnfrajepoãtas^ O cnvejoio aborre-
ce a gente, que vé melhorada, ou em virtude, ou
cmalgúaarte: naõ ie torna a enveja , lènaó com
gente de valia. E ilio quiz aqui dizer o noílb Poe-
ta. A enveja pinta elegantemente Ovidio nas Me-
tamorphoíès, hb.i.
40,
ETu, Padre de grande fortaleza^
^a de termina faó que tens t ornada j
Naõ tornes para traz^pois hf fraqueza^
^efifir/è da ccufa começada-.
Mercúrio, pois excede em Hgeyreza
Ao vento leve, ^ àfetta bem talhada^
Lhe vá mojirar a t erra, aonde fe informe
'Da índia j C^ aonde a gente Je reforme.
Tais befraejuezade^Jfir da coufa começada. Muy-
tas vezes heillocstoiço, 6c cavallaria: mormente
quando, ou movidos por rogos de alguma pdloa
de entendimento, ou por affim nos parecer me-
lhor, ofazemos. He matéria eíta ern que fenáo
pode dar regra certa ; pelo que ae xecuçaó delia
le deyxa a juizo,6c parecer da gente que Ie enten-
de. De Mercúrio íc veja o que fica dito atrazO-
â:ava 10.
41-
C"^ Orno ifto dtjfe o Tadrepoderofoj
_j A cabeça inclinandQ confentio^
JSlo que dtffe Mavorte valerofo^
E Neã ar fobre todos efpargio.
Yelo caminho íaóieo^loriofOi
Logo cada hum dos 'Deofesfe partio^
Fazendo feus reaes acatamentos^
^Para os determinaaos apofentof.
No ejuedtjje Mavorte. De Marte, 8c Mavorte fc
veja a nollaannotaçaó ncíle mefino Canto Oòla-
vâ 36.
Ntèlarjobre todos efpargio. Ne6lar dizem os Poe-
tis que hr obcber, 6c Ambrofía o comer dos falfos
Deofes. Hum, 6c outro vem do Grego, 6c figni-
ficaiinmorralidade, porque era mantimento de
gente do CcD.Efta differença fe confunde (cgun-
do tenho notado nos Autores: 5c Amb» ofia lè to-
ma pelo Néctar, 6c Neólar pela A mbrofía; como
notou Celio Rodigino nas lições antiguas, lib.4.
cap.15. no fim. Collumaó também os Poetas dar
com eltes nomes epirhctos a outros,para molhar
fua cxcellenciai 6c fuavidade: 6c daqui ao vinho
muyto bomchamaõ, virmrnneãareum , &à agua
também Neftarea, 6c às iguarias Neítarcas. Ao
mel por lua doçura chamaõ também os Poetas
Nedar , como lhe chamou EftacioSylva 3. 6t
Virgilitf
Virgílio in Culice. Por eíla mefma razaó ufa a-
qui onofío Poeta deNeftar por huina agua muy-
ro cheyroía:no qual lentido ulbuVirgilio da Am-
bi oíia na Eneida lib. 2. Do caminho lacleo fe ve-
'y<\ o que Hca dico neíle Canto Odava 20.
42.
1"^ M quanto tftofepajfãj na fermofet
^ Caja Etherea do Olympo omnipotente^
CortuvcL o maragnite bellico/ãy
la lã da banda do Aufiro, & do Oriente*
EntreaCoJia Ethiopca^ ^ afamo/a
Ilha de S. Lourenço ^ & o Sol ardente
^leymava entaõ aquelleSy que Typheo
Com temor grande empeyxes converteo»
Canto TrhneyYO,
21
íle em^ej/xet converteo. Typheo fingem os Poetas
fcríilhodeTicâno, Sc da Terra: eítefoy inimigo
capital de Júpiter , £c dos mais fallos Deolcs , peio
que determinou deílruillos. Moveo guerra con-
tra elles , levando comíigo outros Gigantes fcus
irmãos, Jupitcrnaófe atrevendo efperalo ,fugio
na volta do Egypto com feuscompanheyros: ÔC
naó le tendo alii por leguro,por Typheo lhe ir no
alcance, fe converterão em differentes animaes,
por elcapar de fiia fúria , como íànge Ovidio lib.
3. Met. o qual diz que ló Vénus íe convcrteo em
peyxe. Outros contaõ a fabula de outra maney-
ra:&: dizem que também Paõ , doutros íe con-
verterão em peyxcs. t', porcjue os peyxes, vendo
Vénus ftyta peyxe, lheíizcraó muyto gafalhado
fras fuás aguas, & a tiveraó cotr^fígo : lembrada
ella, 5c agradecida deíle beneficio, pedio a feu pay
Cajá Etherta doOlympo ommpoteníe.Oly mpo cm- Júpiter lhes fízcfie por ifto algúa mércè. Júpiter
niputente aqui fe toma por Júpiter , como ulou ts pózno Ceo feytos ellrcUas , 6c delles fez hum
delle Virgílio na Eneida ,lib. 10. Pandtturinttrea dos dózcílgnos do Zodíaco , ao qual os Aílrolo-
domus Ommpeuntit Oli^mfi. O qual verfo alguns goschamaò Pi]c6i^ ou peyxes. Ncfte fígno entra
quizcraó emendar , oc em lugar de Omnipotentist o Sol no ínez de Fevercyro. O que o noffo Poe-
■ptízcYtiò,omnipatenti$ j epitheto mais convenien- ta nefta Oâ:ava quiz moílrar he, que quando os
tca Olympo, íc quiz,craalli dizer o Ceo, como os Portuguezes hiaô entre a cofta de Moçambique,
poetas ordinariamente uíaódelle.&nòs notámos & IlhaM;; Saó Lourenço , era nomezdeFeve-
cm outra parte. Vejaó os curiolos Celio Rodigi- rey ro: 6c naó he necedano apontar particularmé-
no nas lições antiguas, Centur.i. epill:.lib.20.cap. te o dia, em que os Portuguezes hiaó neftapara*
13. gc"^» P^'^ '"io^ conformarmos com o dia, em que
Ilha de S. Lourenço. Defcrevco Poctaaqui apar o Sol entra no íignoPilces : que he aos dezanove,
ragem emquehiaõos Portuguezes , que anda- Baílaque erano mezdeFevereyro , & que líto
vaóbufcando as partes da índia, ao tempo que quiz,óFoeta aqui dizer.
Júpiter com os mais falfos Dcofes eftava em Con-
cilio fobre fuás coufas. A coita Ethiopica , de q 4^.
aqui falia, he a que chamamos coifa de Moçam- fHTl y^m brandamente os ventos os levavao
bique. Eílá da Ilha de S.Lourenço, como leífen. J[ Como quem o Ceo tinha por amigo:
ta legoas de traveíla. Deita coita, & lugares deU ^^.^^^^ O ar, ^ os tempos fe mo/íravao
la havenx)s detratar no Canto decimo. Ouanto r- „ /> ' j ^ .
Qtianto
à Ilha de Saó Lourenço, chamalhe flimofa, por
fer muyto grande , ík por eíte rcfpeyto muyto
nomeada, a qual tem de coita mais de trezentas
legoas. Os da terra lhe chamaõ Madagafcar.Pc-
lo iertaó dentro he habitada de gentios : nos por-
tos de mar tem algiias Villas,& Lugares de Mou-
rosv Tem differentes Reys, huns Mouros, & ou-
tros Gentios. Pelo que andaó muytas vezes em
guerras. He abundante de carnes, arroz, milho,
laranjas, limões, gingibre. Andaô niis, lómente
cobrem as partes vergonhofas. Trataó com os
Mouros Arábios da Cofta de Melinde fomente.
Tem língua lobre ii : laõ baços. As armas de que If. naó devendo ler mais que hum, conforme a fua
ufaôtáó Azagayas com ferros muyto bem obra- origem.
dos: das quaes trazem muytas, & ferern de reme- -N^ cofia de Ethiofta. De Ethiopia, & origem de-
ço.O principal mantimento de que ufaó, he inha* íte nome tratcy atraz na defcripçao de Africa , cu-
iDe, pefcado, 6c figos, de que fazem paócomo de j* parte ella he: da coita havemos detratar no
caltanhas.A terra he muyto fermofa, 6c aprazível, Canto decimo, como notey na Odava paílada.
naqualhamuytosrios, & muyto grandes. Naó
he pofluida dos Reys de Portugal,por ciics a naó
quererem. Eítas coulas deita ilha loube por in-
formação de peífoa que nella eíteve.
Çiutymava tntafi a^uelkí ^ue lyphco com ttmorgri^
Sem nuvens, fem receyo depertgor,
O promontório ^ra[fojàpa[favuõ
Na cofta de Ethiopia, nome antigo^
fiando o mar defcubrindojhe mostrava
Novas Ilhas ^ que em torno cerca^ & la vã,
O Prommtorio PraJ/o. He o que commummentc
chamamos Cabo das correntes. Chama-fc aílim de
Prafios, palavra Grega, que figniíica verde, por
ler toda aquella coita cuberta de hum arvoredo
parrado, à maneyra de balças", que daó poUca
fervcntia por bayxo.Todos o eícrevem com dous
44.
'T Y A(co da Gama^ o forte Capitai,
\ ^*í' ^ tamanfoas emprefas/e ojfeyece
De
2 z Lít fiadas de Lais de Camões Commentadof»
^efoberhõi & de akivo coraçâoy mcfma laya. Mas não fe atrcviaõ a declarar tíe to-
/l quem afortuna fimPre favorece, ^o» "^"^ ^^ ^ "'^ó ao povo enganado, temendo que
'Arafe aqui deter, não vé razão, 1?.= ^"'?'^ ^ que faz.aõ a outros : aos quaes ca-
^ y, r . j . u ItifTavaomuytoafperamente, dizendo iereiu que-
^iemhabitadaaterralhe parece: br?ntadores de lia Rcliguó : como punhaóa
5Pí/r diante pajfar determinava^ Sócrates, Anaxágoras, & a outros nu.y tos. E aí-
Alas não lhe fuccedeo^ como cuydava, fim Plataó . Ariiioteles, & outros rhilofophos en-
tendendo a verdade davaõ a entender o contrario»
^ ejum a fortuna fempre favorece. Os Antigos por comprazer ao povo, como diz o Apoftolo ti-
Gentios, como tinhaó depravado o entendimen- crevendo aos T{ omanos Epill. i. E que eltes Phi-
to, 6c naõatiaavaó no conhecimento de feu ver- lofophosentendeílem a verdade , le colligc clara-
dadcyro Deos, & Creador, faziaó quantos Deo- mente de feus efcricos. Trataó cila matéria cla-
fes lhes vinha à vontade. Era tanto, que diz PIí- ramente os Santos , & doutiíTimos Theologos.
riolib.2. cap.y. queeraõjá os Deofesmais queos Joaõ Dâmaicenolíh.i^Fídeíortbodoxacap.i.òcSin-
homens. E Heíiodo, que tinhaõ os antigos mais to Thomás i.;».^. ii. art-i-in corporearttculiyC!^ i.
de trinta mil Deofes, como refere Eufebio Bifpo centra genttSt cap. 41. O nollb Camões falia como
de Cefarca no livro fegundo da preparaçaôEuan- Poeta.
gclicacap.i5,Entre outros fizcraó também aFor- 4c.
tuna, à qual attribuhiaõ o goVerno do mundo, & JIJ /í apparecem logo tm companhia
a repartição de feus bens, dandoahuns, & tiran- ^-^ Huns pequenos bateis , que vem daquelU
do a outros, como a ella lhe parecia. A cila faziao q^^ ^^^^ -j. ^^^^^^^ ^ terra parecia,
crandes templos, 5c íacrificios, como lemos em /V , .^j^^i^ ,„^^ 1 1
êi- • rr- 1 • T-»- r \T „r r\.,\A:r. Lortando 0 lon£omar com larza vela'.
Plini©, Tito Lívio, Dionyíio, Virgílio, Ovídio, ri j j ,
& todos os mais Poetas, & Hiftoriadores antigos. ^ g{nte fe alvor oçdy & de alegria
Também a pintavaõ cega, & com os pés cm húa Naõ fabe mais que olharacaufa della^
bola: dando a entender fua inconftancia , Sc ce- ^ie g^nteferá ejtãj em/i diziaõy
gueyra j porque viaó muytos poftos em grandes ^le coftumes^ que ley , que Rey teriaõ,
dignidades, & eílados fera o merecer ; & outros
pobreSjSc abatidos, tendo grandes merecimentos. Eis af parecem logo em ampanhia. Efta Ilha don-
Donde inferiaó fer ifto obra da fortuna, negan- de fahiraõ eftes bateis a reconhecer a nolla arma-
do a Providencia divina: naõ confiderandopro- da, he Moçambique, aílaz conhecida hoje, poc
cederem todas eftas coufas da maôdeDeos , 6c fercfcaU dos noflos Portuguezes na lua navega-
queelle por feus occultos juízos as permitte: co- çaô da índia. Aflim dcíla, cómodas mais fituadaj
mo trata excellentemente o B. Santo Auguftinho na^ucUa cofta, havemos de tratar ao diaiíte.
cm muytos lugares, principalmente nos livros da
Cidade de Deo?, lib. z. 4 6c 7. 6c o Doutiílimo S. 4^.
Hieronymo em huma epiftolaa Terencia;6c La- A S embarcações erão na maneyra
ãmcio nos livros de Falfajapiemay lib. 5. cap.29. J\ Muy veíozes.eilreytas, &compridas$
Muytosdos meímos Gentios o entendei^aóairim: ^^vela^com que vem^erãade efteyra,
donde diUe Juvenal nos últimos verfoí da Satyra cr^ 1 ^ r n ^ j ^ 1 1 * -^
decima: \De huas folhas de palma bem tecidas,
Mkm nutnen haheufi fit prudemaifed te Agente da cor era verdadeyra,
NosfaçitfiUi,Fortuna,Dearjt,caío^ue locamus. ^^ ThuCton nas terras acendidas
Naõ tiveras tu Fortuna o nome de Deofa que jÍo mundo deo, de oufadOi& não prudente:
tens, fe os homens nos entendêramos: mas como Q ^ado ofabe, O Lampetufa ofente,
fomos de fraco juizo, & entendimento, fazemofte
Deofa, 6c pomos- te no Cco. Quanto a mim ne- As embarcações. Eílas embarcações de que aqui
nhumChriílaõ devia tomar na boca tam infame falia o Poeta, chamaó o> naturats da terra pan-
nome , mormente fendo hum erro gentilico , 6c gayos , 6c nós almadias , de que ainda hoje ufaói
deíutino grandifíi;Tio. E aílim o B. S. Auguílinho Traziaó as velas de folhas de palma , por não te-
nas fuasrctraétaçóes íe rerratou,6c defdiífe de ter rem o j)ano que agora tem. E naõ fomente ufa-
Jouvado hum homem nobre,dc bem afortunado, vaõ deltas velas de eíleyra neftas embarcações
Entre os antigos houve muytos, que governados pequenas, mas em grandes também, pornavega-
fómente com o lume natural , zombavaó das me- rem aílim melhor. E eftas embarcações, aíTim pe-
nmices , 6c poucofaber dos Gentios na varieda- quenas como grandes, naõ laõ de pregadura,mas
de, 6c multidão de léus Ídolos : aos quaes fendo de tornos de paos, 6c cofturas de couro,
paos, pedras, 6c metal attribuhiaõ divindade:ou lé- agente da cor era verdadeyra. Phaeton ( como
do imagens de homens, 8c fnulhcres defenfreados, contaó os Poetas) foy filho de huma mulher cha-
6c diflolutos cm vicios,6c peccados,como Júpiter, mada Cly menc, Sc do Sol. Andando hú dia Phae-
Yenus , Mercúrio , 6c Baccho com outros defta ton brincando com hum rapai chamado Epapho
filh
o
Canto Trifneyrol 15
filho de Júpiter , vicraó a pelejar , como he lentimento,que fingem os Poetas, que foraõcou-
coílumc de rapazes, 3í Papho deshonrou a vertidas em arvoreis, como refere Oviaio nas Me-
Phaeton dizendolhe, que naó era filho do Sol, camorphofes lib.i.
inas filho de huma mà mulher, a qual o enganava
em lhe dizer, que era filho do Sol. Phaeton toma- 47,
do deílas palavras , foy logo dar conta a fua máy 1p^ E panos de algodão vlnhão veííidof,
Clymene, a qual depois de fcytas exclamações o jLJ "Dt varias cores ^brancos ^ & Mrados.
mandou caminho do Onente a cafadeleu pay o Hwis trazem derredor de fi cingidos.
Sol, do qual alcançou licença para governar hu r\ ^ j r ni *^i
dia os carros, em que dava luz ao mundo, para de- ^''^^^' '"^ ^^^^^ ayrofifihraçados:
fta maneyra fer conhecido por feu filho. Deo-fe '^^^ ^'^^^^ P^^^ ^^^^ '^^^ defpídos,
tam mal no regimento dos cavallosaquellepeda- Tor armas tem adagas j & terçados^
ço de dia que os governou, que houvera de quey- Com toucas na cabeça, & navegando,
mar o mundo todo, le Júpiter não acudira , & o AnafinsfouQrofos vão tocando.
derribara com hum rayo.Com tudo ardcraô mon-
tes, fecaraó-fc rios: 6c daqui fc diz , que os mora- Outros em modo ayrcfg fobraçados. Do modo,que
dores de Ethiopiaficáraó negros. A razaó porque vinhaó eftes homem nas luas embarcações, lea-fe
çlta gente tem eíla cor, naóhefabida. Veja-fea Caftanheda lib.i. cap. 5. o qual conta afeíla, 6c
nofla annotaçaó no Canto íegundo , Oclava ^05. alvoroço que levavaó, como dos veílidos ie col-
A fabula conta Ovidio nas Metaraorpholcs Jib.a. lige que eraõ certos panos loltos que levavaó fo-
De oufadoy (jr nao pri*det}te. Efte mcfmo epithe- braçados:trajo que lhes ferve de capas a todos era
todeoufadojlhepuzcraôas Nymphas de Itália na géraJ:& ha panos deíles tecidos de ouro que va-
iuafepultura, como diz Ovidio no lugar allega- leni muytodinheyro.
do. Anafint fanor o fos vaõ tocando. Anafins faõ huns
Hicjítus e(i Phaeton, currus auriga paterni, inílrumentos como íraiítas retorcidas , de que
fluem finon tenuity magnii tamen excidit ^ujlf, os Mouros uíaó.
Aqui jazPhaeton governador do carro de feu pay
o Sol,do qual ainda que cahio, todavia merecco 4S.
louvor do atrevimento que teve.Neíte epitaphio r^ Os panos f§ cos braços acenavh
lhe louvaõ as Nymphas o atrevimento em huma I A' s gentes Lufttanas que erperaífemi
coufa taodifficultola, como era governar os car* liT^^^À ..f^^/,-. /;^^ .^^, n,:^^i:,.!.^.xJ:
A c ^ r ^ ^ Masiaasproas líçeyras etncltnavao.
Tosdobol : porque em coufas grandes o atrevi- ,^ ^ ^ ^ ^ ?// • ^
«iento he coufa grande. Donde Ovidio tratando ^^^^ quejunto as Ilhas amamajem,
dosteytosexcellentesdeTheíeonacartade Phy- Agente \3 martnheyros trabalhavao,
lis a Demophoonte, entre outros fey tos feus, que Comofe aqui os trabalhos acabajfem,
põem dignos de memoria, ajunta hum de que elle TomaÔ Velas , amatna-fe averga alta^
fahio muyto mal , que foy ir ao inferno com feu q^a ancora 0 mar ferido, em cima falta.
amigo Pirithoo a fartar Profcrpina mulher de
Plutaõ: porque Pinthoo foy morto logo à entra- Coi panos, (^ cos braços acenavao. lílo diz, por-
da do inferno, & Thefeu prefo: &: todavia fe lhe que eftes homens da Ilha de M' çambique , que
attribue a louvor atreverfe a commctter oinfer- hiaó nos barcos, capcavaõ , & acenavao ànoifa
DO, com tençíiõ de furtar a mulher do Rey delle. gente, que naó paflaílc adiante.
O Pado o fabe.O rioPado, aquc os Gregos cha-
maóEridano, he em Itália, a qual elle rega. Cha- 49.
ma-fe vulgarmente Pó : he muyto celebrado en- -^ "T Jêerao ancorados, quando â gentS
treos Poetas & Hiftoriadores. Nafce em hum |>J Eííranfoã pelas cordas jà fubia:
efga ho dos Alpes chamado Vefo, ou Vefulo: que ^,.,aii,^,, ^,,^, ^ humanamente,
ce numa, cede outra maneyrn o nomeao os Auto- r\A • " rir l'
res. HeomayorriodetodaEuropa,tiradoo Da- OLapitaoJubUme osrectbia.
nubio , porque recolhe em fi mais de trinta nos ^^ ^^0^^ manda pór em continente,
grandes, com os quaes fey to hum corpo entra no T>o licor, que Lyèo prantado havta:
mar Adriático por duas bocas: huma (e chama Pa- Enchem vafos de vidro, & do que deytão',
dufa dos moradores j &: outra Volana, que hc o Qj ^g Thaeton queymados nada engeytâOé
melhor porto, &; mais feguro de toda aquella co-
fia, Dizo Poeta, quco Padoofabc, porqquan- Do licor, t^ueLyeo prantado bavia.^oXwtoc^nznQ
do Phaeton foy derribado com o rayo, cahio nc- das metamorpliofes,logo no principio põem Ovj*
■^^*^'''"* dio muytos nomes que os Poetas daõ a Baccho,
Lampetufaofente. Iflo diz, porque Phaetuíii, o qual osantigos enganados tinhaó por inventor
Lampecia, Lamnctufa, irmãs de Phaeron,fízer;i5 do vinho , 5í por cite rcípcyto ohonravaó, 6c
tam grande pranto iobre elle , Sc moíháraô tanto chamavaó Deos do mclmo vinho, feudo hum ho-
men)
2^ Lufiadas de Luís de
tiicm defenfreado em todo género de vicios, co-
mo for?õ todos os outros , que elles ncfta conta
tinhaô. Entre outros que lhe dàhum dellcs hc
Lvco, de que o Pocra aqui ufa ,& chama-fcallim
dcLyéo, verbo Grego, que íignificadcfatar, ou
livrar, por ferem os homens dados ao vinho dif-
íblutos, & livres cm todas fuás coufas: fcm fegre-
dp , honra, nem vergonha : & pela mefma razaó
lhe ch;\maõ tatnbem os Poetas Liber, pela liber-
dade, ôcíolturaquetcm , naó Ic lembrando de
cuydado, payxaó, ou enfadamento. De Baccho
trato algumas coufas nefte mcfmo Canto , 06ta-
va7^. & no Canto fegundo,06í:ava lo.
OiàtVhaetonc^M^madoi. Entende os negros,
como fica tratado neílc mefrao Canto, Od^ó.
C"^ Omendo alegremente ferguntavão
^ TeU Arábica lingua ^ donde vinhao^
§uem eraõj de que terra^ que bufcayão.
Ou que partes do mar corrido tinirão.
Os fortes Lufitanos lhe tornavão
As difcretasrepoBaSj que convinhão:
Os Tortuguezes fomos do Occidente,
Imos bufe ando as fartes do Oriente.
Tela Arábica lingua. Arábica hc a lingua dos A -
rabes, os quaes entrando em Africa, ôccfpalhan-
doíe por ella, como era gente de mais policia , &
entendimento, que os Africanos, começoufe a faU
lar a fua lingua por toda Africa : a qual lingua
hoje fe chama Arábigo, dcílcs Árabes chamados
Alarves corruptamente, & naô fomente em Afri-
ca, mas em Per(ia,&; outras muytas partes de Afia
fe falia efta lingua como he notório.
51-
DO mar temos corrido, & navegado
Toda a parte do Antar^itco^à' Caly^o^
Toda a Cofia Africana rodeado^
'Diverfos Ceos^ 0 Terras temof vi ff o,
*\De hum Rey potente fomos tam amado ^
Tam querido de todos ^ & bemqtúfto^
^te não no largo mar com leda fronte ,
Mas no Lago entraremos de Acberonte,
Toda a fane do AntarBicOf é^Caly^o. Entende
Norte, 6c Sul. Vcja-fe o quccfcrevemos no Can-
to quinto.
Mas no Lago tntraum9s de A eh fronte. Ufa deftc
termo de fallar , para encarecimento da lealdade
dos Portuguezes: os quaes, diz, que naó tómente
no mar, mas no lago de Acheronte entrarão por
amordefeu Rey. He Acheronte, legundo fin-
gem os Poetas, hum riodomferno. Chama»fe A-
cherontcdeduas palavras Gregas , que querem
dizcr/èw?pMz>c»", por naquelle lugar haver muy to
pouco, antes cudofci^ cnltcza, ôcmiferia.
Carnes Commentados]
52.
ETor mandado feu, bufcando andamos
Aterra Oritntal^ que o Indo rega,
tor elle o mar remoto navegamos^
^efó dosfeos Focas fe navega.
Masjà razãoparecet quejaybamos,
{Se entre vos a verdade nàofe nega') . ,
^emfois, que terra he ejia que habitais^ ' 1
Oufe tendes da índia alguns finaes?
A terra Oriental ejae a Indo rega. Do rio Indo, &
feu nafcimcnto tratamos atraz, Oftava 51.
^í fo dos feos Fvças fe navega. Focas faõ lobos
marmhos , & diz que fe navega cfte mar íò dos
peyxcs, porque antes dos Portuguezes naó era
trilhado, nem curfado de gente, & dos peyxesíó
era conhecido, & navegado.
5^
SOmoSi bum dos da ilha lhe tornoUj
Eftrangeyros naterra^Ley,^ naçaÕí
^e os propnos faõ aquelles que crioH
Natureza fem Ley^ Kè (em razaÕ^
Nos temos a ley certa que enfinoit
O claro defcendente de Abraham,
^e agora tem úo mundo ofenhorto^
Amãy Hebrea teve^ ^ opaygtntio^
Somês,hum dos da Ilha Iht tornou. Rcfpondeo hS
daquclles que vinhaó da Ilha,que elles eraóMou-
ros, da feyta de Mafamede: & que naó craó natu-
raes da terra, porque os naturaes dcUa eraó Gen-
tios, gente fem ley, femjuizo, & entendimento,
que viviaó barbaramente, foltos , £c deiapegados
de toda a obrigação: adorando hoje hum pao, à
manháa huma pedra: naó íc firmando cm ley cer-
ta, ou regra algúa,faó palavras do Mouro.
O claro dejctr/dente de Abraham. Entende Mafa-
mede, porque os Mouros dizem^ que procedem
de Abraham,&: de Agar lua efcrava, da qual hou-
ve hum filho, que le chamou Ifmael , donde os
Mouros fe chamaó Agarenos, ou Ifmaelitas, co-
mo fica dito, Odtava 8.
A mãy Hebrea teve , & pay Gentio* O pay deftc
Matoma, dizem íoy Gentio de naçaó , por nome
Abdelá, & fua mãy Hebrea chamada Emina , &
quenalccoem hú lugar pequeno de Arábia cha-
mado Itarip. Vcja-fe a nollá annotaçaó no Cau-
to 7. Odava 17.
54-
ESta Ilhapequenay que habitamos,
He em toda efla terra certa efcala
^e todos os que as ondas navegamos
*J)e ^iiloa^ de Mombaça, ^ de Sofá la.
E^or
■E porfir neceffaYlaiprocuratHòh tom outros qúatrO) cohiodiz t^Uhío lib.ts. Capjiu.
Lomo próprios da terra de habttálai Chamalhe Lucano Nííco lib.í?. porque dizem» q
Eporqm tudo em fim vos notifique, f^íf pela Cidade de Nila pacria de BacchcO nol-.
niuy tas vezes tratamos neíle livro, mas hé no tnc
Chama- fe a pequena Ilha Moçamoi^ue, Entre òui adjeftivo, epithétó paira moftrar > que o no Hy»
tros lugares q ha na coita de Ethiopia,ha cftes de daípes he na índia,
que o noUo Poeta aqui faz mcnçaó : Moçambi-
que, Quiloa, Sc Mombaça , os quaesdousderra-
deyios iaó na coita de Melinde. Moçambique hà
hurna pequena povoação , a qual eítá em altura
de 14. grãos & meyo , torneada de agua falga^a,
com que fica em Ilha. A terra he muyto bayxaj
& alagadiça i pelo que hc muyto doentia, tem
muyto bom porto, Sc he abaítada dos mantimen-
tos da terra. Hc hoje a principal cfcala que as nof-
las nãos tem na navegação da Índia , 6c aflkz co-
nhecida por eílerefpeyco. Qiiiloa , hehuma Ci-
dade to Ja cercada de mâr,que a faz llha,tem muy^
tos piíhnares, muytas arvores de cipinho, 8c orta
Isto dizendo o Mouro fe tormn
Afeus bateis com toda a companhia:
U)o Capitão , & gente fe apartou^
Com mofiras de devida cortezta^
Nifto Phebo nas aguas encerrou^
Co carro de cryfla /, o claro dia^
liando Cargo a irmãa que alumiaj^è
O largo mundo em quanto repou/affei
Ktllo Vheho nas Aguai encerrofi. Phebo he hum dds
liças como as de Êfpanha. Ha gallinhas, pombas, nomes do Sol. Chama-fe Phebo pela luz, Sc ref-
rolas, (k. gado grofloj Sc miúdo 3 6c algúas avcSjdç
que ncftas partes naó temos noticia. As aguas laõ
ruins, por lerem de poços, & eílcs de terra alaga-
diça. Tem boas calas de pedra, 6c cal j comícus
cyrados, Sc quintacs, com muytas arvores de íru-
ta, airim para ornato, como para provcyto.Mom-^
baça eítá rodeada com outro cíteyro de agua ao
plandor que tem,6c eítc fingem os Poetas, que dei
pois de dar luz ás terras neíle hemifphenofupc-
rior, fe recolhe com Thctis Rainha do mariondé
gaita a noyte defcançando com os cavallos
do feu carro, do trabalho do dia. Claro he íer ilto
fabula : porque o Sol rodca o inundo j Sc lhe dâ
luz andando cm continuo movimento. Os Poe-
modo de Quilóa, Tem edifícios como os de Qui- tas ufaó deites fingimentos , para ornato de íuas
íóa, com muytas torres , com que fica fermola à
vílU, Sc tcmcrola paraosquc aquizerem acome-
ter. Tem Rey íbbre íi, & he de muyto trato, 6c
abundante do neceflario.Tem muyto boas aguas,
rodo o mato he de laranjaes. Ncíte lugar tiveraõ
iemprc os Portuguczcs ruim galalhado; hoje tem
tortaleza fey ta à força de armas , donde lançarão
os Turcos, Sc naiuraes da icrra que ahi a tinhaõ
feyra. Sofala, hc hCia pequena povoação de Mou-
ros, antes de chegar a Moçambique,poíta ao lan-
go de hum rio do mcímo nome. Eítá três legoas
da coita. Aqui tem os Reysde Portugal hiãa for-
taleza , Sc o Rey da terra âfua obediência. Do
Reyno de Sofala, coltumes da gente , Sc do feu
Rey, chamado Benomorí5pa,fe vcjaanolfa anno-
taçaó no Canto decimo, Oétava.^j.
55.
EJá eftie de tam longe navegais J
Èu/cãdo o IndoHydafpe j^terra ardete^
'Piloto aqui tereis ^porquem Cejais
Guiados pelas ondas fah iam ente.
Também fera bem feyto, que tenhais
T>a terra algum refrefco,& que e Regente
^ue efia terra governa ^ que vos vejaj
E do mais neceffarto vos proveja,
BufcandooIndoHyJafpe. HcHydafpc hum rio
daiiihlia muyto grande , o qual le mete no Indo
fabulas. Eíta hc aílaz íabida , 6c de que os Poetas
trataôem muytas partes, Sc cu por muytas vezes
em citas annotaçócs.
Dando carga dirmãd. A irmãa do Sol he a ÍAia:
pelo que os Poetas dizem , que faó filhos de Jupi*
ter, 6c Latona nafcidos ambcs na Ilha Delos. Pdr
cfla razaó rera ambos os meímos nouics. O Sol
fe chama Cynthio, Delio^ Titanio,Latonio,Phei
bo. ALuaCynthia, Delia, Titania , Latòniaj
Phcbe : 5c outros , que pelos Poetas fe acharáôi
Vcja-fe a nol5á annotaçaó atraz, Octaya 57;
■57-
AJSÍâyte/èfaffou na lajfa frota
Com eftranha alegria^& não cuydadà^
'Por acharem da terra tam remota
Nova de tanto tempo defejada.
§ualquer etiíaS comfigo cuyda, & nota
Na gente j & na maneyra dcfufaàa^
E como os que na errada Seita crer ao ^
Tanto por todo o mundo fe efiendtrao^
É os í]ue na errada feita cria». Eiucndc os Mou*
ros, que feguem a maldita le/tadc MafameJe, de
cujo erro naó pódc haver prova mais evidenrci
que mandar no feu Alcorão, que fobpena de mor-
te ninguém difputc , nem arguruente fobre oquç
cUe manda, mas que tudo íe negocce pOr armas.
Do qual ardil uloui entendendo qué ou Cedo Uiy
^ ç Lu fiadas de Luts de Camões Conimentados \
via de haver IionJ^ens de juízo, aos quaes naó ha- Tlacat equo Ver^a raãm HfpericHa ch^iiín'^ '•
viaó de parecer bem fuás torpezas , 6c que as ha- 2Ve detur ctlert viciima tarda DèO;
viaódedcílerrar domundo> E para que os bru- Tratando dos facrificios, queos antifruosidola^
tos qu« ^s feguiaó fe fepukaílcm nellas , lhes póz trás faziaô ao Sol, diz que os de Pcríla lhe facrifi*
cíle preceyto , que guardaó com grande obfer- cavaôcavallos, qucrendo-ft conformar comfuà
vancia. Vcja-fe o que cfcrc vemos no Canto fcti- natureza, quehe feraprcílado, 6c liçeyro. Hype-
mo Oótavaij.
58.
Dyí Lua os claros rayos rutUavão
Y elas argênteas ondas Neptuninas,
As efttellas os Qeos acompanhavão^
^lualcamporevejiido de boninas,
Osfuriofis ventos repoufavaÕ
Telas covas ef curas peregrinas i
Terem da armada agente vigiava, •
Como ^or longo tempo coflumava.
Pelai argenteat ondas t^epttifjijjas. Ondas Neptu-
ninas íaô as aguas do mar. Argênteas quer dizer
brancas» por lerem de cor de prata, a qual era La-
tim fe chama «rçíwfííw.
Pelai covas efcurasperfgrinas. Fmgcm os Poetas
que Júpiter, ao qual os antiguos unhaõ por prin-
cipal de todos feus DcofeSj entregou os ventos a
Teu filho Eolo , S£ lhos encerrou cm hiía muyto
cfcura, ôc funda cova, pondolhe grandes montes
emcima para os ter fujey tos, ÔC amarrados, de mo»
do q naó fahiílêm, fenaõ quandt) cllc quizefle, 6c
com quem quizefle, como fez a Ulyfles q ue ihos
meteo cm hum odre para foltar delles os que lhe
ferviflcm para fua navegação, como efcrôve Ho-
rionio he palavra Grega, ôc quer dizer coufa que
cftá lobre noífas cabeças , por efte fer o officio do
Sol, andar fobre as terras, Sc darlhes fua luz. He"
mero ulaemipuytos lugares dèfte nome Hypc»
rionio por epithctodoSol.
^e acordou. Diz aqui o Poeta, que acordou 6
Sol, pelo que fc delle finge , que depois de ter da,
doluzneíle hemifpherio fuperior , fe recolhe aa
mar,cafa dcThetiSjfenhora dellc,onde paíTa a noy-^
te, defcançando ellc , 2c feus cavallos do trabalho
do dia, . —
P Ar ti a alegremente nave ganas ^
A ver as nãos ligeiras Lí/fitanas^
Com refrefco da terra , emjicuydandoi
^efaÔ aquellas gentes inhumanasy
^e os apofentos Ca/pios habitando,
Aconquiftar as terras AJianas
Vteraõ ; &por ordem do deftino^
O Intferto tomarão a Qonjianttno.
"Partia alegremente navegando, O Soltaõ de Mo-
çambique fez paz com os Portuguezes, cuy dan-
do ferem Turcos:porque os vio brancos do rofto,
como tinha por informação ferem os Turcos: os
mcròna Odyíf£a,íib.ió. Chama o Poeta às covas quaeselledeffjava muyto ver, 6c poreílerefpey
onde os ventos refidem peregrinas , porque fua to foy depreífa às nãos.
morada, alugar próprio hc o ar. Ç^ue â$ apofentos Ca/pios habitando. Entende 09
Turcos. Eftes ( fegundo os que melhor enten-
dem>8c fentem nefla matéria) procedem da linha-
S9* gem dos Scythas Aíianos , que moravaó nas ri-
Asaffim como a Aurora marchetada beyras do no Tanais, que duiJe Afia de Europa
Os fermofoscabellos efpalhou^
No Ceo ferniOy abrindo a roxa entrada.
Ao claro Hy per tonto què acordou:
Começou a emOandeyrarfe toda a armada,
B as toldos alegres jç adornou^
Tor receber comfefias^ & alegria
O Regedor d às ilhas ^qtte partia.
Paqui fe recolherão muytos delles às traídas do
mar Cafpio na Afia, aonde viviaó pelas ferras me-
tidos cm choupanas , 6c covas , comendo do que
achavaó pela terra. Vcndo-lc muytos, começa-
rão a fazer alguns infultos,&rcubos aos vizinhos,
movidos de cobiça, 6c malicia, que a fcmelhame
gente nunca falta, Deílcs tam fracos princípios
vieraó ao cíládo em que hoje eílaú,
O Império tomâraÕ a Con[lavíino. Conífantino
Ma! aíjim como a Aurora marchetada. Quecouía Magno edificou a Cidade de Conftantinoplaem
fcja Aurora fica dito , Odava 14. Efta fingem os hum pequeno lugar cha^mado antes Byzancio: 6c
Poetas fcrporteyra do Sol, porque apparecc pri- fella tara nobre, 6c cxcellentc, que osquca viraô,
meyroqueclle, como aqui aponta Luis de Ca- 6c conhecerão no tempo que florecia, díziaôdel-
móes. la, que era mais para cafa de Deos, qiiçdehum
^9 claro Hyperioniotjue acordou. Huns querem, c[ Emperador: 6c com ícr tal, foy cercada , 6c to-
Hyperionio feja filho de Titano, 6c da terra, 6c mada de diífcrcnies conquiíladores. O ultimo q
paydoSoi: outros o fazcua irmaô de Saturno, 6c a deftruhio, foy Mahomcto Otomano, Empcra-
filho do Ceo; outros dizem que he o meimo Sol, dor dos Turcos, o qual lhe poz cerco, fendo Em-
coraacommummcnte fc toma entre os Pocias. perador ConílantinoPalcologo, a nove de Abril
Donde diz Ovídio nos Faílos: da 1453.2c a entrou a vinte nove de Mayodaditu
cra,l
ei-a, aonde fcfizeraô grandes crue]dades,a<lim no
Empeiador, como na gente. Ao Empeiador Ma-
hoojeto cortar a cabeça, & arraílar pelas ruas da
Cidade, em vitupério do nome Chriitaô. Derri-
bou todos os templos, falvo o de Santa Sophia,
que ficou em pé. Quando fe perdco cíla Cidade,
havia Diil cento noventa & hum annos , que o
Kmpcrador Conftantíno filho de Helena a come-
çara a ennobrecerj & Conítantino filho de outra
Helena a perdeo: o qual eftava já denunciado ha- Mojtra das fortes armas de que u/avaõs
via muyto tempo* Porque em huma coluna de fiando COS inimigos pelejavaÕ,
bronze quadrada do templo de S. Demétrio efta-
\aelcrito: Confiantinus mt confiruút , Conftantinus E mais lhe dizjqmvtf dtfe\a. Dcfejavattluyto Ô
4e/lruet. Coníhntino me fez, Cóftantino me des* Mouro fabcr fe os noílos Portuguezcs eraõ Tur-
fará. O qual dizem fizera hum grande Philolo- cos, como fica dito por muytas vezes. E porque
pho daquellcs tcrapos, cujo nome fe naó declara, lhe parecerão Chriíláos, pediolhes , que lhe mo*
O que tudo fe cumprioaííim.Porqueo qucacn* ítradem íuas armas, determinando já o que ao
Mdis lhe diz também que liet dffijÁ
Os livros ãejiia ley^fnceytOj ouje,
^ara ver/e conforme àjuafèja^
OufefaÒ dos de Chrijfo, como cré.
E porque tudo notej t3 tudo veja^
Ao Capitão pedia que lhe de
nobreceo foy Contlantino, & o outro do mefino
nome a perdeo. Da qual Cidade nunca os Tur-
cos mais largarão máo , fazendo delia cabeça de
ieu líupcrio, como he notório,
ét.
RÈcehe o Capitão alegremente
O Mouro, & toda fua companhia':
*Dalhe de ricas peças humpre/ènte^
^le fó para ejte eff^eytojà trazia,
*T^aíhe con/èrva doce, & daíhe o ardente
NaÔufado licor, que dà alegria-.
Tudo o Mouro contente bem recebe ^
M muyto mais contente come^ & bebe^
Dalheílericai fieças bum prefcnte. Eflè prefenttí,
como conta Joaó de Barros, lib.4. 2* D.cap.3. fo-
raó algumas confervas da Ilha da Madeyra para o
Xeque, & ao Me-nfageyro humCapillar de grã,
& outras couías, com cjuc foy muyto contente.
NuQ ufado licor ejue dd alegria. Entcde o vinho de
uvas, como neltas partes ie uia, o qual naquellc
tempo Ic naó ufava naqullas. Pelo que o Poeta
lhe chama aqui licor riaòufado : ou porque aos
Mouros lhe he defcío pelo fcu Alcorão.
JLl/
Stâ agente marítima de Lufo
Subida pela enxárcia, de admirada ^
Notando o eftrangeyro modo^^S ufOj
E a linguagem tam barbara^ ó" enleada.
Também o Mouro afluí o efta confufo^
Olhando a cor^ o trajo ^ & a forte armada^
E perguntando tudo lhe dizia j
Se por ventura vinhao de Turquidi
Eftâ agente marítima de Lufo. Gente marítima
faó Ob Maiinheyros, 6v mais gente do mar. So-
bre eíla palavra , 5c fuafignificaçaófe vcjaoque
efcrcvcmosno ícgundo Canto, Octava 24.
diante fe defcubrio , que era dcftruilíos a todos íç
pudefle»
REf ponde o valer o ft Capitão,
^For hu que a língua efcura bemfahiài
T^artehey, Senhor illuflre, relàçaÔ
*De mim, da ley, das armas que trazia,
NaÕfõu da terra , nem da geração
^asgtntèl enojofas de Turquia,
Mas fou da forte Europa bellicofay
Bufco as terras da índia taõ famofal
VoY kum cjue a língua efcura bem (ahia* Eíle era
hum Fernaó Martmslingua, que o Capitão móf
Vafco da Gama levou comfígo deílel^eyno pa-
ra femelhantes calos , porque lábia algumas lin-
guas, & principalmente o Arábigo. Chama ao A-
rabigo Jingua efcura , porque clies a naó enteni-
diaõ.
Mas fou da forte Europa bdlicofa. Europa cd mo
fica dito Oftava i.he a principal parte do mundo^
& nella cfiá o noflo Portugal: pelo que diz aqui
Vafco da Gama, que he da forre Europa. F. cha*
marlheo Poeta bellicofa, hepeloqucíediznoluí
gâr allcgadoi
^^
ALey tenho daqiuclle^ a cujo tmperio
Obedece o vifively & mvifivel:
jiquelle que criou todo oHemifpherio,
Tudo o qUtfente^ & todo o infenfiveL
^e padece o de s honra, & vituperiot
Sofrendo morte injufta, & infofrivel^
E que do Ceo à terra emfm àefceoy
T*orfubir os mortaes da terra ao Ceót
Aley tenho. Depois que ò Capitão mór VaícÒ
daGama deu ao Mouro conta de lua patna, trata-
Ihe ncíla 0<51:avade fua ky, que he a noíía vcrda*
dcyra, Sc cerca qucprofellamosos CbriílÃos^
Dl ííl
i^% Lujiadas de Luís de Camões Com7nentaàos\
Que criou todo 6 Hemiipherio. No Canto quinto
Oitava 14. notamos , como Hemifpherio , quer 6B.
dizer meyo do mundo. Aqui fe toma largamen- \ S bombas vem de fogo j&jujltâmente
teportodo ocreado, do qual Dcosnofib Senhor ^^ As panelas fulphureas, taodunofasi
foy Creador, como confeílamos no primeyro Ar- cp^^^^^ ^^^ ^^ Vulcano nao conferir e
tigo da Fè , naquellas palavras : Crey o em D^)s ^^^ ^^^^^^ ^^ bombardas temer ofasl
Padre todo podcrolo, Creador do Ceo, Cv datei- ^ j ài *.//ípru;»j^
ra. Nas quaes palavras Ceo, &: Terra, fc compre- "loYque o generofo anmoy & valente,
hcndetodooUniverfo, com todas as couias vi- Entre gentes t ao poucas ^& medrofas ,
fiveis, 8c invifiveis, & todas as que fentem,& que Nao moftra quanto pôde, ^ com raza 0:
naó fentem: como Catholica , & piamente decla- ^^^ he fraqueza entre ovelhas fcr leaol
ra o Catecifmo Romano no principio do Symbo-
Creador
ra
Jo , na declaração daqucilas palavras
do Ceo, & da Terra.
66.
DEfie T>eos homem , alto, & tnfinitOy
Os livros que tu pedes ^ nao trazia^
^e bempojfo efciifar trazer efcrtto
Em papelão que na alma andar devia-.
Se as armíis queres ver^ como tens ãito,
Cumprido effe defejo te feria.
Como amigo as vetas ^porque eu me obrigo ^
^e nunca as quebras ver como inimigo^
ISto dizendo m^nda os diligentes
Miniftrosy amojirar as armadurasz
Vem arnezesi & peytos reluzentes.
Malhas f nas , & laminas feguras:
E feudos de pinturas diferentes-,
pelouros ^e/pingar das de açopuras^
Arcos ,& fagitti feras aljavas,
^artazíinas agudas^ chufas bravas.
PantUsJulphurcas. Alcanzias , chamr.lhe pane2
las lulphureas,que querdizer panelas deenxofrc,-
porque delle, vSc de íiilitre fe faz a pólvora.
Forem aos de Vulcano nao conjcnte. Os de Vulca-
no fíõ os Bombardeyros, aos quaes chama aílim,
por ferem miniftros,& officiaes do fogo, dos quaes
os antiguos idolatras faziaó Deosa Vulcano^ pe-
lo que o mefmo Vulcano fc toma muyias vezes
entre os Poetas pelo fogo.
^^ehi fraejuezja entre ovelhas Jer leaÕ. Attribue
Homero na íua lliada lib.zi. a grande bayxeza o
que os Gregos fizeraó aHeftor Troyanoeftan-
do morrendo, que foy loltarmuytas palavras, 8c
tazerlhe muyras injurias. Ha hum Ê-pigramma
Grego do que Hectorrcfpondeo a efics valentes
eftando naquellc eilado, o qual tresladíido em La-
tim diz:
Jaw poflfata meum DanaijaBate cadáver,
Defuncií lepores jaãant fc membra Icoms.
Depois de morto eu, fazcy Gregos do meu cor-
po o que quizerdes: affim trataó as kbrcs o Leaô
morto. Da nobreza, 81 clemência do L,caô cílaó
cfcritas muytas coufas. Solino cap.4. o diz, que
nunca os Leões fazem mal a gente fracn. Plinia
lib.8. cap. 16. trata de propoíito das qualidades do
Leaõ: entre outras coufis maravilhoí^s conta hu-
nia, que naõ parecec juílo diílimular , cv he que
elle ouvira a huma cfcrava Romana , que {ugira
Sàgitúferas aljavas. Aljavas com fettas , porque
naquelle tempo fc coftumavaó muyto, béílas.Èf-
ta palavra, fagittiferas, 8c outras defte modo faô para Getulia, Província de Africa , que em huns
caufa de algCias peíloas que nao iabem Latim, foi- grandes [matos achara huma grande conipanhia
tarem algúas palavras contra o noflo Luís de Ca- de leões , os quaes lhe naó fizeraó algum mui , por
mões. Qiianto a mim naó tem razaõ,anres culpa: lhe ella dizer, que naõ era decente húa fr;ica mu-
poisreprehendéfazerleanoíla linguarica depa- Iher fer maltratada do Rey dosanimacs. lítodiz
lavras , ^ poderfc ufar das Latinas cm modo Plínio que ouvio à mefma mulher. Solino no lu-
que pareçaõ bem , como ha outras muytas , que gar nllegado o conta também, 8c dizem cllcs Au-
jà pelo muyto ufo temos por noílas : o que fucce- rores que os leões entendem , quando n gente fe
dera também neílas andaddo o tempo. Nem he
bem, que todos faybaó tudo , porque até nos vo-
Ihe humilha, 8c roga. Acrelccnta Plínio, que a
nobreza do Leaõ fc conhece principalírente nos
cabulos muyto noifos , vemos quanta variedade perigos, 8c tempo que lhe he neceílario njudarfc
Tia entre os mefmos Portuguezes, que huns fallaõ de fuás forças , porque ainda neílc em qnc lhe hc
de hum modo, 8c outros de outro, 8c muytos Ic neceíTario pelejar , o taz forçada , 8c conílrangi-
naõentcndem. He huma matéria efta, que aos damente.
que tiverem bom animo para com o nofio Poeta,
parecerá bem. Dos outros naõ curo, porque re
ponderlbeaqui feria delpropofito, Sclahirmu)
to da ordem que levo de comentar cíle livro.
^9.
POrém diflõj que o Mouro /fqtiinntcU,
E de tudo o que vio com olho attento^
Hum odio certo na alma llje ficou,
Hua vontade mà defevfameuto*
Canto Trimejro]
Nas moííras, & nogejlo o não moftrou^
Mas com rt/bubOj & ledo fingimento^
fratallos brandamente àeternúna^
jitè que mojirarpoffa o que imagina,
Torèmttt^o que o Mouro aqui notou. O que princí-
palmcnrc enfadou ao Mouro, foy ver que os nof-
ibs era(3 Chriítáos , gente a que elles faõ pouco
ífFeyçoados: ík pelo confegu ince, tendo-os por
^
7»-
PArtíofe nijlo em fim co a companhia,
T)as Nãos ofalfo Mouro dffpedidô^
Com enganofa^ & grande cortefia^
Com gejio ledo a to dos ^ & fi^gi^o.
Cortarão os^bateis acarta via
Das agitas de Neptuno^ & recebido
contrários, ver luas armas , com que lhe podiaó Na terra do obfequente ajuntamento ^
eftorvar, o que cllcs determinavaõ, que era fazer Se foy o Mouro ao COgnito apofento.
que naô pal]àíIèm.dalIi,tomandolhes Tuas nãos. O
que naó pcnnirtio noflo Senhor tivelle effeyto,
porque de dous Pilotos falfos que o Mouro lhe
deu, lho dcfcubrio hum, fendo o outro em terra^
70.
Pilotos lhe pedia o CapitaSj
Torquempíídejfe ã Índia Jer levado:
Dlzlhe que largo prtmio levarão
*Z)í7 trabalha') que niffofor tornado,
'Promettelhos o Mouro ^ com tenção
^Depeyto venenofo^ & taÕ danadoy
^ieamorte^fepodeffe^ nefhs dia
Em lugar de ^Pilotos lhe daria,
VilotoslbéfeãUo Capitão. O Capitão nrjór Vâfco
da Gama, vcndo-fe em partes tairt remotas, & dô
que nenhuma noticia rinha , defecando chegar à
Índia, que era o alvo de fua navegação , ôc fim
de fuás eíperanças, procurava por todos os meyos
haver Pilotos que o levaílem. E vendo os oíFere-
cimentos do Mouro, & os deíejos que moílrava
de o favorecer, occupou- o (óneíta neccííidaie, a
qualellcpromecteo remediar có tençaóde odc-
Itruir, porque pertendia que elles Mouros levaí-
Icm a noíFa armada a parte onde fe perdelle.
T/Imanhofcy o ódio, & mà vontade
^ce aos eslrang-yros fubito tomott^
■Sabendo ftfrfequízzes da verdade,
^e o Pilho de T>ã vi d nos cn finou j
Osfegredos daquella eternidade,
A quem juizo algum naÕ ale ançoir.
^^ue nunca falte loum pérfido inimigOy
A a que lies de quefojje tanto amigo.
Sabendo fèrfcqítax^ci da verdade. Sabendo ferem
Cliriílâos.
(^ o filho de DsvidfíOi enfimu. Filho de David,
chama o Poetan Cbriílonoílb Rcdemptor, co-
mo lhe chamada Efcritura. E chama-feairim por
Cortarão oi bateis a curta "uia. Chamalhe curtÀ
via, porque era perto de Moçambique.
Aguai de Neptuno. Saô aguas do mar.
Obfequente ajuntamento. Era agente da terra, q
lhe obedecia, pelo que lhe chama obfequente;
que quer dizer obediente , porque era Regedor
dcUa. r ^ o
7S-
DO claro aj^ento ethereoj ograÕ Thebaná
§lue da paternal coxa foy nafcido^
Olhando o ajuntamento LufitanOj
Ao Mouro fer mole fio , & aborrecido-.
Nopenfame7ito cuida hum f ai fd engano.
Com que [eja de todo de fh tu do,
E quando iftofó na a Ima imagina va^
Comfigoe fias palavras praticava.
O grão Ihebano que ãa paternal coxa foy nafàdòí
Thebano íe chama Baccho , porque fua mây Se-
meie foy de Thebas. Contaô as fabulas , que en-
fadada Juno de Semeie, por ver estratos cm que
andava com feu marido Júpiter , lhe appareccd
em figura de húa velha por nome Beroeamafua:
Sclhe meteo cm cabeça diílefie a Júpiter que naó
queria fua amizade, fe lhe naõ fízeíle todos òâ
mimos, & favores, que fazia a íua mulher Ju-
no. E que para ella entender fer ido aiTim, :!
havia de vifitar com toda lua Mageílade,& Scepi
tro com que cftava no Ceo. Viofe Júpiter tatrt
importunado de Semeie , que naó pode altazerj
fenaó condelccnder com o que lhe pedia. Vifi-
tou-ade maneyra, que com íua claridade j Scrcí-
plandor fe ateou o fogo nella de modo , que fe
queymou toda. Vendo Júpiter o eftado de Seme-
ie, & que juntamente com ella fequeymava o fi-
lho que tinha no ventre , abrio-a, éc tirou-o fóraj
ti o meteo em humacoxafun: na qual andou até
Ic cumprir o tempo do parto, como conra Ovidid
lib.j.Mctamorph. Elta hc a razaò porque os Poei
tas dizem que Baccho nafcco da coxa de feu paj';
E por efta mefmarazaó lhe chamaõ filho de duaS
fer da geração de David, quccraoTribu de Ju- niãys, húa Semeie, & outra acoxade jupitcf ícii
dá , do qual procediaó os l^eys de Ifrael. He pay. Solino no feu Polyhiílor. cap. 60. diz, qué
phrafi, Sctermo de fallar Hebraico, como he perto da Cidade Nifa da- Índia aonde ISacchtt
notório aos que fabem alguma eoufa de Hebrco. foy crcado, ha hum monte chamado Meros, S:
porque Meros na língua Grega quer dizer ccxa;
da(ji4
traz.
74.
20 Lufiadas de Luís de Camões Coynmentaàos'l
daqui levantarão efta fabula, que Baccho andara que quem fenaóaprove}'ta delia oíTerecendofo*
nacoxa de íeu pay. Veja-íe o que elcrevemos a- lhe, quando a quizer naó a poderá alcançar. AU
fimapinta AlciatonosErublcmas, Enibl.iii. Na
livraria das elcolas de Salamanca cftá hfiacllatua
de pedra, que figura aOpportunidade : melhor,
EStàofadojà determinado, quanto a mim, que todas as dos antiguos, & que
§ue tamanhas -vitorias tão famofas, ^^is conforma com a letra do noflo Poeta. Eílá
"^ -' - hum menmoícntado em hum globo, com huma
grande cabelleyrafobre os olhos , & huma nava-
lha na mâodirey ta, que diz, qutros: a qual pala-
vra íignifica occaílaó. Ao redor eítaó outras eíla-
tuas, hua de Mercúrio, ôc outra da Fortuna com
a Cornucopia,que chamamos: pelos quaes rodeos
fe dá a entender fer a Occafiaó riquiílima , ôc ter
poder para dar tudo, o que Mercúrio, 6c a Fortu-
lEfiâdofaãojã determinado. Do fado fe veja a na podem. Mercúrio tinhaõ os antiguos por Deos
lioflaannotaçaóatraz. Gelava 15. dos ganhos, 6c mercancias: a Fortuna por Senho-
E enfòfilbo do Padre fubhmado. Chama Baccho ra das riquezas, 6í q ella as diftribuhia por quem
ajupicerfeupayfublimado, porque a -ftetinhaó lhe dava gofto. Vejaõ os curioíos Alciato no*
os antiguos errados, por principal de fcus ídolos. Emblemas, Embl. 5)8.
Stà ofadojà determinado,
_ ^e tamanhas vitorias tãofamofas^
Hajão Qs Tortuguezes alcançado
^as Indianas gentes bellhojas,
E eu fô filho do 'Fadrefublimado^
Com tantas qualidades generof as y
Hey de/ofrerque o Bado favoreça
Outrem j por quem meu nomefe ejcureça>
A quizerao os Deo/èSj que tivejje
O Filho de 'Philippo nefla parte
Tanto poder y que tudo fobmete([e
^ebayxo de feujugo o fero Marte,
Mas hafe defofrer^ que o Fado dejje
A taõ poucos tamanho esforço^ & arte^
^e eu cograõ Macedónio ,, ^ co Romano,
'íDe^nos lugar ao nome Lufitano^.
14 í^uizeraocs Deofes. Já fica dito por muytas ve-
zes, como eftc modo de fallar em deoles he fingi-
mento poético. Pelo filho dcPhilippo, fe enten-
de Alexandro Magno , o qual íubjeytou grande
parte da Indií. Pelo Romano , fe entende Tra-
jano Emperador, o qual também nas mcfmas
partes fez coulas dignas de memoria. Veia.fe o
que elcrevemos atraz, 06lava5. O que Baccho
lentiamuytocraver, que os Portuguezes com
ler tam poucos, chegarão apartes, ás quaes os
mayoresMonarchas do mundo naó podéraó che-
gar.
NAm (era ajjinh por% antes q chegado
Seja efte Capitão j ajiutamente
Lhe fera tanto ens^ano fabricado,
^ne nunca veja as partes do Orientei
hu ãe [cerei à terra, ^ o indignado
^eyto revolverey da Maura gente ^
forque Jetnpre por via ira dtreyta^
^luem do ofpQrtuno tempo fi apoveyta.
^Hem do ôpportuno tempo fe aproveyta. Pintaõ os
Poetas a occafiaó cm hum lugar alto , & de todas
as partes delcubcrto, com azas nos pés, 6c húa na-
valha na maó du-eyta , & íia parte dianteyra da
cabeia huma g'4dc lha de cabellos: paramoílrar,
77-
ISto di&endo irado, & quafi infano,
Sobre a terra Africana defcendeo.
Onde vejlindo a forma ^^ gefi o humanoi
*íPara o ^rãfjofabido fe moveo;
Epor melhor tecer o afluto engano y
Nogefto natural fe converteo
*De hú Mouro j em Moçambique conhecido j
Velhojjabio , ^ co Xeque muy valido.
Ifio dix,endo iradojé^ quafi inJanoXJh aqui o Poe-
ta defte fingimento Poético, que Bacclio tomou
na figura de hum velho conhecido na terra , 6c
muy to valido com o Xeque , para delta mnncyra
danaroeftomago aoSoltaóde Moçambique, &
azedallo contra osPortuguczcs,para lhes fazer to-
do o mal que pudefie : & quando iílo naó folie,
ao menos fizelfcqueosnaõ recolhellenas fuíis ter-
ras. AíTim finge Ovidjolib. 3. Metamor. ajuno
convertida em figura de hunu velha chamada Be-
roe, para fazer mal a Semeie : & lib. i. Metam, a
Mercúrio tomar figura de Paftor, para matar a
Argos.
Vara o Fraffofahido. Praflb fabido he o cabo de
Moçambique, como fica dito 0(5lava47. Chama-
Ihe fabido,porque o labiaBaccho muy to bem. Xe-
que quer dizer Governador em língua Arábiga/
78.
ENtrãdo aj/im d f aliar lhe a têpo^érhoraí
A\fua faljidade ãccommodadasy
JLhe dtz,j como eraõ gentes roubãdoras^
Eflas que hora de novo f ao chegadas.
^e das nações na cofia moradoras^
Correndo afama veyOj que roubadas
For ão por eftes homens quepafjavão,
M^e com pacíos depazfenipre àncotavaol
Canto ^rimeyrol,
àae ãas >íaç^eí tiàwfia morahrái.J^íeííiO&iãvay ' Mandalhè ãar VilvU.
-& nâs leguintes três , que laó claiifíimas, conti-
nua o Poeta feu fingimento de Baccho em figura
de hum vtlfao natural da Ilha Moçambique» para
oerfuaBirao Xeque deftrua os Portuguezes , di
Gomo tenho dito {>ur
mu.yias vezesjcfte mod© de proceder ncfte dilcur-
lo he fingido para ornar fua hiíloriâ. A verdade
he que o Soltaó de Moçambique fez paz cOm os
noflbs, cuydando que eraóTurcosi & Jhes deu
zcndolhc grandes males deiles.E que afiim como dóus Pilotos: do que fe àrrepcndeo » depois que
nos outros portos de mar,por onde pafla vaó,de- foube ferem Chriítãos j &; quebrou a puz , 6c pa-
ftruhiâó, &: aílblavaò tudo , o mefmo fariaó cm lavra que tinha dado, ôc hum dos Pilotos lhe tu*
J^oçanrbique. ~ ^ gio para terra.
E
Saée mais, lhe àiz^cotno mtendiãò
^J^ Tenho deftes Chriftãos fdnguinoientòs j
^ue quafi todo o mar tem deftruldOj
ComJ^ubos^ com incêndios violentos^
E tràzemjà de longe engano urdido
Contra ?wsj & ^«^ todos feus intentos
Sal para nos matarem^ © roubarem,
E mulbeYes^ & filhos captlvarem.
Chriftaoi funguinoUntos. Todas eftaS coufas fè
tratavaó em Moçambique entre os Mouros, ten-
do os ChrilUos por Piratas, 6c ladrões, & homés
carniccyros , &. que naóperdoavaó acoufa qua
chccntravaói
P Também fey^ que tem determinado,
■ T)e vir por agua à terra muyto cedo^
O Capitão dos fins acompanhado:
Sue da tef/ção danada nafce o medo^
Tu deves de Ir tambtm co r teus armado^
Efperallo em aliada occultOj ér quedo:
IPorqtieJaindo agente defcuydada%
Cahiràõ facilmente na cilladai.
§l,ue da tenção danada nafce o meda. Oshómèns
mãos vivem em hum continuo fobrefalto , & me-
do, cuydando, que fuás couías laó fabidas de to-
dos. Daqui veyo aquelle provérbio tam uíado
entre os Latinos: Ex confctentía metui. O medo
pt'ocede do que cada hum defiíabe. Eílacio nã
Thebaida chama à maldade mcdrofa: O caca nO"
centumcúnftiio, S jemper timidumfcelui y ò maldade
fempre mcdrofa.
.Tp Se ainda não ficarem depefeyto
-■—• T)eíiruidoSj ou mortos totalmentfl
Eu tenho imaginado no conceyto
Outra manha j ^ ardil que te contentei
Mandalhè dar Tiloto, que de geyto
^ejd aftuto no engano fi tão prudente^
Siiie os leve aonde fijão defiruidos^
U^esbaratadoSy mortos, ou^erdides^
TÂrito que eftas falavras acabou
O Mouro nos taescafos Jabio^é*
Os braços pelo coUo lhe lançou^
^Agradecendo muyto o talconfelho^
E logo nefie inftante concertou j
Tara a guerra o belligero apparelko^
Tara que ao TortugHiz.fi lhe tornaffè
Efn roxofangue a agua que bufcajje.
E»t roxo fangue a agua (^ue hufcaffe. Quando Vàr-
cé da Gama fez paz com o Soltaó de Moçambi-
que, como íccoimmunicaVáó,6c tratavaó muytoi
porque os Mouros cuydavaó que os noflos eraô
Turcos , Icvoulhe o Soltaó em pefiba huma vez
que o foy vifitar à armada os dous Pilotos, que lhe
promettéra,aos quaes elle contentou com algúaâ
peçasj & dinheyro , para que o fervificm de me-
lhor vontade. E tratou com elles, que indo hum
a terra, o outro ficaria na nao. Defta communi-
caçaõ que os Mouros tinhaó com os noífosjos vie*
raó a conhecer por Chriftãos: pelo que a fua ami*
zade fc converteõ esn ódio, ôcdefejodc deftruir
os noflbs Portuguezes. O que o Soltaó tratou lo-
go com bS feus, na qual cóíulta entrarão também
os t^ilotos, porque foubéráó do cafo indo a terra;
Efte fegredo durou pouco entre os Mouros, por-
que logo hum dos Pilotos o defcobrio ao Capitaô
mór, que foy grande parte para os Mouros íhc
naó fazerem dano algum , aflim no porto donde
logo fefahio, como na aguada que fez: aonde Ihé
fahiraó alguns Mouros cm ícm de peleja parai hil
defenderem.
«?:
TJ
t Bufca mais para o cuydado engano ^
*-* Mouro y que por Piloto à nao lhe mande ^
SagaZi afiut0y& fabio em todo o dano,
'De quem fiar fi pojja hum fiy to grande.
T^izlhe^que acompanhando o LufitanOi
Tor taes cofias^ & mares com elle andeji
^ue fe daqui efiapar, que la diante
Và cahir donde nunca fe ale vante.
E hufia mait. A ordem que teve Vafco ca Gâí
*na,para haver os Pilotos do SoUaó,^ como )hoá
tíci
ii Lufiadas de Luts de Cantões Co7íimentad<ísl
deu livremente, fica dito atraz. E affim mcfníQ Ihado para a recebcr:& afíiinfe lhe ajunta 'a todo^
como hum fugio para terra, & outro ficou na Ar- & a cada parte por íi juntamente , como fórm*
mada. O que ficou na nao vendo como não pu- fubftancial, & cfícncial. Da qual , & do corpo Iç
dera fugir, determinou levar Vafco da Gama à faz o verdadeyro homem , como diz o B. Santa
Cidade Quiloa> que cílá na mefmacofta, dizendo Thom. i.p.q.90.art,2,c.4..0bra com tudo a al-
quc nella havia Chriftáosjôc como tivcflb os Por- ma no coração muy tas coufas que. ajudaó muyta
tuguezes no porto,mexericallos com ElRey,di- para a yida,o que naó faz nas outras partes do cor*
zendo que eraó Piratas, deílf uidores do mundo, po , como dilfc Mantuano tratando do coraçaõi
que nenhum outro officio tinhaó fenaó roubar, da gloriofa Virgem Maria NoíTa Senhora na luf
& aílolar os portos aonde chegavaô. Pai thenicíc:
Cor friftí, ex tilo ejuoniam dejcmdit in úttuk
yitalis calor, 4 pleno feu/lunJínafifjfef
^4* ' ll/fc primfi ílomus vita,
JAorayo Afollmeovtfitava^
OsmoyitesNabatheõs accendtdoy
giuandoGamacosfeus determinável ^ j.. . . ^J ^ .• r ..
T>evir por agua aterra afercebido, £ ;^^'^ ^^^^^f inundado ttnha a terrA
Agente nos bateis fe concertava, ^ j^//''^' ^'í' fthtoneceffarto:
Como refoííe o encano já fabtdo: Efoylherefpondido em fim àe guerra:
Mas pode rufpeytarfi' facilmente. Ca/, do que cuy dava muy contrario.
§ue o coração prefago nunca mente. Tortfto,& porque faae quanto erra,
^^ i- r / .a ^emficredefiuperJidQadverJarto,
Ido rap /ípollmo vífitava.Dtkrtvt aqui oPoe- Apercebido vay comopodia ,
ta o tempo em q Vafco da Gama foy fazer agua- Em tres bateis fomente que trazia.
da, quefoy fahidojá o Sol : porque a noytepaf-
fada naó pudéraó delcubrir agua , guiados pelo E maistamhem. Hum dos Pilotos, que o Soltaõ
Piloto Mouro, que lhe dera Soltaõ de Moçambi» deu a Vafco da Gama, lhe defcobrio a determina-
que. O qual naó deu com ella, ou pdr andar com çaó dos Mouros,que era deftruir os Portuguezes,
o fcntido occupado em ver fe podia fugir: ou por depois que fc certifícalle ferem Chriftãos. Pelo
naó querer: ou por perder o tino do lugar aonde que Vafco daGama íefahio logo do porto deMo-
cftava. E o mais cerco parece, pois era pratico na çambique citando huma legoa defviado, onde
terra, que andava entretendo os Portuguezes p^- os Mouros lhe naó podiaó fazer mal algum. Dalli
ra ver leíe podia por algum modo eícapulir , ôc tornando a Moçambique a pedir o Piloto, que lhe
porfe em falvo. Rayo Apollmto , rayo do Sol, cha- fugira da nao^ lhe fahiraõ íeis bateis de gente ar^
ma-fe aílira , porque entre outros nomes que Q mada com arcos, 8c frechas, eícudos, & lanças, os
Sol tem, hum he ApóUo. Mojites Nahatheos. Saó quacs Vafco da Gama fez fugir com artelhariaq
montes da índia, chamados aílim de NabathRey levava. lílo concaCaftanhedalib.i. cap.7. Joaò
delia, como lhe chamou Ovidio nas Metamor- de Barros cap.4. 1. Dtc. diz, que vendo Vafco da
phofes lib. I. Gama o mao propoíito dos Mouros , mandou fa-
^ue o coração pre^ago nunca mente. Diz Ariftote- Zer íinal de paz,como que queria eílar à falia com
lesylíh.i.departtbusímmicca^.^. que ocoraçaõ do cllcs, 6c acodindo logo o Mouro dos recados, (e
homem he fonte, 6c origem de quanto nelle ha começou Vafco da Gama aqucyxar do que lhe
bom. Outros Philolophos , como refere Cícero, crafcyto,quc elle naó queria preceder como me-
/i^.i.í/íi/íu;«íír.quizeraõ que o coração foíle a ai- reciaó taes obras, que lhe mandafie entregar o
ma. Outros punhaó a fabedoria no coração: a cu- Piloto, & hum negro que Ihefugiraó? ôccomifto
jaimitaçaó os Latinos, ao homem avilado cha- ficaria latisfeyto. Arcpoíla do Xeque foy , que
maõ cordato^ de cor , que he o coração. E os Ro- cllc cftava muyto cfcandalizado dos Portugue-
inanos chamavaó aos prudentes cí»'cti/i, como diz zes, pois lhe matáraó , & tcrirnó alguns dos icus,
Plinio lib. 7. cap. 31. Daqui chamaó os Poetas ao fazendolhe elles fcfta ao ufo de lua terra , & que
coração prefcU^o, ác})refagio vcxho Latino,quehc naó fabia de Pilotos, quejá lhos rinha dado, que
entender huma coufa agudamente antes que a- fe elle quizcflc os bufcafic pela terra, ou mandaf-
contéça, como diz Ciccro no lugar allegado. O febulcar. No fim deftas palavras Icmclpciar re-
quelh'e vemdefer allento , & morada da fabedo- poíta ferecolheo para o Xeque , donde fe levan-
ria. O que havemos de entender acerca do cora. tou humagrita, & traz ella começarão a chover
çaó he, que nem healma, nemaflento principal fettas. lílo heo quconoílò Poeta aquuliz, que
delia, nem tem primcyro alma , nem vive roais q mandando pedir o Piloto, lhe foy rciponàido eu
os mais membros. Portpe a alma he creada por fom de guerra.
Deos em hum mcfmo tempo toda de nada, dentro ^^em/e crede feu pérfido aãverfario. Ha hum áu
no corpo , quejá cítá organizadameiue appare- to do Philofopho Epicharmo muyto cclebrad(
enirí
Canto TritniyYo.
entre os G/cgos, vive muyto tcirpcradamente,&
não te fies de ninguém. Na qual lentença o Phi-
loiopho dádous avilos aos homens, que pretende
viver politica, ôc honradamente. O primeyro, q
yiváo temperadamente , 6c ponháo freyo a feus
apetites. O legundo, que íe naó fiem de ninguém.
Donde Cicero referindo a Epimarcho: ^uam eh
33
í>ÍW
Q
88.
rem Epimarehion illud lemto , nervos , atejue artusfa-
fUntia^ non temere credcre : a força do íaÊcr confiftc
cm naó crer temerariamente. Crer hum homem
ludc&atodos, hc fraqueza de entendimento: Ôc
naó fefiar de ninguém hemá inclinação. Efe os
homens, qucfeentcRdera, noscnfinao, que nos
não fiemos de ninguém : muyta culpa teria quem
.ftfiaílbdeinnnigos,& Mouros pérfidos contrá-
rios da noflalânta Fé Catholica, quaes efleseraó:
os quaes náo trataó mais q de enganos,&cmentn'AS.
MAs os Mouros que andavão pelapraya
ToY lhe defender a agua defejada^
Hum defendo embr^çadOi ó* de azagaya^
Outro de arco enmrvadOi& fetta hervada,
Efperaõ que aguerreyra gente fayay
Outros muytosjâpolios em ci liada:
E porque o cafo levefe Ihefaça^
^oem hunsjpoucos diante for negaça.
Vai no corro/àngnineo^o ledo amante^
_ Fendo afermofa dama defejada^
O touro bufe a y &p6ndofe diante,
Salta ^ corre ^ afovta, acena , & brada.
Mas o animal atroceneffe inílantey
Com afronte cornigera inclinada^
Bramando duro corre ^ & os olhos cerra j
^erriba^fere mata, & f cem por terra,
Çiualm corro farjgutTieo. O engenho do noíl©
Poeta, fua erudição, copia,Ôc propriedade nas pa-
lavras, & íentenças: fe vé afíirn ncíta , como em
outras comparações. E porque cila eftá clara pa-
ra os que labem Latim: para os que onãofabem
declararey algúas palavras. Afloviahc próprio de
homens, que andaó em corro de touro , os quaes
lhe afibviãc. para que er^tcnda nclles. Animal a-
trozcheo touro, quer dizer animal cruel. Fron*
te cornigera, he fronte com cornos.
Os olhos /erra, lít o he próprio do tou ro quartdo
fe chega perro dapcíloa , para a levar , ierrar os
olhos. Fclc que os que tem experiência difto, os
efperaõ muyto confiadamente, íem lhe acontccci*
dcfaílrc algum»
8 9.
ToeM hum foucot diéinte por negada. Como os nof-
fostinhão ntceíJidadc de fazer aguada , & vira6
que a náo podião achar de noyte , determinarão
fazela de dia. E logo Vaíco <ia Gama mandou
dous bateis com u).ko armada para a fazerem a
pezardos Mouros. Os quaes dérãomoflra aosnof-
losrm hutn efca«)pido , que citava -entre apraya,
&apovoação, como dous mil: mas logo lereco-
Ibéráo t1ctr;âz de hum rcpafo de madey ra > «mu- Jàfoge o efcondido de medrofo,
Ikado de ícrra, qjae fizcraó p'*râ íc defender dos E morte O defcuberto aventurofò,
»o|Jgj. , . _ , ^ ^ ^_ ^^
P // nós bateis o fogo fe levanta
*^ Nafuriofa, ^ dura artelharia,
A plúmbea pèU mata^ o brado efpanta^
Ferindo o ar retumba _, & affovia.
O coração dos Mouros ft quebranta^
O temor grande iO fangue lhes resfria^
o-.
A Ndãopela ribeyra^ alva^ arenofa,
^^ Os bellicofos Mouros acenando^
Com «adarga^ ^ com a hafteaperigofa^
Osfort-es Tortugnezes incitando:
Na& fofre muyto a gente género fa
Andar lhe es cães os dentes amoflrando ,
^alqiier em terra falta tam Itgeyro^
ís^e nenhum dizer pôde ^ que he primeyro,
^nefao peUrihfjfra. Vay o Poeta profeguindo o
qucjps Mouros Ue Moçambique faziáo contrics
ncífos Portuguezes , dtpois que quebrarão as pa-
Xcs. Aflim cífa ojtava como as outra* que fefc-
£ncm faô muyto claras, Sc náo tem ncccffidadc de
cxpofiçaó. • '
- Misnosiratdt o fogo (t Uvantâ. Como Vaíco dá
Gama vio andar os Mouros pela praya,& tão per-
to , que cora as pedras que tiravão , chcgavão aos
bateis.Mandoulhe hum prefente de pilouros com
que não ficáraóbcm da efcaramuça.
Vlumbea pela. He o pilouro.chamado affim dcplíí*
bo, quft hc o chumbo de que le faz.
N Ao fe contenta 4 gente Tortugueza,
Mas feguindo a vitoria efirue^&matai
Afovoaçâofem murOj &fèm defeza
Esbombardeaj accende^ & desbarata,
T>a cavalgada ao Mouro jà Ihepefa^
^e bem cuydou comfrala mais barata.
Jà blasfema da guerra ^ ^ maldezia
XJ velho inerte^ & a may que afilho cria,
E Kí»5
^^ Luftadas de Luís de C^mSes Commentédoi,
l^aòje contenta agente Ffirtuguez^a, Naó íê con- 6c alr^adias he tudo huira mefína coula,& porque
tentarão os Portuguczes, com o que fizeraó aos o Poeta ula nella Oftava de ambos os nomes,naõ
Mouros , que andavaó na praya: mas esbo mbar- cuydt quem o ler que ha algúa diffcrcnça: ainda
dearaólhe a povoaçam, Sc pozcraôlha por terra, que ha em os panga) os ferem mayorcs , & terem
por fer de calas palhaças íeni muro , nem dcteza, velas: o que as almadias não tem, que laó mais pe*
como aqui diz o Poeta. qucnas.
O Felho inerte,dr' a mãyqofilho cria. Velho iner-
te quer dizer veJho deiazudo, & fem arte: entende
aqui o pay.Diz que os Mouros varejados dos Por-
tuguczes diziaô mal de feuspays,5c máys. Alguns
declaraó aqui, que o velho inerte , & a máy blas-
femava da guerra:porque vendo os filhos fugidos
a fuás cazas, eraó elles forçados a dizer eftas pala-
vras.
^3-
TOrnão vttoúofos fará a armada^
Codefpojo dá guerra^ & ricafreja.j
E *vão a Jeu prazer fazer aguada.
Sem achar refiííenciaj nem defefa.
Ficava a Maura gente magoada.
No odío antiguo mais que nunca accefa.
E *Ví fido/em viftgança tanto dane^
Semente eBrtba nojegundo engano,
7 ornarão V itoriofoi. "D t^ois que os noífos íaqueá-
raó os pangayos dos Mouros,& lhe tomíraó quã-
to acharão, recclheraófe para a armada, & ao ou.
tro dia fizeraó aguada fem lho contrariar alguc.
PAzes cometer manda arrependido^
O Regedor áaquella tniqua terra ,
Sem fer dos Lufitanos entendido j
^e em figura depAZ lhe manda guerra:
Torque o Ttlctofaljo prometido ,
^e ti/da a ma ttnçho nofeyto encerra y
^ara os guiar â morte lhe maJidava,
temo em final das pazes que tratava»
Pazei ctmettir ntanda arrepenJido.Venàoíc o Xe-
tras varáfaõcm terra,& feí^ilvou a gemeras quacs quetan^ apertado dos ncflos, & que fe perfcve-
F1)gindOj afetta o Mouro vay tirando
Sem força j de covarde^ & de aprej^adoí
Apedra^ o pAO,& o canto arremedando ,
*Dalhe armas o furor defatmado.
Já ã Ilha, & todo o mais d efemp arando
A terra firme foge amedrontado^
*Pajfa^ & corta do mar o eflreyto braço^
^e a Ilha em torno cerca^empouco efpaço.
Fugindo afetta o Mcuro vay tirando. Como os
Mouros viraó os noílos uecerminados , puzeraó-
Ic em fugida, & lançâraó-fe em almadias, que alli
tinbaó , da outra banda da Ilha. VafcodaGama
fcfoy com CS feus Capitães aos bateis , para ver
fe podia tomar alguns Mouros, para haver por el-
les huai negro , que fogira ao Piloto da lua nao,
&huns índios que eítavaô cativos em Moçambi-
que. Paulo dà Gama nmaó deVafco da Gama
tomou quatro cm híia almadia, que todas as ou
os noílos faquearaó do que levavaó.
Dalhc armas o furor defatinado, A inàtaçaó de
Virgiho na Eneida lib.i. JEntid. ramque faces, (^
Jaxa voUnt furor arma minijlrat» Tiram paos,& pe-
dras,, a fúria lhe dá armas^
91-
Huns vã o nas almadias carregadas
Hum corta o mar a nado diligente^
^uernfe afoga nas ondas encurvadas ^
^em hebe o mar^^ o dey ta juntamente.
Arrombào as meudas bombar dadas
Os pangayos fubtis da bruta gente ^
*Defia arte o 'Portuguez em fim cafiga
A vil malícia j pérfida^ immiga.
Hum vaonat almadias carregadas. Pinta o noíTo
Poeta aqui a preíla com que os Mouros fugiaó , ^
nem para fe embarcar lhe dava tempo o medo.
OtfangajQsfnktit, Como fica dito, pangayos,
raíTe na lua contumácia , lhe qucymariaõ os na-
vics, & povoação: aconíclhado do grande medo
que rinha, mandou o feguintc dia pedir paz, &
concerto a Valco da Gama, dando defculpado
paíTado. E mandoulhe hum Piloto experimen<^j
tado no caminho da índia, em lugar dos outros q
antes lhe dera: hum dos quaes dizia fer lançado
pelo fertaõ dentro com iredo do caíligo que lhe
houvera de dar , le o colhera \ maó , & o outro
fer morto cem a artelharia. E foy tal cfte Piloto,
que fe Deos milagrolaméte não guardara os nof-
los,ellc por muytas vezes os iretco cm partes, on-
de tinham certa lua perdição , como contalarga-i
mente Joaõ de Barros lib.4. i. Década cap.5.
^5-
O Capitão queja lhe então convinha,
7 ornar a [eu caminho cvjlumado,
^e tempo concertado, ^ ventos tinha,
Tara ir i^ufiar o Indo defejadox
Rece-
Canto Tnmfyrà^ H
Recebendo o ^ihto que lhe vinha ^
ff,y àelU Jlegremente agazalhado, ^ § ,
As -velas manda dar ao laigo vento. Jh^ ^.^ 5«. Synm aosPhrygws engamn,
O Capitai t^ae]4 lhe entad convinha. Vendo Vaf- bJueferto eftà hua Ilha cujo afftnto
CO da Gama , que o tempo nao era para muytas c^^^^ ^^f- ^ Cbriíiâor/mpre habitou. í
TCDlicas.& que mais lhe convinha o Piloto, que i-v/- ^v- ., * j n ^ ^ I
remenda dos mouros, com palavras confirmes OCafttaoqueatudoeJiavaatento, ^^
ao cafo, acevtou o Piloto : o qual mais foy hum -^ ^^^^ ^^^ ^J^^^ novas fe alegrou,
capital inim'igo, que Piloto: porque por muytas ^e com dádivas grandes lhes rogava^
vezes os houvera de deftruir , íe Deos milagrolà^ ^e o kv€ à terra^ onde ejia gente ejtavãl
mente os naó livrara.
^6.
DEHa arte defpedida a forte armada,
As ondas de Amfhitrite dividia,
^as filhas de Nereo acompanhada,
Fiely alegre j & doce companhia,
O Capitão (jue não cahia em nada
2)<? engano fo ardil^ que o Mouro urdia:
^elle muy largamente fe informava^
^alndiatoda, ^ cojlas quepaffava.
As màdiàe Amfhitrite. Amphitrite , dizem os
poetas quctoy filha de Oceano ,& Doris, Sc mo-
Iher de Neptuno Senhor do mar , pelo que fe to*
mapelomefmo mar, como o faz aqui o Poeta.
Das fJbas de Nereo acowpanhaJa. Nereo fingem
tartibem fer lénhor do mar, filho de Oceano , &
Com ^ueSjf^cn os Vbrygios enganou, E fiando os
Gregos fem efpcrança alguma de tomar Troya>
depois de dez annos de cerco: fingirão querelo le-
vantar, ôt recolherfe para Grécia. Fizeraó por
conítlhodc Ulyfles hum cavallo demadeyra, o
qual diziáo oíFerecer a Palias , por certo aggravo
que lhe tinhaó feyto, para lhes não íer adv erfaria;
Meterão no cavallo a principal gente dos Gre-
gos, li porque tinha huma porta em hum lado^
por onde agente havia de fair , fizeraó fugidiço
hum Grego por nome Synon, có ordem de abrir
o cavallo à tempo fínalado. Synon entrou em
Troya fingindo ir fugido dos Gregos , por oque-
rprem matar por ccnfelho de iJlyfies, qucJhe
queria mal. Foy logoprefo, &. levado diante de
ElRey Pnamo, o qual não iómente não co nfen-
tio íe lhe fízefie aggravo algum: n;as lhe proniet-
teo muytas honras,&: mercês quietandofe em fuás
terras. Como Synon lev.ivn outra determinação^
Tethys, ou fegundo outros, de Oceano, & da ter- vendo heras opportunas abrio o cavallo , fahiraò
ra. Eíle foy calado comhúairmãa fua chamada os que eftavaó dentro, & dando final à armada, cj
Poris, da qual houve muytas filhas, a que os Poe- eftava pcrto^ a qual os Troyanos cuydavão fer ida.
tas chamaó Nereidas, que quer dizer filhas de Ne- de todo, entrarão , & afibláraó tudo a fogo , & a
reo , como lhe chama aqui a Poeta. Querem ai- ferro,coroo conta Vii gilio na Eneida lib.2. 0 que
guns que foflem cincoenta: de cujos nomes fe veja diz aqui o Poeta he que o Piloto com palavras fal-
'" ' '" ^-' c^ ■> fas, 6c mentirofas, determinou encanar os Portu*
Hinginio no principio de fuás fabulas.
MAs o Mouro inflruido nos enganos,
^e o malévolo Baccho Iheenjindra^
■ íDé" morte j ou cativeyro jíovos danos.
Antes que à Índia chegue^ lhe prepara,
\ ^ando razão dos portos Indianos ^
Também tudo o que pede lhe declara*,
^e avendo por verdade o que dizia^
T)e nada a forte gente fe temia,
Mat 0 Mouro. Como Conta Joaô de Barros nas
Decadas,eíle Piloto que o Xeque mandou a Vaf-
co da Gama , procurou dtltruir a nofia armada,
& diz o Poeta , que o fazia inflruido por Baccho.
Vcja-feo queefcrevcmosatraZiOytava 75,
Adalenjoio Baccho.Bzccho inimigo, & que queria
mal aos Portuguezes pelas razões ditas.
guezes, como Synon enganou os Troyanos.
OMefmo ofalfo Mouro determina^
§lueofeguroChrifiâo Ihemãda^é^pede^
^e a terra hepojjuida da malina
Gente j quefegue o torpe Mafamede,
Acfui engano^ & morte lhe imagina j
Forque em poder j &fvrças muy to excede
A Moçambique efia llha^ quefe chama
^lílâa , muy conhecida pela fama ^
O mejmoo faljo Alouro determina. Os mcfmos dc-
fejos, ainda que com muy difiei ente dclenho,iinha
Vafco da Gama, & o Mouro. Ambos dcíejavâo
ira Quilóa, mas o Capitão mor puramente por
vcrosChriftãos , que lhe diziáo haver nella: oco
Piloto para deílruir os Portuguezes > o que podia
fazer mais facilmente, que em Moçambique, pof
El " haver
.^
^6
Lujiadat de Luís de Camões Commentaâos,
haverem Quilòa muyto mais aparelho para iflb,
por ler terra de muy ta gente. De Quilóa fcveja
atrazaOcl:ava54.
100.
PÂra lâfe inclinava a leda frota ^
Mas a T)eofa em Cythera celebrada^
yendo como deyxava a certa rota^
Toyíy bufe ar a morte naÕ cuydada.
NaÔ confente^ que em terra tam remota.
Se perca gente delia tanto amada ^
E com ventos contrários a defuia^
"Donde o Tilotofalfo a leva, ^guia.
Mai o malvado Mouro naõ podendo. V èáo o Mou*
ro que não podéra levar os nollos à Cidade de
Quilóa, nem fazer) he nojo nos bayxos de S. Ra-
phaeljdeterminou levalos à Cidade de Mombaça
mcfma cofta com o mefmo intento de lhe fazer al-
gum mal: dizendolhe que nella havia Chriftãos,
como lhe tinha dito de Quilóa : o que tudo era
falfojcomo o Poeta diz na Oitava feguinte,
lOl,
TAmbem nejlas palavras lhe mentia^
Como por regimento em fim levava:
Smc aquigtnte de Chrifio não havia.
Mas a que a Mafamede celebrava,
O CaptaÕ que em tudo o Mouro cria,
y ir ando as vellas a Ilha demandava.
V ar a U ft inclinava a leda frota. Naõ fofreou
maldade do Mouro, & o grande ódio, que tinha ,-■ ^ j cw^ r
aos nofios, dilatar fua má tençaõ, pelo que deter- ^^[ ^^^ querendo a \Deofaguardadoray
minou deftruillos antes que chcgaílem a Quilóa. ^aõ entraj^elabarra^ &furgefôra
E aíTim deu com a armada em humas Ilhas, affir-
roando ler terra firme, com propoíito de a acabar. Como for regimento emfm levava, Efte regimenw^
&confumiralli. Mas colhido pelos nofios no en- to era do Xeque de Moçambique: o qual tinha
gano, êc mentira que difiera , foy muyto bem a- dado per regimento , que ou cm hum lugar , ou
coutado. E por eíia raião hoje em dia íe chamáo outro procuraíle deflruir os Portuguczes.
cftas Ilhas do Açoutado : asquacs cftãoálemde Noo enira pila ha}ra,érfurgejéra. O Fúoxociui'
Moçambique lellenta legoas. O Mouro, como 'zera meter os navios dentro do Porto deMom-
fobre hum ódio natural, felhe acrefcentou outro baça , o que Vafco da Gama lhe naõ conícniic,
dos açoutes , determinou levar a armada a Qui- porque o tinha em ruim conta , & delconfíava já
lóa, pelas razões acima ditas. Quiznoflo Senhor dcllc. Inda que diz aqui o Poeta, que o Capitão
que defejando Vafco da Gama muyto ir a efta Cí- o cria cm tudo, o que fâZ para attribuir a Vénus
áãdc, cuydando fcr verdade o que fedi7ia delia, a guarda dos Portuguezes: pelo que mandou lur-
que era ter Chriftãos Abexins, & outros da Índia:
não tiveraó effeyto feus defejos , porque com as
correntes grandes cfcorreo huma noyte o porto.
O que vendo o Moui/o, os meteo em outro peri-
go núopequeno, que foy dar como navio S.Ra-
phacl cm feco em huns bayxos , os quaes defte
luccefib fe chamaó hoje os bayxos de S. Raphael:
.anda que o Galeão fenaó perdeo defta vez nefte G^e na fronte domar app are cia:
peripo, mas perdeole a tornada alli. rrí- / j\c ' 4^At:^^j^
^ MasaDeofaer.Cy:berecelehada.EmcndcVc. "^^ nobres edlfcios fabricada.
nus , a qual os antigos errados tinhaõ por Deofa (^omo por fora ao longe defiobrta
dos amores. Eíl a tinha hu templo na Cidade Cy- Regida por hum Rey de antígua idade ^
thère de Chypre. Finge aqui o Poeta, que Vcnus Mombaça he O nome da llha^ & da Cidade,
favorecia os Portuguezes pelas razões , que clle
meímo dá atraz, & que cila deíviára a nofla arma- Momhàça he o nome dg Ilha, & da Cidade. Como
da de Quilóa. Pie fingimento Poético, para ornar os nolTos houvéraó vifta de Mombaça , alegra-
fuahiíloria. raõ-le grandemente, parecendolhe,queentrava5
gir fora
103,
Estava a Ilha à terra tam chegada^
^ehum ejheyt 6 pequeno a dtviaiat
Hua Cidade nellafituaday
lOl.
MAs o malvado Mouro, nao podendo
tal determinação levar avante^
Outra maldade iníqua cometendo,
A inda em feu propofito confiante:
Lhe dizj que pois as aguas difcorrendo.
Os levarão por for f a por diante:
^e outra Ilha tem perto cujagente
Er ao Chriflãos com Mouros juntamente.
em algum porto deÊfpanha, por fer a Cidade
muyto fcrmofa, com edifícios de pedra, &: cal,
eyrados, & janelas , ao modo de Efpanha , & de-
fronte do mar. Mas os Portuguezes furgiraô fo-
ra, como fica dito, por ícnão fiarem do Piloro , ao
qual davaó pouco credito , por o terem colhido
cm outras. Da Cidade Mombaça feveja a nofla
annotaçaõ atraz, Oftava 54.
JE fenda
104
E Sendo a eíla o Capttaè chegado,
Efiranhamente íedo^orquee/pera
*De poder ver o povo baptizado.
Como ofalfo Ptíoto lhe dtjfera:
Eis vem bateis da terra com recado
7)0 Rey.quejafabiaa gente.queera^
^e Baccho mtiyto d' ames o avifara,
^a forma doutro Mouro ^que tomara.
Canto Trimeyro* j 7
coftume da terra , entrarem no porto as náos que
vinhaó de tora: porque não o fazendo affim, fe ti-
nha ruim fofpey ta dcUasipor haver naquellas par-
tes gente de runn titulo.
I 0(?
I^T O mar tanta tormenta^ ò tanto dano^
Tantas vezes a morte apercebida^
Na terr a ta?ita guerra itanto engano j
Tanta necef (idade aborrecida^
Onde pode acolher fe hum fraco humano^
Qu, Baccbo mup d'antes. O mefmo ardil q te Onde fera fegura a curta vida,
ve Baccho como o Xeque de Moçambique para o -^'^ nao fe arme,& fe indine o Ceo ferem,
meter mal com os Portuguczes , ulou com o de Contra hum bicho da terra tão Pequeno,
Mombaça , o que taó pouco lhe aproveytouem
huiuapartccomocm outra.
O Recado que trazem he de amigou
Mas debayxo o veneno vem cuberto
^e 05 pfnfamentos eraõ de inimigos.
Segundo fo) o engano defcuberto,
O grandes y& gravtffimos perigosl
O caminho de vida nunca certol
^e aonde agente põem fua efperança^
Tenha a vida taÓ pouca fegurança.
giue nao fe arme , c^ fe indigne o Ceo fereno. Para
encarecimento das miíerias da vida humana , ^
pouca conftancia delia , uía defte termo de fallar:
que atè o Ceo fe indigna , gc toma armas contra o
homera,ao qual chama bicho pcqueno,6v com ra-
zão, pois de todos os animaes elle he o menor , af-
fim na felicidade como nas mais couías , como diz
o Poeta Menandro.
Antmalia cuntla felicijfima funt.
Et multo magts ^nant homims (apiunt*
Vrtmum intueri Itcet afinurn ifium,
Gltútndubte animal efi mt(erunj,
Ntl tjrmn malí^èfua culpa nafcitur,
~ O recado <jtte traz,em he de amtgoi. Tanto que os Sedejua natura tpfí dedit.eahabet.
da Cidade Mombaça houveraó vifta da nofla ar- Naí vero prater neeeJJaria^maUf
mada , mandarão logo a cila quatro homens dos Ipfa per nrn alia nohis tnfuper adijcimui:
principaes da terra, legundopareciaõ, por irem Dchmus fiCjuis fiernuerit^fi mak dtxerit,
iruyto bem tratados. E chegando a bordo per- lrafcimur,lí tjaii viíiertt infotJinium,vaUè
guntàraõ que gente eraõ, 6c o que queriaó. Vaf- Terremur^fi noâlua vlulavtrit ^mttuimur,
coda Gama lhe refpódeo que eraó Portuguezes,
que hiaó à índia ; & que tinhaó neceffidade de
mantimentos , que iflo os obrigava chegar alh".
Moftràraó os Mouros muyto prazer com lua che-
gada, t fizeraó lhe grandes oíFerecimentos , &
promefias. E náo lardáraõ muyto com outro re-
t^^rumna.opimemtyamhttionesjegeí,
IJía omnia prteter naturam,& afeita mala funt»
Todos osanimaes,diz o Poeta Menádro,faô fe-
liciflimos, & fabcm muyto mais q o homem. Pon-
de os olhos em qualquer animal , & vereis que os
cadod*EIRey, que folgava muyto com lua chc- males que tem náo lhe vem por fua culpa. O ho-
gada , 5c que elle os proveria de todo o neceífario, mem alem dos neccflarios tem outros cem mili
& lhe dana carga de efpeciana,8c lhe faria todo o que elle per fi grangca , fem ter huma hora de
gazalhado que folie em fua maõ. Mas que era goílo.
^on tiT: >';Oín r
os
«8§
OSLUSIADAS
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
Commentados pelo Licenciado Mamei Corrêa. 1
ARGUMENTO.
Dar El-Rey de Mombaça o fim prepara
Ao Gama llluftre, com mortal enganO)
Defce Vénus ao mar, a frota ampara,
E fallar íobe ao Padre foberano:
Jove os caíos futuros lhe declara,
Apparece Mercúrio ao Luíitano,
Chega a frota a Melinde, & o Rey potente
Em feu porto a recebe alegremente.
CANTO SEGUNDO.
Nefte Canto fc relata o que aconteceo a Vafco da Gama em Mombaça J & fua
chegada a Melinde.
'-' j ^«c flí hoYSíi vay do ãta ãifiw^uindo. Porque com
JA' nefíe temfo o Lúcido flaneta, £" ^"'■l°' ^ '^«>7'^-='"" ""^ ^»^ 7;"°. '""^^jl'
m 1 ^ j 3- ,./i- • j & horas.coiDO refere Ovídio nas Metamorpfeolis
Gíue as horas vay do dia dtftingmndo, y^^^-^ principio.
,_ Chegava á defejada,& lenta meta^ Chegava à àt{t\aàa,& lenta Meta. Meta entre os
/^/uz celejie as gentes encobrindo; Latinos era huma baliza feyta de pao , ou pedra
E da cafamãfítima [ecreía tm modo piramidal, que fervia nos defa fios deca-
LheeJlavaoDíOS Noãurm a porta abrindo vaJlo por alvo, & fim da carreyra. Fuferaó-lheos
^mndo as infidas crentes (e checarão ^"^'g^s efte nome de Mmcr, verbo Latino, que
jítvt^n, \ ' ^ ^^-^ quer dizer medir, porque ícpunnaoaquellas bali-
At mos. que pouco ^■ota,que ancorarão. l^^ ^^j. ^^ „„„ \f^^^fi^ ^ J j^^„ ^ conveniente
là nep.e tempo o LucUo Planeta. Defcreve o Poeta ílquelle excrcicio,&: carreyra. D'aqui fe toma pe-
o tempo em que os Portue;uezes chegarão a Mom- Io fim de qualquer couía. Meta defejada do Sol,
b.ça , que foy hum dia já pofto o Sol , a fcte de he o tempo da tard^no qual fingem os Poetas,que
Abril de 1498. Lúcido Vlaneta fe chama o Soljpor- eJIe acaba íeu cui To. Chamalhc o Poera aqui len*
queelle fò tem luz, que hea razaó porque fe cha- ta,qucquer dizer vagaroía: naõ porc^icofofíe, íe-
mn Sol , que quer dizer fó. E a que tem os mais não, porque os deícjos que tinha de 'chegar á cala
Pia ieta5,8cEftrellas,delle a recebem :como dizem de Thetis Senhora do mar , cnde hia dcfcançar
os Philofophos,que melhor fe ntem. dos trabalhos do dia, lha fisziaô parecer tal.
Lhe
Lu/iaãas de Luis de Camões Comm enfades^, 5^
Lhe ejlava o Dm Noãurnoa porta abrindo. Eíle porque nâohacouía que o quebre, ou abrande.
Tc ehama Erebo , o qual os P ©etas tazem caiado l^or cfta razaó lhe chamâo os Gregos adamas,que
com anoytc, &PorteyrodoSoI, quando le reco- quer dizer indomável. Oi autores tem introdu-
Ihe depois de feyto ícucurfojCroacaía de Thetis, ZÍdohuniacoula,ques experiência tem moíhado
que hc o roar. Outros querem que ieja hum rio ler falfa , que o diamante lé abranda com langue
de Bode quente,Sí frelco. O contraiio aconiclha
Solino cap. 65. &le guarda hoje 1 qucheroçaríc
hum com outro,& d^outra mancyra hô trabalhar
de balde.
do Inferno. Saó coufas de Poetas.
DE entre elles hum , q traz ene omi dado
O mortífero engano^ ajfi dizia:
Capitãovaiero/o^que cortado
Tens de Neptuno o Reynojèfalfk via:
O Rey que manda efla ilha ^alvoroçado
^a vinda tua^ tem tanta alegria^
^f naÕ defeja mais^que agazalharte^
Verte j& do íHceffario rejormarte.
Ve entre elles burn. Dos homens que fahiraõ de
Worobaçâ faliar ao Capitão mór Vafcoda Gama
da parte do Rey da terra , hum lhe tez efta pratica
que o Poeta vay recontando por algumas oyta-
vas.
i Engano ntorttfero. Engano mortal. Salfa via.
Caminho faleado. Chama aíTim ao mar por fer de
5. '. ..-'^,,\.,
AO menfageyvo o Capitão reffonde^
As palavras do Rey agradecendo\
E diz^que porque o Sol no mar fe efconde,
Não entra par a dentro obedecendo:
Torém que como a luz mojirar.por onde
Và femperigo a frota^nào temendo^
Compriràjem receyojeu mandadOy
e a mais for taljenhor ejtàobrtgado»
Ao menCageyro o Capitão refponde. Como Valco
da Gama vinha períuadido do Piloto da fua Nao,
quehiviaChriftáos naquclla Ilha, & os Mouros
que o vifítáraó da parte do U ey delia, concordara
agua lalgada. A razão íe veja de Vcnegas,no livro com leu dito, determinou entrar no porto , como
natura],onde trata àc natura rtrum,
:•■ 5
ETorque eftà em eflremo defejofo
2)<f te ver, como coufa nomeada^
Te roga que de nada receofo
Entres a barra^ tu com toda a armada:
E por que do caminho trabalhofi
Trarás a gente débil J3 canfada*.
IDiz, que na terra podes reformata^ ^
Si^e a natureza obriga a defejala, ' '*
E poreftte efià em e(lremo defsjofo. Os deíejos quc
os Mour(ís moílravaó de favorecer os nollbs com
^tantas promeflas , ÔCclferecimentos , como diz o
Poeta na oy cava feguinte, & nefta, era com inten-
ção de os deílruir , como ao diante fe verá. Débil,
fraca debilitada. , " - '■' •
^ 4
ESe bufcando vãs mercadoria j
Reproduzo aurífero levante é
€anela^ Cravo ^ardente efpeciaria^
■Ou droga falutifera^é' preftante.
Ou Ce queres luzente pedraria^
p RubtftnõjO rígido 'í)iamantei
^aqui levarás t udo tamfobe^t
\Çom qut faças o fim a teudefejo.
fizera fe Deos milagrofamente o não defviára, co.
mo adiante veremos. ^ Portjue o Sol no mar fe tf*
conde. Porque o Sol íc põem, como íica declarado
na primra oy lava deíle Canto.
PErgunta^lhe depois, fe efião na terra
Chriftãós como o Piloto lhe dizia,
O menfageyro ajiuto ,(\ue nao erra
Lhe diZjq a mais dagète em Chriftocri**
'Dejla forte do ptyto lhe defierra
Todaajufpeyta^Ò' cautafanteziet
Tor onde o Capitãofeguramente
Se fia da infiel j& falfa gente»
ET>e alguns ^que trazia condenados
Tor culpas, & porfeytos vergonhofos^^
Tor que pude ff em fer aventurados
Em cafos defià forte duvido fos.
Manda dons mais fagazes^enfayados.
Tor que notem dos Mouros enganofos
A Cidadela' poder. & porque vejaõ
Os Chrijiãos que, Jô tanto ver defejao.
E ãe al^um ^ue trazia condena Jos. Quando Vaf-
co da Gama aceytou a jornada do dcfcobrimento
da índia , por mandado del-Rey Dora Manoel?
O rigidõ diamante. Chama-íe o diamante rigido, pcdio que le lhe deflem alguns homens , que cíli-
veflcm
j<6> '^^ "Úanto Seguido*
védtrrSpefòs por fé^tíès grtVtfjípáràiefe-vir del-
Ics etncalo^ de neccíridadt-,ou dpyxandôos em al-
gumas partes , para labtrcm o que hia pela terra
dentro, ou avcn cu rando-os em algu ns cafos de pe-
rigo,qual ei*a éfte de Mombaçarpor fer mais jufto,
& conforme a razáò áventuralos a elki; , pois os
tiravaô das cadcas, ond«cftavaó prelos por cafosí
porque niercciaõ morcé,bu infanua;
lÕ
8
EToreflesao ReyfYefent es manda ^
'Porque a boa vontade que théftraija
Tenha firme ^JeguYaJmpai& branda,
A qual bem ao contrário em tudo e [fava,
Jà a companhia pérfida ^o* nefanda^
1)as naosfe ãerpedta^ & o mar cortava
Forão comgeflos ledos , & fingiãês
Os dons da frota em ieVra recebidos,
Tor efiei aoRey prtfentti manda. Como El-Rey
de Mombaça fabia o que Vafco da Gama fizera
cm Moçambique,íc qúèos noílos eraõ Chníláos,
defcjava de vingar a injuria fey tá aòs Mouros , ^
MAs aquelle queftmpre a mocidade
Tem no YoJlopcYpetuai& foynacido
2)^ duas mãySjque urdia afalfidadt^
Tor veY o navegante áeJlYmdo,
Eftava numa caía da Cidade,
Com Yofto humano, & habitojingido^
Moftrando-fe QhYtftaõfè fabricava
Hum altarjumptuefo que adorava.
Ádat aquellt ^ue fempre a mocidade. Os Poetas fin-
gem a BacCho , & Âpollo mancebos Icm barba,
dando a entender,quanco ajuda á vida o bom tra-
tamento do corpo. A Baccho tinhão os antigos
por Deos do vinho, & Apollo da mufíca. De Bac-
cho fe veja o que cfcreverocs no Canto primeyro,
oy tava 75. onde dcy a razaó , porque fe chama fi-
lho de duas mâys.
Cem o rcfto httmam,éf habito fingido, Efta ordem
que o Poeta aqui leva em entremeter a Baccho
neílascouías, he fingimento muy elegante, como
já difi'c atraz. A verdade hc , que aqucllcs homens
com eíle fundamento màndòu dia de Ramos pfe- què Vafcoda Gama mandou a Mombaça, para fa-
la manham dous Mouros a bordo , homens íiivos, ber o que pafiava pela terra dentro , & fc avia
êccnfayados , os quaès diflefiem íercmChriftáos. Chriftáos como Hie os Mouros tinhaó dito , forão
Vafco da Gama lhe fez muyto gazalhado , & lhe levados por outros da terra a cala de huns índios
deu algumis peças,8caílim mandou humpreíente mcrcador«s,que devia© fer Chriftáos de SaóTho-
a El-Rey , agradecendo-lhc muyto os oftfcrcci». méí os quacs vendo, como osnoflos crâoChrif-
roentos, que cftes homens llie fazião da lua parte, tãos, Ihesfizerão mi<yta feftà, «5clhcs moftràraóíi
Sedando moftras que eítimava muyto o que lhe figura do Elpirito Santo lobrc a Virgem Nofla
mandara por cUes , que erâ hum anel muyto fino,
& alguns carneyros. Com eftcs homens mandou
Valco da Gama dous dos degradados , que levava
para aventurar, onda fofle neccfiârío, comoficsl
ditD:aos quaes encomendou muyto, viílem bem ia
icrra,&: nocaircm o trato dagente,& a armada que
tinhão no porto. Os da terra, & El-Rey lhe fize-
raõ grande gazalhado , moftrando com rofto ale-
gre folgarem muyto com lua chegada.
E^Defpois que ao Rey apYefentàrao
Co recado os pYef entoes jquetYaZíão T-
A Cidade coYreYão/S notâraõ ' slÍ«
Muyto menos daqui lio que quer ião, * ^ *
êlue os Mouros cautelojosje guardàvao
^e lhe moftrarem tudo^ o que pediãõy
^ue onde Yeyna malicia^eftà o receyo,
^eafaz imaginar no peyto albeyo.
(^e onàereyna a malicia ejído recep. Coufa natu-
ral hc,6c aíTaz cfperimentada,o homem raáo,cuy-
dsr que todos faõ màos: & o bom pelo contrario,
ter a todos por bons; daqui nafce, que quando o
máo tece alguma maldade, teme, que o enteníiáo,
como diz aqui o Pocta,& hc muyto fabidg.
Senhora , & fobrc os doze Apoftolos , como diz
o Poeta na oytava feguintc.
1 1
ALli tinha em retrato augurada,
T)o altOj & Santo Ejptrtto a pintura,
A cândida Tombinha debuxada,
Sobre a única Thenix Virgem pura,
i^ companhia fant a eftàpintadat
T)6s doze tão turvaaos na figura.
Como os que fó das lingoas que cairão,
'D e fogo yV ar ias lingoas referirão.
Sohrt a única Vkenix Virgtm pura. Chama Luís
de Camócs à gloriofa Virgem Maria Nofla Senho^
ra Ave Pheniz por fer cita Ave de que os Efcnt-
toresdizern grandes maravilbas,aífim em fer fó no
mundo, como em fer muyto fermofa, coraodcllm
cfcreveLaâ;ancio,cra huns vcríos elegia cos, que
compoz de feus louvores. E porquc^eftc lugar
não hc capaz d^ratar dos louvores de humatão
grande Senhora, emconcluíaõ, 8c remate digo,
que tu f o o que fc delia pode dizer, íefomacmfer
Mãy de Deos. Quanto â Ave Phenix dis Plinio
fíb.io.cap.i.quc hehumaíò no ttiundo,do tama-
nho
Lpjiadas de Luís de CaMÕes Commentadús, 4 1
nho de huma Águia, ôc que vive leilcentos 5c Icf- lavra. Mas ( iegundo tcnhò notado na li^âo dos
ícntaannos: & que cm Arábia he conlagradaao Poetas,mormenteGregos)Scmclcniáy de Baccho
Sol. Quando íe lhe chega o tempo da mGrte,vay- fc chamava de alcunha Thyonc, como refere o in».
fede Arábia a Suria, onde faz hum ninho de paos tcrprcte de Apollonio i & daqui querem que fe
cheyroíos , que ajunta , febre o qual Ic deyta , & chame Baccho Thyoneu, O/aZ/o Oeoi adora o ver-'
ali morre. E do feu tutano nafcc hum bichinho, Jsdtyro. Por falfoDcos entende Baccho. Verda-
coqual íe cria outra Ave Phenix , 5c em poden- dcyro hc o que nós adoramos , ÔC profcflamos os
do voar fe torna para Arábia. Açor diz o mcfmo Chriftàcs,o qual aquellcj índios, que eílavaó ein
Plinio, que he vermelha toda,lRlvonopefcoço,o Mombaça, tuiháo cm huma carta pintado,
qual tem de cor douro, 5c o rabo roxo,ôc rolado.
U mefmo conta Solino cap, 46. 6c Ovidio lib. 15.
Metaph. Outros dizem que náo ha no mundo el- '
ta Av*e,5c que tudo o que fe conta delia he fabula. \ ^'tfoYãode noyte agãfalhadõS
)udcz cm huma Ke- -^*- ^q^ ^^^^ ^ bom^& honeHo trai
O Patriarcha Dom Joaó Bermi
laçaó , que fez a El Rey Dom Jo:iõ o Terceyro
de Portugal, lobreascoufasdo Preítc Joaó , diz,
que em huns dclertos grandes junto ao Reyno
de Damute íe acha efta ave, ôc que os aaturacs da
terra lhe dizíaó que a viaó.ôc conheciaó,5c que era
muyto grande , ôc fermofa. Marco Polo Vene-
zeano de naçaó ^ que andou muytos annos nas
partes da índia, Eihiopia, 6c 'Fartaria, cm hum li-
vro que fez das coulas , que vio naquellas parles,
faz mençaó delta Ave, 6c diz, que a ha nos fins da
Índia interior: 5c que os naturaes lhe chamaó Se-
venda. Pus cilas coufas aqui , paraque fe enten-
da, que ha quem fale ncíla Ave, Scqucpodefcr
verdade que a haja , porque no mundo ha outras
coufas de mayor elpanto:que os que náo faihimos
de noílas pátrias, nem vimos mundo, nâo podemos
crer, 5c nos parecem fora de toda a ordem, 5c ra-
zão. Dos doze tão torvados na fgura, Eílcs eraó os
doze Apollolos , os quaes eííavaó pintados na-
quella carta , onde eftava a Figura do Eípiritu
Santo:do modo que ficâraó , quando decco íobrc
ellesno dia de Pentecoftes , como fc conta nos
Aftos dos Apoftolos , Aft. 2.
I 1
A
^a/ os dous cofnpanheyros conduzidos ^
Onde com ejie engano Baccho eftava^
T oemem terra os gíolhoSi& os fentidos
NaqueLle T>eos que o mundo governava:
Os chiyros excellentes produzidos
Na Tanchaya odorífera queymava
O thloneu,& afjftpor derradeyro
OjalfoT)eos adora o verdadeyro,
J^^aVãKcbaya odoriftra. Panchaya hc Arábia fe-
liZi ou beata, que aílim lhe chamâo os Autores, á
qual o Poeta chama odorífera , que quer dizer
cheyrofa , por ter muyta abundância de chcyros.
^íutfmavaolhycntu. Entende Baccho, ao qual 0$
Poetas chamaváo aíTim de Thy , que quer dizer
andar furiofa , Ôc aprcfiadamcnte, por ferem deíla
qualidade os homens dados ao vinho. E daqui as
molhcres que lhe faziaó fuás feílas ic chamavaô
thyadcs. Eíla he a commum declaração dcfta pa-
tratamento
Os dous Chn[lãos^não vendo ^que enganados
Os tinha ofalfo^ò fanto;^ngtm nto.
Mas affi cdvto os rayos e/palhados
'Do Sol for ão no mundo^tè num moment$
Apareceo no rublo Horizonte
Na moçade TitaÕ a roxa fronte,
^pareeto n» rúbido Horizdntg. Horizonte he no-
me Grego , ^ quer dizer fim de qualquer coufa,
inda qu« propriamente hc o termino,6c baliza, do
que alcançamos com avifta , olhando para qual-
quer parte^i porque cm qualquer lugar , que ho*
mem eílâ, cuyda que vè hum fim do Ceo que hc o
HonzontCjCorno o Poeta entende ncíle lugar por
rúbido Horizonte aquella parte do Ceo , onde o
Sol começava moílrar fcus rayos. lílo he quanto
à propriedade da palavra. Do Horizonte circulo
da Elphera confiderado mathematicamente , fc
veja a nofla annotaçaô no canto oytavo, oyt. 44.
bíamcçade litdo. Por moçade Titaó entende a
Aurora filha de Titão , 6c da terra , 6c caiada com
Tithono irmão de Laomcdontc Rey dcTroya.
O falfo^& fant» fingimento. Chama- fe falfo, por*
que os da rerra pretcndiaõ enganar os noflbs: cha-
ma-le fanto , porque para eftc engano ufaraó de
Imagens fantâs.
14
TO mão da terra es Mouros co recado
*Z)o Rey, para que entrajjem: & configo
Os dous que o Capitão tinha mandado^
Aquém fe o Rey moflroufincero amigo.
E fende o Tortuguezi certificado^
^e não aver receyo àe perigot
E que gente de Chrifto em terra avia,
T>entro no falfo rio entrar quiria^
Salfo rffl.Entcndc o mar de Mombaça , ao qual
por efte refpeyto chama rio.fal(o ,, que quer dizer
rio lalgâdo.
Dlzemlhe os j^ mandou q em terra viraÔ
Sacras wfJraSj& SacerdotefantOy
4i
^ue alltfe agazalharãoj& dormir aòy
Em quanto a luz cubrio o efcuro manto,
E que fio JRey, é^ gmtenãojentiraêi
Senão contentamentOió" gofto tanto
^e uão^oàta certo avn Jujpeyta
Numa mojtra tão clâra,& taoperfiyta.
Canto Segundo»
osPortuguefes, veja-fca nolla annotaçaônocanS
to ipYÍv:ityro.Oyt.i.§líie wcautoi pagajjent.lnc&utos,
palavra Latina, quer dizer delapercebidos, & dcl-
cuy dados.
i8
\ S ancoras tenaces *uam levando
"^"^ Com a náutica grita coftumada.
Em tjuanto a luz, cubrio o efcuro manto. Em quan<
to durou a noyte , chama o Poeta l noyte manto ^aproa áS vellas (Ós ao vento danào^
efcuro, porque cobre a lpx,ainda que falando pro- Inclinam para a barra ábaíifaãa,
priamente,a noyte não he outra couta, fenáo falta J^asalinda Er yàna^que guardando
de Juz i porque paflando o Sol deite nofio Hemif- ^^^avaíemPre agente aí/malada,
phênolupenoradar luz aosque moraonomie- "'" , ^.,^j *^ /*! , '
íior, faltando-nos fica«os às efcuras, & daqui fe Vendo a Cilada granae,& tamjecreta,
caufaanoytca qual procede da auiencia doSol. VoadoQeoaomarcomohumaJeta.
c
i6
Om ijlo o nobre Gama recebia
^ Alegremente os Mouros que Cubiãffy
^^e levemente hum animo fe fia
^e mu/iras ^que tão certas pareciao.
Anão da gente per fida je enchia.^
^eyxando a bordo os iparquôs^que traziaõ:
Alegres vinhaõ todos porque crem^
^e afrefa dejejada^ certa t^m,
A nao da gente ferfidafe enchia. Era tanta a fa-
miliaridade , 6c converíaçaõ que os Mouros ti-
nhaó com os noífos , que continuamente eftavaõ
a bordo barcos dos Mouros , que hiaô á nofla ar-
mada i 6c fiavaó-le tanto delle> , que tinhão aíTcn-
tado entrar do rio para dentro, enganador com as
moíirasde amor. O que icm falta fizeraó, ícnáo
íucccdera defcair o navio de Vafco da Gama fo»
bre huns bayxos,que tmha por proa, onde íc hou-
vera de perder , íenão mandara furgir,como con-
táo os noilos Hidoriadores. Alegres vinbão todos.
Od\a,que Vâlcoda Gama determinou entrar no
porto de Mombaça , foráo muytos Mouros em
barcos com n)uytos tangercF,6c muliQas a Teu mo-
do, moítrando grande fcfta , 6c contentamento
pela entrada dos noífos, porque lhe parccia,qucos
luihaó jà dcbayxo da lança, para fe vingar dcilcs.
N Aterra cautamente aparelhavão
Armas i ^ munições: que como vijfkmj
^e no no os navios ancoravao^
Nelles oujadamentefe fubiffem,
E com ejia treyçaô deter minavaõy
^e os de Lufo da todo âejtnttíjem^
E que incautos pagaj^em deftegeyto
O ynai, que em Moçambique tinhaõfeyto.
^Ateí de Lujo dt todo defiruijfem. Os de Lufo íaô
■i
Ai autoras tenaces. Tenaces he próprio EpithGto
das ancoras,de teneo palavra Latina, que quer di-
zer ter ,por ler próprio officio íeu af}errar,ôí pren-
der onde chegâo. Com a náutica grtta. Nauta entre
os Latinos, quer dizer marinhey ro , grita náutica
hc a gritaque osraarinheyros Icvaniâono mar,
quando trabalhão, a qual por outro nome íe cha-
ma celcuma.Aííií a linda Erjcina. Entre outros no-
mes que tem Vcnus , hum heErycina do monte
LryxdeSicilia , que hoje le chama em vulgar de
Saó Julião , onJc antiguaroentc era venerada : de
outros nomes quclhe os Poetas dão , le veja o que
cfcrevcmosno pnnieyro Canto Oyt.33.
19
C> Onvoca as alvas filhas de Nereo,
j Com toda a mais cerúlea companhia^
^e porque nofalgado mar naceo,
'Das agoas o poder lhe obedecia,
E proponde lhe a cau/a a que deceOj
Com todas juntamente fe partia^
TaraeftotvaTjque a armadanãochegajfe
Aonde para fempr efe acabajfe.
I
Convoca as alvas filhai de Nent. Attribuc como
Poeta a Vénus ( a qual faz protctora dos Portu-
guezcs)naõ entrar o navio de Valco da Gama no
porto de Mombaça, que parece foy milagre : por-
que não quis noíTo Senhor que os PortuguezeJ
acabaflcm emhumatáo triftc , 6c barbara rerri^
6c leeíhovaíle huma viagem , que havia de rcj
dundar em tanto ferviço leu. ^ JPor^ue no falgac
marnaeeo. Fingem os Poetas , que Vénus nacet
da efcuma do mar , pelo que lhe chamâo Aphro-
diris , ou Aphrodiíia de aphros,quc he a elcuma,
por efta razão as Nymphas do mar a ajudavâo,
6c favoreciaó em tudo como nefte trabalho drs
Portuguezes. Nereidas , íaó Nymphas do mar,
das quaes fica trattado no Canto primeyro , oy-
tava 96. cliamalhe alvas, por lua cftancia, 6c mo-
rada íer nas agoas;.
Ce-
Lujiadas de Luis de Camões Commentados.
CtrHlêa companhia. He a mais gente d© mar, co- Tc em no maàeyro duro o brando peyto,
OTO Protco, Tritão, ÔC outros a qual íe chama af- '^ ^ - .■ . 7., .-
fiwjde cerulêui palavra Latina,que quer dizer cou-
la de cor de Ceo,ou Mar.
43
Tara detrás a forte Naoforçanao\
Outras em derredor levandoa eJiavãOj
E da barra inimig a a de/viavão.
20
JA'na agua erguendo vão cõ grande prefa.
Com as argênteas caudas branca efcuma,
Cloto copeytú cortafÉ atravefja
Com mais furor o mar do que ccjinma:
Salta NtfeyNerine/e arremeda
Tor ama da agua crefpa em força fumma\
\Abrem caminho as ondas encurvadas
' IDe temor das Nereidas afrejjadas.
De untor dai Nereidas apresadas, O Poeta no-
wca aqui fó trcs filhas de Ncreo , Clcto , Niíè , ÔC
Nerine: fendo cincoenta como fica dito.
^r^ente as caudas. Rabos brancos , porque as
■pmtáo có roftos de molhercs, Sc rabos de pey xes.
11
i^J\l Os homhros de hú Tritão cdgeflo accefo
' X >l Vay a linda 'Dionefuriofa,
Hãofente quem a leva o doce pefo
^e foberbOiCom carga taÕ fermofa.
Jãchegao perto, donde o vento te fo
Enche as velas da frota belltcofa.
Repartem fe, fí> rode ao nejje infiante
As nãos Itgeyras^que hiao por diante,
Ntfí homhroi» da hum Tritão, Tritão dizem os
Poetas, que foy filho de Neptuno, 6c Salacia Se-
nhores do mar , Sc que foy feu trombeta. Dionc
querem alguns , fejao nomeda máy de Vénus,
pelo que lhe chamaô aflim. Tem entre os Poetas
diííercntes nomes , como fica tratado no Canto
priraeyro , oytava 35. Houve difíercntes Vénus,
»as quando entre os Poetas fe nomea eftenomc,
iccntendea filha de Jupiter,&: Dione,caíadacom
Vulcano , que fazia os rayos a Júpiter feu pay.
Outros a fazem nacida de efcuma , como fica no-
tado atrás, oytava 1 5?. Efta foy huma molher pu-
tlica na Ilha Chipre , aqualporeíle rcfpeyto os
antiguos idolatras , 6c ignorantes , tinbaó por feu
ldolo,& lhe Icvantavão grandes altares, Scfaziâo
grandes templos*, que he bom final de feu pouco
laber , pois tomavaó por fcus Deoles gente per-
dida, 6c diíloluta.
It
POemfe a Tíeoja com outras em dereyto
T^ a proa capttayna, ^ allt fechando
O caminho da b arraie pão de geyto
^eemvãoajjopra o vento a veUa inchando.
DafYoacafitayna, Ifbo diz o Poeta, porque que-
rendo Valco da Gama entrar para dentro de
Mombaça, como lhe pedia o Rey da terra , le-
vada a lua nao,nunqua quis fazer cabeça para en-
trar dentro,6c hia lobrc hum bayxo que tinha por
proa: que foy caufa de furgirem todas as nãos, ÔC
náo paílarcm avante. Milagre evidentiíTimo, que
náo quis nofio Senhor que hum intento tão fanto
dos Reys de Portugal acaballc aqui , pojs de elles
hirem por diante , fe havia de augmcntar tanto
luaFcfanta,como vemos por experiência,
^5
QVaespara a cova as providas formigai
Levando o pefo grande acomodado.
As forças exercitão^ de inimigas j
*Do inimigo Inverno congelado,
Allifàojeus trabalhos jtS fadigas j
Alli moerão vigor nunc%. efperado:
Taes andavão as Nymfhas eftorvando
Agente Tortuguefa ojim nefando,
^aespâra a cova ás providas formigas. Compara
oPocta apreíla, 8c diligencia de Vénus , 6c d a?
Nymphas, em deíviaras nãos do porto de Mom*
b-íça , com a das formigas no tempo do verão,
quando ajuHtaó o ncccílario para o Inverno. He
imitação de Virgilio na iEneidalib.4.
24
TOrna pvra detrás a nao for cada,
Apefar dos que lev a ^que gritando
Mareão vellaSjferve a gente Irada,
O leme a hum bordo, SJ outro atraveffando^,
O Meflre ajiuto em vão da popa brada
Vendo como diante ameaçando
Os ejíava hum mar itimo penedo j
^e de quebrar lhe a nao lhe mete medo^
Torna para detrás a nao forçada. Indo com gran-
de fefta, &alegria,aílim os Mouros, que hiaó nas
noílasnaos, por lhe parecer , que tinhãoaprcza
deícjada nas mãos : como os noflbs em cuydav
(vendo tão luzida gente, 6c taôboas novas da ín-
dia ) que era jâ acabada fua peregrinação , & tra*
balhosjeílando áquellahora em perigo de perder
as vidas , fcgundo a determinação dos Mouros:
fuccedco,quc o navio de Valco da Gama náo quis
fazer cabeça para tomar vento , 6c foy defcâindo
em hum bayxo, como temos dito: o^quf vendo o
F ^ mcílvc
^^ CaJit o Segundo» .^
incílre começou a bradar da popa, ao que acodio mais Capitães a^pcuca fegorança d'^aqucncs por-
o Capitão rEÓr,& mandou loltar hu ma ancora. E tos : & coiro^Deosimlagrolamente os livrara de
porque líto íegundo coftume dos que navcgão, hum tão grande perigo,pelo que logo le partirão
náo íc faz em taes tempos iem grande revolta , Ôc dalli. E porque não tinháo PjlotoSjdeterniináraó
ofitta : tanto que os Mouros viraó o que paflava, ir ao longo da coita , que íabião fer muyto pc
cuydando fer defcuberta a trayção que pretcn- voada, para ver íepodiaôavcr alguns.
diáo : huns por cima dos outros Ce lançarão nos
barcos,6c muytos no mar, querendo antes morrer
afogados, que às mãos doi noílos, como o Poeta
vay contando.
P(.mdo marítimo. Quer dizer penedo do mar;
não f altáo pefloas , que calumniem a Luís de Ca-
mões, como já fica dito atrás, canto i . oy tava 19.
uíar de palavras Latinas ; & alguns que o não íaó
muyto , lhe põem que uíouds algumas impro-
priamente,como homem não muyto Latino. En-
tre outras ella dcíle lugar hehuma , chamarão
penedo do mar maritimo ; no que não tem razão;
porque Maritimus , a , u m , na lingua Latma hc
coula que eftà ao longo do mar , ou dentro ncUe.
E Luís de Camões , foube para lua profifiaó o que
2-7
A SJicomoem Sehaticaalagúaj
■^^ As rans no tempo antiguo Ly cia gente,
Sefentem porventura vir peffoaj
Ejiandofóra da égua incautamente.
^ aqui is dalli faltando^o charco Jòa%
*Pcr fugir do perigo jque/efentei
E acolhendo/e ao couto ^ que conhecem^
Sòs as cabeças 71' agua lhe aparecem.
Ai ratnm tttnfo antiguo Ly eia gente, Contao es
Poetas , que paflando Latona máy de ApoUo per
lhe baftava j & neíle particular não tenho que Lyciaera tempo de grande calma , apertada d»
trattaf , que hoje vivem muytos homens deíles icdc, íe chegou a beber a hum» alagoa. Osrufti-
que o conheceraó,& tratarão. cos daquella terra lhe defenderão a agua , & por
nenhum cafo, por mais laftimas que lhe ouvirão, a
dcy xáraó beber. Sentida muyto Laicna pedi© a
Júpiter a vingafie daquella gente , & quileflc que
vivcllem lcn>pre n^agua para íe fartarem bem del-
ia. Júpiter CS convertco cm rans,as quaes tem por
coílumc íétindo alguma pefibarecolherfeà agua,
& moftrar fomente as cabeças , como aquidizo
Poeta, comparando os Mouros que Ic lançarão ao
irar, ás rans, porque hindo nadando Ihcapareciaõ
fomente as cabeças.
28
A í/^ fogem os Mouros, E o Tiloto,
"^^ Si^e ao per igo grande as nãos guiara.
Crendo que Jeu engano ejlavã noto.
Também fo^e faltando na agua amara.
Mas por não darem no penedo immotOj
Onde per cão a vida doce^tí cara,
A ancora folta Ugo a Capita^na,
^alquer das outras junte deílaamaynal
Tenedo immoto. Quer dizer penedo firme , &
que le não move. Eftc penedo era o bayxo, era
que diflemos , que hia dará nao de Vafcoda Ga-
ma,felhcnão acudirão ^eprcfla,
25>
VEndo Gama^attentadOiã eflranhezd
*Dos Mouros ^não cuydadat^juntamêti
O TiUtofugirlhe comprejleza^
^5
A Celeuma medonha fe levanta
-*^ No Yudo marinhey ronque trabalha^
O grande ejf rondo a Maura gente efpanta^
Como/e vifjem hórrida batalha.
Não f abem a razão de fúria tantú^
Não fahem nejfaprejfa quem lhe valha j
Cuydãoi que ] eus enganos fãojabidos^
E que hão de fer por iJ]o aqui punidos.
Celeuma^ he palavra Grega, quer dizer a gritta,
que os marinheyros levanrão para todosahuma
porem hombros,& força, no que tem entre mãos,
ÔcaíTini Ic ajudarem melhor. O Poeta lhe cha-
mou arras oytava iS.gritta náutica , que he o
mcfmo.
2.C
17 Tios Jubítament efe lançavão
^ Afeus bateis velozes ^que traziãOj
Outros encima o mar alevantando.
Saltando n^aguaanadoje acolhião.
^e hum bordOjfS d^outro fubtto faltavãot
^e o medo os compellia^do que vião:
^e antes querem ao mar aventurarfe^
^e nas mãos inimigas entregar fe.
^ue antes tjuerem ao mar aventurar fe. O^ PWotos ^ j - , /
de Moçambique, 6c outros efcravos, que hião na Entende o que ordenava a bruta gente:
nao do Capitão mór , fe h nçáraõ ao mar : com a ^ vendo fem confrade j&f em braveza
qual novidade cntcndco VaícodaGama , Sc os ^ os vent os ^ ondas agueis fem corrente^
Lupadas de Luis de Camões Commentados, '45
^e a Kaopafar avante não podia j 'D' entre as Nimphasfe va^^ quefaudf>fas
Avendoopsrmilagre affi dizia.' Ficarão deftajuhtta partida.
J a penetra as EjireUas lumimfas^
30 Jd na teYCCyra Ejphera recebida,
Xlâfo grãde^ireftranhoMnão cuydad!o\ ^vantepajja, t3 là no fexto Cto,
o
O milagre cUrtJJmo, (^ evidente^
O defiuberto engano inopinadol
O fer fida, inimiga, fíf alfa gemei
^uem pudera do mal aparelhado
Livrar/e fem perigo fàbiamente.
Se là de cima aguar da foberana
Não acudira a fraca força humana.
''Fará onáe eflava o Tadrefe moveo.
lâ na ttrccfra Ffpbera recthida. Chamaõ-fe os
CeosOibes, ou Eipheras , portei em a figurarei,
donda, 6v circular, pela qual razão o mundo tam-
ben» Ic chama tlphcruiporque a Efphcra he hum
corpo 1 cdondo , & lolido , de huma fó lupcrficie,
con.o huma bola, ou ptlla, & afiim os Aítronomi-
cos inciííeremeníente ulaó dellcs vccabulos:Or-
O etfo grande. Sáo eftas exclamações paraen- ^c> Circulo, Elphera, tomando hum pelo outro,
carecimento deílc milagre , que aos noflbs acon- E <Ji^> qucfoy itcebida noterceyro Ceo,que hco
cccco ncfta barra de Morrbaça. Bem fc nr.oftra ^^^ U gar por ordem dos Planeias , porque a Lua
que íeus intentos cráo fantos : & que o caminho tem oprimcyro, Mcicurio ofcgundo , Vcnuso
ncftes principies era tomado puramí nte por amor t^' ceyro, o Sol o quarto, Marte o quinto, Júpiter
deDcos,& porlcrviçodoícu Rey, fem outro m- o íexto, Saturnoo letin o: 6í queíemovec para o
tcrefle algum ; & aíFim tudo lhes fuccedia prof- Itxto Ceo , que heo lugar ue Jui iter feupay ,ao
pcramente. qualhia fallar fobre as couías dos Portuguezes.
EngantinopirtaJo.lietnginQnzocuyàâí^Otiíio ^^ canto dt cimo íe tiata mais largamente do
dizoHocta , porqucos boiTos cuydaváo que efta- Ceo, 6c Planetas,
vão jâ fora de trabalho , icudo tanto ao contrario*
3>
BEmnoimoflra a T>ivinaTrovidencia,
'Deites portos apouca fegurança.
Bem claro ttmos vi fio na m par ene ia,
Sljie era enganada a noffa confiança.
Mas foís jaber humano , nem prudência ,
Enganos tão fingidos não aicançi^
O* tu Guarda 'Vívinajem cuydado
T)e quem J em ti não pôde fèr guardado.
34
EComo hia afrontada do caminho^
TutH ftrmofa nngvflo fe mnftrava^
^e as EjireUas o CeOy^ o Ar vizinho
E tw^o a u amo avia namorava:
*Dos olhos , onde faz jeu filho o ninho ,
Hnus ejptrttos vivos infpirava^
Com que Tolos gclad&s acendia,
E tornava do Jogo a Efpherafria.
Dot olhos onde f(.z, [eu filho o ninho. O filho de
Vénus he C upidu , a que os antigos enganados
E^ . j j chamavão Deosdc An'or. DizLuis deCaroóes,
òefemovetantoapiedade que o Amor faz fcu ninho nos olhos ; porque o
'Defia mtfera gente peregrina, pnmeyro encontro , & principio de aíFcyçao íc
caufa com a vifta. Dcnde difle Propcrcio, Sintf»
ttt , oculi funt tn amorc ducti. Os olhos laó guias no
amor, & V^irg. nasEglog. Ut vidf, ut fmji avifta
fov caufa de minha perdição.
Com tfue ot foloi gelado* aandia^
E tornava do fcgo a Elfkera fria. Pelos pólos Te
entende o Arftico, 6c Antarélico,quehe Norte,
& Sur, os quacs chama gelados, pela grande frial-
0« »0f amo/ira a terra ^uehufcamoi» A terra que cinde que naquellas partes ha , cauíada da aulencia
05 Portuguezes bulcavâc , & por cujo refpeyto fe do Sol; doí pólos tratey atraz no canto primeyro,
offereciáo a tantos com ralles,ôc trabalhos, eraa oytava24. Quanto à declaração dcíle lugar;qucr
índia. o noflo Luis de Camões por eíres rodeosmoftrar
a força, ^ poder do /^mor,do qual todos osPoe-
- tas aíTim Gregos, como Latinos cfcrevcraõ muy-
.. ny ' 7L ' tas coufas,os Gregos lhe chamão.P<»B</<iw<jr«r,do-
/^ Vvíolhe eftas palavras piadofas mador de todas as coulas;pinta-rc com hum ramo
\J Afermofa ^Díone/3 commovida na mão dircy ta , ôc hura peyxe na cfqucrda, para
rrt " / niol-
3 2-
Se te move tanto a piedade
'Defia mifera gente peregrina,
^e fô por tua altUftma bondade^
'Pa gente ai falvas, pérfida Jê maligna,
Nalí!um porto ftg u\ o de veydu de
Conduzimos já agora determina.
Ou nos amojira a terra que bufcamos^
Tois fòpor teuferviço navegamos.
46
mcflríusqiie íobre todas as coufas tem domínio; &
Cita hearazão , porque diz o noflb Poeta , que
acendia os poios congelados , & esfriava a Eí-
pheiíidofogo , para moÍLrar que não ha couía
que reíifta a fcu poder.
3 5
E^oY niaif namorar 0 foberano
Tadreide quemfoyfépre amada, & cara
Se lhe apre fentaaffi^ como a§Tro)f ano j '
Na (eiva Idéajdjfe aprefentdra.
Se a vira o Caçador ^que o vulto humano
Per de o vendo a T>iana na agua ciara,
Runqua os famintos galgos o tnatãraÔ^
^eprmeyro defejos o acabar aÒ»
Se Ibe aprefstíta ajji i iomo aú Troyan». Contão a$
fabulas , que Hecuba molher de Priamo Rey de
Troyafonhou huma noy te andando dcparto,quc
lhe lahia do ventre huma chama de fogo , que
queymava a Troya. Atemorizado Priamo difto,
perguntou ao? íabioa de íeu Reyno a declaração
deite fonho; os quacs rcfpcnderaô , que havia fua
Biolhcr Hecuba de parir hum filho que havia de
fer caula da deftruiçáo de Troya. Sabido ifto tra-
tou Priamo com fua molher íobre a morte do fi-
Canto Segundo'*
quem himos tratando , que morava no monte Ida.
Ellasíeforaóa elle , &: lhe íizerâo grandes pro-
mefias cada huma porí],piopondo-lheocafo,mas
elle deu a maçam a Vénus , pcrlhe parecer mais
fermoía, que era a pai te porque íc havia de alcan-
çar. Efta he a caula porque Vénus favorcceo íem-
pre a PariSj&; lhe deu ordem,coin que fnrtaHe He-
lena a feu mando Mcnelao, que foy caufa de Tro-
ya fer queymada pelos Gregos.
Se a vira o Cavador. Efte Caçador foy A6leon
filho de Arifteo, & Autonoc. Centáo os Poetas,
que apertandoo hum dia a calma , ôc Mq, fe reco-
]h€G a hum valle onde citava huma fonte, & eh«-
gando-le a beber acertou de fc encontrar com
Diana , que os antiguos tinhaó por Dcola da Ca-
ça, a qual íe cfiava lavando com luas companhey-
ras na mefnoa fonte. Tomou-fc tanto Diana de
Adteon a achar naquclle eftado , que e canverteo
em cervo ; o qual logo es léus mcfmos cães dcfpe-
daçaraô. Efta Fabula conta Ovídio lib. $. nas
MctamprphQfis.
OS cr e ff os fios de ourofeeffarztão
'ttío colloque a neve ejcurecta\
^ ndando as lájeas tetas lhe tremião^
Com qutm amor br meava ^ & 7iãofevjam
]ho,para que em parindo fe mandalle matar; Naó 59^ alva trttifjaflafnas lhe fàiao
fómiCntenâo fez Hecuba , o que Priamo íeu mari-
do lhe encomendara , mas mandou a huro íeu cri-
ado , de que fe fiava , levafic o mininoaalguma
parte ondeie criaíle fecrctamente, & íem fer co-
nhecido. Foy omininocriadonoraontc Ida per-
to de Troya , onde depois de fer iioço de quinze,
ou dezaficis annos , toy tido entre os moradores
daqucUa terra cm tal reputação por fua habili-
dadcjôc engenho, que não havia em toda ella cou-
fe de duvida, que elle não determinaíle. Quanto
ao nome , foylhepofto Alexandre pormandado
de íua máy,&; depois de conhecido por filho d*El-
Rcy Prismo,foy chamado Paris , que em lingoa
Eólica quer dizer engtytadojcomo elle toy.E ná©
k chamou Paris á } aritate,queheigualdadc(como
rodos CS demais qucrtm ) por fabci com igualdade
tratar as coufas , como fez no negocio da maçam
douro, de que ibayxo trato. Succedco, queíendo
convidado Jnpitcr , & todos es fallcs Deeícs para
asBcdas de Pelco Rey de Tefialia com Thetis
filha de Nereo , não toy chamada a Diícordia,
pelo que agravada, &f tomada de não fe fazer calo
dclla,lançou em cima da meia orde eflavão Juno, diff mular n torpeza dos antiguos idolatras , qu
Onde o veniíio as almas acendiaj
delias lízas cvlumnas Ihetrefavão,
defejos jque como erafe enrfilavão.
Oi crefpoififisd^eurê.Vny o Poeta por eftas oyta-
vas tratando como Vcnus apparceco a Icupay,
não tem coufa de duvida.
37'
Cy Omhum delgado Jendal as fartes cobre,
i 'De qvem vergonha he natural ref aro,
^orem nem tudo e f conde ^nem de fcobre
O veo dos roxos Ur tos fcpro avaro:
Aias para que o defejo acenda fè dobre.
Lhe põem diante aquelle cbjeão raro,
Jáfèjenttm no O o fer toda aparte.
Ciúmes em Vulcano ^amor em Marte.
Ciumtt etn VuUant] «mor tm Marte. Não hepari
Palias, &: Vénus, huma maçam d^ouro, ccnri huma
letra que dizia : Vulckrwt detur. Défíeá maisf«r-
moía. Cada huma prtiendcndo fitar com a ma-
çam, não tanto por íua valia, quanio por levara
palma da fermoíura , quiitraólcgo alli que Júpi-
ter dera lentença,maí. elculoufcporquc Juno era
fua molher, &irmã , Palias, &. Vcnus luas filhas,
pelo queasremeicoa Alexandro, quc«jaParÍ5d«
faziaó feus Dcoks homens , 6c eftcs perdidos ,
diflbltítosem todo o género de vicios, Oquefa
ziaõ para crcubrir fuás iraldades, ÔC vivercn» à r<
dcaíolta tm luas torpc7a8 , comotratevno priJ
meyro tari©. Vulcano era cafado com Vcnu$,f
Marte, dizem os Poetas, que cometia adulterii
«cnsella , pelo que diz aqui o Poeta , quehavi
ciumej em Vulcano j&amer cm Marre. Vu)
cai
Lupáàas de Luís de CamBes Commentados,
cano tinhaô por Deos do fogo , & Marte da
guerra.
38
EMoftrando no afigelko/emhlante
Wo rifohumatrtjtezafnifturada.
Como dama que foy do incauto amante
Em brincos amorofos maltratada,
^luefe queyxa.^ferinum mefmoinflAntet
fjfe moflraentre alegre magoada:
T^eftaartea iJeofaj a quem nenhuma iguala^
Mais mimofa%que trijie ao Tadre falia,
Q Empre eucuydeyj Tadre poderozoi
47
vra, com que iica a oração impcrfcyta j o que hc
niuyto uíado nos Pocias para naoíhar algum cf-
fey to de ira, ou indignação,o qual Ic moftra muy-
to na imperfeyçaõ da oração , como aqui : que
pois eu f uy,entéde-rc rnGÍina.E Virgílio na Mnc-
ida: §luotego. Osquaes eu, entende- lecaíHgarey.
Eem outros muytos lugares.
Ogram Tonante. Tonante , charoavão os anti-
gos a Júpiter , que tinhaô por principal de feus
Ídolos, <Je tono, as, palavra Latina, que quer dizcr
fazer trovões , por ellc ter o autor deitas coulas
íegundo lua opiniaó errada.
42-
E7)effas Br andai mojiras commovido^
^ie moverão de hum tigre o peyto duro:
Co vulto alegre ^qual do Ceo Jubtdo
^iepara as coufas , q eu dopeyto amaj/e, Xornafereno,& claro o ar e/curo.
Teachaffe br anão, a f abei fé amorofo^
To fio que a algum contrario lbepeja£e.
Mas pois que contramim tevejoirojoy
Sem que to merecejfe^nem te erraffe%
Faça/è como Baccho determina
Ajjentarey emfinijquefuy mofina^
As lagrimas lhe alimpa ^^ acendido
Na face a beyja,^ abraça o Collopuro^
2)í' modo que dal li ^ Jc fo Je achara^
Outro novo Cupido fe gerara.
^e moverão de hum tigre o feyto duro. He o tigre
hum animal muyio cruel pur natureza , peloque
Seru^e eu cuydej. Imita nertas oytavas a Virgi- os Poetas ulaó delle para exemplo de crueldade,
lio , o qual na Aia Eneida lib. i. introduz a Vc» corwo o noílo Luis de Camões nelle lugar. Dif-
nus fazendo outra fala lemelhante a feu pay Ju
pjter, pedindo-lhe,favorcceílc Eneas.
40
E St e povo que he meu, por quem derramo
As lagrimas que em vão cabidas vejo^
^ue afjãz de de mal lhe quero y pois o amo^
Sendo tu tanto contra meu drfejo'.
Tor elle a ti rogando choro ^^ bramo
E contra minha dita em fim pelejo-.
Ora pots porque Q am^^he maltratado%
^erolòt querer mal^fer aguardado.
tx
41
MAs morra em fim nas mãos das brutas
^ pois eufuy-M nijlo de mimofa[^éteSi
O rofio banha em lagrimas ardentes^
Como cQ o orvalho fica afrefca rofa,
'Calada hum pouco ^como fe entre os dentes
Se lhe inpedira afalapíadofuy
yornaáJeguila^& indo por diante
Lhe atalha o poder ojojà" gram tonante.
fluefoiíeufu^, Uíaaqui elegantemente de hu-
ma figura a que os Gregos chaniáoapoíiopclis, &
os LatHKs obliceniia,ou reticentia, quando cala-
mos ,& deyxamoi de pór na orarão alguma pala-
uís de L^amoes ncuc lugai
fere do leaó íômentc na variedade da cor , porque
tem por todo o corpo huns íinaes pretos gi andes
a modo de remendos compridos , que o íazem
muyto ferraoío. O rabo muy to longo , comos
melmos íinaes pretos, Sc aíTim a cabeça, a qual he
redonda,âs oreihas faó pequena?, os dentes muyto
agudosjo ptlcoço curto, & groílo: come cíleani-
mal do que caç i , 6c acomete , 2>c mata todo o gé-
nero de anirni»! por muyto brabo que feja. Mar-
cial m jpedac. Epigran). 18. efcrcvedclie,que nos
Efpeftaculos Romanos matou hum leaó. Hcdc
clpantola ligeyreza , peia qual rezáo os Poetas o
fazem filho do vento ZephyrcsÔC o nome,que tem
omoílra;porquetygreem lingua Pci fia, Índia, Sc
Arménia, he a fetta, nas quaes partes lhe piríciaó
cíie nomc,6c delias veyo a nos.
43
ECom o feu apertando o rofio amadot
Sjue osfaluçoSj^ lagrimas augmentaj
C orno minimo da ama cajligado^
^e quem o afaga o choro lhe acrecenta,
Tor lhe per tmjocego o pey to irado-,
Muytos ca/os futuros Iheaprejenta,
'Dos fados as entranhas rtvolvtndo%
T>efia ma luyra em fim lhe efiã dizendo,
C(W3o t»m:v.o da ama câfttgado. Humas das cou-
las em que o Poeta moflra ícu engenho, & erudi.
çaó,
I
^8 Canto Segundo,
çaó , he nas comparações , as quacs faõ tão pro- zendo-lhc muy tas promeíTaSjonde ficara para íem-
prias que nenhuma vcntagem lhe hzcm os an- pre, fe Júpiter a requerimento de Palias o não cf-
tjpos. torvara, como conta Homero na Odiflea , & que
Doí fados ai entranhas rtvêlvendo. Dos fados le por ordem dos Latinos hc o livro quinto.
veja a nofla annotaçaõ no primcyro canto oy- Se Antenor ts feyos ftmtrtu. Antenor foy Tro-
tava 24. yano de nação(fegundo achoefcrito) vendeo fua
pátria aos Gregos. Efte depois de ter deftruida, Sc
qucymada Troya, fc recolhe© altalia, ÔCcdificQK
;^ ^ . ^ huma Cidade no território de Veneza, á qual do
1^ Ermofa filha minha não temais ieu nome chamou Antcnoria , hoje fe chama Pa-
' Perigo algum nos vofjos LufitanoSj dua.Eftas palavras , que o Poeta aqui põem , laó a
Nem que ntmguem comigo poffamãts, iroitaçáo de Virgílio na fua ^Eneida , & porque
ghieefjes choro fos olhos loherauos, trattão da chegada de Antenor a Itália , & como
^ ^ *^^//,i^*.^ ff,^V/,;r edificou Pádua, & juntamente fazem menção do
^ecwvos prometo filha que vejats rioTimavo,&de modo que parecem moft/ar que
Efquecerem/e Gregos, & Romanos ^^^^^^^ Antenor a Cidade ao longo dellc , náo
Telos illufiresfeytos.que efia gente f^^j^ aflim.Entrc Varões muy doutos ha fobrccf-
Ha de fazer nas fartes do Oriente, ig rio grades altcrcaçccs,as quaes dedararey aqui.
Ti^mofa filha, Neíla repoíla de Júpiter a Ve- Antenor potuit tnedtis elapfus Achivis
nus lua filha , lhe vay contando todas ascoufas llljricos fenetrate finui^ate^uetnttmatutui
que haò de acontecer aos Porriiguezes na índia, Regna Ltbumorutny & ftntem fuperare Tifttavi:
èc cofta de Africa , & como haó de por cftas par- Unde per ora ncvemva/iotKum murmure tnfntit
tes debayxo do jugo dos Reys de Portugal. 2t ntare praruptum , & pélago premit arua JcnanU
Hic tamen tile hrbtm Tatavi» fedefque lotavtt
^^ Queyxando-le Vénus a Júpiter, & recontan-
QVefe O facundo Vlyfes e/capou do-lhe os trabalhos que feu filhopaflava , dizia
'Defèr na Ogygia Ilha eterno efcravOj deíla maney ra : que pode Antenor hum tão máo
Efe antenor os fey os penetrou homem cfcapar das mãos dos Gi cgoSjpaflar o mar
ll'irtcos,& a fonte de Timavo. ^^"^ perigo,cntrar por terra firme pela Efclavonia:
í7 í» ^^i^A^L i7«^^, ».>,»,« &paflar a fonte dcTiinavojOC edificar Cidade cn-
^eoptdolo Eneas navegou ^/^j,^ ^ ^^ ^^^^ ^^^^.^ ,fl-,„,^. Eftes vcríos
"De Scylla.à- de Chapbdts o m^r bra%0, ^ -^ ^^ ^^^ ^^^^^^ ^ j^omens doutos , & curioíos
Os voffos mores coufas intentando ^^^ i^fj-^g humanas , principalmente a cerca do rio
Novos mundos ao mundo irão mofirando, Timavo , do qual o Poeta aqui tratta depropo-
fito, fiabre o qual rio ha grande contenda entre os
^iue fe o facunda Uly^es. Facundo hc palavra homens que íabcm. Eílc rio hc nos confins de
Latina, quer dizer eloquente, & copiolo de pala- Aquilea Cidade da Senhoria de Veneza, que eftâ
vrasj tal dizem os Poetas , que foy Uly fies: fie por pou co mais de trcs Icgoas do mar. Deita Cidade á
cRa rezáo o faz Homero muyto mimofo , & fava- outra por nome Trieíl (a que es Autores chamao
recido de Palias, que CS antigos chamaváo Deofa Tcrgtfte ) haverá fete legoas ao longO;da cofta.
da Sciencia , & lhe dà por epitheto o Divino Junto a efta Cidade eftà huma Igreja do nome do
Ulyíies : para encarecimento de leu avifo, & dei- Bcmaventurado S.Joaó,da qual fe vem humas ler*
criçaó. Efte foy com outros Cavalley ros de Grc- ras afperas , & pedregofas , de cujas quebradas, ^
cia â conquifta de Troya , onde fez muytas cou- quedas fe faz hum vallc,no qual íc juntâo muytas
ias dignas de memoria. Depois de Troya deftru- aguas que correm dos montes que tem aodtrrc-
ida, caminhando para fua pátria Ithaca,pafibu no dor. E porque efte vallehe fundo, & cercado das
mar muytostrabalhos,&: perigos,dosqua(s traíra íerras que o cercaô demancyra , que as aguas que
J.Àrgamente Homero na fua Odyflea , à qual poz delias decem , não tem por onde fair fora : a natu-
cfte nome, por não trattar nella de outra coufa le- rf za lhe bulca remédio, 8c forvendo-fe alli da ter-
nâodeUlyHcs, oqual na língua Grega Icchama ra , arrcbcntáo ao pé dos ditos montes prrdifíe-
Odyjjeui. Entre eutros rrabalhos que conta Ho- rentes partes , a modo de fontes, com tanto im-
mero , hum he efte de que oPocta aqui íaz men- pêro, êceftrondo, que efpantaó aos quee oiivenr
çáo , que aportando na IlhaOgygia , que he no Eílas fontes , ou bocas por onde o Timavo íâ^flj
mar Jonio defronte do cabo Lacinio , foy agaza- diZ Eftrabáo Capadócio que íàó fete , 8c Maf^
Ihado de Calypfo, filha de Oceano , & Thetis, & ciai diz o mcfmo.
fcnhoradiiquellallha , a qual por efta razão hoje
(m dia entre os Autores fc chama Calypfo : ôc de Et tu Ledao felix Ae^mUa Tirtruvt^
mancyra o agazalhou, que o não queria largar fa- Hiç uhfepttnaf Cj/llarus ítaufit a^um»
Lufiadas de Luís de Camões Commentaãos, 49
Ou demoílra como paliando Caftor filho de outrascora tanto impeto, 2c fúria, que parecem
Tyndarojôc Leda por aqucllas partes, bcbeo o feu
cavalo Cyliaro Icte aguas : dando a entenderas
aguas do Timavo , que nafccm de Tete fontes.
\ irgilio diz que laó nove.
Unãt pfr ora novtm vafio cum murmure montii
It maré fraruptumy & pélago premn arua fonantú
peleyjar entre fijhumasfopjndoj&c outras arreme-
tendo, que caula grande medo nos que o vem , &
efpantonosqueoouvem : donde fe levantarão as
fabulas de ScyJla , & Charybdis , dizendo que na-
quella paragem ladraváo cács , & havia outras
nionftruoíídades , o que tudo he pela grande re-
volta , 6c furit das aguas, como conta Juítino , &:
outros. SciUa hc hum penedo chamado hoje peloi
que navegáo Scyllo - Chary bdis he agua com gra-
des voltas, Ôcrodomuinhos, o qual lugar fe chama
Gallofaro. A fabula de Scylla conta Ovidio nas
Mctamorphofcsjde Scyllâ,&: de Charybdis larga-
mente Virgilio na Eneida. Eítas coufas de Ante-
nor, ÔcEneas pós aqui o Poeta, por ferem cele-
bradas dos Poetas antiguos,as quaes faó de muyto
pouca importância , em comparação das que os
noílbs Portuguezes íízeráo nas partes da índia.
Onde maravilhofamente delcrevc a lahidado
Timavo,em dizer vafio cum murmurt^ pelo grande
ruído, & eltrondo das aguas , de que laó caufa os
muytos penedos com que as aguas le encontrão.
O lugar por onde efte no entra no mar ( que he
iuntoa Cidade Trieíl , de que atraz falámos) he
pelos naturaes chamado mar , pelas muytas que
leva:donde diz aqui Virgilior/f maré pr^ruptum^éf
pélago premit arua jonamtivay hum grande, & impe-
tuolo mar , que parece querer aflblar o mundo.
Deftes verlos de Virgilio tomáo alguns occaíiaó
para dizerem , que o Timavo não he nefta para-
gcin,nvas que he hum no que paíla pela Cidade de
Pádua, a que os antigos chamavão Meduaco , 6c
hoje pelos Paduanos he chamado Brenta , que faz Os TuYCOS btllactffiniosJS duYOS
muytas vokas pela Cidade, & por elle lhe vem em ^£)elles femPYâ vereis desbaratados:
barcos a provilâo neceflaria dos lugares vizinhos,
para intelligencia dos quaes veribs íe ha de notar,
que Virgilio não diflcque Antenor edificí\ra Ci-
dade neltc lugar,onde o Timavo corre, mas falou
geralmente que edificara , não determinando lu-
gar , porque a palavra, htc, não he adverbio , que
moítre lugar mas pronome relativo, que refere
Antenor , & que ie deve juntar com o tile que fe
fegue:& aflim ambos fignificáo como fe tora hum
ló. Hic tamtntlUurlfem Fatavi. Efte Antenor diz
Virgilio edificou a Cidade de Pádua. E defte modo
de falar ajuntando o hic com iUe , & fignificarem
ambos huma mefma couía ufa muytas vezes Vir-
gilio. Hurtc tllum Fatís extrema â fede profeElum , diz
no fetimo , & no mefmo li^ro : hunc tllum profcare
fada. Aífim que a verdade do rio Timavo he a que
tenho dito.Quanto as fuás fontes não fe pode com Tremer delle Neptuno de medro fo^
certeza affirmar ferem oyto,ou fete,ou nove,pela Stm vento fuás aguas encrefpandox
grande confufaó,& revolta das aguas que ha na- Q cafonuncaviftoM milagrofox
fciíelleiugui ao luhir,nelo que todos acertao. as r n^ / 1 ^ /,/?>.«>//,i
FrpnrZjnr.17 I ç u ^ j f-k ^ueferva^^ trema o mar em calma ejianaoi
t.jeo ptaaojO Lneai »avj£ou^ aeòcyllaj (^ ae Lha- ^ /- y j , r
rjbait o mar bravo, Eneas filho de Anchifes, Sc Ve- ^ gente forte,& de altos penf amentos,
nusfoy taô pontual, 6c tão excellente Varão, que ^e também delia haõ medo os elementosl
merecco epitheto de piadoío entre os Poetas , co-
«10 lhe chama aqui o noflo Luis de Camóes , 8c Vereis ejie «jue agora preJJurofo.Ede hc Dom Vaíco
Virgilio fez muytos livros em feu louvor , aos daGamaConde da Vidigueyra,ík Almirante mór
quaes de ieu nome intitulou Eneida. Efte Eneas do mar Indico, o qualEl-Rcy Domjoaõo Tcr-
depois que fahio de Troya fua pátria, paflbn muy- ceyro elegeo por Capitão mòr de huma armada
tos trabalhos , &: perigos no mar , como conta o que mandou á Indiano anno de 1514.. tom titulo
tnelmo Virgilio. Entre muytos hum muy arrif- de Viforrey : o qual indo demandar a coita de
cado toy o de ScylU , & Charybdis, cachopos do Cambay a ( como por regimento levava ) foy tão
eltreytode Meflina entre Itália, £c Sicília , que grandco tremor do mar,qucfezdefcorçoar ato-
tcráde largo mil gcquinhentos paflos: noqual cf- daaannada. O que vendo Dom Vafco daGama
pailo de nur tão pequeno fazem as aguas grande levantou huraa voz alta dizendo :amigos prazer, 5c
«llronUo , 5c ruido , encontrando-fc huraas com aiegm , que o mar treme com medo de noz: como
G refere
4(í
Ortalezas Cidades /$ altos muros
Vor eUes vereis filha eaifaados.
Os Reys da índia livres j & feguros
Vereis ao Rey potente /objugadosi
Epor elles de tudo emfimfenhores^
Seràõ dadas na terra kys melhores^
Ftrtatezas. O que os Portuguezes fizcrão na
índia, & as terras queconquiftáraó, he aflás notó-
rio, &nefte livro fe trata© algumas, & logo nas
oytavas feguintes : pelo que aqui feefcula tratar
dellas,reíervandoas para feus lugares próprios.
47
V Éreis efle^que agora preffurojh
^or tantos medos o índovay bufcandõj
5© ' CayitQ
leferejoáo de Barres na terceyra Década hb. 9.
c. I. onde diz que muytos doencçs da araiarfa
com aqueJk tremor faràraô.
48
\'J Éreis a ter rasque a agua lhe tolhia^
' ^ue inda ha de f^rbu porto muy decéte^
Em que vã» defiançar da longa via
j9s nãos que navegarem do Occidentei
Toda ejia cofta em fim ^ que agora urdia
O mortífero engano ^obedtente
Lhe pagar d tributos ^conhecendo
Não poder refifitr ao Lufo horrendo.
Vereit a terra ejue a agoa lhe tolhia. Entende Mo-
çambique, no qual lugar (como fica dito) lhe qui-
zcraó eftorvar fazer aguada.
§iue inda ha de fer hum porto rfiuy decente. Hoje he
Moçambique a principal cfcala que os noflosna-
Vios tem na navegação da Índia.
Lhe fagar d 01 tributos. No anno de quinhentos
5cdous , em que Vafcoda Gama tornoya Índia
com titulo de Almirante màr do mar , & com húa
frota de vinte velas , fojeytou toda a coita de Afri.
ca , & fez tributaria a El- Rty de Portugal a Ci-
dade Quiloa.
Ef^ereis o mar roxotãofamofi
Tornar fe lhe amare lio de inflado:
Vereis de Ormuz o Rcyno poder o fo
T)Uas vezes tomado .^fojugado:
Alli vereis o Mcurofurio/ò
T)efuas mefmai {ettas trajpajfado,
§ue quem vay contra os vojfos claro veja,
^eje rejíjie jContr a fl peleja,
E vereu a mar roxo. A cerca do mar roxo , por-
que nem Gregos, nem Latinos acertarão a cauía
dcfta cor , não tratarey do que elles difleraó , &
também por evitar proluxidade, A verdade , 5c
certeza que hoje temos pela experiência , exames,
& diligencias que osnoílos Portuguezcstemfey-
to he cita : naquelle mar por cima das aguas apa-
recem manchas vermelhas,brancas,&: verdes,que
fazen^ crcr,aos que não íabem a verdade,íer aquel-
la à vèrdtdeyra cor daqucllas agua?: O que não
heaflim , porque fey to como digo , exame nas
aguas,tÍ!ando-as em baldes, fe achou procederlhc
aquella cor do íundo , porque a agua em íi he tão
clara como nas outras partes do mar , ôc aíTim de
mergulho por ter partes muyto bayxas , fe trazia
do fundo huma matéria vermelha de coral em ra-
mos , 6c aíTim meímo das outras cores que por
cima das aguas aparecião,ôc não fomente íe fez pe-
los noíTos Portuguczcsefla experiência em partes
ba)'xas,mas cm outras de mais de vinte braças de
Segundo,
altura , como contí João de Barros nas Décadas»
Em conclufaó a cor do mar roxo he do laftro , 6c
fundo da terra, & tudo o que os Antiguosdeíla
matéria tratarão hefalfo , pois elles nem experi-
nientáraõ,nem tratarão deraizdefte negoçío,co-
mo os Portuguezes o fabemos por verdade vras
Relações , 6c informações de noílas armadas, qu©
naquellas partes tem curfado,5c çurfaó continua-
mente ) os quaes com muyta curicíidade procura-
rão tirar a limpo a verdade do caio.
Fereíi de Ormuz, o Reyvo poderof».ACiáAát.á^ Or-
muz , de quem o Reyno toma íua denominação,
eftà três léguas de terra firme , fituadaemhuma
pequena Ilha chamada Gerum , qucjazquafina
garganta do mar Perleo, terá em roda pouco mais
de três leguas,toda muy efteril,rero ter de leu nem
hum ramo,nem huma herva verde, nem agua,ial-
vodehunspoços,ou ciílernasiôclc a querem me-
lhor , a trazem da terra firme da Pçrlèa , donde
também lhe vem ortaliça, verdura, fruyta, ÔC ou-
trasmuytas coufas em grande abundância : que
Ormuz não tem de fua colheyta mais que lai , ^
enxofre, em tanta quantidade, que Uo laltazem
ladroas n.io&. Com ícr elta Cidade em ú tuóeíte-
rii,nos ILdificios he magnífica , & grotla no trato,
por ler elcalaonde concorrem do mundo todo,
^c coii) líie viraefta Cidade tudo de tora, he muy
abaítada, & abundante: & tãofermofa emfí, que
dizem os naturaes, que o mundo he hum anel, &
Ormuz a pedra. Eíla Cidade tomou duas vezes
aos Mouros Aííbnfo de Albuquerque com gran-
de mortandade, Sc deílruição dos da terra, como
contai João de Barros , o qual trata dç huma cou-
l"a maravilhofa , de que o Poeta aqui faz menção,
Qt-ie íe acháraó muytos Mouros mortos de frc*
chás fem outra tenda alguma , não havendo na
ncDa arníada pefiba que atiraíie com arco.que pa7
rccequeas frechas que ellesatiravâo, aelks n.eí«»
unos !e virávaó , & os matávaõ-, ^ aíí^m morriHQ
çom íuas próprias armas, como «iiz aijui g Focta.
V Éreis a inexpugnável T^iofôrtey
^e dous cercos terá dos vojjos fendo:
Allije moftraràfeupreço^^ forte,
Ftytos de armas grandiffimos fazendo,
Envejofò vereis o gr aÕ Mavorte:
T>opeyto LufttanoferoM horrendo^
Do Mouro alli veràô.que a luz extrema
Dofalfo Mafamede ao Ceo blasfema,
Vereii a expugnavel Dio forte. He Dio huma Ci-
dade marítima no Reyno de Cambaya , a qual
alem de fer fortiífima pornaturcza, é. merecer o
nome de inexpugnavei,tinha à entrada do porto
huma cadea de ferro muyto groíTa, que o impedia
a todos , os que o queriâo tomar. He muyto feri.
til,Ôc abundante doneccílario para a vida, muyto
íadia,
Lu/iadas de Luis de Camões Commentades.
iadia , Sc de muyto bons ares , & aíTim mefuao de E vereis em Cochim ajjinalarfe
grande trato. Entregou-a fem guerra o Soldaó Tãnto hum peytoJohrétoJB iníolentey
B.dur Rey de Cambaya a Nuno da Êunha, por- ^, Cythatajà mais cantou vttoYta,
oue o amdou com alguns Portuguezes em huma <^^ ^/Jt mereça eterno nome ,^ gíort^.
fí
que o ajudou com alguns Fortuguezes
guerra que tinha contra os Mogores, por cuja via
ioyrclUcuidoaíeucftado , que os Mogores lhe
tinháo tomado. Arrcpendeu-le depois, & quifera
h^ver Dio à maó,mas não foy poderoío para iflo:
antes toy efta íUa determinação caula de lua mor-
te , porque o matarão os Portuguezes. Quanto
aos dous cercos que aqui trata o l-'octa,o primcy-
ro foy fendo Viíorrey Dom Garcia de Noronha,
& Capitão de Dio António da Sylveyra anno de
4 5^8. & o fegundo Governador Dom João de
Caltro, oqualdcfendco Dom João Maícarenhas
anno de 1547.
Vtreu a fertaUz>a fujientarjt de Cananor. He Ca-
nanor na cofta do Maiavar,entrc Goa,& Cochim:
íuccedeo eftc cerco , de que o P oeta aqui fala , era
Agoftode 1507. fendo Vifo-Rey da índia Dom
FranciÍcod"'Almeyda,&. Capitão da fortaleza de
Cananor,Lourenço de Brito. Paílàraó nefte cerco
os Portuguezes muytos trabalhos,fomes, 6c iedcs,
& lendo muyto poucos houveraõ grandes vito-
rias de El-Rey de Cananor,6c do Samorim, que o
ajudava.
E vtreii Calecut desbaratarfe» O Malavar he hu-
ma das Provincias da India,em cuja cofta diflemos
atraz eftar Cananor. Começa eíta Província no
monte Dely , Sc acaba no cabo do Comori , entre
os quacs dous termines haverá oytenta léguas de
comprimento. Dizem os índios que cfta terra do
Malavar foy cm outro tempo mar, o qual correo
para as lihas de Maldiva,que erao naquelle tempo
terra firme, ôc que defta maneyra a terra que ago.
rachamão Malavar ficou firme, Sc as Ilhas de MaU
diva alagadas. Nefta Província do Malavar ha
muytas, Sc muyto ricas Cidades, das quaes Cale»
cut he a principal,de que aqui o Poeta fala, por ler
a principal elcala, & mais rica de toda a índia: por»
tropoli Epifcopal da índia , Sc o património dos que nella fe achaô em abundância todas as coulas
Reys de Portugal naquellas partes. Eftâ fituada que os homens bulcão para fuás mercancias , ôC
eíla Cidade em huma Ilha chamada Teçuarij, que tratos. Huma imperfcyçáo tera,que he ferem to-
quer dizer trinta Aldeãs, porque tantas teve anti- das as cafas palhaças,faÍvo as dos Reys,Sc dosfeus
guamentcSc tantas pagaváo tributo aos Senhores idolos,que faó telhadas,Sc muyto ricamente guar-
de Goa. He Cidade muyto nobre , de muyto cx- necidas. He Calecut muyto fermofa á vifta , por
" *" " ^ eftar fítuada na cortado mar ao longo de hum ar-
GOa vereis aos Mouros fer tomada ^
A qualiJirà depois a ferfenhora
'De todo o Oriente M fub limada
dm t)s tnumfhos da gente vencedora-,
jllít fokerbajaltivay & exalçada
AoGentio^que os tdolos adora^
^uro freyo porà^à' a toda a terra
^e cuy dar de fazer aos voJòos guerra*
Goa vereis aos Mouros fer tomada. Goa he a me-
ccllentes Edifícios , tem muyto boas aguas , he
muytofertH, êc graciofa, Sc tem muyto bom por-
to.Chama-fe Ilha , por fer rodeada de cftrey tes de
agua lalgada por entradas , que o mar faz na terra
com ajuntamento de alguns rios de agua doce,
que decem da ferra de Gate.Foy efta Cidade duas
recife cora muytas hortas , quetcromuytas fruy-
tas,ortaliça, Sc muyto boas aguas.Toda a terra do
Malavar fe chama Calecut do nome daCidade,Sc
o Senhor da terra Saniori,que he como entrenós
Emperador , por fer o mayor Senhor de toda
vezes tomada aos Mouros: a fegunda,Sc da qual fi- aquella Província: Sc ao qual todos os mais anti-
. cou até hoje em poder dos Portuguezes , foy hum guamente obedecião. Efta Cidade foy entrada
dia da Bemaventurada Santa Catherina,de mil Sc dos nofios,queymada, Sc deftruida no mez de Ja-
quinhentos Sc dez.O modo de íua tomada íê trata neyro de 1 509. o primeyro anno da governança
no Canto decimo. de Affonfo de Albuquerque, Sc dcs daquelle tem-
Ao Gentio cjue osidolos adora , duro freyo por Â, Ifto po ficara fogeyta para fempre , íe na entrada (t
diz, porque de Goa facm as armadas contra todos não defmandáraó os noflbs.
os Mouros da índia , que pela mayor parte faó E -vereis tm Coihim. He Cochim cabeça de hum
Gcntios,SccftaCidadeosenfreya,Scnáodeyxafa- Reyno chamado aírim,eftá 50. léguas de Calecut
zer coufa alguma contra os nofibsPostuguezes,& na cofta do Malavar. Com os Reys defta terra ti
terras que tem conquiftadas , porque eftá lempre
com mão armada para acudir a todas as partes.
_ . 5^
VErets afortalezafupentarfe
1)e Cananor com pouca for ça^í^ gente:
E vereis Calecut desbaratar/e,
Qdaúepopuloja^ Q? tàoptente.
verão fempre os Portuguezes muy ta amizade , 8c
em toda a índia nunca acháraó lealdade , como
nefte Rtyno. Aqui tem El-Rey de Portugal hu-í
ma fortaleza muyto fermofa ao longo do mar, Sc
a principal fey toria da índia, por haver aqui gran*
de carregação, principalmente de pimenta.
AjfinaUrÇe tanto hum pejto,, Eftc de que aqui o
Poeta trata foy Duarte Pacheco , que fez em Co-
chim maravilhas contra o Samori Senhor de Ca-
Gx lecut,
íj Canto
lecur,em defenfaó d'El-Rcy de Cochim: ao qual
o Saniorijôc cucros iriuytos Senhores do Malavar
perftguiraõjpor fer amigo dos Portuguczes, como
refere o nollb Poeta no canto decimo.
Çiue Cythara /i maif.Por Cy thara entende a Poc-
íla , pela grande conformidade queneítas Artes
liberaes,Muíica,&: Poefia ha. O que o Poeta aqui
diz para encarecimento da grande cavalieria de
Duarte Pacheco: ôc que tudo o q^e os Poetas el-
creveraõ de feytos grant^es, não íe poderão com-
parar có os que fez L) u ar ^^ Pacheco em Cochira.
53
NVncacom Marte inftruBoy ^furtoCn,
Se vto ferver Leucatejvfuando Augujto
Nas civis Âccias guerras animo fOt
O Capitão venceo Romano injufío:
^e dos povos da Auroraste do f amo/ò
Nt/Oy(^ do Baãro Scythico,^ tohujio^
^Víãoriatrazta,& prezd rica^
^refo da Egypcta lmda)& não pudica»
Uunca. coní Marte infiruão^ ó" fi*T^io(o. No Epy-
ro,que hoje íc chama Albânia, ha huma peniniu la,
a que Piinio chama Leucadia , onde dizjiaver
duas povoações , humapornome Leuca , outra
Neiito: nelta llhaellâ o cabo Leucate , & perto
outro^chamado Accio , que hoje ícchama Cabo
figalo : na qual paragem foy aquelli batalha na-
val entre Anguílo , 6c Marco António, tão cele-
brada pelas hiítorias : em a qual Marco António,
& Cleópatra Raynh^ de Egypto foráo desbarata-
dos. Diz o Poeta que ttrvia Leucate, não porque
nellefofle a guerra, pois era no mar, fe naô pi)r fei*
muyto í erto delle.Ou porque da penínlula Leu-
cadia , que aqui entende por Leucate, vinháo al-
gumas ajudas , & apercebimentos de guerra. Ufa
da phrafe VirgilianatFervtrc Leucaté,&c.^neid.
lib.8.
O Capitão venceo Romano injujlo. Eíle Capitão
Romano injuíto, he Marco Antonio,queem to-
das as partes onde cfteve cometeo muytas iniuíli-
ças , & fez muytosaggravos agente que gover-
nava : como fe pode verem Plutarco na lua vida.
Eílando cite Marco António por Governador do
Oriente , embaraçou le cum Cleópatra Raynha
do Egypto , 6v repudiou a oytava irmãdeOda-
Vianò Augufto , & roubou o povo Romano por
enriquecera Cleópatra , dando-lhe muytas Pro-
vmcias,ôí Reynos.Oétaviano Jofrendo mal a inju-
ria fey ta a íua irmã,ÔC os aggravos, & sfrontas que
fazia ao povo Romanojfdhio de Roma com gran-
de exercito em buíca de Marco António , Sc Cle-
opatra;osqiiaestambem abalarão do Oriente com
o mefmodtfenho , & neíla paragem do cabo Fi-
gdo (de que atras tratamos) a que os Lannof cha-
mão aEli», le encontrarão, & nverão huma cruel
batalha , na qual foy vencido Marco António, 6c
Segundo»
Cleópatra. Depois do desbarate fugirão para o E-
gypto, Sc recolheraõ-fe na Cidade Alexandria,na
qual Marco António íe matou com luas próprias
mãos , lendo de idade de cincoenta ÔC leis annos,
cuydando fcr Cleópatra morta : o que ella tez fin-
gir aos leusjcomo refere Plutarco, por certos def-
goílosque entre elles houve. Cleópatra fe matou
depois de entrada a^Cidade. Velleo Paterculo, fie
outros querem, que com humas cobras chamadas
alpidcs : inda que nilfo não hà outra certeza , lai-
vo levar Odavio quando triumphou defte luc-
ceílo, Ixim retrato de Cleópatra com huma alpidc
em huifi braço, 6c Propercio diz que o vio. A ba-
talha naval entre Octaviano , 6c Marco António
delcreve Virgílio na iEneid.i lib.8.
^ue cioi povoí da /íurora^y^ dit famofo Ntlo. Con»
vocou Mirco António j^ara eita guerra muyta
gtntede Períia, Arábia, Aru^enia, í^cScythia por
onde o Rio Bactro palia: ^do iEgypto, que en-
tende pelo Nilo.
Prefo da Ezpcta linda t éf na<t pudtca. Entende
Cleópatra Raynha do ilLgypto , feraioia , uias
pouco honefta.
54
("^ Omovereiso mar fervendo acefo
> Com os incêndios dos vojjos peltyjando
Levando o idolatrai & Mouro prefò
^De Nações d/fferentes triumphundo,
E fojeyta a rica atire a Cherjonefo^
^tè o longínquo China navegando'.
E as libas mais remotas do Oriente ^
Ser lhe hà todo o Occeano obediente.
E fojeyta a rica áurea Cber-finefo. He Cheríoncíb
palavra Grtgâcompolfa de Cherlos , 6c N nos;
terra, & Ilha: donde Cherfonclb he penínlula dif-
ferentcdallha. Porque a Ilha he toda cercada do
mar:6c a peninfula tem terra por onde le entra em
terra firme :6c porque Chcríoneío he palavra ge-
ral a todas as peniníulas , para le elpecificar a de
que fe trata, le lhe dá lempre epitheto convenien-
te, como a Malaca aqui chamada áurea, que quer
dizer de ouro , por razão do muyto queletrásde
Moncabo,6c Harros,que faó duasComarcas,don-
de íc tira na Ilha Samarra, que he a própria, a que
os Antigos chamarão Áurea Cherlone(o,cuydan-
do fer continua a outra terra firme , onde ora eltá
fituada Malaca. Eíta Cidade he cabeça de todo o
Reyno afiim chamado : eftà em dous gráos 6c
meyo da linha para a parte do Norte. Tem muy-
to bom porto , 6c frequentado de todas as Nações
do mundo , porquede todas as coufas he muyto
abundante. E para remate de tudo, o que delia Ic
pode dizer, balia o epitheto que tem d'ouro,aífini
per haver muy to nella,como por ler fcrmofiílima,
&cheya de todas as couías boas do mundo. Efta
ganhou aos Mouros o grande Affonfode Albu-
querque dia de S.Lourenço , anuo de 1511. ten-
dolhe
Lufiadas de Luis dê Camões Commentados. ff
áolhe já dado outro combate em dia de Santiago Lhe manda matSj que emfonhos lhe moftrajje
da me ima era , como le pôde ver nos íeus Com- ^ c^yra onde quieto repoufajfe.
ment.naj. part. ôcjoão de Barros na z.Dec. lib.5.
Cl.
E modo filha minha^ que de geyt9
D
Por filho Je Maya. Entende Mercúrio filho de
Jiipiter , & Maya , filha de Atlas Rey de Africa.
Elie fazem os Poetas menlageyro dos fallbs
Deoíes , como aqui diz o noflo Luis de Camões:
AmoftrâraÒ èsjorçomaií quebumam^ fingindo que o mandara Júpiter leu pay com re
^e nunca Je vera são farte peyto
^0 Gangetico mar ao Gaditano:
Nem das Boreaes ondas ao eftreyto^
(shie mo/irou o agravado Lu(itano:
^^^ot^Oíjfueemíodoo mimdOj de afrontados
Rtjufatapm todos os ^ajfados.
Dir Gofi^etiefi mxr ao Gaditano. De Oriente ã
Poente,porque mar Gangetico he o mar da Índia
Oriental , chamado aíTim do Rio Ganges , que a
rega. O mar Gaditano he o mar Occidental dito
aíhm de Gades,que he a Illha Cadizno Poente.
JV*»z Jas Boreaes ondas ao efíreyto^íjue wo^rau o a^-
gravaUo Lufítano.Vor cíías palavras entende as ou-
tias partes do mundo,que laó Nt)rte,6c Sur. On-
das Boreaes he ornar do Norte chamado allimde
Boieas vento, que lopra daqueila parte. Eílieyto j
que moítrou o aggravado lluí]tano,l>e o elheyto
de Magalhães que caeaoSur.O que o Poeta quer
CâUoaos Portuguezes,avilando osdatrayçâoque
lhe em Mombaça citava ordenada , 6c que logo
défle á vela caminho de Mtlinde.
E para ejueem Mombaça aventurado. De Móbaça
fe veja a noHaannotaçáo no canto primeyro oy«
tava 54.
5 7-
J/4* pelo ar o Cylleneo voava
Com as afãs nos p'es d terra dece,
òua vara fatal na mão levava
Com que os olhos cançaàos adormece-.
Com e/ia as triHes almas r evo cava
''Dos Ínfimos ,0" o vento lhe obedece ,
Nd cabeça ogalero co(iumaãOj
E delia arte a Melindefoy chegado.
Jd fdo ar oCylkneo voava. Cylleneo he Mercu*
rio, chamado afliin de hum nioncedc Aicadiucliu-
dizer por cites termos de falar , con» que Júpiter mado Cyllene, onde era venerado. Neliaoycav
encarece a valentia dos Portuguezes he , que de
Oriente ao PocnEe, & do Norte ao Sur, em que fe
comprende o mundo rodo , nuncahouvegentc
mais estorçada que os Portuguezes, Quanto ao
Portuguez aggravado , de que neíta o) tava faz
menção, he Fernão de Magalhães, o quul aggra-
Vadod^El R^y Dom Manoel , por lhe não que-
ttt acrecentar dous toftões de moradia por n.ez,
fahio de Portugal, & íe foy a Caítella:&c noanno
de mil Sc quinhentos fie dezanove , fahio do porto \^ ^ T)o Lujitano o preço grande^ ^ raro^
deicreve as iníignias que levava Mercúrio, quando'
hia levar fuás embaxadas. Tudo o que he neccH-
lario para declaração deita oytava , (t póJe vcf
no canto prtmçyro , oytava 10. De Mclindc
trato na oytava feguintc.
•^ Onjlgo afama leva, por que diga
de Sevilha com cinco velas para as Ilhas de Ma
luco : o qu.d íoy correndo a coita do Brazil até o
Rio da prata, queera jà deícubcrro por parte de
.Caítclla.fi, caminhando ciícgou a hum Rio,a que
poznome de S.Juliaó que elíá cmquarc ma 6c no-
vt grãos, onde invernou na entrada de Setembro,
no qual ten^po começa o veraó naqutlla terra, la-
hiráo do Rio, & defcnbrirão o eítreyto,a que pu-
zeraõnomcde Magalhães,donomede Fernão de
Magalhães Capitão d.iquellas cinco velas , 6c da-
^le o nome ilíujire a hum certo amor obriga,
Efaz, a quem o tem amado ^ caro»
T>efia arte vay,faz,endo a gente amiga
Co o rumor f amo zíffímOj& prec lar Ot
Jd Me linde em defejos arde todOj
'De ver dagentefórte 0 ge(tOi^ modo.
Cênftgo afama. leva. Enojada a terra de Júpiter,
gcdos mais lalfos Deoíes por lhe deítruirem os
quella armada, o qualeliá em cmcoentaôc douS Gigantes feus^filhos,criou novamente a fama para
grãos da banda d& Sur. lhe dcfcubrir feus vicios , & para fazer notório ao
mundo, quaó pervcrfos, & cítragados homens fo-
çC rão , comodiz Virgiliolib. 4. na íua Eneida, E
porque o oflicio da fama he dizer tudo , a pinta
aqui o Poeta em companhia de' Mercurio,para de-
clarar aos Melindanoso vdior dos Portuguezes.
DaTama fe veia a nofláannotação no canto nono,
oytava 44.47.88.
^lj*e o nome tllu/ire a bum certo amor obriga. Coula
natural hc aíFeyçoaremíe as pellbas á gente excel-
lente
C"^ Omo ijlndi(fe, manda oconfagrado
j Filho dt Maya a terra^por que tenha
Htim pacifico pouoy à- fofjegado,
*para onde (em j eceyoafrota venhr.
E para que em Mombaça aventurada
O forte Lapitãofe não detenha.
M
54, Canto
lente em alguma arte ,& qucrerlhc bem , & inda
que as nao conhcçáo , lenáo de ouvida fomente:
donde veyo aquelle dito tão celebrado, Vtrtus glo-
riaWiglorta aworem parit. As boas partes fazem, que
os homens lejáo conhecidos por fama. Eíla fama
faz que a gente le lhe affeyçoe.
iâMelmde em ãejtjoi arde todo. Melinde eílà na
cofta de Africa, a qual íc chama hoje coíla de Me-
linde , porque nclle lugar foraôos Poituguezes
bem recebidos , como pelo contrario em Mom-
baça, 6c em Moçambique, que íaô na mefma coí-
ta.iiílà Melindc de Mombaça i S.leguas ties grãos
áa banda do Sur. He Cidade grande , & bem ar-
ruada, dcmuytofermofascafasdepedra, &cal,
com muytas janelas, 5c cyrados: tem muy tas hor-
tas com muyta ©rtaliça , Ôchuyta , Ôcmuytos
mantimentos. Naó tem bom porto, porferquaíi
coita brava,6£ eftar dentro de hum arrecife, onde
arrebenta o mar,mas tem hum campo ao longo do
mar, que lhe da muyta graça. O Rey de Melinde
deu Piloto aos Portuguezes que 05 levafic a Ca-
lecut.
DAlllfara Mombaça logo fartei
Aonde as nàos eftavào temerofas^
^Faraque à gente mande ^que/e aparte
1)a barra inimiga j & terras Jojpe^topus:
forque muy pouco vai esforço /3 arte
Contra infernaes vontades engano/as:
^ouco vai coração,aftucia^&Ji/òi
Se là do Ceonâo vem celefie avifà»
Se là do Ceo não vem cekfie avifo. Dito he efte de
Varão Cavalleyro , 6c temente a Deos porque nas
terras não há quem fayba: & pouco valem forças,
& iaber humano, onde Deos náo entra.
60
MEyo caminho a noyte tinha andado^
E as eflr cilas no Ceo cõ a luz alheya
Tinhaõ o largo mundo alumiado ^
Efo c^o ojono a gente fe recrea.
O Capitvõ illuftrejà canfado_,
©í vigiar a noyte que anecea^
Breve repoufo então aos olhos davai
A outra gente a quartos vigiava,
Meyo caminho a mpe tinha andado. Diz que a
meya noyte aviíou Mercúrio ao Capitão niór
Vafco da Gama,o que havia de fazer.
A$ efirelUi no Ce» co a luz albea. Chama a luz das
eftrellas alheya , porque todos os Planetas , &. eí^
trellas recebe a luz que tem do Sol.Vcja.fe a noíla
annotação atrás neftc mefmo canto oytava i.
61
QVãdo Mercúrio emfonhos lhe aparece
T>tzendo\fuge.juge Luzitano
T>a cilada que o Rey malvado tece^
Tor te trazer aefim^& extremo dano:
Fuge^queõvento,^ o Ceo te favorece j
Sereno o tempo tens^& o Oceano.
E outro Rey mais amigo n' outra fartey
Onde podes Jeguro agazalharte^
Outro Rey mais amigo n" outra parte. Eftc R ey,
que Mercúrio diílc aos Portuguezes , que tinhâo
mais amigo n^outra parte , era o de Melinde que
os agazalhou , 6c favorece© muyto diferente do
que CS receberão todos os outros defta cofta de
Africa,porque todos determinarão deftruilos;
6z
NAÕ tens aquifenão aparelhado
O hofpicio que o cru T>iomedes daval
Fazendo fer manjar acojiumado
2)^ cavallos agente^que hofpedava:
As Aras de Bujiris infamado.
Onde os hofpedeí trifles imolava^
Terás certas aquije muyto ejperasi
Fuge das gentes perfdas^&ftras.
O hofpicio éjue o cru Diomedei dava. Efte Dio-
medes foy hum tyrano cruelilíimo de Thracia,
quefuftentava os íeus cavallos com a carne , &
fangue dos holpedes que agazalhava.A efte matou
Hercules , & fez delle o que elle fazia dos outros.
jís Aras de Bu/iris infamado, Buíiris foy hum
grande tyranno do Egypto : o qual lacrificava
fcus hofpcdes aos feus ídolos, & querendo fazer o
mefmo a Hercules, omatouaclle. Chamou-lhc
aqui o Poeta infamado , a imitação de Virgílio
Georg. 2. /í«í illaudati nefcit Bufiridis aras. Ou
não iabe os altares do infame Buíiris.
^3
VAyte ao longo da co(ia difcorrendoy
E outra terra ai haràs demais verdade
Lá quafi junto, donde o Sol ardendo
Iguala o diaj& noyte em quantidade:
Alli tua frota alegre recebendo
Hum Rey com muytas obras de amizade %
Gazalhadofdguro te daria ^
E para a índia cefta,& Jabta guia.
Lá efuafi junto donde o Sol ardendo. A terra, para
onde Mercúrio encaminhava os noflbs era Mc-
linde,que cftà quatro gr^os da banda do Sur. Pelo
que
Lujtadas de Luh dé Camões Commentados] 5^
que diz,lâ quaíi junto donde o Sol ardendo igiia- Ajfopralhç Galerno o Vento,^ brando
U o dia,õc noyte em quantidadej dando a enten. Com fuave , & íezuro movmenm
der que elhva perco da Jinha,nti qual paragem os at„, ^^^:^„. ^^/r "j x^ / / .j
, „ , '• ^\ * »?(• j iy.os perizos paiaaosvao falandos
dias,&: as noytcs (ao iguaes. Mas porque Mehnde ^ r s r Ji '^^^ ^'*^j ^'*''^''i
elU quatro grãos da banda do Sur . ufou defté ^^^ m^l/eperdemõ dopenfamento
termo, quaíi dand» a entender, que eílava perco ^^ Çíifos grandes^donde em tanto aperto
<ia hnha. A Vida emfalvo efcapafor acerto.
64
Al vias bumiJaí de argento. U,ntcnàesi$ag[iis da
ISto Mercúrio dtffeM QJono lei^a mar , as qu^es çoíluma o Poeca chamar argento,
i_Ao Capítão^quecom muy grande e/pauto que quer di^er praca,pela conformida4e,ôç leme-
ji cordãy&vé ferida a ffcuYa treva Ihança que na qualidade da brancura as aguas
©É' humafubita tuz>, & rayofanto, ^^'" ^^"^ ellAicomo os Poscas, mormente os Gre-
E vendo claro, quanto lhe releva, S°^ ^<^%^^ '^^'^^l ^^^"^^ ^^^"L^^? ^'" '"^'>!;''^
■T^-^j. ■ j. • . 7 partes a 1 nctibíenaora do mar. rtí/eí 4r£c«fcí>í o««
í^aojedeternaterratmquatanto. L,, que tem pés de prata. Galerno hetemo. a
Com novo efptrtto ao mejtre Jeu mandava, q^e champô os mannhey ros de todo pano, quan-
^icas velas dejjeao vento ^queajaprava, do fazem viagem í^tjuartclarjcomoellcs falaó, que
he hir pn? bonança , melhor que coni vento a
E o fona leva 40 Capita», Levou- lhe o fono com popa. Porque èntâo vay a nâo, que parecc,quefe-
a fua v3ra,â qual entre outras propriedades,& vir?» nâo move,fa2endo prolpera viagem.
ttKlc$5lhc atribuem os Poetas cfta de tirar o íono,
2cadormecer,cumodiz Virgdio. /)<jí/tfw»úi, á<5/í- ^g
mit^tey & lumina m«rterefignat. Faz dormir, &
aco rdar. ^T~^ 7«Ãá huma volta dado o Sol ar dente y
^ X Ef^^ outra cnme çóíV a ^quando viraó
*^ Ao longe dous navios ^brandamente
DAy velas JílfeMy ao largo vento, Com ventos navegando, que refpiraè:
^ue o Ceo nos favorece,^'Deos o mUa. forque havião defer da Maura gente,
Clue hum men/'4geyro vi do claro affento, ^^ra elles mibar^ao as v^las virão,
^efó em favor de nofjos paffos anda. H^m do tmor do mal.qne arreceava,
Ale^mta^fe nifto o movimento Torjefalvar a gente.a cofia dava.
fíDos marmheyros de htima,^ d' outra banda ^
Lev ao, gritando, as ancoras acima j rinha huma volta dado » Sol ardente. Depois que
MoJtrandO arudeforçaquefe efiima, Vafco da Gama lahio de Mombaça, fendo jâ deila
oyto léguas, lurgio huma noyte junto à terra, por
•• • lhe acalmar o vento : 6c ern amanhecendo apare-
cerão dous Zambucos , quç laô navios pequenos,
NNefietempo^que as ancoras levavão, os quaes feguiráo Vafco da Gama atè horas de
Nafombra e/lura os Mouros efcõdiàos velpera,dos quaes toQiou hum 16, porque o outro
Mantamente as amarras Ihecortavão varou em terra, & a gente fepós cm falvo, Iftofa-
^or ferem dando à cofia, deíiruidos: ^'^ « ^»P'^^" '''^' ^*^^° ^^ P^"!f. ' . P^í-q"^^^»"^^*
Mas com vijia de Lynces vigiavão neceffidade de Piloto,que o levaflc a Ind.a , & an-
r\ cn . r *''<S*«*;'"^ dava vendo fe O podia achar de bom lanço na-
OsFhrtugnezesfempre apercebidos, „,5 p^rtes.E por eRe rcfpeyto trabalhava tan-
■MlleSyComo acordados jOs/entir ao, to por tomar os Zambucos. E iíto he o que aqui
Voando ^^ não remando lhe fugirão, diz o Poeta. Que o Sol tmha huma volta dado If.
que era paflado hum dia , depois que fahiraó de
Mai com vtfia de L^ces vigiavâo, O Lyncc he Mombaça, & (jue ao outro dia lègumtepela ma-
ânimal que vè muyto,como diz Plinio lib 28. cap. "^^ apparccerao os Zambucoi.
fe.in fine, ao qual compara aqui o Poeta 03 Portu-
guczes,pela grande vigilancia,& cuydado que ti- ^^
qhâo na guarda das nãos. A fabula de Lyncio ^T Amhe ooutro queficatãomanhofo,
convertido em Lynce conta Ovidio nas Meta- ]% Mas nas mãos vay cair do Lufit ano,
inorphofis,hb.<. * j %/i ^ r -^ r
' ' òemorigor de MartefuríofOi
67 E [em a fúria horrenda de l^^iUcanOs
Asjà as agudas proas apartando ^ue como fojfe débil, & medro fo
Htaõ as vias húmidas de argento, *JJa pouca gente o fraco peyt 0 buMáttP:
M
t
Canto Scgtindo.
de Europa a luz Pbeka. Defcrevc o tempo , 6c dia
em que a nofla armada ouve vifta de Mclmde. O
tempo diz , que era quando o Sol entra no Signo
Tauro, que he no mez de Abril. Luz Phebea,hc a
luz do Sol. Chama-fe luz Phcb:a, porque entre
ouiros nomes que o Sol tem , hum hc Phcbo. O
roubador de Europa hc o Tauro , pelo que con-
táo os Poetas, quej upiter em figura de touro fur-
tou a Europa hlha de Agenor Rey de Phenicia,
& a levou a Cândia : &; por eíle rcipcyto poz a
touro no Ccojôc fez delle huma conítellaçáo,quc
he hum dos doze Signos do zodíaco. Charoa a ef-
te tempo alegre, porque he o mais de todo o anno;
pois a terra eíta como hum fermofo paynel , veíH-
da de todo o género de boninas, 6c H ores. Como
fe entenda entrar o Sol em algum Signo , fe lea o
queeícrevemosno canto quinto^oytava Icgunda.
Çiuando bum , (jf uutro corno lhe stjuentava. líto
diz.pelo que os Poetas dizem do Signo Tauro, que
cm memoria do turto que fez Jupiter,quanclo era
figura de touro roubou a Europa > não apparcce
elte Signo no Ceo à parte trazcyra : ÒCalíima»
principaes eífrçllas tem no roílo, 6c pefcoço.
E tloré eltrramava o de Amalthca, Para niayor
^luenenhHm delles ba.Kíkts Mouros que tomáraõ declaração do tempo , de que acima falámos , ula
noZambuco , erao daquela coíla de Mclinde, deílas palavias,que Flora Deola das flores, dcrra-
gente barbara, 6c boçal, pelo que nenhum loube mava boninas, 6c flores por toda a terra emgian
dar razão da índia. ' . ^
56
NaS teve repfíencta^ &/e a tivera^
Mais dano rejijimdo recebera.
Sem o rigor de Marte furitío. Diz que tomarão
aquellc navio lem contradição, & fim a furta hor-
renda de Vulcano: nem peleja alguma \ o que mof-
tra por cilas palavras , Marte , £c Vulcaao , hum
Deos da guerra , outro do fogo 1 como fc diz por
muytas vezes neílasnoflasannotaçóes. Vulcano
fe toma aqui pela artelharia , 6c efpingardaria,
como he ordinário nos Poetas Latinas.
70
EComo 0 Gama muyto defejajje
*Pí loto para a Índia que bufcava,
Cuydou que entre eftes Mouros o tomajje.
Mas não Ihe/ocedeo como cuydava.
^ue nenhum delles ha, que lhe enfinafje^
A que farte dos Ceos a índia eftava^
Yorèm dízemlhe todos ^que temperto
Meímdeyonde acharão Tiloto certo.
de abundância : Pelo que fe contado Corno da
Cabra Amalthea,que deu demamarajupiter,que
tudojO que qucrião fe achava nelle. De Flora fe
LOuvão do Rey os Mouro r a bondade, veja o que efcre vemos no canto ç.oytava 61.
Condição liberal fincero peytO ^ A mtmoria do dia renovava oprejjurofit Sol tjue ê
Ceorodeya. Depois que o Poeta tratou do tempo
que a nofla armada vio Melinde , que foy no mez
de Abrili tratta agora do dia , o qual diz, que toy
aqucHe em que Deos poz o fcUo a quanto tinha
feyto. Eífedia,como confiadas Hillonas,loy dia
de Pafcoa da Refurrcyçâo 15. de Abril de 14^8.
dia,âo qual com muyta rezão deu o Poeta cite no-
me , quepoz Deos o lello nelle, a quanto tmha
feyto,pois nelle poz a ultima máo a todos 0$ bene-
fícios , 6c mercês , que deíde a criação áo mundo
havia feyto aos homens; principalmente ao da lua
Sacratifiima Payxaó , 6c Redempção do género
humano. E afiim diz, a quanto tinha feyto, por-
que entende tudo o que tinha íeyto dcide a Cria-
ção, à qual fe refere á Redempção, 6c a Redemp-
ção â Refurreyçâo,com a qual acabou,6c poz ícU
lo a todas as mais obras que pelos homens tinha
En A. ^ ^1 j ^ fevto.E afllm o Bemaventurado S. Paulo adPhi-
Ra no tempo alegre quando entrava v ^ r l \ - ! a n. i -lu^riíTíma cU
*r / C j "V. " / / / Jippcnfes 5. iratradooeltaobraexcellentillimada
No roubador de Europa a luzphebea: Omnipocencia Divina diz : Qiie a mayor conlo-
laçâoquetemosChriftãos , ôc o mayor remédio
para todos os trabalhos da vida , 6c para todos oS
iucceflos que pode haver nclla , he, a efperança da
Reíurrcyção,pois com ella acabou o Redemptor
nollo de vencer, 6c confundir ao demónio, 6c nos
abrio as portas do Paraifo , que G*antcs cílaváo
cerradas. Chamou ao Sol prcflurofo,quc rodeya o
í.ra no tempo êlegn guando entrava. Ns rouhder Ceo , porque em f ípaílo de vinte 6c quatro hora*
dá
71
Ouvão do Rey os Mourox abondade.
Condição liberal finceropeyto.
Magnificência grande j ^ humanidade ^
Compartes de granáiffimo re/peyto:
O C apitão o affella por verdade,
Torquejã lho dij^era defiegeyto
O Cyllenéo emjonhos^^ partia^
Tara onde ofonhOi& o Mouro lhe dizia.
OCyllenèo. Atrás fica dito, como Júpiter man-
dara Mercúrio feu Embayxador, a avifar os Por-
tuguezes,fe defviafiem de Mombaça, 6c que fízef-
lem (ua viagcm:que adiante acharião porto, 6c ga-
zalhado cm hum lugar chamado Melinde : cujo
Rey era homem de grande condição , & partes.
E ifto he o que aqui diz o Poeta.
72-
Ra no tempo alegre quando entrava
No roubador de Europa a luzphebea:
guando hum^^ outro corno lhe aquentava,
E Flora derramava 6 de Amalthea:
ji memoria do dia renovava
Oprefurofo Sol que oCto rodeya.
Em que aquelle, a quem tudo eíiàfogeyto,
Ofellopos a quanto tinha feyto.
Lufiaãas de Luís de Camêés Commentadoí, 5 f
dâ volta ao Univerfo,levado com furia^ôc impeco non fecimui ifft, Vix ect nofira "joco^, Geraçâo,êc bita^
do pi irBeyro móbil , de Oriente para Occidcnte, vós , & as cauías que náo fizemos , apenas lhe cha*
como íe cratta no canto dccirao,oytava 85. mo noflas.
73
QVandò chegava a frota àquella parte
Onde o Reyno Melmdejajevia,
T>e todes adornada,& leda de arte^
^ue bem moftra efti mar Q Janto dia:
Treme a bandeyra/ueao efiandarte^
Açor purpúrea ao longe aparecia^
Soaõ os atambdresy& pandeyros:
Eaffientravão ledos i&guemyros.
Çju btm mofira e/limar o fant9 dia. De fere ve a
alegria com queaarmadachegoua Melinde, §c o
dia,que foy dia de Paícoa da Relurrcyçáo » como
fica dito.
74
ENcbefiíodaapraya Melindana
IJe gente ^quei) em vtr a leda armada ^
Gente mais 'verdadeyra,& mais humana^
§ué toda a d' outra tetra atras deyxada.
Surge diante a ff ata Lufitana,
^ega no fundo a ancora pezada:
Mandão fora hum dos Mouros que tomarão s
*Por quem fua vinda ao Rty manifeJfàraÕ.
^lut toda a de outra Urra atrai deyxada. Pontue em
todos os outros lugares daquclla eofta tiverão
conrradjçáo,& ruim ga/.alhado, laivo em Mclindc.
7$
ORey quejàfàbia da nobrezai
^e tanto os Tortuguezes engrandece,
Tomarem o feu porto tanto preza,
planto a gente for ttfjima o merece,
E com Ve rdadeyro animo ^& purez i,
^le os peytõs generofos ennobrece.
Lhe manda rogar muytOjquefahiffemi
""Fará que defèus Reynosfefervijfem,
§lue 91 pej/tos gencrojos tnnobrece. Próprio da no*
i-breza he , guardar verdade , 6c primor cm tudo,
^dondcdifieo Philofopho DcQiocralcs : Fecndut»
nobilitai in bono^ validocjue corporis hahitu fita cfi-, bo'
nnnum autem in bonttate morum. A nobreza dos ani-
ntacs conlille nah boas feyçóes do corpo, & forta-
leza, 6c a do honiem na bondade dos collumes. lií-
tihea verdadtyra nobreza, l"gundo to* os os lá-
bios, & náo a daquclles, que fiandofe da nobreza
dos avós, vivefubajxa,&; eítragadannence. Donde
Ulyílès naquclla contenda que teve com Aiax
^ue Ovidio reconta: Namgenuit& vroavoi^& f «*«
SAq offerecimentos verdadeyros^
E palavras fine eras _,não dobradas^
As que o Rey manda aosnobrts cavalkyroi^
^ts tanto mar,& terras tempaffadas*
Mandalhe mats lanígeros Carneyros-,
E Galinhas damejticas Cevadas ^
Com asfruytas^que então na terra havia^
E a vontade à dadiva excedia.
Lanigeroi carneyros, Lanigcros he epitheto dd
carneyro , & ovelhas : ÔC chama-fe afiim de lana,
L.Ami& geroi que quer dizer trazer, por lerem cu-
bcrtos de Iam»
77
REcebe o Capitão alegremente
O menfageyro ledo ,ò feu recadoí
E logo manda ao Rey outro prefente,
^e de longe trazia aparelhado:
EJcarlata purpúrea ^cor ardente^
O ramofi) coral fino j^ pezado:
^e debayxo das aguas mole crece^
Ecomo hefôra deUasfe endurece,
O ram»fo coral, O Cotai nace debayxo d*agiiá,
como lartro dclla,a modo de ramos de arvore com
niuytosefgalhos,como heaflás notorio,&: fabido»'
A transformação , Sc fabula do coral , & de que
modo ioy fcyto , conta Ovídio nas Metamorphor-
fís lib. 4. O qual cm quanto eftá debayxo d*'agua,
he mollc , éc em o tirando fora , le faz duro,
como diz o raelmo Poeta lib. 1 5.
5íc, c^ eoralium,ejuoprimMm contigit aurat
Tempore durefctt , mollis futt bei ba (ub undis,
Affim o coraljdiz Ovidio, em o tirando d*agua, 8c
aparecendo ao ar , logo fe faz duro , 0 qual debay-
xo d^agua era hcrva molle,6í branda.
78
MAnda mais hum na pratica elegante ^
^e cô o Rey nobre as pazes còceftajje^
E que de nãofahir naquelle tnsíante
'De fuás nãos em terra,o defculpajfei
*Fartido afifio embayxador prepante.
Como na terra ao Reyfe aprefentafje^
Comefiilojque T alias lhe en finava j
Efias palavras taes falando orava^
C§m ejiilo ^ut Palias Ibt tnjtnava» Palias tínhaõ os
H antigof
CâHto Segundo.
cIjIndia,como íetrattaneílc livro largamente em
muytos lugares.
81
Q1)e geração tad Uitra ha hi de gente,
^e bárbaro coftumey& ujançafca^
antigos por Deofa da Icíencia, & da guerra. Tem
entre os Poetas diferentes nomes: fingem, que
naceo da cabeça de feu pay deftemodo, Eftando
Júpiter com grande dor de cabeça , mandou cha-
mar feu íilho Vulcano. Sc difielhe que lhe fcndeíTc
a cabeça com hum machado, comofez, ôclogo _ _
fahio Palias armaria molher jâ caladoura,ferrooía, ^j^f. f^ao vedem OS portos tãofimente
& com huma lança nas mãos. Chamaó-lhe Deoía j^^^ tnda o ho/picio da dejtrta areai
da guerra , & da Iciencia , porque dtas 4uas artes ^^^ ^^ tençãolque peyto em nòsfefente]
juntasparecem bem, Scajudao muyto L^^^^^^ t,ie de tãopoucageiL fe arrecea
a razão porque fazem a Palias nacída da cabeça ae c<^ *• ^ r ^ . -^ _ ^ . '
Júpiter leu, pay,pórf'er cabeça, ôcaílento da íabc-
doria , a qual parte hemuyto neceílaria aos ho-
mens que tem estorço , & vivem da mibcia. Don-
de nquelle grande Poeta Homero na lua Uiada faz
companheyros a Ulyfles , & Diomedes , porque
Ulyllcscranuiyto avilado , ôc Diomedes grande
eavallcyro. Veja-íc a noíla annotação no canto
terceyro , oytava noventa 5c icis.
^e com iaços armados t ao fingidos
Nos ordenajfem vernos dejtruidos?
7^
SVblime Rey^a quem do OiympQfuro
Foy da fummajufttça concedido
Refrear o foberbopovQdura^
Não menos delle amado ^que temido^
Como porto muy forte ^^ muyfeguro
^e todo o Oriente conktctãOj
Te vimos a bufcarjparaque achemos
Em ti o remédio certo ^ que queremos^
Çlue geração tuõ dura» Efta exclamação de que
o Pc>ctaaqui ula, hea imitação de Virgilioonde
lliontu companhsyro de bncas , vendo-le livre
de huma grande tormenta que no mar leve, poílo
diante de Elyla Dido RaynhadcCarthago , lhe
reconta o maogazaJhado que rccebiáo da gente
daquella cofta, que nem na trifte, & dcícmparada
área lhe deyxàvaô fazer aflento.
^odgenushoe homim^ quave bane tam barbara more
Fermtttit ptítrta^hojptcíú prohíbemur arena.
Que geração he efta de gente ? que terra tão bar-
bara permite eíle coftume ? eis aqui nem na área
ngsdeyxáoporpè.
M/4s tu j em quem mny certo confiamos^
Achar fe mais verdade ^ó Rey benigno^
l^ão wems delle amadoyfjm temido. O vcràiácyro _
Rey ,ík que merece eítc nome nas terras, ha de ter E aquelta certa ajuda em ti efperamos^
cilas duas párt€s:bondadc,pela qual todos os bons ^^^ ^.^,^Jg o Perdido Ithaco em *yílcin0:
o amem: gravidade, & intevreza, com que íejate- ^ teuportofeguros navegamos
{Conduzidos do interpn te "Divino:
^epois a ti nos mandate ftà muy clarOt
^e es dé peyto fincero^hwnano^à' raro.
graviuaae, Cí intey reza, com q
mído dos ii))a<:)S. Donde Ilocrates na vicjii de Eva-
torasjdizeíl.is palavras: Governava a lua Repu-
lica táopiadoia ,&: humanamente , que os que o
VJÚo , nâo íómenteaclletinhãopor bemaventu-
rado, por aílim trattar a íua gente: como aos léus,
per affim ferem trattados delle. Em concluíaõaf-
fim paliou lua vida , que nunca nella aggravou a
ninguém , honrando aos bons , Sc caíligando aos
mãos.
80
NAÕ fomos roubadores ^que pajjando
Petas fracas Cidades defcuydadas^
A ferro, & fogo as gentes vão matando
^or roubar Ibe as fazendas cobiçadas.
Mas dafoberba Europa navegando
Htmos bufcando as terras apartadas
tD« índia grande_,& rica por mandado
^e hum Rty,quetemos^altOi&fublimado.
^ueteve o perdido ti baço em Alcino. Alcino foy
Reyde Corcyrallha , que hoje le chama Coríu,
foy muy to curiofo de jardins, & hortas: & dizem
que nelta fua Ilha havia tanra abundância de fruy-
tas,que todoo anno as havia,dc maneyra que hu-
ma acabada , outra começava , donde diííe Ei-
tacio nas Sylvas.
Çiuidbifera Alcionilaudem pomaria ? vof<jut
§l,ttt nm(juamvacui prodi(tntn 4etheraramtí
Paraque trattarcy dos pomares de Alcinoo , que
dão fruyto duas vezes no anno , & de voz ramos,
que nunca ertais no ar vazios. A eíta Ilha aportou
ÚlyHes (a que o Poeta aqui chama Ithaco , por-
" ' que era Senhor de Ithaca) , £< foy recebido , 6c
De bum RfjfejuetemêíaltOy^fuhlimado^^í^ccr^ agazalhadode Alcinoo com rodo o bomtratta-
El Rey Dom Manoel xiiij. de Portugal , o qual mento , coano conta Homero na Odiífea hb. 5.
com muytamílancia procurava o defcubrimcato 6, & 7.
Conduz,'uhf
Lu/iaãas de Luts de Camões Qommentades,
ConJux^idoj f!o interprete Otvtno. Interprete Di- E O Rey íllítftre, o peyto obediente
Í9
vino hc Mercurio,por que o Hngem interprcce,&
aicnlagcyro de Júpiter ku pay , & de todos os
mais íaiiós Dtoles,coa)o fica dito cant.i.oytav.3,
ENaÕ cuydes.ó Rey^quenâ^JahtJJe
O nojjo Çupttaõefí Uru ido
inverte, ou ajervtrte porque vi/Je
Ou Cofpeytajfe em tipeytopigtão:
Masjaberàs^que o fez,. porque comprije
O Regimento em tudo obeaecidot
*jDeJeu Rijjíiíie lhe ntAnda^que nãofayéi
'Deyxanao ajrota em nenhumpçrto^oupraya^
'Dos Portugueses^ na alma imaginando,
Tinha por valor grande Jê muy (obido
O do Rey^que he tao longe obedecido^
§lue tantos Ceotf ^ ptartt vayfajjanâo. Eíla pa-
lavra Ceo , quer dizer propriamente eíta maqmna
que vemos, ondeeítáoas liítrelias , 6c planetas:
T oma-le também pcloar,ôc por elte rclpeytojpor
regiões, Sc partes do mundo,na qual fignificaçáo o
tomou aqui o Poeta, & nos o deelarámos no canto
primeyro.
"P Com rifinha vfftaJ3 ledo afpeyto
Refpóde ao embayxadorj q tanto ejlimai
E não cnyJeií , o Rey , ^ue nao {»htffe. Não ufa o Toda a fofpeyta mà tiray dopeytOy
Poeta deita linguagem íkhiírejViíle, ôc outras que JSlenJíUmfrto temor em vósfe imprima
peiodílcurlodohvro leachàraó . por falta de pa- ^^evoppreço.á obras faò de gyto
^tara vos ter o mundo em muy ta efiimtty
E quem vos fez molejio tratíamento,
Nâopode ter (ubtdopenjamento^
Ntnbum frio temor em voz, fe imprima, Epitheto
mu) to uzado cm todos os Poetas he chamar ao
medo, frioOvidiohb. I. Faílorum.
{jeiouiicuriouo livro leacnarao, portaitaaepa
avras,Dias por ler coílume entre os Poetas, uzar
ckàuns tempos por outros , como íeverá neltc
canto muytas vezes : 6c 05 lidos em os Poetas,
aíTini Laiinos como Gregos , & das mais lin-
gur.b , u entendera muyto bens.
84
*T7 forque he de vajjallos o exercício
^te os membros tem regidos da cabeça: Extimui/enfiefue metn riguiffeca^iilesi
SSiào querer ài\j>ois tens de Rey o ojjicio'\
^^eningnvm u fèu Rey defobedeça-.
Mas ás nmces tà" ogranae beneficio^
^u ora acha em th promtte^ que conheça
Em tudo aquíllOiijue elle, & os /eus poderem j
hm quanto Os nos para o mar correrem.
Em quanto os rios fará o Mar correrem. Termo he
de talar nuty tu ulado entre Oi Poetas.
J^itm jugamontis aper,fit4VÍ0í dum pifeis amahit,
Ditmejue thyntõ paf.cKíur af€i , dum rore cvcai^t
êempcr honei^nomenc^m tnumjaudfjue manubunt.
Em quanto o porco andar na Terra , opeyxeno
Et geltdum (uitíto pettort frtgus erat*
Temi,& Tenti levanraríeme os cabelos com o me-
do , 6c em meu peyto ertava hum medo írio. Lu-
canoIib,j. Ph^ri.GeUdos pavor oecupat artut. O me-
do occupa os membros íVios , ôc n^cutrcs muytos
lugares.
DEnãofdhlr em terra toda, agente
Tor objervar aujada preminenciat
Atnaa que me peje ejirunhamente.
Em muyto tenho a muy ta obediência:
Masfe lho o reg Imento nâo conCentej
Ne ?n eu coníentírey^que a excellencla,
rio, em quanto as abelhas comere«u o ouregáo, & T^epeytos tao leaes em fi desfaça
as cigarras o rocio, vivirà o vofíb nomc,vofla hon- òó porque a meu dejejojaíjsfaça,
ra, Sc vofios louvores. Deílcs modos de encareci- ^'^
nícntos eílão os Poetas cheyos, & laó muyto ula- por ehfervar aufada preminemia. P orq lie hc caí-
dos na pratica commum dos homens para dizer tumenâodelembarcar o Capitão , & gentcpriíx-
cm quanto o mundo duiar. ciial em terra de inimigos.
«5
Aífi diStia^^T todos juntamente
Hunsccm outros em pratica falando,
Louvào muyto o ejlamago da gente ^
^t tantos Ceosyí^ uares vay pajfando:
88
1^ Orem^como a luz, craflina checada
y/<? mundo forcem minhas almadlas
Eu Irey vi fitar a forte armada,
^lue ver tanto dejejo, hà tantos dias.
Ha
E
6o
Efe vier do mar desbaratada ^
iJofurtofo vento jò" longas vias,
yíqui terá de Itmpos ^enf amentos
Piloto mumçêesjé' mantimentos,
Torèm como a luz, crafiina. Como amanhecer,
porque craftina na lingua Latina quer dizer cou-
íadodia feguinte.
Almaàiês, São barcos , de que fe uía naquellas
partes.
ISto àijfefê nas aguas fe e/condia
O filho de Latonaj& o menfagtyro
Com a embayxada alegre fe partia
'Para afrotanofeu batelligeyro,
Enchemfe os peytos todos de alegria^
'Por terem o remédio verdadeyro
^ara acharem a terra que bufcavâo
Eaffiíedosa noytefefiejavaô,
O filho </« Latona. Apollofilhode Júpiter , &
Latona que he o Sol: Sc porqjjc elle, & a Lua na-
ceráo ambos de hum parto na Ilha Delos , tem os
ir.clmos nomes entre os Poetas, de que nos trattà»
IDOS por muy tas vcz.es nefte livro. Diz que Te e(-
condja nas agua?. Veja-fe a noíla annoiaçáo no
cauto primeyro , oytava 5^.
5)0
NAõfaltão alli os rayos de artificio %
Os trémulos cometas imitando j
Fazem os bombardeyros feu officio
O Leoa terra as ondas atroando:
Mojirafe dos Cy dopas o exercido.
Nas bombas iqiie de fogo efião quey mando:
Outros com vozes ^com que o Ceofertaõ^
Inftromentos altiffonos tangido,
JS!ae faltai alli 01 rayos de artificio, Defcreve o
Poeta a fcfta , & alegria que houve na arma<ia ven-
do que chegavãoâ terra que bulcavao , na qual
houve muyios foguetes, aos quaes o Poeta chama
rayos de artificio.
Oj trémulos eomttas imitanJo, Entre as Impref-
íócs ignitas de que os Philolophos trattão, fe con-
ta também o comcta,o qual fe gera das exhalaçôcs
da terra levantadas ao alto do ar por huma influ-
encia natural,& virtude do Sol,& dos mais Plane-
tas, & EftrcUas: nas quaes exhalações com a rczi-
nhança d© fogo, & movimento do ar fe inflamão,
& duráo por algum tempo com novas ajudas, que
lhe da terra vão d*outros vapores, £c exhalaçóes.
Eftes cometas tem differenies nomes entre os Phi-
lofoj hos , conforme á figura que aquella matena
inflamada lhe faz , como diz Ariftotcles nos Me-
Canto Segundo,
tcoros. Pliniodiz, que as razões que os Philofo.
phos daó neílas matérias do Ceo , íaõ mais fubti.
Icza de engenho , que verdade : 6c que a natureza
proveo neítas coufas por alguns rcípeytosoccui-
tos j o que fevé claramente por acontecerem pou.
cas vezes,âc em certos tempos: donde proctde ler-
nos elcondi^ a raz.ác diíto.He dito avilaclo,&: tu-
do o mais íao galantarias , o que todos os Phiiolo-
phos, & poetas dizem dos Cometas. E mdaque el-
les o não difl^eráo , a experiência no lo enfina 5c
heque pela mayor parte laófínacs de males gran-
des, guerras, peíles, fomes, morte de alguma pcl-
íoa abalizada. Donde Lucano na fua Pharfalia.
Ignota ohfcura viderunt fyJtra no6leSy
yirdentemcjue polumflammtstcaloejue volantes
Obliquas per inane faces ^crinemíjue time fult
Sjfderis, ^ terrts mníantem regna comtttn.
As obfcuras noy tes ( diz o Poeta Lucano ) vcráõ
Eftrellas não conhecidas : grandes fogos no Ceo,
& o cometa mudador dos Rcynos. Chama o Popta
líUcano ao cometa mudador de Rey nos , porque
prognoílica fua deftruiçáo como fica dito.
Mo/lrafe dos Cyclofas o íxcrocio. Fingem os Poetas
que tinha Vulcano Ferreyro de Júpiter leu pay na
Ilha Lipara, huroa das Eolidas, as quaes eílão en-
tre Italia, & Sicilia, certos obreyros que o ajuda-
vão a fazer os rayos para Júpiter feu pay. Eítes
eráo três, Brontes, Eíleropes, ôc Pyracmon filhos
de Neptuno, & Amphytrite. Chamaváo-lecíles
Cyclopas, como lhe chama aqui o Poeta, por te-»,
rem hum fó olho grande na tefta de cyclos , que
hc o circulo, Scopf. oolho, por terem hum fó
olho muytogrande.O que o Poeta quer raoftrar,
he que nefte recebimento, 6c feita do5 Portugue-
zcs, & Melindanos havia muytos foguetes, bom-
bas , & rodas de fogo , & outras fcílas , que o
Poeta reconta neítas oytavas.
91
REfpondemlhe da terra juntamente
Com o rayo volte ando ^ com Zonidot
Anda emgyros no ar a roda ardente^
Eftoura o pò fulphureo efconàido:
 grita fe levanta ao Ceo dagente^
O marfe via em fogos acendido,
E naÕ menos a terra\& affifefleja
Hum ao outro â maneyra de peleja^
Anda emgyros no ar a roda ardentcAi^da. as yoltaj
no ar a roda de fogo.
E/loura o pé fulpbstreo.Pó lulphureo he a polvori
a qual os Latinos chamáo pui vis fulphurcus,p^
de enxofre , porque fc faz deli c.
Ma
Lufiadas de Luis de Camões Commentadoí.
Traz o Rey de Me linde acompanhado
o 1 2)í nobres defeu ReynOj ^ defenhores:
Vem de ricos vejiidos adornado
Segundo Jeus cofiumes^ô" primor es^
Na cabeça humafota guarnecida^
2)í ourOj& de fedaj& de algodão tecida.
6í
MAsjâ o Ceo inquieto revolvendo^
Ai gentes incitava afeu trabalho'.
El d a mây de Menon a luz, trazendo^
Aofono longo punha certo atalho,
Hiaõfe asjombras lentas desfazendo.
Sobre as flores da terra em frio orvalho*.
(Quando o Rty Meltnaano fe embarcava
"^ ver a frota, que no mar eãava.
Mas jd o Cíâ /«^«ifítf.Defcreve o Poeta nos pfí-
n^.eyros (eis verios delia oytava o tempo da ma-
nha. Por Ceo inquieto entende o primeyro mó-
bil , o qual com curfo, & movimento arrebatado
faz I que todos os mais Ccos dem huma volta em
24. horas. Eíla volta he caufa do dia, õc da noytc,
como o Poeta aqui diz, & henotorio aos que en-
tendem as pniiieyras letra» da Aílrologia.Chama
ao primeyro móbil inquieto, porque íeucurfo he
rauy arrebatado. Veja-fe o que cícrevemos no
canro decimo,oytav a 85.
fííaÕ-(e as lentas (omkras Jeifazen(io.Kfí.Sí hea ra-
zão , porque de todo o tempo da noyie a manhã
he mais fría,porque le recolhem, £c ajuntào todas
as humidadcsahum lugar, fugindo da prcfença do
Sol, que le chega. E apartadas de huma, 6c outta
parte, le faz em orvalho,como o Poeta aqui diz.
Por mây de Memnon entende a Aurora, Efte
Meranon íoy Rey de Oi lente , pelo que lhe daõ
a Aurora por fuamáy. Da Aurora íe veja o que
trattámos cm outro iugar,oytava i4.canto i.
\7 laõfe em derredor ferver as ftrayas
IDagente^que a ver fó concorre leda:
Luzem da fina purpura asQabayas\
Lu/ir aô os panos da tecida feda:
Em lugar de guerrearas azagayas
E do arcoyque os cornos arremeda
2)tf Lua, trazem ramos da palmeyra^
*Dos que vencem^ coroa verdadeyra.
Trazem ramos de palmtyra, A palmeyra he final
de vitoria , como diz Aulo Gelio nas fuás noytes
Atticas: onde alleg-^ Plutarcho, & Ariftoteles.
Tem eílu arvore tal propriedade, quepormayor
carga que lhe ponháo, fempre trabalha por fe Ic-
VantarA por mais que a apertem, & nialirattem,
fempre icfifte. Da natureza dtfta arvore, íc veja o
Autor dos Chibadas no provérbio Palmam ferre»
Na cabeça huma fota, Huma fcíta,hc huma toií^
ca de varias cores , &. teyta para le trazer na ca-
beça , o qual trajo coíf uináo os Mouros , 6c ufaó
dellc,como nós câ dos chapeos.
C"^ Abaya dedamafco ricOi& dinOj
^ T>a Tyria cor entre tiles eflimada^
Hum collar aopefcoço de ouro fino j
Onde a matéria da obra he fuperada:
Cum refplandor reluze adamantino j
Na cinta jU rica adaga bem lavrada:
Nas alparcas dos p'es em fim de tudo
Cobrem ouro, & aljôfar ao veludo,
Cahaya dedamafco. He Cabaya huma vcílidiirn
muyto elti eyta , 6c apcrtsd i com o corpo , caino
as trazem os Mouros hoje.
Dd Tyria cor. Em Tyro , 6c Sydo , Cidades de
Phenicia que hoje fe ciiama Suria, fe faz gram cx-
cellente , pelo quea eíla cor chaináoosLatinos
cor Tyria, ou Sydonia.
Onde a matéria da obra he /«píi-ái/í. Encarecimen-
to dos vertidos que levava jquer dizer,onde o fey*
tio vai mais,que o propriojO que diflc á imitação
deOvidiolib. 2, in principio, o qual gabando os
paços do Sol, diz, Materiam fuperabat oput^ ofey-
tio valia nuis que a matéria , roais que ouro, pra*
ia, Sc mariiin,de que eráo fabricadoSé
C'> Om hum redondo empar o alto de feda,
^ Numa altay (^ dom ada aflea enxerido^
Hum mtniflro a folar quentura veda%
^e não offenda, ^ queyme o Rey fubido,
Mufica traz naproa eííranhat& leda
T)e afpero fomjjorrifono ao ouvido:
^e trombetas arcadas em redondo,
^efem concerto fazem rudo eíírondo.
Com hum redondo amparo alto dt feda. Entende©
chapco do Sol, que naqucllas partes fe uía muyto.
Som borrifon». Som clpantofo» & que hz cílrondo.
H
5?4
Um batel grande ^fê largo jque toldado
Vinha de fedas de diverjas cores^
N
í>7
Aõ menos guarnecido o Lufitano
Nos {eus bateis da frota je fartia
Çt Canto
A receber no mar o Melmdam^
Lom íujírofãj& honrada companhia:
^íjíiíO) o Gama vem ao modo Hijpano,
Masjrancefa era a roupa que vejfta
UJejetim da Adnattca^eneza^
Larmefi.cor que agente tanto preza»
' Da Adriática 1^'eneza. Veneza he huma Ciclíiae
edificada no mar , rodeada , & entretecida com
a^ua laigada^ mais fcrmola, 6c rica, Ôc de mayor
irattOj& negocio do mundo. Foy o principio de
lua edificação no anno de nofla ialvaçáo de45<5.
no mez de Março , cm tempo que o cruel Atila (a
que os Elcricores chamão açoute de Deos ) del-
truhia]taiia,aferrOj£c fogo: íci-n de circuito duas
léguas, 6c eítá da terra firme outras duas, pouco
niais,ou mcnos,anda'le toda por mâr,&: por terra,
falvo alguns bayrros, aos quaes íe náo pôde irfe-
nâo por mar,por lerem partes tão deíviadas da ter-
ra , quenâo íc podem nellas fazer pontes. Para a
paliagem do mar ufaó de humas barcas,a que cha-
mão gôndolas , d s quacs tem a Cidade paraefte
iiHfter,raaisdeonze mil, que eílâoferaprepreftcs
de dia, & de noy te, para o ferviço da paflageni de
todo o gcnero de gente,ôc por muy pouco preço.
E para a paflagem da terra tem quatrocentas 6c
cincoenta pontes , a mayor parte delias de pedra,
& as outras de madcy ra. Divide a eítafermola Ci-
dade era duas partes hum canal de aguadomefmo
fnar,que a faz muy to mais fcrmola, pelo qual na-
vegue gaUs, caravelas,6c nãos. No meyo do canal
tem huma ponte fcrmofifljma , ondehámuytas
tendas de mercadores em que fe acha todo o ge*
nciode mercadoria, &curiofidade do mundo cm
grande abundancia.Ha nefta Cidade muytos bro-
cados de todo o género, ík telas de ouro, & prata,
pei lumes, & cbcyros excellentiflimos, & muyta,
ix muy rica pedraria, èí ledas de teda a forte, pelo
que uiz aqui o Poeta , que hia veílido o Gama de
cetim da Adriática Veneza. Chama-fe Veneza
Adriática, Sc o mar Adriatico(comodÍ2 Polybio)
de huma Cidade por nome Adria , que efteve en-
ti e Ai bocas do riò Pó, de que hora náo hà fafto, a
qual foy Colónia dosToícanos ( como diz PÍj-
nio),&. Eílrabão.Hcrmolao Barbai o nas íuas cal-
ligações Plinianas quer que a Cidade fechamaile
Atria , pela quai razão o mar íc deve também cha-
mar Atriarico. Náo feuraaííim.
DE botões douro as mangas vê tomadas j
Onde o Sol reluzindo a vifta cega.
As calçasfoldadejcas recamadas
Do metalyque fortuna a tantos nega.
E com pontas do mefem delicadas
Os golpes do gihào ajuntai& achega:
AoLtaltCtí modo a áurea e/pada^
Tlumu nagorra humpQUco declinada.
Segundo*
Do metal <jue 4 fortuna a tantoí nega. Entende o
ouro, que a muyto honrada , & boa gente faitu,
como faltou ao noílb Poeta Luis de Camões ; ÔC
pela mayor parte falta aos que íegucm o roefmo
exercício. E parece que he natural aos Poetas le-
rem pobres. Donde o pay de Ovidio não poden-
do fof rer velo affey coado ao eítudo da Poclia , pu-
nhalhe diante o pouco proveyto queos homens
tiravão delia.
Sape pater dixit : Jludium p^mãinatík tentai
Maomdíi nullas tpfereliqmt opes.
Filho paraque te occupas em eftudo de tão pouco
proveyto.^oihaHomeroo mayor Poeta que hou*
ve no mundo,com fcr elle,viveo,&: niorreo pobre,-
£c miferaveln)ente,donde hum moderno diz;
Has artei mágnii dura mercede Pottis
Concedtt PLabui^jemperut tndigeant,
Apollo ajuda aos Poetas,8c lhe communica a íujy^v,
Sc vea que tem, com condição que fejáo pobres.
99
^l Os de/ua companhia fe mojirava
H T>a tinta^qiie da o Murice excellente^
A varia cor que os olhos alegrava^
E a maneyra do trajo àifferente^
Talofermofo ejmalte fe notava
T)õs veftidos olhados juntamente ,
^lal aparece o arco rutilante^
"Da bella Ntmpha fiíha ae Taummte,
Da tinta cfue dã o Murice exceUente. Entende a cõt
vermelha, a qual fe hz do pey xe^Muricc, que por
outro nomeie chama Conchilium , o qual hc co-
mo hum búzio. E eítc cortado ao derredor com
íerro , lança humas gotas , como lagrimas de cor
vermelha , & por eíla razão le chama agram , oí-
trum , por íe tirar deíles peyxes cubcrios de con-
chas que geralmente fechamáo oílras. Asveíb-
duras tintas com o Mutice tinhão hum chéyro
fartum , & que tirava a fedor» Donde Marcial el-
crevendoahum amigo (por nome Lyciâno,Mobr<
as coulas de Heipanha , louvandolhe o confclh'
q tomara cm largar os tumultos,ôi: revoltas de R<
n)a,&: rccolherfe a Heipanha, terra quieta, ôcfói
daquelles embaraços , entre outras coulas lhe diá
Lunata nu(tjua»i pellis, é" nuj^uam togiC
Oiiãa ^ue vefUs Murtce*
Náo vereis em Heipanha fenhor Lyciano.osfaí
tos, &■ pompas de Roma, nem vereis os homcnj
veftidos com o Murice fedorento, E o mefmí
Marcial zombando , de huma Philene , a qut.
nunca tirav* do carpo hum* veílidura verme-
lha
lha que tinha
fotrer o fedor , diz.
7in5lií Murice vtftibm ,ejuod emni
Et n9&e utíturt& Me Philents,
2^on ejí ambítiofa^nec fuperba.
Peleãatur odort^non colore.
Lufiadas de Luís de Camões Çommentad&s. (>%
que não havia quem lhe pudeíle onde Dcos o deu a Noé ,.Sc a feus filhos depois do
diJuvio para final de paz enrrecUe , Sc ©5 homens,
paraquc vendo efte arco, &: final poílo por Deos,
não temeflem mais na terra diluvio de agua , &
ainda que efte arco he nacural,haveruos de enten-
der que foy tambcra dado por Dcos parafinai da-
qucllepaóto, que fez com os homens, como di-
zem os Expofitorcs. Diz Heytor Pmto , que fc
chama arco da velha , pelo paélo que Dcob fez
com os da Lcy velha como já fica dito.
Philene trás de dia & de noyte huma veíirdura
<3e gram , não o faz por fobcrba , nem por ambí-
ção,nem por fe alegrar com a cor , fenão porque
lhe fede. Notandoa de fuja: & a illo aludio Virgi-
lio, trattando da felicidade, & abundância de to.
das as coulas que havia de haver com o novo na-
cimento de Salonino, filho de Azinio Polio, com
100
SOn
Os
OnoYofas tnmbetas tncitavão
ânimos alegres refonando^
o qual diz que cheyraria a gram fuavcmente , & 2)^ j Mouros os bateis o mar coalhavâo^
diffcrcntedo quetuiha de naturezaé
Jpjefedin pratit artes ]am fuavembenti
Aáurictyj*nt crocto mutabtt vellera luto.
0$ carneyros diz o Poeta naceraõ com vellos ver»
iDclbos , éc que náo tenhaô neceífidade da cor do
Munce , ou de outra tinta. E quando nomeou o
Murice acrecçntou, \umfttaverubmti: vcimelho,
maà não com o contrapelo que antes tmha de
inao cheyro, mas com hum cheyro fuavc, & apra-
zível.
Çlual aparece o ar co rutilante, da bella Nimpha filha
dt Jaumante. Diz que os ioldados, 5< Capitães da
Os toldos pelas aguas arrojando:
As bombardas horrijonas bramav^o^
Com as nuvens dpjumo o Sol tomando»
Ameudamje os brados acendidos^
Ta^ão com as mão ( os Alouro s os ouvidos ^
lapãa com as mãoi os Mouros 01 ouvidos. Conta
Joaô de Barros lib. i . Dec. .i.c.(5. que depois de os
noflbs feftèjarem a vinda d''EUHey de Melindá
com inílromentos de felia mandou Vaí^co da Ga-
ma que tiraflem alguns berços, Sc efpingardas, ÔC
no fim delias ie deu huma grande grita, a qual tro-
voada como era nova nag orelhas diíqudU gente^
armada Portugucza fahiraó diante d*'El-Rcy de houve entre elles taó grande elpanto, que eítive-
Melinde vertidos de differentes cores muyto ga- raó quafi apodados tornaríc a terra. O que fentin*
lantes.ôc bem concertados, o que compara com o
Arco , que em tempo de chuva aparece no €eo, a
que chamamos commummcnie arco da velha. E
os Poetas Íris de hum verbo Grego iro, que quer
dízer Núncio, levar recados, & cmbayxadas,por
fcr cílc Teu oflficio,porque íris hlha de laumante,
ie Electra era Embayxadora , & mcnfageyra dos
Deoles,6c principalmente de Juno,donde Ovídio
-nas Mctamorphofiá,na defcripçaó do diluvio lib.i.
•Ir-
l^uncia lunonis vários induta cohres
CoHCípít Ir IS a^usífãlimenta^ue nulfibus affsrt.
do Valcoda Gama , íe chegou ao Zambucoeni
que El-Rey vinha, onde foy recebido com tanta
cortezia,como fe fora o próprio Rey de PortugaL
lOt
JA' no batel enty ou do Capitão
O Rey^que nos Jeus braços o levava:
Elle CO a cortesia que a razào^
ÇPor/er Rey^-e queria ^Ihe falUva-.
tom as moftras de efpantOjér admiração^
O Mouro ogejloj t£ o modo lhe notava:
CoTKiO quem em muy grande ejltma tinha
íris menfageyra de Juno vertida de diverlas cores
recolhe as aguas , & reparte-as pelas nuvens , & Gente^que de tão longe á índia vinha.
Virg.lib.9.ÍE,neid. Irim dt Calo mtfit Saturnia Inno.
Juno filha de Saturno mandou Íris do Ceo. Efte O Mouro, Entende o Rey de Mclinde
arco cauEa-fe de difixrentes nuvens, de modo, que era M^uro , & íeguia a maldita feyta de
humaslejáomaisdcnças, & outras mais raras.que famede , como feguem os inais d^quclJa corta
£t ertam derretendo em orvalho, nas qiucsferin- de Africa , o qual ( comocontáo os noílos Hii-
00 os rayos do Sol fazem aquclle arGo,que nos pa- toriadorcs ) ficou atónito de ver o tratto , êc mo-
rccedevanascorcs.E quanto aos Poetas fazerem do dos noflos , mayormenie do Cnpifâo niór,
que
Ma*
Insmcnlageyrade Junomepareceamim , que
he por Juno irmã de íupiter,& lua molher ler Se-
nhora do ar,como diz Ciccro lib.z.de nar.Dcorfi,
&. porque ertc «rco íe íaz na região do ar pelo mo-
do dito,d^aqui fingem os Poctas,que Íris era men-
íagey ra de Juno. Dcttc arco le tratta nos Genifis,
cuja autoridade o efpantou wuyio , & aíliui
lhe fez muyta cortezia , & gazalhado , levan-
do nos braços , como aqui diz o nofib Poeta.
£
Í4
Canto Segundo^
101
E Com grandes palavras lhe offerece
TudOiO que defeus Reynos lhe comfriffe;
E que fe mantimento íhef'alkce%
Como fe próprio foffe , lho pt aijje:
'Dizlhemais que por fama bem conhece
ji gente Lujitanajfem que a vljfe:
§nejà ouviodiZfT^que n'outra terra
Com gente de Jua Lty tlvejje guerra.
Com gente de (ua Lsf. Com Mouros da feytade
Mafamcde , com osquaes os Poituguezes tiverão
grandes guerras em Hetpanha até os lançarem
alem mar , ôcindalá osnãodeyxàraó, nenj dey-
xão cílar quietos, como he nocoí 10.
105
1"^ Como por toda a Ajrlca fe foãs
^ Lhe dizj os grandes fey tos que fizer ão^
^ando nellag&nhàraõa coroa
íDo Reyno ernie as He/per idas viverão:
E com muy tas palavras apregoa
O menos ^que os de Lufo merecerão:
E o mais que pela fama o Rey fabta.
Mas de jta forte o Gama refpcndiA*
O Reyno tnât as HefperiJai viverão. Entende o
Reyno de Fez, 6c Marrocos, onde os noíTos Por-
tuguezes houverâo dos Mouros grandes vitorias,
&lhe romáraó muytos lugarcs,como Ceuta, Tan-
gerc , ÔC outros que íaõ chave daqucllas partes.
Chama- k Reyno onde vivcráo as Hefperidas,
porque fc conta que neílas partes rcynou Hefpeo
Rey de Africa, irmão muyto lico de Aihlas^oqual
teve trcs filhas, Eglc, Aiethufa, & Helper^ula, as
quaes tinhâo hum pomar , cujas arvores daváo
fruyto deouro , guardado por hum dragão que
nunca dormia. Veja-Í"e a noíla annotaçáo no can-
to quinto,oytavâ iá.
I 04
07» que fó tive [le piedade
Rey benignOida gente Lufitana,
^e com tanta miferia^^ adverfidade
^os mares expriwevta afutia infana:
Aquellaalta^^ T^ivina Eternidade^
§ue o Cío revolve, ^ rege a gente humana,
^Oís que de ti ta?s obras recebemos ^
Te pague o que nós outros não podemos^
/l furta infana. Fúria grande , & defenfreada,
porque não ha no criado couía mais furiofaneni
maispaiatenicrqueomar. Veja-fc a noílaanno-
tação ncíte nicfmociimo,oytavâ iiz.
105
TDfó de todos , quantos queyma Apollo^
Nos recebes empani do mar profundo j
Em ti dos ventos hórridos de Eolo
Refugio achamos bom fido ^^ jucundo:
Em quanto apafcentar o largo polo
As Eftrellasj & o ^older luz ao mundo.
Onde quer que eu viver^comfamaj ^ glorta
Viverão teus louvores em memoria,
lufhàeuàoi , quantos ^uej/ma ^pollo. Tuíòde
quantos moráo nclta coita de Afnc* : ícguc aqui
o Poeta nclte termo de falar a opinião commura,
dos que atribuem a cor negra dos homens daquel-
la parte à quentura , ôc vizinhança do So) : não
fendo mayornclla que no eítrcyto de Magalhães,
onde com tudo a gente he branca. Os Hefpa-
nhocs também , 6í Italianos eítam os na mclma
diítancia da Equinocial,com os que moráo no Ca»
bo de boa eíperança, ellcs da banda do Sur, & nós
da banda do Norte , êí fomos na cor tão difi-ercn-
tes como fe vé. Os do Preílefaó pardos arou lata-
dos,&: os que moráo em Zeilà,&: Malavar negros,
morando todos num meímo Paralclo,& ordem do
Ceo. Outra coufahe mais para elpantar, que cm
toda a America fe não achão negros , fc não huns
poucos que moráo em hum lugar chamado Qua-
reca. Pelo que tenho por couía roilagroíaa varie-
dade da gente do mundo. São legredos occuítos
da natureza,& obras daquelle Omnipotéte Deos,
cujos Myfttriosningucm pôde alcançar. Alguns
querem que a caulaef&cientcdcfta corfeja a íe.
curado ar,& terras daquellas partes, &huma pro-
priedade não entendida , nem fabida dos homens,
ou algum fegrcdo da natureza, que naturalmente
dá áquellas gentes aquellacor. Ou heiílo,ou fc
ajuntão, & concorrem todas eílas razões, a dar
aquelle matiz , áquellas tantas , & tão varias Na-
ções. Qiialquer coula que feja, o certo hc não ter-
mos os homens certeza alguma. Pelo que a folu-
ção defta queftáo fica para os curiofos , que nuiis
de propoíito fe quizerem por a eílt trabalho , q uc
quanto a mim,aíiim fahiráo com ella, como com os
querer tazer brancos.
Em ttdoi ijtntoi hont/Í9t di Eolo, Os Peetas fín«^
gemhum Rey,&:lenhordos vcntos,aquechama^
EoloiO qual os tem pretos g& a muyto bom reca.
do em humas covas muyto grandcs,dnndc os loltat
quando lhe parece. Dellctratiey atrás no primcy-
ro canto oytava t8.
Em quanto apa/ctntar o largo Polo. Encarecimen-
to ( como atrás fica dito oytava 84. defte Canto )
para dizer , que cm quanto a natureza tiver fuás
coufas com aquella ordem , & condição com que
Deos as criou , terá elle lembrança dos benefícios
recebidos,onde quer que vivcr,& cftivcr.
Is to dizendo ^05 barcos vâo remando
'Para a frota^ que o Mquyo ver defeja:
Vão as nãos humano' huma rodeando^
Torque de todas tudo notey & veja:
MasparaoCeo Vulcano f o ztl ando»
J frota co' as bombardas o jejieja^
Eas trombetas canoras tbetangião,
Co' os anafins os Mouros refpondiâo.
Lujtadas de Luts de Camões Commentadss. $^
tcs Occidentaes he o primeyro , que fe vé depois
I o(J ^^ P°^° o S°^ neílas parces Occidentacs,daqui íc
chamão Hefperiesde Helpero,ôc porque Hclpa-
nha he mais Occidental, fe chama ultima , 6c mc-
nor,por íer rcenor em quantidade.
Fdos humtdoscaminboi. Peios caminhos do mar,
por lua navegação, Ôc pelo que lhe tem acontcci»
00 no mar,delde que lahio deíua terra.
M
I05>
As antes valer o fo Capitãoj
Nos contadhe dezia^àtligente^
T)a terra tua o cltmafi^ região
T^o mundo onde moraes dijtintamente,
E afjlm de vojja antigua geração^
E o principio do Reyno tão potente^
Mas para o Ceo Vttlcam foz,tland», Vulcano era
entre os antiguos Dcos do fogo, pelo que íe toma
pelo mclino togo, como o Poeta aqui neíle lugar,
& nos notamos atras. Porque mandou Vafco da
Gama por fazer fefta ao Rey de Melindedelparár .-, --
a artelharia , a qual a pnmeyra vez lhe fez tanto Cosjuccejjoi das guerras do começo,
medo , que fe quileraó recolher para terra , Sc ^^ejem fabellas fey^ que JaÕ de preço.
paliada erta vez depois que perdeo o medo fe re-
crearão muy to de a ouvir, por íer coufa nova na
qu^iâs partes.
%ut Çeivt (ahtlaiy Pelo quc tinha ouvido , &via
agora no gefto, ôc trato dos Portuguczes.
107
Ti
As depois defer tudojà notado
"Dogenerojo Mmío^quepafmava
Ouvindo o mjirumento inufitado,
^e tamanho terror em íimojtrava:
Mandava ejUr quieto ^ô* ancorado
JSla agua o batei ligeyro que os levava^
'i^or falar devagar c'o o forte Gama
Nas côufas de que tem notuia^&fama.
Ouvindo o iu^rumento inu fitada. A artelharia que
caqucllas partes não fe uúiva naquclle tempo.
108
EM praticas o Mouro differentes
òe de leytava perguntando agora
^Feias guerras famof as ^Ò" excellentes^
CV opovo ávidas , que a Mafoma adora,
j^gsra lhe pergunta pelas gemes
^e toda a HefpenaMlttma ondt mora'.
Agora pelos povos (eus vizinhos ^
Agorapelos húmidos caminhos.
Co piivo avídai c^ue a Mafoma adora. Eíles faõ os
Mouros que leguem a torpe, & peílelencial leyta
de Mâfamede.
Detoda a Hefperia ultima. Entende Hefpanha, a
r uiil tanibem le chama Hefpanha menor , á diffe-
[ rcnça de Itália, que le chama Helpcria primeyra,
I & Hefperia mayor. Chamaó-le eltas partes defte
nome de Hefpero, Ellrclla Occidental, que he o
I Planeta Vcnus, a que commumniente chamamos
IIO
EAJft também nos conta dos rodeyos
Longos ^em que te trás o mar irado
Vendo os cofiumes bárbaros ,^ alheyos^
€^ie anoffa Africa ruda tem criado.
Conta fi^ue agora vem cos áureos freyoê
Os cavalos , que o carro jrurchetado
'Do novo Sol da fria Aurora trazem^
O vento dorme ^0 mar^S as ondasjazem.
Conta ^tie agora vem coi áureos freyos» Como atrás
fica dito, fingem os P oetas que o Sol acabado feu
curfo ncfte Enriíphcrio não tem mais que cami-
nhar, pelo que fe recolhe a dclcançar com Tbetis
ftnhora do mar Occidental, Ôc que dalli fahia pc*
la manhã com feus cavallos folgados,ifto he o que
o Poeta aqui diz deícrevendo o tempo da manha,
ôcnacimento do Sol , 6c hum tempo muyto fe-
reno , & quieto j o que tudo eftà muyto claro na
oytava. Ciaama à Aurora fria , porque no tempo
da manhã cohi a vinda do Sol fe ajunta , & aperta
o frio em hum lugar,5c alTim he mayor,& os ven-
tos , & as ondas do mar cíláo maia quietas neíle
tempo CO a manhá.como fica dito atrás.
I I I
ENão menos co' o tempo fe parece
O de/e/o de ouvirte o que contares j
^le quem ha^qne por fama não conhece
As obrai ^Fortuguezas (ingulares>
Não tanto defviado refpUndece
Luzeyro:2c porque o l>lancta que aparece nas par- 2)f HÔs o claro Sol^parajulgares,
^e
^heâs Meltndanostem tão Yudop^yto^
^enãoefttmem muyto hum grande feyto,
l^ao tanto Jefviado refplandeee, Oe nós o claro Sol.
Não íomos tão apartados da policia , & trato da
gente, nem tão rudcsj^ bárbaros. A imitação de
Virgílio lib. I. ^neid. Nec tam averfus equoi Jyrta
Solfungit ab urin.
Ca7ítõ Segundo
c
Sol morto , ainda que íua morte foy tão triíle, &
táodcreílrada , porque le atreveo a governar os
carros do Sol , coufa de tanta difficuldade lhe pu-
ferão eftc Epitaphio , como conta Ovídio nas
Metam orphoies lib i.
Hiefitus efi Pbaeton currm auriga patcrni,
§í,uemj'ini»n ímuít^magnis tamett exciàit aufiu
Aqui jaz Phaeton goverdador do carro de feu pay
Ometerãofoberbos os Gigantes o Sol , o qual inda que não lahio bem do partido
Com guerra, vão Olympo claro^ &pUTOx ^ morreo na empreza , acabou como homem de
-. .-i>,.„:*A.^- j^n-L^n.^ j^ .^..^^^.-^n»^ grande animo , atrevcndo-fe a huma couJa tão
III
Tentou 'Terithoo^ & Thefeo de ignorantes
O Reyno de T latão horrendo^ & e/curo:
Se ouvefeytos no mundo tão polfantes^
Não menos he trabalho illu/lre,& duro^
Quanto foy cometer InfernOy^ Ce»^
^46 outrem cometa a fúria de Nerèo,
grande, 6c por efta razão atribue EI-Rcy deMe-
iindc a grande louvor os Portuguezes cometer as
tunas de Nereo,que he o mar, por kr huma couia
de tanto perigo , 6c trabalho, como excelJente-
niente o pinta Horatio nas Odas,Od.3.1ib.r.
Cometerão foherhos oí Gigantes. Contz aqui o Poe-
ta alguns acontecimentos grandes , osquaes inda
quenáotiveráoeffeyto .nãodeyxàraódetcrfeu ^.^ ^ ,.^ ~j^^-,^^^
premio: porque em coulas grandes o acometer, & jHeroftratOypor fer da gente humana
moílrar ouladia, 6c atrevimento, he coufa grande. Conhecido no mundo ^^ nomeado,
O pnmcyro toy dos Gigantes filhos da le. ra , os j>^ t&mbem com íaes obras nos enzana
quaes determinarão lubir ao Ceo, òc lançiraju- f., , • ^. >„ ^ ^^ ^ ^
^ , ,, , (^ X- M^- r^^.t O 4' leio ae bum nome Azentajado*
piter delle, como conta Uviaio nas Metamorplio- .' -^ . . t«j/«t#u,
ícslib.r.
Tentou ?erithoo,é' Jhefeo.O fegundo foy de The*
feo, & P^rithoo grandes amig s, os quaes fe atre-
verão decer ao Inferno , para furtar a Proícrpina
inolher de Platão.Poílo que lhe não fahio bem do
QVeymou ofagrado Templo d eTiiana
_ 'Do ftibíilTepphonio fabricado
Mais razão heyque ejuejra eterna gloria
^emfaz çbras tão dignas de memoria^
partido, porque Perithoo foy morto, & Thefeo
preío,onde ficara também para fempre, ie Hercu-
r.
Herofirato. Efte foy hum perdido . & àefcfíii'
niadooe todos, pornâo preítar para nada ; ven-
do-le nellc eíbdo,detremmou fazer algum feyto,
..^.w,v,..v.^ r , .-, por onde fofle conhecido, 6í hcallememona lua:
.es o não livrara: todavia entre os fey tos fínalados pelo que pos fogo a hum Templo de Diana em*
de Thefeo fc põem também eíle,como opôs Ovi- Hphclo, feyto pelo grande Teliphonio como diz
dio na carta de Phylis a Demophonte filho de Solino,no ítu PcJyh1il.cap.58.pcio que diz aqui o
Thelco. Inter , & K^gidas media (í aturais tnurbe. Poeta: fe homens perdidos, & que p^ra nenhuma
Magnificui titulis /iet pater ante fuii , pela qual rezão coufa prefíão , delcjâo fama , mais rczão he que a
a* Nimphas de Itália achando a Phaeton filho do pretcndaó,& bufquem,os que a merecem.
OS
/.■í
^
-C»S* '->^«-
os LUSÍADAS
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
Commentados pelo Licenciado Alamel Corrêa*
ARGUMENTO.
A populofa Europa fe deícreve.
De Egas Monizofeytofublimado,
Lufitaniajque Reysjque guerras teve,
Chrifto a AíFonío íe expõem crucificado:
De Dona Inez de Caftro a pura neve
Em purpura converte o povo irado,
Moáraíeo vil deícuydo de Fernando,
E o graó poder de hum geftó fuave , & brando.
CANTO TERCEYRO.
Nefte Canto defcreve o Poeta o fitio de fua pátria , as guerras que os Reys delia ti-
veraó com os Mouros , & íuas vittorias , o caio de Dona Inês de Caftro,
& a morte d'EURey Dom Eernando.
A Gora tu Calliope me enfinay
O que contou ao Rfyo ilíuftre Gama:
Ififptra hnmor tale ante yiê voz, ^Dtvlna
Neftepeyto mor tal, que tanto te ama:
AJfio claro inventor da medicindj \
Pequem Orfheopartfte^ô Unda T>ama,
Kuncapar Daphne, CUcie.nu Leucothoe^
'renegue o amor de vido, como /ôe,
^gora tu Calliope. Fingem os Poetas nove Mu-
las filhas ciejiipitcr,&da Memoria, padroeyras
dos Poetas, Sí Mu fie os. Chamâraólhe Mulas de
moftx, que quer dizer inquirir, ou defcubrir: por
cDas ferem as inventoras , & defcubridoras das ar-
tes liberaes.Seus noraes faô: Calliope, Clio,Erato,
Thalia,Melpomenc, Tcrpfichore,Euterpc, Poly-
hymnia, Urania. A principal deftas, £c a que os
Poetas Heróicos invocão, he Calliopc:pclo que o
nofib Poeta aqui o faz , & com muy ta razão , pois
ha de trattar dos Heróicos fcytos dos Portuguezes.
Os nomes deílas Mufas,&: o que cada huma inven-
tou tratta Virgílio nos Opuículoscra hum Epi-
grama que começa.
>*''"• ' ' ■■
'Clhgejlacamns tranfaãis têmpora redJít, ^e.
Ajfim o claro inventor da Medicina. Entende
o Appolo , o qual os antigos tinhão por in-
ventor da Medicina , 5c Padroeyro dos Médi-
cos, como Ovídio nasMetamorpholcslib, r.
Ia
/fl.
««
Inventum medicina meum eft,opífexqHeper orbem
Vicori& íierbarunt fubjeãa pottntiít mbu.
Lujiadas de Luis de Camões Commentados,
he nioílrar que também neftas partes por onde o
Tejo pafla,hà Poetas.Sc que as aguas deílcrio tem
a propriedade das da fonte Aganippe , por l'e
criarem aqui engenhos excellentes.
Deyxa ai flora de ptndu. Pindo he hum mon-
te de Macedónia conlagradoa Apollo , & às Mu-
fas chamado Mezov o , como diz SophianoDon-
A medicina he invenção minha , & pelo mundo
lou chamado dador de remédios^ & a natureza, &:
propriedade das hervas he Tugcyta a mim. Eíle
Apollo houve de Calliope a Orpheo, de. quem os de diíle Virgílio nas Eglogas.
Poetas dizem grandes couías acerca da Pocfía , &:
Mufica. Foy também afFeyçoado a Daphne, Cli- Nam neque Parna/i nobis juga.nãm mciue Piudi
cie, ôc Leucothoe,que aqui o Poeta nomea. Pede UlU moram fecère^nec Aonta /iganippe.
ncfta oytava á Calliope o favoreça, &c ajude neíla
matcria,que cem entre mãos, aífim lhe tenha íem- Reprehendendo as Nymphas de delcuydadas em
pre amor.ôc aíFeyção Apollo, & em fua compara- não impedirem a Cornelio Gallo a mâ ordem de
ção faça pouco calo das mais Nymphas fuás: lin- vida,quc trazia, gaftando-a toda em íeus apetites,
guagcm ordinária
dem. De Apollo
5c muyto ulada dos que pe-
6c d"outros nomes que lhe os
& íenlualidades , & que no melmo eítado deviaõ
eílarellasinem era poíTivelreíidir, ou ko Monte
Poetas dâo trattamos no canto primcyro oytava Parnafo,ou no monte Pindo,ou na fonte Aganip-
35. pe : íinalhando-lhe eíles lugares como próprios
^ léus, ôc onde ellas coftumâvão reíidir, & daríe ao
exercício das artes Iíberaes,de que ellas faõ padro-
]2) Oem tu Nymfha em effeyto meu défejOj eyras,& lenhoras.
Como merece agente Lufttanaj Banharme apollo na agua foberana. Termo Poé-
tico , &elegantiíIimo , em que moilra ajudalo
Apollo , Ôc favorecelo com fúria poética, banhan»
doo na agoa da fonte Aganippe : a qual chama
foberana , por ter a qualidade , de que atrás trat-
tamos. E porque eltà nelte tão honrofo eftado
come hc trattar dos feytos Heróicos dos Portu-
guezes. Pede aCaliopc o ajude neíta empreza;
porque fe o não fizcr,crerá que lhe procede de en-
Poem tu Nympba.l^ymphA entre os Gregos tem veja,por ver que faz ventagem a leu filho Orpheo,
diíFerentes íignifícaçóes , que naó faõ deíle lugar.
12) Oem tu Nymfha em effeyto meu défejOj
Como merece agente Lufitanaj
^e vejajò' fayha o mundo _,que do Tejo
O liquorde Aganippe corre Jà' mana.
^eyxa as flores de *PindOjquejâ vejo
Banharme Apollo na agua Job erana'.
Se não dtrey^que tens algum receo,
^efe efiureça o ten querido Orpheo^
E porque entre outros hum he tom^rfe pela agua,
daqui uláráodeíla palavra por hu mas Deofas,quc
elles fingiâo viver nas aguas : & largando-fe mais
a accommodáraõ a outras Decías , como das ar-
voresjcampos, lagos, tanques.mares, montes,pra-
dos , bofqucs, vallcs , & outras que a eftè fom in
3
PRomptos eftavão todos efiuytando,
O
que o fublime Gama contaria^
guando depois de hum pouco eílar cuy dando ^
^levantando o roflo aj[i dizia.
vcntàráo.E porque as Mufas padrocyras dos Poe- Mandaíme d Rey.que conte declarando
tas folgàvaó com eftcs lugares, por lerem frefcos, cj^^ ^;«a^ ^.ntinaraa aeneloçia:
& apartados da converfaçao, chamàram-lhc iam
^e minha gente a grão genelogia;
Não me mandas contar eflranha hi floria'.
Mas manda/me louvar dos meus a gloria^
Mai manda fme Uuvar doi ment a glaria» Tem por
coufa dura o Gama contar a gloria , & cavallaria
dos Portuguezcs feus naturacs : porque não he
bem Nymphas como Virgílio naEgloga7.N;w-
phanojier amerltbet brides. Nymphas da fonte libe-
thro noíTa aííeyçáo , & iílo hc entre os Poetas or-
dinário.
O liífmr de Aganippe corre^^ mana. Aganippe he
humafonte no monte Helicondc Boecia,daqual
os que bebiáo ficavão Poetas. Chamou-fe aíiim bemcontado a gente de primor engrandecer , &
de agan, que fignifica muyto , & hippos, cavallo; gabar luas coulas.
porque foy feytacom as unhas do cavallo Pegafo,
no qual Perfeo filho de Júpiter aportou àquelle
lugar, Charaa-fe por outro nome Heppocrine, e^^^*-!- ' ,/ ,
cavallo, fonte, pelamefma razão. Algunsfazem r\ue outrem pojja louvar es for çoalheyOf
cftas fontes differentes.mas ambas em hum mefmo \J^Çou/a he,que/e coflumajfêfe defeja:
monte. Aganippe, dita aflim de huma moça aífira Mas louvar os meus próprios iarreceyo^
chamada.filha do rio Permcfio, quecorreao lon- &ue louvor tãofufpeytomalmeeíleja:
go do Monte Helicon , como diz Pauíanias : ÔC F tara dizpr tudo temo eh' crexo
Hippocrenedo fucccílo do cavallo, de que acima ^^""'^ "^T ^f^^J^^^f" ^''^^ .
trattamos. O que o Poeta pretenda neíla oytava ^' qualquer longo tempo curto feja:
Ma
Canto Terceyro, ^^
Mas pois o mandas Judefe te devey pela mayor parte muyto habitada,íadia, 5c frelca,
Irey contra o que davOi^ferey breve ^ Ôc alguma de ventagem deítoutras partes , a que
chamamos temperadas. E não lómente he iíto
^ outrem foJJ» louvar. Sempre o louvor pro- certo pela experiência que atègora temos, porque
prio foy íolpeyto, donde dizem os Latinos , Laus muytos dos antigos o tivcráo allim contra a com-
inoreproprt$ vtlefctí , o louvor na boca própria hc mum opiniaoem concrario,conio Ptolomeo,Avi-
reprovado. E não lómente louvar fe huma pcflba cena , i<c alguns Thcologos , como refere o B.S
a íj,mas admittir louvores em leu rofto,& prelen- Thomâs i.p. q.ioi.arcz. Os quacs affirmâo eftar
çâ,nunca Ic coltumou entre gente fefuda.-porque o Parailo da terra debayxo da Equinocial, por fer
os taeslouvorcsfaó mais híongeyros, que certos, aqutlla parte muyto temperada , & ladia , como
tem os muyto Reverendos , 6c Doutos Padres da
Companhia de Jefus no Tratado de Casio c. 14.
ATj,^^,m, ^ ' ^*..j^^^. r T • qi.p«u8. E paraqueosquc nenhuma noticia tem
Umdiífo oj^atudoemfimmeohriga, LcouiasdaEiphera, emendáo can.bctnellelu^
He nao poder mentir no que difíer gar, & outros íemelhantes, ha íe de notar,quc no
• Ceo não ha círculos nem linhas, por ler purilfimo.
Lém diffoy oj^a tudo em fim me ohrigaj
He não poder mentir no que dijjer
Torque defeytos taes^por mais que diga.
Mais me ha de fie ar inda por dizer ^
Mas porque rufio a oraem teve J^ figa
Segundo o que de/eja t defaher:
'Frtmeyro trattarey da larga terraj
T>epois direy da fanguinofa guerra^
Frimeyro trattarey. Para vir a trattar da guerra
que nelle Reyno os Portuguezes liveráo com os
Mouros, delcreve primeyro Europa, na qual eílá
o noíib Portugal.
•
6
ENtre a Zona, que o Cancro fenherea^
Meta Septentrional do Sol luzente y
E aquella que por fria fe arreceya
Tanto ^como a do meyopor ardente»
Jazafoberha Europa aquém rodeya
"J:^ ela parte do ArCíurOj^ do Occidente
Com fuás falfas ondas o Oceano^
Efela AuftraljO marmediterrano^
Entre a Zona éjue o Cancro linborea.^o carxto pri-
meyre», oytavaz. trattey brevemente da defcrip-
ção do mundojSc o que íè não podia efcufar para gando ao primeyro grão deCapricornÍG,que he o
entendimento defte livro , onde prometti larga- que mais pode bayxar^fe faz o Solfticio do Inver-
mente neftc lugar em algumas coufas da Europa, no.E chainaó-feSolrticios , não porque o Sol íê
como farey no que for neceflario para entendi- detenha cm parte alguma, le não porque nemfobe
mento da letra do Poeta. E porque cUc defcrevc mais alto,ncm dece mais bayxo.E no Solílicío do
Europa por tal ordem, que não ha mais que defe- Eítio temos o mayor dia do anno , que he a 11, do
Jar , lómente tocarey algumas couias ncceflarias. mez de Junho: êc no do Inverno o menor aos vin-
Os Gcographos dividem a lerra em cinco partes, te 8c dous de Dezembro.Neíla oy tava defcreve o
a que chamáo Zonas , ufando defte termo de fal- Poeta o íitio de Europa,& léus términos , o qual
lar , para com mayor claridade poderem trattar diz, que jaz entre o circulo Arftico , Sc o trópico
delia. Deftis cinco Zonas, duas faól-riasjporefta- deCancro , que hc huma das Zonas temperadas.
rcm dentro dos circulos Aiílico , & Antárctico, Chama ao trópico meta Septentrional do Sol lu-
a que chamamos Norte,6c Sur. Duas temperadas lenre, porque nefta parre Septentrional, que he o
entre os ditos círculos , ôc os trópicos ; ôc huma Norte, não pafla o Sol delle: diz que tem por ter-
quentcquche a do meyo, onde cae alinha Equi- minosda parte do Arfturo, que he o Norte, & do
nocialja qual tem nom« de quente, ou torrida,por Poente o mar Oceano,fic da parte Auftral,que hc
tranfpirente , & folido fem repartimento algum:
mas que lhe fingem eítas couias os Aílronomos,&
outras kmelhantes para melhor poderem trattar
de luas particularidades. Prelupollo ifl:o,digo que
IheaíTinão dez circulos , leis grandes , & quatro
menores. Os grandes faó Equator, Zodiaco, Me-
ridiano,dous Coluros, & o Horizonte. Os meno-
res laõ o trópico de Cancro , & o trópico de Ca-
pricornio,circulo Ardico, &: Antaról;ico:& por-
que neíle lugar não he poffivel trattar eílas cou-
ias de raiz,pela brevidade que le requere,8c por Ic
não pretender aqui mais , que declarar eíte livro,
para que fe entenda : o quaipor eftc rclpeytohe
calumniado de alguns , não direy fc não oquefe
não podeefcular. Trópico le diz de trepo , que
quer dizer volver , & porque o Sol lemprc anda
em hum pedaço do Ceo , no qual tem balilas , 6c
términos que não pafla : chamarão a eftasbalifas
trópicos : porque entre ellas anda o Sol ftm paíTar
nenhuma delias : nem o trópico de Cancro da
banda do Norte , nem o de Capricórnio da banda
do Sur. E quando o Sol fc chega a nós até o pri-
meyro grão de Cancro,quc hc o que mais pôde fu-
bir,temos o Solfticio do Eftio: & quando fe apar-
ta de nós dando fua volta contra o Sur em che-
íer continuamente vifitada do Sol, pela qual rezaõ
cuydáraó os antigos íer deshabitada , o que não
hcjcomo Ic fabc por experiência: anrcs vemos ler
o Sur,o Mediterrâneo. Do Arâruro fe veja anoffa
annoraçaó canto i.oytava 21.
Vã
70
Lujiadas de Luís de
D /í parte donde o dia vem nacendoj
Com i^Afiafe avezinha\mas o rio,
^e dos montes Rifeos vay correndo^
Na alagoa Mcotis^curvo^à' frio.
As divide i^ê o ma^-,quefero^à' horrendo
Via dos Grego s o trado fenhorio:
On de agora de Troya trmmphante.
Não vê mais que a memoria o navegante.
Da parte donde o dia vem nacendo.Diz queda par-
te Oncntal(que declara por eíles termos da par-
te donde o dia vem naccndo)a divide da Afia o rio
Tanais, chamado commummente Tanâ: começa-
rão dos montes Ripheos.onde eíte rio tem fua ori-
gcm,& fonte;& o mar Egco, chamado Archipe-
Jago , onde os Gregos com aquelle tão celebrado,
& íabido cerco de dez annos deftruhiraó aquella
infigne Cidade de Troya,da qualnáo ficou pedra
lobre pedra : & hoje em dia íe vem as rumas d'a-
quella grande Cidade;& dos navegantes Italianos
íaõ chamados aquelles campos Itddi Troyani , pra-
yas Troyanas. Dos montes Ripheos fetrattana
oytava que fe feguc.
8
LA* onde mais debayxo eftà do Tolo,
Os montes Hyperboreos aparecemí
E aquelles onde (emprejopra Eolo,
E c^o nome dosjoprosje ennobrecem^
Aqui t ao pouca força tem de Apoio
Os rayos que no mundo rejplandecem,
^e a neve efià contino pelos montes j
Ge Lado o mar ^geladas Jempre as fontes.
Chmmtei Hyftrhoreoi apparectm. Diz que Euro-
pa na lua parte Septentrional, que he da parte do
N<írtc , tem os montes Hyperboreos , chamados
aíTim de hyper , que íignifica encima , & Boreas,
que he hum vento que íoprado Norte, por andar
íempre o tal vento encima delles. Outros dizem
que tem eíle nome por cftarem eíles montes ain-
da alem donde o vento Boreas íopra. Outros pe-
los homés d^aquellas partes viverem muyto mais,
que todos os outros do mundo , porá tenvi (cr la-
dia , & abundante de todo o necefiario para a vi-
da. Acrecentaó alguns que enfadados os homens
deita rcgiaô de fua long» vida , eícolhem hum gé-
nero de morte voluntária , o qual he, que buícaõ'
hum alço rochedo ao longo do mar , do qual de-
pois de grandes feftas, & banquetes com cappcllas
nas cabeças fe lanção para acabarem lua vida dei-,
ta mane y ra, tendo cila por grande felicidade , & a
mais honrada lepultura , que poderão eítolher,,
Eftes povo^ tem leis mezes do anno contínuos dia,
5c outros féis noyte , como diz Solinocap. i6. k
Camões Commentados,
Melalib.3.cap.5. Olivario fobrc Pomponio Melu
naó faz os Hyperboreos tão Septentnonaes como
os ditos Autores : pelo que tem por falfo iílo que
delles dizemos : &: quanto a mim eftes montes {'c
chamaó aíTim por íercm muyto altos , & por cita
rezaó logeytos ao vento, mayormente Norte por
lua vizinhança, como diz DiodoroSiculo lib. 5.
pag. 128. 6c Girava na fua Coímographia lib.z.
E aijuellei donde fem^re fopra Eolo. Eolo he o fe-
nhor dos ventos , como fica dito em muytos luga-
res. Ncftc lugar entende o Poeta os montes Ri-
feos , de que atrás fala , chamaó-fe aíTim de ripi,
que quer dizer força de vento , por curfarem alli
muyto. Ncftas partes como conta Solino cap. 25.
tudo faó neves,giadas, caramclos,6c friosrpclo qu«
aquella regiaó le chama entre os Gregos tcropho*
ros , que quer dizer coula que trás alas , por andar
continuamente oarcuberto denevoas, & neves
que parecem voar pelo ar : ÔC naó conhecer a gen-
te defta terra outra coufa fenâo Inverno , ôcfrio,
& tal que o rio,& mar fe çongelâo.
E CO nome dos fopros fc ennobrecem. Pela rezaó dita.
Agudos Scythas ^ grande quantidade
kívemj q antiguamente grande guerra
TiveraÔ Jobre a humanm antiguidade ^
Co os que tmhão então a Egypcia terra.
Mas quem tão fora eflava da verdade,
{^àqueojuizú humano tanto erra^
Tara que do mais certo fe informara.
Ao campo T>amafceno o perguntara.
Asjui dos Scythãí grande ejuantídade.^fí:^ região he
habitada de Scythas chamados Sagas pelos povos
vizinhos como diz Mela lib.3.cap.5. ôiPliniolib.
(í.cap.iy.donde tratta largamente da multidão, ôc
variedade de(U gente , hoje íe chamão t«dos ern
geral Tártaros.
§itt{ antiguamente grandt guerra. Houve antigua-
mente grande contenda entre os povos Scythas,&;
Egypcios , fobrc a antiguidade de fuás pátrias , 6c
Naçóesrquercndo cada hum com fâlias,& fabule
las razoes dar a entender que ellcs foraõ os pri
mcyros homens do mundo,allegando para iílo anij
tiguidadcsdc Cidades , & outras fabulas que in.
ventávaórás quacs davaó credito por naó faberet
a verdade. Pelo que o Poeta os remete aqui a<
campo Damalcenojonde Deos noílo Senhor crioi
o primtyro homem , 6<: d^ahi o levou ahum lugai
muyto frelco , & d; leytofo chamado por eíle rel-
peyto , horta de delcytes, a que commummente
chamamos Parayfo da terra.
J\
70
Gora neftas fartes fe nomeya
A Laplajrta^a inculta Noroéga
Efcaiu
EJcandlfíavh llhatquefe arreya
'Das 'vit tortas que, Itaíia não lhe negai
Aqui em quanto as agoas nãorefreya
O congelado Inverno^fe navega
Hum braço do Sarmatico Oceano
Tela BruJíOiSuectQi&fno Dano.
Canto Terceyro. f^
entende os moradores de Dania,terra frigidiíTima,
porque lhe chama Danos frios , & pelos naturaes
hoje Dencmarker: aflim que Brufios, Suecios, Sc
Danos navegão eíla paragem , & todas fuás par*
teSjSc outras muytas Nações, que naquellas par-
tes íaô fcm numero, como diz plinio lib.ó.c.iy.
IO
/igora nefiat paríet. Tratta de algumas provin-
das da Europa Septencrional , como Lapia , &
Noruega, a que chama frias, 6c incultas por ier o
grande frio caufa de viverem os moradores delias Sarmatas outro (empo, ^ na montanha
ENtre ejle mar,& o Tanais vive eftranha
Gente i RuthenoSyMojcos^ & Ltvonios
em grande aperto. E inculta não quer dizer deí-
habicada,como o vocábulo foa,6c parece moílrar:
mas habitada com trabalho,como também a mef-
ma palavra moílra por virtude da propoíiçaõ , in,
como he notório aos que fabcm a língua Latina,
Ejcandmavia //^íí.Efcandinavia não hc Ilha co-
mo o noilo Poeta lhe chama feguindo os antigos:
mas he pcninlula, como os Modernos hoje eicre-
•vem,pela experiência, 6c conhecimento que tem
da terra. Foy também chamada Efcandia, ou Ef-
candavm,ou Bafilia,dosquaes nomes todos,fazem
mençaó Piinio,Solmo, Mela, & outros antigos, &
modernos que delia efereveraó. Efta província he
HtYcmea os M ar com ano s f ah Tolonios.
Sogeytos ao Império de Alemanha
São ÒaxoneSyBoemtos^ f£ Tanonios,
E outras varias Mações que o Reno frio
Lavaj^ o Danubio^Amafis^à' Albis rie.
Entre efte mar. Tratta das gentes que vivem en-
tre o mar de Sarmacia , 6c o no Tanais , chamado
commummente Tanà , como fica dito oytava 7.
Primeyramente diz que vivem os povos I\uthc- -
nos, chamados por outro nome Roxalanos , ou
Rufios do Reyno de Polónia , ScnaóFrancefes
muy to grande , 6c ( como diz Girava na fua Cof- como alguns aqui dcclarão:qiie he bom defpropo-
mographia) tem de comprimento mil leguiis , 6c íito : pois o Poeta vay defcrevendo outro mundo
outras tantas de largo. He terra muyto fcrmola, bem differentcMoícos faó os povos do graõ Du-
•6c abundante de todas as coufasjtem muyto bons quede MoTcovia. E Livonios faé dehumapro-
portos, 6c cicalas de mercancias, muytos Reynos, vincia de Sarma6Ía,que agora fe chama Livonia,
6c provincias.Nefta eíta o Keyno de Suevia,Got- chamada antiguamente Sarmacia ger3lmente,co«
iia,Líponia,ou Laponia,a que o Poeta chama La- mo a mais terra.Sarmacia tem fetc províncias, P 0-
pia,Gautiandia,Filandia, & Noruega. lonia,Ruíia, Pruíia,Littuania, Livonii, Polónia,
§lue fe arreya das vittoriai t ojue balia naolbe nega, 6c Molcovia : das quaes fe podem ver muytas
Ifto diz porque deita Efcandinavia vieraò os Go-
dos , 6c outros bárbaros a Itália , gc fogeytàraó
muy ta parte delia , 6c moráraõ por muytos annos
naquella parte de Itália, que hoje le chama Lom-
bardia: como conta Paulo Diácono nas Hillorias
de Lombardia , 6c Frey Leandro Albertina íua
Defcripçáo de ltalia,no titulo de Lombardia.
dignas de memoria, nas Relações de Joaó de Bu-
tero,naiua Europa: 6c na fabrica dei mondo, de
Lourenço de Anania,6c outros.
E na montanha tíerctnea. Aflim lhe chama Cefar
lib.F.de bcllo Gallico , dizem ler hum bofque
muyto grande,6c mu\ to eípeíIo,que de comprido
tcrà feflenta leiloas, 6c de largo nove. Entre eftc
Aejutemtjuamoasagtiaí nãorefreya, Neftas partes boíqueX^a terra de Sarmacia eftá Alemanha, co-
(comoclcrevem os Autores ) fe vive com raayor
trabalho pelo Verão, que pelo Inverno. No Ve-
faõ tudo lãó aguas, 6c lamaçaes, porque fe derre-
tem as muytas neves, 6c caramelo: 6c no Inverno,
como tudo eílá congelado , caminha-fe melhor,
roas não fe navega no mar por eftar coalhado: paf-
lado o Inverno fc navega.
meçando do monte Sevo , coníio diz Solino c. zj.
Aquieftaôos Marcomanos, Boémios, Saxonios,
Pannonios,que íaõ hoje os do Ducado de Auftria,
6c Rcyno de Ungria: 6c outras varias, 6c innume-
raveis Nações, fogeytas ao Império de Alemanha,
pelas quacs pafiaô eftes quatro rios tão nomeados:
Rheno,que naccnos Alpes,chamado vulgnrmen-
Hum braço do Sarmatico Oceano. Sarmatico cha- te Rein,ou por fer muyto claro em fuás agoas: ou
ma aqui efte mar,por fer na paragem de Sarmacia,
â qual confina com Elcandinavia.
Pelo Brufio SueciOyéf frio Dano. Ifto não laó rios
(como alguns com mentaõ por fuás cabeças , íem
autoridade nem razão alguma ) mas íaõ nomes de
Nações que vivem naqucJlas partes , 6c navegaó
no mar cm tempo que o frio Ihedd lugar , como
fica dito atrás. Brufios, ou Barufios íaõ povos de
Prufia provincia de Sarmacia. Suecios íaõ de Sué-
cia província de Elcandinavia. Pelo frio Dano,
por correr com grande furia , 6c Ímpeto, que huma
6c outra coula figsifica a palavra na lingua Alemã.
Danúbio he o mayor, 6c mais celebrado rio de to-
da a Europa : nace no monte Arnoba cm Alema-
nha , dcide aínafontc até a Cidade AxiopoH de
Mifia abayxa, chamada lioje Colonamich , como
dizOlivario lobre Pomponio Mela (indaque en-
ganado pelas taboas dcPtolomeo erradas em lu-
gar de Axiopoli , lcAxia)he chamado Danúbio:"
k da Cidade Axiopoli atè o mar le chama lílro.
Amafo
m% Lufiaàas de Luís de CamÕes Commentados,
^Amafo corre entre o Rheno,& Albis,hc no gran- carneyrocom o vdlodeouro , no qual pafiaflcm
' 'dc,& navegável, como diz, Eltrabãolib.7.inprin- hutupedaçoxiemar , que divide Afu de íLuropa,
cip.Ôc Herrnolao Bárbaro lobre Plínio lib.4.c.i4. & com condição que nenhum deiles olhafle para
,HojeiechamaEemps.Albishchum riodeniuyto trás. Hellecihanuo, cahiono mar, & atogou-lc:
nome entre os Eicntorcb , chama-le em vulgar p(-lo que de leu nome HeUe,6c do nome de aquei-
£lbi, naceenihum monte daSdva Hercyniana kcíbtyto que antes le chamava ponto , poreíla
Boémia, chamado Riícmbcrg, como dizOrtclio occâíiao,5c inortede Helle le chamou Hciiclpon-
na fua íynoniroia na palavra Àlbis. to,coaío le diílciremos ponto de Hclie.hoje le cha-
ma o cílreyto de Galipoli,ou braço de S.George,
j- A Fabula de Helle contaójuílmo lib. 41, Ovídio
lib.5.faltor.Pontano in Urania,& outros.
ENtre o remoto IfirOy^ê Õ claro tjireyto Uo Ur o Mane , fatria tão <]umda. Os moradores
Adonde Helle deyxt u co' nome a vida, tie Thracia inó nomeados entre todos os Eicntto-
Eflão os Thraces de robujlopeyto^ *"^^ poi" ger^te terá, & no excrcicio da guerra muy-
T^oiero Marre pátria tão querida, í^ delti^,& exercitada. Eíla hc a razáo,porque os
Onde coo Hemo.o Rkódope fugeyto Íwh '"'' M-rte,que os Anfgos tmhaó por
^ r\. fi' / ' ^- / Ueos da gucrr* , natural deita região, ik lhe cha-
^0 Otomano e/f a que fomettlda ^,5 ^aí. de Marte , & que o nome que tem lhe li.
Bizâncio temajeu [erviço tndinoi cou de hum filho leu por nome Thratioque nd-
Boa injuria do grande Conjiantino^ la reynou.
Ondeco"^ 0 Hemoo RoJope fugeyto* Conraô as Fabulas
Entre o remoto l/lro. Depois que trattou de ai- que^Hemoíoy Rey de Ihracia calado com Rho-
gumas partes Septentrionaes da Europa,cumcça t^ope > aos quues jupiter convcrceo cm montes,
a Dcfcripçáo de Grécia que antiguan.entc foy por lerem tão lobcrbos,&: arrogantes, que Hemo
chamada Hellas, do nome de humas lerras, que a dizia de íi que erajupiter, & Khodopc Juno , Sc
partem pelo meyo , ou de Hellene filho de Deu- mandávaó que os adorafieir),ôí lervilkni por iaç§,
calion tomo diz Mela.Dclla Grécia eícrevcraó os como cctu Ovídio nas Metamorphofes lib.6. bile
Antigos muytas couias , porque foy Regiaó de n^onteHemo parte Thracia pelo meyo, como diz
miTytonomejaffim pela fertilidade da terra, como Piiniolib.4.c.ii. E(lrabaõ,Polybeo,í<í Niclacuy*
pelos excellentiífimos varões que nella houve:aí- dáraó, quedo alto deite monte Ic via ornar Egeo,
íim em letras como em armas. Hoje eílá perdida, ^ Adriático , o que naó hc poflivel , pela grande
§í desbaratada , nem ha nella couta digna de me- diílancia que ha. Outros acrecentáraó que le viaó
mona. Os Modernos a dividem cm cinco partes, lambem delle os Alpes , Sc o Danúbio, como diz
ou regióes,Thracia,Burinto, Macedónia, Achaya, TitoLivio,lib.i.Dec.4.oqual tem todas ellas cou-
Sc Morca,Thracia chamada vulgarmente Roma- fas por Fabulas : & dclcrevendo o fitiodo monte
BÍd,qucheadequeaquio Poeta tratta,fítua»acn- Hemo,diz que tem tanto arvoredo,que as arvores
tre o rio litro, de que atiá falíamos, & o Heilel- laó taó pegadas , & tecidas humas com as outras,
ponto. Terá o Hellefponto de largo 800. piiflos, que irabalhofamente fe vé o Ceo, que he boa li n-
que( ícgundo os Gregos dizem ) he o efpallo que guagem para os que querem dalli defcubrir o
hum boy pode nadar , pelo que lhe chamaó Boi- mundo. Eílc monte ie chama hoje cadey.i do mun.
phoro os da terra. Divide cite eftreyro Afia de doxomodiz Girava na lua Cofmographialib.íj^j
Europa, Sc hojeem dia fe vemdehuma, Sc outra Toda eíla Thracia hc hoje lugevta ao Turco™
parte do m;ir as ruinas das Cidades Abidos,Sc Sef- Junto a eíte monte Hemo eílà Rhodope ambos^
tos.donde forâo naturaes aqueiles grandes amigos ao longo do rio Iftrimon. A Fabula de iua convcr^ *
Leandro.Sc Hero,dcque Ovidiofazmençaó nas faôem montes trata Ovidio no lugarallcgado»
íuas Epiftolas. g.ue fometttda Bizâncio tem a (eu fèrvtço, Nefíí
Adonde Helle deyxou c^o o nome a vida. Contaó as Thracia na boca do Ponto Euxino, chamado vuK
Fabulas que Athimante Rey de Thebas teve doas garmentcMar roayor , oumarnegro, eítàafcr-
molheres , Sc queda primcyrapor nomcNephele mofa Cidade Conílantinopla , chamada em icus
houve dousfilhos.Phryxo.ScHellc.-cafadoiegun- princípios Bizâncio, como diz Juftino, & PlinioW
da vez, morta a primeyra molhcr, com outra cha- no lugar allegado.O primeyro que a cnnobreceo Jl
mada Ino, tinha os dous filhos que lhe ficàraõ de Sc fez cabeça de Império foy Conftantino filb<lf|
Nephelc comíigo , aos quaes a madralla Inoío- de Helena , queachoii a Cruzem que Chrifto
mou taó grande aborrecimento que os não podia Noflb Senhor foy cnicificádo: Sc outro Conftan-
ver : pelo cjuc determinou por todas as vias dei- tino por alcunha Paleologoa perdeo no annode
tru»los : Sc para eíte cíFcyto fez com cncantamen- mil Sc quatrocentos Si cincoenta Sc tres,a vinte Sc
tOb,Sc feyticerias.que os campos naó déC>m trig©, nove de Mayo: pelo que diz aqui o Poeta, boa in-
Sc acíibou com os Agoureyros,Sc Sábios dilleflem juria do grande Conftantino. Eíla Cidade havia
aEI-Reyquetodoaquellemal lhe vinha por cau- mil Si cento Sc noventa Sc hum annosque craca-
fa de feus filhos. AcodioNephele, Sc deulhcshum beça do Império Romano, qnc cantos houve en-
tre
Canto Terceyrol 73
tre o Império de Conílantino primeyro , que a
cnnobreceo , 8c de hum trilte lugar afez taó no- j ,
bre, ôc cxcJlcnte , atéotenipode Conitantino
Paleologo que a perdeo. Da Cidade Conílanti- T OgO OS T>almatas ^ivem^& no feyo
nopla , & luâ ultima ruina traica a Chronica do j ^ Onde Anttnorjà muros levantOUj
mundo , na qual íe defcreve todo o lucceflbda A (oberba Veneza ejtànomeyo
entrada da Cidade , & as crueldades que o Turco «j^^j. agoas.que tãe haxa começou.
ufou com os ChníUos , Igrejas , & Imagens , & ç^)^ ^^^.^^ ^^^^ ^ ^^^ ^^ ^j
muytas torpezas que cometeo : na era nao con- .^^ , ^ , r J
forma com os demais Elcrittores. Lu.s dei Mar- ^' esforp.uafocs vartas /ogeytow,
mol Carvalhal tratta o meímo na primcyra parte Braço forte de gente Jublmuday
de lua j:)cícnpçáo de Africa lib. z. pag. 224. com Não menos nOò engenhos, que na efpadd,
muyta diligencia, & verdade : o qual no tempo,
conta, ac ordem da txpugnaçaó, 6c prognolhco, /^o^o oi Dálmatas vivem. O que agora le ehama
que lobreelU aconteteo , he conforme/aos que comm um mente Elclavonia , chamarão os Anti-
bem Icntem. gos Dalmácia , Illyris , ou Liburnia. E debayxo
j , • delle nome de Elclavonia lecomprendem outros
j ^ Reynos , &Provincias, Carinthia,Corvacia, o
LOgO de Macedotiia eftao as gentes. Condado de Tara, Libumia , Dalmácia , com os
A quem íava ao Axio a agoafria* povos Raguíeos, & Catherinos. Dizem que tem
E vos tamíteytiyó terras excellentes^ a Efclavonia de comprimento cento & vinte le-
Uos Coíiumes, engenhos, à' ouf&dia, g«^s,& de largo trinta. He terra de grandes ferras,
íi^ :a», r. >,^ Vr, o ^ //,,,-., VI ^-, mayormentena Carinthia.A linsoadosElclavóes
^ue crttes os peytos tloquenteSj .■',-, . r , nr 1 u ► u
^ . -^ '■ i r r nao íomente ieuía em Efclavonia, mas hc também
L OS juízos de altajantajia „^^^j.^, ^ ^^^^^ ^ ^^ Emperador de Alemã-
Com que tutelarei Grecta^o Ceo penetras, nha,como faó Boemios,Pollacos,Bulgaros, Mof-
E nàomemsfor armas, que por letras. covitas,& Boírjnefles,ac fós os Ungaroihnaô lin-
guagem muy differente. A Senhoria de Veneza
Lcge de Macedónia efiãoas^entes.Jontoã Thracia governa a mayor parte das Cid-^des que eliaô no
eílà Macedónia , chamada hoje Turquefca : cha- leu marras da terra ty ranníza, &: tratta mal o Tur-
moufeantiguamcnteaííim , de hum Macedo neto go. O Rey dos Romanos he fenhor do quceftà
de Deucalion,que a governou como o diz Solino entre Sena , & Trieíte. Ella terra toda eítá quaíi
naleu Polyhiiloi.cap.í4.6cPliniolib.4. cap.io. deshabitada , pelos Cirandes males que o Turco
j^ cjuttn lavade /Ixio a az^uafria.O lio Axiocha- nella faz. De toda a Elclavonia, fó oquepoíluem
mído hoje Brade , ou Varadi como diz Ortclio, os Venczianos,val alguma coufa.
atr.vefla Macedónia* E n9 (eyo aonde /Intmorja muros levantou,Vét\ttn-
E vôi tambem^ò ffrr<aíex«//fnífi.Neftas palavras de o leyo Adriático, onde Antenor edificou a Ci-
comprende as outras três Provincias de Grécia, dade de Pádua como truttey largamente atrás.
Burinto chamada pelos Antigos Epyro , a qual A{QberbaVenez,aejiânomtiiodai agoai^metaobaj»
tem quatro Províncias, Chaonia, Thefprota, Caf- xo começou. Depois que trattou da Efclavonia, en-
li<)pca,&: Arcania.Achaya,que os Amigos chama- tra na Deícripçáo de Itália , da qual em muyto
raóHclada , que he aquepropriamcnte chama- poucas palavras diz muyto. Os Modernos lhe daó
iros Grecia,& he como peninlula. A ultima regiaó figura de perna de homem , começando da coxa
de Grécia , he a Moreu chamada antes Danaa, atè o pè:o noílb Poeta de braço,poríer termo de
Apia, Pelafgia , & Peloponnefo: temCorinthia, falar mais próprio, Sc mais accommodado para (eu
Cariença, Mefienia, Hcllas, Arcádia, Lacedemo- intcnto,que he trattar da gente Italiana. Éfta Ita-
nia,ÔC Argia. Paflbu pela deícripçáo deílesluga- lia entre os Autores tem muytos nomes Janicula,
res o Poeta , porque laó hoje pela mayor parte do Cameíana, Saturnia, Enotria , A penina, Taurina,
Turco, Sc todas as coufas de que os Antigos tanto Vitulia,Heíperea, & ultimamente Itália. Eíles,&
celebrarão Grécia, eftaóextinítas Tem haver me- outros nomes põem Ortelio na fua Synonimiíi
moriadellas:& eíles lodvores que aqui o Poeta dá Gcograpbica lib. 2. pig. loi.da palavra Itália. De
a Grécia, faó pelo que aniiguamcnte nella houve, lua origem tratta Girnva,&: Frcy Leandro Alber.
tíTim nas letras como nas armas , & aíllm como os ti na Defcripçaó de Itália logo no principio , os
Antigos a tiveraõ pela principal Provincia do quaesíaó Modernos , & tem tudo oqueos Antí-
•nundopor efle relpeyto , aílim os Modernos a gosdellaelcrevcraó. O Poeta tratta deila em duas
tem nojcpeloelladocmqueeftá, por muyto infe- oytavas,na primeyra lhe dá a figura de braço, que
'^°^* acima difle , começando de Veneza: na fegunda a
pinta cercada de mar , a modo de Penin'ul.i, como
lodosos Antigos a dcfcrcveraõ. E paraqusasoy-
i, tavas íc cntcndaó claramente , as declsrarey aqui.
K E
^^ Lufiadas de Luis de
E nofep ondt AnUn$r» Eíie he o ley o Adriático,
na qual paragem Antenor Troyano edificou a in-
íigne Cidade de Pádua , aonde eftá lepultado o
Corpo do Bcmavcnturado Santo António Portu-
guez, & natural delia nofla Cidade de Lisboa, em
hum Moíteyro do Bcmavcnturado S. Francilco
logo á entrada da Igreja cm hum icpulcro tal, qual
hum taó grande Santo raercce: muy venerado, &
frequentado da gente daqucllas Comarcas , os
quaes não lhe chamaó Santo António , fe naô fó-
nientco Santo por exceliencia , tão grande he o
relpcytojôc reverencia que toda a gente lhe tem.
A (oberba yt»íx>a eftà no meyo Dai agunt e^ue tao
kajxaf»meçou. Comelte Antenor de qucatrásfa-
lámos , primcyro fundador da Cidade de Pádua
vieraó de Troya depois que foy dcílruida pelos
Gregos , os Henetos povos de Lydia, os quaes fo-
raó em companhia de leu Rcy l''hilinicne cm fa-
vor dos Troyanos , 6c vendo-le fenj tile leu Capi-
táo,&; Rey(porque{oy morto no ccrco^dcígoíto-
(os, ÔC enfadados lèforaócom Antenor a Itália ,&
fizeraó feuaUento junto ao lugar aonde agora he
Veneza , a qual de leu norre foy aíTim chamada.
Lançados dahi os £uganeos,que poíTuhiaô aqucl-
las partes como conta Eftrabaô lib.4, ôt 3. onde íè
não determina bem nefta opinião , mas no livro
i5:.à refere por certa: fie Pliniolib.3. c.19. Polybio,
& Tito Lívio ne principio de fua Hiíloria , onde
com muy tas palavras a confirma , pelo que fc naó
pode fcguir outra. Daqui le chamaó os povos Ve-
nctos mudado o H.era V.de Henetos,Venetos,&
comummente Vtnezeanos. Quarto a Cidade de
Veneza he a mais bclla,5c fcrmola, que h( je há no
mundo , & edá fiiuada dentro do golfo Adriático
chamado hoje golfo de Veneza , cujo principio
( como conta o Poeta ) foy muy to bayxo. O que
contaó os Hiíloriadores acerca do principio delia
taô excellente,&; nomeada Cidadc,he,que entran-
do por Itália com hum poderofiffimo exercito
aquclle loberbo Attila Rey dos Scythas, ( que fc
intitulava Rey dos Hunos, Godos, Medos,& Da-
nos,medo,&: ejpanto do mundo,£;floute,& caíligo
de Deos ) deílruindo todas as Cidades , & lugares
por onde paliava , & não perdoando a coula que
cncontraíle, atravefi*andoatcrradc V^eneza, pós
tanto temor âs gentes daqueUa Província , que
naó Te tendo por feguros na terra íe recolherão a
huns piqucnosllheosque no mar ellavaó, aonde
eícapáraó , & (icndo-fealli por feguros da ira de
Attila ) começÃraó a fundar cafas para viver, &
fortificarfe alli o melhor que podiaó , porque o
exercito de Attila naó entrava por mar , aonde
tan>bem fe recolherão alguns que efcapáraó da
Cidade de Aquileya, & de outras gentes,q fugiaó
do aííoute de Attila» Deíles que laó aíTàs fracos
princípios , veyo ) Cidade de Veneza ler o que
agora he. Veja-fc o que clcrevcmos no canto 2.
oytava97.
Da terra hum braço vtm ão mar ^ue cbeyo^ Eílc
braço que aqui põem he a terra de Icalia que faz o
Camões Cctnmentados,
Poeta Ictoclhante a hum braço de homem , como
fica dito airàs, cercado por três partes de mar , &
porhumaló de terra , pelo que lhe chamaó ou-
tros Peninfula. Da parte do Oriente tem ornar
Jonio , chamado hoje o golfo de Veneza , ou mar
Aufonio, Sc Siciliano. Do meyo dia o mar Liguí^
tico , que he o mar de Génova , & o mar Thyr-
rcno , que he de Toícana : do Septentriaó o mar
Adriático, chamado mar de Veneza, ocos Alpes.
Do Occidente os mcrmos Alpes que a dividem
de França, & Alemanha, começando do rio Va-
ro,até o monte Adula, chamado hoje pelos mora-
dores Tirei.
Bra^o forte Jt gtnte fublimada.^Dxz que eíla Itália
cria gente fublimada, ÔC excelkntc, affim nas le-
tras,como nas armas. Quanto ao tamanho de Itá-
lia , dizem que tem de compi ido mil fie vinte mi-
lhas , &dc largo naó lhe afíignão certo cfpafiò,
porque conforme a dilpofíçáo da terra em huma
parte he larga, 6c em outraeílreyta, de circuito
\ht daó duas mil 6c quinhentas & cincocnta.
15
EMtorno occrcão Reyno Neptunino
Co' os muros naturaes por outra parte;
^Felo meyo o áivtde o Apenino ^
^e taó illufirefez o pátrio Marte.
Alas depois que o Torteyro tem divino j
^Fer denao o esferço veyo, (^ bellica arte,
Tobre cfiàjà da antiga pote fade.
Tanto UJeos fe contentada humildade.
Kr» tornt o ctrcá o Refm Ntptunino. Moílra o qil
fica dito atrás fer It.lia rodeada de mar por ti"
partei,& pela outra de muros naturaes, que laó l
Alpes, 6c outras ferras juntas a eiles. Pslo Reyn^
Neptunino le entende o mar.
Ftlo meyo ê divide o /ípenim. Apenino he hum
efgalho dosAlpes,o qual começa da nbcyra deGe»
nova ra Cidade de Nila, 6c parte Itália pelo meyo,
como excellcnte,8c meudameute o efcrevc Eílra-
baólib.5.6c Polybiolib.^. Dizem que fechatr.ou
aílim de Apino Rey d« Italia.ourros querem que
rivcfle cite nome de Apis humCapitáo antigo,que
a fogeytou.&C tiiunfou delia: pelo que entre ou«
tros nomes fe chama rsmbem Apenina.Ourros di-
zem que le chamou eílc monte Apenino por ler o
paílb por onde Annibal entrou em Itália contrí'
os Romanos, o qual como foflc Carthagineníê, Ô.
os Carthaginenfes lechamáo Penos, deaquiquc*^
rem que lhe venha cíle nome. li. porque Annibal
paílbu por aqui diz o Poeta que o tez o próprio
Marteilluílre : porque com ellcad ver fario taó
giande,que tantos annos lhe durou Ic exercitarão
os Italianos nas coulas da guerr;», 6í fizeraó mara*
vilhas nella até deílruir Annibal, 6c tomar lua pá-
tria Carthago, 6c aflolalla de todo. Também fe
pode dizer , que ellcs montes fizcraõ fua pátria,
illuftre»!
r o -
i
1
Canto Terceyro. j^
illuftrc , por.ferem eftorvo , & impedimento aos montes chamados Sequan!,& Vegefo em Borgo-
que por tiles queriaó paliar com exercito contra nha paíla per terra dos Senoncs , que hoje iè cha-
ltaha,no qual lugar muytas vezes eraó desbarata- maó Sens, dcnde parece tomar o nome: palia tnai-
'dos,pclo que Phnio lib.5. c.4. Jhc chama laude, 6c bé pela Cidade de l^aris.R hodano chamado R hol-
remédio do povo Romano. nc,nace nos Alpes, íkíazo Lapo que dizem í<o-
I4ai dipii qug o Porteyre tem dtvino. Dcpotó que
Iraliafoyaliento, & morada do Porteyro divino,
qucheo Summo PontiHce Vigário de Chrifto, &
Governador da Chnítandade,atroxou algum tan-
to nas couías da guerra, entregue de todo a outro
<<ifferenic exercício, qual he trattar da lalvaçaõ
dasalma.s vendu quanto Dcos Noilo Senhor toU
ga com gente dada à virtude, & humildade : &
quaó inimigo hc da gente foberba,&: bellicofa,
GÂllla alítje ver d, que nomeada
Co's Le/areos triunfos foy no mundo ^
èlj^e do Sequanay ^ ao Rhodano he regada^
Edo GaYumnafrío^^ Rheno fundo:
Logo os montts da Ninfa fepultada
^yrenej fi levantão, quejegunao
Anttjí^uidades contaõy quanao ar der ao ^
Rios de our o^^ aa prata entaõ cortcraÕ^
Gallia aílt fe ver4. Tudo o que ha de terra entre
o rio Rin, mar Oceano , montes, Pyrincos, mar
Meditei laneo, Sc mnnte Apenino até A ncona Ci-
dade da Regiaó Piceno,(aque vulgarmente cha-
mamos Marca de Ancona j ne entre os Latinos
chamado Gallia , ^ vulgarmente França. Cha-
ma-lcaflim degala , que he o leyte p«r lerem os
Franccics de cor tnuyto branca , & eíla parece a
verdadeyra origetn da palavra Gallia. Amda que
íana , a cuja nbcyraeíU Génova. Goruninalaye
dos montes Pyrtncos, paíla por Thoioia, Vicnj,
Bordtaux, 6c he muyto grande. Rheno he o rio"
Rhin de que rraticy atras neftc canto, oy tava 1 1.
L»g« 0$ wont«t , Cf^C' Entende osn)ontes Pyrc-
neos, que dividem França de Helpanha, os quaes
como dizem os Poetas toiaó chamados aíTim de
huma donzella chamada Pyrene , que Hercules
deshonrou, àqual manâraó humas bcltas leras em
humas montanhas onde elle a dcyxoy. bl porque
efta moçaalli toy Icpuhada , le chansárao Pyic-
neos,conio aqui diz o Pocra. Outros quercni que
fe chamalle all-.ni de \ya:.^ fabula, que delias Icr-
ras Diodoro Siculo , J^oii^ros coníaó , ^ueno
anno de 88o. antes de ^';feici^icnto de Chrillo
Noflo Senhor arderão em tal maneyra,que ofogci
foy vifto quafi de todas as partes de Hcipanha , cC
de muyta pai re de França : aonde acicccnlaò qua
a grande quentura do fogo penetrou as tniraniias
da terra, òc derreteo as vcas, &c ir.inas delia de í)»a-
neyra,que correrão grandes rios de prata, & ouro,
donde íe fizeraó ricas muytas nações ; & que da-
qui de pyr, que em Grego quer dizer fogo,lc cha-
maôeltcs montes Pyitncos , comu aqui tamberu
aponta o Poeta. Plínio ljb.5. c. 1 . tem líio por fa-
bula. Dos Pyreneos, 6í fua Delcr ipçaó traita Ga-
nbay lib.5. c 15. pag.iiz. largamente, onde poern
cílafubula.
17
Eis aqui/e defcohre a nobre Efpanha^
r Como cabeça alli de Europa tcda,
ida da agua : po, dles pnncipalmenie fe terem Mas nunca podirà com força.ou manha
m f.?J^-tí''M^'" ''v "'""^ "' ^'' 7'.^ '^* afortuna tnquieta por lhe nada,
m le prezao delta antio-iiidadc : comofedizno /-/ >i ^ • r > r^ j-
^ i^/«f íba nao tire o esforçado- ovfadia
Ptolomeo tem o contrario, dizendo que eíles po- — .-, ^ ^
vcs vier^ó de Allyiia,S< Arménia a eílas partes, & Emcujofenhorto,^ gloria ejhanha
que na lingua AHyria Galat quer dizer coufa ti- Mulitas voltas tem dado a fatal roda:
rada da agua 11.-..-. .. 1. ..„.,.„ r- .. , •^ . , „ -^
P
Ptolomeo novamente impre|]o,na tcrceyrataboa
antiguâ da delcripçâo de Gallia.
^enowea'ia co'í>i Cefareei triutnphos fof no mundo.
Depois que Cclar acabou o Confulado , foycom _. . ^^^ .., .^
grande exercito a França , na a qual dez annos pa,da qual os Geographos começáo fuás Dcícrip-
continuos teve guerra comos Francezcs,& fugey. ÇÕcs , por ler a principal de toda tila cm todas as
tou tudooque hadefdeosmontes Pyrineos atèos coulas como todos affirmaô. Eftrabão Ihedá fi-
AlpeF,5í iodo o rcflante até o rio Rhin,& venceo gwa de corno de vaca , ao qual fegucm todos os
outras gentes bellicolas , que feria lar2,o contar, Modernos. He rodeada de mar por todas as par
^Dos bellicoíos peytos^ que em fi cria*
Eis arjui^ (^c. Hefpanha he Província de Euro-
das que elle tratta nos fcus (onímentarios , que
por ieus mcfmos inimigos foraó approvados. E
pehs muytas vittoi ias que houve em França , Sc
triumphos que alc<^nçou diz o Poeti que a Gallia
foy nomeada no mundo com os Celarcos trium-
phos
tes , laivo do Oriente, aonde os Pyrcficosn divi-
dem de França. Dividc-íc Hefpanha toda em três
Provincias,Bethic3,Lufirania,&TarraconenC.A
Tarraconenie ( chamada alTim de huin.: Cidade
deTarragona lua Metropoii ) temeíUs Reyno^:
Murcia, Valença, Aragão ,Carahinha,Ljão cha-
Ka
ment«
^6 Lufiadas de Lms de Camões Commentadõs,
4iiente Guadalquibir , a qual palavra hc Arábiga, ipilia , & cala dos Godos: o qual aquclles poucoj
•& quer na nofla lingua dizer no grande)chama-le Hefp^nho.es que por aquellas ferras cílavâo,o le-
Andalu2Ía,o qualnome tomou dos Vandalos,que
âfenhoreâraô , §í chamando^^le primeyro Van^a-
lia,re veyo a chamar Andaluzia corrupto o vocá-
bulo- Tem eíla Província eftes Reynos,Seyilha,
Córdova, Granada» & Jaem, Luíiunia[que agora
chamamos Porcugaljdizíc afiim de Lulo, ou Ly ■
fa companheyros de Bacho,ou filhos como alguns
o querem: es quaes aportando a cíti terra, íizeraó
neilafeuaflento, &:como a governarão, &:foraó
Icnhores della,de feus nomes ie chamou Luíitania
Lyíitania, hoje le chama Portugal, ainda que náo
tem todas as terras,que a antigua Luíitania tinha,
tem outras muytas , que nâoeráo da Lufitania:
verdade he que tem hoje os Rcys de Portugal o
melhor daLuíicania antigua. Deyxadas as Deí-
cripçóes da antigua Lufit^^piajc pôde o noíío Por-
tugal partir em quatro Pi*S'Vmcias: Tranftagana, a Çm^*»» non tecjua bona pramia divtdii}
que chamamos >=ilenr«^Pj a qual parte comprende
9$ campos de Ourique-, & Âlgarves aquém tnar. O fortuna invejofa aos homens esforçados , quão
Eftremadura,naqual eftá Lisboa, Santarém, Co- mal repartes teus prémios pelos bons. Diíto,a que
imbri.iAbrantes, ác outros muycoslugsres. Intc- os homens chamáo Fortuna eftâo cheyos os ijt*
ramnis,chamada hoje Entre Douro,3c Minho,ter- vros dosPhilolophos,&: Poetas,vejâ-íea noflaan-
vantâraó por Rey no anuo de 7 i(5,Elte teve muy-
tas vittonas dos Mourps , loinando-lhe muytu$
lugares, 6<: desbaratandoos muytas vezes , que foy
principio de íerem lançados de Heipanha.
A fortuna inefumíi poribe mda, ÈlegantiíTima-
mcnte declarou a natureza da íortuna , thaman-
dolhe inquieta, porqu. náo labe eftarquçda, &
firme em hum lugar. O^ Poetas a pintáo cm figura
de molher lem olhos , íobre humabola, paramoi^
trar fua inconftancia, &, mquietaçáo, & quaó qe*->
gji,:5c dcíatmadamente le ha na repartição das cou-
las , dando íemprc pela mayor pai te tudo aps qup
não merecem nada : pelo que lhe chamou íie»
neca trágico» inimiga Uos bons*
O ff r tuna vir» invidã fortibftit
notação no primeyro canto,oytava44.
18
C"^ Om Tingitania ente [ia ^& allifarecs,
j ^*^ ^^^^ fechar o mar Mediterram
Onde ofabtdo Efireytofe enmbrece
Com o extremo trabalho do The bano:
Com nações dtffèr entes f& engrandece,
C ercadas com as ondas do Oceano j
Todas detahwhrezaM tal valor ^
^{e qualquer delias cuydat que he melhor _,
Com Tmgitaniaenufa. Moftra como defronte de
Heipanha eíU a Provincia Tingitana , chamad
4Ílim de Tingi Cidade fugcy ta aos Reys de Port
ra muy to freica , & abundante, na qual etU a Ci
dade de Braga, Porto , & outros muyios lugares.
Tranfmontana, Trás os montes, aonde efta a Ci-
dade de Bragança, cabeça do Ducado de Bragan-
ça, ôc outros lugares : & efte heo Reynode Por-
tugal, o qual lempre andou anncxo a Hefpanha,
cpmo parte fua , até que Dom Affonlo o fexto
Rey de Hefpanha de alcunha o Bravo, que tomou
Toledo aos Mouros , querendo fitisfazer aos fer-
viços,&:aiudas,que o Conde Dom Henrique lhe
linha dado, calandoo com íua filha DonaTareza,
lhe deu era dote todas as terras,que naquelle tem-
po erâo tomadas aos Mouros neíta parte de Lufi-
tania,que agora he Reyno de Portugal.com todas
as mais,, quecUe podelle conquiftar. Da origem
defta palavra Portugal le veja a noflaannotação
nefte canto, oytâva 20.
Muytat voltas tem dado a fatal roda. lílodiz pe- gal por nome Tangcre, Efta Provincia compren-
las grandes mudanças que houve nos Reynos de de os Reynos de Fez,& Marrocos:commummca«
Heipanha por muy tos annos : porque a fugeytá- te fe chama efta terra Berbéria,
raó Suevos, Alanos, Vândalos, Romanos, & Go- AlU parece,ejue íjucr fechar otííar Mediterrano.Kíi
dos, havendo entre elles grandes guerras íbbreel- marapartaEuropade Africa. Tem entre os A utO'
la : comocontâoas Hiftorias de Heipanha, £c le res outros muy tos nomes, porque íe chama A/<ir^
pode ver largamente em Garibai no feu Compen- magnumyMare internumtMare mJirum,Mare Ibyrrt'
dio Hiftorial ljb.5.6. ^ 7. Nas quaes voltas andou nujn^Mare HefpertHm\ que quer dizer, Mar grande,
atéque ultimamente porordem , Scconfelhode Mar de dentro, Mar noflo, Mar Thoícano,& MaC^
Julião Conde de Ceuta,foyentrada,&deftruhida de Itália. Chamaó-lhe também os Heípanhoc
quafi rodados Mouros , noanno do Nafcimento Mar de Levante. Tem além deftes outros nome
de ChriftoNoOo Senhor de 714. lendo Rey Dom conforme aos lugares por onde pafia.
Rodrigo ultimo dos Godos. Enãoficáraópor fu- Ortãt o (abidoeflnytofeennQbrtceC^moextremotrêm
geytarje não alguns poucos Chriftãos, que íc ré- balhodoThebane. O fabidoeftreyto heodeGibal-
colheráo , fugindo defta praga para as terras das taradas conhecido , aqiie chamáoos Latmos/rí-
AfturiaSjScBilcayarosquaeseftandojáparalccn- tumGaJitanum , d^ fretum Herculeum ^ cíireyto de
tregaraos Mouros,foráoeftorvados por coníclho Cadix pela Cidade Cadix que nelleeftá : & ettrc)-
dchum Fidalgo Bifcainho chamado Pclayo de na- to de Hercules , porquedizem as fabulas, que de-
ção Hefpanhol : ainda que alguns o fazem dafa- pois de Hercules haver perigrinado pelo mundo^
ali-n.
CantoTerceyro. ff
alimpandoo d/e vários nionftros que nella havia, terra , toy publicamente mandado , que a Cidade
aportou aonde agora hc Gibakar , & eftando alli íofic aeítruida, 6c os que ncHa moravão íe toraaí-
huma feira inuyto grande, a partio pelo meyo, ôc lem para Cumas. Mas focedeulhe mal eíte nego-
itz , que o mar fizefle ieu curlo pelo mcyo delia, cio > porque íubitamente lhe Icbreveyo grande
como hoje U'L dividida a lerra em duas partes, hu- pefte , coniultando o Oráculo relpondeulhs, quQ
ma chamada Calpe, & outra Abyla, a qual os Au- tornallcm a Cidade Partenope a leu pnmeyrqel-i
toreschanião Alyba , que quer dizer cGlumna, tado , &quedcftamâneyraceflarÍ4apeíl:c, o que
porque Hei cules pozemcada huma deílasferras elles íizcrãp logo por Ic livrar de hum mal tãoi
huma colunina, como termino, ôc fim de feus ira- grande , Òí dahifcy chamada Nápoles, que quer
baihos: as quaes columnas andáo hoje nas armas dizer novu Cidade , porque novamente toy ediíi-
dos Reys de Caltella.Na ierra Calpe elU hoje Gi- cada por mandado do Oráculo.
balca),Ôc na Abyla T^tutatcítíi he a razão, porque ^ugeyiando Partenope tncjuieta. Chama a Nápoles
os Autores chamáo eílcsdous montes as colum- inquieta pelas grandes revoltas que lobie elia
nas de Hercules. houve , como conta Garibai no fcu Compendio
OgMo 7 «f^<a«ff. He Hercules chamado aífim da Hillorial lib. 52. c. 8. uiquead 18. no qual iratta
Cidaocdc 1 hcbasdonde tUefoy natural. A ver- como Dona Joanna Raynna de Nápoles perhlhou
dadeheqix Hercules terciodecimoRey de Hei- a Dom Aííonlo Quiiito, & uUimo deite nome dos
panha elt« enterrado em Cadix , o qual foy Excel" Reys de Aragaõ de alcunha o Magnânimo , mas
Jentiffin-o Rcyrpeloquefoy tido por Deos, affim ctta amizade durou pouòo,5<.' depois houve traba-
dos Help.inhoti como dos Africanos. Depois dcfte lhos atè que íí-URey Dom Fernando i?. de Ara-
houve muytos que á lua imitação le chamarão gão,5c lo.deCaílcllaa íogeytou até hojf.
Hercules. O ultimo foy eíle de rhcbas,de que o o Navarro^ai /ifiurtas^c^ue riparo iâ forno contra A
!»oefaaquifala,aoqual atriibuea cavallana, ôccí- gente Mahometa. Das terras das Aftuna.s&Navar-
foiçoquccíleprimeyro Hercules teve. Eilahe a ra.fe tornou a recuperar Heipanha por hum Fi-
razáo porque elleeítreyioíe chama também Her- dalgp chamado Pclayo, que pelo grande amor, õc
çulco, o mais he fingimento Poético, lea-fe Gari- afi^^cyçâo que lhe os povos Elpanhoes, que cntaõ
|>ai no leu Compendio lib.4. c. i $. havia , tiverão , levantarão por Rey, 6c chamarão
CvMoi na^iei dí^erentei (e engraneíece.ldo dizpe- por Dom. Palavraque até eíies nolíos tempos du-
lasdificrcntcs nações que tem Hcfpanha , como ra entre Reys,&. outros íenhores de Herpanha,a
atrás ficadito. qual palavra. Dom, he dirivadada palavra Latina
j g Dommui , que quer dizer. Senhor : ôc porque por
confelho defte nobre Cavalheyro receberão os
TEm 9Tarragcnez^,que fefezclaro^ Efpanhoes algum refrigério, & íe tornarão a alar,
Òugeytundo 'PaYtèyiope in^uittaj & cobrar esfoi ço,6c debayxo de íua bandeyra lhe
0 Na-varroas J/turits, que reparo f^z l^eos muytas mercês , lhe puferão eíte tão
Já foraõ, contra a oente Mahometa'. amorolo , & honrado titulo de Dom, não ie cha-
Tem o Galeoo cuuto, & Oiiraude,& raro mando antes niais que Pelay^o.
Lajhlhano, a c^uemf.z, oj.utlaneta ^^^ ^^ Hefpanha, que atras pus, fe entenderá eíle
Rejíítuidorde hjpanha,^ /enhordeila, verfo , que traita de alguns Reynos de Caíklla,
BethiijLeaõfirunadai com Cajtella. como he o de Andaluzia , que fc entende por Be-
ihi<^,porque aííim chamão os Letinoí ao rio Gua-
Ttm» JarragontXat^uefeftx, ^Uro. DcTarragona dalquibir que por elle paíla.
fe vcjaa ncflaunnciação ncíte canto , oytava 17.
Aqui Tarragonez fe entende fomente o morador «q
do Reyno Aragão, pelo queaqui tratta : pwque
EURey Dom Aífonio de Aragão logeytou Na- T7 Is aqutcjuafícume da cabeça
lH<lcs, a qual toy chamada antiguamente Parte- \J^T)e Europa toda ^e Reyno Lu fitãUO^
r.ope , como a chama aqui o nofio Llis de Ca- Onde a terra fe acaba j^ ornar começa^
mócí.Os poetas conião que Partenope foy huma £ ^nde Theborepoufa no Oceano:
mn?rnTvn?r "^M ^'^'"^? """^ leu canto def. ^^^^ -^ ^ Ceojujlo,que flore ça
tiHiir a UJyíles, & lua armada, tomadas diílo fe -kt ^ i -^ 7 / ar -^
lr.nçàraó dehum rochedo no mar aonde morre- Nas ar mas, contra o torpe Mauritano,
r:io,^huma dcli.s chamada Partenope foy dar a T>eytandoo de Jifera,{£) lanaardtnte
huma parte aonde íoy cntcrrada,& edificado ahi ^Jrica^ eftar quieto O nao confe^te»
, hum lugui que Ic chamou Partenope de leu nome.
1 E porque elKb fundido» CS de Partenope (e hiúo Eit a^ui íjuaft cume da cabeça Di Eurôfa todo o
I eíquccendodciua natureza, 6c delempíiravão a líf;»^ iL«//f<i«/).Aqui tratcadc Portugal,cujâDef-
Cidade, 6c Comarca de Cumas , aondeellesalli cripção fc pôde ver atnís.oytava ly.aondçtrattey
v;cráo , por lhe comentar inuyto aquelie Ctio de do que agora hc propriamente Portugal , pelos
mais
78
Lu/iadas de Luts de Camões Commentados,
Ij.òí 56.dilie como o ftcílo Portugal fe chama en*
tre osLatinoi Luíítania , do nome Lulo,ÔC L-yla
companheyiosdeBaccho, alli Ic pôde ver , Òto
nollo PoetM o diz na oytava ieguintc : outrcs que-
rem , que it. chyniaficelia terra aflim de Lufo de-
cimo nono l<.ty de Hclpanha , vejaic Ganbai no
íeu con)penaio lib. 4. cap.n.
11
mais claros nomes ^uc cu pude. Quanto â origem
d^íte nome Portugal , todos os homens Doutos
(principalmente os noflbs Portuguc2es,que pro-
curarão tirar a limpo a verdade da i>rigem da lua
patria)concordâo niílo, 6c he, que antiguamcnte
houve na foz do no Douro, cm hum alto,que pen-
de fobre o rio,hum lugarinho por nome Caié,no
qual vivia alguma gente pobre, principalmente
peícadores:& como ertcs viveflcmtrabalhofamen-
tc naquelle lugar por caufa da ruim lervcntia que
tinháo no hir, &: vir do rio, onde principalruente
trattavãoicomeçáraô de fe recolher para a praya,
a qual chamávaó porto , & edificar alli algumas
calas, para fugir do mao trattamento que em Cale
paflâvaó. Creceo a genre, & crecerâo os edifícios ^^'^" ^ ^'.Jhol 7ue'os
demancyra, que le veyo a fazer Cidade , â qual cA,„ . ^ ^^ j^ r ^
chamarão porti de Calcado nome do lugar Cale, "^fr detreto ào Lee, _
Sc do porto que era na praya. E porque eítas duas ^0'^ ^ f^^*^^ ^^^ «^«^^^ tanta farte,
letras C, & G. em moytaà Línguas le põem hurna Cnandoa RfyhO tllujrre:, t3foy de[ia arte,
por outra muytas vezesroque acontece em outras
palavras/occedeoneftajquc de Portoeale fe veyo Defía o Vaftor naceo. Como fica dito não tem
chamará Cidade Portogale : 6c porque o Porto agora o ncflo Portugal todas as terras , que a Lu-
cradas mais antiíiuas Cidades , 6c de mayorcon- fitaniaantigua tinha, £c nos termos outras muytas
DEfta o TapQYnafceo^que mfeu nome
Se vè, ^ de homem forte osfeytos teve,
C ujafama, ninguém vtrà j que dome,
'Fois a grande de Roma nãoje atreve:
filhos fropios comej
lígfjfOj ^ leve^
curío de todas , as que naquelle tempo havia no
Reyno de feu nome Portogale fe chamou o Rey-
no Portugal : 6c não por ier porto de Francelts,
como alguns querem. Efta opinião tem o ncllb
André de Re(ende,OlorÍ0, Duarte Galvão,6c ou-
tros ,6c que eftiveílcantiguamente o lugar Cale,
de que falámos no lugar acima dito , affirma Or-
telio na íua Synonimia Geographica , na palavra
Cale; aonde refere© Emperador Antonino, que
a fitua na melma parte.Novamente o Padre Dou-
novanente aíUnadas a Portugal , quenãocrao
contadas na Luíítania. Entre outras Cidades que
tinha a antigua Luíítania, huma era Sarr.ora, fitua-
da nas nbeyras do rio Douro , da qual dizem foy
natural o grande Viriato, que foy C;pitáo Gene-
ral dos Liiíitanos, outros o fazem natural da Bcy-
ranão lhe cfíignando lugar de luanaturezarhuns,
6c outros procedem neíia matéria muytoefcura-
mente ; pelo que a certeza que eu acho ncíte par-
ticular , hc não haver c uiraíe não a carga cenadíl
tor Frey Bernardo de Britto nafua Delcripçâo dizer,que foy Luíitano , como todos os Hiíloria-
de Portugal, lib.i. pag. 57. lhe dá outra ctymolo* dores c fazem,p; lo modo acima ditto. Antes def-
gia,he livro que todos os cuiiofos devem ter, alU te Viriato fettet.ta annos pcuco mais , ou menos
fepódcver. houve outro Varão ilUiítrc , a que alguns fazeín
Ondt a terra acaba^éf o mar comera. Eíle Reyno Rey no tempo de Aunibal , que o acompanhou a
de Portugal eftâ no fim da terra contra o Occi- Italia,6c n^orreo na guerra de Cannas como refere
dente , como he notório , 6c aqui fe eílendc o mar
por todo o Univerfo.
£ onde Pheho repeufa no Oceano. Por eftes rermos
moftra eílar Portugal nas partes do Occidente.
2.1
ESta he a ditofa patrta minha amada j
Aqualje o Ceo me dà ^ eujèm perigo
Torne com eíia emprefajâ acabada^
Acabe/e efta luz, alli comigo:
Efta foy Lufit anta derivada
*T>e Lufo^ ou Lyfa^ que de Bacco antig^o^
Filhos for ãoipareccj ou companheyros,
E nelle então os íncolas primeyros,
Acahefe tfta luz alli comigo. Termo Poético , 6c
inuyto ulado tomaríe eíVa palavra luz entre os
Latinos pela vída,como aqui toma o Poeta.
E/lapj Lufitanía, No canto primeyro, oytava
o noíTo Relende lib.5. ^^^^^ declara hum lugar de
Silio Itálico a eílc propofito.Quatorze annos per-
feguio eíle Viriat(>(dc que fallamos)os Romanos,
6c deu aílàs em que entender, 6cdér,imais, feo
não matàraó á treyçáo dous (oleados Uds, princi-
paes de (eu exercito: dos quaes fe fiava, Sc íc íêrvu
nas occafiócs de importância, induzidos, & íobor-
nados por Servilio C epiáo Capitão dos Romanos,
com que então Viriato trazia guerra, com o qual
elles trattavão pazes por mandado de Viriato. Ef-
te dizo noíloPoetaque foypaílor, noquefegue
a Paulo Orofio , outros muytos o fazcm íalteador
de caminhos, 6c aqui Capitão dos Lufitanos. Lú-
cio Floro o faz primeyro caçador,8c depois Capi-
tão. Quanto a mim, pelo que entendo das Hiflo-
rias, Viriato devia fer faltcador de Romanos, por*
que andava levantado contra elles em companhia
de outros Lufitanos ^ cujo nome veyo em tanto
crccimento (pc lo tíirago que nos Romanos fazia,
o qual durou por nmytosannos ) que vendo os
Lufitanos leu valor , 6>c^£Íorço,o fizcrão Capitãí»
General.
Canto Terceyro. 79
General. E nâohâ paraque lhe chamem ladrão, bitas,6c Ammonitas, de que a Sagrada Efcrittura
pois náo lemos que exercitafle tal officio, fenão faz menção. Aqui cítâ o monte Smay aonde cílá
contra Romanos innmgos de Tua Pátria. E como o corpo da Bemavencurada Santa Cathcrina.Nef-
os Romanos tratiáo delle em iuas Hiftorias , não ta parte morou Efau neto de Abraham , & íilho
he de elpantar , daremlhe elte nome, pois os trat- de llaac.Daqui os Árabes, que chamamos A larves
tava táo mal. Quer o noílb Poeta que fe chame corrupto o vocábulo fe chamâo Sarracenos, Sc íc
Viriato a vtribui, ou a vtrtute por fcu esforço, 6c jaâráo muyto deíle nome, dizendo,que procedem
cavallaria, no canto oytavo , oy tava 6.tratta delle de Sara molher de Abraham , pelo que elta pala-
mais largamente , Sc a noHã annotação no canto
primcyro.oytava 16.
E(id o vtlho eftie oi filhos comt. Pelo velho que co-
me 03 filhos le entende Saturno filho do Cco , &
Vefta como diz Laòtancio. Efte Saturno fingem
os Poetas , que comia todos os filhos que Upe lua
molher paria; pelo que o fazem figura do tempo,
o qual gaita tudo , & daqui o pintão com huma
fouce na máo, para dar a entender que tudo cega,
& eonlome o tempo, & iíto he o que quiz o Poeta
aqui moltrar,que o tempo,quc gaíla todas as cou-
ías , & taz de novo apparecer outras, que nunca
foráo : veyo a fazer de Portugal ( que era huma
rouyco pequena parte de Hefpanha ) Reyno , 6c
^áo lilultrejÔC conhecido como agora porj^experi-
encia vemos.
H
2-3
Vm Rey por nome AfÔ/oJoy na Efpa-
qfez aos òarracenoi tãta çuerrajÇnba,
vra íe deve efcrcvcr com hum íó r. E porque no
anno do Senhor de 5?99. paíiáraô eíles Árabes á
Africa com íuas cafas,&; tamilia,6c andando ò tem-
po vierão a fer fcnhores de muy ta parte della.Da-
qui chamámos aos moradores de África Sarrace-
nos, fendo norae próprio dos Alarves, dos quacs
hoje em dia ha grande abundância em Africa.
Chamaófe tambeui Agarenos de Agar efcrava de
AbrahaiT», cujo filho llmael foy Rey em Egypto,
& fenhor de muyta parte de Africa: pela qual re-
zâo lhe chama o l-*octa muytas vezes nellclivro
netosde Agar,3cdeitendentesde Agar. Chama-
mos hoje a eíla gente Mouros , palavra antiquií-
fima , cuja origem quanto a mim he de JVlauron,
palavra Grega que fignifica coula negra, porque
elles o íaó todos pela mayor parte. Vejafe Fran-
cifcodel Marmol Caruajalna lua Africa 1. p. lib.
i.c.i 8.& nòs trattàmos airàs no canto i.oytava.8.
Do Herculano Calpe a Caipiajerra, No ^nno de
712. comoconfta das Hill^rias foy entrada Hef-
Sluepor armas (angutneas,iorça^ manha^ P^nha pelos Mouros de Africa , com ajuda de Ju
yf muy tos fez, perâer a vida, & terra: !.'^° ^*^"^^ '^^ 9"^^' ^ P^*;'^"^ V^^]^^'^ô cm Gi-
yoando defte Rey a fama ejtranha, ^^^'^' chamarão, ao monte de G.baltarjobelpe-
\cn, Tl I /> / ^ ^ -> • . rot,quequer di2er,monte de vlttona,porquedal-
tC>^? í/éTí^w^Wí? Calpe a Cafptajerra, Ji começarão a ganhar a terra.Efte monre fe cha-
Mf^ytosJ^para na guerra ejclarecerfe) mava ames Calpe,5c aífim lhe chamâo hoje os Hií-
Vmhaòaelle j& d morte offerecerfè, toriadores, & Poetas. Tem por epithct© Hercu-
4 lano como fica dito oytava i8. Porefte termo de
H»w Rejfòrnome Affonfo foyntí Hefpanha. Efte falar entende dclde o eftieyto de Gibakar , que
foy El- Rey Dom Affonfo o lèxto de Hefpanha he no fim de Helpanha , até a gente que mora ao
Emperador cleyto , o qual no anno de mil Ôc oy-
tcnta òc três tomou a Cidade de Toledo aos Mou-
ros. No tempo defte Rey fazião ou Mouros gran-
des iníultos em Efpanha , Sc elle fez tanto eftrago
ncllts , que fuás coulascrâofabidas pelo mundo.
Pelo que de differentes partes da Chriftandade
concorriâo muy tos Senhores Chriftãos em fua
aÍuda,zelolos da dtfeníaó, & augmento da Fé Ca-
tholica,como fe conta nas Chromcas deHefpanha
f.rgamcnte.
longo da lerra Caípia na Alia, como fc d)l]era,quc
por todas as terras do mundo foráo fabidasascou-
fas,qiieEl-í^ey Dom Aftonfo fazia em Helpanha
contra os Mouros inimigos da nolla Santa Fé Ca-
tholica.
E
2-4
Com amor intrinfeco acendidos
*D<2 Fèi mais quedas honras populares,
Eran de varias terras conduzidos ^
f,utftx.aoi Sarracenos tanta guma. Sarracenos q)eyxa?jdo a Pátria amada, & próprios lares:
lao moradores de Arábia chamada Pétrea, onde c/^/^,,, .„..L /-pv^^r ^/r/,c.^í>. /;.á,^^r
leu primeyro fundador Pétreo filho de Curete ne-
^epoís queemfeytos altos ^ &fubídQs
Se mofffàraÕ nas armas fingular es ^
^iz ofamofò Affunfo^ que obras íAes,
LevaJJem premio digno ^ & does iguaes.
todeCham , ou por fcr(cGmo alguns querem)
terra muyto afpera,&: pedregofa,como eu ouvi a
pefloas,que a vjrão,& andàraó.E he ifto tanto af-
fim, que os animaes da terra fe fuftenião do orva-
lho,que cae por cima das pedras,lambendoas com E com bum amor intrinfeco. Lugar he efte bem
a lingua , provendoos a natureza defte remédio digno de confideraçáo ver a volta, que o mundo
pela falta de hcrva, que não tem, 6c laó fermofií- tem dado, & a Meiamorphoíi, que Ic fia fcyto na
fimos de gordos. Eíia Arábia Pétrea confina com gente, cm que principalmente florccia a Chriítan-
Judèa. NeíU foráo os Ifmaelitas, AgarenoSjMoa- dade, & que mais fc aíinalava, ôc cfmerava no fer*
viço
go Lufiadas de Liiis de Camões Commentadcs,
viço de Dcos : que hoje çor nollos peccados eíiá guezes chamâo Ti ás os Montes , & juntamente
em hum táo trifte,6c perdido eíhdo:§c que aquel- aircyio para conqmítar tudo o mais que os Mou-
Jes que com tanta lealdadc,6c zelo dn Fé de Chrir- rosoccupàvaõda Lufitania. G?;nbay no Jugar al-
to deyxá.vâõ íuas patrias,amigos,6c fazendas,ten- legado põem tambcm algumas condiçóes,Ôí; obri-
jdo tudo o que ha na terra cm pouco , & não lhe gações que El-Rey Dom Affonio poz ao Conde
jembrando outra coufajc não a honra de Deos,ôc Dom Henrique nas terras, 6c titulo, que lhe deu.
^ugíncnto,& exaliaçãodc luaSantiffima Fé,hoje ComocíteConde Dom Henrique haja vindoaeí.
icjâo os mayores inimigos que temos , & que trat- tas partes ha entre os Hiftonadores diffcrcntes
tem, & le ajudem daquelles, que femprcandáraõ opiniões , o que íc conta por mais certo he , que
com a elpada na mão contra os Chriítâos. paliando ellc em huma armada , que hia de Ólan-
da , & Zelanda à Conquiílade ultramar , veyo
ter a Corunha ,& dalli ficou cm Hcípanha Cl»
^ ferviço d^^EURey Dom Affonio.
■nJWi..»!^^
EfleSi Henrique dizem, quefegundo
Filho à^húRey deVngria exprtmétado% 2, 6
i
Portugal houve em forte^ que no mnndo ^ « . . 1 ^ /
Entaõnão era illujire, nemprezaao: T7 ^^^ ^'f''' ^^^'jontra os defiendentes
Epara mais [mal de amor Profundo. Xly'D^ e/crava Jgar vitorias grades teve,
^tiz o Rey caílelhano, que cafaào Ganhando muytas terras aàejacentes.
Com Therefajua filha o Conde Me, Fazendo, o que ajeujortefeyto deve:
E com ella das terras tomouPoJJe. ' Em premio dejies feytos exceílentes,
\Deolhe ojuprtmo Ijeos em tempo breve, .
. De/les Henrique diz.m. Sobre a pátria, & origem Bumfilho.que illujiraffe o nome ufano^
do Excellentiffimo Príncipe Dom Henrique T)obellicojo Reyno Lufitano,
Conde de Portugal,& primeyro fundador da caia
Real deites Rcynos ha entre os Autores differen- Ccmra os dtfcendentei da Ejcruva j^gar* Os dc-
tes opiniões : porque huns o fazem do tronco dos cendtntesde Agar laó os Mouros, como fica di-
EmperadoresdeConftaniinopla,Sc aeítapartele toarias. Ccniia eíles depois de ter o titulo de
inclinãomaisosCaílelhanos: outros dizem, que Conde de l'ortugal,&: ler itnhor delle,fcz grandes
foy filho fegundo de hum Rcy de Ungria , os coufaso noflb Conde Dom Henrique, &.lhe to-
quaes fegue aqui o noflo Camões , outros dizem mou muytos lugares à força de armas, como aqui
proceder da caía de Lotharingia chamada agora aponta o nollo Poeta.
Lorena, 5c efta opinião pareceo melhor a Garibay Peulbe o Supnmo Oeoi cm tempo breve èumfilbo.U
no leu Compendio lib.54. c.z.no que legue a Va- te foy o feiícilinuo Dom Affonio Henriques,pri
fco,Sc outros que procurarão tirarifto a luz,&ía- meyro Rey dcilfs Rcynos , o qual nalcco ef
beilo de raiz. A mefina opinião tern o Autor da Guimarães no anno de 1094. 6c bemfcmoílrape-
Chronicad^El-Rcy Dom Manoel54.p.c.72. No- lo modo de leu nafcimento,6c do que Dcos Nof-
vamente imprimio o Doutor Duarte Nunes de fo Senhor nelle obrou , as mercês , que ao diante
Leaó huma Genealogia dos Reys de Portugal, lhe determinava fazer. Contão os nolios Chronif-
aonde o faz natural da Cidade Bezançon do Con- tas que foy o naícimentod'El-Rcy Dom Affon-
dado de Bcrgonhajfilho de Guido Conde de Ver- ío eítranho, porque alem de nalccr rnuyto grande,
nol. Eu em couía tão duvidoia não tenho que af- nafceo com os pés ligados, 6c attados para trás, do
firmar, cada hum figa o que lhe parecer. que feus Pays ficáraó muyto enfadados. Puí8-
Portugal ouve em forte. Eíle Conde Dom Hen- raélhe na pia por nome Affonio , do nome de leu
rique fahio de fua pátria com propofito de íervir a avó Dom Affonio Emperador de Heípanha/5í do
Deos contra infieis,cm companhia de outros cava- nome do pay Dom Henrique,c fobre nome Hen-
Iheyros , o qual aportando a eítas partes ajudou riques. Acrcccr.tão es noílbs Hiftoriadorcs, que
com tanto esforço , 6c fidelidade a El-Rcy Dom pedindo continuamente a Deos os Condes dcffe
Affonfo o Sexto Emperador de Hefpanha , cm laude a fcu filho primogenito,6c o (araffc daquella
muytas occafióes que íe offrecerão , 6c El-Rey o fcaldade,tomando por mterceflora a gloriola Vir- ;
cftimava muyto. Pelo que affim por fuás partes gem Maria Nofia Senhora, lhe foy revelado foílíji
tão cxcellcntcs, 6c couías dignas de memoria que ahumalgrcja,queert:ava cm hum lugar chamado
na guerra fez , como por ler de langue tãoilluííre Carquere ao longo do rio Douro que eilá duasle-
o cafou com huma fua filha , por nome Dona Ta- guas de Lamego , onde a mefma Senhora havia
reía , com a quallhe deu cm dote muytas terras aparecido , 6c que levado o minino là no anno de
em Galiza, 6c oquepofluhiaem Portugal,que era 1099. lendo j'a de idade de cinco annos(annofina-
Coimbra, Lamego,Viícu, a Comarca da Beyra, o lado em que os Príncipes OcciJcntaes havião ga-
Porto, Braga, Guimarães, coro as terras de entre nhado aos infiéis a Sãta C:afadejernr*lem,8cacla-
Douro, & Mmho; 6c aquclla parte que os Portu- mado por Rey delia a Gofrcdç de Bulhãojfcy íáo
daqueU4
Canto Terceyro, 8i
daquclla íua fcaldack, & indifpoíiçãojquerendoo ainda que nefta conta ha variedade entre os Au-
Noílo Senhor íoltar, & dilpor para exaltação, Ôc tores. Depois que fe ganhou efta Cidade ficou
augmento de lua Santa Fè. Os Condes agradeci- Goíredo com titulo de Governador,conio alguns
dos , & lembrados de huma táo grande mcrce, dizen),náo querendo aceytar o de Rey,como bom
como Nofla Senhora lhe fizera em lhe dar faude companheyro,6c Capitão. No qual car^o não du-
^7
a íèu íiiho , mandarão logo que Ic acaballe de edi-
ficar aquella Caía, aonde a Senhora havia apare-
cido,porque não tilava mais que começada. De-
pois lè fez hum Mofteyro , onde eftiveráoReli-
gioíos da Ordem do Bemaventurado Santo Agol-
™ítónho,&; hoje eftáo Padres da Companhia de Jeíus.
I^pr A' tinha vindo Henrique da conquifta
I "DaCtdade Hierofo rolyma fagrada^
^ E do Jordão a área tinha vijta;
§ue vio de T)eos a carne em fi lava4a:
^ie nà o tendo Gotfredo^ a quem refijia^
depois de ter Judeafobjugada,
MuytoSj que nefias guerras o ajudarão
^arajeus (enhortosfe tornarão.
i
lâ tinha vindo Henriciue da Conejuifia Da Cidade
Bterololyma fagfada. Hieroíolyma he a Cidade de
Hicrulalem a principal , não fomente de Judea,
mas de todo o mundo, táo conheeida,v^ celebrada
pelas Efcritturas Sagradas.Senhora dos Gentios,
Princefadc todas as outras , morada dos Patriar-
chas, Máy dos Prophetas, & Apoftolos, principio
de noila Fé,gloria do povo Chriílão,terra de pro-
miflaô, a qual antiguamente deu com tanta abun-
dância todas as coulasa feus moradores , agora dá
a todo o género humano remédio para fe poder
laivar, 6c viver eternamente, pois nos enfína os
Hcroycos feytos , vida , &: fucceflbs de nofla re-
dempçáo. Os Turcos , & mais inimigos de noífa
Santapélhechamâo codsBaruch , que quer di-
zer Jugir de benção , pfla grande abundância de
todas as coufas,& excellencia da terra.E,ll:a Cida-
de teve grandes conibates,& f oy por vezes deílru-
hida. Primeyramenre a deílruhio Veípaíiano
Tito,no ap.no dcChrifto noflb Senhor de icttenta
^tres , depois no anno de cento & trinta ôcleis
f oy rcfhurada por Elio Emperador, & de (cu no-
me chamada Elia Deflruhiraóna depois os Sarra-
cenos,&c gente do Soldáo do Eg) pto,os quaes ne-
nhuma toula deyxánô , falvo o Sepulchro de
Chiifto Noifo Senhor , & eíle para com clle ga-
nharem, & mercancearem com osChriílãos. Os
quaes villo iíto fízcráo liga entre íi , ajuntando
hum poderofo exercito de mais de quinhentos
nni homens, no anno de10f7.de Francefcs, Hel-
panhoes,&: Elcocezes,Inglezes, Flamengos.Olá-
deles, £<: Lotharingios , entre os quaes repartidos
osexerciíos, 6cfcyrosCapicáeç , humdeliesfoy
Gofredo (a que outros chamáo Godufre de Bu-
lhão ) de que aqui o Poeta fala. Eftcs ganharão a como pay Catholico , & verdadcyro , lhe aconfe-
Hicrulalcm no anno de mil 5c noventa ficnove, Jhou, o quclhc importava para fervir a Deos, &
L governar
rou mais que hum anno, pcrque morreo de doen-
ça. Succedeolhe Baldovino feu irmão com titulo
de Rey. Depois le perdeo,6<: a ganhou por vezes,
6c ultimamente a occupáo os Turcos , os quaes a
lomáraó no anno do Senhor d« mil quinhentos ÔC
dezaíete. Eíla hida de Hierufalem de que o Poeta
aqui fala, que fez o noflb Conde Dom Henrique,
foy no anno de mil cento & tres,aííim com propo-
fito de ajudar os Príncipes Catholicos Occiden-
taes na conquifta do Oriente , como também por
viíitar os> Santos Lugares da Terra Santa. Aieni
deftas occâGóes tinha outra , que era ver alguns
parentes, 6c conhecidos feus, que naquellas partes
andaváv) em continuas guerras com os inBeis,para
©s ajudar nellas como bom parente , Sc Chnítáo.
O tempo queláeítevc , lempre fe occupou em
guerras contra infiéis , íinalando-fe muy to entre
todos os outros Principes que lá eftavão. Depois
que vifitou aquelles fagrados lugares, £c alcançou
muytas rcliquias delles , delpedido de feus paren-
tes,& amigos,íè tornou a Efpanha,aonde adoeceo
de húa infirmidade de q morreo, cm Galiza na Ci-
dade de Aítorga, a qual Cidade tinha tomado a feu
primo Dom AíFonfo de Caftella, chamado Empe-
rador. Foy feu corpo levado a Braga, & enterrado
na Igreja mayor intitulada de Santa Maria.
E do lordáS a área tinha vifio.O rio Jordão,como
diz o Bemaventurado S.Hieronymo , ao qual to-
dos leguem niílo,nace ao pé do monte Libano, de
duas fontes,humâ chamada Jor,&: outra Dam,das
quaes ambas juntas cm hum corpo fe faz o rio Jor-
dão. Nellerio íoy baptizado C h ri fto Noílo Se-
nhor, como dizaEfcrÍ!^tura Sagrada em muytos
lugareSjSc o ncfib Poeta aqui.
18
Uando chegando ao fim de fua idade
_ JO forte, S" famofo Vngaro efiremado,
Forçado da fatal neceffídade,
O efpirito deu a quem lho tinha dado:
Fícaiiã afilho em tanta mocidade.
Em quem o pay di yx&va feu tres lado,
^e do mundo os mais fortes igualava,
^e de tal pay^ tal filho fe efjíerava^
§lMando chegadt ao fim de fua idade.)í,[crz\cm mais
os noflbs Chroniílas deite felicilfimo Conde Dom
Henrique, quccftandonofimdefua vida, & en-
tendendo chegarfe o tempo de íua morte, mandou
fofle diante delle feu primogénito filho Dom Af-
fonfo Henriques , o qual cílava em Guimarães. E
8j Lu/tadas de Luif de
<7overnar bem feus fubditos, encommendandol hc
lobre tudo o augmcnto da Fé Catholica,&: o bom
trattamcntodobíeusjregendooscom juítiça , Sc
benignidade.
19
MAs o velho rumor naô.feyfe errado
Ç^iâ em tãta antiguidade naõ ha cer»
Contaiq a may tomado todo o ejlado^ teza)
Do fegundo Hymenh naõ fe d^ ff reza:
O filho orfaÒ deyxava desherdadoj
Dizendo j que das terras a grandeza^
E ofenhoriotodofôfeu era,
"Porque para cafar/éupay lhas dera,
. Mat o velho rumor nao fey fe errado, Contaó os
noílosChioniílas, 8c alguns Caílelhanos, como
Garibay no lea Compendio, que a Condelía Dona
Tareia niolher do Conde Dom Henrique quefe
caiou fegunda vez depois da morte de feu marido
com hum Fidalgo Caílclhano , por nome Dom
Fernando.O que foy caufâ para pretender desher-
dar a feu filho Dom Aííonío Henriques , dizendo
precencereraas terras de Portugal a ella , &náo a
íeu filho, pois lhas dera íeu pay cm dotcquando a
calou com o Conde Dom Henrique, tílaopi,.
niáo fcgue aqui o poeta, m>s com humafalva,que
he dizer que pôde ler mentira,por fer negocio tão
antiguo , & nas coulas antiguss haver tanra incer-
teza , & duvida. Alguns Varões Doutos tem eftas
coulas que le dizcnj da Condella Dona Tareza
por fabulolas,Sc que nunca tal focedeo:nem Dona
Tareza cafarle fegunda vez, nem feu filho Dom
Affonlo Henriques prendella , o que me a mim
também parece conforme a razão , nem fe pôde
crer, quehuma tal fenhora, &: quefemprétez o
que devia, fe deímanchaíle tanto contra o decoro
de lua pefloa,& virtude.
Do (egundo ttymeneo, Himineo entre os Antigos
era o Deos da^ bodas, & padrinho dos defpolados:
pelo que fe toma entre os Poetas também pelas
mefmasbodas,como o Poeta aqui o toma. ,
MAs o Trincipe Afonfoy que dejia arte
Se chama j do Avo tomando o nome.
Vendo fe em fias terras naÕterparte^
§ue a mãji cem feu jnarido as mãda^ ^ cowei
Fervendolhe no peitoo duro Marte,
Imagina covfigo como as tome.
Revolvidas as coufas no conceytOj
Aopropofito firme fegue o e fey to,
Mat o Príncipe Ajfonfo. Continua o Poeta com a
ordem dos noílos Hiftoriadores, contando o que
fucedco entre o Principe Dom AfFonlo Henri-
ques,ôcíua máy dona Tareza, depois que Ic calou
Camões Commentades*
legunda vtz,inda que(con":o ficadito)não tem ef-
tas coufas por ctnas. Eu tan bem,ainda que lou
de outro parecer , como difle na cytava patíada,
náo pofio eicufar de declarar oque o Poeta vay
contando, pois meu intento heatclararelie livro.
Efte Dom Fernando com quem lecafou ( fegun-
do dizem ) a Condella Dona 1 areza era hum Se-
nhor grande, & dosprincipaes deCaítella, Ôca
primeyra pellba delia depois Q^El-Rty, pelo que
le levantcu contra o í rincipe quafi todo o Rcy-
no.O Principe vendo láo grande Itm razâojpoz Ic
em armas, §{ tomou a fua máy dous Calicliosjun-
toâ Cidade do Porto,hum chamado da Feyra,6c
outro de Neiva j dos quaes fez tanta guerra a leu
padrafto , que o lançou de todo o Reyno , &
prendeo a rnáy no campo de Guimarães,como lar.
gamente fc conta na Hiftoria do Principe Dom
Affonfo Henriques, &: o nfiflo Poeta aqui, Sc Ga-
ribay no leu Compendio lib.54. c.8.
DE Guimarães o ca mpo fe tingia^
Co o faiigue próprio da inteftinaguerra^
Onag a mãy-, que t uò pouco o parecia ^
A fuf lho negava o amorj& a terra:
Cem ( llepfífa em campojàje via^
E naõ ie a joberba o muyto que erra^
Contra Deos ^contra o maternal amor
Mas nell^ ofnfialera mayor,
Mat nella 0 fenfud era mtyor. Não pode dcyxar
de me parecer mal , em coula tãoduvidofa tratcar
t^ínto de propoíito , como aqui o Poeta rratta , §c
trattão outras HHloriasda honra de huma Senho-
ra,tronco, & fonte dos Rcys defta nollii terra. E
pois o Poeta fala no principio deíla matéria como
de coula incerta , ôc muytos o tem por fabulofa.
Omilhorfora , ou difiímulalo de todo . ou fa-
lar por termos mais honeftos.
32-
à
OTrogne crua , ó mágica Medea,
Se em voffos próprios fiíhos vos vingais ;
Da maldade dos pay s, da culpaalhea,
Olhay que inda Therefa pecca mais:
Incontinência mà^ cobiça fea^
Saõ as califas defte erro principais ^
Scyllapor huma mata o velho pay ^
EJiafor ambas j contra o filho vay, ,
O Vrogm crua^o magica Media. Compara o Poeta
a Raynha Dona Tareza a duas molheres que os
Poetas fingem cruéis. Progne que matou feu fi-
lho , & o deu a comer a Tereo leu pay , & Mcdea
que por amor de Yafó matou íeu irmão,& hindo
fugindo de feu pay , lho hia lançando pelo cami-
nho
Capito Terceyro.
nho em pedaços , para que defta maneyra tiveflb Em batalha cruelofeyto humâftOi
icmpoparafugir.A fabula de Progne,& Medeale Ajudado da Angélica aefeja,
pôde ver nasMctamorpholesdeOvidio liv. 6. &. ^^ô (ó contra tal furta je íuítenta^
Chama o Poeta à Medea magica, que quer dizer
8j
tcytictyra, porque o foy granJiflima como a pin-
tão todos os Poetas.
Scjlla far huma mata o vdbepay , e^a for ambas
(sntraofilhovay, Dtiascoulas diz o l-*octa, move-
rão á Condella hir contra ("eu filho Dom Aífonlo:
fcnluaUdâde,& cobiça. Eftesdous viciosa fizeráo
commetter huma falta tão grande>como eraque-
Tcr privar leu filho do Reyno , que por aiortedc
leu pay lhe vinha por direyto. A qual Dona Ta
Mas 0 tntmígo ajj^trrtmo afogenta.
Eis fe ajunta o faberhj Ca^tíbano. Vendo Dona
Tarezacomo feu filho a tinha prera,2c anão que-
ria foltar , mandou fecrecamente avizar diílo a El-
Rey Dom AftonlodcCaítella chamado impera-
dor, a viefle livrar do poder de feu filho , ôc aco-
diiíe a tomar aquellc Reyno que era íeu.Vcyo Ei-
Rey com grande poder , ôcajuntàraólè em hum
lugar, que le chama Valdevés, entre Monção, 6c
reza diz que foy ainda mais digna de culpa que Ponte de Lima, &foy o Emperadoralli vencido,
Progne,que matou leu filho, ÔC Medea que matou ficando ferido de duas lançadas : & vendo le neíle
íeu irmão. Progne tinha por fi a fcm razão , ÔC elladolerecolheo â Cidade de Toledo, temendo
afronta que Tereo fizera a lua irmã Philomela. perdclU comcílc desbarate. Forão prelos neíta
Medea depois que fe namorou de Yaíô, 6c lhe en- batalha fecte Condes , 6c outros muytos Fidalgos,
tregou o vello de ouro , via queachandoa feu pay ôc CavalleyroSj&morreo muy ta gente,
a mataria, pelo que fez aquella crueldade de matar
feu irmão, poreícapar da morte : mas a Condefla
nenhuma dcfculpa teve no feu erro. Scyllafilha
de Nilo Rey dos Megarenfes foy occafiáo da mor-
te de feu pay por amor ^''El-Rcy Minos, aquém
cUa muyto queria. A eíía cegou a incontinência,
& lcn(ualidade,a Condefla alem delle pecado tam-
fem a ccbiya , & dcfejodereynar. A fabula de
cylla tratta Ovidio nas Metamorphofes lib. 8.
MAsja o Trlnctpe claro , o vencmenta
*Dí> padraftOj& da tniqua may levava^
Jà lhe obedece a terra num momento^
^e primeyro contra elle pelejava:
^t*vrèm vencido de ira o entendimento^
A mãy em ferros afperos atava ^
Mús delDeosfoy vingada em tempo breve.
Tanta veneração aospaysfe deve,
Maide Dt9s foy vingada em tempo breve. Contâo
as Hiílona? que quando oPrincipeDoni Afíonlb
prendeu a niãy, lhe lançou cila grandiflTimas mal-
dições , pedindo a Deos que aflim le vifle com as
55
NAõpa(fa muyto tempo quando o forte
Vnncepe em Guimarães ejlã cercado^
'De infinito poder , que defla forte ^
Foy re fazer fe o inimigo magoado'.
Mas cem fe cfferecerà dura morte ^
Cofiei Egas amo foy livrado^
^e de outra arte pudera fer perdido^
Segundo eftava mal apercebido,
Nã» paffa muyto íempê, Eílando El-Rcy Doni
AíFonfodeque atras falámos em Toledo muyto
fentido do desbarate que o Principe DomAífbnfo
Henriques lhe havia feyto , determinou fazerlhc
guerra, & lubiiamente deu fobre ellc em Guima*
râes,aonde otomoudelaperccbido, 5c Tegundoas
Hiftorias dizem a pouco cufto , o Principe , & a
Villa le perderão fe feu Ayo Egas Moniz o não
remedeàra, o qual fe lahio huma mcnhâ ao arra-
yal d'El-Rey de Cafl:ella,fó fem peflba alguma,&c
ciepoisdetrattar muy tas coufas fe concertou com
Ei-Rey , fazendo-lhe preyto , &; omenagem de o
cumprir , que o Principe o reconheceria por Se-
fuas pernas atadas, {^quebradas como lhe clleatà- nhor, êchinâ âs fuás Cortes, com que El-Rey fi-
ra as fuás. O que dizem,que depois Iheaconteceo, cou muyto fatistey to , & levantou logo o cerco,
que fendo já Rcy fahindopor huma píjrtada Ci- como fe conta n^ oy uva leguinte.
dade de Badajoz na Eílremadura , fe lhe quebrou
huma perna , fie loy prefo por El-Rey Dom Fer-
nando de Aragão , como fe tratta nas Hiítorias do
Reyno.
54
Eis fe ajunta o foberbo Cafie lhano
Tara vingar a mjurta de Therefaj
Contra otaõraro ingente Lufttano,
A qutm nenhum trabalho agrava^ oupefa:
MAs o lealvaffallo conhecendo^
^le feufenhor nao tinha refiflendaf
Se vay ao Ca fie lhano, prometendo^
^e e lie faria dar lhe obediência:
Levanta o inimigo o cerco horrendo^
Fiado na pr orne ffa^tê eonfetencia
D' Egas MoniZj mas naÔ comente o pey to
^0 moço íllufíte^ a outrem fir fogey to.
3 . Lupâàas de Luís de Camões Commentados,
Do moço ílli*llre , d-El-Rcy Dom Aftonfo Hen- ^/siia, eis aqui venho offerecidú
riques, o qual náo tinha paciência, quand© loubc ^ ^^ fagar co' a vid4 o Prometido.
parte do concerto » que leu Ayo Egas Moniz fi-
zera com El-Rey de Caftella , como conta o
P oeta pelas oytavas íeguintes.
AÚ pagar com a vida » fromttúdo» O promcttido
era corno atras declarámos, que o Príncipe reco-
nheceria a El-Rey de Caftella por Senhor , St le-
ria obrigado hir as íuas Cortes.
3^
VEs aqui trago as vidas innocentes,
^05 filhos jem peccado, & da conforte j^
S apeytos generofos^ & exctllentes
^os fracos fàtii faz a fera tmrte:
l^es aqui as mãos^ (ê a lingoa delinquentes^
Nellasfós exfr intenta toda a forte
T>e tromentos^ de mortes^ feio eftilío
^e Scínis,& do touro de Terillo,
De Scinis, Scinis cantão os Poetas, que foy hum
37
C"^ Hegaudo tinha opraÇoprometido^
j Em que o Rey Cajlelhano jà agradava,
§ue o 'Vrincepe afeu mando fobmettdOi
Lhe dejfe aobedtencia^ que e/per ava:
Vendo Egas que ficava fementido y
O que de lie Cajiella nào cuydava^
'Determina de dar a doce vida^
A troco da palavra mal cumprida,
chegado tinha aprazo, Quapdo o Príncipe vio o
cerco levantado tão íubitamentCjficouefpantado,
& labida acaufa por leu Ayo Egas Moniz , ficou
muytrifte, & íbltou muy tas palavras contra El- ladrão muytoforçofo , o qual coftumava matar
Rcy de Caftella. Vendo Egas Moniz a determi- todos os léus holpedesdefta mantyra:abayKavaos
nação do Principc,& que fe chegava o prazo pro- ramos das arvores , ôcatavalhes os braços , &as
metido , em que o Principe havia de hir dar lua ^pernas nelles , & delde que os tinha bem atados
obediência a Caftella: vend©-le afrontado, por o tornava a íoltar os ramos,& deftamaneyra os def-
Principe não querer cumprir , o qucelle ficara pedaçava. Derte ladrão tratta Ovidio nas Meta-
cora El-Rey , Sc como ficava tido em ruim conta morpholes lib.7.& na Epiftola de Phyilis a Demo-
entre os Caftelhanos , foy-le diante d'El -Rey phontc, & em outros lugares, & outros muytos
com fiaamolher, 8c filhos defcalços, & delpidos Poetas.
com baraços aos pelcoços.Entráraô defta roaney- E d$ touro de ferillo. Perillo foy hum homem de
ra pelos paços de Toledo , aonde eftava El-Rey grande engenho,natural de Athenas,o qual laben-
com muytos Fidalgos , &: Cavalheyros , o qual o do que Phalaris Rey de Sicilia folgava muyr<
quifera logo mandar matar dizendo , queoenga- com novas invenções de tormentos para matai
nára , & fora caula de fazer o Principe Dom A f- os homens, a que era naturalmente inclinado, foj
a Sicilia,6c fezlhe hum touro de metal,com tal in
venção, que os homens nelle bramiâo como tou
ros.Phalans folgou muyto com o touro, ^ gavou
muytoa Perillo aquella invenção , mas fez que
cllea provaficprimeyro, Veja-íea nollaannota-
çaó nette canto,oytava 94. Iftodizo Poeta que
pedia Egas Moniz a El-Rey de Caftella , que
cxercitalle nelle todo o género de tormentos que
4
jpe
fonío o que fazia: o que íem falta fizera, fe os Fi-
dalgos que eftavão prclentes o nãodefculpáraó,
Scdiíferãoa El-Rey, que Egas Moniz não íinha
culpa, antes merecia favor, & era digno de lou-
vor,em fe vir daquelle modo diante de fua Alteza.
Pelo que era razão lerlhe levantada a omenagem
que tinha dado pelo Principe , & deíobrigalo da
piomeffa que fizera. O que El-Rey logo tez pelo
1
dito dos Fidalgos. Todas cftas coulas tratta aqui lheparccefle,alegandolheosquc Scinis,& Perillo
o Poeta de modo,que fe efcula ler as Chroniças do tinhão inventado.
Reyno para efte particular. Efte Fidalgo Egas
MjÔniz, de que o Poeta fala nefte Canto, foy hum
Fidalgo muyto esforçado , & de langue nobilil-
fimo , como fe diz nas noflas Hiftonas , 5c nós
trattamosno canto primcyro oytava 12.
E Com J em filhos y & mulher p^pa^fc
Alevantar com ellesafiançay
7)efcalçosy& defpidos de tal arte y
^e mais move a piedade y que a vinga» f a:
Se pertendesy Rey alto, de vingart.Cy
T>e minha temerária confiança j.
40
Q^al diante do algoz o condenado,
^ejà na vida a morte tem bebidoí
Toem no cepo a garganta^^jde^ttregadoy
Efpera pelo golpe tam temido-.
Tal diante do Trincepe indignado y
Egas efiava a tudo offerecido'.
Mas o Rey, vendo a efttanha lealdade j
Maisfodeemfim^queaira.^ a piedade.
41
OGramfidelídãde Tortuguefa,
TDe vafJallOi que a tanto fe obrigava^
^lue mais oTerfa fez naquella em^refa,
OnderoJiOy & narizes fe cortava?
^oque ao grande T)ariõ tantopefa^
^e mil vezes dizendo fufpiravat
^lue mais ofeu /íopyrofaõ prezara^
^Khf^ '^Inte Babilónias, que tomara.
^B 0^< mau o Perfa fez, naejudla «wprc/^.Tendo Da-
HkioRcy dos Perlas Babylonia cercada , & não a
^^©dendo levar hum feu valíallo por nome Zopy-
ro cortou as orelhas, narizcs,ôc beyços, 6c deu por
todo íeu corpo muytas feridas : ôc deíla maneyra
le liiigio lanhado com os de Babylonia, qucyxan-
doíe ínuvti) da crueldade de Dano. Como os de
Babylcnia o viraó diquella maneyra , deraólhe
credito a luas palavras, 6c cuydando que trabalha-
Canto Terceyrol 85
ver nas Chronicas do Reyno,âs quaes rcmetto,os
que mais de raizquiierem labcr cilas coulas. Eo
Poeta as^vay contando ptlas oytavas legumtes.
43
EM nenhuma outra coufa confiado ^
Senão no Sumo 'Deos, que o Ceo regia,
^ue tampouco era o povo bautizado,
^e para humjó cem Mcut os haveria.
Julga qualquer juizo f o IJegado
^or mais temer idade ^ que oufadia^
Cometer hum tamanho ajuntamento^
^e parfíoum cavalleyro bouvejfe cento:
44
C^ Inço Reys Mouros /âÕ os inimigos y
j ^os quaes o principal Ifmarfe chamUi
Todos experimentados nos pet igos
'Da guerra, onde {e alcança tlluflre fama:
na por vmgar a injur.a queDario lhe tinha feyto, Segue guerreyr as damas feus amidos,
6c que relejana fielmente contra os Perlas pois o .^.^ '^ , / r j f ^ j
que pelejaria tieímcnte contra os rerias p(
rrattaruó tão mal, o íizeraó Capitão da gente que
tir.haó contra Dario,Sc dizem os Autoresjque di-
zia Dário depois de tomada Babylonia, que mais
quizcrao ícu Zopyrofaójquc ganhar vime Baby-
lonias.Eilloquiz dizer aqui o Poeta,que foy tão
grande a lealdade de Egas Moniz, que paílbu pela
de Zopyro , porque fe oííerecco com íua molher,
6c íílhus diante d^ÊURey Dom Affonlo , offere-
cido a ludo o que iDandaíle fazer delles: & Zopy-
ro ('fiuecco ló fua peflba,Bc além difto o que Egas
Mor.iz-fez náD toy fomente cm tavor de ícu Rey,
6^ por favorecer fua pairia , mas por fahir pela
Imitando afermofa, & for te dama ^
*De quem tanto os Troyanos fe ajudar ãoy
E as que o TermodontejàgoJlàraÕ,
Seguem gueneyras D amai. Contão as noíljs Hif-
torias,que nefta batalha houve de companhia com
os Mouros muytas moljheres , quedemiílura vi-
nhaó a pelejar contra os Chriílãos, como fe loube
depois muyto miudamente pelos Mouros que cat-
tiváraõ. E galantca aqui o Poeta, que eftas Mouw
ras vieraó em ajuda dos feus , como Pentheíilea
Raynha das Amazonas fora em favor de Priamo
obrigação que unha a lua pcfloa. É Zopyro pre* Rey de Troya,quando eftava cercado do exercito
tendfío tazer Dário Rey de Babylonia por quí(i- dos Gregos.
qurr modo que folie; pelo que toy muyto may^r
lealdade a de Egas Moniz,que a de Zopyro. ^
42'
M/lsjdo Trvuipe Ajfonfo aparelhava
O Lufitano exercito dito fo^
Lontra o Mouro j que as terras habitava^
TyâUm do claro Tejo deLytofo:
Jà no campo de Ouriqut fe ajfentava
O arrayalfoherbOj ^ belltcofOj
^Defronte do inimigo Sarraceno ^
To[io que emforça^ agente taÕ pequeno,
)â no CarKp9 de 0«ri<5«í.No anno do Senhor de
1109.no campo de Ourique cm dia do Bemaven-
tiiiado Santiago venceo El-Rey Dom Aífonfo
Henriques cinco Reys Mouros, com rr^uyta gen-
Eas íjueo Tertmidondejà gofidraÕ. As Amazonas,
que moravão antiguamente na Scy chia , por on-
de o rio Tcrmodonte pajíla.
45
A Matutina luz ferena^ ^ fria
As Eftrellas do Tolojâ apartava,
^anào na Cruz o Filho de Maria,
Molirando/e a Ajfonfo o animava:
EUe adorandoa.quem lhe apparecia.
Na Fé todo inffamadOj afji gritava:
Aos infleis. Senhor, aos injieis,
E não a miiquecreyo o que podeis,
A tnatutinaluz. O Poeta nefta oytava,& na fe-
guinte fcguc o que as Chronicas derte Rey no di^
zem fobre o aparcciníenco de Chriílo Noflb Se-
te , lendo os Poriuguczes muyto poucos. Aqui nhor a EURcy Dom Affonío Henri<jues. AHim
foy levantado por Rey á inftancia de todos os na era,conio na hora , 6i tempo cn» que iílo íoce-
ieus, não o querendo ellc accytar, como lepóde deodiíFcrem muyto de huma Relação , ou para
melhor
$6 Lujiadas de Luís de Camões Commentades.
melhor dizer , juramento que novamente (e achou 6c rodella, lahi fora do arrayal » & fubitamcntc vi
no Moíleyro de Alcobaça em hum pergaminho para a banda dircyca contra o Oriente hum rayo
lellado com cinco fellos pendentes , Sc autentica- relplandceente , cujo refplandor le tazia cada vez
do, & tido por certo , 6c verdadeyro nefta Cidade mayor.Tendo eu os olhos poftos firmemente na-
de Liíboa , o qual por fer muy to neceflario para queila parte, íubitamcnte naquelle rayo mais cia-
entendimento defte lugar ,& para ficar memoria roque o Sol, vi o final da 4:ruz,ôc a Jefu Chriíto
mais clara delle o tresladey aqui do Latim cm que crucificado nellc,& de huma.& outra banc4a mul-
íe achou eícrito palavra por palavra na nofla Im- tidáo de mancebos muy lermofos, os quacs crcyo
gua Portugueza , cujo teor he o leguinte. ^ Eu eu,quc eraó os Santos /\njos. Vifta cita Viíaõ ti-
Affonlo Rey de Portugal,filho do illullrc Conde rada a eípada^ôc rodella,ôc deyxado o veílido, & o
Henrique, neto do Grande Rey AíFonfo, diante calçado , me lancey de bruços na terra , & derra-
dc vós bons VarôexBirpo de Braga , &Bil"podc madas muy tas lagrimas , comecey a rogar pelo ef-
Coimbra,& Theotonio, & outros principaes Oí- forço de meus vaíjallos , & fem nenhuma pertur-
ficiaes vaílallos do meu Reyno , p^í:as minhas baçáo difle: Senhor paraque me apareceis a mim?
mãos neíla Cruz de metal , Sc nefte livro dos San» Quereis augmcntar a Fé a quem crèPmclhor feri
tifltmos Evangelhos juro, que eu miíero peccador que vos vejâo os infiéis, & creyão,que eu,quc pe-
ví com, eftcs olhos indignos a Jefii Chriíto Deos, la fonte do Bautilmo vos reconheci,& reconheço
& Senhor Nofib poíto na Cruz nefta forma. Eu por verdadeyro Deos Filho da Virgem, & do Pa-
eftavacom a rainha gente nas terras do Alentejo dre Eterno. E a Cruzera muyto grande,& ellava
no campo de Ourique para dar batalha a Ifmael,& levantada do chaó quafi dez covados. O Senhor
a outros quatro Reys Mouros , osquaesimhaó com hum fom de vós fuave , que minhas orelhas
comfigo infinitos milhares de homens. E a minha indignas houviraó me difle: Nâo te apareci delt*
gente atemorizada com a multidão dos Mouros maneyra por te acrecentartua Fé,mas paraforii-
eftâva muyto afadigada , & trifte cm tanto , que ficar teu coração neíte conflitto,& cítabelecer os
muytos diziào fer temeridade cómctter tal p,uer- princípios do teu Reyno (obre pedra firme. Tem
ra. Eeu trifte,8c malcnconizadocom iílo , que confiança, A fí^onío, porque não fomente vencerás
houvia , comecey de trattar comigo o que faria, eíla bati- lha agora, mas todas as outras, nas quacs
Tinha hum livro na minha tenda , no qual eftava pelejares contra os inimigos da Cruz.Acharás tua
efcrittooTcftamcnto velho, ôcoTeftamentode gente alvoraçada , & esforçada para a guerra , &
Jefu Chrifto, habriho,& li a vitoria de Gedeaó, Sc que te peça , que com nome de Rey entres neJta
difie comigo: Vós Senhor JeíuChriíloíabeis, que batalha, não lhe ponhas duvida, mas conccdelhe
por amor de Vós tomey (obre mim cfta guerra livremente o que te pedirem. Porque eu íou Edi*
contra vofl^os inimigos , & na voíla maóeftàdar- ficador, & Diflipador dos Impérios, &Reynos,ÔC
me forças a mim, & aos meus, paraque vençamos quero eftabeleccr Império para mim,em ti, & nos
eílcs que blasfemaó Voflo Nome. Ditas cít:is pa- teus defcendentes : paraque meu nome fcja levado
lavras adormeci fobrc o livro , & vi hum velho, a gentes eftranha:. E paia que teus íucccliores co-
que fe chegava a mim, & que dizia: Afí<)nfotem nheçâo quem lhe deu o Reyno , farás o teu bra-
confiança porque vencerás, 6c deítruhirás eítes zão de armas do preço , com que eu comprey o
Reys, fie desfarás íèu poder, & oSenhorle temof- género humano: & do preço, com quefuy com-'
traria ti. Em quanto vejo eftas coufas , chegou prado dos Judcos. E fera Reyno para minSanti-
Joaô Fernandes de Souía meu Camarcyro, & dif- ficado.puro por Fé,8í amado por piedade.Depois
fe, Icvantay vos Senhor, que cftáaqui hum velho, que cftas coufas ouvi poftrado por terrao adorcy
que vos quer falar. Refpondi eu,entre, le he fiel: dizendo:porquc merecimentos, Senhor,me fazeis
& entrando donde eu eftava , conheci fer aqucllc, tão grande mercê. Tudo o que me mandais farey.
que tinha vifto na vifaó, o qual me ò^\^ç.\ Senhor Vós ponde os olhos benignos na minha geração,
tende bom animo, vencereis, vencereis, 5c naó fe- que prometteis,ôc tende em vofla guarda a gcntí
reis vencido. Sois amado do Senhor: porque tem Portugueza. E fe contra eli es algum mal apare-
pofto fobrc vós , & fobre voflbs defcendentes os Ihardes , converccyo antes fobrc mim , Ôclobre
olhos dcfua mifcricordiaaté lexta decima gera» meus fucceílores , &livray o povo que cu amo
çaõ, a qual fera menos acabada algum tanto, mas como filho único. Concedendo o Senhor difle:
nefte menos cabo a olhará com olhos de íuamife-i não le apartara delles , nem deti nuncaaminha
ricordia. Elle mefmo me manda, que diga, que mifericordia : por refpeyto , &mcyo delles apare*
quando houvirdes cfta noy te feguinte a cápainha Ihey humagrande fementeyra, ôceícolhidos aci-
da minha Hermida , fayais fora do arrayal ló fem les por meus íegadorcs em terras remotas. Ditas
pcfloa alguma : porque vos quer moftrar lui muy- eftas coufas delapareceo.Torney ao arrayal cheyo
tapiedadc. Obedeci, &pofto por terra cornrcve- de confiança ,&gofto : Eeu A fionfo juro pelos
rcncia fiz o devido acatamento ao menlageyro,& Santifiimos Evangelos de Jeiu Chrifto , emque
aquém o mandava. Eeftando eu pofto em ora- ponho minhas mãos, quepaílaaflun defta mancy-
çaò,eíperandoofom da campainha, na fegunda ra. Por tanto mando a meus! jccefibres , que ao
vigilia da noyte a ouvi,& logo armado com elpada, diante haôde fer, que tragaõ por bríjzãc de armajs
cincí
QC^
Canto Terceyro. S7
cinco cfcudosfeytos em Cruz, por amor da Cruz,
6c cinco Chagas de JerLiChrifto,& em cada cícu- g
do trinta dinheyros , 6c cm cima a Serpente de ^
Moyfcs peia Figura de Chrifto.E elte leja o noflb /Tpt AldoRey novo O eftamago acendido
mciaorial cm nojla geração , 6c íe algum tomar JL Tor T^eoss^ pelo f OVO juntamente ^
ouiro leja maldito do S.nhor,6c atoruientado.no Q harbarn comete apercebido^
infcrnocorn Judas traydor. bm Coimbra aos 50. ^^^^ animofo exemto rompente:
de Outubro ue 1151. Nelta carta citava aílinado
odicaKey Dom Artonfo Henriques, dous Bilpos,
de.<j'ie LLi no principio , 6c outros Ufficiaes , 6c
Procuradores do Rcyni) , cujos lellos pendentes
era© das armas daquelles que eítavaó aííinados
na dita carca.
A maiuiinalux, Cerena^ié^ ftta.Luz matutina,qucr
.dizer , iuzda u.anhã, porque á manhã chaoiaó os
Latinos matula. VejA-lc o que elcrevemos no
canto 2.oyta\ a 92.
/fi tjirtíUi do 'c*olo jà apartava. Que couía feja
Polo.&L como ie tome pelo Ceo fica dito no canto
i.oy.iav'a 24. 'v^uer dizer aqui oPoeta,quca luzda
artilha hi2i i couí que ie não villem as eílrellas,
^jjÉorquv^ c<ímo trás mayor ciai idade do que temas
^Rrcíi-s , faz com que delaparcção por todo o
C^eo,&. Icnãó vcjaó.
46
C- Om tâlmilaare os ânimos da gente
^. Tortugueza inflamados j h vantavaÕ
^or/eu Rty natw ai ffte excdiente
^Fnnaptí.^<fue àopeyto tanto amavao:
£ duií.te do ex r cito potente
%)u imfgõs gritando, o Ceo tccavaÕj
%)izenac em ^Ita voz.. Real Real,
Tor Ajfotijh AU o Rty de tortugal,
Cí>wí<j/»íí/<jgre.Neílelugar,Sc tempo vifto hum
taô claro , g>: evidente milagre, lodosos Portu-
guezesa hinna voz levantarão ao Principe Dom
/iiííonio } 01 leu Rey,o que cHe logo por iaber íer
aíTim vontade de Dcos , & dclle lhe vir cite tão
honrado titulo, como o melmo Senhor lhe tinha
dko quando lhe aparecco , o accy tou com muyta
vontade,6cgoíto.
.47
QValcosgritoSi ^ vozes incitado^
'tela montanha, o rábido molofo^
Contra o touro ttmr te, que fiado
Na força eHa do como temerojo;
Orapêií^a na (.relha, era no lado
Latindo mais Itgeyro, quejorçcfo.
Ate que em fim rompeyidoLhe a garganta,
*Do bravo aforçu horrenda Je quebranta.
Vela montanha o rabiio Molofo. Molof^ heocaô
e;ue cm noila lin-jua chaman-os ]ibrèo,chamaólhe
os Latinos MoLfo^T^or virem os melhores de Mo-
lofíí , Proviíicia do Epy ro , a que hoje chamamos
Albânia.
Levantão nifto os perros o'alaridoy
^Do^ gritos, tocaõ arma^ fei^ve agente^
As lanças ,1^ arcos tamâo ^ttibas foaÕ ^
Injirumentos de guerra tudo atroão,
49
BEm como quando a flama j que ateada
Foy nos áridos campos Ç^ajfopr ando
Ofibilante Bnreas) animada
Co vento o feco mato vay queymandoí
A'P aflorai companha, que deytaàa
Co docefof^ô eflava^ de/per tando
Ao eftridur dofogo^ queje ate 7^
Recolhe ofato,^ foge para a aldeã,
Ofihilantt Bore^ , Boreas he o vento a que cha-
mamos Nornordeíle, Chamalhe íibilante , que
quer dizer queafovia : porque com leu lopro pa-
rece aílbvrdr,por f^r vento rijo, 6c que venta com
grande furia.
50
DEfla arte o Mouroattonito^^S turbado ^
Toma f em tento as armas muy depre[Ja^
Nadfoge mas e/per a confiado,
Eog tnete belliger o arre me (Ja:
O 'For tugtiez o encontra denodado^
'Pelos pfytos as lanças lhe atravejfa,
Huns caem meyo mortos, lè outros vaõ
A ajuda convocando do Alcorão,
A ajuda convocando do Alcorão. Mcorio he entre
os Mouros o livro de lua feyta maldita , 6c «nde
clles tem poílo iua cfperança , 6c ptlo qual fe re-
gem. Aqui Ic toma pelo maldito Mafoma feu au-
tor.
51
ALÍífe vem encontros temcrofos.
Tara/e desfazer huma alta/erra,.
E os antmae^ corendofuriofos^
^e Neptuno moftroufierinao aterra-.
Golpes (e dão medonhos, & fiorçofosy
^Ftr toda a parte andava acefa agutr ra,
Alas o de Lufo arnez, couraça . tè malha^
Rompe, corta, desJaZi a bollaj Ôí talha.
E es animaes ctrremU fmojos ^ ^u^l^eptunomoC'
troti
38 Lufiadas de Luis de
tr ou ferindo aterra. Contaõ as fabulas que havendo
alteração entre Neptuno fcnhor do mar,&: Palias
lualobrinha, filha de feu irmáo Júpiter, de cujo
nome fe havia a Cidade de Athcnas nGní>ear,a qual
elles ambos havião fundado : como entre clles fe
naópodeíTe determinar , & averiguar cfte nego-
cio, fizeraó os Deofes junta, na quaJ aflentâraó,
que pufefle nome á Cidade , o que milhor coufa
déífe para ferviço dos homens na terra. Neptuno
ferio a terra com feii tridente , & fahio o cavallo,
animal de tanto esforço,ligeyreza,&: lealdade.Pal-
las fazendo o mcfmo com a lua lança , deu aoli-
vcyra infignia de paz:&: logo por todos foy deter-
minado,que Palias fizera ventagem,6c que ella de-
via por nome á Cid.íde , o que fez , chamandolhc
Athenas , porque aíTirn fe chama Palias na lingua
Grega. Eíla Cidade foy a mais exccllente, 6c no-
meada , não digo eu de Grécia, em cujo território
cila cftá, mas de todo o mundo. Efta foy a inven-
tora de todas as boas artes , raãy de todos os ho-
mens iníignes,que no mundo houve em letras.Ho-
jc he huma muy to trifte aldeã fcm nome, & humas
caíinhas palhaças : boa injuria dos homens Dou-
tos. E bem fe vcque Bárbaros pofiliem a terra.
Chamaólhe hoje os moradores Setinc, como quer
Ortclionafua Sinonymia Gcographica. Alguns
querem que haja ntlla hum eftudo de Gramma-
tica Grega, o qual fuítenca o Turco em memoria
do que a Cidade foy.
Rompey certa^deifaZi a bolay & talha, A bola,aqui
naó he veílidura , como aleuns commentaó , que
he bom delpropofito para lugar, onde Ic tratta de
cutiladas. He propriamente, abolar, amolgar, &
desfazer, 6c neíla íignificaçaó fe põem aqui , & af-
íim uíaó delia palavra os que entendem bem a lin-
gua Portugueza.
52'
C^ Abe ças feio campo vaÕfaltando,
j Braços jf emas fem dono^& fem fétido,
E doutros as entranhas pa/pttandoj
^allida a corj& ogefto amortecido:
Já perde o camfo o exercito nefando t
Correm rios de fungue dejparztàoj
Com que também do campo a cor [e perde.
Tornando Carmefide branco^ & verde,
lornadi carme ft de branco^ & verde, lílo diz para
encarecimento do muyto íangue, que havia, que
aterra , fico campo eftava todo em lugar defua
própria cor fcyto carmcíi , vermelho, naó apare-
cendo outra coufa fc naó fanguc.
T
53
A fica vencedor o LufitanOy
Recolhendo os trofeos, òprefa rica,
' desbaratado,^ roto o Mauro Htffano,
Três dtas $gram Rey no campo fica:
Carnes Commentados.
Aquip nta no branco e feudo ufano,
^e agora efia vitorta certifica,
Ctnco e/cudos azuis efclarectdosj
Em final defies cinco Reys vencidos^
O Mouro Hifpano. Mouro morador em Hefpa-
nha. Depois de vencido Ifmael com outros qua-
tro Reys Mouros , ficou El-Rey Dom AfFonfo
Henriques no campo tre? dias , como he coílume
entre os vencedores , ôclogopozno íeu efcudo,
que lhe leu pay em branco deyxára,cinco efcudos
em cruz , por amor da Cruz de ChriftoNoílb Se-
nhor, & das fuás cinco Chagas, & em cada eícudo
os trinta dinheyros , porqueosjtideoso compra-
rão a Judas , como o melmo Senhor lhe man-
dara quando lhe aparcceo.
54
ENefies cinco e/cudos pinta os trinta
dinheyros, porque T)eosfora vendido,
E/creventío a memoria e m varia tinta^ .
^aquelle, de quem foy favorecido:
Em cada hum dos cinco, cinco pinta,
íPorque affifica o numero ctimp ido.
Contando duas vezes o do mtyo
^os finco azuis i que em Cruz pintando veyo,
E m(iei cinco efcudos. O Poeta nefta ordem dos
efcudos , & dinheyros fcguc a ordem das Chroni-
casdoReyno , que o contaõ deíla maneyra que
elle aqui põem: que pos El-Rey Dora Áífonfo
Henriques huma Cruz azul partida em cinco eí-
cudos , por amor da Cruz cm que ChriftoNoílb
Senhor apareceo crucificado no Ceo:6c em memo-
ria dos cinco Reys Mouros, que vencera, &; trinta
dinheyros repartidos pelos cinco efcudos, em cada
elcudo cinco : o que tudo he contra a carta que
atras polemos d*El-Rey Dom Aííbnfo,aonde el-
tas coulas eílaó na verdade como fica dito. No
tempo que o Poeta eícreveo eíles cantos , naó fe
fabia a verdadc,Sc certeza deíle negocio, pelo que
elle fala , conforme ao que as Chronicas dizem,
que movidos por Relações naó certas,naõ efcre-
veraõ eíta matéria com a certeza neccílaria.
55
PAffadojà algum tempo, quepàjfada
Era efta gr am vitoria, o Rey fubido^
Atomarvayheyria^ que tomada
Fora, muy pouco havia, do vencido:
Com (fia a forte Arronches fohjugada
Foy juntamente^ Ò"» fempre ennobrecido
Scabeltcafiro, cujo campo amento
Tu claro Tejo regas taõ [ereno^
Pafadoià algum timfê. Depois daquella iníígne
vitioría
Canto Terceyrol
vittorla do Campo de Ourique , ficou o Mouro CintYãi onde as Nâyades efiondidas
Ifmacl taó enfadado , & tomado dos Chriftáos, Jslasfontes^ vaô fugindo aos doces laçoSy
que logo foy por cerco a Leyria , que El-Key ti- q^^^ ^j^^^^ ^^ ^^^^^^^ brandamente,
nha dado ao Prior de Santa Cruz de Coimbra , a *
89
qual tomouimas efteve pouco tempo debayxo de
icu poder, porque El-Rey Dom Affonlolha tor-
nou logo a cirar das mãos. No meímo tempo foy o
ir.eímo Prior de Santa Cruz com gente íobre a
Villa de Arronches,que eftá na arraya de Caftella,
& a tomou aos Mouros. Com efte íucceflo fe foy
aEl-Rey, Ôclhe diíTc, que fua Alteza fizeíle de
LeyriajSc Arronches o que bem Iheparecefle.El-
Rey poz em confelho com os prmcipaes de lua
CortCjO que faria nefte cafojôc aílentoufe,que no
Nas agoas acendendo fogo ardente,
Ajunta tamhem Mafra em pouco e(paço. Mafra he
huma Villa no termo de Cintra.
E nai ferrai da Lua conhecidaitSojugt a fria Cintra
0 (luro braço. A ferra de Cintra chama Varraó wo»-
te Tagro , como refere Ortelio na lua Sinony mia
na palavra Tagrum montem. A eíte monte chamaó
outros a ferra da Lua , como lhe chama aqui o
noflo Camões. Defta lerra íahc huma ponta para
o mar , que fe chama o Promontório da Lua. A
tocante ao eípiritual foflcm eílcs dous lugares lu- razaó deftenome he,porque na praya ao longo do
gcytosao rnoíteyrode Santa Cruz,6c no tempo- mar , dizem erteveantiguaniente hum Templo
ral aos Reys de Portugal. confagrado ao Sol,6c a Lua, como parece por hu-
E ofempre enmbrecido Scalebicafiro.Km dia do apa- ma pedra que le achcu naquellas partes , com hum
recimento do Bemaventurado S. Miguel , oyto letreyrj Romano que dizia,
dias do mez de Mayo de mil cento quarenta & le-
ie,entrou eílcteliciíTimo Rcy Dom AíTonlo Hen- Soli aterno, ^ Luna
fiques na Villa de Santarém , chamada aflim em Pro aternkateimperij,
nofloj' tempos , por ter em fi o corpo da Bem- Et faluta imp. Caf.Sep-
aventurada Santa K.ryâ,o qual lugar le chamava timij Severt ^ug.Ptj,& Caij
antíguamcnteScalcbicaftro, como o noílo Poeta Ctef.M.Aureltj dntomni
lhe aqui chama. Plinio lhe chama Scalabis , 6c Aug.Pij
Ptholomeo Scalabifcus , os Autores lulium prajt» Aug.matris tius^Drufui
<//«w,o qual nome dão também a huma Cidade da Valerm Caalianuí,
Eílremadura, lugcytaaos Reys de Caftella, cha-
mada vulgarmente Turgillo , nome corrupto do O qual quer dizer em noíTa lingnagem.Drufo Va-
Latino.que antiguamcnte tinha, que era 7«/i;í«r- lerio Ceciliano dedicou cfte Templo ao Eterno
r#í,torre de Júlio Ccfar, por ter nefte lugar, ôc cm Sol> 6c á Lua, pela eternidade do Império Roroa-
Santarem, 6c em outros guarnição de gente, para no , & pela íaude do Emperador Cseíar Septiraio
íegurança da terra , que por efta razão fe chamaó Severo AuguftoPio,& deCefar,&de Marco Au-
rélio Antonino Augufto Pio,6c de Juli-i Augufta
lua máy. Outros lhe daó eftc nome por ler efta
terra de Cintra,a mais Occidental, 6c frei ca terra
de toda a Europa Occidental. E porque a quali-
dade defte Planeta he fer húmido , 6c frio , daqui
alguns lugares que tem as mefmas partes , le cha-
maó com eftc íobre nome de Lua.
S7
T7 Tu, nobre Lisboa, que no mundo
Frafidtum /«//fjguarniçaô de Julioxomo também
Évora le chama liberalitas luíta, pelas mercês, & li-
berdades que efte grande Capitão lhe fez íempre.
Ennobrecido chama o noflb Poeta ao lugar San-
tarém, porque Íempre foy muyto eftimado , aflim
cm tempo dos Romanos, como em noftbs tempos.
Do tempo dos Romanos nos confta pelo calo que
íc. delle fazia em porem nelle gente de guarnição
como era lugar importante. Do noftb tempo não
tenho maisque uizcr, que fer hum dos melhores,
&ftiais populolos lugares de Portugal , como he t-i - -' • r
notório. JL> Faciímente das outras es Trínceja^,
Cujo campo ameno tu claro Tejo regai tão fereno. I ft o ^<? edificada fofte do facundo,
diz porque o noflb Tejo paflk ao longo de Santa- ^or cujo engano foy TDardania acefa:
rera , 6c alguns annos fazem fcus campos oofii- Tnaquem obedece ornar profundo,
CIO do Nilo no Egypto , 6c outras vezes he taõ Qbedeceíieà forca Tortmnefa
grande a enchente, que faz grande deftruiçaõ nas ^^^<^Yj\u ^Z ? %tL.^.
tcrras.como também o Nilo coftuma fazer. /ijudada também da forte A? mada,
^e das Boreaes fartes foy mandada,
^ Etu nobre líièod.Eftando El-Rey Dom AíFon-
AEfias nobres Villas fobmetidas , íoem Cintra logo que a tomou aos Mouros , apa-
Ajutatambe Mafra empoucoSefpaço, receono marhuma armada de cento , 6c oytcnta
Enas ferras da Lua conhecidas vellasde Alemanha,Ing)aterra,6cFrf^nça.qucvl-
.V/^^íVv/T., ^ Z^;^ r • X / / nhaõ daquellas partes lomcntc a pelejar com >n-
òoijuga ajna Cmtra o dnro hap: f^^,^ Vendo El-Rcy Dom Affonlo de cim» do
M CsftcUo
tío. hujiaàas de Luis de Camões Commentados,
Caílello ÒQ Cintra aonde eftava huma tão grande ajudar os Chriftâos delia contra os Mouros , de
armada, mandou quatro homens principaeslaber que eftava cheya.tt, como eftas gentes moraó para
quegenteera , ôc que bulcava naquellas partes, as partes do Norte, ufa o Poeta defte termo de fa-
Keíponderaô os da armada , que eraó Chriftâos, lar,que das Boreaes partes foy mandada.
6c que íua vinda naó era com outro intento, falvo
Í)e]ejar com os inimigos da Fé de Chrifto,ElRey ç 8
olgou muyto com efta nova,6c mandoulhe ofte- » / /n
recer tudo o que ouveflem mifter da terra.Dey- T ^ de Germânico Albis., & do Rheno,
xo á parte muytas coufas que paflàraõ entre El- j ^ Eáafria Bretanha conduzidos j
Rey,& cftes Eftrangeyros, em que lhe pedio que A dejÍYUir o povo Sarraceno,
lhe ajudaftem a tomar a Cidade de Lisboa,o que Muytos com tmçãofanta erão partidos;
elles fizeraó com muyta vontade. Durou o cerco Entrando a boca ja do Tejo amem,
cinco mefes, 2c nohm de les a 25.de CJutubroda ^ ^ 1^ ,.j ait / ,-j
dita era de mil cento quarenta 6c ietc , em dia dos ^'^^ ' anayal do grande Affonjo unidos,
BemaventuradosM^rtyres Cnlpmo , ôcCnípi- (^ujaaltafamaentaojuha aos Leos,
niano foy entrada , & tomada aos Mouros , com Foy pojfo cercoaos muros Ulifjeos.
muyto derramamento de fangue , como fe pôde
ver mais largamente n£\s Chronicas do Rcyno,6<: U do Germânico Alh'u^é'ào R^sno. Albii,&: R he-
refere André de Refende na Dcfcripçáo de Evo- no faó nos de Alemanha , dos quaes trattcy nelle
ra.E querendo El-Rey Dom AíFonlo fazer par- canto oy tava 1 1 . & por efta razaó lhe dâ por Epi-
tilha na Cidade , como tinha concertado com os theto Germânico, por que Germânia he Alema-
Eftrangeyros : elles o naó confentiraó , & larga- nha.
raó todo o dircytoquc nella tinhaõ,& a deyxáraó E 4a fria Bretanha coduziios.k ilhadc Inghrenra,
livremente a El-Rey : o qual deu aos quede fua que os Antigos chanáraó Albion por certos mon-
vontade ficáraõ no Reyno , os lugares que elles tes , & rochedos braRCos , que tem ao longo do
quiferaó para os povoarem , & viverem nelles mar, fe chamou,&chi)ma hoje BritanÍ3,Bretanfaa.'
izcntos ,lem obrigação alguma , osquaesforaô á Ariofto a nomea de huma, & outra maneyra em
Touguia, Lourinhã, Arruda, Villa verde, ViUa huma \>.\Mtà'\ztnáQ:Bret(ígna(bejupúidttta Inghtl'
Franca, Azambuja, & Almada, de cuja progénie terra : & em outra parteonde Inghtlterra fu dctta
hoje em dia ha em Portugal gente muy conheci- Albtone. A cerca da origem da palavra Bretanha
da, Sc principal, como he notório a todos os Por- ha diíFerentes opiniões , huns querem que <e cha-
tuguezes.E aos que quiieraó tornar para luas ter- maflb aftim de hum Brutto,filho de Silvio Pofthu-
rasjfcz El-Rey muytas merceSjSc honras, Ôcaffini moRey dosRomanos,que afugeytoujôc reynoa
hunsjôc outros foraó m^iyto contentesjôc latisfey- nella. Outros de hum Britão Rey da melma ilha.
tos do bom trattamento que lhes El-Rey f.z. Hoje lhe chamaõ osLatinos Anglia,^(\{iQ também
^ue edificada fofie do facitnik. Chamão os Poetas fe daõ differentes nomes, huns querem que de hu-
a Ulyífcs íacundo que quer dizer eloquente, por- ma Angla Raynha dos Saxones,que foy Senhora
queofoy cllenniyto.EUcUiyílesfoy grande par- deftailha, outrcsde Anglo Rey antigo delia , ôc
te para le tomar Troya , que os Gregos tiveraô outros de angului , que he canto por fcr hum can-
cercada dez annos,a qual o Poeta aqui chanta D^r- to , & cotovelo do mundo , ou por milhor dizer,
dania,do nome de Dardano Rey delia. Depois de outro mundo, como lhe chamão os Autores, &: íe
queymada , Ôcdeftruida , dizem os Autores , que pode ver em Ptolomeo no livro 1. n« qual tratta
aportou Uly ilesa eftas partes , Scqueedjficou a deftailha, aonde comprendedebayxo da palavra
Cidade de Lisboa,3 qual querem que por efte rei- Bretanha alem de Inglaterra, Irlanda, que he ilha
peyto fe ch^me Ulyííipt, em Latim, fatria UlyífiSf apartada,as Orchadas, que Caq ti inta ilhetas Thy-
maniaUlyjJlSi & com outiôs nomes,quc vem adi- le, & outras muytas ,& claramente fevé que PtojJ
zer fer cila fundada por elle, como o tem o no0o lomeo no lugar allegado toma a Bretanha , naó ffl
Camões no canto S.oytava 5. Os que o negam ef- por Inglaterra, mas por toda aquclla Regiaõ, qufl
crevem efte nome muyto diffcrentemente, Olyf- os Poetas chamaõ outro mundo. O que porven-
íipotundados em Ictreyros antigos , onde o acha^ tura quiz entender Virgilio qu^indo difie:Ef penu
aflim eícrito , mas naó lhe labcm arinar com a ori- tm totó àivifn orbe Britanoi,&í 05 Britóes divididoí
gem. He coufa muyto antiga» & como tal naó ha & apartados de todo o mundo, quafiquerendo<
quem acerte com fua vcrdadeyra Etymologia,ca^ fazer diftíntos , 8c feparados do noílo mundo , l
da hum figa o que melhor lhe parecer. DeUlyflbs que moravaõ cm outro mundo por fi. A Bretanhi^
fe vejaanoflaannotaçâónocanto i.oytava y&ci. chama o Poeta aqui fria , por ier terra Septcn-
§itte dai Boreati partes foy mandadsí/^ox partes trional,& porefterelpeyio muyto fria.
Boreaes le entendem as partes do Norte , ao qual A deftntir o povo Sarraceno. Por j)ovo Sarraceno
os Gregos chamaõ Boreas.Eftahe a gente de que entende os Mouros , como fica ditto atrás oyta-
falàmos atras cytava45. que fe ajuntou de Ale- va zj. aonde trattey da origem da palavra Sana»,
manha, Fráça , & Inglaten a,para vir a Heípaiiha ceno.
Fo
1
Foy fofo cerca a&s Maroí Ulyjfsos
Ulyíieos , faó os muros de Lisboa , chamados he o que o
aflim ( como atrás íica dito ) de feu primeyro
fundador UlyíTes , como quer o Poeta ícguin-
do a opinião dos Antigos.
CantõTerceyto] ^x
Muros maneyra desbaratou de todo a Xerxes. E ifto
c
55>
Inco vezes a Lua/e e/condêra,
^ E outras tantas moftrara cheo o roftoy
Poeta diz , encarecendo eíla bata-
lha , que teve dous géneros de gente vence-
dores afperos , ôc vencidos deíefperados : por-
que a huns anima a vittoria , 5c a outros a
delefperaçáo faz pelejar anitnoíamente , vendo
que nenhum outro remédio tem.
^anáo a Cidade entrada fe rendera
Ao duro cerco, que lhe eftavapofto:
Boy a batalha tãofanguinea, ^ fera^
^anto obrigava ofirmeprefupojio,
T)e vencedores afperos-, & ou/a dos,
E de vencidos jà defe/perados,
cinco vezes a Lua feefcondera. Declara por eftes
termos o tempo em que a Cidade de Lisboa eíleve
cercada por El-Rey Dom AíFonIo , & pelos Ef-
trangeyros, que foraõ cinco mezes. Dcfte me(-
iBo modo de falar uíou Ovidio na Carta de Phi-
lis a Demophonte.
Luna ejttater latuity totó tfuater orbe recrevit
Nec vebit Actuas Scythonis unda rates.
Qiiâtro vezes, diz o Poeca , íc efcondeo a Lua, &
outras quatro tornou a crecer em toda íuaredon.
dcza,que he o que Camões aqui diz,6c outras tãtas
moílrava cheyo o roíto.
De vsnceJores afperos^ & oufados, <jr de vencidos jà
Co
Efta arte em fim t ornada fe rendeo
/iquella^, que nos tempos jà pajfados
A grande força nunca obedeceo,
'Dos frios povos Scyttcos enfados:
Cujo poder a tanto fe eftendeo,
^ue o Ibero o vt^j SJ o Tejo amedrentados^
E emfimdoBethis tanto alguus puder ão,
^ie à terra de Vandalia nome derão,
Dotfnoi povos Scythicos oufados. Entende aqui oS
Vândalos , aosquaes Plinio , &: Ellrabochamaó
Vandalicos, faó povos de Alemanha, os quacs, co-
rno diz Volaterrano , alguns annos antes que os
Gregos occupaflcra a Cidade de Roma , entrarão
em França, 6c Hefpanha pelos montes Pyrineos,
com Cuja chegada os Hefpanhoes ficàraó muyto
atemorizados : os quaes entende por eftes nos
lbero,que he o que comummente fe chama Ebro,
Tejo , 6c Bcris , taó conhecidos. Eílcs Vândalos
depois de terem feyro grandes cftragos em algu-
mas partes de Hefpanha , fizcraõaflentona Pro-
defefperados. Deftas mefmas palavras taó fentcncio- vincia Botica, chamada aííim do rio Betis,que ho
las ufa Jiiftino liv. 6. Vstloria atiimumvtncentthu^
virtutcm ejuo^ue viclis addit defperatto, A vittoria Jâ
animo aos vencedores , ôc a derefperaçaõ esforço
aos vencidos , 6c ifto he o que diz Virgilio:
Utta falus viõlis nullam f per are falutem. A principal
confolaçaó , 6c remédio que tem os vencidos,
he eftar ícm efperança de o poder ter : porque
je Ic chama Guadalqtiibir , que ( como fica dito
atrás oytava i7.)he palavra Arábiga, Sc quer dizer
agoa grande. Efta Província Betica le chamou
primeyramcntc Vnndalicia do nome dos Vânda-
los,que a fugeytâraó:6c andando o tempo, 5c cor-
rompendo-le o vocabu|o , fe veyo a chamar An-
da1uzia,como hoje fe chama. Nefta oytava enca-
nenhuma coula obnga mais aos vencidos a pe- rcce o Poeta o esforço dos Portuguezes, mayor-
Icjar , que ver que nenhum outro remédio tem: mente dos moradores da Cidade de Lisboa , pois
. donde veyo aquella lentençataõcclebre,8c com- fogeytandoos Vândalos Helpanha naô pudcraõ
mum que dizem teve principio daquelle grande
Capitão Themiftocles. Ao inimigo ponte de pra-
ta. Depois de vencido Xerxes Rey dos Períns pe-
los Gregos, vendo que fe punha em fugida, deter-
minarão mandar alguma gente diante para o en-
treter , ficeftorvar quenaó tornafle alua pátria.
Themiftocles foy de contrario parecer , dizendo,
que fe a Xerxes lhe eftorvavaó o paflb , feria occa-
íiaô por onde os feus convertendo a deíefperaçaó
tvn virtude, abrillem caminho com as armas: pois
cie outra maneyra o naô podiaó fazer. E naõ con-
tentando a todos os outros Capitães Gregos efte
parecer de Themiftocles,clle mandou íecrctamen-
teaviíar a Xerxes por hum feu efcravo Períiano,
que caminhafle deprefla , porque os Gregos
lhe queriaó impedir feu caminho , 6c dcfta
íugeytar Lisboa , 6c com tudo El-Rey Dom Af-
fonfo a tomou aos Mouros.
61
Q1)e Cidade tão forte, por ventura
Haverá, que refifia^fe Lisboa
Naõ pode refifitr à força dura
Da gente-, cuja fama tanto voa^.
Jà lhe obedece toda a Eflremadura,
Óbidos, Alenquer , por onde foa
O tomdas frefcas agoas entre as pedras
^e mormurando lavay& Torres -pedras,
Óbidos , /ihntfutr , éf Torres.Vedraf. Aflás^ro-
M a nhecidos
9*
Lupdàas de Luís de CâmÒes Comntentadosl
nhecídos Lugsres da Eftrcmadura.
Vor ondefoa 9 tom das frefcas agoas. Pela muyta
frefcura da terra » Sc abundância de rios que a re-
gaô.
Cl
EVôs também, ó terras Tranftaganas^
Affamadas co dom da flava Ceres ^
Obedeceis às forças mais que humanas
Entregandolhe os muros^ & os poderes;
E tu lavrador Mcuro^que te enganas^
Sefufttntar a fert ti terra queres ^
Sue Elvas j^ Moura,^ Serpa conhecidas j
E Ale acare do iiale[hÕ rendidas.
E vos tamhem , o terras Tran^aganas, Terras
*rranftaganas , faô terras do Alentejo , muyco
abundantes de todas as coufas neccflarias para a
vida , & principalmente de trigo, o quaí entende
por eftas palavras : dem da flava Ccreí,porque di-
zem os Poetas,quG Ceres filha de Saturno,& Ope
foy a pnmeyra que eníinou aos homens como
haviaõ de lemear as terras , 6c beneficialas para (e
poderem luftentar. EdizGicero Vih.z, óc hlatur a
DeoruWy que íc chama Ceies , qu^Ci geres a gerando
pela grande abundância que os homens na terra
tem de mantimentos,por beneficio,5c ordem lua.
Aflim que nefte tempo já era Évora: mas quando
começafle , ou quem fofie o fundador naó coníta,
Nefta Cidade de Évora fez aflento Sertório Ro-
roanojpor ícr de nobre,6c grande povo,para o po-
der favorecer , & ajudar nos negócios de guerra
contra os Romanos. E nellafezhuma cala que
hojefe chama cala de Sertorio.ôc mandou cercar
a Cidade de cantaria lavrada,como fe molíra ain-
da por muytas partes, por onde eftà a cerca velha.
E aílim fez trazer a agua da prata à Cidade para
ornatOjôc provimento della,o que tudo fe pôde ver
emRelende,no lugar allegado.ehamalhe o nofio
Poeta rebelde , porque lendo Italiano de naçaó
natural da Cidade deNurf]a,q hoje le chama Noz-
za, vendo qucSyllaera Senhor de Roma, venci-
do Mário, cujas partes íeguira, íe recolheo a Heí-
panha, aonde o favorecerão tanto, quclhederaõ
gente com que fugeytou muytas Cidades , & fez
guerra aos Roiíianos , venccndolhe muytosCa-
pitães,como conta Plutarco em fua vida.
Onde hora as aguas de argento. Eíta he a agu-a da
prata,a qual vem por cima de arcos à Cidade, & le-
vada por difFerentes partes , a provê toda^e^owu
neyra,quenaõ tem a gente ncceííidade de outra.
Oe Girald0t<^ue medos não ífww.Giraldo foy hum
Cavalleyro Portuguez de muyto esforço , ic fem
medo algum , pelo que era chan)ado por alcunha
Sem pavor. Eíte Cavalleyro foy em tempo d^El.
Iftohe muyto trilhado, & iabidodosqueJcm pe- Rcy Dom Áffonfo Henriqucs,o qual andando cjh
los Poetas, Moura , Serpa , & Alcacere Villas do dcfgraça do fcu Rey, por algum cafojde que naó
Alentejo, 6c Elvas Cidude na arraya de Portugal, ha memoria : vendo que naó podia andar na Cor-
te, lançouíc com os Mouros do Alentejo. E por-
Eis a nobre Cidade ^ certo ajjento
^Dorebelde Sertório antigamente^
Onde ora as agoas nítidas de argento-,
Vemfuftentar de longe a terra^ & agente^
"Pelos arcos reaes^ que cento, & cento
N^os ares/e levantaÔ nobremente ^
Obedeceopor meyOj & ou/adia
1>e GiraldOj que medos naÕ temia.
que naquclle tempo tudo eraó guerras , 6c revol
tas, havia outros muyros homiziados, ôc encarta
dos,que fe chep^avaó ao Giraldo,ôí o acompanh
vaô,por clle fcr homem de peyto. O que tambe
foy parte para os Mouros o favorecerem, & par
límael Rcy Mouro, que fora vencido no campo
de Ourique , lhe dar licença para ter fua colhey ra
na ferra de Monte muro em hum Caílelloqucallt
fez,que hoje naó tem mais que o nome de Caílel-
lodeGiraldo , queno mais hedcílruido. Tinha
efte Giraldoem fua companhia muytos conpa-
nheyrosipelo que vendo-1'e em defgraça de Deos,
> E« a nobre Cidade certo ajjento , Do rebelde Sertório & de ícu Rey , & doendolhe o coração de trattar
antiguamente. Efta hc a Cidade de Évora, das prin- com bárbaros, arrependido dos infultos, & males,
cipaes de Portugal , 6c muyto antigua , & tanto, que tinha feyto contra os Chrifláos, determinou
que naó me lembro ter lido, quem fofle o primey- de fazeralgum ferviço a El-Rey , com que lhe
ro fundador feu , nem íe pôde affirmar delia mais, perdoaíle o paflado. E lançando o penfamento ao
queíerantiquiílima , como dizonoíToRefende que farja, em nenhuma coula lhe pareceo que po-
na fua Delcripçaó,aonde tratta de feu nome, Sc o dería elle , & feus companheyros fervir a El-Rey
que pode alcançar,& laber de fua antiguidade. O melhor , que em tomar Evoraaos Mouros. Pelo
que fabcmos pelas Híítorinshe, quejáno tempo que começou Giraldo muyto de propofito a fa-
de Viriato era Évora, o qual Viriato fe começou beras entradas, & lahidas da Cidade , & fazerfe
levantar com Lufitania, & depois com toda Hef- mais familiar dos Mouros. E poílo que fe naó fia-
panha perto do anno de fcifcentos , & o.yto da cdi- vaó delle,& Ih^ dbhia o cabello,vendo que em fim
ficaçaô de Roma , fendo Conluies Gneo Corne- era Chrjftaõ : xom tudo teve Giraldo léus meyos
lio Lentulo,& Lúcio Mumio,como efcreve Pau- por onde cffeytuou o que pretendia. Veyo huma
lo Oroíio, que toraó cento 6c quarenta annos an- noy te com fua gente pela parte aonde hoje eftá o
tes do Nacimcnto de Noflb Senhor Jefu Chrifto. Moftcyro do Bcmavencurado S. Benco , no qunl
1
lugu*
.lil
Canto Tercâyro, 95
lugar os Mouros tinhaõ hu ma Atalaya , ôcnella
lium Mouro de vigia , o qual naô tinha comfigo ^j
mais que huma moça filha fua. E deyxando ícus .--. ^, n' j j
companbeyros era huraa certa paragem efcura, & 'XA na Ctdade Beja vay tomar
aonde mcJíior , & mais Iccrctamente podiaó eftar I l^ingançA deTrancofo dejiruida^
até lua tornada , fe foy fem medo algum contra a ^ Affonfo^ que naõ fabefoffegãfi
Atalaya, a dclcubrir o que paflava : & levou logo y^y. tjiendcr CO afama a CUrta Vida:
hunias dhcas para meter por huns buracos que na j^^-j^ lhe pode muy í o fu (tentar
torreda vigia cítavao, para lubir ate a lanella , le ^/^^ j j ^ , j •> j-j
acafo achalte occaíiaó para irto : porque à torre fe ^^'^^^^^ mas/endoja rendida,
iiaó podia hir,ie naô por efcada lançada decima. ^^ todaacoujavivaagente irada.
Chegou â torre a horas de meya noy te, 6c a tem- ^YOVando os fios vay da dura efpada.
po que o Mouro,que até entaó eílivera em vigia,
entregarão cargo a fua filha para elle defcançar lâ na Cidade Beja vay tomar. Tendo El-Rey
hum pouco , a qual iedeícuydou , como moça, ôc Dom Aftonlo Henriques cercada a Cidade de
Ic deyxou dormir no rebate da janela da torre. Beja , foraõ 05 Mouros cercar a Villa de Tranco-
Como Giraldo vio tõió boa occaíiaõ , trepou atè a foja qual t0máraõ,6c deftruhiraójfem dcyxar pcí-
janella, Si lançando maó á moça, deu com cila em Toa alguma viva. O que fabido por El-Rey , nem
bayxojde modo que nunca mais faloUjncm fez ru- por iílo deyxou o cerco de Beja , mas continuou
mor algum. E entrando na torre.achou o Mouro com elle até a tomar, &c paflar todos os Mouros á
dormuido ieguramente , cortou a cabeça ao efpada, por eftar lentido , ôc enfadado do que os
JMouro,& à moçu, & levouasaos companbeyros, Mou-rostinhaõ fcyto em Trancofo,como diz aqui
& iubiado nella deu final de fogo aos da Cidade, o P oeta. Giraldo tomou Évora no anno de 11 66i
dando a entender que havia Chnílãoa no campo, & Beja foy tomada no anno de 1162. em dia do
na outra parte da Cidade , aonde agora eftà hum Bemaventurado S.André , como fe pôde ver no
Mofteyro de Hierony mos da invocação, de Nof- noflb Relende,na defcripçaô da Cidade de Evora«
íâ Senhora do Elpinheyro. E paraquelahillemos
Mouros com mayor prcfla, & vontade,fez que ai- ^ ^
gunsdefeus companbeyros pafi^aflbm por aquella ^
•parte, fazendo reboliço de modo, que foflbm fen- /^ Om eftas fobjugadafoy Talmellà,
tidos,S<: aíTim luccedeo, porque lentindo os Mou- \^ ^ £ apifcofa Ce Zimbra, & juntamente^
ros o tropel da gente, fahiraó da Cidade,lem ten- Sendo ajudado mais de fua efirelía^
to, nem ordem. Como Giraldo vio fahir os Meu- q^gsbarata htm exercito Potente:
ros fora da C.dade,6c que tinha tempo para poder ^^„^ -^ ^ ^^^ ^ ^ -^ ^y^,„^^^ ^^^
entrar , cometco com os leua as portas , que os ^ ^ ,' • , j-,-
Mouros com prelladeyxàr.ôaberus, &deraó fe ^ie a f ocorre lia vtn ha diligente,
tal manha dentro, que em pouco efpaço naõ tive- ^elajraída da ferra defcuydado,
raó que fazer nella. Porque mattáraô maytos , Sc ^0 temerofo encontro inopinado^
pofcraõ outros em eftado , que naó tiveraõ mais
que fazer , fendo osChriíláos muyto poucos. E Com efias fo^ugada foy Valmtlla. Eftando El Rey
deita maneyra foy tomada Évora por Giraldo fem cm Alcacere depois de feytas todas as couías que
pavor,no anno do Senhor de mil cento & íeflenta atrás ficaó ditas , ao qual lugar viera ter de Coim-
& leis, havendo trinta & nove annos que El-Rey bra , andando vifitando , 6c provendo fuás terras.
Dom Aííonfo Henriques Icnhoreava Portugal, como era tempo de guerra : fiiubeque Cizirabra
Por efta razaó , & em memoria defte Giraldo pri- eftava fem gente , & que facilmente fe podia to-
roeyro Capitão de Évora, tem a Cidade por divi- mar,o que o moveo a hir logo fobre ella.êc aíTini
ia , Sc armas hum Cavalieyro armado a cavallo, a tomou fem trabalho. Edcyxando fua gente cm
com huma efpada nua levantada , 8c duas cabeças Cizimbrafefoy fòcomfeflentadecavallo , Ôcal-
cortadaSjhumado homcm,Scaoutradehumamo- gunsdepèa ver Palmella , & eftando notando o
ça,como diz o noflb Poeta no oytavo canto , oy- ficio da terra,houve vifta do Rey de Badajoz, que
tavaii. Alguns por naó iaberem a Hiftoria, ven- vinha foccorrer Cizinabra com quatro mil de Ga-
do efta divifa em Évora , fingem mil invenções. vallo,Sc feflenta mil de pé,fera ordem á gram preC-
Outros quelheparecequeacertaó, dizem, que fa , o qual com aquella pouca gente quetinhao
aquelleCavalleyrohe o Bemavéturado Santiago, desbaratou,&:poz cm fug>da.Fczifto tanto temor
& aqucUas cabeças de Mouros, que matou emía- aos que eftavaó em Palmella , que logo lhe deraó
vor dos Helpanhoes, A verdade , he o que fica a Villa com condição que os deyxafle lahir cm íal.
^tto» vo , o que El-Rey fez de muyto boa vontade.
Chamao Poetaa Cizimbrapifcofí , por fertem
aonde le armaõ grandes pelcarias , aíllm por parte
d^^El-Rey como da gente do lugar.
Q^ Lujiadas de Luis de Camões Commentadosl
Do umetêf o encontre inopinado. Ifto dezia porque hog» fegue a vittma fim tardança. Ávidas eílas
o Rey Mouro vinha defcuydado , parecendolhe vittorias dos Mouros, poz cerco a Badajoz, que
que Ll-Rey Dom Affonío eftava no cerco de Ci- era da conquifta de Leaó , por cftar de quebra
2.imbra , &L como elle tinha efte penfamento , & com El-Rey Dom Fernando leu genro Rcy de
feu intento naó era outro íe naó foccorrer a Ci- Leaó,& a tomou facilmente,
zimbra, caminhava ícm ordem. Pelo que vifto por §íae a fez fazer as outras companhia. Diz que Ba-
El-Rey Dom AíFonIo , foy fubitamente lakeado dajoz fez companhia às outras , que tinha tomado
por elle, & acommettido com tanto tsforço, que aos Mouros.
lhe pareceo queeftava Êl-Rcy Dom AfFonfoal-
li com todo leu exercito : o que foy cauíade 1Í3
por em fugida com todos os feus.
O Rey de Badajoz era alto Mouro^
Com quatro mil cavailof furiofos ,
Innumeros^iÔes^ darmaSj & de ouro
Guarnecidos >i guerreirosj & luftrofos:
Mas qual no mez de May o o bravo touro
Cos ciúmes das vacas rececfosy
Sentindo gent€ j ohruto^ & cego amantCi^
Saltea o defcuydado caminhante.
Jnnumeroí piões. Gente de pé fem conto. Atrás
diflemos como trazia El-Rey de Badajoz quatro
niildecavallo,& feflenta mil de pé, que he o que
o Poeta aqui diz.
^^
DE fia arte Affonfo,fuh\te mofírado,
Na gente da^ que pajfa bemfegurá^
Fere, mata derriba ãenodadOj
Foge o Rey Meuro^ &/ó da vida cura:
2)(? hum pânico terror todo affembradOy
Só de Jeguillo o exercito frocura.
Sendo ejfes que fizer aõ tanto abalo j
No mais^ quefòjejfenta de cavalo.
De hum pânico terror todo ajjombrado. Pânico ter-
ror chamaõ os Latinos hum medo grande: & vem
de hum fingimento Poético, oqualhe, que Pau
(queelleschamavaó Deos dos paílores)era caufa-
dor de todos os medos,& fantalmas. A efte propo-
fito le trattaó muytas coufas nas Chiliadas no
adagio Panicui cafuti Angelo Policiano nas Mifce-
Ianeas>cap.2 8.
IOgo fegue a vitoria fem tardança
.s Ogram Rcy incançavel ajuntando
Gentes de todo o Rey no ^ cuja ufança\
Era andar fempre terras conquijtando:
Cercar vay BadajoZi^ logo alcança
O fim de jeu defejo pelejando
Com tanto esforço, & arte^& valentia^
^e afez fazer às outras companhia.
69
As o altoDeos^quefara longe guarda
O cafiigo daquelley que o mertce^
Ou para que fe emmendeàs vezes tarda^
OuporftgredOi que homem não conhece.*
Se atè aqui o forte Rey refguarda^
^os perigos a que ellefe ofiferece^
Agora lhe não deyxa ter defefa
'Da maldição da may^ que efiava prefa,
^goralbe nHo deyxa ter dtfefa. Porque a Cidade
de Badajoz lhe loy tornada a tomar por feu gen-
ro,6c elle ao lahir pela porta contra feu genrxv<iue
a tinha cercada, quebrou huma perna no ferrolho
da porta , com a prcHa , & defatento que levava,
como fe conta nas Chronicas do Reyno , Ôí o
Poeta na oytava feguinte.
Q1)e e fiando na Cidade^ que cercar a-.
Cercado nellafoy dos Leonefes^
Torque a conquifta delle lhe tomara^
2)í Leaõ fendo y & naõdos Tortuguefes:
A pertinácia aqui lhe cu fia cara,
Afft como a contece jnuytas veze^s^
^le em ferros quebra as pernas, indo acefo
A batalha^ onde foy vencido y & prefo,
^uee^ando na Cidade efue cercdra, Efta he a Ci-
dade de Badajoz.
OFamofo ^ompeyoy naotepene
De teusfeytos illueftres aruina%
Nem ver que ajufta Nemefis ordene.
Ter teu f ogro de ti vitoria tndina
Toflo que o Rio Fafis, ou Syene,
^e para nenhum caboafombra inclina,
O Beotes gelado^ t3 a linha ardente
Temejfem o teu no7ne geralmente.
O f amo (o Pompeyo f)âotepene.Yoy Pompeyo R<
mano de gente nobiliflima.No tempo das guerras
civis entre Sylla , & Mário , leguio as partes de
Sylla. Fez taes coufas nefte tempo , quemcreceo
o nome de Magno. Depois de grandes vittorias,
& triumphos , 6c demandar Roma muytos annos,
&
CantoTerceyro,
& fer taó conhecido, Sc temido no mundo, o ven
cea feu lo^ro Júlio Celar. E fugindo deJIe para
o Esypto , Dionyíio Ptolomeo lenhorda terrii,
em quem cllecuydava ter muy certo valhacouto,
o mandou matar , como conca Plutarco em fua
vida. O que o Poeta aqui niollra , he a pouca le-
ourança das couras,& como em quanto dura a vi-
<la,nínguem eftà feguro dos contrafíes delia. Fal-
]a cm Pompeyo , que íoy hum Capitão vaierolo: emendar lem razaò alguma , p©is Lucano naò fez
meyo diajfâõ nella taó direytós , que emneuhuma
parte ha fombra , como diz aqui o noílb Poeta á
imitação de Lucano. O qual le ha de entender,
que lucede fóhuma vezno anno , quando tem o
Sol por Zenith: que hc quando efta no primeyro
ponto de Cancro : porque entaó a fnnibra he per-
pendicular naquclla parte. E aflim o cntendco
L-ucano , ao qoal Macrobio , Sc outros quifciaó
go qual coníola em lua ruína com a deícaida do
nofio Rey Dom AíFonfo Henriques. Refere as
Provincias,& lugares que lugeytou ao povo Ro-
n.ano nefta oytava, 6c duas que le íeguern à imita-
ção de Lucano lib. 2: cujos, verios ponho abayxo.
mais , que apontar a particularidade daquella Ci-
dade , deyxando a pontualidade da declaração
a quem íe entende.
O Bootes gelado , & a linha ardente. Por Bootes
gelado entende as partes do Norte , aondecíláa
Nem ver iCjue a ]ujla JSemefti ordene, A Nemtlis, conítellaçaô Boote, queheos Sette eítrello. Por
linha ardente, os moradores debayxo da Equino-
cial , que (aó varias Nações. Do Bootes le veja o
que ffcievemos no canto I. oytava zi. ''
chamada por outro nome Rhamnuíia , do lugar
Rhamnuncc em Aíia, onde era venerada, fazem es
Poetas filha do Oceano , & da noyte , grande ini-
jnigado^mao?, & amiga dos bons. Pnita-lecom
humfreyo namaõ direyta , &: hum covado na el-
qucrda,para nioítrar que devemos fer comedidos,
éc teu)perados,aflia) nus obras como nas-palavras.
C-hniriírlhe o Poeta juíla , por ler tida dos antigos
por Deola dajuíiiça. E daqui lhe der. ó o nome O véo dourado eftende^fê OsCapadoces^
1'^
1"^ Oflo que a rica Arábia^ ^ que os ferozes
Eniocos, & QõUhos^ cuja fama
Nemefis dc,nemeo,que quer dizer deílribuir,por
ler leu officiodar a cada hum o feu.Attnbuhiaólhe
tan)bein aza> nospés , para mofbâr a obrigação,
que 05 iVhnJÍhos da Juliiçatcm na expedição dos
negócios. Alguns a fazem a lortuna : 6c porque
Adraílo Rey dos Argivcs lhe fez hum Templo
iumptuofojlhe chamaó Adraftia.
Pofioíiue o frio Pha^s, ou Sycne, Começa a recon-
tar o grande poder que Pon^pt yo teve, 6c as gran
E Judea^, que hum T>tcs adorado' ama\
E que os moles Soferios^^ os a troces
Cilícios , com a Armanta, que deriama.
As agoas dos ãous rios^cuj,^ jonte^
Eji i noutro mais alto,&fanto monte ^
Po/lo (juea rica Arahia, Ptolomeo, & os Antigos
dit^idem Arábia em Dcferta, Felice, Sc Pétrea. A
des vittoiídbque alcançou em todas as partes do Deferta tem eíle nome por fer terra herma , 6c cf*-
mundo, que trebladou de Lucano palavra por pa- teril, os naturaes lhe chamaó Beriará : & a Eícrit-
vra,onde Pompeyo diz eílas palavras.
Vars mundi mtbi nulla vacat,íedtota tenetur
Terra meií^^uvcumc^ue jacit (uh (olf,trofheif,
fíínc me vicíorem geltdai aU Phafids uudat
AftUi habety cálida medtm mibi cogmtmáxu
t^y^ÍJfpto,atijMe umhrai nufxjuam jicólenta Sjene.
tura Sagrada Cedar. A Felice ou beata chamarão
aíTim pela grande abundância de cheyros , de que
os homens Icaproveytavaó para fuás delicias : os
quaes como punha© íua bemaventurança nos de-
Icy tes , & bom tiattamento do corpo . tinhaó por
bemavcnturada a terra , que lho ajudava a ter mi-
mofo,'& regalado, comodizPlinio liv.12.cap.18."
Os moradores lhe chamaó hoje Mamotta , como
Nenhuma parte do mundo(diz Pompeyo)íi^, que quer Pinelo,& nas taboas modernas Ain^an.A ter-
naólaybamcunoine, antcstodaa terra que o Sol ccyra le chama Pétrea , a que os Turcos hoje cha-
toca etlá cheya de meus tropheos. O Norte me maó Barraab. Veja-fc a noflà Aunotaçaõ nefte
reconhece por vencedor , até as congeladas aguas meímo canto, oytava 25.
dorioPhalo : ÔComcyo.dia, que cae na quente E tjue os fereces Eniocof. Saó Eniocos povos de
Egypto:8c Syenc, que para nenhuma parte dobra Sarmacia Aíiatica,quehoje chamamos Mofcovia,
as lombras. Com outros verios que no Poeta eftâo qiie moraó nas faldrás domar , como diz Ptolo-
tresladados , como fica dito. Phafis he hum rio ineo nafegundataboade Afia , noíim. He gente
muy to grande: naccno monte Caucaío nu parte fera, pelo que os Poetas lhe chamaó feroces, como
do Norte, pelo que lhe chama frio. Pafla por Col- aqui o nofíb Camócs. Colchos faó moradores Je
chos Província de Afia, que hoje fc chama Men- Colchis, de que trattàmos atrás. Nefta Província
gullia,iugey ta ao Graó Caó Senhor dos Tártaros, foy Rey Eeta pay de Mtdea táo conhecida por
òyenehe Cidade do Egypto,drt qual querem ai- fcyticeyra. Aquicíleve o vellode ouro em hum
guns que naó haja mais hoje que o nome, no qual Templo de Marte, taó nomeado naquelle tempo,
também varcaó. He muyto celebrada pelos Ef- por huma das pnncipacs venturas do mundo.
cnttorcs, por huma paiticulandade fua, que os Aor)âç d\ziC[u\oPotzr.BColcbos^ cuja fama e^en/k
rayos do Sol em certo tempo do anno , a horas de c velío de our», Vcja-fc Ovidio nas Metamoi phoíes
• lib.7, S
qS Lu/iadas de Luh de Camões Commentados],
'.' E osCapaJâces, Saõ moradores de Capadócia, todas ascouías grandes , & robuftas nomeavâo
parte de Nathalia, que hoiechanjamos Turquia. com efte ncme dcTauro. Efta hc a razáoqueal-
\ iudèa, íjue bumDcoia(ioraj& ama.Hc]\iáéâi)âr- guns dáo para cfte monte fc chamar Tauro , que
te daPaleítína , que a Eícnttura Sagrada chama he hum dos mayores do mundo:porque abraça to-
Tdefitm Canaan , ou Terra de promillaó. Toda he da a Aíia, deíde o Oceano Oriental, até o Septen-
lugeyta ao Turco. Nefta Província eítá a Cidade trional,com diíferentes nomcs,conforme as varias
de Hierulalem,de que tractey atrás
Oi wolUs Sophenos. Saõ povos de Sopheno Pro-
víncia de Suna.Saó gente molle, 6c affeminada, co-
mo lhe chama aqui Camóes , ou por melhor dizer
Lucano que elle imita.
E os atrocci Cthctos. Os moradores de Cilicia,
que hoje fe chama Carmania. Foy Província do
Nações por onde pafia, conio diz Solino cap. y i.
Se o campo Emathtofó te vio vencido. Emathia re-
gião de Grécia fe chama também Thefialia , Ôc
Emonía. Nefta Emathia junto a hum lugar cha-
mado Phargalo , foy vencido Pompeyo de Júlio
Ceíarleu logro, como conta Apiano.
O genro a efie. Pelo que fica dito,que Dom Fer-
povo Romano,6c muyto rica : Ôc nclla governou nando ReydeLeaó,?i genro d*El-Rey DomAf.
Marco Tuliio. He gente cruel de natureza, pelo
que o Poeta lhe chama atroces.
Arménia^ ojue derrama. Ha duas Arménias , ma-
yor,ôc menor.A mayorchamaa Efcrittura Aram,
& nós Turcomania, lugey ta ao Turco. Nefta eftá
o monte Gordico , aonde dizem eftar a Árcade
Noé. A menor chama a Efcrittura Ararat, ou ter-
ra Us , como quer Arías Montano. Em vulgar
Anaduole, Os moradores defta região faóChri-
ft:âos , mas guardaõ os ritos , & ceremonias difte-
renres da Igreja .Romana. Por Arménia mayor
paílaõ dous rios taõ nomeados Euphrates , & Ti-
gris , que a Efcrittura Sagrada diz que nacem no
Paraylo Terreal. A efte lugar chama o Poeta aqui
Monte alto, £c Santo: pelo que diz o venerável
fonfo Henriques o vencco em Badajoz.
74
T Ornado o Rey fub lime finalmente j
1)0 atvino luízo cajtígado,
depois que em Santarém Joberbamente,
Em vãf) dos Sarracenos fcy cercado:
E depois que do Martyre Vicente
O fanttjjimo corpo venerado t
*Do facro promontório conhecido
Aa Cidade yiyjjeajoy trazido.
Depois cjue em Santartm. Como os Mouros ÍOU'
Beda,& outros Autores , que he taó alto o lugar berúodo dcfaftred'El.Rcy Dom AíFonfo Hcn
aonde cfteve o Parayfo da terra,que parece chegar riques , & como fora vencido em Badajoz por feu
ao Ceo da Lua. Aonde efte Parayío folie naó ha genro Dom Fernando Rey de Lcaó , tomáraõ
cerceza : pelo que alguns querem , que o naó haja oufadia pnra entrar por fuás terrab: 6c logo no an-
totalmente : &:que com o diluvio fe conlumio. no de mil cento Scíettenta 6c hum fahio Albora-
Outros, que Helras , 6c Enoch cftâo nclle , 6c que gue Rey de Sevilha por antre Tejo, 6c o Diana,
haô de aparecer no tempo do Antichrifto. Saõ fe- deftruindo tudo o que encontrava. Depois de ter
gredos que Deos reícrvou para fí, pelo que naó ha fey to grande eftrago na terra,6c gente, poz cerco
quecanlar nelles.
a Él-Rey em Santarém. O qual não podendo fo-
frer táo grande atrevimento, fahio aos inimigos, 6c
I j ^ , os desbaratou , íem querer eperar por El-Rey
4 ( ^^^fi^4^^J^^ mar de Aiblante^ Dom Fernando fcu genro que fabia abalara de
^ Atê o Scythico TaurOy monte erjiuidoy Leáo cm fcu favor. O qual Jabcndo do bom luc-
ceílo d'El-Rey,fe tornou do caminho fem o ver,
porque ainda náo eftavâo correntes : 6c aílim não
faltava quem difiefle que vinha com outra ten-^
çâo.Mas mandoulhe recados de amizade,ôc os pa-
rabéns do fuccefio. ^ JÊM
Depois cjue do Martyre Vicente» Dous annos depois W
de levantado o cerco de Santarém , annodcmil
cento lettcnta 6c três , foy trazido a Lisboa o cor-
E pifto em fim íjue des do mar de Atlante, Mar de po do Martyr S.Vicente, 6c pofto na Sé, como íe ^
Atlante he propriamente mar, que paíla por Afri- pode ver na Chroníca d^El-Rey Dom Aftoniom
ca,aonde o monte Atlas eftà.Os Autorts ufaódef- Henriques,aonde fe moftra claramente fer aquel- '■
ta palavra mais largamente,6c o tomaó por todo o le o corpo do Bemaventurado Santo , que alguns
mar Oceano . como Cícero no fonho de Scipiaõ: fem razaôquizerão contradizer. jll
Sacro Promontório conbtctJo, Promontório he pa- '■
lavra Latina, quer dizer , coufa que ameaça por
cima, 6c porque os montes, 6c rochedos ao longo
domarlaó deftemodo , daqui fe chamarão pro-
montórios, 6c cm vulgar cabos, como efte, que ^
fG
75
Tofto emfim^qàefdo mar de Athlantej
.^ Atê o Scythíco Tauro^ monte erguido^
Jà vencedor te vijjem^ naõ te e/jjarjte,
Se o campo Emathio fó te vio vencido:
'Porque A ffbnfò verás foberbo.zy ovante
Tudo render ^^ fer depois rendido,
AJJio quis o concelho altOjé' celefle^
^e "vença o jogro a tij& o genro a efte.
Omntm terram, tjua nobss colitur AtUnttco marí,quem
Oceanum apptlUmus, ctrcumfttndi. Toda a terra que
he habitada dos homcns,hc£ercada do mar Atlan-
tico,que chamamos Oceano.
/ítè o Scythíco Jauro, monte erguido. Os Antigos â
Canto
fe chama hoje o cabo de S.Vicente , por rcfpeyco
^o Santo.
75
POrque levaffe avante fiu defejo^
Ao forte filho manda o lajjo velho^
^e as terras /èpaffa/e de Alem Tejo^ j
Com gente , & com be lligtro aparelho:
Sancho de esforço/£ animo fobejo.
Avante pajfatK^ faz correr vermelho
O Rio, que Sevilha vay regando^
Cofangue Mouro^barbarOj& nefando,
Torqut UvaJJe avante feu Jefèjo. Havendo cinco
annos, que Portugal citava em ócio , porhumas
tréguas que El-Rcy Dom Afíonfo Henriques ti-
nha feyto com El-Rey de Sevilha, enfadado elle,
& os íeus com a paz,vendo que os iniq;iigos da Fé
deChiiílo andavão á larga , & hiaó em grande
crccimento,couíaque elie muytoaborreciannan-
dou leu filho Dom Sancho ás partes do Alentejo:
O Infante partio de Coimbra no Mez de Julho
<3e 1 178.6c fazendo pelo caminho(depois que che-
gou às terras do Alentejo)grande eftrago na gen-
t«,& terra dos Moures, (etoy na volta de Sevilha*
Os Mouros de Andaluzia,não o podendo íoher,le
ajuntarão todos,^ fahirão ao Infante perto de Se-
vilha, maselleospozcm deíbarato, & dizem as
Chronicas,que toraó tantos os mortos, que o rio
Guadalquibir,a que o Poeta chama rio de Sevilha
tinha as aguas vermelhas com o langue dellci.Ha-
vida cila vittona , o Infante fc foy ao arrayal dos
Mouros, aonde achou grande , & rico deípojo de
ouro,& prata, & outras coutas de preço, as quaes
todas repartio pelos loldados , lem lhe ficar couía
alguma para fi.
ECom ejla vitoria cobiçofo,
Janàodefcançaomoço, atê que veja
Outro efirago^ como eftâ^ temer o fo
No bárbaro j que tem cercado Beja",
Nao tarda muyto o Trmcepe ditofo^
Sem ver o fim dãquiiloy que defejãj
AJJi ejiragado o Mouro, na vingança
Tie tantas perdas põem fua efperança,
E tom t(la vittoria cobiçofo. Quando o Infante
Dom Sancho paflbu por Alentejo , levou con-
Cgo alguma gente dos lugares por onde paílava,^
«Ic Beja.dizem as Chronicas,que o feguio muyta,
pelo que ficou a terra algum tanto falta. Como os
jMouros iílo fouberaô , foiaòihe por cerco , mas
CS que cftaváo dentro ainda que eraõ poucos ) a
defenderão com. muyto csforço,aièqueo Infan-
te chegou, aos Mouros; largarão logo o cerco , &•
foraó desbaratados, não indo com o Infante mais
e^ue mil & quatrocentos de cavallo, coiji os quacs
Terceyro. f^^
acudio aBeja,deyxandoatrás amaísgêntè, pára-
quco íeguille, o mais depreda que pudeílè , mass
quando chegou,jà o Infante tinha os Mouros dei*
baratados.líto iuccedeoai8.dc Abril de 1179,
_ 77
JA' fejuntao do monte ya quem Medufâ^
() corpo fez, perder^ que teveoLeOy
J a vem do promontório de Ampelufa^
E do Tinge ^ que afftntofoy de Anteoi
O morador de AbUa naò Je ejcu/a^
^e também com fuás armas Je moveo^
Aofom da Mauritana ,& rouca tuba^
Todo o ReynOi que foy da nobre Juba^,
Jd fe ajunta» do Monte a t^nem Medafa, Irados râ
Mourosjik: eífomagados contra os Chriítáos,pelo
grande eítrago que nellcs faziaó , valeram-le dé
todos Teus amigos. Feio que Miralmuminim Rey
de Marrocos t-mperador dos Mouros paílou a
Portugal com hum podcrofo exercito, t. ícnda
ncíhis partes Ic/oy na volta deSantarcm,aondc o
Infame citava. Pafibu eíle Mouro o Tejo em hum
dia de S.Joaó de mil cento oytenta & quatro, eoiu
quarenta mil de cavallo , & quinhentos mil de pé|
com a qual gente fez tão pouco , comocontao as5
Hiftorias : porque loccorrido o Intante por feu
pay,lahio com lua pouca gente, Sc os venceo. Fo-
raó nclta batalha mortos, ik feridos muytos, entre
os quaes o Emperador morreo de huma fenda que
houve na batalha.Eítas coufas conta aqui o Poeta
por algumas oytavas elegantemente : pelo que
não farey mais que declarar alguns vocábulos el*
euros, para os que não faó lidos»
Do monte a <juem medula ocorpofet, perder^<jae tevê
o Ceo. Contáo as fabulas que Medufa filha de
Phorco , & Letho foy huma molher muyto fer^
mola , mas muyto alpcra para agente. Pelo que
lendo requellada de muytos a nenhum dava ven-
to,antes os elcandalizava. No numero deítts en-
trava Neptuno lenhor do mar. Vendo eíte, que
nem promeflas,nem rogos aproveytaváo com Me-
duía,determinou aproveytarfe delia por qualquer
modo que pudefle , & não podendo eíFeytuar o
que pretendia , le não no Templo de Palias , alli
poz por obra feus defejos , ficou Palias affrontada,
fie irada com efte cafojpelo que convertco cm co-
bras os cabellos de Medula » com que parecera
bem a Neptuno, & deu a léus olhos tal qualidade,
que tudo oqueolhaficm fetornaflc empedra. Eí-
tava já toda aquelU terra cheya de pedras , ÔC já
não havia couía que náo fofle pedra,pelo que acu-
dio Períco filho de Júpiter a eltc n)al,& matou el-
te moníf ro,& do fangue que lhe cahio da cabeça,
le levantarão muytas cobras , de que ficou toda
aquella terra lemeada,de modo que em nenhuma
pai ledo mundo ha mais.lflotocao Poeta no can-
to 5.oytavaii. aonde falladc Medufa. Paliando
N depois
oÇ Lufiadas de Luís dt Camões Commentadas,
depois por Afnca,aonde Atlas rcynava, como lhe
anoyteceíle perto dos paços d^El-Rey, chegouie
áporta,£c pondolhc diante cujo íiiho cia, lhe pe-
dio pcuíada.hcou tio atemorizado Atia^ com lhe
diztr Perleo , que era filho de Júpiter (poiquc ti-
nha ouvido do Oracuipjque hum filho ue Júpiter
havia de ler caufa de íua deftruiçáo ; t|ueonáo
quiz agazalhar. Sentido Perreo diíto, dekobno o
roílo ua Medula , que unha efcottdjdo , fcí pcJp
diant,e de Atlas , o qual em o vendo ficou tey to
iiionie. iLÍta tabula conta Ovídio nas ívlctomor-
pholeslib.4. Daqui levancão o^ Foetas outras Ic-
inelhanteò mctntiras , que Atlas erahumhomeia
grandtí de corpo , 5c muyto forçol© , pelo que ci-
nhaoCcoâscoílaSj&queeílecaítigo ihc deu Jú-
piter por fe levantar contra elle em coíBpanhia^
dos Gigantes, para o lançar do Ceo, a pedimento
de íua mulher Juno, como conta Higinio. A ver-
dade difto he, que Atlas foy grande Altrologo, &
por eíla razão hngiráo os. Poecas, que tinha u Ceo
as cofias , porque continuamente eílava com os
olhos nelle,coníiderando o curlo dos Planetas, &
maiseílrtllas. De Atlas convertido em moiue,ôc
78
ENtrava com toda íjfa companhia^
O Miralmumine ffm 'l^ortugal.
Treze Reys Mouros leva de valta^
J^ntn os quaes tem o Ceptro imperial:
E affifa&enão quanto malpoãm^
O que em partes podia fazer mal,
^Dom Sancho vay cercar em Santarém^
'Forem nuò lhe Jtíc cede muyto bem.
Entrava com toda e^a companhia. Mir^XwMmmm
íe ha oe lerj^kelcrcvcr.hc paUvia Arábiga, quer
dizer Princepedos Scientes. h.íla alcunha le poz
bum !\bedrainonda geração dos Caliphas de Da*
malco por autorizar lua pclloa.Sc adquirir gentes,
que o IcguUlem ncítas partes de Berbéria , aonde
íe recolhco com alguns parentes , & gente lolta,
que o lejíuio , fugmdo da fúria de Abedela novo
Calipha.Òsque Um Miramulim he corruptamen-
te, iiífe AbedrajDon drzem que fundou a Cidade
que monte fcjale veja a noílaannotaçâo no canto de Marrochos paralVletropoli , &cabeçadeleu
i.oytava z.
lavem do promontório de /ímpelufa.O Promontó-
rio Ampclula hc entre Ceuta , Ik. Tangere , cha-
ma íe hoje a ponta de Alcaccre- Dizie Ampeluía
pelas muytas vinhas que tem, porque ampelos , he
:i vide. Ortelio,ÔC outros lhe thamáo cabo de ti-
partel, Olivario labrc Pomponio Mela , cabo
Cantono. Os Portuguczes ponta deAlcacere. A
Icrralc chama hoje ferra Ximera. As vinhas nâofe
cíUdo , pelo que ficou Rey de M arrochos , 6c
Empcrador dos Mouros , o qual vendo o grande
dano que El- Rey Dom Aíi^onlo Henriques fazia
nos Mouros de Hefpanha , & os queyxumcs que
cada dia hiaó delles , porque o finhaó por leu Se-
nhor,&; amparo, determinou entrar cm Portugal,
& foy com gente lem conto , & com treze Reys
Mouros comíigo , 2í depois de ter fey to grandes,
males na terra , foy cercar o Infante Dom Sancha
79
cultiváo, por eítarem entre Ceuta, & Tangere, cm Santarém, do qual foy desbaratado , Sc nior-
aondenáo vivegente,porqueolngareftâde rodo- 10 , como fica diiio oytava 76.
delabitado,por ler ác pouco provey to, com tudo
pelas icrras ha muytas parreyras , &c cepas de vi-
nhas feytasmortoriQ, aqui andaõ continuamente
JVl ouros fazendo todo o mal que podem po«cr«
ra,& por mar.
E dt Itngt «fue ajjento foy àt i^wíco.Tingc he a Ci-
dade de Tangere, fugeyta aos Reys dê Portugal, ^,„^ fecretaUrtéte forçofo:
DAlhe combates a/peros afazendo
Ardis de guerra mil o Mouro trofi^
NaÔ lhe aprovyeta ja trabuco horrèd&
I
ôc da qual a Mauritânia, quecomprendeos Rey»
nos de Fez , & Marrochos , Ic chama Mauritânia
Tingitana. O pnmeyro fcu fundador dizem que
foy Antco, como diz Soli.no,pJinio,6c Pomponio
JMela no lugar allegado.
O morador de Ainla não fe tfcufa. O morador de
Abilabeo morador de Ceuta. De Abila fica dito
ncl\e canto oytava 18.
Todo o Rtynocjuefoj dgncbre lu(^a. Juba como diz
Sobno toy icnhor das duas Mauntanias , Tingi-
tana , & Celarien{e,nas quaes íccomprendem os
Rcynos de Fez, Marrocos , TremeíTcm , & ou-
tros , das quaes partes drzaqui o Poeta que foy
muy w gente com oMiralmuramin).
Torque 0^ filho de Affonfoy nadperdend»
Nada do esforço ^& acordo generofi^
ludo prover com animo ^^ prudência^
^ie emtodaaparte ha esforço jò rejiflenciai
Trabuco horrendo. He hum inftru mento dcgucr- m
ra chamado pelos Latinos bah^a , de huro ver- J|
bo Grego bailo , que quer dizer arremeífar,
porque tira pedras , cadeas de ferro , kttas , 6c
tudo o que lhe mcttem dentro , como diz. Vcgi-j
cio , 6< Vitruvio. ji
Antte forçofo, He vay , & vem , iílílrunien-:*!
rode guerra , chamado arietc , que quer dizer
carneyro , porque a modo dsc carueyro marrt^'
COíu us muros paru os derribar.
Mi
im
Canto Terceyro,
99
8o
MAs ovelho j a quem Unhão jâ obrigado
Os trabalhos os annos ao/ojfego^
Eíiando na Cidade^ cujo prado
Enverdecem as agoas do Mondego:
Sabendo como o filho eftã cercado^
Em Santarém do Mouro j povo cego.
Se parte diligente da Cidade j
^le não pírãe apreftez,a com a idade,
M»s o velho. Efte he E,l-R.cy Dom AfFonío
Henriques, o qual citando em Coimbra por onde
patía o 1 10 Mondego , como íoube do cerco do rt-
lho,acudio com prcfteza, cuja chegada foy caula
da delt-ruiçáo dos Mouros , os quaes havia cinco
diab nnhàó poílo ao Infante Dom Sancho cm
j»rândiiiimo apercocom combates concinaus.
8i
ECo' afamo fa gente â guerra ufaday
Vay foc correr o filho ^^ affljuyitadoSj
Apor tu^ue [afaria coflumada,
F^m breve os Mouros tem desbaratados:
jícampin«ty que toda eflà qualhada
U^e mar lotas j aptízies variados j,
*De c^valloSyjaez^es^ prefa rlca^
''JJeJeâs fenhores mortos^ chea fica,
Ec0 a f amo fa geníe^G Qnttí^ãmoCn, entende grcn -
te iIluítre,Sc digna de fama , & honr:i. No tempo
<le Tullío eíta palavra famofut fe tomava fempre
cm má parte , por couia infame. Dondeahuma
pefloa perdida,Sc infa-nc chamaváo famoí*, como
eftaó cheyos os livros.No tempo de Plinio, Sc ou-
tros mais modernos fe ufou tambein em boa
parte , como aqui o Poeta.
8l
LOgo todo o reflante fe par tio
''De Lujitania^poflos em fugida;
I O Miralmuminifó naõ fugiot
\ forque antes defugir^ lhe foge a vida:
\ A quem lhe efla vhoria per mil io,
^ao louvores ^^ graças fem medida^
^e em cafos taò eftranhos^ claramente
Mats peleja o favor de "Ueosy que agtnte:
Port^ue antes de funir lhe foge a vida. lílo diz por-
que antes de fugir foy moi to pelos noflos , como
dizem as ehronicas,ík fica notado atrás.
85
DE tamanhas vitorias triunfava
O velho Ajfonfo 'trincepe fubido^
aluando, quem tudo emjim vtncendo andavn
'Da íarga^^ muyta idade foy vencido:
A pa Ilida doença lhe tocava
Com fria mão o corpo enfraquecido,
E pagâraó Jeus annos aeftegeytOt
Aa trtjie Libifma Jtu dtreyto,
A pallida doença íhe tocava. O fclicilíimo Rey
Dom Aífonío Henriques Keyde Portugal , do
qual por algumas oytavas deite canto ferceyra
havemos trartado, tocando lómente algumas cou-
ías , que íè naó elcufavaó para entendimento do
livro, viveo noventa 6c hum annos, dos quaes de-
'/oyro eíteve debayxo do poder de leu pay o Con-
de Dom Henrique, & vinte & lecte ceve o titulof
de Princepe depois da morte do pay, até que ven-
ceo os cinco Reys Mouros no campo de Ourique;
& antes de ledar a batalha foy levantado por Rey,
no qual cargo vivco 46. annos. Falleceo aos feis
di.is do mt z de Dezembro de mil cento oytenta 6c
cinco annos , anno £v meyo depois que ò Miral-
muminim cercou Santarém. Mcrreo eítc Santo
Rey de (ua natural doença , 6c demuyto velho,
(como diz aqui o Poeta,uiando de términos Poeti,
cos) etn Coimbra , Sc foy enterrado no Moíteyro
de Santa Cruz,cm hum monumento de pedra chã,
o qual Mofteyro elle novamente fundara , t^ do-
tara largamente , 6c ao qual tinha íingulardcvo-
çaò.A qual ícpultura El-Rey Dom Manoel man-
dou tirar, & por em outro lugar mais convenien-
te a taó alto original feu. PalUda fe chama á doen-
ça,que quer dizer amarelb , pelos effcytcs que
nos corpos faz^ que he fazelos amarellos. Lyby-
tinahe a que por outro nome os Poetas chamaõ
Proferpina, mol herde Plutaõ fenhordo Inferno.'
A cfta triftc cala tinhaô por certo os Antigos to-
dos os qhiaó, masque havia lugares de pena para
os mãos, & lugares de detcanço, aonde moravap
os que neíla vida viverão bem , ás quaes partes
chaoiavaó campos H^lifios , por ferem delcytofos,
& fora de eniadamentos , & trahblhos. lllo he
aqui o que diz o Poeta , para dizer que falleceo o
Bemaventurado Rey Dom Aftonfo Henriques,
diz que pagou feu tributo à triíleLibitina , fal-
iando con^^o Poeta. Confideradaa liçaô dos Poe-
tas antigo^', acho que Libitina era a mcfma que os
Poetas chamaõ Vénus, lenhora das graças, & ga-
lantnrias , a qual afTim como para os vivos lhe at-
iribuhiaóeíledom,alTim a pintavaô prefidenteda
morte , & que no feu templo fe vendiaó todas as
coulas para as exéquias dos defuntos : dando por
eíles rodcos a entender a fraqueza, 6c pouca dura
da vida humajia , pois a mefmaque nos princípios
da vida ajudava , 6c favorecia aos homens, 6c era
Na caufi
IQQ htifíaâas de Luls de Camões Cttmm enfados',
cauia cie muytos goíloSjSc paflatcmpos, lhe tinha Eu vi(diz Lucrecio)lugare3 que refpondiaó a hu-
rreftesj & aparelhados os liiítrumentos, Sc petre-
chos necellarios para alcgultura,como dizCelio
Rodiig. lias luaj, lições antigas,Uv.<>.cap.i8,
84
O Saltos fromontorios o chorar ao j
E dos nos as agoas faudojas ^
Osjetneados campos alagarão,
Com lagrimas correndo piado/as :
Mas tanto pelo mundo Je alargarão^
Com fama Juas ohras valer ojas^
^efempre nojtu Rtyno chamarão,
^jfonjoy Afonfo os eccos, mas em vão.
Otaltoi Promontórios o cbonirao. He teimo defal-
}ar n/uyto uí"ído dos Poetas , para encarecimento
do que trartaó , como tez Virgílio napriuKyra
Egloga , aonde introduz Melibco paílor era no-
me dos Mantuano» , falando com Tytiro outio
paítor , que le alli coma pelo nieímo Virgílio,
moltrando o grande gollOj& contentamento que
toda a gente de Roma tinha com a convcrfaçaó de
Virgilio,ôc como c5 fua aulcnciaeftava tudo triftc.
TytirHí hinc ahrâtyipfa te Tytire pinus^
ipfi te fintei Jp/a h^sc aibufta vecahm.
ma vóz leis & lete vezes , o que procedia dos ou-
leyros, ÒC concavidades da terra, que termao o ní
relia , & naó.podendo paflar adiante , tornavió
í.trás, contóriíie aos iugarts, com que Ic encontra*
vaójafliin rcij ondiaó. Vejale Piíniono lugar alie»
^ado.
S Ancho for te mAncebo^ que ficara
Imttandofeupay na valentia^
E que emjua^oídajã je exprtmentàra,
^ando o Bethts aejangueje tingia:
E o brabopoàer desbaratara
^Dolfmaeltta Rey de Jndaluziay
E mais quando ^os que Beja em vão cercãraS
Os golpes dejeu braço em vao provarão,
aluando Bethis de fangue fe tingia.líío diz pela ba-
talha que Doin Sancho deu aos Mouros junto a
Sevilha, aonde houe tanta mortandade , que o rio
Bethis,que he o de Guadalquibir.tinha fuás agua»
vermelhas com o langue dos muytos Mouros que
relle cahiraó, como atrás fira/dito neftemeímo
canto. ^ E mais cjuando os ejue Jieja em vaÔ eercÁraU
líto íica iiattado ncílc mcliiiO canto, oytava 75.
86^
Efolsquefoypor Rey a levanta do ^
Havendo poucos annos que reynava
jí Cidade de Sylves tem cercado%
Tytiro diz Milibeo naõ eftava Roma contente,
nem moíiravater golto perfcyto, porq lhe a voz
faltaveis,os pinheyros,as fontes, 5c as arvores lol-
luçavão , & choravaó por vòh. Entende pelos pi- ^^y^, campos í bárbaro lavrava:
rbeyi os os principaes da terra,peias fontes os Le- p ^^^ valentes e entes ajudado
trados.Sc Poetas,pelas arvores a mais Pente. Aílim ct< r^ ^ ^* /r^«,^
cnofloPoeta aqui pelos Promontonos entende 'DaGermamaarmaaa, mepajfava,
osprincipaes.aíTimde feu Reyno,como de outras ^^ armas fortes, & gente apercebida
partes.ôc pelos rios todas a. mais gentes,quc a mo- -^ recobra Judeajâ perdia-
do de liosandaõ neíla vida» para huma parte
I
&
outra.
^ffonfò,^ffonJhyOi echos^mas tm t'flíi.Echo,he pa-
lavra Grega , que propriamente quer dizer vós de
icheo,qucfígnilica loar. Entrenós propriamente
le toma peio retorno de noíla vós , o queluccedc
da natureza do lugar aonde bradamos, que indo
retumbando a vózpor cntreouteyros , &valles,
ferindo-íe o ar com a voz , torna anos amefma
voz, & houvimosos ulrimos'ancntosdaspnlavras
t^ue difiemos. A fabula de Echo convertida em
vóz, Sc depois de vóz tm pedra, conta Ovídio nas
Wetamorphofes liv. 5. & ha lugar aonde o echo da
icoz reíponde Ictte vezes , como diz Phnio liv. ^.
cap. 1 ^. Sc Lucrécio Poeta antigo Usz, que e!le v 10
fcfte lugar com feus olhos , acmde o echo ahuma
voz fua refpondia leis &: íctte vczcí»:
^ex etiam,ac feptem loca vtdi reddert vocet
Unam cum taceres;tta coíUs colithus tpft»
Verlhi refulfantet iterêhaHt dicla refcnu
A Cidade, de Sylves tem cercado. A nove dias à»
mczde Dezembro de mil cento oytenta & cinco,
três dias.dcpois da morte d^Ei-ReyDom Aflron-
fo Henriques , foy fcu íâlho o infante Dom San-
cho levantacjo por Rey na Cidade de Coimbra,
por todos os nobres do Reyno , & com todas as
ccremonias , 6c folemnidsdes coítumadas , fendo
de idade de ji.annos, porque naceo cm Coimbraa
onze de Novembro de 1154. EfteRcy Dom San-
cho cercou a (Jidade de Svlves , vefpcra de Santa
Maria Magjalcna a 22.de Julho de 1 190. a qual to-
mou com aiudatff ?|vims Eilrangcyroi , que com
cinCof nta &: três velas aportarão a eílas partes
com hurra grande tormenta que lhe deu, que para
eíle R( yno naó foy tormenta , fe naó huma gran-
de mifericordia do Senhor. As Chronicas andaó
erradas na era do Senhor , as quaes dizem que foy
ifto noannodc 1199. naó lendo íenaónode 1190,'
como fica dito. Eíles Cavallcyros Elhangcyros
hiuô cm companhia du Empei i»dor Fcdciito, cha-
mada
Canto Tercppo] loi
iTiado por alcunha Rarbaroxa, que por efta razaó te Ihcfoy entregue Hierufalem a partido , haven-
Ihc chama o noílb Poeta na oytava icguintc Ro- do oytenta 6c oyto annos que eftavn em poder di
Xo Fcdcrico , a conquiftar % Terra banca , que
Guido i.uligniano ícu ultimo Rey perdera.
87
PJfavão a ajudar na (anta empreza
O roxo Feder icOi que moveo
O poder o fo exercito em defefa
*Pa Cidade, onde Chriflopadeceo:
liando Gui do co' agente em feàe acefa
Ao grande ãaUdinoJet endeo^
No lugar onde aos Mouros fobejavãí
As agoaSy que os de Gutdo de/èjavào.
Chníláos.Efta he a ícde de que aqui íala o Poeta.
Com eila.nova taó triite para a Chriílandade o
Emperador Fedcnco , ainda que velho determi-
nou ajuntar todo fcu poder para cobrar a Hicru-
laicm, 6c o mefmo íizeraõ os Hcys de França, In-
glaterra,5c outros mu yto Senhores , os quaes ain-
da que tomáraó muytos lu^^ares na Aíia , & por
niuyta» vezes delbuniraó osinmiigos, todavia a
Terra Sanca ficou cm poder dos inheis , porque
Fedcrico que era a cabeça do exercito morreo
afogado em huííl rio , aonde íe meteo para íe lavar
aos dez dias do mez de Junho de mU cento & no-
venta. Houve depois dillo grandes diíTençóes en-
tre EUKcy de Frmça.ííc Inglaterra, que toy cau-
íâ de líto naó hir avântc,como em muy Cás ríiílo*
nas ie conta.
88
NX As afermofa armada^que viera,
' \ ToY conttafte 4e vento àqueíla parte^
§iua»iIo GuUê cei^ a gente em fe/ie acefa. A Cidade
de Hieruialem foy tomada aos Mouros no anno
de 1099. havendo noventa que eílava tm poder
de infiéis , a qual fe tomou por Princepes Ciiiil-
táos , que paraeíleefícyco fizeraó liga. Entre os
quaes hia hum Capitão valercliflimo Duque de Sancho quiz ajudar na guerra fera,
Lotharingia , a que os Latinos chamaô Goifre- y^ ^^^^ ^y^ ferviço va\ do Janto Marte:
do , fie os Hcfpanhoes Gudufre de Bulh-^ó. De- >^^^^^^ afeupay acontecera,
pois de ganhada a Terra, com tanta mortandade ^f j^ */ ^/ 1 :.í,^^ x/.« *»»^/;«^ -«*^
\ ■ c r a\^.. .^.,« ^ ro.,,..w> ia guando tomou Lisboa jaamejma artCi
de iníieis,que dizem os Autores que o langue da- ">-. j k- t ^
va pelos artelhos , todos de commum coníenti- T>u Germano ajuaado.òylvestor^a,
mento levantarão por Rey a eíle Gudufre de Bu- Eo bravo morador deíiroe^^ doma.
ihaõ,porfer Varaóexcellcntiflimo, ôcf^zendolhe
cm Bethlem fuás ceremonias,3c lolemnidades,por Santo vVfjffí.Santa guerra,porquc Marte, a qud
nenhum cafoquis coníentirquc lhe puleílem na os Antigos tivcraó por Dcosda guerra , íetoma
cabeça huraa coioa deouro,dando por razaó que niuytas vt-zes pela meirna guerra. Chaaia-feguer-
naó era decente ler clic coroado com ouro, aonde ra lanta eíta, que os Ch; iftãos emprendiaõ contra
Chriíto fora coroado com efpmhos. Depois deite
Gudufre de Bulhaó,houve oyto Reys: Balduíno
primcyra^ Balduíno fgundo , Falcaò Balduíno
tcrccyro, Almeiico Balduíno quarto, Balduíno
quinto o minino , a que chamarão afilm os Auto-
res,porque morreo menino , & Guido^que a pcr-
xleo, como contaremos. Tendo Saladino Soldaó
do Egypto pofto cerco a Tyberiade , Cidade do
Conde Raynmndo, determinou Guido JLuíigni-
tno Rey de Hierufalem lahir a pelejar com Sala-
dino, com ajuda de Boemundo Conde de Antio-
chia,&cdo Conde de Tripoli, ic de outros Senho-
res. Como a nova da fahi.la deites Princepes che-
gou a Saladino,levantou logo o cerco á Cidade, &
foy-fc também cm bulca dos Chriítáos. K porque
os podliidores daTerr^ Santa.
Al[i C0mo afeu pay aconttcera. Atrás trattcy nef-
te canto , como coíh ajuda de huma armada da
Altmanha, Inj^latcrra ,*éc França foy cercada, 6z
tomada Lisboa.
F^ Se tantos trofeos do Mahometa^
y Alevantando vajy também do forte
Leonez^naõ confente eftar qutrtaj
A terra ufada aos ca/os de Mavortei
Até que na cerviz/eu Jugo meta
"Da foberba Tuiy que a mefma forte,
Vio ter a mnyt as filias Jua^ vizinhas^
a Terra he de poucas aguas,tomou Guido o cami- ^e por armas J u Sancho ^ humtldestinhasi
nho muyio aprcílado com lua gente por ic apro-
vcytarde certo lugar que tinha agu:i , mas por
niais preflâ que fc deu , já os inimigos quando ci!c
chegou tinhaó ganhado o lugar , do qual nunca
Guidoospode lançar fór-i, K como a fua gente, &
Oscavalloshiaó canfados do raminho, 5í muvto
mal trattados da iede, a provcvtoulc SaUnimo def-
ta occaíia6,& dando batsiha aus Chnítáos os vcn-
cco, & prcíiucoa El-Kc) Guiuo, líto foy nu armo
E fe tantos tropheês. Da fugida dos inimigos que
k chama em Gi ego tropi , fe chama tropheo o fi-
nal que íe punha cm ilgum lugar em memoriada
lua fugida. Vcja-fc o que efcrevemos non canto
priíuí^yrn.
Tamhfm eltt forte Licntz„\^o diz porque El-Rey
Dom Sancho tomou a El- Rey Dom AfFonío de
Lciu a C!)idadede Tui.l^once vcdra.Sí Sampayr,8c
de i ib6.& W^Q no aano fegumce de oy tcnu 5c íèt. outros lugares de Galiza , de que fcmpre íóy fc.
nhor em quanto viyeo. ^í
102
90
As entre tantas palmas /alteado
JV J ^a temer o ja morte ^ fica herdeyro
Humfilko feUj de t o dos ejimado,
^e foy Jegundo AffonJo/£ Rey terceyro:
No tempo aejie aos Mouros foy tomacto
Aícaçare do Sal for derradeyroy
forque de antes os Mouros o tomar aõ^
Mas agora efirmdoo pagàraÕ,
Mai entre tantas falmat falteado. Palma romã
aqui o Poeta pela vittoria, coulâ muyto ulada en-
tre os Poetas. A caufaporqneapalmalignifica vit-
toria dâ AuloGellio nas fuás noytes Acticas liv. 5.
C3p. 6, dizendo que tem a palma huma particula-
ridade,que diz muyto com a natureza, 6c condição
dos homens esforçados : & he que por mayor pczo
que ponhaô lobre ella, 6c por mais que a apartem,
lempre tira para cima , 6c que por nenhum cnío íe
íabe fogeytar. Ariftoteles nos Problemas Hb.y. 6c:
Plutarco nas queftóes continuaes iib.S.Plinio liv.
i(S.c.4i.6c Theophraíto lib.5.dizem o meímo.Fal.
Icceo El-Rey Dom Sancho depois de alcançadas
grandes vittorias, Sc feytas grandes maravilhas ém
armas,em Coimbra de lua doença, fendo dr idade
de cincocnta 6c oyto annos , havendo vinte ôt leis
quei^ynava no anno do Senhor de 1212.
íicíí herdeyro hum filho feu. Eíte filho que fucce-
dcono Reyno he El-Rey Dom Affonfo fegundo
defte nome , 6c tcrceyro Rey de Portugal , o qual
cm vida de íeu pay caiou com a Raynha Dona
Urraca, filha legitima d'El-Rey Dom Affonfo o
nono de Caftella. Foy levantado por Rey de ida-
de de vinte 6c cinco annos, havendo já quatro que
era cafado. Efte tomou a Villa de Alcacere aos
Ív1ourof,com ajuda dos Eftrangeyros.comoacon-
teceo a feu pay Dom Sancho na tomada de Sylves.
Foy entrada Alcacere, 6c tomada pelos noífos cm
dia do Bemavcnturado S.Lucas,a dezoyto de Ou-
tubro de mil duzentos 6c dezaflettc , tendo pri-
meyro desbaratados quatro Reys Mouros que a
vinhaó foccorrer com quinze mil de cavallo , ôc
oytenta niil de pé , em diados Bemaventurados
Martyres Protho , 6c Hiacintho em onze de Sep-
tembro dó dito anno.
Portjue d^antes ot Mturoi a tomârai. No tempo
d^TLl-Rey Dom Sancho fe perdeo Alcacere , 6c
Sylves, náo pordefcuydo,6c fraqueza dos léus, fe
naó pelos trabalhos do Reyno, porque houve gra-
des peftes, fomes, 6c outros trabalhos, que eítor-
varaó poderem íer foccorridas.
Luftadas de Luís de Caçoes 'Corr^^rfut^àci,
^e tãPtotmfeus defcuydosfe defmede,
^í4e de outrem^ que mandava^ era mandado:
^JJe governar o Reyno y que outro pede ^
'For caufa dos privados foy privado j
'Forque como por ellesfe regia^
Em todos osfeos vícios confentia.
91
a.Ya
Orto depois Afonfojhefnceãe
Sancho fegmdo^manç o i&dejcuidado^
Morto depoit Affonfo Ihefaccede Sancho, Falleceo
El-Key Dom Affonlono anno de mil duzentos 6c
vime 6c quatro , lendo de idade de trinta 6c Ictte,
6c havendo doze que reynava. Jazem Alcobaça
com a Raynha Dona Urraca íua molher , na Cap-
peila grande , que eile em fua vida mandou fazer.
Soccedeolhe no Reyno Dom Sancho o fegundo,
Sc quarto dos Reys de Portugal, chamado por al-
cunha o Capello , foy levantado por Rey em Co-
imbra,lendo de idade de dezafleis annos.Era muy-
to pulillanime , ôc dclconcertado no governo cio
Rey no, 6c nas coulas da juítiça de muyto fraco ef-
pintu , 6<: pelo confeguinte muyto lailb, pelo que
naó caltigavacs vicjos , nem hia à niaó aos que
commectiaó quaclquer maldades , 6c iníultos , o
que foy caula de Ic ajuntarem os principaes do
Reyno , 8c avilarcm ao Summo Pontífice Inno-
cenciolll. para que provellenefias coulas, 6c lhe
déljc quem os governaile. Entaõ foy acordado
que lofle cley to por Governador do Reyno hum
irtraô do dito R ey Dom Sancho, o qual era Con-
de de Bolonha. Elleoaceytou , ôc vindo a eíte
Reyno Dom Sancho,6c os da lua conferva lhe qui-
Zcraô rcfifl:ir,mas como naó puderaó Dom Sancho
fe fahio do Reyno, 8c fefoy a Caíiella,aonde mor-
rco no anno de mil duzentos 6c quarenta 6c leite,
6c jaz lepultado na Sé de Toledo. Viveo quarent*
annus,dos ^uacs foy Rey vime 6c quatro.
91
^l Ao era Sancho^ naÕ taõdeshotteffo,
^ Como Nero, que hum moço^ recebia
^or mulher, & depois horerndo tnceflo.
Com a mãy A^rtpina cometei ia:
Nem taõ cruel ás gentes y& mole fio
^ue a Cidade qw yrrta^e^ onde viviat
Nemtaõ mae, como foy líeltogabalOy
Nem como o molle Rey Sardauha paloj
Nao era Sancho na» taS deshoveffo. El Rey Dom
Sancho Capello naó era hornem inclinado acoin-
mciter vic:os , 8c maldades , como fe lé de outros
Revs , que na vida foraõ muyto deíenfreados neU
las: foy privado do Keynoporlcr pufiHanime, 8c
fracodeefpiricu,6c para muvro pouco,porquenaO
fahia caíbsar.nem rcnrchender,5c affim conlcntia»
ik diflimujava con) os vicios dos homens , que nc
aliás grande mal. Nero lexto Emperador Romano
(cujas crueldades , 6c injuíliças paflaraó por toda»
as dos outros crtíeis,6c peílimos Tyrannos)foyna
crueldade
«
CantoTerceyro, toj
crueldíi 1e taõ eílremado , que para chamarmos a danapalo, que fe queymou por íua livre vontade,
hum homem cruel, coftumamos dizerthc hum Ne-
NEm era o povo /eu tyramzado.
Como Sicí/ia foy de feus tyranos^
Nem tifiba^ como Falares ^ achado
Géneros de tromentos mhumanos:
Mas o Reync de altivo ^^ co/iumado
IO. E.lte perfeguio grandemence a Igreja de Oeos.
i^adeceraó cm leu cempo os bemavencurados A-
polloios S.Pedro , & S.Paulo , 6c outros muytos
Santo$,que feria largo contar: mandou pórfogo
ti lua paína, como arfirma Suctonio, Paulo Oro-
íio,&oucros muytos. O qual Fogo dizem qucdu-
roo ícisdiaSjèc lette noytes, & que em quanto ar-
dia Roma, Ic pozen» huma torre alta,donde eíta- ^^ , - , nt
va vendo arder a Cidade, & com grande conten- Afiyihuies_ em tudo fober anos,
taniento , & gofto contava huns vcrlos de Home- A Rty naõ obedece^ nem conjen te,
vo , que trattaó da deftruiçaó , òi incêndio de ^ie naõ for mais que todos excellente,
Troya. Mattou lua própria molhcr , mây, ák ir-
luaó.
Ní»í taÕntao como f>y Heltogabalo^Kúe foy outro
Emperador Romano tal como Nero,dc que atrás
aliamos, o mais vicioio , & afteminado homem
que no mundo houve.Nos galtos de lua peHoa,&:
na gula era taó ellragado , que dizem os Autores
que dellceícrevem, que nenhum Rcy por muyto
Nad era o povo feu tyranvíza^Of como Ciciliafoy de
fem tyrannos. Cicilia, como diz Juitino no livro 4.
aonde tratta de leu íitio , &: fertilidade , foy mây
dos mayores tyrannos do mundo,& como os pnn-
cípaes da terra eraó elles, a gente bay xa aprendia
delles , pelo que era hum formigueyro de ladroes
bayxos, donde veyo hum provérbio entre os La-
nço que fora fe pudera fullentar , gaitando o que tinos,S/f«/«j ompbacíz^atiO Ciciliano faz furtos bay-
cftc gaitava, & que valia a qíte ler Senhor do mun- xos , como laó uvas em agraço , que para pouco
do, Òí. ter as rendas, & riquezas de todo elle,que de mais de nada preílaõ. He terra muyto fértil , ôc
ourra maneyra naõ podem viver, taó exceílivos
eraó os galtos que tazia. l\ porque fuás abomina-
ções,& viciosfaõ taes,que hemeliior naõ as iaber,
nem ouvir , &: eu me corro tratcar delias as naõ
ponho aqui. Quem as quizer ler,veja Herodiano,
Lampndio, Eutropio, & Peio Mexia cm lua vi-
da.
abuwdanre das coulas necellarias para a vida,aon-
de fe atreverão muytos a lhe chamar Roma horreu,
celieyrode Roma.E daqui íingiaõ os Poetas,que
Ceres , & Bacco eraõ naturaes'deíta ilha , por ler
taõ fertii,&: abundante. He cita ilha de íòrma tn-
angular,como lnglaterra,dizem que tcrà letecen-
tas milhas de circuito. Foy antiguamente junta
Níw COMO o molle Rey Sardanapah, Sardanapalo com Calábria, como alguns elcrevem,Sc hum ter-
foy ultimo Rey dos Alíirios taó leníual , & luxu- remoto a dividio,6c pos no mcyo aquelle mar,quc
rioio,quc naó le corna andar entre as molhcres de he de mil & cincocnta pafl"os,Sc fe chama eítrcyto
partidojveltido de leu trajo,&; fiando em roca en- de Mefiina.o qual ainda que feja pengofoem cer-
irc elias, & falando palavras deshoncílas, & lalei- tos lugares,ik tempos, naõ he tanto como os Poe-
vas , como fefora mulher publica. Mandou que . tas fingem, attnbtindclhe Charybdis, Sc Scyllas
lhe puzeílem eltc Epitaphio na lua fepultura de- taõ celebrados dos Efcriítores Gregos , 6c Lati-
poisde fua morte.
Bdeyhiheidf liiíle,poJi mortent nulla voluptas;
nos. Entre outras muytas coufas que tem eita ilha
he aquelle taó celebrado monte Ethna , do qual
Pétreo Bcmboelcreve hum livro particular , que
anda impreílo entre luas obras. A gente he vajc-
Comc, bebe , & tolga , que com a morte tudo fe rola em armas, & letras, como le pôde ver nas Hií-
acaba. Epitaphio, como dizCiceronas Tufcula- torias antigas. Veja- le a noíla annotaçaó no canto
ms,mais para boy , que para Rey. Tomados os
Alllirios, Sccnojadrs por ter tal Rey, ou por me-
lhor dizer de obedecera huma molhcr, le levantá-
faó contra elle para o matar , o que elle naó elpe-
rou, porque recolhendolc aos p^ços da ( >idade de
^.oytava 61.
Nemtwba como PhaUris achado generot de tvrmen-
toi inhumanoi. ÍLÍle Phalaris foy também Ciciliano,
£c fez huma ventagem aos mais , que alem de to-
mar a fazenda aos feus , lhes tirava também as vi-
Njno, cabeça , 6c mctropolide Ãihiia(que a Ef- das , porque naõ gaitava o tempo cm outra coufa.
crutura Sagrada chamada Ninive) mandou fazer
humafooucyra,6c puito nella todo o ouro,prata,
& riquezas que tinha , fe queymou juntamente
com clle,comodiz Ovídio no ibii,.
i^'^»epyramtecum*;artffirKa compor a mittat
^utm finem vitx Surdanafí*luí babei.
Efcrevendo contra hum feu mimií!;o íntrc outras
fenaõem bulcar modos, & invenções de tormen-
tos com que os atormcntaílc. Comoafamadeíla
cruel cnnoíidade vicfleàs orelhas de hum grande
ollicial por nome Penllo,ao qual Plinio, 6c outros
chamaó Perilao.fezlhe hum boy de metal, 6c com
lai invenção que mcttido hum homem dentro,
polto fogo dcbayxo , urrava como touro. Phala-
ris folgou muyto com a invenção , n^as mandou
ao n^eltre que a fizera, que a provafle primeyro,6c
piagâs que lhe roga he,que morra a morte de Sar- aflimfoy,&c com muyta juítiça, donde dizÕvidio
na Arte iib.i. " Bi
Lujiaàas àe Ijús de
Bt Vhalant Úun violenú nitfnhfa FirilH
lorruitiWfeUs tmbutt authitr opus:
JhJIuí merque futi , nequetnim Uxjuftior ulla e^
^ludm m6íi arttficít arte pirtrtfHa*
Phalaris fez provar pfimeyro a luaobiaaPerino,
Ôí com razaojporque he muyta jufl:iça,que os que
pretende fazer mal o paguem. Phalaris també mor-
reo da meima maney ra,como diz Ovidio. No ibis.
Ut^í4e ferox Phalaris lingua prius enfe refi-la
M»re hovtí Papbio claujus tn are gemai.
.Porque naó podendo os feus fofrcr taó grandes
crueldades, lhe dcraõa morte, que clie a outros
dâva,òc deita maneyra acabou como acabaõ mal,&
.cedo os que querem ufar neíla vidade femelhan-
tes obras. De PeriUa , 6c Phalaris fe veja a noíía
annota^^aó nelle canto oytava 59.
POreJia caufa o Reyno governou
O conde Bolonhez,^ depois alçado
*J^or Ry^ quando da vidafe apartou
Òeu nmao Òancho, fémpre ao octodado
EJie^ que Aijonjo o Bravo fecbamou% •
E áefque teve o Reymfegurado,
jLm dilatalõt cuyda^ que tm terreno ^
Maôcabe altivo feyto tad pequeno.\
Tor efia cmfa» Por El-Rey Dom Sancho íer
hmn homem para pouco,foy eley to por Governa*
dor Dom Affonío Conde de Bolonha leu iroiaó,
como atrás hca dito , o qual íoy levantado por ,
JR.ey , logo que o irmaô morreo , & obedecido por
tal no aiino de mil duzentos 6c quarenta $c fettc.
Eíteie caiou íegunda vezcomhuma DonaBea-
tris filha baltaraa d^lil-l^ey Dom Affonfo o de-
cimo de Caílella. Reynou 52. annos , falleceo em
Lisboa no anno de izyp.a 20.de Março, 6c jâz ena
lAicoba^a»
D JÊ terra dos Algar ves, que Ih efora
Em caíàtnento dada grande farte
Recupera co braçofê âeyta for d
O Mouro malqueridojà de Marte:
Efta de todo fez livrey&fenhora
Lufitanla com for fa,^ belllca arte
E ucabou de oprimir a naçaõ forte
Ala íerraj que aos de Lufo coube em forte.
Da terra <lot Algárves. Com efta Dona Beatris
lhe foraó dados os Caílellos , ScVillas dos Al-
gárves em caíamento que El-Rey tinha, & a con«
quiíta dos raais.Pelo que elletoy o prinieyro Rcy
Camões Commentados]
de Portugal, que teve clle titulo, & afíi m fe ajun-
tarão logo ás armas de Portugal huns caílellos
dourados em campo vermelho porrazaó defte no-
vo acrccentamento dos Algárves. Eíla he a ver*
dadeyra origem daquelles caftcllos,ainda que ou-
tros queyraó dar outra. Efte Rey lendo vi a a
pnmeyramolher, fc calou com a dita DooaBri-
tis contra todo o direyto,6c jultiça.Pelo que hou-
ve neílc Keyno muy tos annos interdito , até que
jnorreo a Condelfa de Bolonha íua primeyra rao-
Iher. Entâó o Papa a uetiçaó dos Prelados , 6c no-
bres do Reyno diípeníòu com clle , 6c ligitimou
íeus filhos, como nas Chronicas íe pôde ver. No
tempo delle Rcy , Portugal , como diz aqui o
Poeta,íoy limpo de Mouros,aonde nunca mais pu^
leraó pè.
Eis depois vem ^iniz, que bem parece
^0 bravo Affonfo efttrpe nobreço" dina^
Lom quem afama grande fe e/curece
'Da liberalidade /9lexanarina:
Com efte o Rtyno prolperoflorece^,
ÇAlcançadajã a paz áurea divina^
Em conjlnuíçoés^ítysj^coftumesy
Na ttrrajâ tranquilla claros lumes.
Eis depoif vem í>/«Í2:..Depois da morte deftc RejflH
que foy cm Lisboa a 20.de Março de 1275?. fendo
oe idade de fetenta annos,dos quaes reynou trinta
& dous , 6c foy fcpultado no mofteyro de S. Do-
mingos que clle fez , focedco no Reyno feu filho
Dom Diniz , o qual logo foy levantado por Rey,
fendo de idade de dezoyto annos , havendo nova
mezes, que fem ler caiado tinha fua cafa, 6c vivia
apartado de íeu pay, Efte Rey, dizem os Chronif-
tas,que foy de muyta verdade, jultiça, 6c liberali-
dade que o Poeta compara com a de Alexandre
Magno , do qual íaó efcnttas grandes coutas acer-
ca da liberalidade, ôc condição.
FEzprimsyro em Coimbra exercitar ft
O valer 0/0 officio de Minerva
E de Heltcona as Mufas fezpafjarfe,
Apefar do Mondego a fértil erva:
^antopôde de Athenas defejarfè,
*2 udo ofoberbo Apollo aquirefervay
Aqui as capellas da tecidas de ouro,
T)o Baccaro^à' do fempre verde Louro,
Fez, frimeyro em Coimbra exercttarfe. Como cite
Princepeera pcrfeytiflimo em tudo,quis que léus
vaflallos ofoticm também , 6c que pois na milicia
eraõ cftrcmados,o fofiem também nas lctras,pelo
que foy o primeyro que fez em Coimbra houveflc
cftudos , para os quaes buicou homens de todas as
partes
^y Ohés Vtllas de novo edificoUt
S| Fortalezas jCaftellos muyfeguros,
E quafio Reyno todo reformou,,
Com edifícios grandes ^à* altos murosi
Mas depois, que a dura Atropos cortou
O fio de f eus dias j a maduros^
Ftcoulhe o filho pouco obeàiente^
^luarto AJfionfoi mas forte ^à- excellente.
CmtoTerceym ^loç
partis eannenwsjaos quaesfaiia muytas ham'as,8c
mercês. og
OQício de Minerva. Ht: o exercício das letras, o
qual íe chama aíTimjporque os Antigos chamarão
a Minerva , que por otitro nomeie chama Pailas,
X)eol\ d as íci ene i as» V ej x-íe o qnte n o t á m os no fe-
gundo canto oytava 78.
E de Helicun at Adujas fez, pafarfe. Por termos
Poéticos, ôc Rhetoricos diz, como £1-Rcy foy o
primeyro quefez houvcíle eítudos em Portugal.
Helicon hehum monce dedicado a Apollo ás Mu-
las,padroeyras dos Poetas, que eftá em Phocis re-
jbiaó de Grécia, naó longe do monte Parnalo, co-
mo diz hllh-abaó lib. 9. Deílc monte Hehcon fe ji^at depoit tjue a dura /^tropos. Fingem os Poetas
chamaó as Mulas Hclicomdas, como lhe chamou que ha três Parcas , que fiaó a vida dos homens , 6c
Perfeo no prologo das luas fatyras. Diz aqui o que dcterminaô delia o que lhes parece.Dasquaes
Poeta que delle monte Helicon , aonde as Mufas Atropos cortava o fio , pelo qual Te entende a vida
tinhaó Tua morada,íe vicraó a Goimbra,por onde do homem.O que aqui também diz o noíib Poeta.
o rio Mondego paíla. que depois que Atropos cortou o fio dos dias
Çiuanto pode de ^tbenas de fej ar fe.^ncíivcce os cila-- d-^El-ílev Dom Diniz,que quer dizer, depois qus
dosdeCoi:nt)ra, & na verdade clles daótaes mol- EI-Key Dom Diniz fallecco. Quanto ás Parcas
trás de li, Reproduzem tal fruyto, que naò finto
outros que lhe façaó ventagcm. Epor o mundo
^iãber afias delta verdade naó trattarey mais delia.
í<^uanto à Cidade de Athenas , de que aqui o Poe-
bifala, taó celebrada pelos Efcrittores , 6í taô co-
íihecida pela fama, hoje he huma trilte aldeã, co-
mo fica á\ío neíte canto oytava 51.
Do BaccarOi & d» fempre x^rde louro. Baccaro he
huma herva, chama-ie em vulgar moatAÕ, tem as
folhas como òorragens,ôc humas flores amarellas,
como as da herva vaqueyrâ,ainda que mais peque-
nas , defta-hci*valecor©av^ó os Poetas antigos,
como diz Virgílio.
■fa
m
ji y
Bdccare frontem,
CiHgtte^nevatt ntceatmala Ungua futuro,
'A qual dizem que tinha virtude contra o mao olho,
como alli lente Virgilio, ôc declara Sérvio. Pon-
dclhe (diz Virgilio) humacappella de hêrva bac-
caro, porque a má língua naó faça mal a eíle, que
ha de ler Poeta. O olho mao , a que os Latinos
chamaó /<»/««»/, dizem os Autores que íuccede de
duas maneyras Plinio liv.7. c. 1. diz que em Africa
haviacertacaílade gente, que com a linguamat-
tavaó,porque tudo o que louvavaó Ic perdia, feca-
vaólc as arvores, morriaõ os mininos. Na Efclavo-
nia diz o meimo Plinio que havia gente , que pon-
do os olhos fitos em alguma coufa a rnatavaô , 5c
que efta gente tinha em cada olho duas mininas.
■!Na regiaó do Ponto de Afia diz o mcfiuo Autor, q
havia outra caíla de gente chamados Thcbros,quc
tinhaó a raelma particularidade , ôc delia mancyra
de olhado entende Virgilio. Coroavnó-k tambcm
os Poetas de louro por mandado de Apollo fcu
padroeyro, porque nellc Te convcitco Daphnc fi-
lha do KroPeneo,a que elle era muy to afi-cyçoado. de Marrocos com os Rcys de Tunes , Bugia, 6c
Conta eíU fabula Ovídio nas Mciaawrphoícs Granada, 5c hum poderofilfimo exercito quis ver
^'^ ' fe podia tomar Hclbafiha. A qaal prcíla acodio
trattey delias largamente no canto i. oytava 24.
Ftcoulhe o filho fouco obediente. Depois da morte
d^El-Rey Dom Diniz, que foy a lete dias do mcz
de Janeyro , outros dizem a vinte do meimo niez
de 1525. O qual viveo leficntaÔC quatro annos, 5c
dellesreynou quarenta ôc feiã,&cellálepultado no
Moíte) ro de Odivellas que elle mandou fazer,foy
levantado por Rey em Santarém no melmo mez,
& anno atrás dito,íeu filho Dom Aftonlb deite no-
me o quarto, í>c dos Reys de Portugal o letimo,o
qual cm vida es. leu pay lhe foy muyto deiobcdi»
ente , & como contaó as Chronicas , dclejou por
muytas vezes darlhe batalh.i,& locederaó algumas
coulasde memoria, que nas Chronicas do tvcynu
fe podem ver.
99
St e fempre asfobirbas Caftelhanay,
Compeyto de/prezou firme , & fereno%
forque naõ he das forças Lufiiana s
Temer poder mayor por mais pequeno.^
Masporêm^quanâo as gentes Mauritanas
Apoffiiir o He fp eriço terreno
Entrarão pelas terras de Cafieila%
Foy ojoberbo Ajfonfo afoccorrella^
Efte fempre at foherhas Caflelhanaí.Ttvt cíle Rey
Dom Afíbnfo grandes quebras,ôc dclavenças com
El.Rev Dom AíFonío de Callella , o onzeno leu
genro. ' Mas Icmpre levou a melhor , aífim em
obrasjcoino em palavras como o nollo Poeta aqui
diz,& traitaó largamente as Chronicas do Reyno,
com tudo lempre o favorecco , Sc ajudou todas as
vezes que foy lua ajuda neceflaria,como fez, prin-
cipalmente na batalhado Salado.quando El Rcy
hb.
I.
ít)6 Lupa^as de Lúis âe Ca
El«ReyDom AfTonfo de Portugal a pedimento
de Dona Maria lua filha Raynha de CaílcUa , Sc
junto com feu genro deraó batalha aos Mouros,
dosquacs , íegundo algumas Chronicas dizem,
morrerão mais de quatrocentos mil,& dos Chrií-
láos vinte homens. As particularidades, & miu-
dezas difto le podem ver na Chronica , Sc o noflo
Poeta o conta aqui por algumas oy tavas.
Jemtr poder wajor por mau peojueno. Porque os
Portuguczes aindaque lejaó myy to menos cm nu-
inerojuaô íeacobardaóa exercites mayorcs.
Hefpenco ícrríwo.Hc a terra de Helpanha.
mÕes Commentadòsl
Temendo mais o fim dôf>ovo WfpanOt
Jã perdido bumavez^ que a -própria mortêi
^teàindo ajuda ao for te Lnfitano
Lhe mandava a charijjima conforte^
Mulher de quem a manda j^ filha amada,
^Daquellej a cujo Reynofoy mandada,
Jâ perdido bttma vez,. No tempo d' El Rey Dom
Rodrigo ultjmo dos Godos.
?.fc
lOO
N1)nca com Semtramis gente tantd
Vtyo os caynpos Plydafptcos enchendo^
Nem Âttila^ que Jta/ia toda efpantay
Chamando/è de 'Deos a^outt horrendo:
Gottica gente trouxe tantaj quanta
^0 Sarraceno bárbaro ellupendOi
Lo poder excefftvo de Granad^^
Foy nos campos Tartejios ajuntada,
T^iunca com Semirarnis gente tanta. Foy Semira-
itiis molher de Nino Rty dos A!iyrio5. Morto
Ninojvendo Semiramis, que hum fiího que lhe fi-
cava de feu marido , 6c do melmo nomedopay,
pela pouca idade naó podia ter a governança do
Reyno : ôc vendo também que os Aflyriosnaõ
qutiiaó ler governados por molher , fintio-íe fer
icu filho, ôcdeíla maneyra íecotncçoua metíer na
governança dos Afiyrios , o que fez por muy tos
annos com muyto valor,como conta Jiiílino liv.i.
in principio, Foy taõ prudente, 6c varonil era fuás
couías, Sc houvc-íe de tal maneyra no governo do
Reyno , queíe naô coiuentou com confervar o
que de feu marido lhe ficou , mas acrec ntou
outros muytos Reynos, & Provincias,6c na índia
níetco grandes exércitos para a fujeytar , como
diz aqui o Poeta. Por campos H ydaf picos fe en-
tende aqui campos da India,chamados aílim do rio
tjydafpes,quc a lega.
/vícíw /íttila , ^ue Itália tâda efpanta, Attila que fe
intitulava Rey dos Hunnos, Godos , Medos , Sc
Danos: medo, ôcefpanto do mundo, açoute, 6c
caíligode Deosilahio deluas terras com quinhen-
tos mil homens de peleja , com que poz efpanto a
todahalia , fazendo grandts crueldades pelos lu-
gares poronde paliava. At rá^ irattey de Attila neí-
te can[o,oytava 14.6c aíTim no canto legundooy-
tava 97. pelo que aqui me naô alargo mais.
CampoiJartefiós, Saó campos de Tarifa, Villa de
Andaluzia aflâ s conhecida, chamada entre os La-
tinos Tartcfia.
101 -1^
ENtrava a fermojijjima Maria,
Te/os paternaes paços fubíimados
Ijtndo ogiijto, masfióra dealegria^
EJeiís olhos e7n lagrimas banhados-.
Os cabe lios angelu os trazia
^elos ebúrneos hombfos ejpalhados ,
XDiante do 'Paj ledOj que a agajalha^
Efias palavras tats chorando ejpalha^^
Entrava a f ermo fifjima Aí<»r/<i. Efta era a Raynha
l^ona Maria filha u* El Rey Dom Affonío de í-^or-
tugal , caiada com El- Rey Dom AíFonfo de Caf-
telia, como atrás fica declarado. Pintanos aqui o
Poeta como entrou efta Senhora nos paços de leu
pay , a pedir ajuda da parte de leu mando contra
os Mouros , quetietciminavaó deílruirlegundi
vez Helpanha.
Elfurnecí hotribros» Hombros de marfim , hom*
bros fcrmoios, porquLéi'«r hemaiáiu.
J
E
lOI
Vendo o Rey/ublhne Cafle lhano,
J força tnexpugjtavelygrnadeM fortCi
103
Quantos povos a terra produziu ^
IDe ^-ífricatodáygente fera^éf eftranhã^
OgraÕ Rey de Marrecas cmduzioj
T^ara vjrpofiuir a nobre E/panha:
Toder tamanho junto não ft viOj
'De/pois que ofaljo mar a terra banha:
Traz tal ferocidade j& furor tantOi
S^ue a vtvos medOi& a mor tos faz efpanto»
Salfo tnar. Mar falgado.
104
ASuelle, que me de fie por marido,
To rdefendtr fua terra amedrontada^,
Co^ pequeno poder offerecido
Ao duro golpe efía da Maura efpada:
Efe naô for contigo Jocorrido,
Vermehas deíle^& do Reyno fer privada^
Viuva triftei&pofta em vida ef. ura.
Sem marido, fem Reyno^&fem ventura.
Canto Ter ceyrõ^> i5*
Afieik que mi dcfle porjumdo. Conta o Poeta a Lujfra CO Sol o arnês , a lançãj a efpada^
VaÕ rinchmdo os cavallosjaezados:
^canora trombeta embandeyrada^
Os corações â Tàz a^ojiumudos^
^ay as fulgentes armas incitando^
^Pelas concavidades retumbando^
pratica que a Raynha Dona Maria de CaftelU
leve CO ai El-Rey Doai Affonfo íeu pay, períua-
dindoo foíle em íoccorro d^EURey de GaíteIJa
leu maridotcontra os Mouros,que detcrminavaó
deílruir Hefpaiiha.
i
105
POr tantOi o Rey de quem com furo medoi
O corrente Molucajè congela^
ompe toda a tardança^ acode fedo
míferavel gente de Gajtellai
e efft gejtõi que moftras claro/S ledo^
1)e 'Pay o veràadeyro amor affella^
Acode ^^ corre Pay^ que fè naô corres^
'I^ôdefer que naõ aches quemfoccorres.
. o corrtnte Molucha. Molucha Íie rio do Reyno
de Fez, como quer Ptolomeo na primeyra taboa
de Mauritânia Tingitana Ijv. 4. Os Mouros lhe
chamâó hoje Munzemar , os L,atinos Molucha,
Ot Eboremet cam^oi tfaS coulbaãos, lílo diz, por-
que ao tempo que a Raynha Dona Mana foy pe-
dir eíte foccorro , citava El-Rey íeu pay cm
Évora.
108
ENire todos no meyofefuhlm^t
T>as infignias Reaes acompanhado^
O valerojo Affonfo ^ que por cima
*T)e todos, leva o collo levantado:
E fomente cogoJloesforçai& anima
A qualquer coração amedrontado:
Affi entra nas terras de QaftelLa^
ou Mulucha , \vc rio grande , 5c que le vadea Coma filha gentil Raynha de lla^
em muyto poucas partes.
T Ao de outaforte a tímida Maria
^ Bailando eftâ, q atrifteVenus^ quando
A Júpiter feu pay favor pedia^
'Fará Eneasfeuflho navegando:
^ie a tanta piedade o commovia^
^le cahido das mãos o rayo infando ^
Tudo o Clemente Tadre lhe concede^
^Fezandolhe do pouco que lhe pede»
»qui
J Untos os ãous A ffonf os finalmente
j\[os campos de Tarifa^ ejiaõ defronte
'Da grande multidão da cega gente ^
'Para quemfao pequenos campo ^& monte:
Naõ hapeyto tão alto%^ tão potente^
^e ae de j confiança não/è afronte.
Em quanto não conheça^& claro veja^
^e CO braço dús fèus Chrijio peleja.
Oi dom ^ffúnfos,VLeys hum de Caftella,& oufcío
c3e Portugal.
IIO
EStão de /ígar os netos quafi rindo^
^0 poder dos Qhrtfãos/raco^ejpeí^
Nio de outra forte. Compara o Poeta
Raynha Dona fviaria neílas laílimas , que conta a
feu pay , com Vénus filha de Júpiter , 6c máy de
ILneas Troyano,a qual vendo leu filho perfcguido
de [uno , & cm eílado de íe perder com toda íua
armada , commuytas lagrimas lhe pede remédio As terras COmo fuas repartindo
para hum taó grande mal. Conta lílo Virgilio no Ante nraõ, entre o exercito Agarenot
Imaprimeyro daEneida , naõ muytolongedo fe?^^ comtitulofalfopojfuindo
principio. "^- ■ -
Rayo infandoi. As infignias com que Júpiter it
arma que laó principalmente rayos.f nfando rayo,
pela crueldade que ula no matar , & deftruir to*,
das a? couías em que dá. E afiim como Júpiter,
por naô tazer mal a Vénus com feus rayos, os lan-
çou de fi : aflim EURey Dom AfFonfo tirou de
fi todo o ódio que contra EURey de Caítella
tinlia. para favorecer a lua filha.
quéno^
Eflà o famofo nome Sarraceno^
Affi também comfalça conta,& nuA^
A nobre terra alhea chamaõfua^
M
107
Asjàcos esquadrões dagéte armada ^
Os Eborenjes campos vaõ coalbudaU
Eflaode Agar os nttoíl Netos de Agar i ôá
Agarenos lechamaò os Mouros , que procedem
de llmacl filho de Agar efcrava de Abram. Da-
qui exercito Agareno , exercito dos Mou-
ros.
Nome Sarraceno, Nome dos Mouros que tam-
bém Ic chamaó Sarracenos. Vcja-íc a nolVa anno-
laçaõ nefie canto oytava 25.
Oi
^«^/
l^
Lufiadas de Lu is de Camões Qwmentadoi.
1 1 1
QValo membrudo ^ir bárbaro Gigantey
T>o Rey iiauh com caufa tao temido^
Pendo o Tajior inerme ejiar dtante^
Só defedras,^ esforço apercebido":
.Com pa/avras foberhas arrogante ^
^ejpreza o fraco moço mal veftido^
■^e rodeando afunda o defmganay
^anto mais f ode afinque a forçafiumanay
^ual o memhrudo , & bárbaro Gigante. Efte he o
Gigante Goliath , a que commummcntc chama-
mos Golias , que deíafiou com palavras arrogan-
tes,6c loltas,a qualquer que do exercito de Saul íe
qujzefic combater com elle , & que fícafle a vitto-
ria com o exercito , que levaflè a melhor , pondo
cadj lium de íba parte hum que pelejaílecm lua
defcníaó. El, como houveííe jà dias que eíle Go-
liath andava diante do exercito dos Hcbreos ar-
mado , Ôc Toitando muytas palavras injurioías.
Achando-íe ahi hum dia David pobre pallor , fi-
lho menor de Iíay,coraodi^3 Sagrada Efcritrura
liv, I. Reg. cap. 17. ícntidodo que ouvia áquelle
Gigante, determinou vir com elle a batalha, &
fazcndoo Saul armar , não pode fofrer as armas,
pelo que íe tornou a feucoftume, que era funda,
& cajado. Como o Gigante vio fcu competidor,
coiTicçou a Zombar delLe , mas tornou fel he a zom-
baria em choro , ôc morte porque lhe fez David
hum tiro com afunda , com que lhe fez dar fim á
batalha , cortandolhe a cabeça com a eípaday
con^o fe conta mais largamente no livro dos Reys.
Vaflor inerme, Paftordefarmado , porque como
fica dito , naó levou mais , que huma funda , com
humas poucas de pedras em o furraó. '
I Efta arte o Mouroperfido defpreza
¥ O poder dos Chrtflãosjênafí entende ^
§tie ejià ajudado da alta Fortaleza^
jicjuem o inferno borrife o fe rende:
Com ella o Caftelhano^^ com defireza;
Uje Marrocos o Rey cemete^& offende^
O TortugueZy que tudo ejiirna em nada^
Se faz temerão Reyno de Granada.
Se faz, ttmer ao Reyno ãe Granada. Ifto diz por-
que locedcocairlhe eíle em forte de peleja .como
a El-Rey deCaftellao de Marrocos , como aqui
diz o Poeta, Sc depois que o teve vencido acudio a
EURty Dom Affbnlofeu genro, que andava en-
tre muy tos Mouros , nos quaes fora deraó taó boa
manha, que em poiícA efpaço os deftruhiraó , ma-
tando grande multidão delles, como atras fica di-
tOi^ o Poeu aqui conta.
113
I"' // as lançaSiér eípadas retentào
^ ^or cima dos arnefes^ bravo ejirago^
Chamão ( fegundo as kys que aUifegmaÕ^
tíiins Maf ame de /£ outros San-Ttago;
Os feridos com grita o Ct o ferirão^
Fazendo defeufàngue bruto lago^
Onde outros tneyo mortos fe afogavão^
^ando do ferro as vidas e/capavão,
Santiago. Padroeyro dos Helpanhoes,pelo qu-
delleíeelcreve,que vivco nasHclpanhas,prégan-
do nellasa Fé de Chriíl:o,pclo que lemprefavore-
ceo aos Hefpanhoes. E que Santiago haja prega-
do em Helpanha,ôc que por eíle rclpcy to fcja pa-
droeyro dos Helpanhoes,& os favoreça, & defen-
da nas bataiha?:dílo o Bemaventurado S liydoro,
êc o Venerável Beda, & outros muytos Autores,
que com muyta diligencia ajuntou oilluftnílimo
Senhor Dciii Joaó de Vallaíco Condeltavel de
Caílella,em huns diícurros,quefezlobie a vinda,
& pregação dcfte bemaventurado Santo a eíUs
partesi
I 14
C'^ Om esforço tamanho defiruej& mata
j O Lu/o ao Granadiljq em pouco efpaço^
Totalmente o poder lhe desburata^
Sem lhe valer defe/a^oupeyto de aç 0:
1)e alcançar tat vitoria tam barata^
Inda naô bem contente o forte braço^
yay ajudar ao bravo.Ca fie lhano y
^te pelejando ejià co' Mauritano,
JA^ fe hia o Sol ardente recolhendo
Tara a cafa de Thetts^& inclinado
Tara oponente o vefpero trazendo j
Eflava o claro dia memorados
aluando o poder do Mouro gr ande, horrendo ,
Foy pelos fortes Reys desbaratado
Com tanta mortandade ^que a memoria
Nunquano mundo vio taõgraõ vitoria.
lã fe hia o Sei ardente recêlbendo para a cafa de Tbe^
tis. Defcreve aqui o Poeta o tempo da tarde, con»
o qual íe acabou a batalha , a qual fe começou á
hora da terça, que hc ás nove horas do dia , no
qual tempo houve tanta mortandade dos Mou-
ros,que íe aííírma , que os mortos foraó quatro-
centos mil,&; infinidade de cativos.Qiianto a The-
tis de que aqui fala o Poeta,vejafe a nofia annota-
çaõ no canto fegundo, oytava I, a
Para o Pgnente Fefpero traund»* Vefpero ou Hei*- |
- ' ' ' pêro
I
Ca}nõ Terceyro. lo^
pcro hc o PlnnetâTcnus.que nas partes Occiden* moltravaó tanta ferocidade , que os Romanos os
taes aparece, em fe pondo o Sol primeyro que co
das as Eíbellas , 6c Planetas , & alTim antes que o
Sol faya íe sé no Ceo, depois de elcondidas as ou-
tras Eítrellas. Chamaólhe Luzeyro, por ler raof-
tradordaluz , porque fica no Ceo até a menhã
clara, & parece que eítà moítrando o dia, Sc Eftrel-
la da alva pela mefma razaõ. Os lavradores lhe
chamaô Elli cila boeyra, porque le regem por cila
tcmiaó. E porque no exercito de Mano havia faL
ta de agua , &: com eíla dilaçaô cada vez faltava
mais, vendo-íe Mário apertado dos foldados» que
fe queyxavaó de fede, lhe moílrou hum regnto de
agua , mas que era ncccflario comprala com lan-
gue , os quaes rompendo com os inimigos reme-
dearaó o d.ino da lede , masbebcraóde miílura
muytofangue , que no regato eílavada grande
i
parafaberem o cempo em que haó de curar o leu mortandade quenaquelle encontro houve. Fo-
cado. Naóhea Aurora, como alguns cuydaó, & n;ó vencidos neíia, & em outra batalha os Cym-
icrevem (que hc bom dcrprepofiio) porque a Au- bros , na primeyra por íò Mário , ôí na feguiida
ra , como le diz neíte bvro por muytas vezes, com ajuda do outro ConfuI chamado Catulo.
?iaó he Eftrella , nem Planeta , knáo aquella cor Ni?;» o Pífio afperrimo contrario do Romano poder ds
quenoC^eo aparece,antes que o SQlíaya,quehea vacitmnto. Peno afperrimo, quer dizer Car.hagi-
claridadc do dia. neníe muyto alpero. Chamaó-le os Carthaginen-
j j ^ fcs Ptnos, ou Púnicos, porque tiveraô fua oi igeiíi
de Phenicia, como dizem os Latinos , &: tirada a
^V T Aêmatou aquartaparteoforte Mario^ alpiraçaò h.íe dizem Penos quaíi Phenos. Aqui
T)ds que morrerão nefle vencimento,
aluando as-dgoas co/arigue do adver farto
tez beberão exercito Jedento:
Mem o Teno afperiffimo contrario
iJo Romano poder de na/c mento j
^ando tantos matou da iUuftre Roma^
ue alqueyres três de anets dos mortos toma,
NaÕ matou a efuarta parte o forte Mário. Mário
foy homem de bayxa lorte , vivco muytos annos
lio campo rultica, &c pobremente, ate que movido
de huma altivez de animo, que naturalmente tinha
deyxada lua pátria A rpino.fe (by a Roma a ver fe _
poJia ter outra vida diffcrente da que de íeu pay ta o Poeta, a qualfoy em Apulha, junto de humi
Jierdàra. Como era homem de condiçaó,&enge- aldeã chamada Cartas , na qual morrerão , como
nho,roube-fe tanr.bcm negociar com os Romanos conta Titolivioliv.5. Década 3.cap.5. vinteniil de
que o mcteraô no numero dos cidadãos, 6í como pé > ^ dos nobres tantos, que le apanharão, como
tinha grande elpirito , veyo a fer taó valerofo foi- dizaqui o noílo Camões , três alqueyres de aneis,
dado, que entre todos os outros, queand.ívaó nos os quaes naô podia trazer le não gente nobre. El«
cxtrcitos Romanos finaladamente lazia venta- ta foy a mayor perda que os Romanos tiveraô em
lua Monarchia. Donde Silio Itálico chamou a
Canas fepnltura de líalia;& Plínio diíle que aquel-
la aldeã era r.cbre , & infigne , pela perda que
os Ro manos ncila receberão.
entende Annibal, que foy (como conta Titolivio
no prologo da terceyra Década, & Juftino liv.29.
êc o noíTo Poeta aqui) inimiciíTimo do P ovo Ro-
mano de feu nacimento. Os quaes acrecentaó que
polias asmãoslobre hum altar , aonde leu pay
Amílcar eílava lazendo facrificio , andando cm
Heipanha em fua companhia , lendo minino íei
juramento , que vindo á idade que pudclje tomar
armas , trabalharia por exrinçuu* o nome Roma-
no. O qual entendido pelos Carthagincnfes, o fí-
7xraó leu Capitão geral , fendo de idade de vinte
& cinco annos. Delde o qual tempo começou a
fazer guerra ao Povo Rom mo, contra o qual hou*
ve grandes vittori^s,cotno foy eíla, que aqui con*
gem : em tanto quceílando Scipiaó Emiliano no
cerco de Nurnanciaa cafohumanoytena fua ten-
da íetrattouqucm lhe poderia loceder no cargo
de Capitão morrendo elle , 6c pondo Scipiaó os
olhos cm Mário cftendeo a maõ , & a poz fobre
hum hombro íeu, moílrando que aquelle o mere-
cia. Foy lete vezes Coníul, vencco grandes bata-
Ihas.ík houve grandes vittorias, entre as quaes foy
elU de que o Poeta aqui faz menção , 6c foy deíti
mancy ta. A cabada a guerra de Africa,& prcfo El- fiando a [anta Cidade desjizefle
Reyjugurtha, fucedeo, que das paitcs Septen- *Jjo pfívo pertinaz m antigorito:
rrionaes deceo huma Naçaõ de gente chamada - . -
Cynibros a Itália Com fuás molhcres, 6c filhos, &
juramentados de naô largar Itália até a dcftruir.E
como alguns Capitães , que 03 Romanos manda-
raõjfoílcrn vencidos por ellesCymbros,detcrmi-
naraó mandar Mano,o qual eílan lo períodos ini-
migos lhe dilatou a batalha com defenho , que os
Mandar ao Reyno e/curo de Cocitoi
Tp Se tn tantas almas fó pude ^e
Termijfadi^^ vingança foy celefte,
E nad força de braço ^ ó nobre íitOi
^eajfidos í^at es fiy profetizado,
E depois Tor Jefus certificado.
éo Reyno efairo de C»eyto, Cocyto he hum rio
ícusos foífcm conhecendo pouco a pouco, para la- do mferno.chama-leafiim, que quer dizer chorar,
•bercoaioíchavuó de haver com cllcs , porque porque naquclletriítclugaríemprc há choro.Ha-
i- vcndg
114' Lujiaãas de Luís de
Vendo tmiytbsãilnos qnè Roma andava tyranni-
zada , ôcueítruhida por niaos Emperadores , õc
vendo alguns homens de bem o eltado taódelel-
trad'o da cena,êc como le hiaó ascoulasao fundo,
«ícarmentados, ôc enfadados muyco com os rou-
bos dos Caligulas, Neios,Galbas,Occon€SvVite*
Jios,6c GUtroo máos Emperadorcs como eíles. Fi-
zeruó feu Emperador anura homem , o qual ain-
da que por calta o naõ merecia , na milicia era
excellentf^ ík havia tido alguns cargos honrados
cm Roma , 6cem algumas Provmcias logeycas a
dia. Hítc le chamava Velpafiano , cujo hino Tito
no fegundo anno do império dopay , quarenta
annoí» depois da morte de Chriíto Noiro Senhor,
pozccrco á Cidade de Hierufalem , ôc a tomou
por força , allolou , 5c quey mou , naó deyxando
pedra lobrc pedra, aoyto dcbetembro, havendo
cinco inezes que era cercada , no anno de letenta
& tres,do iNacimento de Chrifto Noílb Senhor:
na qual entrada diz Jofepho » que morrerão hum
conto, ix cem mil homens, & foraõ cativos, Sc fe
venderão noventa ôc lete mil. E fesundo diz Eu-
kbio , & Paulo Oroíio , morrerão feilcentos mil
homens de peleja. Aconteceo eltc caftigo taó juf-
to & íanto por Divina promiflUó , conrraaqueile
pertinaz, & rebelde povo: lendo alfim profetiza-
do , & chorado peloi Prophecas , U peio mefmo
Chnfto Deos, 6í Senhor noílb dito , Òc declarado
a léus Diícipulos , encarccendolhc elles as gran-
dezas da CiJadc de Hierulalem, ôc a mag^niHcen*
cia dos Ediricios do Templo , como o contaó os
bagrados Evangeliílas largamente , iVlatdi. 24.
Mwic. 1$. Luc.zí. E porque he matéria larga re-
nttto o icyfor a Jolepho iiv.5.que foy teftemunha
devifta, Òcque tratta muytociegunte, ^ verda-
devraraente eltamatenano lusar ul ieiiado. Ei2.e-
íippo liv. II. & Corneho Tácito, òc i^edro Me-
xia na vida de Vefpaliano.
118
PA (fada epa tãopfofpera vitoriaj
Tornado Affonfo à Lufitana terra ^
Afe lograr da paz com tanta gloria^
Sluant a foube ganhar na dura guerra',
O cafo trijfe,ò dino aa memoria,
^edo fepukhroos homens dejenterra^
ykonpeceo da tnifera,^ mefquinba,
^le de f pois de [er morta foy Raynha.
Vaffada! efla taÕ profpera vittoria. Começa aqui o
poeta a contar o calo defcíf rado de Dona Inez de
Caftro,huma Fidalga muyto principal, & de que
o Infante Dom Pedro filho quinto d^El-Rcy
Dom A íFonfo o Quarto oyrav o de Portugal, mas
lierdeyroj&c fucellbr deíles Reynospor terem os
outros írmáos fallccidos, tinha já filhos, 6i dizem
cftava íecretamente cafado com ella , depois da
morte de fua molher Dona Confiança Manoel,
Camões X2ommentâà0s\
que fora erpolada com El-Rcy Dom Afíonfó on^
zeno de Gaftella.Eíta Dona Inez era parenta def*
ta Senhora DonuConltança, pelo que viera com
elladeCaltella > ôc foy fua comadre do pnmcyro
lilhosque do Infante pario.E como cila era muyto
fermoía, ^aviiada, morta Dona Conílança, o lu-
fantedetermmou calarfecom ella , comodizeni
que o era Íecretamente: mas vivia com ella publi-
camente, com grande delgoílo do pay, &: clcan-
dalo da gente , naó querendo por nenhum caio
caiar com molher alguma , de que todooRçyno
tinha grande deigolto : pelo que iendo o infante
aufentê, El-Rey leu pay lefoy a Coimbra, aonde
cila eílava nos paços velhos de Santa Ciara, ôc alli
a mandou matar , o que foy caufade EUj[l.ey ter
depois muycos enfadamentos, Sc deigoílos com o
Infante leu filho , quejunto comes irmãos de
Dona Inez , vieraó de Caitella a Portugal, Sc fize-^
raó muyta guerra , &C dano agente , 5c terra, mas
como o tempo cuia tudo , também fez íeu oíficio
entre eítes Senhores, que os uquietoUkE ainda que
o infante depois de feyta a paz entre elle.vk o pay,
naó moitrou publicaruente o ientimentoque na
alma tinha,pelamoite daquella Senhora, que elle
tanto amava. Todavia como teve o leme do go*
verno nk maó> & foy levantado por Rcy, que foy
em Lisboa no mezde Mayo de 1557. lendo já d«
idade de trinta Sc féis annos , Sc havendo doze que
era viuvo da Infanta Dona Confiança fua mo*
Iher , deu ordem para ha ver â maó os autores da,
morte de Dona Inez de Callro. E porque íe ha-
viaó acolhido aCaítella,temeroíosdoque lhe po-
dia Ibceder , fez El-Rey Dom Pedro concáiròi
com leu fobrmho, também do meftno nome de al-^
cunha o cruel,quc lhos cniregaíle. Elles craò hum
Álvaro Gonçalves , que fora Meyrinho mòr de
íeu pay, Fero Coelho, Sc Diogo Lopes Pacheco»
Ao pêro Coelho mandou El-Key tirar o coração
pelos peytos , Sc a A'varo Gonçalves pelas coitas,
citando elle cm Santarém , Sc depois os mandou
queymar.Diogo Lopes Pacheco le íal vou em Cal»
leliaem hábitos de Peregrino. Depois diílo publi-
cou poriua molher adita Dona Inez, eílando em
Cantanhede,com Tabaliaó,& teilemunhas, conio
em vida de feu pav a recebera em Br:igança,eíban-.
do preiente Dom Gil Bilpoda Guarda ,& outras
muytas pcíToas nobres , & honradas , de que fez o ^
Elcrivaó hum auto publico , Sc todos os outros
exames ncceílarios , para moilrar como fora íua
)TJolher,moílrando também a difpenfaçaó, que do
Summo Pontífice houvera por lercomadre , ÔC
parenta, aííim lua como de Dona Conilança Ma-
noel fua molher , como nas (>hronicas largamente
fe tratta.Feytaseílascoufas todas, mandou mudaf
o íeu corpo de Santa Clara de Coimbra , aonde ci-
tava enterrado , para o Moíleyrode Alcobaça,
com grande pompa,8c aparato , acompanhada de
Jiilpos, Clérigos, 6c Religiofos de todas as ordens»
& molheresprincipaes , aonde foy poilacmhuma — -
fcpulturade alabaílro muyto fermofa , &poilo,.^j
feu
Canto Tèrceyrô^ i\\
íew rctratto, com íníignía, & Coroa de Rayníia
na cabeça. Quanto aos filhos que tinha da dita \ t i
Dona Inez, mandou que folfem chamados Infan-
tes , ainda que nunca pode haver de Roma legiti- "T^XO^utras hellas fènhoras^& ^rhlcezaf^
niaçaó para í lies , como todas cilas coulas fc con- X— ^ Os defejados thalafnos engeyta^
them largamente nas Chronicas do Reyno , & o ^e tudo emfim^tupuro amor dejprezas^
lib Poeta o cratta aqui larga,ôc diítma^mente. ^^ando hum gojfofuavetefugeyta:
Vendo eftas namoradas eflranhezas^
110
1 1.9
T^fó tu puro amor^ com força crua,
^c os orações humanos tanto obrigay
'Dèfte cauja. à mole fia morte fm.
Como fe for ^ pérfida infmiga:
Se dizem fero amor^ que a fede tua
Mem com /arrimas trtjhsfe mitiga,
He porque queres afpero,& tyran?^
Xuas aras banhar emjangue humano*
Tu fo tupuroamor.M-^^ri neftaoytava o Poeta,
como a morte de Dona Inez, Sc todo leu mal pro-
ccJco do amor , que teve ao Infante Dom Fedro,
o qu.il Ic naó fora, naó viera áquelle eftado. Do
amor,Screu poder tratey largamente no legundo
Cânto,oytava 54.
110
EStavas^ imda IneZj pofla em fo[fe^o,
^ et eus annos colhendo o doce fruto j
JSlaquelle eftgano da alrna^ ledo,& cego^
§ue a Fortnni naõ deyxa durar muyto:
H^is fauàofos campos do Mondego^
*pe teus fermofos olhos nunca enxuto^
Aos montes enfinando^ò" às ervilhas^
O nome, que nopeyto efcrito tinhas^
O nomt ejue no peytp efcritto tinbai.O nome do In-
Intante Dom [•'cdro a quem muyto queria.
I II
DO teu 'Príncipe a/li te refpondiao
As lembrãças^q na alma lhe moravao^
^tefenipre antefeus olhos te trazíaõj
fiando dos teus fermofos fe apartavao:
lye noyte em doces fonhos ^ que mentiaoy
*De dia em penfamentoSique voavao,
E quanto em fim cuydavaJS quanto viaj,
Erào tudo memorias de alegria,
'Eraoluâo memoriai de alegria» Os queamaõpor
mais tormentas , Sc contraltesque haja , lemprc
■ndâõ alegres , porque de tudo fazem matéria de
alegria; Veia-fea nollaannotaçaó no canto oyta-
vo,oytava.86.
O velho pay fe judo %que refpeyta^
O murmurar do povo j& fant afia
T>o filho ^que ca/arje não queria,
Oi defejaioi thalamtt engeyta. Como era ca fado
cncubeitamente com Dona Inez de Cattro naó
falava a propolito de cafamento com o pay. Tha*
Íamos defciados , bodas delejadas. Porque como
tinha fuaaífeyçaõ em outra parte , naõ dava ore*
lhas aos cafduicncosj^uc lhe traziaó.
125
Tirar Inez ao munda deter mina ^
Tor lhe tirar ofilho^que tem ^tefio%
Credo CO o fangue Jó da morte inatna
Matar do firme amor o fogo acefo:
^e furor confentio^que a ejpada finai
^epodefufientar v grande pefo
'1)0 furor Mauro Jo^e levantada^
Contra huny^fraca dama delicada;
Tifat tnezao mundo determina» O intento d^Et*
Rey Dom Aífonlo era matar Dona Inez , para
defta maneyra ficar leu filho delembaraçado , 5c
livre delia.
Do' furor MatêTo, Da fúria dos Mouros.Nota da
doudice eíleícyto da morte de Dona Inez, pois
hum Rey taó Cavalleyro, & taó coílumado a ma-
tar infisis, & Mouros , ulou de huma taógrands
cruclu<ide,como hc matar huma molher*
1 14
TRaziãona os borrtferos algozes-
Ante o Rey^jâ movido apiedade^
Mas o povo com f alfas ^tè ferozes
Razões ^a morte crua o perfuade:
Ella com triftej& piedofas vozes^
Sahtdãsfó da magoa tè faudaae
T>o ftu Trtncepe,\£plhos,que deyxaval
^te mais que apropia morte a magoava^
ylnte o Rey j4 movido a piedade. Próprio he da
gente nobre dobraríc da lua payxaô , & por mais
afrontas que lhe façaô,tt r mifcncordia,& piedade,
o que he contrario em gente bayxa , que nunca
elquccem oá aggravos que lhe fazem, Ilio he adàs
labtdo«
Horii^
ÍÍ2 _ Lufiaâas de Ltiis de
tiorrijicos eilgozth Cruéis, Sc temcroíos,
115
P^ra o Ceo criftalino alevantando
Com lagrimas os olhos pie do fos.
Os olhos jf>or que as mãos lhe e fiava atando
Hum dos duros mintfiros riguro^os:
£ depois nos meninos atentando^
^í€ taõ queridos tinha^^ tao mimofos:
iuUJa orfandade como mây remia,
Ifaraoavó crueíajjidtzia,
"Paracavolcruel. Chamai he cruel, porqiie algu-
mas coulas tinha deftemiftcF, pelo que uíou com
l€u pay , êcirmaó , & ultimamente com Dona
IneZr
Oí olhos , pw^M8 «n 79t4âs (he eftava atando. Efta
repotiçaó dos olhos hehuma hgura de ihetorica
muy ciegante.Daqualulaô os Poctas,Sc oradores
para moítrar algum effeyro , & payxaódaalma,
repetindo humacoufa duas vezes, 5ctres,ou mais,
como *quií"e2 o Poeta , dizendo no verfo anies;
Com lagrimas os olho§ piadofos: começa o outro
verfo, os olhos, a imitação de Virgiiio liv. 2.
^neid.o qual trattando de Caflandra filha de Pri-
amo Rey de Troya , dizaflim.
Eíce trahthatwr pa(fii 'Priameitt virgo
Crimhm a tem^ Calandra , aàitifcjm Minerva;
jldCalum tendem ardentialumtna fruflra,
Lumitta, namttmrat Attthúnt vincula paltxgs*
Eis aqui (diz Virgilio trattando da çntrada dos
Oregos nos paços de Priamo Rey de Troya ) tra-
aiaó do templo de Minerva a Caflandra filha de
Priamo, com os olhos levantados para o Ceo: com
os olhos , que as mãos. hiaò atadas de modo que
as naõ podia ella builir.
SEjãnas brutas feras^cuja mente
Natura fez cruetde najcimentoi
E nas ofves agrefies^que fomente
Nas rapinas aertas tem o intento:
Com pequenas crianças vio agente^
Terem tãopiedofo fentimento.
Como CO a mãy de Ninojã mo/fràrao^
£ cos irmãos ^que Roma edificarão.
Como CO a may de Nino. A mãy de Nino he Semi-
ramis,da qual jifi^caditoalgunfyacoufa neíleean-
lojoytava 99. Quanto ao propofito defta oytava
le note , q,ae elia Semiramis máy de Nino Rey
dos Aflirios toy filha d« huma Derceta , a que al-
guns chamaó Acergate. Fingem os Poetas , qoc
pombas a criàraô^^c porque em lingua Syriaca íc
Qamões Commentadesl
chama a pomba Semiramis , daqui tem ellaefte
nome. llto dizem os Poetas de Semiramis, ôciílo
quiz aqui mortrar o noíib Luis de Camões. O
que tudo he fingido, porque nem Semiramis foy
criada de pombas, nem a pomba le chama em Sy-
riaco Serniramis,renaóOía,E quanto a mim, com
mais razaó fc lhe podia dar o nome Semiramis de
Samir , que quer dizer diamante, aíiimemHe-
breojcomo em Syriaco, pelo grande esforço que
teve,da qual dizBerolb liv 4.eftas palavrab:g«<ír-
10 loco regnavit StmiraiTiii Nwt uxor^rjua rei mtUtarit
ferttta^divtttif ^& trttímfhu munui Aíonarchasemnes
antecdíutt. No quarto lugar reynou Semiramis, a
qual paflbu por todos os Monarchas , na milícia,
riquezas, ÔC tiiumphos. Ovídio nas Metamorpho-
les. 6c outros dizem, que depois de Semiramis ter
fcyto coufas finaladas na guerra , ocos muros de
Babylonia acabados , vendo que feu filho Nino
lhe armava trayçaó para a matar, chamou os feus,
6c lhe fez huma pratica cm que lhe encomendou
muyio obedcccllem com amor , & lealdade a leu
filho , naõ fc lenibrando dos aggravos que lhe ti-
nha fey to, Sc quepa{]í».doifto,quedefaparcceofey-
ta pomba entre humas pombas que lhe entrarão
pela porta , & acrecentaõ que eíta he a razaó por-
que os moradores na Syria ( que hoje chamamos
Suria)naõ mataó as pombas, antes lhe tem muytom
refpeyto , 6c reverencia , dizendo que Semirairiis
fija Raynha foy convertida cm pomba. Foy Se-
miramis Senhora de toda a Afia, fâl voa índia, a
qual nunca pode fogeytar, entrando muytas vezes
nella com grande!» exércitos, como fica dito. Vi-
vco feflenta & dous annos, dos quaes rCynou qua-
renta 8c dous, como dizem os que delia falaó.
E coi irmãssy e^ttt Roma edificarão. Eíles faó Ró-
mulo , ôc Remo, dos quaes conta Títolivio , que
fendo lançados na praya do rio T) breem huma
lagoa por mandado do Key da terra , por ver que
eraó filhos de huma virgem Veltal chamada
Rhea, que contra a ordem , &ley de fua vida fe
havia miílurado com homem, huma loba chegan-
do ahi a calo obrigada da lede , & vendo os mini-
nos lhe deu de mamar, Sc depois achandoos huni
paftor chamado Fauítulo, oslevouaruacaGi, 5cos
entregou a fuamolhcr chamada Laurencia para
os criar.
O Tu ^que tens de humanoogeflo^ ^/O'^^»,
(^Se de humano he matar húa donzelU
Fracai& fem força fò por ter fugeyto
O coração ^a quem Joube V( ncelía)
jíe fias criancinhas tem re/peytOy
Tois o naõ tens d morte efcura de lia j
Movate a piedade Jiiay& minha,
Tois te não m^ve a culpa, qm não tinha^
ii8
ESe vencendo à Maura re0encla,
Aínortefahes dar com fogo/S ferrúi
Solhe também dar vida com clemência ^
Jlqíiem paraperdtlla não fez, erro:
Mas fe to ajfl merece efta innocencta^
Toemme emperpetaOi& mifero dejierrê
Na Scythia fríUiOu lâ na Libta ardente^
Onde em lagrimas viva eternamente.
Na Seytbiafria^ould na Lybia ardente. Chirtlâ â
terra de Scythiafria , por Ter terra Septentrional,
aonde pela falta do Sol, a terra he tVigidiílima; A
Lybia quente , por íer regiaõ de Africa cali-
djífima , Sc aqui a toma geralmente por AfriCJ»
coftio hc collume entre os l^oetas.
|!
■^ 1 19
1'\ Oemme on de/e ufe toda a feridade^
Entre LeoéSy^S TigreSi& verey
Ò€ nelles achar po^ o a piedade^
Sitie entre pey tos humanos naõ acheyz
Mili co^ amor intrin/eco^ ^ vontade,
Jsíaífuelle, por quem morro ycriarey
Eftas relíquias fuaí^que aqui vifle^
^e refrigério fejaé da mày trifle^
E^as reliijHÍaifuaí. Dizendo eflas palavras mõf*
trava feus íilhos,que por relíquias entende.
CmtoTerceyto^^"''^ ^
Na mi fera mãy poflot \que endoudece^
Ao duro facnficiofe oferece.
«1
I ^o
Queria per doarlhe o Reybenino^
Movido das palavras jque o magoaOj
Mas o pertinaz povO'i& feu dejfino^
( ^le dn fia forte o qtitz)lhe naôperdoão:
Arrancão dasefpadas de aço fino ^
Os que por bom talfeytoaílipregoãoy
Contra huma dama^ó piytos carniceyrot^
Ferozes vos moJhaeSié' cavalleyros?
^ §ÍMal contra à linda rrioça Vdicenê, Achilles filho
dcThetis, &de Peleo, entrando acalocmTroyá
cm tempo de tréguas , vioa Policenafilha d^Ll-
Rey Priarao , òc afeyçooufetantoaella j, que a
mandou pedir a leu pay , prcmetcndolhc levantar
o cerco de Troya , íe ihe concedelle o que lhe pe-
dia,&: como depois da morte de Heytor lucedeflc
matarem os Gregos também a Troy lo leu irmâo^
depois de acabadas as tre^oas enfadada Hecuba
detrminou buscar algum meyo, poroiidé vmgalV
Ic a morte deíles dous filhos,& toy queelh man-
dou recado a Achilles , que lhe queria dar íua fi-
lha Po ly cena por niolher,que Ictoílb íecrctàmen-
te ver corri ella,quefariaó leuscohtertos/Achíilcs
movido mais da affeyçaô •, que a Policenatínhai
que da razão , & conielho que em tal calo era nej
cellario , entrou em Troya com lò Antilochofi^
lho de Neftor com fuás capas,& clpadas,& citan-
do no Templo de Apollo,aonde ellc cuydava que
fehavira de caiar com Polycena, entrou Paris, Ôc
os matou a ambos , como conta Ovidio nas Me-
tamorphoícs ,liv. 5. Eftando morrendo Achilles
encomendou a leu filho Pyrrho procurafle hauer
Polycena à maó, que fora caufa de fua morie , &: a
encerraíle ao longo da fOa l<ípulrura,o quePyirha
fez diante de íuamáy própria, como conta Virgí-
lio na lua Eneida liv. 5. pag. z6. Higinio diz , que
paliando os Gregos por junto da ícpultura de
Achilles com toda a preza, que levavaó dè Troya*
AchiUcs pedio lua parte,&: que os Gregos trattaa-^
do comfigo, o que lhe dariaó lhe íacrihcâraõ jun-
to da íepultuia Polycena, por cuja caula ellc tora
morto.
ToYCjue a fombra de Achilki a eondtna. Os Poetas
chamavaóàs almas dos mortos , umbras , que faô
fombras , como aqui ulou o Poeta a imitação dos
Antigos* Virgílio na Eneida liv. 6. falando do in-
ferno: Umbrarum hichcitsefiJomnitn«ãít<jue {oporei
&em outras rauy tas partes , & outros muytos
Poetas. Eftc lugar he das fombras,àqui mora o To-
no, Sc^a efcuridadc, & diz que a lombra de Achil*
les condena a Polycena, pelo que fica dito, que ha-
via encomendado a Pyrrho a mataflcao longo da
fua fepultura , & lhe fizeflem delia facrificio;
Oi fie por bom tal feyto alli pregoao. Eftcs foraÕ Quanto às lombras para mayor declaração fe no^
te, que os Antigos Philofophos ,& Poetas diziaõi
que o homem tinha três coulas,alma que cm mor-
rendo o homem caminhava para o Ceo ^ corpo
que ficava na terra, & huma imagem do mcfmo ho-
a^ , mem corporal, mas impalpável ,& como hum eí-
Oal contra a linda moça Tilicerta^ pirito,quc hia ao inferno,5c efta imagem he,a que
.Confolação extrema da, mãy velha$ elies chamavaófombra , como entende quem lé
pelos Poetas Gentios, Hlo faõ fabula> de ^entc
cega, & torpe. Nós cremos firme, &: verdadeyra-
meiite , que hà Parayloparaos bons, inferno par*.
os mãos, 6c purgatório para fe purgarem as almas
de algumas impcrfeyçôcs vcniaes , ou das penas
P ^0»
principalmente os três nomeados atrás
'M
^Oal contra a linda moça Tolicena^
.Confolação extrema dtt mãy velha%
'Porqueafombra de Achiles a condena,
Co ferro o duro Tirro fe aparelhai
Mas elía os olhos ^com que o ar ferena^
(Bem como paciente ^à* manfa ovelha)
íujiaãds àe Lais ãe Camões Co^mentados,
dos mortâes,qoe le deve depois das culpas perdoa-. O cheyro trazpei âiáo/§ a cor murchada,
das,quandocâ detodonão íatisfizcraõacilas,por'•
que náo he licito nem decente
que váo diante
daquclíe Senhor perfeytiíTimOjque criou todaS as
coulas,ie nâo muyto Iimpos^,6c purifacados,& cre-
mos firmententc que hav crnos todos de rcíu Icitar,
«íTim mãos como bons cm noílos corpos, para par-
ticiparem com as almas da gloria, ou pena, con-
íoruie ao que cada hum obrou neíla v/da.
Talejtd morta apallida àonzellay
Secas do roflo as ro/aSj& perdida
Abr.AHcay^ viva cor^co a doce vida.
I 3 i
Aes contra Inez os brutos matadores ^
No collo de alabaftro^que fofttnha
As obras ^com que amor matou de amores
A aquelle^que aejpois afez Raynha:
As e/padas banhando/3 as brancas flores^
^eella dos olhos /eus regados ttnha,
òe ene arniçavào fervidos ^Ó" tvojos^
No futuro cajiigo naõ cuydofos.
Sendo àêt mâ9í lafcivas mal tratada , da mininaí >■
Kiáoslafcivasneíte lugar, não quer dizer , mâo*^
deshoneíta9,cemo alguns calumniaóao Poeta, di-
zendo , que pois as máos eraò de minina , não po«
diao fer deshonellas. Porque , elle quiz aqui ular
da palavra laícivas , mais propriamente do que
T-. I ^ ^ j coliumaó : toniandoa no leu próprio fienificauo,
Aes contra Inez os brutos matadores, ^^^ ^^^,. ^^^^^ ^ ^-^^ brincadoras com appctitc
Nocollo de alabap o.que foftinha natura! íem ordem , nem concerto : comolaôas
d«s minimas cm colher rolas : não attentando ao
iiiimo5& refguardo com que cilas fe querem colhi-
das.-íenaó aoíèu gofto guiado (ódoappctite natu-
ral indiftinftojpor náo terem ainda ufo de razaó.
Que tm vez de as colherem lem lhe tocar nas luas
ni imolas, & delicadas folhas:eíl'as laó as primeyras,
que nas mãos aptrtaó » & desfazem : conforme
áquilio de Quintiliano , i<ie Ytcentfs bujui Ufdvia .
j^cjmlk <jut defpoisafez, Ra^nhaXí^e he o Infan- Pfcults captt , loluptate cjuadam prava dtlwtantur.
Dom Pedro, o qUallevantadd por Rey, pubii- Como fizeraõ,diz o Poeta, os que matarão a Dona
r^a^r. r^^^^ u^^ Ai... ^^ - Jnezde Caftro, fem refpeyiarcmao mimo, áxde-.
licadtzadc luapefioa , 6<: ao rclguardo cm queo
amor do leu Pi incipe a tinha , como roía não to-
cada de outrem mais que do orvalho do Cco j a
que táoilluílrc an^.or não fica rral comparado.
/í fa!líílaíIonz,elia. Dona Inez de Caítro , cha-
malhe pallida>que quer dizer aniaiclla,porque tal
íita hum corpo delem parado da alma: diz o Poeta
iTos ultimes verlbs deita oy tava:]: erdida a branca,
êc viva corcom a doce vida : porque juntanientc
perdendo a vidapcrdeoacor do roUofermofaquc
cm vida tir.ha.
Donzilta. Alguns curiolos, ou demaíiadamente
cicrupulolos , noráraó aqui ao nollo Poeta , por
grande impropriedade , chamar donzella a Dona
JnezdeCaílro : ícndo aílim, que elle melmo aca-
bava de dizer na oytava pi ecedentc,queella tinha
ante fi, quando a mata'raó,^trcs filhinhos, que pa-
tê
cou a Dona lútz de Cáítro,cortJò liCa dir'<>,p7òi íua
rtiolher. *
135
Em puderas J So/jda u'fl%dâjlesy
Teus Rayos apartar aquellediay
Como da/eva me/a de Thyejies,
guando os filho f por ma o de átreu comia:
p òSi ò côncavos VãUeSjquepude:f'es
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do /eu Tedro^que lhe ouvijiesy
5Por muyto gr ande e/pa (o repetijies,
• Como da fc-úa mefa de Thyt^€S,'Thyeí\es f oy íleto
de Tântalo , taó nomeado nós Poetas filho de Pe-
>ope , & Hippodamia, teve hum irmaôpor nome
Atrcu ,' com o qual nuflca tévekmizade : & coriío
ármbòs eraõináos (porque de outra maneyra pôde iJra do Infante Dom Pedro. Partctndoihc,que a
icr, que não houvera tanto ódio) cada hum pro- palavra donzella não le podia attribuhir , lenâo a
inolhér quefollc virgem: com,o parece a alguns^
que nao nouvera tanto oclio) taua num pro
curou reconciliação para fazer mal ao outto.Fey-
^a a fingida amizade Thyeftes , commetteo adul-
tério com a molher doirmaô , 6c Atreu lhe deu a
elle a comer hum filho leu.DcndecontãoosPoe-
ías, q ue paliando o Sol por onde Thyeftes eftava
Comendo o filho,fugio por íe não inficionar. Da-
qui fe chama a lua meza torpe, 5c cruel, como lhe
que (vulgarmente íè ufa. H cfta opinião calum* «
nioía lhe nafce de duascoufas: hun.a he não que- H
rcrcm acabar comfigo de confcfiâr que o noílb ~
Camões era homem Douto em varias artes»;
6c íciencias cm que elle fala: pois em todas ellas,
moílraler mais perito qucmuyiosde feusprofcl-
íifqui chama o Pocta.Seneca faz huma tragedia par- íores,& principalmente cm dar epítetos muy pro-
riculardifto. prios , 8c trazer comparações muyto ao natural»
leva ventagcm aos famofos Poetas que o mundo
celebra. E chamar elle donzella á molhcr que elIc
fabia , pois aíTun o clcrevco , que parira já três fi»
lhos: moftra não ter, a palavra donzella, por infa^
lível demoftradorade molher virgem : pcrque de
outra maneyra,não ha mais íer tão ignorante que
aflim o dcreveflc. Mas como elle devia faber, que
a oiigcui
A
S/i como a bonina^que cortada
Antes dotempofoy,candida/è bella^
Sendi das mãos lafcivas mal tratada^
T>a wmna,que a trsuxe na capella:
a origem (íeda palavra he muy dlverfa do que os
calumniadorcs entendem (que he a fcgundacoufa
que elles não (abem ) daqui lhe nafcc ular delia,
iieíle lugar, cm que elle queria dizer , que Dona
ínez de Caítro era Senhora muy to mimofa.muy-
lo moca, & muy to fermola, delicada, & tcnrinha.
Canto Terceyrol
"f
grimas de Dona Inez em buma fonte chamada,{on*
te dos amores, pelos , que alli rcvc com o Infante
Dom Pedro. E. como as Nymphas do Mondego
chorarão grandemente íua morte , & aufcncia.
Eíla fonte nace cm hum lugar chamado vai de In-
terno , Sc corre por bayxo de huma lapa muyto
Porquea todas eftas partes le eílendc o nome don- frelca,&: dalli vay regar a horta de Santa Clara, 5c
zelIa. O qual fegundo Grammaticos tamofos le pada pelos paços da Raynha , aonde Dona Incz
deriva de <^<»»í<«/<<,como diz António de Ncbrixa: eílava. E porque nefte lugar trattàraó ellcs feus
por fer diminutivo de <^í>/i»<«4 , qucquer dizer Sc-
nhora:co!no diz Joannes Janneníis: & que dellc Ic
diriva também </tf/»/»c//<t, que heomelmo,quc Se-
nhora piqucnina: donde diz cllc,que domiceUns^ é^
dowieella etiam eltcuntur ptilchrt juvems magnatunt^feu
itherorumi ftve fint (ervuntesy five nênx que he o roef-
nio que dizer, que domieellui , àcdomtcella , donde
V em donzel,5cdonzella:rcch*maó também aquel-
Jes moçosjou moças termolas,que refidem.ou fer-
vem em cala dos grandes. Como antigamente fe
ufava na Cotte de Hefpanha , aonde a eltes moços
amores , hoje em dia le chama a fonte dos amores
por cíle refpeyto.
I 3<>
N^õ correo tnuyto tempo^quea vingança
NâoviJfeTedro das mortaes feridas^
^e em tomando do Reyno agovernança
A tomou dos fugidos homicidas:
T)e outro Tedro cruljffimo os alcança^
^ue ambos imigos das humanas vidas ^
O concerto fizerão durc,^ injuflo.
JFidalgos, que íecnávaó com o Princepecharaa
váo donzeles: Sc delles havia hum regedor ,que fe ^e com LepidOi& António fez Augujio,
chamava Alcayde de los donzeles : fem Ce ter rel-
peyco a ferem virgens: Jc fomente o attribuhiáo a
lerem moços Fidalgos , prezados , Sc eílimados,
fermofos , Scc. Como também era Dona Inez de
Ca(tro,que era nobiliííima, moçamuytofermola,
'Sc delicada , Scc. E neíte fentido o dille o Poeta:
Do outro Pedro eruijjimo os fl/í4«f 4. Atrás diíTeraoí
coroo El-Rey Dom Pedro de Portugal fez con-
certo com El-Rcy leu íobrinho de Caftella , cha-
mado Dom Pedro o cru , que lhe entregafle os ma-
tadores de Dona Incz , que andavaó cm íuas ter-
pois em outro , era disbarate , Sc ablurdo grandif- r^s ^ g^ que elle lhe entregaria huns Fidalgos Caf-
"-'^ '- ' telhanos, que em Portugal andaváo homiziíidoí,
E defta maneyra fe vingarão deftes homens , a que
tinhâo má vontade , porque naturalmente ambos
eraó inclinados á juftiça.
§iue com Lefido , c?* António fez, /lugufio. Eftes
fendo inimigos Capitães , fizerúo huma liga , Sc
concerto entre fi , no qual náo pretendião outra
coufa mais , fe náo vingarfe cada hum de feus ini-
fimo, que de tão grande, 5c tão bom cultivado cn
tendimentoem todas as boas artes , Sc fciencias,
náo te pôde preíumir.
Acrelccntafe a illo , querer o Poeta nefte lugar
mover a compayxáo os ouvintes , da cruel morte
que deráo a Dona Inez Je Gaftro, fendo táo mo-
Ça, táo termoía, táo delicada , táo mimola , Sc táo
illultre , Sc náo tocada de outro algum homem:
fcnàodo feu Dom Pedro, que era Princepc de n»igos, Separa cffcytuarem iftocílivcráo ires dias
en» huma ilheta que o rio Cavino faz entre Bo-
lonha, Sc Peroía, nefta iua junta partirão primey-
rameiíte o Império Romano entre li, fegundaria-
mente trattaráo o modo, que haviaó de ter em íe
vingarem de feus inimigos , Sc para iílb acertarão
que cida hum havia de entregar , o que liveílè em
leuexercito,aindaquefoflefeu pay. Coufa certo,
veroonhofa , poispefava mais com cllcsodefejo
da vingança,que a obrigação de fuás pellbas.Ncl-
ta volta deu Marco António hum feu tio irmão
de feu pay : Sc Lépido hum feu irmáo , ScOda*
vianoaMarco TuIio Cicero , a quefcmpre cha-
mara pay , Sedo qual fora trattado como filho,
alem delles foraô outros muy tos» a que Plutarcho
dá numero de Trezentos. T>tolivio,Sc Floro trat-
lando delles náo finaláo numero.
Portugal , que a tinha até aquella hora , táo guar-
dada , relguardada, recolhida, táo mimofa , Sc efti-
mada : comocftâ humafrelca rola entre as efpí-
íihas : que lo do rocio do Ceo he tocada, como o
melmo Poeta aqui o declara na comparação da
roía de que ufa , com muyta "eloquência , Sc
brandura , Sc propriedade.
M5
AS filhas do Mondego a morte efcura^
Longo tempo chorando memorarão^
Epor memoria eterna emfonte pura^
As lagrimas choradas transformarão:
O nome IhepuzeraÕjque inda dura,
'Dos amores de inez, que aUipaffarão^
yede, que freCca fonte rega as flores,
^e lagrimas fão agoa^à* o nome amores.
137
-^ ^ r^, , X^ Stecalfi^adorfoyrigurofoj
.nr^LT^T" "'T '"" ^''"' r'- ^}'^r\'' K Tie latrocínios, m6rtes,& adultérios;
mtchnge aqui o Poeta a transformação das la- •*-^ ^ ** _ * r- ^
mente
í>rS
é^a&êrmí mãds nuezasifero/è trofi^
^rãot)S feíismais certos refrigérios:
As (Cidades guet rdandojujiiçoJOy
"^e todos ús/oberbos vituperiosy
^MsUàr'aes€a(iigãndoã morte deo^
Mji^^i vaguífundu AUid^s^ oH T/^efeõ,
Lu fiadas de Lnís de Camões Comm enfades.
kii Rcyno , cm tanto que dcyxou entrar os Caí-
lelhanos até Lisboa, a qual deílruhiráo , & quev*
fiiáraó toda , & puferáoen) gtande aperto lodo o
Reyno , Ic não vieia de Roma hum Cardeal Le-
gado a faz«r as pazes cncrc ciie , ík El-Rcy Dom
Hcnnquede Caftella.
€^e hum fraco Rey 'fax, fraca a firtt gente. Os La«
tinos trazem hum dito muyto uzado , o qual Ic
Efiecafligaáor fof rigurofo. Conta a Chronica dei» refere nas Chiliadas , & póem entre os mais Pro*
*€ Key, que todo? os vícios caíiigou muy riguro- vcrbios : Dux hnus bonHm pra/iet comttem, O bom
íanunie , lem afícyçâo alguma, fiem cxcey^áo de Capitão faz o bom tompanhcyro , Sc não diz loU
|)cl]oa por muyto principai que Foíle , ôc que era dado, fenãocoropanheyro: porque como o Capi-
tão contrario de ladrões, 6i nialfeytorcs,que fazia láo nâo trattar o loldado como conipnhcyro , &
« impoflivel , labendo de algun« , para os haver as o Rey naó tor pay do valíalo , & o Prelado irmão,
^tiiáos , .& amda quctítiveílc ientado â mcza, dan- de ku fubdico, tudo k perdera muyto deprcfla.E
^olhe nova que lhe traziáo algum , lelcvantava ie 0 Capitão fer fraco, torçozamence os loldados
'logo para o mandar caíligar. A c:íle piopoíitofe
cícrevcmgrandcs couías ucllc , quelepóJem ver
na fua Chronica.
§^«í 6 VAgahund» Akidts^«H Tbefeu. Compara El-
Rcy DoHi Ftdrono modo de dcíl:errar,6c deftruir
aiiidrôescom Hercuks , ^Ti>cleu, queforâo
dous Cavalleyros Gregos do meímo tempo, 6c pa-
líeines.dos quac* fe tfcrevem grandes maravilhas.
A Hercules chama Alcides, porque íoy neto de
Alceo. Dcíle Herculfô trattcy atrab neltc Canto,
oyiava jS.c.z. & os livros dos Poetas, 6c Hiítoria-
aorcs eítáo ch-cyos das couias deites dous C íival-
Icyros. Vagabundo chamão os Poetas a Hercules,
jcon.Q siqui lhe chama Luís de Camões , porque
scprieo o mundo buícando aventuras , Òí brigas.
Tieleu filho de Egco Rey de Athcnas matou trcs
Jadróes (como conta Ovidio na carta Phewira a
Hjppolito, Scyron Procuífcs,&: Scims que íaziáo
gí-ajidçs males no mundo. Fx^y ao inferno cym íeu
jWTpigoPeríthooafurtara moihcr dcPLtáo Rey,
^ benhordaquelle tnltc,^^cfcuro Reyno. Matou
o Minotauro de Cindia, & ícz na vida outras cou-
ias dignas de memoria, que Ic pódcm ver em Plu-
lírchonaluavida.
o haó de (er, porque o bom Capitão faz a boa gen-
tCjComodiz Pluiarcho na vidadeLicurgo, ôcda» ||
qui na ceo outro dito que alguns querem aítri- "
buhir àqucUe grão Capitão Themlílocles : Mdtêr
«fl cerxioram exerehui dusc letneitjuam ieonum duce cer-
vo. Melhor hc hum exercito de cervos com hum
Capitão leaõ , que hum de leões com hum Capi^
tão cervo.
135?
01) foy cajiígo clavo dopeccado
IDe tirar Ltonor a/eu marido
h cafarfe co7n e//atde eríUvado
Nur/.fa//oparecer,maUfitefidido:
Ou foy j ^ue o coraçaôJugeyíOj& dado
j^o vicío vtljde qntm fe vto rtnáidoj
Molle fe feZiò fracctè hemparece^
^e hum bayxo amor os fortes enfraquece.
De tirar Leanor a feu marido.Kííe Rey Dom Fcr*
nando etlando conirattado com El-Rey Dom
Henrique deCaílellade cafar com u Infanta Do-
na Leanor fua filha , parecendolhc nitlhor huma
mo) hcr caiada , & fidalga chamada Dona Leanor
Telles de Menezes a tomou a íeu marido Lou-
DOjUp,& duro Tedro.nafceO brando^ renço Vazda Cunha,bom FidaIgo,& íeu vafiallo,
(kede da natureza o eíefconcertó) & fe cafou com ella com grande vitupério íeu , &
contradição do povo , pelo que não lho quiz con-
fentir , & aílim fe fizeráo muytas juntas para lha
titar decaía , ficcomoclle lhe nâo podeíle icfiílir
em Lisboa , recolheofe fugindo da furia do povo
á Cidade do Porto,aonde cfcapou.
^«e hum bayxo amor^ aoi fè^tet enfraefuece- Co m O ^
fabemcs pela lição dos livros,& nos enllna a cxpc-
riencia.gente muvto nobre,& fcientifica/az muy-j
^ Do ;«/?o, ^ dure na fce o brando. Depois da morte las cou las mal feytas forçada da âffcyçáo,& amor J
d-bJ.Rcy DoiTí Pcdio,que ^oy em Eftremoz, hu- ao qual com muyta razão chama aqui o Poctaj
ini íegundafeyraa i8.de Janeyro de i557.írndode bayxo, pois faz aos homens fazer biyxezas: comd
idadede47.annos,6ci>ovf me7es ,dos quacsrcy- SaUmão, hum Rey tãoSabio, quclcperdeo poí
noudczannos,ôcoyromezes,& eífá lepultadocm amor demolhercs , & hoje cm dia não ha certeza
Alcobaça, foy levantado porRey feu hlho Dom de fualalvação. David que mandou maiaraUrias
Fei.nando,fcndojá de idade de. ry.annos. Eífefoy Itu Capitão por amor defira molher.Os quaes bal-^
íCOiíílo > Sc dclcuyda49 nas couias do govcino do tão por exemplo > pcis hum delicsera o mai? fa-j
'38
Ojufio.ò- duro Tedro^nafceo br ando %
(J^ede da natureza o ííef concerto)
Remiíjc<fé Jcm cuydadd algum Fernando
^e todo o Reyno p o z, em muyto aperto:
^le vindo o Qaftelhano devaflando
As terras fem dejefa.efltve perto
U^e deftrutrfe o Reyno totalmente j
^e hum fraco Rey Jaz fraca a forte gente.
Ca)Ho Tercpyro,
bio Rey q nunca houve, o outro o principal Pro- C/í (^tà pacato /iatuíffe h orh celumnaf,
pheta de Deo!5:& com cudoiílo os derribou.Sc ío- Um dura tralmt mediãjienfs fnum»
peou a íenlualidide.
I4O
DOpeccaâo úverMfempre a pena
Mnytos^que T>eos o qutZi& premittio
Qsqueforaô roubar abe LU Elenay
£. com /^pio também Tarqumo o vio:
Toispor quem Davtã janto fè condena.
Ou quem o Trihii tlluftre dejíruto^
nr
1)e Benjamin j bem claro no lo enjtna»
for Sarru Foraô,òlichem por 'Dina, .^^-^^
D9 fecsudo tiverao (empre a pena. Moftra pof
•xemplusquâcos males tiça a Ícníazlidscác-Troy^
A tanto cliegou , dizPropercio , « fermofurade
Omphalc, cjueaqudle grande Hercules, que no
mundo havia Feytoláo^/andes maravilhas j eí«
quccido de fi, 6c de quem era,íiou, & lavrou entre
Híolh-ereâ.
Dt MãreoArAonío. Cleoparfa RaynhadoEgy-
ptefoy caufa da deíliuhiçâo de Marco António,
como tica cftritns no legundo canto.
Ttcíambim Penaprfifptroojenttfie. Entende Anní-
bâl Capitão valeroíiflimo dos Carthaginenles.
Chamalhe prolpero pelas grandes vittonas que
tinha havido dos Romanos. Delle,5<. da razão do
nome, Peno,fica trattado nefte canto, oy tava 1 1 5.
íoy deltruliiJa por Pariz hlho de Priamo Rey d« Q q,ie o Poeta aqui diz he , que tambeni Annibal
Troya turtar Helena molhcr de Menelao Kcy
deMycenas,naqual Virgilio,Sc Homero fallarao
tão largamente liv. 5. ab 1. Liví, Appio Governa-
ilordeKoma acabou mal prefo em ferros , p -r
querer tomar huma Vir^^mia a fcu marido. Sexio
Tarquino íilho de Tarquino o tobcrbo de alcu-
iiha,toy caula de íeu pay ler privado do R.eyno, õc
clle acabar mal fora de Koiua , por commetccT
adultério com Lucrécia molherdeCollaCiao,Liv.
liv.i.Dec.i.cap.2./V David, por cometer adulcerro
com Bethfabe molherde Urus,matoa logo Deus,
o íilho que delia hjuvc , 6ç. a elle houver ide deí-
truhir íe não riíera penitencia, 8c chorara leu pcc-
cado. No quil tempt) compoz aquelle exceUcnte
Pfalmo Mifirtre met Deuui. Re^.cap. 1 2. Oà mora-
dores de Guibádo Fribu de Benjamin forão mor-
tos,5c a lerraalV-^iada, por forçirstn hu>ni molhwT
do Tribu de Lcvic. iv^. 2c lo.Jud. A Pharaó Rey
de Egypto calligou Dcoi íò por mandar lhe Ic-
vaílemacaiaSâra molherde Abraham.Genel.cap.
1. Sychem filho de Hemor foy morto,ik iodos os
ícus,6ca terra deílruhida por tomar Duna a Jacob
leu pay.Genef.cap.j.
141
ETois fe ospeytosjortes enfraquece.
Hum inconceffò amor de [atinado j
Bem no filho de Alcmenafe parece,
fiando em O fale andava transformado:
^De Marco Ântonh afamafe efcurece,
tom ler tanta a Lleopatra affeyçoaao.
Th também 'Penoprvfpero ofanttjicy
^Depois que a moça vil na Apiiiia vijfe,
/i»jor iwcííwíf^o. Amor illicito , & não permit-
tido. Lilbodc Almena hc HcrcuUs , do qual fica
traiiado nelle Canto , oycava 18. Eitc foy tão al-
fc> coado a Omphale Raynha de Lydi.» , que fez
graiidescftrcmos por ella te fiar , & lavrar como
inolfitr. Donde dilicPropcrcio liv. 5. ckg. i.
Omphale in tantum forma procejjit honnnm
Ljjàm Cj^eotmà0fuiila Uch,
leiuio os eííey tos do amor. Porque depois daqiicl-
la grande vutoria de Canas , le afi eyçoou a huma
moyade bayxa íorte na Apulhadc maneyra que
foy caulíidc lua perdição. Donde diílb Fetrar*
cha : iTt tnumpho amoru.
Ualtro èí figltvol <P Amílcar .é" no^lptegã
Intanti annt itaita ttttta,^^ Roma:
yilfimtnclla tn fugUa il frendey<^ íjega.
142.
MAs quem pode livr arfe por ventura.
, T>Qs laços ^q amor arma brandamente
Entre as rojas ^cf a ntve humana ^(£ pura,
Oourôi& o alabaftro tranf parentes
^em de huma peregrina fermo/ura,
*Dehum vulto de Aiedu/a propriamente,
^e o coração converte^que temprejo.
Em pedra não^mas em a e/ejo ac ejoi
Entre rofas. Nefte verfo,- ôcivofeguintc trattl
das cores da fcrmolura.
De hli vulto de Medufa.Quc foy' Medula fica dito
neliecãto,oycava7^.
QFé zio hii olhar feguro.hum geflo hrado
Htia fuavCj^ angélica çxcelltncia^
èlue emfi eftà fépre as almas trãs formado j^
^ue tavijje contra ella reftfienctai
'Desculpado psr certe eftã Fernando
Tara quem ttm de mor experiência
Mas antes tendo livre a f ante fia,
Tormuyto mais culpado ojutgaria,
Defcttlpado for cetto efid fernando, Eílc he El-
Rey Dom Fernando , o qual Ic caiou com huma
molher cafada , tomandoaa fcu marido, como es-
crevemos nefle canto. A linguagem do Poeta aqui
cm di7.cr queelfá defculpado El- Rey Dom Fer-
nando,he mais galantear que verdade. E lempreo
noHo Luís de Cafnócs tem hum dclcuydo deites q
pudera efcular, ^^
OS lusíadas
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
Commentadôs pelo Licenciado Manoel Corrêa.
ARGUMENTO.
Acclamado Joaó de Pedro herdeyro,
Convoca Leonor ao Caílelhano,
Oppoemíe Nuno intrépido guerreyro>
Dafe bata]ha5vence o Luíitano:
Quem a Aurora bufcar tentou primeyro
Pellas túmidas ondas do Occeano,
E como ao Gama coube efta alta empreía,'
Por aífinar a gloria Portugueza.
CANTO QUARTO.
Keftc canto tratta o Poeta da grande felicidade d'EURey Dom Joaõ o Primeyro
nas coufas da guerra : dos grandes defc jos que Ei-Rey Dom Joaõ o Segundo
teve de defcubrir a India,o que pos em eíTcy to El-Rey Dom Manoel^
mandando a Vaíco da Gama por Capitão mòr.
y vcrnod'El-Rcy Dom Fcrnatido > íceraô tantas
as revoltas.&diflcnfõcs no Reyncquc ficarão 0$
DEpois daprõcelofatfmpejtade^ Portugnczes com a nova fucccfláô d^EURejr
No^UrnAfombrãt^ fihtlanteventO^ Dom Joaô o pnmcyro fen irmaó , como ficaô os
Trazamenhãaferena claridade^ qneeícapaô de alguma grandt tormenta, 5c tem-
Elperança dt porto f3 falvatfientoi pcílade. ^
Jparta o Sola vr^ra efcurldade, ^;^'[' T P''^"*"'^;^^'"''* ^''^^/^^r. """u ^T
i>\.^ j ^ r \ nando íallcceo cm Lifboa a 10. de Outubro de
Removendo o temor aopenfamenío, ,^g^ ,^ -^ ^^ ^^,, morteficou o Reynoqu.ero.
^Ii no Reyno forte aconteceo, & cn, ourro cíUdo diffcrentc, per ter por Gover-
T>epotsque o Key Fernando falleceo, pador , Ôcdefenfor a Dom Joaô filho d'El'Rcy
Dom Pedro ,& de luuna Dofia Tarefa com que
DepoiiJaproeeUofntempe/tMde.^m tal cftado efts- nãofoy caíado,oqual drpoisde commum coníen-
vaô as coulas dos Poriuguezes , 6c tão arruinada, timento à.o povo foy levantado por Rcy cm Co-
dí perdida a terra com os dclcuydos , Scmaogo- imbra,a cinco dias do mcz de Abril de mil trezen-
tos.
H
I
Lujiadas ãeLuts de Camões Commentaàesl 119
ros í^yténta & cinco ; ou Icgundo outros , cm trattar , Scconverlar publicamente com clle , até
Agoíto vclpera de Noíla Senhora da Aílumpçaó, que o Infante Dom Joaõ , que cntâo era Meílre
como íe diz.naoytava fcguinte.
POrque fe muyto os no ff os defejàraõ^
quem os da}ios,ô" off eu/às va vingando
}^aqnelles, qu^ também fe aproveytàrão
2)0 defcuydo remijfo de Fernando:
1)epois de pouco tempo o alcançar aOy
Joanne fempre tlluflre levantando
Tor R y coma de 'Fedro único herdeyro
(Jinda que baftardo^ verdadeyro.
de Avis, Q matou dentro nos paços que Cíâo aon-
de agora he a cadea da corte. O que fez por ia»
hir peia honra de íeu irmão , 6c acuuir a huma taó
g^randc
ôc publica infâmia.
5
'\X^^ ^^^^ em fim com caufa deshonrado^
^Diante delia aferro frio morre^
^De outros muytos na morte acompanhado ^
que tudo o fogo erguido queyma^& corre
^em como A fiianaz precipitada
Çòem lhe valerem ordens^de ai a torre ^
Nacjuellsf <jue também fe aproveitara» <to defcwiãa A quem orâens netnaras0emrefpeyto
ftahíffi de Fernando. Eífes faó os Caftelhanos'os
quaes cm tempo d"El-Rey Dom Fernando fizc-
río muytos males, 8c perdas nas terras, 6c gente de
Portugal,por não terem Reyqueos deffendeíle.
3
SEr ifto ordenação dos Ceos divina,
'Porfhaes muyto claros fe moflrou,
fiando em Évora a voz de huma minina
Mnte tempo falando o nomeou:
E como coufa em fí que o Ceo deflina^
No berço o corpora- a voz alevantou^
Portuga l^Porutgal calçando a mão^
^ije^pelo Rey novo 'Dom João^
^audo em Évora a vez, de huma minina. Conta
Chronica deíle Rey, que huma minina de oyto T) Odemfe porem longo efquecimento
^iem núpor ruas^ér em^edaçosfeyto,
§.utm como /1/!tanaz precipitado Afihnaz foy filho
de Hey tor, ^ andromacha, o qual foy lançado de
huma torre abayxo quando os Gregos entrarão
na Cidade de Troya. O mefmo diz aqui o Poeta,
que aconteceo cm Lisboa naquella revolta.quan-
áo o Meílre matou o Conde , porque lançarão da
Sé abayxo o Bifpo da Cidade ^ Caftelhano de na-
ção , 6c natural da Cidade de Samora , por nome
Dom Martinho. Doqi'al as Chronicas dizem que
era hum homem muyto virtuoío, honrado, 6c km
culpa alguma. Matàraõ também hum Clérigo, 6c
hum Tabdiâo,quccomoBilpoellavâo,6c outros,
o que tudo nas Chronicas fe pòdc ver.
mefes filhadehum Eíievão Ancs deEvora,eíl:an-
do no berço le levantou, 6c diflc levantando a voz
com a mão alçada : Portugal, Portugal , Portugal
jíor El-Rey Dom Joaõ. O qual foy n0tado,6c ti-
do por milagre, 6c certificado, quando foy levan-
tado por Rey , porque os moços de Coimbra , 6c
mais gente d líferaó , venha embora o noílo Rey
^rophetizado, ôc criado por Deos para iílb.
ALferadas então do Reyno as gentes^
Com o adio, q occupado os peytos tinha ^
Ablolutas cruezas ió evidentes y
Fazdo povo o furor por onde vinha\
Matando vão amigos ^^ parentes ^
"•Do adultero Conde, ^ da Raynha,
Com qntmfua incontinência des honefla ,
Mais ^depois de viuva.méinifefla.
Do adultero Conie. Eftehc o Conde Joaõ Fer-
ha Dona Lcanor t(-
áo qu«ria dcyxar de
^^ «-».»«,»• v.B««e. nirenc o
nandcs , com o qual a Raynha Dona Lcanor t <-
tayajníamada ,6c conitudonác
,1. As cruezas mor taes, que Roma vio^^
Feitas do feroz Marto^& do cruento
Scy lla^quando o coiitrarto Ihefugto
Tor iffh Leonor ^que ofenttmento
7>£? morto Conde^ ao mundo dffcubrio^
Faz contra Lufitania vir Cafiella^
dizendo fer fua filha herdeyra delia,
Feytas dê feroz, Mário ^ éf de cruento Se^llay^uandâ
0 contrario lhe fugio. Scylla, Êc Mário torâo dOiiS
Capitães valeroTos entre 0S Romanos , mas taô
contrários hum dooutro,que lefaziaõ todoomAl
que podiaójôc finaladamcnte íe efcreve de Scylla,
que vindo da guerra contra Mytridathfs Rey dó
Ponto , entrando em Roma mandou degolar fcis
mil peílbas , que fcguiâo a parte de Mário * pela
crueldade que para com os leus havia uíadu , em
Aia abfencia,como conta Plutarcho, Appiano con*
ta de Mário , que alem de não perdoara pellba
que Icntiflc íèguir as partes de Scylla,niandava ai«
raftrar , dclpcdiçar , 6c pór pelos lugares públicos
as cabeças dos mortps ,6c lançai os aos c? es , av<s,
ôc bcíks feras , que oscom«íl4;m , ôc ulava outj a«
' " muytrtS
íit> _,, Cãntb ^àrto,
muytas crueldades, ^ue^s Hiftoríadorcis conuó que foy filha do Conde Dom Saního. E o áé
principalmente Pluiarcho em Tuas vidas. Morre- JLiaõ por parte de fua molher Dona Sancha,irmi
ráo como viverão , porque Mano íe matou com d^lil-Rcy Dom Bermudo. FoyelteRey muyto
fuás próprias máos por nao vir âsde leu inimigo Cavalleyro,6c affeyçoadoa gentcdeeípirito,pelo
Scylla , otjual também morreo cm hum lugar de que toaos os moços Fidalgos orphãos , & que fi^
Isl apoies por nome Piifol , dchuma infirmidade caváo iem pays,rccolhia "cm íua cafa, Sc mandava
muyto nojenta, & íuja , cuberto , 6c comido de criar,6c enlinar iodas ás boas artcs»lL entre outros
piolhos. V cja-le o que elcrevemos no canto 5. oy- foy hum Rodrigo de Bivar » que depois foy chai.
lava i\6. mado Gid Ruy Dias , que foy muy valeroío nas
Faz,€ontra Lvfítahia vir CàficUa. EURey Dortt armas, ôc ganhou muytas terras aos Mouros, ha-
"Fernando nomeou por íua morte a fua filha Dona vendo grandes vittorias delles.tLÍtes faó Férnan-
Bcatriz caiada com El-Rey Dom Joaó de Caílella
por hcrdcyra do Reyno de Portugal, o que moveo
aos Portuguezes a logo levantar por Rcy ao Mei-
trede Avis. Como El-Rey de Caílella foube da
morte do íogro, 6c foy avilado pela Raynha fua lo-
gra acodio logo , mas foy desbaratado com ajuda
doCondeítavel Dom Nuno Alvares Fereyra,
■■r
Eãtriz era^;à filha, que ca fada ,
Co' o Caftelhano ejiâ , que o Reyno ^ de ^
^or filha de Fernando reputada^
Se a corrompida fama lho concede:
^.om efta voz, Caftella levantada^'
*D'izendú,que ejiafilha aopayfucede^
Suas forças ajunta payà as guerras ^
2)^ varids regmnsyde varias terras.
Se a corrompida fama lho concede* Pela fama que
a Raynha tinha com o Conde. ^
8
dojôc Rodrigo , de que aqui o Poeta tratta , & as
Chronicas largamente.
Of cãpoí LionefeSiCujagmte co"^ §s Moura foy vasar^
mas excelUnte, Põem pnmeyro os Lioneles, porque
eílcs íaó os verdadeyros Câftclhanos : ficaílimos
antiquiflimos Rcys de Helpanha íc intitulaváo
Reysdc Liaô , porque efta foy a pruneyra terra
que foy tomada aos Mouros, depois da deftruição
de Helpanha , em tempo d-Ei-Rey Rodrigo ul-
timo dos Godos, ôc elies Ic houveraó nelf e lempo
muyto honradamente contra o» Mouros»
OS Vanda los fia antiga valentia,
/íinda confiados f/e ajuntavao
'Da cãbtça de toda Andaluzia^
^e do Guadalquivir as agoas lavão^
j^ nobre Ilha também fe apercebia^
^e antigamente os Tynos habitavãd
2 razendo por infigntas vtrdadeyras
As Hercúleas colunnas nas bandeyraSj
Em de toda a Trovincia,^ de hu Brigo]
(^Sefoy^jâ teve o nome derivado,
'Das terras^quc Fernandoy^ que RodrigQ
Ganharão do tirano<,à- Mauro efiado:
ISíão cfiimão das armas o perigo^
Os que cortando vão co^ o duro arado.
Os campos Leonefes^cuja gente
W os Mouros fioy nas armas excellenteí
Os Vândalos na antfgíía valentia. Rftcshó os An
VEm de toda a Tr0Víncia,% de hu Brigo] daluzes chamados alhm por trazer lua origem dos
(Sefoi^jâ teve o nome derivado^ Vandalos,como le trai ta no canto terceyro.
A nobre tlba tambtm fe apercebia. Eíla hc a ilha
Cadis,a qual antiguamente le chamou Erythreya»
Fundou-a a gente de Tyro Cidade de Phenicia,
pelo que lhe chamaóos FoetasTyria por epithe-
10, como Lucano, Tyri^s ejuiGadibns hofpes adjacet^
É os que fc acharão em Cádis fundada pelos de
Tyro.Eftes,diz o Poeta, traziaó por infigniasnas
bandeyras as colunsnas de Hercules , pelas duas
Vem de toda d Trovintia ejue de hum Briga. Eítc columnas,que Hercules aqui pos , como fc conta
Èrigo querem alguns fofl"« quarto Rcy de Hefpa" no terceyro canto.
nhanoanno antes do Naícimento de Chriílo de
1905. Outros dizem , que aífim efbe, como Lufo, IO
Tago , & outros, que alguns nomcaô por Rcys ,, , n j cr. / j -
delias partes , nunca cftiveraô neilas. E affim o 'T' Ambemvem la do Reyno deToledn,
Pocia nclla oy tava falia de Brigo com cfia (ai va.fc 1 Cidade nobreza' antiga ^a quem cercandé
foy,porquc cm coulas taó antigas, St taó deíampa- O Tejo em torno vay fuave ,& ledOj
radas de memoria ha muy pouca certeza. ^é- das ferras de Conca vem manando:
O., terras ^utFemand» , &oiue Rodrtgo. Efte hc ^ ^^^ ^^^^^^ também naÒ tolhe Q mcdo,
El-Rcy Dom Fernando , filho Q*E1-Rey Dom r\ r j j n )i ., ^,,,„/,^»^
Sanrho o mavor R ^v A^ XT /^«.. A^ U jordtdos GalleQOs duTO bando^
oancno o mayor Kcy de Navarra , começou de ^ n-i n
reynaremCalfclla, & Liaó noannode 1017. O ^^e parar cfiftirdes vos armajles,
reyno de CaílçlU houve pôr parte de fua máy, A aquelles^cujos golpes jà provaíles.
. "" Tam^
1
Lujiaâãs àe LuU de Camões Oúmmmtaãof. %ii
Tftvtkm vem Ho T.eyno de loledo. O Reyno de eido dos Phihíleos , como le pode ver nolivr^
ToleJo le chama aíTiir» de huma Cidade principal» dos Juizes, d etip. 13. uf^ue ad eap.iy^
&metropoli lua, pela qual paíla o Rio Tejo, co«
5
mo aqui di2 o Poeta,cujo principio, & naciincn
10 he nas Serras de Cuciica, Cidade de Caftella a
velha. He Kio aíiãs conhecido , & nomeado em
Herp3nha,o qual entra no mar de Calcais quatro
léguas de Lisboa.
/i^uelies cujos golpes j4 provâfies. lílo diz porqUé
El-Key Dom bancho de Portugal entrou por ^^""•v-/ -"•->'-' ".*- ^-/.^v«,-««„*u,
Galiza, 6c tomou a C.dade de Tuf , Ponte Vedra, :^^^'«^' ' ^'"^^T ^^^^ gfl^J^O^merU,
& ouiros Lugares, Sc fez grande deílroço, & el- SíJ^eaprõpta.miatuYalJideltdade,
trago na Terra.
NAÕ falta comrazõesyquem defc
T>a opinião âe todos ^na vontade
Em quem o esforço antigo Je converte
Em defufada,& mâ defleald^dei
concertei
1 1
TAmbem move da guerra as negras fmàSt
Agente Bizcainfjatque carece
^epoUidas razoes ^é" que as injurias^
Muyto mal dos eflr anhos compadece-.
Jl terra de Guipuf ua,& das Afturias^
^uecom mmás de ferro fe enyiobrecei ,
jírniou deite os foherbos matadores ^
Tara ajudar na guerra afeus fenhores, ]
Agp.ntl Rifcáinha, que carece de polidas razSec.Dii.
como também deceraó a Portugal em favor
d^EURcy de Caftella feu Senhor gente de ^lí*^
caya.GuipUfcuajScdas Afturias.
Negão o Reyià' a patria^fêfe convém
Negaram {como Vedro') e ^eos^que terUl
i^egãratyCófno Pedroso Deos tjue tem. Eftando El*
Rcy Dom Joaó em Abrantes com muyto pouca
gente , & labendo como El-Rcy de Caftella vi-
nha com grande poder todos os prmcipaè^ , que
com elle eftavão foraó de parecer, que fc reco-
IheíTcm , 6c nâo cíperallerti a El-Rey de Caftella»
porque alem de trazer hum muyto poderofo exer-
cito de Caílelhanos , vinhaó também de miftura
muytos Portuguczes , que le haviaó lanhado da
banda de Caftella.Os nomes deites põem a Chro-
nica, 6c diz,como aqui o Pocta^que por medo dos
Caftelhanos negarão lua patria,6c á ieU Rey,6c fe
os apertarão mais,tem a pulillanimidadc tal natu*
reza , 6c faz tão grande impreflaô nos ânimos de
Armou âellet os [oberbos matadores. Eftes Reynos quem ella toma poíle,que negarão a Deos, como
qucaqui o Poeta nomea tem grandes miniis de fez o Bemaventurado S.Pedro » que negou a feu.
ferro , das quaes partes fe provê toda Hcfpanha, Meftre , como he notório , & íe pode ver nos Sa*
pelo que diz : Armou delle os foberbos matado- grados Evangeliftas. Matthki5.Marc.14. Luc.iié
jes. Armou defte ferro, os que vinháo de todas as Joan.iS,
partes de licipanha,contra os Portuguezes. Cha- Temor gélido^ é* inerte. Medo frio^ & froxo,peIo
malhe matadores, pelo que cllescuydaváo , náõ cffeyto quetâz naqucUcsdc que toma pofte»
pelo que íizeraõ./-^ ' .,.^ l
tt
JOane,a quem dopeyto o esforço cretê]
Como a San^SaÒ Hebreo da guedelha^
'Fojto que tudo pouco lhe parece^
Cos pontos de (eu Reyno fe apare Ih i',
E não porque confelho lhe f alie çe^
Ços principais fenhores fe aconfelha
Jdusiópor ver das gentes as fentençaí
^e fempre ouve entre muytos dtfferenças,
hanne a^uem do feyto esforço creee , como a SanfaÕ
fíebreo da guedelha. Sanlaô toy Hebreo de naçaò
filho de Manue do Tribu de Dan. Foy milagro-
íamcnte dado por Deos a Manue lendo efteril fua
niolher , paradertruiçáo dos PhiUlleos inimigos
do leu povo. Tmha a fortaleza n/s cabellos da
cabeça. Em quanto cfte fegreda de fua valentia
íc não foube , não havia coufa, que lhe rcíiftiflc:
tnas depois que Ic conhou de Dalida molherdeí-
lioncftâ , 6c cila lhe coi cou os cabellos, ficou elle
cutro homem particular : pelo que logo foy veil-
Í4
MAs nunca foy ^que ejíê errofefenttffè
'Ro forte 'D.Nuno Alvares ^mas antes^
*PoJlo que em f eus irmãos taÔ claro o vtjje^
Reprovando as vontades inconftantes:
Aaquelias duvidofas gentes diffe^ .^
Lom palavras mais duras ^que elegantes^
A mão na eípada irado, & naÔfacundot
Ameaçando a terrado mar^^ o mundo^
Mas nunca foy <jae efe erro fe fentiffe. Ainda qué
dous irmãos do Conde Dom Nuno Alvares craó
lançados cam Caftella»náo foy parte para o Con-
de o fazcr,6c hir contra lua pátria.
Com palavras matí duras t^ue elegantes, O Poeta
guarda aqui as regras da Rethorica, como acoa-«
ielha Horácio na lua arte.
I bonoratum fi forte reponis Achtlkmy
tmptgtrt tracuakufyinexorabtíist acer,
Ittrft neiet /ilft dafa mhil non atroget armitl
^ - " Jí^
Tratando ííõríicio da obrigação que tem os ho-
mens que haô de efcrever as vidas , 6c coftumcs
^Iheosjdepois de dcfcorrer por outros eílados vin-
<ioa dar no do Capitão, 6í do loldado diz; quando
fallardcsiEi^ Achilles (que entende por qualquer
"toldado valerofo) fálico diligente , 6c colérico que
iB
REy tendes tal^f^uefe 'OaloY tiver des\
. Igual ao Rey^que agora levantaftes,
^Defbarat areis tudo o que qutferdeSy
Al V, f^^ •r:í« .,.,u^«(x «,.„-^« 'Do penetrante medo ^quetomaftes^
no Alvar^ss como Capitão valeroio , quenaoera ~, ^ ^ ' - ^ '
facundo , & que as luas palav^eraó mais duras ^tay asmaos avojJQVaoreceyOy
xjue^legantesA que tallavaçom a maó na eípada. ^^ <'»/'!?' refifiirey ãojugo aibijo.
15
C"^ Orno tdâ gente illufire Tortuguefa
j Ha de haver ^quem refute o pátrio Marít^
cò7nOidefta Trovinciaique Trtnce/a
Foy das gentes na guerra em toda parte:
Ha de/atryquem negue ter defcfd,
^em negue afè e amorfo esforço,^ arte^ ■
*JJe TortHgu^zfêfOT nenhum re/peytOj
Oprvprto Reynoqneyra verJÍAgeytO\
O pátrio ^»r/«.[Guerra cpi dcfençãcde/ua pa-
tuá*
1(^
Ofnn^não fiis vós inda os decendentes]
_ ^aq uelles ^q uc dehayxo da handeyrâ^
"^0 grande EnriqueZyferos^& valentes ^
Vence fte e fia gente tadguerreyra^
^ando tantas bandeyras Jantas gentes^
^ujceraõ em fugi d a de maneyra^ ^
^ejete illuftres Condes lhe trouxer aç
^refosy afora aprefa^qiie tiver aõ*
. iete ilhflres Condes. Veja^fc o canto terceyro,
*tDytava34.
CT Om qujemfora^ contino fopeadosi
^ Eftestde quem o efiais agora vos,
^orT^iniZj^feu íilho fuhltmados ,
Senaõcos vofjos fortes pays^à' avos^
*Pois fe com feus defcuydos ,oh peccadoSy
Sernando em tal fraque fa affi vospos^
Tornevos voff as forças o Rey novo,
•Se he certo, que co Reyfe muda opovo^
' túT Dinis. Efte Dom Dinis foy o fexto Rey de
1^òrtugal,5c leu fillio Dom Aífonfo,o qual vcnceo
aos Mouros do Salado , em ajuda d'EI.llcy de
Cníielh. Fernando emtal f-raejuefaaffim vw ;><?i. Atrás
trattey da fraqueza de Dom Fernando.
Rey novo, El-Key Dom Joaó o primcyro 1 de
que himos tractaiido na oytava r.
jltay at maoi ao vojfo vao recejo. Deyxayvos fo*
pear, èc vencer do medo, pondevos de parte, que
^u tó rcfiítirey ao inimigo , & vos livrarcy do ju.
go,6c cativeyrOjCm que vos quer por,
EVfo'com meus vaffallos ^t£ com efia,
(E dizendo ifto arranca meya efpida')
'Deftnderey daforça dura,&inf(fiai
Aterra nunca de outrem fojugada:
Em virtude do Rey ^da pátria mefia^
*\Da leald adeja por vos negada,
J^encerey, naõ (óeftes adver fartos ,
Mas quantos a meu Rey forem contrários^
For^ain^tfia» Força contraria-
futrta mefia, Pâtda trille»
iô
BEm como entre os mancebos recolhidos^
Em Canufio ^relíquias fés de Canas ^
Jà para fe entregar ^quafimovidoSy
A Fortuna das forças africanas:
Corne lio moço osfa z^que compelidos
*íDafua efpada jurem ^que as Romanas
Armas naõ deyxâram^em quanto a vtdA
Os naõ deyxar^ou nellas for perdida.
Bem como os tnancthos recolhides em Cânula reli'
cjutai (òs de Canai. Conta Tití livio na terctyra
Década liv. z, cap, 8. que depois daquellc grande
eftrago , que Annibal fez em Canas , alii,uma d*
gente dos Romanos fe recoiheo a hum íugai cha*
mado Canuíio , perto de Canas. E cílando todoií
deícorçoados , & para le entregar a Aníbal , Pu-
blio Cornelio Scipiaõ nmnctbo de pouca idad«
arrancou da efpada, & os fez jurar, que nunca de-
femparanáoasbandeyras Romanas , &c que por
ellas morreriaó contra os Carthigmenfes,que foy
caufa de fe não acabar de perder o exercito. O
que Dclo mefmo modo acontecco ao Conde Dom
Nuno Alvares.ccmoo noflb Poetáaqui conta, 6ç
íc pôde ver mais largo nas Chronicas. Da bata-
lha
1
1
Lufiadas ãe Luís de Camões Commentaifisl t i\
IhadsCanasfevejaanoíraannotaçáono terceyro de barcos , com todo feu exercito» que era in n u-
canto,oytavaii<í. meravel , & tanto que dizem os Autores Teriaõ
21 hum conto Sc duzentos mil homens. Com toda ef.
Dr.n ^ " r c^ ^ »t ta gente foy vcncido no paUo Thcrmopvlas por
Eflaarte ageteforça/S esforçaNmo, Leonídes Capitão dos Lacedemonios , òc depois
^ue com lhe ouvir as ultimas razões, no mar com a gente que lhe ficou deThemilto-
Removem o temor frio , importuno^
G)ue gelados lhe tinha os corações^
jslos animaes cavalgao de Neptuno;
Brandindo jà" volteando arremejfõesl \
VaÚ correndo j^ grita fido a boca aberta j,
Fiva ofamofo Rey^que nos liberta»
cies Capitão dos Athenienles. E finalmente foy
fie todo perdido , & desbaratado , & elcapou eni
huma trifte barca. Ficou tão enfadado da guerra-
^ue nunca aiais tornou às armas.
i4
DOm Nuno Alvarez digo^veràaàeyrò
Açoute defobtrbos Cajie lhanos^
N(f{ animaes caval^ao âe líeptuno. Os animaes
Neptuno.íaó os cavalloá, porque Neptuno foy o Comojao fero Huno ofoyprimeno.
pnmeyro que deu o cavallo , co.no fica duo no ^^ra Francezes^para italianos:
canto terceyro , oytava 51. - '■
D As gentes populares j huns approvão
A guerrãy com que a pátria fe/òjtinbai
Huns as armas altmpâo^&renovàoy
^ue a ferrugem dapazgaftadas tinha:
K^apaçetes ejhfãoypeytos provãoy
jírmafe cada hum como convinha:
O litros fazem vejiidos de mil coret.
Com letras f^ tenções defeus amores^
Dai gentes populares huns aprovai. Na gente po*
pijkr nunca houve coiuradição, alguns Fidalgos
contaó as Chronicas , que lhe parecia mal a guer-
ra , porque temiaó perderfe. Ou uíada palavra
populares no rigor da língua Latina , que he gen*
te de coda a forte aiCâ,ôc bayxa,
C'^ OmtodaeíialufirofacompanK^a^
^ Joanne forte fae da frefca Abrantes ^
Abrantes ^que também da fonte fria^
T^o Tejo Logra as agoas abundantes:
Qsprimeyros armigeros regia,
'^empara reger era os muypojj antes
Orientaes exércitos fem conto,
Corn quepaffava Xerxes o Hellefponto^
Oi primeyros armigttos regia. O Condeflavel
Outro também famo/ò cavalleyro
^e a ala direyta tem dos Lujitanosi
yiptopara mandalosyó regelas ,
Mem RodrigueZjfe 4iz^de Vafconceksi
Como jd ê fero Httno o foy primeyro. Eftc he At*
tila R.ey dos Hunos de que fica trattado no cah*
to 5. oytava 14.
Çiue^ ala direyta tem dos Lufitanos: Ala he pro^
priamentea aladopaílaro , a cuja lemelhan^alc
chama ah no exercito a gente de cavaHo,que vay
pela maó direyta, & efquerda para amparo da gen-
te dt: pé , que vay no meyo cuberta , & guar Jada
como hum pallaro cobre, 6c ampara com luas alas
o corpo.
E2)/í 9ulrà àla^que à efla corre fpondéi
Antãn yafquez de Almada he Capitai,
^e depois foy de Abranches nobre Conde»
^as gentes vay regendo afejira mão-.
Logo na retaguarda nao fe efconde
jD^J" quinas yiê cafiekos o pendão*
Com Joanne Rey forte em todaparte^
^e ejcurecendo o preço vay de Marte ^
Antão Vafo[ue%» de Aímada.^^c foy hum dos do2
ze Cavalleyros, queforáo a Inglaterra pedidos
pelas Damas daquclle Reyno para as defagravar
de certos Cavalleyros Ingleíès , que as afrontarão
publicamente,ao qual El-Rey de França,por leu
esforço , 6c cavallaria deu o Condado de Abran-
"Dom Nuno Alvares , como aponta na oytava fc* ches. O noflb Poeta tratta deftes Cavalleyros no
g^>^te. canto íexto, aondecu eícrevi delles, o que pude
Aorantes^ tfue também da fonte fria do Tejo logra as achar , porque não ha memoria perfeyta dos fey-
#Ç«íii iiPMníiawfej. Porque o Tejo paJa junto á Vil- tos deftes Cavalleyros , pelo que alguns tema
h de Abrantes. Hilloiia por fingida.
. (^^^^J^^P^ffavaXerxes o Helefponto, Xerxes foy t /:
£lho de Dário o mais poderofo Rey que os Perías
tivcraõ. Paflbu o Helefponto , que hoje chama-
mos o brajo de S.Jorge , fcy ta nelU ha ma ponte
EStavaô pelos muros temerofasl
E de hum alegre medo qnaji frias ^
$i4
fM
Rezando as mãysjrmas jdamas^&ef^o/asy
^ormetetidojeJMmj& romarias:
Jà chegaõ as ej quadras bellkofas
^JJefronte das imtgas companhias^
^lue com grita gr andijjima os recebem ^
íL todas grande duvida concebem.
E toda» grande duvida concebem. O que as Chro*-
nicas dizeaijôc parec« contormc á razaó hc, que os
Caítelhanos cuydavaó não ier poíTivcl erperarcm
osPortuguczes àfua furta, com tudo, tííIo como
continuaváo na porfia de pelejar , hcaraó algum
taiÍLo temeioíos.
^7
REfpondem às trombetas nienfageyras
T ifaros fibilantts ^^ atambores.
Os Alferes volteaò as bandeyras^
^e variadas faõ de rnuytas cores:
hr anoje CO teni^o, que nas eyras
Ceres ofruytodeyxa aos lavradores^
Entra em Aflrea o Sol_,no mez de AgoJlOi
Baccho das uvas tira o doce mofio^
Tira fio [eco tempo ^ ejue nat tyrat Cera ofruyto Jeyxâ
aoi lavradores. Delcreve o tempo,eiTique foy cila
i)atalha.Os Antigos tinhaó a Ceres por Deofa das
iementeyras , 6v cnais fruy ros da terra : pelo que a
pintavâo Icntada cm cima de hum boy com huma
enxada na mão direyta,ík lium ceílo na efquerda,
ôc rodeada de lavradores com feus petrechos , 8c
inftrunientos de agricultura , dando poreftesro-
deosa entender , que ella fora a inventora , ôc fe-
n.liora de todas as coufaSjque n terra produz. Afíim
-« noflb Poeta aqui nioftra,queeíta batalha foy no
elho, em dizer: Era no feco tempo que nas eyras
Ceres dtyxa o fruyto aos lavradores. E abayxo
declara o mez,quefoy Agolto.
Baccho datuvas tira o doct moflo. As ChronicâS
particularizando mais o calo dizem o dia que foy
a huma Icgunda feyra quatorze dias do mez de
Agoíto, vefpera de Noíla Senhora da Aflumpçaõ
Canto ^íirtol
tneímo mez , & os Poetas tem cfta licença \ coma
diflemos em outra parte. fi<íeíÃ<» das-uvas ttra o doce
píoflú. Não diz aqui o Poeta que no mez de Agoí-
tofc faz H vindima , fenão quer moílrar quc no
mez de Agoíto faó já as uvas maduras.
18
D Eu (inala trombeta Cajielhanat
HorrendoyferOiingente t& temerofOj
Vuvio o monte AttabroJS Guadiana
Atràz tornou as ondas de tnedrofo,
Ouvio o T>ouro^& a terra Tranftagana^
Correo ao mar oTejo duvido fo
E as mãys^que o fom terrível efcutár ao,
Aospeytos os filhinhos acertarão.
Ouvio o monte Artabro. A efte monte Artabro
chamaó os Geographos por outro nomt^Magnum
frumontorium Uí)i(fiponenfe, Cabo grande « cabo de
JLisboa , por começar na lua Comarca. Hoje íe
chama Cabo de finis terrsc. Guadiana a que os La-
tinos chamão Anãs, nafce junto â Serra de Alçar»
raz , &juntoahum lugar chamado la puebla de
Alcácer, le metedebayxodo chaô , Ôc vay iahir
dallia cez léguas.
Imalran^agana. Terrado Alentejo.
QVantos Yoflos alitfe vem f em cor,
^e ao coração acode o fangue amí^oí
^ie nos perigos grandes o temor
He mayor rnuytas vezes jCjue operigOi
E feo naÕ he^pareceo^cjue o furor
^e offtnder^ou vencer o duro imigo.
Faz naõfent traque hcj^erda grande J£ rara]
''Dos membros corporaes a vida cara,
30
C"^ Omeçafe a travar a incerta guma,
j T^e ambas partes fe move aprimeyra ala^
oytava 6i. Aílrea, de que aqui falia o Poeta, foy Hnns leva a defen faõ da própria terra^
íilhadeTitano,&: Aurora.Notcmpo,qocfeupay, Outros as efper ancas de ganbala:
& léus irmãos os Gigantes trabalharão lançar Lopn o <7randeTerexra,em quem fe encerra
Jup.ter do Ceo , ajuntando muytos montes altos, ^^^^^ olalor^prtmeyrofe affinala,
mfemeai
jupuer uo^eo , ajuntanao muytos montes airos, ^olioovalorMimeyrofeaffinala,
«pondo hunsíobre outros. Dizem que Aftrea \J* u »/t**c/ ^^f* -^.V ^-^ r
fcmprefoy de contrario parecer , Sc que em tudo "Dcrr tba, encontra,^ a terra em t^
o que foy na íua mão ajudou , 5c favoíeceo a Jú-
piter , pelo que depois que vcnceo os Gigantes a
pósnoCeo , & tez delia hum dos Signos do Zo-
'iliaco,oqualicm vinte ôcfeis eíl relias. Efteheo
Signo a que os !\ftronomoscham'o virgem , no
qual entra o Sol a vinte 6c três dias do mez de
U^os que tanto a defejaõ fendo aihea,
Comrçafe a travar a incerta guerra. Chama â^^
guerra incerta ; porque feu fim he incerto , como
diflc Cicero: BelUrum exitui tncerit funt. O fuccefib
da guerra laó inccrtos,como lemos nas Hiftoiias,
Agoíto,nem he inconveniente que o lucccflo def- que muytos grandes exércitos foraó vencidos de
ta batalha tofle a quatorze de Agofto,& o Sol en- outros muy to pequenos , pelo que nefta matcria
Jtf e ncft.e Sigoo a vinte Ôí trçsu Baila ler tudo no não ha Gsrtcza alguma.
Lufiaàas de Luís de
fíttns leva a âefenfao da procria terra,\Li\c^ eraó os
Portuguczes , qae pclejavaô pela defenfaõ de fua
pátria , a qual os Caftelhaaos muyto deícjavaõ,
náo fendo fua.nem tendo direyto nelia.
, Logo o grandi Pereyra, Efte he Dom Nuno Al-
vares Percyra : illuítre fundamcato da Caía Real
de Bragança.
M
JA^pelo effeffo ar os eflridentes
FarpõesJetaSi ^ vários tiros voaOj
^ebayxo dospès duros dos ardentes
CavalloSj treme a terrados valies (oão:
Efpedaçãofe as lançasse" as frequentes
^ledasco as duras armas tudoatroãô^
Jiecrecem os inimigos f obre a poueei
Gente do fero NunOijue os apouca.
Gente â» fero Nano. Fero Nuno he Dom Niiúó
Alvares Pcreyra , a que chamou na oytava acras
lómente Pereyra , & aqui Nuno , coftume muyto
ufado eiure os Poetas nomear as peflbas huaias
y«zes pelos nomes próprios , outras pelos fobre-
nomes , Sc outras pelas alcunhas , que por algu:a
aconcecimento,o u de bem,ou de mal tem.
IJ* Is alli fetis irmãos contra elle vão
^ {Cafofeo j & crtiei) mas não Ce efpanta^
Mue menos he querer matar o irmão^
^eirhontra o R y^à- a pátria fe levantai
*2Jtftes arrenegados muytos fad^
JSloprimeyrn efquadrao.quefe adianta^
Contra irmãos ^i3 parentes iCafo efiranhOt
^uaes nas guerras civis de Júlio Magnoí
%uat$ nas guerrat civis de lulio Magno, Como
bconteceo nas guerras civis entre Cefar , & Pom-
pcyo , tão celebradas por todos os Eícritcores , 6c
iobre as quacs fez o Poeta Lucano a ília Pharlalia,
tí nós tratiàmos no tcrceyro canto, oytava 7o.Ju*
lio' Magno he o grande Julio Cciar , de que trat-
jtâmos no canto primeyro.
O Tu SertoriOiò nobre Coriolano^
Catilina j& vofòutros dos antigos^
^e contra voflas -úatrias ,com profana
Coração, vos fize/tes inimigos:
òe la no R,yno efcuro de Sumano^
Receberdes graviffmos caftigosy
IDizeylbe.f^ue também dos 'Fortuguefes^
^Iguns ttaydores houve algumas vezes^
O tu 5Ér/orw.Scrtorio nas diíTcnçócs entre Scyl-
Oimves Commentadõfl n^
la,&:Mario, ícguio as partes de Mário, quefoy
vencido de ScylU , vendo.íe perdido recolhco-ie
a Heípanha^ôcnellafoy Capitão dos Portuguezes,
& outros Hefpanlioes > & fez grande guerra aos
Romanos. Veja- fe a nofla annotação no canto ter-
ceyro, oytava 95. Coriolanofoy hum Varaó de
muyta autoridade entre os Romanos. Em humas
diflenções foy lançado fóra de Roma, pelo quô
aggravado lhe fez muyta guerra ^ como conta
AppianojÔcPlutarcho emfua vida. Lúcio Sérgio
Catelina com outros de lua paríialidade determi-
nou apoderarfe de Roma, o que fizera fenâo aco-
dira Marco Tulliocom fua prudência, Sc atalha-
ra lua detcrmuiaçaó, matando muy tos doá conju*
radosjcomo conta Salluftio.
Se U no ejcuro Reyno de Sumam, Sumario he o
meímo , que Plutaó a que os Antigos chamávaó
Deos dos mfcrnos. Chamouíeaffim, qua/i fummffs
tnanium, o príncipe do mferno»
34
ROmpemfe aqui dos noffos os primeyro f.
Tantos dos inimigos a elles vaoi
Efiâ allt Nuno, qual pelos outeyros
'De Ceyta efià ofortiffimo Leão:
^e cercado fe vè dos cavallcyrosy
^e os campos vaô correr de Tutuaõ^
'Ferfeguemno com lanças ji^ elle trofOj
Turbado hum ^ouco eftàjmas na§ medrofil
^al pelos ojteyroí de Ceuta, Ceuta he fronteyra
de Africa, 5c porque em Africa ha muytos leões,
chamalhe aqui leões de Ceuta: figura muyto ufa-
da entre os Poetas, que tomáo a parce pelo todo,
como aqui Ceuta por Africa, £c aflimle ha de de-
clarar, ÔC não porque em Ceuta haja leões.
^«c os cambos vai correr de Tutuão. Lugar d2
Africa fronteyro , ao qual correm os Portugue*
zes para efcaramuçar,§c pelejar com os Mouros.
55
C"^ Om torva vifla os vé^mas à natura
j Ftrtna^à' a ir ando lhe compadecem^
^e as cofias détmas antes na efpeffura
^as lanças fe arremeffa^que recrecarni
Tal efià o cavalleyro^qne a verdura
Ttnge cofangue alheyoiéilU perecem
Alguns dos feiís ^que O antmo 'Qalentf
Ter de a virtude contra tanta gente ^
fine o animo valente perde é virtude contra tanta
gente. Coula fabida , & experimentada he os muy-
tos ainda que fejaó mais fracos, poderem mais que
os poucos : donde yeyo a^ucllc provérbio: ISie^uc
HcrcuUi contra duos : Nem Hercules contra dous*
líto hccomlaum jÔc regra geral; m» como todas
fjg imanto ^ártol
tem íua exceyção, tambcm cfta a teve ncfia bau-
lha Q'E1-Rey Dom Joíó o de Portugal contra
os CaítcJhanos : porque com ferem muyto mais,
fofâõ vencidos , ainda que com morte ae alguns
dosnoílos.
35>
5^
SEntio Joanne a afronta^que paffava
Nuno^ique comofabio Capitão^
Tudo corria ^Ô' ^ta^& n todos davãj
Compfefençaj& palavras coracào:
^^al panda Leoaferaxò' ahrava^
^ie os filhos ^que no ninho fós ejtãoy
SentiOj que cm quanto o fajto lhe hufcâra%
O^ajlor de MaJJiUa lhos furtara.
O fafior de M afilia Ihot furtara. Ma/íiliahc,ft
tjue por outro nome chamamos Mauritânia , &
commummente Bcrberia,Pelo paftor de Maílilia,
íè entende o paílor de Africa..E aílim Virgílio na
Eneida trattando da montaria de Eneas com Ely-
fa D ido diz: Ma(fttn^uc ruunt ee]uim,Ó' fidora canum
tjii : Saem, diz Virgílio, osCavalleyros Cartagi-
ncnfes com muy tos fabujos , ÔC outros petrechos
de caça.
37 _ .
COrre rayvofas^ freme ^com bramidos'^
Os montes fete irmãos atroaió' abala j
Ta/Joanne^com outros efcolhtdos
^os f eus ^correndo acode àprimeyra ala:
'O fortes companheyrcsjó/ubídos
Cavalefrosta quem nenhum fe iguala^
^Defendeyvojjas terras ^que a e/per anca
^a liberdade eflanavofja lafjça,
Oi montei finte irmãos. Na Mauritânia, que atrás
cbamey MaíTilia , eftâô fetc montes , dos quaes
Porrponio Mella diz : Ex kis tamtn, tjua commemo-
rare non píget^mentes funt altit^ut continentur, é^ t^uaft
tit ifidiijirta in ordtnem expofiti , olf nttmerum feptcm , ob
fif/itlnudinemfratres vocantur. Não he para paliar,
quebanefta Mauritânia huns montes altos : os
quaes poftos hum após outro , òí em tal ordem,
como de induílria , pelo numero Te chamaó lette,
èi pela íemelhança irmãos.
VEdefme aqui Rey voffofS companhfyrOt
^e entre as laças i&fet as i\è os arnefes
^os Inimigos corro j& vou primeyro^
^elfjay verdadeyros Tortuguefèsi
Ifto dijfe o magnantmo guerreyro^
Efopefando a lança quatro vezes j
Com força itra^à- defíeumco tiroy
Mujtos ímçdrãQ o ultimo fujplro^
1"\ Orque eis os feus acefos novamente
T>ehúa nobre vtYgonha%& honrofo ff>g6\
^obre qual mais com animo valente
perigos vencerá do Mar cio jogo ^
^orjião tinge o ferro o fogo ardente,
Hompem malhas primeyro,& peytos Ugo^
jljfi recebem junto ^& dão feridas.
Como a quemjà não doe perder as vidas ^
Mareie jogo, He a guerra , aífim íhc chamaõ oi
VociâSyluduí iW<jrí/«í:jogodc Marte.
Fogo ardente. He o que acima chamou fogo hon*
Tofo, que he huma ira, & fúria tomada, por íe ver
abatida huraa peílba , & perder a opiniaõ que ti-
nha. Diz que cftelogo rompe malhas, porque eíta
cólera aguça as navalhas, ôc faz que o ferro ufe de
leu officio. E os que pocm fangue ardente, danaó
a intenção do Pcsta : porque aqui le aponta fó«
mente a fúria do principio da batalha. **- j^^
Imge aferro. Àquella cólera vay na pont3 ÚM
lança, 2c a encaminha para feu eíFey to.
A ^uy tos mandão vero Efligiolago^,
em cujo<orpo a morte ^&o ferro entrava]
O Mejire morre alli de Sanãtago^
^efortiffiynamentepflejava:
Morre tamhem fazendo grande eflragê
Outro Mejire cruel de Calatrava^
Os Tereyras também arrenegados
Morrem^ arrenega ndo o Ceo^à' os Fades ^
A ntuytoi mandão ver o Efygio lago. Os A ntiguò*
tinhaó por coula certa , & lem duvida hir todas as
almas ao inferno , aonde tingiaó hum Rey aquç
chamavaó Plutão , com o qual diziaó, que raora-
vaõem perpetua efcuridade. Pintavaò acíle Pm*
taô nuiyto trifte , ÔC medonho , fentado em huma
cadcyra de enxofre, com hum íceptronamáodi*
reytajSc com huma alma na eíquerda,muytoaperja|
rada , & com o caó Cerbero debayxo dos pès , §C"'
quatro rios,l.etho,Cocyto,Phlegctonte,&: Ache-
rontc , que lahiaó debayxo da cadeyra, ao longo
deites rios a lagoa Eftygia , com outras mil fabu-
las que os Poetas pocm , & íe podem ver em Albe*
rico. Daqui diz o nollb Camões. A muytos man-
dão ver o Eftygio lago, que quer dizer , a muy cos
mataó,termo Poético, & galante. ComotamDem
na oytava íeguinte para dizer que morrerão muy-
tos, diz, queforaó mandados ao profundo, aonde
cílá o caõ Cerbero porteyro do Inferno.
- Oi Pertyras íamhtm arrenegados, lílo diz por dous
irmãos de Dom Nuno Alvarez Pcieyra , q fclan^
çàraó da parte de Çaílella : pelo ^ o Poeta lhe cha-
|ga arrenegados; f*?"/3
Lufiadas de Luis de Camões Commentados.
^Do peyto cobiçofofè pihvvdd:
4 1 ^epor tomar o afheo^o mtferando
MT)ytos também do vulgo vilfem nome ^^'"^ ^ i^entura âs penas do profundo,
Vaê/jr também dos nobres aoprofãdot ^JfAlt^ ífl^l' mãysdantasefpofas^
nr
Vnde o Trtfauce Caõ perpetua fome
Tem das aímastquepajfaô de(Íe mundo:
E porque mais aqui/e amance^& dome
Jfoberba do tmigo furibundo,
j/ublime bandeyrd Qajielhana^
foy derribada aos pes aa Lufitana,
Semjilhosjem mandos áefdttojas^
45
O Vencedor Joanne efteve os dias
Cofiumadõs no campo, em gr ande gíoria^
Comojfertas de pois ^t^ romanas
As graças deu a quem Lhe deu vittôria:
Mas NunOjque não quer por outras vias
Entre as gentes àeyxar de fi memoria
Onde a Trtfauce caõ, Câõ trifauce,quer dÍ2cr,câa
de três gargantas , qual pintaó os Poetas o Cer-
bero, que guardava© Inferno. ,^
A lokrha, (lo inimigo furibundo. ?í foberba dos Caí- àenãopór armas fempre Joberanas^
\ telhanos , os quacb fiziaó muyto pouco cafo dos ^i^ ara as terras fepaJjaTranJlaganas^
poríUguezes,por lerem muyto menos,
Oi diai cóflumadQS no campo. O que Te cofluma
wBt Al, entre gente de gucn a havida alguma vittoria, hs
I^P^ /-»•/• / // /• citar no campo do inimip,o alguns dias recolhen-
IRBi ^^^ ^'^^^ ^^^V^^^-f^ ^«fr»^f<^ do os dcfpojos, que ficáràó , & dando graças pd i
'^fx Com mortes i^ritosjanguei&cuti/adas, vittoria, que alcançarão , ík: moílrando que ai i
eilaó para tudo, o que a fortuna determinar , ôc
cuenaõ Cem medo algum do inimigo > cites diai
coftumados fohiaô ler antiguamenté três » hije
nrais , òu mtnos , confòrnie a dcrpofíçaõ do Capi-
taó,S< preíaque leacha. Eíta batalha que teve LU
Rey Dom Joaóo primeyrode BoanK-moria , foy
entre porro de Mós , & huma Aldca chamada AU
gibarrota , em hum campo muy chaõ, no qual lu*
gar em muyto pouco elpaçoforaó C5>Caíkihinos
vencidos dos Portuguczcs , mortos n,uyt js ,
ôcmuyroscattivos.
Para as turras fe fajja Tran^aganas. AlcançaJi
cfta táo grande vittoria le recoihco Ll-Kty a
Santarem,aonde achou amda muyios Caltelhano^^
aosquacsfavoreceo, ôc mandou para lua terra li-
vremente. Depois que dcfcançou alguns dias, nos
quaes trouxe à fua obediência alguns lugrcs,.jue
eltavaõ por El-Rey de Caíiella, foy em rom^iru a
Norta Senhtra daOliveyraem Guimarães , 45,
léguas de Santarém. Pai tio El-Rey a cita roman.í,
que tinha promcttido* Dom Nuno Aharcz Ic
partio para as partes do Alentejo , para entrar por
Laítelta, para o que mandou dai rebate a todos os
fronreyros para fe aperceberem contra clle. Pal-
fou por Elvas, & Badajoz, & chegou a Vul verde,
aonde os Caítelhanos cítavaó c<pcrando , & os
Lhedânaoph , mas a fat á fugida. AíTim diíle vcnceo com muyu honra doS Portuguczts , co-
Virgilio, Pedihus timor addidít alai.O medo lhe poz nio contâo as Chronicas.
41
^ã a fera batalha fe encruece
Com mortes ^gritos Jangue^ & cutiladas,
A multiàaõ dagente jque perece
Temas flores da própria cor mu da ias:
Jã as cofias daô,& as vidas'. jd falece
O furor yè fobcjaÕ as lançadas ^
yà de Ca fie lia o Rey desbaratado
Se vè^& defeupropoftto mudadd^
Tem asfioret da própria cor tnudadíií, Eftaõ ama-
relos , &: perdida a própria , & natural cor de (eus
ro(tos,por 1 he faltar a almi que lha dava. Outros
entendem e íte paíTo pelas dores do campo cuber-
tas do langue dos mortos.
43
O Campo vay deyxandoao vencedor ^^^
Contente de Lhe naÔ deixar a vtãa,
leguem no os que ficarão j& o temor
Lhe da não pês^mas azas àfugÍ4a\
Encobrem no profundo peyto a dor
^T>a morte jda fazenda defpenaidaj
^a magoa^da deshonrajfy trijle nojo^
T^e ver outrem triunfar defeu defpojol
aias nos pés. E daqui chamaó os Latinos ás côuías
Jigeyras timidas , porque o medo dá ligeyreza aos
que fogem.
^ ^ 44
AL^ús vão maldizendo, & blasfemando
^D o primeyro/jue guerra fez no mundo y
Outros a fede dura vão culpando
4^
AJudaofeu deflino de maneyral
^ue fez Igualo rffeyto ao penf amento]
^Por que aterrados Vandaloi fronteyra^
Lhe concede o defpojo^^ o vencimento-,
74
ihl Canto
§á de Sevilha 4 Èethicàhandiyrà^
E de vanosfenhores num momento
ò e lhe áirrtba aospêsJt;m te r deftfa.
Obrigados an for f a 'Fortugueja,
Porque a 4trra dos Vandaloi front€yra. Terra dos
VandaJoshe Andaluzia , como atrás fica dito no
canto tcrceyro oytavaíSo.
Betbtoa btndeyra, A bandeyra de Sevilha , por
que,' o no Guadalqmbir^ chamado Bethis paíla
por cila.
47
DÈpas^é' outras vit tonas longamente
ErAÕ os Lapelhams oppnmtdost
^ando a pA-z de/cjadajd da gente y
\Oeraõ os vencedores aos vencidos:
'Depois que quiz o Tadre omnipotente
'Dar os ikeys inimigos por maridos,
Âs duas illu fíriffim^ s Ingltz^as ,
Cernis jfermojas jinclttas princezas^
Ai^ duas] ilhjlrtjjimas Ingletati Dom Joaõ de
Alencaílre filho d^EURey Dom Duarre,o quar-
to de Inglaterra , teve da Duquera íua moiher
duas filhas , Dona Ifabel , que foy calada com
Wonfíeur Joaó Conde de Jelanda , & Dona Fhe-
lippa , que calou com El-Rey Dom Joaõ o pri-
iTieyro de boa memoria , de que himcs trattando.
Depois da morte da Duqueza Tua moiher cafou
com humafenhora chamada Dona Conftança, fi-
Jhad'El-Rey Dom Fedro de Caflella , à qual o
Reyno pertencia por morte d^iil-Rey : pelo que
o Doque,fal]eciJo El-Rey Dom Pedrotcom aju-
da d^El-Rey Dom Joaõ de Portugal , fez muyta
guerra a Caltclla , tomou muytos lugares , & lhe
fez muytos danos , atè que houve concertos , os
quâesforaó,que El-Rey calafle leu filha o Prin-
cipe Dom Henrique hcrdeyro de Caífella com
Dona Catherina , filha do Duque , 6c de Dona
Conllança, Feytos elles concertos com algumas
condições ,,que as Chronicas trattáo , ccílaraõ as
guerras.
NÂÕfofre o ^eyto forte ufado à guerra,
NaÕ ter imtge jà a quem faça dano^
E affi naô tendo ^a quem vencer na íerra,^
Vay cometer as ondas do Occeano'.
Ejte he oprimeyro Rey^que fè deflerra
^Dafatrta^por fazer ^que o Africano^
Conheça pelas armas ^quando excede
jl Ity de Çhrijlo à ley de Mafamede.
Vay cometer as ondas do OíM»tf,Dcpois que ccíla-
raô as guerras de Caftella , não podendo El-Rey
cftar otiolb , determinou paflar em Africa contra
S^ M.~~^^l !Í? í^?'" ^^^> *^' quaes tomou acjuella
^àrfol
tão excellente ; & itrporjante Cidade de CeutaJ
chavcdetodaHerpanha,huma veiperadcNolk
Scnnorade Agoílodci4i4. Oulcgundo ouuos
querem a vmte 6c húdouitomczdoannodc 1415.
que hc o níais certo.
45>
Eh mil nadantes aves peio argento
Dafuriofa Thetts inquieta,
abrindo as pandas azas vaó ao vtnto^
^ara onde /ikidtspoz a extrema meia:
O r/i otite Àbylaj/ò" o nobre fundamento
De Ceyta toma^ÍÍ> o torpe Mahometa^
Deytajóra^ &Jegura toda E/panha^
\lJa 'Juliana ma^^ áejíeai manha,
, Eis mil naãantís aves feio argento» Uia nefta oy-
lava de algumas palavras meiaphoricas , como he
chamar as nãos aves 1 6í as aguas argento por le-
rem brancas , conioa prata , a que os L,aiinoscha-
nyàoargentuw.E. às vellaidas naos alas paudas,alks
largas,6c cllendidas.
Da furto fa Ihettt» Thctis he Deofa do marjfe tt*
ma aqm pelo meln)o mar.
Paraênde ^Ictdtipoz a extrema wpfa. Alcides cha-
mão i s Pocias áJHcrculcsde leu avo Alceo» £x-
trema meta. A derradeyra columna, a qual poz em
Ceuta , para o qual lugar os Portuguezcs encami-
nharão lua armada. Das cciumPias de Herculcí
íe vcjaa roUaannoiaçaó canto j.oytava 18.
Da luUana rf.â,& 4ejleal manha» t.omo Ceuta hl
fronieyia oc Helpawha faziáo dalli os M«ufod(
granoes danes ntlla , os quaes ccllârdó depois que
El-Rcy Dom Joaólhaiomou. Dizqueficou le*
gu rada manha mà, Sc desleal , porque por Ceuta
mtieo os Mouros em Helpanha, aquelle mao , 6C
desleal Hclpanhol oConde Dom Juliaõ , que foy
caula de le j crderem as Helpanhas em tempo
d'E]-Rey DoH) Rodngo ultimo dosGodus,co2
mo diíiemos atrás no canto tercey ro.
N^Õ confentio a mor te tafJtos annofi
^le deHtroetão ditofofe logralfe
V^or tu galernas os coros jcberanos
Do teofupremo quiz quepovoajjei
Mas para defenfub dos Lufitáfios,
Deyxou quem o íe^ou^quem govtrnaffe^
B aumentajje a tetra mais que d^antes^
Inc/itageraçaõjaltos Infantes.
tíeroetaõâitofo. Hcroe he palavra Grcga,íigní*
fira Icnhor excellente. Chámaó heroes aquelle*
que ainda que viváo nas terras, merecem por luas
partes eftar nos Ccos. ^^
Mas 01 coros feheranôs do Ceo fupremo, Fallecr» ■■
cftctclicifliíBo key cm Lisboa vtípcrade Nor»
- ^ '^ Sc-
Lufiadas âe Ltih âe
Senhora de A^oílo , de mil quatrocentos & trinta
&tr€sannos, &he para notar , que venceoalil-
Rey dcCaítella vefpcra de Noíla Senhora da Al-
íumpçáoaquatorzc de Agotto , Ôcemodtfo tal
dia tomou Ceuta aos Mouros, 8c em outro tal fal-
Jeceo, que parece a glonola, Virgem deq«emelle
I era mayco devoto haver permitcido, 6c querido
lhe íuccedeílem citas coulas em hum leu taó fma-
iadojôc gloriofo dia. E affirma-íe que no dia de lua
iiiorce foy o Sol eccly piado»
Alto\ tnfantet. Porque teve quatro filhos legí-
timos, Dom Duarte, Dom Henrique^ Domjoaó,
Dom Fernando , Sc Dom Pedro Aftonfo baftar-
51
NAõfoy do Rey Duarte taÕ ditofb
O t empo ^que ficou najummaalteza^
^e affivay alternando o tempo ircfit
O bem CO o mal o gofio co a tVífleza:
^em viojempre hum e fiado deleytofò?
Ou quem vio em fortuna haver firmeza^
^ois inda nefie Reyno,& nefie Rey^
' ^aÕ ufiou ella tanto de fia ley.
w
Nííp [oy do Rey Duarte tão ditêjoo tempo. Depoiâ
da morte d^El-Rey Dom Joaó foy levantado
por Rey feu filho mayor o Infante Dom Duarte,
jquefoy opnmeyrodclte nome , 6c undécimo dos
.ReysdcPortugal.em Lisboa , aos quinze dias de
lAgofto, de mil quatrocentos trinta & três , 6c fen-
do de idade de quarenta 6c dous annos , reynou
cinco lomente, os quaes, como diz o Poeta, f oraõ
aguados com muytos trabalhos, 6cdergoílos,por-
que neíle R.ey no houve grande peíle , de que di-
2em El-Rey talleceo emThomar a nove deSe-
tembp,de mil quatrocentos 6c tnnta6coyto.^
V lo fer cativo o fanto Irmão Fernando^
^e a tão altas empreías afpiravuy
^lepor faluar opovomifierando.
Cercado ao Sarraceno fe entregava'.
Só por amor da 'Pátria efià p afiando
yi' vida de fenhora feyta efcra va,
^w não/e dar por elle a forte Ceiíta^
Mais o publico hemique o feu rejpeyta,
Vhftrcattivo o fanto irmão Fernandoi Alem dos
trabalhos do Keyno , de que falíamos atrás, lobrc-
•veyo^utro mayor, quefoy o defeílrado Tuceflo
lio cerco de Tãngere , o qual os Infantes Dom
Fernando, 6c Dom Henrique quiferaó fazer a pe-
lar de todo Portugnl.E aflim lhe luccedeo de nm-
doqueo infame Dom Fernando ficou em Africa,
porque retirados da Cidade de Tangere , qucti-
•nhaó cercada , foray dles cctc.idos pelos M^ures.
Camões Comnentados] 1 2 9
E vendo o Infante Dorn Fernando o perigo cm
queeftavâo,6cquenáo erapoílivc! efcapar,iedca
elle em reféns, com condição de lhe dar Ceuta , 6c
todos os Mouros que houvefie cattivos em Por-
tugal , o quenáo pareccobem a Porcu^^al , nem o
Intanre o confentio , antes foy de contrario pare-
cer, porque quiz antes morrer cm hum tão vil, &
bayxo eitado de cattivo , que darle Ceuta aos
Mouros , por ler a chave , 6c íegurança de Helpa-
nha.
Si
CÒdrOjporque o inimigo não vence ffe^
T)eyxou antes vencer da morte a Vídaj
Regulo porque a 'Pátria não perdeffe^
^uiz antes a Ubadade ver perdida:
Elie ^porque fe Efpanha não temefie^
A catíveyro eterno fe convidai
"Cedro inemCurcio^ouvidoporef^antOi
JMem os 'Deãos leaesfi^erào tanto.
Cedro forque o inimigo não vémtjje. Trás alguns
exemplos de antigos , que por falvar luas patriaS
pei tkraó ás vidas. Codro Rey dos Atheníeníes cnt
kuma guerra, que tinha com os Lacedemoniosi
labendodos oráculos , queaquelle exercito havia
de vencer, cujo rey niorrelle na batalha, fe veítia
em trajo de particular , 6c delta maneyra metido
entre os inimigos o matâraó , 6c aílim com fua
morte ficou o leu exercito vencedor. Marco Atti-
lio Regulo Coniul Romano venceo muytasve*
zesosCarthagineníes , vcyo depois a ler vencido
delies , 6c eílando em Cai thago cattivo, foy man-
dado a Roma fobreque fe déllem os cattivos Car-
thaginenfes por elle. O qual foy de parecer que a
tal troca lenáo fizeíle , pelo que tornado á Car^
thago,foy cruchuente morto.
i^orijue a patuá nã^ptrdejje. Porque Roma não
fícaílecom quebra , porque elle era velho , 6c os
Carrhaginenfes cativos mancebos , 6c que lerviâo
para a guerra.
Nem Curcio ouvido per efpanto, Eicrcve Titolí-
vio na primeyra DecaJa , que âo tempo que oá
Romanos tinhaó guerra com ofHcrnicos , appa-
rcccc lubitamcnteiia praça de Roma huma muy-
to grande abertura , a qual os Romanos nunca
poderão ferrai jantes quanto eilcs mais o procurá-
vaó, tanto ella mais íe abria-. Conlultado o Ora«
cuío,rerpondeo,que aquella abertura queria den-
tro em fi aquillo , com que Rou)a era mais pode»
roía. E como neíle cafo variaílcm os Romanos, 6c
nenhum íoubeflc dar no entendimento da repol-
ta. Curcio os reptendéo mijyio aípcramente, noi
tando-os de fraco juizo,6c dizciído que homens, 6c
armas fiziaõa Republica Romana muy poderola,
6c qucallim íe haviaó de tnitncier ns palavras do
Olaculo; ptílo que le armou,6c porto a cavalio, íe
lançou muyto alvoroçado dcnrro naqiiella aber-
tuiaja qual Ici^o íc fcir&u.E defta maneyra ficáraq
1^0 Canto ^ar to,
©s Romanos deíafibrubrados doniedojquc tinhaò Gretia. Entre outras coufas nomeadas, que na vi-
portiuina ráo grande novidade. daHercuiesíez, humaíoy matar hum dragaô, que
I^ewoi Dícm Itaet fiíceraS tanto.í^oríiòáoustpíiyt as Helpcndas íilhas d"Ll-Rey Hcfpero tinhaó
íilho,eíles le lacrifacáraô por lua pátria. Eílc ia- por guarda de hunra horta, aonde o fruy to das *r-
w- - , .„..,..^^„, j <í, . _ vores era de ouro. Eíla horta dizem foy na Berbé-
ria , aonde El-Rcy Dom Affonlo tomou trcs lu-
gares aos Mouros, Alcaccre, Arzilla , & Tangcre:
ArziUa, Ôc Tangcre «m 24, de Agoílo de mil qua-
trocentos tií Icienta^: hum , Alcaccre íeguerem
dezoytode Outubro de quatrocentos cincoenia
5c oyto.
JSIafronti a palma luva^ é^ o vtrde hur». Pop fíftc^
termos moítr a , como El-Rey Dom Aífo«loan-
•crificio le taziatm tempo de grande aperto»&: tra-
balho , & era deíla mancyra : o que le havia de la-
xrvíicar Tc armava , Si poítoa cavallo dizia certas
palavras , & tazia certas cerimonias , 2c acabado
lílo fc metia pelejando valeroliílimamcnce entre
os inimigos , Ôí dcfta mancyra acabava. Eftaera
entre os Romanos a roais honrada morte, que le
podia haver , & aos que morriaõ deíla maneyra
íe faziáo todas as honras , ôceráo tidos por bem-
^■Gnturacios,Ôí: para delles haver perpetua mcmo-
Tia íc iheiuvanuváo grandes eltatuas.
dava vittoriolb nas partes de Africa. Porcjuc a
palniasSíolouro laó iníignias de vittoria.
54
MJs Ajfonfo do Reyno mico herdeyro,
t^Nome em armas dito {o tmnoJJaEjpe^
^te a/oherba do barhâYofronteyrOy na)
7 ornou em hayxa» & bum í /Uma rnijeria:
Fora por certo invíto cavaleyro^
^efiaó quizera tr ver a terra Ibéria^
jVlas /Ifrtcadtrà jcr impodivelj
Woder nmguem vencer o Rey terrível,
Maí A^cnÇo eh Reyno único herdejro. Depois da
morte d-^El-Rey Dom Duarte foy levantado por
Rey em Thomar leu filho Dom Altonlo o quin-
ío deite mome, Sc duodécimo dos Kcys de Portu-
gal.E por fer de íeis annos, íómente ao tempo que
«[levantarão por Rey governou em leu. lug,ar o
Intaute Dom Pedro fcu tio. Fcy eíte Rey muyto
beniafojtunado , como faião os n aisdo melmo
name , pelo que ihc charaa o Poet.-í^noiíie err> ai>
mas ditolo em noíla Heíperia. Helperia he Hel-
panha. Vejaíca noílaannwaçâo nolcgundocan-
io.oytava 10. \
Se não ^tfira ir ver\a terra. Iberia.Tcrrz Ibéria he
o Reyno de Aragaó, chamado afiim do Rio Ibero,
que vulgarmente k chama Hebro > queorcga.
'ionu-lc por roda Htl} anha»
EStepôde colher as maças de ouro ^
^e fomente o Thjrinthlo colher ^odeí
S^ojugo que ellepoz ao bravo Mouro ^
A ceri^tz inda agora naÕ facódr.
Na fronte a palma levafà' o verde louro
*I)as vit tonas do barbar o^que acode
A defender Alcácer, forte Vi lia,
latjgerpopulofa,& o dura Arzilla,
Efli^^fodt cslher as maçit d^our»,efue fomenU o Thf-
rititto colher pode. Thyiintio chamaó os Poetas a
Hércules por razáo dcfThyrmtia l.na pátria cm
POrêm e lias em fim por força entradail
Os muros abayxãraõde diamante^
As Vçrtuguezas forças coflumadar^
A derrubarem quanto ac hão diante.
Maravilhas em armas ejiremadas%
E de efcrttura dignas elegante y
Fízêraò cavalelyros nefa. emprefa^
Mais ajfnando ajá^mu^ortuguezA,
0$ muros ahayxàrao de diamantt. Muros de dia^jj
n^antelaó muros fortes,qual heodiamantc,tcrniO'.
et fallar, de que os Poetas ufaó para cncarecimen-^ •
to de coula muyto dura, Veja-le anoíla aiinoca»..]
çáo no legundo canto, oytava^4. i\
57
POrém de spois ^tocado de amhiçãú,
E gloria de mandar amara.y& bella'^
Vay cometer Fernando de Ar agrão^
Sobre o potente Reyno de Cajtella:
Ajuntafe a mimiga multidão
^ãs Joberbas ^ét varias gentes de Uai
^Defde Cadtz, ao alta TirineQ^
^e tudo ao Rey Fernando obedeceo.
i
l^ay eowtur ternênÀo de Aragão. Para fe iílo c íl-
tender, henecefiario eicrcver mais algumas )fe-
gras , ainda que fcja contra a brevidade prom ct-
tida.EURey Dom Henrique o quarto defte no-
me de Caílellafoy calado primcyra vez com hu-
ma Dona Branca , filha d^EURey Dom Jonô de
Navarra fcu tio:da qual Senhora, havendo já trc ^
ánnosqueeraó cafados , ie apartou por aiuhori»;
dadc do Papa Nicolao Quinto , per ler tida por
cíienl,&: logo Ic calou com a Infante Doua Joan^
naíiiha do Infante Dom Duarte de Porr.ugal ,ôC
iamá deíf c Rey Dom AíFonfo.de que himos trac*
tando. Houve defta Senhora huií^a fir/ia, a quem
foypoílo omcímciioaicdeluaí/iúy -, a qual lhe
iiace
I
1
íiufitdas dè Luh de Cat^oes Commentad^s^
íi*ceohavetiJo já cinco annos que eraó cafados.
E porque havia praguentos, qucfillávaó netèc
calo coMtra a honra Cl^£l-Key Docn Henrique,
diieaJo queaquella Senhora não era lua falna.si-
lefcii corceá,:^ pírance codjs os Senhores do i<cy-
110 declarou ler a Infante Dona Joanna lua Hifta
Jegiaai4,herdeyra,Sc lucceflbrados Icus Reynos.
li por tal a fci logo iarar:ik:airiin o tornou â rati»
íicar v^o leu teltameato. Morto tLl-Rey Dom
Henrique, Dom Fernando Hlho d^iil.Rcy Dom
»^t
Deita arte foy vencido Oãdviáu». Compara o luci
cellb delta i^ucrra ao de Uctaviano,Ôí Marco An-,
tonio contra os matadores de Julio Gelar , quuii-
dn pelejando nos campos Phihpicos foy Uctavii
no vencido, ficando Marco António de fua partt
vencedor, como conta Appiano, aonde elcicvc a.
Cidade l-* hl li ppos , em cujascampos foy aqucUa
batalha cncre Celar.ÔC Pompeyotáo celebrada en«
tre os l?.Jcnttores,6c cita entre Octaviano,ík: Már-
cio Antoiíio contra Bruto,Callio, Òc outros cons.
]<i»aó de Aragaó íc cafou com Dona llabel tia da jurados. Donde diz Virgílio nas Gcorgicas hv.u
Infante Dona Joanna ir.ná de leu pay , ôctoaiou ,
pcrtVe do Reyno , dizendo que Dona Joanna não Ergo inter fefe parihus concurrerc telit
«ra legitima , o que foy caula de muy tas guerias, RumatMi aetti ittrnm vidert Pbtltpfu
& enfada -nentos entre o nolib Rey Doa\ Agonio, *
& Dom Fernando de Aragáo,como o noffoPoeu Trattando da batalha » que houv^e entre Ofta-
«qui aponta. ^ viano,Sc osquematàraó aJuHoCelarrAÍIim quea
De/de Cadiz,' ate à alto Perintt, Neílas palavras Cidade dePhilippos vio outra vez os exerci toWo-
comprehende o Poeta as partes aonde vieraó e.n manos encontrarle comas mcímas armas > £c diz
ajuda d^El-Rey Doai Fernando , que laó as ter-
ras rodas de Hefpanha poifas entre eílcs dous cer-
minosiaCidadc de Cadiz no eíèrey to de Gibalc4r>
6c os montes Pcnneos , que a dividem de Franja.
N/ío quiz ficar nos keynos ociofò
O mancebo Joanne,^ logo ordena
*Í)e tr ajudar opay ambtciofh^
^le então ihefuy ajuda^não peífuenai
Hahto/e em fim do trance per tgofi)
Comjronte não tmbada^mas ferena^
'DesOar atado opay {angumo tento ^
Mas ficou duviâo/o o vencimento.
outra vei , pelo que antes tinha iucccdido ciure
Ccíar,vk l^ompcyo.
POrèm defpois que a *fcura noyte eterna^
Affonfo apojentou no Ceo/èreno,
O 'Frtncepe^que o Reyno então governa ^
Foy J oanne J egundoy^ Rey trezeno:
Ejte por haver famafempttetna.
Mais dt que tentar pôde homem terreno ^
Ttiíttu que foy bu/car da roxa Aurora
Os términos, que eu vou bu/c ando agora.
Forem defpoit <júe à efcura hoyte eterna. Por fale-
cimento d^lil-Rcy Dom AíFonfo foy levantado
por Rey Dom Joaó leu filho herdeyro Geltcs
n— „-t !-..««* n P-.-rt^.v- TS t - rii . Reynos, lesundo deílc nome ) decimo tercevro
O mancebo hanne. vj rnncipc Dom Toaõfi hò 4 ij P, j j j j j ..• .. «, r
d^EI.Rcy Dom Affonfo. o qual acompínhou fcu "^'a l'?^: a r '""°'-
paynefta jornada ^ F o u í^ite dekjolodeacrecentar ,
DtiharatAdtopay. Porque em Craíto queymadó
houve grande batalha entre Êl-Key Dom Afíon-
fôde Portugal , & Dom Fernando de Aragaó na
qiial eíles Reys foraó cada hum para fua parte, 6c
íi Infante ficou no campo , como fe diz na oytava
Vegvinte. Chama a li,l-Rey Dom AfFonfo ambi-
cioCojSt fanguinolcnco , pela ambição de haver o
Keyno , ôc por efte rcípey to haver tantas mortes.
POrqueofi/ho/ublímey'^ /oberano,
GenttLfíiftetantmofò cavalieyro.
Nos contrários fazendo tmmenjo dano^
Todo hum dia ficou no campo hiteyro:
*X)efla arte foy vencido O^aviano^
E António vencedor feu companhem^
isolando daquelles^^ue a Cefar matarão^
Nos Thtlí^tcifs cambos [e vtngàt ão^
)olo de acrecentar , & ennobrecer o leu
Rey no , profeguio o delcobrimento da Conquifta
de Gume , que icus anteceflorcs tinhaõ começa-
do , parecendolhequé por cita via dcfcobriria as
terras do Pi-eíte Joaó , de que tinha fama , & que
tanto delcjava conhecer, para ver Ic por eíte meyo
podia entrar na lndia,cujo defcobrimcnto pretcn-
dia,como aqui diz o Poeta.
Oi termtnoí da roxa surora. Os términos do Ori^
ente, como muytas vezes temos declarado.
^ueeu vou bufcando a^flro.líliodizo Poeta, por4
que o alvo a que cllc ncltc livro tira hc crattar da»
coufas da Índia.
6t
M4fjdá fcis companheyroSyque pãjjarã9
Efpanha^Frànça , Itália celebrada^
E la no iiluflre prirto/e embarcarão.
Onde jâfoy ^fartenope enterrada:
jSlapoles.onde os fados fe moftràrão^
Fazendo a varia gente Jobjugada^
fíjlii Canto Ç^ârto\
^Jfaraa ilhtflrarnõfimâe tantos annos^ que diz fe engrandecem com a morte de Pom^
CoíenhoYío de mclytos Htfpams. F'^)"^ Mag^-»- , ^^
"* VãaaMcmphu, Memphishehojeo Cayro. AI«
Adsndafeui menfagejireiy^tK pajjdrao. Efte defcu- gunír querem que Mcmphis cílivelíc da outra ban-
brimentode que au ás falíamos , continuou por da dono defronte do lugar aonde agora he o
wandadod'^Ei-Rey Domjoaó hum Berthoiameu Cayro,^ que delia náo haja mais que o nome. O
Dias, que fora Almoxaritedos Aluiazens de Lií- nollo Gamões quer que íèja Mcmphis o Cayro
boa,o qual defcubrio aqueile grande,&í cipantofo por ler opinião com nmy to fundamento,
cabo dos Antigos não conhecido , a que agora E «i terras tjueje regai das enchentei NUoticat un*
chamamos de boa Efperança , & paíiou avante </<»/»>. As terras de ÍLgypto,que íe regaò com o cre-
cimento do rio Nilo. Vqa-ie o qelcrevercmosno
canto decimo.
Sobem a Eãtiofia fobre Egypto. Efta he a terra dos
Abexins, lu^cytosaoPrclteJoaó, ^Chriíláos,
como aqui diz o Poeta,
<í5
<:ento ^ quarenta léguas , até o no do Infante,
aonde fem outra nova, nem conhecimento le tor-
nou para Portugal. Depois deterEl-lley man-
dado eíle Berthoiameu Dias. por mar , mandou
por terra hum Religiofo por nome Frey António
de Lisboa, com hum leygoem fua companhia, os
Quaes naõ pallàraõ de Hieruíalcm. Depois deites
manifou dous criados feua Affonío de Pay va , &
Ptdro de Covilhã,com os quacs linha côHança: o
t^ue entende netfas palavras: Manda íeus menfa- _
gf yros. Os quaes dclpachou em Santarém a íettc '^^IJ^^^de I/maelcom 'o 'nomeormui
deMavodo annodei487. Eltandoprcíente Ei- ^ ,, j í ç lé
Rey Dom Manoel , que naquell. tempo ^ra Du- ^' ''J^^' odortferas Sabias,
que de Beja. Embarcaraô-le dia de S.Joaó BaptiU
ta do dito anno na Cidade de Nápoles , chamadn
antiguamente Parthenope , como fica declarado
no terceyro canto^oytava 19.
Faz.endo a varias gintes fojugaãa. Iflo diz,porquc
depois de Nápoles conhecer muytos Senhorcs.S:
fer mandada àt muytos, veyo no fim a ler de Hel-
P^ljãõ também as ondas Erythrêas,
^e o povo de Ifraelfem naopaffon^
Fkaõlhe atraz as Jerras Nabathéas^
Mite a mãy do bello Adónis tanto honrou^
Cercão com toda Arábia defcuherta
Felizi^ deyxando a Tetreai& a "De/erta,
panhots, como trattàmos no Ifgtjr alk-gado.
til
PE lo' mar alto Siculo nave^ãoj
Vãofe àspayas de Rhndes arenofas^
E dallt às Ytbeyras altas ibegao,
^e CO a morte de Magno làof amo/as:
p ao a Menphis^^ às terras ^quejí rega»
^as enchentes Nilotlcas undo/as,
iõbem a Ethioptafobre EgyptOi
^e de Chrifto la guarda o Janto rito^
TeWmar alto Siculo n^avegao. Mar Siculo, mar de
Sicilia, chamado aflim de Siculo Senhor delia.
. Vao{e âi frayat de Rbodes anncfãi. Rhodes he hu-
ma ilha do marCarpathio, que lerá cento & ti inta
milhas de circuito, como dizPlinio. Foy aiTento
dos Cavallcyros de S.Joaó. Hoje he pofluhida dos
Turcos , porque Solymao Graó Turco a tomou
no anno de mil quinhentos vinte 6c trcs , no mez
de Dezembro , havendo féis mezes que a tinha
cercada. Pelo que o Collegio dos Cavallcyros de
S.Joaó rcfide hoje cm Malta , que o Emperador
Carlos quinto lhe deu.
E ddli «áj ribefraí altas thegao , ^ue co^ a mor'
te de Magno faõ famòfat. E^ílâs faõ as Ribey-
ras de Alexandria.em cuja praya foy morto Pom-
pcyo, como trattâmcs no canto 3,oy taya 71. pelo ^e cau/a ainda fera de la)'ga htjloria^
LO
1
Vafjão também as Ondas Erythreas. Ondas Ery-
threas faó as aguas do mar roxo , o qual le chama
Erythreodonome de hum Rey, quegovernouBI
aquellas partes. Da cor deíVe mar , ôc a razaó por-*'
que as aguas parecem vermelhas, trattey no canto
legundo , oytava 49. Por efte mar roxo paílbu
povo de Ifrael a pè enxuto fugindo de Pharaó ,
qual com toda fua gente le afogou , como ie con-
ta no Êxodo. Sobre efta paílagem dos filhos de
Ifrael ie veja a nofla annotaçaó no canto decimo.
Oí/orji/er^i.Ghcyroías.O que o Poeta quer moí-
trar he , que eftes dous Portuguezes chegarão a
hum lugar chamado Toro , que eftâ perto do
monte Synai , no qual eftâ fepultado o Corpo da
Bemaventurada Santa Catherina , & que Jhe fi-
cava atrás a cofta de Arábia P etrea:a que elle cha-
ma ferras Nabatheas^como diflemos no primeyro
canto oytava 84.
^m a mãj do bello Ad»ms tanto honrou. A mây do
bello Adónis foy Myrrha , a qual como conta
Ovidio nas Metamorphofcs foy convertida em
arvore do leu nome,&: por aqui haver muy ta , Sc
muyto encenfo,chama aefta terra odorifeia.
I>4
EI\ítaÕ no EJlreyto Terftco onde dtira^
T)a confufa Babel Jnda a memoria:
Alli CO Tigre o Enfartes fe mtjturaj
^ie as fontes onde nafcem tem for gloria:
^Jalli^ão em demandai da agoapnray
T)é
Lufiaàas de Lms de
ÍZ>£? Indo apelas mdasdoOcceano^
Offde na$ fe atreveo paSarTrajano,
Entrão m ejirepa Pttficet tnds dttríi dã çanfafa B»*
hl tnda a mimaria» Os Gcograpbos chamaó eílr ey,
todaPcríia, aoquePlutarcbo na vida dcLicurT
go chama mar de Bahylonia, que he a razaó por,
que o Poeta diz que dura ainda a memoria , da
tontufa Babel; porque le chama mar de Babylo»
»ia. He huma enleada entre Períia » Hí ikra«-
bia. Chamaólhe os Latinos Sinus Per/Ucus fre*
tHt» Perficum, enleada da Períia , eítreyto Períico;
por ler aqucUa terra, quccae da bmda de fiíiihin.
l-'elas laboas vemos que ie chama hoje E,iiatiph, 6c
Meltdim. Osnolios lhe chamaó cítreyto de Ba-
fora*
^llf CO Tjfgre o Eufrates fe mifluray ^ue ãifontei ««-
denacem ttmfw ilorta. Eíiesdous nos Tygris, 8c
Eufrates íacm do Parayío Terreal , como conlU
do Gcncíis,&; o Poeta moílrajdizendo: que a fon-
te donde nacemtem por gloria, que Icjaclaõ , &
prdaõ do lugar donde procedem , que he o Pa-
raylo terreal : os quaes andando por differentes
partes le vem ajuntar neífe cítreyrode Boçarà,
como diz aqui o Foeta.
D*aUi vaò tm demanda da agua purayCfue catifa ain-
da [erd de larga ht/lorta. Deite eífreyto diz o Poeta,
que foraó bufcar a agua pura do no Indo , que
atraveliaa lndia,o qual diz fera cauía da larga Hií-
loria, pclodefcubninenco, & conquilta'dos Por-
luguezes naquellas partes.A verdade he.que elles
.dous homens foraó ao Cayro , & dahi a Toro em
companhia de Mouros de TrcmeOcm, & Fez.que
pafláraó a Adem, &; daqui por ler tempo de nave-
gação le apartarão. Afto<ifo de Pay va leguio a via
dcEthiopia, & Pedro de Covilhã da índia , do§
quaes nenhum tornou a effa terra: porque Affon*
lo de Tay va morrea no Cayro, & Pedro de Covi-
Ihá na Corte do Prelie.
Ondefe nao atnvea paj/ar Irajana. Efte Empera-
dor fugeytou todas as Cidades que eltaó aquém,
í^cálcm dos rios Tygris,ÔcEufratcs,Ôc daqui nave-
gando pelo mar Períico fahio ao Oceano conquif-
.jando até a Índia , mas não entrou ne!Ia, como ef-
creveraos nocanco i.oytava 3.
Vlraõ gentes íncôgntias, ^ éfíranhas,
'Dalndta.de Carmania.iêQedrofiay
Vendo vários a>ji ume sovarias manhas,
^ue cada Regiae produzia' cria:
Mas de vias t ao a fp eras ^t amanhas^
Tornar (e facilmente naõpodta^
Lã morrerão em fim, ^ lâ ficar aõ
í^ie ã defejada pátria md tornarão.
^ViraÕgfntes incognitai» Conta aqui o Poeta,co-no
€Ílcs dous Portuguç2«s mandados por fit-K<y-
C^m^s Cr,j77mentadõsl i^^
Dom Jçaô buicar ai terras do Prefte , 6c da índia,
ucpois que vtraô m!4yÇí^5 tçrvíS , ^. ncllas grandes
variedades, & differenças de gentes , & coltumes,
icabàraô Itusdsas lem tornara Portugal.
Da Inítioí^d» Carmanta^i^ Gedrofia. Por Índia en-
tendem as Geographos propriamente a terra que
jaz entre os dous illuíbes,^: celebrados rios Indo,
& Ganges. Hi nelta regiaò muytas variedades de
gemes, repartidas em differentes Reynos,^ Eífa-
Uos , os quaes ainda que íejaó todos , ou idolatras
Gentios , ou Mouros da leytade Maíamcde , tem
entre li tanta variedade de ritos, & coltumes, que
leria largo contalos. Carmania, 6c Gcdrolia laó
partes da lndia,hojclcchamão ]Slaríingu,5c Cam-
baya.
CG
I^y Arece^quc guardava o cUro Ceo
. y^ Manoíijè Jeus merecimentos i
Efta empreja tam ardua^que o moveo^
jí lubidoSi& illujires movimentosi
Manoel ^que a Joanne fuccedeo
No Reyn0i& nos altivos pen/àmentos:
Logo como tomou do Reyno o cargo^
Tomou mais a conquijia do mar largo,
"Parece ifut guardava o claro Ceo. Fallecido EK
Rey Dom joaó íem hcrdeyro, fuccedeo no Rey-
no Dom Danocl Duque de Beja ftu primo coia
irmaó, ao qual por direy to pertencia , ScaíTimo
deyxava declarado cm leu teítamento. Foy le-
vantado por Rey em Alcaceredo lai , a vinte &
lete de Outubro do anno de 1495. íendo de vinte
& íeis annos, quatro mezes,& leis dias. li porque
com eílcs Keynos herdava também o profegui-
mentode tão alta emprefa, como ftusantecello-
res tinhaó começado,que era o defcubrimento, Sc
Conquiíla da índia , que El-Rey Dom Joaõ em
feu tempo tanto dcfejou . nunca cuydava , nem
prancavai em outra couía,comoo Poeta diznaoy-
tava íeguirate, confultando muytas vezes com os
Príncipes de (cu Reyno , dos quaes muytos craõ
de contrario parecer. Mas como elle o deíejava
muy to,&€ficcndia ler obrigação fua, determinou
poia eui execução. Para o qual mandou Vulco
da Gama por Capitão mpr de huma armada de
quatro velas o qual partio de Lisboa hum Sab-
bado oyto de Julho do anno de mil quatrocciuos
noventa 8c íete.
O^ua/,romndo nohepeníamento
*Daquella obrigação ^que lhe ficara
'De [eus auttfajf^dòsjcujo intento
Foy /empre acii/antar atarracara.
Não deyxajjejde f.er hum/ó momento
QonqHijfadQ^no tempo^queã Ihz> clara
Fog^i
Foge^ K as eprelías fí}íiííaSjquefaem%
trepou/ò convidão ^quando caem,
fio tempo ejue a luz, clara foge. Finge o Poeta que
«ftando El-Key Dom Manoel em íua cama dor-
ípindo , lhe apparecéraõ entre lonhos aquelles
dous taó celebres,6c nomeados rios Ganges, Sc hi'
do , avifandolhe mandafle logo pór em ordem o
defcubrimcnto da Índia , da qual fcn» falta leria
Senhor , ainda que fua Conquilta cuílaria muy to.
£ <3j EjlrelUi nitidat (jut (aem a repou/o c«nvtdaô^
guando caem. Poreftas palavras dá a enttnder.q era
alta noy te a imitação de Virgílio na Eneida hv.i i.
í ! Etjam nox húmida CaU
Traciptat ,(uadent<^m cétdtntia fydtra (òmnti.
Quando Eneas t, pordargoftoa Raynhn Dido,
ainda que contra o leu, determinou contarlhe,jà
alta noy te, adeftruhiçáo de Troya, & já a húmida
noyte,'diz Eneas, cae do Ceo,&:as Eílrellasquc
caemobngaóa dormir, Schaíc de entender, quê
era contra a n)adrugada , porque então o ar he
mais humido,& as Elirellas parecem que le pocm»
ráo íe pondo, nem caindo, mas chegando mais com
leu curlo para a parte do Poente. Mas o mais certo
lic,l{r*ifl;o no principio da noyte: como o Poeta o
diz claramente.
St ando jà deytado noaureo leytó.
Onde tmigmações mats certas fag^
lievolvendo contino no conceyto^
1>ejeu offcio^têfangue a obrigação:
Oi olhos ihe occupou ojono aceyto.
Sem ihe de/ocufarocoração.
Ter que tanto que /a/fo/è adormej/e^
Morfeoem var tas formas lhe ap^arecel
Morfheo em varias fèrmai Ibt \âfareci» Morpheo,
dizem os Poetas que be filho do fono > chamado
aífim de uiorphi palavra Grega , que quer dizer
figura, pelas muytas que faz aparecer aos que dor-
inem>como diz Ovídio nas Metamorplioics liv*i i.
A^ui/e lhe aprefenta^quefubU
Tão alto ^que tocava a prima Esfera^
< ^onde diante vários mundos via.
Nações de muyta gente eftranha&fí ra:
E Id bem junto donde nafce o dia^
depois que os olhos longos eftendera^
Vio d* antigos^ longínquos ^ & altos montes
Nafcerem duas claras j& altas fontes,
A<^ui ft lhe aprefenta cjue fuhia, Parccialhe que
chegava á primeyra elphera , que hç o pnmcyro
Canto Suartol '
Ceo,aonde eftá a luâ,& que daqui dcfcubríagrârt-
des mundos , & varias Nações de gentes , &: qud
notadas cftas coufas vio nas partes do Oriente
duas fontes muy to claras , em huns muyto gran*»
dci,& defviados m( ntes , donde nalciáodous rios
muyto grandes , Indo, & Ganges: os quaes ainda
^ue arrebentem íobre a terra apaitado hum d»
outro nos monccs,a que Ptolomeo chama Imao,Sc
es Habiiadcnsdelies Daianquer ,& Nangracot,
faó eítes montes tão pegados hum com outro,quc
quaíi querem cfcondcras tontes deites deus no ,
íi Icgundo dizem os Gentios comarcãos , parece
que ambos naccra de hum mefmo lugar.
AFes agrejiesi feras alimárias j
Telo monte Jelvatico habitavao'
Mtl arvores fylvejlresy& hervas varias,
Opaffo^^ o trato às gentes atalhavah
Efias duras montanhas adverf árias ^
iJe mais convtrfaçaò porJimiJiravaSt
'^e defque Adaõpeccou aos noffos annos^
NaÕ as romp èraõ nunca pés humanos*
Aves agrefies, Deícrevc oíitiodeftes montcsj 8e
a gente de que faó habitados , que laô Aves Syl-
veílrcs, bellas feras , ík grandes matos, que eílor-
vaó o tratto,& communicaçáo dos horacns neilas
partes, os quaes cíláo de maneyra que defdequí
pecou Adam até noíios tempos nào 1« enxcr^aj
haver entrado homem nelles*
DAs agoas fe lhe antolha^que fahiaÒ%
Tara elle os largos paffos inclinando
^ous homens, que muy velhos parecíão%
'De aJpeytOjWda que agrefte^venerande;
^J) as pontas dos cabellos lhe cahíaõ
Gotas jque o corpo todo vaõ banhando,
Acoràapelle bafai& denegrida^
A barba hirfuta^mtonfajmas comprida.
Dai aguai fe lhe antolha ejue [ajfai. ProícgUc d
poeta leu íingimeRto, dizendo, que fe lhe antolha
a El-Rey Dom Manocl.qucdaquellas duas fohteS
fayaó dous homens velhos , & de afpcfto vene-
rando, ainda que pareciaô homens de campo, que
craó os dous rios Indo , 8c Ganges, os quaes pinta
squio PoetA maravilholamcnte. „
Rarba birjuía. Barba cr^fpa , intonfa , por to^
quiar.
D
72-
B a mbos de dous afronte coroada ^
Ramos não conhecidos, <t hejvai tinba^
HurtAi
ííiim âelles apre finca traz cançada^
Como quem de mais Longe alit caminha:
jÇ affia agua com ímpeto alterada ,
^areaayque de outra^arte vinham
Bem como Alfèo de Arcádia em Sy,ractifa
Vay a kufcav as abraços de Ar et ufa.
Lujiaâasâe Luís ãâ Carnes Commentados',
Í35
d§yi-a. Termo de faltar rmrytGiiifaíío entiteos La
finos, os quaas-ao piincipio cliamáo berço ycoing
he nocorio aos que tem quai-quer coahecimenco
íief];a liagua,6c hca dito^no caiuo pi-nney ro.
^T AÕdtjJe mais o rà^ilhftre/é fanto,
\ Mas ambos defparecemnum momento^
Hum dtlki a prefertftt traz cânfada , como ejuem de
wati longe alU caminha. D» por eílas palavras a en- Acorda Manoel co^ hum novo^e/pAnto^
tender o Poeta que o verdadeyro nafcimento do £ çrande alteração de pen/amento:
rio Ganges hc no Parayfo Terreal, como fc dFz no Eftendeo m(h Thebo O cí^'o manto,
Geneiís cap.r. ' - '
Bim como ãiphto. Andando Arethirfa corapà*
nheyradc Diana pelos montes de Arcádia á caça
caníadado trab;ilho,6c apertada da calma chegou
«o rio Alphco da mefma Província , & larando-ía
ncUcaflimícafíeyçoouaella , que não podendo
Arcthufãrofrer fuás importunações , fugio para;
Sicília , aonde íoy convertida em fonte de fcu no-
me. Mas nem iftolhc valeo,porque Alphco Ic me-
ico por debayxo da terra , & foy arrebentar na
Cidad* de Syracu (a de Cicilia , aonde eílá a foncô
Arethufa, 5c aflimamboscntrão no mar juntos.
Com eíla fabula de Alpheo compara o Poeta o naf-
cimento do Ganges, dando a entender , qucaiada
que arrebenta íobrc a terr^ naqueJla partc/eu naí^
cimento, he cm outro mais remoto, 5c íecreco lu-
gar.
'TT* Ste^qtíe era o mm grave napeffoa\
xIj 'Delia arte para o Rey de longe bradai
O tiha cujos ReynoSisi Coroa^
Grande parte do mundo e/f ã guardada:
Nófoutr os , cuja fama tanto voa.
Cuja cerviz bem nunca foy domada.
Te avt/amos jque he tempo^quejà mandas
A receber de nos tributos grandes,
74
ED fòuc illufire Ganges ^^ue na terra
Celejte tenho o berço verdadeyro,
Eftoutro he o Indo Rty^que nefia ferra
^ue vésjeu nafcimento temprimeyrê:
Cuftarteemos com tudo dura guerra.
Mas infiftindo tu por derradeyroy
Com naÕ vijtas vittorias fem receyo,
A quantas gentes vèspords ofreyo»
Telo efcnro EmisferioJomnokHtOi
Veyo a manhã no Ce^ fintando as corp
^a pudibunda rofa^à- roxas flores^
"E^endev nifio Thtbo ocUromant». Defcrcvertos
aqui a manhã elegantiffimamentc. Phebo he o
Sol, manco do Sol faó os léus rayos^coj» que dá
luz ás terras. i«íi^ c
Efenro Hemifpheriojomnoknto. He a noyte. Pe-
los quacs termos moítiaque apareceo o Sol Ío-
brc o hemirpberio , que pouco antes eílivcra oc-
cupado com a noyte mây doíomno.
Pttdihunda rofa, Rofa vermelha. E roxas florei,
lílo diz porque a manh4 íem aquella cor rolada,
& roxa , como cada dia venvos , antes de lahir o
Sol na parte aonde elle cgmeça a naicer.
7^
C"*1 }tamao Rey os fenhoves a confelho
j E propoemlhe as -figuras da vifão
As palavras lhe diz dofanto velho,
§ue a todos forão grande admiração:
^ètenninão onautico aparelhe , ^
^ara que comfublime coração
Vá a gente^que raandartcortando ês mares ^
Abvfcar novos climas, novos ares.
Determina» o náutico apartlho. Aparelho náutico»!
íaóas couíasneceflarias para aparelhar as nãos.
A buícar novos ctimat novos aret. Veja-fe a noílâ
annotaçâo no canto primeyro,oytava a^.
77
ET) que bem mal cuydava, que em efeytê
SejmzeJJe.o queopeyto mepedia^
^lefempre grandes coufas dejiegeyto^
'Prefa^o o coração me prometia:
Eufou o iUuJlre Ganges , ijt4e na terra cdejit tenho » j^^^ f^ ^, poYqtie razaõ^porque refpeyto^
terço verdadeyro. Para .i^aís ,l¥^rço',r a lil.Rey 2ç ^ ^' [ bom final, que em mt fevia,
opcrfuadiratoraarleucjnlelholhcdizcomofcu , t V ^ ./;./. ^l ^i^x mãn, ^rhni^^
primevro nafcimento hc no Parayfo Terreal , ôc Me põem o indito Rey nas mãos achave,
que o In4o nacia naquellc monte, aonde ic ambos "J^^l^^ cometimento grãnde^C grave.
Iheapreíentâraõ.
_ Ber^o vtrdadijro. Principio, Sc oriecm vcrda* £;í o«eÍM« «wÍ.<;í(/<Íií/#. Saó palavras de VafcQ
IJá
€ànto '§^àYt'o\
da Gama , o qual tratta como EKRey o chamou
paraeíledeícobnmento do Oriente, & o fez Ca-
pitão mór deita enipreía.
trejagu ( oração , ^«e nunca mente. Coração pre-
jago,qucr dizer,coraçaó lribio,que adevinha. Vc-
ja-íc anofla annouçáo no canto primeyro , oy-
tavâ 83.
78
ECom YOgú^&palavrãi amorofast
^4e he hu mando nosReys q mais obriga^
Me díjfe As coufas ar duas JS lujlrojasj
Se alcançâo com trabalho,^ com fadiga:
FazasfefjQas altas.^É famofas
A vtda.cjHe feferdej!^ que periga,
^le quando ao medo 'mfkme naõfe rende
Hutaõifi menos dur armais Je e/tende.
: Elegantiflimos verfos. Donde difle o Júris
conlulto Pruci Regumlegefjmt.
7^
E*U 'VOS tenho entre todos efcolhiâo
Tara huma emprefa, qualà vôsfe deve.
Trabalho illuftre^duro,^ ejclarecido^
O que eufejique por mt vos fera ieve:
NaÔfofri maisjt/ias togOyO Reyjubido ^
jíventurarme a ferrosa fogosa neve^
He taõ pouco powós ^que mais me pena
òer ejia vida coufà tão pequena,
,8o
IMagínay tam gr andes a venturas j
^aes Èuri/leo a Alcides inventava,
O Leaõ CleonèOjHarpias durai ,
V porco de Erimaníbo^a Tdrabrava
*Decer em fim as fombras vans^é^efcuraSy
Onde os campos de T>yte a Efttge lava,
l^oxque a mayor perigosa mor afronta^
Tor vós ó Rey ,(? efpYíto^& carne he pronta.
§luaet Eurifihto a Alcides inventava. Foy Euril-
theo hum tyranno de Mycenas,o qual por ordem
de Juno períeguia a Hercules , &: lhe inventava
eS-rprefas arrilcadas , para que defta maneyra aca-
baflc mais deprefla : por entender Ter eíla a vótade
de Juno. O Poeca conta aqui algumas : oLiaó
Cleoneo,as Harpias, o porco de l^.rymanto, a íer-
pcnre Hydra, 6c a fua ida ao inferno. O Liaõ ma-
tou Hercules na defefa Ncmeaenrre Argos , &
Cormtho , junto a huma aldeã chamada Clcone,
pelo que o Poeta lhe chama aqui Cleoneo. Har-
pias eraõ aves de rapina com roflos demolhercs,
das quaes Virgilio tratta na Eneida liv.5. filhas de
ÍN\'ptuno>Sc da tcrra.Pelo que aíTm» no mar, como
na terra faziáo grandes males.Eryraantho he hum
monte em Arcádia, aonde Hercules matou hum
porco, que delhuhia toda aquella terra, Ôc o le-
vou âs coitas a Euriíthco. Hydra era huma lei-
pencG na lagoa Lcrnea de muytas cabeças , das
quacslclhe cortavão alguma , lhe nalciaô dobra-
das. A ida de Hercules ao inferno foy por amor
de Thcíeo leu amigo, que o tinha Plutão prelo.
81
C'^ Om mercê sfumptuofas me agradece ^
^ E com razão me louva efia vontade,
^ue a virtudfi louvada vive^^ crece^
Ji, o louvor a altos cajòsperfuade:
A acompanhar me logofe offerece^
Obrigado de amor jdè de amizade^
Naô menos cobiçofo de honra^^ fama^
Ò caro meu irmão Taulo da Gama,
^ue  virtude huvada vive 1 é^ crece. Nenhuma
«ouía faz mais crecer as boas artes que havei"
quem asfav©reça,aonde dillc Ovidio:
Excitai auditor fiudium^laudataejue virtut
Crelctty^ tmmeníum gloria calcar halfet.
Os ouvintes defpertâo os medres
louvada crece. E Juvenal.
Çltíii tnim virtuttm amfkãiíur ipfam
Frantia fi íollas.
Sc a virtude
é
Naó ha quem figua a virtude íefaltãoprcmíosj
82.
MJis fe me ajunta Nicola o Coelho] J
T)e trabalhos muy grande fofre dor ^ ^
Ambos faò de valia ^^áe covfelho^
*X)e experietícia em armas y& furor:
Jâ de manceba geme me aparelho^
Em quem crece o defejo de valor ^
Todos de grande esforfOy^ ajfi parece^
^ema tamanhas coufas fe offerece,
85
FOrão de Manoelr enumerados ,
Torque com mais amer fe apercebeffe)
E com palavras altas animados ^
Tara quantos trabalhos fuccedeffemi
AJffvrão CS Myntai ajuntados^
Tara que o veo dourado combate jfem
Na fatídica nao^ que oufou primeyra
Tentar o 7nar Enxmo aventureyra.
Liij^aiàí âe Luh de CawÕeis Commmtaãosi t f/
^yj foraVòi Myniát. Mynias povos de Thefla- Argos,de que acras fallámos,em qae os Argonau-
íia , aiue toráoaColchos àconquillado vello de tas foraó áquella aventura tão nomeada do vello
ouro. L porque foráo em humanao chamada Ar- de ouro , toy pofta no Ceo coroada de eltrellas:
gcs, a qual Ip diz que foy a primeyra,que no mun- porque íoy a primeyra do mundo, que fez aquefla
do houve ^ daqui íe chamarão Argonautas mari- viagem tão celebrada. Diz aqui o Poeta que as
noflas nãos Portuguezas,vendo.le no mar, & não>
fe tendo em menos reputação , que a nao Argos,-
eftão dando a entender deli , que haó de levar o
melmo prçmio,que Argos levou* ,
nhevrosdanao Argos , &por eítanao Icrfeyca
por induftria , 6c ordem de Palias , & a madcyra
que íe fez cortada na defefa Nodonea , aonde le
oaváo os Oráculos , daqui le chamou a nao fatí-
dica , que quer diEcr dadora de Fados , & Ora».
culos. Aonde os Poecasacrecentaõ,que a melnia
nao hlhvãnpfacjiue vocem perMJít /irgo.Diz Séneca,
amcfma nao perdeo afalla. E Claudiano: Tabulas
4ímm*Ue U<faacet, fallando no trabalho , Sc diligen-
ciu.que Palias poz no feytio daquella nao.diz que aparelhamos a almapara a m^rte.
DEpois de aparelhados de fia fortéi
T)e quanto tal viagem pede, & mandif
as taboas fallavaó.
Tentar o mar Euaino. Mar Euxino, he o que os
Italianos hoje chamão, Mar magiore, aonde eftá a
grande Cidade de CohftahtinOpla , cabeça que
foy antiguamentedo Império Komano , Sc hoje
de Turcos, pela quairazaô efte mar fechaaiamar
deConftantmopla.
84
EJàno porto da ínclita Víyljea^
Lo' hum alvoroço nobreza- cum de (eJ9
{Onde o licor mifiura a branca area^
Co falgado Neptuno o doce Tejo)
As naosprejies e/ião j& nao recea
Temor nenhum ojuvemldefpejoy
Torque a gente marítima Js a de Marte
^Jtão çara/egutrme a toda parte ^
No porto da inclyta Utr/fea. Ulyflea hc Lisboa»
Veja-íc a nolla annotação no canto terccyro oy-
Uva 57.
Co'^ o falgado Neptuno o doce 7tjo, Ifto díi,porque
o no Tejo paíla por longo de Lisboa , Sc quatro
léguas da Cidade cm hum lugar chamado CafcaiSj
entrano mar Oceano. Gente tnarttima, He gente
domar. Gente âe marte, Szò os íolái^dos y porque
a Marte faziaó os Antigos Dcos da guerra.
PElasprayas veftidos osfoldados]
7)6 varias cores vem,& varias artes ^
E não menos de esforço aparelhado r,
^ara btifcardo mundonovas partes:
Nas fortes nãos os ventos fojegadosj
Onáeão os aerios eflendartes^
Elias prometem ^vendo os mares largos^
'De/er no O Impo ejlre lias, como a d' Argos.
^^rm efendarteu Epitheto exccllente chamaf
aos eítendartes aéreos de acr, que hc o arrpor eíh-
rem Icmprccm lugar alto,aondeo ar os mova.
Uejerm Ol^mfoe(lrdUi como a de ãrgoi. A niiw
§ue fempre acs Nautas ante os olhos anday
IP ara o fumo poder ^que a Eterna corte ^
Sujimtafócoaviftavenerandaj
Imploramos favor ^que nos guialfe ^
E que a mjfos começos afpirajje^
^te fempre aos nauta$ ante 01 olhos anda. Aílirii
difle Virgílio liv.i. cm huma tormenta > qúepaf-
íou Eneas no mar : Prafentemejue vtris intentnnt
omnia worffW, Todas as coulas fazem aos, navegátes
prezéte a morte.Nautaslaõmarinheyros. Coríeeí/^«*
re^í.CoiLe Ccleílíal, decther)quc he o Ceo»
PArtimonos affl dofanto templo]
^e nasprayas do mar ejfa íentadú^
^eo nome tem da terra jpara exerfiplo^
Onde T)eosfoy em carne ao mtindo dadoí
Cert tf cotejo Rey^que fe contemplo^
Como fny deftasprayas apartado
Cheyo dentro de duvidará' receyo^
^e apenas nos meus olhos ponho o freyol
fj/*í ò nome tem da terfa pata exemplo , donde Deoi
foy em carne ao mundo dado» Moílra que nthu*aõ de
Belém Moíleyro do Bemaventurado S. Hiero-
nymo,que efta na praya donde as armadas partem
para diíFerentcs partes. Chamou-fe aíTim aquellô
Templo à imitação daquella exccllcntiíHma Ci-
dade de Belcm , aonde ChriítonofloSenhornal^
ceo para remédio do género humano. Efte Tem-
plo de Belem,que hoje hc hum dos fumptuolos, SC
principaes do mundo , de Rcligíofos do Berna*
venturado S.Hieronymo,& que os Reys de Por^'
tugal ercolhcraó para fuás fepulturas , foy anti*
guamente huma muy pequena Hermída , que o
Infante Dom Henrique filho d"El-Rcy Dom
Joaõ o prímeyro mandou fazer no principio tdef-
tes dcfcobrimentos , Sc navegações, no qual efta-
vão alguns frcyrcs do Convento de Thomar par*
adminiítrarem os Sacramentos aos mareantes.
3
w
Torquehis aventurar ao mar ir ofb'
%% Ejja víàa^qut he mmha^& naò he vojjki
Gente da Cidade aquelle dU Como ftr hum caminho duvido/o,
{Hms^oY amigos .à-oiitm for parét^sy. i^^ose/quece aaffeyçaotaÔ doce nojja,
NoJJo amor^nojjo vao contentamento,
gereis tque com as veUasyleve o ventou
Ao mar irofo. Aílim lhe chamou Horácio: Aui
ix^net iratfim maré, Qu teme o mar iioio.
<àutros^orver/omeme)c6incorrtaj
Saudojos na vijiaj& dvfconttntes:
E fios to a virtuosa companhia
^emiiRehgioJosdiligenteSi
EmpYocíJJão/oíemne a T)eos orando^
^ara os bateis viemos caminhando.
iWe ml Keligiofct dtligevtes. Eíies Religiofosèraô
Freyies da Ordem de Chnílo , que cíiaváo iia-
qu^iia hermida , de que atrás falíamos, E dizer
aqui mil não he porque foflem tantos , mas hc
hum enòarecimcnto de que os Poetass ulaõ muy-
tas vezes, pondo as coulas certas pelas incertas, ôc
pelo contrario: ou da parte peloiiodo,oudo todo
pela pai te,
EM tão longo camtnho^fS duvido fi^
Tor perdidos as gentes nosjulgavao^
jís mulheres com choro piedofo.
Os homens comfujpirosyque arrancavãõi
Xdãys^efpofaSjirmãs^que o temerofo
jímor mats dejconfia, acrefcentavao
jí defefpera ção-^òfrio medo
IDejã nos não tomar a ver tão cedo^
Nem à mky^Yiem aefpofa^ neíie efiado\^
Çiue i ttmrofo\ámoT mais defconfia. Onde hà Tor nos fiaõ magoarmos ^ou mudarmos^
amoralli reynaomedo,porque osqueamaô Icm- ^opropofito firme começado'.
pre aridaó temerolos , & Ibbrefaltados íobre os ~ - - '
que amaõ.Daqui diíle Ovídio definindo o amor:
Kci ejijollicui fteua timorú amor: O amor hehuma
couía cheya de temor ioUicito. E poreftarazaõ
deiiváo alguns o amxjr de amarçr , que heamar*
gura, porque nunca falta aos quc^o^íeguem.
NEJlas,& outras palavras jque diziaõ;
^e amor^& de piedo/a humanidade y
Os velhtís^ér os mininos oslfeguião.
Em quem menos esforço põem a idade
Os montes de mais perto re/pondiao^
^afífnovidosde aita piedade^
yi branca área as lagrimas banhavãoy
§^e em multidão com tilas fe iguálavai
Em ejutm mttiOí esforço fsem a iàade. AUude d
Poeta aqui em ajuntar os velhos com os mininos
a hum provei bio uflás labido : ftnex repuerafcit. O
velho tornaalermoçojporque todos pela mayor
parre no filo , condição forfas , Sc cuydados iaã
jmeninos.
í»?.
IV "I 0'r oufros/em a vtjfa levantarvwst
ã
5?0
"Valvay àizenia.ó filhota que eii tinha
Sô para refrigertOi& doce amparo,
^efia can cada j d velhice minha,
!^4e em choro acahard penofi^^ amaro:
forque me deyxas mi ferai& mefquinkdi
forque de mim te vãs ^afilho caro
Áfaztr o funéreo enterramento,
Onde/ejas de peyxes mantimento^
A faztr o funéreo enterramento. A morrer, de /«-
»<«,quehea morte.
^eterminey de é; finos embarcarmos^
Sem o dejpedimento cojiumado^
^epopo que he de amor ufança boal
A quem/e aparta^ou jica,mais magoai
§lue pojio que he de amor ufança í'í<í.Bem pode ícl[
coífume bom, ôc nâo ler coílumeavilado. Com»
também he de homem de boa condição j 6c natu-^
reza fazer de tudo virtude , & he de homem avi-
fado interpretar algumas coufas mal , ôccuydar
que o podem fer. E aílim o nollo Camões moítia
aqui a obrigação, que temos os homens a fer ho-
mens de erpiritu , & deli) pegados do parente, 6c
amigo,& nãocílarmos tão grudados,5c aferrado^
a ellcs que nos cufte muy to caro dcyxallos*
ã
Mas hum velho de afpeyto venerando^
^e ficava nas prayas, entre agente.
'í' o fios em nós os olhos ^mene anda
Três vezes a c abe ça^def conte:
Q 'Vai em cabelo J> docefê amado eípo/ò^ A voz pezada humpoia o levantando^
Sem quê naâ quiz amor, q viver fojfa, S^e ms no mar ouvimos claramente^
■ i
C0? hum Hl
Lufiaâas de Ltits de Otmes Commentadosl
Co^ himfaher sô de experiências feyto^
Taes palavras ttrou à(^e;^pertopeyto»
"fW
5^8
55
O Gloria de mandaria va cobiça
'Defta vaidade ^ a quê chamamos fama^
O fraudulento gojiOyqueJè atiça
Co huma aura popular , (lue honra fe chamai
^e caJttgotamanhOy& quejufttça
•taz.es noptyto vão^que muyto te ama>
4^ue mortes^que perigõs^ue tormentas^
^e crueldades nelles experimentas^,
Q gloria dt mandar. Finge aqui o PoeU ^ongio
hum velho honrad»^, ficdeauthorid44ç, veo*Íao>s
no lios apontados 4 huma emprela de UO.ÇQ pea-
gOj&cuuvida, foliou alg^unus palavras , cjue o
Myls òtu.^êraçad da queHe infano^
Cuj,opeccado ,& de (obediência ,
Naõ fomente- do )^eyHO foberanOi
Tepoz nefte defterrOiS' trffit aufencia:
Mas indA d^ outro ejiado. maia ^un humano,
"Da qme.ta^^daj[imples inmcenciay
Idade d'ourOifAntQ. te privm^
^e iiA,def(írii%& dtéki^mai te. d^yjtmu.
Mas , òtu geração (IaeiúelUm(aMú, Neíla oycavá
converte o veibo íua pratica G()>atra os horaensi
cujos apetites. deren.fEeadx)& íiò cauía de lantoi
iTVdles,&: trabalhos^quátos ha na vida.E bafta,co-
mo diz o Poeta, trazermos a orLgem daquelle de-
fobediente Adam nolVo piimeyro paY,o qual len-
do criado de DeosNoflb Senhor em tanto goíto^
i^oeta vay recontando. A verdade he, que a genç*; ^ p^j^^ p^^^ elle con» tanto mima, & regalo, cm
da armada, que ieriaó ate cento Sc leteota petloas
íahiraódâ Hermidadc Nolia Senhora de tieiem,
acompanhados dos Freyres,que alli eíUvàa , 6c
inuyta gente da Cidade,aos quaes,como chegarão
perto do mar, abloivco g Vigário , poltvselics de
ioelhoi » de todos os pecçauos por huaiaiiulia,
que paraeite effeyto d liitante Dom HennquG
houvera de Roma , paraosque morreíiein neile.
deicobrimento. Nclte ado houve uigytaí» Ugn-
Hias de huinajôç de outra parte.
Gvli» frauduimta. Gollo enganeío. dwa f&^H'.
lar» Gra^-a , 5c f*YOf tlp povo.
9(r
nVra inquietação da alma , ^ dã, viday
Fonte de dejemparoSi ^ adulíeriasi
Sagaz cenfumtdora conhecida^
*De fazendas ide Reynos^&de Impérios^
Chamaéte illultreiChamãote fubidaj
^^ndo digna de infames vitupérios ^
Çhamaòte fama)& gloria jQberan4%
Cornes com quemfe o povo nefao engana.
^7
A^ue novos defafltes detevmiytas
T^e levar efes Reynss.é' eflag^eute^
^te perigos, que mortes lhe deftin^s
jjebayxo de algum nome preeminentel
fluepromejfãs de Reynos »& de minais
%>' ouro, que lhe farás tãixfacilm^nte^
1^ Famas Iheprometes^qm hifiorÍ4.s^
^«tf triunfos ^que palmas ^qtic vtttoíiaf^
hum lugar chamado l^araylojpor lua exccllenciat
por íeronoaisirelco,& apraiivel lugar do mundo,,
íoy caó mal entendido , que deiobedtceo a fea
Criador » & Senhor, p^lQ que foy Jançado do Pa-
raylo elle^Çc fua 9iulhcr,ÔC íicou lujeyto a n-.il tra«
balhos» êc enfadamento, como íe pôde ver no Ge*
weliç.
ldad,ed^\ura. Fazem os Poetas quatro idadcs,àj
quaes daó differeçites, noroe&jtomados dos metaes^
da terra, comQ ouro, prata, cobre, ferro. A idade
de Ouro attribucm todas as çoulas de ouro , bon-
dade na gente, fertilidade na terra, quietaçãv;, 6c
paz no mundo , & hum vcraõ perpetuo, 6c conti-
nuo,fem os homés laberem de outro tempo. Na de*
prata começarão os homens ater trio^ík calma, 6c
a íentír outras couías , que ua idade de ouro nâo
conheciaó: parque )*a nelte houve Veraõ, Inver-.
tia,Eft;io,& Outono. E. para fe defender da adver-
íidade do tempo, começarão os homens a edificar
cafas,& lizcraó outras coufas, que na idade de ou-
ro le eícufavaó. Na terceyra , quçfoiy de cobre»
f ra a ganto mais pervewlta que na de prata, mas nãa
Cia ds todantà. Naqu.aii3,a que põem nome de
ferro, entrou toda a maldade, Sc eícoiia do mun^
do,porquc não houve vergonha, fé,nem verdade,
mas tudo enganos, trayçôcs,forças , Sc defejos de
pofiuhir. |ilt^ idadôs defere veÇXvid^Q nas Meti-
morphoíes ii,v.i. O que o Poçta aqui diz^ hç que
não fomente os homens pelo peçcadq do primey-
ro p^y Adam foraô privados de tanto bem quan-
to Deos fhe tinha aparelhadoj le elt^nâp peccára,
* mas que Ois privou À» idad« de auto, na quak ainda
havia algum fc^tm^ ôc os poí i%a da feirai» ipftde tu-
do íaó engaHQ^ , & »ft^Uí;»a$ » qu^hç ç^U^W <iu©
agof a eftf n\c«.
S>9 _y^
I
A^ que neflagoflofa vaidade
Tanto enlevas a leve f ante fia,
5a
U
^c^ _ , vafíto
yã que a hrnfa 'crueza, & ftrUade
IPufelie fiorney esforço^ & valentia,
Jà que f rejas em tanta quantidade
O defprejo da vi da ^que devia
^ejer fempre ejitmada^pois quejà
Temeo tanto perde la, quem a aâ,
Gofiifa vaUade.He a honr», & tama. Cha malhe
gollofa vaidade, pof fer couta de que tão pouco
provey to vem a os homens, nem lhe ferve de mais,
que de os levar , & fazer commctter quaeiquer
coulas,por árduas, & difficultofas que lejaó, com
mu y to gofto,& alegria.
tois ^ue jd temeo tanto perJela, cfuem a da.\^o diz,
porque Chriíto Noflb Senhoreítando na agonia
da morte para nos nioílrar como era vfrdadeyra-
mente homem , & que o feu corpo era de carne,
tcmeo a morte,como he natural a todo o homem
temclla, E. aílim diílb naquella hora do fcu tran-
fíto , pedindo ao Padre Eterno que o livrafleda-
quelle trabalho: Pater f poffibile efi tranfeat á we cá-
lix ifte. Padre meu le he poífivel paíle deraim efte
cálix da morte.
100
NAõ tens junto contigo o Ifmaelita,
Com quem fetnpre terás guerras Job ej as ^
Nad Jegue elle do Arábio a ley maldita.
Se tu pela de Chrijioj o pelejas}
NãÔ tem Cidades mil^terra injinttay
Se terras tò" riqueza mais dejejas^
Naõ he elle por armas esforçado^
Se queres por vittonasjtr louvado'^
Na5 Uns junto contigo o Efmoeíita. Chama aos
Mouros Ifmaelitas , do nome de límael filho de
Abram , & Agar , que foy rey naquellas partes,
como fica dito no canto r.oytava 8.
Na5 fegue elle do /írahto a ley maldita. Efta do
Arabiohe a feyta maldita de Mafoma, o qualdi-
2em os Elcrittores,que foy filho de hum homem
Arábio de nação. Veja.feanofla annotaçâo no
cantoi.oytavaS.
lOI
DEyxas criar as portas o inimigo,
T^or ires bufcar outro de tam longe,
*Por quem fede f povoe o Reyno antigo.
Se enft aqueça ^& Je vâdeytandoa longe}
BuÇcas o incert0i& incógnito perigo,
forque a Fama te exalte ^é* te lijonge,
Chamandote fenhor com larga copia^
'T>iLndia,T€rfia,ArabiaM da Etkjiopia?
^àrtbl
101
O Maldito o primey ronque no mtiniot
Nas ondas vella poz em [eco lenho ^
^igno da eterna pena do profundo^
Se hejujio àjujla ley , que figo fè tenho:
Nuncajuizo algum altOi& profundo.
Nem cyiharajonora^ou vivo engenho,
7e depor tjfo Fama, nem memoria.
Mas contigo fe acabe o nome,^ gloria.
105
TJRouxe o filho de Japeto do Ceo
OfogOyque ajuntou aopeyto bumdnol^
Fogo ^que o mundo em armas acendeo.
Em mortes, em deshonras ^grande enganoi
planto melhor nosJora^Trometeo,
E quanto para o mundo menos dano^
^iea tua ejiatua illujire nad tivera
Fogo de altos dejejos^que a movera}
Trouxe o filho de lapeto do Ceo. ÍPilho de Japetí»
he Prometheo. Eíle contaõ os Poetas , que fa-
zia homens de barro , com tanto engenho , que
quem os via , os tinha por homens vivos. Entr
outros que viraó efta obra de Prometheo foy hu
ma vez a calo Minerva , a qual maravilhada d
obra., lhe deu ajuda para fobir ao Ceo , dond
Prometheo trouxe fogo , que tirou dos carro;
do Sol , com o qual deu vida aos homens , que fa
2ia de barro. Enojado Júpiter do atrevimento d
Promethep , o mandou amarrar no monte Cau
cafo com huma águia junto com elle que lhe cC-
tiveíle de contino comendo as entranhas. E par»
milhor caftigar o atrevimento de Prometheo^
fez que nas teclas houvefle doenças, 6c trabalhos»
que antes náo havia. Eíla fabula contaõ adira
Ovídio , & outros muytos Poetas. Hcfiodona
fua obra intitulada: Opera , (jr dtet , diz que Pro-
metheo defcobrio aos homens o ulo do fogo»
que Jupirer tinha elcondido : pelo que Jupitá
enojado fez que os homens dalli em diante viveft
fem com trabalhos , & aquelle modo de vivei
que tinhaô facilmente ,& quieto , (cconvcrtef-
fe em inquietações, & enfadamentos. Outros coii-
tão de outra n)ancyra , mayormcnte os Gregos.
A verdade do cafo he que Prometheo foy hum
homem muyto piudente , & dado aoeftudo da
Aftrologia, & grande amigo de honra , Scfama,
ao que chama aqui o Poeta : fogo de altos dele-
jos , que eníinava. A qual doutrina , diz o Poeta,
fez mal aos homens . porque daqui lhe ficou a
curioíidade , & cobiça de lerem conhecidos , 6c
honrados , que hc a febre , que diz Horácio , que
Júpiter mandou ao mundo , pela defcorteíia de
Promcihco.
i
íufiaias ãeYuuis de
104
NAòcomettêra o tnoço miferando
O carro alto dopay^nem o ar vazio j,
O grande Archite~6for cd' ofilho^damio
Hiém nome ao mar,^ outro fama ao rio."
Henhum cometimento altOj& nefando^
^or fogo, f erro ^agOãjCaima (^frio,
*Deyxa intentado a humana gèr a çaÕ^
Mi/èra forte, eflranha condição^
Não cometera, Moftra aqui o Poeta os traba-
lhos , &pcngosa que le põem os homens por al-
cançar honra, & fama. E por exemplo trás P hae-
èón,DeJalo,& Ícaro. De Phaeton fe veja o canto
primeyro, oytava 45.
O grande arcbneiUr. Dédalo que foy huíll dos
fnayores que houve no mundo : donde sis obras
Camões tommentaàof, t\x
de engenho de qualquer calidadeque fejâo cha*
maó os Latinos , Dtedda opera , obras de Dédalo,
& aílim os Gregos» Eílc foy Achenieníe de na-
çáo , & por cerco crime que comcteo foy degra-
uado. Foy ter a creta , aonde foy prelo por Mi-
nos Rey da terra , porque cm íua auíencia deú
ajuda a Paíiphe íua mulher , em huma coufa con-
tra lua honra. Na cadea contáo os Poetas que
fez humas afãs de cera com pennas , comquefu-
gioelle, ôchum íeu filho por nome ícaro, iiltc
como era moço quiz florear com as afãs pelo ar^
pelo que cahio no mar , aonde acabou , & o mar
íicou com o leu nome. Dédalo toy dará Sicília,
aonde morreo por ordem de Crocalo Rey da
terra. Dizque humdeú nomeao mar , & outro
fama ao rio ; porque do nome de ícaro lilho de
Dedato le chamou o mar ícaro , & com a que-
da de Phaeton que cahio no rio Endano, que
vulgarmente le chama o rio P<j , lhe ficou fama
deite calOíí
/k
OS
54"^
#É -osiâ^-ttínifi^-esf â«»^f ée»«*8gâo»^f .^«o^f 2K*-oif í»»*^^^ Éfy^
OSLUSIADAS
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
Commtntados ptlo Lictnciado Manoel Corrêa^
ARGUMENTO.
Relata o Gama illuftre ao Rey potente
Sua viagem longa 5 & incerta via,
As eítranhas nações de Aírica ardentej
EdcFernaó Velloíoa ouíadia:
Como Adamaftor vio^gigante ingente,'
Que hum dos filhos da 1 erra fe diziat
E as couíasjque paflbu atè feu porto^
Oadc xepoaío achoiir& faõ conforto*
CANTO quinto/
Nefte Canto fe põem o tempo em que os Portugueses fihiraÕ do porto de Lil
boa , & o^ac &£ acontccco atè chegarem à índia.
EStasfentenças taes o velho honrada
Vociferando eflava^tquando abrimos
As azas ao/ereno^&filfegaâo
VentOi& do porto amado nos partimos:
E como hejâ no mar coftume ufado
A vclla desfraldando o Ceofrimos^
^'tz,endo^boa viagem Jogo o vento^,
Nos troncos fez o ufado movimento^
O vtlh» btnraão. De que fe tratta no fim do can-
to quarto , que rcprchendeo a navegação dos
Vortuguezes a taó remotas partes.
I^os troncos fez o ufado mêvimento. JComo tenho
tóvc^idg muytas vezes coftumáo os Poetas pór a
juatexia diE<quc íc fazem as coufas ptlas mefmaa
CGUÍas, como aqui troncos pelas Nãos, & em oa«|
ItSí^tS, Jlie chama lenhos , traves , & outí<
nomes deita mancyra.
EEtava nefte tempo o eterno hme
No animal Nemeo truculento^
E o mundo yque co tempo fe confume,
Nafèxta idade andava enfermo t& lenta\
Neíla vê como tmhapor coftume
Curfos do Solquatorze vezes cento.
Com maí^noventa^& fete^em que corria^
^4 ando m mar a armada fè eftendia.
Entrava fiejie tempo 0 tíerno lume* Ncfta oytava
tratta
Lufiadas ãe Luis ie
ttâtta da tempo èm que a armada partio do porco
tic Lisboa.
Eterno lume. He o Sol, chamalhc adira, porque
he pay de todos os mais Planecas,&EftrelIas,por-
que por iodos reparte lua luz , & claridade eomo
hcallicò no canto fegundo.
Am/nd Nemco.Hc o Liaó. Chama-lc aí]íim,por-
«jueomatou Hercules na defcíaNemea , como
íicaditono canto quarto, oycava i. E porque el-
ta foy a primeyra cavalUria que Hercules fez,
á Júpiter leu pay em memoria deíle fcyco poz o
jLeaóno Ceo , & fez delie huma conllellaçáo
muyto fer mofa, à qual ricoufeu antiguo nome de
L-eaó , & legando o$ Aílronomos he o qumco
Signo celeíleera ordem natural. Tem alua ima-
gem vinte & lete eftrellas , entra o Sol nellc em
Julho , noqual mcz fahiraõ os Porcuguezcs da
barra de Belém no anno de 1 497. Díz-Je entrar o
Solem algum Signo quando eftá em igual pro-
porção , porque o Sol caminha muyto defviado
dos Signos. E para mayor declaração imaginay
huma linha queíáya do centro do mundo , éc
paíib pelo centro do Sol, 6c chegue ao lugar aon-
de eftà o Signo. Quando o Sol concorre, Ôc fc en-
contra neíU proporção com o Signo , fe diz pro-
priamente entrar nelle.
- N» [(xta idade andava enfermú,(^ Unto* Como a
Vida do homem le divide cm partes, que chamaó
idades, da mefma maneyra o curlo do mundo. As
idades do munJo faõ féis. A primcyradeídeacriat
ção do mundo .ité odiluvio^aqual lègundo acou-
ta dos Hcbrcos j teve mil leifcentos cincoenta 6c
Icisannos, ^ fegundo 05 fetenta: dous milduzen*
tos & quarenta 6c dous. ( A íegunda defdeodilu^
vio, ate o nacimento de Abraham, com duzentos
& no venta 6c dous annos, conforme aos Hebreos,
& novecentos 6c quarenta 6c dous annos, confor-
me aos Setenta, A terceyra até o principio do
Keyno de David , a qual teve legando os He*
brcos , novecentos quarenta 6< hum annos , 6c lè-
gundo os fetenta , novecentos 6c quarenta. A
quarta ate a deílruhiçáo de Hieruíalem, 6c capti-
fcyro dos filhos de lirael por Nabuchodonofor*
cita teve conforme aos Hebreos , quatrocentos
èytenta 6c quatro annos , 6c fegundo os íctenta,
quatrocentos oytenta 6c cinco* A quinta até o
Nacimento telíciílimo de Noflb Redemptor 6c
Salvador Jefu Chriílo , 6c teve fegundo a ordem
que guardamos, quinhentos & noventa annos. A
fcxta começou do Nacimento de Chrillo NoITo
Senhor , 6c acabará quando ellc for ícrvido, cujo
fim não fabe ninguém , 6c andar com altercações
neíla matéria he defpropofito. Na conta delias
jdadcs ha grande variedade,o que aqni efcrevi te-
nho por mais certo. Diz aqui o Poctaque o Capj^.
ião mor Vafco da Gama partio para a índia na
íexta idade, que he a em que agora cífamos os que
vivemos,qiiecranoannodcmii quatrocentos no-
venta & fetc , o qual fe entende daqucUas pala-
vras; curfos do Solqnatorie vezes cciito, que laó
oes GommentaâoÈl 't|j
mil 6c quatrocentos , côm tnais novCíita & lece,
que vem a íer os mil 6c quatrocentos noventa 6c
fete que temos dito.
Andava mf ermo y éf lento. Diz ifto , porque rio
mez de Julho , que heo tempo cmque os noiios
partirão , ha na terra fempre pela mayor parte
grandes doenças, 6c defconccrtos em todas as cou*
las, por ler o tempo leco, 6c deílemperado, 6c con-
trario aos corpos humanos, o que caufáa impreí-
faõ que o Signo deLeaó hz na terra,6c os dias que
chamamos Caniculares, queíaó neftemez. Uu
quiz o Poeta por eftas palavras chamarão mun-^
do velho , 6c por efta razaó inútil j 6c cançado , o
que a mim mais me contenta , porque neíte noflo
tempo aílim no parecer dos homens » como no
produzir da terra (e moílra bem diíferente do que
no lo pintaó os Autores nas outras idades , 6c
bafta vivermos na de ferro , aonde o mundo elfà
no ertado que todos vemos.
TA^ a njijf a pouco ^& pouco fedeft erra
Dacjueãespãtrtos montes jque ficavaO%
Ficava 9 caro TejOj^ afre/ca/erra
7)e Cmti'a^& nella os othos fe alongavah
Ficavanos Também na amada terra
O coração, que as magoas là deyxavíiõj
Ejâ depois que toda fe e/condeo^
Naõ vimos mais em fim que Max^& Ceo
A frefca ferra de Cintra. Eíla he a ra^aõ quanto
a fnim , porque a terra de Sintra fe chama a terra
da Lua , que he por fer terra muyto frelca, aonde
ha grandes orvalhadas , 6c rocios no meyo do Ef-
tio,eftandono melmo tempo lugares muyto per-
to delia ardendo em fogo. Veja-fe o que clcreve^
mos atrás no canto tcrceyro, ©ytava \6.
AS li fomos abrindo aqiielles fúares^
^legéraçaô alguma naõ abrio
As nódoas iíhas vendo ^ó" os novos ates
^ic ogenerofò Henrique defcobrto:
i:>e Mauritânia os monte s^à- lugares^
Terra ^que Antêo num tempo poffuio
"Deyxando à maÕ efquerda^que d direytàl
Naõ ha certeza d' outra mnsfofpeyta,
^ue o generofo Henriejut ãefcobrig. Eftefoy o Til-
fante Doin Henrique , filho tcrceyro d* til- Rey
t)om Jonóoprir»eyro da boa memoria. Foyefte
Infintc Governador da Ordem daCavallaria de
Chrifto , que feii Avò El«Rey Dom Diniz fexto
Rcy de Portugal inftitnhio novamente , para a
guerra que determinava fazer contra os Mouros,
que tinhaô occupadoHclpanha , 6c quando feu
j)ay tomou Ceuta íe esforçou elle muyco mais Mas nem por fer do munào a âerfahyrà '
para o proleguimento deíU obiigaçãodo íangue, Se lhe avantajão mantas Vénus ama ^
^ offiuo. h porque o negocio de Africa perten- ^^^^^ y,^^, ^j^^j^^^ j-^ ejqnecera
cJaaosReys de Portuffal,quiztomaremprcíaem ,rr^ r^\,, r\.^.u^ ti- r ./ ^
que alcançallc glor.a . & lan.a para fi.Para o qual ^^ Cypro.Gmdo,Fafos,^ Lythéra.
cífey to mudou a vontade,que tinha <áe cunquií- VaJJàmot a grande Ilha àa Madejra. Efta ílhafoy
tar, para parte mais remota, aonde os mentos de deícuberta por hum Joaó Gonçalves , &. Triftaó
ícus trabalhos ficafi^mpoílos na milicia deChrií- Vaz, noannodemil quatrocentos & vinte. Cha-
to, cujo Governador, & thcloureyro elle era. E mou-te Ilhada Madeyra , peio muyto arvoredo,
como andava com eíla imaginaçãojtodo feu cuy- que tinha quando foy delcuberta,quc não poden-
dado era mformarle de gence de differcntespar- do o dito Joaó Gonçalvtz , que era o Authordo
■tes, 6c ler livros de Geographia, â qual era muyto deícubrimento,& a principal pefloa daquella via-
dado para lahir com leu intento. E quando Ic ga- gem, daríe a entender naquella terra , poreftar
nhou Ceuta, fez grandes exames com os Mouros,
ânformando-ledqs moradores da terra a dentro;
dosquaes.ÔC de outros, com que outras vezes fal-
lou íoube muytas coufas , que ajudavão muyto
iuaprctençâo. Comeítas informações conieçou
toda cuberta com arvoredo , que fe não via o
chaó, lhe mandou por o fogo , o qual affim tomoa
pofledo mato, que dizem durou feteannos íemíe
apagar.
Das o^ut nôi povoafffoi a frimeyra. A Ilha da Ma»
a porem execução fcus deícjos , & mandar gente deyrafoy a primeyf» que os noflos Portuguezes
adelcobnr acoita, alem do cabo de Não, que era povoarão, mas a lcgunda,que defcubriraó porque
o termo da terra deícuberta pelos Hefpanhoes. primeyrofoy deícuberta a Ilha do Porto Santo, a
Chamava-leeítecabo de Não , porque os deíco- qual largarão os Portuguezes miportunados d*
bridores nãoíeatreviaó paílar adiante. grande praga de Coelhos , que fc criou de huma
Jerra qns Anteo num tempo fo^uhto. Antco dizem Coelha quealli levnraódo Reyno, osquaes foraõ
os Poetas quefoy hum Gigante , lilho de Neptu- cm tanta quantidade , qucfe não femeava , nem
no, 6c da terra , de quarenta cevados de altura, ÔC pl^^ntava coufa,que elles naó dcftruiflcm. O mef-
lâo esforçado que Hão havia em fcu tempo quem "^o ^"e acontecco aos Portuguezes com oscoe-
ie atrevefle a vir có elle âs mâo> , porque le acaío ^hos na Ilha do Porto Santo , aconteceo aos que
alguera o vencia por forças , ôc derribava cm ter- íoraó povoar a Ilha Carpatho, chamada hoje Scar-.
ra, com ajuda da mefma terra fuamãy recebia no- pan(o , comoquer Sophiano, no marde Rhodes,
vas forças , ôc le tornava a levantar , õcdefta ma- que levando lebres para criação , íizeraô tal mul-
jieyra tra temido de todos. Hercules o venceo,
|)orque labendolhe eíla manha o nãodeyxoU che.
^ar a terra, mas apertou-o comfigo de modo, que
o matou entre as mãos , como dizem todos os
Poetas. Diz onollo Luís de Camões, que poliu*
hio Anteo a Mauritânia , que faó os Reynos de
Fcz,ôc Marrocos, porque foy Rey deífa parte, 6c
elle fundou a Cidade de Tangere , 6c nella tinha
lcuspaços,& principal habitação, eomo diz So-
lino no leu Poiyhiítonco. cap. 37. & Mela liv. i.
cap.5.
Deixando a tnao cp^f4erJay^ue a dtreyta. Não ha cer-
teza (it outra mas fulpejta, Afi ica liça aos que na
upljcaçâo, que largarão a Ilha, porque lhe deltru^
hiaó as lebres as fazendase Aonde dizem os Lati"
nos-.Carpathusodit leporer»,o morador da ilhaCarpar
lho aborieGe a lebre, o qual provérbio leaccom-
modâ a quem le arrepende de algum negocio quq
tem entre mãos.
Alaii celebre por nome que por fama, Ifto fe ha de
declarar delia mancyra:a Ilha da Madey ra hc mais
conhecida pelo nome que pela obra , porque fen-
do conhecida no mundo por efle nome de Madey-
ra , huma das cou las de q"ue tinha mayor falta ao
tempo que o Poeta cfcreveo eíles cantos, era a ma^
deyra pelo fogo de que acima trattámos. Hoje fa-
ve^âóparaa Índia àmaõerquerda,& na paitedi- bemos por informação certa de peiíoas da Ilha t£|^
rcyta aotempo,queíc delcobrio a nofla índia, niadeyra. ál
naõ era coufa alguma dçfcuberta, & neíle fentido ^^* nem por fer do mundo a derradeyra.St lhe aven"
falia aqui o Poeta. Hoje temos a nova Hcfpanha tajáo quantas Uenus ama, Efta Ilha da Madeyrahc
florida , com todas as Ilhas adjacentes, quecha- ^^^^ conhecida pelo mundo por lua fertilidade,SC
maó Antilias , 6c toda a mai: terra Occidental,
qne le chama Aincnca,oi' novo mundo.
5
Pejamos a grande liba da Ma deyra,
^ue do ynuyto arvoredo ajfí/e chama^
T>as qnenósfovúamos aprimeyra^
Mais ceiebre^or nome^que for fama:
abundância, chama-a o Poeta aqui , do mundo a^
derradeyra , por ler a mais Occidental de lodasí
para mayor encarecimento de louvor a prefere
a quantas Vénus ama,das quaes põem aqui algu-
mas.
De Cyprot Gnido, Paphos, & Cphera, Cypro he a
Ilha Chipre no mar Mediterrâneo , fugeyta hoje
ao Graó Turco,porque hum leu Capitão por no-
me Muílafá a tomou por força de armas , ícndo à.\
Venezianos , o primeyro dia do mez de Agofto (Í{|
"iSTi* com grande danno , 6c injuria daChrillanj
■ - " ~ dadeS
Lufiaâàí ie Lms^e Camões Commentados*
•iêàe. OalJò,ou Cnido que he humamaneyra, ôc
«iitra le diz he Ilha do mar Capathio. l^aphoshe
Cidade da meímallha Chipre , de que falíamos
«cima. Cythera hc Ilha no Peloponclo, chamada
hojeCetige.
Hf
DEyxamQs de Maffilia a efierilcofla^'
Onde (eu gado as Azemguespajiam%
Gente tíftte as frefcas agoas nunqua gofta^
JSlem as ervas do campo bem lhe abaftamx
ji terra a nenhum fruto em fim di/pofia^
Onde as aves no ventre oferrogaftam^
padecendo de tudo extrema tnopiay
§hie aparta a Berbéria de Ethwpia.
Deyxamot dè Majfília a ejferil sopa.M^fíilhfComo
fica dito canto 4. oycava 36. he a Província de
Africi, qweporoiirrv* nome chamamos Mauritâ-
nia. Pela clteril coíla de MaíTilia, entende a trille,
Scefterilcolta de Atrica , aonde vivem os povos
Azcneguesjdos quaes i'e começa a terra de Guine.
He eftâ terra muy to falta de aguas, £c mantimen-
tos,porque tudo l^ó dclertos. H he tanta a pobre-
2a, Sc mileria delia gente, que nem de hervas do
campo le fartáo. Vivem fempre nos ca.npos fa-
zendo vida agrcíle, 6c bruta. Ha ncfta terra gran-
des animaesferos,5c grandes Hímasjque digerem
o ferro, faóíis Hemasanimaes que tem azasconjo
aves, mas não voaó com ellas, íómcnte lhe fervem
deajuda para correrem com mayor ligeyreza. Saó
do tamanho de hum cavallo, ôcmayores, temo
peícoço longo de lete palmos , Sc a cabeça como
huma cidra meã com bico agudo. Poenl ovos
grandes , cujas calcas grandes vemos por em as
alampadas furadas , náo ie lançaô fobre tiles , al«
guns dizem,que o goraó com os olhos,outros com
o bafo, Sc irto fe tcfa.por mais ccrto.dirigcm fcr
PÀÍJatnos o limite ^aonde chega
O Sol^quepara o Norte os carros gu/a^
Oft de jazem os povos ^a quem nega
O filho de Cítmene a cor do dia:
jíqui gentes eft ranhas lava^f3 YegA
^0 negro Sonagâ a corrente frtà.
Onde o Cabo Ar finaria o nome perde^
Chamandojfe dos nojjos cabo Verde^
V^JJãmot o limite aúndt chega, « Sol tjue paru § Sfifi
«os carrofguta. Os Poetas atinbuem ao Sol carro
com cavallos , em que dá luz ao mundo como dis
Ovidio nas Metaraorpholcs aonde põem os no-
mes dos cavallos.
O filho dt Chmene a cor do dia.O filho de Climene
he Phaeton o qual como fingem os Poetas , foy
cauía de os negros terem a cor que tem: fobre ci-
ta matéria veja-le o que fica efcnto atrás no pri*
m eyro canto oy tava 46. Sc a razaó pi rque os ne*.
gros tenhaó a cor negra fica também trattado cm
outro lugar no canto i.oytava 105*
Do Negro Sanagâ a corrente fria, O rio Sanagâ di*
vide a rerra dos Mouros Azenegues, dos prm^ey-
rob negros de Gume, chamados Gelolos» Hiero*
nymo Gyravalhe chama Sonagà na íua Colmo*
graphia , Sc Olinario lobre Pomponio McUa i Af*
ncge , dcfte particular trattámos ao diante neíta
mclmo canto.
Onde o Cabo Arfmario o nowt perde* Entre dous
rioSjSanagájde que atras fizemos mcnçaô,Sc Gam-
bca,dc que trattámos adiante,eítà hum pedaço da
terra a que os Portuguczes chamaó Cabo verde,
&Pcholomeo, & outros Colmographos , Cabo
Arfínario» DeíleCabo, Sc dos nos que o cercão
trattámos adiante.O que o Poeta diz nelta cytava»
ro,o que lhe procede de quentura grande do efto- he que tinha a noíla armada pafiado o Trcpico dô
mago. Os machos laó negros,5c as fêmeas pardas, Cancro , que he o limite , Sc baliza, que ten» o Sol
8c brancas. Das pcnnaslefiizcm os penachos. Dts da banda do Norte: na qual paragem eltáo os po*
negras ficaó negros,Sc das outras cores fe tingem, vos Azenegucs,5c Gelofos. Veja-fe o queelcrcve*
& fazem da maneyra que os cá vemos» Caçaô-fe rnos no canto 8.
eftas aves a corço,a cavallo cora lanças, ou arman«
dolhe pelo cammho humas cordas com humas na-
valhas, com as quaes le cortaõ, Sc aílim le tomaó,
porque em vendo Tangue efmorecem, Sc demayaó
de modo , que não podem dar maispafío. Eílas
couíasfoubc dequem as vio , &caçou por muy-
tas vezes. Os Autores que delias eícreveraó póJe
ier que nem as viraó, nem tiveraó tão cerra rcli-
çáo. O natural delias Henvas hc criuríe em gran-
des delertos , quaes faó eftes dos Azenegues,' pelo
Gue naquellas partes ha muycas, que he nos con-
fins de Berbciia , Sc ILihiopia , como aqui diz o
Poeta.
s
PJfadas tendo Jâ as Canareas Ilhatl
^e tíveraõpor nome Fortunadas^
Entramos navegando pellas filhas
T>o velho He fper to, He/per idas chamadasi
Terras por onde novas maravilhas
Andarão vendo jâ nojjas armadas ^
Alli tomamos porto c6m\bom vento»
Ter tomarmos daterra mantimento»
Va)Jad«i tenâojÀas Canareat Ilhas» Eíías Ilhas,'
que em noflo tempo íc chamão Canareas,faô cha-
madas por todos 05 Aiuoresantiguos Fortunadas,
que quer dizer btir.avcnturacias , por ferem pcJa
mayor parte abundantes, h fertis.ainda que as ei-
tenles o faó demaíiadamcnte : Sc faõ doze, a Graó
Canarea , Palma, Gracioía , Interno , Alegrança,
S&nta Clara, Roque. A dos Lobos , LanÇciroi;e,
FoKíe vcnturajFcrro,&: Gomera. Das quaes Lan-
çarote, Forte ventura, êc Ferro delcobrio hum
Gavalle^-ro Franccz,pornoníe Joaòde Betancor,
& a Gomera hum leu iobrinho chamado Maciot
Canto ^àntôl
paiccer, quc ifio não he âeté: h tèrtierídadé Te*
na affirmar por certo huma couiâ em que kâ tan*
ta mcerteza : no canto fegundo chama Luís de
Camões a Mauritânia Reyno , aonde viveraõ as
Helperidas, porque feiía leu pay Helpero Scnhoi*
também daquella Região , que não he mconveni- .
ente, 6c teriaó alli as hoitas com fiuytodeouro,
de que os Poetas fazem tanto alardo.pclo qucnaõ
Betancor no tempo d^El-Rey Dom Henrique o he jfto cncontraríc o Foeta , ôc quando le encon-
terceyrodc Caílella. As outras íoraódelcuber tas trarnáo he deícredito, pois Platão tem por acer-
pormandido do Iniante Dom Henrique , filho tado nos Poetas delacercarem algumas vezes , 6C
d^E,l-Rey Dom Joaó o primeyro de Portugal, aílim querem muytosquefizefle Virgilio liglog.
Depois que Maciot Betancor por conceito, que ó.Onde Virgilio põem Scylla filha de Nylo R.qy
dos Me^arenies , que foy convertida em coiuvia,
por Scyllá filha de Foico, que foy convertida emi
pedra, que hoje hc cachopo no eítreytode Mtíli-
najpor nome Scyllo,con)o diz Fazello.
1 errai por ondt novas maravúhah andarão 'Vendojil
mijas armadau lllo diz o Poeta, porque cilas par^
tesdeque himos trartando , toraó as primeyras
que os Portuguczes tleícubriraõ , como rtíere
Joaó de Barros.
. trovai maravilhai. Qiier dizer,grândcsmaravi-
IhaSjá imitação áai LaunoSjOS quaes a hun)a cou-
íh grande,Sc eípantola chamaó,novA,con^o he no-
íez com o Infante, lhe largou o direy to que tinha
nas quatro Ilhas delcubertas , a troco de outras
couias,que lhe deu, com que vivco muyto honra-
damente. Eílas Ilhas fe chamaó hoje todas geral-
mente as Canareas, pelos muytos cáes que ncllas fe
criaô, principalmente na Graó Canarea. A razaó
porque eílas Ilhas {ílÒ hoje da Coroa de Caftelia,
fe pôde ver em joaó de Barros Década i.c, ii.
Entramos navegando pelat filhai, do velho Hejpcrio,
fíefperidas chamadm. As Ilhas Helperidas, chanja-
das aflím de Hefpcro feu Rey ^ faó as que chama-
luosdo Cabo verde, fujeytas áos Reys de Portu-
gal, legundo a melhor, Ôc mais provável opinião tono aos que fabem algum Latim,
dos que bemlentem. Oque fecolligcde Ptholo*
raeojoqualdcícrcvendoasllhas Gorgadas, a que
outros chamaó Dorcadas, que fegundo o melm.o a tt isr
Pih8lomeo,& os verdadeyros Coímographos faó A -^^^^^'^ Ilha aportamos, que tomou
«s llhns de S. Tho né , & Principe junto a Mani- T\ O nome doguerreyro Òan-Tiago^
congo. Diz que ao Poente deílas cílaó as Heípe- Santo^que os EJpanhoes tanto ajudou
ridas , que conforme a navegação dos Anriguos Afazerem nos Mouros bravo ejiragoi
ellarâó os quarenta dias de jornada que Seboío ^J^aqui tanto que BortáS nos ventou,
clizaHeíifado por 5o ino,& Plinio.E os Quedizcm o- , ,/ / „
o conii ano, he pornao olharem bem os Autores , , , ^ . ,.- j ^
allegâdos, Scoítrosantiguos,quedeflamaterv* 'Uo Julgado Occeano, ^ alJi d^yxamos
fallaraõ, que legue aqui o noflo Poeta, o qual cm ^ ^^^^ a^aoude o rtfrejco doce achamos^
todas as fciencias teve grande engenho, como neí-
te hvro fe moftra , 6c hum juyzo myyto claro para y^ejaella llhaportdmoi^ <^ue tomou. O nome doguer^
determiiiar o melhor, comofezneíle particular, rtyr o Santiago. Ella Ilha de Santiago, que o Poeta
no qual hatanta revolta , que huns não Ic deter- aqui nomea, he huma das do Cabo verde, a qual
minâo , outros fogem ao-c6uto dos que não que- dcícobf ifo bum Fidalgo Genovez por nome Au-
rem briga , dizendo que as Hefperkias foraó , n^as tonio de Nolie , no anno de linil quatrocentos 6c
que hoje asnaóha, queo^maras devia de allagar, IcííentaSc hum , o qual veyo a cites Rey nos por
como temfeyto em outras muytas partes. Bem ve- certos delgoíioíí, que na pátria teve com duas
jo qwe Gonçalo Fernandes de Oviedo na lua naos,Sc hum barind, trazendo em ftmconnpanhia
Chroaieadas Antili;\s , quer que ellas fcjaô a$ Barthokmewde Noile ftíunmjò , & Kaphaei de
Helperidas,d»ndoparaiflornuytasra-zóes, Affon- NoIIe leu fobrinho , 6í pÉ>rqo€ o Iwfante Dom
lo de Saííitâ Cruzi, kyxti, fcjáo as dos Açores : Anto- Henrique entendco dcllcs, lerem pelíoâs de con-
nioGalváo Portuguez,asllHasdei).Thomé, &: fiança lhe deu licença para pederem deícobrirj
Principe. £► aflim veja como no l/lappamundi fe Eíles deícobriraã a líhfàdc Mayo , & as Ilhas S*
poemas Dorcadas a baíravento das Ilhas do Cabo Phihppe, 6c Santiago : d€quea<^u'i Miámos , às
verde , coufa de trinta Icgoas de diílancía, que fao' quaes pufera^ cites nome^-, pof relpeyto da dia etn
humas Ilhas,aondc nío hà fe não gado, 6c algumí que foraõ defcubercas. Neíle mefmo tempo eraó
pouca gente,quc por pai te de EbRey fe feytori-
2a:todas eftas cotifas , 6f rmt rw mnyías ten^ho-no-
tado , & confiderad<oí o que tenho rfiro mt parece
contormar comos Anti^uoi| , & com os qac me-
lhor lêiicem ikílíi maEcria,efda htçflv%a oque lhe
ao ra^fmó dcfeubrimento bwns criados do Infante
Dom Fernando , os quaes dclcubriraó as outras,
que por todas laó dcz,chamada? todas vulgarmcn-
tCjdoCabo verde , por cílarem ao Poente dcUc,
por diílancía de cem Icguas.
Santo
Lu/íaãas àe Luh ãe
o^fsU ^ae et Utjpanhott tanto ajadótt. Sabida cou-
fahe ier o Bemaventurado Santiago Padroeyro
dos Heípanhoes , Sc pelas Chronicasheaflàs ma-
nitclto o grande tavor , & ajuda que lempre deu
aeíta naçaó , contra os Mouros inimigos da nolla
fanta Fé Catholica , por haver pregado nella a
Fè de Chriílo Senhor nollb » o que hc certiirimo,
como com muytas razões o prova o lUuítrilíimo
Condeltavel.
D'^ae^Ht tanto ijue Boreas nos ventou. Boreas he o
Norte, couiO atlas fica dito.
W terra onde o refrefco duceachamat. Efta he a Ilha
•ide Santiago , aonde cíUveraó alguns duselperan*
tio por tempo.
lÕ
POr ai^ui rodeando a larga parte
T>e Afr k a ^que ficava ao Oriente^
^ Trovincia Jetofo^que reparte
*For diver/as naçoens a negra gentes
A muy grande Mandinga por cuja art€
Logramos o metal nco^ó' luzente ^
^edo Curvo Gamhea as agoas bebe^
As quaei o largo Athlantico recebe»
Voraofm r$ieand> a tnayor ^arte. De Africa é^uefi^
tava ao Oriente. Neíta oy tava cratta o l^oeta co;no
collsando os Portuguezes pela terra de Afiica,
pafliraõ pJa Província dos Gelofos , que laõ os
primcyros negros de Guiné , a qual he muyco
grande , & íc eftende por aquella coita de Guiné
iobre o mar Oceano Occidental : jaz efla terra dos
negros Gelofos entre dous grandes rios , & Sana-
ga , ôcGambea, osquaes tem differentes nomes
entre aquella gente, conforme aos lugares por on-
de pallaó. O Sanagâ divide os Mouros Aienegue'?
dos negros Gelotos : corre por mu) ta diltancu de
terras , até entrar no niar Oceano em altura de
quinze graos,8<: meyoj vindo das fontes dos lagos
a que Ptolomco chama Chelonides , Nuba , 8c Nu
ger.Os Portuguezes lhe não fabem outros nomes
lenáo Sanagá,donomede humSenhor da terra,
com que tivcraò paz , & comercio no principio
delle delcobrimento, pofto que o verdadeyro no-
me do rio he logo alli na entrada, Qi^iedech , le-
gundo a lingua dos Mouros , que alií moraó. O
GambcaHe por onde os noíTos vãoaorclgate de
Cantor, não tem tanta variação em nome, porque
todo cilc tem o rcfgace do ouro , aonde os noííos
vão. l'erá por linha direyta oytenta iegiias, & ca-
minhando por elle cento Sc oytcnca.porrazúódas
muytas voltas que faz : & em todo cftc efpaço o$
negros da terra lhe chamaó Gambú, & nós Gam-
béa.He rio mais caudal, Sc mais alto que o Sanagà,
porque (è metem nellc muytos rios , que nalcem
no íertaõ da teita chamada Mandinga , alUs no-
meida , & conhecida dos noflos , de que o Poeta
aqui hlla. As principaes fontes defte no Jaó as do
no a que Pcolomeo chama Nigcr, 6c a lagoa Lybia»
Camões Commentadofi 1 ^f
Pelo que dizem alguns que o Gambea i SrNiger
íaõ o mefmo no , ôc que aflim o affirmaó os natu-
raes da terra , como refere Luís dei Marmol , na
Defcripçâo de Africa. A terra quejaz enrrc cites
dous nos faz hum Cabo, que Ptolomeo chama pro-
montório Arffinario,€c os Poriuguezes Cabo ver-
de , ao qual poz eíle nome hum Diniz Fernandesi
criado d'El-Rey Dora Joaó , & morador cm Lif*
boa, que o dcfcobrio. Chama o Poeta ao no Gam-
béa Curvo , por fer íeu curfo cm muytas voltasj
principalmente do lefgate atè entiar no mar em
altura de treze grãos 6c meyo ao Sueíte doCabo
que chamamos V^erde. Eftas voltas, que faz, íaõ
cauía de navegarem os noflos navios melhor por
elle acima, por virem as aguas com menos ímpeto
do que vieraó le feu curlo tora direyto.Mandingai
hc Província grandiffima de negros, donde vem O
ouroá Cidade de Tungubutú , que eltátrcs lé-
guas dorioSanagá, da banda do Norteia qual Ci-
dade por eíle rclpeyto concorrem muytos mora-
dores do Cayro, Tunes, Oraó, Trcmcflem,Fez,
^l arrotos , & outros Rcynos , êc Senhorios de
Mouros,6c he boa graça haver quem diga,&com-
mcnte,que Mandinga he rio.
E logramoi o metal uco, & luzente. Metal rico, SÊ
luzente he o ouro , oqualvcui cm grande abun-
dância da terra Mandingâ,coino Hca dito. A ter-
ra que hoje chamamos Guiné , que hc toda a Re-
gião do rioSanagà tomou nome de huma Cidade,
que tila nas correntes dcííe rio chamada Gena , a
qual foy antiguamente muy frequentada , por ra-
zão (So ouro , antes que viclle à Cidade l'ungu-
butu. Os moradores da terra chamáo a efta reguô
GcnajOU Gcnij,nÓ3 commummente Guiné,
AST)orcadas pajfamos p9V0aaas
T)a5 irmãs i q outro tempo alli vivtãòj,
^.e de vijia t ot ai fendo privadas ^
1 o das três de hum lô\)lhofeferv'tãoi
Tafò^tu cujas tranças encrefpaãas^
Neptuno Jà nas agoas acendião^
Tornada jà de todas a mais fea,
T>e víboras enchcjie a ardente areal
Ai DorcaJas paffamos povoaJat. Dai irm^s^ue ou-
tr» tempo alli i'/i;;<íõ.Phoico Kcy das Ilhas Corlega,
& Sardenha, teve três filhas, Éuriale,Eílheno, 6c
Mcdufa, eftas dizem os Poetas, que não tinhaô to-
das três mais que hum ló olho de que fe lerviaõ,8c
que le chamavaõ Gorgones , por refpeyto das
Ilhas Gorgadas,ou Dorcadas,aondc habitavaõ dAS
quacs íica irattado atrás ncfte meímo canto, oy ta-
va 8. Tm/í r/» cí*\ai trancas encrefpaâuí. Efta he Mc-
dufa. Veji-fcoqueefcrevcmos nocanioj. oytaya
yó.Qiianto a cfte fingimento deitas três irmâs.que
tinhaô hum lò olho porque leíerviaô, hc porquê
todâb craó rnuyto fennolas , & convertiaó cm pc-*
Ta tiia$
dias todos osqiie as'olliáva5, porque com fua vil. labido efte Bcmaventurâdô Santoi não Tc ãch?lii3
Kijfaziaó que os homens lelheaíFeyçoaflem muy- do depois da Relurreyçáo cie Chnfto Noílo Se-^
to. nhor com os mais irmâos,&: companheyros,quan-'
^ artientearea.He a terra, de AFrica,aqual chama do leu meílre lhe appareceo , dandolhe conta os
srea ardente , por haver nella grandes areaes , ÒC outros Dilcipulos, como lhe apparecera leu Mcí^
niuyto mfcítados da grande*lqucnturadoSol. tre , ôc o viraó com as Chagas abertai.diflb ,que
lornadi^dde todafumaufea. Pelo que nella fez naó havia de crer tal, fe com Teus próprios olhos <i
r«llas,que lhe converteo os cabellos em cobras, 5c nãovillc , òc com luas mãos lhe não palpaíle as
s
ChagaSjOqucChriftoNoflb Redemptorfez com
muyto golt©,chamandoo,& dandolhe licença que
tocaíie, & meteíle a maó no lado,& muyto de va^j
gar le ccrtificalle da verdade do calojcomo Ic con-
ta cm o glorioio Apoítolo, & Evangelifta Si JoaS
^ pa»a Com a duvida deíle Sanro Apcltolo ficaf
nolla Fé firme , & a elpcrança mais certa , com o
Empre em fimpara o Aufiro a aguda f roa exemplo da culpa do Difcipulo, & da brandura,5c
aos olhos deu propriedade de converterem pedra
tudo o queolhalicm. De viberas rncbejie a ^ardentt
fitea. Veja le o que fica elcrito de Medula no cantb
s.na Deicripçao de Africa oytava i.
No gr andijfimo golfão nos metemos^
'jjeyxando aferra aJperYtma Lioa^
Co Cabo, a quem das palmas nome demos:
O grande rw^onde batendo foa
O marnasprayas notas ^que allltemosy
Ficou.co a Ilha illuftreiquetomrd.
O nome de hum^que o lado a ^Deos tocQU%
miíencordia tão ufada do Meftre , & daqui diz o
Bemaventurado S.Gregono , que mais devemos à
infidelidade, & duvida de S.Thomé , que a dili-
gencia , & prefteza coid que os outros Diicipulos
crcraó. Quanto ao tempo cm que efta Ilha le del-
cobrirte,õc quem folie o, Autor deíle defcobrimcn-
to não ha certeza, como lambem a não hà de ou-
tras muytas coulas que acontecerão no temp3
d^El-Rey Dom Afi^onlo o Quinto , ou por falta,
Stmpreemfimpara o Aufiro a aguda proa. Cortti^ & negiigeiícia dosChronilhs daquclle tempo, oa
por le perderem, 6c conluniirem os papeis, Sc me-
moriai, daqucila idade , fuzendo o tempo nella iei
oíHcio ) como em outras coítuma.
M
nua o Poera a navegação dos Portuguczes para a
india,os quaes coxeando a terra de Aí i ica lev'avaó
Sd proas pura o Sul, baleando o Cabo de boa Elpe-
arnça. OvS«/ Nomea por eíla palavra, Auftro, que
íí« vento que fopra daqucila parte , a que os Gre-
gos chan.aõjNoto, 6í nós em vulgar, Sul,ou Ven-
daval.
Por GolfaSgrandiffi/tío.Kmendt o mar,termo de
fallar muyto u fado entre os Poetas, osquacscba-
ináoao margurges.ltagnum, &clacus,que laõ pa-
lavras de pouco tomo Sc fignificaçáo , porque ^/^^r e//e lar^omar emfm me alongo,
curees.hc a parte profunda de qualquer no, ítaa- ^-^ ' . j (r, , , r^ ,■ n ^
Sum tanque! &lacus a lagaa,& em termo vilgar, ^^^onheado Tolo deCahJh.
golfaó henome que lenão pôde accommodar fe- Tendo O termino ardente ja paljado
não ao mar , ao qual os Latinos chamãoy/««i, co- Onde o meyo do mundo he limitado,
mo grande goltaóde Africa,daPerfia ,o Gange-
tico, adriático, o de Marcelha, & outros:8c quan- Allio muy grande Reyno t(iá de Cfinp.O Rcyno ds
do o vocadulo fora impróprio com o epitheto de Congo toy uticubertopor hum Diogo Cam Ca*
grandiíTi mo, ficava concertado como Virgilio na valley roda Caía d^ El- Kcy noannodequatrocen-
Éncida. Afpartnt rari nantei in gurgtte vajto, & em tos oy tenta , 6c quatro , o qual por ordem deíle
A LU O mUy grande Reyno effà de Congt
*Tor Tiòsjà convertido â Fe de Qhnjh
Ter Onde o Zayrepaffa claro^^ longo ^
Rto pelos antigos nunca viflo:
outra parte: Per jiagna immen f a, la cu (e^u€,pe\ os Hn-
quês, Sc lagos grandes, Pus aqui ilto, porque não
falta quem reprehenda ao nofio Camóes , ufar de
golfão grandiííimo pelo mar,rendo vocábulo, que
a nenhuma outra coula le pôde accõmodar. Diz
logo o Poeta nella oytava que hindo os Portuguc-
zes ao longo da coíba de Africa, le fizeraô na volta
do Sul , na qual viagem palláraô a lerra Lioa : o
Cnbo das Palmas, Sc o grande no Zayre.que paíla
pelo Reyno de Congo,do qual trattaremos na oy-
tava ícguinte.
C'* a tllufire liba e^ue tomou > O nome de bum cfue o
lado a Dm mow.Eíla Uiva he a de S.Thomé,a qual
mef;no delcubridor fe começou a converter á Fé
deChrilto, como dizjoaó de Barros na primeyrt
Década liv. 5. c,^
Vor onde o Zayre pajja claro, é^ longo, Eíle rio dei
cobrio o melmo Diogo Cam que atrás nomeamoi
neíla fua viagem , em que dclcobrio o Reyno d
Congo, o qual por muyto tempo foy chamado rio
doPídraó , por caufa de hum que o leu defcubri-
dor ao longo dellepoz , & como quem tomava
pofie por parte d" E.l-Rey,da Coíla que atrás dcy-
xava delcuberta. Hoje le chama rio de Congo,
por atravcílar hum Reyno do mefroo nome, ainda
que c leu nome entre os naturacs íeja Zayre , mais
iicnieya poreílesrodeyos , porque comoheaílás notável , Sc iliuílre por aguas, que por nome, por-
- que
I
íupaàas de Luis de Caffioes Commentaàoi, i4.t>
^ue ftõ tempo em que naqucllas partes he Inver- mos na Europa, nova » 6c não vlíla.' NovatfireUa,
no, entra tâofurjolb, &: loberbo pelo mar, que a •""• "^
Vinte léguas da Cofta íe achaó as aguas doces. He
rio muyco grande , tem Tuas fontes no íertáo den
iro no Reyno de Congo, em huma lagoa que tem
certas lih.tas feytas delia meíma , donde o Zayrc
começa , nas quaes vivem hans negros chamados
Eíle Hemilpherio da linha por diante,diz o Poeta,
que foy alguns tempos incógnito , &;elcondido
aos moradores neítas partes da nofih ILuropa , o
qual como fabemos por razáo da ETphera, òc pela
experiência nâo hc parte tão acompanhada de £l-
trellas , nem tão clara , Sc reíplandcccnte como o
Mudsqaetes, lujeytos ao Rey de Congo, ao.qual noíTo Norte. Tem eftc Polo Antarâ;ico,quehe o
03 naturaes chamaó Manicongo,porque Mani en
ire cllcs quer dizer lenhor,ôc daqui Manicongo
ioa tanto como Icnhor de Congo. Diz o Poeta
que eíle rio não foy conhecido dos Antigos, por-
que não tiveraó noticia, nem conhecimento dcl-
le.
Do conhecido polo de Calyflo, Polo de Cal y fio co*
mo fica dito he o Norte. Tendo o termino Arden'ejâ
^«/«(-/o.Pâíladaiaalinha a que chamamos tenTiino
ardente , por onde o Sol faz feu curfo comam :n*
jnente.Chamamos a eífa linha Eclyptica, porque
fcomo heocammhodo Soljosecclypfesdo Sol, Sc
Sul, de que hiraos fallando, quatro eílrelias a mo-
do de Cruz , em as quaes (empre anda huma nu-
vemzinha branca , que lhe apaga a claridade , 5c
junto a eílas quacro ha outras tres,que lemclhaõ o
noílo Noitc.Ptf/o /íxfl.Hecílc Polo Antarélico, no
canto primcyro , oy tava 24. trattey dos Poios do
mundo : chamãole fixos, porque naó fe movem,
movendo-íeo mundo todo fobreelles.
^itte outra terra comece^tu mar acabe.\X.QÍQ\\iX.2i cou-
fahj lem duvida alguma , ler toda a terra deícu-
berta , §c navegada do jLefte a Oefte , quafipor
onde o Sol andaimasde Sul ao Norte , aflimde
J-<ua, as conjunções, oppofiçóes , 6c aípedos dos huma parte como outra, ha muy ta diíFerença, & a
Planetas não fe póJem tazer em outra parte do
Zodiaco fe nâo neíU.
Onclt o mep do mundo he limitado. Afiím como a
eclyptica parte pelo meyo o Ceo,aíIicB outra linha
jquelhecorrefpondc aellanaterra , apart?, pelo
que diz aqui o Poeta , que naquella paragem he o
ineyo do mundo. Dcílas linhas , ou zonas \nwj'\^
^adas no Ceo , fe veja a noíla annotaçaá no|tcr-
ccyro canto , o y tava 6,
Jy4^ defcubevto tínhamos diante
La no nov9 Emisferio nova eflrella^
Nam vifta de outra gente ^que ignorantes
^Iguns to tipos efteve incerta delU:
Vimos aparte menus rutilante j
£ por falta de ejirellas menos bella^
'Do To Co fixoyonde indafe nam f abe ^
^ue outra terra comece ^ou mar acabe t
LÀ no novo Hemifpberio nova efirelía. Como o
mayor parte eftà por deícobrir , que hcoqueo
Poeta aqui diz, que da parte do Sul naó há certeza
de rerra alguma, ainda que fe lufpeyta havela, por
refpey to do eílreyto de Magalhães.
ASfipajfando aqueilas regiieSt
'tor onde duas vezes pajja Apollo,
'ÍDohs Invernos fazendo, é^dous Verões,
Em quanto corre de hum a outro 'Poio:
'Por calmas ^por tormentas fi^ opprejjoes
^f (empre faz no mar o trado Eolo^
Vimos as %)rjas a ^efar de JnnOy
Banhar emfe nas agoas de Neptuno»
Afji pajfando aqueilas Rtgtoes, Ptr ande duas vezet
pada /ipoUo. Apollo he o Sol , chamado afiim da
particula A. privativa, que quer dizer lero,& poli,
muytos porque ló elle dá luz ás terras , & toda a
que tem os outros Planetas , & cftrellasa rece-
bem delle.Eítas Regiões por onde pafla duas ve-
xnundo he redondo,daõlhe os Latinos, & Grego> zes fazendo dous Invernos, & dous veróes,faó as
I)omcs conforme a fua figura, porque os Latinos Ilhas de S.Thomé, Príncipe, & outras que eltaõ
Jhechamâo Orhts^ que quer diz^r redondez, 6c os debayxo da linha , nas quaes faz efta variedade
Gregos Elphera, que fignifica o mcfmo.Eíla Ef- quando caminhado Trópico de Cancro para ode
phera, ou mundo repartem em duas pirtes, que Capricórnio , que entaó faz hum Inverno , &
çhamao Hemifpherios.hum íuperior,&: outro in* quando torna do Capricórnio para o Cancro, ou-
tenor.Hemilpherio fupenor lechamaameyapar- tio como experimcntáo os que paíleão aquelle
tc da redondez do mundo, como lerii tudo aquil-
lo, que eílando nós em algum lugar chaó , ou
monte ako , viflemos ao derredor como moftraa
figura ^. Hemifphcrio inferior Chamáo áquelia
partedo mundo, que cae debayxo dosnoílbs pés,
na qual moraõ os Antipodas , que íiiõ os que mo-
raó nas partes Auftraes , como fe vé na figura B.
chama o Poeta aqui novo Hemifpherio aquelTa
parte,que cae alem da linha,por fcr aos que mora-
CHma. E o Poeta dá a entender claramente , di-
zendo, que o Sol faz cites dous Invernos , 6c Ve-
r(3cs,em quanto atravcílando alinha pafla de hum
polo a outro.
§iuj lemprc faz, no mar o ir aio Eolo. Eolocomo di-
zem os Poetas , tinhaó os Antigos por Rey dos
Ventos , & queclle os tinha , Sc lolt;iva quando
queria,como elcreve Virgílio na Eneida. Veja-íc
a noíla annotaçâo no canto i.oytava 58.
Vmit
iS
'^ tanto §^titt^l
lítmot ai Xlrfaià féíar h iuno* Banharem-fe nas
atuíii de Nepf«»o.Contaó as fabulas,qu« depois que
Arcas filh» de Júpiter matou a lua roây Calyfto,
que andava pelos matos convertidaem Urla, Ju-
|)iter os poz ambos no Ceo.Sc fez delles eftrelias. V ^^ ^ marítima gente tem por falitK
bentida muyto Juno difto, deu conta defte aggra- £fn tempo de tormentai^Bvento efquivo
vo, que feu mando lhe Hzeia,a ThetYS,& a Oc«a. cj^g tempeftade efcura^à' trifle pranto:
^ T Idaramente vijio o lume vivol
tiOjíenhores do mar, os quaes lhe prometerão que
^ílas eftrelias não íe banhariaó nas fuás aguas co-
roo as mais eftrelias, & Planetas faziaõ. Eftas Ur*
íascftáo como meyo grão do polo ao derredor do
qual andáo. Saó as que chamamos guardas do
Korte , não lazera feu curío como as mais eftrel-
ias. E porquç femprc as vemos , & não le nos ef-
condem como nas mais íuccedc , dizem es Poetas
Natn menos foy a todos txceffivo
Milagre ^^ couja certo de alto efpanto,
yèr as nuves do mar com largo canoy
Sorver as altas agoas do Occeano,
V't claramente vifio o lamt vivo.^at a rttariúmàgt^ííi
te tem por jante. Começa o Poeta a trattar dosca*
quefc nâobanháo no mar a petição de Juno que fos,que a gente do mar conta por certos. O pri-
acaboucomTethys IcnhoraUo mar , quenáaen- nieyroheo lume lantojcomo lhe chamaó osmari^
traílcm nas luas aguas , Sc o que o Poeta aqui diz, nheyros , 6c comir.ummente os Portuguczes S.Pe-
qje apçzar de Juno as viraò banhar , he porque clro Gonçalves , &: os Caftelhanos SandeJmo,
paliada a linha tica o Norte cncuberto, 6c parece que tudo hc hum, porque o Bemaventurado San-
que íc mete no mar,,Ô{Jdalli por diante U govcr- lo le chamava Pedro Gonçalves Telmo , como Ic
não pelo Sul. póJc ver na lua vida que elcreveo Frty Vicente
/iguai de Neftuno. Saó aguas do mar,como fica j uftiniano da Ordé dos Pregadores. Aparece or-
ditoem muytas parccs.Efta fabula de Arcas,Sc Ca- dinariarr.ente em tempo de tormenta ncsinaílro»
lyllo conta Ovídio nas Metamorphoits.
CT OntArte longamente as pífigofaí
j Cou/as do mar^q os homés naÔ entendem
Súbitas trovoadas temero/as,
Beíampagos^que o ar em figo acendem*.
Negros (Jibuvjyros^noytes tenebrofas^
Bramidos de trovões ^que o mundo fendem ^
Nam menos he trabalho que gr ande nto^
Amda que tivejfe a voz de ferro,
Atnda ^ut tiveffe a voz, de ferro, He termo Vor»
dss nãos, piques dos loldados, 6c em outras partes.
Mas como Deos Noílo Senhor para legurança do
i(U povo ulou do arcc,a que commum mente cha-
mamos da Velha,de que atlas fica trattado. E ka-i^
tio couía natur il , quis mofti ar por elle i que nâ(
haveria mais diluvio nas terras , aífim lepódcdií
zer , que efte lume de que os Antiguosfaliàraój
com ler coufa natural, 5c fabida,ufa í3eos dcile,
quer que o leu Bcaventurado Santo S.Pedro Gon«
çalveís por efte meyo , & cem elle final ajude aos
navegantes. Saó iegredosleus, 6í osque lerem a
vida do Bemaventurado Sanclielmo , le afteyçoi-
raô muyto a crer ilto , pelo que os marinheyrosla^
bem aconielhadoâ continuar com lua devoção.
Sorver dt altas agun do Oceana. Ifto que o Poeta
tico, & muyto uíado para encarecimento» A eftc aquidizdasnuvens.queviodecerdoCeo, Sc re-
jnodo Virgílio na lun Eneida. Nfnmibi fi lingua
centum (int,oraijue centuta^ férrea vox. Ainda qut te-
nha cem linguaSjSc cem bocas,Sc a voz de ferro.
17
OSca/òs vhque os rudes marinheyros^
^e tem por mejira a longa experiência coufas luccedem que íaô naturaes , outras lobr
ceber agua em fi,& lançada outra vez, elle nieim*
mediíica mim,queo vir.i muytas vezes: &o mef»
mo me difleraó outras peftbas que o viraó , & que
a agua que lançavaó as nuvens era doce,eomo diz
o Poeta neíle canto. Saõ couías áo Cco , & os ho
nnens eftamos na terra da qual fjbemos muyr
pouco,quanto mais do que pafia no Ceo.Muyt
1
Contão for certos fempre^^ verdadeyros ,
Julgando as coufas fó pela apparencta:
E que os que temjuizos mais inteyros^
^e fô por puro engenho,^ por fciencia
i/em do mundo osjegredos efiondidos^
Julgãopor falfosyou mal entendidos.
Oi cafoí vi , ^m «itujot marinbeyroi. Que calos
cftes fejaõjconla nas oytavas que fe feguem.
naturaes, cujo legredo Deos guarda para lí,8c com
tudo alguns atrevidos lhe querem dar íahida,na<
fe entendendo a fi*
IP
ET? o vi certamente ,( ònamprefumo
^ueavifta me enganava^evantarfe
No ar hum vapor finhofÁ fútil fumo t
E do vento trazido rodearfè:
"De aqui levado hum cano ao 7^ o lo fummè
S^ Via tom dtlgadoyque enxergarfe
Vi
Lufíaâas de Lu is àe
^õs olhoífaciMente nam podia,
^Da matéria das nuvês parecia,
Euotfi certamnte. Neíla oytava, &: nas tres fe-
|;uinces conca o Poeta o modo que tinhaó aquéU
las nuvens , que lorviaó a ftgua , êc de que proce-
diaó. Vay em cílilo taõelegance, Sc palavras tão
claras , que nenhuma neceliidade tem de declara-
%'áo.
20
HIafe pouco f& pouco acrefcentandoy
E mais q hú largo mafto fe engrojjavà^
jíquife ejirâyta^aquije alarga ^quando
■K)s golpes grandes deagoa em/i chupava:
Mftava/e co as ondas ondeando^
£m cima delle^ huma nuvem fe efpejfava^
JFdzendoJe mayoryfnais carregada,
Co a carga grande de agaa em fi tomada.
Grandes golpes d'' agua em fi chupava, He termo
Çorcugucz. p<tra dizer grandes pedaços , ou gran-
de loma de alguma coula , dizer grandes goipcs,
como aqui o Poeta.
21
Q Uai roxa fanguefugafe veHta
Nos beyços da almaria,que imprudente
Bebendo ^a rdcolbeo na fonte fria.
Fartar do Jangue alheòa fede ardente:
Chupando fHais^é* mais fe engrú/fa/S cria^
jíllife henchet\êfè alarga gr anaemente^,
Tal a grande columna enchendo àHrHtnta,
Apj& a. nuvem negra que jujltnta,
*»
• (^alroxa Sangt4tfuga, Sangilefuga.he a qué cor-
ruptamente chamamos lari)beXuga , bicho aílas
conhecido.aflim ellc como lua qualidade, qUe he
thupar ó Tangue do lugar aonde le põem. Cha-
, ina-í"é aífim dt duas palavras Latinas, /âagM/i, que
hfo langae,ac /«go,chupal-, por etta ler íua natu^
reza.
A fi,& a nuvem negrfi.ejue fafienta. Porque párc-
Iriateraquellanuveni (obreíi , 6c íuílentaíà , que
ftáo cahiilejou pela agua que lhe dcytava.
22
M/^s depois que de todo fe fartou,
O pè/juetem no mar ajirecolhe,
Epelo Ceo chovendo em fim voou,
^Porque co agoa a jacente agoa molhe:
As ondas torna as ondas ^que tomou ^
Mas ofahor dojal lhe tira/^ tolhe ^
Vejaô agora os fahios na ejcntnraj
^efegredosfàõelles de natura^
Cdmoes Commentadosl If 1
As ondas torna as ondas <juc tomou. Onda vem de;
««ia no Latim , que quer dizer agua : diz aqui o
Poeta , que aquella nuvem tornou as aguas ao
mar,dondè a9 tinha tirádâs,màs com difíérente Ta-
bor, porque fendo as do mari donde aquellasTahi-
raõ falgadas , caindo da nuvem que as recolheo,
não traziaõ o tal labor, couía certa para notar,cni
a qual os homens daràõ tão boa fahidacomo daó
cm outras , que preíumptuoíamente querem de-
clarar,lendocoulas doCeo, & reíervadas á Divi-
na Mageítade , cujo conhecimento nos impoita
rouytopouCo para nollafalvaçâo.
SE os antigos Vilofofos^que andar aõ
Tantas terras por ver fegredos delias^
As maravilhas ^que eupaf/ey,paj]âraõj
Ataõ diverfos ventos dando as vellas:
^e grandes efcrituras^que deyxàradl
S^e infliu çad de fignos j!p- deejirellasi
^tv eJirahhezaSjque grandes qualidade si
E tudojfem mentir^uras verdades^.
E tudofem mentir. Porque os Antiguos diíleraô
itiuytas couias não muyto certas, porque não tive*
raó experiência delias.
24
sr
AsjâoTlaneta,queno CeoprimeyrOf
Halitaycinco Vezes aprejjada,.
Agora meyo rofto^agora inteyro
MoJfràra,em quanto o mar cortava armada^
fiando da etherea gávea hummarinhtyro,
'ítronto co avifla^tena^terra brada .^
Salta no bordo alvoraçada agente^
Cos olhos no Orizontedo Oriente,
Mas \à o Planeta, efue no Ceo primeyro haiita, O
primeyro Planeta , & mais junto a nòs, he a Lua,
por eíies rodçQS de fallar aíiàs Poéticos, & de que
os Latinos Pt)era§ muyto ufaô. Dizque depois de
paliados cinco tntíts , que Tahiraó dabaira de
Lisboa, houvera© vifta da terra, que foy hum Sab-
bado ^.dias dò mcz de Novembro , ás nove horas
dn dia , córll que todos íkáfaô muyto alegres , &
contentes > cnmo contdõ ós noflos Hiíloriadores
logo no principio dertedelcobrimento.
guando da Etherea gávea hum marinhe ^frcGivez
Etherea,qucr dizer,gaveàalta,de lithcr,que quer
dizer o Ceo.
Cos clhoí n» ÚUzonte do Oriente.OuioÚtc ncíiuni
dos CÍftuIoS (tIayorcSda Eíphera , quís divide o
Ceo cm duas partes iViiaes.deyjiandoàiíiètade lo-
bre a tcría,5<.a outra dobayxó.Tòma-lctânibefn
poraqutlwí eípaço' ♦ quccôm os olhcs podemo?
ver , & ntftafig-niííraç^ap tornou íiqui o Poera,
Veja- ic u noili annoraçHo no canto Icgundo oy-
lava 13. 4
í'%i
i5
{^am^míòl ^^ ■ •_
^e tomarão for for fãim qUãnto apanha
^JJe mel os doces favos na mo ntanha.
Manéyradenuvesfe come f ao
Adejt ubrtr os montes ^que enxergamos
As ancoras pe fadas Je a dereçaõ^
As vellasja chegados ^amaynamos',
£para que mais certas fe conheçaô
As fartes taÒ remotas ^onde eflamos^
^elo novo mfirumenío do Ajirolabio^
Invenção de fubtiljutzojífabio.
Velo novo inflrumento do /i^rolabto^, O modo dô
navegar por Altrolabio foy achado em tempo
d*lLl*Rey Dom Joaó olcgundo, pordous médi-
cos do mefaio Rey.Eíle inftrumento foy logo no
principio de pao,hoje ie colluma de metal, muyto
niais apurada , & concertadamente. Serve aos na-
vegantes para tomar a altura do Sol,para fabererti
o iugaraonde eítáo. Quis Noflb Senhor acudir íadojporquecomaaufcnciadoSol eílas duaspar-
^châmos ter de todo j4 paffado. Do Semicapro peyxé
-agrande Meta. Diz que tomada a altura do Sol pc*
lo Aftrolabio acháraõ eftar alem do Trópico de
Capricórnio hum dos doze Signos celeílesjO qual
aqui entende por Semicapro peyxc» que quer di»
zerpeyxc mcyocabra,porque o Pintáo os Poetas
com figura de cabra , & rabo de peyxe , dando a
entender, que quando ò Sol entra na fuauhima
parte, coftuma haver muy tas chuvas* & tempclla-
des. Pelo que lhe chamáo também os Poetas, hu*
midoj&gozero , bode húmido. O que o Poeta
aqui quer dizer j he que fe achavaó alem do Tró-
pico de Capricórnio , que he a meta , 6c baliza do
Sol, da banda do Sul , & que eílavâo entre eftc
TropicojSc o Circulo Antardico, que heo Sul, a
que chama o Circulo Auftral,por ventar daquella
parte o vento Auftro,de que atrás fallámos,& ge»
aos que navegaõ com eíte remédio , paraque o fi.
zeílem melhor, 3c mais feguramente* Porque an-
tes de toda a navegação era ao logo da cofta,ievã*
doa íempre por rumo,da qual tinhaõ íuas noticias
porfinaesdequc taziaóroteyros.Baftava ifto nos
principies para o negocio do defcobrimento , o
que he muyto differente , para quem íc ha de en-
golfar no mar , & perder a terra de virta, que fem
tlte iníhumento houve mil perigos,& enganos.
16
D E/embarcamos logo na efpaçofa
'FartCypor onde a gente fe efpalhoUj
T>e ver couf^s eflranhas defèjofa
'De t erra ^que outro povo naõ pifou;
^crèm eu cor Tilotos na arenofa
^rajà, por vermos em que parte efíou.
Me áttenho em tomar do isol a altura^
E cbmpafar a univcr (ai pintura
tes do mundo Norte, & Sul, Taó muyto frias. Qus
couía feja Trópico fica dito no canto }. oy tava ^*
i8
TOrvadõ vem na vtfla^como aquelhl
^te naôfe vira nunca em tal eftremòl
Nem elle entende a nôs^nem nos a eíle^
Saivàgem mais que o bruto Toíifemo:
Come folhe a mojirarda rica pelle
2) e Lolcos o gentil metalfupremo^
A prata finada qumte fpectarta-i
A nada difio o bruto fe tnovia*
Torvado vem na vijla. Conta o Pôeta,como ci-
tando na prayá tomando o Sol, Sc vendoapara-
jcm cm que ertaváo , houveraô às mãos hum ne-
gro , que tomàraó andando apanhando mel pelo
matOi o qual diz que era mais bruto, & falvagcm
que o Polyphcmo.Eíle Polyphemo foy hum Gi-
gante, filho de Neptuno , Sc da Terra, do qual os
E compalfar a univerfal pintura. Ido dh,porq\iC Poetas contão grandes coulas entre outras » que
álemj^de tomar a altura do Sol pelo Aftrolabio, tinha hum fò olho tia tcft;i, ião grande como hu-]
lançavaó também fuás medidas , Sccompaflosna ma grande rodela , Sc que morava em huma cova;
carta de marear , a qual aqui entende por univer- em cuja entrada tinha huma pedra que vinte 5c
lai pintura ,oquefaziaó para laberem a dirtancia dous carros anão podiaó levar.Efte olho lhe que-
dos lugares,Sc o que tinhaõ caminhado.
^7
Achamos ter de todojàpa[fado
T>o Semicapro peyxe agran^e meta,
Efianáo entre elle.à' o circulo gelado
\ Auftral parte domundo mais fe creta.
Eis de meus companheyros rodeado f\
■ Vejo hum epanho vir de pile preta.
brou Ulyííes, o modo que teve para lho quebrar,
Sc a cova em que morava delcreve Homero na
Odiflca , que he por ordem dos Latinos o livro
nono nofin>. Chamarlhe o Poeta aqui bruto, he
pelo que os Poetas delle dizem , porque o pintaó
fcro.cruel,matador, Sc comedor de carne humanp.
Cormçidhe a mcfirar de rica pelU. De Colchoi o gentil
metal (upre mo. Entende O ouro , SccomoPoeta
aqui o dizer tão claramente per eítas palavras: O
gentil mctàl lupremo , não falta quem declare
brocado , que he boa galantaria, (vhama ao ouro
felle de Colchos, porque naquelle lugarem hum
Templo
"^ Lttfiadas de Luís de Camões Commentadôf,
Templo dedicado a Marte eítava a pellede hum
<carncyro com fua Iam de ouro , a qual Phrixo íi*
&0 d*El-Key Athamante lhe offereceo em me-
moria do bom íucceílojque tivera em efcapar das
mãos de iua madrafta,que o queria matar. Eíle he
o vcllo de ouro tão celebrado entre os Poetas , a
cuja conquillA hiaóde todo o mundo. Sobre a
^ual faz Valério Fiacco hum livro a que intitulou
argonautas , por amor daquelles Fidalgos de
Grécia , que foraõ na nao Argos a eíU aventura
ilcftc rcllo,queellava em Cojchos,
ni
32-
O Batei de Coelho foy deprejfa,
^Felo tomar ^mas antes que chegaffe^
Hum Ethiope oufado fe arretnejfa
Aelk^porque nadfe lhe ifcapajfe:
OutrOt& outro lhe faem^vejje emfreffa
Vellofoyfem qtie algum lhe alli a/uda^e.
Acudo eu logOj& em quanto o remo apertff^
Se moftra hum bando negro dejcuberto.
25>
MAndo moftrarlhe peças muy fomenos^
Contas de enfia Imo tranfparente^
Alguns Joantes cafcaveis pequenos^
Hum barrete verme IhOjCor contentei
Vi Ifígoporjifiaesyé^por acenos^
Sjie com ifiofe alegra gr an demente^
Mandoo faltar com tudo ^à" a [fl caminha
Tara apvoaçaõ^ciue perto tinha^
M As logo ao outro dia f eus farceyr os
Todos nus^& da cor da e/cura treva»
'Decendo pelos afperos outeyroSj
As peças vem bufe ar, que efl outro leva:
^orne/ticos jà tanto ié' companheyros
Se nos moftr ao, que fazem quefe atteva
Fernão Veliofo a ir ver da terra 9 trafo^
Efartirfe com e lies pelo mato.
Ai pefas vem bufcarj^sjue ejioutro leva, Eftas peças
eraó calcáveis , Sc contas de cnltal , que o negro
que foltâraó o dia antes havia levado , Scíoy tan-
u a familiaridade que tomàraó com os negros,
que foy caufa de hum mancebo honrado por no-
me Fernão Veliofo fe atrever a ir pela terra den-
tro cora elles,para fabeí o que lá paílava.
3í
HE Veliofo no braço confiado j
E de arrogante crè^que vay feguros
Mas fendo foum grande efpaçojâpaf/adoj
Em que aígum bom final faber procuro-,
Efiando.a viffla alçada^co cuydado
No aventureyro^eis pelo monte duro
Apparece^ér fegimdo ao mar carnínfoa.
Mais apreffado do que }or advinha.
Mau aprejfado, Iflo diz » porque enténdeo que
0$ negros Ihearmavâo cilada para o matar , pelo
que procurou porfe em cobro.
Se ntofira hum handê negro deffhífertOé A cfta preflá'
de Fernão Veliofo acudio Nicolao Coelho Ca*
pitão do navio Berrio , que era hum navio Mer*
cante , mas os negros vinhão já taó perto y que
quaíi o tomavão , & lhe houvera de cuftar caro a
hida , le do mar naó defviáraó os negros com a ar*
telharia, aqualremedeou tnuyto, porque os ne*
gros vinhaó com arcos , & frechas tão apercebi*
dos, que trattiraó mal a alguns dosnoflbs, como
diz aqui o Poeta , Ôc contaò os noílbs Hiítoriado-
rcs. tthiope , quer dizer negro.
J3
DAe/peffa navemfetas^&pedradásl
Chovem fobre nos outros /em medida^
E naoforaõ ao vento em vaò deytadas
^e efia perna trouxe eu dalli ferida:
AJas nós, como peffoas magoadas^
A refpofia lhe demos taò tecida^
§ue em mais que nos barretes /efi/peytá]
^e a cor vermelha levaÕ defia feyta,
§lueA cor vermelha levão defla feyta. Dá a entett^
der que foraó muy tos feridos daefpingardaria, Sc
artelharia que lhe atirarão da armada para os apar-
tar , 6c impedir da tenção que traziaó de fazer mal
a Fernão Veliofo.
ESendõjà Veliofo emfialvamentõi
Logo nos recolhemos para armadal
Vendo a malícia fe a, ò rude intento
2)^ gente bepialjbruta^à' malvada;
T^e quem nenhum melfoor corifoecimentê
'Pudemos ter da índia defejadaj
^lue e fiarmos inda muyto longe della^
a ajfitorney a dar ao vento a vella,
§lae ejlarmsi inda rnupo longe delia. Porque COffld
íinhaô entendido por informação, & relações de
muytos , não dizião aquelles finaes , qus viaô com
o que íabiaô por eftoutro modo , pelo que cnien-
diaó cllAr ainda longCi
S5
DJIfe então a Vellofo hum comfAnheyr%
{Qomeçandofe todos afurriry
KJu lãi Vellofo amigo aquelle outeyro
éJe melhor de d€cer% que de (ubtr:
St he,Tef ponde o oujado aventureyroj
Mas quando encara cà vi tanto vir
íDãquelks caès^de prefa hum pouco vim^
^or me lemhrar^que e fiáveis càjem númí
:■ Oh là amigo Vttiofo, Efta graça conta Joaô de
Barras,q«e paílbu- entre os íoldados,5c o VeJioío,
^ue aíTim de huma paite como da autra tem muy-
to engenho,
3f
C'> Ontou então ^que tanto que fajfaraõ
j Aquelle monte os negros, de quem f alie ,
Avante maispaffar onaÒdeyxàraà^
^hierendo fenaÕ torna ^alli matallox
h tornando/e logOjfe embofcàraS^
Torquefamdo nós para tomallo,
JSlos pudejfem mandar ao Reyno efcuro]
jPor<ms roubarem mais a/èu feguro»
Avante mctn p^fTar o nâo deyxàra^. Alguns de*^
ckraô a qiíi.q 14c fiarão os negros ifto , porque
^ueriaó bem ao Vellofo , queeríió dos que hiaõ
contentes do navio , ô: entendendo que os outros
Ihefariaó algum ma], lhe eílorvaraópaflaravnnte.
O q%e o. Poeta quer dizer , & parece ler verdade,
pelo que-eoníta dos que cfcrevcraô eíta Hiíloria,
lie, que os negros detcrminnraó armar cilada aos
JK)Hos para os roubar , & que não quiferaó que
€mto^mt9»
7onm jd cinco Soes erao paj!Jados,C\r\co Soesquct
dizer cinco dias, a imitação dos Poetas Latinos»
que uíaó delta palavra, y<i/ej, no plural , pelos dias.
Virgílio liv. $. fclneid.
Jras adeo incerto* cacâ, caligine Soles
Erramus pélago.
Ha três Soes que andamos perdidos pelo mar , co«
mo le diflera há três dias. O que o Poeta diz neít*
oytavahe , que pufcraó cinco dias de viagem da
Angra de Santa Helena aonde furgiraõ para fa-
zer aguada, até haverem viíla do Cabo de Boa El-
perança.
Huma nuvem ejtte ot ara efcurece, Sebre noffat ca^
hças aparece. Finge aqui o Poeta, queapareceoo
Cabo de Boa Elperança aos Portuguezes, o qual
defcreve aqui, ^juntamente huma pratica que o
meímoCabo fez ao Capitão mcr, com tanto arti«
íicio,que pafla ptlos antigos , Sc tem pouca ncce-
íidade de declaração.
TAm temerofa vinhai& carregada,
^lepoz, nos corações hum grande med9\
Bramindo o negro mar de longe brada j
Como/e déjje em vaô nalgum rochedo:
O poteílade ^difje iltiblimada ^
§ue ameaço divino, ou que Jegre.do
Efte clima, ér epe mar nos aprefenta^
^te mòr cau/a pare cerque tormenta?
7 ao temetófa ^mha. Pará vir o Poeta á defcríp*
çáo do Cabo , conta como naquella paragem Ihí
apareceo huma nuvem muyto carregada, ik teme-'
rola, & que moilrava bem fer aquelle cUma , Sc
mar diffcrente do que até alli linhuô navegado.
Vellolo paflafle adiante, para que os nofloso íof. & como a pozanuvem viraó huma figura gran-
íem bulcarjôcaíTim fepodeflemaproveytardelies, djíTima.ôc disforme, que era o Cabo, como diz na
oqwcilheiuccsdco ao contrario , como aqui fe feguinte oytava.
conta,& fe póJe verem Joaó de- BaiTos.
Nos fodtffem mandar no Rtyno efcuro. Por Reyno
cfcuro fc entende o inferno , he termo de fallar
poético, &muytoufadopara trattardamorte, 6c
lie a ifuitação dos Antiguos , que tinhaó por cer-
to depois da morte hirle ao inferno , como he aflás
iiotoriojôc^^^pdos quelcm pelos Poetas. ^
Cw.^vy.
37
33 Orêmjâ cinco Soes eraõpajfados,
^e dallt nos partimos, cortando
Os mares nunca de outrem navegados,
^Profperamente os ventos affoprando:
^ando huma noyte eftando de jcuy dados ^
JSla cortadora proa vigiando j
Huma nuve^que Os ares efcurece»
òobre nojfas cabeçts apparece^
35>
NAôacabavasquando huma figura
Se nos mojlra no ãr^ ^obuJfa,& valida^
n^e disforme j& gr andiffim 2 efíaturay
O rofto carregado^tè a barba e/quaUidaí
Os olhos encovados i& a poftura
Medonha fê mâ^^ a cor t err ena fê falida^
Cheos de terra ^& crefpos os cahellosj
A boca negra^os dentes amare lios» "
Não acahava quando. Não tenho palavras para**
encarecer a linguagem, propriedade, Sc eloquen**
cia defta oytava, que realmente fazeíte fingimen-
to , & Metamorphofe que vay trattando defte
Cabo de Boa Elperança , vcntagem às de Ovidio^
idioM
I
Ta5 '
Lujiadas de Luis âe Camões Qommenudosl
'5i
40
T/!m grande era de membros ^que bêfojfo
Certificarte,que efte era ofegundo^
^e Rhodes eftranhífimo Colojjoy
^te hum dos fetc milagres foy do mundo:
Cuffí tom de voz nos falia horrendo ^ &gYOjIo,
^ue pareceo (ahir do mar profundo^
Arrefiâofe as carnes ^à' o cabello^
Am'ii& a todos fó de ouvllo, & velío^
De R9(íes eJlranbf(Jimo Colojjo» GoloíTo foy huma
eftatija de metal em Rodes, confagrada ao Sol de
muyto grande altura , 6í por efte refpeyto tida
por humadas fece maravilhas do mundo.
ET>ife: ó gente oufada^mals que quantas
No mundo cometerão grandes coufas^
Tu.que por gíurras cruas ^taes^i^ tantas^
Mpor trabalhos vãos nmtqua repou/asi
'poís os vedados términos quebrantai,
E navegar meus longos mares oujas,
^lue entanto têpo hajd que guardo » & tenho
Nuncfua arados de eJiranhOiOUpropio lenho,
Vcii et vedados termnos efuehafitat. Q^icbrantaó
os homens os términos vediJos entrando nò mar»
porque Noflo Senhor como fe conta no Geneíis,
quando criou efte mundo univerfo poz cada cou*
la em íeu lugar, os homens na terra, as aves no ar,
os peyxcs nas aguas, & os animaes nos matos. E
paraque declaremos o noflb Poeta com Poetas,
veja-fe Horácio liv. i. Ode t. aonde tratta com
muyto engenho do atrevimento dos homens nel-
ta matéria de navegar, 5c Ovidio liv.c. nas Meta-
jnorpholes,& outros muytos Poetas, 5c oradores.
NftHca arados ã^efiranho ou próprio lenho. U^a efta
^det3phora, de arar, por navegar, á imitação dos
Poetas Latinos. Vngilio na Eneida : Ecee paraía
qHier.ffuUum maris ecjuor arandum,]^ eftais em porco,
róo tendes mar q arar.E Ovídio nos Triftcs liv.3.
Non tgo divitias ávidas fine fine parandi
Latum mutandis msrctbus aqi4or aro.
Não lauro o largo mar para bufcar riquezas , &
outros nuiytos Poetas. Lenho toma pela nao, por
huma figura a que os Grammaticos chamáo Sy-
nedoche , que he quando ulamos da matéria de
que Tc fazem as cguTas pelas mcfmas couías. Ltnho
efiranbo. Saó nãos eftrangeyras. Lenho próprio,
nãos, & embarcações da gente que mora na pro.
pria terra, aonJelc aparelha a armada. Defta ma-
téria Çc veja a noftà anaotaçao no primcyro can-
to oytava i.
42'
POis 'Vens ver osfegredos efcondidos
T)a natureza^& do húmido elemento^
A nenhum grande humane concedidos ^
^e nobre jou de immortal merecimento:
Ouve osdanos de mi, que apercebidos
Efiam^a teu fobejo atrevimento,
Tortodo o largo mar ^^ pela terra^
^e inda has dejojugar com dura guerra.
Viu vens ver. Continua o Cabo fua pratica,pon*
do diante aos noílos os trabalhos que lehaó de
acrecentar nefta viagem da Índia , a que pelo def-
cabrimento deftc Cabo abrem porta, & como feu
atrevimento ha de fer caufa de muytos danos , 6c
trabalhos. Humtdo tkmento. He a agua. A nenhum
grande humano concedidos. Encartce o Cabo aos
Portu^u^zes aquella paragem, a qual diz, que ne-
nhum Monarcha,nem Senhor do mundo por mais
poderofo que foílevionem chegou , aonde elles
chegarão , & de volta deftes ameaços, ôc perigos,
que lheprophetiza,lhe moftra lanibcm, 5c decla-
ra os grandes tropheos , & vitoiias que na Indu
alcançarão. ,
45 „
SAhe^que quantas nãos efla viagem
^e tu fazes fizerem de atrevidas^
Inimiga teràm ejta paragem.
Com ventos,& tormentas de/medidasi
E da prtmeyra armada^que paffagem
Fizer por ejia% ondas injufridas,
Eufarey de improvifi taUaJttgo,
^e/eja mór o dano, que o perigo.
Inimiga terão efia paragern» O mayor trabalhai
que hà na viagem da India,he dobrar efte Cabo, ÔC
aftim tem ruccedido , &: luccedem cada dia nclle
muytos naufragios,5c traba)hos,cOmo he aílás no-
tório.
E da primejra armada. Porque o Capitão mór
Vafco da Gama que dobrou primeyro efte Cabo,
teve nefta paragem muytos trabalhos, aílim com
os moradores delle, com© com infermidades que
lhe fobrcvieraó das quacs recebeo mais dano na
gente , que perigo na armada » como diz aqui o
Poeta , &. conta Joaó de Barros no livro quarto da
primeyra Década,
44
A^ti efpero tomar(finaõ me engano')
IDe quê me defcobriofumma Vingança^
E naô fe acabará fó nijlo o dano
'De voja pertinaz confiança:
m
jíntes em voffas nãos vereis cada ãnno
(Se he verdade o que meujuizo alcança^
jSlaufyagws^perdtçdesdetodafortey
^e o menor mal de todos feja a morte.
De ejtiem tnt defcúbm. Náo particulariza aqui a
Bartholomeu Dias Teu primeyro defcobridor,
porque náa tornou mais âqiidlas partes. Ou íeja
termo geral de quem o deícobrio , dos Portuguc-
•£es,que me deícobriraó.E aflitn fe ha de entender
geralmente dos Portuguezes , quepor allipafla-
rem , porque clkso dclcobriraó , contra cíiana*
^âo, qu€ o delcobiio le moftra agravado.
45
E^Doprinuyo illttfire^que a ve?itura.
Com fama alta fizer tocar os Qeos^
Serey eterna^^ novafepuíturat
^or Juízos incógnitos de T)eos:
Aqtú porá da Turca armada dura ***
Qs foherbõSj & profperos trofeos^
iíomtgo dejèíis danos o ameaça
A dejiruida ^Hoa com Mombaça,
E do primeyro illa^re.KÚie he Dom Franciíco de
'Almeytia íiiho de Dom Lopo de Alfpeyda pri*
meyro Conde de Abrantes. O qual fahio deite
Reynoais-de Março de r505.com o titulo de Ca-
pitão mór , &: Governador , c< que fazendo trcs
fortalezas na India,em Cananor,Cochim, 6c Cey-
laó^ícchamaíle Vilo-Rey,comofoy. Eíledeftro-
hio a Mir Abrahsm o Governador que fora de
Aufadail Kcy de Qniloa , que tinha o Rcyno ty-
ranni. amcnte ufurpado , Sc lhe entrou na Cidade
em dia de Santiago do dito anno , 6c fez Rey a
liura particL'lar pornomc Mahamed Anconij,que
fervirade íLfcriviio da fazenda de Quiloa, porfcr
ho mem bem quifto , ôc com que todos folgavaô
Com condição que pagaíTe parcas a El-
Canfo Ó^intõl
mar junto ao Cabo de Boa Elpcrança : èc fee bòni
deíengano para os que fe fiaóno mundo , 6c em.
fuás coulasjver que aqucile,a quem nem bombar*
das»e!pingardas,frcchas, 6c braços de gente esfor-
çada poderão vencer,o mataílehum pao toítado,
que laó as armas daqutlles bárbaros , quemoraõ
naquella paragem do Cabo de Boa EfperaHça,ve*
jaíe o qus eicrcyeremos no canto deciaio.
O^Vtro também virá de honrada fama^^
Liheral^cavalleyro^namoradoy
E comfigo trará afermofa dama^
^4e amor por gr ande mercê lhe ter d dado:
Trifte ventura,& negro fado os chama,
Nejfe terreno meu^que duro & irado,
Os deyxarà de hum cru naufrágio vivos\
^ara verem trabalhos excejflvos.
Outro tamhem. Efte foy Manoel de Sou ia de Se-
púlveda ,0 qualpartiodcCochlm atresdeFeve-
rcyro do anno de 1552.no Galcaó grande SJoaõj
o qualfeperdeo na ferra do Natal. Efta foy huma
das laílimofas couías , que acontecerão nefta via-
gem,depois que a índia he delcubcria. A fermoía
dama em que aqui falia o Poeta , he lua molher
Dona Leanor.
47
VeraÕ morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados ^ & nacidosy
VeraÒ os Cafres afperos & avaros
7 irar d linda dama fens vejiidos:
Os criflãlinos membros tempere lar 0S9
Acalmarão frio. ao ar veraê defpdosj
depois de ter pifado longamente
Lo's delicados pês a área ardente.
muyco _
Rey de Portugal , 8c o reconhecefle por fuperior. Verão morrer com fome 01 filhos caros. Os Cafres dé
J)eQuiioa,ôc tvlombaça,fe Veja a noílaannotaçaõ que Manoel de Soufa íe confiou , forçado de ne«
no canto i.oytava 54.
j^í^ui for d da Turca armada dura, Ot [oierbot , c^
frofperoi Tropheos, Sentido niuyto o Viío-Rey
Dom Francifco de Almcyda da morte de feu filho
Dom Lourenço de Almeyda , que os Rumes ma-
tàrnó, determmou deftruhilos, como fez, porque
náo podendo colher a armada dos Turcos no
ceíTidade, fome, lede, &: caminho de muytos dias,
quejânãopodiaó dar palio, 6c não havia dia que
lhe não ficalTem duas,6c três pe libas atrás, por não
poderem caminhar:eíles o dcrpiraõ a elle molher,
& filhos , 6c defta maneyra os lançarão a hum ma-
to trift:e,6c areal deíaventuradoí aonde nem hcrva
haviarno qual morreo Dona Leonor com dous fi-
tnar, pelejou com ella no porto de Dio , fendo os Ihinhosleus, como o Poeta aqui aponta :6c Ma
inimigos mais de cem vclías , 6c citando em fuás
terras favorecidos de fua gente , 6c artelharia da
fortaleza. Desbaratou delta vez a Mirocem Capi-
tão mór da armada do GraóSoldaó do Egypto:
6c a armada d^El.Rey de Calecut : & Meliqueaz
Capitão do Hidalcaó. Eftas, 6c outras coufns ma-
ravilhofas fez na índia , Ôc vindo para o Reyno
foy morto pelos Cafres na Aguada de Saldanha,
çuehehurnanbeyra nauytofreíca, que entra no
noclde Soula vendo eíle cafo laíl:imofo,palmado
6c como fóradefi,fem (aliar palavra fe meteo pelo |j
mato dencro, deyxando fua mulher, ôc filhos cn* 11
terr ados,6c nunca mais aparecco
I
E
48
VeraÕ mais os olhos ^que efe aparem
'De tanto mal ^ de tanta de f ventura]
Os
iLufiãdas de Luís de
T)s dous amantes ml feros Jic ar em
Ma fer>vída,& implacável efpejfura:
AUi depois que as pedras abrandarem^
Com lagrimas dedoVyde magoa pura^
jíi^raçados ,<ks almas JoltàÕy
^afermofa^& mtferrima ^ri/aÕ^
E verào inats ot olboi e^ue efeaparem. Na deíèm»
l>arcação , por o marandar trabalholoosquepu-
nhaõ pé em lerra fe tinháo por bemavcnturadoa,
&náo o eraó, íe não que Deos Noflb Senhor os
guardava para mayores trabalhos , porque com a
ittortcle acabiraíudo , & não foraó morrer com
tanto vitupério , & deshonra , como morrerão a
máos de gente barbara , Sc torpe, muytos mone-
raónomar, outros pelo cammho com fome , &
canfaflb, & outros (e lançarão pelos matos nús, &c
entre eíles,muytos Fidalgos,Sc gente de elpirita.
iViguns dos que elcapáraó, 6c hcaraó com Manoel
de Soula , viraõ o triite fucceílo deite nobre Capi-
tão , 6c íua molher , & lilhos. De toda a gente da
nao não eícapàraõ mais que oy to Portuguezcs, Sc
quitorzcou quinze elcravos, Sc três elcravas das
queeílaváocom DonaLeanor ao tempo qut f^-
leceo , osquaes depois íoraó refgatadosporhum
nayiode Portuguezes , queacaio ulli tby fazer
marfim * Sc cuítaria cada hum valia de dous vin-
tçns. Os nomes deftes , Sc o lucceflo na verdade,
ôccommuytascircuuftancias , que íaõ dignas de
faberpara deícnganoda vida íe pode ver ea» hum
livro que deite caio anda impreíib.
M/fis kia por diante o monftro horrendo^
T>izendo nojjos fados yquando alçado^
Lhe dljje eu quem es tu. que effe eftupendo
Corpo^certo metem maravilhado?
^boca^^ os olhos negros retrucendo^
E dando hum efpaniofo^& grande brado ^
Me refpondto com voz pefada^& Amara ^
Como quem da pergunta Ihepezdra^
Com$.efuem da prfgunta Ibe pezâra, lífo não he
jTiais que encareciaiento da figura do Cabo , que
cm todas luas coufas moftrava terror , Sc efpanio^
porque até em humacoula que cllc delcjava , co-
mo era dizer aos Portuguezes feu acontecimen*
to,Sc transformasão,Íe moílrou trifi;e,5c pízaroío
EV/òu aqaclle occiílto & grande €aho^
A quê chamah vósoutros Tormentório^
§uenunca a "Ptolomeo^Pomponie^ffiraho,
'Fllni0i& quantos pajfdramfuy notório:
TV
Camões Commentadoí, ft^f^
Aqui toda a Africana cofia acabo,
Ne fie meu nunca vifto 'Promontório,
^lepara o 'Polo Antarticofe ejiendt^
A quem vojja oufadia tanto offende^
Eu fou aifuelíe ecculto^ é)- grande Cabo. Tormeni
tório , ou tormentololhepczfiartholomeu Dias
íeu primeyro delcubridor,pelas tormentas»que na*
quella paragem achou De Boa Efperança. EU
Rey Domjoaõoíegundo , por ver que leabria^
porta para o que tanto dekjava,6c cfperava, como
era o defcobrimcnto da índia , que parece quç
aquelle Cabo delcuberto lha cftava prometendo*
Sc moftrnndo. Defte famolo Cabo não tiveiaô
noticia os Cofmographos Antiguos , como Ptoloi
meOjPomponij, Meila,Eftrabo» Plinio.Sc outros^
como aqui diz o Poeta,inclinado para o Sul , que
o Poeta aqui chama Polo Antaráico , somo fie*
declarado por muy tas yezes^
F^y dos filhos afperrimos da terral
^lal EnceladOiEgeOi^S o Centtmandl
C hameyme Ada vh afior, ^ fuy na guerra
Contra o que vibra os rayos de Vulcano:
Nao que puzefje ferra jobre ftrra^
Mas conquiflãndo as ondas do Occeano^
Fuy Capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno ^que eu bufcava»
JFuy dos filhos ajperrimos da terra. Continuando ó
Cabo Tua pratica antes de vir a fállar de íua Meta-,
morphofi , Sc transformação trattadefuaOene»
alogia, Sc nome, como era Gigante, filho ua tçi ra*
irmão de Encelado Egeo» Sc i5mrco,a que chama
Centimano , que quer dizer de cem máos , porque
tantas dizem os Poetas que tinha crte Gigante.
Diz mais que feu nome antiguo foy Adamaftorj
Sc que ao tempo que íeus irmãos os Gigantes
Gombatiaô a Júpiter por terra para o lançar do
Ceo^elle fazia guerra por mar a feu irmão Neptu*
no.
O íjfíie vibra os rayos de Vulcano, He Júpiter, por
quem fingem os Poetas que Vulcano filho de Ju«*
piter , & ícu Ferreyrojlbe fazia os rayos, coniohà
muy to fabido a quem lé pelos Poetask
A Mores da alta efpofa de Telèo] [
Me fizer aõ tomar tamanha emprefàl
Todas as Deofas defprezey do CeOf
Só por amar das agoas a^rincefoi
Hum dta a vi co as filhas de Neréo
Sair nua napraya^f^ logoprefa
A vontade fenti de tal maneyra^
^e inda 7iaÕ finto coufa^que mais qiíeyral
Amerei
f^S . „ . Canto Sluinn.
Amores ãa alta efpofâde ?eho. Começa Adamaí-
íor a contar lua uansformaçaó naquelle taó gran-
<ie Cabo,a qual eítá cora tanto engenho, ÔC artifi.
CIO , que lhe não fazem ventagcmas deOvidio.
ElpoíadePcleOjheThctis fenhorado raar, calada
com PeleoRcy de Theflalia.íilhade Nereo Prín-
cipe do mar. Saó as Nereidíis Nyraphas do m^ir,
tias quaes fica trattado atras no Canto Icgundo,
«ytavaao.
5^
5 5 _
C"^ OmofoffelmpoJJivelalcançalla^
_jr 'Pela grandeza fea de meu gejfo,
^etermineypor armas de tomalla^
B a 'Dor is tfte cafo mantfejio:
tDe medo a ^Dcofa entaÕpor mi Ihefalla;
Mas ella cunifermoCo rifo honefio^
Rejpondeo.qnaLfeYàoamor bafiante
^e Nymfajquefulíentao de hum Gigante^,
E a Dorii ejie cafo njanifffio. Doris dizem os
poetas qUe he rnolher de Nereo Senhor do mar,
^ máy das Ncrcidas.de que na oytava atrás fallà»
jTios : A qualdcii Adamaílor conta da affeyçaõ
que tinha a Thetis , &o que determinava fazer,
como aquilo l^oeta conta.
54
Om ttídújpor livrarmos o Occeano
j 'De tanta guerra teu bufe ar ey maneyta^
Cnm que com minha honra efcufe o dano^
Talrefpojfa me torna a men/ageyra:
JEu que cayr naõpude /lefte engano
(^*f he grande dos amantes a cegueyra')
£ncheradme com grandes abundan^as
Opeyto de d€fejos<i& efper ancas,
§?«ff he grande doi amantes a ctgueyra. Os Anti-
giiospinraváo a Cupido , que tinhaó por Deos
itos amores cego. A menfageyra he Dons que
Adaraaftor tomou por tercey rapara com Thetis.
TA" ne feio já da guerra defiflinúo^
Huma noyte de Doris prometida^
Me aparece de longe ogefto lindo
2)^ brancàThetis unica defpida:
Como doudo corri de Ionize ^abrindo
Os braçosjpara aquella^que era vida
^Defte corpo J£ começo os olhos bellos
A lhe beyjar^aface^& os cabe lios.
O^ie nadfey de nojo como o conte j
^e crendo ter nos braços ^qué amava ^
Abraçado me acbeyco^ hum duro monte ^
De a (pêro matOjô' àe efpejjiira brava:
Eftando ce^ hum pene do fronte a fronte ^
^e eu çelo rofto angélico apertava^
Naõfiquey homem naÕ,mas mudo e quedo^
E junto de hum penedoyoutro penedo.
§lííc pelo rojlo angélico apertava. Cuydando , que
citava com Theiss a quem m uy to amava.
57
O Ninfa a mais fermofa do Occeano]
Jàque minha prefença naõ te agrada ^
^e te cufiava ter me nefie engano
Oiifoffe monte, nuvefonhOiOu nadai
Daqui me parto irado fS quafi infano
Da magoa,& da des honra allipaffada^
A bu/car outro mundo ^onde naõ viffey
^em de meupranto^& de meu mal fe rifei
^em de meu pranto. Achoii-fe o Cabo corridofl
do que lhe iuccedco com Thetis , peloquedey-|
xou aquellc lugar , & íe foy para outto remoto,
aonde naó folie o fcu ca(o íabido»
í8
EÈ:aõjà ncfte tempo meus irmão f.
Vencidos ^& em miferia txtremapoflos
Epor mais [igurar/e os Deofes vãos.
Alguns a vários montes Jotopojlss:
E como contra oLeo naõ valem mãost
EUyque chorando andava meus defgoftosj
Comecey afentir do fado imigo,
Tor meus atrevtmentos o c&Jtigo, \
Erai jà nejie tempo. Conta Adamaftor cort\
quando lhe aconteceo a fua transformação , tam
bem léus irmãos eníó mortos por mão de Júpiter,
como conta aqui o Poeta,8c mais largamente Oví-
dio nas Mctamorphoícs, lib.i.
5í>
Converte ofeme a carne em terra dura^
Em penedos os ojfos fe fizer aõt
Efies membros ^quevésfê efi a figura
'Por e fias longas agoas fe eftendéraÕ:
Em fim minha grandijfima eflatura
Nefie remoto cabo converterão
I
fis
I
Lufíaàas de Luís àe
Os ^eofiifS por mais dobradas magoas j
Me anâa Theírs cercanáo delias agoas.
Me anda Jhetis. O mayor defgofto que o Ca-
bo tinha era ter íempre prelente a Thetis, que fo*.
ra Câuía de fua converfaõ em aquelle Cabo»
60
AJJicontavíi^com medonho choro^
^ Stiblto ante os olhos fe apartou^
desfez/e a nuve negra j& comfomro
Bramido^muyto longe o marfoou:
£u levantando as maosaofanto Coro
VOos Anjos^ que tam longe nosguiou^
A T)eospedh ^«^ rem oveffe os dut os
Ca/os, que Âdatnojior contou futuros.
Ca/os efue Adamafior contou fníuros. O que O Câ»-
bo dizia haver de acontecer aos Porcuguezes na-
quella paragem.
(Tl
JA' Thlegonj\£ Tyroii vinhaõ tirando
Cos outros dons o carro radiante ,
^ando a terra alta/e nos foy moftrando
Em que foy convertido ogram Gigante:
Ao longo defla coftajComeçando
Jd de cortaras ondas do Levante^
*For ella abayxo hum pouco nave^amos^
Vnde fegunda vez terra tomamos^
U Phlegfini& Pyrõii, Ovidionas Metamofpho*
fes liv. 2. põem os nomes dos cavallos do carro do
Sol, que faô Phiegon, Pyrois, Eoo, & Echon. Ifto
hc por hum fingimento que os Poeras, fazem di-
zendo que Phebo, que he o Sol, da luz ás terras
em hum carro de quatro cavallos. Por eíles ro-
deyosdefallar nos dá a entender a que tempo le
dclcobrio o Cabo de Boa Elperança,quc foy hum
dia fahindo o Sol,& caminhando ao longo da Coi-
ta, foraô íegunda vez tomar terra em huma Bahia
inuyto grande , 6r abrigada de todos os ventos,
falvo do Norteja qual fe chama hoje pelos noflbs
Aguada de S. Brás , que cílará fetenta legua^ do
Cabo, Sclurgiraó nella humdiadeS. Catherina,
em hum Domingo de mii quatrocentos noventa,
& Icte.
A' €en te^que efla terrapoffíihia^
^ofto que todos Et hiopes eraêt
Mais humana no trato parecia^
£^e os outro f ,que taô mal nos receberão:
Com bayles^&comfeftas de alegria ^
Tela^raya arenoju^mos vieraõ.
Camões ComtHentadosI t f 0
As mulheres configotò' t> manfigadoi
^e apacentavaõgordOj& bem criado,
Po/io ^ue todos Etbiopes erdS. Ethiopes he homâ
geral , que comprehende a todo o género de gen-
te negra. Chama-fe aílim de Etho, palavra Grega,
qucquerdizerqueymar, & roílo, por terem' os
roftos negros, Sc queymados: outros querem que
fejanome fomente dos negros da Ethiopia, pane
de Africa, entre Egypto , Arábia, chamados alIim
de Ethiope filho de Vulcano , que loy Rey na-
quella Regiaó, como querPlinioliv.6.c.30i Siga
cadahumoque quizer , & lhe parecer. Amima
primeyra optniaó me parece melhor.
Oí outroi que ta» mal nos receberão» Eíles foraó os
da Angra de Santa Helena, como atrás largamen^
te fica dito. Os deílaBahiade S.Brâs vicraócom
muytosbayles, §cfell3s,com luas flautas, & com-
figofuasmolheres encima de boys muyto gordos,
albardados com fuás albardas de taboa , a modo
das CaftelhanaSjôc com huns paos,que fazem tcy*
çaõ deandilhas , dos quaes boys muytos náo tem
coinos»
AS mulheres queymadas vem em cima
T^os vagar o/os bois ^aUifentadas ^
Ammats^qiie elles tem em mais eflimUi
^e todo o outro gado das manadas:
Cantigas pajiorts emprofa^ou rima.
Na fila lingoa cantão concertadas j
Co doce fom das rufticas avenas^
Imitando de Tit troas Camenas^
As molhetest Atrás diííertjos como traziaõ íuas
molhercs naquclles boys albardados, os quaes pre-
zaõ mais.quc todo o outro gado por efte relpey to*
^dvenas» Saó flautas como fica dito.
Imitando de Ty tire asCamenas. Imitando a mu-
fica,Sc cantigas de Tytiro Paítor,quer dizer aq ui,
que vinhaó eíles negros com fuás molheres can-
tando cantigas paftoris , quaes cantava Tytyra
paftor como diz Virgilio Eglog.N
EStes como fia vifiaprazenteyros
Fo(femihumAnamente nos tratarão^
Trazendonos galinhas, tê carneyrosy
A troco d^ outras peças, que levar au:
Mas como nunca emfim meus compatiheyros
palavra alguma fiia lhe alcançarão y
^e dè[[e algum final do que bufcamos%
As veilas dando ^as ancoras levamos,
/?! vellas dandt as Ancoras Icvatftâi.Joíió de Bar-
ros nn primeyra Década , diz que o Capitão mór
íe mudou para outro povo perto daquclle , por-
l
Kque entre os noiToSjSc õs negros começava haver
revolta iobre o rcfgate do gado:mas que os Mou-
íffos foraõ a vifta da nolla armada até que ancorou»
■^' aqui tínhamos dado hum gravrodeyo
Acofla negra de Africa,& tornava
Aproa demandar o ardentemeyo^
^0 CeOi^ o Tolo Antart ICO peava',
jíqueUe llheo deyxamos^oyide veyo
i^utra armada primeyr a ^qne bufiavat
O 'Túrmontorio Cabo,& defeuberto^
Maqtiellellheofezfeu limite certo,
4Íe}U(ll( llheo deyxãmoí. Depois de ter rodeado à
Cofta de Africa , tornarão a demandar a linha , à
^ual chama ardente nieyo , por íer o meyo do
inundo, Sc ardente, com a vizinhança grande do
Sol, dei viando, fe das terras do Sul, a que chama
olo Aiitarótico, como fica declarado em muy tos
rgarcs. Qi.ianto ao llheo de que aqui tracta, he o
diiCruz , que Bartholomeu Dias defcobria , no
C|ual poz oderraJeyro Padraô,como coftumavaõ
jior alguns pela terra que deyxavaõ defcuberta.
Efte Bartholomeu Dias paflou alem do Cabo de
Boa Elperançu cento & quarenta léguas, até hum
rio a que poz nome do Infante, porque o que nel-
Ic primeyro dcfembarcou tinha efta alcunha. E
porque neíla viagem poz alguns Padrões , aqui
falia o Poetado derradeyro ,que he eíleda Cruz
cjue diíTemos , o qual poz quinze léguas antes de
chegai' ao rio do Infante, li. náo havemos de en*-
icndcr aqui que o Capitão raór tomou terra neíla
Ilha, porque nem o Poeta o diz , nem os noflbs
Hiíloriadores, mas que houveraó viíta delle, & o
j.áotonváraô, pelo tempo lhe não dar lugar , mas
tomàraó outro porto chamado os Ilheos cháos,
(]ue eílavaó cinco léguas alem do da Cruz , como
c-ontt Joaó de Barros na primeyra Década» Cabo
Tormontorio. He o Cabo da Boa Efperança , co-
jiio jâçnuytas vezcã declarámos.
D Aqui fomos cortando miiytos dias
(^Entre tormentas trifles^fè bonanças^
O largo maTjfazendo novas vias,
ò'ó conduzidos de árduas ef per ancas:
Co' o mar hum tempo andamos em proflas^
§Hecomo tudo nellefaÓ mudanças _,
i^orrente nelle achamos taõpoffante^
^epajfar naò deyxavapor diante^
^uepafar não deyxavapor dianti.'^e^z paragem
dos Ilheos cháos faô tão grandes as correntes da
agua , que não deyxavão navegar as nofias nãos,
ate qtje com ajuda de Deos pallàraó , £c chegarão
^uhltOt
á terra do Natal , â qual puzeraõ eftenomepot
paílarcm por ella eíte dia. A força da corrente
das aguas daquelle lugar aponta o Poeta na oyta»
va feguinte, 5c pelo grande Ímpeto com que dalli
correm as aguas , íc chama aquelle lugar o Cabo
das Correntes»
\
ERa mayorá força em demafia
Segundo para traz nos obrigava\
2)(? mar^que contra nos alli corria ^
S^epor nôs a do vento, que ajfoprvai
Injunado Noto daprofia.
Em que CO o maryparece^tanto e flava.
Os ajjopros esforça iradamente,
Qomque nos fez vencer a gràõ correntel
Injuriado Noto. Galante fingimento, em queda
a múo ao vento em paliarem aquelle lugar das cor-,
rentes , quefoy ncceííario por o vento toda fua
força neíla partc.Noto he propriamente o Sul.
68
T Razia o Solo dia celebrado.
Em que três Reys das partes do Oriente}
Foraõ bufe ar hum Rey de pouco nadOj
No qual R(y outros três hà juntamente:
Nefte dia outro porto foy tomado
Tor nós^aa me/majã contada gente ^
Num largo rio, ao qual o nome demos
T)Qdia^em que por elle nos metemos^
TraziaoSel. Paliada aCofta do Natal entrarão
em hum Rio a que puieraõ o nome dos Reys,
porque em taldiaentràraó.nelle. A efteRiocha*
maô outros do C9bre,pelo reígate delle em mani-
lhas, marfim, em mantimentos, que os negros da
terra com elle relgatâraó , tendo tanta communi-
caçaó com os noflos , que hum Martim AfFonlo
marinheyro foy a huma Aldeã, aonde foy do Se-
nhor da terra bem agazalhado , & o melmo Se-
nhor veyo com muytagente ver a nofla armada
inoílrando muyta paz.gc amizade: pelo que o Ca
pitaó mòr, vendo que em cinco dias que alli eíli
veraô , nunca receberão deíla gente mao tratra-f
mentoalgum, nem lufpeytaditlb , Ihepufctaó
o nome,dc Aguada de boa paz.
D Efta gente refrefco algum tomamos ^^
E do rtofrefca agoa^mas com tudo
Nenhum final aqui da índia achamos
Nopevo^com nò$ outros quajimudo:
Ora vé Rey quamanha terra andamos.
Sem fair nunca dejie povo rudo,
Seni
I
I
Lufiadasâe Lnii de Camfis Commentadòf,
Sem vermos nunca nova ^nem final
Wa defèjada parte Or tentai.
DdiagenU refrefco algum tomámos. Ifto diz pelo
gazalhado , ík communicaçáo que coma gente
•defta parte tiveraó.
Povo quafi mudo , porque não fc entendiaõ com
dle.'
70
Of^a imagina agora quam coytados
An danamos todos ^ qua m perdidos^
U)efomey\de tormentas quebrantados,
IPorclímaSi ^ por mares naÕfaéfiaasi
E do efperarcompYídstaõ cançados,
planto a de/ejperarjâ compellidos,
jfor Ceos fiaõ naturais, de qualidade)
Inimiga de nojfa humanidade.
Por Ceos não naturaes. Terras , Sc Climas íòra de
foannturcza, & táo apartados, Sc contrartos aella.
Das fignificiçócs que tem a palavra Ccojfe veja o
que dcrcveuios no canto i.oytavíi 29. ôci.oytava
«5.
7*
C> Orruptojã^ ^S danado o mantimento,
jT>anoío^à-mao ao fraco corpo humano^
E alem dtffò nenhum contentamentOt
^e fi quer da efperançafojje engano-.
Cresta que fe eflenoffo ajuntamèncOi
íDí fcldaáos riad fora Lujitano^
^le durara elte tanto obediente
"For ventura afeuliey^^ajeu Regente}
VoT ventura a (cu Rey,&afeu Regente} Encarece
aqai a lealdade da Naçaó Portugueza,da qual naó
lemos havcrle levantado algum comra leu Rey
CQuía ciu outras Nações muyto coílumada.
1^
C^ Res tíi^quejá nao for ao levantados
j Contra/euCapttàOyfeasrefiftiraj
Fazendo/e V tratas , obrigados
'De dejefperaçãoydefome.^S deird>
Grandemente por certo eftão provados^
^ots que nenhum trabalho grande os tira
'Daquella Tortugrie/àalta excellencia,
*Da lealdade firme j& obediência»
Tyratau SaóCofiariosdo mar , Sctemcíleno-
me ícgundo alguns querem de hum, que pi imcy.
roomvcntou, H ulou cfteofficio chama jo pyra.
ta,outros querem (o que a mim mais contenta)que
le chama o Collario do mar , Pyrata de pcrao
palavra Grega ^ que quer dizer , andar de hu-
til
ma parte para out4'a , por for «íle feu coítu*
me.
7$
DEyxandõ o porto em fim do doce rio^
E tornando a cortar a agoafalgada^
Fizemas dejia cojla algum dejvicy
T^eytando para o pego toda armada:
forque ventando Noto manfOy& frio ^
Não nos apanhafe a agoa da enfeuda^
^le a cofia faz ai li da quella banda,
UJohde a rica Sofala o ouro manda,
Naõnoi apanhafje a agua da enftada» Efta eníéadá
de que o Poeta aqui taJla eftá ícflenta legoas aqué
de Moçâmbique,chama-le commummenteo Par-
cel de Sofala,em que as aguas correm muYto para
dentro por ler mais bayxo , de maneyra que há
perigo grande , por fe prelumir que podem ir dar
cm bàyxos quea-hi há rouytos.
Donde a rica Sofala o ouro manda. Sofala he huma
povoação na cofta de Moçambique, cou ia de íci^
lenta legoas deJJa > aonde El-Rey noílo SenhoJi
tem huma fortalecia, 6c o Rey ^■^^•'^rYÁ eítà á fua
obediência. A efta terra Sofalatói'*2.em os Gcntics>
6c negros da terra dentro , por v^ja de comercio,
muyto ouro , por cujo rcípeyto òã Mouros po*
voàraó aq 11 çl la terra , & pel a mcfraa xQ^^^ó agora-,
cnrre nòi he muyto frequentada.
74
EStap-affada^ logo o leve le^el
Emcomendado aofacro JsLicolah'^
^ara onde o fnar na cofia brada fíè geme%
A proa inclina de huma^ de outra nao:
fiando indo o toraçaôjque ffperajê teme^
E que tanto fiou de hum fraco paOj
2)<? que tfperavajâ defefperado^
Foy de huma novidade alvoraçada,,]
encomendado ao Sacro Niniaoé O Êerrtavenfti-
ràdo S. Nicolao grande Advogado dos Eftudan-
tes, ohctambem dosquetrattaõnomar, Seara*
zaó de lhe fer cònfagrado o lenie do navio , áleni
de outro's milagres que nefte particular tez \ he
porque em huma tormenta grande chamando
hup.s marinheyros muyto rijamente por elle, lhes
apareceo , &difi"e: Eys aqui Nicolao,por quem
chamais, não temais, que eu vos livrarey defte tra-
balho, 6c tomado o lcn7e,na máo, lhe encaminhou
a nao de modo, que fe falvou, andando muyto ar»
M Içada , como conta cm lua vida Simaô Meta*
phraftes.
75
T^ Poy^^w fflandojà da cofia pertiít
1 u Ondí' as prayasy^ v a lies bemfe viaÕ, '
X Nim
Mum fío\que allifae ao mar aheYto\
Bateis à vella entravãofê fahião;
Alegria muy grande foy por certOt
Acharm6sjãpeJfom,quefabião
Ndvegar,porque entre ellas ef^eramos^
'De achar novas algumas ^como achamos.
Un/a^ínto^
79
76
EThtopesfàõ todos, mas parece
^e com gente melhor câmunicavão^
IPalavra alguma Arábia fe conhece
Entre a linguagem fua^que falavãoi^
E com pano delgado ^quefe tece J
1)e algodam^as cabeças apert^vãfi^y 4?
€om Qutro^que de tinta azulJTtmge^
Cada hum as vergonhojas partes cinge.
4
A^ide limos ycafc as, érde oflrinhos^
Nojo f a c riafão das ãgoas fundas^
jílim^amos as nãos , que dos caminhos
Longos do mar,vemfordidaSi& imundasi
^os hofpedes^qne tmhamos vifinhos^
Com mofiras apra(iveíSy& jucundas
Houvemos fempre o ufado mantimento j
Limpos de todoofaljopenfamento.
é>íijiii defimot. Por fe acharem bem nefta terra
com a CGmm^feçã<idageEl>fe/ & alegria que ti-
nhâojConi a^^pas cj^c acháraõ da índia, mandou
o Capirâo mórTlar pendor aos navios , por irem
muy to luJQs, &eítcvencíle lugar trintaôcdous
dias.
80
Palavra alguma Arahla, Tiveraõ por bom final,
ver que eíles negros ulavaó de algumas palavras T\ .C As naofoy da efperaça grade ,e immefa
Arábia^, também o tratco , &; vertidos craó diffe- j[ VJ ^« ^ ne/fa terra houvemos Itmpa.&Pura
-fCtTK^^da outçâ geate, que aiéeníio tmhaó viílo. A alegria mas logo a recompenfa
ir^ ' A Ramunjia comnovadefventurai
/^ 11 AjffiKoCeo fereno fe di/penTa^
Q Ela Aréhica língua ^q\ie malfalãoj Com efta condição pefada,&dur a
. Eq^le Fernão Martmz muy be entende ^ ' Nacemos ^0 pejar terá firme za^
Vtzem.quepor naoSj que emgrãdeza igualao ^^^^ o bem logo muda a naturezal
kAs nojjas^ o/eu marje c ort a ^^ fendei
Mas que là donde fae o Sol fe abalao
'Paraondeacofta ao Sul j% alargai^ ejlcnde^
E do Suipara o Soliterfd onde háVíét
Gente afficoma nós da cor do diiu
Gente ajjí como nos da cor do dia. Gente branca,
R<íw»«y?<?.Chamada aííim do nome de hum Lu-
gar,aondeera venerada, hc Nemefís Deofada juí-
tiça, ininnga dos foberbos , & grande iopeadora
da gente prcíunçoía,& altiva. Veja«íe a noflkan-
notaçfio no canto terceyro , oytavayi. O que o
Poeta aqui diz he, que o grande gollo, & conten-
tamento que naquclla terra linhaó , porvertaó
porque o dia í^claro,Scbranco,ac a noyte negra, claros finaes da terra, quebufcàvaõ, feJhe aguou
& elcura. comhamadefaventuia,quelhe íuccedeo dehuma
^g gran.ic,8c nojóía infermidade,da qual adiante vay
> crattando.
A/T Vyg^^n^^fP^^^f^ ^W ^OS alegramos^ j^ \ ^,^^, t,,j firmeza. Faz a^fte propofito AI-
XV 1 Coa^ttte,^co as novas muyto mais? ciaio hum Emblema, que he o 50. em ordem, ntà
^elosjindrf^ue ne^e rio achamos,
O nome lhe ficou mi bons finaes:
Hum padrão nejla terra levantamosy^
i^uepara affmalaMimres tais
Trazia alguns^o notWtem do bello
Guiador de Tobias % Gabe lio.
qual pinta o mal, & o bem: o mal muyto ligcyroi
& npreílado: 6c o bem muyto vagarolo. Eíle Emi
blcma fez á imitação de Homero , o qual na íua
lUada inttoduz Até filha de Júpiter perfeguindo
Wj homens, &fazendolhcmil males : & para os re-
mediar manda outras filhas luas chamadas Litas,
Velhas, Cegas, 6c Coxas, que nunca chegaó a dar
o remédio, §c quanto para prova difto baila a
I
tx-
GuiadoràeThobiái aGàbello, He o Archanjo S. /periencia,qu'èbcni cUro rios moílra a verdade do
Raphael. A hillotia he , qué iudo T-hobias po(*Mrcafo.
mandado de leu páy ftrrccâdar cdrfeo difiheyrçi^t
hum homem por nomeGabello , moradirr na Ci-
dade de Rages dos Medos, arreceando cõmetter o
caminho, (cm compa.nhcyro,appareceo o Anjob.
Ilaphael , £v o acompanhou àtèò lugar aonde hia»
como íe pôde ver cm Thobias.
81
EFoy^que de doença crua^&fea^
Amais ^que eu nunca vi^defemparãrao
Muy tos a vtda.e em terra ejíranha^i(*t alheya^
Os ejfospara fvmpre fepiUtàrão.
Çliiem
Lufiaâas de Luís ãe CâtmétCommentadoi» i 6;J
^(em haverá que fem o ver o creya^
<->)ue tãô disformemente aly lhe incharão %^
^s gengivas na boca.que erecta y« Sfis^uedepprtonos punimos
A carne,& juntamente apodrecia. J\ q^^^ ^^jor efpera^fa,& mor tripzâ.
As gengivas na hoca. Conta Joaõ de Barros nij E feia cofia a^ayxo o mar abrimos
primeyra DccaUa que naquelies dias,que eftiveraô Bu/cando algum finai de mais firmezal
dando pendor aos navios, parece que.ou do ar da- j^^ ^^^^ Moçambique emfimfuriimOS^
jj^dU terra , ou da ^^l^^^^l^^^^l^J^^^^ <De cujafalfidade.é ma vileza '
lhe robreve\o hum trabalho com doença, de que c^ a .■ ^^ r i j j j
íDorr^-áo alguns. A mayor parte foy de enfípelas, J ^í^r as fabedor,& dos enganas
Scjantiinçnte Ih; crecia canto a carne das gengi- 'Dos f ovos de Mombaça pouco bttmanos.
Vas , que lhe não cabia na boca, 6c logo lhe apo-
arecia aquclla carne de mancyra , que nãoliavia Ci>Mmiyortfperanfét,& nt$r tri/ieza. Levâvaó â'
òucín roportaífe o fedor da boca,& com tftes ma- efperança pelos fmaes, que achàraó, & novas d*
les pidcciaô dores muy grandes , & morrerão India.&trifteza pelo trabalho daquella tão trifte»
alguns como aqui dii o l»oeca. ^ nojenta doença./Va dura Moçambt^m, Aos 24.dc
81 .;:u,.^.
ATodrecid co^ hum fétido /S brutdi '
Ch yro^que o ar vifinho inficionava,
Hão tínhamos aUi Medico aftuto^
Cirurgião fútil menos je achava:
Mas qualquer nefie ojficiopouco injfruãa
'P € U c ar nejâ podre affi cortava
Como fe fora morta^& bem convinha,
Tois qie mor to ficava quem a tinha^
Poh ^ue morto ficava <^ue>n a tinha. Nâo quer âl^
zer , que os que cinhaò e!te mal eftavaô mortos
com morte natural , mas que tinhaó as qualidades
que tem os mortos, porque náo íallavâo , èc o leu
cheyro era de gente jà detunta, 6c nâo tinhaó len-.
tiuu de homens vivos , pelo trabalho grande que
tinhaó com hum taõ grande íaul , Sc dores cxccf-
Çvas.
8 3
EMfmyque nefta incógnita efpeffura
* 'Deyxamosparafê^re os conipanheyros^
^e em talcaminbotem tauta defventura
FoTâ.0 fempre comnofco azentureyros:
!^tão fácil he ao corpo ajèpulturai
^Aef quer ondas do mar ^quaefquer outeyres,
Eftr anhos affimefmo^corno aos noffds
Receberão de todo $ ilíujire os offos^
•
ÇluaÕ fácil he ao corpo a (epukura. Declara o Poeta
neita ovtava a igualdade , que a morte trarta com
rodos,náo fazendo difterença nos eítados,"confor-
me aqucllc dito de Horácio. Pallida mors ee^uopal.
(ãt pede , & Regum turres , pauperum'jue tabernas. íi
moítcatodo5 iguaUjaíTim entra nas torres, &: pa-
çi»s dos lleys , como nas tendas dos pobres olíí-
ciacs , & como qualquer lugar Içrvc de fepulrura,
atTim doilluílre, como dos que o náo Uõ, como
a expei icncia lios eníina.
Fevereyro de 1498. fahiraó os noíios do rio dos
Bons finaes , 6c o primeyro de Março houveraó
viíta de Moçambique , terra hoje aliás conhccid«
dos notlos , por ler muyto frequentada das noílas
armadas , ôc terem os Reys de Portugal alli forta-
leza. Chamalhco Poeta aqui dura , porque feoi»
prc le dcraó mal os moradores defta terra com 0$
noíTos.
D01 pi>vBS ãe Mombaça pouco' humanos. Os dgt
Mombaça também fizeraó roim gazajhado aos
noíTos, & determinarão deítrokilos, como fica dis
to cm outro« lugares» a
A Té que aqí4Í m teufeguroporto]
{Cuja brandura^& doce ir at amento;
*Daràfaude a bum vivo,^ vida ahum morto^
Nos trouxe a piedade do alto affento\
jíqui repoufo ^aqui doce conforto^
Nova quietação do penf amento
Nos dèfie^^ vès aqui^fe a tayito ouviflej
Te contey tudo quanto mefedifie*
Âtèijue dtfui, Edâs cõufas todas vay relatando»
o Capitão niór Dom Valco da Gama a El-Rey
de Melinde a petição lua , como fe tratta no canto
fegundo aonde le começa a relatar efta Hiftoriaj.^
8^
JVfga agora Reyje houve no munia
GentCique taes caminhos comete ffeml
Crés tu^que tanto Eneas^& o facundo
V/y ffes pelo mundo fe efiendefjem?
OufOu algum a ver do marprofundo^
(fPor mais verfos^que dellefe efirevejffeínj)
1^0 que eu vi^ apoder de esforço ft£ arte^
E do qiití inda hey de vet^a oytavaparte^
Crh ''fie tanto Eneis. De Eneas, êcUIyfe trai^
tcy\io canto primeyrOjSc fegundo»- ' '
t^artU
fef
Es/e, que hebeo tanto da ãgoa aonla^
Sobre quem tem contenda per e gr ma ^
Entre fii Rbode^Smirna, ^Colophomai
jítheriasXos ArgoM Saíamina:
MjJoHtrOtquè^clareCe toãaAufonla^
A cuja vozaíttjonat&âivma
Ou vindo o pátrio Mtncio fe adormece^
Mas o Tíbreco* o/om/eênfoberbece.
Efe ms iekeo tanto da agua aonia. Agua aonía, lie
% agua da fonce Aganippe , da qual todos os que
'fcebiaó fícavaó Poetas , & diz que bcbeo rouyta
^àç{)::\ sgiia t^omero , porque foy Poeta excelien-
tiífimo , & para encarecimento de fua doutrina, &
erudição não ha mais , quetrazer queoquedelle
-dizVelleyo Pâterculo no livro primeyro daHif-
toría Romanaí,qae íò merece norne de Poeta,aon-
«de acrecenta,i« i^ho hoc maximum e^,<!jttodne(^ue ante
iUum , tfutm tile imitar st ur^. 7iee]ue poji illum , ^«i eum
imitanpo^etinvèntiís cfi^ que nem antes delie houve
<juemelle imitaíle, nem depois deile quem o pu-
«lefle imitar adie. Não fe poéeVnais dizer, & com
verdade. Sobre o quallugarde Vellcyo diz Jufto
L.ipfio muytascouías , & dignas de íeu entendi-
mento , porque não há poder chegara Homero^
& por elle fer elte depois de morto o pretenderão
jnuytos por natural, tem ate hoje íè faber a certeza
donde fcme.' 0 Poeta conta muytas Cidades de
«Grécia , que f inhaó entre íi grande contenda ÍO'
^re Homcro^hecoufa íabida.
Effoutro- ejm «fcUreee todíi.. Attfonia. Aufonia he
Itália, chamada aflioQ de A iMqnio leu Rcy. Efta
cfclarcce , & ennobrcce mayto o Poeta Virgílio
ítaliano-de nação , 6c'iaaturárda Cidaidedc Man»
tua,juntocla qual palia ò no Mihcio, de que aqui
o Poeta fazmençaô, Sc diz que o Mincio (e ador-
mece com leu fom,6c o Tibre fe enfoberbecCjpor-
que o Mincia não teve de Virgílio oacrointe*
reflcjlc não o gollodclle ícrfeu natural, pelo que
diz que fe adormece pelo gofto , & contentamen-
to que tem de ouviftão boas novas de leu natu-
ral, E o Tibre fe enfoberbece, porque em Roma
fez eíle Poeta feu aílento , & alli compoz os feus
livros. E porque Roma goza ^'adelle , & o tinha
femprccomíigOiandava loberba, & levantada, 5c
aindâquè ie chama Mantuano,elle não foy natural
de Mantua , le não de huma Aldeã nuTytotriíle
junto a Manteíajchamad^a And€s,aonde eu jà cíti-
vcelpantado de ver a triíteza do lugar , & exccl-
lencia do Poeta, que alli naceo.
Cyíntêi/otivem,é' efcrevaõíepre eftremos
*2)eJfes/eHs Semiáeofes^ encare ^ah
^tntol
fmgindoMagã^sCtrces^^olyphemíl
Siretms^que co' canto os adormeçad
'Demlhe mats navegar á ve//a,& remos
Os Cicones^&a terra ^ondejè efqueçao
Qs comfanhsyrosyem goftando o Loto^
^crnlhe perdernas íigoas o TUoto^
Cantem t louvem. Diz iílo porque Homero í 6c
Virgílio , & os mais antigos tudo efcreveraõfa-
bulaSjSc mentiras, como em fuás obras fe pôde ver
fingindo muytas patranhas , & contos fabuloios,
como trattar de Teus íemideoíes , que por outro
nome fe chamaô Heroes , dos quaes fica traitado
no canto 4.oy tava 5 o.Magasfiircti, M aga he pala-
vra de Perfia , na qual língua fignifíca o que na
Grega» PhílolophojÔC na nofla Sábio. E porque
entre eftes Sábios havia alguns, que tocavaó de
communicação com os demónios , como fempre
fe cofbijmou entre osEgypcios , & hoje entre os
Jndío£,Si: Ethiopicos:daqui Magia,quehea Icien-
tia dlftês Magos fe tomava em boa , & mà parte,
como hoje em dia fe toma, porque a perfeyta Phi-
lolophia fc chama Magia. Magai Círcíf.Aqui nefte
lugafiporCirces, entende feyticeyras , tomando a
palavra Magas cm mâ parte com o epitheto de
Circe,qiieo foy grande. Da qual conta Homera
na OdificaK.què por ordem dos Latinos he o li-
vro decimo , qu€ convenço os Companheyros de
Ulyíles cm porcos , 6c o mefmo diz Virgílio
Eglog.8.C<irw;«í^rti Circeftciot mutavh Ulyffis.Civ»
ces com luas encantações , 8c feytiçarias convcr»
teo os Companheyros de Ulyfles em porcos , que
he o que o Poeta nefte lugar entende. Polypbemos»
Polypheoio foy hum Gigante filho de Neptuno,
do qual os Poetas contaô grandes fabulas , entre
outras, que tinha hum olho ló na tefla, tão grande
como huma grande rodela,o qual Ulyíles lhe que-
brou, como diz Virgílio na Eneida , & Homero
naOdirtea,
Spenai ejut co^ canto 01 aJormeçao. As Sercas, di*
!Z.em os Poetas que foraó filhas de Acheloo , &
CaHiope , huma das nove mufas : outros lhe daõ
outros pays» Moravão no mar de Siciliai da cin-
ta para cima molheres , & peyxes da cinta para
bayxo , cujos nomes eraó , Partenope , Lígia , 6c
Leucofia,grandes muficas, 6c tangcdoras:em tan-
to que com a doçura da voz entrctinhaô aos que
paílavão,& adormecidos com a fuavidadeda mu*
fica os lançávaó no mar , como tratta Homero na
Odiílea M.
Dtmlht mais navegar a vella^ & rema nos Cy cones»
Eíla diligencia de navegar dos Cy cones povos de
Thracia , Sc a briga que tiveraõ com a gente de
Uiy(Tcs,pinta Homero na OdyíTca liv. 15. cap. 17.
Go(land9 oloto,lA arvore loto, como diz Plinio,he
do tamanho de'huma Pereyra , o fruyto que dá hc
cônlo huma fava, Sc nacem muytosjuntos nos ra-
mos como mortrnhos. He taó íaboroío eftefruy-
to,que vieraó os Poetas daqui a alcvantar , que o»
quii
Lnfíaàas de Luís de
C]«e comiaõ âelle, ft ejqueciaô de íuas terras, mo-
4híres,Sc filhos, como Homero conta dos Compa-
nheyros de Uiyfles no lugar allcgado. Do nome
iielta arvore icchamãoos moradores dcíla Pro-
víncia Lotophagos, que quer dizer,gente que co-
mida arvore Loto. Ortelio na lua Synonimia
^uer que Icjaó osGelves. Em Africaha muytas
arvores deftas,8c em Italia,como diz o mcfmo Plí-
nio, também há algumas, mas ofruytonão hetaô
boíh. A fabula da Nympha Loto convertida neíla
íirvoroconta Ovidio nas Metamorpholes liv. 9,
Vemlbe pçrder nai agnat ê PUoío, Como conta Vir-
gilio na Eneidj liv.quinto que aconteceo a Eneas,
(jucihecahio Palinuro íeuPilaco no mar , o que
cUc íentío muyto*
Ventos foUos lhesfinjaõy& imaginem
Dos odres ^^ Caíipfos ^namoraaas
Harpias ^ífue o manjar lhe CQntam'tnem% \
T>ecer âs jòmbras nuas jàpajfAdas:
^apor mHyto,& miiyto que/e afinem
Níjt as fabulas vãs também fonhadas^
Averdadtyqiie eu conto nua^^pura^
Vence tuda grandíloqua efcrttura^
Vmtoi fnUdi lhe finja», PaíTando Ulyífes pelas
Ilh.i5 Eoiidas , aonde EoloReydos ventos tinha
lua morada , conta Homçro na OdiíFca , Eolo lhe
meteousventosem hum odre , para que dalli os
íoleafle quando quizelle. Veja-le o que cícrcve-
mos no canto quarto, oytava 58.
E Qaiyphi n&moradAu Calyplo grande elperdi-
çada por Ulyiles.filiia de Thetis,& Oceano deter,
minou não o largar toda a vidafazendolhegran^
des promeirascomo diz Homero na Odyllea , Sc
como eu notey no legundo canto oy cava 45.
Arphi tjueo manjar Ibt contamina», Contaô as
fabulas , que Phinco Rey de Thraciaporconic-
Ihodc fuá íegundamolher , tirou os olhos aos fi»
ihosda primcyra > pelo que enojados os Deoles,
lh& quebráiâó os ícusjôclhe acrecêtàraó outro tor-
mento mayor , que tudo o que lhe punhaó diante
para comer Ihetiravâoas Arpias, que eraó humas
Avcsmuyco íujas » & goloías , Òcihe iujavão a
mela. Veja.fe a noíla annotaçáo no canto quar*.
tooytavíiSj.
Deccr ái jembrai nuat jâfaffadat. Sombras jà paf-
fedas laó almas idas dctta vida.falia á imitação dos
Latmos, que por morrer dizem : defcenderead em-
brai^ ctcccr ao lugar aonde e'taó as almas , as quaes
clks chaTiaó lembras, Veja-fe a noíla annotaçáo
no canto terccyro oytava 1 5 1. O que o Poeta neí-
tasoytavas atras quiz moílrar, foy, que todas âs
mentiravdeHomero,com Ulyfles, 8c de Virgílio
como teu Eneas, 6c aíTim de outros antigos Poe-
tas, nao (aó para fe ouvirem comparaçáa das ver-
dades, que dos Portuguczes íè trattão , porque
com ferem fabulas Eaõ conceruiAs ,2v bcíu sici;i.
•^'íí..
Cdmoes Commentadof,
tas , com eítylo , & palavras tâo elegantes , rfenj
com todas eitas particularidades, vem a conto de
verdades , quelò osPortuguezcs trattáo enifuaí
hiílonas.
Djíhoca do facundo Capitão^
'Pendendo efiavaõ todos embebidof^
afiando deu fim à longa narração
^os altos feytosygrandes ^f& Jubidosi
Louva o Rey ojubltme coração
*T>os Rey s, em tantas guerras conhecidos^
^agente louva a antiga fortaleza^
A lealdade de animosa' mbreza,
Facunio C<i;>ií<»ff. Entende o Capitão mór Vafc6
tía Gama, porque neíla narração, que fez ao Rey
de Melinde le houve facunda,6v eloquentemente*
VAy recontando ofovOjque fe admirei
O cafo cada quaí^que maisnotou^
Nenhum de lies da gente os olhos tíray^
^e tam longos caminhos rodeou:
Mãsjà o mancebo T)eliO as rédeas vira}
^e o irtnaõ de Lam^ecia mal guiou j
^For vir a de/canfar nos Tethicos braçot
E elRey fe viy do mar aos nobres paços^
Mai ']à o manceba Delio ai tedeas vira. Neílas pà2
lavras nos pinta o Poeta o tempo da tarde quandcr
o Sol le queria por,& cítá por táo galantes termos,
que não pode mais fer , mas muytas vezes por nos
nelle livro declarados. Mancebo Del io hc o Sol,
chamado aflimdallha Dclos aonde naceo, como
fica notado atrás. Diz , <}ue o Sol virava as rédeas^
que o irmão de Lampecta mal guio» , porque ao Sol
attribuem hum carro com quatro cavallos em
queda luz às terras , como notamos nefte canta
oytava 46. O irmaõ de Lampeeia he Phaeton £[•
lho do Sol , o qual dando hum dia luz ao mundo
cahio como conta Ovidio largamente nas Meta-
morpholes, ôcfica notado no canto primeyroi ÔC
quintOjOytavay.
Por virdefcançav aot Theticoí brafoi. Hc pelo que
muytas vezes fica notado , que o Sol à tarde fe re-
colhe ao mar em calade Thetis , aonde eftáatè
que o outro dia fe levanta a dar luz ás terras , o
que tudo pinta Ovidio no lugar allcgado , & hç
muyto labido,6c por nós muytas vezes notado,
Q^aô doce he o louvor ^^ ajuÇagloriét
^Dos próprios fcyt os ^quando faó foadosl
í^iaíquer nobre trabalha que em memoria
Vença jQU iguale os grandes ^ápa(fadQS',
4i
,^ envejas àa Ulufire^é* alhea hijiona
Fazem mil vezes fgy tos fub limados ^
^■^em valer ojas obras exercita
^uuvor albeo muyto o efperta^ incitai' '
t!antõ ^intú.
Al
^ua^âocebeoíouvsrt Oqueeu pudera aqui trâ-
zej^^çál^ declaração delia oytava tratta o Poeta
«as jegaintes até o fim do íivro com exemplos
tão próprios , & tão conformes que me cfcufa a
Biim depor outros.
^My:'-'
NAnttlnhã em tanto os feytos gloriofor
TDe Achites Alexandre napelleja^
^^uanto de quem o cantados numerofos
''Vcrfo^iiJJo/ò louva jffo àeCeja'.
Os trofheos de MeUiadesfamofos
*Temiíiocles defpertão (o de eniieja,
E diz,, que nada tanto o deíeytava,
Como a vozjqueféus feytos celebraua,
Nã^ tinha emtantê os feytot gloriofos. Conta Cí-
cero naqr-açâoquefezemfavorde Archias Poeta,
que chegando a cafo Alexandre ao lugar aonde
Áchilles-eílava fepultaJo difle eílaspalavras : O
pátria de fervldaõ. Entre õutrns côiítas que dellè
íc efcrevem hc eíta , de que o Poeta aqui faz men-
ção , trazer icmpre dianiedefcus olhos os Tro-
pheos de Melciades , & huma enveja grandiíTima
-de Tuas cavallçrias , & que com nenhuma coufa
dentia levar may or gofto na vida , que cm tratcaç
de íuas coufas.
T^abdhapoYfnoflrar Vafcoâa Gama^
^e effas navegaçoes%que omundo câta%
NaÕ merece tamanha gloria ,^ fama^
Comoafua^que oCeoM aterra ejpanta:
Simas aquelle Heroe^què eftima^^ ama
Com dÕes_,mercèsfovores,^ honra tanta
A Ura MantuanafaZi que foe
Efieas^tè a Romana gUria voe.
Si tn4i atjueUe Húroe.Que íeja Herocficadito nõ
canto quait.o oytava 50. Oqueo Hoetaqu,e-r dizer
he que os Portuguezes naô favorecem nem fazem
mercê algama aos homens de engenho como fize-
raó os íntigos, 8c efta he a razaõ poi'que li,neas,£c
outros RQm<*nos excellentes foraó conhecidos no;
mundo por lerem Mecenatcs, & Padroeyros áoà
Poetas. Lyra Mantuana he viola de Mantua, cn-
fortukatè adoUfcensy ^ui tua vtrtuti' praconem invenc' tende os veríos de Virgilio, que tanto celebrarão
ris Homemm, O ditofo mancebo pois tiveíte hum t-ncas.
tão gtande pregoeyro de tua cavalleria como foy
Hotaèrq, , ,& Plutarcho na vida de Alexandre o
chama bemaventurado, porque teve na vida hum
«migo leal ,0 qual fe claamou Patroclo, & depois
«Jefua morte hum taòrgrande pregoeyro de luas
«bras como Homercío íí-fte valerofo Capitão ain-
da que trabalhava por imitar as obras de Achilles,
& lhe eia muyto affsyçoado por luacavalleria,to-
davia maisjin veja tinha , como diz aqui o Poeta , á
4itta>deiAchiUes,em lhe caber por lorte ter a Ho-
JBiÈnotipoírelcriLordcfuascoulas, queá luacaval-
icria, Scprorperaforcuna nas coufas da guerra.
(f , ,Qílr0pbtot Mekiahs. Melciades, ôcThemiílo-.
-cies foraó dous Capitães Athenienfes de graude
tiome, entre outras coulas excellentes,quefecon-
táo de Melcidss hama digna de memoria , Sede
i>5
DA^ a terra Lujítana Scipioes^,
Ce/ares t /llexandre s fS dâ Angujlos^
Mas naõlhedá com tudo aquelles doens^
Cuja falta os faz duros j& ro bufos:
Odíavio^entre as may ores oprejjões
Compunha verfos doutos j& venuftos^
NaÕ dirá Fulvta certo jCfue he mentira^
^mndo a deyxava António por Glafira^^
Dâ a terra Lu/ítana Scipides.Modrn o Poeta nef»
ta oytava corno cm Portugal fe criaõ homens
muyro esforçados , & Cavaílcyros, & tanto, quâ
ncui os Komanos antigos de cuias façanhas htj
t|antos livros cheyos, lhe íizercióventije, comool
jque todos QsHiftoriadores fazem muytocafo,foy $cipiões,Ceíares, Auguítos, Scquedelles não h(
que feyto elle Capitão general de hum pequeno hum Scipiaó,fenão muytos , muytosCclares , 2|
cxercitQ ■, pira rcfiílir ao poder grande de Date
■general de hum poderoíillimo evercito de Dário
Rey dos Perfis, o qual vinha com propofito, &
«determinação de deítruir toda Grecii , junto a
liuin -pequeno lugar chamado Marathon fe en-
co4icrou com Date, Ôc lhe matou trezentos mil
homens. De Thsmiílocles fe conta, que foy hum
Capitão de grande conlcliio,& engenho, & de taó
gr^ttdd msmoria.,.quc de cór fabia o nome de to-
dos bs/Achenienfes. A primeyra guerra que os
*ÀthénicnÍestiveraõ com o^^s Pcrías,foy eleyto por
gentralv Em huma batalha navàl,que riwevaó jun-
muytos Alexandres, mas tem os Portuguezes h\
ma muyto grande tacha , que he não mifturaret
comas armas as letras , como os antigos fazia^
como Odaviano , 6c Marco António, de que
Poeta aqui faz menção, 6c outros muytos Prin(
pesdequeos livros eft.iõ cheyos. Faz fcifto hoj"
tanto ao revez, que antes íe pragueja de quem ia-
be.Naó tem elle lugar necelTidade de prova.
Mão dirã Fulva »aoejne he mentira. Marco An-
tónio como conta Plutarcho em fua vida foy
ipuyto aííeyçoado a letras, & poefía,em efta par-
te foy demafíado , porque deyxava lua molhei'
to a SaUmina desbaratou os Perfas,, 5c livrou fua Fulviapor irouvirchiftes,SctrovmhasdeGlafira
:K - - - -.. . - ^ . . Sc outras moíKcr es. ^*y
96
VAy Ce/ar fòjugando toda França^
E as armas naô lhe emfedem afciêcia^
Mas numa, mão a pena ^é^ noutra a lança
igualava de Cícero a eloquência',
O que de Sciplaõ fe fabe ^& alcança,
He nas comedias grande experienc'ia\
lÀa Alexandre a Homero de maneyra^
.^lue/empre/è Ihejabe d cabeceyra
Lujiadas de Luís de Cafnões Commcntados". f^ j
zer q não há homés conhecidos pela fama,por mais
excellentcs q na vida foflem,por falca de quern Ihs
elcrevaíuascoufas.Eoc] mais he de kntir, qelleli
íaó caes,q o não lente como na oycava ic^uince du
o Poeta.
9%
POr ljf0i& naõ for falta de Natura
Naõ ha tãbem Vir gt lios , nem HomeroSf
Nem averà^fe ejje coftume dura,
^J^ior Eneas^nem Ac htles feros:
^ay Cefar. Elte he Júlio Ceíar , do qual have- -l^as opeyor de tudo he^que a ventura
mos traitado algumas vezes neftas annotações,
«ntre outras coulâs que íe dclleelcrevem , huma
he que o Poeta aqui aponta , que cm huma maó
trazia a pcnna, & na outra a cfpada , porque tudo
o que delia lhe fucccdia na guerra, de noyte eícrè-
via com tanta diligencia, Ôc fidelidade, que os léus
Commcntaiios que deitas coufascompoz , foraó
approvados , & tidos por verdadeyros por íeus
próprios adverlarios,& inimigos.
O <\us ât Sapiaõ fe (abe. Publio Cornelio Scipiáó
chamado Africano pelas grandes cavallerias que
cit» Africa fez , principalmente na deítruição de
Carihago , foy delcendente da illuílre cala dos
Cornehoi, &. filho de Publio Scipiaó , oqualle-
gundo íe efcreve foy o primeyro Capitão Ro-
mano , que pelejou com Annibal. Foy muyto
-dado ao cíludo das letras , ík principalmente
muyto aífeyçoadoa comedias , como aqui diz
o nollo Poeta , pelo que foy muyto amigo de
Terentio, 6c com muytas mercês que lhe fez,
acabou com elle tresladaile as comedias que ho-
je temos.cujos primeyros Autores foraó Gregos.
Lia Alexandre a Homero de maneyra, O naayor
goílo que Alexandre tinha na vida, era ler pelo
Poeta Homero , & tanto que de dia o trazia no
ieyo, 6c de noyte o tinha debayxo do cravefleyro
da fua cama.
EMjim naõ ouve forte Capitão ^
^ie naofojje também douto^.ò' fciente^
"Da Lacia.Grega^OU Barbara nação,
Smão da 'Fortuguefa tão fomente.
Sem vergonha o não digo,que a razão
T>ealgumnãofer por ver/os excellente,
He nãofe ver prezado overfoy^ rima,
forque quem naofabe a arte não na ejiíma.
Em fim naa houve forte Capitão. Diz que todos os
Capitâc5,íj houve no mundo de no.ue, quer l^o-
nianos,quc entende pela nação Lacia,q quer dizer
Latina.qucrGregos.ou Bárbaros, foraó dados ao
exercício das letras, 5c q fc os Portuguezes as def-
prezáo, & ilto porqas não entendem, porque não
Tam afperos osfez^^ tam Auflèros^
Tam rudoSj(^ de engenho tam remiffi)
^e a muytos lhe dà pouco, ou nada dijjo^
§lue a muytos lhe dâ poueOyOu nada <///^.Poderafe ío*
frer não lhe dár aos homés de fabcrcm letras, 6c Ici-
encms, mas haver homés q tcnhaócm pouco os q^
íabé,âe barbaria fina.
AS Mu/as agradeça omjffo Gama
O muyto amor dapatria^que as obriga
A dar aos /eus na lira nomeJ3 fama,
''De toda a illuftre^à' bellica fadiga:
^e elle^ncm quemna ejlirptf Jeufè chama^
Caliope não tem por tam amiga j
Nem 4S filhas do Tejo^que deyxajjem
As te lias douro fittOj^ que o cautajfeml
Ai Mttfas <ijçr4</g^«. Nota aqui o Poeta aos Por*
tuguezes pouco favorecedores dos Poetas, pelo q
eíla empreza q elle tomeu de lhe efcrever íeus fcy-
t0S,devéno â Patna,aondc elle naceo,q o amor de-
maíiado q lhe tinha, o fez cantar os iey tos dos feus
naturaes^ não obrigação alguma q tiveílb. Cali-
ope he húa das M ufas, 6c principal dellas.Filhas do
Tejo faó as Nymph.is do Tejo, Padroeyras també
<los PoecaS)Como íicadito no canto i.oytava 4*
100
POrque o amor fr ater no yô* purogofia
^De àar a todo oLufitano feyto
Seu louvor, he fomente o prefupofio
'Das Tágides gentis j&jèu refpryíO:
'Porém naõ deyxeemfm de ter difpofÍ9
Ninguém a grandes obras fempre opeytê'^
^e por eft a^ou por outra qualquer via^
Nãoperderã feupreço,^fua valia ^
Dai Tagidei gentis. Tágides faó as Nymp^as do
Teio.Veja-le o q efcrevemos no primeyro canto.
O q neíta oytava diz o Poeta he q o feu intéto ncí-
te livro he dar o devido louvor aos heróicos feytos
dos Portuguezes , pela obrigação q atrás tocámos
preza as coulas.hnão qué as conhece, 6c q por naó de leié Íeus naturaes, & não por clles o mcreceré,
haver quem^faça cafo da Poeíi:i,não ha Poetas.ha- pois não favorece aos homens q neíla parte os pó*
vendo homcs de muyto engenha, 6c habili jade,6c de fizer grãdcs,8c excellentcs có feus efcritos. Cô
uaqui vcià qnaó ha iiiieas aeni Àchille§:quero di- tudo acófelha fe appliqué as obras áz virtude,porq
nunca falta quem íaya por elUs.
orq
oà
t<6
os lusíadas
DOGRANDE
luís de CAMÕES.
Commentados pelo Licenciado Manoel Corrêa.
ARGUMENTO.'"
Parte-íe de Melinde o Illuftre Gama,
Com Pilotos da terra, & mantimento,
Dece Lieo ao mar,Neptuno chama
Todos os Deoíes do húmido elemento:
Conta Velloío aos íeus dando honra, & Fama
Dos doze de Inglaterra ó vencimento;
Soccorre Vénus a afligida armada,
E à índia chega tanto dezejada-
CANTO sexto/
Neíle Canto fe tratta como fahio Vafco da Gama de Melinde , Zi o que lhe
aconteceo atè chegar a Calecut. Conta-fe também a faraofa Hiftoria
dos doze de Inglaterra.
NAõfahta em que modofefleja(fe
O ReypagaÕ õs fortes navegantes^
^ara que as amizades alcança jje
2)(? Rey Chrijiaô, das gentes taõpoffanteS^
'Pe falhe qne taõ longe oapofentajfe
*T>as Europeas terras abundantes
ylventnra^que nado fez ve zinho
U^onde Hercules ao mar ahrio caminho ,
O Rey Pagai, O Rey de Melinde,ao qual Vâfco
da Gama relatou a Hiftoria , que nos trcá cantos
atrás ouviíles.
Europeas terras. São terras defta noíTa Europa.
Bonde HercuUf ao mar abrio o caminho. Entende
b eftreyto de Gibaltar. Veja-lc o que eícrcvémos
no canto terccyro , oytava 95.
J
C"^ Om jogús ^danças 0 onttas alegrias
j Segundo a policia Metindana^
dom u fadas j & ledas pefc ar ias
Com que Lageia a Âritonio alegrado engana.
Efiefamofo Rey iodos os dias
hefltja a companhia Lufitãiia,
Com banquetes ^manjares defufadox^.
Com frutas ^aves ^carnes i<^ pe fcados^
Co,
\ V / LíifiaãasãeLuh de Cainhei Commertfadosl
Cú^ pe a Lagelajirtttnio alegra^ éf engana. La* ^ agente LuJitana^deUas dlna^
Í(JJ
«eia he Cleópatra Raynha do Egypto , chamada
afliiu de Pcolomeo Lago Rey delle. Efta deu
grandes banquetes a Marco António. Veja-fe o
que cícrevemos no canto fegundo, oytava 55,
M
3
As vendo o Capitei^ quefè detinha
Ar de ^morre ^blasfemai & de f atina.
ThalaMoiãoSoL Saô as partes aonde o Sol nace,^
os quaes na oytava atrás chamou partes da Au-'
rora, que tudo hc huma mefnía coula. Chamaó os
Poetas áquelias partes thalamos do Solde thaU*
Tuuíy que quer dizer cama, ou eílrado, porque fin-
gem que dalii fe levanta , & nace o Sol. Tbyorteoj
Jã mais do que devia & ofrefco vent& Baccho. Veja-íe a noíla annotaçáo no feguudo
O convida quepartay& tome a/ínha
Os Tílotos da terra^é^ o mantimento.
Não Ce quer mais deter ^qne ainda tmhA
JMuytopara cortuY dofalfo argentai
Jà do pagão benigno fe defpede^
^Ine a todos amiz^ade longa fede>
I
Sal{Q argento. Sallo argento hc o man Veja-íèa
iioíli annotação no canto primeyro oytava 18.
Benigno chama ao Rey de Melinde , pelo bom
âzalhido , quenclle achàraó os Porcuguczes»
PEdelhe maisyque aquel/e porto feja
Semp/e co m fuás frota f vifitado^
^te nenhum outro bem mayordefeja^
^46 dar a taés baroês feu Reyno^ Q? t liado ^
E que em quanto f eu corpo o efpirito reja
EJtãra de contino aparelhado
Apur a vida^fê Reyno totalmente
fPor tão bom Rey^por tãojub lime gente*
5
O 'Vtras palavras taes Iherefpondia
O Capitão ^& logo as vellas dando j
IPara as terras da Aurora je partia,
^te tanto tempo haja que vay bujcando:
NoTolitoque leva naõ avia
Falfidadeimas antes vay mo/irando
Anavegaçaôcerta^Ò' afsi caminha
y â mais figuro do que dantes vinha*
canco,oytãva u.
Via eftar todo o Ceo determinado
De fazer de Lisboa nova Roma^
Nao o pode eflorvar^que deflinado^
Eflà de outro poder ^que tudo doma
jD<? Olympo doce em fim defèfperado^
Novo remedi» em terra bufe a, ^ toma
Entra na húmido Reyno ^à' vayfe â corte
IDaquelle a quem o mar cahio em forte*
De fazer dt Liibôa nova Roma. Pelas vittorlâs
que havia de alcançar, com que íe havia de pare-
cer com os Romanos, que tanto dominarão.
Da^juelíe a ^uem o mar cahio em fortcEjilc he Nep-
tuno u-máo de Júpiter, Plutão, & Juno, filhos de
Saturno.os quaes lançando fortes fobrc o que ca-
bia a cada hum dos Reynos de feu pay Saturno,'
que era Senhor do univerfo , depois que toy lan-
çado do Ceo.A Júpiter cahio em forte o Ceo, a Ju-
no o Ar, aNeptunoo Mar,aPlutão oinfernoj
8
NO mais interno fundo das profundai
Cavernas altas yonde o mar fe e [conde l
La donde as ondas faemfiribundas
fiando às iras do vento o mar refponde:
Neptuno morado' moraõ asjocundas
NereydaSjt$ outrosT>eofes do mar .onde ^
As ã^uas campo deyxaô ãs Cidades^
^e habitão ejias húmidas deydadesi
tio maii interno fundo. Deícreve aqui os âpoíení
Para ax urras da Aurêrafe partia. Que coufa fe- tos, & paílos de Neptuno,os quaes diz que íaõ no
ja propriamente riurora
meyro , oytava 14. &
fica dito no canto pri-
II2i
AS ondas navegavaô do Oriente
Jã nos mares da india,& enxergavaÕ
Os thalamos do Sol.quenace ardente^
Jã quafi feus de Cf j os fe acabavaõ.
Mas o mao Thyoneo^que na alma fente
As venturas ^que entali fe aperelhavaê
fundo do mar.
Cavernas ali at. Covas fundas.^
Nereidas. Saó as Nymphasdo marfilhâs deNe-
reo , de que jámuytas vczcs temos trattado. Hit*
midai deidades. Saô divindades do mar , gente no-
bre, & Senhores, que os Poetas fingiaô morar no
mar , & por eílerelpeyto lhe atribuhiaõ poética,
&; fabulofamente diyind;\de,coa)o coníla da liçaô
dos Poeta».
^^f^t^d
,IJP
ta cxcellentemente à imitação de Oviáít
DEfcohre afundo nunca defcuherto
As áreas aly de prata fina,
borres altas fe vem no campo aberto
■^a tran (parente majfa crijialina:
^artto fe chegão mais os olhos ferto^
Tanto menos a vifta determina,
"Se he chriftalo que vé fe diamante,
^e ajfi fe moftra claro j& radiante.
Funde nunca defcuberu, He aquelfi partcaende
Nepuuio habita por fer no maÍ5 fundo, & fecreto
lug^r do mar.aondc nunca ninguém vay.
Torres altas. Eíi^s tones altas de maíla ciiílalina,
fãò tonesdeagoa muytoclara, & radiante, como
o Poeta rtrftâ oytava encarece.
iSe be enfiai o ejue fe vè fe diamante. Para encare»
cimeíito da ferajofura das aguas.
IO
AS portas d^ ouro fino ^ér marchetadas
Uo rico aljof Ar ^Qjue nas conchas nace^
íDí ef cultura fer mofa ejl ao lavradas
Na qual do trado Bacco a vifta pace:
E vèprimeyro em Cores variadas ^
^J^o velho Chãos a tam confufaface.
Vemfe os quatro elementos ttasladadoSi
Em diverfos of fidos occupados^
Do rico aljôfar^ ífue nax conchas nace, O principal
aljof^ir le peíca na Cidade ae Barem , na coíla da
Arabia,logeytaa El Rey de Ormuz. Ha-o tam-
bém em Geylaó, ôc em outras partes. Pefca-fe no
fundo do mar, tirando as oílras, & dey tandoas ao
Sol, ,as quaes delpois de íeccas i'e abrcm,Sc dalli le
tira.
j Na cjual do irado Bacco a vijla fafce. Encareci-
mento grande he da fermofura do lugar,pois Bac-
cho raó colérico , £c irado Ic deteve , 6c dcleytou
em ver aqucllas coulas.
Doveib» Chãos a tão cenf ufa face. Entre outras
coufas que eftavão naquellas portas , huma era
aquellc ant igo,6c confuío Chaos,de que os Poetas
tantofallaô, quefoy o primeyrolugar, fegundo
elles fingem , donde todas as coufas tiveraó ori-
gem. Chãos he palavra Grega , & quer própria*
luente dizer confula5,porque naqucíle Chãos ef-
tavão confulamente todas as coulas fem ordem
nem concerto algum. Trattadeíle Chãos Ovidio
nas Metamorphoícs , liv. i. Ôc chamalhe o Poeta
velho por fua antiguidade. Vcja-fc o Provérbio
Chaò antiíjutor.
Vem fe os ejuatro elementot.Dos quatro elementos,
êc razão delle nome trattey no fegundo canto,
oytava 35. Ôcna oytava íeguintc os pinta o Poe-
1 1
Ahlifubltme o Fogo eflava em ema,
^le em nenhuma matertafefufiinhay
^)aqut as cou/as vivas fempre anima^
%>e pois que 'Fr omethéo furtado o tinha:
Logo após elle leve fe fubtima
O invencível Ar^que mais afinha
l^omou lugar ^& nem por quente ^oufriOi
^Igum deyxa no mundo ejiar vafio,
/llli o Ubhwe fogo efiava encima* Chama aõ
fogolublime , ou pela nobreza , ou pelo lugari
aonde dilfe Ovidio:
ígnea convfxi vis, éf ftne pondere Cali .
Emtcuiti (ummat^ue locumftbi legit tn arce,
O fogo tomou o mais alto Uigar, porque efiájun^
toaoCeoda Lua encima de outros elementos.
Ç.^e ejn mnhuma materta (e fojiinha. Porque não
tem neceffidade de lenha , nem de outrab ajudas
para fe luílentar.
Depois ejue Promethea furtado o tinha. Veja-fe a
ncíla annotaçâo no canio quarto, oytava 105.
O invifivel Ar. Chamaao ar invifivel , porque
raõ fe detém a vifta nelle por ler muyto raro , &:
íutil. Eíí:e Ar eftá logo junto aofogo , &l logo a
agua,Sc no ultimo lugar a terra como mais pelada
que os outros elementos. E ainda que o Poeta
aqui â imitação de Ovidio delcrevendo aos Ele-
mentos , pocm a terra no terceyro lugar » ?í não
he por fer mais leve que a agua»mas por fer aflen-
to delia, 5c aílim fe ha de entender Ovídio , ^ o
Poeta aqui. Nem he inconveniente cftar muyiM
parte da terra delcuberta de agoa,porque ifto or^
denou Deos Omnipotente , para habitação dos
homens, por cujo relpeyto criou todo ounivcrío.
A qual ordem , 5c preceyto de Deos íe collige do
primeyro capitulo do Genefis : Cvngregeníur ar^i^a
i^KX jub Cxlo funt in locum uaum , & appareat anda.
Ajuntem-íe as agoas que eílão dcbayxo do Ceo-
em hum lugar,& appareça a terra. Pelo que have*
mos de entender , que fe efte preceyto de Deor
não fora por ordem da natureza a agoa cobrir
lodaa rerra,pois he regra Philofophica, que tcdoí
concedem , que qualquer elemento luperior bí
dez vezes tanto mayor,que o inferior, mas Dqo
todo poderofo,mandou ás agoas que le dcfviíHei
para huma parte,&: deyxaflem lugar deloccupad
para habitação dos hotnens*
£ nem por ejuente, ou frio. Ifto he por aquella rc»
grada Philolophia, ^uodnondatur vacuum inrert.
natura , que não hà lugar valio no univerlo , Díí
tudo eílá occupado.
-Ef^vi
Lufíaàas de Luís de
1 1
Estava a Terra em montes reveflidat
^e verdes ervas j& arvores flor idas _,
'ÍD anilo pafif^ âiverjo^ dando vtda^
j^as alimárias nella produzidas:
aclara forma alli tilava e/culpida^
T)as agoas entre a terra dejparz^idas^
'De pejcados criando vanos modos ^
Comfcu humor mantendú os corpos todos.
N Outra parte efculpida eftava a guerra ^
Quetiveraoõs Ueofes co' os Gigantes i
Efià Tipheo debayxo da alta C.rra
2)9 Etna,qneasflamns lança crepitantesi
EíCíilpido fe vé ferindo a terra
Neptuno y<^uando ^as gentes ignorantes
^elle o cavalo houveram ^(^ a prime yr a
^e Minerva pacifica 0/iveyra,
N^outra parte ifculpiía e(iava a guerra. Veja-fe o
canto primeyro , oytava 5'».
E(íd 7yphe9 debayxo da alt4 ferra de Ethna. Diz
Pindaro Poeta Grego, ao qnal fegiie Ellraboliv.
15. que o Gigante Typheo eíH prc^^o no monte
Ethni , ôc atonnentajoalli por mandado de Jú-
piter, por le achar na guerra dos outros Gigantes*
Daqui chaaiáo os Poetas aos rayos tela Jypbas^
naó por Typheo Gigante os fazer a Júpiter, como
alguns querei), fe não por lerem de matéria de fo-
go,o qual dizem os P oetas,quc o monte Ethna de
Sicília o lança de íi , aonde Thipheoelld amjr-
rado.
Efcftlpido fe vè ferindo a terra Neptuno. Veja-íe, o
que elcrevemos no canto terceyro,oy tava 5 1.
POuca tardança faz Lyèo trado
Na vtfla delias coujàs^mas entrando
Nos paços de Neptuno^que avifado
©a vinda ftia^o e fiava jà aguardando»
jí as portas o recebe ^acompanhado^
^as NiiifaSique/e eíião maravilhando^
5D^ ver^que cometendo tal caminho^
Entre no Reym dagoa o Liey do vinho.
Pouca tardança faz Lyeo irada. Entreoutros no-
ircsqucosPoctasdaòaBaccho, hum heLyeo,o
qual confv^rma muyto coai a natureza dos ho-
mens aftcyçoados ao vinho , porque he de hum
verbo Grego Lyo , que quer dizer foltar, ou li-
vrar, porque eíta gente he muyto hvre, ôcapar-
tada de cuydâdgs , uu paia milhor diier muyto li-
CdmÕes Commentadosí '%ji
vre,6c folta no fallar,Sc de pouco fegredo* Efta me
parece a mim a razaó porque a gentilidade enga»
nada coílumava em léus lapriíicios , & feftas de
Baccho levar cirandas ,&joeyras, valos que nãc»
foftém em fiagoa , dando a entendernifto a natu-
reza de Baccho , & dos que oícguiaó : porque 0$
quelhefaziaó luas feitas lè preUvão muyto de le
lomaremdo vinho , &fuzercoulâsquccoftuma5
fazer os que guardão fuás regras. Donde diz Vir*
gilio nas Georg. Et my(lka vanus laccbtt & a myH^
tica ciranda de Baccho. Bem fey que lhe dáo alli
outras declarações , mas elUme parece a mim a
própria , &alljm relpondi ao noUo Luís de Ca*
mões perguntandomc a razaó , &: declaração da*
quelle vcrlo , & lembiame que lhe contcntoi|,
mais,que as que os comentos Baquelle lugar crat*
tão. l^óde Ici Baccho cambem Lieo de lio, que he
prender , pelo officio do viuho , que he prender^
èc atar , a quem ie dá a cllc»
ONeptunOylhe dijfe^não te efpantes
^De Bucco nos teus Rtynos receberes
'Ter que também có* vs grandes j^ pv£antes^
Mofiraa Fortuna feus poderes:
Manda chatnur os \Deo/es do marcantes
S^e fale mats^ft euvirme o mais qiújeres^
l' eram da de/ventura grandes modos:
Ou^aõ todos o maluque toca a íodos^
16
Í*X)tgando]à Neptuno ^quf feria
Eflranh') cafo aquelle^logo manda
Trttão^qut chame os T^tofes da agoafria^^
Sjie ornar habttão d^huma^ & d' outra bãdai
Tritão jque defer filho ft: gloria
1)0 Rfyi& da SaUcta veneranda:
Era mant ebo grande ^fiegro^ô' fey o.
Trombeta defeu^ayfBfèu correjo,
TritaÕy nfut defer filho fe gloriado Rey, & JeSaíaeiê
venerandtí. Tritão foy filho de Neptuno , & da
Nympha Salada , correyo, & trombeta de feii
pay , como aqui diz o Poeta.
OS C abe lio t da barba, (^ os que âecefé
T>a cabeça nos hombros^todos eram
Huns limos prenhes dagoa, & bem parecemÀ,
^e nunca brando peutem conheceram:
Jslas pontas pendurados namfallecem
Os negros mexilhões, que allifegéram^
Na cabeça por gorra tinhapo^a
Hurna muy grande cajca de lagofta^
Oí cahítos '^alarba. Vitt&nos aqui o Poeta a
Triuô trombeta de Neptuno lèu pay à imua-
^çaó de Ovídio Irv, t> iM€t.
iô
i8
C^^r/^o ?//5,(d^' os membros geititaeSj,
^Por naõ ter m nadar impedimento
Mas ptrèm de pecjumes antmaes^
^0 mar todos cuberios centOy& cento:
ipav!araêsj& Cangrejos & outros mais^
.^ie recebem de i^hebe crecimento^
Oftras^fÉ Birbigoès domufgofujos,
id^seejias cotn acâfcaos Qaramujos.
^«e rtt(h,'m àt Phek cfe^irnerito. Phcbe,he à L/õk,
Vinha o Vadre Occeano âcompanhaiõ
©oi filhos ^à' das filhas , que ger àr a ^
Vem NereOj que com Dorisfoy cafadoy
§ue todo o mar de Ninfas povoara:
O 'Pròpheta Prothêo deyxando o gado
Mar it imo pacer pella agoa amàra^
Alli veyo tambem^mas jà [abta^
'O que o Padr^ Lyêo no mar queria^
Vinha o Paire Oceam, Ós antigois , Como por
muycas vezes fica dito, faziaó Deoíes a cada canto
nos matos, rios , 6c niar tudo eraó Deoíes , ôcao
m^fmo mar rinhaó ncíla conta , como o noílo
l>íz q titias òiflras, 6c o mais marílco r; cebe crcci^ Poeta aqui QÍz,fal]andocomo Poeta, que acudío a
mento d i Lua , pcrq\ieaíua principal influencia
he frialdade, & humidade, que ncítascoulas pro-
priamente faz tifey to como em outras muy tas dtf-
ta qualj(;^^C.
NAmaõagrande concha retorci dã^
^le trãzta com forçajà tocava^
A voz grande y& canorafoy ouvida
^oYtodo o mar ^qm lovge retumbava:
Jà toda a companhia apercebida
*ÍDos ''Deefis par aos paços caminhava
2)í> "Deos^quefez os muros de 1)ardaniâ^
^Defiruidos depois dá Grega in/ànta»
eíle ajuntamento, que fe fazia nos paços de Nep«
tuno,lcnhor,'&: monarcha do nvAT.J/tm I^creo. Efte
Nercohe outro Deosdo nar,fiiho do Oceano, 6c
Thctis. Eftefoycafado com Doris, & quanto ao
que aqui diz , que Nereo povoara todo o mar de
NymphaSjhe pelo que os Poetas fingem delie,que
leve muytas filhas, a que chamáo Nereidas , Sc al-
guns querem que foífcm cincoenta. Seus nomes
íe pódé ver em Higinio, no principio do leu livro»
O Fropheta trotheo. Prutheo foy filho do Oce-
ano , Sc Thetis paílor do gado de Neptuno como
fica dito no canto primeyro foy grande propheta,
fegundo o q dellc finge os Poetas,como aqui apó«
ta o noílo Camões , Sc diz Virgílio nas Gcorgicas
\ l^úvii namíjue omnia vattty
<^a fintf^Uíiefaennt ejua moxventmá trahantur.
ÍLntende Protheo muy to bem , diz Virgílio ,
coufas aífim prefentes como pafladas , Sc por virj
Veja fea noliaannotaçaó no lugar allegado.
Ly«o. He Baccho, Veja-íe o que cicrevcmos
atras neíle canio , oycava i4«>
II
Na mão ^grande concha retorcida Concha retor-
cida era hum búzio, com que Tritaõ tangia, o
qaàl era a lua trombeta , Sc chama ao búzio con-
cha , como lhe chamâo 05 Latmos , ÔC afiim lhe
chamou Ovidio liv.i. Mtt. Cmekacjut fonanti in/pi-
rarejuhet. Er manda IheNeptuiao tocar o fcu bú-
zio íonoro. ^.C>N'M^'
yl vezgranJe caneta. Voz Canora he voz fonora
de ean» verbo Latino , que quer dizer cantar , ou
• Daejuelk e^ttefez, Oimuros de Dardanta. Entende
Neptuno, a quem os Poetas, como fica por muytas
vezes dito, chamaó Dcos do mar. Efte em compa-
nhia de Apollo , que os Poetas chamaó Deoh da ^ue fe amançavaemar de maravilhai
mufica , Sc medicina , fez os muros de Troya a pe- l/efíida huma camiCaperctOjai
tiçáo de Laomcdonte leu Rey,pela qual refaó aos T^y^zia de delgada baet ilha
inu*'05 de Troya chamaó os Poetas MacniaNep- - o_ .
tunia, ou Apollinea , muros de Neptuno , ou de
Apollo. Chama aqui Luis de Camões a Troya
Dardania de Dardano feu Rcy , o que tudo he
muyto íabido dos que lem pelos Poetas.
Deflruhtdos depoit da Grega infanta. Aponta aqui de Neptuno,filha de CelojSc Veíta.
a deílrwhiçáo de Tioya,da qual trAttámos no can*
totcrccyro, ^*
Vinha por outra parte a linda efpofa
Tie Neptuno, de Ceh,& Vefiafilha^
Grave ^ér ledanogelio,& taÒfermofa^
^Uí' o corpo crifiálino dcyxa verfe^
^e tanto bem nao hepara efconderfe*
Vinha por outra parte a linda c/po/^r.Salacia molhei
C
AMfitritefer mofa como asflores,
• Nejie cafo naõquix, quefallece§'e
Lufiadas de Lúis ãe Camões Commentàâoi, iy J
i) T)el fim tra%con!jtgõ,(jue aos amores f urus. de Athamante,corrio fica dito , Seque tam-
T>o R< y ihe aconfelhou^que obedece fiei b^'" ^^Y ^^f «pea Nympha do mar , filha de Ne*
^ j // ,.. j\...Â. / - ri reo , Sc Dons. O bdlo Infante, He Mtlicerta h-
€o'sMos,^ue de tudo/ao fmhores. ^^^ <l'£l.Rcy de Athamame.
^alqmr p^recera^que O ôolvenceJlfe^
jimbas vem pellamaòhtgual Partido,
*^m ambãs faôef poj as de hum marido, ^
T7 0'Deosyquefoy num têpo corpo humano^
Amphitrite fermofa como ai florei, Efta Amphi- fc> Epor virtude da ervapodero/à^
tritc era taníbem molher de Neptuno , como Sa- foy convertido emp€yxe_,&dejie daHO
Í3C'^- ,,. . „ , Lhe refultouT>eydade çloriofa:
1^ u .,/r,o A^k^^i ^ / - r j 11 Inda Vinha chorando O feoenq^anoy ^.^
mos eolíiiiho aíias conhecido. Contao-fe deilc ~^ , . , ^ ^ z V
muycas CQuías acerca da afteyçáo que tem aos ^e Ctrce tmhaufado CO aftrmopt
homens , &â mufica. Huma digna de memoria òcylla^que elle amu^dillajendo ârnadô^
coma Solino no Polyhjítor , a qual diz Appiano, ^le amais obriga, amor mal empregado^
que vio com ícus olhos , 6c oucios niuytos com
cllc : quehumgolfinho tomou tão grande affey- g <, D€oi,tj»€ foy num tempo corpo huma»», Ertefo^
çaóa hum moço , que lhe coftumava deytar ao Glauco pefcador do qual coma Ovidio , que tcn*.'
longo da praya alguns bocados de paô , que o ic- do muytos peyxes na praya em quanto le deteve
vavapeio meyodomardeBayas até Puzzolepor no enxugar das redes le lhe toraó muytos ao mar.
efpaço de duzentos eftadios , que he quafi légua Olhando Glauco a caufa deíla novidade, vio que
Scnieya, Sc o tornava a trjzercom grande admi- os peyxes viviaõ tocando cm huma hcrva que na
ração da gente, ôcaccrecenta que dcipois que fai- prayaellava. Provou Glauco aquclla herva , ÔC
leceoo moço vinha todos os dias ao lugar donde aconteceo-lhe o que acontecia aos peyxes. Elte
coltumavalcvallo, Sc que vindo por nuiytasve*' foy tido entre os antigos por Deosdo mar,que he
4es,&; náo o achando morrera de laudade. oquedizaquionofibCamóeSjquedodannodcfer
convertido de homem tm peyxe por viitude de
^$ huma herva lhe refultou ier tido por Deos do
A^ - j r • j yr f mar.Efte também foy a efl:eajuntamcnto,de que
S^jella.qne das fanas de /ílhãmante^ himostrattando,masaggravado>&queyxolode
hugmaoveyoater diviint ejiãio% hum engano grande,que huma molher por nome
Comfigo traz o filho bello Infante^ Circe lhe fez , a qual como era grande feyticeyra»
No numero dos 'Deo/es relatado: pedio a Glauco que lhe défle remédio para que
Telia praya brincando vem diante, ^^'"y^^^ , aquém elle queria muytolhe déílè algum
Com as lindas conchinhas, que o Julgado ^^'"l • ^ «/^^^ \^"^ ^^''^^, . i^f , ' "^T
,^ , • j ^ ^ -^ ,,^ em luear de fazer bem ao Glauco lhe tez mal,-
Marfimpre cria^à as vezes pe lia área, porque pertendiacafarfe com cllejnficioncu hiu
NocoloatomaabellaTanopèa. mafonte aondeScylla fe coílumava ir lavar » de
maneyraque entrando Scylla nella , affim (efez
Acfuella <fU€ dai furtai de /Ithamante. Conta Ovi- ray voia.que lhe parecia que a rohiau, & comião os
dio que não fe podendo Juno molher de Júpiter cães da cinta para bayxo^ peloque não fe podendo
por fi vingar de Ino molher de Athamanie Rey íofrerfc lançou no mar de Sicilia , aonde de conti-
deThebas , á qual tinha ódio por ter em pouco no cílá ladrando. Vcja-fe o que cfcrevemos no
aíTim a ell.ijcomoa Júpiter leu marido, le ajudou íegundo canto oytava ^6.
das fúrias infcrnaes,buma das quaes foy logo a ca-
fa de Athamante , 6c lha inficionou de maneyra, *-
que Athamante com rayva , & fúria matou hum /r j
filho TcLi por nome Learcho , & o meímo fizera a X '^' finalmente todos ajjentados
molher (ele lhe não efconderacom outro chama- I Ra gr ande (ala nobre,& divinal ^
do Meliccrta:os quacs também com a mefma fu- ^ /Is l^eofas em riquifflmos efirados^
na fc lançarão no mar. Mas Neptuno por rogo q. T>eofes em cadtyras de criítal:
mtHaninrh'' ' & honrou no (eu Keyno, Poraõ todos doTadre agafalhadvsi
mudandolhe os nomes a Ino chamando Lcuco- ^, ^/ , ,- . ^J ^ • .. /
rh.a,5c a MeUcerta Pal^mon: ao qual os Latinos ^^^ corhebanotmhaajjentotguah
chamãoPortuno, por fer fenhor dos portos do 'De fumos enche a cafa anca moUa^
mar. O que o Poeta aqui diz he que a eitc ajunta- ^le HO marnace^^ a Arábia em chiyropâffal
mento,que Júpiter fazia fobre as coufas dos P«r-
tuguczes.foráo L.eucothea, & Palemon, os quacs De fumo enche a eafa a rica mafa, <fue no mar nacei
diz que vicraõ a fcr Dcolcs do mar , fu^^indo d;ic Efta malVa que nace no nur, he o âmbar: o qual a
natureza
,%1
f74 imanto Sexts,
:natu reza erm, não geralmente em todas eftas par- £ tu 'Padre Occeano^què roãeas
tes do mar, mas em algumas como laltro delle, por
cujoreipeytoas baleas cm certos tempos arnbaõ
áquel Ias partes , por fer cíèe o feu propi-io manjar,
& affirma.re que coiiiemtanto até que ie embebe-
daó,& que o que íayc à, praya he,ou arrancado por
cilas no íundo do mar, ou arrebeçado do que Jhe
O mundo tmiverfal,^ o tens cercado]
E comjufto decreto affi permites ^
^e dentro ijtvamjo aefeus limites^
Vrincefe^cjut de jura fmboreas.JDaqm começa Bac3
-ibbeja quando comem. E. quefejaifto aíTiniihe choa trattar lua caula diante de Neptuno, & ou
■cou4a manifeíta , porque não há âmbar íe não em tros íenhofes do mar, o que pretende he , perfua-»
algum^sp.aragcns, & cita hc a opinião de Luis de dilosaquenáo confintãoos Portup^uezcs no leií
Camões, como coníla do leu vcríò , ôc fey ta expe
lienàa por alguns curioíos em baleas mortas
•achâraô o ahibar no bucho ,& tripas ainda frcTco,
& indigeíiojComo rac contou hum homem, que
fe achoii nas partes aonde o ha. Pelo que nem fe ha
de dizer ler o éfterco das baleas, nem o feu eípcr*
ma, como querem muy tos, porque íe fora afiim,
«charíc o âmbar en>,tGdasas partes aonde hába-
.leas. Ha.duas caftasde âmbar , hum pardo a que
chamão Gris , quchemuyto eílimado em todo o
mundo, outro preto que vale muyto pouco. Logo
quando lahe eíte âmbar hc íoltoconiolubaó „mas
dahi a poucos dias endurece, 6c fica com o cheyro
Reyno,antes os perfiguaó;& avcxem, pois faó taa
atrevidos que entraó cm Reynos alheyos ietn li-
cença, 6c vontade do Senhor dcllcs. Hceftapeti^
ção a imitarão de Virgilioliv.i. iEneid.em huma
oração qut Juno molherde Júpiter fez a Eolofc4
nhor dos ventos, pedindo-lhedeílruiflea Eneas
no mar, para que náo chegafie a Itália , como
Bacclio aqui queria fazer , que os Portuguezes
náo entraíkm na Índia. Contí^m eílapeciçáo to-
das as p^rtc; ,que fc requerem>as quaes faó tres,pri-
meyramenre pedir aquém tem poder, Icgundaria-
rneiitepedir coula jufta, ultimamente moítrarnos
gritos d.i mercê que fe nos fizer , ou moftrar que
que todos veraos,tendomi yto pouco, ou nenhum vay lambem muyto aos que haó de ajudar, como
€m maiía.i;)iz que palia ena cheyro a Arábia, por- aqui os Dcofesdomar , cujo Reyno le perderia ia
que em Arábia ha muy :omccnío,Òt outras couías
cheyroías.
Estando fo(fegaàojà o tumulto
'Dos 'Deofesy^ de feus recebimentos ^
Começa a defctt br ir do pey to occultOj
A canja o Tyonèo de f tus tormentos:
Hum pouco carreganàofe no vulto ^
'Dando moftra de grandes fentiment os ^
So por dar aos de Lufo trijte rnorte^
Qo^ ferro alheyo fala de fia forte.
^ Thyoneo, He hum dos nomes de Baccho , como
fica dito. í^ulto. He o roílo chamado aííim de voh
palavra Latina , que quer d^zer querer , porque o
que temos na alma logo aparece no roíto.
Oi de Lufo. Saõ os Hortuguezes chamados aíTim
de Luio companheyro de Baccho , como fica dito
muy tas Vf zes.
Jiào rcfiítiííem à entrada dos Portuguezes. Fede
Baccho a quem pode, pois pede a Neptuno fenhor
do mar, queofavoreça nelle, &: juntamente aos
mais fenhores do meímo mar , como coníta deftas
duas oytavas deldc aquellas palavras : Princepc
que de juro fenhoreas. O que pede he jufbo , peio
grande atrevimento dos Portuguezes,pois não le
contentando com fuás terras fe metem por Rey*
nos alheyos,& atravellaó os mares lem licença da
Neptuno lènhor delles. Por Prmcepe entende
Neptuno.
L>e bum Pelo a outro poio. De Norte a Sul,terfrio
he, que muytas vezes declaramos em eíUs nofias
annotaçôes.
E tu padre Oceano. Efte fazem os Poetas grande
Senhor do mar , 6c Icgunda pefloa depois de Nep-
tuno « como aqui o faz Luis de Camões. Do
Oceano le veja o que fica dito atrai no canto pri;
nieyrooytava ií>.
i8
Eyòs 7)eofes do tnar^que naõ fofreis^
Injuria alguma em vofjo Reyno grande.^
Co^ o ferro alheyo.Qom forças alheyas porque náo
áeacreviaBacchoporíiadelviarosPortuguezesda , _ - ^
cmprefa que tinhaó entre mãos , pelo queprocu- ^e com cajltgo igual vos naõ vingueis
rava favor . & ajuda de Neptuno , para ver fc por T^e quem quer.quepor elle corra, fè ande
clle mçyo podia eíFeótuar alguma coufa.
^7
PRinclpe^que de juro fenhoreas
De hum 'PolOi a outro Tolo o mar irado
Junque as gentes da terra toda enfreas,
Site naõpaffemo termo limitado:
^ue defcuydofoy efle^em que viveis?
^icm pôde fer , que tanto vos abrande^
Os pey tos com razaõ endurecidos^
Contra os humanos fracos y& atrevidos^
Evès Dsofetdâ war. Entende Nereo , Glau(
Thctis,& outros.
Contra oi humanot fracos ^ (jf atrevtdot. O q í<
paccho tacha aos Portuguezcs hcíèrcm atrevid'^si|
Lujtadas de Luhàe Camões Commentadoil
que a mayor glorIa,8c honra que elles podem ter,
níayormenceenu coulas tão árduas , & difficuko-
las como ellés commettiaó, E por tão bom fim,
porque como aiz Pliaio, in tnagnit, auderemagnum
tfi , emcoufas grandes o atrevimento he coufa
grande. íi. aquelle grande Tyrteo, ao qual Plataó
cm muytos lagares chama Poeta divino, fallando
a eítc propoíito diz:
m
^tfejuis maré navigat^ts aut infunit,
Aut mendtcuf tfi^am mon CMpif.ex bit trtbui
Ndn fitrifoteji^quin faltem Hnum verumfit.
l^en mim vir botim exijiit in bello
Si nonfii/ltneat (cedim vidert cruentam,
Et ffopius bojlei (lare cupiatf
Hac vírtui efiboc ofttmum inter bominesframium.
O que navega tem hum de três males , ou he dou*
do , ou pobre , ou amigo de- morrer. Deílas trc$
coulas não pode deyxar de ler huma.^
3°
VEdes agora a fraca geração,
^e de hum vajjaio meu o nome toma^
Com fvberbOi& aitivo coração^
Avos^^ a myt& o mundo todo doma:
Não le pôde ter por ruim foldado o que fizer
loin) loftoacutiladasjôcniortestôcquenáo folaar r^ . ^- . j ^
co.n inimigos perto.lfto he cavailana. Ariftotcies ^'/'' ^ vo{lo mar cortando vao
fias Ethicas poeoi o atrevimento, & medo por ex- -^^^^ ^^ que fez agente alta de Roma^
iremos da fortaleza. He matéria eíla larga, 6c que yedes O vojjo Reyno devaffando,
coinprende muytas niaterias.Quanto a cite lugar. Os "Vojfos ejtatutos vaÔ quebrando,
& propofico o atrevimento he fortaleza , Scern
matérias de cavallaria,Sc virtude foy fempre lou-
vada, & o medo nenhuma defcarga tem. Em ou-
írascoulas como he commetter vícios , & fazer
pontrao quepedeahonra , ôiaraiiúo, o medo,
& cobardia cem lugar.
Vdts agora a fraca geração , <]ue de hum vaffailè
meu o nome toma. Entende aos Portuguczes cha-
mados Lufitanos de Lulo companheyro de Bac«
cho, ou como elle aqui quer, ler leu vafiallo : os;
quaes diz que procediaó no negocio da navegação
com mais oqíadia do que o fizeraõ os Romanos»
i5>
Vlfles^qne com grandiffimâ oufãdla^
Foram jà cometer o Ceo/upremo:
Vijíes aquella infana f anta fia ^
^e tentarem o mar com vellaM remo:
Vijtes^à' ainda vemos cada dia^
Soberbas ^& tnfolenctas taes^que temo}
^ie do Marjê dó do^empeucos annos^
Venhaõ T)eo/tfS aferia' nós humanos,
Forao jd cometer o Ceofupremo. Para confirmação
da ouíadia, 6c defcnvoltura dos Portuguezes em a
navegação de mares allega Baccho também ou-
tros exceflbs , que os homens fizeraó contra os
falfos Dcoles , primeyramente os Gigantes filhos
íla terra , os quaes procuraváo lançar Júpiter do
Ceo,5cdefl:ruir todos os mais Deoíes,para del^ig-
gravar (uamây aterra , a qual os criou para efte
effeyto, como conta O vidio nas Met.imorphofes,
& Claudiano na fua Gig.Tntomachia , & Ma-
crohio nos Saturnaes , aonde moralifa eíla fabula*
• ^í/?fí aejudl» infana faniefta dt tentarem o mar com
*ela , & remo. Efte dito he peral contra todos os
homens, que le atrcvaó a andar no mar, ainda que
princip.^lmcnte parece entender aqui os primey-
ros que o fizeraó, como forao os Argonajitas, dos
quaes temos fallado muyras vezes ncíle livro.Cha-
ma aqui o Poeta ao navegar fantefia infana , que
podemos , por termos mais claros)declarar doudi»
ccNa verdade cila foy invenção de homés dema-
fiadamétc atrevidos.Dódc diíle o Poeta Euripides;
31
EP^ví q contra os Mynias ^que primeyro j
No voffo Reyno ejte caminho abrira Ô^
Boreas injurtado^^ o compãnheyra
Aquillojê os outros todos rejijiiraõ:
"Pois fe do ajuntamento aventureyro
Os ventos e/ia tnjurtaajfi fentírão^
Uos^a quem mais^competeejta vingança]
G^e e/perays\p6rque a pondes em tardanfaf
Eu viejut €ontra os Minias, Veja-fe a nofla an»
notação no canto 4.oytava 83.
ENaê conJintofDeofes jque cndeysl
^lepor amor de vos do Ceo deciy
Nem da magoa da i njuria que fof reis ^
Mas da qiiefe me faz também ami.
^e aqiieilas grandes honras ^quefabeyi
^lâ no inundo ganhey , quando venci
As terras Indianas do Oriente ^
Todas vejo abatidas dejta gente f
Q
33
'^ '
Ve o graõ fenhor,é' fados que defíbiaò.
Como lhe bem parece, o bayxo wundOi
Famas
i^amas wores^cfue nunca determinão
*Z)í dar a eftes varões no mar profundo:
jíqui ver ey s JT)eofes^c orno en(i nad
O mal tãmbem a ^Deofes^que fegundo
Se vè ninguém jà tem menos valia
^e quem com mais razaõ valer devia%
§lue o grão Sen bar tdr fados que de/imaÕ» Qiic cou-
fa leja Fado,6c em que íentido fe pofla touiar para
fe poder fallar delle fica trattado no canro primey-
TO,oytavaa4..
Ninguém '{atem menoi vaka,ejue quem commais ra»
x<í5 valtr devia. Moeda he que lemprc correo no
inundo,&: que correra em quanto ellc durar,niOM-
lar muyto pouco a gente de merecimentos , ôc
pelo contrario ter grandes ofíicios , St citados a
que préfta para pouco. He fruytada terra, &taó
conb€cida,que náo tem ncccflidadc de prova.
34
ETor iffo do Olympojàfo^i,
Bufe ando algum remédio a meus pt farei
^or verfe o preço que no Ce o perdi
Se por ventura acharty nos voffos mares ^
Mais quiz dizer jà' naÒpafjoud^aqui^
forque as lagrimas jà correndo apares
Lhe faltarão dof olhos ^com que logo
Se afceyidem us deydades dagua em fogo ^
È for ip do Olympo ja fugi. Veja* íc o canto pri*
meyro oytavá 17.
■je acendem as dtiilaâesda agua em fogo* Deidades
da agoa raó Deoles do mar , os quaes diz aqui o
)?oeta , que com a cólera grande que tomáraó pe-
las palavras que ouvirão a Baccho contra os Por-
tuguezcs^aquella propriedade que tinhaó de agoa,
que he Ter humida,ôc fria.le convcrtco em fogo,Ôc
furia,coino na oytava leguinte íe declara»
Atra com que fubito alterado '
O coração dos T>eofesfoy numpoHto%
Nadfofreo maisconfèlho bemcuyàado^
Nem ãílaçadnem outro dr-fconto.
Ao grande Eolo mandão já recado
^aparte de Neptuno ^quefem conto.
Solte as fúrias dos ventos repugnantes
^e naòaja no mar mais navegantes^
^0 grande Éolo mandão }drecado,t)e Eõlo íe veja
O que cfcrevenaos no canto i.oytava 58*
B
Em quiferaprtmeyro aly Trotheo
[l^i&sr nejie negocio o q^uefentUi
Sextvl
Efegmdo o que a todos pareceoi
Era alguma profunda ^rophecial
^orem tanto o tumulto fe move o
Súbito na divina companhia^
^e Thetis indignada lhe bradou:
Neptuno f abe bem o que mandou.
De Protheo , & Thetis fe veja o que efcreve^l
mos no canto primeyro, oytava 15. fie 16.
37
JA^ lã o foberho Hypotadesf oitava
^Do cárcere fechaao os furiofòs
yentos^qút cijm palavras animava^
Contra CS varões uudaces^à' animo jos
Súbito o Ceo ferem fe obumbrava^
^ie os ventos mais que nunca impetuofoi
Conte çaò novas forças u ir tomando,
forres ^montes y^ cafas derribando^
Hypotadei, He Eolo filho de Júpiter , & Ser»
gella filha de Hyp tas Troyano , pelo que da
noníC do avó lhe chamaô os Poetas Hypota-
des , com o o noíTo Poet:) aqui.
is
EM quanto efte confe lho fe fazia
No fundo aquofo,aleda^& laffafrotA
Com vento folfegadoprofeguia,
^Felo tranquilo mar a longa rota:
Era no tempo, quando a luz do di%
T^o Eoo E mis f rio eji d remota f
Os do quarto dafrtmafe dtytàvam
'Fará ofegundo os outros deffertavam.
Fundo aejuofo. O mar. Era no tempo tfuando a luz
do dta do Eco Hemtfpherio ejid remota. í^elcreve o
tempo em que Eolo por mandado de Neptuno
ioltouos ventos , que foraó caula dele levantar
huma grandiílima tormenta. E para moftrar quo
era alta noyce , diz que era quando a luz do dia
eítà apartada do Oriente , ao qual chama Hen)ií-
pherio Eoo,dc Eous, a,um, que quer dizer, coufa
do Oriente. Que coufa feja Hcmifpherio fica di- ?
to no canto i.oycav.i.^S & 5. oytava 14.
Os do (juarto da prima je dtytavã'o. Entre os fol-
dados le reparte o tempo em vigias , para que to-
dos ajudem a levar a carga. E de noyte hà eíU
ordem » que os primcyros que eftaó de guarda
logo no principio da noyte , quehe a primeyra
vigia , ettaõ quatro horas , & pelo confeguince
os outros até amanhecer.
fentidai
39
VEncUos vem do fono^ Ôf mal de/pertos^
Bocejando a meudoje encoftavaõ
I Telas antenas jodos malcttbertos^
I Contra os agudos ares, que ajfopravaõi
I Os olhos contra feu querer abertos^
I Mas esfregando os membros eftiravaÔf
I Remédios contra o fona bufcar querem^
I tiijiorias contam^ca/os mil referemt
40
C"^ Om que melhor podemos j^mmdtzia^
^ Efte tempo pafar^que he tampe fado^
Senão com algum conto de alegria^
Com que nosdeyxe ofono carregadol
Uefponde Leonardo, que trazia
Tenfamentos de firme namorado,
^ie contos poderemos ter melhores j,
¥arapa£ar o tempo^que de amoresl
Refponde Leonardo.Kíle foldado íe chama^^aLeOi
flardo Ribeyro , íegundo me diíTc Luis de Ca-
mões, pergunundo-lhe porelle, mancebo deíen*
Volto,dezidor,6c grande namorado.
4t
NAoheidijfè Vellofo^coufajuflai
Tratar branduras em tanta afpereZã^
^le o trabalho do mar ^ que tanto cufta,
Naõ fofre amores ^nem delicadeza:
Antes de guerra fervida.&robufia
yínoffa hiftoriafeja^pois dureza
Nojfa vida hadeferjegundo entendo,
^e o trabalho por vir mo eftâ dizendo^
l^ãobe diJJeVellofú, Eíleera hum Fernão Veí"
lolo,criadod'El'Rey de que nasChronicas letaz
mcnçaõ.
41
Cl Onfentem nifto todos ^é* e^co^nendad
A A VelloCo^que conte i/lo^qUe aprova:
Contarey^diJJeJèmque me reprenãaõ
^e contar cou/a fabulo/a, ou nova:
E porque os que me ouvirem daqui aprendao
A fazer feytos grandes de alta prova.
Tios nacidos direy na m£a terra,
Eefiesfejào os doze de Inglaterra.
Do$ nacidos direy na nojfa terrai Determina Ve-
lofo contar huma hiftoria de doze P0rtugue7.es,
os quâcs porque cm In^Uterra ycnccraõ doze In-
Lujíadai àeLuísdeCamoèsCommenfadòsl \Jf
gleíes fe chamarão os doi^e de Inglarerrav Efta
hiíloriaaindaque o Poetaaqui a trâttademodo
que baite para entendimento do livro.todavia parsl
mayor claridade farcy hum breve difcúrlo iobrè
cila, ôcalém diílo dcclararey pelas oytavas aspa*
kvras que tiverem neceffidadc de declaração-, ^
. 43
NO tempo, que do Reyno a rédea levê
Joam filho de Tedro moderavax , ^
depois qne/ò([egadOi& Itvreo teve
2)<? vifinho poder jque o moleftava:
Là nagrande higlaterra^que de neve %
Boreal fem^re abunda ifeineãva
A fera Ertmnis dura,^ mà cizânia^
^e lufirefojfe ã m[fa Lufitania.
loao filho de Fedro. Efte joaõ filho de Pedro qué
aqui o Poeta noroea , he El-Rey Dom joaõ o pri-
fneyro,por alcunha chamado de Boa memoria,íi-
lho baílardo d-Ei-Key Dom Pedro o cru, 5c neto
d^El-Rèy Dom Afíonço o bravo. Coiita-íe quô
dcfpoís que Ei-Rey Dom Joaõ de Boa memoria
deu batalha a El-Rcy de Caftella, andando cá o
Duque Dalencaftre, porque El-Rey de Portugal
era cafado com huma lua íilha,a qual elle lhe trou-
xera á Cidade do Porto,6c alii calara com ella. E
deípoisdeaííím a batalha rerdada,refoy o Duque
para Inglaterra , &eílandoalli em leu contenta-
mento, pela bondade, ôc valentia que nos Portu-
guezcs vira , dos quaes elle fez fazer humaChro-
nicaem Inglaterra dos fc}tosde armas que lhes
vira fazer nas guerras de Caílella. AíTim que eítan-^;
do elle hum dia com as Damas da Raynha de In-
glaterra em grandes lolazes,& prazeres,& rauytos
Senhores, & Fidalgos Inglefes coni elle,vieiaó os
Fidalgos Inglefe? a dizer ás Damas,que craõ muy-
to feaSjSc que náo tinhaõ fervidores que Ihocon-;
tradiíTeíTem , &que elles eílavão preíles para fò
combaterem com quaeíquer Cavalleyros que lho
contradifleflem por fua parte , & que le quilc íleiu
combater com ellesrcftes eraõ dozej Sc ellas outras
doze, de que ellas foraó muyto agaítadas: & pedi-;
raõ ao Duque que fe doeíle de luas honras > & lhe
dcíle Cavalleyros que por fua parte fe combateí-
íem com os que ifto lhe diziaó , & que ellas os
aceytariâo por feus fervidores, le elles vingaííent
osdcfeytos que cilas tinhaõ daquelles Cavalley-
roSjporaíTim as injuriarem. O Duquerogou aal-;
guns dos íeus que aceytafíem aquella demanda
pelas Dannas , o que elles não quileraó fazer por
todos ferem naturaes , cntaó mandou o Duquô
bufcar alguns Cavalleyros , & não fe poderão
achar . então dille ãs Damas : cu em minha Corte
não acho Cavalleyros que íe queyraõ combater
com cll:outros,mas porém darvos hey hum confe-
Iho, fe vós quifcrdes, & he tal. Qiiando andcy cm
Portugal, vi nas baulhas que El-Rey^cjcu genro
- ...... ^g^
ffi Cajjto Sexfol _'_,:_"
deu a El-Rey df Gaílelk.muytos, & bons Cavai- por mais mofina que todas, pois nclla cahira a for-
íeyrosemfeytosde armas: le vós qju Herdes, eu vos tcdo fcuCavalleyro não cumprir a palavra que ti-]
nomearey doze, ôceftesosmelhoies, os quaeseu nha dado» A qual os onze conlolavão dizendo,
•conheço : 6c efcreverey a tL,l-Rey meu ger^ro que qtie íe não agaíiafle,porque elle era tal Cavalleyra»'
lhes dé licença , lêelles quiíereni tomareílacm- que cumpriria íuapromefla, laivo íearnortclho
prefa:& vós efcrever-lhcheis cada humafua carta, eftorvafle. E que feaíTim fofie que elles onze ío
Ce eu tambcmjSc querendo elles vir,fereis fatisfey- combatcriaó com os doze Ingleles,& tomariaó ai-»
tas de vofla injuria. Difleraó ellas então, que lhe li também lua fama, 6c honra. Eltando tUes niíto
beyjávaó as mãos,6c que eraó contentes. Poz logo chegou o Álvaro Gonçalves Magriço , com que
o Duque os nomes delles cada hum cm feu papel, ella, 6c elles foraó muy to ledos : Sc foraô-fe todos
8c os nomes delias da meímamancyra: ôclançârap os doze então ao Duque, 6c difleraó- lhe,quecllcs
fortes , 6c acontcceoacadaCavalleyrofua Dama: eraó alli vindos a feu rogo,6c mandado, Õc porque
iie maneyra que pelo nome fa.bia já cada Dama eraóCavalleyroseílrangeyros, 6c oscom que ha-
qual era oíeuCavalleyro pela lorte que lhe acon- viaõ de fazer batalha,naturaes, 8c grandes Senho-
Tecera. Então cada huma enviou lua carta ao ícu: res, 6c podia acontecer que dando-lhcs Dcos vito-
ôc o Duque pelo femelhantc enviou a cada hum ria, os tratriílem mal , que lhe pediaõ os legurafl^e.
fua carta, em que lhes rogava , 6c pedia quifcllcm Entaó o Duque chamou os doze Cavalleyros in*
aílim pelo amor dclle,como pelo que deviaô áor- glefes, 6c Ihesdifleque elles eraó os cometedores
dem da cavallaria,aceytar aquella emprefa por ca- defte defafio , 6c que as Damas aprefentavão por
da huma daquellasDamasipois em lua Corte não íi aquellcs Cavalleyros : 6cque feacafofofiequc
achava Cavalleyros que por parte delias a quileí. os vencellem , que elles lhes não íizeflem nenhum
fem aceytar. Chegado o Embayxador das Damas defaguizado p( r fi, nem por ícus parentes : 6c que
« efte Rcy no, foy recebido nelle com tanto alvo- clle os tomava fobre lua cabeça : 6c que loubeflcm
Toço de alegria , que aquellc fe tinha por mais di- que fc alguma confa fe lhes fizeíle que a clle era
tolo, que vinha pelas Damas nomeado: por haver íey ta , 6c que caltigaria a tal culpa , aílim como íe
jnuytos outros que de boa vontade aceytariaó a contra a pelfoa delle Duquefoflecommettida.Ao
cmprela.Mas os doze nomeados refponderaó, que que reípoivderaõ que elles os íeguravão , 6c que
pedida a licença a El-Rey de Portugal, eJles feriaô não houveflem recco de nada.Eftando aílim já le-
íá(prazendo a Deos) pela feíla do ti,ípirito Santo, guros os Portuguezes , forão o dia da batalha ver
^uc era o prazo que os outros tinhaô pofto para a as íuas Damas, 6c receberão de cada huma feu joel,
batalha. A licença deu-lhalogo El-Rey : & eíles que traziaó nos elmos ,6c com elles le foraó todos
Cavalleyros fe affirma que eraó todos naturaes da armados a pé meter no campo: 6c os Juizes os me-
Serra da Ellrella , dos lugares que eítaó pelas fal- teraõ dentro, eftando o Duque , 6c toda a Cidade
«dras delia, como Tr-tncofo, Pinhel, 6c outros: en- de Londres em grandes cadafalíos, aonde também
treosquaeserahum Álvaro Vazde Almada, que cílavãoas Damas. Aflim que entrarão na batalha,
tlelpois foy Conde de Abranches em França , 6c O motivo do delafio foy , o que atrás tica dito.fll
ourro Álvaro Gonçalves Coutinho, de Alcunha que as Damas eraò muy to feas, 6c pouco para fe-
•o Magriço, filho do primeyro Marichal Gonçalo remamadas,6ctacs que nenhum Cavallcyro oufa^
Vazques Coutinho,6c irmão de Dom VafcoCou- ria por força de armas a lhe contradizer iíl o. Ao
tinho , primeyro Conde de Ma? ialva. E outro di- que os Portuguezes refponderaó, que as Senhoi as
Xem que fe chamava JoartPereyraAgoftin , filho eraó muyio gentis molhercs, 6ctaes que Cavalley-
fegundode Gil Vazques da Cunha , fenhor das ros, 6c de terras tão remotas , como as fuás eraó, j
terras de Baíto , 6c Monte longo, 6c Alferes mór folgavão de as lervir,6c de fe matarem c^n batalha j
d*El-Rey Dom Joaõ de Boa memoria. Os outros com elles por amor delias . 6c os Juizes lhe parti- I
bum delles fe chamava Pacheco , 6c outro Pedro raó o Sol. Então começarão de íe combater, pri-
liomem, 6c outros,que eraó por rodos doze, 6c to- meyro com maílas de ferro , 6c defpois com eípa-
<3os muy esforçados, 6c valerolos Cavalleyros. Os das : 6c foy abatalha muy cruel, 6c tão dura, que
quaesle foraó á Cidade do Porto: 6c os onze delles começarão pela manhã, 6c a hora? de terça defcan- ,
ie foraó em huma nao que ahi toraáraõ caminho çáraó : 6c quando veyo a fegunda batalha , mete» ;
■de Inglaterra. Álvaro Gonçalves Magriço quiz raó-fe os Portuguezes tão apertadamente comei-!
hir por tcrra,por ver mundo, promettendo a íeus les, que finalmente ferirão os oyto muyto mal , 6C Í
«ompanheyros que íe no caminho não morrcde, os lançarão fora do campo:no qual ficáraó os Por»
feria com elles no tempo do prazo. Os da naofo- tuguezes vencedores ,6c com muy ta honra tirados
rao a lalvamento, 6c aportarão em a Cidade de Ló- delle,6c levados â poulada, que para iílo cílava oi
dres, aonde fora© bem recebidos : 6c eftando ahi, denada, aonde os vieraóviíitar íuas Damas , 6c
não taltavâo mais que dous dias do prazo em que Duque. E ao tempo ^ue le aflentáraç^à meia ,
íe havia de dar a batalha. As Damas dos onze cila- Damas lhes deraó agua ás mãos cada huma ao fe
vão em extremo contentes , porque tinhaó alli & quando a de Álvaro Gonçalves Magriço lli
feus Cavalleyros :6c a Dama de Álvaro Gonçalves quiz dar , elle efcondco as fuás , dizendo que nd
Magriço pelo contrario muyto agaftada^tendo^fe lhe havia de dar agua ás mãos molher , fe não ho-
mem:
iLuflâàas âè Ltúí de Camões CommentàâQs\ í/^
ifnem: 8crogahdo-Iheella, que Ihefizefle aquella c€z foy morto , & vencido das mãos de Álvaro
mercê, elle não queria, tendo fenipre as mãos de- Gonçalves Coutinho , & deita mancyra por luas
trás: mas a Dama apertou tanto com ellc, dizendo mãos, por fervir a dita Iníanta, ficou Flandes fòra
que pois as oúcrâs lançarão agua ás mãos afeus Ca* da lubgeyção de França.Eíla Hiíloria conta aqui
valipyros , que ella em toda a maneyra havia de fa- L'uis de Câmões.mas porque no verlo nunca le dÍ2f
aer o meímo, Ôc ailim le não podia efcular , 6c en-
tão diílc : Senhora íabeis porque não quero que
jneianccisaguaàs mâoshe,porqueas tenho muy-
to cubclludas, & vendo. mas aflim, temo que vos
aborreça. E dizem que eíle Cavalleyro tinha cm
tanta quantidade os cabellos nas mãos ,quequaíi
lhe cobriâó as unhas. A Dama lhe reípondeo , Se*
hor,antes ellas voíVas mãos lou eu mais obrigada
lavar , 6c tazer-lhe todo o acatamento , pois que
por ellas me livralle da dcshonra , & intarnia que
tãoclaramcntc que leeícule declaração, íiz aquç
cíle breve dircurfo,6c quando íe oftcrecer no vcri;^
fo alguma coufaefcura também o dcclararey.
Do vex,inho poder que o molejiava. Dos Caltdha»
nos vezinhos.
Da n€ve boreal. Neve Frígidiffima. Boreal fecha*
ma de Boreas, que he o norte, por ler Inglaterra
chegada a eUe , & por cfte rclpeyto muytotru^
Fera Erjmmi» Eryamnhc nome Grtgo , ÒCgeral-j
mente quer dizer qualquer fúria, ôc dcíatino. Os
> va
aquelles Cavalicyros me queriaó dar: & então lhe Poetas pmtão tres,as quàcs ião, Alt6to,Thiíipho-!
conlcncio que lhe délle agua às mãos, ne,ôc Megera: que ião caufa de todas as difcordias;
Depois Uc citarem alguns dias na Corte» foraõ quehánomundo : pelo que uía aqui o Poeta do.
uvilados que os Cavalleyros Inglelcs determina- nome geral delias todas,quc he ErymnÍ3,dandoa
vaó de os matar , ícntidos de os vencerem : pelo 'entender que todas íc ajuntarão para iemear cfta
ue pediraò licença ao Duque para le tornarem cizânia, 2c diícordia entre as Damas, & Fidalgoaf
ara Portugal. E poilo que o Duque íe punha por Inglefcs.
êlles ^ airegurando-os que não hou veflbm medo: ^«í lu/irefofc d noff'a LufHani». Da qual cizânia^
(lies não quileraò hcar,porque não le levantallem ôc contenda folie Portugal illuílrado. A diíFeren*
reyçóes no Reyno , êc alíim le foraõ. Aqui vos ça que ha entre cila Relação, & os veríos de Luii
ião íabere.y mais dizer, que de três que ficarão em de Camões he , que na Relação fc diz que a briga
quellas partes : 6c os nove le tornarão para Portu- foy a pé com maças de ferro no principio, &. dei-
jal. O Coade de Abranches que ainda o não era, pois com efpadas. Luis de Camões diz que foy «
fez em {^rançatacsFeyíos em armas, que o fez El- cavallo. Mas não temos cer^a por ler coula lern
Rey de França Conde daquelle lugar de Abran- n-.emoria, em Inglaterra dizem que a há, Ôc Luis de
ches.Eíte veyo depois a morrer na batalha da Al- Camões faria cita differença para oníato de lua
farrobeyra , com o Inlante Dom Pedro, como re- Poeíia»
ferem os Diálogos de Varia Hilloria Dialogo 4.
cap.z. E Álvaro Gonçalves Magriço,fc foy tam«
bem para Flandes , aondeeílava a Infanta Dona
llabel , filha d^El-Rey Dom Joaó o primeyro de
Portugal , calada com o famolo Philippe Conde dé
Flandes, Duque de Borgonha. Ao qual neíle tem-
po chamava a Cortes EURey de França , porque
todos osCpndesde Flandes crão feus vallatlos.Sa-
bidopelalnfanta diíle ao Conde feu marido , que
não foífe , porque ella queria hir áquellas Cortes.
E aíTim o fez, E quando foy ao allentar noauto
das Cortes , a íafanta mandou por a fuacadeyra
junto j & Igual com a d^El-Kcy, E fcndo-lhe iflo
cftranhado pelos grandes de França: diíleque cila
merecia aqueUe lugar , porque ella era filha de
Rey: Sc mais que ella daria Cavallcyro que fizefle
conhecer por força de armas , que o Condado de
Flandes.nãoera tendoa vaflaHagem aos Réys de
França. El-Rey aíTinou o dia para a batalha, &
44
ENtre as dantas gentis da Corte Ingkfál
E nobres curtefaósa ca/o hum dia
Se ievantou dijcordia em ira acejd
Ou foy opiniam^ ou foy porfia:
Os Cortefaòs^a quem tam poutopept
Soltar paiavr as graves de oujadia^ 1
^Dizerriique provaram ^q honras i& famatl
Em taes damas namhaparafer damas,
Ditatm que provdra'5, Eíle foy o motivo,que foy
câula de haver a batalha, de que atrás falíamos en*
tre os Portuguezes,êc Inglefes.^
E^efe houver alguê cõ lan^àfi effaià\
^ue queyra fuftentar apartefua^
paradelender o contrario do que ella dizia. E ella ^teelies em campo rafiiOU eftãcada^
deu por fi a Álvaro Gonçalves Coutinho o Ma- £^^ darâmfea tnfamia.ou morte cràai
deínuarS^""' m^o f^T^V ^"^ °"^^«^ A fcmenil fraqueza poucoufada,
decntrar nelta batalha.Odiaaiiinado,ococampo ík> ^ ^ , J ? ^ ,
feguro, os Cavalleyros forâo metidos nelle, & ar- ^ ^T^^^"^ "" opróbrios taesvendofe nu4
remeterão hum ao outro, 8c dos encontros ambos ^^ forças mturaes convenientes y
forão cm terra,vierão as erpadas,&: andarão em fua Socono pedem A émtgOs/^ parentes^
batalha rouy to clpaílg de cempa. 1^ ao íiai g Fran*.
Z2
a
íSo .__ CdntoSextil
Afcmenúl fraqutzi. As Damas molhcres fra-
cas.
4^
48
Ascsmofoffem grande s^& pojjantes
%Mo Rtyno os inimigos ^nãofe atrevem
Nem par ente SiTiem fervidos amantes^
Ajuftentar as damas^como devem^
Com lagrimas fer mo/as, & baftantes
Afazer^que emficorro os ^eofes levem
'De todo o Ceopor rojios de alab afiro.
Se vam todas ao 1)uque de Âlencajiro,^
47
1"^ Rã efle Inglez potente jfêmllitdr a
i Cos 'Portuguejes ia contra Ca jiella^
Onde as forças mcígnanimas prova} a
U^os companbeyrosJÉ benigna efirellai
NaÕ menos nefta terra exfrimentàra^
Namorados effeytos^quando nella
Afilha vio.que tanto o peyto doma
^0 forte Key^quepor mulher a toma.
Era efte Inglês. Efte Duque de Lencaílre por
morte de fua prima:ra molher caiou com Dona
ConíUnça filha maprd'El-Rey Dom Pedro de
Caftella "por alcunha o cruel , ao qual rrtatou hum
íeu irmáo por nome Dom Henrique,6c le empof-
fou do Reyno, por cuja morte ficou em feu lugar
hum feu filho por nome Dom Joaó , Sccomo a
mulher do Duque de Lécallre filha mayord?Ei-
Rey Dom Pedro o cruel dcCaftella lofreíle mal
eítar o Reytio de Caftella> que a ella lhe vinha por
direyto, em poder de Dom Joaó feu primo, ven-
do occafiaõ para le poder latisfazer nefta parte»
que eraó as guerras que havia entre Portugal , ÔC
Gaílella , acabou com íeu marido o Duque qui-
ieíTe vir aeftas partes. O Duque efcreveo a El-
Kícy Dom Joaõ de Portugal como elle determina-
va vir a eftes Reynos com huraa grofia armada,
para tomar os Reynos de Caftella , 6c Leaõ que
cítivefieprelles, & o ajudaíle por terra, Veyoo
Duque,&delembarcou na Corunha, &: entrando
por Galiza,& empoílando-fe de algús lugares deU
la,vio em os Portuguezes,quc em lua companhia
trazia fazer coufas de muyto esforço, & cavallaria,
p^lo que lhe era muyto affeyçoado , & os tinha na
conta que elles mereciaó»
/l filha vio , (fue tanto 0 feyto doma do forte Rey.
Efta foy Dona Philippa filha do Duque de Len-
caftre,., á qual fe affeyçoou tanto El-Rey Dom
João , que ie caiou com ella. Efte caíamentofoy
Icyto no Porto , em dia de Nofla Senhora da P u-
rificaçáo, a hum Sabbado , dous de Fevcrcyro de
mil trezentos oy tenta 5c fetc:
ESte.quefoccorerlhe não queria]
Tor nao caiifar dijcordtas intefiinasl
Lhe diz^quando o direyto per tendia
^0 Reyno ia das terras Iberinas:
Nos Lujitam s vi tanta ou/adia.
Tanto prím'or\& partes taõ divinas l
^e elles fòs poder ião(^fe naõ erro^
òtifientar vojjaparte afogo^& ferroí
"Ejle «fm focomrlhe não (juieria.O Duque nao que"?
ria dar favor ás Damas nefta lua defavença,que
com CS Fidalgos Ingl íes tiveraõ , por não caufar
inimizajes , o que fucccderia fe entendeflem os
Fidalgos que era contra elles em favor das Damas,' m
E aílim o cónleiho que deu de mandar a Portu-
gal a bulcar Cavalheyros,que deíendcflem lua
caufa, foy em legreoo, & da maneyra, que os Ca-
valheyros o nãoloubelfen).
Dt(cordiai intefttnai, Dilcordiâs , interiores, 6c
grandes.
Terras fbertnas. Terras de Hefpanha.Chamaõ I3
affimdelberus, que he o no Hebro, queporella%
palia.
45>
45*^ agradadas ^amas ,foh fervidas ,
^^Por vos lhes mandarcy Embayxadoresl
^e por cartas di [cretas, & polidas,
^e Vfíffo agravo çs façao fabedores:
Também for vo ff a parte encarecidas^
Com palavras de afagos ^fy de amores^
Lhefejam voffas lagrimas ^que eu creyo,
Sj£e alli tereis fôccorro^^ forte efteyo.
Também por vojja farte. Efcre vendo -lij^e, Sctrat-
tando-lhe dá razão que tendes de iahir por voíia
honra.
D Efta arte as aconfelha o T>uque experto^
E logo lhes nomea doze Fortes^
E porque cada 'Dama hum tenha certo t
Lhes manda^que jobre tllts lancem fortesi
§ue filas fò doze fan^^ descubi rtCy
^ala qual tem cahiào dos confortes y
Cada huma efcreve ao feu por vários modof^^i
E todas a feu Rey,^ o T>uque a todos ^
E todas a ff» Rey.Á^s Damas todas fizcraô huniá
carta a El-Rey Dom Joaó o pnmeyro dcfte nointf
de Portugal , pedindo-lhc lhe fizefle mercê dos
Cavalheyros tinalados pelo Duque.
Confortes. Saó companheyras, que todas o ei ão
«o paço de Inglaterra.
U
Lufiaàas de Luís de Camões Commentadosl
18 1
51
J'A^ chega A Portugal o menfàgeyros
Toda a Corte alvoroça a novidade ^
Qutzera o Rey fubtime fer primeyro^
Mas naõ lho fofre a Regia Mageflade:
^htalquer dos Corte faós aventureyro
^efeja fèr com férvida vontade,
Efo fica por bem aventurado ^\
^emjà vem pe lio 'Duque nomeado.
È Jò fica por bentaventurado. Cofturac daquella
rimcyra idade , 6c verdadeyramente de ouro da
4açáo Portugueza , que nenhum outro intento
tinháo Ic não honiar fua pátria, 6c alcan^^ar nome
nella.
5 2'
yf ^ na leal Cidade ^donde teve
OrigcmÇcomo he fama^o nome eterno,
'portugal^armar madeyro leve
landa ^0 que tem o leme do governo:
V/ipercehernfeos doze em tempo breve,
)e armas j& roupas de ufo mais moderno^
)e elmos icimeyrasjetrastt^ primores,
lCavalloSi& concertos de mil cores.
Lana Uai Cidade. Efta he o Porco,donde o nof-
(o Portugal tomou o nome. E ainda que Luis de
amóes o diga com efla lalva, como he Fama» re*
foluto eftà entre os homens doutos ler eíta fua
ngem : como affirma André de Refende em hu-
ma carta fua para RerthoUmeu Qiicbedo. Duarte
Galvão na Hilloria d"^EURey Dom Affbnío o
primeyro , Oforio Bifpo de Sylves na Hiftoria
d'El-íley Dom Manoel. E novamente Duarte
Nunes de Leio.
i Madeyro leve.Ht nao,figura muyto ulada entre
os Poetas,por a matéria de que ella fc faz.
O ejue tem o leme do governo. El-Rey Dom João o
primeyro de Boa memoria , que neíle tempo go-
vernava o Reyno»
55
>-^^'^l^V
T/^^ dofiu Rey tomado tem licença^
Tarapartir do 'Douro celebrad9
yíquelles^que efcolhidospor fentença,
Forad do Duque Inglês exprimentado:
Naõ ha na cornpnhla diffcren ça
'/)^ cavalleyro .defiro jOU esforçado.
Mas hum fô, que Magriço fe dizia^
^ejla arte falia à forte companhia.
Maí hum fê, efue Magriço. Efte hc Gonçalo Vaz
Magriço,deq fica trattado neíle canto oyiava48.
54
FOrtijflirncs confocios^eu defejo
Ha mvytojâ de andar terras eflranhafi
Tor ver mais agoãs,q a do T>ouro^& Tejo,
Varias gente s^à' leys,& varias manhas:
Agora tque aparelho certo vejo
0Pois q domundo as coufasfaÔ tamanhas^
^trofe me deyxais ir fó por terra ^
^J:" arque euferey com vofco em Inglaterra,
Forttjfimtí eonfacioí, FortiífimoscompaneyroSj
55
Estando cafofor^que eu impedido]
Tor quem das cou/as he ultima linha]
Naõ for com vofco ao prajo inftit u ido 9
*P ouça falta vos faz a falta minhT,
Todos por my fareis ^0 que he divido,
Masje averdade o efprito me adevinha]
Rios^montes fortunaydu fua fnveja^
Naõ faraó ^que eu com vofco ià nãofejal
Por tfuem dascoufas he ultimei linha. ^ ultima linha
de todas as coulas he a morte, por íer o remate, 8c
fim delias, AlTim o diíTe Horácio liv. 1. Ep. 16.
Alort ultima línea nr um e[i, a morte he ultima linha
das CO ufas,
5T
ASfidiz,^ abraçados os amigo f,
E tomada ltcença,(fmfim fe parte^
Tajfa LeãOiCaftella^vendo antigos
Lugares ique ganhara o pátrio Marte:
Navarra j& os altifftmos perigoi
'Do 'Pirineo,que Efpanhaj&Gallia parte]
Vi fias em fim de França as coulas grandes
No grande Imperiofoy parar de Fr ande s^
Lui^etrti ejue ganhara o pátrio Marte. No tempo
d'EI-Key Dom João o primeyro» No qual os
Portuguezes fizerão muytas entradas no Reyno
deCaílella ; ôclhetomáraó muytos lugares em
Liaó, & Galiza, como fc pôde vec nas Chronicas.
Ca^s altoi perigot dâ Vyrinto. Dos montes Pyri-
neos Ic vejaa noflaannotaçáono primeyro canto
oytava 16.
57
Atfichegado.oufoffe cafo ou manha]
Sempaffarje deteve muytos diasy
Mas dos onze a illnfiriffima companha^
Cor tão do mar do Norte as ondas frias:
Chegadoi
Chegados àe Inglaterra â cofia eftranha
Wara Londres jã fazem todos vtas^
"QJoDuque fmõcomfeftas agajalhados^
Sdas^amas fervidos ^1^ amimados,
Ccrtão do mar do Norte ai ondat friai »Mzr do Noi-
te bc o que palia pelas partes do Norte, coino In-
,glaterra,6c outras naqucUa paragem, que pendem
para o Norte. Chama às aguas do mar do Norte
friíis , porque naquellas partes até o mai* fe con-
gela com a grande frialdade.
C"^ Hegafe oprafoj^ dia affln alado ^
j T^e entarêcampojd cos doze Inglefes^
Muefello Reyjá tmhaòfeguraao,
Armâoje d* elmos ^gr evasão" de ame/es:
Jàas Í>amas tem for fi fulgente ,^ armado
O Ma vorte feroz dos ^ortuguefis^
Vefiemféellas de cores fê dtJedaSy
2)í ourOi& dv joyas mil ricas^^ ledas,
^uefelo Rey jÀ tinhaÕ fegurado. ComoosPortU-
guezes eraô eftrangeyros, náo quileráo entrar em
campo com os Ingleíes fem o Duque lho fegurar.
O Mavortt feroZi dos Px>rtuguez.es. Mavorte , £c
Marte laó nomes do Dcos da guerra dos antigos,
que fomaváo pelamefma guerra , como aqui o
«oílô Poeta. toma Mavorte pelo eíquadrão dos
I^ortuguezcs,que eítava jà a pique para pelejar.
rx3^'^
C^moSextJ^,
•> > t\ ■< »j,í ís^ <> r\ ■ •♦ c» ■
Jí»
MAíaqUellayãquem fora em forte dado
Magriço, que não vinha com trifieza
ôe vè/ieipor nãoteriquem nomeado
Seja /eu cavalleyrOjnefta emprefa:
Bem que os onze apregoão^que acíthado
Será o negocio affi na, Cor te Inglefa,
^te as 'Damas vencedoras Je conheçaõ^
"FoJloSique doHSj^tres dos feusfaíleçaÔ,
Cem trifitt>afe vejle, Vefte-le de veftiduras ne-
gras de trJÍieza.
JA^ num fublíme^& publico tbeatro
Se ajfenta o Rey Inglez com toda a Corte^
Efiavaõ tns^à* tres^^ quatro^^ quatro^
Bem como a cada qual couber a emfortei
NaÕfão vijtos do Soldo Tejo ao Batro
*De forçares for ço^^ de antmo mais forte
Outros doze fàir^como os Inglefes
No campo contra os onze Tortuguèfes.
Do Tejo ao Batro. Do Poente ;io Oriente, tcrm^
de fallar; porque rooftrainbs todo o mundo aíndé
que le íinale lómente o Poente , & Oriente, & af*~
fim o ufaõos Poetas. Do Tejoíe veja o que fica
dito no canto quarto,oy cava lo. Batro he Rio da
Regiaó Batriana de Alia , que nace do Montes
Tauro, Querem alguns que le chame hoje Bo-'
chara. E porque o Tejo he Kio do Occidence 6c
JBacro do Oriente , por líio os põem aqui para o
icntido que lhe demos. " ^
61
MAfiigaõ oi cavallos efcumando
Ós áureos freos com feroz femblan^
Eftava o Sol nas armas rutilando
Como em críjial^ou rígido diamante'.
Mas enxergafe num,& noutro bando
partido defigualy& diffonante^
^os onze contra os doze^quando agente
Começa a alvoroçar fe geralmente^
Ou rigido diamantí. Do diamante íe veja a noíl|
annotaçáo no legundo canto oytava4.
Cl
Vlraõ todos o rofto a ondehaviã
A caufa principal do reboliço ^
Eis entra hum ca^aleyro, que trazia
t^^rmaSiCavalõ ao bellicoferviço:
Ao Refj&às lDamasfala,& logofehta
^ara os onze^que efie era ogram Alagri^èi
Abraça os companheyrosycomo amigos ^
Aquém naÕ falta certo nosferigos^
A7)ama como ouviõ,que efie era aquellel
q vinha a defender (eu nome ,ò fama ^
Se alegra_,& vefie alli do animal de He lie j
^ue agente bruta mais que a virtude amai '
Jâ dão final jò' ofom da tuba impelle
Osbellicofoi ânimos ^que inflama^
^icão dtfpor as Jargão rédeas lõgo^
Abayxão lanças, fere a terra fogo.
O animal de tíelle.He de ouro. Veiâ«le ó que cf-^
crevemos no terccyro canto oytava ii,
§t^e agente bruta ntaii ^ue a virrude ama» O ouríj
de lua natureza náo he mao , nem faz mal antes
com elle fe pôde fazer muyro beto. O que o nolib
Poeta aqui diz , he pelo mao modo que alguns
tem no ufodelle, que hepórnelle toda fua felici-
dade , que com muyta razão merecem onomç de
brutos,que o P oeta aqui lhe dá.
Lupadas de Luís dâ Camões Commentadosi
i«$
^4
D Os cavalos o ejlreptto parece,
^lefaz que o cham debayxo todo tremei
O coração nopeytOyque eftretnece, • ^^^wj; ^s
*Z)í quem os olhos fe alvoroça,& temei
;^al do cavalo voa, que não dece,
€Ual CO cavalo cm terra dando geme ,
bhialvermelhas as armas faz de brancas^
^aWos penachos do elmo açouta as ancas ^
Dot tavàlUt. CoTi muyto artifício nos pinta
aqui o Poecaa encrada,Sí; principio defta batalha:
o animo dos Cavalleyros, impctu , 6c fúria dos ca-
vallos, 6c o (ucceflb da dcinanda, 6c como em br<*-
vecempocilevca viccoria pelos Porcuguczes.
AL^tm da Ui tomou perpetuo fonõ^
E faz da vida ao fim breve intervalo ^
Correndo algum cavallo vay fem donOi
E noutra parte o dono fem cavaloi
Cae a foberba Inglefa de feu trono^
^le douSyOU tresjãfdra vão do valo;
Os qu'j de efpada vem fazer batalha^
Mais acha yd qtte arnés,efcudOi& malha.
Alg»m d?aili tomou perpetue fono» Chama á morte
fono perpetuo como lhe chamáo todos os Poetas;
Horácio Od.z4.liv»!. Erg9 ÇLutnãtíiMm perpetuas fo*
por «r^et.hum perpetuo fono aperta Quintilio,pe-
ra dizer he morto Quintilio. O melmo Horácio
Od.ti. IÍV.5. Ihechama grande: Nelangus tthifom-
nus undt no» timei <^efMr,porque vos não venha com-
prido fono, donde não cuydais.E. Virgílio iiv.io.
JEaeid. lono de ferro: Ollt dura ejutei oculoi , &fer^
réus urget fomnusjlmm lono de ferro lhe aperta os
olhos. E aííim cm outros muytos lugares.Homs-
ro liv. 14. lliad.faz o fono irmão da morte. Ubi
fomno obviavit fratri mortis. Onde fe encontrou
com o fono irmão da morte.
r"^ y^ftar palavras em contar eflremos
^ y T^e golpes feros ycrua! eftocadasy
He de (Jesgaji adores, quefabemos
Mãos do temp0^com fabulas fonhadasi
BafiapOY fim do caío^que entendamos j
^e c om finezas altas Ç^ afamadas,
C^os nojos fica a palma da vitoria ^
E as 'Damas vencedoras^ & com gloria,
GaiUdoresfnaosd» tempo. Homens que gaftâo o
tempo cm efcrever fabulas , & fingimentos , doí
quaes hu abundância na terfd.
<J7
R Eco lhe o T)uque os doze vencedores
Nos f eus paços com fefias/^ alegria^
Cozinheyros Gccupa^ài' caçadores
^Das T>amas afermofa companhia:
^terem dar aos feus libertadores j
Banquetes mil^cada horaj& cada dta^
Em quanto fe detém em Inglaterra^
Atè tornar ádoce^& cara terra.
6%
MAs dizem t^ com tudo o gram Magriçê
^Defejofo de ver as coufas grandes,
hd fe dey X ou ficar yonde hum fervi ço%
Notável àLondeffa fez de Fr andes:
E como quem não erajà noviço^
Em todo o trance iOnde tu, Marte ^ mande si
Hum Francez mata em campo ^que o defitm
Là teve de 7 ore ato ^ de Corvino,
O graõ Magriço, Efte Cavalleyro le chamava
Álvaro Gonçalves Coutinho o Magriço , do que
já talámos atrás na oytava 45. E alem de que já
temos delle contadoidizem também que em Flan-
des livrou a Condeífa Madama Leonor de hum
aleyve que lhe levantou hum Aicuiáo por nome
Ranulpho de Colónia , ao qual matou em delaíio
na Cidade de Dunquerque:E em Orlians Cidade
de França venceo em deíafio Moníiur de Lan-
fay diante d^El-Rey de França,6c lhe tirou hum
coUar de ouro do pcícoço , como Tito Manlio
mancebo Fidalgo Romano , fezaoucro Francez
em JeUfio,como conti Tito Livio liv.7. pag.iij,
fub litera B»E. M. Valério Tribuno , que por
hum corvo que no deíafio ie lhe poz no capacete,
íe chamou de alcunha Corvino, como conta Tito
Livio lib. 7. pag. mei libri. 2x2. lub littera G. pelo
que o Poeta aqui diz que teve odellinode Tor*
quato,8cCorvino,que tiveraõ delafios cótra Fraa;
cezeSvSc os vencerão como o noUo Magriço.
OVtro também dos doze em Alemanha
Se lança,^ teve hum fero defafio,
Cum Germano engano forque com manhn
Na 6 de vidado quiz pór ne extremo fio i
Contando afftVellofo.jà acompanha
Lhe pede ^que não faça tal defvio
7)(j cafo de Magriço,^ vencimento.
Nem deyxe o de Alemanha em efquecimental
Outr» também dos doxAem Alemanha.KO:^ Portu-
euezdos trcs que ficáraó , q^ue fe lançou em Al»»,
manha j
"Canto
nianha,chamava-fe Álvaro VâZ de Almada. Con-
ta-le delle que foy ã Cidade de Baíilea em Alema-
nha , aonde teve hum delafio cora hum Aiemão.
O concerto do defaíio foy que levaflem ambos as
meímas armas, & que foíle tidoporaleyvoío, Sc
traydor , o que íizefle o contrario. Entrarão cm
batalha, 5c a juizo de todos Álvaro Vaz de Almey-
da hia de vencida. O Alemão poíto em aperto,
cjuiz-leaproveytar de huma arma fecreta que le-
vava clêondida com hum gancho,com a qual afer-
rou em hum hombro de Álvaro Vaz de Almeyda
de maneyra, que lhe rompeo o arnès,6€ o ferio na
carne. Sentindo-fe picado, & vendo o engano do
Alemão, ferrou-lecomclle , ôciançando-lhe as
mãosàsguellas, de tal maneyra lhas apertou, que
the fez acyxar alli o folegcO emperador,Sc todos
os mais circunítantcsjulgáraó o Almada por gra-
de Cava)icyro.'ÔC o Alemão por traydor, pois com
aquelle engano o quizcra matar.Contando Vello-
fo citas coulas a léus comp^nheyros,&; ouvindo-as
elles com muyto goftojfe levantou huma tormen-
ta que o eftorvou hir por diante.
Germano enganofo. Alemão enganofo , porque
os Latinos chamâo a Alemanha Germânia , ôc
aos Alemães Germanos.
70
My^j Nejlepajfo affi prontos efiandò^
Eis o Meflre^q Mando os ares anda,
O apito toca^acordaõ defpertando
Os marinheyros de humafS de outra h andai
E porque o uento vhiha tefr efe ando.
Os traquetes dasgaueas tomar mandai
Alerta^dijfe ^e[iay ^que o vento crece
^aquella nuve negra^que apparece»
EU o mefln ijue olbandú os arei anda. Pinta tnara*
vilhofamente a obrigação . &; ojfíicio do meftre do
navio,que he vigiar,& trazer o fentido no ar, para
veric hâ algum final de tcmpeftade. Tal faz Vir*
gilio liv. 5.^Encid. aquelle grande piloto de Eneas
PalinurOjdo qual diz ellas palavras.
7 alta dicía dahat, clavurni^ue affixus,é^ harém
]Sufquam amitttbat , oculot (ub afira ttnsbat*
' Nunca Palinuro,dizVirgilio,perdia ponto tra;
zendo fempre os olhos no ar.
NAÕeraoos traquetes bem tomados,
^ando aâ aqrandefêjubitaprocella^
Amaina, dijfe o Mejtre a grandes brados,
Amayna idijfe.amayna a grande vella:
Não e [per ao os ventos indinados
'^e amaynajjem^mas juntos dando nella,
SeW.
Em pedaços afazem com ruydâ
Que o mundo pareceo Jerdejtriúdol -
Nao efperaooj ventvi indinados, O mefmoepíthej
to lhe deu Virgílio liv. i, ^neid. Uli indignantu
magno cum nturmurt montisy Ctrcum claufira fremunti
QuaTidodeícreve o lugar , aonde Eolo feu Rey oé-
tinha metidos, Elles, diz o Poeta , indignados fa-
zem grande eítrondo, & reboliço ao longo da lua
cadea,aònde cftâo encerrados.
O Ceo fere com gritos nifio agente^
Vom/ubite temor ^^ de [acordo ^
^íe no romper da vella a não pendente ^
Tomagramfoma de agoapello bordo:
Alltjà^lffe o Meftre rijamente,
Allijà tuãoaú mar, não falte acordo.
Vão outros dar á bomba,não ceffando^
A bomba^que noshimos alagando^
O Ceo fere com gritos, A imitação de Virgílio na
Eneida liv.5. Fertt athera clamor ^autieus, A gente
da nao fere o Ceo com gritos,
C^ Orrem logo osfòldados afiimofbs
^ A dar abomba^& tanto que chegar ad^
Os balanços , que os mares temerofos
'Derão à nao, num bordo os derribarão:
Três mari nheyros duros, ^ for çojos
A menear o leme não bapiarao.
Talhas Ihepunhão d'húa,& d^eutraparte'^
Sem aproveitar do4 homens forçado' arte*,
Talhai ihepunbaod'^bumaiéf lontra paríc. Remé-
dio he efte que fe ufa algumas vezes em tempo de
grande tormenta para inderey tara nao , & fazer
que fc não embalance,6ic penda para alguma part ,
roucaladepipas,ôf talhas.amarrada pnmeyrocom
grandes calabres, Sc cordas, como diz o Poeta que
aqui fe fez. E conforme a ifto fe pode declarar
aquelle paíTo dosaótosdos Apoftolos da tormen-
ta que o Bemaventurado S» Paulo pâflbu no mar
indo prefo para Roma , que para alguns he diffi-
cultofo. As palavras íaôeftas: /ídjutorijtutebantttr
accingentes navim , timtntei nein Syrtim inciderent,
fubmij/o va[e fícferebantur, Aproveytavaõ fe,diz a
letra, de muytos remédios , & ajudas , cingindo a
nao, temendo quefoflea darem algum bayxo, Sc
poftns ao redor vafos , faziaô íeu caminho. Eíla
cingidura da nao fe ha de entender , que hia com
grandes calabres , & cordas groflas, para não fen»
der,dando em algum bayxo, & para ir mais direy-
ta,poftas pipas , & talhas ao longo aferradas com
as mcfmas cordas. Nem hc incoaveniente dizer
. a letra
Lu/iadas de Luh de CàmÕes Commentaâosl
aletra vafo por vaíos,ufando no numero íingular
j)or plural.
. 74
OS ventos eraÕ taes^que naõ puderãã
Mojirar mais força d' ímpeto cruel^
Separa derribar então vierão
j^fortijffimd torre de Babel:
J<[os altijjimos mares ^que crecérão^
^ pequena grandura d' hum batel
Moftra apoj[funtenào,que meteefpantOj
yendo,queJeJojiem nas ondas tanto.
• Afortiffirna torre de Babel. Para encareci menrô
cia erande torjnenta que havia no mar, pozaqui
aquclb tão celebrada torre,que os filhos de Adáo
fizeraó na cerra de Suria delpoisdodiluvioidizen-
doque núo le conjurarão os montes com mayor
funa fc te ajuntarrió para derribar a fortiíTima tor-
re de Babylonia.S,rtci torre conta Jofepho nasan-
tjcruidades liv.i. ci*p. p. que a fez ediiicâr Nemrod
filho de Cam, & Neto de Noé, homem lobcrbj,
6c de má conlciencia , induzindo aos mais a fazer
aquella obra j dizendo que não attnbuííliai a
Deos verem na vida bens, que cada hum íe hafle
ée íeu braço, &: puzelTe fua confiança em fuás tor-
ças : Seque paraitlo era iieceliarioediricaiie hu.n
inflar alto,forte»6í: inexpugnavel,aonde náohou-
veiíc couiã,que lhe pudelie prejudicar. Conten- Jíqúelle^que ã/alvar o mundo veyo:
ISf
tro diluvio , para nella fc livrarem da forçadas
agoas,pois eítava alii Noè, ao qual (como le conta
noGenefisliv. 8.) Deos Noflo Senhor tinha pro-
mettido , quenâo haveria mais outro diluvio de
agoa , 5c que Noé fe achaflb alli ninguém o con*
tradiz, porque Noé viveo 950. annosi & no anno
lexcenteííimodcluaidade.lroy o diluvio , como fe
diz nolugar allegadodoGeneíis , & a torre foy
edificada cem annos depois do diluvio , como di-
zem os mais Doutos dos Hcbreos : ainda que Al-
guns querem, que fofle duzentos £í fetenta. De
qualquer modo que feja , hecouía certa, que neíla
volta andava Noè com léus filhos, aos quaes Deos
havia promettido fcgurança. Nem havcn os de
cuydar , que hum Varão tào pcntual cahifle em
buma falta tão grande , como era deíconfíar do
que Deos lhe tinha promettido , & da efcriítura
nã-> ic collige o contrario,antei fe inclina a illo. E
porque naquclle lugar , que edificavão luccedco
aqutUa divilaô, 8c confuiaó de línguas, que le não
enteivJiâohuns aos outros , foy chamado Babel,
qiie ncscm vulgar chfimamos Babylonia, palavra
Hebraica, na qual língua quer dizer confuiaó.
7J
ANaogranàe^em q vay Tatdo da Gamai
^it brado leva o majlropelo rrteyo^
^íãfitodà alagaáa^a gente chama
toutant') tltt conlelhode Ncnirod aos Hcbreos,
que procurarão edificar hum a torre , ou poi mc-
Ihc-r dizer Cidade aonde vive li em íeguros, &; lem
ter necertidade de ajuda alguma. Ella he a opí«
niâode |ofepho no lugar allegado , & que quafi
todos legiem. Alguns Varoens doutos, cc muy to
verlados na efcritura dizem , queiíto nâoproce-
deode Nemrtíd , le não que os mefmos Hcbreos
quízeráo faztr ha;na Cidade com hum forte muy-
to alto para viverem alli todos juntos , por ler
gente entre fi muyra conforme , 2c amiga: 5c que
iílofignificáo aquellas palavras : Erat autem tetra
Ubi] urtiui^ é^ ferrnonum eorundem, Fallavão todos
huma mclma linguagem , 5í as meímas palavras,
como le mais claro diíTerâo : eráo muyto confor-
mes, ÔC muyto amigos entre fí, 5c co.iio eraô eílas
deteraiinàraóbufcar lugar, aonde vivcflem jun-
tos , êc que não hauveflécouía, que 05 apartslle.
Mas como a vontade de Deos folie outra , 5c qui-
Zcfie povoar o mundo não periTJÍttio foliem por
diante com fua obra. Pelo q.ue os apartou huns
dos outros por diffcrentes partes do mundo , en-,
finando-lhe differtntcs linguagens para deíba ma- yjf^s intimeis entranhas do profunda:
Não menos gritos vãos ao ar derrama^
Toda a nao de Coelho com receyOj
Com quanto teve o Mejire taniotento^
^e prméyro amainou /jue déjje o vento.
A nao em c^uevay Paulo da Gama, Eílc Paulo da
Gama era irmão do Capitão mór Vaico da Gama,
de que nelte livro fe faz particular menção , por
fcr o primeyro delcobridor da Índia.
/i^Mclíe ejue a (aluar o mundo ve^a.Diz que naqucl-
Ia tormenta chamavão por |elu Chiiilo noílb
Salvador,
Toda a nao de Coelho, Efte fe chamava Nicolao
Coelho Capitão de huma nao da mefma ccníerva
de ValcodaGama , de quem já falíamos atrás no
no canto.
AGorafohre as nuves osfobiao.
As ondas àe Nf p t uno furi bundo',
Agora a ver parece ^que dejctaõ
neyra viverem , entendenio le huns aos outros.
Q(i*ntoaoqueaefcrituradiz , que edificavãoel-
tcshoinens humaconcque chegalTe aosCeos,la5
palavra*dccrtearecimento,quc ula a eleritura pa-
ra trattar de huma cou la muyto alta. Nem- have-
mos de dizer que eílcs, homens faziâo eíla torre
para terem aonde fe rcculheíTcin, luccedenda ou£
Noto^ Auftro.Boreas^Aquilo queriao
Arruinar a machina do mundo^
A noyte negraSèfeafe (itbmia
Cos rayos^em que o T0I9 todo ardia.
Ai tndai deNeftun^fHiiititndít. EtaeíUsânnota*
x<M Canto
çóes fica dito como Neptuno era tido entre os an-
i-ocj por Dfos do niar:ôc que os Poetas o tomaó
íiiuvtas vezes pelo metmo mar coaio o noflo Luís
tic Catnóes aqui faz, aonde ao mar tiirioío chaaia
Keptuno furibundo.
/ij intimai entranhas do profunàa. Humas vczes,
diz o Poeca,os levantaváo as aguas iobre as ondas
altiílimamente. Outras vezes os afundaváo tan-
to que parecia dar com elles no fundo do mar , a
que chama entranhas intimas do profundo.
iVo/fl, Attfiro^Boreai^díftiiio. São nomes próprios
de ventos dos quaesfica tratcadopor muytasvc*
Ees.
C^oi rajoi em tjue o Polo todo ardia. Rayo aqui
fe coma peio rclíimpago, ÔC outros fogos, que em
tempo de tormenta , & tempeítadecurlaõ no ar,
entre ss quaes coufas colluma íempre cahir ai*
gum rayo.
^qIo, Hc o Ceo, como fica dito,
77
A S Alàoniãs aves trtfte canto,
'^ Junto da cofia bravd levantarão^
Lembrandoffí de Jeupaffado pranto^
^e as furiofas agnas lhes catíjárãn
Í)s 'D dfitts namorados entretanto
Lanas coVas marítimas entra- ao j
Fuj^indo a tempeftaãe ^à' 'Ventos duros^
^ie nem no fundo os deyxa ejiurfeguros,
Alciotãas aves tri(ie canto, Alcioné.ís aves íiô ot
MaílarrcoS) que chamamos os Portuguezes,aves,
que vivem no mar,6t terra» Há duas caílas delias»
humas mayores a que chamáo rcaes , outras mais
pequenas.Na cor não differemcouía alguma. Ef-
tas aves tem as particularidades , que os autores
efcrevem da ave Alcione. Ariíloteles , £c outros
pintão a Alcione huma ave nunca vifta, nem ou-
vida. Pelo que cm quanto a outra fe não acha fir-
memonos nelta. Diz que levantarão triíle canto,
lembrando.fe do feu primeyro pranto , porque
fingem os Poetas que Alcione filha de Eolo , ía-
bendo do nautragio de feu marido Ceyce , fe lan-
çou no mar» 6c Jalii toy convertida em ave, como
conta Ovidio nas Mctamorphofes liv. ir. E da-
qui dizem , que quando ha de haver alguma tor-
menta no mar, cilas aves a Tentem primeyro , & a
leu modo a fignificâo cantando : a que o noíTo
Pofta,por eíla razão chama triíte canto.
0> Dtlfini. Dos Delfins fica trattado atrás
nelle canto , oytava ia.
N1)nca tão vivos rayos fabricou
Contra aferafobfvba dos Gigantes^
Ogram ferreyro fordido^que obrou
^0 enteado as armas radiantesi
Sextõ^
Nem tanto o gram Tonante arremeçon •
Relâmpagos ao mundo fulminantes^
No gram diUivio^dondejós viver aõ
Os aous^que em gente as pedras converterão^ ■
Nunca tão vivos rayos fakrieêu. Para encareci^
mento delia tormenta diz : que nem quando Júpi-
ter deílruhio os Gigantes, que procurarão lança-
lo do Ceo , como conta Ovidio nas Metamorpho*
fesliv.i. ulou de tantos rayos como havia neílá
tormenta, nem do diluvio geral em o qual o mun-
do foy deítruhido com agoa , & o género huma-
no alagado & afogado neHa,houve tantos relâm-
pagos,& frgo,como aqui.
O grão Ferrtyro fordtd». Eílc Fcrreyro que o
Poeta aqui põem, que fabricou as armas de feu en-
teadojfoy Vulcano, que fazia os rayos a Jupílcr
leu pay:6<; foy calado com Vénus, da qual Anchi-
fesTroyano houve Encas, que fica fendo enteado
de Uulcanojde cuja vida,&: feytos Virgilio elcre-
vcoâ lua Eneida. C hama-lhe o Poeta lordido que
quer dizer lujo , porque os Ferre) ros não pódcn»
andar limpos. Ellccomo conta Virgilio,fezasar-
ntas de Eneas a petição de VenuF, 6c fez também
PS de Achilles a petição de Thetis , como conta
Homero.
Nem tanto o grão tonante arren:eJfoít. O graõ to-
nai-ite hc Júpiter , o qual conta Ovidio no mefmo
livro primeyro das Metamorphofes , que vendo a
grande maldade dos homens , detcriTtinou deos
deílruhir com diluvio deagoa, temendo que leo
quizv-rie fazer com fogo, fe lhe queymaria o Ceo.
lílo raófabulas.Sf fingimentos Poéticos. Quanto
a efta dos G igantes que aqui contamos, & a do di-
luvio. Ovidio devia de ler o Genefis,& adeílruhi-
çãOjqucfezDeos Nofio Senhor na torre de Ba-
bel, de que falíamos na oytava paliada : &ado
mundocom o diluvio , o que tudo attribuhio a
ícus Ídolos. Ea Noépozonome Deucalion,6ca
fua molher Pyrrha,acrecentando outra invenção»
queellcs dous,que ficàraó fós no mundo delpois
dsquellediluviopor mandado de Themis,que da-
va os or^culos,renovàiaóo mundode huma nova
nianeyra , que loy lançando pedras por detrás das
collas,& as pedras que o homem lançava f^ taziaó
fubitamente homens : & das que lançava a moIhcr
fe levantaváo molheres. E iílo heoqueePoeti
aqui diz : Donde fês viverão es dotts tjue em gtnte at
pedrat converterão. Que fomente elcapàráo do dilu-
vio os dous que das pedras fizeráo homens,& mo-
lheres: os quaes foráo Pyrrha,£c Deucalion,comq
fica dico.
79
QFantos montes ent ao ^qne derribaria
As ondas, que bdtião denodadas ^^
jantas arvores velhas arramarão \
%)o vento bravo as fúrias tndinaãas:
At
I
Lu/íaâijs de Luis de
'^í forço fas ratsses não cuydaraOj
^te nunca para o Ceofojfem viradas^
Mem as fundas áreas, que pidejjem
Tanto os Piares ique encima as revolvejfem.
ÇUnantos montes. Profegue o encarecimento da
tormenta, c»n que os Portuguezcs andaváo , diz
que feas ondas colherão diante de fí grandes mon«
tes os derribarão : 6c grandes , & annguas arvores
viráraõ com as raizcs para o ar , coroo taziaó nas
fundas áreas do mar , que as trazião por cima da
agua, €jue he final de grande revolta , 6c trabalho,
como difle Virgílio na Eneida : Fum tç fintar ems,
as áreas ferviáo com a tormenta.
80
VEndo Vafco àa Gama, que tamferto
IDofim defeu defèjofeperdia.
Vendo ora o mar atè o Inferno aberto^
Ora com nova furta ao Leofithta:
Confufo de temor, da vida incerto y
Onde nenhum remédio lhe valia.
Chama aquelle remédio fanto ,& forte^
^e o ím^ojjivelpàde dejla forte.
81
Divina guarda ^angélica celefe,
^te os CeoSiO Mar^& Terra fenhoreas,
TUj que a todo l/raèl refugio dèfie,
^or metade das aguas Erithreas:
Tu^quelivrafie 'Faulo^& defende jle
T>As Scyrtes arenofas^ ondas feas ^
E guardafte cos filhos o fegundo
Povoador do alagado^à' vácuo mundo\
jiguAi Erythteas. kgymào marroXo,chamado aí^
fim d^íí,l-Rcy Eryihro, que Senhoreava aquellas
parte$,como diz Solino, 6c Quinto Curfio.Do mar
roxofe veja a noila an«otaçáo no fegundo canto
cytava 49. Aonde fe tratta a verdadeyra razão da
cór daquella agua. Da tormenta que paílbu o
Bemaventurado S. Paulo irattàmos atrás nefte
canto. O fegundo povoador do mundo alagado,
de queo Poeta aqui hllahe Noè,oqual por man-
dado de Deos fez numa Arca em que elcapou com
feus filhos das aguas do diluvio , como fe conta no
Qenefis. Syrtes propriamente faó lugares no mar
bayxos , 6c aparcellados, altos cm huma parte , 6c
bayxosem outra. Chamaó-fe Sírtcs de firin verbo
Grego, que quer dizer acirahir: porque com tor*
menta os lugares fundos attrahem alia área , de
que os bayxos tem ntuyia abundância. E ainda
que fallando propriamente , qualquer lugar defta
maneyra fe chama firte , entre os autores íaô no*
meados dous , os quaes cftáo nos confins de Afri-
ca contra o Egypto, huro le chaina Syrte may or,
gamões Commentadosl i S 7
6c outro menor. Veja-íe Plinio,8c Solino; Asfir-
tes laó aflim no mar,como na tcrra.A viagem por
terra he em os areacs de JLybia , aonde eltáo cUaâ
íirtes,que he tanto,6c mais perigoia ella, que a do
mar. Conta Plutarcho no íiai ua vida de Alexan-
dre, que caminhando efte valerolo Capitão pcloâ
areaes de Lybia, Íq levantou hum vento, que lhe
afogou cincocnta mil homens. A principal firtè
da terra he da Cidade Quitauga , que elta no fiiii
da Província de Drá,atè a Cidade Tumbuqutum,
aonde os de Africa vão bulcar o ouro,o qual vem
alli da grãdeProvincia de Mandinga.N elta Cidads
Quintauga fe ajuntáo as recovas dos almocreves
que elles chamão Cáfilas, 6c partem com feus Ca-
inelos,6c odres cheyos de agua, porque emaquel*
Ja jornada, que lerá de três mezes, caminhando de
dia,6c de noyte,não ha agua mais que em duas, ou
trcs partes. Governão-le pelo Norte , como no
mar,coui os mefmos inílrumentos, 6c altrolabios,
6c hà nefte caminho grandes montes de área , que
andáo de huma parte para outra , de modo que
não há quem k entenda por aquella tnfte terra,
Oshomens,quccuriaõeftes caminhos, coftumioi
criar camelos de pequenos cfieytos a não beber,
quinze, 6c vinte dias, ÔCellcs laó muyto pezadosr
éc quanto mais fotrem a fede , tanto maiò valem.j
Dos corpos que morrem neftes arcaes fcfaz z
myrrha que fe vende pelas boticas. Da qual i«
trazem cayxôes daqucilas partes. He corno cera
quando a apanhão, 6c fe íc aperta nas mãos íe dei-
faz como área. Ouvi huma peflòa que vio cftes
areaes , 6c caminhou por elles alguns dias , que
curlava alli certo vento, ás vezes, tão quente que
fecavaaagua quelevavão nos odres, Deftcs arcaes
hà também do Cayro para Meca por ioda Arábia
defcrta,na qual há tanta falta de agua, que em cCíb
legoas de terra^não há fonte nem poço.
8í
SE tenho novos tnedos pnigofos^,
"Doutra ScyUaj& Qarybdts jà pajfados^
Outras Scyrtes y& bayxos arenofos^
Outros Acorceraunos infamados: ^
No fim de tantos cafos trabalho/ os^
forque fomos de ti aefemparados-.
Se efte noffo trabalho não te offende%
Mas antes teu ferviço fó pretende?
D^eutra Scylla^ & CarybJit. Veja-fe a Scylla, lc
Carybdis o legundo canto oytava 45. Das Syrtes
na oytava paliada.
Outros Acfoctrauiiios infamados. Ceraunios , Gil
Acroceraunos (como lhe chamão os Autores)
laó huns montes de Epyro, a que hoje chamamos
Albânia, afias nomeados, 6c conhccidos:leu com-
mum nonie he montes de Chimara, ca Chima-'
rilfos , como quer Qrtelio na fua Svlionimia Geo-
graphica. Eltc epithsto de infanies lhe dão os
iSl , tanto
Poetas pelos muytos naufrngios que alli aconte-
cem. QLiantoa mim Acroccraunios (ou como lhe
chama Virgílio) Cerauvios hc nome geral, & que
conipete a qualquer ferraaha, le olhamos a Ety-
inologia da palavra , porque he monte, & ccrau-
nosrayo , ÔC porque os rayos fempre coftumão
dar em lugares alperos , & altos , daqui os taes fe
chamaó Acioceraunios,ou Ceraunios.
^itofos aqlie He s^que puder ão.
Entre as agudas lanças Afrkanns
Morrer^em quanto fortes foftíver âo
A f anta Fe, nas terras Mauritanasx
ZDe quem feytos íllu[iresfe fouberão,
^JJe quem fie ao memorias fòberanas,
2>é' quem/è ganha a vida com perde lia ^
^ocefizendo a morte as honrras àella.
De cfuem fe ganha a. 'vida com perMU, Os qac
morrem em detenção de íua pátria, & ferviço de
Deos , Ôc de leu Rey,não fe dizem perder a vida,
mas ganhala , porque com íeus feytos illuílres fi-
iéráo, que ficafie perpetua a lua memoria entre os
homens:pelo que eftes vivem para femprc: 6c pelo
contrario os que gaílâomal á vidn de tal maneyra'
morrem,que juntamente com eilcs morre fua me-
moria, porque não fizerâo coufa digna de a ter na
terra , falvo portal que com ella léjáo perpetua-
mente deshonrados.
84
ASftdtzendOiOS ventos^que lutavão^
Como touros indómitos hr amando j
Mais^& mais a tromenta acrefcentavão^
¥(^lid miuda erixarcia ajfovtando:
Relâmpagos medonhos não cejJavãOy
Feros trovões, que vem reprefentdndo
Cahir o Ceo dos eyros fobre a terra^
Lomfigo os elementos terem guerra,
Cahir o Ceo dos eyxoi fobre a terra. Que coufa feja
cyxo do Ceojfe veja no canto primey ro,oy tava 24.
£c dos clemencos no fegundo canto.
_ 85
Mj^sjà a amorofa Eflrella centilava
Diante do Sol claro no OrtzontCf
Menfageyra do dh^ó' vifitava
A terra,^ o largo mar com leda fronte:
A "Deofa^que nos Ceos a governava j
*De quem foge o enfifero Orionte,
Tanto que o mar,^ a cara armada vira,
focada junto foy de medo J^ de ira.
Sexti', '
Mai jâ a amorofa efireJla fcintilava] Defcrevi
aqui o Poeta o ten)po da menhâ por termos muy^
to ufados entre os Poetas. Ovidio nas Metamor*
phofes : Lúcifer undecimus fiellarum coegerat agmenl
Jà o undécimo Luzeyro tinha junto as eílrellas^
rdejlt já havia ©nzedias , 6c nomeava os dias por
Luzeyros , porque efta eílrella aparece cada dia
duas vezes, huma antes que o Sol apareça no Ori-
Eontc ,' 6c outra delpois de poíto. Eftacílrella he, *
a que os Aítrologos chamâo A'c««j, Quando vem
antes do Sol chama-fe Lucifer^áe. duas palavras La-
tinas, Lux , & ferOi porque he menfageyra da luz,
como lhe chamou aqui o Poeta.Qi.iando yemdef«
pois de recolhido o Sol, fe chama heJperttSf ve/per^
ou vefperugo, entre os Latinos quer dizer, á tarde,
por aparecer naquelle tempo.
/í Deofa efue ne$ Ccot a governava , De quem foge 9
tnfifero Ortzonte. Orizonte he huma coníleliaçáo'
junto ao Signo Tauro, a qual tem dczaíeteeílrel-
ias,dizo Poeta aqui, que foge de Vénus, porque
eítâ na parte Occidental diante de Vénus , 6c vay
lempre diante deilH.Podc-lc também dizer,que fo-
ge dl) Orizonte de Vénus , porque quando efta
conftelldçao apirece no Ceo , que he na entrada
de Outubro começa de haver chuvas , 6c tempef.
lades, que hc contrario â qualidade de Venus,que
caufalereni^ade, 6c quietação no ar , 6caírimos
Poetab todos lhe dão por epirheto: chuvolb , tem-
peíluofo, contrario aos que navcgão , 6c outros
quemoíbáo íua natureza. A fabula de Orion leão
os curiofos cm Ovídio liv.5.
"p ^^^^ ^^^'^J de Baccofâopor ceftol
jr> IMJfe^mas nab ferâ^que avante leve
Tão danada tendão, que aefcuberta
Me fera fempre o mal^a quefe atrevei
Ifio dizendo ^doce ao mar aberto^
No caminho gafando erpàço br evct
Em quanto manda às Ninfas amorofasi
Grinalaasnas cabeças por de Rojas ^
Efíat obras de Baccho (ao por certo, Eftas palavras
difle Vénus , quando vio os Portuguezes no mar
tão apertados da tormesta, que o Poeta vay con*
tando.
87
GRinaldas manda fór de varias cores ^
Sobre cabe lios louros àprofia^
^iem não dirá, que nacem roxas flores
Sobre ouro naturalsque amor infia:
Abrandar determina por amores
1)os ventos a nojo/a companhia^
Moflrandõlhe as amadas Ninfas bellas]
^4e mais fermojas vmhaô^que as eftrellas
Grinaldas
'Lufiaâas de Luís àe Carnes Commentadoh
tSrhalJas manàa pr. Como Vénus vio o mar re-
volto , & os ventos que com íua fúria decerrnina-
Vaódcílruhir a armada dos Portuguezes ^ ajuntou
Nymphasdomar,&;levou-as comíigo muytofer-
moías , & concertadas com luas grinaldas nas ca-
beças,para ver fc com ifto podia fazer que os ven-
tos leabrandaflem de lua tuna. Roxas florn. He a
aíFeyçáojde que a cor roxa he final. Ouro natural.
He a fermotura. Moílra aqui ler coufa natural
parecer bem a fermolura.
189
5>l
n
ASfifoy porque tanto que chegar a$
A vtfta de lias Jogo lhes falecem
jísfoYças/om que dantes pelejarão j
Ejd como rendidos lhe obedecem'.
Ospèsi& mãos par ece^que lhe atàraÕ
Os cabeílos^que os rayos efcurecem%
ylBore ataque do teyto mais queria^
AIJi àiffe a belliffima Oritbia,
A(fi díp a helliffima Orithia. Orithia henome de
huma dasNymphas do mar, a que quiz muyto o
vento Boreas.
85)
NÂocreasfero B orcas que te crefo^
^ic me tivefte nunca amor conjlante^
^^ebranãurahe de amor mais certo atreyo^
E não convém furor afirme arnante:
Sejànaõpões a tanta infanta freyof
Não efperes de mi daqui em diante ^
^epojja mais amartejmas temerte^
^lue amor contigo em medo fe con ver te ^
Enão convém furor a firme amante.O amor quer
brandura: fanas, & afperez.a laô para gente bar-
bara. Ovidio conta liv. ^. na Metamorphoies que
logo que o Gigante Polyphemo íe affeyçoou a
Galatea,qucbrou de fua má nacureza,ôc condição
afpera.
5)0
A S(ímme/moâ firmo/â GaUtea^
Dizia ao fero Moto^que bem f abe i
^e dias ha^quC em velafe recrea^
E bem crèyque com elle tudo acabe:
NaÔ fabe o bravo tanto bem fe o crea
^le o coração nopeyto lhe não cabe^
^e contente de ver, que a T>ama o manda;,
Touco cuyda quefazje logo abranda.
DEfia maneyra as outras amançavãoi
Subitamente os outros amador c-s^
E logo a linda Vénus fe entregavãoy
Amançadas as íras^& os furores:
Ella lhes prometeOjVendo que amavão
Sempiterno favor em (eus amores^
Nas bellas mãos tomandolhe omenageta^
^e lhe ferem leaes efia viagem.
Defia maneyra as outras amançavífo. A ordení
que Orithia , & Galatea guardarão em abran-
dar os ventos , que náo procedeflem na fua fa-
ria importuna , & contumaz , a mefma guar-
darão as outras Nymphas com os mais ventos.
Vénus vendo-os condclcendcr com o que Ihè
pediaò , prometteo favorecelos fempre em léus
amores, & lhe tomou a omenagem de favorecerem
nefta viagem aos Portuguczes,
P^
JA^ a menhã clara dava nós outeyrosl
Ter onde o Ga?iges murmurando foa^
fiando da excelfa gávea os marinhíyféè
Enxergarão terra altapetla proa\
Jd fora de tormenta,^ dos primtyros
Mares ^0 temor vão dopeyto voa,
^iffe alegre o Toítto Melindano,
Terra he de Calecut ^fe nao me engan oí
Terra be de Calecut j fe não me engano. Entre htí^
ma ferra ( a que os naturaes por nome commurrt
chamâo Gate ) Sc o mar , jaz huma cinta de ter-
ra, que aonde he mais larga tem dez léguas, &:
por algumas partes féis ; fcgundo as eníeadas , 8c
cotovelos da terra fe encolhem , ou eílcndem : Sc
de comprimento tem oytenta léguas. Ella hc a
terra do Malavar , na qualeftá íiruada a Cidade
de Calecut em huma Coíla braba , & com pe-
quenos Edifícios , fomente as calas dos ídolos,
& doRey , ôc de alguns Mouros nobres pref-
tão, & todas as outras faó palhaças, Sede pouca
importância , cobertas de hum certo género
de folhas de palha, a que elleschamáo ola. Veja-fc
delia Cidade de Calecut a nofla annoiaçáo n9
ícgundo canto , oytava 51.
^3
EStaheporcertoaterra^que bufe ais
*Da verdadeyra Inãia^que aparece,
E fedo mundo mais naõ de fejatSj
Voffo trabalho longo aqui fenece^
Sofrer
^0
o
offcr aqutnaôplâe o Cama mais]
*\De ledo em ver que a terra fe conhece^
Os piolhos no€hào^as mãos ao Ceo^
Jl mercê grande a ^^os agradeceo,
Verdaãeyra Indta, Veja-fco queclcrevímcsno
íegundo canto , oytava 5 a.
54
AS gr aças a 7)eos danjaj^ razoútinha^
^e não fomente a terra lhe mojtravaj
ÍS!jje com tanto temor bnfcanào vinba^
^or quem tanto trabalho exprimentava:
Mas viafe Urrado tão afinha
^ji morte que no mar lhe aparelhava
O vento duro^fervidõ ,tS meaonho^
Como quem deJpertoH de horrendo fcnho.
Como cfutm defpertou de horrendo feno. Termo de
fjilar , para moltrar a mudança repeniina\ 6c
f ubita tormenta , em bonança , que foy como fuc-
Ci:dc aos que dormem , & fubitamente acórdão
de hum horrendo , bí trabalhoío fonho , cm que
eftavâo muyto opprimidos , Ôcafadigados: que
íbnhando que íe faziaó em pedaços , ou lhe acon-
tecia alguiii mal grande acórdão íubitameate li-
vres,
POr meyo deftes hórridos féYtgotl
Refles trabalhos graves j^ temores^
/llcan^aô os que /aÕ de fama amigos
As honras im mortaesfê os grãos mayor^sx
Naõ en cofiados fémpe nos antigos
Troncos nobres de f eus antecefjores^
Naõ nos hytos dourados entre os finos
Anirnaes de Mofcevía Zehe limos,
Animatí de Mofcovta Zebellimt. Não faõ cíles
anirnaes propriamente Martas , ainda que alguns
lhe chamão Marcas Zebcllinas: he outra caftapor
li , laó brancos , tem lómente a pontinha do rabo
preta , faô tão limpos de fua natureza , que íe lhe
poemqualquer coufaíuja á portadas covasaon-
de habitâo, não entrão nellas, Scafiimostomão.
Deftas há muyta abundância em Polónia , &
Molcovia , pelo que o Poeta lhe chama aqui ani-
inaes de Molcovia. Chama-fe elle animai Zebel-
lo j pelo que o Poeta lhe chama animal zebellino,
6c as peiles le chamavão zebeliinas ,ôclaó muyto
preladas para forrar vertidos, como aí> Marcas.
NAÕ cot manjares ?tovos,^ exquffitoSt
Naõ CQSp>aff€Qs molles^^ nojofis,
Canto SexftP.
Não nos vários delejtes\ó' infinitos]
^{e afeminão os peytos generojos:
Não cos nunca vencidos apetitos^
^le afortuna temfempre taô mimofos,
^le naõfofre nenhum^que opoffo mude
^J:* ara alguma obra herotca de virtude^
^e não fofre a nenhum que o paffo mude. A mo^
licie , 6c deleyces da vida , não deyxão fazer 03^
homens o que fnó obrigados , antes fempre os in-
clinão para o mal , apartando-os de toda a obríi
boa , ôc virtuola. Donde dizia Sócrates , que os
homens que prctendião preftar para alguma cou-
ía , devião fugir dos delcytes , como das Sereas:
porque aílim como as Sereas com fua muíica ma-
ta váo,aílim os deley rcs matão com fuás branduras»
MAs com bufe ar CO feu forço/o braço
As honrasyq elle chame próprias fuds^
Vigiando^& vefiindo o forjado açoy
Sofrendo tempcfiades^& ondas cruas:
Vencendo os torpes fr tos no regaço
*Do Sul,& Regtcês de abrigo nuasj
Engolindo o corrupto inanti^nento^
Temperado cum arauofofrimento,
Mat aom hufcar. Eftas faõ as coufas com que á
verdadeyra nobreza fe alcança.
No regaço do Sul , c^ regiões de abrigo nuas, No-
mea aqui as partes do Sul , as quaes aííim como
as do Nofte íaw muyto frias , por eftarem apar-
tadas do Sol : 6c nomea eftas : por partes , por
ondeosnoíTos Portuguczes curfarão muyto em
fuás navegações.
Temperado com hum árduo Jofrimento» A kl (a
dos trabalhos he a paciência , aonde ella não an-
da não há coufa perfeyta , comodizo Bemavcn-
turado Santiago na fua Canónica. Fattentia opus
ferfclum hahet, A paciência apcrfcyçoa âs obias j
E o Poeta P rudencio:
Omnibui una comes vlrtuúbus ajfociatur
^uxiltumejue futtm fortií p^^tientia mifcet.
Nulla ancepsluòlatr.en tnit virtuteftne i{la
Firtusy^ vidua ef,quam non patteníta jormatl
Só a paciência , dizPrudcncio , acompanha to-
das as virrudes , nenhuma le atreve a traba.
lho , neúi difficuldade (em ella : ôca que a nã9
tem he viuva , &: dcfcmparada.
E
9^
Com forçar o rofto^quefe enfia,
A parecer fegurOj ledojnteyro
TarA
Lujtadaí âe Luís de
^ayaofilouro ardente ^que affovia,
E leva aperna^Qu braço ao companheyroi
^efta arte opeyto hum calo honrojh cria^
^efprezador das honras ^^ dinheyro^
ÍD^J honras ^^S dmheyroyque a ventura
forjoUit£naÔ virtude jujia^& dura,
DEfta arfe fe efilarece o entendimento^
^le experiências fazem repoufadOt
E fica vendo ^como de alto affento^
O bayxo trato humano embaraçado-,
Efie finde tiver força o regimento
^ireytOió' «^^ de affeyto occupado^
Subir à(jcomo deve{a illuflre mando
Contra vontade fua^à* naõ rogando^
Camões Commentadosl í ^ t
Defia arte. Enfina-nos 'o Poeta neíla oytava
como ló a virtude faz Tubiros homens que a íe*
guem a alto lugar , 6c montar muyto neíla vida,
porque tem por guia a paciência , a qual não te-
mendo diíficuldades , nem perigos os põem em.
lugar , do qual vem a Teu íalvo a errónea , & de*
fatmo em que vivem aquelles que engolíados
em coufas bayxas , & vis da terra , le clquecem
<la virtude. Êftcs tacs aonde houver govern3
direyto feràó tidos era conta , favorecidos , gc
honrados : 6c alcançarão as honras , & cargos^'
que merecem , ainda que os não prctendão, como
ie fazia no tempo dos Romanos. Dille muyto
bem Luis de Camões , Onde tiver força o regtment»
direyto : porque de outra manèyra correm os ne-
gócios difí-crencemente , Scmúytas vezu quem
merece , perece.
OS
Tpí
-3«iiée"^ ^Ke^*^ ^im.É'*^ ,«íi^^-4>*^ -íKe'*^ ^ •íiji^e^<^ ■-^^í^^.f'^ ^a^iKit^^»** mí>^e^' mQ^i^ gr
ig| ^>^e^ ^cé^ «^;^ «s^?«í^ c^^^ 1 «^.V^ c^e^ mc'ê^ <^C?^ ^&^éK&t íli
OS LU? I AP AS
DO GRANDE
CAMÕES
e
Commentados pelo Licenciado Manoel Corrêa*
ARGUMENTO.
Dà fundo a frota a Calecut chegada,
Manda-fe meníageyro ao Rey potente,'
Chega Monçaide a ver a Lula armada,
E da Pro vincií í n foVm a largafrien te:
Faz Gama ao Samori íua cmbayxada,
E recebido bem da indica gentCv
C'o Regedor da terra ào mar íe torna,
Que de toldos,&: flâmulas íe adorna.
CANTO SETlMp.
chega Vafco da Gama a Caíecut. Propõem íua el^ayxada ao Rey da terra.
Defcreve-fe o ficio do Keynbde Malabar. Vay o Rtgedor da urra a vi-
~íiEar a noíía armada.
TA^fe viaõ chegados junto ã terra,
^ue defejadajà de tantos for a%
^ue entre as corrétrs Indicas fe encertaj
Eo Gangés^que no Ceo terreno mora:
Ora fus gente for te, que na guerra
^lereis Levar a palma vencedora j
lâ fins chegfxdosjà tendes diante
Aterra de riquezas abundante.
lâft vi^o chegados. Conta aqui o Poeta , como
os Poriuguezes houverão vifta da terra da índia,
a jual^i^, quefoy delejada de niuytos , porque
pelas hiílorias fabemos como AlexandrejTrajano»
& outros a pertcnderáo , & nenhuns fizeraó
aíTento nella táo de raiz como os Portuguezcs.
'^«c entre at correntet indicas (t encerra, Ella hc a
terra Jo Malabar , poíla no meyo da verdadeyra
Índia entre os dous nos Indo , &l Ganges , como
fica dito no lexto canto , oytnva 92. Correntes
Indicas, laô correntes do rio Indo.Dizque o Gan-
ges mora no Cco terreno , quehe o Parayíoda
torra pelo que diz a Efcntrura,que do Parayloda
terra lahiáo quatro rios. O Bcmaventurado SJc-
ronymo , & S. João Damalceno, Hugo, & outros
muyros dos antigos tiveraô , que elles rios
eraó:Ganges, Nilo,Tigris,&: Euphrates. Alguns
modernos q^ucrem que o Nilo , Sc Ganges não fa- ,
yaô;
iLuJiadat âe Luh de
'yão do Paraylo Terreal, mas outros dous rios que
ciizsm ler recolhidos com o Tigris, ôc Euphrares,
CUJOS braços cráo. Como eíle lugar não he de apu-
rar duvidas táo largas deyxo aquellâoparaas cl-
colas , advertindo poiéni ler matéria em que há
jjiuyco pouca cerceza.íL ainda que hoje íaybaraos
os lugares aonde cíles rios layem,não havemos de
cuydar que eíta he a verdadeyra fonte , porque
jiáo he pollivel fabcríe , pois le não fabe o lugar
aonde o Parayfo da terra ellcvc. E aíTun quando
letratiano nacimsnto deites nos , entendc-le do
lugar donde clles ariebentâo , & a noílb juizo pa-
,f cce que nacem.
Ora fui gente forte. São palavras do Poeta com
as quacs toma occafiáo para trattar algumas cou-
ías dos Feytos valeroíos dos Portuguczes,animan-
doos, &tazendo-Ihe praça do queleus antepaila-
dos lempre na vida fiicrao, aííim em detenlaõ da
í^é Cathoiícà, como dcfeu Rey,&.lua pátria , &:
como amda que poucos, 5c metidos em hum canto
pequeno do mundo , daqui fe deraó a conhecer
por todo eilc. Por terra de riquezas abundantes,
*^tende sl lndia,aonde tinháo jâ chegado.
Camões Commentados^
m
3
VO V ^ortuguefes poucos , quãtõfortes\
èílie o fraco poder vofjb naòpezais^
Uós^que â enfia de vojfas varias mortes^
A ley da vida eterna dilatais ^
A(]i do do deytadas/aõ as fortes^
^e vós^oT mtiyto poucos que/ejaisj
Muyt o façais na fanta Qhnjiandadey
^e tanto ^ó Chrtjto^exaltas a humildade,
^e o fraco podtr vojfo rt^opezaif. Em louvor doS
Portuguczes entre outras coufas diz o Poeta, que
quando luccede alguma coula dehonia^em que
hajáode moítrar ícu valor,6c esforço , náopcraâ
ícu traço poder , porque poucos íe atrevem
contra muy tos , ôc que não eítimando morrer, na
vida dilatâo leu nome, & fama de maneyra, que vi-
vem eternamente , 6c que ifto he negocio do Ceoj
querer Deos que os portuguezes com ler tão
poucos,f4çáo tanto na Chriilandade.
AVÓS â geração ae Lufo digOy
^ue taõ pequena parte joís no mundo ^
jSlào digo inaa no mundo ^mas no amtgo.
Curral ide quem governa o Ceo rotundo:
^òsta qutmnaõ fomente algum perigo
Jífhrva conquíjiar opovoímmundo^
Mas em cobiça^oupouca obediência j
U)a Madre jque nos Qeos ejiâ em effencia,
A vôt ò geração de Lujo digo. Continua lua pra-
tica com o» l^ortuguezes , aos ^uaes chama í!,era*
çáo de Lufo, pela razão que tica dada no canto
pnmeyro , oytava i. os quacs diz que laó muy to
poucos, 6c que efta pequena terra que poíluem he
no curral amigo de Chriílo, cm hum canto da
Chriilandade. Louva-05 da fortaleza, & cavalla.
ria,pois nenhuns perigos faó baítantespara oseí-
torvar da conquiltaoa Mourama , a que chama
povoimmundo , que quer dizer povo lujo. Lí'u-
va-os também do zelo que tem da Fe de Chriílo
iioflb Senhor ^ que não ha coula que os dcfvie de
lua obediência,
A Madre,que noi Ceos eftâem cjfeacia. He a Igreja
triumphunie, lugar dos Bcuiaventurados. Cha-
ma.íe trmmphancc , porque os que eíláo nella,
cílaõ em porto fcguro. Eltaem q vivcmo.s le Cha-
ma Igreja militante , porque cm quanto anda-
niios nella , temos guerra com tãt? ciutis inimi-
gos: Diabo, Mundo, ôí Carne.
VBde os Alemaensjòberbogàdo^
^iepõr tão largos campos fe af>acenta^
T>o òucf.t'jforde Tedro rebelado
Novopajior^t§ novafeyta inventa:
Vede{)tmfeas guerras accupadot
^e inda co ctgo error fe não contenta^
Não contra o fuperbiffimo Otomano^
Masporfair áo jugo fober ano,
Vdt4oi Alemaeu Serrou o Poeta â oytava pal-
iada com aquclla tão exccllcnte fentença > que
Deos levanta aos humildes , & derriba aos lober-
bos. E que cfta he a razão porque os Portuguezes
em fuás emprefas vão por diante, & os Alemães fi-
cão atrás.Por guerras teas entende as que faô con-
tra Chnílãos. Cego error faó as hereíias. Nao con»^
tra o foUrhí[[imo Otfomane. Ottomanos le chamâú
os Empe» adores de Turquia , donomedehuna
Ottomano de que trazem lua origem. Foy clle
Otíomano chegado á cala do Emperador dos
Turcos , o qual vendo-fe dcsflivorecido nclla , fc
ajuntou com alguns perdidos,quc nunca faltaó, ôc
começou a fazer guerra a alguns lugares com
que le atrevia nos léus principios , dos quaes tãot
fracos vcyo em pouco tempo a ler Senhor de
tantas terras , £c Provincias,como lodos íabemos;
O que o Poeta diz nella oytava he , que melhor
fora aos Alemães , & Inglefes tomar armas con-
tra os Turcos , que andar envoltos cai hereíias,
& invenções na Igreja de Deos,
Bb
Vede»
ISetttnol
Alli fehaõ de provar àaefpadaòs fioi.
Em quem quer reprovar da Igreja ocantol
T>e Carlos, ãe Luis o nomeia a terra
Herdafie^^ as canjas naõdajujtaguerra,
E não contra o Cynifio , & Nilo ms. Contínua
Gom os Francefes , os quaes diz que fora melhor
gaftar o t«mpo em, guerra contra os Turcos , ôc
Mouros , que contra Chriftãos , pois fe chamáo
Chriíliàniflimos. Pelo rio Cynifio fe entende os
Mouros de Africa por onde paflao rio CynifioJ
Por Nilo os Turcos , porque o Turco he Senhor
de Egypto, que o rio Nilo rega. Defte rio le veja
J^eét o duro Irtglez. Entre os titules que tem os o que efcrevcmos no canto decimo.
VEdes o duro Inglês ^quefe mmea,
Rey da velhaj^ fanttjjima Cidade ^
^^e o torpe Ifmaelitajenhorea
(^^em vio honra taÔ longe da verdade)
Entre as Boreaes neves Jerecrea,
Nova maneyrafaz de Chrlflandade^
Tara os de Chrifto tem a e/pada nua^
Mao for tomar a t^rra,que erafaa.
DeCarhsy& Luis. ForâoReys de França valc^
rofiffimos, & ChriftianiíTimos. De Carlos trattá-j
mos no canto primeyro. Do Bemaventurado S,'
Luis baile dizer que foy canonizado por Santo,&í
que reza delle a Igreja de Dcos.
Reys de Inglaterra, hum he Rey de Hieruíaiem,
eftando eíla Cidade hoje íujeyía, (como he notó-
rio) ao Turco, o qual entende por Ifmàelita , por-
que aífim fechamâo os Turcos, 6c Mouros, como
fíca declarado por muytas vezes. Emre ai hreaes
r.eveiferecrea.He boreas o vento Norte, por neves
boreaes le entende aqui as partes do Norte , aon-
de tem íua habitação. Eftes diz o Poetaque fazem
nova maneyra déChriftaiidade, levantando novos
ritos contra a Igreja Romana , & íeguindo diífe- _
rentes fcytas , como fe pôde ver na hiítoria Eccle- Ga fiam as vidas jlograo a,s divícias^
fiaílica de Inglaterra. Defta II ha fe veja o que ef- Esquecidos de/eu valor antigo?
8
POiS que dtrey daquelles,que em dflicidsi
^eo vil ócio no mundo traz conjigoy
crevcraos no terceyro canto,oytava 58,
C>f ^arda^lheporem tanto hum falto Rey^
J A Cidade Hyerofolima terreftc.
Em quanto elle não guarda afanta Ley
©tf Cidade Hyerofoltma ceie fie:
'Pois de ttS^allo indino^que direy^
§ue o nome ChriftianiJJimo quizefte^
Nao para defenàelojnemguardalo^
Mas para fèr contra elle^^ derrtbalA
Guardalbeporerv tanís. Moftra aqui o Poera íer
Nacem da tyrania tmmiciciasy
^ie o povo for te tem deJíinimtgo\
Contigo Itália fallojàfumey^Ja
Em vícios mili& de ti me/ma adverfaí
Túis ^«e Mrey iaèiutlks íjue em diliciai. Quanto rtial
façâo asdilíciasâos homens trattey no Texto can-
to, oyiava ptf, Nefta oy tava torna o Poeta a repe*
tir os males defte vicio , do qual diz que nacem
grandes males , como he afias notório , & princi*
palmente o torpiffimo da lenfiialidade , o qual na*'
cede ócio , & delicias da vida como diz o Bem*
aventurado S, Jeronymo: Ventrtm abo difitntum
voluptuis /fi^«ií«r^c«/M/í«w, alenfualidade procede
Divina permiflaó ter Turcos a terra de que os In- do muyto comer, E S. Chryfoílomo lobre S.
Mattheus: t^murn Ubidinti fácil e txvacantia^ & oci»
nafcitur : O vicio da fenlualidade tem lua ori;
gemdoocio. Eo PoetaOvidio:
Otiafi tolUf perière Cupidinis arcas
ÇQntewptaqtft mantrit^^ fine lace facet»
gleíes fe intituláo por Reys , que he a Santa Hie-
ruíaiem , emquantoelies andâo apartados da Fé
de Chnílo.
Pois de ti Gallo indigno cfue dtrey ? Nota também
osFiiincefesdc gente advcrfaria do nomeChrif-
táojdo qual elles tem hum tão largo,& excelicnte
titulo , como he chamarem-fe Chriítianiírimos, de
cuja origem fe lea a noflaannotação no primeyro Onde falta o ócio não há reynar malícia) & Í
canto , oytava 15. E porque os Francelcs íccha- íenlualidade eftà a hum canto,
mão Gallosno teiceyro canto, oytava 16.
9
■^ j áT^ Mi/eros Chri/lãoSfpela venturâf
' K^ Sois os dentes de Cadmo dê'sparzido5l
AChas^qiie tens direyto emfènhorios ^e huns aos outros Je daõ a morte dura
de Chriftãos, fedo o teu tão largo, &tãto Sendo todos de hum ventre produzidos^
E naÕ contra o CyniJío^& Nilo rios^ Naõ vedes a divina fepultura^
Inimigos do antigo nomefanto^. ToJJuida de cães^quefempre unidos'^
Véi
Lufiadas de Luis de Camões Commentados,
Vosvemtomar a vojja antiga terra^ OJhay,fe efíais fegUYOS deperig^s^
Fazend&fe famofos pella guerra>
m
o mifffros Cbriflãos» Com muy ta razão fe queyxa
<^) noflo Poeta dos ChníUos,pois tendo obrigação
^e eíles^^ vósjoh vojjos tnmígosi
Entre vh nunca deyxa a fer<*\Ale^o. Entre oU*
tros fingimentos dos Poetas , haeíle, que há três
de ter entre íi paz,6c conformidade , pois he gente fúrias, as quaes caufaõ todas as difcordias, Ôc dela-
governada por razão, & que legue huma ley, que venças da vida. Eílas fe chamão Aleâ:o,Tiíipho»
com tanto rigor lhe manda tenha paz entre íi, ne,Megera. Ulaaqui o noflo Poeta de huma dcU
eiles tanto ao contrario de lua obrigação tem las, para confirmação do que vay dizendo , que
guerra huns cora os outros , & não fc confundem entre os Chriftãos lempre há dilcordias, & inimi*
v<:r os bai baros unidos , 6c amigos de maneyra, zades : fendo tanto pelo contrario ifto entre os ia*
que pouco a pouco vaó lujeytando o mundo a íi. fieis,que commummente andão unidos,& confer-
ia e/í» ventura jõis oi dentei de Cadmo, Cadmo foy mes , & fe tem guerras he contra Chriitãos, o que
filho de Agenor Rey de Phenicia. Foy mandado nos houvéramos de fazer ter guerra contra ellcs,
por leu pay abulcar l£uropa fiia filha, que Júpiter ^ trabalhar pelos deílruir de todo. Mas como a
em figura de touro lhe huvia furtado , ôcque não noíla inquietação he lempre contra nòs mcímos:
çornaílcacala iemella. Cadmo confultou o Orá-
culo de Apoilo , vendo que naó achando lua irmã
Europa , naó podia tornar diante do pay , que af-
fiíR lho mandava , para faber que fana , aonde !«
ina.fazer lua habicaçaó.O Oráculo lhe reípondeo,
que acharia no campo huma vaca , que a leguillç,
êc que aonde ellaparaflè,alli edificalle. C^uerendo
Cadmoporemeífeyto XI que o Oráculo lhe man-
dava , achando o lugar aonde havia de edificar,
quiz primeyro tazer lacrificio a Jupiter,parâ o que
mandou léus companhcyros a certu fontt.-,que per-
to eftava. Succedeo eftar hum diagaó naqu«i!a
parte aonde eltava a fonte , o qual como houve
villa daquelles homens, que hiaõ bulcar agoa,the-
gou , 6c matou a todos. Cadmo vendo que léus
companhcyros tardavaó muyto determinou hilos
bulcar , mas achou-os mortas , 6c o dragaó lobre
elles. Cadmo matou o dragaó. Eítando nclle eíla*
do Cadmo , chegou Palias , que os antigos faziaô
tem os dous inimigos huns os noílos,6coutros a el-
les: elles por ódio, que nos tem: nós por não ter*
mos paz,éc coníormidadehuns com outros.
m
r\
SE cobiça âe grandes feiíhorlosl
Vos faz tr conquíjiar terras alheat^
NaÔ vedes, que TaBolOjfS Hermo rios.
Ambos volvem auríferas arèas^
Em Libia, Ajfíriajavrão de ouro osfiosy
Africa efconde em fi luzentes .^Veas^
Movavos jàfe qun riqueza tanta^
^015 movcYijOs naÓ^òde a Cafafantá*
Se cobiça. O intento do Poeta neíta oytava bé
induzir os Chriftãos a ter paz, 6c conformidade, 6c
a guerra que trazem entre ú a convertão contra
Deofa da fjUerra,6c dille-lhe que lemealle na terra os infiéis inimigos de noíla íanta Fé Gatholica , 5C
os dentes daquellc dragaó. Fez Cadmo o que Pai- fe cobiça os move a deíejar conquilla de terras
' ^ 1 -r « alheyas,em nenhuma parte tem mais com que iar-
tar lua cobiça, 6c vontade, que na Afia fenhoieada
pelo Turco , 6c na Africa polluhida dos Mouros-
I>)aõ vedes^ejtte Paêiolo^^ Herm» riot. Saó rios de
Lydia P rovincia de Afia menor, a que a Elcrittura
Sagrada chama Lud. Crerão os antigos ter elles
rios muyto ouro , pelo que entre ellcs laõ muytq
celebrados , como diz Solino no leu PoJyhiftor.'
cap. 13, Virgilio na Eneida do Padolo liv.io. Vbi
pinguia culta. Exercentque viriy FaèlJup^ue irrigai aa»
las lhe mandou, 6c logo dos dentes do dragaó íc ie-
vantarão homens armados, os quaes huns com ou-
tros fendo todos irmãos fe matâiaó. Conta efta
fabula Ovídio nas Mctamorphofes liv. 5. in prin-
cipio. O noílb Poeta quer aqui moílrar como os
Chriftãos fão como os dentes do dragão , que
Cadmo femeou por mandado de Palias , os quaes
fe matarão huns aos outros , fendo todos irmãos:
Q que fazem os Chriftãos , pois podendo ter guer-
ra cora gente inimiga, 6c contraria, a tem entre i\
huns contra outros. Divina Sepultura. He o Santo
ro. Onde os homens fazem grandes lavouras, 6c as
Sepulchrode Hierufalem , o qual tem os Turcos terras laõ regadas com ouro do rio Paétolo. E do
inimigos noflos capitães , como diz. o Poeta na oy
tavaleguinte.
10
VEdes que tem por ufo^ por decreto
(JDo qual faõ tão inteyros ob/ervautes')
Ajuntaremo exercito inquieto^
Contra os povos ^que faõ de Chrifto amantes^
Entre vós nunca deyxa a fera Aleto^
'De f eme ar ctzanias reptgnantest
Hermo nas Georgicas liv. 2. Nee pulcber Gangeíf
atcjue amo turbidus tíerrfto.Ncin o fermofo Ganges»
6v o Hermo turvo com ouro. Aífiria he Suna de
que atrás fica trattado no canto primcyro,oytava
24. Neíla Provinda , ôc em outras de Afia menor
há gente que fazem grandes delicadezas , aííim de
GurôjComo de outras coulas de mão,com tanto ar^
tificio,6cg''ilantariâ,quenão há mais que ver. Pelo
que o Poctaaquidiz , que neftas partes lavráodd
ouro os fios. O que também notou Girava naíua
Geographia, pag.ij^.liv.j.cap.ii. aonde tratta da
£b&
Mâ
^ -■ tdnto^Setwél
Afia ínetior. .Deftatéiía diz Solino ho leu Poly- E naÕ queyraes louvores ánogântef,
hiftor. Í1V.5. C.I2. que tomáraó os Romanos prin- ^eferdes contra os vojfot muy poffanteíl
■cipio para íeus perfumes , Sc unguentos. O que
staíTihem refere Floro liv.15. cap. $. porque cila GrfgTji» Iraett ^ Armenm ^ Georgianof, Reconta
gente ufava muyto deitas delicias. Do tempo em aqui o Poeta algumas Províncias de Chriftãos
^ue ifto foy Ce veja Plínio, He também muy to n- que hoietftaõ lugey tas ao Turco.Foy gente fem-!
«adçouro, l&prata^ peloquc oepitheto queos preá deíla terra Catholica,&: firme na Fè, aqual
Poetas lhe daõ bechamar4herica , comoenccn- hoje em dia deve permanecer em algumas deftas
tiurâo a <:ada paflb os que por elles lerem»
li
Relias invenções feras ,& novas,
_ ^e tnjiromentas mortaes ae arlnhariãi
yã devem de fazer as duras provas
jSlos muros de Bizâncio ^^ deJurqtàa:
'Faz y que torne lâ àsjilvefires covas
^os Ca/pios montes, & da Scyfhiafria,
jlTiir ca geração ^que multiplica^
Na policia de voffa Europa rica.
partes, mas como vivem entre aquella má canalha
alguns devem ter alguma defordem.N oflo Senhor
lhe acuda por fua milericordia. Armenia,& Geor-
giana chamada por outro nome Ibéria , laó Pro-
víncias da Afia mayor , a qual toda hc lugeyta ao
Turco.
Preceytosdo Akorâo, Alcorão, quer dizer doutri»!
na , lie o livro em que eftá eícritta a maldita íeyta
de Mafàmede,entre outros preceytos tem hum de
que o Poeta aqui faz mençáo,que todas as molhe*
resdeftes Chrillãos deltas partes que parem ma-
cho,fetor hum íó lho daraò de tributo, & de dous
hum, xk de três hum. Sc aonde não hà filho macho,
lhe daó hum cruzado de tributo cada anno. Eítes
filhos os obriga a tomar rualey,6c os manda criar,
& tnfinâr às cou fas da milicia,6c cita he a gente de
que ic mais fia»
14
^|t Âs em tanto que regos y& fedent os
I Andais de vojfo fangue^é gente Injanãi
Anjuellai ifi'àenço<:sferaf,& novas. Chama aarte-
Ihana invenção nova , porque eílc exercicio , Sc
artifício Começou no anno do Naomentodo Se-
nhor de 1581. Não feíabc quem foy o inventor,
&; foy bem efconderfe , porque íc le foubera feu
iiome todas as horas,& momentos fora maldito,Sc
abominadocomo merecia > porque foy cau fade
não haver nô mundo aquelle esforço , &: cavulla- JSlão faltarão Chrifiãos atrevimentos
ria que antcsjia via nos homens, bios murm de Bj^ ^^n^ peqtmaCa/a Lufitana:
%afsííOi&de 7«m«w.Byzancio he Conílantinopla, ^r^^ Jr^ír^ *^^ *^^».;^;«./,.. ^/r^*.^/,-
Cidadehoje a prmcpal detodasasque o Turco "Dt Afrtcatemmautmos ajfentos.
fenhorea/ pois nella tem feuaífento, ôccadeyra tíe na Afia mais que todas foberana,
real Veja- íc a noflaannotaçáo no canto 3.oytava Na quarta parte nova os campos ara
12. Fax^tf íjut torne lâ as Jilvefira covas. Como difle E/e mais mundo houverajâ chegar âi
os Turcos que agora faó ienhores
atras oytavii4
de hu ma grande parte do mundo, tiverão fiia ori
gem dehum loldado por nomeOttomano , ho-
mem de bay xa forte , natural de Tartaria , o qual
fe levantou contra o Empcrador dos Tártaros, &
pouco a pouco veyo o negocio a dar no eítado em
que hora eltà. O principio foy na Tartaria, a que
<?s Elcrittores chamáo Scythia,nefta eílão os Cal-
pios rnontts»0 que o Poeta aqui quer moítrar he,
qucdeviáo os Chriltâos lançar os Turcosfórade
Conltantinopla , & outros muytos lugares da
Europa,quetem tomado aos Chriítãos, Scfazelos
recolher aos montes Calpios de Scythia , donde
Yierão para eftas partes. Deites montes fe veja a
noíla annotação no terceyro canto*
GRe^os Xraces, Arménios ^ Georgianos ^
Bradando vos eflão^que o povo bruto
Lhe obriga os caros filhos aos profanos
2^receytâs do Alcorâo{duro tributo')
Emcafttgar osfeytos inhumanos
VosglQíiaj depeytoforte^&aíluto^
Mas em ejuanto. Louva o Poeta aqui ó fioífo
iPortugal , o qual não vay pela ordem das outras
naçóes;anies em quanto os outros andão occupa-
dos cm guerras injuftâs , elícs as fazem a Mouros^
Sc infiéis, Scandaó íugeytando novas nações em
novas terras,que o Poeta aqui nomea.
De Africa tem marítimos ajjentes. As Cidades mai»'
ritimasqiie o Poeta diz que tem os Reys de Por-
tugal,faó Ceuta, Tangere, Arzilla,&: Mazagaò. Ha
na Afia mais t^ue toda (oberba, llto diz pelo niuyto
que os Portuguczes tem feyto , & conquiítado n»
Oriente,aonde tem muytas terras, 5c muy tas IlhaSè
§íuarta parte nova. He America , ou novo mundo,
da qual com as mais partes tratrâmos no primcyro
cantOjoytavai. Diz que também os Portuguezes
tem pé nella pelo Brazil, que pofluem,que he tam-
bém huma parte deita America, como fica dito nd
lugar allegado : & como mais copiofamente o di-
zem os Diálogos de varia Hiítoria, Dialog.4.cap,
12. & 6. cap. 1. 6c joaõ de Barros na íua Afia, De-
cad.i. aonde ella cif ganteoytava eítà dignamente
com meneada.
Lufíaàas àe Luís de Camks Commentaàos*
^97
E Vejamos em tanto o que acontece
/^aquelles tamfamofos na veganteS,
depois que a branda Vénus enfraquece
O furor 'VaÔ dos ventos repugnantes:
depois que a larga terra lhe apparece.
Fim defuasprofias tão cantantes ^
Onde vem f entear de Chrijto a Ley^
E dar novo coflume^à' novo Rey^
Ve]am9itm tanto» Torna o Poeta a trattar o que
áconceceoaos Portuguezes defpois que hoveraó
vifta da terra da índia , acabada aquella cão traba-
ihofa tormenta qu6 no fiai doícxto canto contou.
Defpoit efue a larga urra lhe apatece» Ftm de fitas
for fiai tdo confiantes, lifta terra larga de que liou-
veráo viíla , foy a terra de Calecut » que era a que
elles com tatita porfia , 6c cmílancia buícaváa. li
â verdade tudo» havia miíler humataõcompridaj
& importuna viagem , que milagrofamente pode-
mos crerhiremos homens a terras taó rematas,
oíFerecidos a tantos perigos , & trabalhos » que os
de que os Poetas tazem tantos medos, como Scyl-
la, éc Carybdis, Acroceraunios,& outros faó nada
em comparação dos que hà nefta taó larga , 6c
• tnfadonha viagem da índia»
TÂnto qtte â nova ter rafe chegarão^
Leves embarcaçoens de pejcadores
' Achar aõjque o camiuho lhe moftràraô
*T>e Calecut jonde eraò moradores'.
Yara là logo as proas fe mclinãraÕ,
forque efiaeraa Cidade das milhares
1)o Malabar me Ihor^onde vivia
O Rey^que a terra toda pojluta^
f Tanto tjus ã nova terra fe ch87drào,}i\jm Domin-
go vinte de Mayo de mil quatrocentos noventa &
oyto houveraô os Portuguezes vifto a rtrra de
Calecut , & íurgiraó defronte de hum lugar cha-
mado Capocate, o qual o Piloto cuydou íer a mef-
ina Calecut, Mas furta a noíla armada j acudirão
logo quatro almadias de gente da terra a fabcr que
nãos craô aqueilas,porque nunca as virão daqueU
la invenção , nem hirem a tal tempo àqudlas par-
tes. Eíla gente que aciidio á noíla armada era 5
pefcadores : aos quaes Valco da Gamafezgaza-
lhado, 6c mandou que lhe compra flem do pcícado
que traziaõ. Eftes o levarão a Calecut. O Poeta
neílas oytavas , que fe feguem defcreve a própria,
& verdadeyra índia , como eu atrás toquey no
canto fexto,oytava pi.
17
AL/m do Indojaz^é' aquém do Gange^
Hú terreno mUygràde^Cr ajfazfamofo^
Repela parte AuftraL o mar abrange ^
E par a o Morte o Emodio cavemo/o:
Jugo de Reys diverÇos o conjlrange
Avarias leys ^alguns o vicio fo
Mafoma^alguns os Ídolos adornÕi
Alguns os animaes^que entre elles morada
Alem do índújaz» Como atrás apontey no canto
lexto, oytava^i. a terra que os Geographos cha-
niaó índia , heaqueéítá entre aquclles dousfa-
moíos rios Indo,6c Ganges, Os naturaes, \Sl vezi-
nhos lhech'^maó por nomt- próprio Indoítan.Tem
da parte do Norte por termmo o monte Emodio,
que he hum ergalho do monte Tauro ^ aoqualo
Posta aqui chama caVernolo , porlerrauyto af-
pero, com muy ta penedia , 6c quebradas, a que os
Latinos chamaó cavernas. Da parte do Sul tem o
Oceano í ndicoi Do Poente o rio Indo: 6c do Ori*
ente o Ganges , ainda que ambos layemde huma
paragem contra o Norte,; A teiia que eítá entre
osdousrios, que dizem chamaríe Indoltan, a que
nós chamamos índia , tem diííerentes Reys , 6c
naçóesjcom diíterentes ley.tas, 6c torpezas,que le«
ria largo contar , porque hun^ leguem a peítilcn^
ciai feytii de Mafoma: outros adorno os Idolosiou-
trosanimaes : outros tem em íi outras brutalida-
des indignas de fe cfcrcvcrem. /íi^uns o vtci&fo Ma»
foma.^ pcrfeguiçaó de Mafoma foy no fim do im-
pério de Heraclio no anno do Senhor de Óyí.ain-
da que mito há variedade entre os Autores , que
outros querem toílc no anno deSjip. 6cque co-
meçaííe em hum lugar chamado Saralo na Arábia
Pétrea , comoapontámos atrás no primeyro can-
to,oytava8è Quanto ao lugar de iua natureza di-
zem que foy Itarip, aldeã pequena de Arábia , 6c
que feu pay foy Gentio por nome Abdalá , 6c fua
máyHebrea chamada Emina gente bayxa. E co-
mo era filho de pays difFerentcs , querendo Ihei
hum enfinar huma coufa , 6c outro outra ficoit
confufo , 6c diítrahidoem fua vida. Defpois da
morte dos pays , naófabendo a quardasíeytasfe
daria,le à do pay, que era Gcntilica, íe á da mãy,
que era Hebrea.Sendo moço criou- fe entre Chril-
tãoSíVindo a idade cm que entendia,como era mal
inclinadojSc perverío de natureza,âjudado de hum
Sérgio hereje Neftoriano , 6c de dous Judeus e{-
padeyros* Fez das feytas de Teus pays j 6c da ley
Chriílã huma feyta diabólica , tomando de cada
huma o que lhe parecia , parabém deíuaperten-
çaó, que era (cr tido por lanço, para por eíte meyo
ter mando , 6c poder no mundo , comofucccdeo
que em pouco tempo com voz de prophcta coii-
quiítou muytas terras vczinhas. E como a fua ley-
taera humalellada tirada de difiFerences partes i 6c
que
.;
que qualquer hotiiem dejulzõ, Zí de razaõ enten- viados hum do outro de Levante ao t*oentCÍpoi?
•deria facilmente que era errónea, largou-Ihe a re- elpaflb de trezentas léguas pouco mais , ou menos,^
dcaatodoo genero_devicios,&deu-lhe liberdade queheoelpafib , quetetna terra chamada Índia*
que fizeflem o que quizeflbm , principalmente no Acabão leu curfo no cabo Camorij , defronte da
victoda ícnfuaWade , queíoy partepara adquirir Ilha Ceyláo , masdefviados hum do outro , como
^a íi em breve tempo meyo mundo. E cfta he a ra- diz o Poeta na oytava feguinte. O Ganges entra
zaó porqiie o nollo Liais de Camões lhe chama vi- por duas bocas defviada huma da outra por cfpaíTo
ciolo. Tem lavrado tanto efte malpeftilencial en- de cytenta legoa? na enleada do Reyno de JBen-
tre tantas, ISc taõ diverlas nações, que em compa- gala,qtie por efte relpeyto fe chama entre os Coí-
raçáo da gente enganada com fua lcyta,laó muyto rnographos,yÇ««í Gangeticut, feyo Gangetico, que
poucos os que leguem o caminho da verdade, que quer dizer enleada do rio Ganges. O Indo entra
he noffà Santa Fé Catholica. O que facilmente k na enleada de Cambaya , chamada affim do Rey«
pode ver , pois não crè em Chrifto Noilo Senhor no Cambaya,aonde eítá.Vcja-feo que elcrevemos
•coda a É^uropa perfcytamente,Sí em Mafoma par- «ocantodecimo,oytava io6. Da fonte deftesrios
-te delia, com toda a Afia, 6c Africa,pouco menos, até o cabo Comonj, aonde entráo no mar, haverá
JB mandou ;iK) íeu Alcorão , que ninguém oulaílé quatrocentas legoas de comprimento,
trattar, nem dilpataríobre alua ley, pondo niiio Cercão tod» o temfodo ttrnno» Diz que cercão
^grandes penas : no que bem moílrou como tudo aquelles rios aquelJe pedaço de tcrra,de que atrás
craó enganos, & falfidades, & que lhe punha efl e fica trattado , que abraça , & rodea a índia, Pcfo
barbilho, arreceando-fe, que houvcfib homens de do terreno qncr dizer aquellc efpaflo da terra,
-juizo, aHda4ido o tempo, que cahiílem em leu f n- Fazendo o Cherfonefo. Que feja Cherfqneío fica
gano, 6c maldade, Defte maldito Mafoma, d€ íua dito no canto lcgundo,oytava 541
torpe vida , 6c pcyor feyta , fe pode ver hum
cunolo <:apitulo nos Drilogos de varia Hiílo-
ria, PiaÍQgo|.cap.3, "
A 'jn Ntreh{ij& outro riOiem gr ande e/f âçol
J[_^ òae da larga terra huma longa ponta^
LA' bem m grande monte, qtte cortando^ ^aftpiramiãal.tjue no regaço h
Ta^ larga terra.toda Afta di/corret ^0 mar, com Ceylaõ In fula confrontai m
^e nomes taõ diverfos vay tomauda, E junto donde nace o largo braço m
iSegundo as Regtoésfor onde torre', GangettcOyO rumor antigo conta, 1
As fontes jatmjonde vem manando '^g ^s vifinhvs da terra moradoreí.
Os rws.cujagrm corrente morre ^^^ cheyrife mantém das lindas fior es-.
No m^r Indico i& cercão iodo opefo
^Do tmmo^fazendo o Qherjonefo. Entre hum, & outro rio, Deícreve a figura que
íaz a terra chamada Índia , rodeada daquelles tão
Là Um no grande montt. Eíte he o grande mon*. illuílres,& celebrados rios:Indo,& Ganges,6c co-
te Tâuro o mayor do mundo , como dizem todos mo ambos acabão fcu curfo defronte da Ilha de
os Geographos, chamado afiim, como diz Diony* Ceylaõ.
fio Alexandrino , cap. 3. por difcorrer por largas Ponta pyramtdaí. Ponta aguda ao modo de pyraS
icrras, levantada a cabeça como hum touro : ou mide,quehe hu ma columna quadrada muyto iar-
como diz Eullachio , por lua grandeza, porque os ganopé, a qual quanto mais vay íubindo le vay
antigos chamavão a todas às coufas grandes , tou» adelgaçando de maneyra^que fica com huma pon-
ros.bíte monte corta toda Afia,fazendo por todas ta muyto aguda , 6c delgada a modo de fogo , que
«s partes grandes entradas pelo mar, que parece parece fubir às nuvens, li aflim íedizde , pirque
ameaçalo,6c quererlhe eftorvar leu curlo,tanta he he o fogo,porque no leu fubir o imita.Eftas pyra-
íualôberba, ôc altivez defde o Oceano Oriental mides coílumavâo antiguamente os Reys de
atè o mar Egeo. Tem differentes nomes conforme Egypto , as quaes lhe ferviáo de fepulturas. Eraõ
aos lugarcs,6c: nações por onde pafla,como diz So- huns Edificios muyto altos, 8c iumptuofos,que os
lino no leu Polyhiílor» De huns efgalhos delle ditos Reys faziâo para moílra de fua grandeza, 6C
monteTauro,aquePtolomeo chama Imao, 6c os poderrdas quaes as que cflaváo na Cidade de Mem-]
moradores D^alanquet,6c Nangracot,arrebentâo phis eráo de tanta grandeza,que íaó contadas en-»''
£>s deus nos taõ celebrados dos Elcrittores , Indo, trc as fete maravilhas do mundo.
& Ganges,mas difbinétamcnte: ainda que os Gen- lunto aonde nace o largo braço Gangetico ) o rumor
tios , comarcãos querem que feja toda huma vea de antigo conta, llto melmo diz SoUno no íêii Poly-
agoa, donde veyo a chamarem áquelle monte dos hiílor. cap.65. aonde acrecenta, quenaó fomente.,
dous irmãos por lhe parecer que ambos fahiaó de cfia gente íe íuílenta em luas terras com o cheyraí
■hum mefmo lugar* Apartaó-fc eíles rios logo em das flores, 6c frutas, mas que quando caminhão asl
íeu nacimenco } ôc correm do.Norccao Sul j dei* levaõ comfigo, 6cdcfta maneyra vivem, & andaó,^
& (^ue cm lhe faltando raorrem, ~" Ma$'
MAi agora de nomes ^& de ufaríça.
Novos j ^ vários faõ os habitantes^
Os TJelíJSi os Tatànes^que empoffança
*Deterra,t§gentefaõ mais abundantes:
^e canijsflnàs^que a efperança
TemdefuafalvaçaÕ nas rejonantes
Agoas do Gange/ê a terra de Bengala^
Fértil de forte ^que outra naõlhe iguala^
Lujíadas de Luís de Camões Commentadosl ^ * ^^^
O Reyno de Narfinga podmjl)
2 o Mais de ouro i& pedras jquc de forte gente:
Aqutje enxerga là do mar mdofò
Hum monte alto ^que corre longamente^
Servindo ao Ala lavar de forte muro.
Com que do Lanará vivefeguro.
O Kayno de Camhaja beUicofo, O Reyno de Gti"
aarate he o que chamamos commummente Cam-
baya. He muy to grande, & cheyo de Mouros, ôc
Gentios.tem muy tas Cidades, & portos de mar de
muyio tratto,8c negocio.He agente defte Reyno
muyco bellicofa , pelo que rauytos vivem lera íè
quererem fugeytar a Rey , nem a Senhor algum,
antes fazem continuamente guerra aos Rcys de
tas ^oiuaucs, CA, uiLijt,v^ ..^v,^, -^ — j -- Cambaya, os quacb não pódeH» levar a melhor del-
concurfo de mercadores. Foy antigamente eíte \q^^ porque tem muy tas Cidades, &: lugares fortes,
Reyno de Gentios: dosquaes alguns que ticâraõ aonde ledcfendemjÔcoíFendem, porque laõ gran-
em memoria defe verem privados de fuás fazendas, deshomensde cavallo.Ncíte Rçy no cila a Cidade
& terra, andáopelo mundo comofiganos,deícal- ^e Dio, fugeytaaosReysde Portugal. He tão ri.
ços,&defpidos, Ôclemcoufa alguma nas cabeças, <:o,&: poderoío eíte Reyno, que tem El-Rey de
cingidos com grandes cadeas de ferro, Ôcchey os Cambaya vaííallos feu» que tem mais de oytocen-
decinza,pedindodeportacm porta: faô tidos dos cos mil ciuzados de renda. Ecom todos elles foy
Oi D<?/;;í, flí Vatanes, Delijs faó os moradores do
Reyno Delij metido pelo fcrtáo dentro:tem muy-
tas Cidades, & muyto ricas, de muyto tratto, SC
outros Gentios por lautos , 5í lhe fazem grandes
eímolas.Elle Reyno Deli he muyto grande , ainda
que muyto menor hoje do que ja foy , porque as
terras do Hidalcaó , & Cambaya foraó tambcm
luas com as quaes felhe levantarão algunà Capi-
tâes,nomeando-fe Reys.como hoje ie chamáo.He
gente b Uicofa , tem muy tos cavallos , & cUes faõ
homens de cavallo. Dos Patanesfecícreve , que
faõ tantos,que não tem numero.Traz-lc por pia-
tica na India,quando (q ajuntaõ para algum fey to,
fe fe põem ao longo de algum no que o efgotaõ.
He bom encarecimento. O Poeta moítra nefta
oyiava ferem em gente , 6í terra poderolbs , &
muytos. Decanijs lai» os do Reyno do Hidalcaó, a
que os Indos chamáo Decaó. Tem Rey Mouro,
mas os moradores íaó pela mayor parte Gentios.
He Reyno grande pelo íertaô dentro. Tem tam*
bem bons portos, com grandes trattos , & merca*
dorias,quegafl:aóem terra firme. Nelte Reyno
venciuo por poucos Portuguezes. Defte Reyno
de Guzarate elcreve Juftino ^ que foy antigamen-
te Rey Poro grande cavalleyro muyto ebforçadoj
£c bellicolo , como diz o nofib Luis de Camões.
O Reyno de Narfinga fedtro(o mat\ d''ouro , ó" fí-
dras. O Kcyno de Naríinga chamado poroutto
nome Biínagá, dagrandiíTima CiUadede Bihiaga
cabeça,5w Metropolido Reyno,peioconcurlo,&
ttatto da gente , Sc pela abundância de todas as
coufasneceílarias.he muyto grande,6c muyronco
de todas as coulas,principal rncte d*OLiro, 6c pedra-
ria,que le vendt na Cidade de Biínaga,aonde vem
^e Pegú. E no próprio Reyno há huma grande
mina de diamantes , 6c dizem que he huma terra
muyt'^ grande donde fe tirãoos melhores, ôc mais
efti nados do mundo. As molhcres defte Reyno
fe faõ pobres delpois que enviuvaó faó obrigadas
a queymaríe:& le laó ricas,antes que fe quey memj
coftumaò a gaftar todos feui bens em banqut'tes,Sc
cftà Chaui,Dabul,Gofl,6c outros muy cos lugares, feftas com feus parentesrSc muyto veftidas,6ccoa-
que hoje conhecemos por fama. Orias faó mora-, certadas. fe lanção no fo^o ^'to a cinza le lepulta
dores ao longo do rio Ganges. com a dos maridos. As que i .'«aó querem quey-
E a terra de Bengala. Efte Reyno de Bengala he ^ar lançaó-as fora da terra^rapando-lhe priíneyro
chamado aflim do nome de huma Cidade princi- as cabeças à navalha , que he final que tem de nao
paldo mefmo Reyno. Efta efte Reyno ao longo f^^erem oque fualey , 6c coftumeda terramanda.
dacoftadomar contrao Norte ,-paílapor meyo Asque faómoças,6cbcmparecidas,felenãoquey-
dcllc o rio Ganges , he Reyno muyto abundante, maó,coftumaó os parentcs,por lhe fazerem favor»
íSc rico , 6c tem muytos , 6c muy grandes lugares, polas em certas cafas de ídolos, que para ifto tem
Nefta paragem de huma, 6c outra parte do Gan- jà deputadas, aonde cltáo ganhando com feu eor-
ges he tudo povoado de Gentios idolatras , & poparaíi ,£c para ajuda de concertar aquellacafa
que põem toda lua íalyaçâo nas aguas do Ganges, '' ~'
como íica dita.
11
O
Kcyno de Camhaya belllcofo
QDizemquefoydeTóro Rey potente)
dos ídolos. Eftas gaftaõ certas horas do dia em
danças, muficns, 8c outros excrcicios defta calida-
de, o tempo querefta deftesbayles, 6cmuíicas,
gaftâo na outra corpeza. Bem fe moftra a grande
bruteza , 6c ignorância deftcs , pois gaftaó leu
tempo defta maneyra , co:no Uò eftes , he gente
pouco bellieoííi, como aqui diz o Poôta. Tem efte
^13Ô • •_ _ _
íRcyno dílFercntes Scntibres ', c]ue o jgovcrnáo de
muyto pequenos cílados ; & como he gente de
apouca fé, já toda atena fora fugeyta ao mais pode-
luio, íc a natureza naó atalhara â cobiça dos ho-
mens com grandes iios,'lagos, montes, Òc d:lertos
habitados de rnoytas, 5c grandes feras, que empe»
<lema paflagem. ti, principalmente hum monte, dt
-que o Vo^ta aqui f<tzn)cnçâo,o qual por ler gmn-
43iflimo, Ôc muyto al.pero, não tem nome próprio»
mas chauid-ie Gate , que iie o nome cnirc eiles
geral pira -dizer íerra. Lílc monte corre do Nor-
aeao Sul, .pela coftado mar kmpreá viftadcile,
aLéhir fenecer no Cabo Comorij , porefpaço d^
-duzentas legoas,pouco mais,ou menos- Enti e eíia
jlerra de Gate, 6í o mar, ellà huma cinta de terra,
■que lerá larga de dez legoas , tem algun>aí; partes
^•ouco mais, ou menos, a qualfe chama Malabar,
-que teiâ de comprimento como oyrenta lego.iS,
aonde eítà íituada a Cidade de Calccuf.Eíle Gate
ícrve aos moradores do Malabar de muro , & de-
'fenfaó contra os moradores do Rcyno Bilnaga ve-
%inhos.
D Aterra os naturaes lhe chamao Gate.y
T^opè do quai pequena quant idade y
Se e (fende huma fralda eflrey tanque combate
^0 mar a natural ferocidaaei
jíqiii de outras Cídadisfem deli ate
Calecut tem a illuftre dignidade
^e cabeça de Império r te a :,& hella^
'Samormfe intttulla o/enhor delldj
SàMorim fe intitula o Senhor delia, Samorij he o
nomeappellativo do Senhor do Reyno de Cale*.
t:ut,o qual nome foa tanto como Emperador,por
«ile fer o mayor Rey de toda aquella coíla. A ra-
aâodeíle nome íe veja no z.canto,oytava 52.
C
Hegada afrtaao rico Jenhorio^
y Hum Tú^ ^ pie zmandado logo parte y
j4 Jazer fabedoV o Rty gentio^
2)^ vinda jua a taõ remota parte:
Entrando o manfageyropello rio,
^ealli nas ondas entrada não viflaarte^
yhor^ogefto efiranho.o trajo novo^
Fez concorrer a velo todo o povo»
Hum Tortuguez, mandado logo parte. Diz Joaó de
Rairos que mandou Valco da Gama ao Piloto
Mouro por ling^oa com hum Portuguez*
E
14
Níre a gente ^que a velo concorria,
Se chega hum Mahometa,que nacids
Setmdl
Fora na região de Berhefiu^
Lâ onãefrra Anteo obedecido'.
Ou peia vifinhan,çajà teria
O Reyno Li^Jii ano conhecido,
Oujoyjâ ajjmalado ae fèu ferro,
Fort ima o troxe a tão longo dejierrol
Entre a gente i ejue a vello concorria. Entre outraá
pefloas, que concornaó a ver os Portuguezcs que
Vaíco da Gama mandara. Succedeo vir hura
Mouro,natural de Berbéria, da qual foy Rey an*
tigamente Anreo filho da terra, o primeyro funJ
dador da Cidade de Tangere , como fica dito no.
canto tcrceyro.oytava 76. Eílc Mouro diz o Poe-
ta , que conhecia os Portuguezcs ^ ou por ler vczi-
nho de Portugal , ou porque por ventura leria já
em alguma eicaramuça,ou briga mal irattado dos
Portuguezes pela continua guerra que tem coig
os Mouros.
EM vendo o mejifageyro^ecm jucundo
Rojfo^como quem /abe a iingoa Hifpanà^
Lhe díffe:quem te trouxe a eftontro mundo^
Taõ louge da tua pátria Lufitana^
Abrindo, lhe refponde o marprofu)ídOy
^or onde nunca veyo gente humana^
Vimos bufe or do Indo agraÕ corrente,,
Tor onde a Ley dtvinafe acrefente^
i^
Espantado ficou da gr aõ viagem
O Mouro jque Monf a/de/e chamava^
Ouvindo as opprtjjoés^que napajfagem
tornar, o Lujitanolhe contava:
Mas vendo emfim^que a força da menfageml
Sòpara e Rey da terra re levava y
Lhe dtz.que eftavafora da Cidade y
Mas de camtnho pouca quantidade^
i7
E^ie em tanto que a nova lhe chegajfe
T>efua ejtranha vinda fe queria '•
Nafua pobre cafa repoufajjei
E do manjar da terra comeria:
E depois quefe hum pouco recreajfe
Com e lie para a armadatornaria^
^le alegria naÕpòde fer tamanha,
^ie achar gente vifníha em terra efiranhal
E (jae em tanto ^ae a liova lhe cbegafje, Lu is do
Camóes naô conta ifto láo pontualmente como
Joaõ de Barros diz Decad.i. liv,4.. c.8. que Vaíco
da Gama mandou piloto leu mouro , Sc com elle
hum
Lufiadas de Luis de Camões Commentados,
hum degradado Portuguez, os quaes náo achando
a El-Rey em Calecut, o for aô bulcar a hum iugar,
que eílâva cinco iegoas de Calecut , & que á volta
vcyo entre outixjs teytorcs , & arrecadadores da
fazenda d*El-Rey , elle Monçayde de Berbéria,
de que falia o Poeta. O qual por ter conhecimen-
to do Piloto oagazaihou hunia noyteemfuacala,
juntamente com o Portuguez. Eíte Monçayde,
legundo elle depois dizia era natural do Reyno de Veja-le a noila aaaotação no terceyro canto, oy^»
Tunes , & tivera já communicaçâo com os Porcu- tava 12.
10 r
Poeta , a qual deípois de morta foy'Orpheo buf-
car aomferno. E contaó dellc os Poetas,que po-
de tanto lua mulica com Plutaó tcnhor do inter-
no,que lha reltjtuhío:mas com condiçãojqueeni
quanto foífe naquella paragem , não olhalièpar*
tràs.O que elle não podendo acabar comíigo, tor-
nou a perder Euridice. Khodope he hum monte
de Thracia , donJe o Poeta Orpheo era natural.
guezes na Cidade de Ourao , com os quaes trat-
tou naquella parte. Pelo que como vioosPortu-
guezes, le alegrou, &deíde o dia que entrou nos
Ccflos navios Hcou taó familiar, Sc anugo dos noí-
íos com tanta lealdade, que em tudo os fiivoreceo,
& ajudou : & tanto Ic entregou em fua amizade,
que fe veyo com Vafco da Gama a Portugal, aon-
de recsbcoa Fé de Noflo Senhor JcluChriítoj &
nclla morreo.
OTortugíiez aceyta de vontade^
O que o ledo Moncalde lhe offerece^
Como fe longa forajâ a amizade^
Com elle comei& hebe/y lhe obe4ece'\
Ambos fe tornaõ logo da Cidade^
^ardãfrota^que o Mouro bem conhece,
^óbem d Capitania j& toda a gente ^
Monçâide recebeo benignamente^
3^ ,
ELle começará gente, que a natura
Vizinha fez, de meu paterno ninho
^le defttno taõgrande,ou que ventara
Vos froxe a cometerdes tal caminho!
Não he fem caufa naõ ocultará' efcurãy
Vir do longinco Tejo,& ignoto Minho,
Tor mares nunca de outro lenho arados,
Afieynos tao remotos, ^ê apartados.
Ninho paterno. A patria,8{ terra aonde cada hum
nace.Tcjo,& Minho íaó rios aliás conhecidos nef-
tas noflas partes. Lenho toma aqui pela nao , fi-
gura uíada entre os Poetas.
Por mares nunca <Poutro aradei. Veja-fè o que CÍ^
crevemos no primeyro canto, oytava priíDCyra. j"^
31
O Portuguez aceyta de vontade. Parece que foy
permiíTaó Divina citar aquelle Mouro naquellas
partes para proveyto noílo , Ôc aflim logo N^flb ^Por ijfo^jó vos guia ^^ vos defende
Senhor imprimionoanimodosPortuguezeshum q)os mtg OS domar do ventO irado: '
amor, Sc conhança em luas palavras, que parecia
haverfe criado com elles. Elle foy tal com a nofla
gente, que fe elle náo fora , por ventura aconte-
cera á noflk armada algum defaílre , como ve-
remosjpelo que adiante aconteceo.
DEospor certo vos traz porque per tende^
Algum ferviçofeu por vos obrado;
Sabey^que eftais na Indta^ondefe eflendc
^)iver Jo povo yico.^prof pêra do^
^e ouro luzente i&Jina pedraria^
Cheyro /nave , ardente ejpeàar ta.
29
O Capitão o abraça em cabo ledo%
Ouvindo clara a lingoa de Caftella,
Junto de fio ajfent a i& pronto _,& queda ^
^ella terra pergunta_,& coufas delia:
^lalfe ajuntava em Rhòdope o arvoredo
Sà por ouvir o amante dadonzella,
Euridicejõcando a lira de ouro,
Toda agente fí ajunta a ouvir O MoU,ro%
^ual fe ajunta em RboJope o arvtredo. AíHm eon-
coiíi.ia gente a ver, 6c ouvir o Mouro Monçayde,
como ie conta de Orpheo que com fua viola at-
irahn homens , pedras, arvores , 6c outras coulas
iníènlatas. E que fazia, que o; nos fe detivcflem a
ouvir fua muíica. Eíte Orpheofoy caiado com hu-
mamolhcrpor nome Eurydicc, como aqui diz o
Esta Trovincia^cujo porto agâra
. Tomado tendes, Malavar fe chama
*T>o culto antigo os Ídolos adora
^tie càpor efias partes fe derrama:
©f diverfos Reys he mas de hum fô fora
Noutro tempo y^Jegundo antiga fama^
Ser ama ^erimalfoy derradeyro
Rey^que ejle Reyno teve unido j & inteyro]
Efia Provinda cujif porto agora. De'Malavar trac-
tamos largamente nefte canto, 5c no canto,fegun-.
do,oytava 51. A razão porque íendo hum Rey fó,
fedividiocm muytos,he,quc lendo Sararoâ Pery-
mal Senhor univerfal deíba Província, aconteceo
que*daqucllas partes do mar roxo vcyohumMou-
ro ter a Calecut , o qual tomou grande familiari-
Cc dadc
aade cofft Pcryma},^ eom palavras, de que devia txezcntos vexiohos. As cafas faôjOU de pedra^ou de-
ter abuntiaijçiajlhc perfuatiio íofie Moiuci)6c qui*-
2£Íle kguix a ley ta de Mulotna.O Peiímal engana-
dp tei3í as raiòes do Mouro , cJetcrunnoucicyxar
tii-dp em vitia, & jr mori er Santo, como o Poeta
a^tiidiz, vjíitando a caía do lailo propheta Mato-
sa. OReyno dividio entre alguns parentes : fez
liey deCananor ahum, de Ccyiaó outro, & a ou-
tros deu outros lugares , como conta Luis de Ca-
mões nefte canto. Ainda que Joaó de Bairosdiz:
que o dividio lómcnte cm trts partes, &a hum lo-
brinho leu deu Calecut , com efta condição , que
os outroi lhe obedeceíleni, & eíle tivcfíe titulo de
Samoryjnonic de eíhdo, •&: dignidade, como en-
bdrilho,mas de pouca iaopoitancia. O l©u Kwrito-
nonâo dàfruyiQalgum , nem tem arvore, neru- ^
CQUÍa que prtlte. Parece ícr caíiigo de Deos: íó-' H
nicnte eítao humas poucas de paímtyras, couía de
mcya legoa da Lidade,quc daò tamaras.Nelte mal-
dito , 6c trjtlc lugar cttá o corpo de Mafonia , em
hunra Meíquita grande, cem grande abobada , 6c
columnas,5£coiTimaisdctrcs mil ajampadasactlas
continuamente. Eícrevi ido aqui, porque Joaó de
Barros , t<c outros muytos tern para fi que o corpo
de Mafomaeíláíepuitadoem Meca, He erro, por-
que hum Loduvico Romano affirma comoteíte-
niunha de viíla ifto que eu íTcrevo em hum traita-
ire nós o de limperador. Eítas coufas vay o Poeta do,quefezde huma comprida peregrinação, & af-
íim o affirmaó outros muytos. E o nieímo ouvi a
hum Turco de naçaó , que havia eftado naquellas
partes. O qual meafHrmou,queem Meca não ha-
via mais que huns poços de agua, aonde dizmó que
íe coflum.ava lavar Niatomia , & queos que hiaóa
Meca em romaria, não hiaô raais ()ue a hivarie, ÔC a
burriUríecomaqueilaagoa : coniaqualcuyda-
váo que ganhavão grandes b-jos, & que com cíic
lavatório ncaváo livres de cuipa, 6»: ptna. Ainda
que não falta quem diga, que o ícu n)aldiro corpo,
ocomcraóoscács,n4 Cidade de Marrocos; Seque
delle naó ficou mais que huma perna;quc vul^ar-
rrienre chamaó çamartaó de Mafoma. E como i(-
toaconreceo fe conta nos Diálogos de varia Hií-
teria Dialogo j-cap-j.
contando peias oytavas feguintcs muyto clara
mente»
r Orem como a eftaterrãentão vlejfem
^^ íãáo ceyo AraHco outras gentes y
^le o culto Mahomeúco trouxejjem,
JSlo qual ?nc inftttuirétÕ meus par entes:
Hucccdeo^qtie pyèji^ando converterem
O l^erimal^de fabtos f§ eloquentes^
Fa zemlhe a ley tomar com fervor tanto^
^iepro/upoz de nella morrer/knto,
T>e lado feyo /Irahico» Seyo Arábico he o mar ro-
xo, como lhe chamamos commummente os HeP-
panhoes. Chama. fe feyo Arábico, por correr eíle
mar ao longo da terra Arábica. Dos Mouros huns
lhe chamai mar de iMeca: porque peito delle tem
a cafa de abominação de Mafoma: outros lhe cha-
inaó Baharcorzum , que quer dizer, mar ferrado.
Veja.feanollaannocaçâo no canto fegundo , oy-
lava 4^.
^^
N/los arma^& nellas mete curlofo
Mercador ia^quíf ^ffercça rica^
Tara n nellas afer Reltgiofòi
Onde o profeta jaz,, que a ley publicai
Antes qveparta^o Reyno poderofo
Cos feus reparte jporque não lhe fia
ErdtyropropriOjfaz os mais aceitos.
Ricos de pobres Jivr es dejogeytòs.
Onde o propheta j^Z. ejue a ley puhlica.DeCpois que
Pcrymal repartio o feu Reyno pelas peílbas que
quiz, le embarcou levando comfígo muytas nãos
carregadas de efpeciaria par.i offcreccrna caíade
Meca , mas antes que chegafle fe perdeo a armada,
& elle juntamente com e)la com toda a riqueza que
kvava. Pelo propheta que a ley publica, entende
Mafoma. (>u3nto n (ua (epultui-a eílâ cm hum lu-
crar chamado Medinathabi , diftantc do portode
judá por oípa#a de doze íígtía* , terá efte Kigar
35
Afíum Cocbitn ^ a outro CananoY^
A quql Chalé ^a qual íiha âa *Pimentay
AqualCoiilam^a qual do Cratigdnor
E ornais ^a quem o mais ferve ^ò" contentai
Hum/ò moço^a quem tinha muyto timor^
'JOepois que tua o deu fi lhe apre finta
^ara efie Lalecut fomente fica, y
Cidade j apor trato Tiohre^& rica, '
A hum Cochim. Deftcs lugares que aqui o Poeta
nomea, & eu tenho jâ tiattado,fez cfte Mouro re-
partiçaô,8c diflerençade eftados, como aqui diz o
Poeta. E a Cidade de Calecut deu a hum moço
ieu íobrinho,a quem tinha afFey çaó, com titulo de
Samorim,como fica dito atrás,
A ^ual a ilha da pimenta. A ilha da pimenta hei
juntou Cochim, Chama- le Reyno de pimenta, ou
ilha de pimenta , por haver muy ta nella ainda que
cm outras partes do Malavar a há também cm
abundância.
34
-S-V
Sta lhe da c*o o titulo exct llente
*Z)(? Emperador^q fohre os outros mãde^
1 fto fey to Je parte diligente
''Fará onde em /anta vtáa acabe, & ande.
E
Lufiadas de Luis dé CàmÕes Gommentadof.
\ii
E daqui fica o nome de potente
òamoriyfnais que todos digno jò* grande j
Ao ri\oço,& deftendentes ^âonde vem
ajie, que agora o Im^erto manda, & tem,
57
ALey.dagente ioda rica ^é' pobre ^
^De fabulas compojias fe tmagma^
jindãó nás JS fòmen^r hum parto cohye^
As p'irtes^qHt a cubrtrnatura enjina^
^JJo'is modos ha da gente, porque a nobri
Nayres íbumaaos jaòj^ mt: nos dm a
*Jt^oleas ttm por no^te^a quem obrigt
Aley nâo mi^jturar u cajta antiga.
A lef àa gente ro/j.Moitra nefta oytava cútho ós
Tííorâdorea de Calecut aflim ricos , como pobres,
láó Gentios idolatras , os quacs crem em mil fa-
bulas , & invenções, muyto dados a agouros , ô£
guudos por qiiaiquer imaginação, l^iyra cbama-
4oi (hi. Nefte Malavar diz- o Poeta , que ha dous
géneros de gente ^ huns nobres chamados entre
tiles Nayrcb: & outros Polcas gente bayxa,& vih
Elles Nayres vivem do felario que lhe dá lil-
Key , &L não lhe fervem de outra couta le não dti
iua detcnçàajôc guarda,em tempo d« guerra.para
a qual eiles laó muyto atrevidos. Andáo conti-
nuamente com luas elpadas , & rodelas , & alguns
trazem lançai, 5c outros arcos,êc frechas* & as ef-
padas nuas. tiles acompanhâo iempre os Reys,.S£
laó-lhe muyto leaes. Tem huma ceremónia entre
fi, aqual guardão muy pontualmente, 6í he nao
conlcntirtm fçr tocados de algum PoUeá. Pelo
quecoítumáo os Polleàí , quando váo pelas ruas
hir bradando , para que os Niyrcs Icdelviem dcU
les, & elles íogem em vendo hum Nayre, porque
tememque o mate. Eíhs Nayres forçadamente íephó nas antiguidades liv.l$,c.7.
haó de ler de linhage , porque açm o leu Key pôde
fazer Nayre. São homens muyto tcmpsradus no
comer, porque com muyto pouco que Ihedà lil-
Rey le luítentaô , èc o lei^vem de dia , 5c de noyte,
Jiâo temendo trabalho nem perigo algdm. Não XJ^ Monte antigo ^^ de grande premtnencia^
pódew calar por Icy do Keyno , por citarem prcí- Ohfervao õs preceytos tamjamofis
icspara qualquer rucccHo do Rcy , eu daguerra. «£)^ bim,que prtmeyro poz7lome âfciencia\
t. he muyto para notar , que quatro . ou cinco M;inmntLrLr.^á^a,ff. t^nieroros
iNayres tem huma manceba cum quem cónver-
ção, lem haver entre tiles bnga, riem defavcriça,
íiem fina! áz ciumrs, más conccrtâo-feaos dias,6c
dclU maneyra vtvem , fem ninguém os ouvir.
E todos elles manteiu a manceba juntamrnte,
Pohàs ttm por nome. Os Poleas laó homens la»
vradorcb, vivem etn lugares apartados, aonde não
íinda gente. São pela mavor parte efcravos dos
algum Poleá,he tida por danada, pelo que os Nay*
resa leváoaocampo , ôc amatã.o ás cutiladas: 6c d
Nayre que rratta com Poleá tem pena de morte*
Efte tocamento fuccede muytas vezes por tra-
vellura dos Poleàs , quecm dous n>ezes que tcnn
para andar por onde quilercm , fazem mil toca*
mentos dcftes. O Poleá nunca pôde medrai', nem
ter mais , nem ter outro grão de honra. Uto quer
dizer o Poeta no fim da oytava , que náo pódeai.
miíturar a cafta antiga. Como fe dillera , náo pó*
dem ter outra vida, nem outro officio difií crente
de feusantepallados,quc molira na oytava icgmn^
te.
3^
POrqos q ufãraÕ fépre hum fnermo officiê
'De outro naõ podem receber conjorce^
JVem os filhos terão outro exerctctOi
Senão de [eus pafjados atè morte:
Vara os Nayres he certo grande vicii}^
Defies ferem tocados de tal/orte^
^te quando algum fe toca porventura^
Com ceremoniéis mil /e alimpa^^ apitrà%
55>
DEflafarteoJudaycopõvoantigff
Nao tocava na gente de Samaridf
Maisejtranhezas inda^das que digo
Nefta terra vereis de uíanfa varia:
Os Nayres fos (eÕ dados ao perigo
*T>a5 armas ifòs defendem da contraria
Banda ofeu Rey ^trazendo fempre ujada
Na e/quer ãa a adarga j Ç^ na direyta a efpaàà
Nã» tocava rtà pivô de Samaria» Por ferem Ido^
Jatfas , como te conta no livro dos Rcysi 6cj0i
40
Bkamenesfjiõ os Jeus Reltgiofbsl
Nâo matâo coupa viva^^S temerofos
Das carnes tem grandi(fíma abjt meneia^
Semente no venéreo ajuntamento.
Tem mais liceu ça^& mems regimento,
Brameties faÕ ot fent rdipofdu Os Malavares cha-
mão aos religiofoi Rranienes. li. elles laó os Go-
vernadores ,6c cozinheyros dos Keys da terra ^ 8c
Niyres, porque os iervemiSc lhe apanháo fuás no- que cem cuydado das catas dos ídolos , nem pó-
vidades, ôc quando talião com elles para lhe man- dcm ter outro , fa'. vo for d i geração do mefúio
dar fizer algu m lerviço , chegmdo a luas c:i("is fe Rey de que le potla fiar. Os que fe cnão para Bra-
Iavão,& vc.Ua oacru fato.Ss alguma Nayra coçív menss , como íaó de idade de fece annos , crazcf»
Ccz huni
hui> t»>âGo|o ao pé^.ço ,<j€ <Qrr.eíi de hum ani- Jà vinhãõ pelas ruas caminhando ^
J»^i,:a,q.ue,e,)lçs çhâípáp Chriína Mergan , íjue he
ço/TkOíiiMn^ '^í 'IO íyjv«ft'"Pía qual ha de fer larga de
OQU.s dedos,6c crua có pello. Delpois f\ac lhe ian-
çáoeftetiracolo^ lhe mandão, que dallia lete ân-
uos náo córneo Bettle, Como entrãocm os qua-^
toi7,e>nnos , tjraó-lhe a correa do.Chrifna Mor-
g3,n, & poem-ihe,Q,utra de linha dobrada de três
tiGs: & efta a tris toda a vida. E q.uando lha lan-
çãp fazcjn-/he muytas cerimonias, & ficâo fira-
n:ienefc,&; dal li .ppr dtante podem comer Betele.Eí-
tes í^ja^Penes ícgueni a icyta do philoiopho Py-
thagoras: o quai entende aqui o Poeta poraqucl-
las palavras , de hura que priíiieyro pós noase à
ícicncia : porque eílefoy o priraey roque eníinou ^^ r ^ j n
Fhiloíophia em Itália. Pelo que toy tido naquel- ^^{ ^^^^^ ^ fermofa d.ferença
las partes por Deos, tão grande era a reverencia, ^'^ift^ alegra ao povo alvoroçadâi
& rèípeyto que todos lhe tinhão. liítcs Br^inienes O remo compajjado fere frio
não comem carne^nem pefcadojnem matâo copía -^ AgOTd Q mar , depois o frefio ria,
viva como aqui diz o Poeta.Só no pecc^do da len-
iual idade íaó dcíenfreados.
Venéreo ajuntamtní». A íenfualídade chamada aíl
fim , de Vénus, que òs antigos tinhão por DeoU
da luxufia.DQ Betcle,de que neftaannotação fiz
menção , Tc veja o que eícrevemos ao diante nefte
canto.
Roaenãos de todo/exo^i^ tdade^
Osprittcipaes.queo Rey bufcar mandara}
O Capitão da armada ^que chegara^
Rockadoi de todo ojexOi& idade. Rodeados de hÕ*
mcns,niolheres,moços,6c velhos.
45
Mj4s elle,^ue do Reyjà tem ítcenÇã,
T^ara de/emé^arcarjacompanhada
'Dos mores Tortuguefes Jem deten£^^
*P arte, de ricos panos adornado;
, , ,4«
G.^raesfaô as mulheres ^mas fomente
^Pa^ra os da geração defeus maridos^
*T>ttofa condirão ^ditof agente^ ,, ,
^e naõfão de cuymes offendidosi
EfteSf^ outros coftumes variamente
Sàê pelos MaUvares admittiâos^
^ t^rra begrojfa em trato^é' tí^do aquilo
§lHe as ondas pode dar da China ao Nilo.
Gfratt Uõãs molheret. Entre os Malavares naõ
hàciunicsiporquchuraamolher hedc treSíSc qua-
tro; os quaes a mantcm, 6c andaô aos dias íem nun-
ca entre elles haver diííerença , nem defavença.
Quando eíiil algum dentro com Tua nianccba,tem
arodela,& eípadaà porta, por final de cllaroccu-
pada a cala » o que baila para não haver quem fallc
palavra, nem procure entrar dentro. He terra de
grandç tratto,& de muytos mercadores, ík muyco
ricos , pelo que fcacha em Calecut tudo em abun-
dância. O que o Pceta quiz molhar por aquellas
palaf fas.Em tudo aquillo^que as ondas podem dar
da China ao Nilo.Da China ás terras do Egypto,
ou Afri<:a,que peio no Ndo entende»
A £i contava o Mour o ^mas vagando
andava a Fumaj à pela Cidatíe^
^avinda defiagenteeftranha.qudnda
O Rejjaòer mandava da vc rdade:
Mai elle.Como o Capitão mor Vafco da ^artl^
teve licença por recado do San>orim,que enttafld
em Calecut, & fe foílé ver com elle,fahio com do-
ze peíloas em terra muy bem trattados todos:aon«i
de o reccbeo o Covernadordaterra (aqueelle»
ehamaõ Caiual ) acompanhado de duzentos ho-j
mcns,delles para levarem o fato dos noíTos, & del-
les que fcrviaó de elpada^ êc adarga, como guardi
de íua pcíloa : & outros de o trazer aos hombros
em hum andor, que hc o íerviço do Malavar.Què
feja andor le veja \\^ oy tava íèguinte.
O remo cowpnfjado fere frio > agora o mar i defpoii é
frefcorio. Tratta neíles verfos o modo queleva-
vaô quando ie hiaô a Calecut -, que hiaó remando
com grande ordem, & compafio, & muyto de va-
gar s o que moílranaquellas palavras : Fere frio»
agora o mar, deípois o Frefco rio> que iílo he ferir
o marfriamente,remar muyto manlo,& devagar.
Diz que o remo feria o mar , & o no, por amor de
hum rio quecntrA no mar ao longo de Calecut|
como o nolfo Tejo em Calcais»
44
4
NÀpràya hum Regedor do Peyvo efiav^
^e tia fna língua Catualfe eh ama ^
Rodeado de NayreSyque ejperava
Com defufadafejla ao nobre Gama:
'Jà naterranos hr<jçor o levava^
E num portátil leyto huma rica cama
Lhe offerece.em que và cofiume ufado^
^e nos hombros dos homens he levadoi
Evíimportatilkpo, 'Nuvannâoi' , que nffim (5
chamáo huns leyros pequenos cm que hon-erslc"
vaõ aos hombros os nobres do Malavar. Saó os
andores como lèytcs de andas, mas dclcubertos.SCj
quníi rafoSjtaó bayxas tem as gunrdas.Cada andoiT
hs levado por quatro homens. Os que vaô nelle^ij
vaój
Vao^ oij aíTentado<?, ou deycados: & cubertos com
lombreyros de pe , que lhe leváo homens a que
chamaô boys , ôc defta maneyra vão amparados
do Sol, Sc da chuva. Outros andores hà que levaô
dous homens , por lerem mais leves. Eíte ulb
lic por eliado : porque aflim aonde ha betUs,
como aonde as naó hà o uzaó.
htifiaàas ãe Lutí de Câmoes Comméntaãos.
\^.
o legundo dia de caminho ('porque pritneyro que
começarão a caminhar não puaeiaô chegar aon*
de o Samorim eílava por eftar cinco legoas de
Calecut) foraó dar a hum grande Templo do
Gentio da terra lavrado de cantaria,ôc uiuyto fer-
iTioío , no qual todos entrarão : ík porque haviat
nelle algumas imagens , todos os nollos cuydaraô
D
íer aquclla gente convertida pelo Apoítolo S,
Thojrjè. Alguns íe pureraó de joelhos parecenJ
m . *i»T'' j /7 ^ T r dolhcícrcmaquellasimaeens verdadeyrasjcom a
Eftaar eo Malavarjeftaaríe oLufo .^e os Gentios da terra íolgaraómuy to. '
Lamtnbaoíííparaonaeo Rey o ejpera.
45
Oi outros ^ortuguefes vaÔ ao ufo^
^€ infantaria (egue efquadrafera:
(Jpovo^que concorre vay confujò^
*De ver agente ejiranha,^ bem quizera
^^erguntar.mãS notempojà pajjado^
tia. torre de Babslihsfoy vedaio^
Os outros VortiigHtzet . Os mais Portuguézé<?i H-
f ftdo o Capitão raór hiaó a pé , ao modo que a in-
fantaria cammha. E conta Joaó de Barros liv.4.
1. Década, que caminhão eíles MaUivares com tan-
ta prella, que não ha pelloa que oS ature , & aíTiíi»
cftes Portdguezes da conferva de Vaico da Gama
nftô o viraó le não a noyte, porque nunca os pude-
ra*) tílcançar no caminho.
O povo cfue concorre vay confufo^, Eraagentetan* de haver naquellas partes ChrilUos do tempo do
ta que iahia a veros Hortuguezes , que eícreve BemaventuradoS.Thomè,áprimeyra víítacuy-'
J08Õ de Barros no lugar allegado,que andava hu- daraó fer aííim j & que aqticllas imagens eraó ae
ma por cima da outra , 6c que houve brigas por Santos,coíí;umados,comodizo Poeta,a ver iaia«
vezes de que íàhiraõ muytos ferido5,&: hum mor- g^óis de Chriílo NoíTo Senhor , & de íeus Santos^
to. Na torrede Bahellhefoyve^ado. Éíta gente de em figura humana como aqueliaícftavaõ : pelo
C^kcut defcjavadizot^oeta, perguntar aos Por- queícefpantaraõ * vendo naquellas partes ufo da
tugueies donde eraó i que bulcavaõ , ôc outrss iinagens,como em íua pátria viaô. §íaal « Cbtmcra^
TToufasquc os homens naturalmente deíejáo (aber Chimera he hum monte em Lycia de que dizenit
de gente eft ranha: mas não Iheentendiaó liialin- Iahia fogo pelo alto dcllci Era no tempo paliado^
guagem, por ler muyto diíFerente , o que declara muyto fiabitadoodc leóes^cabrais monteíes,lerpes^
por eítas palavras : Na torre de Babd lhe foy vedado: 6c outros bichos venenolos. Pelo que os antigos o.
porque quando NoUo Senhor conFundio aqucU fingirão ler hum mwnftro com trcs cabeças : de
Ics que faziáo a torre de Babel , ficàraó não fe en4 leaô, cabra, & dragaó, -Sc lançando fogo por ellas*
tendendo huns aos outros , porque cadi hum fa- Bellorophonte filho de Neptuno matou títe móí^
lava de íua maneyra. De Babylonia Te vejaanoíla cro, o que lhe attribuem , porque foy hunicâvak
47
A LU eftaõ das ^eydadès as $gíitas
Efculptdas em pao/3 em pedra fria^
Varios de geftos^vartos depmiuras^
Bfegundo o "Demónio lhes fingiai
i^emfe as abamtnaveis e/culturas,
^aíã chimèra em membros fè variai
Os Cbnfiãos olhos ^a ver Deos ujados
Em forma humana^eflào maravUhadoSé
^(gnnio 9 demonU Iht fingia.O Poeta diz verdadàf
que aquelias imagens eraó idolos daquciles Gen«
tios feytis por ordem do demónio. Mas os Poi tu*
guezes enganados com a informação que tinhaS
annotaçao no lexio canto,oycava 75,
4^
O Gamaste o CattialhiaofalUndò
Nas coufas^cfue lhe o tempo oferecia^
Monçayde entre elíes vay interpretando
As palavras ^que deamhos entendia:
yt [jipe Ih Cidade caminhando
Onde hnm/i rua fabrica/e erguia,
^De humfuntuGfo templo ja chegava',
Tellas portas do qual juntos en travão,
^[Fí ftla Cidade caminhando'. Tito conta difFf
leyro muyto aviíado , £í pcríbadio aos homens
habitaflem aquelle monte ; para por cita vu fa
alimpar daquelles animaes ,& bichos > quetaziaÃ
grande perda aos povos vezmhos.
Hljm na cabeça cornos efculpiâês\
^allupiíer Amon em Lybiaejlavã^
Outros em hum corpo rojhs tinha unidoiy
Bem como o antigo larto fi pintavai
Outro com muytos braços divididos ^
A Briarèo parece qne imjtfiva.
Outro fronte Canwa p^m defdra^
te Joaó de iiarro>,ija pniueyra DetAda: & he que êÍ!*^^ Anul?ii Memjitícoje adora^^
fíim
^^ hálito Selmol
lr)íin}tiacàWç<*C6rmr«fci:lpih!. Conta a varieda.
de <^^^ Ídolos que eítavaó naqucUe Teniplo. ^al
iuttitr Arnon trn Ljbia eftava, Huma íigura uizo
ppcca, que íe paiccia com Júpiter Amun de Ly-
bia.Conca Poruj^onio Melia, Paufanias, & outrus
Geographos , que caminhando Baccho por Ly-
bia rcgiaó de Atrica, muyto falia de agoa, aperta-
do cllc,&ú leu exercito da lede, pcdio a leu pay Jú-
piter o hvoreccílenaquelle trabalho. Jupirerlhe
íipparcceo em figura de carneyro, &; (ubitamente
vjraó naquelle lugar hunva fonte de agoa , de que
o exercito bebeo. líaccho fez logo alli hum Tem-
plo a fçu p ly , em figura de carneyro , & poz-lhe
nome JupíLcr Amon, que quer dizer área , porque
nnquella parte aonde eílavaaquel la fonte -, havia
gnaudes.areacs como há em toda Lybía.
Outro rmm corpo rojhí tinha umdos.Htm comooan^
tigo Uno fe pintava. Diz que havia algumas figu-
ras de diffe rentes rollos, como pintaó os Poetas a
J ano. Dctte Jano elcrcvern muyias couías os Au-
tores, í4uns fingem que era porteyro do Ceo, ÔC
45)
A^iffyta ào bárbaro Gentí»
Ajuperjttiioja adora çaõt
yyireytn vão^fem outro algum defvio
^Para onde ejlava o Rey do povo vão:
E^ngYofftíndo Je vay aa gente ofio^
Cos que vem ver oeftranho Capitão^
Ejiào pelos telhado ' ^ò" j ancilas y
Velhos ^& moçoSidonas^& donzellasí
AoiuifeyKi do harbaro ijcntio.Qom-à Joaò de BàÍíí
ros que alem do Templo no mcfmo caminho an-
tes de chegarem aos paços do Samorim i eftava
humlugannho , & n«fjJe outro Templo muytd
mayoto no qual eíUva outro Catual efperando %
Vafco da Gama , ò qual ò fahiio a receber coíii
muyta gente de guerra , todos com adargas a leu
moda , & com inflrumentos de tanger , táo con-]
que continuamente eftava à porta , pelo que ne- certados lègundo íeu roílume , que os nofios fol-
garão de os ver. Aqui Ihederaõ outro andor me*
Ihor, & mais concertado, & logo Jcguiraó fcu ca-
minho para os paços d^E.l-Rey >, o qual caminho
osdepénáo pudcraõ aturar »aftím pelos do andoí-
andarem muyto dcprcíla , como pela grande mui-*
tidaô de gente que os lahia a ver , que temcraâf
os noíioí» que os afogafiera*
nhun»rogo podia chegar là fem fer regiílado por
clie, peloque Ihechamaváo lanodelanua ,quehe
0 pórtacSí daqui fe coftumava entre os Romanos
jiáo le fazer lacrificio algum lem ícr primeyro in*»
vocâdo lano ■, como conta largamente Macrobio
íios Saturnaes. Outros diziaôquelanoerao mel"
ij^o,quc o Sol, 6c por iflo o pintavão com dous rof*
toSjdos qnaes hum fignificava as partes do Orien-
te , òc outro âs do Occidente* Outros que era o
inundo > peloque IheaíTinavâo quatro roílos» em
que fe denotava as quatro partes do mundo , ou as
quatro parres doanno, Veraô) Eílio, Outono , Sc
inverno: & lhe faziâó doze altares, que fignifica-
váo os doze meies do anno, ou os doze Signos do Ahos àe torres nâo^mas Jumptuojosi
Zodiaco por onde o Scl caminha. Outros que era tãificao os nobres feus ãjfentos^
Chaos.Eftas,8c outras couíàs de lano íe podem ver «p^^ ^^,^^^ ^^ arvoredos deleytofõs
cm Macrobio no lugar allegado© Das quaes todas - -. . ^ «^
ba
50
T/^^ chegaop^rto^ não compajfos lento»
^õijarátns odor tf eros f ermo f os ,
^e em/iejccnàem os Régios apofentos^
zomDa , & com razaó o Bemàventurado S;uito
^\golHnho no Livro da Cidade de Dcos.
O utro com tnvytoi braçoí divididos a Briareo pá-
rece «jue imttava. Outras figuras diz que fe pareciaó
com o Gigunte Bnareo filho da terra, 6c doCec:
ao q\i aJ os Poetas pintáo com cem braços. Donde
dl fie Virgiliona Lncida : Et centumgeminm Brta-
teuí. Briareo com cem braços. Outro fronte canina
tem àe fòfâ qual Anuí n Mimpbttico fe adora,, Anu-
bis era hum Ídolo dos Egypcíos com cabeçada
caó , donde Virgiliona Ent-ida lhe chamou ladra-
dor. Et l^trator AnubiSf^o ladrador A nu bis. To-
das eftascoulas põem aqui o Pcetapara moftrai^a
barbaria , £< dek-oncerto da gentilidade, osqu^es
enganados do demónio uzaó delias invenções.
Bem íemoílra fer gente de pouca policia, 2<juizo,
pois não cayem na verdade,2s: delengano de huma
taógrande cegucyra, 6ccrronea,em que o demó-
nio ostras atolados.
y^J/í vivem os Reys daque lia gente ^
No Cútnpo^&na Cidade juntamente^
Âltoi de toffei fi^9. Os paços do Samõrim i qliè
eíláofóra da Cidade de Calecut , cílaó entre pal-
mares, ÔC comgrandes jardins, que hecoftume de
toda a Índia, & naó faó de grandes cafarias,mas de
calas fracas.qual eraeíla cm queoSamorim eftava
cinco legoas de Calecut , entre liuns palmares,
como aqui diz Luíi de CamóeSé
PElos portaes da cerca aftibtilezal
Se enxerga da ^Dedálea faculdade f
Em figuras mojtrau do por nobreza
^a Índia a mais remota antiguidadet
yíf figuradas vão com tal vivez-a
yis hífiorias daquella antiga idade ^ '
.^4e ifuem delias tiver noticia inteyrdi
^iUfirnbra conhece a verdadayra,
Felet
Lufiadas de Lms de
Teloi portae}. l^ouva. o Poeta a obra dos paços do
Samonm poética , & elRgantemenre : moltrando
como peJQS poftaes da cerca dos paços havia
jiiuytaa coulàsíeycas com tanto artcficio, qu« pa-
reciag ferfeytas pelo grande architcétos Dédalo.
Pedaíea faeuhaJ^. Qticr aqui dizer obra, &arti«
ficio de Dédalo, cujas obras na architcciura craQ
taó pnmorolas , qye não fomente as que toçavaó
ao oíiicio de ar chitçcto , mas quacfqutr omras de
engenho, fe chamaváo obras de Dédalo. Vçja-íe p
Provérbio. Daelala opera: Sc anoíli aniAotaçáo ^q
canto qiiarto,oytava 104.
Pela (omhra conhece a verdaâeyra. Por lombra en-
tendea pintura,quedefta linguagem uíainos vul-
garmente , trattando de pinturas, dizer qus teiii
lombrasparamoltrara exceiiçnciadaobra,
f "^ Stava bum grande exercito, que pifa
j_^ j^ terra Qnentaisfue oldafpe lava^
Regeo hum Capitão defronte lifa^
^e comfrondentes Lyrios pelejava:
'J^or eík edificada eflava Nifa»
Nasriheyras do rio^qne manavaj
Tam proprh quefe ai li efiiver Semçlley
T>trd por certo jquç hefeufiUjo ^quell^,
Rí^eo bum Capitão de fronte lija. Entr<; outras
coutas para ver que eílavão naquclla cerca pint»r
das, diz, que eftava Baccho , de que já nefte livro
por muytas vezes, tenios fallido: o qual fenhoreçju
a índia , & nefta pintura eílava por Capitão de
hu grande exercito, q entrava pela terra Oriental
que o Hydalpe lava,que he efta, pela qual efte rio
paiTa,doqual fica tratado no pnmeyro canto,oy-
lava 55.Chama-lheCanitáodc fronte lifa, porque
£omo Baccho he padroeyrodos homens dados a
vinho, ÒL os Poetas lhe chamáo Deos delles, pin-
ta-fe mancebo lem barba , & algum tanto deíen»
volto, & alegre, que ifto entende por fronte IiTa:
porque os Latinos quando querem fignificargrar
vi Jade em alguma peflba , dizem que tem a tella
arrugada,6c quando o pintaõalegre,& defcnvolto
cm iuas coulas, que a tem lifa , & defarrugada. E
como a gente que tratta com vinho, he gente ale^
gre,&c dçlencalmada, & que lhe dá pouco do que
vay.ík vem.-daquJ le pinta Biccho.com a teíla liía,
A lança, & armas que daóaelle Baccho hehuma
hajta chamada thyi fo, cuberca toda de pâmpanos
de vides, êc rasios de era: para moftrarquc a vide
attrahcmuytoa fi,Scaera pega, &: faz firme o qup
fe chega á bandeyra de Baccho.E por itlo Baccho
fojcyiou a índia , porque fuás armas eraó dadivas
que podem muyto , & principalmente dadivas de
hoin viaho. Nila que diz eftava naquclla pintura
edificada per B<iccho,he huma Cidade na índia , a
quai diz Sohno, que íe cham i agora Scyconolis, 6c
da razão do nome , porque Baccho trouxe a N ifa
CétfttÕ£i: Commentados, "" to^
gente de Scythia para alhabitar], pelo qiiejhcfoy
pollo o nome ScythopoUs,que quer dizer Cidade
dos Scychas. Vcja-fe Ortelio na lua Synonymiaj
na palavra Scythopolis.Sí/wé/e,Máy de Kaeciío.
MAts avante bebendo feca o rio
Mny ^râde muludão da AJJiriagent^^
Sogeyt^ afemmtno fenhorio^
7Je huma tão bella,CaniQ lncontixiente\
Âllt temjunto au ladònuncafriOf
^fculpido o feroz ginete ardente^
Çom queyn teria o filho, competência^
Amor nefmdCtbruta, incontinência.
Mais avante hehenãaftca o «V.Logo junto aBíJC#
cliocrtavaa Raynha Semiramis com Luni excr»-
cito grandiíTimo de Afiyrios , para cujo encareci-
mento diz que juntos a hum rio o efgotavão, tan-
tos eraó, con\o contámos atíàs dos l'atanes.
/íllt tem ymto ao lado nunca frio , efrulpids o feroz
ginete ardtnte, Ifto diz pelo que íe conti de Semi^
ramis , quefoy tão lenfual que até com hum cai»
va}lo,&; eom leu próprio filho teve ajuntamen-
to , que he aílás brutalidade.
D Aqui mais apartadas tremolavao
As bandeyras4t. Grécia glorio f as ^
Terceyra Monarchia,^ fibjugav0,o
Até a f agods Gangeticas undofas:
^DumOipttão mancebo fe çuiavaOf
^epal^^s rodeado valerolas'^
^ejà não de ^hilifo/nas fem falta
^e prçgenie de lujpiterfe exalta»
Datjui waii apartadat tremolavaõ. Junto a Semí^
ramis eftava Alexandre Magno terccyro Monar-
cha , 6c Senhor do mundo , o qual não contente
com íugey tar Europa , & Africa, entrou pela In-
dia.&a íugeytou.
De hum Capitão mancebo fe guiava^» Demoftcnes
(como refere Piutarcho)chamava commummen-
ce a Alexandre menino , porque de muyto pouca
idade lugeytara o mundo:o que fe moftra aqui
por aqueílas palavras : de palmas rodeado valero-
las : porque a pah-na he infignia de vittoria.
f^e fâ nâ$ de Phtlippo, Alexandre Magno que o
mundo tinha por filho de Philippe Rey de Mace-
dónia , dizia publicamente que era filho de Jú-
piter , éc que alTim lho defcubrira fua máy Olym-
pias, coiiíocícrevc Solinono leu Polyhiítor,,
Of
íoâ
Canto Sétimo^.
55
OS 'Port íigttefes vendo ejias memorias
(jDízia o Catualao Capirão)
Tempo cedo virâjCjue outras vktorias
Eftas que agora olhais ^abaterãoi
jíquijeefcreverão novas hifloriaSj
'Por gentes eftrangeyraSjque virão,
^.s osnojfos fáhios Magos o alcançarão^
fanado o tempo futuro efpecularão.
§lue os nojei Jabios Magos o alcan^drao. Relata
aqui o Catual aos Portuguezes, como elles tinhaó
entre íi por coufa certa, que viria tempo que outra
nação dominaria aqucllas partes: & que em lugar
^aquellas hiítonas que alii eílaváo eicrittas, & ef-
culpidas,haveria outras novamente portas: 5c que
ôiTim o tinhaó dito muytos annos haviaó os íeus
Magos. Elia palavra Magos hePerfica,&: não Gre-
ga, como alguns querem. Significa propriamente
homem verfado nas coufas divinas , & naturaes:
como eraõ entre os Perlas os que tinháoedc no-
me. E quaes eraó os que vieraó a adorar a Chriílo
Noiro Redemptor, como declaiaó os que uieíhor
ientem. A hiílonados Reys Magos tratta na ver-
dade Tanfenio na concórdia Evangélica liv, 9. O
qualfaza palavra Magos Grega, não íendo affim.
Leaó os curioíos a Celio Rodiginio nas lições an-
tigas íiv.j.cap.^.
"'!■■ . ^^ . . . -^
EDíz/he mais a Magica fcienciat
f Repara fe evitar força tamanha^
Nâo valerá dos homens rejiftencia^
§Ihs contra o Ce o não vai da gente manha-},
Mas também diz^que a bellica excellencia\
Nas armas t\£ na paz da gente effranha^ ,
Será t aí, q ue fera no mundo ouvi do
O vencedor por gloria do vencido»
-> o venctâdT por gloria Jo vencido. He hiima grande
prezumpção dos Portuguezes, que foraõ taes nas
parte? da índia, (que ícrá tal fuafama no mundo)
<]uc os vencidos íe prefaraó muyto de lerem ven-
cidos dellest A imitação de Ovídio, que naquella
contenda que Aiax ceve com Ulyílbs íobre as ar-
mas de Achilles,diz cilas palavras:
ipfstuUtpretium jam, nunc certawinis\hujmf
^ui cum vtclui mtiViecHtn certajje feretur.
^ Uly Hcs levou o premio deíla contenda, o qual
ainda que feja vencido baíU-lhe dizer , quecom-
petio comigo.
4O
57
A' Sfif aliando entravãojdnafala.
Onde aque lie potente Emperador^
Numa camilha j az ^que não fe iguala
T)e outra alguma noprcçOjó- no valor:
Norecojlaàogefto feajjtnala
Hum venerando _fê projpero Jenhor,
Hum pano de ouro cinge ^^- nacabeca
T)e preciofas gemas Je a dereça.
No recoflaclogi^o fe a(finalaj)um vtnerandoi& prof"
p(ro fsnbor. Conta joaó de Barros na prime) ra
Década liv.4. c.8. que tinha o Samorim tanta gra- ■
vidade , de Mageítade naquella camilha em que
eftava, que nâo lezmais movimento para Valco
da Gama , quando oreccbeo, que levantar a ca-
beça de huma almofada em que a tinha encoftada,
aind4 que no roílo deu molhas de goíto,^ prazer.
58
Em j finto de lie hum velho reverente
^Cosgiolhos no chaÔ de quãdo em quando^
Lhe dava a verde folha da erva ardente^
^e a feu cojfuwe eftava ruminando: ■
Hum Bramene^pepja prem inente^
*para o Gamaje vem compiijfo brando,
^ ara que ao grande Trincepe oaprefente^
^e diante lhe acena^que Je ajfente.
Bem junte àelie bum velbo reverente. A huma ilhar-
ga do leyto cm que o Samorim jazia encoílado ef-
tava hum homem, que parecia no trajo , & officio
dos principaes da terra , o qual tinha na mão hum
prato de ouro,com folhas de Betcle,que tiles coí-
tumão remoer, para lhe confortar o dramago. O
Betele he huma folha amodo de tanchagem , o
qual fe colhe de huma arvore como hera, Deíhs
arvores ha muytas na coíla do Malavar ao longo
de hum rio chamado Bctcle, tem cilas arvores ao
modo de latadas muyto concertadas , não daó
fruyto.nem lemétc alguma, lÓmcntc lhe colhem as
folhas , das quaes ufa todo o género da gente da*
quellas partes , aíTim Gentios , como Mouros de
noyte,&: dedia. Não o engolem, nem comem, l'ó-
mentelhechtipaó o íumo > o qual dizem que he
muyto bom paracnxugar o cílamago , conlervar
o miolo, 6c lançar fora a ventoíidade. Tem outra
propriedade que tira u fede,Chupaó-no miílurado
com cal de marifco, 11. mexilhões , & oitras, para
lhe abrandar a queniura,que tem muy ta: pelo que
o Poeta lhe chama ardente , & he tão prelado eíle
Betele naquellas partes , que he a principal renda
que Oi Reys dcilu tem, & dcUe mandão zaiubucos
carregados para muytas partes. Os Perlas chamaõ'
a eíla folha tambo : nós ihe chamamos folio In-
dicoJ
Lufiadas de Luts de Camões Commentadosi
áico i que quer dizer folha da índia. Eíte velho
era hum Brameiíe, Veador, Sc Governador de íua
caía,& peílba , porque naqueilas parces não Te fíaò
de outros > con^o iica nocado airás nelle melaio
canco*
2e^
6i
5í>
S Enfado o Gama junto ao rico leyto,
Osfens mais af afiados apronto em vijla
Efiava o SamoríjUo trajOiér geytOy
^agefUeyHUUca dantes de lie viftai
JLançando agrave voz dofabiopeytOy
§ue grande mithortdade logo aqui fia
Na opinião do Reyj& do povo todOi
O Capitão lhe falia defie modo.
Sentado o Gama, O Gama fe Tentou por manda-
do do Samorira em huns degraos do eílrado , em
E^or longos rodeos a ti manda j
Tor te fazer faber^que tudo aqui Ih
^ue/òbre o mar^quejobre as terras anda^
2)^ riquezasyde la uoTejo ao Nilo:
E de/de a fria plaga de Ze landa ^
Ate bem aonde o Sol não muda o efiilo
Nos dtasfobre agente de\Ethiopia,
Tudo tem no /eu Rejno em grande copiai
E por longos rodeyot a ti manda Defpoís que trat-
tou da cerra de Portugal, trata-lhe agora de íua ri-
queza , 6i abundância de todas as coulas que hâ
neílas partes da Europa ,& juntamente de África,
para mais o affeyçoar ao vmculo de amizade que
com elle pretende. Do Tejo ao Nilo. De Hefpanha
que cílava o Catual , & os de íua companhia hum por onde o Tejo pafla até o Nilo.que vodeya to-
pouco deíviados em outra parte , Sc defpois que o da a Ethiopia.
Samorim por hum grande elpaço notou as pclíoas
Sc trajos dos noflbs , lhe fallou o Gama algumas
couf»s,quc o Poeta põem nas oytavas íeguintes«
H
Da fria flaga de Ztlanda atè bem onde o Sol nÍo mu-'
da o tjlilo noí dtai, Defde as terras do Norte, aonde
Zelanda cae atèas de Ethiopia, que eftão debayxo
dalinha:aondeo Sol nâo mudao eílilorporqueos
^ morsdores debayxo da Equinocial tem fempre os
_ 3 n j ,^ j j dias iguacs com as noytes. Do Tejo íe veja a nofla
Vm grande Rey de la das partes.onde annotaçáo no canto 4. oytava 10. Zelanda he no-'
O Ceo volílbil com perpetua roda, mt moderno , & de que os antigos nenhuma noti-'
ciativerao , porque eda ilha fe chamou lerrpre
Mattia, Sc os povos Mattiacos , que quer dizer
companheyros, Sc ajudadoresemtodo ogenera
de negocio,contraco,amÍ2ade,Sc pcrigo,peJa gran»
de aliança, Sc amizade que efta gente tem entre íi
cm feus negócios , Sc trattos de todas as couías d»
que a ilha tem grande abundância. Eíle nome lhe
deraõ os Romanos quando a íogeytaráo a fcu po-
der , tomando do colturae , Sc natureza dos natu-
raea,Sc nao de algum lugar,Rey,Senhor,ou Capi-
^a terra a luz folar c^o a terra e f conde ^
Tingindo ^a que deyxou de efcura noda:
Ouvindo do rumor, que la re (ponde
O eccfi.como em ti da índia toda
O Trincipadoeftã,^ a Mageftadey
Vmculo quer contigo de amizade.
Hum grande Rey. Tratta aqui o Capitão da terra
iugcyta aos Reys de Portugal , aqualdizquehe
nas partes do Occidente , o que moítra por hum táo que a domu^afle. E daqui Cefar liv. 4. bellí
termo de faltar muyto galante , dizendo que o ieu Gallici chama aos Zelandezes Ambados , nome
Rey era daquellas partes , aonde o Ceo rodeando que entre os Belgas moftra homens illuftres , SC
a terra com feu continuo movimento efconde poderofos, porque taeseraó os moradores de Ze-
fua luz com a terra. Chama ao Cabo volubil,por- landa,que fendo vezinhos a Batavia,ou a Holanda
que o decimo com huma volta que dà cada dia, de maneyra que íe pôde contar entre elles, porque
leva depois de íi todoj os raaisCeos: Sc neíla volta fónonomcdifferem, nas forças, diligencia, csfor-
elconde o Sol ámetadedo mundo ( a que os AI- ço, engenho.ardis, aílucia.Sc arte de negociar, Sc
trologos chair.áo Hemiípherio) cncubsrta íua luz outras couías, que na vida faõ eílimadas entre os
com a terra que cftâ no mcyo : a qual fica efcura homcns,lhe fazem muyta ventagem. He Zelanda
com aabicnciadoSol , que he o que o Poeta aqui terra muyto larga, cercada toda demar, pelo que
diz
O rttunh do rumor, <jue U refponde o echo.F^cho he
palavra Grega, quer dizer o retorno dobrado que
feda em algumas partes , o qual porrcfpeyto dos
altos, &: b lyxos aonde falíamos, ou dobramos tor-
na a nos. Vcja-le o que notamos no terceyro canto
oycavT. 84. Aqui quer o Poeta dizer, que ouvindo
El-Rcy de Portugal o rumor , ^ fama das coufas
do Sa Dorim. E vindo á lua noticia a fama de fua
Magcítadc , Sc poder, pretendia ter comercio , Sc da,no que faz ventagem a tf)das as ilhas^vezinhasJ
amizade com cUe. Dd Tcna
lhe deraõ cílc nome , porque Zelanda quer dizer
terra maritima. Tem dentro de íi quinze Ilhas,
ainda que de poucos annos a elU parte íe allagaraò
terras, Sc lugares de Zelanda, Sc hoje em diaalgu^
mas delias eltáo temerofasde lhe foceder o mef-
mo , pelo que andão em continuo trabalho , 6c
guerra com o mar, para o delviarde fazernellaso
que tem fcyto em outras da mefma Zelanda. He
muyto abundante das coufas ncceílarios para a vi-
'3^o- Canto Si tmo\
Tem rauyto excellenres Cidades , & lugares , de ^le em ver Embayxadores de níição
uiuytogalances.ôc íunjptuoíos edifícios, & lâò os y ^q yemotaigrad gloria recebia-.
Zeiandezes muyto concertados,ôc polidos em luas
MdS ftfjie cajo a ultima tençãõ
Comos aefcucoitfelho tornaria^
Infonnandoje certo de quem era
O Rty^à- a gente, à' terra^que difjera,
A ejuem o Rcy Gtntio refpondta. O que João de '
IBarros cciita a ellepropoGco he, que delpois que.,
o Samorim por cípaço grande eiteve notando as
pcfloas, 6c trajos dos nolios, & praticando em pa-
lavras gei-aes com Valco da Garra, recebidas delr
]e duas cartas, que lhe mandava El-Rey Dom Ma-
noel , huma efcritta em Arábigo , Sc outra cm iin-
gua Portugucza,qucera damelma l"ubítancia,diire
que clie as vira, & deípois mais de vagar o veria a
elle,que porem tanto fe foíTc repouíar.
E^ie etn tanto podia do trabalho
'Faffado ir repoufar^& em tempo breve
Ijaria a/eu defpacho humjujio talho.
Com que a /eu Rey rei^ofla alegre levei
là nlfto punha a noyte o ufado atalho^
As humanas CMiceyras ^porqtie ceve
'Do àoce/ono os membros trabalhados j
Os oihos occuj^anão ao ocio dados,
lâ níflo punha a noyte o ufado atalho. Jâ anoytecia.
Ufa deite termo de fallar Poerico,8c eleganie,por-
que a noyte he para ajudar a levar a carga , U tra-
balhos do dia. Donde diíle Valério Flacco no
livro quinto dos Argonautas:
J^ox hominum genut, é^ duros tniferata labores
Rettulerat fe([is optata ftlenúa rebus.
Doendo-le a noyte dos homens, 6c luas milenas,
& trabalhos acudio para lhe remedear, & ajudar^
fuâs canfeyras.
A Ga falhados fgyaõ juntamente
O Gama^& 'Portugne/es no apofento
*Do nobre Regedor da Indica gente ^
Zomfeflasfi^ geral contentamento',
OCatualno cargo diligente
7)e feu Rey^tinbajãfor regimento
Saber da gefite eliranha^áonàe vinha^
& navios , como na oytava diz larga- ^i^cojhmes.que Ity.que terra tmha.
coulas, & no ciattode iuascafas muyto limpos, 6c
]ieiliotantoaflim,que entrando na terra Ll-Rey
l^hihppe Iceipantou do concerto, 6c limpeza dei-
ta gente, como conca Livino Lemnío Medico na-
tural dç Ziura Cidade da melma Zelanda em huiii
irattado qjie fez. de ocuitis natura miraculis y liv.z.
cap. 6. j:^rque como foy natural deíla terra trat-
tou com muyra curioíidade , tudo o que os cu-
jiofos delia quizeremfaberdifto , tratra também
Adriano Balando na delcripçâo da bayxa Alema-
nha. •
ESe queres com paãos^& fianças
T>epaZià' de amizade f acra ^^ nua,
Comercio conjentir das a bun danças
^ as fazendas da terra fua^é' tua:
parque cercão as rendas j& baftançast
forquem agente mais trabalhasse jua,
*De voffos Reynosjferà certamente
tDí tiproveytOi& delle gloria ingente.
Por quem a gente mais trahalha,& fua, Huma das
coulas quenavida mais inquieta os homens he o
defejo de terem rendas , 6c lerem abaflados, & ri-
cos, ti, para eíleetíeyto muytas vezes fazem muy-
tascouias mal feytas : donde diíle aquellegrande
P©etaVirgilio na Eneida : Aurt [acra f ames quid
non mortaha peãora cogita Fome maldita de ouro a
que não induzes,ôc forças os homensPE nefta ma-
teri,i lâbem todos tanto que me elcuUráo trattar
E Sendo ajfi^que o nádega amizade
Entre vos firmemente permaneça^
Eflarà pronto a toda adverfidade,
^lepor guerra a teu Reynofe offereça:
Comgenteiarmasj& nãos de qualidade,
^iêpor irmão te tenhai& te conheça j
E aa vontade em ti Cobre iftopofla.
Me des a mim certtjjhna repofia,
E fendo <!í^. Delpois que trattou o Capitão mor
diante doSamòrim de Portugal, 6c aabundancia
de todas ascoufas commette comcrcio,6c amizade,
& que fe quizer fer ivmâo em armas do Rey de
Portugal , que em todo ocafo o ajudará com ar-
mas agente
mente.
6^
TAl embayxaâa,dava o Capitão ,
yi qu^im o Rey^antiorefpondia^
AgaZjdlkadcs forao juntamente. O Samorim def-™
pois que recebeo as cartas que lhe deu Vafco df|
Gama d^El Rey Dom Manoel , lhe perguntou
com quem le queria agazaihar ,le com Mouros^
ou Gentias , ao ^ue elle refpondeo , queentn
Mouros
Lufiadai de Luís de
Mouros,Sc Chriílãos havia differenças por muy-
las viaSjaííim por relpeyto da ley,quc profellaváo,
como de payxóes, Sc ódios parciculares,quetinháo
entre íi,ÔC que também náo íabiaó o tratto, & or-
dem,que tinhão osnaturaes, que pedia a íua Real
Senhoria, que os mandaíleapolcntar ícm compa-
nhia alguma. O Samorim folgou de ouvir as ra-
zóesde Valco da Gama,8c mandou ao Catuallhe
fizellc a vontade,& o agazalhaíVe, ló uíando de pa-
Javras honroias , em que moíhava ter ao Capitão
mór^por homem de clpintu, ík prudência grande,
^7
TAnto que os ígneos carros dofermofo
Mancebo 'T>eíto vio^que a luz renova^
Manda chamar Monçayde^defejo/o
^e poder/e informar dagente nova:
làíhepregunta pronto j^ cariofi^
Se tem uottcía inteyrai& certa prova
'Dos (Jir anhos ^quem/àg^que ouvido tinha
^le he gente áefuapatrta muy vizmha.
Tanto tjue os ígneos carros doferntofo. Reconta co-
mo o Catual o outro dia fegumte cm o Sol apon-
tando mandou chamar o Vlouro Monçayde,para le
informar dos Portuguczcs, porque tinha ouvido,
que era gente vezinha à terra aonde elle nacera.
Carros i^weoj,quer dizer carros de fogo» Taespin-
táo os Poetas os do Sol em que dà luz ao mundo,
feytos por mão de Vulcano filho de Jupiter,&: íeu
Ferreyro. E. os cavallos que levaváocíle carro ti-
inhâo fogo no peyto,&: o lança vão pela boca,6c na-
rÍ2es,corao diz Ovídio naá Metamorphofes:
JVíC tibi efuadrupedes animo fos ignihus illh, ,
Çiuos inpcãore habenttqu«s orey& naiibus efflant
In prompíu r(gere e(i.
DiíTuadindo Apollo aPhaeton feu filho, que lar-
gafle a pretençáo de governar os carros dò^ol,
entre outras difficuldades que lhe punha era efta,
que tinhaó fogo nos pey tos, & que lançaváo pelas
ventas, 6c pela boca.
Mancebo Delio,(jt4e a luz renova. He o Sol. Cha-
ma-Ce Dclio, & fua irmã a Lua Delia.porque nace-
ráo ambos de hum parto na ilha Delos. Difle re-
novar a luz o Sol por hum fingimento dos Poetas,
que dizem que todas as manhans nace novamente.
6S
QVe particularmente alli lhe dèfje
Informação muy larga.pois fazia
Nijfoferviço ao Rey porque foubtffe
O que nefie negocio je faria:
Monçayde torna fojio que eU quízcffe
^szercedijlo maisjUão/aberiaj^
Camões Commentados] 'iii
òòmente fty^que he gente la de E/panha^
Onae he o meu ninho ^^ o Sol no mar fe banhai
Onde he o meu ninho. Ninho toma pela pátria » &
a natureza de cada hum tomada a metaphorado
ninho dos paífaros.
O Sol no mar ]e banha. Aonde o Sol fe põem, nas
partes Occidentaes Monçayde difle ao Catual
que efta gente era de Hetpanha vezinha á íua pá-
tria nas partes ^do Occidente.
TEm a ley de hum Trofeta^que gerado]
Fny fé m fazer na carne detrimento
© a Mãy Jal que por bafo e/lâ appr ovado
^0 T)eos ique tem do muyido o regimentoi
O que entre meus antigos he vulgudo
IJelíes^he que o valor fangmnoknto
1)as armas ^no feu braço rejplanaece^
O que em nofos pajjaaosje parece.
Tem a Lty de hum Propbeta. Eíle he Chrifto Noí*
lo Senhor, & Salvador, o qiial naceoda Gloriofã
Virgem Maria Nolla Senhora concebido pelo
Elpirito Santo,(o qual entende aqui por cfta pala-
vra bafo, que he o cípirito.) Virgem antes do par-'
to, & dtípois do parto, como temes por verdade
Carholica,6c rcloiutiflima íem fallencia:
O ejue entre mem a^ttgos he vulsado.O que he pu-
blico, & labido entre os antigos , 6c velh( s de mi-
nha pátria, diz Monçayde, hc que^no negocio das
armas fao gente valerola,ôc cifor^âda. ~ '
POrque elles com virtude fobre humanai
Osdeytàrão dos campos abundo fos^
'Do rico TejOiò frefca Guaaiana^
Com feytos memo\ aveis ^iè famofos*,
Enaô contentes tndana /Ifricana
T arte ^cortando os mares porcelofos^
Nos naõ querem deyxar viver feguros^
Tomandonos Cidades ié' altos muns,
E frefca Gttadiana.GuzàhniL he rio que nacceni
Helpanha, junto aferra de Alcaraz, & perto de
•hum lugar por nome La puebla de Alcocer.íe me-
te por dcbayxo da terra por cfpaço de dez legoas.
He rio que pafla pelas terras da Eftremadura, Ba-
dajoz, Ohvença> & outras. Náo tem peyxe do
niar,porquc aonde entra nclle cftahum altiííimo
penedo por onde a agoa cae , que osimpoílibilita
para poderem fobir.
Jomatidonos C idades ^éf altos muros» Como Ceuta
Tangere,Ma23gão,& outros lugares que os Rcys
de Portugal laigàraõ , por lhe náo parecercni
muy to importantes a eftc Rcyno.
Ddi Kiií
m
71
y^õ menos temojirado esforço Mmanha
^ \em quae/quer outras guerras ^q acõíeçaõ
Ou dds gentes beliigeras de Ejpanbay
Ou là de alguns ^que do Tyrene deçaô'.
'AÍJi (jue nunca em fim com lança eflranha
iSetem, que por vencidos fe cmheça^y
Nemfefahe inda nao^te afirmo ^^ aJfellOi
^ara ejies Anntbaes algum Marcello,
Ou dai gemes belligeras de Hefpanha, Ifto á\z pelas
vitto.rias,queosPortuguezes houveiáodos Heí-
panhocs.
Ou la de algum <]ut do Vyrene deçao. E porque em
ajuda dosReys deCaílella veyo muyta gente de
Catalunha, Bjícaya, 6c Navarra, Sc outras gentes
daquclla paragem, diz, ou de algumas que do Py-
rcne dcção^porque os montes Pyrineos dividem a
Heípanha de França: pelo que os moradores da-
quellas partes faô íogeyios aos Reys de Hefpa-
nha. Que íejáo Pyrineos Te veja na noííà annota-
çáo no canto terceyro,oytava i6.
Para efiti An\bai$ algum Marcello, Marco MaF»
celio Capitão Romano valerofiíTiuio, o primeyro
Capitão Komano , quevencco Anibal Capitão
dos Carthagiaenfes , como eícreve Titolivio,na
primeyra Década. O que á\% aqui o Poeta he, que
nunca houve quem vpncefle aos Portuguczes,
aos quaes chama Aníbais, porque Aníbal foy hum
dos mais esforçados Capitães do mundo.
7^
TJ^ Se efta informação naõfor mteyra,
jfr^ Tanto quanto convém jãe lies pertende
Infirmar te jque he gente verdadeyra.
Aquém mats fal/tdade enoja^& ofende:
Vay verlfje afrota^as armas ,(^ a maneara
^0 fundido metal^que tudo rende^
E folgar àt de veres a policia
^ortu^Hefajnapaz,\£ na malicial
E a mamyra do fundido metal. ^ o modo o concer-
to daartelharia, á qual chama metal fundido , cC
diz que rende tudo , porque defpois que ouve ar-
&4Íi^ria,não ouve homem eslorçado*
JA^ com defejo o Idolatra ardia
T>í ver ifto^que o Mouro lhe contava^
Manda ef qutp ar bateis ^que ir ver queria
Os lenhos jcm que o Gama navegava:
Ambos parte m da praya^a qut m fe<iiúa
A Nayrag òtaçâo^qHe o Wât • coalhava,
Canto Stfmol
ACapitâyfJãfõhsmforte^^ bella^
Oude Taulo os recebe a bordo delia,
Jdcomdejejoí o Idolatra ardia, lílo que aqui vay
conrando o Poeta, he legundo às regras da Poelia,
mu) to galante, &artiíicioi'o,as quacs dão licença
que le tinga huma fabula como diz Horácio na
Ãrtc Poética: §luí fpkndeat unui , & aiicr a^uitur
fannui. A licença que os Poetas tem hs em fuás
obras meterem aleu ma fabula, & finsimento sa-
Jante, & que pareça bem. E aflim niíto não con-
fcrmn,com o que os noííos Hiíloriadores contão,
porque não íómente não forâo os Maiavaies
aos navios , antes citando Vafco da Gama em ter-
ra , crcrcvffo por Monçayde a íeu irmão Paulo da
Gama que eftiveííè com grande vigia, Seque não
fe fiafíc da gente da terra, nem os coníentiíle hir a
bordo , porqiie tinha entendido dellcs lhe fíiriáo
todo o mál que pudcílem» O que fe pôde vci' em
João de Barros na primeyra Década.
Drpureosfão os toldo s^à* as bandeyras
bórico fio faô jque o bi€ho gèra^
Ne lies eftão pintadas as guerreyras
Obras ^que o forte braçojãfiz>€ra:
Batalhas tem campaes aventureyras^^
Tiejafios cruéis jpvíturafer a j
^ue tanto que ao Gentio fe aprefenta^
At tento nella os olhos apucenta.
\
O rico fio cjue o bicho gera. He a feda , porquí
delles fe faz como , he coufa íabida.
75
13 ^^0 que vè pergunta^mas o Gama
, Lhe pedia primeyro ^que fe ajjente^
E que aquelledeieyte^ique tanto ama
A Seyta Epicurèa^experimente\
T>os ejpumantes vafos fe derrama
O luor^que Noé mcfirãra agente:
Mas comer o Genti o não pertende^
^e a fey tanque feguia lho defende,
jifeyta Epictírea. Epicuro ( como alguns eícrc»
vem ) toy Athenienfe , ainda que outros querem
q uc fofic de Samos , & levado a Athenas , vencida
Samos pelos Athenienles em tempo que Anilo»
teles , ík Xcnocrates floreciáo. Foy de opinião,
que ancila alma era mortal, Sc corruptível, &; que
Deosnão tinha cuydado das coulas do mundo,
masquccrão governadas por influencias dos Pla-
netas , Si cftrellas do Cco. Teve outra diabólica,
que roda a felicidade da vida eftava no coiucnta-
mcnto. Si dcleytes delia, Sc que não havia outro
bem fe não cofncr,& bcber,Sc levar boa Vida. Pin-
1
Lu/íaàas de Luís de
tava a virtude ao pé dos vicios poítradn diante dei-
leá,6c fervindoos. lílo diz aqui o Poeta, cj ue o Ca-
pitão inòr pedia ao Catual,accytaííeo deleytc,que
a leyca Epicurea tanto ama : pelo qual entende o
comer , & beber , no qual os que feguirão a feyta
do Philofopho Epicuro , punhâo lua bemavcn-
turança , 5c felicidade. O //cor <^Ht Noè mofírara á
gewrÉcÊítc he o vinho, porque Noé delpuis do di-
luvio enlinoa o modo que íc havia de ter no plan-
tar das vinhasjcomo le conta no Gencíis.
Mai comer o Gtntto nao pertende, A íeyta dos Gen-
tios prohibelhe comer com gente de outra naçáo,
pelo qúe não acey táraó os oííerecimentos de Vai-
CO da Gama.
A Trombeta j(jue em paz nopenfameiito
Imagem faz, deguerra^ rompe os ares^
"Coo fogo o diabólico mfir amento]
Se faz ouvir no fundo tà dos mares:
Tudo t gentio nota^mas o wtento
Mo/irava fempre ter nosfingulares
F<ytos dos homens ^que em retrato breve ^
A muda çoejia allt defcrtve,
A trombeta, «jue tem paz, no penfantento, Tratta o
Poeta da fefta que os noílbs íizerão ao Catual na
Capitania com trombetas,artelharia, & elpingar-
daria. Diabólico inftrumento chama á artelharia.
Vejafeoqueefcrevemosnocantofetimo , oytava
12. /i muda povfia alli de/creve, O Gentio notava
jaiuytas coufas nos Portuguezes , principalmente
fe detinha com os olhos nos retrattos , & figuras
que ellavâo pelas bandeyras, & outras partes do
Bavio, as quaes chama poefia muda. Poefía muda
he a pintura , como lhe chamâo todos os Poetas.
Taesfaóos emblemas, emprefas , Scpegmasde
que os Poetas trattão em muytos lugares. De íe-
mclhanie modo de efcrever ufaváo os Egypcios,
pintando aves,animacs,5c outras coulas femelhan-
les , pelos qutes íínaes moftraváo oquequeriâo,
& a eílcs íinaes chamaváo liierogliphica , que
quer dizer letras íagradas, pela grande veneração,
'& rcfpeyco que tinhão a efte género deefcrever.
Pocfia que falia (aó os veríos , pelo que Homero
he chamado de muytos grande pintor, porque na
defcripçáo das couias foy excellente, 6c pinta tan-
to ao natural,animaes,fero2es,ullos, leóes,pardos,
á grandeza do Sol ,termoíurada Lua, n multidão
deeítrcUas , diffcrentes Cidades com diíTerentes
trattos,que efpànta os que o le ,n.
77
A
Lçafè empé^ com elle os Gamas junto^
Cociho -1' outra parte ^ & o Mauritano
,Ç>s olijospaem nobeUtcotrafiinto
"Da hum velho bramo^afpeyto venerando.
Camões Commentadosl ^^ ij
Cíijo n orne nàe pode fer defunto
Em (fuanto houver w murtas tratto humattO%
No trajo à Grega ttfança ejta perfeyta^
Hum ramopor infignla na aireyta.
Alçafe empe. Folgava tanto o Catual de ver as
coulas dos Portuguezes, ík principalmente os de-
buxos, Sc pinturas, que pela capcçui ia eftavão,quâ
íe levantou em pè para melhor os poder ver. 0$
Gamas laó j O Capitão mor Vaíco da Gama , èC
leu irmãtí Paulo da Gama, o Coelho era hum Ni-
colao Coelho Cspitá^ dç hum navio da armada*
O Mauritano er-i Monçayde,que fervia de língua
entre oCãtual , ôcoGapitáô mór, pxnquecomo
era Africano de nação , natural do Reyno de Tu^j
nes, peia comniunicação, que tivera com es Hel-
pnnhoes, lábia fallara lingoaCaftelhana, na qual
declarava aos Portuguezc&as coufas que lhe o Ca»
tual dizia.
Dehumvelhe érawco.Entre as figuras eftava hum
velho branco de alpecto grave, 2c vencrando.Eítc
velho era Luío companheyro de Baccho, o qual
foy Senhor de f^ortugíl, ík do feu nopie íe chama-
rão os Portuguezes osLuíicanos, como fica dito
neílas noílas annotaçôes muyto largamente , 6c
muytas vezes , ôc o diz o noffo Poeta no principio
do canto oytavo.
Cujo nome n^o pede fer defunto. Cuja fama íe não
perderá em quanto o mundo durar.No trajo a Gre*
ga ufançaeftâ pnfeyta.Moiiyà o modo do trdjo que
tinha Luío no feu retratto, que era ao coílume, èc
ulo dos Gregos , & com hnma phkiva na mão , co*
mo o Poeta refere no principio do livro oytavo,-
aonde continua cila hiíioria,que lhe pareceo não
fer juílo trattar dos primeyros fundamentos de
Portugal, 6cdealgunsqueoconlervaráo,&:aug-
mentâraô íem particular ajuda das Mulas , como
elle aífirma^na oy cava fcguinte.
78
HlJm ramo na mão tinha^Mas ó cego
Eu\qne cometo infano^^ temerário^
Sem vós Nymphas do Tejo, & do Mondego^
'^Por caminho tão ardnOjlongOj & variou
Voffo favor invoco^ que navego
T'or alto mar ^com vento tão contrario^
^«<? fenão me ajudais ^ey grande medo
^e o meu fraco batel feaí^age cedo.
Mai o ífg*««.Boa digreflaõ , & entre os Poetí3
muyto ulada, que no nicyo de fuás obras, quando
mais engolfados vão em alguma narração,peguera
com as Muias,que os tavorcção, Sc difto há tantos
exemplos , & he coufa tão vlada , que não he nc*
ceflario ulurgamps neíla matéria.
Olhai
>i4
1^
'Çdnto Setimir,
òe não que âquetles que eu cantando andava^
Tal premio de meus ver [os me tornaffem:
A troco dos defcanços que ejperava,
*T)as capellas de louro^que me honrajjetn^
Trabalhos nunca u/ados me inventarão
Com que em tão duro ejiado me deytaraõ.
E inJa Nywphaí winbas» Nota o noílo Camões
aos Portuguezcs de gente ingrata , pois cantando
cUe , ôc celebrando feusíeytos , em lugar de lhos
OLhay^que hà tanto tempo, que cantando
O vojjo Tejo^& os vojjos Lufitams
A fortuna me traz, peregrinando,
JSlovos trabalhos vendo j& novos danos-.
Agora o mar^agora efprtmentando
Os perigos Mavórcios inhumanos,
^al Canace que à morte Je condena, ^„_ , ^_„, _... .„^„.
Muma mão fempre a efpada^^ noutra a pena. agradecerem,ôc ícrvirem: os mayores amigos, que
, tmha o mexericarão com o Vilo Rey da Índia, co-
■ Perifoí iW^i/ordw.Perigos de gucrra,deMavor- nioeilemediíle, contunde os enfadamentoF,quc
tc,quche omelmoqueMartcque os antigos ti- na índia tivera, que foy cauíadc o prenderem, 6c
nhaõ por Deos da guerra. §lual Canace ejue d worte enfadarem.
fe condena. Diz o Poeta que nefte feu clcrever as 82.
coufas dos Portuguezes , fe houve como Canace,
que em huma maó tinha a penna.comqueeftava "T T Ede,Nymphas, ^ engenhos de Tenhores
tfcrevendo a feu irmão Macareo,em outra a eípa- V O vo(fo Tejo cria valero/oSj
<ia para fe matar.pclos muytes perigos, trabalhos, ^e ajjifab em prezar com taes favores
^guerras que na índia paliava , quando eícrevia ^ quem os faz cantando gloriofisi
^e exemplos a futuros e/critores,
T^arn ejpert ar engenhos curió jos^
^ara porem as coufas em memoriai
^te merecem ter eterna gloria.
Vede Nymphat que engenhos de (enbores. Ifto hé hu-
ma figura,a que os Rhctoricos chamão Ironi^, da
qual ulamos, quando nas palavras moílramos cou-
fa differente do que fentimos, como aqui, que pe*
las palavras parece dizer bem dos Portuguezes,re-
prehendendoos, & tachandoos de homens pouco
aíFeyçoados às letras , & aos que as entendem, ôc
exercitão.
•cíles cantos.
80
A Gora com pobreza aborrecida,
Tor hofpkios alheos degradado^
Agora da efperançajâ adquirida,
*De novo mais que nunca derribado:
Agora as cofias e [capando a vida,
§^ie de hum fio pendia tão delgado^
^ue não menos milagre foy falvarfe ,
Repara o Rey Judaico acrecentarfei
Agora da eíperançaja ad^ttirida.V or(\uc vendo- fe
"algumas vezes com alguma efperança de remédio,
muyto deprcfia íe lhe hia das mias./lgora âs co^at
tfcapaudo a vida , ^ue de hum fio pendia tão de/gado.
Ainda que he termo geral para moftrar as muytas
vezes que fe vio perdido. Bem fc pôde aplicar el-
te dito a hum naufrágio que paílou vindo da Chi-
na. Veja-le o que eícreveremosno cato lO.Pender
de fio, he termo muyto u fado para fallar cm cou-
85
POis loí^o em tantos males he forçado
^efò vojfo favor me não f alie ça^
T^rincipalmente aqui, que f ou chegado,
Ondefeytos diverfos engrandeça:
^aymo vôs f os, que eu tenhojájurado.
' de ho,he termo muyto uado para tallar cm cou- a)., ^ ., ■ - - -— -^
, \ r j c ^ • 4 1 ^ue nao 0 empregue em quem O nao mereça^
ia muyto arriícada,6c parece teve orisemdaquel- 'TV ,"'. ^ ? r. 1 • j ^^^
la h.ftoriado tyranno Dionyfio, que tinha naíua Nem por Itfonja louve algum Jubído, ||
íala humaefpada dependurada de hum fio , para Sobpena de nao fer agradecido.
moftrar o perigo a quetftava fugcyto quem rey-
nava.Vejale o Provcrbioide filo penda.
Çlue para o Rey ludayca acrecentarfe. Por Rey Ju-
dayco fe entende Ezechias, o qual eftando jà fcn-
tenciado por Deos à morte , todavia milagrola-
mente por Tuas lagrimas foy rcmedeado > como
fe conta no livro dos Rcys.
81
E Ainda Nymphas minhas ^nao bafava,
^ie tamanhas rai férias me çercaffem-,
Vtit logo em tantos males. E pois de todas as par-
tes me cercão males, favoreceyme vós Nymphas,
mayorraentc nefte lugar,aondehey de trattardos
feytos dos noílos Portuguezes.
ãob pena de nâofer agradecido. Sob pena dc ficar
tido entre vós N ymphas por ingrato, 5c que nao
rcereço mais ler favorecido, & ajudado de vós.
NE?n creais yNyniphas ^•não.q fama dèfje^
Aquém ao bem cl mmHm^& doftu Re^,
'Antepofer Ceupoprio inter e£e^
Inimigo da 'Di^Oina ^& búniíihaley:
Nenhum âmbictojuyque qutzejje
áubir a grandes cargos ^cant ar ey^
ãó por poder com tofpes exercícios
'Vjarmais largamente de (eus vícios,
Nent cre ais Nympbaí, ^Auy tos quirerão neíla par-
te locara Luís de Camões de homem affey coado,
& aceycudordcpí-ílbas, porque com algumas dil-
íimulou ncltes léus cintos , que mcrcciíio 'louvor,
&; honra. Digoiílo, porque hc maceriaque vi ja
traitdr eiiLre Porcuguezes.
NEnhum queufe de feu poder bnftante
Tarafervir afeu dejfejo feo;
E que por comprazer ao vulgo errante
òe muda em mais figuras que Trotheo:
Nem^Camenas ^também ctiydey que cante ^
^íem com habito honefioj^ grave veOj
'^For contentar ao Rey no ojjicio mvOj
Adejpir^& roubar o pobre povo.
Lufiaias\ãe Luis àe Camões Conunentados^
Ixf
^T Em quê acha qbejufio.^ ^ q he direyta
i Guardar fe a Ley do Riy (everamente^
E não acha que bejujto, <^ bom re/peyto^
^e/e pague ofuor aa/avil gente,
jSLem qUcmJempre com pouco eícpertopfyto
Razões aprende ^^ cuyda que heprudente^
Fura tascar com mão rapace ^ &vjcajja^
Qs trabalhos alb yos^que nãopajja,
"Nem qutm acha e^tte he juflo» Acrecenta o Poeta
puc também nâo trattarà de gente demaíiada-
niente rigurofa na guarda das Leys dos Keysc jn
parte, 5c nâcíemtod^. Homens há quc íaó leverif-
fiií^os cm guardaras Lti^s dosReys, tanto queef-
táo coíirraponteando ,%[: fyUogdaiando nas pal,v-
vras delias, o qual he hum grande n)al. Deftes fal-
íosintcrpretadore? , ôcluperílicioíosgloradores
das Leys zomba Marco TulHona oração pro Mu-
rcna^em o livro dos officios, aonde refere aquelle
dito tão celebrado de Terêncio , ôc que todos fa-
bem: Im jumtniim,(u?nmain^urta: myyta juíliça,he
muyta leni jaítiça.Ói tr^halhoi aibeyostjue não pajja.
Mal laberá tratt^ar de pagar trabalhos alheyos,
quem nuhcá os paílbu.! Daqui dizia Eliía Dido,
quando, vio os Troyanos no feu porto de Cartha--
go perdidos , 6c desbararados das tormentas , 6c
naufrágios do mar , domo refere Virgílio na
Eneida Uv. i» ^^
• 'íOv >
Mi (^iiofiue per multM Jtviilís fortuna laborei
Jaãatam hac demum votutt cnnjijlere terray
Nenhum ejue «/^.Hu ma das coulas que fe tem por
cruel, & íoberba, be fazerem os homens tudo o
que podem. Donde difle CollumehrNec/^wè x/i«-
dicanâutne^ nobti , ejHfJcjuid íicet. Nem havemos dc
caftigar tudo o que podemos , 8c entre os tyran-
iiicos , 6c ícberbos dittos do tyranno Diohyíio fe ,^^„,„,„ „„, ^.,„„,„ v,.,. .j.j
elcreve, que então fe tinha por fenhor,quando fa- . jsíon ignara maUs mifeús (uccurrere dtjco,
2ia o quefe Iheentojava : dito por certo digno A. ^ t
de íeu autor. Pelo que o Poeta diz aqui , qne não
cantará , nem celebrará homens que d.fenfreada-
mente fazem tudo o que podem, 6c exercitâo fua
vontadc,& appctites,u(ando rigurofarnence de íeu
poder.
£ <fue psr oêmprazer» Nem homens, que por eíla-
rem bem com o povo ufaó dc invenções, mudan-
dofe em mil figuras , como le efcreve de Protheo,
andando fempre â'Vontade, 6c ffofto dos que haõ ^> ,, ,/ /• * ^ -
miíler, não lhe lembrando juftiia , nem verdade. A ^elles fos direy ,que aventwarao
De Protheo fe veja a nofla annotação no primey- jt\ Torfeu'Deos,porfeuRey,a amada vida
ro canto,oytava 19. Ondeperdendoa emfam.t a dilatarão^
Nem Camenai.Nçm cantares.Camenas he nomie Também de fuás obras merecida.
das Mu^as, ditas aíTim á canendo do canto. Vejafe o /JpoUoJ^as Mufas^que me acortípanhãraõ*
que cfcrevemos no primeyro canto. j^^ dohrarão afaria concedida, .
Em quanto é** t orno alento defcançadv,
Tor tornar ^^ trabalho mais folgado»
A experi^cia dos males me faz doerme , 8c ter
compayxâo de quem es paíla. O que tacha aqui
o noilo Camões,, he haver quem governe ícm ter
experiência, & quem trattede guerra, íem haver
arrancado elpada , 5c que delpacheni outros fèm
ter conhccitoento das coufas lobre o q le ha dc fa-
zer o deípacho.
87
OS
Ii6
-o§ «í>^É^ <^i^*^ «^'^ «K?'^ <mce^%^^{^ ts^ifle^^ mc'è^^ ^:^le€» <s^?<&5' 'i^
os lusíadas
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
l Commentados pelo Licenciado Manoel Corrêa^
ARGUMENTO.
Vem-fe de Lufitania os Fundadores,
c E aquellesjque por feytos valeroíos
De alta memoria faõ merecedores,
De hymnos,& de veríos numerofos;
Como de Calecut os Regedores,
Confultão os Arufpices famofos,
E corruptos com dadivas poflantes,
Trattaó de deftruhir os navegantes.
CANTO OYTAVO.
Vay o Regedor de Calecut à noíla armada. Detem-fe , vendo alguma tapeçaria;
aonde eftavaõ debuxados os primeyros fundadores de Portugal , & outros
Cavalleyros. Arma defpois trayção ao Capitão mor Valco da Gama;
-, da qual efcapou por boa ordem.
N^prmeyrafigurafe detinha,
O Catualj<fue vira efiar pintada^
^epor divifa hum rama na ntaÓ tinha,
A i^arba branca Jonga,& penteada-,
^*emera,^ porque caufa lhe convinha
^divifa ^ofue f^^ y^^ ^^^ tomada,
'Paulo refponde^cuja voz difere ta^
O Mauritano fabio lhe interpreta.
O Mauritano fibio lhe interpreta, Eftando oCa-
tualcom osolhospoftos na prlmtyra figura, que
era hum velho com a barba branca, longa, 8cpen-
tcadaj& com hum ramo na mão direyta: éc não íe
fabendo determinar quem feria , chcgou-ie a ellc
Paulo da Gama, & lhe declarou xujas palavras in-
terprctava Monçayde,de que atrás temos fallado,
que citava por Iingoa:ao qual chama Mauritano
fabii), que quer dizer Mouro fubio.
^ St as figuras todas , que apparectm.
Bravos em vijla^^ feros nos a/p ey tos
Mait\
Lufiddas de Luís de Camões CommmtadosS
Mais br avos, & fn^is feros fe conhecem
^ellaf amainas obrasse' nos feytos:
jíniigos faÕ ^mâs inda refplandecem
Conomeyemre os engenhos mais prejeytos
EftCjqve vès he Lufoydonde afama
AnoJJo Reyno Lu[itarúa chama.
B^e fje vèt he Lnfo. No fíni do canto paílado
di/ie,coino o CatuaJ de Calecut nunca foy ã nollk
aimada , & que iíto que o Poeta aqui tratta, & he
hum tingimcnto poccico» &: galante: donde toma
occâíiáo para trattar dos prirneyros fundadores, 6c
Reys de Portugalidos quaeso primeyro diz, que
fif
hiaó repoaíar,Sc*uíar de perpetua felicidade:6c ai-
íim diíle Protheo dei^enciao, que acabado lua vi-
di Te recolheria] a Hcfpafíha para goznr da felici-
dade , í< gloria , que hu m tão grande Capitão , êc
Rey merecia ; como refere Celio Kodngino nas
luas lições antigas- NeiU matéria dos Campo*
Eiyíios , dos ijuaes diziáo os antigos íe recolhiâoi
os homens, que nefta vida correrão direytamente
com lualí obrigações, vare;iõ os Autores: porqus
hunsquizeraó que f lie em Thebas , como Lico-
phronta: Philoítrato em Bretanha: Heródoto ent
Egypto: outros no concavo da Lua,& outros, ôC
os mais em Heípanha, aonde diílerão que inoiava
Plutão íenhor das riquezas. Outros queeftrey-
foy Lufo filho de Baccho, de cuio nome o noílo tando mais o negocio diíllráo , que nos' campos de
Portugal fe chama Luíitania:Ho!e em d:a entre os
Latinos, &. os Portuguezes Lufitanos, como o
Poeta diz largamente nas oy[avas,q.ic Ic feguem:
6c nós o notámos no primeyro canto, oy tava i.
FOy filho, ou companhey ro do Thebano^
^ie tam diver/as partes ccnqiuJioUj
aparece vindo ter ao ninho Htjpano,
Seguindo as armas ^que confino ufou:
T^o T>OHYOy& Guadiana o campo ufanoy
Jà dito Elifio tanto o contentou^
^ue alli ^uiz dar aos jà cançados offosy
Eterna /epultur a ^Ó" nome aosmjjos^
^oy filho ^ ^ companheyro cio Thel^ano, Profegue
agora fua narração lobre Lufo,pnmeyro Rey def-
tes Reynos de Luíitania, o qual diz que foy filho,
& companhtyro de Raccho grande Capitão : 8c
que he. prelumçáo muyto provável, fegundo ellè
era dado ao exercicio das armas,que aportou a ci-
tas partes,a que chama ninho Hilpano, continuan-
do leu exercicio militar,õc conquillando ellas par-
tes também , como tinha feyto em outras regiões.
Eque fc contentou tanto do fitiodeíla terra , que
ie quiz apofentar nella,& acabaT,o que lhe faltava
de vida^como fica dito no canto prrmcyro,oytava
^^.Thebanojquer dizer Baccho, chama-le atliin,
porque fua mãy Semeie era natural de Thebas.
r Do DourOf é^ Guadiana o campo ufano jâ dito Eiy-
fio: De commum conlcnti mento de todos os CoU
mographos ellâ aficntado , fer europa a mais fer-
•tnoia,& mais abundante parte do mundo:£caíÍim
o nvoítramos no principio dslfas annotaçóes , no
canto primeyro, oytava z. aonde trattámos da di-
:vii;ió tio mundo. E porque Heipanha faz venta-
^getiPia todas as de mais partes de Europa, & todas
•de Hclpinha, na fertilidade, bondade de terra, &:
todasas mais coufavnecellarias para a vida , a me-
Alior.Sc mais cxccUtnte terra he Andaluzia,.& Eí-
•iremadura : daqui vierãoos antigos a dizer , que
inefta parte eftavá;) os campos EÍyfios , aonde os
-Bctnaventuradas .ckfpiíis de paíl\dos defta vid*,
Andaluzia , como refere Guaribay no feu com»
pendio \w,\.\>39,.6. Chamaõie El) nos como que*
rcm alguns de,e,prepofiçáo de ablativo, que quer
dizer íóra: èíUfie leJaõ, por citarem os que habi-
tão neítes lugares fora de todo o trabalho , 6c
opreílaó. Mas quanto a mim vemdelyo , verbo
Grego, que quer dizer loltar, êc livrar, porque os
que n)oravaó.neíie8 campos Eiyfios , eraó livres
de cu y dado , 5í de defgoíloh: pela qual razã > tam*
bem Baccho fe chama Lyeo , porque aííim elic,
como os -que o leguem , tem muy poucos cuyda-
dos na vida que lhe dcm pena. O que o nollo Ca-
iTiòes qirer ^qui he , que vendo Lufo os campos
do DourOjôí: Guadiana, que notempo antigo fo*
raó chamados hlyfios , lhe contentarão tanto»
que fe deyxou ficar nelles. »»{
Ramo^que lhe vès para divifa^
O verde Tyrfo foy de Bacco ufadOf
O qml èmj]a idade inoftra & avifa^
^léfoyjftt cOrnpanheyro /,ufilho amadoí
Vêi oiitr%que doTejo a terra pi za^
Tíepois de ter tam longo mar afado^
Onde muros perpetuo f edifica^
E templo a Talas, que em memoria fica^
O verde TJjyrjofojft Q ramQ,que Lufo tinha para
diviía,cra huma haíla rodeada de pâmpanos de vi-
des, chamada Thyrfo , como fica dito no letimo
cantOjoytava 52.,
O ejuál a nofja idade. A gente defle noílo tempo
porque por aqutUes finaes,& diviías entendiaõ fer
Lulo da con>rerv^a,&: companhia de Baccho, O
Vèi outro cjue do Tejo a terra píz^a. Elfe he UlyíleS
filho de Laertes Rey de Ithaca , que foy grande
ardilofo nos negócios da guerra : pelo que fe elcre-
redelle que foy grande parte para fe tomar Tro-
ya. E dei pois de ter andado por muy tas partes,
aportou neíle lugar aonde agora eílá Lisboa:que
dizo iiofio Poeta na oycava leguintc que elleedij
ficou.
Ee
Vl/fe'
31$ Canto Oytavól
lar,antesfempre os trazia em roda viva. O primor
ç' que com Pyrrhotivçráojfoy que andando os Ko-
manos em guerra com Pyrrho Rcy de Epyro , aU
\T Lyfjes he^ 9 que fez afanta cajã cançáraó delle trcgoas,&: outros primoreb,qL'e en-
' /H Ueo/ajqueihe dâ Língua facunda^ tre os Prmcipes , que trazem guerra entre íi , ie
coílumão. íi foy taó primoroíò Pyrrho , que no
tempodas tregoas lhe mandava pi elenies, como
eicreve juítino. Diz o melmo Autor, que nunca?
houve no mundo Rey de mayor primor, estorço,
bondade, & iaberqueefte:ao qual Aníbal, como
refere Tirolivio dava Icgundo lugar dos Capi-
tães , pondoíe a íi no primeyro. Que na verdade
Annibal foy excciientiíTimo Capitáo,& como ho-
Vljjl~t% he. Já fica dito como a fegunda figura, mem iabioneíiaarte , tinha a Pyrrho por grande
que citava na tapeçaria, era Ulyfies, o qual def- official. Muytas coulas conta dclle Plutarcho em
pois de haver paliados rauytos trabalhos pelo mar, fua vida.E he boa graça dizerem alguns,& impri-
aportou a eíle porto aonde agora he Lisboa , a mirem, que eíle Pyrrho, de que aqui falia Luís de
Y Lyljes hcj $ que fez afanta cafa
A Ueofajquelhe dâ Língua facunda^
^eje là na Afia Troya infigne abrafa^
Ca na Europa Lisboa ingente funda:
^luem Cera eft outro ca, que o campo ar rafa
IDí" mortos iCom prefençafuribunda>
Grandes batalhas tem defbaratadas%
^e as Águias nas baiiáeyras tem pintadas?
qual o Poeta que eilc edificou,& juntamente hum
Templo a PalÍas,que os antigos tinháo por Deofa
da Scicncia. Deftas coufas le veja a nofla annota-
çâo no canto terceyro, oytava 57. Sc no priraeyro
oytava i.fim felã na Afta. Eíle Ulyíles foy gran-
de parte paralè deílruhir , & abrafaraquella in-
Caraócs,era filho de AchiUes.
COm força nãoyCom manha vergonbo/à
A vida lhe tirarão jque osefpantaj
figne Cidade ds Troya. Da qual Homero, Sc Vir- ^e O grande aperto em gête^inda q honrofa,
giho trattão largamente em luas obras. Eíle diz o j^ ri^gzes ieys magnanmas quebt anta:
noiVo Poeta que edificou Lisboa. Veja-leanoíla
annotação no canto 5. oytava 57,
^iuem fera efioutro c4 ^ue o campo arrafa de mor"
toi.O que eftiiva no terceyro lugar era Viriato Ca-
pitão dos Lufitanos, & Lufitanode nação, natu-
ral de Portugal, queíecomprehende também nas
terras da antiga Lufítania , como fica trattado no
canto primeyro,oytava25.
Cr andtí batalhas tem deiharatadas , §lue a t águias
<nas bandeyrâí tem pintadas* Asmfignias dos Roma-
nos em luas bandeyras,erâo Águias. O que o Poe-
ta aqui Quer dizer he , que Viriato desbaratou
grandes oatalhas dos Romanos , os quacs trazem
cm íuas bandeyras Águias por infignias.
Outro ejtâ aqui^que comra a pátria irofay
degradado com nofcofe levanta,
Efcolheobemycom quem Jelevantaffe^
Tara que eternamente fe tliufirajfe.
Com força nâo. Vendo hum Servilio Scipião C^»
pitão dos Romanos , que não podia haver a me-
lhor de Viriato, Sc que havendo tantos annos que
trazia guerra com ejle,!empre levava a pior,8c que
era impoíTivel vencelo : determinou , jà que por
força não podia, vencelo por manha. E para íahir
com leu intcntOjíobornou alguns amigos,Sccom-
panheyros de Viriato , queo niataírem à trayçaó,
como fizeraõ : vejaíe o que elcrevemos no pri-
meyrQ canto, oytava 20. Sc no terceyro canto,oy-
cava 22.
§^e o grande aperto em gente,inda ejue honr9(a , At
'vezetleys magnânimas ^uehranta. Sentença he eílí
digna de íeeícrever com letras de ouro, porque
aperto, Sc neceílidade,como a experiência moftra,
obriga a fazer muytas coufas contra priíDor , Sc»
honra. Donde diíle o Poeta Menandro Grego,
J)ra necejfitate multa faciens mala. A neceílidadenos
obriga a fazer muytos males:Sc daqui nafceo aqucl»-
le celebrado Provérbio : Necejfitai ingrns telum.
Muyto pode a neceíTidade. Trattando Titolivi©
^fiato fahemôs ejue fe chama. De Viriato fe veja de certa gente , que eítava em aperto : Nec((fitate'
A S/í O Gentio diz^refponde o Gama^
Efic^que vès paftorjâfoy de gado ^
Vtrinto fabemos^que fe chama ^
defiro na lançatmais que no cajadoi
Injuriada tem de Roma afamai
Vf ncedor invencível afa mado^
Nâo tem com elle nad^nem ter puder ão
O primor tque com í^irrhojâ tiver ão.
a nofla annotação no primeyro canto , oytava 26.
& no terceyro, oytava 22.
N/totem com elle wtfb, nem ter puderaÕ o primor, <jue
emo Pyrrho jàttveraõ. Em louvor de Viriato diz,
que nunca os Romanos com elle tweraô.paz.nem
tregoas como fe coítuma entre gente que traz
ejua ultimum ac maximum telum e/i . fupcrii/res efiii.
Animando hum C-apitáo aos íeus íoldados , o ef-
forço que lhe dava , era dizer , que eílaváo em
aperto , Sc neceílidade , que he a ultima arma , Sc
melhor de todas:porque neílc eílado como os ho-
mens não tem outro rclugio , le não o de fus
guerra entre íi : porcjue nunca os dcyxava repou- ínãos,pelejão dilícrcntemente : Donde difle Vii
gilioi
Ltifiadas de Luts 'de Carne) Commentadosl
gíUo:l7«^ [alut viclis nuUam fperare faluum.O prin-
cipal remédio que os vencidos tem, he não terem
eipeiança de remédio. Davaó os antigos tanta tor-
ça à neceflidade , que diziaõ , que nem os léus
Deoies lhe podiaó relittir , ÔC como a tal lhe fiiziaõ
grandes Templos, Sc tinhaõ em grande reputação,
^ honra. Vcjale o Provérbio : Neceffitai wgeni íe-
/«»í, d^ neceffítatt nec 01} cfutdem refifiunt, \L não íó-
niencenas coaiasdaguerra,mas nomeneo,ôC trat-
todavida,temanecelÍidade grande poder,porque
até aos brutos animaes eníina a noíia linguagem,
aonde diíie Pcrlio no principio de fuás Satyras.
%t§
8
VEs com nofco tâbem vêce as bândeyraí^
*De{fas aves delupiter validas ^
^lejà naquelU tempo as mais guerrçyras
GenteSide nôs fuuheraõfer vencidas: ^
O Ih 2 tãofubtts artesão- maneyrasy
Tara adqmrtr os povos tão fingidas^
A fatídica Cerva, cjue o avifa%
Ellc he Sertório ^& elía ajua divi/Hé
Ficafcjue docuit noftra verba conarti
Magtjltr artiíyingení]e^ue (argitor
Venttr negatas ar ttfex Jequi vocês*
Outro iflã aqui que contra a paíristirofa. No quar*
to lugar eílava Sertório, Italiano de nação,o qual
degradado porfua vontade da lua terra , íc veyoa
cllanolJa , 6c nclla foy Capitão geral dos Luiira-
iios,6c deu grande opreflaõ aos Komanos. DeScr-
tono le veja a nofla annotaçaó no canto pnmey-
rojoytava 2(S.Chamarlhe o Poeta aqui degradado»
cnccndefe do degredo , queelle tomou por fua
vontade, porque iefahiode Roma, vendo que lhe
náoíuccdiaò as couías como elle pertendia. Na
ley c.jfJetnter diais, & relegatif^k põem três géne-
ros de degredo. Hum he quando lepoem inter-
dicto a alguma peílba,que não entre em algum lu-
gar. Outro quando íe Ikye alguém de lua pátria
para outro lugar, por lhe haver acontecido algum
defaíbe, como fez o noflo Sertório. Outro quan-
do degradaó algum,5cpor algum crime que com-
mette. Todas eílas maneyras de degredo há : Sc
conforme a eíta ordem , deque os homens doutos
ufaó,&: le pratica em as leys, fe chama também de-
gradado o homem que por fua vontade muda o
Jugar.
Para que eternamente feillufiraffeJíío diz,porque
alcançou tanto nome Sertório neltas partes, íen-
do General dos Luíitanos , Sc Governador de to-
da a Província , que elcreve Vallerio Paterculo
deile . que por efpaço de cinco annos pelejando
contra os Komanos , hayia duvida fe ficaria Hef-
panha, fc Roma, tão grande era o esforço» & va-
lentia defte Capitáo.E. Apiano dizliv.i. que nun-
ca houve Capitão mais valerofo , nem mais bem
afortunado, que Sertório, pelo que era chamado
de maytos Aníbal. Efte teve o fim que coítumâo
ter os homens excellentes , porque nunca faltaó
traydcres que facão íeuofficib, comofizeraó tam-
bém a Viriato. Hum (eu particular amigo Koma-
no, por nome Pcrpena o matou; & como efcrcve
Paulo Orofio liv.^.cap.aj. o que fucccdco íetten-
ta , &. hum annos antes do nacimento de Noífo
Senhor |efu Chrillo.
Vés com nofco tamhem vence as handejras, DeJJat
aves àe lupittr validas. As aves de Júpiter faó as
Águias. Plínio diz qucdavâo os antigos a Águia
a Júpiter por fua ave , porque os rayos do S--llhe
não fazião mal. Outros daó outras râzóes. Eftas
aves iraziâo os Romanos por infignias nas íuaí
bandeyras,como dizem lodosos Poetas, & Hilto-
riadorcs , o Poeta aqui diz : que Quinto Sertório
vencia as bandeyras que tinhaó as aves de Júpiter,
que f^õ as bandeyras Komanas que tinhaõ Águias
por infignias*
A fatídica Cerva. Contaíe que Hiípano por no-
me , & Portuguez de nação, aca(o tontou hum*
cerva pequena : ík por ler muyto branca , & fer-
mola a deu de preitnte a Sertório , o qual era tão
ardilofo,&. de tanta ailucia,& laber,queperíuadio
aos Helpanhoes,que aquella Cerva adivinhava, 6c
1 he dizia o que havia de fazer, como diz P linio liv*
8.C. 52. Nas moedas que delle batião em Romà,o
qual coftume era muyto guardado entre os Ro-
manos , de huma parte eltava Sutorio com hum
olho menos , que perdco nas guerras civis de Ko-
ma,& da outra a Cerva,que íegundo elle dizia lhe
mandara Diana,a que os antigos tinhão por Dcoía
dacaça.Chamalhe o Poeta tatidica, que quer dizef
adevinha,porque fingia elle lhe adcvinhav3,o que
lhe havia de acontccer,Dondecont<i Apiano liv.i^
que perdendoíe huma vez , !è entadou dcm.tíiada-
mente,tendo ifto por muyto mao agouro, 8c final
de algum mal grande. E aílím não quiz dar bata»,
lha aleus inimigos em quanto não achou a cerva»
O Lha efloutra bandeyra^à' vè pintado
O grão 'Progenitor dos Reysprimeyro^i
Nos Vngaro afazemos, porém nado
Cr em ftr em Lotharingia os ejirangeyrosi
depois de ter os Mouros fuperado, A
Galegos ^& Leonefes cavalleyros^
A Cafa fantapaffa o janto Henricfue^
Torquc o tronco dosReys fe/antifquel
Olha efloutra handeyra. No quinto lugar logdi
junto a Sertório eílava o retratto de Excellentii-
limo,& fcUcilfimo Conde Dom Henrique, tronco
Eea dos
5.1Ô Canto Oytavoi -^ '"^
^feRfys de PortiigaI,de fúa origem Te veja o que dou muyto ; cm rccompehfa deíla ajuda , Sc ami-
efcrevemos no tcrceyro cancojoytava 26. E deita z,ade lhe concedeo huma mercê , ôc foy que os
jornadaqueaqui rccontaoPoeca, quefezaHie- i Deoles jurando por a iagoaEílygialua máy , ti-
Lul4l€ro|i\p^.Cftelíiio canto , oytava i^.
IO
a Vem he^ me dtze eftotitro q me e/p anta
(^Pergunta o Malabar maravilhado^
^{e tantcsefquadroens, que gente tantas
Com tãopouca^tem rotOi*£ defiro çado?
Tantos nturos afperrimos quebranta^
Tantas batalhas dà nunca canJadOj
Tantas coroas tem por tantas partes^
AJeus^ès derribadas jà' ejl andares^
^tttem hefWedii,e,€^outro. Tratta por muytas oy-
tavas do grande Dom AlTonlo Henriques pri-
ineyro R.í.y de Portugal , filho do grande Conde
ppm Henrique, de que ti at:ànios na oytava pal-
iada. Deite Rey feliciílimo le tratta em muytos
ÍMgares deite livro. O noílb Poeta largamente no
canto terceyro , oytava 29. até 54. E nòs notámos
cm diftçrentes lugares no lerceyro canto , ÔC pri-
meyro,oy tava i.alli le pôde yer.
I I
ESte he o prmeyro Affonfo^diJJe o Gamai
^te todo Tortugalaos Mouros torna^
^for quem no Eftigio lagojuraafama^
^)e mais não celebrar nenhum de Roma:
Efte he aquelle zelozo^a quem T>eos ama.
Com cujo braço o Mouro tmigo domUj
IP ar a quem defeu Rey no abayxa os muros ^
Nada deyxandojd^ara os futuros»
vclkm tanto reípeytoaeíte juramento , quepor
nenhum modole uireveílem a quebralo.O que tu-
do conta Servio,dcclarando aquelle verib de Vir-
gílio. £>// cujui curare timent^ é^ fallere numcn. Por
cuja dignidade os Deoíes [ememjurar.ôí: quebran-
tar o juramento.Outros dizem que Eltygia he hu-
ma lagoa em Arcádia , deagoa peçonhenliílimn,
çmranto , que todo o que bebe delia morre logo,
como dizPlinio , 6c que cita he a razão porque
lhe chamáo lagoa do interno.
E Cefar.fe Alexandre Reys/iverão
Ião pequeno poder ^t ao pouca gente ^
Contra tantos imigos ^quantos erão.
Os que desbaratava ejle excelleitte:
Naõ creas^qtiefeiis nomes fe ejlenderao
Com glorias immortaes tão largamente^
Mas deyxo osfeytos [eus mexplicavcis,
P^éyjue os de/eus Vajjalos fão notáveis.
SeCefarJt ákxanãre. Para engrandecimento da
cavallaria, &: esforço de El- Rey Dom Aífonío
Henriques taz aqui menção de deus Capirãc
muyto celebrados pelos Autores , Ceíar , £c Ale
xandre ÍVIagno, osquacs fizcrãocoufas dignas dtf
memoria , mas toraó diífercntcs do nollo felicil-
fimo Rey mito , que todos léus. fey tos foraó com
grandes exércitos, & multidão de gente , êc deita
maneyra desbaratavaó feus inimigos : El-Rey
Dom Aiíonfo fez grandes couias , fictiiou eite
Reynodamáodos Mouros,queopoíruhiaó, com
snuy to fracas ajudas de homens , porque os feus
3
eraó muyto poucos,em tanto,que em muytas ba
E/?c he aquelle zehfo. Foy efte ExcellentiíTimo ^^'^1^^ 9"^ ^^" «os Mouros havia para cada Chrií-
liey muyto zeiolb da honra , ôc lerviço de Deos,
pelo que to lo leu cuydo,ôc diligencia poz em lan-
çjar-.de Portugal os Mouros inimigos crueliíTimos
da nolia fanta Fe Catholica > 6c em lugar das luas
MelquitaSiSc templos de abominação,fundou ou-
tros novos para gloria , 6c honra de Deos , 6c ieus
Santos. E como era cite, todas as coufas lhe íucce-
diaóbsm.Sc com muyto pouca gente, 6cdefarma-
4? ,»; desbaratava grandes exércitos de inimigos,
forque pelejava com o braço de Deos , como diz
aqui o Poeta , 6c íe pôde ver mais larga mcnrc na
Chrõnicà de fua vida. E nós o notámos também
em muytas partes deite livro.
Por ejuem no Eftygio Ugo jura afama, Eíligia hc
liu ma lagoa no infcrno,legundo fingem os Poetas,
Hcííodc^naiua iheogonia a íazfilhado Oceanoj
ScTIíetis: outros Poetas lhe daó outros payj ,os
quacsacreccnt^íó , que teve Eilygia huma filha,
chamada Vitoria,6c porque eíla na guerra que Jú-
piter teve com osGiufiiKes ofavorçcco , ficaju-
tão cem Mouros , comofe pode ver na Chronica
de íua vidaé
Esterque vés olhar com geflo irado»
Tara o rompido Alumno nuifofridoí
'Dizendolhê^que o exercito efpalhado
Recolhaj& torne ao corpo defendido:
Torna o moço do velho acompanhado^
^le vencedor o torna de vencido ^
Egas Momz>fe chama o forte velho^
Tara leaes Vaffalos claro e/pelho.
EJíe <jut vèi olbar com gefle, Contaõ as Hiítorias
quetevc o Príncipe Dom Affonfo hnm recontro
com Dom Fernando hum Fidalgo Caítelhano
com o qual fua máy ie calou defpoisda morte do
pay o Conde Dom Henrique, no qual Dom Fer-
nando ficou jvencedor. Neíta eícaramuça não le
achou'
LuftaàãS ãe Ltãs de
achou Dom Egás Moniz, Ayo d^El-Kcy, mas co».
molhe veyoâ noticia, foy a grande preila em bul-
ca do Príncipe, & reprendeadoo porque fizera cal
feni clle , 6c o tez tornar atrás , fie entrar outra vei
cm batalha. Hl, delta mancyra desbaratou o padral-
to,Sc prendeoa máy. Alurnno he palavra Latina,
que quer dizer criado. Rompido lhe chama, por-
que vinha ja vencido : 2c o leu campo era roto , ÔC
úcsbaratado,oqual íe rcílaurou com a chegada de
EgaSiMoniz. Da caula deíla dela vença, 5c guerra
entre o Príncipe Dom Aífbnlo Henriques, & feu
pâdrâíi:o,trattámos no cerceyro canto no lugar al-
icgado.
14
VElo cdvay cos filhos a entregar fe^
 corda ao còío^nu defedat&panOy
forque nao qniz o moço fugeytarfe.
Como elle prometera ao Cajfelhano:
Fez, com (ifo^ ^pro mejfas levantarfe
O cerco^^uejâeftavaJub&Yano^
Os filhos^ èr mulher obriga àpena^
Tara que o fenhor falve^afi condena,
Felocâvay, Contaô as noflasChronicas , que
derpoisqueo Príncipe Dom Affonío Henriques
venceo a (eu padralto , & o lançou fora de Portu-
gal, &: prendeo fua máy, que magoada, ella efcre-
veo a El-Rey Dom Aftonlo de Caftella leu íbbri-
fiho acudiíle a tomar aquelle Reyno, que era íeu.
Veyocíle Rey com grande poder , masaprovey-
Éoulhe pouco , porque o Principe o desbaratou.
Tornou fegunda vez fobre elle, pozlhe cerco em
Guimarães , por o Principe eftardeíapercebi io.
Vendo o leal vaflallo Egas Moniz o pouco poder
do Príncipe, & o muyto dos Caftelhanos, fahiofe
fccretamente ao arrayal dos inimigos, 6c contrar-
iou com El.Rey Dom Afíonfo de Caílelia, que o
Principe feu íenhor lhe daria obediência , & reco-
nheceria íuperioridade, &iriaa fuás corres,com o
qiial El. Rey de Caftella ficou fatisfeyto , 6c con-
tente , 6c levantou logo o cerco. Todas citas
coufas fe podem ver largamente no canto terccy-
ro,ab oycava54.urqucad4í.
N Ao fez o Conful tanto ^qiie cercado
Foy nas forcas Caudmas de ignorante,
^tau do a paffa r por bayxo foy forçado
^Do Samnittco jttgo triumfante:
Eih pelo feu povo injuriado j
J^fijè entrega fó firme, s§ confiante^
Efioutro affi^é- os filhos naturais^
fi a con forte f em culpa^qae doe mais,
Nãa fez, o Conful tanto. Conta Ticolivio na pri-
meyra,DdCida , que tendo os Romanos guerras
Gamíes Commentados, híí
com os Samnitcs , que hoje faõ ôs 'moradores do
Abrurzo regiaõ ds Itaiu ^ entre l^iceno, quehojô
' chamaó iM^ircade Ancona Apulha , 6c Campania»
deiejando osSiMiinites paz com os Romanos, pre*
tendendoa por todas as vias ; nunca os KoiDunos
jhaquizeraó conceder jnem deferira (uas embay-
xadas, pelo que criaraó por Emper.idora hum va-
rão principal por nome Cláudio ?onciOéEíle ven-
do que os Komanos lhe cntraváo por luas terras,
cí lhas d. Itruhiaó, 6c quey mavaõ, delpois de tey ta
huma pratica aos leus,em que os animou contra os
Romanos: ulou de huma manha, 6c foy que man-
dou dez ioldadoshompns de faber , õc de animo,
cada hum por íua parte,em habito de paftores com
gíido , osquaesl-azendoíeencontradiçoscom os
Romanos pelos c.impos,nor onde andavaõ a rou-
bir , perguntados pelos Samnites , difleílcm , que
eftaváo em Apulha no cerco dn Luccria. E cooi
todos aquelles dez ach;idos em differcntes partes,
6c tempo, todos fallaíkm por huma boca. Move*
raõos Komanos leu exercito para loccorrer aos
Liicerianos queeraó léus amigos. O Capitão def-
te exercito era o Coníul Eípuriopofthumo. Che-
gados os Romanos a hum certo lugar entre douà
montes inuyto eitreyto^ , 6c cercado , o qual poir
cfterefpeyto , 6c por eftar perto de hurna Aldeá
chamaiia Cauda , ic chamava as torc;>s Cáudinas,
começando a entrar pelo poço , foraó ccrcadoi
dos Samnites , ík alli como em rede forçados a
comprir as condiçces , que ih;; os Samnites pulc-
raõ , entre os quaes hu ma muyto ignominorafoy
palhrem por debayxo do jugo. 'O que o Poet»
aqui moílrahc,que cite ConlulEfpunoPofthuma
não paliou tanta afrcmtá riefte lugar , aonde com
grande menoscabo de íua pellba , ÒCàbatimentc*
de feu exercito paliou elle com todos os léus de-
bayxo do jugo dos Samnites , como pa fiou Egas
Moniz, porque elte paliou íó, 6c contra vontade^
Egas Homzcom léus filhos , 6c Tua molher. Eftc
paliar por debayxo do j..go , era huma affronta,»
6c injuria grandillimâ,quere faziaaos vencidos,6c
era deita maneyra. Armaváo três paos a modo de
forca, 6c'oS vencidos vinhaoalii todos em procií-
íaó, delpidos , 6c delarmados, como quem vay ^
vergonha com baraço , 6c pregão , 6c chegando
áquelle lugar aonde citava aqucUe jugo, pallavaó
por debayxo dcllc. Elte hc o jugo de que os Au-
tores faltaô, 6c naó letomâo aqui forcas Caudinas
por jugo , como alguns querem declarar por fuás
cabeças, náo fe regendo pelo que os livros dizem:
que forcas Caudinas he nome do lugar» aonde os
Romanos foraó tomados pelos Samnites , o qual
por fer alpero, eitreyto, 6c alto, fe chamava forca,
ôc por fer pei to da Aldeã Cauda , forca Caudina,
efta he a verdade. Hoje íc chama o eftreyto de
Arpaya , como diz Ortelio na fua Synonimia na
palavra Caucima fure^i^onác Ihcacrecenta outros
nomes.
&i
^4i Canto Oytavol
res maritlmos , os quaes Í6 a]iintflrão ,& armarão
Y^ entre íi cincoenta ,& quatro Gnlès. com nsquaes
^ j j ... dellruhiraó a DomFuasRoupinho , oqualan-
•^ T Es cfie^qtie faindo da cilada^ dava na coda Icm laber deft-a armada , o que foy a
\ Y Dá/obre o Rey^que cerca a villa forte dezaflete de Outubro de mil cento & oy tenta an-
nos: ôc nefta volta morreo elle grande Capitão, o
que tudo aqui diz o Poeta.Serra de Abyld,he Ceu-
ta,como liça dito no canto j.oytava 77.
Jjà o Rey temprejoj^ a villa de/cercada
dlluftrefeyto digno de Mavorte^
Velo cà vay pintado nefta armada j
No mar também aos Mouro s dando amoxte
Tomandolhe as galés Jevando a gloria
*J)a primeyra marítima vittoria:
^ " Trajo, fahir da grande armada nóva^
Ves efle efut fainiô da alada. Conta Duarte Gal- G^ic ajiuda a combater o Reyprimeyro
vaó na hiftori^ de El-Key Dom AíFonlo Henri- Ltlboa^àefi dando fant aprova}
qnes.que citando Dom Fuás Roupinho Capitão q -^^ Henrique famof o cavaleyrOy
mordomar, no Ca tello do Forto de Moz lhe ve- ^^ , ' ,/ • * -^^
' ^. • Nyí„.,..«D^x, ^«1-; ^«;^ Apalma.quelhenacemntoacova^
■yonova , que Gami Mouro Key de Cima leio, ( ,, ^ n r^r^ , /i
■ )ra he Cáceres vinha com grande poder ^^"^ ^^^^^ moítraT>eos milagre vtflo.
18
•^7 Aõvh o ajuntamento de eflrangeyro
I
aonde hor
a tomar Portugal , por ver que El- Rey Dom Af-
fonfo andava occupado em outras guerras , pelo
que logo poz no Caílellohumapelloade confian-'
,ça , 6c elle com os mais,que pode le poz em cilada,
& vendo que os Mouros combatiáo o Caftello lem
o largar, deu fobre elles hum dia de madrugadn,
eftando os Mouros defcuydados,& desbaratouos,
Sc cativou o Rey. O que luccedeo a vinte & dous
de Mayo de mil cento 6c oy tenta.
Germanos fão os Martyres de Chrifto,
Nao ves hum ajuntam nto. Ifto diz pela armada
de eltrangeyros que aportou â viíta de Cintra, ci-
tando Ei-Key Dom Affonfo Henriques nclia,
com cuja ajuda foy tomada Lisboa , como fica di-
to no canto terceyrojoytava 57.
Olha tíemique famofo Cavulkyro, Eílc Henri-
que foy Alemão de nação , o qual morreo neíla
Velo càvay fintado nefta armada, Deípoisda víc- Cidade de Libboa, quando foy tomada aos Mou
^ - -■- ** ■^ ros , fazle delle menção particular na Chronicá
d*El-Réy Dom AíFonlodo cap.59. &ccntare hu.
ma coula maravilhola , & he que ao longo da (ei^
pulturadelle Santo Cavalleyro naceo huniapal-
meyra, como aqui dizo Poeta, a qual dava íaude
% todos os que a punhaó ao pefcoço alguma pe-
quena delia, ou moído algum paolhe bcbiaõ aquel-
lepò. O que tudo fe pôde ver no lugar daChro*
nica allegado.G£rw<í»í?/,Quer dizer Alemães,
toria que houve Dom Puas do Mouro Gomi,
foyle a Coimbra, aonde El«Rey eítava , Sc là foy
nova que andivão Galés de Mouros pela cofta
Jazendo dano , mandou logo El-R.ey Dom Fuás
Ríuipinho a eítaeniprcfa , o qual pelejou com
as Galés , & as tomou todas, que eraõ no ve , a de-
zaíieis de Junho do duo anno.
HE Dom Fuás Roupinho^que na terra^
E no mar refpUndece juntamente^
Co fogo, que acendeojunto da ferra
y)í Ab i la ^nas galés da Maura gente-.
Olha como então juft a ^^ fant a guerra
*De acab ir pelejando efta contente-.
"Das maus dos Mouros entra afelice alma^
Triunfando nos Ceos comjufta plama,
^y Co fog9 ^ue aeendeo junto da ferra. Alcançada a
vittoria.quo rcterimos na oytava partada,efcreveo
Dom Fuás a Coimbra a El-Rey como a gente por
aqaclla vittoria que houvera eftava alvoroçada,
para hir na armada contra os Mouros , o que El-
Rey iheagradeceo muyto, & deu licença, para
quefoílcm , como os Portuguezes naóachallem
no mar em que pegàr,chegâraò a Ceuta, que ncí-
te tempo era de Mouros, Ôc tomarão, ÔC queymá-
raõ quanto no porto havia. Sentidos, ÔC enfada-
dos os Mouros Uiíloj, deráo avifo a todos os luga-
15)
HVm Sacerdote vè brandindo a efpada.
Contra Arronches ^é[ toma por vinga çai
2)^ Leyriajque de antes foy tomada j
Tor quem por Mafamedeenrefta a lançai
He Theotonio Trior^mas vè cercada
Santarém,^ verás afegurança
*X)a figura nos muros ,que primeyra
Subindo ergueo das ^linas a bandeyra.
Hum Sacerdote vè. Dom Theotonio Prior de
Santa Cruz de Coimbra , ao qual El- Rey Dom
Aftonio tinha dado Leyi ia por fua , aílim no go*
vernocfpirituil,comono temporal. Os Mouros a'
cercarão, 6c tomáraó: pelo que o Prior p^^z cerco
a Arronches, lugar do Alentejo, 6c a tomou aos
Mouros tjue era lua , EURcy dcfpois de alguns
dias, tomou KomarLcyria , & arelhtuhio ao
JMoíley» o Uc Santa Cruz de Coimbra , quanto ao^
tfpintua"'
Líiftadasde Luís de CawÕes ^ommentados", ã ã j
cfpiritual fômenteitomado algum tanto do lucceí- defallar.Feyto nuca reyto,Como fecliírera>6craais
io de Leyriajfiifpeytando que houvera algum dcl- áigno de memoria,que nunca íe fe?.
Eila por armai toma. Entende Évora, de todas aS
couíasdeGiraldo , 6c de verdadeyra declaração
deita oytava íe veja a nofia annotaçaô no lugar al-
legado,aonae trattamos eílas coulas de prepuíitOf
& na verdadei
cuydo no Prior.
Ber estiem for Mafamede enre/la a lança. Entende
os Mouros que pelejayáo pela fcyta de Mafa-
mede.
Mas ve cercada Santarém, Do cerco de Santa-
rém , & como Ic entrou fe veja © que notamos no
canto terceyrojoytava 55.
E verds a feg»ran fa.lito diz ip o v hum Mem Mo-
DÍz,{ilhode Egas Moniz, Ayod^El-Rey Dom Af-
fonfo Hemrqucs.Eíte Mera Moniztoy o primey-
roque poz pé nos muros de Santarém , arvoran-
do em cima a bandeyra de Portugal , com*muyro
estorço , como fe contem iia Chronica de El-
Rey Dom Affonío , cap. jz.
20
VE/o cd donde Sancho desbarata
Os Mouros de V and alia em fera guerra
Os tmigos rompendo o alferes mataj
E o Ijpalico penado derriha em terra:
Mem Moniz he^que emfy o valor retrata^^
^le o fepulcro dopay cos ojfos^cerray
*2Jino dejfas bandeyras , pis fem falta
Acontraria derriba^ a/ua exalta.
Velo cã donde Sancho desbarata. Continua com os
feytos de Mem Moniz, o qual cm companhia do
Infante Dom Sancho , filho de El-Rey Dom Af-
fonlo Henriques , aquemandou o pay apelcjir
com os Mouros nas terras de Andaluzia » lhe to-
mou huma bandeyra junto á Cidade de Sevilha,
qucfoy caufa de todos le porem em fugida, como
le conta na hiíloria do dito Rey,c.5 1, Vandalia he
Andaluzia. A razão deite nome íc veja no tercey-
ro canto, oytava óo.Hiipalico pendão , he pendaõ
de Sevilha , porque Sevilha fe chama em Latim
Htfpalíi , como lhe chama Plínio no fegundo livro
cap.j>7.da natutal hiltoria,6c todos os uiâis,
21
O Lha aquellejque dece pela lança
Com asduas cabeças das vigias ^
Onde cilada efconde com que alcança
A cidade pur manhas j^^ oufadias:
Ella por armas toma afemelhança
U)o cavaleyro^que as cabeças frias
Na mão levava-jFeyto jiunquafeyto,
Ciraldo f em pavor he o forte peyto.
Olha acjuelleijueííece pela lança, Eíte he Giraldo
lem pavor , como aqui diz o Poeta , vejafc a nofla
annotiçáono cmto tcrceyro, oytava 65. Feyto
nunca teyto , para encarecimento de hum feyto
tão cxcellente, como cite Giraldo ufa deite termo
21
N/^S vès hum Cajielhano^qtie agravada
'De /Ijfonfo novo Rey pelo ódio antigo
T)os de Lar a cos Mouros he deytado^
T)e 'Fortugalfazendofe inimigo'^
Abrantes vilUi toma acompanhado
^05 duros infiéis ^que traz, configOi '
Mas véque hum Torttiguez com pouca gente
Odesbaratajê o prende oufadamentCk
'■'' Nad ves hum Cafielbano, No tempo de EURcy
Dotn Sancho o primeyro defte nome, & fegundo
de Portugal , lendo Kcy em Caltella Dom Affoníb
o nono deite nome , Hlho de Dom Sancho o ter-
ceyro por alcunha o defejado. Succedeo,que hum
Dom Pêro Fernandes de Caitro que chamavaõ
da guerra, homem principal em Caltella fe lançou,
cora os Mouros, por fer desfavorecido do ícu Rey*
por amor dos Condes de Lara , a que El-Rey era
niuyto aíFeyçoado. O qual entrou por Portugal
pelacomarcâ de entre Tejo, & Odiana, êc chegoa
a tomar Abrantes : & levando muy tos Chriítãos
cativos deites lugares, com grande defpojo, & ten^j
do feyto muyto mal pela terra , indofe recolhen-
do lhe íahio ao encontro hum Fidalgo Portu-
guez, por nome Martim Lopes,com pouca gente
de cavailo, 6c de pé, 6c os desbaratou, 6c tomou o
deípojo que levavaô, & prendeo o dito Pêro Fer-
nandes de Caílro. O qual perdoado de El-Rey de
Caltella, (e tornou a lançar com os Mouros , & là
acabou. Eíta entrada fez eíte Caítelhanonoann»
do Senhor de mil cento & noventa & nove, & foy
prefo pelo dito Martim Lopes em huma oytava
de Pentecoite do dito anno , a caufa das inimiza-
des entre eíte Dom Pêro Fernandes ,.6c os de La-
ra, íe pedem ver largamente na Chronica de El-
Rey Dom Sancho o legundo Rey de Portugal.
MArthn Lopes fe chama o cavaleyro',
^íe d t fies levar pôde afalma^ e o louYO%
Mas olha hum Ecclefiaflico guerreyro^
Slae em lança de aço torna obago d'ouro:
Velo entre os duvidofos tao inteyroy
Em nâo^negar' batalha ao bravo Monroi
Olbã o final no Ceo^que lhe aparece^
Com que nos poucos feus o esforço creceí
Martim Lopes. Deíte Martim Lopes fica trattaíd
naoytavapafl':Tda. , ^^
XT4^. __ Canto OyfaziP,
i,Ma! ilh» hufn Jí.ecle(i4ico gutrVeyYo. V.{\g foy Jterrdàos Alg&rvet,^jàmlU
Dom Matcheu.s Birpode Lisboa.o qual comaju-
(J^díí cílrangcyros , que aportarão a ella Cidade,
Wf^ anuo de mii duzeiícos ík: dczaílbte poz cerco a
Alcaccre do lai : 6c lendo todos d,e parecer que Ic
l'^;vaPtafle o cerco , por haver nova cerca que vi-
nha grande loccorro aos Mouros , elieo n,aõ quiz
Í-azer,aiues eítando quaíi todos cmfadados . & in-
conllaritts, clle fó pcrreveroucoiiiniuyto animo:
o q'u€ d^ a entender o Poeta naquellas palavras:
vejo entre os duvidofQstaóintcyro.
Olha, o finai m Ceo,c}ue lhe aparece. Eftando o ne-
gocio nelíe eftado fez o Bilpo QraçaóaDcosNof-
fo Senhor publicamente, pedindolhe Jahiflepor
fua honra , qc pela ex;íkaçaó de íua Santa Fé Ca-
tholica , acompanhada com lagrimas de muytos.
Nò qual tempo íe diz que apareceo no Ceo hum
Rad acha ^quem por armas lhe reflfta:
Lom manha ^esforçOiò' com benigna ejlrelU
^^ilUsyCaJieíÍGs toma àefcaía víjta-,
Vès T aviUa tornada aos moradores.
Em vingança dos /è te caçadores^
Olha bum Meflre. Efte Meftrede que o Poeta
falia, era Dom P.iyo Corrêa, Mclire da Ordcin de
Santiago em Caftella. Fc-.y grande cavalleyro, &
perlegiiidor de infiéis. Era Portuguez de nação,
mas viviaem CaflelUem tempo d'El-Rey Dom
Fernando o Icgundo : debnyxodecujabandeyra
fez muytas cauías (inaladas , como foy ajudar a
ganhar Sevilha , & fazer muytas entradas pelos
Mouros do Campo de Ourique, &;dos Algarve;,
íinal.o qual foy hum homem muyto velho, ou pa- em lèrviço dos Reys de Caftella. Delpois le ajun-
ra melhor dizer grande, 6c muyto reíplandecente
^ alvo como a neve, caro huma Cruz vermelha
130 peyto , com o qual ficárâó todos muyto ale-
gres , vendo,que Deos fe lembrava delles : o que
toy parte para, todos perderem o medo que ti-
nhaój&c tomarem novas forças contra íeusinimi-
g^os. O que tudo fc pódç ,ver na Chronjca de El-
l^<.cy Dom Affonfo pof alcunha o gordo,o íegun-
do çtpíle nomcSc teiçeyro dos Reys, c^e Portugal.
^4
VEs vão os Reys deÇõrdo^a^ & Sevilha
Rotos cos OMtros dms,^ não de e/paço
Rotos ^mas antes mortos ^maraviíha
Feyta de'jytos^cfue não de humano braço:
Vès}â a vjUa de Alcaçere fe humilha.
Sem íhe ^a/er defeza^ou muro de aço, . '
j^ 'Dom MAtheus^oÉtj^Q de Lisboa^
y&ivaifft RejfsJeC^riòva.t^o lugar acima alle-
gado da Ch^onicafe conta, ct)mo vieraó em foc-
corr(>aQS. Mouros de Alcaçere , quatros Reys
tou com El-Rey Dom AfFonfo o lerccyro de
Portugal, (5c conquiftaraó todos os lug ires do Al-
garve , como fe traica largamerite na Chronica do
ditoRey.
f^et Tarvilía tomada an moradores. Efte luccefib
que o Poeta aqui aponta dos lete Caçadores , íe
tratta na dita Chronica, aonde le relerem muytas
coufas,queomcftre Dom Payo Corrêa fez. Eíoy
defta maneyTa : Os Mouros de Tavilla, £c de ou-
tros lugares Ão Algarve andavttó muyto perlt»
guidos , 6c atormentados do Meítre Dom Payo.
Vendofc no mez de Junho', no tempo em que the
era neceflario recolher fuás novidades pedirão tré-
guas até dia de S.Miguel, que he a vinte , &.nove
deSeterabro.O Meítre lhas concede o dt- boa von-
tade , porque também lhe eraónecefliirias a dJe,,^
para os feustomaren» algum alivio, do continue
trabalho em que andavaô» Nefte tempo das tre^
goas Dom Pedro^ Pires Commendador de SaiiH
tiago, & compan^heyrodo Meftré, vendo, que h;w
via pazes, determinou hirfe folgar eom certos Fh
dalgos amigos,ahum certo lugar alem de Tavilla
chamado Antas,aonde havia oiuyta caça. Quan4
do traitáraó tabreelía íuíi ida com 0 Meftríí ^ ejlo j
lha contrariou,dando!he muytas razoens,por on-
Mo<.'ros: o dp Cordova,Sevilha, Badajoz, ôc Jaenm:! de lhe não parecia a elleJitm. Mas como elles cí
íii5>.(i^.aes.todos,o Bifpodeu batalha , & vcnceo*
iei^ííf^JliA g^ite raiiyto menos , & os R eys todos
quatro foraò mortos, & muytadeíua gente. O
que fuccedeoaos onze 4i^do inezde Setembro,
de mil duzentos & deza^etercom tudo os Mouros
que.effa víd-no CaftHfò,ri ver,iô rna5V& fe dcf en-
j^f^ô-atQmais. »áQt,poder" , porque na© podendo
rtfiílir á/f^ri^dos ngilTos. , lhe Urgáraõ o Caftcll,^
a dezo.yto,.deQutubi{Q.ç|<x,dito anno eni4ia do
BemaVenturado ^^iMmyCom.outroíclouu VoK
cftoutrosjÍ9usent^n^cíe'4^(l^^^ ík o de
Jacu*^ ■'■■ > -vv 'i^s,^.-
7JoahHmfSÍlfíre,qm deiè de Caftella,
f 'P<jyMgiie,^4e,rja^o^co^oçm^^ -
o
l>àk.''«,
tavaó apctitofos, porfiarão tanto,que foy força dol
ao Meftre naó ífie contradizer lôu goflo. Neíta
hida pafiáraó porTavillaro queòs Mouros toaiàc-
raó cm afronta,& deiprezo fcu. Pelo que foraóaõ
lugar da caça,^ aonde matáraô ao Comniendador
com leis coirnpanhcyros mais ,, cujos nomes eftáo
naChronica. Fazendo elles primeyro em fua de-
fenfaõ as mais eítranhas maravilhas de valor , &
Chriílandade , que íe nunca viraô em lemelhante
acontecimemo : camoJargarttcnte conta aChro.
nica do dito Rey Dom Aííonio cap.j.Foy o Mel- *
tre aviíado defte.cak) ,0 quab aèudio logo , ôc deí«
pçis de ferviraoK Mouros com muyta^ lançadasl
íeC^y a Ta'villa,5c atoníou aos Mouros com grani
de mortandade dos moradores a nttyed&Jwíihí
deruil diizeitLos,qiuaí'caía &dQU9w v- í. -1-j-í-oí.í
%c
Luftadas de Luis de Camões Commentados, 12$
coutas nelU viJa, que fua boa fama fica íeajpvc
viva»
VEs com helltca afliicta ao Mouro ganha
Silves, q e lie ganhou com força vigente
He Dom Tayo Corrêa ycu/ a manha ^
E grande es forço faz inveja agente:
a 8
A Tenta num^que afama tanto eflende^
^ie de nenhum çajfadófe contenta,
^e á ^Fatr ianque de hum fraco fio pende ^
Mas noÕ pajfes os tres,q em frãça/$Efpanha Sobre feus duros bombros a fuflenta^
Sefa-zem conhecer perpetuamente^
Em defafioSijuftaSy& torneos,
Ne lias deyxando públicos trofeosi^^^- \^ ■
Vti com bellíca ãjlucia. Andando o Meftre Dom
Payo Corrêa, nefta demanda dos Algarves fucce-
deo,queos léus defmandaclos deraó cm hum lugar
Não no vez tinto deira^quereprende
Avil defconfiança inerta^à' lenta
2)í> povo^^faz^que tome o freyo^ ^
^efeu Rey natural ^à" naÕ de alheo»
Atttnta num. Eftehe o Conde Dom Nuno AlJ
vares Pereyra, Condcílavcl defteReyno, o qual
perto do Cabo de S.Vicente, chamado Eftombar, vendo os Portugucze» inclinados a tomar Rey ef-
& o tomáraó , cu ydando os Mouros que achariaõ
o Meíire deíapercebido lahiraò a elle da Cidade de
Sil ves : o Meíire fabido ifto le foy ás portas da Ci-
dade, 6c nellas houve huma crua batalha, porque
o Rey por nome Abcn Afan,era fó.ra ,& queren-
do entrar : & os Mouros acudindo a huma porta
para o recolher , foy huma caó cruel briga lobre
cila entrada , que o Rey ficou fora , ÔC os Portu-
guezes dentro. Como fe conta na dita Chronica __
de El-Rey Dom Aífonío o terceyro. m% nSo paf^ Só pode ^o que mp o ffiveí parecia,
fes ot treu Deíles trcs fe veja a nofla annotaçaó na y^^^^^^ ^ . f,^^ ^^ Caítella;
oytava leguinte. , .,, ^ '^ . n • , J i ^•
J ^ . *,^ yes porindujiria Mesjor ço t& valentia
trangeyro , Sc a principal Fidalguia rebellada , &
recolhida a Caftella : elle lò teve maó no negocio;
E fez que os Portuguezes perdeflem o me^io, O
que tudo maii largamente lepódc ver no canto
quartOjoytava 14,
OluhaporfeuconfelbOi^ oufaàia
T>e T>eosfímdofó,^é de f anta EJlrelh
^1
VElos CO nome vem deaventureyros
ACaftella.onde opreçofós levar UQ
*De jogos de Bellona verdadeyros^
^e com dano de alguns fe exercitarão:
Vè mortos os/oberbos cavaleyros^ *
^e o principal dos três defafiàraÔ^
^e Gonçalo Ribeyrofe nomea^
^tiepódenaõtemer aley Lethea,
Outro eftragOy& vtttor ta cíarajò' bella,
Na gente ajfi fero z^c orno infinita^
^le entre o tortefo/^ Guadiana habita.
§lue entre o Tartefâ , é^ Guadiana hahita, Dcfpois
de vencida aquella taó nomeada, & celebre bata-
lha de Algibarrota,contaó as Chronicas que (e re-
colheo o Condeílavel Dom Nuno Alvares aos
lugares de Alentejo , aonde era fronteyro. E dalli
mandou dar a vifo aos grandes de Caílella, quclc
fizcflera preíles, porque elle determmavacntrar-
Veloí CO nome vem J« avmturtyros. Os três que na lhe por luas terras,6c deílruhilos a fogo,& a ferro,
oytava paflada o Poeta notou, que fizeraó gran^ Com eíle recado fe ajuntarão os principaes de
des coulas em França, foraó Gonçalo Rodrigues CaílcUa com muyta gente , & tanta que contaò as
Ribeyro , Vafco Anes , colaço da Raynha Dona Chionicas, que havia cincoenta Caftelhanos para
Maria de Caílella : &Fernaõ Martms de Santa- hum Portuguez : & aduaslegoas de Merjdaem
rem. Eíles defpois de haverem andado ires annos
cm França como aventureyrcs,por ganharc hon-
ra, & fama por fua cavallaria,coítumc mayto ufa-
do naquelles tempos-* vieraó ter a Caílcl la , aondô
Gonçalo Rodrigues Ribeyro matou humCaíle-
Ihano em hum defafio. E em humas Juílas reacs
que El-Rcy de Caftella fez a pt tiçaó do dito Gon-
çalo Rodrigues Ribeyro, fizeraó todos três niuy-
tas ventagens : o que tudo le pódcver na Chro-
nica d^EURey Dom Affonfoo quarto de Portu-
ga
^e pode nat temera ley Lethea. Lerhum , entre
os Latinos hc a morte : daqui Icy Lethea , he
a Icy da morte : a qual vence , que n faz tacs
hum lugar por nome Valverde fe encontrarão,
aonde os Caílelhanos forao vencidos,
Tartelo. HeTariffa, Cidade de Andaluzia. O
que o Poeta aqui quer dizer he , que Dom Nunq
Alvares entrou pelos lugares de Caftella da Ef-
tremadura, quecft.i(3 entre Tarifia, & Guadiana,
rio.que palia pelo eílremo de Cailella.o que tudo
fe pôde ver largamente na fegunda parte das
Chronicas de EURcy Dom Joaó o prjmeyrodff
Boa memoria, cap.59.
Tl /t As não vès quajijà desbaratado
O podar LuJitanOipela anfencia
Ff
09
ía6 Canto
*Z)í? Capítaê devot o ^que apartado
Orando invoca a Sur/ima^^é Trina E{Jenc\àt
Velo com prtjjajâ dos /eus achado,
G^e lhe diz em^que falta refiftencta
Contra podir tamanho^^ que VíeJJe^
Torqué confino esjor^o a os fracos deffe.
Mai não vht^uafijâ àetharatàdoA^o â\z O Poeta,
porque rvefta batalha de Valverde , como os Por-
tuguçzes eraó muyto menos que os Caítclhanos,
ellavaõ em aperto , oque vendo Dom Nuno Al-
vares Pereyra fem dar conta a peílba alguma , Iç
foy a hum lugar apartado , levando conílgo fò
huniçnado feu , £v pofto d-ejoeihpsíez oração a
Deos Nollo Senhor, o ajudallecontraleus inimif
£os , Sc como elle era muyto querido de todos, Sf
ícíbrequem todos eftribaváo , andavaó todos pal-
mados como o naó viaò. E andandoo buícando
pordijferentes partes, foy ac«io dar com cUe hum
Cavaileyio por nome Ruy Gonçalves , o qual
vendoo naquelle dlado,não le attrevço a f^llarlhc
logo , mas cnLcndendo iit neceílario lhe diflc o
dano que osCaftelhanõs faziaô nos PortuguezeSi
Neíle tempo chegou outro Cavalleyro porno-
çne Gonçaleancs de Caílello de Vide, o qual lhe
fallou mais ibho, dizendo era muyta gente morta,
ôí ferida;ao qual ellc não relpondeo outra coufa,
íenaó queo deyxafle , que ainda náò«ra tempo,
como lò mii na oytava legumte.'
MAs olha^comque fanta confíançàt "^
^ie ainda nao era tampo refpondia.
Como quem tinha em Deos afegurança
'Da vittorta^qttf logo lhe daria:
yjjfi 'PompiUo ouvtndoyque apoffanfa
'ÍDos imigos a terra lhe corria^ --^ - -
Aquém Iheadura nova e flava dando ,
Tois euÇ rejfonde) e fiou f ai rife ando,
.■••f»»j:;}-;;
Afji r»mpílío. Eíle foy fegundo Rey dos Ro-
fnanos : o qual delpoi? de fe aquietar com feus ini-
migos, le conta delle,que todo le deu ao culto dos
fallos Deoíeíi: & era tão íupcrlliciofo, & ceremo-
niatico.que conta delle Plutarcho na lua vida, que
entrandolhe os inimigos pehi fua terra, &: dcílru-
indolha,aviradD dos íeus,refpondeo,o que o Poeta
aquidiz.eftou facríficando: porque cftava fazen-
do facrificio aos Icus (rilles.Sc lalíos Deolcs. Bom
exemplo de Gentio, o qual dava a entender neíta
rcpoíla, que mais fe refreava a fúria, dos inimigos,
com o favpr,Sc ajuda de Deos, que com poderoíos
exércitos, AíTim o nollo Dom Nuno Alvares di.
zendolhe os léus o aperto em que eftavaõ, relpon-
cleolhe,q o deyxaflem orar. E pódc tanto cita lua
oraçaó com Deos que levanrandofe delia, desba-
ratou com tnuyto pouca gente grande. mukidaó
dç^nimigos.
OytavQm
U
Ç E quecofn ta to esforço em T>eosfi atreve
l3 Ouvir. qut fere 5 como fe nome a,
^ortuguez Sciptao chamar fe deve y
Mas mais de T)õ Nuno Alvrezfi arreai
'Ditofk Tatr ianque tal filho teve.
Mas antes Tày^que em quanto o Sol rodeãy
EJie globo de Ceres,^ Neptuno,
Sempre fu/pirarã por talalumno,
Portu^uez Scipiào chamar fe deve. Em louvor def»
te excellcnte Capitão de que vay trattando nef-
tas oytavas , & recontando, grandes excellencias
/cm o nomear , diz, que le devia chamar Scipiaõ
Portuguez : mas que elle com ter eítc titulo de
Scipiaó taó honrolo , quer mais o feu de Nuno
Alvares Pereyra, pelo qual era taó conhecido, &
nomeado naquelle tempo, Foy eíle Scipiaô de
que o Poeta aqui falb, dotadp de muytas , 6ç muy
grandes virtudes Nas coulas da guerra efpantofo,
porque nclla fez maravilhas.Su^^eytoutoda Hcf-
panha a« povp Romano. Deílruhio Aníbal, & ou-
tros Capitães de Africa , pelo que lhe foy poílo
o cognome dç Africano.Foy da gente illuíírc dos
Cornelios cm Roma,& o prjmcyro que dizem foy
chamado Cefar, porque mortaa máy, quecftava
prenhe , vendo que lhe bulia a criança no ventre,
foy por acordo dos Médicos mandado , que fe
abfiflc , Sc tirafle a criança fora. Elias , Sc outras
muytas couías deftc varaó excellente íe poderi
ver em P lutarcho na fua vida. Pois a efte Scipiaó
taó nomeado, Sc conhecido por feu esforço, Sc ca-
vallaría , compara o Poeta o noílb Dom Nuno
Alvares Pereyra , pelo qual diz que lufpirarà Por-
tugal cm quanto o mundo durar.
Efie globo de Cerei, & Neptuno, Por eftas palavras
entende todo o univerlo , porque globo , quer di-
zer bola, a cuja forma o mundo he leyto, por fer 2
figura redonda mais pcrteyta que todas as outras.
Pela qual razaó diz Ovídio liv. i. Metamorpholeç
que Deos fez o mundo Ycáonóo.Alagnf fpeae^fglo'
meravit in orbis, Fizcftes o mundo redondo para
ornato , Sc fermofura fua. Ctres, Como dizem os
Poetas, foy filha de Saturno , Sc Ope: era tida por
Deola dos mantimentos , Sc fruytos da terra, por-
que diziaó que ella fora a primeyra que inventar!^
o modo de lavrar,Sc lemear a terra. E que por efíe
refpcyto fc chamava Ceres, quafi^e>eí,de^er<j i/,quç
he trazer , porque criava , Sc dava todas as coufas
aos homcs como di jTuUio liv. z, de natura Deoru.
Outros lhe davaô outras Ethimologias-, 6c fazern
diftercntes Ceres. O Poeta toma aqui Ceres peU
terra,comoofezCiceiol.i.de natura Peoiú.Nt/-
tmo. Dizem os Poetas ler idolo do mar, irmáq de
Júpiter, Sc Plutaó, tomalepclo mar, como aqui.
^ilumno.He. cnadojchamaleaflim deo/# <í/ij,palavr^
Latina, que quer dizer cnar,Sc fuílcntar.
Na
Lupaàas de Lm dê
5 3
NA me/ma guerra vé que prefas géinha
Eft outro Capitão de pouc agente^
Comendadores vence ^& o gado apanha,
§lu.e levav ão roubado onfàdamente:
Qutra veZiVé que a lança em fatigue banha
Refles ^fò por livrar c'o amor ardente
Qpre/ó amtgOfprefo por lealy
"Fero Rodnguez» he do Lmdroal,
^ a me fma guerra vè. Por moncàc El-Rey Dom
Fernando o nono , ficando cfte Reyno fem her-
deyro tomou o povo por íeu Governador, & de-
fcnforjConcra El-Rey Dom Joac deCaílella, que
queria entrar em Portugal , a Dom Joaô meyo ir-
iTjaó do dito Rey Dom Fernando, Meftre de Avis.
Foy caufa ifto de haver entre Portuguezes , 5c
Caítelhanos grandes difcordlas , 6c guerras. Com
El-Rey de Caftella era lançada a principal fidal-
guia de PortugaljCuydando Ter melhor partido, 6c
que ieguravaó melhor íuas fazendas. Entre outraí
coufas , que neíle tempo acontecerão , huma foy
efta, de que o Poeta aqui faz menção: Scheque
dous Commendadorcs Caftelhanos , hum de ÃI-
x:ântara,outro deCalatrava,foraõ com muytagen*
te aílim de cavallo como de pè correr o termo de
Évora, &: lua comarca. E como naõ há coufa por
inuyto fecreta que feja , que fe não íayba : ainda
queelles hiaó com todo legrcdo poíTivel , Sede
maneyra, que lhe parecia, que por nenhum modo
feriaó ierxtidos. Hum moço Portugucz por nome
Rodrigo Valleyo , natural de Borba, pagem de
hum Caftelhano por nome Diogo Gonçalves
Maldonado , foy dar avifo a Pedro Rodrigues Al-
cayde mór do l.3ndroal,que naquelle tempo eíla-
va por Capitão daquellas partes, & que era muy to
leal, ôcfiel aoferviçodo Meílre, que he o de que
aqui falia o Poeta.Eíle Pêro Rodrigues fabido illo
lahio com alguns de cavallo , ôc de pè , em alcance
dos Callclhanos , & lhe tomou a prefa que leva-
vaõ,que eraó cinco mil ovelhas, mil 6c quinhentas
cabras, 6c leílenta homens 6c moços cativos. E af-
íim mefmo derribarão dos cavallos os Commenda-
dorcs, os quaes ficarão alli, ícnaõforaõ foccorri-
dos pelos léus , que lhe deraó cavallos em que le
pufcraó ein íalvo. O que tudo fcpóde ver mais
largamente na primeyra parte das Chronicas de
El-Rey Dom Joaõ o primeyro.
Outra vez, ve ejue a lança em (an^ue banha, Neíte
tempo tudo eraô guerras , 6c divilóes , nem havia
quem ieentendefle: porque os Portuguezes, huns
leguiaô as pii tes do Meílre : outros le lançavaõ
com El-Rey de Caftella. Succedeo,que hum Vaf-
co Porcalho.a quem o Meftre tinha encomendado
oCaftelio de Villa ViçoU.foy ientido naó ler leal
ao fcu fenhoro Meftre , 6cque íe carteava com
hum Pcro Rodrigues da Fonfeca , queeftavaem
CdmÕei Comm^nfadõf, tif
Olivença por El-Key de C^ííclía. Pelo íjiie , hum
Cavallcyro natural Ue Villa Viçofaipor nome Ál-
varo Gonçalves Coytado, com outros a quemdeil
conra do caio, ci-etprmmáraó de o prender. E para
cite effcyio mandou recado a Peio Rodrigues do
LanJroâl, deque himosfallando, oquaiacudio
logo, 6c teytos todos em hum corpo, icforaó aos
paços aonde eftava Vafco Porcalho, & o lançarão
fora: elie íe foy a Lisboa lanearfecom o Meítre^ o
qual lhe tornou a dar o Caílello. Como Valco
Forcalho ícvio naquelle eílado,pozpor ordem o
que antes defejava , que era dar aqucUa Villaaos
Caílelhanos. E como eftava Ientido do que lhe fii-
zera Álvaro Gonçalves Coytado , determinou de'
o prende r,como íez,& o meteu na torre da mcna-
gem,com molher,6c filhos, 6c mandoulhe laquear
tudo quanto tinha em íuacafa , logo eíta noyie
meteo Valco Porcalho no Cafteilo duzentas lan-
ças de Caftelhanos. Os quaes como amanheceo
levantarão bandeyra por El-Rey de Caftella , di-
zendo a altas vozes, Gaftilha, Caftilha. El-Rey de
Caftella mandou logo recado a Valco Porcalhoj.
quemandaiTea Álvaro Gonçalves prefo a Oliven-
ça, para ler ahi mClhor guardado, 6c huma carta 9.
Pêro Rodrigues da Foníeca, que o tivcHe a muy-!
to bom recado ate ver o que íe havia de fazer del-^
le.Como o Condeftavel Dom Nuno Alvares lou-
be defta prilaô de Álvaro Gonçalves , ficou muy-
to pezarofo,6c efcreveo a Pêro Rodrigues do Lã-]
droal trabalhaíle por faber fe o haviaóde paflar
dallip^raoitra parte, elie lhe reípondeo que fimr
mas que raS fabia quando,nem como. Dom Nuno
Alvares lhe mandou logo alguma gente , que ti-'
vefle comfigo para o ajudar a tirar o Álvaro Gon-
çalves do poder dos Caftelhanos , luccedendole-/
valo a alguma parte. Dahi a poucos dias veyo hu-
ma elpiaque Pêro Rodrigues do Landroal tra-].
zia em Villa Viçoía, 6c diíleihe, como a noyte le-
guintehaviaó de levara Álvaro Gonçalves a Oli-
vença. Pêro Rodrigues fabendo iíto confultoa y
com os íeus como fana efte negocioros quaes açor- ^
daraôporfe cm cilada era certa paragem, por onde
os Caftelhanos haviaò de paflar. Pelo que fahiodo
Landroal hum dia já Sol pofto, com trinta 6c hum
de cavallo, 6c cincoenta de pé, fingindo ir cami^
nho de Eftremoz : 6c como foy noyte deraó volta
para o lugar aonde cftavaõ concertados hirem: 6c
lendo alta noyte foraó avilados como vinhaõ
muy tos de cavallo, 5c pé,6c alguns befteyros. Pela
que le fizeraó preftes, 6c pelejarão com clles,6c lhe '
tirarão o prelo que levavaó , 6c aelles trattáraó
muytomal, o que o Poeta a^ui aponta, 6c (e pódc
ver nas Chronicas de EUl^ey Dom Joaõ o pri-
meyro no lugar allegado.
O
34
Lha efle desleal o como pai^a
O perjuro , que fes!ii& vai engano^
22^ Canto
QilFernmdezi he ãe ElvaSiquem o ^Jiraga^
Efaz vir apaffar o ultimo dano:
*ÍDe Xeres rouha o campo j& qua/i alaga
Uojangue de f eus donos íajhlhanoy
Mas oiha Ray 'Fere^ra^que í'o o rojio
fas^ cjciido àgaíèsjdiance^ojco.
Olha e^edoleal. Conta* asChronicaç.queefcre-
Veo o ^lclí r.e a Gil Fernandes dç Elvas , que cita-
va por Cípíçaôda^cnte dâquelJa terra,quefonea
Çampp i)t1ayor , & fallaííe com Paes Rodrigues
M,(\.ói}ho Alcayde mór de Campo Mayor , o qual
eftavgpor Caítella , & operluadifie tomafielua
VQZ, que lhe faria muytas mercês, 6c honras. Gil
Fernandes viíla a cartado Meftrefoyle a Campo
Mayor,levando comíigo çincoenta,de cavallo ar-
mados, como chegou perto do lugar, mandou re-
Cãdp a PafcS Rodrigues quizefle fahir do Caíkllo
a. vcrle com eiIe,íobre certo n€gocio,que a elle lhe
iniportí^v a.OPaes Rodrigues refpondeoiquefoíle
q Gil Fernandes fallnr com elle entre o niuro , 6c
abarreyradoCaftello, & que podia levar dez ho-
ipeiís de armas comfígo.Gil Fernandes ucey toq o
partido, mas com condição quefizeflcm pleyto,&:
omenagem, quefofle leguro hum do outro, Paes
Rodrigues aceytou a condição , & paíTaraôfe el-
critos de huma , & outra p^rte: o qual concerto
naó cuínprio PaebRodrigues,antes chegando Gil
F.ei nindcs pprendeo, com rnuyta gewte que para
edc effeyto tinha preftcs , da qual priíaó fe reíga-
tQU dclpois Gil Fernandes , por duas mil dobras,
como as Chronicas contaõ. Succedeo delpois en-
contrai le G.il Fernandes com p Paes Rodrigues
em hum mente entre Elvas , & Campo Mayor,
cha r.^do Segóvia , aonde q Paes Rodrigues foy
preio , com outros alguns Cavallcyros da fua
conlerva , 6c morto , como tudo fe pòdc ver mais
largamente nas ditas Chronicas. O desleal perju-
ro , de queaqui falU o Poeta, he Paes Rodrigues,
que quebrou a fé que tinha dada a Gil Fernandes,
chamalhe desleal, porque lendo Portuguez feguia
as partes de Caftella. Ultimo dano he a morte, da
qual Gil Fernandes foy cauía, ainda que elle naó
o matou , antes lhe pelou de lua morte, como nas
Chronicas íe conta.
DeXerez. roukao.campo.EíÍQ meímo Gil Fernan-
des de Elvas ajuntou cem de cavallo , & quatro-
centos de pè , 5c entrou por Caftella até os Cam-
pos de Xerez, donde trouxe grande prefa de vacas,
& ovelhas, & cattivos. Vindo com efta prera,acu*
diraõ de Xerez , 5c outros lugares com trezentas
lanças , Sc muy ta gente de pé , 2c o alcançarão em
hum lugar , que fe chamava Serra das Porcas aon-
de Gil Fernandes, os desbaratou, matando, & fe-
rindo muytosdelles,cqn\p o Poeta aqui aponta.
E dizem as Chronicas, que era tanto o gado , que
Gil GernanJes Icvav;^, que cada hum tomava 4e41e
o que qi^eiriíi, porq^s n^ô labiaõ o q haviaõ de fa-
s^eraeilé.
Oytavo'1
Mas olha Ruy Tereyra. Efte Riiy Pereyra era
muy to esforçado Cavailtyrp,o qual íeguia as par-
tes do Meílre. Neíte tenspo determinou El-Rey
de Caftella vir fobrc Lisboa,^ cçrcala por mar,6c
por terra , como o fez. Os Porluguezes puleraó-íe
em defeníaó peio melhor modo que puderaó, A
armada de CaitcHa aliim de nãos como gales era
muyto de ventagem da de Portugal. Entre outros
Capitães do Mcitre eràKuy Pereyra : cfte vendo
que os Caltclhanos, quecitavaó defronte de Al-
mada , com quí.renta nãos groíVas , & ti eze gales,
quizeraó dar iobre as npfius galés , quç pãllavaò
por defronte dclles , pozle de roí^jo com a lua nao,
com outros dous Capitães Portuguezes , 6c.e}lc à
aferrou com a Capitania dos Caftqlhanos , que hia
de rofto fobre as nofias galçs, iem a armada de Cal-
tellalhe íaiernojo. Kíjas o Ruy Pert;yramorreo
nefta voita , 6c foy muyto íentiuo , 6c chorado dcs
Portuguezes , porque toy hum esforçado Caya]-
leyro , & leal Portugucz. llloheoque p Poeta
aqui diz,que Ruy Pereyra fezefcudoáj galés pof-
to diante , porque fc poz diante da armaoa de Caf-
tella, 6c tez. cicudp às galés de Portugal, que naó
recebeflemdaiio dasnaps, ôc galés de Caftçllâ,que
eraõ niuytas mais.
3 5
OLha<,qne dez>afete Luftaiíos^
Ne/h outeyro fubidos^fe defendem
Fortes ^de quatrocetítos Cnfle lhanos ^
^ueem derredor pelos tomar fe efiendemi
'^Forèm Itgo fentirao com f eus danos ^
^e tíão f o fe defendem ^rnas offendem;
^ignofeyto defer no mun^oetcrnoy
Grande no tempo antigQ^lê no moderno.
Olha efue dezafete Lujitanos. Nefte tempo eftavst
Almada em grande aperto cercada por rnar,5c por
terra de Caftelhanos,& contafe nas Chronicas, que,
paflavaó grande trabalho , mayormcnte de fede,
por falta de agua , de roaneyra quç lhe morna
muyta gente à íôdc, Sc alguns cavallos que dentro
da Villa eftavaõ , lançuraónos por huma penedia
abayxoaomar , por naó terem que lhe dar a be-
ber, & outras coufas que nas Chronicas pódcm ler
os curiofos. Poftos os Portuguezes ncíle eftado
determinarão hir bufcar agoa ao longo do mar,
para o qual hi^ó por huma penedia muyro gran-
de , poF hum caminho que elles para efte effry to
íizeraó. Como os Caftelhanos loubtraó iftopufe-
raófeera ciladaefcondidos muytos , ecos Portu-
guezes que hiaó pela agua naó eraó mais de dezaf-
fete,os quaes entre aquella penedia pelejarão com
os Caftelhanos taó vâlerofamente,que matarão, &
f«riraó muytps.
s
5^
y^hCe dHtfj^^meute^que trez-etitos
Jà contra mil Romarm pelejarão
\ Lufiadat àeLnitàe
ílo tempo quê os viris atrevimentos
^De Viriato tanto fe illuftrarão:
E delles alcançando vencimentos
Memoráveis jde herança nos deyxàrr.ô^
^m Os muytos por fer poucos não temamos^
O <iue depois mil vezes araojiramos,
Sahefe antigamente <jue trezentos, Efte cafo coma
Paulo Orolio , ík outros : 6c he que no tempo de
Viruto delpois da rotta de Nigidio rccolhendore
para Caílella mildecavaIlo,encontraraó con) rre»
zentoiPcrruguezes da Beyja, osquaes hiaó car-
regados de deipojo da batalha, & querendo os de
cavallo tomarlhea prffa/c puferaó em lom de ba-
talha , Ôc os iizeraó fugir , ficando dos mil tre-
zentos no campo marcos.
37
Oljba cã dous Infãtes^TedrOi'^ Henrique
Progénie generofa de Jomne\
AqusUefaz^que Fama tlltijhejique
*£)eile em Germama^com q a morte engane:
Rfle^que ella nos mtres o publique ,
^ or (eu de fcnhridor ^f£ de [engane
*De C^yta a Manra túmida vaydade^
Trimeyro entrando as portas da Cidade,
Olhacâ âom infantes Pedr^)^^ Henrifde. Eíles in-
fantes foraó filhos d'El-Key Dom João o pri-
meyro de Boa memoria. Foy o infante Dom Pe-
dro Duque de Coimbra , & Governador dcftes
Reynos , cm tempo d^El-Rey Dom Affonfo o
quinto feu fobrinho, por fer o dito Dom Aííonfo
de pouca idade , & por cíle reípeito não ler para
governar o R.eyno,como fe conta largamente na
Chronicado dito Rey.Efteve o infante Dom Pe-
dro em Alemanha , a qual o Poeta chama aqui
Germânia , como lhe chamaõ os Latinos, 6cna-
quellas partes, fez coufas dignas de memoriado que
diz o Poeta por eftes termos,com que a morte en-
gane: porque aquelles fe dizem enganar a morte,
que fazem coulas na vida com que fua memoria
deípois da morte fica viva.
Efie,ejue elia. nos maleíapublisfif£..'&nHi\d€ o ínfan^
te Dom Henrique, era eíle Prmcipe naturalmen-
te ir.clinaio a fizer guerra a infieiç; A efta inclina-
ção natural fe ajuntoa a obrigação de Teu cargo,
& officio de Governador da ardem da cavalleria
de Noílb Senhor )e!u Chiiílo, que El-Rey Dom
Dinis tresavó inftituhira para cfí-eyto deita guer-
ra contra infiéis. E como naôpudefle executar eít*
vontAdcporcdareroja, os Mouros lançados, alem
do mar, & porque cambem lhe naó feria bem con-
tado por ler negocio çoçançc aos Reyi de Porçu-
gal,o que te verificou muyto mais,dçípois que feu
pay tomou Ceuta»quçentaõlhe ferrou de todo as
porcas á íua pretçngaõ. Determinou eiuaó Urgar
Camões Commentados] Itif
as veias a léus defcjos,& nseíferfe pclo msr dentro^
para fazer novas conquiftas , & delcobrimentos,
aonde leu nome principaluicnteniilicalle i Síoú
meritoá da tal eovprefa foílem ícus próprios , 6c f»
pudcflem merer na ordem da cavallaria de Chrilto*
d« que elle era Governador , & de cujo thefoura
podia defpender.E também porque lhe ficafle no-
me de primeyro conquiltador , & defcubridor da
gente idolatra, imprefa que até leu tempo nenhunni
Príncipe tentara.
Ck Ceuta a Maura túmida vitUade. lílo diz por-
que quando feu pay tomou Ceuta aos Mouros,
elle loy o pnmcyro que entrou às portas como nas
Chronicas fe tratta liv.i. cap.2.
VEs o Conde T>om Tedro^quefuftenta
l^otfs Cercos contra toda a Berkeriaí
Vés outro Conde eftã^que reprefenta
Em terra Marte ^em for çnM oufadiai
*De pader defender fe não contenta
Alcácer e da ingente companhia^
Mas do feu Ray defende a cara vida,
^ondo por muro a fua alli perdida,
Ves o Conde Dom Pedro. Elle Dom Pedro,a qUÍ
o Poeta aqui chama Condç,fay filho de Dom Jaaõ
Affbnío de Menefes Conde de Viana : o qual no
tempo d*£l-Rey Dom Joaó o primeyro de Bo.i
memoria fe lançou com o§ Caftelhanos, & morreo
na batalhado Algibarrota. Pelo que tornandofe
fua molher pava Portugal comefte filho Dom Pe-
dro,ainda que El-Rey Dom Joaó lhe fezmuytas
honras, Sc mercês , nunca lhe quiz dar o titulo de
Conde a efte leu filho Dom Pedro , le nad delpois
que por algum tempo regeo a capitania da Cidade
de Ceuta em Africa , de que foy o primeyro Capi-
tão, 5c Governador. Mas nomeavale Conde publi-
camente, como lhe chama aqui o Poeta, por fer fi-
Ihodo Condtí Domjoaó, comoficadito, & por
fer fey to Conde cm CaíteU2,como diz a lua Chro-
nicacap.,5.Foyerte Dom Pedro de Menefes excel-
ientiíTimo varaó, 6v prjmeyro Capitão de Ceuta,»
qua! dcfendeodedous cercos de Mouros , a que
acudio toda Berl>eria, & fez outras muy tas, coulas.
dignas de memoria nas partes de Africa , quefe
podem ler em htimaChronica que ha de fuás cou-
ías de letra de. maõ. Foy lUuítre fundamervto da
caía de Villarcaliôcmiis de muytos,6cmuy valero-
fos Principes.
l^et outro Cmde eJlà.Edc he o Condq Dom Duar-
te, filho i>aó legitimo do dito Dom Pedro,, Foy o
pnmeyro Capitão de Alcácer ceguer : o qual de-
tçndeo de hum grande çerço , cmqueíeachouo
Xaritecoimtodo íçu poder ,co mo diz aqui o Poeta.
Mas do. feu Rty defende a caré vida.Qonta^^ na Chro-
nica d' El- Rey Dom Affonfo o quinto,queeftan-
do EURçy em Ceuta Ibt; deraó huns Mouros avi**
io,
livro.
#56" . __ " Cí^Kí<? OytavH]
ioj como na ferra de Bénacoíic havia rauy tas ai- Camóes ,
d€as , & lugares , aonde podia fazer grande prela.
Como lii-Key era affeyçoadoa eítas coufat.» fol-
gou com elta nova,&: entre outros Fidalgos levou
CO mligq^ao Conde Dom Duarte , queeíUvaen-
laó couí elle em Ceuta. i)uccedeolhe o negocio de
uianeyr» , que toy necellano recolher le tLl-Rey
para a Cidade:oqual venuo que os Mouros carie-
gavaó «layto iobreelie , diíie ao Conde Dora
Duarte encretiveíleaquelles Mouros , oqueeile
fez dç maneyra , que por falvar a vida d^lílíley,
pcrdeo a fua , o que tudo íc pôde ver largamente
na Chronica allegada d''ii.I-Rey Dom Aflonlb o
quinto: Sc ailego os lugares aonde os curiofos leaõ
as coufas de que tratto , porque para commento
baila aíTim.
Como elle diz tú algumas partes deílc
40
A^iellesYPays tlluflres^qnejà derao
'Principio âgeraçàotque ae lis s pende ^
'^Fela virtude muyto então jizeraõ^
Epor dcyxar a cafa^ que dejcende:
Cegos ^que dos trabalhos ^que tiverão
(Se alta famujô' rumor de lies fe ejiende^
Efiuros àeyxãofempre feus menores^
Com lhes deyxar de fc anjos corruptores.
5P
0'Vtrõs mu y tos verias ^ que os pintores
Aqut também por certo pmtarião^
Mas faltalhes pincel Jaltamlhes cores ^
H&nra,premio,favor,que as artes crtaot
Culpa dos vicio/os fuccejforesy
^le degenerado certo ií^fe defvião
*iDo lujfre^^ do valor dos /eus pajfados
£mgoftoSi\3 vaydades atdíiados,
Otttroi mupoí verias^ Diz o Poeta que a cauía de
naô citarem outros muytos em aquelles payneís,
he porque de generaraó de léus antepaflados , os
quaes também jazem no melmo elquecimento por
/^cjuelks fays illa^res.Not^ o Poeta neíla oytava,
Sena ieguinte o mao modo que tem alguns ho-
mens nobres no leu proceder, que he a caula por-
que íe cfcreve lua geração , &. íe naó tratta de feus
teytos. Nefta primeyra diz, que hà alguns que fi-
2eraó muyto pela virtude , ôcem quanto viverão
le houveraô muy honradamente com todas luas
coulas, mas que em volta diftotrattaraó as coufas
dos filhos, com tanta dcfordem, £<: dcícuydo,que
foraó caula de feus fey tos fe eicurecerera de todo:
porque todo leu cuydado,6c vigilância pufcraó em
fazer grandes morgados aos fiihos,naó ie lembran-
do quaó differente negocio fora adeftralos em ou-
tras coufas , que mais lhe importavaõ, 6c como os
criarão com mimos, & delordens, 6i lhe deyxaraô
largo que gaílar, vivem atoUados em vicios, & fó-
njente trattaó do modo que teraõ em viver folta,
6c defenfrcadamente , conlorme a criação que ti^
falta de feus delcendentes, que íaó taes que naó ef- veraô,Sc deíla maneyra fe perde a memoria, aífim
timaõa virtude, nem fazem cafo dos homens, que de feusantepafiados, como a fua,leaó os curiofos
lem engenho, ÔC partes com que os honrem, 6c
Íionhiõ os feytos excellcntes de feus mayorcs no
ugar,que merecem, O pincel» 6c cores que faltaô
aos pintores, pelos quaes aqui entendem os Poetas,
Iromens de engenho faó como elle raefmo diz nel-
ta oytava: Honra,premio,favor, que as artes cria,
aíTim o diae CKero.Homs alit artes, O que parece Culpa de Repique às vezes aprivndos
tomou do Poeta Anílophanes, o qual vendo que ^^^ ^^/ . ^ ,^^,y^ esforço^e faber tenhao
le queyxavao muytos de haver fracos Médicos r-n ^, r - '^ ^ ^ •' j
em Athenas havendo cm outras fciencias varões ^P'' ^s feus nao querernverptntados ^
€minentiíritnos,diae cilas \>^'zvY7i%S»emadmodum ^^^^do que cores vanslhes nao convenbao
framiHm, ifamc ars x;í^íí.Faltaõ Medicos.porq lhe ^ ^^^^ ^/^f* c^^^ trario naturalj
faltaõ prémios a iílo alludio Marcial quando diílej Ajpiutura^que fallayquerem tnal.
a Horácio , que trata deíla matéria largamente.
Od.24.1iv.3.
Ostros t abem ha gr ande s^ G? abaftadosl
Sem nenhú tronco illu[lre áõde venhaõi
SifJt Maceniteijfjon deerunt flacce Maronei
í^trgtlíumfit tibiyVÚ tua rura dabunt.
Aja Mascenates , haja homens que favoreçaô , 6c
nao tiltaraô Poetas, 8c a cada canto achareis hum
Virgilio , 6c quanto a mim a razaó porque hoie
os , 6c Virgilios , he porque naõ há
faltaô Homeros
*.w«w t^ic^ucros , ccvirguios, neporquenao na
uem faça calo dos homens quepreftaõ. E vemos
iíoje os homens dados a letras humanas ferem ti-
dos cm pouco , donde vem haver poucos que nd-
las fe efmerem , Talvo a natural inclinação de
ál^UiÀ, o força a iílo, CQmo o foy o nollb Luís de
Outros tfimbem. De paflagem dáhuma repren-
faõ aos Principescos quaes muytas vezes leaíley-
çoaõ demafiadamenteagenteque naó he dignada
honj-a que lhes daó,
E como a feu contrario natural, Aftntura^ ^ue falia
querem mal. Daqui vem que eíles querem mal a
hiftoria , 6c poefia, a que aqui chama pintura , que
falia , porque aííim huns como outros naó tem
partes , por onde fuás coufas fejaó celebradas : 8c
daqui querem mal aos homens que tem engenhoií
A razaó porque a Poeíia íe chama pintiira,q fallai
vejafe a nofla annotaçaô no canto 7.oytava 76.
NaBl
Lujiadasde Luis de CamBes Qommentados.
A bufe ar a repoufa, que defcança
41 Os lajjos animais iUa noyte manftt^
n^
NAÔ nego, (j fie ha com tudo de fce ridentes
T)o generofo tronco y^ caf a rica^
^tecomcoflumes altos /$ exeellentes,
Suftentão anobreza^cfue lhes fica:
£fe a luz dos anttgus feus aparentes ^
J^elles mais o valor não clarifica^
i^aÕ falta ao menos ^nemfe faz efcura^
Masdefies acha poucos a pintura.
Naofte^o. Louva neftaoytava o Poeta , os que
procuraóconlervar a honra, que erdaraó de feiís
inayores,os quaes ainda que naó taçaó maravilhas,
nem eftremos em Cavallaria , 6c oucras couías
dignas de memoria, nem fe queyraó avantejar de
Icus antepaíladosiconlcrvaõ a honra que deJles lhe
ficou., E. iftohe coula muyto digna de louvor,
donde difle Ovídio:
í7om minor e(l vwttts^efHíim f^uarere^parta tuerif
Cafui mejl illic,bic erit arttt opui.
Naô he menos virtude confervar o ganhado, que
ganhalo, porque no ganhar governa a fortuna, no
reterá prudência. È como eíta virtude de íaber
confervar o ganhado íeja grande , há poucos que
• tenhió.pclo que diz o Poeta, deftes acha poucos
a pintura,quedeílcs achaó os homés doutos muy-
to poucos de que clcrever,5c trattar em fuás obras.
4$
ASfieftâ declarando os grandes feytos
O GamãjCfue alli mofira a varia tmta,
^le a douta mão taõ claros Jaõperfeytos
^0 fmgular artífice alli pinta:
Os olhos tinha prontos fl$ direytos, ^ "
O Catualna hiftoria bem diftintay
Mil ve&es perguntava^ mil ouvia,
Asgofiofas b atalhas ^que alli via,
^ueallimofira avaria tinta. A diverfidade da
pintura que alH eftava feyta por maó do official
excellente , na qual tapeçaria efUvaô pintados
diffcrcntes acontecimentos , & batalhas, que os
Portuguezestiveraócom difFerentes acontecimé-
tos,6c tudo có tanta claridade, 6c perfcyçaó,q naô
havia que delejar.
44
MAs já aluz fe moílrava duvido fa^
Torq a tampada grand(í fe escondia
^ebayxo do Orizonte^à' lumimja
Levava aos antipodas o dia:
^ando o GentÍ0i& agente generoTa,
'Dos Nayres da naofortefe partia
MaijÀ. MoftraoPoetanefta oytava o temp»
que o Catual, & gente principal de Calecut, qus
fora à nofla capitania, íe recolhia, que era já quaíi
Sol pofto , o que diz por eftes termos. A lâmpada
grande fe efcondia,debayxo do Horizonte, & lu»
minofa levava aos antipodas o dia.Alampada gran-
de he o Sol,como lhe chamaó os Poetas Horizon-
te,he hum circulo da Eíphera,q ue divide efte unt-
verfo cm duas partes iguaes^flcyxando huma ame*
tade fobrc a terra,& outra debayxo.Ifto he o que
o Poeta aqui diz : que o Sol le metia debayxo do
Horizonte , como fe diílera que íe recolhia para
a outra parte do Ceo, que eftâ debayxo de nós, n^
qual moraó os Antipodas. Antipodas he nome
Grego, compoílo de duas palavras da prepofíçaó
anci,q^^ quer dizer contra, Sc pus, o pe,por ferem
homens que pizaõ o terra ao contrario de noflbs,
pés.O Bemaventurado Santo Agoftinho, como fç
pòdc ver no livro da Cidade de Deos liv. 16. c. 9^
naó íc pôde períuadir haver Antipodas , hojehc
mais que certo que os há, Sciftonaó Icmente por
razão da Efphera , mas por fe haver andado tanta
terra conira o Sul, que feguramente le pode dizer,
que na terra contraria a cita noífa moráo homens
como neftas partes, ôcaíHm eftes quanto a nós fe-
ráõ noflbs antipodas , Sc nós da mefma maneyra
quanto a elles,como diz Luis Vives, íobre o lugar
allegado do Bemaventurado Santo, ao qual enga-
nou Ladancio Firmiano , quefoy defta opinião.
Do Horizonte, ôCiíiais círculos do Ceo vcjale o.
que efcrevemos no tcrceyro canto , oytava 6.
O repoufoejueíle(ca»ça. Kepoufo quedefcança,hc
o fono,aírim lhe chama Virgilio:Sí»í»e (juies rtruniS
O fonodefcanço das coulas , 6c outros Poetas.
A força do fono,& a cafa em que mora,pinta Oví-
dio nas Metamorpholes liv.io.
45
ENtre tanto os Arufpices famofos ,
Nafalfa opinião, que em facri fidos
Antevèmfempre os cafos duvido fos»
Tor (mães diabólicos^ indícios;
Mandados do Rey próprio ^ejludiofos
Exercitavãò a artet&feusofficiosx
Sobre ejla vinda dt fia gente ejiranha,
^e ãsfuas terras vem da ignota Efpanhd
Entre tanto ot Arujpim famefos. Finge aqui o
Poeta como em quanto o Catual eftava embebido
em verosrctrattos,6c pinturas, de que atrás Ic fez
menção, o que também foy fingimento, mandou
o Rey aos feus agourcyros , aos quaes os Latinos
chamaó Arufficei, como o Poeta lhe chama aqui,
que lhe foubcftcm o intento dos Portugupzes , Sc
que
^^ -.
231 ^ 1^ , H.«,, CantoOytavo.
que os movera a hir ás partes da India^^para ver co- Ifto dizendo jãcorda o MmiYO apnhã^
mo fe havia de haver com elk-s. ' Efpantado do lonho^mas configo
46
Cuyda.que não be mais, que [onho ufado^
Jorna a durmtr qutetofê lojjegado
-fT
E dízlbe affi.Reconia. o Poeta aqui neíla oytava
ascouras,quc Baccho difle a El-Rey de Calecut,
citando dormindo em figura do feu maldito. Ma-
fâmede,que fe guardafle dos Portuguezcs,os quaeí
náo tràziaó outrointeiíto fe não deftruhir a terra
da índia. ' "i i
T
49
Orna Bacco dizendo: Não conheces
Sinal lhe moftra o T^emo verdadeyro,
T)e como a nova gente lhe faria
Jugo perpetuOieterno caíiveyro,
^Dejirutçaõ de gente ,& de valia:
Vaife ejpantado o atonitOyagoureyrOy
*ÍDi'zer ao Rey Çfegundo o que e?itendía')
Osjinaes temerofos ,que alcançara
Mas entranhas das viãimas^que olhara,
l^a^ entranhai das viBintat, Viftima he palavra J. O graõ legislador , que a teus pajjados
Latma, quer dizer facrificio, & era o que enire os Tem moflrado o freceyto a que obedeces^
Antigos íe fazia por alguma vittona alcançada Semoqual fôreis muytos bauttzados?
peio pioprio vencedor : Donde difle no livro pri- EuPortt tudo vèllo,^ tu adormeces^
travmricevocatur. Viótimafechamao lacrificio, "Pois faber as, qne aqUelles, que chegados ^
que le lacrificou pelo vencedor. Eftas vidimas ^ novo J ao feraomuy grande dano
craó animaes,os quacsmataváo os Antigos a léus ^^ l^ytque eu deyúO nejcio pOVO humano.
ídolos,& pelas tripas,&: entranhas delles conjedu-
ravão o que haviaó de fazer , como o Poeta aqui 7orna Baccho. A primcyra vez que o Rey acor-
aponta , queeftes agourcyros de El-RcydeCa- doa efpantado do fonho que fonhara , náofein-
lecut conhecerão das entranhas dos animaes , que q^uictou,porque lhe pareceo,que não era mais que
lácrificaváo fínacs de Calecut fcr deftruhiâá dos
Portuguezes,
47
AJflo mais fe ajunta^que a hum devoto
Sacerdote da ley de Mafamedcj
^os ódios concebidos não "femotOy
Contra a divina Fè^que tudo excedei
Emformado^rofetafalfOj^notOj
§lue do filho da efcrava Agar procede ,
Bacco odiofo em/onhos lhe aparece^
^le defeus ódios 4ndafe não dece^
fcnhojComo coílumava outras vezes fonhar cou^
ias femelhantes. Mas defpois que vio o retorno do
Baccho dizendolhe , quem era, 6c como o avilava
do mal,que lhe citava aparelhado, tornou lobre íi,
como nas oytavas leguintes fe verá. O grande Legifi
lador, He o íeu fallo propheta Mafamede, que lhe
deu a ley que leguem. Eu por ti rudo 'velo, Saó pala-
vras de Mafamede , comas quaes reprehcnde aa
Reychamandolhe rudo,pois andando inquieto,5c
velando pelo livrar, elle adormecia, defcuydado
do que lhe podia acontecer. Da ley ejue eu d(y ao ntm
cio povo humano. Com muyta razão chama o Poeta
aos Mouros povo necio , pois feguem huma tao
grande parvoice , & defatino, como he a torpe , $C
necia feyta de Matamede.
50
A iflo mais. Para o Mouro mais le certificar no
que os fcus agouros lhe dizião , 6c aconíelhavão,
finge o Poeta que Baccho inimigo capital dos
Portuguezes » tomou a forma do falío propheta
Maían-ede, 6c induzio a El-Rey,que deftruhifle os
Portuguezes, queerãohunspiratas,que andavaó
aílolando o mundo. O propheta falío,que proce-
de da elcrava Agar , he Matamcde. Uía defte ter- Seplde nellepdr a aguda vifia:
modefallar , porque como fica dito por muytas ^^ orem depois que fobe claro ^ ardente
vezes os Mouros procedem de Agar efcrava de Seaagudezados olhoS oconquifta
Abraham , da qual eeraçao procedia Mafamede. *—- ^ n r •
EM quanto he fraca a for ça de fia gente ^
Ordena como em tudofe refífta^
^Porque quando o $ol fae ^facilmente
Vcjaíe a nofla annotação no canto 5»oy tava 23.
48
EUizlhe affíyGuardayvos gente minhas
T>o maluque fe aparelha pelo tmígOj
Slue pelas agoas húmidas caminha.
Antes ^que ejleis mais perto do perigo:
Tão cega fica , quanto ficareis,
Seratzes criar lhe nad tolhe is,
Emejuanto he fraca a força. Com humacompti
ração maravilhofa moítra Baccho a El-Rey dl
Calecut , como lhe importa muyto cortar as ra|
hizcs a efte negocio , & entrada dos Portuguezc
cm Calecut,porque aílim como o Sol em nacend<
não
Lufiadasde Luís de Carnes Commentndos, 2 j ^
não faz nojo à vifta , o que he pelo contrario na "Dizendo ^que (ão gente ttnqiúetãSi
crecença do dia , que não hà quem o elpere por ^e OS mares dijcorvendo Occtdmtaes^
fua quencura, ôc claridade, & aílim nos princípios i/i.yemjò de Mr áticas rapinas,
temascoulasrcnKdio,oqualde(poisqueelW Sem Rijjem leys hummas ^oudtvinas.
crecimento nao aprovcyta : donde ailic Ovídio. j-fj ' j » u*,í.í»^.
Trincipijs ohflatjero medicina paratury
Cum mala per longat convaluere moras.
Refifteaos princípios, porque tarde, Ôc mal fe rc
niedeaó os males,quando tem tomada poíle da caza. coílayros, porque os Latinos chamáo ao Coilayro
do mar pirata.
Com fí/fíí/.Efcreve Joaõ de Barros naprinjeyrâ
Década liv.4. c.s>. que os Mouros de Calecut pey-
tarão grandemente ao Governador da teira , para
que danaíle o animo de El-Rey contra os Portu-
guezes, como fez. Raptnaf ptrattcas. Saò roubos de
51
IStodíto,e/ley^ ojonofe defpede.
Tremendo jica o atónito Agareno j
Saltada camajume aos fervús fede.
Lavrando nelte o fervido veneno:
Tanto que a nova íuz^que ao Sol precede^
Moftràra rojto angeluOj&ferenOy
Convoca os ptmipats da torpe Jeyta^
Aos quaesydo que Jonhou dà conta ejlreyta,
Ifiodttto. Moftra nefta oytava como El-Rey de
Calecut licou ctpantado , ôc medrofo, com o que
54
O planto deve 0 Rey^que òemgoverriíh '■■.
'De olhar^qos confelheyros^ouprivauQS
*Dc confiencíai& de vntude interna ^
E defincero amorfejão dotados :
^Porque como ejlépojlo nafuperna
Cadeyra,pòde mal dos apartados
Negócios ter noticia mais inteyra,
T)o que lhe der a lingoa confe Iheyra
O efuanto deve o Rey,^u€ hem governa. O principal
íhedilVe Bacchr/tm figúr7do'lVulaílõ"p^^^^ coníclheyro de El-Rey que pcrtende governar
Mafamede , ÔC como mandou logo em amanhe- ^^u povo reda, ôcjuílamentcdevc fer Deos, a elle
cendo chamares principaes da terra , 8c trattou ^edeve chegarem luas duvidas , Sccomelledeve
com tiles o que fonhara aqutlla noytc pafikda. trattar fuascoufas, como fe efcrevcque fazia Da-
Asareno hc Mouro,como fica dito por muytas ve- '^'^ Reg.2 Eík he o verdadeyro coníclheyro, Sc
zes, tomale pelo Rey de Calecut , ao qual chama 9"^ »^âo pôde erranofegundo , logo gente zelofa
Agareno , não por elie ler Mouro , fe não porque
era afiFeyçoado,ôc inclinado aos Mouros. Nova luz
g««<ííá<j/^ríCíí/e,Efta nova luz que precede ao Sol
he o Luzeyro,ôc chamafc luz nova, porque apare-
ce ante manhã , como menfageyro da luz, & por-
teyra do Sol , defta ellrella le veja o que notá-
mos atras no canto 6.oytava 85.
D Iver/os parecer es, (^ contrários
Jiltje dãojegundo o que entendião,
JJí uc tas jrat coes iCUíT^anos vários.
U^nfidias ínventavãOj& tectão:
Mas deyxando concelhos temerários y
*T>tfiruição da gente pertendiãOj
^ur manhas mats/ut is, & ardis melhores j
Com^eytas adquirmdo os Regedores.
55
C"*^ Ompeytasyouro^& dadivas fecretas
j Cone iliào da terra osprinãpaesy
Bcom razoes notáveis,^ di [cretas,
Mojlrão/tr^erdi^aô dos nattiraesx
da virtude, 6c que vive Chrinãmenre,ôc não gente
ambiciofa,8c que pertende \ò feu intereíVe.Porque
os conitlhos de gente de rrà alma, não podem fer
bons,le não peflilenciaes, & como dizem os Lati-
nos: Exe<í ofjictna^cje funt opes'. De tal tenda, tal fer-
ramenta , Mâ arvore não pode dar bem fruyto.
Qiieyxalc Deos por Ifaiascap. 50. dos Principcs
de Tírael , porque fe não aconfelhaváo com elle:
porque via os defaíires , & perdas que lhe aconte-
ciãopor fefiar defi , ôc de outros que fabiáotão
pouco como clles. E pcis os Rcys neceflariamen-
te haó de ularde homens, com que trattcm fuás
coulas,que o contrario feria tcmeridade,deviaó fe-
guir o ccnfelho do Sábio Eccleliaft. 8. em bufcar
gente de boa confcicncia, ôc avifada. Porque efta
como tratta em não ííelervir a Deos, também pro-
cura a cortar nos negócios, que lhe commettem:
porque cuydaó o que haó de fazer, o que não tem
homem de m:i alma , que logo Ic precipita a fazer
o que fua mâ inclinação pede, ôccom cordejul-
tiça executa fua níá inclinação.
5 5
NEm tão pouco direy^que tome tanto
Emgrojfo a covfiencta Í\mpa% & cert*
^ne fe eleve em hupohrey& humilde mantOf
Onde ambição acafoande encubcrta-.
2^4 Canto Oytav9.
d quando hum bom em tudo hejuflo , ^fanto
Em negócios do mundo f ouço actrtãy e g
^ttcmulcom e lies poder àtsr conta , .,, r» ^ • #
A.Htct^imocencia cmíó 'Deos PXomPta. p i^""" '^ ^''"í^^/^^f ^'«^í
, ^ ^ X ^or quecom/eudefpacbofe toruaffe^
Nem tão pouco í/<Vej».Não quer o Poeta aq ui mof- ^ejâjentia em tudo da maligna
trar couhi alguma contra, o que notámos na oy- Qente twpedir/è quanto defejaífe'
_ tava paí]ada,nem ^xcluyc do governo do Rcyno, QRey.que da noticia f alfa, & mdina,
CC njuda, Scconíelho dos Reys os virtuofos: mas \r- j r ^ r r rr
Nao era de e/pantar/e e[pantajjej
•*u
quer que os Keligiofos , 6í recolhidos le naô in-
quietem para os taes miniílerios , mas que le bul-
quem homens bons, aviíados, amigos , & zeloios
da virtude , aos quaes ie dé lemelhantc cargo. E
quando os Religiofos tiveflem as partes neccfla-
rias , para femelhantes cargos, muyta ventagetn
fazem aos fccularesjpois alem das partes, que os le-
cu lares, tem outras muytas,que ícrvem muyto para
lemejhantcs obrigaçóes,como he virtude,}etra5,&
citar mais chegados a Deos , pois efta he lua obri-
gaçaõjSí ofíicio.
j* As aquelles avaros Catuaes^
^le o Genúíico povo govcrnãvxOj
Induzidos das gentes tnfernaes.
Ao ''Fortuguez de/pacho^dilatàvão:
Mas G Gama, que não pertende mais,
T>e tudo quanto os Mouros ordenavão%
^46 levara/eu Rey hum final cer to ^
U}o tmndo.que deyxava defcuberto.
Mas aejuelles avaro* Catuaei. Os Governadores
de CaJccut,queiâ fica dito,que íechamaó em lin-
goa do Malavar Catuaes , procuravaõ por todos
Gs meyos deftruhir a Valcoda Gama, & aos léus,
& aíTim os n»exencavaõ com El-Rey, movidos
pelo dinheyro, & pcyta?, que os Mouros, por eftc
refpeyto lhe davâo. É cila era a razaó, porque lhe
dilataváo a repolta , & dcfpacho para tornar a
Portugal a dar conta a El-Rey ,do que tinhaó dei- Qf^^ bemvè,aue£rafídi//Imoproveyto
Faraje com verdade, a- comjuftt^a
57 .
Nlflo trabalha fó^qtis bem/abia,
yiue depois ^que levaffe efta certeza
Armas ^^ nãos ^^ gentes mandaria
^le tão crédulo era em/tus agouros ^
E mais fendo affirtmados pelos Mouros^
Fallar ao Rej Gentio ãetermina. Como Vaíco da
Gama enrcndeo a malícia dos Mouros,8c até a que
ordiaô , para por todos os meyos delvjar os Portu-
guezes do comercio, & tratto que pcrtendiaó nas
partes da índia : determinou fallar a El-Rey , ôc
defta maneyra com bom, ou mao delpacho lahirfc
de Calecut, & tornarle para o Reynoj porqucen-
tendia fuâellada fcr de pouco proveyto.E como o
Rey eílavafobornadodo Carua!,& mal informado
delle , ôv de fua natureza era homem de pouco la-
ber, &conílancia, não acabava de dar ordem ao
defpacho de Valcoda Gama: antes cílava de bor-
do de fa7cr mal aos Portiiguezes, por comprazer
aos Mouros , os quaes viaó que Te os Portuguczes
tivelIVin comercio em aquelJas partes , redundava
cm grande dano , 8c perda lua. E o que mais os
atormentava era o dito de hum feyticcyro, o qual
affirn!ava,quc os Portuguezcs haviaó de ler totaijB
deftruhiçâo daquellas partes,como fe pôde ver ena -
Joaó de liairos naprimcyra Década hv.4. c.p.
59
E St e temor lhe esfria o bayxopfytOy
^or outra parte a força da cohiçay
A quem por natureza eftàfogtyto^
Hum defejo immortallhe acende j^ atiça:
O contrate fazer por longos annos^
^e lhe comete o Rey dos Lufitanos^
"Efle temor lhe nfria o bayx6 pyt»X>U7S couías tra-
ziáo I El-Rey confulo,& o não deyxavâo deter-
minar como le haveria nefte negocio dos Portu-
guczes, huma o medo , que lhe faziaô os Mouros,
dizendolhe,que osnoflos eráocoflario5,Sí vinhaó
deftruhir aquella terra: a outra era a cobiça»quco
apertava, porque naturalmente era avaro, & ami-
go de adquirir , como aqui diz o Poeta : & conta
l^iji o trabalha fo. O que procurava Vafco da Joaó de Barros, que o Mouro Monçnyde o avifou
Manoel jque exercita afumma alteza:
Com que a jeu Jugo^^ ley fometeria
^as terras, & do mar a redondeza^
§ue elle nao era mais^qne hum diligente ^
^e/cubridor das terras do Oriente:
Gama era repoíla d' El-Rey de Calecut, & fahirle
delia, para levar nov^s a El-Rey Dom Manoel do
que tinha dclcuberto,pora prover com armada,&
gente, com quefojugafleaquclias partes, que tinha
Cicicuberco.
affim a Vafco da Gama , &: porque viao que
aceytando elte negocio dos Portuguezcs , fendo
verdade, o quelhedizv.i o Capitão mor Valcoda
Gama, teria grandes intcrcfles,& proveytosrainda
que era combatido dos medos.qoe os Mouros lhe
punhaô
nunhaó , não Te acabava de determinar no defpa-
cho de Valco da Gama , como diz o Poeta na oy-
tava leguinte.
CO
Sobre ifto nos confeíhos^qne tomava^
Achava muy contrários parecerei
^le naquelles^com quem Je aconfsLhavdy
Hxecuta o dtnheyro ftus poderes:
Ogrande Capitam chamar mandava,
A qnem chbgado dljfâ: Se qmzeres ^ -j y;;jyo
LoiifejJaT7/ie a verdade limpa^^ nua ■'- -
'i^ardào alcançaras da culpa tua.
Lujiadâs de Luis de Camões Commentados, 2 3 f
Mouro Monçayde como fica dito aconíelhoua
Va<co da Ga
ma, que mandaílc algum preíence a
El-Rey de Calecut, porque ie coítumava iiaquel-
las partes : 6í de outra maneyra não teria entrada
cm cala do Rey; o que Valco da Gama guardou a
rifca , mas ainda o l<.ey náo ficou latisfeyto , pelo
q remoqueou aqui ao Capitão mór , que náo era
poíTivel lerfuacmbayxada verdadeyra , pois náo
hia acompanhada com grandes prcíentes : 6c que
náo era razão dar credito ás palavras de hum na-
vegante , que náo tinha lugar cerco , ôc que náo
podia dar outro fiador a íuas promeflas ie não
as palavras, de que ufava*
<^i
SE por ventura vtndes de jl errados^
Comojà forão homens de alta for te^
Executa o Jinbeyrofeui' poderes. Náo acertava o
Rcy,no que devia fazer , acercado defpachodos
Portuguezcs; porque os do leu conlelho eílavão _
peviaaos , Sc lobornados pelos Mouros : Sc Hto he £tn meu Reynojereis aga/alhados^
o que diz aqui o Poeta , que executa o dinhey ro &uetoda a terra he pátria para a forte:
feus podcres;porque como diz o Provérbio: Mun. (jufeptrata [cis.ao mar usados,
erihuivel Otf capmntur. Ate osucoicsíeâohvào com ct^- ' r' j • ,
dadivas , para encarecimento do muyto,qo inte- "Dtzeymo.fenUemor de mfamia^ou mortt,
refle pódc. Vejaíe o noflb Poeta nas oytavas uki- ^ueporjefiíjtentar em teda idade ^
mas deite canto.
G\
E
^f ou bem informado ^(jue^ a embayxada^
^e de teu Rey me áèfie^que he fingida x
Tudo Jaz d Vital neceffidade,
^m toda á terra he fatria para o forte. Os Grego»
dizé Otnne fohm fcrti pátria efi. Toda a terra he pá-
tria para o foi te aóde os hoinés Ie achaô bé.alli he
forque nem tu tens Rey, nem pátria amada, lua patria^Sc natureza. Perguntando o P hiloíopho
Mas vagabundo V às pajj ando d vida: ^ ^' ^" "* """"^ — '-'^'^'^'"^ ' -^-^ ^.'^«.
^em da He/peria u/t ima alongada,
Rey, oufenhor de in Tânia de/mcdida^
Ha devir cometer com naos^é' frotas ^
Tam incertas viagens ^& remotast
Cltic quem da Hefperia «/íiwa.Tinha por coufa tão
extraordinária o Samorim poder ir gente de Hel-
panha ás partes da Índia, que cuydava ler mentira
tudojO que Vaíco da Gama lhe dizia. Hefperia ul-
tima , ou minor , chaniáo os Latinos a Hcfpanha.
Hefperia prima, ou mayor a Itália, arazáoleveja
na nofla annota^áo no iegundo canto,oytava 108.
E Se de grandes Reynospoderofis
O teu Rey tem aregta Magefiade^
^epref entes me trazes valer o [os,
Stnaes de tua incógnita ver d ide?
Compeças^^ does altos funtuofos
^e lia dos Reys altos a amizade^
^le final, nem penhor ^nao he baftante^
As palavras de hum vago ftavegante.
Sócrates dórie era natural, rcfpondeojq do mudo:
dando a entender , que qualquer lugar aonde o
homem vivia a íeu goffo era íua natureza , &: qu e
era lugar de deíf erro, 6c dcfaventura aquclle aon-
de fe achava mal. Vçjafe o provérbio : ^LUfvister^
ra pátria , sonde ajunta algumas coufas a efte pro-
pofito.
/í vttafnecFJfidade, A ncceíTidade das coufas ne-
ceflarias para 3 vida , a quanto a neceffidade obri-
gue, & qué coulas commcttão os homens aperta-
dos defte maljhe coufa alíás fabida. Donde veyo
aquelle provérbio tão ufado : Necef/itat telum du"
riffintíiWy a neccíTidade he arma duriflima. Os anti-
gos linhaó a neceíTidade por Deofa , a qual pinta-
váo com hum tear polio^noalto doar, armado em
grandes eriacas,& muyto forTcs,do qual lugar pef-
cava tudolem haver couía que lhe refiílifle.Aflim
o diz Platão em muytoslugares,& a ifto tirou Ho-
rácio em h3a Oda do livro terceyro que começa;
Inta^ií opukntior
Jhefaurií Arabum^ (jr dtvttis India^
Camentii licet occupet
Tyrrhínum omne tuitf & mart A^ulUcum:
Sifi^tt adawantivos
Surnmif verticibus dirá ttece(fita$
Clavoiínon animuM meíu,
JSIon morta latjueit tfxpedies taput.
Com peçaSf & aoent altoi. He efte o coftume da-
quellas partes da Índia não mandar Embayxador
a outro Príncipe com as mãos vazias , pelo que o Ainda que abarqueis o mundo com voíTas riquQ»'
Gga zas.
2j6
za>,{e aneccíTidadc no íeu alto armar fua rede não
vos podsrcis livrar ddh,5c aflini le ha de declarar
aqueiic
Canto Oytavõ,
lugar,
64
que o Poeta attribuyc eíles trabalhos , ScoprçU
íóes, que o Capicáo niór, & Tua gente padecu era
parte aonde lhe parecia,que eíiava ja fcgurOjànç-
ceílidade do caio: todas as ceuias grandes cuíUo
muyto , donde difle Terêncio. hionfitftmptricuU
IS^9 ajji dttOxO Gam^^quejà tinha facmui magnum , & memorabtle. Naõ íc alcançãu
Sofpeytas das infíaiaSjque ordenava ^^"^ perigo feytos grandes,6< dignos de memoria.
E aílim parecia coula extraordinária , acabar 05
Portu^^uezes huma couía táo grande» 6c hum tey-
to taó excellente, como era o deTcubrimento de
huma terra taó defejada, como era a Índia, a táo
pouco cuílo , pelo que foy neceflario para perfey-
çáo da obra , íucceder eltes novos trabalhos , ÔC
opreflócs nofim della.E aflimdiz ValcodaGama,
que Te náo efpanta de lhe íucceder no fim deíle
^e Vénus Acidalialhetnfiuya, Como fica no- delcubrimento efte robroço,porque he natural as
tado , ndtes cantos finge o Poeta os Portuguezes couías de importância^ paliar pelo elcamcl dos
favor^çf^os fempre , & ajudados de Vénus, a qual iff^balhos. E a eíla nccefiidade attribuye Vafco da
chama aqui Acidaliado nome de huma fonte cm Cxama náo lhe crer El-Reyíuas palavras , 6c dar
Sf-o a ffi ditoso Gama^quejà tinha
Sofpeytas das tnfiaiaSjque ordenava
O Mahorneúco odto,donde vinha
jlqutlío^que tão maio Rey cuydava:
Com huma alta confiança^qual convinha
ÇCom que feguro creditoalcanfava')
^e Veniis Aciàalta lhe influía^
Taes palavras dafabiopeyto abria.
Boecia^ chamada aíTim conlagrada ás graças, as
quaes os Poetas fazem filhas de Baccho, ôc Vénus.
SE 0s antigos ^ehytes^que a malicia
( /l coute tão cruel da L hnftandade)
l^um/ma cometeo na i)rifLe. idaaç^
Nãi caujàrào^que ova/o da naqtúcia
Vier A por perpetm intmiciciaj
Na geração de Adam^co afaljtdaài^
O' ^odern/o Rey doutor pe/eyt a,
Naõ conceberas tu tão rnajofpeyta.
Se 91 antigot, Eílaíuípeyta mà que EI-Rcy de
Calecut tinha contra os Pt)rtuguezes attribuye o
Poeta ao grande ódio que os lequazcs da maldita,
& torpe feyta de M^tamçde , a que chama aqui
valo de maldade , Sc açoute da Chri^andade ti-
nhaó aos Chníláosrpelo que trabalhavaó com El-
Rey os lançafle de luas tc}Ta8,metcndolhe em ca-
beça que eragentcque vivia de roubos, 6c ladro-
crtdito agente. falia, 6c enganadora, 6c aquemnaô
devia crer conjo laó os Mouros^mas quelucccdc
iílo.porque he neceflario hum negocio de tanta
importância , como he o defcubrimento da índia
cuítar mu ytos perigos , 6c enfadamentos: paraque
aílim fc tenha cm mayor eítima: pois o que ppuc0
cufta,ordinariaaientc íe nâo^eílima em muyto.
67
POrquefe eu de rapinas/d vive [fe
Ijndivago.ou da pátria àcji errado^
Como crès^que tam longe me vitffe
Bufcar affento incogmtOi& apartado:
forque efperançai^ou porque snterf£e
Viria exprimentando o mar trado y
Os Antar6iicos frioSi&õsàrdòièSj
^J*eJofrern do Larneyro os moradores?
Vorefuefeeu dcraftnãs Jo vivfra* Prova o Capi-
tão mór Valc:o da Gama cçm raz>es baftantes,
como a lu'pcyia,quc tinha dellc El-Rey de Cale.
I
hices, êc que íeu officio era alloiar os lugares aon- cut era falia, porque fc fe houvera de dar ao tal of-
de chegavão. ficio , náo tinha neccíTidade de fe defterrarpelo
^^ mundo , & ir a partes tão remotas, paliando por
tantos perigos, 6c trabalhos:tuo exceíTivos frios, &
MAs porq nenhum grande bemfealcãça calmas.Frwi antarílicoi. Saó fi ias do Sul nas,quaes
Sè grades oprej[joés,& emíodoejfeytO partes os há grandiflimos , como nas pqrtesdó
I
Segue o temor os pajfos da efperança
^e emjuor vive jemper de ftupeytoi
Memojirastutãopouca confiança^
7)efta minha verdade Jem re/peyto
^as razoes em contrarto^que ac hartas j
Senão crejfes^a qutm crtr naÕ divias^
Mas porijue nenhum grande hem. Naó parecia ra-
iaõ,que huma coyfa tão excellente,6c de tanta im-
portancia,como era o defcubrimento, 6c conquif-
tado Oriente fetizellemi^^na^QS lavadas : pelo
Norte,por lerem partes afaftadasdo curlb do Sol,
afíim humascomo as outras. Os arãorei^que fofrem
do Carneyro os woraJorss. Os moradores do Carney-
ro (aô CS que habitâo na zona tórrida aonde eftà ^
conftellaçaõ Aries , que quer dizer o Carneyro:
que he hum doj: doze Signos Celcfles. E porque
os Aftronomos fazem efta conflellaçáo na linha
Equinocial entre os trópicos , que he o caminho
do Sol, pelo que efta terra he mais Jugcyta a calma.
Daqui chama o Poeta àquc^Uç lugar os ardores do
Carneyro , pelas quaes palavras moftra os ex-
ceífivos trabalhos dosPortqguezesneíta viagem.
Vejafe
Lufiadas de Luts de
Vejare o que eícre vemos no canco terceyro , oy-
tava.6.
6%
»=
l^ E com grandes prefentes de alta ejlhm
l5 O cerdito me pedes ^ do que digOy
Eu não vim rnais,que achar o eftranho cima
Onde a natura poz teu Reyno antigo:
Mas /ê" afortuna tan to mefuh limay
^e eu torne à minha pátria ^^ Reyno antigo^
Então veras o domfobetbo,^ rico,
Lom que minha tornada certifico.
Se com grandes prefentei. Como notamos neílc
canto,oytava52.hunu das coufas quemoviua EI-
Rey de Calecut a lhe parccer,que a Embayxada
"íie VafcodaGamanaóera verdadeyra , &quea
noflageiícenãoeradebom titulo,eraver que não
lhe levaváo algum grande prefente : pelo que o
Capitão mòr Icdeículpa aqui de não ter corrido
com a obrigação dos Príncipes da terra:Sc a prin-
cipal jp^rque aquella viagem não tora a outro íini,
íe não a delcubrir, & como não tinha certeza, do
que na viagem lhe aconteceria , fora aííim dcfar-
mado áqucllas partes , mas que tornando a ellas
correrpondcria a perteytilíimatnente com íua obri-
gação , ôc eliylo da terra.
SE te parece inopinado feyto,
^e Rey da ultima Hefperiaatl me^made
O coração Jub lime ^0 régio peyto^
J^enhum cafo poffivel tem por gr and e\
Bemparece^que o nobre, ^è grão conceyto^
^0 Lufítano e/pirtto demande
Mayor cre ditosa' fè de mais alteza^
^e crea delle tanta fortaleza,
Nenhum cafo poffivel tem por granâe. De gentç
debayxos elpiritos he , clpanrarfe de qualquer
coula,& fazer grandes efcarceos, em qualqucrno-
vidade, pelo que o Poeta parece inftar aqui oi^cy
de Calecut de pufillanime , pois não coníidera,
que gente tão valerola,como os Portuguczes po-
deíTcm commetter huma coufa poílivel.
S Merque ha muytos annos,que os antigos
Reys nQJjos firmemente propuzerão
^e vencer os trabalhos y& perigos^
^le fempre a grandes caufas feopuzeraô:
E de/cobrindo os maré» inimigos
^0 quieto defcanço pertendèrao
^e/aber^quefim tinhão^cír onde eflavão^
As derraãeyras prayas^que iavavão»
Camões Commentados, 22 j
Sahe íjuebã muytoí^nnoi. Moftrn O Capitão mor
Valco da Gama como a razão de lua chegada a
crtas partes tão remotas , foy a inclinação natursl
dos Rcys de Portugal , os quaesforáomuyto af-
feyçoados íempre a conquiílar Rcynos eflranhos,
& deícubrirmai es nunca viltos,& quanto a eíta
matéria de defcobnr novos mares fedeve muyto
ao Infante Dom Henrique filho de El-Rey Dom
Joaô o primcyro de Boa memoria , o qual poza
primeyra pedra nefta obra , como aça dito , & fe
nota na oytava leguinte,
71
C"^ Onceyto digno foy de ramo ciarei
j T^o venturofo Réy^que arou primeyr»
O mar, por ir deytar do ninho caro
O morador de Abiia derradeyro:
Efíeporfua tndullna , ér engenho raro^
Num madeyro ajuntando outro maaeyrOf "T
^Delcobrirpode a parte ^que faz clara
"De Argosjda Xdtaaiuzja Lebre, é da Am
, til'
Cinctjto digno foy ãe ramo claro. O primeyro qu6
inventou a navegação do Oceano neftes Reynos,
ôcquepoz hombros a eílc dcfcobrimento foy o
Infante Dom Henrque filho terceyro d^El-Rey
Dom Joaó o prime yrode Boa memoria, que to-
mou a Cidade dcí Ceuta aos Mouros, lílo diz o
poeta nelia!oytava,ainda que por termos elcuros
para os que laó pouco lidos , pelo que os declara-
rey aqui. O Riey venturofo , que arou primeyro o
mar,he El-Rcy Dom João o primeyro, o qual pa-
ra eíle effeyto de paliar á Africa , foy o primeyro
dos Reys de Portugal, que entrou no mar. O Teu
claro ramo , he leu filho o Infante Dom Henri»
que , que primeyro tratiou deites delcobrimentos
como irattámos airásjoytava 28.6: 76. Abyla hca
Cidade de Ccu ta. A razão deUc nome íe veja no
canto terceyro.
De Arg9\ , Àa Ura a luz àa khre , & da ara , Por
cftas palavras moílra o Poeta como o Infante
Dom Henrique foy o primeyro inventor dcftes
dercobnmentos , & como por lua ordem íe defco-
brio aquella parte, que caye para o Sul, na qual eí-
tão eftas conftellaçóes , que aqui poero Argos,
Idra, Lebre, Ara: Deftas, ôc quantas eílrellas te-
nha cada bua tratta Higinio no fim do livro ter-
ceyro hv.3.in fine alli le pode ver.
C^ Recendo cosjucceffos bons primeyro f
j No peyto as oufadtas defcobrirão
'PoucOi& pouco caminhos eflrartgeyros,
^íie huns fuçcedendo aos outros profeguira^l
í)e Africa os moradores ditradeyros
Aufiraes^que nmca asjetejlatfías vira o j ^
f$ra$
Forao vi fios de nds.afYai& deyxando
^iantõs (Jiaõos ToY];'tcos queymando.
De Afri€'a os moradores derrgdeyro), Dizneftaoy-
tava ,que ntíle profeguimento dos dcícobrinien-
tos , ' viraó Gs noflos t^ortuguezes os dcn adey ros
moradores de Africa, que caye ao Sul, couro laõos
njoradorts do Cabo de Boa Efperança , &Iv1o-
çambiquejo^ quaes diz que não vem o Nortc,que
entendem pelas letc fiaminas , que he o Jeteeílrel-
lo.E que deyxâo atrás 05 queymados com os tró-
picos , que laó os que moraó na tórrida Zona , por
donde o Sol faz leu curío: quantos íaó os trópicos,
£c que gentes habitem a Zona tórrida , kaíe o que
cfcrevciííosnocaiicQ 3;o.ytava <S. '^«(^'swO '^' \
1\
ASJí comfirmtípeytòM com tamanho
^Própojito vencemo^s ajorima^
Mtè qtienôs no teu térre no ejíranho
J/té mos pôr a ultima voluna :
"'Rampênào a força do 'líquido ejf ranho ^ '
KDa tem^ejiade borrifica^ó- imfoj tu7ía,
"^ ti c^fVá^oSide que?^ifó queremos
Canto Oytiivo, ^
da Gama tudo o que clle diz fer verdade ,'^5c não
fercoílariodo marjComoos Mouros lhe punhão,
porque le tai fora, tinha pouca ncceílidade de de-
len barcar em terra, & galhr teiDpo em palavras,
coula tão delacoftu mada de gente que anda a lou-
bar , os quaes náogaítão Teu tempo , fe não no
meyodo mar,aí]oiando, ôc dellruindo tudo, o que
achnó. , ^, ., . \
Da »7<í</ye 7^ífi/, Thctis diziáô, os antigos íer
Deola do mar , ôí caiada com o Oceano. Gremiò
do mar he o meyo delle , charnalhe o Poeta fero,
& nunca defcançíi peias grandes inquietaçoens
queneilc há-contitíiiamente. »
5fl3n 2 •
S fique ô ^keyje minha gram verdade
Tem per qual he^fincera^ò' não dobrada
J^juntame ao dtjpacha brevidade ^
Não me iwpídas ogcfio da tornada^
E fe tnda te parece falfidade^ .
Çuyda bem na razão ^que e/t aprovada^
^ue^com claro juizo pôde lerje^
^^.e fácil he a verdade de entenderfe.
Tonel uye Vâfco da Gama íua pratica , dizendo
ao Rcy, que o deípaclie logo, pois jâ tem entendi-
yiet»«ífâra u/tiwa eolutntJínCorDO Vaíco;da Ga- ^o» S*-'^ ^he falia verdade: pelo coílumcque elU
delerminou não paílar tc^n^ <^c fe dar a conhecer a qualquer claro enten-
dimento: quanto mais ao delle Rcy , que era tão
fuperior a todos ús homens : & p>óí cfta via procu-
rou de o períuadir a lhe dar crcdito:como aconte-
ceo.
ma chegou a Calecut
7^
adiantc,ncra defcobrir mais terra, pois aqueJla era
a verdadeyra, terra da India,que bufcava. Ultima
colurv^na dizaqui o Poeta,porque em todas as ter-
ras , que detcobriráo, punhâo huns padroensem
memoria do deícobrimcntc, que faziáo , como íe
vé claramente pelos rwfi os Hiftoriadores. E o
derradeyro,que poz Valco da Gama nclla íua jor-
nada.toy era Calecut.ao qual o Poeta por eífe rel-
• peyto chama ultima colurana. E aííim lemos que Concebe deíle certa confiança,
fez Hercules, o qual poz dous padrões em Geuta. Credito firme :em quanto proferia-,
Cv Gibraltar, dando a entender que a li fe acaba^ <d j j ^ i / íj
,,;í^ lo .o r K«ii,^o r.-i ^. ^ «^ •*•/' »^ ''^'iL»d- ''Ponderadas palavras a abalança^
vao léus trabalhos, pelo que, fechamaoaquelles *v , \t •) j i-^ *
lugares as columnas de Hercules. Jul^a na anthor idade gram valia,
.,-j EompenJo a força do itcjuiclo eflagno. Liquido el- Começa de julgar por enganados
-tffgno , toma aqui o Poeta pelo mar, aimitaçáo Os Catuaes CorrutQS mal julgados
^e VirgiliojSc de outros Poetas.
A Tanto efiava o Rey nàfiegurança^
Com que prtvava o Gama o que di&ia
iíiíU-
uL.
7^
77
'Vf Siaíoé d verdade, Rey^que não faria
XL T^cr tão íhcerto bem taõ fraco premio
^lalnão fendo ifto ajfiefperarfod/a.
Ião longo, tão fingi do, é- vãoproemio:
Mas antes defcanfar me deyxa ria
No nunca defcar>çado,^ fer o grémio
'La Madre Thet ts, qual pirata iníquo
T>os trabMos alheôs festos rico.
'Bfinhi a verdade Rey qmnSo f*mMo?LXA Valco
J1)ntamente a cobiça dopcrveyto
^e efpera do contrato Lufitanoy
O faz tbedecerjê ter refpeyto
Co Capitão,& naÕco Mauro engano:
Em fim ao Gama mantía^que dtreyto
Jlas nãos fe vâi& fèguro de algum danOy
^offa a terra mandar qualquer fazenda^
Repela effeciarta troque^& venda.
luiítamentea cobiça. Como fica ditOjCÍfe Rcy era
muyto^cobiçQÍb ,_^&"grandc, amigo do interefle,
pelo
Ltifiaàas de Luís de Camões Com^entados.
pelo que rambem lhe parecia bem , o que dizia o Jãcom tantas tardanças entendia
Capitão mór , poi que a cobiça o aíFeyçoava a iHo, Q Gama^qus o Gentia conjentijje
vendo,que do comercio, 6c amizade dos nol]bs,lhe
relukaria algum proveyto , aíTira quepor huma
parte o interelle , por outra a fegurança das pala-
vras do Capiráo mór o perfuadiaó cuydalle dos
noflbs dillerente do que os Mouros lhe diziaô» ,
n^
Na ma tenção dos mouros torpedo" fera^
O fue âelle atè U não tntenaera
78
aT)r manâe da fazenda em fim lhe m ãda
^ienos Reyttos Gangeticos faleça.
Se alguma traz idónea là da banda
^onde a terra fe acaba^^ o mar começa\
Jà da realprefença veneranda%
Òe parte o Capitão para onde peça
Ao Catual^que delle ttnha cargo j
Embirre a cavaque afua eftâ de largo,
§ÍHe noí Rejfnos Can^eticos falleça. Movido El-
Rey da cobiça determinou dar delpacho a Valço
da Gama, 8c em principio mandoulhe que defern-
barcaileda fazenda que levava deftas partes para
lhe darem da terra, Reynos Gangeticos faó Rcy-
nos da índia, chamados aíiim do no Ganges, que
por elles palia
O tjue delle atelli fião entendera. Do modo, & dila-
ções,com que o Catual trattnva Vaíco da Gamaj
veyo a entender delle , o que ate então náo prefu-
mira ^ que era querello deftruir , por eítar IbboF;
nadojòc peycado grandemente dos Mouros.
81
ERã efte Catual hum dos, que eftavão
Corrutospela Mahomctana. gente y
Oprnicipaljpor quem fè governavão
As Cidades do Samori potente',
'Delle jòmente 9s Mouros efper^vão
Effcytos a/èus enganos torpemente^
Elie.queiio conceyto vtlcon{p\ra%
*De fuás ejperançâS não delira,
Somorim potente. Samor!m,CQmo fica dito, he ò
nome do Emperadordo Reyno do Malavar.
€lue no concerto vil confpira.ConipW^r he palavra
Donde a terra fe acahd^é' o mar começa. Entende Latina , entre outras íignificaçôes,que tem, quef
Portugal, a mais Occidental terra de toda Europa,
donde começa o mar , êc íe acaba a terra , porque
aqui he o fim da terra Occidental , como fica di-
to no primeyro canto,oytava i.
E
79
dizer , fazer conjuração para fazer mal a alguém,
como o Catual de Calecut traitava com os Mou-
ros, que era dellruir os Porruguczes. Gente Ma-
homctana, he gente que legue a Mafomgj.qge faó
os Mouros., _ -',:■.. ....
De (uai efperançat não àelyra* Delirar hè tahri2
bem vocábulo Latino , quer dizer defvariar, 8c
Albarcaçaõ^qUeo leve âs nãos lhe pede perder o tino: aqui quer dizer defconfiar: comofc
diflera , que o Catual náo defconfiavade alcançar
o que eíperava , que era a nofla deítruiçaõ.
81
OGamd com in flanela lhe requere
^e o mãda por nas nans^& não lhe "val
Mas o mao Regedor ^que novos laços
Ehe machinava/iaàa lhe concede,
InterpondotardançaSi^ embaraços:
Com tile parte ao caes^porque o arrede
Longe quanto puder dos régios paços j
Ondejèm que feu Rty tenha noticia^
Faça o que lhe en finar Jua malicla. £ que affi lho mandada, lhe refere ^
O nobre fuccefjor de Tirtmal:
Lhe machinava, Machinar he palavra Lntina, ^Porque razão lhe impede,& lhe difere,
quer dizer ordenar , & tecer o Catual lobornado j f^^,^^^ ^y^zer de Tovtugal,
ppios Mouros procurava deítruir os Portuguezes, ^ . ^,j ^ ^» r>„.,„; í 7^^^
pelo que o entretinha , 6c naó lhe queria dar em-
barcação para ir a armada , antes o importunava
a mandafle chegar a terra, para deílamaneyra fa-
zer mais livremente o que defejava.
Tois aqutllo^que osReysjâ tem mandado^
Não pôde Jerpor outrem derogado.
80
LA^ bem lonfrejpje diz, que lhe daria
Embarcação baftante,eyn que p&rtifje.
Ou que para a luz crajitna do dia
Futuro Jua partida d/jferice:
O nobre fuccefjor do Ptrimal Eílc Perimal como
fica dito , foy o que dividio o Reyno de Malavar
em tvcs partes , fazendo trcs Reynos do Malavar,
fendo anrcs hum fó : 6c mandado que hum leu ío-
brinho a quem deu Calecut, fe chamalle Samorim,
para que os outros dous Rcys. 1. de Cananor , &
Coulaó Ihcobtdecelícm.Succefibr de Pcrimal,hc
oSamorim Rcy de Calecut.
Touiê
240
«3
P Ouço obedece o Catualcorruto
Ataes l>alavras ^atites revolvendo
Nafantafiã algumfutil^& ajiuío
Engano jãtabclícojè ejlu^endo:
Ou como banhar pojfa o ferro bruto y
No Jangne aborrectdo^ejiàva vendo t
Ou i orno as nãos em fogo. lhe abrafajfe^
forque nenhuma àfatna mais tornajfe,
I^o.favgm ahrrecido.No langue de Vafco çla Ga-
iDa,ao qual por nriuytas vezes pretcndeo, & àtic-
jou marar,&: não o efíeytuou, porque Ihenão baf-
tou o animo , o que o Poeta vay contâiKÍo rnuyco
claramente por eílas oyiavas. / V. .'.v ?x"
Canto Oytavo.
Ern V avios penf amentos fe derrama^
FantafianâOífâ remeàto certo ,
^le dejfe a quanto mal/è lhe ordenava^
Tudo temiajudo emfim cuydava.
Tudo temia, tudo emfim cuydava. Como Capitã3
prudente , & amigo de lua armada, porque quem
ama, vive em continuo medo,^ cuydado. Donde
difie Ovidio na carta de Penélope a UJyles, defi-
nindo o amor. Re$ efi Jolicitiplena timorts amor. O
amor he hum medo continuo, quem ama, tudo
teme.E A\chtO'.Efi nigre pumca glans clypfo. Alegria
em campo negro pelos dclgoílos , 6c lobrefaltos,
que tem cíle pequeno goílo de amor. Mas nos tra-
balhos , 6c enfadamentos alegria, como fica no-
tado no canto terc€yro,oytaya izo.
84
QIJe nenhumtOYne â pátria fópertende
O conjelho infernal dos Mahometanos
'Porquenãojabia nunqua ondefeejlende
Aterra Eoa oRey dos Lu (it anos:
Não parte o Gama em fim ^que lho defende
, O Regedor dos Bárbaros profanos j
Nem f em licença fua irfepodta^
^e as almadtas todas lhe tolhia,
A Urra Eóa. Eoos he palavra Grega, quer dizer
aurora,da|ui cerra Eoa,he terra Oriental.
A Os brados fé razoes do Capitão
Refponde o idolatrayque mandajfâ
Chegar â terra as naos^que longe eflao^
forque melhor dalt foJje^& tornarei
Sinal he de tnlmigo^à' de ladrão^
^e là tão Imge a frotafe alarg affe^
Lhe diZjporque do certOi&Jido amlgOy
He não temer dofeu nenhum perigo^
Kefponde o Idolatra. Por Idolatra entende aqui
o Poeta o Catual Gentio pelos idolos , 6c inven-
ções, que elta gente adora. Eíle dizia a Vafco da
Gama , que era collume dos que alli vinhão va-
rar léus navios em terra, o que elle não fizera, an-
tes os tmha tanto ao mar , que era final de pouca
fidelidade , 6c amor : 6c que dalli colligia fer gente
de rapina.
%G
NEftas palavras o difcreto Gama^
Enxerga bem, que as nãos defeja.pertB
O Catual ^porque comferro^& flama '
LhasaffaÍte,por caio defcuberto:
87
Qljal o reflexo lume do polido
Efpelho de aço^ou de chrlftalfermoro^
^{e do rayofolar fendo ferido^
Vay ferir noutra parte lummofo:
E fendo da ociofa mão movido ^
'Pela ca fã du moço curtofo.
Anda pelas paredes ^^ telhado^
' Tremulo aqui-i& allldeffojjegadOy
Çiual o reflexo lume. Por efta comparação mof-
tra o cuydado , 6c inquietação de animo em que
eftava o Capitão mór Vafco da Gama fantafian-
do, 6c revolvendo comfigo o que fariarcomo fuc-
cede em hum efpelho de aço , que ferido dos ra-
yos do Sol,nunca leu lume aquieta.
88
TAlo vago jutzo flutuava
Uo Gamaprefo^quando lhe lemhrâtA
Coelho fe por cafo o ejperava
Napraya cos bateis ^como ordenara;
Logo fecretamente Ihemandava
^le fe tornafje à frota^que deyxâra^
Nãofojfefalteado dos enganos ,
^e ejperava dos feros Mahometanos,
Coilho. Efte he Nicolao Coelho Capitão 'de
hum dos Navios da conlerva dos de Vaíco da
Garaa,ao qual tinha mãdado o eíperaíle na praya,
mas com eílc novo fucceflb da determinaçaó,que
cniendeo no Catual, o mandou fecretamente avi-
lar le tornafie para a armada, como íe pedem ver
todas citas couias em Joaõ de Barros na prioieyr*
Década Uv.4.ç.9i5c 10.
Jal
24»
Lu/iadas de Luís de Camões Commentados,
fazia , o qual bufcou logo remédio para naô icr
gp íentido,ncmrabidodeEURey,oc]i]ednhafeyto
a Valco da Gama , como le cratcana oytava ie*
gumce. ' ' "^
TAlha defe)\quem quer co dom de Marte
Imitar os iUuftres,& igual lalo s
Voar CO penjamento a toda aparte,
Adevinh ar perigo s^^ evltaLos;
Çom militar enganOi& fútil arte^
Entender 6simtg0Sj& enganaíos
Crer tudo em fim. ^e nwiqua louvar ey
O Capitão j que dtga não cuydey»
Dom de Marte. Dom de Marte he fer hum lio*
mem Cavalleyro,& nas coufas da guerra ardilofo,
o qual fingem os Poetas, que toy Marte , pelo
que os antigos o tinhaó por Deos da guerra.
§iue nunca leuvarey, O homem avilado ha de
Pl
Dlzlheyque mande vir toda afazendét
Vendivcl^que trãziapara a ttrra^
Tara que devagar fe troque j\$ venda,
^ue quem não quer comer cio ^bu [ca guerra:
Tofto que es mãos prop o fitos entenda,
O Gama^que a danado peyto encerra^
Confente^porque fabe por verdade
^e compra cõ ajazenda a liberdade^
^uee^uem nia sjuer contercioi bufca guerra. Todos
os meyos bufcoa eíle Catual, para fazer mal aos
cuydar,que tudo pôde fer,&: neíte modo crer tu- "«"'^J' mas nunca pode levar a íua a nos, porque
■^ • • •- • a prudência de Vaíco da Gama era grande , 6c lá-
bia trattar/uas coufas de maneyra , que nâo peri*
do:porque a mayor ignorância, que hà no mundo,
hc dizer ^ nâo cuydey,não me pareceo. Donde
diíTe Cícero: In fjpieníís e(i Mcere non putaram^ he de
homem de pouco laber dizer , naó cuydey. He
também obrigação de homem prudente , acertar
com muytas coufas : donde veyo aquelle dito ex-
«cllente,& certo:S<íp;e«í divinatiO Sabio adevinha»
5)0
ÍNfifieo Malabar em teloprefoj
Senão manda chegar à terra a armada^
Elle cofiantei& de ira nobre acefo.
Os ameaços feus não teme nada,
^le antes querfi)bre fi tomar o pefo
ÍD^ quanto mal a vil malícia oufàda.
Lhe andar armando ^que por em ventura •
Afrota de feu Rey^que tem/ègura,
§iue ter» fegura. Porque eftava aolargg, aonde
lhe naó podiaõos Mouros prejudicar.
51
A^iellanoyte eftevealli detido j
. E parte do outro dia ^quando ordena^
U^efe tornar ao Rey^ mas impedido
Foy daguarda^que tinha naopequena^
Comete lhe o gentio outro partido y
1 emendo de feu Rey cafiigOjOupeúa
Se f abe efla mandada qualafínha^
Saber ãfe mais tempo alli o detinha.
gaílem.
5?3
i\^ "^ii
C"^ OncertãÕfeyque o negro mande dar
^ Em har caçoes idontas^com que venha^
Que os feus bateis nãô quer a venturar^
Onde lhos tome o imigo^ou lhos detenhai
Tartem as almadias a bufe ar
Mercadoria l (pana, que convenha^
EJcreve a /eu irmãos ^que lhe manda(fe^
/i fazenda iCom quefe refgatajje.
V\Em a fazenda â terra aonde logo
A agafalhou o infame Catual;
Com ellafica Alvaroyiê T>iogo^
^le a pude jj em vender, pelo que vai:
Se mais^que obrigação,que mando^&rogOj
JSlopeytoVílo premio pdde^& vai,
Bem o mo fira o Gentio ^a quem o entenda
Tõiso Gama foltou pela fazenda,
ComelUficaÕ Alvaro,é' Ow^o.Eíles eraõ Alva*
ro de Braga, & Di«go Dias, que íicaraô em terra
para eíf ey to de vender a fazenda , como íey tores*
55
T> Orella o folia, crendo que alli tinhê
Mai empedído foy da guar da. O fi^iUil entreteve
aValcodaGamahumanoytc , & hum dia, para
ver le por efte modo podia fazer, que chegafle a
armada a terra, o que o Capitão mór nunca quiz,
antes determinou queyxarfe a El«Rcy de Cale-
cut, Sc darlhc conta do aggravo, que o tatuai lhe Nellas efiarfe deyxa defcançado4
Hh
Tenhor bafante^donde recebe£e
Inter ejfe mayor ^do que lhe vinha^
SeoCapitão mais tempo detivejje:
Elle vendo que já lhe não convinha
Tornar d terra porque nadpudeffe
Ser mais retido jfendo às nãos chegado^
^M
OJ
2.41 .: <^anto
^ As nãos eflar/e deyxa vagar ojo,^
Atè ver <? que o tempo lhe de j cobre ^
^ie não jejiajà do cobiço/o
Regedor corrompido J^ pouco nobre.
Veja agora ojuizo cunofo^
^iwito no rico, a fft como no pobre
"jfòde o vilmtereffe.à-fede tmtgit
T>o dinheyro^que a tuào nos obriga.
A Polidor o mata o Rey Threicio:
Sôpsrfcnr fenhor do gram thefouro^
Entr^ ^elo forújjimo edtfiito.
Com afiiha de Acrifio a chuva de omo\
Tôds tanto em Tarpaya o avaro vtciot
§ue a troco do metal luzente y& louro
Entrega aos mtmtgos a alta torre,
'Da qual qua[i afogada em pago morre,
A¥i)ly(lor9,'^<^^x'^ com alguns exemplos.quã-
tos malííS o ouro faz fazer »os homens. Efta hiílo-
riade Pohdoro conca largainente V^irgilio na lua
Eneida liv. 5. com tudo a porcy aqui brevemente
para os que naó íabejn Latim. liftando Troya cer-
cada dos Gregos, vendo Priamo leu Rey o aperto
cmque-eftava, ôccomolegundo os fins da guerra
faó incertos,podia vir a darem algum grande tra».
balhojfendo Troya tomada dos Gentios. Juntou
huma grande quantidade <de ouro , Sc com ellc
manJou hum filho feu por nome Polydoro a caía
de Polimneílor Rey de Tliracia feu granáe ami-
go , para que por méyo dcítc moço fendo Troya
deftruhida viefle em algum tempo a poder dos^
Troyanos, Sc podeflem as couiâs ter âlgura reme-
diQ, polymncítor como vio o fucceflo dcTíoya
com a cobiça do ouro ,, matou o moço Polydoro,
& tomouJhe as rique2^s,que íeu pay lhe havia da-
do. Rey Treicio quer dizer Rey de Thracia. Naõ
henome próprio como alguns cuydaò, Sc cõmen-
tão.Mas he nome geral de lbrúáu\^a^um^ por cau-
fa dcThraciajdaqui Rf-y Threicio Rey de Thra-
cia.Digoiitô porque li hufria annotaçáo íobre cite
lugar.em que fazia Thí^icio nome próprio. Entr»
ftU fortífjimo edtficio com afilha de Acri^o a chuva de
êuro. Contáoas fabulas qáé Acriíio Rey dos Argi-
Vos, querendo ter lua íiHiaDanae recolhida, &
jjuardada , a mcteo cm huiiaa torre muyto forte.
Oytavo,
que querem alguns, que foíTe de metal , mas nem
iílblhe valeo. Ovídio conta eíla fabula nas Meta-
morphoíes Xu^ê^.Vadt tanto entTarpea» Tarpeia foy
huma donzella íilha de Tarpcio Romano, ao quãlj
Rómulo primcyro Rey dos Romanos,tendo guer-
ra com os Sabinos fez Álcayde morda fortaleza
de Roma, como conta Plutarcho na vida de Ró-
mulo. Elta Tarpeia com cobiça de humas mani-
lhas de ouro, que os Sabinos lhe prometerão, dea
ordem para entrarem no Cafteilo.tVlas lahjolhe ao
revez do que ella ciperava , porque em lugar de
manilhas lhe deraó a morte. E de feu nome le cha-
ma hoje em dia o Caílello monte Tarpeyo , entre
os Autores donde diflb Propercio no leu livro das
Elegias I1V.4. Elegia 4.
Tar peiam nerru(,& Tarpeia turpe fepulchrum
Fabor,^ únn^ui Itmina capta íovis,
Trattarcy aqui do monte Tarpcio, & da infame fe-
pultura de Tarpeia , êcda cafa do anngo Júpiter
Hoje Iccbamacfte monte em vulgar Campido-
glio : todás as mais coufas deitas oytavasíobre©
intcreflecílaô claras.
5>8
ES te rende fnunidas fortalezas.
Faz treydores^^ falfos os amigos ^
E entrega Capitaens aos inimigos i
Efte a mais nobres faz fazer vilezas y
Efle corrompe virgtnaes purezas.
Sem temer de honra^oufama alguns per igos^
EJie deprava às vezes asjVtenctns^
Os Juízos cegando ^à" as confeiencias,
Efiè renie TMtnidas fortaUz.ai. Munidas vem de
tnunttut , palavra.Latina, que íignifica couía forte,
ÔC guarnecida de todos os petrechos neceílarios
para^iua íegurai}ça,5c guarda.
99
ES te interpreta mais, que fíitilmente
Ostextos^ejlefazy^ desfaz leys^
Efte caufa os frejurios entre agente ^
E mil vezes tiranos torna os Keys:
Atè os quefóa T^eos Omnipotente
Se de aicão^mll vezes ouvireis^
^e corrompe efte encantador^ illude^
Mas não /em cor com tudo devirtud^.
^■i «SSsW
m\
Hi
^:f9!^ib!^:ia;^k^^t9^:b^^f»t^:ka^ia^:|^|if;;^
^ 0^.,^ ^d*^ ^d*» í«^í;*^ -<líií«r ^l^.rk^ -Crjíjv» j5« ,a» -^-^ •«» ^i#^?<i» -tót^^li» -O^jíí» ■05j«»« *4^ > ^H^ ^õ^í^
ç í?^ ^à^ ««^â» -oí !•• -«Sâe- ^ i* «^ S»» ^5^^«»Sâ* -aí ã«» ^&* -^ â«» ««8.^ «^:>. «é^ ^ -«5:». ?Í
OSLUSIADAS
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
Commentados pelo Licenciado Manoel Corrêa.
ARGUMENTO.
Parte de Calecut o Luíitano,
Com as alegres novas do Oriente,
E no meyo do túmido Occeano,
Vénus lhe raoíha huma Infula excellente:
Aqui de todo bem íofrido dano,
Acha repoufoaíTaz conveniente,
E com Nymphas gentis o mais do dia
Em feitas pafla , & jogos de alegria.
CANTO NONO.
Parte Vaícoda Gama com fua armada de Calecut , informado por Monçayde d«
determinação dos Mouros, Leva-o Vénus a huma Ilha , a qual o Poeta aqui
finge muy to fértil , 5c aprazivehaonde juntamente as Nymphas fizeraó
muy to gasalhado , & fefta aos Portuguezes.
I 1
TIverão longamente na Cidade^ TT A^ no feyo Er ttreo^onde fundada
Sem vender fe a fazeda^os dons feyt ores % I ^ Arjinoefoy do Egy cio Ttolomeu^
§ue os infiéis por manhaj& falfidade^ ^0 nome da irwãafua affi chamada^
FazemyCfue naõ lha compre mercadores'. ^iie depois emftiez fe converteu:
^ue todofeupropofitofè vontade Nao longe o por to jaz da nomeada
Era de ter alli os defcubridores Cidade Mecasque fe engrandeceu
Tia India^tanto tompo^que viejfem Com afupreftiçaõfalfa^^ profana^
'De Meca as naos^que as fuás desfizeffem, *Da reltgioja agoa Mabometana.
Hhx i^
244
Lufiadai de Lais de Camões Commentados,
Lá no feyo Erythreo. Neílas trcs oytavas,que í'e de,&fermoia povoaçâo,a qual teia íeis mil foges,
ia
feguein nos cratca o Poeta do porto donde íahiaó
as nâos de Meca para Calecut. Seyo Erythreo hc o
que por outro noine chamaó os Autores feyo Ara
As calas como as melhores dasnolTas , porque hà
cafas que valem três & quatro mil cruzados cad;i
hutna , náo he cercada , mas iervemlhc de muros
bico,& vulgarmente Mar roxo. Os leyos do mar humas rnuy to altas, & afperas montanhas, que a
' ""- rodeaõ por todas as partes. Dizem que lançou,
nolio Senhor maldição a efta Cidade como a de
Medinathalhabi , aonde cftá o corpo de Mafoma,
porque náo produzem os campos herva.nem tem
arvore alguma, nemcoulaboa, 5c tem tanta falta
de agua , que náõ há peflba que íe farte delia , £c o
que quizclle attcntar iíto lhe cuftariamuyto ca-
ro.Todooneceffariolhevem de Arabia,Ôí. Ethio-
pia , terras vezinhas , porque cila de íeu, não tem
outra cou la lenão aqucile maldito poço,com cuja
a que os Latinos chamaó finut , faó as entradas , &
íahida&, que o mar faz pela ter/a, as quacs rnuy tas
vezes laó muyto grandes , como he o graó feyo
Perfico, Gangctjco, Adriático, eílc Erythreo de
que falíamos , & outros muytos. Chamoule aflim
clle Ery thrco , ou de hum Rcy,que aíTim le cha-
mava naquellas paries,fiIho de Perfco , & Andro-
meda , como diz Sohno no feu Polyhiftor : ou da
cor da aguajdaquella paragem , que parece roxa,
que ifto quer dizer a palavra no Grego, Chamaíe
leyo Arab]Co,como fica dito, por cítar na cofta de agua \t lavão os Mouros,quc vão da índia,Ethio^
Arábia deferta. O primeyro Uigar delta coíla na pia,Africa,Egypto,&: outras muytas partes,
entrada do mar roxo hehum pequeno , de que
aqui falia o Pocta,por nome Suez,poílo cm altura
do Norte vinte & nove grãos & três quartos, ha- ^ *
bitado fomente de gente bayxa, Sc trabalhadores, ^^ Idàfe chama O parto^aonde O trato
os quaes eílão alli para fazerem ao Turco as em- VJ ^^ f^do o roxo mar ^ynais flor eciat
barcaçoens neceílarias para a India.Eftc Suez foy q)e que tinha proveyt o grande ^^ grato
chamado antigamente Arfínoe, do nome de huma q i^oldaÕ mieefft Remo pofjuia:
filha de Pcolomeo Rey do Egy pto,que o íundou. ^ ■ ^^^ Malabar es, por contrato
ainda quc,o Poeta quer aqui que fone irma. cr^ r • r / ^ /•
mo longe o porto jaz.. Perto deite lugar Suez tia ^"^^ infiets ,fermoja companhia
coíla de Arábia eílá a Cidade de Judá,a que o Poe-
ta aqui chama Gida , como lhe chamâo outros
muytos , a qual f udá hc o porto da Cidade de Me-
ca, diítante delia pelo lertaõ dentro por efpaço de
quinze legoas. He cila Cidade de ]udd de grande
tratto,& comercio, &; a mais nobre povoação que
há em toda aquella coíla de Arábia dentro no ef-
trcyto,ainda que nos Edificios,hc de pouca impor-
tância» 1>A relígíoja agua. Quer Joaõ de Barros.ôc
T>e grandes nãos, peto Indico O cceanoy
E/pectaria vem bujcar cada anno.
GíddÃ, Deíle porto fahiaõ as nãos de Meca para
alndia,&: poreíiasefperaváoos Mouros de Cale-
cut, para com fua ajuda fazerem mal aos noíTos, fc
puderaó , como diz o Poeta na oyiava que aqui íe
íegue.
Soldao. Eíle he o titulo dos Reys do Egypto:
POr eftas nãos os Mouros efperavao
^e como f o ffern grandes Jê poffant es
Aquelles^que o comercio lhe tomavaõ»
Lomjlamas abrafaffem crepitantes
outros,que o corpo de Mafamede eftcja em Meca. quer dizer'grão Senhor : hoje he tudo íugeyto ao
A verdade he que cílá em hum lugar chamado Turco.
Medinathalhabi,como ficadito,nem fua fepultura
eílá no ar, rodeada de pedras de cevar, como ou-
tros q uerem. Os que eícre vem eílas couías , fou-
beraónaspor alguma falia enformação , porque
nem Mafamede cílá em Meca , nem fepultâdo da
nianeyra,qac elles cuydaó, antes eílâ em Medina-
thalhabi quaíi enterrado no chaó , como dizem -.-, /í r r - "
muytos,queo viraó , &fepóde ver era Ludovico Nefle [ocorro tanto conflavao.
Romano na lua navegaçaó.André,Corfalo,Duar- Sl^^jà não querem mais dos navegante s^
te Barbofa Portuguez , & outros muytos, que ef- Senão que tanto tempo alli tardaffem^
tas coulas fabem de raiz , Aílonfo de Albuqucr- &ue dafamofd Meca as nãos chegajfem,
que. O que Meca tem em fi , & a caufa porque os
Mouros Concorrem a ella , he por amor de hum
P°Ç° Cque eílá em huma Meíquita da mefma Ci«
dade , com cuja agua dizem,que íe lavava Mafo-
ma,& cuydaó elles que íó eílc lavatório baila para
fe falvarem.pelo que de diíFerentes partes,& muy-
to remotas vão alli Uvarle com aquella agua , &
alevaó em arredomas , tendo nella a fc, que te-
nho dito.lílo hc o que leva os Mouros a Meca, &
aííim o íentc aqui o Poeta , & não eílar aqui fepul-
tâdo Mafoma. A Cidade de Mcca,be huma gran-
Com jl&mmai ahraz,aj[em crepitantes. Flammas
crepitantes , fogos que cílalaõ , & fazem rogido
quando ardem. He epitheto próprio do fogo,
quando dá em leniiaverdejprincipalméte cm vita.
5
Ti T y^x tf Governador dos Ceosfit gentes^
^lepara quanto t€ni\determmado^
T>e
Canto Nono.
1>e longe os meyos da convenientes^
^or onde vem a (ffeytos o fim fadado:
Ínfimo pie doj os accidentes^
^e afifeyção em Monçayde^que guardado
Eftavapara dar ao Gama avtjo,
E merecer por ijfo o 'Taratfo,
2+5
Mai o Governador. Como a vontade de Deos
Omnipotente cra vir ao efteyto á prctençáo dos
Portuguezes,pâraglona, 6c honra lua, & extirpa-
ção de idolatrias dos Reys da índia , nãopermit-
tio,que houveílb couía.que eítorvaíle humaobra
tão hercyca,& importante,pc lo que foy lervido q
OGamãtque também conjiderava
O tempo jque para apartida $ chama
E que dejpachojà não ejpera^a
Melhor ao Rey^que os Mabomtanos ama:
jíosfeytores^que em terra efião^mandava^
êltie fe tornem as nãos ^& (or que a fama
Uejla fúbita vtnda os não imj?iday
Lhes manda^que afize/Jem e/conaida.
.Do Rey ejue ot Mahometanoi ama. Era o Samo-
Ic achava naqueIJas partes hum Mouro por nome rim de Calecut amsgo dos Mouros,pelaspevtas,8c
Monçayde, que aih aportara dos Reynos de Fez, prefcntes.que lhe mandaváo, comoíicadito por
oqual le âfleyçoou aos noflos, cc Ihedefcubrioos mu y tas vezes,
intentos danados dos Mouros, como aqui conta o
Poeta muyco claramente.
ESte^de quem fe os Momos não guardavas
Torjer Mouro como elit soantes era
^Participante em quanto machtnavão
y^ tenção lhe de/cobre torpe j&J era:
Muytas vezes às naos^que longe eftavaOj
ytfita^à' com piedade confider a
O dmot&fem razâo^que fe lhe ordena
Telia maligna gente Sarracena»
Eftedee^utm feoi Moura nao guaràavao. Os Mou-
ros tinhaó dado conta de lua determinação a Mon-
çayde , de que acima trattámos , o qual defcubrio
tudo ao Capitão mór Vaíco da Gama. Gente Sar-
racena laó os Mouros , vejale o que notámos no
canto primeyro , oy lava 8.
Informa o cauto Gama da r armadas^
^c da Arábica Meca vem cada anno^
^ie agora fão dosfeus tão defejadas^
Varafer tnfirumenfodefle dano:
^izlhe^que vem de gente carregadas^
Edos trovões horrendos de Vulcano^
E que pódejer delias opprimidOy
Segundo e fiava malapercebtdo.
^w ia Arahtca Meca. Chamale a Cidade de Me-
ca Arabica,por eftar na terra de Arábia deferta.
JrovÒts horrendos de Vulcano. Vulcano como fica
dito ern muytas partes dcíles cantos tinhão os
Antigos por Deos do fogo: &diziaó qucera Fer-
rcyro de Júpiter ícu pay, & que lhe fazia os rayos.
Pelo que tomafe pelo mclmo fogo.Daqui trovões
horrendos de Vulcano , Ião os tiros de artelharia.
POrèm não tardou muyto.que voando
Hum rumor nãofojjem comveraaáey
^eforãoprefos os feytores^quando
Foràofentidos vir feda Cidade:
Efiafama as orelhas penetrando
1^0 fabto Capitão ^co mbrevidade
Faz reprefaria nuns^que às nãos vier ao
A vender pedraria%que troxerão.
g^tforao prejos otfeytorei.O Capitão mór Vaíco
da Gama tmha em terra, para feytorizar a fazenda
que tinha em Calecut, dousfeytores , Álvaro de
Braga , Diogo Dias , 6c Fernão Martins lingua,
com outros quatro homens para os fervirem , 6c
ajudarem, Os quaes como tivcíTem recado lecre-
to do Capitão mór para fe recolher para a armada,
fendo fentido lílo dos Mouros , lançarão maô del-
les , 6c deriveraõnos : êc lá ficarão para fempre, fc
Vaíco da Gama não ufara de hum ardil,o qual foy
fazer repreía em alguns homens de Calecut prin-
cipaps,que foraô negociar á armada, com os quaes
fíngio dar â vella, para lhe tornarem os fette, que
lhe ficavaó erxi terra, como lhos tornarão logo.
IO
ERaõ efte r antigos mercador es y
Ricos em Calecut, & conhecidos j
2)<í falta delles Jogo entre os ynelhores
Sentido foy^qne efiaò no marretidos-y
Masjà nas nãos os bons trabalhadores
Volveocabrefiante^à' repartidos
Te lie trabalho Jjuns puxad pella a?narra,
Outros quebraõ copeyto duro a barra*
1 1
•^ litros pendem da verga,^jà defataaQ
A vella jque comgritajefdltavay
^anda
246
fiando tom mayor grita ao Rey reiataÔ
^ prcjja^com que a armada fe levava-,
yls molheres^& filhos ^que femataÕ
T)aqtulleSjque vaõ pr e/os ^a onde ejíava
O Samori.Je (j ti exaô^^que perdi dos
Huns tem os Tays^as outras os maridos
I z
^f€ Anda logo osfeytores Lu/itanoSj
_| Com toda Jua fazenda livremente^
Apefar dos imigos Mabometanos ^
Torqiie Lhe torne afiia prefa gente:
^i (culpas manda o Rey dejeus enganos^
JRecèheo Capitão de melhor mente
Ospre/os^queas difculpas ^^t ornando
alguns neoroSi/eparte^as vellas dando,
13
12) Artefe coflaahayxo^porque entende
^le em vão co Rey gentio trabalhava
Em querer delle páz^a qualpertende
'Per tomar o tomercio^que tratava-.
Mas como aquella terra^quefe eftende
^Fella Aurora fabiáa jâdeyx av a;
Come/ias novas torna a pátria cara^
Certos finaes hvando^do que achara.
Lujtadas de Luís de Camões Commentadosl
ros , as quaes tem as tolhas como de Medronho,
E o cravo naca cm pinhas como fior de laranja,
ou de madre lylva.Eíte cravo no principio he ver-
de, depois fe taz branco , & depois de muyto ma-
duro vermelho muyto fino : como eftá maduro íe
colhe â maõ, então o põem a íecar ao Sol, aonde
le faz pretojcomo o cá vemosjvcjafc dcílas drogas
Chriíloval da Coíla no livro que fez delias cap. u
&4. Há tanta abundância dellc neílas Ilhas, que
nãoopódem apanhar,nemdeípender.
Com a canelia^com ^»e Ceylao he rica illu/lretó' ^c/-
U. De Ceyláo fica trattado no canto i. oytava i.
vejale o meímo Chriftovaó da Coíla cap. i. que
melhor que todos os Eícritores trattou cilas cou-
las, como teftemunhade viíla, debuxandous ao
natural excellentementc.
15
ISto tudo lhe houvera a diligencia
T>e Monçaydefiel^que também leva^
§ue infp trado de Angélica influencia ^
^er no livro de Cbrifto^que fe efcreva:
O dttofo Afrií ano ^que a clemência
T)ivina ajfji tirou de e/cura trevay
E tam longe da pátria achou maneyra
'Farajubir àpatria verdadeyra.
DeMofifaydefiel.Jà. fica dito largamente a fJd
lidade , & amor com que Monçayde Mouro d_
. Africa trattou os nofibs,& como le embarcou com
Pela aurora jã fabtda.?chs partes do Oriente def- elles para efte Rey no , & íe baptizou, & viveo, &
cubertas, porque aurora, quer dizer Oriente.
IEva alguns Malabares, que tomou
^ Torforça^dos que o 5amori mindàra
^{ando ospre/osfeytores lhe tornou^
Leva pimenta ardente^que comprar ai
Afecaflor de Banda nãoficou^
jí Noz^& o negro Cravo ^que faz clara
A nova Ilha Maluco ^co a Canella^
Com queCeylão herícayillujire^& bella^
Afeca^ftorâe J^anda naÕ ficou, Dcbayxo deíle no-
"'^e Banda le encerraô cinco Ilhas, chamadas Ban-
da , habitadas de Mouros , & Gentios, 'entre a
Jaoa , 6c Maluco: h'a neílas Ilhas muyta noz mof-
cada em humas arvores como louros. A fruyta
dcílas arvores he a noz , & a malla que chamamos
lie como flor da melma noz. Eíla maíla he huma
das melhores drogas, que vem a eílc Reyno, he
p uytoprefada,là^Sc cl,^ danozhà tanta quanti-
dade,quefe acendem ofego com cila. Onegrocra-
f*. AlcmJ delias cinco Ilhas eíláo outras cinco
mnis contra o N'orte>chamadas de Maluco, neílas
Ilhas le dà o cravo em humas asvores cooio lou-
morreOjComo muyto bom Chriílaô, que he o qu^;
aqui o Poeta diz neíla oytava.
16
Acartadas ajfida ardente cofia.
As venturofas nãos levanao aproa
^ara onde a natureza tinhapóíia
A meta Auftrina da efperançaboa.
Levando alegres novas y^ repofta
^apartd Orientai para Lisboa^
Outra vez cometendo os dujros medos J
*Do mar incerto ^timidoSiò ledos ^
Meta Auflrina da efptrança boal Conta o Poeta
como os Portuguezesderaõ á vella para Portu-
gal , pondo a proa para o Cabo de Boa efperança,
a que chama Meta Auílrina , que quer dizer ter-
mino , & limite do Auílro, que he o Sul, no qual
termino, & fim jaz eíle tão nomeado Cabo. Timi'
ãoí, & ledos. Os homens que navegaô, tem as pro-
priedades dos que amaó , os quaes em léus traba-
]hos,6c inquietações trazem hum alvoroço,&: ale-
gria , que lhe faz fofrer os perigos 4 & enfadamen-
tos facilmente. Por eíla razão diz aqui o Poeta>
que os Portuguezes hiaó medrofos,6c ledos.
O
I
17
O Trazer àe chegar á pátria cara,
A feus penates caros ^& parentes,
^ara contar a peregrina ji^ rara
Navegação, os vartos CeoSj& gentes:
yir a lograr o premio, que ganhara
portão longos trabalhos ^à' acciâentes.
Cada hum atem por gojlotao perfeyto^
<^e o coração para elle hevafoejlreyto*
Ajeus Penates ctroiAs fuas cafas amadas. PenaS
tes entre os antigos eraô os principaes dos feus
idolos.chamadosaíTim, como diz Macrobio, por-
que por elles fingem que vivia<d , Sc poíluhiaó as
forças do corpo , &alma: & por ido os tinhaó
dentro cm caíatchamandolhe l^enates, como quer
TlíHío )iv. i. de Natura Deorum , dizendo que fe
chama ailim: ^ttodpcms nm nattiunt. Vejáo os cu-
nolbs Alcxander aò Alcxandro liv. 6. gcnial.dier.
i8
POrém a T>éofa Cypria.que ordenada
Era para favor dos hufttanos^
^0 Tadre Eterno y§ por bom génio dada^
^le fempre os guiajà de longos annosx •. > > ,
^ glona por trabaíhos alcançadat r-T'
Satisfação de bem fofndos danos ^
Lhe andava] à ordenando J^per tendia
UJarlheno^ mares trijiesyalegria.
Porém a Deofa Cypria. Eíla he Vénus amiga dós
PoiíuguczeSjChamaleaíTim deCypro,ílha, ao^de
era venera Ja.E por b$m génio dada. Os antigos cha-
Oiáo Deolesgeniaes, á agua, terra, fog-?, ôcar, &
acrecentavâo o Sol , 8c Lua , por ferem os princí-
pios da geração das coulas : 5c aeftes nos dias de
feus nacimcntos faziáo grandes feílas. Empédo-
cles dille, que em hum homem nacendo, lhe eraô
dados dous génios , hum bom, que o guardafle^ 6c
outro mao que o perfeguifle. Donde alguns inter-
pretaôaboa , ou má fortuna, que tem cada hum,
que he o que o Poeta aqui diz , quea V^enusera
dada do Ceo por bom génio , como le diílera para
ajuda , ôc favor dos Portuguezes. Dos génios , &
variedade dos antigos nefta parte, fe veja Alexan-
dre no lugar allegado na annotação acmia.
19
DEpois de ter hum pouco revolvido
Na mente o Urgo mar, que navegarão
Os trabalhos yqae pelo 'Deos nacidoy
Nas Anfitoneas Thebas^e caufarãr.
Canto Nono, 24,7
Jà trazia de longe nnféntido,
'í* ar a premio de quanto maip^ffdrhy
Bufcarlhe algum déleyte^algum aejcanço
No Reyno áe crtjtai líqutaOi& manco
Nas AmphioneatThéas. Amphion ReydeThc-
bas foy grande mufico,Sc tanto que feefcreve dei-
le,que tocando a Tua viola, 8c cantando a ella íe le-
vantaváo as couías iníeníiveis, como pedras,paos,
6c outras femclhantes , 8c o feguiaó , 8c que defta
maneyra ajuntou u pedra,comque fezosmuros a
Thebas , a qual por eíla razão fe chama entre os
Poetas Amphionca,como aqui lhe chama o Poeta.
Eíta Thebas he em Boecia Rcgiaó de Grécia , 8c
chamafe hoje Éílybrcs. Nefta Cidade he opinião
de muytos, que naceo Baccho, o qual tecia tantos
enganos , 8c caufava tantos trabalhos aos Portu-
guezes. No Reyno de CrifUl li^uUo, & manfo. Por
Reyno de criftal liquido , entende o mar , ao qual
chama manlo, que ainda que de lua nutureza leja
luricifo,8c bravo, haviâo os Portuguezes de achar
defcançojôc quietação nelle.
2,0
^^■Lgum rtpoufoemfim^com quefude[fe
Refucilar a lajfa humanidade
^os navegantes feus ^como inter effe
*Dos trabalhos, qtie incurta abrevidadei
^ar^celhe ra^ão,que conta déffe
AJeu filho ipof cuja pote jiade
Os T^eofes faz decer ao vil terreno^
E os humanos fubir ao Qeoferem^ > , ,
7?í/òci//;jr.Recrear. Do trabalho ^ite encurta a hri2
'veidade..Os trabalhos, 8c dcígoflos cncurtáo a vi-
da : 8c pelo contrario os goílos , 8c paflatempos, a
eftendem,^ dilatáo: pelo que os antigos pinta vão
a Apollo, que elles tinhaó por Ídolo da Nluíica, Sc
a Baccho da vinho , ambos mancebo? fem barba,
como fe pôde ver nos Emblemas de Alciato, Em*
blema pp.
Parecelbe rezao cjue couta Jc fé a fsu filho. Com»
Vénus determinou fazer algum gazalhado aos
Portuguezes, 8c darlhe algum dcicanço, com que
lercpayraflem,8c recreaflem algum tanto dos tra-
balhos do mar.pareccolhc ler bem dár conta defta
fiu determinação a Cupido feu filho , 8c pois era
poderolo no Ceo, 8c terra,como o Poeta aqui diz,
Sc por efte relpeyto ncceflario para o gazalhado,
que ella procurava fazer aos Portuguezes.
2.1
Ato-i ív\;»
ISto bem revohido^détermtfia
T^eterlhe a partlhada là no meyo
'Z)«/ a^oasydlgujna Infida divina^
Ornada de ejmaiíada^& verde /irreyo:
§jf^
114^
Lufiâàas de Luis de Camões Commentaaos,
^e mnytaí tem no KeynOjque confina
"jja mãy primeyra c^o o terreno/ty -),
Afora as que pofjue {ober anãs ^
*t ar adentro dasj^ortas Herculanas.
D» frimeyrac'^e o terreno fey o, Aifíim fezLuis de Ca-
mões cíle vcrlb, Senão como anda imprelío : da
tnáy primeyra c'o o terreno feyo:que foy acrecé-
caincnto da Syllaba mây, por creieni, que faltava
laoverío , oquenaõhe. Nem a palavra mãy na-
quelie lugar quer dizer, couia que íatisíaça:quan-
do as íyliabas da palavra primeyra teui quatro,
vogaes. E ainda que o ay lejadiphtongo, êc fe to-
me por huma lyllaba íó, coítumaó os l^oetas divi-
dilos, E allim o ouvia Luis de Camões : os que
thsgo quizefiebem a leu íilho Eneas , que foy
mandar feu filho Cupido em habito , 6c figura de
Alcaino,filho de Eneas, para delia maneyra affey-
çoar Elyía Dido a Eneas, como conta Virgílio na
lua Eneida liv.i.in fine.
O Campo, íjue a hntna felU tomou, He o campo da
Cidade Carthago em AÍrica , contáo as fabulas,
que íendocafada ElyfaDido com SjcheoReyde
Phenicia , feu irmão Pigmaiiaõ matou a Sycheo,
com cobiçados thefourosgrandeSjquetinha.Ely-
fa Dido foy avilada por íeu marido morto,queíe
fofle daquella terra,porque aíTim como Pigmaliaó
o matara a elle, a havia de matar a cila. Ely fa ajun-
tou a mais riqueza, & gente que pode, & metcofe
cm huma nao, na qual foy aportar a Africa, & alli
quilerem que errafle Luis de Camões, íação o ver« fe concertou com El-Rey Hyarbas lhe dèíle a
iodefla maneyraicom o terreno feyo. terra que hum couro deboy leyto em tiras occu-
D as for tas Herculanas. No mar Mediterrâneo paíle. Nefta terra edificou huma grande Cidade,
do cítreyto de Gibraltar para dentro , como Pa- ii qual foy grande emula dos Romanos por rauy-
pho, Gu.ido , Chipre, Cythera , de cujos nomes le tos annos,como eílao cheyas as hiftorias.E iílo he
chama Paphia, Gnidia,Cypria,&;Cyther;ea,, Cha- d que o Poeta aqui diz, que iez Vénus, que Eneas
mafe eíle eíbeyto Portas de Hercules* ou colum. foíle bem recebido no Campo , que tomou de eí-
nas de Hercules , porque neíle lugar poz duas, paço a pellede boy,que he Carthago, 6c o que diz
como fim de léus trabalhos , fingindo que partira por íutil partido he porque íoy aquella pelle fey
pelo meyo deus monrcs , 8c fazendo que o mar ta em tiras muyto delgadas
paflaífe por alli,levando feu curlo por outra parte, lio no lugar allegado.
como fica dito no tcrceyro canto, oy tava 8. & jC,
como conta Virgi-
^4
21
A LU quer ^que às aquáticas donzellas
Efperem os forjjimos varoeus^
Todas as que tem titulo de' belias, *
Gloria dos olhos ^dor dos coraçoensi \
Com danças ^éf core as ^forque nellas
Influirá fecretas affeyçoens^
^ara com mais vontade trabalharem
*ij)e contenta^ ^aq^emfeaffey coarem^
1' ''' ^ ,-./,".-, '
^^uaticas íknz^elUs. Nymphas,6c donzellas mo-
radoras nas aguas, como as filhas de Nereo, a que
os Poetas chamáo Nereidas : ôc outras dequcos
Poetas tráttâo cm fuás fabulas.
^3
T Aí manha biifcouj ampara que aquelle^
^le de Anchifes pariOjbem recebido
IPafJenocampo^que a bovina pelle
Tomou de efpap porfutil parttdo:
Seu filho vay bufcar ^porque fò nelle ,
Tem todofeupoder Qero Cupido)
^íie affí como naquella-e mprefa antiga
A ajudoujà^nejioutr^aa ajude ^tê figa,
Taí tnanh» jà hufcon, Ó modo que teve Vénus
para aííeyçoar as Ny níphas aos Portiiguezcs , foy
t) que teve paraquc Ely fa Dido Raynha de Car-
NO Carro junta asaves^que na vida
Vão da morte as exéquias celebrando^
E nque liassem quejâfoy convertida^
^erifleraj4S boninas apanhando:
Em derredor da ^Deofajà partida^
No ar lafctvos beijos (e vão dando
Ellapor onde paffa o ar^& o vento
Serfnofaz^com hrando movimento.
No carro ajunta ês aves. As aves, que fingem os
Poetas levar o carro de V^enus faó Cifne5,ôc pom-
bâS.Os Ciínes entende aqui o Poeia por aves,quc
na vida celebrãoas exéquias da morte , porque
fingem deftas aves, que cantão muyto fuavemcn-
te ao tempo de fua morte,vcjale o que elcrevemos
no primeyro canto , oytava4. Por pombas a a^ve
cm que foy convertida Periftcra. Contão as fabu.
Jas, que andando Vénus, ôc Cupido aporfia apa-
nhando fiores: huma donzellapor nome Perifterií
vendo que Cupido apanhava mais, fe poz da ban-
da de Vénus para a ajudar , pelo que irado
Cupido,a converteo em pomba, que ifto fignifica
a palavra Periftcra no Grego. E por efte reípeytó
lhe queria muyto Vénus, 6c a trazia em o leu car-
ro, 6c lhe faziaó lacrificio delia, como dizOvidio
nosFauftoshv.i.
J
^5
A^ làfobre os Idalios Tnont es pende ^
Onde ofilhofrkbeyro eftava então^
"■-fX
AJHH'
Ajunfmdo outros mttytos^que fertende
Fazer humafatnofa expedtção.
Contra o mundo rebelde, porque entende
Erros grau de Syque ha dias nelle eftào^
Amândio coufas^que nos for aõ dadas y
Não para fer amadas ^mas ufadas.
CanuNonn^ ^^^
livros , tem licença de áeíprezar toda a outra vi^
da»ôc muycas vcz-csle engauâo,fóra das couliis de
lua protiiraõ.
^7
Eye do inundo todos o% principais ^
Sue nenhum no hem publico imagina^
yèneíles^quenãotemamoramats^
U fdr, >, v,m« mm. ?"» f f'"" <«!> ">- ^«^ afilòmeHte,& a quem Filáucia enfímx
ito íe foy Vénus ao monte Idalio em Chipre, rf- tr i-^ *- "^
^ ^ y e^queejj es ^que fer quentão os reaes
^ aços por verdadeyra,^ fãa do tma^
Vendem adulação ^que mal conlente
Mondarfe o novo trigo jkrec ente.
tento le toy Vénus ao monte laauo em e-tiipre
aonde Cupido leu fiihoeílava preparandoíe para
efta empreía: Chamafe frechey i o,porque o pincaó
os Poetas com arco,5c frechas.
Amanâo coufai. Naó queria Venus,quc houvef-
fe no. munda outro exercicio/e náo o de lua obri-
gação , que era amor , 6i:affeyçãQ, ôcaflimpcr-
luadiaao Hlho fearmaíle , 8c fizefle guerra contra
o mundo rebelde, pois gaílava o tempo cm outras
coulas, comojogos, caças, privanças, Scgrangea-
ria de fazenda, & outras coufas lemelhantes,queo
A t^nem PbilaHcia enftnit, Philaucia he patavf»
Grega, quer dizer amor próprio. Adulaçâo,he li-
fonja,vicios faó e(les,que reynáo muyto em gente
poderoía, & quetratta com os Reys, & Senhores
grandes, como aqui diz o Poeta, & nos moftra a
Poeta vay recontando por algumas oytavas, que experiência. Mondar/e a nova tngo fUreUente. Im-
iaóas que o Poetadiz , que ler vem; para fe uíar poffivei he faltar no Paço adulaçáo.comoheim.
dellas,6c nao para ierera amadas. políivel no novo tngo faltar herva^que tirar. "
VlaAêie^n na caça tão auflero^
"De cego na alegria bruta^infana^
^4eporfegHÍrhHm feo animal fer o^
I^òge àa gente i& be Ha forma humana:,
Epor cafiigo quer doce^^ feveroy
Mofiralhe afermofura de Dianaf
£ guarda/e mo feja mda coínido
^effes caejjque agora ama,& confumidol
ViaABton. Acidava Vénus triíte » 5c enfadada
de ver os homens dados a exercicios differentes,
cfquecidos dos feus, queeraó caflfar, 6c namorar,
pelo que por ordem do filho determinou dcfter*
rar do mundo os taes exercicios , & o primeyro
cm que executou fua cólera , foy no Caçador
Acleon , o qual fez que foflc dar a huma fonte,
aohdc Diana Dcota da C3ça,íe eftava pala lefta^la-
vando com fuás donzellas , paraque afrontada de
Afteon a ver naqoellacftaio lhe fizefle algum \o*
.g«ete, comofez, qu€ foy convertelo em veado,a
qual Teu» próprios cães o defpedaçaraô,como con*
taOvidio nas Metamorphofcs liv.^.
De cegana afegria bruta infans» Alegria bruta, &
rhfánn chama ao exercício da caça , Xenopbontç
\ht chavn^ ^Hhtim jludmmvtnattoniiéO nelcio cxer-
cicTO da caça, 6c outros a efte íom» Naõ fey com
que rezaó todos os outores dizem çoal da caça : o
que daqui fe collige he, que não fabiaó os provey-
tos , & goftos deite cxercrcio. E porque cu fo«i
lufpeytonefta materia.náo me alargo ncUa, baila
que he cxercicio de Reys,6c fcnhores, 8c que não
hccoufa a que gente de bayxoseípiritoifeaffcy
"^oc. Os Leiradog como não goftáo mais que dos
1%
VBf. que aquelleSjque devem à f^obrasití
Amor dívinOi& ao povo chartdade^
AmaÔ fomente mandos ^^ riqueza j .
Simulandojtiftiçajâ in tegridadei
2)^ fea tyraniai& de afpereza.
Fazem eiírejto,& vãafeveridade,
Leys em favor do Reyfè eflabelecem»
Asemfav&r do povo fò perecem,
Vè ejttt à^udku Como fica notado atras o noíTo
Poeta naó diz mal dosRcHgiofos » antes em fuás
©bras moftra (erlhe muyto âffeyçoado , & cu lho
ouvi muytas vezes. E em tanto be iílo aíTim , que
no teinpo,queeu com elle trâltava,nuuca íahia áoi
moíleyro do Remaventurado S. Domingos, 8c m«
dizia muytas vezes , que não havia roais honrada
converfaçlo, êc amizade, que a deftes Relígiolos.
Nota nos Religiolos quererem andar , & trattac
nos Paços com fcculares, 6c ifto he,o que quer di^
zer nas partes aonde delles tratta,
t9
VE^emfimipie ninguém ama o que deve
Senão o que fomente maldefeja^
Não quer que tanto tempo fe releve,
O cafiigo, que durQ^juftofJa: ^ ^
Seus mini[iros ajuntajporqne leve \ -
Exércitos conformes ãpeieja,
Sue efpera ter cõ ama/ regida gente j
§ue lhe nã^hr aoora o bediente.
^ . . li Se^
òeui mkljítús ajuntd.
Lujiaàasãe Luis de Camões Commentados,
Fez Cupido hum elqua- ais , Sc íufpiros dos que hiaõ feridos das fettas deHe
tes meninos voadores. Plcbcruba, gente bayxa.
Crebros fufpiros,continuos Íufpiros, ÔC muytos.
Mas põem em vida os tnda não nacidoi. He dito
de encarecimento para moítrar a grande mão das
Nymphas , que aonde chegava hcava logo o re-
médio dado , porque náo lomente para os feridos
aprovcytavaó feus remédios , mas ainda aos por
nacer , que cm algum tempo haviáo de ter ncceí^
(idade de ajuda,iá tinhaó eílc valhacouto.
làraó de miniltros léus para pelejarem contra gen-
te dcimandada , 6c apartada de Icus preccytos.
30
Vytos de fies mininos loadores
Eftão em varias obras trabalhando^
Huns amolando ferros pafjadores^
Outros afteas de fetas fe adelgaçando:
Trabalhando cantando ejlâo de amores
Vários cafos em verfo modulando»
Melodia fonora,& concertada^
Suave a letra ^angélica afiada.
Muytot de(les mininos voadores, A Cupido parraó
dos namorados pintaó os Poetas com arco, & fre-
chas , & com azas. Eíla he a razão porque o Poeta
chama aqui a outros fubftitutos de Cupido para o
ajudarem neíta empreza, que tinha entre asmáos, J fio acontece as vezes jqttando as Jetar
meninos voadores.
33
F Ermo f as fão algumas i& outras fe as»
Segundo a qualidade for das chagas^
^eovenenoefpalhado feias veas,
Curãí^no ãs vezes a/peras triagas:
yllguns fícão ligados em cadeaSj
^or palavrasfubtis de/abias Magas^
31
N^s fragoas immartaesyonde forjavão
Tara as/etas as pontas penetrantes
^cr lenhajCoraçoens ardendo eflavão^
Vivas entranhas tndaplapit antes
Asagoasonde os ferros temperavão%
Lagrimas f ao de mi feros amantes»
AvivafiamayO nunca morto lume,
U^e/ejo he finque queyma,& nâoconfumi
Acertão de levar ervas fecretas^
Fermofãí fa^ algumas. Reconta o Poeta os gran-
des disbarates, 6c dcfavcnturas que hà nefte nego-
cio de molheres , & os grandes cafos que nefta ma-
téria acontecem,o que nosmoftra bem claro a ex-
periência.
Sabias Magas, Sabias feyticeyras , o-quctam»
bem neíla matéria não falta.
34
DEftes tiros affiàefirdenadosj
^e eftes moços mal deftros vão tirada
Defejo he. A lenhti,que fe queymava na fragoa ^ .
aonde íe forgavão os ferros das fettas de Cupido Nacemamores mil de fconcertados »
eraó coraçóes.Sc entra nhas:as aguas aonde fe tem- Entre o pOVO ferido mtferando:
peraváo os ferros , eraó lagrimas ; o fogo era de- ^ ^^^y^^ ^,, j,,^^^^ ^, j^^^ .n^^^,^
leio, que qucyma, & naomata-.as coufas do amor, e* ^i ir j \. ^ . j
&0S paflbsdosqueamâo iaótrabalhofos,masneíI ^^'^^^^ mtl fe vem de amor nefando ,
tes trabalhos hâ huma alegria grande : aíTim que ^«^^^ dasmoças Btbh,& Lyntrea
cfte defejo,como dizo Poeta,queyma,& náo mata. H^mmancebo de A£irtajhú de Judèa,
Vcjafe o que notámos no canto oytavo, oy tava 83.
*iu xíJilpaupi. ?
ALiguns exercitayido a mão andavão
Nus duros coraçoens da plebe ruda^
Crebros fufpiros pelo ar/oavão ,
'X>os que feridos vao da feta aguda:
Fermofas Ninfasfão^as que curavao
As chagas recebidas ^cuja aj uda
Não/òmente dà vtda aos malferidos^
Mas põem em vida os inda naõ nacidos^
Alguns. Diz que deftcs ajudadores de Cupido
feoccupavâo alguns nos coraçoens de gente bay-
xa,porque o amor a ninguém perdoa.Sc em quan-
to elles eílâo nefta forja foavaõ çelo ar grandes íVnfrfiad©,6c prohibido de íeu irmâo,Sí com impa-
ciência
E tamhenf not Utnts, Não fomente cm 'gente
bayxa, mas na gente principal faziaõ eftes tiros de
Cupido cffeyto , & caufaváo delconcertos gran-
des, &; torpe?. Heroes , faó Senhores grandes , &
gente de titulo,
§Í«<j/ o das moças Bihli. Efta Bibli conta Ovidio
nos Metamorpholcs liv. 9. que fe embrulhou com
Cauno irmão leu , & por cllclc querer defped ir
óella com niuyto chorar , le converteo em fonte.
O meímo Ovidio diz nos livros de Arte amaa-
di,queTe enforcou.
Biblida cjuid referam veú^o qua fratris amore
Arfitiéf ^ft lat^ueo fortiter uíírn nefas,
>í '^bcíj:') :.;.-.) -j^ ■
Que dircydeBiblis ? aqualardcocomamorde»
I
Canto
cícnciafe enforcou. E Cyniren. Entende Mirra filha
de Cyniras,a qual amou a íeu pay deshoneílamen-
te, como conta Ovidio nas Metaraorpholcs liv.io.
o quetoy caufa de le converterem arvore doicu
nome.
Hum mancebo de AjJjriaM^ ^^ luaêa. O mance-
bo de Aflyna, heNmo filhodcSemiramis , do
qual fe elcreve que cohabitava torpemente cora
fuamáy.Hum dejudéa. Rubem,o qualferoiftu-
rou com Bilhah, concubma de leu pay Jacob, co-
mo fe conta no Genefis. Outros entendem eftc
mancebo de Judea por Amon , com fua meya ir-
liú Thamar, filhos de David.
35
EVòs^ò foderofosyferfafloras
Muytas vezes ferido ofeytovedeSf
E porbayxoSy& rudes vòSj/enhoras^
Tambemvostomão nas Fulcaneas redes:
Huns efperdndo mdais nocturnas horas ^
Outresfubis telhados ^t£^aredes^
Mas eu creo^que dejte amor indmoy
He mais cul^a a da may^que a do mininol
E voz i foãerofosl Tratta o Poeta a delordem,
que há no mundo no pedfcado da feníualidadc, co-
mo homens muyto principaes fe embaraçáo com
molheres muyto bayxas : & pelo contrario mo-
IJiercs muyto honradas , com homens de muyto
bayxa forte , o que declara o Poeta naquellas pa-
lavras.To;»/}? nai l^ulcaneas redes. Contaô as fabulas,
que fencmdo Vulcano, que lua molher Vénus lhe
iazia adultério com Marte , fez huma rede muyto
íutil de ferro , a qual armou em hum lugar aonde
elles coftumavaó ter feus paflatempos, & os pren-
deo nellaios quaes não foltou até que foraõ viftos,
& labido publicamente feu peccado. Daqui redes
Vulcaneas , laó as prilões em que os lenhores na-
morados caem. He mêú tulpa a da mHy tjue a di mi-
nino. Quer aqui dizer o Poeta que eíla delordem
do mundo , he mais caufada por própria torpeza
áos homens, que de amor , & aíFeyção, porque fe
não movem a iíto , íc não por ferem puramente
lorpesjôc Icnfuacs,
MAsjà no verde prado o carro leve
Tutthão os brancos Ctfnes mançâmenti
E T>íòne,quer as rofas entre a nevcy
No roflo traz^decia diligente-.
O frècheyrOiqne contra oCeofe atreve^
A recebe la vem ledo^& contente^
Vem todos os Cupidos fervtdores
Beijar a maõ à T)eoJa dos amoresl
ÂlaijÀn» verde prádti Já Vénus tinha chegado
^pm feu carr9 ao lugar aonde queria fazer fua fef-
Nono] 251
ta aos Portuguezes, O carro de Venns, como fica
dito ncfte canto , oy tava z8. era levado de Ciíncs.
Dionc he Vénus como fica dito no i. canto, oytava
3 5. a qual gaba de fermofa dizendo, que traz roías
entre a neve,que he cor com alvura.O frccheyro,
que contra o Ceo fe atreve he Cupido,do qual di-
zem os Poetas,que a ninguém perdoa,porque tam-
bém Júpiter, ApoUo, Baccho, 6c outros, que elles
tinhaó por léus Deofesfugeytava Cupido, porque
tinhaõ fuás inquietações deamor.Deola dos arao-;;
resjhe Vénus de que falíamos.
37
E Lia por que naõgajle o tempo em vaS$
Nos braços tendo /» / lho ^confiada
lahe diZ jantado filho ^em cuja maõ
Toda mtnha potencia ejiàfundada\
Ftlho^em quem minhas forç as fempre eflaõ^ *
Tujque as armas Tifeas tens em nada,
AJocorrerme a tuapoteflade, v
Me traz efpecial necejjtdade.
Tu ^ue ak armai T^pbeeas tem em nada.làíí^ piedoza
pratica de Vénus com Cupido feu filho , he ti-
rada de Virgílio na lua Eneida , naquelles vcr-
fos. liv»i. ^uafi infint»
JSIate mea vires, mea magna fetentia folui,
hiate,patris fummiy^uique ttla Ibyphoea temnisl
Ad te eenfi4ii9i& (upfkx tua uumtna ^ofco.
Filho, cm o qual confiftem minhas forças , Sc todo
meu poder,filho que tens em nada as armas. Thy-
phoeas,apcrtada da neceífidade me chego a ti. En-
grandece o Poeta ncftas palavras o poder de Cu-
pido, como atrás fica dito, o qual não lòmente na
terra,raas no Ceo entrava com feu podenpelo que
Jupiter,quc elles tinhaó pelo principal de feus fal-
fos Deoles le lhe fugey tava : o que daó a entender
aqucllas palavras.Que as armas Thypheas tensjcm
pouco. Armas Thypheas laó os ray os, de que Jú-
piter uíava.Chamaó aírim,ou porque Júpiter com'
ellas matou o Gigante Thypheo filho da terra,co^
mo conta Ovidio no quinto das Metamorphoíes,
ou porque efte Gigante eftava fotcrrado debayxo
do monte Etna de bicilia , aonde os Cyclopas fcr-
reyros , 5c obreyros de Vulcano faziáo os rayos a
Jupiter,como aponta Ovidio nos Faílos liv.i. ain-
da que Homero,ao qual legue Lucano liv.i.Phar.
quer que o Gigante Thypheo cfteja na Ilha Ina-
rime chamada hoje 1 (chia no mar Ty rreno, laó faj
bulas,Sc fingimentos de Poetas.
BEm vès as Lujitanicas p digas,
(^e eujâ de muyto longe favoreço
li 2 Torqn^
Ltifíãàas de Luís de d^mÕes Commentados,
*Por(»t4e das 'Parcas fey minhas am/gas,
^tf rne hão de venerar, & ter em^reço:
E porque tanto tmttão as antigas
Oííras de meus Romantts/ne ojfereçQ ; «ytan-j
M lhes dar tanta ajuda em quanto po]J(H
jíquántoje- ejlendtr o poder nojjo.
E ^arfiij]'o(^uma. Com© a intenção de Venus)
era dar aos Portuguczes algum alivio dostrabà»
lhos,5c fazerlhc algum gazalhado,aonde os íavore-
ceik,& déilc a entender a affeyção, que lhe tinha:
communicou, como atras referimos, fua intenyaõ
com Cupido leu filho para ferir com fuás lettas as
Nymphas domar , para que çncendidascom o
amor dos Portuguezcs , lhos ajudaflem a tcílejar
emhumallha, que novamente lhe havia depor
' BtTn v($at Lu^tíinkas fadigai. Conúnu^ o V^àttíi
com a imiiação de Virgílio no lugar allegado, nomeyodomar, íópara cíteeffeyto, aquali'lha
aonde Vtnus procurava afícyço^r a Rainha Elifa havia de fer nuiyto írefca , o que moftra o Poeta "
Dido a Eneas leu filho,o qual tinha paliado muy- pòr aqucllas palavra^. De dons de íloray & Ztfhjra
ros trabalhos no mar , depois da dcílruiçâo de <í</tfr»<i<^^.Porque Flora he entre os Poetas a Deoía
Troya , por ordem de Juno molher de Júpiter, das Flores, & Zephyro vcnto,que por outro no-
Gomo eáà cm Virgílio no lugar allegado : para o rnc chamamos Favonio , a viração que corre no
que íc ajudou de leu rilho Cupido, como atrás dif-,. veraó , o qual fazem os Poetas caiado com Flora,
iemos:o que aqui também finge o P oeta,attnbuin- porque lhe favorece, 6c ajuda fuás flores, vejale a
do os trabalhos dos Portuguezes a Baccha íeu ini- noíla annotaçáo nefte melmo canto oytava 6i. 6c
migo grande. Pcloque Vcnus aíBm como nos tra- no decimo oytava 74. Quanto a efta Ilha íe he a
balhos do filho Eneas, caulados por odio , & mal de Santa Helena , como alguns cuydaó, &oque
querençadejuno fe aproveyta de Cupido , para
por lua ordem dar algum delcanço a Eneas, 6c af-
íim aqui pela mefmà via o dar aos Portuguezes , o
que tudo na letra vay muyco c\<ito.Porjutdas Par-
£ás fe/ Mtnbas amigas. Que coulas lejáo Parcas íc
veja,o que cfcrevemosnocanto pnnieyro oytava.
E forque das injidias do odio fò
Baccoyffirão na iudia mole fiados^
£ das injúrias Jòs do mar undo/Oj
poderão mais jer mortos ^que cançados:^
No mejmo mar, que fempre temer o fo
Lhefoy^quero que fejão refoujaáosy
Tomando aquelíe premíOi& doce gloria
2^0 trabalho ^que faz, clara a mer/ioriãm
■í»t.
o Poeta aqui quiz moftrar»le veja o que cícrevere*
mos no canto decimo oytava 74. Ponto fundo he
o mar alto , porque ao mar chamão os Latinos
Ponto , dirivandocíta palavra do Grego de pon-
tiro,que he afogar, porque o labeelle muy to bem
fazer.
41
Llicom milrefrefcos^ manjares ^
Com vinhos odoríferos jtèro/àsy
Em criftalinos façosfingulares^
Fermofos Itytos^à' ellas mais fermofasi
Em fim com mildeleytes não vulgares^
Os efperemas Ninfas amorofasy
*De amor feridas ^f ar a lhe entregarem
^anto delias os olhos cobiçarem.
Jklil deUytes vlt» vulgares, Dclcytes extraordi-
nários, & delacoílumados.
41
Poderá» maiijcr mortot, ejue cattfadês. Grande en-
carecimento da valentia dos Portuguczes,6c fufri-
niento dos trabalhos, que fó a morte os podia apar-
tar de íeu intento, não trabalhos, nem perigos al-
guns por grandes que fofiTem. Di trabalho , ^uefaz
clara a memoria. Não há na vida coufa que mais
honre, n.em levante os homens, que o trabalho, 8c Etome exemplo o mundo vil^maltno^
diligencia, nem coufa, que mais os abata, &dcf- &ue contra tua potencia fe rebela:
trua ,.quc o ocio. Vejale a nofla annotaçáo no ^,rou.fntendão.aue muroaàama
cauto íexto,oytava 55>,
a Vero que haja no Reyno Neptunino
Onde eu nàcí,frogenieforteJ3 bella
40
ETara tffo quertãyque fofridas
As filhas de Nerèo, no ponto fundo^
n^o amor dos Lufitanos encendidas^
^Me vem de descubrir o novo mundoí
Todas ntrma llhajuntas ^& fubidas^
llha^quenas entranhas do profundo
Qcceano terey aparelhada^
IJi does de Florai& Zéfiro adornada.
T^orque entendão.que fnuro adamantino,
Nefn trifie hypocrefia vai contra ella.
Mal haverá na terra quem fe guarde.
Se teu fogo immortal nas agoasarde.
Ondt en »/iíi.Dizem os Poetas,que Vénus nacc©
da cfcuma do mar , pelo que lhe chamão Aphrof*
difía de Afros, :juc he a elcuma. Vúrque entetulão tjue
muro ãdamantinOt nem trijle hypecrefta vai cBtttra elU,
Entende outras coufas , que teve Vénus para fa-
zer gazalhado aos Portuguezes no mar , huma foy
lambem querer lahir pela honra de lu& pátria, que
lie
Canto Nom,
hco mar,porque dizem os Poetas que naceo nelle. ^e com cem olhos vè^é' por onde voa,
AíTirn que por honrar o mar dando os Portugue- q ^ue vè com mil bocas aperzoa.
zes por parentes das Nymphas,êc paraque enten- -^ *
deflem os reveis * leu hlho Cupido
m
A Deofa Gigantea.Eííz terceyra que Vénus que-
ria he a fama para publicar o valor dos Portu-
guczes. Chama o Poeta á lama Deola Gigamea,
por fer irmã dos Gigantes, & filha da terra,geradi
delia para a vingar dos falfos Deofes. Virgílio na
Eneida liv.4. defcreve excellentementc a fama,
aonde diz que he hum monílro horrendo, & gran-
de, com penas como ave , Scquequanraspennas
tem, tantos olhos, outras tantas lingoas , & outras
tantas bocas. O melmo dizaqui o Poeta:8c em di-
zer que tem cem olho3,6c mil bocas, he ufar de nu-
mero certo por incerto , figura ffiuy to ulada cru
os Poetas.
VAõna bufcarfè mandaona diante,
^le celebrando và com tuba clara:
Os louvores da gente navegante t
Mais do que nunqua os doutrem celebrar a
Jâ 7nurmurando afama penetrante
^eias fundas cavernas fe ejpalhàra
Fala verdade ^a vida por verdade,
^e junto â ''Deofa traz {Credulidade^
^t junto â Deofa traz, credulidade, A fama traz
comfigo por companheyra á credulidade:& ifto he
amar, & outras com pontas de chumbo botas que tâo certo,que não tem neceííidade de prova , por-
faziaô defamar como: fe pode yer em Ovidio nas que o que dizem muytos,facilmentc fe cré, & rem
Metamorpholes, liv.i. Delias lettas com as pontas por certo. Donde naceo aquelle Provérbio tâoía-
dc ouro ufou Cupido para fazer afcyçoar as Nym- bido: Non omning ttmere ef,<juod vulgo diãitant: náo
phasaos Portuguezes , arco ebúrneo hc arco de fí^ levanta fumo fcm haver fogo. Ao quealludio
marfim Cypria he Vénus , chamada aífim da Ilha Hefiodo na fua obrâ,que intitulou liv.2. Opera^df
Chipre, aonde era venerada. A redta larga dt avet, <^«í, obras, & dhs.Nam non ulla ijuidtfnprorfum pertt^
CU}» canto. O carro de Vénus fingem os Poctas,que irrita fama , per fopulos ejuacumcfue volat , ^aia numen
he levado de Cifnes, 6c pombas, como fica notado W^Ã Náo há fama que de todo laya vâ,porquc
nefte canto , oytava 24. Chama aqui ao Cifne ave ^ ^^"^^ he Deofa, afiim que o que muytos trazeoi
^ue chorou muyto a morte de Phacton , pelo que 1* boca, náo fe pode ter por fallo de todo,
os Poetas delles contaó , que quando Phaeton fi-
lho de Apollo, & Climene cahio doCeopornão
faber governar os carros de feu pav o Sol , fentio
tanto lua cabida , & morte Cygno Rey de Liguria
feu parente , & grande amigo , que os Deofes por
compayxãoque delletiveráo o converterão em
Ciíne . ave de ícu nome , vendo que por nenhum Mudando os fez humpouco affeyçoadosi
H)odo aquietava cm feu choro. Conta efta fabula Qpeytofeminil.que levemente
que nem os
muyto esforçados , que entendo por muro ada-
mantino , nem hypocritâstriftcsle podiaó livrar
dclle,pois (eu domínio, ôc poder le ellendia fobre
todos.que ifto náo era de elpantar, pois o fogo do
amor fe atreva nas agoas.Pintáo os Poetas Cupido,
que os antigos tinhaó por Deos dos mares , com
hum ramo na mão direyta , ôC hum pcyxe na ef*
querdâ , querendo moítrar que tinha poder no
mar, òv na terra , & que não hà no criado couía
que lhe náo obedeça , como diz Alciato emblema
io6.cap'io.
45
ASfiVenuspropoz^& o filho iniquo^
Tara lhe obedecer jâfe apercebe^
Manda trazer o arco ebúrneo rtco^
Onde as J et as de pontas de ouroembebe\
Comgojlo ledo a Cypriaj& impudico^
'Dentro no carro o filho feu recebe
An de a larga às aves^cujo canto^
AFaetontea morte chorou tanto^
Ondeai fetas defontd de ouro emhebe.T^u^^ maney-
ras de fetas atribuem os Poetas a Cupido humas
com pontas de ouro muyto agudas , quefaziáo
4í
O Louvor gr ande ^0 rumor excellente
Nocoraçãodos Deofes ^que indinadôà
Foraòpor Bacco contra a iUufire gente
@ vidio nas Metaraorphoíes liv.a.
44
MAs^áiz Cuptdo^que eranectjjaria
Humafermofa.à- celebre terceyra,
^epofio que mil vezes lhe he contraria^
Outras mtiytas tem por companheyra:
A 'Deofa Gigantea temerariaj
laãante^mentirofa^ verdade^ra^
Muda quaisquer prop ofii os to mados^
f à julga por mao zelo Mp^t crueza
Defejar mal a tanta fortaleza,
O pejtc feminil ejue levemente. Muda muaef^uer pro*
pof tos tomados. Náo lómente os fallos Dcoles que
cíiaváo de parte de Baccho contra os Portuouc-
zes fc mudarão de ícu propofito,íí (e afieyçoaraã
Ros Portuguezes, masasmolhcres animal natural-
mente inconítante,& lcve,jul^ou por crueza de-
legar
2f4 Lujiadat ãeLnisde Camões Commentado si
/êjar mal a gente tão esforçada.Naó íe pódc negar
haver rnolheres.rauyto honradas , ôc de grande
conílancia , êc pcfo em luas coufas : mjis delias hâ
muyto poocas.Pela mayor pane faô as molhcres,
as que o Poeta aqui diz á imitação de Virgílio,
Vartum , & mutahle ftmper fosmina , a molher he
hum animal vario » 6c que nunca eftá em hum
fer. Tudo o que fe pode dizer das molheres dillb
huma Gloia do decreto.
45?
§lufdlcviusfumo}fiame» ejuid flaminelventus
Çl^td vento} Mulitr. §luíd mulien^ nibtl.
Que couíã mais levcqueofumoPoloprOjquemais
que o fopro, o venco,que mais que o ventOi a mo-
lher,que mais que a molhernada.
47
DECpede mfloofero moça asfetasy
Huma apoz outr aderne o mar cos tiros
^ireytas pelas ondas inquietas
jíígmnas vão, & algumas fazem giros:
Caem as Ninfas JançaÕ dasfecretas
Entranhas ar denttffimosjufpiros^
Cae qualquer fem ver o vulto jque ãma^
^e tanto como a vijtapòde afama,
§lue tanto como a vi/ia pôde a fama.Conh ordiná-
ria hc affeyçoarfe humas pelloas a outras , lem íer
conhecidas fó pela fama,que tem de luas boas par-
tes. A flim eftas Nymphas , ainda que não tinhaó
noticia dos Portuguezes , fópcja fama de fuás ex-
cellentes partes Ihequeriaõ bem. E do fundo do
mar , aonde refidiâo daváo muytos fufpiros com
laudade delles,& fem ver a quem amaváo lhe quc-
riãoentranhavelmcnte , como leos tivcráopre*
íèntesjtáo grande he a fama da boa fama.|
48
OS cornos ajuntou da ebúrnea lua,
Comferça o moço tndomito excejjii)aj
^e Theti sequer ferir mats que nenhuma ^
forque mais que nenhuma lhe era efquiva\
Jà não fica na aljava feta alguma.
Nem nos equoreos campos Ntnfa vivai
Efe feridas inda eflão vivendo^
Serà^arafentir^que vão morrendo.
Os corhcs ajuntou dá Ebúrnea Lua.Chimz âs pon-
tas da Lua cornos,pela lemelhança que rem antes
queeltcjachcya,pclos quaes aqui fe entende o ar-
co que aííira diflc Ovidioliv. I. Lunavíttjue" gentt
finucfum fortiter arcum , dobrar fez à maneyra dc
Lua o arco.Chamaá Lua Ebúrnea, de Ebur, que
heo marfim , por fcrfuacor branca. Campos
equoreos , faó campos do mar , dc í^«or, que he o
ii/ ar entre os Latino?.
D /íy lugar altas,& cerúleas ondas,
^e vedes í^enus traz a medicina,
Mojirando as brancas vellas^^ redondas^
M^e vem por cima áâagoa Neptuninax
Tara que tu reciproca refpondas^
Ardente amor yâ flama je menina,
lie forçado ^que a pudicta honefta
Faça quanto lhe Vénus amoejia^
Day lugar, Defpois que Cupido com íuas fcttas
ferio as Nymphas do mar , deu ordem com que os
Portuguezes acudiflemáquellas partes para cfíey-
tuar o que pertendia. Ondas cerúleas faó aguas do
mar , chamáofc cerúleas deceruleus a , um , que
íignifica a cor do mar. Agua Neptunina he agua
do mar , chamafe Neptunma > porque a Neptuno
tinhão os antigos por feu idolo do mar , donde
a agua Neptunma , quer dizer, agua de Neptuno^
& por conleguintc do mar.
IA' todo o bello cerofe aparelhe
'Das Ner ey das ^^ juntos caminhavs
Em coreas gentistufança velha,
^Paraallha^aque Vénus asgmava:
Alli a fermofa T>eofa lhe aconfelha,
O que elíafez mil vezes ^quando amava\
Elias, que vão do doce amor vencidas
Eftâo a feu confèlho o ferecidas,
14 todo o hello coro. Como Cupido ferio com íaas
fcttas as Nymphas domar , a que os Poetas cha-,
mão Nereidas , por lerem filhas dc Nerco lenhor
do mefmo mar ,cllas tendo vifta da armada dos
Portuguezes , que pelo mar caminhavaó , fe apa-
relharão com muytas feílas , 6c danças para os re-
cebcrem.Corcasjlaó danças.
51
C"^ Ortando vão as r.aos a larga via
j 7)o mar ingente, fará a pátria amada,
*Defejando prover/e de agoa fria,
Tara a grande viagem prolongada:
^ando juntas comjubita alegria
Houver ão vifta da Ilha namorada.
Rompendo pelo Ceo a mãy fermofa
jD^ Memnonio fuave^à' de leytofa.
Rompendo pelo Ceo^a tn^f fermofa, A mãy fer-
mofa dc Memnonio , hc a aurora , a qual dizem os
Poetas , que houve efte fil ho Alemnon de Titbo-
no. Moftra o Pocw Bcfta oytavaque;Oí Portu-
" * - guezes
i
Canto
guezes houverão vifta da Ilha, que Vénus lhe ti-
nha apârclhada,hum dia em cíclarecendo a menhã.
52'
?o^
DE longe a Ilha virão frefcajé* heUã^
^e Vénus feias ondas lha levava
(^Bem como o vento leva branca vella)
'Tara onde a forte armada fe enxergava:
§ue porque nãopaJfajUemJem que nella
Tomaffem porto,como defejava,
Tara onde as nãos navegão a movia.
A Accldalia^que tudo em fim podia,
i^Be longe a Ilha virai, Muy tos tem para íí , que
efta Ilha de que o Poeta aqui falia , feja a de Santa
Helena , mas enganaófe , porque foy hum fingi-
mento que o Poeta aqui fez , coroo claramente
confiada letra , & fepôde vernanoira annotaçaó
no canto decimo oytava 74. Acidalia , he Vénus,
vejafe o que notámos no primeyrojGanco , oytava
35' ^-
5?
M As firme a fez^é* immovelycomo vWj
q era dos Nautas viftai& demandada
^al ficou T>eloSytanto que parto
Latona Febo^t£ a Deofà à (aça ufada:
Tara la logo a proa o màr abrío\
Onde a cojia fazia huma enceàda
Curva j& quieta^cuja branca aréa^
Ttntou de ruyvas conchas Çytheréa,
Mat firme afez.. Ufa aqui o Poeta de huma ga-
lantaria poética no pintar defta Ilha , que Vénus
aparelhava para os Portuguezcs terem alguma le-
creaçáo , & defcanço dos trabalhos do mar , ôc hc
que a faz movediça, & que andava á viíla das nãos .
dos Portuguezes,para que por nenhum mododey-
xcm de a ver,6c entrar nella, efta Ilha diz o Poeta,
que €m os Porcuguezes vendo , ficou firme,
como fe conta da Ilha Delos:a qual era movidiça,
& andava de huma parte para a outra. Mas como
Latona pario nella Apollo, 6c Diana ficou firme,
& fem femais mover. A Deola â caça uzadâ» he
Diana, irmá de Apollo, a que os antigos tinhão
por Deofados caçadores.Cythcrea.he V^us,cha-
raadaaírimdaIlhaCytherca,donde^cravcnçrada.
TRe? fermofos cuteyros fe mofiravaê
Erguidos com foberbagractofa^
^e de gramíneo efmalte (e adornàvao^
Na f ermo/à Ilha alegre,^ deleytofa:
Claras fontes ^f§ liquidas manàvão
^ocume^que avcrdura tem viçofa^
Nom, ij-ç
Tor entre pedras alvas fe deriva^
Afonoros lymphafugitiva,
Trei fermúfoi outeyrcs. Começa a deícrever os
lugares da Ilha antes , que venha a trattar do que
aos Portuguezcs aconteceo nella , & ncfta def-
cripçáo ufa de todos os encarecimentos necefla-
rios pars ornato.ôc louvor defta Ilha, como pelas
oytavas lemoftra. Gramíneo efmalte faó as her-
vas.Lyropha he a agua:fonora, & fugitivajaõ cpi-
thetos muytopropiios,6c accommodados â natu-
reza da agua>quc he íoar, & correr;
í5
NVm lalle ameno^ que os outeyros fende
Vinhão as claras agoas ajuntarfe^
Onde humt me fa fazem ^que fe eflend»
Tão bellatqHantofóde imaginar/e:
Arvoredo gentil fòbre ellapeude^
Como queprompto eft apara enfeytarfè^
Vendo feno criftalrefplandecente^
Sue em fim o eft â pintando propiamenteí
Onde huma wtfa fazem. Diz que nefta Ilha fa-
^^m asagoas huma Lagoa muytofcrmoíâ , a que
^'hama aqui meia rodeada de arvores de muyras
maneyras, que lhe davaó muy ta graça, & que pa-
recia eftaríealliaíFeytando , prefandofe do lugar
aonde eftavão , que he grande louvor da agua,
pois era a cau la defta frdcura, & fermofura, & 0$
arvoredos concorriaõpara fcver a ellacomoeai
cfpclhocryftalino,ôc muyto refplandeccntc.
Mil arvores eft ao ao Ceofuhindo
Compomos odiriferos jfè bellos^
A larangeyrá tem no fruyto lindo \
Acor^que tinha Tjaphne nos cabelloti
Encofiafe nn chão, que eftà c ah indo
A cidreyra c*o ospefos amare lio s^
Os fermofos limões, alli cheyrando, \^vÍu
Eftão virgíneas tetas imitando.
Com pomot odoriferot* PoBio entre os Latinos lie
toda a fruy raquete a ca fca delgada, com o peras».
maçans,ameyxas,laranjns,peccgos, & outras defta
qualidade : Easquetem a calca dura fe chamão
nuces, como caftanhas, nozes, amendoas,avclans,
& outras fcmclhantcs. A cor que tinha Daphne
nos cabellos , hea cor loura , qual tem as laranjas*.
Daphne fingem os Poetas» que foy filhado fio Pe*
neo , a que Apollo foy muyto affeyçoado. Efta
querendo hum dia Apollo uíar com ella , o que
ella náo queria, fugiolhe, & indo fugindoj fingem
os Poetas ,,, que leu pay a converteo na arvore
louro.Conta cftafabuiaOvidio nas Metaniorpho-
içs liv.i.Pcfoi amareiosjlaó as cidrai. ^«
256
57
Lufiídas de Luís de Camões Commentadós,
QpomOtque da pátria 'Perfia veyo^
Mdhor tornado n(y terreno albeyo.
ASàWores agrefies^queos outeyros ^' ^^^^ V*^ ^^ Pomona. Pomona tinhaô os antu
7 em comfrondme Coma ennobrecidos g^s por Deola da fnjyta o que aqui aponta o
Alamos fâo de Alcides, & os Loureyros ^°^^ ^' ' ^"' "*^"^"^^' Una produzia a natureza
2)^ louro T>eos amados ^^ querido j;
l^irtos deCytherèacos pmhtyros
5Df Cyhelejfor outro amor venctaes
EJtã apontando o ag udo Cyparifo
Taraonde hepofto o etéreo Taratjú^c.^ '•'-
fruytas excellenoirimas , fem íe enxertar as ar-
vores,nem cultivar as terras.
A* amoríHy^ue o nome tem dot amantet, Cont^^',
Ovídio nas Metamorphofes liv, 4. que as amoras
foráo cm principio brancas , & que reconverte-
rão na cor negra, com oíangue de dous,que muy-
ro le quilerâo , íjúeforaó Pyramo , & Thisbc. O
arvores de fruyto po^^o,^^^ da pátria Ferfiavey,.^ Entende o Pecego.
arvores aercítes Quanto a eftafruyragalanteao os Poetas . como
' coíí umáo cm outras coufaSjSí tem metido cm ca-
beça aalgurras.pefioas fer o pccego peçonhento
naPcrfia , como difle Alciato Emblema 141, Ôc
conráo , que tendo os Perías guerra com os Ro-
manos , trouxeráo a Itália muyto? pecigueyros,
paracom o fruyto matar,comofaziáo na Períia, a»;
quaes arvorcs"em Itália dcráo fruyta cxcellentií^
fimajqual vemos hoje por cilas noílas partes muy-
tas coufas a efte propofito,& os Autores deíla opi-
nião, allega Cláudio Mirfoe lobrc Alciato Em-
blema allegado , Laguna fobrc Diolcorides hv. x.
cap.i5i.pag,i05. Zomba dos que dizem ifto,& afv
íim o íabemos hoje por experiência , porque cada'
dia vemos peflbas daquellas partes , que dizem o
contrario , Sc porque os antigos não iabiaô tanto
do mundo , como nôz agora íabemos, íeventaraã
eftas tabulas para rcr que dizer cm léus cfcrittos,o«>
quacs tinhaó^mais de elegância, que de verdade. ;
Al arvores agrtjlei» Além das
de todo o género, havia também arvores agr
&: que onáodavão. Mas eftas muytotermofas, 6c
apraziveis à vifta, como alemos, louros, myrtos,pi-
nheyros , & cipreftes. Chama aos alemos arvores
de Aicides,qúe he Hercales,chamado aílira de feu
avó Alceo , porque a gentilidade enganada entre
outros erros, que tinha , era confagrar arvores *
feus Ídolos : ôc aílim paflaros , aitribuind^^acada?
hum o leu, conforme a opinião,qucdelle tiiihão,
comoconíta da lição dos Poetas : ApoUo tinha
por fua arvore o lourOjporquc nella foy converti-
da Daphne,como notámos na oytava paliada. Vé-
nus a mortinhcyra , por fer muy to cheyrola. Cy-
belles o pinho, porque Atys, a quem eila foy muy-
to affeyçoada, foy convertida nefta arvore, como
conta Ovídio largamente nos faftos liv. 4. & nas
Metamorphofes liv. lo. Diz aqui qae opinheyro
foy de outro amor veficido,âttribuindoo ao que fe
conta de Atrys , que encomcndandolheCybelles
quefoíle honefto, 6c cáfto, & íe déíTe ao excrcicio
da caça,elle fe deu a amores torpes,8c deshoneftos,
pelo que endoudeceo , & quercndofe matar, acu-
dio Cybdles , & o <;onvertco em pinho, Catulo
trata largamente dafuriá, & doudice cíe Attys enà
huns verfos, que comççâo: Super alta neãits Attys,
o interprete de Nicandró Grego diz , quc hum
porco m^u a Attys r. como faò fabulas tem mil £ ^^j fè jja vofa arvore fecunda,
cnredos.Contao o. Poetas que Apolloconverteo. <Peras piramidais, viverdui fer dê s,
cm ciprcfte a hum moço chamado Cypariflb, por 1^ /'"'♦"*-,» ^ 1 '
onde efta arvore fc chama Cyparifííis , ou Cu- Entregayyos ao dano.que ç oos bicos
59
ABre a Rmã , mojlrando a rubicunda
Cor^com que tu Ri>hy içu preço ptrdes
Entre os braços do ulmeyro efià a jucunda
Vide c'o hwís cachos roxos, & outros verdis^
J
preíTus : cfta fabuíapónça Ovídio nas Metamor-
phofes liv.io. i V ^ - -
Eíèereo p^rajffo, Parayfo Celeftial , 8c alto : diz
ifto porque' os cipreílesífaó arvores aUa», 8tquc
caminhadpara oCeòcòmíúa altura.
j ff 3rr
^5
Ȓ;>ocno
OSd$nf Jque dà ^omònataUi natura^
Troduze diferentes nos Jabores^
Sem ter neaffidaáe de cultura,
^efem ellafe dão muyt o melhores:
Jís cerejas purpúreas na pintura^
jis amoras, que o mmitem de amúrts^
1 iJS
Entre os braços dôniíjfèyro* Vay difcof rendo peia
abundância de arv©i*es,6<: fruytas,que tinha aquel-
lallha, qjie Vcnus aparelhava para os Portugue-
ses , primcyramcntedi7,quc havia nclla muytas
vinhas,8i: parreyras por cima de grandes olmos, no
que allude a humcoftumcde Itália , no qual to-
das as vinhas hò a modo de latadas, arma Jas lobre
arvorfta:o <)u«l coftuine hc muy pjovcyroia, por-
que femeaô a terr» , colhemuiía* » Sc lenhapara o
fogo. E porque efte coftame Keião ufado naquel-
las partes , & as parreyras cobreni com fua rama
os ulmeyros por muyt o velhos ,..íí gaftados que
íejâo.Daqui parafinai da amízad'cíirme,Bc vcrà^-
deyra , pintão os Poetas hum uhiío muyro vclh^
podr '
>
1
Canto
podre » 5c Garunchofo, cercado toJo de parras , as
quacs lhe cobrem fuás faltas na velhice,em recom-
pcnía dos benehcios que delle tem recebido em as
luílentar , 3í ter lebre íi todo o mais tempo. Ve-
jale Alciato nos limblemas,l\mblcma i ^pg
E voz. (ena voj^a arvore fecunda , peras pyramidaei
víver íjiííftríIes.Gí^àína. ás peras pyramidaes,por te-
rem tigura de pyramide , que he huma columna
feytaao modo Ue huma pêra , larga em bayxo, 6c
muyto delgada em cima. Vejare o que efcrevemos
ibbre as Pyramidcs no canto letcimo oytava i^.
quanto à UccUraçáo verdadeyra deíles verlos he
notar o Poeta a terra de grande fertilidade j, que
nfio havia coula que pudeíle gaílar o fruto delia,
que hutna comia à outra , de modo que para le po-
derem conlervar , era neccflario deyxaile comer
dos paHaroSjtâo juntas, 6c amontoadas eftaváo. ÍL
dizerem alguns que os paílaros não comem le íiâo
asmaduras,&qusdeftamaneyraas peras não vivi-
riaôjpois fe comem algumas,fenão as que amadu-
recelfeiTr , ÔC aílim nunca viriaó em crecimento,
jfto he fiar muyto delgado , baila que o Poeta dá a
entender por eíta linguagem, que para as peras me-
drarem, òc prellarem, era neceflario desbaratarfe,
tanta era a copia, & abundância da fruyta. Que-
rem alguns que o Poeta neftesverfos note certi
gente de intratável , 6c duro fervir , não hà pêra,
que o apontar, porque não he lugar acconimoda-
do para lílo , pois vay trattandoda fertilidade da
llha,Sc eu em fua vida pratiquey iílo com elle, 6c
não Iheenxerguey final de tal imaginação. E le
elle tal entendera , ou .imaginara , mo defcubrira,
Icgundo tínhamos cílreyta amizade: mayormente
pcdindome elle em fua vida por muytas vezes, lhe
quizeíVe glolar eftes cantosio que a mim por entaõ
me não pareceobem,por certos x*efpeytos,
P: Qls a tape [faria bella^à' fina^
Com quefe cobre o rujiico terreno^
Faz fera de Achemenía menos dinay
Mas ofombrio valle mais ameno.
Mia cabeça afiar Caphyfía inclina^
dobre o tanque lucidoy^ fèreno,
tlorece o filhado' neto de CyniraSy , , , ^ .
forquem tUyT>eofd ^ apUa^inda fufpiras»
Fax, fer a de Achcmenia tnenof Jina. Depois que
'trattou da abundância das fruy tas da []ha,tratta da
fUavidadedasflorey, & boninas : as quaesdizquc
fizião ventagem á tapeçaria de Perfia,que enten-
de per Achcmcnia região íua , aonde ie fazem as
melhores alcatifas, & tapeçaria do mundo.
Alli a cabeia a flor Cepbyfta hcltna. Flor Cephy-
fia , he huma efpecie de hrio , no qual Narcilo fir
lho da Nympha Liriope , Ôcdo rioCephifo ípy
convertido. Alguns querem que íeja o lirio roxo:
Laguna, & os que entendem melhor cíla^maiceria
Nono, 257^
de hervasjo fazem difíerente,com huma flor br4a-}{
ca,&. açafroada. A fabula de Naiciío conia O v i.iio.
nas MLtaniorphoícs Iw.j. tí.m hum livro de mão
daletradeLuisde Camóes , em lugar de flor ce-»
phifiaellâva Horciícia, que he o Heliocropio, a
que vulgiraieiíte chamamos Gyrafol , flor aliás
conhecida , cuja cabeça meya derribada íeripre
acompanha o Sol) para qualquer parte, que cami-
nha,ainda que o Ceo eíleja nublado, 6c o Sol não
apareça. Mas por eítoutra letra andarem todos os
livros impreííbs a pus aqui, 5c dcclarey, adevirtm-
do porém ao Leytor de cltoutra , para que não fi.-
cafle nunca lugar de duvida aos Curiolos.
FUrectofilho, ^ neto de Cyntrai.,por c^utm tu Deof^
Vapbtaindafujpiras, O filho, 6c neto de Cyniras, h«
Adonistchamaólhcos Poetas, filho, 6c neto de Cy-
niras, porque o houve de huma lua filha chamad*
Myrtha. A elte era muyto affeyçoada Vénus
Deofados amores.Contaó os Poetas, que era muy-
to dado â caça,6c daqui fingem que o matou hum
dia hum porcoacafo,6c que fétida muyto Vénus,
o converteoem huma flor da cor de langue , que
íaó os goy vos vermelhos. Os Latinos todos poc
efta razão chamáo aos lugares aonde hà goy vos,
6c boninas, Horti Adontâii^VioYi^sát Adónis, peU
rezão acima dita. A metamorphofi de Adónis con-
ta Ovidio liv.T0.Metamorphofes,o que fingem os
Poetas de Adónis he fabido. Paphia he Vcnus,
chamada aíTim da Cidade Paphos,na Ilha Chypre,
que hoje he chamada Papho , aonde Vénus era,
muyto venerada entre os antigos. Diz o Poeta,^
que ainda Vénus lufpira por' Adónis, para encare-
cimento do bem, que lhe queria , 6c aííim fingcnx
os Poetas, que quando ejle morrco o lepuhou Vé-
nus entre folhas de alfaces, dando a entender, que
fepultava com Adónis toda a affeyçâo , 6c amor,^
que na vida podia ter:porque alface he frigidiííima
de natureza,, remédio promptiíTimo contra a len-
íualidade. Vejafe Alciato nos Emblemas. Emble-
ma 77. Parece alludir aquilío de Virgilio na copa
Synfca: Amigares ^raperet ne rojts aurora rubor emyAi€
darttfó' jloreiítrt^eretortadiss,
61 ioqodí:»
1^ Arajulgar dificil coufaforaj
No Ceo védo,& na terra as mefmas cores
Se dava as flores cor a bella Aurora-^
Ou fe lha dão a eíla as be lias flores:
'Pintando eftava alli Zefiro,& Flora
As violas dacordos amadores ^
Oitrioroxo^afrefca roja bel la ^
^lal reluze nas faces da donzdla,
/í$ víólat da cor doi amadores. Entende todo o
género de boninas de todas as cores , pelos quaes
os namorados trattáo das invenções de íeus amo-
res,6c ociofidades,a verde para íerpe rança, 6c ama-
rella defclperaçáo , a branca lealdade , a roxa ciu-
KJ^ mes,
2^8 Liifiádas de Luís de Cãtnoes Commnitaacs,
mes , a vernnclhn firmeza , 6í outras, de que os íe- tras,que tem nas folhas
nhores ocioíos íabcraó dar milhor rezáo , que cu,
pelo que baíte apontar o entendimento do verlo:
U hc boa galantaria.commentarefte lugar de Py-
ramo , & Thisbe. E diz que Flora , Sc Zephyro as
pintavão , os quaes os Poetas fazem caiados , & a
Flora chamáo a lenhora das flores , & a Zephyro
Bem (c enxerga noi powoij éf boninas. G^ue contfeúã
Clorn com Pomona. Da abundância dos pomos, que
jaó as íruytas , & das boninas le enxergava , que
Flora tinha competência com Pomona, 6£ que an-
davão em porfia lobre quem mais produziria na-
quella tcrra.Flora conro fica dito era a Raynha das
a viração do verão, com a qual as flores, ôcbonjnas flores, a qual antes que le caíaik com Zephyro íe
do campo lemelhoráomuyto no chcyro , &fref- chamava Clons, como diz Ovidio nos Faílos ij^,
cura , 6c aflim todas as mais coufas , porque cite 5. E Pomona era a da fruyta,como atrás notámos,
vento he amigo da natureza , criador de todas as Pí*/i/e<íi /lx;cJWí'4r,d^<^. Acrecenta o Poeta para
coulas da terra , peloque os Latinos lhe chamão mayor louvor da Ilha, queâlem das muytas,ôc va-
Favonioy por fer favorecedor, 6c ajudador de todas rias fruytas, 6c boninas, que muyto ornaváo a ter-
ás coufas, 6c alento, 6c refrigério particular delias,
de Zephyro le veja a nolla annnota^^áo,
A Cândida Cecém das matutinas
Lagrimas rociada, ($ a Maujeronai
l^emfe as letras nas flores Hyacmtinasy
Tão queridas dojilho de Latona:
Bem fe ^enxerga nos pomos /S boninas ^
^le competia Qloris com Tomonai
l^ois/e as aves no ár cortando voão
Alegres animaes o chãopovohi
A cândida cecem.He aquclla flor branca aíTás co-
nhecida,a que chamamos cebola cecém neílas par-
tes de Portugal : os Latinos lhe chamáo hliitm aU
huf»} ou rofa lunontífioÇã de Juno, pelo que os Poe-
ra,o ar andava coalhado de paí]aros,que cantaváo
fuavemente, 6c o campo de todo ogcncrodeani*
maes,que o fazião muytó fermolb.
A(^ /origo da agoa o níveo Clfne cantai
Re [ponde lhe do ramo Ftlomella*
'Da fombra de/eus cornos nâofe e/panta^
Aãeon n^ agoa crifialma^ò' bella:
Aqm a fugace Lebre Je levanta
Da efpejfa mata^ou temida Gazella^
Alll noblco traz ao caro ninho,
O mantimento o leve ^ajfartnho,
Ao lovgo dg agua o niveo Cifne canta. Vay pondo
alguns nomes de pafiaros,6c animaes , de que havii
grande abundância na Ilha. Chama aoCifne ni-
tas delia contáo , queefta flornaceodo leytede vco,que quer dizer branco,comohefabido,6c noi
Juno. Chamafe vulgarmente^ ceccm,palavra Ara- tório a todos , por fer ave muyto conhecida, dizoi
biga, porque 08 Arábigos lhe chamaó ,çuçam,a que canta, hefeguir a opinião dealguns,quecuyi
qual palavra nos ficou como outras, do tempo,que dão illodoCifne, como laybamos hoje o contra
os Mouros eftiverão neílas partes. rio, como notámos no canto primeyro oytava 4.
Das matutinal lagrimas rociada. Lagrimas matu- Re/pcndeíbe do ramo Pbtlomela. Philomela , he
tinas,hc o rocio da manhá,de matuta, qucheaau- rouxinol. A fabula de Philomela convertida cr
rora. rouxinol , 6c Progne em andonnha/conta Ovidíi
Vemfeas letras nas fores Hyacinthinas. Contãoas nas Metamorphofesliv.5.
fabulas que Apollo, a que os antigos tinhâo por Da fombra de feus cornes nao je effanta. Aíleon
Deosdamedicina,era muyto amigo de hum man- Ic toma aqui pelo Cervo , no qual animal Aóteon
ccbo por nome Hyacintho , como conta Ovidio mancebo caçador foy convertido , 6c depois mor-
liv.i,Metamorphofes,quefe matou com hum Man- to, 6c defpedaçado de feus próprios cães , como
cahoutros Poetas contáo a fabula de outro modo.
Apóllo fentio muyto a fua morte , 6c vendo que a
não podia rcmedear , o converteoem huma flor
com humas letras a i que vem a dizer ay para mof-
tra do ay, que Hyacintho deu quando cahio mor-
conta largamente Ovidio nas Metamorphofes liv.
$. A Iciato nos Emblemas Emblema 52.
Ou timidíf gazela. Dá epithetos cxcellentiíriraos
aeílcs animaes, de que vay trattando, chama á le-
bre fugace,quc quer dizer ligcyra no fugir, como
to.O verdadeyro Hyacintho nace entre os tribos, fabemos por expcriencia,6c a gazela timida,por ler
& cevadas, florece delde o fim de Março, até me- muyto medrola. He a gazela hum animal do mo-
ado de Abril, ao tempo, que há outras boninas do do, ôc tamanho de hum corço, có os cornos muy-
campo. Tem forma de lirio pequeno, 6cteniem to negros,da própria feytura,quc os da cabra.mas
luas folhas eftas duas letras Gregas a y ,6c he a cor redondos,6c na ponta muyto agudos, corre muy-
muyto vermelha, 6c huma flor íó,como diz Lagu- to,6í a carne hç muyto boa para comer, mas muy-
na no livro quarto lobre Diofcoridcs,cap.64.pag. to difficultola de tomar,porque he animal muyt»
41 5. aonde diz allegando com Paufanias, que a flor ligcyro,6c acautelado,
nacidadofanguedc Aiax , náoheo verdadeyro
Hyacintho , ainda que fe parece com ellc nas Ic-
JcJíM
€anto Nono,
259
NE fia frefcura tdidefembarcàvão
Jà das nãos os fegundos Argonautas y
Onde pela flor eji a fe deyxàvão
Andar as hellas T>eofasyComo incautas:
algumas doces Cytharas tocàvão%
Algumas arpas i&finor as frautas.
Outras cos arcos de ouro fe fingi âo
Seguir osanimaes^quenão/eguiaõ,
U dai nãos 01 (egundoí Argonautat, Os primeyros
homens, que no mundo navegarão , fe chamarão
Argonautas , porque fizerâo íua víagera nanao
Argos, qucfoyaprimeyraque no mundo houve:
como dillemos na nofla annotaçáo no canto pri-
meyrojoyiava i8.
ASfl lho aconfelhàra a me fira experta^ >
^é andaffem pelos campos efpalhadas-,
%ie vijias dos njarões a preza incerta^
Se fizejjem primeyro dezejâdas:
Algumas ^que na forma defcnherta
©5 bello corpo eftavao confiâd^is ,
T>epofta a artificio fa fermofura^
Nuas lavar fe deyxão na agoa pura.
^(filh» âcenidbara a me(lra experta. A meftra cx-^
pertahe Vénus, a qualaconfelhou, & deu ardis às
Nymphas do modo,que havião de ter nefte| en-
contro dos Portuguezes.como o Poeta o vay moí-
trando , por termos muytoavilados:os quaes tO"
doífc reíolviáo cmqucos Portuguczçscntendef-
lem delias quefugiáo , £c lhe pelava , &fentiáo
miiyto ferera achadas naquelle lugar , para! dcfta
maneyra os affcyçoar mais a fi : porque quanto as
coulas fe nos mais negaó,tan to com mayor delcjo,
2c appctite as procuramos:& iíto hecoula natural.
MAs os fortes manceboSi que napraya
'TufihaÕ ospès da terra cobiço f os j
^e naô hà nenhum delles^que naõ/aydj
"Deacharemcaça agre [te defejofos:
1 Nao cuydaõ yque f em laços ^ou redes cayay
Caça na quelles montes deleytofos
I Tãojuave domefticaj& benina,
I ^al ferida lha tmhajã Ericiua,
I ^ual ftriJa lha tinha jã Ericina. Ericina he Ve-
j í)us, chamada aílim de hum monte em Sicília cha-
' fnado Erix , que hoje ic chama em vulgar monte
éè Sáojulião, aonde Vénus antigamente era vc*
«rerada.
67
ALguns^q nas efpmgardas,^ nas bèfias
Tara ferir os Cervos fe fiavão^
Telos fombrios matoss&floreftas^
^Determinadamente fe lancàvaõi
Outros nas Jombras ,qíie das altas feflas
IDefendem a verdura pafjeàvaõy
Ao longo da agoa^que fiiaveM queda,
Ter alvis pedras corre àpraya íeda,
Alguns cjM em efpingardás. Moftra o Poeta como
os Portuguezes aportados a efta Ilha , 6c vendo a
frefcura , & abundância delia, cada hum começou
a exercitarfena arte á que era de natureza dado,
como a letra moítra clararaente.^
C"^ Omeção de enxergar fibitamente,
j Vor entre verdes ramos varias cores
Cores de quem a viftajulgãfê fente^
^e não eram dat r o faseou das flore s\
Mas da lã fina ^& feda diferente, '■
^te mais incita a força dos amor elty ^ ^
h)e quefè veftem as humanas rofas,
Fazendofepor arte matsfermofas.
Centeç^de enxergar fubitamente. Alguns dos Por-
tuguezes afteyçoados á caça,meterãole pela terra
dentro com fuás efpingardás , a verle achavâoi
que atirar , 8c foccedeo, que por entre o arvoreda
da Ilha derão com as Nymphas , muyto veftidas,
& concertadas,' como o Poeta conta.
DA^Velofo efpantado hum grande grito^
Senhores, caça efiranhaydtfje ,he efla.
Se inda dura o Gentio antigo rito
A T>eo/a he flagrada efta flor efl a:
Maisdefcubrimos do que humano efprito
^efèjoununcaj^bemfe manifleflat
^w Ião gr andes as coufasJS excellentes\
^e o munáo encobre aos homes imprudentes.
Vá Vellofo efpantado hunt grande grita. Vellofo,
he íobre nome de hum foldado Portuguez, de que
falíamos no livro quinto, oytava ^o. Jnda dura o
Gtnttú antigo riícComo cõfta pela lição dos A uto-
rcs, aflim Poetas como hiftoriadores, os antigos
foraómuy fnperílicioios em fua religião faKa de
feus Ídolos, 5c afiim não havia mato,rio, nem fon-
te a que nãodefiem feus Deofcs, &: Deofas,nem o
mar carecia dos feus, & iílo he o que o Poeta aqui
diz, que citas donzcllas,que aparecerão ncílallha
Lujiadas de Luh de Camõei Commentados,
eraõ Nymphas, &lenhoras,a las as varias íontes ,&nbeyras , queentfeosboí-
ques daquella Ilha os PcHTuguezes hiáo achan-
doríobre as quacs fe lançavâo a beber, 6c refrelcar-
íe , com o alvoroço, Sc dcleytação , que coftuma
caufar a vifta de frefcas aguas aos homens muyto
lequioíos.E mais aquellas.quedlaváo cercadas, 6c
aosPortuguezes,
que era dedicada aquella^i^loreíla , legundo o coí-
tumc, ôcrito antigo pelos Poetas fingido, (^ut o
rnundo encobre aos homens imprudentes. Linguagem,
& queyxa he cíia dos homens, que virão mun-
do,ccmcrem efcrevcr o que viráo,pelo pouco cre-
dito , que íurpeytão poderem ter fuás palavras» cubcrtas de muyta variedade de plantas , Síarvo»
Tractando Dom Joaó Bermudez Portugucz do
que vio nas partes de Atrica , na terrado Preftc
joaó fenhor da Ethiopia , aonde elie era Patríar-
cha , das coulas que vio naquellas partes, gaíla
muytas palavras a efte^pi''opoíito. O raeímo faz
Marco Polo Veneciano, do que vio naTartaria,
res , &: boninas de varias cores que de u occafiaõ ao
Poeta fingir aqui vertidas de varias fedas decores
alegres, com que â viíla dos canlados Portuguezes
fe deleytava. Tanto como o Poeta aqui pinta;
com o mais lindo artificio que os preceytos recho-
ricos enfináo. Fingindo que ainda, que lhes pare-
do Egypto , & outras partes por onde andou , & cia que ellas lhe hiáo fugindo: nao era afijim, pois
aífim outros infinitos. E a verdade,quc nuncafa-
bio do fcu lar,mal crerá as rnnravilhas,6c móílruo-
íidades , que há no mundo de todo o género de
coufas. Eíla matéria remeto aos que lem , que
creão algumas coulas das que acharem eícrittas,
por homens que virâo,8^ ^aflaráo o mundo.
70 ■■
Sigamos eflas 'De$fas^& vejamos ^
Sefantaftlcasfâoje verdadeyyas^
JJio dito ^velozes mais que gamos ^
Seianç ao a correr pelas yibeyras
Fugindo as Ninfas vão for entre os ramos ^
Mas mais indujirio/às ,que ligeyras^
JPoucOy^ pouco rurrinàofe,& gritos dando ^
Se deysiaÕ hir dos galgos alcançando.
Com as ^Deofas dejpidas^que fe lavão
' Mais induftrtofat <jue Ugeyrat, Ifta diz , porque Elias come ção íubtto a gritar y
o fcu defeio,era que ob Portuguezes as alcançaílem, (^^^^^ ^^^ ^ //-^/^^ ^ai não e/ParavaÕ:
& por ifto fingião que lhe pelava , Sc aíTim a fua rj^.^J^ /;.J:,.Jr. ^^^.^ .fí.^^^
quando ellcs imaginaváo , que ellas lhe fugiaó ,as-
achavâo paradas , aguardando , que com lua con-
verfaçáo fe recreafiem,bebendo,& reírefcandofe:
cm alguns rcmanfos aonde a corrcte de luas aguas
parava. Mas diz que ellas fingião, que lhe fugião,
& íc paravão,para lhe acrefcentarem mais o goílo
de as fcguir. Eíle hc o fentido literal deftas oy ta-
vajs: & nefteícntido ficâo eilas lem nenhuma efpe-
cic de deshoneftidade , que alguns lhe quizeraõ
atiiibuir:entendendoas contra a jntençâo do Poc-
tn,como me confta que elle o dizia, 6c aíTim como
aqui eftáo impreíTas as tinha errendadas , por con.
klho dos Religiofos de S.Domingos delia Cidade,
com que, tinha grande familiaikiaiie*
72-
/^ Utrospor outra parte vão topar j
igiao que ihcpei
fugida era mais manha, & fingiracnto,que dcfejar
de rugir.
DEhua os cabe lios de ouro o vento leva
Corrêdoy fê da outra as fraldas delicadas
Acende fe o defejo^quefe ceva
Nas alvas carnes fubito moftradasi
Huma deindruftria cae^jàrelevà
Com moftras mais macias ^que indinadas^
^efobre ella empeçando também caya,
^emafegmopela arenofapraya.
Nefta oyrava,8c nas leguintes continua o Poe-
ta com a defcripçáo Poética da Ilha de Santa He»
lena , aonde os Portuguezes depois de tantos tra-
balhos, 6c tão longa navegação aportarão, aonde
finge que Vénus lhe mandou dar gazAlhado pelas
HurHas fingindo menos efiimar
Avergonha^que aforça^Je lançavaÕ
Nuas por entre o mato^aos olhos dãndo^
O que às mãos cobiçofàs vaõ 7íegando,
73
01)tra coma acodtndo mais deprefa
Aa vergonha àa T)eõfa caçadora^
Efconde o corpo nagoa^^ outra fe aprejja
^or tomar os vefítdos^que tem fora:
Tal dos mancebos ha que fe arremeffa^
Veflido affi^& calçado ^que c'o a mora
T^efe defpir hà medo^que inda tarde^
A matar na agoa ofogo^que nelle arde.
1
I
A vergonha da Deofa cafaJora. Eíla hc Diana,
que os Gentios fingiaõ Deola da caça. Da qual j
Nymphas das aguas, febre que cila tinha domínio, fingem,que eftandole banhando em humafloi*cí^ 1
como nacida da efcuma delias : ainda que com fi- tfl,chegou Actcon Caçador, 6c a vio nua:queelU"
gurâs humanas reprefenta eíle gazalhado , ôcre* fentio tanto, 6c ficou tão vergonhola,que por iflo
creaçãojtáo neceílana a ânimos tão canfados , co- o converteo a ellc em Cervo , t|o naturalmente; ;
mo clles vinháo.Tuda via haíe de entender por el- que Icus propnçs cães o comerão: que allegoricaíi
mente
,^<y- Cauto
mente fc entendEm , pelo atrevimento, que teve
de chefiar a ver nua huma Deofa tão relpeytada
por lurhoneílidade. E a elta vergonha , queella
então houve de a verem nua , allude aqui o Poeta:
para dizer,qiie algumas daquellas tontes,de quan-
doem quando le hião efcondcndo por entre as er-
vas, Sc bofques , & boninas, de que eftaváo cerca-
das,'& cu bertas. j; j T:a c
A matar na agoaofogo, ejtttneUe arde. Lite togo
hfro calor , quelhecaufava aícde quetraziáode
beber , 5c fc refiefcarem com aguas írelcas daquel-
las fontes:que por entre aquelles bolques hião ar-
cafldo,correndo,&; aílaltando para ellas de prazer:
que também Iheacrecentava mais calor , Sc mais
íede,que traziáo,2c com que nellas fe refreícavão.
74
Q^Odcâode caçador JagaZy& ardido ^
Vfado a tomar na agoa ave ferida^
Vendo no rofio o férreo cano erguido^
^ara a Garcenha^ou Tatá conhecida:
Jantes quefoe o eflouro ^mal fofrtdo
Saltana agoa /S da preza naõ duvida^
Nadando vajyò' latindo ^a(fi o mancebo
Ke metera que não era irmãa de Febo,
Remete a ejue naõ era irmã de Thebe, Mrm^ de Phc-
bo,hç Diana,renhora, Sc Raynha dos Caçadores,
& grande caçadora elia per fi^, pelo que o Poeta
aqui diz , que remetterâo os Portuguezes com
aquellas Nymphas, as quaes não fendo caçadoras,
íingião leio ', como fe diz nos últimos verfos da
ovtava íeflenta Sc quatro deíle canto : 6c dilo por
cftes termos, Remete a que não era irmã de Phe-
bo,que remettiáoáquellas Nymphas, que na rea-
lidade não erão o que moftravão , mas faziâo
aquelle arroido feytiço para lerem viílas , Sc re-
queridas dos Portuguezes. Cano férreo , he cano da
cfpingarda,quc íe chama aflim por ler de ferro.
que como Luís de Camões era muyto lido nas íe-"^
trás humanas,quaes aqui moltra a propriedade do
amor,o qual tem os mayores trabalhos, Si enfada*
mentos dà huma certa alegria aos namorados com
que os fuílcnta.Daqui Alciato nos Eniblçmas 1 1 5.
coneluye o que quiz dizer do amor com citas pa»
lavras: hcundus labor eft lafciva per otia\ figniim dliut
elinígro pumca glani C/jfeo, O amor diz Alciato hc
hum trabalho goftofo,o qual íe conlerva , Sc acre-
centa com o ócio, o feu brazaõ, Sc armas, he huma
romã em campo negro, para moílrar que entre os
trabalho&,Sc perfeguiç®es há golto,Sc alegria con--'
tinua,porque a româhe hum pomo muyto fcrmo-
lo,Sc goílofo, Sc lito quer aqui dizer o Poeta, que
o amor nunca lhe dera hum fódelgofto , íendp-
c1elleperíegHÍdo,Sc maltiattado. Porque todos os
Icusdcicontos paliava com alegi ia : Sc ainda quc<
tinha alguns foros amaigos, qual hea calca de ro»
má: o interior era muyto goítoío qual he a romã
por dentro. E que aíTim como a romã tem rauytos
bagos, aíTim o amor dava muytos goílos. Algu-
mas couias a eftepropofito ajunta fobreo Emble-
ma allegado Francifco banches das Brocas Cathe-
dratico de Rhetorica , Sc Grego na Univerfidade
de Salamanca,Sc Cláudio Mivio Parifienfc, ainda
que declara os ultimes verfos de Alciato de outrt
nianeyra.
■j»n ju'
7<í
Q^izaquifua ventura^que corria
Apoz Efire^exemplo de belíeza,
^ie mais caro, que as outras dar queria^
O que de o fera darfe à natureza: , ^
Jã can/àdo correndo lhe diziay
O fermo/ura indina de afpereza ,
Tois de fia vida te concede a palma ^
Efpera hum corpo de quem levas a alma, ^
Apoi í:^*7»'í.Ephyre hc nome de^huma Nymphj,
que Virgílio faz filhando Oceano, ScTethís.
75
LEonardofòldado bem defpo(}o\
Manhofo cavaleyYOj& namorado,
Aquém amor nao dera hum fò degoflOj
Mas femprefora delle maltratado-.
E tinhajãporfirme perfiípoílo
Ser com amores mal afortunado,
Torêm não que per de fe a efperança,
*De inda poder feu fado ter mudança.
Atjuem o amor não dera hum (0 defgo/ío. Os verfos
que le leguem , declarão efte, Sc quer dizer que o
amor não lhe dera hum ló defgoílo a efte foldado,
mas muytos , Sc que fempre fora ncfta mareria de
amar mal afortunado. Efta he a declaração . que
a todos contenta, mas amim não me latísfaz, por-
Todas de correr canção,a Ninfa pttra% q
Rendendo fe à vontade do inimigo^ \
1u fé dn mi fô foges na efpeffura, ú
Sluem te diffe,que eu era o que te figo7
Se to tem ditojà aquella ventura ^
^íie em toda parte fempre anda cemtgo^
O não na creas ^porque eu quando a cria.
Mil vezes cada hora me mentia.
Se t9 tem dito jd acfuella vtfafMr*,! fto diz pela pou-
ca ventura', que eUc tinha neílc negocio de amar
como fica dito.
mê
2t)2
Lujiadas àe Luis de Cantões Commentados,
Atada levas ^ou depois de f reza
» Lhe mudafie a 'ieHíurai& memsj^eza^
^'J Aõcanees.que mecanças^&fe queres
H Fugir tne, por que nãopoffa tocarte^
Mtnha ventura he tal^que inda que ejperesy
Eíla fará que naofoffd alcancarte'.
Eípera^quero verje tu quizeres,
^efubtilmodo bufe as de efcaparte^
E nota rã s no fim dejfe fuccejfo,
Tra lafpca è la man^qualmuro è mejjo.
■^ Traia fpíca,& la ma» ^^jual muro be tneffo. Alguns
rirão daqui cftc vcrío.qucrendoo interpretar fora
do que clle diz Lionardo,qucrendo moílrar quaõ
pouco venturolo era na marcria do amor ,;&. co-
mo a fortuna lhe eraadverla , ufou deite vcrfo,
que tem bem diífercnte fentido,do que 1 he dão, &:
traia Ipica.Sc la man qual muro*he mcflo: entre a
Çjiue neQci fios de oura. Os fios de ouro em > que
hia atada a alma deite trilte namorado eráo os ca-
bcllosjchamalhe fios de ouro reluzente para enca-
recimento de fua fermolura.
Ou (Itfpn de prefa Ibe muda^c a ventura , ^ memt
pefa. Tudo iílo laó encarecimentos de íua pouca
ventura, & dirá, que fendo fua alma lemprc carre-
gada,dcJpois,quc tez aílento em lua dama, mudou
a natureza, & fe fez leve de maneyra, que fazia,
que lua dama o foíle muyto mais para não poder
kr alcançada.
8i
NEfla efperançajó te vou reguindc^
^e,õu tu yiãojofreàs o f c/ò delia
Ou na virtude de teu gejio Hnde^
Lhe mudaras a trifteyér dura eflrella:
cipiga , & a fouce , que muro «^^^ Po^^°-.^°,7j^ Efe fe lhe mudarão vas fugindo,
d ílera.quenáo erapoíTivel tereíteytoleu mten- ' ' /-^- ^ ^,\,'^ ,/
ciiici.i,4u lau '-* ; •'^ §ue amor te ferira gentil donzelUi
to.por quão pouco venturolo era em leus amores. «<_. r ^ r^ r
Porqueaffim comocntrca máo,&aefpiga,que fc Etu meefperarasje amorte fere-.
quer cegar com a fouce, não há muro, quclo im- E fem€ e f peras ^nàoba mais que e/pere.
pidaiaíTim fe confcfla elle tão deldichado em amo
res : que não cíperava meyo algum paraalcançar
relles algum lavor , que lhe inapida náolerlcor-
tado com infortunios:como le vc a efpiga apertada
da mâOjSc- da fouce com ique a querem cprtar.
^y
82
Jí^' não fugia a bel la Nyn\pha^t&nto,
Torfè dar cara ao trifte^que afeguiaj
Como par ir ouvindo o doce canto ^
jís yumoradas magoas que dizia.
Volvendo o roftojàferenofêfanto.
Toda banhada em rifo% & a legria,
Cayrfe deyxa aos pès do vencedor ,
^e todofe desfaz em puro amtr>
O ^e famintos beijos najlorefla^
E que mimofo choro^que fuava^
§^e dffagos tãofuavestque ira honejltéfi
O tjue tu Ji fards não m fugindo. Realça^aqui o G^ue em rijinhos alegres fe tornava,
podei- defta Nymp^a,que feguc dizendo, que riáo q ^^g mais pafão namanhã,& nafefta
.79
O Não me fujas jãffi nunca o breve
Tempo fuja de tua f ermo fura,
^iefò com refrear opajjo leve
Vencerás da fortuna a força dura:
^e Emperador ^que exercito fe atreve f
jíquebrantar a furta da ventura^
^e em quanto defejey^me vayfeguindoy
O que tu fé j aras nm mefugindoi
podendo nenhum Emperador , nem exercito por
grande, que feja quebrantar a fúria da fortuna : íó
ella não fugindo o poderá fazer,porque delia ma-
neyra a vencerá , pois não pretendia outra coula,
íe não cnfadalo,& deflruilo,&: privalo de todos os
goílos da vida,©8 quaes ella lhe podia dar eíperãdo.
V 8o
POemfle da parte da defdita minha^
Fraqueza he dar ajuda ao mais potente-y
Levafmehum coração ^que livre tinha^
Soltamofé correrás mais levemente:
Não tecarrega ejfa alma taõ mejquinhaj,
^lenejjesfios de ouro reluzente
quematspafi
§^e Vénus comprazeres ihfiammava^
Melhor he exprimentalo^quejulgaU^
MasjulgueOjqucm n^õpode exprimentaíi,
Continuando o Poeta com (uaícção na dçf-
cripção,rque faz das recreações, & deleytes, que
os Portuguezes receberão naquella Ilha , com as
varias fontes , & varias arvores , 6c boninas , que
hiaó achando nella:fingem que eraô varias Nym-
phas,que lhe aparcciaó,& lhe fugiaó,para com nia-
yor defejo,& gofto as feguircm,para fe recrearem,
& refrelcarem com fuás agoas,& com leus fruytos,
& cheyros. Em cfpecial nomea aqui o Poeta a
NymphaEfirei & Virniliodiz, que era filha do
Oceano,
Canto
OccaFio,6c de TethySiDeofcs das aguas.Para mof-
trar o golto , 6í apetite com que eítc Portuguez
Leonardo toy leguindo alguma frefca fonte, que
ma>s lhe coiitentou:ôc delpois que por hum elpeíò
boíquc alcançou em algum remanlo em que elia
o aguardou, a íinge que lhe cahio aos pés a Nym-
phvi,que era a fonte : com cujas aguas fc eíleve rc-
ti ercando,6c recreando,Ôc bebendo, Sc lavandole,
ÔC burrifandole: eíles laó os famintos beyjos , mi-
moío choro afíagos íuaves,5í níinhos alegres,com
que o Poeta o figniíica neíla oy tava.que laó figu-
ras mais accomniodadas ao que por ellasfignifica,
84
Defta arte^emfimtCÕfoYmeijd asfermofas
Nymphas^cOj os feus amados navegai es
Os ornão de cape (las deleytofas^
2)^ iouroy^ ae ouro j& flores abundantes:
As mãos alvas lhe davaÕ como ejfo/asi
Com palavras formaeSi& efttpulantes^
Se prometem eterna companhia^
Em vtda,& morte de honraj& alegria^
Com palavras formaes^ éf e^ipulantef. Entende o
contra rio rnatrimonÍHl,quc le faz entre partes pro-
inetcndojSv accytando,que ifto hecftipulaçáo em
dire) to , & afíim palavras eftipulantes , faô pro-
mcttimcntos aceytados , quaes finge le trattavaó
entre as Nymphas , ocos Portuguezcs : comos
quaes quiz fignificaro Poeta os agradecimentos,
que lhe daváo pelos goftos,que com fuás agoas,6c
fruytos receberão naqucUa Ilha.
85
HVwa delias mayor.a quem/e humilha^
Todo o coro das Nymphas t& obedece,
èiue dizem fer de CelOià* Veftafilha^
O que nogefto bellofe parece:
Enchendo a terra Jê o mar de maravilha
O Capttaõ illu/lreyque o merecet
Recebe aly compompa honeftá,& vegia^'
Mojlr ando/e Jenhora grande ^^ ^í^^g^^*
Huma delias 7»<ayír.Entende Tethys fenhora do
Biar, & lenhora das Nymphas, a qual como prin-
cipal , SciTiâyor, que todvis as outras , agazalhaao
Capitão mór com grande pompa, 6c aparato,coBio
pertencia a huma taó grande fenhora.
IC
QVe despois de lhe ter ditto quem era,
com híi alto exórdio de alta graça ornado
U:>andolbe a entender ^que aly viera
Toralta influição do immobil fado í
Nono. 263
^Fara lhe defcuhrir da unida esfera^
T^a terra immeyifas& mar naõ navegado^
Os/egredospcr alta profecia ,
O que efta fua naçaõ fó merecia,
§íue deipois de lhe ter dito ejuim era. Moftra neíla
oytava o Poeta o que Tethis difle ao Capitão niór,
& como era alli vinda por ordem dos Fados , para
lhe declarar os legredos áo mar , ôc da terra , 6c o
que deíla lua navegação le lhe havia de leguir. E
porque deftas coufas havemos de trattar no canto
decimo , dcldc a oytava 6.1argamente ^ o raõ laço
aqui. Imraobilfado, quer dizer fado , que fenaó
muda. Dos Fados íe veja o que fica notado atrás.
Unida eíphera,quer dizer eíphcia junta, qual hc a
do mar , & da terra , porque eítes dous elementos
ambos fazem hum corpo, que coula feja ciphe-
ra , fica já dito largamente.,^
87
TO mandoo pella maõ^o levafê guia
TAra o cume dum monte alto^& divinO^
No qual huma rica fabrica fè erguta
'De criftaltoda,t§ de ouropurOy&flno:
A mayor farte aquipajjaõ ao dia
Em doces jogos ^& em prazer confino,
Ella nos paços logra feus amores ^
As outras pellas fombr as ^entre as flore s\
No cfual huma ricã fahrica fe erguia, Efta fabrica,
craó os paços de Tethis fenhora do mar , de que
himosíallando, os quaes diz que eraõ decriílal, 6c
ouro puro, & fino, para moftiar fua excellencia, 6c
riqueza, 6c maravilholamente nos pinta aqui eítes
P aços , aííim pelo fitio do lugar , que he o monte
alto , como pelas partes de que crao fabricados,
como criílal , 8c ouro fino,pois pela Tethis fe en-
tende aqui a honra, & virtude,que não faz aflento
noutros lugares, como o Poeta diz abayxo. E nós
diíTemos em outta parte deítc mcfmo liyro.
ASítafermofaj& a forte companhia^
O dia quafltodo eftaõpaffandOy
Numa alma^doce jincognita alegria^.
Os trabalhos taô longos compenfando,
forque dos fey tos grandes, da oufadia^
ForteyfêfamofayO mundo eflà guardado,
O premio la no fim bem merecido.
Com fama gr ande i& tiome altOx&fubidoí
Torefue doi feytos grandes da oufadia. Como fic4
dito çm algumas partes defte livro os meyos or-
dinários por onde os homens vem a medrar , Sc
a montar muyto laó os trabalhos honrolos. O*
quaes
2 6 / V Liifiaàas de Luís de Camões Commentados.
quacs pagio rhYfyto bem a quem delles na vida heroes , lendo homens de carne como nos, movi-:
ufa,CQma-pelo contrario o ceio desbarata, 5c dei- dos íónr.ente por léus teytos illuitres,& excclicntes; ,
troe tudo. Vejafe a nofla annotaçaò ncíle melino dos quaes noriíea alguns na oycava Tegumce. O- '■
cantOjOyiava 85. ;<i»iòVlv"' lympo efteliance, he Cco cftrellado. Do Olympo
85>
Q^)e as Ninfas do Occeano tamfermofas
ThetiSi& a Ilha angHicaptntada^
Outra coufa naõ he^cfue as deUytofàs
Honras ^que a vida fazem fiibltmada:
^que lias pr eminências glorio/as y
Os triunfos ya fronte coroada
'De 'Palmará' Lourosa gloriai& maravilha^
Eftes fào os deltytes dejia Ilha,
EftesfaÕ os di/eytes defia Ilha. Declarava neíla oy-
tiiva, ôcnasçipe le leguem, o que pintou poetica-
mente acerca deita Ilha, ôc dá fertilidade, Sc abun-
dância delia habitada de Nymphas táofermoías,
kvk honra , & premio , que os homens Cavalley-
ros, 6c amigos d-a virtude alcanção. E le o Poeta
fc naó alargará em algumas óytavas, em palavras,
que pudera efcufar o fingimento jeíte he poético,
ôcexccl lente, como laó todas íuas couías. Por
ifto íe \\\Q emendarão , & declararão algumas oy.
tavasdeíié canto, 5c com rezaõ, porque nenhuma
coufa faz na vida mayor mál, nem prejudica mais
que a lição de Autores deprava-
jc veja o que efcrevcmosno canto primeyro, oy-
táva Í7. zo.^t. Sohre as af ai ittcUtas da fama. Da fa-
ina,, 6c como os Poetas a pintaó com azas , le lea o
que diíTcmos neíle meímo canto , oy tava 44. Pdo
trabalho mmenjí/. O trabalho como hca notada
atrás, he camniho da virtude, pay da boa fama. O
grande Pythagoras, comparao caminho da vir- <
tude a hum y Grego, para moílrar o bom,5c o mao ;
fim dosqueneíta vida tratrarnos, 6c vivemos: os
que entráo peloeftreyto deite y que he por tra-
balhos,6c perigos, no fim vem dar no largo delic,
aonde tudo íaó felicidades , ôc goítos. Pelo con-
trario os que começâo pelo largo , quehcdan-
doíc â boa vida,& ao ocio em lua niocidade^, no.
fim níuytos enfadamentos, £c roirerias,que hc o ef-
treytodo y de iíto hâhum Epigramma nos opuf-
culosde Virgílio , o qual começa : Ltttera Pytha-
gora dffcyiwine /eptabícortií. O qual os curiofos po-
derâojcr para^declaração deite iugar.^
N' /^o er ao fenaõ prémios ^que reparte
7
a confciencià
dos, 6c torpes. 0 que naôtáõ fomente a gente Ca
tholica GKriílã, mas aos Geptios, que careciaõ de
lume de fé , pareceo femprc muyto mal. Donde G^ue Júpiter ^Mercurio.Febo.à' Marte^
aquelle grande SatyricoPerfioSatyra i. repre- Eneas,& farino, ^ dous Thebanos,
^orfeytòs immortaes fé* f^^eranoSj
Omundo cos varões ^que esfoço^\ê arte
divinos osfizeradjendo humanos:
hendcndo a deíToluçaô , 6c defenfreamento dos
Romanos em os vícios , huma das couías , que lhe
mais tacha , he dar audiência a obras obfenas , 6c
a vcrfosfealuaes nçft^s palavras.
' ' ; ■ •■..''■: , •■■■:'. J í í- ', ,■ . í- í '
Hic necjue more pYobo Ttideai , nic você ferenãf ' "' •
Ifg^entes treppdarelitos cum carmina íumlfuhíf. ' '
Intrant,^ tensro fcalpuntur uki intima verfit^ " ' '
Vereis , diz Pç.rfio efi:es\ .cjíiçíiiaviao de íiar c£eím-
plo aos outros , deleytaríe niúy^ò èhi oUVirirbrpé-
zas , o qual queyxume foy de todos os Satyricos
antigos, que bem fentiyaõ como fe pódc verem
íuasobfas.- '^••?\\«i55 ^^
QlJeas immortajídadesjque jingta^
A antiguidade ^que os illujires ama,
L.à no eftellante Oh mpo^ a quejubia
Sobre as azus ínclitas dafymai
'Por ohrasijaler o/as ^que fazia,
^eio trabalho immenfa^q{i€ fe chama
Caminho da virtude alto)3fragofo^
Mas no fim doce, alegre yfè. deleyto(o, ^^^^.^i\
^ue as immortalídades í^ue fingia. Os aníi^ofe ntni
gos da virtudCjSc honra,engrandeceraó tanfô nel-'
£a vida os homens dados a eHá , que lhe chamarão
CereSi ^ altas yà' luno^com T>iana,
Todos for aô de fraca carne humana,
§iue íífpiterfMercurio,Tbèho,^ Afarfe.Dos^nomes
deites falíòs" Deofes dos antigos temos uattado era
mijytas partes deite livro. Qi-iirino he Romula
primeyro fundador da Cidade de Roma.Chamou-
íe Quíririo , ou de quiris , que he a lança entre Oi^
Sabinos , da qual Rómulo muytò ufava, porquê
era gVande Cavarieyro,ou porque fez paz, 6c con-
formidade entre os Romanos, 6c Sabinos , chania-j
doeite dos querites , como diz Ovídio no nq*
Faítos.naquelJi©gv;Verlos.
Sive cfuodbafía quiris prlfcii ffi diElaSabipii^
Bellicui â tão venit in afira Deus,
Sive fuo Reiinomen pofuère §tuirites^ ''idí
Seu cjuia Romanis junxcrat tile Curef, '
Os qúaès verlos ficâo declarados acfmi. Os dous
Thebanos faõ Hercules, 8c Bac*rhí>, exccllentes
CapitãeSjSc ambos naturaes de Thebas,Cidadc em
Boecia , eítes tiveraó os antigos também por fcus
Deofes, como fica notado cm muytas partes deite
livro.
pi
MAslafama^trombetdde obras tais.
Lhes deu no mundo nomes taô eflr anhos
eftima á genre,ncm por iíTo he mais honrada ie his
falta vircude,ôcquehe muyto melhor íer hu(o lio-
mecn partes porque inere^ao ouío , que tclo íem
o merecer.
5D^ Deofes^Semideofei immortalsy
Indigites fitrotCQs-ià' àe Magnos\
í^or tjjoyò vôsyque as famas ejttmaisj ,^,^^
Se quiferdes no munáojer Tamanhos^ j' j ^
"JJeJpertayjà do/ono do octo ignavo, ^ 4
^e Q animo de livre faz, e/cravo. Ç\ V,day na paz as hys iguaes^coft
A Um. n.mbtu de obras tau. A fama não con- >^ ^^eaosgrãaes não dem o dos^^^ec
jeiue que obras excellenccs fejáo encubertas.don- ^« '^^^ '^^J^^ ^^^^ ^^^^^^ ruttUntes,
de ávL o Provérbio: Fanta omma prodtt. A fama tu- Contra d ley dos imtgos Sarracenos y
ÚQ delcobre. Da fama Ic veja a noífa annotaçáo tareis os Reynos grandes ^& poffantes
íitràs neilc cani:o,oytava 44. E todos tereis mais ^é" nen bum menos
De Oeolu firmdeQfti immortaci.Os antigos,como ToJ/uireis riquezas merecidas.
Com as honras jque tUuJirão ta nte ds vidas.
^}iteft
pequenos
iica trattado no pnmeyro canto , como era gente
<:ega , òc errada no conhecimento do verdadeyro
J JeoSjôc Crcddor,& não acertava na verdade del-
ta matcna, dez-ia mil delvarios nella, & a cad* can-
tolcvantaváohumDeos- Todos elles , ík princi-
palmente os Lacedcmoniosguardavão com gran-
de obiervancia hum coítume,que tinhaópor pon-
to de honra , o qual era hzer grandes lacnhicios
íicpois da morte , chamar fallamente Deofes aos
Cjue na vula fizcráo obras excellentes,6c dignas de
memoria procurando com fuás forças augmentar
a republica , ôc lahir pelahonra de lua pátria como
Hercules, líneas, Caltor,Pollux, ôc outros de que
d taó cheyos os iivros,&C a cftes chamavaó indigetei»
^a afimdijí <ige»íeí, porque de homens íubiaó aqucl-
Ic grão. A outros chamavâo Njag^os,quc quer di»
zc r grandes como Júpiter, ÀVlinérva, Marte,Mer-
cu rio,porque nefta mcfma matéria Te haviâo aven-
te] ados outros.Os íemideofeseráo homens, que vi-
vi; io aiada,& por algumas grandes obras lhe davaó
aq ucllc grande nome , elles fe chamavâo também
H eroes , ainda que alguns fazem os Heroes mora-
dc )rcs na regiaó uo ar, entre o Ceo,&: a terra. De
to dos cftes fâUos Deolcs, nomes, & valias, entre os
tcitigos I tratta Alexandre ab Alexandro nos leu» tooío» & honrado, a verdade não temdeículpa o
('iias geniaes,liv.6.c.4.ôc Macorbio fobre o lonho de que nefta? matérias fe efcufa, com dizer , que não
i'Scipiaó,liv, i.cap.j. Ócio jgnavo,qucr dizer, ócio pode, porque vemos homés de nuiyto fracas habili-
clelalado,pelo eftey to,que faz nos homens, que íc dades fahirem muyto grandes letrados , &: outros
daô a elle , vejale o que cfcrcvcmos nefte melmo muyto engenholos fahirem muyto fracos por náo
Çlue e$ grandei nà'o dem o dos peíjuenos.QuG he pró-
prio da juftiça diilnbutiva, dar a cada hum o que
he leu, o que faz bem o Governador, que tem o
olho na juftiça , ôc trabalha por comprir com a
obrigação de icu cargo.
^ . ^5
E Fareis claro o Rey^ que tanto a mães
Agora cos con fe lhos bem cuidados,
Agora CO as e/padas.que immortaes
Vos faraó, como os vojfosjâpojfados:
Impojfikilidàdes naõfaçaes,
^4e quequiz fempre pode ^^ numerados \
der eis emre os Heroes ejclarecid9s'.
E nejia Ilha de Vénus recebidos,
fine ejuemtjmz fenspre pode. Dito comum he, 5c
aílásfabido;vc/e«íi omma poj/ibilta, tudo pôde o que
quer. Eífte dito íe entende das coulas , que eftâo
na mâo do homem,& que pendem da fua vontade,
como hc ler hum homem letrado,cavaHeyro,vir-
eanco,oytava39.
^3
ETondenacobtçahumfreo duro,
E na ambição íambem^que indinamente
Tomais mil vezes, & no torpe, ^ e/curo
Vicio datyraniajnfame^^ urgente:
''For que e/las horas vanSjCjfe ouro puro,
Verdadeyro valor não dão agente.
Melhor he merece lios fem os ter,
^epoJUuillos/em os merecer.
qucrerem,o que fuccede também nas mais coulas,
queapontey.
E nefia Ilha de Vénus recebidot.Eíío. Ilha entéde aqui
o Poeta allcgoricaméte,pela remuneraçáo,6c gnlar-
dáo,q não falta aos q nefta vida obráo virtudes cf-
clarecidas.Para os quaes Deos neíle mundo,ou no
outro tem guardados os bens,6c honras, q pelas re-
creações delta liha o Poeta quizfignificar.De que
fez merecedores, & polluhi dores aquclles Portu-
guezes,q por meyo de tantos trabalhos procurarão
dar principio a ampliHcaçáo àa nolla Santa Fé,na-
quellas remotidimas Regióes.Qucrendo com efta
Melhor be merectllos fem os ter, Vay poreftas oy- conclulaó moftrarnos.q asrccreaçóes,que em ef
tavas o Poeta aconfelhando aos , que govcrnáo as
republicas , não íejaó ambiciolos nem tyrannos,
porque deftas coufas não le alcãça fe náo infâmia,
& deshonra,6{; que naô le Hera de honra$,ofticio?,
& dinheyro,porque cftas coufas não daó valor, ííC
feyco os Portuguczes receberão nefta Ilha, q elle
pinta com ficções Poéticas, laó os bes temporaes,q
nefta vida não faltão a quem em obras virtuofas,5c
grandes le avcntaja dos outros , 6ccom os q agora
conciuy c efte canco , entende os bens efpintuass.
U OS
2i5V
- "^««» «^ê»» : «o^èe» -eiSí»» -oç-s»» ^,i;«» «o§ê«»» ^Hâ<> -«^ è«^ -«^S*»^!*»^^
^^•Oiêi^ ^^ : «««1*5* -Oí^^ ^S«» -^lí» «««S*» ««ifO» *t'^à«»,^â«> ^ê^
OS lusíadas
DO GRANDE
luís de CAMÕES.
Commentados pelo Licenciado Manoel Corrêa.
A R G V ME NT O.
\ r »
t.
.' As mefas de vivificos manjares
Com as Ninfas os Lufos valerofps.
Ouvem de feus vindouros íingiilaresj
Façanhas,em acentos numeroíos:
Moftralhe Thetis tudo quanto os mares,
E quanto os Ceos rodeam luminofos,
A pequeno volume reduzido,
E torna a frota no tejo tam querido.
CANTO DECIMO.
Nefte Canto ultimo defcrcve o Poeta huma Ilha muy to freíca,à qual levou Vénus
os Portuguefes. Tratta dos Viforeys, Governadores, Capitaens, que na índia
(Cujas partes também dcícrcve ) íè ouvcrao valerofamcnte.
M\^sjà o claro amador da Larlífeà
Adultera jincímava osanimaes
LàpaYã o grande Lago ^que rode a
Temitijiãoynosfins Occidentais,
O grande ardor do Sol Favonio enfrea^
C^çfipro^ que nos tanques naturais
Encrefpa a agua ferena^lê defpertava
Os lirm^&jafmins^qtte acalma agrava^
Mas jd 9 çfaro amador da Larijfea* Dclcrevc o
Posta o tempo da tarde por hum modo poetíco,6c
elegante,de que os Poetas uíaõ,attribuindo ao Sol
carro com caval)os,no qual dá luza terras.
Jlmador dá Larijfea adultera. Apollo, o qual no-
me os antigos entre outros daváo ao Sol Lariffeg
adulura, Coronis, a qual por lhe commetter adul-
tério, matou Apollo, commo conta Ovídio nas
Metamorphofcs liv.2. Chamoufe Lariflea, por ler
natural de Larifla, Cidade de Thcflalia. Animaeu
Saó os cavallos do carro do Sol : os quaes diz que
guiava para o Occidente : & dilo por eftas pala-
vras : Inclinava os animaes là para o grande lago,
que rodea.
i
Lujiadas de Luis de Camões Commentados, iGj
Temiú(lão nos fns oceiàntats, Temitiíláo he no-
me da Cidade de Mexio na nova Helpanha:& del-
ia fe intitula a Província toda do inelhio nome. 5
Teve anciguamentc elle nome , hoje fe chama A Liy em cadeyras ricas jchryflalyfms^
Mcxico,que quer dizer manadeyro.por ter ao re- j\ Sea(fentão dous,&dous,amãte\& damA
dor mnytos olhos de agua. 6c tentes manantiais. Routraià cabeceia d\ur o finas,
<)ue fazem hum lago de mais de tnncalcgoas.que _.^ ^ t n ít\ i ^ i r^ ^
^cerca.Todos os Geographos lhe chamâo Temi- ^^ ''"^ "".^'i^ T>eolaodaro Gama,
tiltáo : mas a verdadeyra origem defta palavra ti- ^^ tguands/uaves,^ dtvmaSj
udi dos Annacs dos Mexicanos,he chamaríe Te- ^quem não chega a Egypcia antigmfama%
noílilan. E, procedco daqui, que alguns daqucJlcs ^e accumulão os pratos de fulvo ouro^
Índios Occidencacs coniultarâo hú ídolo íeu , on- Trazidos là do Atlântico thefouro.
de queria lhe fizerVem hum Templo , o qualrcí-
pondeo, que em hum,a lagoa, aonde eftiveíTe hum
tunal, que he íigura em huma pedra,6c húa Aguea
era cima. Acharão eílesfinaes neíte lago aonde
hoje he o MexicOjÔC edificarão alli,ôc chamarão ao
A ejue não chega d Egypcia fama.Vç\os grandes, 5c
cuftoíos banquetes , que Cleópatra Raynha do
Egyptodeu a Marco António.
, - , j- r 7raz,i(ioi 14 do Atlântico tbefvuro.Do moniQ AtU%
. lugar Teiioílitan , que quer dizer , figura em pc- ^^ africa trattey no canto fexto. E porque em
dra, comodizjoleph daCofta nahiíloria dasln- Africahá muyto ouro, como henotorio,ôc Atlas,'
dias, dirigida â Infanta Clara Eugenia. Eíle he o
lago dc^que o Poeta aquifalla,o qual como a ref-
pey to noflb he no Occidcnte,ôc os Poetas fingem,
que o Sol ie recolhe neftas partes a defcançar do
trabalho do dia, uía deíle termo de fallar, que o
Sol fc recolhia no México , por íerem do Ócci-
dentc.
O granit ardor do Sol Favonio enfrea. He Favo-
nio vento Occidental, brando, & amigo da natu-
reza, pelo que os Latinos lhe dão efte nome , que
quer dizer favorecedor,peloseííeytos,que na ter-
ra faz. Os Gregos lhe chamâo Zephiro, que quer
dizer , dador de vida. Efta he a rezão ,5porque os
Poetas o tazem calado cora Flora Deoía das flo-
res, porque as defende, Sc defagrava das forças da
calma,como o P oeta aqui diz.
Tancjuci naturaes. São rios, & mares, porque as
agoas,quetem,naõ faó empreitadas, mas próprias,
ficnaturaes, diíFercntes dos tanques fcytos por ar-
te, que as agoas, que tem não faó fuás. AíTim cha*-
mou os mares Virgílio : ^tagna imrmnfat lacufque.
Tanques grandes,ôc lagos.
Enerefpa a <ig«a /(rrío<a.Porquc citando quieto,&:
fcrcno o mar no tempo do Eltio,& horas da tarde,
o Favonio encrelpa as agoas , & parece, que as re-
crea,gc deiencalma com fua viração.
he cm Africa.daqui diz, que os pratoi eráo de ou-[
ro, trazido das minas de Africa, que por iheíauro
Athlantico entende. E aííim íe ha de entender eíte
lugar geralmente , &',não do ouro achado nos
montes Claros de Africa , que he o Atlas, ^inda
qur Diogo de Torres na fua hiíloria dos Xarifes
diga,que neíles montes há minas de ouro,mas que
osReys de Africa não querem,que febula ncllas,
por nãofcríua terra por efterelpeytomolellada,
& defejada de ieus inimigos.
Ouro fulvo. Cor fulva , he cor de ouro , & por
iílo fe chama elle fulvo.
OS vinhos doriferosyque acima'
EJião naÕfò do Itálico falerno^
Mas da Ambro/ia, que love tanto eflima^
Com\todo o ajuntameniofempiterno.
Nos vafos^onde em vão trabalha a lima
Cre/pas e/cumas erguem^que no interno
Coração movem fubita alegria^
Saltando co a miftUra da agua fria,
Ot vinhos *</íri/cr*i.Tratta neíla oy tava cIo$ vi-
nhos que os Portuguezes beberão neíte banquete
que Tethys lhe deu, os quacs diz, que faziaó vcn-
tagcm, naó lómentc aos do monte Falerno, masá
Ambrofia de Júpiter. E iílo quer dizer : ejlaoem
iimatfAÒ muyto melhores. Vinhos odoriferos,quei?
dizer vinhos de cheyro.Falerno he huma parte em
Campania, cora hum monte do mcfmo nome, a
qual fe chamou antiguamente Minia , como diz
Macrobio nos Saturnacsliv. 14. cap. i6. aonde há
muytas vinhas, que daó vinhos excellentes, 6c ce-
lebrados pelos Poetas , como aquifazo noíTo. E
Plinio na hiíloria natural. Ambrofia, como fica
notado no primeyro canto, diziaó os antigos, que
Mandados da Raynha, Eíla Raynha Tbetis fe- era o comer dos Deofes , & Ncclar o beber. O
Tihora do mar, a qualfazia cita fcfta , £c gazalhado Poeta aqui ufou de Ambrofia, pelo beber, como
aos Portuguezes.^ LI a âzerav
QVãdoasfermofas Nymphas cosamãtes
Tela màojà conformes J£ contentes^
Subtãa para os paços radiantes ^
Edcmetais ornados reluzentes:
Mandados da Rainha^que abundantes
Mefks de altos manjares^excellentes^
Lhes tinha aparelhadas que a fraqueza
Reflaurem da canjada natureza.
Ú:'lÚ:
268 Canto "Decimo,
fizerão outros Poetas , ufando deftes vocábulos a x%\ i^n ,
feu gollo, tomando hum por outro, bl não lócnen- -j '
te nelU íignihcaçáo de comer, ÔC beber, n:ias tam-
bém por aguai de cheyro,6c burritos. Vejale a nol- f^ ^^^^ ^^^^ "^^-^ ^^^ fubindõ ao CeO
íiiannotaçâonolu-garallegadQ. \^^ y^ltQSVardeSiq ejiaõforvtraomimdõ^
%ut tove í<jw/e>c/j?/w«.Jovehe Jupir,er,dizqueef- Cujas claras Ideas vtoprotheo,
timamuyto a^AíDbrofía.por ler manjar \^u. ^afos Num Mo vaÕ,T>iaphano,m rotundo:
tnde em 'Vão trabalha a itma.linienaei valos ac VI- /!>,_ r? ^•. j'/l ^^ ^ j
j j a 1 f c n. • j j ^ueluptterem domlhoconcedeo^
dro, ou de cnítal, os quaes le fazem íem ajuda de yf , % , n i
Jjma. E aíTim le deve declarar eíte lugar, porque I^^n/onhoSy&àespots ros Reym fundo
o criftal he matéria conveniente ao lugar , aonde Vaticinando o dt£e,& namtMOria
fe efte banquete dava , ^ a quem o dava , que era Récolheo Logo a N^mpha a clara hijloria.
Tethys Deolado mar. Crejpai efcamai erguem. O
noíloPoeia como entendido em todas as meterias,
tambemnefta falia apropoíito. Porque os vinhos
bons quando lhe meíturaó agua, parece*, que íe
cncrcipaõ,2c ícrvem.
M
5
11 praticas alegres fi tocavao^
Cem âoct voz, e/iafuhíndâ ao Ceo.K cconta o Poeta
ascouías, que Tcihys cantava cm favor dos Por-
rue,uezes , ouvidas de Proiheo , ao qual Júpiter as
tinha dito antes , & molhado os retrattos daquel-
ks Po) tuguezes,que nas partes da Índia haviaó de
fazer couias dignas de memoria, em huma cíphera
a modo de huma redoma tranfparente , aonde
Rí/os doces fut is ió" argutos dittos^ Júpiter lhos moílrava.Idéa he palavra Grega,qucft
èlue entre hum^& outro manjar fe hvãtavão dizer reiratto. De Proiheo le veja a noíla annota-
*íDefpertando os alegres appetitos.
Mtificos injirumentos nãofaltavaõ^
^taes no profundo Rtyno^os nm ejfpritos
Fizer aÕ dejcançar da eterna pena
Coma voz dj huma angélica Syrena,
çaõ no canto primtyro , oyiava 19. Globo hc ef-
phcra. Chamalhe vaó , porque naó tinha outra
CQofa le naó aquelles Cavallcyros. Diaph mo por.
ler tranfparente , & rotundo por ler redondo.)
Nympha,he Tethy£,a qual diz o Poeta,que canta-
va Hiante dos Portuguezes as couias que Protheo
delles lhe havia dito. Do qual fingimento toma oc-
' ^<í« no profundo Reynooi niisefpritoi. Fizer ao de f- cafiaó para traitar dascoufasjque na índia fizeraô.
fcançar da eterna pena. Para encarecimento da me- Reyno fundo , he o mar,aonde Protheo habitava.
Jodia,& inílrumentos de muíica,que as Nymphas
tinhaó para feílejar os Portuguezes diz, que ate os
danados do inferno pudérão ter alivio da pena
eterna , em que eftaváo, ouvindo efta mufíca, tal
era a confonancia dos inltrumentos , & voz de hu- _
ma das Nymphas, que cantava, à qual pela cxceU '§hial Topamãojmbe.ou 'Dcmodico
lencia da voz chama Serea. Efta era Tethys , & i^^^re os Theaces hum,ou:ro em Caríhago.
cantava o que Protheo lhe tinha dito íobrea via- >» • / >o /, ^ ^ • ^
gem , & eí?ada dos Portuguezes nas partes da In- ^^^ '^'"^^ 9''^^''^' ^' '"^ '
dia , o que tudo o Poeta aqui vay relatando. Das -^^/^ trabalho extremo, porque empago
Sereas le veja a noíTa annotaçaó no canto 5. oyca- ^^ tornes, do que efcrevo,^ emvãopertende
va88. O gofto de e/crever^que vou perdendo.
M
8
ateria he de Cothurno,é' não de Saco
A que a Nympha aprendeu noimméfo
CAntava a hella Mufa^ SJ c^o os acentos
^e pelos altos paços vao foando^
Em confonancia ygual.os inftrumentos
Suaves vam a hum ttmpo conformando,
Humfubitojilencio enfrea os ventos^
Efaz ir docemente murmurando^
^s aguasse- nas cafas naturaes
Jídormecer os brutos animaes,
Adormecera brutos aniwaei. Era tanta f» doçura
da mufica de Tethys, que fazia acalmar os ventos,
deter as aguas , & adormecer os animacs em fuás
covas, & lApas,que laóas caías.quea natureza lhe grande mufíco cm Africa, & tangedorexcellénre.
iáeu. !( . .i ■ £)cmodojCo outro, da libados Pheaces, que he »
quSI
Mattria he de C6thurmy& não de Soco. Coihurno
hc calçado de homem, comoonoílb borzcguim,
trnjo que ufavaô os íenhores antigamente , Sede
que à fua in)itaçaó íecalçavaõosque reprelenta-
vaó as tragedias, nas quaes propriamente le trat-
taô couias de importância, & tocantes a Principcs,
& Senhores grandcs,daqui Cothurnofe toma por
eílilloalto, éclubido. Soco he propriamente cha-
pim ,. calçado de molhf res , & porque nas Come-
dias le tratta de brigas, arroydos, & embrulhadas,
de molheres , & de luas gritaSj daqui fe toma foco
pela Comedia, & peloeftilo biiyxo, qual hc o que
nas Comedias fe ti;aita,conio o toma aqui o Pc>cca.
^ual Topai nãofoube^ou Demodoco.Yopàs foy husn
Lu/tadas de Luís de Cafnões Commentados, 260
que hoje chamamos Cortu , ôc outros Coreyra. Também Liiis dcCtmóesadivideemquitropar-
DeílallhâfoyReyAlcinoojO qual como diz Ho- tes neíle lugar , conforme aos quatro tempos do
mero na Odillea,que por ordem dos Latinos he o anno , primcyra idade do verão he até os vinte cC
Jivrooytavo, apoi-taii.doUiyíles a íuallhadepoií> cinco , a legunda , que fé compara ao cftio até os
deter paliados grandes trabalhos o.agaza]hou,& cmcoenta , à qualchamão conliílencia, porque
cm hum Danqucte,quc lhe deu cantou Demodo- nellaeítá hum homem em fuás forçasVa do outo-
co , como no que Elila Dido deu a Eneas cantou no,que heaíc osíctenta, na qual idade le colhe ià
Yopas. Airimqaehum mufico deftes foy muyto oíruyto da vida , 6c a do inverno , que he a que
aUmado entre os Pheaces, Sc outro em Carthago, chamamos decrépita, O Poeta viafe em idade de
& duaqui o Po;;tapara encarecimento da muíi- quarenta annos, & mais , Senão muy to fiworeci-
<jjí, Sceílancias, que Tethys cantava, qus nunca do dos Principes, mereccndoo el!e tanto, caníado
Demodoco, nem Yopas virão íemclhante letra. das armas , ôc enfadado com as letras , pelo queti-'
Af]u% minha Calltope, te invoco. Torna a invocar nha necelfidade de favor , para conleguir fua em-
a Mula Calliope , como coítunião os Poetas hc- preía,5c por iílb invoca a Mufa Calliope, que lha
ipicos fazer pelo'mcyo de fuás obras , todas as vc» dè novas forças, 8c ajuda. Rio do erqueci.-ncnto he
aes ,queentráocm nova matéria, Scdiííicultola. o Letheo, como fica dito no canto primcyro, oy-
Trabalho extremo chama o Poeta a efte ultimo tavaja.Os dcfgoftos, Ôc pouco favor orebotwão,
canto , ao qual da cite nome por razão da mate- ôcfaziãoeíquecer do que havia de dizer, co-no fs
Tia, que nellc ha de trart^ir. fora morto. Raynha das Mufashc Calliope, 6c co-
mo a tal invocão lempre os Poetas heróicos. Das
^ Mufasle veja a noílaannoração no primcyro can*
to,oytava 4.
Vy^õos annos decendoy&jâ do ejii9
Hàpoucoquepa[far atéoõUtO)io: ^
Afortuna me faz, o engenho frio j /^ An fava a hella l^eofa^ que vlriao
|2)í> qualjâ não mejatto^nem me abono: V_^ ©<? tejo.peío mar que o Gama abrira^
xWs defgofios me vào leiando ao rio Armadas^que as ribeyras venceriao,
* toí? negro eJquecimento^& eterno fino : ^or donde o Oceano Indico fuf pira:
}Mas tu me d a que cumpra^ôgrào Rainha E que os Gentios Reys ^que não dar tão
ijDas MufaSiC'0 o que qutioanaçaó mtnha, A cerviz fua aojugo,oferro,& ira
Yrovarião do braço àuro/$ forte ^
Vão otannot ãutnào. Entre os Varões doutos Atèyenâtrfe aelíeiOU logo fíjnçTfe^^
} louvc varias diviíóes das idades.Os Médicos as di-
vidirão em quatro partes , conforme aos quatro Cantava a htlla Deofa. O que Tethys cantava
l];empos do anno, tendo também refpeyto aos qua« he, que iriâo do Tejo , que faó as partes do Occi-
ijro intemperamentos do corpo humano. Hippo- dente, por onde o Tejo corre , pel o mar por onde
i^ bates nos aphorihnos em puerícia , adolclcencia, o Gama fizera a primeyra viagem para as partes;
i.^ velhice. Aonde Galleno leu commentador, 6c da índia, armadas, qucaconquiílariâo, o que cn-
^j>utros lhe acreccntão mais duas idades , ajuven- tende por aqucllas palavras. Por onde o Oceana
I. tus ,& adecrepita: pelas quaes dizem, que paflbu Indico fuípira , por onde o mar da índia pafla, E
IjHippocratescomocoufaíabida. A puericia heatè diz íuípira pelo fom , que as aguas fazem. Effca ida
• ». |»b quatorze , dos quatorze até os vinte ÔC cinco a dos Portuguezes á índia , muyto tempo antes ef-
V idolefccncia, de vinte Sc cinco atè trinta 6c cinco tava denunciada pela Sibylla , fegundo a opinião
í i juventus , de trinta 8c cinco ate os quarenta Sc de alguns. E aíTim no anno de mil, quinhentos 8c
< )yto, cmcoenta a conííítencia, dos cincocnta até cinco , leis annos depois do defcobriment o da In-
tísfcfienta a prima fcncélus, do feílenta por diante dia, havendo treze,que reynava o feliciíTimo Rey
1 ae a decrépita. Outros ( que he a conta que hoje Dom Manoel , aos nove dias do mez de Agofto na
V|aíamos (a dividem em fetc partes infância atè os ferra de Cintra ao longo do mar forão achadas trcs
Icte annos, puericia até os quatoizc, adolefcencia columnas de pedra quadradas.com Ictreyros Ro-
atc vinceSccincojjuventus atèos quarenta,con(il- manos, ainda que duas le não poderão ler, por el-
tcnciaatéoscincoenra , prima fenectus até os fef- tar a letKtgaílada do tempo , 8c huma tinha huns
fcnta , 8c dahi por diante a decrépita ate o fim da verlos E^tinos , os quaes fe lerão com trabalho,
vida. Efta idade he conforme aos Aíl:ronomos,os com hum titulo,que dizia:
^uacs a dividirão em feteparte8,conforme aosfcte
Planetas do Ceo, aos quaes dizem «ftar fogevtas as S<M. vaúcmum occiJiji dccretum,
iuadcs,como a infância â Lua.puericia a Mercúrio
ídolelcenciaa Venus,aiuventudao5ol, conílan- Prophecia deSibilIa, fey ta para os moradores d»
<^ia a Marte,a prima íenectus a Júpiter, a decrépita Occidentceraò os feguintes:
a Saturno, Outros a dividem de outra xTjaneyra.
Vtlvtutuf
270
Volvem ur faxa, ItHrisy & ordine reBis
Cum vide*s Otiens Qccidentíi opes:
Gange$ylndíit^Tagus {ent ntirabiU vifa)
Mtrciscúmmutãífii fttas uterque fibi.^
Os verfos não eíláo muyto certos , 6c a cauía he,
porque le náo poderão ler melhor,6c alguns fica-
rão poreícrever, por fe náo poder ler a letra. A
declaração hc: Revolvcrleaó as pedras com as le-
IMs direytasj&c em ordem,quando tu Oriente vi-
res as riquezas do Occidente:orio Ganges, Indo,
ScTejo (íerácoufa maravilhoía)trocarão entre íi
fuás mercadorias. Querem alguns, que ellcs ver-
fos forâo achados poucos dias antes , que Paulo
Coelho chegafle a Cintra, como diz Caílanhcda:
faó muyto celebrados em Itália, 5c outras partes,
aonde há gente, que fc preza de faber: Sc cm Por-
tugal,a quem toca a honra delta antiguidade,pou-
cos há que tenhão noticia delia. Affírmando Pe-
tro AppianoMathematico,no leu lívro,aõde trat-
ta dos letreyros antigos da Europa, logo no prin-
cipio , queellc vio as columnas com feus olhos ,8c
leo os verfos,de que fazemos menção, cfcritos em
caraéteres Romanos. E com tudo iftoháPortu-
guezes , que movidos pelo ditto , não Icy de que
Italiano, fazem pouco cafo defta antigualha, & a
tem por mentira ; dizendo , que foy invenção do
Senhor daquella terra,aondc lé as columnas acha-
rão. Dito , quanto a mim , que íe poderá elcuíar.
Nem há homem tão ociolo , nem os moradores
da ferra de Cintra faõ cam eftudiofos , que po-
de Hem fâzer coufa fcmelhante.
1 1
CAntava de hum, que te nos Malabares
^ofummo Sacerdócio a dignidade j
^e (opor não quebrar c^osfigulares
Barões^ os nós que dera de amizade:
Sofrera fuás cidades/j' lugares j
Com ferro jincendios , ira j& crueldade
Ver dejlruyr do Samorimf utente;
^e taes ódios terdcOj a nova gente:
Cantava (k hum» Os Reys de Cochim , que he
dezanove legoas de Calecut forão muyto'amigos
dos Portuguezes : o que foy caufa de o Samorim
Rey de Calecut ajuntar grande exercito , & en-
trar em Cochim, & deílruhilo. Efte Rey de Co-
chim de que o Poeta aqui talla , chamavafe Tri-
umpara. Diz , que tinha do fummo Sacerdócio a
dignidade , pelo coftume daquella terra , que ne-
nhum Rey pode fubir a dignidade real rem"pri-
meyroíer Bramene, que heo nome dos Sacerdo-
tes entre ellesj & fcyto Rey, fica lumo Sacerdote,
coroo dizjoaó de Barros liv.jíji.Decad.c.j.
Canto Decimo.
XI
E Canta como làfe embarcaria
Em Belém o remédio dejie dano.
Sem faber o que em fy ao mar traria^
O gr ãoT acbecj) ^Açhilles Lufitanoi
O pefo fentirào ^quando entraria
O curvo lenho ^em o fervido Oceano^
aluando mais na agua os troncos ^que gemerem^
Contrafua na turezafe meterem»
E canta c»mo Vã fe tmbarearta i em Belém , (^e.
A caía de Nofla Senhora de Belém , que hoje co-
nhecemos por hum dos íumptuoíos Templos , Sc
excellentes Edifícios do mundo.foyprimeyro hu-
ma pobre Hermida , qjue o Infante Dom Henri*
que mandou fazer no principio deites defcobri-
menros, para os que houvcflem de navegar, & to-
mando^a Virgem NolVa Senhora por íua ajuda-
dora,8c dcfenlora,inritulou cila cala de feu nome:
na qual eílavão lórrente quatro , ou cinco Reli*
giolos da Ordem de Chrifto,de que clle era admi*
niíljador, para facramentar aos navegantes, fie lho
dizer Miflajíeporcaufa do tempo fe detivefiem al-^
li alguns dias. El-Rcy Dom Manoel a ennobre-
ceo depois , & a poz no citado, em que agora eítâ ,'
depois que vio Vafco da Gama cm Portugal com
boas novas do intento , que pretendia, que era «>
delcobrlmento da India.E porque o Infante Dom
Henrique tinha dado cila Hermida aos Religioi-
fos de Chriílo com as terras , & propriedades adja-
centes jdotadas ao Convento de Tomar,cabeça d a
dita Ordem. El-Rey Dom Manoel deu por auto-
ridade Apoítolica ao dito Convento á Conceyçâo
de Lisboa, que havia tomado aos Judeos, que fora
caía de fua Synagoga. E c«mo efta cafa de NofifaHl
Senhora de Belcm eítá fita no lugar chamado ant i-'
gamenté Reítello, donde partem todas as armad;is^
para fora. Diz aqui o Poeta, que em Belém fe apa-
relhava o remédio contra o dano, que o Samorim
haviafeytoa El-Rey de Cochim, queymandolhic
a terra , & lançandoo fora delia. O remédio foy o
grande Duarte Pacheco Pcreyra , o qual foy p( )r
Capitão de huma nao da confcrva de três , que [o
grande Affonço de Albuquerque levava,ôc de que
hia por Capitão mór.
Vachec» AehilUi Lufitano.Foy Achillcs humCri-
valleyroGrcgo muyto celebrado , emcujolou!-
vor fez Homero a lua lliada, aílim como Virgili 9
a Eneida em louvor de Eneas. E porque Duart e
Pacheco foy muyto esforçado Cavalleyro , lhe
chama aqui o Poeta Achillcs Lufitano.
O pcfo [entirioy guando entraria. Heencarecimcn .
to grande do valor , 6c Cavallaria de Duarte Pa .
chcco,6c mais PoftugMezes,cujas torças, fie valen -
tia fentirão logo os Malabares cm fe os Portuguc "
zes embarcando , fií o mar furiofo lhe conheccn
fuperioridade , vendo o pçfo delta gentç fazer hi
mi
Lufíadas de Lnis de Camões Commentadds.
85 nãos ao fundo , tanto contra vontade das agoas,
Jc QâLurcza do pao , que he citar fora da agoa.
M As jà chegado aos fins Orientais
E deyxado em ajuda do Gentio
Rey de CochiniiCom poucos naturais^
Nos irraços dojalgado^é' iurvo rio,
desbaratará os Mayres infernais
Nopí.ffo Cambalão jtornando frio
ly^Jpanto o ardor immenfo do Oriente ^
^e verá tanto obrar tamf ouça gente.
Mas jâ chegaio. Chegado Duarte Pacheco na
conlc-rvado grande Affonço de Albuquerque a
Cochim , deconíclho de fcu irmão Francifco de
Albuquerque,que hia na melma armada por Capi-
tão de outras três naos,ficou cai Cochim com hu-
manao, Scduas caravelas, com noventa homens,
alguma artclharia, 6c munições, para defenlaó, 6c
ajuda d''El-Rey de Cochim, contra o qual era cer-
10 hir o Samorim de Calecut cõ grande exercito.
Com eíla pouca gente desbaratou Duarte Pache-
co o Samorim com muytos Rcys, que o acompa-
nharão neíla guerra, fazendo nel]es grandc.cftra-
go , como le poderá ver cm João de Barros na pri-
Jt^eyra Década liv.4. do c.%, até 7. aonde fe relatão
todas as vitorias,que Duarte Pacheco houve con-
tra El-Rey de Calecut.He Cochim huma Cidade
no Malabar dezanove iegoas de Calecut , para a
banda do Suhcftá cm nove grãos da parte do Nor-
te, fituada ao longo de hum rio, o qual íc mete no
%ft
'Diambas as íays tmigas^fard a guerra j
Aíouros por juarfitutios feíla terra,
Vtrãõ Reyi de Bípur,(j^ de 7í!«ír.Bipur,ScTanor faô
^ugarcs na coíia do Malavar.
Dai ferras de Narfinga. E,i-Kcy de Narfínga tem
na coita do Malabar muytos portos : conjo Bati*
cala,B>'acelor,Mangulor,5c Bacanor.Vcijare Caít*-
nhcda liv.i. c. i. aonde tratta largamenie de Nar*
íinga. Vejafe também a nolfaannotaçâo nocantoí
fetimoioytavaii.Tcm Naríingaao longo do mad
muytas povoações , 6c ao longo de grandes mon-
tes,& ferras, donde acudio muyia gente em favor
do Samorim, como de Rcpehm,Curlor,Cotogamj
& outros mu) tos lugares , que nomeaCaíianhe-
da.
D*ambai as kys imigai. As leys duas inimigas da
noíla,laô a dos Gentios, & a dos Mouros,as quaes
nações ambas fe ajuntarão por mar , 6c terra con-
tra os nolios,como diz aqui o Poeta.
E Todos outra vez desbaratando,
Tor terrdyé-mar^ogrão Tacheco oufad^
j^ grande multidão que hlra matando^
Atodd o MaUbar teràadmiraáoi
Commeterà outra vez, não dilatando
O Gentio os combates apreffado^
Injuriando os f eus fazendo votos
Émvaoaos T>eofes vãõSyfurdoSj& immotêsl
E todos outra vez, desltaratanda. Duarte Pacheco
mar.com que a Cidade fica cm Ilha,Ôc muyto for- desbaratou (ete vezcs-ao Samorim no paflb Cam-
tc, que fláo fe pódc entrar por certos paflbs; tem balão: aprimeyrafoy hum Domingo de Ramosa
bom porto, o qual fe faz na foz deite rio , ao qual dezoyto de Abril de mil quinhentos 6c quatro. A.
chama aqui o Poeta falgado, porque entra no mar. icgundalogo à feita feyraíeguinte. A terceyradia
Desbaratara os Narres infernais. Nayres hc gente de Pafchoa de Flores. A quarta terça feyra íeguin-
nobre de Calecut , que ícmpre anda com o Rey, tc,que foy a ícgunda oytava, as demais íucceíTiva-
&olervéemtodasasgucrras,&ncceíndadcs. Vc- mente por aquclles dias fcguintes , porque o não
j^fca noíTaannotÃção nocanto fetimo. deyxavãodefcançar ^ oqucerapeyorparaelles.
No fafjo Cambalão. He Cambaio huma pequena que lhe deflruhia as povoações. Jnjnriando os feui
Ilha junto a Cochim , na qual citava hum fenhor lito diz , porque o Samorim trattava mal de pala-
inim^;o do Key de Cochim,pela qual dava entra-
da ao Samorim contra ellc , mas não lhe fucccdeo
como cuydàraô , porque foráo desbaratados trcs
vezes, por Duarte Pacheco , lem lhe valer infini-
dade de gente por mar,6c terra.
14
C> Hamara o\Samorim mais gente nova;
j Virão Reys de Bipw\^ de Tanor^
^as [erras de Síarfinga^que alta prova
Efl (ir ào prometendo a f eu fenhor \
Fará que todo o Nayre em fimfe mova^
fluetnire Qalecútjaz^à' Qananor^
▼ra aos léus , lançandolhes em roíto o esforço doí
Portuguezes,como conta Caítanheda.
TA' não defendera fomente ospaffos.
Mas queymarlheha h gares ^templos ^cafaf
Acefo de ira o Cão^não vendo íajfos^
Aquelles^que as cidades fazem razas:
Farã,que os feus de vidapouco efcajfof
Come tão o Tacheco%que tem afasj
*Pordous paíjos num tempo, mas voando^
íDj hum noutro ^tudo tra desbaratando
Mas quejmarlke bâ lugares. Não fe contentava
Duarcd
2 7» Canto decimo,
Duarte Pacheco com fe defender d^El-Rey de baralhe abalroar as car ave/as í
Culccut, mas o dia , que entendia náo haver com- Que atè ly vãolheforacometelas,
bate entrava peia terra dos inimigos , 6c deítru-
hiaihe as povoaçócí. Vor ^om fajJo$. Eíte combate
íoy em dia de Pafchoa , no qual cuydou o Samo-
jim prender Duarte Pacheco , 6c ilto mandando
ietenta Paraos fobre a fua nao, para que occupado
rifto , U indo acudir a nao le dclcuydalie do palio.
Eíks Paraos foráo por hum efteyro de mar íera
ler viltos de Duarte Pacheco , pelo qual eílcyro
Mas com tudo e^e /o 0 fars confufo. Detodos 05
combates , que El-Rey deCalccut deu aos nofios
nenhum os confundio mais , que eíle,a que o nol»
io Poeta chama ofetimo,conioa Tcthys cantava.
Fizerão oyto cajftellos de madeyra muyto altero-
ros lobre Paraos, & com muyta gente, & artclha-
ria, que foy invenção de hum Mouro pratico , gc
poderá o Samormí entrar com menos rcíiítencia, engenhoro,que le havia achado em muy tas partes.
mas náo o fazia, porque haviáo por injuria entrar
poroutropaflò , lenáopelo deCambalão , que
Duarte Pacheco lhe defcndia.Mas Duarte Pache-
codeu tal manha , queacudio a huma, & outra
parte com muyta diligencia , como diz aqui o
l^oetajôc desbaratou o 5«n ormi.
17
Vlràallio Samoryniiforque emfejfoa
Veja a bâtalba^e os f eus esforce ^e anime
Mas hum tiro^que com zonido voa
^e faiigue^o ttngirà no andor fub lime,
Jâ não verá remedio-^ou manha boa.
Nem for calque o Tacheco muyto eftime^
Inventará trayçoesj^ vãos venenos ^
Mas femprCiO Ce o quer en do tf ar à menos ^
Vtrâo Sãmmm. Em hum dos combates, que foy
por nome Cogealé. Eífa invenção foy para afer-
rar as nãos caravelas , diante dos quaes hião gran-
des bailas de fogo ardendo ao pé de cento i^ dez
Paraos cheyos de gente, & artelharia, £c muytos
delles encadeados. E detrás defía maquina cem
Cattures pela mefma ordem , & oytenta Tones de
coxia larga,com muyta geme de peleja, & tiros. E
por guarda dtfta u^atinada os oyto caílelios , tudo
lílo venceo, &.dcftruhio Duarte Pacheco, com a
ajuda de Deos , em dia da Aícenção de Noílo Sc-»i
nhor JeíuChrilto dodiloanno. Os curiofosleaô.
cilas coufas mais largamente em João de Barros»;
liv.7.cap.7»&. 8.6c Caftanheda liv.i.cap.(56.até^S«
I]J Ela agua levará ferr'is de fogo
Yara abr azar lhe quanta armada tenha^\
Mas a militar arte, ^ engenho ^logo
Farà/er vã a braveza com que venha.
lejar,animancloos,ec tazendoihes grandes promt. -.
fas. Fizerâoneílc combate os PoVtuguezesmara- Chega a ejte, que a palma a todos toma,
vilhas,roataráo muyta gente, &: meterão no fundo ÉprdotmeaillujireGrecta^ou Roma,
vinte 6c dous Paraos. Aí<a) i?>«»>ííro.Indo El Rey de íí-jr; _
Calecut defelperado fugindo ao longo de hum Telt agoaitrurâferras defogB, Eftasfaí» as balias
palmar , defronte das Caravelas. Pedro Raphael de fcgo de que o Poeta falia na oytava paliada.
Capitão de hu ma , lhe mandou atirar com huma Jogo Mareio, lie jogo de Marte, que íaó brigas, fie
bombarda, que lhe matou treze, 6c hum delles tão guerras,como fica dito.
perto d^El.Rey,que o íalpiccu como langue. Pe- Chega a (fe. Elleheo grande Duarte Pachecí
lo que EI.Rey le baqueou do andor coco grande de que vay fallando neílas oytavasi
medo, como refere Caftanhedaliv.i. c.75. i»x/í»-
tarâtraifoet, líto, diz, porque quando © Samorim ^
íe dclenganou ,que náo podia íazcr mal aos Portu-
£uczes por força, 6c armas, determinou fazelo por "T) Orque tantas batalhas fujlentadas
nianha,peytando alguns Nayres,que os matalTem, J.* Cam muyto fouco mais de cem foldados ^
lançandolhc peçonha no comer , fií beber , 6c fez Comtantas manhas, & artes invtntadas *
outras invenções diabólicas , que refere Joaó de Tantos cães não mbeUes prof lia ados, '
Barros na primcyra Década I1V.7. cap.5.
18
Q^e tornara a vezjettima cantava^
Pelejar c'o o ifíViÚo^ó forte L ufoy
A que nenhnm trabalho fejàfê agrava^
Mas com tudo ejle (ò o fará ccnfujo.
Trará para a batalha horrenda^ó^ brava,
Machitias de mudeytosfcra de ujo,
^poflig,
Ouparecerão fabulas Jonhadas ,
Ou que çs eelejtes coros invocados
tecerão a ajudalo^ô' lhe darão
Esforço^orçajardílt^ corarão.
Jantas cães nJío mbtllet frofligadêi. Chama 30 j
Malavares cãcs,&. com muyta razão- Não imbeU
les, quer dizer esforçados,& valentes, porque co-
roo hoje íabemos por experiência pelcjão com
muyt«
Lufíaàas de Luts de Camões Commentados, 272
muyto animo. Profligagos,quer dizer vencidos,& deyrn,eH:e mancebo den grandes vo2cs,Sc brados
deíiruhidos. aos Romanos , que hiaól-ogindo, que lhe acudif-
2^ j rem,& ajudaíVem a derribar a ponce,d0s quacs não
vierão mais , que dous homens nobres , hum por
A^elle^quems camÇOS Marathontos nome Elpuno Lucrécio, & outro Tito Hcminio.
U grão poder de T>arÍo dejtruejè rende Eitando a ponte quaíi derribada tez Horácio com
Ou quem com quatro mtl Lacedemomos ^f^^ eompunheyros, que fe pailaflem , &: fe puíef-
Ópalfo de TermoPtlas defendei ^^^^ ^^ '''*^^° » facando eile ló. E depois que feus
ifemomancebo Locles dosAufomos, companheyros eíliveráo em lugar feguro , deu
LecomtodoopoderTufcocontende ^ua oXuTnldo°th^ndo^^^ "
•o f J r~> / ■ ^uai paliou a naao,tiianaoine OS inimigos muy tos
brndefenja da ponte ^ou^umto babio dardos.rettas.&ipedras.masellefahiofalvo. Os da
fyy como ejie na guerra fortei&fabto. Cidade agradecidos de hum tão grande beneficio
»^ •; Ihefizerãograndes honras ,& lhe levantarão hu-
Aijféelíeiíjue nos campos ítdaratbonios, EfteheMel- ^^ eítatua em memoria de tão grande feyto, O
ciades vaiei olilíi mo Capitão dos Athcnienlcs , o que tudo conta Titolivio na fegunda Década liv.
qual dcsbautou nos campos Marathonios da re- i-cap.^. Poder Tufco, he o pcoder de Poríena Rey
giáo AtticaUc^Giecu a Date Capitão de Dário <í^ Tolcana, a que os Latinos chamâoTufcia.
Key dos Lucilas ,ÔC lhe matou , como diz Valério 0« 6;}«wíí>F<í^w. Eítefoy Quinto Fábio Maxí-
AlâXiiiío,liv:.6.Lrezcntos nnl homens, Ôccomodi- mo Didador,o qual como conta Titolivio na tcr-
zciitoutrob trezentos & íeis niiljO qual Datecom ceyra Década liv.z. c. 5.6. & 7. leai dar batalha a
hum poJcrofiiíimo exercito deítruhia,j2cíaquea- Annibal o trazia afiado, & morto , canfandoo , 6c
va toaaGrecia,coii.o conta Heródoto, òc Fulvio dctendoo com ardis, & cautelas ,comaqualin-
Jiíucino no fcu livro dos Elogios dos Varões lUul- venção odeílruhio. Donde diz Propcrcio nas cle-
tres iogo no principio , . aonde traita muytas pro- gi^s:viãrícef(jue moras Fabij^zi tardanças vcncedo-
,as deite Mclciades. * ras de Fabio. Todos eftes tão nomeados Capitães
Ou t]i4em com ejuatro mil Lacedemonlos, Em Mace- diz o Poeta,que fe não haõ de comparar com eilc
doma regiáa de Grécia cílá hum monte por nome noílb Duarte Pacheco Pereyra.
Oeta Miuyto alto, o qual faz hum pafib muyto ef-
treyco , é. trabalholo aos que caminhão ao longo 22,
da praya para a Cidade Locros. Pelo que aflim
pela tltreyteza do lugar , que entre os Gregos fe T\. /f ^'^ "<^A/'/sr/í' d Nymphã o fom canoYê
m
chama Pyia,como por huns banhos de agua qucn- X^X AbaxandoJezYOUCoJê entYÍflicid9
te , que naquelie lugar cilão , íe chama Thermo- Cantando em baxa voz tmvolta em choro
pyla,paiavra cópoíta de therm3e,thermarum,q laó Q nrande esforço mal agradecido.
osbanhos, £c Py la: as cll rey tezas, & apertos de Q Benzar'to(dfjfe)quenocoro
cualquer coula. Ho e Icchama eíte luear de ai- „^ %/i r r r ^ j j
guns tcrremotcde outros boca de lobo,pela afpe- f ^"^ Mufas feras fempre engrandecido,
icza do paflo.como íc pôde ver em Ortelio na lua ^^ ^^ ^^ '^(/^^ abattdo O bravo Marte ^
Synonimia Geographica na palavraThermopyla. Aqui tens côm quem podes conjolarte.
Eftepaflodefendeo Leonidas Rey de Laccdemo-
nia,de hum grandiííimo exercito de Xerxes Rey Belizario d/ff€,^ut n» eero, &c. Eíle Belizario foy
dos Perlas, que levava mais de quinhentos mil ho- Capitão de Juítiniano Emperador , cujos feytos
homens, lómcnte com quatro mil Lacedemonios, conta Pedro Mexia na lua hiíloria imperial , logo
como diz Jullino. Eile Leonidas foy ò prinieyro no primcyro capitulo. Faz o Poeta aqui memoria
cjuediflehum dito tão celebrado, & que muytos delle,paramoftrar a pouca conílancia dos homens,
]he hniivííoiAJale cervútum agmen duce Leone^cjuam fica pouca fé, 6c lcaldadc,que tem,aquem os íerve,
Leonumagmendueecervo.Múb quero hum exercito & acompanha em luasncceflidades, & morre por
de cervos com hum Capitão Lião, que hum excr- leu ferviço, coroo foy efte Belizario, o qual con-
cito de Lióes com hum*Capirão Cervo. quiftou Atricaem pouco mais de quatro mezest
Newío manceifo Coeles dos Aufotitos^ §tuecom todo » Houvegrandes vittorias cm a Pcrfía , 6ccm lialia,
pdtr Tufco contende» Auionh íe chama Itália, entre 5c pagoulhcjuftiniano com o prender , &deíler-
outros muytos nomes, de hum Aulonio,que a go- rar.O queluccedeo tambcm ao nofib Duarte Pai
vcrnou. U mancebo Coeles de que aqui fdla o checo, que havendo pouco tempo ,qUc El-Rcy
Poeta, foy humHoracioCoclcs , oqualoanno. Dom Manoel o levara comfigo debayxo de hum
que os Romanos le ifentàráo dos Rcys pclaty- palleo, emhumaprociflaódaScaté S.Dommgos,
rannia,5í maldade de Tarquino,vey o em favor de aonde fe pregou publicamente o que fizera con-
TarquinoPorlenaRey dos Thofcanos,o qual cí- ira El-Rcy de Calecut, dahi a poucos dias por en-
tando com todo o exercito para paílar a ponte do veja , &: mexericos de alguns privados feus o man-
rio Tybrc, que palia por Roma, a qual era de ma- dou trazer da Mina,aondc cftava por Capitáo,pre-
Mm í#
2 7+
Canto T)ecmo:
io em ferro-, com os quaes efteve muyto tempo na
cadca, até íelaber as culpas , que Ihepunháoler
deilisfiKas, ôc delias taes, que em hum táo exccU
l^nte Cupauo não tuihaó lugar. K depois de íoico
Vivco em lunima pobrtza , Sí nclla acabou , como
conta Damião de Góes na phmcyra parte da Chro-
nica d'ii<l-Key Dom Manoel. Omeímo aconte-
ceo ao grande Capitão Mclciades , 1 nemiltocles,
Viriato", ôc outros cem mil, de que os livros eltáo
cheyos. Apenas houve grande Capitão, que não
déíle grande queda , ilto nao he culpa dos Reys,
mis contrapelo do mundo,5c ordcm,queelle tem
em gratiticar os beneficies recebi J^os , paraqueíe
clcarmentem os homens,Íc olhem o que fazem.
^5
A^i tens companheyro afinosfeytos
Como no galardão injufio^^duro'.
Em tij^ nelle veremos altos feytos^
A bay XQ eftado, humilde ^^ e/curo.
Morremos hospitaes empobres leytos"-
Os que ao Rey^Cf âley fervem de muro;
Ifiofazemos ReySjCuja vontade
Manda maiSique ajMJitçã^& que a verdade
Morrer nos bofpitaes em pobret leytos, lílo diz por-
que Belizano morreo deílerrado fora da graça do
íeuRey, a que elie tinha lervido também, & da
mefma maaeyra Daarte Pacheco. O qual dizem
que veyo a dar em tanta pobreza depois de íua
prizão , que adoecendo , foy neceflario Icvaloao
hofpital , aonde morreo miieravclmence , o que
tem acontecido a outros muytos excellcnces Va-
rões de que os lidos nas hiilorias íabem.
2-4
IStoftzem os Keys^quando embibidos
Numa aparência branda que es contentai
^âo os fremios de Aiace merecidos
Alingua vã de Vlyjjes fraudulenta.
Mas vingome^que os bens mal repartidos
'Forquem fõ doces fombras aperfenta^
Se nãa os dão afabios Cavalleyros^
^ão os logo a 4 uarentos linjongeyros.
Da3 0$ premiai de Ayace merecidos, Contaó asfa-
bulas,8c nifto gaítaOvidio o livro 15. de fuás tranl-
dèliem as armas,8c Aiax,que as merecia ficaflc lem
cilas. O que acontece hoje em dia , que le dão o»
prémios , que outros merecem , a gente inutil , Cie
que não prcíla para coulà alguma , ficando lem eU
ks os que os merecem. Mai xitngome, He o que diz
Séneca : Non^otuit Ouiindgts concupttatraductre,
auâmta immenntthus tradendo. Não pode Dcos dar
iiiayor final do pouco preyo das couias,que os ho-
mens delejáo , que entre^alas a quem as não me-
rece , que parece íè quiz vingar delias em as dar a
gente indigna.
\\
2,5 ^
MAs tu de quem ficoH tão mal pagado
Hum tal vaÇfaio^ó Rey nifiofó tnic»
òe não es para darlhe honro/o ejlado^
Heelleparadarte hum Reyno rico:
Em planto for o mundo rodeado
1>os Apollineos rayos^eu te fico
^ue elle/eja entre agente illuflre^ & clare^
Etu ni[to culpado por avaro,
O Rey nifo fd im^Mo.Parcccnotarbcma El-Rcy
de Avaro nefta parte : ainda que parece mais ler
fruyta do mundo , o qual coftuma ícmpre pagar
defte modo,aos que o lervem com tanta fidelidade.
Rayos Apolhmos. Sao Rayos do Sol , de Apollo,
que he o Sol.
^C
li êt As eys outro,€antavajntitulado
IV 1 Vem com nome real^tê traz çomfigQ
Ofilho^que no mar fera illuftrado
Tanto jcomo qualquer Romano antigo.
Ambos darão com hraçoforte^armado,
A ^tloa ferttlafpero cãftigo.
Fazendo ne lia Rey Ital^à" humano^ '
^Deytadofora o pérfido tiranno,
Mát eys outros. Sabendo El-Rey Dom Manoel
como os Reys de Cochim,Coulâo, & Cananor eí-
tavâo certos na amizade dos noflos , & vendo o
que até aili lhe acontecera, determinou mandar hu-
ma grofla arrnada à índia, parte para ficar nella de
aflcnto,& fazer fortalezas,aonde as nãos dcílem,8c
tomallem carga a fim de favorecer os Rcys noflos
amigos, & acudir a algu mas neceíTidades da terra,
& parte para tornar ao Reyno com carga. Foy
_ por Capitão mór dcfta armada Dom Francilco de
formações , que morto Achillesem Troya, como Almeyda, filho de Dom Pedro de Almeyda,Con-
fuas armas erâo de muytaeftima,que houve gran- de de Abrantes, coro novo titulo de Vilo Rey,pa-
de contenda entre dous Cavalleyros Gregos, fo- j-a o qual nome levava gente, &:faufl:o competen-
bre quem as havia de levar , & por derradeyro aá
levou Ulyflcs, por ter melhor linguagem , & íer
roais brando nas palavras, 6c mais eloquente , &
entremetido, que Aiax, porque Aiax tudo fazia âs
punhadas, & Ulyflcs com a lingua, a qual foy cau-
fs, que os Gregos vencidos com lua rethorica lhe
tc,comonasChronicas fcconta.Sahio DomPran-
cifco de Almeyda do porto de Belém a vinte 6c
cinco de Março,de mil Sc quinhentos & cinco, le-
vando comfigo hum filho por nome Dom Lou-
renço de Almeyda , o qual fez na índia coufas no-
táveis, como le pôde ver era joaó de Barros, Oer^
cada i.liv.8.cap.3.
Lttfiadas de Luís de Camões Gommentados] 275
A §iuí!o a fértil afpero ca/iígo.He Quiloa huma Ci- Depoh na cojía da índia. Dom Lourenço de AU
ilads nacoitadeMelmUe , cercada toda de mar, meydâ houve huma vittoria miiyto grande con-
^ueafazllha, tem muytas palmas, arvores de ef- tra o Samorim.a vinte 6t leis de" Marido de" í5c(J.
pinho,&hortaliças,comoasdcHefpanha: gali- Deufe efta batalha deíronte de Cananor, Tinha
a armada d^El-Rey de Calecut zo8. veías a faber
84.naos groílas, & i z4.Páraps, em que hiáo muy-
tos Mouros , Sc Nayres de peleja íem conto. Os
noflbs não tinhaó riiais qúé onze velas, com oy to-
ccntos homens, com asquacs deílruhirio toda ef-
ta armada,que levâva mi4yta, 5c muy boa ar telha-
ria.
28 ^
D As grandes Nao/do 'Samorim potente
^le encherão todo omaY.coãfeYY.eajeU^
^e/ae como trovão do cobre ardente^ /fidiiu'J
Fará pedaços leme^ mafhy& vela,
T>€fpois lançando ar f tas oujadamente
Na Capitania miga ^dentro nelU
Saltando. , a far d Jb com lançará' efpada^
2>í quatrocentos Mouros deípejada^
Depoiii ^ançan/io ârpeos eufadawente, lílodizpor^
que Dom Lourenço abalroou com duas nãos a
Capitania, ô£ fotto Capitania, 6c nâo deyxou nel-
ks homem vivo, como diz aqui o Poeta, ô^ Caí-
tanhcda liv.z.cap.Sz/.
M/ís de T>eos a Yfcondida providencia^
^ne ellàfòfahe o bem de que fè ferve
Oporá onàeesf orço ifiem providencia
Modera aver^que a vida lhe referve^
Em ChauliOnde emfangue^ò refijlencia
O mar todo côm fogo i& ferro ferve^
Lhe farão, que com vidafetiãofayalj^^^^ vi , ^[v
As armadas de EgyptOy& de Camboja,
Maí de Deos a efcondida providencia. Vendo o Sa*
morim o grande dano,5c perda, que dos noflos re-
cebia , & que não era poderolo para lhe reíiílir,
mandou hum Embayxador Maymane Matar,por
nhas,póbas,rolas,gado groílojôc miúdo, & outras
muytas aves , de que noz ncrtas partes náotemos^
noticia. O mantimento da gente he milho ,& ar-
roxeai aguas náo laô, boas, porque laó de poços de
terra aUgadiça,por eílar a Cidade fituada ao lon-
go do mar. As calas faô de pedra, & cal com léus
eyrados,ôc quintaes,com muytas arvores de fruy-
to, aíHm para trclquidáo,como para proveyto. 4
dcfcripçáo deíla colia, a que os Perfas, Ôc Arábios
chamáo Panguebar, põem Joaõ de Barros na pri-
meyra Década. Vclpera de Santiago do dito anno
fahio Dom Francilco cm terra , & náo achando
refiílcnçia na Cidade Tc erapoflou delia , & a man-
dou laquear , & fazer Rey delia hum Mahamcd
Ancony amigo nollo , 6c dcfapoílbu hum tyran-
no,que a governava chamado Mirhabrcmo.
TAmbem farão Mombaça^quefe arre a
T)e cafasfumptuofas^^ eáificiosy
€j?j oferro^f£ fogofsu queymada^^ fea^
Em pago dos pajfados malefícios,
^espois na coita da índia andando chea
^e lenhos inimigos ^à* artificioSy
Contra os Lufos^com velas, & comremoSfr -^
Ò mancebo Lourenço Jará ejiremos» \f
Tamhem faraó M§mhaç a. Depois qtrc Dom Fran-
tilcode Almeydaproveo o neceflario na Cidade
éc Quiloa , partiole para Mombaça a nove dias de
Agoílo, á qual chegou a treze do raefmo , 6c não ,
querendo os Mouros obedecer ao recado do Ca-
pitão mór,mas ufar de lua má inclinação, 8c coí^ú-
mc contra os nofibs , íoltando palavras injuriofas,
& pilourofi de bombardas, que tinháo em hum ba-
luarte novamente feyto,entrarão os noííos, 6c lhe
Sueymarão, 6c faqucaraó a Cidade, nâo perdoan-
o acouta , que encontraflem. Efta Cidade de
Mombaça eftá na melmacofta, metida dentro da nomcReiigiofo de lualeyta,6c homem que entre
lerraíirme, rodeada com outro cftreyto de agua, elles era lidopor Santo, aoSokáo doEgypto, 5c
a modo daCidade de Quiloa , que tcrà como qua- outro a Cambaya pedir foccorro contra os Portu-
tro léguas de redondo. He grande ,& íorte, tem guezes , pondolhe diante o grande mal , que era
bons Edifícios de pedra, 8c cal, com muytos eyra- cftarcm Portuguezes naquellas partes , 8c quanto
dos,6c torres, com que fica muy to fermofa à vifta, lhe importava a todos lançalos fora delias. O Sol-
& temerola,para os que a houverem de commet- tão mandou'hum Cavalleyro per nome Mirho-
ter.Tem i?ey próprio. He lugar de muyto tiatto» cem por Capitão de dcze vchis.Scis ga!iões,8c leis
& abundância de tudo o neccfiario para a vida,8c gales , com ordem , que fe fofle ver com Melique
inntamente de muyto boas aguas. Aqui tiverâoo& Azfenhorde Diu , éc que dcfeu ccnfdho tomaf-
Portuguezes fempre roim gazalhado,pclo que diz fcm ncordo fobrc efte lançamento dos Portuçue-
aqui oPocca, que DnmFrancifcodc Almeyda a zcs fora da Índia, Ajuntaraófe ambos, Scfahirão
fleftruhio , cm pago dos malefícios paliados, È em buíca da noíla armada, Mirhocem com as ve-
com fogoíeu , porque com hum tiro no fio (elhe las acima ditas, Sc Melique Az com quarenta fuf-
accndeo fogo na lua pólvora, que foy caufa de lar- tas,cftando Dom Lourenço em Chaul, bem fora
gartm logo o baluarte, donde começou o íeu dif- de lhe parecer o que fuccedeo , que era haver efta
Varatc. Mm z armada
,^6 .^^Vfc\»v. Canta
aiínada contra elle : porque avifado por feu pay
' Dom Francifco , dC outras pcfibas, nunca o quiz
crcr,por náo haver peíloíí,que com os olhos tivef-
íe VI í£â a aímacíâ , iTCítt ò pay o dtí-cVía por couía
ccrr;í, Foy niorro no riÒdeChaulpór hnm dcíaf-
trc.que ihc acontcceo,quefoy irlelheanao ao turí-
do , 6c naó puder por nenhum modo dará vela.
Pelo que foy entrada dos Mouros , 6c niortu elle,
& cativos alguns Portuguczes, com morte, & det-
truiçâo de mu-ytos Mioufos. Hc Chaui huma Ci-
dade no Reyno Adecâo , a que corruptamenre
chamamos Daquem, fituada por dentro da coita,
ém hum rio de bom porto , diftante da barra por
elpaço de duas Icguas , fie de muyco trarto , êc o
prinicyro porto deite Reyno , o qual confina com
Cambaya , & ellà da Cidade de Diu diílancia de
cincoenta legoas. Ncfterio cílava Dom Louren-
ço de Almeyda com a. mais armada Portugueza,
quando Mirhocem , Sc Mclique Az o commette-
ráo , Ôcaqui feçmbaraçou anaoem humacftaca-
da,queeiUvapoíla pelos da terra, 6c pòreftacau-
fâ , & por fa^er muyta agua, k pcrdcoDom Lou- ■
rcnço, como fica dito.
\^t firmadíH elo Egyptò , (^ Je Car^haya. lílodiz
porque Mirhocem Capitão do Soltaó do Egypto;^
tC Meliquc Az lenhor de Diu , que eíU no Reyno
de Cambaya , & Capitão mór de liMley de Cam«i
baya foraô caula da perda de Dom Lourenço.
ALy o poder de muytos inimigòs^^
^le o grande esforço Jò com força rende
Os ventos , que faltar ãOy& os perigos
*Do mar^quefobejarão tudo o dffendei
Aqui refurjãe todos os antigos ^
Aver o nobre ardor ^que aquife aprende^
Outro Sceva verâo^que efpedaçado
Naõfabefàr rendído^nem domado.
Outro Sceva verão. Eílefoy Caílio Sccva'Capi-
taô de huma companhia de Gelar, o qual en»)huma
batílha,que PompeyotcvecomCeíaremhumjlu-
gar junto à Cidade Du razzo na Maccdonia;eftan-
doCaflioá porta da Villa , gc fendo commettido
por muytos inimigos , tendo já hum olho quebra-
do, & mal ferido em huma coxa, 6c hombro, & o
cícudo efpedaçado, com muytas feridas por todo
o corpo, nunca le quiz render, como conta Sueto-
nio na vida dcCefar liv. 2. Sc Appi.ino nas guerras
civis. Compara o nofio Poeta aqui a Dom Lou-
renço de Almeyda a eíla Sceva, o qual depois, que
no rio de Chaul , naó podendo iahir por le lhe ir a
nao ao fundo, &t lhe faltar o vento, 6c o entreter
também huma cílacada,que no dito rio havia, ten-
dolhe huma bombarda levado huma coxa , naó
confcntio , qucosfeus o tiraílem da nao , antes
mandou , C|ueo encoílafl*em ao perpao junto do
m^íio do msyo aflentado , pam q dalli já que náo
7)ecímoi^ "^
podia com obra,com palavra ajudaíle sos léus íol-
dadob : ao qual eltando allim vcyo ouira borabar-,
da,queoacat>ou de niatar,lcvandolhc todas as coi-
tas da parte direyia.Ncm he para paffar,o que hum
Portugucz natural do Porto por nome André
Fernandes grumete fez cite dia,c]ue lendo entrada
a nao do Capitão mór,elielónagavca ledtfendco
dous dias 6c mcyo,ícm o poderem entrar. Ate qu«
Melique Az vendo a valentia deite homem , man--
doulhenaóatirallem, òcfazendolhc grandes pro-
mclias , 6c juramento de íegurança ua vida , ie cn-'
t/cgou , como contajoiõ ae Barres na fecunda
Dccadâliv.2.cap.8.
CyOm huma coxa fera que em pedaços
^ Lhe leva hum cego tiro quepaffara^
Se ferve ainda dos ammofos braços^
E do graõ coração^que lhe ficara:
Ate que outro pi louro quebra os laços
Com que cOj a alma o cf rpofe ha ra.
Eílafoíta voou da prifãõfora^
Onde/ubi tofe acha vencedora.
Onde fubito fe acha vtncedora. Porque entrou noj
ccosjaonde recebco o premio de feu martyrio.
3^
VAyte alma em faz da guerra turbulèt»
Nd qual tu merecefie paz ferena^
^ue Aocorpo^que em pedaços fe aprefenta^
§}uem o gerou vingança jà lhe ordena,
^ue eu ouço retumbar a grão tromenta^
§ue vem já dar a durajó' terna pena,
íDff efperas^ba/ilífcoSitè trabucos^
AÇambaycos crueys^& Mamelucos,
^tmottuu. Eíle era Dom Fraritiíco de AI-
ineyda filho de Dom Pedro de Almeyda , de que
himos fallando,o qual tinha determinado caítigar
a morte de leu filho,como fcz.
A C»mhaycoi crueyt^ ér Aíawelucoi. Cambayco»
laô osmoradoresdo Reyno dcCnmbaya , aonde
cftâa nofla fortaleza de Diu , da qual era lenhor
naquelle tempo Mclique Az Capitão morda ar-
mada d'El-Rey de Cambaya. Mamelucos , Jani-
zeros , & Rumes, faó Turcos filhos deChriílãos,
os quaes o Turco cria de pequenos, í?c dcllcs fe fer-
ve para fua guarda, 6c milícia, f^eílcs havia muy-
tos neíla armada dos ini.iiigos » tomocontaõ oi
nofios hilloriadores.
EYx vem o pay com animo eflupende,
Trazendo fur ia, lè magoa por antolhos^
Com que o paterno amcr lhe eftà movendo
Foge no coraçãOiUgúa ?ws oIÍjos,
Lujíadas de Luis de Camões Commentados, 277
Anobre ira lhe vinha promettendo^ guiar agente da terra , trouxe Tua molher de iiu-
Que ofanguefdrà dar ptLos gtolhos "^^ ^uinc-» > que unha , a qual taíiibem moaeo ns^
Níis tmnmasnaos-./entiloha o NtlOf "^^l^' j'n l \j r j i r '
t». / , , ° f j ' n •/ òeyo ^í4C4»;%<í. He a enleada de que efcrc-
^Podelohao Indover^cr oGangeouvíh. vemos adiante, oytava. 106. :>.
fiyí t/í»» o p4/.Eíle era o Vifo-Rcy Dom Fran-
iiiico de Alu»cyda , o qual depois da morte de íeu
íilho,iogo le tez preítes para a vingar. E depois de
wr provido tudo o neceliario , afliiii das nãos , que
Iraviâó de vir com carga para o Reyno , cómoda
guarda da coila : partio de Cochim a doze de Dc-
'iiÈímbro,de mil,qumhentos & oyco,com huma ar-
mada de dezanove velas , que podia levar mil &
quinhentos Fortuguczes, fora alguns Malavares,
ifc gente de ícrvi^^o,com a qual dcílruhio a arma-
da do Sulcao.,; de que era Capitão mór Mirho-
ccm.òc adeMeliquc Az , Ôcad^El-Rey de Ca-
lecut.
Stnttlob» o Nilo. Porque a isente , que morrco
jKÍla batalha era do Cayro, 6c de outras partes do
jigypto porondè o rio Nilo paíTa.
foddoha o Inda ver^^ o Gange ouvílo* Efta bata-
lha foy em Dm , Cidade de Cambaya , por donde
pafla o rio Indo,poronde diz,que o poderá ouvir
o rio Gmges, porque os Malavarcs,que não elpe-
rarâo o hm da batalha , iriáo com a nova a El-
Rey de Calecutjpor onde o rio Ganges pafla*- \
Q Vai o touro cio/ò, que fè en/aya
Para a cruapcUjãyOs cornos tenta
2^0 tronco de hum carvalho ^ou alta faya^
Eo ar ferindo as forças ejprtmenta.
Tal antas ^que no Jeyo de Cambaya
Entre Francifco tr adorna (pulenta
Cidade de 'Dahulya efpada afia^
Ahaxandolhe a túmida oufadia^
Cidaà de Dahttl, Era ncíle tempo , que Dom
Francílco chegou a Dabul , huma das melhores
povoações daquellas partes,aírim pelo íltio, como
pelo tratto dos mercadores, que a ella concorriaõ
de diferentes partes. Era do babayo fenhor de
Goa , por cuja ordem havia nella icis mil hoi#len5
de peleja, com rcpayros,5c baluartes de artelharía:
Tinha cdificios nobres, & caías de muyto aparato
fituadaao longo de hum rio muyto fermolo , lar-
go, 6c navegável, diftante da barra por clpaço de
duaslcgoas. Ncfte lugar diz o Poeta , que deu o
Vifo Rey fipà fua efpada , porque entrou \ força
de armas, {aqncandoa, & queymandoa, fem ficar
coufaem pè,ncmpefiba viva.
/íhajxanJolbt a túmida oufadia. Ifto diz, porquf
•ftavão os de Dabul tam confiados na gente » que
tinháo, que mandou o Capitão da terra apregoar
lob pena de morte , que ninguém feíahifie daCi.
dâde, nem tiraflc fato delia , & cllepara mais afie-
35
fc;>
ELogo entrandoftro na enfeada
2)<f 'Diu illujlre em cercos ^^ batalhas :
tara efpalhar a fraca f£ grande armada ' - í^i
*!De caltcuti que remos tem por malhas* "-f .
Ade Melique az acautelada^ *' ' ~'^''''''',^t
Cos pelouros que t u Vul''ano efpalhas
Fará ir ver o frio i& fundo affento^
Òecreto leyto do humtdUú dUmento.
A dt Aáeliíjuea%, acautelada J do diz porque Mc*
lique az fempre andava com cautelas, 6c malicias,
Foy cfte Mclique az em o principiode fua vida
cattivo de hum mercador , no qual tempo le cha-
mava lómente az.Eíle mercador o deu em prcíen-
tecomíoutras coufas « Mahamud Rey de Cam-
baya, oqual pelo lentirbom fervidor , 6c amiga
fiel de luas coulas, alem da liberdadedhe mandou,
que feehamafledalli por diante MeiiqueYaz , o
qual nome,he como entre nós Dom,dandolhe cftc
apnellido pelo honrar , & âlcm deftas couíaslhc
deu também a povoação de Diu. Erta h.e a razão^
porque Melique Yaz era fenhor de Diu. A nao dcf-
te era muyto alterola , & grande , pelo que não lè
podendo abalroar foy metida no fundo com arte*
Iharia , conío aqui diz o Poeta. De Diu, & de ieu8
cercos íe veja a noíla annotação no canto fegundo
oytava.50,
?<^
MAS a de Mirhocem^que abalroando
A furta € (per ara dos vingadores ^
Vera braços ^ò" pernas ir nadando ,
Sem corposypelo mar defeus/enhores^
Rayos de fogo irão reprejentando
Ho cego ardor os bravos domadores,
planto aly fentirào olhos ^é* ouvidor 9
Hefumo,ferro,flammas^ alaridos.
No cego ardor oí bravoi domadorei.Clnm^ aos Pof-
tuguczes bravos domadores , pela braveza , fie fú-
ria , com que acommettião os inimigos ; osquae»
naõ íe atrevendo efperalos,fe lançavaó a nado,por
fugir de lua fúria.
MAs ah?que defla profpera viítoríii
Com que defpots vtrà ao pátrio Tejo^
êluafilhermbarà a famoíã gloria
Híi m fucçejfo qm trifie.& negrs veje»
0
r
2-ft
LvCaí
o cabo tor mentor Wyque a memoria
Co os offòsguardãYàjião terá pejo
*X)e tirar defte mundo aquelle eJpritOy
^e não tirarão toda a Lndía^ E^to.
O cabo tormentório, Neíle cabo de Boa Elperan-
ça , em hum lugar chamado a aguada do Salda-
nha , matarão os Cafres bárbaros daquella triítc
terra ao ViíoRey Dom Francifco de Almeyda
com a melhor gente, que configo trazia,vindo pa-
ra P Q4tugal,que foy huma das mais ialliraofas dcf-
venturas, que tem acontecido neíta viagem , def-
dc o tempo , que os Portuguezes navegaó cíles
mares.
Çiae nao tirarão toda a índia y & Egypio. Porque
náofoy todo o poder da índia , ôcEgjpto pode-
roíb para o-dcftruir , antes elle os dcfoaratou , ôc
deílruioatodos, como atrás fica dito , êc o Poeta
v^y recontando.
léy Cafres falvagens poderão j
O quedejlros imigos não poderãoi
E rudospaòs tojlados f os farão ,
O que arcos jò^fe louros nãofizerah
Occultoosjuizos de'DeosJão
^s gentes vans^que nao os entenderão',
Qhamãolhefado maojortuna e/cura^
èiendo foprovidonctade Deos pura*
Cbamaoibe fado mao. Os antigos como não acer-
taváo no caminho de lua falvaçáo , punháo todas
ascouíasGmmão de Fados, a que por outro nome
chamavão Parcas: quando tinhaõ bom fucccfio,
era bom Fado, aquando mao, era mao fado. In-
ventarão também outra fabula , a qual era fazer
outra Dcola,aque chamavão fortuna, não caindo
na conta, que não íe bolle huma palha, fem von-
tade de Deos , 6c que todas as couías fe governâo
por fua particular providencia , como temos os
Chriftâos porfé certiffima.VejafcanoíTaannota-
ção lobréa Fortuna no canto primeyro, oytava.
í|4.ÔC dos Fados no meímo canto,oytava 24.
MAs d que luz tamanha^que abrir Jinto
Dizia a Nympha^tè avoz akuantava
Là no mar de Melinde em fangue tinto
*Das cidades de LamOide Oja,& Brava
^e/o Cunha tambem^que nunca extinto
Será fèti nomeiem todo o mar que lava
As ilhas do Auflro ^^ prayaiyque Je chamao
Defão Lourenp^S' em todo o Sulfe afamão,
■ \ ■ r - ■'
Dat Cidadn de Lamo.Oja^ér Brava. Lamo, Oja,
& Brava,faô Cidades na coíla de Melinde, chama-
da por outro nome coíla de Moçambique , por
Cdnto Decimo, -t.x^i
cftarcm eftes lugares nella pouco diílantcs hutn.^
do outro» a
Ptlo Cunha. Efte toy Triftão da Ciinha, o quâV
foy por Capitão mor a Índia com quarorzc velas,"
na qual conlerva hia o grande Afí-bnço de Albu-
querque no anno de 1506. Eílc dcílruio as ditas
trcs Cidades da cofta de Melmde , como Ic pôde
ver cm Joaó de Barros na icguuda Década ,,iiv,i,
cap.5. ^niv f. stí-ue- í'vic[ .v:;i3i ^ . :,j:'
^1 ílèas do Aufro, São Ilhas , que caem ao Sul,
porque Âuílro he hum vento ,que lopradaquel-
las partes. NcíU paragem delcobno Triílão da
Cunha humas llhas,quc hoje em dia íe chamão de
feu nome. Entrou também na lJhade.$.Louren.,
ço , como aqui diz o Poeta , & fez muytas coufas,
nelhs partes , que. le podem ver na fegundaDc-
cadade Joaó de Barros, liv.i .cap.i. que por evitar
prolixidade não ponho aqui.
40
E St a luz hidofogo^&das luzentes
Armas ^cÕ q Albuquerque ira amarando
Tie Ormuz os 'Parfcos ^porfeu malvaleníes^
J^ue recufàd o jugo honro fOy& brando,
A/y verão as f et tas eftridentes
Reciporcarre%<iJ^onta no ar virando.
Contra quem as tirou^que Deos peleja
Tor quem ejltnáe a fè dd madre jgrejg,
Pc Ormuz, os Par/eot. Sobre efte lugar íc veja a
noflaannotaçáo no fegundo canto.
Aí fettaí reciproearft, Porquç^as fetcas , queo^
Mouros tiravâp,tornavão para traz , & matavâf
os mefmos Mourps.
41
ALy defalos montes naS defendem
De corrupção os corpos norombate^
^e mortos pelapraya^& marfeejíendem
De Gerum^de Ma/cate j& Calayate,
Atê que âforçajò de braço aprendem
Aabaxar a ceruiZyOnde fe lhe ate
Obrigação de dar o reyne inico
Da^perlas deBarem tributo rico.
Alli de fal oi montes não defendem. Em Ormuz
pelas paredes das calas há geílo. O (ai eftâ em hu-
ma ferra , que íc chama de Gil Lobato , o qual he
em tanta quantidade , que fe faz dcUe o laftro para
as nãos.
De Gerum, de Mafcate^ & Calayate. Sá o lugares,
que eílão de Socotorá para Ormuz. Geriím h©
Órmuz.Vejafe o que efcrevcmos no ícgundo can-^jj
to,oytava 49. JH|
Das perlas de Baremtrihuto rico, Barcm he huma '
Ilha de Ormuz,onde fe pelca aljôfar, a que aqui o
Poeta chama tributo rico. ,.
Lufiadas de Luis de CapiÕes Commentados.
^7f
41
Q 'De gloriofas palmas tecer vejo,
Com que viBoria afronte lhe coroa j
fiando fem fombravãa de meão iou pejo
Tomaaílhailluflrijffima de Goa^\
'Despois obedecendo ao duro enfejOj
Adeyxa^à' occajião efpera boa^
Com que a torne a t ornar .^que esforço ^it' arte
Vencerão a fortuna Jê oproprio Marte.
Toma a Ília illuftrijjima de Goa. De Goa, do íeu
fitio , & tomada , & tudo o que pertence para en-
tendimento deíla oy tava , le veja o que efcrevc-
mos no canto íegundo , oytava 51.
45
ETs jàfohre ellatorna^^ vayrompenàa
Tor muroSifogOilanças\é' pelouros,
Abrindo com a efpada o efpejfoyè horrendo
Efquadrão de Gentios, à* de Mouros,
Irãofoldados Ínclitos fazendo
Mais que liões famélicos ^& touros ^
NaluZjquefemprecelebraaa^Ó' dina
SeràdaEgypctafanta Cathertna,
Será da Egj/pcia Santa C<»íi&cn>i(í.Iftodiz,porque
Goa foy tomada a ultmia vez da qual ficou em
poder dos Portuguezesaté hoje, emdiadabem-
aventurada Santa Catherina , á qual chama Egy-
pcia , porque foy natural de Alexandria Cidade
doEgypto,
.44
NEm tu menos fugir poderás defle,
Yofto que rica^&pofío que affentada
La no grémio da Aurora onde najcejU^
. Opulenta Malaca nomeada.
Asfetas venenofas^que fizefle^
Os crifes com quejâ te vejo armada^
Malayos namorados laos valentes.
Todos f ar as ao Lufo obedientes.
Opulenta Malaca, Malaca rica.^Chamalhe aíTim
pelo muyto ouro ,'quc a ella vem de varias partes
por comercio. Do fitio de Malaca, & lua tomada
pelos noílbs trattey no fcgundo canto.
Oi cri/ei.Sâoarmas,dcqueulaõos Malayo? com
os cabos muyto galantes, ao modo de traçados, &
arcados afiim como os nofios lequcs,& fervem en-
tre elles como entre nós as adagas. Maiayos íaó
naturacs da Ilha Malaca. Chamalhe namorados,
porque diz que o laõ elles muyto. ]aos valentes,
faó gentes de Jaca , que viera í) em íoccorro a Ma-
laca contra os Portuguczcs.
45
MAls efl ancas cantara efta Syrena
Em louvor do tlluHfíffimo Albuquerque
Mas lembroulhe huma tranque o condena^
^ojlo que afama fua o mundo cerque,
O grande Capitão ^que o fado ordena
Slue com trabalhos gloria eterna merque]
Mats ha defer hum brando companheyro
^ara os f eus , que juiz cruel !£ tnteyro
Mais' e/f ancas, Efira Syrena he Tethys fcnhora
do mar,quc hia declarando aos Portuguczes o que
lhe havia de lucccder nas partes da índia , &náo
proíeguio os louvores de AíFonçodc Albuquer-
que por*huma crueldade , que uíou contra hum
ioldado íeu por nome Ruy Dias natural de Alen-
quer , o qual mandou enforcar por lhe entrar de
noyte na fua camará com huma efcravaíua . que
cativara cm Goa , como conta Caílanheda, liv. 5,
câp.ipi
§iue eúm trahalhot,N cnhu ma couía boa íc alcan-
ça na vida lem trabalhosielles dão honra. Vejafcq
que elcrcvemos no canto nonoioy tava 3^.
MAs tem\tempo que fomes fê afperezas
Doenças.frechasy& trouões ardentes
AJazãõ^& o lugar fazem cruezas
Nosfoldados a todo obedientes .
parece de felvatícas brutezas^
1)e peytos tnhumanos^& Infolentes,
T)ar extremo fupplkio pela culpa j
^e a fraca humanidade j& amor ãefculpa.
§ijfea^ fraca humanidade , ó'' amor defculfa. Ne-
nhum pecado continuado tem defculpa , antes
roereCe muyto grande pena hum tão grande atre-
vimento, como elle, que commcttco cfie foldad9
ociofo , que foy entrar na caía do fcu Capitão
mòr, & nella trattar com huma eícrava fua. Pelo
que o nofib Poeta não devia neíla parte moílrar-
ie tão rigorofo contra hum táo honrado, 6c Pon-
tual Capitão, & que tudo fazia também feyto an-
tes lhe houvera de parecer mal huma táo ídeíen-
volta,& delenfrcada maneyra de proceder cm cafa
aonde devia ter diíFcrente refpeyto, & em tempo,
que melhor contado fora andar com o íentido em
Deo3,que cm íenlualidades,&: dcícnvolturas.^
+7
N Am fera a culpa abomino fo inceflo^
Nem Violento eflupro em virgem pur ai
Nem menos adultério deshoneffd
Mas com huma efcrava vilja/clvatejcura.
íSo Cantou ecimo»
Se opeytooudeciofo^oude modefio çarcomellâ , porque lhe diziáo quecramuyto
Ou de vfado a crueza fera,^ dura, fer mofa. Araípas.que le havia cnado de moço com
r^-> ' I • ^ 'í „;;„^«/u-^ Cvio , vcndo O QUC ulavacom Panthea , 6c que íc
C 0 0$ (eus humatratníananaorefrea, - c a n í^ i - » ^ v.i«;
^v ^yi.*»a r^wf/it** / / . naofiavadeu nicímo:peloquenaona via,Iançan-
Toem na fama alva noda negra.&Jea. ^^ grandes barbaras , difie , que bem fora eílava o
amor de poder mais que elle , &que fe clpantava
Ahaminofoinceflo, Efte dito de Luis de Camões muyto de Cyro ler para tão pouco , Cyro lhe eii-
he de alguns homens,que defculpaó íeus vicios,6c tregou logo aquella mulher para a ter em fua guar-
da, O qual (e deu tal manha nelte negocio, que fe
perdera por amor de Panthea, fc Cyro onãorc-
mcdeara : porque não fomente lhe perdoou a cul-
pa , mas le fervjo dellc em hum negocio de impor-
tância , como diz aqui o Poeta , Ôc refere Xeno-
phonte na Pedia dçj Cyrio*
:íL!{JO0i
45)
os tem por nada, vendo que fe commettem outros
mayores. Não le pôde negar haver vícios torpil»
íimos, êc muyto mayores que outros,6c dignos de
caíligo extraordinario.Nem por ifloos que com-
mettem os menores Hcáodiiculpados , como efte
íoldado aqui, o qual ainda que náo commetteo ne-
nhum dos vicies de que o Poeta aqui tratta , náo
deyxou de merecer o caftigo » que o Capitão mor
lhe deu por fua foltura,& detconcerto, comoíica
dicto.Inceílo,he peccado commettido eom aquel-
la,com que he prohibido cafar:como roãy,irmá,íi.
7i/t ^s vendo. ò illuftre Ter/a ^que venctde
X.Vx Fora de amer^q em fim não tem defenfa
Jha,parenta muyto chegada, ou virgem confagra- Levemente o perdoa^& foy fervido]
da a Deos.Chamafe efte vicio entre os Latinos i«.
tefttm , quaíi incajium , por fer contra o primor da.
caftidadc. Outros o dinváo do Grego , & dizem,
que ccfto era huma certa cinta , que as donzellas
trazião, a qual leu prtmeyro efpofo lhe tirava o dia
de leu recebimento. Eíteattribuiâoa Vénus , do
qual ufava fomente nos matrimonio licito» , para
attrahir algum a amor. Daqui tudo o que era con-
tra efta obrigação chamaváo os Latinos ince^o,
Eftupro hc propriamente peccado commettido
com irioiher donzelia. Adultério com molher ca-
fada.
48
VIo Alexandre a Apelles namorado
T>ajua CãpafpeJr deulha alegremente
Nãofendofeu/òldado exprimentado^
T^efte num c ajo grande em recompenfa^
Tor força yde luditafoy marido
O férreo Balduíno ^mas di/penfà
Carlos pay delia, pofio em coufas grande:,
^e viva ^^ povoador fej a áefr andes,
Vor força ãe luâitta. Efte Baldovino povoador
da terradcFlandes, em tempo de Carlos fegundo
Emperador dos Romanos , foy muyto esforçado
cavalleyro,o que lhe deu atrevimento a furtar hu-
malilha dodito Emperador , por nome Juditta.
O Emperador fentio muyto efta afronta, mas dií-
fimuloua,& paliou por ella,por Baldovino ler ho-
mem de grande prudência , 6c cavallaria : 6ç náo
íomente diflimulou , mas deulhe a terra de Flan-
des, que naqucllet<'mpoeradelerta,& muyto dif-
Nem vendofe em hum cerco duro,& vrgénte, ^ Gerente do que agora he,a qual elle aproveytou,ac
Sintio Cyro que andava jà ahraz^ado
Arafpas de Tanthea em fogo ardente^
§He elle tomara em guaraaJS promettiãf
^e nenhum mao defèjo o venceria^
povoou, como refere a Chronicà do mundo.
50
*T^^ As profeguindo a Nympha o lego cato
T)e Soares cantava^que as baudtyras
Farta tremolar^por efpanto
Trelas roxas Arábicas ribeyrar,
Medina abominável teme tanto,
^anío Mecaj& Gidã cÕ as ãerradeyras
Via Alexandre \Ap&lla namorado* Conta' Plinio,
que mandando Alexandre Magno retrattar huma
molher por nomeCampaípe a Apelles leu pintor,
le afleyçoou tanto Apelles á Campafpe , «que o
veyo a lèntir Alexandre. O qual náo lômente, o „^ t ^, ^ n i ^ ^
náocaftigou poriflb.aindaque ellctinha particu- Prayas de Aba(Jia\Barbora fe teme
larafteyçãoaCampafpe,maslhadeu por molher. 'Bo mal de que o Empório Zeylageme.
Sentto CyrtyCjue andava \â ahraz.adú. Entrando
Cyro Rcy dosperfas por Aíliria á íorça de armas
entre outras coufas , que houve do arrayal dos Af-
íirios , foy huma molher cafada com Abradaras
Rey dos Sulos, grande cavalleyro, & da parciali-
dadedos AíTirios. Efta molher fe chamava Pan-
thea, como aqui a nomea o Poeta. Como Cyro an-
dava em guerra, 6c de tantos, 6c tão aíperos inimi-
Ma$ trefeguindo a Nympba, No anno de 1551.
houve El-Rey Dom Manoel por leu ferviço , que
AffoHço de Albuquerque le vielle para efte Rcy-
no pelo que mandou á índia, com humafrottadc
treze nãos , para ficar por Governador , a Lopo
Soares de Albergaria. Efte partio a fette de Abril
do dito anno , 6c-a dous de Setembro do mclm<
gos , não quia ver a Panthea , por fç não embara- lurgio na barra d« Goa, citando Hffonço de AU
buquerqu«j
Lujiadas de Luis de CafnÕes Commentados. 2 8 1
buqucrqiic cm Ormuz. O qual parado para Goa, Cuaqucmif, Macua , Arquiquo , que he do Preítc
para íe embarcar, ôc vir para o Keyno,morrco na Joaô,barbora,í<<:Zeiia,queelLara cinco léguas do
lua barra hum Domingo antemanhã dczaíFeis de eílreyto. Chama a Zeila limporiOjpor ler terra de
Dezembro de 1515. rnaycotratco, que lílohe empório na língua Gre»
tdai roxai Arahças rUfeyras.V^nio Lopo Soares ga. rie muy to bem arruada, 5c tem boas calas de
ác Goà para o eítreyto do mar roxo na entrada pedra , & cal. Os moradores laó Mouros» Sc pela
de Fe vereyro de 1 5 17. com huma armada de crin- niay or parte ncgros,mas trattaólc bem,ôc andaõ a
ta ÔC leis velas , em que levava 3000, Portuguczes, cavallo. Defte lugar , & de Barbora , por lereia
cona os quaes mcteo em grande temor ,ôcconfa- muyto abundantes, vaómuytos mantimentos aos
iaó todos os moradores daquellas partes^a que cha- lugares do eílrcyto do mar roxo.Diz aqui o Poeta,
ma roxas Arábicas nbeyras,por aquelle mar eílar que Barbora le teme do mal , de que ainda Zeila
na coita de Arábia, ôc mar Roxo. geme , porque Ruy Galvaó Capitão de hum na-
Mtdina abominável» Medina hc hum pequeno vioqueymou vinte nãos, que eílavão no porto, Sc
lugar , que cita do porto de Liumbo da coita de logo no anno feguinre tez António de Salda-
Arabiâ entre Gida,Sc Toro pelo lertâo dentro co- nha o mclmo cm Barbora.
mo dous dias , de caminho. Não hà em eíie lugar
íenão huns Mouros tido? entre elles por Santos, - j
Com as unhas alienadas, os quaes fe mantém de ef- _ ^
inoirts,que lhe vem do Cayro, & de outras partes. A Nobre ilha também da Taprobana^
Neitc lugar eílão os oílos do peft;ifcro,&; maldito JljL J apelo nome antigo tamf amo/a,
Matamede , em huma lepultura no meyo da cafa, ^lanto agorafoberbaj& foberana
cercada de grades de ferro : Poílo que Diogo do 'j-^ela COYttça cálida cheyrofa.
Couto Chronilta da índia tem averiguado , que cj^.u^ ^^rd tributo ã Lufitana
liao haem meyomais,quehunsbanhos,cmqueos „ ^. ^ , /^ -^ . . -
Mouros romeyrosfe vão lavar, cuydando queaf- B^ndeyra, quando excelfa,^ golrtofa
fim hcao hmpus de léus peccados.De Gida,& Me- Vencendo/e erguera na torre erguida,
a le veja a nollá annotaçáo no canto nono , aon- ^^ OlumbOjaosproprios tao temida,
de tratcàmos largamente deitas matérias.
Praja$ de Âhaj/ia, Para declaração deíle lugar An»brt Ilha TapPúhans^ Taprobana hc a Ilha d«
)ie neceliario trattar alguma coulado íitio do cl- Ccylaó lugeytaaos Reysde Portugal, como diíl*
trcyto do mar roxo, para o qual le ha de notar,quc atrás no i.Canto. Chamaólhe os moradores Gele-
çfte mar fe divide em três faxas , ou cintas: a do naruz, que quer dizer terra viçola, por ler a mais,
ÇDcyo , que cnteíta com a garganta do eítrey to , a que há na Índia. Os moradores íaó Gentios, ainda
que commumrocntcchamáo portas por, entrar o que nas partes do mar vivem alguns moradores
çiar por ellas , he mar limpo , & que fe navega de Mouros, mas fugcy tos ao Rey da terra, o qual hc
dia,íknoyte,8c terá de largo trinta léguas. Asou- Gentio. Andavaõ entaó todos nús da cima para
trás duas taxas,queeftáo de huma, Sc outra banda cima, & trazem as orelhas furadas de modo, que a
<ias portas,hemar aparcellado,com muy tas rcílin- pcHe chega aos hombros , & nos dedos muy tos
gas , & bayxos , peio que fe não navega de noyte. anéis. Por efta terra fcr muyto rica,& aSundant»
As portas deite eitrcyto,a que chamão os morado- de todas as coufas , fe vaô muytas gentes de outras
rcs Babel Mandem , he hum paflb eílreyto como partes a viver nella. Os matos faó de larangcyras,
de Lisboa a Almada, poíto entre Arabia,Sc Africa. & limoeyros,& de outras muytas arvores de f ruy -
• Da banda de Arábia eftà o cabo PoíTidonio , do ta da terra. DeBengala lhe vem mel , açúcar, Sc
qual à outra fronteyra de Africa haverá diítancia manteyga, que naó há na terra , Sc aíTim arroz de
<le feis léguas , no qual cípaço eftáo fete Ilhas tão outras partes. Hâ ncíta Ilha a melhor canela do
pcgadashumascomoutrasqucviílas de longe dos mundo , ÔC nace pelos matos em humas arvores,
que navegáo, cuydáo não haver alli mar, até que como louros : há também grandes clephantcs , Sc
chcgaó muyto perto delias. As feis eftão junto â muytos. O Governador Lopo Soares entrou ncl-]
terra de Afnca , Sc huma á de Arábia , a qual os ta Uha por força de armas no mcz de Novembro
Mouros chamão Mehum, atraveíTadanaboca do de 1518.Sc fez nella fortaleza, Sc o Rey tributário,
eltrcyto, por entre a qual, Sc terra firme navegaó por naó querer paz com os nollos por confclho dos
asnaos para differentes partes. Na coita de Ara- Mouros de Calecut.Os moradores delta Ilha fallaó
biaeitâo eitcs lugares : Camarão, Geza , Zidem, i lingua do Malavar , Sc Chararoandcl. Alguns
Gidá,Liumbo, Toro,do qual até o monte Sinày, quizcrtó que Taprobana foíTe Samatra , mas en-
aondeeítà o corpo da Bcmaventurada Sania Ca- ganaõfe , comotratta largamente Joaó de Barros
therina pelo Icrtão dentro haverá dezoyto legoas: na j.Decada liv.a.cap.i.Gafpar Barrryro? no trat-
ScSuez.quehe o ultimo lugar daquella coita. Hà tadodeOphyr, Maífeo na fua hiíloria, aonde diz
outros alguns lugares, mas de muyto pouco nome. que o vulgo dos Geographos lhe chama Samatr?»;
Os lugares da coita de Africa, começando da par- A defcripçaó deita Ilha, Sc fuás antiguidades con-
te aonde caye Sucz,faó eítes:Corofidolo,Alcoccr, ta bem Diogo do Couto na Década 6. fiw Columbo^
Nn Columbo
%%L
Canto *Z>edmol
c ulu mbo he hum lugar pequeno, mas o principal
porto dl HhadeCeylaó.Os Reys da terra refidcin
diííancia de huina légua defte porto em hum lu-
gar chamado Cotta. Ncílc porto Columbo fizcraõ
os noHos â foi taleza por força dearmas,como con-
ta Juao de Barros na j.Dccada,
TAmbem SiqueyYãjãs ondas Erythreas
Dividindo abrirá novo caminho^
'Para ti grande imperio^que te arreas
T>e/eresde Candace^& Sabà ninho:
Mdçuà com cifternas d' agua cheas
Vera^^ oferto Ar quico aly vizinho ^^
Efura defcobrir remotas ilhas ,
^le dão ao mundo novas maravilhas*
Também Si^ueyra, Eíle he Diogo Lopes de Sí-
queyra , que fnccedeo na governança da índia a
Logo Soares de Albergaria. Partio de Liiboa a
55
Vira déspois Menefes^cujoferro
Mais na Africa que cà terá provado,
CajiigArà de Ormuz foberba o erro.
Com lhe fazer tributo dar dobrado.
Também itu Gama^empagodê defterro
Em que efiãSi&/erãs inda tornado^
Co os títulos de Condeno" honras nobres,
Vir às mandar a ter rasque de/cobres,
Viràilepoii Mtnt%ei. Eftc foy Dom Duarte de
Menezes filho hcrdeyro de Dom Joaô de Mene-
zes Conde de Tarouca,Prior do Crato,da Ordem
de SJoaó , 6c Capitão de Tangere em Africa , &
Mordomo mór, que fora dacalad?El-Rey Dom
Manoel , & feu Alferes mór , peíloadas notáveis
deite RcynojaíTim pelo langue claro defua linha-
gCjComo por íua cavallaria,& qualidades:& como
era pelloa táo abalizada EURey Dom Manoel e
27. de Março de 1,5 ih'. Chegou a Goa a oy to de mandou por Governador da Índia com mayor
Setembro do meímo anno. Depois de ter leytas
algumas coulas neçellarias para quietação da ín-
dia íe partio para o eftreyro , como tinha por or-
dem, 6c provizáo d^El-Key Dom Manoel, a treze
de Fevéreyrodc 1510.com huma frota de vinte 6c
quatro velias,cm que levava até mil 6c oytoccntos
Portuguezes. E entrou pelas portas do eftreyto a
17. de Março do dito anno. E porque a tenção
d'El.Rey Dom Manoel era principalmente def-
truir os Rumes , que tinha por nova certa hirera
áquelic eftreyto para fazer fortaleza nclle , & to-
mar porte da terra : 6c fegundariamente por levar
hum Embayxador do PrefteJoao,por nome Mat-
theus , queveyo a efte Reyno com Embayxada
d^El-Rey Dom Manoel , 6c faberem principal
ordenadojdoque teve. nem antes, nem depois al-
gum outro. Sahio defte Reyno com huma frott.i
de doze velas a cinco de Abriljde 1521. Succedeo
a Diogo Lopes de Siqueyra na governança da
Índia. O qual lha entregou a dous de Janeyrode
1512. Diz o Poeta, que Dom Duarte de Menezes
tinha provado feu ferro mais em Africa , que na
Índia , porque cfteveporCapitão mór em Tan-
gere , Sc houve grandes vittorias de Mouros. E
que caftigará de Ormuz íoberba o erro , porque
quietou o Reyno de Ormuz , que eftava levanta-
do conna os noflbs , 6c havia grandes trayçóes
nellc,
lambem tu Gama,K{[e he Dom Vafcoda Gamt
Conde da Vidigueyra Almirante do mar da índia.
54
mente dascoufasdaquelle Príncipe ,que El-Rey ÔC o primcyrodercubridordclIa.Partio defte Rey-
tanto procurava. Diz aqui,que Diogo Lopes nas no por Vilo-Rey a nove de Abril, de 1 524. com
ondas Erythreas,que faó no eftreyto do mar roxo, quatorzc velas. E porque não durou no governo
abriria caminho para o grande Império, que le ar- da Índia mais que três mezes 8c vinte dias, porque
rca de íer moradade Candace,6cSabà, quche o faleceo , não temos que trattar dcile. O que fez
grande império do Prefte Joaô na alta Ethiopia, nefte tempo na lndia,6c o que lhe íucccdco no ca-
na qual terra foraó Raynhas Candace ,6c Sabá taó minho le pódc ver largamente era Joaó de Barros,
nomeadas,6c iabidas pela Elcrittura Sagrada; na terceyra Dccada,liv.^.cap.i,
Macua comcifíernat de agua chea.^^ot todaaquel-
la cofta do mar roxo , aílim de Arábia , como de
Africa há muy ta falta de agua , por haver muyto
poucos rios, 6c nenhuma fonte, pelo que a agua,
quehâdcpoços, he muyto roim. QuantoaMa-
cuá.de que aqui talla o Poeta,6c nós falíamos atra's llluftrado com aRe^ia dignidade^
^u^í""^ í^^^ na cofta de Africa. E conta Ca(h- 7> tirará do mundó.&fetis enganos,
nheda, que nefte lugar achou Diogo Lopes de Si- q^^^^ Menefes lofio.cuja idade
queyra quarenta 6c neve cifternas fechadas , re- tj \ J" •
íriuflHa^Tn-jra « ^« 4 ^ 1 A «. * «. •"<' mayor naprudencta que nos annor.
icjvaaasparao tempo daneccflidade , 6camuyto ^ -^ ^ j r " j\. n ■
bom recado , por fer terra que tem n>ais falta de Governar a:& faraó O dito Henrique^
iígoa , ijue de outra alguma coufa. O mcfmo diz ^eferpetua memoria dellefque%
Joaó de Barros na terceyra Década liv. 5. cap. 10.
aonde tratta do fitiodefta ilha ,Ôc outras particu- ,. Outro Meneuilogo.A Dom Vafco da Gama por
iaridadesluas. ' ' iei '
MAs aquella fatal nece/fidadej
'De que ninguém fe exime dos humanos
I
feu falecimento luccedeo Dom Henrique de Me-
nezcs de Alcunha o roxo. O qual ainda que náo
era velho de idade, era homem de muyca prudên-
cia , ôc muyco cavalleyro , & aílim fez maravilhas
contra EI.Rey de Calecut.
5 5
NAÔ venceràfsmente os Malabar es^^
Dejiruyndo Tanane^com Coulete^
CBinet tendo as bombardas, que nos ares
Se vmgãojódo peytoqueas comette.
Mas com virtudes certo fingulares
Vence os imigos d' alma todos Jette^
'Decobíça triíímpha/$ incontmenciai
^ut em t alidade hejumma excellencia.
Lujiadas de Luís de Camões Commentados,
2>
Succederdí ifórie Aaafcarenhas. Por fíilecimentt^,
de Dom Henrique de Menezes luccedia por fe-
gunda via Pedro Mafcarenhas Capitão de iMalaca.
Mas porque não eftava na Índia , nempodm acu^
dir a ella , le não dahi a onze mezçs por amor da^
monções, foy aberta a terceyra via , na qual hia
Lopo Vaz de Sampayo : o qual ainda que coni
contradição de muytos,diílençôes,Ôc revoltas foy
Governador.
Mais de palmai eoroadaMo diz pelo que fe trat-
ta na oytava ícguinte do que fez cm Bintáo. O
que o Poeta aqui attribuye a injuftiça , heem lua
aufcncia darfe a governança da Índia a Lopo Vax
de Sampayo:deílas eleyçócs, & dilcordiaseícrcve
largamente Diogo de Couto na quarta Década.
57
NO Reyno de Bmtão,que
Terá a Malaca muyto tt
ta?itos dan§s
muyto tempo feyt os.
Def ruindo Panane com Coulete. He Pananc huma
povoação d^El-Rey de Calecut das principaes,
que elle fero, fituada ao longo de hum rio de agua Num/ò dia as injurias de mil annos
doce. Ao tcmpo,que Dom Henrique a accommet- Vingarás c'o valor de illujires peytos
tco,náo era cercada de muro,mas tinhaó os Mou- Trahaíhos^&periaos inhumanos,
ros teyta huma defeníaó de madeyra com eran- ^íArn/h^c^^v-vL^^.:/ ^ rr a \
des enLlhos , & terra, que fazião hum tortf mu- ^^^'^^<^' férreos ml, paffos ejireytos,
ro,aonde tinhão muyta artelharia, como o Poeta iSm^jy^^s,balvarteSyUnçáS jtttas
diz neíU oytava. Coulete hc outro lugar na mcf- ^^^^ 1}CO^querom{as^ fomettas
ma coíla do Malavar féis léguas de Calecut íitua-
do ao longo da praya, & fem muros.mas com ou* Ne Kf^no dt Bintio. Scílcnta léguas de Malaca
troamparoj&dcfeníaócomoa de Panane: aonde cílâ a Ilha Bintáo íugcyta aos Rcys d« Malaca
havia muyta artelharia , & navios poltos também alem do eftreyto de Cyngapura.junto com a terra
para ajuda, & guarda da Cidade. Por entre todos íirme,da qual a aparta hum pequeno ric,que entra
tiles tiros.que eráo infinitos, aíTira de efpingardas, no mar naquella paragem. Não muyto longe da
como de bombardas entrarão os noílos, 6c aíTolá- fozdeílc rioeíU huma povoação grande por no-
j áo eílcs doua iugares,como conta Joaô de Barros me Bintão,que dá nome a toda a llha.Hc cftc lu-
Decada j.liv.io, gar povoado de Mouros Malayos , para a qual íc
De cohtça trtumpba. Não tinha Dom Henrique recolherão quando os Portuguczcs os lançarão
o lentido pofto em intereflcs , nem era notado de de Malaca , Sc daqui lhe fazião guerra , 6c di^no,
vicio algum , fomente olhava o que importava ao como diz o Poetaj6c conta João de Barros na tcr-
ferviço de Dcos,6c do Rey. ceyra Década liv.3.câp.5. EílaIlhatomou,6cdeíi^
E incontinência, §íut em tal idade be funtma exceí» truhio Pedro Mafcarenhas naqucllc tempo , que
kncia. Dom Henrique de Menez«s ao tempo que cftevc fem poder accytar a governança da índia.
tomou a govcrãnça da índia não era de 30. annos, E havendo nella 3oo.pcças de artelharia,6í outros
cm efta idade não era dado a vicio algum , como niuy tos petrechos, 6c invenções de guerra, 6c hu-
contajoaõ de Barros na 5. Década. Somente foy ma armada d'El-Rcy de Pam , genro do Kcy de
algum tanto delconfiado , como diz o dito Autor Bintáo , que mandava cm foccorro de ftu fogro.
cap.ult.qucfoy cauía de ter defgoftos com alguns Com todos eftes apercebimentos não cfcapou a
Fidalgos. ^ '
5«
MAs despois q as eflrellas o chamarem j
Succederas^ò forte Mafcarenhas
EJe tniufios o mando te tomarem^
''J^rometcte^quefamaeterna tenhas.
ÍPara teus inimigos confeffarem
Teu Valor alto^o fado quer que venhas
Amandar Jamais depalmas coroado^
Slite de Jortunajujia acompanhado. ^
Pedro Mafcarenhas.
Abrolhos ferrees mil. Depois que El-Rcy de Ma^
iífca íe recolheo a Bintão, com medo dos nofios,
fez em hcrma baya pequena cm que o rio fe mete,
quehe oportodaCidade,huma eftacada que fazia
ficar hum paflb tão eftreyto, que huma Galé não
podia virar nellc. Era a eftacada de paos muyto
groftbs , metidos em grandes mós de pedra , os
quaes paos ficavão por cima da agua em boa altu»
ra. Havia também outros paos mais groflos a mo-
do de maftos de nãos, 6c «utras muytas invenções
para le defenderem, 6c cnferrarem, que os noflbs
•s não podeftem entrar. £ cm huma tranqucyra,
Nni ^Hjl
jS4. Canto decima]
que cercava a povoação a modo de cava , havia Farã cem ã Vtftafô perdida jé-Yòtta,
trcs ordens de clticpcs com as pontas hervadas,6c
pollos en» levcz, , hunspara eltorvar a entrada,
6c outros prira » lahida. Eíles íaó es abrolhos ter«
rcos/^ue c Poeta aqui pocra.
5S
MAs na Índia cobiça^^ ambição^
^e claramente põem aberto o ropú
tontra'Dees^^jujiiça^t€ farão
Vitupério nenbum;masjò 4efgolio^
^emfaz injuria vil^& fem raz,âo.
Com forças t^foder em que ejfàpojio.
Não vence^que a vit torta verdadeira,
Hefaber terjujiiça nua^^ inteyra.
^PorHeytorda Si/vejirat^ dfjiroçada.
Tor Heytor Tcrtuguez^ de quem [e nota
^e na cofia Cambayca fempre armada^
Serd aos Gu&arates tanto dano,
^antojàfoy aos Gregos o Troyano.
Tar Heytor da Sylvtjra.k efte Fidalgo deu o Go-
vernador a Capitania niór de todo«%)s navios de
remo. O qual desbaratou Halixa Capitão morda
armada de Diu, com lellenta, & quatro fuftas,cm
huma das quacsfogio Halixa , & as outras todas
forão tomadas , & ties queymadas. A nofia frotta
cílava em Chaul,& o Capitão delia, que então era
hum Francifco Percyra de Berredo citava temc-
roíojque lha cniralle a de Diu , por eftar mal pro-
vida de gente. Mas com a chegada de Heytor da
Vitupério nenhum.moi ft defgojfo. Era Pedro Maf- Sylvcyra, o Mouro foy desbaratado, & a fortaleza
carenhas muyto esforçado cavaileyro , & não ha- ficou quieta.
Quanto jà foy a»s Gregos o Troyano. Diz que fc
houve Heytor da Sylveyra com osGuzaratcs,quc
fão os moradores do Reyno de Cambaya , aonde
eftá Diu, de cujo mar elle era Capitão mór, como
HeyrorTroyano comos Gregos,quepormuyca8
vezes os vencera no cerco de Troya.
6i
ASatnpayoferozfuccederã
Cun banque íongo tempo tem o leme;
*De Chalé ar torres altas erguera
Em quanto 'Diu tlluftre delle treme.
O forte Baçaimfe lhe dará,
Naôfem fangue porem,que nellegeme
Meliqnelforque àforçafo d^gfpáda
^ tranqueyrafoberba vè tomada.
Cunha, No anno de 1528. a 18. dias do mcz de
via coufa que lhe polefle nódoa na Aia fama , ôc
como irtq era notório a todos os da Índia, lòmen-
tc teve defgoftos por ter outro Governador ena
leu lugar, vindolhe a cUepor ordem, ôcdireyto
das lucceí]óes,como conta a 4.Decada.
Mj4s com tudo não nego que Sampayo
Será no esforço illuftrey& ajfmalado
Moftrandofe no mar hum fero rayOy
^e de inimigos mil verá coalhadê^
Em Bacanor fará cruel enfayo
No Malabar ipar a que àmedrontadê
*Despois a fèr vencido aelle venha
Cutiale,com quanta armada tenha:
Mas tom í»iff.\íoftra como Lopo Vaz de Sam-
payo era muyto esforçado cavaileyro, 6c que não
fe pode negar ler para governar a índia. O qual Abril partio Nuno daCunha de Portugal, cm hu-
fendo eleyto cm Governador da índia pela ordem ma armada de onze velas , por Governador da In-
acimaditta foy em peíloa correr a coftadoMala- dia, & fendo o officio de Governador de três an-
var , na qual dcftruhio huma armada de muytos nos, Nuno da Cunha o teve dez,porque como El-
paraos, quccitavão cm Bacanor , os quaeseráo Rey deícjavt muyto a fortaleza em Diu,cílcNu-
d^El-Rcy de Calccut.Pelo que lhos queymou com no da Cunha a houve: para coníervação delia , &
muyta pioienta,quc tinhâo. Mas ao lugar não fez por fcr Nuno da Cunha homem de recado , quiz,
nojo,porferd'*El-Rey deNarfinga,com quem os que cftiveíTc todo eíle tempo na índia: &iftodiz
noflos tinhSo paz, & amizade, & tomou nefta ar- aqui o Poeta , que tcv« longo temp© o leme, por-
mada oytenta peças de artcl haria,CutiaIe era hum que governou dez annos. Chalc he hum lugar na
Mouro grande cavaileyro , que os outros tinhâo coftadc Calecut,aondctcm osPortuguezeshuma
por fanto,porque havia pouco, que viera de Meca, fortaleza. NunodaCunhafoyo primeyro , que
aeftcMouro,com 150. veias muyto bem artilhadas começou eftc forte, 6c lhe lançou a primeyrape-
dcftruhio Sampayo com íós onze velas. dra com muyt» tanger de trombetas, êc charamc-
Ias:£fta fortaleza he duas legoas de Calecut, feyta
••q para fopear, & refrear os de Calecut, & eftorvar-
ihc fua navegação hoje naô he noíla, porque a la r-
ENão menos deT>iua a f^ra frotta f "7' Portuguezes. Em .,uanu Din illu/ire idU
fí, m I. ^"{'*'*J^^»J\*"'\* ír«ww. Fez Nuno da Cunha efta fortaleza em quan-
^ue Chaul temera de gr ande, & oufada to não pode entrar cm Diu , do que tremia Diu,
porquí
Lu^éíàas de Luís de CãfnÕes Commentados,
porque lentia o que fc lhe aparei hava.O forte Ba.
çaim. Baçaim hc hum lugar cnirc Chaul, & Diu
mecjdo por huno rio.aonde pódcm nadar Gaiés,d«
qual 1 IO íc faz hum eílrey to, que o cerca da banda
deLe(te,& ievay meter no mar,& atcrraHcaeíii
Ilha. Hei via nos baluartes de Baçaira quatrocen-
tas peças de artilharia. Com tudo foy tomado dos
noilú» em dia deS.Sebaíliãoannode 1555, aonde
foráo mortos muytos Mouroi, & a artelharia to-
niaJa, ôco forte derribado, 6C Meliquc fenhor da
terra Fugio para huma ferra , aonde felalvou. A
trattsjtte^ra foberb» vè fmada, ILlta tranqueyra de
que o i-^oeta aqui falia, tinha Mclique muyto bem
fortalecida , òc com muyta gente de guerra , mas
í8í
«5
D As imos do teu EJíevaõvtm tomar
As rédeas ^h um que fera iliuflrado
No Brafil^com vencer jé" cajiigar
O pirata Francez ao mar ufado.
*De/po'ts Capitão mor dê Indico mar
O muro de T)amão/oberbOi& armado^
E/cala /é primeyr o entra a porta aberta^
^e fogo t^ frechas mil ter aÕ cuberta.
Nú Brafil. A Dom Eftcváo da Gama fucccdeo
nada lhe aproveytou, porqu? os noflos a entrarão Martira AíFonço de Soufa, Capitão valerofiíTimo,
por força de armas,corao diz aqui o Poeta.O mo-
do detla tranqueyra,íeu tamanho, 6c força,rc veja
cm Caítanheda. li porque parece ficar aquiahil-
toria eicura lem fe trattar de Diu,íobrc íua toma-
da,ÒC como a houverâo os Portuguczes , Ic veja o
que cfcrcvemos atrás.
TRâs efle vem Noronha^ cujo Aufpklo
'De 'Útu os Rumes feros afugentaj
Ijm que (tpeytOy^ belli co exercido
T^e Antonto da Silveyra bem fuflenta^
Faíà em Noronha amorte o vfado officio^
o qual temião tanto os Malavares,que trazião por
rifaô entre íi: oxarc Marti m Affonço : guarda de
Martim Aflonço : & não íómente dos Malavares,
mas de todos os mais Rcys , & fcnhores da índia
foy muyto temido. Na cofta do Brazil desbaratou
huma armada de Francezès.como aqui dizo Poe-
ta. Antes que fofie Governador da índia foy Ca-
pitão mor do mar Indico , no tempo que gover-
nava Nuno da Cunha.E porque EURey de Cam-
baya por nome Sultão Badurotcmia , &lhceri
aíFcyçoado,por lua cavallaria,8c csforço,lhe man-
dou pedir fe vific cora clle em Diu para commu-
nicar com elle algumas coufas tocantes a leu efta-
ou-
que trattarao entre li, huma delias foy
que havia de dar huma fortaleza em Diu, na parte
aonde o Governador a clcolhefle. Eíla he a razão
porque diz Camões na oytava leguinre , qucEl-
Rey de Cambaya lhe deu fortaleza cm Diu.O que
íucccdco fendo Governador Nuno da Cunha,
porque não pareça , que nos encontramos com o
que dizemos no canto íegundo>oytava 50.
AEfle o Rey Cambaycofoberbijfimê
Fortaleza dará na rtca 7)iui
forque contra Mogor podtrofiffimo
Lhe ajude a defender ofenhòrio,
^efpois irà com peyto esforçadijjitno
A tolher que nãopaífe o Rey Gentio
«onde deyxou a mayor parte de fua armada , & fó ^^ Calecut ^que affim com quanto vey9
com lí. vclhs foy até o porto de Suez o ultimo O fará retirar defangue cheyo,
daquella cofta , com intenção de queymar a ar- ©
mada do Turc©,quc alli cftava. Fez naquella coí- Voreiue contra o Mogtr pêderofifflmo. Mogores faô
ta grande terror , Semedo em todos , tanto que íc os que commummcnre chamamos Tártaros. O
n>eteiâo pela terra dentro , mas não pode quey- Rey dcftas gentes tinha determinado tomar o
mar a armada do Turco, por eftar com grande re- Reyno de Cambaya. O que labendoo Rey, pro-
cado , & vigia. Tornou ao porto de Maçuà , 6c curou amizade com os nofibs para o favorecerem.
§ua^do hum teu ramoso Gama/e e/irmenta f °'^ '7:«°, *!= '^-"■'^ 'J ^' f°''T^- ^"f
'<i . . . * . .-^ ''f trascoulas,que trattarao entre íi,huma delias
A'6 governo do tmpertoicujo zelo^
Com medo o roxo mar fará amirello^
Traz, efit vem Noronha. A Nuno da Cunha fuc-
ccdeo Dom Garcia de Noronha, o qual foy man-
dado por Viio-Rey no anno de 1558. por haver
nova,que hião Rumes fobre a índia.
De Antonto da iitlvtyra.lL^t António da Silvey-
ra neite tempo defendeo a fortaleza de Diu , de
que era Capitão.de 65. velas de Turcos com doze
mil homens , Capitão mor Solimão Baxá Rey do
Cayro. Os quaes forâo desbaratados, como refere
Caílanhedâ.
^ãndo bum teu ramo 6 Gama. A eftc Dom Gar-
cia de Noronha fuccedeo Dora EífevâodaGama
filho de Dom Valco da Gama no anno de 1541.
Foy ao mar roxo , 6cefteve no porto de Maçuà,
dahi mandou feu Irmão Dom Chriftovãoda Ga-
ma com joo.Portuguczcs contra El-Rey de í^cilâ
era favor do Preftc.
& ajudarem contra os Mogores,6c principalmen-
te com Martim Affonço de Soufa , que era ecíle
tempo Capitão mór do mar. Ao qual deu fortaleza
em Diu , por o favorecer nefta cmprcza , o que
Martim Affonço/ez com parecer , &conlenti-
«nenco
2%6 Canto ^Decimo»
Hicaco do Governador Nuno da Cunha.
Depoíí ira. Querendo El-Rey de Calecut paílar
com grande poder de Cranganor paraRcpcJim,
lugares do Malavar fcte léguas de Cochim, eftor-
voulhe Martim Affonço o paflb , 6c depois tomou
o Repelim ,& o quçymou , por dar obediência a
El.lUy de Calecut , como diz na oy tava leguintc. '^antoemconfelh^Jabw^^ TemVuydadô.
Òuccederlhe ha aly C afiro ^que o ejíendarte
^5 ^onuguezterà/empre levantado
DEftroyrà a cidade Repelim, Conforme fuccejjor aojuccedtdo^
Fondo o/eu Rey com muytos emfogida ^^ ^^^ ^^g^^ "DtUyOutro o defende erguido
E de/pois junto ao cabo Comorim
^1
Este fera Martinho ^que de Marte
O nome tem côas obras derivado-.
Tanto em armas tlluftre em toda aparte
I
Hnma façanha faz efclarecida .
A frot ta principal do Samorim^
^^e defiroyr mundo não duvida^
Vencerá com o furor doferrOj^fogOy
Emfy verá Beadãla o Mar cio jogo.
E depois junto ao cabo Comorim, Eíle'cabo he de2
fronte da Ilha de Ceylaó , chamafc aííim por fer
hum monte muyto grande , queifto quer dizer a
palavra Comorim. He na cofta do Badagas, aonde
cftá a Cidade Miliampur, lugar aonde padeceo , &
eíU fepulcado o Beraaventurado S.Thomé Apof-
tolo,& DiícipulodeChrifto Noíío Senhor.NelU
paragc do cabo Comorim , entre clle , & Ccylâo
venceo Martim AfFonço CucialeCapitáo mòr do
Samorim , junto á Cidade Bedeâla, & deftruhio a
mefma Ciáadc , a qual eílà junto ao cabo Como-
rim.
Mareio joio» O jogo de Marte, Dcos da guerra,
que hc a guerra.
CC
TEndo affim limpa n índia dos immig^s^
Vtrà dejpots com [ceptro agovernaía^
Sem que ache refifiencia^nerfiperigoSi
^íc todos tremem delle^^ nenhum J ala»
Sò quiz provar afperos caftigos
Batícalà que virajà Beadàlax
*DefangHej& corpos mortos ficou chea^
E defogOj& trovões desfeytaj& fea, \
Ten40 affi limpa ê InJia, Com cila vittoria ficou
El-Rey de Calecut fcmarmada,ôcfcm artilharia,
porque toda pcrdeo ; &: cm eíUdo , que náo teve
mais animo para fe bolir , como diz aqui o Poeta.
Succederlhebd atU Cafiro. A Martim Affonço de
Soula , ao qual o Poeta aqui deriva o nome de
Martinho de Marte , que os antigos tivéráopor
Deos da guerra, porque foy hum cxcelIentiíTimo
Capitão, ôc fabio Governador na índia, como fica
dito, fucccdeo Dom Joaó de Caílro Varão exccl-
Jentiflimo também , & femelhanteao luccedido,
aflim nacavallaria,como no confelho. Efte Mar-
tim Affonço ergueo de principio a fortaleza de
Diu , & Dom Joaô de Caftro a detende» de hum
grandiílimo exercito de varias nações , como o
Poeta diz por algumas oy tavas.
PErfas feroces^Abaffis ,à' Rumes^
^e trazido de Roma o nome tem^
Vários de geji os ^vários de cofiumes»
§lue mil nações ao cerco feras vem.
Farão dos ceos ao mundo vãos quêyxumes;
forque huns poucos a terra lhe detem^
Emfangue Tortuguezjuraò dejridos
2)^ banhar os bigodes retrocidos»
Perfatferoces.Kecont^ as gente? qucforáo ncfte
cerco de Diu, como Perlas,Abaffis, & Rumes,na-
ções diffcrentes , que todos forâo em ajuda d^El-
Rcy de Cambaya. Perfas faó moradores de Perfia,
Abaffisdc Abaííia, terra de Africa. Rumes faó os
Turcos , chamados aííim por virem da coíla dos
Romanos , como aqui diz o Poeta. A verdade he
chamaremfe Rumes , não por ferem da cofta dos
Romanos , fenão porque vendoos os da índia na-
quellas partes, lembrados do que íe dizia da caval-
laria dos Romanos,lhe ckamarão Rumes, queren-
do entender Romanos : como também chamão
Vira depois comfetptro.Dcpois de Capitão mór do Francos aos Portuguezes , pela fama que os Fran-
iTiar, foy Governador da índia, depois de Dom cos alcançarão na tomada de Hyeruíalcm. Todas
Eífevâo da Gama. No qual tempo havia huma
?|uietação grande no Orientc,porque Martim Af-
onço era muyto temido nelle. Só Baticala forta-
leza na coíla do Malavar , como ttinta léguas de
Goa, não le quiz efcarmentar com males , & tra-
balhos alheyos , porque tendo vifto o que paffara,
em Beadala , não quiz le não como nccia cfpn-
mcntar cm lua propna cabeça.
eílas nações forâo cro ajuda ri^El-Rey de Cam-
baya a eíle cerco de Diu , 6c outras muytas. Os
Rumes faõ gente muyto arrogante: tem por cof-
tumc trazer as barbas rapadas, com grandes bigo-
des , pelos quaes juráo quando lançaô luas barba-
tas,de que ellcs íaó grandes homens*
Bafílifeot
Lufiadas de Luis de Gamões Commentaâos. 287
Huns paredes Jubindo efcusaõ pôYta^
Cp Outros a abrein^na fera eftjuadra tnfana;
Fey tos farão taõ dignos de memoria^
^le não caybaõ em verfo^ou larga hiftoreo.
Afiltfcos meàdnhosy& l'tões%
Trabucos feros ^minas encubertas,
Suftcrita Mascarenhas com os barões ^
<3)ue taõ ledos as mortes tem por certas:
jtè que nas mayores opprejfões
Cafiyf> libertador, fazendo offertas
cpas Vidas de feus filhos ^quer que fiquem
Comfa^<* eternajíè a 'Deos Cejacrijiquem^
Eh vtm <ií/pí?ix:Dcrpois de partido o filho Dora
Alvaro.fc fez preíles (tw pay Dom Joaó de Caílro,
& chegou a Diu,eftando em grande aperto,& deí-
pois que chegou , dalli a trcsdias lahioaocampo
contra o exercito d'El-Rey de Cambaya , & o
desbaratou , matandolhe mais de cinco mil , 6c
pondo em fugida todos os mais.
1^
Su^enta Mafcarenhat: Efte foy DomJoaóMaí*
carenhas Capitão de Diu no tempo de Dom Joaó
deCaltro , o qual defendeo aquella fortaleza de
mais de 50. mil homens , & leis mil Turcos, com
menos de feifcentos Portuguezes , leis mczes , atè
que foy foccorrido pelo Governador : luílentan- Rey de Cambaya^é' à viftalhe amèdrenta
do htrm dos mais. famofos cercos que no mundo le <Dafera multidão quaármedante,
virão nunca: & alcançando tão grande vittoria —
em campal batalha,que fe não pôde crer lero gran-
de admiração. Como referem os diálogos de varia
hiíloria dialogo 5.ann.i547.
Oaividtti defeni filhos-hjilci eraõ Dora Fernan-
do de Caílro,6c Dom Álvaro fcu irmâo.Dom Fer-
nando foy morto cm hum baluarte,queíe chama
de Gil Coutinho em huma mina , que os Mouros
alli fizerão,na quai com a força do fogo voou pe-
lo ar eílc Dom Fernando , com hum lanço do ba-
luarte , como o Poeta conta na oytava leguintc.
ESte de f pois em campo fe aprefenta
Vencedor forte ^à' intrépido ao polfanit
Não menos fuás terras malfuftenta
O Hydalcão do braço triumphante,
^e cafitgando vay T^abulna cos fia:
Ntmlhe ejcapou Tondã no/ertaÕpofta:
Efiedefpcis.Du^ís batalhas campaes deu o Gover-
nador Dom João de Caílro a El-Rey de Cam-
baya , humano legundo cerco de Diu , que foy «
onze de Junho de mil quinhentos quarenta ÔC féis,
8c outra a oyto de Novembro de 1547. huma fc-
nas.
70
Quando levarão a nova ao Vilo-Rey,, que eítava gunda feyra nos campos de Baroche,que íaõhuns
em Goa , íabendo que a fortaleza eftava ainda por catnpos muyto grandes, aonde El-Rey de Cam*
El-Rey de Portugal, íe vcftio de fcíla, & moílrou baya tinha trinta mil de cavallo,& gente de pè fem
grande prazer,Sí fez que os Fidalgos jugaflera ca- numero, 6c muytos elcphántes, onde o Governa-
dor lhe apreíentou batalha campal, cora tão vale-
rola refoluçãoi que o Rey o não commettco, ate-
morizado da valerofa ouladia dos Portuguezes,
que contra tão podcrofo exercito,queerademais
de cento & cincoenta mil homens, íe atreviáoef-
pcrar em campanha, & formar íeuselquadróes.
O Hydalcão do braço trtumphantt. EítandooGo»
vcrnador em Diu,foylhenova,con:^o o Hydalcão
tinha o paílode Sal;ette , que he perto de Goa,
com grande exercito , com intenção de tomar a
Cidade, babido iílo de certeza mandou o Gover-
nador dar á vela , & foy a Baçaim , que fera trinta
Neíle lugar mandou
FErfiándo hu delles/amo\da altapranta^
Onde o violento fogo em ruido^
E*n pedaços os muros no ar levanta^
Será aly arrtba tado^& ao ceo fubidoí '<
Álvaro quando o inverno o mundo efpanta
E tem o caminho húmido impedido^
Abrindo ^vence as ondas i& os perigos.
Os ventos ^tè despois os inimigos.
legoas de Goa pouco mais
./í/i;*r*.Efte foy Dom Álvaro de Caftro,o qual dar pregão geral, que todos os de Baçaim le íizef-
dcyxou o pay em Goa , & partio no mcyo do In
vcrnoafoccorrcraDiu , quefoycoula , que cí-
pantou a índia hir era tal tempo.
EYs vem defpois opay^que as ondas corta
Cooreftante da gente Lufitana-^
E comforça^^^Jabn^que mais importa^
Batalha dà felice^^Joberana.
lem preftes para o acompanharem com íua frotta,
& gente: & dahi foy a Chaul, que faó doze legoas
de Baçaim.aonde fez o mefmo. Ncíla jornada dcí-
truhio no caminho Qiiclicia , Dabul , & outros
muytos lugares do Hydalcão. Sem entrarem Goa
fe paíTou em terra firme , com pouco mais de trcs
mil Portui^uezcs , comos quacs desbaratou hum
exercito do Hydalcão , com cinco Capitães léus,
com mais de vinte mil homens de pé , &. Icte mil de
cavallo,emdiadeS.Thomè de 1547.
Nem lhe tfcspou Pondâ m Jtrtâo pofâ, Pondá hc
hucna
28S
Cant0 ^ecimfT,
feuma fortaleza do Hydâlcáo trcs legoas de Goa
pelo fcrcáo dentro , cita queymou o próprio Go-
vernador com a íoldadclca de Goa,a vinte & hum
dias de Setembro, três mezcs antes, que ihc acon-
tcccfle cite luccciio com o Hydâlcáo.
7$
ESteSiér outros Barões por varias partes
dignos todos de fama j& maravilha^
Fazendo fs na terra bravos Manes
Virão lograr os^ojtos defta ilha.
Varrendo trtumphantes eftandartes
Telas ondas ^que corta a aguda quilha ^
E acharão eftas Nymphas^à' eftas me/as ^
^\;'
dolheiuntamenteaterra,paraqueviírc, qucpelas
cavallarias j & obras cxccUentes feytas nella, le al-
cançava aqucliefermolo lugar do Ceo , queeítc
f oy também o intento de Cícero nos Icus livros de
republica. Eifto he o que os antigos Romanos
moílraváo em fazer , que ao Templo da honra le
não pudefle entrar , fe náo pela porta do Templo
da virtude. E affim fica o Poeta ncfte particular
entendido.
74
ASJicttava a Nympha^&as outras todas
Com/onorofo aplaufo vozes davaoi
Com quefcftejão as alegres vodas |
^ie comtanto prazer je celebravao.
r^ .••>/- , -j j ^ V > Tor mais que da for tuna andem as rodas
^egímasjô- horas jao de árduas emfrefas, (^^ii^,„„J„„^J^todas/oavão)
Naõvosbão de j altdr agente fumo fa^
Virão kgrar 9s gojioi deftâ Ilha. Nefte fingimento
dcfta Ilha com tantos favores , & gazalhado de
Thetis princela do mar, que os agazalhara, & fer-
vira , imita o Poeta a Marco 1'u11íq. O qual nos
feus livros de republica , que muy tos virão , & íe-
ráojde cuja relação íabemos,© que ncHes trattava,
ôcaflim do mefmo Tulliocm muytas partes, dcf-
pois de ter debuxado o citado de huma perfcyta
rcpublica,5c as partes que fe requerem para o bom
governo, Ôcadminiílração delia, no fim dcílcs li-
vros fez hum breve dilcurío , a que podemos cha-
mar taboa do naufrágio, pois de todos os livros da
republica de Ciccro , não temos mais que eftc pe-
queno f ragmento,a que chamamos conimummen-
tefonho de Scipião: perdido o principal todo,tan-
to á cuíta dos cunofos , ou clcondido cm alguma
parte avara de no lo communicar. Em o qual fo-
nho finge Tullio , que Pablio Scipiâo Africano
c liando dormindo lhe aparccco feu verdadeyro
pay Paulo Emilio , & Publio Scipião, que o pcrfi-
lhou,& o grande Africano,8c outros fenhores Ro
HonratValor^à' fama glorto/a,
F»r maii ejue dâ fortuna andem at rodas. Da fortu-
na le veja o que fica eicrito no canto primeyro.
75
D E/pois que a corporal neceffidade
SefatísfíZ do mantimento nobre ^
E na armonia \& docefuavidade
Virão os altos feytos, que de/cobre,
Tethis de graça ornada ^& gravidade ,
Tara que com mais alta gloria dobre
As f eftas defle alegre ,& claro dia
Tara ofelice Gama^affi dizia.
Tara oftlict Gama a(fim dizia. Chama o Poeta
ao Gama felice , pois foy digno de hum tão ditofo
gazalhado , como eíle , que Thetis lhe fez decla-
randolhe o fucceflb felice , que luas coulas haviaõ
7«
manos já defuntos,os quacs delpois que lhe conta-
rão tudo o que na vida lhe havia de aconcecer(co- d» ter no dilcurío daquclla navegaça*^.
mo fez aqui Tethys aos Portugucze8>& as honras,
ôc triumphos , que na vida hayião de receber , que
he o gazalhado , &: fuavidadc defiia Ilha , paraque
com mayor alvoroço fofrcflem os trabalho8,le dif-
puzcflcni para os perigos, Ihemoílrarâoafermo-
fura dos Ceos , o curfo ,& ordem dos Planetas , &
eftrelias.dizendolhe, que aquelle lugar citava de- Tios errados. & mi feros mortait.
putado para os que ncfta vida correflcm com fuás Sigueme frme,& forte com prudência
FAzte mercê baraõ^a Sapiência
Suprema ^de c'o os olhos corporais
Veres .fi que naõpõde a vaaf ciência
obrigações, favorecendo, & governando dircyta-
mente as fuás republicas , fazendolhe juntamente
praça das coufas da tcrra,como tudo fe pode ver no
dito Hvro,que he afias conhecido.E quanto a mim
iílo quiz dizer aqui o noílo Poeta ; quedefpois,
que Tethis agazalhou Vafco daGama,&aosmais
Tor ejie monte efpeffb com osmais^
A(fi lhe diz'M o guia por hum matto
Arduo^difficilxduro a humane tratto,
Faz,te mercê haritoy a Sapiência. Começa Tethis
Portuguezcsjo levou a hum campo rauyto fermo* a declarar ao Gama as mercês, que Deos Omnipo-
ifo , cheyo de rubis, Sccfrocraldas ,que heo lugar tente, que aqui entende por Sapiência, tinha prc-
aoOde vão parar os que leguem a virtude , donde parados para o« que neíla vida fazem coufas excel-i
lhe n, oftrou oCco com todos ícus Planetas , & cl» lcntes,& dignas de merRom^Stguemifirme.O camiJ
trelJas , dcciarandolhe fua cxcellencia , moftran^ nh« da virtude hc no principio aípcro , & intrac*
tarei
jS?
78
' ^ Luftaâas de Lnh de Cdmões C^mmentadosl
tavel aos que o querem feguir,nias no fim hc largo,
Scdelcytofo , comoo pinca o grande Philofopho
Pythagoras, naquella lua obra cxcellcntceferitta
c«i verlo, a qual le intitula carmina^ verfos, por le-
rem muyco fentenciolos. Pelo que alguns lhe cha-
niáo carmina aureajVQrios de ouro, por lerem elles,
como fica dito , dignos de tal nome, E aífim aon-
de le acha eíla palavra c<írwi«4, fem mais addiçâo,
nçmacrecenCamento, le entendem cftesvcrlos de ,^- ^ 'ri >" °
pyijhagoras peU razão dita , como naquelle verfo ^i^cafe ergue, ou fe abaxa;& hu mesmo rojia
íjc Catão: St Deus ef énimui nobuyitt carmina dicuntx ^or toda aparte tem^t§ em toda parte
aonde Catão por carmina entende os verfos de ou- Começado" acaba: em fim por diuina arte,
pdcPyth3goi;,as, nos quaes tratcadacxccUcncia
aVaí a matéria feja naõfe enxerga ^
Mas enxerga fe bem^que eílà ctmpc^ê
IDe vários orbes ^que a divina verga
Campos ,^ hum centro atodosfó tempoftê
Volvendo hora/e abaxejhora/e erga
da
,;ilma.
77
.'«jVo . ^^^ " matéria feja nao fe enxerga. Ncílc globp
.V. vioo Gama eíta machina .univerlal ., & todas aa
coufas nella poftas,8c cora- ver tudo,& cnxergar,5ç
divilar luas particularidades , não pode entender»,
nem enxergar a matéria, de que era compofta.
De vários orhts.Dc vários circulos,& Ceos. Qi]*
coula feja orbe, ôc como fe tome pelq Cep, ic vej^'
a npíla annotação no i.canto.
Ebumipntro a toiUs (9 temfo(lo, Eílc centro hc o
globo da terra, Ôc agua, porque todas as partes da
Cco eftâo delle apartadas igualmente. O qual cen*
tro em comparâçáp do Ceo , he hum ponto muyJ
Copiqucno , como^codos os Aflronomos provão
por fuás demonílrações. Centro he palavra Grc-
^^ AÕandaômuyto^que no erguido cume
4 Se acharão donde húcapofe efmaltava
^De efineralãas, rubis, taes que pr e/ume
A viíiayque divino chaÔ pifava,
Aqut hum globo vem no ar ^que o lume
Qlarijfimopor eíle fenetravãi
'De modoique o/eu centro e/lã evidente,
Como a fua/iiperficie ^claramente
Ndú anda» muyto, A eftc lugar levou Tethys o
Gama,ao qual pmta cheyo dce(meraldas»-& ru- ga,entre outras fignjficaçócs, que tem. Humah»
bisjpcla fermoíura delle.Efte hc o campo çm que fignifícar hum ponto no amogo da tcrra,pofto táí>
vão dar os que leguem a virtude, aonde tudofaõ pontualmente no meyo,que todas as linhas lança-
goílosjSc fcrtt)ofura. das para a luperfície íejáo iguaes , pela qual razão
/iepii humgloho vem no ar. Finge aqui o Poeta ic chama centro do mundo,como íc diflcflc oamo-
com muyto artificio, como Tethys, deípoisquc go.& meyo do mundo. Porque a terra coma agui
agalalhou , & feítejou muyto aos Portuguczcs, os cftão no meyo da machina cclcftial , fcchamáo,
levou a hum lugar apartado , muyto aprazivcl^â centro do Ceo, ' •
viíta,do qual lhe moítrou eíU machina do univer- Nttneafe ergue. Eíla machina do univcrfo , qu<
io cm huma figura redonda,que o Poeta aqui cha- vemos,como hc de figura circular,lempr6 anda em
ma globo,tâo clara,& fermoía,que todas as coufas hum mcfmo compaço,& diítancia, 5c fempre tem
que ncUa eftavão íe vião clariflimamentc. E por- hum roí^o^Sc figura,porquc nunca fe altcra,ncn) fe
que efteglobo,quc lhe moílrou continha eíla ma- muda, nem tem fim, nem principio finalado, que
china celefte,&;elemental,que heoque commum- jaó condições próprias da figura redonda, fie cir*
mente chamamos mundo, moftrandolhe todas as cular. Verga divina, quer dizer, vara de Deos,por--
particularidades do Cco,o gabou muyto, paraquc que Deos todo poderolo.foy autor defta machin»,
vendo os Portuguezes a fua nobreza, & que para do univcrlo , como íc couta no principio do Gcj
ncfis.
79
\T Ni forme jper/eytõ;em fy/oflido^
f ^alem/im o Archetipo^queocriou:
çlcançar hum lugar tão cxcellcnte,cranccefiario
fazer couías,por onde o mereccíTem.íedifpufcílcm
com todo o cuydado,& animo a cfta obra,& pio-
curaflcm fazer coufas , pordondcoalcançaílem.
Efte globo hctoda a região ccleftc juntamente _
com leu centro,que he o globo da tcrra,& agua, a Vendo o Gama e/le globo commsvido
que os Aítronomos commummente chamáo ccn- <J)'efpanto,& dedefejoaly ficou.
F/L^/"*; ^ c c- Tfizilje a Tteofa.Otrã/Hfíto reduzida
t.jta evidente. O centro com a fupcrfície con- rn ^ , ^^ • j. j^,.
cava dede globo celefte,porque os qSemorão na Em pequeno valume aqui te dou
terra pcnctrâo com lua viíta toda efta região ele- ^^ "'«"^^ ^^^ ^^^^ teus;para que vejas
mental, & celcftç. Lume. Hc a viíla, como íe uza ^or donde vas/£ iras^àf oque defejas.
tntrc os Poetas Latinos.
'' ■ I7«í/íir»ff ,pírf7f 0. Tratta da cxcellcncia,8c pcr-
feyçâo deite globo, que hc figura do mundo, no
' «!vOi,<ít ;.u :>o oiriDin qual cílava toda a machina do Cco, & terra, cha-
i.; : .> O© roalhs
rulhc uniform«,pcr fertodo deliuma mcímama-
ici ia, & figura; pcrfcyto, por lhe não faltar coufa 8 I
ilguma , porque como a cal ihc foy dada a figura TT SJie cyBí que frmeyro vay cercarido
3f£ctonda,qiie denodas htn maiípnfeyfa", tt fermo- J^ Os outros Mats pequenos ^que em fy tem
ix. Donde O vid.o rt« Metaiirõrphôlcs íiv. i. para G)ue efíàcotn luz. tão clara radiando, *
moílrar a fernK,(ur.do^t>undo,d,zeftas palavras. %e avijlacega,& amantevtltamlanx
do iTdonda, para ornato, & ftrmolura do grande ^Pjrsoje nomea.onde logrando
mu ndo. £/» ft (ofíído. Não tem o uni veria tuirda- 'Puras almas ejtao de aquetle bem, .
rii cnto, nc;n aiicçrce » obra de hunn lâò cxccllente Tamanho^que ellejò/e entende, & alcança^
h 1 tifice como he Dcps,lõílido em fi. Dòndc diílc 2)^ quem rtãoha no mundofeníeihança.
a SagradrÊÍcrittura da terra : (^aifkniafiittífArfi
luper fiMttattm (usm s non inclmakttHr in fáeculum
facuU. F^uiiáaííès.Scrthor a tetra íobre a lua plo-
f riá fírmézafnátí fe incHnarájâ mais.Oquecntcn*
áeo , & declarou àqucllégfandcjPhiloíopho Oví-
dio na íua Meramorphoíe, quando difle da terra,
que tilava íuftcntadà cm feu próprio '^cio x fvndt*
ribut Itbratà /»« : pelada cóm leu próprio pelOj que
lie acaufa porque não caye, nem fe move para hu-
roa parte , nem para a outra, ^al em fim o j4ribe-*
typa^queú criou. Archctypo he palavra Grega,com-
jiofta de duas, archi, principalj typos, figura,por-
que he o treslado, primeyra,ou principal fórrrta de
qualquer coufa. Aqui o toma o PottaporaquclJc
ííxcellentiíIimoOfficial , & Criador de todas jas
coufas Deos Ncflo Senhoí- : no qual eminente- A ^if(f'VeYdadeyrês gloriofif
itientc fe contém todas. Ô trajunu rtdaxÀdè.T^^U /^ c^^/ao/ efiãoiporque eu SaturmJ($ láfté
luntohcotreslado. MoftraTtthysncftegiobo a ^upiterawnoíomos fabulo fos.
Bflc orbcy (jutfrimefrovsy cerfand^. Tratta ncfta
oytavadoCcofmpyreo , de que os autores pny*
plunos não trattâo. Eítc he o allirnto da gloria, &
Corte do Cco. Nçíte refidc principalmente Deos
NoíTo Senh«r com os Bcmavcniurados. Da ra,-
zão deíle nome íc veja o que cfcrevemos nocaa^
to*rcgufido»oyfava 55.
Dtíjuem nãê hâ n» muniif ftmeÍbança»K{it he Dc08
Nollo Scnhor,cujo rcr,6í Magcftade náohâ enten-
dimento humano,quc oconiprohçqda,comodiZQ
Bemavf nturado S.Thomàs í.p. q,3.art,4i.
Vaíco da Gama todo o univerío , paraquc enten-
da para onde vay , por onde ha de pâflar , & o que
f)eÂa|viagem lhe ha de acontecer.
So
VEi aqui* a grande tnaebina do*munúo
Ethtreatè èkmentãlyque fràbricada
^ffífof do faber alto,^ profundo,
S^ue he femprincipto ,& meta limitada,
^em cerca em derredor efte rotundo
Globoy^ fuafuperfcie CaÕ limada^
He 7)eos yfnas oqhe T>eos ninguém o entende
Que a tanto o engenho humano naÕfe eflende.
^'ingídos de mortal,& cego engano.
Só para fazer ver/os deleytofos
Seruimos ^tè Je mats o tratto humam
NéSpodedar,kefò que o nome nojfo
Ne/tas eftrellas pòjo engenho voff»
^(júifú. NoCcocmpyrco , como fica dito na
oyiava pafiada,rcfidcm lòmente os Bcmavcntura-
dos,ôc Santos cm côpanhia de ícu Deos,5í Senhor.'
PtfJ^^wííK.Moílra Tcthys como cila ]upirer,Sa*
turno, S?: outros infinitos , que a antiguidade cega,
&jcrrada teve por Dcoles,fòrãofalfos,8c fingidos:
Ntfiãí EJlttiiat fíSi o ttjgenbo vol/o,l?orc[\it os Pla-
netas nomearão os antigos deites fallos Dcoies:
Como Sáturno,Jupiter,Martc,Pbcbc, Vt nus.Mer-
Curio,2caLua.
T7 Tamhemporque a layiÚafrovidenciú^
Vts at^uT,agYonitmachinw\io muni^.V^^x machina
do univerío ,que vemos , fe divide em duas partes
em ctherea, que he a Cèleftial , aonde eftão as,Ef-
trelas,& Planetas,6f dementai: qufehc tudo o que
eftàdebayxodo coricavoda Luaâtéáterra , na jL> ^eemlupptteraquifereprtfenta^
qual parte eftãoos quatro elementos, fogo,ar,tcr- ^or efpirttosmil-ique tem prudência^
ra.&c agua. Dos quaes fe veia o que eícrevcmos no Governa o mundo todo.que /uflenta,
canto fegundo, oytava 5?. & cum fequentibus, & Efifaiao a porpheticafciencía,
no lexto. DosCeos fe tratta nas ovtavas fcguin- J7»»,*«..-*^. w^. >.^^— «/-. ^,,„ .
les. De Deos fe veja adiante na oytavaícguintc«
^uem êcmé he D^oi, Donde difle o Apoltôlo.
Ifje êmniê tirsundat vtrhê virtutif fuíe.
«a
OUMTiJi
'mil^iH;
Em muytos dos exemplos ^qm} aprefenta;
Os quefão bons ^guiando favor ecein^
Os mãos em quanto podem nos empecem,
S«e tm lupiter. Os antigos ainda q cegos na ver-
dade , & mal entendidos no verdadeyro conhcci-
'ncncodcDeos,todavianeílesnomes,quc punha»
a íeus
Lujiãâas de Ltiis de Camões Commentados, 291
a leiísfalíos Deoícs reprcfentaváo íua Mageílade, ^ehaxa defle circulo jOnde as vtufídas
Sc píovidcncia,coBio em Jupitcr,(juccllcs chama- filmas dtumas gozão,que naõanda
v4o.o principal de feus idolo$,o qual nome hc com- q^^^^ ^^^^g ^^^ levet& tão Ikeyro,
pdfto de duas palavras LaLinas. de ;«xj.. -,, ajudar, ^^ ^^^j^ tnxerga'.ht o mohiíeprmeyro.
&;>««>•, pay, como le dl ílcra,payajudador. A cftc -t» -^ <s ^^ /" "v
3upitcra(tnbuhiáo o governo do mundo:ÔC como Emfim.t^ueo (ummo Deu. Dcos he a primcyra
nós temos por fé certa haver Anjos bons , que nos caufa de todas as caufas:fontc, & origem de todo
favorccem,&: maos,que nos empccemiaílim os an- o bcm,& obra no mundo por fegundas CAufas.qu
tigos idolatras fingiáo o nieftno em feus falfos" " - .. - .
Deofes.VcjaleCclio Rodiginonas fuasliçócs an-
cigas,liv.i.cap.24. cum fequentibus.
• */-■g;^v^,-Vu.-
QT?^^ logo aqui a pintura^ que varia,
Ag%ra delcytaràdoyhora enpnandOt
*iJarihes nomes queaanttguapoefia
A feus 'Deojesjâ derafabulandoí
^e os Anjos da ceíejte companhia
T>eoies o (acro ver/o eftà chamand».
Nem nega que ejje nome çreminente
Xarnbem aos maosfe áà mio^fal/amentc,
,- '- Çiuer /tf^tf.Moftra o Poeta coraoX) fcu intento cm
ílíar algumas vezes dos nomes dos falfos Deoícs»
nâo he mais,que para ornato de feus verlos. E por
efte meyo enÁnar algumas couias neceâarias para
a vida. _íj<j>'>
Pmturty^iui vãrhr* Hc a Poefia,á qual pocm cíttf
ião ceos.eftrellas, &í todas as mais cauías particu-
lares. Sum^a aqui quer dizer alto, omnipotente,
perfeytiflimo , porque em Deos ha asperfeyçóci
de rodas as coulas,como diz o Bcmventurado San-
to Thomás.
Debaxê deUe eirtuU. Eílc circulo hc o eco cmpy-
n0)de que atrás filiámos. Diz o Poeta^queeíleceo
náo anda porque íe nâo movc:que hc a rczâo por-
que os autores prophanos naó trattâo delle.Deba-
xo defte ceo cmpyrio,diz que cftá outro taõ ligey-
ro,quc efcaíTamentc íc pode enxergar leu movi-
mento. E que eftc he o eco a que os Aftronomof
chamâo primcyro mobile.
/^^ Om efte rapto^& grande movimente
Vão todos os que dentre tem no/èyoi
^or obras defle ^o Sol andando attento '
Odia^ noytefaziycom curfo alhe;
duasartcs.Vejaieano(raannotaçáonoeácofctimo. Tao lentOyX3jojugado adumfreyo^
^e Anjêi de Ctle/ie comfênbi*,Dffti ofucto verf» Mjje em quanto Thebo^de^ luz^?iuncâ e[caff9,
fjli cbamandê. Da o Poeta a entender como a fagra- ^Duzentos curfis faK,dâ eUe humpaffo,
da Efcrittura ufa dcftc nome Deõfesjhumas vezes
para reprovar os falfos Deoícs dos antigos , outrai Com tfit r^^fo.Entrcosantiguos ouvcdiflFeren-
para moftrar o favor,5c mimo.q Deos faz aos gran- ics opiniões fobre o numero dos ceos.Huns poíc-
dcs da tcrra,6c juftos della,em lhe comunicar o fcu raó hum fó,outros oyto.ouíros novc.Oje eftâ rc-
proprionome,como aquclle Pfalmo. Deuiietitin foluto ícrem dez:dos quaes o primeyro,£c vitimo
fynagogã Dtorum» Dewcftevcno ajuntamento dos quúto a nòs,le chama primcyro mobiic.porqueh»
Deoícs. E no mcfmo: Egê dixidij e(iu.E.\i diíl*e,lbys o primcyro, que le movc,iendo os mais tambc fcu
Dcofcs,8c cm outras partcs.O qual nome dâ tam- movimento.Hc tão arrebatado o movimento de-
bem a cicrittuta aos Anjos bons , como confta de ftc primcyro mobile,que leva após íy todos os ou-
alguns lugares delia , nos quacs o Chaldco declara tros ceos,& faz ^ue em efpafib de i4.horas,dem to-
fcroprc a palavra Deoícs por Anjos.E nos lugares, dos huma volta de Oriente, a Poncntc, como diz
onde a Elcritura diz,quc Dcos appareceoa Moy.
fcz,oufallou a algum outro Prophcta, como na-
qucllcs lugares do Exodo,& Deutcronomio,muy»
tos Doutores deelaráo a palavra Deos por Anjo.
E no lugar allegado do Êxodo a letra Hebraica
aqui o Poeta.
Os ^Ht dtntn Um n§ /ê;o,Todos os ccoí cftaó dc-
bayxo defte ultimo encaxados,& poftos liuns jun-
tos dos outros , como cftáo 0$ cafcos em huma ce-
bola. Pelo que diz o Poeta , que os tem todos no
diz:Malach.quc hc an)0,5c aflim o declara a Gloía lcyo,porque os abraça,&: tem em íi.
ordmaria.
A>w nega <jue ejlt n0me preminente. Nome preemi-
nente hc o nome de Dcos,que fedi aos falíos De-
oícs,mas talfamencc como íeião hon)CS,6c mãos ho-
mens.
EMJim q ofummo 'Deos jque por fegundas
Qúufas obra no mundo,tudo manda*
Etornando a contar te das profundas
Obras da mão diuina veneranda.
Por okrs dejie § SoL O que eftc primcyro móbil
faz aos demais orbei , & ecos , que hc fazerlhe dar
huma volta cm efpaço de 14. horas,faz tambcm ao
orbe do Sol.quc he a cauía do dia,5c ncytc»quc vc-
mos.E diz que faz o Sol ifto com curfo ilhcy o:por-
quc o feu he contrario do Oecidenic , para o Ori-
cntc,no qual galla 565.dias,8c íeis horas.
Dehãixo dejie leve anda êutrç /«ío.Segucíc depoi»
o primcyro móbil nono eco, o qual náo he eftrcl-
l.iáo,mas muyco claro, & tranfparentc, pelo que hc
chamado eriftalino» Tem cftc ceo dou* movmicn-
i4Jv ias: oiHVò feu |^.p^«*'*&-M
roío. Pelo q^ç lhe chtii>^ft-á;qui oPotíra knco.ôc tá-^
to,q sowíiíiíftentos annosíiiiodà niais,<tuA j^ii"» psí-
lo,4ue.hchurn G.comodizo Poeta aqui^ Faz eílé
ftcfitScéKt»^uríò |)l'dpnO enl 49«annos. <^^
tanáõ^.iiiífe, mas eita he a mais commum, 6c rccc-
bidtftiptiiíèê.
0^"*^Tlía£^mtrô Âetaxo.que epnaítado
M)íJi9rpoi Itjosé^ndai^ radtuntesy
^Uí também nelle tem cur/o ordenado^
Enoijeus ãX€s correm fcintíUantts,
Bem v.es crmo/e Víjte-^^jaz ornado
C\/'oiãf^gú'cmto d'ourO)que elireíuntes
Aiitm^Íi(I.Qj^< traz ajjigurados'.
Af>4k ^^W 4f ^hebo limitados.
' ÚHíi^^JlMro flehayx» efuttjtnaltah» Efte he o oy-
tavo ceo, chamado cóm-úhi mente firrívaníento,por
ter cm li as eftrcUas fixas.P.elo que diz aqui o Poeta
que heeímaltado de coipós lilbs, 6v rtfplandecen-
les.^è^é^à^o-as eíl relias. 'I em efte rre^ ratDVíRvenros,
hum dtí^Wr.te á Poenie còni o pnmeyro movei,
outro dcÓccidente a Ortente có o noiiaCco,ou-'
iro a que chamaõ de tnpi Jítçaó,ou acceílo,ôi:recef,
ío,por le chegar hurnas vezes ao polo ai ctico, def-
viãdofe do^iantardicq, & outras ao ar.taríílicojdcl-
viandofe do âVélico, &: íftb fobre Icus próprios po-
loájn^ò qual gaft i lette mil annos.
£ noyfmiàiiti.MIo dilz,porque o oyravo ceo tem
Eyxo particular, & poios difterentcs dos do mun-
do,que íí)Ô os do Zodíaco.
' Bam vét como (e veíie,^ faz ornadú.C^e largo cin-
to d^uro, Eitè cinto (íd-ooro, hc orbe dos Signos,
chamado vulgarnientcZodí^cò.O noílò Poeta lhe
chama cinto de ouro , por ler hurra paragem no
óytavo ceo povoada das pnncipaes eftrellasdellci
âsquatspolcraò nv^mesídeaniniaes , ou porqas el-
trellas fixas que eftaô nos taes Signos, reprelcntaó
a figurados tàes animaes: ou porque quando o Sol
anda neílcs Signos,conforfric ao Signo em q anda,
aíTim cauia em oi animiies da terra algum acciden-
te:ou porque as tacs partes do ceo tem huma certa
virtude,' ikmfíuenciji (emelhanre a naturc/ados
meímos hhim»es.Efl:as,&< o^itras razoes daôo> au-
tores. Tem efl-ecirriilo(feg\indo PtolonHo,Sí to-
dos os modernos) cómummentedozcgiaos delar-
gOjfeis a ca'daparte,pelo mcyo dos quaes paika li-
nha,eccíyptica, q hc o caminho do Sol,6c chaiviale
feccKpricàVpòrqos ecciyplesdo Sol,& da Luanaõ
fe pòdcmfaZérènv outra pat le do Zodíaco, •Ir^naõ
nefta, Eíbi he áYáztiô poi^i©- Pocta chama aos Sig-
nos do Zodíaco aporén!'os de Phebo,qiie he o Sol,
porq Icmpf e caminha por bayxo dellc, lem Ic dcí-
Viar para hua nem nara oirtíaparte, díffcrcnte dos
mnií Pííineí"'asos quaes íedeJmandab n.ais,míisnú-
ÍÈU de irt)od«,quc pifiem o cíp^^o dosdcf?;* grãos do
Z'ydiaco,ainda^"^1ait£,&: Vtnwsorazem »lg«mas
fKrzes.
, ; / cjtl CJRVRln^yqST 23{05jCT ií'r.lh;'í
Lha for píítr^s par^PJ^^iníuraj
^e as.ejirelias fufgfT^t^^f .vãofaz€}ião
Qlhaacarreta^aUenta aCymlura . ,,.,^^
MfídYomeda v jeupay c> o drago horrenda* •'
Wede Cafjiopeii a firmo/ura; •
Ê de Ortonteb^efio turbukrrto, ^i
Ó/Íja o c ifi e mor fendo q ue/ujptra-j ' '
Àlihre,(jScàji^^nap^éadQC€,Lyia.
Olha por outráí partes ajmtura,K\çíV[\ das eft relias,
q ocí upaó o 7.odiâCO,dÊ que tiattámos naannoca-
çaõ j:lafiada, ífiVíji^ás múytasclpalhnd 'S pelo o y»,
ta V o Ge or. l>á s ttíalsVi ô^a \> e i s d a s q u à c s j u n t a qjc niÀ
com as do 5í^>iá^|^(íift^\Ptolome.o quarenta êcoyto
iiDSíJenSjOU ccntfelíftçócs» pondolhe nomesdiffe-r;
rcnre5,cor>f(»r;a«fi'íuíag€m,6c %ura,que pareciaq
ter no ceo,da.nd.oa A'-',"™** nomç de ci'iatu ras,cot?i6)
Androm.cda,Ca^xipp,.ajPrici^teVà outras de cbu'íàs
inanimadas , como caireia , ríáò' , lyra: a outras ad
aves,avmo cifnev^guí-a;a outraSdr animaes, com(>
Iebre,cáó,dragáG,& aoutráSoutrf?5,que naópo-
Bbo,quc fe podem ver laigameme em Higinnio^Sc
Gyrava, na liiaGx^^ftnographia. Iftohe o q o Poeta?
ííquidiz , queilem das eltreljas doZodiaco havia
outras rnuvt?.i neíle oy tavo ceo elpalhadas porel-
ley às quaes os autores eliivaÕ diífcrei^tes nomes»
Ehaxd defie grande firmamento
Ves o ceo de Saturno ^eos antigOi
Jnppiter li go faz, o movimenta^
E Marte abaxo helíico tninugo.
O clart olho àêteo no quarto ajjeíito
E Vénus, que os amores traz comjigoi
Mercúrio de eloquência íoberana-.
Com três roftos debaxo vay Triana,
Dehayxodtfegranie. Reconta o Poeta neftaoy-
tavaa ordem dos Icte ceos que (e feguem depois o
firmamento em cada hum dos quaes n-ão há mais q
humafócílrella charradacnmmummcnic Planeta,
que quer dizer vago,!^ errante,pv-)rquíS: os Plan ct?s
naó lâ-ó como as eltrellas fixas do cenjoytavo,antc9
fe movem diffcrentemente.Ôí de fcusniovimfcntos
f.tzem os Aílí'ologos íeos inizos,Gomo tambcm das
eftrellas fixas.Os íciís nomcs-l{í6:8atuino,Jupiter,
Marte,SoI, Vénus, Mercurio,& a Lua. Dá o Poeta
a elíes P lanctas epítetos conforme a opinião q dcl-
ks os antigos tinhao.A Saturno chama Deos antir
go,porqiic foy o priv.i^ís^rô ho»nem aquls os antigos
dcraócílenome de Deos.A Marte beílico inimigoj
porq foy lido por Deos da "guerra, Vénus do« amo*
i;es,&; lyiejxurio da eJoauencia,como he notório aos
q tem pêlos Voti^CCu7,^ires'rojlos debayxovay D tom/»
O mèiiTíó diflé yÍrí?;iiió;TrÍá vir^inii orá Dtuna-.tféi
roílos da VítgeíhltitJirfárlftb di^ztm os Poetás;^wj[
davaó áLuu tiiw jp<>deK« , 6c cônf(w\awa.çUeí?.íhí
aíTinavaó
jl
Lujiadas de Liús de CamÔes':Cõmmentadõs»
ííiirtavaó três Iugãi«s,& nomes: Dia«a nos montcà
Lwítsioceo, Broiírrpinanoiníernoé
MtQdo.s,efies orhes differente
^ Qurjo v^ãiviús grave J£ n' outros l^vc
Horuftigem do centro longamtntei
tlora da terra eftão caminho breve ^
BefUcamo quts o*F'acire omnipotente
^é (/■jogofez^^ ôàr o ventOi& neve:
Os quaes ver as, que jazem mais a dentro ^
lutem^c-^o ornar a terra por Jeu centro,
■EMitodoi efles otInií dtjfertntty &c. Eíles orbes do^s
léceflanctas, cujos noincs pofemos naoytava pai-
la^iaiteJmdiíFerence^ movimentos, porq huns ferno»
295
oiere f ao )a4 6 1 1 1 ft ;cel eítialjSè l?ca V'C nt u ra dí^gi oa -w
^lAt não (âmevte on/aJei jt ^(>.'if,e7Jíio. Afiinr chama
Horácio aos homcnji jjas iuas.OAlgs: Aud^^í^ orfifiia.fer"
fettgemj humana rutt^r 'U(titafftff^f^''Q^. homcs ou«»
lados, ík: atrtviLWj.não.hàiCfipfí^jque "rtáo acómet-
táo. DondedtzOvidionoliVTjO^i^as Tuas transfor^
Riaçóe$,quc depois do d»Juy}p:fet>efo|"iíiG[^ ogiene»
ro humano de. pedras , par^ uijqíirar poT elljc i^tjgif>^
ipento,a dureza, Scouladiados iipmeos,ii0:sí^Ai^cí
nãohà crabalhoi,nempQ.r:igôs,íjuccaníem, •-. ^
<>JSmo:
jT Es Europa Chrijiainàis altãi^é c/arai
: ^eM]àutras em f^ha,^^^^
Ves Africa dos bens domuftao aúàrà ' , ^ J^
mcuita^^ toda chea de btiit^za', . , ^ ^^^
vcmdepreílâ,outrosdevagar,Síiturnofdáaíuavol, Coocaboqueatèaqui (e vos.titgãra^ ,1)3 8
Icte horas. Líla hesarazâo porqCicdizoPocta,que
hufls-tém ó Guriò gravcjôc outros leve.
Hârk fogem do centro hngumente.lSí o movimento,
h turfodos [■'lanetâs ConíiderâoosAítrolooos ctír-
fos pontoSjConforme ao lugar em que êftáo,oa chê'-
gadf>s à terra, ou afaítados dcl!a:o ponto em que eí-í
táó abadados da terra, fc chama Auge , 5c entre os
Gr€gos-apogio:o ponto do chegamécoà cerra cha
i^èf ^ropa. ,De Europa, & Africa rev^y? ç,/^y^
e(crevemos*BO Canto primeyr,0;,,oytava íçg^Ví^^&Wi
, €-0 cabo^ tjue ate ejut/e vo$ negara. Eíl^ç%l?{3(^e O
de boa eiperafiça,dt; que osantigos nenbi}rníi;i]^ti^
ciartivcráoElta cllc táofamoíb,5c t,áp conhecido
cabo cm huma terra de África ,*à qualos Arábios»
^oPerfas cham ão Záguebáp , 6c os morudorçs Zá-
guy,6< c«mmummcie Gafres,qu.e quer dizer.gen-
máo òppofito do auge,&: os Gregos perigo: & álii te fem l^y , por íer muyto torpe, Sc barbara. Pós si
o Poetí^que top.em do centro longamente, porque'
quando eíláfí no auge.eftáo mais aUftadosda ter-^
ra, que he o centro do mundo , 5c quando cíláo no
.oppoíirodoauge,cfl:âo mais chegados a cili.
Oí <7«<iíí veras èjue jazeWy &c. Entende o fogo, 8jt
anos qtraes dizque jazem mais dentro,por eítaretti
rnais chegados ao Ceõ da Lua:6c aíTim tema terra^
& a ag u a por cem r o. , -rt',í,\^ ^^^'^^\ *<.0
^"] Efie centro pon Cada dos htimanoii^ ^^
Ni ^e não fomente, ou jadosje contentão
T^e fofri rem da terra firme os danos ^
Mas mãa o mar tnjfdvel efprimentão,
VfYàs as varias partes ^que os in/anos
Mares diuidem-^onde fe apojentãó
V ar tas nações ^que tnandaõ vários Rtysi *" l' ,
Vários cpjtumes feus^& varias leys. " ^■^^^'
JSltfte centro poufadadoí humanos, O centro dortrfí*
do bc àxcrra,a qual he poulada,& morada dos ho-
mcns,comoaquidizo Pocta,cujas partxjs^deterraina
traiturTethys ncile canto dcicrevendoas, &í mol-
tr-jndoas ao Gama.paraque fe aíícyçoo a faz.:r neU
lacou.las,paraque mercíja alcançar eílourras roíCiB
natureza^eile cabo táo temido' h<lje tios noílbsjen-
treac;i)l:)oP'raflb,que he o de Moçambique, Sc os
PangelÍDgos Cogeytos aoinoílo Rey de Coqgo, ^
qual terra eflâ em altura de 5. grãos da banda do
Sul. Do; nòmc deílc cabo ie veJ4 a noil^a annotai»
çâono i.p.nto, oytava.i. ■ - _,
, Olha efa terra» Falia em geral daquelUjarga
terj-a de Africa habitada de' geme lem ley,èi ieia
Reyibarbara,& bruta,^: logo na oyiava começa
a traccajrdc algumas nações ^cUa.]
VE do Menomotapa o grande Império
T>ejehatica fi^tnte^egr/3j& nuay
Onde Gonçalo morte ^àr vttMperio
'Padecera pela féfanõla/iia,
•Na/ce por ejje incógnito Hemifpht io ^ , i
O metaUporque mais a gente fuav ^ ^allífi msJ
t^e que do lagòjondeje derrama " " " ^
O NiíOitambemvindô eliâCuama, '
Vedo Metiomotapa.KÍ <;i>oniotapa,ou Benomota-
pa(pofque de huma,& tíutra maneyra le diz)be pa«
- . , ^ lavra qpefig4ÚficaQ.qiJeçi4t/,onós.hc Em p9*««U)r
4'XcciU;nces,de que traitou,qne hc o Geo mormi»!, he n(?uj^ c^o lçnhor4p grande Rey no de ^ofalf.
& apoicnto dos Bemaventurados, tey torpor Ddos He èt^c Reyhcí Cercado d^omáí^porbuml ■parrc;5c
WoHoSenhor, para dei ca n<, o dos que |>rocucarcm de outra,com dous braços de '^nriVr^^fínde ri(>,qÍTC
ícguir aeila vid^ a viuude,£c fazer a)iiíaspar*c|tic layc do melmo bgoVdandt fa^è o Nilo , conjo dfz
aqui
^Q^ ^ ' t.Átí*»*,^:: Canto 'Decimo,
aqui o Pocta.ic Joac <3c Barros na i. Dccad*,pelo Olha delles a bruta multidaÕy
<)uc fica tcyto Ilhií.a t^ual terá de circuito 750. Ic- ^laibrando ejpaço^à' negro de ejtroninhos
gua5,£c"niâ1s. Todaíi gente aciia grandiíTima pro- (^ombaterà em Sojaía a tortalezi^
vmcia he ncgra,dc cabelo i-ctorcido,6c muy ta dcl- ^^^ defenaeyâ Nhya com deãrex.*,
h, rnayoiT.icntc a que cac contra Moçambique, "^ ^ i
Quiloa,& MelindeiCorac carne humana,&: bebe o Olha. as cafai Jfis migrou Em Coda a terra do Me-
lan"uedo gado vacum, ôcdefta mancyra fe man- nomotápa náo fcpcrmittc a pcflba algúa ter por-
rcm.Toda em geral he gente bruta,&barbara,co- tas nas calas,& quando o Rcy ocóccde hcporfa-
ino aqui lhe chama o Poeta. Ha nefta terra gran- zcr particular favor,Schonra a algú part»cular,que
des minas de ouro,quc lhe colhem cavado a terra, merece íeraveniajado dos outros,& dà por razão,
ou apanhão pelos remanços dos rios,ou poralgijs quando alguém lhe falia neíla matcria,q asportaç
lamaçacs. Eíte he o metal , porque diz o Poeta "âo le Hzcrão íenaô por medo dos ladrócs,& maU
aqui,queagentetrabalha,&lua. «.Ti^^ v, w ^'^yí^rcs.E pois clle tem á fua conta os pequenos,
OncitGonçol9m9rtt,&vhuferto.E^t\oy\í\xQoti-' aos quaes ha de governar em juftiça.quenâo tem
calo Padre da Companhia, Varáo de muyta pru- que cemer.E ter humas portas.he linal de grande
dencia,letras,& religião, o qual foy manuado dcf- dj£^nidadc,& preeminência entre tiles. O Rey da
tcs Reynospelo feu mayor com obediência de hir terra hcjuiz,& cllecondena,&:ablolveaqucm Jhc
a eftc Keynode Mcnomotapa,© que fez depois de parcce,<cm appcUaçâo, nem aggravo,ncm cadcas,
haver feytos muytos Chriíláos cm outras partes, porque af caulas íe dctermináo logo com o dito
como elle conta em hú a carta que elcrcvco aos Pa- tl«? tcílemunhas.
drcs da Companhia noanno de ijío.queandaen- Çlue tiefenJerd Nhaya cor» ãtjlrtza. Eftc foy hum
tre outras cartas dos mclmos Padres. Mas eács bar- homem nobre Caílelhano,a que chamaváo Pedro
baros o n atarão pregando a Fe de Chriílo^pelo q da Nhaya,mascal»do cm Portugal,&: morador cni
morrco Martyr,comodizaqui o Poeta. Santarem.Foyá índia noanno de 1505. por Capi-
• tiace for t^t intvgmto Hemtffhert: Chtm«a eftc \^^ morde fcis naos.có ordena de fazer huma for-
Hemilpherioincognito.por lenáolabero quevay talcza em Sofala parao traito,aqual«llefcz,como
pela terra dtntro,porfer gente de pouco tratto,ac dizoCaftanhcda,liv.i.c.8.6c9.em breve tempo.O
convcrfacâo. " Rey da terra por nome Icuf, q lhe deu licença pa-
Vonât l Ntlo fe Jerráma.Eí^e lago hc hú dos mais ra fazer a fortaicza.depois le lhe arrepcndeoiíc cõ
notáveis de toda a Aírica,muy to dclejado de fcfa- ajudade outros fcnhores da terra a ccrcou.mas Pe.
bcr dos antigos elcnttorcs.por ícr a cabeça cícó- t^» o da Nhaya a defendco valerofamentc,& reatou
dida do illuftre Nilo. Do qual lago também pro- o R cy, como íe pode ver em João de Barros na i.
cede o rio Zay re,q^ rega o noflo Rcyno de Congo. Decâda,liv.io.c.i.a.& 3.
Efte lago fegundo a informação,quc fe té por via ^ ^
deCongo, & Sofala, hederoaisdeccm legoasde ^^^ ., ,, ,^ , , ,,.,
comprido. E porque do naíciraento do Nilo fica f\ ^^^ ^^ ^* ajagoas, donde O Ntlô
irattado no canto 4. oy tava 8 z. mais largamente, V^ Nafce.q^naofouberaò os antigos i
•qui o náo farey.Outro rio q lac deftc lago,& vem J^elo rega,gerando O Crocodilo ,
contra Sofala,depois de ter andado muyta terra, íe Os povos Abaffis de Chriftê amigos^
reparte em dousbraçoi; hum delles vay dar álcra Olha como fem mur osC novo efi tio)
do cabo das Corrétei,.o qual os noftoj Portuguc ^, defendem melhor dos tmmigos:
zes chamaváo no da alagoa, & agora fe chama no jy ^ »^_^ •// r j„ ^^ r ^^
do Efpirito Santo,o qual nome lhe poz hum Lou- ^' ^/roe.que ilha foy de mttguéfama,
renço Marques leu delcubridor.Outro braço Uye ^*^ *^°^^ dos natWfaes Nobaje chama.
a5.1egoasporbayxo dcSofala, &chamaleCuáma Olha lã as lagfas JonJeo Ni/o.Do rio Nilo,&feu
comummente. Ainda que algumas gentes pelo ler- nalciméto fica tratado largamente no cato quarto,
tão dentro lhe chamão Zcmbere. Efte braço he fV/# rega geranílc o Crecoélo.CrocoàWo he hú ani»
mayor, & mais caudaU por fcr navegável irais de mal de quinze covados,& roais de comprimento de
2 5o.leguas, oqfazcmfeisrios notavcis,quefeme- feyção de lagarto cõ grandes dentes,& unhas,coni
temrelle:Pâname>,Luamgoa, Arruya,Manjono, as quaes mata, afllm homcs,como outros animaei
Inadire,& Ruenia.os quaes todos rcgaó a ççfjiado datcrra,dcquehe inimigo.Para tomar os homens
Mcnopotapa,8í dclles fc lira o ouro. "' ' ~ ula de húa manha,& hc,qucchora,paraque haven-
do cópayxâo dellc,chegandole á parte aonde hou-
tt^ vechorar,lcapoderedelle,íc o mate.Donde veyo
aqutUe Provérbio tão antigo ente os Latinos:
OLhaas cafas dos Negros, como efíão CrocoãtU /rfc^ryw-íiLngrimas de Crocodilo, o qual
Semportas^coniadofemíeus ninhos, ^T^^l^^ ^^ ^Tl "^V^^"^ "x tr"""'^ *""
Kl '. a- ^ t j u j. r - ■ '^^ » obras.Nao tem língua c(tcanimal,& fomente mo-
^'''^ Wl! jj ^'>«^f' veoqucyxodecima.Queréostutores,quefecha-
£ najidelídade dos vtztnhos. „, Crçcodilo, Crocu, 5c ajlu.açafraó. & medo,
líij porque
J
Lufiâdás dê Lnis de Camões Commentados, 1 9 f
porque tem eíle contrario. Donde coilumáo os linde, aonde cila Mocambiquc.q de hurBa,8c de oa-
ligypcios quando querem que os Crocodilos lhe tra inaneyra le chama,por cito lugares eítaré iiel-
náo toquem em alguma coufa,porlhc junto algíi la. & diz o Poeta q Melmdc deu a Dom Valco hof-
açafraò, paraque fujio, Contão os autores hunia picio galalholb, porq lemprc os noflbs foraó recc-
couUniaravilhofadeílc animal, q lendo táograa- bidos,ôí galalhadosneíte lugar com muy to amor,
de como Hca dito/c gera de ovos pouco mayores, como contaó os noflos hiftonadorcs.
quede pato,osquaespocm cm lugar,aonde o Rio o ríipía rw.Eíte no raptonaccda terra do Prcf-
Nilo com a enchente os não alcancc,& q de noy te te Joaó,em hxx monte,a que os moradores chamaó
cllà no rio,Ôc de dia n* terra para fazer mal. Graro.Sc ao no Obii,6c Ptolomeo Rapto. Entra
Oi p9voi /ílfafií de Chrifio awigw.lLftes Taó os mo- no mar junto a hum lugar chamado Quilmance , o
radores daquella parte de Africa,que confina com qual lugar eíH íituado na boca do rio l<.apto,ao lõ-
Arabia , os quacs dividem as portas do mar roxo. go do mar,junto ao Reyno de Melinde.O que tu-
b'aò ChníláoSjÔc fugeytosao Preíle íenhor daalta do diz aqui o Poeta , vejalejoaó de Barros na prir
Erhiopi;a.lillcs em luas terras não coílumâo mu- mcyra Dccada.
ros nos iugarcs.como le collu ma cm outras partes: 07
&a principal razão di^o,hc por ler terra de muy- ..^ ^ , _,^ ^^ z/-.^, #.. ^U^^^^à^
ias lerramas. 2c rochedos de pedra,que íaõ os míi. t^ %^^' ^'JJ" ^^^f ^/ chamade,
inexpugnáveis muros do raúdo.E não he para dif- V^ E agora Guardafu dos moradores,
rimuUr,q cm Atnara,í<c.Vedremíido Províncias do Onde começa a boca doafamado
Preltc,6c aonde elle coftuma rcíidir há Igrejas,que Mar roxo^que do fundo toma as cores.
dizem os naturaes foráo tcy tas por Anjos,5c legun- £,flc como timite eftâ lançado
do affirmáo osq viraó as obras dellas,parece exce- ^^ dtviãe Afia de Africa, & as melhore f^ ^'
d«r o poder humanorporq lendo tão grandes como ipç^Q^çÕès que Parte Jfrtca tewy
asnoíias, he cada hua delias teyta cm ^^um penedo ^açuà,faõ,Arquiquo,& Suaquem,
Cf)mcolumnaSjabobaUas,&altare8,fem milturade r v •» -2 -j ^^ i -nin :! ,
aigúa outra pedca de fóta: £c querendo os Mouros O cah» 'ol \à Arâmata cbamâJo.O cabo^Otisrdafu
por algúas vezes derribar eítas Igrejas, nunca pu- tão conhecido hoje pelos noflbs,a que Píalomeo,&C
deráo, nem có fogo, nem com picões. Edeíiendcle outros antigos chamarão Aromata , henofimdt
efta gente melhor fem muros,por^ cera pelas (erras terra de Africa , & no principio da Aíia,por ler nt
paço« eftreytos, & trabalholos,dc modo,q te os da cofta da Arábia na boca do mar roxo. Haverá de
tcrra,porpoucos,qíejão,nâoderéentrada,impoíli. cofta até o promontório PraíTo, a q vulgarmente
vcl he paliarjalguem. , chamamos Moçâbique,55o.lcgoas,Macuáhehuma
a^ a^ »s«5v Cidade chamada aííim do nome de humaJllha,aon
N
-m r?a - * * L rir\u de eftàíituada, tão vezinha à terra firme, que íerá
1 Effa remota terraMm filho teu ^^^^^^ ^^i^ ^^ ^^ ,„.^ deeípingarda.He íugey ta a
Nas armas contra os Turcosjerâ ciar» \^^ xequc Íenhor da Ilha Dalaca,aondc fe^pcfca o
Ha de fèr dom Lhrtjtovaõ o nome feuy aljotar.E o mais vczinho porto que tcm.he Arqui-
Mas contrao fim fatal naõ bareparo. ouo lugar do Prefte João» de q o Poeta aqui falia.
l^e cã a cofia do mar , onde te deu O qual Prelte não tem outro porto em toda a coíf »,
Mdtnde hofptcio ^azalhor6y& caro: Tem pazentrc fi.porque defte portoArquico fayi
O rapto ria nota A o remance ^^^ os mantimentos de q le a>antem a mayor par.
rr; ^ u Ul ^ n i tcda coftado marroxo,por ter cfte Arquico muy
"Da terra chama Oby, entra em ^tlmance. ^^ abundância delles. Haverá defte Maçuá ás por-
< Nefiarermta tena,E{it foy D.Chriftovaõ daGa- tas doeftreyio 85.1eguas.Suaquem he húa Cidade,
fm»,o qual mandou Dom Efteváo da Gama fendo & porto o melhor de todo o eftreyto , cercada de
Governador da índia em favor do Prcfte cótra El- mar a modo de Ilha.a qual náo occupa mais terra,
Rey deZeilà,có que tinha guerra. DomChrifto- que a Cidade. Tcni calas nobres de pedra,& cal,»»
vão cora os Portuguezcs, q levava, queeraõ 500. modo da nofla Hcípanha.E tem Rey per íi,da qual
desbaratou duas vezes os Mouros, & na tcrceyra até Maçuá haverá fetcnta léguas,
batalha q lhe dcujfoy morto Dom Chriftováo, ÔC «
os noftos poftos era disbarato. Os l\ ficarão torna- ^ ^
raôle a reformar,8c com outro Capitão,q elegerão \T ^^^ extreme Suez^que antigamente
entre fi,dcsbaratarâo o exercito dos inimigos. Ma- V Dizem que foy dos Heroas a cidade^
carâoa El.Rey dcZeilâ,oqtudo fe pôde ver lar- Outros dizem que Arfinoe^& aoprefente
gamcnteernhúaRelaçâo,qoParriarchaDomJo. j- das frottas do EosptQ apoteftaãe.
ao Bermudesfezdeftas coiHaç a El«Rev DôToaó ^,, ^ t ■ j, 4.^ *^
o trrrpvrn H. P .1 , - " L^o joao ^^^ açoai.Has qu<ies abrio patente
o tcrceyro de Portugal, o qua naotratta de outra -^ , * ^ t^m r ^ *- ..^:à^Jm
coufa,& «Ue como t!ftemu„ha de vifta as cont» na ^lij^'^^» o gr ao Moyfnna anU^ua ,d^f.
verdade. Afia começa aqut que fe aprejenta
VÍQàa cfftá do m/ir.Efti cofta do mar he a de Me. Ém terras gr ande jCm ?^eynos opulenta.
2^6 ., • Câfitõ^^eiítmí
Vei. o exfrtwo 5í/f2:.lO'tJlt!mo lugar,& termo do
-cftreyto do mar roxo he a povoação Suez poíta em
altiirado norte 2p. (Traos, &trc^ quartos na qual ^^^ r/^^;«„„^. r ^^ r r
Suez quer Dom Joaóde Caílro nofíc, Portugucz.q r\ Lha O monte Smay.quefeennobreçe^
fcy Govcrnador,& Vilorey da India,em hum ro- V-/ C o o/epulcbro dej&nãa Cathertna:
.ieyro,quc fez das couias do eftrcyto do mar roxo, Olha. Jqyo.Ò Gtàà^que ihefallece
que íofie fituaçáo dos da Cidade dos Heroas de q 'j^gitií das jontfs aocefê crtjlãlina
íâlU Ptolomeo,ainda que Ptolotneo a ponha diílã^ Úlhã as portàs dO eííytxtoMUe fenece
ros"nrrI|andaDVcadTE poí efta"ra2.âo elpecuíou ^^de chuVA. éAmsJ^mo deriva.
todas ascoufas do cílreyto do mar roxo, &; as cau- M,-'í.:.^ít «ftb;^'/ '^-^iv
ias da cor das ago&s do dito marjcommuy ta confi- • Olhão mottíeSiiniy.Neííe monte Sinay deu Deos
deraçâo, como o meímo aiuor affirma , o qual clle Noflo Senhor a Ley a Moytés, como íe conta no
paí]eou,& vio muy to devagar: que defta mancyra Êxodo , 6c cm outros muytGS lugares da Eícrittu-
íe labc aVaerdade de huma táo varia fciencia,comõ ra.Neíle monçecltá hoje em dia hum Mofteyrodc
hea Xjèographia, porque o tempofe lios Jugarès Rciigioíos da vocação daBemaventurada "Virgcre,
feu officiocomo cm todas as mais ccrufas domúdoi Êí Martyr Santa Cathtrina, por ella citar fepuka-
quche levantar hunS,6c extinguu-,5v dés^fazer ou» díinellc:Sc outro da Uiclma vocação em Toi*o,quc
rros.Outros quereh>que fofle a Cidade Arfinoe,de h^ huma povoíçáo perto do mar, dczoyto léguas
q fíUítóçVQdos os Geographos, aódc hora he Suez. defte monré,3Gnde rambem hà muytos Chriftáos.
He hojeeílç Suez humcriftelugarjSc.eftenl, ícm Peio que a gente dcíle lugar hcdifferente notrac*
agoa,ncm Qytracoufaalguma,queprefte, mais que to,£c policia,deJtoda aoutradacoíla de Arábia, aô-
alguns offrciaeSjquc refideníneHapàha guarda ,>Sè de cfte lugar eílíi , qué he a hwteria q o Poeta por
cõceiíia^aeacmadas doTiirco,paraanc{arnaqucl- cftasoytavas vay trattando. Todoo marítimo da
Jes marcisíOizéoj noflos Portuguezes,ôc: affirmáo cortado mar roxo, aíhm na Arabia,comona Afri-
como teflíem unhas de villa,q há entre aquelles are* ca,hc terra eílcrJIjSc de muyto pouca agua:& tam-
acs,ruinas,&:fínaesdecalas,cm que remoftra,que bem nefta parte faz Toro venrajem a rodos os ou-
cm alguní tempo houve alliedificios.O q diz aqui tros lugares, porque tem alguma agoa, & he terra
o Poeta, que tem Suez a poteftade das frotas do mais frc(ca,éí differentc das outras. DeGidáfica
Egypto,he porque eíte lugar era do Soltâolenhor trattado no canto nono.
do Egypto,no quai elle armava fuás frottas,como Olha as portas do eflnpcO eílrcytodomar roxoi
agora faz o Turco , que jâ não ha memoria de ou- táo celebrado dos antigos , por razaô da cor das
tro Rey naquellas partes. agoas,compàra o hofio Joaó de Barros na fegunda
Olbaas agoas, Deífe lugar Suei; atéToro pofto Década liv.y.c. (aíTim pela informação que temos
«a meima cofta de q falia o Poeta na oytava ieguin- dos nollbs Portuguezcs,quç o viraõjSc paílàiaó co-
íCjha verá quarenta legoasdediH:âcia.Entreosrao« mo por dito dos autores, q deíletrattaiaó) ao cor-
tadores defte lugar há fama,q por alli pafiou Moy- po de hum lagarto,porque parece fazer figura deí-
iès cora os filhos de llrael fugindo dcPharaó,por- te animal» Ao colo deíle animalchamaó portas do
que aqui fe vezinhão duas terras de Arábia , & de eílrcy to, porque parece,que fe fcchaó alli aquellas
Egypto,pordift anciã de três leguas,que dizem os duas terras de Arábia, èí Africa,cntre ;-.s quaes eílc
mais foy o tranfito do mar. Outros querem q fofle cílreyto jaz. A cJibcça podemos chamar o lança-
ellapaflagem porCorondolo,quehchumporto,q mento das agoas (oradas portas , entrcdoustão
cif à entre Suez,& Toro. João de Barros na i. De- nomeadoSjôc conhecidos cabes Guardafú,Sc Tar
cada Iiv,8. cap.i. refere eftas duas opiniões, & co- taquc.O comprimento deífe mar das portas do ef-
«10 da verdade diffo não confia por cfcritturacer- treytoatéa povoação Suez ultimo termo feu, terá
ta,deyxa a refolução para a fua Geographin,q até- trezentas, & cincoéta leguas.O mais largo he trin-
goranão fahioaluz, LuisdeCamóesíegue a pri- ta Sc leis:o mais eílieyto he t rés, júto ao lugar To-
meyra opinião , 6c cila hc a que fe tem por verda- rp,por onde dizem paflárjiô os filhos de lirael fu-
dcyra entre os que melhor fentcm,6c aíTim o pare- gindode Pharaó. Heefte marpelo meyo navega-;
ce terjoaêde Barros,queMoyféspaíIou oshihos vel,porter fundo que baftcpeloslsdos, ao longo
deljraelpor junto do lugar de Toro, donde come- das coílas de Arábia, ík Africa he muyto perigolo,
ça a terra de Arábia na Afia, como elle aqui diz. E por ter muytosbayxos, & reílingas. Eaffimosq
pela efcrittura vemos claramente a derrota que le- caminhão por clle , em vindo anoyte lançáo an-
you Moyféscomopovo,de Ifrael,Sc queno mon- cora,por lhe não acontecer algum deíaftre.Elhrâ
te Smay lhe deu Deos a Ley , comoíe conta no a Cidade AdGm,de que o Poeta aqui falln,qúarcn-
Exodo, que hc pelo ccrtâo dentro dezoyto léguas ta Icgoas das portas a dentro na cofta de Arábia
d« Toro. -.y ^tt^^3t^ Ji'^^w,í Fclix.He efta Cidade Auem muyto fermpía â vif-^ i
.a iiMiUi:^,: -i. jir^i^i ^«'^^.^^■'«iVííiH^Tfc-tn'^ w, ta, por fer cercada de Eauytos bons muros, rorreSt
ediíiciosj
i I
Lufiãàas de Ltiis de Camões Commentadoi, 297
cdifícioSj&: cafas altas de fobrados, ík cyrados, cin derão lempre toy por forçâ,cuftando]he porc Icm-
tan[o,que diz Lodovico ilomuno na lua navega- pre caro, porque os noílos lhe quey mavão as ter-
çáo,quc eíU hoje a mais.tcrmoía Cidade de coda a ras, 6c laquearão as fazé das, como cudo conca lai -
Arábia Fclix,porque ella ficuada ao pè de húa ler- gamence Joaõ de Barros na primeyra Década li v.
ra, a que os nacuraes chamâo de Arzira, a qual he i.CAp.i.De Ormuz Ic veja o quccicrevemosnocá-
toda de húa pedra viva íem arvorc.nein hcrva ai- coregundo,oytavo4C).H, dizer o Poeta que todoíc
guina5quehearazâo,porqo Poeca lhe chama aqui anda pelas ribeyras.he porque todo eítcí^cynocl-
tcca. ií< paílaólogo dous,Òc cresannos q náocho- tá ao lon^odacoita.E não cem coula algumape-
vc por aquclla comarca coda,&: Tc lucccde chover
alguma agoa,hc de crovoâda,que palia muy to de»
prclia.
100
O Lha as Arábias tres^que tanta terr^
TomãOjtodas da gente vagai& baça^
%tonde vem os cavallos para a guerra
Ijtgeyros ^&feroces de altaraça,
Ohu a cojta que corre atè que cerra
Outro eftreyto de 'terfia^^ faz. atraca
O cabo, que c'o onome/è appelUdaj
*J)a cidade Fartaque alyfabiday
^K Olha at Arabtai irei. De Arábia (c veja ã nofla an-
^Bptaçáo no terccyro canco,oycava 71.
^K Olha a cuiía t^ue corre. Entende a coda de Arábia
Hfchx,a qual começa na Cidade Adem, de que fica
irattado atrás, da qual Cidade ao cabo Fartaq ha-
verá ceai legoas de coílaiHe eíte cabo aflas conhe-
lo Tertão.
I^trem de Ca^elbranco nua, a efpada. Efte foy Dom
Pedro de Caíielbranco, Capitão de Ormuz,o qual
houve grandes victorias dos Turcos netle mar de
Ormuz.
102
O Lha o caba Afaboro^que chamado
Agora he Moçandao dos navegantes-.
Tor aqut entra o lago, que he fechado
^e Arabia.à- 'Fer/iu Leiras abundantes,
Attenta a ilha Barem.que ofunao ornado
7 em das fnas perlar ricas ^à- imltantes
Açor da Auroratà' vè na agua f Chiada
JeroTygris^tè Eufrates hurna entrada.
Olhaocaha /Í(aboro, Do cabo Roçalgate, donde
começa a terra do Reyno de Ormuz/até n cabo,cí
Ptolomeu chama Aiaboro,& os nofios Moçandao
haverá Sy.legoas de coíla. Ptolomeu íitua eíle ca-
cido.-oqualfc chama afíim de húa Cidade chamad* boem 25. grãos, & dous terços de altura do norte.
6c os nolios Portuguezcs , aos quaes íe ha de dar
crcdito,porq a pè quedo fizerão cxperientia.Del-
tecabo Moçandao começa o ieyo PerficOjaquc o
Poeta aquichamalago. Jaz entre duas terras, Afa-
bia,£í Períia.E tomou antes o nor-jc de Perria,por
ler aquella parte mais habicada^porque da de Ará-
bia não té mais que quatro trilles povoações:. Ca-
muzar,Gaçapo,lulfar, & a Ilha Catifc,que tem al-
guma melhoriajamda que Ptolomeu lhe dé outras
villas,& Cidades,q devem ellar dcbayxo das áreas:
porque em toda aquella coíla não tem outra cou-
iá^&i baílalhe o nome q tem de Arábia dclertàjque
quer dizer delemparada,porque nem mantimento
tem para íuítentar as aves do ceo,quáto mais a gen-
J<'artâque,a principal do Reyno, por cujo reípeyco
9 Rey le chama Key de Farcaque,2c os povos Far-
taquijs.
loi
O Lha TDofar infignejforque manda
O mais cheyrojo encenfopara as araS:
Mas attenta ]à cà de ejioutra banda
©í Roçalgate^& prayas jempre avaras*
Começa o Reyno Ormuz^que todo fe anda
^Feíat rtbeyras,que 'tnaajerab claras
fiando as galés do Turco Jp' fera armada^
. Virem de Cajtelbranco nua a ejpada.
Olha Dofarinftgne. Na coíla de Arábia Félix eí- te.Terà de comprimento ^oo.leguaSjSc de largo 15.
tá© dous inlignes cabos Fartaque,de que faltámos K era partcá tão eílrcyto,que não pafla de quatro.
na oytavapal]áda,êc Roçalgatc,deq o Poetaaqui Correao Noroeílt. da Ilha de Ormu7,&: acaba jú-
t'aUa,o qual he no principio da coíla,aondc come- to á Ilha Cargem , aonde entra no ruar o no Eu-
ça o Reyno de Ormuz, ao qual cabo chama Pto- frates, a que os nacuraes chan.âo Fiat, & nelle en-
lomco Syagro , & pocm cm 14. grãos da parte do corporado o no Tigris,chainado por ellcs*Digida.
Norte , & os nofibs Portuguezes o tem verificado Pelo meyo deíle eltreyto há algumas Ilhas habi-
cm iz.graos Sc mcyo.Neíla coíla que terá de com- tadas de Mouros Arabios,os quaes íe mantém de ta-
primento atè o cabo Roçalg.ite,duzentas 5c nove- maras,por haver muycas,ôc.de outros mantimeiKos
talegoas,hámuytoslugares,&Cidades,masaprin- pouco : pcícaô aljôfar. A principal delias ilhas Tc
cipalheDofar,porcauíiidomuyto,Sc bom enccn- chama Baharcm, a melhor, 8c mais frelca de todo
(o que tem,pclo que o Poeta lhe chama infigne: aquelle mar,iondc le pelcão todo o anno pérolas,
i^rayas fempreavaras.ldfj áh porque os morado- as mais finas de todo o Oriente : ainda que não he
resdaquella coíla até a Cidade Ormuz, tirando os ella pcicaria tamanha como a da Ilha deCcylã» da
da villa Calayate,que lerá deíle cabo vinte legoas, lndia,6c Aimam da China,nas quaes três Ilhas hâa
que receberão os noflbSjSc quizeraó paz com ellcs, principal criação daquellas odras, doiule fe tira o
lodos os mais forão avaros para ellcs , 2< o.que lhe aljoíar,Sc pcroias. Teià de circuito trinta legoas,
Pp pouco
298 Cauto
f ouço ma!s,ou menos, 5c Jc comprido letejdiítan-
tc de Ormus por elpaço de cento Sc dez léguas. E
pc.-istrattámosaquida peícariado aljofar,razáo le-
rá darmos relação delia. Acáo hum homem por
bayxodos braços com huma corda comprida , ÔC
poeoíihe hunra pedra nos pés para o levar deprclla
ao fundo. Elparaque lhe não entre agoa nos nari-
zes,poemlhe huma talanclles, nasmáos leva lium
baldc.no qtial dcyta oílras,que acha,&: muyias ve-
xes vem acimaíemortraB, &lem vida: porque pu-
xa pela corda,paraque o alem arnba,acha os minif-
tros defcuydadosjde modo, que quando tirão por
clle o achão morto. São as oliras do tamanho da
palma de huma máo,por fora pictas,6í por dentro
rcluzences:abremfe ao Sol,&: Íanç,ílp,jde íi as peio-
Jas,6í aljofar,que vemos.
Ter o Tygrti^^ Eufratet huwa entrada,^num ci-
tes dons nostáofamcíosTygris, & Eufrates, cm
corpo junto à llhamuyto pequena , que terá me-
nos de huma legoa, chamada Cargem, no fim do
cílrey to de Pcrfia,de que tallámos. Da qual fe vay
peio lio acima à Cidade de Baçoia. A gente que
aqui mora íãó pilotos, que kivcm de levar gente
á Cidade Baçora, que pelo no acima eílará quaren-
ta & leis Icgoas deík Ilha. He taô largo clle rio
ncíla Tua entrada, que não leve cerra de nenhuma
das bandas,aiéque navegando por clle por elpaço
de meyodia com bom vento, ledelcobre cõ rouy-
to arvoredo dehuma,& outra banda. Acrccentey
ifto aqui porque todos pocm a Cidade Baçorà no
ímdeíle eftreyto , râo lendo ícnáoaquclU triíle
IlhaCárgem , comodizoTcnreyronoleu Ro-
tcyro.
'Decimo,
porandaré continunmerc em pjucrracó o Turco,
Aíaivèa liba Gerum. Eita Ilha Gcrum heolu-^
gnr aonde hoje cftá fuuada a Cidade de Ormuz,de
que fica trattado largamente no legundo canco,
oytava49. Era huma triíte terrado hum Rey por
nome MalecCacZjO qual reíidiaem huma 11 ha cha-
mada Cães, que iílo quer dizer MalecCaez,a qual
llhaeftádentronoeííreytode Pejlia,cmcolegoas
da terra de l^erfia, junco do cabo Nabani. Era eltc
Malec Caez fenhor de iudo,o cj havia na Ilha Gc-
rum até a Ilha Baharcm,quc leráõ cento Ôc dez ic-
goas de elpaço. Tinha por vifinho hum Gordun-
xa Rey da Provinciíi Maííoftáo,o qual tinha muy-
to pouca neceífidade delia, porque lhe naó lervia
de mais,quc de colheyta de alguns pclcadorcs da-
quelle c{lreyto,cuja terra confinava cô a Jlha Ge-
rum;pelo que procurou por todas as vias haver a
Ilha, &: allim a ccmnprou. Fez tanto nclla o Gor-
dunxá,quele fezlenhordo eftadodoquelhaven-
deo,Sí cítá hoje no eílado que labc o mundo,que
he huma das melhores coufas da índia. Na terra do
Magoftaó vezinha de Orm.uz aparece hoje as ruy-
nas da Cidade deOrmuz antiga,a qual Cidade cha« 1
ma Ptolomco Armuza na fexta taboa de Afia, que '
fc tíeípaflbu nailha Gerum,aonde hojeelU anol-
fa OrmtJz.Eilfo heo que o nollo Poeta aqui diz,ã
cftá Ormuz agora, aonde foy Armuz3,porcj o leu
nomefoy treipafládopara alli,ôc naó porque leji
Ormuz,aonde foy Armuza, pois labemoá;,que foy
cm outro lugar muyto differentc,como fica dito,
ainda que naó muyto longe, como le pôde ver cm
Joaó de Barros,na fegunda Década liv.i. ca.
105
O Lha da grande Ter/ia o Império nobre
Sempre fofio no campOy& nos cavallos-,
^lefe injurta de vfar fundido cobre^
E de não ter das armas fempre os callos.
Mas vè a ilha Gerítm^como de f cobre
O que fazem do tempo os int erva /los,
^le da cidade Armuza ^que aly ejteve^
Ella o nome defpois^tè a gloria teve.
Olha à^grandt Perfja,Dcfo\s que trattou daAra-
bia,cntra nos coíl:umes,6í vida dos Pcrfas,os quaes
ciz.que fempre cítão poftòs no campo,porquc fol-
gaó muyto de andar nellc, & aílim o fazé pela ma-
yor parte,ainda que pelos lugares tem muyto boas
cafas, Elles como vivem de nados , & faó arandes
romés de cavallo vivem por aduares com luas tê-
das no campo das quaes fayem em magotes a fur-
tar,porque laó elles muy refinados ladroes. Andaó
em bons cavallos,com arcos,& frechas, traçados,
elcudos de aço: das lanças ulaó, mas cm tempo de
grande apertOjSc neceflidade. Antes de entrarem
os noflbs Portuguezcsna Índia naó ulavaó arti-
lharia,antes fe injuriavaódea trazer confiados em
fcus cavallos:Hoje a ulaó como (abemos por infor*
Biaçaó v«rdadcyra,porque tem.ncccffidade delia,
104
A^i de dom Thiltppe de Msnefes
Se mojirarà a virtude em armas clara^
^andocom muyto poucos 'Fortugue/es
Os muy tos ^Parfeos vencerá de Lara:
y írao provar os golpes j^ revezes
^e dom Pedro de Sou/a^que provara
Jãfeu braço em Ampaza/jUe deyxada
Ter apor terra à força Jò da effada.
Oi muftoi P ar feoi vencerá de Lara.\.AV^^ & Am^l
paza faó Cidades na Perlia nos confins de Ormuz,
contra cuja gente Dó Philippe de Meneies, & Dó
Pedro deSoufaCapitáes de Ormuz houvcraó grã»
dcs vittoriasjcomo aqui diz o Poeta. He commum
opinião , q o grande Tamoilaõ foy natural da Ci-
dade de Lara , o qual foy v m feu principio reco-
veyro,& deite cfbado taò ba) xo vcyo a ler lenhor
da Pcrfia.ôc cativou o Graó Turco.
,v
105 \
MAs deyxemos o eflreyto^ò e conhecido :
Cabode tafqueMtojâ Carpella,
Com todo o feu errem malquerido
^anaturezay^ does vladosáella-,
Carmuni
I
Lufadas de Luís àe Camões Cômsutado^, 299
Carmania teve ;à por apeUtdo, " ..\^^ da na dos Frâqucsjda e?iTeada de Jaquete,das cor-
^^j-Wi ofamo/ò Indo^que de aquella \\ ^]A rences de Bcgaía.do golfaó de Ceylaó,&; dos bay-
Jltunnace jmto a qual também ^^^ deChiUo. que laó os perigos no mar da índia,
^Beõmaalium conendooGangevem. ^^^^^^/^L'll^'^rh 'wr ''""'^'""i^
^ Inglacefra,& bcylla, Sc Chanbdis no mar de Sici-
iW,4í deyxQtnos. Depois 4 tractou do cílreyto de lia,encre Sicília,^ Nápoles. Neílc Keyno de Cam-
Ptrlia, entra na defcripçaó da India, começando baya há muytas Cidades,Sc lugares muyto ricos.E.
pelo cabo laíque, que eltâ fôra da garganta do ef- diz , que terá mais de feteiua Sc cinco mil povoa-
trcyco Pcrieo,ao qual Ptolomeo chama Carpella, ções,entre Cidades,villas,6<: bons lugares, tora aU
iicuado por elic em ii.graos 6c meyo,da banda do Ucas pequénas,que faô infinitas.He Reyno muyto
Norte , mas verificado pelos Portuguezes cm 14. rico,6í abâítado,&: nclle entra o rio Indo naenfea-
graos largos, cujo fcrtaõ he efteril, leco, Sc ddpo- da,q Ptolomeo chamaCantu,& outros Cãticolpus,
voado,ao qual os antigos chamarão Carmania,co- hoje goito de Cambaya. ■
roo diz aqui o Poeta. -
A/íWi;«!co/erwía/o Wo. OrioIndo,8c o Ganges , n 1 r j
tiaícem ambos juntos em o monte Paropanilo.que T T ^^ f^orre a cofta celebre Indiana
he hum elgalho do monte Tauro,mas em diífcté- y ^Par<i O Sulfate o cabo comory
ics lugíres. Pelo q entre os naturaes he chamado o 'Jd chamado Corisque Tãpobana
mote dos doas irmáos. Vcjaíe o queefcrevemos no ^^g hora be CtUão defronte tem de/y,
e%ntolcxto,oytavaí)z. ToY efle mar agente Lufitana
lOC ^e com armas vira dt^lpots /* ty
O Lha aterra de l^lctnde de fertiUffima-, Terá vittorias, terras ytè ctdadts,
E de iaquete a intima enjeada-y Nas qnais hao de viver muytas idades,
'Dotnar a enchente fubita, gr andijjima^ , f^ez> cone a co^a celebre Indiana. Pafl^do o Reyno
Ea vafante^que foge apreffiirada, de Cambaya, q itrâ cento & trcs legoas de laque-
Aterrade Cambaya vè riquijftma, t^» i-^omcça a cofta da indis a qual vay corrcn Jo
Onde do mar ofeyofaz a entrada F»"^ ° S"'' ^e"™ ^^ ^^P'"^^^ *^^ ^' ^^^^ Comori 29.
i A v^-., *^í.^:i^.^ ^ ^ (T j lc2oas pouco mais ou menos : o qual Comori eltà
Ltaaaes outras miLque VOU paliando^ a c , .4 nu /- i -^ 1 . 1 V j i
^ , . r- /i" ' -^ /* ' ocrrontcdalIhaCcylaoem ieteeraos Jabandada
Al^as outros aqutfe eji ao guardando. ' Nortc.ao qual Prolomco chama Cori:nefte eípaço
Olba a terra de Uícinde.Con o Reynode Ormuz daterrajâso principal daIndia,qucosPortugue5
confina o Reynode Ulcinde , o qual eftá entre a zes pofrueiti.
Perlia,ôc o Reyno de Cambaya.Tcm Rey próprio, I 8 O
o qual heMouro.Os moradores da terra faõ Mou- m o>. • • ,^^ *-, /*»«#».
ros pela mayorparte,ôc alguns Gentios. O Reyno A ^^^^^^'«^'^^^^«^^'^^r''^^^^^'''^'^
hc muyto grande pelo fcrtaó dentro, Sc muyto a- ^«V ^^^ (^om vanas nações, Jao tnfinttas:
bundante de mantimentos.Tem trigo, 6c cevada, ^^^ Reyno Mahometa^outro Gentio^
Êc muytas carnes. Saó os moradores deílc grande Aquem tem o demónio leys efcrtptas,
Reyno pouco aflPeyçoados ao mar,pelo q na cofta Olha que de Narfinga ofenhorio
delle tem poucos portos.Saó grandes pctcadores, Tem as relíquias fanBas^sè benditt as
pelo que muytos tem por offic.o peícar, 6c tomaó cj^^ ^,,., ^, Thome, Barão [agrado,
pcyxesgrandjílimos , dosquaes muytos eaaftao /r, 1 rni a^ - ^ 1 \,
íu tcrríde outros lalg,dos fe carregão navios pa. ^"'' " ^</" ^*'''/'<' ^'""^ " '""' "" ''"^''-
ra levar a ostras partes. Ê naô lómente a gente co- Âi Provincial, Acerca da declaração defta oy ta-
meaeftepeyxe leco,mas delle mantém também os va fe veja oqueelcrevemosnocanro fetimo.
cavallosjéc outros animaes.deq na terra há muy- Olha íjue de Narfinga. O Reyno de Narfinga hc
ta abundancia.Por meyo dcfte Reyno pafia hú rio hú dos mayores, 6c mais ricos da índia. Tem muy-
grandiíTimo , que vem de Perfia ao longo do qual tas Cidades , 6c portos de mar muyto grandes, &
cftaó muytos lugares de Mouros riquiíiimos , por. muyto bons. Dividefe em cinco Provincias muy-
I ler a terra alli muyto grofla , 6c abundante de to- to grades, cm húa das quaes a m.iis mariíima de to-
' dasascoufas neccííarias paraa vida. das,chamadaChoromandel, que terá de cofta mais
Edela<juete a mtimaenfeada.N o Keyno de Czm- de cem legoas, efteve antigamente huma muyto
bayaaolôgoda cofta eftá hum lugar por nomeia-. grandc,&fermoía Cidade chamada Mailapur por
quete,que fcrà de Diu 5o.legoas,ao longo do qual lua fermofura.que ifto quer dizer a palavra na fija
faz o mar huma enleada penetrante pela terra , na lingoa.Ncfta Cidadc,por Ter de muyto concurfo,
qual enche o mar,6c vaza com tanta prcfl"a,q atrás & trattodcgentc,cftevco Béavcnturado S.Tho-
torna todo o navio que naó acha com aproa para mé Apoftolo de noflb Senhor Jefu Chrifto,3c neU
a corrente de agoa, porque vay como huma íetta. la padecco martyrio , 6c nella c(lá o feu corpo fe-
Dc cinco coulas dizê os Mouros, q os livre Dcos: pultado, como por todas eítas oytavas vay trattá-
Pp í ^o
JOO
XJanto decimal
C30 o Poeta. De Narfínga fe veja o q eícrèvcnjos fto-
cato íectimo,oytava 21. jU. ob ?.>
A§^íi! a cidade foy,quefe chamava
Míiiãfcr ,fermofa,grandei ^ rica;
Os Ido/os anttguos adorava^
Como iftda agora faz a gent étnica^
Longe do mar naqutlle tempo e fiava ,
^iãtído afè^que no munao fe publica
'1 home vtnhapegandoyò jàpajjara
Províncias mtl do mundo ^que mjmàía.
At^ut a Cidade, A o tempo q cftc Bcmaventu rado (^{e a/fi lho enjiueu Chrtjio^à' elle OproDa*
íjanco eílav3 neíla Cidade de Maylapur.q aílím íe yi gente ficou difto alvoroçada^
ha de charoir,ainda q alguns lhe chamão Mtliapur
eftava cila doze legoas do rriar.E dizem, q prophe-
tízàrao Becnaventurado Santo,q haviade virtem-
po,em q ornar bateíle na Cidade, & q então havia
de ir ter alli gente da parte do Occidente , a (^ú
cria no Deos q elle pregava. O q acontccco aíurn,
porque como o tempo o mar foy galtandç.&comft,
do a terra, atè chegar ao lugar aõde citava a Cidâ-
de,&;aflim fe dcltruhio , 6c aflolou fem fitar delia
mais qhumacafacahida,aondeeí]:aváo enterrados
os oflos do Bcaventurado Santo,q òs noílos acha-
rão a cafo cavando na terra.Hoje há edifícios no»
vos,6c a terra fe chama S.Thomc,aondc vive muy- t,om que 7 home naõ Je ouça^ou morto feja^
tos Portuguczes. Oprtncipaliqueaopeylotrazosfios^
fium cajo horrendo faz_,que o mundo veja^ .
/íta o cordão.que tr asa, por derradeyro
No tronco j&facltmtnte o leva^i^ ^rràflét
'Fará onaejaça humjumptuofo templo^
í^eficajjft aos futuros por exemplo.
Mai 6 núncio de Chnfto.O Bêaveniurado S.Tho-
mè,q denunciava, &.prégava a Fé dcjcíu Chriftô
Noflò Senhor»; i-i- <^< í
I I 1
Sj^bia bem que/è cornfè formada
Manaara hum monte fur d finque femova^
§lue obedecera logo à voz J agracia
Òs Bramenes o tem por taufa nova-.
Vendo os milagres ^ventio a Janã'idade%
Hão medo ae perdera a autoridade.
^utajjí Ihoen^mu Chrifio.Cowo confta de S.Mat"
theus, cm a luahiiiona Lvangelica.
115
SJS eftesfacerdotes áos Gentios^
Em quem mais peneirado tinha aenveja
Bvjcão maneyras mtl,buJcão de/vios
I 10
^e tntmiga naÒhe íàoauraj&Jerni
Lomo avmude falfa dajynceray
SaÕ efiet Sacerdotes, Os Bramenes faõ os SflCcrdo^
fcs daquellas partes. Sobre feus coftumes,&: vida.fe
Veja a noíla annoração no canto y.oy tava 40.aon-'
de declaro,q fios faõ efl:es,que trazem ao pcyio,dc-
que o Poeta falia neíla oy tava.
CHegado aqui pregando^& junto dado
Adoentes faude a mortos vida^
Acafo traz hum dia o mar vagandê^
Hum lenho de grandeza dejmedida:
'Defeja o Rey^que andava edificando^
Fazer àelle madeyra,& não duvida
^oaert traio à terra com pojj antes
Forças de homens ^de engenhos ^de èlephantes.
Hum lenho de grandezâ*Com* o Poeta neíla oyta.
va hú milagre , que fez neíla Cidade de Meliapor,
q chegou acalo àquella Cidade por cima da agoa,
húmadeyrotáogrande,que eracouladceípanto,o T>àf alfas tefiemunhas^comc/ev/a,
qual iabido por El-R ey mandou ajútar muy ta gé- Condenaraôno ã morte brevemente,
ic,& elephantes para o trazerem a terra o que nao q SanCiome naõ vé melhor eficu/a,
tcvecfíeytojporq nunca o poderão abalar. Vendo ^'«"«''«'jywí^ «««^ «^«^ ''* ^
ifto o Bciíaventirado S. Thomé, pedio ao Rcy \ ^«^ appeUarpara o Tadre omnipotente^
Ihodèíleparafazcrcom elle hum Templopara o ^er diante do Rey^fS) dos jenhores^
Deos q prégava,fe o dalli tiraflc.EURey lho con- ^íj^Jefaçâ, hum milagre dos mayores,
cedeo íorrindofe, Tomou então o Santo o leu cor-
H
114
^mfilho próprio mata^i^ hgoacufa
Ue homicídio Thomè , que era innocête
;mi
dão,5í atouo nopao,Scfeyto o final da Cruz, oUe-
vou ariojôes até o lugar aonde tinha determinado
fazer a Igreja,como diz na oy tava Icguintc.
III
ERa tão grande opefo da madeyro^
^efópara abalar/e _,nada bafta,*
Mas oNunciode Chrifio verdadeyr».
Menos trabalhe em tal negocio gafla.
115
O Corpo morto manda fer trazido^
^e rejujcite^^jeja perguntado
^em foyfeu matador i& fera crido
Tor teftemunho o /eu mays appr ovado.
Virão todos o moço viuo erguido
Em nome de leju crucificado:
2>i
joi
Lu/íadas de Luis de Camões Commentados,
^à graças a Thome^que lhe deu vida^
Edejcobre fèupayjer o homicida, Ii8
Eéfcobrefeu p^^.Outro milagre,q o Poeta aqui (^ Horarake Thfme ofiaHge,& o Indo;
cor.ta do Bernavencurado S.Thomè, foy q os Bra^ K^ thoroute toda a terra.que pífafte-,^
memes, vendo q lua opmiáo.Sc credico,qutí cinhâo Mats te choraô as almas ^que vefltdo
^;S>^po vo de Santos.óc Religiofos,lc lhe pcrdia,íc Se hião nafanãa Fè^que lhe enfinajle.
o Bernavencurado S.Thomè allipermaneccíle,<ic- Mas os /ínjos do ceo cantando, & rindo
tcrmuiàraó levantarlhe algum Ceílcmunho,para o
deftruhireai,Sc hum dclles,cm qué a enveja ie me*
teo lúais, matou hum tilho.ôc dilíequeo Santo lho
matara,© que lhe provou com outras ceftemuuhas
àfi mclma maíla.Levando o Béaventurado S.Tho-
laè diante do R.ey da terra, para dar íentéça fobre
çcaloidilíeo Santo que lhe crouxeflcm o minino
inorto,q ellc diria quem o matári. Trazido o mini-
no,o Bcmaventurado Santo o fez levantar vivo eta
yirtude dejelu Chrifto noílb Senhor, o qual dilFe
em voz alta,q leu pay o matàra.Fez tanto abalo eílc ^ , ^...^ —
Biilagre na gente, que o Bramene foy deílerrado. ,1 v T^e mandados de T^eos^como Thome»
i) que tudo conta o Poeta, larga, & claramente. ^Dr^eyjefoys mandados jComo eftays
í( òemyr de s a pregar afunila Fè?
I I í» Olhay quejefoysfal^^ vos danait
Este milagre fez tamanho efpaytto ^"^ pátria, onde Trêpheta ninguém he
^e o Rey Je banha logo na agua Janta, ^^/^ ?«^ fe /algar ão em no(fos aias
Te recebem na glor ianque ganhafte^
^edimoíle^que a IDeos ajuda peças.
Com que os teus LufitanosfavoreçaSy
Chorâraote 7homê9 Gange,& o Indo, Por Gange,
& Indo cntédc as partes da índia, por donde o Gá-
ges,& o Indo rios paflâo , de que Hca trattado em
muy tas partes.
I Ip
T7 Vòs outros que os nomes vfur^aes
E muy tos após eilejjum beija o manto.
Outro louvor ào ^Deos de Thome canta.
Os Bramenes fe encherão de odio tanto ^
Com f eu veneno os morde enveja tanta,
j^eperfuadindo a iffoopovo rudo^
^j^etermmaõ matalo em fim detudo^
Determinãõ ntataU em fim Je tudo. Vendo os Bra-
menes a virtude de Thomè,ôc como totalméte íe
perdia o feu crcdito,&. quáo malihcfahira o q de-
lerniináraó, q eratazer morrer o Saato, por vu de
jufl:iça,lcvanundolhc algu teftemunho, determi-
narão matalo elles por IuííS mãos. Eftand® cllc hú
dia prégandojlevaniáraó hum ruido,& fazendo q
tiraváo huns contra os outros, matàraó o Santo às
pcdradaSjSc hú delles o paílbu com hurna lança,cõ
íjdeu oclpirito io Senhor,q Ihcquiz dar a gloria,
Çlnfieys deyxo)tantas herefias^
E voz» outroifífuedí «oww.Efta oytava,por não felP
bê entendida atcgora,foy interpretada, & calum-
niada por mordaz, & íatirica, contra os Padres dã
Corapanhia.Ma8cnganáiaõre todos. Pois o qclara-
fticte o Poeta aqui quiz dizcr:Foy lembrar, & pcr-
fuadiraos Pregadores Apoftolicos daley Evangc.
lica(qlaõ todos Sacerdotes, & Religiolos,princi-
palmente letrados ) q atè o tempo cm q elle clcre-
via , náo tinhâo hido á índia pregar a Fè,a obriga-
ção qtinháo de o fazer. AíTim por razão de íeu of-
ficioicomo pelo ppngo,q em todos os boroés cauía
o ocio,&; filencio:quando clles Ião obrigados a pu-
blicar, & perfuadir có todos os preceytos rethori^
cosjos myílerios de nofla fanta Fè,aos infiéis. O q
mal podião fazer détro em PortugahaíTim por nél-
lenâo haver jà infieis.xomo tambeno, porq com a
priguiça, 6c deícuydo le poderáó danar em fua pa-
& levaio para fi mais deprella por aquclle caminho» triatcomo faz o la](a q o Evangelho lagrado ©s có«
como diz aqui o Poeta, &; íe pôde ver tudo larga, parou ; o qual para aprovey tar, fe ha primcyro de
mente no noflo Joaó de Barroii,na tcrceyra Deca- desfazer em agoa.Porquc os doutores entendem a
daiiv»7.cap.ii.E o Padre Lucena largamente. palavra de Deos.Ôc as obras pcnaes,8c de virtude;
»^7
H^m dia que pregando ao povo ejlava.
Fingirão entre a gente hum arroido-,
Jà Chrifto nefte tempo lhe ordenava
^ie padecendo fojfe ao Ctofubindo.
A multidão das pedras , que voava,
Nofaníío dàjã a tudo offerecido:
Hum dês mãos ^porfart arfe mays depreffa,
COfn crua lançaofeyto lhe atravfjja.
com que cila melhor íe cultiva,& planta,
Coníirmale eíta verdade, có íabcrtnos de certa,
q o Camões efcreveoeíVe livro noanno de 70. tcpo
cm que os Padres da Companhia havia mais de ^ o.
annos q trabalhavão ntquellas partes na pregação
da Féadmiravelmentcrcô muyras calas já edifica-
das por cllcs , &muytas Províncias cultivadas na
doutrina Evangelicaiaindaq os Frades de S.Fran-
cifco,5c de S.Domingos erâo jâ lâ muyto mais aio-
E como o Camões era tão viílo nas hiíloriàSjOC
couías,principâl mente da lndw,aoude andara tin^
ta*
N^-^
I 11
O Lha o Reym Arracão^olha o ajfento
^De Tegu^quejã monjíros fovorão
Monftr os filhos do fio ajuntamento
jo2 .i43í»Vitn^i^^3ç^„^^ q)ecmo*
cos aiinos, & tão particularmente fe informara de
tantas nicudezas,como íe,;yè dcíle ieu Poema. Não
podia ignorar eíla vcrdadç ,tâo patente naqucllas
pàrtcbjéc €m todo o mundo.E aílim Ic lhe deve rcl-
irtuir llia hõraneílacalumniajindigna de hum tão
grande entcndinicnto,como foy o ícu. Que como
táo pratico nas couí..s da Índia delejsva q todos os 'Dehuma molher/§ hum cão^q/ds fe acharão.
Trcgadores Evangélicos le fofiem occupar cm táo Jquijoante arame no injirumcnto
lantaobra.Pelo grandciruto queelle labja,qucos T>afferaçãocoíiumão:o que v/ar ão
F0uco.,q4eentáolâandavâo,tinháo,feyto:S.pela 'Jt^or manha da Kaynha.que tnient ando
Tal v/o àtytoufQra o error nefando»
Olha o Rtyno /irracâo^Com ó Rcyno de Benga-
1j confina o Reyno de Arracáo. O Rey,5c os mo-
radores deite Rcynò todos faó Gentios. Heefte
Reyno muyto grande metido todo pelo fcriâodc-
trorpeio q nâo tem portos de mar.O Rey he muy-
to rícodedmheyro,Scn)uyto poderoio dcgctcdc
guerra , a qual traz continuamente com Icus vezi-
íihos : & tem grandes paços por todas íuas terras,
cô grandes tanques de agoajardins, & arvores de
todo o género. Ulaó de rouyias molheres,não tcra
ordem nem Icy algúade máirimonio,hcgétcdada
a muytas delicias, por ier a terra muyto rica, fie a-
bupdante de todo o nccefiario.
De Pegu. Com o Reyno Arracão,de que falJâ-
mos acima, confina o Reyno de Pegii.Eftc Reyno
hc muyto rico pelo lertáo dentro, por haver nellc
muyto ouro,robijs,& outras pedras de muyto pre-
ço, & rauytOjêc muy fino lacre. Hc terra muyto
fadja,8c muyto abundâte de mantimentos,5c fruy-
tas.Tem alguns portos de mar,cm os quaes morão
grande diípofíçáOjquc via nos moradores de iccc-
berem a Fé infinito numero : íe houvefic copia de
obreyrOs que lha miniítraílem.
• Qiic era comum dos Governadores,6c Capitães
daquclles topos mandarem pedir ao ieu Rey muy-
tos pregadores : peias infinitas alnias ^ le pcrdião
porfaltadelIes.O que o Gamões procurava pcríu-
adir,5í. não calumniar.E eíta^he a verdade.
I20
MÀspaff^o e ft a matéria ferigofa^
E tornemos â cofia dchixaaa^
jfà com efia cidade taõ f amo/a ,
òefaz curva a Gangetica enfieada^
Corre Narfinga ricajè poder oja^
Corre Orixá de rou/^as abajlaãai
No fundo àa\enjeada o tlluíire no
Cangesvemaojalgadoíenhorio^
- lá com t(ia CtdâJe, Da Cidade de S.Thomc,quc
«ftá hoje no lugar aonde foy aJSantiga Cidade de
•I^ay]apur,atéocaboGuardarij,q cílà cm ly.graos tnuytos Mouros,'& Gcntios,grádcs mercadores. E
há algúas Cidades. Nclte cabo Guardarij íe acaba a a!li concorrem depucras muytas partes homens de
terra de Naifinga,6c começa o Reyno Orixá. Té ncgocio,como de Samatra, MalacjiyCambaya, Sc
«fte Reyno poucos poitos,por fera cofta brava. A- outras partes da índia.
Cabale a terra do Reyno Orixá, no cabo Segogo- Mvnfiroi filhos dopyo ajuntamento De hunta molhtr,
2a,q eftá cm ai.graos. Deftc cabo atè a Cidade de c^ hum c<í5.Contale dos moradores defte Reyno de
Chatigãodo Reyno de Bengala,deq o Poeta falia Pegú,como refere Joaó de Barros na icrceyraDc-
naoytava feguinie,hácem Icgoas. Entre os quaes cada,6c o Poeta ncfta o vtava,q procedem de huma
termos faz o mar huma eníeada.na qual entra o rio inolher,& de hum cáo.O q contáo defta maneyra,
Gâiíges no mar de miílura com outro rio.chama- q vindo acafo huma embarcação da China aportar
do G anga, o qual atravcfia todo o Reyno Orixá, com tormenta á cofta deite Reyno,que então era
deshabitádo, fomente efcapou hua molher,Sí hum
câo,©s quaes lédo copula entre fi.hou verão filhos,
os quaes multiplicarão de míàneyra,q povoarão to-
da aquelJa terra, q he muyto larga,& por nâo dc-
gei>erarem dos cofiumes de feus pays,inventáraõ
os calcáveis, de q o Poeta aqui falia, & nós traitâ-
mos na oytava fcguinre,de q ulaváo em luas partes
vergonhofas para moftrar a diflclução , &: defen-
frcamento,q tinhão nefia matéria da luxuría,6>: íé-
fualidade,aqporrerpcyto daquelleleu primeyro
payerâo naturalmente inclinados.Outros querem
q huma Raynha da terra por nome Canàne,invé-
III
Ct Aftges;no qual os feus habitadores
1 Morrem banhados^tendofcr certeza^
^ue inda que fèjão grandes peccádorest
Efta agua fantía os lava ^ér da pureza.
Vê Cathigaõ cidade das melhores
2)tf Bengala província^ que fef reza
^e abundante ;mas olha^que ejiàpofiã
^ara o Aufiro de aqui vrrada a cofia.
- Masclhae^ueeJíâ^o^Aparao /í«/?fo.Paf adooRey- tafie oscalcaveis,por le evitar o peccado nefando,
nodeNarfingavay a cofta correndo dircy ta ao le- q naquellas partes muyto feufava, os quaes legue
vante atè a Cidade Chatigam,&:dalli tornaacofta aqui o nofibPpeta. A eíle mefmo vicio da carne
com outro rodey o para oSul.Peloqucosmarean-
tcs chamãoa cílc lugar.Contracofta,
lao muyto dados os moradores do grande Reyno
de SyáOjdonde lhe ficou cftc mao coítume.E por-
que
i
Lufíaàas de Luís de Camões Ccmmentados^,
que osliomcs deílas partes íaô muyco maisfeyos \ Aurea^por epitheo lhe ajuntar ao^
88 molhcres, dizem elias,qos homens fayem aupn* Outros que fojjem Ophyrmàgtnarâd.
mcyro pay,ÔC eiiaaíuapnmeyr&máy. Outras ra-
zoes no lugar allcgado dejoão de Barros , ailias
30B
póaem ver os cuf loíos.
113
O Lha Tavay cidade^onde começa
De Syão o largo imperia taõ comfrido
JeneJJary^§Íuedãjquehefò cabeça
"Das que pimenta aly tem produzido:
Mays avante fareyi que Je conheça
Malaca.por Lmperio ennobreciao,
Onde toda a província domar grande^
^Suas mercadorias ricas mande.
Olba Tava^.Pãíiaáo o Rcyno de Pegu pela coíla
adiante cótra Malaca ellá o grade Reyno de Syáo:
os moradores laó Gcntios.òc o Rey também Gen-
tio:he muy to grande lenhor pela terra dentro, por-
A nobre Ilha Samatra.Víc Samatra bua Ilha mu y-
to grande, Sc muy to fermoJa, q ter*a de circuito ic-
recctas legoas,polla debayxo da linha equinocial,
hcabundantillima de todas as couías:tem muy tos
Reynos,nos quaes,hâ muyta pimenta, no de Pedir,
que eílâ dclronre de Malaca, & no de Zunla,ôc em
outros muyto ouro,comode Menomcabo,6c Bar-
roz,nosquacsie colhe, ou de grandes minas,ou ao
longo dA praya dos rios. Em todos os Reynos deita
Ilha hà muy tas, 6c muy grandei Cidadcsras que cl-
ião pelo ferrão dentro, laó habitad..s de Gctios56c
as da coíla,de Mouros grandes mercadores.Dizem
alguns,quc efta Ilha Samatra foy antigamente hua
melrnacoula có a noíla Malaca, q o tempo, que inz
outras,Sc mayores mudanças, asdividiojíc poz no
GÍtado em q agora cftáo,como contáo também da
Ilha Sicília có Itália: ôcporq neíla comarca deSa^^
j j3- ^ ,1 _ ^v , -^ -.- „„
que começando deíla coíla de Pegu,vay conhnar matra hâmuytoouro,acrecentáo,q eíla heOphyr
có a China, na qual paragem te muy tos portos de deq a E,icritturafaila,aí?imo tem hum Portuguez
inar,he muy to poderoío Rey, & té muy ca gente,
aííim de cavallo, como de pè.ôc muytos eiephàtes.
Náoconlcnteq Mouro algum traga armas no íeu
Reyno, Há pela terra dentro muyto beyjoim, &
muy to bom.A Cidade de Tavay, de q o Poeta aqui
falUjtoy antip^amente do Reyno de Syâo,ho]e he
a uicimado Reyno dcPegú. Paflado Tavay eílâ
Tenallary. E Queda Cidade do mefmo Reyno de
Syãojiias quaes <e dá a melhor ^limenta do mundo,
como diz aqui o Poeta.He gente aííim ella de Pc-
gú,como a de Syáo muyto dada ao vicio da cai'nc.
Pcloí^ para mais dilicia delia coíluraão nos nicm-
bros genitacs trazer cafcaveis, híis^de ouro,outros
de prata, tinalmentc cada hú coníorme afua poiFii
bilidade.E laó tão diflolutos,6c dcfentrcados neíla
parte,q trazem nas mermas partes diamáics.ôc ou-
tras pedras tle grande prcço,6c andando pelas ruas
andáo tinindo có os calcáveis. E o Rey coítuma ter
50o.molhercs,& mais,5c aíIim os mais da terra as q
queré. Muytas coulas dignas de le labcr deite Rey-
no,& Tua géte tratta Joaó de Barros na 5. Década
noflo por nome Gafpar Barreyros, autor graviíTi-
mo,ôc grande antiquário, 6c que cite póto trattou
melhor q todos os outros efcrittorcs , & Abr.ihata
Ortelio o refere também na fua Synonimia,na pa-
lavra Ophyr. E a iílo íc inclina o Padre Joíeph da
Coita no livro defrocurandalndorHmfalute , 6C cila
opinião parece teralgúacor, comofe tratta no li-
vro q novamente imprimirão os Padres da Cópa-
nhia de jefu do Collegio de Coimbra. Ainda que
Luis de Camies a tenha por imaginada,0|mais cer»
to he q ninguém fabo a certeza.PcIo q em coula de
tanda duvida, não temos q certificar. Eíta Ilha Sa-
matra tiverão os antigos por Cheríoncfo, porque
cuydaó não ler Ilha. Mas a experiência nos mollra
ocontrariojSc aíTim ("abemos por informação ver-
dadeyrados noílbs Porruguezes, q a viraó, ík paf-
fearão toda,Vcjaíc a noila annotação no ícgundo
cantOf
125
M/lsnapoyita da terra Gingapura (ja,
VeràiyOnde o caminho às naos/e cjlrey»
i
hv.2. cap.5. - - . „ f. .^.
Ma(aca.Dc Malaca íc vcjao que cfcrcvemosno "Deaqut tornando aLoftaaLyfiOíura
canto i.oytava 54. Seen(urva^& fará a Aurotaje mdtrcyta»
Onde toda a Provinda do mar grande^Suas ntercadt- Vès "PaiHi 'Patàne\Reynos^Ò' aioug Ura
riaí ricai mande. Illo diz porq de todas as partes do (j)^ Syão^qne efles^& outros ?nays /fgf-jta,
Oricnte,q entende por mar grande,pelascorrcr,Sc - .
paliar todas o grande mar Oceano,concorrem a el-
la Cidadc,por ler de grande tratto,& comercio.
Olha o no Menad^quefe derrania
©o grande lagUiqueChiamay/e chamai
1 14
Dizem que defta terra co aspnffantes
Ondas o mar entrando dividia
A nobre ilha Samatra^quejà dantes
Juntas ambas agente anti(^ua vto
Cher fone fo foy dttta.é-daspreftantes
Veas de omo^que a terraprodu2,tê.
Mdi a ponta da ttrra Cin^apura.He Gingapura h\i
cabo de terra defróteda Ilha Samatra, da qual dil-
ta por efpaço de io.legoas^ /íi nãos [et flr tf ta. Por
ler eilreytilfima cm terra firme de humabanda,&
muytas Ilhas da outra. Dcíle eítvcytoloubc Lnis
de Can)ócs:&; do novo náo,q nnvamentc Ic dclco-
brio por hú Joaó Velhojdo qual hoje fcuia mais,5c
le navega para varias partes.E aqucHe eftreyto pri-
meyro o he tanto , que vaó as vergas das »aoa cm
muyus
304-
Canto ^echjKU
muyias partes dando de bui» ti outra l-anda, £c os
dous cíti cy LOS ambos dcíeuibocáo no mar de Bin-
táo.t] heo cílreyto,que o Poeiaaqui diz.Foy anti-
^íiiriéte neítc iugai a Cidade Cingapura, aonde cô-
cori ia coda a geiue l\ agora concorre a Maiaca , q
eíiurá delia ^5.1egoas,pouco mais ou mcnos.E por-
que leria couu iarga tratiar da mudança delia ter-
ra, remctto os cuiioíos ao noílo Joào de Barres, o
qual tratca eíla matéria largamente na legundi^Ue-
yéi pafaper Camboja Aíff<iwí>;o.Cambojalie hum
Rcyno marítimo, íugeyto ao Reyno di Siaó,pc}o
qual corre hum gi-anoillimo no chamado Mecom,
q quer dizer, Capitão das agoasrcujo nacimenco h«
na China. Ajuncáoíc a eíte rio tantos,quc o fazem
tão grande, que quando quer lahir ao mar retalha
a terra por tantas partes por íceíi:ender,q faz hum
l;igomais de oy tenra kgoas decompriaicnto.coni
oSqu^l jedividem dousReynosdoelladode Syáo,
cadiicap.i.Pinianosaquio Poeta a traça deíla col- ode Cait/baya,8c Chimpa. E dizem de!ie,quetem
ta. Cooío eílc cabo Ciugapura eftà contra o Nor- o ofrlcio ao Nilo, que he regar as terras por donde
.«e,que entéde aqui por Cynolufa,torna a vir^rj & palia. Mas dizem dclie rio,que em tempo de che-
fazer ponta para o Orienic, que entende pela Au- yas íe não pódc andar por toda a terra de Cambayá
rcra. INÍa qual paragem hà muy tos Rv) nos, como Icnâo em barcos.
Pam,Pat«ne,&: outros fogeyios ao grande Reyno ^ígc«íéí^f//íicr^.Ôs moradores ao longo deftr tio
de Syáo,doqualtambcm anti^aãientetoy Malaca, . lV1econi,entre outros erros da gentilidade,quc tem
bamatr.i,& outras intinitas ilhas.q;hà naquelle có- J-iuni,de que o Poeta aqui hz mei}çáo,he,q hádeU
pois dcila vida outra, Ccq todos CS animais nella té
pcna,6i gloria.
128
ESte recebera placíiíOj& brando
No fen regaço os cantos, que molhados
Vem do naufrágio trtfie.i& fnijeranao^
'Dos procelo/os baxos e/capados,
^D as fomes jdos perigos grandes ^quando
Hera o mjujto mando executado
Naquelle cuja lyra/ònorofa
Hera mais afamada que ditoja.
E//erfíe^er<í.Moílrao Poeta como veyo ter a eí-
te Rtynode Cambaya,vindo da C hina, aonde cltc-
ve alguns diss tomando algum alento dos grades
trabalhos.que naquella viagem da China paí]àra,6c
dos naufragioSjôc bayxos de que etcapàra,de q na-
quclles mares ha muytos , pela quâl razão íe naó
pôde chegar a algúus partes daquella região. Che-
gando á Índia foy prcibpor mandado do Govcr4
nador Francilco Barreto, pela fazenda dosdefun»
tos,que clle trazia a leu cargo, porque Foy à Chi-
na por Provedor mór dos detunios:ôí íílo lhe fize.
torno.O/iia í> rítí Aíeoiii-Eííc no iMenão,q na hngea
«iobuaturaes quer dizer, máy das^agoas, nalcc ecn
Jhú iago por neme Chiamay, q eíià em ^o.graos de
altura da parte do Norte , 6c lende de alto abayxo
todo o Rcyno de Syáo, o qual por mtorma^áode
gente que nellc elteve , tem uci- omprimtnio mais
ue trezentas òc trinta léguas.
I ^C
VEs nejlegrao terreno os diferentes
Nomes de mil na coes numafahidas-j
Çs Laos em terra & humcro potentes t
uiuàs^ Br<iináSipòrfet ras tau compridas^
Vè nos remotos mmte ; outraí gentes
f(ue Gueosfe chamão de felvages vidas-,
humana carne comem^mas ajua
^à^tntaò com ferro\ârdente^u(ança crua
VI mflegrão ícrrcwff.Tratta nsfta'oy tava de algu-
mas nações íngeytas aoRey de Siâoios povos Laos
Avás, Bramas, &Í Gueos,os quaes vivem por gran-
des ff rranias, como bruto*; animaes, tão feyos, &;
cruéis, q comem carne humana, & trazé continua-
mente guerra com os Reys de Syáo,Ôc íe ferrão, 6c raõ mexericado por alguns araigos, uondc clle cí-
pintão por todo o corpo , couía qem todas aquel- perava íavor.Dizquc a lua lyralcrâ mais afamada
las regiões não íahemos,q outra gente o faça. Def- que dirola,porque lendo tão grande Poeta teve n*
tes, Laos, Sc mais coulas de Syão , &aírimdono vida muyto pouco favor.
Mecõ,de que o Poeta tratta na oytava ícguinte, fc
veja hum trattado da China, que fez húReligiofo
da ordem de S.Doníingos,i< João de Barros na 5.
Década IÍV.2.C.5.
izy.
VEspaffapor Camboja Mecom rio^
^i€ Capitão das aguas fe interpreta;
Tantas recebe de outro íò noefUo^
Slfie alaga os cumpos largos & inquieta^
Tem as enchentes qnaes o Nilofrhi
\^ gente delle cré^como indifcretai
^íepena^^ gloria tem de/pois da morte
Of brutos animaes de todajorte. .
119
VEs corre a cofia que Chawpàfe chama
Cuja mata he dopan cheyrojo ornada:
Vès Cochichina ejià de efcurafama
Ede Aynão a vè incógnita enfeada.
Aqui ofoberb^ Império ^qu efe afama
Com terras ^ò" rtqueza naò cuydada,
T)a China correrá' occupa o fenhorio
T)efde o Trópico ardente ao cinto frio,
Vii corre a ccfía.Nos confins do Reyno de Cam-
bayá eítá o de Cham^pá, como atras diffemos, em
cujas montanhas nafce o vcrdadcvro cjilambá,a q
nós chamamos calan^buco.Com eíle coníina outro
Reyno,!
.má
Lujiadas de Imi.^d^SInVi^ô^ Commentados,
Í$SSLÍtVi^vQ2«á^^m}ii^il^íh^^^^iSS}^ fita íiyjj^.cap.TrfE cpjto^8icjí^flihéíi5Í^%Êtá.àg8í0^j^
lifliijwjíSo form6nEot'o^^&;;pftr.^lieiCeípc.y|e!,íe|)iej^ feyu por mao dos homens, &: linal njanifet^^Ç/j[t^
49iiíittU4iyU&iQâíJ5,ma3 AS ^!í9to*oyMCii),;P>iAyíPi»ij de grade poder,Sc nqu£Za|deftes Chins, 6c que le
^ifeaÇ^an>à q líOfi&xft^ftc/R«yírt>áÍQieí^PJ!^^iíí«l pódc ter por -huina das maravilhas do muudo^n-
gftriq,,nQlcui.ierag»Qihaiíia põvic* aoJ-tóa )deUe,hçys tre outras *éó\}^,Mle^^íH[}'^lftlVc%^T^;í^
híif;n?ayXíiíJi&itaai(b!è.iiappPia>g€0t,e4ftllí íertí^yj^l & governo^hhfíià^ti^è^^^uV^Ww^oiMVR"^ ^Sk«á-
44iqfpjr^if0&í&.iíjJi4bUjp3fca(A!g'l*Qrf^-o..ii ui ,fifn:i2 ca o filho por fe^Vdè^V^^^liayaws^í^^&Skàcítii
0^giffiíU;€ímhú'apç|5itftik:íc^-íi(4»C4liií>^íiai»ení"r*T vernar.lílpi4©§ví^g.X^53i\^J^^c^jj<?ç^g^^4y-(^^,Çip-
jiw^lo^t^i-fâiéia ChmAíiá>qi;é^l<o Çp^t#cp.prreíí!:sy ^m vcrázdejb^^c^i^^^i^àem^
c^^ i^uioi tt&k^lkQi^ài^.mú derciii?çi;tP'íÍç^,n#i rença que^a parénterfa^caTnoVtíífíns efta èríf fcâí
d^ qjue aqj^ i. t,r ^t ta^b, ^oaih b A<> da <Ç;li^i|]>,ft q,M ^i h<&
lè>tW^t^êr45»i^-?ieO> jiiAtQ qtdi?it^qtíi Pil?oeía,{,P?9'(|
^êWflP-^ tÇ^ií^Ç l^í^ríí 'a §H IJeftqecnt^f r ^1 qwan
zofluo 2o oíiío:) òKcv/ cjfi o ansfi rr*;)J ònn sup ínsd
des defta grande terra fe pódc ver em hu^f|-.^jc»4g
qttefi^;hí^gftlI)gií?laf^^,í^ç4eoí
aqaí^,fjt^f}oD,fn3Íu^i.l/j3JuoW,3ioLrr,33f,fri3T
jI».iJoniup3;;rInrí tb ojf/icfcbari oijíl ojijD : rnÊfÍD
Eili4-'^wp»Jfe9miàd^íiqm\ vtfp^i3iét\ ;> 3 3 n a í i > Í£r{
Mhs eLbçem aqtieUe ^què^ke faiáojo
5Pí?r cavaUéíi
zcíãâifs iftío Htfxxvnb fp/rr^ri/AjiiAarfabâjáaaatefoTipi
§§0 dé 'Afia 6ríWitaxie:adIg!Uíirni&jlihas*do CJ*itKWifi2Í
SípRiffi^)Qa/d«jqAlbfaí ímc^çÃo .b;è Oífaipôc^(íjaquaJ
dá :^a voado Nbrte^dpcj^iéjaiikâ.<MeQ^A(èt«^fd»jpòç
0/i&/i ft«j^\Dt3\hfiaíb'^jfd4(f»Sí ncwií«\Qpki^^ iMíTds^&^fègwntioííijinfírnniçáo-tffÇífl^temos.áflftai
^ eílâ í^«d^ çnt5-eyiíiaV;í^í\riiãtWíV4ç^alMí^^a^Çftri t«rrp ítíwnTj i9oe/tcKár|Joò«leg«afe<itJp©ííftYi^dwjí»ltel
te do ^^^i^^a^' J}^n?UK^cpmf íx^^riç^tç ^|, tyhTfiiadxs de íoigo.He cftaítef raptòiiíi iíwgçyrip» fcffi
fechar em.Q^tm gramies^ fç ao mati lóoRey^aaqtwlcilefii di^máo' Vo<k."iH^^fl«í*i'p«§*«
ao modo efe cabo por eípaço de mais*dé^u^a^%r uk3fbOdQSímmdnm£avç;\]hanãe tttJqf^Jjiojicosiljj
gOífsíSc f)à po'rftaíxtefliéfcíA)o'poií ondftiíâ <?é«iUíii- itrikao oiiifiaígôraM doiilasííoslnioto R«*ig!i©<<f^
«^9áori^«Fartai(ia áClpií)a,fizcrâi>'o5lQ3in8.pa:r^ fio Sc(Rietígiwfíi^<aíKÍÍ2cm.*i:)roMâiô^S£^li>rbftt|E(éi(rtí^
tgwjríw>«aiãda} la o itreJira ífiwbi pBnteldb féi-JiOíebBWJoto àitmisiv)pç^ttvs{yi0i^cií\náiá^ &• f íWfíTl«p Wo fi-jJíw
lím^ajiç-fcEiráí-^vigasdatcirroíddQ^yíJtG^daia^-aa^? M]teficiafÇ4}ejiJnsr/i&fe>(7oiiíoçáo]í>«fblii«
«nilque3aiáco[uriftB rciruftenfeâJ\^^o,<2K«ídMúlLontÍHf ciTí'Vôa»kltaí ^^èiò que^romcrtem Jalj^awisKiotríísí^
iMtecí<calfl«ntJrb'Tari^irosií&iehins.ErhítTp(>6tj6Íiâi q«€fcwwfb{maóiCiDmí«<!rfc©vSd«tl*'S'1frô)h©*eríS'di^
vtgjaolcCbinscom conpóIdxi^giBaTaflí&til jftootcihot bòrVíjuií^&itcm osíPadrestlarCápíaribíâ- feyçií^íin*»
bURiadasfcnaaraviíbas damundoi,de;^eDPÍto^eíBB{j diípniVpyro*wéíUírlfha/acci'iía dMioíflá'fâtâíFè<I»q
fecí-tíiençSçt&ieuo.lQulíedopeaoa)^ li;andda pbip thíílkí»'^ & háln«llia màyrosChríftao&.'!Í=tçírèrf«i
«fpaçd dt.XifíaivrM>£C! 8t diac>osriáui«csiKjp€tM3hí»q a6Mida^ltívía?)Bíh5 h& pfacafravyr©fin'a?<í« muyísi'^
iJhcaB0s dàq,Hciia:rcgiãx5!di> Gbiiw mindâriá àdcr/ d^riWai(|WÍalrB<U?õt»tâLlíRz«h^lio^S*e»1iiíH»-i^
aqwHrmwroiéí fe'C8rcára6 camrcHiE òò^mxJsJ^arUi tê<^ôfta ÍIiv*cJ<nco mil<Rcligi<>fi!«Jffniy«dT"Ítfí)^Gí^í
taros lcu&>vc2iaboK>,.coiu<|uè 4«i]^^leiuicakiDÍi{ua) «»âytW^T6tV(^«:sv]M)a^ÃÍ(j[ri»,^ VédMOiftAçciPcpf^flM
ob&fn£d:> Q^ vivcnt
m^4 ^••- Ca%têT>ecim(f,
Vivem cora tantt caíliáade,qucnáopódeeftardo h uma cavidade pequena, Jc o macho tem outra O
icu Mofteyro por elpaço dchuma legoa. molher, breasancas:na qualclU põem os ovo;,^ poítaíô'
nem coulatemca: Eftas, 6c outras muytas coutas bre elle6,os anda chocando, Icmprc voandonoa
muy curioias deita Ilha ícpódcm ver cm joaóde & paranaócahirfe ligaó hum ao outro cóosdous
Barros*
131
OLhacafeks mares do Or tente
As infinitas ilhas efpalhaàasi
Vè Tidore^Ternate.eo ofarvente
Cume-^que lança asjlammas ondeadas^
As arvores veras do Cravo urdente^
Comfangue Tortuguez inda com f radas.
Aqut ha as áureas aves que não aecem
Nunca a tcrrai&Jô mortas apparecem
ncrvinhos: & tambcm lhe pôde Tcrvir para fe pen-
durarem nas arvores para dormir,ou deícançar. O
corpo deita ave he muyto pequeno , & de pouca
carne: porque tudo laó aquellas pennas douradas,
& fcrmofiflimas. Dizem que não comem coufa al-
guma, le naô o orvalho do ceo: mas nem por iflb
deyxaó de fer gordas.Os naturaes da terra lhe cha-
maó paílaro de DcoSjôí dizem que vem do Paray-
lo Terreal. Aflimoelcrcvem graves Autores , &
nòs o labemos por experiência de pellòas de cre-
dito,que os tiveraõ muytas vezes nas mâos,& por
penachos, todo o paflaro com toda lua pena icrà
Oíba cà feios mares do Ofitntt. Por todo ornar do do tamanho de pouco mais de hum palmo, tem a
Oriente há muytas Ilhâs,que o Poeta pafla, porq
feria coufa infinita trattar dellas,trattando íómcn-
te de algumas mais nomeadas, & mais^conhecidas
dos noílos.
l^è Tíclorejernate. As primey ras Ilhas de que trat-
ra faô as de Maluco, aonde le colhe o cravo,as de-
mais faõde muyto pouca importância: laó cinco,
Tcrnate,Tidore,Moutel,Maguiem,Congu,ôcBa-
cham : cujo filio hcdcbayxo da linha equinocial,
diítantes da noffa Malaca , conforme a navegação
dos noflos por elpaço de trezentas legoas , pouco
mais ou menos.Todas laó muyto piquenas,porque
cabeça pequena,6c o bico comprido.Outras muy-
tas cou ias nota vtis conta deita ave Conrado Gef-'
nero iiv.j.deavibus , aondeeítâo ícu rctratto ao"
natural. Também António Pigafetta cavalleyro
de Rhodas,em hum roteyro que lez da jornada de
Fernaó de Magalhães ao eítrtyto de (eu nome,no
annodc i^ip.em o nuineropy. conta que cheganJ
do o refto da armada âs Ilhas Malucas, El-Rey dfi?
Ternate mandou aoCapitaó Caltelhano dous paí^
faros mortos, fermoíiífimos , a que elleschamaã
paflarosdc Deos, ôc.do Parayfo:os quaes entre ou-
tras pirticularidades, conformesao que temos di-
a mayornãopaííadefeislegoasemroda.Nocume to, diz q tem pernas muy delicadas: & futiliflimas,
de húa delias chamada Ternatc,íaye fogo princi-
palmente cm dous mczes do anno : Setembrojíôc
Abril,por curlarem naquellc tempo 'alli huns ven-
tos , que Taó caufa de fe afccnder alli aquelle fogo
natural, Deft3S,6c outras muytas couJas deita Ilha
Ic veja em João de Barros na terceyra Década. As
arvores cm que íe dâ o cravo , faô como os noíTos
loureyros ,'nalcem em pinhas como flor de laran-
gcyra,ou madre lylva.Quando eítà de vez para fc
poder colher , hc verde , depois de apanhado lan^
çáono ao So],aonde anda atè que le faz roxo, del-
que devem fer os nervinhos que dizíamos. Diz tâ-
bem que naó tem azas , naó voaó como os outros
pailaros, mas que naquellas pennas grandes le fuf-
tenraó,& movem lem adejar. O meimo diz també
Conrado Gclnerojôc Melchior Guilandino,6c ou-
tros.
O Lha âo Banda as ilhas, que fe efntaltão
T)a varia cor^que pinta o roxofruto-y
As aves variadas , que aly/altaõ^
pois o borrifaó tanto com a agoa falgada,que fica 'Da verde Noz tomando feu tributo.
preto,como o queremos. Hà também neítas Ilhas
humas Avcs,que dizem não pouíarem nunca, por
naó terem pés , & quando ie acháo faô mortas , de
cujas pennas por lerem muyto íermoías fe fazem os
pcnacho5,6c por eítc rcfpeyto chama o Poeta a ci-
tas aves áureas por íuaíermolura: & entre nósfc
chamão paíTaros celeítes. E todo o paflaro entcy-
ro fe traz por penachojailim neitas partes,como na
India.líto he labido,& cu tive nas mãos algús.Naf.
celhedo bico hum como nervo delgado, de com-
primento de dous palnos pouco nsais , ou menos,
com o qual daó volta nos ramos das arvores , 6c fc
Olha também BorneOjOnde naô falta»
Lagrimas jw licor qualhadOj& enxuto^
^as arvores ^que Camphora he chamado
Com que da ilha 0 nome he celebrado.
Olha Je BaiÁ df llhai. As Ilhas de Bandl laó cin-
co, como as de Maluco. A principal das quaes fc
chama Banda, debayxo do qual nome fe comprc-
hcndcm todas,tendo outros nomes dilt~erentes,co-
moasde Maluco. Neitas cinco Ilhas nafce todaa
noz , & mafla , que fe leva por todas as partes òo
mundo. A Ilha chamada Banda hc como hum jar-
penduraó delhs,para defcançar,ou dormir,porquc dim muyto fermoio, em cuja pintura a natureza fe
nunca pouiaraó em rerra. Outros dizem que tem quiz efmerar. As arvores que daó a noz, laó como
dous nervos de comprimento de três palmos , taõ pcreyras.com a folha como de nogueyra.O fruy ro
delgados como guitta de Flandes:com os quaes ic vemfe a fazer da cor dos noflos pecegos, do tama-
ligaó hum ao outro, quando põem os ovos, 6c os nho,&feyçaó danoz,calvos, com difícrétes cores
findaó chocando : Porque a temea tem na barriga muyto fermofas» que fe parece com o arco do ceo
chamado
I Lufiadas de Luís de Camões Comentados, 507
chamado íris. Quando cfte tVuyco começa a ma- Oiha a òunda, Êlla Ilha Sunda eftá álcm de Sa-
durecer, acodem da ferra muytos paílarosde diffe- maira contra a Jaoa mayor.Há neila nuiyta pimen-
renccs cores, como papagayos, & outros a comer ta,6c niuytoboa. Concafe deíla Ilha huma couta
deite íruyco. Terá elta Ilha de comprimento crés maravilhola,&c hcjque cem hum rio,que náolofre
legoaSjSc de largura huma.He terra muyto fermo- lobre licouíaa]guma,por muytolevequefejajo q
la.áqual concorre codas as cou Tas das outras Ilhas quizaqui moílrar o Poetacm di/er, cjospaosquc
polias ao redor,por terem alli bom expediente por le lançaváo no rio le convertiaó em pedra. Outros
cauiados mercadores que alli concorrem. A gente querem que realmente le converta em pedra : ôc
delia ilha Uõ Mouros da Icyta de Mafamede.Naó que no nollb Alentejo junto a Aviz. ha hum rio
tem Rey , mas governafe por velhos da terra. O que tem a meíma qualidade,
íruy to delias arvores da noz não he própria , mas
comum detodos,detcoutalea leu tempojcomocá j2Ç
entre nós a bolota, 6c landre de carralco: Sequem ^ ,^ r- .«i,.^ ^-««>.>.~*^ .. íí.-
, ' ,„„ ^ li T E naaue lia que e tempo tornou tiha
mais apanha mayorproveytotaz. \S X " 1 ^ n , y
. Olha também Borneo.Hc huma Ilha muy to grade, V ^e também flammas tremulas vapOYA
& muy to tertil , & abundante de todas as coufas, A fonte que óleo manaf£ maravilha.
principalmente de Camfora , da qual a leváo para T>o cheyro/o líCor,que o tronco chora.
outras partes. Tem cila ilha Borneo huma Cida- Cheyrofò^mats que quanto eftila afilha
de do melmo nome , que tem vinte mil calas. Os q^ç Cymras^na Arábia onde ella mora
moradores delia grande Ilha laó todos Gentios,os ^ ^^ ^^,^^^ ,^^^^ ^^ ^^^^^^ ^^^
Guacsadoraoo bol,5c aLua: heeentcmuytoco- n { /j jJa\.„^..^^j)í* 1
mr.a de guem.pelo que quando o feu Rey , faz. Branda feda,& fino ouro datamhem.
O matâo,pelo que todos os Reys procurâo ler pa- yènaejuella» Entende a Ilha Samatra,a qual co-
ciíieos. li eftii tem pela mayur honra , Sc gloria do mo atrás trattey , querem alguns que lofle antiga-
roundo.Náohà entre cftes ladrôes,nem homicida* mente huma mefmacouíacom a noíla Malaca.mis
antes vivem em grande concordia,5c paz. Sáo ef- que o tempo as dividio huma da outra,6c as poz no
tcs os mayores inimigos de Caftelhanos, quefe fa- clladoem, que ap,ora eíláo. Eftailhahe muyto
bem naquellas partes. Eílas , Sc outras coufas dos grande, como atrás diílemos, Sc tem muytos Rey-
noradores delta Ilha conta Maximiliano Tranlyl- nos, entre os quaes hum he o Reyno de Peder: no
vanojSecretario do Emperador Carlos Quinto,em qual dizem os naturaes , que ellá hu ma fonte de
huma epiltolaque cfcrcveo ao Cardeal Salíebur- oleo,chamado pelos Mouros Napta,quc ferve pa-
genfCjlobrc a navegaçáo,q íizerão os Helpanhocs ra muytas enfirmidade$,príncipalmente para frial»
às Malucas no anno de mil, quinhentos Sc dezano- dades.Hà também nefta Ilha beyjoim,que o Poeta
ve: na armada em que Fernão de Magalhães def- entende aqui pelo licor,que o tronco chora, por^
cobno o cltrey to de feu nome. «aíce como a refina nas ameyxiey ras.E diz que he
mais cheyrolo que a mirrha,o que entende pela íi-
j 2 . lha de Cyniras. E fendo cfta Ilha tão abundante
7- . / cr- I r «» como as outras em tudo diz,que em ouro, Scleda
Ly tambemTtmor,que o enhomanda ^^^ ^entagem a codas as outras.
òanaaloJaluttferOj& cheyrojo,
O Lha a Sunda taô larga^que huma banda j 2 ^
EJcondeparMoSuldtjficultefo. _^ LhaenC^e^lao^quecmontefealevãta
A gente dojertao.que as terras anda, (^ ^^^^^ ^) mvêspajUa^ou a vifta engana
Htmrtodt^ quetemmtraculofo. Os naturaes temporcoufa íanBa.
pepor onde elUfofem outro vae ^^^ ^ ^^ ' ^^^ ^ ^4^ h^^^^^.
converte em pedraopao quenelle cae. Mas ilibas de Maldiva nace a pranta
MU também Timor. Efta Ilha Timor eílá tambê No profundo das agoas foberanaj
rcfte archipelago,aóde eílão as Malucas,Bornea, Cujo pomo contra o veneno vrgente
& outtas de q íe tratta ncftas oytavas.Efta he tam- ^ tido por atttidoto excellente.
bem muyto grande do Levãte ao Poente. O prin-
cipal fruto deita Ilha he o fandalo brãco.He mo- Qlha em Cejlit.Kík^ Ilha de Ccylão eílá hoje to-
rada de Gentios,8c o leu Rey he Gentio.Tambem da fogeyta aos Reys de Portugal, de modo que pò-
tcmgingivrc,arro2, Sc muycas frutas, 8c animaes dem nellaconítituir hum grande Império , Sc tão
da terra. Tem muyto ouro, com o qual fazem co. pacifico,como eíta terra que habitamos, $j he taÕ
merciocó os mercadores,que alli aporcaó. Ofan- nomcada,8c conhecida dos floflos ,'cftíl fitòada dé-
dalo fe colhe a certo tempo da Lua,porque de ou- fronte do cabo íTomory, que he á parte mais aul-
tra maneyra não he bom. He muyto prezado en- trai àc toda a índia , q jâs enrre aqiiellcs dous rios
tre elles, porque coftumão moer o pao, Sc com os tão celebrados Indo,Sc Gange,terâ de comprimc-
pòs untar a cabeça. E dizem que lhe tira a dor. to de Norte a Sul fcttenta Sc oyto legoas,Sc de lar-
Qa* fio
A
joS Canto^echno,
goLjuarenta & quatro.O qual pedaço de maren- ôflcoíoríí.Efta Ilha cfi:â entre o cabo de Fartaquc,
ue terra , 6; terra hf tio temido dos que navegáo & o de Guardafú: he lerra de niuytas montanhas,
,por aqucllas partes, por ter muy tos bayxos,& rcf- & a gente delia í"e chama Chriílã, mas heo no no-
tingaíi,quc le diz deite mar o que os Poetas contão me lomente,porque lhe falta o Baptifmo,ôc Don-
de Scylia,6í Cai ybdis como hca dito. Eítáncíta trina Chriílá.Difíe que neftallha morarão aquel-
liha hum monte muyto alto,DO cume do qual ef- hs molheres a que chamamos comummente Ama-
ta hiinia pedra, que tem huma pegada de homem, zonas, o que íe moftra cm algumas coulas, porque
que dizem os naturaes ler de noUo primeyro Pay os homens naó preíhó para nada , & as molheres
.Adam I pelo que lhe chamâoo monte Santo. He trabalhão ,6c negoceaó a vida. Nelta Ilha feda o
cftallhade muyto bons ares,ladia,fcrtil,&viçola, pao Aloe,que he como pao de Aguda muyto ptc-
& tem muy ta canella a melhor de todo o Oriente. zado,ôc náo pôde ninguém trattar neile lenaó El-
Outras coulns delia ilha íe vejão em João de Bar- Rcy ,& he pena de morte trazelo.
ros na 5. Década, iiv.z.c. 1. E as nollas annotaçócs,
canto i.oytava i.canto lo.oytava 51. & agora co-
piofamentc Diogo do Couto.
-N<7í libai de Maldiva, Elias Ilhas de Maldiva et.
tão defronte da coíla da India, as mais chegadas a
ella eílaráoda coitado Malavar quarenta legoas
Outrai liba* no mar.Diz que cm muytas Ilhas da
coíla de Africa de que fica trattado largamente,lc
acha muyto âmbar , ao qual o Poeta aqui chama
maíla ao mundo occulta,6c preciola,por fe naó (a-
ber a certeza de q fc gere o âmbar , porque le acha
peias prayas do mar , como coufa lançada delle:
em altura de 1 2. grãos Sc meyo da parte do Norte, donde alguns querem que feja o lixo da balea,ou-
As derradeyras deílai Ilhas diílaráo 500. legoas da tros,que naíce no fundo do mar,como laltro dellc,
terra, & em Icte grãos da parte do bui. No meyo como o coralroutros de humas grandes aves, que
" ' anda* neítas Ilhas, 6c nas de Maldiva: outros daõ
dcíla fâxa de Ilhas eílâ a principal delias chamada
Maldiva aonde rclide o Rey,quc íe intitula por le-
nhor de todas ellas. E pollo que eíte nome Maldi-
va íeja nome próprio delia principal,a Ethymolo-
gia da palavra quer dizer mil Ilhas, porque tantas
çizem haver em huma corda dellas.Ccmeçâo cilas
Ilhas nos bayxos de Pádua, na paragem do monte
outras razoes. O mais certo diílo he,ferdo fundo
do mar.
Dt S.Lourenfo a liba. Ao travcz da coíla de Afri-
ca ao mar defronte de Moçambique eílá a grande
Ilha de S. Lourenço , chamada por alguns Mada«
galcar. Charoalheo Poeta aqui afamada , por ler
Pely,Ôc vão entellar na terra Jaoa,6c coíla da SQ- muyto grânde,& ter em fi muy tos Rèynos,naóla6
di.O Rey deílas Ilhas he Gentio,& os moradores lenhores delia os Rcys de Portugal , ilem fazeai
Gentios, ainda que os Governadores da terra laõ delia cafo, porque hedc poucoproveyto, comoo
Mouros. A íituaçáo deitas Ilhas hc cílarcm pela íouberaó os Portuguezcs , que a foraó dcfcubrir.
mayor parte muyto juntas humas com outras,pe- Pollo q já agora íe tem penetrado o interior delia.
Jo que a terra he toda retalhada com regueyros de cm que ícachíô muy grandes provcy tos , que o
agoa,que Oi naturaes pallaó a falto, E os canacs,q defcuydo tem allilcpultadosneíla terra,
íe podem navegar laó táo eílrey tos,quc as cntenas
das nãos vão dando nas palmeyras , de que os ca-
pães Uõ cercados , os quacs debayxo da agoa tem
as arvores, que dão os coco? , q chamamos de MaU
diva.
AntidotoMt remédio muyto proveytofo oppoí-
to ao vcneno,como diz aqui o Pocta.E bem íe mof-
tra em eílar táo juntas humas com outrasjfer ver-
dadeyra opinião,que os Malavares tem deílas Ilhas
que o mar mudou feu curfoda terra do Malavar,
por donde antes corria,para citas partes.dcyxando
aterrado Malavar defcuberta , ôccubertacílou-
tra,quefe chama agorade Maldiva,
V
»J7
Eras defronte eftar do roxo e^teyto
Socotorà co'o amaro Atoe famoja
Outras ilhas no mar também Jogeyw
Avos na cofia de Africa arenofa:
Onde fae do cheyro mais per feyto
Amaffa ao mundo occulta^^preciofav
T)e Sam Lourenço ve a ilha afamada,
^e Madagafcar be de alguns chamada.
138
1"^ Ts aqui as novas partes do Oriente^
^ ^e vòs outros ogora ao mundo days^
Abrindo aporta ao vajlo mar patente
^e com taÕ forte peyto navegays.
Mas he também razão ^que no í^ouete
2)f hum Lufitano hum feyto inda vejais j
^e de feu Rey moftrandofe agradado
Caminhfy ha de fazer nunca cuydado,
Eyiaejui mnovafparttt do Orientt, Defpoisqueo
Poeta trattou das terras, & mares do Oriente, en-
tra a trariar de paílagem as do Poente, aonde cíláo
ás índias Occidentaes deCaílcllarle k lhe pôde dar
eílc nome de índias, porque íó as noílas o merece,
pois eíle nome lhe vem ác rio 1 ndo , que as rega.
Eíle'Lufitano de que o Poeta aqui falia, hchuru
Fernaó de Magalhães Portugucz,o qual aggrava-
do d'El-R Dom Manoel, por lhe naó accreccnrar
o foro ,& moradia, lerecolheoaCaftella , ôcper-
fuadio ao Emperador Dom Carlos, o mandal^c ás
Ilhas do Maluco, dizendo que lhe pcrtenciaõ a el-
le^Ôc náo a Portugal. Do caminho qus cite Maç;a.
Iháas.
309
Lu/iaàas de Luís de Camões C^mmentados, ^^^
Ihács fez , & do eílreyto que dclcobrio nclla via- de pouca lealdade. De Fernão de Magalhács , le
gcín,tratccy atrás,canto 2.oy tava 55. veja o que fica tiattado atrás.
13^
VEdes a grande terra que contina
yay de Califto ao/eu contrario polo i
i §lue Joberba fará a luzente mina
^JJo metal^ que açor t em do louro Âpolêi
Cajiella vojfa amtgaferà dina
^De lançar lhe o colar ao rudo colo^
Varias provindas tem de varias gentes
EmrutSt^ coflumes differentes.
Vtdti a gnatíde terra, Eíta terra grande que corre
de Norte a Sul, que entende aqui por eítas pala-
vras: de Caliíto ao íeu contrario Polo,como ja por
^vczca dcclaràmos,he a terra em que ic comprehen-
dcmaslndiasdc Callelia,pol]iiydas pelobReys dcl-
la:na qual ha grades Rcynos,&: Províncias de táo
cftranhas gentcs,6c de coilumcs,& ceremonias tão
differentes , que havia miítcr muyto tempo para
irattar, náo digo eu de tudo, mas de alguma parte
delias. Porque he eíle novo Império táo grande,
<jue por eíle refpcyto Ic chama novo mundo, co-
mo clcrevcmos no canto priracyro.oytava z.Tcm
grandes mmas de ouro, & prata, como aqui diz o
Poeta , Sc (abemos por mformaçóes certas , &: de
expcnenciappois vemos todos os annos vir a cftcs
reynos , 6c aos de Caftella tantas nãos carregadas,
que he coufa de admiração. O metalt^ue tem acêr
do louro ^pvl$, He o ouro.
T40
Myís ca onde tnajjfe a/arga,aly tereys]\
Tarte também c'o opao vermelho nota
*JJâJan&a Cruz o nome lhe poreys^
^e/cubrilahâ aprimeyra noj/a frofta:
. ^» longo de/ta cojla que tereys^
Irâ bujcando a parte mays remota
O Magalhães, no feyto com verdade
Tírtuguez^orèm não na le lealdade.
Mas cá onde mais fe «larga, Naderfíarcaçâoquc
Icfezdo mundo paraodelcobrimenio , entre os
|{ Rcys de Portugal, & Caftella, cahio os de Portu-
gal em forte a coíla do Brazil , que fera de mil &
cincoentalegoas , pouco mais , ou menos a qual
deícobiio Pedro Alvarez Cabral,indopar« a Índia
com huma armada de treze veias , no anno de mil
8cquinhentos,8c pozlhe nome Sarna Cruz.
Ao longo dtjla co(la, Ifto diz , porque Fernão de
Magalhães foy ao bngo da coftadp Brazil a dcf-
cubrir novos marcs,ôccliraas:& com inrcncodr:hir
às Ilhas do Maluco.para fe vingar d' El-Kcy Dora
Manoel de Portugal. O qual diz que no feyto f^jy
Portuguez,mas não na Icaldadc.porque o que fez,
foy de grande animo,& em fe lançar com Él-R ey
>^e Caílclla,6c ler contra os Reys de Poriugal,foy
141
D Es que paljar a via mays que me a
^e ao Antárctico polo vay da litiha,
iJ^huma ejiatura quafiGigantea
Homens verá da ttrra aly vezinha,
E mais avante o ejtreytoyque jearrea
CjO o nome de lie agora o qual camtnha
^ara outro mar^^ terra que fica onde
Cem fuás fr tas azas oAuJiro a ejconde,
De$ (juepalJar, Seguindo Fernão de Magalhães
leu delcobrimento,paíl'ada a cofta do Brazil, chc.
gouahum rio a que poz nome de S.Juliâõ,quec(-
tâem 50. grãos, na qual paragem havia tantas tor-
mentas , Ôc frios , que os marinheyros naó podiaó
menearas vellas , porque naquellaso frio hema-
yor , que nas partes do Norte. Pelo que determi.
nou invernar alli os quatro mezes do inverno da-
quellas partes, que faó Mayo, Junhojulho, ôc A-
gofto. Eltando nefte lugar mandou alguns dos
?eus pela terra dentro dcicubrir , & tentar le havia
alguma cou|a digna de íc laber, le houviaó da ou-
tra parte algum tom do mar,fazendo grandes pro-
mcflas a quem lhe trouxefle algúa boa nova. Nel-
taida cntráraó os defcubridores vinte Icgoas por
terra dentro, & trouxeraô comfígo huns homens
da terra , cujos corpos paílavaõ de doze palmos, q[
he o que o Poeta aqui diz, que achkraó homês co-
mo Gigantes.
E ma» /»t/<i«íf.Partido Fernaó deMagalhãcsdef-
tc lugar donde invernou,foy cofteando a terra até
dar em o cflreyto que chamou de feu nome:o qual
cfta em aliura de 5z.graos»& 56. minutps. ILlle eí-
treytotcm de comprimento iio.legoas, & o maig
largo de duas. O qual cftreyto deiCAibrio Fernão
de Magalhães para paflar do mar do Poente , para
o de Sul , o que diz aqui o Poeta por termos (^uc
já ficaó declarados muyi^ vezes:
A Te aqui Tortuguefes Concedido
Vos he/aberdes os futuros fey tos
^iepelo mar que jà deyxays Jabido,
l/irão fazer Bardes de fortes peytos.
Agora^pois^que tendes aprendido
Trabalhos , que vos façam fer aceytos
A as eternas efpofasj^ f ermo fas
^e coroas vos tecem glorio fas,
AtéefMPortuguezes, Ascoufas atráselciittais dilTc
Thetisaos Portuguczcs,moftrandolbs como pela
ordem que naquelle principio do delcobrimento
da índia tivcrão.fegundo os perigos, ôctríAballio»
que fttccçdiaô , viriAÃ a alcançar grande ooinc, 6C
ler conhecidos poi todo o mundo , como hoje íc-
raoy. ^^'
>*5fo
Cdnti^ Tiecimol
145
POdtyvos embarcar^que tendes vento
E mar tr aquilo para a pátria amada^
jijfim lhe aice: Elogo movimetito,
fazem da ilha ale^re^ ($ namorada.
Levão refref€Oi& nobre mantimento^
Leváõ a companhia defejada
"Dos Nymphas ,que bãde ter eternamente
Tor maís tempo que o Solo mundo aquente.
Leváo a companhia Jefejada, DasNjfmphaf. Eda
companhia das Nymphas que lcvavao,eraa hon-
ra, & gloria que alcançarão no deícubrimcnto da
Índia, a qual nunca perderão em quanto o mundo
durafjO qual diz \)or ci\es urmos,for mais tempo ^ue
éSolo mundo aquenie^ que quer dizer, por mau que
e mundo dure,que he bom encarecimento.
144
AS/íforaõ cortando o marfereno
Com vento fépre manfòi& nunca irado ^
Ate que ouverão vtjia do terreno
Em que naceraõ,/empre defejado.
Entrarão pela foz do Tejo ameno
Ea/uafatriai& Rey temido ^à" amado
O çre7nioy& gloria daõ,porque mandou j
E com titules novos fe illujtr^u,
At^ejut hcuverao viftã do ícrrmtf.Eíle terreno he
a terra de Portugal, a qual chama fempre dcíejada,
porque hecoufa natural ter fempre as pefloas aon-
de quer que eftão, & em qualquer eltado, lem-
brança de lua pátria. Donde difle Ovídio liv. i.
de Ponto,Elegia 4:
Uefiío ejua Satale folum duladint cun^lii
jíilicit immtmtres nec^^nif tJfèfuL
145
NAõ mais Mu/ã ao mais^que â lyratenho
T)e[ieMperada^& a vozenrouquecida,
E não do Canto^mas de ver que venho
Cantar agente Jurday& endurecida:
O favor com que matsfe acende o engenh»
Não odàa pátria nao^que efiâmetída
Nogojíodacubiça^^ na dureza
'D^huma auftera^apagada^^ vtltrtfieza.
^Ni#fl dã a pátria ««o.Qucyxaíé o Poeta c5 muy-
ta, razão dos noflbs naturaes, cuja inclinação na©
hc dada ao exercício das lctras,nem a favoreceer os
homens que as fabem, doença irabalhola , & que
faz mal l fua naçaó raõ cxcellente em todas as cou-
ías: dcfta maneyra trattey em outra parte dcfte li-
vro.
I4(í
E Não fey porque ífífluxo dedeftino
Não tê hum ledo orgulhOy& geral gefto^
^e os ânimos levanta de contino^
Ater para trabalhos ledo o rofto
^ortjjo vos, ó Rey ^que por divino
Con/elho eftays no Rtgtojolio pofio
Olhay que JeysÇó' Vede as outras gentes^
òenhorjó de vajjallos excellentes.
A ter para os trahalbot ledo o rojto. Nota o Poeta
nefla oytava os Portuguezcs , de gente dada ao
ócio, 6c inimiga do trabalho. O qucnãoeraaílim
nos princípios defta Monarchia de Portugal, quan-
do nenhuma coula lembrava mais aos Portugue»
zes , que o ferviço de Deos , & de feu Rey , pe-
lo qual não tcmiaó nenhum género de perigo, nem
trabalho.
147
OLhay que ledos vão,por varias vias
^aes rompentes Itões^bravos touros^
Usando os corpos afomeSià' avigias^
A ferrojã fogo ^ajetas-iàf' a -pelouros,
A quentes RegiÕes^aplagas frias;
A golpes de taolatraSjà- de Mouros i
A perigos incógnitos do mundo ;
A naufragios,apyxes^aõ profundo.
Olhay qut ledoi vão por varias vMi.Moftra o Poe-
ta o gofto, & alegria com que os Portuguezcs fer^
vem ao leu Rey oppondoíeporamor delleatodo»
os perigos,& trabalhos. §íutntei regiocni, Saó eílas
partes de Africa , & outras debayxo da linha, por
donde os noflbs P ortuguezcs paflaó. Plagas frias»
iaó as do Sul, por donde ordinariamente navegão» .1
148
POr vos fervir a tudo aparelh ados,
'De vòs taõtenge fempre obedientes
Aquaefquer voffos afperos mandados
Sem dar repofta prontos ^& contentes-.
Sò com faber quefdõde vos olhados
'Demónios inférnaesynegros^& ardentes
Come t terão com vofco^à- naÕ duvido
^e v€7iceãor vosfação^não vencido,
Devòf tio longe fempre okedientes, He matéria de
confidcraçâo", ver que eftando os Portuguczes
tantas Hiillegoas do feu Rey , & tendo tantas oc-
cafióes para lhe dcfobcdcccr , nunca atè hoje tem
acontccido,o que cm outras nações he muy dife-
rente , nas quaes ordinariamente há treydorcslc^
yantados.
Lufiíidas de Luis de Camões Commentados,
3"
I4P
FAvoreceyosJogo^à' alegrayos
Com aprefènça^tè leda humanidade^
'/^é- rtgurofas leys dejaíivayosj
^ite ajfí fe abre O caminho ãjantidade:
Os mais experimentados levantayos^
òe com experiência tem bondade ^
"Fará vojjo conjelho jfois quejabem
O comOiO quando ^& onde as coufas cabem.
Com a prez,ença,éf íeiia hHmanidade, Todas as na-
ções do mundo faó muy afíPeyçoados ao interefle.
A Portugueza não quer outro , lenaó que o feu
Rey a favoreça , & ame , como o Poeta diz muy
elegantemente neílas oytavas:em as quaes lembra
a L^Rey efta condição natural dos Portuguezcs:
concentaremíe mais dos favores do leu Rey , que
de grandes incercfles.li tambem.como o Poeta era
homem taó douto, & taó experimentado , & El-
Rey Dom Sebaíliáo , que Dcos tem , com quem
vay íaiando'neíte Poema,era inda moço, & havia
pouco qué tomara ogovcrno,&: Septro: tratta de
oaconlelhar, ôc advertir o que mais lhe convinha
para ler íenhor dos corações de léus vaílallos , &
rambcn) para começar o feu governo,corH as mais
louvadas virtudes que os grandes Principcs tive-
raó,que he o melhor fundamento que ftpóde dar
uoprmcipiode grandes Impcrios,como todos de-
fcjaváoneftefeu Rey.
150
TOâos favocerey emfeus officios%
Segundo tem das vidas 0 talento^
lenhão Religiojos exercícios
2)^ rogar em por 'voffo regimento:
Cornjejuns^difcíplinas pelíos vícios
ComuSitoda ambição ter aõ por vento-,
^e o bom reltgiofo verdadeyro.
Gloria vãa naôpertendejnem dmheyro»
OSCavalleyros tende em muyta efiima
^ois comjeufãgue entrepidOiò fervête
EJíendem não fomente aley de fim a ^
Mas ainda vojJò império pre eminente:
^ois aquelles.que a tão remoto clima
Voi vãofervir cem pajfo de/igeníe,
^ous inimigos vencemjmns os vivos
B o que he mais os trabalhos eycefftvos,
Doui inimiiúí vencem Jbum os/vivts.E e ejue he mais
#j traifalhoi exce(fivof. Por vivos entende os homens
com que andaó em guerra , como faóefles Mou-
ros da cofta de Africa , Sc outros das partes da In-
dia.Por trabalhos exceíTivoSjás fomes, frioSjledcs,
& perigos que paílaó.
151
F/lzey fenhorique nunca os admirados
Alemães ^ GallosJtalosJ^ Inglejes
'I:'offão dix^er^que faÕpara mandados
Mais que para mandar os Tortugue/ès,
Tomay conCelhojò de exprimentadosj
^e virão ia) gos annosilargos mefes^
í^epofto que em [cientes muy to cabe^
Mais em particnlar o experto jabe.
Pojfao dizert efut fatiara mandados, maií,ejue pars
mandar 01 Ptfrí«|»gz.ej.Para encarecimento do valor
dos Portuguezes,diz que faõ mais para mandar, &
íer fcnhorcs dos Alemães , & mais nações, que no
principio da oytava aponta do que elles laó para
íer mandados, quehe hum grande louvor, ôcairim
íc ha de cntender^eíla lctra,quc eílá efcura.
DEThormião Thilo/opho elegante
Vereys como Aníbal e/carnecia^
^ando das artes bellicas diante
^elle com larga voz, trattava^ò" Iía
A difciplina militar pre ftante^
Não/e aprende fenhor nafantajia.
Sonhando, imaginando ^ou efludando^
Se não vendo tratt ando ^ò' pelejando.
De Formiao Pbilofopbo tkgante, Foy Phormiaó
Philoíophoda íeyrados Peripateticosido qual con-
ta Cicero,que cííandoAnnibai em Ephefo,ao qual
lugar íe recolhera defterrado derCartbago , como
folie grande a fama dffte Philofopho , determinou
hilo ouvir hum dia.Como Phormiáo vio Annibal
ra fuacfcola, fez huma larga oraçâo,em que trat-
tou do officio do bom Capitão,& outras couías to-
cantes ao ufo,6í: cxerciciodagj^erra.Todos os cir-
cunftantcs fícâraó admirados da eloquécia do Phi-
loíopho, dos quaes alguns fe chegarão a Annibal,
te lhe perguntarão que lhe parecia aquella liçáoi
clle refpondeo. Jà vi muy tos velhos doudos , mas
nenhum mais que eílc. Outros tachão a Annibal
de alpcro, & cruel em trattar tão mal com efta re-
porta a hum homem,que fóporagazalhar, ôcfeí-
tciarna fua elcolajdeyxadaafua lição de Philolo
phia, quiz trattar de coufas de guerra, quem nun-
ca íe achara nella, & com tudo vemos,quc fcus li-
vros laó muyto cflimados. E aíTím le pinta Cefar
com hum livro cm huujamão, & com aefpadana
ourra,com huma letra que diz. Ex ttírfl<y«í,quc quer
dizerde ambos: como fe diílèra, que fuás vittorias,
6v boas fortunas na guerra lhe havião procedido
da lição dos livros,& da deftreza de fua elpada. Ao
que le pòdc também alludir o que cícrcvc Home-
ro na Ilíada, qu£ para Menciao,Sc Agamenâo man-
dar efpias ao campo dos Troyanos , conlultâvâo
primcyro Ncílor varão de grande experiência, 6C
confclho.
\
confclho. E da melma mancyra todas as vezes que
Ulyfles fazia alguma CDofi íínalada,levava era lua
Vcj.
[709 óob
Mmm
êc outt«sobi:íisfii«3sc>ijToftrÃQíi >E^né*i^uííJeíbui-
milhe tanto.nem por iflo deyxade acreditar os có-
iclhos que tem dado aaíci^Rey: dizendo que nellc
concertem todas âs partes 4e que po^^faJiir hmn
bom co^SftWBSãTOWil^
perienci<fiíè'tiò%^aèè^>iííí""êí^fôBi^^^ò àí vWi.
de de lervir o JtétfJRfey^t^ViíiO^^WllitW ll®^ím«^
, Jfd
«inç)Ci]lri<ia4ftj6a-4iÍ4ía.; ."^ 4i?^li?ç#ií?M?bqr§T
fDÒytíabo*pQiWÍj6;Çqf'l<FÍ|i^»^fyfí3?(Ç6>"?ft"f^d^
©«rpditiirqúc/ílfíí^jag^j ^ÍIiÍ^^^YrÍ c.^, ^.W^>*l ^R-j
lBaiM>s^.iíei3i^>quç,j¥^iíjK9 fei^\ríç^çw y^lqrjpiljçjirí^
^ífaduOidi^píPffi^] ,r,qf*í^l!Í4^^P§iíí»êí??s<lp,,^^e^
-nun rnoup ^Êinrj^^b íelíjoo ob-iniiRit ,\r(ip «F-irí'-}
-ií f.{3i\ 3rjp,í>onn!>'> obtjí moD >^ ,R((9n ÊifidDK 'jl rj
ItbO Êiniq 3l mrFin jf .»obR.-nf fl*) ol-.Mjrn òêí íotv
trt&bcql3 E rnoD >2» ,onfn Kiuud mooivil _
•jaupaijpj-iiw^íjt^w xH.sibaijp ntnl i5 nurl rní
,8;?holiiv ziíui 3ijp,f5i3^ltb 6\ omoD :?ocJfnt
©biba^onq oàivur! adi Ê-naijjj nn zcniino) 2Borj >5
òA .RbRqb eij) 3b íx^ifl-jb cb >r5,2mv(í ?oh ok-jII sb
>3rnoH ava ob 3íjp o nbulíft mad/ncí sboq aí oup
-ncmofinamcg^ ■JÃ.oRhnif/ ftií:qsijp,fibiirfí nn nt
0£7EjIi;lno3 ^ zonRyoiT ?ob oqmfta oi: aeiq")^ (fib
35 ♦r>ijnji-i3qx;3 abrií^iâ 30 o£ uv loiiaVi oi'(3raaq
Tl OÊÍ íOfV
ciando : mayormente quando conílderava a incli»
nação exceliented^tí.^l^ey, a que chama divma
por enj lua. peflVa WncoiVér^TOSíS n^^
des, ^ií^^èí^TO^^c^l^ále^feH^V^
palhadas. «.^c^^^^^^v^V-»^ "^K"^* xs.Yo-aíu;\'^ ^í«.\5
!«eg>aíO(qéfc#tónçbíeffl<àS'n0^GiiOtft5.§íi5tiííamp9Ãdff
jAwp&UtíajíôQ jaqíyfíftRf>apos-dfi'AfraçÃ;çQefc i«i=4 ^
fíduáâ líotiklM@aiiip8r|cjç«Ur :4ejJft^V9ta\èfcíçRfWiWí'
doD op 5iX>ai)ti«)ii«5fettt,v5í.7(Spís4ar^oc£r$^ .[IdJiidanít
iâôíiCi 01 r,^^;dft ihàa ip*ritjç ide;, Àlr ij^,(?hfldiívdíi i&Qfr
èfcniiílAQ Wib<^séaJ>)ççft^;R?yfiPfidiÇ(ÇjJÍft^;B^«ig
Éíiieí i m ] 3 ó^ oi C&nXf^iiY^n feuiate^, (^€iÀf fcies »fi<to
fe pKiílôÔííieftejlug^ÇjTf i>íi^jnç, porlAer WWÍÉC)
HfibojejXrw din&efewT}a^íntty(ÇQ ílQpwlota.xíidadc;
í4JLisld^but5i(j|»qweííí©f)fU!gi4r foe^áp osbXafjiPS^icí
cWí Ãgftm thflifí^efcdeff fíilQídís t /jir a^^©^ erar fk t>v d*
Berberia,como fizeráo.Dí /íjí^f ^^j4/ç«íarfVíAiílif
ta de Achillcs f oy ter a Homero por pregoeyro de
íuas obrasrao qual por^íle^ relpeyto tinha Alexã-
dre Magfto\íjív(6J*'í^>n*S)^íxOB*ef5TÍío^^^
O que o.ÇwS^% €fiftsPo<:WHSíJbç»s|íWí^^ii'Íji tia
cm que El-Rey Rpç^-i^b^íH^iíJA^M^l^íAíífSç
Africa &qu^ç^^^l^^^^^^^^^
Jcrias.ío clle (cria neeeiian(y,cc.rQcíelcreveria lua
hiftoria, c^%^^4^èâ^|tò¥^^tó^^
Homcroi^)i?í>bv"éè'^dèmfiftI^^í^^ílWélí.1W
ceriaó fuás obíaí lô^&èlTdt#tô^fq)3^1fc?í^<i là^Ã
Alexandt^&«UewiWf^aijft>\HcOT«nEÍ^^
taflb.Ifto que o Poeta aqui diz ue * Afiicaihe ptlo
que na terra corria da jyrjiada d^El Rey Dom Sc»
baftiativ.O noílo Poeta íio'tempo,ejii queiucçoké
aqiM!èWífèíl^^W^\:itocfaWal^i^^^
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I
A S
DO GRANDE ^
luís de CAMÕES
PRIMEYRA PARTE
SONETO T, j-^' -'*-/
EM quanto quiz Fortuna, que tivcííe
Efperança de algum contentamento,
Ogoftodchum íuave pcnía mento.
Me fez^ que feuseffeytos efcrcveíTe,
Porém temendo Amor, qu3 avífo déííe
Minha eícrif ura a algum juizo izento,
Efcureceome o engenho CO tormento,
para que feus enganos nam diccíTc',
O vós, qu* Amor obriga a fcr íugeyCos
A diverías vontades, quando lerdes
N um breve livro cafos tam di veríosi
Verdades puras faô, Sc naõ defeytoSi
E fabcy, que fegundooamor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus veríos.
SONETO II.
EUcantarey d'amor tam doremenre,
Por hús termos cm (1 tam concertados,
Que dous mil accidentcs namorados,
Faça fcntir ao peyto, que mó íente.
Faiey qu'amora todos avivente,
Fintando mil fegredos delicados,
Brandas iras, fufpiros magoados,
Temeroíaouladia, & pena aufente.
Também. Senhorai dodefprezo honeílo
Devoíía vifta branda, & ngurofa,
Contentarm'hey dizendo a menos patte.
Porém para cancar de voíTo geílo,
A compofição alta, & mxlagroía,
Aqui falta íaber, engenho, & arte.
I. Part.
^?-./
SONETO III.
COm grandes eíperanças já cantcy,
Cõ q os Deofes no Olimpo cõquiílirâ
Depois vim a chorar, porque cantara,
E agora choro já^ porque chorey.
Se cuydo nas paíTadas, que já dey^
Cuílameelia lembranç^íó tiim cara,
Qu*a dor de ver as magoas, que paííára^
Tenho pela mòr magoa» que paíTcy.
Pois logo, eíH claro, que hum tormento^
Dá caufa que outro n*alma feacrecente,
Jà nunqua podo ter concencamcnto.
Mas efta fanrafia íè me mente ?
Oh ocioío. & cego peníamento^
Ainda eu imagino em íer contente?
SONETO IV.
DEfpois que quis Amor, q eu íó paflaíTe
Quanro mal já por muy tos repartio,
Entrcgoume afortuna, porque vio,
Quenaó tinha mais mal, q em mi moílraííe,
Ella porque do amor íeavantcjaíTe
No tormento, quf o Ceo me pcrmitio,
O que para oinguem feconfencio,
Para mi Í6 mandou que fe inventaflc.
Eifme aqui vou com vario íom gritando
Copiofo exempla rio para a gente,
Qlic dcftcs dous tyranos hc íugcyra;
Deívarios em veríos concerta ndoj
TrirtCj quem feu delcanço tanio eítreyta,
Quedeíteram pequeno eílà contente,
A SO-
Rimas do Grande Luis de Camões.
. SONETO V.
EMprífoésbayxâsfuy hú tempo acado,
Vergonhafo caftigo de meus erros,
Inda agora arrojando levo os ferros,
Qiie amor á meu peíar tem já quebrado.
Sâcrifiquey a vida á meu euydado.
Que amor naó quer cordeyros, né bezerros :
Vi magoas, vi milerias, vi deilcíros,
Parecemc que eftaya alH ordenado.
Comenceymeconi pouco, conhecendo,
Qiic eia o contentamento ver gonhofo,
Sò por v^fi queeoufaera viver ledo,
Mas minha eítrella, q eu jà agora entédo,
A morre cega, & caio duvidoío,
Mc íizerão de gottos haver medo.
SONETO VIII.
AMor,q o gcfta humano n*aima cfcreve
Vivas faifcas me moílrou hum dia.
Donde hum puro criftal fe derretia
Por entre vivas roías, & alva neve.
A vifta quccm fi mefma naõ íe atreve.
Por fe cer tifícar do que alh via,
Foy convertida em fonte, que fazia
A dor ao íbfrimento doce,& leve,
Jura amcr, que brandiwa de vontade,
Cauía o primeyro eflPcyto, o penfamcnto
Endoudece, te cuida qoe be verdade:,
Olhay como amor gera num momento.
De lagrimas dehonefta piedade.
Lagrimas de in>mortal contentamento.
SONETO VI.
^
SONETO IX.
I
ILluftrer^ dino ramo dos Meneies,
Aos quaes o prudente, & largo Ceo,
fO^ic errar naõ íabe)em doteconctdco
Ronipefe os Mahometicos arncfes.
Deíprcfando a Fortuna, & feus revefes.
Ide para onde o Fado vos moveo,
Erguey flamas no mar alto Erithreo;
E íereis nova luz aos Portuguefes,
Oprimi com tam firme, & forte pcyto
O pirata infolente, que íc eípante,
E trema Taprobana , & Gedrolia,
Day nova cauía à cor do Arábio cílreyto,
Afll, que o roxo mar daqui em diante
O feja, ÍÓGOfanguedc Turquia.
.íSO NETO Vil
^^ o tempo, que de amor viver fohia,
S Ncfépre andava ao remo ferrolhado.
Antes agora livre, agora atado
Em varias flamas variamente ardia
QueardeíTe num fó fogo naó queria»
O Ceo, porque ti vefle exprimentado.
Que nem mudar as caufas ao cuydcido,
Mundança na ventura me faria.
E fe algum f ouço tempo andava izento,
Fuy comaque n co pefo deícaníou.
Por tornar a canfar com mais alento.
Louvado íeja amor cm meu tormento.
Pois para p^íTa tempo feu tomou
Efte meu tam canfadoíofrimento.
TAntode meu cftado me acho incerto,
Que cm vivo ardor trcmédo cftou d* frio,
Sem caufa juntamente choro, & no,
O rrundo todo abarco, & nada aperto,
He tudo quinto llnto hum deíconcerto,
D'almahum fogomelae^da vifta hum rio,
Agora efpero, agora deíconfio.
Agora defvario^ agora aceito.
Efíando em tcira chego ao Ceo voando,
Num*nora acho mil annos, & de geyto.
Que em mil annos naó poíío achar hú hora.
Se me pregunta alguém porque aíli ando?
Refpondo, que naõ ícy> potèm fuípeyto,
Que íó porque vos vi, minha fenhora,
SONETO X.
TRãsformafeoamador na coufa amada.
Por virtude do muy to imaginar,
Naõ tenho logo mais, que deíejar.
Pois em mi tenho a parte defejada.
Senclla eftà minha alma transformada,
Qiiemaisdcreja o corpo de alcançar?
Em fi fomente pôde deícanfar,
Pois configo tal alma eftá liada.
Maseíta linda, & pura femidéa/
Que como o accidente em feu íugeyto,
Aííi com a alma minha fe conforma:
Eftà no penfamento como idéa,
E o vivo,éi puro amor, de que íou feyto.
Como matéria íimples bufca a forma.
II
Rimas do Grande Luis de CamSes,
SONETO XI. SONETO XIV.
PAíTo por meus trabalhos caó izento.
De íentimento grande^ nem pequeno»
Que (ò pola vontade^ com que peno,
Me fica amor devendo mais tormento,
Mas vayme amor matando taõ atento,
Temperando a triaga, co veneno,
Quedo penara ordem defornedo,
Porque naõ moconfenteofofrimento.
Forem fe efta fineza o amor fente,
E pagarme meu mal com mal pretende,
Torname cò prazer como ao Sol neve;
Mas fe me vè cos males taó contente,
Fazfe avaro da pena, porque entende.
Que quanto mais me paga, mais me deve,
SONETO XII.
M flor vos arrancou, de encaó crefcida,
Ah fenhor Dom António, aduraíorte»
Donde fazendo andava o braço forte,
A Fama dos antigos efquecida,
Húa fó razaó tenho conhecida^
Com que tamanha magoa fe conforte.
Que pois no mundo havia honrada morte,
Que naó podíeis ter .mais larga vida.
Se meus humildes verfos podem tanto.
Que co defejo meu fe iguale a arte,
Efpecial matéria me fereis,
E celebrado em trifte, & longo cantoi
Se morreftes nas mãos do fero Marte,
Na memoria das gentes vivireis,
SONETO XIIÍ.
N Um jardim adornado de verdura,
A queeímaltaõ porcima varias flores
Entrou hum dia a Deofa dos amores
Com a Deofa da caça, & da eípeíTura,
Diana tomou logo húa Roía pura,
Vénus hum roxo Lirio dos melhores.
Mas cxcediaó muyto ás outras flores.
As Violas na graça, & fermofura,
Perguntaõ a Cupido, que alli eftava,
Qual d'aqucllas trcs flores tomaria.
Por mais fuave, pura, & omís termofa?
Sorrindofe o minino lhes tornava,
Todas termofas faó, mas cu queria
Viola antes, que Lu io, nem que Rofa,
I.Parr.
TOdo animal da calma repouíava,
Sò Lifo o ardor delia naó ícntia,
Que o repouío do fogo,em que elle ardia,
Confiília na Ninfa, que bufcava.
Os montes parecia, que abalava
O triíte íom das magoas, que dizia,
Mas nada o duro pey to commovia,
Que na vontade d'outre£a porto eftava.
Canfado j à de andar pola efpen'ura.
No tronco de húa faya, por lembrança,
Efcreve eftas palavras de trifteza,
Nunqua ponha ninguém íua efperança.
Em peyto feminil, que de natura
Somente em fer mudável tem firmeza.
SONETO XV*
BUÍq Amor novas artes,&novo engenho
Para matarme, ôc novas efquivanças.
Que naõ pode tirarme, as efperanças.
Pois mal me tirará, o que eu naõ tenho.
Qlhay de que efperanças me mantenho,
Vede que perígofas feguranças,
Qiie naõ temo conítraítes, nem mudanças.
Andando em bravo mar, perdido o lenho.
Masco quanto naõ pode haver deígoílo.
Onde efperança falta, lá mo efconde
Amor num mal, que mata, & naõ íe vé.
Que dias ha que n'alma me tem poílo,
Hum naó íey quCj que nafce^ naõ fey donde.
Vem, naó íey como^ & doe, naõ íey porque,
SONETO XVI.
QUem vé, fenhora, claro, & manifefto
O lindo fer de voíTos olhos bellos,
Senaó perde aviíla fó em vellos.
Já naõ paga, o que deve a voíTo geílo.
Eíle me parecia preço honeílo,
Mas cu porde ventagem merecellos,
Dcy mais a vida, & alma por querellos.
Donde jà me fica mais de refto.
Afii que a vida^ & alma, & efperança,
E tudo quanto cenho, tudo hevoíTo,
E o provey to diíTo eu fó o levo:
Porque he tamanha bemaventurança,
O darvos quanto tenho, & quanto poflb,
Qiie quanto mais vos pago, mais vos devo."
Aíi SO-
4^
Rimas do Grande Luis de Camões,
SONETO XVH. SONETO XX.
QUando da bella viíla, Sc doce rifo
Tomado eftaó meus olhos mãtiméto^
Tao enlevado finco o peníamcnto,
Que me faz ver na terra o paraizo.
Tanto do bem humano eítou divifo,
Que quaquer outro bem julgo por vento, .
Aíli que em caio tal, fegundo fentoi
Alíazde pouco faz,quem perde o íizo,
Em vos louvar fenhora, naõ me fundo,
Porque quemyoíTas coufas claro íentc.
Sentirá que naó pôde conhecellâs.
Que de tanta eftranheza íois ao mundo,
Que não he de eftranhar., dama excelétej
Que, quem vos fez, fizefle Ceo^ & Eílrellas.
SONETO XVllI.
D Oces lembranças da paíTada gloria^
Qiie me tirou Foruna roubidora,
Deyxaymerepoufarem paz húahora
Que comigo ganhais pouca vitoria.
ImpreíTa tenho n'alma larga hiítoria
DeflTe paííado bem, que nunqua fora ,
Qu fora^ & naõ paíTára mas já agora
Èm mi naõ pode haver mais que a memoria.
Vivo em lembrãças, morro de cíquecidoí
De quem íempre devera íer lembrado,
Se lhe lenâbràra eíladotaô contente.
Oh quem tornar pudera a fer nafcido !
Souberamc lograr do bem paíTado,
^e conhecer foubera o mal preíente,
SONETO XIX.
\ Lma minha gentil^ que te partifte
Jr\, Tam cedo defta vida defcontente,
Repouta là no Cco eternamente,
E viva eu cà na terra fempre triíte.
Se lano aíícntoethereo,ondc fubifte^
Memoria defta vida feconfente,
N?íô te efqueças d*aquelle amor ardente.
Que jà nos olhos meus taó puro vifte.
E íe vires, que pôde merecer te
Algua couía a dor, que me ficou
Da magoaífem remédio de perderte ;
Rogç^aDeoSj que teus annos encurtod,
Que taiõ cedo de cà me leve a verte,
Quam cedo de meus olhos te levou.
NUm bofque, q das N infas fe habitava,
• Sybila Nmfa linda andava hum diaj
E fobida n'uma arvore lombria.
As amarellas flores apanhava.
Cupido,quealli fempre coftumava
A vir paííar a fetta à íombra fria,
N um ramo o arco,& fetas, que trazia, )i
Antes, qne adormccefle pendurava,
A Ninfa, como idóneo tempo vira^
Para tamanha empreza, naõ dilata, B
Mas com as armas toge ao mo(,'0 cíquívo.
Asfetas traz nos olhos, com que tira,
Oh paftores fugi, que a todos mata,
Scnaó a mi, que de matarme vivo.
SONETO XXL
O^
S Reynos, & os Impérios poderofos^
Que em gradeia no mudo mais creíceraõ,
Ou por valor de esforço florecèraó.
Ou por ví^rões nas letras elpantofcs. j
í eve Grécia Thcmillocles famoíbs.
Os Scipiocsa Koma engrandecerão.
Doze pares a França gloria deraõ,
Cidtb a Eípanha,& Laras bellicofos.
Ao noflb Portugal (que agora vemos
Tam differentede leu ler pmr-eyro}
Os voílosdcraó honra, & liberdade.
E em vòs graõ fuceílor , & novo erdeyro,
DoBragançaõ eftadohamil eitremos,
Iguais ao íangue,ôc mores, que a idade.
SONETO XXII.
(dança,
DE vós me âparto,6 vida, & em tal mu-
Sinto vivo da morte o íentimento,
Naõ ley para que he ter contentamento.
Se mais ha de perder, quem mais alcança.
Mas douvos efta firme fegurança,
Que pofto que me mate meu tormento,
Polas agoas de eterno eíquecimcnto,
Segura paílarà minha lembrança.
Antes íem vós meus olhos leentrifteção,
Que com qualquer couía outra fe cõtencemj
Antes os eíqucçais, que vos cfqueçáo.
Antes neha lembrança (c atormentem^
Que com eíquecimcnto deímereçáo
A gloria, que cm foírcr lal penalentem.
SO^
I
Rimas do Grande Luis de Camões^ i^
SONETO XXIII SONETO XXVI. ^
Ara minha inimiga em cuja «laõ
_j Poz meus contentamentos a ventura,
'altouteati na terra fepultura,
'orquc me faltea rni coníolaçáo.
Eternamente as agoas lograrão,
tua peregrina formofura.
Ias cm quanto me a mi a vida dura,
íempre viva em mmh^alma te acharáó,
E fe meus rudos veríos f òdem tanto,
^ |ue polTaõ prcmetcrte longa hiftoria,
.Daquclle amor taó puro,& verdadeyro :
Celebrada feras lempre em meu caoto,
'orq em quanto no mundo ouver memoria,
lerá minha cfcritura teuktreyro.
SONETO XXIV.
Qiiclla triftc, 6c leda madrugada,
.Chca roda de magoa, & de piedade,
.m quanto cuver no mundo íaudade
[ueroquefeja íempre celebrada^
Ella lo quando amena, & marchetada
Jahia dando ao mundo claridade,
io apartaríe de húa outra vontade,
le nunca poderá veríe apartada.
ElUíó vio as lagrimas em fio,
kiede huns^ôc de outros olhos dírivadas,
Jeacrefcentaóem grande, ôclargo no,
Ella vio as palavras magoadas,
jQue puderaõ tornar o fogo frio,
dardeícan^o ás almas condenadas,
SONETO XXV.
SE quando vos perdi minha eíperança,
A memoria perdera juntamente,
Do doce bem paífadojgc mal prefente,
Pouco ftntira adorjdetal mudança:
Mas amor, em quem tinha conFi*ança,
Mereprefenra nriuy miudamente,
Quantas vezes me vi ledo, & contente^
Por me tirar a vida cita lembrança.
Decoufas, de que naó havia final,
Porás ter poftas jáemeíquccimento,
Dcílas me vejo agora perieguido^
Ahduraeflrellaminhaiah gramtorméto!
Que mal pôde fcr mòr, que no meu mal
Ter lembrancja db bcm,que he já perdido >
1"^ M fermoía Letheafe confia,
^ Por onde a vaidade tanto alcança^
Que tornada em íoberba a confiança,
Com os Deofes ccleftes competia.
Porque naô foííe avante a oufadia
CQue naícem muytos erros da tardança);
Em effcytopuzeraõ a vingança,
Que tamanha doudiçe merecia.
MasOleno perdido por Lethea,
Naò lhe fofrendo amor, que íoportaíTe
Caftigoduro tanta krmofura y
Quiz padecerem fia pena aihea^
Mas porque a morte o amor naó apartaíTcj
Ambos tornados íaõ em pedra dura.
SONETO XXVII.
M Ales, que contra mi vos conjuraftes.
Quanto ha de durar taó duro intéto ?
Se dura porque dura meu tormento ?
Bi ílevos quanto já me atcrmentaíles,
Masfeaíli porfiais^ porque cuydaltes
Derrubar meu taó alto penfamento,
Mais pôde a cauía delle, em que o fuítento.
Que vós, que delia irefmao íertomaftes.
E pois voflatençaó com minha morte,
Ha de acabar o míil dcíles amores^
Day já fim a tormento taó comprido :
Porque de ambos contente íeja a íorte.
Vós, porque me acabaítes, vencedores,
Eeu, porque acabey de vós vencido.
SONETO XXVUí.
EStaffc a Primavera trasladando
Emyofíavifta deleytora,& honefta.
Nas lindas faces, & olhos, boca, & tefta»
Boninas, Lírios, Roías dibuxando.
De lortcvoíTogéfto matizando,
Natura quanto pôde manifcíta.
Que o monte, o campo^ o rio, & a floreAa,
Se cHaó de vós , fenhora namorando.
Se agora naó quereis^ que quem vos ama,
Polia colher o fruyto defias flores,
Perder áõ toda a graça voflos olhos :
Porque pouco aprovcyta, linda dama,
Que femcaílc amor cm vós amores,
Se voíTa condição produze abrolhos.
SO-
Rimas do Grande Luis [de Camões.
^ SONETO XXIX. SONETO XXXII.
SEte annos de Paílor Jacob ícrvía,
Labão, pay de Rachel^ ferrana bella,
Mas naó fervia ao pay, fervia a ellai
que a ella fó por premio pretendia,
Os dias na cfperança de hum íó dia
Pa/íava, contentandolecom vellaj
Porém o pay ufando decautella,
Em lugar de Rachel, lhe dava Lya,
Vendo o trifte Paltor, que com enganos
Lhe fora aíli negada fua Paftora,
Como íe a naó tivera merecida;
Começa defervir outros fcteannos_,
DÍ2cndo»mais íervira^ fenáo fora
Para taõ longo amor taõ curta a vida,
SONETO XXX.
EStà o lafcivo, & doce PaíTarinho,
Com o biquinho as peoas ordenando,
O verfo feni medida^ alegre^ & brando
Expedindo no ruftico raminho.
O cruel caçador^ que do caminho
Se vem calado, & manío,defviando.
Na pronta vilta a fetacndereytando.
Em morte lhe converte o caro ninho.
Defta arte o coração^ que livre andava
(Pofto que jà de longe deftinado^
Onde menos temiaj foy ferido.
Porque o frecheyro cego sne eíperava,
Para que me tomaíle deícuydado^
Eni voíTos claros olhos cfcondido.
SONETO XXXí.
1^ Edeo defejoj dama, que vos veja,
, Naõ entende, o q pede, eft á enganado,
He cfte amor tam fíno^ & taó delgado,
Que quem o tem ^ naô íabe, o que deíeja.
Naõ ha ahi coufa^ a qual natural feja^
Que naõ queyra perpetuo feu eftado^
Naõ quer logo o dcftjoodefcjadOj
Porque naõ falte nunqua onde fobeja.
Mas efte puro aííefto cm mi fe dana.
Que como a grave pedra tem por arte,
O centr® deíejar da natureza,
Aííi o peníamcnto pela parte.
Que vay tomar de mi terreítc, & humana,
Foy, fcnhora, pedir cfta bay xeza.
POrque quereis, fenhora, que oífereça
A vida a tanto mal, como padeço*
$e vos nafcedo pouco, que mereço,
Bem por nafccr cftá, quem vos mereça,
Sabeyem fim, por muyto, que vos peça.
Que polfo merecer, quanio vos peço.
Que naó confente amor, q em bayxo preço,
Tana alto penfamento íe conheça.
Aíli que a paga igual de minhas dores.
Com nada fcreítaura, mas devei(ma.
Por fcrcapaz de cantos disfavores.
E fe o valor de voíTos fervidores.
Houver de íer igual com voíco mcfma.
Vos íó com vofco meíma anday de amores,
SONETO XXXIII.
E tanta pena tenho merecida,
Em pago de íofrer tantas durezas,
Provay, fenhora,em mi volTas cruezas,
Qiie aqui tendes húa alma oíFerecida,
N cila efperi menta y, fe foij fervida,
Deíprezos, disfavores, ôcaíperezas,
Qiie mores fofrimentos, & firmezas
Suftentarcy na guerra defta vida.
Más contra voíTos olhos, quaes ferão?
He forçado, que tudo fe lhe renda,
Mas porey por cfcudo o coração:
Porque em taõ dura^ & afpera contendi
He bem, que pois naõ acho defenfaõ,
Com me meter nas lanças me defenda» !
SONETO XXXIV. l
t,
QUando o Sol encuberto vay moftrãdo» ;i
Ao mundo a luz quieta, & duvidofa, ^i
Ao longo de húa praya deleytofa.
Vou na minha inimiga imaginando.
Aqui avi os cabellos concertando,
Alli CO a mâo na face tão fermofa.
Aqui fallando alegre, alli cuydofa,
Agora eftando queda, agora andando»
Aqui eileveaííentada, alli me vio,
Erguendo aquelles olhos cam izentos.
Aqui movida hum pouco, alli (cgura,
Aqui fe entrifteceo. alli íe rio.
Em fim neftes canfados pcnfamentos^
PaíToeíta vida vam,quefempredura.
SO.
Rimas do Grande Lms de Camões,
SONETO XXXV.
HTJm mover de olhos brado, Sipiedofo
Sem ver de q,hii riío brãdo,& honeílo,
Quafi forçado,hum doce,& humilde gcílo
De qualquer alegria duvidoío.
Hum deípejo quieto,& vergonhofo.
Hum rcpoulo graviílimo, & modefto,
Húa pura bondade, manifello
Jndicio d'alma, limpaj& graciofo.
HuTi encolhido ouíar, hua brandura.
Hum medo fem ter culpa, hum ar íereno.
Hum longo,&obtídicnce fotriraento:
Efta foy a celefte fcrmofura
Da minha Circe, & o magico veneno,
Que pádetiansíòrmar meu pcníamento.
SONETO XXXVI.
Omoume voíTa vifta íoberana,
Adonde tmha as armas m^is à maõ^
^or moftrar, que quem buíca defenfaó
,oncra elíjs bellos olhos, que fe encana.
Por ficar da vitoria mais ufana,
>eyxoumc armar primeyro da razaõ :
)uydey de me falvar, mas foy em vaõ,
jue concia o Ceo naó vai defenía humana.
Mas porém fe vos tinha prometido
O voíToalto dcítinocíta vitoria.
Serves tudo btm pouco eftà íabido •
Qj.ie poilo que eftivefl^c apercebido,
Naó levais de vencerme grande gloi ia»
Mayor a levo eu de fer vencido.
SONETO XXXVIL
NAõ pafles caminhâfe, que me chama?
Húa memoria nova,6Í nunca ouvida,
De hum,que trocou finira^ & humana vida
Por divina, infinita, & clara Fama,
Quem he,que taõ gentil louvor derrama?
Quem derramar feu fangue naó duvida,
Por feguira bandeyra eíclareciia
De hum capitão de Chnfto, que mais ama.
Ditoío fim, ditcfo facrificio^
Que a Deos íc fez,& ao mundo juntamente,
Apregoando direy taó alfa forte.
Mais poderás contar a toda a gente,
Que femprc dto fua vida claro indicio,
De vir a meiecer taõ fanta morte.
SONETO XXXVIII.
FErmofos olhos, que na idade nofTa
Moftrais do Ceo certiHimos fma»s,
be quereis conhecer quanto poílais,
Olhaymea mi, quefoufeytura voUa.
Vacis, que de viver me deíapoíía
Aquelle riío, com que a vida dais.
Vereis, conno de amor naô quero mais»
Por mais que o tem po corra,& o dano pofla,
£ le dentro ncíta alma ver quikrdes.
Como num claro efpclho, alh vereis
Também a voíTa angélica, & fcrena :
Mas eu cuydo, que fó por naó me verdes,
Vervosem mi, lenhora, naõ quereis.
Tanto goft o levais de minha puia.
SONETO XXXlX
OFogo,quc na branda cera ardia.
Vendo o rofto gentil, q f u nalma vejo
Seacendeodeoutroto^o dodtfejo.
Por alcançar a luz, que vence o dia.
Como dedous ardores íe encendia.
Da grande impaciência fez defpejo,
E remetendo com furor íobejo.
Vos foy beyjar na paite onde fe via.
Ditofa aquella flama, que fe atreve
Apagar feus ardores,6c tormentos.
Na vifta, de que o mundo temer deve,
NamoraÕfe, fcnhora, os elementos.
De vòs, & queyma o fogo aquella neve,
Que queyma corações, 6c peníamcntos,
SONETO XL.
A Legres campos, verdes arvoredos,
Claras^ & frefcas agoas de criftal.
Que em vos os dibuxais ao natural,
Difcorrcndo da altura dos rochedos.
Silvertrcs montes, afperos penedos,
Compoítosem concerto dcfigual,
Sabey, que fem licença de meu mal,
Jà não podeis fazer meus olhos ledos.
E pois me já não vedes como viftes.
Não me alegrem verduras ddeytoías.
Nem agoas, que correndo alegres /cm.
Scmcítrcv cm vòs lembranças trules,
Regandovos com Ingriraas faudofas,
£ nafceráó fau dades de meu bem*
SO.
Rimas do Grande Lu is de Camêes.
SONETO XLI.
QUantas vezes do fuío fe efquecia
Daliana banhado o lindo ieyo^
Tancas vezes de hum afpero reccyo,
Salceado Laurenio a cor perdia.
Ella, que a Silvio, mais que a íl queria,
Para podelo ver não tinha meyo :
Ora como curará o mal alheyo,
Quem o Ccu mal taô mal curar fabia ?
Elje, que vio taô claro elta verdade,
Com íoluços di2ia(que a elpeííura
Como via de magoa a picdade^)
Como pôde a defordcm da natura
Fazer taó diíferentes na vontade,
A quem fez taõ conformes na ventura ?
SONETO XLII.
Lindo fútil trançado, que ficafte
Em penhor do remcdio, que mereço^
Se íó contigo, vendoce,endoudeço.
Que fora cos cabellos, que aperraíte ?
Aquellas tranças de ouro, que ligafle.
Que os rayos do Sol tem em pouco preço,
Naõ fey, íe para engano, do que peço^
Se íó para me atar os defaraíVe,
Lindo trançado,em mmhas mãos te vejo,
E por íatisfaçaó de minhas dores,
Como quem não tem outra, hey de tomarte,
E fe naó for contente meu deíejo,
Dirlhchey,que nefta regra dos amores,
Pelo todo também íe toma a parte.
SONETO XLIII.
OCiíne quando fente íer chegada
A hora, que põem termo a (ua vida,
Muficacom voz alta,& muy fubida
Levanta pclapraya inhabitada,
Defeja ter a vida prolongada,
Chorando do viver a delpcdida.
Com grande faudade da partida,
Celebra o trifte fim deita jornada.
Aííi, minha fcnhora, quando via
O triíte fim, que dayaõ meus amores,
Eftando poíto jà no cílrcmo íio.
Com roaisi fuave canto, & armoaia
Dcfcantey pelos voflosdisfavorcs»
La vueftrafalfa fé, y cl amor mio.
SONETO XLIV.
PElos extremos raros, que moílrou
Em faber Palias, Vénus em fermofa,
Diana cm caíta, Juno cm animofaj
Africa,Europa, & Aíia, as adorou.
Aquelle fabcr grande, que ajuntou
Eípnto, & corpo em liga generofa,
Eira mundana ooachma luitrofa.
De íó quatro Elementos fabricou.
Mas mór milagre fez a natureza
Em vós, ienhoras, pondo era cada hu3,
O que por todas quatro repartio,
A vos feu refplandor deu Sol, & Lua,
A vós coro viva luz, graça, & pureza.
Ar, Fogo,Terra,& Agoa vos íèrvio,
SONETO XLV.
TOmsva Deliana per vingança
Da culpa do pallor, que canto amava.
Calar coro Gil vaqucy ro, & em íi vingava
O erro alheyo, & pcríida «rfquivança.
A difcriçáo fcgura, a confiança.
As rofas,quc leu rofto dibuxava,
O defcontcntarocnto lhas fecava,
Qiietudo muda hua aípcra mudança.
Gentil planta difpoíta em feca terra,
Lindo fruy to de dura mam colhido.
Lembranças d'outio amor, & íe perjura;
T ornáraõ verde prado em dura íerra,
Interelle enganofoj amor fingido,
Fizcrão dcíditofa a fermoíura.
SONETO XLVL
GRam tempo ha jaqfoubc da ventura,
A vida, que trc tinha dcftinada^
Que a longa experiência da paíTada,
Me dava claro indicio da futura.
Amor fero, cruel, Fortuna cícura^
Bem tendes voífa força exprimentada,
Aílolay^ deftruy, naó fique nada,
Vingayvosdcíla vida, que indadura.
Soube amor da ventura, que a naõ tinhaj
E por que maig fennffe a falta delia.
Deimagés impoíiiveis me mantinha.
Mas vós,rcnhora» pois q minha eílrella
Naó foy melhor, vivey ncila alma minha,
Que naõ tem a Fortuna poder nclla.
SOi
Rimas do Grande Luis de Camões,
í
SONETO XLVII.
SE algua hora em vós apiedadc,
De taó longo tormento íe fentira,
Naó confcncira amor, que me partira
De voíTos olhos, minha íaudade.
Aparteymcdcvós, masavontade>
Que pelo natural n*alma v©s eira,
ie faz crer, q uc cft a auícncia he de mentira ,
[as ainda mal porém, porque he verdade.
Irmchey,fcnhora, & ncfte apartamento,
Tomaràô triftes lagrimas vingança
jNos olhos, de quem foftes mantimento:
E afli darcy vida a meu tormento,
Quccm fim me achará minha lembrança
íepultado no voflb cfqiieciíncntOé
SONETO XLVIII.
Como fe me alonga de anno em anno
A peregrinação canfadaminhal
)omo fe encurta, & como ao fim caminha
Efte meu breve, &vaódifcurfo humano!
Vayfe gaitando a idade, & creíce o dano,
^erdefeme hum remédio, quemdatiqha,
\t por experiência fe adivinha,
ilquer grade efperáça he grande engano.
Corro a poz eftc bem, que oaõ fe alcança,
Io mcyo do caminho me fallece,
lil vezes cayo, & pscrco a confiança :
;' Quando cUe foge, eu tardo, & na tardãça
le os olhos ergo a ver fe inda aparece,
)a vifta fe me perde, & da cfpcrança,
SONETO XLim
Empo he jà que minha confiança
Se dcça de húa falia opinião,
las íe amor naõ íc rege por razaó,
íaõ poíTo perder logo a efperança:
A vida íi, que húa afpera mudança
Naó dcyxa viver tanto hum coração,
E cu na morte tenho a falvaçaó»
Si,mas quem a defcja naó a alcança*
Forçado he logo^ que eu efpere,& viva,
Ah dura ley deamor, que naóconfente.
Quietação n'hua alma, que hc cativa.
Se hcy de viverem fim forçadamente.
Para que quero a gloria fugitiva,
D'híia cfpcrança vãa, que me atormenta f
I.Fart.
SONETO L.
.jí^áô
A Mor, coaeíperançâ já perdida^
Teulobcrano tempío vifitey.
For final do naufrágio, que pafiey.
Em lugar dos veítidos puz a vida.
Que queres mais de mi,que deftryhidá
Me tensa gloria toda, que aícancey?
Naó cuydcsdeforçarme,quenaõícy
Tomar a entrar onde naó ha fahida.
Vés aqui alma, vida, & cfpcrança,
Difpojos doces de meu bem paíTado,
Em quanto quiz aquella, em quem eu mòro^
Nella podes tomar de mi vingança,
E fe inda naó cftás de mi vingado,
Contentate co as lagrimas, que choiOi
SONETO LL
APollo, & as nove Mufas deícantanddi
Com a dourada lyra me influyam
Na fuave armooia, que faziaõ j
Quando tomcy a pena^ começando:
Ditofo feja o dia, & hera quando
Tam delicados olhos me fcrião,
Ditofosos fentidosj que fentiaó,
Eftarfc em íeu defejo trafpaflando,
Alll cantava , quando amor viroU
A roda á efperança, que corria,
Tam ligeyra, que quaíi era invifivel,
Con vcrtcoíeme cm noy te o c laro diaj
E fe algCia efperança me ficou.
Será de mayor mal, fe for poílivel.
SONETO UI.
IEmbranças faudofas, fccuydais
^ De acabara vida nellc cUado,
Naó vivo com meu mal tam enganado^
Que naó efperc delle muyio mais.
De muyto longe já me coftumais
A viver de algum bem defefperado,
Jà tenho CO a Fortuna concertado
De íofrer os trabalhos, que me dais,
Atada ao remo tenho a pacienciai
Para quantos defgoftos der a vida.
Cuyde em quanto quizer o peníamcntô^
Que pois não ha ahi outra rcfifteneia.
Para tam certa queda de fubida,
Apararlhchcy debayxo o fefrimento.
B SO-
to
Rimas do Grande Luis de €éímÔe$,
SONETO LIIL
APartavafeNiíe deMontanOj
Em cuja alma partindofe ficava,
Que o paílor na memória a dibuxava,
Por poder luítentaríe deíle engano.
Pelas prayas do Indico Occeanoi
Sobre o curvo cajado fe cncoílava,
E Oí olhos pelas agoas alongava, .
Que pouco fe dohiaõ de fcu dano^ siimol
Pois coai tamanha magoa, 5c íaudadé
(Dizia) quizdeyxarmeacm que eu moro,
For tcltemunhas como Ceo,& Eítrellas:
Mas fe em vós ondas mora piedade,
Levay também as lagrimas, que choro,
Fois aíll fn« levais a caufa delias.
SONETO LlV.
QUando vejo, que meu deftino ordena^
Que por me cxprimêrar d'vôs m'aparte,
Deyxandodemeu bem taõ grande parte, ,
Queamefma culpa fica grave pena.
O duro distavor,que me condena.
Quando pela memoria fe reparte,
Endurece os fentidos de tal arte.
Que a dor d'aurencia fica mais pequena.
Pois como pôde fer, que na mudança
D'aquillo, que mais quero, cfté raõ fora,
De me oaõ apartar também da vida.
Eu refrearey taô afpera efquivança,
Porque mais fentirey partir, fenhora,
Sem íencir rauyto a pena da partida,
SONETO LV.
DEpois de tantos dias mal gadados,
Depois de tátasnoytes mal dormidas,
Dt^pois de tantas lagrimas vertidas,
Tantos íufpiros vãos vãmente dados.
Como naô foís vòs já defengs nados,
Deícjos, que decoufas efquecidas
Quereis remediar mortaes feridas,
Que amor fez fem remedío,o têpo,os Fados?
Se naò ti vereis já experiência
Pas fem razões de a mor^ aquém ferviftes,
Fraqueza fora em vós a refiltencia,
Mas pois por voífo mal íeus males viíles,
Que rempo naó cuiou, nem longa aufencia,
Quebemdelkefpciais dcíejos triítes?
SONET^O LVI.
NAyadesvós^queos rios habitais,
Que os íaudoíos campos vaõ regando,
De meus olhos vereis eftar manando
Outros, que qaafi aos voíTos faó iguais:
Driades, vós que as fetas atirais.
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triunfando,
Derribaõ corações, que valem mais,
Deyxay logo as aljayas^ & agoas frias,
E vinde Ninfas minhas, íc quereis
Saber como de hus olhos naícem magoaf.
Vereis como fe paífaó em vaõ, os dias
Masnaó vireis em yaó, que càachareis.
Nos feus as fetas, & nos naeus as agoas.
SONETO LVII. í
MUdaôfe os tépos,mudaõfe as vótadcs
Mudafe o íer, mudaíe a confiança.
Todo mundo he compofto de mudança,
Tomando íempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
DiíFcrences em tudo da cfperança
Do malj ficaó as magoas da lembrança,
E do bera (fe algum houve) as faudades. )
O tempo cobre o chaõ de verde roanto^
Que jà cuberto foy de neve fria,
E em mi converte em choro o doce canto,
E a fora eí^e mudarfc cada dia.
Outra mudança faz de mór efpanto.
Que naõ fe muda já como fohia.
SONETO LVIII. '
SE as penas, có q amor taó mal me trats^
Quizer, que tanto tempo viva delias.
Que veja efcuro o lume das eft relias.
Em cuja vifta o meu fe acende , & mata»
E fe o tempo, que tudo desbarata.
Secar as frcfcas roías fem colhcUas,
Moftrandoa linda cor das tranças bel laS|
Mudada de ouro finoem branca prata.
Vereis, fcnhora, entaõ também mudado
O penfamento, & afpereza vofla.
Quando naõ firva jâ lua mudança»
Sufpirareis cntaô pelo paíTado,
Em tempo, quando executar íe poíTa,
Em voíTo arrepender minha vingança.
SO«
fl
Rimas do Grande Luís de Camoesl
n
SONETO LIX. 7
QUem jaz no gram fepulcro, q defcreve
Tam lUuftrts Unais no forte eícudo?
Ninguetri, que niflo em fim íe torna tudo.
Mas toy, quem tudo podcj & tudo teve.
Foy Rcy,fez tudo quanto a Rey le deve.
Foz na guerra, & na paz devido eltudo.
Mas quaõ pelado íoy ao Mouro rudo.
Tanto lhe feja agora a terra leve*
Alexandre ierà, ningutmíe engane,
Que íuftentar, mais que adquirir fc eftimaj
Será Adriano gram fcnhor do mundo?
Mais observante foy da ley de cima.
HcNumar Numanaõ, mashejoanne,
L)c Portugal Terceyr o, fem íegundo.
SONETO LX.
Uem pôde livre ler, gentil fenhora,
Vende vos com juízo íoflegado^
>c o minmo, que de olhos he privado,
4as mininasídosvoíTos olhos mora?
Alli manda, alli reyna, alli namora,
\\\\ vive das gentcsvenerado,
)ue o VIVO lume, 6c o rofto delicado,
Imagés faõ de amor em cod'a hora.
Quem vé, q ena bráca neve nacem roías^
Que fios crtlpos de ouro vâo cercando,
be por entre eíia luza villa paíTa,
Hás rayos de ouro vé, que as duv idofas
Almas eftao no peyto traípaffando,
AíTi como hum crittalo Sol traípalla,
SONETO LXL
C"> Omo fizejfle, Porcia, tal ferida,
j Foy voluntária, ou foy por innocêcia ?
Mas foy tazer amorcxperíenciaj
Se podia fofrer rírarme a vida,
E com teu próprio íangue te convida
A naò pores à vida refjílencia?
Andorae coftumando á paciência,
Porque o temor a morte naõ impida.
Pois porque comes logo fogo ardente.
Se a ferro te coftumas? porque ordena
Amor, que morra, 6c pene juntamente,
E tens a dor do ferro por pequena?
St , que a dor coftumada naõ fc fente,
E eu náo quero a morte fem a pena.
J.Fart,
SONETO LXII.Í
DE taô divino acento,6c voz humana,
De taô doces palavras peregrinas.
Bem ícy, que minhas obras naôíaodmas
Que o rudo engenho meu nriedeíu^gana.
Mas de voflos cfcritos coríe,ík mana
Licor,que vence as agoas Cabalínas,
E com vofco do Tejo as flores finas,
Faràõ eovcjaàcopia Mantuana.
E pois a vòs, de li náo íendo avaras.
As filhas de Muemcfine formola,
Fartes dadas vos tem ao mundo caras :
A minha Mula ,& a voíTa taô famofa.
Ambas pofTo chamar ao mundo raras,
A vofladcalta, a minha de envejola*
SONETO LXIII.
j
DEbayxo defta pedra eftá metido,
Das fanguinoías armas defcanlado*
O Capitão ilíuftrcaífinalado^
Dom P^ernandode Gaftro eíclarecido.
Por todo o Oriente taò temido,
E da en veja da Fama taõ cantado,
Efte pois íó agora íepultado,
Eftáaquijáem terra convertido,
Alegrate^ò guerreyra Lufiiania,
Por efte Viriato^ que criafte,
E chora o perdido eternamente.
Exemplo tonia niílo de Dardania,
Que fea Roma comelleaniquilafte.
Nem por iílo Cai tagoeftà contente»
SONETO LXIV.
QUe vençais no oriente tantos Reys,
Que de novo nos deis da Índia o eAadoí
Qiie eícureçais a Fama, que ganhado
Tinhaó , os que a ganharão a infiéis:
Q_ue do tempo tenhais vencido asleys
Que em tudo tm fim vêçaís,co tépo armado.
Mais he vencer na pátria deíarrradOj
Os monftruos,& as chimeras,quc venceis :
E aíli fobre vencerdes tanto imigo,
E por armas fazer,que fem fegundo
VolTo nome no mundo ouvido fcja :
O que vos dà mais nome inda no mundo,
He vencerdes^fenhor, no Reyno amigo.
Tantas ingratidões, taõ grande mvcja.
Bi) SO.
ti
Rimas da Grande Lms de Carne f^
SONETO LXVJ
VO/Tos olhos, fenhora, que competem
Co Sol em fcrmoíura, & claridadci
Enchem os meus de tal Aiavidade,
Qiie cm Iprimas de velos fe derretera.
Mcusíentidos vencidos fefometem,
Aíli cegos a tanta mageítade,
E da trifte prifaó da efcundade,
Chcyosde medo poF fugir remetem.
Mas íe nifto me vedes por acerto
O afpero derprczo, com que olhais.
Torna aeípertar a alma enfraquecida.
Oh gentil cura, & eftranho dcfconcerto,
Que fará o favor , que vos naõ dais,
Quando o voíTo deíprezo torna ávida?
\
SONETO LXVÍ.
FOrmofura do Ceo, a nòs deícida,
Que nenhum coração deyxas izcnto.
Satisfazendo a todo penfamcnto,
Sem feres de nenhum bem entendida.
Que língua pôde haver taó atrevida.
Que tenha de louvarte atrevimento,
Pois a parte mayor do entendimento,
No menos, que ena ti ha, fe vé perdida.
Se teu valor contemplo, a melhor parte
VcndOj que abre na terra hum parailo,
O engenho me falta, o efprito mingua :
Mas o que mais me tolhe inda louvarte
He, que quando te vejo, perco alingua,^
E quando te naõ vejo, perco o fifo.
SONETO LXVIL
12) Oís meus olhos naõ caníaõ de chorar
. Tri ftezas, que naõ canfaõ de canfarme :
Pois naõ abranda o fogo, em que abrafarme
Pôde, quem cuja mais pude abrandar.
Naõ canfe o cego amor de me guiar,
A parte donde naõ íayba tornarme.
Nem deyxeo mundotododeefcutarme.
Em quanto me a voz fraca naõ deyxar.
E íc nos montes, rios, ou em vales.
Piedade mora, ou dentro mora amor,
Em feras aves prantas, pedras, agoas.
Ouçâo a longa hiftoria de meus males
Efcutem fua dor,com minha dor,
Que grandes magoas podem curar magoas.
\ SONETO LXVIII.
DAyme hCia ley, Senhora,de quercrvos,
Que aguarde íopena de enojar vos.
Que a fé, que me obriga a tanto amar vos,
Fará,que fique em ley de obedecer vos.
Tudo me defcndey, fcnaô íó vervos,
E dentro na minh*alma contemplarvos,
Que \Q aíli naõ chegar a contentarvos.
Ao menos que chegue aborrecervos.
E fe cíTa condição cruel, & efquiva.
Que me deis ley de vida naõ confente,
Dayma, fenhora jà, leja de morte:
Se nem eíTa me dais, he bem que viva, J
Sem íaber como vivo, triftcmente,
Mas contente porem de minha lorte.
SONETO LXIX.
i
11^ Erido fem ter cura perecia !
' O forte, & duro Tclepho temido, \
Por aquelle, que na agoa foy metido, \
A quem ferro nenhum cortar podia.
AoApollineo oráculo pedia,
Conielho para fer rtftituidoj
Rerpondeo,querornaíre a fer ferido.
Por quem o jà ferira, &fararia.
Aífi, fenhora, quer minha ventura.
Que ferido de vervos claramente, •
Com vos tornar a ver, amor me cura:
Mas he taõ doce voíTa fermofura.
Que fico como hidropico doente,
Que CO beber lhe crefce mòr íecura,
SONETO LXX.
NA metade do Ceo fubido ardia,
O claroAlmo paílor, quãdo deyxavão
O verde pafto as cabras, & buícaváo
A frefcura fuavc da agoa fria.
Com a folha das arvores fombria,
Do rayo ardente as aves ícamparâvaõ,
O modulo cantar, de que cefiavaó,
Sô nas roucas Cigarras fe fentia.
Quando Lifo paíior, num campo verde,
Natércia crua Ninfa íó bufcava.
Com mil íufpiros triítes, que derrama.
Porque te vas, de quem por ti fe perdCt
Para quem pouco te ama? (fui pirava^
O Eco lhe refponde, pouco te ama.
Rimas do Grande Lnis de Camões.
15
SONETO LXXL
IA a íaudoía Aurora deftoucava
0$ feus cabcUos de ouro delicados,
E as flores nos campos eímaltados^
Do cnftalioo orvalho borrifava:
Quando o fertnolo gado íe cípafta^va
De Silvio, & Laurente pelos prados,
Paftores ambos, & ambos apartados,
De quem o meímo amor naô íe apartava.
Com verdadeyras lagrimas Laurente,
Naó ley (dizia) òNinta delicada,
Forque naõ morre )à, quem vive aufentCi
PoiS a vida fem ti, naó prefta nada ?
Refponde Silvio, amor naó o conícnte,
Qucoffendeaseíperanças da tornada.
SONETO LXXII.
aUando de minhas magoas a comprida
Maginaçaõjos olhos me adormece,
Em lonhosaquellaalma me aparece
Que para mi íoy íonho nefta vida.
Là n'umafoledadc,onde eílenJida
A vífta pelo campo desfalece,
Corro para ellaj ôc cila encaõ parece,
Que mais de mi fe alonga compelida.
Bradoj naó me fujais fombra benína,
Ella (os olhos cm mi com brando pejo.
Como quem diz, que j á naõ pôde íer)
Torna a fugirme, & cu gritando, Dina,
Antes que diga Mene, acordo^ & veja,
Qiie nem hum breve engano poíTo ter.
V SONETO LXXIII.
SUrpiros inflamados, que cantais
A trifteza, com que eu vivi taõ ledo.
Eu morro, & naó vos levo» porque ey medo
Que 20 paííar do Lethes vos percais,
Eícritos para feropre jà ficais.
Onde vos moílraráõ todos co dedo.
Como exemplo de males, que eu concedo,
Que para aviíbde outros eílejais,
Em quem pois virdes falfas efperanças,
De Amor, 6c da Fortuna, cujos dí»nos
Algústeràó por bemaventuranças;
Dizeylhe, que os ferviftes muytos annos,
E que em Fortuna tudo íaó mudanças,
E que era Amor, naõ ha íenaó enganos.
SONETO LXXIV.
\
A Queila fera humana» que enriquece
Sua prefunptuoía tyrania.
Deitas minhas entranhas, onde cria
Amor hum mal, que falta quando crece,
Sencllap Ccomoflirou (orno parece}
Quanto moílrar ao mundo pretendia,
Forque de minha vida fe injuria?
Porque de rainha morte fe ennobrece?
Hora em fim íublimay vofla vitoria.
Senhora, com vencerme, & cativarme,
Fazeydiílo no mundo larga hiltoria:
Que por mais que vos veja maltiatarmei
Já me fico logrando defta gloria
De ver, que tendes tanta ae matatme,
SONETO LXXV.
Itofo íejaaquellc,que íómente
J Se queyxa de amoroías eíquivanças
Pois por ellas naó perde asefperanças
De poder algum tempo fer centcnte:
Ditofo íeja, quem cftando aulente,
Naó fente mais, que a pena das lembrançasi
Porque ioda que fc tema de mudanças.
Menos ie teme a dor, quando fe fente.
Ditoío feja em fim qualquer citado.
Onde enganos, defprezos, ôc izen ção.
Trazem o coração atormentado:
Mas ttíftc, quem fe fente magoado,
De erros, em que naó pode haver pcrdaõ.
Sem ficar n*alma a magoa do peccadg.
SONETO LXXVI
QtJem to flê acompanhando juntamente^
Por eCfes verdes campos a avefinba.
Que deípois de perder hum bem,quetinhat
Naó fabe mais, que coufa he fcr contente.
E Quem foíTcapartandoíe da gente,
Ella por companheyra, & por vizinha,
Me ajudafl^c a chorar a pena minha.
Eu a ella o pezar, que tanto fente.
Ditofa ave, que ao menos fe a natura
A feu pnmeyro bem naôdàfegundo,
Dalhe o íer triíte a feu contentamento.
Mas triftf, quem de longe quiz ventura,
Que para rcípirar lhe falte o vento
£ paratudo^ em Am, lhe falte o mundo.
SOÍ
^4'
Rimas do Grande Luis de Camhs,
SONETO LXXVií.
O Culto divinal fc celebrava
No templo, donde toda a creatura.
Louva o Fey cor divino, que a feytura,
Com ieu íagrado Tangue reílaurava.
Aili amor, que a tempo me aguardava,
Onde a vontade tinha mais ícgura
Niía celefte, & angélica figura
A viíla da razão meíaltcava, ,
Em crendo, que oJugar me defendia
E feu livre coftume naò íabendo^
Que nenhum confiado lhe fugia.
Deyxeyme cativar^ mas jà que entendo,
Senhora, que por voíío me queria,
Do tempo, que fuy livre, me arrependo.
SONETO LXXVIII.
LEdaferen idade deleytofa.
Que repreíenta em terra hum parayfo,
Entre rubis, & perlas doce rifo,
Debayxo deouroj&nevejcorderoía,
Prefcnça moderada, & graciofa»
Onde enfinando eftão defpejo, & fifo.
Que fe pôde por arte, Sc por a viío,
Como por natureza fer fermoía.
Fala, de quem a morte, & vida pende,
Rara, ftiave, em fim, fenhora, voía,
Rcpouío nella alegre, 6c comedido,
Eítas armas faõ, com quemerendc^
E me cativa Amor, mas naõ que poíía
Dcípojarmeda gloria de rendido.
SONETO LXXIX.
BEm fey Amor, q he certo, o que receo.
Mas tu porque có iíTo mais te apuras.
De manhoío mo negas, 6c mo juras.
Em teu dourado arco, 6c eu tocrco,
A mão tenho metida no teu feo,
E naõ Vf jo meus danos ás efcuras,
E tu com tudo tanto meaíTeguras,
Que me digo, que minto,& que me enleo,
Naõ fomente confinto nefte engano.
Mas inda to agradeço, & a mi me nego
Tudo, o que vejo, & finto de meu dano.
Oh podcrolo malj a que me entrego,
Quenomeyodojuílo deíengano.
Me pofla inda cegar hum moço cego.
SONETO LXXX.
COmo quando do mar tempeíluofo,
O marinheyro laíTo, 6c trabalhado,
D'hum nautr agio cruel jà íalvo anado,
Sò ouvic falar nelle o faz medroío.
E)U>x*»que cm que veja bonançofo
O violento mar, 6c loíTegado,
Naõ entre nelle mais, mas vay forçado.
Pelo rouyto incerelTecubiçofo.
Aífi, íenhora eu que da tormenta
DevoíTa vifta fujo, por falvarme.
Jurando de naó mais em outra verme:
Minh'alma, que de vòs nunca fe aufcnta,
Dame por preço vervos, faz tornarme^
Donde fugi tam perto de perderme.
SONETO LXXXI.
A Mor he hum fogo,que arde fcm fe ver,
He ferida, quedoe^ &naõ íefente,
He hum contentamento defcontente,
He dor, que deíatina íem doer.
He hum naõ querer mais,que bem querer,
He hum andar iolitario entre agente,
He nunqua contentaríe de contente,
He hum cuydar, que ganha em íe perder,
He querer elUr prefo por vontade,
Heíervira quem vence o vencedor,
He ter, com quem nos matajlcaldadc.
Mas como caufar pôde feu favor
Nos corações humanos amizade.
Se tam contrario a fi he o mefmo amor?
SONETO LXXXII. ^
SE pena por amarvosfe merece,
Quem delia livre eíta, cu quem izento?
Que alma, que razão, que entendimento
Em vervos fcnaó rende, 6c obedece»
Que mòr gloria na vida fe cíFerece,
Que ocuparíe cm vòs o peníamento?
Toda a pena crucl^todoo tormento,
£m vervos íenaó fcntCj mas eíqucce.
Mas fe merece pena» quem amando
Contino vos eftá, íe vos oífen Je^
O mundo matarey, que todo hc voflb.
Em mi podeis, fenhora, ircomeçando,
Qiic claro fe conhece, & bem fe entende,
Amarvos quanto devo, & quanto poílb.
so-
I
J^itnaí do Grande Luts de Camõesl
n
SONETO LXXXIII.
QUe levas cruel morte? hum claro dia,
A que heras o tomafte? amanhecendo,
Encendcs o que levas? naõ o entendo,
pois quem tofazlevar?qucmoentendíaé
Seu corpo quem o goza? a terra fria,
Como ficou íua luz? aaoy tecendo;
Lufitania, que diz? fica dizendo.
Em fim, naó mereci dona Maria, i
Matafte quem a vio já morta eílava.
Que diz o cruel amor ? falar naõ ouía^
E quem o faz calar? mmha vontade.
Na corte, que ficou? faudade brava:
Que hca là que ver? nenhúa coufa.
Mas fica, que chorar fua beldade»
SONETO LXXXIV.
ONdados fios de ouro reluzente,
Qucagora da mão bella recolhidos
Agora íobre as roías eílendidos,
Fazeis que fua belleza íe acrefcentc.
Olhos, que vos moveis taó docemente.
Em mil divinos rayos acendidos,
Se de cá me levais alma, & íentidos.
Que fora, íe de vós naõ fora aufente?
Honeílorifo, que entre amor fineza^
De perlas^ & coracs na ice, & perece.
Se n'alma em doces eccos naô o ouviíle?
Se imaginando fó tanta belleza,
D^fi, em nova gloria a alma íe eíquecCj
Que fera quando a vir ?ah quem a vitts»
SONETO LXXXV.
FOy jà num tempo docccoufa amar,
Em quanto ms enganava a eíperança,
O coração com efl:a confiança.
Todo fe desfazia em deíejarj
Oh vaõ, caduco, & dcbil cfperar.
Como íe defengana hua mudança!
Que quanto hc mór a bemaventurança,
Tanto menos fe crè, que ha de durar.
Quem jà fevio contente, & profperado^
Vendoíe em breve tempo em pena canta,
Razão tem de viver bem magoado.
Porém quem tem omundocxprimétadoj
Naõ o magoa a pena, nem o eípanta,
Que mal íe eftranharà o coítumado.
SONETO LXXXVI.
D Os illuítres antigos, que deyxaraõ.
Tal n0me,q igualou Fama á memoria.
Ficou por luz do tempo a larga hiítoria
Dos feytos, em que mais fe aílinalàraó,
Sefe com coufas deíles cotejarão
Mil voíTas, cada hiãa taõ notória,
Vencerá a menor delias a ojór gloria.
Que elles em tantos annos alcançarão,
A gloria íua foy, ninguém lha tome^
Segumdo cada hum vários caminhos,
cltítuas levantando no fcu templo.
Vós honra Fortugueza^ôc dos Coutinhos,
llluft re Dom Joaò^ com melhor nome,
A vós encheis de gloriaj & a nós de exemplo.
SONETO LXXXVU.
COnverfaçaõ domeílica aíFeyçoa,
Hora em forma de boa, & fà vontade,
Hora de hua amoroía piedade,
Sem olhar qualidade de peíToa,
Se defpois por ventura vos magoa
Com delamor, & pouca lealdade,
Logo vos faz mentira da verdade
O brando amor, que tudo em íi perdoa,
Naõ faô ifto,que fallo, conjeturas,
Que o penfamento julga na aparência.
Por fazer delicadas eícrituras,
Metido tenho a maõ na confcienciâ,
E naô fallo íenaó verdades puras.
Que me enfinou a viva experiência,
SONETO LXXXVIII.
Esforço grande igual ao peníamento,
Penfamentoscm obras divulgados,
E naõ em peyto tímido encerrados,
E desfeytos deípois em chuva, & vento j
Animo de cobiça bayxa izcnto,
Dino poriíTo íó de altos cftados.
Fero açoute dos nunqua bem domados
Povosdo Malabar íanguinolen to:
Gentileza de membros corporaes,
Ornados de pudica continência,
Obra por certo rara de natura.
Eftas virtudes, & outras muy tas mai9,
Dinas todas da fiomerica eloquência^
Jazem dcbayxo deita íepultura*
;!*í-
»v
so
í6
Rimas de Grande Luis de CantSesI
SONETO LXXXÍX.
NO mundo quiz hu tempo, q ícachafle
O bcíi}, q por acerto, ou forte vinha,
E por exprímentar, que dita tinha,
Quiz puea Fortuna em mi í'e exprimétaíTe.
Mas porque mcudeftino memoftraííe,
Que nem ter cfperanças me convinha>
N unca nefta taó longa vida minha,
Couía medeyxou ver, que deícjaíTe,
Mudandoandey coftun[ie,terra,&eílado,
Por ver fe fe mudava a forte dura,
A vida puz nas mãos de hum leve lenho,
Mas fcgundo o q o Ceo me tem m oftrado,
Já íey, que deite meu bufcar ventura,
Achado tenho já^ que naô a tenho.
SONETO XC.
APerfeyçaó, a graça, o doce g^yto,
A Primavera chea de frcícura.
Que fem pre em vós florece, a que a ventura^
E a razaõ entregarão cite peyto:
Aqucllecriftalino,8£ puroafpeyto,
Que em Ci comprende toda a fermofura,
O refpbndor dos olhos, & abrandura,
De que amor a ninguém quiz ter refpeyto:
Se iíto, que em vos íe vè, ver defejais,
Comodinodc veríe claramente.
Por mais, que vós de amor vos ízcntais.
Traduzido o vereis taõ bellamenre.
No meyodeíte elpiritOjOndeeílais,
Que vendovos fintais, o que elle fence.
SONETO XCI.
VOs, que de olhos fuaves, & fcrenos,
Com juíta caufa a vida cativais,
E que os outros cuydados condenais.
Por iníulfos, por bayxos, & pequenos.
Seinda do amor domefticos venenos.
Nunca porvaites* quero faybais.
Que he tanto mais o amor deípois que amais,
Quanto faõ mais ascaufas de fer menos.
E naõ cuyde ninguém, q algum defeyto.
Quando na cauía amada leaprefenta,
Poíía diminuir o amor perteytoj
Antes o dobrp mais, & fe atormenta.
Pouco, ík pouco deículpa o^ brando peyto,
Que amor com feus contrários fe acr£Ícenta.
SONETO XCII.
QUe poderey do mundo jà querer,
Qiie naquillo, em q puz tamanho amof^
Naò VI fenaó defgoíloj deíamor,
E morte em fim, que mais naõ pódc fer.
Pois vida me naõ farta de viver.
Pois já fey, que naó mata grande dor,
Sc coufa ha hi, que magoa de mayor.
Eu a verey, que tudo poíTo ver.
A morte a meu pefar me afíegurou.
De quanto mal me v^ha, já perdi,
O que perder o medo me eníinou:
Na vida,dcíamor fomente vi,
Na morte, a grande dor, que me ficou,
Parece, que para ilfo íó nafci.
SONETO XCIII.
à
PEnfamcntos, que agora novamente
Cuydados vãos cm mi rcfufcitais,
Dizeyme, ainda naõ vos contentais.
De terdes, quem vos tem taõ deícontente?
Que fantafia he efta, que preíente
Cada hora ante meus olhos me moftrais?
Com fonhos, &• com lombras atentais,
Quem nem por fonhos pôde íer contente? '
Vcjovos pcnfamentos alterados,
E naô quereis de efquivos declara rme ,
Que heiíloi^ue vos traz taó enleados.
Naõ me negueis, fe andais para negarme»
Queíe contra mi citais alevantados,
Eu vos ajudarey meímo a matarmc,
SONETO XCIV.
SE tomar minha pena em penitencia,
Do erroj em que cahio o pcnfamento,
Naõ abranda, mas dobra meu tormento,
A iito, & a mais obriga a paciência.
E fe húa cor de morto na aparência,
Hum efpalhar íuípiros vãos ao vento.
Em vós naõ faz, (^nhora, movimento.
Fique meu mal em voíTa confciencia.
Efe de qualquer aípera mudança.
Toda a vontade izenta amorcaltiga,
(Como cu vi bem no mal, q me condena,}
E fe em vos naõ íe entende aver vingança.
Será forçado(^pois amor me obriga)
Que eu íó de voíía culpa pague a pena,
SO*
à
Rimai do Grande Lu/s de Camõesl
n
SONETO XCV.
AQuelkj que de pura caílidade.
De fi melma tomou crutl vingança,
Por húa breve^ & fubita mudança,
Contraria àíua honra, & qualidade:
f Venceo a fermofura a honeílidade,
Venceo no fim da vida a eíperança,
Porque ficaíTe viva tal lembrança.
Tal amor, tanta fé, tanta verdade.
De fi, da gente, 6£ do mundo efquecida.
Ferio com duro fc^rroo brando peyto,
panhâdo em fangue a força do ty rano.
Oh eílranhaoufadia^eílranhofcyto,
Que dando morte breve ao corpo humano,
1 enha Tua memoria larga vidai
SONETO xcvr.
Os vertidos Elifa revolvia,
Qui lhe Eneas deyxára por memoria.
Doces dwfpojosda paíTa da gloria,
Doces, quando o íeu Faio o confentiaj
Entre elles a fermofa efpada viij
Que o mílrumcnto foy da triíle hiítoria.
Eco no qusm dw íi tinha a vitoria.
Com ella adi falando, lhe dizia:
Fermoía, Sc noya efpaia, fe íicaíle^
Sò para executares 05 enganos,
De quem te quiz dey xar em minha vida:
Sabe, que tu comigo te eoganaíie.
Que para me tirar de cantos daaos,
S obejame a triitcza da partida.
SONETO XCVII.
OQuaõ caro me cuíta o cntcnderté,
Molefto Amor, que fó por alcançarte
De dor em dor me tcs trazido a parte,
Onde em ti, ódio, & ira íe converte;
Cuydey, que par a cm tudo conhecerte,
Me naõ faltaíTe experiência, & arte,
I Agora vejo n'alm \ acrefcentarte
' Aquillo, queeracaufadeperderte.
Eíbvas taó fecreto, no meu peyto,
j Que eu mcfmo, que te tinhai naó fabia^
■ Qusmefenhorcn-asdeílegeyto:
Defcubriftete agora^ & foy por via,
Que teu defcobrimento, & meu defeyco.
Hum me envergonha, & outro me injuria.
1. Tare,
SONETO XCVIII.
SE defpois de cfperança taõ perdida,
Amor pola ventura coníentilTe,
Que ainda algua hora alegre viíTe,
De quantas tr iftes vio taó longa vida:
Hua alma já taó fraca, & taõ cahida.
Por mais alto, que a íorte me fubifle,
Isíaó tenho para mi, que confeniifTe
Alegria taõ tarde conlentida,
Naó tàó fomente Amor, me naÕ moftróu
Hum hora, em que viveíTe alegremente,
De quantas nefta vida me negou:
Mas inda tanta pena me confente,
Queco contentamento me tirou
O ^oílo d*dlgum hora íer contente,
SONETO XCIX.
ORayo criftalinõ fc eftcndia
i\'Io mundo, da Aurora marchetada.
Quando Nife paftora delicada,
Díiide a vida deyxavafe p<rcia
Dos olhos, com que o Sol tfcurecia,
Levando a viíla em lagrimas banhada.
De n, do Fado, 8c tempo magoada^
Pondo os olhos no Ceo^ aíli di zia:
Naíce fcreno Sol,puro, & luzente,
RerplândcceFermora,& roxa Aurora,
Qualquer alma alegrando deíconcente:
Que a minha, íabe tu, que deíde agora.
Já mais na vida a podes ver contente.
Nem taõ triíle nenhua outra paílora.
SONETO a
No mundo poucos annos,& canfados
Vivi, cheosde yil miíeria dura,
Foymetaócedo aluz dodiaefcura.
Que naó vi finco luftros acabados.
Corri terras, & mares apartados,
Bufcando à vida algum remedio,ou cura,'
Mas aquillo, que em fim naõ quer ventura»
Naõ noalcançaõ trabalhos amfcados.
Crioume Portugal na verde, & cara
Pátria minha Alam-quer, mas ar corruto»
Que neíle meu terreno vafo tinha.
Me fez manjar de peyxes,em ti bruto
Mar, que bates na Abafia fera, & avara,
Tam longe da ditofa pátria minha,
C SOj
iS
Mimas do Grande Luis ie Camões^
SONETO Cí.
QUe me quereis perpetuas faudades,
Com queeíperança ainda me enganais?
Que o tempo, que íe vay, não torna mais^
E fe corna, não tornaô as idades :
Razaó hejàòannos, que vos vades,
Porque eftes raó ligeyros, que paíTais,
Nem todos para hum gofto faõ iguais^
Nem fempre faõ conformes as vontade^:
Aquillo^ a que já quiz, he Cao mudado^
Qiiequaílhe outra couía, porque os dias
Tem o primeyro goíto já danado,
Efperanças de novas alegrias.
Naõ mas deyxa a Fortunaj& o têpa errado,
Qiie do contentamento faó eípias.
SONETO cir.
VErdade, amor, rszaó, merecimento,^
Qualquer alma faráõ fegura, & fortci
Porém Fortuna,caío, tempo, & forte,
Tem doconfufo mundo o regimento.
Effeytosmil revolve o peníamento^
E não íabe, a que caufa fe reporte,
Masfabe,queoquehemais,qvida,.^morte,
Que não o alcança humano entendimento. ^
Doutos varões daráõ razões fubidas,
Mas faõ experiências mais provadas,
E por iflo he melhor ter muy to vifto.
Coufa ha hi, que paíTaó íem fer cridas,
E coufas cridas ha, íeni fer paliadas,
Mas o melhor de tudo he crer em ChriftOi
SONETO GIII.
Fíoufe o coração derauytoizento,
De fi, cuydando mal, que tomaria
Tjô ilhcito iimor^ tal oufadia,
Tal modo nunca vifto de tormento.
Mas os olhos pintarão tão atenro,
Outros, que vifto tem na fantafia,
Q«e arazaõ temeroí?i, do que via,
Fugio, deyxando o campo ao pcnfamcnto.
O Hy polito cafto, que de gey to
De Fedra, tua madrafta fofle amado.
Que não fabia ter nenhum refpeyto :
Em mi vingou o Amor teu caí^o peyto,
Mas eftá defle agravo tão vingado,
Que/c arrepende já, do que tem fcyto. -
SONETO CIV.
QUé quizer ver d*Amor húa excellêcia,'
Onde fua fineza mais fc apura.
Atente onde me põem minha ventura.
Por ter de minha fé experiência.
Onde lembranças matão alõga aufencia^
Efntemerofo margem guerra dura,
Alli a faudadeeílà fegura.
Quando mor rifco corre a paciência.'
Mas ponhame a Fortuna,& o duro Fado
Em ncvjo,n[iorte,danOj & perdição.
Ou ena fublime,& ptofpera ventura : ("do^
Ponhame em fim,em bayxo, ou alto eíla^
Que até na dura morte meacharàõ,
Na lingoa o nome,n'aIma ji viíta pura,
SONETO cv;
Os Ninfas da Gangetica erpeíTura,'
Cantay fuavemente em vos fonora j
Hum grande Capitão, que a roxa Aurora
Dos filhos defcndco da noyte efcura.
Ajuntoufc a caterva negra,6c dura,
Qne na Áurea Chcrfoncfo aíFouta mora j*
Para lançar do caio ninho fora
Aquelles, que mais podem, que a ventura*
Mas hum forte Leão com pouca gente,
A multidão taó fera, como necia,
Deftruindo caftiga, 6c torna fraca.
Pois, ò Ninfas, cantay, que claramente,
Mais do que Leonidas fez em Grécia, >
O nobre Leonis fez em Malaca.
SO^NETO CVI,
D Oce contentamento já paíTado,
Em que todo meu bem fó confiftia.
Quem vos levou de minha companhia,
E me deyxou de vòs taó apartado?
Quem cuydou, que íc viíTe nefte eftado,
Naquellas breves horas d'alegria,
Quando minha ventura confentia.
Que de enganos viveií^c meu cuydado?
Fortuna minha foy cruel, & dura,
Aquella, que caufou meu perdimcnto.
Com a qual ninguém pôde ter cautela.
Nem fe engane nenhúacreatura,
Que naõ pôde nenhum impedimento,
Fugir do que lhe ordena fua eikella,
SO*
1
Rimas do Grande Luís de Camões.
SONETO CVIL SONETO CX.
0
VOs, q eícucais em Rimas derramado
Dos fufpíros oíom, que me alentava
Na juvenil idade^ quaodo andava
Em outro em parte do que fou mudado:
Sabey, que bufca íó do jà cantado,
No temperem que ou temia^ ou eíperava
De quem o mal provou, q eu tanto amavai
piedade, & naó pcrdaõ, o meu cuydado:
Pois vejo que tamanho fentimento
Sò me rendco íer fabula da gente
(Do que comigo meímo me envergonho)
Sirva deexemplo claro meu tormento,
Com qut todos conhcçâo claramente,
Que quanto ao mudo apras he breve íonho.
SONETO CVIII. i*
E amor efcrcvo^ de arror trato, & vivo^
DeamormenaTceamar, íé fcr amado/
e tudo fe delcuyda o meu cuydadoj
Quanto níiõ feja ferde Amor cativo.
De Amor, que a lugar alto voe altivo,
E funde a gloria íua em fer oufadoj
Que le veja mJhor purificado
No iriimenfortíplandorciehúrayoerquivo*
Masay, que tanto Amor fó pena alcança !
Waisconl^antee]la,&elle maisconílante,
Deíeutnuntocada qudlló trata.
Nada enfim, me aproveytaiqaefperança.
Se anima algua vez a hum tnfte amante.
Ao peito vivifica^ ao longe mata«
SONETO CIX* li
SE da celebre Laura a fermofura
Hum numeroío Cifne ufano eícrcvej
Huma Angélica peoa fe te deve,
Vui: o Ceo em formarte mais íe apura.
E íe voz menoí alta te procura
Celebrar^ ( ó Natércia ! } em vaó fe atrevej
De verte )à a Ventura Lifo teve.
Mas de cantarte faltalhe a ventura,
No Ceo nacefte, certo,& não na terra :
Para gloria do mundo ca decefte •,
Qucniinaisiftonegar^muyto mais erra.
E eu imagino que de la viclle
Para enmendar os vicies que elle encerra,
Co os divinos poderes quetrouxefte.
1. Parte.
ESfes cabellos louros,8c efcolhidos,
Que o fer ao áureo Sol eftaõ tirando í
Eííe ar immenfo, adonde naufragando
£ftaõ continuamente os meus íentidosj
EíTes íurtados olhos tòó fingidos,
Que minha vida jgi morte, tftaõcaufando;
EíTa divina graça, que em falando j
Finge os meus peníamentos não fer cridos :
EíTe compafio certo, efla medida
Que faz dobrar no corpo a gentileza :
A divindade em tt rra^ taó lubida :
Moftremjàpiedade,& não crueza,
Que faó laços que Amor tece na vida»
Sendo em mi íoírimento, em vòs dureza*
SONETO CXI.
QUcm pudera julgar de vòs, Senhora,
Que húâ tal fé pudeíTe aíTi perdervos?
Se por amarvos chego a aborrecer vos,
Deyxarnão poíFo o amarvos algum hora.
Deyxais a quem vos amq, ou vos adora,
Por vera quem quiçá náo fabe vervos ?
Mas eu fou quem náo foube merecervos,
Eefta minha ignorância entendo agora.
Nunca foube entender voíTa vontade^
Nem a minha moílrarvos verdadeyra,
Inda que clara eftava efta verdade.
Efta, em quanto eu vos vir, vereis inteyraj
E feem vaõ meu querer vos períuade,
Mais voíTo não querer faz que vos queyra.
SONETO CXII.
QUem, Senbora,prefumedeIouvafVos
Com diícurfo que baxe de divino,
De tanto mayor picna fera dino,
Quanto vós fois mayor ao contemplarvos.
Naóaípire algum cantoa celebrarvos.
Por mais queícja raro, ou peregrino;
Pois de vofla belleza eu imagino
Que íó com voícoo Ceo quiz compararvos»
Ditofa efta alma voíTa a que quifcftes
Pór cm poííe de prenda taõ fubida,
Qual efta que begnina, enfim, me dcftes.
Sempre íerá antepoíla á mefma vida i
Eftacftinnar em menos mefizeftes,
Se antes que eíToutra a quero ver perdida.
Cij SO-
to
Rimas do Grande Luís de Cdmteà
SONETO CXIII.
Moradoras gentis, 6c delicadas,
Do claro,& áureo Tejo, que metidas
Eftais em fuás grutas cfcon didas
E com doce repouío foflegadas.
Agora eíieis de amores inflamadas^
Nos criftàlinos Paços entretidas}
Agora no exercício embevecidas
Das telas de ouro puro matizadas.
Movey dos lindos roftos a luz pura
De voíTos olhos bcllos^ coriíentindo
Que lagrimas derramem de tríílura.
Eafli cem dor mais propia ireis ouvindo
As queyxas que derramo da Ventura
Que com penas de Amor me vay íeguindo.
SONETO CXlV.
BRandss agoasdoTejo, quepaíTando
Por eftes verdes campos^que regais,
Planras,ervas, & flor€s,6c animais,
Paftores, Ninfas, ides alegrando :
Naõ íey (ah doces agoas :) naõ fey quâdo
Vos tornarey a ver > que magoas tais,
Vendo como vos deyxo, me cauíais.
Quedetornarjávou defconfiado.
Ordenou o DeAino, deícjoío
De converter mtus goftos em pefares.
Partida que me vay cuftando tanto,
. Saudolode vòsjdelle queyxofo,
Enchcrey de íufpiros outros ares,
Turbarey outras agoas com meu pranto.
, S O N E T O CXV.
>^|<Ovos cafosde Amor, novos enganos,
1^ Envoltos em lifonjas conhecidas i
Do bem promeíías f alfas, 6c eícondidas.
Onde do mal Te cumprem grandes danos.
Como náo tomais jà por deíenganos,
Tantos ays, tantas lagrimas perdidas,
Pois que a vida náo bafta, nem mil vidas,
A tantosdias triftes, tantos annos ?
Hum novo coração mifter avia,
Com outros olhos menos agravados^
Para tor nar a crer o que eu vos cria.
Andais connigo, Enganos, enganados^
t fe o quiferdes ver cuyday hum dia
O que íediz dos bem acuiilados.
SONETO CXVI.
ONde porey meus olhos que não veja
A cauíâ dequenaceomeu tormento ?
A qual parte me irey co' o peníamcnto.
Que para defcanfar parte me feja ?
Jà fey como fe engana quem defeja
Em vgò amor fiel contentamento ^
De que nos goftos reus,que íaódevento,
Sem pre falta íeu bem, feu mal íobeja.
Mas índaj fobre o claro defengano^
AíTi me trás eíia alma íojugada^
Que delle eítà pendendo o meu defejo.
Evou dediaemdia, de annoem anno,
A pos hum não íey que, após hum nada,
Que quanto mais me chego menos vejo.
•^ SONETO CXVlI.
A do Mondego as agoas aparecem
A meusolhos^náo meus, antes alheos,
QuedcQutrasd íFerentesvindocheos,
Na íua branda viíta amda mais crecero.
Parece que também forçadas decem.
Segundo íe detém em íeus rodeos,
Tníte ! Por quantos modos, quantos, meog.
As minhas faudades me entriftecem !
Vidadetantos males faltcada^
Amor a põem em termos que duvida
De confeguiro fim deita jornada.
Antes íe dá de todo por perdida^
Vendo que não vay da Alma acompanhadai
Que íe deyxou íicar onde tem vida.
t. SONETO CXVUI.
QUc doudo penfamento he o que íigo *
Após que vaõ cuydando vou correndo?
Sem ventura de mi i que nyo me cntendOi '
Nem o quccallo Íey, nem o que digo,
PeUjo com quem trata paz comigo j
De quem guerra me faz não me defendo, ^
De fiillas efperanças que pretendo ?
Quem do meu propio mal me faz amigo >
Porque j fe nafci livre, me cativo.^
E pois o quero {ç.r^ porque o náo quero ?
Como me engano mais com defenganos ?
Seja deíeíperey, que mais efpero ?
E fe inda efpero mais, porque náo vivo ?
E fe vivo, que acufo morcaes danos ?
SOi
Rimas do Grande Luís dt Qâmôes\
II
SONETO CXIX»
HUm firme coração pofto em ventura,
HuiD dercjar hoQcfto^ quefeengeyte
DevoíTâ condição, femque refpeyte
A meu taó puro amor, a fé tao pura :
Hum vctvos, de piedade,& de brandura,
Sempre enemiga, fazme que íofpeytc
Se alguma Hircana fera vos deu ley te.
Ou íe nactftes de húa pedra dura.
Ando bu(cando cau ia que dcícul pe
Crueza taò eíiranhaj poièm quanto
NiíTo trabalho mais, mais mal me trata.
Donde vem^q não ha quem nos naó culpe
A vòs porque matais quem vos quer tanto,
A mim por querer tanto a quem me maca.
SONETO CXX.
AR, que de meus fufpiros vejo cheyo 5
Terra, caníadajà com meutormentoj
Agoa, que com mil lagrimas fuftentOi
Fogo^ que mais acendo no meu feyo.
Em paz câais em mim 5 & afli o crcyo.
Sem eíle íer o^ríTo propio intentoj
pois cm dor, onde falta o íofrimento,
A vida íe Iclíf m por voíTo meyo.
Ay imiga fortuna 1 Ay vingativo
Amor í A que diíciríos por vòs venho,
Sem nunca vos movct tem minha rriagoa!
Se me quereis marar^ pc.ia que vivo ?
Etomo vivoj fe.contrarivs tenho
í ogo, Fturtuna^ Amor^ Ar jTcrra, & Agoa ?
SONETO CXXI.
JA claro vejo bem, já bem conheço
Quanto aumentando V.OU o meu tormêto,
Poisíey q fúdoemagoa,eícrevocmvcto,
E que o cordeyro manfo ao lobo peço.
Que Aracne fcu,poisjá com Palas teço;
Que a Tígrcscm meus males me lamentO}
Qoertduziromara húva To intento,
Alpirando a efie Ceo que naõ naereço,
11 Quero achar paz cm hum confuío inferno>
Na noytedo Sol puroa claridadej
Eo fuave Verrõ no duro Inverno.
Bufco em luzente (;h"mpo eícur idade j
E odefejadobtm no mal eterno
Baleando Amor cm vofla crueldade.
SONETO CXXil.
DE cá, donde fomente o imaginsrvas
A rigurofa auíencia me coníence,
Sobre as azas de AmorjOufadamente
O mal íofrido efprito vay buícarvos.
E fenaõ receara de abrafarvos
Nas chamas,que por voíla caufa fence,
Là ficara com voíco, & vòs prefente
Aprendera de vós acontentarvos.
JMas pois que eftar aufente lhe he forçadoj
For Senhora, de cá, vos reconhece,
Aos pés de imagens voíTas inclinado.
E pois vedes a fé que vos ofFrecc,
Ponde os olhos, de là, no feu cuydado»
E darlheeys inda mais do que merece*
SONETO CXXIII.
NAÕ ha louvor que arribe a menor parte
De quanto em vós fe vé,beUa Senlioraj
Vós fois voíTo louvory quem vos adora
Reduz fomente a eftc o engenho, & arte*
Quanto por muytas Damas fe reparte
Debello, &:dcfermofo^em vòs agora
Sejuntaemmodotaljque pouco fora
Dizer que fois o todo, cilas a parte.
Culpa, logo, naó he,íevoví louvarvosi
Ver incapazes todos os louvores»
Pois tanto quiz o Ceo aventejarvos.
Seja a culpa de voíTos refplandoresj
E a que ellestem vos dou, ló para darvos
O mòr louvor de todos os mayores.
SONETO CXXIV.
NAÕ vàs ao MontejNife, com teu gado,
Que là vi que Cupido te bufcava:
Por ti fomente a todos preguntava.
No gcíto menos.placido que irado.
Elle publica, eufim, que lhe has roubado
Os melhores farpocnsda fuaaljavaj
E com hum dardo ardente aíTegurava
TrafpaíTar eíTe peyto delicado.
Fugc de verte là neíU aventura^
Porque fe contra ti o tens irofoj ; Ci j ( • -
Pode fer que te alcance com mão dura.
Masay! que em vaó te advirto temerofo,
Sc à tua incomparável fermoíura
Se rende 0 dardo feu mais poder ofo i
^ SQ-
II
Rimas do Cratíde Luís de Carnes,
SONETO GXXV.
A Violeta mais hella que amanhece
No valle por eímalte da verdura,
Com íèu pálido íuftre, & fernipíura,
For mais bclla, Violante, te obedece.
PreguntafmCj porque? Forque aparece
Em ti ícu aome, 6^ fua cor maispura^
E eíludar em teu rofto íó procura
Tudo quanto em beldade mais florecc,
O luminoíá Flori ò Sol mais claroí
Único roubador de meu fentido^
Naõ permitas que Amor me feja avaro,
O penetrante Seta de Cupido !
Que queres? Que te peça por rjparo
Ser nefte Vale Eneas deita Dido ?
SONETO CXXVI.
TOrnay eíTa brancura á alva açucena,
E eíTa purpúrea cor às puras roías:
Tornay ao Sol as chamas luminoías
Deeííavifta quearoubos vos condena.
Tornay àíuaviflima, Sirena
DeeíTa voz as cadencias deleytofas j
Tornay a graça às Graças, que queyxofas
Eílaó de a ter por vós menos íerena.
Torrny á beila Vénus a belieza-,
A Mmerva o íaber, oengenho,&aartei
E a pureza à cajtiíllma Diana.
Dcfpojay vos de toda elía grandeza
De doens} Sc ficareis em toda parte
Com vofco fói que he fó íer inhumana,
SONETO CXXVIí.
DE mil fofpey tas vans fe me levantaô
Trabalhos, & delgoílos verdadcyros,
Ay ! Que eíles bens de Amor faó feyticeyros.
Que com hu naõfcy qtoda Almaencantaõ!
Como Sereas docemente cantão,
Para enganar os triílçs marinheyros:
Osmeusaíli mcatrahemlifongeyros^
E dei pois com horrores mil me efpantaõ,
Q an< :o cuydo que tomo porto, ou terra,
Tal vento íe hívanta em hum inítante^
Que fubito da vida delconfio.
iVlas cu íou quem me faz a mayor guerra,
Pois conhecendo os rifcos de hum Amante
Fiado a ondasde Amor, delias me fio.
SONETO CXXVIII.
Mil vezes determino naõ vos ver,
For ver fe abranda mais o meu penar:
h le cuydodeaífi me magoar,
Cuyday o que lerá, íe ouver de fer,
Fouco me importa já muyto fofrcr,
Defpois que Amor me pos em tal lugar;
E o que inda me doe mais he íó cuydar,
Que mal fem cila dorpoíTo viver.
Afli naõ buíco eu cura contra a dor,
Porque bufcando alguma entendo bem
Que neíTe mtímo ponto me perdi.
Quereis que viva, enfim, neílcrigori
Sò mente o querer voffo me conyem
Afli quereis que feja?Se|a afli.
^\\
S.ONETO CXXIX.
\ Chaga que, Senhora, me fizeftes,
•*^ Naõ foy para curarfe em humíodiaj
Porque crecendo vay com tal porfia
Que bem dcfcobrc o intento que tiveftes?
De caufar tanta dor vos nso doeíles?
Mas a doervos, dor me naõ íeria.
Pois já com cí[ erança me veria
Do que vòs que cm mi viíTc naõ quifeftes.
Os clhcs tom que todo me roubaítes
Foraõ caufa do mal quevou paliando,
E vós eAais fingindo o naõ caufafl:es.
Maseumevingarey. E fabeis quando?
Quando vos vir queyxar porque deyxaftes
Iríe a minha Alma nelles abrafando.
SONETO CXXX,
SE com deíprezof , Ninfa , te parece
Que podes delviar do feu coydado,
Hum coração confiante que íe oftrece
A ter por gloria o íer atormentado.
Dcyxa a tua porfia, 6: reconhece
Que mal fabes de arnor defenganado.
Pois naó fentes, nem vés q em teu malciece
Crecendo em mi de ti maisdeíamado.
O efquivodefamorcom que me tratas.
Converte em piedade, íenaõ queres
Que creça o meu querer, & o teu deígoílo.
Vencerme com cruezas nunca efperes:
Bem me podes matar, & bem me macas,
JMâs fempre hade viver meu profupoíío.
SO"
Rimas do Grande Luís de CamÕesl
n
SONETO CXXXI.
SEnhora minha, feeude vòsaufcntc
Me defendera de hum penar fcvero,
Sofpeyto que ofendera o que vos quero,
Eíquecido do bem de eftar preíente.
Trás eíle logo finto outro accidente,
E he ver|que íe da vida deleípero.
Perco a gloria que vendo vosefpero,
E aíli eílou cm meus males difference,
E nefta diíFcrença meus íentidos
Combatem com taò afpera porfia
Qu3 julgo eftc meu mal pordcshumano.
. Entre li fem pre os vejo divididos»
E fe a cafoconcordaõ algum dia^
He fó conjuração para meu dano.
SONETO cxxxir;
No regaço da Mãy Amor eílava
Dormindo taò fermofo que movia
O coração que mais ifento o yiãy
£ a íua própria Mãy de amor matava.
£llaco'os olhos nelU contem plav^i
AquaQCoeftra>];oo Mundo reduzia;
Elle, porém, fonhando lhe dizia
' Qu<^ t rdo aquelle mal ella o caufava.
Solifo^quj graduado em íeus amoresi
De íabjr de ambos mais teve a ventura»
Aíli íoltou a duvida aos padores :
Síbem meferen fcmpre lem ter cura'
Do Ml nino os ardentes paíTadores
Mais me fere da Máy a fcrmoíura.
SONETO CXXXIII.
ESce terrefte Caos com feus vapores
Naópodecondcnfaras nuvens tanto ^
I Que o claro Sol naõ rompa o negro manto
i Com fuás bellaSj& luzentes cores.
A ingratidão efquivâ de rigores
Opoíla nuvem he,que dura em quanto
I Nos naõ converte o Geo em crifts pranto
i Suas vans cfperançaSj feus fivores.
Pòdefe contrapor ao Ceo a Terra,
I Eeftar o Sol por horas eclipfado,
Mas na6 pode ficar efciirecido.
Pode prevalecer a voíTa guerra,
I Mas a peíardas nuvens, declarado
Ha de fcr voffo Sol, 6c obedecido.
SONETO- CXXXIV.
TJUma admirável erva fe conhece
"*^Que vay aoSol feguindo de hora em hora
Logo que elle do Eufrates ícvè fora,
E quando eftà mais alto, entaõ florece.
Mas quando ao Oceano o carro decc
Toda a fua belleza perde Flora.
Porque ella fe emmurchece^ &: fe defcora^
Tantoco*a Luzaufente íeentriftece.
Meu Sol, quando alegrais efta Alma voíTai
MoftrandolheeíTerofto que dà vida,
Cria flores em íeu contentamento.
Mas logo, em náo vos vendo , cntriílecida
Se murcha, & íc confume em graõ corméco
Nem ha quem voíía auíencia fofrer poíía,
SONETO CXXXV.
CReceyjdefejomeu, pois que a Ventura
Já vos tem nos feus braços levantado;
Q|ae a bc:lla cauía de que íois gerado,
O mais dirofo íim vos afegura.
Se aípirais por oufado a tanta altura^
Nió vos cípante aver ao Sol chegado.*
Porque he Águia Real voíTo cuydado.
Que quanto mais o fofre mais fe apu^a.
Animo, Coração} que o penfameato
Tc pode inda fazer mais gloríofo,
Sem quereípeytc a teu merecimento.
Que creças inda mais he jà forçofo;
Porqne fe foy de oufado o teu intento.
Agora de atrevido hc venturofo.
SONETO CXXXVI.
E o gozado bem em agua cfcrito i
__. _ Vive no d<?fcjar, morre no cfíeyto •
O defejado íempre , hc mais perfcyto.
Porque tem parte algua de infinito.
Darahúa Alma immortal gozo preícritoj
Em verdadeyro amor fora deteyto :
Por modo fuperior, não imperfeyto.
Sois exceyçaó de quanto aqui limito.
De húa efperança nunca conhecida.
Da fé do deíejar naó alcançada.
Sereis mais defcjada poífuida.
Naó podeis da efperança fer amada :
Vifta podereis fer, & entaõ mais crida :
Forem, naõ fem agravo comparada.
SOj
^^
Rimas à& Grande Luís âe Camães.
SONETO cxxxvir.
DE quantas graças tinha a Natureza
Fez hum bello^ScriquifllmocefourO)
t com rubis,& roías}ncve,& ouro,
Formo j rubiimc,& Angehca Bi^lleza.
Pos na hoca os rubis, & na pureza
Do bel lo roftoas roías, por quem morroi
No cabelio o valor do metal louro ;
No peyto a neve, ccn q a alma tenho acefa,
í- Mas nos olhos mollrou quanco podia,
E £c2 delles hum Sol , onde fe apura
A luz mais clara que a do claro dia.
Enfim, Senhora, em voíTa compoílura,
£lla 3 apurar chegou quanto íabia
Deouro^Roías,Kubis,úeve, &luz pura,
SONETO CXXXVIII.
NUncaem Amor danou o atrevimento 5
Favorece a Fortuna á ouíadia:
Porque fempreaencolnida covardia
De pedra ferve ao livre penfamento.
Quem feeleva ao fubhme Firmamento,
A eftrella nellc encontra que lhe he guia:
Quí obem que encena em íiaFantalia
baõ huraas ilufóes que leva o vento.
Abrir fc devem paíTos à ventura :
Sem fi propio ninguém fera ditofo:
Os princípios fó nente a Sorte os move,
Arreverí^he valor,& náo loucura.
Perderá por covarde o venturolo
Que vos vé,fe os temores naõ remove.
SONETO CXXXIX.
DOces,& cl^raç aj^oas Jo Mondego,
Doce repouío de minha lembrança,
Onde a comprida, 6c pcrfida efperança
Longo tempo após íl me trouxe cego.
e De vòs me aparto, fi > porém não nego
Que indaa longa memoria, q mealcança,
Mc não deyxa de vòs fazer mudança,
Masquáco mais me alongo mais me achego.
Bem poderá a Fortuna eíleinftromento
Da Alma levar por terra nova,6c eílranha,
OíFcrecidaao mar remoto, ao vento.
Mas a Alma, que de cà vos acompanha.
Nas azas do Iigey ro peníamento
Para vòs, Agoas, voa, & em vòs fe banha.
SONETO cxl:
SEnhor Joaõ Lopes, o meu baxo eftado
Honrem vi pofto em grão taó excelente^
Que fendo vòs enveja a toda a gente,
Sò por nr i vos quilereis ver trocado.
O G:fto vi juave,& delicado,
Qje jà vos fez contente, 6c defcontente,
Lançar ao vento a vòz taõ docemente
Que fez o ar fcreno, & foíTegado,
Vilhe em poucas palavras dizer quanto
Ningucm diria cm muytas; mas eu chego
A clpirar íó de ouvira doce fala,
O* mal aja a Fortuna , & o moço CegQ í
Elle, que os corações obriga a tanto j
Ella, porque os E/tados defiguala.
SONETO CXLT.
A Morte que da vida o nò dcfata,'
Os nòs que dà o Amor cortar quifera
Co' a a u fendia que he fob/clleef pada fera
E co' o tempo que tudo desbarata.
Duas contrarias, que húa a outra maca^
A morte contra Amor junta, & altera^
Húa^ Kazaõ contra a Fortuna aufteraj
Outra^ contra a Razaó Fortuna ingrata.
Mas moltre a fua Imperial potencia
A Morte em apartar de hum corpo a AlmaJ^
O Amoroum corpo duas alnjas una.
Para queaííi triunfante leve a palma
Da Morte Amor a graó pcfardaaulenciaj
Do Tempo, da Razaõ , & da Fortuna.
SONETO CXLII.
A Rvorcj cujo pomobello, 6c brando»
•*^ Natureza de leyce, & fangue pinta.
Onde a pureza, de vergonha tmcai
Efla virgineas faces imitando.
Nunca do vento, &c ira, que arrancando
Os troncos vaõ, o teu injuria finta;
Nera por malicia de ar te feja extinta
A cor que eftáteu fruto debuxando.
E pois empreitas doce, & idóneo abrigo
A meu contentamento, & favoreces
Comteuíuavecheyroa minha gloria.
Se eu naõ te celebrar como mereces,
Canta ndote, fe quer farcy contigo
Doce nos calos tiiítes a memotu*
I
Rimas do Grande Lms de CamÕesl
»f
SONETO CXLIII.
O Filho de Latona cfdarccido.
Que cò feu rayo alegra a humana gcte,
Matar pôde a Phitonicaferpente
Que mortes mil avia produzido.
Ferio com arco, & de arcofoy ferido.
Com ponta aguda de ouro reluzente :
NasThelalicas prayas docemente
Porá Ninfa Penea andcu perdido,
Nâó lhe pode valer contra fcu dano ,
Saber, nem diligencias, nem rcfpcyto
De quanto era celeftc, &; íobcrano.
Pois fe hú Deos nunca vio nem hú engano
De quem era caõ pouco em feu relpeyto,
í^u que cípcro de hú fer q he mais q humano.
SONETO CXLIV.
PReíènça belia, Angélica figura,
Em qus quáco o Ceo tinha nos té dajoi
Gefto alegre de roías femeado,
Entre as quies fi efti rindo a Fermofura:
Olhos, onde tem teytotal miftura
\ Em criítal puro o negro marchetado,
j Que vemos ji no verde delicado, ,
Naõ efperança, mas enveja efcura.
Brandura, aviíOj& gr^ç*» que aumentado
A natu ral Belleza, cum derprefo^
Coni que mais deíprezada mais íe aumenta
Saó as prifõcs de hunrí coração, que preío.
Seu mal ao íom dos ferros vay cantando,
Como faz a Serea na tormenta.
SONETO CXLV.
POr cima deílas agoas forte, Sc firme
Ireyadondeos Fados o ordenarão
Pois por cima de quantas derramarão
AquellíS claros olhos pude virme.
jà chegado era o fim de deípedirmej
Jà mil impedimentos íe acabarão.
Quando rios de Amor Ic atraveíTaraò
A meimpediropaííòdepartirme.
PàíTeyos eu com animo obílinado,
Com que a morte forçada, & gloriofa,
Faz o vencido jà deferperado.
Em qual figura^ ou gefto defuíado,
Pcdeja fazer medo amorteirofa,
A quem tem a íeus pès rendido, 6c atado?
Íti.JPart.
SONETO CXLVr.
TAl moftra de fi dà voíTa figura,
Sibela, clara luz da redondeza.
Que as forças, & o poder da Natureza,
Com fua claridade mais apura.
Qtiem confiança ha viílo taõ fegura,
Taó lingularefmalteda belleza
Que naô pad ça mal de mais graveza.
Se refiftir a ícu amor procura.
Eu, Pois, por efcuíar tal efquivança,
A razaó íogeytcyaopenfamento,
A quem logo os íéntidosle entregarão»
Se vos ofíende o mcuatrcvimcnto,
Inda podeis tomar nova vingança
Nas relíquias da vida que ficáraõ.
SONETO CXLVir:
NA defefperaçaôjárepouCva
O peyto longamente magoado;
E com feu dano eterno concertado,
Jà naõ temia, jànaõdefejava.
Quando huma íombra vãa meaíTegurava^
Que algum bem me podia eftar guardado
Em caõ fcrmofa Imagem, que o traslado
Na Alma ficou, que nella fe elevava.
Que credito que dà taó facilmente
Ocoraçaõaaquilio quedeíeja,
Quando lhe elquece o fero feu dc/lino!
Ah! deyxemme enganar; qeu foucontete:
Pois pofto que mayor meu dano feja^
Ficame a gloriajà do que imagino.
SONETO CXLVIII.
Dlvcrfos does reparte o Ceo benínoj
E quer q cada húa Alma hil fó poflu3|
Por iílo ornou decafto peyto a Lua,
Que o primcyro orbe illuftra,criftalino.
De graça a Máy fermofa do MininOj
Que neíTa vifta tem perdido a íua^
Palias de ciência naõ mayor que a tua ;
Tem Juno da Nobreza o Império dinoj
Mas junto agora o largo Ceo derrama
Em ti o mais que tinha, &foy o menos,
Em refpeyto no Autor da Natureza,
Que a (eu peíar tedaó, fermofa Dama,'
Seu peyto a Lua, fua graça Venos,
Sua ciência Palias^ J uno íua nobrezal
D ' SO.
''^
Rims do Grande Luis de Camõekl
SONETO eXLIX.
GEnél Senhora, fe a fortana imiga,
Qii^ contra mico codoo Ceoconfpifa,
Os olhas meus d€'ver os voíTos tira.
Porque em mais graves caíos me períiga.
CoiUigo levo eíta alma, que le obriga
Na rrvór preíía de mar, de fogo, & d*ira
A dar*'i>s a mcmoriajque íiiípir*,
Sò per fazer coríi voíco eterna liga.
NeíU alma, onde a Fortuna pode pouco,
Tnó viva v^s tcrey, que frio, 6t fome.
Vos naô poííaõ tira^ nem mais perigos.
Anttfs com fom de voz tri mulo, 6c rouCo^
Por V ò s c ham a o do , ;í o cu m voíío nom c
Farey fugir os vent^os, ^ os imigos,
.i SONETO ClL
QUc mr)do taó íutil da ftature^a
Bárra fugir ao Mun do, 6c ícus enganos!
Permitccquefe eícòfldâ cm tenrros , annos^
Debaxo de hum burel tanra bcUeza.
^ Mas naó pod-e efconderfc a quella alteza,
E gora vidadc de olhos íoheranoji j
A cujo rerplanJor e«rre ii-shiiíBanos,
Refiltencianaõ finai, ou fortaleza.
Qtietn quer livre íícar de dor, &: pena,
Veikioa jà, ^ traicndoa na meraoriáj
Na melnva razaó foaa fe condena.
; forque quem mereceo ver tanta glóiia
Cativoha de ficar; que Amor ordena,
Que dcjurotenti^cliaelta vitoria.
SONETO CLL
QUando fe vir com agoa o fogo arder,
^ Juiitarftí ao claro dia a noyte eícura,
E a terra colocada là na altura
Em que fe vem os Ceos prevalecer.
Qiiando Amor à Razaõ obedecer,
E em todos for Igual huma ventura
Dcyxarcy eude ver lal Fermoíura,
E dcaanaardeyxarey depois dcaver.
Porèmnaõ lendo vifta eíla mudança
No mundo, porque, enfim, naó pode veríè
Ninguém mudar me queyra de querervos.
Que baftaeftârem vos minha eíperança,
E o ganharfcaminha alma,ouoperderíe,
fará dos olhos meus nunca perdcrvos.
SO>JETO CLII.
QUãdoafciprema dor muyto me aperta.
Se digo qire defejoefqaeci mento,
He torça quçie faz ao penfaínento.
De que a vontade livre defconcerta.
Alii de crrotaõ grave me deípertá
A luz dobem regido enteôdimentO)
Que moftra fer engano, oti fingimento,'
Dizer que ern lal deícanío irtfiais fe acerta.
Porqxre cíJa própria imagem, q na mente
Me reprefe'i5ta o bem de quê careço,
Fazmo dehufn certo modo íèr preferitej
Oitoía h<e^'lògo, a penaqu-e padeço.
Pois que da cuuíâ dciia ewi mi fe íenté
Flum be«i q^êindaíemvtrvos recoahb^a
. SONETO CLUí.
^l A fliargem de hum ribey ro que fertdia
st Com itquido criítal \\^^vs^ vitde prado,
O trifte Paílor Lifo debruçado
Sobre o troncode hum freyxo aíli dizi^.
Ah' Natcrcia cruel ! Quem te defvia
Eífe cuydado teu do meu cuydado ?
Se tanto hey de penar deftnganado, ^
Enganado de ti viver queria. -^^
Quefoydeaqueila fé que tu medefte^
De aquelle puro amor que me rooftrafte.» '
Quem tudo trocar pode taõ afinha?
Quando eífes olhos cens noutro pufefte.
Como te naó lembrou que mejurafte
Por toda a fua lu2> que eres fó minha? "*
SONETO CLIV.
SE me vem tanta gloria fó de olharte^
He pena defigual deyxar de verte
Sc prcfumo com obras merecertc,
Graó paga de hum engano hedefejartc.
Se aípiropor quem es atelebrarte,
Sey certo por quem íbu q hey de ofFendertefj
Se mal me quero a mi por bem quercrre,
Que premio querer poíTo mais que amarte?
Porque hú taó raro amor naõ me focorre í
Oh, humano teíouro ! ò doce gloria i
Ditoío quem à morte por ri corre !
Sempre cfcritaeAar às neíla memorias
E efta alma vivirà, pois por ti morre i
Porque ao fimúa batal^iahe a vitoria.
^ . so;
Rimas do Grande Lms de Camões.
SONETO CLV. SONETO CLVlIÍ.
»
SEmprea Razaó vencida foy de Amor j
Mas porque alH o pedia o coraçaõ>
Quis Amor fcr vencido da Razaõ^
Ora que cafo pode avcr mayor J
Novo modo de morte, &c nova dor l
Eftranheza de gran le admiração^
Pois enfim, feu vigor perde aafeyçaó.
Porque naõ perca a pena o íeu vigor.
Fraqueza nunca a ouve no qu-rer.
Mas antes muycomais fe esforça a llim
Hum concrario com outro por vencer,
Mas aRazaõque a luta vence, enfim,
Naõ creo que he i<^zaó, mas deve ler
Inclinação que cu tenho contra mim,
SONETO CLVI.
C'> Oytado,qem hum tempo choro & rio>
j Efpera, õc temo^ quero, & aborreço^
Juntamente me al.:gro, h meCiitriíteçOí
Coafijde hu na coufa, 5c delconfio,
Vo j fem azasjeítou cego 5c guiOj
Alcanço menos no que mais mereçoj
Encaó falo melhor quando emmudcçoj
Sc:m ter contradição íempre porfio.
Poífivel íe me faz tod 3 o impolUvel;
Intento com muiirmeeítarmequedoi
TJÍar de liberJade, & fcr cativo.
Q^iena viíto fer, íer invifivel;
Verme deíenreiado a mando o enredo,
TaesDScftremos íaó com que hoje vivo.
SONETO CLVlí.
Tulgamea gente toda por perdido,
Vcndomc, raõ entregue a meu cuydado,
Andar fempre dos homens apartado>
E de humanos comércios cfquecido.
Mas eu que tenho o Mundo conhecido,
E quafi que <bbre elle ando dobrado,
Tenho por baxo, mítico, & enganado,
Qyem naõ he có meu mal engrandecido.
Và revolvendo a terra , o mar, & o vento,
Honras burque,& riquezas,St a oucra gente,
Vencendo ferro, fogo, írio, Sc calma.
Qiieeu por Amor fómcnts; me contento
De trazer efculpido, ecernamtnte,
Voifo fermofo gello dentro da alma.
O Lhos, a donde o Ceo có luz mais purí
Quisdir de íeu poder claros fiaais,
Se quiícrdes ver bem quanto poíTais»
Vedenrtea mi queíou voíla feytura.
Em mi viva vereis voíla figura
Mais própria q em putiíTimos cnftais,
Porque neíta alma he certo que vejais
Melhor que'numcriílal tal termoíuia.
De meu naõ quero mais que o meu deíejo,
Seacaío por qucref vos mais mereço,
Porqueovoílo poderem mi fe aílelle.
Do mundo outra memoria em minaóvejol
Com Icmbrarmcdcvòsjdclleroe cfqiieço
Com triunfardes de nd , triunfarey dtUe»
SONETO CLIX.
C'%Riou a Natureza Damas bellas
_j Qiie foraó de altos pledros celebradâSi
Delias tomou as partes mais prezadas,
E a vò> , Senhora , tez do melhor delias.
Elias diant ; vos Càô as Eftrellas,
Qtie hcaõ com vos ver logo eclípradas :
Mas fe cilas cem por Sol eíías roíadas
Luzes de Sol mayor, felices ellas •
Em perfeyçaõ, em graça, & gentileza^
Por hum modo entre humanos peregrino,
A todo bello excede eíTa B.lleza,
Oh, quem tivera partes de divino
Para vos merecer ! Mas fe pureza
De Amor vai ante vòs, de vòs íou dino.
SONETO CLX.
r\ Ueefperais, Efperanç:! ? Derefpero.'
^ Quem diíTo a caufa toy ? Húa mudança.'
Vòs, Vida, como eílaís ? Sem eíperança»
Que dizeis, coração ? Que muy to quero,
Quefentis,Alma,vòs ? Qie Amor he fcroj
E, enfim, como viveis > Se n confiança.
Quem vos íuftenta, logo? Hu ma lembrança.
E fo nella efperais ?So nclla efpero.
Em que podeis parar ? Niíto em q eílou,
E em que eíl^is vòs ? Em acabar a vida.
Etendeloporbcm r Amoro quer.
Quem vos obriga alli ? Saber quem fou^
EquemíoisfQjem detodocflà rendida.
A quem rendida eftais ? A hum fó querer.
Dij SOi
'Vf
Rimas do Grande Luís de CamÕes\
SONETO CLXL SONETO CLXl V.
SEíomo em tudo o mais foítes perfeyta
Forcís de condição menos elquiva.
Fora a minha fortuna maisaltiva,
Fora a íua altiveza mais íogeyta.
Mas quando a vidaavoííob pèsfedeyta^
Porque naóaaccytas^naõ querqu^eu viva:
Ella própria de fi jà a mi me priva,
Que porq me engeytais, também ms engeytà
Se nifio contradl^ volfa vontade,
ivlandayihe vòs, Senhora, que de lim
A mmha profundiiiimatnlteza.
'• Pois ella naó mo dà porque piedade
Tcnlia defte mju mal, mas porque em mim
Poíiaís aíii fartar voila crueia.
SONETO CLXrl.
SE 3lgum'hon eOa viíta mais íuavc
A caio a mi volveis , em hum momento
2^s fiiito com hum cal contentamenco
Que naó temo que dano algum meagrave.
Mas quádo com deíddm eíquivo, ôc ^rave,
O bello rolto me moítrais ifento,
Huma dor provo cl, hum tal tormento.
Que muyto v.ma í:r quenaó me acabs,
Aíli eltà minha vida, ou minha morte,
No volver de cfles olho i pois podeis
Darc'huma volta dclleâ mcrce, ou vida,
DitolOi eu, fc o Ceo qaer , ou minha forte,
Qiie ou vida para darvõh me deis,
Cu morte paraaver morte querida,
SONETO CLXIIí.
TAnto feforaójNínfai coftumando
Meus olhos a chorar tua dureza,
Quevaõ paíTandojàporNatureía,
O qaepor Accidcnte hiaõ paíTando.
ISoqueaoíono Te deve eílou velando,
E venho a velar fó minha tníteza :
O choro não abranda efta afpercza,
E meus olhos eiiaõ íempre chorando.
Afli de dor em dor, de mágoa,em mágoa,
Confuniindofe vaó inutilmente,
ttlb vida também vaó confumindo.
Sobrco fogo de Amor inútil agoai
Pois cuem choroeilou continuamente,
E do que vou chorando te vas rindo,
/íj/í nova corrente
J^evat <ie cuort em f'»rot
JPeríjue íie verte rtr^de novo eb»ro<.
EU me aparto de vòs, Ninfas do Tejo^"
Quando menos temia efta partiOa ;
L le a minha alma vay enrriítecida, "
Nos olhos o vereis com que vos vejo*
Pequenas eíperanças^ mal íobejo,
Vontade que ra^aô leva vencida.
Preito ver aó o fim átriltevida,
Sc vos náo torno a ver como clefcjo»
Nunca a noyte entretanto, nunca o dià^
Verão pai ti de mi voíia lembra' ça,
An or, que vay comigo, ocertefici.
Por mais que no tornar aja tardança^
Me íóràó íempre trifte companhia
Saudades do bem que em vòs me fica.
SONETO CLXV.
V
Encidoeftáde Amor
Q mais que pode fer,
Sogeyta a vos íervir, &
Ofíerecendo tudo
Contente deíle bem
Ou hora em que fe vio
Mil vezes deíejando
(Jutras mil renovar
Com eíla preteníaõ
A caufa que me guia
Taõ íobrenaturalj
Jurando naõ querer
Votando íó por vòs
Ou fer no voíTo amor
Meu penfamento
Vencida a vida,
inftituidaj
A voíTo intéta.
Louvaomjméto,
També perdidaí
Alli ferida,
Seu perdimento-
Elfá fegura
Neftâ cmprefa
Honrofa, & altaJ
Outra ventura.
Rara firmeza.
Achado cm faka,'
SONETO CLXVí.
Divina Companhia íque nos prados
Do claro Eurocas,ou noOlimpo mote.
Ou fobre as margens da Caftalia fonte
VoíTos Eítudos tendes mais íagrados :
Pois por deílino dos immoveis Fados
Quereis que em voíTo numero me conte,
No eterno Tem pio de Bclorofonte
Ponde em bronze eftes veríos entalhados,
Soli fo(^ porque em íeculos futuros
Se veja da Bclleza o que merece
Quemdefabiadoudice a Mente inflama)
Seus cícntos, da Sorte já feguros,
A eftas Aras em hua maóoffrece,
£ a Alma em ouctâ á lua bclla Dama,
Rimas do Grande Luís de Camões] c^f
SONETO CLX VIí; SONETO CLXX,
A La margen dei Tajo en claro dia,
Con rayado maríil peynando eítava
Natércia fu» cabellos, y quicava
Con fus ojos la luz ai "^ul que ardia,
SoJifu^quequal Cli-ie la íeguia,
LexQS de li, mas cerca ddla eftaví :
Allon de íuzampona celebrava
La cauía de lu ardor, y afli dezia.
Si Cancãs, como tucienes cabcllos.
Til viera vidas yo, me las Uevàras
Colgada cada quni dei uno dcllos.
De notenerlastu meconíolàras,
Si tanras vezes rndcoiio íòn ellos,
En eilos laquccengo me enredaras.
SONETO CLXVIIL
POr floria tu ve un tiempo cl íer perdido;
Perdumede puro bieo ganado :
Gane quando perdi íer líbcrcado}
Lt.xtr-ftgora me voo màs vencido.
VcnciquandodeNifefuyrend doj
Rendimi por nofer delia dexado:
DexÒTieen la memorii elbien paíTado;
Pdlí.agoia a llorar lo que he fervido.
Servia ai premio de la Luz que amava j
Aniandola eíperavale por cierto;
Incicrtome íalió quanto eíperava.
J^a eíperança íe queda endeíconciertoj
Elconcierio ea el m'4que no peníavâi
tlpenfamienco conunfin mcierco,
SONETO CLXIX.
EEbuelvo en la inccíTablc fanrafia, ("do,
^ Quádo me he vilto en màs dicholoefta»
Si ago a de Amor vivo inflamado.
Si quando de íu ardor libre vivia.
Entoncesdeíla llaina folohuia
Delprcciando en mi vida fu cuydado :
Agora, con dolor de lo piíTado,
Tengo por gloria aquello que temia.
Bicn vc:o que era vida deleytofa
Aqucllj que lograva fin temores
Q-iando guitos de Amor tuve por viento.
Mas viendooy a Natércia tan hermofa,
Halio en eíta priiion glorias mayores,
V cnperderlas por libre hallo tormenc j.
L As peíías retumbavân ai gemido
Del mifero zagal, que lamentava
£1 dolor que a fualma iaitnnava.
De v\n obítinado delamor nacido.
El marque las batia íu bramido
Coo los retumbos delias ayuntava j
Conluio íou el vienco dciramava,
En cavernofos valles repetido.
Reíponcicn a mi llanto duras penas:
Ay de mi i (dixo) ia mar brama,y ^ime j
Los ecos íuenan de trideza Uenos.
V tUjporquié la mucrreen mi le imprime
De oir las anilas nuas tedeídenaSi
y quãndolloro màstcablando menos,
SONETO CLXXI.
EN una felva ai difpuntardeldia
Eítava Endimion trifte, y llororo^
Bueltoal rayo dei Sol, que preiuroío
Por la falda de un monte dcíccndia.
Mirando ai turbador de fu alegt Í3/
Contrario dela bien, yfurepoío.
Trás un furpiro,y ocro, cong.xoío,
Kazones femejanc.s ledezn,
Laz clara, para mi la máseícura.'
Que con eíTe paíTeo aprefurado,
Ml, Sol con tu tiniebla eícureciílcj
Siâllá pueden moverte en elTa altura
Las quexas de un Paftor enamorado>
JNo tardes en boi ver a do falífte.
SONETO CLXXIL
O Rfeo enamorado que tania
Por la perdida Ninfa queburcãvâ,
EnelOrcoimplacble donde eítava,
Con la arpa, y con la voz la enternecia»
La rueda dei xion no fe mo via^
Ningun atormentado fequexavai
Las penas de los otros ablandava,
Y codas las de todos el fentia.
El fon pudo obligar de tal mancra^
Qiicen dulce galardoo de lo cantado,
Los Infernales Reycscondolidos.
Lemandaron bolver íbcompaííera,
Y boi viola a perder cl deídichado,
Conquefueroncncrambos los perdidos,
SO.
r
^ Rlm^s do Grande Lm>lde Ca,mdes]
SONETO CLXXIII. SONETO CLXXVl.
El/canteyjà, & agora vou chorando
O tempo que c^ntey taõconíiadp:
parece que no canto jàpaíT^do
Se eílavaó minhas bgriíius crmndo,
Canteyjmasie mealgué pexguta» quando?
Naõ fey que também tuy nííTo enganado,
He taò trii]:e efte cneu preíente eftado.
Que o paflado por ledo eílou julgando.
Fizeram me cantar manhoíamentc
Conxen ta mentos naó, mas confianças :
Cantava, mas jà eraaeíom dos ferros.
De quem me queyx3rcy,íe tudo mente?
Porém, que civlpas ponho á?^ erpcraoças,
Onda a Fortuna injuíla he mais q os erros ?
SONETO CLXXIV^.
AYj Amiga crael ! que apartamento
He eíle que fazeis da pátria terra >
Ay i Qiáemdo amado ninho vos deíterra.
Gloria dcs olhos, bem dopeníainento?
His tentar da Fortuni o movimento,
Edosveotps cruéis a dura guerra ?
Ver brenhas«de ondas? Feyto o mar em ferra
Levantada de hu m vcnro,& de outro vento ?
Mas jà que vòs partis, fem vos partirdes.
Parta com vofco o Ceo tanta ventura,
Que feavefitaje a aquella queefperardes,
Eíó dcfta verdade ide íegura,
Que hzns mais faudades com vos irdes,
Do quelevaisdeíejos por chegardes.
c
SONETO CLXXV.
Ampo nas Syrres defte mar da vida^
^ Após naufrágios Teus taboa fegura;
Claras bonanças em tormenta efcura,
Habitaçáada paz^ de iVmor guarida :
A ti tuJQ : U. íe vence tal fugida,
Equem mudou lui^ar mudou ventura,
Cantemos a vitoria j 5c na eípefiura
Triunfe a Honra da Ambição vencida.
Em flor^Sí fruto de Ver aô,&: Outono
Utilmçntemurmuraõ claras agoas:
Alegre meacha aqui, me deyxaodía.
Anpantes roxinoes rompemmeo íono
Que ata o dcfcanfo : aqui fepulto magoas
Que jà foraõ íepulcrQs de alegria.
AH, rainha Dinamene,aín deyxaílc "
.Quem nuca dcyxar pode de querertei»
Que já, N mfa gentil, não poíTa verte ?
Que taó veloz a vida deíprezaftc ?
Como por tempo eterno te apartaftc
De quem taò longe andava de perderte ?
Pudcraó eíías agoas deíenderte
Que naó viíles quem tanto magoafte?
Nem fomente falarteadura Morte
MedcyxoUj queaprcíTada o negro manto
Lançar fobre os teus olhos- cenfentifte.
Oh mar ! ò Qto \ ò minha eícura forte !
Qual vida perderey que valha tanto,
bc mda tciího por pouco o viver tríftc »
SONETO CLXXVIL
C^ Uaráando em mi a íbrteo feu dercyto^
í EmverJe me cortou minha alegria.
Oii quanto fencceo naquelle dia '
Cuji trifte lembrança arde em meu peytof J
Quando mais o imagino bem íofpcytO| j
Qiie a tal bem tal defconto fe devia j
Por não dizer o Mundo qus podia
Acharfeemícusenginos bcrn perfcytor
Pois fc a Fortu na o fez por defcontarnae
Effe deígoílo em cu jo fcntimento
A memoria naõ faz íenão matarnae i
Que culpas pode darme o peníamento.'
Se a caufa que elle tem de atormsntarmc.
Tenho eu de íofre mal o íeu tormento ?
SONETO CLXXVIIL
C'> Antandoeftavahumdia bem feguro,
^ Quando paífaya Silvio, íc me dezui
(Silvio Faftor antiguo que fabia
Por o canto das aves o futuro.)
Lifo, quando quifer o Fado efcuro,
Aoprimirteviráõem hum 16 dia
Dous lobos j logo a vozi êí a melodia.
Te fugirão, & o íom fuave, & puro.
Bem foy aíTi •, porque hum me degolou
Quanto gado vacum paítava&tinh:^.
De que grandes foldadas efperava.
E por mais dano o outro me matou
A Cordeyra gentil^ que eu tanto amava,
Perpetua íaudadc da Alma oiinha.
so:
Rimas do Grande Lms de Qamêes» ^f
SONETO CLXXIX. 'SONETO CLXXXIf.
OCeo, a terra, o vento foíTegado >
As ondas que íe eftendem por a areaj
Os peyxes que no mar o íono eatrea j
Onoái-irno filencio rcpouíado:
O pelcador Aonio, que dcytado
Ond€ co*o vento a agoa íc menea.
Chorando, o Nomeamadoemvaó nomeai
Que naõ pode íer mais que nomeado.
Onda:, (dí^i.i^ antes que Amor me mate,
Tornaymeá nun ha Ninfa, quetaõ cedo
Me fizellesà n\orte citar fogeyta.
Ninguém rcl^^íonde : o mar de longe bate;
Moveíe brandamente oarvoredo ;
Levalhe q vento a voz que ao vento deyta.
A
SONETO CLXXX.
H, Fortuna crueí i Ah, duros Fadoí !
Quaô afioha em meu dano vos mudif-
Có os voíTbs cuy dados me c^níaíles, (tes í
E agora defcançiis co'os meus cuydados.
Fizeíleíme proyar goílos paíTados,
E vofla condição nelles provajtes :
Singelos em hum*hora rnos levaftes,
Ptyxando em leu lugar males dobados,
JÕiianto nulhor me fora que náovira
Os doces bens de Amor ? Ah, bens luaves !
Quem medeyxa íem vòs, porque me deyxa?
De qutyxarte, Almj mtnha, te retira:
Alma de alto caída em penas graves,
Tois tanto amaíle em Yaó,em v^aô te queyxa.
SONETO CLXXXI.
QUanto têpojolhos meus, cõ t alia mento
Vos hey de yer taó triftes,& a.^ravados?
Naõ baftaõ meus fuípiros inflamados,
Que íem pre em mi rcnovaó ích tormento ?
.. Naõ baila confentir meu peníamcnio
Em magoas, em triftc2as,& em cuydados í
Scnaõ que aveis de andar taõ maltratados,
Que lagrimas tenhais por mantimento í
Naò fey porque tomais cita vingança,
Moftrandovos na aufencia taó fauduios,
Sc fabeis quanto poie húa efperança.
Olhos,naõ agraveis outros fermolos.
Tornando hum puro amor em cíquivança,
Pois íicuis por cíquivos Ueidenholos,
LEmbrãças que lembrais o bem paíTado,
Para que finta mais o mal prefente^
Deyxayme, fe quereis, viver comente,
Moirer naõ me deixeis cm cal eítado.
Se de todo, conr» tudo, eílà do Fado,
Que eu morra de viver taõ dtícontence,
Venhametudoo bem por accidcnte,
E todo o mal me venha por cuydado.
Que muytomelhor he perderíc a vida^
Perdendoíe as lembranças da memoria, ?
Pois fâzem tanto dano ao peníamenio.
Poi que, enfim, nada perde quem perdida
Aefpciança tenija deaquella gloria
Que íazia fuave o leu tornicato.
J
SONETO CLXXXIIÍ.
QUando os olhos emprego no paffado^^
De quãto paíley me acho arre^édida )
Vejo que tudo foy tempo perdidO}
Qiie. todo emprego foy mal empregado.'
Sempre nomaisdanoío mais cuydado j
Tudo o que mais cumpria mal cumprido
Dedeíengaoos menos advertido
Fuy,quândodeerpcranças mais fruílradoj.
Os Caftcllos que erguia openlamento^
No ponto que mais altos os erguia.
Por eííc chaó os via em hum momento.
Que erradas contas faz a Fantafia •
Pois tudo pára em morte,tudoem vento,
Triílc o que eípera i trifte o que confia :
' SONETO CLXXXl\^ 2
JA cantey» já chorey a dura guerra
Por Amor íuílentada longos annos j
Vezes mil me vedou dizer feus danos.
Por naõ ver quem o fegue o muyto q erra.'
Ninfas, por que Caítalia fe abre,Sc cerra i
Vòs que fazeis á morte mil enganos,
Concedeyme já alentos íoberanos,
Para que diga o mal que Amor encerra.
Para que aquelle, que o leguir ardente.
Veja em meus puros vcrfos hum exemplo
De quanto cm glorias prometidas mente.
Que inda q em trifte cíbdo me cótemplo^"
Se nefte alíunto me inípirais , emitente
Darey a minha lira ao voíío templo.
9*
Mimas do Grande Zaíís de Carfich.
SONETO CLXXXV.
OS meus alegres vcntufofos dias,
PaíJáraõ,como rayo brevemente j
Movemícoscnftesmais pefadamente
Após das fugitivas alegrias!
Ah falias prccenfôes! Vansfantafias !
Que me podeis jà dar que me contentei
Jade meuCfiftepeytoachama ardente,
O Temporcduzio a cinzas fnas.
íNellasrevolvo agora erros paíTâdos>
Que outro fruto nao deu a mocidade,
A quem vergonha, & dor minha ahna deve.
- Revolvo mais de toda a mais idade,
Dcíejos vãoSj vãos choros, váoscuyddd9S>
Para que leve tudo o Tempo icve.
SONETO CLXXXVI.
K S horas breves de meu conteotamcnco,
«^jT^* Nunca me parcceo quando vos tinha^
Que vos viffe mudadas taõ afinha
Em taõ compridos annos de tormento. .
As altas forres, que fundey no vento,
Levou, cníim, o vento qu2 as foftinha :
Doniil que m^ ficou a culpa he minha,
Pois fobrecoufís vãs fiz fundamento.
Amor com brandas moílras aparcccj
Tudo poííivel fa^, tudo aíTegura;
Mas logo no melhor defaparece.
Eílranho mal ! Ertranha defvcntura !
For hum pequeno bem^ que deífallece.
Hum bem aventurar que lempre dura •
A SONETO CLXXXVII. "^
ONde acharey tugar taò apartado,
E taõifentoemtudoda Vcnturaj
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras fcja frequentado?
í Algum bofque medonho. & carregado.
Ou ftlva folitaria , tnfte, &eícura,
Sem fonte clara^ ou placidj» verdura :
Enfim, lugar conforme a meu cuydado?
Porque alli nas entranhas dos penedos,
Em vida morto , fepultado em vida^
Me quey xc copiofa, 6c livremente.
Que poisa minha pena hc fem medida,
Alli não ferey trirtecm diasledosi
h dias triftes me faraõ contente.
SONETO CLXXXVíir.
AQui de longos danos br;? ve hiftoria
Veráó os que íe jadaõ de amadores :
Reparo pode fer das íuas dores
Naõ apartar as minhas da memoria.
Efcrcvi, naõ por fama, nem por gloria^
Pd que outros ver íosfaõ merecedores;
Mas por moftrar íeus triunfoSj ícus rigores,
A quem de mi logrou canta vitoria.
Crecendo foy a dor co'o tempo tanco.
Que cm numero me fez,alheo dearte^
Diztr do cego Amor que me venceo.
Se aocãtodey a voz,dey aalmaaoprãtoí
E dando a pena a maó , efta fó parte
JUc minhas triítes penas cícreveo.
SONETO CLXXXIX.
'y Or fua Ninfa Ccfalo dcyxava
A Aurora, que por elle le perdia^
Poílo que dá principio ao claro dia^
Poíto que as roxas florts imitava.
ÊHe^ quea bdla Procns tantoaraavai J
Que fó por ella tudo engcytaria,
Defeja de tentar fe lhe acharia '
Taõ firme fé como cila nellc achava,'
Mudado o trage, tece hú duroengaoOf
Outro fe finge ; preço po:m diante :
Qucbrafe a fè mudável, & conícnte.
Oh íutil invenção para feu dano j
Vede que manhas buíca humccgoamantc^
para que ícmpre fcja deícontente I
SONETO CXC.
!
S Entindoíè alcançada a bella Efpofl \
DeCéfalono crime confcntido,
Para os montes fugia do marido •,
E não fey fe de aíluta, ou vcrgonhofa. ^
Porqueclle, enfim, fofrendoadorciofaj
Da cegucyi a obrigado de Cupido, .^
Após ella fe vay como perdido, I
Jà perdoando a culpa cnminofa. jH
Deytafe aos pcs da Ninfa endurecida |
Que do ciofo engano eftá agravada y
Jalhc pede pcrdaõ, jà pjdca vida.
Oh força de afFeyção deíatinada l
Que da culpa contt*elle cometida,
Pcrdaõ pedia á parte que hc culpada i
1
Rimai do Grande Luís de Camões'^
m
SONETO CXCI.
SEguía aquellc fogo que o guiava^
Leandro contra o mar,& contra o vento,
Quebravsõlhe ondas oammoío alento,
Por mais & mais q Amor lho renovava.
Com fentir jà que quafi lhe faltava.
Sem nada eímorecer, nopenfamento
(Naó podendo falar} deíeu intento
O fim ao furdo mar encomendava.
Oh mar (dezia o moço íò configo)
Játenão peço a vida; fò queria
QueadeErome íalvaíTes: não me veja,
Eile defunto corpo là o dcfvia
De aquella torre : íeme nifto amigo,
Foisnomeumayor bsm mcouveltc enreja.
SONETO CXCII.
l
K^^^ S olhos onde o Cafto Amor ardia,
^^^ Ledo dele ver nellcsabrafadoi
O roílo onde com luftre defufado
Purpúrea rofa fobre neve ardia.
O cabcllo que enveja ao Sol fazia.
Porque fazia o íeu menos douradoi
A branca maó, ocorpo bem talhado.
Tudo aqui íe reduz a terra fria.
Perteyta ferraoíura em tenra idade.
Qual flor que antecipada foy colhida.
Murchada cítà da maõ da morte dura.
Como não morre Amor de pifdadeí
Naò della^ que íe foy â clara vida^
Mas de fi, que ficou em noyce cfcura,
SONETO CXCIII.
Dltofa pena,como a maó que a guia,
Com tantas perfey(jões da fútil Arte,
Que quãdo com razaó venho a lou varce,
Em teus louvores perco a tantafia.
Porém Amor, que eflrey tos vários cria,
Be ti cantar me manda em toda parte,
Naõ em ple£tro bclligero de Marte,
Mas em fuave& branda melodia.
Teu nome Emmanuel,de hú noutro Polo,
Voando íe levanta, ^ te pregoa,
Agora que ninguém te le vantava.
Ê porque immortal lejasi eys Apolo
Te ofirece de flores a Coroa
Que j à de longo tempo te guardava.
J, Part.
SONETO CXCIV.
ESpanta crccer tanto o Crocodilo, T
Sò por leu limitado nacimencoj
Que fe mayor nacera^ mais ifento
tlhvera de eípanto o pátrio Nilo.
E m vaó levantara meu baxo ellilo
VoíTo Pontifical novo ornamento,
Pois no ventre o immurtal merecimêto
Volo talhou para deípois vellilo.
Tardou, mas veyo : q a quê mais merece,
Vir o premio mais tarde he fcmpre certo
Inda que vez alguma venha cedo,
os Ceos que do primeyto eltaõ mais perto,
Mais de vagar íe movem. Quem conh.ece
Sobre aquelle íegiedo, eltc (cgreoo i
SONETO CXCV.
Ct Rnou fublime Esforço a o grade Atlatei
: Com que a ccleítc ma quina íuftenta.
Honrou a Homero o Engenho, cõ q mtéia
Grécia do quarto Ceo paflalio avante.
Coroou claro Amor de amor confiante
A Orfeo, na paz firme > & na tormenta,
lofpirou a Fortuna , em tudo ifenta,
A Cefar de quem foy hii tempo amante."
Exaltafte tu^ Fama, a gloria alça
De Alcides là no monte em que refides,Cma^
Mas Caílro, em quê o Ceo feus does derra-
Mais orna, honra, coroa, inípira^ exalta,
q Atlâte Homero, Orfeo, Cefar, & Alcides,'
liíforço, Engenho, Amor,Fortuna,& Fama
SONETO CXCVL
DEfpois q vio Cibele o corpo humano
Do fermoío Atysfeu verde pinheyro^'
Em piedade o vaò furor primeyro
Convertido, chorava o grave dano.
E à íua dor fazendo illuftre engano,
A Júpiter pedio que o verdadeyro
Preço da nobre Palma, & do Lourcyro,
Ao fcu Pinheyro dèíle , íobcrano.
Mais lhe concede o Filho poderofo,
Quecrecendo as Eítrellas tocar poíTa,
Vendo os fegredos la do Ceo lu premo.
Oh, dicoío Pinheyro ! ó mais ditofo
Quem fe vir coroar da rama voíTa,
Cantando á voíTa íombra verfo eterno I
E SO.
g^ Rimai do Grande Luís de Cárnõesl
SONETO CXCVII. SONETO CC.
POis torna por íeu Rey, & juntamente
Por Chrifto» a governar aquella parte
Onde fe tem moítrado hú Numa,hú MartCj
O famofo Luís, jufto,& valente :
O Tejo t^Çpç.it VLT de todo o Oriente,
Onde (ttàô raros dõcso Ceo reparte,
Rendera canto esforço, aviíò,&, arte,
Mil palmas, niil rributos novameíite.
Gs que bebem noGangc^os que no Indo,
A qu-m pouco valerão lança,& cícudo,
O renderfc. ceráó por bom partido.
O Eufrates temerá, feu nome ouvindo :
Que para delle ver vencido tudo,
J a vio do braço íèu tudo vencido.
SONETO CXCVIII.
A Gora tomaa eípada, agora a pena,
Eílacio noiío, em ambis celebrado,
Sendo^ou no íalfo rnarde Marte amado;
Ou na agoa doce amante da Camena,
Ciíne S )iioro por Kibeyra amena,
De mi para cantarte ne cobiçado ,
Porque naõ podes tu íer bem cantado
Derudairauta, nem deagrelie avena.
Se eu q:ue a pena coí-ney, tomeyacfpada,
I^ara poder jugar licença tenho.
Delia alra influição dedous Planetas ;
Com húa, & outra luz delles lograda.
Tu com pujante briço, ardente engenho,
Serás Faro a Soldados,& a Poetas,
SONETO CXCIX.
1"^ Rro<, meus, mâ Fortuna, A mor ardete,
_^ Em minha perdição fe conjurarão:
OserroS)&a Fortuna íobejàraó,
Qne para mi baltava Amoríomentc.
Tudo paíTcy, mas tenho taó preíentc
A grande dor das couías que paíTaraó
Qv.íe jáas frequências fuás me enlinaraõ
A delejos deyxar de ter contente.
Etrtíy todo o difcurfo de n^cus annos j
Deycaufa a que Fortuna caftigaííe
As minhas mal fundadas cfperanças.
De Amor naõ vi ícnào breves enganos»
O ! quem canto pudeíTequefaitaríre
Lltt meu duro Gcniodeyingançasi
CA neíla Babilónia adonde mana
Mjteiiaaquantomal o mundo cria:
Cà donde o puro Amor naó tem valia.
Que a Mày, q manda mai?, tudo profana :
Cà donde o mal íe afina, o bem fe dana,
E pôde mais que a honra a tirania :
Cà donde a frrada,&: cega Monarquia
Cuyda que hum nome vaõ a deíengana :
Ca nefte laberinto onde a Nobreza,
O Valor,6c o Saber, pedindo yaò
Aí. portas da Cobiça, & da Vileza :
ca neíle eícuro Caos de confuíaó,
Coaipnndo ocuríoellou da Natureza,
Vè le meefqucjcerey de ti, Suó !
SONETO CCí.
CT Orrem turbas as agoas dede rio,
j Que as rápidas enchentes enturbaraoí
Os floreei Jo$.canpos fe fecàraõ} rd
Intratável fe fez ovalle, &fno. M
Paliou, como o Veraò ^ o ardente Eftio j %
Humas couías por outras íe trocarão :
Os fementidos Fados ji deyxaráo
Do Mundo oreginíento, ou defvarío.
Já o Tempo a ordem fua cem fabida j
OMundonáo: mas anda taó confufo,
Que parece que delle Deos íecíquece#
Calos, opiniões, Natura, & ufo,
Fazem que nos pareça defta vida
Que naõ ha nella mais do que parece.
SONETO CCIi;
VOs outros que bufcaís repoufo cerro
Na vida, com diveríos exercicios;
A quem, vendo do Mundo os benefícios,
O regimento feu fica encuberto.
Dedicay , fe quereis, ao defconccr to
Novas honras^ & cegos facrifícios;
Qtie por caftigo Igual de antigos vicios,
Qiier Deos que ande as coufas por acerto.
Naô cahio nefte modo de calligo
Quepos culpa á Fortuna ; quero fomente
Crè que acontccimientos ha no Mundo.
A grande experiência he graõ perigo :
Mas o que a Deos hejufto,& evidente.
Parece inj ufto aos homens, ^ profundo.
SC*
\,
Rimas do Grande Luís de Camoesl 3^
SONETO CCIII. SONETO CCVI^
PAra fc namorar do que criou.
Te lez Deos»Sacra Fénix, Virgem pura.
Vede que tal íer ia eíta Feytura
Que para fi o íeu Fcy tor guardou I
ISoftu alto conccyto reformou
Pnmcyto que a primeyra criaturaj
Paraque unica tuííea compoAurà
Qlic de uô longo t^ nipo k elludou.
Niô fey Ic digo cm cudo quanto baile
Para exprimir aj» raras ca'ida jes
Que quis criarem ti quem tu criafte.
Es Filha, Mãy & Efpoía ; & íe alcançafte
Huma lo, três taó altas dignidades,
Foy porq a Três de Hú lo tanto agradafte,
SONETO CCIV.
DEcedoCcoiraraeníoDeosbcnino,
Para encarnar oa Virgem Soberana,
Porque dece divino a coufa humana?
Para íubir o humano a ler divino.
Pois tomo vem taó pobre^ & taõ Minino,
Rendendoíeao poder da mão tirana?
Porque vem receber morte mhumana
I^dfa pagar de Adaó o d^fatmo.
Hepoílivel queo^ dousoírutocomem
Que de qu.m lacs deu tinto, foy vedado?
Si, porque o propio ler de Ueofes tomem,
E por cita razaófoy humanado?
Si, porque foy com cauia decretado,
§e quiz o home ler Deus» q Deos foffc home,
SONETO CCV,
D Os Ceos à terra dece a mór Bclleza;
Uneíe a noíTa carne, & a faz nobre:
£ fendo a humanidads d'antes pobre»
Hoje fubida fica à mór riqueza.
Bufca o Senhor mais rico a mór pobreza^
Que como ao mudo o feu amor defcobre,
De palhas vis o corpo cenro cobre,
E por cilas o mcímo Ceo defpreza.
Como? Dcos em pobreza á terra dece?
O que be mais pobre tanto lhe contenta,
Que cfte íó mente rico lhe parece.
Pobreza efte Prefepioreprefentai
Mas tanto por ler pobre jà merece^
Qye quanto mais o he, mais ihc contéu
!• Part.
POrque a tamanhas penas fe oíFrecc
Poro peccado alheo, & erro inlano,
O Trino Dcos? Porque o logeyto huniáno
Naõ pode co* o caíligo que merece.
Quem padecerá as penas que pacece?
Quem fotícrádeshonra, n.orte , & dano?
Quem lei á, ícxãofor o bobc' ano
Que reyna^ & Icrvos manda, 6^ obedece?
Foy a for^^a do hon.cm taõ pequena
Que naó pode íofter tanta afpereza,
Pou naó loftcve a Lcy que Dccs ordena.
Mas íòfrea aquclla uiimenla Foi taleza
Por amor puro : que a mortal traqucza
Foy para o Ciro» 6>: naõjá paraapci^a,
SONETO CCVM.
DEpoisdcavcrchorado os mustormc-
Qiier Amcr q lhe cante asíuisglurias^
Cantodchuma Bellcza os vencimentos,
De hú longo padecer choro as memorias.
Porém íè as minhas penas íaõ vitorias,
Por acauía,a meus altos penramentoSi j
Dilatemíe cm larguiílimas hiltorias
Eítesmeus glorioíos rendimento^.
Movaíeem todo o mundo único efpanto/
De que he; por a Belleza que eu adoroj
Do que cantado tenho premio o pranto.
Contente o freço à Amor taó^rift^ foro :
Que íe choro náo ha como o meu canto^
Naó fey canto melhor q efte meu choro.
SONETO ccvm.
ONde mereci eu tal penraraento,
Nunca de fer humano merecido?
Onde mereci cu ficar vencido
De que tanto me honrou co* o venciméto?
Em gloria fe converte o meu tormento^'
Quando vendome eílou taó bem perdidoj
Pois naõ foy tanto mal fer ater vido,
Como foy gloria o mefmo atrevimento^
Vivo^ Senhora fó de contem piar vosi
E pois efta Alma tenho taõ rendida.
Em lagrimas dcsfcytoacabarey.
Porque naó me faraó deyxar de amarvos,
Receos de perder por vós a vida,
Que por vós vezes mil a perdercy.
1$^
Rimas do Grande Luh de Camersl
SONETO CCIX.
DE freCcas belvederes rodeadas
Eftaõ as puras agoas defta fonte :
Fermofas Ninfas lhe tllaõ defronce>
A vencer,& a matar acoftumadas.
Aíldaó contra Cupido levantadas
As ÍU3S graças, que náo ha quem conte:
De outro vallecíquecidas* de outro monte>
A vida pâlíaõ ncfte íolTègadas,
0'íéii poder juntou, íua valia,
Amor jà náo fofrendoelte deíprezo,
Somente por íe ver delias vingado.
Mas vcndoaSjCntendeo que não podia
Defcírmorco livrarf&joude ler prcío,
E íicoule com ellas dcfarmado.
•^Soneto ccx,
NOsbrâçosdehu SilvanoadorrRCCcndo
Secftava a que lia Ninfa que eu adoro,
Pagando cora a boca o doce foro.
Com que os meus olhos foy efcurecendo
Obella Vénus i Porque eftás íofrendo
Qiie a mayor fermoíura do teu Coro,
Em hum poder taõ vd perca o decoro
Queo mcfito nnayor lhe ejtá devendo?
u Eulevarey deaqui porpreíupojlo
Defta nova eítranheza que fizefte»'
Que em ti náo pode ayer couia íegura,
'>^ Que pois o claro lume, o bello roílo
A aquelle monítro taó disforme defte,
Naó creo que aja Amor, ícnão Ventura.
SONETO CCXL
QUcdiz q AmòrbcFalío^oucnganofo,
Lig«yro,íngrato,vaó,deíconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe feja cruel, ou rigurofo.
- Amor he brando, hedoce^Sí he piadofoj
Quem o contrario diz,naó feja crido:
Seja por cego, & a pay xonado tido,
E aos hofr\ens,& indaaos Deofes odioío.
Sc males faz Amor, em mim fe vem ^
Era mim-moftrando todo o fea rigor.
Ao mundo quis moílrar quanto podia.
ií' Mas todas fuás iras íaó de amor j
Todos eílcsfeus males faó hum bem,
Que cu poi; todo^tícrabem náo trocaria.
SONETO CCXII.
FErmofa Beatriz, tendes taes gey tos
Num brando rebolver dos olhos bellos,'
Qiiefó nocontemplaKos, fenãovcUos,
Se inflaraaó corâçóes,6í humanos peytos.
Em toda perfeyção íaótãoperfeyros.
Que o defengano daó de merecellos :
Naó pôde haver quem pofla conhecellos
Sem nc*l!e A mor fazer grandes eífeytos.
Sentiraôjpornieumal, taõ graves danos
Os meu-í, que com os ver cegos, 6c triftes
FiciíSLÒ ícm prazer, co'a luz perdida, '
Mas já que vòs com ellcs me feriftes,
Toroay me a ver com ellcs mais humanos^
Ê dcyxareis curada eita ferida,
SONETO CCXIII.
ALegres campos, verdes, deleytofos^'
Suaves me íeraó voíTas boninas,
Em quanto fotem villos das mininas
Dos olhos de Ines bella taó fermofos.
Dos meus, que vos fcraó fempre envejofof
Por não verem éArtllas taó divmas,
Sert is regados de agoas peregruias,
Soprados de íufpiros amorofos.
E vós, riouradas flores, por ventura
Se Ines qu jzer fazer de meus amores
Experiências na folha dtrradeyra.
Moftraylhe, para ver minha fépura^
O bem que fempre quis, fermofas flores,
Q^ie entaó não fentirey que mal me qucyra]
SONETO CCXIV.
ONdadosfiosdeouro, ondeenlazado'
Continuamente tenho o penfamento i
Que quaoto mais vos loira o frefco vento.
Mais preío fico entaõ demeucuydado.
Amor, de hús bellos olhos fempre armadoj
Mecombate co'as forças do tormento,
Provando da minha alma o fofrimento
Que à jufta ley da Paz trago obrigado.
Aífi que em voíTo gefto ma is, que humana
Amo a pazjunt?ímentc, 6c o perigo :
E em amar hum 6c outro não me engano.
Muytas vezes dizendo eftou comigo.
Que pois hc tal a caufa de meu dano,
Hcjuíla aGuerra^he juftaa Pazque figo.' ^^
Rimas do Granâe Luís de Camões,
11
' SONETO CCXV,
AMorq em íonhos vãos do penfamento
Paga o zelo mayor de ícu cuydado,
Em coda condição, em todo citado,
Tributário me fez de (eu tormento.
Euíirvo,eucanloi& ograó merecimento
De quanto tenho a Aoior lacnficado,
Nas mãos da ingratidão defpedaçado
Por preía vay do ttcrno eíquecimento.
Mas quãdo aiuyto, enfim,cicça^ o perigo
A que perpetuanaente me condena
Amor, que Amor não he, màs enemigo,
. Tenho hú grade defcanfo cm mir.ha pena,
Que a gloria do querer, que tanto figo,
Naó pude ler co'os males aiaís pequena,
SONETO ccxvr.
^'T Em o tremendo eftrepito da guerra
^ Com armas, com incêndios elpancoíos
Que dcfpachâô pelouros pcri golos,
Laíl m;cs a abalar húa alta íerra,
Pedem por ir.edo a quem nenhú encerra,
Defpoisque vioosolhob taõfer moios.
Por quem o horror noscafos pavoíoíos,
De mim todo íe a parta, & fcd^ílerra.
A vida poflbao fogo & ferro dar,
E perdella cm qualquer duro perigo,
E nelle, corno Fenix, renovar.
Naõ pode mal a ver para comigo.
De que eu já me não pofla bera livrar^
Senão do que me ordena Amor ímigo,
SONETO CCXVif.
Floufe o coração, de muyto ifento,
De fi i cuydando mal que tomaria
Taò lUieito fimor, tal oufadia,
Tal modo nunca vifto de tormento.
Mas os olhos pintarão taó atento
Outros que viítos tem na fantafia j
Qiie a razaõ temeroía do que via,
Fugio deyxando o campo ao penfamento,
O Hipólito cafto, quedcgeyto
De Fedra rua raadrafta foite amado,
Que naõ fabia ter nenhum rcfpeyto
Em mim vingou Amor teu calto peyto j
^MaseíUdefte agravo taó vingado.
Que fc arrepeadc jado que tem feyco.
SONETO ccxviir.
QUé quizer ver de Amor hCiacxcellécia
Onde fua fineza mais feapma,
Attíice onde me põem minha ventura,
Porque de minha fé faça expaitncia.
Onde lembranças mata a larga auíenciâ
Em temerofo mar, cm guera dura,
A faudade alh eílá mais íegura^
Qiiandoriíco mayor corre a paciência.
Mas ponhame a FortunSjík o dui o Fado,
Em morte, ou nojo, cu dano, ou padiçau,
Ou em fublime, 6c proípcra ventuia.
Ponhame, enfim, em baxo,ouaito^ftaJo
Queatèna dura moitemeacharaó
Na hngoa o nome, 8í na alma avilta pura,
SONETO CCXIX.
LOs ojos que con bbndo mcvioiiento
Al paliar cnternccen la Aliijaaaá,
Si dv.tener pudiera íck un diaj
Pudierabien libraria de lormento,
Defteianamorofo íentimiento
El importuno mal íc acabaria;
O tambien íu accidente cr.ceria
Para acabaria vida enun momento.'
Oíiyatueíquivezme permitieífe
Que ai ver, òNinfa, tuícmbláte hermoío,
A manos de tus ojosyomutieíle.
O fi los detuvicras i qtian dichofo.
Seria aquel momento en que me vieíTe
Vida en cUos cobrar, cobrar repoío,
SONETO ccxx;
NOÍ3aílava que A mor puro.y ardience;
Por términos la vida me buitaíTe
Mas que la muerte alli feaprefuraíTe
Con un deshumaniflimo accidente?
No pretendiò mi Alma, aun que lo fíentci
Que el riguroío cu rfo íe atajafle
Porque nunca morir feexprimentafTc
Deíamado el que amó tan dulccmente*
Mas vucftra voluntad tan poderoía
Con eíTas gracias vueftrasordenaron
CrueldaJ aíli impoflible, onunca cida»
Aquel friodefden, y la amorola
Fúria, -de un golpe íolo me quiraron
Con dós contrarias muerces una vida,
SOi
^ím4s do Grande Luís de Cam^esl
SONETO CCXXI.
AYudame, Seííorâ, a fer vengançâ
De cai felvaciquez, de tal rudeza,
Pues de mi poqucdad, de mi baxeza^
Olado a ti elevava la elpí^rança.
A cíía tu perfecion, que no fe alcança j
A eflas íublimcscumbres de bellezâi
Donde una vez llegò Naturaleza,
Mas de bolver pei dió la confiança.
« Aquello que en ci miro contemplando,
QLieapeoascontcmplarlo meconliente,
Contempl indolo màs, menos lo elpefo.
Si gloria de mi pena en ti í- fient:-.
Derrama en mi tus r ;s, deíamandoj
Qiíealofenderme más yo màs cc quicro.
SONETO CCXXIí.
OCbras aguas defte blando rio,
Queen vòsalnaturaleftais pintando
ti frondifero adorno con que alzando
Se và a los Cielos efte boíque umbrio.
Afilias llubias,alliel Aufiro trio
Jà más puedan veoifosenturbiando,
Que os vais dei fccoElho prefcryando
Con focorreros deíle llanto mio.
Y quando en vós Marfifa femirarc.
Mi figura^ qual veis desfallecida,
e AnteTus claros ojos puelta (ea*
Y f\ por mi de vós los apartarc^
De verme allimoítrandofcoífendida,
En pena de no vetíLe no íe vea.
SONETO ccxxiir.
çfR A ^^ ^^^^^ ^^^^^ íucfíos tu figura,'
IVA^^^-Í^^ Ninfa, claramente veo;
Y quanJo màs la miro, masdefeo
Gozar libre de íuenos fu hcrmofura.
Eq tanto que eítedulce engano dura,
Vivoen la yana gloria qucpofleo:
Mas quanto alli Ic eleva mi deíeo,
VicRca caerdefpiertoem íombraefcura.
Duelemeeldeípertarporcontemplartei
Que li bien íé te hutlgas de no verme,
Huçlgomcde íer cicgo por mirarte.
Mas li quiero de enganos mantenernie,
Y tu quicresmepierda por amarte,
Sin gran ganância no podre perdcrmc.
SONETO CCXXI V.
MI Guílo, y tu Beldad fe defpofaron,
Terctros por mi mal mis ojos fueron:
Su logro íia fido tal, que, alhn, hizieron
Un hijohcrmofo a quien Amor llamaron,
Tan fucra de com paz le regalaron,
Qiie quando n-; às alegres eHuvieron^
Sn entender el mal que produxeron.
Perdidos por amores íemíraron,
La Beldad defpoíada delle fuelo,
Vmo a parir un monftro con dos alas j
La Madre a la foberbia, es nido el zelo.
O Madre que a tu Hij o en todo igualas!
Quienmortalhizealiramortal Abuelo,
1 ai Padre mortal dà immortales lalas?
SONETO CCXXV.
Sr el fuego que me enciende, confumido
De algú más íuelto Aquário íer pudicílc^
Si el alço lufpirar me convertieíTtí
En ayre por cl ayre defparzido.
Si unhornble rumor fiendo fentido, ',
La Alma adcxar elcuerporeduxeírc>
O por eftos mis ojos ai mar fucfiTe
Elte mi cuerpo en llanto convertido.
Nunca podria la Fortuna ayrada,
Con todos fus horrores, fus efpantos, ^
Derrocar la Alma mia de fu gloria
Porq en vueftra Beldad yatransformadajjí
Ni dei Eítigio lago eternos llantos
Os podrian quitar de mi memoria.
SONETO CCXXVÍ.
QUe me quereis perpetuas faudades ?
Com queefperãças inda me enganaisf
O ter/J po que fevaynaó torna mais,
Efe torna naõ tornaõ as idades.
Razaõhejá,òannos,quevos vades,
Porque eftes taõ ligeyros que paflfais.
Nem rodos para hum goíloíaò iguaiSf
Nem fempre faó conformes as vontadcsj
Aquillo a que já quis he taõ mudado
Que quafi he outra couía ^porque os dias
Tem o primeyro gorto já danado,
Efperanças de novas alegrias,
Naõ mas deyxa a Fortuna,& o terapo iradoj
Que do contentamento faõ efpias.
SQsí
Rimas do Grande Luis de Camõei.
3^
SONETO CCXXVII.
OH rigoroía í ufencia deíejacla '"l"
De iDim lernpre.mas nunca conheciaa
í5au(Jade noutro tempo taó temida,
Como em meu dano agora e^cpnmcntada
Jà rigorolamente começada
Tendes voíla eíperança em minha vidaj
Mas tanto que )à temo que oprimida
Scjaiscom ella cedo. ou acabada.
Os dias mais alegres me entriíteccm;
As noy tt!s com cuydados as dcíconto,
tm que ícra vòs lem conto me parecem.
t dc.ejando típtro, & os annos conto;
Ma^ coma vida, enfimiellesfallecemj
Ne baAaà carne enferma eíprito pronto.
SONETO CCXXVIII.
//L Yi quicn daráa misojosunafuí
■**" Deb^rimas que manen noche,
lente
ydia?
Relpiràra li quiera la Alma mia,
Llorandoio paliado, y lo prefcnts,
Qiiienmediera apartado de la gente,
De mi dolorfíguicndoiaporfia,
Ccn la tnfte memoria, y rantalia,
Del t>ien por quien mal canto aili í'e fiéte i
Quien me dará palabris con que iguale
El tiuroagrabioq el Amor meiía hecnj,
Dçiide tan poço ei íutnmiento vale?
Quien m^abrirà porfundamenteel pecHo?
Do eftácfcrito el íecreto que noíale
Con tanto dolor mio a mi deípecho?
SONETO CCXXIX.
On razon os vays, aguas, fatigando
^ ^ Por llegar do lereis bien rccebidasi
Yena^uel mar immeníoconvertidas»
Que ya de tantos dias vays buícando,
, fTnltcdeaquel que fiempreandaUorando
Las vanas eíperani^as ya perdidas;
y con dolorlas lagrimas vertidas
l^uncaa fin pretendido v n liegndo.
Voíotraâ fin traer derecha via,
AI termino Uegays tau deícado,
Por más que os embarace el graa rodeo.
Mas yo fiem pre atiigido noche ydiat
Por un camino, que no llevo erravio,
Janaáspucdoiicgar donde deíco.
SONETO CCXXX.
OCeíTe ya, Scnor, tu dura mano !
Nollegues tanto ai cabo con mi viciai
Baile elcíbr por ti tanconfumida,
Qucyano íehalla cn cila lugar fano.
Ay, eftranaHermofuta • Ay, dcibumano
Hadoa que nunca puedo bailar íalidaj
Si tu de tu piedad no eres movida,
Roto el hílo vital veras» tem prano.
Un blando delamor, un amor blando,
Bien baita pi ra un hombre tan pcíidido,
Qtiede íu njalningunremcdiocípera.
Y lieítimasen poço el ver qual ando?
Aqui me ticnes ante ti rendido.
V iva tu guflo , mi eíperança muera.
.SONETO CCXXXL
Ej Ulces engsfíos de mis ojos triíleSi
^ Quan vivodelpertais mi peníamicntoí
Aqu^lloque pudiera dar contento,
En íombrí de pintura lo bolvilles.
De blando íobrcíaltoenternecjftes»
Con vifta arrebitada el íentimientOi
Mas no leaíleguraítesun momento
Aqueíle vano bien que le ofrecift*s.
, Veo que la figura era fingida,
Y no aquella que en fi mi Alma eíconde,
Aunquecn cftafellega a! natural.
Alli eícucha mi llanto, aíli rerponde;
AlTi íe condolece de mi vida^
Como lifuexa el próprio Original,
SONETO ccxxxir.
QUanto tiempo ha q lloro un dia trifte^
Como fi alguno alegre yo efperara l
ComOjóTajo ! ai paliar elTatu cbra
Agui^ no la alterafte, y no me hundiíle?
El pafib me cerraíte, el pccho abrifte.
O mi Ventura de mi bien avara 1
A Dios, montaíías, de hermolura raraj
A Dios, mi corazon, que no partilte.
Si a donde quedas en dichola íuerte,
No bevieres las aguas dei Olvido,
tn tanto bien no quicras olvidarte.
Cantando mi dolor Hora mi muertcj
Porque aíta cl hueco monte fin fentido,
bueUa íu ronca vos por conlblarme.
SOI
40 Rimeis dQ Crmde Luis de Camões] ^ .
SONETO CCXXXIII. SONETO CCXXXVI.
LEvantay, minhas Tágides, a frente,
Dey xádo o Tejo às íombras nemorolas:
Douray o valleumbroro, as frecas roías,
E o monte com as arvores frondente.
Fique de vós hú pouco o Rio auíentcj
Geííem agora as liras numeroías;
Ceíle voíío louvor > Ninfasfermofas;
Cc-ffe da fonte voíTa a graõ corrente.
Vinde a ver a Teodoliogrande,& claro,
A quemelUotrecendo mayor canto
Islã citara dourada o louro Apolo,
>l{n.rvaj do íaber dálhe o dom raroj
Palas lhe da o valor de mais eípaiuo 5
E a Fama o kvajadc Poio a Polo.
SONETO CCXXXlV.
\]r Os Ninfas da Gangetica efpeííura
Gantay íuavementc em voz fonora^ .
HumgranddCapitaõquearoxa Aurora
Dos filhos defendeo da noyte efcura.
/^juntouíe a caterva ne^ra,& dura,
Que na aurca Gheríonefo atouta mora,
Para lançar do caro ninho fora
Aquelles q mais podem que a Ventura,
Mas hum forte Leaó^ com pouca gente,
A multidão U6 fera como necia,
Dcftruindo caftiga, & torna fraca,
O Ninfas, cantay, pois, que claramente
Mais doqueLeonidas fez em Grécia,
O nobre Leonis fez cm Malaca,
SONETO GGXXXV.
. A Lma gentil, que á firme Eternidade
^^Subílleclára,& yalerofamente
Cá durarádeti perpetuamente
A Fann>a,aGbria, oNome^^caSaudade,'
Naõley fehemòr efpanto em tal idade
Dey xar de teu valor enveja á gente;
Se hum peyto de diamante, ou de ferpcnte,
Fizeres qucíe mova a piedade.
Envcjofa da tua acho mil fortes,
E a noinha mais que todas envejoía,
Poi^ ao teu mal o meu tanto igualafte.
Oh ditoíomoirer! íorteditola!
Pois o que naofe alcança com mil mortes,
Tu com hua íó morte o alcaaçalte.
DEbaxo defta pedra, fcpultada
Jaz do mudo a mais nobre Fermofura^
A quem a Morte, ío de enveja pura.
Sem tempo lua vida tem roubada.
Sem ter relpeyto a aquella afli eílremada
Gentileza de luz que a noyte eícura
Torna va em claro dia i cuja alvura
Do Sol a clara luz tinha eclipfada.
Do Sol pcyrada fofte, cruel Morte,
Para o livrar de quem o eícureciaj
Eda Lua, queantc cila luz não tinha.
Como de tal poder tivefte forte?
Efeativelle,comotaõafinha
Tornalte a luz do mundo em cerra fria ?
SONETO ccxxxvir.
IMagens vias me imprime a Fantafiaj
Oílcurlos novos acha o penfamentoj
Com que daõ á minha Alma graõ tormento
Cuydados de cem annos num fó dia.
Se fim grande tiveíTem, bem feria
Refponder aefpcrança ao fundamento:
Mas o Fado naô corre taõ atento
Quéreíerveàrazaô fua valia.
Gaio, & Fortuna, podem acertar^
Mas fe por accidente dão vitoria.
Sempre o favor da Fama he falia hiftoriaj
Excede ao íaber, determinar:
A a con/lancia fe deve toda a gloria:
O animo liyte he digno de memoria.
I
ISONETO CCXXXVIII.
QUanta incerta efperança,quãto engano*
Quanto viver de falfos peníamentosi
Pois todos vam fazer feus fundamentos ^
Só no mefmo em q cftà feu próprio danoj ^
Na incerta vidaeftribam de hú humano^
Daõ credito a palabras que faó ventos;
Choraó deípois as horas, & os momentos
Que riram cõ mais gofto cm todo o anno.
Naõ aja em aparências confianças^
Entendey que o viver he de empreitado;
Queodeqviveomundofam mudançasj
Muday, pois, o fentido, Síocuydado»
Somente amando aquellas efperanças
Que duraõ para femprecomoamado,
SO
I
Rimas do Grande Luís de CamSeíl
4<
i
SONETO GCXXXIX,
MAl, q de tépo em tempo vàs crccêdo>
Que ce viíTe de hú bem acõpanhado,
A vidapàíTariadeícanfado,
Da morte naõ temera o roíto horrendo,
Ss osvãoscuydados fora convertendo
Em lufpiros que daó outro cuydado^
Oh quaô prudente ! ó quaó atbrtunado
A capcila de louro irá tecendo í
Tempo he ja de efquecer contentamentos
PaíTados, co' a efperança que paflbu,
E de que triunfem novos penfamentos.
A fèj que viva na Alma me ficou»
Dé já fim aos caducos ardimentos
^ que o paliado bem fe condenou.
SONETO ccxl:
O Quanto melhor he o fupremo dia
Da mania morte, que o do nacunento!
O quanto melhor he hum (ó momento
Que livra de annos tantos de agonia !
De alcançar outro bem ceííe a porfiaj
CeíTe todo aplica Jopsníamento,
De tudo quanto dá contentamento,
Pois fo contenra ao corpo a terra fria.
O que do íeu fez Deos feu defpeníeyro^
Tem mais eftrey ta conta que lhe dar:
Entaõ parece rico oovelheyro.
Jfrilte de quem no dia derradcyro.
Tem o fuor alheo por pagar^
Toisaalma hade vender por o dinheyrol
SONETO CCXU.
CJ1 Omo podes ( ò cego Peccador i)
j Edarem teus errores taò ifento,
Sabendo que elta vidahc hum momentO|
ISe comparada com a eterna for >
N aó cuydes tu que o juíto J ulgador
Dr^xarà tuas culpas íem tormento,
]Sem que paíTando vay o tempo lento
Do dia de horrendillimo pavor.
Naõgaíles horas, dias, meíes^annos,
Em íeguir de teus danos a amiladc
Dequedcfpoisreíultaõ moresd\nos.
E pois de teus enganos a verdade
Conheces, deyxa ji tantos engano"?,
Pedindo a Deos perdaõ com humildade.
». I.^arc.
SONETO CeXLiU
DE Babel fobre os rios nos fentamôSj
De noíTa doce Pátria defterrados.
As máosnaface, os olhos derribados,
Com faudades de ti, Siaó, choramos.
Os órgãos nos íalguíyros penduramos^
Em outro tempo bem de nòs tocados ;
Outro era ellcj por certo j outros cuydadosjj
Maspordeyxar íaudades os deyxanios.
Aquelles que cativos nostraziaõ.
Por cantigas alegres prcguntavaó.
Cantay (nos dizemj himnos de SiaÕ*
Sobre cal pena, pena tal nos daó.
Poistiranicamente pretcndiaô
Que cantaíTem aqucUes que choravaõ*
SONETO CCXLIII.
Sobre os rios do Rcyno cfcuro, quando
Triítes,quaes noíías culpas o ordenarão^
Lagrimas noíFos olhos derramarão,
PortijSiaó divina, fufpirando:
Os que hiaõ noíías almas iofeftando,'
De contino em error, as cativarão i
E em Y^ó por noíTos Salmos preguntaraó^^'
Que tudo era filencio miferando.
Dizendo eftamos : Como cantaremos
As accytas canções a Deos benigno.
Quando a contrários feus obedecemos ?
Mas jà, Senhor fó Santo, determino,
Deyxandovíciofillimos eílremos.
Os cactos profiguir de Amor Divino.'
SONETO CCXLIV;
EM Babilónia fobre os rios, quando
De ti, Siaõ Sagrada nos, lembramos,
Allicom graó faudade nos ícntamos,
O bem perdido, miíeros, chorando»
Os inftrumentos muficos deyxando,
Nos eftranhos lalgueyros penduramos.
Quando aos cantares, q jà em ti cantamos,
Nos eílavaõ imigos incitando.
As efquadras, dizemos, cnemigas j
Como hemos de cantar em terra alhea,
As cantigas de Deos, íacras cantigas ?
Se a lembrança eu perder que me rccrcâ
Cà neftas penofi (limas fadigas,
Olflivionideturdextra me a
F §0-
'j^i Rimas do Grande Luis de Camoesl
SONETO CCXLV. SONETO CCXLVIII.
A Ponta a bella Aurora, Luz primcyrai
-^^ Qlig a graô nova nos deu do claro dia.
Vtftivos corações já de alegria,
£ rccebey da vida a Meníageyra,
Dà humana Redempção nace a Terceyra
i\!egrate, divina Monarquia ;
Da rcrra terás cedo a Companhia }
Do Ceo veras também a noíía Freyra.
De tal obra íe eípanra a Natureza,
Confuío íica de temor o Inferno,
V endo a que oace lícnta da defeza.
Ley geral era pofta deídecrcrno •
Mas o ?>enhor da Ley, toda hmpeza
Parao Sacrário íeu guardadou, iMaterno,
SONETO CCXLVI.
Orquc a Terra no Ceo agafalhaíTe,
O Ceo na Terra Deos aga falhou .*
Là não cabendo, cà fe acomodou,
l^oí que là de cá indo fe alargafle. (fe
Porqu'o homéa fer Deos por Deos chegaf-
Por o homem a ítr Homem Deos chegou :
Seu divino poder tanto humanou,
Porqu' o humano em divino fctornaíre.
Vede bem o que deu, ik recebeo:
Naõ íe perca hú bem tanto da memoria:
Deunós a vid^i a morte padeceo.
Troçou por noífa pena a íua gloria:
Deunos o triunfo que cllc mereceo :
Perquo Amor íoy Autor defta Vitoria.
SONETO CCXLVII.
QUeeftíla a Arvore /acra? Hú licor fanto.
Para quem f^ Para o género he humano.
Que faz delle ? Hum remédio íoberano.
para que í Para a cul pa, & trifte pranto.
E que obra ? Reduzir Luzbel a efpanto.
Porque? Porque cú pomo fe^ graõ dano.
Que foy ? A morte deu com hum engano,
T-nto pôde ? Sem falta pôde tanto.
Quem íobc a ella ? Quem do Ceo deceo.
A quedece? A fubir a Criatura.
Que quiz da terra? Sólevalla ao Ceo.
He eícada para ir là ? E a mais fegura.
Quem o obrigou ? De Amor Í6 fe venceo.
Que amava efte Feytor ?Sua Feytura,
OH ! Arma, unicamente íò triunfante,
Propugnaculo íòdenofias vidas 1
Por quem foraô ganhadas as perdidas,
Com q o Tártaro horrendo andava ovante,' g
Sigaíe eftâ Bandeyra militante, "
por quem íaõ taes vitorias conícguidas.
Por quantas Almas^ delias divertidas,
No Ponente erraõ tà, là no Levante.
O Arvore íublime,6f marchetada
De branco & carmefi^ de ouro embutida^
Dos rubis mais precioíos eímaltada <
De Troteos mais claros guarnecida j
A Vida a Morte vimos era ti dada,
Para que em ii íe deíTe á Morte a Vida^'
SONETO CCXLIX.
A Os homens hu fó Homem pos eípãto^'
Ê o pos a toda a humana N atureza.
Que de home teve o fer, de Anjo a pureza.
Porque antes que nacefíe era ja Santo.
Profeta foy na Mâyj & enfim, foy tant(
Que entre osnacidos ouve a mór alteza;
Que da Luz, fem a ver, vio a Grandeza
Tendo por trompa o Verbo Sacrofanto.
Aquella Voz foy elle, fonorofa^
No concavo dos Orbes reíonantc,
EqueaCarne inculpável bautizou.
Quem do mór Pay ouvio a Voz ámantCjf
Quem a íiitil pregunta, induftrioía.
Com fincera repolta foiTegou.
SONETO GCL.
VOs ró podeis. Sagrado Evangelííla; ^^
Angélico abrafado Serafim,
E na ciência mais alto Cherubim^
Do q he mais fabio Amor fer coronifta
Divina, &c Real Águia, cuja vift a
Vio o qhe fem principio, o ^ hefeoifimí t
De Jacob mais querido Benjamim,
Quem mais campeã de jofeph na lifta.
Apoftolo^ & Profeta ^ Patriarca;
Ao Principe dos Ccos o mais accyto;
Que em íeu feo dormindo entaõ mais via
A quem o mcfmo Deos por Irmão marca^
Quem por Fjlhoda Mãy única feyto.
Em Corpo & Alma goza o claro Dia.
Rimas do Grandt Lais di Camões.
43
SONETO
CCLL
COmo louvar y eu, Serafim Santo,
Tanta humildad", tanta penitencia,
Caftídiicic, & pobreza^ Si paciencií,
Comeftemeu inculto, & rudo canto »
Argumento que às Muías põem eípanro,
Que faz mu Ja a grandíloqua eloquência,
j^bh imagem que a Divina Providencia
^^U€ Cl viva em vós fez para bem idnto!
Foíle* de Sa icos húa rara minaj
Alm.sdeniil a ir.ilaoCeo mand^ftcs
Do mundo que perdido rtformaftcs.
Ênaõ roubiveisío com a doutrina
As vontades mortais, masadivina,
Tois 05 feus rubií) cinco ihi lot bailes.
SONETO CCLlV.
D Eyxa Apolo o correr taó aprcííado,
Naõ figas eíía Ninfa tao utanOj
Naõ te Uva o Amor, levatc o engano
Com foiTibras de algú bem a mal oobrado.
E quand) feja Amor ícrà forçado,
E le torça Jo for, ícrà teu dano ;
Hum parecer naóqueyras mais q humano,'
Em hum Silvcftre adorno ver toi nado,
Naõ percas por hum vaõ contentamento
A viltaquete faz viver contente;
Modera c n tcu favor o pcníamcnto,
Forque menos mal hetcndoapieíente.
Sofrer Al» crueza, & teu toruKíito,
C^ieíentic lua aufcncia eternamente.
SONETO CCLII.
Dltofas Almasj que ambas junta menta
AoCeode Vénus & de Amor votítes.
Onde hum bem que taó breve ci lograíles,
Eftais logrando agora etcínamente,
Aquelle elUdo voíTo taó contente^
Qi>e ío por durar pouco trifte achaíteí?.
Por outro mais contente jà o tro.aftes,
Onde fem fobreíalto o bem íc (ente,
Trifte de quem cà vive taó cercado
Na amorofa fincz*, de hum tormento
Que a gloria lhe perturba mais crccida!
Ti líte, poi> me naõ vai o ÍOirimcnto,
E-Amor para mais dano me cem dado
Tara taô duro mal taó larga vida.
SONETO CCLlir.
Contente vivi jà, vendome ifento
Deftemaldeqa muytos queyxar via:
Chamaòlhe Amor^nas eu lhe chamaria,
T)iícordià,&f íemrazaój gu::rra, atormento.
Enganoumcco'onome opíjnfimcnto.
Quem com tal nome naõ ic enganaria >
Agora tal cllou que temo hum dia
Em que venha a faltarme o fof imento.
Com deícípcração» & com deíejo,
Me paga o que por elleefton paíTando,
t indaeftá do meu mal mal fatiseyto.
Foisfobre tantos danos inda vqo
Para darme outros mil, hufn olhar brandoj
E para os náo curar , hu.n dato ^^eyto.
1 . l Farce,
SONETO CCLV*
^1 As Cidades, nos boíques, nas flore/la*?,
^ Nos valies,& nos «notes, teus louvoícs
Sempre te cantem mulkos pjílcrcs
Nas manhâas frias, nss ardentes ú ítas.
Eneíle Tcmplodoiidc nuPifcílaS,
E repartes agora teub lavores,
CoíH S^dmoSj hymno^, & com varias flores,'
Se/aó célebres í. mpreas tuíisfcllas.
Edes te ofreçáo pès eíToutros máos ;
De aqu-jlles pendaó íobre os teus altares
MonílosdomarjdefcrviJaôpriroení,
Qtieeucuydados, enganos, & affeyções,
Muy to mayorcs monítros; & milhares
1 c dey xo aqui de pcuíameatos váos.
SONETO CCLVI.
VI queyxofos de Amor mil naoT^radoç,'
E ncnhús inda vi com feus louvores í
£ aquelle q mais chora o mal de amores
Vejo menos fugir de feus cu y dados.
Se das dores de Amor ioi$ mal tratidos»
Porque tanto bufcais de Amor as dores»
E le também as tendes porfavoref,,
Forque delias falais como agravados?
Naõ queyrais alegria achar aigúa
No Amor , porque hecõpoítode triftezai
Na Fortuna que acheis mais agradável.
Nclla,&ntllcachcy féprea meíma Luma»
Era quem nunca feyij outra firmeza
Que uaó í;.ja a de Ter fcm pre mudável.
F.j
SO;
44
Rimas do Grande Luis de Camões,
SONETO^ CCLVir.
SE lagrimas choradas de verdade
Ò mármore abrandar podem mais duro,
l'orqueas minhas que nacem de amor puro
IH^Í coxaçaô naõ rendem a piedade ?
* Por vos perdi^ Senhora, a liberdade,
E nem da pfppria vidacftou leguro.
Rompçy de eííe rigor o force murpj ^ ío^, ^
Naõ páide tanto avante a crueldade. ' -^
Ao prezar de defprezos d*ay jà fim : .
Naó vos chanicm cruel^ nome devídí^i^v f^ .
A quem íc ri de fluem íuípira , & amá.
Abranaay.efle pey to endurecido,
Pôr ò que tocaa vps, já naõ por mi;n :
Que eu.aVj^ncuro a vida, 6í vòs a fama.
SQtí^gTO GCLVIII.
Já me fundey em vãps contentamentos
Quandodelles viyi todo enganado
De hu fantaílico bem, Sr Je hú cuydado
De que fó cuydáo crgos pcnfa mentos,
PaíTava dias, horas, Ôcrnomen tos
Deííe ènleo de amores laõ pagado
Que tinha íó por bemavencurado
%^em fó por elles m ús bebia os ventos,
Masí^gpra,que )ácahi na conta,
Deíengaaamc quanto me enganava.*
Que tudoo.tempo dá, tudo defcobre.
O amor mais caudalofo menos monta j
*Quc; he de go/lps maisTicOj eu ignorava,
Aquellè qu^ de amores hc mais pobre,
SONEXO CCLIX.
EM.húa la pa toda tenebrofa,
Adonde. bate o mar com fúria brava.
Sobre hõ^a maõoroíto, vi queeftava
Húai^íirifa gentil, mas cuydadola.
Iguaimenre que linda laftimoí?,
Aljôfar dos Teus olhos delíilava :
O mar os íeus furores aplacava
Com ver coufa taó tnltc, & taõ fermoía.
Algúa vez na horrivel penedia
Os bellos olhos punha com brandura
Báftantea desfazer íua dureza,
tÇi-*'"^^'^ angélica voz, afli dezia.
*Aln l Que falta mais vezes a ventura,
Dondcjobcjamaisa Natureza.
SONETO^íCCLX.
SE em mim (ó Alma !) vive mais Icbrãça
Que aquella íó da gloria de querervos|
Eu perca todo o bé que logrou em vervos» ?
E de vervos tanribem toda a eíperança, . . j
y ejafe cm mim taó ruftica erquiyança .
Que í-oda indigno íer de conhecervos;
E quãdoem mór empenho de aprazeçvos,
Vosoffendí, feem miraouver mudança.
Confirmado eltou já nefta certeza:
Examineme voííacrueldadej
.Exprimenteíe cm mim vo0a dureza
Conheceyjá de mim. tanta verdade
Poisem penhor,& fé delta pureza .
Tributo vos fiz íer o que he vontadcr
SONETO CCLXL
ILuflre Graçia , nombre de una moça
Pnmera malhechora en elle caíío,
A Mondoííedo, a Palma , ai coxo TraíTo,
Sugeto digno de immortal coroca.
Si e.n médio de la Iglefia no reboca
El manto a vueílro roftrotandevaíTo,
Por vós dirán las gentes rezío, y paíToj
Veis quiencon el Demónio íe retoca.
Puede mover los montes fin trabajoj
Con palavras elcurfo ai agua enfrenaj
Por ias ondas hará caminoenxuto.
A verguenza íu Pátria, y rico Taja,
Que porellahombrcsllevâ masque arena
De que paga ai Infiemo gran tributo.
I
SONETO CCLXII.
QUal tem a borboleta por coftume,
Que elevada na luz da aceía vclla.
Dando vay voltas mil, atè que nella
Se queyma agora, agora íe confume.
Tal eu correndo vou ao vivo lume
De e{?bs olhos gentis, Aonia bella;
E abraíome, por mais que com cautclla
Livrarme a parte racional prelume,
Conheçoorouytoa que fe atreve a viftaj
O quanto fe levanta o peníãmcntoj
O como vou morrendo claramente.
Porém naó quer Amor que lhe refifta,
Né a minha alma o quer, q cm tal torméto
Qual em gloria mayor eftá contente.
òyJt
,'Mmas do Grande Luk de Camoesl
^
^SPNETO CCLXIII,
LEmbrâças de meu bé, doces lembrlças,
Q.ae tâo vivas eftais nefta alma minha,
JNaoqueráis mais de mi, fcos bés q tinha
Em poder vedes todos de mudanças.
Ay cego Amor i Ay mortas elperanças,
De que eu em oucro tempo me mantinha í
Agora dcyxarcis quem vos loítmha.
Acabarão co' a vida as confianças,
Co' a vida acabarão , pois a ventura
Mc roubou num momento aqueLa gloria
Que quando taõ grande he, taó pouco dura
Oh 1 íc apGs o prazer fora a memoria !
>\o menos cUivcra a alma íegura
De ganharfc com ella mãis vitoria.
SONETO CCLXIV.
^1^ Ermofos olhos, que cuydado dais
J/ Ameíma luz do Sol mais clara, & pura>
Que fua clclarecida fermofura,
Com tanta gloria vofla atras dcyxais.
Se por ícrdcs taô bellos desprezais (j
A fineza de A mor que vos procura,
Pois tanto vedes, vede que naó dura
O volloreíplandor quanto cuydais,
Coltiey, colhey do tempo tugitivo,
Ede voflabclleza odocefuuo,
Que em vaõ tora de tempo he defejado,
£ a mi, q por vós morro , h pur vos ViVO,
Fazey pagar a Amor o íeu tributo^
Contente de por vós lho aver pagado,
SONETO CCLXV,
I) Ucsfiempre finceíTar ,misojos triftes^
Ed lagrimas tratais la noche, el dia ,
Mirad {\ es lagrima efta que os emòia
Aquel Sol por quien vós cantas vertiftcs.
Si vós me alkguraib, pues ya lá villes,
Que es lagriiija, lerá ventura miaj
Por em picadas bien deldcoy tcndria
Las muchas que por ella loía diftes.
Mas quaiquier cola mucho dcíeada,
Aunque vicndo íe eftè nunca es creidaj
Y mcnqs elta nunca imaginada.
Pêro delia aííèguro, fi CS fingida,
Que bafta ler pwi bgrima embiada,
Para que íca por lagrima tenida.
SONETO CCLXVL
TEm feyto os olhos ncíle aparramenco
Hum naar de fatidoía cempeltade,
Que pode dar íaudade à faudade,
Sentimentos ao próprio fentimento.
Em dor vay convertido o fotrimento.
Em pena convertida a piedade j
A razaò taõ vencida da vontade.
Que elcravo faz do mal o entendimento.
A lingoa naó alcança o que a alma lentej
E aíli, íe alguém quifci em algum hora
Saber queccuía hedornaõcõprehendida
Par tale do leu bem, porque cxpnmeute.
Que anres de íe partir, melhor me fora
raituícdo vivcr para ler vida,
SONETO CCLXVII.
A Peregrinação de hu penfamento
Que dos males kz hi.bito, ^ ccftumei
Tanro da tnfte vida me coníume,
Quanto crece na caufa do tormtnio.
Leva a dor de vencida ao íoft imentoj
Mas a alma eítà de entregue taó Icm lume, ,
Que elevada no bem que a ver preíume,
N aõ faz cafo do mal que eílá de aílen to.
De longe receey, fe me valera,
0 perigo que tanto á porta vcjOj
Quando naó acho em mi couía fegura.
Mas jà conheço (ò nunca o conhecera í)
Que entendimentos prelos do defejo,
Naõ tem remédio mais que o da ventura.
SONETO CCLXVIII.
A Chome da Fortuna falteado,
O tempo vay fogindo preíuroío,
Deyxandome da vida duvidoío,
E cada inftante mais deíefperado.
Trocnufe o meu defcuydo em tal cuydado
Qiie dôde a gloria he mais, he mais penoío
N em si^^Oy de perderme, reccoíc j
Nem, de poder ganharme, confiado.
Qualquer ave nos montes mais agreíles,
Qijalquerfera na cova repouíãndo,
1 em horas de alcgriaj eu todas triíles.
Vos, faudoíos olhos, quco quífeíles,
(Pois cõ tormento Amor me eítà pagádo^^»
Choray^ como o que vedes, o que viítcs.
4^
Rimas do Grande Luís de CamSes,
SONETO CCLXIX.
SE no que tenho dito vos offcndo,
N aó jic a intenção minha de ofcndervosj
Que m jâ que pretenda mcreccrvcSj
Naõ vos dtfnícireccr íempre pretendo.
Mas he meu fado tal, ítgundo entendo,
Que por quanto ganhava entendcrvos,
iNaó me deyxa n te agora ccnhccei yos,
For a mi propno rnc ir dcfconhccendo,
« '-Os diab ajudados da vericura,
A cada quíl de fi daõ deíenganos»
Ea outros íoedallo a deíventura.
Qijaldfftas firvaa mi, diràõosdanos>
Ou goftos que eu civcr, cm quanto dura
EíU Vida, taõ larga em poucos annos,
SONÊIO CCLXX.
SEmpre cru .1 fjnhora> receey,
Medindo voíTa graõ defcon íinnça,
Qul deíTe em de (ãm.)r voíTa tardança,
E que me per JcíTe eu, pois vos a ney :
Percaíe em íí.ti ja tudo o que efpcrcy,
pois noutro amor j i tendes crperaaça,
Tio pot-ncc lerá vjfi madança,
Quanto cu encobri íe.nprc o que vos dsy:
Dey vos a alma, a vida, Sc o lentido»
De tudo o que em miiO ha vos fiz lenhora,
Prometeis, ^; negai» j mcfmoamor :
Agora lú £lt ju, que de perdido
Naó íey poro \de vou, mas algum hora
Vos dará tal le:íbran^'a|jraade dor.
SONETO CCLXXI.]
FOrtunaem mim guardado feuditíyto
Em verdederrubou minha alegria,
O quanto fe acabou oaquelle dia,
Cuja triíle lembrança arde em meu peyto!
Quando contemplo rudo, bctn roíptyto,
Que atalbccn, taldercançoíed.via,
Pcrnàodircro mundo, que podia
Acharíeem feu engano bem perfeyto:
Mas f(? a Fortuna o ^cz por deícoDtarmc
Tan}Anho gofto, em cujo íentimento
Amemon?. não faz ícnáo matcrme :
Qiie culpa pódedarmcoíofnmento.
Se a cauía que ellc tem de íitormentarme,!
tu teiiho de íofrci o í^u tomitnio.
SONETO CCLXXIí.
SE a fortuna inquieta» & mal olhada,'
Que a juíla Ley do Ceo coníigo infííma>
A vida quieta, que cila mais dcfama
Me concedera honeíta,& r poufada :
Pudera íerqucarouíàaicvantada
Com luz de mciisardcnte,& viva flama
Fizera ao Tejo la na pátria cama
Adormecer co íom da lyra amada :
Poièm, pois o deílmo trabalhofo.
Que n e eícurece a mufa fraca, & laça
Luuvorde fsnto pie(jO não fuítenta:
A voíía de icíuvarmc pouco cfcaça
(Jutro íogcytobufqMe valerofo,
Tui ^ual tiij vos aomunJo íe aprefcíjta,
SONETO CCL XXIII.
E Sfc amor, que vos tenho límpo,& puro
De penfa mento vil nunca tocado.
Em mmha tenra idade começado,
Tclo dvntro neíla alma fò procuro :
De haver ncllc mudança cftou feguro.
Sem tcnuT nenh um caio, ou duro fado,
In cm o íu premo bem, ou bayxo e/tado.
Nem o r :mpo pr ciente, nem futuro :
A "óiitna,^ a flor aílaha paíTa,
Tudo porteira o Inveroo, & Eftio àtytt^
Sò paramcu amorhefempre Mayo:
MoS ver vos para mim ffnhora eícaça*
E que eiFi ingratidão tudo me engeyta,
1 ras cfle meu amur fempre em deímayoj
SONETO CCLXXI7.
SE grande gloria me vem fó de olhartc^
He pena deílgual dey xar de verte.
Se prefumo com obras mercccrte.
Grande paga do engano he defejartc.
Se quero por quem es tal vez louvartc^
Sey ceriOj por quem íou,que he offenderte,'
Sc mal me quero a mim por bem qucrerte.
Que premio quero eu mais que fó o amartc i>
Eftreoios íaõ de amor, os que padeço,
O huniano thelouro, o doce gloria,
E íe cuydo que acabo entaõ começo.
A íli te trago fempre na memoria,
Nem fey fe vivo, ou morro, mas conheço^
Que ao âm da batalha he i. vitoria,
5Q:
-
Rimas ão Grande Luh ãe Camõesl
i7
SONETO CCLXXV.
AFermofura deita frefca ferra,
Ea Tombra dos verdes eaílanheyros,
O manío caminhar deftcsribeyros,
Donde coda a tnlkza íe defterra;
O rouco fom do mar, a eftranha terra,
O efcondtr do Sol pellosouteyros,
O recolher dos gados derradeyros,
Das nuvens pello ar a branda guerra:
Em fim tudo o que a rara natureza
Com canta variedade nos ofrcce,
te eftà (fe não te vejo} magoando:
fem ti tudo me enoja, & rae aborecCi
>em ti perpetuamente eítou paliando
las mores alegrias^ mòr triítcza,
SONETO CCLXXVI.
Ofpechas, que en mi crifte fantefía
Pucftas hazeis !a guerra a mi íentidõ,
►olviendo, y rebolviendo cl afligido
*echo con dura mano noche,y dia :
Ya fe acabo la refiílencía mia,
Y la fuerça dei alma ya rendido.
Vencer de vós me dexo arrepencido
De averos contraftado en tal porfia :
Llevadme a aquel lugar tan efpantable,
QiLC por no ver mi muerte alli efculpido.
Cerrados hafta aqui tuve los ojos :
Las armas pongoya» que concedida
No es tan larga defenía ai miíerable,
Col^jad en vueftro carro mis defpojos.
SONETO CCLXXVII.
SUÍlenta meu viver hua efperança
Dirivada de hum bem taò deícjado,
Qi»e quando nella eftou mais confiado,
Mòr duvida me põem qualquer mudança:
E quando inda eíte benn na mòr pujança
De feus goftos me tem mais enlevado,
..JAe atormenca entaó ver eu, que alcançado
Seràf por quem de vòs naõ tem lembrança :
Aflij que neftas redes enlaçado,
A penas dou a vida, fuftentando
Húa nova matéria a meu cuydado :
Sufpiros dalma triftes arrancando,
Dosíilvos dehiia pedra acompanhado,
Eílou matérias criftes lamentando.
SONETO CCLXXVIII.
TA naõ finto.íenhora, osdeíenganos,
Com q minha aíieyção íempre crataíles,
- Nem vero galardaò,que me negaftes,
Merecido por fè ha tantos annos;
A magoa choro fó, íò choro os danos
Dever, por quem, í^enhora, merroca/tes.
Mas em tal calo vòs fò me vingaíks
De voííá ingratidão, voílcs enganos :
Dobrada gloriada a qualquer vingança,'
Queoofltndidoioma do culpado.
Quando íeíatisfaz com couía|uíta:
iMas eu de voíTos males,&, eíquivança.
De que agora me vejobtm vingado,
Naõ o quizera eu canto á volTa cufta,
SONETO CCLXXIX.
QTJc pode já fazer minha ventura,'
Que feja para meu contentamento?
Ou como íazer devo fundamento
De coufái que o não tem, nem he fegura ?
Qije pena pòdeíer tão certa, & dura»
Que poíla íer mayor, que meu tormento ?
Ou como receará meu penfámento
(Js males, íecom elles mais fc apura?
Como quem íe coftuma de pequeno
Com peçonha criar por mão fcicnte.
Da quai o u fo j à o tem leguro :
Mas eu acoítumado ao veneno,
E uíò de íofrer meu mal prefence
Me faz não fcntir já nada o futuro.
SONETO CCLXXX.
/^ Uândocuydo no tempo, íj contente
V-i Vi as pérolas, neve, roía, & ouro.
Como quem vé por íonhos bum thefouro^
Parece tenho tudo aqui prefente :
Mas tanto que fe paffa eAc accidentCt
E vejo o quam diftante de vòs mouro»
Temo quanto imagino por agouro,
Porque de imaginar também meaufente:
Jáforãodias, em que porventura
Vos vi) íenhora, fe aíli dizendo poííb
Com o coração feguro eítar íem medo:
Agora em tanto mal nãomoaíTegura
A própria fantaíia, & nojo voíTo,
Eu não poílo entender cite íegredo.
~" SO.
4«
Himâs âo Qrande Luís de Cantões]
SONETO CCLXXXI.
QUandOj fenhora,quíz Amor q ama/Te
Eíía gratn perfeyçaõj & gentileza^
Logo deu por íencença, que a crueza
tm voflTo peyto Amor acrecentaílc:
Determinou que nada me apartaíTe,
Nem desfavor cruel> nem arpcreía,
Ivias que em minha rarifllma firmeza
\'oíTa izcnçaó cruel fc exccucaííe:
p pois tendes aqui offerecida
Elb alma voíla a voífo íacrificio,
Acabay de fartar voíTa vontade:
Naó lhe alargueis ícnhora mais ávida,
Acabará morrendo emfeu ofíicio,
Sua fé defendendo^ & lealdade»
SONETO CCLXXXIL
P U vivia de lagrimas izento
*^ NuiT) engano tão doce, & deleytolb,
Quw em q outro amante foííe mais ditofo,
]SJáo vahaõ mil glorias hum tormento;
Vendornc poííuir tal peníamento»
Denenhúa riqueza era invcjofo>
Vivia benTFjdenada receofo
Com doce amor, & doce fentimentoí
Cobiçofa a fortuna, me tirou
Defte meu tão contente, & alegre eftadoj
E paflbure efte bem, que nu oca fora :
Em troco do qual bem, íó me dey xou
Lembranças, que me. mataõ cada hora,
Xrazendonicamemoriaobem paííado.
SONETO GCLXXXIIL
INndoo triílePaftortodo embebido
Na fombra de íeudoce penfamento,
Tats queyxaseípalhavâ ao leve vento
Cum brando íuípirar da alma lahido :
A quem me queyxarey, cego perdido [
Pois nas pedras naõ acho fentimento J
Com quem fallo ! a que digo meu tormento!
Qiieonde mais chamo,fou menos ouvido :
O bella Ninfa, porque não rcípondes ?^
Porqucoolharmcj tanto me encareces!
Forque queres que fempre ms querellc ?
Eu quanto mais te vejo,mais te eícondes !
Quanto mais mal me ves, mais te endureces?
AUimqueco malcrefcea caufa delle.
SONETO CCLXXXIV.
DE hum taõ felice engenho, produzido
De outro, q o claro Sol não vio mayoí
He trazer couías altas no fentido
Todas dignas de eípan'to,& de louvor ;
Muíeo foy antiquiílimo Efcriptor^
Filolofo, & Pccta conhecido,
Difcipulo do Mufico amador,
Que CO íom teve o inferno íufpendido:
Efte podeabalar o monte mudo,
Cantando aquellemal^ quejeujá palTey
Do mancebo de Abydo mal fizudo :
Agoracontaõjá(iegundo achey}
Tafio, & o nofio Bolçam, que diíTe tudo d
Dos fegredos, que move o cego Rey, ^
SONEtO GCLXXXV,
Dlzey, fenhora,dabellezaidea %
Para fazerdes eíTeaurco crino,^
Onde fcítes buícar eíTe oure fino.
De que efcondida mina, ou de que vca ?
Dos voíFos olhos efía luz Phebea,
Eflereípeyto de hum Império digno >
Seoalcançaftescom faber divino.
Se com encantamentos de Medea?
De que eícondidas conchas efcolheftes
As perlas precioías Orientâcs.
Que fallando moftraes no doce rifo ?
Pois vos for ma ftes tal, comoquizeftcs,'
Vigiayvosde vós, não vos vejaes,
Fugi das fontes, iembrevos Narciío,
SONETO CCLXXXVL
NA ribeyra de Eufrates aflfentado,
Difcorrendo me achey pela memoria
Aquellc breve bem, aquella gloria.
Que em ti doce Syaõ tinha paíTado :
Da caufa de meus males perguntado
Me foy j como não cantas a hilloria
De teu paliado bem,]& da víftoria,
Quefempredcteumal has alcançado i
Naõ fabcs, que a quê canta fe lhe efqucce
O mal, inda que grave, & rigorofo.
Canta pois, 6c não chores deíía forte :
Reípondicom fufpiros: Quando crece
A muyta laudade, o piedoío
Kemedio be náo cantati fenão a morte*
so.
\
Rimas do Grande Luis de Camõéí\
O
SONETO GCLXXXVII.
I^^Lvaforelufienre, ycrillalíno,
^ De Angeles agua clara, y olorofa,
X>c blanda leda ornado, y freica roíaj
Ligado con cabJiosdeoro (mo:
Bicn claro parecia el don divino
Labrado por U manoarciticioía
Deaquclld blanca Nintagraciofa^
jMàs cl rubioluzero matutino;
Nel valo vu^ítro cucrpo íe afigura,
Raxado de los blandos micmbros bLllos,
|[y enelagua vueílra anima pura:
La íe da e^ ia blancura, y los cabellos
Soo las priílones, y ai ligadura
Con que mi libci tad í ue aíidda dellos.
SONETO CCLXXXVlir.
Horay Ninfas os Fados poderoíos
DaqiUcilaíoberana fermofura,
Kjadeforao parar na íepukura
[„Aqueilcs reaes olhos gracioíos?
Oii t>ens do mundo falíos, íi enginoíôs !
.:: magoas para ouvir, que Íigur4
\àii lemrerplcndor na tara dura
Com tal loitco, & cabellos tão fermofos : ,
, Das outras queíerà! pois pjdertcve
A morte íobrecoufa canto bclla.
Que cila ecliplava a luz do clavo dii:
r Mas o mundo níjeri digno delia,
por ilío mais na terra tião eíteve,
Ao Ceo íobio, que jà íe lhe devia.
SONETO CCLXXXIX.
SEnhorajâ deíia alma perdoay
De hum vencido de amor os deíatinos,
E lejaó voílos olhos tão beninos,
Com elie puro amor, que d*alma íay:
i A mmhipura feeíómence olhay,
E vede meus extremos íc íaó finos,
E íedealgiia pena forem dignos,
Em mim. lenhora minha, vo* vmeay :
INãoíeja ador, que abraía o tiiite peyto,
Caula por onde pene ocoraçaõ,
Qiie tanto em firme amor vos he fugeyto :
Guarday vos do qucalguns, dama, oiraó,
Que lendo raro tiva tudo vojío ubjeito
PoíTa morarem vosingracidiõ,
1. rart.
SONETO CGXC.
QUem vos levoíi de mim/audofo eílador
Qiie tanta íemrazam comigo ulaíles?
Quem toy por quem taõ preito me negaites
Elquecido de todo o bem palTado?
Turcaiteíme húdeícan^o cm hiícuydado
Taõ duro, taô cruel, qual me ordenaltcs,
A fcCj que tínheis dado, me negaites, .;
Quando mais nella ellava conhado :
Vivia ítm recco deite mal ,
Fortuna^ que tem tudo a lua mercê,
Amor, co(n delamor merevolveo: '--_
Btm ley que neíte caio nada vai.
Que quem naceo chorandojufto he,
Que pague com chorar o que perdea.
SONETO CCXCI.
DlverfoscafoSi vários pen ia mentos
Me iTtizcm taó confuío o entendiiiiéto^
Q^ieem n^da vejo ja conccntamenco,
Scaáo quando íe vao contentamentos :
lim vários calos varjos fentimenros
Succedem, por moílnr ao tundaii^ento.
Que he,o que fe dcíeja tudo vento,
l''ois pinta haver dcican^o em Vi-.05 íntencos;
Veíeem grandes dílcuríos o dtfejo,
Quando as ocaíioésos tempos mudao,
Nàohacouía impoílivela hum tuydado;
Omjuílocojuiío hejà trocado;
Osduros montes leus allentos mudaõ.
Eu ío não poíio ver meu mal mudado,
SONETO CCXCIL
DOce fonho, fuave, & fobtrano,
be por mais longo tempo me durara,
Ah quem de lonho^tal nunca acoadàra^
Pois havia de ver tal deltngano :
Ah dekytoío bem. ah doce engano.
Se por mais largo cíprço me eng«nàra,
Seentaòa vida milcra acabara,
De alegria, & prazer moirèra ufano:
Ditolo, naò citando em mim, pois tive
Dormindoo que acordado ter quizera,
Olhay com que me paga meu Ut Itiuo J
Em fia» tora de mim dtcolo Jl.\ e^
Em mentiras fcr diia razão era,
Poisícnipre nasveidades tuy me fino,
G SO-
5^
Rimas do Grande Luís de Camãef.
SONETO CCXCIIÍ.
Diana prateada efckrecia
Com u iuz,que do claro Phebo ardête,
\fot íer de natureza traníparencc.
Em fi, como em eípelho reluzia :
Cem mil milhóesd€ graças lhe influía.
Quando meappartceo oexceUente
Rayodevoiíoaípedo, diíierenre
Em graça, êí em amor áo que íohia :
Eu vcndome taó cheyo de favores,
E raõ propiii quo a ícr de todo voíTo,
Louvey a horaclara^&anoyte eícura:
Foisnclla deltcii cor a meus amores,
Donde colíjo claro que náo poíío
De dia para vò s ja ter ventara,
SONETO CCXCIV.
Em lingoa Galiega,
A La en Monte í<cy ^ en Bal de Leça,
A Biolantc bi beyra de hum rio,
Tam ícrmoíaem berdà, qu- qucdè frio
De ber alma inmortal em morcai maça:
De hu(n alto, Si lindo copoa ítda laça
A Paftora facaba fio a 6o,
Quando lhe diíTe, morro, corta o fío|
Bolveo, não corcarey, íeguro paíía:
Ecomopaííarey, íeeuacà quedo.
Se paíTar, reípondi, nâo bou ít guro,
Que eftc corpo íem alma morra cedo :
Com a minha, que Icbas, te aíleguro
Que náo morras PaftoriFaítora ei medo,
O quedar me parece mais Íeguro.
SONETO GCXCV.
i
POrque me fiZ Amor inda acà torto^
O mal te faga Deos desbergonçado.
Rapaz bil, dcícortez, que me has guiado
A ber a Biolanre, que me ha morto :
Bila^ por màs non berrne tomar porto
En repoulonini^uu Jesbenturado,
Mas para chorar fempre que abado
As agoas ào% meus olhos íom conforto :
Bem vir ler tua madre Cypriana
Una mundana aílroU^ deshonefta,
Cruel, falia, fem ley, dura, 6c tiiana :
Que a bòs cila ler outra, 6i náo ícr efta,
Nâotiberas bontàtâo deshumana.
Nem íof a contra mim tão cruda befta.
SONETO CCXCVI.
EM quanto Phebo os montes acendia
Do Ceo com luminofa claridade.
Por evitar do ócio a caftidade,
Na caça o tempo Delia defpendia :
Vénus, que entaó do turto defcendia^
Por cativar de Anchiíes a vontade,
Vendo Diana em tanta honeft idade,
Quafi zombando delia, lhe dizia :
Tu vàs com tuas redes na efpeíTura
Os fugitivos cervos enredando,
Mas as minhas enredaõofentido:
Melhor he (tefpondia a Deofa pura^
Nas redes leves cervos ir tomando,
Quetomarte aUinelles teu marido,
SONETO CCXCVII.
SE de vofTo fcrmofo. St lindo gefto
Nacéraõ lindas flores para os olhos.
Que p3fa o peytofaõ duros abrolhos.
Em mim fevémuy claro,6c manifeíto:
Pois vofla fermofura, & vulto honefto
Em os ver^ de boninas vi mil molhos.
Mas íe meu coração tivera antolhos,
Nãoviraem vòsícu danoomalfuoefto;
Hú mal vifto por bem, hú bem triílonho^
Que me traz elevado o peníamento
Em mil, porém díverlas fantaíias :
Nas quaes eu fépre ando,& fempre fonhoj
Evos não cuydacs mais q em meu corméto,
£m que fundaes as voíTas alegrias.
SONETO CCXCVIII,
NUm raô alto lugar de tanto preço
Efte meu peníamento pofto vejo,
Quedesfallecenelle inda o deíejo,
Vendo quanto por mim o defmereço ;
Quádo efta tal bayxeza em mim conheçoj
Acho que cuydar nelle he gram defpejo,
E que morrer por elle mehe fobejo,
Emòrbem para mim do que mereço:
O mais que natural merecimento
De que me caufa hum mal taó durOjSc forte
O faz que vá crefccndo de hora em hora -•
Maseunãodeyxarey meu peníamento.
Porque inda que eílc mal me cauía a morcc
Un bsl mor ir cucca la víta hoaora.
SOi
Rimas do Grande Luís dó Camõesl
fi
SONETO CCXCIX.
QUantas penas Amoriquantos cuydados,
Qiiancas lagrimas criftcs íem prQveyto^
De que mil veze?» olhos, roíto, & peyto
l^or Cl cego, me vifte jâ banhados :
Quantos mbrcacs fuípiros derramados
Do coração, por ranto a ti íogeyco,
Quantos males cm fim tu me tens fcyco,
jTodos foraó era mim bem empregados .*
A tudo íatisfaz [confeíTote lítoj
iHua fò vifta bianda, & amorofa»
[Peqiiem mecaiivou minha ventura :
O ícmpre para mim hora ditofa,
JuepolTo temer já, pois tenho vifto
Com canto goílo meu>tanta brandura?
SONETO CCC. ^
Tempo acaba,o Anno,o Mez,& aHora,
A Força, a Arte, a Manha, a Fortaleza,
Tempo acaba a Fsma, 6c a Riqueza,
' Tempo o meímo Tempo de íi chora ;
O Tempo bufcâ^& acaba o onde mora^
lualquer ingratidão, qualquer dureza,
las naó pôde acabar minha trifteza^
ím' quanto não quizerdesvòsíenliora.*
O Tempo o cl^rodia torna eícuro,
Eo nr^ais ledo prazer em choro.trifte^
Q Tempo a tempeftade emgraó bonança;
Mas de abrandar o tempo tilou Seguro,
O Pcyto de dia,mante, onde confifte
Apena^ÔC djpâzè/deíla efpcrança,
SONETO CCCL
POílo me tem Fortuna em tal eííaddi
E tanto a íeus pes me tem rendido,
Naõ tenho que perder já de perdido.
Nem tenho que mudar ja de mudado :
Todo bem para mim he acabado,
De aqui dou o viver já por vivido,
Que aonde o mal he taó conhecido.
Também o viver mais ícrá eícufado :
Se me baftá querer, a morte quero,
Que bem outra eíperança não convém,
t curarey hum mal com Gutro mal :
E pois do bem táo pouco bem cípcro,
Jà que o mal efte íó remédio tem,
Naõ me culpem em queier remédio tal,
SONETO CCCIL
JA naõ fere o Amor com arco ferrei
As íettas tem lançadas jà por tcira>
Como íohia jà naõ nos faz guerra.
Porque a que nos faz he de outra íorte .•
Com olhos pel los olhos nos dí morte,
E para acertar o que naõ erra,
Os voíTos efcolhco em quem Te encerra
Mais bem do que ha co Sul ao Norte :
Concedcvoso Amor taõ graõ poder^
Que vos íejaes do íeu livre, & izenta :
Apagoufe a candea no mejo da coníoante*
Poriflo Fclizaíe vos não contenta,
Naõ vades com o foneto por diante,
Que he fonho o que a fantefia rcpreftnta^
'^i Parte;
Çii
CAN;
5»
Rimas do Grande Luís de Catngts.
C A N T O I.
Da creaçaó, & compoíiçaó do Homem.
I fanoo,
NA mais ffeíca, & aprazível parte do
A Vcnus dos antigos dedicada,
Vénus amor de Marte,& de Vulcano,
Clara cftrella do mar^ & jcrra amada:
Por cujo influxo araigo, doce, & humano,
Semoííra a Primavera namorada,
Guiando a deOra mão da natureza,
O fumo Creador da redondeza.
3
QiJando a liberal terra guarnecida
Com a hucnidâde do Ceo,& temperança.
De vero Cí &: vario efmal te revcílí da
MoftjTa dos doces frudtos a efperança i
Em toda a planta,6c arvore florida^
Comcorca,& odoriferaabundança,
Entaó parece mais fermoía, & bcllaj
Co rigor brando da amorcfa eftrtlla.
3
Qusndo em Tua Uberdade as vagas ave%
Còm ledo catito o ar ícreno enchendo,
A^manháasgraciofasmais (vz\tSi
Eapraziveisdofrefco Abril fazendo ;
Convidaõ a doce fomno os corpos graveiÇ,
Em leves íomnos vãos os entretendo*
Ajuda o rouco tora da clara fonte^
Que ao verde prado dece do alto monte.
4 ^
Em hiia manhãa deftas prompto,& efpcrt^f.
Me detinha húprofundo,& graôcuydado
Da cftranha providencia, & alto concerto
Do Creador de tudoj o que hc creado:
Como defpeis de dar numero certo,
E ordem ao mundo efpherico formado.
Formou logo com feu íaber profundo.
Do alto artificio cutro pequeno mundo.
Queaíii como fez fò pela virtude
Da íua alta palavra là decima,
Naõ do fingido chãos disforme, & rude,
>íem da vazia^& váa matéria prima.
Com ordem certa,& tal, que não íe mude,
Ui Ceosdcgraò vigor, virtude,&eftima,
■■^ i ■
E os Elementos vários corru ptivos, '
Em fuás qualidades compaflivos.
6
E sfll como delles num momento
Formou diveríos corpos de miftura^
Vários na crcaçaó, & nacimcnto.
No fer, compofiçáo, & na figura;
As aves da ndo o ar por quafi a (Tento,
Aos peyxes agua, aos brutos terra duraj
E das quatro compoílas qualidades.
Tantas fez de animaes diveríidades.
7
Como defpoís de tudo ultimamente
Num lugar deleytofo, frefco ameno^
Quis formar, & crcardiítindamente,
Deíie graõ mudo eíloutro mais pequeno ;
AíTi emtudo nas partes diferente.
Numa delias caduco^ vaõ, terreno,
Noutra immortal efpiríto,aIto,& divino^
De razaõ, & do Ceo capaz, & digno.
8
Que como no Ceo quarto o illuftrcPharoi i
Aquelle olho do mundo luminofo.
De toda a luz vifivcl fonte, & emparo,' '
Corre como Gigante, & alegre efpoíof •
AíTi oenrçndimétooutroSolcIriro,
Anda de húa a outra parte prefurofo,
Luftra na parte delle mais íuperna,
Diícorre com íua luz, tudo governa
9
E quis que os animaes inferiores.
Seu apetite íó brutal romando.
Da rerra bayxa^ & vil habitadores:
Só os paílos attentos vaõ bufcando,
E que os homés feus fuperiorcs,
A razaõ íeus fentidos vaõ mandandoi
Razaó, que diíiirir os faz da fera ,
Qiie de efpritual em bruto degenera^
IO
Porque cm queo fes do mais bayxo clcméto^
Dcolhc mil perfeyçoês em abaílança,
Deolhe alma racional, entendimento,
E feio cmíira á fua femelhan jaj
De
Rimas do Grande
De todo outro animal de bayxo aíTento
Lhe dco o fenhorio, & governança,
Tudo lhe fujeytou de bayxo os pès,
Dey xando lo lujeyto, a quem o fez.
II
Como efte breve mundo, homem chamado,
prevaricando nelta obediência,
Do Parayío foy por Deos lançado,
Perdendo o bom ellado da innocencia j
Mas da bondade iramenfa acompanhado,
Di feu peccado ícz íam penitencia,
Conhecendo o eílacJo, que perdera,
L quam diíTerente fora do que era.
II
•"^zendofe homem Deos omnipotente,
Immortal, infinito, & (em acedida,
Amando o homem afli taó altamente,
(^uc a lua vida dco por darlhe vida ;
Humilde em fi.-n mortal, pobre,pacientej
Sofrco pregado íer na Cruz erguida,
Com mil dores, tormentos, & deshonras,
Por dar comfigo ao home eteroas honras.
Mas dentre os mortos logorefurgindo.
Com gloriolo cor po triunfante,
E ao Impyrio cos Santos íeus íubindo,
]>íauniaõ da Igreja militante ^
peyxa o homem com íeu fangue remido,
De íuaves remédios abundante.
Com que vencendo fempre com vi<H:oría,
PodelTe entrar na pura, & eterna Gloria,
H
Nefta imaginação afll paíTando
t ftava eu a manhãa de hum frefco dia,'
Quando me em liquor húmido banhaado,
O lento fomoo, jà me adormecia :
£daquillo,que eítava imaginando.
As eípecies tomando a fantaíia.
Sonhava hú fonho aííaz eftranho^ & docc,
Dado que verdadeyro, & certo fofle»
M
Forque quanto os fentidos inferiores.
Em fua figura aíli me sprcícntavaG,
Me parecia fer, que os exteriores
Em tudo claramente alli o crata vaÕ,
Couías maravilhofas, ôcmayores,
Que humano entendiméco me moílravão,
Como aqui moftrarcy, íe copia tanta,
Me conceder, cantando^ a Mulafan£ta,
^ . 16
Ja todos meus fpiritos fenfitívos,
Dos húmidos vapores congelados.
Luís de CafHÕesl 5 3
No frio cérebro donde eftavaõ yivos,
Pareciaõdetodo fepultados >
Impedindomeas obra:» aos cativos
Membros, que todos tinha já poftradios
O íomno vindo da cymeria cova,
Por me moílrar vifaò taõ docc,5c nova.
Quando de hum alto fpirito podetoio,
Arrebatado ler me parecia,
Elevado a hum graõ campo,& efpaçofo,
Onde o feu corno a Copia diffundiaj
Porque era freíco^ verde, deleytofo.
De fruto,& flores cheo, & de alegria,
EaíTioCeo benigno o temperava,
Qiie hu perpetuo Veraó fempre raoftrava
18
Quatro rios fermoíos, & caudaes,
Regavaó efte campo taó florido,'
De arvores, ervas, plantas, & animae?!
De toda cípecie ornado, Ôc ballecido:
Paftava o manlo gado íem curraes.
Do Lobo, ou doLeaõ pouco timido,
Viaôfe as feras de mayor braveza.
Aqui com manfídaô, domciliqueza.
Em tamanha abundancia.&t variedade,
De indivíduos em perfey^áo creados,'
Tudo era paz, amor, tranquilidade,
Huns nào lendo dos outros agravadoS|
Em confervação utd,& amizade
Syncera, & pura, todos conformado?,
Na terra ^na agua, no ar, bruto^pey X j,a7e^
Tinha vida pacifica, &fuave.
20
Por efte frefco,& bom jardim do mundo;
A viíta derramando alegremente,
Humedificiovinobre,& jucundo.
De alta com po fição, & obra excellente»
E tal archite£tura, que fegundo
O que íe via de tora, Sc mais prcíente^
O de dentro feria mais perfeyto>
E mu y to mais para^ quem fora feytoi
21
Moftrava fer no fitio,& bom aíTento,
Inexpugnável, claro,alco;, & puro,
Comjuíta propor ção,arte, & ornamento
Cercado de luftrofo, & forte muroj
Parecia com todo o pavimento
Por dentro^& fora eflar firme,& feguro,
E tudo vi, que a vifta fe eíiendia,
fim competente objcdo, que a fervia*
AU5
^4« Rimai do Grande Luis de Camões,
;c07Í7 tif^^^js^í 2to"?ó o Í.1 ;rv ) Q\^j. ov'A E delia tm qualquer tempo fc faíndò.
Ale vantarfe ao trtodo de hum Caftello FerdeíTe, o que cftivefle pofuindo.
Sobreeíte campo, quali íenhornelle, 28
Do qual vi, q outro mais fermofo^ôí bello Que o Senhor a quê tem dado ao menagena
Parecia naccr das coitas delle,
E por poder melhor notalo,& vcUo,
Qucrcndome eu entaó chegar para ellc,
Muy ipreftcs naõ íèy como pareciaõ^
Que em chaó íubicamente ambos caíiiaõ.
Deíla infelice queda, trifte forte,
E fubita mudança a mim me vinha. ; 1
Hum íentimentoinrrinfecOjík taõ forte>
Como que neltemalgraó parte tmha,-
Cria, quemecauíavaa meíma morte
Eíía defavcntura tanto minha,
E com grande pcíar, que me cercava,
O frclcp campo em lagrimas banhava,
2^ ■ -
Entaõ mais miferavel, dura, & cílranha,
Me pareceo a nova fortaleza,
Daquella quando ao perto a vi tamanha,
Tão bem feyta, com tanta arce:5&dertrcza}
E logo que por grande engano Hi manha,
E por trayçaõ mais que por natureza.
Cairá tftj edifício húa tal ruina.
Que erguelio íó podia a maõ Divina.
,^í:fi t- 25
Efcaíícntojà tam verde & taó ameno.
Cem prãtOj & dor de tudo eu jà deyxãdo,
j à me naõ parecendo o ar ícreno,
, Mas trifte, efcuroj & gravido afpirando j
Quandonaõ tcràs tu quinhão pequeno
Nefta perda taõ grande(ouvi bradando^
Que o mal, que a todos toca geralmente, i
Inlenfiyel he bem. quem o n«ó fente ?
E Vfrásr, queo divino entendimento
Tem de longe remédio a percebido,
Qyc tudo vem de íèu (u premo alTento,
Suavemente tudo tem provido :
E íyjos o erro o arrependimento,
He ter o mal em parre íoccorrido,
Que Q bem fé galardão, & o mal Té pena,
Nuó dcyxa ao fim do bê,quc tudo ordena.
O Caftello, que viftecm gloria tanta,
Quf com profpei^idadc & graó potencia,
Senhoreava tanta terra, quanta
Ver naó pòJes.-a fumma providencia
Ordenou, Ôcdifpos com ordem íandta.
Que cftiveííe à fua obediência,
Defte Caltello os dous Alcaydes mores,
Félos com grande amor a íua imagem,
X)t perfeyçoes dotados, à. primores 5
Por o írudo comerem de hum pomageni
VedadOjticandocllestranrgrcíTores,
E ofFendendo o Senhor, pagáraõ o erro
Com penas, & trabalhos, & em deftcrro.
29
Mas porque vejas^ que ama piedade
Mais, que origor,efteSenhor,quedigo,'
Como quem he toda a fama bondade,
Naó quis ao fim chegar neíle caftigo:
Porque elle meímo intenta adverfidade,
Soccorrendo ao vafiallo como amigo>
O remédio lhe deo,que não pudera
Outré algué darlho tal, fe cUc o naô dcraJ
30
Conrolâfe,quea bom Senhor fervimos.
Que fempre quiSjôr quer q o homem viva,*
O b«;nri do íurnmo bem vir fempre vimos
Da fua perfeyçâo,& gloria ahiva :
O mal, a quem o paíTa atribuímos,
E de fua mcfma culpa fc deriva,
E jàcem por não fero homem desfeytoi
Por elle o Senhor delle fatisfcyto.
Olha o novo edifício reformado.
Capaz de outra mayor,& eterna gloria^'
Que aquellaem que jào viftefituado,
Quecmíim,poistevetim, foy tranfitoria:
Mil vezes íoccorridOj% vifitado
Pelo Senhor, que lhe alcançou vidoria^
De maoquecomcnganos conquiftando
Se andava^ em fua pena vangloiiando,
cr: 32
Foy e/le em nofTa ctherca bierarchia
Dos princip3cs,masenfoberbecendo,
Trocava gloria em penarem noyte o dia j*^
E em feu mao zello náo permanecendo.
Com illo a efte edifício combatia^
Aféqueenganofamente o foy vencendo^
Foge a foberba, fegue a humildade.
Com firme fé, efperança,8i charidadei
33
Entaô como eu já claramente viíTe,
Ser efte o efpirito bom,que me guiaraj
O creatura Angélica, lhe diííe,
Sc tua luz me não acompanhara
EtÁ
l
Rimas do Grande
Em tanta efcuridaÕ, que náo cahiíTe,
JL Nenhúa humana induftria me livrara,
I Fois para ver agora efta tamanha
P'Obra,6c maravilhoía, me acompanha.
Asbellas moílras vcjo^& boa figura,
Da fortaleza, que antes vi fer mofa,
Mas quero notar bem íua compoilura,^
Seu íundamentOj& traça aitiftciofa :
E efpecular por dentro obra taô pura,
Taó polida, cxcellcnte, & fumptuofa.
Que moftra,fendo a obra em táto eftremo,
Ser dtUa o Architcdor,alto,&; fuprcmo.
JE CO no vires tudo, porque eftejas
Mais prompto no que vires, 8c notares,
Me rcípondcíO o ípirico,pois defejas
Ver deite aíLnto as mais particulares
Peçasconv^m quefem ninguém te vcjas,
^as íè em parte íem miraalgCia an lares,
Tornarmeàs ver defpois que o correres
Tor dentro^Ôc fora, íe oenceader quifercs.
nfto àiÇ^Çy & de mim já fe apartava,
^ Deyxandome entre confulaó, & medo,
>las como íobre tudo me apertava,
. Deíejo de íaber eíle íegredo 5
Do Caítello, que le me aprefentava
Com qu into me pezou iríe taõ cedo
O bom efpirito,que me alli guiara,
Movi o pàíío a ver couía tao rara.
cornojàmeachaíTemâisâo perto,
E do que viife mecertificalTe •,
Maravilhoume oficio, arte, & concerto
Dtftc force,8t que aOi íe reformaíTe :
Eftava polto em hunti graò campo aberto.
Como que daili tudo ícnhoreafre ;
Alto,grande,6c fermofo, era em tal modo,
Que em duas columnas íobre eftava codo.
Mais que d'alvoalabaJtro,& obra prima^
Eraõ lifas, pollidas, rorneada*?,
De focil artificio, êc grande cítims,
Sobre dous pedeíUisbem aíTentadas;
P Mais delgadas embayxo do que emfima.
Por artificio raro bem lavrarias j
Eos dous pedeftais,quando fe moviaô,
Todo o pezo comfigo cm ú traziaõ,
39
Era tudo taõ primo, & taõ pcrfeyto.
Que alegremente a viíta defcanfava.
Luís de Cam^efl ^ »
No alto, bayxo, largo, k mâíscftreytõ
Proporção ordenada le moítravaí
No chapitel tinha hum dourado teyto,
Que a todo efte edifício mais ornava,
Do qual huns rayos de ouro dependi.i(5,
Que ao longe mais q o Sol relplandeciao,
40
Nunca acabara aíTaz de obra taõ clara
Efpecular o engcnhojarre, & bondade,
Sc a villa então dalii me náo cegara
Minha importuna, & vá curiofidiíde t
Porque íenti^qucencaõ íe começara,
Deite edifício, quafi na metade
Dos feus matcnaes, húa fortaleza^
Da mefmacompollura^ & natureza.
Como nas linhas entendi, Sc traça,
Ser eílcíemelhantc ao outro aíícnto,
E que viris a ter a mefma graça,
E forma, nelle os olhos puz atentoj
E vi queda matéria, & própria maça,
De que era feyro o pr imeyi o spoíento.
De três grandcíí íobr<*dos, que em íi rinha,
No mais bayxo a fazer outro alh vinha.
41
Neíle (obrado bayxo hiia cafa avíá^
De grande engenho, & artificio feyca,'
Na qual comeípantofa geometria,
A hCia parte quafi a mão direyta.
Hum íucil iVlrltre de obra eíla fazia,
Muy regaTada,certa^& muy perfeyta,
Sendo o Meítre para ííTo ardido,6£ querei
Eíperco,vivo, & muytodeligcute,
43
O qual, antes que nada começaíTe
De pòr cm perfeyçaõ, 6c íua figura,
Os materiaes tomou, com quecerraííe
Húa abobada aífaz humidj, & efcura )
Ê deyxou fó por onder. fpiraííe,
Hum pequeno buraco,& abertura,
E por onde vieíTe o mantimento,
A toda a obra, & íeu íuílentamento.
44
Ecomo que nãocílava inda íeguro,
Porque fícaíTe bem certificada,
Fez dous panos na abobada do muro,
Queaílidefóra atinhaõ mais gtiardadâ|
E recolher o mais fobcjo, & impuro.
Da ímmudicia de toda a obra laçada,
E tudo o que para ella erâ contrario,
Adcnitinclu íómente c occeííario*
Kimas ãú Cr ande Lnis de Cãvmsl
4T
Defpoís de ifto afil ter neíla ordem poílo,
O force<:omcçou perfcyçoaríc.
Tudo porfííl iaber, & arte compoílo,
Que pôde encarecerle, & naõconíarici
Eftando edificado^ 6c jàdiípoíto,
para poder de novo povoarjc,
Com íeus quatro retretes^ &, apofentos,
Jànéllas , atalayas, guarda ventos.
4.Ó
Em parte parecia inda com tudo
Faltar algúa couía a fortaleza,
E defte iDodo já de â>i:\, em éhy
Soportava cite pejo, ôc agonia.
Atè que vindo tempo conveniente,
E conjun(jâó para o effeyto difto.
Com força 6c tom induítria íuííicicnce^
E íabcr deite artífice previfto j
O forte quaíimilagrclamente
Lanhado íóra dali foy vifto»
ajudado porém, & luccorrido
Da íortaleza,de qúc íoy nacido»
5^
Comoqucm vealtatua de hu membrudo Ecomodoapofento fora cileve,
Corpo, a que taíta o cíperito, 6i a vivezaj
Ouve hum campo íoiu2rio,& mudo^
5em couía viva mau, que lua rudeza^
Era emfim cite lorte alli acabado,
Como hum corpo íem Alma afigurado,
Edefejando cu versem queparaya
Eftaobra taõ eftranha, & peregrina,
Húa Donzela vi, quenellacntrava^
^ Fermoía, tiara pura, & emfim div ma j
Dèimpíoviíoelladcllc íeapoífava,|
Como íenhora mais que delie digna,
Aque logo no forte quanto avia,
Servindo alegremente, obedecia,
■48
Taô bem feyta vinha cfta alta fenhora
A fortaleza, & armava Cambem nella.
Como que fcyta nclla entaõíó fora :
Para ornamento fer, & forma dtlía j
Logo £.s partes de dentro, & as de fora,
Se começarão a mover com ella,
E fe vivificarão de tal íorte,
Que o forte íe Lz muyto mais forte,
Viafetudo ir já de dia, em dia.
Com taõ nova fenhora em crecimentOj
A for taleza em pcrfeyçaó crecia,
Em boa ordem, concerto, &: regimentoj
E j4que nâo coubeire parecia
íslaqueljc bayxo, êc húmido apofento, ]
Ondç fora compoíf a, Sc bem traçada,
Pola mào de fcu Meilre delicada.
^A grande fortalezaj que em fi tinha,
Eítoutra já também fe carregava
Donde fundando foy dcldo começo^'
Logo outro parfeícer crecendotcvc.
Outro ler, B figura de maispreço:
A fermola Donzclia^ a que le deve,
Deííeahocrecimentoo bom íucceíío,
E louvor muyto, eitava fatisícyta,
De ter o mando em coufa taõ pei feyra.
Era de todos muyto obedecida.
Era cm tudo fervida, & venerada,
E com quanto em priíaó quafi metida,
Eitava em parte aqui neíta morada;
Naó era erro por naó ler entaó tida
Por íuâ cala piopriaem quanto amada.
Mas porque nefta alua origem vira,
Daquella antiga torre, que caíra.
5 +
porque as achegas, & materiaes»
De que era feyto eíle novo artificio,
Tinhaõ nas mcfmas partes integraes
, Dooutroprimeyrooraltoaindado vicio;
Naó fó na geração, U malefício.
Mas tanibem na affeyçaõ, & tudo o mais,
Edeílemaldeyxaraõpor h.ranç:.
Em a terra a femente, & femelhaoça.
Daqui vinha quenodifcurfo, &augmento
j Da torre, que crecia fem detença,
A real Donzclla em leu próprio apozento
For vezes teve algua dezavença .•
Foy logo no principio o regimento
Semalguadílcordia, & dillerença.
Mas dei que a torre em forças foy crecédo»
Mal foy a gente delia obedecendo.
í6
Com tanto impedimento, íi malíolfinha Com tudoabeKadama amavatanco,
O grande pefo^Si pejo, que lhe dava; Em queooriginnl mal aborrecia,
Bccií que quanto de fora bom lhe vinha, Que vezes mil dillimulava quanto.
Para a fabrica dcUa dcfcjava, Eita liberal gcaie lhe fazia :
i
Gutrâ
mw
Rimas ão Grande
Outra hora ameaçava com efpanto,
fé? Que a governan ça delia deyxariâi
E que como ella delia emfím fe foíTe,
Perderiaõ ieu íer, figura, & pofle :
i , 57
Masjápellauoiaô,& licença cftreyta,
Qiieem cafatinha,confentia outra hora,
rE da culpa em feu damno raeímo feyta,
Parecia ler delia a cauíadora:
Porque os defcobridorcs da fofpeyta
Domal,oubem,que fenciaó de fora,
Muytas vezes o mal por bem traziaó.
E a ícnhora, & os criados conlentiaò,
lotrahora refiília com prudência,
Por íer de alço, & real entendimento,
E convinha a íua alta premincncia,
NaÕter no mal nenhum conícntimento :
Que para tudo tinha íufíiciencia^
E do bem, & do mal conhecimento,
Luís de Camõesl ijf/^
Mas jà da fortaleza piarecía^
Queimpertcyçóes fofrer mais não podiaj
Com toda a policia edificada,
De todos os primores abundante.
Em tudo parecia confumada,
E que cm nada podia ir mais avante :
Toda de fora fe moítrava ornada
De húa viveza, & graça triunfante.
Forte, nova, alta, írefca florecencc.
Rica, íervida bem, leda, contente.
60
E como por de fora aíli eíliveffe.
Com tanto luftro, graça, 6c fermofura,
Dclejey veríeailloreípondeííe
A fabrica de dentro, & com poílura :
E porque nifto me latisfizcíTe,
Me pareceocom vifta clara, & pura.
Que avia por de dentro, & com efpantOj
Tudo como direy neftoutro Canto.
CANTO IL
ALtas obras fobcrba<;, & arrogantes,
D' cfpantofa, & futil Archicedura,
Ouve em tempo paííado, outras galantes
De pincel, perípediva, & de cfculpcura :
Miiilluítres Varões^ como Tymantbcs,
ProthogeneSj Pohdes, na pintura^ (les,
Hú Plydias,& hú Chriripo,& hú Praxitc-
Zeulis, Parrafio, & o celebrado Apeiles.
2
Dédalo o laberintho embaraçado,
/ E Symiramis fez muro cfpantofo/
Fezle em Ephefo o Templo celebrado,
Eem R.hodes o coloíTo ao íol grandiofo.
Fez ao marido feu Maufolo amado,
LArthiraifa fepulchro, alto, & honroío,
E outras torres, & altos edifícios,
E de maravilhofos artifícios,
as como feytos faõ por maõ humana,
Naõ podem dilatarfe em infinito.
Por terra jaz o Tem pio de Diana,
E jazem as pyramides de Egy pto:
Mil columnas de anrigaobra Romana,
Arcos, ftatuas de alto, & vivo fpiricOj
O tempo duro^ que de tudo afei ra^
Os tem dcsfey tos, & poftos por terra,
oI.Parr,
Porém a cimetria compalTada,
E íobrenatural proporção viva,'
Em que naó pode o tempo ter alçada,
Do corpo humano, & Architedura altiva;'
De idade a idade a vemos propagada.
Para a fazer perpetua, & que reviva
A quclla maó Divina là de cima.
Que a fez de nada, Si o ler lhe dco, & efti-
5 C™^'
Os Philofophos grandes com fciencia
De inca nça vel mduftr ia> que alcançarão
Das couíâs naturaes a própria eíTencia,
E todos altamente efpecularaõ;
Nenhúa de mais alta arte^ & cxccUcncia,
Entre todas, q o corpo humano acharão.
De forma, & de matéria hum íó fuppolto.
Com tamanho primor feyto,& compolto.
6
Mas tornando a meu fonho, que contente
Metinba, dcíejandocu vcrdeperto
O mais da Fortaleza, alta &excellente.
Que por dctro meeílava ainda cncuber to:
JSlaô íey como aflilogo eftranhamcncc
Me foy tudo moftrado, & tudo aberto,
Como parte por parte aqui contara^
Sc me a fraca memoria naó faltara.
H
Eaa:
Eílava a Fortaleza repartida,
i^íii toda por dcntro,Êm três fobrados,
Ou três piincipacçquarroSj ík cingida
For de foria de muros bem lavrados :
Corriaóíeeííes com certa medida,
E juíta propcTçaõ bem compaíTados,
E tinha cada hum delles feu mordomo.
Ou Vedor de grande cargo > & tomo.
8
E querendo olhar eu para o do meo.
Por lhe ver maiseíladoj ricamente
De tudo ataviado, ornado & chco.
Parecendo mancebo inda valente :
Maravilhoume ver hum bom meneo,
E movimento feuconrinuamente»
Com muyto ar Tem força, nem defey to.
Mas de ku natural hum dom perfeyto,
9
Davalhe grande authoridadei &^ brio
Hurn tabardo de mangas, que vcftia,
Com qte moftrava mando, & íenhorio
Em toda a gente,que na terra avia i
E por feu apofento fer de efíio,
E muyto calurofo, fe fervia
Demuytos pagésfeus, queobanhavaõj
E de ar íçrenO) & frio o refrefcavaó,
IO
Por eftar nua eHufa muyto quente,
Movendoíe continuo, & afli convinha^
Para o qual,ccmomeílrediligentej
Hús dous abanosjunto de fi tinha :
Aos quais hum ar frio inceííantcmentc
para ícu refrigério l em lhe vinha.
Por hCis canos de fora admittindo,
O mais, &. mais fumozo deípedindo,
II
Defta eftufa era fcmpre bem proviera,
E íuftenrada toda a Fortaleza,
Por íeus canos lhe dando fpiritOjSc vidai
E de feu vivo fogo a tendo aceza :
Para cite fim hua cafa alli cícondida
Com promptidaó eftava, & com vivera,
O íotil meítre da obra, que fervia
De acender cfte fogo, & o partia,
12
E como efta graó fabrica, & eftranha obra,
Toda em três regiões fe devidia
Era partes principaes o meftre da obra
Em todo o cdeficio, & companhia
Se via dcligf ntc a toda a hora,
Porque em eftas mais vivo refidia,
Rimas do Grande Luis de Camões,
E em que nefte apofento mais morava,
Nos outros dous mudado o nome andava.'
13
Porém como o mpvcríe he com graõ calma>
O mordomo, quedice valeroft),
Sujcyto eltava aos accidenies d*alma,
^ora ledo, hora triftcj hora medroío :
Outra hora a ira,q eítá fempre em calma,
Dominava,& outro hora vergonhoío,
Com eíperaoças^ fem as ter outra h&ra,
Sc alterava. & mudavafe cada hora,
^ 1+
E com conhecimento falfoj ou certo,
As coufas, que de fora procediaõ^
Ao mellre da obra íempie vivo^& cfpcrto>
DcíTe ícu aposento como vJáo,
Fazendooeftar astriftesencuberto,
Por toda a torre as ledas o trazíaõ,
Com tanta variação, que detalveríè,
E/tava a nico às vezes deperdcríe.
Mas tinha mais, a fim de recrearfe
Eíle rico mordomo os dous abanos.
Em que bem delles foyaproveytaríe
Noutros ferviços íeus por outros canosj
Porque no n.eyodelLsvi íormaríe
Húa frauta cuberta de dous panos,
E atè o centro da torre hia díreytaj
Fazendo varia mufica, & perftyta.
i6
Com húâ fotil porta eivava obrada.
No cabo delia hm cabeça, ou chave,
Que dos pagés, & outros bem tocada,
Caufavaeíla harmonia laó Tuavej
Nolom, que ellesquenaó temperada,
Soava,ou alto.ou bayxo,agudo, ou gravc^
Com que goílo, & proveyto recebia
Oveador, & toda a companhia.
Tinha fortificado eílc apofento,
E repayrado tm roda hum forte muro,
E da parte de fora hum bom aíTento,
Duas fontes num quafi contra muro.
Que trazeiido de dentro o naciaicnto,
O fazíaõ de dentro mais feguro >
Mas eílas duas fontes parcciaõ,
Eílar fecas entaõ, & naó corriaó.
i8
Depois de eu ter vido parte, por parte,
Defta caía do meyo» & forma delia
A tabrica, concerto, a ordem, & arte,
A providencia, & bom feryiço delia ;
^ * Como
Rimas do Grande
Como íe ali montava cada parte,
De toda a fortaleza^ afli porella
Repartindo com grande provimento^
Seu liquido^ Sc aparado mantimeoto :
Daqui ao apofento mais decima,
Me paíTey logo^ ao mais alto (obrado,
E íe o do meyo tive em muy ta eílima,
Deíle inda íiquey mais maravilliado j
Por íua perfeyçaó, Tua obra prima,
E o lugar, em queeftava fituadoj
Í Sobre a entrada da Torre com fermofa,
Eaprazivelviíla, & cfpaçoza.
20
Procedia com muyta authoridade.
Deite quarto o mordomo nobre,& antigo,
De hCiâ abobada forte, & na metade^
Por ler lugar muy aluoj& de perigo j
De hum fiío era maduro, & gravidade,
Velho,branco,& das letras muyto amigo,
E aíli gaitar philofophanao o tempo^
Avia por mor goíto, & pafla cempo,
21
eílida tinha húa opa roçagante.
Que por todâs as partes o cobria }
>4úa caía d' abobada galante,
E armada de gentil tapeçaria}
Atada por detraz, & por diante,
Por juntas, que a abobada fazia^
Noutro pano de fora, que aguardava,
E para o mais ferviíTo ali cllaya.
22
ÍAlem defte graõ pano, que acercava,
Poi: de fora tin ha outros dous em roda,
Com que provida^Sc mais fortificada,
E parecia eftar cerrada toda 5 (nava.
Também de húrnufgo, & heryas fcador-
De fora a fuperficie, & toda a roda •,
Que citando alta afll, & do Sol luftrada,
Moítrava húa fermoía cor dourada.
Em oy to partes era dividida,
Bem que continua, & junta na figura,;
Erta abobada taõ cei rada^ 6c unida.
Que naò íe deviíava ter coítura -,
Mas pellas, cm que eílava repartida,
Servindofeexhalavade miftura^
Todc o fumo íobejo^ que lhe vinha
Dosfobrados de bayxoda cozmha.
24.
IvíasoSabioanfiaõ, &bom mordomo.
Que neitealtoapolcntoreíidia,
ti J« Pare,
Luís de Camões é f^
Com graõ cuydadoj Sc diligencia como
Eíperco, & piompto, citava noyte,Ôc dia,
Em fua eíphera, como em celeítc tomo,
Hora do mundo a grande Monarchia,
Gomtemplava com gráde,6c vario eitudo,
Hora o desfazer delias, & de tudo.
Para iílo livraria de diyeríos
Authores tinha grande, & muy polida.
De yarios cafo«, prolperos, & adveríos.
Em três camarás juntas repartida i
A primeyra, ou em proía, ou doces verfos,
Continha alegre fabula fingida,
Leys a Tegunda, & a Philoíophia antiga,
A cerceyia hiítoria grave tinha,
26
E deíla livraria de maneyra,
Compaíladas eftavaõ as cílanteí j
Que a camará íegunda^ & a primeyra
Tinhaõ livros mudáveis, & inconftanílesi
Mas os outros da camará terceyra
Eítavaó fixos quafi, & mais conftantes,
E ailios que dos dous mais lhe sprazia^
Neila terceyra Tem pre os recolhia.
Da íua condição, & natureza,
Apar de fi o íabio outro tinha,
Que a fabrica de roda a Fortaleza
Quaii em lugar do velho pay Icilínhaí
^ E a torre hora inthnada, outra hora teza
Fazia eítar, íegundo lhe convinha.
Por meyo de hum cíteyo de artificio,
A que encoitado eítava ellc cdificio.
28
E por detrás da abobada decia
Eíla coluna ate o íim dos fobrados,^
Pela parte de dentro oca, & vafia^
Mas com trinta canudos bem ligados 5
E em que de dentro vãos, de cantaria
Eraó firmes, direytos, torneados :
Ficando allicolumna deita forte,
Cuberta de dous pannos, & muy forte»
Por dentro da columna difcorrendo.
Do velho a filha andava diligente,
Ella, & o pay nas mãos atadas tendo
Setenta, & finco cordas longamente :
As quais por toda a torre fe eílcndendOj
Difpertavaò para oicrviçoa gente.
Dando força, & vigor ao movimento,
Que neceílario cra^ ík ao íentimento.
m
Deftas
m
Rimas iú Grande
í^
Deftas ncrvozas cordas fcte partes^
O velho eftudiofo governa ndo>
Ctírft finto pãrds delks os lugares
Mais ttctctos dâ âbobadn j & eípertando
Os itmis criados^ êc familiares
Da cafa, & os dous inais hião liando j
E os critica pares repartidos tinha,
l^or toda a torre a fi lha, onde convinha*
Mas poT^tíe dos trabalhos exceíTitros
ti)a torre os íerVidore$,& cxercicioi
Se pudéíTe fa^er^ & andar itiais tivoS)
Behfoiçados cada hurw com íeuofíicio.*
Foy áãéo ztís í-pktos fenfitivos,
E aos motivos^ por grande benefício.
Hum repouzo, ôc dfeieaoío conveniente,
A qus cinimainios fomnos vulgaraiente»
Delle era cauía mrnaedista, & certa,
O fottl meftre da obra, qtie habitava
No apozento do méyo, Ik tinha eíperta
Da Fortaleza a gente, éc ahmentava j
E qiMíndo ainda mais tinha encubeirta
Sua vircude, & o fo;go,a confcrvava^
Repoufavaíiaiorí^c: a companhia^
Ovelhojíkafitháascí&rdasnaô movia,
Ajudava também, que aí humtldades,
E fumos, que cxhal'âv^o,í>c íobiaõ
Da cozinha, & das mais concavidades,
Afefta vil tude o caminho impedía6 :
E adormecendo os velhos,& os Alcaydes
Da Torre, os fervidíjres naõ òolíaõ,
Do movi mérito a caufa afli ceifando^
0 íentimentoen-taõ nada operando.
Pek parte de fora do artificio,
NofobradomaisalciQ, & lumitlofOf «
1 unto do chapipel, & fronteípicw,
Hum -molde de janelas vi fermo/b:
Eraõitres pares, cada par oíBcio
Diverio tinhaj èc muyto proveytofo j
Às ntóis alt3S de eftrunha ferrrwíura,
"Vários 'HO íisio, o fficio, 6c4ia Egupa.
Tinha cada hua .delias ki^ cfpia,
"^E atalaya de grande -vigilância.
Que ao longe, 6c perto d' alto defc-ubrift
Tudo, o que parecia de importância i^
Aprezentando logo^ o que-lentiáj
A húa atalaya mór, que noutra cítancia
Deita abobafdadVavaapoz^ntadaj
Para eíteoaírgo dentro deputada.
AíTentados eftavaó íobre fino
Marfim, duas janellas alterofiís.
Com vtdraças de hum puro criítalino.
Que as fazia mais cUrai^,6i luAroías :
K para defendeTÍ^ do ar maligno,
Ou doutra coufa ma húas fermofas
Cortinasse cadilhos íecerravão,
E quando «ra neccíía no abrir tornavaó.
Por cima da cortina, Ct oorridiças,
Cada janclla tinha íua cimalha.
Para reparo, arcadas, ò£ maciças,
Gubertas de húa curta, & lecâ palha:
Eraó como convinha movediças, (lha,
Ambas de hu lavor roeímo,^ de húa igua-
E alem de reparar da chuva, & vento,
Davaô graça as janellas^& vento,
Logo cm direyto eftavaó, & alem deftasy
Duas de outro feyf lo, & de outra arte,
Diícubertas ííõ vento, & manifeílas.
Cada húa a cada mão do baluarte .*
E em caracalj 6c cm voltas duas freftaf
Tinhaõ feytas na mais ultima parte.
Das quais duas cfcura« de vigia,
Cada hiia dava avifo, do que ouvia.!
39
Abayxo deftas quatro inda outras duas
Por cima do portal da Torre eftavaõ.
Com grande engenho feytas, &comíuail
Efpias, que do cheyro fó aviíavão :
Dos d®us íobrados alto*: duas ruas,
'"i'^quivinha6, por onde rcpurgavaÔ
As fu perfiu idades, que dcciaõ,
E dentro o frcfco alento recolhiaÒJ
<'■' 40
Deftas jancllas logo abayxoeftava
O graõ portal da Torre, & fcrventia,
Ncfta mais alça parte, em que tnoftrava i
Eftranha Architeaurfl^& geometria:
For aqui todo o neceflàrio entrava,
De tudo quanto a Torre fe fervia,
E para ifto poder fer fem rrabilho,
Hú grão remédio fe ordet>ou,& trabalho.
Quefobreosdous fobradosdjenrideyros, ^
E mais bayxos cadahumáfua parte,
Eftavaõ dous rotmftos crarrcteyros, í
Pe muy grâtíde"lervi'Ço,^©ngcnhK>,6c arj:*» :
Rimas do Granie Luís de CamÕerl / ^i
Que além de grandes ferem,eraó ligeyros^ Enrre elles hua doar^ JérirtienMÍa j
Que cliegavaõ corrédo a qualqu
Acarretando tudo com preíteza
Para coorervaçaó da Fonaleza*
4»
parce*
Eíksdóuscarreteyros fuítentados
£raô por feu ícrv^iço, & provimento,
Efpctca andava & fj-^n^pta noyte, & dia ;
E delia era approvada, ou reprovada
A farinha de quanto le moíiia,
Provando feera laboroía, Ôi alva>
Porque era ella gentil meiírade í^lva*
48
Da nieima Torre, cm que foraõ criados, Em coda a Fortaleza era importante
\
Com codo necelíano mar^imento.*
Tendo delles cada hum linco criados,
Que a cuio da vaõ grande aviamento,
K porque em feu trabalho íépre andavaó.
As cabeças de bons cafos arma vaõ.
43
Serviaõ com cuydado^ & diligencia,
Eítcs criados dezcontinuamcntej
Sendo o principal toque, Si experiência.
Do humidoj do feeoj frio, ou quente
Em qualquer mechanica arte, ou fciencia^
Alem de obrarem neceílariamente.
Com armas refiítião á toda oftenfa.
Da Torreidelia fendo a mòr defenfa.
44
defóra da entrada, 6í ferventia
Da Torre, dous porteyros fempreeílavaõ
Luftrofos, & vertidos de alegria.
Que as portas cô cuydado bem guardavao:
Xambcni o fom da frauO, & armonia,
Com movimento íeu pstfeyçoavão,
E aíTi dos três mordomos dos fobrados,
Eraõ por ifto cm tudo alimentados,
45
Das portas para dentro logo entrando,
De grande fabrica hum moinho tmha,
O qual moendo eftava,& preparando
Tudo, o que avia de ir para a co/inha :
Moido & brando dentio aíli mandando
O roantimettto, que defóra vinha.
Com efta proporção conveniente,
&e repartia, 6c hia a toda a genta :
46
!Nertc moinho junto os dous porteyroSj
Eftando juniamcnte ern feu officio.
Duros, Strijos trinta ôc dous moleyros,
De gran Je torça, & util exercício :
Daqui turados fora outros primeyros^
Foraõ por graõfraqaeza íua, & vicio,
E os quea^ora mohuõ com dcítreza,
Tod<?s branco vcrt «aò por lim pcza.
^. ^ 47
Tinha ca ia huTidellcs fua morada.
Em doui lanços de pencdoí que avia.
O cargo deíla dona reverenda.
Sendo fraota, & interprece elegante
Em tudo> alem do mando, & da moenda ♦
Dava também ao lom doce, & galante.
Da frâuta,o ar,compaflo, graça, cmméda,
Toda a fabrica cmfiííi delta taó clara
Torre, ícm eítadona mai paífara,
49
Mas por ferella fêmea, hum quafi freo,
Por naò hir longcj a tmha preza, & atadai
Bem que em nove criados de hum arreoj
Ede hua libre andava ellaencoltada;
Que por fer de cal graça, & bom menco,
Servida era de todos, & acac^da,
E por julgar os golios na verdade.
Cercada fempre andava de humildade»
Mas porque quando em cafa repoufava,
Eíta humidade muyta a naò cnojafle,
Duas efponjas tinha, em que tomava
E recolhia o mais, que íobejaíTe ;
E também porque la dentro importava
Todo o húmido fobejo,ou ar,que entraíTe
Tinha logo alem mais húa anceporta,
Que rcfiítia ao lobejo ar áà porta.
Alem defta anteporta pareciaô
Os dous principaes cannos deíla Torre,
Por hum delles os freícos ares hiaó^
Com que o Vcador do meyo fe íoecorre :
Por outro canno tudo, o que mohiiô
Os mokyroSr & o que à cozinha correi
E nella do primeyro cozimento,
Se preparava todo o mantimenio*
Masao quarto do meyo efta cozinha,
Humagrolla parede dividia.
Porque aqui perto fua morada tinha
O mordomo, que nelle prefidia ;
O fogo, & fumo delia, que lhe vinha,
Todo tomado tem por eUa y'\t^
E cô a parede falvo, d^ defendido,
Fiea leu a^ozento divididc,
^ Cu8
4z
Rimas do Grande
n
Cos três cannos pof ^dade era provida
Tcda a fabrica, & gente, que aqui eítava,
Eftandoefta parede interrompida,
I^ ella o quarto do meyo íe acabava :
Em hfiagraõ coEÍnha^ & bem fervida,
Onde o quai"!© de bayxo começava,
Ou também logonella começando,
Tudo o que neila avia fuy notando.
54 ^ .
Capaz era a cozinha, & funcientc
Para cozerfe nclla o mantimento,
Que pudeíTc bailar a toda a gente,
E de muyto artificio, & provimento:
Com VIVO fogo eílava ftmpre quente.
Para rodo oíerviço, & cozimcnro,
Num vafodeduas bocas, bem o brado,
Sendo tudo cozido, & preparado,
Pella boca mais alta íe metia
O que vinha a cozerfe, & digeriríe,
Pella outra bayxa o mais Ic defpcdii,
Do que menos aviaó de lerviríe :
Ejuntodeftaboca bayxa avia
Hús quatro cannos para repatírfe
Hum certo manjar branco, & imperfeyto,
Ne/te primeyro cozimento feyco,
E aíTi defta mefma obra outros mayorcs
Seis cannosjuntamente procediáo.
Por onde da cozinha os fervidores
As fezes, & fuperfluo defpidiaó :
Deftes cannos também outros mayores,
Por mais apurar tudo, indanaciaõ.
Por hua tea groíTa derramados^
Com proveyto, & limpeza aíll ordenados.
Deites feis em o bayxo taõ fomente
Hús três moçosavia de íerviço,
Que por eítar entre elles mais corrente,
Eftavaõ nelle poftos já para iffo :
E no remate delle ultimamente
Eftavaõ outros quatro também niílb,
Fromptosero alimpar, cerrado, &abrin.
E cõ outroí na Torre bem fervindo. (do,
58
Prefidiodoncíle ultimo fobrado,
E quartojinda outro principal mordomo.
De graó negocíamento, venerado,
Wuytoimporrantc,& bem íervindocomo
Cada hum dos outros dousjalcatruzado
Hú pouco,rauy to grave,& homem de to-
Luís de Camofs,
Tifte no parecer, mas no fupofto,"
Alegre noaibernoz de grã bem pofto.
59
Junto à cozinha tendo o apozento.
Mandava delia vir por ordenança,
Sò da primeyra eftancia, & cozimento^
De todo o manjar branco em abaítança :
Fazia entaó todo efte mantimento
Outra vez recozer com temperança.
Que mais puro, & cada hum por lua via.
Entre todos na Torre fe pratia.
60
EaíUdefpoisdejàfer bem cozido
Efle manjar, que a todos fuftentava^
Sendo em quatro licores convertido,
Diverío fer hum fo na cor moôrava:
Mas deftts, mal conforme, ou definedido
Se algum muyto mingoava, ou íobejava,
Fora de proporção, & íaâ concórdia,
Em toda a Fortaleza avia dilcordia.
61
Pello contrario em jufU cantidade,
Em liquido vermelho mifturado,
. Seefte manjar fedàcom fuavidade^
Todo efte aftento eftá delle abaftado :
Daqui defte apozento, por metade
; Da Torre corre índa hu, & outro íbbradoi
E por cubertos cannos vay mandando,
A toda a gente delia alimentando.
62
E com quanto aíTi leva fua miftura.
Por mais baftar a todos, em chegando
Ao apozento do meyo,ali fe apura - 1
Summamente, & fe vay adelgaftando :
E daqui o mordomo com mão pura,
Defpois que bem o atina eftà mandando^
Purificando a toda a Fortaleza,
Por outros fotis cannos com deftrezaj
Mas tinha efte mais bayxo em fua cftancia
Apar de fi^ por grande beneficio
Da torre, dous criados de importância, .
Providos cada qual com feu officio :
Oprimeyrocom fua vigilância,
Sentindo aver íecura no edifício.
Por certos cannos, que para iíTo tinha,
Efpcrtavagraô íede na cozinha.
64
Veftiafe de hum verde fempre efcuro,
Poreíliremo coleríco,& agaftado,
E taõ azedo, que por todo o muro
Se via andar às vezes de enojado :
Tam-
Rimas do Grande LuU de Camões, ' tf 3
TarabemcaufaVafer manjar impuro^ Fíníilmcnte de tudo mny provido,
Da cozinha o fuperfluo íeu lançado
Por fcis húmidos cannos dalli fora,
Quando para lílò avia tempo,& hora.
O fcgundo criado era triftonho
Nocorpo,& no vellido, hú homem baíTo,
Menenconizadiflimo^& enfadonho,
De mà converíaçáo, & pouco palio :
Eratnedro2o,& en:> fimuyto medonho,
Morto de fome fcmpre, Sc muycocfcaflo,
Mas o comer pedia [ ara a gente,
Nilto bem apurado, & dihgeote.
66
Abayxologo dtftcs,dous eílavaò
No apurado comer tanbcm íervindo.
No corpo, traça, !k idade conformavaó,
IMum meíiíio cííicio não íedezavindo:
Todaaíupcrflua agoa a fi chamava,
Por feus cannos dosoutíos iguacs vindo,
Tendo na mão huns vazos coadores,
De gente de fervido bem ícrvido.
69
E porque efta taó bcU 1 Fortaleza
Nunca o tempo de todo a desfizeíTe»
Ordenou da obra o mcftre com deflrezâ»
Qie de foi a da Torre ítmpre ouvelTe
Dousnaturaes hmàos, cuja viveza,
Ourros mattriaes í pintos delie,
Para íc fazer o noyo edifício.
Por delicados m.yos, & artifício,
70
Todos três apozentos, & fobrados,
Sobre duas c» lumnasleaííentavaõt
If ao pè delias entre tiles gazalhados
Eítes dous naturaej) Irmãos eítavac J
As columnas (cus pedrtftaes pegados
N iis mais dclj^adas partes ter nioítraváo,
E o mais grolio para cima tinha,
A outra '1 orre, ác que elU naícer vinha,
7í
Que coavaõ tila agoa, 6c outros humores. Sendo pois como dice taõfernr.ofo
rm íl retendo íó \ potagem boa,
Toda a outra agoa coada fe metia
Por dous cannos focis nua alagoa.
Que de grande artificio dentro í^via :
Eíla agoa que heíalgada,& aqui fecoa,
Da Torre tora cmfim íe deípedia,
Por outro caonc em voltasi 6c deite mo J0|
Vinha aíiim a faír fora de todo.
ÓS
JEfteapozento abayxo fe cercava
CoQi paredes tambem^5c com Teu muro,
Com que emparaJo,& quente aífi ficaya
Aos perigos de fora, Sc mais feguro ;
Onde era neceííano brando eílava
Em parte, em outras partes firme,& duro.
Elle novo ed.ficiOj& taô pollido,
Dentro, & fora em eftremo artifíciofOj
E tudojà por mim vifto, & corrido:
No Artífice cuydando poderolb.
Que de tudo o h^era taõ provido,
Edava eu contentando avilta nelle^
Sem de todo a pcdcr apartar dellc,
7^
Quando enleva do a íli me parecia,
Que com trilte m idanç i eílranha,5c dura,
E(ie grande edifício delcahii
De íua graçj alí-gre, & fermofura :
A ma-|iiina t(jta| íe desfazia.
Vindo abayxo de íua mòr alrura,
The de todo cair por dei radeyro,
Como no Canto cantarey terccjjro.
CANTO III
O
Vida humana taõ caduca, & breve,
O talía gloria delia, & imperfcyta
A que mais dura fica a hum lomno leve,
Ao tempo, ao fadojá morte emíimíu^eita;
Qué mais cota fez della,S: em mais a teve.
Com mór dor, éc triíteza a vio desfcy ta^
Pafla,&rcu fim remata em prãcoj5c magoai
Enchendo como fumo os olhos de agoa.
ii-»
Em que parou d-i terra o mòr Tirano»
Com profpcra fortuna, ou com advetía?
Em que parou o graó ceptro Romano,
Em que o Gregc,o Mc do,o Cyro,o Pt í fa?
De húa hora incerta hu certo dezengano,
Daquella hora final, dura, & per veria,
Triíle odiofa a todc s, tudo em Cerrai,
Em muyto eíqueciaiento, ôc pouca terra*
6-4.
Rimas do Granai
3
Na antiga idade douro, em que abundança
1 Saudável da terra fiorecia,
Em que a faude, & útil temperança,
Nos homés,& Elementos mais avia j
Dos innumerosannosaabaítaoça,
A muy tos pouca, êl breve parecia.
Que o calado ladraó a todos furta
A longa vida, Òi faz parecer curca.
4
Quem vive por viver íó nefta vida
Docemente, nu íini chorola, & amarga>
En) que do Ceo lhe ícja concedida ,
QLieadeMathoíalcm muy to mais larga:
Que mais he que na mifera partida,
Eni q ha de ir ter, levar muy ta mais carga j
Mas que íométealpira áecerna,& lanòia,
paraellaalegrc,&c leve íe levanta.
5
Levantafc a alma leve à mor altura.
Do leu cbiro inimigo delatada,
Ou das obras levada clara, & pura.
Ou à prifaõ perpetua condem nada ;
Toda inferior^couía, Òícreaturaj
, De matéria, & de forma fabricada,
Por mais, que viva, em fim íeu fim afpcra,
Que afli o quis, quem íez agrandc íphcra,
6
Mas nunca a ninguém baila cila certeza,
Para que a dura parca inexorável,
Eípanto lhe náo caufe, dor tnlteza,
I , Com feu golpe cruel, & irreparável .•
Afíi vendo o da belia Fortaleza,^
h miferavcl queda em que durável,
Sabia naccr nada ; entrilticeome,
E coufa cílranha, & grave pareceome :
7
Kaò íonhava eu que avia desfazcríe,
Cem íubita ruina, erleedificio,
MasSquc por tem po avia en velhcccrfc,
Cada parte ceíTando em íeu oííicio :
E o governo, & economia perdcríc.
Com íua ordem certa, & exercício,
Kaô ícrvwido os vaíallos à lenhora,
' 1 c que ella tnite íe fahia fora.
8
Triíle fc hia, por mal obedccidr.,
I^araqucyxaríe, nalufidaelphera,
Ao ícnhor, que a cfta envelhecida
Caía íua a mandara, ^ vir fizera,
. Triíteíehiacontula, & arrependida
]L>o mao viver ; mas mais viver quiíera
LuU ãe Cdmoes»
JSÍa lua antiga, & taõ chara morada,
Que íó por terra jaz defemparada.
9
Fazendo mal os grandes, & os menores,
Cada qual íeu devido regimento,
Naó mãdãdo os mordomos, & VeadoreSjí*
Enaõavcndoemnada certo aííento:
Veo o commum manjar com ícos licores.
Todos quatro a hum tal corrompimento,
Que as j^artcs principaes,&as outras logo^
Enfraqueciáo, & íe esíriou o fogo.
lo
Porque daqui naceo, que confumindo
Sefoy omeltrc da obra diligente,
E com clle de mal em peor indo.
Os Capitães da Torre,& outra gente.'
E os ícrvidores todos mal fervindo.
Os de dentro^ & os de fórajuntamente.
Em todos íe enxergava hua frieza,
Deeílranha forma, ík miíera fraqueza.
li
Os mais dos trinta & dous braços moleyros^
Que tftavaó no moinho, íefaziaó
Debiíitadosjá,comoos primeyros,
E ícm poder moer fora cahiaõ :
Outros,queem íeu vigor,ainda qínteyros
Ficavaó, por fraqueza não íerviaó,
E por eílarem ali mais arrey gados
Ficavas com o velho apozcntados,
12
Envelhecendo aíll tanto ocdificio»
De fora a graça, & luíhe hia mudando, ^
Atè no chapitelj & f ontifpicio, •■
Murchando as flores íe híaõ, & arrãcãdo *
Porquejá naó lhes fendo taô propicio
O calor, & alimento, como qua ndo
Em feu vigor, & pcrfeyçãocílavaõ,
Em fria, & branca a cor d'ouro tornayaõ,'
Aquellcs dous robuílos, & valentes
Carreteyros caofadamente andavaõ,
E já mais floxamentc, & negligentes,
O neceflario à Torre acarretavaô :
Também 0$ dez criados diligentes,
Como tolhidos mal femeneavaó,
E já as columnas grollas, que tr aziaô
O pezo (obre fi, fracas tremiaõ,
14.
Com tal fraqueza, 6v contínuos temores^
Torre ameaçavaõ á final queda:
Eftavaô fem repouío os Vc>>dcrcsi
E toda a gente írac^ • & pouco leda :
D^
^1'
Rimas do Grande Luís de CamÕef,
Da falva a meílra jà dcyxa os fabores,
E cada hum de feu cargo já fe arreda j
Arruinando por mil partes o muro.
Abalado íe moftra^& malíeguro.
Atónito com grande dor, & eípanto,
Qtie alli ficava entaõ me parecia,
Por tam fero ípcdaculo, & com tanto
Eftrondo lachrymofo, como avia ;
Porque de fora eftar em alto pranto
mMuy ta gente funcftâ,& triftcvia,
IB A mortífera queda defta íorte,
^B Carpindo^ 61 da lua gente a fera morte :
flEo que mais mcefpanta, fobretudo,
Da machina lançada afll por terra.
^
O que naõ for para iíTo defeftímâ,
E no íim o dcfprcza, & no começo :
O bem perfeyto& firme làefta em cimâ|
Sem falta lá íeguro, & ícm exceíío,
Daííe immenío a cada hú no claro aíTentOi
I Mas medido poríeu merecimento,
21
DaíTe penna aquém iftodef merece,
Também íem nenhum hm,Êiíem medida,
As quais por íua culpa íó padece^
Propondo á vida eterna a breve vida ;
Efta, que em rorpes vicios envelhece.
Até Ihefer detodoconfumida,
Da almaaíatisfaçaõ Ihoverefica,
E o que da terra he na terra fica.
22
Que o material todo, & o campo mudo, Ifto he, o que cens viíto, & o que notaílô
f
i Hum vii panno de lenço dentro encerra,
E a quem tilando em pè foy pouco tudOj
A cobria cahmdo húa pouca terra,
Eílando eu nifto cuydadofo, & afii£to.
Tornava a parccerme aquclle fpirito,
Aquelle fpirito bom, fermofo, & puro.
Que ao entrar da Torre me dcy xará.
Em cuja companhia eu muy íeguro
Por arriícadospallosjàpallara:
Tornculeme com elle o triíte, & elcuro
Tempo puro, & fereno, & a noytc clara,
Epondo eu leve, & ledo os olhos nelle,
Aiii me começou de tallar clle,
18
Que fazes, fraco, aqui? que cuydastrifte,
Mortal, terreno, cego, & deícuydado?
Porque naó te aproveytas, do que viíVe,
No mal doutrem por teu bé doutrinado?
\ INaóhe vaófonhonaó,ocm queconíiíte
Perderefte, ou falvareíle coytado ;
Os olhos abre jà eíperto, & pronto.
Regula a vida ío por cite ponto.
Quem te criou, & quem te fez de nada,
Dandote o ler, a forma intelle-fliví^ j
Te meteo nefta Torre encarcerada,
Naõ íoy, para que nella femprc viva :
Mas para merecer neítajornada.
Com íuas obras a outra eterna, ^ altiva,
Com íuas obras tingidas no puriíTimo
Sangue do bõ Cordeyro innocentilfimo.
20
Para iílo vive íó, para ifto eílima
Qualquer bê téporal,q elle he feu preço j
' 1. Pare.
Noproceílo,&dilcurío deite forte.
Que naõ he mais^ íe o bern confideraíle,
Que hú VIVO home íujeytoácõmO mortes
1 u por dentro, & por tora eípcculafte,
E viftecada parte, de tal lorte.
Que ler hum corpo humano organizadoí
Declarar te a veiey por eícufado.
25
Fello Deos como a ty mortal, terreno;
Mas fello lacional capaz do Cco>
Fez o graò mundo, & fez elle pequeno^
E nelle por íalvalo em fim deceo
A homem íe tazer ; com hum aceno,
E. quem o ler ao Ceo, & á terra dco>
Em húa Cruz quiz íeralevantado,
Para trazer a fi todo o criado.
Remirte^ò homem, quiz Deos fempíterno^^
Com refgatede amormaravilhofo.
Dando por fi feu filho igual Coeter no,
O qual fazendoíe homem piedozo,
For te livrar d 3 morre, & efcuro Inferno,'
Dco íua vida, & fangue preciofo $
Pois com que vidas tu pagarlbe entendes
Se com a que te deo tanto o oífende?,
Será razaõ que deça de fua altura
A bayxa terra, íó por darte vida,
A íua oíTerecendo fanta, & pura ,
Com taotoexceíío,& tanta dor crecida.
Na Cruz a tanta injuria, à morte dura,
E que feja taõ mal agradecida,
Qiie cl le morra fò para tu viveres,
fc tu que vivas ló parao oftenderes ?
I Enga*
«e
26
Rimas do Grande
Engana<3o, perdido, ingrato, & cego,
Comodormir,coiiiO viver, teat cves?
C omo afogartc no profundo pego
/ i^aõ lemcsjcarregado do que deves >
Emmenda a vida não có o mao emprego.
Em quanto tempo tês, que as horas leves
Se vão, fem eíperar, coroo a figura,
Para lílo a derradeyra, triíle, & tícura.
Nojdiluvio crueU ^ niar contrario,
De teus vicios» cm que andas engolfado,
Buícar do bom Noe te he necefl?,ri0 .
A fanta arca, que em terra tem lavrado :
Naõnomontede ArtncniajmasClavarío,
No graõ Clavario monte, celebrado,
Do Adão fegundo bufca a arvore íanda,
Que elle por te falvar no mundo prânca,
28
Colhe pois fem recco, 6c confiado,
Delia o frufto dividojôf tão jucundo,
Naôo que a Adaò primeyrofoy vedado,
Mas o que deo a todoso íegundo .•
Do Ceo vindo^ & na terra fcy pi antado.
Para que nella viva o morto mundo,
Du m puro Lítio nace húa flor taõ pura,'
Novalie por fubir tudo à altura.
Olha na fagrada arvore pendendo^
Do ventre virginal o frudo luave,
Para dar bés os braços eftendendo.
Como pofta lhe foy coroa grave /
Por te efperar íe à vilta o vas perdendo^
Pregados pès, êc mãos tem na alta trave,
E pararecolherte no deíerto,
Perdida ovelha, o lado tem aberto.
O lado, fonte VI va, donie mana.
Com fangue, <3< pguaaíTaz graça infinita.
Que goítandote bem a gente humana,
Que vive vida morta, reluícica:
Qloria fica da morte íobcrana,
Coníola,& apura cm fogo aalraaafli£ba>
Tu purifica tonte tudo regas,
E a quem tequcrgoftar nunca te negas.
De tua perenal clara corrente,
Nacem divinos Rios fem diícordia.
Que eíía Cidade regaõ refulgente
De Deos, q tem a terra em fam concórdia ;
Quatro Rios de graça fuíficientc.
De juitiça, de amor, milericordia^
l,uh de Cámves\
E todo o bom, qud a feu Deos comunica^
Eío ti* ó fonte íanta purifica.
3*
A ti, os que da vida fede trazem,
Tua agua íalutifera bufcando,
Quanfo mais delia em ti le íatisfazem,
1 aoto tom golto a eftáo mais dezejandol
De terreoa jà pura ler a fazem.
Seu bem eíl^^^do em graça renovando.
Os que te bebem, 6c teus Rios habitaó,
Ebayxo do guiaõ da Cruz miLtaõ.
33 ^
AtaÕ liquida vea, & írefca fonte,
Corre pois, ptccador, lavarte nella,
Bayxos olhos levanta ao alto monte,
Aquelle monte íànârodondenaceelía:
E vella eníangoentada naó te afronte.
Que he mais fermofa afi, q toda a Eílrella,'
Eílc divino íangue, cm que tingida
Vez a landa agua, te he íaude, & vida :
Faze tua morada neftaviva
Singular pedra onde a doce agua nace>
E donde mel^&leyte fc deriva.
Que o Ceo, & a terra alegremente pacè:
Portftaefcadafíjbeá eílranha altura,
Queo gr ãde Jacob vio, q ao Ceo chegaílc^'
Por clh Anjos do Ceo à terra dccem.
Sobem ladrccs ao Ceo, que a reconhecem.
35
Vaybanharte doente, & tãoleprofo,
Nefte divino, & facro Rio Jordão,
PaíTa o da lepra jà íaó, & fermoíò.
Para na terra entrar de promiíTaô :
Foge, & íayte doEgypto trabalhofo,
Donde te tem teus erros em prizaój
Paífa do fangue & agua o mar vermelho^'
Livrcdo captiyeyroanrigoôc velho.
Olha a íagrada letra^ que Ezechias,
Em Hieruíalcm vio imprcíía &efcripta
Nas teftasdos, queeftavaô de agonias,
E a alma tinhaõ trifte, & muy afíicVa j
Enche os corações efla de alegrias
Perpetuas : & lhes dà graça infinita.
Agora cú final nellas impreíTo,
Eícripta bem com fangue alto fem preço;
37 .^ .
De metal no deíerto cm Cruz erguida
Olha a medicinal mortal ferpente.
Que íó co a vifta da íaude^ 6c vida.
Aos que feria co venenoío dente :
Re-
Rimas do Grande
Reprefcntava fer ferpe efculpida,
Serpe era no metal, lerpc aparente,
Afli poíto na Cruz como cuIpadOí
Quem nunca o pode ter,tcra o peccado.
Efta Arpa de David taõ branda^ ôc fanda,
Com vozes taó divinas, & acordadas,
§e tocaõ na Cruz poftas com dòr tanta,
Os nervos íeus, & cordas delicadas :
Afugenta o Demónio mao, & efpanta,
Destaz, &_desbarata íuas ciladáSj
Toca pois a fanfta Arpa, adora, 6c ama,
Mil lagrimas d*amorndla derrama.
39
Com efperança, amor^ & íírme fé,
A teus taó cegos olhos lava, & cura ,
.JSiaclanífimafonte Syloé,
Sahifas da cegueyra tr ilte, & eícura :
Vcris por onde póes o enfermo pé.
Ser tudo enganoj6i mádezaventura,
Da vil carne do mundo vem Pobrezas,
Du mao fempre malícias^ & torpezas.
40
íozate dcíla certa medicina,
Baftante a c íhma á toda enfermidade.
Que o bom & uniycrfal Medico enfina.
Com taõ íincero amor^6c boa vontade ;
5.ntra nefta probatica piícina,
, E a tua paralítica maldade.
Convertida veras pela virtude^
Deita agua eíficaciíTima em laude.
De Deos com puro amor olha o Cordeyro,
Cujo fangue puriílimo innocente.
Derramado CO amor taó verdadeyro.
Do lobo te livrou percucientc :
, Sangue tanto íem preço^ 6c por dinheyro.
Por vil preço vendido lojuítamence.
Mas aífi ás más culpas livramento,
E ás obras boas deo merecimento.
As obras, que aíTi oelle reíplandecem,
^ r Como num taó cap3z, 6c claro efpelho :
E todas pcrfeyções fem fim parecem,
E os íàntos Does do ípirito, & faô cóíelho:
As virtudes que mais aqui tiorecem.
Tinha no fino eímalte, & bom vermelho.
Vete bem nefte efpelho, &ot2mpo goza.
Verás toda a virtude aqui fermoza.
45
Se a fempre igual juftiça firme & forte.
Ver queres, vé que o homem condenado
1. Farc.
Lui^\^^ Camoesl €f
Por íua melma c ulpa â eterna morte,
Pagando Deos por eiie, he perdoado.*
Deos feífe home morta], & mata a morte.
Morre innocente,&mata ao noao peccado,
ConQ fuás chagas (ira a antiga chaga.
Como Deos pòdc,ôcquer,comohon>êpa-
44 ga.
EíTa mifericordia branda, 6c amiga.
Que mais fe pódc ver,que a piedade
Com que ao filho do Eterno paycaftiga.
Per ptr doar do mao fervo amaldade:
Olha a que eftado dcce, &. a que leobriga,
Se queres ver a altiílima humildade,
Se a iam modcília vé, com que eftreyteza
Naceo, Ôc viyeo ícmpre com pobreza.
Ve, com que manfidao,com que innocencia
O Redemptor do mundo íe oíiercce
Ao fumrno Sacrifício, 6c obediência,
Até morte taõ crua, que padece ;
Em tanta injUria, tanta paciência.
Que por feus homicidios naõ fc efquecCjJ
Por iiiíigos rogar afli os amando.
Tudo com ai to amor bem rematando,
4^ •
Amor lhe fez que á terra do Ceo deça.
Amor da terra íer em Cruz íubido.
Amor nos f és j& mãos, corpo, 6c cabeça^'
Com cravos^ lança, eípinhas^ íer ferido ;
Amor, que tora tormentos mil pereça
bcr hiia chaga, & por Icprofo ávido,
Amof,quc amalle o ingrato mundo tanro.
Que nellefiqem carne, 6í em corpo lanto,
Deos fendo amor puriílimo pcrfeytOj
Quis pelo mclmo smc r communicarfc,
Fazendofe de hõa alma^Schumano f eyto^'
E nelle Deos^ & ht mem agazalharíe :
E e/n lugar taó eítrcyro, mais íè alegra.
Que no clpaçofo^&largo 1 rapino achai fe^
Que efte hc íò corporal morada nua
Daima^ 6: eíprito, 6c outro imagem fua.
48
Para cfta uniaõ fanta^ 6c amorofa,
A divina Eucharidia inítituindo.
Com difcreia invenção maravilhofa,
Dos Diícipulos feus íc defpedindo .•
Naquella final Cea lachrymoía.
Debayxo das efpecics le encobrindo, '
De paõ, 6c vinho, cm doce mantimento^
Se dá a comer neítc alto Sacramento,
lij
Çu«
«8
limas ào GrmdeLms d^ Camõêi,
49
Que comotrasformado, & convertido^
Em quem o come o mantimento fica,
Afli a alma do homem a Dcos unida.
Por amor íe íuítenta, & vivifica :
- Que efte manjar divino recebido
Vidadivinadà,& glorifica
A quem íua carne come, ík íangue bebe,
E morre, indignamente quem o recebe.
Quero bê o come em Dtoi fica,& Dcos nelU,
, Fica em Dcos como próprio mébro vivo,
E o íuromoDeos,coniO cabeça dclle,
< Hum íerípiritual lhe dando altivo :
Faíle aíli hum corpo miítico por elle,
Per efte 'dmor íeu puro, & unitivo,
Eofilho aílidt Adaó, & filhodeira^
Fic« filho de Dcos, Si a Deosaípuâ,
51
Contente vivcamancJo,& perfevera,
Na fonte d*amor puro, alma embebida^
Abraça aquella amiga, & fiel hera,
Da laudavel Cruz arvore erguida :
Come o bom paõ da vida, 6c a vida fera
Perdendo irà^j ganhando eterna vida,
Paõ fobre íubftancial coroe, &: de gtaça^
Quede terreno Angélico te faça.
^íperta jà Chríftaó dormente, efperta.
Para cfte paõ, que tanto te convida,
Que a íatisfaçaõ tés taõ boa ^ & certa,
4 Cavando do Senhor fempre na vinha :
V Ao pcccado, êc chaga nalma aberta,
Applicacfta fuave, & fan mezinha,
Os,bés do mundo tem por fonho & rizo ,
E o que me ouviíle em lonhcs por avizo.
Aíli une eftava o bom Anjo rallando,
Que ao doce íom de íua voz divina,
(,■ Dormia muy quieto repcuíando.
Na viíaó deleytofaj & matutina :
. E naó crendo eu que fofle ifto fonhado,
Cúa vara de inípiraçaõ divina,
No coração tocarme parecia j
£ deípertar dofomno me fazia.
54
Taõ confiifo fiquey, taó aíTombrado,
J à de todo acordado, & íó em meu ley iço,
Daqucllefpiritobom dczcm parado.
De ícu coUoquio íanto, & brado afpeyto:
E do que ouvira, &: vira ioda Icmbrido,
Que impreíTo me ficou détro em meu pey.
to.
Comecey a fazer contas comigo,
Quaestodo homem fazer deve configo:
55
Miíeio peccador, mortaJ, terreno,
De pò, de cinza, 6c terra hum trifte cafo.
Quero abarcar hum bicho taõ pequeno^
Aterra, ôco Ceo, como outro Zodiaco^
1^ u me engano^eu me p£rco,eu me cõdeno^
Culpado vou per dídoj cego, & fraco,
N acido em dor,em prato, 6c em pcccado,
Enellecm mil m líer ias cntcr radia
Queefpero mais, quenaômcdczengano.
Com tanta inípiraçaõ^ tanta doutrinar
Que vou de dia em dia, de anno em anno?
A cura dilatando a cfta alma indigna ?
Ah cruel a mim mcímo, & deshumano.,
Quetáo prezente, ík íanta medicina,,
Qual fe me oflerecendo eíla tão certa,
l>yxo depor na mortal chaga aberta l
A viva fonte vejo permanente^
Sempre manancial, nunca efcorrida,
De que manando cftà perpetuamente,
Efem ceíTar, íaude, & luz devida:
Vejome a mim mGrtal,c< go, & doente.
Chegar não quero á cura oferecida 5
Deyxome ir obíiinado íempje, & duro,
Traz o tempo a btber no lagoefcuro,
5«
A Fortaleza, que cu íonbando via.
Florente edificarle em tanto terie,
Téquc)>or tempo cm fim me parecia,
Cahir por terra, & nella desfazeríe ;
Donde a immortal fenhora fe fahia,
E fem para onde fofie entaó íaberfc.
Era o meu triíle, & frágil corpo humano,
E que de todo náo me dczcogano .^
59
Ah não íejaaílijoaô, não dure tanto,
Minha vida no grave, & mao letargo,
Qiie efquccjdoda eterna com eípanto
A percaj6créfim morra em prato amargo:
Daquclla íanta fonte, & Rio íanto,
Sempre alto, copio ÍOj doce, & largo,
Là quero o paó goíUr, 61 agua da vida^
Para que fique là comigounida.
60
Por ti quero viver ò paõ divino»
Que das a vida, 8c e* vida por eíTencia ;
Por ti com tua graça eu fraco *s índigo.
Quero, & poíTo íazer ían |>eniteocia :
, Ecem
Rimas do Grande
Erom clhi maíâ limpd át contino
Quero amarte & goftâr cõ mais frequêcía,
A ti, que es amor puro, & bem í"u premo,
Portifufpiroeujà, & por tigeií&o.
61
Inda que cu mereCer tanto naó pofla,
Nem por mim, ao que devo, fatisfaça,
Teu puriíTimoamor a tudo adoça,
E tua mifericordía a tudo abraça :
|| Tu queres lemprc a convería^ão nofla
Amiga,feacuagraçanosdágtaça; (de
Se o rico^ou pobre, ou ako, ou bayxo pò-
Chamarte,o teu poder logo lhe acode.
Tu ufas ró Senhor de tal piedade^
Só o remédio nos podes dar feguro,
Tu altiílimo Deos taata humildade.
Que o íetvo comunicas bayxo efcuro :
Tu que veftmdo a nofla humanidade
Np ventre virginal^ & fangue puro,
Tu que por nò« na Cruz o teu derramas,
E te dar em comer, tanto nos amas.
Em tal extremo vendo a Fortaleza,
Vigilante, Sf fohcita accodia
A rodas partes a immortal princeza,
Sempre animando a toda a coftípia^nhia }
Com quanto viaja lua defeiâ>
Ser taõ fraca deyxala oaô queria,
Todo o remédio ex quifito, 6c raro,
Bufca emfiaífcu pfoveytotememparo.
Nefta ultima agonia aiii eftandor
Adeícoufortadiírima íenhora,
Etí cjtmbcni criíle aíTaz via fonhando^ -
Disfof me hum velho feo vir de foía :
ÍSmtniKÍda a carne os olhos fó ttioílrando,
De corçomidorofto os olhos fora,
De efpantoía, 6iferribcl catadura,
' Fraca a v^oz^ mas Toberba, & com folturaf,
O qual as mãos lan^çando defcarn-adas,
É torpes (obre eíkcdificfaenl-ef mo,
Líãs de Camões^ é^
Deòlhe hum fheíonho abà!o,& alteradas.
Tremendo as partes nelle^fez graõ termo;
Traz iftocom palavras muy pezadas,
A prmeeía fallandodifle, o termo
E^mal, & trifte, a tua hora he chegada,
Sáytejà dá caduca, 61 van morada,
66
í ícdu íobrefaltada, & temcrofa
A princela com voz tam grave,&horréda,
Mas ainda aíli Ihercfpondeochorofa,
Efpcrame algum tempo para emmenda
Mmha : & delta morada perigofa,
E o prazo final mais íe meeítenda,
Darey ordem, que em taó trifte partida,
Naódeyxe acaíatodadelboida.
67
Graô tempo haja Ihereplicou o velho.
Que ncila Torre vives, & o civefte.
Para tudo ordenar com graõconíelho.
Sabias iíto bem, mal o fizefte :
Se a caía tem remédio outrem delho,
Ea ti o que nellaeitandomerecelk j
Naõ poílocfperar mais,& vemte comigo,
- Mais tenho que fazer, que aqui contigo,
68
Iftodiffe, SC pegando rijamente
Outra vez com mâo dura, &: com crueza,
Cahiotoda por terra fios Imente,
Com grande terremoto a Fortaleza,
Cahío com el la morta toda a gente,
E a graõ regente delia, & alta prince/à,
Delaparecco com o velho a efla hora^
Sem iáber mais ní-nguem cerco onde fora,
69
Pois feha de a ver defagradeci mento.
De mercê tal à mim ^ & a todos feyta.
Se nifto naó fe achar merecimento,
Dientío em minha alma íeja íempreaceyta:
E fe eudella tiver efquecimentOj
Demim íe eíqueçaa minha mãodírcyta,
Ea lingoa fe me apegue na garganta,
Se eu naõ louvar & amar mercê taõ fanta:
RIMAS
70
RI
A o
DO GRANDE ^
luís de CAMÕES
SEGUNDA PARTE-
C A N Q A M I.
jiíí^Uí decanta o V^oque lhe manda o grande
amor da. Fcrmojura defua Senhora,
MAndame amor, que cante doccmêtc,
O q elle já em minh'alma té impreíTo,
Com prefupofto de defabafarme,
E porque com meu mal íeja contente,
Diz, que ler de tam lindos olhos prcíb, f
Contallo bailaria a contentarme :
Efteexcellentemodode enganarmei
Tomara eu iode amor por intereííe,
Senam fe arrepenCjeíTe
Com a pena o engenho efcurecendo :
porém a mais me atrevo,
Em virtude do gefto, de que efcrevo,
E fe he mais,o que canto,que o que entendo,
Invocojo lindo afpeyto,
Que pôde mais, que amor, cm meu defcyto.
Sem conhecer amor viver íohia,
Seu arco, & feus enganos defprezando,
Quando vivendo delles me mantinha ; ,
Oíimorenganoío, que fingia
Klil vontades alheas, enganando^
Me fazia zombar de quem o tinha,
1^0 touro entrava Febo, & Porgne vinha,
O corno de Acheloo Flora entornava.
Quando o amor íoltava
O fios de ouro, as trançasencrcf padas,
Ao doce vento efquívas.
Os fios rutilando chamas vivas/
E as roías entre a neve femeadas,
Co rifo tam galante,
Que hum peyto desfizera dcdiamante^
Hum nam íey que íuave refpirando,
Caufava hum admirado, &: novoeípanto
Que as ccuTas iníenfivciso íentiaõ:
E as gárrulas aves levantando
Vozes defordenadas em íeu canto,'
Comonomeudefejo íeencendiaõi
As fontes crillalinas nam corriaõ.
Inflamadas da linda viíta pura,
Flocecia a verdura ,
Que andando, cos divinos pés tocara^
Os ramos fe abaxayaõ.
Ou de inveja das hervas, que pifavaõ.
Ou porque tudo ante ella fe abayxava.
Naó houve coufa em fim.
Que naô pafmaffe delia, 5c eu de mim.
Porque quando vi dar entendimento
As coufas, queonaõ tinhaó^otcmoc
Me fez cuydar, que effeyto em mi fariâi
Conheciroe naõ ter conhecimento,
E niAo fó o tive, por amor
Mo dcyxou, porque viíTc o que podia;
Tanta vingança amor de mi queria.
Que mudava a humana natureza,
No« montes, & a dureza
Delles em mi por troca trafpaíTava >
Oh que gentil partido,
Trocar o íer do monte fem fentido^
Pello que num juizo humano eftava:
Olhay quedoceengano,
Tirar comum proveyto de meu dano.
Aííi que indo perdendo o íentimento,
A parte racional me cntriftecia :
Vclla a hum apetite loraetida,
Mas
Rimas do GrandeLuis de Camoei.
Mas dentro na alma o fim do penfamcmo.
Por taò íublime caufa me dizia.
Que er* razaõ íer a ra7aõ vencida :
A meíma perdição a reítaurava
E em ir.anía paz eftava,
Que fcrapre na alma me cítara pintado,
Ncfta florida terra,
Leda, treíca, & ferena.
Ledo, & contente para mi viyia:
Em paz com minha guerra,
7«
Cada faum com Teu ccfetrarionum íugeyco * Concenrecom a pena.
Oh grande concerto efte!
Quem íera, que naó julgue, porceleíle,
Acauía, donde vem tamanho cíFeyto,
Que faz num coração,
Que venha o apetite a íer razaõ »
Aqui fenti de amor a mòr fineza,
Comofoy verícntir oiníenfivel,
E o ver a mi de nu meímo perder me,
j^ Em fim íenti negarfe a natureza,
Por onde cri, que tudo era poílivel,
f iVos hndos olhos» feus, fe naõ queierme,
Deípois, que jà íenti dcsfallectrnie.
Em lugar do ícntido, que perdia,
Isíaô icy quem me efcreyra,
Dentro n'atma co âs letras da memoria,
O mais deite proceíTo,
Co claro gefto juntamente impreflb.
Que ioy a caufa de tam longa hiftoria,
be bemadeclarey,
Eu naõ a clcrevo, d'almaatrasladey,
Cançam^ le quem te ler,
Islaó crer dos olhos lindos, o que dizes,
Pello que em fi íe cíconde :
Os leotidos humanos lhe responde,
Kaó pòJcm dos divinos ícr juizes,
Ss naõ de hum penfamento,
Que a falta lupra a fe do encendimento.
C A N C, A M II.
Qtie de tam bellos olhos procedia,
Hum dia no outro dia,
Oeíperar me enganava.
Longo tt rapo palley,
Com a vida folguey,
Só porque em bem tamanho me empregava:
Masque me preftajà,
Que tam fermofos olhos naõ os ha ?
Ohquemme allidiíTera,
Que de amor tam porfundo,
O fim pudelTe ver inda algum hora l
Oh quci/i cuydar pudera,
Que houvcíleabi no mundo,
Apartar me eu de vós, miiiha fenhora.
Para que deíde agora,
Perdcíle asLÍperança,
E o vaõ penfamento,
Desfeyto em hum momento.
Sem me poder ficar mais <iue a lembrança
Qiie íempre citara firme
Até o derradeyrodeípedirme.
Mas a roòr alegria^
Que daqui levar poiio.
Com a qual de fender me trifte eípero,
He, quenunqua fentia,
No tempo, qoe fuy voi^o,
Quererdefme vòs, quanto vos eu quero, f
Porque o tormento fero.
De voíío apartamento.
Naó vos dará tal pena,
parece fala oT^em a auzencia queelle fez Como à que me condena,
deLoimbra ficandolhe nellajua que^
rtda òenhora,
VAõ as ferenas agoas,
Do Mondego defccndo,
Tam manfamentc, que atè o mar naõ pàraÕ,
Por onde minhas magoas,
Pouco a pouco creícendo^
Para nunqua acabar fe começarão,
Alli fe me ajuntarão,
Ncíle lugar ameno,
Aonde agora mouro,
Teíta de neve, & ouro.
Rifo brando, & fuave, olhar fereno.
Hum geft o delicado,
Que mais íencircy voilo fentimento»
Queoquemmhaalma fentt :
Mouraeu, fenhora, & vò:. ficay contente^
Cançam, tueftarás
Aqui acompanhado.
Fites campos &eítas claras agoas»
B por mi ficarás.
Chorando, & íuípirando,
E ao mundo rooUrandp tantas magoas^
Que de tam larga hiftoria,
Minhas lagrimas fiquem por memoria*
CAN:
y§
C A N C, A M III.
limas do Grande Luís de Câmhs:
Efe pela ventura,
Fala oT, Nafaudofa auzenfia àehuaSe^
nhora, que bujcava^ & /emj^re delia je
achava auzente,
SE eftemcu penfamento
Como hedoce,&ruave,
Da alma pudeíTe vir gritando fora,
Moftrandoíeu tormento,
Crucl^ aípero, & grave^
Diante de vósíó^ minha fenhoraj
Pudera íer^ que agora
O voíTo pey to duro^
Tornara manío, & brando,
E eu que fempre ando
FaíTaro folitarioj humilde, obfcuro.
Tornado hum Cifnc puro^
Brando, & fonòro peloar voando,
Com canto manifefto ,
Pintara meu tormento, & voíTo gtfto,
Pintáraos olhos bellos.
Que trazem nas mininas
Ominino, que os íeus nelle cegou:
E os dourados cabellos,
Em tranças de ouro fino5,
A quem o Sol íeus rayos abayxou :
A tefta, que ordenou
Natura tam fermofa,
O bem proporcionado
Nariz lindo^ afilado^
Que cada parte tem da freíca rofa/
A boca graciofa,
Que querella louvar he efcufado,
Emfim hehum theíouro,
Pérolas dentes, & palavras curo,
Viraíeclaramente,
O dama delicada,
Que em vós fe címerou mais a natureza^
B eu de gente» em gente
Trouxera trasladada
Em meu tormento voíTa gcntilczai
Somente a afpereza
Devoííacondiçaõj
Senhora, naò diíTera,
Porque lenaó foubcra
Qiiecm vòs podia haver algum fenaÕ :
E fe alguém com razaó,
Porque morres, diíTeíTe^ refponderaj
JMouro, porque he tam bella,
(^einda naõ fou para morrer por clla.^
Daraa^ vos offendefle
Eícrcvendo de vòs,o que naõ fcnto ?
E voíTa formol ura
Tanto aterra defceflCj
Que a alcançalTe humilde entendimentOi
Seria o fundamento
Daquillo, quecantaflc^
Todo de puro amor
Porque voíTo louvor
Em figura de magoas fe moftraíTe j
Eondelejulgaííe
A caufa pelo cffeyto, minha dor
Diria allijfemmcdo,
Quem me fentir vera, de quem procedo^
Entaóamoílrana,
Os olhos íaudoíos,
E o fufpirar, que traz a alma coufigo):
A fingida alegria,
Os paflos vág .rolos,
O failar, & eíquecerme do que digo,
Hum pelejar comigo , - ^,
Elogodifculparme
Hum recear ouíando,
Andar meu bem bufcanc^,
E de poder achallo acovardarmc^
Em fim avcriguarme,
Que o fim de tudo quanto eftou fallando^
Saõ lagrimas, & amores,
Sa6 voíTas izençôes^ & minhas dores*
Mas quem terá, fen hora,
Palavras, com que iguale
Com voífa fermoíura minha pena^
Que em doce voz de fora
Aquella gloria fallc.
Que dentro na minh'alma amor ordena,
Naõ pôde tam pequena
Força de engenho humano.
Com carga tam peíada,
Senaóíor ajudada,
De hú piedofo olhar, de hum doccenganò;
Que fazendome o dano
Taõ deleytofo, & a dor taõ moderada.
Em fim íe converteíTe
Nos goftos dos louvores, que efcreveíTe."
Cançam, naõ digas mais, & íe teus verfos
A a pena vem pequenos,
Naõ queyráo de ti mais, que dirás menos.
CAN-
C A N C, A M IV.
Toma oT.apennãyOufeja de efcreverjouâe
fenttr o dtsfavor dal^ama que
pertendia.
TOmeyatriftepena,
Jadedefefperado,
De vos lembrar as muycas,que padeço,
Vendo, que me condena
A ficar cu culpado,
O mal, que me tratais, & o que eu mereçOj
Confeflo, que conheço,
Que em parte a cauía dey
Ao mal, em que me vejo.
Pois íempre meu defejo, J,
A tara largas piomeíías eutreguey :
Mas naó tive lufpeyta.
Que leguiíTeis tençaó tam imperfeyta.
Se em voíToefquecimento,
Tam condenado eítou.
Como os Unais demolirão, que moftrais,
Vivo nefte tormento^
Lembranças maisnaõ dou.
Que as que de efta razaó tomar queyrais:
Olhay que me tratais,
Aflidedia,emdia,
Com voflas eíquivanças,
EasvoíTas eíperanças.
De que vanmenteeu já me enriquecia,
Renovaõa memoria,
Pois com tella de vòs íó tenho gloria.
E fe ifto conhecefleis
Ser a verdade pura.
Mais que de Arábia o ouro reluzente,
Inda que naó quiíeííeis,
A condição taõ dura.
Mudareis noutra muyto differente 5
E eu como innocente^
Que eítou em efte caio,
Ifto em as mãos pufera»
De quem fentença, dera,^
Que ficafíe o direyto jufto, & razo,
Quando naó receara,
Que a vòs por mi, & a mi por vós matara.
Em vosefcrita vi
Vofia grande dureza,
E na alma eícrita eftá, que de vós vive j
Naõ que acabaíTc alli
Sua grande firmeza
O trille defeogano, que entaó tive j
11. Part.
Rimas do Grande Luis de Camões^
Porque antes que a dor prive
De todo meus fentidos,
Ao grande tormento
Acode o entendimento.
Com dous fortes Toldados^ guarnecidos
De rica pedraria.
Que ficaõíendo minha luz, &guia.
Deites acompanhado,
Eftou pofto fem medo
A tudo, o que o faltai deftino ordene,
Pòdeíec quecaníado^
Ou feja tarde, ou cedo.
Com pena de penarme me defpenc?
E quando me condene
(Que ifto he que mais efpero)
Inda a mayores dores.
Perdidos os temores^
Por mais, que venha^naó dírey naó quero:
Com tudo eftou taõ forte,
Que nem raudarme pôde a meíma morte,
Cançam, le já naõ queres
Ver tanta crueldade,
Là vay onde veras minha verdade.
75
C A N C, A M V.
T>efcreve oT,o crepufculo da manhãal
JA a roxa manhãa clara,
Do Oriente as portas vinha abrindo^ *
Dos montes dcícubrindo
A negra efcuridaó da luz avara :
O Sol, que nunqua para,
De íua alegre vifta faudoío,
TrasellapreíTuroío,
Nos cavallos caníados do trabalho,
QiJe refpiraõ nas ervas freíco orvalho.
Se cftcnde claro, alegre, & luminoío:
Os paíTaros voando.
De raminho, era raminho, vão faltando,
E com fuavej & doce melodia,
O claro dia eftaó manifeftando.
A manhãa bella^ & amena.
Seu rofto defcubrindo, a efpeíTura
Se cobre de verdura,
Clara, fuave, angélica, ferena;
Ohdeleytofapena !
Oh eífeytode amor, altOj & potente »
Que permite, & coníentCj
Qiic onde quer, que me ache, & onde e/leja,
Serapreo bcrafím veja.
Por quem de viver trifte fou contente ;
K " Mas
IA'
jVlastu AurorgpufSi,
De tanto bem dágraças â ventura,
Foisafoy póreni ti taó excellente,
Que repreícntes tanta fermofura^
A luz fuave, & leda,
A meus olhos me moftra, por quem mouro^
E nos cabeUosdeoufo,
Naò iguala os que vi, mas arremeda j
Efta he a luz, que arreda,
A negra elcuridâó do íentimento^
Ao doce peníamento :
O orvalho das flores delicadas,
Saõ nos meus olhos lagrimas canfadas.
Que eu choro co prazer de meu tormento:
Os palTaros, que captaÕ,
Meus elpiritos íaõ, que a voz levantaó,
Manifeít?.ndo o gefto peregrino,
Com taõ divino fom, que o mundo erpâraó,
Afii como acontece,
A quem a cara vida eftà perdendo,
Qiie cm quanto vay morrendo,
Algúa vilaõ íanta lhe aparece :
i\ mi, cm quem fallece
A vida, que fois vòs^ minha fcnhoraj
A eíla alma, que eir» vós mora
(Em quanto da prifaó íeeftà apartando}
Vos eílais juntamente sprefentando.
Em forma da fernicía, òi roxa Auiora >
Oh ditoía partida i
Oh gloria foberana^ alta, & fuhida !
Se mo naô impedir o meu dcíejo,
Torque o que vejo em fim, me torna a vida,
porém a natureza,
Que neíla vifta pura íe mantinha,
Jvle falta taõ ah Ilha,
Quaõ alinha o Sol falta á redondeza ;
Stí ouvirdes, que he fraqueza,
Morrer em taõ penoío,& trifteeftàdo.
Amor (erà culpado,
Ou vòs,oadeelle vive taõ izento,
Que cauíaftes taó largo apartamento.
Porque perdeíle a vida co cuydado >
Que fe viver naó poflo.
Homem formado fou de carne^ & oíío,
Efta vida, que perco» amor ma deo.
Que naô íou meu^fe morro, o dano hc vofTo;,
Cançam de Cifne, fe]f ta em hora eftrema,
K a dura pedra fria
Da memoria, te deyxo em companhia
Do letreyro de minha fepultura,
Que a fombra efcura jà me impede o dia.
Blpias do Grande Luís di CamÕesl
C A N C, A M
VI.
Comtempla oT,em hum extaze afermojííra
4e huma l^ama^ quedezeja^
FErmofa, & gentil dama, quando vejo
A tefta d*ouro, & neve^ o lindo afpey to,
A boca gracioía, o rifo honeítoi
O colo de criftaí, o branco peyto,
De meu naõ quero mais, que meu defejo.
Nem mais de vós^ que ver tam lindo gello
Allí memanifeíto
Por vollba Deos,fí ao miídoi ailí ra'ínflamo
Nas lagrimas, que choro,
E de mi, que vos amo,
Em ver^que foube amarvo<;, me namoro:
E fico por mi fo perdido de artf,
Qiie ey ciumej de mi por vofTa parte.
Se porventura vivo defconrente.
Por fraqueza de eípirito padecendo
A doce pena, que entender naõ íey >
Fujo de nii, & acolhcme correndo
A voíla vifta, & fico taõ contente,
Que zombo dos tormentos, que paíTey,
De quem mequeyxarey^
Se vós me dais a vida defte geyto.
Nos maleSj que padeço,
Senaõdemcu logeyto^
Que nâõ cabe com bem detanto preço ?
Mas inda iíTo de mi cuydar naõ poíTo,
Deeftar muyto foberbo com fer voffo.
Sc por algum acerto amor vos erra,
por parte do dcíejo cometendo
Algum nefandoj & torpe defatino :
Seainda mais, que verem fim pretendo.
Fraquezas faó do corpo, que he da terra,
Mas naõ do pcnfamento, que hc divino :
Se taõalto imagino.
Que de vifta me perco, ou pecco niA^,
Deículpame o que vejo.
Porque fe cm fim refifto^
Contra taõ atrevido, & vaó defejo,
Façome forte em voífa vifta pura,
E armome de voíía fermofura..
Das delicadas fobrancelhas pretas
Os arcos, com que tira, amor tomou,
E fez a linda corda dos cabellos:
E porque devòstudo lhe quadrou.
Dos rayos defles olhos fez as fetas.
Com que fere, quem alça os íeus a vcUos,
Olhos, que faô iam bcUos,
Daõ
Rimas do Grande
Dao armas de ventagem ao amor^
Com que as almas deílruc >
Porém fe lie grande a dori
Com a alteza do mal a reftitue,
E as armas, com que mata íaô de forccj
Que ainda ihe ficais de vendo a morte.
LagrimaStÔc íufpiros» peníamencos»
Quem delles fe queyxari fermoía dama^
Mimoíoeftàdomal, queporvos ícnte:
Que mayorbem defeja, qutm vos ama.
Que eítar deíabafando f.us tormentos,
Chorando, & imagmando docemente P
Quem vive defconcente,
]SJaõ hade dar alivio a ft.udergoílO|
Porque fe lhe agradeça :
Mas com alegre rofto.
Solta feus males, para qusos mereça :
Que quem do malíequeyxa^ que padece,
Falio, porque efta gloria, naô conhece.
V>c modo, que le cac o penfamento,
Em aigúa fraqueza de contente,
He porque elte fegredo n^õ conheço ;
Alli que com razões, naõ taõ fòrncnte
Defcuipo ao amor de meu tor nento,
Mas inda a culpa fua lhe agradeço;
For efta fé mereço,
Agraça, que elFes olhos acompanha,
O bem do doce riío ;
Ma^ porém naó fe ganha.
Com hum paraiío, outro paraifo>
E aíli de enleada a eíperança.
Se fatisfaz co bem, que naó alcança.
Se com razoes efcuío meu remédio»
Sabe cançam, que he porque naó vejo>
EngiQO com palavras o defcjo.
mico
C A N C, A M VIL
i^quife lamenta o T^, de&euganado do pi
fruto j que tira dos feus defvellos,
AInftabilidadc da Fortuna,
Os enganos fuaves de amor cego,
(Suaves fe duràraõ longamente
Direy, por dar á vida algum íoíTcgo :
Que pois a grave pena me importuna,
Importune meu canto a toda a gente,
E fe o paífado bem co mal prefente,
Mc endurecer a voz no peyto frio,
O grande defvario,
Dará da minha pena final certo,
Que hum erro cm tantos erros he concerto :
^ 11. Fart^
Luh de CamSesl
E pois ncfta verdade me confio
(Se verdade íe achar no mal» que digo}
Sayba o mundo de amor o defconcerto.
Que jà com a razão íe fez amigo,
Sò por naõ deyxar culpa íem caftigo,
Jà amor fez leys, fem ter comigo algúa^"
Jà fe tornou de cego arrazoado.
Só por ufar comigo fem razões^
Efe em alguacoufa o tenho errado.
Com fifo grande dor naó vi nenhúaj
Nem t^lle deo íem erros afFeyçôes,
Mas por ular de luas izençôes,
Bufcou fingidas caufas por matarme,'
Que paraderrubarme
Em o abiímo infernal de meu tormento,'
Naó foy foberbo nunca o penfamento.
Nem pertende mais alto leyantarme
Daquillo, queelíequiz, & ícelleordenaj
Que eu pague íeu oufado atrevimento,
S y ba^ que o mcfmo amor, que me coadena^
Mc fez cahirna culpa, & mais na pena.
Os olhos, quecuadoro^aquclledia^
Quí defcèraõ ao bayxo peníamenco^
N'almaosapofentey fuavemente;
E pertendendo mais^ como avarento^
O coração lhe dey por iguana,
Que a meu mandado tinlia obediente;
Forem como ante fi lhe foy prefente,
Que entenderão o fim de meu deíejo,'
Ou por outro dcípejo.
Que a lingoa deícubrio por deívario.
De fede morto eftou poito num rio.
Onde de meu ferviço o fruyto' vejo,
Mií logo íe alça^ fe a (.olhcllo venho>
E fogemea agoa, fc beber porfio,
Afli, queem fome, & íede me mantenho,'
NaõtemTantaloapena^queeulollenho.'
Dcfpois q aquella,cm qué minh*alma viyç
Quiz alcançar o bayxo atrevimento,
Debayxodeílc engano a alcanccy :
A nuvem do contino peníamentOi
Ma afigurou nos braços, & aíTi tivc^
Sonhando, o que acordado defejcy,
E porque a meu dcfejo megabey.
De alcançêr hum bem de tanto prcço^
Além do que padeço.
Atado em huma roda eftou penando.
Que era mil mudanças me anda rodeandoj^
Onde fca algum bem íubo, logodeço>
E alU ganho, «Sc perco a coníiança :
E adi de mi fugindo, trás mi ando,
E aíTi me cem atado huma vingança.
S^ Rimas doGrãnd€
omoixiami tam firme na mudança*
Quando a vifta fuave, & inhumana,
Meu humano defejo de atrevido^
CometcOj Icm (aber, o que fazía^
Que de íua fermoíura foy nafcido.
O ccgo.moço, que coa leta infana^
O peccado vingou defta ouíadia :
K a fora efte mal^ que eu merecia,
Me deo outra mancyra^cíormsnto,
Que nunca o penlamentOj
Que lempre voa de huma a outra parte^
Deftasentrarihastriiks bem íe farte,
Imaginando^ como o famulcnto.
Que come mais, & a fome vay crefcendo^
Forque de atormcntarme naò fe aparte,
Aíli que para a pena eftou vi vendo j
Sou outro noyo Ticio, & naõ me entendo.
De vontades alheas^ que cu roubava,
E que enganoíamente recolhia.
Em meu fingido peyto me mai|finha
De maneyra o engano lhe fingia,
Que deípois que a meu mando as fugigava.
Com amor as matava, que eu naõ tinha,
Porém logoocaliigo, que convinha,
O vingativo amor mefczíentir,
Fazendomefubir
Ao mante de afpereza, que em vos vejo,
Co pcíado penedo do deíejo.
Que do cume do bem me vay cahir.
Torno a íubiloao deftjádoaííento.
Torna a cahirme, em balde em fim pelejo,
bifitoí naõ te efpantes defte alentOj
Qiíe as coíias o íubido fufrimenio,
Dcfta arte o fummo bem fe me offerecc
Aofamint;o defejo, porque finta*
A perda de^erdello mais penoíã,
Como o avaro, a quem o fonho pinta,
Achar tbcíouro gjTande, onde enriquece,
E tarta fua íede cubii^ola 5
E acordando com funa prefurofa,
Vay cavar o lugar, onde fonhava :
>lss tudo, o que buícava.
Lhe converte em carvaó a defvcntura,
AUi (ua cobiça mais fe apura,
Por lhe faltar aquillo, que efperava j
Defta arte amor me faz perder o fifo,
Porque aquelles, qoeeftaõ na noytecrcura^
Nwnqua íentitaõ tanto o trifte abíío ,
Se ignorarem o bem do paraifo.
Cançam,naõ m3is,que |à naõ fey, q digOi
Mas porque a dor me íeja menos forte,
JPigaopregaóa cauía deftamoitc.
0-*.
luuts àe Camêes,
C A N C, A M VIII.
Mais que àe nenhuma melhor flor fe agrada,
aqui o T, de humaformozura , que
extíggera.
N Em roxa flor de Abril,
Pintor do campoameno,6c da verdura
Colhida entre outras mil
Foy nunca âílí agradável à donzella
Cortez, alegre, 6í bella.
De lua máp cuydado,& gloria pura,!
Como a mffoy a inculta fermoíura
]Síatur:lj<Jiie pudera
A Saturno render na fua esfera.
Natural fonte agreAe,
Naô lavrada de artífice cxcellentej;
Nem por arte cclefte
Derivada deruftico penedo,
Naó fez jà mais taò ledo
Cançado caçador por féftaardenfci
Quanto o cuydado amime faz contente
De vertaó defcuydado,
Que faz íereno a j u pi ter irado'.
Fruyta^ que íem concerto
Naturalmente em ramos íe pendura^
Achada por acerto,
A quem pintada a vè de íangue, 6c Itrytej
Naõ Ihedaraodcleyte,
Que efía graça me dà fem compoíluraj.
Ornamento da nticfma fermoíura,
E o toucado íem arte.
Que torna rà Paílor ao bravo Marte,
A menhâa gracíofa.
Que derramando fae dentre os cabellos
A Flor, o Lyrio, a Kofa,
Sem aj udá de ornato, ou de artificio^
Não faz obeneficiot
Que faz a luz de voíTos olhos bsUos
A quem os vé taó puros, %í fing-Uos,
E efle innocente rifo,
Por quem A pollo o Tejo torna Amphryfoj
Outeyros coroados
Das arvores^ que fazem a eípcíTura
Com os ramos copados.
Alegre, que mão deftra os não cultivaj
Graça taó cxceíTiva
Naô tem na fua natural verdura, ^
Qiianta na defines olhos clara, & pura
Depofita a efperança.
Com q Amor gofto, a miy tormento alcãç^»
.Dos
Rimas io Grande Lms de Camôeíl 77
Vemos, que o próprio Eícòpas nSo fizera ;
Em ti CO a paz interna
Tem o íaoto Prazer morada eterna.
Os jardins da famoía
Babel tâõ nomeados.
Por maravilha o mundo naõ levante,
Inda quecom gloriofa
Voz, queeftâó pendurados
Do inltavclar a Fama antiga cante?
Nem haja quem íccípante
Dus famoíos de Alcino,
Nem as mais doutas penas
Cancem os de Mecenas,
CJulcor de codo engenho peregrino,
JMas onde quer que voe.
De ti lo Ulica Fama, & te pregoe.
Que fé era antigamente
De pomoidcourobcllos
% /¥talluz (òCançam,queoufaílc vclla) Ojardim das Heípcridas ornado,
**'' ■' '» ' K a pelar da íerpente.
Que os guardou íb colhcllo»
Pode ofamoío Alcides de esforçado 5
l'u ntaisavantcjado,
JVlollras a huma alma caíl<l
Seguir o que dezeja,
F ugir da rorpc inveja
Encarece oT,o oineno , & agradável de hum [Fomos de ouro, que o tempo nâo cõiraíla 1
Dos ílrrjples paíTarinhos
A muíicaíem arte concertada,
De entre os verdes raminhos
Taó íçíave naó he, taó dcleytoía»
A quem na felva umbrofa
Com iíjente,ouvindoaeftà toda elevada,
Qiianto a mim ella falia uoce agrada,
to natural avifo,
Qtie roubaó a Mercúrio cetro, & fiío.
De frcícos nos agoa.
Que clara entre ar voredos fe deriva»
Camdodealta fragoa,
Efmaltando de pérolas no prado
O vtffde delicado.
Com brando foni aos olhos fugitiva,
NãO nos alegra quanto agraçaclquiva
De efla luz íoberana.
Que faz corcez a ruílica Diana.
Aftal luz (ò Cançam,queoufaílc vclla)
""Ven jo elhs yx pollrado
l3aturno criíte, Júpiter irado^
Bravo Marte, áureo ApoUo, Vcnus bella,
L Mercúrio, & Dian^, & coda EltrcUa.
C A N C, A M IX.
jioridoJêfruEimzo tomar.
OPonr^ar venturoío.
Onde com a naturezi
A lubcil artjtemdemanJiincerC*
Qjciem fitio taó fcraioío
A mayor lubcileza
De ç.n^<ín''\o^ em ti nos moílra defcuberta !
N''^aha;n jui/o acerca
Decepo, 6c di enleva -Jo,
Si tem em ti mais pire j
A lutureza, ou a arte ^
Se terra, ou Geo de ci tem mais cuydado.
Poisam feliz terreno
Gozas de hum ar mais puro, 8c mais íereno,
De teu fermofo pefo
Se moílrj o monte ledo,
EocauJcloíoZ^zereteeílraoín,
porque olhas com defprefo
Seucnllal purD, Si quedo,
Que com Pêra os teus pès rodea, & banha.
Em ti pintura ellranhí,
A que Apelles cedera^
tnigmas intricados,
k nutcos aoimad jsy
fem íim c6 a charidade,
Vencer o l.íferno, abrira Cternídâdei
For tanto da ventura,
Paratiiefervada,
Te dcyxa o Ceo gozar perpetuamente.
Porque lejâs figura
Da gloria avantcjada
Ddie meímo, <k que cm fi fc reprefenre;
Forque em quanto íuílcntc
O Ceo, o Mar, & a Terra
Seuifcytos milagrofov
Myílerios mais gloriofos^
Com que a morte das almas nos deftcrra^ ,
For onde em noíías almas
Cò mais pompas triunfa, & cõ mais paliiias*
Go^a pois longamente
Teu venturofo Fado,
Da mãy do teu Authorbem poíTuido,
Que em ti íempre contente
Dt^leu lublimeeihdo
A alma dos feus alegra, & orCQtidc,
Cada qual preterido
Nas grandes qualidades
Ao lábio Neftor fcja.
pMia queoxnufldo os vej*
Rhms do Grande Luh de Camtesl
Exceder as longuilllmas idades^
E com a longa vida
Seja íua memoria ennobrecida»
Cançaruj pois mais famofa
por ti naó podem íer
Defte monte as eílancias deleytofas,
Bem pôde faccedcr,
Que aquellc que os teus números governa
Por querclias cantar te faça eterna.
C A N C, A M X,
Moflra oT. que mais lhe enjinou a experien'
cia de a}nar que nenhuma Ftlojofia^ ou
S iene ta de Athenas^
QUem com folido intento
Os íegredos bufcar da natureza>
Quanto de Athenas preza^
Entregue ao mar irado, ao leve vento j
Em forjar meu tormento
jNovaPhilolofia
De experiências fcyta Amormeenfina,
Das leys do antigo tempo bem declina,
Que Amor^ & a natureza em mim varia.
Donde eícolas de íabios nunca vio
Em natural íogeytõ,
Quanto Amor em meu pey to deícobrio.'
As^aves no ar fereno,
O gado de Prothco nas agoas pace,
Vive o homem, & nace
1^ efíe mundo^ qual mundo mais pequeno j
Eu tudo defordeno
Em todos dividido.
Na boca o ar, na terra o entendimento *
Dame clTe Amor,dameeftaopenrâmento,
O coração no fogo he confumido ;
JMas a agoa, que dos olhos lempre defce
Tem effey to taô vario.
Em vaõ fe confidera
Que hum íemelhanteaoutro bufca^ & ama^
Equefoge,&defama
Todo me rtal a morte efquiva^ & feraj,
Seja huma linda fera ,
Que cfconde em vifta humana
Coração de diamante , & pey to de açoí
De meu Tangue faminta^&fatisfaço
Com cruel morte a lededeshumana:
Afli que fendo em tudo differentc
Corro apoz minha forte,
E íe me entrego á morte eftou contente^
Cae em mayor dtífeyto
Quem cuyda íer íciencia clara, Sccerta^k
Que a cauía deícuberta
Sempre produz afTi conforme o efíeyto ^
Rtndeomc hum lindo objeito,
Qiie fendo neve pura
Vivo me abraía^ & o fogo interno avjva |
Que efta fermola fera fugitiva.
Com fer neve de fogo le aflegura :
Donde infiro porcerto(&ccfleafamâ
Vâa,mentiroía,& leye)
Que não desfaz a neve ardente chatna^
Bem no effey to /c fente
Ceifar, ceifando a cauía donde pende j
Que o fogo mais fe acende^ *
Eftando à yiíía donde mai$ auícntei
Mas na alma vivamente
A trazem dibuxada,
De noyte Amor de dia o penfamêtoj
E quando Apollodeyxaoclaroaífento,
Por entre fombras vejo a Nimpha amada*
Poisrefem luz Amor os olhos ceva.
Cego, fe naõ concede, ^
Que em nada Amor impede a efcuratreya,
Erra quem atrevido
Pregoa fcr mayor que aparte o todo ;
Amor me tem de modo,
Que cm hum humor contrario© fogocrefcc. Que eftou numa alma minha convertido \
Da vifta Amor íohia
Abrir ao cora^aó fcgura enixada 5
Ley he jà profanada.
Que quando a l uz de huns olhos me feria,
Aroarôdo o que naõ via.
Qual de efcopeta o lume,
Primeyro o querer vi, que a cauía viíTe^
Quem o defejocom a efperança uniífe
Derta gloria ha nacido
O temor de perdei la,
E poftoque o rcceoa muytos finge
Lana imaginação Chy mera, & Esfinge^
De mal futuro, que urde imiga eítrtUa,
Vejo em mim, por incógnito fcgfcdo.
Quando eftou mais contente.
Que íó do bem preíente nafce o medo, ,
Temíc por manifefto
Cego iria apoz ccgo^ & vilcoftume.
Que eu defta alma das ley es do mundo izcto, Parecer fe ao fogeyto o accidentc^
]V]orta a efperança vejo, Mas inda em mim fe fente
Uode íèmpre o deíejo íc fuftentag O peníamcnto, a cor, o riío, o gefto;
Da
Rimas ào GundeLuis de Camoesl 79
De eíTe cândido pé, que a neve efpanta
Pôde íer que na flor mudado fora,
Que deu a luno irada a linda Flora :
Mas onde te acolheAc(ó doce vida)
Mais leve, & prefuroía.
Do que na íelva umbrofa,
Cerva de aguda fetta vay ferida ?
Se para tal partida
Meus olhos vos abriftes,
Cerraravoso fomno eternamentei
Antes que vervos triftcs,
Perdendo taó íuave, & doce engano i
Agora, cora meu dano,
t^qm defcreve o T. a f ermo/ura de húa jD4- Vedes, para mòr magoa, claramente,
ma naô vtjia /enaõem/onhos, Neíle bem fugitivo^ & fomno leve,
Qiie mal naõ ha mais logo, q hú bé breve?
QUeheiílo?fonho?ouvejo a Ninfa pu- DitoíoEndimião, qus a Deofa cara,
Que fempre na alma vejo ! (ra, Que a noyte vay guiando,
Ou mcpmtao defcjo Teve em braços lonhando?
Ubem,queem vão cada hora me aífegura? Ah, quem de fonho tal nunca acordara t
Mal pôde a noyte efcura Tu íó, Aurora avara.
Amando a fombra fria, Quando os olhos ferifte,
Mandarnaecmfonho aluzfcri3oofa,&bella. Me mataíte, cruel, de inveja pura;
Da vida jà perdido
Nefte tormento meu faõ duro, & crquiva»
E íendo morto já vive o íentído,
Porque fente que na alma delpedida,
Pode em meu mal unirfe
O ficar, 6c o partirfe, a morte, & a vida.
Deitas razões^ cançam, infiro^ & creo^
Que ou fe mudou em tudo a forma uíada
Da natural firmeza.
Ou cenho a natureza em mi mudada.
C A N C, A M XI.
Que fcnaõ torne em dia
De feus luzentes rayos inflamada.
O viftadeíejada
Degracioía Nimpha, & vivaeftrella!
Que ha tanto que por efte mar navegOj
(Sem ver meu claro Polo_) efcuro, & cego.
Nefles fermoíos olhos de enlevado
Minha alma Iccfcondeo,
Quando ordenava o Ceo,
Qu: viveíTe comigo deílerrado.
V òs a mais certa eílrada
De ver a Summa Alteza,
Do eíFey to a cauía abris a efta alma minha,
Aíli mortal belleza
Sò delia naíce,& delia íerefume,
Aíliceleftclume
Là dos Ceosle deriva, & là caminha,
Pots Como a Deos unirme a viíta polía,
porque a negaes, meu Sol, a etta alma voíTa J^*' Cercadas de fy Iveltres arvoredos,
Sc me quereis prender a parte a parte Retumbando por afperos penedos,
Cabel lo ondado, & louro, Correm pcrenncs agoas dcley toías :
Teceyraearedcde ouro, Na nbeyra de Buina,afli chamada.
Em que prédeo Vulcano a Cy pria,& Marte, Celebrada,
Dei que com gentil arte Porque em prados
Veftis de flores bellas Efmalrados
A terra, em que tocaes com abella planta, Com frefcura
Quantas vezes com vellas, De verdura,
Quiz numas deíTas flores rtanformarme? AíTifemoítia amena,aíngracíoraí
Porque vendo pifarme Que excede a qualquer outra mais fermofí J
Mas fe defta alma tníle
A negra cfcuridaõ vencer quizeíle^
Sabe, que em vão nalctft^e.
Que para deífazcríea névoa efcura
De meus olhos, importa eftar preíeote
Outro Sol, outra Aurora, outro Oriente.
Se a luz de meu Planeta
Naõ meaviva,Cançamj branda, & quietij
Qual flordechuva cm breve coníumida
Vcràs desfeyta em lagrimas a vida.
C A N C, A M XII.
Louva o ^. a frefcura de huma Ribeyra que
corre ^entre os rochedos de Buhia, que laã^
f abemos aonde he,
"P) Or meyo de humas ferras muy fragoías.
§ô Rhnas do Grande
As correntes fe veni) queaceleradas.
As aves regalando, & as boninas.
Se vaó a€ntrarnas agoas Neptuninas,
Por diverías ribeyras derivadas :
Com mil brancas conchinhas a áurea arca.
Bem íe arrca,
VoaóâveSv
Mil íuayes
Palia ri nh os
Nos raminhos
Acordememente eílão fempre cantando
Com doce accento os ares abrandando.
O doce Royxinol num ramo canta,
E do outro o Pintaíirgo lhe reípondc,
A Perdiz^ de entre a mata, em q íe eíconde,
O caçador íentindo,fe levanta :
Voando vay ligeyra mais que o vento,
Outro aíTenco
Vay bufcandoj
Porém quando
Vay tugindo
Retinmdo,
Trás ella mais veloz a íetta corre.
De que ferida logo cae, & morre.
Aqui Frognc de hú ramo em outro ramo,
Comopeyto eufanguentado ^ndavoandoí
Cibato para o ninho anda buícando,
A leda Codorniz vem ao reclamo
Do (agaz caçador» que a rede eílendej
E pretende
Coo) engano
Fazer dano
Aa coytada, a-:i ^.2 £i'pií5-^ -
Que enganada .
Pe huns efparzidos grãos do louro trigo,
Nas mãos vay a cair de feu imigo.
Aqui íoa a Calhandra na parreyra,
A Rola geme, paira o Eltorninho,
Sae a cândida Pomba de íeu ninho,
OTordopouíaemcimadaoliyeyra:
Vaõ as doces a belhas íuíTurrando,
E apanhando
O rocio
Freíco, & frio.
Por o prado
De erva ornado,
Com que o bravo licor fazem, que deu
A a humana gentca induftria de Arifteu,
Aqui as uvas luzidas penduradas
Das pampinoías vides refplandecem.
As ffodifcras arvores leofrecemi
Com diffcrcnces fruyios carregadas :
ZjuU ãe Câmôif,
Os pey xes na agoa clara andáo faltando^
Levantando
As pedrinhas,
E as conchinhas
Rubicundas,
Queasjocundas
Ondas configo trazem, crepitando
Porá praya alva com ruido brando.
Aqui por entre as íelvas íelevantaó
Animaes calidonios, & os Veados
Na fugida ioda malaílegurados.
Porque do fom dos próprios pès íc efpantaõ:
Sae o Coelho^a Lebre íac manhoía.
Da frondofa
Breve mata.
Donde a cata
Caõ lígcyro,
iMas primeyro.
Que ella ao contrario fervido íe entregue,
A vezes deyxa em branco a quem a fegue.
Luzem as brancas^ & purpúreas flores.
Com que o brando Favonio aterra cfmalca,
Ofcrmofo lazintoalli naõ falta,
Lembrado dos antigos ícus amores :
Inda na flor íc moftraó eículpidos
Os gemidos.
Aqui Flora
Sempre mora,
Ecom Roías
Mais fermofas^
Com lirios, & boninas mil fragrantes
Alegra os íeus amores inconílantes.
Aqui Narciío em liquido criftal
Se namora de fua fermolura,
Nelle os pendentes ramos da efpeíTura^
Dibuxandofecítaõao natural,
Adónis, com que a linda Cy therea
Sc rccrea.
Bem florido.
Convertido
Na bonina.
Que Ericína
Por imagem deyxou de qual feria
Aquelle, por quem cila fe perdia^
Lugar alegre, freíco, acomodado.
Para fedeleytar qualquer amante,
A quem com fua ponta penetrante
O cego Amor tivefle derribado :
£ para memorar ao íom das agoas
Suas magoas
A moroías,
As chey roías
Fio-
1
Rimai do Grande
Flores vendo,
Eícolhendo,
Fará fazer preciofas mil capellas,
E dar por graó penhor a NymphasbellacI
Eudtll 'i)por penhor de rneiis araores,
Huma capella a a mioha Dcofa dava:
Que lhe queria bem, bera lhe moftrava
u bem me queres entre tantas flores :
Porè'!! como íc tora mal me queres,
Os podtrcs K
Da crueldade
14 a beldade
Bem moftrou ;
Derprezou )fiin«Ê»
A dadiva de florcs; oaõ por minha,
Mas porque muytas mais ellaem fitinha.
C A N C, A M XIII.
Conta o T. em Goa as defgra^ as que Ihefnc*
cederão na /h'ahta Feliz Jecca^ à-iiubi'
ta vel vindo do mar Roxo,
I Unto de hum feco^duro, efteril monte,
Inútil, & dcípido, calvo, & informe^
Da natureza em tudo aborrecido j
Onde nem ave voa, ou fera dorme,
Kcm correclaro rio, ou ferve fome,
Nem verde ramo faz doce ruídoj
Cujo nome,do vulgo introduzido,
He feliz,por antiphrafi infelice •,
O qual a natureza
Situou junto a a parte
Adondc hum braço de alro mar reparte
A Abadiada Arábica afpereza,
Em q fundada jàfoy Berenice,
Ficando a a parte donde
O Sol, que nclla ferve, felhe cfconde.'
O cabo íe dcícobre, com que a cofta
Africana» que do Aufiro vem correndo,
LimittifáZi Aromata chamado :
Aromata outro tempo, que volvendo
A rodada ruía língua malcompoíla
Dos próprios, outro nome lhe tem dado.
Aqui, no mar, que quer aprefurado
Entrar por a garganta dcfte braço.
Me troidxe hum ctmpo,& teve.
Minha iera ventur.i.
Aqui neíia remota, afpcrajSc dura
Parte do mundo, quizqueavida breve
Também de fi dey xaile hum breve elpaço;
porque íicafTe a vida
11, f art.
Luís de Camoesl g-f
Poro mundo em pedaços repartida.
Aqui me achey gaitando huns tnílcsdiaj,
Triftcs, forçados, maos^ & íolitanos.
De trabalho^ de dor, & de ira cheos ;
Nm tendo,naó,lòmente por contrários
A vida, o Sol ardente^ as a^oas frias.
Os ares groílos, fervidos, & feos.
Mas osm^us peníament'.s,queíaõmeyos
Para enganar a propila n. tureza.
Também vi contra ni:j
Trazendpmc 3 memor ia
Algun.a jàpaíTada, &c brevegloria
Queeujà nomunclo vi quando vívij
Porme dobrar dos males a afperczaj í3
Por moftrarme que havia
No mundo muytas horas de alegria.
Aqui eftive eu com eft s penfamenfos
Gaftãdo tempOi & vidajos quaes taò alto^
Me fubiaõ nas azas, que cahía
(O, vede íe feria leve o falto \^
De fonhados, & YáosconceDtamenitoSr.
Em defefperaçaõ de ver hum dia,
O fmaginar,aqui fe convertia i."
E em provifos choros, & em fufpiros -
Qiie rompiaõ os ares.
Aqui a alma cativa
Chagada toda eftava em carne viva.
De dores rodeada^ & de pefaresj
Delamparada^ & deícubcrta aos tiros
Da foberba Fortuna }
Soberba^ inexorável, & importunar
Nam tinha parte donde íe deytníTe,
Nemefperança alguma, onde a cabíça -
Hum pouco rcclinaíTe, por defcanlo :
Tudodor Ihcera^&csuía que padeça,
Masque pereça naó; porque paíTafie
O que quiz o deftino nunca manío.
O! que eftc irado mar gemendo amanfoj
Efles ventos da voz inípoi tunados
Parece que feenfrcaõ:
Somente o Ceo levero,
As eftrellas, & o Fado fempre fero.
Com meu perpetuo dano fe lecreaô:
Moftrandofe potentes, & indignados
Contra hum corpo terreno.
Bicho da terra vil, & tam peqi cno.
Se de tantos trabalhos (ó tiraíTe
Saber inda por certo que algum hora
Lembrava a huns claros oihos quejà vij ^
Efe cila triíle voz rompendo fora, /
Asorelhai, angélicas tocaíle ^
De aquclla cm cuja virta jà vivij
fi Rimas (Í9 Grande Lms dé CimSésl
A qual tdrn^tfo hum pouco íobre íi, Aonde o duro Inverno
Revolvendo na mence prcfuroía
ií Í31B
O» tempos já paflados
De meus doces errores,
De meus íuavcs males, & furores,
Por ella padecidos^ & bufcados j*
E [pofto que jà carde j piedofa,
Hu pouco Ihf peraíTc,
Elà entre fi por duratejulgaíTe.
lílo fó que foubeíTc me feria
Defcanío para a vida que me fica j
Com ião afagaria o fofri mento.
Ahjfenhora i Ahíenhora ! & que famrica
Eftais, que cà tam longe de alegria
A^Iefultentaiscum doce fingimento í
Logo que vos figura o penfamento,
Foge todo o trabalho, & coda a pena.
Só com voíTas lembranças
Me acho fegaro,&: forte ú 3i^\
Contra o roíto feroz da fera morte ; '
E logo íe m e juntaõ efperanças
Com queafrontejtornada maisferena.
Torna os tormentos graves
Em faudades brandas^ & íuaves.
Aqui com ellas fico perguntando
Aos ventos amorofos, que refpiraó
Da parte donde eftais, por vòs,íenhora:
A as aves que alli voaó, fe vos viraõ,
Que fazieis,& que eftaveis praticando;
Onde, como, cõ quem, que dia, & qu*hoí:a. A minha confiança,
Os campos reverdece alegremente.
ALufitana gente
Pof arrrias fanguinofas
Tem dellaofenhorio.
Cercada eftà de bum rio
De marítimas agoasíaudofas.
Das ervas que aqui nafcem,
Os gados juatamence,& os olhos paícen?»
Aqui minha ventura
Quiz que huma grande parte
Da vida que naõ tinha íe paflaíTcj
Para que a fepultura . .
Nas mãos do fero Marte
De fangue, & de lembranças matizafle,
Sc amor decerminaífe jpiOQ . l
Que a troco dcfta vida,
De mi qualquer memoria
FicaíTeiComo hiftoria,
Que de huns fermofos olhos folíe lida,
A vida, & alegria.
Por tara doce memoria trocaria.
Mas efte fingimento.
Por minha dura forte^
Com falias efperanças me convida.
Nam cuyde o penfamento
Que pôde achar na morte,o? ,íy£ m:
O que naópodeachar tara longa vida,
Eftàjà tam perdida
Alli a vida canfada íe melhora,
Toma efpiritos novos, com que vença
A Fortuna, & trabalho,
Sò por tornar a vervos,
Sò por ir a fervir vos^ & quercrvos:
Dizmeo tempo que a tudo dará talho:
Mas o deíejo ardente, que detença
Nunqaa íofi:eo,fem tento
Me abre as chagas de novo ao fofrimento.
Afil vivoj & íe alguém te preguntaíTei
Cançam, porque naõ mouroj
Podesl he rcíponder j q ue porque mouro.
C A N C, A M XIV.
Que de defeíperado.
Em ver meu triítc eít^ído.
Também da morte perco a efperaoça.
Mas ó, que fe algum dia
Defefperar pudeíTe, viviria!
De quanto tenho vifto,
Jâ agora naõ me efpanco,
Que até defcíperar fe me defende.
Oucrem foycaufa diílo,
Pois eu nunca fuy tanto
Qi-iecaulaífeeíle fogo que meencendc,
Sccuydaõque meoíftfndc
Temor deefquecimento,
Oxalá meu perigo
Me fora taÕ, amigo
E?n Goa/ente oT.a aufencia, ^ e/quiveza Que algum temor deyxâra ao penfamento
V.^
da fita queriíia,
Om força defu fada
^ Aquenta o fogo eterno
Húa Ilha lanas partes do Onente^
De eftranhos bííbiCâda,
:» »l H
fi'**
Quem vio tamanho enleo?
Qtie houveííe ahi eíperáça fem receo í
Quem temque perder poífa
Se pode recear.
MíTS triíle quem naõ pôde jà perder !
Senhora^ a culpa he voíla,
Que
Rimas do Grandt^W^iCmhs:
Qi^e paramemafar^
Lallàra hum, hora íó de vos naõ ver.
roltltemc em poder
Derallaselpcráças,
il
C A N Q A M XV.
•et.. .-,-._,_,
K do que mais ene eípanto,
Qiie nunqua valli tanco,
CnÍuc vilTe tanto bem comoefquivança«;
Vaha tam pequena,
.N< m pode merecer tam doce pena,
Oaveíeamor comigo
Tam bíando, & poucoirado^
Qna mo agora tm meus males fe conhece^
Qiie naõ ha mòrcaftigo,
pira quem tem errado,
Que nega i lhe oca lligOj que merece,
E bem como acontece,
Que a (Tl como ao doente.
Da cura defpedido,
O medico labido,
Tudo quanto deíeja lhe confentc j
Aíli nieconfentia,
Elpcrança, defejo, & oufadia.
E agora venho a dar
Conta do bem paíTado,
A eita trifte vida, & longa aufencias
Qucm pòie imaginar,
Que houveíTe em mi pcccado.
Que mereça taõ grave penitencia?
Olhay, queheconfciencia,
Por hum taiii pequcnoerro,
Scfíhora, tanta pena ••
Naõ vedes, que he onzena?
NJas ie tam longo, & miíerodeílerro,
Vos dàcontentamcnto,
Nunqua me acabe neile meu tortuentOt
Rio fer mofo, & claro,
Evò>òíirvoredcs,
Que os julto vencedores coroais,
Eao cultor avaro,
Conunuamehte ledos.
De hum tronco ró divcrfos frutos dias.'
AíTi nunqua fintais,
Do (empo injuria alguma,
Qiic cm vòs achem abrigo
As magoas, que aqui digo,
Em quanto dèr o Sol virtude à Luij
Porque de gente, em gente,
Sayiaõ, que jà n^ó mata a vida aufcntc.
Cançaaí,neltedelkrroviviràs
Voz núa, & deícuberta,
Atè que o tempo cm ceco te converta.
U;ParE,
^efire-ve o T. as qneyxas de/ua adverfa for^
twiAentrcganáoas aojeufitíl/ècratario^
que he o fa^ íL
Vinde cà meu tam certo fecretario,
Dos qucyxumts, q íéprc andofazéio.
Papel, com quem a pena cieíaíogo :
As lemrazòeb digamos, que vivendo
Me fa? o inexorável, ^ contrario
Defticc, furdo a lagrimas, ík a rego :
Deytemos agoa pouca em muyto fogo,
Acendafc com gritos hum tormento,
Que a todas as memorias lejatftranho.
Digamos mal tamanho
A Dco^, ao mundo, à géte^& en fim ao vento,
A quem jà muytas vezes o con^ey.
Tanto de balue, como o conto íigora :
Mas jà que para errores fuv naíado.
Vir efte afer hum delles naõ duvido,
Qie pois jà de acatar cftou tam fora,
Naó me culpem também íenifto eyrey:
Se quer efte refugio ló terey,
Paliar, & errar fem culpa livremenre,
Trifte quem de taó pouco eftà contente;
Jà me defenganey, que de queyx^rme,
Naófe alcança remédio, mas qutm penai
Forçado lhe he gritar, fe ador he grand
Gritarey, mas he débil, & pequena
A voz para poder deíabafarn-e,
Porque nem com gritar a dor k abrande :
Quem me dará requer, que fora mande.
Lagrimas, & fuípiros infinit( Sj j
Iguais ao mal, que denrro n'alma naora ?
Mas quem pôde algum hora,
Medir o rnsl com lagrimas, ou gritos?
Emfim direy aqudlo, q ue n- e enlin. o
A ira,amagoa,& delias a lembrança,
Queheoiítradorpo. fi maisdura,ôc hrme,
Chegay defefpcrados para ouvn me,
E íujaõ os que vivem de efperança,
Ouaquclles,qnene!lareim:^:uinao,
Porque Amor, & Fcrtuna deierminaô
De lhe darem poder pata entenderem,
A medida dos maks, queuvtrtm.
Quando vim da materna íepuUura
De novo.ao mundo, lego me fizcrao
Eftrellaiiinfelicesobrig'ido: ^
Com ter livre alvcdi io mo naõ dcrao,
- ' Lii { ^
•_.í
H
QuP eu conheci mil vezes na ventura
O melhor, 6c o p£or fegui fo^çaciç», j
E para queocornaento conformado
Mç deíFem com dt idacici quando al3|i"C,
Inda rnmmo ps qlhos brandamente>
Mandaó que diligepte
Hum minmofcmoJhosmeferiíTe :
As Íagrii;rias da infância i? pianavaõ»
Çom Iiy ttia íaudade na moríid.a :
O íom dos griros^ que no bçrço davai
Jàcomo ^c rofpifoç me ioav^,
Com a idade,8í fado concertauOj
Porque quando por çafo njç emb^lavaõi
Sc ver (os de amor trift^s me ca.n.tiivaõji
Logo me adormecia a ÇÊitureza^
Que iam conforme citava ço a trifteza.
Foy minha ama hu^ fera> queodeftino
^4,9 qM,i/Z» que mulher foJíe,,aque tivçnTe
Tal nome para, mi^ nçnx a, hja,vç;.ia^i
Aífi criadoTuyí por^cjue bçl^eííe
O veneno amocofoí^eníiinino.
Que na níaypi; ida^ebebiepia.,
E por coiiumc nap me ra,a,t;^ari^ ;
Logo entap, viaiqiagqm, §ç fcmelhanÇja,
D*aquella humana fera t;am ferm.oí^,
Snavej ^ VÉjppnofa,
Que m^ criou aoS; peytos da efpcrança,
De quem eu videíppi^-o priginal ;
Que^de todos; 9S,grandes dcíatinos^
Fas,a ci|Jpa,rpl?eí ba* & ípberana;
Parêceme que tinhí^ focma bijmaxi?,,' ^ ..
Mas cintillava^eípiritos divinos, '
Huíu rpenco, & prefença tinha ta.1.
Que fe v.anglpria va .todo o rpaj
Isla viftâ delia : a,fombra,co a viveza,
Excedido poder da natureza.
Que género tamnovo de tormento
Teve amor, que naó foíle, najó fomente
Provadoem mi^ mas todo exccutadq ?
Implacáveis, durezas, que o fervente
^ftjí>,quedá força ao peníamentqi
Tinhaóde feu propofitoaballadOi
E de fe ver corrido, ôc mjuriado.
Aqui fombra^ fancaíl;icas, trazida^
De aigúas temerarias.efperanças»
As bemav.enturançasj
Nellas Cambem pintadas, 6c fíngiJaí^
Mas a dQr do dçfprezo recebidpi
Qiie a fantafu medefatinaya,,
Elfes enginos punha em dcfcpnp:cr,to,í
V\qui o a.dev.inhar,, & ter. pgr certo,
QH.c;era verdade quantp adeyinhaya,
E logoodefdizermede cq^ridlo»'^ r-c'
Dar as coMÍ^Sí que viâ» omro íentido :
£ para tudo em iim buíçar raZQCs»
Maseraõ muytas mais ssíenua^ões,
JMaóíey como, fayl^)* ef^aç ípubando
Cosrayos as entranhas, qut fugwõ
Porell^ pellQs.Qlh.Qji iytúmeate.:
Pouco a pouco invencivejsi n)e íahiaõ>
Bem como \\<^)^ y^^Q l^M^ida exalando
Eítà o futil humor o Sol açdentt:},
Em fim o gefto puro» & tí^pí^ícnte,
Pai;a quen> ixo^ biay xc>* ^ íçm vali^t
Defte nome de bello^ & íle fej? moio :
O doce, & piedoío,
Mover cj^QÍb.0Si, que as alm^ fufpenidi»,
Foraó as hervas nnagicas, qj^e ç^ Cj^o
Mc fez beber, as qu^*pQí Wngc^^nno^
Noutro fer me tíveraõ trans£oca>9do>:
E tam contente de me ver trocado»
Que as mago3sengaji4vac:Qíie<íga«£íSk
E diante dos olhos punha o, \Mq%
Qie me encobriffe o mal, qm ^M Çf:eçco>
Como quem com afagos- k «fiava,
Daquelle, para qucmc|ie<i4QQfliia-^.
Pois queoipòdoí pintar a vidiwanfei^tíí.
Com hum defcontentajrroíçqtfftnf^Ví^x
E aquelle eftar t;am longe» dofwieeiiavas
O fallar, renaifel>(3rjaqne<iizia>:
Andatj fem ver ponond©, ^ ji^n%taín^n;c
Suípirar, fem Cabçc^ Gpe i\kípís^va^.
Pois quando aquelle mal iu« atíqri*KHtia:vai
E aquella dorjqu^dús^TarBatçafS^agoasi,
w^ahio ^mundov^ m^isqpi^titdasid^e!^
Qiie tantas vezes Toe, nm^irnin
Durasicas.t<Minfl*eoi brandaí n5ag€)aPi,
Agora CO furor da mag,Qâira3áQí.;; •
Querer, & nsó qusrerdeyxítrde,trn^ri«.
E mudar noijtravpayrc poc vingança
O deíejo privado de efjjerança,.
Que tam mal íè podia ji mudar ;
Agora á íaudíKkdo pafi ado
Tormento puro, doce, 8>c n>agoadc3i,
Fazia converter eftesfurores'
Em magoadas lagrimas de araorev
Que defculpas comigo ÍQ bukava.
Quando o fuav^e an>or me naófíofr ia
Culpa na couía amada» St; taín; amada *
Em fim era<5 remédios^ que* fingia
O medo do ropmelKo, que eníinava
A vidíi íuftentaríe de enganada'.
Niíto huina par^€ dtlla-foy paíT^da,
Ma qual ktiye algum contentamento,
rr'
Bté^
Rimasdúgranit Lnisdidi^híl If
Breve» ímpcrfeyto, tímido, indecente, Naó conto tantos males, como ãquclle,
Naò íuy fcnaô Icmeote, ;. -, i. . Que déffSois, di tcrftienta prccellofai
Dcí hu.iicu.nprido,íiaoiari(rimotoriaco$a, Os cafos delia conta em tempo ledo,
Eíie curío concmode tnfteza, Que indáagbra a FbttUna fluéhtòlà^. i-'^^**^^
Elles paflbs cam vannocnce eípalhados, A tdmanhtís miferias me compellt^^AV^i -^^
Me foráo a pagando o ardente goftO| Quede dsr feum íó j^aíTo tenho rtirèb^ •
Quecarwdc fiío n'alinatinhapolto, Jade mal^i|uenie venha, naõftttíVKredo,
De aquellcs peníamentos namorados^ Mem bem, que me falleça^ )à pretendo.
Em que eu criey a tenra nature2:a, Qtíe para (fií naõ vâl aftUtia huitáíià, ' "
Quedobagocoliumeda afpereza^ /a^ De força fòb^^rana, ^ - t « -^
Cuntra quem força humana naõ reíiílc^ ^' Da providencia ettí fim divirta pettdó j
SeconverteoBOgoftodeícrtrifte. Ifto qirecEíydor& Vejfõ àsvc-zcStóitíôíi
Deita arte a vida noutra fuy tf ocandofj Fará oonfolafça© de tííntoá danòsi^P ^'^P '"^^
Eu naõ^ mas odeftino tero irado, Mas a fpí^qweza híírtíana qââftdo lârf^ ' ^
Queeuindaaíli poroutr3anaéEro<:ànt OsolNos na que corre, & não aleanja^
Fefme deyxar o pátria ninho íltnado^ jui A Se naó oiecnoria dbi paíTados aíiinos |
PaíTando o» longo mar, queiamcaçandcxj sup As agoas que cntaó bebo, 6c ô paio qtit Cof#o^
Tantas vezes me eftevea vrda caraj ' Lagrimas triftes farô^ à^t e<i fturtqira domòj^
Agora experimentando a fúria raça Senaõ com fabricar na? fantafia,
DeMaíte, qiuecos©]lh;.sqtiÍ35quelog<il Fani5»«^kaffpTnCura8d'é alegria,
ViíTe, St trocaíTeo a cecbo frutoítu, j ri aU Que íe poUiVel' foííe, qxie fo^Waífó ^
Enefteeícudo.meu, '• O tempo paratras, cottio'amt'moría', ^
A píacara veraó doinfcft© fogo, ., . -ía Pelloevcffí§;iio« da primeyra idadíèj ^
Agora peregrino, vago^ &: errante, q ^yp Ede novo tecendo a amiga hiíloria.
Vendo naçòies liinguagíes, & coíkimes^ fiioD Denneus «wtorcsmekvafíe
Ceosvarros, qualidades d ifiíerentes,. íHA pellas florcs^j. que vid» mocidade.*
SóporfeguifcompaíTosdiljgçnteíf^. tuifil^ E a lembrança da lorigaíaudade^
A ti Fortuna injufta, que coníttm^e» ob mH Entaò fofleaiayjor coiíteiítam-erttí:)^
As iíi^iksvlevandolhe diame inoD uA moD Vendo a convaí^açaó Idda, 6c ítíavd,
Huacfperançaem viftadedíandanCé^polírjO Ondt?hÃa/^ outra châve^
Mas qjiafrdodasmáos caefeconhtce, !c ■• *? Efteve de meu ncvo {>efiíaiticnt<).
Que he. frágil vidroaquiUo, queiapaiecs^^ Os campos, as pafl"adas,xf8 finaisi
A piedade humana nfi« falcavffiL-n xkI sijP A ferWi<a/6»Í^ os olho«i af braridiífar,
Agente amiga jà contraí iaíviar, ud :)»jp Agraça,a manfidaõ,a cortcfia^- ■ j^* ~ ^
Mo pritueyro perigo,^ noiegundb: qaG A lingella Afírvixadc^ quedefvia; 'in n fii<^ ' *
Tcrrsj em qu&pónos pés mefaLccia». up oO Toda a bayxa t^irçãoi terrena tmpwsííf
Ar para rcfpifarríc me negava}, ^vj 11 ^o\■\i,'ii\o?^ Como a qual outra alg,itttja naó vi ro^is,^
E fakavaOTeenrfim o tcmpof.ôc âWwifwíbrjr - f AlvV^^iftemoíias onde nve levais
QuefegredotamarduOjjSctam profundía,- _;. O fraco coração, que inda raó pcíTo
>J afcer para viver, & para a v ^àzi b/.)rol.'I D^màf efto tam v^ó d^ff jo voíTo ?
Faltârrae q:uantoomundoteflppatff€Íbi. t Não mais Câçaó não mais,qirey fallâdo,
E naõ poder perdcllsr, Semo feritírmil a^lílOS^6^íc acàfo'
Eliando tantas vczejjà perdida-! Te culparem de brgar & <^c pelada»
Em fina' naõ houve trance d-a FofCtinai Naõ pôde fa [lhe dize] limirad»
Nem perigos, nem calos duvidofo» A agoa domarem tam pequeno vafoj
Injurtiças daquelles^ que oconítifo» Nem eu delicadezas vou cantando.
Regimento do mundoantigoabuíia' . Co goftado louvor, maf.c»|vlicaDdo
Faz fobre os outros homés podePfíícs^ííjd i: : Puras v' rd<í<*e» jà por mi paliadas.
Que eu naõ pafífaííe atado afiei coluo» Oxalàforaõ.fabulâ$foniladàS*
Do íofriaienLo meu, que a importuna
Períeguiçaõderoalesem pe^daços «ev?
Milvezeíi fczàforça^deícusbiaoo^, ^ ^ ^,
; * CAN-
S6 Rimas do Grande Lttls de Camões,
Ou denvcja das hervas, que pizavaô,
C A N Q A M XVI. Cu porque tudo ante ellcs íeabayxavaj
O ar, o vento, o dia
Ainda que efia Cançam pareça repetida nao E/piritos contínuos influhía.
heaJfiin^poYcjHz cjtafaz o V. ditada do
qut alma fííttte privada do gozo de hAa
^eyiad à que elie a/p trava,
MAmdame Amor,q cate, o q alma fête,
Gafo,que nu nca em vcrfo foy catado,
ISÍeni d* antes entre gente acontecido j
Pagameaffiem parte o meucuydadOj
Pois que quer, que me louve, & reprefente E nao fey como o dava
E quando vi, que dava entendimento
A coufas fora d^lle^ imagincy,
Que milagres faria em mim^ que o tinha?
Vi, qucme deíatou da minhalty,
Privandome de todo íentimenro,
E n'outras transformando a vida minha.
Com tamanhos poderes do Amor vinha
Qiie o uío dos íentidos me tirava.
Quaà bem íoube no mundo ícr perdido.
bou piute, 8c naó ferey da gente cridoj
Mas he tamanho o gofto de louvar me,
E de manifeftarme,
Por cativo de geílo taõ fermoío,
Qiie todo impedimento
Rompe, & desfaz a gloria do tormesta:
Peregrino, fuave, & deleytofo, 04 -.i .^
Que b^m fey que^ o quecanto, igq oqm^i O
Ha d*achar menos credito, quecípanto,'
Eu vivia do cego Amor izento
Porém tam inclinado a viver prefo.
Que medava defgofto a liberdade .-ich ?6Íb'i
Contra o poder, & ordem de Natura
iVsarvorcs^ aos montes,
A rudeza das hervas, 6c das fontes,
Que conhecerão logo a vifta pura^
Fiquey eu íó tornado, «ujcjí
Quafi n*um rudo tronco de admirado.
Dcfpois de ter perdido o lentímcnto
De humano, hum iò dcfcjo me ficava,
Em que toda a razaõ íe convertia ;
Masnaõ fey quem nopeyto me bradava.
Que por taõalto, & doce penfamencoj
Com i;a2aò a razaó íe me perdia:
AíTi que quando mais perdida a via
Hum natural defejo tinha accefo ' n^i c 3 Na íua meíma p^rda fe ganhava;
D'algum dítofo^ Si doce peníanjento.
Que me iltuftraíTe a iníana mocidade : <
Tornava do anno jà a primcyríi idade,
A reveílida terra fe alegrava, .-^csv^n -jv.;
Qtiando Amor me moftrava -/^vmej
Era fios douro humas tranças defatadasi^l A Que faz num coração
Ao doje vento eílivop n ^ol d :zm & t^w^ A Que hum dcfcjo fem fer, feja razaõ.
Osolhosrucilando em lume vivo, '■ /^niJ A Depois de jà entregue a meu defejo.
Em doce paz eftava
Com ícu contrario próprio num fogeyto %
O cafo eftranho, & novo,
Por alta certamente, & grande approvo
A caufa, donde vem tamanho efFeyto,
As rofá$<entrca neve femeadas,
Ogoftograve, & ledo
cboT Ou quaQ todo nelle convertido,
D R oíP^^D Solitário, filveílre, & inhumano^
Quejuntoi move em mim delejo, & medo. Taõ contente fiquey de fer perdido.
Que me parece tudo^ quanto vejo,
Eíferamo efldquafitodoj na q efià imprejfa. Eícufado, íe naõ meu próprio dano ;
Bebendo eíleve fuave, & doce engano.
Hum naõ íêy que fuave refpirando, o fir7fí A troco do fcnrido, que perdia,
Caufavahum deíulaJo, & novoelpanto, "Vi, que Amei* meinfculpia
\
Que as coufas infenfivciso lentiaó:
Forque as gárrulas aves entre tanto,
Vozes dcíordenadas levantando, d í/3 n\
Como eu em meu defejo íeacenditó. '
As fontevçrift.ilinas naó corriaò.
Inflamadas na viíti claia, & puráí, ; i/. 1 ; ".;
Florecia a verdura.
Que andando COs ditofospcs tocava.
Os ramos fe abayxavaó.
Dentro pnima a figura hooefta, & bclla,
A gravidade, o fiío,
A manfidaõ, a graça, o doce rifo,
E porque naõ cabia dentro nella,
^ De bés tamanhos tanto,
)Sac pela boca converti do cm canto»
Cançam,fcie naõ crerem
Daquclle claro geíto quanto dizes.
Pelo que em íUhe cícgnde :
I
Osí
í?/Wj do Qrmàe Luís de ÇãniBes]
OsfentidoS humanos [IhercfpOQdej Se.fjaô huijjpeniamcoto,
Niõ podexn do divino fer jaizc.s, Que a laica íupra a fé do entendimento.
•f
ODE I
0efcreVeoP,afermo/uradoobjeSío de fetis dcfvdosdehayxod^jnetãforade Lua , por fe
acharem ambos em Cintra, ou Cmbea^fie em latim ftgnifiça a Lua.
DEtem hú poucOjMuía,o largo pranto.
Que amor reabre do peyto,
E vertida de rico, & ledo manto,
Demos honra, & reípeyto,
Aaqaella, cujoobjeito,
Todo o mundo alumia
Trocando a noyteeícuraem claro dia,
Oh Delia, que a pefar da névoa groíTa,
Cos teus ray os de prata,
A noyreefcura fazes, que naõ poíTa
Encontrar, o que trata,
E o que n'alma retrata,
A mor, por teu divino
Rayo, porque endoudeço, & defatino.
Tu, que de fermoíiíTimas eftrellas,
Coroas, 6c rodeas
Tua cândida fronte, 6c faces bellaSi
E os campos fermofeas
Co*as rofas que fêmeas ,
Co'as boninas que gera
Q teu celcfte humor na primavera:
PoiSjOelia,do teu ceo vendo eftàs quãíos
Furtos de puridadcs,
Sufpiros, magoas, ays, muíIçaSiprantosj
As conformes vontadesi
Humas poríaudades,
Outras por crus indícios
Fazem das propias vidas facrifícios:
Jà veoEndimiaó por eftes montes
O Ceo fufpeofo oihandoi
E teu nome, co'os olhos feytos fonteSa
Em vâõ íempre cham.ando.
Pedindo ( fafpiranrlo)
Mercês a a tua beldade,
Sem que ache em ti hum* hora piedade.
Por ti fey to paílor de branco gado
Nâsfclvasfohcarias,
Sò de feu pc nfa mento acompanha^lOj
Convería as alimárias
De todo 3 mor contrarias.
Mas naò como ti duras,
Onde lamenta, 6; cliora defvcq^tuía».
Parati guarda o fítiofrefco d* Ilio,
Suas íombras fermofas :
Parati no ErimantoalmdoEpilio
As mais purpúreas rofaS; /
E as drogas mais chcyrofas
De eíle noíTo Oriente
Guarda a felice Arábia mais contente.
De qual panthera, ou tigre, ou leopardo,
Asâfperas entranhas
Naõ temerão teu fero,6í agudo dardo,
Quando por as montaniias
Mais remotas, & eítranhas,
Ligeyra atraveíTavas,
Tam fermofa que a Ana or de amor matavas.'
Das caftas virgés íerapre os ajtos gritos,
Clara Lucjna, ouvifte^
Renovandolhe as forças,Sj o^ pfpritos :
Mas os de aquelle trifte,
Jà nunca cooíentifte
Ouvi-los hum momento,
Para fer mepos grave o feu cormêto^
Naõfujas,náo,deminv,ah!Naõteercôda5
De hum tam íielamanfci
Olha como fuípiraõ eítas ondas^
E como o velho Atlante
O feu coljo arrogante
Move piedoía mente
Ouvindo a minha voz fraca, & doente.
Trifte dcmmx! Que alcá^o porqueyxir-
Pois minhas queyxas digo (me,
A quem jà ergueo a maô para matarme
Como a cruel imígo?
Mascuj?iey Fado figo,
Queaiftomcdeftina,
E que illo fó pertende,& fó me enfina.
Oh! quáto ha jà que o Cto me dcfengana.
Mas eu lempre purílo
Cada vez mais na minha teyma infana.
Tendo llyre alvedrio
Naó fujo odeívaiioj
Porque eíte cm que me vejo
Eneana co'a cfperança o meu defeip^
Oh
S8 RíPtas do Cr ande Luís de CamÔes]
Oh quanto melhor fora que dormiíTem Que as dores, em que vivo, eílima em nada.»
Hum íono perenal
Eltes meus olhos criíles> 6c naó viíTem
A caufa de fcu mal
Fugir,a hum tempo tal,
^4ais,que de antes protcrya,
!Mais cruel, que Urfa, mais tiigiz, que Cerva. Encre adoce dureza, &í manfidaó,
Ay de mi, que me abraío em fogo vivo^ Primores de belleza dcíuíada,
Com mil morces ao lado,
Mas com tam doce gcfto, irado, & brando ^'
O fentimento, & a vida meelevou, * "
Que a pena lhe agradeço.
Bem cudey de exaltar emverfo, ouprofa
Aquillo, que a aln-ia vío,
E quando morro mais, entaó mais vivo :
Porque tem ordenado
>ítu infelice eílado^
Ql:«e quando me convida
A morte para a morte tenha vida.
Secreta noyte amiga^ a que obedeço,
Eftas rofas (por quanto
Meus queyxumes meouvifte^ teoíTereçoj
E efteireíco amaranto
Húmido índa do pranto,
E lagrinnas da Ef ofa
DociofoTitaÕ branca^ & fermofa^
ODE IL
Mas quando quiz voar ao Ceocantando
EotendimentOj & engenho meccgcu,
Luz de taô alto prí ço.
NaqueUa c-ílci purc za delcytofa^
Qiieao mundo íeencubrio,
E nos olhos angelicoSj que íaõ
Senhores difta vídadcftinada,
E naqUvlltscabeIlos,queíoirando
Ao manío vento, a vida me enredou
Me alegro, & me entriftcço.
Saudade, & íuípcyta pengofa.
Que amor conítituhio,
Por caftigo de aquciles, que fe vaõ :
Temores, penas da alma defprr^ada,
Fera efquivança, que me vay tirando
O mantimento, que me íuftenftoui
'jf^uí defcreve o T. aferme/ura defua ama' A tudo me offcreço.
duj&je queyxa de que/e moflra muyto Amor iícnto a huns olhos me entregou ,
^fquivapara elle, Noi quays a Deos conheço.
TAm fuave, tam frefca!, &tamfermofa
Nunca no Ceoíahio
A Aurora no principio do veraó,
A as flores dando a graça coftumada.
Como a fermofa mania fera, quando
Hum peníamento vivo me inlpirou.
For quem me dclconheço.
Bonina pudibunda, ou frefca rofa
Nunca iio campo abriOj
Quando os rayos do Sol no Touro eftaÕ,
De cores differentes ermaltada.
Como efta flor, que os olhos inclinando,
O fofriment© crifte coftumou
A a pena que padeço.
Ligeyra^ bella Ninfa, linda, irofa,
!Naò crco, que feguío
Satyro, cujo brando coração
De amores coromovelTe fera irada.
Que aíTi foffe fugindo, %L deíprezando
Elte tormento^ donde amor moftrou
Tam profpero começo.
Nunquaem fim coufa bella, 6c rigurofa
Na''ura produzK^,
Que Iguale aquella forma, Sc condição^
ODE III.
Efta fez oT, depms das experiências de
amor, & fortuna, que fendo contrários o
tinhaõredtizido a naó poder cantar
€om a fuavídade cojfumada,
SE de meu peníamento,
Tanta razaò tivera de alegrarme,
QLiantodemeu tormento
A tenho de queyxarme^
Poderás trifle Lyra confolarme.
E minha voz caníada,
QLie em outro tempo foy alegre, & pura,
Nam fora aíli tornaan.
Com tanta delvencura,
Tam rouca, raó pefada, nem tam dura.
A íí:r comofohia,
Pudera levantar voíTos louvores,
Vòs minha Hierarchia
Ouvireis meus amores,
Que exemplo faó ao mundo jà de dores.
Alegres nicuscuydados,
Contentes diaSj horaSj & momentos,
Ol
Rimas do Grands
Oh quanto bem lembrados
Sois de meus peoíamentos,
Kcyaando agora em mi duros tormentos i
Ay,goftosfLigicivosi
Ay,gluria j^acabada^Scconfumídal
Ay, males taótíquivosi
Qt_ial ms deyxais a vida!
C^ia nchjaLle pcfar ! Q^íaõdeítruidal
.Mjs corBO naõ he murta
Jà Cita vida ! Cumo ranço dura?
Co no naó abre a porca
A tanta deíveotura,
Qiij em viõ có feu poder o tempo cura?
Mas para padc.e la^
Se esforça o meu TugeytOiôc convalece,
Qu í fó para diz:! la j
A f^rça m:; falece,
E de to Jo me canfa, & me enfraquece.
Oh j benm aforcunado,
Tu,qui alcançâíkcom lira toante,
Qi fco,rer efcutado
Do fcTo Rh. ul amante,
E co*os teus olhos ver a doce amante !.
Asinfernaes figuras
Movefte CO r> teu canto docemente:
A^tres fúrias eícurasj
Implicáveis a a gente.
Aplacadas le viraõ de repente.
Ficou como pífmado
Todo o Srygio Reyno co' o teu canto j
Equifideícanf;ido, ' i
De íeu eterno pranto^
Ccííòu de alçar Sífifo o g^^ave canto.
A ordem le mudava
Das pcjnas, que regendo tftà Plutaó}
Em defcanfo fe achava
A roda díixiaõ j
Ee T-! gloria quantas penas allifió.
De todo já admirada
A Rainha infernal, Sccomnaovida,
Te deoadcfejada
Eí^pofa.que^ perdida,
De tantos dins j i tivera a vida.
Pois minha defventura
Connojànió abranda hui alma humana,
Qiie h:: contra mi mais dura»
Einda mais de humana
Qur o furor dt Calirroe profana?
•i Oh ! crua,eíquiva,& fe a^
Duro p -yro» crucl^ ôc empedernido,
Deíílgumatigrefera
Lã na Hyrcanianaícidoí
SiLpart.
Litls di> Camões. %^
Ou de entre as dur^s rochas produzido i
M as q u e cH go co y 1 2 do,
E de quem Moem vaõ nuuh '-s querellaS.*
Sò vòi (òdoíagaldo
H u m ido Re y no : ^ bellas
E claras N inflas, condo.^yvos delias.
E de ouro guarnecidas
Voilâs louras cabeçss levantando,
Sobre as oodis erguidas
As cranças gotejando
S: hindotodss vmdca ver qual ando,
S;^hi cm companhia,
E cantando, 6c colhendo as lindas flores,
Vereis minha rigoniaj
Ouvueismeus amores :
AíTentareis mcusprantps, meus clamores.
Vereis o mais perdido,
E mais infeliz corpo, que ha gerado^
Que eílàjà convertido
Em choro, St nej^e cílado
bómente vive nelleo Teu cuydado.
ODE IV.
lyíhmna l^ama ds Ltsbm por quem parece
fe dí [velou algum temj^o o 'F,
■y? Ermofa fera humana,
X" Em cuiocoraç3óíobifbq,6crudo,
A forv^afoberana
Do viDgarivo Amor, que vence tudo,
As pontas amoladas
De quantas íetas tinlia tem quebradas ;
Amada Circe minha,
Pofto que rainha na '>,co 11 tudoamadaj
A quem hum bem que tinha
Da doce liberdade deíejad ,
Pouco a pouco çnrrcgucy,
E fe mais tenho mais entreg^rey.
Pois natureza irofi.
Da razaõ te deu partt'S tam contrarias,
Que fendo tam fermoía.
Folgues de te queymar em flamas varias.
Sem arderem nenhuma
Mais quedem quanto alumia c mundo a Lua:
Pois triunfando vas
Com diveifos-defpojos de perdidos,
Que tu piivandoeftas
Der^zaó,dejui2o, &t dcíentidoS}
,E quafi a todos dSndo
Aquelle bem, quea todps vàs negando:
Poiscaatotecontenra
M Vcj
|è Rimat ão Grande
Ver d rtoÊltífnò niôÇo cm ferro cnyolco,
Debayxoda tormenta
De JupiEÊí em agoa, fie vento folco,
A a porcai que impedido
Lhe cem íeu bcim, de magoa adormecido.
Porque naõ tens receo
Q^ue tantas infolencias^ & eíquivanças^
A V>Qoí\ que poenn fret)
A foberbas, & doudas eíperanças,
Caftigu:;comrigor^
E contra ti fò acenda o fero Amor !
Olha a fermoía Flora
De defpojos de quI íuípiros rica,
Por o CapiCaõ chora,
Que U em Teí ília, enfim, vencido fica :
Efoyfublime tanro
Qui altares lhe deu Roma, & nome fanto.
Olhtem Lesbos aqueila
No fíu Salteyro infigne conhecida -,
Dos muy tos que por cila
Ss perderão, pefdíoacara vida
Na rocha que fe infama
Com fer remédio extremo de que m ama.
Por o moço efcolhido,
Onde mais fe moílràraô a$ três Gfaçasi
Que Vénus efcondido
Para fi teve hum tempo entre as alfaças.
Pagou co'a morte fria
A má vida,quea muytos jà daria.
E vendofe deyxada
Deaqtítlle por quem tantos jà dcxàra,
Se foyjdefefpcada,
Precipitar da infanK rocha cara:
Que o mal de mal qucíida
Sabeq«e v*da lhe íie perder a vida.
Tomaymc,brâvos mares,
Vòs me romay, pois outrem mcdcyxoa,
DiíTe : Sc, dos altos ares
Pendendo, com furor fe atremeçou.
Açude cu, fuave»
Acude^ poderofa, & divina Ave.
Toma*a nasazaztua^i
Meftifií) pio^iicía,^ fcm perigo;
Antes que neítas eruas
Agoaç caindo apague o fogo anttguo.
He digno amor tamanho
Deviver^& íerrrdo^poreftranho.
Naõ : que he rázaõ que íeja
Para as Labas Í2cntafi,que Amor vendem.,
Excmplo,onde fc vi ja
Que tsflibem ficaõ prezas as que prendem»
Aíli o deu por íenten^a
Luís de £AvtQtf.
Nemeíis,que Amor quiz que tudo vença,
O D E V.
Obriga o 7^, 0 hum a Dama difcreta para
ficar dt Ue pYenaada,
NUnra manhãa fuave
_ Eítcn Jcndo feus rayos por o mundo>
Dcípois de noyte grave,
Tempeítu )íâ, negra, em mar profundo^
Al g ou ranto nao, que |á no fundo
Se VI )em mares groíToí,
Como iljz ciará à mídosolhos voíToi
Aqu^lUfcrmoíura,
Que íó na virar delles reíplandccc j
E com que a íombra efcura
Clara fe fa z, & o cam po reverdece;
Qjandoomeupeníanientoícentrillece,
Ella,8i: fua viveza,
Me desfazem a nuvem da trifteza.
O meu peyro, ondefftais,
He pa/a tinto bem pequeno vafo;
Quando a caio virais
Os olhos ^ue de tni naò fazem cafo^
Todo, gentil renhora,entíiò me abraío
Na luzqu;: meconfume,
Bem como a borboleta faz no lume.
Se Tiil almas tivera
Que a am fci moios oíhos entregara.
Todas quantas pudera
Por as pcítanas delles pendurara }
E elevadas na vifta pur s& clara,
(Poíto qaediflo inditiâs)
S. andáraó icmprc vendo pas meninas.
E vòs, quedercuy».b»ia
Agora vivireis de rais querellas,
De almas minhas cercada
Naõ pudclleis tirar os olhos delias,
Naô pôde ler que vendíj a voí& encr^cllas,
A dor que 1 he moftraíTem
Tantac,humaalmafòna5abraodaíreni«
Mas pois o pcyTo ardente
Huma íó pôde ter, ferovofa Damif
Baila qiucefta fomente,
Como k foíTem mil & niil vos ama }
Para que a dor de íua ardente flama
Comvoíco t*nto paíla
Que naõ queyrais ver cinza hum'alfl^a voffa.
Q0E
È,mas âo dráHí^ tjás de Carnoff.
• Que miíturadatcni de qualidade
O í) E VI. Que hu ma dâoúcra nunca íedcfyíaí
Nem deyxa.de íer h uma receada
\m huma aufencta^ em que o íP. teve grandes P^^r leda, & por íuavc,
\defejos de ver ajua querida fenhora^ ^
as í?9Mgmafões amor o/as Iberepre*
fentáraõemjiguras quafidivmas^/
Pò Je hum defejó immenfo
Arder no pcyto tanto.
Que a brãda^ôc a viva alma,o fogo intêfo
Lhe gafte as nódoas do terreno manto }
Epuriíique cm tanta alteza o efpirito
Com olhos immortaisj
^Que f.u que lea mais do que vé efcrito,
c Qua a flama que fe acende
Alto, tanto alumia
Que fe o nobre defejo ao bem fe eftende
Que nunca vioofenteclarodiaj
E lá vé do que bufca o natural,
Agrça, avivacor,
í^íoutra eípecie melhor quca corporaL'
Pois vósj ò claro exemplo
De viva fermoíuraj»
Qucdctaõ longe cànotOj& contemplo
Na alma, que ette defejo fobe,& apurai
N^ creais que naò vejo aquella imagem,
Qtie as gentes nunca vem.
Se de huLíianos naó tem muyta ventagem>
Que fe os olhos auíences
Naó vem a compaííada
Proporção, que das cores excellentes
De pureza, èi vergonha he variada.
Da qual a Poefia que cantou
Atèaqui fó pinturas
Com mortais fermofuras igualou .*
Se naó vem os cabellos
Que o vulgo chama de ouro ;
E fe naó vem os claros olhos bellos,,
De quem cantaõ, que íaó do Sol tefouro j
E íenaõ vemdoroítoasexcellencias,
A quem diraõ, que deve
Roía , & criftal, & neve as aparências :
Vem logo a graça pura,
A luz alta, & íeveraj
' Que he rayo da divina Fermofura,
Q^t na alma imprime, & fora reverbera j
Alll como criftal do Sol ferido.
Que por fora derrama
A recebida flama efclarecido.
E vem a gravidade
Com aviva alegria ^
II. Pare.
Nem outra por íer grave muyto amada»
E vem do ílonefto fifo
Os altos refplandores
Temperados co*o doce, &ledo riío>
A cujo abrir abrem no campo as flores s
As palavras difcretas, 6c fuaves.
Das quais o movimento
Fará deter o vento, & as altas aves.
Dos olhos o virar,
Q^i torna tudo raio.
Do quil naô íabe o engenho diviíârj
Se foy por artificio, ou fcyto a caío :
Da prefcnça os meneos, & a poítura,
Q andar^òcomoverfe.
Donde pôde aprendcríe fermofura^
A quelle naó íey que, -^ :^
Qiieaípira nãofey como;
Que invifivel laindo, a vift:a o vè.
Mas para o cõprcder naó lhe acha tomo i
E que toda a Toícana Poeíia,
Que mais Febo reftaura^
Em Beatriz, nem Laura nunca via:
Em V05 a noíTa idade,
Senhora^ o pôde veí,
Se engenhoi fe ciência, & habilidade^
Iguais a yofla Farmofura der.
Qual a vio meu longo apartamento >'
Q|ial em aufencía a vejOé
Tais aias dà o Deíejo ao PenfamentOj
Poisfco defejo afina
Hum*alma acefa tanto
Que por vós ufe as partes da divina j
Por vòs levantareynaõvifto canto.
Que o Betís me ouça, & o Tibre me levante i
Que o noifo claro Tejo,
Envolto hum pouco o vejo, & diflbnante.'
Q campo naõ oefmaltaó
Flores, mas ló abrolhos
O fazem fco > & cuydo que lhe faltaõ
Ouvidos para mi, para vòs olhos ;
Mas faça o que quizer o vil coítume^'
Qiíeo Sol que em vòs eftà.
Na efcuridaõ dará mais claro lume,'
Mi]
P0|
Mmas do 'Grande
ODE VII.
^ ÍZ). Maneei de Tortugal^ a quem kuva as
fartes de excelente 'F, realfangue, t$
Mecenas/eu muyto amado.
Aquém daràõ de Findo as Moradoras,
Tâõ doutas como bellas»
Florentes capellas ,
Do triunfante louro, ou mirto verde j
Da gloriofa palma, que naó perde
A prefunçaóíubilme.
Nem por torça de pelo algum fe oprime ?
Aquém traráó nas faldas delicadas.
Roías a roxaCloris,
Conchas a branca Doris j
EftaSj flores do mar j da terra aquellas,
Argênteas^ ruyvas -, brancas,6c amarellas.
Com danças, éc coreas
De fermoías Nereydas, U Napeas ?
Aquém foraó os Himnos, Odes, Cantos^
EníiThebas Amphiom,
EmLebosAriom,
Senaõ á Vos, por quem reftituida
Se vè daPoíia ja' perdida
A honra, & gloria igual.
Senhor Dom Manoel de Portugal ?
Imitando os efpritos jà paífados.
Gentis, altos, Reais,
Honra benigna dais
A meu taó bayxo, quanci zeloío Engenho.
Por Mecenas a Vos celebro, & tenho j
sE facro o Nome voíTo
Farey,íe alguma couía em verfo polTo.
O rudo canto meu, que reíucita
As honras fepulcadas^
As palmas já pafiadas
Dos belicofos noflos Lufitanos,
Para tcíouro dos futuros annos,
1 omvofcofe defende
Da Ley Letea^ à a qual tudo fe rende.
NavoíTa Arvore ornada de hoarra^ôcglo-
Achou Tronco excelente [ria,
A Hefa florecente,
para a minha até aqui de baxa eftima .•
Nella para trepar^ íe encofta, ôc arrima 5
E nella fubireis
Taôalto quanto os ramos eftendejs.
Sempre foraõ Eengenhos peregrinos
DaFottunaenvejadosi
C^ue quanto levantados
ttUts de Camfíf» _
Por hum braço nas afãs faõ da Pamâ }
Tanto por outro aquella que os deíamaj
Co' o pefo, & gravidade.
Os oprime, da vil neceíTidadc.
Mas altos corações dignos de Império^
Quevicncem a Fortuna,
Foraõ íempre Coluna
Da Ciência gentil : Otaviano,
Scipiam, Alexandre, &Graciano;
Qiie vemos itnmortais j
E Vòs que o noíTo Século dourais.
Pois, logo, em quanto a citara ío nora
Seeílimar por o mundo.
Com íom douto, 6c jocundo j
E em quanto produzir o Tejo, & o DouróJ
Peytos de Marte 6c Febo, crefpo, ôclourO|
Tereis gloria immortal
Senhor Dom Manoel de Portugal,
ODE VIIL
^ede oT,ao Conde de Redondo ^enta^VíCiè^
Reydá Índia opriíilegioparaa impre/'>^
faõ do livro de Garcia de Horta*
Aquelle único Exemplo
De Fortaleza heroyca,6c Oufadia^
Que oiereceo no templo ,
Da Fama eterna ter perpetuo diâ ;
O gram Filho de Thctis, qUe dez annos
Flagelo foy dos mifcícs Troianos:
Naô menos enfinado
Foy nas ervas, 6c medica policia,
Que deílro, 6c coílumado
No íoberbo exercicio da milícia :
Aíli que as mães que a tantos morte deraõj
Também a muytos vida dar puderaô.
E naò fe deíprezou
Aquelle fero, éc indómito Mancebo,
Das artes, queenfinou
Para o languido corpo o intonfo Febo j
Que íe o remédio Hey tor matar podía^
Também chagas mortais curar íabia.
Tais artes a prendeo
Do femiviro Mcftre, 6c douto velho,
Onde tanto creceo
Em virtude, 6c em ciência, & em ceníclho^
Qiie Telefo por elle vulnerado,
Só delle pode fer defpois curado.
Pois vos, ò excellentc,
E illuftriíFimo Conde, do Ceo dado^'
Para fazer pcrfentc )
De
í)e altos Heroreso Século paíTado;
E em que bem trasladada eftà a memoria
De ^oíTos Afcendentes, a honra, 6c gloria ;
Pofto que openfamento
Ocupado tenhais na guerra infeíla.
Ou CO* o íanguinolcDCo
Tapobrano, ou Achem, q o mar mole/la i
Ou co' o Gambayco oculto imigo noíTo i
Qiie q'^lquerdelles temeoNomevoiTo:
Favorecey a aotigua
Ciência, que jà Aquilles cftimou :
Olhay que vos obriga
O ver, que em voíío tempo rebentou
O furto de aqueU'Orta onde florecem
Plafttas novas, q os doutos naô conhece,
Olhay que em voflTos annos
Huma Orta produz varias eiyas
iNÍoscampos Indianosi
As quais aquellas doutas, & portcfvas )
Medea, & Circe, nunca conhecerão,
Pofto que a ley da magica excederão,
E vede carregado
De annos, & trás a varia experiência^'
Hum velho, que eníinado
Das Çangecicas Muías na ciência,
Podaliria AKiljScartefilveftre,
Himas áõ Crânde Lais de Camoef.
Vence ao velho Chiron, d' Aquilles Meílrej E Júpiter chovendo
Suas fetas Amor afia agora j
Progne trifte furpira^
E Filomela chora ;
O Ceo da freíca terra fe namora.
Jà a linda Cithera
Vem, do Coro das Ninfas rodeada j
A branca Pafitea
Defpida, & delicada.
Com as duas irmans acompanhada.
Em quanto as Ofíicinas
Dos Ciclopas Vulcano eftà qucymandoi
Vaó colhendo boninas
As ÍMinfas* & cantando $
A terra com o ligcyro pè tocanda
Decc doafpero monte
Diana jà caníadadacfpeiTurai
Bufcando a clara fonte,
Onde por forre dura
Perdeo Adéo a natural figura."
Aíll fevaypa fiando
A verde Primavera, & o fccco Eílio?
O Outono vem entrando 5
E logo o Inverno frio.
Que também paflarà pof certo fínj
Irfeha embranquecendo
Com a frigida neve o íeco monte %
n
O qUal eílà pedindo
VoíTo favor, & amparo, ao graõ volume,
Qí-ie impreíTo à luz íaindo
Daràda medicina hum vivo lumâj
E defcubrirnos ha íegredos certos,
A todos os antigos encubertos,
AíTi que naó podeis
Negar a que vos pede benigna aura :
Qiie fe muyto valeis
Ma íanguinoía guerra Turca, & Maura^
Ajuda quem a}uda contra amortej
E íereis íemelhante ao Grego forte*
ODE IX*
Turbará a clara fonte,
Temerá o marinheyroaOrionte.
Porque, enfim, tudo paíTa i
Naô íabe o Tempo ter firmeza em nada ^
E a noíTa vida elcafla
Foge tam apreflada^
Que quando íe começa hc acabada^
Que fc ^tz dos Troyanos
Hcytor remédio, Eneas piadúfo?
Conlumiramte os annos,
OCreíTotam famoíoj
Sem te valer teu outo preciofoè
Todo o contentamento
Crias que eftava em ter tcfouro ufano!
Ofalíopenfamento
Continua oT, pedindo ãT>, FrancifcoOmtl Queàa cuítadetcu dano
nho o me/mo patrocmiopara o Medico Do Sábio Sólon creftc o defengano i
Horta,
Fo^em as neves frias
Dos altos montes quando reverdecem
As arvores fonkbi ias i
As verdes ervas crecem^
to prado ameno de mil cores tecem.
Ze^firo brando eípira j
O bem que aqui fe alcança,
Naõ dura por poíTantc, nem por torte \
Que a bemaventurança
Durável, de outra forte
Se ha de alcançar na vida para a morte.
Porque, enfim, nada bafta
Contra o terrivcl fim da noyte eterna j
Nem pôde a Dcoía caíU
Tor;
.pjj; ílímas do Grdiíde
Tornará a luz fupèrna
Hipólito da efcura íombra Averna.
Nem Tefeo esforçado.
Ou com manha, ou cora força valerofa.
Livrar pode o oufado
Peritoo-da efpantofa
Priíara Letea eícura, & tenebrofa. :
ODE X.
O ajfutnpto de fia Ode^ he eftãr o 7*. ettamoTét*
\do de húajua e/crava^ G? negra dejcuU
pando Jua fraqueza ; forque emfim
o T. era homem^
\ quelle Moço fero
^^ Nas Peletronias covas doutrinado
Do Centauro íevero ;
Cujo pey to esforçado
Com tutanos de tigres foy criado ;
Na agoa fatal, menino
O lavaamáyjprefaga do futuro i^
Fará que ferro fino í^
Kaõ paííe o peyto duro
Que de fi meímo a fi fe tem por muror
A carne lhe endurece,
Porque naõfcja de armas ofendida.
Cega ! pois nao conhece
Que pòdeaver ferida
í^ a alma> & que menos doe perder a vida*
Que donde o braço irado.
Dos Troyanos paflava arnês, & cfcudo,
AlIifeviopaíTado
De aquelle ferro agudo
Do menino,que em todos pôde tudoí
Allí le vio cativo
Da cativa gentil que ferve» & adora j
Allife vio que vivo
Em vivo fogo mora,
Porque de íeu Senhor ave Senhora; '
jà toma a branda lira
Na mão que a dura Pelias meneara &
Alli canta, &fuípira,
Kaõ como lhe cnfinàra
O Vclhoj mas o Moço que o cegara,
Poisi logo, quem culpado
Será, fe de pequeno offerecido
Foy todo a fcu cuydado j
No berço inftituido
A n»ô poder deyxar de ler ferido ?
Quem logo fraco infante,
De outre mais podçioio foy fogcy to ^
E para cego anaanté
Deídc o principio feytoj
Com lagrimas banhando o tenropcyto S
Se agora foy ferido
Da penetrante ponta > & força de erva |
E fe Amor he lervido
Que firva á alinda ferva^
Paia quem minha Eftrella me referva |
O geíto bem talhado i
O ay roío meneOj & a poftura j
O rofto delicado,
Que na vifta figura
Que íeen fina por arte a Fcrmofura:
Como pôde deyxar
De render a quem tenha entendimento ^
Qiie quem naõ penetrar
Hum doce gefto atento,
Naõ lhe hc nenhum louvor viver ifentgí
Aquelles cujos peytos
Ornou de altas ciências o Deftino
Se viram mais (ogeytos
Ao cego, & vaò Menino^
Arrebatados do furor divinoj
O Rcy famofo Hebreo,
Que mais que todos íoube, mais amou J
TantOj que a Deos alheo
Falfoíacrificou.
Se muy to íoube, & teve, muy to errouj
Eo gram fabio,que enfina,
Pafi^&ando, os legredos da Sophia,
A a bayxa concubina
Do vil Eunuco Hermia,
Aras erguco,que aos Deofes fó deyia*
Aras ergue a quem ama
O Filofcfoinfigne namorado
Dòefea perpetua Fama>
E grita que culpado
Da leia divindade he acufada*
Jà foge donde habita j
Jà paga a culpa enorme com deílerroj
Mas, ò grande defdita i
Bemmofi:ra tamanho erro^
Que doutos corações naõ faÕ de ferro.
Antes na altiva mente»
No fútil fágue^ & engenho roais perfeytoj
Ha mais conveniente,
E conforme fcgeyto.
Onde fe imprima o brádoí & doce eíFeyt^
^DE
Mimas dç Gr an^k
ODE XL
O argumento deífa ifaõ os amores de Telíê
com nftysj f£ como eUaJe lhe re^id^a,
& ttveraão forte Achilles.
Naquelle tempo brando
limque (e vedo mundo a fermofura,
Que Thetis defcanfando
De íeu trabalho cílà, termofa, & pura,
Canfava Amor o pcyto
Domiucebo Peko,dthumduroaiFeyto.
Com impero forçofo
Lhe avia já fugido a bella Ninfa,
Qiiando no tempoaquofo
Noto irado rebolve a clara linfa»
Serras no mar erguendo
Que os cumes das da terra vaõ lambendo,
Eíperava o mancebo.
Com a profunda dor que na alma fetic^,
Hum dia, em que já Febo
Começava a moltraríe ao mundo ardente,
Soltandoas tranças de ouro
Em que Cliciede amor fa? feu tefourç,
t Era no rae?^que Apolo
Entre q% irmãos celeítes paíTao tempo:
O venro enfrea Eolo,
Paraqueodelcytoío paííatempo
Seja quieto, & mudo ;
Qtie a tudo Amor obriga, Sc vence tudo.
O luminofodia
Os amorofos corpos defpertava
A a cega idolatria
Que ao pey to mais contenta, & maiç agrava-,
Ondeo ceg'> Menino
Faz que oí> humanos cream que be divino :
Quando a fermofa N infa,
Com rodo o a|ur>camenio venerando,
Na ciíílalma linfa
O corpocri/lâlinotftà lavando i
O qual nas agojs vendo,
Neile^akgredeo veríe eftàrevçnd^.
O peyto diamantino
Em cuja branca teta Anipr íe C|ia ;
O gcfto peregrino,
Cuja preíença tor na a npytf emdia ;
A graciofa bocca
Que a Amor com íeus aipores mais prpvoca.
Oi lubisgracioíos ;
A*í pérolas que eícondem viva^J^ofai
Dos jardins deleytofos
itt// às Cmihíl ^
Qlic o Ceo plantou em faces tao fcí n ofas j
O cranfpircntcjcollo,
Que ciúmes a Dapline faz de Apolo,
QíLicilniQvu^iç.cutQ
Dos ol hoS;^ c u ja v vila a A mor cegqu ^
A Amçr, quç com cojrmento
Glorioío, nunca dcl.Us.(e apartou,
Poisellcsdccontino
Nas meninas o trazem poç nienino.
Os ftoi deíramadoÂ
De aquelle ouro,q o peyto mais çoW^íi,
Donde AmiOí çnK;d;?dots
Os cora^^Qçs hun^aaos tra?, & atiça j
E donde com deíejo
Mais ardente começa a f^rfofecjo.
O Mancebo Pçlço^
Que de Neptuno t^ava accnfcUiado*
Vendo na Terra o Çeo
Em tam bella fii^ura trasladado.
Mudo hum pouco fícou,
Porque Amor logo afalia Ihç tirou.
Enfim querendo ver
Quem tanto mal de longe Ihc fa?ia,
A viíla foy perder,
Forque de puro a mor amor naq via:
Viofe afli cego, & n^udo^
PoraforçadeAmor^quc pQdçtijdp.
AgQtafeaparçlhi
Para a batalha, agora remçtendq j
Agora fç agonfelha,
Agora vay, agora eítà tremendo^
Quando já dç Cupido
Com nova íetao peytg yip ferjdo.
Reipçteo mOíjQ \q^q
Para onde eftava a chaga fem ÍQÍT^go :
E co*ofobcjofogo
Qiianto mais perto eftava, então mais cegq ;
E cegOj <^ c'hum íufpiro,
Na fermofa Dopzella emprega o tiro.
VinggdoaffiPcieo,
Naceo defte amoroío ajuntapiento
O fortç X.a;iírçOf
D( ítruiçaò do jPrigio pcnfamento.
Que por naõ ler ferido
Foy joaí agoa$ JEAigias fommergido.
ODE
^
p6 Rimas do Grande Luis de Camões.
^■^^"^ Fará por coda parte movimento,
ODE XII. Ley he da Natureza
Muaaíle deita Ibrtc o tempo leve :
^eyxa-/e o T. de que havendo variedade Suceder á a bellc^a
nos tempos j naõ via nenhuma no dtsfa-
vor, que/èmpre experimentava
dejua querida
JA a caíma nos deyxou
Sem floresasrib^yrasdeleytofaS}
Jà detodofecou
Cândidos lírios, rubicundas rofas :
Fogem do grave ardor os paílarinhos
Para o íoiiíbrio amparo de leus ninho»,
Menea os altos freyxos
A branda viraçaój de quando em quando j
Ede efttrevanos feyxos
O liquido criítal íae murnnurando:
As gotas que das alvas pedras faltam,
O pradoí como pérolas, eímaltaó.
Da caça jácan ada
Buíca a caO^a Titânica a efpeíTura j
Onde á a íombra inclinada
Logre o doce repouío da verdura :
E fobre o fcu cabello ondado, & lo iro,
Deyxe cair o boíque o feu cefouro.
O Ceo deíempedido
Moftrava o Lumeetcrno das Eftrellas j
Ede flores vertido
O campo, brancas^ roxas, &-: amarcUas.
Alegre obofqu j tinha, alegre o monte,
O prsdo, o arvoredo, o rio, a fonte.
Porém como o menino
Qae a Júpiter por a Águia foykvado^
Ko cerco criftalino
For do Amante de Clicíe vifitado,
O bofque chorará, chorará a foncc,
OriOj o arvoredo, o prado, o monte,
O mar, que agora brando
He das Nereydas cândidas cortado,
Logo fe irà moftrando
Todo em crefpas efcumas empolado :
O íoberbo furor do negro vento
Da Frimavcra o fruto j a elle a neve ;
E tornar outra vez por ccrto íio
OjtonOj Inverno, i^rimavcra, Eftio,
Tudo, .níiíii, faz mudança,
Q^ianto o c-aro Sol vè, quanto alumia j
Nan) íe .^cha fegurinça
Emi tudo,quanco alegra o bellodia :
Mudamíe as condições, mudafe a idade,
Abonança^ os citados^ & a vontade.
Somente a minha imiga
A duracondíçam nunca mudou j
Para q ii e o m imdo diga
Qiic nellalc-y ta m cerca fe quebrou :
Em naó verme eila fó fempre eiU íirme.
Ou por fugir de Amor, ou por fugírme.
Mas jàlofrive! foi:a
Q[-ie:em maramic ellaíómoííre firmeza,
Sen2Ó achara agora
Também em mi mudada a natureza:
Pois fe nprc o coraçam tenho turbado.
Sempre de escuras nuvens rodeado.
Sempre exprimentí) os fios
Qiic em concino rcceo Amor me manda ;
Sempre os dou s caudais nos
Que em meus olhos abrio qué nrsfeus ar
Cerrem, íem chegar nunci o Veraõ brà
Qiie tamanha aípereza và mudando,
O Solírreno, 8í puro.
Que no fermofo rofto reíplandece.
Envolto em manto eícuro
Dotriíte eíquecimento, naó parece;
Deyxsndoem triílenoytea triíle vida,
Que nunca de luz nova he focorida.
Poiém.fcja o que for j
Mudcíe por meu dano a natureza i
Perca a incí^nrtancia Amor j
A Fortuna inconílante ache firmeza:
Tudo mudável fe/a conrramij
Mas eu firme eítarey no que cmpreudi.
SEX'
Rims do Griáde ÍUts de Camoesl
EXTINAI
%
X 3 2
foRojà of^m ultimo àtjua Vid^, def enganado canta ajua defgracãyhmhrado ainda di^
na Õ yer ac^ iitiks olhos ^ de í^ue fcmfn de]c)a Va /et Hi/fo.
Fogeme prjiíco a pouco a curta vida, "
Se por cafo he verdade que inda vivo,
Vayíemeo breye tempo d'ante os olhos j
rhoro por o paliado j & cm quanto fallo
}e me .paíTam os dias paíío a paíío.
^ayíerae, enfim, aidade, Si fica apena.
f Quemaneyratam afperadepena!
ÍPois nunca hum'hora vio tam longa vida
Em que, do mal mover fe viíTe hum p^flo.
tQue mais me monta íer morto que vivo »
Para que choro, enfim ? Para que fallo,
Se lograrme naõ pude de meus olhos ?
O ifcrnriofos, gentis, & claros olhos,
Cuja auíencia me move a tanta pena,
Quanta fenaô cóprende em quãto fallo !
Se no fim de tara longa, &: curta vida,
DevósmemflamaíTe inda ora yo vivo,
Por bem teria todo o mal,que paíTo.
S E X T í N A ir.
^eyxa'/e o 'P, do agrado dos olhos defua
querida, (jueforad a cattfa de eUcpeT'-
der a vijta, ou inteyrtza dos J eus ^
A culpa de meu mal fó tem meus olho«,
Poisqdèraõ 2 Aaioreatradanaaima,
para que perdelFe eu a liberdade.
Mas quem pôde fugir a huma brandura»
Que deípois de vos pòr em tantos males
Dà por bens o perder por ella a vida ^
Aííaz de pouco faz quem perde a vida ?
Por condição taó dura, & brandos olhos*
Pois de tal calidade iam nieus males
Que o mais pequeno delles toca ra alma, J
Nam íe engane com moílras de brandura
Quem quizerconíervara liberdade.
Roubadora he de toda a liberdade.
Mas bé fey que primeyro o eíf remo paíTo fE oxalà perdoaíTe á a trifte vida \^
Me hade vir a cerrar os trilles olhos, Eíta que o falío Amor chama brandurar
Que Amor me moftreaquelles por que vivo. Ay, meus antes imigos^ que meus olhes
1 cftemunhcís feraõ a tíuta, ^ pcna^ Que mal vos tinha feyto cila voífa alma.
Que eícrcvéramdctaó moleíta vida Para vòs lhe fazerdes tantos males?
O menos que paíTey, & o mais que fallo, Creçaõ de dia tra dia embora os maLs s
O «. que n?.ó íey queeícrcvo, nem q fallo» Percafe embora a antigua liberdade}
Pois fe de hii pcníainéto em outro paffo,
Vejo tara trifte género de vida,
Que íe lhe naó valerem tantos olhos,
iNaõ ponbimaginaf quatfejaa pena
Que eíla pena traslade corft que vivo.
Na alma tenho contmo hum fogo vivo,
Qielenaó rcrpiraífeno que fallo,
Eftariajà feyta cinza a pena.
Mas fobre a mayor dor q íofro, & paíToj
O tcmpériím com lagrimas os olhos^
Comque, fe foge, naó ic acaba a vida.
Transformefeem Amortfta trifte alma j
Padeça embora eíta innoccnte vida j
Quebéme pagaõtudo ^ftesmeus olhos
Quando de oucros, íeosvê, vem a brandura^
Mas como nellc^pódcavcr brandura,
Se caufadores {áò de cantos males ?
Engariofoy de Amor, porque mius olhos^
DeíVem por bem perdida a liberdade:
Jà naõ tenho que dar íenaõ a vida,
Se a vida ja naõ deu^ quem jà deu a alma,'
Que Pode já eípcrar quem a fua alma
Morrédoeftju na vida, & em morte vivo; Cstiva eterna fez de bum a brandura
V.joíem olhoii ,&ídm lingoa fallo j
E juntamente pado gloria, & pena.
lí. Fart.
Que quando vos dà mo: te dizq hcvida?
Forçado me he gritar ntíles meus rrales,
0'hos meus: p^is por vòs a liber^de
perdi, de vòs me qucyxaiey, meusôJí\os,
Chora^j meus oihos, lépre es danos di aU
Pois dais a liberdade a tal brandtira " [ma
Que para dar mais males dàmaiS vida.
N SEX-
-f
Rimas dõ Granai Luh di Camkíl
S E X T I N A III.
Lament4 oT, a duração de fua vid^^fem
a vijia àejua querida,
f ~^ * f^íftc, ó cenebroío, ò cruel dia,
\J Amanhecido fó para meu dano I
ielt me apartar de aquelU vifta
,< r>/. quem vivia com meu mal contente?
i ií íie o iu premo foras deita vida i
^^uecm tile começara a minha gloria.
'\.1âs como eu naõ naci para ter gloria,
?S;íQ4Õ pena que creça cada dia,
AJCcomeelíá negando o tim da vida,
J or que naõ tenha íim comellaodano:
i/ai a,^ut nuota poíTa fer contente
i >a v\lta me tirou aquella vifta.
Suive, deleytofa, alegre viít*
. )on le pendia toda a minha gloria,
X\)t quem na mór triíteza tuy contentei
<.)^^'aMd ) íerà que veja aquelle dia
E ip; ^ue deyxe de ver taõ gra^e dano /
1' CjiT) que me deyxe taõ penofa vida?
C'omo de(ejarey humana vida
?^ 'ícnçç de huma roais que humana vifta,
v^iL' taò ^loriolo me fazia o dano !
V jç),o meu dano fem a fua gloria j
A a minha noytc falta jâ feu dia :
Ti;^ ite tudo {t vé, nada contente.
Pois <em ci já naó poíTo ler contentei
Hl ^f>iío defej ar fem ti a vida :
>^mtijaver naõ poíTo claro dia:
Nao polío íem te verdefejar vifta í
Na tua vifta íó íe via a gloria.'
N íõ ver a gloria tua he ver meu dano.
iNÍ^m via mayor gloria que meu dano
guando do dano meu eras contente.*
^í^ora me hc tormento a mayor gloria
Q»|e pódc pormeterme Amor na vida,
^ois tornarte naõ pôde àa minha vifta,
' :i)í«o na tua achava alu2 do dia.
Ji p<>is de dia em dia crece o dano,
t polTp fem tal vifta íer contente,
-^ áfp^der a vida acharey gloria,
i
S E X T 1 NA IV.
§Hexa'fe o í*. de^ue ã vi cU tanto Ihedure^
em ejtói^eno/a aujcncia de viJia do ohje-
ílõdtjtuatnór^
Sempre me qiieyxarey defta crueza
Que Art^or uíoa comido quando otépos»
A peíar de meu duro, 6v tr líle Fado,
A meus males qucrit iar rei^cdio.
Em apartar cie mim aqu.lla vifta
Por quem me contentava a trífte vida.
Lcvárame> oxalá ^ cr:is elU a vida,
Para que naõ fentira efta crue^a
De me ver apartado de tsl vifta.
E praza á Deos naó veja o próprio tempot
Em mi, fem eíperança deremedio,
A deíeíperaçaó de hum triíle Fado,
Porém já acabe o trifte, (Sc duro Fado,
Acabeo tempojá taò triftc vida
Que cm fua morte fó tem {zu remédio,
O deyxarme viver he wiòr crueza
Pois deícfpcro já de em algum tempo
Tornar a ver aquella doce vifta.
Duro Amor, fe pagava fó tal vifta
Todo o mal que por ti me fez meu Fado,
Porque quizefte que a levaííc o tem po ?
E lambem fe o quizefte, porque a vida
Me deyxas para ver tanta crueza,
Qtiando em naó vella fo vejo o remédio?
Tu iode minha dor eras remédio,
Suave^ deleytofa, & bcila vilta.
Sem ti, que poíTo cu ver íenão crueza ?
Sem ti, qual bem me pôde dar o fado
Se naó heconícmir que acabe a vida?
Mas elle delia me rfkilata o rempo.
Afâs píira voar #cjo no Tempo
Que com voar a muytos í"oy remédio*
E fó naó voa para a minha vida.
Para que a quero eu fem tua vifta ?
Para que quer também o triftc Fado
Que naõ acabí o Tempo tal crueza ?
Naó podcíráó fazer crueza, ou rempo,
Força de Fado^ ou falta de remédio^
Qucefl^a vifta me fcqueça em toda a vida*
^
ELE'
Rimas do Grande Luis de CamSésl
ELEGIA I
C'
S9
"í
Compara ^ui o T, a /na fortuna à, de OVidio-^ porque ambos foraô desierrados por caufa de
duas Senhoras Talacianas,
OSulmonenfe Ovídio defterrado
Na afpereía do Ponto, imaginando
Veríede feus Penates apartado.-
Sua cara molher d iam parando.
Seus doces filhos, feu contentamento |
De íua Pátria os olhos apartando :
Naò podendo encubrir o íentimentOi
Aos montes jàj já aos rios fe queyxava
De íeu efcuro, & trifte nacimento.
O curíodas EítrcUas contemplava,
Ea quella ordem com que diícurria
O Ceo, & o Ar^ & a terrra donde eílava.
Os peyxes por o mar nadando via,
As feras por o monte, procedendo
Como o feu naturallhes permitia.
De fuás fontes via cftar nacendo
Osíaudofosrios decriftal,
A a fua natureza obedecendo.
Afli fódefeu propio natural
Apartado fe via em terra eílranha^
A cuja trifte dor naô acha igual.
Sò íua doce Mufa o acompanha^
Nos loydofos verfos que efcrevia,
E nos lamentos com que o campo banha.
Deita arte me figura a fantafia.
A vida com que morro, defterrado
Do bem que em outro tempo polFuia ,
Aqui contemplo o goftojápaíTado,
Que nunca paíTará porá memoria
De quem o traz na mente dibuxado.
Aqui vejo a caduca, & débil gloria
Defenganar meu erro co'amudança
Qj.ie faz a frágil vida tranfitoria.
Aquime reprefenta eíU lembrança
Quaõ pouca culpa tenho, 6c me enftriftccc
Ver fem razaó a pena que me alcança.
Que a pena que com caula íe padece,
A caufa tira o fentimento delia }
Mas Biu y to doe a que fe naò merece.
rr.
:. o ■! J :í
Por feu defcaníotem me Já trabalho,^
E deípois de acordado cegamente,
(Ou, por melhor dizer, defacordado;
Que pouco acorao logra hud^ /contente]
De aqui me vou, com paíTo carregado,
A hú outeyroerguido, & alii me aíTcnco,
Soltando toda a rédea a meu cuydado.
Defpois de farto já de meu tormento,
Eftcndoeftes meus olhos íaudoíos
A a parte donde tinhao peníamento,
Naõ vejo fenaó montes pedregoíi s,
E fem graça, ÍK fem flor, os campos veja.
Que já floridos vira, Òc graciofos.
Vejo o puro, luave,& rico Tejo,
Com as concavas barcas, que nadando
Vaó pondo em doce tfteyto o íeu defcjo.
Humas com brando vento na vegando^
Outras com leves remos brandamente '
As Çíiftalinas aguas apartando.
De alli fallo com a agua que naõ íence^ ^
Com cujo fentimento efta alma fay
Em lagrimas desfey ta clara mente.
Ol fugitivas ondas, efpcray ! j r
Que pois me naõ levais em companhia, "*
Ao menos eftas lagrimas levay .
Arè que venha aquelle alegre dia /
Que^cu và onde vòs ides,hvre & ledo.
Mas tanto tempo, quem o paífaria >
Naõ pôde tanto bem chegar taó cedo : .
Pòrqu^fe primeyro a vida acabará,
Que fe acabe taõ aípcro degredo.
Mas eíTa triíbp morte que virá,
Sc.em taó cortraVio eftado me acabaíTe, .
Efta alma alFi impaciente a donde irà hjí aVí
Que fcá as portasfriataricaschegaíre,íjJ[
Temo Aie tanto maf^T a mennoria ,
Nem a^aftar ddífcte lhe paííaíle. ^ ^
Que fe a Tantalí^^Ticio for notória
A pena com que va^W que a atormenCíi^
Quando a roxa manháa, dourada, & bella, A pena que lá tem ter aó por gloria.
C 1
Abre as portas ao Sol, & cae o orvalho,
B torna afeusqueyxumes Filomela -,
Eftc cuydado que co' o fono atalho,
Em íonhosme parece^ que o que a gente .
IL Part.
Eíta imaginaçaój enf-m^ me aun enta j^-í
Mi! magoas no fentido, pcrque ávida
Pe imaginações infles íe contenta.
Que Pois de todo vive cóníumida,
Nij' Pof!
ç'ioo '\*^Rhnas dd Grande Lu fs d4 Caçoes.
Porque o mal que poíTue fe reíuma, A vezes cuydo em mi, fe a novidade, "^
Imagina na gloria poffiiida, f^^\ ^ ^ítcsnhczidas (ftiataç, com a mudança
Acèquea noyceetérna me confuíSa, ^Podenaõ mutiar haiTja vontade.
Ou veja aquelle dia éèfejadò
Em que a Fortuna faça o que coftuma ;
- Sc íiella ha hi mudaríe hu m tniXt eftádò.
ELEGIA II.
A 7). António de Noronha ejfando o T. def-
terrado em Ceuta j efcreve as trtftezas
que no dito defierro ex^rimentava,
Aquella que de amor defcomedido
Por o fermoío moço íe petdeo,
Qut^íó por fi de amores foy perdido ;
Defpois que a Deofa em pedra a converceõ
De íeu humano gefto verdâdcyro,
A ultifra voz íó ihe conccdeo.
Afli meu mal do propio fer primeyra^
Outra coufa nenhuma me confenre,
Que efte canto, que efcreveo derradeyro.
E fe huma pouca vida eílando aufente
Medeyxa Amor, hè porque o penfamentó
Sipta 3 perda do bem de eítar prefente.
Senhor^ íe vos efpanta o íofrimento.
Que tenho cm tanto mal para ercrevelo^
Fqi' to efte breve erpaço a meu tormento.
Porque quem tem poder para íofreio>
Sem fe acabar a vida^ com o cuydado,
Também terá poder para dizelo.
^3,em eu efcrevo hum mal já acoftumado,
Mas na alma minha trifte, & faudofai
A faudade efcreve, & eu traslado.
Ando gaftando a vida trabalhola,
E elparzindo a continua foidade
Aq longo de huma praya foidofa.
Vejo do mar a inílabilidade,
Como com feu ruido impet uofo
Retumba na mayor concavidade. -sH
De furibundas ondas poderofo,
Na terra, a feu pefar, eftá Comando
Luçar em que fe eftenda cavernoío,
Ella, como mais fraca, lhe cftà dandjo
As concavas entranhas onde efteja ^
Sempre com fom profundo fui pirando,
A todaseft^scoíifas tenhocnveja
Tamanha, que naõ íey determinarme.
Por ftiais Ueterminado que me veja.
Se quero em canto mal dcfefprarme,
Naó poHo, porque Amor, &c íaudade,
Nem licença me daó para raatarme.
E íontiftôfiguré^fta lembrança
A nova terra, o navof rato humano,
A eftrángryra progénie, aeftranha ufança.
Subomeao monte, que Hercules Tebano
DoaltitTiiTioCalpe divedio,
Dando camínhoao mar Mediterrano.
Dealh eftou tantcandoadonde via
O pomar das Hefperídas matando
A Serpe, quea ícu paíío renítio,
Eftoumeeraovcra parte figurando
O poderofo Anteo, que derribado
Mais força íe ihe vinha ácrecentando.
Porém do Hercúleo braço íoju^ado
No ar deyxando a vida, naõ podendo
Dos focorrosda mãy ferajudado.
Mas nem com iito^ enfim, q eftou dizédo
Nem com as armas taó continuadas,
De amorotas lembranças me defendo.
Todas as coufas veiodemudadas,
Porque o tempo ligeyro naõ confenre
Que t ftcjaÓ de firmeza acompanhadas.
Vi já que a Primavera de contenrCj
Em variadas cores rtveftia
O monte, o campo, o valle, alegremente.
Vi já das altas aves a armonia
Qiie atè duros penedos convidava
A algum fuave modo de alegria,
Vijà, quetudo, enfim, me contentava.
E que, de muy to chco de firmeza.
Hum mal por mil prazeres naõ trocava.
Tal metem a mudança, & eítranheza,
Que íe vou por os prados, a verdura
Pareceque le feca,de triíkza.
Mas iíto he já coftume da ventura ;
Porque aos olhos que vivem defcontentes^
Dcfcontente o prazer fe lhe figura.
O! graves, 6c inlofriveys accidenccs
De Foruna» Sc de Amor ! Quí penitencia
Taõ grave dais aos peytos inocentes !
Naõ baftaexaminarme a paciência
Com temores, & falfas efperaoças.
Sem que tambê me tente o mal de aufencia?
Trazeyshú brando efpiriro em mudãças^
Para que nunca poíTa fiT mudado
De lagrimasi (uípiros, ^ lembranças.
E leeftiverao mal acoftumadoj
Também no mal naõ coníentis firmcztj
Para q<ie nunca vi^a defcaníado.
Já quicco me achava^om a crifteza,
Eallí
Rimas do Grande
E a lli nâó me faltava hum brando engaao.
Que riraíTe defejos da fraqueza.
Mas vendome enganado eltar ufano.
Deu àa roda a Fortuna, & deu commígo
Onde de novo choro o novo dano.
Jà deve de baftar o que aqui digo.
Para dar a entender omaisquccallo,
A quem jà vio t^ó afpero perigo.
È fe nos brandos peytos faz aballo
Hum peyto magoado, & deícontente,
Que obriga a quem o ouve a confolallo j
Naõ qujcro mais fenaó que largamente,
Senhor me nnandeys novas deíTa cerra,
Que alguma deli. IS me fará contente.
Porque Te o duro Fado me defterra
Tanto tempo do bem, que o fraco efprito
Dcfamparea priíam onde íeenceira
Aoíomdas negras aguas de Cocico^
Ao pè dos carregados arvoredos,
Cantarey o que na alma tenho efcrito
£ por entre efles hórridos penedos,
Aquena negou natura o claro dia,
Entre tormentos aí peros, Sc medos ;
Com a tremula voz,caníada. Si fria,
Celebrarey o gefto claro, 6c puro.
Que nunca perderey da fantafja,
O Mulico de Trácia jà fcguro
De perder íua Euridice, tangendo \
Me ajudará ferindo o arefcuro.
As namoradas fombras revolvendo
Men\oriasdo paíTadcmeouviráõ i
E com feu choro o rio irá crecendo, {
Em Saimonèo as penas f.ikaráõ,
E das filhas de Belo luntamente
Delagrimas os vaíos íe encheram.
Qje íc Amor naó fe perde em vida auféte,
Menos íe perderá por morte eícura :
Porque, enfim, a alma vive eternamente ;
E Amor he eííeyco di alraa,6c íempre dura.
ELEGIA líl.
Ef» Goa efcreveo oT, efia Elegia, contando
ne^ia os fentimentos da partida de ^or* J>
tugaíi & fu i viage^ & de huma trO'
menta qm Ihe/obreveyo no mar.
O Poeta Simonides fallando
Co* o C apitaõ Tcmiltocles hum dia.
Em ct. uías df cK ncia praticando}
Hu(ri*arte fingular lhe prometia,
Que sntaõ compunha^ com que lhe eníiuaíTe
Luís de Camões] tot
A lembraríedetudooquè fazia.
Onde taõ íutis regras lhe rr oílVa^ój -'
Que nunca lhe paííaííern da memoria
Em nenhum tempo as coiifas que paííaffe.:.
Bem merecia, certOj fiima, & gloria,
Qtiem dava regra contra o eíquecimenco
Que íepulta qualquer antigua hiítor?a,
M^s oCapicaóclaro, cujo iníenCij ^
Bem diíference elhya, porque avia,
Do paliado as lembi anças^ por tormento j
Oi ilylUe Simonides [deziaj -• ''• J- -
Pois canto em teu engenho te confias^
Que molti^as a' a memoria nOva via >
Se me deíTes hum'arce, que em meus dias
Me naó lenibraíle nndado paliado,
O quanto melhor obra me farias!
Se efteexcrllentedito ponderado
FoiTe por quem fe vi(Te ertar aufente
Em longas eíperançaf, degradado j
O como bradaria juítamente,
Simonides inventa novas artes,
Naõ mídas opa{íadoco'o preíentei
Qjefe heforçadcí andar por varias partes
Buícandoaavida algu deícanfobonerto,
Quetu^ Fortuna in)uO:a, mal repartes 5
E fe o duro trabalho^ he mani telfo
Que por grave que fcja ha de paíTaríe
Com animofo efprito, & ledo gefto ;
De que ferve à as peíloas o lembrar fc
Do que fe paíTou )á, pois tudo paíTa,
Senaõdeentriíieceríe^ & mígoarfe?
í>e em outro corpo hum'alma fc trafpaííà^'
Naõ como quiz Pitágoras na morte,
M.íscomoo quer Amor na vidaefcaíTa ;
E fe efte amor no mundo títà de forte.
Que na virtude íò úg hum iindo objtâio
Tem hum corpo fem alma vivo^ik forte j
Onde efte objedo fal ta, que he defeao
Tamanho para a vida que ja nella
Me efta' chamando à a pena a dura Aleito >
Porque me naó criara a minha Eitrella
Selvático no mundo, & habitante
NaduraScitia, & no maisduro delia?
Ou no Càucafo horendo fraco Infante,
Criado ao ptytode hun.a tigre Hircana,
Homem fora fi^r mado de diamante.
Porque aterviz ferina, & inhumana
Naó lomeréra ao )ug0, & dura ley
DcaqucUequeda vida qu^ndoengana.
Ou em pago da^ aguas qu?. ertiley.
As quf pafíey do rr)ar^foraõ do Lete^
Para que me cfqueccraoquc pafiey.
Por.
loj Rimas do Grande
Porque o bê que a erperança vãa promete^
Ou a morte o eítrova, ou a mudança,
Que hs mal q hum'alma em larimas derrete.
Jà, Senhor, cairá como a lembrança
No mal do bem paíTado he triíte, òidura,
Pois naceadonde morre a eíperança.
E fe quizer íaber como íe apura
Em almas faudofas, na(5 íe enfade
De ler taõ longa, & miícra eícritura.
Soltava Eolo a rédea, 6c liberdade
Ao manío Favonío brandamente,
B eu a tinha já Tolta à a faudade.
Neptuno tinha polto o Teu Tridente ;
A proa a branca eícuma dividiai
Com a gente maritima contente,
O Coro das Nereydas nos feguia j
Os Ventos, namorada Galatea
Çonfigo foíTegados os movia.
Das argênteas conchinhas Panopea
Andava por o mar fazendo molhes,
Melanto, Dinamene,com Ligea.
Eu trazendo lembranças por antolhos.
Trazia os olhos na agua foítegada,
Eaagua fem foíTego nos meus olhos.-
Abemaventurança já paflada^
Diante de mi tinha taó prefente.
Como fenaõ mudaffe o tempo nada,
£ com o gefto immoto, & defcontente,
Chum fuf piro profundo, & mal ouvido,
Pornão moftrar meu mal a toda a gente ;
Dezia .'ó claras Ninfas! feofcntido
Em puro amor tiveltes,& ioda agora
iDa memoria o naõ tendes eíquecido j
Se por ventura fordes algum'hora
Adonde entra o graô Tejo adar tributo
A Tlietys, que vós tendes por Sen hora i
Ou j á por ver o verde prado en xuto,
Ou já por colher outro rutilante,
Das Tagicas áreas rico fruto j
' Nellas, em verfoeroico,& elegante,
Eícrevey com huma cocha o q em mi viftcs ;
pôde íer que algum peyto fe quebrante.
E contando de mi memorias triftes.
Os Paftores do Tejo, que me ouviaõ,
Ouçaõ de vós as magoas que me ouyiftes,
Elias, que já no gelto me entendiaõ.
Nos mcneos das ondas me moftravaõ
Que em quanto lhes pedia coníentiaõ.
Eitas lembranças que me acompanhavaó
Por a tranquihdadc.da bonança,
Kcm na tormenta crifte me deyxavaõ.
Porque chegando ao Cabo daEfperança,
Luís de Camhs,
Começo da íaudade que renova,
Lembrando a longa, 6c afpera mudança :
De bay xo citando jà da Eftrella nova,
Qije no noYO Hemisfério ^2Íplandece,
Dan Jo do legando axe cerca prova 5
Eis a noyte com nuvens íeelcureces
Do Ar iubicamení c foge o dia j
Etodo o largo Oceano íc embravece.
A maquina do mun1o parecia
Qiie em tormentas fe vioha desfazendo ;
Em ferras todo o mar íe convertia.
Lutando Boreas fero, & Noto horrendo
Sonoras tempcfta ies levantavaõ.
Das nãos as vellasconc vas rompendo.
As cordas co'o ruído aíTuviavaõ j
Os marinheyros, j á deiefperados,
Com gritos para o Ceo o ar qualhavaõ.
Os rayos por Vulcano fabricados,
Vibrava o fero, 6c aípero Tonante,
Tremendo os Poios ambos de aíTombrados*
Amorallijmoftrandofe poíTante,
E que por algum medo naõ fugia.
Mas quáto mais trabalho mais conílante j
Vendo a morte preíente, em mi dezia j
Sealgum«hora, Senhora, vos lembraíTe^
Nada do que paffey me lembraria.
Enfim, nunca ouve coufa que mudaíTc
O firme amor intrinfeco de aqueile
Em quem alguma vez de fiíoentrafle.
Humacouía^Scnhnr, por certa aíTelle,
Quenunca Amor fe afina, nem fe apura
Em quanto eftà prefente a cauíadellc.
Deftaarte me chegou minha ventura
A efta defeiada, & longa terra,
De todo pobre honrado fepulcura.
Vi quanta vaidade em nos fe encerra."
E nos propios quim pouca 5 contra quena
Foy logo neceííario termos guerra,
Huma ilha que o Rey de Perca tem,
E que o Rey da Pimenta lhe tomara.
Fomos tomarlha^ & fucedeonos bem.
Com huma groífa armada, que juntara
O Viío-Hey, de Goa nos partimos
Com toda a gente de armas que fe achara.
Ecom pouco trabalho deftruimos
A gente no curvo arco exercitada ;
Com mortes, com incêndios os punimoi.
Era a Ilha com aguas alagada,
De modo que fe andava em almadiaSi
Enfim, outra Venc i2l trasladada.
Neíla nos detivemos fósdous dias,
Qiie foraópara alguns os dcrradeyrosi
Pois
Pois paííàraÇ de de Eftige as ondas friâs.
Que eítesfaõ os remédios rerdadeyros
Qiie para a ?idâ èftâô aparelhados
Aos que a querem ter pot ca vallcytos,
O ! lavradores bemaventurados.
Se conhecem feuconrentamenro^
Como vivem no campo foflegados J
Dàlhcs a |uíla terra o mantimento \
Dàlhes a fonte clara da agua pura,
Mun^em íuas ovelhas cento a cenro.
Naó vem o mar irado a noycceícura^
Por ir bufcar a pedra do Oriente ;
!Naó temem o furor da guerra dun.
Vive hum com fuás arvores concence^
Sem lhe quebrar o fonorepoufado
A grani c< >biça de ouro reluzente.
Se lhe faltao veílidoperfumadj,
E da fermoía cor de Afilria tinto,
E dos torçays Atalicos lavrado:
genaõ tem as delicias de Corinro,
E Te de Pario os mármores Ihefaltaó,
O piropo, a efmeralda. & ojacinto :
Se íuas caías de ouro naõ íe eímaltaõ,
Efmaltaíelhe o campo de md flores,
Onde oS cabritos fcus comendo falfaó.
Alli lhe moílrâ o campo varias cores }
Véfe os ramos péder com co* o flruto ameno
Alli íeafina o tanto dos Paílorei.
Alli cantara Titiro» 6t Sileno ;
Enfim, por eítas partes caminhou
Afáa juái^a para o Geo íereoo»
Ditoío feja aquelle quealcançou
Poder viver na doce comparihia
Das manfasovelhinhasjque criou,
Eíte, bem facilmente alcançatiâ
As cauías naturays de coda couíà j
Como íegéra a chuva, 6c neve friai
Os trabalhos do Sol, que naõ repoufa s
E porque nos dà a Lua a \út alhea
Skí tolhemos de Fcbo o% rayOsôufa.
E corno taõ depreíla o Geo f odea ♦,
E como hum íó os outros tra2 configo ;
E íe he benigna, OU dura Gitetea.
Bem mal pôde entender ilto que digo»
Quê ha dcandaríegumdoo fero Marte,
Que lemprcos olhos tn^zem feo perigo*
Porém íepj Senhor, de qualquer arrcj
Pois poíto que a Fortuna pofia tanto
Qu- taólonge decodoó bem me apaite^
xNÍaò poderá apariíir meu duro canto
Defta obngaçavõ fua, em quanto a Morto]
Me naõ catrega ao duro Kadainanto ^
Se para triíles ha tnô fedai fottè^
ELEGIA IV.
m
AT>* Leonis^treyra GovernKidof' de Malacê^^
fertende o *P. que úceyte hum livro, que
*Feãyo de Magalhães Gandabo lhe
deaica dé htjioriu do Brafil^
DE pois que Magalhães revê tecida
A breve Híftona íua, queilluAraíTc
A terra Santa Cruz, pouco íabida :
Imaginando a quem a dedicaílè,
Ou com cujo favor def:nder ia
Seu Livro de algum Zoylo que ladraíle 5
Tendo niílo ocupada a faiità fia,
Lhefobrsvéyohum fonorepauíadOí
Antes que o Sol abriííe ó claro dia.
Em íonhos lhe apsfcce todo artnado
Marte, brandindo a lança furio<a^
Com que fez quem o vso todo enfiado.
Dizendo, em voz peíâda^ & temeroia/
Naó hejuíto que a outrem íe oíFereça
Obra alguma que poffà íer f moía,
Senâõ a quem por armas reípla-^déça
No largo mundo com ti nome, & fama,
I Que louvor immoríalíempre mereça,
DiíTeadi j quando Apolo, que dá fia mma
Celèíte guia os carros, dé outra parte
Se lhe prefenta, & por feu nome ò cham-^.
Dizendo : Magalhães, poílo que Marte
Com íen terror te efpante, todavia
Comigodeves fó deacOnfelharte.
Hum Varaó fapitnce , cm qucm Thalia
Poz íeus tefouros, & eu mmha ciência,
Defender tuas obras poderia,
He jullo que à Efcriturá na Purdencia
Ache íòdefcníaõi porque a dureza
Das armas he contraria da eloquência,
Aíli diífe : & tocando com dtllreza
A cítara dourada, começou
A mitigar de Marte a forfale?a.
Mas Mercúrio, que íempre coílumou
Pacificar porfias duvidoías^
ComoCoduceo na máo, que íempre ufou,
Decermma compor as perígoías
Opinióesdos Deoles inimigos
Com íuaves razoei, & pondérofas,
Ediííc; Bem fabemos dos antigos
Hero(S,{k dos modernos, quç prOvàraã
De Belona os graviíTimoe perigos $
Como também mdv«z€$ concordara '
104» Rlmat âúGranàe
Ás armas com as letraSi porque as Muías
A muytos na milícia acompanharão
Nunca Alexandre, ou Gefar nas confufas
Guerras u eft udo dcyxaó grande efpaço >
Ciue as arma> já mais delie laó eícutaí).
Numa mão livros, noutra ferro, & aço i
Aqucltarege, &enfina-, eftoutra ície:
Mais co' o íaber íe vence, que co' o bi aço,
Pos, logo, hum Varaõ gran Je íe requere^
Que com teus doens (Apolo) illuílrc íèja »
b de ti £ Marte] palraa,& gloria eíperc.
Efte vos darey eu, cm quem fe veja
Saber, & esforço, no fcreno p.eyto :
Qíe he hum Leonis que faz ao mudo cnveja,
Oefte asírmâasem vendo o bom fogeyco,
Tod'snove nos braços o tomàraõ,
Criand j-ocom ofeu leyte nofeuleyto.
As arteSj &: as ciências lhe enílnáraó,
inclinação divina lhe iníiuiraÒ
A as virtudes morais que logo o ornáraõ.
De aqui nos exercícios o feguiwõ
Dasarmis no Oriente, ondepnmeyro
Hu o foldado gentil inftituiraó.
Alli cays provas fez de cavateyro,
dijCí deChriftomagnaimo, & feguro,
Atli meímovenceo por derradeyro,
Def-^ois, jâ Capitão forte,& maduro»
Governando toda a Áurea Chcrfonefo
Lhe def^ndeo com o braço o débil muro
Porque vindo acercala todo o pefo
Do poder dos Achensj que fe fuílenta
De alheo íangue, em fúria lodo acefo %
Efte 16 que a ti, Marte, reprefenta,
O caftigou de forte, que vencido.
De ter quem vivo fique fe contenta*
fe logo qucefteRey no defendido
Deyxoujíegunda vezi com mayor gloria,
Para ir governar foy elegido.
Mas naó perdendo ainda da memoria,
Os anagos o leu governo brando.
Os imigosodatyoda vitoria,
Huns coin amor intrinfeco efptrando
Eftaó por ellej & os outros congelados
O eftaõ com frio medo receando.
Vede, pois, (ê íiiriaõ debelados
Por feu claro valor, fel átomaíTc,
E dos índices mares degradados.
Porque hejufto que nunca Ihenegaílè
O concelho doOhmpio alto, & lubido.
Favor, & ajuda com que pclejaíle.
Aqui lò pôde fcr bem dirigido
De Magalhães o eítudo ; cfte"íó devc
LuíS de Càmõtf. ^
Ser de vos claros Deofesi efcolhido,
Afli Mercúrio diíle ^ &. em termo breve
Conformados íe vem Apolo,&Mattei
E vooujuntamente o feno leve.
Acorda Magilhães, & já le parte
A offreccrvos, lenhor claro, & famoío,
Tudo o que nellc poz c iencia, <k arce.
Tem claro eftilo, & en^^enho curiofo,
Para poder de vi\s fer recebido
Com mão benigna de animo amorofo.
Pois íe íó de naõ íer favorecido
Hum alto eíprito, fica baxo, 6í efcuro
Efte feja com vofco defendidoi
Como o foy de Malaca o débil muro,
E L' E G I A V.
SuffirAaqui oT.peU^vifla dê fua querida^
ainda com todos os defdens^que aíU
fazia delle,
AQuelle mover de olhos excellente,
Aquelle vivo elpirito inftammado
Do criítalino roíto iranfparente:
Aquelle gefto immoto, & repoufado,
Queeftando na alma propriamente eícricoí
Naõ pòieferem veríotrasladrido:
Aquelle parecer, que he infinito
Para lecomprenderde engenho humano,
O qual offende em quanto tenho dito ;
Tanto a inflamarme vé de hú doce engano^
E tanto a eagrandecerme a fantafia,
Qiienaòvi mayor gloria que meu dano.
O ! bemaventurado íeja o dia
Em quetomeytaõdocepenfamentOj
(^uede todos os outros medefvia
E bemaventurado o fofrimento
Que íoube fer ca paz de tanta pena,
Vendo que o foy da cauía oontendimento.
Façame quem me mata, o mal que ordena.
Traterne com enganos, defa mores ;
Qiieeotaõ me falva quando meoondeoa,
E fe de taõ fuaves disfavores^
Penandovivehuniaalma confumida,
O que doce penar ! que doces dores i
Efehumacondiçaõ^ndurecida,
Também me nega a morte por meu dano,
O que doce morrer ! que doce vida !
E Te me molf ra hum gello lindo humano^ •
Cl mo que de meu mal culpada fe acha,
O que doce mentir! que doce engano !
E fe em quererlhc Canto ponho tacha,
Mof-
á
Rimas do gtdfide
Moftrando refrear õ pénfamenco,
O que doce fingir .' que doce cacha 1
g^ Aíli que ponho jà no íofrimento
A]paríe principal de minha gloria,
Tomando por melhor todo tormento.
^i Se finco tanto bem fó co* a memoria
De vcrvos, linda Dama, vencedora ;
Qiíe quero eu mais que fer voíTa vitoria ?
Se canto a voíTa vifta mais namora,
Qiianto tu fou menos para merecervos j
Que quero eu mais q tervos por íenhora ?
Se procede eíle bem de conhecervos,
E confifte o vencer cm íer vencido,
Que quero eu mais, íenhora, q quercrvos
Se em meu proveyto faz qualquer partido,
Sò na vifta de huns olhos taõ íerenos,
Que quero eu mais ganhar que íer perdido ?
Se, enfim, os meu> efpritos, de pequenos,
A merecer naõ chega õ feu tormento.
Que quero eu mais, q o mais naõ feja menos ?
A cauía^ pois, meesfcrça o roftimenroj
Forqueia pefar do mal que me reíiíle,
De todos os trabilhos me contento.
Que a razaõ faz a pena alegrCjOU trifte.
ELEGIA VI.
^efcreve o T, ofrefcOy Q? agradável bofque
aonde vive o Âmo)\ & concíne com afa*
bula de KaTcifo.
ENtreruílicas ferras, 6c fragofas.
Comportas de âfperiíTimos rochedos^
De falitradas lapas cavernofas ;
Ondegritando os húmidos penedos
Orvalhados de neve branca, & fria,
Brocando eítam de fí niil arvoredos ;
f-Iuma florefta fez yerdcj Si fombria
A Natureza experta, querodea
Como elevado muro a íerrama.
Nefte fermofo fitio fe recrea
O laícivo Cupido entre as boninas,
Qiiefempre hCi brando Zephiro menea.
•• Dí cândida cecem^ das clavcilinas,
Da íalva, manjerona, & das mofqucftas.
Das rubicundas flores Jacinrinas ;
Muytas capelas tece, quede Terás
Lhsíervcm contra pcyCosdc donzellas
A quem de enveja traz fempre inquietas.
Naó íâõ de huma íó cor as flores bellas,
Qurhumasefmalta verde, outras roíado.
Entre as azues çreccndo as amarellas,
IL Pau.
LuisdeCamõesl ^ ^ toi
Dos agrcítes loiírêyros rodeado
Faz o Valle huma fombra dehytofa,'
Quando aparece o Sol mais levantada
E por cima da relva bem gracíoía
As goras de cníial quafi imitandj
EAam do aljôfar puro a luz fermoía.
As crifl:ahnas fontes, que brotando
Por entre alvos íeyxinhos fe derivam, '
Das arvores os troncos vam banhctndo.
Entre as límpidas a guas, q inda efquivaiH
O ferrnoíoPaiior,que feperdeo
Pr eío das falias moftras que ocativaõ^
Crece a por cuja ca ufa íe efqueceo
A lindaCitherca de Vulcano,
Quando prefa de amor fe Iherendeo.
Na brancura do rofl:o fobsrano^
Inda as cruéis feridas aparecem
Do javali cerdofo, &deshumano.
As rofris que de langue refplandecena
Nas cândidas boninas marchetadas.
Qual roxoefmalte àa viíla be fe oíFreccm,>
Do m aturi no orvalho rocíâd^iS
As flores rutilantes, & cheyrofas,
Eftsm como por cima priteadas»
Os hu medos botoccs abrindo as rofa».
Que os agudos eípinhos vam cercandO|
No prado fe vem rindo delicioías.
A n^^elif^ra Abelha fufurrando
Por cima das boninas, qiie rodea,
Eílà co' o fom das aguas concertando*
Do trémulo regato abranda área
Dejacintos fe cobre,& de vieyras
Que encreípaô da corrente a branca vea«
Os alamos fe abraçam co^as videyras
De íorre,que fc enxerga efcalTamente
Se famos cachos feus fedas parreyras,
E pendendo por cima da corrente»
Outro fermoío boíque dibuxando
Eílam no fundo delia brandamente.
Ouve^e o Roxinol aqui lembrando
Do pérfido cunhado a crueldade.
Magoas em melodias trí.nsformando.
A íolitaria Rola com foidade
Desfaz o rouco peyto ja canlada
De quenam move a mortea piedade,
A domeílica Progne anda banhada
No íangueda-íeus filhos, em vingança ^
Da trifle Filomena profanada.
De competir co' o Merlo naó defcança
O gárrulo Calhandro, que enroquece
Por nam perder callaio a confiança, ]
Em quanto o pobre ninho ajunta, & tece
O
Ofo*
ão6
*0 foiiorò'Canario, modulando
Engana a grawc pena^ que padece
Alguns vcrlos fe elcuia derram mdo
O vaao Pinraíiigo^taõ raiidaveis.
Que produzé oicínorias de amor brando.
Poros direytos troncos ha notáveis
Epigramas 5 alguns de antíguâ hiftoria^
Qi-ie contra o duro tempo Ía6 duráveis.
Rimas do Gr a ff de Lais de Cíímõesi
Digna de te chorar com magoa pura,'
CaíUgo foy que o moço mereceo
Por íe moitrar eíquivo com aqudia
Que em viva pedia Juno cOiwerteo,
Ardia em fogo da alma a yãa donzeUa,]
Sofrendo hum ouro peyroi que a Narcifo
Qjandoella noius íeabraín> maiscógella.
E quando a ífáca Ninfamaisdefifo
Huns de cruel tormentOj outros de gloria Moílrava hum final certo de firmeza,
.r.C V - 1:1 1-j- j_ r c A i\. . . ^:i.
fonforme à a libardade do que efcreve,
ílranhos cafos moftraó á a memoria.
O que nefte lugar conten te eftc ve,
Contente declarou feu penííimento,
E os prazeres também qus nelle ceve.
Mas outros declarando o íentimcnto
Que dos olhos deAila triíles aguas
Deyxàraõ mil lembranças de tormento.
Abraíandofealgunsen vivas fraguas,
Eícrevèraó, do boíque em muyras partes,
Goftôs de amor agora, agora magoas,
,, PorquCj cruel Menino, o premio partes
A quem feras Tirano fe lho negas j
E injufto, & defigual, íe lho repartes ?
Porque enganas as almas que taõ cegas
Arraftras a pos ti, de error cativas >
Porque a cruéis rigores as entregas >
Enraõ íe provo:ava o moço a riío.
Jà dehuma prcfundídin)» tnfteza
A defcora o rigor qu^^ a coníumia.
Cornodiídisfâvor niâl com bcllezaí
O gelado Paftor folgava, & ria ;
Mas vendoa de fcu gofto andar contente.
Por naõ a contenrer íe entriílçcia.
He tal o feu rigor que naõ confente
Que íeja o golto próprio fellejado,
Antts diílò femcílra defconíence.
Mas ocegQ Cupido, de afrontado.
Em vingança da fé, quedeípre/ou,
Fez que fof le de fi mtírno enganado.
Caíualmente hum dia fe chegou
A beber numa fonte criftalina.
Que de fi nova íede lhe caufou.
Vendo a fua figura peregrinij
Para quecótra hum peyto aíTi te efquivâS, Que a fonte dentro em fi reprefentava,'
Que humilde fe fogeyta a ceu cuy dado
Com enganos de ÍOmbras fugitivas í
Leyascomo a menino hum pobre a nado»
Numa aparência falfa embevecido,
Quando co^ os braços corta o mar inchado.
Querendo-íc tornar,verc perdido,
Jà grita quefe afoga, &: tu zombando
Da praya entre os penedos efcondido.
O trifte, que conhece irfe afogando.
No meyo da arrifcada zombaria
por divino íoccorro eftá clamando.
Mas eu de que meefpanto, le dezia
Hum fabioj q ue de enganos fc temeíTe
O que tomaíTea hum cego tal por guia.
Nunca nelle a firmeza permanece j
Se nos dà gofto algum, mudafe logo j
Jàchora^ já fe ri, jà fe enfurece^jo- r) .\
Anda Co* os corações íempre em hu jogo>
Humas vezes os faz de pedra fria.
Outras Gs faz de nevCi outras de fogo.
Tornando ao bofque meu^ que deícrevia,
t)?fpois de ter contado da frefcura
Que nelle taó pompofa aparecia ;
}■■'■ Referir quero agora huma aventura
Que nelle ao vaó N í rciío aconteceo.
Se pt^rdeo por imag-nQ taó diyiiu.
Como jà, de cLvado, naó cuydava
Nos enganos quea íomb-a lhe fazia.
Vendo o ftrrmoio roíto^ fuípirava.
Por as avaras aguas fe metiaj
E quanto mais molhava os tenros braço?,'
Entaò mais vivamente o fogo ardia,
VenJofe aíll prender cm duros laços.
Ao fentimenco obriga a paciência,
Dando for-i de fi ao vento abraços.
Embevecido todo na aparência.
Sem faberdocuydadooque íentia,
Naó fez ao doce engano rcfillencia.
Ao vcrfe longe mais^ mais perto via
O peregrino gefto •, 61 fe chegava, >
Entaô para mais longe lhe fugia.
Vendo, enfim, como em tudo o rennedava,
Cahio no torpe engano que tivera^
A tempo que de fi )à prefoeíUva.
A Belleza,que a cantas morte dera.
De fi meíma íe abraía, ík íe cativa.
Quam longe entaõ de fi veríequizeia!
EUa fe abranda própria /ella f^cíquíva j
E fendo ella íómente a que feamava j
Elia fe chama ingiaca, ^ fugitiva,
Aier
\
Rimas do Grande Luh de Camôesl
A fermofurâj pois, que namorava, £ fe foy defprezado, !à padece.
Com taldifilculdadeera feguida.
\Q)
Que eft^ndo dentro em fimuy longe eftava.
A folícaria Niofa, que efcondida
Jà nas cavernas concavas fc via,
Doi> males que Iheouvio foy comovida.
Das namoradas magoas,que dizia
O namorado moço, eiia lomence
Oj uícimos acentos repetia.
Elle vcndoíe cftar alli prefenre,
As criftalinas aguas acufava
De qiie ellas o faziaõ defcontente.
Outras vezes à afonte quando olhava
Jà ce^ó, & fém juízo, agradecia
A figura que dentro lhe moílrava.
Mas vendo que ella em nada fe doía í>My
De feu grave tormento, grita, & chora. ' ' * ' ■
Qifauto erra quem de íombras fc confia l
jà lhe pede que íaya para fora.
Ignorando que fcmpre fora efteve
A ÒT-Ueza que nelle próprio morsi.
Dei pois que longo eípaço fe deteve
Neftes queyxumes íeus taó laítimoíos,
Que com taó logo fer julgou por breve ;
Com os olhos, bellos fi, mas lagrimofos,
Do valle (e defpede, & da efpeíTura,
Dando foi uços da almavagarofos.
Entregue na vontade da Ventura^
Ou, por melhor dizer, de feus en^anos^
Ao centro fe arrojou da fonte pura,
Deíla arte feneceo em tenros annos
Narcifo, dando exempo à a Fermofura i
De que tema, fe he tal, também feus danos.
Sentimento moftrou da forte dura
O Namorado Júpiter, mudando ♦
Ao moço em flor purpúrea, que inda dura,
Aquellas claras aguas rodeando.
Onde por feus amores íe perdeo,
Eltà defpoís da morte acompanhando
Tanto no feu engano procedeo,
Que nao fabe na morre inda apartaríc
Dos erros que na vídacometeo.
Bem pôde o coração deíeoganarfe.
Que o fogo de hii querer na alma inflamado,
Naócoíiuma na nrkorceresfriaríe.
L Porque defpois do corpo fepultado,
Priíaõ onde fe encerra o fraco efprico.
Eternamente chora o feu cuydado.
E dáS efcuras aguas dg Cocito
A rápida corrente refreando^
Celebra o lindo geflo na alma efcrito.
Lá (e eflá co* oi favores recreando :
.-11, Paru
As duras cíquivanças lamentando. ^
Nem doi avaros olhos lá feefquece,^ '
Que de fermoío verde a terra eímaltáo,
For naõ ver os do tríílc que endoudece.'
Afll que os dis favos es nunca faltaò
A tè defpoís da morte pcríèguíndo
Hom triíte coração quedesbarataó,
Triíte de quem em vaó lhe vay fuguindoi
E L E G I A VII.
Elegantemente pinta aqui o T. o Jardim do
Kylmòr com a defcripçaõ das arvores q^ue
o fazem Ueleytofo*
fii .
i
A Opèdehuma alta faya viíentado,
-^^Num valle de leytofo,& bem florido^
A Almcno Paftor trifte, & namorado, ^'
Outro no mundo pôde aver nacido
Taò quey xofo de Amor j poré naõ tanto
Gomoefle Amante por amar perdido.
Jà Vénus hia recolhendo o manco
E{curo,com que aterra íe moílrava,
Para ajudar de Almcno o triíle pranto
Apolo fobre os montes derramava
Seus dourados cabcHos, que faziaõ '
Ao tnílc inda mais trifte do que eftava^
As flores por o prado íe eftendiaõ»
E das qtie finas mais eraõ as cores, ^
As brancas roxas Ninfas mais colhiaõ
Jà guíavaô feus gados os paííores,
Que deyxando-os no campo deleytofo^
Com ellas praticavaó Iode amores.
Mas era efta alegria hum perigofo j.
Eftado para Almeno entriftecido, ^
E por ifio a dey xava preíurofo.
Bufcando outro lugar, contra Cupido
ClararaenLC exclamava, & o arguia
De contrario, de alluto, 8c fementido.
De quando em quando a frauta que tangia
Números dava ao ar taõ docemente.
Que as aves provoca a melodia.
Cego aíli defta dor^ delle accidente, -.t;
Com os olhos em lagrimas banhados
Poftos no Cco, deziatriftemente;
Se, Annor,eu teoffendi có meus cuydadojTi
Porque mos déíte tu para ofVendercej
Quando livre vivia neítes prados ?
Naõ ves quanto me negas merecertc
O bem que me moítrivas, fe deyxaííe
Ferir meu coração para lofrerceí ^
^ *^ O ij Qiial
■??>E.
Jl^tníag do Grande Luh de Camões,
QualbêmehaSfdadOjAmor, q medaiaiTc?
Ou qual me has profioetido q |iajas dado ?
Ou qual deite que tnujítuoaót Mil? ffe?
Moftramc qi^em p^zefte em ui cilada, )
Quepudefle vjver dççíçpncentçj {
Ou quem deu naõ foilelaíUmado ? t\
Inimigp cruel de toda agente, ' ^
Jà naó quero teu bemi ío tnt u mal quero | .
^e d^ ti [>em meu (i>al íe ruí confente,
Inda que de teus bens jà defeípero,
Naõ deígrezo dos qpalcso tormento^
Antes o prezo mais quãdo he mais fero,
^ Al reboado deílepcníamento
H\a o trifte Paftor com hum contina
Pranto que lhe avivavf^ o fentipiento.
Cercaofnangeficaõ, que íe interpreta ;
^Icmoria a quem oíFende o er^uecipnécQ.'
. MííysinJp*->fiunaqudQJ^rdtm de Certa,
A ameyxieyra^ íloreíla foUnndo :
A íegurelha vcjoiquç hcdiíççcça.
As ervas que de aqui trey roniando,
Saõa pura çí?çem> que heíaudade;
Ciavos, mcdQde vtr qual ^^ ^morando.
E, de ter muy perdida a liberdade ;
Tomarey madrefilva entendimento j
Ltgacaó tomarcy, porque he vtrdade,
Marmeleyro me dá arreRendímcnço;
Fora íalva, quehegofto, tqiT^arcy
Coentro opqfto ao meu contentamento,
ConhecimentP firme nunca achey,
QLiando entrou nú Vergel de efmalte fino. Que violetas Taõ ♦, &j quando o ouveraj
Qvie era de Amar plantado ; & parecendo
Lhç ejlà menos humanOjque divino*
Nclle adorfua efteyerfurpendcndo :
Porém naõ conao cervo eílá ferido
Rep^aro aomal,que leva percendendo.
Aparecia o fitio taõ florido *
Que provocava a oaõ vulgar efpanto.
Entre huns altos ulmíytpts efçondido.
De hum criftalíno orvalho tinha o manto.
Quando entrou nelle o ncviíero Paílor^
E as tençoens explicou nelle feu Cíyito.
O ! hellas R-oías^ vos que íoys A «jor !
He, pòr dita humildade^ ou he bayxeza
O tcc apàr de vòs Murta que he 0or ?
Pap<^ulas çpnverfais, que íaõ tritte^a ?
Naõ derprjezaiu o cardo, q he tormento ?
Adraitts a Oi telãa, fendo crueza ?
Dos goy Vos longe vejo o fentimento $
Dos jaími^ns perto çftou vendo o perigo j
Do malmequeres vejo o íofriraento,
Deíle me temerey como eoemígo j
M^\ trag ppr armas falya, que he razaõ:
Com cila ac^bi^rà também comigo.
As minhas vem a fer huína affeyçaõ,
Queíaópspuijos cravos mifturados
Co*a vontade íbgeyta, que he limaõ.
Ay ! mofquerasjq foys de Amor cuydados !
Ay ! creíjpa manjerona, que es prazer !
Vòs íós devíeis adornar os prados*
Naõ podemdQSopollos juncos íefj
Ondqfe opõem gieít^ que he lembrança,
Junto do rosmaninho, que he crecer.
Bem pela do Icveaiançip a mudança}
Du ro-xo g^yvp anima o peníamento^
Do ciprelte odorífero a efpevança.
O trevo, que he-ícntido apartumeíico
Qual n^eu dano entaõ fora bem o íey.
Oi quem, ervâcideyra lòquepi pudera
Vervos aqui menor, pois foys vitoria
Que de mim alcançou chim^ fçycra i
Masíe quereysquetenha alguma glofít^
Por galardão de amar, & ter fogeyto,
Pcrderey de tormentos a memoFia. ^
Porém, pois ntio pegais, d^ todo cngeyto
A píilma, que he ventura j &c na parreyra.
Que heefperança perdida, medeleyto.
Entretanto co* a flor da larangeyra,
Qie he d.eíafio duro, & arnfoado,
PofTo argiíir da hora dcriadeyia,
Jà naó Içquer de ter o meu cuydado
Com a romãade^anío j a brevidade
Das iç^^rSiVil^as fó-tem deíejad^.
E vòs, ovelhas minhas, íem piedade
Vos apartay de mim» íe algum deíejo
Tendes de ter do p^fto miais vontade.
Se iftuy ta de mç verdes em vó > veio.
Toda a minha de vervos hey perdido
A a força do poder de amor fobejou
LograydoTe}oo plácido ruído;
Sòs logray eft^s vc yga$ florecidas*
Pois íje p^rd€ o Paftor vofl"(i) querido :
Naõ gofteys de com elle fer perdidas.
ELEGIA VIIL
ContrapSem o T. o fino do (eu i^mor ao dwto
da efquivança de fua querida > cujapena *í
>
defeja acabar com a morte,
Elifa, único bem defta alma triílc,
_? Defcanío fingular de minha vida ;
Trono donde q poder de Anior confifte :
í
Fer-
Rimai âú Granai
Fermofafer?! aquémeftà rendida
De amor a que he rnais livre liberdade
Ganhada mais, íc mais por ci perdida :
Qoam contrario parece na beldsdci
Que os corações cativa com brandura
Alguma nódoa aver de crueldade j
Qiiam contrario parece em íermofura, '•
Qu:deyxa muyto atraz quanto he huinano,
Eiquiva condição, ou alma dura !
Õj.i3m mal parece, em que íó c*"hu engano
Pòdg dar vida ao coração íogtyto,
Darlhe em lugar de vida hú mortal dano !
Quam mal parece que hum amor perfeyto
Naõfeja de outro igual remunerado^
Inda que feja, acafo, conrraFeytoí
Quam mal parece eftardefeíperado
Quenij canto por ti lofre, Ôc tem íofrido,
Devendo eílar de penas aliviado !
Porém peor parece quem rendido
Naõ for a hum parecer que tudorende,
Por mais q em íeu rigor viva ofFcndido.
% jnda pcor parece quem detende
O íer eíTa belleza lempre amada,
Por íjiaii que em vaõ íe canfe o q a pertcnde.
Se quem te moílra amor te defagrada,
Sò piòdes pçrtender o naó fer vifta,
Mas naó deípois de vifl^a o fer deyxada,
Quam mal íabi o valor de tua vifta
Quem çuyda que o q delia acafo alcança
Pôde achar coração que lhe refiíta i
Quam bem pareceria huma eíperança
Jà concedida a meu amor ardente
Xs'aõ fempra húa mortal defconfíança»
Sc hum padecer por ti conftantemcnte
ÇlKjeíTe fer reparo a quem maisteama^
Inda elperat pudera o fer contente.
Mas eu temo que aquella imnicnfa chama
Com que a teu bcllo império me leyaíte.
Te entria tanto atí quanto me inflama.
Se a Olímpica Belleza a íli imitafte,
Qie brandamente move hú amor puro.
Porque taõ dura condiç; ó tomaíte ?
Qual elevado íqualloberbo rauro,
EftíemaUque me ocupa o penfamento
Contado, naõ tornara menos duro?
Tu, que es acauía fó de meu tormento,
Tu, que fomente podes gloriarme,
Queres q as minhas qweyxasleve o vento?
Tu, que me pagarias com matarme,
Inda amorte me negas vezes tantas ?
Ayi qlieme deras vida a morte darme!
Ufa piedade, tu, que omundoefpantas
Luh de€ánmi, ÍÕj
Co* osbcUai olhos cõm ^o dôurarTâRfo^ ^^
Se acafo a velo brandos os leva nta&r
Eítendck; nâ cerra o negro man«c>,
E à noytedáalcgríaa luz aihc-a.
Mas nos meusolhos trifte dura o prãfo.
Torna a manháa de(pois alegrej U che^
Da luz q o choro enxuga a a beiiâ Auror», '^
Mas do n>eu choro nunca enxuga a feá-.
Lagrimas yx naó íaô,que cita aln>a chorâ> \
Mas Amor he virai que denrro arde, ^-
EJpcraluz dos olhos íaita fora.
Comoindaa morte q^J-er q mais aguarde?
Naó Tarde fá, mas corra a mal taõ fero,
Mâsià por mais que corra virá tarde.
Nem no fu prem o tr^infe detiefpero
Que inda cõ vercveítada ero qmeTias poílp
Queyrasj crua, entender quanto te quero,
Ay J le vol veíTes eife bcllorofto ' " ^ '^'.
Ao lugar crifteem que morrer rae vLccs
Naõ por defgoíto teu, mas portcugoítoi
Naó quero de ti^ naõrque allríuípires,
Nem que de darme amorte te arrepédas,
Mas que os olhos de verme cncaõ naõ tiresil
Aíli nunca Pdltor a quem te rendas^.
Te fíça conhecer o que me fci zes.
Para que com teu mal meu mal ecucêda^
Como já agora naó tpratisfazcsviv uv '.:
Das penas deiteamor^ que por qtiercrte,' i*
De teu merecmemto íaõ capa7esi
Pois quem com outro mérito rsndette
Prefume (^òiaromonô-rode belle:ía \)
Muyto tnaislongeeftá de merecene» :
Elle fi> que merece agraó crueza '
Com que tu de acabarme ayida tratas,* )
Pois diante de zi, de f» íe preza. j
Se cuyd^Ts que com ite disbaratas
O meu conftanteanfiafy porque naõ T^iv^i f
Elle mais vive quando mais me matas. \.
Se o darme morte tem por gloriai akiVíc:
Eu me inclino a que maites : tu te inclina
A matar mais de branda^quedeelqtiiva.
Sc eíta alma tua julga^í poi indigna
De a quelle grande bem q cm ti íc eícôdcj
Do deícuberro mal a fazed>gna, de.
Onde [ay !] vez acharey q bafte (ay !} On-
A poder rcduzirte a fer piedofa ?
Ou me acaba de todo, ou me rei ponde.-;
Mas poiT mais que te moflres rigoroíà,
Deyxar meu peoíamentomc he impoíTivelj ">
Igualmente que a ti naõ íer fermoía,
E pof mais que efta dor fej? terrivel,
Sóraente o contempbr a cauía áúb^
lada
indaquea fa2 mayòri a faz fotrivel.
iPorèm chegando a naó poder íofrela
Perdendo a vida, quando a morte chame,
Naõ perderey o goíto de perdela
He juftoqueeu por ti mil mortes ame:
Mas \é tu ic te illuílra, quando offcuia
Minha mortal o teu valor íechaane.
Bem vesquehuma beldade taõ immeafa
De vencer meteti) gloria bem pequena,
Fóis íó rendermetomo pordefcnía.
Mas jà que amor taõ puro me condena,
Contente fico alfazdcfta vitoria;
Que naó me daõ meus males tan«a p:na.
Quanto o íeícm por ti me d à d- gloria.
?: E L E G IA IX.
Rimas do Grande Luh de Camões,
Haó de ver as mudanças da ventura.)
A vida tenho pofta na balança
Da gloria (ingular do dano elquivo:
Quc o perdcía por vòs hc mòr bonança. .
Sd V0SO fencfe cuydo que oaò viVo :
Olhay íe muyco mais, que deofFendervos
Dasclf^erançasdo viver me privo.
♦ O que temo íómente he ío perdcrvoS}
O que quero íóínente heló adorarvos i
O que lomente adoro he fó querervos.
QLierirvos íem dfjyxar de vencrarvos %
Defejarvos íómeiue por íerviryoS}
Porfervira arai õr vil niõdeíejarvos.
Somente vervosj&v' íomenteouvirvos
Fertendo, & pois fómenre ifto pertcndo,
Deveis a eílcs ientidos permirirvos.
líto ròmente,TÒ cegO] cílou dizendo?
Em o principio defens amores , entre os 1 7. Como fe fora jx)uco, íílo fomente ^
iè 1 8. annos de fuá idade j moflra o 'P. Que mais q ouvirv^s ha ? q eitarvos vedo ?
Se o naó merece o meu amor decente j
Se morte por amarvos fe merece,
Morra eu. Senhora } & vos ficay contente.
Se vos agrava quem por vos padece ;
Sé vos vê a oftender quem vos quer tátoj
com muyta/ezudeza o t^rnor
cafto com que amava
afua Senhora.
Vida me aborece, amorte quero
AVÍdamcaborece,amorte quero j Se vos vê a ottender quem vos quer tato
Será eterno o meu mal,fegúdo entendo. Quem deíla forte errou naô dímercce.
tois na mòr efperança deíefpero.
Sem viver vivo por morrer vivendo;
'^or naó verdes, Senhora, como eu vejo.
Quâtods mi por vòs me ando efquecendo.
Sejame agradecido cftedelejo!
Ingrata naõ fejais a quem vos ama
Com puro, & honcftiííimo defpejo.
Que quando os olhos da razaõ levanto
Ao Geo de elía rantlima Belleza,
De naõ morrer por cUa íò me efpanto,
Deyxaymecontentardeftatríílezai
E fazer de meus olhos largo rioi
Se algum pòdc abrandar vofTadureza.
Correndo fempre as lagrimas em 60,
Aculpa,que me pondes, ponde àaFama Farey crecer as ervas poros prados,
Que pregoa de vòs celeftc vida
Que os corações de amor divino inflama.
Humana, quando naõ agradecida,
Vos moftray ao mal meu q me faz voíTo,
Antes que alma do corpo fe defpida,
Jdas que poffoeu fazer pois jà naó poíío
Hum tormento do mar taõ forte, & duro,
Homem formado fó de carne, & de oíTo ?
Em minha fé fegura me aíTeguro >
Porq efta, quando he grande, já mais erra,
Se rcfulta de Amor fincero, & puro.
• EíTa Beldade fanca mefaz guerra j
Por ellâ hey de morrer^ inda que veja
Tornar o brando rio em dura ferra.
Quecoufa tenho eu jà que minha feja?
Quem naõ dcleja a voflàfermoíura,
Naõ pôde aíícgurar queo Ceo dcfeja.
De que eu fempre o defeje cftay fegura :
Ncíle deícjo meu nuocaoiudança
Poisjàdeoutia alegria defcOníio.
No monte direy pafto a meuscuydados/^
E feraó de mi fempre entre Paítorcs
Eífes divinos olhos celebrados.
Aprenderão de mim os Amadores
Aquillo que íe chama Amorfublime,
Ouvindo o rigor voflb, & minhas dores,
E nenhum averà que a pena eltime
Mais íobemna por a cauía delia, ^
Que a queteveatécnc^iõnaódeíeftims
E que enycja naó molíre à a minha eftrella/
4.
ELE
i
Rimas do Grande
ELEGIA X.
EJla Elegia fez oT.à morte de T). Miguel de
Menezes na Indta filho de 'D, Henrique
de Menezes Vl^Governador da Lndi-n
em tempo delRey 'D. Joaõ o III,
QUe friftes novas,ou que novo dano ?
Qiie inopinado mal lucertoíoí,
Tingindo detetnor o vulco humano?
íiue vejo as prayas húmidas de Goa
Ferver com gínrearon!ty,& iurbada»
Do rumor j quede boca em boca voa?
He morto D. Miguel, [ahcruaefpada!]
E parte da luílrofa Companhia
Que alegre fe embarcou na triílc Armada,
Edeerpíngarda ardente, & lança fria^
Pâíísdo poi o torpe^ & miquj braço,
Qiie noíías altas Famas injuria.
Naõ lhe valeo ertudo, ou pey to de aço,
Naó animo de Avós claros herdado,
Com que temer fe fez por longo efpaço,
Náó verle em derredor todo cercado
De irados Inimigos que exabvaô
h negra alma do corpo traípaflado,
Naõ as fortes palavras que voavaS
A animar os incertos companheyros.
Que tímidos as coftas lhe moftravaÕ,
M?s jà poftos nos termos derradeyros
Rotos por partes mil, tra f paliados
O^membros, no valor fomente inteyros /
Qs olhos (de furor acompanhados,
Queindana morte as vidas amedrentaò
Dos duros inimigos efpantados j]
Poftos no Ceo, parece que prelentaó
A Alma pura á a Suprema Eternidade
Por quem os Ceos^ 6c a Terra fe íuftentaõ,
E pedindo, dos erros que na idade
Immatura, & inocente, )à fiz:ra,
Perdaõ áa pia, & jufta Mageftade j
As; roías apartou da neve fria j
Çcomo debil flama a quemfallecc
O radical humorjje que vivia 5
Nas mãos do Coro Angélico, que dece^
Seenirega, & vay lograr a vida eterna,
Qu:: com morte taó jufta fe merece,
Vayte, Alma era paz 3 a gloria fempiterna :
V Ay : que quem por a Ley íacra, & divina,
A foltajU aquellc a dá,queoCeogovcrna.
j Mas fede: tal valoifoy morre digQa,
A aufcocia que do goílo nos faltea,
LmÍs de C-A)yêts\ : |1 f
Aperpetua íáudadenosindínaí
Deyxa, pois, tu fei*mofi Cithera,
Do gentil filho, & neto de Ciniras,
O pranto por a morte hórrida, & feaj
Etu, dourado Apolo, que fuípiras
Porocreípo Jacinto, moço carOj
For quem a ciara luz ao mundo tiras 5
Vinde>& chora y hum moço em rudo rarò^
Nsõ de fenrfo dente vulnerado,
Njm de riícoíogeyto á algum reparo :
Mas ío de ferro imigo trarpaíTado,
Q-ie íem duvida incerta, ou frio medo,
A vida po^ nas mát^s de Marte irado.
Também tu, M ço Idalio^aílifte quedo^
Dey xa de dar o renenofo mel
A beber por es olhos ^ trift e, & ledo :
Pois GS fermofos olhos de Miguel,
Jà cubertos íe vem doeícuro manto
Da ley geral, a todos mais cruel.
E vòs, filhas de Tht- ípis, que com canto
Podeis bem mitigara dor immenfa
Dos Irmãos generofos, & alto pranro;
Naõ confinxais quefaçaô larga offenfa
A a grande integridade, a que fe dtvena
Aguas naõ fó, dodanoa recompenía.
Que já diante osolhos medeícrevtm
Quando as bocas da Fama voadora,
Ao pátrio, & claro Tejo as novas Icvemí
A profunda trifteia que em hum^hora^
Tal poOe tomará dos altos peytos^
Que delles o diícurfo lance fora.
Al li de dor os corações íogeytos
Haó de lançar de fi toda a memoria
De exemplos claros, folidosrcfpcytos,
Mas^ porém, fe igualais a vida a a gloriai
O claro Dom Felipe, & pertcndeis
Dcyxarnos de acções voÔas larga hiftoriai
Éu naó vos períuado a que eíírey teis
O cora^aô na Eftoycadifciplina, ■ '- ' t
Onde livre de afíed^os vos moílreís.
Qiiemal a Natureza determina
Medo, efperançaSj dores^ & alegrfâi
Como o Cynico velho nos enfma.
Immanidadceílupida (^dizia
O Sulmonenfe canto} & vil rudezíí
He naõ fentir afFcdos que alma cria.
Porém feoícntir cada for bruteza,'
E fe poyxaó devida íe confente,
Tambcmolcntirmuyto he já fraqueza.
Em vós hum íofrer alto fctxprimence^
Qual nos tortes Varoens foy conhecido,
Como^m cíUanha. cm Luíicana gente.
Bem
Bem conheço que o corpo aíli perdido,
Coraodtí iiluítre Tumulo carece,
Sei à de brutas feras coníumido.
Mas coníolame, enfim^ que fe parece
Ao grand. Biíavô, que por a vida
Real a íua à a Maura lança oíFrece,
Em pedaços a gente enfurecida
O corpo alli lhe deyxa ,* & com mão dura
Lhe nega a lepulcura mer^ícida.
Fácil he a perda aqui da fepultura ^
Diógenes prudente, & Teodoro»
Pouco fentem do corpo eíTa jaítura.
Afli fcrmoío, & inteyro j aíli decoro
Adora quem o tem, como o tomou
Quaniofe ouvir o extremo fom canoro.
Mas 3y ! Qual temor fubito ocupou
O voíTo claro peyto ?ò Portuguezes !
Qual pávido temor vos congelou ?
Que lançadas, que golpes^ que revezes
Vos fizeraó fazer tamanha injuria
Aos forces Luíiranios arneíes ?
Ou jade Capicaô fobeja incúria,
Oufraqueza ? Naõ ; que elle fuftentava
Cora feu peyto, dos Bárbaros a fúria.
Ou jâ do férreo cano a força brava
Com eftrondos que atroaõ mar, & terra,
E os corações ardentes congelava ?
Ah I Qucíii vos fez q os impetus da guerra
N^õ fuftencaíTeis coravaloroufado,
Defprezando o furor,quc a vida encerra ?
Ávida por a Pátria^ & por o Eftado,
Pondo volFos Avós, a nòs dcyxáraó
Em terra, & mar exemplo fublimado,
Elles a defprezar nos cnfináraõ
*Podo temor. Pois, como agora o$ Netos
Subitamente aíli degenerarão ?
Naõ podem, certoi naó, viver quietos
Com fea infâmia Peytos gencrofos,
Jàem pubhcos lugares, jà em fecretos.
Mortos de Efparta os Heroes valerofos,
Da fera multidão, fa?cndo extremos,
Tiis Epitáfios tinhaô gloríofos :
T>íYãs. Hofpede, tu ; que aqtit jazemos
^ajfados do tUimigo ferro, em quanto
A as CantAS leys da ^Pátria obedecemos,
FogindoosFerfasvaócom frioefpanto.
Mas achaóas molheresnocaminho
Moílrandolhes o ventre em terror canto
Pois do dano fug»s^ vendo-o vefinho.
Fracos, vmde a cfcondervos ("lhes diziaô}
Outra vez no m^itemo, & eícuro ninho.
Vede quais cora maisglorw ficaria*},
Rtmas do Grands Luís de CamSes.
Se aquclks que morrerão por o Eílado^
Se eílesaquenri niolheresinjuriaõ?
Mas tu, claro Miguel, que ja acordado
Defte íonho taõ breve, cítàs na^juella
Torre do Ceo, íegurOj 6c repoufado;
0;idc com Dcos unida a íortt,&bella
AIma,cO:ri leu? Mayorcs, reluzindo
Trocartecrtda chaga ern ciara bítrelja : i
Co' os pésGcrillaimoCeo a-jidmdo.
Nada de eíTas altifllmas Esferas,
Nem da terrtftc' os olhos encubrindo ;
Agora hum curío, íV' outro ccnfideras,
Agora a vaidade dos Mortais,
Qae cu tambcm paflaras fe viveras, &c,
ELEGIA XI.
%yíqui devoto o T, facrafica efia Elegia à
'Payxiiô ãe Cbrífio N, S. fe guindo a Sa*
naz,cirio Departu Virginis.
E quando contemplamos 3S fecretas
Caufas porqu " tfte mund^ íe íuftenta,
E o revolver dos Ceos, & dos Vhncus >
Efe quancoá a memoria fe preienca
EílecurrodoS Ijtaiõ bem medido
Que hu ponto ió aaòraingU3,nsm feaumêtai
Aquclje efiVyto tarde conhecido
Da Lua na mudança taócoítante,
Qtie mingoar,&crecer he feu partido ;
Aquella natureza taõ poííante
Dc-s Ceos, q taõ conformes, & contrários.
Caminhão fem parar hum breve inftantej
Aquelles movimentos ordinários
A que ref ponde o Tempo, que n^ò mente,
Co' os cffeytosda Terra neceííarios}
Se quando, enfini, revolve íutilmente
Tantas coufas a leve Fantafia
Sagaz eícrutadora^& diligente -,
Bem vè, fc da razaõ fe naõ defvia,
Aquelle único Ser , alto^ & divino,
Qiie tudo pode, manda, move, & cria.
Sem fím,& femprmcipio humfercôtino,
Hu Padre grande a quétud j he polliyel.
Por mais que o dificulte humano atino.
Hum faber infinito^ incomprehenfivel 5
Huma verdade,que nas coufas anda,
Que mora novifivel,vScinvifivel.
Eíta potencia, tnfim^ que tudo manda j
Efta C aiía d..s caul:is, reveítida
Foy dcfta noíla carne miferanda.
Do Am^r, Sida Juftiça, compelida
Po!
Rimas ão Grande
por os erros d"?! gérite, em mâòs da ^^^mt- -
(^CpniQ ie Deos hírô íoíTe) dey xa íi víJí .
t'Ó*"Chriftaõ deÍLuydado, U negligente í
Pondera-o com dífcurlo repoiííado ;
E vertehaí, advercjcJo facilmente.
'Òihaaqueile Deos alto, & increado
Senhor das coufas todas, que fundou
O Ceo, a Terra, ó Fogo, o Mar irado :
Nâõdoconfufo Caos, comocuydou
A falia Theologia, & povo efcuro
Quenefta fó verdade tanto errou.
Naõ dos átomos leves de Epicuro j
Naõ do fundo OceanO) como Thales,
Mas fó do penfamento cafto, & puro,
Olha^ animal humano, quanto yales^'
Pois eftc immenío Deos por ti padece
iSovo cftilo de morte, novos males
Olha que o Sol no Olimpo fc efcurecc^
Naõ por oppofiçaõ de outro Planeta,
MáS lo porque virtude lhe falece.
Naõ vcs que a grande máquina inquieta
Do mundo fe desfaz toda em trifteza,
E naô por cauía natural fecreta ?
Naõ vés como fe perde a Natureza ?
O Arfe turba 5 o Mar batendo geme,
Desfazendo das pedras a dureza,
Naó vés que cae o monte, a terra treme
£ que là na remota, & grande Athenas[ rr 'li
O douto Arcopagita exclama,Sr teme ?
O ! Summo Deos, tu meímo te condenas,
poro mal em que eu lóíou o culpado,
A ramanhasafrontas, tantas penas? .Ci
Por mi, Senhor, no mundo reputado ^
Por falío, & violador da Sacra Ley,
A hma a ti fe põem do meu pecado?
Eu, Senhor, fou ladraó, tu juíto Rey. '
Pois como entre ladrões eu naõ padeço!? r:^
A pena a ti fe dá do que eu errey ? í- 7'/;
Eu fervo fem valor^ tu immenfo preço • ^
Em preço vi 1 te poens, por me tirares :fi-;di'/
Do cativeyro eterno que mereço? òi xiiavA
Eu por perderte, & tu por megaiiliaret' ■
Te dás aos foltos homens, que te vendé^
Só para os homens prefcsrcfgatares ? y^
A ti, que as almas foltas, a ti prendem ?
A ri íummojuizj ante Juizes
TeacufaÒ por o error dos que te ofFendem ?
Chamamre malfcytor,nao contradizes.
Sendo tu dos Profetas a certezaj
Dizerra que quem te fere profetizes.
Rimfedeti, tu choras a crueza
;Que fobre elles virá : a gente dura
II. Pare.
Lins dèCàmõefl i\^
Por quem cu venS ao miindo te defpreza.
O teu rofto, de cuja ftTmoRua
Se veile o Ceo, &: o Sol reíplaodecente, '
D.antequem pam adaeílá a Natura i
Com cruas bofetadas da vil gente,
Deprtciofoíangueeftá banhado,
Cuípido^ íjtropellado cruelmente*
Aquellecorpo tenro, & dei? cado^
Sobre todos os Santos Sacroíanto,
A açoutes rigurofos defangrado.
Defpoiscubertomaldehum pobre mato >
Q.^ie fc pegava á as carnes magoadas
Para dobrarlhe as dores curro tanto.
Magoavamno as chagas naõ curadas
Hum tormento cauíandolhe exceílivo, ^
Ao defpir por as mãos cruéis, & iradas.
As vcnerandasbarbas de Deos vivo,
De rcfplandor ornadas, le arrancavaò
Para defempenhar Adam cativo.
Com cordas por as ruas o levavao.
Levando fobre os hombrosoTrofeo
Da vitoria que as almas alcançavan.
O í tu, que paíías, homeno Gyrenèo,
Ajuda hu pouco a efte homem verdadeyroi
Que agora, como humano enfraqueceo.
Olha qtieocorpoaffliítodo marteyro>
E dos longos jejuns debilitado^
Naõ pódejà co' o pefo do Madeyro.
O ! nam enfraqueçais, Deos Encarnado |;*
EíTas quedas, que tanto vos magoam, ^
Soportay, Cavalleyro fúblímado.
Aquellas altas vozes que làíoam, ^
Dos Padres íaõ que o Limbo tem,eícuroi
E jà de louvor^ á palma vos coroam.
Todos vos bradaó que íubays o muro
Da cidade infernal, & quearvoreys
Encima eíTa Vandeyra muy feguro.
O ! Santos Padres, naõ vos apreflcís 5
Pois muyto mais a Deos q a vós cuilárao
EíTàsduraS prifões em qUe jazeis!
Aquellas mãos que o mundo cdiftcàraõ||p
Aquefíes pés que pifaô as cftrelUs,
Com duriílimos pregos fecncravaõ.
Mas (^ual feri o humano que as querelas ^
Da angúttiada Virgem contempláíTe, -'^
Sem íe mover a dor, & magoa delias .?
E que dos olhos íeus naõ deftilaííe ? ^"
Tinta copia de lagrimas ardentes, ^
Que caWcyras no rofto finalaíTe ?
Ô! qúcrti lhe vira os olhos refulgentes '^
Converrendo-íeêm fontes, & regando}
Aquellas faces bellas^ & excellcnteí»!
P Qucn^
ífí
Rimas dò. Grande Luis de Camões)
Quem aouvifacom vozes ir cocando
As iiítreilas, a quem reíponde o Ceo
Co' os acentos dos Anjos retumbando]
Qiieni viraquacdoopuroroftoergueo
A vero Filho que na Cruz pendia,
Bonde a noíTa laude deícendco » o-cíj . • ' '
Que magoas caó choroías , que diria ?
Que palavras caó miíeras, & cníUs,
Para o Ceo, para a gente eípalhariai)3 iidijg
Pois, que fetja, Virgem» quando viftes
Com fel nojofo f& com vinagre amarp^
Matar a íede ao Filho que pariítes ^
Naõ era efte o licor íuave, & claro,
Que para o confortar entaõ darieys
A quem vos era, mais que a vida, caro.
Como, Virgem Senhora> naõ corrieís
Adar aspurastetasaoCordeyro , a^
Que padecer na Cruz com fede vieys ?
Naõ era fó, oaó, çííe o verdadcyro :
Pofto, que voííò Filho deíèjava.
A confeíTar hum Deos crucificado^
E por nenhum refpeyco'íe detenhaó,
\L de hum, ôc de outro vicio já deyxadbi
O feu Nome^ co' o voflb neíte dia,
Seja por todo o mundo celebrado :
Erelpcndaóos Ccos JESUS MARIA.
ELEGIA XII.
Traduz o T, os verfis da Syhilla Eritrea em
ovattctnlo tocante aChriJio no juizo fi-
nai ejcritos com a ley de AcYofitcon*
JUizo extremo,horrifíco^& tremendo,
E Juiz rempiterno,alta, &celclbj
Signihcará a Terra humedecendo.
Verfeha nella hum íuor que manifelte
Como em carne vem Deos, para que o veja
Homem toda efta maquina terrefte.
Reyjufto, quedos corpos, 8c almas feja
Morrendpporo Mundo em hum oaadeyro, Juizi Ôc quando o mundo cego^Ôc inculto
Mas era a íal vaç3Õ,que alli ganhava ;
Para o mifero Adam, que alli bebia
Na fonte qus do peyto lhe manava.
Pois, ò pura, & Santiílima Mai:ia,
Qje, enfim, fentiílçs efta magoa quanto
A gravs caufa delia o requeria j
De eíTa Fonte imigrada i & peyto fanco.
Me alcançay huma gota, com que lave
A culpa que me aggrava,Sc pefa canto.
Do licor faluti fero, & fuave
Me abrangcy, com que mate a fede dura ,
Deite mundo taò cego, torpe, & grave.
A (lij Senhora, toda criatura / . ,. r*
Q!ieíVÍ;Ve, &;vivirá, fie quenaõconhece+
A Ley dç vpíTo Filho a abrace pura.
O falíi/llmo herege que carece
Da gr^ça, &; com danado, & falío efpritp
Perijurba^.Santa Igreja, que florecc.
O povo pertinaz noantigo rito,
ate 16 (>dçfterro feu, que tanto dura,
e i\\z que he pena igual ao íeu delito.
O torpe Ifmaelita, que miftura
A^Leys, & com preceycos taõ viciofos
Na terr^eltcnde a ceyta falfa, & iinpu,ca.
O > Idolatras màos, fuperfticiofos,
Varios-de opiniões, Scdecoítumes,
Levados deconceytos fabulofos.
\x: As mais remotas gentes onde o lume
Da noíTi Pé naó chega, nera que tcnhattl
Religiani alguma íepFefume.
Ali] tO}l<i§».entim> Senhora^ venha$ ;
Sobre cfpinhos cruéis deytadofcja i
Todo vaò fimulacro, & gentil culto
Ouíaràengeytaragente j ^ guerra
Fará co' o nnar o fogo, & cru tumulto.
Immsnfa Luz, que as carnes defenterra
Lançara fora as portas vans do Averno,
Humjufto,&outro,alçandoáaíancaTerra,
Outros, que faò os roáos, no fogo eterno
Peytará, defcobrindoíe os fegredos,
E fendo claro todo feyto interno.
Desfeytos feraõ montes, Sc penedos j
E íerà tudo pranto, & eílridor duro i
Obras de grande dor, &triftes medos,'
Será tornado o Sol de todoelcuro j
E deftruida a maquina do mu ndo 5
Sem luz as^luzes todas do Orbe puroj
Altos feraô. os valles, & em profundo
Lugar fe abaterão os altos montes,
Vibrará mares Vento furibundo.
Averá ló de chamas vivas fontes;
De trombeta tremenda fom terrível
Ouvido, fará pálidas as frontes,
Refponderá dos mãos gemido horrível.
ELE.
'ELEGIA XÍIL
Louva o !P. afmguUr fermozura de ©. Má-
ria de Ftgeyroa filha do T>, Mejire BeU
chi9r a quem 6fftrece efte 'Poema ^ na
Indta em 'Damão,
s
Rimas do GràftdèlLuls àè €dmSêíl fif
Eenrreellas íois,qaat Soléntrc asEílrelUs,
Por vòs DamáOjSenhora^ hojeílorcce>
Por vós as Mufas jà do íacro monte,
Donde contino o Louro verde crece,
Vos vem aprezentafj da clara foncej ^
De pallidas violas coroadas,
As pegafeas flores de Eliconre,
A vòj íe vem cantando rodeadas
DasNímphas, qae o dourado Tejocriâj
E obrigações de fama podem tanto^
Que inda de Helena vive hoje a m:;moria> Com íiias doces Liras temperadas.
Fazendo cada vez mayoreípantOi
Se cambem de Lucrécia a Li via hiftoria,
IndaquejápaíTada,ca tlorece,
E por fama j & triumpho hoje cem gloria j
Se a perfcyçaó de Laura nunca elquece,
Também hc que por fama laureada,
Nos ficou por Petrarca, Ik hoje crece j
E íe aquella cruel Troyana eípada.
Deu coma morte vida àfermofura
De Dido, por Virgílio ceie brada : >.i
E íe Vénus fermofj, hoje íegura
Seaprezenta em milveríos, & Diana
Com as nove Irmãs d* Apollo tem ventura,
Que fará a fermofura fobcrana,
De Figucyroa illuftre, de quem quero
j,Cantar com doce Lira, & Mantuana ?
Mas íe meella naõ faltaj delia efpero
mtar^naó deftas já, que jà acabarão 5
>eftas cante Virgílio, cante Homero :
E com íeu fuave canto, & melodia.
Chegadas a vós já dizem caiKando>
Eíla hc por quem Apollo emmudecia.
Efta he, por quem Veturnodeíprezando
Pomona,deconcinoíeabraíava,
Na menos parte fua imaginando,
Efta he por quem em fonte íe tornav»
O avòdé PhaetontCj & porqueOrphéO
As fúrias infernais aquebrantava j
Efta he, por quem íò Troya íe perdeo»
Eíla he, a quem Paris deo a msçáa dVuro,
E efta por quem Orlando endoudeceo.
Eíla he, quem defdo Ganges ate o Douro^'
Sò íem falta cOmpoz a natureza.
Do Indico Oriental todo o thefouro ;
Eíla he, quem trouxe a luz toda à nobrez*!
DosdeLiaõ Fajardos^quedefcende
Do Keal tronco íngrez^ na mòr alteza.
Efta he a flor do Lago, que íe cílcndc.
Q^ie íe outras com feus verfos celebrarão, E em quem de novo oace a Real pranca.
' oy, que por íua idade, a defta dama
(Por inda eílarnoCeo} na6naalcançara5.
Mas tinhalhe a ventura Oriental cama^
Guirdadalàem Damaõ, porque nacendo,
Perder íizeffe às outras gloria, 6c fama.
E em quanto alegre declarar pertendoj
Vos Pay de tal thefouro, daíme ouvidos,
Para delle dizer, mais do que entendo.
Naó reproveis meus verfos d'atrevidos,
Antes daylhe louvor^para quefejaõ
De tal dama, & de vós favorecidos :
Que milagres d'amor, farey que vcjaó? .
Direy os olhos bcllos, boca, & rizo»
Mil partes, que outras damas ter defejaô,
Cabellosd'ouro,emfimfeu grande a vízo,
SúB. arte, perfcyçaó, 8í íermofura,
Qiie na terra nos moílra hum Parayfo ?
Efta he, a quem o mefmo Amor íe rende 1
Efl:a he, por quem a Aurora fe levanta.
Na parte Oriental mais clara, & pura^
Efta he, por quem morrendo oCifnecantai
Efta he, por quem nos dotou íó a ventura |
De mil primores chea colocada,
Em rara perfeyçaõ de fermoíura.
EíU ícra át nòs íempre cantada,
E dos novos Poetas mil louvores
Terá com fama eterna, & foblimadaT
Na tefta ác Deos Pam cem mil paílores
D-fta feliceterraati cantando.
Mil ramos levarão cheos de flores,
Ati as luas lutas dedicando,
Seus jogos pftftoris de cem mil partes,
Com verfos teeítaraõ fempre louvando^'
E tu, que de teu fer nunca te partes
Que mais? o grave afpeyto, & a brandura, Com fermofura, & graça de contino,
A b jca de Rubis, chea de perlas, Comjque por fama ao mundo te repartes^
Das chriftalínas mãos a neve pura? Com rofto branco, alegre, & peregrino
Svjnhora Dona Maria,entreasmaisbeHaS) Aceytaràs feus verfos^ coroada
Vòs fois^ quem noíTa idade hoje eariauece. De rofas, & de louro a ti íó dino,
iLFart. Pij Pal^
xrô
Rítnai do Grande Luís de Camêefl
Dali do noífo choro venerada
Terás cargo da felvadc; Diana,
E entre nòstu feras, maisefíimada^
Dalj, ò alta Dea, & íoberana
Goveriiarà^o Indico Oriente, nsv eoV
E iodo eíiado aièm da Taprobana. ;
Dali correndo irà de gente em gente
Tua fama^-fazendo efquecida . -
A da| antigas Damas do Occídente,
Ganhando teu louvor immortal vida,'
E- L E G I A XIV.
^efifierado o !P. de confegun o ohjeão aoí
Jeus dtjvellos ãezeja acabar com amoYte
o Jeu tormento.
N
Soube que folies vãaSjfoíles fingidas^
Efli que poíTo^ óu que devo hoje efperar,
Onde acharcy de novo outros enganos,
QLie poííaô dtífenganos enganar.
Mas he vento Cuydar enganar danos,
O trilte, que nem na alma tem alento ?
Tem íeu remédio íó no fim dosannos.
Já naócfpeio ver contentamento.
Perdi quanto efperey numa ío hora,
Enaó perdi em rauytas o tormento,
Eíobre tantas perdas, mda agora,
Queefperavade vòsa vòsqucyxarme,
Naó mo coníente Amor^ que na alma morai
Poemíe diante, a fim (òáç. eftorvarme,
Que vos cftendercy, moftrandoaquí,
Ql-ie tanta fé pagaes com maltratarme.
E entaõ cite temor deyxam^ aílí.
Ao porque de algií bé tenha efperança Além de magoado, frio, & mudo.
Vos eícrevo meu mal em tal cftado,
Qae fey, queeníi vos fará pouca mudança,
Ma$jà perdido, triftCj Sc magoado
Para remédio tomo efcrever dores,
£rperar de vòs outro he efcufado,
O que naõ faz Amor em meus amores^
O que lágrimas triítes naô fizeraõ.
B jm menos o faraó caufas menores,
Poisonde as mais tcgora íe perderão,
Percaõle eftas palavras de meu fer,
Qué^oucò me doem já, jà me doeraõ.
Sempre deite meu mal tive fofpeyta,
N iõ que de todo em todo mo faitafle
Htía eíperança váa cm fim desfeyta,
Faziá^ne o deíejo que erperaíTe^
A razaó doutra parte^ quetemeíTe,
Ede elperan^'as vâas naõ confialTe.
Q^ic olhaííe, que por cilas naõ perde/Te]
A doce liberdade, o riíOj o cantOj
pique depois em vaó mearrependeíle,
Ànor, que tudo pòde^ podetanto,
Quí para vero mal, cm que me vejo,
Me'naõ4eii olhos mais que para pranco,
Naõ curey a razaó, íegui o defejo.
Outras coulas feguij de qualidade,
Qae choro, & callo, por naó fer fobcjoi
Pela vòÍTa ncguey minha vontade,
Logo^como vos vi, no meímo ponto
Vos entTL^go j a yida a liberdade.
O qu^ paíTou depois, naõ vo lo contoi
De qiíe ferve contar coufas fobejas,
A qíiem lhe foube dar hum tal deíconto,
Ahefperanças minhas/jà perdidas.
Agora, para mais ter quecontai:^> Vd *?£*! ; ;
Q
Arrependido de quanto efcrevi,
Coufas de voíío gofto ainda cudo,
ComofenaócuydaiTe, o que naõ.creoj
N aõ perder lílo, como perdi tudo.
Maivaííeo medo já> pois que já veo
O defengano, (em íe ter fabida^
Que a certeza podia ter receo.
Agora naó me dà perder a vida.
Nem a deve recear quem a defpreza,
MataymCj fede mim íoisoífcndidai
Senaó mateme já minha tnfteza,
Queeftcíóbem me íicajCÍtemeval,
Semonaõeílorvar volTa crueza.
Quem fe naó efpantará, vcndome tal í
Tcmer,queo triíle fim, que me ordena de <^,'
Mo negueis por remédio de meu mal.
Entre filveftrcs feras vos criaílcs.
Pois dais por galardão do que efperava
Cruezas dcfu fadas do que uíaftes.
Quantas lagrimas trifte derramava.
Quantos fufpiros dava noytc, 8i dia.
Se vOs naô via, & em quanto vos olhava.
Tremia diante vós^aufente a rdia^
Abrandava eíle mal ter para mim,
Qtie íentiâ meu fogo efia a!ma fria.
Mas muy to di ff crente foy o fim
De tudo oquecuydavanocomeço,
por onde de hum mal noutro, a tantos vim.'?.
Vida para tal vida naõ vos peço.
Morte para cal morte qual me mata
Me podeis dar, que bem vo lo mereço.
Porque com a dor a lingoaíedeíara,
E com gritos vos chama, & com razam
Serafé, defamoravcl, cruel, ingrata.
PoÉ
Rimas do Grande Luts de Camõesl
Por iíIoacabayjávoíTa tenção^ Lançaóforao Amor, gífua firmeza.
Farcay, fenhora, jà voílàs cruezas
No íangue deííetriíte coração.
Acabay de acabar cantas triílezas.
Pois acabaftes jávãaseíperanças,
Acabem jà também minhas firmeza*?.
Acabe a vida, acabarão lembranças,
>4as|udoeftà por vòs taõ acabado
Comomuytascmmimas confianças.
Que Canto me crouxeraõ enganado,
ELE G I A XV.
Que daí$ eíqyécimc^ntp por ler^brailça.
Armada dos eípinhos da crueza, ^
Traieis por appareneiaS a brandura
Norolto, a qual o peyt.Q pouco preza.
Moítroumehuraicvçbíím mmha ventura^
Pagueyo logo com longo tormento,
Queo goilo foge íempre, U a pena dura.
A canta dor hum leve ientiméntoj
Nunca em yòs pude ver, quãco em yaô digo^
Alais mudável que o vcnio odaisaavenco. 1
No principio meu Fado me. toy amigo,
Naveguey pelo mar deite derejo,
^eyxâ'fe o 'P. dafua fortuna em lhe conce- Qm^ ^^^^ ^^^ í'*um perigo a outro perigo.
der a dita de ver huma fermnzura^ de
quem /eml>Ye ficou caplvo Jem
refgate,
FOyme alegre o viver, jà me he pezado,
Que do contentamento que fentia
ií minha cuíla ellou defenganado,
Ao regaço da morte a dor m c guia^
Porènti^ porque com vida mais me mata,
Dilatandoma vay de dia em dia.
Em vos he pouco oaooor, em mim íobcjo,
Crefceemípim, falta em vòs,& demaneyraj
Quede quinto em vòs vi» já nada vejo,
Moftroufcmeo tornaento na pnmeyra
Com roíloaíegre, para quço íeguiíTe, >
E lanceymeaoíeguir nelta cegueyra, .
Fortuna^ porque qui7j queeu o icntilTej
Moílraíe, per moftrar qual dentro era.
Eu choro roeu engano, ikella riíle.
Quem em contentamentos vãos efperai
MandamcAmor fugir da morte ingrata, Eíperecedo defenganarfe
Pois naõfofre limite em vòsamor,
Que.elleos laços ordena, elleosdefata.
Lancey contentamentos a voar,
Tarde os eíperover, que he íeucoftume
Ter azas ao fugir, freyo ao tornar,
O penfamento pofto em alço cume.
Para íacri ficar fe à voíTa vifta,
, Ql^erem breves limites fua efpcra.
Fprém quem ha, que maisqueyralirrarfe
De taõ doce prifaó, ou quem deíèja *
Dos nòs dçííes cabellos dciatarfe.
Os olhos, a quem as luzes tem inveja,
Qt'€em vòs o Amor de amor tendes vencido,^
Quen? hà que vos naõ arae, & vos nao veja,
Rofto fermofo, em quem eftá eículpido
No coração me guarda eterno lume. , --- -, 1-- —
Com o penfamento os olhos té conquifta, O mòr b^m, q ue íe pôde ver na terra,
V\s fempre em vòs eftá, porque os naõ leya. Quem ha naõ quey ra íer por vòs perdido^
Po ^
Que elle muro naõ tem^ que lhe refifta.
Ainda quft minha alma em vòs fe enleva.
Em todo tempo naõ deyxadearder,
ji Quâdo o mote arde em caIraa,ou quãdo neva.
Vivey cuydados era quanto cu viver,
Ou porque em fombrasvoíTas fempre viva.
Ou porque me aprelFeis para morrer.
Vontade minha, fempre fois cativa,
Meu penfamento, nunca íois mudado,
Flammadeamor, íereis fempre eoimi^iv»»
Suave cativeyro, doce eftado, > f-' '
Brando fogo de Amor, que em vós guardaes
j A fim de meu defejo retratado,
^ Nunca nefta alma minha^ aonde eftaes, ;
Falteis, porque cntaõ falta a efpcrança,
SeíTi quem me falta a vida muyto mais, jidEd
Seniiora, cm cujo pcyco odio, & mudança
Olhay, fenhora, as horas apreíladas.
Que vem cobrindo o ouro dos cabellos
De neve, & torna as roías defcóradas, -f
Ireis ver ao criftal os olhos bellos,
E jàos naõ vereis quais dantes eraõ,
Poísquaescntaóferaó, naõ queyraesvellot^
Ufay dos bens, qu: vaó como nafccraõ,
Olhayj que tudo delce de alto eftado,
Que cambem os prazeres meus deceran3|
Mas naõ defcerá nunca meu cuydado.
£L£^
m
E L E G I A XVi;
Efia Elegia parece feyta em o defterro do ÍP,
^ nelía Je queyxa da defiguaddade do
arnoYi muyto da Jua farte ^ &
nenhum delia.
NUnca hum apetite moftra odano
Antes de ler de todo eífey tuado^
Mas no fim vem moftrar o delengano.
Dureza a cauA» & eu defel perado,
PellD que imaginou o penfamento^
An Jo por eít4 ferra defterrado,
' Efp^lhandoa voz ao leve vento,
Delíeíóconfoladojdelle ouvido,
O faço íabedor de meu tormento.: ;j 'À. íjí.
Que monte ha,quena5 tenha jà motido,
Que afpera montanha, ou roca dura,
K força de meu mal naõ merecido.
vNas duras pedras achafe brandura,
Falta nefíè cruel humano peyto.
Quem vio nunca mayor deíaventura »
Pouco pôde em ti amor perfeyto.
Quando de hum movimento vive indigno^
Quejá mais fe negou a humfogeyto.
~i Da ventura^ de vos, demeudeftino,
Pois todo« contra mim íaõ conjurados*
Eíle valle fareydemeu mal digno,
Co elle a noyte, & o dia meus cuydados
PaíTareycm acerba^ & longa vida
Em queyxaSj & em fuTpiros deíufadoSfc
Porque íey que feras diíTo fervida, -^
Nió deyxarey dos montes a dureza,
Ate, tua vonta ie íer movida.
Aqui me íòbirí^y na mor alteza
Da ferra, onde logo contemplada
Será tua perfeyçaô, tua crueza.
A alma em ti fó prompta, & óccupada
Eft ando de tormento efquivo, & duro.
Oprimida fera de ti levada,
.^Diícorrendo hum paíío, & outro efcuro^
De mal em mal, de hum cm outro dano,
A pa^a tal verá de hum Amor puro,
E vcodío aqui taó claroodeíenganOj
Cos olhos feytos fontes mudará
Lugar taõ iníèlice, & des humano.'
È o que mòr tormento lhe dará
A leaibrançi de alguiu contentamento,
Qiie inda qu: pequeno, magoará, i
Fará pof divertir o penfaoicnto'
Deita parte tri/tiflima mudando
Rimai do Grande Luís deCam^esl
Huma lembrança cheadè torniento,
Alli algum eípaço porfiando^
Tendo por impoílivel efquecerte^
Ficará ao vento vozes dando,
Alli íe queyxará de conhecerte,
Alli dura, cruel defpiedoía
Dirá .• Dux^ que podes já moverte.
Mais que Veiiu:>[dirà] dize, fermofa.
Quando neíla bclleza pura, & rara
Se verá huma hora piedofa.
Alli dirá, cruelj & quem cuydàra
De hum efpirito taó reíplandccente
Taõ fera condição, & taó avara.
AMi vivera trífte, alli aufente,
O coftumado mal por íi fof-endo,
De o quereres tu íanto contente,
Co mo o mundo eftà )à conhecendo.
E L E G I A XVII.
Reprefenta o í*. os vagarofos pajfus, em que
fe viterttnha alivianao-fe com a repre^^
/entafaõ imaginaria de Jua quer ida
. Senhora.
, TT A íierra fatigando de contino
J.^ Los paílos vagaroíos voy movendo,
Perdiendo de la vida todo el tino,
De mis fufpiros triftes no pudiendo
El alma apartar, yelpenfamtnto
De aquella por quíen yo cftoy muriendo:
Queaunque laaufencia es grave tormcnrq
Que te olvide en elloes impoíTible,
Queconamornopuede apartamiento,
Veote con fpirico in vifible
Fnelmuy vivotengoaquel meneo
Tan fíero para mi, y tan terriblet
Todo lo n>às alegre triíle veo,
El frefco valle^ el monte, Ia efpeífuraj
La clara fuente enoja aun el defeo.
., El dia fe mcbuelye en nocheeícura^
No puede amanecer de dò auíente
Tus claros ojos fon, de tu hermofura,
Permitteya^fcííora^que preíente.
Do quiera que tu luz es decenida
Sean el alma, y vida juntamente,
r^fEn tu fervicioalh prompta la vida
Pornc en alm^ fola en conccmplarce,
Aunqus me feas íiempre endurecida.
El mal que hazcs dulce en toda parte,
Sabroíoes eltormiento, yo loquieiO,
Pues es tu voluntad no ablandarte, j^
i
\
Rimas âo grande
Quequado utia horâvêga> quenoelpero,
Piedofa, y blanda mas que las paííadas,
y me quíeras oir^ viendo que muero.
Las criíles no íeran de mi dexadas.
Que no fabré vivir fin el eílado
Pe penaS) tanto tiem po y a provadas,
Hablo como furiofo, y tranfportadoí
Pido lo que me es màs eoojoío,
Holgandodeme ver tan olvidado.
Qi-iien fatigado es, no dà r epofo,
Que íufras cob paciência te conyienc,
Las quexasdelj que a fifeesodiofo.
Al liempo que bolando ya màs viene
Mis deíiifadas bo^es encomienda^
Qiie aíli la trifte voz en ti detiene.
La fuerça deldalor ninguna emienda
Puede tomar en mi^ que fatistaga
Lo menos que la quexa en mi teoíienda.
, Incuriblc parece una gala,
Y lo e?^ que reciba de tu mano,
Noquiera Amor, queyo jamásdeshaga
Su voiuncad en dto^ qu: es en vano.
ELEGIA yiSVà^^^
Continua oT,a faudade j & reprezentaçaS
dafermofUrãy aqueeJiàprend>z4o,
DE pena en pena muevo Ias paíTadas,'
Latriftiflima voz ai ayredando.-íJpio'i
Voy cantando mis quexas defufadas .• '■ "^ '^
Irvcierto en el camino, que pifando
De un monte cíquivoi ai otro me encamina,'
En médio dél eftoy en ú penfando,
O rigorofo paíTo, yquan indigna
El alma veo aqui de Tola una hora
Poder en ci peníar cofa tan digna, p sCt
' Si el alma aun no es merecedora ; ^i O
Puriíiima, y perfe6ta,y que me puedc '""^"
De efperança quedar en ti^ fenora?
i' Mas que puedo querer. Fortuna ruede^
Llcvandome de un trifteenotroeílaJo,
y fiestuvoluntadunbien no quede, : .^^
Enmmo vive y3,escranformado '^)
En cij cl triíts efprito, que tenia " P
De ti íola fequiere ver mirado,
iQ«ieaunquj en fatigas paíTe noche^ydia
De tu mano le vie.Te, o cn paíTo eftrecho
La firme vokintad no mudaria.
Y fi por realeza un blando pecho,
Qiie tanto tiempo fue endurecido
'"iiiiicírcya moltfar uanue^ohecho»
^
Lnis de Câmoêíé ^ t tf
Adò me llegada aquet fonído
De tu nueva mudança, y mi ventura,
Al eco, ai valle, ai monte empedernido* j
Dò no fe cantaria tu blandura,
En que region eltrana, o nueva parte
Quedara por loaratu hermofura,
Qiiien nopulieraeítudio, ingeniO, y aftCj
Y quando todo nò, mucho djxiera,
Moílrando que cupiera en tiablandarte*
Que roblcj queleon, que tigre huvicfâj i
Qiic afpera montana intracada,
Que mis mudadas vozes no oyera*
Mí<s no quiere Amor, que la uíada .fj
Quexa, en citas lierrascíparzida ,{ /'J
De tanto tiempo ya íca dexada, ^
Ni tu querias que yo dcxe la vida,
Para me dar tormiento aun màs fiero,
Ni con tan longa ufança interrompida* i
Cada hora más afpera te cfpero, O
Que vcngas pido, el mal íea naàs duroj j
Que el que puedo íufrir, ya no Io quiero.
Frtiêvafecíte amor per teâ:o,y puro
En fatigas niàyoreSj en crueza, .,.*
■Quanto fuere mayor, es más leguro. )
Excedcáàlasfierasen dureza.
Quando fe ha vifto en efta pura, y rara
Gracia, dei duro monte la ítípereza.
De los bicnes que puedes dai avara
Al que puedesdar vida, y por ti pena,
PuiS niegas lo que el mundo no peníâra,'
Hazc cn tu volunrad^ como ella^or Jena.
ELEGIA XIX.
Tanegyrico do T, a Tedro da Sylva defcen\
dente dos Sylvtos j & de ç^yEneas òyU
ViO^ que mojjos fundarão o Império
Roman\
(_ -' ' .
ILluílre, & nobre Sylva defcendído
Oogram filho de Anchiíesvalerofo,
Por armas, & por fangueefcUrecido.
Que como forte, ouíado, U piedofò
A as coitas íalvou o pay de longos annos,' >
E o filho pela mão tenro,& mimofo,
Eo^ Penares, que rinhaó os Troyanos,
Tirou no mòr confli£to da Cidade,
E n que Gregos fizeraõ cantos danos,
Creícendo foy de húa em oucra idade
Efta illuítre progénie gcnerofa
Em virtuie^ valor, honra, & bondade,
Accchegíirànoílatanidicofat _
Vo\M
Rmúi:M Grande Luís âeCãmoes.
njf^.
Fois no dia menor/ que tinha o nhno
O mayor feyto era Africa íizefe.
Pois nelle o Cco a tVSy to- nos deu
Que a faizés com tuas obras mais íeímoía.
Aonde oinciíroRey de oiotu íeu^
Movidopello SpirUQ, quco guia
A mayofes píoelas, que a Theíeo.
Pellas paires, qucemtijà conheciaV:»^^))^) O argímento defla Elegia he o mais próprio
ELEGIA XX.
Gu decreto de cima te efcolhco
Por começo do íim que pertcndia.
De Capicaóde Tí^nger te proveo
Em tempo que o Maluco aílkz valente
O grande Império de Africa venceo,
E íendoe^íla eleyçaò do Rey valente, -,.^
Da cegainvcja folie murmurado, ^.M
Porque ninguém eícapou ao maldizente.
Naõtenegàraõ feres esforçadot
Masdiziaõ, que á guerra em tal idade
Servia Capitão expnmentado.
E que em tempo de tal neceííidade
Convinha velho amparo, £t forte efcudo,
Em quem naò poíTa haver temeridade, . _/
Mas bem ao contrario íè vio tudo, ^ ^i'l>
do MetrOi de quantas o T. compoz ; cho»
ra a morte de T), Tello , a quem
tnatdradna índia,
SAyaõ defta alma trifte, & magoada
palavras magoadas de trifteza^
E feja ao mundoa cauía declarada.
Saya do peyto a voz,com que a graveza
Sogiga, doma^ &as gentes move tanto,
Por mais, 6c mais que tenhaó de dureza.
E vòs meus olhos triílcs entre tanto
Em lagrimas efta alma derretida
Choray, que amargo choro he o meu canto.
Quanto de mim a caufa foy feniida^
Seja de vòs chorada, & juntamente
Choremos huma morte, & huma vida,^
Abondade choremos innocente»
Pois prudência, & esforço juntamente
Em ti exprimeotou o Mouro rudo.
Quando cõ graõ confelho, & pouca gente Cortada em flor, que pela acerba morte
AtravelTafte os campos Africanos, Nos foy arrebatada dentre a gente.
ComdgràmCapitaó^ velho, valente. Eaquellaimmenfador,& dura forte
Efoítea parte onde os mauritanos Da niagoadamãy, cuja alma trifte
Naó tinhaò-villo lança de Chriftãos . ... Também cortada foy com agudo corte.'
Havia loogos tempos, longos annos. ^ np \k Qçípiritp gentil, que ao Ceo fabifte,
Toraaftédeíciíydado humCapitao.w.u^ Porque engcytafte a minha companhia,
iNd tempOj.&aíTi na guerra exprinientkdo, E acompanhartc cu naõ confentifte.
Em quem fe confiava Tetuaó
Alafe, irmap de Alafe» noíne;\.do£l
Que naõ íó o feu campo defendia,
Mas entrava' no noílb Confiado.
Efte, que toda a grande Berbéria _.,„;,
Tinha, por muy prudente, & animpfQ>
Agora o tens na tug eftrebaria.
Que pôde aqui dizer pois o envejofo^
Onde taõ claro véj que neíTa idade * ^
Supreo nobre Tangue generofo.
Naõ.tc dirá, que íoy temeridade :
Para feyto conoellc taõ valente, ,- •,;;_,
Cpm ter íeguroo campo, & a cidadei <: ■*,
Nem te pode negar <eres prudente,-;,:
Pois tem pOj & conjunção folie efcolher
Em que naó arriícaílea tua gentCui cn íj„
Masafliteíoubeíle recolher' .)->«•• ^
Com^gram defpojo feyto, denfo dano^
S^m hum dos que levafte fe perderijuiii r,
O fplige Varaó^ SylvaTroyano, r
Quem te pôde louvar, como yenccíte,
2i 'i
-ip
Efte heo canto heroyco, & de alegria,^
Que eu jà em têU louvor aparelhava»
Como o cornou a morte em Elegia, í
Efta he a efpçrança, que nos dava
De ti, tua tenra, & alegre mocidade, ^
De quem taõ grandes couías fecfperava. |
O Hymineo,queem mães pcrfeyta idade
Gom honras mil te andava aparelhando
A máy, de quem naõ ouvelte piedade.
Qi-ie agora, como Hecuba,anda bramado/
Buicandoemvama caía em toda a parte ;"
Amado Filho mcu^ por ti bradando.
Quem me vedou os olhos teus íerrarte,
Qiie em tam amarga, & trifte defpedida i
Pudera efta alma minha acompanharte. (
ailQtiem te privou dachara, &doce vida,
Mcufilhotaõfcrmofo, & mal logrado í
Dous corações pafiou huma fó ferida. í
Em terra de dcfterro, ay filho amado,
Deyxandome fem ti defemparada, .)
Quizcfte ícrdeeítranhosíepultado. )
St
'I^imâs do grande
Sc hiâç para fazer ta6 graõ jornaJa,
Naõ levarás em tua companhia
Eíta mifera mây defconíolada.
Quiçaes que algum foccorro te feriaif
C2ue vendo vir a eípada em alço erguida^
Filho, com hum grito meu keaviíaria.
Ou recebera o golpe nefta vida,
Metendomenomeyo, &:tu viveras^
Fartara de meu íangueeíTe homicida.
Ay filho, meu amor, que cu fó eras
Quem com tua vida alegre algum defcanço
A meu viver cançado dar puderas.
E tu ícràs também quem manco a manco
Me acabarás a vidat que eu queria
Seaj ti ver acabada de hum íó lanço.
E vòs também mulheres, que pariftes
Ajudayme a chorar, porque em mal tanto
Naõ fatisPazem íó meus olhos triftes*
Aíli com grave dor de canto a canto
Aíè nos corações de mor dureza
Soahuma voz coofufa, hum amargo pranto»
O tu, honraj & primor da natureza,
Illuítre, & fermofiííima Maria,
l^aõ trates mal^ fenhora, tal belleza.
Pois fó cuílodia es, donde aleg ria
Defunta, & tal chorada em dia amargo
Refurgirà em Outro alegre dia.
Que a ti deu o movedor do mundo o cargo
pe alegres a máy chorofa, & triíte.
Que alegre vivirà por tempo largo.
Foltoque a dor do irmão muyto fentifte
Naó dcftruas as lindas tranças bcllas,
Pois o remédio niííonaò coníiíte,
Naó traces mal as nidicascllrellas
Dos olhos tens com lagrimas ardentes,
Pois tem mais refplendor que todas ellas.
Naõ offendas as faces refulgentes.
Obra de Deos, com mão deípiedofa.
Da pátria honra, fe louvor das gentes.
Mas vay com doce voz, brada, & amorofa
Confola a criíte niãy deíconíolada
Com tua viíla alegre, & caôfermofa. t
Promerelhe^ que em fi reíuícitada
\ erá íua alegria jà perdida,
De todos taõ lentidaj&taõ chorada,
, . Pois ceu remediu eltá fó em fua vida.
Que haja do ti materna piedade,
Naõ dè tanto lugar âdor crecida.
Bem íe permitcc a fraca humanidade
Por filho tal, & canto tempo aufente
Hum moderado pranto, huma faudade.
Mas taõ continua dor, qucj eípátea gente^
r II. Pare.
Luts de Cámoissl Xií
E põem em tal eftremo a vida amada,
Ne o mudo o quer, nem Deos naõ o cófente*
Naõ foy a morte de Heytor fépre chorada
Da trille mây, que alem de filho amado,
Era porelle fóTroya amparada»
Mas jà deípois de morto, & arraflado
Com Grego applaufo, vozes, & alarido^
O corpo houve às mãos deícon juntado^
Perdida a ccr, o collo recaydo,
Naõ parecia Heytor, que dantes era.
De pó, de íangue, & de fuor tmgido.
Com feus olhos lavoulhe a chaga fera^
Com fuás mãos o rofto lhe alimpava
Sem alma, 8c fangue, jà de cor de cera*
Mas vedo em fim quaõ pouco aproveytavà
Seu chorOj& né por mais q em vaó bradado
Chamava Heytor, Heytor refuícitava.
De lagrimas os ol hos enxugando.
Defenganada jà do Filho amado
Se foy com a amada filha confolandoj
Nem fempre o fero Achiles foy chorado
De Thetis fua máy, do branco coro,
Princepe Grego taõ aílinalado^
Também pagou à morte o antigo foro»'
E à Deoía naò valco íer prevenida,
Nemíufpirosvalèraõ, nemfeu choro.
Também a efte acabou mortal feridaj
Sendo meyo immortal^ & filho amado
Da Deofa de N éreo taõ querida.
Nas agoas de Acherontc foy banhado^
Porque em batalhas^ como o fero Naarte,
Po ferro naõ pudelfe íer cortado.
Mas a agua naó chegou áquelia parte.
Que cfquadrinhou a fetta aguda , & forte^
Que contra ella naõ vai engenho, Sc arte,
Ghoráraó as Gregas gentes íua morte,
Os Phocas, 6c Delphins cambem chorarão^'
Chorou do gram Nereo toda a corte.
Tantas lagrimas triftes derramarão.
Tanto chorou a mãy, que muytooamavai
Que a Xanto, & o Simois acreícentáráo.
Mas vendo que o chorar naõ aprovcytaya,
E que era dor perdida, ^ defàtino.
Os (cus fermoíos olhos alimpava.
E com alegre roílo de ar benino
O Ceo, a Terra, o Mar, tudo alegrando,
E os cidadãos do Reyno cnftalino.
Os íeus verdes cabcllos eípalhando
Ao vento, de mil Ninfas rodeada.
Tornando a viíla atraz de quádo cm quando*
DePaufilipe, 6c Oricia acompanhada.
De Dçris, McnalipC) & de Mcknto,
Í2 2 _ Rimas do Granàe Luh de Camiões.
Se foy para Nereó eõnfolada. Hum Anjo novo tens, fanto, &íbeninOj
Deyxay pois jàjfenhora, o amargo pranto, Vive fenhora alegre, & coníolada.
A pena, a dor, o mal, que tanto crece,
Eday lugar ao meu inculto canto.
Com graõdifficuldadeleoíFcrece
A grandes deíyenturas taes como eJla,
A darlhe iguacs palavras, quaes merece.
Por tanto eu lenhoraj agora neíla
Náõ as hey de bufcar por coníolarte,
Que aos tnftes coníolar fó a razaõ prefta.
Também íeraõ perdidas neíla parte
Confolaçôes, que cm choro de amargura
Força naó tem, por mais que tenhaõ d'arte.
Se as lagrimas naô veacea razaõ pura,
Fortuna íempre a outras acrefcenta,
Guardete Deosde mòr delaventura.
Que por ti roga ao Padre de conti no,
O alma pura em alto alevanrada.
Que là eftàs neíTe Ceo luzente, St ciaro,
Defta mortal priíaõ jà defatada.
O fenhor meu Dom Telo, amigo charo,
Qiedo terreno Sol, onde vivefte
Te arrebatou fem tempo o tempo avaro.
Se ao paíTardo Lethcnaõ perdefte
A memoria de mim, que ^anto te amo,
E por intimp-amigo me tiveíle.
Com atteoç^õ cfcuta o meu reclamo^
Naó dciprefí s de ouvir là deíTa altura
A bayxa, & rouca voZj com que te chamo.
Que quando concedido da ventura
Naõ digo, que a alma eílc de magoa izeta, Mc for o que eu por ti agora peço,
Porque humano hè fentir, mas he fraqueza,
Niô íofrer o que Deos nos apreíenta.
N aó he efte m u ndo a noíí a natureza,
Eftrada íi, por onde caminhamos,
Prcten dpndo chegar à Summa Alteza.
Naõ borrara o teu nome a fama cfcura,'
Em tanto as bayxas Rimas te oíFereço
Em penhor da vontade, & amor profundo,
Até cumprir o que hora aqui profcço.
Queentaõ te cantará por todo o mundo»
Nefte caminho hú paiTocftreyto achamos. Com linguas mil afama foberana.
Morte íe chama horrenda, & deíabridaj
Divida, que Adam fez, & nós pagamos.
A todos he conimumeíta partida,
Quei?i morre, naó morreo, partio primeyro,
t o que ha depois da morte he eterna vida.
Tod J animal, que nace eítá foreyro
A paliar elle paflb eftrcy to tanto.
Todos là havemos de ir porderradeyro.
Deyxa,lenhora^deyxa o amargo pranto.
Teu filho efti no Ceo reíplandecente,
Jâ wnrre os Cidadãos do Coro íanto^
Nollas memorias trilles naó as íente,
Jà livre, & de theatro eftà olhando
Comolhosimmoitaes a ímraortal gente.
Da V^iíaóBdaiifica gozando,
Sem medo, ou fobrefaltode perdella
O mundo, 6c feus afagos deíprezando.
Eoccuparàteu nome fem íegundo
Do patno Tejo alem da Taprobana.
ELEGIA XXI.
Tede o ^. encarecidamente a huma Senhor a,
quefupottbofoy todo o^objeHo de feus dif*
vellos^ quefe compadejfa do tormeU"
fO) em que o tempofio/ua vifia,
NAÔ me julguf^is, fenhora a atrevi meto
O que me faz fazer hu mal tão forte^
Que naõ me baila nelle o íofrimcoro.
Qiic tal me traz jà agora minha forte,
Que me faz buícar voífa crueldade.
Donde fò por remédio eípero a morte.
Naõ vos pudecallarcíla verdade^
Daiíi coiUépld de uúa, òi cie outra eílrella^ Pwrque força naó ttm poder humano
Ou fixa^ & errante, o curlo, 6c movimento^ Contra outro, que naõ tem humanidade.
TendOj fem fe mover, os pès íobre ella. Arrior, que tudo faz para mòr daao
Veloz, qual o ligeyropenfamenro, Me deu o mal^ leyoume ofofrimento,
PaíTa depòloapòÍo,&oCcoconhcCí Ah duro Amor, cruel, &deshumano.
Quj/eu caminho faz com palio lento. Naõ vos lembre, fenhora, meu tormento,
fi porq o mar continuo min^oa, & crcce, Que efte bem o merece a ou/adia
Cofnprêde.Si a quinta efrencia pura^ôc neta^ De eu empregar em vòs meu peofamento.
E|com que luz a Lua refplandece. Lembrovos hum amor^ que cadadia
Ne Tl nos efpiota no ar qualquer cometa^ Em mim taô verdadeyro, & firme crccc.
Os pontos fabe de hum, &deoutro fígno, Quealheo metraz doquefohia.
Por gnie faz feu curío o graõ Planeta, - Naõ peço queo pagueis, como merece^
í ' ' Que
I
Que na5 mereço eu tanto,'mas fo peço.
Que por mim naõ cuydeis,quedeírnerece,
1^ Porque íefó por fi hedetal preço^
Que a íliprir baila feu merecimento
Quanto eu de minha parte deímereço,
í Bem vejo que em tomar o fofrimento
Para viver^ melhor remédio foraj
Que hum taõ deíordcnado atrevimento.
Mas cu^ que do viver menos^ jà agoi;a
Qiie de todo a livro, poiscreícendo
Vaõ com a vida os males cada hora.
Vos quiz manifeftar meu malj fabendo
A quanta defventura fe aventura.
Quem pcrtende fazer o que eu pertendo.
QuizeíTej ó oxalá, minha ventura,
Quccaftigafleis vòseftaoufadia
Com humacruel morte trifte, & dura.
Que naõ íeria morte, roas feria
Hum fuave remédio doce, & brando
Defte mal, que me mata cada dia.
Até quando^ fenhorai 6c até quando
Terá lugar em vos vofía crueza,
E a morte naó em mim, q aeftou chamado?
Rimas do Grande Luis de Camões,
Abrande meu amor voíTi dureza,
Que efta alma em fitrâsforma com tal cura,
Quejá naõ heamor^ mas natureza. I*
Abrande )à huma vida, em que fó dura
A alma, porque veja ^ & exprimente^
Que naõ tem fim a graôdeCaventura.
Abrande já huma dor, que juntamente
A vida penetrou, & a alma trifte,
E lhe roubou o eftado feu contente.
Moftrayvos poderoíaemquemreíiíle y\
Em deíobedecer, ou cnojarvosí
E naõ jà contra quem vos naõ rcfífte»
Em quem cuydar,q digno íby de amarvos,'
!M oftray voflío poder, poiso merece,
Em mim naõ, q o naõ íòu taõ fó de olharvos.^
Atccntay por huma alma, que fe eíquecc
De fí, por que em vòs poz fua lembrança,
E tal, que em nenhum tempo desfalece. :P
Nem fofpcyto que poííà aver mudançaj "
Numcoraçaõ, quemaisqueafi vos ama,
Daylhe já mortCj ou vidi^ ou efperança.
Que tudo lerá gloria por tal daraa. 5"»^; 'i « i>H
II. Pare:
Qii
OCTA^
tp^ Rimas do gr a nde Lms.de Camões ,
CTAVA I
Efla OytaVa fe:^ o T, eftando deflerrado em Ceuta em Vinte é* dous, ou Vífite & três
anms de Jua idade^ ér a dedicou a (D. António de TSÍoronhíi, O argumento todo hg
fubre ode/concerto do munda.
aUem pôde íer no mundo taó quieto?
Ou quem terá taõ livre o penfamcnto?
Quem taó exprimétado, ou ta6 dilcreto?
1 4Q fora» enfim , de humano entéditnentOi
Que ou com publico eíFcy to, ou c6 fecreto^
Lhs naó revolva, 6c efpance o fentimencoí
Deyxandolhe o juízo quafi incerto,
Ver, & notar do mundo o defconcerto?
Quem he que veja aquelle que vivia
Delatrocinios, mortes, & adultérios 5
Qaeaojuizo das gentes merecia
Perpçtga pena, tmmeníos vitupérios s
Se a Fortuna em contrario o leva, & guía>
Moftrando, enfim, que tudo faómifterios
Em akeza de Eftados triunfante,
Que por livre que feja naõ fe efpantc?
Q lem ha, que veja aquelle que cam clara
Teve a vida, que em tudo por petfcyto
O próprio Momo à as gentes o julgara»
Inda quando lhe viíFe aberto o peyto f
Se a má Fortuna ao bem íòmenieavàro,
O reprimej & lhe nega feu dircyto,
Qtie lhe naòfiqueo peyto coftgelado,
Por maisi & mais^ que feja exprimétado?
Demócrito dos dcofes proferia
'Que eraó fós dous; a Pena, & Beneficio,
Segredo algum ícrà da Fantafta,
De que eu achar naò poíTo claro iadício.
Que fe ambos vem por naócuydada via
Aquém os naõ merece, he grande vicio
Em Dcoíes íem juíhça, & íem razaô
Mas Demócrito o diíle, & Paulo nam.
Dirmchcis, que k eíle eílranho dtfcõcerco
Novamente nom 1 tdofemoílraííe^
Que por livre, que ione^Ôc rnuy experto,
Naò era de efpantar fe me eípantaíTc,
Mas que íeja de Sócrates foy certo,
Qtie nenhum grande cafo IhemudalTe
O vulto i (ou de prudentci ou de còftante)
Exemplo tome delle, & naó meefpante.
Parece a razaó boa -, mas eu digo
Defte ufo da Fortuna taõ danado,
Que;j^li4jDlo he mais uíado^i^ mais antigo^
Tanto he maif eílranhado, & blasfemado^
Por que íe o Ceo> das gentes taó amigo,
Naõ dàà Fortuna tempo limitado^
Bem he para caufar hum grande eípanto.
Que maltam mal olhado dure tanto.
Outro efpaoto mayoraqui me enlea ^
Qiie com quanto Fortuna tam profana.
Com eftes deíconcertos fenhoreai
A nenhu ua pcffoa dcfengana.
Naó ha ninguém que agente, nem que crea
Efte diícur ÍQ vaó da vida humana»
Por mais q filofofe, nem que entenda.
Que algii pouco do mudo naõ pertcnda*
Diógenes piíava de Plataõ
Com feus fordidos pés oricoeftrado ;
Moílrando outra mais alta prefunça5
Em defprezar o faufto cam prezado.
Diógenes, naõ ves,queeftremos Iam
Efles que fegues de mais alto eftado?
Pois lede defprezar te prezas muyto,
Jà pertendes do mundo faroa^ & fruto.
Dey xo agora R.çys gr andes, cu joe. tudo
He fartar efc fede cobiçofa
De querer dominar, & mandar tudo
Com fama larga, & pompa íuntuofa.
Dcyxo aquelles que tomaõ por eícudo
De feus vícios, & vida vergonhofa,
A nobreza de íeus anteceflbres,
E naõcuydaó de fi que íaó peores.
Aquelle deyxo a quem do fon o efperta
O grão favor do Key q íerve, &aJora,
E íc mantém defta aura falia, & incerta,
Qiie de corações tantos he fenhora,
Deyxo aquelles q eftaó co^ a boca aberta
Por fe encher de teiouros de hora em horaj
Doentes deíla falfa hidropefia,
Que quanto mais alcança^ mais queria.
Deyxo outras obras vans do vulgo errado,
A que jà naõ ha alguém que contradiga •,
Nem de outra coufa alguma he governado ;j
Que de huma opmiaô, & ufança antiga.
Mas pergunto ora a Ccfar esforçado,
Ora a Placaó divino, que me diga,
Eílc
.--"^
Rimas do Grande
£ítedas muytas terras em queandouj
Aqueliedevencelas, que alcançou?
Geíar dirá j Sou digno de memoria.
Vencendo povos vários^ 6c estorçados .•
Fuy Monarca do mundo. & larga hiftoria
Ficará de meus feytos fublimados.
He verdade ; mas eíTe mando, & gloria
Lografte-o muyco tempo? Os conjurados
Bruto, & CaíBo díràó, que le venceíte.
Enfim, enfim a mãos dos teus morrefte.
Dirá Plataó : Por ver o Etna, & o Nilo,
Fuy aCeeilia^ a Egipto^ Sc outrâs partes,
Sò por ver, & eícrever cm alto eftilo
Da natural ciência em muycas artes,
O tempo he breve, & queres confumilo,
Plataó , todo em trabalhos y & repartes
Taô mal de teu eftudo as breves horast
Qlic, enfim, do falíò Feboo filho adoras?
Pois, quando dcs que vivejà apartada
A Alma defta prifaõ terreile, & efcura,
Bílà em tamanhas coufas ocupada.
Que da fama que fica nadacura,
E le a corpo terreno finta nada
O Cínico dirá íe porventura
No campo onde lançado morto eftava
De fi os caensj ou as aves enxotava.
Quem taõ bayxa tiveíTc a fantada,
Qutí nunca em mores coufas a merece
Que em fó levar feu gado á a fonte fria,
Emungirlhedolcyte quebebeíTei
Quam bem aventurado que feria !
Que por mais que a Fortuna revolveíTe,
N une ^ em fi feotiria mayor pena,
•Que peíàrlhe de a vida ítr pequena.
Veria erguer do Sol a roxa face j
Veria correr fempre a clara fonte ;
Sem imaginar a agua donde nace,
Nem quem a luz oculta noOrizonte:
Tangendo a f rauta donde o gado pace.
Conheceria as ervas do alto monte :
Em Deos creria fimples, 6c quieto.
Sem ma»ys eípecular algum íecreto.
Di humcertoTrnfii.o íelè, & eícreve.
Entre as coufas da velha Antiguidade,;
Que perdido gram tempo o fiforeve
Porcaufa de hum a grave enfermidade :
E em quanto de (i fora doudo efteví!,
Tinha portcyma, & cria por verdade.
Que eitaó íuas, das nãos que navcgavaó,
Quantas no porto Pireo ancoravaõ.
P«i^ hum fenhor muy grande fe teria
(Alemda vidaalegre que paliava^
Lnis deCamhs, ii^
Pois nas qne fe perdíaõ naô f erdía,
E das que vinhaõ íalvas fe al^^gra va.
Naó tardou muyto tempo, quádahum diai
Huncrito, feu irmão, que aufente eílava.
Chegado à a pátria, quádo o vio perdido,
Do fraternal amor foy commovido^
Aos médicos o entrega, & com avifo
O faz eftar á cura recuíada.
Triíle ! que por tornarlhe o antigo fifo
Lhe tira a doce vidadefcanfada »
As ervas Apolineas de improvifo
O tornaò à a faude jà pafTada,
Sefudo rrafilao,aoc3ro!rma5
Agradece a vontade, a obra nao
Porque defpoi«> de vcrfe no perigp
Dotrabajfaoa que o fifo o obrigava j
E defpois de naó ver o eítado antigo.
Que a louca prefunçaõ lhe prtíentava:
O !ÍaímigoirmaÕ,com cor de amigo í
Fará que me tirafte [íufpirava]
Da mais quieta vida, Sc livre cm tudo.
Que nunca poderer algum feíudo ?
Por qual Senhor algum eu me trocara,"
Ou por qual algum Rey de mais grandeza?
Que me dava,que o mundo íe acabara.
Ou que a ordem mudaíle a Natureza ?
Agora me he penofa a vida chara :
Scy que coufa he trabalho, & que triftezai
Torna me a meu eftado ; que eu te avifo
Que na doudice fó confifteo fifo.
Vedes aqui, Senhor, bem claramente
Comoa Fortuna em todos tem poder,
Senaõ fó no que menos labe, 6f fente.
Em quem nenhum defcjo pôde a ver:
Erte íe pôde rir da cega gente ;
Neíle naó pôde nada acontecer >
Nem eílaràfuípenfo na balança
Do temor raao da pérfida efperança,^
Mas le o fereno Ceo me concedera
Qualquer quieto, humilde, & doce eílada
Ondecom minhas Mufasíó vivera.
Sem verme em terra alhea degradado ;
Ealli outrem ninguém me conhecera,
Nem conhecera eu outro mais honrado,
Scnaó a vós, também, como eUj contente»
Que bem fey que a ferieis facilmente :
E ao longo de huma clara^Ôc puxa fonte,
Qieem borbulha*; nacendoconvidaíTe
Ao doce palfarinho que nos conrc
Quem da cara conforteo apartaííe :
Deípois, cubrindo a neve o verde monte.
Ao agafalhado o* frip no&iâVaâe>
Avi-
íizú Rmas dogrmde
Avivando o juízo ao doce cftudo,
Mays certo íPájar da alma^eníin?, q cudo:
Cantáranosaquelleque taõ claro
O fez o fogo da Aurore Ftbca,
A qual eile em eliilo grande, & raro,
Louvando;,ocritalinaSorgaenfrea.
Tangeranos nafrauta Sanazaro,
Ora nos monte % ora por a área.
Paflara celebrando o Tejo ufano
O brandojôc doce LaííoCaftelhanho.
E comnoíco também íe achara aquella
Cuja Lembrança^ ôccujoclarogcfto
Na alma fomente vejo, porque nella
Ellà tm eíTencia puro, 6c manifefto 5
Por alta influição de minha eítrella
Mitigando o rigor do pey to honefto.
Entretecendo rofas nos cabellos^
De quetomaíTea luz o Sol em vellos,'
E em quanto por Veraõ flores colheíTeí
Ou por Inverno a fogo acomodado,
O que de mi fentira nos diíTeííe,
De puro amor o peyto falteado j
Naò pedifj entaõ eu, que Amor me deflfe
Do iofano Trafilao o doudo eítado,
Mas que alli me dobraffe o entendimento.
Por ter de tanto bem conhecimento.
Mas por onde me leva a fantafia .*
Porque imagino em bemaventuranças,
Se taõ longe a Fortuna me defvia,
Queinda menaóconísnte asefperanças?
Se hum novo peníamento Amor me cria,
OaJeo lugar, o tempo, as eíquivanças
Do bem, me fazem taó defamparado^
Que n ao pòdefcr mais que imaginado ?
Fortuna, enfim, CO* Amor íe conjurou '
Contra mi, porque mais me magoafe :
Amor a hum vaó dcíejo me obrigou^
Sò para que a Fortuna mo negaííe :
O Tempo a tal eftado me chegou,
E nêliequiz, que a vida feaçabaíle :
Se ha em miacabarfe, oqueeu naõ creO}
Queatèída muyta vda me receo,
O C T A V A II.
ConfóU aqui o T, a T^. Coflanthw Vice-Rey
ao. Índia animando^o contra a inveja /3
murmuração dos Eortuguezes,
r1 O T>o nos voflbs ombros taó conftantes
j [Prirrcipeilluílre^ &raro ] fuftenteis
Tantos negócios nrduos, & importantes.
Dignos do Ia; go Império que regeys %
Luís de Camões]
Como íempre nas arnn as rutilantes
Vellido, o mar, & a terra íegureis
Do Pirata infolente^ 6c do tirano
Jugo do potentiílimo Otomano ;
E como com virtude ncceíTaria,
Mal entendida dojuizo alheo,
A a defordem do vulgo temerária,
Na fanta paz ponhays o duro freo j
Se com minha efcritura longa, & varía,^
Vos ocupafle o tempo, certo o creo
Que com vagante, &ociofâ fantafia
Contra o com mu m proyeyto pecaria
E naô menos feria reputado
Por doce adulador, fagaz, & agudo.
Que contra meu taô bayxo, & trifle eftado
Bufco favor em vòs,que podeys tudo 5
Se contra a opinião do vulgo errado
Vos celcbraííc; em verfo humilde, 6c rudo
Diràõ, que com liíonja ajuda peço
Contra, a miferia injufta que padeço.
Porém, porque a verdade pôde tanto
No livre arbítrio (como diíTe bem
Ao gram Dário, o moçoíabio, &fanto,'
Que foy reedificar HiCrufalem)
Elta me obriga aqu'em humilde canto,'
Contra a tençaó que aplcbe ignara tem.
Vos faça claro a quem vos naó alcança ^
E naó de premio algum vil efperança
Rómulo, Bacco,& outros que alcançarão
Nomes de Semideofes fobsranos.
Em quanto por o mundo exercitarão
Altos fey tos, & quafi mais que humanos i
Com juíliílimacaulaíequeyxáraõ
Que naõ lhes refpondéraõos mundanos
Favores do rumor juftos, & iguais,
A feus merecimentos im mortais,
Aquelle que nos braços poderoíos
TírouavidaaoTingitano Anréo^
E a quem os feus trabalhos taõ famoíos
Fjzeráo Cidadão do claro Cco j
Achou, que a mà tcnçaõ dos cnvejofos
Niô fedoma fenaõderpois que o véo
Se rompe corporal; porque na vida
Ninguém alcança a gloria merecida
Com tudoje varões taõ txcell entes
Foraõ.do bayxo vulgo moleftados,
O vitupério vil dasrudas gentes,
He louvor dos Reays, & fublimndos.^
Quem no lume dos voílos ATcendentes
Poderá poros olho?, que abalados
Lhes naõ fiquem da luz, vendo os mayores 1
Vofifos PaíTados, Reys, 6c Emperadorcs ?
Quem
Rmas ão Grande
Qnem vera a qiielle Pay da Pátria fua^
Açoute do foberbo Caftelhano,
Que o duro jugo fó, co^aefpada nua
Removeo do pefcoço Lufitano \
Que naò digíi : ò gram Nuno ! a eterna tua_
jVJemoriacaufarà, fenaó me engano,
Que qualquer teu menor tanto fe eftime,
Que-niinca poíTa fer fenaó fublime.
Nifto náo fallo mais, porque conheço
Que da matéria fe me bayxa o engenho :
Mas pois adizer tudo me oíFereço,
(^E dias haque nodefejootenho)
Sendo vòí de taô alto, & illuftre preço^
A vida íoltes pòr num fraco lenho»
Por largo mar, & undofa cempeftade,
ííò por Ter vir à Regia Mageftade,
E deípois de tomar a rédea dura
Na mão, do povo imdomito, que eftava
Coílumado à a largueza, & á a foltura
Do pelado governo que acabava %
Quem náo terá por fanta, &jufta curai
Qual de vofTo concey to fe efperava,
A táodefenfreada enfermidade
Applicarlhe contraria qualidade ?
Não he muyto, Senhor, íe o moderado
Governo fe blasfema, & fedcíama
Porque o povo a larguezas coílumado,
A a ley fercna, 6c jufta dura chama.
Poiso zelo cm virtude fó fundado
De falvar Almas da Tartarea flamma.
Com aagoa falutifera de Chrifto ,
Poderá por ventura fer malquiíto ?
" Quem quizclTe negar tam gram verdade^
Qual heo íeu eíFeyto fanto, & pio j
Negue também ao Sol a claridade,
E certifique mais que o fogo he frio :
Seo fuccfTo he contrario da vontade
A as obras que fàó boas , 8c o defvio $
Eílà nas mãos dos homens comítelas,
f. nas de Deos cftà o fuceíío delias,
Sey eu , & fabcm todos, que os futuros
Veràm por Vòs o Eftado acrecentado ;
Seràõ memoria voíTa os fortes muros
Do Cambayco Oamaó bem íuftentado :
Da ruma mortal íeràm feguros
Tendo tudo o liccrce feu fundado
Sobre Orfans amparadas com maridosj
E paí»os os ferviços bem devidos.
Quãto de infâmia ao Príncipe he perderfc
Pouco do Eftado feu que inteyro herdou ,
Tanto poi* gloria grande pôde terfe
Sc acrecenCddo,& profpci©o deyxoq.
c
Lttls de Câmôeí, \ ij
Nunca confentio Roma finnobrecerfe
Com triunfos alguen», fenaó ganhou
Provinciacomq o Império íe augmencaflej
Por mayoresviàorias que alcançafle.
Pôde tornar o voflo Nome digno
Damaô^ por honra lua clara, & pura.
Como jà do primeyroConftantino
Tomou Bizâncio aquelle que inda dura.
E tu, Rey, que no Reyno Neptunino,
Lâ no íeyo Gangetico a Natura
Te apofcntou} de fer tam inimigo
Dcftc Eítado^ naõ ficas fcm caíligo,'
Bem viíle contra ti nadantcs aves
Cortara eípumofa agoa nevegando j
Ouviíle o fom das tubas náo íuaves.
Mas com temor hornfero foando :
Sentifte os golpes afperos^ ^ graves
Do Lufitano braço nunca brando;
Naõ fofrefte o gram brado penetrante
Que os torvocns imitava do Tonante.
Mas antes dando as coílas>5c a vitoria
A a Bragancès ventura náo corrido,
Dèftc bem a entender quam grande gloria
Hs de tal Vencedor o fer vencido.
Quem faz obras tam dignas de memoria
Sempre ftrá famoío, òc conhecido
Ondeosalcosjuuos fe eftimarem :
Qiie cftes fós tem poder de fama daremj
Náo vos temais, Senhor, do povo ignarOf
Tam ingrato a quem tanto faz por elle .•
Mas fiibey que he final de lerdes claro,
O fer agora iam malquiíto delle.
Temiftoclesda Pátria fua amparo |
O forte, 6c liberal Cimonj& aquelle
Que leys ao povo deu de Efparta antigoj
Tellemunhas íeràm de quanto digo.
Pois aojufto Ari/lides, hum robufto
Votando noOílracilmo coílumado,
Lhe diíle claro aíli i porque era juíto
Dcfeiava que foíTe defterrado.
Pachitas por fugir do povo injufto
Calumnioío, dando no Senado
Conta de Lesbos, que elle jà mandara,'
Se tirou co'o feu ferro a vida chara.
Demofihenes lançado das cormencas^'
Populares , a Palias toy dizendo,
Que de três (r>onfi:ro> grandes te contentas,
DoDrago,& Moucho,&do vilPovo horrédo?
Que glorias immortais houve queizentas .
Do veneno vulgar fofllm vivendo ?
Pois mil exemplos deyxo de Romanos j
Eyòs umbcm£eis hum dos Lufiçanof.
fcS Ritmas âo grnnâe
O C T'A V A III.
Efta oytava efcreveo o í*. fobre a Jetta^ qUe
0 PapA Gregório XllLda igreja de Ueos,
r/tandoupor occaftad dejte Rey na/li míCí
cer em dia de S^SebafttaÒ a^o. «soD
. • dejaneyroannoi')']')^ ""
MUy alto Rey, a qaé os Ceos fm forte
Deraõ o notnc Augufto,6c fublimadoí
De aqueUe Cavalleyro que na morte,
Por Chriíto, toy de fetas mil paflado }
Poisdejleo fiel peyto,cafto, 6c forte,
Co'oNcuneImpcrial tendes tomado,
Tomay também a Setta veneranda
Que a Vós o SuceíTor de .Pedrt> manda.
Já por ordem :do Ceo^ que o coníentio»
Tendes o braço feu^ relíquia chara,
Defenfor contra o gladio que terio
O Povo que David contar mandara.
E pois que tudo em Vòs fe permittioj
Prelagio temos^St eíperança clara.
Que fcrcis braço íbrcey& loberano.
Contra o íoberbo gladio Mauritano.
E o que hum preíagio tal agora encerra,
Nos faz ter por mais certo»8c verdadeyro
A Setta, que vos dà quem hc na terra
I^os celeftes Tcfouros Diípeníeyro.
Que asvoflfas íettas iam najutta guerra
Agudas» & entraram por dcrradeyroj
Camdo a voíTos pés povo fem ley^
Nos pey tos^que inincíigos faô do Rey.
Quando voíTas bandeyras defpregava
Albiíquerque tortiífimo, com gloria^
For as prayas de Perria,& alcançava t
De Naçoenstam remotas a vitoria 5
As fettaSíCmbebidas, que tirava
O arco Araiufiano, he larga híítoria,
Nosares^ Deos. querendo, fe viravam,
Pregando* íe nos.peyíos que as tiravam,
Oi querido Ucos, por quem peleja
'O ar tombem, 6c o vento conjurado •
Ao támboracode^ porque veja
Que,0'q aDeosama> he de Deos amada.
Os contrários reveis à a Madre Igreja
Atroaram co\:) tom do Ceo irado.
Que a 111 deu já favor mayor que humano,
A Joíuè Hebreo, aXeodofio Hiípano.
Pois fe as íettas tiradas da inimiga
Gordaj contra fi fó nocivas fam,
Que farara^ Rcyi as voíTas que tem liga
, it ■■ • ■
Líits de Cámôesl '
Coma que játoecuSebaílIam?
Tinta vem do íeu Tangue, com que obriga
A levantar a Deos o coraçam.
Crendo bem que as que vòs defpidereis
No Tangue Sarraceno as tingireis.
Afcanioffe trazer me he concedido
Entre Tantos exemplos hum profano )
Rey do Império, deTpois tam conhecido^
De Roma,6c íó relíquia do Troyano;
Vingou com íetta, & animo atrevido>
As foberbas palavras de Nu manoi
E logo foy de alli remunerado ,
Com louvores de A pol lo celebrado,
Aíli vòs, Rey, que foft^s íegurança
DenoíTaliberdadei & que nos dais
De grandes bens certiflima eTperança,
Nos coftumes, 6c aTpe£to que moltrais j
Concebemos fegura confiança,
Que Deos a quem feryis, & venerais.
Vos fará vingador dos feus reveis,
E os prémios vos dará que mereceis,
Eítes humildes verfos, que prtgao
Sam deites voílos Reynos com verdade,
Reccbey com benigna, & Real maó.
Pois he devido a Reys benignidade.
Tenham ( fenáo merecem galardão ) >
Fa vor.íe quer da-Regia Magcílade :
AíTi tenhais de quem já tendes tanto.
Com o Nome, 6t Relíquia, favor Tanto»'
O C T A V A IV,
«
Eftas oytavãs, t£ as que fe figuem fe achà^
raÔ em alguns mano/crttõs. Nejiaglofa
o "F, hum Soneto feuXlV, que co»
mefaToáo o animal da cal-
ma repouíava.
DEípois q a clara Aurora a noyte efcura
Com novo re/plandor foy des fazendo j
E Febo poros montes, & eípelTura,
Os íeus dourados rayos eftendendoi
Se buícava nos vailes a verdura
C) manTogadoa luzíercna veodo;
Quando a fervida íeftaja abrafava,
Todç animal da calma repoufava.
Já por fugir do Sol o fogo ardente,
As Tombras os rebanhos vam buTcando í
Os tenros cabritinhos juntamente
A poz as manias noãyshiam faltando:
Tangendo as fuás frawtas docemente
Os Pa/lores> eítavam enganando
Ajgrâtti
Rimas do grande Luh de Camões»
A g am chama folar queentam ardiaj Com aeípe aoça fòde íua morte
So Lifo o ardor delia nam/ènúa, Aqueilas penas ultimas engana,
1 riites lembranças tanto o traípaíTavami Deyxando na dpefíura o claro Norte,
J(29
Que a dura feita neilas íò paliava:
Ocenfipo que em prazer outros gaitavam,
tm celebrar íeu njal elle o goftava:
As feitas que com jogos celebravam,
Klle com lufpirar as celebrava:
Nada buícavamaysjjnays nam queria
jõ^e o repoufi do fogo efn que e/le ardia.
Os repetidosjogos dos paftores.
As lutas entre a rama repetidas^
Mas antes na alegria as vé crecidas.
Em nada lhe divertem fuás dores,
Como o repouío roubam os amores
A as almas que para elles {am nacidaSy
Delle,todo o repoufo que eíperava,
ConJi[íta na Ninfa que bufiava.
Com o choro^que já corria em fio
Por o pálido roíto aumenta as tontes.
Que levam agua eftranha ao claro rio
Para elle de outra luz m jys íoberanaj
A hum valle aberto então íair procura,
Canfadojà de andar por a efpelfura»
Deyxando as fuás cabras que paceíTetTi
Na quelle verde prado as freícas tiorcb}
Porque os Sátiros leves o íoubeííem.
Ou os filveítres Faunos amadores;
Também porq os Paítores o entendeíTem,
Todo o proceiro,& fim de (eus amores
Efcreveo (fem em nada avcr mudança)
No tronco de humafayapor íem branca*
Por lembrança no tronco de huma faya
Que vay faindo ao Ceo de pura altiva,
Na verde^prateada,& áurea praya.
Por donde o claro Tejo fe deriva;
Porfjue também ao Ceo fua dor íaya^
Sobre aquella corrente fugitiva,
Efcrita no papel da Natureza,
Cjue os valles vay regando entre altos mótes^ Efcreve efias palavras de trifteza.
Com íuípiros a quem o Eco pio
Rcfponde de apartados Orizontes,
Os ventos parecia que en freava.
Os montes parecia que abalava.
Quê as queyxasde íeus doces pêfamêtos
Se moveíTem os montes mays cooftantes.
Se paraflem os mays veloces ventos,
Que ellavaó ,que corriáo cricunílantesj
Bem íe devia a dor de léus tromentos,
E índa que foíTe em pey to de diamantesj
Que hum pcyto de diamante abrandaria
O trijtejom ãús magoas que dizia.
Porém elle as dizia a outro pey to.
Mays,que diamante inexpugnaveI,duro
A fe lhe encarecia,a que íogeyto
O tinha em pena eterna o amor puro;
Moílravalhe eíle na alma mays perfeyto,
Quanto mays oífendido mais íeguro
A Ninfa mais íegura tudo ouvia,
Mas nada o duropeyto commovia.
As laltimas aqui tanto crecèram
Natércia Ninfa bella por quem vivo
Em tal tormento,tempo algum meoíhouj
Masdesqueem mi fentio que era cativo
De aquelle brando olhar que me enganou,
O amor tornava em defamor eíquivo,
E de hum tO! mento tal a outro paiTou.
Emcouíastamíogeytasa mudar.ça
Nunca ponha ntnguernjua (Jptrança. ,
Paradar proveytpíos deíenganos
Dos enganos que fam de amor efteytos,
Edosdous íexos publicar hun.anos,
A origem das mudanças de feus peytos;
EíUs letras aqui por longos annos
Digam, (a coraçocns a amar fcgeytos)
Em peyto varonil, que de Ventura;
Em pey to feminil, que de Natura.
Faltou) he aqui o alento,& jàcançado
Cahio ao pé da faya em que eícrevi a,
Nam podendo feguiro com.çado.
Porque a alma já do corpo lhe íaia.
Três vezes,com acento maLformado,
Que íe t^m montes de Hircania fe efcutàram Para exemplo futuro repetia;
Tigres nos feyos feus mover puderam,
E pedras nos íeus cumes abrandaram,
]Mas íe no peyto as triítes vozes deram
De aquella Fera humana que bufcàraro,*
Elle de as admitir fc retirava;
^ie na vontade de outro pojlo eftava,
Deieoganado jà da trifte íorte»
De que mal fino amor íe dcíengana»
•, ll.Part,
Amanres,entendey quea iPÓr Belleza
Somente em fer mudável tem firmeza,
Cà nejf a Babilónia adonde mana
Hipocrefia,engano,& faUidadej
Cá donde ouíâda toda carne humana
A todo arbítrio vivede vontade:
Cá dondeenrouqucceo da lufitana
Mufa o furor hercico,& fuavidade^
a
f 50 Rimas âo grande
Cá donde fe produz f or cega via
Méiteríaa quanto maio mundo cria:
Cã donde o puro Amor uam tnn valia,
porque Bacco o tem hoje dellenadoj
Cá donde a frecha de ouro nani feria
Senam cabello preto,& altenado;
Cà donde a loura crança nam íerviai
Nem o roíto de fangue matizadoi
Ca donde nada vai à aglorja humana
^ie a Mãj/jue manda mujis^tudo profana^
Cà donde o mal fe afina// bem Je áana^
Se algum a terra em íi quer produzirj
Cá dcndc a falía gente Mahometana
h gloria coda funda em adquerir:
Ca donde mulciplíca a máo tirana
ProfeOa enti mays crecer, matar, mentir
Cá donde o fazer bem he villania,
E fhde mays que a honra a t ir ama:
Cà donde a errada ^^ cega Monarquia
De fabulofas leys ellà vivendo,
E à aforça de hum amor engrandecia
O nefando A!coram,cm que eítà crendo:
Cà donde nada vai á apoefia,
Eíeeítàda ley delia efcarnecendoj
Càdonde a fidalguia Maometana
Cuyda com nome vaõ que aT^eof engana,
Cànejia Babilónia onde a Nobreza
DaLufitana gente fe perdeoj
Edogram Sabaíliam toda agrandeza
Irreparavelmcnte fe abateo:
Cà donde algum mentir nam he bayxezai
E os méritos ermola(afli creceo]
Da cobiça mortal a femrazaô)
Qomesforç9^Jaber ^pedindo vam:
Ji as portas da cobiçará' daiiUeza
Eíles netos de Agar eftam /entados,i
Em bancos de torpiílima riqueza.
Todos de tirania marchetados.
He do feo Alcoram fumma a largueza
Que tem para que fejam perdoados
De quantos erros cometendo eftara|
Cãnejie efcuro Caos de confufam,
Cuntprindo o curjo eftou da Natureza^
llluftre Dama,neíte laberintOi
Masquem uíâ comigo mays crueza,
He toa condiçaó,que na alma finto
Acabafe algum dia tal tnfteza,
E eíle fentido maluque em verlos pinto:
E I oys na alma he fentido,8c coraçam,
Vèfe me e/quecerey de tijStami
Senhora,fe cncubrir per algum'artc
^Pudera efta ocafiáode meu tormento.
Luís de Camões,
Náo creas que chegàrn a declarartft
Efte meu pcrigoío peníamento:
Mas por mays,que te offendainão fou parte
No crime de tamanho atrevimento
Ellehede Amor,& delle foy forçado
A que te declarafíe o meu cuydado.
Se merece caítigo a confiança,
Com que defcubro agora o que padeço.
Aqui pronto me renSjtoma a vingança
Que por tão grave culpa te mereço, ..
Bem mepodes negar toda efperança, 1
Mas eu não defiftir deíle começo-, l
Porque Tempojôc Fortuna,naó íáo parte
Para deyxar hum'hora fò de amarte.
Ja que verte os meus olhos alcançarão
Deícanfem neíte bem com alegria,
Poys jà Com ver oç5 teus, tanto ganharam,
Quanto eftando fem veloSjfc perdia
Que gloria querem mays,fe a ver chegaram,
Aquclla pura luz,que vence aodia?
Qual mor bem ha no mundo que quererte^
Senaô ha mays que ver defpoys de vertei^
Minhas dores mortays^beíla íenhora.
Tirarão a virtude ao fofrimentoj
E tazendofc mays em qualquer horaj
Levando vão trás ti meu peníamento;
Porém íoberbos vejo defde agora,
Por a caufa gentil de íeu tormento.
Minha alma, meu dcíejo,meu fentido,
Porque á tua belleza íe haò rendido.
Apar de tua rara Fermofura
Se deíconheceo mór Merecimento:
A tua claridade torna cfcura
Do Sol a clara luz em hum momento.
Se Zeufis ao formar bella figura,
A vifta em ti pudera por atento,
Mays alto original ouvera achado"
Para admirar o mundo co*o traslado.
Aquelles, que efcrevèraô mil louvores
De fermoíurajgraça,& gentilleza,
Todos forão,Senhora,huns borradores
De tua perfeytifiima belleza.
Agora íe vè claro em teus primores
Que em ti fe elmerou mais a Natureza;
£ que craõ os íeus cantos profecias
Do que avias de íer em noíTos dias,
Vé^poySjfe vinha a fer culpável falta
Em mim o naõ renderte amante a vida^
E íe a deyxar de amar gloria tão alta
Era digno da pena mais crecida,
Enfim,eu te amareyrque Amor me exalta
Co*«câftigo de culpa a íTi atrevida:
J
Rimas do Grande Luís de Camõeslk i*,
E quando delia caya,raayor gloria Uríula.porquem Noto era mais claro
Terá o Tejo que o Pò com lua hiftoria. Que por rodo o poder que poíTaia:
Com quem em nada o Ceo quiz fer avaro,
O Y T A V A S VIL Com quem todas as graças repartia j
i:'>i.í PrQdente,honefta,Sidouta,a maravilhai
Z)o Grande Luis de Camões feitas a SantH De tão dítoío Pay ditofa Filha.
Urfula, \$fuas Companheyras as quaes Aquella que por o ar com ligeyreza
Bernardes falfamente attrl* As penas de mil azas abre,& cerrai
buye a/i, E que com velociffima prefteza
Com outros tantos pès corre por terra:
DE huma fermoía Virgem defpofada, Aquella, que de fua natureza
Que de outras onze mil^tábé fermoíasj Nào cuyda cm quanto diz fe acerta,ou erraj
Entrou no claro Olympoacompanhada, E de huma em outra boca íe derrama;
Com coroas de lirios,8& de roías^ Aquella,eníim, a quem chamamos Fama:
De Chriílo EípoCo (eu tão namorada Hia por todo o mundo divulgando
Que delle as quiz fazer todag Efpofas, Eílremos deita Virgem foberana,
Amor,Vida,& Martyrio cantar quero, Aquella fermofura celebrando
Fiado no favor,que delia elpero. Com que Amor cego atanta viíta engana:
Alcança,Uríulabella,(que diante Mays hia a da alma íua publicando^
De tão bello efquadrâo fofte por guia^ Porque era mays divina do que huínana;
Do teu íuave Amor, que de ti cante Jà de huma,& de outra jà,dizia tanto,
O íeu amor que no teu pey to ardia. Que em huns criava amor,noutros eípantoi i
Meu verío para ti mays fc levante. Ouvidos íeus louvores,muytas vezes ^
O Chriftiferaió Heróica companhia! Deíejou defta Virgem fazer Nora
Tanto íe mpftre aqui mays foberano, Hum Rey que o Cetro tinha dos Inglezcs, i
Quanto o divino Amor excede o humano. Idolatras entáo,cegos agora, »
E Vós,unica Mãy,8c Virgem pura, OíPovo cego,& leveias torpes fezes
Poys foys das que tal Ordem efcolhérâo. Aparta do ouro puro,& lança fora.
Que foítes,foys,íereys Guarda íegura Tornate ao teu Paftor perdido Gadoí
Da Pureza que a Dcos ofFerccéraó, Olha que vas fem elle mal guiado,
Nefte canto me day melhor ventura Hum filho deftc Rey(^de quem dizia
Doqueatègoraas Muíasvansmedcraõ* Qucferde lJrfulaíogrodefejava)rj,c)rih4 oi<s
VoíTas fervas feráo de mim fervidas^ Movido do rumor que delia ouvia'.
Cantadas fuâs mortesjfuas vida*. Jà dentro.no fcu pey to a namorava
Sereniílitoa Infante, produzida Alli feu amor,dellc,lhc oflrrecia;
Do gram Tronco R.eal,fublime Planta}íjJloi Alli por amor, della,fufpirava.
No Titulo,nasObras,& naVida, " Suf pira clle por cila jellafufpira
Retrato natural de Urfula Santaj Também por outro amor que nunca vira.
Defta Virgem também de Reys nacida, Mandou o Rey Inglez Embayxadores
Ouvi com ledro rofto o que fc canta: ^^ m'iZ Com pompa Regiaj& luftre funtuoío
Day o fcntido hum pouco a tal Sogeytoi ' ' C^° grande Rey no íeu grandes Senhores) ^
Nam lhe tire íeu preço o meu defeyto. A Noto, Rey não tanto poderoío. >
No tempo que Ciriàcoíefentava PcdiolheabellaFilhafqueemanaoresj
NtCadeyradePedroPefcadorj Ardia toda do cclcíle Eípofo] J
De que com fáá doutrina apacentava ParaErpofadoFilbo,quefabia íjoju^ ^
As Ovelhas de Chrifto Bom Paítorj Que jade amores delia todo ardia-;;r> ntr- -- 'I
Teve Bretanha hum Rey que profeffava O Rey Bretam fc achava deícontente '\
A Leyquedeu no mundo o Redentor,.- / 2i;Cr Com a nova Embayxada de Inglaterra: t^iO
Jufto,& temente ao Ceo,pio,& devoto, ' -^ '> Receaque íe nella nãoconfente, ^^ '^
Chamado Mauro de huns,Sc de outros NotOi O Gentio lhe mova cruel guerra:
De virtudes,hura novo exemplo, & raro, Porque ícndo mays rico,6{ mais potente»
fim idade,St belleza,ílorecia - i dbttO Aíll no largo mar, como na terra»
41. Parr. R a Quand#
\
í p Rim as do Grande Luis deCamSesl A
Quando dcfprezos viílede leu rogo, ,6li;h'J Juntar fe via de buma , & de outra banda,
Fedia por Brccanha a ferro,& fogo^^i xoq í^
Sobre eíte náo ertado peniamcnto
Do medo de perder feu Senhorio,
Novodiícuríotinhajôc novo intento
Com que fe achava mais medrofo, êc frio
Eílranhava o fazer ajuntamento
Da Cathohca Filha c^hum Gentio;
Pois nem a Ley de Chr iílo o permitia,
XSitm Ur Aila fiel o admitiria,
Eliando o Pay em tal anguftia poAo^^ .
Divinamentea Filha já inípirada, í/víoí
Lhe aílegurava com lercno roítoy« íímiiri :
Que conícntir podia na Embâyxada;
Dizendo,que íe o Inglês levava gofto
De úh com feu Herdeyro fer cafada,
Primeyro lhe mandaíTe dez donzellas,
DoRcynoasmais illuftres,as maysbcllas.
Que mil daria a cad^ Virgem deltas,
E que a ella outras mil também dana,
Todas de claro fanguCiStem vida honeftas;
Defta arte a conta de onze mil fazia,
Qi^epar três annosdilaçaõ nasfeltaSj .
Além dojà pedido,lhe pedia; <^'\}h
E naos,& mantimentos, porque todas
Foííem com ella a Roma antes das bodas.
Alli íua purezã,ôc virgindade
Queria com foJenc,& íacro voto
Confagrar á a di^inaPotettade,
Que o Ceo,& a Éerra fez de próprio moto.
E que deyxaííe a vãa Gentilidade
Seu Filhojp^ra genro íer dejNoto,
Para que nôftc eípaço doutrinado ob ohr
FoíTena Fède.Chrifto^& bautizado.rrJr.
Com citas condiçoens Urluladiílc '^ ^i -
De feminil nobreza tenra idade.
As nãos aparelhar o Pey já manda,
Jà nellasíc recolhe a Virgindade;
Já dão para Bretanha ao vento vcUas:
G coração do Noyvo vay com cilas.
Jà vem a tomar porto onde efperava
Urfula alvoroçada em gram maneyraj
Que para as receber alli íe achava^
Como Senhora nâo,mas companheyra.
Quão f alfa era a ley delias lhes moílrava,
A de Chrifto quão pura^Sí verdadcy ia.
Jàlebautizahuma^& outra Dama;
Damas Uríulajá,doCeo,lhes chama,
A Fama, que não fabe tepoufar.
Voou de Reynoem Reyno d*ilha cm Ilhaj
A gente,que concorre não tera par,
Por ver a nunca vifta maravilha.
Outros vem por fc rvir,& acompanhar
A Virgem de Rey Nora,de Rey Filha.
Movemfe muytos Bilpos de Bretanha;
Pantoloem vida, & morte os acompanha.
Por Ti,deyxandooReynoco'a família»
E quatro filhas luas,fe embarcou
[Juliana, Vitoria,Aurea,Babiliaj
ftum filho tinha mays que mais levou]
Gcrafina Raynha de Sicília^
£ com devido amor te acompanhou:
Que he juílo,que contigo vão Raynhas
Quando tu para o Rey dos Reys c^minha^.
Jàfe partem as bellas Peregrinas* . ..
As mãos ao claro Fmpyrio levantadas; âíJpoí
Jà rom pem, j á,por ondas criílal inas
As nãos da Feimofura carregadas:
^ Quando, dizcy^ (ò Aguas Neptuninas j)
Ao charo Pay,que,a íer delias CQjitentc»:>q úih Foites de tal belleza navegadas ? iT mwi
Podia rerponder;& dtjfpidiíle . -loq ^lio £i!qk?â Nunca» deípois que a terra defcubriftcs,
A proporta de aquelle Rey potente: : virtisT A tal Frota porvós caminho abriftcs.
Com vento fempre igual, có mar bonã^t^I
Sem perigos alguns, fem algum pejo.
Cicia foráo tomar porto de França,
Onde pouca demora fazer vejo
O coração da Virgem não dcfcança.
Ou porque ou vindoas ellcdefiftiílè,- - ^^M
Podendofe aceytar difficilmentc$ u-^moq 'í
Ou porquêjquandoas Virgens conírcdeíTe^
Configo a feu Senhor oiue mil déiíè,
0!divilio,faber,quam foberano
Coníelho he fempreo teu ! quam remontado! Saudoía do fim de feudefejorl
O: quanto o mor faber te cede, humano, Manda que Irvem. ferro, foltfin:Knho, x
Por mays quede razões và mays ornado! Que leve por ornar o negro pinho. i
Já dos ídolos deyxa o cego engano Ovento novapoífe vay tomando
OPrincipeda Virgem namoradotfivonsmoj Das Virgens qué Iheíaoenoommdadas: J A
Jà tento pede ao Pay quanto ella pedej ' Com tal proíper idade vão voando, [
Já o Pay quanto lhe roga lhe concede. Qocjàdeyxâoatraz ondas falgadas:
Jà p^faTijò Virgem bella,& branda, Já nas doces do Reno eílão entrando,
Com huma fingular velocidade, . o^ibI on lii A Onde tem íuas vidas limitadas: . bi máíl
H«rna cidade vem a alinguadaagoa^
Que de velas morrer náo teve magoa,
AhiColonia cruel, que não te encobres
A tão fer moios olhos, que fcguros
As altas torres viaó^que delcobres,
Luíhofos edificiosjfortes muros»
Permite o largo Ceo que fama cobres
De ícr tão dura máy de peytos duros?
Duros peytos,que a tantos^limpos de crro>
Viraõ abrir íem dor com impio ferro.
Eftando neíle porco a bella Armadat
Tomando o neceflário mantinaento.
Para poder fcguir fua jornada,
E dar tcrceyra vez o trcu ao vcntoi
Sendo parte da noy te jà paíTada,
A Virgem là no feu retraimento, ^upn,
Quando eftava dormmdo toda a Frota»
A Chrifto orou aHijbranda,& devota.
Araor,divino Amor,Amor fuave^
Amor,que amando vou toda rendidaj ;^^*^'^
Com quem não há na vida pena grave»
Sem quem gloria real não há na vida:^
Rimas do Grande Luh de Camões.
Amor^quedomeupeytocensachave. . Delata o meu efpirito faudofo ^
Artior,de cujo Amor ando ferida, ' íí3"P *^ Do nó mortaÍ,em que íe vay detendo^'^^^ '^*^>\
Amor,que em cays prifoens me aíTcguraíle
Aseíperanças de antes fugitivas:
Amor,que fufpirando me eníinaíte
A derramar por ti lagrimas vivas^
Quando ver ey, A mor,Q que defejo.
Para que veja, Amorfo que náo vejo?
Quando vcrey hum dia em que offereça
Por Ti ao cruel ferro o pey to forte,
E cercada de Virgens a p pareça
Na tua foberana,& eterna Corte?
Onde là cada huma cc mereça,
Ca paflTando comigo a própria mortej
E todas dandoofangue juntas, todas
Celebremos contigo eternas bodas.
Fazcme jâ,Senhor,eíla vontade
Que tenho de te ver,que fempre vivej
Dcs que me deu lugar a tenra idade,
E lume de razão ncfta alma vive.
Naci queyras, meu Amor,quealaudade
Sem tal bem a mim íó da vida pnvej
Q^ue íè muy to fe alarga cfte defterro.
Por ella ircy a Ti,naõ por o ferro.
Defata o meu efpirito faudofo
>3Í
Quando verey, Amor,o que deícjo,
para que vcja,Amor,o que não vejo?
Amor,quede amorcheo,8cde brandura^ ;
De amor enches efta Alma íaudofa: -i'^^
Amor,fem cujo amor,S£ fermoíura.
Não pôde nunca aver coufa fermoía:
Amor, com cujo amor anda fegura
Hu má vida tão fraca»í^ duvidofa.
Quando vercy,Amor,o que defejo,
Pará que veja, A mor,o que não vejo?
Amor,que poramortedirpuzc:íte
A reftaurar o mundo errado, & tníle;
y\mor,que per amor do Ceo défceftej
Amor^que por a^mbr à Cruz' íubiíte:
Amor,que por amor a vida dèítc;
Amorique poí ahíor a glória abí"ifté; " "' '
Quando verey.jÁmor,o que dèfejo,
Para que veja, Ambr,o que não vejo?
Amor,que roàySj&mais fempre te aumêtas
No coração^quela contigo trazes:
Amor,qucdeamór purote fufténtas
N o fogo em que tu mefmo arder me fazes:
/^ mor, que íem amor não te contentas»
De tudo com aiíipr te fatisfàze$|'
Quando verey,Amor,oquedelejb, '**^
Para que veja, Attior,o que não vejo>
Amor^que còm amor me cativafte, ,
[^Sejivrc í-òde fer quem não cativas] • ^""
Primcyro que três vezes prefurolo
O Sol os doze Signos vá correndo.
Ef paço he,que tomey,meu doce EfpofdV
Para outro Éfpofo meu ir entretendo:
Mas a meu amor crendo,de Ti creo
Que acabes com a vidaomeureceo,
inda neftefervente,5: jufto rogo
Urfula fufpirando procedia,
Quando de hum refplandor como de fogo»
Divina voz ouvio,que afli dizia. , "i '
0!Virgem,que foubefte fazer jog6;'-^~^ ^
Do que DO mundo tem máyor valia.»
Entende que da volta que fizeftes,
Acjui quero que feja o que tu queres.
Tanto que tal refpbftâ do Ceo revej
Não quiz do que cfperava; perder l>orà:
Jà lhe parece larga a ncryte ht^MG^^^J^'
E quejàtardamuytoabclla Auróív'
Em dcícubíindo Apolo o carro leve» ,.-
Do porto de Colónia íahiofòra; '^'«'^*.^»^^^;.'*
Já Bafilea em breve tempo tçma: ^Pt^t^n-iio. i
E a pé de ali í partirão pata KomzT''^^''^^%
O Paftof fummo,Ciriaco fanto, *"\^
Asfae areccberiSi as acompanha l^
Com gozo eipiritual, com grande efpanto .-j
De ver em tal idade fé tamanha.
Dizer fe pôde mal^mal cuydar quanto
Se goza o Réál fángue dé Bretanha»
01
lorTíA
)
su
Os veneráveis Templos vifitando
De Àquellcs que também foy imitando.
Na própria noytedefte próprio dia
Que Roaia veras Virgens mcreceo,
A quem de Pedro a Barca então regia.
Revelou o que rcgeaTerra,& Ceoj
Que martyrio também receberia
Onde Urfula co'as maisorecebeo:
Deyxa contente o gram Pontificado^
Dcíej oío de fer marcyrizado.
Por mays que todo o Clero fofrc mal
Moverfe por aquellas Eftrangeyras,
M*5vicJó da vontade divinal -.trii-b
O bom PaJlor íe vay com as Cordeyras.
Hum Arcebifpo leva,hum Cardeal;
Três Bifpos deyxaõ vagas três Cadeyras,
De Luca,Ravicâna,&dcRavena.'
Maurício me ficava jà na pena.
Deípois de na agua entrar donde fahirão^
Com taõ fermofo Sol tantas Eftrellas,
Jà as ancoras debayxp acima tirão,
E de cima já abayxo loltaõ velas,
Eílas nãos là adiante outras nãos viraô
Que fazendofe vem na volta delias;
Conhcccraõfe logo as duas Frotas; . .,,
Ambas de hum Reyno íaõ,ambas devotas.
illli( já Rey erguido de Inglaterra)
Vinha de Urfula bella o bello Efpofo,
Que reynar naó queria já naterra.
Do Ccojá namorado>&: faudoío.
Do feu primeyroamor venceo a guerra,
A força de outro Amor mays poderoío:
A mando já em feu Deos a Efpofa bella.
Para o poder achar bufcava a ella.
A máyjaconvertida,tra2configo>
O pay já çhriftâo feytó fallecèra.
Com que íoube evitar o grão caftigo
Que morrendo Gentio náo íoubcra.
Amor celcftc,corao aqui não digo
O teu fublimeobrarPAhi 4ucm pudera!
Por meyò de huma Virgem fofte meyo
Com que gente ccpíoía a Chrifto veyo.
Vinha mais ncíla nova Companhia
Florencia^irmãa do Rey,da mãy çuydado}
Florencia,queem beleza florecia^
Como flor em jardim bem cultivado
Também a Frota ^ifpos dous trazia.
Hum MarcelOjCleipcpte òuçro chamado;
O primeyro já em Grécia bago tevcj
Dofegundoo Bifpado não fe eícreve
Outra Virgem viuva aili mays vinha»
Rimas do grande Luisde Camões,
Antes das bodas inviuvada tinha
E prometida a ChriAo a caílídade,
Efta do mefmo Rey era fobrinha,
FiihadaEmperatriída gram cidade.
Onde por culpa DOÍTa^ot} pouca dita
Seu Trono agora tem o fero Seita,
Eíles que advertem repetida Hiftoria
Deyxaraõ fó por Deos altos eftados.
Com outros de que he menos a memoria,
Forâo divinamente a moeítadosj
Que todos[para entrar juntos na gloria]
Ao Coro Virginal íoíTem juntados^
Com quem oa terra Martyresferião,
E noCco para íeraprereynarião.
Seria eitranho o gozo que fcntirão
Aquellas bem nacidas Almas fantast
Quando juntas alli todas fe virão
De partes tão remotas,£c de tantas.
Sem eítorvosique de antes o impedirão.
As duas mays que todas bcllas Plantas,
Al li abraços íe daõ fem algum pejo.
Ambas conformes já num íodefejo,
Aili faria o Rey acatamento
A quem deyxou da Barca o Graõ governoi
E ElkjContorme a feu merecimento,
Refponderia com amor paterno.
iMaõ faltaria em tal recebimento
Prazer exterior,praíer internoi
Inda que cos EÃados di íferentes.
Todos ferião huns cm fer contentes^
O vento as brancas vellas nam ene hia
Corria o frio Reno entam mays quedos
5fi5/Q ^^^^^ P^*"^ Colónia nam corria,
Vi Porque as Virgens nam foíTem lá taõ cedo.
^ Parece quejá claro conhecia
o<>(I Í9 Coro Virginaljfcreno,& ledo)
Que lá vos elpcrava a impia Morte
Agora,òMufa iconta de queforte«
Aqucí leque na forma de Serpente
Deyxou aos dous primcyros enganados^
Envejoío de ver que tanta gente,
* Se convertia à^Ley dos Baptifados
No coração entrou manhofamente
De dous Gentios Principcs danados.
Da foberba Roma a Cavallaria,
Por encurtar a Fè que fe cftendia.
A Fama os aííegura com certeía
Que a Virgem a Colónia jà voltava^
Com toda a caíla juvenil Bclleza
Que por amor do Ceo peregrinava.
; Fizcraõ a vifar com graõ preide^a
x\'
Qucdeípófada íendp em tanta idade^^^^..^ ..^ A hum parente que Julião fe chamava,
Soberbo Opitaó dos Hunos feros;
Que todos para todos foraó Neros.
£ys logo o cego Princepe gencio,
Com gente innumcravel de leu mando,
A prayaa tomar vem do meímorio
l^oc onde as Virgens vmhaõ navegando
Jà defcobre aquelle^elte navioi
Os que eltaõ do mays alto atalayando:
A as armas veloz corre o bruto povo,
Por de novo as tmgir no fangue novo.
Vindo a Frota alurgír junto do muro
Onde Itie parecia eftar fegura^
(ó V^irgens que bulcays lugar íeguro
Adonde vos eípera a íèpultura!)
Entra com maó armado o povo duro^
Por efta peregrina fermoíura:
] á começa a provar os aços fortes;
Eys tudo langue já,jácys tudo morcesi
Já nú todas as Virgens oífereciaõ
O delicado collo^o tenro peyto:
Era para caber quantas cahiao.
Todo largo lugar lugar cftreyto.
Do puro langue os rios,que corriaõ.
Outro vermelho mar já tinhaõ feyto.
Tu fo,Còrdula,â a morte ce cícondeftes
Mas defpoys a bufcafte,& recebelte.
Ciriaco o primeyro,bem cõftante^
A vida ao feno oíFrcce fem efpanto:
O moço Rey Inglcscahio diante,
De aquelles caftos olhos,que amou tanto
EíperijbrandoEípofo hum breve inftance
Efpera a tua doce Êípoía era tanto
Que outro Amor outro golpe lhe perparaj
E junros entr areys na Pátria chara.
Rimas do granâe Luis de Camões]
135
Vcndojcubertajádenevoa eícura
A luz de tantos bellos apagaríc?
Vendo a purpúrea roía,á cecém pura,
Emtaõ fermofas fí\ces deícoraife?
As tranças de ouro vendo,eípedcçadaSi
Por debayxo dos pès andar piíadsj
' Na força defta furia accfa^St brava,
OTirano cruel a viíla ergueo
A a Virgem,que invencível animava
As Almas que juntara para o Ceo
A íli já envolta cm fangue como andava
Da lua fcrmofura Ic venceo;
E com doces ra2oens,que Amorenfina,
A vencela de amor le determina.
Fingmdofe arrepende do paíTado^
(^E de fingillo fe arrepende azi nha)
bua vida lhe offrece,& feu eftado
Sem ver que Eftado,& vida a perder vinha.
O feu amor lhe pede confiadoi
O feu amor, quedado a íeu Deos tinha:
Pedclhe oíeu amor,antes náo íeu.
Porque já dado o avia a quem lho deu.
U fa de mil hronjas,mil enganos,
Por coníeguir o feu defejo bruto,
A florlogra(dizia^ de teus annosj
Colhe de efla Bellcza o doce fruto j
Náo dés matéria nova anovos danos,
Naõ pagues verde á morte o feu tributo:
Olha que tens em mim(naó fam cautelas)
Outro Reynojoutro Eípoío,outras donzcHas
Naõ faças menciroía a Natureza,
Que dá de amor era ti grande efperança»
Que fó pode alcançar d'eíla BcUeza,
Se jà piedade delia naõ íe alcança?
Em qual terra > oh crueysiem qual cidade? Aos Tigres,aos Leões, deyxaja braveza»
Entre quaes gentes mays a furor dadas,
Se nâo uíou de amor,& de piedade
Com fermoías Donzellas delarmadas?
Como Belleza tanta,& tal idade
Vos deyxou arrancar voíTas efpadas?
Ah! lobos camic^yros, tigres bravos.
Filhos decrueldade,de iraefcravos!
De quantos animaes fuftenta a terra.
Nunca tanta crueza foyufadaj
Inda que tenháo huns com outros guerra.
Nunca do macho a fêmea he lalhmada:
Anda a cerva co'o cervo por a ferra,
A novilha do touro acompanhada
A aleonefa o Lcaõ defender preza
Vos fós quebrays as leys da Natureza
Pudèraõ outros olhos por ventura
De iagtimasdiyinas efcufarfe,
E deyxa aos meus loldados a vingança.
Se porverme cruel queres fer crua,
Játevingasdeinimemcoula tua-
Volveeíles olhos jâ com mays brandura?
EíTesolhos^de Amor doce morada:
Delles naõ faça em mim a fermoíura,
O que em tanto ja fez a minha efpada.
Se queres derribar minha ventura
Que delles eftar vejo pendurada,
Acabareyde verquam pouca tenho
Poys donde a matar vim a morrer venho.
Como do rogo meu naõ te aproveytas.
Quando o teu rifco a me rogar te obriga?
Ou naõ conheces bem a quem engeytas.
Ou me engeyras,por mays que feja,6c diga.
Em quem cuydas,Senhora?ou que íòfpeytas?
Mays próprio era chamarte dura imiga.
Mas
136 Rimas ào Grande
Masnaõ confente Amor nome raõ duro,
Em parecer tâo brando,& tam feguro.
Os rayos deííes olhos já íercnos
Enxuguem deíTe rofto 3« puras roías:
O trifk íuípirar já íoe menos
Neíias concavidades íaudofas.
Naó façam grande mal males pequenos;
Que naõ íofre eíperanças vagaroías
Quem atida coílumado em íeus amores . .
A medir por feu goílo feus favores.
Quegolto podes cer de maltratarme,
Vcnclome do paííado arrependido?
Attenta que mays ganhas em ganharme,
Do que nefte dcítroço tens perdido
Se queres ínfiftirem defprezarme»
Vermchaçjfobre amoroío,enfurecido.
Naó me declaro mays,porque naò quero
Qaeo medo faça o que de amor eí pêro.
Ah! pérfido amadoridcyxa o teu erro.
Naõ ve^ quanto enganado^Si cego andas?
Aquella a quem naõ vence o duro terro.
Como a podem vencer palavras brandas?
Mandaaíuaalmajàdeíle dellerro^
ComtíTisque aíeu doce Eípozo mandas,
Naó a detenhas mays em itus amores,
Luís de Camões.
Sedobraiihe nãoqui:íres fuás dore?.
Vcndoocrueljenfim^qUe o que diZÍa,
Tomava a bella Virgem poraírontaj
E que quanto de amor mays íe acendiai .
Eiia delle fazia menos conca;
No concavo arco que na maõ trazia,
Huma íeca embebeo de aguda ponta,
E o pey to lhe paílou de banda a banda,
Aíii rendeo o Elprito a Virgem branda.
Vayte,EfpritoGcntiLdeíta bayxezaj
As aias abre ja,jàa luz derrama:
Voa com defufada ligeyreza^
Onde o teu bem te eípera,onde te chama,
Veras bayxado o mundo á mór alteza:
Verás que engana mays a quem mays ama:
E lá do teu Amor,cà luípiracio,
O fruto colherás tão deíejado*
Em paz te vay,ò Alma pura,& bella,
Mays bella inda no langue que verteíte;
Vayte alegre a gozar, vayjà de aquella
Fcrraoía RegiSOjaUa^ík celefte.
Coroada de Gloriajirnroorta 1 nd la
ComChriflolograràs^a quem tedéftc
Com taDtaSj& também nacidas Almas^
£Fermo»uradoCeojOnze mil Palmas.
■ OJl^JiV
EGLOGj
Rifnas do Grande Luis de Cémôesl
m
EGLOG A I.
INTERLOCUTORES
VMBRANO, FRONDELIO, AONIA.
ISleUa Egloga pnmeyra lamenta oV. a morte de T>*Àntonio de Noronha , que morreo pélf*
jando em Africa, &ado frmcipe D.IoaÕfilho de ElJi^y,^. loaÕ o III, fay de El-l{ey
(D^Sebaílião. Debaijxoda peffoa de Frondeliofe de^^e entender o foeta.
QUe grande variedade vão fazendo,
Frondclio amigo,as horas aprcíTadas!
Como íe vão as coufas convertendo
Em outras coufas varias,8c infperadas!
Hum dia a outro dia ?ay trazendo
Por fuás mefmas horas já ordenadas:
Mas quaai conformes íaõ na quantidadcj
Tãodifferentes faó na calidade,
Euvijádeftecampo as varias flores
A as Eítrelias do Ceo fazendo enveja:
Adornados andar vi os Paftores
De quanto por o mundo íc deleja:
E vi co^o campo competir nas cores
Os trajes de obra tantaj& tão íobeja,
Que íe a rica matéria não faltava,
A obra de mays rica íobejava,
£vi perder feu preço à as brancas roías.)
Equaíi efcureceríe o claro dia
Diante de humas moítras perigoías
Que Vénus mays que nunca engrandecia.
As Paítoras,entim,vi tâofermoías
Que o Amor de fi mcímo fc temia:
Mas mays temia o penlamcnto falto
De não íer pa ra ter temor tão alto.
Agora tudo eítà tão diíferente,
Que move os corações a grande cípantoj
E parece que Júpiter potente
Se enfada já de o mundo durar tanto,
O Tejo corre turvo,& deícontente,
As aves deyxáo feu fuave canto:
£ o g9do,inda que a erva lhe falkce,
Mais que da falta delia íe emmagrece.
FRONDELIO.
Umbrano irmão,decreto he da Natyra,
Inviolavclifixo,&: ícmpiterno,
. ll.Parr.
Que a todo o bem íucceda defventura,
E não haja prazer que feja eterno:
Ao claro dia fegue a noyre eícura,
Ao fuave V erão o duro Inverno.-
E íe hà coufa que fayba ter firmeza^
He fomente a ley da Natureza.
Toda alegria grande,& íuntuofa,
A porta abrindo vem ao criíf e cílado:
Se hum hora vejo alegre, & deley tofa.
Temendo a eítou domai aparelhado.
Não ves que mora a ferpe venenofa
Entre as íiores do freíco,& verde prado?
Ah! não te engane algum contentamento.
Que rnays inftavcl he que o penfa mento:
E praza a Deos que o triítej&: duro Fado
De tamanhos deíaíf res fe contente;
Que fempre hum grande mal inopinado
He naays do que o efpera a incauta genrcJ
Que vejo eíle Carvalho que queyraado
Tão gravemente foy do rayo ardente.
Não íejaora prodígio quedeclarc
Que o bárbaro Cultor meus campos are.
UMBRANO.
Em quanto do feguro Azambugcyro
Nos Paftores de Luíoouver cí^jados^
Com o valor antigo, que primcyro
Os fez no mundo tão aíTinalados;
Não temas tu,Frondelio companheyroj
Que cm algum tempo fejão fojugados.
Nem que a cerviz indómita obedeça
A outro jugo qualquer que fe lhe oílrcça.
E poílo que a íoberba fe le vanre
De inimigo» a tortOj& a direyto.
Não rreas cu que a força repugnante
Do £cro,& nunca ià vencido peyto;
S Ql''
T 5 $ Rimas io glande Luís dê Camões
Que defdc quem poíTue o monre Atlante,
Aponde bebe o Hidalpe tem íogeyto^
O poíia nunca íer de força alhea.
Ena quanio o Sol a Terra,8c o Coo rodea.
FRONDELIO.
FRONDELIO.
Umbrano a temerária íegurança
Que cm fgrça^ou cm razão oáo íeaíTegurai
He faira,&vâa,que a grande confiança
iSi áo he íempre ajudada da Ventura.
Quelàjuntodasarasda Efperança,
Nemefis namorada^juíla^& dura^
Hum freo lhe eítá pondOj& ley terriyel^
Que o8 limites não pafTc do poílivel.
E íê atentares bera os grandes danos
Que íe nos vão moilrando cada dia,
JPoràs freo também a eíTes enganos
Que te efta figurando a ouladia,
1 u não ve5 como os Lobos Tingitanos,
Apartados de toda cobardia,
Matão os caens do gado guardadores^
b não fomente os caens^mas os Paftores?
Foys o grande curral,íeguro,^ fortei
Do alto monte Atlas,náoouviftc, -' rv
Quecom fanguinolenta,& fera morte^
Deípovoado toy por cafo trifte?
Oj trifte caíoí ò defaftrada forte!
Contra quem força humana nâoreflAe:
Que alJi lambem da vida foy privado
O meu Tionio,aindâ em flor cortado.'
U M B R A N O.
Em lagrimas me banha roí!oj& peyto
De eííe cafo terrível a memoria,
Quando vejo quam fabio, & quam pcrfeyto^
E quam merecedor de longa hiftoru
Era eíTe teu Paílar,quc fem direyto
Deu á as Parcas a vida tranfitoria:
Mas não ha'hi quem de erva o gado farte,
í^em de juvenil íanguc o fero Marte,
Porénijfe te não for muyto pefado
[Já que efta trifte morte me lembrafte]
CantamedeíTecalo deftcrrado
Aquellcs brandos verlos que cantafte.
Quando hontem recolhendo o manfo gado,
De nofoutros Paftores te apartafte:
Que eu também que as ovelhas recolhia,
Xvi ão te podia ouvir como queria.
Como queres renove ao penfamento
Tamanho maljtamanhadeíventura?
Porque cfpalhar íuípiros vãos ao vento,
para os que triíles íaõ hc falia cura.
Mas pois te move tanto o fentimento
Da morte de Tionio friíte,6c eícura,
Eu porey teu defejo em doce cffey to,
Sc a dor me não congela a voz no peyto,
U M B R A N O.
Canta agora, Pa ftor^que o gado pace
Entre as húmidas ervas íoíTegadOj
£ là nas altas ferras onde nace
O lacro Tejo à aíombra recoftado,
Co' os íeus olhos no cháo,amaò na face,
Efta para te ouvir aparelhado;
E com filencio triAe cftaõ as Ninfas
Dos olhos deftilando claras linfas.
O prado as fioies brancas,6c vermelhas
Eftà fuavementc prefentandoj
As doces j& folicitas abelhas
Com íufurro agradável vaõ voando:
As candidas,pacificas ovelhas,
Das ervas efquecidas, inclinando
As cabeças eftaõao foni divino
Que faz paliando o Tejo criftalino.
O vento de entre as afvorcs reípira,
Fazendo companhia ao claro rio:
Nas íombras a ave gárrula fufpira.
Sua magoa efpalbando ao vento frio.
Toca,Frondelio,toca adoce lira;
Que de aquelle verde álamo íombrío
A branda Filomela intriftecida
Ao mays faudofo canto te convida.
FRONDELIO
Aquelle dia a$ aguas não goftâram
As mimofas ovelhas,& os cordeyros
O campo encherão dearaorofos gritos.
Enaôfe pendurarão dos falgucyros
As cabras de trifteza>mas negarão
O paftoafi,&: o ley te aos cabritos.
Prodigios infinitos
Moílraya aquelle dia.
Quando a Parca queria
Principio dar ao fero cafo triftei
E cu cambem [ó corvo!]o dcfcubr iíle
Qiiando
Rimas do Grande
Quando da máo direyta cm voz efcura,
Voando^repctifte
A tirânica ley da morte dura.
Tionio meu, o Tejo cnftalino^
E as arvores quejà deíemparaíte,
Chorão o mal de tua auíencia eterna.
Naóíey porque taó cedo nosdeyxafte?
Mâsfoy confentimento do Deíhno,
Por quem o mar,íâi aterra íe governa.
A noy ce íempiterna,
Que tu taó cedo vifte
Cruel,acerba,& tnftc,
be quer de tua idade não te dera
Que lograras a freíca primavera?
N àò uiára comnoíco tal crueza,
Que Dcm nos montes fera^
Nem paílor ha no campo íem triíleza^
Os FaunoSjCerta guarda dos FaíloreSj
Já naõ leguem as Nmfas na eípeílura
Nem as Ninfas aos cervos dâo trabalho,
Tudo,qual ves,he cheo detriltura:
A as abelhas o campo nega as flores.
Como as flores a Aurora nega o orvalho
Eu que cantando efpalho
Ttiítezas todo o dia?
A frauta que íoia
Mover as altas arvores tangendo^
Semevay dctnfteza enrouquccendo?
Que tudo vejotrifte nefte monte;
E tu também correndo
Manas envolta,&: triftc^ó clara Fontei)
As Tagídas no no,& na aípereza
Do nonte asOreadas,conhccendo
Quem te obrigou ao duro,6c fero Marte?
Como em geral íentença váo dizendo^
Que não pôde no mundo aver triíleza
Em cuja caufà Amor naõ tenha parte.
Porque ellejCnfi ro ^della arte,
Kos olhos laudofos,
Nos paíios vagarofos,
E no roílo que Amor com fantaíia
Da pallida viòla lhe tingia,
A todos de fi dava final certo
Elo fogo que trazia.
Que nunca foube Amor fer cncuberto, r-í'7
J à diante dos olhos lhe voaváo
Imagens,& fantafticas pinturas,
Exercícios do falío penfamenjro.
Jà por asfohtarias eípeíTuras,
Entre 08 penedos fós,que naõ fallavão^
^^Fallava,&deícubria leu tormento
;; Em longo efquecimento
k \ 11. Part,
Luís de Camiões. 139
De fi todo embebido -r^^úc:
Andava tão perdido
Que quando algum Paílor lhe perguntava
Acauía da crifl:t:za que moltrava?
Como quem para penas fò vivia,
SorrindOjlhe tornava;
Sc naó viveííe trifte morreria.
Mas como elle tormento o (Inalou,
E tanto no íeu roftofe moítraíTe,
Entendendo o jà bem o Pay feludo,
Porque dopcníamentolho tírafl^e.
Longe da caufa delle o apartou,
Porque,enfim longa auíencia acaba tudo
Olfalío Marte rudo,
Das vidas cobiçofoi ;
Que donde o generofo
Pey to refucitava em tanta gloria
De feus anteceflbres a memoria,
Allijtero & cruel^lhe deftruifl:e.
Por injufta vitoria,
Prinncyro que o cuydado a vida trifte.
Pareceme,Tionio,que te vejo.
For tingires a lança cobiçofo :%
K a quelle in fido fangue Mauritano^
No Hifpanico ginete belicoío.
Que ardendo também vinha no defejo
De atropelar por terra ao Tingitano
Olconfiado enganoi
Oiencurtadavida!
Que a virtude oprimida
Da multidão forçoíado inimigo
Não pode defenderíe do perigo:
Porque aíTi o Deftinoo primirioj
E afli levou configo
O mays gentil Pafl:or que o Tejo vio^
Qual o mancebo Eurialo enredado
Entre o poder dos Rutulos,fartando
As iras da roberba,& dura guerra.
Do crifl:alino rofl:o açor mudando.
Cujo purpúreo fangue derramado
Por as alvas efpaldas tinge a íerraj
Que como florique a terra
Lhe nega o mantimento^
Porque o tempo avarento
Também o largo humor lhe tem negado,
O collojinclina languidOj& canfado,
Tal te pinto ò Tionio!dando o efprito
A quem^to tinha dodo;
Que cfte he fomente eterao,& infinito.
Dacongelada boca a alma pura,
Co'o nome juntamente da inimiga,
E excellenteMarfida derramava,
S2 %
140 Rimas de grande Luisde Camões,
E tu gentil Senhora^naõ te obriga
A pranto fempiternoaniorte dura
De quem por ú íòmente 9 vida amara?
Por ti aos Ecos dava
Acentos numerofos:
Portiaosbellicoíos
Exercícios fe deu do fero Marte,
£ tu ingrata o amor já noutra parte
PoráSjComo acontece ao fracojintento;
Que,eníini eníim,delUarte
be muda o íemenino penfamento.
Pa/torcs defte Vale ameno & frio.
Que de Tionio o caio deíaílrado
Quereys nas alta$ ferras que íe contej
Hum tumulo de flores adornado
Lheadiíicayaolongodcfterio,
Que a vela enfrearão duro navegante;
Eo laíTo caminhante,
Vendo tamanha magoa,
Arrafe os olhos de agua,
Lendo na pedra dura o verío cícrito^
Qiic diga afli Memoria f ou jque gritei
'Fax a dar tejiemttnho em toííaj>aríe
Z)^ maysgentti Efprito i p b 14.
^e ttràraõ d9 mundo Amor^ Marte.
FRONDELIO.
Antes por eíle valIe,amigo Umbrano,
Se te aprouvcr^k vemos as ovelhas:
Porque íe eu por acerto não me engano,
0e là me íoa hum íico nas orelhas.
O doce acento não parece humano:
Ejfeem contrario tu naõ mcaconfelhas^
Eu quero defcubrir que eoufa fejaj
Que oitom me efpãta,&: a vo^ ma faz enycja.
UMBRANO.
UMBRANO,
Qual o quieto fono aos canfados
Debaxo de algum^arvore íombriaj
Ou qual aos fequiofos cncalmados
O vento refpirantc,6c afontcf riaj jóq oíi /í
Tays me foraó teus veríos delicados,
Teunumerofocanto,& melodia:
E ainda agora o tom fuave»& brando.
Os ouvidos me fica adormentando.
Em quanto os peyxes húmidos tiverem
As areofas covas dcAcrio}
E correndo efta» aguas conhecerem
Bo largo mar o autiguoSenhorio|iqií^í
E cm quanto eAas ervinhas pafto derem
A as petulantes cabras^eu te fio
Que em virtude dos veríos que cantaftc
Sempre viva o Paftor que tanto amafte
Mas jà que pouco a pouco o Sol nos falta
B dos montes as fombras fe acrccentão^
De flores mil o claro Ceofeeímalta,
Que tão ledas aos olhos íe preíentãoi
Levemos por o pé defta ferra alta
Os gadoSjquc )á agora fc contão
Do que comido tem^Frondelio amigo^
iinda, que atè o outeyro irey contigo.
Contigo vou,que quanto mays me chec^o
Mays gentil me parece a voz que ouvifte}
Pcregrina,excellentej& não te nego
Que me faz ca no peyto a alma rriíte
Vcs como tem os ventos cm íoíTcgoA
Nenhum rumor da ferra lhe refiítc.'
Nenhum paflaro voa, mas parece
Que do canto vencido lhe obebece.
Porém, irma6,melhor me parecia
Que não fofl^emos lá,que eftrovaremos:
Alas íubidos nefta arvore fombria,
Todoovalledeac]uidefcubrircmos.
Osçurroens,& cajados,todâvia,
Ncíte comprido tronco penduremos:
Para fubir fica homem mays ligeyro.
Dey xamc tu,Fiondelio ir primcyro,
FRONDELIO.
Efperaafli,dari'heydepé,íequcrcgi
Subiràt fem trabaIho,& íem ruidoj
E dtípois que íubido la cfíivercs,
Darm'hBsa mão de cima, que he partido
MasprimeyromcdÍ2e,feopuderes
Ver,donde nace o canto nunca ouvido:
Quem lança o doce acento delicado,
Falla?que jà^te Vejo citar pafmado.
UMBRANO.
Couías naõ coftumadas nt erpeíTura
Que nunca vi,Fíondclio,vejo agora,
Fermolas Ninfa» vejo na verdura,
CujodivinogeflooCco namora.
Huma de defuíada fcrmoíura,
Que das outras parece ler fenhora,
Sobre hum triíle ícpulcro,não celTandc,
Eílà perlas dos clhos depilando.
^4
Rimas do Grande Luís
De todas eftas altas Semideas
Que em turno eitaó do corpo fepultado,
Humas^regando as húmidas areaSj
De iiores temo Tumulo adornado:
Outras, queymando lagrimas Sabeas^
Enchem o ar de chcyro fublimado:
Outras cm ricos panos,maís avante,
Eovovel brandamente hum novo Infante.
Huma,quc de entre as outras fe apartou,
Co na gritos,que 4,montanlia entrifteceram,
Diz,quedelpoys que a Morte a Flor cortou
Que as Ellrcllas íòmcnte mereccraõj
Lite penhor chariíiimo ficou
De aquelle,acujo Império obedeceram
Douro, Mondego, f ejó,5c Guadiana,
Ate o remoto mar da Taprobana,
Diz maisique íe encontrar elte Menino
A noyte imtempeítiva,amanhecendo,
O Tejo agora claro,& criftahno.
TornaràaferaAlecto em vulto horrendo;
Mas que a fer coníervadodo Deítiao,
As benignas Eftrellas prometendo
Lhedtam o largo palto de Am^elufa,
de Camêes.
ifi
A O N í A.
Alma,y primero amor dei alma mia,
Efpiritu dichoío,en cuja vida
La mia olluvo en quantoíDios queria
Sombra gentil de íu prifion íalida.
Que dcl mundo a iaL^atria te bolville,
Donde fuifte engendrada y procedida!
Rçcibc allà cite íacrificio tnitc,
Que te offreccn los ojos que ti vieron
Si la memoria dellos no pcrdifte.
Que pues los altos ciclos permiticron,
Qiic no te acompanaííccn tal jornada,
Y para ornaríe íolo a ci quificronj
Nunca permitirán,que acompanãda
De mino íeaefta Memoria tuya,
Que eita de teus deípojos adornada.
Ni dexaràn,por mas que el ticmpo huja,
De eltar en mi con fcmpitcrno llanco^
Aíla que vida,y alma íe dcftruya.
Mas tUjgentil Erpiritii,entretanto
Que otros campoi,y fllorcj ván pifando.
Co*o Monte,que em maó ponto yio Meduía Y otras zarapofia» oycs^y outro cantOi.
Eítc prodígio grande a t>íinfa bella
Com abundantes lagrimas recita.
Porém^qual a ecliplada clara eítrclla,
Que entre as outras o ceo primeyro habita
Talcubertade negro vejoaqueila,
A quem fò na alma toca a gram de(dita«
Dácáfrondelio^amáOjSc íobeaver
'1 udo o^mays que eu de dor naõ ícy dizer
FRONDELIO lUooL)
Oitrifte Morte^eíquivaj& mal olhada
Que a tantas Fermofuras injurias.
A aquella Dcola bclla,& delicada,
Sequer algum reípey to ter divias.
Efta hcpor certo, Aonia filha amada
De aquelle gram Paltor,que em noíTos dias
Danúbio entrcaimanda o claro Ibcro^
E efpanta o Morador doEuxinofero,
Morreonos o exccllentc,& poderofo
(Que a ifto eftá íogeyta a vida humana)
Doce Aooiojdc Aonia charo Epofo* '^ '-■ ■
Ah! ley dos Fados,aspcra,6c tirana»
Maso fom peregrino, & piadofo.
Com que a fermoía Ninfa a dor engana,
Efcuta hum pouco Nota,& vc^Umbranò^
Quam bem que foa o verfo Caítelhano.
Agora embevecido cltés mirando
Alláenel Empyreo aquella Idea,
Que el mudo cnfrciia,y rige con íu mãJo:
Agora te poíTuya Citherea
En cl terceto aílicnto^o porque amaílc,
O porque nueva amante allá te íea;
Agora el Sol te admire, fi miraftc
Como vàjporloSjSignos cnccndido
Las tierras alumbrando,qucdcyxaíl:e:
Sicn ver eitos milagros no has perdido
La memoria de mi^o fue en cujmano
XMo paliar por las aguas dei Olvido
Buelye lín poço los ojos a efte llano,
Vcràs una. Que a ti con tnfte llorO'Y^ '^
Sobre eítc marmol íordo llama en vano.
Pêro fi entraren en los Signos de oro,
Legrimas,y gimidos amoroíos,
Que muevan clfuprcmo,y fanto Coro}
La lumbre de teus ojos tan hermofos
Yo la vcré muy preftojy poder verte
Que a pcíar de los Hados cnojoíos
1 ambien para los triíles ubo muctce.
iT
EGLOGA
E G L o G A 11.
INTERLOCUTORES,
ALMENO, Y AGRÁRIO.
Em efia Egloga debayxo ão nome de Almeno
fe confoU o T^com o Taftor y^gr anojem
mtlbAnte nojujjeço de Jaus amores^
AO longo do fereno
Tejo ruave,6c brando.
Num valle de altas arvores íbmbrioi
Eftava o trifte Almeno,
Sufpiros eípalhando
Ao vento, & doces lagrimas ao rio.
No derradeyro fio
O tinha a cíperança,
Que com doces enganos
Lhe fuílentàra vida tantos annos
Numa aroorofa^ôc branda confiança,
Qiie quem tanto queria.
Parece, que nam erra,fe confia,
A noyte cfcura dava
Repoufo ao$ can fados
Animaes efquecidos da verdura:
Ovalletriftecftava
C*huns ramos carregado^.
Que indâ a noyte faziam mays efcura
Offrecia a cfpeíTura
Hum temerofo efpanto:
As roucas ransfoavam
Num choro de agoa negra,& ajudavam
Do paíTaro nofturno o triílc canto:
O Tejo com íom grave
Corria mays medonho que fuavc,'
Como toda atriíleza
No filencioconfiíle,
Parecia que o valle eftava mudo:
E com cfta grayeza
Eftava tudo trifte,
Porém o trifte Almeno mais que tudo:
Tomando por efcudo
De fua doce pena,
Para poder lofrella,
Eftar imagioandoacaufa delia:
Que cm tanto mal he cura bem pequena:
Mayor o bc o tormento^
Qiie toma por alívio hum pcnfamento,
Aorioíequeyxâva
Rimas do grande Luís de Camões^.
Com lagrimas em fio,
Com que as ondas creciam outro tanto;
Seu doce canto dava
Triftes agoas ao rio,
E o rio trifte fom ao doce canto
Ao íonoroío pranto.
Que as agoas enfreava
Refpondeo yalle umbroío:
De tanta voz o acento temerofo
Na outra parte do rio retu-mbava
Quando da fantefia
O fílcncio roropendo,afii dizia.
Corre fuavCjSí brando
Com tuas claras agcas,
Saidas de meus olhos,doce Tejo^
Fede meus males dando,
Para que minhas magoas
Sejam caftigo igual de meu defejo:
Que poys em mi nam vejo
Remedio^nem o efpcroj
Ê a Morte íe deíprcza
De me matar,deyxandome á crueza
Deaquellapor quem meu tormento queroj
Sayba o mundo meu dano.
Porque íedeíenganeem meu engano
Jà que minha ventura.
Ou a cauía que a ordena,
Quer que em pago da dor tome o fofrella
Será mays certa cura
Para tamanha pena
Defefperardeaverjà cura nclla:
Porque le minha eftrella}
Cauíou tal efquiva nça,
Confínta meu cuydado,
Que me farte de íer defeíperado
Para dcfenganar miriha efperança:
Poys fomente naci
Para viver na mortc,& cila cm mi\
aidoíí Nam cefle meu tormento
De fazer feu oíficio,
Poys aqui tem hum'alma ao jugo atada;
Nem falte o fofrimenro»
Porque parece vicio
Para tam doce mal faltarme nada.
OiNinfadelicadai
Honra da Natureza»
Como pode ifto fer
Quede tam peregrino parecer
PudeíTe proceder tanta crueza?
Nam vem de nenhum geyto
De ca ufa di v ina 1 contrario c fiíey to^
Poys Como pena tanta
He
He contra a caufa delia?
Fora he de nacural minha taiíleza.
Mas a mi que meeípanca?
Nam bafta(ó Ninfa bcliai)
Que podes preverter a Naturaza?
Nam he gentileza
De teu gefto celefte
JFora do natural?
Nam pôde a Natureza fazer tal.
Tu melína(ò bella Ninfa jte fizeíle.
Vorem^porque tomafte
Tam dura cundiçain,íeccformaíle?
Por ti o alegre prado
Me he penofo,& duro;
A brolhos me parecem fuás flores,
Tor ti do manío gado>
Como de mim nam curOj
Por nam fazer offcnfa a teus amorec.
Os jogos dos paftorcs.
As lutas entre a rama^
Nada me faz contente:
E íou jà do qae fuy tam differentCj
Rimds do grande Luts de Camões]
Dcícobre o negro manto
Dafombra,queas montanhas encubria,
Pcfcanla,frauta,agora,
Poys meu efcuro canto
Nam merece^que veja o claro dia.
Nam caníe a fantada
De cftar em fi pintando
O gelto deUcado,
£m quanto eras ao pado o maafo gadoí
Elle paftor,que là fó vem falando.
Calar meeyíómentej .
Que omeu mal nem ouvirfe me cóíentc
í4i
AGRÁRIO.
Fermofa manhaãclara^&deleytora.
Que como f refca roía na vei dura ,
Te moítras bella, & pura marchetandoi
As Ninfas eípalhandoíeuscabellos
Nos verdes montes bellosjtu íò fazes
Quando a fombra desfazes trifte,& cícura,
Fermofa a erpeffura,& a clara fontei
Que quàdo por meu nome algué me chama Fermofo o alto monte5& o rochedo,
talmOjpoíquc conheço,
Que inda comigo próprio me pareço.
Ogado,que apacento,
Sam na alma os meus cuydados;
As flores^que no campo íempre vejo,
Sam no meu penfamento
Teus olhos dibuxados^
Com que citou enganando o meu defejo.
Do íriOjíScdoce Tejo
As agoas íc tornaram
Ardcntes,6i falgadas,
Dçípoys que minhas lagrimas canfadas
Com leu puio licor fe miílurárami
Como quando miílura
Hyppanisco^oExampéofu^agoapura.
òeahino mundo ouveíle
Ouvircime algum^hora
Aíkntados napraya defterioi
t de arte te diíleíTe
Cmal que paflo agora.
Que pudelle movertc o pcyto frio.
Clquanto defvario.
Que eítou imaginando!
]á agora,mcu tormento
Nam pôde pedir mais ao penfamento,
Que eite fantifiar^donde penando
A vida me referva.
Querer mais de meu mal íer à íoberba.
^^ as já a eímaitada Aurora
Fermofo o arvoredo,& deleytofo,
E^enfim tudo fermofo co''© teu rofto
Dcouro,& rofas compofto,& claridade.
Trazes a laudadeao penfamento,
Moftrando em hum momento o roxo dia,
Com a dpce armonia nos cantares
Dos paílaros a paies,que voando
Seu paíloandambuícando nos raminhos
Para os amados ninhos,que mantém
0!grande,& fummo bem da Natureaia!
Eftrapha íutilezade pintora,
Que matiza em hum-^hora de mil cores
O Ceo,a cerradas floreSjmontej& prado,
OitempojàpaíTadoJquam prelcnte
Te vejo abertamente na vontade!
Quam grande íaudade tenho agora
Do tempo,que a paftora minha amavai
E de quanto prezava a minha dori
Entam tinha o Amor mayor poder,
Quando era hum fó querer nos igualava:
Forque quando hum amava a quem queria
Logo Eco refpondia de aífey çam
No brando coraçam da doce imiga.
Nefta amorofa liga concertavam
OstcmposjquepaíTavamcom prazeres
Moftrava a flava Ceres por as eyras
Das brancas fcmcnteyras ledo fruto.
Pagando feu tributo aos lavradores;
E enchia aos Paiioies todo o pradOf
Palc
144
Rimas do Grande Luis de CémSes.
Palesdo manfogado guardadora
HíãZéíiro,& Flora paíleando^
Os carapos eíinaltandode buninas.
Nas fontes criftalinas crifte citava
Narciío^qúc indà olhava na agoa pura
Sua linda figura,6c delicada:
M as Eco namorada de tal geílo,
Com pranto manifefto,feu tormento
No derradeyro acento lamentava.
Alli também íe achava o fangue tinto
Do purpúreo Jacinto/& o deftroço
De Adónis bel lo moçojmorte teai
Da bella Citherea tam chorada.
Toda a terra cfmaltada deitas rofas.
Hiam Ninfas fermoías por os pradosj
Eos faunos namorados apòz ellas,
Moítrandolhes capellag de mil cores^
Ordenadas das flores,que colhiam:
As Ninfas lhes fugiam eípaotadaj.
As taldas levantadas poros montes.
Vrafc a agoa das fontes eípalharfej
Vertuno transformarfe alH fe viai
Pomona^que trazia os doces fruito*:
AiliPaíloresmuytos^que tangiam
Gaytas,que bem íe ouviam, ík- cantando
Eítavam enganando as fuás penas,
Tomando das Sirenas o exercício, nassfi
Ouviafe Salicio lamcntarfci
Da mudança qucyxarfe crua,8c fea^
Da dura Galatea,tâm fermofa:
For ventura ellc fentcjou elle entende
Aquillo^quc defende o íer divino?
Elle ufa de contino feu oíficio,
Quejá por exercício lhe hc divido
Danos fruto colhido na fazão
Do ferraoío Vcraõj& no Inverno,
Com feu humor eterno congelado
Do vapor levantado co'a quentura
Do Sol,a terra dura lhe dà alento.
Para que o mantimento produ2ÍHdo
Efte lemprc comprindo feu coftume;
Aíli que nam coníume de fi nada,
JNem muda da paíTada vida hum dedo;
Antes íempre cltá quedo no devido,
Porque cite he feu partidOi& fuaufançt
E nelleefía mudança he mais firmeza.
Mas quem a ley deípre2a^& pouco eftima
De quem de là de fima eilà movendo
O Ceo fublime^Sí horrendo,© mundo puro
Efte muda o feguro,& firme cftado
Do Tempo nam mudado da verdade
Nam foy naqUella idade de ouro claro,
O firme tempo charo,& excellentc?
Vivia cntam a gente moderada}
Sem fera terra arada dava pâõ
Sem fcr cavado o chaó as frutas dava»
Nem agoas defejava^nens quentura}
Supria entam Natura o necelTario.
Foys,quem foy taro contrario a efta vida?
Saturno, que perdida a luz fercna,
E dàmorteenvejofa Nemorofo <^Í\tq im^ Cauíou,que em dura pena dcítcrrado.
Ao monte cavernofo fe querelía
Que a fua Elifa bella em pouco efpaço''
Cortou inda em agraço Ah dura íortc»
Oíimmatura Morteique a ninguém
De quantos vida tem ja mais pcrdoasi
Mas tu Tempo,que voas aprclFado
Hum dcl:ytofoeftado'quam afinha
JNÍeíla vida mezquina transfiguras
Em mil deíaventuraSjôc a lembrança
Nos deyxaspòr herança do que levas!
Affi quefe nos cevas com prazeres,
He para nos comeres no melhor*
Cada vez erri peor te vai mudando:
Quanto vens inventando,quc hojcaprova*
Logo aameohaá reprovas com inítãeia
Oiperverfa incGfl:ancia,&tam profana
Detadacaufa humana,enferior
A quem o cego error fempre anda anacxo»
Mas eu de que me queyxoPou eu^que digo?
Vive o tempo comigo? ou ellc tem
Culpa no maluque vem da cega gente?
Foííedo Ceo lançadOjOnde vivia;
Porque os filhos comia,que gerava
Por líío fe mudava o tem po igual
E m mais baxo metal;& affi decendo
Nosvcyo,em fim trazendo a eíte eftado.
Maseu,defacinado,adonde vou? '
Para onde me levou a fantafia?
Que cftoa gaitando o dia cm vãs palayras?
Quero ora minhas cabras ir levando
Ao Tejo claro,& brandojporque achar
No mundo que cmendar,nam he de agora,
Bafta que a vida fora dellc tenho; ^
Com meu gado me avenho,& eftou contente
Porém, fe mr nam mente a vifta,eu yejo
Nefta praya do Tejo eítar^deytado
Almeno,que elevado em penifàmcntos,
Ashorajj& os momentos vay gaitando:
Voume a elle chegíindo,lò por ver
Sc poderey fazer,que omal,que fente
Hum pouco,íelhe aufente át memoria
Rim^s do grande
A L M E N O
Oidíoce penfamentoiò doce gloria»
Satn cltes,por ventura,os olhos bellos^
Que cem de meus íentidos a vitoria?
Sam,eltas(N infamas tranças dos cabellos
Que fazem de íeu preço o ouro alheo.
Como a midcmimeímoíó com vellos
He efta a alya coluna,o lindo efteo,
Sultentador das obras mais que humanas
Que eu neftes braços tenho, 6c nam o creo?
Ah! falfo peníamento^que me enganas!
Fazesme pòr â bocapnde não devo,
Com palavras dedoudO)OU quafi infanas?
Comoa alçarte tâo alco aíli me atrevo?
Taesaías doutas eu,ou cu mas dás?
Levaíme tu a mim,ou eu te levo?
Naó podcrey eu ir,ondd tu vas?
Porém, pois ir não polio,ondc tu fores,
Quando foi es,Qão tornes onde eftas.
AGRÁRIO.
0!quc triíle fuceíTo foy de amores,
O que a efte Paftoraconteceo,
Segundo ouvi contar a outros Paftores!
Tanto,enfímjpor íeu danno fe perdeo,
Qiie o longo imaginar em feu tromcnto,
Emdefacino Amorlho converteo
Oiforçofo vigor do penlamento
Que pôde em outra coufa eftar mudando
Aforma,a vida o íifo,o entendimcnco
Eftà íe un trifte annante transformando
Na vontade de aquella,que tanto ancia,
Pe fi a propia eííencia traníportando.
E nenhuma outra couía mais defama
Que a fi,íe vc,que cm íi ha algum fcntido,
Que deAe fogo infano nam le inflama.
Almeno,queaquieftátam influído
Nofantafticoícnho,queo cuydado
Lhe trás Tempre ante os olhos efculpido
EJlàíelhe pintando de elevadoj
Que tem jàdafantaftica Pallora
O peyto diamantino mitigado.
Em efte doce engano eft:ava agora
Fallandocomoem fonho,mas achando
Ser ventoso que íonhava,grica^6í chora.
Dcfta arte andavam fonhos enganando
O Paftor fomnolcnto,que a Diana
II. Part,
Luís de Camões, i^
Andava entre as ovelhas celebrando.
Deita arte a nuvé falia em forma humana
O vão Fay dos Centauros enganava.
Que Amor quando contenta^íempre engana
Como eíle,que comílgo fo falia va
Cuidando que faliava,de enleado^
Com quem lhe o penfamenco figurava.
Nam pôde quem quer muyto ícr culpado
Em nenhum erro,quando vem a fcr
Efte amor em doudicc transformado
Amornam íerá Amor,íe nam vier
Coradoudices^dcshonrasidifcençoens
PazeSjguerras, prazer, & deiprazer,
PcrigoSjlinguas màs,murmurâçoen«
Ciumcs,arroidos,compitencias,
Temores,nojos,mortes,perdiçoens.
Eftas fam verdadcyras penitencias.
De quem põem o defejo^onde nam deve
De quem engana alheas innocencias.
Masiflio tem o Amor, que nam ícefcrevc
Senam donde he illícito,& cuftofo
E donde he mais o riíco mais íe atreve
PaíTava o tempo alegre, & deleitofo,
OTroyanoPaftor,emquantoandava
Sem ter alto defcjo,& perigofo
Seus furiofos touros coroava,
. Enos alamos altos eícrevia
Teu nome(Enone^ quando a ti íò amava.
Os alamos creciaro,& crecia
Oamor^que elle te cinha:íem perigo
E fem temor, contente te íervia.
Mas deípoys que deyxou entrar coníigo
llicito deíejo, & peníamento.
De fua quietaçam tam inimigo^
A toda a Pátria pozem detrimentOi
Com mortes de parentes, & de irmãosj
Com cru incendio,& grande perdimento
Nilio fenecem penfamentos vãosj
Triftesíer viços mal galardoados.
Cuja gloria íe paíTa de entre as mãos
Lagrimas,& fufpiros arrancados
Da alma, todos fc pagam com enganos?
E oxâlá foram muitos enganados
Andam com feu tromento tam ufanos
Que gaftam na doçura de hum cuydajo,
Apoz humaçlperança muitos annos.
£ tal ha tam perdido namorado
, Tam contente co*o pouco,que daria
Por hum íò volver de olhos todo o gado.
O , ' Em rodo povoadOj& companhia
Sendo aufentcs de íi fe vem prefcntes
X Com
j^G Rimas do grande Luis de Camões,
Com quem lhes pirta fempre a fantaíia Se preguncares porque íàm'choradas
C*hu ce^to nam íey que,andam concentesj Ou porque ranta pena me coníume,
E logo huní nada os rcraa ao coutrarioj Revolvendo memorias magoadas-,
Detodoltr humsDo diiierentes. Defque perdi da vifta-oclaro lume,
Oiciransco Amorlò caio vario! E perdi a elperaDça,& cauía delia
Que obrigas a hum querer,que fempre feja J^ Não choro porrazam,mas por coftumc
De fi continuOjíSí aípero adverlanoi
E que ou[t'hora nenhuma alegre cfteja,
Senam quando do íeu deípojo amado
Sua inimiga eftar triunfando veja.
Quero tailar com eite,que enredado
NeítaccgueyraeíUíem nenhum cento.
Acorda ja,Paítorde(acordado.
A L M E N O.
O» Forque me tiraíle hum penfamcnto.
Que agora cftava os^olhos dibuxando,
De quem aos meus foy doce mantimento?
AGRA RI O.
Ncfta imaginação eftàs gaitando
O tempo,& vida^AlmenoíPcida grande!
Nam ves quain mal os dias vas pâíiaadof ,
jA L M E N O,
Fermofos olhos, ande a gente, & ande;
Que nunca yos ireys defta alma minha.
For mais que o tempo corra,amortc o mãdc.
AGRÁRIO.
Qj-iem podcrácuydar,quetam afínha
Se perca o curfo âfli do íiío humano,
Quecorrepor direyta,& jufta linhaíni i ítjoD
Que fejas tam perdido por teu dano,
Almeno meu,nam he,por cerco,aviíOi
Hcjíó doudice grande^grande engano.
|A LM E N O.
Oi Aj^rario mcurque vendo o doce rifo,
E o Eofto tam fermofOjComoefquivo^J ?»0
O menos que perdi foy todo o fifo.
E nam cntendOjdefque fou cativo,
Outra coufa de mijfcnam que morror ^ msT
Nem ifto entende bem poys inda vivo ^ "so^í
Aafombra defte umbroío^Sc verde louro,
PaíTo a vida,ora em lagrimas canfadas
Ora em louvores dos cabellos de ouro.
Jamais pude co'o fado ter cautellaj
Nem ouve nunca en mi contentamento,
Que nam foífe tocado em dura eftrclla.
Que bem hvre viviaj& bem ifento.
Sem que ao jugo me vife lometido
Denenhum amoroío penfamento.
Lembrame,amigo Agrario,que o íentido
Tam fora de Amortmhajquemeria
De quem por clle vja andar perdido.
De varias cores íempre me veítiaj
De boninas a fonte coroavaj
Nenhum paftor cantando me vencia.
A barba entam nas faces me apontava;
Na luta na carreyra,cm qualquer manha
Sempre a palma entre todos alcançava.
Da minha idade tenra,em tudo eftranha,
Vendo(como acontece Jafeyçoadas
Muytas Ninfas do Rio,ík da ^Montanha.-
Com pabvras mímoraSj& forjadas <
Da lolta liberdade,& livre peyto.
As trezia contentes,& engadas
Mas nam querendo Amor,quedcftegeyto
Dos coraçoens andaííe triunfando.
Em quem elle criou tam puro efteytoj
Pouco a pouco me foy de mi levando
Diflimuladamente ás mács^de quem)
Toda efta injuria agora eftà^vingando.
AGRÁRIO.
Defteteu cafo Almcno^eu íey muy bem
Oprincipio>&ofim,que Nemoroío
Contado tudo iíTo,& mais,nie tem
Mas(querote dizer}(e eíle enganoíb
Amor he tam uíado a defconccrtos,
Que nunca amando itz paftor ditofo:
Já que nelles eftcscafos fam tam certos
Porque os eftranhas tanto , que de magoa
Tc choram valles,montcs,& defertosí
Vejotc eftar gaitando em vivafragoa,
E juntamente em lagrimasivencendo
Agram Sicilia em fogOjO Nilo em agoa
Vcjo,que as tuas cabras^nam querendo
Goftar asverdes ervas,re cmmagrecem,
As tetas aos cabritos encolhendo. '
Ofi campos ^que co'o tempo reverdecem
Os
Rimas do Grande Luis de Cambes,
Os olhos alegrando defcontentes.
Em te veodo^parece^te entriftccem.
De todos teusamigos,& parentes,
Que là da ferra vem por conlolarte
Sencin Jo na alma a pena,que tu íentes;
Se querem de teus males apartarte,
Dt^yxando a choçajôc gado,vas fugiudo,
Como cervo fendo, a outra patte.
Nam vés que Amor,as vidas coníumido
Vive íó de vontades elevadas
No falío parecer de hum gefto lindo?
Nem as ervas das agoas defejadas
Se tarcaminem de flores as abelhas;
Nem efleamorde lagrimas caníadas.
Quantas vezes^pcrdido encre as ovelhas,
Chorou Febo de Daphne as eíquivan^as.
Regando as jíorcs brancas, & vermelhas?
Quantas vezes as afperas rriudanças
Ou amorado Gallo tem chorado^
De quem o tinha envolto em eíperança
Eltava otrilíe amante recoftado,
Chorado ao pe de hum freyxoo triftecafo
Que o fallo Amor lhe tinha dcltinado.
Por cUeo íacro Pindo,& o gram Parnaío
Na fontcdeAganipe deftinando
Se faziam de lagrimas hum vaio.
O intonfo Apolio o vinha aiU culpando,
Aíobeja trifteza perigoía
Com afperas palavras reprovando,
Gallo,por que endoudece *que a fcrmofa
N infa,que tanto amaftc defcubriodo
For falia afè,quedava,& mentirofaj
Por as Alpinas neves vay íeguindo,
Outro bem outro amor,outrQ deíejo,
Como enemiga, enfim de ti fugindo.
Mas o roííero Amante,quc o fobejo
. Mal empregado amor lhe defendia
Ter de tamanha fé vergonha^ou pcjO;
Da falfiíica Ninfa nam fcntia,
Senam que O frio do gelado Reno
Cs delicados pés lhe oífenderia.
Ora ÍK tu vts claro,aaiigo Almeno,
Que de Amor os defaltrcs iam de forte,
Qiic para matar bafta o mais pequeno;
Porque nam poens hú freo a mal tão forte
Que em eílado te pcem,que fendo vivo
Já nam le eltende em ti^vida^nem morte?
ALMENO.
Agrário; fe do gcfto fugitivo,
Por cafo de Fortuna defaftrado,
Algum'hora dcyxar de fer cativo;
Ou fendo para as Urías degradado,
. ll.Part,
147
AdondeBorreastem o Oceano
Co''os frios Hyperboreos congelado;
Ou donde o Filho de Climene infano,
Mudando acordas gentes totalmente^
As terras a partou do trato humano;
Ou íe já por qualquer outro accidenrc»
Deyxar eílecuydado tamdicofo.
Por quem íou de íer rrifte tam contente^
Eítc rio,que paíTa deleytofo,
Tornando para traseira negando
A aNatureza o curfo preíurofo.
As cabras por o mar iram bufcando
Seu pafto; & andarfeàm por a cfpeííura
Das ervas os Delfins apacentando.
Ora fe tu ves, na alma quam fegura
Deite amor tenho a té, para queinfiíleg
N eíTe confelhOj& pratica tam dura?
Se de tua porfia nam defiftes,
Vay.repaílartcugadoa outra parte;
Que he dura a companhia para os triftes.
Huma íò couía quero encomendarte.
Para repoufo algum de meu engano.
Antes que o tempo,em fim,de mi te apaíte
Que íe eíla fera,q anda cm traje humano
Por a montanha vires ir vagando íq « itri
De meu defpojo rica^ôc de meu dano| ' *^
Com os vivos efpritos inflamando
O 9r,o monie,& a ferra, que comfigo
Continuamente leva namorando;
Se queres ccntentarmCjComo amigo,
Paffandojlhe diràs.-Gentil Paílora,
Nam ha no mundo vicio íem caítigo.
Tornada em duro mármore nam fora
A fera Anexarete^feamorofo
Moftràra o roílo Angélico algum'hora
Foy bem juílo o caíligo rigurofo:
Porém quem te ama(Ninfa}nam queria
Nódoa tam fea em geílo tam fermofo.
Tudo farey,Almeno,& mais faria.
Por algum dia verte defcanfado.
Se íe acabam trabalhos algum dia.
Mas bem vcs,como Febo já empinado
Me manda>que da calma iniqua,& crua.
Recolha em algum valle omanfogado.
Tu neílá fantafia falfa,& nua.
Para engano mayor de teu perigo^
Nam queres mais que a fua.
Voume de aquij & fique Deos comtigo
E ficarás melhor acompanhado.
ALMENO.
Elle comtigo và,como com igo
Me fica acompanhando o meu cuydado.
Ti EGLOGA
Rimas âo grande Lttis de Camões,
Remeto a vòs,ò Tágides Câmenas;
Q (^ ^ YW Que eu, demagoaynamponb dizer tanro:
forque cm tamanhas penas
Me canú a pcna,6c a dor me impede o canto
14S
E G L
INTERLOCUTORES,
ALMÈNO, E BE LIS A.
'Dehayxe dafeffm de Almeno defcrenjeoT
ahuma T)onzela,6u Ninja^que por não
ifjftnder a Cajttdaíte/e converteo
em Arvore como de 'Daphne
Ovtdío Metham^
PAnadojàa]gumtempo,quieosamores
De Almeno porfeu mal eram paflados,
Porque nunca AiriorcumprCjO que promete
Entre huns verdes ulmeyros apartado,
Regando por o|campoas brancas flores,
Em lagrimas canfadasfe derrete:
Quando a linda Paílon,que compete
Co'o monte em al^pereza,
Com oprado em gentileza^
Por quem o Paftor crifteendoudecia^
Por a praya do Tejo difcurria
h lavar a beatilha,ôc o trançado:
OSoljàconfentiai
Que faiíTe da fombra o manío gado.
Já acordado de aquelle pcníamento.
Que cam defacord tdo lempre o teve,
Vio por acerto o bem, qucinccrto tinha,
E porque donde Amor a mais fc atreve,
Alli mais enfraquece o entendimento,
JNam lhe íoubc dizer.o que convinha.
Como homem que a aprazada briga vinha^
A quem de^fóf a engana
A confiança humana,
Edelpoysvendoo rofto,aqiiem rcfiííe,
Treme,& teme o perigo,6í nam infiftci
Já fe arrepcnde,a audácia lhe falece^
Defta arte o Paftor trifte
O ufa, recca, esforça ^& enfraquece.
E tendo aíll )à atónito o fcntido,
Cometco com furor de/acinado,
E tirou da fraqueza coraçam.
Cometimento foy defcrperado:
Quchumaíòíalvaçaõtcm hum perdido
Perder toda a efpcrança à falvaçam
As magoas^quc paííàram,fediram:
MasasqueÊUadizia^
Lembrandolhe,quc via
As agoas murmurar do Tejo amenas,
B E L I S A.
Que alegre cam pOj&: praya deleytofai
Qiiam faudola faz cita efpeííura
Attrmoíura aDgclica,& krtna
Da tarde amenaiQuam íaudoíamente
A íefta ardente abranda, fuípirando
De quando em quádo o vento alegre^S: frio
No fundo rio os mudos peyxcs íaltanij
Os Ceos íe eímaltam todos de ouro,&: verde
E Febo perde a força da quentura.
Fora efpeíTura levam paffeando
O gado brando ao íoro das zanfoninas.
Pilando as finas, & fermolas flores
Os guardadores,qUe cantando o geflo
Fermoío,& honelto,dasPaíloras que amam.
Por o ar derramam mil íuípiros vãos
Hú iou va as mão$,lou va outro os rayos belos
Outrooscabellosdeouro,em fom íuave
E amorofa ave leva o contraponto.
Mas ó que conto,& faudosa hiftoria.
Que na memoria aquijíemeafferece»
Se nam meefquecejàjdefíe lugar
Ouvi foar os vallcs algum dia
E refpondia o Eco o nome em vão
Num coraçam jBeliía retumbando.
Eftou cuidando,como o tempo paíTa
E quam efcafla he toda alegre vida:
£ quam cemprida,quandOihetrifte,& dura
Nefta eípcfiura longo tempo amey^
Se meenganey com quem do peyto amava
Nam me peíaya de fer enganada.
Fuy íalteada,en fím^de hum pcnfamcnto,
Que hum movimento tinha cafto,6f fão:
Convcrfaçâm foy fonte defte engano.
Que por meu dano entrou com atalía cor
Porque o amor na Ninta,que he ícgura
Entra em figura de vontade hontíla.
Mas que me prefta agora dar defculpa?
Poys fe ouve culpa, foy do firme Amor
Sò num Paftor jque nunca Sol, nem Lua
Ou ferra algu ma,dcíde o I bero ao Indo,
Outro ram lindo viram^tam manhofo,
Nefteamorofoeftado,& fé que tinha
Nefta alma minha tam fecretamente.
Vive contente,amando,&encubnndo
E lie fingindo mentirofus danos^
Q-ie fam enganof;,que nam cuftam nadaj
Tendo alcançada jà nocntendimenco
A fe,6í intento meu íò nelle poílOj
(Que logo o roíto ntioitia os coraçoens
E as aíFcyçocns co-'os olhos íe praticam,
Que mais publicam muyto,quc palavras^
Cum luas cabras lempre à parte vinha,
Onde eu mantinha os olhos do defejo.
Tu maiiío Tejo,& tu florido prado
Do mais paírado,eníim,4ue aqui nam digo,
Sefeys,me obrigo,tejtemunho certo
Poys delcuberto vos foy tudo,6í. claro,
Oitcmpoavaroiòíorte nunca igual
Quam grande mal qucreysá humana gente
Porque hum contente eítado afli trocafte
Vòs me tirafts do meu peyto líento
O penfamento honellOjôi repouíado
j a dedicado ao Coro de Diana:
Vos numa ufana vida me pufeftcs,
B alli quifeite,que gozafTc o dano
Do doce cngano,que fe chama Amor^
Com CUJO error paíía va o tempo ledo:
E vòi tam cedo me tiraes hum bem
Qiie Amorjá tem impreflo na alma minha
Defpoys que a tinha envolta cm efpcranças
E com lembranças triftes me deyxays.
Mal me pagaysafé^que fempre tiye
Mas aíTi Vive quem lem ditanafce.
Mas jà a face alegre o Sol eícondc,
E nam reíponde alguém a tantas magoas,
Scnam as agoas,que dos olhos íaem;
As iombras caemjvamíe as alimárias,
Fartas das varias ervas,íeu caminho;
Buicam íeu ninho os pafiaros fem dono}
Jâporo fonoeíquccem o comerj
Quero elquecer também tam doce hiftoria
Poys he mcmona,quc trás mor coydado
Ifto he pafladoi& íe me deu payxam,
Os dias vam gaftando o mal,ik obemj
L naoi convém quererme magoar
Doque emendar nam pofloja com magoas
Nas claras agoas defte rio brando,
Que vam regando o valle matizado,
Elle traçado lavar quero,enfim
Qlic jade mim me eíqueço co'a lembrança
Defta mudança,queefquecer nam fey:
Bem queeu verey mudar aopíniam,
Poys homens fam a quem o efquecimcnto
Dcprcfla faz mudar o peníà mento
!#!,
Rimas do grande Luís de Camões.
^4f
A L M E N O.
Sea vifta nam me engana a fantafia
Como jà me enganou mii vezes^quando
Minha ventura enganos mcfofriaj
Pareceme,que vejo efcar lavando
Huma Ninfa algum vèo no claco Tejo,
Que leme eftáBeiíía figurando.
Nam pôde fer verdade ifto_,que vejo:
Qiie facilmente aos olhos fe figura
Aquillo,que le pinta no defejo.
Oíacontecimentoiquea ventura
Me dá para mór danoiEfta he,ccrtc:
Que nam he de outrem tanta fermofura.
Se poderey falarlhe de mais perto?
Mas fugirmeha.Nam pôde feríquc orio
Para acolá nam tem caminho aberto.
Oltemor grandeiògrandcdefvarioí
Que a voz me impede,&í a lingua negligente
AíTi meeítà tornando o peyto friol
De quanto me íobeja cAando aufentCj
Que para lhe falar fempre imagino,
Tudo me falta^quando cftou prcfente.
Oiaípeyto íuave,& peregrino!
Poy$como?Tam afinha aíli fe efquece
Huma íé verdadcyra,humamor fino?
B E L I S A.
O altas SemideasiPoys padece
Em voíTo no a honra delicada
De quem tamanha força nam merece
Ou feja por vòs,Ninfas,rerervadai
Oo cm arvore alguma,ou pedra dura,
Medeyxay velozmente teansformada.
A L M E N O.
AhíNinfa,nani te mudes a figura:
Nem yòsjDeofas queyrays,que eu feja parto
De fe mudar tam rara Fermofura,
Porque a quem falta avós para falarre,
E aquém faltaodefpejodaoufadia,
Também faltaram mãos para tocarte
Que me queres^Almenoíou que porfia
Foy a tua tam afpera comigo?
Minha vontade namjto merecia.
Secom amor o fazes,cu redigo,
Que amor,que tanto mal me faz em tudo
Nam pôde ler amor^mas inimigo.
Nam es tu de faber tam falto,^ rudo,
Que tam fcm fifo amaíTef ,como anoaAc
AL*
t^o
Rimas do Grande
A L M E N O.
Onde vifte tu^Ninfa amor fefudo?
Porque jà nam te lembra,que folgaílc
Com meus tormentos triftes,& alguma hora
Com teus íermoíos olhos jà me olhaíte?
Como te efquece jà^gcntil Paítora}
Qiie folgavas de ler nos frey xos verdes,
O quede tiefcrevia cada hora?
Por que a memoria tam á preíFa perdes
Do amor,quc mollravas,quecu natn digo.
Se vós, ó alCQS montes, nam diíTerdes?
E como te nam lembras do perigo,
A que fo por me ouvir te aventuravas,
Buícando hOras de íeJia, horas de abrigo?
Co'a maçaã da diícordia me tirava?
Qiie a venus,que a ganhou por fermofura.
Tu, como mais fermoía,lha ganhavas.
E efcondendote logo na eípeíTura,
Hiàs fug ndo,como vergonhoía,
Da namorada,& doce travellura
Nam era efla a maçaã de ouro fermofa
Com que encuberta alll de aítucia canta
Cedipe fe enganou por cubiçoía
Nem a que o curío teve de Atalanta
Mas era aquella com que Galatea
OpaltorcativoUjComo elle canta
Se más tençoens puíeram nódoa fea
Emnoíío firme amor de en veja pura
Porque i»agarey eua culpa alhea?
Quem dcfta fé^quem defteamor nam cura
Nunca teve logey to ocoraçam:
Queoíirmeamorcom a alma eterna dura
B E L I S A
Malconheces, Almeno,humaâfcyçam;
Que íe eu deíTe amor t :nho efqucciraento
Meus olhos magoados todiram.
Mas teufobejOj& livre atrevimento,
E teu pouco fegredOjdefcuydando^e -jilpio^
Foy cauíadcíle longo apartamento,
Vés as Ninfas do Tejo^que mudando
Me vam jà pouco a pouco,o claro gefto
Noutra mais dura forma trafpaíTando.
Hum Í6 fegredomeu te manifefto;
Que te quis muyto eraquànto Deos queriai
Mas de pun effeyçam,de amor honefto
E Poysde tens defcuydos,&ouradia,
Kaceoiaiiiduí^âj&afpcra mudança
Folgo que muy tas vezes to dezu.
Luís de Camõesl
Ficate embora,& perde a confiança
De verme nunca maisjcomo ja vifte:
Que aíii le deíengana hum*elperança
A L M E N O.
Oíduro apartamento!o vida triíle!
O: nunca acontecida defventura!
Foys,como.?Ninfaiafli te delpediftc?
Alíi fe ha de ir tornando[ab!fortedura!]
Ncíta filvcílre,& aípera rudeza
Tam branda^Sí excellente Fermofura?
Tua nunca entendida Gentileza,
E teus membros a íliíe transformaram
Negandofelhe a própria natureza?
Deita arte os teus cabellos íe tornaram?
[Deyxando jà leu preço ao ouro fino]
£m íolhas^que açor tem do que ne gàraó?
Se cfte confentímento foy diyinOj
Confintame também, que perca a vida,
Antes que a mais mt obrigue o deíatino,
Poys íe afortuna fempre embravecida
Em meu tormento tanto íe deímede,
Nam viva mais huma alma tam perdida,
E vòs feras do monte, poys vos pede
Minha pena o remédio derradeyro,
Fartay já de meu íangue voíTa fede
Evós^Paílores defterudoouteyro.
Porque a todos jcnfim^fe manifefte.
Que coufa he amor puro,& vcrdadeyro
Aa fombra deite fúnebre cipreíle
Mefarcys hum Sepulcro íem arreo
De boninas^que o prado ameno vefte,
Asdcfufadas muficas deOrfeo
Aqui me cantareysj & dcílaíotte
Nam averey enveja ao Maufolco.
E porque a minha cinza fe conforte.
Em vo/Tos metros doces,& fuaves,
Asexequias direys de minha morte.
Allirefpondei amas altas aves^
Nam módulas no canto,ncm laícivas
Mas,de dor,ora roucas,ora graves,
Nam corrí'rám as agoas fugitivas^
Alegres por aqui mas faudoías
Que pareça que vem dos olhos vivas
Naceràm por a$ prayas deleytofas ;
Os aíperos abrolhos em lugar
Dos roxos lirios,das pudicas rofas,
Nam trarám as ovelhas a paftar
Derredor do fepulcro os guardadores}
Poys nada comeriam de peíar
Viràm os Faunos, guarda dos Paftores,
Se
Rimas do grande
Sc morri por amores perguacandoi
Keíponderam os Ecos: For amores.
Dos que por aqui forem caminhando.
Hum a pitafiocriíte Icierái
Que efteja minha morte declarando.
No tronco de alguma arvore cítara^
Numa rude corciça,penduradOj
Eícrico c'huma fouce^ôc alli dirâ.
Almcnofuy,Paílor de manfo gado.
Em quanto o coníencio minha ventura,
DcNint^asi&Paítores celebrado.
Se algum dia, por caio na eípeiTara
Se perder o Amor^Sí aíFeyção,
Tirem a pedra delta Sepultura,
£ em figura de ciaza os acharam,
E G L O G A IV.
INTERLOCUTORES,
FRONDOSO , E DURIANO.
Nejia Egloga /^.efcrka em os primeyros anttôs
do *F, invoca âjua querida comounica
Muzaparajatr bem tíejie Foema*
C^ Antandoporhtim valle docemente
^Defciam dous Paítorcs,quandoFcbo
No Rey no Neptunino fe eícondia:
De idade cada qual era mancebo,
Mas velho nocuydado,& deiconcente
Do que lhe clle canfava parecia.
O que cada hum dÍ2Ía ,
Lamentando ícu mal.feu duro fado^
Nam ítu eu tam oufado^
Que o pcrtenda cantar fem voíTa ajuda:
Porque íeaminha ruda
Fráuta , defte favor voíTo for dina
Pofloeícufar a fonte CabaHina.
Em vòs tenho Helicon,tenho Pegaíoj
Em vòs tenho Caliope^Si ThaLaj
E as outras fete irmaãs do tero Marte:
Em vósdeyxou Minervao quevaliaj
Em vós eftam os fonhos de Parnaío$
Das[Píeridai em vòs fe encerra a arte
Com qualquer pouca parte,
Senhora jque tne deys da ajuda voíTo
Podeys fazer que cu poíTa
Efcurecerao Sol refplandccente:
Podes fazer,que agente
Em mi do gram poder voífo íc cípantcs
Luh de Camões,. x ^ \
E que voílos louvores femprc cante.
Podeys fazer ^ que creça de hora em hora
O nome Lufitano, 6c faça enveja
A Eímirna,qde Homero fe engrandece,
Podeys fazer tambè,que o mundo veja
Soar na ruda frauta,o que a lonora
Citara Mantuana ló merece.
Jáagora meparcccj
Que podem começares meus Paftores
A cantar feus amoresj
Porque inda que preíentes nam eftejam
As que elles ver defejam
Mudança do lugar menos de eftado
Nam muda hum coraçam do leu cuydado
] á deyxâva dos montes a altura^
E nas íalgadas ondas fe eícondia
O Sol,quando Frondofo,& Duriano
Ao longo de hum ribeyro ^que corria
Por a mais freíca parte da verdura^
Clâro,íuâvej& manío,todo o anno,
Lamentando leu danOj
Vmham jà recolhendo o manío gado.*
Hum cftava callado^
Emquanto hum pouco o outro íe qucyxava
Apozelle tornava
Adizer de feu mal o que fentia;
E cm quanto eíte falav^i aquelle ouyia.
Vinhamfe aíii queyxando aos penedos
Aos/ilveftres montes,& áafpercza,
Que quaíi de feus males fe doiam
Alli asjpedras perdiam a dureza}
AUi correntes rios eílar quedos,
Prontos ás fuás queyxas pareciam.
Somente as que podiam
Eftes malles curar,poysoscaufavam^
O ouvido lhes negavam,
Por perderem de todoa eípcrança:
Mas clles,que mudança
De amor com tantos danos nam faziam.
Com ella&ifalando inda,aíri diziam,
F^R O N D O S O.
Ifto heo'queaquelíaverdadeyra
Fé,com queteamey lempre,merecia^
Sem nunca tedeyxar hum fò momento?
Como(cruel Belifa)te eíquccia
Hum maljcuja eíperança derradeyra
Em ti fó tinha poílo o leu aíTento?
Nam vias meu tormento?
IMam vias tu afè,com que te amavK?
Porque nam te abrandava i
Efte
3^2 . Rimas do grandi
Elte amor^que, me tu tam mal pagaíle?
Mas poysjá medeyxafte
Cc^a eí perança de ti toda perdida
Perca quem te perdeo,iambem a vida.
D U R I A N O.
Se os males>que por ti tenho íofrido
[ó SilvanajCm meus males tam conftante!]
Quiíeíres,que algum'hora cediííera,
Inda que qual durifiimo diamante
Fora o teu cruel peyto endurecido, >
Creo jque a piedade te movera.
Jâ agora em branda íera ,
Os mootes iam tornados,&os penedosj
E os rios, que eílam quedos,
Semiram meus fufpiroSjminhas queyxas.
Tu íò,cruel,me deyxas,
Qiiees mais que montes A penedos^dura
E fugitiva mais,que a fonte pura.
FRONDOSO
Onde eftá aquella fala,que foi*
Sò com íeu doce tom, que me chegava,
Avivarmc os cípiritos canfados?
Onde eílà o oiharbrando,que cegava
O Sol refplandecente ao meyo dia? .
Onde eftam os cabellos delicados
Que ao vento efpalhados
Eícureciam o ourOjami matavam
E a quantos os olhavam,
Caufa vam também novos acidentes?
Porque.cruel, confentes.
Que outro goze da gloria a mi divida?
Perca,quem te perdeo,tambem a vida.
Luís de Camões^
FRONDOSO.
A quemjBelifa ingraía,te ectregafte?
A quem dèíleicruel,a fcrmoíura
Que a meu tormento fò^íó fe devia?
Porque huma fèdeyxaftes,firme,& pura?
Porque tam fem reípeyrometrocafte,
Forquem fò nem olharte merecia?
O bcm^que te eu queria,
E que nam perderey,lenam por morte
Nam hede mayor íorte.
Que quanto a cega gente eftima & preza?
boa tua crueza
Foy niíto contra mi endurecida.
Perca,quem te perdeo,tambcm a vida*
íD U R I A N O.
Levafteme o meu bem num fó momento?
Levafteme com elle juntamente
De cobrallo já mais a confiança:
Deyxafteme em lugar delle lòmentc
Huma continua dor, hum gram tormento,'
Hum mal,de que nam pôde a ver mudança
Tu, que eras a elperan ça
Dos males,que,cruel,tu me caufafte
Detodotctrocafte
Com amor conjurada em minha morte.
Porém íe a minha forre
Confente,que por ti fcja cauíada.
Morte nam foy mais bemaventurada.
FRONDOSO.
D U R I A N O.
Nenhum bem vejo^ que a meu mal eípere,
Sc nam foíTe eíperar,que morte dura,
Me venha^enfim,a dar a íaudadc,
Vejofaltarmeatua fermoíura^
A vontade mediziquedefefpere
Contradizme a razam eíla vontade
DÍ2,queemhuma beldade,
Em quencí moftrou o cabo a Natureza,
Nam ha tanta crueza.
Que hii tam conftante amor defprczar queira
E íe tam verdadeyra:
Mas tu que de razam jà mais curaílc,
Porque era darme a vida ma ticaíte.
Nam naceíle de alguma pedra dura;
Nam te gerou alguma Tigre Hircana^
Nam te criafte,nam , entre a rudeza
A quem^crueljíaiftedcshumana?
No Ceo formada foy tal fermoíura
Onde a meima brandura he natureza.
Poys,logo,eíTa dureza
Donde ceve principio,ou a tomaft;e?
Porque,dura engeycafte
De hum verdadeyro amor,que tu bem vias,
A fè^que conhecias,
Por outra de ti nunca conhecida?
Perca^quem te perdeo^tarabem a vida.
i
D U R I A N O.
Vayíe coVfeu paftor o manfogado^
Porque de amor entende aquella parte^
Qiie
R imas do grande L uis de Camôesl
Que a natureza irracional lhe enfina.* A mi nam me fízeíte
Oruftico leam fem algum'arte,
»53
Do natural inílinto fò enfinado
A donde lente amofjlogo íe enclinâ.
Etu,que de divina
Nam tens menos que VenuSiÔc Cupido^
Forque fe quer co^o ouvido
Hum amor veidadeyro nam focorres
Ahiporquetenam corrcf
De que o leam te vença em piedade»
Se Dam te vence Vénus na beldade?
FRONDOSO.
Ami nam me faltava jO que fe preza
Entre Os celtftes Dcoú s,que forn aram
A tu amais que humana feimofura.
Em irnm os voluntários ceosfaltatami
Eni mi íepreverteo a Natureza
De huma cruel fermola criatura
>la>,poys,Behfa dura,
Qu j do mais alto ceo a nòs viefte
Eiu t?u peyto celeíle
Hum tal contrario pode a pofcntarfci
N am he contrario acharfe
Tamanha fé,tam mal «gradecida,
Fcrca,quem^ te perdeo também a vida#
D U R I A N O.
Portianoyteercurame contenta,*
por ti o claro dia me aborrecej
Abrolhos me parecem frcfcas flores:
A doce Filomela me entriltece,
Todo contentamento me atormenta
Com acontemplaçam de teusamores;
Asfeftasdos Paftores,
Que podem alegrar toda a triíleza.
Em nri tua crueza
Fa7,queoiTial cada hora và dobrando.
OjCruclíaté quando
Ha de durar tm ti tal penfamento,
E avida em m!,que íoíre tal tormento?
FRONDOSO.
Fugifte de hum amor tam conhecido;
Fugiftedehuma té tem clara, & firme^
E íeguiíle a quem nunca conheceftc-,
Nam nor fu^ir de amor,rtia« oor fugirmcí
Poysbem vés quanto cu tinha merecido
EHe amor,quc tu a outro concedeftc,
iLFâit.
Alguma femrazamjqiie bem conheço,
Que tanto nam mereço;
Fizefteaa aquelle bem firme^& íincéro
Que íabes,que te quero,
Em lhe tirar a gloí ia merecida,
Ferca,quem te perdeo,tambem a vida
D U R 1 A N O.
Crecc cad^hora cm mi mais o cuydadq
E vcjo^que em ti crcce juntamente
Cad^hora roais de mi o eíquecimcnto^
OiSilvana crueliporque confente
EíTe peyto fermoío,& dilicado.
Que teefqueçâ hum tam aípero tormento?
Tal aborrecimento
Merece hum capital teu inimigo^
Nam cu,que fò comigo
Eftou con tente, & nada mais defejõ}
Sealgum^hora te vejo.
Tu es hum íò meu bem^huma fÓ gloriaj
Qus nunca fe me aparta da mcmoriat
FRONDOSO.
'v-^J
OlhoSjque viram tua fermofuta;
Vida,que (ó de verte fe íoftinhaj
Vontade^que cm tieftava transformada^
Alma,que eíTa alma tua em fi íó tinha^
Tam unida comfigo,quantoa pura
Alma co'o débil corpo eft àliadaj
E que agora apartada
Te vé deíi com tal apartamento>
Qual fera leu tormento?
Qual fera aquelle mal, que tem prefente?
Mayorhe^queo queíente
Otnftecorpocm ultima partida,
perca quem te perdeo,tambem avidâi,'
P U R I A N O.
Regendo era outro tempo o manfo gâdoj»
Tangendo a minha fr^uta neftcs vtles,
PaíTava adoce vida alegrtmeute;
Namílentia o tormento deites mal esj
Menos fenria o mal deíle cuydado ;
Quetudoentam em mim era contente*
Agora »^am fomente
Deíla vida (uave me apar tft ei
Mas outra me deyxafte^
Que ao duro maLquc finto cá nopeyío>
— ^ _ r j j^^
ii
Metemjà tsm affeyto
Que fiDtojà por gloria a minha peni:
Por natureza o mal, que me condena.
FRONDOSO.
Rimas do grande Luís de Camots".
D U R I A N O.
Juntamenfe viver compridos annps.
Os Fidos te concedam^que quiíeram
Ajuntarte com ti*! contí^niíimento.
Poysosbens para ti todos naceram,
JNaçeram para mi todos os <Íanos, • fi«5*iO
Entam,cruel,veràs,fe te merece
Com tamanho dcíprezoíer tratada
Hum'alma,qoc de amarre fó fe preza
Mas como poderás fer desprezada
Se omenos que em ti for fe aparece,
PòJe abrandar dos montesa afpercza?
Porque feaNaturcza
Em ti o remate poz da farmofura
'Logra tu tua gloria,eu meu tormento» oJ37 | Qual fcrà a pedra dura;
l^enhiiju apartamtjntOj
Belifa,mefarà deyxar áe amarce;
Porque em nenhuma p^rte
Po.deràs nupça eítar fem mi hum'hora»
Confcnte, poys agoraj
Que em p a g9 deita fècam conhecida,
Perca quem te pcrdeo,t^mbem a viua.
D U R I /no.
Vcjateeu,çrua,amar quem tedefame
Porque íaybaSjO que heíer amada
Dequem tantoabàrrecesiôí deíprewí
Vcj Ate eu Ter inda deíprezada
He quem ti^ mais defej^sr que te ame,
Porque fintas cm ti tu^s^ çfwezas;
Sintds tuas durezas,
E quancQ pòic o feueruel effeyto
Num cor%çam íogeyto:
Porqu -cm íçntÍQdoomal,que ílnto agora
Eípéro,qi]e algum^hora
Faça o teu prppio mal de mi iembrartCj
J á que nam pode o mc^ eunca abf andarte.
<• -
FRONDOSO.
Mil annç>s dç tormeqco tue parece
Cad*hofa,qujíeTi ct,lemelperança
Vivode pod(íC«i*'íí3tArn^r a verte.
A vida fò me dà tun lernbrançaj
A v ida^fôbpe: tudo me (snt rtítccei
A vida antes pcrdera/que perderte
Mas eu fe por quercrte,
Hum btip que emti fó tem íeu firme aíTento, Hm fi te.tem prefenrc.
Que a teu valor refiíla brandamente?
Que fará a fraca gente,
Se a humano parecer naó íèdefendej
E a meíma Vénus Deofa ao teu fe rende?
.FRONDOSO.
E poys fé verdadfyra,amor perfeyto.
Tormento defigual,& vida trifte.
Junta com hum ccmtinuo fofrimeoto,
E hum naal,em queo maItodo,en fim côfiftc
Nam puderam mover teu duro peyto,
Amoíira fe quer contentamento
De ver o meu cormentój
Antes tudo,íoberba,defprc2aftc
E a outrem te entregaíle,
Pomada me ficar,em qu« cíperacci
Senam quando acabafife
A vida a peíarjmeu já fam comprida,
Pcrca^qucm te pcrdeo^tambem a vida.
D U R I A N O.
Longo curfo de tempo,& apartado
Lugar^a hum coração.que vive entregue,
Nam podem apartar de íeu intento.
Porque foges,cruel^a quem te íegue?
Porque.íeguesem vaõeffc cu y dado,
Poys nunca eílás fem mim algum momento
Nenhum apartamento,
Inda que a alma do corpo fcoQeaparte>
Poderás jà auíencarte
Deílâ alma trille,que continuamcatc
Padeço tal torment
Qiie ef;5^jiafà de ti, quem te defama.
Ou quem ao menos te ama
Com algum falíp amor,ou fé fingida?
Perca,qutíra te petdco,taaibem a vida.
Torna,cruel;nam fujasa quemte anja;
Vem a dar vída,oumorte,a quem techama
A noytecfcura,trifte,&tenebrofa,
Que jà tinha eftcndfdo o negro manta
De efcuridade a terra toda enchendo^
Fez pòç A efte« PaAores^fiai ao cjinto^
Rimas do Grande
Que ao longo da ribcyrâ deky tofa
Vinham feu manío gado recolhendo.
Scaquil!o»que eu pertendo
X) lie trabalho aver,que hc todo voíTo,
Scnhora,alcan<jar pollb;
Jslam fera muyto aver cambem a gloria^
E o louro de vitoria,
Que Virgílio procura^Sc aver pertende^
l^oys o mcímo V irgilio a vos fe rende,
" E G L O G A V.
PASTOR SOLO-l
: Nefta Egloga^ou Solilóquio' entreduz o T»\
hum ^aftor ]h namorado ^ & queyxozo
dos rigores áejua amada ^
A [Quem darey queyxumcs namorados
Do meu Paftor queyxofOjSí namorado?
Abranda voz, íufpiros mogoados,
A caufa porque na alma he magoado,
De quem ferám íeus males contolados?
Quem lhe fará devido gafalhado?
Sò vos, Senhor famofo,& excellentc,
Efpecialem grâçasencrea gente.
Por partes miUançando a fantafia,
Eufquey na terra Eftrclla,que guiaíTe
Meurudoverío^em cujaconrípanhia
A farira piedade fcmpreandaííe
Luzenre,& clyra,como aluzdodia,
Que o rudo engenho roeu me alumiaíTci
E em voíTas perfeyçoens,gram Senhor,vejo
Ainda àlcm comprido omeudeíejo.
' A vos íc dam a quem,juhto fe ha dado
Brandurn,manridam,engcnho,& arte
De hum eíprito divino acompanhado,
Dos íobrchumanos hum em toda parte.
Em vòs as Graças todas íe ham juntadoj
De vós em outras partes fe reparu'.
Soy : claro rayo,íby:i ardente chama;
Gloria^^ louvor do Tcmpc :aías da Fama
Em quanto eu aparelho hum novo efprito
E voz de Cifne tal o ir>undo eípante-.
Com quedevòsjSenhf r,emaito grito
Louvores milem toda parte cante:
Ouvi o canto aí»rf íte em rronr o efcrito,
Entre vacas,& gado petulante:
Qúe quando tempo for em melhor modo
Ha de me ouvir por vòs o mundo todo.
^ AsvaãsquerellastbrandasAamotofaSi
II,Part,
Luís deCamoês^
J55
Sejam de vòs tratadas brandamente:
Verdades da alma pouco venturofas^
feaidascomfufpiros vívo.6c ardente.
Em voílas mãos íc entreguam,valerofaSj
Porqueao futuro vivam entre a gente^
Chorando feropre a antigua crueldade
Para mover as alraasa piedade.
Já declinava o Sol contra o Orientei
E o mais do roxo dia era paíTado.
Quando o Paftor co*o grave manque fenrc
Por dar alivio em parte a ícu cuydadoj
Se queyxa da Paftora docemente,
Cuydando de ninguém fer eícutador
Eu^que efcutey,num*arvore efcrcvia
Asmogoas,quecantou;& aíTidczia.
Ou tu do monte Pindafo es nacida.
Ou marmor te pario fermofa^& dura:
Nam pôde fèr^que foíTe concebida
Dureza tal de humana criatura:
Ou quiça^quees em pedra convertidas
Ou tens da natureza tal ventura:
Porém nam fez em ti boa impreíTam
Só de mamor tornarte o coraçam.
Jàjjà com minha vos rouca^ôc choroía {
A gente mais auftéra moveria;
E com efta corrente lagrimola
Os tigres em Hircania amanfaria^
Sc nam foíTes crucl^quanto fermofa,'
Meu longofuípirar te abrandaria
Mas fufpirar por ti, mas bem quererre,'
Que farám Mais,q mais cndurecerte?
Se deyxàras vencer a crueldade
Detuatam perfcytafermoíura,
Hum pouco virss bem minha vontadcj
E viras a fé minhajlimpa,6í pura.
Por venturajque ouveras já piedade q
E tivera eu quiçà melhor ventura
Mas nunca achou igual tua belleza "^
Senam íe foy em ti tua dureza.
Humbronzejâabrandára^que nam fcnte»
Eíte meu grave maljegundo he forte
Se decera do Inferno ao Polo aodente,
A piedade movera a propia Morte,
PoySjíe huma gota de agoa brandamente
Torna brando hum penedo,duro,& forte.
Tantas lagrimas minhis nam f. ràm
Huni pequeno final num coraçam?
Na teíla fonte viva te n lio de agua,
Que por meus olhos triíics fe derrama:
E no peyto de fogo viva fragoa,
Que tudo em ficonverte^tudo inflama:
Amor em deiradcr,por mayor roagoa»
^ "" Vij Voando
1^6
Voan lo mais acende àardence chana.
Se queres ver,fe ardentes íam íeus nros
Olha.íe iam ardentes meus íuípíros.
•Quando grica»& rumor grande íe Tente
Porque fogo íe atea em cara,ou torre,
De pura com payxamvay toda 3 gente,
i^gua ao fogo gritando jík cada hum corre.
Dellaâiíte anda o meu peyto é chama ardéte
E com a agua dos olnos fe íocorre:
Rimas do Grande Luis de Camoes\
Com cujas íombras frias já folgaílêj
Agora triíle,ercuro,he já tornado.
Que todo o bem com tigo nos levafte
Eras tu nofTo Sol mais deíTejado:
Nam temos luz,defpoys,quc nos deyxaíte
Torna, meu claro Solj torna meu bem] '
Qualheojefué, quetc detesn?
Deípoys que dcílc vaile te apartafte,
Nam pacejá algum gado com íecura
Que quem meabrara^outra agua me deféde Secoufeo campo des que lhe negafte
Porqaccom erta o fogo mais íe acende.
Quando vemos,que láe là no Oriente
O Soljícu curíoantiguo começando,
Fermofo,intenfo,puro,refulgente,
O monte,o campo,o mar,tudo alegrandO)
Quanciode nóvfecíconde no PonentCi
E em cA-itras terras íae alumiandOj
Dos teus fermofos olhos a luz pura,
Secoufe a fonte,donde jà te olhaíte.
Quando mcnoSjque agora afpcra,& dura:
Nega fero ti a tcrra,ouvindo gritos,
A as cabras pafto,5f leytc aos cabritos.
Sem ti doce cruel minha enemiga,
A clara luz efcura me parece:
Sépre jemq4.iântovay dando ao mundo giro Efte ribcyro,quando a dor me obriga,'
Choram por ti meus olhos,8c eu íuípiro Com meu chorar por ri contino crece.
Caàíinha o dia todo o caoiinhant
*-»
Nam ha fera,a que a fome nam perfigàj
E,eníim,lhe'chega a noyte,em que deícança; Algum prado fem ti |à nam florece:
Taobalha na tormenta o navegante,
Tra2! he a clara maníiaâ feliz bonança.
Recobra o fruto fcrtil>& abundante.
Da terra o lavrador, Te nellacança:
Mas eu de mcLícuydado^Sc mal cam forte^
Tormento efperoíójfo crua morte.
Deouvicm.ettdannoasroíasmatutinas>
Condoídas le cerram Í€em urchecem:
Com meu íuípiro ardente as cores finas
Perdenioeravo,oliriOj8c nam ftorecem.
Co*a roxa Aurora as paíhdas bomnas,
Em lugar de alegraríe,reentriítecem:
Deyxani feu cantoProgne,& FilOmenaj
Que mais lhes doeique a íua,a minha pena»
Refpondc o mo nre concavo a meusays,
Etu,como áfpid, cerraslhe o ouvido;
Os indómitos feros animays^
Sem humano fentir,moílram fentido:
Mas em ti minhas dores defiguaes
Nunca movem o peyco endurecido:
Pormuytoque te chame, nam reípondes
E quant-j-ra.íis te buíco^mais te eícondes
Naquella parttí donde coltumavas
Apacent^r meu<!olhosSz teu t^ado
Allí donde mil vezt;s me moftmvas
Que era o Paílor deti mais deíejadoj
Vezes mil te bu^quey,pOf ver fe davas
Algum breve dc'fcanro,a rneii cuy iado:
Bufcoteemvâõno valleem vão nomontej
Qual o ferido cervo bufca a fonte»
. Eíle lugar de ti defaropAradv)
Cegos eítam meus olhosjnada vem,
Porque nam podem ver leu claro bem.'
O campo como de antes nam feeímaita
De boninas azues,branças,vermelhas:
Falta agua ao paíto,& fentem da agua a faíra
As cândidas pacificas ovelhas:
Bem conhecem tambem,queo eco lhes falta
As doces,& íolicitas abelhas:
Com lagrimas^que manam dos meus olhos
A terra nos produz duros abrolhos.
Torna, poyj,já Paftora^ao noíTo prado
Se reílituir lhe quf^rcs a alegria:
Alegrarás o valle, o campo,o gado,
E aqucUe efpelho teu da fonte fria,
Torna^tornaimeu Sol tam dcfejado
Farás a noyteefcura claro diaj
E alegra ja efta vida mogoada,
Em que fó tua aufencia he Parca irada^
Vem como quando o rayo transparente
Defte nofío O nzonte que cfcondido
Deyxa hum certo temor à mortal gente
CaUlavJo de ver o Orbe eícurecido:
E quando torna a virclaro,& luzente.
Alegra o mundo todo cntriíiecido:
Que affi he para mi tua luz pura
Cíf^ro SoljComo a aufencia noyte efcuta,
Mastuefquecidajá do bem p'^ííádo,
E do primeyro amorique me moftrate,
Teu corsçam de mim tens apartado,
Nam menos que do valle te apartafte,'
Nam te quero cu a ti mais,que a meu gado?
Nam
Rimas do grande
Ním foueu mefmo aqucIÍe,quetuamafteí
Oode o meu erro viílCjOu deívario^
Que pôde merecerrehum taldeíyio?
JBsm vés,qlie por Amor íe mov^ tudo,
E que delle nara ha qnem feja iíentoj
O msisfimples animal, mais baxo,&rudo^
O de mais levanudo peníamento:
Debaxodaagua fria o peyxc mudo
Também là tem de ardor feu movimento:
Foys as avc$,que ao ar cantando voam,
Nam menos humas de outras fe affeyçoam.
A muílcado leve paíTarinho,
Que Tem concerto algum íoltaj& derrama
De hum raminho faltando a outro raminho^
Moftra,que por amor íuípira^& chama:
Em quanto no fecreto amado ninho
Nam acha aquelle,q íò bufca,& ama,-
No canto a nós alegre trifte chora,
Porque teme perder aquém namora,
il feraj,qucmais feraj&o leam,
S.mpreachâ outro leam^fempre outra fcra^
Em quem pofia empregar huma affeycão^
Que o con verfar no pcy to íeu lhe gera »
Também íabefentirfua payxam,
Tambcm íuípira^morrejdeferpcm,
Acena^íalca,bradà,ferve,& gemcj
E nam temendo a nada,a Amor fò teme
O cervo,quee(condidoj&emboícadO|
Temendo o cobjçolo caçador,
Eftà na íeiva,monre,bofque,ou prado
Alli dorideanda,& vive. vive Amor;
Dcteniorjôc de amor acompanhado.
Com juita caiiía amor tem^Sí temor.*
Temor a quem paraferillo vinhaj
Amor a quem jàjjà, ferido o tinha.
Poyí>,<eafefainfcnfivel,quenamrente
Também fence de amor afrecha dura.
Porque a ti nam te abranda hum fogo ardéte
Que procede da tuaícrmolurai»
PorqueeícondesaluzdoSol à gente
Que neíles olhos trazes beUa,& pura?
Mais pura, mais íuave,mais f^rmoa,
Qiíelirio,quejazmim,que cravo^&rofa.
Pòdíí ícfjíe me viíTes^que íentiras
Ver liquidar hum peyro em inlle prantoj
E bem pouco fizeras, íe me viras,
Foy*5 eu ró por te ver fuípiro tanto:
As magoasjos íurp!ros,que me ouviras
Te puderam mover a grande efpanto,
A dor^a piedade,a fenrimento,
Ea mais,que para mais he meu tormento^
Gs penfamentosyaós^que o vento levc^
/
Luís de Camões. t^f
O fufpirar em vaô também ao \rêDCOí
Hum efperar á cal ma, à chuva já neve,
E nunca poder verte hum íó momento
Tormento he,que fomente a ti fe deve*
Efe pôde inda a vfir mayor tormento.
Quem te viOjÔc fe vê de tiaufent:,
Muyto mais pafíarà mais levemente.
Faz móíia apedra dura em íua durezâi
Com a agua,que lhe toca brtndamentt:
Abranda o ferro forte a fortaleza,
Se lhe toca também o fogo ardente
Em ti fó defconhcço a N a tureza,
Que a fer de pedra,ou ferro totalmente,
Já teu peyto cruel fora desfey to
Das agoas,& das chamas do meu peyto2
Quando a fermoía Aurora moílra a íronCe
Alegra toda a terra vendo o dia:
Quando Fcbo aparece no Orizonte,
Manifeíla também grande alegria:
Contente pace ogado ao pé do monte^
Contente a beber vay na fonte fria:
Eftá tudo contente, alegre fudO;
Eu lójfò penfativo,riiAe,& mudo.
Se jâ da alma,& do corpo tens a palmai
E ao corpo fem alma nam teys dój *
Ha dò do corpo fó,que elia fem alma,
Poys fem alma nam vive o corpo fò.
Nas chamas, & no ardorjno fogo,& cfJmas
Na afFeyçam,no querer,eu fou hum fo:
Nam acharás vontade tam cativaj
Nem outra como a tua tam efquiva.
Se te apartas por nam ouvir meu rogo^
Onde eiliverest'hey de impertunat}
Pofto que vàs por agua, fcrro,ou fogo,
Comtigó em toda parte me has de achar:
Que o fogOjé q ardo,&a agua em q me afogO
Em quanto eu vivofor,ham de durar
Poys o nó,que me enlaça, bc de tal forte^
Que nam fe ha de foltar em vida,ou iKorte*
Neíle meu coraçam fempre eftaràs,
Em quanto a alma cfliver com elle unida:
Também omeuefpriío pon'uírà«,
Deípoys ^ a alma do corpo fcr partida:
Por mais,& mais que faças,naõ farás^
Qlic deyxeoamariencliajSc cílbutravidà
Impoflivel íerà<que eternamente
Aufenteeftésde mim cliandoauíente,
Cà me acompanhara vofla memoria
Se o rio,que íe diz do efqnecimf nro,
Daminha naõ borrar taro longi hiftoría
Tam grave mal^tam duroapartamentoJ
Ate quando vos veja entrar na gloria
• - - Vivircy
•t^S
Vivirey num continuo fentimento
E ainda enraóvereys[íeiíto íer poiTa]
Eíta minh 1 alma là fervia a voíTa.
Aqui com grave dor,com critte acento
Deu o triílc Paítorfím afeu canco;
Comroílo baxo,&alto penfanfientò.
Seus ol hòs começarão novo pranto.
Mil veZ£S parar fez no ar o vento,
EapiJou noCeooGoro íanco:
AscircuníUí^tes filvas íe inclmáraÕ,
Condoidas das magoas que efcutarâo
Com huma maó na face,reclinado> '^ ^'■^
Tam elevado em íiia dor citava.
Que como cm grave fono fepultado
Nam via^que jà o Sol no matentrava»
Berrando andava em roda o manfo gado,
QLieoíegurocurral)á dcfejava:
!Nas covas as rapofas/Sc em feus ninhoi
Se recolhem os iimples pafTarinhos.
Rimas do grande Luh de Camõesl
E le Por íultentarfe o moço cego
Nos trabalhos agreítas a alnna inHami
O que he mais propio no ócio, & no íoiTeg-íj
Mais maravilhas donde avo2 da Fama,
No niefmo mar undoío^ôc vento frio,
Bráías roxas acende a roxa flama.
Vós^óRamo de hum tronco alto^Sc fõbrío
Cuja frondente coma jà cubrio
De Lufo todo o gado,& Senhorioj
E cujo faó madeyro jà faio
A lançar a forçofa,&: larga rede,
No mais remoto mar,qiie o mundo vioj
E vósjcujo valorem canto cxcedci
Qua a cantalo com voz alta,6c divma
A fonte do Par n aio move a fede.
Ouvi da minha humilde çanfonina,'
A armooia,que Vòs j á levantays
Tanto,que de Vós msí mo a fazeys dina.^
Mas k agora^que atabil me eícutays.
Jàfabrehumíecoramoeftava pofto -loU Namouvirdescantar com alta tuba,
O moucho com funefto,& trifte canto:
Ao fom delleo Paftor ergueo o rofto,
E vio a terra envolta cm negro manto.
Qaebrando e.icaó o fío de íeu gofto, ;.
E ofio níõ quebrando de íeu pranto,
Pornaõfe deícuidar de feucuydado.
Levou para Oi curraes o roanlo gado.
E G L O G A VI.
O que vos deve o mundo,que dourayS}
EfeosRcys Avós voííosjque de juba
Os Reynosdebelliram,naó ouvis
Que nas afãs do excelfo verío íubai
Se naó fabem as frautas poftoris
Pmtarde toro os campos femeados
De ar mas, 6c corpos, fortes, & gentisj
Por hum moço animofo íultantados,
Contra o indonoito Tay^de toda Efpanha,
Contra a Fortuna vaá^à injuílos Fadosj
. ^^ ■ ' , HLÍmoço,Cujoesforço,brio,& manha
AGRÁRIO PASTOR, ALICUTO Do Olimpo fez decer o duro Matte,
Peícador.
NeftmEgloga chamada c ntenda entro duz &
F,a hum tfãjioY^ & a hum Tejcaãor ar*
gumemando qual /tja a milhar
muzicafe a dos T aflores ^ou
éi dos Tef( adore p,
iRuftica contenda defurivia
Entre as Muíasdos boíqueá das arcas.
De feus rudos cultores modalada»
A cujo fom atónita ,& alneas,
Do monte as brancas vacas eíliveram,
E do rio as faxatiles Iam preás:
) Defejo de cantar Que fe moveram
Os tronco*; às avenas das Paftores,
Ejàfilveftres brutos fufpenderaó;
Naó menos o cantar.dos Pcfcadores
As ondas amanfou do fundo pego,
B fez ouvir os mudo$ nadadores.
Edailhéa quinta Esfera,que acompanha
Se naõ fabem cantar a menor parte
DofapientepeytOj& graõconfelho.
Que pódeCó Reyno illuftre!)defcanfartej
Peito,queaodufO ApoUo faz vermelha
Deyxar o lacro Monte,& as nove IrmaaS^
Porque a clleíe afteyté comoaeípclko,*
Saberàm bem cantar, en nada vaás
De] Alícuto as contendas^& de Agrário^
Hum de elcamascubertOjOUtrodelaãs
Veteys (Duque Sereno^o eftilo vario
A nòs novo, mas noutro mar cantando
Dehum,q(òfoydas Mufas Secretario.
OPcícadorSmcérOjqueamaníado
Tem o p^go de Prochita co'o canto.
Por as ÍOnoras ondas compaíTado.
Deftefeguindoo íom,que pode canto,
E mifturando oantiguo Mautuano,
Façamos novo eftilo novo cfpanto. ^
Pa^tiraíe do mote Agrário infano,
Para onde a forçí? fò do peníamento
Lhe encamiftl^ava o laflo pefd humano
Emkbidoem hum longo eíquccimento
Pe ft , já naó jà íò de pobre fâto^
>\pos hum doce íonho,& fingimento
Rcmpeiido as filvas hórridas do mato,
Vay por fíma de outeyroSj& penedos,
FugindcjCofim^detodo humano tríto.
Ante os í^us olhos leva os olhos kdos
Da branca DinamenCjquc enverdece
Sócò*o meneo vallcs,& rochedos.
Ora fe ri comfigOjquando tece
Na fanrafia algum prazer fingidoi
OrafallâiOra mudo fe entriftece.
Quial á tenra novilha, que corrido
Rimas do gmide Luh de, Camões,
^^
Por tftilado Agreíle fom divcrfo
Ouvindo Agrário afonjto,nrroyx?»ndo
Da fantaíia hum pouco íeu cuydado,
Suípénío teve os números notando,
MasAlicutovendofe eftorvíido
Por hum Paftor,daaiuÍ!ca divina,
O rofto levantou bem íoíTcgado.
EdiíreaílirVaqueyrodacampiaai
Que vem buícarab arenofas prayas,
Omieabella Ampbitrite íó domina?
Que razâm ha Paílor,para qXie íayas
A efte noíTo ercamoío,& vil terreno.
Dos teus flóridos mirthos,&:alta« fayaa?
Poys le agora o mar vci brando,& kreno
E cftendèríe eftas ondas por a àjea
Tem montanhas fragoas,& eípeiruras^tni 'A/ Amanfadas das magoas coro que penoj
Por bufcar o cofligtro roarido}
E canfada nãS húmidas verduras
Cair fe deyxa f^olongo do ribcyro.
Já quando as fombras vé caindo eícuraSj
E nem co*a noyte ao valle ícu primeyro
Se lembra de tornar como foia^
Perdida porobruio companheyroj
Tal Agratio chegado,etí fim,fc via
Onde o gram pego horriíono fufpira.
Numa praya afenofa,humida^6c fria.
Logo verás o como deícnfrea
Eolo o venta por ornar undofo.
De forte que N eptuno fe recea.
Refponde Agrario:0!mufico,8c âmorofo
PefcadorlEu naõ venho a ver olago
Bravo,& quieto, ou vento brando, & irofo
Mas^o meu penfamento,com que apago
As flamas ao deíejo,me trazia
Sem ouvir,& fem ver/uípenfo,& vago
Até que atua angélica armonia
Tanto que ao mar eftraúho os olhos vira. Me acordou, vtndo o íom^comq aqui cantas
Tornando cm fi,de longe ouvio tocarfe
De dduta máo,nam vifta*& nova lira.
Fezlhe o ícm dcfuíado deíviarfe,
Para onde mais íoava,deíejando
De ouvir, & convcríarj& deprovarfe.
Muyto naó rinha proleguido,qu3ndo
Em a concavidade de hum penedo,
Que pouco a pouco fora o marcavádo}
A tua pcrigofa Lemnoria.
Mas Ic de vercrjt cà no mar te cfpanras.
Eu mecípantotan.btm docllilo royo,
Com qúe as ondas horriíonas qutbiantas.
Pofém íecom verdade o louvo, & aprovo
Dtít jo de o aprovar contra o filvt ílre
Antigo p^cifl;oril, que eu mal renovo
Etu^quc no tocar pareces meíjrcj
Topou hum Peicador,q pronto, & quedo Bem julgarás, k ha clara diíferença
Numa pedry aíTcntadOibrandamente
Tangciidujfez o mar íercno,6c ledo.
Mancebo cia de idade flcrecente
Pefcador grande do aUo,ccnhccido
Por cnomede roda húmida gente,
Alicuto fe chama,que perdido
Era per atei mola Lemnoria,
Nírifa que tem o mar er nobrecido.
Por tila as icdej> iança noyte, & dia
Por ella as ondas túmidas dcif rezaj
Pr>r ella íofre o Sol & achuva fria,
Co' oftu nome mil vezes a braveza
De irados ventos sinanícuc( *c veifò
Quercntove das rochas a dureza,
Eagcracm fcm de vozíuavc,& terfo
Eílà íeu nome r ^^^ ^^oi eRÍmanda
Enrreocanto maririrrOjíc ocompcílrcJ
Naó ha (difle Alicuto)em mi detençaj
Alvoroço antes ha, por mais que vcjai
Qut a tuâcocfifinça íò me vença.
Mas porque íaybas,que nenhuma envfcjt
Os pGÍcacores terr os ses Paftores,
Do Ic m^quc no parnaío íe dcfejíj
loma a i-rana n á< ,quc osn cradores
To vir te o fundo vedo cíloo juntar le
r? ra ciivii ncl os rtftucsamorts.
Btn^^ \t^ pcrifa piaya preíentarfc
Kas ccrtlías varia ccràviÔa humana;
E c msr vir \cx entre ellafjSfJornaríe.
ScíTegada de yf nto a fúria iníana,
Encreípalrardamepfeornrcno rio,
QueículicGr aqui mi Aura j6c dana.
£ft«
2 6© Rimas do grú ndt Luís de Càmeíí
Eílc penedo concavo,& fombrio.
Quede cangrejos vès eltar cubetto,
I^os dá abrigo do SoljquietOj& frio.
Tudo nos moítra,enÍim,repouío certo, vj
E nos convida ao canto^com que os mudos
Pcyxes laem ouvindo ao ar aberto»
Aíli fedefafíacneftesrudos
Poetas^nos oíiicios diícrepantes,
Nos eogenhosf porèm,futis,& agudos.
Eys jâ mil coaipanheyros circunílantes
Eftavam para ouvir^Sc aparelhavam
Ao Vencedor os primeyros ícmclhantei^
As bem íonantes lyras íe tocavam." ^
Agrário comcçava^fit de armonia
Os Pefcadores todos le admiravam:
E dcíla arte Alicuto rcípondia.
A G R A R I O.
A L I C U T O.
'Pefcador já foy GlaucOtSc Deos agora
Hè do mari& Protéo Focas guarda.
Nacco no pego a Deoía,quc hc Senhora
Do amoroib pra2er,quc fcmpre tarda,
Sc foy bezerro o Deos,que cá íe adora
Também já foy Delfim.Se íe refguarda,'
Vnefe,que os moços pefcadores eram
Que o efcuro enigma ao primo Vate deram.
AGRAR IQ.
^::Vòs femicapros Deofesdo alto monte.
Faunos longevos,Satiros>Si vanos;
Evos Deofasdo bofque,& clara Fonte,
£ dos troncos^que vivem largos annos:
Se tendes pronta hu n pouco a facra fonte
A noíTos veríos ruílicos.& Humanos,
Ou me day já a capella deloureyro,
Pa penda a minha lira de hum pinheyro
AL I C U TO.
Vós húmidas Deydades defte pégôi
Tfitoens cerúleos, ProtèOjCom Falciiio
Vós Nereydas do fal,em que na vcgo,
Por quem do vento as funas poucotemo:
Se às voíías facras Aras nunca nego
O congro nadador na pà do remo,
Nam confinray!5,queamufica marinha
Vencida (cja aqui na lira nunha.
AGRÁRIO.
Pa/lor fe fez hum tempo o moço louro.
Que do Sol as carretas move,& guia;
Ouvio o no Amphrifo a lira de ouro,
Que o feu claro inventor alU tangia
Io foy vaca} Júpiter foy touro
Manias ovelhas junto da agua fria
Gusrdou fermofo Adonis;& tornado
Em bezerro Neptuno foy j á achado
iFermoíà Dinàmentc,íe dos ninhos
Os implumes penhoresjà furtey
Aa doce Filomela}& dos muttinhos
Para ti (^fera)as flores apanhey:
Efe os crefpos madronhos nos raminhos
Com tanto gofto jà t^jp rcfcntey
Porque nam dàs a Agrário defciítoío
Hum íò revolver de ulhos piadofo?
À L I C U T O,
Para quem trago de agua em vafo cavo
Os curvos camaroens vivos íaltando?
Para quem as conchinhas ruyvas cavo.
Na praya os brancos búzios apanhando?
Para quem de margulho no mar bravo
Os ramos de coral vou arrancando,
Sanaõ para a fermofa Lemnoria,
Que c^faum fò rifo a vida me daria?
AGRÁRIO,
Quem vio defgrenhado,&: crefpoTnvercd
De altas nuves vefl:ido,horrido,& fso,
En negrccendo a virta o Ceo fuprcno
Quando os troncos arranca o rio cheoi»
Rayos,chuvas,rrovoensjhumrriítelnvernot
Que ao mundo moftra hum pallido receoj
Talo Amor hecioía,a quem fufpira
Que outrem de feus trabalhos íe a provcyta
A L I C U T O.
^ Se alguém vé,fí**alguem ouve,o (ibilantc
Furor,laniçando flamas, 6c bramidos^
Quandoaspafmofas ferras traz diante
Hórrido aos olhos jhor ri do aos ouvidos,
A braços derribando o já nutante
Mundo
«- — — 7 Rimas do grande
Mundo^co'os Elementos deítruidos:
A\Xi me reprefenta a Faotalla
A dcíeiparaçam de ver hum dia
AGRÁRIO.
Minha alva Dinamente>a Primavera,
Que os deley tofos campos pinta^& vcfte,
fe rindofe huma cor aos olhos gera,
Que em terra lhes faz ver o ArcoCckftc
As avc:s,asboninas»a verde hera,
Etoda afcrmoíuraamefta agrefte,
Naõ he para os meus olhos tam fermoía
Como a cua^que abate oliiio^^ roía
A L I C U T O-
As conchinhas da prayajque prefcntaÕ
A cor dis nuvensiquando nace o dia;
O canto dasSirenas,que adormentaó:
A ti/ua,que no Murice íecria:
O nivegar por ondas, que fe aflentaõ
Co'o b andu bafo,com que o Sol íe enfria
Islaõ podé,Nmf4 mínha,allii aprazerme,
Como o vertc,íe em canto chego a vrcme.
AGRÁRIO.
A Deola,que na Libica lagoa
Em fóraoa virginal aparcceo.
Cujo nome tomou, que tanto íoa
Os olhos belloj tem da cor do Ceo:
Garços os tem: mas huma, que a coroa
Das fermoías do campo aiereceo.
Da cor do campo os nooftras graciofos;
Quem dizjque naõ faõ eíles os fermofos?
A L I C U T O.
Perdocmmeas Deydadcsjmas tu Diva,
Qtie no liqui Jo mamorc es gerada,
A luz dos olhos teus cclcflc,& viva.
Tens por vício amorofo atraveflada
Nós pctoí) lhes chamamos;mas quem priva
De luz o dia baxaj& íoíTegada,
Traz à do> ícus nos meus^que eu o naõ nego
Ecom toda efta luz fcmprccftou ceho,
AHi cantavam an>bos cultores
Do monte. Si prayajquanHo os ralharam
A huraPaftof cs.a r utro Pefcadores.
E quaefquerafeu Vate coroaram
De capellas ídoneas,& fermoías,
Que as Ninfas lhes teceram, & ordenaram
A Agrário de murtinhos>& de roíasi
11. Part.
Luís de Camdes, \^i
A Alicutode hum fio de torcidos
Bu2i( s,& conchas ruyvas,6c iuílrofas.
F ílaviím na agua os pcy xes embebidos
Com as cabeças íóra,& quali t m terra
Os muficoe delfins eftam perdidos.
Julgavam os Paílores,que na íerra
Ocume,& preço eftà do antigo cantoj
Que quem o nega-contra as M ufas erra.
Dizem os Peícadore*,que outro tanto
Tem da fònora frauta, quanto teve
O monte paíloril da antigua Manto.
Mas já o Paílor de Adméto o carro leve
Molhava na agua amara,& compelia
A recolher a roxa tarde,& breve.
£ foy fim da contenda o íim do dia.
E G L O G A VIL
INTERLOCUTORES
SÁTIRO I. SÁTIRO II.
Nefta Écloga chamada Faunos offereceo SP,'
a T>ona jín tonta de Noronha , em que
conta os amores deites com as iV/w*-
f as fugitivas^
AS doces cantilenas,que c?n^avam
Os (emicapros Deoícs amadores
DasNsf éas,queos montes habita vam>
Cantando efcrevereyrque fe os ao. ores
A íifveítres Deydades maltrataram
Jà (icomdeiculpadosoa Paílor es.
VóSjScnhor Dom Antonio^cm quê achara6
O claro Apolo,ôc martr,hum íerptcfeyto
£ íuas altas montes aílinaram^
Seomeu engenho herudo^ou ímpcrfcytq
Bem íabe onde ic falva^poys pertcndc
Levantar com scaufa o baxo tíft yto.
Em vòs minha fraqneza íe de fendej
Em vòs infWla a Fonte de Pegafol
O que meu canto poromundo tílende^
Vedes, qu^í as altss Mufas do Patnafo
Cantando vos cílam na doce lira^ .'
Tomandome das mãos taò alto calo»
Vedes o louro Apollo,quc me rira
De louvar voíTa eítr ipr,& tícurecc,
O que a voíTo louvor m* u canto aípira.
Ou por me a ver envf ja me falece,
Ou por naõ ver lo^r na frauta ruda,
O que a íçnòra citara merece.
itfi Rimas do Grande
Poysfty dfzer,Senhor,que aimgua aiuda
Em quanto Progne triíle o í< ntimcnto
Da corrompida iraiaácg'o pranto ajuda
EemquantoGalatéa ao manfo vento
Solta os cabellos louros da cabeça,
E Ticíro nas íombras íaz afientoj
E emquanto íior aos campos naõ faleça,
("Se naó recebeys ifto por a fronta^
FaráiqueoDourOjSí o Ganges vos conheça.
Ejàquea língua nifto fica pronta.
Conl"enti,queanninha tigloga íe conte,
£nn quaoto Apolloasvoiias cauías conca.
No cume do Paraaío.duro naonce
De íilveftre arvoredo rodeado,
Ndce huma cíiftalinajSi clara fonte
Donde hum manioRibeyrodirivado
pof Orna de aívas pedras maníafneDte
Vay correndo íuavei&íofTcgado.
O murmurar das ondas exceilente.
Os paííafos incita,que cantando
Fazem o verde monte mais contente.
Taro claras vam as aguas caminhando.
Que no fundo as pedrinhas delicadas
Sc podcm,huma,& huma citar contando.
Naó k vcram em derredor pifadas
De fcra,ou de paftor,que alU chcgaíTe,
Porque do efpeflo monte íap vedad-s
H^rva Te naó verá,que alli crinfle
O monte ameno,triftc,ou venenofa,
SenaÕ que lá no centro as igualaíle,
Oroxo lírio a parda branca roía,
A cecém pura aâor,que das amantes
A cor tem magoada, 6l íaudoía.
Alli íe vera os mirtos circunftanteSj
43ueacriftâli(iâ Vénus encubriami
Eícofldeiidoa dos t^aunos petulantes.
Hortalaã,mangerona,aíli reípiram.
Onde nem frio lnverno,ou quente Eftio
As murcharam já mais^ou íecas viram.
Defta arte vay íeguindo o curío o rio
Onftonteinhabicad0j& odeícrto,
Sem pre Com verdes arvores íombrio.
Aqui huma linda Ninta, por acerto
PciHiidadsfVagucyra compnnhia,
A quem cíle lugar era encuberto:
Caníada já da caça vindo h»im dia
Quizdcfcançaràfombra daerpeOura
E tirar nas mãos alvas da agua fria.
A novidade vendo manifefta
Do fuiOjSt como as arvores com o vento
As calmas defendiam da alta feftaj
Das ayes o lafci^o movimento
Luii àeCátntes,
Que em leus módulos verfos ocupadas
As afãs dam ao doce penfa mento
Tendo notado iudo,jápaííadas
As horas dagraã feíta^fe torvou
A buícar as irmaás no centro amadas
Defpoys que largamente lhes contou
Do naõ vitlo lugar,quc perto eítava,
E tanto poreftrcmoanamoroui
Que ao outro dia í-oflem,lhes rogava
Alavarfe em aquellB fonte amena
Que tam fermofas aguss deftilava
)a tinha dado hum giro a \\m lerena
Do graro Paftor de Adméro^& )à nacia
Aos ditos amantes nova pena:
Quando as fermofas Nmfas em proíía
Para o lugar do monte caminhavam
Rompendo a m anhaã roxa,alegic,& fria
Dehuma os louros cabellosíeerpaihavaô
Poro fermefo collo íem concerto,
Ecom mil nòsíuaves fe enlaçavam.
Outra levando o collo deícuberto.
Por mais defpejo em tranças os atàrag
A vendo porpeíado o deíconccrto.
Dinamente,Efireiaquem topara
Nu^s Febo em hum rio,8i encubriram
Seus delicados corpos na agua clara.
Sirene, Sc Niíe^quedasmáos fugiram
Do Tégeo Panj Aman ;a,& mais Elifa
Deftras nos arcos mais qquanrai tiram,
AlindaDâlian>,com Bclifa
A mbas vindas do TejOique como ellas
Nenhuma tam fcrmoía as ervas pifa
Todas eftas Angehcas Donzellas
Por o Vicoío monte alegres hiam,
Quaesno Ceo largo as nítidas Eftrella';.
Mas dous filveílres Deoíes,que traziaõ
O penfamenro cm duas ocupado,
A quem de longe mais que afi queriam:
Nam lhes ficava monte, Vâlk,ou prado,
Nem arvore,por onde quer ^ andavam
Que naó íoubeííe dclles leu cuydado.
Quantesvezesos rios,que paliavam,
Deciveraõ íeu curfojouvíndoos dannos,
Que aos propíos duros montes magoavanti!
Quantas vezcs Amor de tantos annos
Abrandara qualquer vontade iícnta,
Se em Ninfas coraçoens ouveíTe humanos»
Mas quem defeu cuydado (e contenta,
Offercça de longe a paciência
Que Amor de alegres magoas fj fuftenta,'
Que o moço Idalio quíz nefta ciência.
Que fc compadeíTecem dou \ contrários.
Digao
Rimas do Grande
Digaoquem tiver delleexpencnoa.
indo os Deofes^enfím,por montes vários
Exercirandoos olhos laudoíos^
Aocriftelinorio riiburanos:
Topáraó dos pés alvo«»,& mimoros,
As piíadas na cerra conhecidas,
As quaes foraó feguindo preíurofos.
Mas encontrando as Nínfas^que defpidas
Na clara fonte ertavaô^naó cuydandoí
Que de alguém foííem viltas^ou fentiaasj
Deyxaraóíe eftar quedos,comtemplando
Asfeyçoens nunca viftas,demancyra,
Que viíTem fem íer viftosjeípreytando.
Porém a afpeíTura maca ruaníageyra
Dacilada dos douSjCom o rugido
Uos raminhos de huma afperra a valeyraj
Manifeítandoclaroo cícoodidoi
Todas huma tal gf^ita levantarão.
Que o monte parecéoíerdcftruídj.
Alli defpidas logo ie lançarão
Porá eipeílura tam ligcyamente
Que roais que o próprio vento entam voarão
Qual o bando das pombas quando lente
Arapida Aguia,cuja vifta pura
Kaõ obedeceo ao Sol rcfolandecente^
Em preftalhe o temor da morte dura
Nas a/as novo alento.naõ parandoí
Veloz rompendo o ar fugir procuraj
Delia ar te as Deoíastinudas,dcyxando
De feu dcfpojo os ramos carregados,
Nuas por antre as filvas vam voando.
Mas os amantes já deíefpcrados.
Que para as alcançar,enfiinjíe viam
Nadados pes caprinos ajudadosj
Crm pmoroíoi brados as feguiam
Hu T) íò[qur o outro ainda naõ toroava
Folegu algum da prcffa^que traziaõj
DciU íorte ientido le queyxava.
SÁTIRO PRIMEY RO.
AiNinfas fugitiva',
Que fó pcrnao ular humanidade,
Os perigos dos matos naõ temcysí
P^raquc fcys efquivas?
Oueinda de nó^ naó peço piedade,
M^sdtflas alvas carnes,queoffendeys,
AlNinfas-.naõ vereys.
Que Euridice fugindo deíTa forre
Fugio do flmantp,& naõ da frrg morte?
T^n bem afll Epiríe foy mgrdida
Dabivora cfcondida.
tlI.Part.
Luis deCámhs! 163
Olhay a íerpe oculta na herva verde.
Qu( m o rigor naõ perdcperdea vida,
Qne tigrtjOu que icam^
Que peçonhi nta fera venf nofa
Ou qucenemigo,em fim, vos vay feguindo?
De hum brando coraçam,
Que preío dcfla vifta ngurofa
De fi para vòi foge andays fugindo.?
Olhay,queem gelto lindo
Naó íe confente peyto taõ disforme.
Se naõ quereys^que tudo íe conforme.
Poíto que bellas na agua vos vejays»
A a fonte naõ creays,
Qtie vos traz enganadas por vingança
Defta nofla efperança,quc engana ys.
Mas ahique naõ confítito,
Que nem pelavra minha vosoíTende.
Poíloquemedefculpeamagoa pura.
Digo,NiufaSjque minto:
Poys malí:òdeavernunca,quêpertenda
Negarvos elTa rara fermoíura.
Se amor de tanta dura
Por tanto mal tam pouco bem merece,
Nam eftranheys,minha alma íe endoudece:
Que fe doudices falia de improviío,
Semtento»& fem avifo,
Queyra Deoe»que dureza tam crecida
Me naõ prive da vida alem do fiío.
Coufas graDdleS)& eílranhas
Por o mundo tem feytOjS: faz Natura,
Que a que vos naó vio,Ninfas,muyfo erpãtaõ
Nas Libicas montanhas
As Scitales iam feras de pintura
Tam fingular^q fó co*a vifta encantam.
As Hienas levantam
A voz tam natural à voz humana,
Que aquém as ouve,facilmente engana,'
E vós(ógentisferas!}cujoaípeyto
O mundo tem fogeyto.
Tendes de natureza juntamente
A vifta,& voz de gentc,& fero o peyto
Dasamorolasleys,
Com que liga Natura 05 caraçocns,
Andays fugindo(ò Ninfas!)na eípeflura?
Como?E nam vcscorreys
De avcr em vòs tam duras condiçoens
Que poíTam n^ais que a provida Natura?
Se voíTa fermnfnra
He fobrenatural,nam he forçado
Queaíli tenha rambcmo peyto irado:
Antes ao puro A mordem cuja maõ ^
Os coraçoens eftaõ, ^
^ Xi Por
í($4i Rimas do g^an^e
Por voíTagentileia taõ fermoía,
Lhes de veys amorofa condição,
Amor he hum brando affcdto.
Que Oeos no mundo po2*íi a Natureza
Fará aumertràr as caúía'>j4Lie criou.
De Amor eftá íujeyto,
Tudo quanto poíTue a redondeza:
N ada ítm «fte affvjito fe gerou.
Por elleconíervou
Acauía pnncipil omundoamaio,
Dond;ít) Pay famulentofoy deyrado,
Ascauraselleasacâ>& as conforma
Com omundo,5c reforma
A mafetia Qiiem h?i,que naõ o veja?
Quanta meu mal ddcja ícmpre íof ma
Entre as plantas do prado
Naõ ha «tiachos^^ temeas conhecidas,
Qus junto huma da outna permeneceí
Islaò eftàm carregados
Os ulfíieyros das vides retorcidas,
Onde o cacho enforcado amadurece^
Naó vede<;,que padece
Tantatrifteza a rola por a morte
Da (ua amada,^ unica confortei
Poys lànoOlinapo,a quantos cativou
Cupido,& maltratou?
Melhor;,queeuo dirá a fútil Donzella,
Que)à naíoi tellao dibuxou.
Ahicafo grande,ík gravai
Ahipeycos de diamante fabricados
Edas leys,abrolutas, natura ysi
Aquelle Amor íuave;
Aquelle poder aico»que forçados
Os DeoícsofaedeccíTi^deíprezais
Poys quero,que f^ybays,
Qua contra o fero Amor nunca ouve cfcudo,
Coftuonehcííu tomar vingança cm tudo.
Eu vos verey lançarem hum momentu
Suípiros mil ao vento,
LagrimaSjtriíte píanío,Si nova dor.
Por qiflcmtcn ia ouiro amor no penfamanto.
Mais quifera dizer
Odeíiitofo Amante.queâjiida lo
Se«iaentaõ da ma >oa,& datriftezar
Mas foylho defender
Oou^r0com',>snheyro,com^ 'ra o,
Comtaõ disformei, Scaípera dureza.
Aquillo,quearudeza .-^'i
De huma cie icia a^rvfte'.lh^ ennnà''a,^' '7^
DiíTe,qual (c cm tal ponto defpertára.
De horrendo íonho cina pelado ^f4C0.
O mais que alli foy ditoi
Lutsâe Camões,
Vos Mootes^o direySi& vòSjPenedosj
Que em voílos arvoredos anaa eícrito.
SÁTIRO SEGUNDO.
Nem vòs Hâ cidâs foys de gente hu mana,
Nem foy humano o leyte.que mamaltes^
Mas de alguma disforme lera Hjrcanai
Lá no Caucafo horrendo vos crialtes:
De aqui trouxelles a afpereza infana?
De aqui os cálidos pey tos congelaftes,
Soys Efphinges nos geftos naturays,
Que de humanas os roftos íò molfrays.
Se vòs foftes criadas na efpeíTura,
Onde naó ouve coufa,qucfeachaííe,
Agua^pedraiarbor flor,ave»alma dura,
Queemícu paliado tempo naoamaííej
Nt^ma qucmaafteyçam ÍUève,Slpura,
iNeíTa perfente forma naõ mudaíTej
Potque naódeyxareystamb:rm memoria
De v6s em namorada, í^ longa hiftoria?
Olhay,como na Arcádia foterraado
O namorado Alphèo íua agua clara,
Lâ na ardente Sicilia vay buícando
Por de baxo do mar a Nính charí.
Aíli também vcreys paíTar nadando
Acis,que Galaréa tanto amara#
Por onde do Ciclope a grande magua
Con vertco do mancebo o íangue em agua, .
Viray osolhos,Ninfas,àEricina
EípeíTurajvereys alli mudaríe
Egería,&: em fonte clara, 6c criftalioa
Por a morte de Numa deílilarfe.
Olhay^que a triíle Biblii» vos cnfina.
Com pcrdcrfede todo,& trkosformaríc
Em iagrimas^que enfim, puderam tanto.
Que acrecentàram lempreo verde mato
E fe entre as claras aguas ouve amores.
Os pendos tambjm foraó perdidos.
O Ihay os dousconformc!» amadores
Li no Monte Ida era pedra convertidos,
Letéa,por cair em vãos errores
Deluafermolura proceáidiosj
Oh no, por que a culpi em fi tomava,
porefcufara pena a quem amava.
Tomay exéplo,Sí vcaIc em Cipro aquella
Por quem Iphis no laço poz a vida.
Também vfreys em pedra a Ninfa bella.
Cuia voz foy oor Jaaoconfumida;
E fequevxarfequer de fua eftreila
A vozf^Tctrema <ò lh« hc conccdidt
F tutambem[íóDJohai-i] quitfOLTxefle
Primeyro ao monte o doce veríoa^r-ftc*
Xâmaniio
Rimas do grande
Tamanho anfior lhe tinha a branda auiiga
Qu í em inimiga, eDfinfijfe foy tornanJo:
, Porque outra Ntntaeítranhaja o íogigaj
! Suas magicas hcrvasvay buícando.
Olhay a quanto a crua dor obrigai
Por vingaríc aíli irada^transformando
O foy cm pedra Oh dura confuíaói
Deípoys lhe peíariajmas em vaó
01hay(Ninfas)a$ arvores alçada8$
A cuja lombraandays colhendo flores,
Como emfcu tempo foram namoradas^
Do que inda agora o tronco íenteas dores.
Vereys entre as de fi uco matizadas:
Como a cor das amoras hc de amores:
O íangue dos amantes na verdura
Teítimunha de Tisbe a íepuUura,
E )a pK)r ao doníera S^béa^
Kam vedcs,qae de lagrimas de aquclla.
Que cem íeu Payíe junta, & fe rccrea^
Arábia íe enriquece,& vive delia?
Lembray vos da verde arvore Penea,
Que foy jà noutro tempo Ninfa bella;
. t Cipariío angélico mancebo;
Ambos verdes com lagrimas de Febo.
De Fngu vede o moço delicado.
No mais alto arvoredo convertido^
Que tantas vezes fere o vento iradoj
Galardam de ícus erros merecido:
Poys da alta B»ricintia fendo amado
Purhuma Nmtabaxa foy perdido:
Ea Dcoía,a quem perdeo do penfa mento,
Quiz,quc também perdeííe o entendimento.
0 fubiro furor lhe figurava,
Que as arvores, 6c os montes fecahiam:
Já dos pudicos membros fe privava,
Que os horrores a tantooconílragiam»
Jà no cndignado monte fe lançava;
De fua morte »s kras íedoiam.
Deílaciítcperdéo Atiysnacfpeíílira,
Deípoys de tantas peidas^a figura.
Lembrcvo^quando as gentes ctlebravaó
Em Grécia as grandes fdiasdeLiéo,
Onde as íern oías N inías íe juntavam,
E Cl (acros n^oradores do Licéo,
1 odostm doctr íono le ocupavam
Por o n-oritf .deípoys que anoy teceo:
Ma«i o r^cQs do Htltfpótf • n?m dormia;
Quf hum novo.amof o fono lhe impedia
Mas tU?»)ertfim os br^^ços tíltndendoj
Fm rpjm*^ s te Ihí- foram transformando}
FmrsÍ7efos pés fevam torcendo,
E o nome Loto io lhe vay fica^dd
Luís de Camões» i6<
Vede^NapéaSjClk caio hor en.-ío,
Qtie vos eílá de longe ameaçando.
Adi também deaquella,á quem feguia
O Sacro Pan,a forma fe perdia.
Que vi s direy de Feljs,poys perdida
Dáíaudofador,com quevívia9
A defeíperaçâm^enfim, trazida
Do comprido cíperar de dia em dia?
Por deíatardo corpo a trifte vida,
Atava ao collo a cinta^que trazia;
Mas o tronco íem folha^por o monte
Ródope,abraça o lento Demo fonte.
Nas boninas também vereys Jacinto,
Porque Febo de fi íe queyxa em vaõ;
Vercyso Monte Idalio cm fangue tinco
Donçtode ícuPay,da Mãy Irmaó.
Chora Vénus a dor do moço extintoj
Maldiz o Ceo,& aterra.coo) razaò;
A terra, porque logo nam íe abriOi
O Ceo,porque tal morte permitio.
Etu,conftante Clicie,aqucm fallece
A fé de teus amores enganofos,
Nolouroamante,quede ti feeíquecc
Secíquecem os teus olhos íauQoíos.
Nenhum alegre eílado permanece^
Quefamdomundoosgcftos mcntiroíbS}
E à tua clara luz^porquem íulpiras.
Ainda agora em herva a folha viras.
Tragovos ettas coufas á lembrança,
Pofque fecftranhe mais vcíía crueza,
Com ver,que a criaçam,& longa uíânça
Vos naó perverte»& muda a natureza.
Dou as lagrimas minhas em fiança.
Que cm tudo quanto eítà na redondeza,
CoufadeAmor líenia^fe f>tentays,
Em quanto vos nam virdes, nam vejais.
Jà diíre,que de Amor lempre tiverani
As coufas iníenfiveyspena,& gloria;
Vede 'àb íerifiveys como íe pcrderiím
E dirvoshey das aves larga hiftc ria.
As pcnas,que em fua alma íefoíicram^
Nas azas lhes ficaram por mcmoiia;
Eaquclle aliivoj& Icye movimento.
Lhes ficou do vtar dopenianienio.
U doceioxincl,ík aandoiirha,
Donde Ihts vcyc o iríe transfere ando,
be nâodf' purocn o',q oTrano tinha.
Que cm Poupa ainda a snuda vay chamado?
Clarraíecr culp? a miíera a vt^^nha,
Que na.area de phgfis iiabitando.
Do rio tc)|T>a o ncniC5& quando clamaj
Cruel àMiiVjap Fay iniuíivchaira.
1^6
Vede a que engeytnu Palias por taiiac,
Quedos amores he mayor defyto;
Eaquella,que íuccede em leu lugar.
Ambas aves de Amor ufido eifeyto,
Humaiporquefugiao Deos domars
Outrâjporque tenràra o pacho leyto:
E Scylla^que o f u Pay poz em pengo.
Só por fer muyto amiga do inimigo.
E PicOja quem ficaram inda ás cores
Da purpura l<.eal,que antes veftia.
Eíáco,quc o feguir de íeus amores
O trouxe a ver taõcedoo eílremodia.
Ou vede os dous tarti firmes amadores.
Que Amor aves tornou na praya fria:
Do Rey dos ventos era genro o trifte:
Mas contra o Fad'),eii fim, d -da r fifte,
Eftava a tnítc Alcione eíperando
CoQi longos õlho> o mando aufcntCi
Mas os ventos indomiros foprandOj
Nas aguas o afugatam tnftemente
Em íonhos íe Ihceftà repreíentando;
Queocoraçam prefago nunca mente:
Sòdobemasíafpeytasmentsràm,
Mas as do mal tuiuró certas fam.
Ao prantoos olhos léus a trílleenfayai
BufCindoo^narcomelles hia>& vinha,
QLiando o corpo Icm alma achou na praya.
Rimas do grande Luis ds Camões,
Mas comoo trifte Princepeem fi achara
A defuíada fòrma,le partio
Os feuSjdefconhecendoojO vam chamando,
E rondoo alli prefente.o vam buícando.
Co^osolhos,& co*ogefto lhes faliavai
Que a voz humana jà perdida tmha.
Qualquer delLs porelíe cncam chamava,
E amultidaõ dos cacos contra elie vinha.
Hum cervo açude a ver (qualquer gricava^
Aâ:eon,dondeeítàsfAcude afinha.
Que tardar tanto he cfte?f repetia^
He eílejhc eíkjo Ecco refpódia.
Quantas couías em vaó cftou fallando
COh Napeas crquivabljíem que veja
O peyro de diamante hum pouco brando^
De quem meu danno tanto ló defeja,
Poys poro^aisquedemi meandeys tirando ^
E pormais longa,enfim,que a vida íeja^
Nunca em mi Ic verá tamanha dor,
Que Amor a nam converta em mais amor.
AquiCfermofas Ninfas^vos pintey
Todo de amores hum jardim fuave,
Deaguasjde pedras,de arvores contey
De flores,de almas feras, de hu ma, outra ave.
Seefteamor,que no pcytoapofenteyj
Que dos contentamentos tem achave,
Por dita em tempo algum determinafle.
Sem alma o corpo achou que na alma tinha Que de tam longos dannos vos peíaíTe;
OlNereydas do tgéo.coniolaya,
Poys efte pio officio vos convinha,
Confolayajfahi da< vofias aguas,
Seconfolaçam ha em gt andes magoas.
MaSjòaeciodc miiQuc eítou fallando
Das avizinhas manlas,6i amoroías,
Poys também teve Amor natural mando
Entre as feras monccíes veneno! as.
Oleam & a Le03jComo,ou quando
Taes fóf^mas alcançaríim temtrulàs?
Sàbeo da Deola Dindimcneo Tamploj
Ea quea Adoiuso dava por cxetuplo.
Quem foíí* a mania vacá dibhia^
Mas ogram Nilo o diga, poys a adora
Que forma teve a U í j/abiríehia
Do Polo Bcreal, onde cila mora.
Ocafode A£téon também diria
Em cervo transforr^ado ; & me'hor fora
Se dos olhos perdera a vifta pura
Queemíeu gijgos achar afeplutufa.
Tudo ifto A deon vio na fonte clara
Onde a fi de improvifo em cervo vio:
Qiie quem a ni defta arte alli o topara,
C^ae íe mudaíTe em ccryo permitio.
Quanto mais de vagar vos contaria
De minha larga hiítoria,& nam alh:ai
E com quanta mais agua regaria,
Queorio,deconrente,a branca área
Novo contentamento me feria,
Formar de meu cuydadoanovaidéa
E vós goílando dcfte eftado ufano,
Zombarieys entam de voíTo engano.
Mas com quem fallo jà Que eítou gritado
pois nam ha nos penedos fentimento*
Ao vento eítou palavras elpalhandcj
A quem as digo,corre mais que o vento,
A voz,& avida^a dor me eftá tirando
E o tempo nam me tira o peníamento,
Direy,em fim^ás duras efquivanças,
Que iò na morte tenho as eíperanças.
Aqui fentido o Satir(),acabou
Com huns íoluços,que a alma lhe arrancava
Osmonres inr^nfiveys,queaballoUi
NasultimasrefpoíUso ajudavam
Entam Febo nas at^uas fe encerrou
Co^O';animaes»qomundo alumiavami
E co^o luzente cçado appareceo
A cândida Paílora por o Ceo. •^■
EGLOGa
U
E G LO G A
PISCATOR.IA.
SERENO SO
Rimas do grande Luts de Camões, i5y
O meu peyto arde cm vam,em vam íufpira.
T7TJT • Anda no romper da alva a névoa ccg4
^ •*'*■*' Sobreos montes d'ArrabiJa Víçofos
Em quanto o Solar rayo lhes naó chega
Eu vendo apaiaccr outros tcrmofí^s
Rayos,qa grat^ajfií cor ao Ceo roubarão
L O. be os olhos cegos vijvqofaudofos.
Quantas ve^es as ondas fe en crcfpáram
Com meus íuípirosiQuantas com meu prato
As fiiz parar de migoa,& meercutàram!
Se naforçâ dador a voz levanto
E ao f om do remOjq agua vay ferindo
PoranteaLua meu cu y lado cartO}
Os ma vioÍQs delfins mceftam ouviadoi
A noyte foílcgada jo mar callado;
l^u lo foges de ouvirmej& te vás rindo.
Eltranhas.por ventura^o mar cercado
Da fraca redeja barca ao vento foltai
E hum pobre Pcfcador aqui lançado.
Antes que o Sol no Ceo cerre huma voltíf
Se pôde melhorar minha ventura^
Nefta EgtogadefcreveG ardente affeão com
que aaora , (^ àezeja ver a Ninja Ga*
iathea^
ARdc por Galatéa branc^,& loura,
Sereoo PcícaJof pobre, forçado
Lie huma eftrella^que quer a mingoa moura.
Os outros l^elcâdores cem lançado
No Tejo asreiesielle ío fazia
tile queyxumcao vento dercuyd^do.
Quando virà(fermoraNinfa>um dia,
EmquetepoHadaracontaeltreyta
Defta doudice triite^& vaá porfia*
N ró ves,q tne foge a alma,& q me enjcyta Como a outros fuccede na agoa envolta.
Bufcando eai humíò riíodeelia boca. Igual preço nam he da fermofura
N 'S teus olhos azues mania colheyta? De ouro o area,que o rico Tejo erpraya.
Se ao teu eíprito alguma magoa toca, Mas hum Amor,que para ícmpre dura.
Scdeamorfi:^ nelle humapégada> Vejam teus o.hos(bdUNinfa^aprayaí
Que te vay^Galaréa^neftd tioca? Verás teu Nome na mimoía área.
Dartehey minha alma*lá me tens roubada N uoca lobre elle o mor com furia fayal
Nam ta demindarey.dâme pot ella
Hu r a íò voltadeoihos dclcuydada
Se muyto te parece,& minha eltrcila
Nam conícntir ventura tam ditoía,
Doute as alas do A-nor perdidas nclla.
Qie irais te poíío dar^ Ninfa ftrmofa,
Jnda que o mar de sljofar me cubrira,
Toda efta praya leda,& gracioía
Amaníamíe ondas,quebra o vento aitaj
Minha tormenta fo n^nca ío ílcga:
Vento algum até agora o nam laltea:
Três dias ha.que ekrito aqui o deyxou
Amor. & o veda a toda torça alhca.
EUccom luasmaós propio ajudou
Acícolher eftas cone has^aííir mando.
Que o Sol para ti iò as matizou
Hum ramo te colhi de coral brando,
Antes que o ar lhe dén"e,parecia
O que de tua boca eftou cuydando.
Ditoio fe o íoubeíle mda algum dial
RIMAS
í68
RIMAS
D O G R A N D E
luís de gamões
m
TERCEYRA PARTE-
^, Tercetos a Bl'Rcy Dom Sehaítiam.
REYbemaventurado,emqucin parece
Aquelía alta efperaoça jà comprida»
De quanto o Ceo^Sc a terra te oífercce.
De Deos fermoía pIanta,conccdMÍa
A lagrimas de Amor,& lealdade,
Bem ooflb íò.dc noíTa vida^vida.
Em quanto efta innocente,í^ brada idade
Por Deos crefccado vay felicemcnte,
Té o mundo encher de nova claridade,
Em quanto eíle teu Povo,&í do Oriente
NovoaLiefcentamento por ti efperaõ.
De outrosKeys, doutras terrasdoutra gente.
Taes promeíTásos Ccos de ti nosderaó
No teu taó rnilagrofo nafcimento,
E eíprito igual em ti a cilas puzeraô.
Eu levado de araofjdeíanro intento
f Qu?ni ante efia brandura temeria^
Detcrte com meu ver fo hum pouco efpcro
Dc[pois virá hum taó dlcolo dia,
QueastLias Keaes Qumrasdefprfgadas
Na multidão de to ia a Berbéria,)
F As vitoriof^s frotas carrega ias
Das cativas Coroas, &bandeyra';,
De outro cíphtn mayor fejaõ cantadas.
Agora ouve,Sínhor^as verdadeyras
MufaSjquelevaõ os Reys a cíta alta gloria,
Tendo por armas íò velas ligeyras.
Quantas armadas conta a ant igua hiftoria^
Quentos grandes exércitos perdido»,
;JDeyxáj:aó aos mais pequenos a viíloria.'
Eíles ta Oto no muudo conhccidof,'
Cujos nomes vencerão tantos annos,
N â.0 foraó fó por força obedecidos,
Nãofc fubjigaõcoraçoens humanos
De boa vontade^a força hum pcyto aberto
Os vence de bom amor^fem arte»& cngano5
NeíVa fombra, onde tudo anda encuberió»
Quem da verdade vè mais que a figura
Quem feu panodircytoleva,& certoi
Huns falfos longes de huma vãa pintura
Com íua cor,ao parecer luílrofa,
Qiiantos detém com falia fermofura!
Naõ tem cores^nem dobras a fermofa
Verdade,que buícaes,ó gente cega,
Humilde^ôc nua cílâ,oaô taó cuílofa:
Não hc hun» íò Cnpido,quç almas cega,c
Mais ha no mundo que huns íós vãos amor.
Qiiehetudooque à vontade mal íe entrega
Aquelles^que do Amor foraõ pintores.
Que os olhos lhe tiràrãOj& o deícubrirão.
Fintarão para l<eys,& Emperadores.
Altos engenhos, que em figura viraõ
A«: forças defte próprio amor imigo,
Que moco A cego,& nu, Peruei fingirão,
Ca;fa huna traz em fí mefmo feu perigo»
Herdado defta natural fraqueza,
Qje tanto fazem homem de fi amigo.
I^uaes fomos, Senhor,na natureza*
Aíli entramos na vid3,aíTi fahimos,
O entendimenco he noíTa fortaleza.
Igualmcntg
Rimas do grande
Igualmente de hum fó principio vimos,
Iguaimentea hum fim todos corremos,
E huma eítrada com.num igual fcguimos,
N íi ter í a a mortCja vida nos Ceos temos,
Quanto eíla terra mais que os Ceos olhaajos>
Tanto caminho do bom fim perdemos.
Cegos de nós,que nos taõ mal trocamos^
Qyea parte vil>&i bayxa fenhorea^
E o mais alto ao mais bayxo cativamos^
Força crueijquc dentro em nòs guerrca,
Vemos a cega vontade,a razão clara,
E leva afli de nòs viftoria fea.
Aquelle lume,que a alma illuflraj& aclara
Apagado por nós,nclle he perdido.
Como mortos nos deyxa,& defampara,.
Deu o remédio Deos,eis hum erguido
Por elle em poder alto,do que o povo
He jà por bem levado,ou conftrangido.
Náo he nome de Rey titulo novo,
Co clle começou o mundo,& dura.
Por fabulas antigas naõ me movo.
Depois que da quella alta termofura
Veyo o primeyro homem,& atriftc forte
O envolveo nerta fombra groíra,& eícura.
Fugio a luz^entrou armada^a mortei
Cumprio nova vigia, & guarda,& ley^
Qucocegomoftrealu2,&obrigue o forte.
Elegco Oeos Paftora íuaGrey,
Vio também a razaò oeceílldade.
Eis aqui eley to hum Rey,eis outro Rey.
ConformCjôcjuntoo povo numa vontade
Num íò por bem commum todos poderes,
Prometendo obediencia,& fieldade^
Obrigarão fuás vidas,ícus avcres,
Prometeo o bom Rey juftiça,& paz,
E rcmediOjfkfoccoíroa feus mifteres.
Dalli fogeyto ao Rey o povo jaz,
Da 111 fogeyto o í<ey à boa razaó.
Da mcfrna luz, que era fi eíla força traz.
A quem rodos íeus bens,& vidas daõ
Por oslivraç da injuriajôc violência
Se Ihaselle fizer,aquem fe iraô?
Será juiz ííjuftaconfciencia
E aqucíleíantOjSí natural preceyte
Deve á ley o que a fez obediência.
Quem o caminho ha àc jr.oftrar direyto,
Se troce dei If^i^"^' fegue a falfa eílrada,
Como terá feu povo á ley íògeyto?
Poz Dcos na mão do Rey a vara alçada
Para guia do povo crrado,& cego,
Mas naõ foy fó ao feu defcjo dada.
Como defiro Piloto no alto pego
ULPart,
Luis\d€ Camões, 169
Co leme guia a nao,hora a huma parte,
Hora a outra a dcfvia do vao cego, -^
Naõ valem alli forças,vál fò arte.
Arte vence do mar a ira efpantofa.
Arte fem ferro vence o fero Marte
Hydra de mil cabeças enganoíai
Pego de tantos ventos revolvido.
Não fe vence,lenhor,com mão forçofa^
Em duas iguaes partes repartido
Te deu Deosteu poder em premio,empeiia
Defifeacadâhum o que lhe for devido,
Aquelle que à íua vontade ordena
Todas as coufas,olha com que amor
Paga o bem logo,&: de vagar condena.
Naõ íe acha alli reípeyto,nem favor^ , .
Tanto vai cada hum,quanto merece,
Iguaes ante elle fj o fervo,& fcnhor \
Olhatebcm ,gram Rcy,& a ti conhece,"
Nacidofò para reger a cantos,
E deíía grande Alteza o teu fira decc.
Vertehas igual na humanidade a quantos
Mandas,veràs o fim taõ duyidofo.
Como quem tãbem morre,& nace em pratos
Que prefta íer na terra poderoQ>,
Se o alto fim do Ceo le põem em íorte.
Que até ao Filho de Dcos foy taô cuftofoJ
Corte o bom Rey primeyro porfi,corte,
M^is vence o exemplo bó,q o fcrro,&ofogo
Não pode errar quem contra fi he forte
Nem a própria affeyção,nem brandorogo
Tire a força à razão^ou à igualdade.
Nem fe lhe faça fempre falfo jogo.
Somente em Deos razão hc a vontade^
Abfoluto poder não o ha na terra
Antes fora injuíliçajôc crueldade.
Que vontade mortalifenhor naô erra,
Seajuftaley^ & razãoa náocnfrea,
De que naíce a injuftiça,& cru 1 guerra
Cada hum pinta èm It^u peyto aquella idea
A qual ou mal,ou bem^fe íe aflfeyçoa^
AíTi lhe lie íermofa,ou lhe fae fea.
A boa guia he a inclinação boa^
A qual nafce do claro entendimento,
E com fâcil difcurío ao melhor voa.
Tanto vai, tanto pode o fanto intento.
Que íò por fi a honra, & louvor crcce
E a obfH que vai dez, faz valer cento.
E quando humanamante erro acontece^
f Quem pôde acertar fempre)a culpa he leve
Etodoobemjuizo a compadece.
Qiieinjuítiça íèrá,que não releve
Não fahir á vontade a obra iguaJ^
Y Foii
lyo Rimis âo grande
i^ois pelo intento fó julgar fe deye.
No livre peyto,& coração real
Eftà o bem conimum fempre fundado
Não pôde de cal fonte manar mal.
Ama o povoo bõ Rey,& hcdelle amado^
Ledo^& tacilemcrer,& julgar bem,
Imigodj todo o animo dobrado.
Sempre a mão larga/empre aberto tem
O generoío peyco ao premio juíto,
E triíle,Sl vagarofo à pena vem,
Êíte he chamado Bõ,& Grande^ Augufto
Da Pacna Pay,Prazer,6c Amor do mundo
Morral imigodotyrano injullo,
Eíle lago de hum alto,& de hum fecundo
Engenho até as Eítrellas bem cantado.
Voando vay na terra fcm íegundo
Tal nos cr«ce,gram Rcy,por Deos já dado
Inda mayor que as noíTas eiperanças,
Mayor que íua Eltrelk,& alto Fado,
Cedo ceuefprito vencerá as tardanças
Pq tcmpo,Sí idade,&cedo renovando
irás dos íantos Reys altas lembranças.
Começ^te jà agora ir coftumando
A pòr em nos ttqs olhos Rcacs fereoos,
O manriflimo Avò teu imitando ("nos»
Inceyro^^ humano aos grádes,& aos peque*
'Petiçâmfeyta ao Regedor de bwna mbre mu
(aypn/à no Itmoeyro 4a Cidade de Lisboa,,
por fe dizer jqtie fizera adultério ajeu
m ir ido que era na Indiai f^yta
^^or Luís de Lamões,
S Frito valcrofOjCujo eílado
O alto peos prç)rpcre,& acrefcentCriJaiv.
KegeçHÍ9 o fiel Reyno defcaníado.
Com vida fel iciílínia,& contente; -
A vos, em quçrn o humil ncccfiiiado lí, ;jG
^cha fempre favor^.Si amor ai dente,
Ptço qucyrâiSQuv»r,que na verdade^
Z:lo,& amor de Dcos me pcríuade.
Naõ vos ícja peíado o atreverme
A quere/ emprender íujeyto alheyo
Porque fízeraõ lagrimas nioverme
Vir ante vós0uíado,& fcm receo*
E le por tal quiíerdes conhecerme,
Servindovos de mim, por algum meyo,
O nome,o braço,aMufa,& quanto poíTo,
Ha jà muy to^ícnhor^que tudo he voíTo.
Quem vos iftooíferece dirà quanto
Deicjo muyto ha jà ferves aceyto.
Porque corp yoíTo zeloso favor lanto,
Luís de Camões^
Faça meu rude verfo algum provcytoí
Qiiecobrindome vós com voíTo msnto,
A cu fer nobre tendo algum refpeyto,
Sey que poíTo ganhar,o que não tenno,
Pois me naó faltaó forças,nem engenho.
Porem iíto^lenhor,deyxandoa partCi
Que razaõ he de vida,a que me guia,
A vòs venho com força,engenho, & arte, ,
Por i nfluxo do Cco que a vòs me envia:
A vòs aquém tem dado Apolo,& Marte,
Defensthefouros parte,& melhoria,
Venho cantar com voz rouca,& chorofa,
Por huma encarcerada dcíditofa,
A vós venho, fenhor, na confiança
Do voíTonome pondo meu fentido
Que qut m em vòs confia,tudo alcança,'
Sendo coufajde que Deos he fervidoj
E pois el Ic vos deo juíta balançi,
Para pezar juíliça,& dar ouvido,
Ouvi a petição da miíeravel.
Com quem Fortuna foy taõ pouco aflavel.
Ouvi da pobre Dona Catherina
O grande defemparo inopinado,
A quem nenhum remédio determina.
Ou permite feu duro,& cruel fadoi
Qneíe na tenra idade foy mofina
Sua vida entregando ao vaõcuydado.
Aja noíTo càíligo com btandura,
Porque o medo a fará viver ícgura.
Aja,renhor cuydar,que he moça pobre
Que pobreza não cem nenhum rcípeyto,
E mais não tendo idade^que Ihs fobrc.
Para faber fugir do que he mal fcyto:
Aja também cuydar,que he fangue nobre,
E ao jugo da Igreja inda fugey to.
E que podem nafcer de tal proceíTo
Hum grandej6< crueliílimo íuceflTo»
Ccrto,quccom razão urgente, gi clara
Tem alguma razão a infclice,
QLie fe ninguém recoihe^nem ampara
Atriltcoiíaã na flor da meninice,
A Fortnnacruel^em tudo avara,
Para lhe acarretar tníle velhice
Lhe entrega a honf a,& purc caftidadc
Nas mãos de buma vital neceílidade.
Bem lcy,quede trr culpa naó carece,
Só por não fer do fangue feu lembrada,
Masdefelheocaftigo,que merece,
E não para taõ longe deílerrada:
Qiie fe para là for,bem fe conhece,
Quaó vilmente fera vituperada,
Dando rootivo ao lude marinhcyro,
Que
Que fe ja incotiiiente carníceyro^
Vede,íenhor,o rifco,aqut Ic obriga
A d. iditoía,& frágil mocidade^,
Senhora não vay bulcar,ou parte imiga.
Que lhe defenda íua honelhdade
Naõ queyrais naó íenhor,queo mundo diga
Ah, que grande rigor,8c ciueldadei
Comoiávaydizendo,& murmurando.
Sua grande ignorância difculpando.
Eu certo naó duvido,quc o Piloto,
O MeftrCjO Marinheyto, Capitão
U ftm do coílumado vicio roto
Com toda$,as que cm feus poderes vaò:
Dayme vòs,fenhor,hum, que efté remoto
De taldilicia^oeftaocafiaój
E eu direy talio, o que vos digo,
Tomando lubre mira todo o caftigoj
Ja naó ha Ki joâo pofto cm deícrto,
Que Icja a u Ceo^por caltor,taó aceyco
]Si:n) ha^quem naõ cometa d fconcertOi
X>lcflatorptza bruta, & vil íugey CO.*
Já naó ha hi Hicronymo taó certo,
QiiCjCom pedra na máo ferindo o peyto,
Dá carne eíhmulado,allí lhe digai
Não te chegues a mim,carne inimigíi^
A culj. a he dos parentes deícuydados.
Que vendoa fem aroparo,& fem abrigo
Lai tempo,que os mais ricos^gi esforçados
Temendo a Dcos,fup;iaô feu caftigc*
Huns para feus jardins determinados
Outros por onde o Ceo lhes foíTc amigo,
A dey xarão tão.íò nefta Cidade,
Batalhando CO a vil neccffidade.
Pois_,quem ouveraahi,que nâocahira
Vendoíe em tal cílremo,em tal miícría.
Qual Arthemifa aqui não confent ira
Qual Romana Scfaronia,cu qual Valeria?
E qual Lucrécia fo a, que iílovra,
Qiienãorend.raojugoàvil matéria.?
Qual Thcbana Thimv chia^ou linda Sara,
Cu qual mulher de UlilTcsfe negara?
Qu 4 tora,aque fe vira t m táo infefta
Baialha,turbultnta,& elpaíttcfa^
Exercitando a moiterija,& meíiaj
Seu duro officio,brava,6c rigurcfa.
Que Nympha ouvtra ahi^que Dcoía Vefta .
Em virginal ( Itado poderosa,
Que não rendera a tudon csPonome,
Pornão mcrrer nas mãos dadura fome?
Ah valerofo eíprito^cafo he ifto,
Para fe dar perdão à fraca ovelha,
Nâo íeja o perdão ícu, feia de Chriftoi
IlI.Part.
Rimas dogrãn^f ^^^^ ^^ Camões,
^71
Poisellea perdoar nos aconfelha:
Aíli nos altos Cens fcjais bem quiflo,
E vos incline Deos attenra orelha,
Que vos lembre, renhor,rcudefcmparo,
Pois fois dos pobres pay & amigo claro
Poriíroclhay,íenhor,o quanto importa
Cortar occafiões com fioagudo^
Porque não fe cortando,abreíe porta
Do laícivo defejo ao Nauta rudo,
E,fc,como vos digo^efta fe corta,
O Ihando bem as leys do claro elludo^
Será grandeza voíTa muy fobida,
Defla real profapia produzida.
Olhay,que temjíenhor,huma minina
Doauíenteconforte,& filha fua,
Muytodefemparada^ôc pequenina.
Fora do natural,deípida,& nua.
Sede vòs,fenhor,agoada Piícina*
A voíTo zelo tudo íe atribua,
Que^movendovos ellc,não duvido,'
Que tudo a ella ícja concedido.
EfifloU de Luís ãe Cantões^
DU vidofa efperança,certo medo
Senhora de me não ouvir meus danosí
Fizerão que não fiz ifto mais cedo.
Mil remédios bufquey bufquev enganos.
Por incobrir o mal que me cauíais,
Temendo outra mór dor dos defenganos
Mas tudo quanto fiz,fíz pordemais
Amor que como quer de mim ordena,
Náo fofre que tal dor encubra mais.
A íeH voílb^fenhora me condena
NiÃo mcrce me faz íc a vos offende
A culpa ao amor day.amim a penaj
Não cuydeis,que minha alma fe defende
Decouía,dequevós fcrdes contente
Forque íò iíTo b"uíca,& iíTo pretende.
Ditofa dor^a que por vós íe fente,
Ditoío,pois conheço (ftii verdade^
Fera não íer das minhas def contenter
Com tudo,a náo poder huma vontade
Tam pura,& tanto a medo cíFerecida,
Movcrvos de meu mal a piedade.-
Não quero irais vivcrjnâo quero vida,
Milhor me íerá morte,que dtfgoflo,
A nuem tanto dcítjovtr fervida. .
Banhem f oisrrinhas lagríra s meu roflo^
Sofpire o coração,quf treme, & srde,
rhorar,& fufpirar fcjao meu gofto.
JMão queyrao os meus fados, que irC guarde
Ya Oe
ijz Rimas do Gr anda
De fendr nOva dor^novo tormento,
Que finto muyto mais íentillo farde,
Quifera dcsque tive entendimento,
Por verjfe com firmeza vos movia,
Nâotere:n outra coulaopenlamento,
Em vòs Guydar a noyte^em vòs o dia,
Porvòs fentir prazer,por vos trifteza,
bem vóSjter para mim^quc não vivia.
Mas nem por iíTo haja mda em vós crueza,
Sofrcfe mal num pcyto delicado.
Parece Coufa contra a natureza,
O lhay,que em vivas chamas abrafado»
Por remediOjícnhora^ore vós venho,
Bufcalo noutra parte hc efcufado.
Porque não vai faber^força^ou engenho,
Pedras, pala v. as,er vas de virtude,
Contra o golpe d'âmor,quc n*alma tenho.
Se volTos olhos podem dar faude.
Se neíte grave mal me náo íoccorrem,
Dexmeme morrer jà, ninguém me ajude,
Ditofos íáo os triftes, quando morrem
No começo dos dannos,que oáo íentem,
Quão vagarofis as cr iltezas correm*
Porem feasefperanças me não mentcnii
Eípero dcfte conto inaa fer fora
Que cruezas em vós nao íe confentem,
E Tifim a fim de tudo ifto he,íenhora^
Que ÍQ me náo valeis/inhais perccrto>
Que cedo virey a derradeyra hora,
Já que meu mal voí tenho deícuberto,
Avey demim dó não íejaiíloem fim
(( 'omo diz.^m^dar vozes cm deítrro
Valeyme,que por vos me perco a mim,
' . REDONDILHAS*
S Óbolos rios_,que vão
Por Babylonia me àchey
Onde íentado chorcy
As lembranças de Syio,
E quanto nella paííey.
Ali i o rio corrente
De meus olhos foy manado,
E tudo bem com para lo,
Bqbylonia ao mal preíente,
Syão íio tempo paflado.
Alli lembranças contentes,
N^alma fereprefencàráo,
E minhas coufa^ aufentes,'
Sc fizerão tam prefentcs.
Como íe nunqua paffàráo.
AlUdctpois de acordado.
Luís de Camtes\
Co rofto banhado em agoa,
Deftc íonho imaginando^
Vi que todo o bem paiíado,
Nam hegofto,mas he magoa,
E vi,que todos os danos
Secaulaváo das mudanças,
E as mudanças dôs annos.
Onde vi quantos enganos
Fazo tempo áscfpcranças.
Allivi omayor bem.
Quão pouco eípaço^que dura,
O mal quáo depreffa vem^
E quão trifte citado tem.
Quem íe fia da ventura.
Vi aquillo,que mais vai,
Qtie então íe entende melhor.
Quando mais perdido fori
Vi o bem fuccedsr mal,
E o mal muyto peor.
E vi com muyto trabalho.
Comprar arrependimento.'
Vi nenhum contentamento,
E vejome ami,que efpalho
Triíles palavras ao vento.
Bem fâo rios cilas agoas.
Com que banho eíle papel.
Bem parece fer cruel.
Variedade de magoas,
E confufâo de Babel,
Como homem^que por exemplo
Dos trancesjcm quefeachou^
Deípois que a guerra deyxou,
Pelas paredes do templo
Suas armas pendurou;
AíTi deípois que aíTentey,
Que tudo o tem po gaitava
l>a triíleza^que tomey,
Xsloslalgueyros pendurey
OsorgáosjCom que cantava.
Aquelle inftromento ledo,
Dcyxey da vidapaííada,
Dizendo^mu fica amada,
Deyxovosnefte í^rvoredo
Aa memoria confagrada,
Fr?.uta minba.que tangendo
Osmontes fazeis vir.
Para onde eftaveis_,corrpndo,
Easagoas,quehiáodccendo
Tomavão logo a fnbir.
Jamais vos nãoouviràó
Os tigres, que feamanfavão,
Easoyeíhas,quepâílavâo, ^
Das
I
i ^mas
f Díis ervas íe fartaràó,
Que por vos ouvir deyxaváo.
Já nem fareis docemenre
Tím rohs tornar abrolhos»
Na ribeyra florecencc,
Nem poreis frco à corrente^
£ mais Te for dos meus olhos.
Não movereis a eípeíTura,
Nem podereis jâ trazer
Atraz vós a fonte pura.
Pois nam pudefte mover
De (concertos da ventura.
Ficareis otferecid4
Aa t^^araa^queíempre vella,
Frauca de iDim tam querida^.
Porque mudandofea vida.
Se muJão os g(ftos delia.
Acha arenra niocidade
Prazeres acomodados,
E logo a mayor idade
Já ícnte por ( ouquidade
Aquelles goíto^ paílados.
Hum ^ofto,que hoje fe alcança^
Aa Hianháa jáonamvejoj
Adi nos traz a rriudan^a
De efpcrançií em efpcrançe,
E de derc)o em dciejo,
Mas em yída tam efcaífa,
Que clpcrança fera forte?
Ff aqueea de humana íbrte,
Que quanto dav ida paíla,
Eítá recitando a morte,
Mas dey xar nefta efpcíTura
O canto da mocidade,
Naõ cuyde a gente futura
Que Itráobra daijadc,
O que hc força da ventura.
Que a ideda,t«: mpo,& efpanto
De ver quão lig^yro paíle,
N unqua em mi pudérão tanto,
Que pofto que dcyxo o canto,
A caufa delle r.eyxafle»
Mas em trirtezas^Sí nojos
Em gofto,& contentamento,
Por S('l por nev(,por v nto,
Teràm pre^^ente a los ojos^
Porqaien mucro tan contento
OrgãoSj& frauta dcyyj^va,
Dcípojo meu ram querido,
No falgueyro,Que alli eftava,
Que para trofeo ficava,
De qucra[mc tinha vepcido.
dogrande Luisdt' Camões]
Mas lembranças da afFtyçãôi
Que alli cativo rac tinha.
Me perguntarão entaõ,
Que era da mufica minha
Que eu cantava em Syão:
Que foy daquelle cantar.
Das gentes tam celebrado.
Porque o deyxava de ufar,
Pois (empre ajuda a pafl^ar,
. Qualquer trabalho paííado?
Cantão caminhante ledo.
No caminho t rabalhoío,
Por entre o cfpeço arvoredo^
E de noyce.temerofo
Cantando refrea oroedo.
Canra o prezo docemente,
Osduros grilhões tocando,
Canta o íeg?dor contente,
E otrabalhador cantando^
O trabalho mtnos fente.
Euquecítas couías fenti
N^almsde mgoas tarncheaj
Como dirà^reipondi.
Quem tam alheo cftá defy.
Doce canto em terra alhea?
Como poderá cantar
Quem em choro banha o peyto?
Porque fe quem trabalhar.
Canta por menos canfar.
Eu fo def^-anfo* cogeyto.
Que nam parece lazão^
Nem leria couía idonia.
Por abrandar a payxaó,
Que cantaíle em Babylonia
As cantigas de Syaõ.
Que quando a muy ta graveza
De íaudade quebrante
Efta vital fortaleza j
Antes morta de tdfteza.
Que por abrandala cante.
Que fe o fino peníamento,
Sò na triíteza confiílei
Naõ tenho medo ao tormento^
Qiie morrer de purotrifte,
Que mayor contentamento?
Nem na frauta cantarey
Oqueraílo^ík p licyja,
Nem menos o eícrcvcrey j
Porque a pena cPnlarà,
E eu nam deícanfarey.
Que fe vida tam pequena.
Se acrecenta em terra eilranha^
m
È
174 Rimas do
t le amor aíli ordena,
Razaõ he que canfe a perw,
Decrcrever pena tamanha;
Porém íe para aíTentar,
O que fence o coração,
Apeoajà mecanf^r,
Islamcaníe para voar
A memoria em Syac.
Terra beraaventurada^
Se por algum movimento
Da alma me fores tir^^da,
Mmha pena íeja dada
A perpetuo efquecimento
Apena dcftedeftero,
Qj.ie eu mais defcjo efculpida,
£m pedraiou em duro fcrio^
Eíía nunqua íeja ouvida,
Em caíligo de meu erro.
Ele cu cantar qyifcr,
Em Babyl ínia fugeyto,
Hieruíalem fero tever.
A voz quando a mover .ti
Se me congele no peyto:
Aminha língua íe apegue
A ai fauct s pois ttj perdi
Ss emquanto tiver aíli
Houver te^upojem que te negue.
Ou quemeeíqutrça deti.
Mas ó tu terra de gloria.
Se eu nunqua vi tua eílencia.
Como me lembra^ na auíencia,
Náo me lembras na, memoria,
Sc nem na reminifccncía:
Que a alma he taboa raza
Que com a eícrita doutrina
Celefte,tanto imagina^
Que voa da própria cafa,
E íobe à pátria divina.
Nim he logo a faudadc
Das terras, onde nacco,
A carne, mas he doCeOj
Daquella f^nta cidade,
Donde cita alma deícendeo;
E aquellâ humana figura,
Quecà me pode altera»-,
Nam,he quem íe ha de bufcar,
He rayo da fermofura,
Que íò fe deve de amar. >o^on~j<
Que os ólhos,& aluz.quc atca
O fogo, que cá íugcyta
Nam do Sol, mas d^ candea^
Hefombradaquellaidéa, .
grande Luis de Camões]
Que cm Deos eftà ntiais perfeyta:
E os qne cà me cativaram.
São poderofos eíTey tos,
Que os corações cem fugeycos,
Sofifl:as,que ma enfináraõ
i Mãos caminhos por direytos,
Deftes o mujido tyrano,
Mc obriga comdelatino,
A caDtar ao íom do dano.
Cantares de amor profano.
Por verfos de amor divÍDo;
Maseu luftrado CQ íanto
Rayo na terra de dor.
De confuroés,& de clpanto,'
Como hey de cantar o canto,
Que fó íe deve ao Senhor?
T^nto pôde o b: ncficio
Da graça^que dá íaude,
Que ordena, que a vida mudct
> E oouc tu tomey por vicio.
Me faz grão para a virtudCt
E faz,que eíle natural
Amor.que tanto íe preza^
^ Suba da fombra ao real,
Da particular belleza,
Para a beleza geral.
Fique logo pcnduraia
A frauta,com que tangi
Oh Hieruíalem ia grada,
E tome a lyra dourada^ ..
Paraíó cantar de ti,
Kam cativo,êc ferrolhado
Na Babylonia infernal,
Mas dos vicios deíatado,
Ecá dedâ a ti levado,
Pátria minha natural,
E feeu mais dera cerviz
A mundanos accídentes»
Duros^tyranoSjôc urgentes,
Riíqucíe quanto já fez
Do grão livro dos viventes,
E tomando jà na mão
A lyra íanta,& capaz
Doutra mais alta invenção,
Calefeeíla cnnfuíao,
Cantefe a viíao de paz,
Ouçameopaftor,& oRey,
fi TítjVí Retumbe elie acento íanto,
'-'^ Movíííenomundoefpanto,
^ Quedo que jà mal cantey,
APalinodiajàcanto,' • ';
A vós íó me quero ir.
i
Scnhoç
Rimas do
SenhofjSc grão Capitão
Da alta torre de S yaó,
Aa qual nam poflo fubír,
Se me vòs nam dais a mao,
Nograõ dia fingular,
Que na lira o douto íom,
Hieruíalem celebrar,
Lembray vos de caftígar
Os ruins filhos de Edom,
Aquelles,que tintos vão
InIo pobre fangue ínnocentCj
Soberbos co poder vaõ,
Arrazalos igualmente.
Conhe^aõ^que humanos faó
Ea quelle poder tam duro
Dos aff :ytos,com que venho,
Quecncendem aJraa,& engenho
Que jà me cntràraõ o muro
Do livre arbítrio que tenhoj
£(tes,que tem furiofos
Gritando vem a eícalarme^
Mãos cfpiritos danoíbs, t obne:
Que querem como forçoíos,
Do alicerfe derribarme,
Derribayosjfiquenn íòs.
De forças fracos, imbelles.
Forque nam podemos nós,
IsIemcomeUcsíra vós,
I\Vm fem vós tiranos delles:
]SÍ Hm baila minha ira quezaj \ Toq vic
Para medardcfeníaó.
Se vòs fanto Capitão,
Nelta mmha fortaleza,
Nam puzeídts guarnição
E tu ócarne,que encantas
Filha de Babel tam fea, _.. .
Toda ds mileria chea ' r>mvú
Que mil vezes te levantas.
Contra quem te íenhorea:
Beato fo pôde ler^
Quem com a ajuda celeftc
Que contra ti pcrvalecer,
fc. te vier a fazer
O mal, que lhe tu fizeííe.
Quem com ú\( iplina crua
Se fere mais,que huma vez.
Cuja alma de vicios nua.
Faz nodas na carne fua.
Que já a carne nalma fez.
E beato quem tomar
Seus pcnfamcntos rczentes,
E em nafcendo os afogar^
g fv. nãe Luis de Cawêes,
Por nam virem a parar
Em vicios graves, & urgentes^
Qiiem com clks logo der
l^a pedra do furor lantOj
E batendo os desfizer
Na pcdra,que veo a fer
£m fim cabeça do canto:
Quem logo quando imagina
Nos VÍCIOS da carne mà»
Os pentamentosdcclinai
A aquelia carne divina,
Que na Cruzeftevc já.
Quem do vil contentamento
Cá deíle mundo viíiveU
Quanto ao homem for poflivel,
Pafiar logo o entendimento
Fará o mundo intelligivelj
Alli achará alegria
Em tudo petfeyta,6c chea
De tam íuave armonia.
Que nem por pouca rccrea.
Nem por fobtja en faília»
Alli verá tam profundo
Miílerio na fumma altezas
Que,vencida a natureza,
Os mores fauílos domundd
J ulgue por may or bay xeza:
Oh tu divino a pofenro^
Minha pátria Gngular,
•íj*a Se íòconí te imaginar.
Tanto fobe o entendimetltoj
Que fará fe em ti fe achar?
Ditoío quem fe parti
Fará ti,tetra cxcellente,
Tam juílo,6c tam penitente^
Que dcípois de aci fubir
Lá defcaníe eternamente^
Carta a huma Tíama*
QUerendo cfcrcver hum dia
O mal,que tanto cftimey,
Cuydando,no que poria.
Vi Amor.quc me dizia,
Eff rcve,que tu oocarcy.
E como para felcr
Nam hera hiftoria pequena,
A quedíímiquizfazer,
Das afãs tirou a pena
Com que me fez cícrever,
E logo como a tirou.
Me dííTe^iviva os erpricas^
t7f
ft»^
ty6
Rimas do Grande Luis de CamSes.
Que pois em teu tavor íoli,
ElUpena^quq te dou.
Fará voar tcus elencos,
E dandome a padecer
Tudo,o quequizjquepuzeíTe,
Pude em fim aelle dizer
Que me dco com que eícreveíTe,
O que me deo aeícrever,
Euquecíle engano entendi
Diflelhe ,quc eícrevcrcy?
ReípondeOjdizendo afli:
Altos eíFeytos de ti,
E da quelia a quem te dey,
E já que te manifefto
Todas minhas edranheias^
Efcrevcipois que te prezas.
Milagre de hum claro géfto,
£ de quem ouvio triílezas.
Ah fcnhorajcm quem fc apnra
A fé de meu penfa memento,
Eícutay9 8t eílay atento,
Que conn voflfa fermofura^
Igual a amor meu tormento^
L pofto que tam remota
Eftejais demeefcutar, afoim-.
Forme nam remediar,
Quvi,que pois Amor notai
Milagres Tão de notar»
Eícrevem vários authores.
Que junto da clara fonte ; aJíOí ..
Do GangeSjOS moradores ' ""
VivcíT» do cheyro das flores, .- -.
Que naccm naquelle moncc» A-j'>iipoís
Se o^ íentidos podem dar ira fiit3i,ii ê)
Maiitímento ao viver, ' ''^ ■'
Nam he logo de efpantar^
Se cites vivem de cheyrar, íí isJa ísl ;
Que viva eu (ó de vos ver.
HumaM<vore fecôahecc, h>
Que na geral alegria.
Se defpois lhe fofle dado.
rmd Eu,quecriey de pequena
A vifta a quanto padece.
Deita íorre me acontece.
Que nam me faz mal, a penai
Senàm quando me fallece.
Quem dl doença Real,
De longe enfermo íe íentc.
Por (egredo natural.
Fica íaô vendo íòmentc
Hum volátil animal.
Do mal,que Amor em mi cria.
Quando aquclla Finix vcyo,
Ssóde todo ficaria.
Mas ficamc hydropefía.
Que quanto mais,mais defejo,
Dabibora he verdadeyro,
Sc a conforte vay bofcar.
Que em íe querendo juntar,
Deyxa a peçonha primeyro.
Forque 1 he im pede o gerar:
Afli quando me aprefento
Avoíla vifta inhumana.
Apeçonhado tormento
Deyxo a parte,porquedana
Tamanho contentamento.
Querendo amor íuftcntarfe.
Fez huma vontade efquiva,
Dehuma cftacua namorarfe
Deípois por manifeftarfe.
Converteoaem mulher viv^.^
De quem me irey queyxando
. Ou quem direy,que me engana,
Sc vou figindOj& bufcando
Huma imagem, que de humana
Em pedra fevay tornando?
Dehuma fonte fe fabia.
Da qual certo íe provava.
Que quem lobre ella jurava.
Se falfidade dizia.
E lia canto fe entrn^tece/^'?^!» obnsiatj y^ Dos olhos logo cegava
Que comohc noyteflorecè,'^uj;Jí;^
E perde as flores de dia.
Eu queemvervosfinroopreço.
Que em voíla villa confifle.
Em avendome entriftcço.
Porque fey,que nam mereço
A gloria de verme trifl:e.
Hum Rey de grande poder, i ^«li «cí'!
Com veneno foy creado.
Porque fendo collumado,
Na|n lhe pudeíle em peçer,
orr^
Vos que minha liberdade.
Senhora ryranizais,
Injuftamente mandais.
Quando vos fallo verdade.
Que vos nam Dofla vtr mais.
Da palma fe efcreve,& canta
Sertamdura,& tamforçofa^
Que peio nam a quebranta,
Mas antes de prcfunçofa.
Com ella mais fe levanta,
Co pôzo do a)al>que daiSj»
Rimas
A conílancia,que em mi vejo^
Nam lomentcttia dobrais.
Mas dobraíe meu defejo,
Comqueentam vos quero mais.
Se alguém os clhos quízer
As andorinhas quebrar^
LogoíHfnây,fem íe deter.
Huma erva lhe vay buícar.
Que lhes faz outros naccr.
Eu que os olhos tenho atento
Nos vofibs,que cftrellas íáo,
Ccgaõíe os do entendimento.
Mas nacemme os da razão,
De folgar com meu tormento.
Lâ para cnde o Sol íac^
Deícubrimos navegando
Hum novo rio admirando.
Que o lenho que nelle cae.
Em pedra íe vay tornando^
IM am fe eí pantem dillo as gentes:
Mais razão íerá^que cfpante
Hum coração tam poiraate»
Que com lagrimas ardentes»
Sc converte cm diamante.
Pode hum mudo nadador
Na linha^ôc cana influir
Tam venenofo vigor.
Que fáz mais nam íc buJic
0 braço do peícador.
Sc couieçâo de beber
Defte veneno excellentCj
Meus olhos ft m íe deter
Não fe íabem mais mòvcr
A nada que fe aprefenie»
Iftoíaô claros finais
Do muyto queemmipodcisj
Nem podeis deíejar mais,
Que íe veryos deícjais,
Em mi claro vos vereis,
E quereis vcr^a que fim^
Em mi tanto bem íe poz,
Porque quiz amorafllm^
Que por vos verdes a vós
1 ambem me viíTeisa mim.
Dos males, que me ordenais,
Qiie inda rcnho por pequenoSi
Sabey íe mos eícutais.
Que já não fey dizer mais.
Nem vós podeis faber menos,
Mísjàqueatanto tormento.
Não íeacha»quemrcíifta
Eu íenhora me contento,
llI.Part.
do grande Luís de Camões, 177
Deterdcs meu íofrimcnto,
por alvo de voíTa viíla.
Quantos contrários confentc
Annor por mais padecer,
Qjíe aquella viíía cxcellente,
Que me faz viver contentç,
Me faça tam ttifte fer .
Mas dou eílc cntendimeno
Ao mal,quc canto me cifende»
Como na vella íe entende^
Qucfe íe apaga co vento,
Co meímo vento íe acende.
Experimentou fe algum hora^
D'ave,que chamão Camão^
Que íe da caía,onde mora»
Vé adultera a fenhorai
Morre de pura payxio.
A dor he tam íem medida,
Que remédio lhe nâo valj
Mas 6 ditoío animal.
Que pôde perder a vida^
Quando vé tamanho mal!
Nos goílos de vos querec
Eílava agora enlevado,
Senam fora falteado
Das lembran ças de temefj
Ser por outrem deíamado,
Eítas íuípeytas tam frias.
Com que o peníamento íonhai
São aílicomoas Harpias^
Que as mais doces iguarias
Vao converter em peçonha,
Fazme eíle mal infinito,
Nam poder já mais dizer.
Por não vira corromper
Os goílos ^que tenho eícrito,
Cos males que hey de eícrever.
Não quero,que íc apregoe
Mal tanto para cncubrir,
Porque em quanto aqui íc ouvir»
Nenhuma outra couía foe.
Que a gloria de yos ícrvir
Outras.
Dama de cftranho primor,
Se vos for
Pefada minha firmeza,
Olhaynáome deistriíleza.
Porque a converto em amor,
Efecuydais,
De me matar,quando uíais^ ^
178 Rimas
Deefquivança,
Irey tornar por vingança
Amarvoí» cada vez mais.
Porém voílo pcnrameoCo
Gomoizento,
Seguirá sua tenção
Crendo, que cm tanta a fíeyçâo
Naõ aja acrecentacccnco.
ISáocreais,
Que d-fta arte vos .façais
Invencível»
Que amor fobre o impoíUveU
Amoítra,quc pôde mais.
Mas jà da tençáo^que íigo^
Medefdigo,
Qutí fe ha tanto poder nclle
Também vòs podeis mais que dk
Nefte mal,que uíais comigo.
Mas íe for
O voíío poder mayor,
Antre nós.
Quem poderá mais que vós,
Se vós podeis mais que Amor?
Defpois que dama vos vi,
Entendij
Que perdera Amor íeu preço,
tois o favor, que I5e eu peço^
Vos pede elle para fu
Nem duvido,,;
Qne náo pòdc de fçntido
Refiftir,
Pois em vez de vos ferir,
Ficou de vos ver ferido,
IVÍas pois y clTa y^fta he tal
Er.n meu mal,
Que poíTo de vós querer?
Que mal podcírey valer.
Onde o meímo mal Amor náo vai
Se atentar, j ,. ,
Nenhum bcifl poíío efperar^flUíJp m
E oxalá,
Qievosa'cmbr<ane.J9,
Se quer para me niarar.
Mas nem com ifto creaís,
Oue façais
Meus fctviços «lií^iii pequenos;
Porque eu quando efpcro menos,
Sab 'y,queentam quero mais
Nada efpero.
Mas de mi,cre^Q ette tero,
Que cm fer volTo^
Vo| quero tudo^o que poíTo^
íio grande Luís de CamÕe f .
E náo poíTo quanto quero.
Só por eíla fantafia
Merecia
De meus males algum frutOi
E não era certo muyto
Para o muyto,que queria
Demaneyra,
Que nam he na derradcyra
Grande cípanto.
Que queoijdama vos quer tanto^
Que outro tanto de vòs queria,
Jí himas fufpeytas,
Sufpeytas,que me quereis
Que eu vos quero dar lug ar.
Que de cercas memateiSj
Se acau fa^de que naccis.
Vos quizeíTe confeíTar.
Que de oam lhe achar difculpai
A grande magoa paíTada,
Me tem a alma tani canfada
Que fe me confeffa a culpa,
• Telâhey por deículpada,
Ora vede que perigos
Tem cercado o coração.
Que no meyo da opreíTaõ,
A feus próprios inimigos
' Vay pedir a de feníáo.
Quefufpeytaseubem fey,
Como fe claro vos viflcj
Que he certOjO que já cuydcy.
Que nunqua mal íufpeytey,
Que certo me nam íahiíTe
Mas queria eíla certeza
Daquella,que me atormenta.
Porque em tamanha cftrey tcza
Ver que diíTo fe conteftta,
He deícanfo da trifteza.
» ^upioT Porque fe cfta fó .verdade
Meconfefla limpa, & nua,
Decautcla,&: falíidadc,
Nam pode a minha vontade
Diíconformeíerdafua.
Por íegredo namorado
H^^ certo eftar conhecido.
Que o mal de fer cngeytado,
Mais atormenta fabido,
Milve2es,que íufpeytado.
Mas eu íò,em quem fe ordena
Novo modo de querella
^Ri 3Ci De modo da dor pequena»
>77tJ
Venho
Rimai do grande
Venfio 3 achar ií a mayor pena
O refrigério para clli.
f Jànasirrsmeíi Haoiey,
Nas vinganças,nos furores,
Qiiejâ doudo imdginey,
Ejaír.aisdcudojurey
Dearrancar^d^alnia os amores,
J á determiney mudarme
Para outra parte com ira, \
Dcípois vim a conccrtarme,
Que era bom certificarme,
No que raoftrava a mentira.
Mas defpois ja de caníadas
As fúrias do imaginar^
Vinha cm fim arcbentaf ■ .
Em lagrimas magoadas^
E bem para magoar, a
E deyxandofe vencer
Os meus fingidos enganos,
De tam claros defenganos, o^CI 5;jpio^
Nam polTo menos fazer^
Que contentarmc cos danos,
Epedir,que me tiraíTeni,
Efte mal de luípeytar.
Que me vejo atormentar,
Indaque meconfeííaíTem,
Quanto me pôde matar.
Olhay bem fe me trazeisi
Senhorapoílo no fim
Pois oeftc eílado.a que vim>
Para quevôsconfeííeis,
Sc daõ os tratos a mim.
Mas para que tudo poíTa
Amor,que tudo encaminha.
Tal juáiça lhe convinha,
Porque da culpa, que hevoffa
Venha a fer a morte minha.
Juíliça tão mal olhada,
01hay,com que cor fe doura,
Que quero ao fim da jornada,
Quevòs fejais confeíTada,
Para que cu feja,o que moura,
Po'sconfeflarvosjà ^gora,
Inda que tenho temor,
Que nem neiía ultima hora
Me ha it perdoar Amor,
VoíTos pecados, fenhora.
E aíTi vou defcfpcrado.
Porque ete faô os coílumes
r)^aroor,que hemal empregado
Do qual vcu já condenado
^o inferne de ciúmes.
■ llI.Part,
LuísdeCamõesl
m
Laberinto queyT^andofe do mundo.
Corre íem vella.Sí lem leme
O tempo defordenado,
De hum grande vento levado,
O que perigo não temcj
He de pouco exprimentado.
As rédeas trazem na mã0|
Os que rédeas nam ti verão, . no^^m i ^ I
Vendo quanto mal fizerâo
A cobiça,& ambição^
Disfraçados fe acolherão,
A nao^que fe vay perder,
Dcftrue milefpcranças.
Vejo o mao,que vem a ter,
Vejo perigos correr.
Quem náocuyda^que ha mudanças.
Os que nunqua em íclla andarão,
Naíellapòílosíevcm,
De fazer mal não deyxàrão.
De demónio habito tem.
Os que ojufio profanarão:
Que poderá vir a fer
O mal nunqua refreado?
Anda por certo,enganado
Aquelle»que quer valer.
Levando o cammho erradoj
He para os bons confufaó.
Ver q uc os mãos per valecéraó,
Que pollo fe detiverão
Com cita fimulação.
Sempre caftigos tivérão,
Naoporquegoverneoleme
Em marenvolto,& turbado.
Que tem íeu rumo mudado,
Se perece grita,& geme
Em tempo deíordenado.
Terem jufto galardão,
E dor dos que merecerão,
Sempre caftigos tivérâo
Sem nenhuma redempção,
Poílo que íc detiveraó.
Na tormenta íe vier
Defeíperena bonança.
Quem manhas nam íabe ter.
Sem que lhe valha gemer.
Verá falíar a balança.
Os que nunqua trabalharão,
Tendo o que lhe não convém.
Se ao innocentc enganarão,
Perderão o eterno bem
Sc domai não íe apartarão,
Zí CON:
l8o Rimas ão gr Ande Luís de Cáfnôesl
Se trovas vos enganarão^
CONVITE QUE FEZ NA ÍNDIA Que trovas vos defenganem.
a certos í« idalgos.
Afrhneyra i^uariafoypofta a Vafco de
Atatáe^Ò' dtsita,
Senam quereis padecer,
Huma,ou duas horas triftes
Sabeis que haveis de fazer?
BolvcrospordoveníleSj
Que aqui nam ha que comer
fc pofto que aqui leais,
Trovinha,que voscalea
Corrido nam cftejais,
Porque porque mais,corrais.
Não eis de alcançar a cea.
jífegunda aTJ ,Franct fco d' Almeyda*
Heliogabalo zombava
Das peHoas convidada?,
Ede forte as enganava.
Que as iguarias,qaedava
Vinhâo nos pratos pintadas
Não temais tal travclTora,
Pois já não pódc fcr nova.
Porque a cea eftà fegura
De vos nam vir empintura,
Mas hade vir toda em trova.
Ateneyra a Eyt sr da Stlveyta,
Cca^não a papareis,
Com tudo,porquenam minta,
Para bfb^r achareis,
Não Caparica,mas tinta
E mil coufSjque papeis,
E vòs torceis ofocinho
Com eíla am fibologi a?
Poisíabey^quea poefia
Vos dà aqui tint^ po vinho,
E papeis por iguaria,
A quarta a João Lnpes Leytão,a quem o Au*
torfez hum mote, que njay adiante ^fobte
huma peça de cacha , que deo a hu*
mal>ama.
Porque os que vos convidarão
VoíToeftamago não danem.
Por juíla caufa oídenárão^
Vòs tereis ifto por tacha^
Converter tudo em trovar.
Pois leme virdes zombar,
Nam cuydciSjfenhofjque he cacha,
Que aqui nam ha que cachar.
Refponde Jaão Lopes.
Pelar ora nam de faro,
Eu juro pelo Ceo bento,
Se de de conver oam me daõ,
Qje eu nam íbu Camelcâo?
Que me hey de manter no vento,'
Re ff onde o Autor»
Senhor,nara vos agaftcis.
Porque Deos vos proverá,
E fe mais íâber quereis.
Nas coftas deftc lereis,
As iguana$,que ha.
Vira o papeljqne dizia ajfu
Tendes nem migalha aíTada,
Coufa nenhuma de molho,
E nada feytoem empada.
Evento de tigelada.
Picar no dente em remolho:
De fumo tendes taíTalhos,
Ave da pena, que (ente
Quem da fome anda doente
Bocejar de vinho,& dalhos.
Manjar em branco excellentc,
A derradeyra a Francifco de Me Ih»
De hum homem,que teve o cetro
Da vea maravilhofa.
Não foy coufa duvidoía.
Que fe lhe tornava cm metro,
O que hia a dizerem proía.
De mi vos quero affirmar
Que faça couías mais novas.
De quanto podeis cuydar,
Eeftacea,que he manjar,
V os faça na boca em trovas.
^
Na
Rimas do grande LuUde Camhs.
Na índia ao Vlforey^com o mote adiante.
«?-
i8i
Conde,cujo illuftre peyto
Merece nome de Rey,
Do qual muyco certo ley^
Que lhe fica fendo eftreyto
O cargo de Viforrey.
Servirdeívos de ocuparme
Tanto contra meu planeta.
Não foy íenaõ azas darmci
Com as quaes vou a queymarme»
Como o faz a borboleta
Efe eu apena tornar^
Que tam mal cortada tenho^
Será para celebrar
VoíTo valor fingular,
Dino de mais alto engenho,
Que íc o meu vos celebrafle
ÍNleccíTariome feria,
Que os olhos d* Águia tomaíTej
Sò para que nam ccgaffe
No íol de voíía valia.
VoíTosfeytos fublimados.
Nas armas dignos de gloria^
São no mundo tam foados,
Que em vós de voíícs paíTados,
Se refufcita a memoria.
Pois aqueíle animo cílranho.
Pronto para lodo eífeyto,
Efpanta todo o conceyto,
Como coração tamanho
Vos pôde caber no peyto?
A clemenciajque aíTcrena
Coração tam fingular.
Se eu niflo puztffi a pena,
Seria encerrar ornar
Emcovamuyto pequena.
^ Bem bafta,fenhor,que agora
" Vos fírvais de me ocupar.
Que aíli fareis aparar
A pena,coni que algum hora>
Vòs vereis ao Ceo voar,
Aíli vos irey louvando,
Vòs a mi do chaó erguendo^
Ambos omundoefpanrando,
* Vòs com aefpada cortando,
£u com apena efcrevendo.
MotCyque lhe mandou o Vifoney^para Ihefa^
zer bumas Voltas,
Muytofoumeu inimigo,
pois que não tiro dcmi
Cuydadosjcom que naci.
Que põem a vida cm perigo»
Oxalá,que fora aíli.
O Autor.
' Viver cu fendo mortal
De cuydados rodeado.
Parece meu natural,
Que a peçonha nam faz mal,
A quem foy nella criado,
Táoto fou meu inimigo*
Que por não tirar de mi
Cuydados com que naci
Porey a vida em perigOf
Oxalá que fora a fli
Tanro vim acrecer.tar
Cuydados,que nunqua atnanfaõ.
Em quanto a vida durar,
Quecanfojà dccuydar.
Como cuydados nam canfaõ.
Seeílescuydados,que digo,
Déílem fim ami,& afi,
Farião pazes comigo.
Que pòr a vida em perigo,
O bom fora para mi.
Ahumã dama^qtie lhe mandou fedir algumas
obras fuás.
Senhora,fe eu alcançafíe
No tem porque ler quereis.
Que a dita dos meus papeis.
Pela minha fc trocaífe,
E por ver
Tudo o que poflb efcrever.
Em mais breve relação.
Indo eu aonde elks vão,
Pormi fò quizeíTeis ler,
Defpois de ver hum cuydado
Tam contente de íeu mal»
Vereis o natural.
Do que aqui vedes pintado»
Que o prefeyto
Amor,deque foufogeyto»,
Vereis arpero,& cruel,
Aqui
i8i Rimis io Grande
Aqui com tinta,& papel,
Em mi com fanguc no peyto.
Que hum continuo imaginar
Naquí]lo,que Amor ordena,
He peDa,queemfim por pena
Senam pode declarar;
Que fe eu levo
Dentro n/il ma quanto devo
De tresladir em papci«?,
Vcde,que melhor lereisf
Seamijíe aquilloque eícrevo?
A htma fenhora. a quem de rão hum fedaço
de [ittm amare lio.
Se derivais da verdade
Efta palavra,^/>/w.
Achareis fem falfidade,
Que após o fim tem o ti m
Que tine em toda a cidade.
Bem vejo, que me entendeis,
IvlâS porque nam falle em váo,
Sabey,que a efta nação,
Tanto que o fí concedeis,
O tioi logo eftá na mão,
E quem da Fama fe arreda.
Que tudo vay deícubrir^
Deve íemprc dç fugir
De fitins,porque da feda
Seu natural he rugir.
Mas pano fino,& delgado,
Qiialárax ,& outros aílí,
Dura,aqucnta,& hecallado,
'Amoroíoj& dà de {\
Mais que fitim^nem brocado,
MaseíleSique íédas íaõ.
Com que fecng-inâo mil damas»
Mais ufa tomaõjdo que dão,
Prometera,mas nam daráo,
Senam nodaspara as Famas.
E íe nam me quereis crer.
Ou tomais outro caminho.
Por exemplo o podeis ver,
Quando lá virdes arder
A cafad^algum vizinho^
Oh feminina fimprezíi,
Dondeeftão culpas a pares»
Que por hum dom de nobreza,
Deyxão does da natureza,
Maisalt08,& Angulares:
Hum dom^que aodaenxertado
No nome,& nas obra3 nam.
Luís de CámSesl
Fallo como exprímcntadoí
Que fitim deita fcyção,
Eu tenho muyto cortado.
Dizeymme^que era amarelo,
E quem aíli o quiz dar,
Só para me Deos vingar,
Se vem á maõ amarelo,
O que eu nam poflb cu y dar.
Porque quem fabe viver
Por eftas artes manhofas,
Ifto bem pòdc na m fer
Dà a mininas fermofas,
Somente pelas fazer.
Quem vos iftodiZjfenhora,
Sérvio nas voflas armadas
Muyto,mas anda jà fora,
E pôde fer que inda agora
Trás abertas as frechadas,
E pofto que disfavores
Otiráodelervidor,
Quervos ventura melhor,
Que dos antigos amores,
Inda lhe fica efte amor.
A hua fenhora rezando por humas contdíl
Peçovo$,quc me digais
Asoraç5es,que rczaftes.
Se fáo pelos, que mataftes,
Se por vós,que eíTi matais?
Sefaõ porvoSjfaõ perdidas,
Que qual fera ao râçaõ.
Que fejâ fatisfaçaô,
Senhora^de tantas vidas?
Que fe vedes quanto vem
Afóvida vos pedir
Como vos hà Deos de ouvir,
Se vós nam ouvis ninguém?
Nam podeis íer perdoada
Com mãos a matar tam prontas^
Queíe numa trazeis contas,
Na outra trazei^ elpad^i.
Se dezeis,que encomendando
Os que mataítes andais,
Sere2í^is,porquem matais,
Para que matais rezando?
Que fe na força do orar
Levantais as mãos aos Ceos,
Nam as ergueis para Deos,
Ergueylas para matar,
É quando os olhos cerraisi
Toda enlevada na fé^
Ccrraofc
Rimas do gund^
Cerraófe os de quem vosve.
Para iiunqua verem tinais
Pois íe aííi forem tratados
Os que vcs vem quando oraísj
Llias horas,que rezais,
Sa6 as horas dos finados.
Pois logo íe íois íervida,
Qiie lanto^ mortos nam ícjão,
^ara rezeis onde vos vejao,
Oa vede para dar vida.
Ou íe quereis cfcufar
Eltes males^que cauíaftes,
Re íucitay^quem mataftes
Nam teccis^poí quem rezar,
A huma T>ama que lhe deo humafetia.
Se n'alma,& no pcnfamento
Porvoflb mcnnanifefto,
Nam me peia do que fcntOj
Que íenam fofrer tormento,
Faço oíFcnía a voíTo gefto.
E pois quanto Amorordcna>
E quanto efta alaia defeja^
Tudo á morre me condena,
Nam quero íenam que íeja
Tudo pena,pcQa,pena.
(
A huma ^ama ; que lhe chamou cara ftm
oíhés.
Sem olhos vi o mal claro,
Que dos olhos íe íeguio;
Pois cara fem olhos vio
Ol hos, que lhe cu/lão caro,
De olhos nam faço menção.
Pois quereis que olhos nam ítjâo,
Vendovos olhos fobcjão,
Nam vos ycndo olhos nam faó
^ifparates na índia.
Eílemundoesel camino,
Adoay duzientos váf s,
O per onde bõs,&: maos^
Todos fomos dei merino,
Ma<i o$ mãos íaõ de teor^
Ouc»Heíquemudaõa cor,
Chamaó lopo a ElRey compadre,
F em fim dexaldos mi madre^
Queíempretem hum f?fcor,
De quem torto n^ccjCardc fe cndireyta
Jjitsde Camões, igg
Dcyxay a hum,qii<» fe abone,
DizlogodemuytoíengOj
Villas,ycaliillos tcngo,
Todos a mi mandar line,
Entaõ eu, que cílou de molho
Com alagnma no olho,
Pelovirar*do envés
DigolhCjtu ex illises,
E poriílo nam te olho,
Pois honra,& prcveyto naõ cabem num faço
Vereis huns ^que no feu íeyo,
Cuydaó,quc trazem Paris,
£ querem comdous ceytis.
Vender anca pelomeyo,
Vereis mancebinho de arte
Com eípada em talabarte^
Nam hamais Italiano:
Aeftedireis,racu mano>
Vós íois galante, que farte,
Mas pan, y vmo anda el camino, que
no moço garrido.
Outros em cada teatro»
Por cíficio lhe ouvireis,
Que fc macaràn con três,
Y lomiímo haran con quatro:
Prezaófe de dar repoflas,
Com palavras bem coropoftas,
Mas íe lhe meteis a onáo,
Na paz moítraõ coração.
Na guera moílraõ as coílas,
Porque aqui torce a porca o rabo.^
Outros vejo por ahij
A que íe acha mal o fundo,
Que andaõ çm mendando o mundo,
Enam íeemmcndaóaíli
tiles refpondcm a quem
DtUesnam entende bem,
El dulor^que efti fecretc,
Mas porém quem for diícreto,
Relpondcrlhehâ muyto bem,
Aíli entrou o mundOjâíTi hade fahir
Achareis rafeyro vtlho,
Que fe quer vender por galgo,
Dí2 qiieodmheyrohe fidalgo.
Que o langue toco he vermtlhoi
Sc elle mais alto o diflera,
Eíle pelote pu/tra,
Quf oftu echo lhe refponda,
Qucíu padrccra de Ronda,
Yfu madre de Antequera,
E quercubrir oCeocumâ joeyra.
Fraldas largíSjgraivc aípeyro
Parjt
i84 Rimas ãogr
para fenador Românc>
Oh que grandiflimo engano^
Que Momo lhe abriííe o pcyco,
Conciencia,que fobeja,
SiíOjCom que o mundo reji
JManfidjo outro que íi
Mas queloboeftàemti,
Metido em pele deovcja,
E íabemno poucos.
Guardayvos de huns meus fenhores
Que ainda comprão^ôc vendem^
Huns,que he certo^qua deícendem
Da geração de paltorcs;
Mol^raõ levos bós amigos
Mas íc vos vem em perigosi
Efcarráovos nas paredes.
Que de fora dormiredcs,
lrmâo,quehc tempo deiigos,
Porque de rabo de porco uunqua bS virote
Qie direis de hunsjque as entranhai
Lheeftaõ ardendo em cobiça,
Efccem mando,ajuftiça
Fazem de tcas de aranhas." X
Com íuas hypocrefiaSt
Que íaõ de voíías cípias í
Para os pequenos huns Neros,
Para os grandes tudo feros:
Pois tu ,parvo,nam (abias,
Que U vaõ leys onde querem cruzados?
Mas tornando ahuns enfadonhos.
Cujas coufas faó notórias,
Huns,quecontâó milhiftorias.
Mais defmanchadas,que fonhos,
Huns mais parvos, que zaniboas.
Que eftudaõ palavras bíjas,
A que ignorância os atiça,
Eftes paguem por juítiça,
Que tem morto mil peíloas,
por vida de quanto queto. í
Aonde ticnen las mentes ,i
Huns fccretos trovadores.
Que fazem cartas deamores
De que ficaõ muv ontentes,
Na n qu:;rem fahir á praça
Trazem trova por negaça,
Efelhe gabais, que he boa,
Diz.quehe de certa peíToa:
Hora que quereis que taça,
Se nam irmc por eíte mundo?
O tu,como me atarracas,
EícudcyrodeSolia,
Com bocais de fidalguia,
ande Luís de Camões",
Trazido quafi cora vacas,
Importuno a importunar,
Morto pordeíenterrar
Parentes,que cheyraó jà,
Voto a tal,que me fará
Hum deites nunqua fallar
Mais com viva alma.
Huns,qnc fallaõ^muyto vi.
De que quizera fugir,
Huns^que enfim ícmíefentir^
Andaõ fallando entre (i:
Porfíolos íem razão,
Edeíquc tomaó amaó^
Fallâõ íem neceíl^dade,
E íe algum hora he verdade.
Deve ícr na confiííaõ^
Porque quem nam mente^
Jà me entendeií.
Oh vÓ8,quem qucr,que me lerdes
Que haveis de fer avifado,
Quedizeitao namorado,
Que caça vento com redes?
J ura por vida da dama,
Falia conílgo na cama,
PaflTca de noyte5& elcarra^
Por falfete na guitarra
Pocm íempre,viva quem amaj
Porque calça a fcu piopofito.
Mas dcyxemoSjfe quiserdes.
Por hum pouco as traveíluras.
Porque entre quatro molduras
Leveis tairibem cinco verdes.
Deytemonos mais ao mar»
E íe algum fe recear,
PaíTe trcSjOU quatro trovas,
E vós touTiais cores novas?
Mas nam he para eípantar^
Que quem porcos ha menos,
, Em cada mouta lhe roncáo.
Oh vòs,que íois íecretarios
Dasconciencias Reais,
Qye entre os homens eftais
Porícnhores ordinários:
Porque nam pondes hum frco
Ao roubar ,quevay fem meo,
Debayxo de bom governo?
Pois hum pedaço de inferno,
Porpouco dinheyro alheOj
Se vende a MourOj& a judeu
Porque amante affeyçoada
Sempre à Real dinidadc,
Vos faz julgar por bondade,
teimas do grande Luis de CamUs,
A malícia defculpada?
More apreíença Real
Huma aífeyção natural,
Q_ue iogo inclina ao Juiz
A íeufavor,& nam diz éovín
Hum rifaõ muyro geral, .
Qiic o Abbadc donde canta,dahí janta,
E vós baylais a eflc lum.
Por ijlo gcncis paítoreSj
Vos chama a vòs mcrcadoresi
Hum, que íò foy paftor bom
Sevindes,porque me daís
Tormentos deíefperados,
Eu,que lempre fofri mais>
Nam digOjQue nam venhais.
Mas porem a qu ; cuydados?
Ao fxefmo.
Í85
Se as penas^que amor me deui
Vem por tam íuaves meos,
Nam ha que temer receos>
Que vai hum cuydado meu,
A João Lopes Leytãoyfo^re humspeça de ca- For mil dcícanfos alhcos.
cha, que mttndou a huma 'Dama^que fe Ter nus olhos tam fermofos
Os fcntidos enlevados.
Bem fcy que cm bayxos eftados,
íbefazta donzella.
Mote,
lObõJl
Se voflTa danpa vos dá.
Tudo quanto vós quizeftes>
I)izey,para que lhe deites,
O que vos ella fez jâ?
Sendo osrcítos envidados^
E yòs de cachas mil contos.
Sabeis com quaõ poucos pontof,
Queolhos achaft s quebrados:
ÍSeoquetem líTovosdá^
Vós muy bem lho mereccftes,
porque íe a cacha lhe deitei
Tinhavola feyra jà, i.nduv ^
São cuydados pcrigofos,
Mas porém a que cuydados.
Carta com aglofa achm^ X^ ^Jsi f.
D Eyxe-me enterrar no erquccimentodc
V. m. crendo me feria aíll mais feguro:
mas agora que he fervida de me tornar a re-
fuícitaPjpor moftrar íeus podere$,lembrolhe,
que huma vida trabalhoía,he menos de agra-
decer, que huma morte deícanfada. Masfc
eftavida,que agora de novo me dà^for par»
ma tornar a tomar,fcrvíndofe della^ nam me
i iii , fica mais^que dcíejar, que poder acertar com
eftc mote de v.m. ao qual dcy três cntendiraê-
A Dona Francifca de Aragão^que lhe Ptan- tos,regundo as palavras delle pudéraô íotrcr,
àou glofar efta regra»
Mas porem a que cuydados.
Tanto mayores tormentos
Foraõ femprc,osque fofri,
DaqHÍllo,que cabe cm mi.
Que oann íeyjque penfamcntos,
São os para que nacf.
Quando vejo cíle meu peyto
A perigos arrifcâdos.
IncUnadOjbem íufpeyto,
Que a cuydados íou fugeytOé
Mas porem a que cuydados.^
Ao me fino.
Que vindes cm mim bufcar,
Cuydadcs,que íou cativo?
Eu nam tenho,que vos dar.
Se vindis a me matar.
Já ha muyto,que nam^ vivos
-lU.Parc.
fe forem bons , hc mote de v. m. íe rnaos»
íaó as glofas minhas.
Mote alheo.
Campos bemavcnturados
Tornayvos agora triftes.
Que os díasjem que me viftcs
Alcgrcsjá faõ paíTados
' Glofa.
Camposcheos de prazer
Vós,quecftais reverdecendo,
Jàme alegrey com rosver,
Agora venhoa tcmef,
Que entrirteçais em me vendo,
Epois a viíla alegrais
Dos olhos defcfperados,
Nam quero^que me vejais,
Ar
lU
Vi
Par4
para que fempre Icjais,
Campos bemaventuradoS.
Porem fe por accidcntc
Vos pcfarde meu tormento,
Sabercis,que amorconíencc,
Que tudo me dcícontcnte,
Senam dcfconcentamcntc).
PoriíTo vós,arvoredos
Que jà nos meus olhos viftes
Mais alígriasiqucmedos,
Se mos quereis fazer ledos^
Tornayvos agora triftcs^
Jà me viíles (édo íer.
Mas dcfpois que o falío Amor
Tam criítc me fez viver,
Ledos folgo de vos ver
Porque me drobeis a dor#
E fc cíle goílo fobejo
De minha dor me f^^ntiftes^
Julgay quanto mais deícjo
As horas,quevos não vejo,
Que os dias^em que me viíles.
Otempo,que hcdefigual.
De fccoSjVerdes vos tem,
forque em voíTo natural,
Sc muda o mal para o bemi
Mas o meu para mór mal.
Se perguntais,verdcs prados,
Pelos tempos difFerentes,
Que de amor me forão dados
Triftès,aqui í^ó prefentes,
Alcgf esjá faò paíTados.
Mote alheõ.
Rimas do grande Luis de Camões.
Qiialquer trabalho mè fora
Por vòs graó contentamento^
Kad^ fentira^fenhora,
Sc vira diílo algum hora,
Em vòs hum conhecimento,
Porma],queomíil metrataííc
Tudo por bem tomaria,
Poijto que o corpo cançaíTe,
Aalmadeícanlaria,
Sc para vòs trabalhaíTe.
Quem voíTas cruezas jà
Sofrco,a tudo fe poz,
Coílumado ficará
E muyto melhor íerà^
Sc trabalhar para vòs,
Triftczas cfqueccriãoi
Pofto que mal me tratarão,
Annos nam me lembrariaó.
Que como cíloutros paífàraõj
Tempos triíles paífariaô.
Se íoíTc galardoado
; /'*! Eíletrabalho tam duro,
^ ' Nam vivera magoado^
Mas nam ofoy o paflado,
Como o fera o futuro?
De canfar nam canfaria.
Se quÍ2ereis,quc canfaííc^
Cavar,roorrer^falohia,
Tudo.em firo eíqueccria
Se algum hora voslembraííc.
Motealheo,
Trabalhos defcaofariaõ»
Se para vòs trabalhaíTc
Tempos triíles paíTariaõ^
Sc alguma hora yos lembraife.
Nunqua o prazer fe conhece,
Senam dcfpois da tormenta,
Tara pouco o bem permanece^
Que fe odcfcanfo florecc,
Logo o trabalho arrebenta.
Sempre os bens fe lograrião,
Mas os males tudo ataíhâo,
Porém jà queaíll porfião.
Onde defcanfos trabalhão.
Trabalhos defcanfarião.
Triftc vida fe me ord«níi.
Pois quer voíTa condição,
Que os malcg,quc dais por pena,
Me fiquem por galardão.
GUfa.
Defpoís de fempre fofrer
Senhora,voíTa$ cruezâS^
A pcíar de meu querer,
Meqaereis facísfazcr
Meus ferviços com triílezasj^
Mas pois em balde refiíle.
Quem voíía vifta condena,
Preftes eftou para a pena,
Que de galardão tam trifte,
Trifte vidaTc raeordena
De contente do mal meu)
Atam grande cílremo vim^
^^
Qjic
\
RimaT
Queconfintò cm minha fim,
Aií»quevós>& mais cu,
Ambos fomos contra tnim.
Mâs que fofra tncu tormento^
Sem querer maísgalardáOj
N am he fora de razaõ,
Que queira meu ío frimcnto
Fois quer voíTa condição»
O mal, que vós dais porbeaij
Eííc,renhora,hc morcal.
Que o mal,que dais como mal
tm muyto menos íe tem,
Porcoítume natural^
K^las porém neíla vitoria,
Que comigo he bem pequena
A mayor dor me condena,
A pena^que dais por gloria,
Que ot males, que dais porpena.
Que mor bem me pofia vir^
Que fervirvos nam o ícy,
Fois qu2 mais quero cu pedir.
Se quanto mais vos fcrvir;
Tanto mais vos dcvercy?
Se voílos mereci mentos
De tam alta eílima raô>
Aííaz de favor me daõ»
£m querer, que meus tormentos
Me fiquem porgalatdaó.
Mote alheo.
fi nam poiTo fcr contente,
Tenho adfperança perdida.
Ando perdido entre a gente
Nena niorro,Qem tenho vida*
Glofa^
Defpois que mcacrticl Fado
Deílruiohuma elpcrança,
£tu que me \i levantado.
No mal fíqucy fem mudança,
E do bem dcíefperado:
O coração, que iílo fentc,
A fua dor nam refiftc.
Porque vé muyclaraniente,
Que pois naci para trifte,
Jánam poíTo fcr contente.
f^Por iíTo contentamentos
Fuiíi de quem vos dcfprcza,
Já fiz outros fundamentos,
li fíz*fenhora a triíleza
lll.Part.
do grande Luts de Camões.
De todos meus penfamectos
O meno8,que Ihcentregutyi
Foyefra Cànlada vida,
Cuydcque nifto accrtcy.
Porque- de quanto efperey.
Tenho a cfptrança perdida.
Acabar de inc perder
Fora jà tnuyto melhor.
Tivera fim cAador
Que nam podendo mor fer^
Cada vez a finto móf}
Devòs deíejoefcondermc,
E de fsi principalmente.
Onde ninguém pofla verme.
Que pois me ganho em perdfrme
Ando perdido entre a geiite«
Goílos de mudanças chcoí
Nam me bufqueiSjOam vos quero»
Tcnhovos portam alheos.
Que do bemiquc naó cfpcro,
Inda me ficaõ receos.
£m pena taní fem medida,
£m tormento tam efquivo»
Qae moura,ningucm duvida»
Mas eu fe morro,ou íe vivo^
Nem morro^nem tenho vida.
Mote a humé Tramas
18;
\ A mortCjpois que íou toíTo,
N am na quero»mas fe vcm^
Hade fer todo meu bem.,
Glofa.
Amor,queein meu penfamento
Com tanta f é íe fundou,
Mc tem dado hum regimento,
Que quando vir meu tormento.
Mc faive com cujo fou,
£ com efti de fcnfáo.
Com que tudo vencer ponfo,
Diz a cauía ao coração^
Nam te« em mi jurdição,
A morte^pois qucíou voíTo,
Por exprimentar hum dia
Amor,re me achavar/orte,
Ncfta fé^como dizia,
Meconyidou com a morcCp
Sò por ver fe a tomaria.
£ com elU feja a coufa.
Onde câà todo meu bem,
Aa a RcfpoíidiJhè
>
TÍS Rtm^s ^Grande Luís de OiffiSesl
Kcrpon Jihc,comoq liem
Quer dizer mâis,& naai oufa,
Nam a qucro,mas íc vem.
N im diilè maiSjporque entãa
Entendeo quaaco ms tocai
£(c cmhadicoo nam,
Muyras vezes diz a hoca^ - im ^b rijè^ih
O que nega o coração.
Toda a coafi dcfcn iida.
Em mais cftima fc cem,
Fonífohecouza íabíd-a,
Que p2rc[:;r por vos a vidt,
Ha de icr codo meu bem.
Mstealhe».
Scmj\ ò«,Sf com meu cuydado,
Olhay coca quem^^c km i^ucra
{ Moteâhuma Dama quffi chamava Ânna^ ■
Vcjo"aalfna pintada,
Qutodo me pede o defejo»
A aatural;»que aaoi vepi
Se ró de ver puramente, in ^mi
Mecransformey no que Vi,
De vifta cana cxccUente,
Mal poderey ícc auícntc.
Em quanto o o am for de mi.
Porque a aloia namorada
A traz caubcm debuxadai
E a memoria tanto yqa, n ^-íiom A
Qu ^ íe a nâ m V ej o cm pettoi| n (nrA
Vejoa na alma pintada. '"lÀúikl-i
O dcíej jjque íe cftcnde
Ao que menos íe coiícfd^,
Sobre vòs peíie,& pertcndc
Como o doenpf ^qiie pcdcj
O que mais (e lhe defende:
Eu,quecmauiencia n»m ve)0|
Tcnhí picdaáft^ pejo, jjjijp
l)c me ver tam pobre citar
Que então nam tenho,que dui
Quando me pedro dcíejo
ComoaqueUc,quec?gaii^ «siCÍ
Hecouíavifta,!i aí>wiria, ' '
Que a natu-eza ttrd^na»,
Que íe lhe dobre em mcnK>ria,
O que em vifta lhe faltou>
A^ a mim, que nam rejo
Of olhos^ao que dcíéio.
Na mcmoria,&nafiri»€a»
Jde concede a natureza í
A ní^tural^quc nam v«j^. uj
Vendo amor^qtte com vos ver
Mais levemente íofría
Os malcs^que me fazia,
Nam me pode iílo íofrer:'
Conjurouíecom oieu Fado^
Hum novo mal meoidcooui
Ambos me levào forçado,
Nam fey onde^poís,que vou
Sem vós,& com meu cuydado.
Nam ley qual he maiscAranho,
Dcftes dous malcs^quc figo,
Sc nam vos ver^ íe comigo
Levar imigo tamanho.
O que fica, & o quç vem.
Hum me mata.cutro deíeja
Com tal mal,& fem tal bem,
Em tais cftreraos me vejo,
Olhay com quera,& fem quem;
jfo mefm9m
Amor,cuia providencia /.
Foy íemprc^que nam errafle
Porque n^alina vos IcvsíTc
Relpcytando o mal de aufencít,
Quiz que cm vós me transformaíTe
E vendome ir maltraudo^
Eu,6c meu cuydado lòs
Froveo niQb de acteatada»
Por nam me aufentar de vòs.
Sem voj,& com meu cuydado.
Mas cll^alraa, que cu trazia,
Poiquc vósnella morais^
Deyxamcccgo,líi icm guia.
Que ha por niclliorconi|)anhia^
Ficar onde vòs ficais»
Afli me vou de meu bem.
Onde quer a forte eftft Ha,
Sem alma, que em fi vos tcm>
Co mal de viver fem ^\2í,
Olhay com qucm^gj feítt quem/
Mete
Rimas ão grande l,uis^e ^al^esC
if^
Mote alheo.
Sem ventura hc [lor demais
Ghf».
Todo o*trabalhado bem,
Promete goftoío fruitcK-
Mas os trabalhos,que vem»
para quem dita nam tem»
Valem pouco,& cuitão muyto.
Rompe em toda a pttíra durt.
Faz os homens immortaii
O trabalho quaado a corá
Mas querer achar ventura
Sem venturâxhc por deitais.
Mote Alheio^
Minh'alma Icmbnjfyoi áélli»
Pois o vervos tenho cm máí$i
Que mil vidasjquc mcdeis|
Aili como,aque utedai^^-
Meu bem jâ que mó negais
Meus olhos,nam mo negueis.
E leataleftado vimj
Guiado de minha oftreHa,
Quando houverdes dó de tóiitt.
Minha vida>daylhc a fim,
Mmh' alma lembray vos dclls^
Mote âiheà.
Tudo pódc huttiâ ãffcyçSó.
Glofa.
Tem tal jurdiçáo amor,
N^alma donde fc apoíenta^
E de que fc faz ícnhor^
Que a libcrta»Sc izericà
De todo humano rcmóf,''^'^^^''^^ :
E com muy jufta razão,
Como f^nhor rherano,
E róis me Cofre tenção,
Gritarey por defcngarío,
Tudo pódc humák aíPey^ld^
Trovas de Bofião^
Jufta fue mi perdiciort.
De mis males foi con cento
Ya no cfpero galirdon,
Pues vucftromerccimiem»^
Satisfiz© a mi paíllon,
Defpues que amor meformó
Todo de mor,qual tvk ^eô>
En las Icyes,que medió,
£1 mirar me cohílèrtò
Y de fcndiòmc d deffco.
Mas el alma como injuítas
Envicndotal pcrfedòt»,^
Diò ai deíTeo o cafíoni
Y pues quebre ley tàd jiiftáj
JuÃa fue mi perdicion.
Moílrandoíeme íel aítíof^
Más benigno,quê cr Uel^
Sobretyranocraydd íTi
Dezelos de mi dolofi
Quiío tomar parte en élv
Yo,quc tan dulce lôrtóêfttò
No quicra dallo^àufiqiae pcêò
Rcfifto,y no lo conficntOí
Mas íl me lotoma a truécõ^
De mis males foy contA^to.
Senora,ved lo qu^ ordena
Efte amor tan falfo nueftro,
PorpagiracoftaagCúai b so^f fn:>iJiio- c'.
Manda que de un mirar Vâtítrd
Haga cl premio de ííii péná.
Mas vós,para que vcâi$
Tan engafiòfá intencionj
iiunque ifetiértp me fintais,
Nomireis^que fi mirais^
Yá no eípero galardon,
Pues que prenaiojiirié direis,
Efperas^quc fera bueíio?
SabcdjfinoloíabeiS)
Que es lo ntáS de lo qúépeà*
Lomcnos,que mereceis.
Quien haze ^%ttià\iiktf^ifi6j
Yrnnlibrral kí\x\mMi^\
El deíTeoíNojq ue^ ^i vffhôí
Elamor?No,quc es typ3flhcr,
PuesfVueftro mercciniieUtO;
>3 tf
um i^H
No pudiendoamcírrcy^atç
De
ipQ Rimâs do
De mis tan caros dérpojos.
Aunquf* fuc por más honrarme
Vòs íòla para maCarmc
Ls prcftaftóS vueilros o/os.
Macatanms amoos a dos»
Masavòscon mátrazon
DevcclU íatisfacion.
Que a mi por <;l,& por vós,
SdCi6íÍ20^mi paílion.
Menina feFraora«& crua»
Bem íey cu.
Quem dey xará de fer leu,
Se fòs quizercisfcr fua.
Menina mais que naidádc,
Scipara me querer bem.
Vos nam vcj*i ter vontadct
He,porquc outrem vola cem,
Tem YOla,& f^zvola crua
Porém eu
]á cornara nam fer mcu^
be vós Dam fôreis tam Tua.
Nos olhoSySe na aífeyçáo
Vos vi,quaado vos olhava.
Tanta graça^que vos dava
De graça efte coração.*
Nam no quizcftes de crua, ?^> t j / ,
Porícr meui '» --^
Se outrem vos dera o feu,
PóJc ícr fôreis mais íui. .j ^^^y^
Menina tende mancyra,
Que ainda nam venha a (er.
Pois namquereis^quem vos qusr,
Que queyrais.quan vos naô qucyra
Oihay nammeíejaisciua^
Que pois eu
Quero fer voíío,& nam meu»
Sede vos mínha,& nam (ua.
Ahuma 'Dama doente.
Da docnça,em que hora ardeis
Eu fora voíTa mezinha
Só com vós Terdes a minha»
He mu y to para notar.
Cura tambcra acertada,
Q^c podcrcisjfer curada . ci-in:
:> akZ ^hy^i
grande Luis de Camcef]
Somente com me curar,
ScquereiSjdama trocar,
Ambos remos a mezinha,
Eu a voíTíi,&vósaminha
01hay,que nem quer Amor,
Porque fiquemos iguaes^
Pois meu ardor naõ curais.
Que íe cure voflo ardor:
£u cà finto voíTa dor,
Efe vòs íentis a minha.
Day^êc tomay a mezinha.
Outro»
Dco,fenhora,por fcntença
Amor,que foifeis doentei
Para fazerdes â geote
Docc,& fermoía a doença.
Não fabendo amor curar,
Foy a doença fazer
Fermoía pcra fc ver.
Doce para íe pafi^ar
Então vendo a differcnça,
Que ha de vòs a toda a gente
Maadou,que foífeis doente.
Para gloria da doença.
) E digovos de verdade.
Que a faude anda envejofa»
Por ver eílar tam fermofa
Em vôs efla enfermidade»
Naõ Uçais logo deteoça
Senhora,cm cftar doente^
Porque adoecera a gente»
Com^defcjos da doença.
Que cu por ter, fer mofa dama
A doença,que cm vòs vejo
Vos confc(ío,quc deíejo
^.,^ Dccahir comvoícoemcama.
ncT Se confcntis,quc me vença
Dcfte mal,naô houve gente
Da faude taô contente
Como eu ÍLrey da doença«
5 jíomefmo,
. 01hay,quc dura fcntença
Foy amor dar conrra mi,
Qiic porque cm vós me perdi»
Em vós mcbufque a doença.
Glaroeftá,
Que em vòs fó me achará.
Que em mi fe me vem buícar»
Nampodsrá mais achar.
Que
Que a fórmi^do que foy já.
Que Te cm vós Amoríepoz,
Senboia,hc forçado afll
Que o nial,quc me bulca amiV»
Que vos faça mal avós,
Scro mentir,
Amormequiz dcílruir,
Vor modonunqua cuydado,
Pois ha de íer jà forçado,
Pcíaryos de vos íervir
Masfoistam deíconhccida,
E íâo meus males de íorce,
Que vos ameaça a morte,
Porque me negais avidaj
Se por boa
Tal jHÍtiçaJe pregoa,
Quando deita íorte for,
Havcy vós perdaõ deamor^
Que a parccjà vos perdoa*
Mas,o que roais temocmfínij
He que oclta diíFerença,
Que íe naõ corne a doença
Se me não tornais â fnim«
De verdade,
Que jà voflfahumamda
Uc queíe queyxc oâo tem.
Pois para as almas também
Fez Amor enfermidade.
Mote a huma ^ama vejlida de dò
De atormentQdo,& perdidoj
Já vos não pcço>ícnão»
Que tenhais no coração
O que ccndcs no veílido.
Scdcdóviíiidaandais,
Por quero jà vida naò tem.
Porque nam no havcis^de qucirt
Vós tantas vezes matais»
Que brado lem ler ouvido,
E nunqua vejo,fenão
Cruezas nocoraçÃo^
E grande dó no veítido.
A Dona Guiomar dê Bhsfê , qneymand^fe
Com huma vella n§ rojh*
Mote,
Amor,quc todos offendc
Tcvc,íenh9ra,por ^oíio^
R4mas do grande Lnisâe Camões.
191
Que fcntilTe o voflb rofto,
O que nasalmas acende.
Volta,
Àquelle rÒílo,quc traz
O mundo todo abrazado.
Se foy de íiamma tocado»
Foy porque finta,o que faz.
Bem ícy que amor íc vos rcndc^
Porém o íeu prefupofto,
Foy íentir o voíTo rofto
O que nas almas accndCé
Ahuma mulhef açoutada for hum homem^^nè
chamavâo Core/ma^
Naõ eftcjaisagravadai
Scnaó fe for de vós meAna,
Porque a mulher,quehe crradii
Com razaõ pola Corefma^
Deve fer dífciplinada»
Volta.
Qucretáés profano A mor
Em Coreímajhe concienciaj
Açoutcs,& penitencia
Vos eílà muyto aielhor.
Naõ fiqueis difto afrontada^
Pois aculpa he voíía mef ma.
Que mulher,quc he taó malvadãi
He bem,que pela Coreíma
Seja bem difciplinada.
Se a penitencia vos yal|
Muy bem açoutada cftaífi
pois por Corefma pagais»
VoíTos vicios do carnal.
Naõ torneis a fer errada.
Nem condeneis a vós mefma j
Pois eftais jà eomendada,
E naõ fereis por Corefma
Outra vez diíciplinada.
A hum fidalgo \ qUe lhe tardava còm hUffiè
[câPtiza^ que IhefrometeOi
Quem no mundo quizer fer
Havido por ílfigular»
Para mais fe cngrandeccf,
Hadc trazer ícmpreodar
Nai ancas do pfometelr. ^
Rhias do grande Luis de Camões*
Qiiando vindes náo vou eu
Quando vou naõ virdes vòs
Reynandoamorem dous peycos,
Tece tantas falíidades,
Que de conformes vontades
liOriilí pA Fazdcíconformeseffcytos.
jihujnaTiama , que lhe chnmouJiabo , pôr Igualraentcvivcem nós,
fiomehoam dos /Ãnjos, Maspor defconcertofcu
í?inil3f' Vos leva fc venho eUj
Mote^ Mckvaíe vindes vòá.
192
tjàque voíTa n crcé,
Largueza tem por divi/a,
Como o inundo todo VC|
Ha ix)iíler^que tanto dé^
Que venha a dar a camíza.
■:v
Senhora^pois mc chamais
Tam reiT) razào tam mao nome, ' ^*
Inda o diabo vos tome.
Vcita. '1
Quem quer que vio,ou que leo,
Ttrà por novOj& moderno,
Ttr quem vive no inferno^
O pcnfamento no Cfo.
Mas fe avós vos pareceo,' , , : ^pUJ^ *
Que me eftav'^ bem tal nome/
Elíe dubo vos tomç»
Perdido mais,que ninguém, .
Confefib/enhoraíícri
Ma s o dia bo naõ quer , ^ . . .
Aos Anjos tamanho bem: âjntiq
Pois logonaó meconvem,a oi^om
Ou fe me coo vem tal nomcV
Será para que vos tome.
Se vos benzeis com cautela,
Conr.o de Anjo,& não de luz^^rjp.msd "
Mal pode fugir da Cruz,
Qurm vos tendes pofto nella> .„
Mas já que foy n\inha elhella|:^f '-
Ser diabojôc ter tal nome,
Guarday vos,que vos naó tome.
Já que chegais tsnto ao cabo.
Com as mãoj póftas aos Ceos,
Vouícmprepedindoa Deos, .n^ic^í
Que vos leve efte diabo,
Eu,íenhora,naò me gabo.
Mas pois que me dais tal nome,
«Tomoo para que vos tome. v^í^ wttàK
jlhum úmlgo^qu€ naõ p dia encontrar.
.ií?fn OT ^"svO
o eTV «• » *■
ÍÍÍote\
Qualíferâ culpa de nós
Ncftc maluque todo he meu?
Mote feu.
Delcalfa vay pela neve,
Aíli faz,qut.m amor ícrvc.
Voltas.
Os privi!cgics,que og Reys
ISiaó podem dar,fóde Amor,
Que faz qualquer amador
Livre das humanas leys,
Morte$j6c[gucrras cruéis,
Ferro, frio, fogo,& neve
Tudo íofre,quem o ferve
Moça fer moía dei preza
Todo o fi io jfii toda a dor,
O Ihay quanto pòdc Amor,
Mais que a própria natureza,
Medo,ncm delicadeza
Lhe impede^que paíle a neve,
Aíli fa2.qucm amor ítrvc»
Por n-ais trabalhos,quc leve,
A tudo Te ofFereccria
Paílapela neve fria.
Mais slva^que a própria neve,
Com codo frio íe atrtve
Vede em que fogo fer ve
Otrifte,quèlmor ícrve.
Outro aiheo,
Ador,quea minha alma fence
Nam na íabe toda a gente^
Voltas,
Que efiranho cafo deamof.
Que dcfejado tormento.
Que venho a ícr avarento
Das dores dè minha dor.
Por me^nam tratar p^or.
Se fe Tabelou fc fente^
I^ aõ na digo a coda a geoce.
Minha dor,8c caula delia.
De ninguém oufo fiar.
Que feria aventurar
A perdcrme^ou a perdela;
E pois rò com padecela,
A minha alma eílá contente,
Naõquero,queoiaybaa gentewi.úi ò^:
Ande no pey to eícondida
Dentro n'alma lepultada
Dcmi íó (eja chorada
De ninguém fejaíentida^
Ou me mate,ou mcdé vida.
Ou viva triíle^ou contente ^
ISaó ma fay ba toda a gente
Rimas do pánde Luh de Camôesi
Se levante por feahor:
Levame de dor em dor^
Edeíinalem íinal»
Cada vez para mór maL
'9i
Outro/eu,
01 ÍBU
D^alma^Sc de quanto tiver
Quero,que n>e deípojeis.
Com tantOtque medeyxcis
Os olhos para vos ver.
Vêlta.
Coufa cíle corpo naõ tem,
Quejâ naõ tenhais rendida,
Deípois de tirarlhe a vida^
Tiray lhe a morte também:
Semaistcnho,que perder,
Mais^quero,que me leveis,
ComÀtancOtque me deyxeis
Os olhos paia vos ver.
{Mote êlheo.
A mores de huma caOida^
Que eu vi pelo meu mal
Voltas.
Numa caiada fui por
Os olhos defi fenhorcst
Cuydcy, que foíTcm amores,
Ellcs fizcrãcfe amor.
Fazfe o defejo mayor
Donde o remédio nam vaf,
£|D perigo de meu mal.
Nam me parcceo,quc Amor
PudcíTc tanto comigo.
Que donde entra por amigo
' III. Par t.
OutrofiU.
Enfbrquey minha efperança,
Mas Amor foytaõ madraío.
Que lhe coitou o baraço.
,^\n* C ;
rf
Voltas.
Foya efperança julgada
Poríeotença da ventura,
Que pois me teve á pendurii
Que íoíTc de pendurada.
Vem Cupido com a eípada,
Cortalhe cerce o baraço
CupidO|foítc madraço.
Outro Ceu.
Fuz o coração nos olhos»
E os olhos puz no chão.
Por V ingar o coração
Voltas.
O coração cnvejofo^
Como dos olhos andava.
Sempre remoques me davat
Que naõ era o meu mimofo.
Venho cu de piedoío.
Do ícnhor uieu coração,
£ boto os olhos no cháo»
Outro feu-
Puz meus olhos numa funda,
E fiz hum tiro coro ella
Aas grades de hy ma jancUa,
Voltas.
Huma dama de malvada,
Tomou ícus olhos na mão,
£ tiroume huma pedrada
Com clles ao coração.
Armey minha funda então,
E puz os meus olhos ncUa,
Trape,qucbrcylhc ajanelli^
Bb 'Atht^*
iP4*
-^"
jt'
Rim^s ÂoGrandt Luís ieÇimhsl,
A^hea. Voltas^
De pequena comcy amorj
Porque onam cnrcodi,
Agora^queo conheci,
Maca ene com disfavor«
à?5;>n
%í'
w 'í'--»
Vio moço^gí pequenino^
Ea mefdia idade cnúm.
Que Ic incline huma minini
Aasaraoftrasdehnra mininoí
Ouvilhe chamar Amor,
Pelo nome me venci,
Nunqua cal engano yi.
Nem tamanho dçfamor.
Crcccome de dia cm dia,
Com a idade a aífc yçáo.
Porque amor de criação,
Nalma^ôc na vida fe cria ^
Criouíeem mi efte amor»
E fenhoreoyíe de mi.
Agora queo conheci,
Matame com disfavor*
Asflores me torna abrolhos,
A morte me determina.
Quem eu trouxe de minina.
Nas mini nas de meus olhos,
Deíla magoa,6c deílador.
Tenho fabido,que em fim
Por amor me percoansim,
Porquem de mi perde amor.
Parece fer caio eftranho,
O que amor em mini ordena
Que cm idade taó pequena
Haja tormento tamanho.
Sejaô milag^resde amor,
Heyos de íofrer aíli.
Até que haja dó de mi.
Quem eniender cíí» dor.
Cantiga velha.
Apartar 3 ofe os meus olhos
De mi tão longe,
Falíos amores,
Falíos mãos enganadorei.
*o^^^\
Tratáraômc com cautella,
Por me enganar mais azinha,
Deylhc poíTed^alma mmha,
Foraóme fugir com cila
Nem ha vcllos^nem ha vella
De mi taò ionge^
Falfos amores,
Falíos mãos enganadores.
Entrcgueylhe a liberdade,
£ em fim da vida o melhor,
Foraófe, & do deíamor,
Fizeraõ neccífidade,
Quem teve a fua vontade,
Demitam longe,
Falfos amores,
£ oxalá enganadores.
Outra»
Falfo cavaleyro ingrato,
Enganaifme,
Vós dizeis,queeu vos mato,'
Evósmataiírae*
. Vêltat.
Codumadas artes ião
Para enganar innocencias,
Piedoías aparências,
Sobre izento coração:
Eu vos amo,5c vós mgrato
Magoaifme,
Dizcndo,que eu vos mato.
Evos mataiíme.
Vede agora qual de nós,
Anda mais perto do fim.
Que a juftiça fazfe em mim,
E o perdão diz, que fois vós.
Quando mais verdade trato
Levantaifrae,
Que vos defamo,5c vos mato,
E vós mataiíme.
Se de meu mal me contento,
He porque para vóí vejo
Em todo o mundodefejo,
£ em oiogucm merecimento^
€.v;
feltus:
Rimas io grande Luis de Camçes.
Que de tan dulce quer cila,
Voltast A nadie dé partç delia^
Porque la íicnta mayor.
Es can dulcc mi tormento.
Que âun íc me antoja poço,
\ ii es rBWcho quede loco
De gufto de lo que fiento.
I9Í
Para qucoí vos foubc olhar
Tam impoíllvcl foy fer,
O podervGS merecer.
Como o naõ vos defejar.
Pojs logo a meu penfamento
Neniium remédio lhe vejo,
Sc naó Ic der o deíejo,
Azâs dO merecimento.
Aalheo.
Vós ícnhora tudo rendes,
Scoaó que ccodes os olhos verdes,
Vdtas.
Dotou em vós natureza
O íummo da pcrteyção,
Qiieo que cm vós hcíenam^
Hs em outra» gentileza:
O verde nam íc dcípreza.
Que agora que vós o tendes,
Saõ bcilos os olhos verdes.
OurOj& azul hc a niclhoc
Cor, porque a gencc íc perde,
Mas agraç^. dcfle verde.
Tira a graça a toda cor.
Fica agora fendo a flor
A cor,quc nos olhos tendes»
Forque ião voílosi& verdes*
Alheo^
Para que «icdan tormento,
Aprovcchandotan poucof
Psrdidojtnas no tan loco,
Que dcícubra lo que ílcnto.
Voltas.
Ticmpo perdido CS aquel.
Que fe pafla en dar me afan,
Pucs qusnto mas melodan.
Tanto naenos fiento dei.
Que dcfcubra lo que fiento?
No lo haré,que no es tan poço.
Que no puede fcr tan loco,
Quien tiene tal pcnfamiento,
Se pin que mcmanda Amor*
IIJ. Part.
Alheo,
De vucftros ojos centellas,
Quien encicaden pcchosde yeloi
Suben por cl ayre ai ciclo,
Y cn ILcgando fon cllreiUs
Voltas^
Falfos loorcs os dan.
Que eíTas cencellas tan rara»,
!No fon nel ciclo màs claras.
Que en los ojos donde eftan.
Porque quando miro en ellas
El como alumbra n ai íuclo.
No ié que íer aii nel ciclo
Mas íc que acá íon eílrellas.
Niíc puede prefumir.
Que ai cielo fubaB,fenora,
Que la lumbrc,que en vós mora
Islotiene màs.quefubir,
Mas pienfo^quc dan quercllas
A Dios nel o6taro ciclo.
Porque fon acà en el íuclo
Dos tan hermolas eílcellas.
Álheo.
De dentro tengo mi mal,
Que de fuera noay fenal.
Voltas.
Mi nueva,y ducc querella
Esinvifibleala gente,
El alma folola fientc.
Que el cuer po no es dino delhi
Como la viva centclla
Sc encobre en el pedcrnal,
De dentro tengo mimai.
Alheo.
Amor loco,amorlocoi
Yo por vós,y vòs por otro.
Bbz
Voltas^
iS6
Voltas.
Rimas dd í^rands Luh dt CamSeí^
Pará contento me hazcr^
Todo CS poço lo pofliblc.
Diòmc Amor tormentos dos.
Para que pene doblado,
Uno CS verme dcfamado,
Otro es nianzilla de vòs,
Ved que ordena Amorcnnós^
Porqucjvòshazçiímc loco.
Que íeais loca por otro.
Traiais amor de manefa.
Que porque affi me tratais,
Quiere que pues no me amais»
Que ameis outro,que no es quicra, *
híãS con todo íiiiO os vieta
De todo loca por otro,
Con más razon fuera loco.
Ytan contrario viviendo,
AlfinjalfinjConfojTGoamoS,
Puc5 ambosâ do$ bufeamos,
Lo que más nos vá huyendo
Voy trás vós ílempre figuicndo,
y vòs huyendo por ctro,
Aodais loca,y me hazeis loco
Alheo,
Toda es peco pofiiblc.
*' Glofà,
yed,que engano fcnorca^
Nucrtro juizo tari [oco^ . òMoía vqí. ai]
Que por roucho que fe crea,
Xodoel bien,que fe dcfl^a,
Alcançado^queda poço.
Un bkn deqwalquieraigradoí, ->'?
SideavcríeesimpoSbtc^ , ^ ^^
Queda mucho de ITeado?
Mi s para mucho alctriçado?
Todo Cf poço lo pollibic.
Outra'
PoíTibleet a micuydido,
Poderme hazcr íatisfecho,
Sifuerapoílibleal hado
Hazer no hccho lo hecho a Q^n ji o
Y íuturo lo paíTado,
Si olvido pudiera haver^
Fuera rcmcdio ruffblc:
Mas ya que. no pucdeícr,
-Xví
Alhia^
Vede bem fc nos meus dias
Os def gofto* vi íobejoí,
Pois tenho racdo a dcícjos,
t, quero mal a alegrias.
Voltas,
Se dcfcjos fuy jà ^^Xy
Servirão de atormentamne,
Se algum bem pode alegrarmci
Qujzcneantcs entriUccrr,
Pa/Tey anncSjpancy dias,
Emdcfgoitostara ú)bc|o»,
Que ló por nam ter defcjos,
Pci derey mil alegrias,
Troprio.
Pois hc nnais voíTo^que mcu^
Senhora, meu coração»
Eu voííb captivoram,
Meus oIhos,lcmbrevos eu.
Volta.
Lcmbrevos minha triftcza,
Que já mais nunqua me deyxa,
Lcmbrtvoscom quanta qucyia^
Sc qutyxa minha firmeza;
Lembrcvos que nam hc meu
Eitc trille coração,
£ pois ha uflta razãc.
Meus olhoôjlcmbreTc» cn.
Outro,
Senhora,poift minha vida
Tendes cm voíío poder,
Porferdcs deli» fervrdg.
I^Jam qucyrais,qce deílruida^
PoíTa íer.
'.^Voltas,
lOo nam por me pefar
De morrer, fe vòs quizerdeSj,
Que melhor me he acabas
Mil
Milvezcs^que foporrar
Os males,que me fizerdes^
Mas íó p.fr ícrdes fervtdâ
De mim^cm quanto viver,
Vos peço que minha Vidai
Nam quey{âis,que dèftruida
Poíía íer.
Outro.
Pois dano mé faZ olharvos,
Ni til qu aro, por natn quercrvos^
Que ninguém me veja, ver vos
Fo/ta*
Devcrvosa nam vos ver,
Hadouscílremos moftaes,
E fâõ cUes em íi-taes,
Que num por hum mê faz mOrrerí
Mas antes querO eíc<àíher,
Que poiii vivdt fem vervos/ ^^«t '^^ -
Min h^alma por nam perddryoi.
Dífte cârtianho perigo.
Que rcraedio polío ter^
Se VI vo iò CO m vos ver,
Sevos nam vejOjperigOj
Mas quero aeahar coaiígô', ^
Qj_ie ninguém me veja vervóií',
Senhora^pornana perdervos.
^ três Damas , que lhe diziao , que o
amavâo,
Nant fey fe lile ertganâ Heíen;r> ^
ScMariaJe joafvna, *
IN am íey,qual delias me éógaTia
Rmas do grande Luisde Catmoes.
Também mentira Joana,
Mas quem mente hâô aâe engana.
m
Volta.
ríOfO ^5,«!gQ
Humadi7,que me quer bera.
Outra jura,que mó quer^
Mas em jura de mulher^
Quem cticíà íe elks nam crc*m?
Nam psíR)rtam crera Helena,
A Maria, nem Joanná,
Mas naõ fey,qual mais me engàrta;
Huma fazme juramentos,
Que fò meu amor eftima,
A outra diz,queíc fina,
Joanna^que bebe os Ventou.
Secuydo,que ittence Helena,
A huma T^ama mal empregada.
Minina.naõfey dizer,
Vendovos taó acabada,
Quaõtriftecílou por vosvcr,
Fermoía,& mal empregada.
Voltas.
Quem taõ mal vos empregou,
Pouco de mim fe dohia,
Pois naõ vio o quanto me hia,
Em tirarme,o que tirou^
Obriga o primor,que tem
Lindeza taõ eltremada.
Que digáó cjírantos a vem,
Fermoía,^ mal empregada,
Tomaftes dafermcíura^
Quanto delia deíejaftes,
E com ella me guardafteS
Paratam trifte ventiírá.
Ma taveis fendo folteyrai.
Matais agora em calada.
Matais de toda'á maneyra,
Fermoía,& mal empregada.
j
^\ 3l Ot
A huma Foã Gonçalves»
Com yoíTos olhos Gonçalves,
Senhoraicativò tendes,
Efte meu coração Mendes,
Voltasl
Eu íou boa teífcmtinhâ,
Que amor tem por couía ma,
Queolhos,que laó hbmcns jà.
Se nomeem fem alcunha.
Poiso coração apunha,
E diz olhos pois voá tendes,
Chamayme coração Mendel.'
Outro.
De que me ferve fugir
De morto,dor,&' perigo,
Sc me eu levo <orilígoí
Voltas}
.I9«
Tcnhomc per fuadido,
Por razão conveniente^
Q^ienaõ poíTo fer contente,
Pois que pude íer nacido.
Anda íempre tão unido *
O aieu tormento comigo,
Qiieeu mefroo fou meu perigo
£ íc de mi me iivraííe.
Nenhum goílo me feria:
Quem íenaó cu nam teria
Maluque eííe bem me tiraíTe
Força he logo que aíli paffc^
Ou com defgofto comigo.
Ou íeo) gojtu,& km perigQ,;^
Rimas do grandt Luis àe Câmcesl
Que defque vivo he mirado^
Voltas, Gracids fobrenaturalcs
Te lo tienen en prifion,
Y fiamortiene razon.
St nora, por las fenaics,
V os tcuei$ mi coraçon.
A hurna Uama
r»r
, que jurava feios
olhos.
Quando me quer enganar,
A minha bella perjura,
Para mais me confirmar,
O que quer certificar t j^^ ^j
Pelos fcus olhos me jura.
Como meu contentamento
Todo íe rege por cUcs,
Imagina o peníamento.
Que íe faz agravo a ellcs.
Não crer taõ graó juramento^
Porém como em cales tacs ,^ r^.^r)
Anda jàviílo,& corrente
Sem outros cerros fmaes, . _^j,-. ^4^ -^
Quanto me ellaj ura mais,
Tanto mais cuydo)que mente.'
Entaõ vendolhe offcnder
Huns taes olhos como aquelles, .
DeyxofDe antes tudo crer
Só pela naó conílranger,
A j urar falío por elles.
Alheo.
Vòs tcncis mi coraçon,
Ckfa»
\A\ coraçon me han robado,
Y Amor vicndoroisenojos
Medixo,fuete llevado
Por los «às hermoíos ojos,
Aiheo,
Ha hum bem,que chega,& foge,
E charoafe eftc btm tal.
Ter bem para íennr mai,
Volu,
Quem viveo fempre num fer
Inda queícja cm pobreza
JN aõ vio o bem da riqueza
[tus Nem o mal de em pobrccer,
Nam ganhou para perder^
Mas ganhou com vida igual,
Naó ter bem,ncm fcntir mal.
Ahuma Damatqne lhe virou o rojlo
Olhos nam vos mereci^
Que tenhais tal condição
Tam liberais para o cháo.
Iam itoío» para mi.
Voltas.
Bayxos,& honeftos andais,
Por vos negardes,a quem
Nam quer mais, que aquellc bera,
Que vós no chaõ eípalhais^
Sc pouco vos mereci,
Nam mccílimeitmaisqucochaò
A quem vós o galardão,
Daís,& mo negais ami, ^
Troprio.
i Venceomc amofinam o nego]
Tí^m mais força que eu aflaz.
Que como he ccgo,& rapaz,
Dame ponada de csgo,
Folta.
Só porque he rapaz ruim,
Dcylhehum bofctc zombando.
Dizmc,
Rimas do grande Luís de amtes»
Dizme,ómiO|eftaifnic dando, Agora de arte te vingasí
^99
Porque foismayor que mim.
Pois fecu vos defcarrcgo,
Eem dizendo ifto chaz,
Torname outra,C3 rapaz,
Que dàs porrada de cego.
Aodefconctrto dommdo*
Os bps vi femprc paíTar ^ -/i
No mundo gravei tormentos,
£ para mais mc^erpantar.
Os mãos VI lempre andar.
Em mar de contentamentos.
Cuydando alcançar aífi
O bem taó mal ordenadoj b f^dg
Fuy mao, mas fuy caftigadov
Afli^queíô para mi^
Anda o mundo concertado.
A huma 7)ama > perguntandolhe quem
o améva.
Mote.
PcrguntaiTme,quem mcmata,
Naro quero rcípondcr nada,
ior vos naõ fazer culpada.
Voltas,
E íca pena não me atiça,
A dizer pena taò forie^
Querome entregar à morte»
Antes que avós ájuíliça.
Porem fe tendes cobiça
De vos verdes tam culpada,
Dizey,que naõ fínto nada.
Mote, ctií:
Elconjurote Dcmíngaf ^
Pois me dás tanto cuydado^
Que me digas fc te vingas,
Vivircy menos penado.
Voltas.
Jura vafmc,que outras cabras
Folgavas de apecentar.
Eu por naõ me magoar,
Fingia,quc eraõ palavras.
De algum meu doudo pecado
Que inda que queira Domingas,
N ão poíTo fcr enganado.
Qualquer coufa bufca o fcu,
A fonte vay para o Tejo,
E tu para o teu deíejo^
Por tevingardes do meu.
De mi te cíqueces Domingas,
Como cu faço do roeu gado:
Praza a Dcos,que íe tevingas,
Qi^c morra dcíefpcrado.
Na fantaíia te j/mto,
Falote,rerpondeo monte,
Buícoorii>,buíco a fonte,
EndoudeçojSí. Dam o finto.*
Domingas no vjillc brádo^
Reípondc o ccco,Domingas,
E tu inda te naõ vingas
De me verdouao tornado.
Alkeo,
Sc a alma ver fe naõ pôde
Onde peníàmentos ferem,
Qiie farey para me crerem?
Voltas.
Sc n*alma huma fô ferida
Faz na vida mil finais
Tanto fe dcfcobre mais.
Quanto he mais efcoiidida:
Se efta dor tão conhecida
Me nam vem, porque naó querem
Que farey para ma crereiti?
Se fe pudeííe bem ver,
Quanto call0j& quanto fento
Defpois de ta nto tormento
Cuydaria alegre fer:
>1âs fenaó me querem crer
Olho^^que taõ mal me ferem,
Que farey para me crerem?
Alheo.
VoíTo bem quer^fenhora,
VoíTo mal melhor me fora.'
Voltas.
Jà agora certo conheço,
Ser melhor todo o tormento.
'VoU
'.n 3<>p
Onde
/'
200 Rimas
OndeoarrependímcntojJ sisJis
$e compra por jullo preço:
Enganou me hum bom começo^
MiS Q fim medízjâgora,
QLieo mal melhor rae fora, ; úuoo v n
Qaando hum bem he tão dâDOfo,
Que fendo bem dá cuyda4o>
O dano fica obrigado '^ tab^í^^iiv)
A kt menos perigofo, 5,>">uí b:?i
Was íc amini por defdirofo, '
Co bem me foy. mal fenhora,
Co vofl o mâi bem me fora.
33 lO*I
Alhe§.
Se medcfta terra for, i iâroo
5 EuvoslevareyAaior,
FõUas.
Se me for,6c vos dcyxar,
(Ponho por cafoique poíía)
Eft^âlmeminha^quc hevoíaj
Coro vofco ojc ha de ficar;
Afll queíòporlcvar
Aminh*alma íc me tor
Vos levarey nricu amor.
Qtie mal pode maltratarmc
Que com vofco feja mal.
Ou que bem pôde fer tal.
Que fcm vós poíTa alegrarmc?
O mal não pode enojarme, .'bb í?} oinsX
O bem me lerá raayor £,èín ò
Scvoslcvarmeuaraor. . t ^
Pequenos contentamentos,
Hl bufcar,qucm contereis,
K Que a mim,naó me conheceis.
Fc/tas.
Os goftos^que tantas dores
Fizeraô jà valer raenoSj
Nam os aceyta pequenos,
Quem nnnqua teve mayorcs:
B^m parecem vãos favores. ;ííoV
Pois taro tarde me quereis
Que inda me nam conheceis,
O fTereceifme alegria,
Jcndome já cego,& mouco.
Luís âe Camões,
He bayxeza accytar poucojl
Quem tanto voí merecia:
Idevos por outra vUj
Pois o bem, que me deveis,
Nunqut no íatisfareis.
Perdigão perdeo a pena,
Nam ha mal,que lhe nam venha
Voltas.
Pcrdiga6,que o peníàmento
Subio em alto lugar.
Perde a pena do voar, >
Ganha a pena do tormento:
Nam tem no ar,n:m no vento,
AzaSjCom que fe foftenha,
Naô ha maluque lhe naò venha.
Quiz voar a huma alta corre» !
Masachoufedefazado, <
E vcndofc deípenado,.
De puro penado morre.
Seaqueyxumes lefocorrc,
Lança no fogo mais lenha,
Nam ha fDaJ,que lhe nam venha.
Ahumas fenhoras^que haiiao de ]er tercey
rascara com hurna *Dama,
Pois a tantas perdições,
Senhoras,querei$ dar vida,
Ditofa fcja a ferida,
Que tem tais cirurgiões,
PoÍ5 ventura
Meíubioa canta altura.
Que me fejais valedoras,
Ditoía feja a triílura.
Que fe cura
Por voíTos rogos,fenhora.
Ser minha pena mortal,
Jà que entendeis, que he aíli,
Nam quero falhr por mi,
Que por mi falia meu mal.
Sois fermoías,
Haveis de fer piédofas, ^
Por fer tudo de huma cor:, .
Que pois Amor vos fez roías
Milagrofas,
Fazey milagresdeamor,'
Pwdiaquem vósíabeis,
^ . Que
Rimai do grandt
Que fayba de mcii trabalho,
Naó pelo.quc eu niíTo valhoj
Mas peIo,que vòs valeis,
Que o valer
Devoífo akomcrcceo
Com lho pedir de geolhos,
Farâ,quc em meu padecer
FoíTa ver
O podcr,quc tem fcus olhos,
VoíTa muyta fermofura
Com aíua ranto vai,
Que me rio de meu mal.
Quando cuydo,cm quem, me cura,
Aojeusays
Peçovos,quclhe valhais,
Damasde Amor tam validds,
Que Dunqua tal dor fintais,
Que qucyraiSj
Onde Daôie|ais queridai.
[Endechas a Barború efcravâ^
A Queila cativa,
Que me tem cativo,
Porque nella vivo.
Já nam quer^que vivtf
tu nunqua vi rofa
Em fuavcs molhos,
Que para meus olhos,
Foííe mais ferrr.oía.
^cm no campo flores
Nem no Ceo elhcUas
Meparccem bcllas,
Como os meus amores.
Roôoíingular,
Olhos foíTegados^
Fretos,& canfados,
>lai nam de matar.
Huma graça viva,
Que nelles lhe mora
Faraíer fenhora
De quem he cativa,
pretos os cabcllci.
Onde o povo vão.
Perde opinião,
Que louros fão belloi,
Fretidaõdeamor,
Tam doce a figura.
Que a neve lhe jura
Que trocara açor
Leda manfidáo.
Que onío acompanha
UI.Farc.
Lmsãe Camoeil
Bem parece eAranfaaj|
Mas Barbara naõ,
Preícnça fcrcna.
Que atormenta amaofà
Nella em íim dcfcanía
Toda minha pena.
Eílahe a cativa
Que me tem cativo,
E pois nella vivo,
He força,que viva.
Outra\
Quem ora foubcíTe,
Onde o amor nace^
Que o femeaflfc.
Voltas.
D*amor,& feus danos
Mcfiz lavrador^
Someavaamor,
Ecolhia enganos:
Kão vi em meus annos
Homcm,qne apanhaílêi
U que fcmcaífe.
Vi terra florida
De lindos abrolhos,
Lindos para os ol hos
Duros para a vida.
Mas ares perdida.
Que tal herya pafcc
£m forte hora nace.
Com quanto perdi
Trabalhava am vão
Se femecy graõ,
Grande dor colhfV
Amor nunqua vi,
Que muytoduralTc,
Que naõ magoaflíe.
Alheai
Se melevão agoast
Noi olhos as levoi»
Trofrias^
Se de faudadc
Morrcrey,ou naõ.
Meus olhos diraõ,
Pe mim a verdade.
aoi
foi
Por ellfstre atrevo
A lançarasagoas.
Que moftrem as rnagopsi
Quenefti 3 Ima Icvch
As agoasiqueemvão
Me fazem chorar,
Se ellasíaõ domar
Efta^dcaraarraó,
Porei las relevo
Todas minhas magoas
Que fe força de agoast
^íe leva, cu as leva.
Todas meentriftcccm
Todas faõ falgada^í.
Porém as choradas.
Doces me parecem.
Correy doces agoas
Que íe em vòsaie enlevo
Náo doem as ma^oa«.
Que no peyco levo.
"TftjO
Minínados olhos verde»
Porque me naô vedes.
Voltas ^rof rias.
Elles verdes ião,
Etem por ufança,
Nacorcíperança,
£ nas obras nam;
Voíía eondição
Naõ he d^olhos verdes
Porque me nào vedes,
ifençôesa molhos.
Que cllcs dizem terdes,
Naó faô d^olhos verdes,
N-m de verdes olhos.
Sirvo de giolhos.
Evos naó me credes,
Porque me naõ vedes...
Hâviaõ defer,
Porque poíTa vello*,
Que huns olhos taÔ bcUos
Naõ íe háo de cíconderj
Mas fazcyfme crer.
Que já nam ião rcrdes,
Porque me naõ vedes.
Verdes nam o faô.
No que alcanço dellcs,
yq^desfaó aquelle&^
Rm4u dê çpmât LuhãtCAmhtl
Que cíperança daÕ,
Ss na condição
Eftá ferem verdes.
Porque me náo vcd s ?
Trocay o cuydado^
Senhora comigo.
Vereis o perigo.
Que he ícr deíàmado.
,? M Voltas frofriar,
Sc trocar deícjo
O amor entre nós,
He para que em vòt
Vejais^o que vejo.
E lendo trocado,
Efteimor comigo,
Servoshacaftigo,
Terdes meu cuidado
Tendes o fentido
D*amor livrc,& ízcnto,
E cuydais,que he vento,
Ser taô mal querido.
Nam íeja ocuydado,
Tam voílo inimigo,
Que queyra o perigo
De íer defamado
Mas nunqua fòy ral
Efte meu querer,
Que quem tanto quer,
í Queyra tanto mal.
Seja eu maltratado,
Enuncaocaftigo
Vos moftre o perigo,
Que he fer defamAdo.
Atenção de Mir aguar da,
Vcr.&maisgusrdar
Dever outro dia.
Quem o acabaria?
Voltas.
A lindeza voíTi,
Dama^quema vCj
Impoifivelhe,
Que guardar íe poflía.
^e faz canta mo(f<^»
Vcrvof
Vervos hum fó dia
Quem íe guardaria.?
Mdtiorjdeve fer
Ncfte aventurar,
V er,& não gvardar,
Que guardar,'Sc ver,
Ver,& defender
Aluyto beoi íeria.
Mas quem poderia.?
Rimas do grandi LnisdtCéímiisl
^9l
Mote,
Irnsc quiero madre
A aqucUa galera,
Conel marmero,
A fer fflannera.
Voltas ptafrids.
Madre fi me fucre,
Doquicraquevó»
No lo quiero yo,
Queel amor Io quicre;
Aquel nino fícro,
Haze que memucva
Forunmarinero
A fer marincra,
El que todo puedc
Madre,no podrà,
Puesclalmavá,
Que el cuerpo fe quede,
Con él porque muere
Voy,porquc no muera.
Que fi es mannero^
Serémarinera.
Es tyrana ley,
Del nino fenor^
Que por un amor
SedcfecheunRey^
Quicre^irme quiero
Por un marinero
A fer niarinera.
^' Dizid ondas,quando
Viftes vòs donzella,
Siendo tierna^y bella
Andar navegando?
Masque nofeelpera.
De aquel nino ficro,
Vea yo quien quiero»
Sea marincra.
m.Part.
£ fin-jfsH
vr.>^'-^
Outra:
Saudade minha.
Quando vos veria?
Voltas frofriasl
Efte tempo va5,
£íla vida eícaíTa^
Para todos paíTa,
Sòparam.m nam.
Os dias íe vaõ
Sem ver eílc dia.
Quando vos veria?
Vede eíla mudança
Se eítà bem perdida»
£m tam curta vida,
Tam ioogaeíperança.
Se efte bem fe alcança^
Tudo fofreria,
Quando vos veria.
baudoía dor,
Eu bem vos entendo:
Mas naõ me defendo,
Porque ofendo Amor,
ScfoíTeismayor,
Em mayor valia.
Vos eftimaria.
Minha faudadCf
Caro penhor meu,
A quem direy cU;
Tamanha verdade?
Na minha vontade
DenoytCj&dedia,
S^ímprc vos teria.
Outral
Vida da minha alma
N^õvospoflover,
lílo naõ hc vida
Parafcfofrer,
Voltas frofriasl
Quando voseuviai
Eííc bem logra va^
Avidacílimava
Mas então vivia.
Porque vos fervia
Só para vos vtri
Cci
n
^à que vos naô vejo .
Para que he viver?
Vivo fem razão,
Porque em minha daiiniífi^bs&iiso '
.'íOVobnsHO
Rimai h ^éttdfLfiir ée CA^mnl
Amame Joanne»
V^l*\\<!>^
>t 8sib aO
Namapoz amor^
Que inimigos laó
Muy grande treyçáUr
M ob iga a fazer,
Que viva fcnhora, <3£VQq*t"'
Sem vos poder ver. "' • ?*
Nam me atrevo jà.
Minha tao) querida,
Achamarvos vida,
Porque a renhomà.
Ninguém cuydarà.
Que ifto pôde ier.
Sendo me vós vida,
Naó poder viver.
0utr4^
Coyfa debeyrannCj»
* Namorou Joanne.
Voltas fréfrm.
Porcoufa tam pouca
Andas namorado?
Amas o toucado,
E nam,qucni otouca?
Ando cega,& louca
Porti meu Jjanne,
Ta pelo beyrame,
Amaso veftido.
Esfalfo amador,
Tu n^m vés,que amor
Se pinta deípido?
Cego,8i muy perdido
Andas por beyrame»
Ecu porti Joanríc.
Atodos encanta
Tua parvoíce,
Detuadoudice
Gonfalo feefpanta,
E zombando canta,
Coyfa de beyrame,
Namorou Joanne.
Eunam fcy^quevífte
Kcfte roeu toucado.
Que taõ namorado
Dcllete fentifte,
Kam ceveja triflc
'>\%m
E deyxa o beyrame?
Joanne gemia
Maria chorava,
Aíli lamentava
O mal que fentia.
Os olhos feria,
E nam o beyrame.
Que matou Joanne;
Nam fiy do que vem
Amares veílido,
Que o meímo Cupido,
Veitido nam tem.
Sabes,de que vera
Amores beyrame.
Vem de fer Joanne. .
Se Helena apartar
Do campo ícus olhoí,
Naíceráo abrolhos.
Voltas.
A verdura amena,
Gados,que paceis,
Sabey,queadeveis
Aos olhos de HelenSj
Os ventos íerena,
Faz flores d'abrolhos
O ar de íeus olhos,
Faz ferras floridas.
Faz claras as fontes
S'ifto faz nosmontes
Que fará nas vidas:
Traias fufpendidas.
Como ervas em molhos.
Na luz de íeus olhos
Os corações prende
Com graça inhumaoa.
De cada peftana
Huma alma lhe prende,
Amorfe lhe rende»
E pofto em giolhos,
Pafma nos íeu* olhos.
jílheo.
Verdes faõ os campos
De cor de limão,
Afliíaó os olhos
Domeu coração.
Víiltas:
RiTwííséo grande Luís de QtmUié
i6f
F»lt^.
Alheol
Cam porque te eft€dd«Siq5fT?€)n*Hjo cT i
Com verdura bdU .ss-upio^'
Ovelhas,quc nella ^ ^
V oíTo palto tendes: , - . -A
De ervas vos mantenndcfi oaJ pví^íb oiXxVi
Quetrazo veraõ,
£ eu das lembranças
Do meu coração.
Gados,que paceisj ' U
Com contentamentOj
VoíTo.mantimenta >>-i.j,>
Nam no entendeis. :íu§fA
líTo^que comeis, feiisG
Nam íaõ ervai^nam
Saõ graça dos olhos
Do meacoração.
Alhto,
Verdes faô ts ortas
Com rofasjôc flores
Moças,qiie ás rcgãd
Mataõrae d^ãmores^
Voltas fn^s*
£ntrc cftes penedos
Que daqui parecera
V erdes ervas crectcfl,
Altos arvoredos,
Vay deftes rochcdoí
AgoajCom qpeas íiortáj
Doutras ião regadas,
Que matâo de amores.
Com agoa,qiiccac
DaquellaeípeíTura
Outra fe meftura.
Que dos olhos fae:
Toda junta Ysw
Regar brancas flores
Onde ha outros olhoff,
Que matão de amores,
Celefteí jardins.
As flores eftrelíasy
Horteloas dellafy
São huns íerafins:
Rofasi&jarmins
De divcrlas cores,
Anjos,qiieasríga6^
Mataõmc d'amores. -
Minina fcrmofa,
Dizey,dc que vem.
Serdes rígurola,
À queo) vos quer bem?
Voltas fkas^
Nara íey quem aíTellà^
VoflTa ferrooíura,
Que quem he tam dura
Nam pode fer bel la.
Vós fereis fermofa,
Mas a razão tem,
Que quem he irofa,
Nam parece bem,
Amodra he de bella.
As obras ião cruas:
Fois qual deftas duas
Ficará na íellaj^
Se ficar irofa,
Nam vos eftà bem.
Fique antes fermofa
Que mais força tem,
O amor fermofo
Se pínta,&fe chama
Se he amor ama,
Seamahepiedofo^
Diz agora a glofa.
Que cftc texto tem, iVKok
Que quem he fermofa
Ha de querer bem,
Haveydó minina
Defla fermofura,
Que fe aterra hc dura
Secafe a bonina,
Sedcpiedola,
Nam veja ninguém
Queporriguroía
Ferçais tánico beiíi*
, fílht9:
Tendeme mio nélle,
C^hum real me deve,*
Voltaf/kas,
Cum real de amor
Dous de confiança.
n
206
lirresdeefperança
Me fogG o trédor^i 4^*^
Fâlío deíamor»
bs encena naquelle
Que hun real me deve.
Pediu me em pcftado, [
Nam lhe quiz penhor^ . \
He mao pagador,
Tcndomo a fferrado ^^v\
Cuoi cordel atado,
Ao tronco íe leve, . tWS^s. rr^orjp ^3! me ^
Que hnm real me dev€, ^f .í^ .j^n^l «Do
Por cita travcíTa Biub rnsi arí f:
Se vay acolhendo, ,í:Í- í ■ -^
Eylovay correndo
Fugindo agráo prclTa. . rjrjjoisei* ÚH
Neíla maOjSi neíTa ^(úo^A '
O filio íe atreve, ^—y.
Que hum real me devei
Com proumeo amor, ■
Sem lhe tazer preço, ^u/;k.
Eu nam lhe mereço "^
Darmedibfavor.
Dametancador, t^ ' ; ? .;7 «
Que ando após ellcj
Pelo que me deve.
liudeca bradando,
Ellc vay fugindo^ t •.
File lernpre rindo
Eu íemprc chorando,
E de quando em quando
No amor fc atreve.
Como que nâo deve.
A f ai lar verdade
Ellejà pagou, ^
Masjinda ficou
Devendo amecade. r.r.
Minha liberdade
He a que n cdeve
Só nella íe atreve. rmu > mx *;pv
REDONDILHAS DO MESMO.
Céntígas ãlheas.
^■^ A fonte eft á Leonor
Si Lavando atalha^& chorando
As amigas perguntando^
Vilicsláomcuamor?
ie9a«iUi*í'^ íri> <
cr
Rimas ÃQ Grande Luis de CámSesl
Voltas do Camões.
Poílo o penfamento nt I !e,
Porque a tudo o Amor a obriga
Caniava .mas a cantiga
Eraõ íuípiros por elle.
Niíto eílava Leonor
O íeu dcfcjo enganando
As amigas perguntando
Viftes láomeu amor?
' Oroítoíobrehumamãa,
Os olhos nochaõ pregados.
Que do chorar já caníados.
Algum deícanlo lhe dao.
Delta forte Leonor .ti^mc
$uípende de quando d» quando.
Sua dor,efn fí tornando,
Mais pefada fente ador,
Naõ dey ta dos olhos agua,
Que náo quer quca dor fe abrande
A mor, porque cm magua grande
Seca as lagrimas a magua,
Qi^e defpois de fcu amorp^^e^ j .
Soube novas perguntando, Vi
Dem porviío^a vi chorando,
Olhay^que eítrcmos de dor>
EJfas trêvas mandou o Author da cadea^tm
que o tinha embargado por huã divídayAíí»
guetRoiz, Fios òecos d' Alcunha ^qutfe
embarcava para flra^ao Lênde ao Rcm
dondo^l), Francijco Coutinho Fijo»
Rey , peâlndolhe ofi&tjfe de»
/embargar,
Qiie diabo hetaõ danado.
Que náo tema a cutilada
Dos fios fecos da efpada
Do fero Miguel armado?
Pois íe tanto hum golpe fe«
Soa na infernal cadea.
Do que o demónio arrecea,? ^uv.v
Como naõ fugirey eu?
Com razão lhe fugiria.
Se cont'elle,& contratado,
Naõ tivcííc hum forte eícudo
Sò em voíTa fenhoria.
Portanto íenhor porveja,
Pois me tem ao remo atado,
Que antes que leja cmbarcadOj
Eu defcmbargado feja*
EJias
R!mãs Ú9 grânât Lntsdi Citmoéfl
Que fendo vós Senliofa, Anjo^'
Eftas trovas Múnàau Heytor da SJlveyra aa Vos queyra tanto o diabo.
t^J
me fino Conde yenvernsndõ emaCsa,
Voíía íenhoria crtfa
QiiC naò apuia o en>tnho
Fome,íè he como,a que tenhc,
Wns a fraca & corta a vea.
E quem o contrario ícntc
Eíla farco em toda ahora,
Como eílou famÍDCo agora.
Mas Marta íe cftáconrcn í:
Dalhe pouco de qiictn chora.
Depois voíía fenhoríi
Em gerai a tudo acode,
Acuda amifn,queío pôde
Darme no engenho va'i2«
Efperteeíla mufa minha,
Que o tempo traz íororentaj
Valhalhe ncíta tormenta.
Com efíadocc meztoha,
Que íó dá vida,&i contenta.
Acuda com proviiâo
Naõ de papel mas provida
D'ouro,& prata: que efta vida
Kaó íuftentaò papeis,náo.
Defeytor a.thefoufcyro
Sermehia trabalho gi andci
Voilà Senhoria mande
Algum rcmcdiojprimeyro
Com que a morte o ferro abranda.
^Juda de Luis de Camões.
Nos livros doutos íc trata.
Que o grande Achilesinfano
Deu a morte a Heytor froyano.
Mas agora a fome mata
O noíío Heytor Luiitano.
Sôellao pòdeacabari
Sc cíTa vofla condição
Líberil,& fingular,
Naõ onctecntrceliesbaAioj
BaAante para o fartar.
A HUM A SENHORA , QUB
chamoti diabo.
Eíparfa.
LHE
Dais manifefto final.
De minha muytâ íirmeara,
Que os diabos querem mal
Aos Anjos,por natureza.
Em afrimeyra T arte fica hum Mote comjuâs
coitas à me/ma Stnbora,
Cantiga
Vy chorar huns claros olhot.
Quando d*llcs me partia,
O que magoado que alegria!
Fo/tas.
Polo meu iparramento
Scarrazarãocod( sd^agoíj
Quem cuydou,quc em tanta magoa
Achalle contentan entof
Julgue todoentcndimento
Qual maisfentir fedevia
Se efta dór,íe eft*a leg ria.
Quando mais perdido cftivci
Encãodeoa cíl^alma minha
O mayor gofto^quc tive.
Affi íe minh' alma yivc
Foy^porque me defendia
DVíla dor,efta alegria.
Obem,que Amor me oáo deu
No rempo,que deíejey,
Quando d*cíle meapartey
Me confcflbu^quc era meu.
Se afortuna me âtCvU^
De lograr e/U alegria?
Não fey le íoy enginadoí
Pois me tioha defendido
Das iras de mal querido.
No mal de fer apartado^
Agora peno doVrado,
Achando no fim do dia
O principio d^alegria.
MotealRey^
Dó la my ventura
Quenoveralgurta
N
Aó poCo chegar ao cabo
De tamanho údtvuvip^
V6lta,
Sepa, quien padece,
Qiie en la íepulcuiía
$e
yV
ío8
Se efcondc ventura,
De qnien la merece.
Allà me parece,
Quequierc Fortuna,
Que yohallealguaa.
Naciendo mcfquino,
Dolor f uc mi cama,
Tnftezafuéelama,
Cuydadoel padrinof
Veítioís cl deftino
Negra vcítidura, )
Huyò la ventura.
No íe halló tormenrO|
Que ali y no fehallafle^
Nibicn^que paíTaflTe,
Sino como viento.
Oh que nacimiento.
Que luego cn la cun*
Mefiguio Fortuna!
cíladichamtaj
Que fiempre buíqué,
Bufcandolaihallè,
Que DO Ia bailaria)
Que quien nace en dia
D'cftrelíatandura,
Nunca halla ventura.
Nopuíomicftrclla
Más ventura em mini,
Anil vive em fim
Quieonace fin ella:
Nome quexo delia,
Quexorne^qnc atura
Vidatancftura.
Vilancete paftorll,
Deos te falve Vaíco amigo^,
Nào me fallasPcomoaífií
BofeGil^não cílava aqui.
Volta.
Pois onde te hão de fallar,
íl'naõeílàs onde aparecei)?
$ Madanela conheces,
Nclla me podes achar.
E como tcháo d'ir buícar,
Aonde fogem de ti?
Pois nem eu eftou em mim.
Porque tenão acharey
Em rijComo Em Madanria
Forque me f uy perder nella
IRlmas do grande Luts de CamÕesl
O dia,que me gânheyl
Quem tão;bem fallajnãofcy
Como anda fora de fi?
Ella falia dentro em mi.
Como eílás aqui prefenre.
Sela ten$aalma,&a vidí?
Porque he d*huma alma perdida
Aparecer íempre à gente.
Sees morto,bem fcconfente
Que todos fujáodc ti?
ku tambcm fujo de mi.
Outro paJloriL
Porque no miras Giraldo
Mifampoiíacon>o fuena?
Forque no me mira Elcna.
Voltas.
Buclvc a cá,no eftés pafroado,
Mira^quc gentil fonar?
Como te podrá mirar
Quien no pucde ícr mirado?
Y que bueno enamorado?
NodiráSjíi es mala ó buena?
No,que me hizo mudo ElenaJ
Mira tandulcearmonia,
Dexate d'eflos enojos;
Tengo clavado los ojos,
Con que mirar te podia.
Anfi Dios te dé alegria,
No ve$ quan dulce que íucna?
No,pcrque no veo Elena.
QutropaíloriL
Crecen Camilla os abrolhos
De chorares por Cinccro:
Naõ heaiuytOjquc lhe quero,
&elifa,mai$,que mcHS olhos.
Voltas^
Sempre os tens olhos cíláo
Camilla^d^agoas banhados:
De fc verem defamados»
Pódc fer,que choraráo}
Si, mas creccm os abrolhos,
E tu cegas porCincero^
Sc eu não vejo,quem mais quero.
Para que quero mais olhos.^
Se
Rimas do grande
Sc íe foy ha mais de hum mes,
Teus olhos Dão caníarâo? ;
ISaõjqueapoz elle Ic vão ^
Efta:; lagrisuâSjque ves.
Fazem logo eltes abrolhos
O mato eípinhofo,5c ter o:
pois eu nâo vejo a Cíncero^
llíoíó veiaò mcus olhos.
Chorando queres morrer?
Mais quero viver chorando:
Tu Qão ves,que vàs cegandoi»
Seccgo,como^ey de ver?
Poeni na vida oucros ancolhos:
Nào poílo nem oDenos quero
Outra para outro Cincero,
Antes não qutro ter olhos,
A huma mulh:r , que fe chamava Gracia
de Morais,
OlhoSjCm que cfi"ão mil florei,
E com canta graça olhais,
Que parccc^que os amores,
MorãOjOnde vó:> morais
Vêltú.
Vemfe rofaSí&bonJnag
Olhos ncíTe voíTo ver,
Vemíe roíl almas arder
No fogo d^cíTas mininas,
E diloháo minhas dores,
Meus íufpiros,& meus ais.
£ dirão mais,que os amores
MorÃo^onde vos morais,
^0 Mote,
Vida de minh^ alma.
ÉOÔfi
Volta,
Dous tormentos ycjo
Grandes por eftremo.*
Sevos vejojtemo
E íe nâOjdeíejo.
Qaando me deípcjo»
E venho acfcolher.
Temendo o deíejo»
Dcfejotemer,
Luís de Camks.
Cantiga alhfa*
Paftora da ferra.
Da ferra d^ eílrella,
Fercome por ella.
Volta.
Nos feus elhos bellos
Tanto Amor fe acreye^
Queabraza encrc a neyc
Quantos oufaõ velos:
N ão folta os cabellos
Aurora mais bclla,
Percome por cila,
Naõ teve eíla ferra
No raeyo d'altura^
Mais que a fermoluri^
Que nella íe encerra.
Bem ceo fica a terra,
Quetemtaleftrellaj
Percome por ella.
Sendo entre Paftores
Cauía de mil males,
Naõ íe ouvem nos valles
Sc não feus louvores.
Eu íô poramores
Naõ feyfallar nella,
Sey morrer por cila,
Dealguns,que fentindo
Seu mal v&o moílrando.
Se rim^não cu ydando.
Que inda paga rindo.
Eu trifte encobrindo
Só meus males della^
Percome por ella.
Sc flores defeja
Por ventura bellas,
Das que colhe delias,
Mil morrem de cnvcja:
Não ha quem nâo veja
Todo o milhor nella;
Percome por ella
Sena agoa corrente
Seus olhos inclina,
Faz a luz divina
Parar a corrente.
Tal fe vé,que fentc
Por verfc a agoa ncllai
Percome por ella.
^Pf
JlI.Parc.
Dd
Uote.
tia
Que veré,qucine contente?
G/o/a de Luhdè CamHu
Desque una vez yòjnifé^
Senhora vueftra beldad
lamas por mi voluncad
Los ojos de vós quiré.
Pues íi en vós plazcr no fience
Mi vida,ni lo deííea,
Sinoquereis.queyoos Vea,
Que veré,que me concentí;?
•íSfiliíf
59*K>q^mDai3*
Mote^^
*DeLuts deCãímes,
iiy^iia aí eíí:>n
Quem fe confia em honsollios
Nasmininas deiks vè,
Que mioinas não cem fé.
Voltas Juàs»
Quem põem fuás confianças
EmmininasfcmaíTento,
Offercçao lofrimento
A duzentas mil mudanças:
Moítráo noar efpétttriças
Mas em léus olhos íèvc í
Como não tem nalmafé.
Enganaóao pirecec .
Porque no caio d'amarj
Saò mulheres no macar^
E mininas no querer;
Quem em feus olhos fecrer
Cem mil graças nelles vé,
Vellas firo,mas náoter fè
Amoftraóvos num momento
Favores a ília molhos.
Mas na mudançi dosolhdç
Se lhe muda o penfi mento..
Em nada jâ tem aíTentó,' '
Eo que mais nelles le vé
He fermoíura íem fe.
Cantiga velha.
So is fcr mofa j& tudo tendes, '
Sc í^ió que tcnde§ os olhos verdes
kimâsào gràndíLultdeCámhtl'
Ninguém vofl pôde tirar
Serdes tam bem aílombrada
Mas cisme de perdoar,
Qiie os olho5 não valem nada;
Foltes mal aconfeihada
Em querer, que foliem verdes,
Trabalhay de os eíconderdcs,
A volTa teíla he jardim,'
Aonde amor fedtfenfâda
He tam brancSj^ bem talhada.
Que parece de Marfim,
Aíli he;& quanto amim,
Ido vos nalcede a terdes-
Tão perto dos olhos verdes.
Os cabe los delatados
O meímo Sol eícurccenj,
Sc nSOjC^ue por ferem ondados,
AlgiJm raftPodefhierecem:
Mas afè, que fe parecem
A furto dos olhos verdes
Naõ vospele náó de os terdes.
■ As pclhnastem moftrado
\ Ser r?.yos,que abrazaó vida%
Se não foram tam campndas
Tudo o mais era pintados
Elias me tinbáo levado^ ^
A alma fern o vós íaberdcs»
iítpQ òlt/H St naó foraó os olhos verdes.
O mímodeíle caraõ
Nem poríhe os olhos confentc,
Efcr lifo,6c tranfparenrc^
Rouba rodo o coração:
Inda aíllm acharcys naçSo,
Que lhe não peie de os verdes.
M.iS naó feja cos olhoíS verdes,
EíTe riío que hs com poílo
De quantas graças nacerâo,
Sena) que alguns me diíTerão .
Vos faz covinhas no roítoj
Na vontade tenho pofto
Dar vos a almaiíe quifcrdcs,
A troco dos olhos vctdes.
Nunca fe vio, nem íe efcrcvé
Boca tu ma graça igual,
Se naó fora de coral,
E os dentes da corda neve.
Doume eu a Dcos^que mci^vç^ '
Sofrcrey quanto teverdcs/
Naõ me tenhais olhos rerdes
Effa garganta merece
Outras palavras naõ minhas.
Se naó que feyta cm roíquinha
ofvurri
3!<£rf ztn.
ariíiíndrií-n^í
kli^ioqô'
.'bsíiiií
■103 È\í-
U^i
tiOl 2ÍJC
mobnííc
Dalfcnin»
Rimas do grande
DâlfeninjO que p^írece.
Eu fey bem quem fe oíFcrecc
A tofíiarcudo o que cendcs,
E Cambem os olhos verdes
Eflas mãos íaó terropcas,
Sò o vcll^s enfeytiça^
Se naõ que fáo alvas cheaSi
Etemafeyçáo roliça:
Com que apcUais por juftiça,
Peracora ellas prenderdes
Os qac vem voííos olhos verdes,
A voíía galintaria
Maçará a quem falardes,
Tendes huns deídés, & tarde»
Que eu logo vos roubaria?
Utiduumea Santa Maria,
Sou cu|0, de quanto tendis,
E caaibem delles olhos verdes.
Outro Mote femelhmíe eftâ na frimeyra
Tarte^com Suas voltas*
Outras fuás ao me/mo.
Tudo tendes fingular.
Com que os corações rendeis
Senão que rindo^fazeis
Covinhas para enterrar}
E pararelufcitar
Teui força a graça^que tendes
Se não que tendes os olhos verdes.
Tudo fenhnra alcançais
Quanro o Ter ferm oía alcança,
Senão,quediiserperança
Cos olhos, com que matais:
Se acaío osalevaiitais,
He para as almas renderdes,
Sc naó^que tendes os olhos verdes.
DOM ANTÓNIO ,SENHOK.
de Caf quais, prometeo a Luis de Camões
leis galinhas recheadas por húa Co- .
pia , que lhe fizera , & mâdan-
Uolhc por principio da pagua
mea galinha recheada,
Elle lhe fuandou ejla Co^la
Sinco galinhas 8c mea
Deve o ícnhor de Caíquais^
Eamea vinha chea
De apetite para as mais,
JULPart.
Luts di Catítees.
A. B. C, Feytoemmottes.
ANna quizeílesque foíTe
O volfonomedapia
Farí mòr minha agonia,
Apellcsfe fora vivo,
E avervos alcançara,
Por vòs retratos tirara,
Achilles morreo no templo
Contemplando degiolhos
Eu quando vejo efies olhos.
Arcemifa íepultou
A feu irmâo^ôc marido^
Vòs a mim, 6c ameu fentido.
B
BEmvejoqueíois fenhora
Ellrcroo da fcrmolura,
Para minha fepuUura,
C. C.
CLeopatra fe matou,
Vendo morto a íeu amante,
E eu por vòs em fcr confiante^
Caflandra diíTe de Tioya,
Que havia fer deftruida^
E cu por vòs d*almaj& da vijá.
D. D.
D Ido morreo por Eneas
E vòs matais quem vos ama,
Julgay íe fois cruel dama.
Dianirainnoccntí*.
Da má morte cauíadora^
V ósda rointia íabedora,
E.
E^ Uridiccfoy acaufa
„ Deorpheo hirao mferno,
Vòs de íer meu roal eterno
F.F.
FE^ra fó de puro amor
Morreo por feu enreado,
Eu morro de defamado,
Fcbo vay cfcurcccado
Ddl
#lt
Ante
AntcvoíTa claridade,
E eu fem ter liberdade
G. G.
Rimas Âç Grande Luís ãeCámhsl
£u por voííâ fermofura,
Nimphas enganão mil Faunos
Com íeu ar,6c fermoíura,
E amim voíTa figura.
GAlatea íois fenhora,
Da fermoíura eftremo,
E cu perdido Polyphemo.
Genebra^que foy Raiaha
Se perdeo por Lançarote,
E vos por medar a morte,
H. H.
ErculeSjhuma camifa
DechamaSjO coníumioi
Minha almadeíqae vosvio
HcbiSj& Dido morrei áj
Com origorda mudança.
Eu vendo voíTa efquivança.
1. 1.
IUdith,que o duro Holoferncf
Degoioujle viva fora,
Mace lhe déreis fenhora.
Júlio Ceíar conquiftou
O mundo com fortaleza.
Vós amim com gentileza.
L.L.
LEaodro íe afogou,
E foy fua caufa H:jro,
E amim o que vos quero.
Leandro fe afogou
No mar de fua bonança,
Eu no devofla cfperança^
Minerva dizem que foy,
E pellas Deoías á\ guerra,
E vÓ5,íenhora^da cerra.
Medéa foy muy cruel,
Mas não chegou a metade
De voíTa gram crueldade*
N
N. N.
Arcifo o fifo perdeo
Em vendo a fua figura,
O. O.
OS olhos chorão o dano«
Que em vos verem ícntirão,
Maseu pago o queelles viraõ,
Orphjocom adoce Arpa
VcnC3o o reyno de Fultáo,
\ òsjainim Com peifeyçaõ.
P. P.
PArís a Helena roubou,
Porque Troya foy perdida,
£ vós amim alma,& vida.
Pyrrho nnatou Policcna
Peifeyta em todos finacs,
£ vós amim me mataes.
Q, a
QVanto mais defejo vervoi.
Menos vos vejoíenhora,
Naò vos v?r melhor me fora.
Querendo vera Diana^
Adeon perdeo ávida,
Que cu por vós trago perdida.
' R. R.
REmedio nenhum náo vejo.
Que rcmedee meu maU
Nem crueza a voíTa igual.
Roma o mundo íogeyta
Com armas^íaber^tcmor.
Vós a mim fó por amor.
S.
SErena na mór Fortuna
Com enganos vay cantando
Evos íempreamim matando.
T. T.
THisbemorrco porPyramo,
A ambos matou o Amor»
A mim voffo disfavor^
Thisbe
Thisbc pcllo feu amante
Morreo com amorfobejoj
hlAS eu mais morco me vejoi
V. V.
VEnus^que por mais fermoía,
Lhe deu Paris a maçãa,
Naõ foy quanco vòs louçãa.
Vénus levou a maçãa,
Por vos naó ferdes íenhora
Nâcida na quella hoja.
X* X.
*^ 7" Põ vos acabe cm graça,
^V Evos faça picdofa,
Tanto,quanto íoisfef moía.
Xancopeà tornou atraz
Por Aponio a invocar,
Evos não a meu chamar. .;
JJ-
JUlioCcíarfe livrou
Dosimigos conn abrolhos,
Eu naõ poíTo deííes olhos.
Jaziaíeo Minotauro
Prefo no feu laberinto.
Mas eu mais preío me fínco.
ESTANCAS.
Na medida antiga , que tem duas contrarie*
dades ^ louvando , & des louvando huma
'Dama.
SOis huma dama
Dasfeasdo mundo
Detodaamáfima
Sois cabo profundo.
A voíTa figura
Naõ he para ver
Em voflo poder
Ivlaòhafermoíura,
Foíles dotada
De toda a maldade,
Perfeyta beldade
Devóshe tirada
Sois muyto acabada
De tacha,ú de gloía
Pois quanto a íermofa
Rlmss do grande Lnis de Camões í
Em Yosnaò ha aaJa
Dcgcaõ merecer,
Soisbco) apartada
Andaes alongada
Dobem parecer.
Bem claro moftraÍ8
Em vòs fealdade^
Naõ ha hi maldade.
Que naó precedaes>
De frcíco caraó,
Vos vejo aufente.
Em vó>hepreíent«
Amácondiçaõ.
Emterpcrfejçaõ
Muy alnca cítaes,
Muy muyco alcançaes
De pouca lazão.
• I|
M O T T E.
Catherina bem promete^
Ora mà^como elia mente,
1 f^ Atherina he mais fermofa
\^^ Para mi, que a luz do dia,
Mas mais fermoía íeria
Se naõ foííc mentiroía:
Hcjeavejopiedofa,
A mcnhâa taô differcnte.
Que íeniprc cuydo que mente,
2 Proineteome ontem de vir,
Nunca mais apparccco
Creo que naõ prometo,
Scnaò íò por me mentir:
Fazmc em fim chorar & rir,
Rio,quando me promete ,
Mas choro quando me menCc.
2 Juroumeaquclla cadclla
De vir pela alma,quc tinha,
Enganoume^& tinha a minha,
Deulhe pouco de perdclla:
A vida gaíloapoz ella.
Porque ma dà,fe promete^
M stirama,quandomence«
é^ Mà,mentirofa, malvada,
Dizey,porque me mentis,
Promeieis,& cntaõ fogisj
Pois fem tornar,tudo he nada:
Naõ íoií. bem aconítlhada,
Que quem promctc,fc mente,
O que perde naó o lente.
5 Tudo V0& cónica cif ia
Cjuaoto
ojyum víj
|i4i " Rimas do
Quanto quize/feis fazer,
Sscílc voílo prometer
Fofie por meter hum diai
Todo entaó rne desfaria
Com gofl:o,& vós decontencf,
Zoraoaf leis de quem mente
(5 Mas pois folgaes demcntir
Prometendo de me ver,
Eu vos deyxo o prometer,
Deyxame vós o íervirj
Haveis entaõ de feniir
Quanto a minha vida fente
O íerviraqucrm lhe mente,
7 Catheriname mintío
Muycas vezeSjfem terley,
E todas lhe pcrdocy
Porhuma íó que cumprio;
Se Como me confencio
Fallarlh:,o mais me confenre.
Nunca mais direy que mente,
M O T T E.
Sem vòs,& com meu cuydado,
G L O S A.
QUerendo Amor eícondcrvos,
^^tm parte que vos não viíle,
Com eftreraojde querervos,
CegourriC os olhos com ver vos
LevouoSjíem que os vilTe,
£u cego,mas atiiiadoí
Quando VI que vos nam via,
Do mefmo Amor indignado,
Jà vedes qual íicaria
Sim vÒ5,&Gom meu cuydado,
\
MO T T E.
^ alma^que eftà offsctda
A tudo^nada lhe heforte^
JlJJipdjfa 0 bem da vida^
Comopajja o mal da morte,
GLOSA.
DEmaneyra me fuccede,'
O que temOjSc o que defejo^
Que fempre o que temo, vejo
Nunca o que a vontade pede.
Tenho tam oíTerecida
grande LmsdeCamcefl
Aima,& vida á todí a forte,
Que iíTo me dera da morte,
Como já me dá da vida.
M O T T E.
FcrrSifogo.frio.é' calma.
Todo o mundo acabar àõ^
Alas nunca vos tirarão
Alma mtnbadtttmnha alma,
GLOSA.
A5 vos guardey quando vinha
I
N
Em torre,foíÇâ^ou engenho
Que mais guardada vos tenho
£m vòs,que fois alma minha.
A lli nem frio, nem calma,,
Nam podem ter jurdiçaõ,
Na vida fim,perém naô
Em vòs^que tenho por alm'
M O T T E.
Efperey^jà ndôefpero
^De mais vosjervirfenbora^
T^oís me fazeis cada hora
Tanto maluque de/è/pero
GLOSA.
1^ Ois fey certo que folgaes,
. Quando maii mal me fazeiSj
E que nunca dcfcançaes,
Se naó quando me moílraes
Quaó pouco bem me quereiSi
Servirvos mais nãoefpero.
Pois meu viver empeora.
Com me fazerdesiíenhora^
Tanto mal,que deícfpero.
M O T T E.
'De/calça vny para a fonte,
Leonor pela veràura^
Vay f et mofará' naõ íegura.
iV O L T A.
LEva na cabeça o pote,
O teíto nas máos de pratSi
Cinca de fina cfcatlata,
1
Bainho
Rimas ^0 grande
Sainhode chamalote:
Traz a vgfquinhs decore^
Mais branca qne a neve pura,
Vay tc£moÍ3j& naõ fcgura.
Úcicobr c a touca a garganta,
Cabellosdjouroo trancada.
Fita de cor ds encarnado,
Taó linda. queo nnundoeípanta:
Chove nella graça tâoca.
Que dà graça àfeimornra,
\ay tcrojOfa^Sc naôlegura
M O T T E.
^4em ãijjet que a bar ca pende ^
'Jjirltjehey mana quemencf^
VOLTA,
SE vos quereis embarcar,
É para illo cítaes no cães,
lintray logojquetardacs?
Olii^y ^ue tfta preamar.'
h ítíouircm,por vos fretar;
Vosdiiíer queefta que pendc^
Dirlhchey,nqna,que mente.
Elta barca he de carreyra,
Xem (eus aparelhos novos,
^aó ha comoclia outra em PovoSj
Boa de leíiie,& velkyra:
Mas le por ler a piimcyra.
Vos diílèr alguém qu<í pende,
Dirlheheyimana,qae mente.
M O t T E.
*.
Cor» rasãfi qufyxarme poffo
^evôSiqtíemalvos queyxalsi
^oisj/enhorajvosjangrais,
^e/eja nnm íorpo vojjo,
V.O L T A S.
EU para levar a palma,
Com que fer voíTo mereça.
Quero que o corpo padeça
rorvòs,qucdellefoisalma:
Vos do corpo voi queyxais.
Eu queyxarme de vós poíTo,
Porque tendo ham corpo voíTa^
Ka minha alma vos fangrais.
; E/em fazer differcnça,
Luís de Camões'. ^
No que de mim poíTuis,
Pello pouco,que íenris,
Dais a minha alma doença.
Pois que dons avcnturaes,
Oh naó fcja o dano noíTo,
Sangreíe tile corpo voíTo,
Porque rainha alma vivaes*
E inda,íe atentardes bem,
Seguis medicina eirada.
Porque para fer fangrada
Humaalma Tangue naõtemt
E poisem mim íarar poíTo
Males,qucà mmha alma dais,
Sc inda outra vez vos íangrais
Seja ns.ftc corpo vofio.
M O T T E.
Retratovòsnaõ foh'9fíeu
Reiratarãovos wuy mal^
^e a /éreis meu natural
1< oreis mofino como eu.
INda que em vós a arte vença,
O que o natural tem dado,
Naó foílcs bem retratado.
Que ha em vôs oiaisdiíl^^erença»
Que no vivo do pintado:
Se olugar íe coaíidera
Do alto eílado,quc vos deu
A fortc,que eu mais quizera,
Sc he que eu íou quem dantes era,
Fetrato vósnaõ fois meu.
Vóí na minha g'oria pofto,
E u na voíTa íepultura,
Vós com bens,eu com deígoílo,
Parecei fv es ao meu rofto,
E náaja à minha ventura.
E pois ntllaj& vós crràrâoi
O que em mim he piiricipal,
Muytoem ambos tetnganàraói
Se pornnim vos retaratâiaõ,
Retrataráovos rruymaí
Mts íe eíTe rofto fingido,
Quizcreis rcprelentar,
Ou vera por bom partido,
Darlho a alma do fentidoj
Parar, gloria do lugar.
Vireis pofta neíTa alteza.
Que vós naõ ba couza iguaíi
E que nem a mayor mal
Podeis vir,oem mór bayxcza,
»»^
Qit
a r<r Rima:
Qae fcrdes meu natural.
Por iíTo naó confcíTeis
;Ssrde.s,meu,quc hedctatino.
Com que o lugar perdereis,
Se confcrvarvos quereis,
Blafonay,qceíuis divino,
Qiisfc neílaoccaíiaó
CoaheceíTem que éreis meu.
Por meu vos déraó de maó.
Fôreis mo fino,como eu,
M O T T E.
r^yje gajlànâo a efperança,
Fuy entendendo os enganos^
^0 mal ficar aõ meus danos ^
E do bemjó alembrança,
G L OS A.
NUncaem prazeres paíTados
Tive firrr.eza íegura»
Antes raó arrebatados,
Qiie inda naô craó chegados.
Quando mos levou ventura.
Ecomo quem defconíia,
Ter em tal forte mudança»
No meyo dcfta porfia.
De quanto bem pertendia,
Foyíe gaftando a eíperança
Naõ tive por deíátino
Aoccaíião de perdclla.
Mas foy culpa do deftmo.
Que ninguém como mais dino
Amor pudera foftella.
Deylhe tudooque erafeu
Naô receando taes datnos
Dcíle^aquem alma lhe deu,
'Juando já naô era meu,
Fuy entendendo os cnganoi.
Fiquey deftc mal fobejo,
A quem a caufa com pete,
Ducrlhe tudo o que v^jo;
do grande Ltiis de CaviÕesl
Que Amoraceyta o defejo.
Mas mente no que proraete.
Que feamim íe me obrigou
A darme bens foberancs,
Foy engnno.que ordenou,
Que do btm tudo levou,
Do mal fícáraô meus danos.
Eíedor táo deíigual
Sofro cm mim com padecellos,
Quero de novo íofrellos.
Que por a caufa ícr tal,
Naò determino oflrcndJIos.
Dobrefe o mal^falre ávida,
Creça a fé, falte a efperança.
Pois toy mr^l agradecida,
Fique a dor nalma imprimidar
£ do bem lò a lembrança.
M O T T E.
OjoSyhertdo me haveis,
Acabaâya de matar me,
Mas muerto bohè a mirarme^
forque me refufcttets^
VOLTA.
PUes me diftes tal herida,
Con gana de darme mucrtc,
El mofir me es dulce íuerte,
Pues con morir me dais vida.
Ojos^quc os deteneis?
Acabad ya de matarme,
Mas muerto,bolvè a mirarmc»
Porque me rcíuíciteis. '• /'
La llaga cierto ya es mia,
Aunque,ojos,vòs noquerrais,
Masíi lajmuerte me dais,
Eí morir me es alegria.
Y afll digo,que acabeis,
Ojos,de relucitarme,
MasmuertOjbolvé amirarme,
Porque me refufc iceis
ih\j
CARTi
Rimãs do grande Luís de Camões^» tij
C A R TA L
DEfejey huma voíIa,cuydo,que pela de- fugir a quantos laços neíTa Cerra me ármáviS
Icjara nam vi j porque cfte hco mais os aconcencimentos, íe nam com mcvir para
cerro cofturac da Fortuna , confencir , que cila onde vwo mais venerado , que os rouroi
mais Tc defeje,oquc mais preito íe ha de negar de Merciana ^ & roais quieto, queacellade
>las porque oucras Nãos me nam facão hum frade pregador. Da terra vos feydizer^
tamanha offcnTa , comohe fazercmme luU queheroãy dos vilões ruins^&,madraítadc
peytar, que vos nam lembro: determiney de homens honrados. Porque os que fe ca lanção
vos obrigar agora com eíta , oa qual pouco abufcar dmheyro ^ fempre k fuílentaõ fobra
mais , ou menos vereis,o que queroiquemc agoa como bexigas , masosquefuao piniao
cícrevais dcfla terra j em pago do qual dante deyta a las armas Mourifcotc^como maré
mão vos pago com novas defta , que nam corpos mortos ápraya , íabey que anrcs que
íeraô mas no fundo de huma arca, para aviÍ3 amadurcçao^íc íècão.Jà cílvs,quc tomâvao
tíe alguns aveotureyros , que cuydão , qjc cita opinião de valentes ás coitas, crede j que
todo ornato heouregâosiéí nam fabem,quc nunqua riberai de Duero arriba ca valgaron
cá,&là,más fadas ha. C^amoranos,que roncas de tal foberbia entre
Defpciis que deíía terra parti , como quem fi fueíTen hablando} & quando vem ao cífey-
o fazia para o outro mundo., mandeyenfor* to da obra, falvãoíe com dizer , quefcnam
cara quantas eíperanças dera de comer ate podem fazer tamanhas duas coufas como he
entaõjCom prcgaó publico,por falfificadoras promctcr,6c dar Informado diílovcyo a eíta
de moeda, Edefenganey eíTcs pcolamentos, terra joâo Tofcano , que como íe achava
que por caía trazia j porque em mim nam 6- cm algum magufto de rufiões verdadeyra-
caííepedra febre pedra. E aífi pofto em eftado mente, que alli era comerias carnescrudas,
que me nam via , fe nam por entre lurco,& fu beberia vivafangrc. Caliílo de Siqueira fc
fufco^asderradeyras palavras, que na Nao veyocà mais humanamente > porque afli o
dif^c , foraõ as de Scipiáo A íúc^noAngrata prometeo em huma tormenta gr*nde,cm que
fatrta^NonpoJJidebisoJJamea^QiQ^ç. quan- /e vio Mas hum Manoel Sciraò , que ficuc
docuydo,qu:^íem pcccado , me obrigaílVa Sinos ^ manqueyjadehumolhOj fctem cà
três dias de Purgatório , paííey tre<; milde provado arrezoadamente, porque fuy toma-
inás lingoas, peores tenções danadas võtades, do por juiz de certas palavras,de que elle fez
& nafcidas de pura enveja,dc verem íu amada deídizcr a hum íoldadoj o qual pela poílura
yedra de fi arrancada , y cn otro muro afida, de fua peíToa era cà tido em boa conta. Se da?
da qual também amizades mais brandas, damas da terra quereis novas, "S quaesfaa
que cera , íe accndiaõ cm ódios ,' que obrigatórias a huma carta , como marinhcy»
deíeípcravão , & lume , que me deycava ros a fefta de Sam Frcy Pêro Gonçalves ía-
mais pingos na Fama,que nos couros de hu m bcy » que os Portuguezas todas caem de ma*
leytaô, EntaÕ ajuotoufe a ifto acharcmmc duras , que nam he cabo que lhe tenha 03
fcmprc na pelle a virtude de Achillcs,q nam pontos.fe lhe quizerem lançar pedaço. Pois
podia fer cortado fenaõ pelas folias dos pés^ as que a ti^rra dà,alcm de ferem de rala,fazey-
as quaesdemasnam verem nunqua, me fez me merece , que lhe falíeis alguns amoreg
veras de muy tos j& nam cngeytarconvcrfa- de Petrarca , ou de Boícâo^reípondemvos
çõesdamefmaimpreílaõ , a quem fracos pu» huma linguagem meada de crvilhaca , que
nhaõmaonome , vingando com a lingoa^o travs na garganta do entendimento, a qual
que nam podiam cumobraço.Em fim fenhor, vos lança agoa na fervura da mór quentura
cu nam fey comquemc pague fahcr cambem do roundo.Hora;ulgay,fenhor,oquc fcntírá
llI.Part. fie hum
fiS Rim 4S Â<iGrfinds Luís deCámSesl .
humeflâmagocoílUmadoarefiiliràsfalfida- mento. E íenaó dlp;i5 quien dixo , que lâ \
desde hum roíunho de tííUKia dehufna da- aureíiciacauía olvido. Porque em fim en la
iDa Li boac:afe,q chia como pucarinhopo- tierraq^cda , & o mais a aloiia acompanha»
vococna^^oa , vcndofe agora entre eítaoar- Aoalvo deites cuydadosjogaó meus peuía-
carne de íe!é,que nenhum amordà defi , co« mentos âbarreyra,tcndome japelocoítume
mo nam chorarâlas memorias dg lo .iÍlo cem- tam contente de ttifte, que trilte me fana Ter
pore.^poramorde mim, q«eàs cnulheresde- contente , porque o longo ufo dos annosíe
íTa terra digais da minha parte , que íe que- converte cm natureza. Pois o que he para
rem ibfoluta mente ter alçada com baraço niór mal , tenho cu para mòr bem. Ainda que
& pergaô ^qus náorçcecm íeis meies demà paraviver no mundo , medcbpjo doutro
yidapormar^queeuaseíperocompruciííáo, pano^ por nam parecer curuja entre pardais,
^ paleo,revcltido em pontifical , adonde fazendome hum para ftr outro ^ fendo outro
çftoucras íenhoras lhe iraó entregar as chaves paiaícr hum ^ masador diílimulada dará
da cidade,& reconheceram toda ao bediécia, íeu fruyto,que a trifté-za no coração,he como
a que por fijâ muy ca idade Taõ jà obrigadas, atraçanopano , deportam triíte me tenho>
por agora nam niais,íenaõiqucefte Soneco,q quelcfentiffc alegria de triíle nam vivina,
aqui vay , que fiz à morte de Dom António
de Noronha^ vos mando em final de quan- Porque a tal forte vim,
todellame peíou. Huma EgUiga fizfobrca Que nam vejo bem algum
mefma matéria, a qual tambcm trata alguma Em quanto vejo,
coufa da morte do Príncipe , que me parece Que nam naíceo para mi
mel lor, que quantas fiz.Tambcm vola man- E por nam lentir nenhum,
dára para a moftrardes làa Miguel Dias^que Nenhum defejo,
pela muyta amizadadcDam António , fol-
garia de avcr , mas ocupação de eferéver Porque couíasimpofliveis,he melhor cfque»
fnuyfas cartas para o Reyno , me nam deo cellas que deíejallas.Ii por iílo
lugar. Também làcícrcvo a Luís de Lemos,
em repolta doutra , que vi íua ^ íelhcnatn Só triíleza ver queria
deràõ íayba,quc he culpa da viagem^ na qual Pois minha ventura qner,
tudo íc perde. Que íó ella
Vale Conheça por alegria:
E que le outra quiíer
O S ene to que aqui diz , fica entre os outros. Morra por ella.
&heoii.
Pouco fabe da triíleza quem(rem remédio
CARTA IL paraclla)dizaotrillequelealegre.Pois naoi
vem, que alhcoscontcntamenros a hum cora-
ESta vay com a candca na maó^morer nas ção defcontente,nam lhe remediando o que
de v.m,& fe dahi paíTar lejaem cinza, íente,lhedrobáo,oque padece. Vós^íe bem
porque nam quero,que do meu pouco comaó àniáoefperaís de mim palavrinhas jueyra-
HiUytos. E fe todavia quizer meter mais máos das , enforcadas de bons propofitos , pois de-
na efcudella ^ mandelhe lavar o nome, & fcnganayvosi que defque profeíTèy triíleza^
valha lem cunhos. nunqua mais foubcjogar a outro fito» E por-
que nam digais, que nam íou gente fora do
La mar en médio ^ y tierras he dexado, meu bayro.vedes vay huma volta feytaaeftc
y quanto bien coytado yo tenia: rnote , quecfcolhi na manada dos engcyca-
Quâo vano imaginar , quaõ claro engano, dos , & cuido j que nam he tam dedo quey*
Es darme yo a entender ^ que con partirme mado, que nam íeja dos que El-R.cy mandou
De mi fe ha de partir un mal tamaíío. chamar,o qual falia afli.
h-
Quaõ mal cílà no cafo , quem cuyda ^ que Nam quero^nam quero
a mudança do lugar muda ador do íenci* jubão amarelo.
Sc
Sc de Dcgro for,
Também mep rece,
Qurinco me aboreee
Toda a alegre cor:
Cor que «»c ftra dor^
QuerojSc nam quero
Jubão amarelo.
Himas do grande Lutsde Camôe}] ^19
Allegados fon igales j los que vienen por íus
manos , & c, A cfte propoiico , pouco íuaisjou
irícnos j íe fízeráo hnmas voltas a hum mote
dcnchcmáoj que diz por fua artezambando,
mais que nam de fizoCquetodaa galantaria
hetirala donde íe nam eípera^oquaí crede.
que tem mais que roer do que hum praguen-
to. Por tanto recuerde el almaadormida , &
Parccévos que fe pode dizer mais? nam me ixiandeefcumaroentcndimento, que doutra
teípondais , quem gabará a noyva/^porquc maneyra , Defuera dormiredcs pallrozico.
aíTeotay , que foy comendo, & fazendo, ou
aíToprando^que namhetam pequena habili-
dadc.E porque vos nam pareça,que foy mais
acertar , que querelo fazerjvedes vay outra
domeírnojaez ^ com tanto que íe nam ya
a paímar.
Perdigão perdeo a penai
Nam hâ mal, que lhe nam vcnhai
Em hum mal outrocomeíTa
Que nunqua vem íò ncnhumi
*; feotriltc,quetcmhu.n
A iofrer outro íe ofreça.*
t íó pelo ver conheça,
Que baila hum fó que tenha.
Para que outro lhe venha
E o meu ícnhor diz aíli
Davalhe o vento no chapeyraõ
Quer lhe dé quer nam.
Bem o pode revolver,
Quie o vento nam traz mais fruyto,
E mais vento he íentir muyto,
O que cm fim fim ha deter;
O melhor^hemílhorfer,
Que o vento no chapeyrão,
Quer lhe dé quer nam.
Humacoufâ fabeydcmím ^ que queria anfes
o bem do mal , q o mal do bem , porq muyto
mais fe fcnte ó por vir^ q o paíTado, & a mor-
te até matar mata, Nam (ey íe fereis marca
de voar tam alto, porque para tomara palha
Que graça íerá efperardes de mím'propa- aefta matéria ^faõneceíTarias azas de Nebir?
fitoemcoufasqucosnamtem para comigo» Mas vós íois homem de prol, &defculpamc
pois ainda que queyra, nam poíFo o que que- a conta,em que vos lenho.E a que de mi vos*
ro ,que hum fentido remontado de nam pór íey dar he,
pé em ramo verde , tudolheíucedeaíli,&
cada hum acode,ao que lhe mais doe,& mais
cu,queo que mais me entriítece he ter con-
tentamento, pois fujo dclle , que minha alma
o aborrece; porque lhe lembra que he virtude
vivcrfemelle. Que jàTebcis que magoa he,
velohas , & nam o paparás.Por fugi dcftes ia"
coneuientes.
Toda a coufa defcontcnte,
Contentarme fó convinha
De meu goílo,
Que o roal,de que fou doente»
Sua mais certa mèíinha^
He deígoíto.
Jà ouvireis dizer , Mouro , o que nara podes
haver dâopola tua alnoa. O mal íem reme-
dxo,o mais certo que tem , he fazer da neceílí-
dadevirtude.-quantomaisjfctudo taó pouco
dura,como o paíTado prazer j porque em útil
lll,Part.
Que esperança me dcfpcdci
Triíteza nam me falece^
E tudo mais me aborrece^
Já que mais nam mereceo
Minha eílrclla,
Só a tníleza conheço.
Pois que pêra mim nafceo,
Eeuparaella.
No mundo nam tem boa forte , fe nara, quení
tem por boa a que tem, E da qui me vem
contentarme de trifte > mas olhay de que
maneyra:
Vivo aíH ao revés,
Tomando por cerca vida
Certa morte.
Com que folgo em que me pési
Pois minha forte he fervida 9
De tal force.
Ec» Huni4
tjo Rimas ão grande Luís àeCâmôesl
Huma coufafabcy,que6tr.nlinda que às ve- fazem com íuafidalguía,comq Iheca vemoâ
2cs o vejais louvar , nam ha quem o louve fidrlgiuasdsfcusavós.ondenani ha trigo taó
cora aboca^que, o nam tache com o coração, joeyríido , que naõ tenha alguma ervilhaca»
Já íabeis. que baíta hum frade ruim, para ciar
Ajudamea fofrer
Vidatam lem íofrimcnto,
Etamíem vida:
Ver que em fim,fim haõ de ter
Dcígoíto,6c contencamento
Huma medida.
que fallar a hum Convcnto.Tres coufas nau
íofrem fem diícordiaiCompanhia , namorar
mandar viláoruim ^ fobrecouía de íeu intc-
rtííe.Naõ fe pôde ter paciência ^ com quem
quer, q lhe fa^jão , o q nam faz. Defagrídcci-
mentos de boas obras deílruem a võtade para
naó fazellas ã amigo, que tem mais cota com
Atentay que nam faó mãos confcytos de en- o interel?e,quc com amizade, rezay delle,que
forcado, para, os que eítaô com o baraço na he dos cá nomeados,
garganta,cuydar,quc obem j&o mal,ainda Grande trabalho he querer tazer alegre
qnc fejaó dirterentcs na vida^ faõ conformes ro/lo , quando o coração cita tnftcjpano he,
ijamQr£e,porque vemos.
que nam toma nuoqua bemeíta tinta, que
a Liia recebe a claridade do Sol , & o rofto do
coração. Nada dá quem naõ dá honra,no que
dá, Nao tem, que agradecer, quem^ noque
rcctbe,a nam recebe , porque bem comprado
vay , o quccomellaíe compra. Nada feda
degraça,oqucíe pedemuyto.Eílà certo,quc
quem nam tem huma vida , tem muytas.
A feu fim todas coufísvâo correndo, nem ha Onde a razão íe governa pela vontade , ha
coufa^que otemponamconfuma,nem vida, muytoque praguejar,& pouco, que louvar.
Qpe nam ha tam alta forte,
iSiem ventuta tam ÍLibida,
Ou deleílrada»
A quem nam aííopre a morte,
Nam fopreo fogo da vida.
qusdcfi tanto prefuma,
Qne íc nam veja nadarem fe vendo^
Que o mais certo,que temos,
He nam termos nada certo,
Cà na terra
Fois para íeus nam nafcemos,
Se o íeu nos dà inceco
Nada erra.
lhe dizem
Qiierovos dar conta de hum Soneto ícmper- viver no mundo fem verdade, ou com ver*
nas^que íe fez a hum certo recontro , que fe dade fem mundo. E para muyto pontual,per-
teve cora efte dcílruidor de propofitos , & guntaylhe donde vem? Que algo tíenc encl
naôleacabou , porque fc teve por mal cm cuerpo , quelcduele. Hora tem pcraymeU
Nenhuíua couía homezia os homens tanto
CO n figo , con;0 males , de que fe não guar-
darão podendo.Náo ha alma fem corpo , que
tíintos corpos faça fem almas , como efte pur-
gatório^ a que chamais honra^dondc muytas
vezes os homens cuydão , que ganhão, ahi
a perdem. Onde ha mveja , nâó ha amizade
nem a pode haver em defigual converfaçáo.
Bem merecco o engano , qu5 cré maiSjO que
queoquevè,Agora,ou fehadc
pregada a obraicujo teor heo feguinte.
Forçoume amor hum dia , que jugaflfe,
Dco as cartiiS,& de oaros levantou:
V, fem rcípeytar maó , logo triunfou,
Cuydando, qo metal, q me enganafíe
Dizendo, pois triunfou, que tnunfaíTc
A huma Sotade ouros^que jugou:
Eu entaó por burlar,quem me burlou,
Três paos jugucy)Sc dice, que ganhalTe,
cfta gííyta , que nem aíTi j nem aíli acharei*
rocyo real de deícanfo neftavida , ellanos
trata íómente,comò clhcos de íl , & com
razão.
Pois fomente nos he dada,
Fará que ganhemos nclla
O que íabemos,
Sefc gartamal gaflada,
Junta mente com perdelía.
Nos perdemos.
Princepes de condição , ainda que o fejão de
ianque |fâó mais enfadonhos que ^^ p«breza> £m fiin eíla minha íenhora ^ fendo a coufa
^ ' ^ ~' > "^ ^ " porque
Rimas- do\rande LuhdeCamoesl
porque mais fazeracs , lie a roais traça alta-
ya , de que nos íervimos, E íc queremos ver
quão breve he,
t%t
Ponderemos, & vejamos
Que ganha fi: os cm viver
Os que nacemos;
Vcremosjquenaó ganhanQOS>
Se não algum bem ifazer
beo fazemos,
Nunqua vi coufa mais para lembrar , &
menos lembrada , que i morre, fendo mijs
aboriecida_, que a verdade, temfe em me-
nos conta > que a virtude. Mas com tudo
com íeu peníamento ^ quando lhe vem à
vontade acarreta mil peníamencos váos , que
tudo para com ella he hum lume de palhas.
Nenhuma coufa me enche tanto as medidas
paia com eítes , que vivem na mór bo«
fiança j como cila ; porque quando lhe
menus lenibra,cntão lhes arranca as amarras,
dando com os corpos a cofta , & fe veraá
iDáOjCom as almas no inferno % quehe bera
tuim gaíalhado,
E pois todos ifto temos,
Nam nos engane a riqueza.
Porque tanto eímorccemoSj
Trás que vamos,
Já que temos por certeza,
Que quâodo raais a queremos,
Adeyxamos.
Gaftamos em alcançalla
A vida & quando queremos
Ufar delia.
Nos tira a morte lograla,
AíTi que a Deos perdemos,
Ea cila.
Porque já ouvireis dizer, Ninho feyto,Pega
morta. Que me dizeis ao contentamento do
mundo^que toda a dura delleeftàem quanto
fc alcançou. Porque acabado de paflar , aca-
bado de eíquecer. E cem razão , porque
scabado de alcançar he paflado , & mayor
faudadedeyxa, do quehe o contentamento^
quedeo.Elperay por me fazer mcrcc , que
lhe qucro dar humas palavrinhas de pro-
poílto*
Mundo íè te cônhecemoí.
Porque tanto deíejamos,
Teusenganosi»
E íe aíli te requeremos^
Muy fem cauía nos queyxamos
Deteus danos.
Tu nam enganas ninguém
Poisa quero te deíejar,
Vemos,quedanas,
Se te querem qual te vem,
Se fe querem enganar,
Ninguém enganas.
Vejãofeos bensque tiverãoí
Os que mais em alcançarte
Sccímccarão.
Quehuns vív€ndo,não viverão^
E outros íó com dcyxarte
Deícan farão.
Se cita ca m clara fé
Ao mnndo de teus enganos,
Defengana,
Sobejamente mal vè.
Que COO) tantos deíenganos
Se engana.
Mas como tu te acomodes
No enganOjCm que andamos,
E que vemos,
Naõ crémoSjO que tu pódcs,
Senão,o que defejamos^
E queremos.
Nada te pòdc eílimar.
Quem bem quizer
Refguardarte,
E conhecertc.
Que em te perder,ou ganhar:
O mais íc guro ganhartc
Heopcrderte.
E quem em ti determina
Deícanço poder achar,
Sayba,que erra
Que fendo a alma divina,
Náo a pôde dcfcançar
Nada da terra,
N afeemos para morrer,
Morremos para ter vida.
Em ti morrendo,
O mais certo he merecer
A vida mal conhecida
Cá vivendo.
Em fim mundOjCJ eftalagem,'
Em que pouíão noíías vidas
De
$22
De coniáâl
De ti leváo de paíTagem
SerbecTijOU mal recebidas
Naoucravída,
Rhí^s dogYànde Luu àe Camões",
rença,quedeconíolaf a íer coníolado: mas
afli entrou o mundo , & aíTi ha de fahir;
muytos a reprendclo j & poucos 9, emendalo.
E com iíTo amaino , beijando < j-as podc-
roíasmâoshuma quacrmqua de vezes ^ cuja
vida , & reverendiílinia peííoa noilo Se
nhor , 6tc.
A fuera^ a fuera Rodrigo , que eu fe muyto
ío( por eíle caminho , darey enfadonho,
de que me parece nse não livrará, nem ainda
privilegio de cidadão do Porto. Epois me Finge que em Goa nasfejfas , que/è fizeraô
vendo a vós » fofrey me com meus encargosj
6c porque náo digais » que fou herege do
amor , & que lhe nâoíey orações , vedes
vay huma; Di Juan , de que muriò Blas?
Com hum^ pé á Portugueza , & outro à
Caftelhana: & não vos eípanteis da librè, que
eu em qualquer palmo deita matéria perco
o nortc,& os fuplicances dizem aíli?
Di Juan de que muriò Blas,
Tan nino,y tan mal logrado?
Gilj^muriò de deíamado.
Dl me,| uan^quien le engano,
Quecon amor fe enganaíTc?
Peníando,que el bien hallaííe,
Aàonàc el mal cierto hiUó
Defpues que el engaíía, vio.
Que hizodeíenganado?
Gil^muriò de dcfamado.
Travou com elle pendença, i
Em ter razão confiado.
Mas Amor,como he letrado
Houve contn elle a fentença;
E CO aquclla differença,
DííTe entre íi o coytado,
Gil,morreo dedefaraado.
Quem tem razaõ tam cerrada,
Qjenam íayba fendo rudo,
E fetn reípeyto,
Qje fem Deos he tudo nada,
E nada com elle tudo,
Sem defeyto,
E Cendo ifl^o aííi tam certo,
Co mo. todos confcííamoSj
E fabemos
Nam troquemos pelo incerto,
O em que tam certo eílamos,
Pois o vemos.
à/uccejfaõ de hum Governador , fairào a
jogar canas certos homens , a que nam
Jabia maio vinho , S? mtros notados
de alguns vícios , com dtvifas nas
handeyras j é^ íetras conform.es
fuás tenções ^ & inclinações,
D Um que bebia exceíli vãmente tirou
pordtvifahum Morcego , ave em que
toy convertida Alcithóe com as irmáas, poc
defprezarcm os facrifícios de Bacco.E como
aquelle , queleemtal erro cahiffe , nam
queria fer convertido emtaõ bayxo animal,
& tam nojoío , dizia a fua letra aiii em caAc^
lhano.
Si yo deíòbedecíere
A tu deydad Tanta, y pura,
En almudes mifigura.
Alguns praguentos quizeráo dizer ,queefta
letra era malicioía , & que não queria dizer
tanto defejar eíle galante de fer mudado em
ai, comodcfejavajalmudes deftc licor. Mas
he muyto grande falfidadc que Tendo.a letra
afllm feyta acafo , acertou de fahír aquella
palavra , com que molhava as luas , quem
tirava a diyifa. Do que o innoccnte autoc
deípois ficou para fe enforcar. Mas outro
galante , que de fino bêbado já paíTava os
limites de bom , & coftumado beber , ti-
rou pordivifa humapalmeyraj arvore > que
entre os antigos figníficava vitoria , & ao pè
delia alguns ramos de vides , & de parreyras
pifadas, 6c dizia a letra aíTi,
Ficay vencidas fem gloria
Vós videSj& vos parreyrasj
Porqueos ramos das palmeyras
Sáo,os que tem a vitoria.
A tudo ifto podeis refponder , que todos
morremos do mal de Phaetara , porque dei
dicho ai hecho j vá gran trecho. E de faber Também aqui naõ faltarão praguentos,que
a6 coulas, & paíTar porellas ^ ha mais difíe» quizcrão dizer ^ que eíle devoro deyxando
Rimaf dò grande Luis de Camõesl
já atraz Portugal j cometia com valerofo
aoimoOrraças, & Fullas, tendo em pouco
Caparicas , & Seixaes, Mas quem ha que
tuja de màs lingoas , ou de mal coftuma-
das gargantas»
Outro galante j a quem fazia aia! ao
eftamago beber o vinho agoado , tirou
m
Se comovòshà ahi pa^.
Vós o podereis julgar, f
Certo , que atéqui chegou a malicia
por diviía huaia peça de chamaloce íem
agoas, que lhe apreícntaya Bacco, 6c dizia
dos homens , porque tào futilmcnte qut.
2eráo interpretar a innocencia defta letra,
que tomarão a derradeyra íyllaba da pri-
meyra regra , & ajuntaraóna com a pri-
aletra como por parte do fliefmo Bacco. meyra da derradeyra j que vem dizer par-
vos , & diiTerão que juntos íígnifícavâo
Sem agoas fenhor levayo iílo aquelles dous innocentes. Mal pecado,
Sc for bom, - tão errada anda a maldade humana , que
Que las agoas de Moncayo logo tem por parvos aos que fabem pouco.
Frias íon. Outro homem entrou tambam por ade-
rência nas canas, o qual dizem j quctinha
Aqui não tiveráo praguentos j que dizer, partes maravilhofas; porque era tão perfeyto
por fero pinião de filica , ícrem melhores em íuas coufas j que o íeu comer havia
os mantimentos fimples, queoscompoíto?, de fero melhor temperado , & mais íuavc
Outro , que no beber lançava a barra inda domando , &osíeus vellidos erão íempre
mais além que os aííimacrcritos , tiroj por
divifahuma Salamandra, paíleando por ci-
ma de humas braías de togo , 8c a letra dizia.
En cl fuego vivo yo.
Mas o pintor errando as letras acertou de.
pòr: Detuegola bebo yo. Donde os pra-
guentos quizeráo adevinhar, que cíle galante
bebia Orraca de fogo. O demónio foy fa-
zer tal errOjparadellc lahir tamanho acerto.
doá nnais finos j panos , & ficins , que íe
pudeííem defcobrir, & cíla perfeyçâp atè
nos amores , & amizades íe lhe ellendiaj
porque com os amigos fempre tinha fucilc*
zasdeconverfação , & com as a migas hum
fingir , que queria , o que não queria. E
cm fim atè no jogar ufava da quellas manhas
todas , as que para ganhar erão neceíTarias,
•E tinha mais hum revés da Fortuna re*
cebido , que fe lhe eftendia defJe a ponta
donariz , até huma orelha, Efte fenhor
Outrodevoto , quedefquc eftava quen- tirou por divifa huma camiza toda lavrada de
te , dizia dos companheyroi ^ quacíquer pontinhos, lavor antigo, & a letradiziaaífi;
que foflem , o que de cada hum íabia ^ fem
rcfpeyto: tirou por diviía hum demoninha-
do , lançando os olhos cm alvo , efcu-
niando , & apontando com odedo para
hum frafcode vinh0|5c dizia a letra.
Se fallardemafiado,
Nam mo tachem, porque emfim
Aquella alma falia em mi.
Pontos de honrado, Sc ícfado
Semprena vida quiz ter,
Apontado no viver,
Apontado mais que tudo
Em meu veftir,& come r;
Pontos futis no meu gofto.
Méis futis no converfar.
Tanto me vim a apontar,
Qlic apontado trago o roílo
E as caitas para jogar.
Sendo atèquí introduzidos os religiofos
de Bacco , pedirão dous doutra religião,
que também os deyxaíícm jogar as canas, &c Muytos outros homenilluílreíS quiícrio
que cUes tirarião tal diviía ^ com que fc fer admitidos neítas fcflis,&canas, Sc qucíe
tiraíTe alimpo fua habilidade ^ &íendoen- fizera memoria del!es,conf-orms, íuas calida-
trados ambos juntos por certa confor- des ^ mas infinita eícriptura fora , fcgundo
midade , que havia entre ambos , trou- todos os homens da índia íio a (llnalados,
xcrâo pintados nas bandcyras cada hum & por ido cftes bailem para fervireni de
íeupardepombâSj& dúiaaictrai amoílradoquehanos mais.
ti^
•-.^
Rhnéts do grande Luís de Camões
COMEDIA
D'EL-REY SELEVCO.
Com^oFfít ^or Lms de Camões.
Diz Jogo o MtrdomOiOu dono da ff».
f^ Is,lcnhores,o Autor,por me honrar ncfta fcíli*
^ vci noyte , me quiz repreícntar huma farça,
& Jiz, que por não fc encontrar com outras já
feytas , buícou huns novos fundamentos paraa
quem tiver hu 01 juizoaíli arrezoaJo larisfazcr. E
diz que quem Ic delia naó contentar , querenJo
outros novos acontecimentos , que leva aos lòa-
Iheyrosdos Efcudeyros da Câftanheyra, ou de
Alhos Vedros , &Rarreyro,ou convcríc na rua
nova cm calado Boticário ,&:naó Ihefuirará que
comer: Porem diz o Autor, que ufou nefta obra
da maneyra de llopcte.Hora quanto a obra fe naó
Parece bam a todos:o Autor diz,que entende delia
menos que todos, os que lha puderem cmmendar.
Todavia iftohe para praguentos , aos quaes diz,
querefponde com humdi:odc hu»n Philoíopho,
que diz , V^ós outros eftudante para praguejar , 5c
eu para defpreí^r praguentos , & com tudo quero
faber da farça,cm que poato vay.
Moço, Lançarote.
Moç. Senhor.
¥.fcti4. São jâ chegadas as figuras?
M'>ç. Chegadas faó cilas quaíi ao fim de fua vida.
Efcuei. Como aíH?
Mȍ .Porque foy a gente tanta.quc nam ficou ca-
pa com íriz3,ncm talão de çapato,quc nam fahiflc
fora do couce.Hora vierâo huns embuçadctes * &
quizerão entrar por força , cylo arrancamento na
mão; derão huma pedrada na cabeça ao Anjo , &
raígárâo huma meya calça ao Ermitão, 6c agora
diz o Anjo, que nam ha de entrar , atè lhe não da-
rem huma cabeça nova ,nem o Ermitão até lhe
não porem huma eftopada na cilçi. Eftc'pantoro
ii: pcrdeo alli , mandeov.m. Doonngo apregoar
nos pulpiros,que não qnero nada do alheo
Efcud. Se tila fora outra peça de mais valia, cu
botaras a concicncia peJa porta fóra,para o meteres
cm TUií cifa.
Afpç. O ic o elle fora.maís concicncia ícria tornalo
a fcii dono,qucm o havia n)iíí:er para fi
Ffcud, Hora vem cá,vay da qui a ca(a de Martim
Chinchorro, Sc dizelhc , que temos cà auto, com
grande fogucyra , que íe venha lua mcrcè para cá,
6cque tragaconfigoo fenhor Romaõ de Alvaren-
ga , para que íobre o canto chain botemos noíTo
contraponto de zombaria. Ouves Lançarote?
irlhehas abrir a porta do quinral.porque mudcmoí
o vinte aos que cuydaó de entrar por força.
ludfife 9 Moço diZé
í-hichelloç[c Judeu ,aíli como fofte pantufo, 'que
te cuftava fer huma bolça com hum par de re-
ales , qucíaóbonspara hum efcudeyro hipócrita
quefaô muyto,Sc valem pouco.
Ffcu/Í. Moço, que eftás fazendo que nam râs?
Moç. Senhor cftou tardando, 6c porem cftou cuy-
dando.quefe agora fora aquclle tempo , em que
corrião as moedas dos fambarcos , femprc dcfte ri-
ria para humas palmilhas. Mas já que aííi hc , diga-
me v.m.quefarey defte?
Efcud, O fideputa bragante,elperay , que cíloutro
vo lo dirá.
Faz ejuelbe tira eom outro pantufciVajJt o Moço ,*<^
dizo EJcudeyro.
Naô ha mais míio coníelho ,qocter hum villão
deftcs mimolo , porque logo paflao opcalemda
n)aõ,zombaôaífi da gravidade de feu amo. Mas
tornado ao que importa, voflás mercês he ncccíTa»
rio,quc le cheguem huns para os outros,para da-
rem lugar aos outros fenhores, que haò de vir, que
doutra maneyra , fc todo o corro fe hadegaílar cm
palanques , ícrá bom mandar fazer outro alvalade,
êc mais» que me hão de fazer mcrcé,que íc hão de
defcmbuçar,porquccu não ley que me quer bem,
nem quem me quer malreítefòdelí^oftotcm hum
auto, que hc comooíficiode Alcaydc, ou haveis
dey xar entrar a todos, ou vos haò de ter por villaò
ruiro.
Entra Martim Cinthorro^fallando eom outro Efcudtjrê
for nome Amlfrofto^é^ di-* Martim
Cbineborto»
Entre v.m.
/Imhof. Dias h3,fenhor,quc ando de quebras com
corteíias,6c por iílo vou diante. Beijo as mãos de
v.m. A verdade hc efta , paflear com caía juncada,
fogucyra com caftanhas , mcfa póíla com alcatifa,
& cartas j alem diílo auto pára elg^íravatar os den-
tes, efta he a vida , de que fe hade fazer concicncia
Effud. Senhor , odeícanfodizcm la,quc fehadc
ter etn quanco hoixiem puderyporquc os trabalhos
^ ~ " Icm
f
^^s
Rimai ào ^Tànde Luisàe Camôes^i
fcm os chamarem de feu fe vem por leu pè,que feu fe naó p^ira quem entender,
nomehe. Mart. Como,taó efcura heella?
Mart. Hora po/s,lenhor,o auto dizem,quc he tal? Aííf.Senhor aííi a Icy eu eícrcvcr,&a fiz na n^ctno
porque him auto enfadonho rrazmaisfono coníi-
gr^que huma piégaçaó comprida.
Efiud. Senhor, por bom mo venderão, & eu oto-
mey à caila de lua boa fama,& íctal he,eu acho,q
por outra parte, nam na tal vidajComo ouvir hum
villáo,que arranca a falia da garganta, trais lem la-
bor , que hunia pêra pão, & huma donzella, que
Vem mais podre de amor,fallando como Apoítolo, Mart, Oh como he galante, que defcuydo tam
mais picdofa que huma lamentação. graciolo , mais vem cá , que culpa lc tem teu avò
A/*rf. Para eítes taes hc grande peça rapaz traves nos disfavores,que te tua dama da?
ria,porque eu n^ó fcy clcrever,le nau) com carvão,
&porera dizaííi.
Poramor de vós Briolanja,
Ando eu morto.
Pcíarde meu avó torto.
lo com molho dejunco , porque naó andem mais
ao cofcorraó, mais roucos, que huma cigarra, tra-
zendo de fi enfadamento.
Moç. o^lâ,fenhorcs , pedem as figuras alfinetes
para toucarem hum eícudeyro, horaiusáhi quCírt
dé mais? que ainda vos veja todas a mim âs rebati
Aíof . Pois fenhor, fe eu houve de pcfar de alguém,
não pefarey eu antes dos meus parentes , que dos
alheos;
Ulcuã. Pois ouçâo vofias mercês a volta , que hc
mais chca de gavetas, que trombeta de fcrcniílimo
de laValla.
nhís;oraíus vcnháode manoemmanojoude ma- aíí>^. a voltafcnhores.hc muy funda, Sc parecemc
na cm mana.
"Efcul. Moço falia bem cnnnado.
Afí?^. Senhor , naõtizao cafojquc os erros por-
amorcs tem privilegio de moedeyro,
Ambrof. Oh rapaz, naó ine entendes ,perguntote
íc tardarão muy to por entrar?
Moç. Parecemc, ienhor, que antes que amanheça
CO r»eçaráõ.
Amhrof. Oh que falgado moço, zombas de mim?
Vem cá.donde es natural?
Moç» Donde quer, que meacho.
Avibro' Perguntote on je naceítes?
Moç. Nis mãos das parteyras.
jHrabrdf, F,m que terra?
Moç. Toda a terra he huTia , 8c mais cu nafci em
ca!a «lílobradíida , b irri Ja daquella hora , que naó
havi i palmo de terra nella.
M»rt. Bf m b srri Jo de vergonha, que metu pare-
lenhorcs,que nem de mergulho a entenderão, 6c
poriflo mandem afibar os engenhos, & iiicrâo u;ais
huma Tardinha no cntendiméto, 5< pode lerq com
cfta fervilha lhe calçará melhor, ôc todavia pairar
aíTi.
Voflbs olhos tam daninhos,
Me tratarão de feyçao,
Que naó ha cm meu corfiçãoj
Em que atem dous rtis. de cominhos.
Meu bem anda lem fucinhos
I^or vós morto
Pcfar de roeu avó torto
Maru Hora bem, que de ver os cominhos com oteu
coração?
Moç. Pois,fcnhores,corâcáo, bofes.baço , 5c toda
a outra mais cabedella , aaô fe podem comer fenâo
com cominhos, 6c mais fenhores , rn inha dama era
ces,Dize,cujó hlhoes?He paravercom quedifpa- tindeyra , ôccííe heo verdadeyro entendimento,
fite refpondes. Afarí. Eaquella regra,que diz, meu bem anda íem
Moç. A fallar verdadlc,parecemea mim,queeulou fucinhos , me dá tu a entender , que cila naó dâ
filho de hum meu tio; nada de fi.
Mart, Vem cá,de teu cio,8ci(To como? Moç. Nunca voíTas mercês ouvirão dizer , meu
Moç, Como ifto fenhor he adivinhação , quê vof- bem, 8c racU mal lutáraõ hum dia, meu bem era tal
las mercês naó entendem. Meu pay era Clérigo, que meo mal o vencia, pois dcfta luta foy tamanha
& os Clérigos femprechamaô aos filhosíobrinhos, a queda, que meu bem deu entre huma pedra, que.,
& daqui me ficou amim ler filho de meu tio. quebrou os focinhos , & por ficarem taóesfarra-'
Mart. Hora te diga que es gracioío. Senhor donde pados, porque lhe naó podiaó deytar pedaço , por
houveíleseftc? conlelho dos fificos lhos cortarão por lhe nelles
E/c«i. Aqui me veyo às mãos fem piòs,nem nada, nam faltarem erpes, & da qui ficou meu bem anda
£c cu por gracioío o tomcy.Sc mais tem outra coula fcm fucinhos,conlo dizo texto,
que huma trovafalla também como vós,;oucomo Ambrof. Tu fazes jâ melhores argumentos', que
cu, ou comooChiado. moços de eíludo por dia de S.Nicalao» ...f!-,-
Ambr, Naó quanta diflo nós havemnslhc de ver Mart. Senhor, aquillo tudo he bom engenho cftc
fazer alguma cou la , em quanto fe veílem as figu- moço he natural para lógico.
ras,aindi que pira que mais auto , -que vermos a Moç. Qiic, fenhor,natural para logearfi mas natn
eílt.'. ^ / tam taia como voflas mercês.
Kf(ud. Vem : cl moço, dize aquella trova, que Efcud. Parecemc, fenhor , que entra a primcyr*
fizefte á moçn Briolanja,por amor de rr^im. figura, Moço, metrte aqui por bayxo defta me/a,
Moç. Senhor,fi direy , masa quclla troya , nâohe Ôc ouçamos cftc Keprelentador , que vem niais
-m.Pait. J ^ . ^ Ff amar:
^ tê Rimas dd Grmàe
amarlotados Jos encontros ♦ que hum capuz roxo
de piloto, que Ue em terra, & o tira da arca de ce-
dro.
*Mart. Senhorelle parece que aprende a cirurgião*
Amhro[. Mais parece ourinol capadojqueandade
atiiores comaminmados olhos verdes.
Ejcud, E.mtim parece tigur a de auto em verdade
Entra o Refttftntãdar»
tíe ley de direyto aíTaz verdadeyra, julgar por fi
nicrmo aquillo, que vem porque eu cuydo,que eu
zombo de alguém, ôc cuydo, que zombo da melma
iiianeyra,6c fe aqualquer pai ecc que eftá mais do-
brado, lera nenhum conhecer fcu próprio engano,
por grande que feja. Hora, ienhores, amim me ef-
qutce o dito todo de ponto claro , mas nuó lou de
culpar, porque naó ha mais que três dias, que mo.
déraó , mas cm breves palavras direy a voilas mer-
cês a fumma da obra , elia he toda de rir do cabo
atè a ponta. Entrará o logo primey ramentc quinze
donzellas , que vaõ fugidas de cala de feuspays, ÔC
vaó ccíTi cabazes apanhar azeytona , 6t traz ci-
las vem logo oyto mundanos , metidos em hum
cováo cantando, quem os amores tem cm Sintra,
& dcípois de cantarem faraó huma dança de eípa»
das.couía muyto para ver,cntra maisEURey Dom
Sancho bay laudo os niachatins , & entra logo Ca-
terina Real com huns poucos de parvos numa jo-
eyra,& Jcmealosha pela cafa.de que naícerá muyto
mantimento ao riib,6c niito fenecerá o auto , cora
mufica de chocalho, & bofinaf,quc Cupido vcna
dará huma alfeloeyra aquém quer bem ,r& irfc-
háo voííâs mercês cada hum para fuás pouzadas.ou
coníoaràócâ comnofcodillo,que ahí houver.Pa-
receme que nenhum diz, quenam. Hora pois fica-
reis em v^no laboraverunt , porque acegora zom-
bey de vós,por me forrar do erro da repreíentaçáo
corwo quem diz.digoto anres que mo digas.
Ambroj. Hora vos digo fenhores, que íe as figura»
íáo rodas tacs, que acertai iáo em errar *os ditos,
ainda que me parece que eftc o naó fez, fcnaó a fcr
mais galante. Mas íe aífi he cila he a melhor inven-
ção, que cu vitporque jâ agora reprefentaçôes,
todas he darem por praguentos , Sc Iáo tam certas
que he melhor errallas, que acertalas,
Ejctêd. Pareceme que entráo as figuras de fifo.vc-
jamos íc faô tam [galantes na prática, como nos
yeilidos-
Entra El-Rej Selettco, com a Rainha E/iratomtai ;
R(jr. Scnhora,de(que aventura
Me quiz darvos por mulher,
Nle finto emmeninecer,
Porque em vnlla fermofura^
Perde a velhice feu fer.
Huni homem vetho,c9nfadOt
Náo tem força nem vigor.
Para eui ú. leucir amor,
LfUis deCámSesl
Scnaó he,quc cftou mudadoí
Com íervofib noutra cor.
Muyto grande dita tem
A mulhcr,quc hcfermoía.
Rainha» Senhor grande,mas porem
Sc a tal he virtuola,
Qucrlhe a ventura mor bera.
"Ref, Si,masporém nunqua vemos
Anatureza címcrar,
Donde haja,quc tachar,
Que quando cila faz eílremof.
Em tudo quer fe cílremar»
Eu fallo como quem ícnEC
Em vós cila calidade.
Pelo que vejo prelente,
E fe me efta moftra mente,
Menteme a mcfma verdade,
Huma ló trifteza tenho
Qt>e naó tema menenicc.
Que no mòr contentamento
O trabalho da velhice
Me cm baraça ofentimento*]
Ratha. Senhor, novidades tae»
Farmehaó crer de verdade,
Réf. Novidades lhe chamais
Folgo,fenhora,que achais
Na velhice novidades.
Ratha. Senhor,dias ha que fento
Em o Principe Antiocho
Certo defcontentamento.
Dera alguma coufa a troco
Por laber leu Icntimento.
Vejolhe amarelo o rofto.
Ou de tride ou de doentc>
Ou elle anda mal di/pofto.
Ou lá tem certo dcfgofto
Que o naó dey xa ler contentó
Mande íenhor voOa alteza
Achamallo por alguém.
Saberemos que mal tem,
Se he doença de trifteza,
De que nace,ou de que vcm^
Rty. Certo que eu me maravilho
Do que vos ouço dizer.
Que mal pode ncUc haver*
Ide dizer a meu fi) ho.
Que me venha logo ver,
Ràinhãn Se curarnaó le procuni
Huma couTa deíles tais,
Vem defpois a creccr mait
Quanda íe naó acha cura.
Toda a cui a he por demais»'
Eftíra o Trinei^ Antiocbê,tem ftupa^mfâr wm
Ltficadeú
Trine, Leocadeo fe es avifado,
Enáotefalrafaber,
Sabermehas dar a entender
Quem ama dcieiperado,
Qttf
Rimas do grande
Que fim eípera de a ver?
Pa^. Senhor, naõ,
Mas porém porque razão
Lhe avem la bello,OLi de que?
Trtnc, Perguntocea conclulaó,
Náomepergantes porque,
P orque he minha pena cal,
Edc taõ eftranholcr,
Que me eyde deyxar morrer,
E pornaócuydarnomal
O não ouzo iridâ dizer.
Que mancyra de tormento
Tam eítranho,& evidente.
Que nem cuydar fe conlentc,
Porque ornei mo penfamento
Ha medo do mal que lente!
Tug, Não entendo a vofla Alteza:
Trtfíc, AíTi importa a rninha dor.
Tag: E porque razão, lenhor?
Friftc. Para que leja a triíleza
Caftjgo de meu temor,
Porque ordena
Oinior,que mccondena.
Que feajão de lentir
E remdizer,nem ouvir
Bemaventurada a pena
Que Ic pôde defcubrir,
O cafo grande,Sc medonho,
O duro tormento fero,
Verdade he ifto,que eu quero?
Não hc vcrdade,masJ(onho
De que acordar naó cfpcro,
Querome chegar a el-liey
^cu,pay,que já me cílá vendo,
Mas onde vouPnao entendo
C2om que olhos eu olharey
Hum pay,a quem tanto ofendo?
Qjie novo modo de antolhos,
l^orque nefte etrevimento
Devera meu lentimento.
Para elle naó ter ol hos.
Nem para cila penfa^nento.
Chega aênde ejiâ el.Rey^dr dix» EUKej.
"Rty. Filho,como andais aíli
Que tanto delgoílo tomo
De vos ver como vos vi?
Trie. Naó fey cu tanto de mim,
Que poíla faber o como.
Dias ha já,fenhor,quc ando
Mal diípollojíem faber
Eftc mal, que pofla ler.
Que ie nelle eftou cuydando,
Quaíime vejo morrer.
Rfy. Pois filho lerá razão,
Que ineu"^ fificos vos vejão,
fírinc. Oshficosjlenhor.nâo,
Qjie os raalcs,que cm mim cíláo.
Saò curas,quc me fobcjáo.
lILPart.
Luh de Cdmõesl 227
Rainha. Deytere,qiie na verdade
Hum corpo deytado,6c manfo
Defcanla á íua vontade.
Trine, Senhora,eíla enfermidade,
Náo íe cura com dclcanio.
Rainha. Todavia bom íera
Que lhe façáo huma cama.
Frine. Hum cuxim aball: uá,
Queaííi não delcanlará
O rcpoufo de quem amj.
Rejr. Vaiiios hlh>,para dentro,
Em quanto a cairia íe faz,
Repouíey como capaz,
Que a mim me da ca no centro
A pena,que aíli vos traz.
Vaofe^éf vem èuma moça afax,er a ca?nai& dit,*
Mimos de grandes fenhorcs,
Eíuaseítremidadcs
Mc hão de matar de amores.
Porque de raeros dulçores
Adoecem.
Entaô Jogo lhes parecem
Aos outros que ião mamados,
E os que íaô mais privados.
Sobre elles eftremeccm.
CcrtcSí affi Deos me ajude
Que íáomuyto graciolos.
Porque de meros viçofos.
Não podem com a laude.
Mas dcyxalos,
Porque elles daràõ nos vallos",
Donde mais naó le erguerão,
Inda que lhe dem a rraó
Os Icus privados vaífallos.
Entra hum Vorttyrode cana^ & hate primeirffi & dit»
Port. Traz,traz,traz^
Áíoç. Jelu.quem eltáahi.
Firt. Já vós,mana,ereis mamada^
Para vos levar furtada:
Nunca tal enltjo vi
E vós tilais delcuydada,
Moç. E. meus delcuydos,que fazem*
Fort. Voflos dcfcuydos,cadelia:
Aminhaalma,fois taóbelia,
Queeflcs defcuydos me trazem
Dous mil cuydados à vcUa.
Pois lou voflo ha tantos annos,
Mana.tiray os antolhos,
E vereis meus triftesdannos.
Aioça. Não tenhais efles enganos."
Tort. Nem vós tenhais efles olhosj
Que de voíTos olhos vem
Elta minha pena fera.
Mo(^a. Dcmeus olhos, aífim era.
Fort, Moça,qiJctacs olhos tem
Nenhuns o lhos ver devera.
Fí » Moj^
Moç. E porque?
F»rf. Porque cegais
A quantos olhos olhais,
F oito que polvos padecem:
Olhos, que lambem parecem,
Porque não nos caíiigJiis?
I*doç, Dcos dè fiío,pois de vós
Til ou ao que aos outros deu.
Fort. Dciatayme là clTcs nós,
K que mais íilo quero eu.
Que não ter íiio por vos?
Moç. Fallais darce,eu vos prometo
Q.iea repoila vem á velja,
llib he olho át panella:
Quanto ha já que lois dilcrcto?
Tcrt. Qu into ha já que vós lois bclla?
ikíftf. Dayíine logo a entender
Que cu íou fca a meu ver:
Port. E i(?b porque.o entendeis?
M^ç. (•orque,porque me dizeis,
Qiitlódcmeu parecer
Vos procede o que labcis.
Port. He verdade.
Aítf. Pois infcro.
Q^ie o VO0O íaber he vento.
Fica 3 coufi declarnda,
Meu parecer não fcrnada.
^ort. Olhi) aquciití argumento.
Alem de bella arifada:
Oh nem tanto, nem tão pouco,
Vede vós o que fallais?
Adcç. Cego no íaber andais,
Fort. No riío,mas náotâolòuco
Como VGS,mana,cuyuais:
IJora dizcydumamà,
Que não amaisquem vos ama?
Aioç. Ouviíles vós cantar ja,
'Velho maio, cm minhacama,
Jà me entendereis:
Fort, Ha,ha
Senhora,cílais enganada,
Que com hum:» capa,&: cfpada,
E com cíle capuz fora»
Adof. Hora bj:m, tirayo hora,
li fazey huma levada,
Port. Nãojfe me cu hoje alvoroço
Acharmehcis doutra teyçâo.
^<jui titã o cáfuz , é^ dix..
Fsrt. Tenho má diípoííçáo?
Eílas obra<^ faõ de mo^'0, ,-....,,.
Sc as moftras de v^íJho Ctó. .'i^ro úni-
hdoç. Tendes m-uy genti:. mcncos:
Fort. Não ícnh: ra, f<,ço eftremos:- -
Aioç. Pafleay hora, veremos 'o íioTlov ab 2
Se tendes tão bons paíieos:
Port. Tudo Icnhora^farfimob:
Moç. Viray hora a cflontra mão:
P9r(, Efta dirpoíição vedca, . q íauíu;
Rimas dò grande Luts de Cam^il ~
Que tenho gentil ferção:
Meç^ Tendes vòs muy boa rèdca,
Sofreis ancas?
Fort, lllo não,
Moç. Por certo,que tendes graça.
^ Em tudo quanto fizeroes,
Fazey n)ais,o que ioubcrdcs.
Por. Naó fcy couía.que não faça,
Senhora, por me quererdes.
Moç. Tendes vós muy to bom ar.
Port. Mais que ifto faz,quem quer bem,
Moç, Hivos 2finha,qirc vem
U Principc a ie de) tar.
Port, Nunqua huma peíloa tem
Huma hora para failar.
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Entra» o Princift tomo fet* PageWi L(Oía(ito,& dix,%
Frittc. Seja a morte aberccbidaj
Porque ja o amor ordena
A dar a meu mal fiihida.
Porque o fim da minha vida i
O leja da minha pena. ,
Nàu tarde para tomar
Vingança de meu qu'ercr,.
Pois não Ie pôde dizcr,
Que I âo if-mjà quecíperar, _ ^
Nem com que faívsfazer» 2',3Lniig oifiaO
Osfificos,vem,8c vão, " ' '(J
Sem fabcremmínhaí magoas, ■ r/ f'
Nem o pulfo me acharáá,:.i,3biLi!^ v sii ou ^'l
E Ie o querem ver nss agiDa^,■'^^' ^^ '^•'p Cl
As dos olhos lho dirá», , " r •>
Se com íangriâs também ^fi «[í^
Procurão verme curado^ o^níuo ■ . . r.,.i„.
O temor de meu cuydado ti2 zodln st/p mol>
O mais do langue me tem '\ m vH
Nas veas todo coalhado. --~ .. - on artT^
Queromc aqui encoftar, 'vgjja afíjnaupno^
Que já o eíprito me c&y, ^ i^vdG
EcocadcOjVayme chamar . íí3í:ií;1
Os muficos de meii pâr^ ft!naq filb íinq msVÍ
Folgarey de ouvir cantar.
ài^mfe deyta^como ^Ht repeufa, (^ falia dizendo ajjim,
/'riwc. Senhora,qu ai defatino »
Me trouxe a tanta rriílruwií «mo^ lav «ov aU
Foy,rcnhora,por'venruf4 •:■•■. • " • ^'-^ ôtH .«, >
A força,dc meu dcítinô^ ' -"1 "í>«'.0
Como vofia lcra)t»iura? -
Bem conhcço.qne náopò4l'oA.- , .
Tcrrão alto penfamenròi ^noq o:
Was dillo ló me eoiit<:nto,
Que fc paga com fcr vofib — ^/
O mór mal de meu tormento. ^JoS .x-
Entrai os mufcoiyéf' diz, (^kxÁhât^é da F onfiahíiàiHti* .
-fu ?o3nf)
Alex. Scnhor,de que ícacha mal " •
O
Ri mis do grande
O Princ)pe,ou quíí rnal fcnte,
P<f^. Senhoí*,lôi que eílâ doente, «í?*.^. * t- \
Mas lua doença hc Càl,
Qije entender le eáo conlentcj
Os híicus vem,5c vão,
lluns,ôí outros aiDCude,
beai o poderem dar iaó.
Qiianco mais cura lhe daõ
Kntáo cem metíos laude.
O pay anda cm lacnticios
Aos Dcoles,qL!clliedem
A laude, que convém:
Diz,endo,que por léus vícios,
O mal a leu hl ao vem.
Eu fufpeyto queirto íaó
Alguns novos amorinhxas.
Que terá no eorjçáo.
AUx, a mores, com quem feráõ,
Que lha náo dem de focinhos?
"Bwt. Scnhores,quc líjeparece
Da doença de Annocó?
Álex, Diga!na,qae;íí'lha conhece:
V»g. Que toma morrer a troco
Oe Cttlar, o que padece .
P#rf. llio he eftar emperrado
Na doeiiÇii,que he peor;.
Tcmno 0"5 falicOb ctírado?
Altx. Oh que de mal dei amor,
No ha leiíor lanaéor,
T^rt. Faliaiscomo experimentado^ .. — i
Que cu cu y do, que ella íadigiy «"> ^Uf» <nJ9:i2
Queofazcom quedcferperé, '^ ' -^
Y por mâs tormento quierlTyi:. ^ ^^^
Que fe íir.nta,y nó fc digá.5'''^> zHb fiuí.- fiií ^^
AltTt. l^ois,!enlior meu,iílo afiellc, "
Porque a pena, que fabeis.
Que cu cuydo,que^ítâ nellc,
i^arlhcha penas cruéis. • '•■'■ '
Vucs no ay quiert la confucííèí- 't '
Ptf>-?. Folgo porque me entendeisiíí 5fíp «ii'M .
fag. Heaionos ícnhores de hifj " '"^ ■'■ ' í
Forque nos cíláclperando. '\)
Tort. Pois cu tambenvhey dehir,
Que náo me poíVo^eípedir - -^t^-^-^i-i
Donde vejo eíUr chamando; •JÍtBY&^ 3up.»Wò
Trine, Cantay por amor de riJt 'mIj «-c 'T-zlcÍ auJP
Alguma cantiga trille,
W'»aQue todo meu mal confiíle^^*»»» f\^'^ ^ iíV,«a
Na irifte7.aem qiiemev-i.
Tort. Mandelhe cantar hum chiíle:
jíU». Chilte não,que he deíonelto, "fnoDJQ ^^n
E naó temellcseílrcmos, '^
Outro canto mais modctto: ^ • -vfcí»
Porém náo lei que diremoí^oJbnq tuia? lo^
Pí»g. Gáolcaó o dirá pfello, '
Porí.Dá liccnciliVi.Akeza,
Que diga minha tenção: ; '•' ^i
Trws. Di/.cy,rejà cm canto chaÕ, 2
Tort. Pois credc,que he fuiileza, O
Queos Anjosaconícíaó; . > - cí
Luís de Cétnhs^] 2^^
Digaó eíla.
Enforquey minha eíperança,'
E o amor toy taó madraço,
Que lhe cortou o baraço. ^
/iUx. Náo me parece eíla boa.
Tort. Haja eu perdão, •
Porque náo a entenderão,
Entender,bofâ,que he boa,
Naó lhe cahis na feyçâo?
jtUx, Dizey hora outra melhor
Com que nos atairaqucis. • j áO .^^ %%%
Tort. Hora elpcray,8c ouvireis,
Se a cila náo dais louvor,
Quero que me degoleis.
Cantiga,
Com voíTos olhos Gonçalves,
Senhora, cativo tendes
Eíte meu coração Mendes.
,rff/cx.Efla parece muy taibo,
Porque moltra bom indicio.
Tort. Vos cuydartis,que cu que rayvo*
^/íx.Toda via tem mao laybo,
Hora mal lhe corre o oíhcio.
Prwc.Tá naó vâ mais por diancc
A zombaria,que he mâ,
Cantay qualquer delias jâ,
Queefleporteyro he galante,
Ninguém o contentara.
A<iui cantam i & em acabando diz, o Pagtm^
Tag. Parece que adormeceo.
Tort. Pois lerá bom,quc nos vamos.
Ahx. Senhor,quer que nos vejamos?
Pflrí. Senhor,virmehá do Cco,
Relevame que o façamos.
"Bntra a Rêj/nha eom hum^fua criada ^or ntmt FreJal^
ta» f^diz. a Ra]/nba^
Raynb Frolalta,como ficava
Antioco cm te tu vindo?
Adoç. Ficavalederpedindo
Da vida,que então levava,
E afli íeus dias cumprindo.
l?<f;«/6. Oh grave calo de amor,
Ocíeíperada afiFcyçáo,
Oh amorfemredempçaõ»^ .,,....-
Que alli te f.^zes mayorí i^b lém rH oin •:;•;>
No mais altojôc fundo pego
Alli tens mayor porfia:
Razáo de ti náoicfia.
Qiiem te a ti chamou c^go
Muy bem íoubeo<jucdizií.
Por ventura hia chorando?
Trol. Chorando hia,& chamando
Ao amor,amor cruel, ^
E cm,tcnhora,ic deytando
Lhe
J30
Lhe cahío eílc papel:
Rayn. Que papel? ^ r 'rr"
Froi. Eíte.lcnhora.
Uayn. Amoftra,que quero lello,
Agora acabo de crcllo,
Que aoque moílra porfòra
Acjui llie lançou o íello.
^^ui lé o papel f éf Jiz]
^ãjhh. Oh eftranhn pena fera,
Oeldicola vids cara,
Oh quem nunqiiacà viera,
E com feu pay não cafárat
Ou em caiando morrera.
Frí/. Ainda que eu pela laô, ' ";
Senhora tudo bem vejo,
Atente,que na eleyçâo
O que lhe pede o delcjo
Náo confente o coração.
flaynh. Frolalta,pois que es difcrctt
Nada te poílo encobrir,
Porque le queres fentir,
A huma mulher dilcreta
Tudo fe ha de dcicubrir,
O dia,que entrey aqui,
Q(.ie a Seleuco recebi.
Logo neílc mefmo dia
No Pnncipe filho vi
OsolhoSjCom quemevia: -c
Eílc principio lofnlho,
Para ver fcfe mudava, ,a»>;> iu^íS.
Antes mais le acrecentava»
Eu amavao como filho, ipsaaw^I.-ti
Eelled^outra arte- me amava.'
Angora veioo no fim
Por fe me náo declarar, • -mi Vtioiinti^c^cv
Pois que ja a iflo vim^aiv^hi o aup aíBftVab^
A morte.queo levar
híe leve também a mirrri<\í^i«nfcí>«^5l «» M^a3
Porque já que minha forte '■ . . -.
Foy taõ crua,6c delabnda, '
Que me não quer daríahida, í'^ ^f^%\
Sejamos juntos na^morte.
Pois o naõ fomos na vida.
Oh quem me mandou cazar
Para ver tal crueldade,
Ninguém venda a liberdade,
Pois não pode reíg^itar
Onde náo tem a vontade.
Que náo ha mòr dclvario.
Que o forçado calamcnto
Por alcançar alto aflcnto.
Que era fim todo o lenhorio
Eftá no contentamento,
Náo fey le o vá ver agora
Se fcrâ tempo conforme, , i niutmv io*K
Ou fchimosadcshora. ' ' " ■
'9^0^. Depois iremos fcnhora,
Que agora di2em,que dorme»
Rmas do grande Luís deCamoesV
Ml..'.
Entra » fiftc$ a towarlbe c pulfo^^ umaHâ99 áit,
F$f. Su madrafta oy nombrar,
Y cl pullolele altero,
Eftonoentiendo yo,
Porque para le alterar
Elcoraçonle obligò:
Pues que el coraçon fe altere,
Y porque en un momento
Algun nucvo vcncimicnto
De afficion terrible le hicrc.
Que cauía tal movimicnto:
Pues que afficion cabe aíli,
Con msdraíhPdigo yo.
Dos razones ay aquli
Launadize,qucíi,
Laotradize,queno.
Empero yo determino
Deexprimcntar laverdad;
Y hazer una habilidad.
Que declare es agua,óvino,
Ella fu enfermedad.
Porque toda efta manana
Tcngo eftudiado íu mal,
Sin ver caufa effetual
De íu dolência inhumana,
Ni otra de ío metal.
Llamar quicro eítc alncjon,
Mas aun deve de dormir
Segun que es dormilon:
Sancho, ô Stncho?
San» A íenor.á leííor;
Ftf. Ea auneításdormiendoFifí v,í.jí,
5*». Eíloymc,lefíor,vtlííendo*'
f //. Pues vellaco, 6c fin íabor
No me rerpondcs.dormiendo?
Veftios preito ladroii:
Ohquemoço,yque ventura,
San* Mas queaniO,y caraíonj
Embieme elropon,
Quenoídiomi veítidura.
Fif. Que cuibie cl ropcn acà,
Parcce,que osdelmandais.
5<i«. Que raya,lenhor,ha.ha.
Que buenos dias ^yais.
Sntra o moço tmirulhaão em huma frtantt , éf di^
o Fifíc»,
Ftf. Di como viencs affi
Con Ia manta, y para que?
54». Yolenhor le lodirc;
Por venir prélio vcíli
Lo que mas prcílo me allé,
Porque vicndo,quc el me Ilama,
Dormicndo yofin afan, ,-
Saltè prefto de la cama.
Que parcfco un gavilan
Hermoío como una dama»
:^^\
fif. Mas es tu bovedíd tanta,
Que vienes deíla fecion.
i<i«. De mi vcíliíio iç clpanta,
De noche íirve de manu,
Y de dia de ropon,
'Ptf. Embiòrae el i^cy allainar
Orra vez.
San. Y a mi.
íí/.Yati.
6<í«.Y él quepreftaallà finmi?
Ftf. Que puedes tu aprovechar?
San. Yo fe lo dirè de aqui,
Si por la ventura quierc
Para que le dè conlejo
Quando dolicnceeltuvicrc,
Digo,coma,fi pudicrc,
Y beba buen vino anejo,
porque cite es el licor
Que da fuerça,y es íabroloi
Q^je íegun dizcnjfenor,
Vino letificaccor
Hoininis,&lees provechofoj
Ji/i Ya fabcs la medicina,
Qvie Avicena nos refiere.
San. Pucs rcnor,porquc es divina^
Pêro cl R.ey que ie quierc.
Que inanda,ó que determina»
fif. El Principe eftà (íolientc.
San. Oh melquino,6c que mal ha?
Ftf. Y a ti necio,que ce vá.
San. Oh íenor,que es mi paricntc,
F//. Gracioro clbovoeftà,
Ypuesdimc por tufe,
LIorarâs ÍI fe ttiurierc?
Stf». Nolloraré, |
Empe ro,lenor,haré '
La peor cara,quc pudiercí
¥if. Ea bovo vé corricndo,
Y cnfilla la mula ayna;
San. Vengalaenfillar mejor.
Fi/. Oh vellaco,y fin fabor,
5<i». Yo por cierto no loenticndaj
Pêro unamelecint
Le cde pedir,Dios queriendo, q
Porque ando atribulado,
Y no fé parte de mi
Com eíle nuvevocuydado§
Paraun layo esfarrapado,
Que me dizen ay alli.
Jfif. Horaeníilla,y nunquabiva,
P ucs lufro tus defatiaos.
San. Senor paffion no reciva,
• Yã cavalga C-alaynos
A la iombra de una ali.va*
jtf^MÍ (ae bolindo coma almtfaça l ^ açor Já § Frimife^
Rimãs dtí grandií tm de Cítmktl
Oh Pnnccza íobcrâftí
Como nos braços vos tcntid»
Ou cíle lonho me engana:
Pois como fonho tambcna
Mc queres vir magoar,
E para me atormentar
Moftraíme a lembra do bcrtt
Para aíH mais me enganar,
Afli que com quanto canfo
Já na») poflb achar atalho,
pois que ofonoquietOv&manfij^
Que 08 outros tem por dcícanfo
Mc vem a mim por trabalhos
Pois ha hi tantos enganos9
Que condenão minha forte,
Naó o tenho já por forte.
Se á volta de tantos danos
Vielle também a morte.
«1»
Prine. Oh bella viíla,8c hurroana
por quem taiuo jnn^l ioilcnho»
kiijui entra El-Rejf come Fif a , 4iz, El-Refl
l?í;r; Anday.Sc vede fe achais
O rafto defte legredo,
Que me dizem, que alcançais.
Ainda que tenho medo,
Que lhe feja por demais.
F//.Plegaa Diosqueaqucftclct,
Para {alud,y remédio
Delia dolência tan fea;
Yo bufcaré todo el médio,
Que prefto lano fe vca.
Jiífui Ibt toma q Pifico $ fulft^d' </Í£«
Fif. Afloxcn,fenor,fusays,
Como fe alia çn lu penar?
Vrinc. Como me acho perguntais? .
E como fe pode achar
Quem íempre le perde mais?
Fif. La refpucfta abre cl camino,
Imagina decontino.
Frinc. Naó tenho outro mantimento^
Nem outro contentamento
Sc não o cm que imagino*
Atiui entra ê Kafnba^& Ji^
ILaynh. Como fe ̀nte,renor,
Tem a febre maif pequena?
Trine. Rcfpondalhc minha pena?
Fi/.Conocido es fu dolor,
Hora lea en ora bucna,
Tomada eftà la trifteza
A las mano$,que fentiós
Uzaré de futilczai
Dix. contra Zl-Rtjl
Cumpleme que lolo yo
PÍ4ú4uc con vucílr* Alteza:
Pr
Kej. Chegue monos para-cà.
Raf»h. Naó deve deíeíperar,
Qjie cm fim fe bem atentar,
Pura tudo o tempo dá
Tempo para fc curar.
Trine. Que cura poderá rer,
Queui tem a curâ,íenhora,
No in pcíTivel haver.
Heiynh. Ficay vos,ienor,ernbora,
Que vos naó fcy refponder.
Vajfe 0 Raynha^à* ^ix, El-Ref,
.:0
^ep Neíle mal, que hão comprendo,
Que meyo dais de conlelho?
JFí/. Senor,nada entiendo dello,
Y lupucílo que lo entiendo,
Yo quiziera no entendello.
Jfe/. Porque?
Fíf, Porque he entendido
JLo más maio de entender,
Para lo que puedc Ic,
Porque anda,<enor,perdido^
De amores por mi muger.
Eey. Santo Dcos,quc tal amor.
Lhe dá doença tam fera!
Que remédio achais melhor?
FtJ. Forçado lerá, que mucra,
Porqueno mueia mi honor:
Rey Pois como a hun> ió berdeypo - -
Dellc R eyno,náo dareis . -^i o;ir,l o
Volia mulh^r,pois podeis.
Que tujdo faz o dinheyro:
pois eíle náo o en^eyríiis,
Da\ lha, porque cu clpsro
De vos dar din!-.eyro,<íc honra,
Q(j jntoeu para elle quero:
Fif. No tir.i el mucho dinero
Li nnncha deh deshanra.
lie/. Ora bem pouco defeyto,
He pequice conhecida,
Quando deyxa de ler fcyto.
Porque com elle dais vida
A quem vos dará proveyco: . .
Fif. Quan facilmente aporfia
Quicn catai nunqua fe vió
Del contcjo,que me dió,
Vueftra Alteza,quc haria
Si agora fucfle yo?
Ktf': A mulhcr.que eu tivcíTc
Darlhahia, oxalá,
Que elle a Raynhaquizeííc.
Fif. Puesdela,íi le parece,
Qie porella muerto tftâ:
Ríy.Que me dizeis:
Ftf. Ld vcrdad:
Rey.Sem duvida ral íentifl:es?r< JlCÍ
JFí/." Sin dudq,fiii fui (edad,
Pues,íenor,aora tomad íói nr
Los conlcjos,que lue diílesi
RtmaT do grande Luh de Camôesl
Key. Certamcnte.queeuovía
Em tudo quanto fallava,
Como o villes?porque via?
Ftf< Nel puiro,que íe alterava
Si la via,ófi la oia.
Rey. Queinaneyraha de haver.
Que eu certo me maravilho,
PoUa mais o amor do filho.
Do que pôde o da mulher:
Finalmente eilhadedar.
Que a an.bos conheço o centro,
Querooirlevantar»
E iremos para dentro
Neíle caio praticar.
9<i
•» iWfiKr'
Diz contra o Vrincifcl
Levantayvos filho d*hi
O melhor,que vós puderdes,
E vindevos para aqui.
Porque em fim,o quequizerdes
Tudo havereis de mi.
Tag. Ha if nhorcs,ou lâ,ou?
Tort. Vicíles cm conjunção
A Ttclhorjque pôde ler.
Hivtis aqui de fazer
A trofquia a hum rifaõ.
Tag. Deyxnyme,renor,dizer,
Haveis iíVo de acabar.
Coração hi bugiar.
No efteis prefo en cadenas.
Que pois o amor vos deu penas,
Que vos lanceis a voar:
Tort. Por certo,que bem comprou.
Tag. Hora fabeis o que vay,
Antioco, que calou
Com a molher de leu pay,
E o mefmo pay o ordenou?
Tert. Iflo como?
P<í^. Nãooley,
Porque dizem,que a amava, ]
' E que íó por ella andava
Para morrcr,8c El-Rey
De(^ a quem a delcjava:
Tort. Se o caza por querer bera
Com a moça, a quem elle ama,'
Direy que a mim^ne inflama,
Onmorn^ais que a ninguém:
Tag. Pois pedilhe a nofla dama:
Pcrí. Por Sam Gil,quc cilos cá-VCm^u
Elle pela mão cora ella. '^^'.yuic
Entra El-Rej^ & Antieco com aRaynhê feia
dtx, El-Rejr, ;j -):j eiíuv: ^
Rty. Que mais ha,quecrperar
01hay,que eílranhcza vay
O muyto amor ordenar,
Hiríe o filho namorar
De huma mull^rde leu pay,
Querer
Rimas do grande
Querer bem íoy fua dor,
iScgarlha lerá crueldade,
Aili q lie jâíby bondade
Uz»r cu detal amor,
K de tal humanidade.
Ella dcyxou de reynar
Como Uzia primeyro
Por Ic com elle cafar,
V, por amor vcrdadeyro
Tudo fe pódcdcyxar, .^vv» '
Eu que nclia tinha poílo
Todo o bem de meu cuydadoj
Deyxey mais,que ella hâ deyxadoj
Ouemais íc dcyxa nogofto,
Que no poaerozo eftado:
Mas já que tudo ifto vemos,
H^jadi feftâs de prazer,
>\s que melhor poliaó ler, /
porque cm tão grandes eílremoSy
Eilrt:mo3 le haó de fazer.
H^ijão cantos para ouvir,
Jogujjprazeres iem fundo.
Luís de CâmSêsl
Porque íe quereis íentir
Defte modo entrou o mundo,^
Eaflimhadclahir,
*33
^5«í vem os ntufieoí , d^ cantam , & depoit ãt canti
tem fuemje todât 4i figuras , <^ dti^ Martim
Chinchorro,
Hora, fenhor, tomemos também ncíTo pandeyro,'
ôc vamos feftejaros noyvos , ou vamos conloar
com as figuras, porque me parece . queeftahca
mórfcfta , que pôde ler. Maselperc v. m. ouvire-
mos cantar , & na voltadas figuras nos acolhere-
mos. Moço acende cfle molho de cavacos , por-
que faz clcuro , não vamos dar com noícocm al-
gum atoleyro , onde nos fique o ruço, & as canaf»
trasr ■ <'^-^----
E/lacio da Fonfeca, Não lenhor , mas o meu Pilarte
irá com cUcs com hum par de tições na mão , 6c
perdoem o mao agalalhado, mas daqui em diante
firvaóle deftapoulada , & não tenham iftopor pa-
lâvras,porquG ellas, & plumas o vento as Icya.
IltPart;
PS
CO]
m
Rimas d» grande Luis de Camêesl
COMEDIA
DOS ANFITRIÕES.
Cõ',
m
^OT Luis de Camões.
-3tr/uo .n:
ilíÇj , íi
J U.)íi\ ?í-
EM A QUAL ENTRAM AS FIGURAS SEGUINTES;
Anfitrião.
Almenajua mulher^
Sofeafeu ntoçú^
Bromtafua criada.
Entra logo Almma faudofa Ao waridoftjue benaguerrai
■& diz,,
Almena.XJJ A Seiíor Anfitrião,
•*• •* Onde eftá todo meu beiUi
Pois meus olhos vos naõ vem,
Falarey com coração
';^CÍJc dentro nalma vos tem,
Aufentes duas vontades,
Qual corre mores perigos,
Qtjal fofre mais crueldades,
Sc vòs entre os inimigos.
Se eu entre as laudades.
Que a ventura,que vos traz
Tam longe de vofla terra,
Tantos dcíconcertos faz,
Que fe vos levou a guerra.'
Nam me quis leyxar em paz;
Bromia,quem com vida ter
Da vida jâ deíefpcra.
Que lhe poderás dizer?
Br^w». Que nunca le vio prazer.'
Sc nam quando nam Ic eípcra»
E por tanto nam devia
De ter triflc a fantefia,
For que voíla mercc crca."
Que o prazer lemprc faltca.
Quem delle mais delconíia
En tenho no coração,
13o lenor Anfitrião
Venha hoje alguma nova»
Naõ receba alteração,
Que a vcrdadcyra aífeyção
Na longa auíbncia le prova. \
^Altn' Dizey logo a Felifeo,
Que chegue muyto aprcílado
Ao cais, Sc bul^que meyo
De faberfe alaum recado
DopprtoPeifico veyo,
^ mais^lhe aveis de dizer.
BelferraÔ Tatraõ.
Aureíio primo delia com feu moço.
Ãlercurí€.
lílovosdou porofficio,
Dalguma nova íaber,
Em quanto eu vou tazer
Aosdeofes o facrificio.
P^éiyfe AlmenUyC^ diz, Bromis
Brow. Saudades de minha ama,
ChorinhoSjSc devaçóes,
Sacrifícios, & orações
Mehaó de lançar numacam*^
Certamente
Nós molheres de íèmentc
Somos ledcnho tam tofcò,
Que com qualquer vento,quc vente
Queremos forçadamente,
Que ob deoles vivaõ com aofco*
Quero Felifeo chamar,
E dizerlhe aonde hade ir
Mas elle como me vir
Logo hade querer rinchar^
de traveflb
Eu que de zombar nam ceíTo
Por ficar com elle em laivo.
LançolhCjhum, Sc outro remeíTOf
Aos léus furtolhe o alvo,
E antão elle fica aveflb;
Porque o melhor deílas dançajf
Com huns vindiços affi,
He trazclos por aqui
Ocheyro daselperanças.
Por viver
Ha os homens de trazer
Nos amores aíTi mornos,
Sò para ter que fazer, 4
Edepois ao remeter
Eançalhe a capa nos cornosí
Felifeo,re eftais à mão,
Chegay câivem como hum gamO^
Bemrey,qu9 naõ chamo cm vão.
^tm
Rima
Vem FeUfeo]
Tel^ Chimaíf?Tie também vos chamo]
Porém cu ouço,8{: vós não,
Senhora,que me matai?,
Se vós já nunca me ouvisi
Ou me ouvisjSc vós falais,
Dizey porque me chamais
Se me vós a mim fogis?
Brotn. Eu vos fujo?
JFíA Fogisdigo
De dará meus males cabo,'
Brom. Sabey que deíle perigo
Naó fujo como de imigo,
Fujo como do diabo.
Fel. Day aodemoeíla tenção»
Uíay antes de cortês,
Cay vós neíta razaó.
Br»m, Do perigo fogem os pés,
Do diabo o coração.
Fel, Dizeyfme,queneírci briga
Do meu coração fogis?
Brom. Ainda,que eu iflo diga.
Fel. A minha doce inimiga»
Bem fínto,que me íintis, »■
Mas para que me chamais?
Brom. Manda vos minha íénora
Que chegueis daqui ao caiSj
E algumas novas faybais
D^ Anfitrião neíía ora.
Fel. Quem as não labe de fí.'
Doutrem como as fabcrà?
Brom. Não nas íabeis vós de mi?
Ftl. Má trama venha por ti,
Duna feyticeyra mi.
Porque não me olhas direyto^
Cadcia.que aíH me cortas.
Brem» Porque vos quero dar portas^
Que i'cu olhar doutro geyto,
Trarey cem mil vidas mortas,
Ftl. E pois para que me andais
Enganando ha cem mil annos?
Brom. Douvos.vitla com enganos,
Ff/. Ncfles enganinhos taes
Acho cruéis deíenganos.
Brom. Quanta cfles vos quero eu dar,
Vós cuydais,que cftais na feia.
Pois podeis vos d.çcer delia,
Queu nunca vos pude olhar,
F«/; Jugais comigo á panela?
Tendesme ha tanto cativo,
E dcfenganayfme agora?
Tudo iflo he o que privo
AíTijque he iflo (cnhora,
Dochelo mcrtOjdochelo vivo?
Sc me vós defenganais
No cabo de tantos annosj
Direy,le licença dais,
Dailmc vida com enganos,
lH.Part.
do grande Luh de Cam^efl
Deíenganos jà chegati
Mas fe iflo havia de ler
^^ Di2ey,má deíconhecida,
Deílcrro de meu viver.
Que vos cuílava dizer
Amor buíca tua vida?
Brom» Zombais falaiíme coprinhas?
/^c/. Kirvoseis le vem a maó:
Coprasnáo,masi(to laô
Anfías.y paíTiones minhas
Dos bofesjôc coração.
Brom. llvos fazendo duns íengosJ
FtU Perdoncmc Dios fi peco.
Brom, Nefles dentinhos framengos
Conheço,que fois hum peco,
De todos quatro avoengos.
Ftl. Tudo vos levo cm capelo,
Jà qu^eílais tanto cm agraço,'
Porém falando fingelo,
A furto defla mao zelo,
Qucreifme dar hum abraço?
Brom» Ora digo que não poíib
Ufar com voíco de fero,
Tomayo.
Fel. Jà o não quero,
Porque efle abraço voílo
Sabey,que he engano mero,'
Brom» O vós lois duns fenfaborcs
. Abraço pedis aílim
S*eu remango dum chapim?
Fel. Tudo iflo laô favores
Zombay,vingayvos de mim;
Brom» Vós de furiofo touro
As garrochas não fentis.
Fel» Vedes com iflo ló mouro,^
Quando cuydo que íbis ouro,
Achovos toda ceytis.
. fir^M. Emíim fanh^de vilão
Vos fez perder hum bom dia*
Fe/. Jâ agora o eu tomaria,
Quereilmodar.
Brom» Hora não,
Cocey vos eu toda vlzl
JTf/. Pois,fcnora,a quem vos ama^í
Sois tam delarrazoada,
Quero tomar owtra dama,
Que nam digam os d^ Alfama,
Que nam tenho namorada.
Brom» Deyxayme,
Fel» Vòs me deyxais.'
Brom. Deyxayme.
Fei» Zombais de mi?
Brom» Deyxayme,pois me cngeytais
Eu me aulentarey daqui.
Onde me mais não vejaisz
Fel. Boa-efliâ a zombaria.
Brom» Naõ íaõ eflas minhas manhas^
Fel. Porém isvos todavia?
Brom. Voy me »las ticrras cftranasj
A do ventura me guia.
Hi
K^jfi
3.5^
. ^4íA ^^oma , & diz, Felifeo,
\
í'eL Fantcfias de donzellas,
Não ha,quem como eu ns quebre,
porque certo cuydam cilas,
Que com palavrinhas bellas
Vos vendem gato por lebre.
Eítatcm lá para íi
Qii^eu lou por ella finado,
E cre que zomba de Cii,
E eu digolhe,queli.
Sou por ella elperdiçado.
Prezale de huma^ figuras,
E eu não quero mais Frandes,
Doulhe trela ás travefluras.
Porque dcílas cofladuras
Sc f^zem as chagas grandes.
Qu'eítas,que andam fempre avela,
Eltas vos digo eu,que cofio,
Porque de firmes na fella,
Crem,quefaira5 acoítella,
E ficâo pelo pefcoUb,
Qie quando efi:as damas tais
JS/ls cacháo então recacho,
M as difto agora no mais,
Queromc ir daqui ao cais
Ver le algumas novas acho.
Rimas do Grande Luts ieCámSesv
Tomarás fua forma em ti,
Que ofaíásmuy facilmente.'
E eu me transformarey
Na de Solea criado (eu,
E ao arrayal me irey.
Onde logo faberey
Como fe a batalha deu,
Eafli poderás entrar.
Em lugar de feu mando,
V E, para que íejas crido,
, Poderás também contar,
Qiianto eu là tiver fabido.
7«p. Quem arde em tamanho foga
Tiralhe a virtude açor
De lotiUSc labedor,
E quem fora efi;á do jogo
Enxerga o lanço melhor,
Mas tu,qu.: dos íabedores
Tanto avante fempre efiàs.
Se Deos es dos mercadores,
Seloás dos amadores,
Pois tal remédio me dás,
Ponhaíclogo em eff^eyto,
Que não lofre dilaçara.
Quem o fogo tem no peyto,
E tu vay logo direyto
Aonde anda Anfitrião,
Vayfe Felffeo , dr vem lupiter , éf Mercúrio , & diz,]
luptter.
^up. O grande,& alto deftino,
O potencia tam profana,
Quea lètad^um minino
Faça, que meu fçr divino
Sc perca por caufa humana!
Que me apioveytam os ceos.
Onde minha eflencia mora.
Cora tanto poder, fe agora,
A quem me adora por Deos,
Sirvo eu como a fenora?
O que eftranha afeyçaa
Quem em bayxa couza vay pór
A vontadCjôc o coração,
Sabe tam pouco d^amor,
Qiaô pouco amor de razão.
Mas que remédio cy de ter
Contra molher tam tei ribel,
Que fenâo pode vencei?
Mert. Ako fenhor teu poder,
O dcficil faz poílivel.
Jup. Tu nam ves qu^eftá mulher
Scprczade virtuoía? ■
^erc. Senhor,tudo pôde fer.
Que para quem rauyto quer.
Sempre a feyçaó he tftanhola.
Seu marido eítâ aufcntc
Na guerra longe daqui,
^Tuique CS Júpiter potente^ -fn
i07Y3jf
?XJ(3Ci
'l neM
;««»'»^.
VãofCf & vem Felifeo, é^ CdifOi& diz.
Fel. A do bueno por aqui,
Tam longe do coftumado^
Cal. Mais longe vou eu de mi,
D^ir perto de meu cuydado.
Fel. No andar vos conheci.
CaL E vôs onde vos lançais,
Com vofla contemplaçam?
Fel, Eu chego daqui ao cais
A feber de Arvfitrião,
Nam Icy fe vou por demais."'
Cal. Porque,por demais diiteis?
Fe^. Porque nada alli hc certo.
Cal. Novas lànamnas bufqueis.
Porque aqui as tendes maisperto»
Fel. Pois daymas já,fe as fabeís.
Cal. Hum navio he jâ chegado
A barra,que vem de là.
Traz de Anfitrião recado,
Diz,que o deyxa embarcado,'
Paralc vir para cá.
Tem vencido aquelleRey,
E diz,íep,undolheouvi.
Que eíla noy te fcrà aqui.
Fti. Eífas novas Icvarey
A Almena, que torne em fi.
Porque ella teitimayor guerra,
Cos temores de perdelo,
Que elle co Rey deífa terra*
Cal. Onde amor lançar o leio,
Nenhuma couía odeilcrrA,
Fdife»:
1
Porque
Rimas do
Porque inda quf o penfamcnco
Vo8fique,íenor,en) calma.
Por (norte, ou apartamento,
Sempre vos lá fícaó nalma
As pegadas do tormento.
Ff/, i tio he bum fegredo mero
A que o amor nos obriga.
Por iílb em calo tam fero,
Scnor, nunca ninguém djga.
Já lho quis,& nam lho quero
Eu quiz bem a huma molher
Que vòsconheceltc bem,
E com muyto lhe querer,
CaToiíle.
CaJ. 0,& cora quem,
Qje inda o nam poflb crer?
JPe/. Com hum mercador, queveyo
Agora do Egypto rico.
C*/. lílo trazaaoa no bico
Efl'e homem he parvo, ou fcyo.
fí/.Pos vedespuiílo me pico,
E em pago deita trcyçáo
A fora outro mil dclconros.
Que eras configo a afeyçâo,
Sempre os íinacs deites pontos
Trarcy no meu coração.
Cal, Viítela mais.^
Fd. Seííor vi,
Na janelinha da ^rade,*
Pafley,6cdifielhcaffi;
Calada lem piedade,
Porque naó na aveis de mim?
Cal. Que vos difie?
Fí/.Lá no centro
Lhe enxerguey pouca alegria,'
E como quem lhe doya,
Metcndolc para dentro .
diííc jà paHojíolia
CúUfio. Ah má fem conhecimento.
Quem lhe defle mil chofradas!
Fil. Senorjcomo feó cafadas
Calãoíe co efquecimento
Das couías,que laõ nadadas»
Cal. Lembranças de vosdeyxar
Picarvoshâo como eojos.
í^í/.Seííor aveis deaílcntar,
Que onde amor vosquer nvatar.
Sempre alha miran ojos.
H'Jm mocecc lhe mandey
Hum dia eftandoccom febre.
Soda payxáo,que tomcy.
Cál. Pois vejamos,qiiemtem lebrd
Ftl. Senor eu volo direy
Mote.
Vós por outrenveu porvòs,
Vós contente,£c cu penado,
Vós calaiia,c eu canfado
Poios íantos de minlia dona.
grandt Luh de CàvíSef, .
Cai. Seííor vós ÍÓ o fízeílc?
Fel. Si»ningusm me ajudou.'
C«/. Sc vósióo compufeíte
Crcde,queeftremo diílcítes.
Nunca Orlando tal talou,
:. Senor,íizeílclhepé?
F</.Senor,ti todo hum anno
Vôs zombais le naíi m^cnganor
'■■ O/. Naô,mas douvos minhafé
Que nunca vi tam bom pano.
Fel. ora olhe voíla mcrcc.
Folta.
O Ihay tm quaó fundos vãos
Por vofla caula me afogo,
Que outro me ganha o jogo,
E cu triíte pago os paos,
'•- Olhos travcíros,& mãos
Inda eu veja o meuc uydado
Porefle voflb trocado.
Cal. No mais,que iflb me degola,
5enor,eu aja perdaõ:
Fizeíles eíle rifáo
Em algum jogo de bola,
E foylhe elle ter a máo?
Fel Digovos que o vio,& lho leé
Hum moçozinho de eicola.
Cal. Eftá iflb olTi do Cco:
Sabe cila jogar abola
Fe/.Naõ.
Cal. Pois naó vos entendco
Oraeujá chcgucy a ler
Pctrarca,ÔC crede de mi
Que nunca tal coufa vi
Onde mora o bom fabcr.
Logo dâ final de fí
Onde cafada pofefles,
Dizey porque naó difleíles,
h Lâ que yo vi por mi mal?
ÍV/. Renunciava,© metaly
Que em rifões zinhos como cflfi«»
Hafede pór tal com tal.
Que a trova trigo trcmçs
Hadefer toda dum pano,
Qiie parece muyto Ingres
Num pelote português
Todo hum quarto caftclhano.''
Ouvi outra tanSbem minha,
Que fiz a certa tenção
Clara,levc bonitinha
defeyçãojqueeíta trovinhá,
He trovínha de feyçáo.
Como eu hum dia me viflc
Morto,& amaô na candca,
E ella naô me acodifle,
Fizlhe eíta,porqueí feniiíT*
Que dava os fios á tca;
F> opropofitohe
Andar cu hum dia íé
*j?
/
i
E para que õuvefie dó
De mim.ôc de rniaha fé
l^amcnteylhe como Jò
Cal. }\ndaftcs,fcnor,muy bcna
JFel. Oi^a lcnor,atencay,
E vçde o fabio,que tem.
Se hé para a ver algum,
C<í/. Ora dizey.
i^r/.EyU vay
Tr9Vêí
Coração de carne crua,
Velo teu amor aqu,
Que efmorccido porti ■ *
Juz no meyodefta rua.-
Caí> Na rua lenor jazia, o,,u oijíj
E era em leinpo de lama?
Fí/. Seííor quem fala a quem ama
De fi mcímo le naó fia,
A vcis de mentir â dama
Ca/. Volta diflo?^
Fe/. Singular,
Sc não que he muyto fentídã,"
Farvosha,ienor chorar.
Cal. O diga por fua vida.
f«/. Farey,o que me mandafii
f Volta.
\ Porque não ás delle magoa
O dura mais queninguem, aov ô^n
Que anda o trifte,que naó tem -* -
t QLiem lhe dé huma vez de agoaj
^ Nam lhe negues teu querer
Pois te naó cufta dinheyro.
Que em fim por derradeyro
A terra te hade comer. ,
Ca/. Tal trova nunc^fevio .„,..,. i
Agorentâftela jà? ;qivo'{iupsJ
Ff/. Senor nam,ainda eftl • * - -
Como a fuafnãy paiio
E não cftâ muyto ma.
Cal. Ha trova, que tem por lei*
Naó na poflo mais gabarj
Mas pois tal couzt íazeis^ 03?um ^^^^ís^ 3'
Scnor,ntm me enfinareis ' v
Donde vém tarobem trovar?
F*/. Naó hcacoufataõ pequen^tii^ guijpívu^»
Como,fenor,afizeftes, - — -•' ~ ■
Ena,que agora diíTeftcs.
Mas porem vou ^ar a Almcna^
Elias novas,que me deftes
Depois, renor,nos veremos
íicay jà roendo cllç oflo
C4/. O roer,ienor.he veflb.
Fe/.Pois eu por mais,^zobcmo$ ■. aHlt»''!
Eyde fer volto, & revoflb,
Ctf/. Oh elcufayvos d^eftrtmos
Queiílb,ícnor,me atarraca.
Rtmas do grande Luís de Camões]
Mas nós nos encontraremos,
E lobre ifio envidaremos
Dous reales mais de íaca.
Í^ao[t aviboi y& vem tupiter , (^ Mercúrio iramforfnn"
doiflu^iter na forma de Anfitrião , MerfnrtatHê
dt Sofea cjcravOf& diz, lupner^
}uf. Mercúrio pois fou mudado
Ncíla forma natural,
01ha,5c nota com cuydado,
Se eílâ cm mim o pintado
A parente CO real?
MtTt Quem tam próprio le trAQsfortQtíJ
Tenho por opinião,
Que natal transformação
Lhe prertou natura a forma,
Com que fez Anfitrião.
luf. Pois tu no geíto,£c na cor
Eftás Sofea eferavo fcu
Merc. Munto mais farás, leftor,"
lup. Nam no faz lenão o amor,
Qiie niílo pode mais que ca
Merc, Jájicnoi ,te fiz menção
Como deo Anfirriáo
A el-Rey Terela a morte,
Qitenaguerrra igual alortc
Póie mais,quc o coração
E de pois de ler tomada
Toda a Cidade com gloria
D*Anfitriaó bem ganhada.
Como cm final de vi6toria.
Efta copa lhe foy dada,
Porella bebia cl-Rey
Em quanto a vida queria,^
E eu porque te compria,
A feu eferavo a furtey,
Qicnumacaxaatrazia.'
Elia poderás Içvar
A Almena,porlhemoftrar
Verdadcyro,o que he fingido^^
E deftâ arte lerás crido.
Sem mais outro ardilbufcar,
J«/>.Pois tudo tens ordenado
Por tam nova,& fijtil arte.
Como me vires entrado.
Irás dar cftc recado
A Febo de minha partcJ
Que faça mais de vagar
Seu curlo neftc Emifphcrio^
Que o que foc acoftumar,
Que efta noyte ey de ordenar
Hum cafo de alto myftcria,
£ à £fpera mais alt<&
Mandaras,que fixae/fcja.
Porque a noyte mayor feja
Por que fcmprco tempo falte
Onde alegria hcíobeja.
E terás tamanho tento,
Que como ifto íe prdcnar*
yenhaí
VcnVias a qui vigiar,
Porque meu contentamento^
nin<^ucin n-.o pofla cllrovar
il^frí.Seja íty to íem debate
Tudo como te Convém.
7«;?. Pois liam parece ninguém
Como homem de cala bate,
E muda a falia lambem.
Bate Mtrcurio à portal
Mere.O de la cafa^en buena hora
Dar mean de ccnar aqui? 'Áyp síbon i: dui
Brcw, Sofea parece,qnc ouvi,
Alviçarrts»minha lenora,
Que na fala o conheci. -nrnot) i^inii l\.í
Entra /llmena\,ér Br&mial
Jil. Zombais Rromia,por ventura?
Brow.Seííora, nam 2oinbo,nâni.
^Im. Vejo eu Anfitrião,
Ouaviílarne afigura,
Oqiieeftá no coração?.
lup. Olhos di ante dos quais
Deiejey nuis eftc dia,
Qie nenhuma outra alegria
Scnor;.', nunca creais
Que lhe minta afentefia.
Alm> Oh preíença mais querida
Que quantas formou amor,
Ifto he ver :iade,fenor?
A cabefeaquia vida,
Pornam ver prazer mayor
Jtt^.Pois efta ora de vos ver
Alcançar,lefíora,pude,
P ara mais contente fer.
Conforme co eíte prazer
Novas de voíTa. lande.
Altn.Vidi foy pclada,&: crua
A faudequceiiíoftinha
Que em quanto, lenor,a tinha,'
Temer perigo na fua
me fez deícuydar da minha:
iW^re. Ypuesmi feííora Almena
Pefia ai dem^mio malvado,
No dirá aun fu criado,
Vengaes Soíea nora buení?
Alm. Sejais, Sofea, bem chegado.'
Brot». Bem mal cri eu, que pudeílê
Verte»Solea.hoie^'aqui.
Alerc. Pues tambicn yo no crey,
Que en mi vida te viefic,
Segun \àS mucrtes,que vi
Alm. Muyto Tenor folgarey
Com novas de vencinjento
Jí»;. De tudo quanto paflcy
Porvosdar contentamento,
Em fuma vos contarey.
Trago, fenora,a viéloria
Paquelle Rey tam temido,
, CooTi ftimã clara &c notoriai
Rmaí do grande Lutsàe Camões.
porem mayor foy a gloria
De me ver de vós vencido.
Sem me ttrem rtfillencia,
Os grandes me obedecerão
Como El-Rey morto liveiáo,
Em final de obediência
Efta copa me trouxeráo
El-Rey por elh bebia,
Ella,íktudo o mais he noflb
Poronde claro le via,
Qiietudo me obedecia.
Puis tinha nome de vofib.
Jlíerí.Siímas luego de rondon
Là Fortuna dió la bueka.
yí/»í«Cómo? ■ -Tn^íifc:
Merc. Fue gran perdicion:
Porque en aquella rcbuelta,
Mehurtaron mijubon
Pêro bien melo pagaron.
Quando comigo rineron
! Que aunquemedcfpojaron,
Si uno de leda llevaran
Otro de açotes me dieron.
'irfí/»2.Sanor,nam poílo goílar
De gofto,quc he tam imnicnío,'
Senaõ muyto de vagar,
Façame mercê d^enirar,
E contarmoa por eftenço
lí^
Vão]e,& fica Mtrcumi
Áâerc. Yo tambien te contaria,
Bromia,fe quedas atras.
Que una noche,enoiarteas?
Bront. Que?
Merc> Sonava,que te tinia;
Brom. Dize.
A/crc. Par dies no dirè,
Soííava.
Brom Bem que fonhavas?
Aderc.Quc quando en la cama CÍlavai
Que yo en fin recorde.
Brom. Pois tudo iflb receavas?
Aíerc. Sabe Dios,que yo acà fiento,
S(?Ia una alma vive en dos,
La qual anda dentro en vós
Brom E qnc quer ella cà dentro?
Merf. Tambien eílb íabe Dros.
Payfe Bromia,& diz Mtrcurié
Iderc. Bem le poderá enganar
Bromia.fcgundo ora eftou
Como Almcnafe enganou,
Mas cumpreme ir ordenar,
O que meu pay me mandou
E porque fc')a guardada^
Ella porta, &: vigiada
De toda a gente nacida.
Me fera coufa forçada.
Ser tam deprcfia a tornada,
Quão prcíleò faso a partida
r^ffí
M<y
Vayfe Mtrcurid^é^ vem Sofea co*ruadaJi ^nfitriJtê
■■:'.ii ■ .f
: obuJanp
5o/ Anfitrion esforçado,
Bravo và poria batalla
Sietc cabeças llevava
De las mejores,qoe ha hallado
FiiA Qiiien vienc de tierraagena,
y de Ia muerte eícapó,
La razon ie permitio,
Que cante como íirena,
Comoaorahagoyj,
Ypucscancotan gentil
Fusra Uanto íi muricra
Q.jierocantar como quicra,"
una,y outra,y mâs de mil,
Q;!e digan defta manera.
Cam. Don goiondron cora Don gofendrcra^
Porei caminode otcra
Rofas coge en la rolera
Don goiondron con don golondrcra*
Fal. Quando yo vcngo a penlar
Que uno mararme quiíiera.
No hagoíino teniblar
Porque creo íi muriera,
No pudiera más cantar,
Porque eftando a un rincon
De la cala,ado quede.
Senti muy grande ronron
Y mirando que,miré
Vi que era un gran raton, "' *
Empero yo nunca figo
Sino coníejos muy (anos,
Qie en eftos calos liv\anos,
Qiiendeíprecia el inimigo»
m\\ vezes rauere a íus manos^
Pêro mi lenoralli
MatóalRey de los gilpazos
Yo como muerto le vi
luro arni fé,que Icdi
Más de dós mil cuchilazosJ
Ypormelibrardc afan,
Me voy fíempre a cofa hecha,'
Provar mi mano derecha,
Qie aquel es buencapitan,
Qu5 dei tiemp ) íe aprovecha;
Quequienhade pelear,
Hâde bufcar tiempo, y ora,
Pêro quierocaminar,
Que me rouero por cantar
Todo aquefto ami feitora.
f^em Mercúrio i^ di^l
Mil vezes comigo vejo.
Paraque meu pay fe afoute.
Pois em tam pequeno enlejo
Lhe inandey talhar a noucc,
A medida do dclejo,
EpoÍ3 que como poíTante,
A roi tudo íe repor Ui
Rimas do grande Lfth de\CaMÔesl
Chego agora nelle inftanté
A eltrovar,qucí.fte bargante
Me nam chegue a cfta porta:
5o/.No le que micdojólucura
Nefte pecho fe me cria,
Por Dios,que íeme afigura
Que ha mucho, que es noche efcura
Sm que venga el claro dia:
Mas labed, que piento yo
Que el Sol, que nole acordo
De con cl dia venir
Que a noche quando cenó
Algun bucn vino bebió,
Que le haze tanto dormir.
Aíerc.Jà. fintes comprida a noutc
Que eu afii mandey fazer
Pois mais t(í quero dizer,
Que fintiras muyto açoutej
Secàquiferes vir ter.
Porem pois efte bargante
Tem medrofo coração,
Qierome fingir ladrão.
Ou fantafma,éc pordiante
Nnm iràjfc vem á maô.
E CO ntudole paflar,
A falia quero mudar,
Na fua de tal feyçáo.
Que couces,& per fiar.
Lhe facão h^je afientar,
Quecu fouSolea,ellenaroí v
1
FaU Caficlbatt9l
No vco pafTarninguno,
En quien yo me pueda hartar*
Sof, A quien oygoaqui hablar?
Mande Dios no fea alguno
Que me qiiiera aporrcar.
Merc. La carne de algun humano
Me feria muy labrofa.
éof.Oh que boz tam temerofa!
Honibres comes,ó mi hermano»
Noesmejorotra cofa?
Carne humana es muymezquin^
O no comas deflo no,
Antes carne de gallina;
Perofcmàs fe avezina,
Qie másgallina,quc yô?
Mtre. Una boz de hombrc aofíj
Alaorcjameboló.
&/.Pelatc quien me parió
La boz traygo bolàdora?
EUaquifiera fer yo,
Pues mi boz pudo bolar»
Do la pudiefles oyr.
Por contigo no renir.
Me divieras de prellar
Las alas para huir.
Merc. Que bulcas cabe cflapuçrtij
Homhre? fe queres ladron.
Mi
Rintéf do
hf, hj que el alma tenp.o mufirta
OJupiíerrae convicrta
Las tripas cn coraçon,
Mert. Quiem eres^quieres hablar^
50/. Soy quienmi voluntad quicrc*
Mirt, Pienças^que puedcs burlar?
S9J\ £ tu puedcs me quitar,
Que yo íea quien quificre^
Mtrcum\
Ofas hablar tan ofado»
D^un velhaco bovarron?
Di quien eres.
S9f» Hum criado
Del lenor Anfitrion
Por nombrc Solea Uamado*
Mtrçuri»,
Pienfo qu'el fcfo pcrdiftc;
Como te llamas mal hombre?
^/. Soiea ioy,fíno me oy íle.
Mersuriol
l Como cn fJreíona tan triítci
Gíasdençuziar mi nombrc?
Eílospunos llevarás
Pues tener mi nombrc quiercs:
Quicresmc dizer quien eres?
Sc/, Oh íenor nome des mâs,
Qucyo feré,quien tu quificrcij
M«rs, Con tan nueva falíidad
Andais por eíla ciudad,
Delante de quien os mira?
Pues fí fois Sofca,tomad.
S«/. Si me dás por Javerdad,
Que me harás por la mentira?
Y que vcrdad es la tuya?
Qi^ie te quiero dar caftigo
S»f. bmo ioy Sofca^que digo
Que Júpiter me deftruya
Mere. Mmd el talfo inim/go,
Tomad efte bofcton,
Que yo foy Sofea y no vos^
Sof.Ta Sofea?
A/erc. Solea por Dios.
Efcravo d^Anfitrion
Scf» De modo que tiene dos?
Aíert. No tendrâ,aunquc tu quierc)
Que ami folo conoció.
Sof. Pues luego de quien íoy yo?
Aíere. Si tu no fabes,quicn eres
Quieres que yo lo lepa?
Sof. En fin as me de hazer crccr '
Qu c y o no foy ,QU icn ler folia.'
Srãkdi Lulf di CamUf;
^trt, Quien folias tu de ler)
So[, Tregoas me as de prometer
Dirtc lo he íin porfia
Mttt, Prometo.
S^Ç. No me darás?
Mtfi No íino fucrc razon,'
SoÇ, Pues hermano, tu labrái
Quetni amo Anfitrion
Mtrc, Tu anio?pucs Hcvarâs:
Mi amo es,qu€ tuyo lío.
S»Ç* Ay que un braço me quebròj
Mtrc, Mas que luego te mataíle
SiJ. Oxalá Dios ordenaíTe
Que tu aora fuefles yo
Y yo que te defmcmbraíre.
J^«rc- Cfla tu tema tan loca
Funos te la han de quitarg
Dinie di verguença poca>
Que hablas?
5»/. Que puedo hablar.
Si me as qutbrado la boca^
fAtfc Diquien eres, fin fatiga»
So/. Soy un hombrc,cm quien tudásí
Mtrc» Dime pues,quc nombre as.
5o/ Como quieres tu,qucdiga^.
Para que no me dcs más,
No HJC as de habl ar contraheché
Sv/. Toda mi vida paliada
Solea fuy,y con defpecho
Aora foy que?no nada,
Que tus manos me an dcíccho;
Aifrc.Cuyo ercs,pues lasíiemes,
Dexandoconfejcs vanos:
La verdad,que (i me mientcs»
Das con la Icngua en los diantes,'
Y yo doy te con las manos*
5fl/No conoccs Anfitrion?
Mtra. Hombre fin feio te llamO)
Tan fucra cftâs de razon:
Pienfas de mi,bovarron,
Que no conozco amiamo?
S9Ç. En fu cafaconociftc
Uno que es Soiea^llamado^
Hombre defprcciado y triftc?
Mtrt. Defla fuertc lo dixifte
Yo íoy trifte y defpiciado*
Pues fabe que te allegó
A la muerte tu Fortuna.
5o/^ Pues luego fi yo no foy yo
A unque nadie me mato,
Soy luego cola ninguna,
O diofes,que defconcicrto
Yo por ventura foy mucrCOa
O muriome la razon
Yo no foy de A nfitrion?
El no me mando dei puerro?
AK Yo no fe que bo cftoy loco,
-- - - ' Hl»
»♦»
Pi
De mi madre no nad
{sjo ando, nohablo aqui?
Mcrc. Pucs loíTiega acra uapoco
Que yo tambicn diré de mii
Yo no íe que yo iby yo
Yo no te dl con mis manos
JMiíenor nomellevó, y
A Ifl guerra a do mato,
A quel Rey de los Thebanos?
99]. Yo ellb muy bien Io fc,
Empero tu,que hazias
Qaandolabatalla vias?
Mete. Efcucha yo lo Jiré,
Y ceíTaran tus porfias:
Quando mi fefíor anxiava
Peieando,y derramava-
L,a íangre de algun meíquinoj
Con una bota de vino
Yo cl mio acrefcentava.
Sof> Dize lo queyo hazia:
Con todo laber queria
Sola una cofa,íi puedo,
Tu pccho Anton,que íentia
Mere, Del beber grande alegria,]
Ydcl pelcargran^miedo.
So(. Y defpues.
I4erc, Muy repozado
A dormir me eche de gordo
Deldel Sol hafta la Luna
Z4)f. Todo lo ticne contado,
fin fiu tengo averiguado
Que yo nofoy coía ninguna.'
l^ucsde todo en un inltantc,
Meãs echado de mifuera,
A conkjamc íi quiera,
Quien lerè da qui adelante
Pues no loy quien d^antes era.'
^erc. Quando yo nolerqmlierc
Efle.quc tu kr deíieas,
Derpues,que ya Sofea no f ucrc,
Dartehcjfi tf pij^guiere.
Licencia, que todo fcas.
Y acogete luego amigo
A bufcar tu nombre digo
Pues Dios vida te dexó,
Qiic el Sofea queda comigo,
i5ff/. Pues contigo quedo yo
Dios'quede hermano contigo,
Aora quiero yr allâ,
Adomilcnora cftà,
Contarte,como CS venido
Mi fcncr,mas ò perdido,
Siotroyotiene allà
Todo lo tendrà íabido.
Jatrc, A hombrc.
iStf/". Mi vozlonò. • -
Mvc» Aonde bu eives aora
Sof* Por Dios no lé onde vó^ :
Porque íí yo no íoy yo,:
^lAlfficnaes miiidrari^ -
Rimas 40
;>í.
^tA
o\/
Y
Aícrc. Adondc vâsí
5o/.Con mcnfaje
Del lenor Anfitrion,
Para Almcna.
Mere.hào falvaje,
Pues quebrafte la omenaje,
Ahi verás tu perdicion.
Yodoyte conlejos fanos,
Y porfias otra vez?
Sp/. Altos Dioíes loberanos,
Pues me novalcnlas manos
P*^« A qui me valgan los pies;
Mtrc, Defta arte cnleiían aqui,
Ahurtar cl nombre age no.
Vayfe^ & torna Spjea,^ Jitc*
Stf. Ay Dios como me acogi
O Júpiter alto,y bucno.
Que cerca la muerte vi?
Quierome y r n nu ícnor
Contarle quanto hepaílad o,'
Yel me dirá degrado,
Si yo loy fu fervidor,
En que cola me be tornaáo.'
Vajjt Sofea , & vem Júpiter , ^ Almina , & M
lupíttr»
tup. Toda a pcíToa difcrcta
Terá,lcnora,aílcntado,
Que hum bem muyto deíejad*
Sc hade alcançar por dieta.
Para ler femprc eíhmado*
E quem alcançado tem
Tamanho contentamentoj'
Por conlervalo convém,
Que tome por mantimento
A f ome de tantbbem,
E poriílo ey de tomar
Efte tempo tam ditolo.
Para a frota vifitar
E depois,quando tornar,"
Tornarey mais defejofo.
Que pois taô bom cativeyrq
Me tem prela a liberdade.
Eu lhe prometo cm verdade,'
Que torne ainda primcyro.
Que mo peça a faudadc
VíW» Ainda que fe polia ir
Maisafinhado quecreyo
Comoeydecu confintir,
Que íeaja de partir
Na melma noyte,qucveyo?
2«^. Forçada he minha tornada
Mas muy to cedo vjrey
Porque deíquc foy che^ad*
A efte porto a armada
Ainda a nam vifirey
^. PoiS|fcnor,uã pouco eilaÍ9 .
Com quem viftes inda agorai
Facale como mandais.
Ifip" Vós me vereis cà íenora
Primeyro do quecuydais.
Vaofe^&vem Anfitria^tCÍr Softaj^ Jisi AnfitrtS9^
^ttf.Km fioí tu, que eílás aqui,
iiílavas já là [.)rimeyro
Sfif. Senor,cica que es aníi
Attf. \Lu nunca entendi de ti
Que eras também chocarreyro,
Sof. Scnor yo que eíloy preíentc.
No íoy S >íea Tu criado?
Anf. Creo que nam certamente,
Porque Solea era avifado»
E tu es muy diftrenre.
Sof, Pues lenor en mi fe vc,
Qiie no foy quien^d'anccs eríf
Bu Ivome
Anf. Y para que?
Sof. Veríe a dicha me quede
Durmiendo poria galera
éínf Pois me queres fazer crer
Huma doudice tam raza,
Mais quero de ti labef,
Como nam entraílc em caía
DeAlinena minh^i molhcr?
Sí>/!AunqueSofeaquiíiefle
JLá verdad no negará;
Aquel yo queallâ eftâ
No quilo, que a cafa fueflc
Eílotro yo,que iva allái
Ycon fúria tan crecida
A mi fe vino aquel hombrc^
Que yo me puíe cn huyda,
Y anfí le d^xc mi nombre,
Por me dcxar cl la vida.
yí«/i Quem Icriá tam oufado,
Qie tanto mal te fizeíTe?
SoJ, Yo milmo So!«a llamado
Que a cafa era ya llegado,
Antes quedeacápartiefle.
^nf. Tu chegaíte antes de ti?
Eíle he gentil desbarate,
Sof. Pues más Ic digo de aqui
Que vengo huyendo de mi
Porquo yo mifmo no me mate
Anf, Eráo dous,ou erk hum fó,
Quem te fez afli fogir?
Sof. Pefete quien me parió;
Digo,que era un foloyo,
Mil vezes lo hc dedezir?
Pucde íer,qne naceria
Daquel hombrc otro alguno,
Como aquel de mi nacia,
Porque auuque fuefle el uno,
Por más de quatro tcnia.
El tenia mi apirencia
Enipero yo nunca vi
iULParc.
Rimas do grande Luís de Camtesl
Talfuerçâ*ni tal potenciai
'"'• Eítaloladiffcrencia
Lc tengo bailado de mi.
^«/.Pudeltedelieíábcr
Cujo era?
Sof. Quien aquel yo?
Tu yo lenor dixo fcr,
'Anf', Nunca eu tive mais,que hum i.ó
E eíle nam quilera ter.
Sof Pues lerior íi el bien dobladq
Te lo mueflra agora Dios,
Deve fcr de ti alabado,
Pues de unido criado
Tc ha hecho agora dos
'Anf, Antes para que conheças,"
Que coufA hc mao fervidor,
Mepcfará íe aíli for
Que de tam ruiris cabeças
Quantas mais tanto pior.
E já que faô tam incertos
Teus ditos para fe crer,
Muyto melhor dtvc ler.
Que deyxe teus defconcertos^
E vá ver minha molher.
^«
.'^
VÀô{<^& entra Almenâidr diz^
'Alm. Que fado que nncimento
De gente humana nacida,
Qiie d^efcalio,?^ avarento <
Nuncaconfcntio na vida
I Perfeyto contentamento,'
Anfitrião,quc mòftrou
hum prazer taro de fejado,
A quem tanto o delejou
Na noy te,que foy chegadot
Neíla mefma fe tornou?
De fe tornar tam afínha
Sinto tanto cntriftecer
O lentído,ÔC alma minha,^
Quecerto.que me adivinhi
Algum novo deíprazer
Mas parece eíle que vera,
Se nam cftou enganada:
Se elle he,venha com bem
Pois que com lua tornada
Taô trás tornada me cera
"Entra AnfitriSoià* SofeHyé' <//& AnJítriJté
'Anf. Com que palavras,feôora
Podereis engrandeucr
Tam íoblimado prazer
Como he ver chcg^ida a hora
Em que vos pudí fle ver.
Certo graó contentamento
Tive de meu vencimento.
Mas máyor o ey de mim
De me ver pofto no fim
De tam longo aparcamcnto^
■^Z
Mfh. Jà eu diílc o que ient^a
De vinda tara dcfejadà
Ivlas digarne todavia,!
Coího na ri toy ver á armada.
Que me difle oje cíle dia?
iínj. Dellâ venho eu índa agçra
Dcfejolode vosvcr
Muyto mais,aue| de vencer
Mas que me dezeis' ícnórsí.
Que oje me ouviít_^s4i|cr?.
ií/w. Senam eílava remoça
Certamente,que lhe ouyi.
Quando oje partio daqu^V
Que tornava a vera froi;a,
porque era fórçadP^afu.
'^Anf. Sueca.
So(. Senor,a qui eftôy yo
Anf. Tu ouves tal dcíçqnocrto?
ioj. Grandes orejas ganó,
Pues eftando cn cala pyó,
Quien eftava allà nel puçrto.'
'Anf. Quando dizeis,que mçpuviftes?
Alm. Oje quando yo.s partiftes,
Auf* Donde?
Alm, Da qui de mever.
Anf. Nunca vi grande pra^^çr.
Que nam tenha os cabos triftcf.'
Quantos males ciVniprovi(9,
Que caulaó grandes inudanças.
Que molhcr de tanto a vilp,
Akiora minhas le mb ji ancas
A tem tora de JUÍZO .
Alm. Quereisme fazer cuydar.
Que poderia lonhar,
O que pellos olhos vi^
Nunca vos eu mereci
Qu ererdcí m e e x f)cri p) ent^rJ
'Anf. Poftoquehe para palmar
Ver hum cafotam eftrj^q.Ii|p,
Todavia ey de atentar
Sc podcrey concçi;car
Hum deíconcerto tamgnih^
Quando dizeis que vim c^?
'^//». Ella noyte,que pailp^
^». Day me alguém ,q|jp a% j le|í^
Que me viík.
Alm. li,íl:c,que ahi cftâ
Sofea.que cpm vofcò andou.
^nf» Sofea-podeftc |,e.m brar,
Què Ontem me vide aqui?
5o/". Nunca yo fupe de mi,
Qiie me pudiefle acoráa^
Daqueláo,que nunca yi
AIm* Ora eu crco, ^ he aiÇ
Que ambos vindes conjutados»
para zombardes de mirn,
IVlas eu darcy hoje aqui
Smais qtie fej?o provados.
^Im. Que finais pôde ahi avcr
De mencira um n^^rjíi)^
Que nem íoy.nçiEnpódcfet?
Alfn- Donde vim eu a íaber
Novas de volla vi<5i;9ria?
Avf Que novas?
Alm.- Dirvolasey,
"Que na batalha mataíles
Aquelie loberbojí^íiy,
E tudo desbararaftcs.
Nam fazendo rcfiftepcia
N^uraí» batalha tam.çrua,
Dandovos obç,<Jiçt)çiâ
Vos dcrâo hungacppajfi^
Lavrada por excelência.
Anf Sofea he culp^dPȒ^
Neftes acontecimentos.
Sof. Son encantámientos
Porque aqucl hombre,quces.yp
Le contaria eftps^cuçpços.
ií»/Quem he efle,que vos deu
Tais novas labcr queria.
'^/Ȓ. Quem mo pergunta?
Anf. Quem? cu.
Qiiercirme fazer ^ndeu?
Alm. Mas vós me fazeis,f^u^ia.
Anf. Ora quero perguntari
Que fiz fendo aqiy chegado?
Alm. Pulemonos acear,
Anf. E dcfpois de ter cead.o?
Alm. Fomonos ambos deytar.
Anf. Nuuca queyra Deos,.q.Uíe .poílji
Acharíe na minha ^nra
Nenhuma falta,nem;rppír?>
Seja ifto doudice voíT?,
Antes que minha cl^honra.
SoJ. Biénio fupe yo cr^tender, *
Que era efto encat^tacionps,
Y aora me au rá de crer,
Quedos Sofeas puçdc ayer,
Pues ay dos Anfitrione?.
Alm. Com me quererdes tçnc^r
Tam trovada me fi?;eftes,
Que me nam pôde íçmbrar
Que vos mandaílè naoílrar
A copa,que me ontem déílçs.
"^Anf. Eu copaPfe iflb ahji ha
Que eftou doudo çuydarey.
50/.Srííor,bien guardada eítâ
T Alm. Bromea.
Brom. Senora,
Alm, Daycá
A copt.quc ontem vos dey.]
Sof. P ues yo pari otro yo,
Y vos otro Anfitrion,
No es mu eh a adro|racion»
Si la copa otrapariói
Ni a un fucra dç razon.
Rmts do
Entra Bromia comacopai& dix,^
Eis aqui a copa vem,
Telleinunho da verdade.
'W»/. O eílranha novidade!
Alm. Poderrreá deziralgucm
Qiie o que digo he taifidade?
'Anf. Solca^quando ontetn cávinhaí,'
í^odermeas negar, ladraõ
Qae lhe deíle 4S novas rainhas, ^
E mais acopa,que tinhas .
Guardada na tua máo?
SoJ. Senor,que no pude no,
Vera mifenora Almena,
Siaquel eflo acà ordeno
No iicve efte yo la pena
Del mal, que hizo el otro yo»
'Anf. O ia cu náa íey entender
Tal caio, nem Jhe acho fundo,'
Coín tudo venhoa dizer.
Que ha tantas coulàs no mundo
Que tudo le pò Js crer,
Sc vo:> troaxcr,quem vos diga,
Ccmo eft.i noy te dormi,
N.i nao crereis, que he afli?
ítf/w. Nenhuma coula me obriga,
A que naó crea,o que vi,
Jí»/. Seo patião aqui vier,
Qiie he homem de autoridade,'
Crereis, o que vos diíler?
if/w»,Sim,que ninguém pódc avcr
Qiie me negue efta verdade;
'Anf. Eu eftou em concrulaõ ? ^í "V* '
D^oje deíembaraçar
Tam enleada queftaó,
Anáo me quero tornar
A trazer cá Belferraô.
Sofea,até minha tornada
Fica neíla cafa em vela.
Que eu armarey tal filada,
A quem ma mim tem armada,"
Qjjc venha hoje a cair ntlla,
yajffefé' diz, iilmenàl
Alm. Oh mulher triíle,êc íufpenfa
Da mais alta confuíaó,
C^e nunca vio coração
Em que mereces a oífenía,'
Que te faz Anfitrião?
Sempre de mini foy amado.
Tanto quanto em mi fe lente,"
Co corsçáo tam liado,
Que fe de mim era aufente,
Nelle o via figurado,
E pois molhcr que comprifle
Milhor que cu fidelidade,
Nam na vi,nem quem me viâc,
Qie dos limites fâhiíle
fil.Parc.
grande Luh de CamoêH
Hum pouco da honeílídadc
Pois porque íie tam maltiatada
*«1 Innocencia tamfingela
Que a pena mais apertada,
He a culpa levantada
:\ Ao coração livre delia?
Mas jí que minha alma eftà
Sem culpa,doque padeço,
Seja o que for.que eu conheço.
Que a verdade me porá
No que eu pola ter mereço^
Bromial
m
V,'-Miptii
Bríw. Senora.' nrinoíÊDmo^si;-^^
w/w. Hi mandar .-,..; r
A Feii eo,quc vâ
Meu primo Aurélio chamar,' ' èkò\'vn'^^-
Qie lhe quero perguntar, ---^ -T
Que con-elhomadará? •■ í
E pois que Anfitrião
., Vay bulcar lomentc,qucm
«l Lhe ajude a lua tciiçaó,
' Qieroeu ter aqui tambemi
Qnem me de tenda a razaó.
Vayft Bramia , ô* vem Idpiter 9 & diz, /«J
\':Z pnen
l&p. Grão delconcerto tem feyto
Anfitrião com Almcna,
éiJ Qiialqucrdellcs tcmdircyto, ij
Eu íou o que venço o preycoji '^
E ambos pagão a pena
Qiieromc ir lá desfazer si
Tam trabalhola demanda,
por nos tornarmos a ver,
P('rqueem fim,quemmuytoqucri
Com qualquer defc.ulpi abranda.
E pois que a afeyção
s Hade mudar tam afinha,
Quero ir alcançar perdaó
1 Da culp.i,que fendo minha,"
Parece de Anfitrião.
^Alw. Perece que torna ca
Anfitrião,quejá fchia:
Nam ley a que tornará,
Senam felhe peza jà
Dos enganos, que tecia."
ittfl luf. iSenora nam ?ja error
Que tantos males me faça,
Porque leo contraria for.
Pequeno fera o amor.
Que manencoria desfaça,
E pois com tanta alegria
De tantos perigos vim,
Pefarmea la achar no fim.
Que huma leve zombaria
"Vos pofla agravar de mim.
í(j/w. Cora palavras de d^shonra
^ ■ - - Hh 5 Na!5
) 1
P
^4^ RlmasdQ
Nam fe hade tratar quem âma,
Nem zombaria le chama,
Fcrexprimencar ahonra
Pór cm tal perigo a fama.
Bem tive cu para mim
Q(je era aquillo experiência
luf. lirrrey,no que cometi,
Bem me baila a penitencia.
De quanto me arrependi.
E Te fiz algum error.
Com que voflb amor Tc mude»
Deqnem volotemmayor,
Nam cxprementcy virtude.
Mas exprcmenrey amor
Que íe com calo tam v ario
Folguey jj« vos agaftar,
Foy amor acrdcentar
Por que as vezes hum contrario
Faz leu contrario avilar,
Da qui vcm,qne a leve magoa
Firmeza, 6c alcyçoes augmenta,
Gomo bem fe vè na fragoa,
Onde o fogo fe acrefenta,
Borrifandoo com pouca ogoa,
Se hum mal grande le levanta
Num coração,que maltrata,
A àfeyçâo desbarata
Porque onde a agoa he tanta
O fogo d*amor fe mata.
E pois tive t:il tenção,
Perdoay,{çnhora,;i culpa
Derte voílo coração,
^/w. Nam fe alcapçaaílí perdão
D^erro,que nam tem defculpa.
íwp. Ora pois affi tratais,
Quem enj tanto nfco po$
O amor,que vòs negais.
Eu m^aulemtarey de vò?,
Onde mais me nam vejais.
Que pois defculpa nam tcna
Coraçãoque tanto quer,
Voume,que naó lerá bem
Que quem vós nam podeis ver.
Que pofla mais ver ninguém.
Se alguma ora meu cuydado
Vosderdor,em que pequena,
Peçovos pois fuy culpado.
Que vos nam pefe da pena,
De quem vos foy tam pefado.
Edelpois,queâ defventura
Pufernefte coração
Debayxo da fe pultura,
As letras na pedra dura
Vofla dureza dirão
Ifto vos ey dizer,
Que me eníinou minha dor,
Sequifcrdes leda fer
Nunca expirementeis amor.
Em quem volonam tiver.
Deyxayme ir nam me ten hai
grande
Luís h Cúmõesl
/ílm» Anfitrião nam choreis,
Anfitrião.
7»p. Que quereis,
Ou para que nomeais
homem, que ver nam podeis?
iíí/jw. Anfitrião le cu cauley
Comraanencona pequena
Coufa,com que omagoey.
Eu quero cair na pena
Deflk culpa que Ihedcy.
/«/>. Sempre lerey magoado.
Se vofiã ma condição
Me namperdoao pflflado
jilm. Ptrdoo,&: peço perdão
De lhe naó ter percioado;
Si»/. Noleperdone,íc:nora,
Hafta quecondcvocicn
Tambien me pida perdon.
Que bien le meacuerda aora
Que me ha Uaniado ladron.
Iftp, Sof( a.
5«/^Senor.
lup Vay bulcar
O Piloto Belfçrrão
Dirlhas íe deíèmbarcar.
Que me parece razão,
Que vf nhâ hqje câ cear
Stf/. Si lenor,voy a la ora
lu^. De nenhuma calidade
Cures de fazer. demora;
E nós vamonoSjlenhora,
Confirmar nofla amizade.
ys»fe,& vem l4mmto^& ãt^
Grandes revoltas vão là.
Grandes acontecimentos,
Cumpreme,quc efteja cà
Era quanto meu payellâ
Em íeus defenfadamentos.
Porque vio Anfitriã,o
Vir da nao muy apreíTado,
E tendo corrido,& andado
Nam pode achar Bclferrão
Que lhe era bem eícufado
Pareceme,que virá
Ver fe lhe abre a qui alguemi}
JMas porem le chega cà,
já pode fer que fe vã
Mais confulo, do que vem.
Entra Anfitrião ^(^ dkC
^íí/. Quisnos nofla natureza
Com tal condição fazer
Que jã temos por certeza
Nam a ver grande prazer.
Sem meftura de trifteza.
Eíle decreto c^pantofo.
Que inílituyo npíla fortoi;'
va»?*.
He
Wm*s
He tal,& ram rígurolo
Qí^ie nmguem antes da morte
Se pôde chamar ditoío,
Com cila JLJÍla bilançd
O fado grjnde,6t'profun<Jo
Nos refrea a elperança,
Porque ningutm ncíle mundo
Bulque bcmaveiuurança.
Eu que cuydey dcvivcr
Sempre contente de mi
Com tamanho Rcy vencer
Venho achar minha molher.
De todo fora de fi,
Mas doutra parte.que digo, ii^T" -
Que fè verdade,o que vi,
Eoqueclladizheafli,
Vircya cuydar comigo.
Que eu íou a fora de mi
Quero ver fe acho já
Fora de tam fecos nós
Ou de cafa
Aítrc, O de alia
Quicn lois?
^»/ Abre.
A/erc. Santo Dios
Pucs no osconoccn a cá?
^nf. O que gentil defvario,
Abrime ora íc quilerdcs.
Áítrc, No harè,quc cn mi confio^
0^1 c da fuera dormii cdes,
Que no comigo amor mio.
Que cancion para oyr.
'Anf. A Solea zomlias de mi?
Ora que rome fingir
Que mda o nam tionhccí.
Por ver femc quer abrir;
A renor,nam abrireis?
2iàtrc. Que quereis hombreporDio$?J
Jínf. Duas palavras de vós.
Aíerc, Tcngo dicho màs de íeis,
E aora me pedis dos?
De fuera podeis dormir.
Que entrar no podeis ací.
^nf. Ora acribay abri la.
Jidtre. nigo,quc no quiero abrI^^
Dixe dospalabríJsyi.
^nf. Ora fus barg-tnte abri
Adere. Si note buclvci de aqui,
A gran peligroicotreccs.
^nf. Velhaco, num me ccnhcccs.
Ou cíUs fora d^ti?
A/írc.Bonico vçnis amor ^
Quicn foia,quehablaistanolado?
JÍfjf. Abre que liH) teu Icnor»
A/rrc. Buelvafc dcflotro lado,
Y conocerlee mejor
^«/. Sofca moço,
Adere. AíTimellamo
Huelgome que lo Icpais,
Eíijpcio digo,queos vays,
do grande Lutsde Camões] 20
Que Anficrion es mi araõj
Vós hi bulcar,quicn ícays.
irf»/* Pois quero labcr de U
Eu qncm lou. ?!
Af«rc. Yquien fois vói?
Como os Uaman?
Anf. Abri.
■■•- Aíírff. A vósosllamanabri?
Pues abri,and4d con Dios.' -^ O ^\«K
Anf Quem ha,que pofl*a lofrer '
Em lua honra tal deftrcço,
' A^^i Que para me endoudecer
io i2 Mc tem nagado a mulher,
: () .\aK E agora m e nega o moço?
Adere Mira el encantador
Como felaftima y Hora
Yfuefle tomar aora
',-^ La forma de mi Icnor,
' Para enganar mi fcnora,
Pues clpcrá y no os vays.
Per un elpacio pequeno
Vcrna,quicn ripicieriais,
Ycl os hará,qua bolvais
Elfâllogefto alu dueno.
'Artf. Vay velhaco,^.? chama cá
Efle falío fey ticey ro.
Que íc cllc dentro cftá
Ellaefpada julgara
Qual de nós hc o verdadoyroi
VajU Mercúrio f^ vem fúfeê^& BtlferrÕ9 ,^ dtT;, BtU
jerrao»
Br//. Ora ninguém prcfumira.
Que tinhas tam ponco filo.
Pois vas achar d^emproyilo
Também forjada mentira.
Que mefazcair derilo, -
Hum moço,que alevantou
Tal graça nunca naceo.
Porque vos jura, que achou,
Que ou elle cm dous fe perdeoj
Ou de bum dous tornou.
5tf/. Patron.que no burlo no^'
En uno fon dos unidos,
Y cn dos cuei pos r< partido,
Yo foy el,y cies yo
De un padre, y madre nacidoj."
Bel E íctu que la eílâs
Tam velhaco he como ti.
5</. Mas aun pienlo,que es más.
Por dclante,y por detrás
Todo le parece ami.
Y fuc gran mcrccd de Dios
Aiuntar a mi m às uno
Que peor fuera de nós.
Si Dios me hiziera nínguno,"
Que node Uno haíér dos.
Bel. Aííique letc perdcílc
Vieíle a cobrar mais hum^
^(^•^
íi^uygentil conta fízeílc,^
Poli que perdido íoubefte
Que eras dous, lendo nenhum»
Sí/Pues teneis por abufíon
Vcrdad tan clara.y tan raíã
Aunquc pone admiracion,
Q^jiei a Dios,que allâ cn caía
IvJohallcisotropatron^ ^
'^Anf. O patrão,que fuy bufcar
Parece que vejo vir
Nam íey quem o foy chamari
Mas que me áde aprovcytar
Nam me quererem abrir
Self. A fenor i
Já íinto,que fuy culpado,
Porque quem he convidado,*
5c tam vagarozo for
Merece nam íer chamado.
rfíw/. t\ vòsqué vos convidou?
Belf. Solea.pormandado.feu.
élnf' Dillo Patrão nam fey eu>
Q;ic Soíea jà me negou,
L jâ íenam da pormeu,
F lè algum voi foy dizer,
Que eu vos chamo a minha meia
JMal vos dari de comer,
Quem de toda lhe hedefefa
' A cafa,& mais a molher.
BelfQ^içm heefle taó.oulado,
Que vosiílb fczfeííor?
/í»f. Soíea creyo,que enganado.
Por algum encantador.
Que a honra me tem roubado*
BelferraÕ.
Seelle aqui comigo vem,
Ií]b como pode fer?
Jínf. Ha,que ira que vou ter
Tam cega a vifta me tem
Que mo nam deyxava ver,
Porque razãojcavaleyro,
Naó me abris quando vos mando?
Vós fazeifvos chocarreyro?
Sof. Yo fenor,y como.y quando?
jlnf. Quereislo faber prinicyra.
Érperay dirvoloha.
Mas lera por outro fom.
Sof. Ahíènor /Vnfitrion,
Porque matandome eftà,'
Sin delito y íin razon?
'jínf. A gora, que vos eu dou:
Me chamais Anfitrião
E pira me abrirdes nam?
Belf Eík moço.em que pecou
Porque pena lem razão
No niais por amor á^aú.
Rimas do grande Luis de Cmhi^*
^»/. Não,quenaó íou leu íefíor
Eu íou hum encantador,
Nam no dizeis vós aííi,
Ladraõ,perro,enganador?
5í/IPorquefuy preito a lliiiiar
Por fu mandado ai Patron,
Me quiere aor< matar?
'Anf. Quem volo mandou buícarj
S»j. Sino ay otro Anfitrion,
Vueftra mercê fin dudar^
Anf, Eu te mandey?
So(. Si ícnor,
Si otro no.
Anf. Otro â qui,
Por quem tu zombas de mi?
Pois lódefle encantador
Me quero vingar de ti.
Sof. Oh lupiter a quien bramo
Por íu bondâd que me vala,
Pues porque Solèa melUmo,
Yo milmo,y delpues miamo
Mt dieroti vcnida mala;
íio<l^«K
4ai ti«çf 3ííp
>hr
iòn. Qt) iiujj
Entra luçiur,dr Ji^
lup, Qiicm he o tam atervido,
Que a qui oufa de fazer
Tam revoltofo arroydo,
Com meus moços fem temer,'
Qnc fuy fcmpre tam temido?
Quem aqui faz uniaó
Toma muy grande defpejo.
Bel. Oh que grande admiração!
Vcjoeu outro Anfitriã»,
Ou helonho ifto,que vejo?
Sof. No mirais la encancacion,
Qne aquel hizo a mi íenor?
Elque lale,Belferron,
Es el cierto Anfitrion,
Que eílotro es encantador,
Jup Sofea.
Sef. Ml íenor ya vò.
Inp, Patraõ ló por vós eípero^
So/. No os lo dizia yo.
Que cfte era el verdadeyro,^
y cfle que allâ queda no?
Anfitriau í
Bargante adonde te vàs?
Fazes teu Íenor fandeo?
Pois efpera,iíí levarás
lup. Oulá tornay por detrás*
Nam deis no rooço,que he meu^
>í/V0Í!0?
Jup. Meu.
Anf. Pode ifto aver.
Que outrem minhas couías torae?
Vòs galante avcis de fer,
O que me comeis o nome.
c«ii;
Cafa moços, 5c íiuiljtcr .j-j ^o\ a.;
Eu vos úrey cosíhecei:,
Com quem ctndcs eircirato,
lupy Soíea.
So(. Sciíor.
jup, V-ày dizer,
Que aparelhem de comer, -t"; í/s^
Em quanto eftedoudoraawC *
Bel f Oh íenor,nam fcja-affim.
Haja em vòs concerto algum,
>Eciienao) ,pQÍs«qu iw ixn ,
Farey que !Ô comecinínim
Us golpes de cada hum .
hp. Patrão vofla boa jcfttéki
Me fará deyxar com vida,
Quem me nam mcceoe tcUa."
dífffNio na tenho cu merecida
Pois que vos dcyxo comellia,
Belf. O ho;:.em que for fefudo
N^u matam grande queíláo,
Hadc romar por efcudo
Ajuftiiça,6c arazâo.
Que citas armas vencem. tudo^
E pois eflk natureza
Muytos homens fiZ iguais
Dé qu-ilquer <'e vós finais
De quem he para certeza
Daforma,que ambos maftrais»
Jup. Sou contente ide.moftrar
Pelos íinais,que V(3sdou
Qu e faô eftes le m fa Itar
éAnf.Que finais podeis vós dar,
Paraquc fejais quem fou?
2up. cil:cs,que logo venais
Se íaó vâos,le derais:
Patrão vós lede juiz.
Que vós logo enxergarcil
Qual mais vcrdadcvosifix.
Bclf.Eu nam finto onde confifta
A cura defta doença.
Que ha tam pouca iliíFei^cnça,
Que aquelle em que jpoDbo aviã:a
Por efle dou a fcntença.
Mas lenor vósiqíBSonIcinaiftcs, .
Que o juiz diílo fofl^e cu,
Quando le abatalhadea
Dizev que meencomenidaft»,
Q^ie fícaíTe a cargo meu.
J»;>.l)eyvos cargo jq*ic«ftiv«fl'e
Toda armada a bom recado,
E le mal vos fuccedeflc,
Qiic para os vivoí cviiveíl-e
(^ rffugio aparelhado.
Bclf. Ora vós quantos dobrótl
Efle dia m'cntrcgaftes?
Anf. Trcs mil,5c vós os contaftcs,
Beiftrrâtu
Ambos íoís Anfiçrioéns
Pelos fin;iis,que moiU-àíUs;
Jliínas do^XrAnde^Lu{sde'UQa1nões)
'*♦?
^^^ws^
lup. Para fer mais conhecida
A tenção deílc fanUeu,
Vede eítoutro final meu,
Qiic neíle braço a fefisitf.
Que me el-Rey Tcrela deu
Bdf, Moftray vós fendr .também
^»/' Aqui o podeis olhar.
Bclf. Oh couía «ara^eipancar!
Que ambos a fcnàitcm
Dum tamanho,em limo lugar!
Sof.Diíc mi ienora Alnfcna,
Que no feha de aíli d^cftac
Con un bovo a razonar.
Que fe le enfria Ia cena.
lup, Belfarrão vamos cear.
Anf. Belferãonaõ medeyxcíí
Como também me negais?
lup. Anday nam y os detenhais.
Vamos comer le quereis,
Nam cucais hum dcudomals,]
'Anf, Ah maojafli me ordenais
O ffenfa tam mal olhada.
Eu farey íe me efpeKáys
Com que todos conheçais
Os fios da minhaéfpada
tup. As portas prcllcs fochómos,'
Nam entre eftc doudo cà,
9fif. De fuera fe dormirá
Entretanto, que cen^mos,
Puede paíTearlc allâ.
VaSfe Jcutroj&ificèAnfitriJío fU& '^i^l
'^nf. Oh ira para fe naõ crer
Em que minh'a]ma íe abfala^
Que me faz endoudecer,
E nam me ajuda ft rompeíT
As paredes deíla ca^,
E porque? nam tenho ^u
Forças que tudo deftrwa,
pois que tanto a feVo fetj.
Outrem acho que poffua
A milhor parte do ttien?
Euirey óje buícar,
Qucfh*rtié-^ttdeavir quejrmar
Toda efta cafa fem pena,
Donde veja ardet Almena ''\
Com quem a vejo enganar.
Sat Anfitriam por huma ptrfta^ & tHíra'p(f^'(mtHi H/tm
{
Aur. No hallo a mis males culpa
Para que merezca pena
La caufa qne me condena.
Moç. Efla eílá gentil dcfcalpâ,
Para ojc dar a Aitn^nfa
Tcmn©
t^
35^
Temno mandado cíiamar,
E elle cftá tam delcuydado,
jíurelit.
HíHÍÍâí íxtii
Moço,qucreíme matar?
Que detculpa poflo dar
Níclhor que elle meucuydado?
àioç. E naõ ha mais,que fazer.
Com iílb a boca me capa
Para mais nada dizer?
'Aur Ora dame câ efla capa, .
E vamos v€r,o que quer.
Nam trates de mal razáò,' .,-
Pois nan» hi quem; te rtíiftc, ,
Qiie vcyo outra norayao.
iWa^. Q^iehe?
^ur. Ou memente a vifta
Ou cu vejo Aníitriam,
A/í ^<? Êu OUVI .1 Feliíco,
Qiiando cátrouxeoiecado^ / rnstl-^fi.'
Como ellc era chegadoí
E quisme dizer,que veyo
Doíilo deíconcertido.
diur. Iflb quero eu ri fabcr.
Pois que tal coufa fe loa;
Seííor podefe dizer
Qiie a vinda Icja muy boa.^
i^«/. tilíanam pódeella ler.
^«r. Porque nan;?
wí»/ Porque hc roubada
Minha honra íem temor,
E minha eala tomada,
E volla pi ima enganada
Por hum grande encantador.'
'j9ur, Iflb he certo?
âií»/] li, inanifelio, r^ií/;
Étudo tem jàporíeu
Adulcero,5í deíhonefto.
Tem me tomado oineu gcAo^
E fazlhe crer, que faó eu*
■jííir. Contais hum caio d^efpanto,
E pois num podes entrar,
Deíendeyme por em tanto,
Que ey de là de chegar
para ver,quem pôde canto.
Fayfe Aurtiio Jentrc^^ diz» Anfitriat» »
RfméS4Íc irànde Luís âe Camões .
Para nunca (er contente.
Que agora eft ando prelentc
Viva mais faudolo delia,
Que quando delia era auíentc,
Eíta porta vejo abrir
\ Com Ímpeto de mafiado,
Que podereis prelumir?
Que vejo Aurélio lair,
Como homem delatinado*
,ojnRh'^3nJi
ií»/. Sc ver deshonra tão ciar*
Menam tivcraofentido,
Totalmente endoudecido,
cc.v Que graven>cnte«chorara.
Ver tarn grande amor perdido?
* E quando vejo a verdade
D on o fl o a m o r,& a nvizade
Desfeyto tom tanra magoa,
Enchcniíeme os olhos de ag04)
E a alma de frtudade.
Aílique quis minha eíliella
cnmsT
oVl : .'
Vem Aurélio y é" Belferrãot à^ Sífta^
rdto* :>moj •-
Jiur. Oh cftranha novidade,
O caula para nam crer,
Btlf, venho cego de verdade,
Que não podèráo lotrcr
Meus olhos a daridade
Sof, Ohtrilleque vengo ctcgo
Con rayos,y con viíiones,
Y deftas encàntaciones
Si nuefl:ra cafa arde en fuego,
Han íe de arder mis colchones.'
Aurélio,
Vamos a Anfitrião
Coniarlhe coulas tamanhas.'
iíw/ Que vay là que coutas vão?
^ur. Maravilhas taro eftranhas
Que me ircmc o coração,
:, porque aquelle hpmcm,quc afli
Tantos enganos tcceo.
Como era coufa do Cco
Tanto que cu apareci
Logo defapareceo.
E em dffaparecendo
Com ruydo grande,6c horrendo
Toda a cala alumiou,
E de arte nos inflamou.
Que nos viemos acolhendo,
Do rayo que nos cegou,
cílcsa contecimentos
Nam fam de humana pcfloa
Vos ouvis a voz que foa
Ercutay,efl:ay atento
VejamosjO que pregoa
Voz de lupiter de dentro}
Anfitriácquc em teus dias
Ves tamanhas eftranhezas,
Nam te efpantcm fantcíias.
Que ás vezes grandes tri£leza$
Parem grandes alegrias,
lupitcr faó manifefto
Nas obras de admiração.
Que por mi cauladas faó
Quisme veftir em teu gefto,'
Por honrar tua geração.
& dÍ7^ Au*
Tui
Rim^s do\grande LutsMêCmioésl
Tua molher parirá Por doze crsbaihos feusí
Hum riiho de mim gerado, Doze milhões de louvores.
Que Hercules le chamará, E dcfla ilullrc (adiga
O mais valentCjÔi esforçadof Colherás muy ricofruyto.
Que no mundo íe achara tm fim a razão me obriga,
Com cíle teus lucceflbres Que tam pouca delia diga,
Sc honraráô de lercni leus, Porque o tempo dirà muytQ>'
E darlheiíáo os eicnpcores
Ml
PROTESTACAM DA FE*
S^^pívetno alto mfiT com honi^^o^erno^
Qu^ ao phre pfcador firme fi entregí^^
JPor m^pio do uni^vetffi^l Senhor Eterno:
Qjifpâis <ri/c fUroo^orto^a ^ue na^Degal
Sempre ondas ^encerado efeuro Inferno^^
A' Catholica May Romana Igreja,
Quanto digo, &» diJfer^Çiígejto Jeja.
LAVSDEO-:
W: "vi
r.,¥» .
LJ
r^-.r^ \ f
^ i«-»*x ^M. í^-fl^ /^
^ 'Í.VI
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