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Full text of "Obras do grande Luis de Camões ... novamente dadas a luz com os seus Lusiadas commentados pelo lecenciado Manoel Correa ... com os argumentos do lecenciado Joam Franco Barreto, e agora nesta ultima impressaõ correcta, & accrescentada com a sua vida escrita por Manoel de Faria Severim .."

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o     MUNDO 
DO     LIVRO 

ll-L.  da  Trindade- 13 

Telef.    36  99  51 

Lisboa 

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of  the 

University  of  Toronto 


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OBRAS 

DO  GRANDE 

luís  de  CAMÕES, 

príncipe  dos  poetas  heroycos, 

&  Lyricos  de  Hefpanha, 

NOVAMENTE  DADAS  A  LUZ  COM  OS  SEUS  LUSÍADAS 

COMMENTADOS  PELO  LECENCIJDO 

MANOEL    CORRÊA    EXAMINADOR    SINODAL 

do  Arcebifpado  de  Lisboa ,  &  Cura  da  Igreja  de  S.Scballiaõ  da  Mouraria, 

&  natural  da  Cidade  de  Elvas, 

COM  OS  ARGUMENTOS  DO  LECENCIADO 

JOAM    FRANCO    BARRETO, 

E  agora  nejía  ultimalmfrejfaô  cortei  a^  acere fcentada  com  a  fua  Vida  efcrlta, 

PorMANOELDEFARIA  SEVERIM, 

OFFERECIDO  AO  SENHOR 

ANTÓNIO  DE  BASTO  PEREYR  A, 

DO  CONCELHO  DE  EURET NOSSO  SBNBOR,  E  DO  DE  SUA 

Real  Fax^nda^feu  SecretariOyQf  fui^da  Inconfidencia^Ç^  das  JuJiificacôeSy 

&  Secretario  da  Aíiguftiffima  Raynha  No^aSenhora,(^edor  de  fua  Fa* 

^nda^  Qf  E fiado ,  Chanceler  mor  de  fua  Ca^a^  Qf  da  da  Suppíin 

cafaôj  Prt^dente  do  Concelho  da  dita  Senhor a^Çs^  dignif^ 

Jtmo  Regedor  das  fufii^as  ,  ^c. 


LISBOA  OCCIDENTAL, 

NaOffidnade  JOSEPH  LOPES  FERREYR  A,  ImprcíTor  da  SercmíTima 

Raynha  NoíTa  Senhora,  &  a  fua  cuíla. 

M.DCC.XX. 

Com  todas  as  licenças  necejfariasy 


5;, 


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Isf)  c' 


AOSENHOR  (      )^lli: 

ANTÓNIO  DE  BASTO  PEREYRA;  ^ 

Do  Concelho  de  El-Rey  NoíTo  Senhor,&  do  de  fua 

Real  Fazédajeu  Secretario,&Juiz  da  Inconfiden* 

cia,&das  Juftificaçóes,  &Secretarioda  Auguf- 

tiílima  Raynha  NoíTa  Senhora,  Vedor  de  íua 

Fazenda,  &  Eftado,Chanceler  mòr  de  íua 

Caza,  &  do  da  Supplicaçâo,Prezidéte  do 

Cocei ho  da  dita  Senhora ,  &  dígnií- 

íirao  Regedor  das  J  uftiças,  &G. 


\JSCA  ejla  neva  Eftawpa  das  Lufiaãas  ,  que  ef» 
creveo  o  Virgilw  PortugueZo  o  Grade  Luis  de  Ca*' 
moes  Príncipe  dos  Poetas  de  Hefpanha^  (jafem  a 
notta  do  Efcuropois  tjao  comentados  por  feu  ami'^ 
go^if  com  temporaneo  o  Lecenciado  Manoel  Cor*' 
rea  )  o  amparo  de  V.  Senhoria  nao  como  azjtlo  de 
defez^a^  mas  como  Oráculo  ^i^vo  da  Juíttça^  por  que fe  eft  a  faltou  anti" 
gamem e  em  remunerar  aquelle  grande  efpirito^que  unindo  humJíS  ou» 
tro  miniflerio  de  Palas  foy  terror  em  Africa^  af  ombro  em  Europa  5  0* 
admiração  na  Afia  \  protegidas  agora  fuás  obras  por  hum  Illuíirijfmo 
Mecenas  Regedor  da^  Juíliças^conhecerá  o  mundo fatisfey ta  a  queyxa 
de  quando  confagrados  pelo  feu  Autor  ao  Serenifjtmo  Rey  DSebafliao 
forao  menos  eítimados pelos  que  ajfisliao  aquelle  Principe^njendo  ja  na 
protecção  de  V.Senhoúa  emendada  a  injuria  tao  indifculpa^vel  (  qual  a 
de  Ajax  morto  na  reflituiçao  das  armas  de  Achilles  )  pelo  primeyra 

^  ij  Minijiroy 


Moref! 
in  Diâi- 
onar. 


Minijlro-i  que  rege  as  JufUças^  Çf  que  ao  lado  do  maisperfeyto^  Çf  So^ 
bérdno  Alonarcha  ejlima  os  bons  Engenhos 0  favorece  as  boas  Letras, 
porqne  em  a  Efcola  de  2\dmerva  com  tantos  eãudos  as  adqmrio  V^Se» 
ríhoria-i(3'  com  tanta  comprehençao  as profeffou-^que admtrao  em  V,Se* 
nboria  todos  o  q  deHer cu les  fabulou  a  antigaGrecia  acopanhando  ame^ 
lodici  d:is  Aiuz^as  com  a  valentia  da  Jidafa  5  pois  qual  outro  Hercules 
nafortalez^a da  Juíliça'^  despedaça V.Senhoriacom o  baslaoos deliãos 
quando  mais  feroz^es^que  o  Dragão  de Lerna^infefiao  a  armonia  da  Re» 
publica^vmcuUndo  o  temor  com  a  docelidade^  o  refpeyío  com  o  amor^ 
'virtudes  t  ao  admiráveis  em  V*  Senhoria  como  próprias  defeo  emprego, 
iS  dofeo  nafcimentoipois  nadfò  he  V.Senhoria  vigtlantijjnno  Secretario 
de  ambas  as  AugufitJJnnAs  Aíagejiades  ?  (^  Minijlro  de  Graduação 
taoaltijjima-i  que  como  Athalantefufienta  na  Juíliça-i  (^  Concdho  to» 
do  o  LuZiitano globo^mas  tambí  he  V. Senhoria  efclarecido  tronco  das  II» 

luftrifjimas  Familtas  dos  BaíloS)  Pereyras5preíiellos5Rãgeis, 

&  NLcliOS^enla fadas  todas  na  antiga^ elevada  Arvore  da  afcendé" 

cia  de  V.Senhoria^  qualidades  q  vencendo  os  majores  Elogios  ao  mefma 

i^ilkx  tempo ,  que  tornao  problemático  o  que  efcreveo  S.Joao  Ch  rifo  logo.  Ma- 

^^'     jor  eft  innata  gloria  qnam  qua^íita  ;  faz^em  certo  o  que  por  V. 

caffiod.  Senhoria díjfe  CaJ]íodoroi^\Jimmu\t'àtVzhzS'Ú>'ànÚ^^^^  me- 
Epirt.j.  ryjíti  placere  de  propriis.  Mereçapois  a  aceytaçao  de  V^Senho» 
ria  huma  obra^quetor  tantos  titulos  lhe  he  devida.como  também  a  lar» 
ga  vontade  com  quefou  obrigado  a  deZjCjar  continue  o  Ceo  a  V.  Senhoria 
■vida^  Çf  Succejfao  taõ  dilatada  como  feus  mais  afeãuozjOs  criados  de» 
frecamos 


'\\j' 


DE    VOSSA  SENHORIA 

O  mais  obzequiozo,&  obrigado 
MANOEL  LOPES  FEKREYRA. 


PRO- 


o  L  o  GO 


A  o   L  E  Y  T  o  R. 

M I G  o  ou  inimigo  Lcytor  qnem^quer  que  fores ,  que  para  eíla 
Obra  te  efcuzo  inclinado  fabcràs  ,  que  vendo  o  muyto  cuy  dado 
com  que  todos  procuravaõ  as  Obras  do  noíTo  Grande  Portuguez 
Luís  de  Camões  ,  &  a  falta  que  havia  delias  ;  determiney  (por 
fazer  lerviço  à  Pátria ,  &  aos  amigos ,  que  com  grande  anciã  me 
pediaõ  publicallè  novamente  as  fuás  Obras  )  de  as  mandar  ajuntar 
todas  quantas  o  noílb  ínfigne  Poeta  compoz  ,  &  dalas  à  ellampa: 
pondo-as  n^  forma  que  veras ,  &  os  Luziadas  Commentados  pelo 
Lecenciado  Manoel  Corrêa  o  mais  fiel ,  &  verdadeyro  Commen- 
'  tador  dellas,pois  era  muyto  amigo,&  comtemporaneo  defte  noiio 
Príncipe  da  Poezia  ,  &  com  quem  continuamente  converfava,  &  me  certificarão,  que 
^r  fer  taõ  verdadeyro  fora  muyto  eítimado  o  dito  Commento. 

Também  entre  tantos  Efcriptores ,  que  o  fizeraõ  da  Vida  do  noífo  Poeta,  feeílimou 
por  única  naõ  fó  no  eítillo  douta  ,  mas  verdadeyra  na  Hiíloria  a  que  compoz  Manoel  de 
Faria  Severim,  &  eíla  achey  ler  de  mais  agrado  para  os  curiòzos,como  o  de  fazer  aos  mef- 
mos  ,  o  goílo  de  que  eítas  Obras  fe  imprimiílem  de  folio  naõ  reparando  no  culto  da  Im- 
prenfa,  íó  para  que  elles  como  me  diziaõ  acreditarem  as  fuás  Livrarias  pondo  nellas  eíle 
taõ  fuperior  Volume,  o  qualleva  no  principio  deite  Livro  o  feu Retrato  verdadeyro,  fey- 
to  ao  natural,  &  de  corpo  inteyro  atè  agora  não  viíto  em  Livro  algum:&  aííim  te  ofiereço 
eíta  Obra ,  não  temendo ,  como  dilTe  às  tuas  Cenfuras  fe  fores  inimigo ,  porque  a  tua  mor- 
dacidade não  pôde  entrar ,  nem  fubfiítir  à  viíta  de  tantos  Varões  Sábios ,  que  o  aplaudem 
naõ  fò  Naturaes ,  mas  Eltrangeyros ;  pois  para  eftes  terem  também  a  gloria  de  as  logra- 
rem as  verterão  nos  feus  próprios  Idiomas ,  em  que  moílraõ  o  grande  apreço  ,  q  ue  fazem 
tíètaesObras,  &oquantoasacreditáo,  &  aííim  ficaras  com  a  tua  malevofencia  repré- 
hendido,  com  a  nota  de  ingrato  pelo  quedefprezas  ,  &com  a  de  ignorante  pelo  que 
calumnias  ;  &  fe  fores  amigo ,  jà  fey  que  es  douto  ,  &  que  me  hades  rogar  muytos  bens 
por  te  fazer  patente  o  que  hà  tanto  apetecias,  &  hà  tanto  dezejavas. 


Vale. 


LI- 


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LICENÇAS 

DO  SANTO  OFFICIO. 

PO'de-fe  tornar  a  imprimir  os  Lufiadas  de  Camões  de  que  trata  eíla  petição,  &:im- 
prelFas  tornarão  (  pelo  Meílre  Frey  Pedro  Monteyro  Qualificador,conferidas )  para 
ie  lhe  dar  licenCa,que  corráo,&  fem  ella  nao  correràò.  Lisboa  1 1 .  de  Mayo  de  1 7 1 5. 
Haffe.    Monteyro.     Ribeiro.    Rocha,    Barreto.    Fr.LencaJire. 

DO  ORDINÁRIO. 

Confirmamos  a  licença  concedida  para  a  impreíTaõ  do  Livro  dequefetratta,&tor- 
narà,para  fe  dar  licença  que  corra  iem  a  qual  nao  correra.  Lisboa  Occidental  30.  de 
Julho  de  1710.  'D.J.A.L. 

DO  PAÇO. 

^~\  Ue  fe  poíTa  tornar  a  imprimir  viílas  as  licenças  do  Santo  Officio,  &  Ordinário,  &  de-^ 
Vx-pois  de  impreilb  tornem  à  Menza  para  ie  conferir ,  &:  taxar ,  &  Iem  iíTo  naõ  correra. 
Lisboa  21.de  Agoíto  de  171  j. 

Cojla.    Andrade.     Botelho.    Galvão,    Noronha. 

eminentíssimo  senhor. 

POr  ordem  de  V.Eminencia  conferi  as  Lufiadas  de  Camões  comentadas  pelo  Lecen- 
ciado  Manoel  Corea,&  as  mais  Obras  de  Camões  unidas  nelle  Tomo,  &  eítaõ  con- 
formes com  o  feu  original.  S.Domingos  de  Lisboa  Occidental  19.  de  Agoíto  de  1720. 

Fr. Tedro  Monteyro. 

VIfto  eílar  conforme  com  o  original,  pode  correr.  Lisboa  Occidental  17.  de  Agofto 
de  1710. 

Rocha.    Fr.Lencaflre.    Cunha.    Teyxeyra, 

lílo  eílar  conf(5rme,pòde  correr.  Lisboa  Occidental  19.de  Agofto  de  1710. 

T>.J,A.L. 

AxaÕ  efte  Livro  em  dezoyto  toftoens.  Lisboa  Occidental  19.  de  Agofto  de  i/x*. 
Botelho,    Tereyra,     Galvaô,    Qllveyra.    Noronha,    Teyxeyra. 

VIDA 


V 
T 


V  I  D 


D  O   G  R  A  N  D  E 

LUISDECAMÕES 

príncipe  dos  poetas  de  hespanha. 


^^mmí^^^mmmm   U  L  G  A  V  A  PHnio  por  a  mayor  felicidade  da  vida  fazer  pnn.  uvi 
^rK.^^«.*-  -    ^.í— -oc    i^umhomcm  taes Obras,  que  todos  dezejairemfaber  qual  jí-cap.ii 

foffc  o  Autor  delias :  ^í  equldem  arbitror  (diz  elle)  nullum 
1  cft  felicitatis  fpecimen  ,  quam  femfer  omnes  jcire  cupere 
qualisfuerit  aliquis,  Nafce  eíle  dezejo  da  conaiçaõ  do  en- 
tendimento humano ,  o  qual  como  feu  fim  feja  o  conheci- 
mento da  verdade,  não  fe  íatisfaz,  como  diz  o  Filolofo,  até 
naõ  alcançar  a  cauza  verdadeyra  das  couzas.  Daqui  tiverão 
leu  fundamento  todas  as  difputas  ,  &  queílóes  das  Scien- 
cias,quercndo  moítrar  cada  qual,que  a  Tua  noticia  eftà  mais 
ajudada  com  a  razaõ  natural  de  cada  couza.  Daqui  nafceo  efcreverem-fe  fobre  hu- 
ma  matéria  tantos  livros.  Daqui  tam^bem  comporem-íe  tantas  hiítorias  da  vida  de 
hum  mefmo  Principe,  ou  Varão  illuílre,nas  quaes  o  que  ultimamente  a  refere,  pro- 
cura apurar  a  verdade  com  mais  particulares  circunltancias,  contando  mio  fomen- 
te os  cazos,&  fucceílos  das  couzas,mas  os  concelhos,  &  razões  com  que  foraõ  fey- 
tas.  Pelo  que  por  fatisfazer  a  elle  tao  divido  dezejo ,  nos  pareceo ,  deviamos  tam- 
bém efcrcvcr  a  Vida  do  noílo  Poeta  Luis  de  Camões  Principe  dos  Heróicos  de 
Hefpanha ,  por  quanto  o  que  delle  anda  impreíTo  he  taõ  pouco  ,  &  diminuto  ,  que 
não  iatisfaz  em  muyta  parte  com  o  que  todos  pretendem  faber  de  femclhantes  Va- 
rões;comohea  qualidade,  vida,  coítumes>engenho,feyções,  &  outras  particulari- 
dades fem  as  quaes  fica  muyto  imperfeyta  a  noticia  que  fe  requere  na  hiíloria  de 
hu  m  homem  infigne.  De  todas  ellas  couzas  vay  acrelcentada  elta  Relação  quanto 
foy  poífivel  à  boa  diligencia  que  fobre  iíTo  fe  fez,aproveytando-nos  principalmen- 
te do  que  o  mefmo  Luis  de  Caoiões  de  fi  refere  em  feus  verlbs  ,  onde  ordinaria- 
mente os  Poetas  deyxão  efcritas  fuás  vidas ;  porque  he  natural  aos  homens  deley- 
tarie  de  contar  os  trabalhos,  que  padecerão ,  depois  de  efcaparcm  delles.  E  coma 
Luis  de  Camões  paliou  a  mayor  parte  da  vida  em  peregrinações,  &  fucceííbs  vá- 
rios ,  não  he  muyto  que  os  deyxalfe  pòítos  em  memoria ;  &  porque  a  pobreza  com 
que  viveo  tinha  efcurecido  em  parte  a  clareza  de  feus  antepaflàdos  começaremos 
eíla  Rclacãa  de  fua  Vida,dando-a  hum  pouco  mais  larga  de  fua  familia,  pai*aque  fo- 
bre 


Vtda  do  Grande  Luts  de  Carmes^ 
■       bre  eíle  illuílre  fundamento  íique  mais  eílimado  feu  engenho. 
FatnUia       A  família  dosCamócs,  hcnaturaldo  Rcyno  de  Galiza ;  feu  appellido  dizem  ai- 
reóí*"   g^"S>  4^^  ^^  alcunha  tomada  do  paíTaro  CamSo,  a  quem  os  antigos  chamarão  Tor- 
pjyrw ,  celebrado  de  muytos  Autores  pela  admirável  propriedade  de  morrer  ven- 
do commetter  adultério  contra  o  fenhor  da  cafa.  Alciato  o  traz  no  Emblema  47, 
por  fimbolo  da  vergonha,&  honeítidade,com  eítes  vcrfos. 
TroPhyYio^omtm fiincefttt  in  £dibus  uxor, 

IDeJpondetque  anmumypr^que  doloreperit, 
Ahiita  in  ar  canis  tmíura  eji  caufa,\fit  inde»^       -    ,. 
Sincera  h^ecvpkícris  certa  fudiciti£. 
O  meí  mo  refere  Camões  n'huina  cartaem  verfo,  que  anda  nas  fuás  Rimas  terceyra 

parte  dizendo:  1- 

Exprimentoufe  algum' hora^^c. 
Porem  o  mais  certo  he  nam  fer^lle  iobrenomeálcunhà,  fenam  appellido,  tomado 
do  Caáello  de  Camóes,tam  antigo  no  Reyno  deGaHza,  c]  jà  íe  faz  delle  mençam  na 
Chronica  de  S.  Máximo  ,  fituando-o  junto  do  promontório  Nereo  ,  que  agora  f© 
chama  Cabo  de  Finis  terra.  Deite  território  hà  noticia ,  que  tomaram  nome  os  Pe* 
tos  chamados  Camoefes,  tam  conhecidos  em  toda  Hefpanha,  &  que  daqui  fe  Jevà- 
ram  para  as  outras  Províncias  delia ,  onde  hoje  fe  vem  em  grande  copia ,  &  o  que 
maishe: 

Melhor  tornados  no  terreno  alheyo, 

Principalmehteneíle  Reyno,porque  fam  os  nolfos  muyto  aventajados  no  íabor,  & 

fuavidade  aos  cie  Galiza,&  por  iíTo  muyto  mais  prezados.  O  primeyro  da  famiiia  de 

s  Camões  ,  que  paíTou  a  Portugal  foy  Vafco  Pires  de  Camões  em  tempo  d'ií.l-Rey 

Dom  Fernarido,poi*  ter  feguido  fuás  partes  contra  El-Rey  Dom  Henrique  de  Caf- 

tclla  o  haílarclo.  Deu  El-Rey  Dom  F  ernando  neíle  Reyno  a  eíte  Fidalgo  em  lugar 

doquedeyxàra  emGaliza,as  Villas  doSardoal,Punhete,Maráo,&  Amendoa,com 

o  Concelho  de  Geftacò,^  as  herdades ,  &  terras,  que  foram  em  Eílremos,  &  Avis 

da  Infante  Dona  Beatriz;. &  o  íez  Alcayde  mor  de  Portalegre,&  Alemquer,&  hum 

dos  principaes  Fidalgos  de  leu  Confelho.  Obrigado  Vafco  Pires  delias  mercês  fe- 

guio  depois  as  partes  das  Raynhas  Dona  Leonor ,  &  Dona  Beatriz  contra  El-Rey 

Domjoâm  o  í.  de  Portugal  ,  como  largamente  fe  contem  tudo  nasChronicas  do 

mefmo  Rey.Pelo  que  lendo  prezo  na  batalha  de  Aljubarrota  perdco  todos  os  V af- 

fallos,&  fortalezas,que  tinha  no  Reyno,&  fomente  lhe  dcyxou  a  benignidade  Real 

chromc.  as  tcrras ,  &  herdades  de  Elh'emos ,  &  Aviz ,  &  outros  bens  particulares,  que  tinha 

D.tôfõ^o  ^^  Aléquer,&  Lisboa  de  que  feus  defcendentes  inítituiram  depois  morgados  ren- 

i.*p.  I.  c.  dozos ,  principalmente  em  Aviz,  &  na  Cidade  de  Évora ,  onde  polTuem  algumas 

|o.&í  ío  herdadeSjàs  quaes  pelo  appellido  dos  polTuidores  deu  o  povo  nome  de  Camoeyras. 

J7s»!&  p.  Foy  cazado  Vafco  Pires  de  Camões  com  huma  filha  de  Gonçallo  Tinreyro,a  quem 

».c.  39.  El-Rcy  Dom  Fernando  fez  Capitam  mordas  Armadas  de  Portugal  ,  &  El-Rey 

Kcgiftof  t^^íTí^  joam  o  í.fendo  ainda  defenfor  do  Reyno  lhe  deu  a  Capitania  de  Lisboa.  É 

d'Ei.Rey  depoisfeguiudo  aspartcsdaRaynhaDoua  Beatris  fe  intitulou  Meítre  de  Chriíto. 

D.  Fer-  }])elle  matrimonio  teve  Vafco  Pires  a  Gonçallo  Vaz  de  Camões ,  Joaõ  Vaz  de  Ca^ 

mõcs,&  Conitança  Pires  de  Camões  mulher  de  Pêro  Scverim  Fidalgo  Francez,  de 

Chronic.  q\jem  fç  faz  mcnçam  na  tomadadc  Ccuta.  Gonçallo  Vaz,que  foy  o  filho  maisve- 

D.fo^ó^o  '^h^cazou  com  Conllança  da  Fonfeca , filha  de  Afonfo  Vaíques  da  Fonfeca,  Alcay- 

1.  p.  2.  c.  de  ir.òr  de  Moreyra ,  &  Marialva  ( filho  de  Vaíco  Fernandes  Coutinho  Meirinho 

^jftos^^'  ^^^^*'  ^  fenhor  de  Liomil,  progenitor  dos  Condes  de  Marialva)da  qual  teve  Anto- 

d^ENR-ey  ^ío  Vaz  dc  Camocs,  oijual  foy  pay  de  Lopo  Vaz  de  Camões,  &  de  Dona  Aldonça 

D.Ferua.  Anncs  deCamocs  molfier  de  Ruy  Cafco  Alcayde  mòr  d' Avis. 

joaõl  L     Lopo  Vaz  de  Cimões  cafou  com  Ignes  Dias  cia  Camera,  filha  de  Diogo  Afõío  de 

*  Aguiar:  da  Ilha  da  Madeyra  ,  &  de  fua  primey  ra  mulher  Izabel  Gonçalves  da  Ca- 

í^  lu  mera. 


Príncipe  dos  Poetas  de  fíefpanha. 
mera,fÍIha  de  Joaõ  Gonçalves  da  Camera  primeyro  Capitão  do  Funchal,  &  proge- 
nitor dos  Condes  da  Calheta  ,  da  qual  teve  António  Vaz  de  Camões  ,  Simão  de 
Camoes,&  Duarte  de  Camões. 

António  Vaz  de  Camões  cafou  com  Dona  líabel  de  Caílro  filha  de  Dom  João 
de  Cai{:ro(irmao  de  Dom  Fernando  de  Callro,que  foy  Avò  do  primeyro  Conde  de 
Bailo)  <&  de  Dona  Franciíba  de  Brito  filha  de  Fernaõ  Brandão  o  V  elho  de  Évora, 
da  qual  teve  a  Lopo  Vaz  de  Camões,  &  Luis  Gonçalves  de  Camões  que  fez  hum 
morgado  em  Aviz  chamado  da  Torre,que  hoje  pollue  Simaõ  de  Camões  filho  de 
Duarte  de  Camões ,  teve  mais  a  Dona  Franciíca  de  Caítro  molher  de  Dom  Marti-- 
nho  de  Souza. 

Lopo  V^az  de  Camões  cafou  cÕ  Dona  Maria  da  Fonceca  filha  de  GafparRodri* 
guês  Preto  jíilho  de  Jorge  Rodrigues  Preto  Eítribeyro  morda  Fmperatris  Dona 
li  abei ,  da  qual  teve  a  António  Vaz  de  Camoes,&  Dona  Anna  de  Caílro  mulher  de 
Diogo  Lopes  de  Carvalho,Senhor  dos  Coutos  de  Negrellos,&  A  badim. 

Amónio  Vas  de  Camões  calou  com  Dona  Franchcada  Silveyra,  filha  de  Dom 
Álvaro  da  Silveyra,  filho  de  Dom  Diogo  da  Silveyra,  Conde  de  Sortelha ,  &  (yuar* 
da  niòr  d'El-Rey  Dõ  J  oao  o  Ill.da  qual  teve  a  Lopo  Vaz  de  Camões,&:  outtos  filhos 
que  hoje  vivem. 

João  Vaz  de  Comões  filho  fegundo  do  primeyro  Vafco  Pires  de  Camões ,  foy  Afíéns 
vaílaílo  d'El-Rey  Dom  Afofo  o  V.(titolo  muyto principal  naquclletêpo)  &  fervio  décia  At 
ao  meímoRey  nas  guerras  de  Africa,  &  Callela.  Viveo  na  Cidade  de  Coimbra  da^"^'^^^^ 
qual  foy  benemérito  Cidadão,  indo  por  feu  Procurador  às  Cortes  daquellestraba- 
Ihoíos  tempos  da  criação  d'El-Rey  Dom  Afonfo ,  teve  o  cargo  de  Corregedor  c?*- 
queila  Comarca  :  oíiicio  em  tam  de  grande  jurifdiçam ;  porque  nao  havia  mais  c  e 
leis  no  Reyno ,  &  ordinariamente  erao  fidalgos  muyto  honrados ,  &  náo  proieha- 
vão  letras  ;  como  amda  agora  fe  ufa  em  algumas  partes  de  Hefpanha.  Tudoill:o 
coníta  do  Epitáfio  de  fua  íepultura ,  que  eltà  em  huma  Capella  da  Craíla  da  Sè  de 
Coimbra  ,  que  o  meímo  Joaõ  Vaz  de  Camões  mandou  fazer,onde  à  parte  do  Evan- 
gelho lèvè  hum  tumulo  levantado  de  mármore,  todo  lavrado  de  figuras  de  meyo 
reIevo,&  nos  cantos  duas  mayores  com  efcudos  das  fuás  armas  nas  máos,&  cm  cima 
do  tumulo  eíbàa  figura  do  mclmo  João  Vaz  armado  ao  modo  antigo  com  huma 
efpada  na  mao,  &  aos  pes  hum  rafeyro  deytado.  Eíla  Capella  tem  agora  o  arco  quaíi 
tapado  de  huma  parede  de  tijolo,  porque  como  faltarão  os  defcendentes  do  iníti- 
tuidor,ficou  devoluta,&  fem  aver  quem  a  ornaíre,&  tivelTe  cuydado  delia. 

Cafou  João  Vaz  de  Camões  com  Ignes  Gomes  da  Silvâ,filha  baílarda  de  Jorge  da 
Silva  ,  o  qual  era  filho  de  Gonçallo  Gomes  da  Silva,  &  neto  de  Diogo  Gomes  da . 
Silva ,  irmáo  de  João  Gomes  da  Silva,  Alferes  mor  d'El-Rey  Dõ  João  o  I.&  fenhor ' 
de  muytas  terras.  Delia  teve  a  Antaõ  Vaz  de  Camões ,  o  qual  cafou  com  Guimar 
Vaz  da  Gama  (dos  Gamas  do  Algarve  qtrazê  fua  origem  dos  de  Alentejo)&  delia 
houve  Simão  Vaz  de  Camões ,  que  indo  por  Capitão  de  huma  nao  à  índia  fegundo 
Pêro  de  Maris ,  fe  perdeo  na  Colla  de  terra  firme  de  Goa,&  efcapando  do  naufrá- 
gio morreo  pouco  depois  na  mefma  Cidade.  Foycafado  Simaõ  Vaz  com  Anna  de 
Macedo  (dos  Macedos  de  Santarém)  &  delia  teve  o  noíTo  Poeta  Luis  de  CarRÕes. 
Eítes  foráo  feus  progenitores ,  pelos  quaes  fe  moílra  que  naõ  foy  menos  illuílre  no 
fangue,  que  no  engenho ;  &  ainda  que  a  falta  dos  bens  da  fortuna  em  que  fe  criou 
(como  quem  perdeo  o  pay  de  taõ  pouca  idade,)lhe  tirallè  em  parte  os  ornamentos 
exteriores ,  com  que  fe  faz  eílimar  a  nobreza ,  naõ  lhe  pode  nunca  tirar  a  grandeza 
de  peníamentos,que  de  feus  antepaíTados  herdara.  '  ^ 

Nafceo  Luis  de  Camões  Reynando  El-Rey  Dom  Manoel  ,  pelos  annos  de  1 5'i  7.  Pâtríâ  ié  J/o  /^ 
na  Cidade  de  Lisboa  ,  como  o  teílifica  Manoel  Corrêa  feu  Comentador  >  ^^^'ca"m/*'  ^^^S 
o  conheceo,  &  foy  feu  famaliar  amigo,  &  naõ  em  Coimbra  como  alguns  cuydàraõ,  ^"^'^^r/^V  ^ojv; 
pela  vivenda  antiga  que  feus  Avós  ali  tiverão.  Por  eík  rezào  chama  tantas  vezes  cní  iia^ces 


** 


/ 

vida  do  Grande  Lu  is  de  Camões, 
ao  Tejo,  pátrio,  &  invoca  no  principio  dos  feus  Luíiadas  as  Ninfas  do  mefmo  rio, 

dizendo:  .    ,    c^ 

E  vòs  Tágides  mMas,pOiS  criado,  ^c. 
E  no  Canto  3  .eítanc.i.  quando  pede  favor  a  Caliope: 

^oem  tu  Nym^ha  em  effeyto  meu  defejo,^c. 

Porém  naõ  foy  fò  Coimbra  à  que  contendeo  lobre  ter  por  leu  filho  taõ  excellente 

cngenho;pois  antigamente  as  iete  Cidades  Gregas  pertenderáocora  nao  menores 

!>lut.m   invejas  o  nafcimento  de  Homero,querendo  cada  qual,feríua  pátria.  Sendo  moço 

.  vir.  Ho-  foy  eítudar  a  Coimbra,  qentáo  começava  a  tlorecer  em  todas  as  Sciècias  por  bene- 

'"^''*      íicio  de  El-Rcy  Dom Joaõ  o III.  condufmdo  eile  excellente  Principe  para  meíb-QS 

dellas,Varoes  infignes,&  dos  mais  peritos  que  entáo  avia  em  Europn,dos  quaes  elle 

aprendeo  t  lingoa  Latina,  &  Filofofia,  &  mais  letras  humanas  com  tanta  perfeyçáo, 

como  moílráo  íeusefcrites  ,  &:  adiante  diremos.  Deíiaeílada  em  Coimbra  face 

menção  em  alguns  dos  feus  verfos ,  &:  cm  particular  na  Canção  q  na  íegunda  parte 

das  luas  Rimas  he  a  2 .  &  começa: 

VaÔ  asferenas  agoas,^c, 
O  mefmo  fe  ve  no  Soneto  1 39.  da  primeyra  parte  das  Rimas  que  diz: 

'Doces,&  claras  agoas  ao  Mondego,^c. 

Déíles,  &  outros  verfos  que  fazia  naquelle  tempo  íe  vè  bem  quam  cedo  começou 

a  exercitar  a  Pocfia,  &  com  quanta  perfeyçáo;  &  como  cila  arte  leja  ils  vezes  mais 

cllimada  nas  Corres  dos  Principes,  que  nas  efcolas,  parece  que  efta  o  trouxe  outra 

He  def-  vez  a  Lisboa,  onde  continuou  algum  tempo,  até  quehuns  amores,  que(fegundo 

terrado^  dizem)tomou  no  Paço  o  íizeráo  deíterrar  da  Corte.Defta  auíencia  parece  fe  quey- 

'xa  naquellâ  fua  Elegia  que  começa: 

O  fulmonenje  Ovidio  defterrado^Sc. 
Onde  depois  de  defcrever  o  fentimento  que  Ovidio  tinha  no  dcílerro  ,  diz  alfi: 

'Defia  arte  me  afigura  afhantafia^c, 
Emaisabayxo: 

Ali  me  reprejenta  efta  lemhrança,^c. 
E  porque  naõ  cuydemos  que  falia  de  alguma  das  fuás  peregiinações  fora  do  Reyno 
diz  logo  abayxo  as  couías  que  via  do  lugar  onde  eílava  degradado: 
^  Vejo  ê piro juave,^  br andoTejo^^c. 

Affifte    Neíle  comenos  devia  de  paíTar  a  Ceuta,  onde  eíleve  algum  tempo ,  como  fe  vè  da 
cmAíri-  fua  Elegia,que  começa: 

"'  Aquella  que  de  Amof  defcomedido,  t^c. 

Onde  abayxo  dis: 

Ando  gaftando  a  vida  trabalho fa^c, 
Elogo: 

E  com  ifto  afiguro  na  lembrançafêc. 
Aqui  parece  teve  fua  primeyra  milicia  ,  E  que  n'algum  recontro  com  os  Mouros, 
foy  ferid  ode  hum  pelouro  no  olho  direy  to,  com  que  o  perdeo,  como  elie  toca  na 
Cançam  que  começa: 

Vtnde  qua  meu  tam  certo  fecretario. 
Onde  depois  de  cantar  os  fentimentos  de  fua  afeyção,diz  aííi:  ^ 

'D efta  arte  a  vida  neutrafuy  trocando^ ^r. 

Que  lhe  aconteceíTe  iíto  em  Africa,  &  naõ  na  índia,  fe  moílra  pela. carta  primeyra 

que  efcreveo  da  índia  a  hum  amigo.  Ao  qual,  dando  novas  de  hum  Manoel  Sartão; 

^  diz  QuQ ftcut,  ^  nos,manqueja  de  hum  olho,  como  couza  jà  antiga,  &  notória  nelle 

^".'^  '        em  Portugal.  Eíla  ferida  lhe  afiou  notavelmente  o  roíto,  por  onde  era  chamado  das 

Damas,  Diabo,  &  Cara  fem  olhos ,  a  que  elle  refpondeo  muy  tas  vezes  cortefam,& 

.v^'     ,  *  grsciofamente  como  le  vè  de  feus  verfos.  Porém  ainda  que  a  falta  da  vifta  lhe  tirou 

■:■  .      ^  gentileza  exterior  com  asDamas,não  a  perdeo  no  concey  to  dos  que  o  vião  aíTma- 

lada 

ri.  '■;.*'•-  A 


Príncipe  dos  Poetas  de  He fpanh a. 
lado  no  roílo  à::.  mão  dos  iníieis;porque  femelhantes  íinaes  de  Marte  fazem  as  faceç         •' 
mais  fermoías ,  que  os  de  Vénus.  E  alíi  le  na  Poelia  o  podemos  comparar  a  Home- 
ro ^que  tambeni,  fegundo  alguns,  careceo  da  viltajnas  armas  naó  ira  menos  ufano, 
que  Feiipe,  Aniiocíio,  Annibal,  &  Sertório,  que  de  perderem  iiuma  vilh  na  guerra 
ic  nao  gloriarão  pouco.  Tornado  ao  Reyno,  ou  por  caula  dos  amores  da  CoVte,óu 
porverqueasíioresde  fua  poefialhe  nao  davão  fruyto(como  coílumáo)ou  por 
os  reipcytos  que  na  primeyra  carta  que  anda  nas  fuás  Rimas  aponta,  determinou  de 
fe  pa\lar  à  índia,  por  íer  eíta  (fegundo  elle  diz)  fepultura  de  todo  o  pobre  honrado, 
&  fem  duvida  que  elle  levava  peníamento  de  a  efcolher  por  fua ,  porque  alem  de  fe 
embarcar  dizendo  aquellas  palavras  de  'òi^izõ:  Ingrata  pátria^  non  pojjldebis  ojja 
mea  ,  como  refere  na  fua  Carta ,  náo  fe  veyo  da  Índia  acabados  os  annos  da  milicia 
ordinária  mas  depois  de  1 6.de  aililtencia  como  veremos  adiate.  Náo  achey  em  léus 
verlos,nem  em  memoria  alguma  o  anno  em  que  fe  embarcou ;  fomente  efcreve  que 
tàto  que  chegou  a  Goa  fahio  o  Viío-Rey  cõ  huma  grande  Armada  íobre  El-Rey  da 
Pimenta.  Foyeílaemprefa  fegundo  refere  as  hiílorias  da  índia  no  fim  do  anno  de 
1553.  Pelo  que  coníla  que  partio  de  Lisboa  no  Março  de  1 55  3 .  com  Fernando  Al-  ch-toní " 
vres  Cabral,  que  indo  por  Capitão  mór  de  quatro  nãos,  fò  elle  chegou  á  índia  nos  d'  Ei-Rcy 
primeyros  de  Setembro  do  mefmo  anno.  Era  entaõ  Vifo-Rey,daquelle  Eílado  Dõ  ^^^'"^  ^ 

Afonío  de  Noronha  ,  com  oquallogonoNovembrofeguinteLuisdeCamoesfe^o,!^'*^' 
embarcou  em  hí;»a  groíTa  Armada,em  que  o  Vifo-Rey  foy  ao  Malavar,para  favore- 
cer El-Rey  deCochim,&o  de  Porcà,&  outros  amigos  do  Eílaco,a  que  Il-Rey  ca 
Pimenta(que por  outro  nome  Chnmao  de  Chembè)tinha  apertado  ,  àton-aco 
algumas  ílhas.Tanto  que  o  Vifo-Rey  furgio  no  porto  mandou  fair  a  gente  nas  Ilhas* 
&  com  morte  de  muytos  Malavares  forao  deítruidas  ,  &  quey miadas  pelos  noííos 
o  que  obrigou  a  pedir  pazes  ao  Rey  da  Pimenta  ,  como  largamenteie  conta  na 
Chronica  u'EI-ReyDomJoáooIII.  &  na  Sexta  Década  de  DiogodeCouto.  Eíiachronic; 
primeyra  jornada  defcreve  Luís  de  Camões  breve ,  &  elegantemente  na  Elegia  da  d'  F.i.Rcy 
fua  viagem,que  começa:  iy]^zó  o 

O  Toeta  Simonidisfallandoy^c,  ubi  lup^ 

Onde  depois  de  contar  como  partira  de  Lisboa ,  &  paíl^ra  o  cabo  de  Boa  Efperan-  ^outo 
ça,dizaíri:  ^^'\ò^i 

^(fta  arte  me  chegou  minha  ventura^c.  1  «.&  17» 

F  Provaíe  também  paliar  nefte  anno  à  Índia,  porque  no  mefmo  tempo  fuccedeo  em 
Ceuta  a  perda  de  DomPedro  de  Menefes,a  quem  El-Rey  Dom  João  o  lll.mandàra 
por  Capitão  daquella  Cidadenoannodei549.  emlugardeDom  AfonfodeNoro-  chronic; 
nha  quando  foy  para  Vifo-Rey  da  Indit,&  entre  outros  fidalgos,aquem  os  Mouros  d^  ti  h ey 
matarão  naquclle  recontro  ,  foy  Dom  António  de  Noronha  fobrinho  do  mefmo  J^jj'^^''  ^ 
Capitão,filho  do  Conde  de  Linhares  DomFrancifco  deNoronha,o  qual  tinha  fido  c,6Í.  "** 
particular  amigo  de  Luis  de  Camões  no  Reyno.  Chegarão  eílas  novas  à  índia,  jun- 
tamente  com  as  do  falecimento  do  Príncipe  Dom  Joaõ  que  foy  em  Janeyro  de 
155-4.  no  Setembro  do  mefmo  anno ,  &  dèraõ  ocafráo  a  Luis  de  Camões  compor  a 
Egioga  de  Umbrano,  &  Frõdelio  que  anda  nas  fuás  Rimas,  como  elle  mefmo  diz  na 
fua  primeyra  carta  que  efcreveo  da  índia  no  Janeyro  de  155- 5*.  em  que  lamenta  eílas 
duas  mortes.  Ncíte  mefmo  anno  de  i5'5'5'.mandou  o  Vifo-Rey  Dom  Pedro  Mafca- 
renhasfquejàfuccederaaDom  Afonío  de  Noronha)huma  Armada  ao Eítreyto  de  ^^^jo 
Meca ,  de  que  deu  aCapitania  mor  a  Manoel  de  Vafconcelos,o  qual  partio  de  Goa  pecad.rJ 
em  Fever€yro,&  levou  ordem  doVilb-Rey  que  fe  folfe  por  nas  portas  do  Fllreyte,  i»^-^ -«-í! 
junto  do  Monte  Félix ,  a  elperar  as  nãos  dos  Mouros.  Eílevc  neíle  porto  Manoel 
de  Vafconcellos  ate  fe  lhe  gaitar  a  monção,  &  depois  fe  foy  invernar  a  Ormus.  don- 
de dando  guarda  ã  frota,  tornou  a  entrar  em  Goa  nos  primeyros  de  Outubro.  Neíla 
Armada  ,  parece  foy  Luis  de  Camões,  &  que  na  eítancia  do  monte  Félix  compôs 
aquellafuaCanfao  em  que  defcreve  particularmente  aquelle  monte  ,  d'  paragem, 

como 


'  '         Vida  do  Grande  Luís  de  Camões^ 
como  fe  delia  vè,que  diz  alli: 

Junto  de  hirnifeco^erofê  efterilmonte^^c. 
Chegado  a  Goa,  diz  Pêro  de  Maris  que  o  mandou  o  Vifo-Rey  por  Provedor  mòr 
dos  defuntos  da  China,o  que  parec€  naõ  pôde  fer ;  porque  o  Viío-Rey  Dom  Pedro 
Mafcarenhas,íârieceo  emGoa,aos  dezaleis  de  Junho  delle  anno  de  i55'5-.&  a  Arma- 
da do  monte  Félix  tornou  âquella  Cidade  no  Outubro  íeguinte  do  mefmo  anno 
em  que  jà  governava  havia  quaíi  quatro  mezesFranciícoBarreto;pelo  que  mais 
certo  parece  o  que  outros  afiirmão,  &  he  que  chegando  Luis  de  Camões  a  Goa  fei 
■aquella  Sátira  ,  que  anda  na  terceyra  parte  das  luas  Rimas  ,  contra  alguns 
moradores  daquclla  Cidade,  com  titulo  ,  de  feitas  que  fe  fizeráo  à  luccellào  do 
Governador ,  do  que  íencindofe  Franciíco  Barreto ,  ou  por  zello  da  juíl;iça,ou  por 

'^'  annofe- 


4ào. 


ecem 
flizer 
pelo  Governador ,  &  de  hum  terribél  naufrágio  que  padeceo  na  colla  de  Camboja, 
junto  do  rio  Mecom,comG  diz  na  eílanc.128.  do  Cant.io, 

Ejie  recebe)  à  plácido,^  brando^  ^c. 
E  no  Canto  7.eflanc.8 1  .onde  pede  favor  às  Nymfas  do  Tejo  para  cantar  os  Varões 
Illuílres  que  finge  levava  Dom  Vaíco  da  Gama  pintados  nos  toldos ,  (&  bandeyras, 
&  moítrava  ao  Catual,feu  irmaõ  Paulo  da  Gama.  Entre  outras  queyxas  que  da  do$ 
poucos  prémios  que  recebia  de  feus  verfos  diz  affi: 

E  ainda  Njmphas  minhas  naÒ  bajiava,  &c. 
Ena  Canção  i  f.da  fegunda  parte  das  Rimas: 

Em  fim  não  ouve  tranfe  de  Fortuna. 
De  maneyra  que  eíla  jornada  nam  foy  por  deínacho  fe  naõ  por  pena ,  &  àegvQàoi 
pois  dis  que  a  fez  quando  foy  contra  elle  oínjuilo  mando  executado.  Neíle  temp^ 
em  que  andou  pelas  partes  do  Sul  eíleve  nas  Ilhas  de  Moluco  ,  &  particularmente 
na  de  Ternate,de  quem,&  do  I  eu  Vulcão  queeítà  no  fimo  do  monte  faz  particular 
mençam  na íua  Cançaõ  i4.que  diz: 

Comforça  defufadàyièc.  " 

AíTifte  À  aíliílcncia  de  Macáo  parece  que  foy  a  ultima  do  tempo  que  andou  no  Sul ,  pois 
vindo  de  la  padeceo  o  naufrágio  ,  que  foy  o  dcfradeyro  traoalho  antes  de  chegar  a 
Goa.  Em  Macào  teve  o  oíiicio  de  Provedormòr  dos  defuntos ,  &  com  a  comodi- 
dade do  lugar  devia  de  compor  aqui  alguma  boa  parte  dos  feus  Lufiadas,  pois  de  là 
os  trouxe  configo.  Acabado  o  feu  tempo  fe  embarcou  para  Goa  com  efperanças 
de  lograr  algum  deícanço  nella;porque  vinha  rico  do  que  houvera  do  cargo,&  dos 
amigos;  porém  fuccedeolhe  ao  cõtrario,  como  acontece  às  mais  das  efperanças  da 
mundo.  Porque  navegando  pela  Colla  de  Camboja  fe  perdeo  na  paragem  da  Foz 
do  Mecon,  Rio  quenafcendo  na  China,  corre  por  muyta  diltancia  de  terras,  &  di- 
vidindo pelo  meyo  a  Camboja ,  crefcido  com  as  grandes  correntes  de  outros  rios 
que  recebe ,  vem  fair  ao  mar  em  hum  lago  de  mais  de  fellenta  legoas  de  Comprido.' 
Aqui  deu  a  fua  nao  em  huns  bayxos  onde  fc  fez  em  pedaços  padecendo  todos  hum 
mlferavel  naufrágio:  Luis  de  Camões  fe  falvou  em  huma  taboa,  &  em  taõ  apertado, 
&  manifeíto  perigo  fò  teve  lembrança  dos  Cantos  dos  feus  Lufiadas  para  os  levar 
configo ,  eíquecèndo-fe  de  tudo  o  mais  que  trafia ,  no  que  naõ  merece  menor  lou-- 
vor,que  o  que  fe  dà  a  Cefar,quando  efcapou  no  porto  de  Alexandria  nadando  com 
huma  maõ  ,  &  levando  os  í  eus  Comentários  na  outra.  Deite  naufrágio  fe  queyxa 
Luis  de  Camões  muytas  vezes,&  em  particular  no  Canto  7.  eiUnc.  80.  referindo-o 
entre  outros  trabalhos  feus: 

Agora  com  pobreza  aborrecida^c. 
Ena  Cançaõ  ij.das  Rimas: 
t  A  piedade  humana  mefaltava^c^ 

Na 


Frtncife  dos  To  et  as  de  He/panha. 
No  porto  dcílc  Rio  eíleve  Luis  de  Camões  algum  tempo  repãran-^o-íeítapérdà 
do  naufrágio ,  &  com  eíia  occaliam ,  dizem  que  compoz  aqui  aqueiia  íua  traduçam 
do  Píalmo:  Su^erflumina  Bahylonis^c^wt  começa: 

S óbolos  ri$s  que  vaõ^^c^ 
Na  qual  acomodando  a  li  aquelies  trabalhos ,  &fentimeritodequetratao  Píalmo, 
moítra  bem  o  que  padeceo,Òi:  como  recorreo  logo  a  Deos  por  remédio  de  feu  mal, 
conformando-ie  Chiillãmente  neíle,  &  nos  outros  infortúnios  da  vida,  com  o  que 
delle  deípunha  a  Divina  Providencia ,  como  fe  vè  da  íua  Cançam  jà  referida  on- 
de diz: 

Jade  mal  que  me  venha  na  õ  me  arredo^Xêc. 
Reformado  deíle  naufrágio  íe  veyo a  Malaca , &  dahi  a  Goa,  onde  chegouGover- 
nando  o  V  iío-Rey  Dom  Conílantino ,  &  nam  Francifco  Barreto  ,  como  diz  Pêro 
deMariz.  O  que  alem  de  conllar  pelo  íeu  Comentador  Manoel  Corrêa  ,  fe  prova 
também  pela  rezao  dos  tempos.  Porque  vindo  Luis  de  Camões  da  Armada  do 
monte  Félix  em  Outubro  de  15- 5- 5'.  não  podia  partir  para  o  Sul  íe  naõ  jà  no  annode 
I  f  56.  em  que  o  Governador  Francifco  Barreto  defpachou  os  Capitães  das  viages 
para  aquelias  partes,como  temos  dito.  E  acabando  o  governo  de  Francifco  Barre-  p^    .. 
to  a  3.  de  Setembro  de  iffS.  em  que  chegou  o  Vifo-Rey  Dom  Conílantino  a  Goa,  dSt: 
nao  podia  fer ,  que  em  efpaço  de  dous  annos  íòmente  foíTe  a  Malaca ,  eíliveíle  em  i'v-í.c.8* 
Maluco,  &  voltailè  à  China,  &  exercitaíTe  là  o  cargo  de  Provedor  mor,  &  tornaíTe  de^^r. 
a  Goa.  Por  onde  o  cerro  parece,  que  veyo  a  Goa  depois  que  o  Vifo-Rey  Dom  Cam.  7*. 
Conílantino  entrou  no  governo  daquelle  Filado.  Ajudam  também  a  eílas  conje-  ^^^^i ' 
duras  as  oytavas  que  fez  ao  mefmo  Vifo-Rey  eílando  jà  em  Goa,  que  começam:      1©.  cftáe! 

Como  nos  vojfos  hombros  tam  confiantes  y&c.  i  *  8. 

Nasquaes  Oytavas  fe  trata  jà  da  tomada  de  Damaõ ,  &  jornada  de  Jafanapatam,  fey- 
tas  pelo  Vifo-Rey.  Pelo  que  fegundo  illo  chegou  Luis  de  Camões  a  Goa  depois 
do  anno  de  15-60. em  que  o  Vifo-Rey  Dom  Conílantino  tinha  jà  acabadas  ellas  em* 
prezas.  Pouco  mais  durou  o  governo  ao  Vifo-Rey ,  em  cujo  tempo  nam  parece, 
que  Luis  de  Camões  teve  prizam  alguma ,  pelo  omcio  que  admiuiiLrou  na  China, 
antes  moilra  nas  Oytavas  referidas ,  eílar  favorecido  delle ,  &  parece  que  devia  fer 
feu  antigo  Mecenas  ,  como  também  o  tinha  fido  antes  no  Reyno  o  Duque  Dora 
Theodotio  feu  irmáo.  A'lem  diílo  coníla  que  neíle  tempo  foy  o  feu  graciozo  ban- 
quete,parao  qual  convidou  a  Dom  Franciíco  de  Almeyda,Dom  Vaíco  de  Ataide, 
Éytor  da  Silveyra,  Joaõ  Lopes  Leytão,íS(:  Francifco  de  Mello,&:  depois  de  os  rece- 
ber em  huma  caía  bem  adereçada ,  &  os  fentar  à  meza ,  que  tinha  muy  to  compoíla^ 
deícobrindo-fe  os  pratos  achàraõ  nelles  veríos  efcritos,em  lugar  de  iguarias,  como 
fe  vè  na  terceyra  parte  das  fuás  Rimas ;  com  o  que  o  banquete  íicou  aliaz  feílejado, 
&:  celebrado  entaò  ^  &  depois  em  toda  a  parte.  Todos  eíles  Fidalgos  andavam  em 
Goa  no  ultimo  anno  do  Vifo-Rey  Dom  Conílãtino ,  &  na  fctima  Década  de  Diogo 
do  Couto,  íe  faz  entaõ  menção  delles.  Deíle  tempo  faõ  também  as  Oytavas  que  fez 
do  deíconcerto  do  mundo  a  Dom  António  de  Noronha,q  depois  governou  aquel- 
le  Filado ,  &  outros  muytos  veríos  a  vários  fidalgos ,  que  eílaõ  nas  fuás  Rimas ;  dos 
quaes  íe  vè  bem  quaõ  eftimado  andava  o  noíTo  Poeta  de  toda  a  fidalguia  da  índia,  & 
naõcom  novas  moleilias.  Aqui  gaílou  liberalmente  o  que  trouxe  do  Sul,  &  lhe  dè- 
raõ  feus  amigos,  &  foy  niílo  tam  largo  que  em  breve  teinpo  torno^â  pobreza  com 
que  começara;  o  que  lhe  aconteceo  por  vezes ,  com  alguma  nota  dos  que  por  iífo  o 
tinham  em  conta  de  mal  coníiderado,  nam  atentando  que  os  generozos  efpiritos 
padeceram  muytas  vezes  eíla  falta ,  porque  nam  lhe  fofre  a  grandeza  do  animo  apli- 
carfe  às  couzas  inferiores,  &  de  intereíTe ;  aíli  lemos  de  Homero,  Sócrates,  Crates,  Autores 
Marcial,Valerio  Fíaco,  &  outros  fublimes  engenhos,  que  nunca  curaram  de  fer  ri-  cmfuM 
cos,mas  de  enriquecer  a  todos  com  luas  obras.  '^'^^^' 

Em  Setembro  de  ifóx,  teve  fuccelibrno  cargo  o  Vifo-Rey  Dom  Conílantino. 

£4 


Vida  do  Grande  Ltás  de  Camões} 
•E  diz  Diogo  do  Couto ,  que  atè  íeu  tempo  durou  naquelle  Eíladò  a  primitiva  In- 
-  diíi,em  que  os  homens  pretendiam  fomente  ler  valerozos,&  honrados,&  deíprcza^ 
vam  o  intereíie ;  &  que  dalÍi;:>or  diante  começou  a  ler  idolatrada  a  avareza,  aoqual 
vicio  chama  a  Sabedoria  Divina,Raiz  de  todos  os  males,  &  como  eíle  íe  foy  apode- 
rando daquelle  Eltado ,  tem  introduzido  nelle  tantos ,  que  parece  jà  agora  irremi- 
diavel  fua  cura,{e  Deos  milagrozamente  lhe  nam  acode. 

Começou  logo  Luis  de  Camões  a  fentir  elta  declinaçam ,  porque  nam  lhe  valeo 
ó  favor  que  o  Conde  do  Redondo  novo  Viib-Rey  lhe  fez  (como  fe  vè  dos  veríos, 
que  lhe  compôs)  para  deyxar  de  ter  em  feu  tempo  prezo:  &  fegundo  parece  pelas 
culpas  de  que  foy  acúfado  na  adminiílraçam  do  officio  da  China.  E  nam  bailou  li« 
Vrarle  deíla  acuíaçam  para  íair  do  cárcere,  onde  elteve  algum  tempo,  porque  Mi- 
guel Rodrigues  Coutinho  fios  fecos ,  peiroa  nobre ,  &  rica  o  embargou  na  prizaò 
por  certo  dinheyro  que  lhe  tinha  empreitado.  De  maneyra ,  que  lhe  foy  neceirario 
a  Luis  de  Camões  foccorrerle  de  novo  ao  Conde  Viib-Rey  ,  como  fe  vè  daquellas 
Redondilhas  que  andaõ  na  terceyra  parte  das  Rimas,&  começa'o; 
?'i  ^46  ^Diabo  hà  tão  aanado^^c. 

■Livre  deita  prizam  continuou  depois  alguns  annos  em  Goainvernando  em  terra, 
&  embarcando-fe  os  verões  nas  Armadas  onde  compoz  as  mais  de  luas  Odes  ,  & 
Canções  como  fe  delias  vè ,  que  todas  falaõ  com  Neptuno  com  as  Nereidas ,  &  ou- 
tras Nymphas ,  a  quem  a  Gentilidade  venerava  por  Deidades  marítimas.  Nos  fuc-    1 
ceílòs  de  guerra  em  que  eílas  Armadas  fe  achàrno,iè  moílrou  íem.pre  valerozo  Sol- 
dado 5  como  quem  nam  fabia  voltar  as  coílas  aos  inimigos.  Nem  lhe  empataram  as 
letras  a  lança  antes  Iheaccrefcentàram  o  valor,p0rq  por  iiio  tingiam  os  Antigos,  q  a 
mefma  Palas  era  Deofa  das  Sciencias ,  &  das  A  rmas;  &  Luis  de  Camões  íervio  nef-     i 
tas  occafioes  de  maneyra  que  íempre  fe  louvou  dillb  ,  como  fe  vè  no  Cí\nto  lo.     ' 
eílanc.penult.falando  com  fcl-Rey  Dom  Sebaítiaõ  onde  diz: 

^  ara  fervirvos  braço  às  armãs  feytt^^c. 
E  no  Canto  7.eítanc.79.  1 

jlgorao  MaY-,agoraexPerimentando^^c.  ] 

He  eíla  abonaçam  que  Luis  de  Camões  dà  de  feu  esforço  de  grande  credito ,  pelas 
muytasteítemunhas  vivas  que  tinha  naquelle  tempo  ,  &osPortuguefeslãotaõri- 
guroibs  cenfores  da  verdade, que  não  coníenícm,a  feus  vifinhos  gabarfedoque 
não  tem,mas  ainda  àsvefeslhe  confeílaõ  diffilcultofamente  o  que  na  verdade  pof- 
fuem.Tinhajà  neile  tempo  compoitoofeu  Poema  Heróico  dos  Luliadas,&  como 
«lie  conhecia  o  grande  preço  deila  obra ,  determinou  de  fe  embarcar  para  o  Reyno 
Q  oferecela  a  El-Rey  Dom  Sebaíliam(  ainda  que  entílo  por  fer  de  pouca  idade  naõ 
.governava.)  Porém  Pêro  Barreto  o  tirou  deite  peníamento ,  por  o  levar  configo  a 
Moçambique,onde  hia  entrar  por  Capitam  de  Sofalla.  Foyíe  com  elle  Luis  de  Ca- 
mões movido  de  luas  promeílas  ,  mas  em  breve  tempo  fe  vio  defenganado  delias. 
Pelo  que  chegando  àquella  Ilha  a  nao  Santa  F^è^que  vinha  para  o  Reyno  fe  quiz  nel- 
la  embarcar.  Acodio  alho  impedir  Pêro  Barreto ,  &  ou  movido  do  defejo  de  o  ter 
conligo ,  ou  por  qualquer  outros  refpeytos  lhe  pedio  duzentos  cruzados  que  gaita- 
ra com  elle  na  matalotagem  de  Goa  atè  Moçambique.  Vinham  naquella  nao  muy- 
tos  fidalgos  amigos  de  Luis  de  Camões,  em  que  entravam  Eytor  da  Silveyra,  Antó- 
nio Cabra'5Luisda  Veyga,  Duarte  de  Abreu,  &  António  Sarraõ,  aos  quaes  deu  no- 
ticia do  quepaifava,  &  elles  fintando-fe  entre  fi,pagdraõ  eíta  quãtia,  &  o  trouxerao 
-à  fua  conta  atè  o  Reyno.  Vinha  também  neita  nao  Diogo  do  Couto,  que  depois  foy 
Chroniita ,  &  primeyro  Guarda  mòr  do  Tombo  do  Ellado  da  índia ,  o  qual  diz  em 
huma  carta,que  no  anno  de  mil  &  feifcentos  &  onze  efcreveo  a  hum  amigo  feu  def- 
te  Reyno ,  que  por  o  fer  grande  de  Luis  de  Camões  lhe  comunicou  elle  a  obra  dos 
feus  Lufiadas,  &  que  lhe  pedio  os  quifeílè  comeatar,o  que  Diogo  do  Couto  fez  de- 
pois em  parte,como  em  fua  vida  fe  vera. 
^i  Chegou 


Príncipe  dos  Poetas  de  Hefpanha, 

Chegou  Lnis  de  Camões  a  Lisboa  na  mayor  força  da  peite,  que  chamao  grande 
correndo  o  anno  de  mil  &  quinhentos  felTenta  &  nove ,  &  alíi  líie  foy  necceííario 
eíperar  que  acabaífe  aquelle  mal  para  poder  por  fuás  coufas  em  ordem,&  imprimir 
o  í  eu  Poema;  em  que  le  palíàram,quaíi  dous  annos,  porque  no  de  mil  &  quinhentos 
fetenta  &  dous  íahio  a  lus  com  eíia  admirável  obra;6^porque  de  íua  mihcia,&  pere- 
grinações eilà  batbntemente  dito,  falaremos  agora  da  excellcnciadeíeu  engenho, 
te  doutrina,que  nos  vários  doutos  he  o  que  principalmente  fc  confidera. 

Para  poder  explicar  asperfeyções  deíle  Poema  faõneceíFarios  mais  livros  que  ^^[acroK 
os  que  gaitou  Macrobio  em  apontar  as  das  Eneadas.  Porque  elle  género  de  poema,  àiiv.5. ' 
alii  como  tem  oprincipal  lugar  na  poefia ,  aíTi  he  tão  dilHcultolo  na  compofiçáo ,  fe  ^J'"'"*. 
fe  iiouverem  de  guardar  perfeytaméte  todos  os  preceytos  da  arte,que  defde  o  prin-  "omm 
cipio  do  mundo  atè  o  tempo  do  noiío  Poeta  mio  houve  mais  que  quatro  aquem'^xtum; 
íe  pudeile  dar  elle  louvor.  Eiles  forão  Homero  entre  os  Gregos,  Virgílio  nos  Lati-  scaiiVc. 
nos,  1  orquato  Taíib  entre  os  italianos ,  &  o  noUb  Poeta  em  Helpanha.Com  tudo  rus  v^i 
entre  eítes ,  merece  Luis  de  Camões  particular  louvor,porque  ainda  que  naô  exce-  ^«s.iib. 
deo  em  tudo  a  todos,ao  menos  fe  aventejou  a  cada  hum  em  alguma  paite,como  logo  ^'^'*^* 
veremos. 

O  Poema  heroyco,a  que  os  Gregos  chamao  Épico,  tem  cinco  partes  eíTenciaesCa  y>^^^^ 
q  parece  fe  redufem  todas  as  mais  jque  faòiferlmitaçáo  de  huma  acção  heroyca,ho-  do  Poe-' 
neila,util,&  deleytofa.  O  ler  huma  ib  acçáo  he  coufa  taõ  importante,que  no  poema  ^^.  *^«* 
Épico  fe  tem  por  lua  fuitancia,como  fe  vè  de  toda  a  Arte  poética  de  Ariitoteles,  &:  ^^'^^' 
fundafe  elle  preceyto  na  razão  natural  da  imitação,  &  pintura ,  que  moílra  não  fe  Ariftotc; 
poderem  imitar  duas  acções  juntamente,&  eita  he  a  diferença  que  ha  entre  o  Poeta  j"ç^ 
Heroico,&  Hiiloriador,porque  o  Hiiloriador  efcreve  a  narração  das  coufas  como 
acontecerão  fucceííi vãmente ,  mas  o  Poeta  efcolhe  huma  fò  acção  de  hum  Heroc, 
&  eíIa  refere,não  pontualmente  como  foy,  mas  como  convinha  fer,ornando  a  nar- 
ração com  vários  Epifodios,  que  fão  digreífões  de  fabulas,acontecimentos,&  enre- 
dos ,  comquecomfuavidadeprefuadaaosqucolerem,  &  ouvirem:  0/í>r^^f/^/- 
tur,á\z  Atiítoteles,  quem  admodum  in  alijs  imitatrtcibus^  una  imitatio  tmiusejfjic^ 
Xê  fabulítm^  quia  atíionis  Imitatio  eftyUniufque  ejfe^  ^  hujus  totius,  E  noutra  parte: 
Fabula  quiUem  eft  una ,  non  quemadmodum  nonnulli  arbitrantur^fi  circa  unum  fue- 
rlt ;  multa  enim ,  ^  infinita genere  contingunt ,  ex  quibns  nonnullis  nihilejl  unumi 
Jic  aiitemfê  afliones  unius  multa  funt^ex  quibus  una  multafit  a^io:  quare  omnes  vt" 
denturpeccare  quicumque  poetar  um  Herac  lidem ,  t^  Thefiidem^  ^  httjtifiemodi  poe* 
matafecerunt ,  -putant  enim ,  quia  uniis  erat  Hercules ,  unam ,  ^fabulam  ejfeopor-' 
tere.  Homerus  aiitem  quem-idmodum ,  ^  c  ater  is  rebus  antecellit^  &  hoc  videtur  pui- 
cher  Vidí(fe ,  (ive  propter  artern^  Jivepropter  naturam ,  Ody/eam  enimfaciens  non 
complexus  efl  carmine  iUo  omnia  quacumque  illi  contigere^  í^c.  Ver  um  circa  unam 
aãíonem^qualem  dicir/ius  Odyjfeam  manJityeodempaãofêilliadem.O  meímo  refolve 
Horácio  na  íua  Poética  dizendo: 

"Deniqiiejit  quoàvisjiwflex  duntaxat^  unum. 
Por  faltarem  neílc  eíTencial  fnndamento  de  huma  fò  acção  Ovidio,  Silo  Itálico ,  & 
Lucano,fenam  tem  por  Poetas  heroic0S;&  entre  os  Modernos  cahio  também  nef-  Erro  de 
te  defeyto  Ludovico  Arioilo,  que  no  feu  Orlando  feguio,  &:  propoz  taõ  mukipli-  5í""q°?. 
cadas  acções;  coufa  tanto  contra  os  preceytos  da  Arte,  o  que  verdadeyramentehe  dio  ,  & 
muyto  de  fentir  em  tão  florido,&ornado  Poema,como  o  de  Arioíto,hum  dos  mais  Ariofto 
cngcnhofos ,  &  abundantes  entendimentos  que  atè  feu  tempo  houve ,  porque  por  pfíc^^çalli 
errar  ella  acção ,  naõ  tomou  a  palma  a  muytos  dos  antigos,  &  modernos ,  &  fe  pro-  das  ac-; 
pufera ,  l\:  feguira  perfeytamente  o  furor  de  Orlando ,  que  elle  fez  acçáo  fecunda-  ^°^^*' 
ria,ainda  tivera  defculpa,  mas  propondo  tantas  acções,como  faõ: 
Ledone,icaualierJ'arme^gli  amori, 
Le  cortefayl^audaci  impre/e  io  canto^c^ 


*** 


Errou 


vida  dó  Grande  Luís  de  CàniÕef, 
Errou  muyto,  aíTi  cm  as  multiplicar,como  em  as  propor  primeyras.  E  fe  o  que  diffe 
_  por  acçào  fecundaria  de  Orlando. 

*Díròde  Orlando  en  un  medejhio  tratto 
Coja  no  detta  m^rofa^mai  ne  in  rima^ 
Cheper  Amor  vene  infurore^  matto 
,^  Huêmo  chefifaggio  er  aftimato p'hna^  ^c. 

*  Ò  propufera  por  primeyra,  pudera  defenderfe ,  &  foráo  então  menos ,  &  mais  cur^ 
tos  os  epiíbdios,  que  por  razào,das  acções  multiplicadas  accumulou,com  que  o  po- 
ema ficara  mais  proporcionado,  &  fermofo:  ainda  qne  fempre  lhe  faltara  o  princi- 
pal, que  he  a  qualidade  da  acção,  pois  por  fer  Fúria  nafcida  de  caufa  tam  indigna, 
como  os  amores  de  Angelica,náo,deve  fer  imitada.  Tanto  perdem  ainda  os  grandes 
engenhos  faltos  de  Arte  ^vendo  ,  como  diíFe  Horácio  de  fogeytar  a  fertilidade 
IcTnc  do  engenho  aos preceytos delia, 
poética.  y^EgonecftudiumJínedtvitevena^ 

^,  i^>^      l^ec  rude  quidprofit  vide  o  ingenium :  alter  tus 

Alter  a^ofctt  ofem  res^^S  coniurat  amicê^^c, 
Eíle  preceyto  de  íeguir  huma  fò  acçam  guardou  excellcntemente  o  noíTo  Poeta 
állux'   propondo  o  deícobrimento  da  India,o  qual  fez  Dom  Vafco  da  Gama  com  ícus  fol- 
fiaJas.     dados,  como  fe  vè  do  difcurfo  do  poema,  que  começa  navegando  Vafco  da  Gama 
junto  a  Moçambique :  &  acaba ,  quando  o  Capitam  entrou  em  Lisboa.  Porem  na 
propofiçam ,  &  titulo  (como  eíla  obra  era  de  outros  fegundos  Argonautas)  fcguio 
a  Appollonio  Rhodio  a  quem  fe  dà  o  primeyro  lugar  entre  os  Gregos  depois  de 
Homero,  o.qual  intitulou  o  feu  poema,  dos  Argonautas,  &  na  propofiçam  nam  no- 
meou a  Jafao  Capitam  da  jornada,fe  nam  a  todos  os  que  commetteram  aquella  em- 
preza,&  aíii  começa: 
Apoiíon.  A  teprinciftum  ò  Thabc^prifiorum  laudes  virorum 

"^^oàXx^»  Memorabo^quí  Tontipr  os^^S Cetras 

^^yj"^^*^"  Cjaneas  regis  mandato  Tell^y 

Au)  etim  advelluspYokè  mftruBam  trãnftris  inpuleriint  Argo^ 
Depois  defta  primeyra  acçam  tocou  também  Luisde  Camões  alguns  dos  princi- 
pães  epifodios  do  Poema,o  que  por  fer  depois  da  principal  acçam  propoíta  ,  nam 
:he  defeyto ,  fegundo  fe  vè  em  Homero,  &  Virgilio,  que  também  propuleram  eiías 
acções  fecundarias  CO  mo  julgará,  facilmente  quem  os  bem  confiderar. 
Acçam       A  fegunda  condiçam  do  Poema  heróico ,  he  fer  acçam  honella ,  &  digna  de  fe 
honeib.  í^T^i^^i'?  po^"  quauto  O  fim  da  poefia,  &  principalmente  heróica,  he  enfmar,  incitar, 
'  &  mover  deleytando.  Neíla  parte  excedeo  muyto  Luis  de  Camões  a  Eílacio  na 
Erro  de  fua  Thcbaida ,  &  a  Claudiano  no  feu  Rapto  de  Proferpina ,  porque  ainda  que  eíles 
Eftac.ôc  Poetas  acertaram  mais  que  os  outros  em  efcolher  huma  fò  acçam  com  tudo  falta- 
no^na^'  ram  ua  qualidade  delia ;  porque  as  fuás  acções  namfam  verdadeyramente  dignas, 
quaiida-  de  íe  imitar,que  he  o  fim,&  intento  de  toda  a  poefiajpois  o  Argumento  de  Eílacio 
Acçam.  ^*^y  ^  ^^^^  ^^^  ^*^"^  irmãos  Etheocles ,  &  Polynices ,  acçam  indigna  de  fer  fabida, 
quanto  mais  imitada;&  a  de  Claudiano  he  o  roubo  de  Proferpina,tanto  mais  abor- 
re ,     recivel,quanto  mayor  foy  o  roubador  delle.  O  argumento  do  poema  heróico  ha  de 
fer  honeíto  para  fe  imitar ,  &  admirável  para  mover ,  &  deleytar ,  no  que  Homero 
he  digno  de  louvor  em  quanto  conta  os  trabalhos  que  Olyfies  padeceo  atè  tornar  à 
fua  p?:tria,  mas  não  na  conclufam  do  Poema ,  com  as  mortes  que  deu  privadamente 
aos  pretenfores  de  Penélope  defarmados.  A  eíla  matéria  fe  avantaja  pouco  a  chega- 
da de  Eneas  a  Itália ,  &  guerras  fobre  o  Cervo ,  que  andando  à  caíTa  ferio  Afcanio, 
acções  em  que  hà  pouco  do  grande ,  &  admirável.  E  aíli  fica  muy  fuperior  a  todas 
ellas  o  argumento  do  noíTo  Poeta,  que  trata  do  defcobrimento  da  índia  ,  em  que 
Vafco  da  Gama  rodeou  a  mayor  parte  da  terra, vencendo  com  fingular  valor  as  for- 
ças dos  elementos ,  as  treyções ,  &:  armas  dos  inimigos ,  fomes,  fedes ,  ellranhefa  de 

climas. 


pYtnclfe  4os  ^Poetas  àe  Hejpanha, 
climas,  injurias  dos  tempos ,  &  moítrou  ao  mundo  o  verdadeyro  conhecimento  de 
íi  meímo ,  em  que  defde  íeu  principio  até  entam  eilivera  ignorante  acl:iando  novas 
eílrellas,&  novos  mares,  communicando  o  Oriente  com  o  Occidente,de  que  le  íe^ 
guio  dar  aos  povos  de  Europa  a  noticia  de  tantas  drogas,  fruytos ,  &  pedras  em  que 
a  natureza  í'e  moílrou  maraviihoza,  &  benigna  para  com  os  mortaes,  &  aos  mora- 
dores de  Aíia  o  conhecimento  das  Artes,  policia,Sciencias  de  Europa^  &  fobre  tu- 
do do  verdadeyroDeos,de  que  osmaisdelles  eltavam  totalmente  ignorantes.  Por 
onde  na  qualidade  da  acçam  heróica  fica  onoíToPoemaruperior  a  todos  os  Anti- 
gos,&  modernos. 

Nem  oblta  contra  iílo ,  dizerem  alguns ,  que  profanou  o  Poeta  eíla  honcílidade, 
&  grandeza  da  acçam  com  nam  guardar  àReligiam  o  decoro  devido  ,  invocando 
JMuías ,  &  tingindo  Concilios  de  Deofes,  indecentes  a  Poeta  Catholico,  6í  que  co- 
mo tal  devia  antes  invocar  os  Santos,&  ufar  nas  ficções  de  milagres,  &  aparecimen* 
tos  de  Anjos,como  alguns  modernos  fizeram.  Porque  a  iílo  íe  refponde;  que  noto* 
rio  he ,  nam  ler  a  poelia  outra  coufa  fe  nam  huma  imitaçam ,  ou  fabula ,  a  qual  traz 
fempre  contigo,  como  parte  eílèncial  a  invocaçam  das  Mufas  do  Parnafo ,  iegundo 
a  divilam  dos  poemas,  em  que  a  Caliope  coube  o  Heróico ,  &  por  illò  he  invocada 
nos  poemas  épicos ,  &  eíla  fabula  pertence  tòmente  à  poefia ,  &  íò  pelos  Poetas  foy 
inventada.  De  maneyra,que  atè  os  Antigos  que  adoravam  aos  outros  Deofes  Gen* 
tilicos  por  verdadeyros ,  tinham  as  Muías  por  fingidas ,  porque  bem  fabiam ,  que 
nunca  no  Parnafo  houvera  taes  Deoías,  nem  por  elías  eram  tidas,  nem  adoradas  das 
Republicas;  fendo  pois  itlo  aí]i,claro  fica ,  que  nam  ufou  Luis  de  Camões  de  terrr.o 
algum  fuperíliciofo  pedindo  ajuda  a  divindades  gentilicas  (pois  eílas  foram  fempre 
conhecidas  de  todos  por  fabulofas  )  mas  que  guardou  o  eílillo  do  Poema  heróico 
fegundo  os  Latinos,que  he  invocar  as  Mufas  depois  de  propor  a  acçam,  &  aífi  con* 
tinuou  a  poefia  com  os  termos  até  entam  coílumados  de  poetas  Catholicos ,  &  gra- 
viljimos,  como  foram  Senafaro  no  poema  de  ^PartuVirgmis  o  Bil^po  Hieronimo 
Vide  em  quafi  todas  as  poefias  mayores ,  Bautiíla  Mantuano  Religiofo  Carmelita 
nas  fuás  vidas  dos  Santos,  Juviano  Pontano,  Angelo  Policiano,  Miguel  Marulo,  & 
outros  que  feria  largo  referir.  Porém  em  nam  introdufir  Luis  de  Camões  Anjos, 
&  Santos  nas  fabulas  que  fingio ,  mais  parece  digno  de  louvor  que  de  reprehenfam, 
porque  he  indecencia  grandilfimaufar  dos  nomes  dos  Santos  para  fabulas  profa- 
nas ,  com  a  mefma  facilidade  com  que  os  Gentios  o  faziam ,  &  aíTi  he  muyto  de  ca- 
lumniar,que  nos  poemas  deTorcato,  &  Arioílo  andem  os  Anjos,&  Santos  fallando 
com  os  Cavalleyros  andantes,trafendolhes  recado  do  Ceo,  &  que  Sam  Joam  Evan« 
gelitla  leve  a  Aítolfo  fobre  o  globo  da  Lua,a  moílrarlhe  o  íifo  de  Roldam,  que  eíla- 
va  metido  em  huma  redoma  de  vidro.  Não  fe  ham  os  Santos  de  tomar  na  boca,  nem 
na  hiíloria  para  matéria  de  entretenimento,mas  ha  de  fe  efcrever  delles  com  toda  a 
reverencia,&  decência  devida,que  nam  fe  compadece  miílurar  as  coufas  Sagradas, 
com  as  profanas.  A'lera  de  fer  inconveniente  grande  em  hum  livro  que  trata  de  ar- 
gumento verdadeyro ,  &  em  que  fe  haõ  de  referir  verdadeyros  milagres ,  eícreve- 
remfe  milagres  fabulofos,fem  fe  diferencearem  huns  dos  outros,com  que  os  leyto- 
res  ignorantes,pòdem  cair  em  erro  de  nam  conhecerem  quaes  devem  de  fer  cridos. 
Por  tanto  querendo  o  Poeta  evitar  tam  grandes  inconvenientes  ,  ufou  dos  nomes 
dos  Deofes  gentílicos  por  matéria  commua  ,  &  notória  de  fingimentos  poéticos, 
com  que  ninguém  le  podia  enganar,mas  nas  couzas  verdadeyras,guardando  intey- 
ramente  o  decoro  à  Religiam,  introduzio  fempre  a  Vafco  da  Gama,  fallando  com 
toda  a  piedade  Catholica ;  de  maneyra  que  os  milagres  verdadeyros ,  &  coufas  tan- 
tas ,  as  traia  com  a  decência,  &  gravidade  divida ,  &  as  ficções  ficam  conhecidas  de 
todos yendofe  que  fam  fabulas  notórias.  Eíte  mefmo  eítilo  guardaram  os  mais  dos 
Poetas  acima  nomeados,  a  quem  podemos  acrefcentar  Claudiano,que  fegundo  a 
melhor  opinião,  &  mais  univerfal  foy  Catholico  ,  &:  ufou  delias  inyocações,  & 

***ij  '  con* 


P^da  do  Grande  Lílts  ãe  Camões j 
eònciliosdeDeofes  com  mayor  liberdade  do  que  vemos  nos  Lufiadas.  Quanto 
mais  que  Luís  de  Camões  naó  fez  eílas  ficções  dos  Deoies  a  ca{0:,  íenam  com  múy  ta 
confideraçáo  ,  introduíindo  debayxo  deltas  fabullashuma  exceli  ente  Alegoria, 
(a  que  os  Poetas  chamáo  a  alma  da  fabula)&  aiíi  entendeo  debayxo  do  nome  de  Jú- 
piter, &  Deoies ,  a  Divina  Providencia,  6c  os  efpiritos  Angélicos ,  porque  governa 
o  mundo,dos  quaes  os  bons  nos  ajudam,&  os  mãos  nos  empecem.  E  hc  ta  ai  antigo 
eíle  penfamento,que  atè  alguns  dos  primeyros  \  iloíofosjque  eíhs  deydades  inven- 
ttirao,naõ  quizeráo  entender  outra  couza  nellas ,  comoie  vè  largamente  de  banto 
Agoííinho  na  fua  Cidade  de  Deos,  &  ainda  da  Canónica  de  S.Pedro  que  por  razão 
yuft.in    do  tal  intento  ( íegundo  S.Hieronimo  alegado  neíte  lugar  por  o  Padre  Juitiniano) 
Ewft ']    chama  a  eílas  fabricas  doutas  ;  porem  como  eíles  Filolofos  pela  falta  do  lume  da 
Pecr.'  '  Fè  cairão  em  muytos  erros,  &  deráo  com  eílas  fabulas  caufa  à  íííiolatria,  íorao  con- 
vcrf.i  j.  denadas  do  Apoitolo  no  dito  lugar  dizendo :  Noh  doclas  fabulas  fecutt  notam  feci^ 
"'■^  '      mus  vobis  "Domini  nofiri  Jefu  Cíorifti  virtutem^  ^^refentiam  '^cm-às  hoje  que  ncio 
hà  eíle  perigo,  com  os  exemplos,  &  razões  jàalegadas  tem  lugar  a  Alegoria  que  o 
Poeta  nellas  entédeo  como  imitando  Virgílio  no  rim  do  íexto  da  iLneida,  explicou 
neílasOytavas  em  que  introduz  a  Tetis  declarado  a;Efphera  aDom  Vafco  da  Gama, 
onde  Mando  do  Ceo  Impirio,dizaíIi: 

AqutfòveYdade)rosgloYÍofosfêc. 
Por  tanto  aíTi  pelas  razões ,  como  pelos  exemplos  íica  Luis  de  Camões  neíla  parte 
livredetoda  acalumnia. 

>■  Com  tudo  outra  nos  reíla  ainda  neílc  ponto  a  que  refponder ,  &  he  dizerfe  tam- 
\  bemquefoyonoíío  Poeta  pouco  honeílo  nos  Cpiíodios  detam  honeílo  poema, 
G  que  tem  fácil  repoíla,  porque  como  o  argumento  dos  Lufiadas  era  tão  grave  foy 
neceirario  varialo  com  alguns  epifodios  alegres  para  entreter  os  leytores  ,  &para 
iílofingioadeleytofallha  de  Santa  Elena  ,  &  os  efpoforios  que  nelk  celebrarão 
Vafco  da  Gama,  &feus,  foldados  com  as  Ninfas  do  Oceano,  imitando  os  Poetas 
antigos,  &  modernos,  que  todos  naeteráo  nos  feus  poemas  eíles  Epifodios  amato- 
rios,  como  fe  vè  em  Homero  nos  amores  de  Calipío,  &  de  Vénus ,  &  Marte,  em 
Virgílio  nos  da  Raynha  Dido,  &  em  Appollonio  Rhodio ,  &  Valério  Flaco  nas  Da- 
i?ias  de  Lemnos  com  os  Argonautas  ,  &  finalmente  nos  mais  de  Trocato  Tallb  do 
feu  poema  Heroico.Mas  neíla  parte  levou  ainda  Luis  de  Camões  grande  ventagém 
aos  ref€ridos,por  quanto  elles  naõ  pertendéraõ  declarar  algumas  Alegorias  debay- 
xo deílas  fabulas(que  como  diíTemos  he  a  alma  do  poema)antes  fe  vè  que  naõ  tive- 
>ão  nella5  outra  tenção,  íenão  deleytarem  aos  leytoresCpoílo  que  a  fabula  de  Cali- 
pfo  fofra  mais  Alegoria  que  as  outras)&  o  noílb  Poeta  debayxo  dos  nomes  daquel- 
.  las  Ninfas  quis  entender  a  gloria,  fâma,memoria,  honra,maravilha ,  &  todas  as  mais 
preheminencias,  queparticipao  os  Varões  illuííres,  &  esforçados  por  premio  de 
tuas  obras  com  os  quaes  feus  nomes  ficão  perpetuamente  unidos  na  lembrança  dos 
kQmenSjComo  fe  vè  neíles  verfos  canto  9.eílanc.89. 

^le  as  Nynfas  ào  Oceano  taÕfermofas^^c. 
Gomo  com  eílas  palavras  ficava  a  alegria  taõ  clara,nãofe  podem  imputar  por  in 
decência  ao  Poeta  os  termos  dos  efpoforios  com  que  a  trata  ,  porque  eíla  partici- 
pação da  imortalidade  da  fama  fignificàrão  íempre  os  antigos  por  cafamentos  com 
que  fingião  todos  os  Heroes  ou  cafados,ou  aparentados  com  as  Deofas. 
-  A  utilidade  que  deíle  poema  fe  alcança  não  fe  pôde  explicar  em  poucas  palavras, 
porque  naõ  ha  ninguém  que  o  lea  ,  que  não  fique  inflamado  de  hum  admirável 
delejo  de  gloria,  &  de  empregar  ávida  em  fey  tos  illuííres,  aventurandoa  pela  Fò 
pelo  Rey,&  pela  pátria. .  Aqui  fe  vem  as  partes  ,  &  experiência  que  haõ  de  ter  os 
confelheyros,o  zello  com  que  osMiniílros  fupriores  devem  entender  no  bem  publi^ 
\  CO  ,  &  o  premio  que  fe  deve  dar  aos  que  bem  trabalhão.  NaPeífoa  de  Vafco  da 
Gama  fe  reprcfenta  hum  excellente  modello  de  prudente  ,  &  heróico  Capitão, 


Trhictpe  dos  Poetas  de  H  efpãvha 
&  nas  dos  Reys  de  Portugal ,  o  exemplo  de  hum  períeyto  Príncipe  Ele  não  deu 
eíte  louvor  a  todos  os  que  reynarao  neíteReyno  >  íoy  porque  o  poema  heróico 
quando  íe  funda  em  hiitoria  verdadeyra ,  que  he  mais  períèyto,  ainda  que  pôde  ac- 
creicentar  a  verdade  do  que  paílbujnam  pôde  contrariar  ao  que  paliou  na  verdade, 
de  maneyra ,  que  nem  V  irgilio  pudera  dizer  que  Achiles  fora  morto  por  Heytor, 
nem  HomerOjqAchiles  matara  a  Pariz,  &  alíi  referem  ambos  eíles  Poetas  muytos 
vicios  dos  fcus  Principes,&  Rainhas,por  nam  fer  licito  à  poefia  encótrar  nefla  parte 
a  verdade  da  hií1:oria,da  qual  guarda  eile,&  outros  muytos  preceytos.Pelo  que  dei- 
te poema  ie  podem  tirar  excellentes  regras  para  a  vida  politica,&  moral. 

O  eítillo  deleytofo  com  que  elles  preceytos  vam  acompanhados  nao  reconhece 
em  toda  a  antiguidade  Í'upcrior,&  diiíicultofamentelhe  poderemos  dar  femelhan- 
te ,  porque  deyxando  a  diilbnancia  que  os  antigos  achavam  nos  verfos  de  Homero, 
como  refere  Jolefoliv.  i.  contra  Apianurrij&os  muytos,  que  deyxou  Virgílio  por 
acabar  na  lua  Eneida,a  facilidade,  &  coníbnancia  deite  noilò  poema  he  tal,que  naó 
parecem  os  verfos  compoílos  por  artificio  mas  ditados  da  mefma  natureza.  E  na* 
quelles  lugares  que  em  a  Poética  de  Ariítoteles  fe  chamam ,  Patéticos ,  ou  Altera- 
dores do  animo,  move  os  aíFedos  com  palavras  tam  próprias,  &  vehementes,  que 
com  fumma  eiiicacia  faz  força  a  quem  os  lè ,  de  maneyra  que  tica  participante  das 
payxoes  q  fe  cotem  encubertas  debayxo  daquellaspalavrasúmprimindo  hú  género- 
lo  alvoroço  quádo  tratta  da  guerra,alegria  nas  feílas,gravidade  nas  acções  dos  Prinv, 
cipesjcompayxam  na  ad veria  fortuna,  &  finalmente  huma  admirável  fuavidade  em 
todas  as  partes  do  poema.  Porém  nas  comparações,  &  defcripções  fe  aventaja  tan- 
to, que  em  certo  modo  fe  vence  aííi  mefmo  ,  porque  com  tanta  vivefa  as  pinta,  & 
exprime  que  parece  íe  repreíentáo  à  viíla,&  náo  ao  fentido  interior. 

He  também  a  erudiçáo  parte  do  eítilo  deleytofo,&  a  muyta  de  que  o  noíTo  Poeta 
illuílrou  o  feu  poema  he  all'às  notória  ,  náo  havendo  nelle  Eílança  que  não  tenha 
particular  conceyto,  doutrina,  ou  penfamento  peregrino,  de  maneyra,que  náo  fe 
achará  poema  nenhum  onde  em  táo  breve  efcritura  fe  tocaíTem  tantos  ,  &táo 
doutos  pallbs  de  liçáo  varia,  como  nos  feus  Lufiadas, porque  quafi  náo  hà  nas  letras 
humanas  lugar  infigne  de  fabula,  antiguidade,  hiíloria,  Mathematica,  &  qualquer 
outra  Sciêcia  que  nelle  fe  naõ  achem,  &  quanto  iito  he  mais  ordinário  nelte  poema, 
tãto  he  mais  de  ademirar  nelle  lendo  eíta  parte  da  Poeíia  a  mais  dificultofa  de  todas. 
Porque  como  o  principal  intento  nella  feja  mover  affeélos  do  animo  ,  náofe  pôde 
alcançar  elte  eíifeyto  ornado  com  elocuçáo,  &  erudiçáo  eíles  lugares,como  ja  o  no- 
tou  excelentemente  Ariítoteles  neíta  fentença:  Opor  t  et  labor  are  hi  ignãvisfartl- 
bus y  ^nequemoratisy  neque  fententiarumacumine  ornatis  ;  occtãit  entmvalde 
/plendída  locutio  mor  es  ^  ^fententias.  lílo  tem  acoxit€<:!do  a  muytos  em  Hefpanha, 
que  fe  fízerao  duros ,  &  afperos  incobrindo  a  torça  dos  penfamentos  com  os  orna- 
mentos das  palavras,de  que  he  bom  exemploFrancifco  de  Herrera.Porem  Luis  de 
Camões  loube  tomar  tal  meyo  neíta  dificuldade,que  não  hà  verfos  que  mais  rpováo 
o  fentimento  que  os  feus,  nem  ondejuntamentefe  veja  a  Oração  mais  erudita,  & 
compoíta. Fazem  aííi  mefmo  por  eíta  parte  a  novidade  ,  &  excellencia  dos  epifo- 
dios,nosquaes  quafi  nenhum  outro  Poeta  fe  lhe  pôde  igualar  ;  porque  os  mais  de 
Virgilio  faõ  imitados  de  Homero,  como  o  banquete  de  Dido,a  Relação  que  ali  fez 
Ene.asdaperdadeTroya,  feus  trabalhos,&  viagem  os  jogos  de  Sicilia,a  jornada  do 
Inferno;  &  aíTi  teve  nelles  pouco  louvor.  E  Troquato  TaíTo  não  fe  melhorou  com 
as  fabulas  dos  feus  encantamentos ,  &  cavaleyros  andantes ;  porque  ainda.que  ele- 
geo  fabulas  poíTiveis  tem  muy to  do  improvável  ;  o  que  he  centra  os  preceytos  de 
Ariítoteles,  que  diz  que  nos  epifodios  devemos  efcolher  antes  osimpoíTiveispro- 
vaveis,que  náo  os  improváveis  poffiveis:  Eítgereimfojfibilia^^verijimíliafotius 
quâfoffibilta^^  nuUò  modopYobahiíta.  Ellepreceyto  guardou  Luis  de  Camões  ex- 
celenteméte,porq  depois  de  imitar  a  Virgilio  ei?i  íiuLer  a  acção  cõpoíta,  &  não  fim* 

pies, 


'  f^ida  do  Grande  Luís  de  Camões^ 
f]es,com  referir  Dom  Vafco  da  Gama  fua  viagem  a  El-Rey  de  Miíinde  ,  introdus 
o  Epiíbdio  da  deícripção  de  Europa ,  &  hiítoria  de  Portugal,com  as  profeliias  do 
velho,&  Adamaítor,admiravelmente;  depois  na  figura  de  iVlonçaide  conta  os  ritos  , 
do  Oriente,fez  hum  novo  confelho  dos  deafes  maritimos,&  adilcripçao  do  Reyncv' 
de  Cupido  no  monte  Idalio.NaO  he  menos  excellente  a  pintura  da  Ilha  de  Satã  Ele*' 
na,o  banquete  q  nella  deu  Thetis  a  Dom  Vafco  da  Gama,  ik  íeus  compaiiheyros,à 
mufica  da  Serea  5  que  cantou  os  Capitães  illuílres  Portuguefes  que  depois  havião 
deconquiílaralndia,  &:íinalmenteíidefcripçao  dos  Globos  celeíles,&  geografia 
das  Provindas  novamente  defcubertas.  Quaíi  todos  eítes  epiíbdios  forao  pensa- 
mentos novos,  &  peregrinos,  &  tratados  com  tanta  gra^ ,  6c  arteticio  que  junta- 
mente  enfinaó,  admiraò,  &  deleytaõ,  porque  não  hà  na  Arte  do  bom  dizer  tropos 
nem  figuras  que  aqui  fe  naõ  vejaó  exercitadasrvariando  o  efiillo,  hora  grave,  grandi 
k)co,&  vehemente,  hora  florido,  brando ,  &  ainda  jocoíb;  porque  como  o  poema 
heróico  he  hum  meyo  entre  o  Tragico,&  Comico,affi  participa  íegundo  Ariílote- 
les  da  gravidade  da  Tragedia,  como  da  graça  da  Comedia.  Por  onde  Homero ,  em 
muytas  partes  da  Odyliea,  &  Illiada  introdus,  hiílorias  jocofas,  como  fby  n  da  priíaõ 
de  Venus,&  Martena  rede  de  Vulcano,  &  outrocafo  quaíi  íemelhante  de  Júpiter, 
&  Juno ;  a  peleja  do  pobre  Hiro  com  feu  competidor  em  cafa  de  Penélope ,  á^  ou- 
tros muytos  em  que  o  mefmo  Poeta  refere  o  rifo  a  que  com  ellas  íe  moverão  atè  os 
rnefmos  feus  Deofes ,  &  Virgilio  também  no  feu  5.  liv.  defcrevendo  os  jogos  q  ue 
Eneas  fez  a  leu  Pay  Anchifes ,  fegue  no  eílib  jocofo  as  regras  que  neíle  parricular 
fe  devem  guardar  na  poefia  heróica.  Demaneyra  queLuis  de  Camões  affi  neíla 
parte  como  nas  mais  fe  moílrou  excellente  Poeta ,  &  com  eíla  fua  obra  ficou  enre  ^ 
quecida  grandemente  a  Hngoa  Portugueía ;  porque  Ihedeu  muytos  termos  novos, 
&  palavras  bem  achadas,  que  depois  ficarão  perfeytamente  introdufidas.  Poílo  que 
neíla  parte  não  deyxàrão  alguns  efcropulofos  de  o  condenar  ,  julgandolhe  por 
defey  to  as  palavras  alatinadas  que  ufou  no  feu  poema.  Porém  deík  cenfura  o  abíbl- 
terá  com  facilidade  quem  tiver  noticia  das  leis  da  poefia  ,  &  da  licença  que  he  con" 
cedida  aos  Poetas  para  fingir ,  &  derivar  novas  palavras ,  porque  como  tem  obríga- 
ção  de  falar  ornadarnente ,  náo  podem  deyxar  de  enriquecer  feus  verfos  com  pala- 
vras ,  ou  defufadas ,  ou  novas,  ou  transferidas ,  que  fao  as  condições  que  cnfinaõ  os 
Retóricos  para  a  Oração  ficar  cõ  IVlageítade,&  fora  do  eítilo  humilde,tSrvulgar.  Aíli 
o  aconfelha  Ariftoteles  na  fua  Poetica,dizendo:  Locut tonem  apertam ,  ^  non  hnmi^ 
lemejfe:  afertiffima  quidem  igitur  eft  ea  ,  õfuaexpróprihnomtnibtis  ,  fed  humiltsi 
'exemplttm  autem  Cleophonthpoefís^^  Stenelj.  Grandis  áutem^  ^  immutans  vulgU"^ 
rem  rationem ,  quaptrigrmoriimfpecietn  ha  bentibus  utttur.  V eregrinoritm  autem^ 
.  Jimllia  dtco  ^  linguam^  ^  transhúonem^  tê produóftonem^^  omne  quodprateYpro^ 
prmm,^êc.^it'à.è  lugar  difcorre  Ariílitoles  largamente  fobre  eíla  rhateria,  &  defen- 
de a  novidade  dos  termos  que  uíou  Homero  contra  os  que  por  eíla  razão  o  calum- 
niaváo.  O  mefmo  afirma  líbcrates  pay  da  Eloquência  Grega  dizendo  na  vida  de 
Evagoras:  Toetis  multa  dantur  qulbus  ornatejtmm  Cármen pojfunt.  His  enim ,  t3 
^eotumcum  hominibus  congrejfus^tum  dijceptationes ,^ certamina  quibus^cum 
volunt^fingire  licet ,  ^  ciim  h£c  narrare  voluerint ,  non  eadem  verbortim  legs ,  quet 
Oratores  ajíringunttir.  Itaque  nonfolum  vèrbis  ufitatis^  verum  etiam  novis ,  trans- 
íatis\t§  perígrinis,  ^  omnl  denique  dicendt  genere^fnampoejim  ornar  e  pojfunt.  Ora-^ 
toribus  autem  nihil  tale  concejjkmefl  ^  tíJ^.  Eíla  licença  concede  mais  largamente 
Horácio  aos  Poetas  Latinos,  porque  não  fò  lhe  permite,  que  ufem  dos  vocábulos 
antigos  que  jà  naõ  eílaõ  em  coílutiie ,  mas  que  finjão  de  novo  os  que  quiferem  com 
tanto  que  fe  derivem  da  lingua  Grega ,  diz  elle: 

Et  nõva^fiãa  que  nuper  habebunt  verba fidemfi 
Graco  fonte  cadut^parte  de  torta\qu'tdautem 
decilioyP lauto  que  dabit  Romanus^ademptum 

Firgilh 


Trhiclpe  dos  Poetas  de  He/panha 
Virgilto  Varioquel  Ego ^cur^acquirerep anca 
St pojjum^ínviàeor\  ^ua?n Imgua Catonis^^ Enni 
SermonempatriumditaverifMiiovarerum 
NominapYOtulertttLtcuit  femper  que  llcebit 
Sígnatumprafente  nota,froducere  nomen^^c. 
Também  TuUio  Princepe  dos  Oradores  confirma  eíte  privilegio  aos  Poetas  dizen* 
do  no  íeu  Orador:  In  utroquefrequentioresjunt^^  liberiores  Toeta^  nam  &  tranf- 
ferunt  verba cumcrebrius^tiimet'tamaudacms\  ^ grifeis Llbent tus utuntur^  ^libe^ 
riusnovis. 

Deíle  privilegio  ufou  tanto  Virgilio,que  alem  de  declinar  rriuytos  nomes  latinos 
pelas  terminações  Gregas,  &  falar  pelas  frafes  daquella  lingoa  ,  efcreveo  por  pala* 
vras  tao  fora  do  ufo  ordmario  que  Macrobio  gaita  náo  pouca  leytura  em  moítrar 
os  fundamentos  que  para  iíloVirgilio  teve  ,  dizendo  que  todas  aquellas  palavras 
trafiao  fua  origem  da  antiguidade  Latina ,  &  foram  em  feus  principios  uíi\das.  Do 
mcímo  modo  falou  Torcato,  &  tanto  fe  Valeo  do  antigo  Tofcano  ,  &  da  lingua  la- 
tina-.que  deihs  palavras  novas  lhe  notaráo  hum  particular  vocabulário.  Comeítes 
exemplos  íica  bem  livre  o  noílo  Poeta  da  calumniaque  lhe  impõem  das  palavras 
alatinadas ,  as  quais  faó  tam  próprias ,  &  naturais  à  nolTa  lingua,que  fe  efcufáo  os 
Vocabulários  de  Torcato ,  &  Virgilio  ,  &  fe  entendem  de  todos  igualmente  com 
o  romance  Português. 

Cae  aíTi  mefmo  debayxo  do  eílillo  deleytofo  a  boa  proporção  do  meímo  poema, 
o  qual  para  fer  perfeyto  hà  de  íer  fundado  fobre  hiítoria  verdadeyra  ,  &  admirável 
de  algum  varão  infigne  em  virtude,&  valor,&  a  hiíloria  náo  hà  de  fer  larga,porque 
avendoíelhe  de  acrefcentar  os  epifodios ,  fera  o  volume  demafiado ,  &  naõ  tendo 
epifodios  ficara  o  poema  feco,  &  fem  ornamentos  que  deleytem.  Nem  menos  fera 
de  coufas  tam  antigas  que  jà  naõ  eílejáo  na  memoria  dos  homens ,  nem  tão  moder- 
nas que  fejão  vivos  os  de  quem  fe  efcreve(  o  que  todavia  fe  entende ,  na  acção  prin- 
cipal,í^  naõ  nos  epiíbdios ,  onde  íe  introdufem  profecias  que  falaõ  dos  prefentes.) 
Nem  fe  hà  de  contar  a  hiíloria  fucceíTivamente,  mas  começando  no  meyo  dos  fuc- 
cefos  ,  alcançarlehà  depois  a  noticia  do  precedente  com  fubito  conhecimento. 
Eiles,  &  os  mais  preceytos  da  arte  fe  vem  taõ  bem  guardados  neíte  poema  como 
aquemquerque  o  lè  lie  notório.  Pelo  que  pudera  bem  fer  ,  quefe  Ariítoteleso 
•alcançara  náo  gaílara  tantas  palavras  em  louvar  os  de  Homero. 

Mas  fe  por  veneração  da  antiguidade  fe  náo  conceder  a  palma  a  eíle  noíTo  poema 
entre  todos  os  heroicos,ao  menos  feguramenie  fe  pode  julgar  por  igual  ao  milhor 
dellcs.  Delle  tao  alto  merecimento ,  &  gt  ande  beneficio  que  a  pátria  recebco  com 
tal  obra,  ficando  tao  illuftrada  por  feu  meyo,  naÕteve  Luis  de  Camões  galardão 
algum;  porque  a  mercê  que  lhe  fez  El-Rey  Dom  Sebaíliam  de  huma  pequena  tenía 
he  tal  q  ue  em  fua  comparação  juítamente  lhe  podemos  chamar  nenhuma.  E  ainda 
que  muy  tos  atribuão  iílo  a  defgraça  do  Poeta  ,  eu  lho  julgo  por  huma  grande  feli- 
cidade ;  porque  não  a  pode  haver  mayor  para  hum  varão  infigne  que  achar  ocafião 
de  exercitar  alguma  excelente  virtude ,  &  neíle  cafo  fe  moílrou  bem  a  grande  ge- 
nerofidade  de  Luis  de  Camões  pois  fò  por  amor  da  pátria,  occupou  íeu  engenho 
em  illuítrar  com  fuás  obras  eíte  Reyno ,  &  immortalizar  feus  naturaes ;  &  foy  tão 
inteyro  na  verdade  ,  &  alhco  de  lifonja ,  que  podendo  receber  prémios  de  muyta 
conlideração  por  referir  neíta  obra  peífoas  particulares  ,  fò  tratou  nelladaquelles 
varões  illuílres,que  de  todos  faõ  univerfalmente  conhecidos  por  taesxomo  o  tefle- 
fica  claramentenaeilanc.  IO.  doprimeyro  Canto  em  que  diz  a  El-Rey  Dom  Se- 
baíliam: 

Vereis  amor  dafatria  naõ  movido^  ^c. 
Eno  canto  y.cítanc.S  3  .pedindo  favor  is  Nynfas  do  Tejo: 

'Daymo  vòs/os  que  eu  tenho jàjurado^c, 

Deíla 


■ '  Vida  do  Grande  Luis  de  Camões, 

Deita  tal  inteyrefa,  &  verdade  eíteve  muyto  alheyo  Homero,  do  qual  refere  Diam 

Chriíbílomo  Orat.  ii.deexcidio  Illij  que  andando  mendigando  pelas  Cidades  de 

Grécia  ,  vendeo  por  dinheyro  os  louvores  ,  que  na  íua  Iliiada  da  indignamente 

amuytos  homens  particulares  ,  &  a  Virgílio  deu  Odavia  irmá  deAugullo  cem 

mil  reis  por  cada  verio ,  dos  vinte  hum  que  efcreveo  de  Marcello  leu  íiiho ;  &  do 

-que  lhe  deráo  os  amigos  deyxou  depois  por  herdeyro  a  Auguílo  em  duzentos  & 

ciacoénta  mil  crufados,  como  aponta  Budeo,íeguindo  a  Sérvio,  Sc  a  Donato;  pello 

AíTciiv    qtie  nao  he  muyto  que  elle  dedufiíTe  a  familia  dos  Julios  dejulo  ,  adosMemios 

3.     ^'  de  Mneíieo ,  a  Sergia  de  Sergeíto ,  &  de  Cloanto  a  Cluenta,  coufas  todas  fabuloías, 

Acnca.    ^  invcutadas  delle  mefmo ,  íò  para  liníbngear  os  poderofos  daquelle  tempo  como 

plmii.    o  nota  doutamete  Scipiáo  Amirato.Quaõ  longe  eíteve  deíle  vicio  Luis  de  Camões 

Napoii   fe  ve  claro  no  que  efcreveo ,  pois  nem  ainda  o  Conde  que  então  era  da  Vidigueyra 

^an.de    jj^g  f^.^  favor  algum  em  remuneração  de  quanto  diz  naquelle  poema  do  grande 

Amíra?^  Dom  Vafco  da  Gama,como  elle  o  teítefica  dizendo  no  Canr.5'.eílanc.99. 

DjIc.i.  ,  Asmttfas  agrade ça  o  NoffoGama^^c, 

•Eíte  foy  Luis  de  Camões  na  compoli^ão  dos  feus  Lufiadas.  Porém  nas  outras 
partes  da  pocfia  não  merece  menor  louvor,  por  guardar  nellas  os  preceytos  da  Arte 
perfeytam.ente.  Nos  verfos  piquenos  fe  houve  com  tanta  eloquência,  &  graça,  que 
Lopo  da  Veyga  no  prologo  do  feu  Santo  Ifidoro  lhe  dà  o  primeyro  lugar;  &  verda- 
deyramente  foy  taõ  abundante  de  conceytos,  &  tão  fácil  em  os  por  em  verfo,  q  naÔ 
fey  de  qualdeílas  coufas  nos  políamos  mais  admirar  ,  porque  fendo  muytas  vezes 
os  motes  fequiírimos  ,  &  incapafesdebompenfamento  ,  hc  tanto  o  que  acha  que 
dizer  em  qualquer  matéria,  que  parece  increivel ,  ainda  depois  de  viílo ,  &  a  fuavi- 
,  -dade  do  verfoiempretáo  corrente  ,  &  fácil  que  parece  fenaõ  podia  dizer  aquillo 
por  outro  melhor ,  nem  mais  graciofo  modo.  Nas  Odes,  &  Canções  feguio  o  eílilo 
grandiloco,&  alTi  participáo  da  Mageftade  dos  feus  Lufiadas. 

Cuydaõ  alguns,que  eíla  frafe  grandi1oca,que  fe  vè  em  parte  das  fuás  Eglogas,  lhe 
■  fez  exceder  o  decoro  que  le  deve  guardarão  fogeytopaíloril  ,  naõ  fe  lembrando 
de  Virgiho  que  nas  fuás  Bucólicas  introduz  argumentos  muyto  fuperiores  àquelle 
fogeyto,  como  he  o  da  quarta  Egloga  que  trata  iò  da  profecia  da  Sibilla  Cumea ,  & 
o  da  fexta ,  em  que  Sileno  dilcorre  pela  fabrica  do  mundo,&  hiílorias  mais  notáveis 
^tíelle,  o  que  tudo  excede  grandemente^)  modo  paíloril.  Pelo  que  pois  Virgílio  a 
juizo  de  todos  os  Críticos  não  merece  cenfura  em  exceder  o  decoro  neftes  argu*, 
-mentos  muyto  menos  a  merece  Luis  de  Camões  por  exceder  fó  nas  palavras  guar- 
dando o  devido  decoro  nos  argumentos  ,  aíli  das  Eglogas  Palloris  ,  ccmodas 
Pifcatorias.  Antes  he  digno  de  muyto  louvor  neíle  género  de  poefia ,  por  fer  o  pri- 
meyro que  deílas  duas  efpecies  fez  hum  mixto,compondo  as  Eglogas  de  Peícado- 
res,  &  Paítores  juntamente,  por  peííòas  de  dialogo,  como  fe  vé  na  que  dedicou  ao 
-Duque  de  Aveyro  que  começa: 

Arufiim  contenda  de fufada^^c. 
-Onde  mais  abayxo  diz: 

Ver€Ís(fDuque  fereno)o  efttllo  vario^^c. 
Nas  comedias  feguio  a  forma  que  então  fe  praticava  ,  &  ainda  aíriintrodufiojà 
algumas  proías  imitando  os  ingenhos  Italianos,  &  ao  noíío  Francifco  de  Sà  ,  que 
deyxàraõ  os  verfos  em  que  os  Gregos  ,  &  Latinos  as  efcreveráo  ;  porque  como 
tinhão  muyta  diverfidade  delles ,  efcolherão  os  que  mais  fe  chegavão  ao  falar  folto, 
o  que  entrenós  não  pôde  bem  fer  pela  obrigação  dos  confoantes  ,  mas  ainda  aííl 
tradufio  excelentemente  a  dos  Amphitriões  de  Plauto.  Outras  traduções  fez  tam- 
bern  em  verfo  em  que  fe  não  molirou  menos  elegante  como  foy  a  Elegia  da  payxão 
de  Sanafaro,o  Pfalmo:  Super  flumina  Babylonis,  a  fabula  de  Biblisy  ^ade  Narcijo^ 
doutros.  Também  feachão  algumas  obras  luas  em  profa  folta,  as  mais  delias  de 
matéria  jocofa  ,  &  ellillo  metafórico  ,  que  era  o  que  então  feprefava  muyto  na 
isH.  \  Corte 


Príncipe  dos  Poetas  de  Hefpanha. 
Corte;  por  o  ter  introdufido  Fernão  Cardofo ,  que  foy  nelle  eminente ,  ainda  que 
Luís  de  Camões  o  ufou  com  mais  policia,&  facilidade. 

De  todas  eílas  obras  fe  pôde  bem  conhecer  a  grandeza  do  engenho  de  feu  Au- 
tiOr,,&  a  univerial  noticia  que  teve  das  Sciècias,&  letras  humanas;  porque  quem  cò- 
íiderar  feus  eícritos ,  achará  que  teve  conhecimento  dalingua  Grega^da  Filoloíia, 
Thcolo^naj  Mathematic.is,  Hiílorias  humana:  ,&  que  foy  taó  geral  em  toda  a  maie* 
ria  ,  que  em  qual  quer  faculdade  que  trata  parece^porieliòr  delia.  Pelo  que  le  em 
^l^uas  de  íuas  obras  fe  achar  acafo  couza  que  defdiga  do  que  fe  efpera  de  tal  Autor 
náo  fe  deve  imputar  o  defeyto  a  elle ,  fenao  ao  tempo ,  &  aos  copiadores ,  porque 
€omo  feus  verfos  andarão  tantos  annos ,  antes  de  fe  imprimirem  tresladados  de  va- 
rias mãos ,  com  faciUdade  fe  poderiao  corromper  como  vemos  acõteceo  às  melho- 
res obras  da  Antiguidade;^  em  particular  a  eíta  caufa  fe  atribuirão(como  jà  dilfe) 
as  dilfonancias  dos  verfos  de  Homero  em  tempo  de  \^efpafiano.  Quanto  mais  que 
como  Luís  de  Camões  não  fazia  ellas  Rimas  para  as  imprimir  ,  mas  conforme  a 
occafrio ,  &  tempo  lhe  davao  lugar ,  não  hiaõ  muytas  delias  com  aquella  peifeyçaõ 
com  que  as  acabara ,  fe  gaitara  niliò  o  tempo  que  gaílava  V irgilio,  o  qual  dizia,  que 
aperfeyçoava  os  feus  verfos  como  o  parto  da  Urfa; 

Portodas  eílas  partes  foy  Luis  de  Camões  tao  louvado,&:  conhecido  no  mundo     ^ 
que  Fernando  de  Herrera  chamado  de  muy  tos  o  Divino  ,  fò  a  elle  dava  ventagem, 
\  o  excellente  Torf:|uato  Taifo  canfelfava,  que  íò  a  elle  temia,  ^  fe  admirou  tanto 
de  ver  os  feus  Lufiadas,  que  inflamado  nos  louvores  do  Autor  publicou  o  que  delle  R  iiimc 
fentia  netle  foneto  ,  que  naó  ficou  para  elle  menos  honroío  que  para  quem  o  com-  p  Y^S, 

pOSI  ,  Vene.an- 

VãfcoUcmfelice^ardite  antene  uo\6os. 

In  contro  ai  SoL^che  ne  rtporta  Ugiorno  "  *     ' 

Spiegar  le  vele^^  fer  cola  ritornOy 
;'  Ne^gl/parc/jfdicac(ere,accenne, 

Honptu  di  te  per  afpero  marfoftene 

^lelchefecealCicopleoltraggio^^fcorno 

Mechtt^írbol^^rpienelfuoJbggíornOy 

Ne  diepui  belfubietto  a  coite penne. 
Et  hor  que  lia  dei  colto^t  boiín  luigi^ 

Tantooltrejiendeilgloriofovoloy 

Cbe  í  tuoifpalmatilegni  andar  rnen  lunge^ 
Onde àquelli a  ctúpalzatlnoftro^PolOy 

E  achtferma  Incôntra  t  fuoí  vejfigi.  ^ 

Per  lui  dei  corfò  tuo  la  fama  aggmnge. 
O  grande  conceyto  queLopoda  Vtyga  celeberrimo  Poeta  denoíTos  tempos  faz 
do  nojTo  Luis  de  Camões,fe  vò  bem  em  feus  efcritos,  dandolhefempre  o  epiteto  de 
excelleite.  Eo  Meílre  Francifco  Sanches  Brocenfe , aífaz  conhecido  em  toda 
Hefpanha  por  fua  rara  erudição ,  lhe  naò  dà  menores  títulos ,  tratando  do  refpeyto 
que  fe  deve  ter  aos  efcritos  de  Virgílio,  &  doutros  femelhantesPoetas,comofçvò 
delias  palavras:  ^igo  eftopor  la  veneracion  en  que  havíamos  de  tener  a  los  Poetas^  Dd  ríuj 
fiendo  tales  qve  verdaderamente  merefian  efte  nombre.  Tal  me  parece  a  mi  Luis  de  '""Ti-agc 
Camões  Lufitano^cuyo  fubtil  ingenio^doBrina  entera^cognicton  de  lengvas ,  delicada  caftrô 
'vena  mue flr  an  claramente  no  falt  ar  le  nada  para  laperfeccionde  tan  alto  nombre^  ^^  Dedi- 
^c.  O  Padre,Chriílovão  Del  rio,&  Dom  Fernando  Alvia  de  Caílro,o  pocm-  entre  Xr^uo- 
os  melhores  do  mundo ;  Chriílovaõ  Soares  de  Figueyroa  varão  infigne  nas  letras  riamos. 
humanas,na  vida  do  Marquez  de  Canhete,  o  iguala  com  Píomero,&  o  apb.ufo  uni-  ,^^^"^J* 
verfal  de  tod  os  lhe  dà  o  Titulo  de  Princepe  dos  Poetas ;  o  que  na  verdade  parece  ^.  p*  \^l^^ 
fe  lhe  deve  juílamente  ;  porque  fe  muytos  homens  doutos  de  Europa ,  reconhece-  0.41- 
rioàNaç^;o  Portuguefahuma  certa luperioridade  naPoefia  ,  como  entre  outros  J^^^pj**^^ 


Vida  dú  Grande  Luís  de  Camões, 
Ò  confeíla  o  Autor  da  Biblioctieca  Hifpana  dizendo  Lu/ltaniinpvetka  ^tit  ^^  iti 
Miijida  regnarefer untar  mira  animipYopenfiofie^vehit  eutJnifiafmo  raptt^líiC.  Com 
razam  fe  pòdc  dar  o  nome  de  Príncipe  dos  Poetas  a  Luis  de  Camões ,  pois  elie  tem 
o  principado  entre  todos  os  Portuguefes. 

.  Porem  fe  na  eílimaçam  de  tantos  autores  graves  eílà  igual  a  Virgílio,  &  Home- 
ro ,  também  pareee  que  lhe  náo  ficou  inferior  nos  prodigios  ^ue  fe  delles  em  íuas 
vidas  contam;  porque  foy  feu engenho  tam fmgular, que  nam  faltam  curioíbs,que 
digam ,  que  muytos  feculos  antes  foy^prognoilicado  ao  mundo  o  feu  Poema  pela 
Sibila  Cu<mea,porqueaíTi  como  qualquer  grande  perfeyçam  em  humaSciencia,  ou 
Arte,nam  fe  pôde  alcançar  fem  particular  concurfo  do  CeG,affi  parece  que  ordena 
-algumas  vezes fejaiílo  prognoílicado  aos  homens  muytos  tempos  antes ',  que  acon- 
teça. Veile  efla  profecia  na  quarta  Kgloga  de  Virgílio ,  a  qual  foy  toda  tirada  dos 
Wrfos  da  Sibila ,  em  que  profetizou  a  felicidade  que  havia  de  haver  no  mundo  de- 
pois do  Nafcimento  deGliriílonolfo  Senhor  onde  diz  que  o  Poeta  que  havia  de 
cantar  a  hiíloria  dos  fegundos  Argonautas  venceria  na  poefia  a  todos  os  paíIàdos;& 
'deíejando  Virgílio  fer  eíle  que  a  Sibila  prognoíticava,diz  aoíilho  de  Polliao  ( aque 
elle  erradamente  aplicou  eíla  profecia)  que  fe  lhe  a  elle  caiíTe  a  forte  de  lereíle 
Poeta,  eítava  certo,  que  havia  de  vencer  na  poefia  atè  os  mefmos  Deofes,  ;&  inven^» 
Jtoresdos  Verfos: 

O  mihi  tam  longe  màneat pars  ultima  vitã 
SpiritítSy^quantttmfateríttuadicerefMa, 
•Non  m€  cárminibus  vincet  nec  Tracius  Orpheus, 
Nec  Ltnusjouic  mater  quanvis  atque  hiácfater  adjit 
:  OrpheiCaliopeayLinoformojíis  Apollo. 

^an  etiam  Arcadta  mecumfijudtce  certet 

^anetiam  Arcádia  dicet  jejiidicevi£ítim. 

E  certametite  que  eíle  penfamento  eílà  fundado  em  boa  razaõ ,  porque  fe  a  gloríã 

Cic.pro  que  os  Antigos  Argonauías,&:  Achiles  alcançàram,foy  mais  pelos  excellentes  ver- 

ííu!a'r!in  ^^^^  ^"^  9^^  foram  cantados,que  pela  grandefa  das  façanhas  que  obrâram,como  aíir- 

vitaAicx.  mava  Alexandre ,  com  quanta  mais  razam  parece  que  nam  deviam  ficar  inferiores 

Eoz.de   neíla  parte  aos  primeyros  Argonautas  os  noíTos  fegundos  Argonautas  Lufitanos, 

ScCox'  ^^  quem,  fegundo  Bozio,  &  muytos  outros,  alli  falia  a  Sibila  à  letra,  pois  a  noíTa  na- 

ici.Ari' ;  vegaçam,&  os  heróicos  feytos  que  os  Capitães  Portuguezes  fizeram  na  India,exce- 

i*f  To"-'  ^^^'^n^  tanto  aos  dos  Argonautas,  &  Achilcs,que  nam  íbfrem  comparaçam  alguma. 

cat.cam.  Enamfòmeute  podemos  aplicar  a  Luis  de  Camões  os  verfos  referidos  da  Sibila, 

'  J-        mas  também  darlhe  aquelle  lugar  que  em  Roma  na  coroaçam  de  Patriarca  deyxou 

dcfocupado  entre  Apollo ,  &  as  Mufas,no  monte  Parnalo  ,  aquelle  grande  Afiro- 

logo  Barbante  Senes,  por  cujo  difcurfo  aquella  rica  hiíloria  fe  pintou;  dizendo  que 

o  mereceria  hum  Poeta  Occidental  de  Hngoa  barbara(aíri  chamavam  entam  os  Ita-' 

.lianos  às^eHefpanha)  que  andando  os  tempos  havia  devir  ao  mundo.  Condu- 

•  amos  logo  que  fe  o  nolíb  Poeta  nam  cedeo  no  engenho  a  Virgilio,&  Homero,tam 

pouco  lhe  cedeo  nas  maravilhas  do  nafcimento  ;  &  com  mais  razam  nos  podemos 

perfuadir  que  as  houvelle  em  hum  Poeta  Catholico,que  nos  Gentios. 

Nam  foy  menor  ^  opiniam  que  Luis  de  Camões  alcançou  na  pátria  que  a  em  que 
o  tiveram  oselirangeyros :  porque  ainda  que  lhe  faltaram  com  os  prémios  devidos 
a  íeus  merecimentos,  foy  tido  em  grande  eílima  dos  maiores  fenhores,  &  mais  pre- 
zados daquelle  tempo  ,  como  foraõ  o  Duque  de  Bragança  Doni  Theodozio ,  &  o 
Duque  de  Aveyro  Dom  Jorge,  o  Conde  que  depois  foy  (lo  Vlmiofo  Dom  Francif- 
CO  de  Portugaí,Dom  Manoel  de  Portugal  feu  tio,  o  Vifo-Rey  Dom  Conílantino,o 
Gonde  de  Atouguia  Dom  Luis  de  Ataide,o  Conde  do  Redondo,  &  outros  que  fo- 
ra largo  contar.  Nem  era  de  menor  valor  a  mercê  que  recebeo  das  Senhoras  Dona 
Francifca  de  Aragam ,  Dona  Guiomar  Blasfè ,  &  da  Senhora  Infante  Dona  Maria, 

como 


Trlnclpe  dos  Toetas  de  He/panha  " 

comei  fe  vè  em  fuás  obras/rambem  referem  muytos  Fidalgos  dlquelle  tempo,que 
quando  íuccedeo  neíte  Pvcyno  El-Rey  Dom  Feiipe  o  Prudcnte^depois  de  chegar  a 
Lisboa  mandou  fazer  diligencia  por  Luis  de  Gamões,  &  labendo,  que  era  fallecido 
moilrara  dillò  feiuimento ,  porque  defejava  de  o  ver  por  fua  fama ,  Óz  fazerihe  mer- 
cê. De  maneyra,  que  a  pobreza  em  que  viveo,  nam  lhe  abateo  entre  os  Principes  a 
grande  opiniam  que  à  íuas  obras  le  devia,  6l  fe  as  riquezas  fugirão  delle ,  ou  foy  pe- 
ias razões  ,  que  o  Plutão  de  Luciano  dava  contra  Timon,  ou  por  elle  fazer  pouco 
pelas  adquerir  ,  ou  por  léus  merecimentos  ferem  muy to  grandes:  pois  he  certa  a 
fentença  de  Tácito,  que  os  beneticiosfaò  agradáveis  em  quanto  fe  podem  recom- 
peníar,mas  que  paliando  deite  termo  tem  o  defagradecimento  em  lugar  de  premio.  _  .  ., 

Delia  gèral  reputação  que  os  naturaes,&  eílrangeyros  tinhao  delle,  não  he  muy-  ^Sor; 
to  lhe  naíceíTe  a  eílima  grande  que  de  íi  tinha,  louvando,  &  abonando  feu  engenho 
em  muyras  partes  dos  feus  Lufiadas,  &  mais  Obrasio  que  alguns  lhe  atribuirão  a  vi-* 
cio  ,  nao  atentando  que  he  impoílivel  náofe  conhecer  hum  bom  entendimento 
a  íi  próprio,  6c  ter  verdadeyra  opinião  de  fuás  coufas.  Ariiloteles  diz,  que  o  varão 
grande,! e  fe  nao  tiver  por  tal,não  o  fera:  Ejfe  fane  magnanimus  is  videtur ,  qui  cum  Hv.  4^ 
magmsfit  dtgnus  ^  magnis  quoquefèmet  dignum  exijíimat:  nam  quis  nonpro  digni-  ^"^'^*^ 
tate  idfacit ,  ftoLidus  eji  ;  at  virtutepraditus  neque  ftolidus  ,  neque  ftultus  efi 
quifpidm^\êc.  Ê  noutro  lugar :  Magni  enim  virijoonorefe  ipfos  dignos  maxime  extf- 
timant^acpYo  digmtate  xUi  qiádem,  E  o  mefmo  afirma  Balthezar  Caiiilone  no  feu 
PerfeytoCortezam,&  lhe  permite  louvarfe  em  feu  tempo,&  lugar  conveniente,di- 
zendo  na  peiloa  d"  Gafpar  Palavicino  :  Ho  conofciuti poc  hi  hiiomini  eccelenti  ,  in  El  Corte; 
qual  Jivo-r lia  cozã^chi non  laudinofefieJJi\  ^paY  me che molto  bem  comportare  lorfi  *"*  ^^*  ** 
pojfa.  *Per  che  chi  fifente  valer e ,  quando fi vede  non  ejferper  le  opere  conofciuto ,  fi 
Jdegna  che  ilvalor  fiio  fia  fep oito,  EtfoYza  è  che  a  qual  che  modo  lofcopra ,  per  non 
ejfere  defraudato  de  le  honor  e^  che  è  il  ver  o  premio  de  levirtuofe  fatiche\  'Ter  o  tragli 
antichifcrittoYi  chi  molto  vale^rare volte fiaftien  di  la  udarfejiejfo^^c,  E  Tu  llio  na 
fua  primeyra  Tufculana  refolve ,  que  aquelle  celebre  Oráculo  Nofce  te  ipfun^  nao 
foy  dito,  para  fabermos  as  miíerias  do  corpo,mâs  para  cada  hum  conhecer  as  excel- 
lencias  de  feu  próprio  animo ,  &  entendimento.  Porém  ainda  que  naõ  houvera  as 
authoridades  de  taõ  doutos  Varões,baítantemente  ficava  o  noíTo  Poeta  dei  culpado, 
com  fer  eile  o  ufo  comum  de  todos  os  Poetas,  como  diz  o  mefmo  Tullio  Tuícula- 
\yàr\xm(\wdà{\.X\\í.^.Adhucneminem cognovt^ oetam^qui fibi  non  Optimus viderètuY, 
E  ad  Atticu  epiíí.2i.iV>.^íí?  umquam^ neque Toeta^neque  Oratorfuit^qui quemquam^ 
meliorem  quamfe  arbitraretur.  Bom  exemplo  he  dcíla  opinião  Homero  na  pelToa 
de  Demodoco,Virgilio  em  muytos  lugares,&  Horácio  liv.  i  .Ode  i.em  que  fe  finge 
coroado  entre  os  Deofes  dizendo: 

Ale  doãarum  edenepramia  fontium 
T>ijsmifcent  Juperis 
Eno  liv.2 .Car.efcreve  toda,a  Ode  lo.em  feu  louvor,que  começa: 
Kon  ufitata  nec  tenuiferar 

Tennajbiformisperliquidum  tethera  Vatesfêc^ 
E  no  Terceyro  Ode  30. 

Exegi  monumentum  areperennius^ 
Regaliquefitupyramidum  altius: 
^i  o  d  non  imber  edax^non  Aquilo  impo  tens 
^       Toffit  erueYe^aut  imiumeYabilis 

AnnoYum  feries  ^^  fuga  tempoYum.^c, 
O  mefmo  faz  Ovidio  em  muytos  lugares  ,  &  em  particular  no  liv.  4.DeTriílibus 
Eleg.io.dizendoaifi. 

Tu  mihi{quod  rarum  efi  vivo^fublime  dedifti 
^    Nomen^ab  exequiis  quodáare famafòlet. 

****ij  Neç^ 


Vida  do  Grande  Luis  de  CamÕef^  ' 

Necquidetraãaíp'/ejent  ia  livor, iníquo 
1)ilum  de  noftris  ãente  momordit  opus. 
Nam  tulerint  magnos  cumfiecula  nojira  Toetasy 

Nonfuit  ingeniofama  maligna  meo . 
Cnmque  ego pr abonam  multou  mihi^non  minor  illis 

^ícor,^  in  totó plurimiis  orbe  legor. 
Siquid habent igitur  vatump^afagiaveri^ 
'■FrotinusutmoriaYHoneroterratuuSy^c, 
Eílacio  liv.ii^da  fua  Thebayda: 

O  mihi  bijfenos  multum  vigi  lata  per  annof 
Thebayjam  certèprafens  tibifama  begninum 
Stravit  iter^c iBpit que  novata  monftr are fut uris, 
Jam  te  magnanimus  dignatur  no/cere  Ciefary 
ítala  cumftudio  difcit,  memoratquejuventus, 
Vivèf)  ecory7iec  tu  divinam  j^neyda  tenta^ 
Sed  longe  fequere^  veftigia  Jemj^er  adora. 
Mox  tihifiquis  adhucpY atendit  nubila  livoY 
Occidetjê  meritipofi  me  referentur  hojiores. 
E  Sanafaro  na  fua  4.Pifcatoria  naõ  quis  deyxar  de  lembrar  que  elle  fora  o  primeyro 
que  trouxera  as  Eglogas  atè  entaõ  Paíloris  aos  Peícadores; 
^  Nuítc  litoream  nec  de/p  ice  Mujam^ 
^uar/i  tibipoft  filvas^poft  hórrida  lujira  licai, 
{^Siquid  ide ftSfalfas  deduxiprimus  adundasy 
Au fus  inexperta  tentar epericula  cymbac. 
Dos  outros  vulgares  não  hà  que  referir  mais  exemplos  ,  pois  todos  ostrafem  nas 
mãos.  Pelo  que  bemfevèa  pouca  razão  comque  neíla  parte  pôde  fero  nolTo 
Poeta  notado. 

Depois  que  Luis  de  Camões  imprimio  os  feus  Luíiadas  palTou  o  reftante  da  vida 
em  Lisboa,no  conhecimento  de  muytos,  &  converfação  de  poucos;porque  tendo 
jà  paliado  por  elle  as  primeyra-s  verduras  da  mocidade  ,  tinha  entrado  na  idade 
madura,  &  fò  continuava  có  alguns  homens  doutos  feus  amigos,  principalmente  no 
Convento  de  Sam  Domingos  de  Lisboa ,  onde  tinha  particular  familiaridade  com 
alguns  Religiofos  daquella  Santa  Cafa.  Neíle  tépo  lhe  fobreveyo  huma  larga  enfer- 
midade,  que  lhe  fervio  de  fe  aparelhar  para  a  morte ,  a  qual  elle  trazia  taõ  prefente, 
que  atè  nas  cartas  jocofas  falava  muyto  de  fifo  nella,  como  fe  vè  bem  das  que  andaõ 
impreífas  nas  fuás  Rimas.  Acrefcentoufelhe  eílemal  com  o  fentimento  da  morte 
d'El-ReyDomSebaíliam  ,  a  quem  tinha  intentado  celebrar  em  outro  heróico 
poemajfe  a  ambos  durara  a  vida,&  melhor  fortuna. 

Com  eíh ,  &  outras  moleílias  fe  lhe  foy  aggravando  a  enfermidade  atè  o  anno  de 
15-79.no  qual  faleceo.  Eílava  neíle  tempo  em  tanta  pobreza ,  que  de  cafa  de  Dom 
Francifco  de  Portugal  lhe  mandarão  o  lançol  em  que  o  amortalharão ,  &  aíTi  foy  fe- 
pulrado  na  Igreja  de  Santa  Annafaonde  fe  acha  hoje  o  Coro  das  Religiofas)fem  le- 
trcyro  ,  ou  campa  alguma  ,  que  moltrafe  o  lugar  de  fua  feplutura. 

Era  quando  morreo  de  pouco  mais  de  cincoenta  annos,porque  quando  compu- 
nha os  feus  Lufiadas  ,  diz  elle  no  canto  lo.eílanc.  9.  que  tinha  jà  pouco  que  palFar 
da  idade  do  ÍLllio  para  o  Oatono,o  qual  começa  dos  cincoenta  por  diante: 

VaÒ  os  annos  àefcendofêjà  do  EJtio,^c. 
Efallecendoelle  fete  annos  depois  de  fua  impreiraõfa  qual  foy  no  de  i5'7x.)parece 
Partes  quc  não  palTou  dos  cincoenta  &  cinco.  Foy  Luis  de  Camões  de  meã  Oftafura, 
dcCa-'^*  gi*oíro,&  cheyo  do  rollo,&  algum  táto  carregado  da  frontc,tinha  o  nariz  comprido 
levantado  no  meyo,.  &groíIò  na  ponta;  afeavao  notavelmente  a  fdta  do  olho  di- 
reyto,fendo  mancebo,  teve  o  cabello  tão  louro,q  tirava  a  açafroado; ainda  q  naõ  era 
%i-  *  ^  graciofo 


moes 


príncipe  dosToetas  de  fíefpanha. 
graciofo  na  apíirencia,era  na  converfação  muyto  facil,alcgrc,&:áe2Ídor,como  fe  vè 
em  feiís  moies,òx:  eíparías,  pofto  que  jàíobre  a  idade  deu  algum  tanto  em  ma]enco« 
lico.  Nunca  caiou  ,  nem  deyxou  geração.  Viveo  ,  &  morrco  em  tanta  eílreyteza 
doneceílarioparaavida  ,  que  íeaquelles  tempos  naòforaò  taocalamitoíbsparao 
Reyno,  com  as  couí  as  de  Africa  ,  pudera  redundar  cm  afronta  dosnaturaes ,  & 
cauíar  admiração.  Ainda  que  os  que  tem  noticia  das  hiítorias  humanas  entenderão 
bem  ,  que  eíle  he  o  eílillo  ordinário  do  mundo ,  no  qual  os  mais  dos  homens  emi- 
nentes íao  perieguidos ,  &  deipreíados  em  vida.  Do  grande  Homero  fabemos  que 
fefullentava  pedindo  efmola  por  Grécia.  A  Sócrates  faltava  muy  tas  vezes  huma 
capa  com  que  fe  cobrir ,  &  em  íim  veyo  a  morrer  condenado  pelos  Athenienfes ,  & 
Arilloteles ,  &  Demoílhenes ,  porque  o  naõ  foííem  fugirão  da  mefma  Cidade.  Sci- 
piáo  morreo  delpojado  da  fazenda ,  &  deílerrado  da  pátria.  A  Tullio  degollàraõ, 
&  por  mais  o  afrontarcm,lhe  cortarão  ac]uella  lingoa,em  q  por  tantas  vezes  cõfiílio 
a  liberdade  da  Republica,  &  o  grande  Epideto  viveo  em  Roma  com  tanta  miferia, 
que  naó  tinha  mais  de  feu,que  hum  candieyro  de  barro,com  que  fe  alumiava.  Aca- 
bando porém  com  a  vida  as  armas  da  inveja  ,  com  que  os  grandes  engenhos  faõ 
fempre  combatidos  ,  nafcem  elles  de  novo  depois  da  morte,  &  veílidos  das  azas 
da  tama,alcançâo  a  gloria,que  fuás  obras  mereceráo;porque  os  homens  não  podem 
fazer  guerra,  fenaó  aos  corpos ,  osquaes  ,  como  compollos  de  matéria  frágil,  & 
caduca  ,  fao  vencidos  de  mayor  potencia.  Mas  as  obras  do  engenho ,  como  repre- 
fentaó  o  animo,que  he  eterno,duraõ  igualmête  com  o  tempo,&  com  elle  adquirem 
o  premio  igual  a  ieus  merecimentos.  Daqui  veyo  chegarem  depois  os  Gregos  a 
venerar ,  como  coufas Divinas, aos  mefmos  Homero , Sócrates,  Demoílhenes ,  & 
Arilloteles ,  a  quem  em  vida  perfeguirão,  &  em  Roma  a  confeííàrem  os  Cidadãos, 
que  naõ  podia  fer  caíligada  aquella  Cidade  com  mayor  pena  ,  que  privala  Scipiaô 
do  thefouro  de  fua  íepultura,  &  a  dizerem  contra  os  matadores  de  Túlio,  que  por 
fe  livrarem  de  fua  eloquente  lingua,  fizerão  fallar  contra  íi  as  de  toda  a  Republica? 
&:foytaõeítimadoonòme  de  Epideto  ,  que  o  feu  candieyro  de  barro  ,  porfe-r 
poííliido  de  tal  dono,fe  comprou  na  praça  de  Roma  por  trezentos  crufados.  »" 

Deite  mefmomodovayíUGcedendo  a  Luisde  Camões,o  qual,fendo  perfeguidò' 
em  vida  de  perpétuos  infortúnios  ;  depois  de  morto  tem  alcançado  gloriofif- 
fimos  prémios  de  íeus  trabalhos,  porque  pouco  depois  de  feu  fallecimento,movidO' 
Dom  Gonçallo  Coutinhodo  zelo  da  pátria,  a  quem  o  Poeta  tinha  tanto  merecido, 
lhe  mandou  cobrir  o  lugar  da  Sepultura  com  huma  campa  de  mármore  com  cite 
honroío  Epitaíio: 

Aqui  jaz  Luis  de  CamóeSjPríncepe  dos  Poetas  de 
feu  tempo:  viveo  pobrcSc  miferavelmente,  &  aí- 
íim  morreo  oanno  de  1579. 

Efia  campa  lhe  7nandou  aqui  por  l^om  Gonfalo  Coutinho^  na  qualfe  naÕ  enterrará 
pejfoa  alguma. 

A  eíte  Epitáfio  acrecentou  depois  outro  mayor(cõ  goíto  do  mefmo  Dom  Gon-" 
çallo)!V[artim  Gonçalves  da  Camera,Preíidente,  que  foy  da  mefa  do  Paço,&  elcri- 
vão  da  puridade  d'El-Rey  Dom  Sebaítiam  grande  valido  feu,  &  eítimado  de  todos 
os  Reys  delle  Rcyno?vâif:'a'o  de  fumma  inteyrefa,  virtude,  &  temperança,  compôs 
eíte  Epitáfio  à  fua  inítancia  o  Reverendo  Padre  Matheus  Cardofo  Reíigiofo  da 
Companhia  de  Jeíuí;  Lente  que  foy  da  primeyra  cadeyra  da  humanidade  da  Uni- 
verfidade  de  Évora ,  que  depois  deyxando  os  Eítudos  humanos,  fe  dedicou  fò  aos 
Divinos ,  &  à  pregação  dc)  Evangelho  nas  barbaras  Regiões  de  Angola  ,  onde  ao 
prelente  anda,&  o  picafiò  diz  aíli:  « i^«tí»  v;i^i.  a;*;  .y*^^'"'^^ 


Vida  do  Grande  Lulsde^amoes^ 
Kafoeligis^Flacus  Lyrkisyepigrãfnate  Marcus 

HkjacetyHeroo  carminaytrgUius,  ■ 
En/e/imulyca/amoque  auxU  tibt  Lyfiafamamy 
IJnam  nobilitant  Mars,^  Appollo  manum. 
Cajtaliumf ontem  traxit  moduLammey  at  Indo 

Et  Gangiytelísobjinpefectt  aquas. 
Indiamirata ejUquandoaur^a carmina  lucrum 

Ingenit^  haudgazas^ex  Oriente  tulit-y 
Sic  bene  ãe  pátria  meruit^dumfutminat  enfe, 

AtPlus  dum  c  álamo  bellicafaãa  refert, 
Hunc  Italí,  GalliJHiiJpani  vertère  Toetam 
V  ^afibet  hunc  vellet  terra  voe  ar  ef num 

(  V€rterefas^£quare  nefas  aquabilis  uni^ 

Eft  (íbiypar  nemo^nemofecundus  erit . 
Não  he  pequeno  louvor  alcançar  Luís  de  Camões  depois  de  morto  eftas  gloriofas 
inemorias  por  Obra  de  Varões  taõ  Illuítres,  quando  até  osmayores  Principesdo 
Mundo  ,  &  os  parentes  mais  chegados  com  a  morte  le  fepuítão  juntamente  no 
efquecimento  dos  vivos.Porèm  náo  iie  menos  honra  a  que  adquirio  nos  bons  enge- 
ohos,  que  íe  dedicarão  a  traduíir  o  feu  poema  heróico,  o  qual  anda  convertido  nas 
melnores  Lingoas  de  liuropa  querêdo  cada  qual  fazello  próprio  por  ornamento  da 
fua  própria ,  &  para  enriquecer  íeus  naturaes  com  taò  preciofo  thefouro.  E  ultima- 
Hiente  o  ReverendiíTimo  Bifpo  de  Targa  Dorn  Frey  Thomède  Faria  o  tradu* 
^io  com  grande  elegância  em  veríb  Heróico  Latino,  tendo  juítamenie  tal  occupa- 
çáo  por  digna  de  fua  proftiraõ  ,  &  dignidade  ,  como  outros  muytos  Prelados  tem 
íeyto  em  lemelhances  fogeytos ,  por  fer  Obra  em  que  fe  moílra  muyta  erudição,  & 
engenho.  Nefte  Reyno  íe  tem  também  empregado  naõ  poucos  em  comentarem,  & 
louvarem  o  meí  mo  Poeta  Luis  de  Camões ;  alguns  fairáo  a  luz ,  &  outros  fe  con- 
ftrvão  manufcriptos ,  mais  dignos,  pôde  ter ,  da  Impreílaõ ,  que  os  que  tiveraõ  eíla 
fortuna,  qual  he  o  que  hà  muytos  annos  tem  compoíto  Luis  da  Silva  de  Brito  Prior 
do  Santo  Milagre  de  Santarém,  peíFoa  aíTaz  conhecida  neíte  Reyno  pella  muyta 
Doutrina ,  &  qualidades  que  nele  concorrem.  Dos  verfos  que  fe  tem  compoílo  em 
íeu  louvor ,  por  ferem  muytos ,  refirirey  fô  dous  Epigramas  que  fe  imprimirão  com 
as  fuás  Rimas  no  anno  de  mil  &  quinhentos  6^  noventa  &  oyto :  o  primeyro  Latino 
feyto  por  Manoel  de  SoufaCoutinho,taõ  ílluílre  no  fangue,como  nasLetras  huma- 
nas, o  qual  deyxando  o  feculo ,  &  nome ,  entrou  na  Sagrada  Religião  dos  Prega- 
dores, onde  fe  chamou  Frey  Luis  de  Soufa,  &  tem  dado  com  luas  Obras  outra  nova 
efperançaànoíra  pátria.  Pelo  que  pôr  fer  o  Eprgrama  detalfbgeyto  ,  he  para  Luis 

-de  Camões  de^rande  reputação. 

^odMarofublimiyquodfuavh^indarus^alto 

^íodSophocles^triftinaJò^qmd^recanit. 
Míejiitiamycafusjoorrentiâfraliayamores^ 
•  Jimííafimulcantu^fedgraviore  damus. 

^íifiam  Auãor^.CamoniusrOndehic^.Trotulit illum 

Lyjiain  Eo as  imferiofa plagas. 

IJnus  tanta  dedit?.T>edit^^ mayora  daturusy 
Ni  calirifato  corrij)íretur^erats.r/A  vi 
c"'-  ^Itimus  hic choreis  Mu farumpraefuitullo  \  ?o 

^'  li^lenior  Acnidumeft^nobuiorquechorus. 

-  ~  '■  Flosveteris,virtusque  novafuit  ille  ca^mena^ 

?'0;  debita  jure  fibi  jceptrapoefis  habet. 

or.  In  Lufitanos  Heliconis  culmina  traBus 

Tranftíditantra^lyras^fertafiuentaíDeas,  •.. 

Currere 


'  Trtncífe  dos  To  et  as  de  ftefpanha, 
Qurrere  Cajt  altos  noftra  de  ru£e  liqtiores 

J ujjlt^abmvitof  rata  vir er e  foío.  "1 

Cerne  per  inculcos^Tem^emelíora  recejfns,  * 

Cerne  fatas^jierilifejptte^verís  oPes. 
OmnibusOccidíáridenttibifloribushortt^ 

Non  ego  Jam  Lifios^credo^Jed  Elyjios, 
Orpheus  attonttas  dulci  modulamine  cantei 
Traxlt^^  ab  ftygto  fqualida  monjiraforo 
Thejfallcos  Lodoiceyfacro  ctimflumme  montes  ■ 

Tieridíimque  t  rabis  aeLituum  quíe  choros 
Sunt  maior  a  tua  Orphats  miracula  vocis^ 
Attica  quiâfaceresjitibi  linguaforetl 
O  outro  he  hum  Soneto  Português  do  nolFo  Paeca  Diogo  Berníirdes,  que  no  eftillo 
paítorilnaõ  reconhece  fuperior  ,  o  qual  por  ler  tao  qualificado  voto  he  digno  de 
inu)ta  confideraçaõ: 

^uem  louvará  Camões  que  elle  naÕfeja 

fuemnadvè  que  emvaÕ  cança  engenho^  arte 
lie  afifòfe  louva  em  toda  apa  rte^ 

E  toda  aparte  elle  fo' enche  de  inveja, 
"^icmjuntos  num  efpirito  ver  deleja  \As;^0'^%'^ 

^lantos  doens  entre  milThebo  reparte  "  ^ 

(  ^er  elle  de  Amor  cante^qtter  de  Marte^ 

Tormaisnaõ  defejar  elkfoveja.  :;B 

Honrou  a  pátria  em  tudo,imiga  forte  >  "i  jí  ai/;  vfiinuho-j  oin  "''^  •'^'  "^ 

Afeztomellefoftrencoííúda^  ■'■    ■  -'■ 

Em  premio  de  eftender  delia  a  rnew^y-i/i^ 

Masfe  Ibefoy  fortuna  efiafa  em  -i  idj. 

Naò  Ihepode  tirar  depois  da  mor  te  \\ 

Hum  rico  emparo  de  fuafama^^ gloria, 
Deíles  teílemunhos  poderamos  trafer  muytos ,  mas  baile  hum  univerfal  ,  que  he  a 
grande  eítima  que  nelle  Reyno  fe  tem  feyto  de  fuás  obras,das  quaes  fe  tem  impref- 
fo,  &  gaílado  mais  de  vinte  mil  volumes ;  &  tao  geral  he  hoje  o  conhecimento  do 
muyto  ,  que  mereceo  à  pátria ,  que  fe  durara  ainda  agora  entre  nos  o  coílume  dos 
Romanos  ,  que  aos  Cidadãos  beneméritos  levantavam  eítatuas  nas  praças ,  nam 
duvido ,  que  do  publico  fe  lhe  dedicara  huma  muy  fumptuofa  mas  por  nam  carecer 
defte  premio,no  modo  em  que  fe  permite  a  hum  particular  lhe  mandou  Gafpar  de 
Faria  Severim,meu  fobrinho''em  o  livro,que  imprimio  de  vários  difcurfos,  em  que 
também  hia  eíla  fua  vida)efculpir  em  brõze  de  meyo  corpo  o  feu  natural  retrato,  cõ 
fua  inferi  pçam  ,  &  para  em  toda  a  parte  o  poder  acompanhar  com  o  dito  retrato 
fez  a  breve  noticia  de  fua  vida  ,  &  lhe  ajuntou  hum  Elogio  Latino  ,  que  vertido 
no  nollb  Idioma  he  o  feguinte. 


.s.a 


rs.r 


eu 


ELO-r 


c 


ELOGIO. 

^^Ameeshe  Lujitanu  ,  ejit  que  vos  parece  Homero  ,  naj€m€lhança  doYofto^ 
nos  me/mos  partos  do  etttendtmento  ,  ^  na  igiiãldade  da  vida.  Homero 
'  fiy  fa^to  de  ambas  as  viftas  ,  Camões  de  bum  a  delias  :  aquelle  pojjuhw  pou- 
cas riquezas,  ejftviveoemperfetua pobreza:  cantou aquelle^lyjfes,  ejfeos^lyfi 
/ecs^  mas Jèn do  a  Homero  igual  ne  canto  ,  no  mais  foyjuperior ,  porque  cojtceben^ 
do  emfeu  animo  humfoberano  Toema  ,  em  que  havia  de  pintar  a  braveza  das  tor- 
mentas de  Neptuno ,  ^  o  furor  de  Marte  aferro ,  <3fogo ,  navegou,  ^  pajfQU  à  Inaia, 
ouvioos  fabíos delia,  peleyjou  valerofamente  com  os  inimigos  {cojno  teftejícam  as 
fermofas  feridas  recebidas  no  rofto ,)  (ê  fendo  outro  'Platam  nas  peregrinações,  imi" 
Sounonaufragio.aÇefar  ,  contentando- fe  de  livrar fò  das  ondas feus  ^Poemas.  Tor» 
naéo  à pátria ,  experimentoufua  ingratidam ,  depois  de  a  ter Jingularmente  emno^ 
brecido ,  ^fem  receber premjos ,  nem  honras  da  Poefia,  acabou  a  vida  como  dejf er- 
rado entre  feus  próprios  C/dadãvs.  Chegou  porem  43.  annos  depois  de  morto  o 
bem  merecido  galar  dam  à  fuás  Obras  procurando  o  agradecimento  livraloda  ad- 
verfidade  da  fortuna  ,  ^  efquecimento  da  morte  com  efe  novo  género  de  Efiatua^ 
cfue  Gajpar  de  Faria  Sever  imprimeyro  lhe  levantou,  em  quanto  outros  de  mármore^ 
tS  de  ouro  lhas  preparam.  AnuoYdrt, 

Deíle  modo  ficará  a  Imagem  do  noíFo  Poeta  ornando  as  Livrarias ,  &  Cafas  das 
Sciencias,  com  grande  gofto  dos  Doutos,  &  curioíos,  os  quaes  jà  em  tempo  de  Pli* 
Hin.  liv-  nio  coílumavam  ter  orn,ados  os  roílos  daquelles  cujos  ânimos  confervavam  retra- 
^^'''*'  tados  no  mefmo  lugar  em  fuás  Obras.  E  era  eíle  collume  tam  ufado  em  Roma,que 
ate  os  Retratos  que  nani  havia,íe  fingiam,  como  aconteceo  ao  de  Homero.  Ex  au-- 
ro^argentOyãvt  certe  ex  are(diz  elle  jin  Bibliothecis  dicantur  illi^  quorum  immorta^ 
les  anima  in  iifdem  locis,ibi  loquiintnr,  qui  nimò  etiamqui  nonfunt  ,fing7intur,parí* 
untqut defideria  non  tr aditivttltiis,ficut  in  Homero  evenit,^c, 
r.  "No  Retrato  ficou  Luis  de  Camões  aventejado  a  qualquer  grande  Eílatuapor 
•inaraviÍhofa,que  folTe ,  porque  as  Eílatuas  nam  occupam  rhais  que  hum  fò  lugar ,  & 
padecem  também  as  injurias  do  tempo  ,  com  as  quaes  fe  acabaram  atèaquel les 
monílruofos  Co]oíros,comque  os  Antigos  quiferam  eternizar  fuamemoria,porèin 
as  Eíbmpastemaquelia  propriedade  da  pintura  com  a  qual  diz  o  mefmo  Plinio, 
que  os  homens  fe  íiza*am  iguaes  aos  Deofes ,  podendo  eitar  juntamente  prefentcs 
em  toda  a  parte ,  &  por  benificio  da  ImpreíTam  ticam  izcntos  dos  poderes  do  tem- 
po. Eítesexcellentcs  prémios  ,  queasObrasdeLuisdeCam.ões  tem  alcançado, 
fparece  antevio  elle  muytos  annos  antes,quando  confiderando  o  pouco  fruyto,  que 
entam  lhe  rendiam  feus  vcrfos  diíTe  na  Eltanc.  100.  do  Canto  5*.  de  feus  Luíiadas. 
V    "  ,  Porém  ndò  deyxe  em  fim  de  ter  difpcfto^  ^c. 

Pello  que  tem  nelle  todos  os  profe (fores  das  Sciencias  hum  grande  exemplo, 
para  nam  deyxarem  de  occupar  feus  talentos  em  beneficio  publico,  por  falta  de  fa- 
vor ,  porque  quanto  mais  elle  lhe  falecer  de  prefente ,  tanto  mayores  prémios  po- 
dem efperar  de  futuro. 

Com  razam  logo  nos  podemos  confolar  da  contraria  fortuna:,  queo  noíTo  Poeta 
padeceo  cm  vida,pois  alem  de  ter  nella  por  companheyros  aos  mais  Illuítres  Varões 
da  Antiguidade,  não  lhe  vay  ficando  depois  da  morte  inferior  nas  honras  da  Sepul- 
tura,naauthoridadeda^Ellatu;  s,n  dilataçam  daFama,com  aqual  he  celebrado  por 
todo  o  mundo,  em  tantas  lingoas,  dos  melhores  Poetas,Hiítoricos,  &  Oradores,  de 
inaneyra,que  lua  glorioía  memoria  durará  igualmente  cora  os  Scculos  vindouros. 

OS 


Pag.i; 


«01 


os  lusíadas 

DO    GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commentados  pelo  Licenciado  Manoel  Corrêa. 
ARGUMENTO. 

Fazcm  concilio  os  Deoíes  na  alta  Corte, 
Oppoemfe  BaccoàLufitana  gente, 
Favorece-a  Venus^ôc  Mavorte, 
E  em  Moçam  bique  lança  o  férreo  dente: 
Depois  de  aqui  moílrar  feu  braço  forte, 
Deftruindo,  &  matando  juntamente, 
Torna  as  partes  buícar  da  roxa  Aurora, 
E  chegando  a  Mombaça  íurge  fora. 

CANTO  PRIMEYRO. 

fede  Canto  primeyro  fe  conta  o  que  acontece©  ao  Capitão  MôrVafco  da  Gama, 
depois  que  partio  deLisboa  a  defcobrir  as  partes  da  índia  por  mandado  d'£l- 
Rey  D.  Manoel,  té  chegar  a  Mombaça  na  Cofta  de  Melinde. 


AS  armas  j  &  os  Varôer  ajjinãlados , 
^le  da  Occidental  praya  Lufítanaf 
*Por  mares  nunca  d' antes  navegados^ 
PaJ^ãraÕinda  alem daTaprobanai 
Em  ptrigosj  &  guerras  esforçados^ 
Mats  do  qtiepromettia  a  força  humanai 
E  entre  gente  remota  edificarão 
Novo  Reyno^que  tanto  fublimáraõ^ 

AS  armas.  Coftumaó  ,  os  que  declaraõ  obrts 
alhca^.antes  que  entrem  na  declaração  delias, 
trattr  aigúas  coufas,  affim  do  Autor  da  obra ,  ti- 
mlo  delia,  como  da  ç[ualidade  do  verío ,  Ôc  intcij- 


ça©  do  Autor.  O  Autor  dcfte  Livro  foy  Luís  de 
Caniécs,  Portu^ucz  de  naçaó,narcido,6c  creado 
naCidadcde  Lisboa, de  Pays  nobres,  5c  conheci- 
dos: á  qual,  depois  de  haver  citado  muy  tos  annos 
nas  partes  da  Índia,  fc  recolheo,  òc  nellamorreo, 
6c  crtárepultadonoMoíleyro  de  Santa  Anna. Pe- 
las Armas  foy  na  índia  muyto  conhecido,  &  efti- 
madojcomo  tcftemunhaó  muytas  ptílons  dcqiia- 
lidade.que  o  conhecerão  naqtielias  partes, ôc  hoje 
cm  dia  vivem  neftas.  Quanto  á  Letras ,  eft*,  ÔC 
outras  obras  luas,  que  andaõ  iinpreflk*;,  nioíliáo 
fua  erudição,  &  engenho:  &  quam  alta  puzera  a 
rirca,re  deyxados  outros  exercif  ios,  le  d^ra  a  cilas 
de  todo.Intitula-fe  cfta  obrajOi  Lnfiaelai  de  Luís  Jt 
C<iwffí,por  traur  dos  fcytos  dos  PgrcugueZ'  s,aos 

A  quacs 


2  '    ,  Lu^ada^  de  LuU  de  Camões  Commentaàos, 

quaes  os  Latinos  chíimaô  Lufadas.  Alguns  que-  Cantando  efpalh ar ey poY  toda  aparte^ 

icnv,  que  os  Portagu^zes  íe  chamem  Lufiadas  de  Se  a  tanto  me  ajudar  o  enzenho,  &aYte 

Lufo  decimo  leptimoRcy  de  Efpanha,  que  rey-  ^         iw,   /     , 

nou  nella  trinta annos ,  de  cuja  origemnão  daó  E  também  as  memorias  gloriofaí.  Pron:ettr  tratar 

razaó  alguma.  O  nojlo  André  de  RcTende  Hh.  i.  também  dos  Reys  de  Portugal,  os  quaes  eílendc- 

gntitj.Luf.in  princ'tpio,á\zjB^\xc  dcLuíb  filho  de  Bac-  raô  a  Fé  de  Chriílo  nofio  Senhor,  tomando  n^uy- 

cho,&  que  fe  chamarão  tambcmLyfiadas  de  L)  fa  tas  terras  aos  Mouros,aírim  cm  Europa,  como  eoT 

feu  companheyro:  6c  aterra  Lufitania,  ou  Lyfita-  Africa,  6c  Afia.  E  porqueaqui  fefaz  mcnçaóde- 

niapor  eíte,iferpeyro,  o  qual  eu  figo.  Hoje  fe  cha-  ftas  partes  doMundo,tratarey  brevemente  delias, 

ma  Portugal,  de  cuja  oi*igem  fe  veja,  o  que  efcre-  para  le  entenderem  meljior  algumas  couíhs,  que 

vemos  no  canto  tcrceyro,  Oóbava  zo.  A  qualida-  no  difcuríb  deite  livro  íc  ofi^erecem. 

de  do  verfo,  he  Oélava  rima ,  verío  heróico ,  co-  Os  antigos  dividirão  o  Mundo  em  três  partes, 

mo  entre  os  Latinos,  &  Gregos,  o  Hexametro.  porque  naó  tiveraô  noticia  da  outra  novamente 

Chama-fe  Oâ:ava'"nma,  por  terçada  eítanciaoy-  defcuberta,  á  qual  porcftererpeytochamão  novo 

to  verfos.  A  tcnçaó  do  Poeta  he  tratar  do  defi;o-  Mundo.Todos  os  Gcographos  comcçaô  fua  dçí- 

brimcntPíftcçonl^uiíladalndia,  &dos  valerofos  cripçáo  de  Europa,  por  fcr  (  ainda  que  na  gran- 

feytoiém  âi^m^as.quc  õsPortuguézes  nella  fizeraô.  deza  menor  que  todasjna  bondade,  &  fertilidade 

Guarda  a  ordem ,  que  os  Poetas  heróicos  coftu-  muyto  mayor.  A  qual  Plínio  lib,  3.  c.  i.  cham.ou 

mão  guardar  no  principio  de  fuás  obras.Propocm  mãy  do  povo  vencedor  de  todas  as  gentes  ,  &a 

naqucllas  palavras:   As*rmas,  éf  ot  varões  afjina'  tnaisbella  ,&  íermo la  de  rodas  as  terras  do  Mun- 

lades.  Pede  ajuda  as  Nymphas  do  Tejo  naquella  .do.  O  que  os  antigos  quizeraó  moftrar  pelo  nome 

Qélava:  E  vh  Tágides  minhas.  Começa  a  narração  de  Europa,  chamada  no  Grego  Europi,  que  quer 

naquelle  verfo  :  Ia  no  larg;o  Oceano  navegavao,  dizer  fermofa  vifta :  como  he  notório,  aos  que  dc- 

Da  Occidental  pr aja  LuJitana.Chimi^  Portugal,  íla  lingua  tem  algum  conhecimento  ,  &  Ic  pôde 

parte  occidental,  porq  dç  todas  as  de  Europa,  ne-  ver  no  Thcfouro  da  Jingua  Grega,  no  fegundo  to- 

nhúa  o  he  m^is. Occidental  quer  dizcr,aonde  o  Sol  mo.  E  efpantomc,  nenhum  Autor  antigo  ,  nem 

fe  põem,  naó  porq  feponha,mas  porq  quâdo  o  dia  moderno  haver  dado  naverdadeyra  etymologia 

fe  acaba  ncfte  nofio  Emffpherio,parece,q  alli  aca-  dcfl:a  palavra;  crendo  todos,  que  o  nome  de  Eu- 

ba,&  fenece  leu  curfo^pelo  q  vulgarmente  fe  diz,^  ropa  lhe  veyo  de  húa  mulher  aflim  chamada,  que 

fe  põem,  como  fe  não  ponha,  mas  andecmconti-  Júpiter  furtou,  &  levou  a  Cândia,  que  commum- 

nuo  moviméto,  dando  luz  ás  terras  per  onde  pafia.  mente  fe  tem  por  fabula.  Tem  Europa  por  termi- 

Por  mares  nunca  d*antes  navegadts^  Efta  he  a  ver-  no  ,  da  parte  do  Norte,  &  Occidentc ,  o  ^rande 

dade,  que  atè  o  tempo  de  ElRey  D.  Manoel  naó  niar  Oceano:  do  Sul ,  o  Mediterrâneo:  do  Òrien- 

foy  defcuberta  a  carreyra  da  índia,  nem  fe  nave-  te,  o  Egco,  chamado  hoje  Archipelago:  a  lagoa 

gou,  como  hoje  fe  navega.  Nem  me  move,  o  que  Meotis  chamada  cm  Italiano  mar  delle  Zabacche: 

diz  Damião  de  Góes  na  hifl:oriado  PrincipeDom  o  rio  Tanais  chamado  Don,ou  Taná.  Divide-fc 

Joaó,/í^.i.c<íp.67.  pelo  que  leo  em  Plmio:  que  íc-  em  doze  partes  principaes:  Elpanha,  França,  A-  J 

râ  tal  como  o  de  Eudoxo,  de  que  trata  Efl:rabaó  Icmanha,  Itália,  Rhecia,  Vindelicia,  Grccia,  Pa-  * 

Uy.  1  fag.Ubtimeiyi.  &  tem  porfabulofo.  E  o  nof-  nonia,Efi:lavonia, Noruega,  Sarmacia,  &  Efcan- 

fo  Poeta  tinha  voto  nefl:as,  &  íèmelhantes  mate-  dia,  com  as  Ilhas  adjacentes.  Alguns  modernos 

lias.  Leaô  oscuriofosaGaípar  Barreyrosemocô-  efmiução  mais  efl:as  partes  ,  mas  tudo  oquetra- 

mcntario,  quefezda  regiaó  Ophyr ,  aonde  trata  taô  fe  reduz  a efl:as doze,  como  (e  verá  no  Canto 

efta  matéria  com  muyta  claridade,  &  verdade.  tcrceyro,  aonde  o  Poeta  trata  efta  matéria  de  pro- 

Pafjarao  inda  além  da  Taprobana.  Para  encarecer  a  pofito. 

comprida  navegação  do?  Portuguczes,  ufa  defta  A  legunda  parte  he  Africa;  deraólhe  os  antigos 

palavra  Taprobana,  á  imitação  dos  antigos,  os  eftenome,  que  quer  dizer  Quentura,  na  língua 

quaes  quando  queriaõ  encarecer  huma  coufapor  Grega,  porfer  pela  mayor  parte  muyto  quente, 

muyto  remota,  diziaó,  fcrà  na  Taprobana.  Hoje  Divide-fe  em  cinco  partes:Berberia,Numidiâ,Li- 

ie  chama  Ceylaô,  &  he  fujeytaaos  Reys  de  Por-  bya,Ethiopia,  6c  Egypto.  Ainda  que  alguns  daó 

tugal.Veja-fc  a  nofia  annotaçaõ  no  canto  decimo  Egypto  à  Afia,  outros  afazem  parte  per  fi.  Tem 

Oótava  ji.  Berbéria  cinco  Reynos:  Féz,Marrocos,Sirz,  aon- 
de eftá  Trudante,  Tremefier^i,  aonde  cae  Argel, 

2.  &  Tuncz,  que  he  apropria  Africa,  aonde  eftevc 

E  Também  as  memorias gloriofas  Carthago,  grande  inimiga  do  Povo  Romano:  a 

T>aquelle5  Reyí^qneforaõ  dilatando  qual  foy  muyto  perto  do  lugar ,  aonde  agora  eftá 

J  Fè,  o  Império. &  as  terras  viciofas  ^  ^j'^^^^  '^^'^"í  n^'  "^^  ''"*2,  """''^  ^°'^''  ^  ^^^>''''' 

T>'^Srica,&d^Jfta  andaram  devafíando.  í^^í^^"^*^^"^-^^  "«"^«^^^'^^^'^'^'^^"^  ^lÇ«^ 
t:-     -^    ,1             ^       ,            ffff^i^vu/tmiuv.  que  Ihepuzerao  osRomanos,porquenacon^ul- 
^  aqueles,  que  por  obras  valerofas  l^  jc  Africa  nenhuma  gente  acháraó  mais  barba- 
òe  vao  da  ley  dá  morte  libertando:  ra,quc  a  defta  parte;  a  qual  faz  vcntagem  hoic  e-n 

tudo 


Canto  Trlmeyro.  5 

tudo  a  rocia  a  outra  terra  de  Africa,como  Tabemos  os  naturaes,pelo  me^o  refpeyto,  chamac  Sahu- 

os  Portuguezcs,  pela  muyta  coramunicaçaõ  que  rá,  he  húu  faxa  de  terra>  que  começa  de  Oceano 

neítas  partes  temos.  Outros  lhe  daó  outras  ery-  occidtntal ,  das  comarcas  do  cabo  Bojador  ,  ate 

mologias,  que  í"e  podem  ver  em  Luís  de  Marmol  chtgnr  á  nofla  fortaleza  de  if^rguim  :  òí  vay  em 

na  priiT.eyra  parte  de  íua  Africa.  krgura  dé  lcfienía,oytenra,  ôíccmlegoas  ,  6c 

Numidia,  fe  chama aílin),porque  a  gente  defta  mais  em  partes,  atè  dar  nas  correntes  do  rio  Nilo. 

parte  naõ  vive  de  outra  coula  ,  Tenaó  da  cultiva-  He  terra  deieria,  eíUril,&  triílc,por  Itrdc  muyto 

çaó  das  terras,  &  gado,  que  tem  muyto.  Aos  dt-  grandes  areaes^  pelo  que  he  falta  do  ncccílario  pa- 

Ita  RegiaôchamáoosGregosNoroades,quequer  ra  a  vida.  EalTim  nâo  vivem  nclla,  lenaóalarveSj 

dizer paílores: os  Latines NimidaSjSc  a terraNu-  maisbiutosque  osanimaes,  que  lhe  náofaltaô. 

mídia.  Confina  efta  terra  com  humas  ferras  gran-  Donde  íe  deo  lugar  áquelia  fabula  ,  dequeOvi* 

des,  que  a  dividem  de  Berbéria,  ás  qnaes  os  natu-  dio  faz  nicnçâo  nas  íuas  Metamorphoíes,  lib,  4. 

rricschamaô  AyvacaJ,Sc  os  Latinos  Atlâremayor,  Que  quando  Ferfeo  matou  a  Medula  ,   paílardo 

à  diífercnça  de  outras,  a  que  chamâo  Atlante  me-  com  íua  cabeça  pelo  ar  cm  cima  do  cavailo  Fega- 

nor:  6c  os  Africanos  Errif,  queeftaó  ao  longo  da  fo,  do  langue,  que  da  cabeça  cahionaquellas  par- 

coíladomar  Mediterrâneo.  Hojelechamaõ  vuU  tes,  ficou  chea  dt  cobras,  &  bichos,  de  que  tem 

garmente  MontesClaros.Tem  Numidia  três  Pro-  abundância. 

vincias:Drá,Todegà,Sc  Tophilete.Drà  le  chama  Ethiopia,  quarta  parte  de  Africa,  he  terra  lar* 
aílim,dehum  riodo  raefmo  nome,que  dcfccdos  ga,  6c  quafitoda  fujeyta  ao  Preílejoaó  ,  Senhor 
Montes  Claros ,  6c  a  rega  por  cfpaço  de  íeííenta  daquellas  partes,  É  Icgundo  o  que  íabeinos  por 
legoas:  nasquaes  todas  ao  comprido,  &  huma  de  relações ,  &  eícritos  de  noílos  naturaes,jaz  o  eíta- 
largo,  de  huma,  Sc  outra  banda  do  rio  hecheade  dodcfte  Príncipe  entre  as  coi rentes  de  três  muy 
palmares,de que tera  o Xarife  grande  tributo. Nd  famoíos  nos:  Aítaborá,  Nilo,  Ôc  Aftapo,  deque 
fim  delia  Província  eftâ  huma  Cidade  chamada  Ptclomeo  faz  menção  na  qual  ta  taboa  de  Africa. 
Quitauga,  na  entrada  do  deíerto  ,  aonde  levaó  o  Chama*le  Ethiopia,  por  os  moradores  daquellas 
ouro  da  grande  Tumbuquutu.  He  a  maispovoa-  partes  íerem  negros ,  que  iífo  íigoifíca  a  palavra 
da  tcirado  mundo  ,  porque  no  dito  elpaço  de  na lingua  Grega.  DonomedoPreífeJoaó,  &  da 
leflenta  legons,  tem  mais  de  trezentas  villas,&  lu-  grandeza  de  leu  Rey no  trata  Jctõ  de  Barros  lar- 
gares de  calas  grandes,  Scfobradadas,  mas  fracas,  gamente  na  terccyra  década.  Os  Reys  de 
por  ferem  feytasde  area,6c  paos  depalmajpíirn&õ  Portugal  tem  também  muyta  parte  na  Ethiopia, 
haver  na  terra  pedra,  nem  outra  madcyra:ôc  vale-  como  laô  os  Rcynos  de  Sanagá.,Ganibca,  Guincj 
lhe  chover  poucas  vezes  naquellas  p^irtes,  porque  Manicongo,  Jaloph,  Cantor,  Mandirga:  as  Ilhas 
fe  acerta  de  chover  dous.  ou  três  dias,  dâ  com  to-  do  Cabo  verde,  Saó  Thoni  c,  Sc  Príncipe,  a  grau  - 
das  as  caías  no  chaó.  Crio  Drá,  ainda  que  he  de  de  ilhadeSaõ  Lourenço,  Quilòa  Mcrrbaça,Me- 
muyta  agua,  não  chega  ao  mar,  porque  o  forve  a  linde,  &  outras  naqutlía  coíla.  Egypto  ,  quinta, 
terra  nosarcaes  de  Libya.  Mantemleagente  de  Sc  ultima  parte  de  Africa,  que  m.uytos  (como  fi- 
Drá,  ôc  Taphilete,  que  confina  com  ella,  de  tama-  ca  dito  )  affinaõ  a  Afia  ,  foy  primcyro  chamada 
ras ,  ôc  com  os  caroços  d.llas  pifados  fe  íuftenta  o  Aeria,  por  fêr  ifenta  das  alterações ,  2c  tempcíh- 
gado.  Entre  os  palmares  feda  o -anil,  como  o  que  des,  que  fuccede  haver  em  outras  partes;  por  tcf 
vertida  índia,  que  ferve  paratingir  azul,  &  preto,  femprc  nella  oar  claro,5c  limpo  de  névoas,  Sc  nu- 
Taphiletetemelienomede  huma  Cidade  pnnci-  vens,  6c  por  fer  terra  muyto  temperada.  Pelo  que 
pãl  damefmaProvincia.  As  cafas  faô  como  as  de  nem  os  (rios  do  inverno,  nem  as  calmas  do  verão 
Dra  pelas  raeimas  razões.  Tem  algCias  minas  de  laó  taes,  queoffendão,  6c  tratem  mal  a  gente.  A- 
fal,  que  levâo  em  Camelos  a  Tumbuquutu,para  gora  fe  chama  Egypto,  de  híã  filho  de  Etllo  Rey 
dará  troco  de  ouro,  donde  trazem  muyto,  peloq  deBabylonia,  allim  chamado,  que  toy  Rey  delU 
efta  terra  he  muyto  rica  dclle.  He  efta  grande  Ci-  Província  feílenta  6c  oytoannos.  Tem  da  parto 
dadedeTumbuqiiutU5nagráde  província  Jaloph,  do  Occidente  osdclertosde  Libya,  Marmarica, 
diítante  do  rio  Sanagá  por  cfpaço  de  três  legoas.  6c  Barca:  do  Oriente  Afi  1,  do  Norte  o  mar  Medi- 
He  de  grande  concurlb  de  mercadores  de  diffe-  terraneo,  doSul  oRcyno  de  Nt.bia.  Temmuy- 
rcntes  partes,  por  refpeyto  do  muyto  ouro,  que  to  grandes  Cidades,  Villas,  6c  lugares,  de  que  he 
vem  ter  a  ella  da  Província  Mandinga. Taphilete,  rouyto  povoada.  He  fértil,  6c  abundante  de  todas 
6c  Drá  faõ  de  gente  baça.  Os  deTodegá,quec{-  ascoufas  neceílarias  para  a  vida,  como  diz  Piinio 
taô  nomeyo  por  efpaço  de  fcífenta  legoas,  pouco  lib  zi.c.t^.  pelo  que  os  antigos  lhe  chamarão  PU" 
mais  ou  menos  f-iõ  alvos  como  Framengos  ;  mas  bUcumorbu  fj9rreuWyCc]\pyTO  publico  do  mundo.  E 
poente  bruta,  6c  boçal,  vivem  elpalhiidospeloCer-  porque  ao  diante  me  hadefcrncceflario  tratar  ai- 
taó  dentro,  tey tos  paítorcs,  6c  lavradores.  Naõ  gCias  coufasdcrta  Província,  6c  de  alguns  lugar.-s 


ha  nerta  terra,  lenáo  algum  trigo ,  6c  fruy tas,  de 
quefelurtcntaó. 

Libya,  terccyra  parte  de  Afrí  ca,chamada  aflim 
dos  Gregos  por  fuaiecuru,  6ccílenlidade:  a  que 


feus,do  nafcimento  do  rio  Niío  ,  &  caufis  do  íeu 
crecimento,  6c  outras  coufas  dignas  de  fe  fabcr,o 
não  faço  aqui. 

Afia,terceyra  parte  doMundó,hc  íó  per  fí  mtiy - 
Al  to 


4.  Lupadas  de  Luís  de  Camões  commentaàas\ 

to  mayor  que  Europa  ,  &  Africa.  Dizem  alguns,     zinha  à  nofla  Europa  he  a  da  cafa  Ottomana  ,  & 
que  fe  chamou  aíTinijde  Afio  filho  de  Maneio  Ly-     Império  do  Turco,quc  começa  cm  Conílantino- 
dio;  outros  de  Aíia  filha  de  Promcthco:  &  outros     pia  ,  &:  he  fenhor  de  niu)  tas  Províncias  na  Aíla 
lhe  daó  outras  derivaçóes,&  origens,  como  lhe  dá     mayor.  &  menor.  A  fegunda,  he  aquclla  parte,  q 
gofto.  Outros,  qucrendo-le  conformar  como     cae  ao  SeptentriAÓ  ,  fujcyta  ao  graõ  Duque  de 
Grego,  dizem  que  fe  diíle  aííim  de  aíis ,  que  quer     Mofcovia.  A  terceyra,  ôí  mais  Oriental,  chama- 
dizer  lodo,  ou  lama:  por  ferem  algúas  partes  delia     da  Tartaria  do  graõ  Cão ,  que  cflim  (e  intitula  o 
íujeytasa  grandes  enchentes  dcmuytos,6c  gran-     Emperador  dos  Tártaros  :  porque  naquclla  lin- 
des rios ,  que  a  regaó.  Mas  outro  lodo  ,  &  lama     gua,f^/«w  C^w.qucr  dizcr,Grãdc  lenhor.  A  quarta 
lhe  acho  eu  mayor  ,  que  íaó  as  grandes  fuperlti-     he  a  teira  do  lenhor  da  Períía, chamado  entre  ellcs 
çóes,genrilidades,&  abominações  ,  que  a  mayor     Sophi :  palavra  entre  os  n  cimos  de  preeminência, 
parte  deílas  terras,  &  Reynosteve,  Ôc  rem,como     6c  império,  como  entre  nós  Emperador:  oqual  he 
he  notório  ao  Mundo.  Porque  hús  adoráo  o  Sol,     fenhor  de  todo  o  Meridional  da  Aíia.  Aquinta,  Sc 
outros  a  Lua, outros  o  Boy,  ouiros,diíferentes  a«     ultima  paite  comprehende  a  índia,  6c  China,aon- 
nímaes :  &  tem  outras  torpezas  indignas  de  fe  cf-     de  ha  differentcs  nações.  Aqui  tem  os  Portuguc- 
creverem,  6c  hoje  faõ  fabidas  pelo  muyto,  que  os     zes  muyta  parte. 

noííos  Portuguezeá  tem  tratado,  &  trataõ  em  ai-         A  quarta  parte  do  Mundo  ,  de  que  os  antigos 
gúas  déftas  partes.  Pelo  que  fepó'ledizer,ferfua     naô  tiveraó  conhecimento  ,  fe  chama  America, 
verdadeyraecymologia  tirada  do  Grego  aíios,  q     do  nome  de  fcu  defcubridor  Vcfpucio  Amcricc, 
querdizer,  lem  Deos  :  por  os  moradores  deílas     Florentino.  Chamaíe  também  novo  Mundo,  af- 
partes  ferem  diílblutos ,  5c  defenfreados  cm  fcu     íim  por  fua  grandeza,como  por  fcr  novaméte  dcí^ 
modo  de  viver,  &  por  efte  refpeyto  gente  fem     cuberta.   Os  que  lhe  chamáo  índias,  ainda  q  daó 
Deos  ,  perdida  ,  &  errada  no  conhecimento  da     alguma  fahida  a  efte  nome,  ufaó  do  vocábulo  im- 
verdade.  Nem  he  inconveniente,  quehouvefie     propríamétc:  porque  índias  fomente  fe  entendem 
fcmpreem  Afia  muyta  Chriftanlade,  Scqucho-     asOrientaes,  ditas  aíTim  por  razaó  do  rio  Indo 
jc  em  dia  a  haja:  antes  he  de  crer  que  aqucllcs  ían-     que  as  rega.   O  principio  do  defcubrinento  deftc 
tos,&  doutiílimos  Varões  lhe  puzeraó  efte  nome,     novo  Mundo  contmuou  hum  Chriftovaó  Co- 
vendo  o  grande  defâtino,  &(íe{variodefta  gente,    lombo,  Genovez  de  nação  ,   por  mandado  dos 
EjaSailuftio  ,  &  Tito  Livio  em  fcus  tempos  fc     Reys  Catholicos  Dom  Fcrnandc,6c  Dona  Ilabel, 
queyxavãodograndedano,queos  Romanos  rc-     noannode  1492.  Hoje  he  dcfcuberta  toda  eftaA- 
ctbião  com  acommunicaçaó  da  gente  da  Afia,     mcrica,  ou  novoMundo,  laivo  no  que  toca  ao 
porfermolle,  &  afeminada,  ôc  entregue  a  todo     Nortr,dódefe  cftendepara  oSul,a  n  ©do  deduas 
género  de  vicio:  o  que  fe  apegava  aos  Romanos,     peninfulas  ,  as  quaes  aparta  hu  ma  pequena  terra, 
que  aportavão  áquellas  partes.  E  afíim  lhe  chama      A  peninfula  Scptentnonal  comprehende  a  nova 
o  Poeta  terras  viciofas  ,  por  os  moradores  delias     Efpanha,  México,  Florida,  ôc  Terra  nova.    A 
ferem  dados  a  todo  género  de  vicios.    Eftes  faõ     Meridional  (  a  quem  os  Efpanhots  chamão  Ter- 
hoje  os  moradores,  em  grandes  Reynos,  &  Pro-     ra  firme  )  abraça  o  Peru,  &  Brafil. 
vincias.  E  os  que  efcapaó  defta  torpeza,  &  lodo 

genrilico,  daó  em  outro,  que  he  a  maldita  feyta  V 

de  Mafamcde.  Bem  he  verdade  que  nas  partes  da     f^Effem  dofabio  Grego  ^  &  do  Troyano 
índia  té  os  nofibs  Portuguczes  feyto  grades  pro-     l    ^  ^j  navegações  fraudes,  que  fizer  ao: 
vey  tos  nas  coulas  da  Fr  :&c  que  ha  nella  muy  tos,     ^Ca/efe  de  Alexanaro^&  de  Trajam, 
ScmuyfirmesChriftaosi&cadadiaaBandeyrade  . r        j        ■*.   ■  *•        - 

Chriftofedeíenrola  em  novos  Reynos  ,  aonde         Afama  das  vitorias ,  que  tiver  ao, 
muytos  Rehgiofos  com  zelo  fanto ,  &  caridade         ^^^  ^«  ^"^^^^  ^P^J^^  tllujtre  Lujitano,^ 
grãdilTima,  le  põem  em  muy  certo  perigo  de  per-         A  quem  Neptuno, &  Marte  obedecerão: 
der  a  vida,  por  ganhar  almas  a  Deos,  arrancando         CeJJe  tudo^  o  que  a  Mufa  antigua  cantay 
idolatrias  dos  corações  dos  gentios ,  drsfazendo        ^e  outro  valor  mais  altofe  alevanta. 
Ídolos,  6c  dando  os  Templos  a  quem  faõ  devidos. 

Tem  Afia  por  termino  da  parte  do  Oriente,Nor-  Celjim  dofabio  Grsgo.  Por  fabio  Grego,entcnde 
te,  6c  Sul,  o  grande  mar  Oceano  :  doOccidente,  Ulyfle»  fenhor  de  Itaca  ilha  do  mar  Jonio, chama. 
orioTanais,  queadivide,  6c  aparta  da  Europa,  da  hoje  Valle  de  Compare:  6c  primcyrofundador 
juntamente  com  a  lagoa  Meotis,6c  mar  Egeo.Da  de  Lisboa.  Se  he  verdade  o  que  alguns  dizem.ôc 
Africa  a  divide  o  mar  roxo,  6c  húa  linha,  que  paf.  o  nofib  Poeta  refere  no  canto  cytavo,  Odava  5. 
fadodiro  mar  ao  Mediterrâneo,  que  eftánotada  FoyefteUlyiTcs  taó  avifado,  6c  taõ  aftuto,  6c  fu 
de  negro  na  cai  t::  Gcographica  de  Gafpar  Vopel-  gaz  em  íua  viJa,  6c  modo  de  proceder,  que  lhe  fi- 
lio, a  grãos  6^.  de  longura.  Os  antigos,  6c  moder-  cou  por  appellido  o  Sábio.  Suas  coufas  cota  Ho- 
nos  varião  na  divilaõ  da  Afia.  Hoje  íc  pôde  divi-  mero  na  Odyí!.'ía,que  toda  gafta  cm  tratar  delias, 
dir  em  cinco  parter,rcfpeytando  os  Principes,  q  a  pelo  que  a  intitulou  do  leu  nome. 
governaô,Scfcnhorcâõ.  Apiimeyra,  6c  mais  vi-        E  do  Troj ano.  EàcícyEntaiBWio  deAnchircs, 

6c 


Canto  Trimeyro,  ^ 

5<;  Vénus;  oqualdepois  dedeftruida,  8c  queyma-  outra  banda  dos  rios  Tigris,  &  Eufrates:  como 

da  Troya  fua  pátria,  fugindo  da  fúria  dos  Gregos  Suria,  Babylonia,  Chaldea,  &;  eutras  Províncias: 

vencedores,  paflbu  grandes  trabalhos  no  mar  até  entrou  pelo  rioTigris  ao  mardaPeríia,  donde 

chegar  a  Itália;  os  quaes  conta  Virgilio  na  lua  E-  determinou  paflar  á  índia,  &  conquiftalla;  mas  a 

neida  :  o  que  pudera  bem  fazer  lem  tocar  na hon-  idade  (por  ferjamuy to  velho)  naó  lho  confcntioj 

ra  de  Elifa  Dido,  que  Eneas  nunca  vio,  nem  co-  pelo  que  dalli  tornou  a  Roma. 

nhecco.  Lembro  ao  Leytor,  que  tudo,  oqVir-  A e^uem  Neptuno  ,  &  Marte  ebedecerao.   Os  anti- 

giliocfcreve  dos  fucceflbs  de  Eneas  :   Homero  gos,  cegos  no  conliecinicnto  dcDeos,  adoravana 

dos  trabalhos  deUiyncSj&  Valério  Flaco  da  jor-  pordeoles  a  Neptuno  do  mar,&:  a  Marte  da  guer- 

nada  dos  Argonautas ,  em  comparação  dos  Por-  ra:  fendo  aíTim  eftes,  como  Júpiter,^  outros  que 

tuguezcs  he  quaíi  nada.  Porque  a  navegação  dos  elles  tinhâo  na  mefma  conta,  homens, 6c  nãobósi 

Argonautas  foy  muyto  breve,como  he  de  Grécia  antes  difiolutos ,  &  tyrsnnos.  Mas  como  elles  er- 

aorioFaíode  Colcos,  regiaõ  da  Afia  ,  fempreá  ravaô  no  principal  ,  tmhaõ  por  deofes  homens 

villa  de  terra:rahindo  a  cadapaflo  nella,  jantando  peccadores,  &  de  maoscollumes,  para  darem  def- 

cmhum  porto, Sc  ceando  cmoutro.O  caminho,q  culpa  a  feus  próprios  vicios.  Pelo  que  avifo  ao 

UJyfles,6c  Eneas  fizerác,foytambé  muyto  breve,  Leytor,  queoffercccndo-fe  fallar  neftes,  ou  em 

porque  nunca  íahiraó  do  mar  mediterrâneo. Pelo  outros  alguns  deofes  dos  gentios, entenda  que  faõ 

que  tudo,  o  que  dcilcs  fe  efcrcve ,  íaõ  fabulas ,  &  fabulas,  &  fingimentos,  &  que  he  ncceíTario  tra* 

encarecimentos  de  Poetas ,  que  naó  tendo  outra  t3r  delles  algúas  vezes ,  para  declaração  dos  Poe* 

matcria,de  que  lançar  maó,quizcraômoftrar  feus  tas,  como  neftc  lugar.  Onde  por  eftas  palaVrasí 

mgenhos  ncftas  mentiras,  5c  patranhas. Os  noflbs  a  quem  l^eftun9^&  Marte  ooedeceraZ:  quer  rnoftrar 


Portuguczc-s  Correrão,  êc  defcobriraô  tantos  ma- 
res, viráo  tantas  Ilhas,  conquiftáraó  tantas,  &  taõ 
varias  nações,  6c  terras ;  que  para  ícus  feytos  fe- 
rem como  faõ ,  differentes  de  todos  os  do  n^undo, 
naó  lhes  faltou,  íenaõ  quem  os  efcreveire,&  cele- 
braíTe  como  elles  merecem.  E  trazer  o  nolTo  Poe« 
ta  a  terreyro  Ulyfles,  Sc  Eneas,  he,  pelo  que  delles 
bbulota,  6c  poeticamente  e  diz ;  &  naó ,  porque 
fejaõ  fuás  navegações ,  &  trabalhos  dignos  de  fe 
comparar  com  os  dos  Portuguezes. 

CAÍefe  de  Alexandra  ,  é^  de  Jrajano»  Alcxandro 
chamado,  o  Magno,por  fua  cavallaria,  6c  esforço, 
foy  filho  de  Philippo  Rey  de  Macedónia,  6c  an- 
tes do  Nafcimento  de  Noflb  Redcmptor,6c  Sal-     alludir  áquclle  difticho  taõ  celebrado  >  feyto  em 
vadorJeíuChrifto,  trezentos,  6c  vinte  6c  quatro     louvor  de  Virgilio: 

annos :  6c  natural  da  noíla  Europa.  Conquiílou  Ceditf,  Romani  Scriptoresy  cedite  Graijt 

Afia,  paflbu  à  índia, atravcflando  Perfia,&  Arme-  Nefcio  ^uidmaius  nafcitur  Úiaãe, 

nia,  6c  outras  muytas  Pi  ovinLÍas,6c  Regiões,  nas     Eílem  de  parte  os  Efcritorcs  Latinos  ,  6c  Gi*e* 
quaes  houve  grandes  vitorias.    EftegnndcEm-     gos,  que  agora  novamente  fae  a  luz^  hum  naó  fey 
perador,  6c  Capitão,  lujeytando  o  mundo,  6c  ven-     que>  mayor  que  a  Ilíada  de  Homero, 
cendo  varias  nações,  não  fe  foybe  vencer  a  fi  mef- 


o  esforço,  com  que  os  Portuguezes  fe  offercceraó 
aos  traba]hos,6c  perigos:  6c  como  navegando  ma- 
res incógnitos,  parecia,quc  as  próprias  aguas  lhes 
obedeciaó.  E  nas  guerras,recontros,  Sc  batalhas 
fe  haviaõ  taõ  valerofamentc  ,  que  á  cuíla  de  muy- 
to fangue  de  feus  inimigos  ,  fahiaó  com  a  vitoria, 
6cpareciaõ  fcnhores  da  melma  guerra,  6c  que  era 
mandada  por  elles. 

Cejpt  tudo,  o  cjue  a  Muj a  artúgua  canta.  Tudo  o  q 
os  antigos  Poetas,  6c  Hiftoriadores  eícreveraó  de 
feytos  excellentes  de  Varões  illuítrcs ,  diz  o  Poe- 
ta, que  fe  pôde  pòr  â  parte, em  comparação  do  que 
ellehade  tratardes  Portuguezes.  iNo  que  parece 


mo:  porque  foy  muyto  foho  no  beber;  pelo  que 
diz  Solino  no  fcu  Polihilt.  cap.  14.  que  morreo  de 
rinho.  Outros  querem  q  morreffe  com  peçonha, 
6c  que  feu  meftrc  AriftoteJes  foflc  em  ajuda  de  fua 
morte.  Trajano  Emperador  dos  Romanos,  foy 
Efpanhol  de  naçaó ,  natural  de  hum  lugar  cha- 
mado antiguamente  Italica,cinco  legoas  de  Sevi- 
lha: do  qual  hoje  naó  ha  memoria;  porque  o  tem- 
po fez  feu  officio  ncUe ,  como  em  outros  muytos; 
pelo  que  os  Efcritorcs  o  fazem  natural  de  Sevi- 
lha. Foy  cfte  Emperador,  omclhor  (fegundo 
fe  dclle  efcreve )  de  todos  os  Emperadores  gctios; 
cm  tanto  que  quando  fe  creava  algum  novo  Em- 
perador, diziáo  em  voz  alta:  Shfelicior  Augufto^  & 
Jrajano  melior.  Sejas  mais  felicc  que  Auguílo,  6c 
melhor  que  Trajano:  como  refere  aChronica  do 
mundo,  pag.  10^.  i„ fgxta  atate  mundK  Sujeytou 
Trajano  toJos  os  Rey  nos,  quccílaõ  de  huma,6c 


Eybs  Tágides  minhas ^pois  criado 
Tédes  em  mim  hu  novo  engenho  ardete^ 
Sefempre^  em  ver/o  humilde,  celebrado 
Foy  de  mim  vojjo  rio  alegremente: 
^ayme  agora  hum  fom  alto^  &  fublimadol 
Hum  eftylograndíloquoy  ^  corrente^ 
Torque  de  voj^as  aguas  Thebo  ordene, 
^e  não  tenbão  inveja  às  de  Hippocrefíe^ 

E  vè$  Tágides  Mtnbat.  Até  cila  Oílava  propòa 
o  Poeta,  o  que  havia  detratar  nelle  feu  Livro.  Pe- 
de agora  ajuda,  6c  favor  ás  Nymphas  doTcjo,por 
efcrevercoufasde  Portugal,  por  onde  o  rio  Tejo 
pafla,  6c  por  honrar  fua  Pátria  ,  attnbuindclhe 
Nymphas.  E  chamalhe  Tágides,  por  eílc  Rio  cm 
ktim  fc  chamar  J^gui,  AsNy  mphas  fingiaõ  os  an- 
tigos 


Lujiadas  de  Luis  de  Camões  Conmientadôs, 


tam  necefiario,  dizo  noílbPoeta,  que  fua  Pátria 
criou  nelle  hum  engenho  ardente. 

SefeTKprs  em  verjo  humúde.  Poe m lhe  diante  a  o- 
brigaçaó,  que  tem  de  o  favorecer  ,  pois  toda  Tua 
vida  gaílou  cm  leu  ftrviço,  cantando,  &  louvan- 
do osPortuguezcs,&coulas  de  Portugal, as  quaes 
pelo  rio  Tejo  entende.  Verío  humilde  ^  chama 
Éclogas,  Elegias, &  outras  coufas,  que  compôz: 
ás  quaes,  por  naõ  lerem  em  verlo  heróico  ,  ncai  de 
coufas  heróicas,  lhe  põem  nome  de  humildes, co- 
mo os  Poetas  coftumaó. 

/alegremente.  O  que  he  de  agradecer,  &  por  eíle 


6 

tigos  fcr  deofas  c|  viviaô  ao  logo  dos  nos,  &  fon- 
tes, &  em  lugares  frefcos,  6c  apartados  do  com- 
mercio,  &c  trato  da  gente,  Davaólhe  efte  nome  ^e 
Nymphas,  porque  alguns  nalinguaGrega  cha- 
niaó  ás  aguas  nymphi.  E  porque  os  lugares  mais 
accommodados  a  gente  eftudiofa,&;  dada  ao  exer- 
cício das  letras ,  principalmente  á  Poeíia  ,  laõ  os 
deleytofosâ  vifta,  acompanhados  de  fontes  ,  & 
rirs,  em  que  fingiaó  os  antigos  que  as  Nymphas 
reíidiaõ  ,coílumáraó  os  Poetas  invocallas ,  como 
Protectoras  íuas,  como  faz  o  noíTo  Lu  is  de  Ca- 
mões. Alguns  querem,  que  Nymphas,  ficMufas 

ícjaõ  a  mefma  coufa.  Das  Mufas  fe  veja  o  que  ef-  refpeyto  merece  o  favor  que  pedc.Porque  as  cou- 

crevemos  no  Canto  5.  0<5lava  i.  ias  fcytas  devagar, ou  alcançadas  com  importina- 

Tentles  em  mim  hum  novo  engenho  ar cUnte.  Com  çaõ,  merecem  pouco  agradecimento.  Donde  di- 

muyta  razaó  o  nofib  Poeta  chama  aqui  ao  feu  cn-  zé  os  Latinos  :  Care  confiat  quodprecibui  impetratur, 

genho ,  novo,  &  ardente.  Porque  não  fomente  Caro  cufta,  o  que  por  rogos  le  alcança.  E  os  Gre- 

cm  Portugal,  mas  ainda  em  toda  Efpanha  ,  até  feu  gos:  A  graça  feyta  devagar,  hc  graça  Icmgraça,' 

tcnipo,nunca  nafceo  ncHe  outro  algum  engenho^  §Lue  não  ttnhm  enveja  as  ãe  fíippocrene.  Pede  aju- 

que  fe  moílraíle  taõ  digno  do  nome  de  verdadey-  da  ásNymphas  doTejo,  para  que  deftamaney- 

ro  Poeta,  como  foy  o  noiTo  l,uis  de  Camões,  por  ra  fiquem  as  aguas  defte  Rio  conhecidas  ,   ôc  no- 

niais  que  as  hiftorias  de  Efpanha  engrandeçaó  aos  meadas  ,  como  asdafonte  Hippocrene.  Conta» 

Jeus  Efpanhoes,  Séneca,  Lucano»  Marcial,  Bof-  defta  fonte  as  fabulas ,  que  todos  os  que  bebiaó 

can,&:  GracilaíTo,  ôc outros  famolosPoetasi  co-  dclh,ficavaó  Poetas.  Chama-feHippocrenc  de 

mo  das  obras  de  cada  hum  dellcs  confta  claramen-  duas  palavras  Gregas  Hippos ,  e^  crwty  que  juntas 

te.Pois  com  tanto  artificio  foube  o  noílo  Camões  querem  dizer.  Fonte  do  cavallo.  Porque  fingem 

ordenar  os  Luí^adas,  que  aqui  vamos  explicando,  os  Poetas,que  quando  Perfeo  filho  de  Júpiter  ma- 

que  quem  ler  a  mayor  parte  da  Poefia  dclles,  a  ca-  tou  a  Medufa,  do  íangue  que  lhe  cahio  da  cabeça^ 

da  paílb  lhe  parecerá  que  encontra  com  Virgilio,  fe  gerou  hum  cavallo  com  azas ,  a  que  os  Poetas 

ôccom  Homero,   Principes  da  Poefia  Heróica,  chamãoPegafo,  dandolhe  o  nome  do  lugar  enni 

Latina,  &  Grega  ,  ainda  que  com  tanto  mayor  que  nafceo.  No  qual  cavallo  fubio  Perfeo .  &  foy 

vcntagem  ,  como  ha  do  vivo  ao  pintado.  Pois  o  nelle  a  Boecia  ,  écpoufando  no  monte  Helicon, 

cfpirito  heróico  que  ambos  moftrâraó  em  ashi-  abrio  no  lugar  aonde  le  póz,  humafonte  cem  as 

liorias  fabulofas  que  fingirão  ,   feeftâvcndoo  mãosj  que  por  eíle  refpeyto  foy  chamada  Hippo- 

noílb  Camões  em  tam  verdadeyra  hiftoria  ,  co-  crcnc,  que  (como  fica  dito  )  quer  dizer  fonte  do 

mo  faõas  nofias  conquiftas :  8c  ifto  com  eípirito  cavallo.  Querem  alguns  fe  deíle  occafiaõ  a  eíla 

taõ  levantado  ,  &  tr.õ  heróico ,  fublime  ,  Sever-  fabulado  que  fe  conta  de  Cadmo,  qucbulcando 

dadeyramente  Poético  ,   que  igualou  na  relação  por  Boecia  lugar  para  edificar  Cidades,  andando 

deftas  verdades,  com  o  encareciment©  das  ficções  de  huma  parte  para  outra  á  cavallo,  foy  dar  ncfia 

fabulofas  dos  mai.  famofos  Poetas.  Sendo  verda-  fonte.  E  porque  elle  era  homem  que  lábia,  &  in- 

de,  qucnem  osantigoj,nera  modernos,  quealgúa  ventou  algúas  letras  do  alphabeto,  daqui  fe  difie, 

hiftoria  verdadeyra  compuzeraõ  em  verfo,  o  po-  q  eíla  fonte  era  dedicada  ás  Mufas.  De  Medufa  fe 

déraõ  fazer  fem  introduzirem  nelles  novas  peíloas,  vejaanoíla  annotaçaõno  terceyroCanto,0<5b.7(J, 


1 


ja  mais  nomeadAs,ncm  fingidas  na  Poefia  antigua; 
da  qual  os  preceycos  rhetoricos  mandaõ  tirar  o 
ornamento  Poético.  E  o  nolIo  Camões  de  tal  ma- 
neyra  foube  accõmodar  os  paflbs  da  hiftoria  ver- 
dadeyra, com  tantos  milhares  de  fabulas,  como 
aqui  refere;  que  até  as  imitações,  que  como  ver- 
dadeyro  Poeta  aqui  faz,  parecem  puras  verdades; 
de  tal  maneyra  encadeadas,  Reintroduzidas,  que 
com  ellas  fe  naõ  diminue  'hum  ponto  do  credito 
€|uc  á  hiftoria  verdadeyra  fe  deve.  Ficando  ellas, 
alem  do  ornamento  Poético,  para  que  fàõ  princi- 
palmente inventadas ,  abrindo  caminho  aos  en- 
tendimentos allegoricos,  para  muytas ,  &;  muy 
doutas  moralidades,  proveytofas  ao  governo,  & 


D  /íyme  hua  furta  grande  j  &lunorofa^ 
E não  de  agrejfe  avena ^oufrauta  ruda, 
Mts  de  tuba  cãnoraf^belllcofa^ 
^ue  opeyto  ãccende^&  a  ccraogefio  muda, 
"JJayme  igual  canto  aos  feytos  áafamofa 
Gente  voffa^  a  que  Marte  tanto  ajuda: 
^le  ft  efpalhe_,  &  Je  cante  no  un/verjoj 
Se  tamfub  Ume  preço  cabe  em  verfo, 

Dayme  hHa  fúria granàe.  Oròimno  he  entre  La- 
tinos ,  &  Gregos  chamaremfe  os  Poetas  funofos. 
Donde  diflePlaiaó,  in  lone  ^  'vei  de  funre  Peetico: 


aos  coftumcs  da>Refpublicas,para  que  principal-  Necjueenim  Pueta  pxtus  canere  potefí.  ejuàm  Oeo  plenus, 
mente  as  Poefias  le  inventarão.  E  por  efte  calor  extra  fe  poetai,  ae  mente  alienatus/it,  Opoeia,diz 
intrinicco ,  que  para  çftas  allegorias  Poéticas  hc     Plataó,  naó  pódc  efcrever  feys  veifos,  ícnão  cilã- 

do 


Canto  Trlmeyrol  ^ 

docheyodcDcos,  &  arrebatado.  E  no  mefmo         MarHVtlhã  fatal  ^a  nòjffatJaâêí 
lugar:  Omnes  Poeta  tnfigmi  non  arte^feddivmo  affla^  "^Dado ãomuftdo pOY^ecS^  á  todo  O  mâfldé 

lu ,  foe7nat0  c^n.nt.  O.  Poetas  inílgJKsnuofazem         y>^^^  ^^  tnundoaTieos  dar  torte  QY ande 
luas  obras  por  ai  te,  mas  com  eipinto ,  cc  ajuda  dl  ^  ^  ^ 

\Mn3.  ECiceróith.z.  Je  Orattre:  Poetam  bonumne"  Evis,o  hmríafaJa  feguraHça»  InvocaaElRey 

rrÃmm  {id c^tiod d  Dtrnomto ,  &  PUtom  m/criptísre-  Dom  Scbaíliaó  deldeeíte  lugar  até  a  06lava,que 
l^ílum  ejje  dícunt^fim  wfiamwettone  anmjorum  txtfie'  conieça:  Méi  itn  quanto  e/ie  ttmpo  pa£a  Unte:moih'9, 
r,i\poJJe,  &  fine  p^uodam  affiatu  cjuafifuroris.  DizCi-  a  felicidade  deite  Reyno,  aflítn  por  leu  naicimen- 
cero  referindo  a  Plataó,  &  a  Demócrito,  que  ne-  to  taó  defejado  j  &  íegundo  a  commum  opinião 
nhum  Poeta  pófJc  fer  grande  lemfuna.  Pelo  que  neceflauo  para  fegurança  j  &  bem  dellc  ;  como 
nem  a  todos  os  que  fazem  verfos ,  havemos  logo  também  pelas  cíperanças  ,  que  íe  tinhaôdo  aug- 
de  chamar  Poetas.  He  efte  hum  nome  muy  alt^:,  mento  da  Chriftandade,  procedendo  com  ascou- 
íc  que  fenaó  deve,  fenáo  aqucmfor  cxcellcnte,  fas  da  índia,  Sc  Africa.  Captalhe  a  benevolência 
&  infigne  na  Poeíia.  cora  muyto  artificio  de  Rhetorica  ^  como  pelai 

E  nao  de  agrefie  avena,  iu  frauta  ruda.  Pede  .ás  0<^avas  lemoftra^  Efte  coftume  de  invocar  os 
Nymphas,  lhe dem  huma  fúria  grande,  &hum  Principe?,  &  Senhores  ,  foy  muyto  ufado  entre 
cípirito  Poético, fublime  ,  &  exccllentc,  qual  fc  osgrandesPoetas:affimofezLucsno  na  fpa  Phar- 
rcquefcparacfcrever  os  heróicos,  Ôcexccllentcs  íalia,  Virgílio  nas  GeorgicaS)  Horácio  cm  todos 
feytos  dos  Portuguezes  :  o  que  declara  por  eftas  os  feus  livros,  8c  outros  muy  tos. 
•o^hvTzr.  &  nai  de  agrefie  avena^tufrautàruda:  pe-  Maravilha  fatal  da  mjja  id^de.  Chamalhe  mara* 

Jssquaes  le  entende  o  eílylo  bayxo»  êcpaftonl.  vilhafatal,  affim  pelas  grandes  coulas,  que  dellô 
Porque  huma  certa  frauta  dos  pallorcs,  fe  chama  fe  elpcrav  áo;  como  porque  f  oy  dado  a  efte  Rey- 
avena  em  latim:  do  nome  de  híiaherva,  a  que  nos  no,  por  lagrimas,  romarias,  &  procifsóes,  &  qua- 
cm  vulgar  chaman;.os  avéa,  da  qual  ospaftores  li  alcançado  por  importunações:  o  que, parece ,de« 
antiguamcnte  coftumavão  fazer  frautas,com  que  clara  naquellas  palavras :  dadê  ao  mundo  por  Dtos» 
tangiaô.  E  ha  diífercnça  entre  avena,  Sctibia,  q  Do  que  toca  ao  fado,  Ic  veja  a  noiraannota^-aó 
avena  fe  fazia  defta  berva:  6t  tibia,  Sc  fiftulafefa-         "  -        - 

2ia  de  pao,  ou  de  cana.  Ainda  que  os  Latinos  cõy 
fundem  as  palavras ,  Sc  chamaõ  avena  qualquer 
frauta:  fendo  propriamente  a  que  digo ,  Sc  a  que 
aqui  o  P(»etacntcndeo:  porque  de  outra  maneyra 
naó  fizera  repetição.  Pelo  que  entre  os  Poetas  o 
eftylo  bayxo,  Sc paftoril,fe  chama agrefte  avena, 
como  aqui  lhe  chama  o  noílb  Poeta. 

Mai  de  tuba.  canora^  &  bellicofa»  Por  tuba  ,  que 
he  a  trombeta,  entende  o  eftylo  heróico,  no  qual 
fetrataó  as  couías  da  guerra  ,  de  que  a  trombeta 
heprcgoeyra. 

§iue  opeyttí  accende,  éf  *  coraogeffo  muda.  Moftra 
os  efftytos  da  trombeta  em  tempo  de  guerra,  que 
he  em  l"e  tocando  alvoroçar  os  ânimos  dos  que 
haó  de  entrar  na  batalha,  mudarlhes  a  cor,Sc  fazer 


ncfte  raeímo  Canto,Oâ:ava  24. 

7. 

^y  Os  tenro  j  &  notio  ramo  flor  efe  ente 
f    de  húa  arvore  de  Chrijio  mais  amadai 
^e  nenhiía  nacida  no  Occidmte, 
Ce f área  i  eu  Chrtjfianijfsma  chamada: 
Vede^o  no  vo£o  E feudo  queprefente 
Vos  amoftra  a  vitoria japafjaday 
JV4  qual  vos  deu  por  t^IrmaSj  &  deyxou^ 
As  que  elle  fiara  fina  Cruz,  tomou. 

De  huma  arvore  de  Chri/lo  mais  amada.  Entende 
ofcliciílimo  Rey  Dom  Affonfo  Henriques,  pri- 
meyro  de  Portugal:  ao  qual  Chrifto  nolfo  Senhor 
que  fe  enfiem,  que  he  final,  de  quem  le  determina  appareceo  hum  diadeSan6tiago,anno  de  mil  cc- 
para  algum  feyro  de  perigo,  to  trinta  Sc  nove,  eftando  no  can>po  de  Ourique 

Da^ms  igual  canto.  Pede  ajuda ,  que  correfpon-     para  dar  batalha  a  cinco  Reys  Mouros  :  aond« 
da  á  matéria  de  que  ha  de  tratar,  que  faô  os  effey-     foy  levantado  per  Rey, êc  venceo  aos  cinco  Rcys 
tos  dos  Portuguezes:  paraque  afamafeefpalhe    com  grande cftrago, &  dcftruiçáo dos  Mouros, fie 
pelo  mundo,  Sc  íejaó  divulgados  de  todos  ,  Sc  a     muyto  pouca  perda  dos  feus, 
lodos.  Cefarea ,  oU  Cbri(iianijjima  chamada.  Por  árvorcJ 

Se  t ao  jublimt preço  eabe  emverfo.  Se  he  poílivel     Cefarea ,  entende  os  Empcradores ,  Sc  Senhores 
poderciiilè  tratar  em  verfo  coufas  defta  qualida 


de:  que  he  hum  grande  encarecimento. 


6. 


EVôsy  òbem  nafcidafegurança 
T)a  Lujitana  antlgua  liberdade; 
E  não  menos  certijfima  efperança 
íDo  augmento  da  pequena  Chrijlandade^ 
Vós,  ò  novo  temer  4a  Maura  Unça^ 


de  Europa,  à  imitação  dos  b^^iuperadoresde  Ro- 
ma, aonde  ellesíccoroão.  Por  Chiiftianiífin)a,os 
Reys  de  França  ,  por  fer  efte  titulo  feu  h^^redita- 
rio,  como  notamos  adiante  Gelava  15.  E  diz  aqui 
o  Poeta,quc  efta  arvore,Sc  tronco,dondc  os  Rt  ys 
de  Portugal  procedem,  foy  mais  amadii  de  Chri* 
fto:  porque  fe  não  lé,  que  Deos  noílo  Senhor  ii- 
zeflctaõ  claramente  por  Empeindor ,  o'i  Rey,  o 
que  fezpor  eikfeliciíTmio  Rey  D.  Affonfo  Htn- 
riqucã* 

^  Vidt9 


*f  Lujtadas  de  Luis  de  Carnes  Commentados, 

Vede-o  rt«  vojfo  efcufl». O  Conde  Dom  Hcmiquc  doo  tempo  veyo  a  calar,  ScafcrRey,  Sc  houve 
deyxou  por  lua  morte  a  leu  filho  Dom  Affonlò  doze  filhos,como  Tc  conta  no  Genefis,  c.  25. 6c  re- 
HcnriqueshumEfcudo  em  branco,  no  qual  ne-  ferejofepho  no  livroprimeyro  c.  21.  defuasanti- 
fte  dia,que  foy  levantado  por  Rey,  em  memoria  guidades.  Os  quaes  elpalhados  por  diíFerentcs 
do  apparecimento  deChnftonoíloSenhor,&:  de  partes  de  Africa,  vieraóa  fer  fenhores  ,  &  Rcys 
huraa  taó  finalada  vitoria  ,  que  houve  dos  cinco  delia,  ôc  do  nome  de  Ifmael  le  chamaó  os  morado- 
Rcys  Mouros ,  &  à  honra  das  cinco  Chagas  de  res  daquellas  partes  Ifmaelitas :  &  Agarenos  do 
Chrifto  noflb  Senhor,  lhe  pózhumaCruz  azul  nome  defua  mãy  Agar.  Chamaó-fe  eftes  povos" 
partida  em  cinco  efcudos  com  outras  particulari-  hoje  Mouros,  de  Mauron, palavra  Gregajque  fig- 
dades ,  que  no  Canto  terceyro  Oétava  54.  íe  tra-  nifica  coufa  negra,por  ellcs  ferem  pela  mayor  par- 
taõ.  te  negros.  Chamáo-ferambemSaraccnos,6cprc- 

Na  ej  uai  vos  deo  por  armai  ,  (^  deyxou  ^  as  ejue  elle  zaó-femuyto  dcftenome,  dizendo  que  lhe  vem 

parafina  Cruz  tomou.  Moftrao  Poeta  como  Chri-  de  Sara  mulher  de  Abraham. Mas  ornais  provável 

lio  noflo  Senhor  foy  autor  das  Armas  de  Portu-  he ,  que  o  tem  de  hum  lugar  chamado  Saraco  na 

gal,  6c  que  elle  próprio  deo  aos  Reys  delle  as  in-  Arábia  Pétrea.  Porque  quando  fe  leavntou  a  maU 

fignias,  que  agora  tem.  V(ja-fe  a  noíla  annotação  dita  feita  de  Mafamede ,  que  foy  no  anno  de  fcis-' 
no  Canto  terccyrojcomo  acima. 


8. 

Osj  podero/o  Rey^  cujo  alto  Império^ 
O  Soh  logo  em  nafcendo,  veprimeyroi 
Ve  o  também  no  meyo  do  Emísphtrio^ 
E  quando  defce,  o  deyxa  derradcyro, 
VòSy  que  efperamosjugOy  ^  vitupeno 
1)0  torpe  ífmaeltta  cavalleyro^ 
Do  Turco  Oriental j  ó*  do  Gentio^ 
^ue  inda  bebe  o  licor  do  fanto  rio. 


centos  6c  vinte  6c  nove  de  nofla  lalraçaó,  os  deíle 
lugar  foráo  os  primeyros  que  a  feguiráo.  Veja-fe 
anoíraannotaçaónelleCanto,  Oólava  55.  &no 

VOs^  podero/o  Rey^  cujo  alto  Império^       feptimo,  Oét.  17. 
O  óo/,  logo  em  nafiendo,  veprinifyroi  ^^  7«rcí>  Oriental.  O  Turco  he  fenhor  de  muy- 

ta  parte  da  Afia  mayor,  6c  menor,  6c  Egypto,  6c 
tem  grande  pé  no  Oriente,  pelo  que  o  Poeta  lhe 
chama  aqui  Turco  Oriental.  E  porque  neílas 
partes  confina  com  os  nofibs ,  diz  que  efperadc 
vir  tempo,  em  que  o  ponha  debayxo  do  feu  jugo. 
E  de  GeníÍ9y  que  ainda  bebo  o  licor  do  fanto  rio.  Por 
rio  lanto,  entende  o  Gângcs,quc  atravefia  o  Rey- 
no  de  Bengala  na  índia,  6c  de  húa,  6c  outra  parte 
O  Sollogo  em  nafcendo^  NeftaOâiava  aponta  o  hemuyto  povoado  de  Gentios  idolatras.  Chama- 
Poeta  as  partes,  aonde  os  Reys  de  Portugal  tem  lhe  o  Poeta  lanto,porque  he  hum  dos  quatro  rios, 
dommio.  Para  cujo  entendimento  fe  ha  de  notar,  quefahem  do  Paraifo  terreal  :  ao  qual  chamaa 
que  o  Sol  toca  cada  dia  no  feu  curlo  ordinário  Efcritura  fagrada  cap.2.  Genef.  Philon,  fegundo 
três  pontos:  Oriente,  Ponente,  6c  Meridiano.Dos  Eufebio,  6c  o  B,  S.  Hieronymo  nas  queílôcs  He- 
quaesosdous,Oriente,&;  Ponente,  íaô  termo,  6c  braicas.  Os  Gregos  lhe  chamaõ  Geta,como  diz 
balizas  do  Orizsnte:  6c  o  Meridiano,  he  como  à-  Jofepho  nas  antiguidades,  lib.i.  cap.  2,  Os  Gen- 
mago,  6c  centro  delles.  O  OrieRte  abraça  as  par-  tios  errados  lhe  chamaó  Santo. porque  cuydáo,  q 
tcs  da  índia:  o  Ponente  as  Ilhas  dos  Açores,  6c  lavando-fenellevaô  direytos  aoCeo,6c  quenáo 
Bralil  :  o  Meridiano  comprchende  Portugal,  Al-  tem  neceílidade  de  outro  remédio  para  lua  falva- 
garves,  Cabo  Verde,  S  Thomé,al]hadâ  Madey-  ção.  Eeftáo  niílo  taõ  pertinazes,  que  Icváo  a  eíle 
ra,6c  tudo  o  mais,  que  pertence  a  elle  Reyno,dif-  rio  05  que  eílão  para  morrer ,  6c  os  lançaõ  neJlc, 
correndo  pela  coíla  de  Africa,  6c  mar  Atlântico,  aonde  acabãoaíogados,  tendo  parafi  fercfteo 
Pt-otambem  no  mtyo  do  ErTéifpherio,  Emiípherio  mayorbem,  6c  felicidade  que  na  vida  podem  al- 
he  palavra  Grega  ,  querdizer  meyo  mundo.To-  cançar.  Errónea  heeíla  já  velha, 6c  de  muytosté- 
ma-fc  aqui  pela  linha  Meridiana  ,  pela  qual  fe  en-  pos  atraz;  porq  aiíim  lemos,  que  o  fjziaó  os  anti- 
tende  o  nollb  Portugal ,  poílo  no  meyo  dos  d©us  gos  idolatras,  não  íómentc  no  Ganges ,  mas  em 
poiítos,  Oriente,  6c  Ponente,  como  cabeça  ,  6c  qualquer  outro  rio,  comofcpóde  verem  Macro- 
centro  delles :  6c  pelo  confeguinte  fenhor  de  to-  bio  nosSaturnacs  lib.  $.  cap.  i.  ao  que  também 
das  as  partes  fujeytas  à  Coroa  deíles  Reynos  de  allude  Perfio  na  fegunda  Satyra: 
Portugal.  Qiie  ft ja  E mifpherio,  fe  veja,  o  que  ef-  Bac  fanãè  ut  pofcas,  Tybertno  in  gurgite  mergis, 
Crcvemos  no  Canto  quinto  Oét.14.  Mane  caput  bis,  ter  que, &  noèiemflumtne  purgai. 

Torpe  ijmaeltta.  Os  Mouros  fe  chamão  Ifmaeli-     Para  pedirdes  eílas  coufas  fantamente,  lavais  pela 
tas  dellmaelfilhode  Agar,efcrava  de  Abraham.     ínanhãaduas,6c  três  vezes  a  cabeça  no  rioTybre, 
Conta-le  no  Genefis  c.ii.quc  vendo  Sara  mulher     6c  alimpais  no  rio  peccados,q  cõmctteftes  de  noy- 
de  Abraham  ,  que  linvael  filho  de  Agar  fua  efcra-     te. 
va,  tolgavâ  com  leu  filho  Iiac,  (  a  que  S.  Paulo  ef-  9. 

crevendo  ^2^'^'tZ^  ^;'i:  ''^*"}^.  V<''f'?.^iÇ^ó)     y  j^^/-       p,y  hum  pouco  »  Mage^de, 
procurou  lançallo  logo  de  lua  cafa  luntamenteco      1   ^  'J^  f^  SJ         ' 

fua  mãy  AÉ;ar.  A  qual  (  como  fe  conta  no  lugar     1  ^^'  ""'f'  tenro geftn  vos  contemplo: 
alienado)  toy  tçr  a  Egypto,  »ondc  o  filho  andan-        ^^J^fi  ^W^ »  í'«^^  «^  mteyra  idade ^ 

^uan* 


Canto  Trhneyvo. 
fiando  fubinào  h'eis  ao  eterno  Templo, 
Os  olhos  da  real  benignidade 
"iPonde  no  chão :  vereis  hum  novo  exemflo 
^oamor  do^  pátrios  feytos  valerofos^ 
Em  verfos  divulgado  nurnerofis. 


é 


ir. 


Indinay  for  hum  pottcoa  Mageftade.  Ncíla  Gela- 
va lhe  capta  a  benevolência  ab  mdole^  como  dizem 
osRhctoiicos:  que  he  da  grande  moíb-aqucem 
iua  puericia  dava  de  vir  a  fcr  hum  grande  Rey.  E 
que  ja  na  tenra  idade  parecia  de  muytos  annos , 
pelo  fifo,  faber,  &  gravidade  que  moltrava, 

Çlaandoftthmdo  ireis  ao  eterno  templo.  Quando  ja 
velho  ireis  caminhando  para  o  Ceo. 


Oiivii  que  não  vereis  com  vãs  façanhas  ^ 
Fantaflícas  i  fingidas  jinentirofaf^ 
Louvar  os  vojjosj  como  nas  ejlranhas 
Miifas^  de  engrandecer fe  defejofas. 
As  verdadeyras  vojjas  fah  tamanhas , 
^e  excedem  as  fonhadas  f abulo fas: 
^e  excede  Redamontey&  o  vão  Rtigeyto^ 
E  Or  laudo  j  ainda  que  fora  verdadeiro. 

Ouvi quenão  vertif.  Pede  nefta Oílava  attençáo 
a  ElRey  Dom  Sebaftiáo,  louvando  a  matéria  dc- 
fta  obra  ,  que  não  íerá  contar  fabulas  nem  menti- 


Oiolhâi  íia  real  henignidaíle  ponde  no  ch^o,?or  ch^ó  ras,  de  que  os  antigos  foraó  muyto  curioíos,  mas 

entende  o  Poeta  aqui  os  fcus  verfos  ,  dos  quaes  verdades  como  acontecerão, 

falia  por  eíle  termo  taó  humilde,  porque  naó  pa-  Çli4e  excede  Rodamont d  &  o  vão  Kugfyro»  Ha  dous 

reça  cahir  em  vicio  de  arrogância.  Realça  tam-  livros,  como  todos  fabemos. em  oótava  rima, hum 

bem  a  Mageílade  Real,  em  dizer ,  que  ponha  os  que  compózMattheoMaria  Boyardo,quc  fc  cha- 

olhos  no  chaõ,  dando  a  entender  j  eftar  occupada  ma  Orlando  namorado,  ôc  out  ró  que  fez  Ludovi- 

cm  outras  coufas  de  muy  ta  importância,  ôcpeío*  co  Ariofto,  que  fe  chama  Orlando  furiolo.  Nos 

Vereii  bum  novo  exemplo.  Novo  aquiquer  dizer  quacs  fecontaó  muy  tas  fabulas  de  Rodamonte, 

excellente ,  à  imitação  de  Virgilio  nas  Éclogas,  Rugcyro,  &  Orlando.  As  quaes  pode  nellcs  ler, 

Écloga  3.  Poliío,  &  ipfefacit  nova  carmina.  Pollio  quem  delias  for  curiofo. 
taiTibem  faz  novos  verfos,  como  íc  diflera:  Verfos 
cxcellentGSj  Sc  aífim  o  uíaõ  os  mais  Poetas» 


it> 


TO. 


V  Éreis  amor  de  Vatria  não  movido 
T)e premio  vil,  mas  alto^&  quafieternOi 
^le  não  he  premio  viljfer  conhecido 
U^or  hum  pregão  do  ninho  meu  paterno. 
Ouvi  vereis  o  nome  engrandecido 
^aquelles  ,  di  quem  fois  Senhor fufremo-, 
E julgareis  qual  he  mais  excellente^ 
Sejtr  do  Mundo  Rey^fe  de  tal  gente. 

Vereis  amor  da  Pátria,  Moftra  a  natural inclina- 


POr  ejfes  vos  darey  hum  Nnnofero\ 
^efez  ao  Rey^&  aoReyno  talferviçot 
Hú  Egas^^  hum  dos  Fuás ^q  de  Homero 
A  Clíhara  para  elles  fò  cobiço, 
*Pois  pelos  dozíe  liares  ^  darvos  quero 
Os  doze  de  Inglaterra ^ò"  ofeu  Magriço^ 
^ouvos  também  aquelle  illujlre  Gama^ 
^e  ^ara  (ide  Eneas  toma  afama. 

Hum  Nuno  fero.  Efte  hc  Dom  Nuno  Alvarez 
Tereyra  Condeftable  deílesReynos de  Portugal, 
afíaz  conhecido  pelas  guerras  que  ElRey  Dom 


taó  dos  Portuguezes ,  aos  quaes  fó  o  defejo  de  aU     Joaó  o  primeyro  teve  com  Caftella,aondc  f ez  ma 


cançar  nome ,  &  ler  conhecidos ,  6c  honrados  na 
íua  pátria  ( que  aqui  chama  ninho  paterno  )  faz 
ofFerecer  a  todos  os  contraíles,  &:  perigos.  Cha- 
maaoínterefle premio  vil:  porque  a  gente bay- 
xa  nenhuma  outra  couíii  relpcyta.  Donde  difle 
Ovidio  íib.i.  de  Ponto  :  Vulgm  amicitias  utilifate pro» 
hat,  A  gente  bayxa  naó  tem  olho  ,  fenão  ao  inte- 
reíle.  Premio  grande  chama  o  nome,  &  fama  que 
fe  alcança,  fendo  celebrados ,  &  conhecidos  dos 
léus  naturaes,  petos  feytos  excellcntcs  que  fize- 
rem. 


ravilhas  ajudando  a  leu  Rey,  &  defendendo  fua 
pátria,  como  nas  Chronicas  fe  pôde  ver ,  &  conta 
onoílbPoetano  Canto  quarto,061:.57., 

Hum  Egas.  Egas  Moniz  Ayo  de  ElRey  Dom 
AffonfoHenriqueZjdo  qual  fe  trata  noCanto  ter* 
ccyro. 

Hum  Dom  Fuás,  Dom  Fuás  Roupinho  muyto 
esforçado  cavalleyro.  Trata-lc  delle  no  Canto 
oótavo,  Oct.  16. 

§luede  Hotmro  âCithara.  Pela  Cichara  de  Ho* 
mero  entende  o  engenho ,  8t  excellente  eílylo  de 


Por  hum  prfgat)  do  ninho  meu  paterno.  Eílas  pala-  efcrever  do  grande  Poeta  Homero  ,  paradcfla 

vras  le  haó  de  entender  geralmente  fer  qualquer  maneyra  poder  dignamente  efcrever  os  feytos,  ÔC 

conhecido  pelo  pregão  de  feus  naturaes.  E  náo  q  cavallarias  dos  PortuguczeSi  Ao  que  já  antigua- 

diga  Luís  de  Camões  iílo  por  íi,  como  o  dcclarão,  mente  Alexandre  Magno  tcvcenvela»  quando 

5c  trshladáo  em  outra  lingua:porquc  elle  naó  per-  não  havia  por  tão  venturofo  a  Achilles  pelos  fcy- 

tende  abonarlcafi,  mas  louvar  os  Portuguezes,  tos  que  fizera  em  armas,  como  por  alcançar  hum 

cujos  feytos  efcreve,  como  mnndáo  as  regras  da  tão  excellente  prcgoeyro  delles,  como  foy  o  Poc- 

Rhetorica,  a»  quaes  elle  cm  tudo  fcguc.  ta  Homero.  Ufa  dcfta  palavra  cithara,  inílru- 

B  mcnCQ 


^o  Lufiâââs  de  Luís  de  Camões  Commentaàos, 

nvcnto  munca  j  pela  grande  conformidade  q  ne-  ta  filha  de  EraclioEmperador  de  Conftantintípla, 

ftas  artes  haj  daqui  os  Verfos  íe  chumãò  c arrama,  Succedco    no  Reyno  depois  da  morte  do  Pay. 

que  quer  dizer  cantigas,  6c  ercrevellos,crf«(;re,que  Foy  tam  grádc  inimigo,  ík  perfegiiidor  dos  mãos 

íignificacantarj  porque  para  eftc  fim  ie  fazem  os  Chriftãos,  6c  tamaffeyçoado,&  amigo  dos  bons, 

verfos.  Eporeííarazáo  íe  chamaó  alguns  Lyri-  que  merectoo  nomedeChriítianiíTimo:  de  don- 

cosdeLyra,quehe  aviola  ,  porque  Ic  cantaó  a  decftenome  ficou  como  hereditário  de  França» 

cila.  Foy  chamado  o  Magno ,  por  leu  grande  esíorço, 

Tois pelos  dozjt  Vares,  Depois  que  Carlos  Magno  &  cavallaria.Reflituhio  a  Roma  o  Papa  Leaô,  q 

Rey  de  França  ,  do  qual  havemos  de  tratarna  fora  lançado  delia,  pelo  que  foy  coroado  por  Etn- 

0£tava  ícguinre,  prendco  a  Defiderio  Rey  de  pcrador.Viveoy^,  sanos,  dos  quaes  foy  Rey  47. 

Lombardia,  a  petição  de  Adriano  Papa  ,  por  lhe  &  Emperador  i4.Prendeo  &dcfapofibu  do  Rey- 

fazermuytosaggravos,  ôclheter  ufurpadomuy-  no  de  Lombardia  a  Defiderio  feu  Rey,  por  ter 

tos  lugares  da  Igreja  j  Sc  afiim  mefmo  fez  que  os  ufurpados  alguns  lugares  da  Igreja.   Entre  cilas 

Saxones  léus  fubditos ,  os  quaes  fe  lhe  haviaõ  re-  &  outras  muytas  verdades ,  que  ha  defi:e  grande 

bellado,  lequietafiem,  &  viveflem  Chriíláa,  &  Rey,feefcrcvem muytas  mentiras  de  feusfeytos, 

religiofamente  ;  finalou  doze  homens  dos  princi-  6c  dos  doze  Pares:  como  também  de  ElRey  Ar- 

paes  de  França,  a  modo  de  Coadjutores,  6c  Con-  tur  de  Inglaterra ,  6c  dos  feus  Cavaileyros  de  Ta- 

lèlheyros,  para  tudo  o  que  foflb  neceflario  para  o  boa  redonda.  As  quaes  foraó  cauía  de  fe  defacre- 

bom  governo,  6cconfervaçaó  do  Reyno.  Eíles  ditarem  as  verdades,  quedeíles  dous  taõ  esforça- 

foraó  féis  Bifpos ,  três  Duques ,  ôc  três  Condes,  dos  Princípes  íe  fabcm,que  faõ  muytas,  6c  dignas 

como  fe  refere  naChronica  deEípanha  ,  aonde  de  memoria  perpetua.  A  verdade  he,  que  Carlos 

cílaõ  os  ícus  nomes  poftos ,  8c  íe  trata  delles  mais  foy  hum  dos  esforçados  6c  valerofos  Principes  do 

largamente.  Pozlhc  nome  Peres,  que  na  lingua  mundo,  6í  que nefta conta  fe  pódettr  Artur.   A 

FranceZâ  quer  dizer  Padres,  ou  Senadores,  por-  troco  deíle  Carlos,  dizo  Poeta,  queda  ElRey 

que  havião  de  fer  Pays,  6c  Governadores  daquel-  DomAffonfo  Henriquez  primeyro  de  Portugal, 

la  Republica,  6c  corrompida  a  palavra  Percsjhc  quefoy  grandiílimocavalleyro  ,  amicifiTimo  dos 

chamarão  Parcs.  Eftes  faó  os  doze  Pares  de  Fran-  Chriftáos,  6v  inimigo  capital  dosinficis. 

çaj  6c  não  Orlando,  Oliveyros ,  6c  outros  de  que  Ou  de  Cef ar  quereis  igual  rmtnoria.  Cayo  JuIio  Ce- 

jábulofamente  trata  Arioíto.  Os  quaes  não  forão  far  foy  de  íangue  muyto  nobre,8c  conhccido:pcr- 

mais  que  cavaileyros  esforçados  da  companhia  de  que  por  parte  de  feu  pay  procedia  de  JuIio  Afca- 

ElRey  Carlos.  Ha  tanta  mentira  cfcrita  lobre  nio,  filho  de  EneasTroyano,  6c  neto  de  Vcnus; 

cfies  doze  Pares,  que  me  pareceo  neccíTano  por  6c  por  parte  da  may.de  Areio  Mareio  quartoRey 

aqui  a  verdade.  dos  Romanos.  Foy  pobre  de  património  ,  mas  ri- 

Os  doze  de  Inglaterra.  Diz  o  Poeta  que  pelos  do-  co  de  animo  6c  condição  j  as  quaes  partes  o  fubi- 

7e  P  ares,  de  que  Ariofto  fabulofamente  trata,lhe  rão  a  grande  eftado ,  porque  veyo  a  fer  Diétador 

dará  os  doze  Portuguezes,  que  foraó  a  Inglaterra,  perpetuo,  que  era  fer  Senhor  de  t«do,6c  afiim  era 

pedidos  a  ElRey  Dom  Joaõ  o  primeyro,  que  en-  quafiuniverfal  Monarcha  do  mundo.  Oqualfu- 

táo  reynava  ,  por  híias  Damas  Ingrezas  contra  jeytára  de  todo  (como  diz  Plutarcho)  fe  a  morte 

huns  naturaes  feus ,  que  foltárão  palavras  contra  lho  não  eítorv'ára,porque  naturalmente  ci  a  incli- 

ellas.  Eíta  hiftoria  trata  o  noflo  Poeta  no  Canto  nado  a  coufas grandes.    Pelo  que  feefcrevedelle, 

lexto.  que  vendo  acafo  em  Cadiz  huma  eflatua  de  Ale- 

^^rteUeilluftre  Gama ,  que  para  Ji  de  Eneastoma  a  xandro,  poílos  os  olhos  ncUa  chorou:  pergunta- 

fama.  Eílefoy  Dom  Vafco  da  Gama,  primeyro  da  acaufadaquelle  choro  ,  refpcndco  ,  que  era 

defcubridor  da  índia.  Dizquetomaparafi  afa-  porque  Alexandro  fizera  coufas  grandes  em  ida- 

nia  de  Encas,pelas  grandes  proezas,6c  maravilhas  de,  q  elle  não  tinha  feyto  algúa  digna  de  memo- 

que  delle  conta  Virgílio  na  fua  Eneida,  ria.  Nas  armas  foy  muyto  valcrofo,  porque  fujey 

tou  varias  6c  innumeravtis  nações  ao  Povo  Roma- 

15.  noi  6c  nas  letras  tam  engenhofo6c  hábil ,  que  le 

Pois  fe  a  troco  de  Carlos  Rey  de  França  não  deyxára  o  eH:udo,fora  o  primeyro  do  mundo. 

Ou  de  CeCar  quereis  t^ual memorta,  Ellc  excerientiíTimo  varaó,  6c  o  primeyro  Empe- 

Vede  o  primeyro  Affonfo.  cuja  lança  «"^^^^  ^^^^  Romanos,houye  por  ^^^^^^^Zo^^^^ 

^,       r,        ^    ,           n       1       1    ■  que  outros  grandes  Capitães  hao  no  mundo,por- 

Efcurafaz  qualquer  eftranha  gloria-,  ^^,^  ^^^^  publicaméte  morto  no  Senado  por  Bru- 

E  aquelle,  que  a  feu  Reyno  a  fegurança  ^  ^^  ^  Cafiio,  6:  outros  que  contra  elle  íe  conjura- 

^eyxou  com  a  grande  lèprofpera  vitoria;  raõ,  tendolhe  elle  feyto  muytas  mercês. 

Outro  Joanne  mvi6Ío  cavalleyrOi  E  acjuelle  que  a  feu  Reyno  ajegura:iça.    Entende 

O  quarto  ^  quinto  Afoníos^  &  o  terceyro,  ElRey  Dom  Joaó  de  boa  memoria ,  o  piinicyro 

^                                ^^     ./     í                  ^  deftcnome,6c  decimo  dos  Rcys  de  Portugal, filho 

Tolsje  a  troco  de  Carlos  Key  de  França.  Foy  efle  baílardo  dei  Rey  Dom  Pedro  Cfii ,  q  teve  gran- 

Carlos  filho  de  PipinoRey  de  França  A  de  Bcr-  des  vitorias  contra  Caftelhanos ;  principalmente 

aquelh 


CantvTrimêyro^  ^                               j^ 

-  aquella  tam  nomeada  de  Algibarrota,  que  houve  Soidaó  do  ÈgyptójUapitaõ  mór  Mirhocem:  o  q 

veípera  de  Noíla  Senhora  de  Agoílo  demiltre-  fuccedeo  em  Chaul.  A  qual  morte  depois  opay 

lentos  oytentaSc  cinco,  donde-lhe  ficou  nome  de  vingou.  E  vindo  porá  Portugal  foy  morto  pelos 

Boa  memoria,  per  feusfey  tos  (erem  merecedores  Cafresnâ  aguada  de  Saldanha,  queeiládoCabo 

delia,  ainda  que  as  Chronicas  dap  outra  razáo>  \  de  Boa  Efperança  para  Portugal.  No  Canto  de- 

a  mim  me  não  fatisfaz  tanto.  cimo  fe  trataô  eftas  coufas  todas. 

Outro  loanne  inviBo  Cavalleyro.  Eíle  he  o  gran-  Muejuer<jue  terrível.  O  grande  Aífoíllo  àt  Al- 
deDomJoaó  o  fcgundo  ,  &  terciodccimo  Rey  buquerque,  que  íuccedeo  a  Dom  Francifco  de 
de  Portugal,  filho  dclRcy  Dom  AfFonlooQuin-  Almeyda  na  governança  da  índia:  que  para  tra- 
to, tardafeusmerecimentosfic  vitorias,  que  na  índia 

O  tjuarto  &  efítintt  ^ffcnfo^ér  o  terceiro.  O  quar-  alcançou,  era  neceílario  muyto  tempo ,  &  muy- 

to  Aftonfo  hc  ElRey  D.  Affonfo,  chamado  por  to  papel.  Quem  quizer  faber  fuás  coufas  maravi^ 

cognomcntooBravo,  íeptimo  Rey  de  Portugal.  lholàs,IeaosCommmtarios,  quefeu  fiiho  Afton- 

O  quinto  foy  pay  delRcy  Dom  I  oaõ  o  Grande,  fo  de  Albuquerque  fez,  &  o  noflb  Poeta  no  Can» 

&;  ícgundo  defte  nome.  Oterceyro,  filho  dei-  to  decimo. 

Rcy  Dom  AfFonfo  o  fegundo,&irmáo  do  dçfcuy-  Ca^ro forte.  Dom' Joaô  de  Caftro,  a  quem  El- 

dado,  &  inútil  Dom  Sancho  Capello,  que  tàlcceo  Rey  Dom  Joaõ  terçeyro  mandou  por  Governa- 

emToledo,  Ôcahijaz  fcpultado,  Deftcs  Reys  de  dor  àtndia,  o  anno  de  mil  quinhentos  Sc  quarcn- 

Portugal  trata  o  noílb  Poeta  no  Canto  teiçcyro  ta  Sc  cinco.  E  porque  houve  vitoria  contra  EU 

&  quarto.  Rey  de  Cambaya,  á:contra  o  Hydalcaó  Scnhof 

da  terra  firme  defronte  de  Goa,  &  fez  outras  cou- 

i^;  fas  dignas  de  memoria:ElRey,  antes  que  acabiiíle 

NEm  deyxaràS  meus  verfos  efquecidos  o  tempo  de  fua  governança,  lhe  mandou  titulo  dê 

j1queíles,quen0S  Reynos  la  da  Aurora  V^l^Rey,  para  íic^r  na  índia  outros  três  annos. 

Òefizeraô por  armas  tâofubidos,  ?  ^"^  "^^  J^^^  «.^7^°'  porque  naô  viveo.depois 

rr^  ,      :         -n            -^         ,  deter  a  carta  mais  de  dous  mezes» 
Vojfabandeyrafemrre  vencedora: 

Hum^Fachecofortif/iniOi^  os  temidos  i?. 

Almeydas^prquemfempre  o  Tejo chordi  -m  Emquato eu e fies cãío.^a  vos  nSópofoi 

jilkuquerque  terrível,  Caífro  forte,  Xl^òuí^/ime  Rey,  que  naÕ  me  atrev9  a  tàto, 

E  outros,  em  que  poder  não  teve  a  morte.  Tomay  as  rédeas  vb  r  do  Reyno  vojio, 

^cjuella  ^ue no^Útynoi li  jÍ^^S?  íiirora  he  ^^'^^'^  «'^^^^^  ^  '^^'^  '^«^'^  ^^^^*    , 

propriamente  aquclla claridade,  que  noCeoap-  ComéCemafêHttr  0 pefogroffo,                ^ 

parece  antes  que  o  Sol  fuya  :  a  qual  dura  todo  a-  Ç^epeío  mundo  todo  faça  tfpayito') 

quellc  tempo  ,  quegaíla  oSòIeftando  dezoyto  'T>e.exercitos,&feytos /insulares , 

grãos  debayxo  do  Horizonte  «a  parte  Oriental,  ^éAjrica  as  terras ^&do  Oriete  os  mareSi, 

até  tocar  nelle,  Sc  nafccrneftc  hemisfério  íupdrior.  ^  i    ^  ^j,            r    i^                                      ^i-y^ 

Como  também  Crepufculo  he  o  tempo  antes  da  Torfiayat  re^eatvh^o  Reyno  vojfo.  Continuando 

nGyte,queoSolgaftadefdeque  fepoemjâtéeftar  com  a  invocação  dèlRcy  Dom  Sebaíliaó  ^  èè 

dezoyto  grãos  debayxo  do  Horizonte.  Por  Rey-  promettenJolhe  tratar  os  feytos  de  léus  vafiallos, 

nosda  Aurora,  fecntendem  aqui  os  da  Índia,  por  cfcufa-íe  tratar  dei  le,  por  fenáo  atrever  acouía, 

citarem  no  Oriente.  iam  alta ,  como  hc  celebrar,  6c  cantar  hum  tam 

Hum  Packeco  firtijjirfío.  Duarte  Pacheco  Pe*  lublime,  ScpoderofoRey.  Àconfelha-lhe  tome 

reyra,  que  venceo  o  Empcrador  do  Malavar,cha-  o  governo  de  feu  Reyno  ,  Sc  comece  a  correr  có 

inado  entre  elles  Samory,  que  he  como  entre  nós  fua  obrigação,quc  he  pcifeguir  os  Africanos  feus 

Empcrador,Sc  o  deílruhio,  Sc  desbaratou  fcte  vc-  vizinhos ,  Sc  continuar  eom  a  conquifta  do  Orié- 

2es,  vindo  de  todas  com  grande  poder,  como  fe  te:  Sc  dcftamancyradará  matcria  áos  Efcritcrçs, 

conta  no  Canto  decimo.  para  que  efcrcvaó  coufas  nunca  viftas,  nem  ouyi- 

E  es  temUos  ^Imcydas.  "Dom  frznâÇcoàe  A\-  das.  Tomar  as  rédeas  do  Reyno  ,  he  diíporfeab 

incyda,primcyro  ViíoReydalndia,ScDom  Lou-  governo  dellc,  tomada  amctaphorado  cavallo, 

rençode  Almeyda  leu  filho,  dos  quaes  fe  trata  no  que  fe  rege,  Sc  governa  com  as  redciS.  He  modo 

Canto  decimo.  de  fallar  muyco  ufado  entre  Latinos. 

Por  t^uem  (emftre  o  Tejo  chora»  lílo  diz  para  cnca-  £  do  Ortente  os  mares.  Entende  os  mares  da  In- 

rccimcntode  lua  cavallaria,  Sc  boas  partes,  que  diâj  nas  quaes  partes  os  Portuguezes  temfèyto,  o 

lempre  os  fcus  naturaes  fuípiraó  por  cllcs.   Ou  que  a  todo  o  mundo  he  notoiiv-,  Sc  fe  pode  ver  n» 

também  porque  nenhum  delles  tornou  a  Portu-  qucdellcs  efcrevcraó  os  ííiíloriadores.              ^ 

gal:  porque  o  filho  foy  morto  em  huma  batalha  ^ 

naval  ,  que  teve  com  huma  armada  delRey  de  ^ 

B% -  -       SfÁ 


Cambaya ,  Capitão  mór  Meliqueaz  j  Sc  outra  do 


II 


Lufiadas  de  Luís  de  Camões  Õommentados, 

o  que  no  mar  he  o  mefmoi  qué  a  pfbfundidade  dai 
t6,  agua  nos  faz  parecer  a  agua  de  cores  diííerentes, 

fendo  branqiiiílima.  O  que  o  Poeta  mofcra  ne- 
ftíi  06lava  he  ,  queTethys  querfazcr  a  ElRe^ 
Dom  Sebaítiaó  Senhor  do  màr.  ^ 


Ê'  Mvòs  OS  olhos  tem  o  Mouro  frio ^ 
Em  quem  véfett  exício  affiguradoj 
^ò  com  vos  ver  j  o  bárbaro  Gentio 
Moflra  opejcoço  ao  jugo jà  wclmado, 
Tethys jtoáo  o  Cerúleo  Jenhorioj 
Tem  para  vos  por  dote  apparelhado: 
^e  affeyçoada  ao  gejlo  bello  &  tè7tr0f 
^efejade  com frârvos  para  ^enro. 

E?h  vês  oi  olhos  tem  o  Mouro  frio.Chamsi  áoMou- 
fóirio  peloefFeyto  que  o  medo  faz  nos  homens, 
que  he  deyxallos  frios.  A  razão  he^porque  quãdo 
o  homem  fetemè  de  alguma  couía  ,  recolhe-fc 
o  fangue  ao  coração  para  o  acompanhai* ,  & 
favorecer:  &  délerrtparados  clellc  os  mais  mem- 
bros ficão  frios.  À  caufa  do  medo  em  os  Mouros, 

he  a  vizinhança  que  tem  cótri  os  Portúguezes,     eftcrefpeytoíètoma  peloCeo.Veja-feanoflagn- 
dos  quaes  por  muytas  vezes  foraõ  vencidos.  Ext-     notação  neíte  nielmo  Canto,  Oftava  i^. 
ão  quer  dizer  deftf  uiçaô,  &  niorté.  Doi  dous  avSi  as  almas  cà  famofas.  Hum  deíles 

7ethys  ytodo  o  Cerúleo  fènhork.  Nt^^s  palavras,  6c  fòy  o  Ernperador  Dom  Carlos,  v  por  parte  de  fua 
em  todas  as  mais  deílainvocaèâò  delRey  D.  Sç-  máy,pay  de  ElRcy  Dom  Philippenoflo  Senhoii, 
baftiaó,  imitáoPoctaa  Virgiho  no  principio  do  primeyro  deftenome  em  Portugal.  Outro  El- 
livro  primcyro  das  Georgicás.  Ê  VirgiliofeHou  Rcy  Dom  Joaó  terceyro,  muyto  amigo  da  j^az, 
conforme  ao  coftume  antigo  dos  Romanos:  que  &  muyto  zelofo  da  Fé  de  Chrifto,  que  foy  feu  avó 
era  os  pays  das  efpoladas  comprarem  os  genros  por  parte  de  íeupiy,ôc  hoje  ha  muy tos  vivo^i^uc 
Com  os  dotes  que  dava6afu.áís  filhas.  E  efte  cg-  os conhecéraó,fic  trátáraô,  ^  -^""^^-^^-^-^  -•  ''Y^^ 
ílume  pareceo  maí  aLycUrgô  Rcy  dosLác<rd|-  «^"^  -.'.-^   >.  -^^v^vjI '^.v:  í.\'v , 


»7- 

EMvosfevemda  Olympica  morada j 
1)05  dous  avôs  as  almas  êàfamofas^ 
Húa  na  Taz  atigelica  dourada j 
Outra  pelas  batalhas  fanguinofas. 
Em  vos  efpefão  verfe  renovada 
Sua  memoria^  &  obras  valerofas^ 
E  làvos  tem  íúgãr  nofiníddidade 
Nd  templo  dafuprema  eternidade* 

Olympka  morada,  He  o  Ceo ,  o  q^iial  cham«  ai- 
fim  át Olympo monte deTheíTaliaaltiíTimojpor 


monios, como  dizjultinolib.  5.  Pelo quQf?z  húa 
ley,que  oshomens.elcolhejirem  asmuihei;escõ  q 
ouveílcm  decafar»  &  feus  p^ys  lhes  nap  âeíTem 
dote :  para  que  defta  maneyra  fóílem  fçnhores  de 
íuas  mulheres ,  Sc  as  pudeflcrn  mélhof  lujeytar. 
QiiantoàTethysde  que  o  Poeta  aquifálla  ,  íby 
filha  de  Titano  irmão  de  Saturno ,  ôí  mulher  de 
Oceano,  como  diz  Ovidio  nos  Faílos  lib.3.  Ou- 
tros a  fazem  filhade  Ceio,  5í  Veífa.  A  eíla  Tethys 
chamaó  algús  a  Grâde.a  differençade  outra  The- 
tys  filha  de  Nerco,  6c  cafada  com  Peleo  Rey  de 
Theflalia,  do  qual  houve  Achillcs,  hum  cavalley- 
ro  entre  os  Hereges  de  grande  nome.Tem  diíFe* 
rente  orthographia,  &  quantidade  entre  os  Poe- 
tas: porque  a  mulher  de  Oceano  leefcreve  defta 
maneyra:  Tethys,  &:  a  filhade  Nerro  cafada  com 
Peleo  fe  efcrcve  aífim,  Thdtis.Na  primeyra  o  Te, 


As  em  quanto  efte  tempo  paffa  lento 
T>e  regerdes  òs  ^ovos  que  o  deJejaOf 
^ay  vós  favor  ao  novo  atrevimento, 
^ara  que  eftes  meus  ver f os  vojjosfejao^ 
E.ver€is  ir  eort ando  ofalfo  argento 
Osvojjos  Argonautas^  porque  vejão, 
^lefiõviftos  de  vós  no  mar  irado  j 
£  coftumayvosja  afer  invocado^ 

Tthipiylkto.  Ttúipó^àg^YóCo.  Dá  eí!e  novuc 
aotempo  da  idade  tenra  de  ElRcy  D.  Sebaítiaó, 
que  era  caufa  delle  naó  reger  ,  nem  governar  05 
feus:  aos  quaes  cada  dia  parecia  cem  mil  annos. 

Sa/fi  argento.  Propriamente  quer  dizer  prata 
laígáda.  Ufou  defte  medo  defallar  à  imitação  de 


he  longo,  porquÊ  no  Grego  fc  efcrcve  com  H,  q     Homero,  o  qual  chama  muytás  vezes  ao  mar  pra- 


fe  converte  cõ  è  longo:  na  fegunda  breve  porqíie 
feelcreve  com  EV  vogal  fempre  breve  naquella 
íiriguá.  Ainda  qòe  algumas  vezes  fe  confunde  a 
diftcrença,  Sc  fe  põem  huma  por  outra. 

7edo  o  Cerúleo  (enhòrio.  Por  fcnhorio  Cerúleo  en- 
tende o  mar,  o  qual  fe  chama  aíTim  ,  por  caufa  da 
cor  que  parece  ter :  a  que  os  Latinos  chamaõ  Ce- 
rúlea, de  Calum  ,  que  he  o  Ceo  por  parecer  azul, 
qual  parece  a  cor  do  Cco,como  na  realidacfe  oCeo 
naó  tenha  cor  alguma,  &  a  que  nos  parece  a  nós 


ta.  E  por  efte  refpeyto  parece  a  alguns  eílc  ter*- 
mo  de  fallar  dyro ,  &  outros  femclhantes,que  por 
ferem  à  imitação  Latina,  parecem  afperos,  mas 
fazendo-fe  os  Leytores  a  elles,  perderão  a  afpere- 
za,  pois  outros  temos  de  difíercntelingua,  ôc  diF- 
ferentes  da  Latina  ,;  de  que  ulamos  como  no  fios 
tendomuy  to  pouco  de  nós.  Veja- fc  o  que  notamos 
nefte  mefmo  Canto,  Oftava  67. 

Oí  njoffos  argonautas.  Argonautas  foraõ  hús  ca- 
vallcyros  Gregos,quc  na  nao  Argos(a  qual  dizem 


fejamais  hum.a  repreíentaçaõdecor,  queadiífã-     foya  primeyra  que  bouve  no  mundo)  foraóà  co- 
ei^ íkapartamento^do  lugar  eaufa  cm  noílavifta:     quiílado  vellodc  ourodeColcos  regiaó  de  Afia. 

^"''^  '■  '*-  Daqui 


jmitaçaô  de  Virgílio  nas  Georgicas 
fuefce  vocari,  como  iica  dito. 


ip. 


/í  no  largo  Oceano  navegavao^ 
As  inquietas  ondas  apartando^ 
Os  ventos  brandamente  re/}f travão 
^as  nãos  ús  velas  concavas  mchandáí  K 
^a  branca  efiuma  os  mares  fe  moflravão 
€ubert0Si  aonde  as  proas  vão  cortando 
As  marittmas  aguas  confagradas  ^ 
^e  dobado  de  Fratheo/aÕ  cortadas. 


,  .  írA\'\^'£dífítoTrímeyro^\^A%V\.  t-^ 

Daqui  osnolTos  Porruguezes ,  porque  foraó  os  mos  no  Gatito  íegundo,  Oâ:aVa24.  Chamaihc 
primeyros  que  navegarão  mares  naó  conhecidos,  coníagradas ,  porque  os  Pocias  a  todas  as  coulas 
nem  navegados  de  outr.as  nações ,  èc  por  ferem  attribuhiaó  léus  Dcofés :  &  nas  aguas  diziaó  ,  que 
mu)  to  deftros  na  arte  de  navegar,  laó  chamados  havia  Nymphas,  ás  quaes  òs  rios,  tontcs,&  mares 
Argonautas.  craó  conlagrados.   Alem  .diftofingiaó  lias ap;uas 

E  cofiumayvos  jd  afer  invocado.  Neftas  palavras     do  mar  certa  dtvindade  ,   pelo  que  as  tinhaõ  por 
concluc  á  invocação  de  EIRcy  Dom  Scbàftiaòà     íantas,  ôclagradas:  &  diziáó  naó  íer  licito  entrar 

l^êtij^tte  af-  nellas  homem  que  tivefle  commetiido  algum  der 
lito,  por  íêr  lugar  lagrado^  íegundo  clles :  &  que 
coftumava  caftigar  homens  diilblutos,  &  de  pou- 
ca fé.  Por  efta  razaó  queyxádo-fe  Dido  de  Eneas 
J/í  no  largo  Oceano  navegavào^  por  fe  atrever  acntrar  no  mar ,  tcndolhe  quebra» 

As  inquietas  ondas  apartando^    ""'       ''         do  a  palavraque  lhe  tinhadado  de  caf^r  com  ella, 
Os  ventos  brandamente  reíp travão         .    ^  ^_     , : '  „   ■ ,  : /      '      ^  •  ^ 

•     'í-»*'    v/ecviaíajjepdemtentatttwus  aqtiõrapr0ag(tf 

^'  !t  Per^Jiafeenas  exigtt  tile  locas. 
Fazmuyto  mal  aos  que  navegaô,  quebrar  apalâ* 
vra  ,  porque  o  mar  caftiga  aos  homens  de  pouca 
fé.  Ifto  he  Ironia.  A  verdade  he  ,  que  hum  fó 
Deos,  Sc  Senhor  governa  tudo  ,  &  que  a  eilc  faó 
todas  as  coufas  fujeytas ,  compheFéCatholica* 
la  no  largo  Oe^âtto  navigarfàV,  Depois  qac  pro*  O  noíTo  Camões  falia  comtx^ííeta,  para' ornar,  & 
póZjO  que  havia  de  tratarnefta  fua  obra,  &  invo*  fazer  elegantes  fuás  obras*,  stlài  :  .jíhm  . 
tou  as  Nynvphas  do  Tejo,& aElRey  Dom  Seba- 
íliaó:  começa  a  narração  nefta  Oótava.  O  marq 
rodea  tôdâa  terra  chama*le  Oceano,  de  huma  pa- 
lavra Grega,  que  quer  dizer  ligeyro,  pelas  gran- 
des revoltas,  &  tempcftades ,  que  de  íubito  fe  Ic- 
vantaõ  nellcj  como  diz  Solino,cap.3tf.  M,eh,cap, 
i.lib.3.  &  outros.  E  pofto que  efte  íeja-  oitu  no- 
me em  geral  ,  em  particulaír  tem  outros  muy tos, 
conformcaos  lugares  por  onde  pafla,  como  Atlá* 
tico,  Cafpio,  Indico,  Rubro,  Líguílico,  &  ou- 
tros. 

De  gada  Je  Prothea.  O  gado  de  Protheo  faô  oí 
pcyxes  domar,dos  quaes  Protheo  temcuydado 
por  m  âdado  de  Neptuno  Senhor  do  mefmo  mar, 
como  fingem  os  Poeta?.  .Deíle  Protheo  trata  lar- 
gamente Virgílio  nas  Georgicas  ,  aonde  diz  que 
lè  coftumava  mudar  em  differentesfíguras,porq 
fe  convertia  em  gato,  caó,  fogo,  rio ,  &  em  tudo 
o  maisquc  queria:  de  donde nafceo o  Provérbio: 
Trftheo  mutabilior,  roais  mudável  que  Protheo;  o 
qual  fe  diz  de  hum  homeminconftante,  6c  mudá- 
vel. O  que  Diodoro  conta,  ItLi.  lib.meii%i.  & 
donde  fecre  ter  origem  efta  fabula  he ,  que  Pro- 
theo foy  Rey  de  Egypto  em  tempo  que  Priamo 


Quando  osDeofesno  Olyntpo  lumlnofo^ 
Onde  o  governo  €  a  à  da  humana  gente ^ 
Se  ajuntaõ  em  Concílio gpr  10 Jo^ 
Sobre  as  co  ufas  futurai  do  Orit  níèf 
^Pifando  o  cryJlaUimÇçofermofo, 
Vem  pela  ^vta  Laâleà juntamente. 
Convocado  r  da  par  te  Ao  Tonante  ^ 
'Pelo  neto  gentil  do  velha  Atlante^ 

,  •!..'  ,'j>/ifoa  ^uv  .«íMt*^U  fxniu-^  .'L>  «iOi  • 
guando  õí  Desfei  no  Olympò  Uminofõ:  Finge  O 
Poeta  nefta  Oótava  chamar  Júpiter  a  Concilio  os 
Outros  Deofes,  para  tratar  com  elles  íobre  a  nave- 
gação dos  Portuguezesj  que faziaó  para  o  Orien- 
te. Olympo  luminofo  heo  Cco,  como  fica  dito^ 
Oélava  17.  Doze  montes  acho  em  os  Autores 
chamados  defte  nome  Ol/mpo,  em  diííerenres  par- 
tes do  mundo.  Efte  deque  o  Poétaíallii  i  heem 
Theflalia  Província  de  Grécia.  O  qual  dizem  fer 
de  tanta  altura^  que  paíla  a  regiaó  do  ar,em  que  lê 
caufaó  as  nuvens,  chuvas,  trovões,  6c  rcla'T>pagos« 
Donde  diz  Lucnno  na  Pliarfalia,  lib.  2.  Nuhet  ex- 


o  era  de  Troya  :  o  qual  Reyrio  dizem  quealcan-  ceJit  Olympm.  O  monte  OLympo  pafla  pelas  nu- 
çou,  naó  por  lhe  pertencer  por  geração  ;  fenaó  Vens.  Solinocap.  15.  Polylíift,  acrefcenta,queno 
porque  faltando  Rey  em  Egypto,  decommum  alto  defte  monte  havia  hum  altar,  emqueosan* 
coníclho  o  elegerão  a  elle,por  fer  homem  de  graó  tigos  faziaó  fcus  facrificios  cada  anno  a  Júpiter:  Ú 
prudência  &  confelho.  E  daqui  feveyo  a  dizer,  que  acontecia  deyxarem  aigúas  letras  efcritas  lo* 
quefcconvertia,6ctrásformavaemdiífercntesíi-  brc  acmzadosanímaes,q  alliqueymavaõ  para  oí 
guras:  porque  fe  íabia  accommodar  a  todos,  ôc  vi-  facrificios:  &  eftas  cinzas  que  ulli  dcyxavaó,quât 
irer  cora  clles.  Donde  o  provérbio,  Protbeantu-  do  oanno  íeguintetornavaóàquelle  lugar,acha.« 
tabiliort  fe  accommoda  entre  muytos,  mormente  vaó  da  mefma  maneyraque.as  gavião  deyxado:  o 
entre  os  Gregos,  a  hum  homem  íagaz,  &  avifa-  que  he  final  de  eftarem  por  bayxo  do  cume,  ôc  ca- 
do.  beça  defte  monte  todas  as  alterações  que  no  ar  l'e 
yii  maritimai  águas  confagraJas.  Aguas  mariti-  geraó,como  dizem  todos  os  que  dcUe  traraó. Cha- 
mas faó  as  aguas  do  mar.  Vejaríc  o  que  efcreve-  ma-fe  01ympo,de  duas  palavras  Gregas,que  que- 
rem 


1  ^  Lu  fiadas  de  Luis  de  Camões  Cúmtnentados ", 

rem  dizír  todo  rerplandecénte,  por  naô  ter  fobre 
íi  nuvem  alguma,iTem  efcuridadej^anctscftarfem- 
preclaro  com  osrayos  do  Sol.  í  -íi""-  o 

Fempelítvia  laãea.  Defcreve-fe  o  caminho  por 
onde  os  Deofcsforáó  aos  Paços  de  Júpiter  ,  íua 
chegada,"  6c  dçtcrminaçaõ.Chama  a  eftc  caminho 
yialaãfa\  caminho  de  leyte  :  ao  qual  os  Gregos 
pela  meíma  razaó  chamaô  Galáxia ,  por  fer  bran- 
co como  léyte.  Alguns  lhe  chamaõy  caminho  de 
Sanftiagò,  enganados  pelo  vocábulo,  porque  co- 
mo nO  Grego  fe  chama  Galáxia»  cuidaó  que  quer 
dizer  Gaiiza:  &  como  o  Bemavcnturado  Sanótia- 
gô  Padroe;yro  dos  Efpanhoes  eftá  em  Galiza,cuja 


II* 


DEyxao  dos  fite  Ceos  o  regimento, 
^e  do  Todermais  alto  Ihesfoy  dado:  • 
Alto f  o  der,  que  fó  co  -^enf amento 
Governa  o  Ceot  a  ferra  j^ó'  o  Mar  irado. 
Allife  acharão  juntos  num  momento^ 
Os  que  hahitaÕ  o  Arciuro  congeladoj 
E  os  que  o  Aufiro  tem^à'  as  partes  onde 
A  Aurora  nafce ,  ^  o  claro  Sol/e  efconde. 

Deyxaè  dos  fett  Ceos  o  regimento.   Trata  dos  mãís 


cafa  he  frequentada  de  muy  ta  gente,  que  o  vay  principaes  que  concorrerão  àquellc  ajuntamento, 

viíitaf  cm..romaria,dÍ2em,quc  quíz  Dcos  íinalar  q  foraó  osTete  Planetas ,  Saturno, Júpiter,  Mar"2^ 

no  Ceo  aquelle  caminha,  por  onde  os  peregrinos  te.  Sol,  Vénus,  Mercúrio,  &  a  L^a:  os  quaes  por 

feregeíTcm,  para  ir  àfua  Cafa.  Entre  os  Philofo-  ordemdo  AltiifimòDeos,6c  Senhor  nolfccomo 

phos -houve  vários  pareceres  ,6c  opiniões  fobre  dizaquio  Poeta,  eftaGemaquellcsiugaTcs,como 

cila  Via  ladea.  A  verdade  he,  que  a  multidaõjSC  Rcytores,&.  Governadores  dclles». 
ajuntamento  de  muytas  Eftrellas  daoótavaEf-         Os  ciuehabitaòo  Atãuro  congeladQKX^iZv^úSy  que 

phera,-  as  quacs  naó  podemos  alcançar  com  a  vi*  concorrerão  de  todas  as  partes  do  miindo, Norte, 

lia, poreftarem  muycodiílantcs,  &  defviadas  de  Sul,  Oriente,  ôcOccidcnte.  As  panes  do  Norte 

nós, Ic  mifturaõ entre fi^  entretecem  ,6c confun-  entende  por  efta palavra  Aréluro,  quehehuma 

dem  os  (eus  rayos  de  raaneyra,  que  parece  aquelle  Eftrella  da  primeyra.  grandeza  na  cqnftellaçaõ 

lugar  banhado  em  leyte,  pelorefplandordaqucl-  Bootc,  a  que  os  Gregos  chamaó  Ar.â:ophylax,  q 

las  eílrellàs.  Pelo  que  lhe  chamaô Cirí«/p/<íí/eo,ou  quer  dizer,  guarda  da  Urla  mayor ,  chamada  He- 

Vta  latha-.  Donde  Qvidio  nas  Metam. lib.i,  lice,na  parte  Septentrional,que  he  o  Norte.Cha- 

Efi  viafuhltmis  Calo  manife(la  ferem ,  ma  ao  Âréturo  congelado,  por  citar  eíla  Eítrella 

Lacfea  nomen  habciy  canàore  notabilis  ipfo,  em  paragem  fria,  qual  he  a  do  Norte. 
Ao  qual  o  noflb  Camões  fegue  ncfte  ajuntamen-        Oí  cjUc  o-  iíu^ro  tem.Snõ  os  moradores  das  partes 

to,  &  Concilio  dos  Deofes.  do  Sul.  Chamaó-fc  aíTim  do  vento  Auftro,  q  ven? 

Pelo  Neto  gentil  do  veUo  atlante.  'EntenàcMer»  tadaquellas  partes  i  &  em  vulgar  lhe  chamamos 

curió  filho  de  Júpiter,  fie  de  Maya  filha  de  Atlas  Sul,  ou  Vendaval.  :  (,      ;  , 

Rey  de  Africa.  Cinco  Mercurios  efcreve  Cicero         E  as  partes  onde  a  Aurora  ffafce.  As  partes  onde 

nos  livros  de  Natura  Deoruntt  que  houve,  cujagc-  nafce  a  Aurora.faô  as  do  Oriente»Gomo  atraz  fica 

nealogia  trata.  O  mais  celebrado  dos  Poetas,  he  dito,Odava  14.    As  partes  onde  fecfconde  o  Sol 

eíle  de  que  o  Poeta  aqui  falia  :  o  qual  fingem  fer  faõ  as  do  Poncnte  ,  quaes  faõ  ellas  do  noílo  Por- 

intcrprete,  fie  menfageyrodcfeu  payjupiter,  6c  tugal.  Vcja-fe  a  nolla  annotaçaó  ncfte  mefmo 


de  todos  os  mais  Deolcs:  inventor  da  viola  ,  6c  da 
eloquência:  padroeyro  dos  mercadores,  6c  de  ou- 
tros officios,6c  exercidos,  que  conta  Luciano  no 
Dialogo  Tyrannolib.  1.6c  Ladancio  nas  inílrtui- 
çóes  divinas,  cap.io.  E  porque  Ihedaõofficiode 
Embay  xador,  o  pintaõ  com  azas  nos  pés,  6c  na  ca- 
beça :  porque  quem  ha  de  ter  lemelhante  cargo, 
nem  ha  de  ter  preguiça  nos  pés,  nem  chumbo  no 
entendimento.  Também  o  pintaõ  com  huma  var 
ra  na  raaô,  poíla  entre  duas  cobras,  porque  com 
a  eloquência  fe  vencem  todos  os  monílros,  6c  pe^. 
çonhas  do  mundo:6c  naõ  ha  coafa  por  difficultOf 
la  que  feja,que  com  prudência  fe  naó  acabe.  Efta 
he  também  a  razaó  porque  osPoetas  fingem  Her- 
cules grande  domador  demonftros,  6c  que  Or- 
pheoattrahiaafiascoufasinfcnfiveis :  &  Arionos 


Canto,  Oâ:aYai4. 

Estava  0  Tad)-e  alllfublimey^^dmo, 
^e  vibra  os  feros  rayos  de  Vulcano^ 
Num  ajjento  de  Eftrellas  cryftallin  o, 
Comgeífo  alto^/everOj  &foberano: 
íDí?  rofio  ref pirava  bum  ar  dtvino, 
^e  divino  tornara  hum  corpo  humano: 
Com  hua  coroa, fí>  fceftro  rutilante, 
^e  outra  pedra  mais  clara  que  diamante. 

E/iava  0  Padre  allíjubUmCf  &dino.  Depois  que 
o  Poeta  tratou  da  gente  que  concorreoaos  Paços 
de  Júpiter,  trata  nefta  06lavadc  fuaauthorida- 


peyxes:porque  foraó  homens  avífados,  6c  que  vi-     de,  &  preeminência.  O  Padre  fublime,  que  vibra 


viaó  de  maneyraque  perfuadiaô  à  gente,com  que 
tratavaó,  tudo  oquequeriaó. 


os  rayos  de  Vulcano ,  he  Júpiter.  De  differentes 
Vulcanos  trataô  os  Autoreb ,  mas  o  mais  nomea- 
do entre  elles,  he  eíle  de  q  falia  aqui  Luis  de  Ca- 
mões. Fingem  os  Poetas  que  eftc  foy  hlho  de  Jii- 
piter,  6c  Juno,  Alguns  o iazcm  filho  deJunolei|i 


Canto  Tríf^eyro.  i  ^ 

pay  :  &  dizem  que  o  kíiçou  Júpiter  do  Ceo  por     põem  de  fua  vida,  como  lhe  parecrc^  Àci^éfcentaõ, 
ier  muytofeyo.  Angelo  Policiano  nas  fuás  Mif-     queeftas  Parcas  íiaó  a  vida  do  homem,  pelo  que 


cellancas,  cap.89.  dá  outra  razaô.  Depois  de  lan- 
çado do  Ceo  >  fez  feu  aíTento  na  ilha  Lemnos  do 
mar  Egeo  chamada  hoje  Sidro,  como  diz  01i\  a- 
no  fobre  Mella.  Nefta  Ilha  dizem  os  Poetas  que 
tinha  fua  tenda  com  todos  os  mftrumentos  necel- 
larios  para  fazer  os  rayos  a  íeu  pay  Júpiter ,  &  cõ 
que  fez  as  armas  de  Encas,  ÔcAchiIles,  como  di- 
zemos no  Canto  fexto,  OólavajS. 

P  M luzentes  ajfentos  marchetados 


pintaó  Ooto  com  roca,  L ache íis  fiandojAtropos 
cortando  o  fio.  E  que  quand©  querem  perfeguir 
alguém,  lhe  íiaó  lua  vida  com  fiado  negro:  o  que 
quiz  dizer  Marcial: 

St  mht  Unifica  ducunt  nonfuUa  for  ora 
Staminay  necfurdos  voxhabetijia  Deos. 
Sc  às  irmãs  fiandcyras  me  náo  fiaó  a  vida  com  fia- 
do negro:  como  le  dillera :  fe  os  fados  me  favore- 
cem ,  &  ajudaó.  lílo  íaó  fabulas ,  £c  fingimentos 
Poéticos,  6c  Gcntilicos.  Tomando  fado  como  fe 
deve  tomar  por  humà  ordem^  &  curfo  das  coufasj 


T)e  ouro  j&  de  ptrlas  mais  abayxo  ejfavão    encaminhado  por  divina  Providencia,  pode-íe 


Os  outros  'Deofes  todos  ajfentadosj 
Como  a  razão j&  a  ordem  concertavaS, 
precedem  os  antigos  mais  honrados^ 
Mais  abayxo  os  menores  fe  ajj em a'vaõ^ 
^ando  Júpiter  alto  affim  dizendo, 
Lom  tom  de  voz  começa grave^^horrêde^ 

P  Ternos  moradores  do  luzente 
^  EfteUtfero  Toloj  &  claro  afientoi 

Se  do  grande  valor  da  forte  gente 

*íDeLufa  não  perdeis  openfamento: 

'Devets  de  ttr  fabido  claramente. 

Como  he  dos  fados  grandes  certo  intento» 

^epor  ellafe  efqueçào  os  humanos 

"De  JJfyrios^Terfas .Gregos,  &  Romanos^ 

EJlellifero  Polo.  Nefta  machina  do  Ceo  que  ve- 
inos,aoqual  osGregos  por  fuafermolurachamaó 
Cofmos,  &  os  Latinos  Calum^  ou  Mttndustpor  fer 
puriífimo,  &  apartado  de  todas  as  fezes  da  terra, 
como  diz  Plínio  :  como  feja  redondo  ,  ôc  ande  em 
continuo  movimento  ,  fingirão  os  Aftrclosos 
dous  pontos,  hum  de  fronte  do  outro,  comhu^nia 

linha,  que  imaginarão  paliar  pelo  meyo  da  terra,  Reys,  &  durou  202.  annos,  fendo  o  ultimo  delU 

de  hum  a  outro.  A'iinhapuzeraó  nome  Eyxodo  Dário.  A  efte  vcnceo  Alexandro  Magno  Rey 

mundo,  &  aos  pontos ,  Pólos  do  verbo  Grego,  q  dos  Macedonios,  &  pafibu  a  Monarchia  a  Euro- 

quer  dizer  volver:  porque  fobre  ellesfe  volve  o  pa,&aflimff  chamou  j&  chama  efta  quarta  Mo-i 

Ceo,  como  hum  carro  fobre  o  eyxo.Eftes  dous  narquia  dos  Gregos,  ou  das  Macedonios.  Durou 

Pólos  faó  os  que  commúmente  chamamos  Nor^  302.  annos,  o  ultimo  Senhor  da  qual  foy  aRa^ 

te,&Suli  junto  aos  quacseftaóaquellastam  no-  nhaCleopatra,  porque  depois  da  morte  de  Ale-i 

meadas  Eftrellas  ditas  do  nome  delles,pelas  quacs  xandro  Magno  fe  repartio  feu  Império  por  dif^ 

os  marinheyros  fe  governaó.  Huma  he  a  Eftrella  ferentes,  até  que  finalmente  veyo  parar  cm  Egy  p^ 

do  Norte,  a  outra  a  do  Sul.  Daqui  Pólo,  fe  toma  to,onde  acabou  fendo  Rainha  Cleópatra.  A  quin* 

pelo  Ceo:  figura  muy  to  ufada entre  os  Poetas:  to-  ta  começou  cm  Octaviano,  que  vcnceo  a  Cleopa* 

marfe  a  parte  pelo  todo,  &  o  todo  pela  partCé  tra ,  vinte  6c  fcte  annos  antes  do  Nafcimcnto  de 

Cento  he  tios  fados  grandes  certo  intento.  Entre  os  Chrifto.  Durou  285.  annos ,  6c  acabou  em  Gon- 

antiguos  houve  grande  alteração ,  que  coufa  era  ftantino  Magno,  que  mudou  o  Eílado  imperial 

fado,  6c  o  poder  que  tinha.  Cicero,//^.^.  àe  natura  de  Roma  para  Conftâtinoplajnoanno  5 12. depois 

I)far«m,  AuloGellio,lib. 6,cap. 2.6c  todos  os  Poe-  do  Nalcimento  de  Chrifto.  Eftefoy  oprimeyrt* 

tas  concordaó,  que  Fados,  6c  Parcas  laõ  húa  mef*  Emperador  Chriftaô,  que  mandou  fe  baptizalfem 

ma  coula,6c  qucfaótrcs  Cloto,  Lacheíis,  6c  A-  todos,  6c  que  largou  aCidade  de  RomaaoP;ip;í* 

tropos:  6c  que  fe  chamaó  Parcas  a  partu,  do  parto^  A  fexta  Monarchia  foy  dosConílantincpoíitanos^ 

porque  desde  o  nalcimento  de  húa  creuturadil-  6c  começou  neftcConftahtino  Magno  ,  6í  teve 

fim 


admittir  fallar  cm  tado,  6c  negailo  hefte  lentido^ 
feria  negar  a  divina  Providencia,  cçmo  diz  o  B.S. 
Thomás  i.p.  q.i  i6.art.i.6c  5.  E  afiim  avemos  de 
dizer,  que  o  entendeo  o  Poeta,  como  fe  pôde  ver 
no  Canto  decimo,  Oftava  ;8. 

De  AUyrtoi,  Perfas,Gregor,(j^  Romanoi.  No  tratar 
das  Monarchias  variáo  os  Autores :  pelo  que  ló- 
mentc  direy  o  neceflàrio  para  entendimento  ,  6c 
declaração  defte  lugar.  Gontaó  que  houve  fetc 
mais  notáveis.  A  primeyra  foy  dos  Afi"yiios,cujo 
primeyro  inftituídor,  dizem,  que  foy  Nemrbt,  fi- 
lho de  Cham,neto  de  Noé,do  qual  fe  trata  no  Ge- 
nefis  cap.  10.  Eftá  Monarchia  começou  antes  do 
Nafcimento  de  Chrifto  2183.  annos :  teve  trirtta 
êc  oyto  Reys,  o  ultimo  dos  quaes  foy  Sardanapa- 
lo.  Durou  1557.  annos.  A  legunda  foy  dividiJl 
entre  dous  Capitães  de  Sardanapido  ,  Os  quaés  ó 
inatàráó,  por  fér  homem  molle  ,  6c  affcíninádo* 
Arbaces  ficou  com  o  Império  dos  Medos,  6c  Be- 
loco  com  o  dos  Chaldeos.  Teye  o  dos  Medos  no- 
ve Emperadorcs,6c  durou  292. annos. O  dosChal- 
deos  i5.6cdurou  295.  CyroRey  dos  Perlas  vena 
ceo,  6c matou  Aftyàges,  6c  Balthazar  ,  últimos 
poíluidorcs  da  Monarchia  dos  Afiyrios ,  6c  nelld 
começou  á  terccyra  551.  annos  antes  do  Nafci* 
mento  de  Chriftoj  chamada  dos  Perfas.  Teve  14* 


I  ^  Lujiadas  de  Luis  de 

fim  em  Conflantíno  Texto,  782.  annos  depois  do 
NarcimentodeChrillo.  Teve  32.  Emperadorcs, 
&  durou  470.  annos.  A  letima  começou  em  Ale- 
manha, em  Carlos  Magno,  800.  annos  depois  do 
Kaícimcnto  de  Chrifto,  por  o  Papa  Leaó  dividir 
a  Monarchia  de  Conftantinopla  em  Oriental,  6c 
Occidencâli  fazendo  Emperador  de  Alemanha  a 
Carlos  Magno,  como  fica  dito,  Oitava  15.  por 
defender  as  terras  da  Igreja  contra  os  Longobar- 
dos,  que  as  deílruhiaó,  ao  qual  dano  naó  acudiaõ 
os  Emperadores  de  Conílantinopla;  Teve  45. 
Emperadores,o  ultimo  dos  quaes  íoy  Rodulpho, 
anno  do  Senhor  de  1291.  depois  que  o  Papa  Leaõ 
tcrceyro  fez  a  divifaó  do  Império  ,  que  acima dif- 
femos,trarpa fiando  o  de  Roma,6c  Conftantinopla 
cm  Alemanha.  Os  Emperadores  de  Conílatino- 
pla,que  fucccdéraó  a  Conítantino  fexto,  foraõ  47. 
o  ultimo  <3os  quaes  foy  Conftancino  Paleogolo, 
ao  qual  matcu,6c  tomou  aCidàde  o  Graõ  Turcoí 
aos  29.  de  May  o  de  145  5, 0  que  o  Poeta  aqui  mo- 
ftra  ,  he  que  naó  merecem  os  feytos  deíles  Mo- 
narchas,  6c  Emperadores  do  mundo,  fcr  compa- 
rados corn  os  dos  Portuguezes# 


J 


*5. 
■  A  lhe  foy  Çlfem  o  vijles^  concedido^ 

Com  poder  taõ  fijige lo i  à"  taÕ pequeno ^ 

Tomar  ao  Mouro  forte  ^  ^guarneado^ 

Toda  a  terra  que  rega  o  Tejo  ameno, 

'Pois  contra  o  Cafle lhano  taÕ  temido^ 

Sempre  alcançou  favor  do  Ceofereno, 

Âffim  q^  fempre  em  fim  cbfama^  &  gloria^ 

Teve  os  trofheos pendentes  da  vitoria. 


h  lhe  foy  (hemo  vi^ei)  ffo»«í/<^*Iílo  diz  pelo  fe- 
lici^imo  Rey  Dom  AfFonfo  Henriquez  primcy- 
ro  de  Portugal,  do  qual  fe  trata  cm  muytas  par- 
tes defte  livro.  Efte  bem  afortunado  Rey  venceo 
muytas  batalhas  campacs  ,  6c  muyto  arrifcadas, 
con?  muyto  pouca  gente.  Desbaratou  no  campo 
de  Ourique  cinco  Rcys  Mouros  com  muyto  gra- 
des exércitos  juntos.  Junto  a  Palmela  aElRey 
de  Badajoz;  em  Santarém  a  ElRcy  de  Sevilha: 
venceo  também  a  ElKcy  de  Marrocos  intitulado 
Emperador,  com  outros  treze  Reys.  Tomou 
aos  Mouroò  Santarém,  Lisboa,6c  tudo  o  q  ha  del- 
ia atè  Coimbra  ',  em  AlcmTejo,  Cezimbra,  Pal- 
mela, Alcácer, Évora,  Elvas,Moura,Scrpa,Beja, 
&  outros  lugares,  &  fortalezas. 

Pois  contra  o  Ca(ldhan9.  Vcja-fe  o  Canto  quarto. 

Jeve  os  tropheos  fendentes.  Tropheo  vem  de  tro- 
pi,  palavra  Grega,  que  quer  dizer  fugida.  Era 
hum  padraó,  ou  coluna  que  fe  levantava  no  tem- 
po da  vitoria  em  o  lugar,  onde  os  inimigos  f  ugiaô, 
ÍC  nellcs  punhaô  todos  os  defpojos,  &  armas  que 
naquella  batalha  alcançavaó,  corao  diz  Virgilio 
na  Eneida  lib.  11. 


Camões  Commentados, 

DEyxo  T>eofes  atraz  afama  aritlga, 
^e  com  agente  de  Rómulo  alcãçàrâo^ 
fiando  com  Viriato  na  inimiga 
Guerra  Romana  tanto  fe  ajfamàrao. 
Também  deyxo  a  memoria  que  os  obriga 
A  grande  nome^  quando  alevantàrão 
Mumpor  feu  Capitada  que  peregrino 
Fingiona  Cerva  efpinto  divino, 

§^ndo  com  VtriaU,  Veja-fe  a  nofla  annotaçaõ 
no  Canto  terccyro,  06bava  22.  Foy  Viriato  em 
principio  de  fua  vida  paftor ,  como  conta  Floro, 
depois  falteador  de  caminhos,  pelo  que  veyo  a  ler 
muyto  rico,  6c  levantarfe  có  a  Lufitania  no  anno 
de  <So8.  da  edificação  de  Roma ,  lendo  Confules 
Cneo  Cornelio  Lentulo  ,  6c  Lúcio  Mumio,  co- 
mo efcreve  onofloRcIcnde  em  hum  tratado  que 
fez  da  Cidade  de  Évora  cap.  2.  o  que  foy  cento  & 
quarenta  annos  antes  do  Nafcimento  dsChriílo 
noHb  Redemptor,6c  Salvador.  Tratando  Juílino 
I1b.45.da  Lufitania,  diz  que  Viriato  naô  fe  levan- 
tou com  ella,  mas  que  os  Lufitanos  o  tomàraó  por 
feu  Capitão,  por  verem  nellc  partes  para  os  poder 
reger ,  &  governar ,  por  fcr  homem  de  grande 
prudência,  6c  confelho.Veja-fe  a  nofla  annotaçaõ 
no  Canto  tcrceyro,  Oétara  12. 

agente  de  Rómulo.  Entende  os  Romanos,  por-^ 
que  Rómulo  foy  fundador  de  Roma,  6c  o  primey- 
ro  Rey  delia,  como  conta  Tito  Livio,  6c  outros. 

Humparfeu  Capitão,  Efte  foy  Quinto  Sertório 
natural  da  Cidade  de  Nurfia  nos  Sabinos ,  q  hoje 
fc  chama  Norza :  o  qual  nas  guerras  cruéis  entre 
Mário,  6c  Scylla  feguio  as  partes  de  Mário.  Ven- 
do Scylla  vencedor,  &  entrar  a  Cidade  de  Roma, 
6c  fazerfe  Senhor  delia,  recolhcofe  a  Efpanha,on- 
dc  fendo  Capitão  fez  coufas  finaladas  contra  os 
Romanos  por  efpaço  de  dez  annos;  6c  tinto,  que 
conta  VeleioPatercuIo,  que  havia  duvida  qual  j 
permaneceria,  leRoma,  fe  Elpanha.Foy  Sertório  j| 
tam  prudente,  6c  ardilofo,  que  diz  delle  Appiano, 
que  era  tido  pelo  mais  valerofo  Capitão  do  mun- 
do ;  pelo  que  os  Efpanhoes  lhe  chamavaó  Anni- 
bal,  por  fe  parecerem  fuás  coufas  com  as  da- 
quelle  grandiflimo  Capitão,  do  qual  tinhaómuy- 
ta  noticia  do  terapo  que  andara  naquellas  partes: 
Entre  outros  teve  hum  ardil  avifadiííimo,quetez 
crer  aos  feus  que  hua  Cerva  branca, que  hum  Por- 
tuguezlhedéracmprífente,  era  Diana,  que  os 
antiguos  tinhaó  porDeofa  da  caça,  que  andava 
transformada  naquella  Cerva,  6c  lhe  aconfelhava 
tudo  o  que  havia  de  fazer.  E  como  as  coufas  Ihu 
fuccediaó  bem ,  tinhaó  os  feus  ilto  por  verdade, 
6c  aflim  o  tinhaó  cm  grande  reputação.  ' 


i^gora  à 


47- 


A    Gora  vedes  bem,  que  cÕmet tendo 
O  duvidofo  mar  num  lenho  ievcy 
Yor  vias  nunca  u/adas,  não  temenao 
DeAfrko.à'  Noto  a  forçada  ynaisfe  atreve^ 
^e  avendo  tanto  jà  que  as  partes  vendo ^ 
Onde  o  dia  he  comprido ^ò  onde  brei^et 
Inclinaõfeupropofioy  &  forjia 
c/f  ver  os  berços  onde  najce  o  dia. 


Canto  Trlmeyro]  ly 

mar  da  índia,  o  qual  cm  noíTo  íefpeyto  ^  comofi* 
ca  dito,  vè  pritneyro  o  nafcimcnto  do  Sol,  coto  a« 
quella  cor  roxa,  com  que  parece. 


t9. 


E  Porque,  como  vifies^  tempâjfados 
Na  Viagem  tain  a/peros  perigos^ 
Tantos  climas,  &  Ceos  exprimetitados^ 
Tanto  furor  de  ventos  inimigos  i 


^efejaõ,  determino  ^  agasalhados 
Nefia  cofta  Ajricana,  como  amigos: 
Duvidíjo  mar.  Chama  ao  mar  duvidoíb,porqiie     E  tendo  guarnecida  a  lajjafrota^ 


nclle  tudo  laó  duvidas,  6c  inconíUncias.  Aílitn 
lhe  chamou  Horácio  no  fim  da  Oda  nona  :  aut 
firtur  incerto  mart,  ou  caminha  pelo  mar  duvido^ 

ÍG. 

>  Num  tenho  leve.  Põem  a  materia,quehe  o  pao, 
pelo  que  delia  í"c  faz  que  he  anão,  figuramuyto 
ufada  entre  os  Poetas. 

De  Africo,  &  Noto  a  força.  Ainda  que  o  Poeta 
nomee  aqui  lós  dous  ventos  Africo  ,  &  Noto,  en- 
tende todos.  He  Africo  hum  vento  que  ibpra  do 
€)ccidente,aque  os  Gregos  chamaô  Lybs,  como 


Tornarão  afeguir/ua  longa  rota^ 

Tant9s  climas ,  ii*f' Ceús  exprimentadoi.  Clima  íiCf 
palavra  Grega,  &  fignifica  propriamente  hum  eí* 
paço  grande  de  Cco  ou  terra.  lílo  hc  quanto  i 
propriedade  da  palavra.  Quanto  à  fígnificaçaõ, 
que  hoje  té  entre  os  Cofmographos,  fc  ha  de  no* 
tar;  que  para  os  antiguos  poderem  mais  clara ,  SC 
diftintamente  tratar  das  terras,  de  que  tinhaó  co* 
nhccimento ,  &  que  le  podiaô  habitar ,  as  dividi» 
raó  cm  partes,  a  que  puzeraô  nome  Climas :  en* 


diz  Plinio  lib.i.  cap.47.  Òc  os  Marinheyros,  Oes-  tendendo  por  Clima  hum  eípaço  de  terra,  na  qual 

Aiduefte.  Noto  fopradomeyo  dia,  chamaólhs  os  houvelle  differcnça  de  meyahora  de  tempo  no 

Latinos  Auílro,  &  os  Marinheyros  Sul,  ou  Ven-  mayor  dia  do  anno.  Quero  dizer,  Te  em  hum  lu* 

daval,  iDiiiiE:;  garo  mayor  dia  era  de  doze  horas,  &  cm  outro  de 

Onde  o  dia  he  comprido  ,  &  ende  breve.  EntCfjde  doze,  &  me)  a;  aquellc  elpaço  de  terra  que  havia 

as  partes  da  Europa  ,  aonde  cílâ  a  noílaEípanhaj  entre  eftes  dous  lugares ,  le  chamava  Clima.  E 

na  qual  osdiasíeregulaõ  pelo  Sol:  ôcaílimnodií-  porque  os  Antiguos  tiveraõ  noticia  de  pouca  ter- 

curfo  do  anno  ha  defigualdade  entre  clles.  Tam-  ra,  &  defta  pouca  que  fouberaó  lhe  pareceo  fef 

bem  fe  pode  entender  eíle  lugar  das  partes  por  algúadeshabitada:  aífim  dcbayxo  da  Equinocial 

onde  andavaófâzendo  outros  delcubrimentos,  5c  pela  grande  quentura,  como  debayxo  dos  Pólos 

conquiílas,  antes  que  tentafiem  efta  da  índia.  do  mundo  ,  pela  frialddcle ,  refpeytando  lómentô 

A  ver  0)  berços  onde  najce  o  dia.  Entende  as  par-  a  terra  que  lhe  pareceo  habitável ,  a  dividirão  em 

tes  do  Oriente.  U  ta  defta  palavra  berço,i  que  os  ietctlimas,  conformando-je  com  o  numero  dos 

Latinos  chamaô  c««ie,  ou  c«»<«W«w7 ,  querendo  Planeta,!,  &  nomcando-os  de  fcu  nome»  E  para 

moílrar  a  origem  do  Sol,  que  em  noflb  refpeyto  conhecerem  o  fitio  dos  Climas,  lhe  puzeraó  no- 

he  nas  partes  da  índia,  como  na  realidade  o  Sol  mes ,  Sc  balizas  dos  mais  principaes 


naó  nafça,  mas  ande  continuamente.  Defta  meí- 
mapalavraufou  Virgílio  na  Eneida  lib.  5.  Mans 
Jdaui  ubigenttt  cunabuU  vp(ira.  O  monte  Ida,  aon- 
de cílaõ  os  berços  da  noflajgente,  como  fc  diflera: 
donde  trazemos  principio,  ôc  origem. 

28. 

PRomettido  lhe  eflà  do  Fado  eterno^ 
Cuja  alta  Ley  naÕpôdefer  quebrada^ 
^le  te nhaÕ  longos  tempos  o  governo 
íDo  mar,  que  vè  do  Sola  roxa  entrada: 
Nas  aguas  tempaffado  o  duro  inverno. 
Agente  vem  perdida,  &  trabalhado: 
'^J aparece bemfeytOj  que  Ihefeja 
Moflrada  a  nova  terra  que  dejèja. 

Do  eterno  Fado.  Dos  Fados  fe  veja  a  nofa  an  lo- 
tação nefte  mcfmo  Canto,  0<Sl:;iva  14. 

Do  mar  ^ue  itt  do  Sol  a  roxa  entrada.  Entende  o 


êcfínalados 
lugares  que  nomcyo  daquella  paragccftiveírcm. 
O  primcyro  chamarão  diamerocs  ^  que  quer  di- 
zer, por  Meroe,  a  qual  Meroe  hchíia  Ilha  muy^ 
to  nomcnda  ,  Reconhecida  ,  fituada  no  rio  Nilo, 
Os  mais  Climas  fe  podem  Ver  em  Sacrobofco  na 
fua  Efphera,  &  Ptholomco  l:b.  2.  Geog.  C.  i.  B 
em  nollbs  tempos  he  ranta  terra  deícuberta,  que 
os  modernos  tem  leyto  25.  Climâs:  como  fe  poJc 
ver  em  Hieronymo  Girava  Tarragonez,  lib.  t.  5c 
Joaó  Pcrez  de  Moya  na  fua  Aítronomia  lib.  1*  c. 
5.ar.i7.aonde  acrefcenta  outro  Clima. 

E  Ceosexprimentádos.  Chamaô  os  Latioos  ãO 
Ceo  Calantydc  hum  verbo  C<f/o,ercrltocom  diph* 
tongo,  que  quer  dizer,cículpir,  por  fer  cfculpido, 
&  cfmaltâdo  com  tanta divcrfidade  de  Eílrellay, 
como  diz  Plinio  lib.2*  cap.  55.  Outros  o  dcrivaô 
de  Qelo,  que  quer  dizer,cobrir,  poi'  fer  manto  ,  & 
cobertura  de  todo  ocreado.  E  eftes  oeícreveni 
femdiphrongo.Ulãõ  também  os  Latinos  defta  pa- 
lavra CétiHm  ,  pela  Rcgiaô  do  ar ,  &:  por  cfte  r«L 

C  peyco 


i8 


Lufadas  de  Lutsde  Camões  Commentaàoí, 


pcy  to  por  Regíaõ,  ou  Parte  do  mundo ,  como  diz 
€>  meímo  Plínio ,  &  o  nofib  Poeta  nefte  lugar ,  o 
qual  encarecendo  aqui  a  navegação  dos  Portu- 
gutzes,  diz,  que  tinhaó  cxpcrimétado  tantos  Cli- 
mas, &  Ceos:  como  fe  diflbra  que  tinhaó  corrido 
tantas  partes  do  mundo* 

^o. 

EStas palavras  Júpiter  dizia ^ 
fiando  os  1)eofes  for  ordem  rejpodêào 
Najentença  hum  do  outro  diferia. 
Razões  àiverjas  dando  j  &  recebendo^ 
O  Tadre  Baccho  alít  naõ  confentla 
No  que  Júpiter  dijje\  conhecendo 
^e  ejqueceraõfeusfeytos  no  Oriente^ 
òe  làpaJl^araLufitanagente. 

O  Vadn  Bacela  alli  nalo  confentia.  Baccho  foy  fi- 
lho de  Júpiter,  &  Semeie,  como  dizem  os  Poetas, 
Solino  cap.íJ^.Mclla  lib.j.  cap.7,  &  outros  dizem 
que  naíceo  em  Niía  Cidade  da  índia.  Veja-fea 
nofla  annotaçaó  no  Canto  y.Oótava  52. E  porque 
tinha  naquelías  partes  alcançado  muyta  honra, 
temia  que  indo  lá  os  Portuguezes  a  perdeíIe;pclo 
que  naóconíentia  no  que  Júpiter  dizia,  &íc  mo- 
ítrava  inimigo  dos  Portuguezes.  Chamalhe  Pa- 
dre, que  he  nome  de  dignidade,  6c  termo,  de  que 
fc  ufa  a  efte  propoíito  ordinariamente ,  affim  cm 
Poetas,  como  cm  todo  o  género  de  efcritur^.  De 


mo  Oitava  75.  nafceo  Baccho.  E  por  iílo  cila  ce- 
lebrava a  memoria  dos  fcytos  ,  ôc  cavallarias  de 
Baccho. 

VEj  quejà  teve  o  Indofobjugado, 
E  nunca  lhe  tirou  hortuna^  ou  Lafi^ 
'Por  vencedor  da  India^  fer  cantado, 
T>e  quantos  bebem  a  agua  de  Tarnafi^ 
Teme  agora  quefjafepultado 
Seu  tam  ceie  br*:  nome  em  negro  vafo 
^a  agua  do  ejquecimentoje  là  chegaÕ 
Os  fortes  Tortuguezes  quenavegao, 

Ve,  que  teve  jd  o  Indo  (objugado.  O  Indo  hc  hunt 
dos  mayores  í  ios  do  mundo,que  rega,  &  dá  o  no- 
me à  índia.  Veja-fc  a  nolla  annotaçaó  no  Canto 
fetimo,  06tava  18. 

De  quantos  bebem  a  agua  de  Varnafo.  A  agua  de 
ParnaíohcadAfonteCaftalia,  quceftáaopé  do 
monte Parnafo,  da regiaó  Phocis de Grccia.  Os 
que  bebiaó  da  agua  delia  fonte,  ou  da  fonte  Hip- 
pocrene  do  monte  Helicon  de  Beócia  ,contaó  as 
fabulas ,  que  ficavaó  Poetas,  como  diz  aqui  o  nof- 
fo  Camões,  que  pelos  que  bebem  a  agua  de  Parna- 
lo  entende  os  Poetas,  &  hc  linguagem  muy  to  or- 
dinária entre  cllcs. 

Vaagua  do  efquecitnento.  Fingem  os  Poetas  que 
ha  no  inferno  quatro  Rios ,  Letho ,  Cocytho  » 


Baccho  fe  veja  o  que  cfcrcvemos  neíleCanto,  O-     Phlegetonte,  &  Acheronte,  &  a  lagoa  Eftygia.O 


él;ava49.  Sc  75. 


SI- 


Ouvido  tinha  aos  fados,  que  viria 
Hua  gente  for  tijjima  de  Efpanha, 
Pelo  mar  alto^o  qual fujiyt ária 
1)a  índia  tudo ,  quanto  Dor  is  banha: 
E  com  novas  vitorias  venceria 
t^fama  antiga,  ou  fua^  ou  foffe  ejhanha. 
Altamente  lhe  doe  perder  a  gloria, 
2)^  que  Ntfa  celebra  inda  a  memoria. 

Ouvido  tinha  os  fados.  O  que  Baccho  receava, 
como  fica  ditOjhe  que  fuás  coufas  fe  elcureceíTem 
naindiijcoiu  as  dos  Portuguezes,  Ôcque  fe  havia 
de  cun-prir  iíto  ,  pois  eítava  determinado  por 
Deos. 

Tudo  quanto  Doris  banha.  Doris,  como  dizem  os 
Poetas,  foy  filha  de  Oceano,  &  Tethys,&  mulher 
de  Nereo  :  &  como  foy  Senhora  do  raar,  toma-le 
pelo  melmo  mar. 

Oufua,oufoJ]teflranha.  Ou  a  honra  que  elle  ti- 
nha alcançado,  ou  outros ,  como  Alexandro,  & 


rio  Letho  fe  chama  afíim  de  lithi ,  que  he  na  lin» 
guaGrega  oefquecimento,  porque  os  que  va5 
áquellas  partes,  cfquccemfc  lá.  Eftas  faó  as  aguas 
doefquecimento,  deque  oPoetatalU.  O.s  mais 
rios  tomaõ  feus  nomes  da  trifteza,  &  fogo  que  na- 
quelías partes  naó  falta,  dos  quaes  trataremos 
aonde  fe  offerccer,dandolheluas  etymoUgias, 

SVJletitava  contra  elle  Fenus  bella, 
Ajfey coada  à  gente  Lujitana^ 
Por  quantas  qualidades  via  nelUy 
2)<sí  antiga  tad  amada ftia  Romana : 
Nos  fortes  corações,  na  grande  Eflrellaj 
^e  moflràrão  na  terra  Tingitana, 
E  na  língua,  na  qual  quando  imagina ^ 
Com  pouca  corrupção^  crè  que  he  a  Latina. 

Fenuíbella,  Vénus  diziaô  os  Poetas  fer  Dcofa 
dos  amores.  Tem  diíF.rentes  nomes, conforme  aos 
lugares  onde  era  venerada.  Paphia,  Idalia,  Cithc- 
réa,  Acidalia,  Aphrodifea,  Dione,  8c  outros  que 
declararey  aonde  fe  oíFerecer.   Ouve  eíla  Vénus 


Tiaiano,que  naquelías  partes  fizeraó  couías  dig-     de  AnchifesTroyano  hum  filho  por  nome  Eneas, 
nas  de  memoria.  p  ,v^í;.  donde  procederão  os  Romanos.  E  por  ifto  diz 

^     De  qtt?  Ntfa  celebra  inda  a  memoria.Nefí:^  Cidade     aqui  Luis  de  Camões ,  que  era  Vénus  affeyçoada 
de  Niia,  como  apontamos  atraz,  Oétava  50.  ôc  ef-     aos  Portuguezes  ,  porque  via  nelles  partes  ,  em 
irrevemos  mais  largamente  adiante  no  Canto  feti-     q^uc  fepareciaó  com  os  Romanos:  afiim  nas  cou- 
fas 


Canlo  Trimeyto, 
ias  da  milícia  ,  como  na  lingua ,  a  qual  le  parece    Tal  andava  o  tumulto  levantado 
niuyto  com  a  Latina.  E  os  que  entendem  o  La^     Entre  Os  T>eofes  no  Olympo  coufagradôi 
tim,  vem  ifto  claramentCj  porque  de  todas  as  lin- 


*^ 


guas  de  Euiopa,rirada  a  Tofcana, (ainda  que  tam- 
bém anda  muyto  corrupta)  a  Portugueza  tira 
mais  ao  Latim.  E  mais  pura  fora,  fe  os  Mouros 
naó  entrarão  em  Portugal.  AíTim  o  tem  Francif- 
co  Tâmara  no  livro  primeyro  dos  coftunics  de 
todas  as  gentes  cap.7.  E  Pedro  de  Magalhães  em 
hum  dialogo  que  fez  cradefcnfaô,  &  louvor  da 
lingua  Portugueza,  o  qual  eílá  no  lim  de  fua  Or- 
tographia,  &  Joaó  de  Barros  na  fua  Gramnnatica 
Portuguew,em  hum  Dialogo  que  fez  cm  louvor 
da  nielma  lingua. 

Jerr^Tirt^ttana.  Quer  dizer  terra  de  Berbéria, 
de  7í»g', lugar  da  melma  Provincia,qije  hoje  cha- 
mamos Tangere,  fujeito  aos  Reys  de  Portugal; 
Toma-lc  a  qui  terra  Tingitana  geralmente  por 
terra  de  Africa. 


E 


34- 


^al  aufiro  fera.  Nefta  comparação  imita  o 
Poeta  aVirgilio,  quando  trata  das  importuna- 
ções de  Eliía  Dido  com  Eneas  ,  trabalhando  en^ 
trctcllo  cm  Carthago.  ^u/lro  hco  vento  Sul.  lio-à 
reas  he  o  vento  que  chamamos  commummrnte 
Nornordefle.  Chamaõlhe  aíHm  os  Gregos  ,  por 
íèr  impetuolo ,  6í  rijo  no  feu  fopro ,  pcJa  qual  ra- 
zão lhe  chamaô  os  Latinos  /ííjutlo:  no  eftio  íè  cha- 
maEtelias,q  cmGrego  íignifica  o  anno,porq  nefte 
tempo  do  eftio  muda  ruafuria,6c  fopra  maisbran-» 
damente,  como  diz  Plinio  lib.  18.C.54. 

Às  Marte  qug  da  T>eofafuflentãDai 
Entre  todos  ,  as  partes  em  porfia: 
Qu  forque  o  amor  antiguo  o  obrigava. 
Ou  porque  a  gente  forte  o  merecia-. 
T)e  entre  os'Deofès em pèfe levantava^' 


■^  St  as  coufas  moviao  Citherea,  _ 

Emais,porque  das 'Tarcas  claro  ent^ede,    Menencortomgtftofarecta 
ha  defer  celtbrada  a  clara  Tiea,  ^-f'^^'  'J'''^^  ^'  collo pendurado, 


^e  ha  defe 

Onde  agente  belíigerafe  eftende^ 

Aífim  que  humpela  infâmia ,  que  arrecea^ 

E  outro  pelas  honras  que  per  tende  ^ 

^ebatem^  &  na  porfia  permanecem\ 

A  qualquer  feus  amigos  favorecem, 

Citherea.  He  Citherea  hum  dos  nomes  de  Vé- 
nus, como  fica  ditOi  Chama-fe  aííim  de  Cithera, 


^tytanaopara  traz  medonho j&  irado* 

Mas  Marte.  Marte  íuftentava  a  parte  de  Vciíus 
em  favorecer  os  Poi  tiiguezcs,ou  pela  grande  ami- 
zade, que  já  tivera  coui  ella,  como  conta  Ovidio 
lib.  i.  de  arte  ,  ou  porque  os  Portuguezcs  lhe 
mereciaõ  efte  favor,  por  feu  esforço^  Reavalia- 
ria. Eíle  Marte,  fingem  os  Poetas ,  que  foy  filho 
dejunofémpay.   A  fabula  de  feu  nafcimento  fe 


Cidade  cm  Chipre,aonde  era  venerada,  que  hoje  veja  nos  faftos  de  Ovidio  lib.^.  Chamoufs  Mar- 
hehuma  pequena  Áldea  chamada  Conucha  ,  co*.  xtátMat,  palavra  Latina,  que  he  o  homem  ma- 
mo diz  Orteli-o  no  íeuThefauro  Geographico.     cho:  porque  nem  mulheres,  nem  homens  affemi- 


Outros  querem  que  fe  chame  aflim  da  Ilha  Cy 
thera  no  Pelo  ponncfo  chamada  hoje  Ccrigo.Das 
Parcas  fe  veja  o  que  efcrevemos  neíle  meímo  Ca- 
to, 06lava  24. 

iZlara  Dea.  He  Venus^  6c  diz  que  ha  de  fer  cele- 
brada pelos  Portuguezcs  na  matéria  dos  amores, 
de  que  Vcnus  entre  os  antiguos  era  tida  por 
Deola. 

/í//zw  que  hum  pela  infâmia  efut  recea.  Efte  era 
Baccho,  o  qual  temia  (eelqucceflem  ,  6c  pcrdcf- 
fem  da  memoria  dos  homens,  as  coulas  que  tinha 
teyto  na  InJia,  fe  os  Portuguezes  lá  chegaílem. 

E  outro  pelat  honrai  ejne pertende.  Eíta  era  Vénus, 
que  favorecia  os  Portuguezes  pelas  razões  acnna 
ditas. 

55. 

Qual  Au /iro  fer  o  y  ou  Boreas  na  efpejfura 
T>efylveftre  arvoredo  abafteciàa. 
Rompendo  os  ramos  vaÕ  da  mata  ejcura^ 
Com  Ímpeto  &  braveza  defmedida. 
Brama  toda  a  montanha^,  ofom  murmura: 
Rtímpemfe  as  folhas^  ferve  aferra  erguida^ 


nados  fervem  para  a  guerra.  Chamaòlhc  os  Poe- 
tas Aítíforrtf ,  de  duas  palavras  Latinas,  Magnus^ 
que  he  grande ,  6c  Verto.,  revolver  *  &  trastornarj 
porque  a  guerra  confunde,&:  trastorna  tudo.Dó- 
de  diflc  Saiiuílio:  Concórdia  parva  rei  crefcunt :  dtf 
cárdia  maxmè díUbítntur.  Coma  pazas coufas  pe* 
quenas  crefcem,  &  com  a  guerra  as  grandes  fe  de* 
ftrucm.  Chamaólhc  também  Gradivo  ácgradfor, 
verbo  Latino,  que  quer  Jizer  ,  ir  por  degraos  : 
porque  nas  coufas  dâ  nnlicia  he  neceliaru  ordem, 
Scconíeiho* 

AVífeyra  do  elmo  de  diamante, 
Alevantando  hum  pouco  muy  feguro^ 
Ter  dar  feu  parecer  fe  posi  diante 
7^e  Júpiter j  armado^forte,  &  duro*. 
E  dando  huma  pancada  penetrante  j 
Co  conto  do  bajiãoi  no  folio  puro, 
O  Ce  o  tremeo,  &  Apollo  de  torvado^ 
Hum  pouco  a  luzperdeo  como  infiado» 

Avtfqradoelmo,  Reconta  como  fepoz  Mar- 
te dianie  de  Júpiter  era  favor  dos  Portuguezcs 


Cl 


c» 


{u». 


20  Lujladas  de  Lu/s  de 

Sólio  turf>.  Cadeyrarefplandeccnte.  5íi/whe  pa- 
lavra Latina  ,  da  qual  entre  outras íigniíicaçócs, 
huma  hc,  afientoreal,  na  qual  ufa  aqui  delia  Luís 
de  Camões. 

ApoUo  dt  torvaJo.V^ra  encarecimento  da  valen- 
tia de  Marte,  uílt  deíle  termode  fallar  :  no  que 
guardou  as  regras  daPoefia,  como  aconíelha 
Hoiacio  na  arte  Poética. 

E1)iffe  a f fim :0^'P adrega  cujo  império 
Judo  aquillo  obedece,  que  criafte: 
Se  efia gente ,  que  bufca  outro  Hemtspherio, 
Cuja  valia,  &  obras  tanto  amaífe, 
NaÔ  queres  que ^adeção  vitupério: 
Como  haja  tanto  tempo  que  ordenafte^ 
Não  ouças  mais  pois  es  Juiz  direyto. 
Razões  de  quem  parece ^  que  he/ufpeyto. 

Outro  Hemiipberh.  Outro  mundo,  outras  partes 
Sc  regiões  d-ftercntes  das  fuás,  cm  queatégorá 
habitarão. Que  feja  Hemiipkcrio  fica  dito  nefteGá- 
to,  06fcava  8. 

Raz,õeí  de  ejmm  parece^  cjue  he  fttfpeyto.  Baccho  era 
fufpeyto  aosPortuguezes ,  pelas  razões  que  de- 
mos atra^. 

^^^ 

aVe  fe  aqui  a  razão  fe  nao  moftrajfe 
Vencida  do  temor  demafiado^ 
Bom  for  ay  que  aqui  Baccho  osfufítntafiet 
Yois  que  de  Lufo  vem,  feu  taÕ privado. 
Mas  efta  tenção  fuaj  agora pajje, 
^Forque  em  fini  vem  d^eíUmago  danado', 
^e  nunca  tirará  alhea  inveja 
O  bem  que  outrem  merece,  &  o  Ceo  de  feja, 

§ltie  fe  aqui  a  razão  fe  naomo^rajfe  vencida  do  te' 
mor.  Onde  entra  payxaó  ,  naõ  ha  prudência , 
nem  ordem:antes  tudo  (aó  erros, Sc  defatinos. Por- 
que he  impoílivel  haver  r  izaõ,  onde  ha  colera:& 
faltando  elU,tudo  vay  perdido.  Como  aqui  fuc- 
cedeo,  que  fazia  tanta  iinpreílaõ  a  ira  em  Baccho, 
que  o  obrigava  a  fer  contra  os  Portuguezes,gen- 
te  tanto  fua,poisprocediaõdofeu  grande  priva- 
do Lufo;  ou  por  melhor  dizer,  filho,  como  fica 
dito  Odiava  i.  Pelo  que  aconíelha  aquelle  gran- 
de Philoíopho  Epicleto  :  que  quando  fucceder 
fernos  neceílario  fazer  alga  m  acometimento ,  pe- 
jemos primeyro  rauytobem  o  que  imos  fazer, 
5c  confideremos  muyco  devagar ,  o  que  havemos 
de  fallar:  porque  de  outra  maneyra  eílá  à  porta  o 
arrependimento,  fico  dano  muyto  certo. 

(^c  nunca  tirará  alhea  inveja.  Enveja,  hehuma 
chaga  da  alma,  que  trata  principalmente  mala 
quem  a  tem;  fegundariamente  a  gente  de  nome,& 
que  prella  para  alguma  coufa  ,  como  diz  Plataó 
lih.  9.  </«  Ugíbuí  :  porque  o  cnvejoio  naó  cura  da 


Camões  Commentados, 
gente  inutii,  6c  que  vai  pouco :  o  íèu  veneno  não 
pega  lenaó  em  cou  las  altas,  ê<.  cxcellentes,  como 
diz  Horácio, lib  2.  epiíl.  Urit  entm Julgore  juo ^  i^ui 
pr agravai  ar tei  tnfrajepoãtas^  O  cnvejoio  aborre- 
ce a  gente,  que  vé  melhorada,  ou  em  virtude,  ou 
cmalgúaarte:  naõ  ie  torna  a  enveja  ,  lènaó  com 
gente  de  valia.  E  ilio  quiz  aqui  dizer  o  noílb  Poe- 
ta. A  enveja  pinta  elegantemente  Ovidio  nas  Me- 
tamorphoíès,  hb.i. 

40, 

ETu,  Padre  de  grande  fortaleza^ 
^a  de  termina faó  que  tens  t ornada j 
Naõ  tornes  para  traz^pois  hf  fraqueza^ 
^efifir/è  da  ccufa  começada-. 
Mercúrio, pois  excede  em  Hgeyreza 
Ao  vento  leve,  ^  àfetta  bem  talhada^ 
Lhe  vá  mojirar  a  t  erra, aonde  fe  informe 
'Da  índia j  C^  aonde  a  gente Je  reforme. 

Tais  befraejuezade^Jfir  da  coufa  começada.  Muy- 
tas  vezes  heillocstoiço,  6c  cavallaria:  mormente 
quando,  ou  movidos  por  rogos  de  alguma  pdloa 
de  entendimento,  ou  por  affim  nos  parecer  me- 
lhor, ofazemos.  He  matéria  eíta  ern  que  fenáo 
pode  dar  regra  certa  ;  pelo  que  ae xecuçaó  delia 
le  deyxa  a  juizo,6c  parecer  da  gente  que  Ie  enten- 
de. De  Mercúrio  íc  veja  o  que  fica  dito  atrazO- 
â:ava  10. 

41- 

C"^  Orno  ifto  dtjfe  o  Tadrepoderofoj 
_j  A  cabeça  inclinandQ  confentio^ 
JSlo  que  dtffe  Mavorte  valerofo^ 
E  Neã ar  fobre  todos  efpargio. 
Yelo  caminho  íaóieo^loriofOi 
Logo  cada  hum  dos  'Deofesfe  partio^ 
Fazendo  feus  reaes  acatamentos^ 
^Para  os  determinaaos  apofentof. 

No  ejuedtjje  Mavorte.  De  Marte,  8c  Mavorte  fc 
veja  a  nollaannotaçaó  ncíle  mefino  Canto  Oòla- 
vâ  36. 

Ntèlarjobre  todos  efpargio.  Ne6lar  dizem  os  Poe- 
tis  que  hr  obcber,  6c  Ambrofía  o  comer  dos  falfos 
Deofes.  Hum,  6c  outro  vem  do  Grego,  6c  figni- 
ficaiinmorralidade,  porque  era  mantimento  de 
gente  do  CcD.Efta  differença  fe  confunde  (cgun- 
do  tenho  notado  nos  Autores:  5c  Amb»  ofia  lè  to- 
ma pelo  Néctar,  6c  Neólar  pela  A  mbrofía;  como 
notou  Celio  Rodigino  nas  lições  antiguas,  lib.4. 
cap.15.  no  fim.  Collumaó  também  os  Poetas  dar 
com  eltes  nomes  epirhctos  a outros,para  molhar 
fua  cxcellenciai  6c  fuavidade:  6c  daqui  ao  vinho 
muyto  bomchamaõ,  virmrnneãareum ,  &à  agua 
também  Neftarea,  6c  às  iguarias  Neítarcas.  Ao 
mel  por  lua  doçura  chamaõ  também  os  Poetas 
Nedar  ,  como  lhe  chamou  EftacioSylva  3.  6t 

Virgilitf 


Virgílio  in  Culice.  Por  eíla  mefma  razaó  ufa  a- 
qui  onofío  Poeta  deNeftar  por  huina  agua muy- 
ro  cheyroía:no  qual  lentido  ulbuVirgilio  da  Am- 
bi  oíia  na  Eneida  lib.  2.  Do  caminho  lacleo  fe  ve- 
'y<\  o  que  Hca  dico  neíle  Canto  Odava  20. 

42. 

1"^  M  quanto  tftofepajfãj  na  fermofet 
^  Caja  Etherea  do  Olympo  omnipotente^ 
CortuvcL  o  maragnite  bellico/ãy 
la  lã  da  banda  do  Aufiro,  &  do  Oriente* 
EntreaCoJia  Ethiopca^  ^  afamo/a 
Ilha  de  S.  Lourenço  ^  &  o  Sol  ardente 
^leymava  entaõ  aquelleSy  que  Typheo 
Com  temor  grande  empeyxes  converteo» 


Canto  TrhneyYO, 


21 

íle  em^ej/xet  converteo.  Typheo  fingem  os  Poetas 
fcríilhodeTicâno,  Sc  da  Terra:  eítefoy  inimigo 
capital  de  Júpiter ,  £c  dos  mais  fallos  Deolcs ,  peio 
que  determinou  deílruillos.  Moveo  guerra  con- 
tra elles ,  levando  comíigo  outros  Gigantes  fcus 
irmãos,  Jupitcrnaófe  atrevendo efperalo  ,fugio 
na  volta  do  Egypto  com  feuscompanheyros:  ÔC 
naó  le  tendo  alii  por  leguro,por  Typheo  lhe  ir  no 
alcance,  fe  converterão  em  differentes  animaes, 
por  elcapar  de  fiia  fúria  ,  como  íànge  Ovidio  lib. 
3.  Met.  o  qual  diz  que  ló  Vénus  íe  convcrteo  em 
peyxe.  Outros  contaõ  a  fabula  de  outra  maney- 
ra:&:  dizem  que  também  Paõ  ,  doutros  íe  con- 
verterão em  peyxcs.   t',  porcjue  os  peyxes,  vendo 
Vénus ftyta  peyxe,  lheíizcraó  muyto  gafalhado 
fras  fuás  aguas,  &  a  tiveraó  cotr^fígo  :  lembrada 
ella,  5c  agradecida  deíle  beneficio,  pedio  a  feu  pay 
Cajá  Etherta  doOlympo  ommpoteníe.Oly mpo  cm-     Júpiter  lhes  fízcfie  por  ifto  algúa  mércè.  Júpiter 
niputente  aqui  fe  toma  por  Júpiter ,  como  ulou     ts  pózno  Ceo  feytos  ellrcUas ,  6c  delles  fez  hum 
delle  Virgílio  na  Eneida  ,lib.  10.  Pandtturinttrea     dos  dózcílgnos  do  Zodíaco  ,  ao  qual  os  Aílrolo- 
domus  Ommpeuntit  Oli^mfi.  O  qual  verfo  alguns     goschamaò  Pi]c6i^  ou  peyxes.  Ncfte  fígno  entra 
quizcraó  emendar ,  oc  em  lugar  de  Omnipotentist     o  Sol  no  ínez  de  Fevercyro.  O  que  o  noffo  Poe- 
■ptízcYtiò,omnipatenti$  j  epitheto  mais  convenien-     ta  nefta  Oâ:ava  quiz  moílrar  he,  que  quando  os 
tca  Olympo,  íc  quiz,craalli  dizer  o  Ceo, como  os     Portuguezes  hiaô  entre  a  cofta  de  Moçambique, 
poetas  ordinariamente  uíaódelle.&nòs  notámos     &  IlhaM;;  Saó  Lourenço ,  era  nomezdeFeve- 
cm  outra  parte.  Vejaó  os  curiolos  Celio  Rodigi-     rey  ro:  6c  naó  he  necedano  apontar  particularmé- 
no  nas  lições  antiguas,  Centur.i.  epill:.lib.20.cap.     te  o  dia,  em  que  os  Portuguezes  hiaó  neftapara* 
13.  gc"^»  P^'^  '"io^  conformarmos  com  o  dia,  em  que 

Ilha  de  S.  Lourenço.  Defcrevco  Poctaaqui  apar     o  Sol  entra  no  íignoPilces :  que  he  aos  dezanove, 
ragem  emquehiaõos  Portuguezes  ,  que  anda-     Baílaque  erano  mezdeFevereyro  ,  &  que  líto 
vaóbufcando  as  partes  da  índia,  ao  tempo  que     quiz,óFoeta  aqui  dizer. 
Júpiter  com  os  mais  falfos  Dcofes  eftava  em  Con- 
cilio fobre  fuás  coufas.  A  coita  Ethiopica ,  de  q  4^. 
aqui  falia,  he  a  que  chamamos  coifa  de  Moçam-     fHTl  y^m  brandamente  os  ventos  os  levavao 
bique.  Eílá  da  Ilha  de  S.Lourenço,  como  leífen.       J[    Como  quem  o  Ceo  tinha  por  amigo: 
ta  legoas  de  traveíla.  Deita  coita,  &  lugares  deU     ^^.^^^^  O  ar,  ^  os  tempos  fe  mo/íravao 
la  havenx)s  detratar  no  Canto  decimo.  Ouanto      r-                „      />  '      j   ^   . 


Qtianto 
à  Ilha  de  Saó  Lourenço,  chamalhe  flimofa,  por 
fer  muyto  grande  ,  ík  por  eíte  rcfpeyto  muyto 
nomeada,  a  qual  tem  de  coita  mais  de  trezentas 
legoas.  Os  da  terra  lhe  chamaõ  Madagafcar.Pc- 
lo  iertaó  dentro  he  habitada  de  gentios :  nos  por- 
tos de  mar  tem  algiias  Villas,&  Lugares  de  Mou- 
rosv  Tem  differentes  Reys,  huns  Mouros,  &  ou- 
tros Gentios.  Pelo  que  andaó  muytas  vezes  em 
guerras.  He  abundante  de  carnes,  arroz,  milho, 
laranjas,  limões,  gingibre.  Andaô  niis,  lómente 
cobrem  as  partes  vergonhofas.  Trataó  com  os 
Mouros  Arábios  da  Cofta  de  Melinde  fomente. 

Tem  língua  lobre  ii :  laõ  baços.  As  armas  de  que     If.  naó  devendo  ler  mais  que  hum,  conforme  a  fua 
ufaôtáó  Azagayas  com  ferros  muyto  bem  obra-     origem. 

dos:  das  quaes  trazem  muytas,  &  ferern  de  reme-         -N^  cofia  de  Ethiofta.  De  Ethiopia,  &  origem  de- 
ço.O  principal  mantimento  de  que  ufaó,  he  inha*     íte  nome  tratcy  atraz  na  defcripçao  de  Africa ,  cu- 
iDe,  pefcado,  6c  figos,  de  que  fazem  paócomo  de    j*  parte  ella  he:  da  coita  havemos  detratar  no 
caltanhas.A  terra  he  muyto  fermofa,  6c  aprazível,    Canto  decimo,  como  notey  na  Odava  paílada. 
naqualhamuytosrios,  &  muyto  grandes.  Naó 
he  pofluida  dos  Reys  de  Portugal,por  ciics  a  naó 
quererem.  Eítas  coulas  deita  ilha  loube  por  in- 
formação de  peífoa  que  nella  eíteve. 

Çiutymava  tntafi  a^uelkí  ^ue  lyphco  com  ttmorgri^ 


Sem  nuvens,  fem  receyo  depertgor, 
O  promontório  ^ra[fojàpa[favuõ 
Na  cofta  de  Ethiopia,  nome  antigo^ 
fiando  o  mar  defcubrindojhe  mostrava 
Novas  Ilhas ^  que  em  torno  cerca^  &  la  vã, 

O  Prommtorio  PraJ/o.  He  o  que  commummentc 
chamamos  Cabo  das  correntes. Chama-fc  aílim  de 
Prafios,  palavra  Grega,  que  figniíica  verde,  por 
ler  toda  aquella  coita  cuberta  de  hum  arvoredo 
parrado,  à  maneyra  de  balças",  que  daó  poUca 
fervcntia  por  bayxo.Todos  o  eícrevem  com  dous 


44. 


'T  Y  A(co  da  Gama^  o  forte  Capitai, 
\   ^*í'  ^  tamanfoas  emprefas/e  ojfeyece 


De 


2  z  Lít fiadas  de  Lais  de  Camões  Commentadof» 

^efoberhõi  &  de  akivo  coraçâoy  mcfma  laya.  Mas  não  fe  atrcviaõ  a  declarar  tíe  to- 

/l  quem  afortuna  fimPre  favorece,  ^o»  "^"^  ^^  ^  "'^ó  ao  povo  enganado,  temendo  que 

'Arafe  aqui  deter,  não  vé razão,  1?.=  ^"'?'^  ^  que  faz.aõ  a  outros :  aos  quaes  ca- 

^      y,    r  .    j      .          u  ItifTavaomuytoafperamente,  dizendo  iereiu  que- 

^iemhabitadaaterralhe parece:  br?ntadores  de  lia  Rcliguó  :    como  punhaóa 

5Pí/r  diante pajfar  determinava^  Sócrates,  Anaxágoras,  &  a  outros  nu.y tos.  E  aí- 

Alas  não  lhe  fuccedeo^  como  cuydava,  fim  Plataó .  Ariiioteles,  &  outros  rhilofophos  en- 
tendendo a  verdade  davaõ  a  entender  o  contrario» 

^  ejum  a  fortuna  fempre  favorece.  Os  Antigos  por  comprazer  ao  povo,  como  diz  o  Apoftolo  ti- 

Gentios,  como  tinhaó  depravado  o  entendimen-  crevendo  aos  T{  omanos  Epill.  i.  E  que  eltes  Phi- 

to,  6c  naõatiaavaó  no  conhecimento  de  feu  ver-  lofophosentendeílem  a  verdade  ,  le  colligc  clara- 

dadcyro  Deos,  &  Creador,  faziaó  quantos  Deo-  mente  de  feus  efcricos.   Trataó  cila  matéria  cla- 

fes lhes  vinha  à  vontade.  Era  tanto,  que  diz  PIí-  ramente  os  Santos ,  &  doutiíTimos  Theologos. 

riolib.2.  cap.y. queeraõjá  os  Deofesmais  queos  Joaõ  Dâmaicenolíh.i^Fídeíortbodoxacap.i.òcSin- 

homens.  E  Heíiodo,  que  tinhaõ  os  antigos  mais  to  Thomás  i.;».^.  ii.  art-i-in  corporearttculiyC!^  i. 

de  trinta  mil  Deofes,  como  refere  Eufebio  Bifpo  centra genttSt  cap.  41.  O  nollb  Camões  falia  como 

de  Cefarca  no  livro  fegundo  da  preparaçaôEuan-  Poeta. 

gclicacap.i5,Entre  outros  fizcraó  também  aFor-  4c. 

tuna,  à  qual  attribuhiaõ  o  goVerno  do  mundo,  &  JIJ  /í  apparecem  logo  tm  companhia 

a  repartição  de  feus  bens,  dandoahuns,  &  tiran-  ^-^  Huns pequenos  bateis , que  vem  daquelU 

do  a  outros,  como  a  ella  lhe  parecia.  A  cila  faziao  q^^  ^^^^ -j.  ^^^^^^^  ^  terra  parecia, 

crandes  templos,  5c  íacrificios,  como  lemos  em  /V  ,  .^j^^i^  ,„^^             1              1 

êi-  •     rr-      1  •        T-»-      r     \T  „r     r\.,\A:r.  Lortando  0  lon£omar  com  larza  vela'. 

Plini©,  Tito  Lívio,  Dionyíio,  Virgílio,  Ovídio,  ri                j     j      , 

&  todos  os  mais  Poetas,  &  Hiftoriadores  antigos.  ^ g{nte  fe  alvor oçdy  &  de  alegria 

Também  a  pintavaõ  cega,  &  com  os  pés  cm  húa  Naõ  fabe  mais  que  olharacaufa  della^ 

bola:  dando  a  entender  fua  inconftancia ,  Sc  ce-  ^ie g^nteferá  ejtãj  em/i  diziaõy 

gueyra  j  porque  viaó  muytos  poftos  em  grandes  ^le  coftumes^  que  ley  ,  que  Rey  teriaõ, 
dignidades,  &  eílados  fera  o  merecer ;  &  outros 

pobreSjSc  abatidos,  tendo  grandes  merecimentos.  Eis  af parecem  logo  em  ampanhia.  Efta  Ilha  don- 
Donde  inferiaó  fer  ifto  obra  da  fortuna,  negan-  de  fahiraõ  eftes  bateis  a  reconhecer  a  nolla  arma- 
do a  Providencia  divina:  naõ  confiderandopro-  da,  he Moçambique,  aílaz  conhecida  hoje,  poc 
cederem  todas  eftas  coufas  da  maôdeDeos  ,  6c  fercfcaU  dos  noflos  Portuguezes  na  lua  navega- 
queelle  por  feus  occultos  juízos  as  permitte:  co-  çaô  da  índia.  Aflim  dcíla,  cómodas  mais  fituadaj 
mo  trata excellentemente  o  B. Santo  Auguftinho  na^ucUa cofta,  havemos  de  tratar  ao  diaiíte. 
cm  muytos  lugares,  principalmente  nos  livros  da 

Cidade  de  Deo?,  lib.  z.  4  6c  7.  6c  o  Doutiílimo  S.  4^. 

Hieronymo  em  huma  epiftolaa  Terencia;6c  La-  A     S  embarcações  erão  na  maneyra 

ãmcio  nos  livros  de  Falfajapiemay  lib.  5.  cap.29.  J\  Muy  veíozes.eilreytas,  &compridas$ 

Muytosdos  meímos  Gentios  o  entendei^aóairim:  ^^vela^com  que  vem^erãade  efteyra, 

donde diUe Juvenal  nos  últimos  verfoí  da Satyra  cr^    1  ^      r  n   ^  j  ^  1      1       *     -^ 

decima:  \De  huas  folhas  de  palma  bem  tecidas, 

Mkm  nutnen  haheufi  fit  prudemaifed  te  Agente  da  cor  era  verdadeyra, 

NosfaçitfiUi,Fortuna,Dearjt,caío^ue  locamus.  ^^  ThuCton  nas  terras  acendidas 

Naõ  tiveras  tu  Fortuna  o  nome  de  Deofa  que  jÍo  mundo  deo,  de  oufadOi&  não  prudente: 

tens,  fe  os  homens  nos  entendêramos:  mas  como  Q  ^ado  ofabe,  O  Lampetufa  ofente, 
fomos  de  fraco  juizo,  &  entendimento,  fazemofte 

Deofa,  6c  pomos- te  no  Cco.  Quanto  a  mim  ne-  As  embarcações.  Eílas  embarcações  de  que  aqui 

nhumChriílaõ  devia  tomar  na  boca  tam  infame  falia  o  Poeta,  chamaó  o>  naturats  da  terra  pan- 

nome ,  mormente  fendo  hum  erro  gentilico ,  6c  gayos ,  6c  nós  almadias ,  de  que  ainda  hoje  ufaói 

deíutino  grandifíi;Tio.  E  aílim  o  B.  S.  Auguílinho  Traziaó  as  velas  de  folhas  de  palma ,  por  não  te- 

nas  fuasrctraétaçóes  íe  rerratou,6c  defdiífe  de  ter  rem  o  j)ano  que  agora  tem.  E  naõ  fomente  ufa- 

Jouvado  hum  homem  nobre,dc  bem  afortunado,  vaõ  deltas  velas  de  eíleyra    neftas  embarcações 

Entre  os  antigos  houve  muytos,  que  governados  pequenas,  mas  em  grandes  também,  pornavega- 

fómente  com  o  lume  natural ,  zombavaó  das  me-  rem  aílim  melhor.  E  eftas  embarcações,  aíTim  pe- 

nmices ,  6c  poucofaber  dos  Gentios  na  varieda-  quenas  como  grandes,  naõ  laõ  de  pregadura,mas 

de,  6c  multidão  de  léus  Ídolos  :  aos  quaes  fendo  de  tornos  de  paos,  6c  cofturas  de  couro, 

paos, pedras, 6c  metal  attribuhiaõ  divindade:ou  lé-  agente  da  cor  era  verdadeyra.  Phaeton  (  como 

do  imagens  de  homens,  8c  fnulhcres  defenfreados,  contaó  os  Poetas)  foy  filho  de  huma  mulher  cha- 

6c  diflolutos  cm  vicios,6c  peccados,como  Júpiter,  mada  Cly menc,  Sc  do  Sol.  Andando  hú  dia  Phae- 

Yenus ,  Mercúrio ,  6c  Baccho  com  outros  defta  ton  brincando  com  hum  rapai  chamado  Epapho 


filh 


o 


Canto  Trifneyrol  15 

filho  de  Júpiter  ,   vicraó  a  pelejar  ,  como  he  lentimento,que  fingem  os  Poetas,  que  foraõcou- 

coílumc  de  rapazes,    3í   Papho  deshonrou    a  vertidas  em  arvoreis,  como  refere  Oviaio  nas  Me- 

Phaeton  dizendolhe,  que  naó  era  filho  do  Sol,  camorphofes  lib.i. 
inas  filho  de  huma  mà  mulher,  a  qual  o  enganava 

em  lhe  dizer,  que  era  filho  do  Sol.  Phaeton  toma-  47, 

do  deílas  palavras  ,  foy  logo  dar  conta  a  fua  máy  1p^  E panos  de  algodão  vlnhão  veííidof, 

Clymene,  a  qual  depois  de  fcytas  exclamações  o  jLJ  "Dt  varias  cores  ^brancos  ^  &  Mrados. 

mandou  caminho  do  Onente  a  cafadeleu  pay  o  Hwis  trazem  derredor  de  fi  cingidos. 

Sol,  do  qual  alcançou  licença  para  governar  hu  r\   ^  j  r  ni        *^i 

dia  os  carros,  em  que  dava  luz  ao  mundo,  para  de-  ^''^^^'  '"^  ^^^^^  ayrofifihraçados: 

fta  maneyra  fer  conhecido  por  feu  filho.  Deo-fe  '^^^  ^'^^^^  P^^^  ^^^^  '^^^  defpídos, 

tam  mal  no  regimento  dos  cavallosaquellepeda-  Tor  armas  tem  adagas j  &  terçados^ 

ço  de  dia  que  os  governou,  que  houvera  de  quey-  Com  toucas  na  cabeça,  &  navegando, 

mar  o  mundo  todo,  le  Júpiter  não  acudira  ,  &  o  AnafinsfouQrofos  vão  tocando. 
derribara  com  hum  rayo.Com  tudo  ardcraô  mon- 
tes, fecaraó-fc  rios:  6c  daqui  fc  diz ,  que  os  mora-         Outros  em  modo  ayrcfg  fobraçados.  Do  modo,que 

dores  de  Ethiopiaficáraó  negros.  A  razaó  porque  vinhaó  eftes  homem  nas  luas  embarcações,  lea-fe 

çlta  gente  tem  eíla  cor,  naóhefabida.  Veja-fea  Caftanheda  lib.i.  cap.  5.  o  qual  conta  afeíla,  6c 

nofla  annotaçaó  no  Canto  íegundo ,  Oclava  ^05.  alvoroço  que  levavaó,  como  dos  veílidos  ie  col- 

A  fabula  conta  Ovidio  nas  Metaraorpholcs  Jib.a.  lige  que  eraõ  certos  panos  loltos  que  levavaó  fo- 

De  oufadoy  (jr  nao  pri*det}te.  Efte  mcfmo  epithe-  braçados:trajo  que  lhes  ferve  de  capas  a  todos  era 

todeoufadojlhepuzcraôas  Nymphas  de  Itália  na  géraJ:&  ha  panos  deíles  tecidos  de  ouro  que  va- 

iuafepultura,  como  diz  Ovidio  no  lugar  allega-  leni  muytodinheyro. 
do.  Anafint  fanor o fos  vaõ  tocando.  Anafins  faõ  huns 

Hicjítus  e(i  Phaeton,  currus  auriga  paterni,  inílrumentos  como  íraiítas  retorcidas  ,  de  que 

fluem  finon  tenuity  magnii  tamen  excidit  ^ujlf,  os  Mouros  uíaó. 
Aqui  jazPhaeton  governador  do  carro  de  feu  pay 

o  Sol,do  qual  ainda  que  cahio,  todavia  merecco  4S. 

louvor  do  atrevimento  que  teve.Neíte  epitaphio  r^  Os  panos  f§  cos  braços  acenavh 

lhe  louvaõ  as  Nymphas  o  atrevimento  em  huma  I        A' s gentes  Lufttanas  que  erperaífemi 

coufa  taodifficultola,  como  era  governar  os  car*  liT^^^À  ..f^^/,-.  /;^^  .^^,  n,:^^i:,.!.^.xJ: 

A    c  ^  r     ^    ^  Masiaasproas  líçeyras   etncltnavao. 

Tosdobol  :  porque  em  coufas  grandes  o  atrevi-  ,^     ^         ^    ^     ^    ?//  •      ^ 

«iento  he  coufa  grande.  Donde  Ovidio  tratando  ^^^^  quejunto  as  Ilhas  amamajem, 

dosteytosexcellentesdeTheíeonacartade  Phy-  Agente  \3  martnheyros  trabalhavao, 

lis  a  Demophoonte,  entre  outros  fey  tos  feus,  que  Comofe  aqui  os  trabalhos  acabajfem, 

põem  dignos  de  memoria,  ajunta  hum  de  que  elle  TomaÔ  Velas ,  amatna-fe  averga  alta^ 

fahio  muyto  mal ,  que  foy  ir  ao  inferno  com  feu  q^a  ancora  0  mar  ferido, em  cima  falta. 
amigo  Pirithoo  a  fartar  Profcrpina  mulher  de 

Plutaõ:  porque  Pinthoo  foy  morto  logo  à  entra-  Coi  panos,  (^  cos  braços  acenavao.  lílo  diz,  por- 

da  do  inferno,  &  Thefeu  prefo:  &:  todavia  fe  lhe  que  eftes  homens  da  Ilha  de  M'  çambique ,  que 

attribue  a  louvor  atreverfe  a  commctter  oinfer-  hiaó  nos  barcos,  capcavaõ  ,  &  acenavao  ànoifa 

DO,  com  tençíiõ  de  furtar  a  mulher  do  Rey  delle.  gente,  que  naó  paflaílc  adiante. 

O  Pado  o  fabe.O  rioPado,  aquc  os  Gregos  cha- 
maóEridano,  he  em  Itália,  a  qual  elle  rega.  Cha-  49. 

ma-fe  vulgarmente  Pó :  he  muyto  celebrado  en-  -^  "T  Jêerao  ancorados,  quando  â gentS 

treos  Poetas     &  Hiftoriadores.  Nafce  em  hum  |>J  Eííranfoã pelas  cordas jà  fubia: 

efga  ho dos  Alpes  chamado  Vefo,  ou  Vefulo:  que  ^,.,aii,^,,  ^,,^,  ^ humanamente, 

ce  numa,  cede  outra  maneyrn  o  nomeao  os  Auto-  r\A    •   "   rir  l' 

res.  HeomayorriodetodaEuropa,tiradoo  Da-  OLapitaoJubUme  osrectbia. 

nubio  ,  porque  recolhe  em  fi  mais  de  trinta  nos  ^^  ^^0^^  manda pór  em  continente, 

grandes,  com  os  quaes  fey  to  hum  corpo  entra  no  T>o  licor,  que  Lyèo  prantado  havta: 

mar  Adriático  por  duas  bocas:  huma  (e  chama  Pa-  Enchem  vafos  de  vidro,  &  do  que  deytão', 

dufa  dos  moradores  j  &:  outra  Volana,  que  hc  o  Qj  ^g  Thaeton  queymados  nada  engeytâOé 
melhor  porto,  &;  mais  feguro  de  toda  aquella  co- 
fia,  Dizo  Poeta,  quco  Padoofabc,  porqquan-         Do  licor, t^ueLyeo  prantado  bavia.^oXwtoc^nznQ 

do  Phaeton  foy  derribado  com  o  rayo,  cahio  nc-  das  metamorpliofes,logo  no  principio  põem  Ovj* 

■^^*^'''"*  dio  muytos  nomes  que  os  Poetas  daõ  a  Baccho, 

Lampetufaofente.  Iflo  diz,  porque  Phaetuíii,  o  qual  osantigos  enganados  tinhaó  por  inventor 

Lampecia,  Lamnctufa,  irmãs  de  Phaeron,fízer;i5  do  vinho  ,  5í  por  cite  rcípcyto  ohonravaó,  6c 

tam  grande  pranto  iobre  elle ,  Sc  moíháraô  tanto  chamavaó  Deos  do  mclmo  vinho,  feudo  hum  ho- 

men) 


2^  Lufiadas  de  Luís  de 

tiicm  defenfreado  em  todo  género  de  vicios,  co- 
mo for?õ  todos  os  outros ,  que  elles  ncfta  conta 
tinhaô.  Entre  outros  que  lhe  dàhum  dellcs  hc 
Lvco,  de  que  o  Pocra  aqui  ufa  ,&  chama-fcallim 
dcLyéo,  verbo  Grego,  que  íignificadcfatar,  ou 
livrar,  por  ferem  os  homens  dados  ao  vinho  dif- 
íblutos,  &  livres  cm  todas  fuás  coufas:  fcm  fegre- 
dp  ,  honra,  nem  vergonha  :  &  pela  mefma  razaó 
lhe  ch;\maõ  tatnbem  os  Poetas  Liber,  pela  liber- 
dade, ôcíolturaquetcm  ,  naó  Ic  lembrando  de 
cuydado,  payxaó,  ou  enfadamento.  De  Baccho 
trato  algumas  coufas  nefte  mcfmo  Canto ,  06ta- 
va7^.  &  no  Canto  fegundo,06í:ava  lo. 

OiàtVhaetonc^M^madoi.  Entende  os  negros, 
como  fica  tratado  neílc  mefrao  Canto,  Od^ó. 

C"^  Omendo  alegremente ferguntavão 
^  TeU  Arábica  lingua  ^  donde  vinhao^ 
§uem  eraõj  de  que  terra^  que  bufcayão. 
Ou  que  partes  do  mar  corrido  tinirão. 
Os  fortes  Lufitanos  lhe  tornavão 
As  difcretasrepoBaSj  que  convinhão: 
Os  Tortuguezes  fomos  do  Occidente, 
Imos  bufe  ando  as  fartes  do  Oriente. 

Tela  Arábica  lingua.  Arábica  hc  a  lingua  dos  A  - 
rabes,  os  quaes  entrando  em  Africa,  ôccfpalhan- 
doíe  por  ella,  como  era  gente  de  mais  policia  ,  & 
entendimento,  que  os  Africanos, começoufe  a  faU 
lar  a  fua  lingua  por  toda  Africa  :  a  qual  lingua 
hoje  fe  chama  Arábigo,  dcílcs  Árabes  chamados 
Alarves  corruptamente,  &  naô  fomente  em  Afri- 
ca, mas  em  Per(ia,&;  outras  muytas  partes  de  Afia 
fe  falia  efta  lingua  como  he  notório. 

51- 

DO  mar  temos  corrido,  &  navegado 
Toda  a  parte  do  Antar^itco^à'  Caly^o^ 
Toda  a  Cofia  Africana  rodeado^ 
'Diverfos  Ceos^  0  Terras  temof  vi  ff  o, 
*\De  hum  Rey  potente  fomos  tam  amado ^ 
Tam  querido  de  todos  ^  &  bemqtúfto^ 
^te  não  no  largo  mar  com  leda  fronte , 
Mas  no  Lago  entraremos  de  Acberonte, 

Toda  a  fane  do  AntarBicOf  é^Caly^o.  Entende 
Norte,  6c  Sul.  Vcja-fe  o  quccfcrevemos  no  Can- 
to quinto. 

Mas  no  Lago  tntraum9s  de  A  eh  fronte.  Ufa  deftc 
termo  de  fallar ,  para  encarecimento  da  lealdade 
dos  Portuguezes:  os  quaes,  diz,  que  naó  tómente 
no  mar,  mas  no  lago  de  Acheronte  entrarão  por 
amordefeu  Rey.  He  Acheronte,  legundo  fin- 
gem os  Poetas,  hum  riodomferno.  Chama»fe  A- 
cherontcdeduas  palavras  Gregas ,  que  querem 
dizcr/èw?pMz>c»",  por  naquelle  lugar  haver  muy  to 
pouco,  antes  cudofci^  cnltcza,  ôcmiferia. 


Carnes  Commentados] 

52. 

ETor  mandado  feu,  bufcando  andamos 
Aterra  Oritntal^  que  o  Indo  rega, 
tor  elle  o  mar  remoto  navegamos^ 
^efó  dosfeos  Focas  fe  navega. 
Masjà  razãoparecet  quejaybamos, 
{Se  entre  vos  a  verdade  nàofe  nega')  .  , 

^emfois,  que  terra  he  ejia  que  habitais^    '  1 
Oufe  tendes  da  índia  alguns  finaes? 

A  terra  Oriental  ejae  a  Indo  rega.  Do  rio  Indo,  & 
feu  nafcimcnto  tratamos  atraz,  Oftava  51. 

^í  fo  dos  feos  Fvças  fe  navega.  Focas  faõ  lobos 
marmhos ,  &  diz  que  fe  navega  cfte  mar  íò  dos 
peyxcs,  porque  antes  dos  Portuguezes  naó  era 
trilhado,  nem  curfado  de  gente,  &  dos  peyxesíó 
era  conhecido,  &  navegado. 

5^ 

SOmoSi  bum  dos  da  ilha  lhe  tornoUj 
Eftrangeyros  naterra^Ley,^  naçaÕí 
^e  os propnos  faõ aquelles  que  crioH 
Natureza  fem  Ley^  Kè  (em  razaÕ^ 
Nos  temos  a  ley  certa  que  enfinoit 
O  claro  defcendente  de  Abraham, 
^e  agora  tem  úo  mundo  ofenhorto^ 
Amãy  Hebrea  teve^  ^  opaygtntio^ 

Somês,hum  dos  da  Ilha  Iht  tornou.  Rcfpondeo  hS 
daquclles  que  vinhaó  da  Ilha,que  elles  eraóMou- 
ros,  da  feyta  de  Mafamede:  &  que  naó  craó  natu- 
raes  da  terra,  porque  os  naturaes  dcUa  eraó  Gen- 
tios, gente  fem  ley,  femjuizo,  &  entendimento, 
que  viviaó  barbaramente,  foltos ,  £c  deiapegados 
de  toda  a  obrigação:  adorando  hoje  hum  pao,  à 
manháa  huma  pedra:  naó  íc  firmando  cm  ley  cer- 
ta, ou  regra  algúa,faó  palavras  do  Mouro. 

O  claro  dejctr/dente  de  Abraham.  Entende  Mafa- 
mede, porque  os  Mouros  dizem^  que  procedem 
de  Abraham,&:  de  Agar  lua  efcrava,  da  qual  hou- 
ve hum  filho,  que  le chamou  Ifmael ,  donde  os 
Mouros  fe  chamaó  Agarenos,  ou  Ifmaelitas,  co- 
mo fica  dito,  Odtava  8. 

A  mãy  Hebrea  teve ,  &  pay  Gentio*  O  pay  deftc 
Matoma,  dizem  íoy  Gentio  de  naçaó ,  por  nome 
Abdelá,  &  fua  mãy  Hebrea  chamada  Emina  ,  & 
quenalccoem  hú  lugar  pequeno  de  Arábia  cha- 
mado Itarip.  Vcja-fe  a  nollá  annotaçaó  no  Cau- 
to 7.  Odava  17. 

54- 

ESta  Ilhapequenay  que  habitamos, 
He  em  toda  efla  terra  certa  efcala 
^e  todos  os  que  as  ondas  navegamos 
*J)e  ^iiloa^  de  Mombaça,  ^  de  Sofá  la. 

E^or 


■E porfir  neceffaYlaiprocuratHòh  tom  outros  qúatrO)  cohiodiz  t^Uhío  lib.ts.  Capjiu. 

Lomo próprios  da  terra  de  habttálai  Chamalhe  Lucano  Nííco  lib.í?.  porque  dizem»  q 

Eporqm  tudo  em  fim  vos  notifique,  f^íf  pela  Cidade  de  Nila  pacria  de  BacchcO  nol-. 

niuy tas  vezes  tratamos  neíle  livro,  mas  hé  no tnc 
Chama- fe  a  pequena  Ilha  Moçamoi^ue,  Entre  òui  adjeftivo,  epithétó  paira  moftrar  >  que  o  no  Hy» 
tros  lugares  q  ha  na  coita  de  Ethiopia,ha  cftes  de  daípes  he  na  índia, 
que  o  noUo  Poeta  aqui  faz  mcnçaó :  Moçambi- 
que, Quiloa,  Sc  Mombaça  ,  os  quaesdousderra- 
deyios  iaó  na  coita  de  Melinde.  Moçambique  hà 
hurna  pequena  povoação  ,  a  qual  eítá  em  altura 
de  14.  grãos  &  meyo  ,  torneada  de  agua  falga^a, 
com  que  fica  em  Ilha.  A  terra  he  muyto  bayxaj 
&  alagadiça  i  pelo  que  hc  muyto  doentia,  tem 
muyto  bom  porto,  Sc  he  abaítada  dos  mantimen- 
tos da  terra.  Hc  hoje  a  principal  cfcala  que  as  nof- 
las  nãos  tem  na  navegação  da  Índia  ,  6c  aflkz  co- 
nhecida por  eílerefpeyco.  Qiiiloa  ,  hehuma  Ci- 
dade to  Ja  cercada  de  mâr,que  a  faz  llha,tem  muy^ 
tos  piíhnares,  muytas  arvores  de  cipinho,  8c  orta 


Isto  dizendo  o  Mouro  fe  tormn 
Afeus  bateis  com  toda  a  companhia: 
U)o  Capitão ,  &  gente  fe  apartou^ 
Com  mofiras  de  devida  cortezta^ 
Nifto  Phebo  nas  aguas  encerrou^ 
Co  carro  de  cryfla  /,  o  claro  dia^ 
liando  Cargo  a  irmãa  que  alumiaj^è 
O  largo  mundo  em  quanto  repou/affei 

Ktllo  Vheho  nas  Aguai  encerrofi.  Phebo  he  hum  dds 


liças  como  as  de  Êfpanha.  Ha  gallinhas,  pombas,  nomes  do  Sol.  Chama-fe  Phebo  pela  luz,  Sc  ref- 
rolas,  (k.  gado  grofloj  Sc  miúdo  3  6c  algúas  avcSjdç 
que  ncftas  partes  naó  temos  noticia.  As  aguas  laõ 
ruins,  por  lerem  de  poços,  &  eílcs  de  terra  alaga- 
diça. Tem  boas  calas  de  pedra,  6c  cal  j  comícus 
cyrados,  Sc  quintacs,  com  muytas  arvores  de  íru- 
ta,  airim  para  ornato,  como  para  provcyto.Mom-^ 
baça  eítá  rodeada  com  outro  cíteyro  de  agua  ao 


plandor  que  tem,6c  eítc  fingem  os  Poetas, que  dei 
pois  de  dar  luz  ás  terras  neíle  hemifphenofupc- 
rior,  fe  recolhe  com  Thctis  Rainha  do  mariondé 
gaita  a  noyte  defcançando  com  os  cavallos 
do  feu  carro,  do  trabalho  do  dia.  Claro  he  íer  ilto 
fabula :  porque  o  Sol  rodca  o  inundo  j  Sc  lhe  dâ 
luz  andando  cm  continuo  movimento.  Os  Poe- 


modo  de  Quilóa,  Tem  edifícios  como  os  de  Qui-     tas  ufaó  deites  fingimentos ,  para  ornato  de  íuas 


íóa,  com  muytas  torres ,  com  que  fica  fermola  à 
vílU,  Sc  tcmcrola  paraosquc  aquizerem  acome- 
ter. Tem  Rey  íbbre  íi,  &  he  de  muyto  trato,  6c 
abundante  do  neceflario.Tem  muyto  boas  aguas, 
rodo  o  mato  he  de  laranjaes.  Ncíte  lugar  tiveraõ 
iemprc  os  Portuguczcs  ruim  galalhado;  hoje  tem 
tortaleza  fey  ta  à  força  de  armas  ,  donde  lançarão 
os  Turcos,  Sc  naiuraes  da  icrra  que  ahi  a  tinhaõ 
feyra.  Sofala,  hc  hCia  pequena  povoação  de  Mou- 
ros, antes  de  chegar  a  Moçambique,poíta  ao  lan- 
go  de  hum  rio  do  mcímo  nome.  Eítá  três  legoas 
da  coita.  Aqui  tem  os  Reysde  Portugal  hiãa for- 
taleza ,  Sc  o  Rey  da  terra  âfua  obediência.  Do 
Reyno  de  Sofala,  coltumes  da  gente  ,  Sc  do  feu 
Rey,  chamado  Benomorí5pa,fe  vcjaanolfa  anno- 
taçaó  no  Canto  decimo,  Oétava.^j. 

55. 

EJá  eftie  de  tam  longe  navegais J 
Èu/cãdo  o  IndoHydafpe  j^terra  ardete^ 
'Piloto  aqui  tereis ^porquem  Cejais 
Guiados  pelas  ondas  fah  iam  ente. 
Também  fera  bem  feyto,  que  tenhais 
T>a  terra  algum  refrefco,&  que  e  Regente 
^ue  efia  terra  governa  ^  que  vos  vejaj 
E  do  mais  neceffarto  vos  proveja, 

BufcandooIndoHyJafpe.  HcHydafpc  hum  rio 
daiiihlia  muyto  grande ,  o  qual  le  mete  no  Indo 


fabulas.  Eíta  hc  aílaz  íabida ,  6c  de  que  os  Poetas 
trataôem  muytas  partes,  Sc  cu  por  muytas  vezes 
em  citas  annotaçócs. 

Dando  carga  dirmãd.  A  irmãa  do  Sol  he  a  ÍAia: 
pelo  que  os  Poetas  dizem  ,  que  faó  filhos  de  Jupi* 
ter,  6c  Latona  nafcidos  ambcs  na  Ilha  Delos.  Pdr 
cfla  razaó  rera  ambos  os  meímos  nouics.  O  Sol 
fe  chama  Cynthio,  Delio^  Titanio,Latonio,Phei 
bo.  ALuaCynthia,  Delia,  Titania  ,  Latòniaj 
Phcbe  :  5c  outros  ,  que  pelos  Poetas  fe  acharáôi 
Vcja-fe  a  nol5á  annotaçaó  atraz,  Octaya  57; 

■57- 

AJSÍâyte/èfaffou  na  lajfa  frota 
Com  eftranha  alegria^&  não  cuydadà^ 
'Por  acharem  da  terra  tam  remota 
Nova  de  tanto  tempo  defejada. 
§ualquer  etiíaS  comfigo  cuyda,  &  nota 
Na  gente j  &  na  maneyra  dcfufaàa^ 
E  como  os  que  na  errada  Seita  crer  ao  ^ 
Tanto  por  todo  o  mundo  fe  efiendtrao^ 

É  os  í]ue  na  errada  feita  cria».  Eiucndc  os  Mou* 
ros,  que  feguem  a  maldita  le/tadc  MafameJe,  de 
cujo  erro  naó  pódc  haver  prova  mais  evidenrci 
que  mandar  no  feu  Alcorão,  que  fobpena  de  mor- 
te ninguém  difputc ,  nem  arguruente  fobre  oquç 
cUe  manda,  mas  que  tudo  íe  negocce  pOr  armas. 
Do  qual  ardil  uloui  entendendo  qué  ou  Cedo  Uiy 


^  ç  Lu  fiadas  de  Luts  de  Camões  Conimentados  \ 

via  de  haver  IionJ^ens  de  juízo,  aos  quaes  naó  ha-  Tlacat  equo  Ver^a  raãm  HfpericHa  ch^iiín'^      '• 

viaó  de  parecer  bem  fuás  torpezas ,  6c  que  as  ha-  2Ve  detur  ctlert  viciima  tarda  DèO; 

viaódedcílerrar  domundo>  E  para  que  os  bru-  Tratando  dos  facrificios,  queos  antifruosidola^ 

tos  qu«  ^s  feguiaó  fe  fepukaílcm  nellas ,  lhes  póz  trás  faziaô  ao  Sol,  diz  que  os  de  Pcríla  lhe  facrifi* 

cíle  preceyto  ,  que  guardaó  com  grande  obfer-  cavaôcavallos,  qucrendo-ft conformar  comfuà 

vancia.  Vcja-fe  o  que  cfcrc vemos  no  Canto  fcti-  natureza,  quehe  feraprcílado,  6c  liçeyro.  Hype- 


mo  Oótavaij. 


58. 


Dyí  Lua  os  claros  rayos  rutUavão 
Y elas  argênteas  ondas  Neptuninas, 
As  efttellas  os  Qeos  acompanhavão^ 
^lualcamporevejiido  de  boninas, 
Osfuriofis  ventos  repoufavaÕ 
Telas  covas  ef curas  peregrinas i 
Terem  da  armada  agente  vigiava,  • 
Como ^or  longo  tempo  coflumava. 

Pelai  argenteat  ondas t^epttifjijjas.  Ondas  Neptu- 
ninas íaô  as  aguas  do  mar.  Argênteas  quer  dizer 
brancas»  por  lerem  de  cor  de  prata,  a  qual  era  La- 
tim fe  chama  «rçíwfííw. 

Pelai  covas  efcurasperfgrinas.  Fmgcm  os  Poetas 
que  Júpiter,  ao  qual  os  antiguos  unhaõ  por  prin- 
cipal de  todos  feus  DcofeSj  entregou  os  ventos  a 
Teu  filho  Eolo  ,  S£  lhos  encerrou  cm  hiía  muyto 
cfcura,  ôc  funda  cova,  pondolhe  grandes  montes 
emcima  para  os  ter  fujey  tos,  ÔC  amarrados,  de  mo» 
do  q  naó  fahiílêm,  fenaõ  quandt)  cllc  quizefle,  6c 
com  quem  quizefle,  como  fez  a  Ulyfles  q  ue  ihos 
meteo  cm  hum  odre  para  foltar  delles  os  que  lhe 
ferviflcm  para  fua  navegação,  como  efcrôve  Ho- 


rionio  he  palavra  Grega,  ôc  quer  dizer  coufa  que 
cftá  lobre  noífas  cabeças ,  por  efte  fer  o  officio  do 
Sol,  andar  fobre  as  terras,  Sc  darlhes  fua  luz.  He" 
mero  ulaemipuytos  lugares  dèfte  nome  Hypc» 
rionio  por  epithctodoSol. 

^e acordou.  Diz  aqui  o  Poeta,  que  acordou 6 
Sol,  pelo  que  fc  delle  finge ,  que  depois  de  ter  da, 
doluzneíle  hemifpherio  fuperior  ,  fe  recolhe aa 
mar,cafa  dcThetiSjfenhora  dellc,onde  paíTa  a  noy-^ 
te,  defcançando  ellc ,  2c  feus  cavallos  do  trabalho 
do  dia,  .    — 

P  Ar  ti  a  alegremente  nave  ganas  ^ 
A  ver  as  nãos  ligeiras  Lí/fitanas^ 
Com  refrefco  da  terra  ,  emjicuydandoi 
^efaÔ  aquellas  gentes  inhumanasy 
^e  os  apofentos  Ca/pios  habitando, 
Aconquiftar  as  terras  AJianas 
Vteraõ ;  &por  ordem  do  deftino^ 
O  Intferto  tomarão  a  Qonjianttno. 

"Partia  alegremente  navegando,  O  Soltaõ  de  Mo- 
çambique fez  paz  com  os  Portuguezes,  cuy dan- 
do ferem  Turcos:porque  os  vio  brancos  do  rofto, 
como  tinha  por  informação  ferem  os  Turcos:  os 


mcròna  Odyíf£a,íib.ió.  Chama  o  Poeta  às  covas     quaeselledeffjava  muyto  ver,  6c  poreílerefpey 
onde  os  ventos  refidem  peregrinas  ,  porque  fua     to  foy  depreífa  às  nãos. 

morada,  alugar  próprio  hc  o  ar.  Ç^ue  â$  apofentos  Ca/pios  habitando.  Entende  09 

Turcos.  Eftes  (  fegundo  os  que  melhor  enten- 
dem>8c  fentem  nefla matéria)  procedem  da  linha- 
S9*  gem  dos  Scythas  Aíianos ,  que  moravaó  nas  ri- 

Asaffim  como  a  Aurora  marchetada     beyras  do  no  Tanais,  que  duiJe  Afia  de  Europa 


Os  fermofoscabellos  efpalhou^ 
No  Ceo  ferniOy  abrindo  a  roxa  entrada. 
Ao  claro  Hy per  tonto  què  acordou: 
Começou  a  emOandeyrarfe  toda  a  armada, 
B  as  toldos  alegres  jç  adornou^ 
Tor  receber  comfefias^  &  alegria 
O  Regedor  d  às  ilhas  ^qtte  partia. 


Paqui  fe  recolherão  muytos  delles  às  traídas  do 
mar  Cafpio  na  Afia,  aonde  viviaó  pelas  ferras  me- 
tidos cm  choupanas ,  6c  covas ,  comendo  do  que 
achavaó  pela  terra.  Vcndo-lc  muytos,  começa- 
rão a  fazer  alguns  infultos,&rcubos  aos  vizinhos, 
movidos  de  cobiça,  6c  malicia,  que  a  fcmelhame 
gente  nunca  falta,  Deílcs  tam  fracos  princípios 
vieraó  ao  cíládo  em  que  hoje  eílaú, 

O  Império  tomâraÕ  a  Con[lavíino.  Conífantino 
Ma!  aíjim  como  a  Aurora  marchetada.  Quecouía  Magno  edificou  a  Cidade  de  Conftantinoplaem 
fcja  Aurora  fica  dito  ,  Odava  14.  Efta  fingem  os  hum  pequeno  lugar  cha^mado  antes  Byzancio:  6c 
Poetas  fcrporteyra  do  Sol,  porque  apparecc  pri-  fella  tara  nobre,  6c  cxcellentc,  que  osquca  viraô, 
meyroqueclle,  como  aqui  aponta  Luis  de  Ca-  6c  conhecerão  no  tempo  que  florecia,  díziaôdel- 
móes.  la,  que  era  mais  para  cafa  de  Deos,  qiiçdehum 

^9  claro  Hyperioniotjue  acordou.  Huns  querem,  c[  Emperador:  6c  com  ícr  tal,  foy  cercada  ,  6c  to- 
Hyperionio  feja filho  de Titano,  6c  da  terra,  6c  mada  de  diífcrcnies  conquiíladores.  O  ultimo q 
paydoSoi:  outros  o  fazcua  irmaô  de  Saturno,  6c  a  deftruhio,  foy  Mahomcto  Otomano,  Empcra- 
filho  do  Ceo;  outros  dizem  que  he  o  meimo  Sol,  dor  dos  Turcos,  o  qual  lhe  poz  cerco,  fendo  Em- 
coraacommummcnte  fc  toma  entre  os  Pocias.  perador  ConílantinoPalcologo,  a  nove  de  Abril 
Donde  diz  Ovídio  nos  Faílos:  da  1453.2c  a  entrou  a  vinte  nove  de  Mayodaditu 

cra,l 


ei-a,  aonde  fcfizeraô  grandes  crue]dades,a<lim  no 
Empeiador,  como  na  gente.  Ao  Empeiador  Ma- 
hoojeto  cortar  a  cabeça,  &  arraílar  pelas  ruas  da 
Cidade,  em  vitupério  do  nome  Chriitaô.  Derri- 
bou todos  os  templos,  falvo  o  de  Santa Sophia, 
que  ficou  em  pé.  Quando  fe  perdco  cíla  Cidade, 
havia  Diil  cento  noventa  &  hum  annos  ,  que  o 
Kmpcrador  Conftantíno  filho  de  Helena  a  come- 
çara a  ennobrecerj  &  Conítantino  filho  de  outra 

Helena  a  perdeo:  o  qual  eftava  já  denunciado  ha-     Mojtra  das  fortes  armas  de  que  u/avaõs 
via  muyto  tempo*  Porque  em  huma  coluna  de     fiando  COS  inimigos pelejavaÕ, 
bronze  quadrada  do  templo  de  S.  Demétrio  efta- 

\aelcrito:  Confiantinus  mt  confiruút ,  Conftantinus  E  mais  lhe  dizjqmvtf  dtfe\a.  Dcfejavattluyto  Ô 

4e/lruet.  Coníhntino  me  fez,  Cóftantino  me  des*  Mouro  fabcr  fe  os  noílos  Portuguezcs  eraõ  Tur- 
fará.  O  qual  dizem  fizera  hum  grande  Philolo-  cos,  como  fica  dito  por  muytas  vezes.  E  porque 
pho  daquellcs  tcrapos,  cujo  nome  fe  naó  declara,  lhe  parecerão  Chriíláos,  pediolhes ,  que  lhe  mo* 
O  que  tudo  fe  cumprioaííim.Porqueo  qucacn*     ítradem  íuas  armas,  determinando  já  o  que  ao 


Mdis  lhe  diz  também  que  liet  dffijÁ 
Os  livros  ãejiia  ley^fnceytOj  ouje, 

^ara  ver/e  conforme  àjuafèja^ 

OufefaÒ  dos  de  Chrijfo,  como  cré. 

E porque  tudo  notej  t3  tudo  veja^ 

Ao  Capitão  pedia  que  lhe  de 


nobreceo  foy  Contlantino,  &  o  outro  do  mefino 
nome  a  perdeo.  Da  qual  Cidade  nunca  os  Tur- 
cos mais  largarão  máo  ,  fazendo  delia  cabeça  de 
ieu  líupcrio,  como  he  notório, 

ét. 

RÈcehe  o  Capitão  alegremente 
O  Mouro,  &  toda  fua  companhia': 
*Dalhe  de  ricas  peças  humpre/ènte^ 
^le  fó  para  ejte  eff^eytojà  trazia, 
*T^aíhe  con/èrva  doce,  &  daíhe  o  ardente 
NaÔufado  licor,  que  dà  alegria-. 
Tudo  o  Mouro  contente  bem  recebe ^ 
M  muyto  mais  contente  come^  &  bebe^ 

Dalheílericai  fieças  bum  prefcnte.  Eflè  prefenttí, 
como  conta  Joaó  de  Barros,  lib.4.  2*  D.cap.3.  fo- 
raó  algumas  confervas  da  Ilha  da  Madeyra  para  o 
Xeque,  &  ao  Me-nfageyro  humCapillar  de  grã, 
&  outras  couías,  com  cjuc  foy  muyto  contente. 

NuQ  ufado  licor  ejue  dd  alegria.  Entcde  o  vinho  de 
uvas,  como  neltas  partes  ie  uia,  o  qual  naquellc 
tempo  Ic  naó  ufava  naqullas.  Pelo  que  o  Poeta 
lhe  chama  aqui  licor  riaòufado  :  ou  porque  aos 
Mouros  lhe  he  defcío  pelo  fcu  Alcorão. 


JLl/ 


Stâ  agente  marítima  de  Lufo 
Subida  pela  enxárcia,  de  admirada  ^ 
Notando  o  eftrangeyro  modo^^S  ufOj 
E  a  linguagem  tam  barbara^  ó"  enleada. 
Também  o  Mouro  afluí  o  efta  confufo^ 
Olhando  a  cor^  o  trajo  ^  &  a  forte  armada^ 
E  perguntando  tudo  lhe  dizia  j 
Se  por  ventura  vinhao  de  Turquidi 

Eftâ  agente  marítima  de  Lufo.  Gente  marítima 
faó  Ob  Maiinheyros,  6v  mais  gente  do  mar.  So- 
bre eíla  palavra  ,  5c  fuafignificaçaófe  vcjaoque 
efcrcvcmosno  ícgundo  Canto,  Octava  24. 


diante  fe  defcubrio ,  que  era  dcftruilíos  a  todos  íç 
pudefle» 

REf ponde  o  valer  o  ft  Capitão, 
^For  hu  que  a  língua  efcura  bemfahiài 
T^artehey,  Senhor  illuflre,  relàçaÔ 
*De  mim,  da  ley,  das  armas  que  trazia, 
NaÕfõu  da  terra ,  nem  da  geração 
^asgtntèl  enojofas  de  Turquia, 
Mas  fou  da  forte  Europa  bellicofay 
Bufco  as  terras  da  índia  taõ  famofal 

VoY  kum  cjue  a  língua  efcura  bem  (ahia*  Eíle  era 
hum  Fernaó  Martmslingua,  que  o  Capitão  móf 
Vafco  da  Gama  levou  comfígo  deílel^eyno  pa- 
ra femelhantes  calos  ,  porque  lábia  algumas  lin- 
guas,  &  principalmente  o  Arábigo.  Chama  ao  A- 
rabigo  Jingua  efcura ,  porque  clies  a  naó  enteni- 
diaõ. 

Mas  fou  da  forte  Europa  bdlicofa.  Europa  cd  mo 
fica  dito  Oftava  i.he  a  principal  parte  do  mundo^ 
&  nella  cfiá o noflo  Portugal:  pelo  que  diz  aqui 
Vafco  da  Gama,  que  he  da  forre  Europa.  F.  cha* 
marlheo  Poeta bellicofa,  hepeloqucíediznoluí 
gâr  allcgadoi 

^^ 

ALey  tenho  daqiuclle^  a  cujo  tmperio 
Obedece  o  vifively  &  mvifivel: 
jiquelle  que  criou  todo  oHemifpherio, 
Tudo  o  qUtfente^  &  todo  o  infenfiveL 
^e  padece  o  de  s  honra,  &  vituperiot 
Sofrendo  morte  injufta,  &  infofrivel^ 
E  que  do  Ceo  à  terra  emfm  àefceoy 
T*orfubir  os  mortaes  da  terra  ao  Ceót 

Aley  tenho.  Depois  que  ò Capitão  mór  VaícÒ 
daGama  deu  ao  Mouro  conta  de  lua  patna,  trata- 
Ihe  ncíla  0<51:avade  fua  ky,  que  he  a  noíía  vcrda* 
dcyra,  Sc  cerca  qucprofellamosos  CbriílÃos^ 

Dl  ííl 


i^%  Lujiadas  de  Luís  de  Camões  Com7nentaàos\ 

Que  criou  todo  6  Hemiipherio.  No  Canto  quinto 
Oitava  14.  notamos ,  como  Hemifpherio  ,  quer  6B. 

dizer  meyo  do  mundo.  Aqui  fe  toma  largamen-  \  S  bombas  vem  de  fogo  j&jujltâmente 

teportodo  ocreado,  do  qual  Dcosnofib  Senhor  ^^  As  panelas  fulphureas,  taodunofasi 

foy  Creador,  como confeílamos  no  primeyro  Ar-  cp^^^^^  ^^^  ^^  Vulcano  nao conferir e 

tigo  da  Fè ,  naquellas  palavras :  Crey o  em  D^)s  ^^^  ^^^^^^      ^^  bombardas  temer ofasl 

Padre  todo  podcrolo,  Creador  do  Ceo,  Cv  datei-  ^  j  ài  *.//ípru;»j^ 

ra.  Nas  quaes  palavras  Ceo,  &:  Terra,  fc  compre-  "loYque  o  generofo  anmoy  &  valente, 

hcndetodooUniverfo,  com  todas  as  couias  vi-  Entre  gentes  t  ao  poucas  ^&  medrofas , 

fiveis,  8c  invifiveis,  &  todas  as  que  fentem,&  que  Nao  moftra  quanto  pôde,  ^  com  raza  0: 

naó  fentem:  como  Catholica ,  &  piamente  decla-  ^^^  he fraqueza  entre  ovelhas  fcr  leaol 
ra  o  Catecifmo  Romano  no  principio  do  Symbo- 


Creador 


ra 

Jo  ,  na  declaração  daqucilas  palavras 

do  Ceo,  &  da  Terra. 

66. 

DEfie  T>eos  homem ,  alto,  &  tnfinitOy 
Os  livros  que  tu  pedes ^  nao  trazia^ 
^e  bempojfo  efciifar  trazer  efcrtto 
Em  papelão  que  na  alma  andar  devia-. 
Se  as  armíis  queres  ver^  como  tens  ãito, 
Cumprido  effe  defejo  te  feria. 
Como  amigo  as  vetas  ^porque  eu  me  obrigo  ^ 
^e  nunca  as  quebras  ver  como  inimigo^ 

ISto  dizendo  m^nda  os  diligentes 
Miniftrosy  amojirar  as  armadurasz 
Vem  arnezesi  &  peytos  reluzentes. 
Malhas  f  nas  ,  &  laminas  feguras: 
E feudos  de  pinturas  diferentes-, 
pelouros  ^e/pingar  das  de  açopuras^ 
Arcos ,&  fagitti feras  aljavas, 
^artazíinas  agudas^  chufas  bravas. 


PantUsJulphurcas.  Alcanzias ,  chamr.lhe  pane2 
las  lulphureas,que  querdizer  panelas  deenxofrc,- 
porque  delle,  vSc  de  íiilitre  fe  faz  a  pólvora. 

Forem  aos  de  Vulcano  nao  conjcnte.  Os  de  Vulca- 
no fíõ  os  Bombardeyros,  aos  quaes  chama  aílim, 
por  ferem  miniftros,&  officiaes  do  fogo, dos  quaes 
os  antiguos idolatras faziaó  Deosa  Vulcano^  pe- 
lo que  o  mefmo  Vulcano  fc  toma  muyias  vezes 
entre  os  Poetas  pelo  fogo. 

^^ehi  fraejuezja  entre  ovelhas  Jer  leaÕ.  Attribue 
Homero  na  íua  lliada  lib.zi.  a  grande  bayxeza  o 
que  os  Gregos  fizeraó  aHeftor  Troyanoeftan- 
do  morrendo,  que  foy  loltarmuytas  palavras,  8c 
tazerlhe  muyras  injurias.  Ha  hum  Ê-pigramma 
Grego  do  que  Hectorrcfpondeo  a  efics  valentes 
eftando  naquellc  eilado,  o  qual  tresladíido  em  La- 
tim diz: 

Jaw  poflfata  meum  DanaijaBate  cadáver, 
Defuncií  lepores  jaãant  fc  membra  Icoms. 
Depois  de  morto  eu,  fazcy  Gregos  do  meu  cor- 
po o  que  quizerdes:  affim  trataó  as  kbrcs  o  Leaô 
morto.  Da  nobreza,  81  clemência  do  L,caô  cílaó 
cfcritas  muytas  coufas.  Solino  cap.4.  o  diz,  que 
nunca  os  Leões  fazem  mal  a  gente  fracn.  Plinia 
lib.8.  cap.  16.  trata  de  propoíito  das  qualidades  do 
Leaõ:  entre  outras  coufis  maravilhoí^s  conta  hu- 
nia,  que  naõ  parecec  juílo  diílimular ,  cv  he  que 
elle  ouvira  a  huma  cfcrava  Romana ,  que  {ugira 


Sàgitúferas  aljavas.  Aljavas  com  fettas ,  porque 
naquelle  tempo  fc  coftumavaó  muyto,  béílas.Èf- 

ta  palavra,  fagittiferas,  8c  outras  defte  modo  faô  para  Getulia, Província  de  Africa  ,  que  em  huns 

caufa  de  algCias  peíloas  que  nao  iabem  Latim, foi-  grandes  [matos  achara  huma  grande  conipanhia 

tarem  algúas  palavras  contra  o  noflo  Luís  de  Ca-  de  leões ,  os  quaes  lhe  naó  fizeraó  algum  mui ,  por 

mões.  Qiianto  a  mim  naó  tem  razaõ,anres  culpa:  lhe  ella  dizer,  que  naõ  era  decente  húa  fr;ica  mu- 

poisreprehendéfazerleanoíla  linguarica  depa-  Iher  fer  maltratada  do  Rey  dosanimacs.  lítodiz 

lavras  ,   ^  poderfc  ufar  das  Latinas  cm  modo  Plínio  que  ouvio  à  mefma  mulher.  Solino  no  lu- 

que  pareçaõ  bem ,    como  ha  outras  muytas ,  que  gar  nllegado  o  conta  também,  8c  dizem  cllcs  Au- 

jà  pelo  muyto  ufo  temos  por  noílas :  o  que  fucce-  rores  que  os  leões  entendem  ,  quando  n  gente  fe 


dera  também  neílas  andaddo  o  tempo.  Nem  he 
bem,  que  todos  faybaó  tudo ,  porque  até  nos  vo- 


Ihe  humilha,  8c  roga.  Acrelccnta  Plínio,  que  a 


nobreza  do  Leaõ  fc  conhece  principalírente  nos 
cabulos  muyto  noifos ,  vemos  quanta  variedade  perigos,  8c  tempo  que  lhe  he  neceílario  njudarfc 
Tia  entre  os  mefmos  Portuguezes,  que  huns  fallaõ  de  fuás  forças  ,  porque  ainda  neílc  em  qnc  lhe  hc 
de  hum  modo,  8c  outros  de  outro,  8c  muytos  Ic  neceíTario  pelejar ,  o  taz  forçada  ,  8c  conílrangi- 
naõentcndem.  He  huma  matéria  efta,  que  aos  damente. 
que  tiverem  bom  animo  para  com  o  nofio  Poeta, 


parecerá  bem.  Dos  outros  naõ  curo,  porque  re 
ponderlbeaqui  feria delpropofito,  Sclahirmu) 
to  da  ordem  que  levo  de  comentar  cíle  livro. 


^9. 


POrém  diflõj  que  o  Mouro  /fqtiinntcU, 
E  de  tudo  o  que  vio  com  olho  attento^ 
Hum  odio  certo  na  alma  llje  ficou, 
Hua  vontade  mà  defevfameuto* 


Canto  Trimejro] 
Nas  moííras,  &  nogejlo  o  não  moftrou^ 
Mas  com  rt/bubOj  &  ledo  fingimento^ 
fratallos  brandamente  àeternúna^ 
jitè  que  mojirarpoffa  o  que  imagina, 

Torèmttt^o  que  o  Mouro  aqui  notou.  O  que  princí- 
palmcnrc  enfadou  ao  Mouro,  foy  ver  que  os  nof- 
ibs  era(3  Chriítáos  ,  gente  a  que  elles  faõ  pouco 
ífFeyçoados:  ík pelo  confegu ince,  tendo-os  por 


^ 


7»- 

PArtíofe  nijlo  em  fim  co  a  companhia, 
T)as  Nãos  ofalfo  Mouro  dffpedidô^ 
Com  enganofa^  &  grande  cortefia^ 
Com  gejio  ledo  a  to  dos ^  &  fi^gi^o. 
Cortarão os^bateis  acarta  via 
Das  agitas  de  Neptuno^  &  recebido 


contrários,  ver  luas  armas ,  com  que  lhe  podiaó     Na  terra  do  obfequente  ajuntamento ^ 
eftorvar,  o  que  cllcs  determinavaõ,  que  era  fazer     Se  foy  o  Mouro  ao  COgnito  apofento. 
que  naô  pal]àíIèm.dalIi,tomandolhes  Tuas  nãos.  O 
que  naó  pcnnirtio  noflo  Senhor  tivelle  effeyto, 
porque  de  dous  Pilotos  falfos  que  o  Mouro  lhe 
deu,  lho  dcfcubrio  hum,  fendo  o  outro  em  terra^ 

70. 

Pilotos  lhe  pedia  o  CapitaSj 
Torquempíídejfe  ã  Índia  Jer  levado: 
Dlzlhe  que  largo  prtmio  levarão 
*Z)í7  trabalha')  que  niffofor  tornado, 
'Promettelhos  o  Mouro ^  com  tenção 
^Depeyto  venenofo^  &  taÕ  danadoy 
^ieamorte^fepodeffe^  nefhs  dia 
Em  lugar  de  ^Pilotos  lhe  daria, 

VilotoslbéfeãUo  Capitão.  O  Capitão  nrjór  Vâfco 
da  Gama,  vcndo-fe  em  partes  tairt  remotas,  &  dô 
que  nenhuma  noticia  rinha  ,  defecando  chegar  à 
Índia,  que  era  o  alvo  de  fua  navegação  ,  ôc  fim 
de  fuás  eíperanças, procurava  por  todos  os  meyos 
haver  Pilotos  que  o  levaílem.  E  vendo  os  oíFere- 
cimentos  do  Mouro,  &  os  deíejos  que  moílrava 
de  o  favorecer,  occupou- o  (óneíta  neccííidaie,  a 
qualellcpromecteo  remediar  có  tençaóde  odc- 
Itruir,  porque  pertendia  que  elles  Mouros  levaí- 
Icm  a  noíFa  armada  a  parte  onde  fe  perdelle. 

T/Imanhofcy  o  ódio,  &  mà  vontade 
^ce  aos  eslrang-yros  fubito  tomott^ 
■Sabendo  ftfrfequízzes  da  verdade, 
^e  o  Pilho  de  T>ã  vi  d  nos  cn  finou  j 
Osfegredos  daquella  eternidade, 
A  quem  juizo  algum  naÕ ale ançoir. 
^^ue  nunca  falte  loum pérfido  inimigOy 
A  a  que  lies  de  quefojje  tanto  amigo. 

Sabendo  fèrfcqítax^ci  da  verdade.  Sabendo  ferem 
Cliriílâos. 

(^  o  filho  de  DsvidfíOi  enfimu.  Filho  de  David, 
chama  o  Poetan  Cbriílonoílb  Rcdemptor,  co- 
mo lhe  chamada  Efcritura.  E  chama-feairim  por 


Cortarão  oi  bateis  a  curta  "uia.  Chamalhe  curtÀ 
via,  porque  era  perto  de  Moçambique. 

Aguai  de  Neptuno.  Saô  aguas  do  mar. 

Obfequente  ajuntamento.  Era  agente  da  terra,  q 
lhe  obedecia,  pelo  que  lhe  chama  obfequente; 
que  quer  dizer  obediente  ,  porque  era  Regedor 
dcUa.  r    ^  o 

7S- 

DO  claro  aj^ento  ethereoj  ograÕ  Thebaná 
§lue  da  paternal  coxa  foy  nafcido^ 
Olhando  o  ajuntamento  LufitanOj 
Ao  Mouro  fer  mole  fio ,  &  aborrecido-. 
Nopenfame7ito  cuida  hum f ai fd  engano. 
Com  que  [eja  de  todo  de fh  tu  do, 
E  quando  iftofó  na  a  Ima  imagina  va^ 
Comfigoe fias  palavras  praticava. 

O  grão  Ihebano  que  ãa  paternal  coxa  foy  nafàdòí 
Thebano  íe  chama  Baccho  ,  porque  fua  mây  Se- 
meie foy  de  Thebas.  Contaô  as  fabulas ,  que  en- 
fadada Juno  de  Semeie,  por  ver  estratos  cm  que 
andava  com  feu  marido  Júpiter  ,  lhe  appareccd 
em  figura  de  húa  velha  por  nome  Beroeamafua: 
Sclhe  meteo  cm  cabeça  diílefie  a  Júpiter  que  naó 
queria  fua  amizade,   fe  lhe  naõ  fízeíle  todos òâ 
mimos,    &  favores,  que  fazia  a  íua  mulher  Ju- 
no.    E  que  para  ella  entender  fer  ido  aiTim,  :! 
havia  de  vifitar  com  toda  lua  Mageílade,&  Scepi 
tro  com  que  cftava  no  Ceo.  Viofe  Júpiter  tatrt 
importunado  de  Semeie  ,  que  naó  pode  altazerj 
fenaó  condelccnder  com  o  que  lhe  pedia.   Vifi- 
tou-ade  maneyra,  que  com  íua  claridade  j  Scrcí- 
plandor  fe  ateou  o  fogo  nella  de  modo  ,  que  fe 
queymou  toda.  Vendo  Júpiter  o  eftado  de  Seme- 
ie, &  que  juntamente  com  ella  fequeymava  o  fi- 
lho que  tinha  no  ventre ,  abrio-a,  éc  tirou-o  fóraj 
ti  o  meteo  em  humacoxafun:  na  qual  andou  até 
Ic  cumprir  o  tempo  do  parto, como  conra  Ovidid 
lib.j.Mctamorph.  Elta  hc  a  razaò  porque  os  Poei 
tas  dizem  que  Baccho  nafcco  da  coxa  de  feu  paj'; 
E  por  efta  mefmarazaó  lhe  chamaõ  filho  de  duaS 
fer  da  geração  de  David,  quccraoTribu  de  Ju-     niãys,  húa  Semeie,  &  outra  acoxade  jupitcf  ícii 
dá  ,  do  qual  procediaó  os  l^eys  de  Ifrael.  He     pay.  Solino  no  feu  Polyhiílor.  cap.  60.  diz,  qué 
phrafi,  Sctermo  de  fallar  Hebraico,  como  he     perto   da  Cidade  Nifa  da- Índia  aonde  ISacchtt 
notório  aos  que  fabem  alguma  eoufa  de  Hebrco.     foy  crcado,  ha  hum  monte  chamado  Meros,  S: 

porque  Meros  na  língua  Grega  quer  dizer  ccxa; 

da(ji4 


traz. 


74. 


20  Lufiadas  de  Luís  de  Camões  Coynmentaàos'l 

daqui  levantarão  efta  fabula,  que  Baccho  andara     que  quem  fenaóaprove}'ta  delia  oíTerecendofo* 
nacoxa  de  íeu  pay.  Veja-íe  o  que  elcrevemos  a-     lhe,  quando  a  quizer  naó  a  poderá  alcançar.  AU 

fimapinta  AlciatonosErublcmas,  Enibl.iii.  Na 
livraria  das  elcolas  de  Salamanca  cftá  hfiacllatua 
de  pedra,  que  figura  aOpportunidade  :  melhor, 

EStàofadojà  determinado,  quanto  a  mim,  que  todas  as  dos  antiguos,  &  que 

§ue  tamanhas  -vitorias  tão  famofas,         ^^is  conforma  com  a  letra  do  noflo  Poeta.  Eílá 
"^  -' -  hum  menmoícntado  em  hum  globo,  com  huma 

grande  cabelleyrafobre  os  olhos ,  &  huma  nava- 
lha na  mâodirey  ta,  que  diz,  qutros:  a  qual  pala- 
vra íignifica  occaílaó.  Ao  redor  eítaó  outras  eíla- 
tuas,  hua  de  Mercúrio,  ôc  outra  da  Fortuna  com 
a Cornucopia,que  chamamos:  pelos  quaes  rodeos 
fe  dá  a  entender  fer  a  Occafiaó  riquiílima  ,  ôc  ter 
poder  para  dar  tudo,  o  que  Mercúrio,  6c  a  Fortu- 
lEfiâdofaãojã  determinado.  Do  fado  fe  veja  a  na  podem. Mercúrio  tinhaõ  os  antiguos  por  Deos 
lioflaannotaçaóatraz.  Gelava  15.  dos  ganhos,  6c  mercancias:  a  Fortuna  por  Senho- 

E  enfòfilbo  do  Padre  fubhmado.  Chama  Baccho  ra  das  riquezas,  6í  q  ella  as  diftribuhia  por  quem 
ajupicerfeupayfublimado,  porque  a -ftetinhaó  lhe  dava  gofto.  Vejaõ  os  curioíos  Alciato  no* 
os  antiguos  errados,  por  principal  de  fcus  ídolos.    Emblemas,  Embl.  5)8. 


Stà  ofadojà  determinado, 
_     ^e  tamanhas  vitorias  tãofamofas^ 
Hajão  Qs  Tortuguezes  alcançado 
^as  Indianas  gentes  bellhojas, 
E  eu  fô  filho  do  'Fadrefublimado^ 
Com  tantas  qualidades generof as y 
Hey  de/ofrerque  o  Bado favoreça 
Outrem  j  por  quem  meu  nomefe  ejcureça> 


A  quizerao  os  Deo/èSj  que  tivejje 
O  Filho  de  'Philippo  nefla  parte 
Tanto  poder y  que  tudo  fobmete([e 
^ebayxo  de  feujugo  o  fero  Marte, 
Mas  hafe  defofrer^  que  o  Fado  dejje 
A  taõ poucos  tamanho  esforço^  &  arte^ 
^e  eu  cograõ  Macedónio ,,  ^  co  Romano, 
'íDe^nos  lugar  ao  nome  Lufitano^. 

14  í^uizeraocs  Deofes.  Já  fica  dito  por  muytas  ve- 
zes, como  eftc  modo  de  fallar  em  deoles  he  fingi- 
mento poético.  Pelo  filho  dcPhilippo,  fe  enten- 
de Alexandro  Magno  ,  o  qual  íubjeytou  grande 
parte  da  Indií.  Pelo  Romano  ,  fe  entende  Tra- 
jano  Emperador,  o  qual  também  nas  mcfmas 
partes  fez  coulas  dignas  de  memoria.  Veia.fe  o 
que  elcrevemos  atraz,  06lava5.  O  que  Baccho 
lentiamuytocraver,  que  os  Portuguezes  com 
ler  tam  poucos,  chegarão  apartes,  ás  quaes  os 
mayoresMonarchas  do  mundo  naó  podéraó  che- 
gar. 

NAm  (era  ajjinh  por%  antes  q  chegado 
Seja  efte  Capitão j  ajiutamente 
Lhe  fera  tanto  ens^ano  fabricado, 
^ne  nunca  veja  as  partes  do  Orientei 
hu  ãe [cerei  à  terra,  ^  o  indignado 
^eyto  revolverey  da  Maura  gente  ^ 
forque  Jetnpre por  via  ira  dtreyta^ 
^luem  do  ofpQrtuno  tempo  fi  apoveyta. 


^Hem  do  ôpportuno  tempo  fe  aproveyta.  Pintaõ  os 
Poetas  a  occafiaó  cm  hum  lugar  alto  ,  &  de  todas 
as  partes  delcubcrto,  com  azas  nos  pés,  6c  húa  na- 
valha na  maó  du-eyta  ,  &  íia  parte  dianteyra  da 
cabeia  huma  g'4dc lha  de  cabellos:  paramoílrar, 


77- 

ISto  di&endo  irado,  &  quafi  infano, 
Sobre  a  terra  Africana  defcendeo. 
Onde  vejlindo  a  forma  ^^  gefi  o  humanoi 
*íPara  o  ^rãfjofabido  fe  moveo; 
Epor  melhor  tecer  o  afluto  engano y 
Nogefto  natural  fe  converteo 
*De  hú  Mouro j  em  Moçambique  conhecido j 
Velhojjabio ,  ^  co  Xeque  muy  valido. 

Ifio  dix,endo  iradojé^  quafi  inJanoXJh  aqui  o  Poe- 
ta defte  fingimento  Poético,  que  Bacclio  tomou 
na  figura  de  hum  velho  conhecido  na  terra  ,  6c 
muy  to  valido  com  o  Xeque  ,  para  delta  mnncyra 
danaroeftomago  aoSoltaóde  Moçambique,  & 
azedallo  contra  osPortuguczcs,para  lhes  fazer  to- 
do o  mal  que  pudefie  :  &  quando  iílo  naó  folie, 
ao  menos  fizelfcqueosnaõ  recolhellenas  fuíis  ter- 
ras. AíTim  finge  Ovidjolib.  3.  Metamor.  ajuno 
convertida  em  figura  de  hunu  velha  chamada  Be- 
roe,  para  fazer  mal  a  Semeie  :  &  lib.  i.  Metam,  a 
Mercúrio  tomar  figura  de  Paftor,  para  matar  a 
Argos. 

Vara  o  Fraffofahido.  Praflb  fabido  he  o  cabo  de 
Moçambique,  como  fica  dito  0(5lava47.  Chama- 
Ihe  fabido,porque  o  labiaBaccho  muy  to  bem. Xe- 
que quer  dizer  Governador  em  língua  Arábiga/ 

78. 

ENtrãdo  aj/im  d f aliar  lhe  a  têpo^érhoraí 
A\fua  faljidade  ãccommodadasy 
JLhe  dtz,j  como  eraõ  gentes  roubãdoras^ 
Eflas  que  hora  de  novo  f ao  chegadas. 
^e  das  nações  na  cofia  moradoras^ 
Correndo  afama  veyOj  que  roubadas 
For  ão  por  eftes  homens  quepafjavão, 
M^e  com  pacíos  depazfenipre  àncotavaol 


Canto  ^rimeyrol, 
àae  ãas  >íaç^eí  tiàwfia  morahrái.J^íeííiO&iãvay       '  Mandalhè  ãar  VilvU. 
-& nâs leguintes três ,  que laó claiifíimas,    conti- 
nua o  Poeta  feu  fingimento  de  Baccho  em  figura 
de  hum  vtlfao  natural  da  Ilha  Moçambique»  para 
oerfuaBirao  Xeque  deftrua os Portuguezes ,  di 


Gomo  tenho  dito  {>ur 
mu.yias  vezesjcfte  mod©  de  proceder  ncfte  dilcur- 
lo  he  fingido  para  ornar  fua  hiíloriâ.  A  verdade 
he  que  o  Soltaó  de  Moçambique  fez  paz  cOm  os 
noflbs,  cuydando  que  eraóTurcosi  &  Jhes  deu 


zcndolhc grandes  males  deiles.E  que  afiim  como  dóus  Pilotos:  do  que  fe  àrrepcndeo »  depois  que 

nos  outros  portos  de  mar,por  onde  pafla vaó,de-  foube  ferem  Chriítãos  j  &;  quebrou  a  puz ,  6c  pa- 

ftruhiâó,  &:  aílblavaò  tudo  ,  o  mefmo  fariaó  cm  lavra  que  tinha  dado,  ôc  hum  dos  Pilotos  lhe  tu* 

J^oçanrbique.                  ~             ^  gio  para  terra. 


E 


Saée  mais,  lhe  àiz^cotno  mtendiãò 
^J^  Tenho  deftes  Chriftãos fdnguinoientòs j 
^ue  quafi  todo  o  mar  tem  deftruldOj 
ComJ^ubos^  com  incêndios  violentos^ 
E  tràzemjà  de  longe  engano  urdido 
Contra  ?wsj  &  ^«^  todos  feus  intentos 
Sal  para  nos  matarem^  ©  roubarem, 
E  mulbeYes^  &  filhos  captlvarem. 

Chriftaoi  funguinoUntos.  Todas  eftaS  coufas  fè 
tratavaó  em  Moçambique  entre  os  Mouros,  ten- 
do os  ChrilUos  por  Piratas,  6c  ladrões,  &  homés 
carniccyros  ,  &.  que  naóperdoavaó  acoufa  qua 
chccntravaói 

P  Também  fey^  que  tem  determinado, 

■    T)e  vir  por  agua  à  terra  muyto  cedo^ 
O  Capitão  dos  fins  acompanhado: 
Sue  da  tef/ção  danada  nafce  o  medo^ 
Tu  deves  de  Ir  tambtm  co  r  teus  armado^ 
Efperallo  em  aliada  occultOj  ér  quedo: 
IPorqtieJaindo  agente  defcuydada% 
Cahiràõ  facilmente  na  cilladai. 

§l,ue  da  tenção  danada  nafce  o  meda.  Oshómèns 
mãos  vivem  em  hum  continuo  fobrefalto  ,  &  me- 
do, cuydando,  que  fuás  couías  laó  fabidas  de  to- 
dos. Daqui  veyo  aquelle  provérbio  tam  uíado 
entre  os  Latinos:  Ex  confctentía  metui.  O  medo 
pt'ocede  do  que  cada  hum  defiíabe.  Eílacio  nã 
Thebaida  chama  à  maldade  mcdrofa:  O  caca  nO" 
centumcúnftiio,  S  jemper  timidumfcelui  y  ò  maldade 
fempre  mcdrofa. 

.Tp  Se  ainda  não  ficarem  depefeyto 
-■—•  T)eíiruidoSj  ou  mortos  totalmentfl 
Eu  tenho  imaginado  no  conceyto 
Outra  manha  j  ^  ardil  que  te  contentei 
Mandalhè  dar  Tiloto,  que  de  geyto 
^ejd  aftuto  no  engano  fi  tão  prudente^ 
Siiie  os  leve  aonde  fijão  defiruidos^ 
U^esbaratadoSy  mortos, ou^erdides^ 


TÂrito  que  eftas  falavras  acabou 
O  Mouro  nos  taescafos  Jabio^é* 
Os  braços  pelo  coUo  lhe  lançou^ 
^Agradecendo  muyto  o  talconfelho^ 
E  logo  nefie  inftante  concertou  j 
Tara  a  guerra  o  belligero  apparelko^ 
Tara  que  ao  TortugHiz.fi  lhe  tornaffè 
Efn  roxofangue  a  agua  que  bufcajje. 


E»t  roxo  fangue  a  agua  (^ue  hufcaffe.  Quando  Vàr- 
cé  da  Gama  fez  paz  com  o  Soltaó  de  Moçambi- 
que, como  íccoimmunicaVáó,6c  tratavaó  muytoi 
porque  os  Mouros  cuydavaó  que  os  noflos  eraô 
Turcos ,  Icvoulhe  o  Soltaó  em  pefiba  huma  vez 
que  o  foy  vifitar  à  armada  os  dous  Pilotos, que  lhe 
promettéra,aos  quaes  elle  contentou  com  algúaâ 
peçasj  &  dinheyro ,  para  que  o  fervificm  de  me- 
lhor vontade.  E  tratou  com  elles,  que  indo  hum 
a  terra,  o  outro  ficaria  na  nao.  Defta  communi- 
caçaõ  que  os  Mouros  tinhaó  com  os  noífosjos  vie* 
raó  a  conhecer  por  Chriftãos:  pelo  que  a  fua  ami* 
zade  fc converteõ esn  ódio,  ôcdefejodc  deftruir 
os  noflbs  Portuguezes.  O  que  o  Soltaó  tratou  lo- 
go com  bS  feus,  na  qual  cóíulta  entrarão  também 
os  t^ilotos,  porque  foubéráó  do  cafo  indo  a  terra; 
Efte  fegredo  durou  pouco  entre  os  Mouros,  por- 
que logo  hum  dos  Pilotos  o  defcobrio  ao  Capitaô 
mór,  que  foy  grande  parte  para  os  Mouros  íhc 
naó  fazerem  dano  algum  ,  aflim  no  porto  donde 
logo  fefahio,  como  na  aguada  que  fez:  aonde  Ihé 
fahiraó  alguns  Mouros  cm  ícm  de  peleja  parai hil 
defenderem. 


«?: 


TJ 


t  Bufca  mais  para  o  cuydado  engano ^ 
*-*  Mouro  y  que  por  Piloto  à  nao  lhe  mande  ^ 
SagaZi  afiut0y&  fabio  em  todo  o  dano, 
'De  quem  fiar  fi  pojja  hum  fiy  to  grande. 
T^izlhe^que  acompanhando  o  LufitanOi 
Tor  taes  cofias^  &  mares  com  elle  andeji 
^ue  fe  daqui  efiapar,  que  la  diante 
Và  cahir  donde  nunca  fe  ale  vante. 

E  hufia  mait.  A  ordem  que  teve  Vafco  ca  Gâí 
*na,para  haver  os  Pilotos  do  SoUaó,^  como  )hoá 

tíci 


ii  Lufiadas  de  Luts  de  Cantões  Co7íimentad<ísl 

deu  livremente,  fica  dito  atraz.  E  affim  mcfníQ  Ihado  para  a  recebcr:&  afíiinfe  lhe  ajunta 'a  todo^ 

como  hum  fugio  para  terra,  &  outro  ficou  na  Ar-  &  a  cada  parte  por  íi  juntamente  ,  como  fórm* 

mada.  O  que  ficou  na  nao  vendo  como  não  pu-  fubftancial,  &  cfícncial.  Da  qual ,  &  do  corpo  Iç 

dera  fugir,  determinou  levar  Vafco  da  Gama  à  faz  o  verdadeyro  homem  ,  como  diz  o  B.  Santa 

Cidade  Quiloa>  que  cílá  na  mefmacofta,  dizendo  Thom.  i.p.q.90.art,2,c.4..0bra  com  tudo  a  al- 

quc  nella  havia  Chriftáosjôc  como  tivcflb  os  Por-  ma  no  coração  muy tas  coufas  que.  ajudaó  muyta 

tuguezes  no  porto,mexericallos  com  ElRey,di-  para  a  yida,o  que  naó  faz  nas  outras  partes  do  cor* 

zendo  que  eraó  Piratas,  deílf  uidores  do  mundo,  po ,  como  dilfc  Mantuano  tratando  do  coraçaõi 

que  nenhum  outro  officio  tinhaó  fenaó  roubar,  da  gloriofa  Virgem  Maria  NoíTa  Senhora  na  luf 

&  aílolar  os  portos  aonde  chegavaô.  Pai thenicíc: 

Cor  friftí,  ex  tilo  ejuoniam  dejcmdit  in  úttuk 
yitalis  calor,  4  pleno  feu/lunJínafifjfef 
^4*  '  ll/fc  primfi  ílomus  vita, 

JAorayo  Afollmeovtfitava^ 
OsmoyitesNabatheõs  accendtdoy 

giuandoGamacosfeus determinável  ^  j..  .         .  ^J  ^  .•  r     .. 

T>evir  por  agua  aterra  afercebido,  £  ;^^'^  ^^^^^f  inundado  ttnha  a  terrA 
Agente  nos  bateis  fe  concertava,  ^  j^//''^'  ^'í'  fthtoneceffarto: 

Como  refoííe  o  encano  já  fabtdo:  Efoylherefpondido  em  fim  àe  guerra: 

Mas  pode  rufpeytarfi' facilmente.  Ca/,  do  que  cuy  dava  muy  contrario. 

§ue  o  coração prefago  nunca  mente.  Tortfto,& porque faae  quanto  erra, 

^^  i-     r    /  .a  ^emficredefiuperJidQadverJarto, 

Ido  rap  /ípollmo  vífitava.Dtkrtvt  aqui  oPoe-  Apercebido  vay  comopodia , 

ta  o  tempo  em  q  Vafco  da  Gama  foy  fazer  agua-  Em  tres  bateis  fomente  que  trazia. 
da,  quefoy  fahidojá  o  Sol  :  porque  a  noytepaf- 

fada  naó  pudéraó  delcubrir  agua  ,  guiados  pelo         E  maistamhem.  Hum  dos  Pilotos,  que  o  Soltaõ 

Piloto  Mouro,  que  lhe  dera  Soltaõ  de  Moçambi»  deu  a  Vafco  da  Gama,  lhe  defcobrio  a  determina- 

que.  O  qual  naó  deu  com  ella,  ou  pdr  andar  com  çaó  dos  Mouros,que  era  deftruir  os  Portuguezes, 

o  fcntido  occupado  em  ver  fe  podia  fugir:  ou  por  depois  que  fc  certifícalle  ferem  Chriftãos.  Pelo 

naó  querer:  ou  por  perder  o  tino  do  lugar  aonde  que  Vafco  daGama  íefahio  logo  do  porto  deMo- 

cftava.  E  o  mais  cerco  parece,  pois  era  pratico  na  çambique  citando  huma  legoa  defviado,    onde 

terra,  que  andava  entretendo  os  Portuguezes  p^-  os  Mouros  lhe  naó  podiaó  fazer  mal  algum.  Dalli 

ra  ver  leíe  podia  por  algum  modo  eícapulir  ,  ôc  tornando  a  Moçambique  a  pedir  o  Piloto, que  lhe 

porfe  em  falvo.  Rayo  Apollmto ,  rayo  do  Sol,  cha-  fugira  da  nao^  lhe  fahiraõ  íeis  bateis  de  gente  ar^ 

ma-fe  aílira  ,  porque  entre  outros  nomes  que  Q  mada  com  arcos,  8c  frechas,  eícudos,  &  lanças,  os 

Sol  tem,  hum  he  ApóUo.  Mojites  Nahatheos.  Saó  quacs  Vafco  da  Gama  fez  fugir  com  artelhariaq 

montes  da  índia,  chamados  aílim  de  NabathRey  levava.  lílo  concaCaftanhedalib.i.  cap.7.  Joaò 

delia,  como  lhe  chamou  Ovidio  nas  Metamor-  de  Barros  cap.4. 1.  Dtc.  diz,  que  vendo  Vafco  da 

phofes  lib.  I.  Gama  o  mao  propoíito  dos  Mouros ,  mandou  fa- 

^ue  o  coração  pre^ago  nunca  mente.  Diz  Ariftote-  Zer  íinal  de  paz,como  que  queria  eílar  à  falia  com 

lesylíh.i.departtbusímmicca^.^.  que  ocoraçaõ  do  cllcs,  6c  acodindo  logo  o  Mouro  dos  recados,  (e 

homem  he  fonte,  6c  origem  de  quanto  nelle  ha  começou  Vafco  da  Gama  aqucyxar  do  que  lhe 

bom.  Outros  Philolophos ,  como  refere  Cícero,  crafcyto,quc  elle  naó  queria  preceder  como  me- 

/i^.i.í/íi/íu;«íír.quizeraõ  que  o  coração  foíle  a  ai-  reciaó  taes  obras,  que  lhe  mandafie  entregar  o 

ma.  Outros  punhaó  a  fabedoria  no  coração:  a  cu-  Piloto,  &  hum  negro  que  Ihefugiraó?  ôccomifto 

jaimitaçaó  os  Latinos,  ao  homem  avilado  cha-  ficaria  latisfeyto.  Arcpoíla  do  Xeque  foy  ,  que 

maõ  cordato^  de  cor ,  que  he  o  coração.  E  os  Ro-  cllc  cftava  muyto  cfcandalizado  dos  Portugue- 

inanos  chamavaó  aos  prudentes  cí»'cti/i,  como  diz  zes,  pois  lhe  matáraó ,  &  tcrirnó  alguns  dos  icus, 

Plinio  lib.  7.  cap.  31.  Daqui  chamaó  os  Poetas  ao  fazendolhe  elles  fcfta  ao  ufo  de  lua  terra  ,  &  que 

coração  prefcU^o,  ác})refagio  vcxho  Latino,quehc  naó  fabia  de  Pilotos,  quejá  lhos  rinha  dado,  que 

entender  huma  coufa  agudamente  antes  que  a-  fe  elle  quizcflc  os  bufcafic  pela  terra,  ou  mandaf- 

contéça,  como  diz  Ciccro  no  lugar  allegado.  O  febulcar.  No  fim deftas  palavras  Icmclpciar  re- 

quelh'e  vemdefer  allento  ,  &  morada  da  fabedo-  poíta  ferecolheo  para  o  Xeque  ,  donde  fe  levan- 

ria.  O  que  havemos  de  entender  acerca  do  cora.  tou  humagrita,  &  traz  ella  começarão  a  chover 

çaó  he,  que  nem  healma,  nemaflento  principal  fettas.  lílo  heo  quconoílò  Poeta  aquuliz,  que 

delia,  nem  tem  primcyro  alma  ,  nem  vive  roais  q  mandando  pedir  o  Piloto,  lhe  foy  rciponàido  eu 

os  mais  membros.  Portpe  a  alma  he  creada  por  fom  de  guerra. 

Deos  em  hum  mcfmo  tempo  toda  de  nada,  dentro         ^^em/e  crede  feu pérfido  aãverfario.  Ha  hum  áu 

no  corpo  ,  quejá  cítá  organizadameiue  appare-  to  do  Philofopho  Epicharmo  muyto  cclebrad( 

enirí 


Canto  TritniyYo. 
entre  os  G/cgos,  vive  muyto  tcirpcradamente,& 
não  te  fies  de  ninguém.  Na  qual  lentença  o  Phi- 
loiopho  dádous  avilos  aos  homens,  que  pretende 
viver  politica,  ôc  honradamente.  O  primeyro,  q 
yiváo  temperadamente  ,  6c  ponháo  freyo  a  feus 
apetites.  O  legundo,  que  íe  naó  fiem  de  ninguém. 
Donde  Cicero  referindo  a  Epimarcho:  ^uam  eh 


33 


í>ÍW 


Q 


88. 


rem  Epimarehion  illud  lemto ,  nervos ,  atejue  artusfa- 
fUntia^  non  temere  credcre :  a  força  do  íaÊcr  confiftc 
cm  naó  crer  temerariamente.  Crer  hum  homem 
ludc&atodos,  hc  fraqueza  de  entendimento:  Ôc 
naó  fefiar  de  ninguém  hemá  inclinação.  Efe  os 
homens,  qucfeentcRdera,  noscnfinao,  que  nos 
não  fiemos  de  ninguém  :  muyta  culpa  teria  quem 
.ftfiaílbdeinnnigos,&  Mouros  pérfidos  contrá- 
rios da  noflalânta  Fé  Catholica,  quaes  efleseraó: 
os  quaes  náo  trataó  mais  q  de  enganos,&cmentn'AS. 

MAs  os  Mouros  que andavão pelapraya 
ToY  lhe  defender  a  agua  defejada^ 
Hum  defendo  embr^çadOi  ó*  de  azagaya^ 
Outro  de  arco  enmrvadOi&  fetta  hervada, 
Efperaõ  que  aguerreyra  gente  fayay 
Outros  muytosjâpolios  em  ci  liada: 
E  porque  o  cafo  levefe  Ihefaça^ 
^oem  hunsjpoucos  diante  for  negaça. 


Vai  no  corro/àngnineo^o  ledo  amante^ 
_  Fendo  afermofa  dama  defejada^ 
O  touro  bufe  a  y  &p6ndofe  diante, 
Salta ^  corre ^  afovta,  acena ,  &  brada. 
Mas  o  animal  atroceneffe  inílantey 
Com  afronte  cornigera  inclinada^ 
Bramando  duro  corre ^  &  os  olhos  cerra j 
^erriba^fere  mata,  &  f  cem  por  terra, 

Çiualm  corro  farjgutTieo.  O  engenho  do  noíl© 
Poeta,  fua  erudição,  copia,Ôc  propriedade  nas  pa- 
lavras, &  íentenças:  fe  vé  afíirn  ncíta  ,  como  em 
outras  comparações.  E  porque  cila  eftá  clara  pa- 
ra os  que  labem  Latim:  para  os  que  onãofabem 
declararey  algúas  palavras.  Afloviahc  próprio  de 
homens,  que  andaó  em  corro  de  touro  ,  os  quaes 
lhe  afibviãc.  para  que  er^tcnda  nclles.  Animal  a- 
trozcheo  touro,  quer  dizer  animal  cruel.  Fron* 
te  cornigera,  he  fronte  com  cornos. 

Os  olhos  /erra,  lít  o  he  próprio  do  tou  ro  quartdo 
fe  chega  perro  dapcíloa ,  para  a  levar ,  ierrar  os 
olhos.  Fclc  que  os  que  tem  experiência  difto,  os 
efperaõ  muyto  confiadamente,  íem  lhe  acontccci* 
dcfaílrc  algum» 


8  9. 


ToeM  hum  foucot  diéinte  por  negada.  Como  os  nof- 
fostinhão  ntceíJidadc  de  fazer  aguada  ,  &  vira6 
que  a  náo  podião  achar  de  noyte  ,  determinarão 
fazela  de  dia.  E  logo  Vaíco  <ia  Gama  mandou 
dous  bateis  com  u).ko  armada  para  a  fazerem  a 
pezardos  Mouros. Os  quaes  dérãomoflra  aosnof- 
losrm  hutn  efca«)pido  ,  que  citava -entre  apraya, 
&apovoação,  como  dous  mil:    mas  logo lereco- 

Ibéráo  t1ctr;âz  de  hum  rcpafo  de  madey ra  >  «mu-     Jàfoge  o  efcondido  de  medrofo, 
Ikado  de  ícrra,  qjae  fizcraó  p'*râ  íc  defender  dos    E  morte  O  defcuberto  aventurofò, 
»o|Jgj.  ,    .  _      ,  ^   ^      ^_  ^^ 


P  //  nós  bateis  o  fogo  fe  levanta 
*^  Nafuriofa,  ^  dura  artelharia, 
A  plúmbea  pèU  mata^  o  brado  efpanta^ 
Ferindo  o  ar  retumba _,  &  affovia. 
O  coração  dos  Mouros  ft  quebranta^ 
O  temor  grande  iO  fangue  lhes  resfria^ 


o-. 


A  Ndãopela  ribeyra^  alva^  arenofa, 
^^  Os  bellicofos  Mouros  acenando^ 
Com  «adarga^  ^  com  a  hafteaperigofa^ 
Osfort-es  Tortugnezes  incitando: 
Na&  fofre  muyto  a  gente  género fa 
Andar  lhe  es  cães  os  dentes  amoflrando , 
^alqiier  em  terra  falta  tam  Itgeyro^ 
ís^e  nenhum  dizer  pôde  ^  que  he  primeyro, 

^nefao  peUrihfjfra.  Vay  o  Poeta  profeguindo  o 
qucjps  Mouros  Ue  Moçambique  faziáo  contrics 
ncífos  Portuguezes ,  dtpois  que  quebrarão  as  pa- 
Xcs.  Aflim  cífa  ojtava  como  as  outra*  que  fefc- 
£ncm  faô  muyto  claras,  Sc  náo  tem  ncccffidadc  de 
cxpofiçaó.      •    ' 


-  Misnosiratdt  o  fogo  (t  Uvantâ.  Como  Vaíco  dá 
Gama  vio  andar  os  Mouros  pela  praya,&  tão  per- 
to ,  que  cora  as  pedras  que  tiravão  ,  chcgavão  aos 
bateis.Mandoulhe  hum  prefente  de  pilouros  com 
que  não  ficáraóbcm  da  efcaramuça. 
Vlumbea  pela.  He  o  pilouro.chamado  affim  dcplíí* 
bo,  quft  hc  o  chumbo  de  que  le  faz. 


N  Ao  fe  contenta  4  gente  Tortugueza, 
Mas  feguindo  a  vitoria  efirue^&matai 
Afovoaçâofem  murOj  &fèm  defeza 
Esbombardeaj  accende^  &  desbarata, 
T>a  cavalgada  ao  Mouro jà  Ihepefa^ 
^e  bem  cuydou  comfrala  mais  barata. 
Jà  blasfema  da  guerra  ^  ^  maldezia 
XJ  velho  inerte^  &  a  may  que  afilho  cria, 

E  Kí»5 


^^  Luftadas  de  Luís  de  C^mSes  Commentédoi, 

l^aòje contenta  agente Ffirtuguez^a,  Naó  íê  con-  6c alr^adias  he  tudo  huira mefína coula,& porque 

tentarão  os  Portuguczes,   com  o  que  fizeraó  aos  o  Poeta  ula  nella  Oftava  de  ambos  os  nomes,naõ 

Mouros ,  que  andavaó  na  praya:  mas  esbo  mbar-  cuydt  quem  o  ler  que  ha  algúa  diffcrcnça:  ainda 

dearaólhe  a  povoaçam,  Sc  pozcraôlha  por  terra,  que  ha  em  os  panga)  os  ferem  mayorcs ,  &  terem 

por  fer  de  calas  palhaças  íeni  muro  ,  nem  dcteza,  velas:  o  que  as  almadias  não  tem,  que  laó  mais  pe* 

como  aqui  diz  o  Poeta.  qucnas. 

O  Felho  inerte,dr'  a  mãyqofilho  cria.  Velho  iner- 


te quer  dizer  veJho  deiazudo,  &  fem  arte:  entende 
aqui  o  pay.Diz  que  os  Mouros  varejados  dos  Por- 
tuguczes diziaô  mal  de  feuspays,5c  máys.  Alguns 
declaraó  aqui,  que  o  velho  inerte ,  &  a  máy  blas- 
femava da  guerra:porque  vendo  os  filhos  fugidos 
a  fuás  cazas,  eraó  elles  forçados  a  dizer  eftas  pala- 
vras. 


^3- 


TOrnão  vttoúofos  fará  a  armada^ 
Codefpojo  dá  guerra^  &  ricafreja.j 
E  *vão  a  Jeu  prazer  fazer  aguada. 
Sem  achar  refiííenciaj  nem  defefa. 
Ficava  a  Maura  gente  magoada. 
No  odío  antiguo  mais  que  nunca  accefa. 
E  *Ví  fido/em  viftgança  tanto  dane^ 
Semente  eBrtba  nojegundo  engano, 

7 ornarão  V itoriofoi. "D t^ois  que  os  noífos  íaqueá- 
raó  os  pangayos  dos  Mouros,&  lhe  tomíraó  quã- 
to  acharão,  recclheraófe  para  a  armada,  &  ao  ou. 
tro  dia  fizeraó  aguada  fem  lho  contrariar  alguc. 

PAzes  cometer  manda  arrependido^ 
O  Regedor  áaquella  tniqua  terra , 
Sem  fer  dos  Lufitanos  entendido  j 
^e  em  figura  depAZ  lhe  manda  guerra: 
Torque  o  Ttlctofaljo prometido , 
^e  ti/da  a  ma  ttnçho  nofeyto encerra y 
^ara  os  guiar  â  morte  lhe  maJidava, 
temo  em  final  das  pazes  que  tratava» 

Pazei  ctmettir  ntanda  arrepenJido.Venàoíc  o  Xe- 
tras  varáfaõcm  terra,&  feí^ilvou  a  gemeras  quacs     quetan^  apertado  dos  ncflos,  &  que  fe  perfcve- 


F1)gindOj  afetta  o  Mouro  vay  tirando 
Sem  força j  de  covarde^  &  de  aprej^adoí 
Apedra^  o  pAO,&  o  canto  arremedando , 
*Dalhe  armas  o  furor  defatmado. 
Já  ã  Ilha,  &  todo  o  mais  d efemp arando 
A  terra  firme  foge  amedrontado^ 
*Pajfa^  &  corta  do  mar  o  eflreyto  braço^ 
^e  a  Ilha  em  torno  cerca^empouco  efpaço. 

Fugindo  afetta  o  Mcuro  vay  tirando.  Como  os 
Mouros  viraó  os  noílos  uecerminados  ,  puzeraó- 
Ic  em  fugida,  &  lançâraó-fe  em  almadias,  que  alli 
tinbaó  ,  da  outra  banda  da  Ilha.  VafcodaGama 
fcfoy  com  CS  feus  Capitães  aos  bateis ,  para  ver 
fe  podia  tomar  alguns  Mouros,  para  haver  por  el- 
les huai  negro ,  que  fogira  ao  Piloto  da  lua  nao, 
&huns  índios  que  eítavaô  cativos  em  Moçambi- 
que. Paulo  dà  Gama  nmaó  deVafco  da  Gama 
tomou  quatro  cm  híia  almadia,  que  todas  as  ou 


os  noílos  faquearaó  do  que  levavaó. 

Dalhc  armas  o  furor  defatinado,  A  inàtaçaó  de 
Virgiho  na  Eneida  lib.i.  JEntid.  ramque  faces,  (^ 
Jaxa  voUnt furor  arma  minijlrat»  Tiram  paos,&  pe- 
dras,, a  fúria  lhe  dá  armas^ 


91- 

Huns  vã  o  nas  almadias  carregadas 
Hum  corta  o  mar  a  nado  diligente^ 
^uernfe  afoga  nas  ondas  encurvadas ^ 
^em  hebe  o  mar^^  o  dey  ta  juntamente. 
Arrombào  as  meudas  bombar dadas 
Os  pangayos  fubtis  da  bruta  gente  ^ 
*Defia  arte  o  'Portuguez  em  fim  cafiga 
A  vil  malícia j  pérfida^  immiga. 

Hum  vaonat  almadias  carregadas.  Pinta  o  noíTo 
Poeta  aqui  a  preíla  com  que  os  Mouros  fugiaó ,  ^ 
nem  para  fe  embarcar  lhe  dava  tempo  o  medo. 

OtfangajQsfnktit,  Como  fica  dito,  pangayos, 


raíTe  na  lua  contumácia  ,  lhe  qucymariaõ  os  na- 
vics,  &  povoação:  aconíclhado  do  grande  medo 
que  rinha,  mandou  o  feguintc  dia  pedir  paz,  & 
concerto  a  Valco  da  Gama,  dando  defculpado 
paíTado.  E  mandoulhe  hum  Piloto  experimen<^j 
tado  no  caminho  da  índia,  em  lugar  dos  outros  q 
antes  lhe  dera:  hum  dos  quaes  dizia  fer  lançado 
pelo  fertaõ  dentro  com  iredo  do  caíligo  que  lhe 
houvera  de  dar ,  le  o  colhera  \  maó ,  &  o  outro 
fer  morto  cem  a  artelharia.  E  foy  tal  cfte  Piloto, 
que  fe  Deos  milagrolaméte  não  guardara  os  nof- 
los,ellc  por  muytas  vezes  os  iretco  cm  partes,  on- 
de  tinham  certa  lua  perdição ,  como  contalarga-i 
mente  Joaõ  de  Barros  lib.4.  i. Década  cap.5. 


^5- 

O  Capitão  queja  lhe  então  convinha, 
7 ornar  a  [eu  caminho  cvjlumado, 
^e  tempo  concertado,  ^  ventos  tinha, 
Tara  ir  i^ufiar  o  Indo  defejadox 

Rece- 


Canto  Tnmfyrà^  H 

Recebendo  o  ^ihto  que  lhe  vinha ^ 

ff,y  àelU  Jlegremente  agazalhado,  ^  § , 

As  -velas  manda  dar  ao  laigo  vento.  Jh^  ^.^  5«.  Synm  aosPhrygws  engamn, 

O  Capitai  t^ae]4  lhe  entad  convinha.  Vendo  Vaf-  bJueferto  eftà  hua  Ilha  cujo  afftnto 

CO  da  Gama  ,  que  o  tempo  nao  era  para  muytas  c^^^^  ^^f-     ^  Cbriíiâor/mpre  habitou.      í 

TCDlicas.&  que  mais  lhe  convinha  o  Piloto,  que  i-v/-  ^v-     .,      *    j     n      ^        ^  I 

remenda  dos  mouros,  com  palavras  confirmes  OCafttaoqueatudoeJiavaatento,  ^^ 

ao  cafo,  acevtou  o  Piloto :  o  qual  mais  foy  hum  -^  ^^^^  ^^^  ^J^^^  novas  fe  alegrou, 

capital  inim'igo,  que  Piloto:  porque  por  muytas  ^e  com  dádivas  grandes  lhes  rogava^ 

vezes  os  houvera  de  deftruir ,  íe  Deos  milagrolà^  ^e  o  kv€  à  terra^  onde  ejia  gente  ejtavãl 


mente  os  naó  livrara. 


^6. 


DEHa  arte  defpedida  a  forte  armada, 
As  ondas  de  Amfhitrite  dividia, 
^as  filhas  de  Nereo  acompanhada, 
Fiely  alegre j  &  doce  companhia, 
O  Capitão  (jue  não  cahia  em  nada 
2)<?  engano fo  ardil^  que  o  Mouro  urdia: 
^elle  muy  largamente  fe  informava^ 
^alndiatoda,  ^  cojlas  quepaffava. 

As  màdiàe  Amfhitrite.  Amphitrite  ,  dizem  os 
poetas  quctoy  filha  de  Oceano  ,&  Doris,  Sc  mo- 
Iher  de  Neptuno  Senhor  do  mar  ,  pelo  que  fe  to* 
mapelomefmo  mar,  como  o  faz  aqui  o  Poeta. 

Das  fJbas  de  Nereo  acowpanhaJa.  Nereo  fingem 
tartibem  fer  lénhor  do  mar,  filho  de  Oceano  ,  & 


Com  ^ueSjf^cn  os  Vbrygios  enganou,  E  fiando  os 
Gregos  fem  efpcrança  alguma  de  tomar  Troya> 
depois  de  dez  annos  de  cerco:  fingirão  querelo  le- 
vantar,  ôt  recolherfe  para  Grécia.  Fizeraó  por 
conítlhodc  Ulyfles  hum  cavallo  demadeyra,  o 
qual  diziáo  oíFerecer  a  Palias ,  por  certo  aggravo 
que  lhe  tinhaó  feyto,  para  lhes  não  íer  adv  erfaria; 
Meterão  no  cavallo  a  principal  gente  dos  Gre- 
gos,  li  porque  tinha  huma  porta  em  hum  lado^ 
por  onde  agente  havia  de  fair ,  fizeraó  fugidiço 
hum  Grego  por  nome  Synon,  có  ordem  de  abrir 
o  cavallo  à  tempo  fínalado.  Synon  entrou  em 
Troya  fingindo  ir  fugido  dos  Gregos ,  por  oque- 
rprem  matar  por  ccnfelho  de  iJlyfies,  qucJhe 
queria  mal.  Foy  logoprefo,  &.  levado  diante  de 
ElRey  Pnamo,  o  qual  não  iómente  não  co  nfen- 
tio  íe  lhe  fízefie  aggravo  algum:  n;as  lhe  proniet- 
teo  muytas  honras,&:  mercês  quietandofe  em  fuás 
terras.  Como  Synon  lev.ivn  outra  determinação^ 


Tethys,  ou  fegundo  outros,  de  Oceano, &  da  ter-  vendo  heras  opportunas  abrio  o  cavallo ,  fahiraò 

ra.  Eíle  foy  calado  comhúairmãa  fua  chamada  os  que  eftavaó  dentro,  &  dando  final  à  armada, cj 

Poris,  da  qual  houve  muytas  filhas,  a  que  os  Poe-  eftava  pcrto^  a  qual  os  Troyanos  cuydavão  fer  ida. 

tas  chamaó  Nereidas,  que  quer  dizer  filhas  de  Ne-  de  todo,  entrarão ,  &  afibláraó  tudo  a  fogo  ,  &  a 

reo  ,  como  lhe  chama  aqui  a  Poeta.  Querem  ai-  ferro,coroo  conta  Vii  gilio  na  Eneida  lib.2. 0  que 

guns  que  foflem  cincoenta:  de  cujos  nomes  fe  veja  diz  aqui  o  Poeta  he  que  o  Piloto  com  palavras  fal- 

'"  '  '"  ^-'    c^    ■>  fas,  6c  mentirofas,  determinou  encanar  os  Portu* 


Hinginio  no  principio  de  fuás  fabulas. 

MAs  o  Mouro  inflruido  nos  enganos, 
^e  o  malévolo  Baccho  Iheenjindra^ 
■  íDé"  morte j  ou  cativeyro  jíovos  danos. 
Antes  que  à  Índia  chegue^  lhe  prepara, 
\  ^ando  razão  dos  portos  Indianos ^ 
Também  tudo  o  que  pede  lhe  declara*, 
^e  avendo  por  verdade  o  que  dizia^ 
T)e  nada  a  forte  gente  fe  temia, 

Mat  0  Mouro.  Como  Conta  Joaô  de  Barros  nas 
Decadas,eíle  Piloto  que  o  Xeque  mandou  a  Vaf- 
co  da  Gama  ,  procurou  dtltruir  a  nofia  armada, 
&  diz  o  Poeta  ,  que  o  fazia  inflruido  por  Baccho. 
Vcja-feo  queefcrevcmosatraZiOytava  75, 

Adalenjoio  Baccho.Bzccho  inimigo, &  que  queria 
mal  aos  Portuguezes  pelas  razões  ditas. 


guezes,  como  Synon  enganou  os  Troyanos. 

OMefmo  ofalfo  Mouro  determina^ 
§lueofeguroChrifiâo  Ihemãda^é^pede^ 
^e  a  terra  hepojjuida  da  malina 
Gente j  quefegue  o  torpe  Mafamede, 
Acfui  engano^  &  morte  lhe  imagina j 
Forque  em  poder  j  &fvrças  muy  to  excede 
A  Moçambique  efia  llha^  quefe  chama 
^lílâa ,  muy  conhecida  pela  fama  ^ 

O  mejmoo  faljo  Alouro  determina.  Os  mcfmos  dc- 
fejos,  ainda  que  com  muy  difiei  ente  dclenho,iinha 
Vafco  da  Gama,  &  o  Mouro.  Ambos  dcíejavâo 
ira  Quilóa,  mas  o  Capitão  mor  puramente  por 
vcrosChriftãos ,  que  lhe  diziáo  haver  nella:  oco 
Piloto  para  deílruir  os  Portuguezes >  o  que  podia 
fazer  mais  facilmente,  que  em  Moçambique,  pof 

El        "  haver 


.^ 


^6 


Lujiadat  de  Luís  de  Camões  Commentaâos, 


haverem  Quilòa  muyto  mais  aparelho  para  iflb, 
por  ler  terra  de  muy  ta  gente.  De  Quilóa  fcveja 
atrazaOcl:ava54. 

100. 

PÂra  lâfe  inclinava  a  leda  frota ^ 
Mas  a  T)eofa  em  Cythera  celebrada^ 
yendo  como  deyxava  a  certa  rota^ 
Toyíy  bufe  ar  a  morte  naÕ  cuydada. 
NaÔ  confente^  que  em  terra  tam  remota. 
Se  perca  gente  delia  tanto  amada  ^ 
E  com  ventos  contrários  a  defuia^ 
"Donde  o  Tilotofalfo  a  leva,  ^guia. 


Mai  o  malvado  Mouro  naõ  podendo. V èáo  o  Mou* 
ro  que  não  podéra  levar  os  nollos  à  Cidade  de 
Quilóa,  nem  fazer) he  nojo  nos  bayxos  de  S.  Ra- 
phaeljdeterminou  levalos  à  Cidade  de  Mombaça 
mcfma  cofta  com  o  mefmo  intento  de  lhe  fazer  al- 
gum mal:  dizendolhe  que  nella  havia  Chriftãos, 
como  lhe  tinha  dito  de  Quilóa  :  o  que  tudo  era 
falfojcomo  o  Poeta  diz  na  Oitava  feguinte, 

lOl, 

TAmbem  nejlas  palavras  lhe  mentia^ 
Como  por  regimento  em  fim  levava: 
Smc  aquigtnte  de  Chrifio  não  havia. 
Mas  a  que  a  Mafamede  celebrava, 
O  CaptaÕ  que  em  tudo  o  Mouro  cria, 
y ir  ando  as  vellas  a  Ilha  demandava. 


V  ar  a  U  ft  inclinava  a  leda  frota.  Naõ  fofreou 

maldade  do  Mouro,  &  o  grande  ódio,  que  tinha  ,-■        ^                j      cw^     r 

aos  nofios,  dilatar  fua  má  tençaõ,  pelo  que  deter-  ^^[  ^^^  querendo  a  \Deofaguardadoray 

minou  deftruillos  antes  que  chcgaílem  a  Quilóa.  ^aõ  entraj^elabarra^  &furgefôra 
E  aíTim  deu  com  a  armada  em  humas  Ilhas,  affir- 

roando  ler  terra  firme,  com  propoíito  de  a  acabar.  Como  for  regimento  emfm  levava,  Efte  regimenw^ 

&confumiralli.  Mas  colhido  pelos  nofios  no  en-  to  era  do  Xeque  de  Moçambique:  o  qual  tinha 

gano,  êc  mentira  que  difiera  ,  foy  muyto  bem  a-  dado  per  regimento ,  que  ou  cm  hum  lugar ,  ou 

coutado.  E  por  eíia  raião  hoje  em  dia  íe  chamáo  outro  procuraíle  deflruir  os  Portuguczes. 

cftas  Ilhas  do  Açoutado  :  asquacs  cftãoálemde  Noo enira pila ha}ra,érfurgejéra. O  Fúoxociui' 

Moçambique lellenta  legoas.  O  Mouro,  como  'zera  meter  os  navios  dentro  do  Porto  deMom- 

fobre  hum  ódio  natural,  felhe  acrefcentou  outro  baça  ,  o  que  Vafco  da  Gama  lhe  naõ  conícniic, 

dos  açoutes ,  determinou  levar  a  armada  a  Qui-  porque  o  tinha  em  ruim  conta ,  &  delconfíava  já 

lóa,  pelas  razões  acima  ditas.  Quiznoflo  Senhor  dcllc.  Inda  que  diz  aqui  o  Poeta,  que  o  Capitão 

que  defejando  Vafco  da  Gama  muyto  ir  a  efta  Cí-  o  cria  cm  tudo,  o  que  fâZ  para  attribuir  a  Vénus 

áãdc,  cuydando  fcr  verdade  o  que  fedi7ia  delia,  a  guarda  dos  Portuguezes:  pelo  que  mandou  lur- 
que  era  ter  Chriftãos  Abexins,  &  outros  da  Índia: 
não  tiveraó  effeyto  feus  defejos ,  porque  com  as 
correntes  grandes  cfcorreo  huma  noyte  o  porto. 
O  que  vendo  o  Moui/o,  os  meteo  em  outro  peri- 
go núopequeno,  que  foy  dar  como  navio  S.Ra- 
phacl  cm  feco  em  huns  bayxos ,  os  quaes  defte 
luccefib  fe  chamaó  hoje  os  bayxos  de  S.  Raphael: 

.anda  que  o  Galeão  fenaó  perdeo  defta  vez  nefte  G^e  na  fronte  domar  app  are  cia: 

peripo,  mas  perdeole  a  tornada alli.  rrí-      /          j\c  '     4^At:^^j^ 

^    MasaDeofaer.Cy:berecelehada.EmcndcVc.  "^^  nobres  edlfcios  fabricada. 

nus ,  a  qual  os  antigos  errados  tinhaõ  por  Deofa  (^omo  por  fora  ao  longe  defiobrta 

dos  amores.  Eíl  a  tinha  hu  templo  na  Cidade  Cy-  Regida  por  hum  Rey  de  antígua  idade ^ 

thère  de  Chypre.  Finge  aqui  o  Poeta,  que  Vcnus  Mombaça  he  O  nome  da  llha^  &  da  Cidade, 
favorecia  os  Portuguezes  pelas  razões  ,  que  clle 

meímo  dá  atraz,  &  que  cila  deíviára  a  nofla  arma-  Momhàça  he  o  nome  dg  Ilha,  &  da  Cidade.  Como 

da  de  Quilóa.  Pie  fingimento  Poético,  para  ornar  os  nolTos  houvéraó  vifta  de  Mombaça  ,  alegra- 

fuahiíloria.  raõ-le  grandemente,  parecendolhe,queentrava5 


gir  fora 


103, 


Estava  a  Ilha  à  terra  tam  chegada^ 
^ehum  ejheyt 6 pequeno  a  dtviaiat 
Hua  Cidade  nellafituaday 


lOl. 

MAs  o  malvado  Mouro, nao  podendo 
tal  determinação  levar  avante^ 
Outra  maldade  iníqua  cometendo, 
A  inda  em  feu  propofito  confiante: 
Lhe  dizj  que  pois  as  aguas  difcorrendo. 
Os  levarão  por  for  f  a  por  diante: 
^e  outra  Ilha  tem  perto  cujagente 
Er  ao  Chriflãos  com  Mouros  juntamente. 


em  algum  porto  deÊfpanha,  por  fer  a  Cidade 
muyto  fcrmofa,  com  edifícios  de  pedra,  &:  cal, 
eyrados,  &  janelas ,  ao  modo  de  Efpanha  ,  &  de- 
fronte do  mar.  Mas  os  Portuguezes  furgiraô  fo- 
ra, como  fica  dito,  por  ícnão  fiarem  do  Piloro ,  ao 
qual  davaó  pouco  credito ,  por  o  terem  colhido 
cm  outras.  Da  Cidade  Mombaça  feveja  a  nofla 
annotaçaõ  atraz,  Oftava  54. 


JE  fenda 


104 

E  Sendo  a  eíla  o  Capttaè  chegado, 
Efiranhamente  íedo^orquee/pera 
*De poder  ver  o  povo  baptizado. 
Como  ofalfo  Ptíoto  lhe  dtjfera: 
Eis  vem  bateis  da  terra  com  recado 
7)0  Rey.quejafabiaa  gente.queera^ 
^e  Baccho  mtiyto  d' ames  o  avifara, 
^a  forma  doutro  Mouro ^que  tomara. 


Canto  Trimeyro*  j  7 

coftume  da  terra ,  entrarem  no  porto  as  náos  que 
vinhaó  de  tora:  porque  não  o  fazendo  affim,  fe  ti- 
nha ruim  fofpey ta  dcUasipor  haver  naquellas  par- 
tes gente  de  runn  titulo. 


I  0(? 


I^T  O  mar  tanta  tormenta^  ò  tanto  dano^ 


Tantas  vezes  a  morte  apercebida^ 
Na  terr  a  ta?ita  guerra  itanto  engano  j 
Tanta  necef (idade  aborrecida^ 
Onde  pode  acolher  fe  hum  fraco  humano^ 
Qu,  Baccbo  mup  d'antes.  O  mefmo  ardil  q  te    Onde  fera  fegura  a  curta  vida, 
ve  Baccho  como  o  Xeque  de  Moçambique  para  o    -^'^  nao  fe  arme,&  fe  indine  o  Ceo  ferem, 
meter  mal  com  os  Portuguczes  ,  ulou  com  o  de    Contra  hum  bicho  da  terra  tão  Pequeno, 
Mombaça  ,  o  que  taó  pouco  lhe  aproveytouem 


huiuapartccomocm  outra. 

O  Recado  que  trazem  he  de  amigou 
Mas  debayxo  o  veneno  vem  cuberto 
^e  05  pfnfamentos  eraõ  de  inimigos. 
Segundo  fo)  o  engano  defcuberto, 
O  grandes y& gravtffimos  perigosl 
O  caminho  de  vida  nunca  certol 
^e  aonde  agente  põem  fua  efperança^ 
Tenha  a  vida  taÓ  pouca  fegurança. 


giue  nao  fe  arme  ,  c^  fe  indigne  o  Ceo  fereno.  Para 
encarecimento  das  miíerias  da  vida  humana  ,  ^ 
pouca  conftancia  delia  ,  uía  defte  termo  de  fallar: 
que  atè  o  Ceo  fe  indigna ,  gc  toma  armas  contra  o 
homera,ao  qual  chama  bicho  pcqueno,6v  com  ra- 
zão, pois  de  todos  os  animaes  elle  he  o  menor ,  af- 
fim na  felicidade  como  nas  mais  couías ,  como  diz 
o  Poeta  Menandro. 


Antmalia  cuntla  felicijfima  funt. 
Et  multo  magts  ^nant  homims  (apiunt* 
Vrtmum  intueri  Itcet  afinurn  ifium, 
Gltútndubte  animal  efi  mt(erunj, 
Ntl  tjrmn  malí^èfua  culpa  nafcitur, 
~  O  recado  <jtte  traz,em  he  de  amtgoi.  Tanto  que  os     Sedejua  natura  tpfí  dedit.eahabet. 
da  Cidade  Mombaça  houveraó  vifta  da  nofla  ar-     Naí  vero  prater  neeeJJaria^maUf 
mada  ,  mandarão  logo  a  cila  quatro  homens  dos     Ipfa  per  nrn  alia  nohis  tnfuper  adijcimui: 
principaes  da  terra,  legundopareciaõ,  por  irem     Dchmus  fiCjuis  fiernuerit^fi  mak  dtxerit, 
iruyto  bem  tratados.  E  chegando  a  bordo  per-     lrafcimur,lí  tjaii  viíiertt  infotJinium,vaUè 
guntàraõ  que  gente  eraõ,  6c  o  que  queriaó.  Vaf-     Terremur^fi  noâlua  vlulavtrit ^mttuimur, 
coda  Gama  lhe  refpódeo  que  eraó  Portuguezes, 
que  hiaó  à  índia  ;  &  que  tinhaó  neceffidade  de 
mantimentos  ,  que  iflo  os  obrigava  chegar  alh". 
Moftràraó  os  Mouros  muyto  prazer  com  lua  che- 
gada,  t  fizeraó  lhe  grandes  oíFerecimentos  ,  & 
promefias.  E  náo  lardáraõ  muyto  com  outro  re- 


t^^rumna.opimemtyamhttionesjegeí, 

IJía  omnia  prteter  naturam,&  afeita  mala  funt» 


Todos  osanimaes,diz  o  Poeta  Menádro,faô  fe- 
liciflimos,  &  fabcm  muyto  mais  q  o  homem.  Pon- 
de os  olhos  em  qualquer  animal  ,  &  vereis  que  os 


cadod*EIRey,  que  folgava  muyto  com  lua  chc-  males  que  tem  náo  lhe  vem  por  fua  culpa.  O  ho- 

gada  ,  5c  que  elle  os  proveria  de  todo  o  neceífario,  mem  alem  dos  neccflarios  tem  outros  cem  mili 

&  lhe  dana  carga  de  efpeciana,8c  lhe  faria  todo  o  que  elle  per  fi  grangca  ,  fem  ter  huma  hora  de 

gazalhado  que  folie  em  fua  maõ.  Mas  que  era  goílo. 

^on  tiT:  >';Oín  r 


os 


«8§ 


OSLUSIADAS 

DO  GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commentados  pelo  Licenciado  Mamei  Corrêa.  1 

ARGUMENTO. 

Dar  El-Rey  de  Mombaça  o  fim  prepara 
Ao  Gama  llluftre,  com  mortal  enganO) 
Defce  Vénus  ao  mar,  a  frota  ampara, 
E  fallar  íobe  ao  Padre  foberano: 
Jove  os  caíos  futuros  lhe  declara, 
Apparece  Mercúrio  ao  Luíitano, 
Chega  a  frota  a  Melinde,  &  o  Rey  potente 
Em  feu  porto  a  recebe  alegremente. 

CANTO  SEGUNDO. 

Nefte  Canto  fc  relata  o  que  aconteceo  a  Vafco  da  Gama  em  Mombaça  J  &  fua 

chegada  a  Melinde. 

'-'  j  ^«c  flí  hoYSíi  vay  do  ãta  ãifiw^uindo.  Porque  com 

JA'  nefíe  temfo  o  Lúcido  flaneta,  £"  ^"'■l°'  ^  '^«>7'^-='""  ""^  ^»^  7;"°.  '""^^jl' 

m  1     ^  j    3-      ,./i-        •   j  &  horas.coiDO  refere  Ovídio  nas  Metamorpfeolis 

Gíue  as  horas  vay  do  dia  dtftingmndo,  y^^^-^  principio. 
,_     Chegava  á  defejada,&  lenta  meta^  Chegava  à  àt{t\aàa,&  lenta  Meta.  Meta  entre  os 

/^/uz  celejie  as  gentes  encobrindo;  Latinos  era  huma  baliza  feyta  de  pao  ,  ou  pedra 

E  da  cafamãfítima  [ecreía  tm  modo  piramidal,  que  fervia  nos  defa fios  deca- 
LheeJlavaoDíOS  Noãurm  a  porta  abrindo     vaJlo  por  alvo,  &  fim  da  carreyra.  Fuferaó-lheos 

^mndo  as  infidas  crentes  (e  checarão  ^"^'g^s  efte  nome  de  Mmcr,  verbo  Latino,  que 

jítvt^n,         \  '  ^    ^^-^  quer  dizer  medir,  porque  ícpunnaoaquellas  bali- 

At  mos.  que  pouco  ^■ota,que  ancorarão.  l^^  ^^j.  ^^  „„„  \f^^^fi^  ^  J  j^^„  ^  conveniente 

là  nep.e  tempo  o  LucUo  Planeta.  Defcreve  o  Poeta  ílquelle  excrcicio,&:  carreyra.  D'aqui  fe  toma  pe- 

o  tempo  em  que  os  Portue;uezes  chegarão  a  Mom-  Io  fim  de  qualquer  couía.  Meta  defejada  do  Sol, 

b.ça  ,  que foy  hum  dia  já  pofto  o  Sol  ,  a  fcte de  he  o  tempo  da  tard^no  qual  fingem  os Poetas,que 

Abril  de  1498.  Lúcido  Vlaneta  fe  chama  o  Soljpor-  eJIe  acaba  íeu  cui To.  Chamalhc  o  Poera  aqui  len* 

queelle  fò  tem  luz,  que  hea  razaó  porque  fe  cha-  ta,qucquer  dizer  vagaroía:  naõ  porc^icofofíe,  íe- 

mn  Sol  ,  que  quer  dizer  fó.  E  a  que  tem  os  mais  não,  porque  os  deícjos  que  tinha  de 'chegar  á  cala 

Pia  ieta5,8cEftrellas,delle  a  recebem  :como  dizem  de  Thetis  Senhora  do  mar  ,  cnde  hia  dcfcançar 

os  Philofophos,que  melhor  fe  ntem.  dos  trabalhos  do  dia,  lha  fisziaô  parecer  tal. 

Lhe 


Lu/iaãas  de  Luis  de  Camões  Comm enfades^,  5^ 

Lhe  ejlava  o  Dm  Noãurnoa  porta  abrindo.  Eíle  porque  nâohacouía  que  o  quebre,  ou  abrande. 
Tc  ehama  Erebo  ,  o  qual  os  P  ©etas  tazem  caiado  l^or  cfta  razaó  lhe  chamâo  os  Gregos adamas,que 
com  anoytc,  &PorteyrodoSoI,  quando le  reco-  quer  dizer  indomável.  Oi autores  tem  introdu- 
Ihe  depois  de  feyto  ícucurfojCroacaía  de  Thetis,  ZÍdohuniacoula,ques  experiência  tem  moíhado 
que  hc  o  roar.  Outros  querem  que  ieja  hum  rio     ler  falfa  ,  que  o  diamante  lé  abranda  com  langue 

de  Bode  quente,Sí  frelco.  O  contraiio  aconiclha 
Solino  cap.  65.  &le  guarda  hoje  1  qucheroçaríc 
hum  com  outro,&  d^outra  mancyra  hô  trabalhar 
de  balde. 


do  Inferno.  Saó  coufas  de  Poetas. 


DE  entre  elles  hum ,  q  traz  ene  omi  dado 
O  mortífero  engano^  ajfi  dizia: 
Capitãovaiero/o^que  cortado 
Tens  de  Neptuno  o  Reynojèfalfk  via: 
O  Rey  que  manda  efla  ilha  ^alvoroçado 
^a  vinda  tua^  tem  tanta  alegria^ 
^f  naÕ  defeja  mais^que  agazalharte^ 
Verte j&  do  íHceffario  rejormarte. 

Ve  entre  elles  burn.  Dos  homens  que  fahiraõ  de 
Worobaçâ  faliar  ao  Capitão  mór  Vafcoda  Gama 
da  parte  do  Rey  da  terra  ,  hum  lhe  tez  efta  pratica 
que  o  Poeta  vay  recontando  por  algumas  oyta- 
vas. 

i     Engano  ntorttfero.  Engano  mortal.  Salfa  via. 
Caminho  faleado.  Chama  aíTim  ao  mar  por  fer  de 


5.  '.      ..-'^,,\., 

AO  menfageyvo  o  Capitão  reffonde^ 
As  palavras  do  Rey  agradecendo\ 
E  diz^que porque  o  Sol  no  mar  fe  efconde, 
Não  entra  par  a  dentro  obedecendo: 
Torém  que  como  a  luz  mojirar.por  onde 
Và  femperigo  a  frota^nào  temendo^ 
Compriràjem  receyojeu  mandadOy 
e  a  mais  for  taljenhor  ejtàobrtgado» 


Ao  menCageyro  o  Capitão  refponde.  Como  Valco 
da  Gama  vinha  períuadido  do  Piloto  da  fua  Nao, 
quehiviaChriftáos  naquclla  Ilha,  &  os  Mouros 
que  o  vifítáraó  da  parte  do  U  ey  delia,  concordara 


agua  lalgada.  A  razão  íe  veja  de  Vcnegas,no  livro     com  leu  dito,  determinou  entrar  no  porto ,  como 


natura],onde  trata  àc  natura  rtrum, 

:•■  5 

ETorque  eftà  em  eflremo  defejofo 
2)<f  te  ver, como  coufa  nomeada^ 
Te  roga  que  de  nada  receofo 
Entres  a  barra^  tu  com  toda  a  armada: 
E  por  que  do  caminho  trabalhofi 
Trarás  a  gente  débil J3  canfada*. 
IDiz,  que  na  terra  podes  reformata^  ^ 

Si^e  a  natureza  obriga  a  defejala,  '  '* 

E  poreftte  efià  em  e(lremo  defsjofo.  Os  deíejos  quc 
os  Mour(ís  moílravaó  de  favorecer  os  nollbs  com 
^tantas  promeflas ,  ÔCclferecimentos ,  como  diz  o 
Poeta  na  oy cava  feguinte,  &  nefta,  era  com  inten- 
ção de  os  deílruir ,  como  ao  diante  fe  verá.  Débil, 
fraca  debilitada.  ,  "  -  '■'  • 

^  4 

ESe  bufcando  vãs  mercadoria j 
Reproduzo  aurífero  levante é 
€anela^  Cravo  ^ardente  efpeciaria^ 
■Ou  droga  falutifera^é'  preftante. 
Ou  Ce  queres  luzente  pedraria^ 
p  RubtftnõjO  rígido  'í)iamantei 
^aqui  levarás  t  udo  tamfobe^t 
\Çom  qut  faças  o  fim  a  teudefejo. 


fizera  fe  Deos  milagrofamente  o  não  defviára,  co. 
mo  adiante  veremos.  ^  Portjue  o  Sol  no  mar  fe  tf* 
conde.  Porque  o  Sol  íc  põem,  como  íica  declarado 
na  primra  oy  lava  deíle  Canto. 


PErgunta^lhe  depois,  fe  efião  na  terra 
Chriftãós  como  o  Piloto  lhe  dizia, 
O  menfageyro  ajiuto ,(\ue  nao  erra 
Lhe  diZjq  a  mais  dagète  em  Chriftocri** 
'Dejla  forte  do  ptyto  lhe  defierra 
Todaajufpeyta^Ò'  cautafanteziet 
Tor  onde  o  Capitãofeguramente 
Se  fia  da  infiel  j&  falfa  gente» 


ET>e  alguns ^que  trazia  condenados 
Tor  culpas, &  porfeytos  vergonhofos^^ 
Tor  que  pude  ff  em  fer  aventurados 
Em  cafos  defià  forte  duvido fos. 
Manda  dons  mais  fagazes^enfayados. 
Tor  que  notem  dos  Mouros  enganofos 
A  Cidadela'  poder.  &  porque  vejaõ 
Os  Chrijiãos  que,  Jô  tanto  ver  defejao. 


E  ãe  al^um  ^ue  trazia  condena Jos.  Quando  Vaf- 
co  da  Gama  aceytou  a  jornada  do  dcfcobrimento 
da  índia  ,  por  mandado  del-Rey  Dora  Manoel? 
O  rigidõ  diamante.  Chama-íe  o  diamante  rigido,     pcdio  que  le  lhe  deflem  alguns  homens ,  que  cíli- 

veflcm 


j<6>  '^^  "Úanto  Seguido* 

védtrrSpefòs  por fé^tíès  grtVtfjípáràiefe-vir  del- 
Ics  etncalo^  de  neccíridadt-,ou  dpyxandôos  em  al- 
gumas partes  ,  para  labtrcm  o  que  hia  pela  terra 
dentro,  ou  avcn cu rando-os  em  algu ns  cafos  de  pe- 
rigo,qual  ei*a  éfte  de  Mombaçarpor  fer  mais  jufto, 
&  conforme  a  razáò  áventuralos  a  elki;  ,  pois  os 
tiravaô  das  cadcas,  ond«cftavaó  prelos  por  cafosí 
porque  niercciaõ  morcé,bu  infanua; 


lÕ 


8 

EToreflesao  ReyfYefent es  manda ^ 
'Porque  a  boa  vontade  que  théftraija 
Tenha  firme ^JeguYaJmpai&  branda, 
A  qual  bem  ao  contrário  em  tudo  e [fava, 
Jà  a  companhia  pérfida  ^o*  nefanda^ 
1)as  naosfe  ãerpedta^  &  o  mar  cortava 
Forão  comgeflos  ledos ,  &  fingiãês 
Os  dons  da  frota  em  ieVra  recebidos, 

Tor  efiei  aoRey  prtfentti  manda.  Como  El-Rey 
de  Mombaça  fabia  o  que  Vafco  da  Gama  fizera 
cm  Moçambique,íc  qúèos  noílos  eraõ  Chníláos, 
defcjava  de  vingar  a  injuria  fey  tá  aòs  Mouros  ,  ^ 


MAs  aquelle  queftmpre  a  mocidade 
Tem  no  YoJlopcYpetuai&  foynacido 
2)^  duas  mãySjque  urdia  afalfidadt^ 
Tor  veY  o  navegante  áeJlYmdo, 
Eftava  numa  caía  da  Cidade, 
Com  Yofto  humano,  &  habitojingido^ 
Moftrando-fe  QhYtftaõfè  fabricava 
Hum  altarjumptuefo  que  adorava. 


Ádat  aquellt  ^ue  fempre  a  mocidade.  Os  Poetas  fin- 
gem a  BacCho  ,  &  Âpollo  mancebos  Icm  barba, 
dando  a  entender,quanco  ajuda  á  vida  o  bom  tra- 
tamento do  corpo.  A  Baccho  tinhão  os  antigos 
por  Deos  do  vinho,  &  Apollo  da  mufíca.  De  Bac- 
cho fe  veja  o  que  cfcreverocs  no  Canto  primeyro, 
oy  tava  75.  onde  dcy  a  razaó  ,  porque  fe  chama  fi- 
lho de  duas  mâys. 

Cem  o  rcfto  httmam,éf  habito  fingido,  Efta  ordem 
que  o  Poeta  aqui  leva  em  entremeter  a  Baccho 
neílascouías,  he  fingimento  muy  elegante,  como 
já  difi'c  atraz.  A  verdade  hc  ,  que  aqucllcs  homens 


com  eíle  fundamento  màndòu  dia  de  Ramos  pfe-  què  Vafcoda  Gama  mandou  a  Mombaça,  para  fa- 
la manham  dous  Mouros  a  bordo  ,  homens  íiivos,  ber  o  que  pafiava  pela  terra  dentro  ,  &  fc  avia 
êccnfayados  ,  os  quaès  diflefiem  íercmChriftáos.  Chriftáos  como Hie  os  Mouros  tinhaó  dito , forão 
Vafco  da  Gama  lhe  fez  muyto  gazalhado  ,  &  lhe  levados  por  outros  da  terra  a  cala  de  huns  índios 
deu  algumis  peças,8caílim  mandou  humpreíente  mcrcador«s,que  devia©  fer  Chriftáos  de  SaóTho- 
a  El-Rey  ,  agradecendo-lhc  muyto  os  oftfcrcci».  méí  os  quacs  vendo,  como  osnoflos  crâoChrif- 
roentos,  que  cftes  homens  llie  fazião da  lua  parte,  tãos,  Ihesfizerão  mi<yta  feftà,  «5clhcs  moftràraóíi 
Sedando  moftras  que  eítimava  muyto  o  que  lhe  figura  do  Elpirito  Santo  lobrc  a  Virgem  Nofla 


mandara  por  cUes ,  que  erâ  hum  anel  muyto  fino, 
&  alguns  carneyros.  Com  eftcs  homens  mandou 
Valco  da  Gama  dous  dos  degradados ,  que  levava 
para  aventurar,  onda  fofle  neccfiârío,  comoficsl 
ditD:aos  quaes  encomendou  muyto,  viílem  bem  ia 
icrra,&:  nocaircm  o  trato  dagente,&  a  armada  que 
tinhão  no  porto.  Os  da  terra,  &  El-Rey  lhe  fize- 
raõ  grande  gazalhado  ,  moftrando  com  rofto  ale- 
gre folgarem  muyto  com  lua  chegada. 


E^Defpois  que  ao  Rey  apYefentàrao 
Co  recado  os pYef entoes jquetYaZíão  T- 
A  Cidade  coYreYão/S  notâraõ  '  slÍ« 

Muyto  menos  daqui  lio  que  quer  ião,  *  ^   * 

êlue  os  Mouros  cautelojosje guardàvao 
^e  lhe  moftrarem  tudo^  o  que  pediãõy 
^ue  onde  Yeyna  malicia^eftà  o  receyo, 
^eafaz  imaginar  no  peyto  albeyo. 

(^e  onàereyna  a  malicia  ejído  recep.  Coufa  natu- 
ral hc,6c  aíTaz  cfperimentada,o  homem  raáo,cuy- 
dsr  que  todos  faõ  màos:  &  o  bom  pelo  contrario, 
ter  a  todos  por  bons;  daqui  nafce,  que  quando  o 
máo  tece  alguma  maldade,  teme,  que  o  enteníiáo, 
como  diz  aqui  o  Pocta,&  hc  muyto  fabidg. 


Senhora ,  &  fobrc  os  doze  Apoftolos ,  como  diz 
o  Poeta  na  oytava  feguintc. 


1 1 


ALli  tinha  em  retrato  augurada, 
T)o  altOj  &  Santo  Ejptrtto  a  pintura, 
A  cândida  Tombinha  debuxada, 
Sobre  a  única  Thenix  Virgem  pura, 
i^ companhia  fant  a  eftàpintadat 
T)6s  doze  tão  turvaaos  na  figura. 
Como  os  que  fó  das  lingoas  que  cairão, 
'D  e fogo  yV  ar  ias  lingoas  referirão. 

Sohrt  a  única  Vkenix  Virgtm  pura.  Chama  Luís 
de  Camócs  à  gloriofa  Virgem  Maria  Nofla  Senho^ 
ra  Ave  Pheniz  por  fer  cita  Ave  de  que  os  Efcnt- 
toresdizern  grandes  maravilbas,aífim  em  fer  fó  no 
mundo,  como  em  fer  muyto  fermofa,  coraodcllm 
cfcreveLaâ;ancio,cra  huns  vcríos  elegia  cos,  que 
compoz  de  feus  louvores.  E  porquc^eftc  lugar 
não  hc  capaz  d^ratar  dos  louvores  de  humatão 
grande  Senhora,  emconcluíaõ,  8c  remate  digo, 
que  tu  f  o  o  que  fc  delia  pode  dizer,  íefomacmfer 
Mãy  de  Deos.  Quanto  â  Ave  Phenix  dis  Plinio 
fíb.io.cap.i.quc  hehumaíò  no  ttiundo,do  tama- 
nho 


Lpjiadas  de  Luís  de  CaMÕes  Commentadús,  4 1 

nho  de  huma  Águia,  ôc  que  vive  leilcentos  5c  Icf-  lavra.  Mas  (  iegundo  tcnhò  notado  na  li^âo  dos 

ícntaannos:  &  que  cm  Arábia  he  conlagradaao  Poetas,mormenteGregos)Scmclcniáy  de  Baccho 

Sol.  Quando  íe  lhe  chega  o  tempo  da  mGrte,vay-  fc  chamava  de  alcunha  Thyonc,  como  refere  o  in». 

fede  Arábia  a  Suria,  onde  faz  hum  ninho  de  paos  tcrprcte  de  Apollonio  i  &  daqui  querem  que  fe 

cheyroíos ,  que  ajunta  ,  febre  o  qual  Ic  deyta  ,  &  chame  Baccho  Thyoneu,  O/aZ/o  Oeoi  adora  o  ver-' 

ali  morre.  E  do  feu  tutano  nafcc  hum  bichinho,  Jsdtyro.  Por  falfoDcos  entende  Baccho.  Verda- 

coqual  íe  cria  outra  Ave  Phenix  ,  5c  em  poden-  dcyro  hc  o  que  nós  adoramos  ,  ÔC  profcflamos  os 

do  voar  fe  torna  para  Arábia.  Açor  diz  o  mcfmo  Chriftàcs,o  qual  aquellcj  índios,  que  eílavaó  ein 

Plinio,  que  he  vermelha  toda,lRlvonopefcoço,o  Mombaça,  tuiháo  cm  huma  carta  pintado, 
qual  tem  de  cor  douro,  5c  o  rabo  roxo,ôc  rolado. 
U  mefmo  conta  Solino  cap,  46.  6c  Ovidio  lib.  15. 
Metaph.  Outros  dizem  que  náo  ha  no  mundo  el-  ' 


ta  Av*e,5c  que  tudo  o  que  fe  conta  delia  he  fabula.       \   ^'tfoYãode  noyte  agãfalhadõS 

)udcz  cm  huma  Ke-     -^*-  ^q^  ^^^^  ^  bom^&  honeHo  trai 


O  Patriarcha  Dom  Joaó  Bermi 
laçaó  ,  que  fez  a  El  Rey  Dom  Jo:iõ  o  Terceyro 
de  Portugal,  lobreascoufasdo  Preítc  Joaó  ,  diz, 
que  em  huns  dclertos  grandes  junto  ao  Reyno 
de  Damute  íe  acha  efta  ave,  ôc  que  os  aaturacs  da 
terra  lhe  dizíaó  que  a  viaó.ôc  conheciaó,5c  que  era 
muyto  grande  ,  ôc  fermofa.  Marco  Polo  Vene- 
zeano  de  naçaó  ^  que  andou  muytos  annos  nas 
partes  da  índia, Eihiopia,  6c  'Fartaria,  cm  hum  li- 
vro que  fez  das  coulas ,  que  vio  naquellas  parles, 
faz  mençaó  delta  Ave,  6c  diz,  que  a  ha  nos  fins  da 
Índia  interior:  5c  que  os  naturaes  lhe  chamaó  Se- 
venda.  Pus  cilas  coufas  aqui  ,  paraque  fe  enten- 
da, que  ha  quem  fale  ncíla  Ave,  Scqucpodefcr 
verdade  que  a  haja ,  porque  no  mundo  ha  outras 
coufas  de  mayor  elpanto:que  os  que  náo  faihimos 
de  noílas  pátrias, nem  vimos  mundo, nâo  podemos 
crer,  5c  nos  parecem  fora  de  toda  a  ordem,  5c  ra- 
zão. Dos  doze  tão  torvados  na  fgura,  Eílcs  eraó  os 
doze  Apollolos  ,  os  quaes  eííavaó  pintados  na- 
quella  carta  ,  onde  eftava  a  Figura  do  Eípiritu 
Santo:do  modo  que  ficâraó  ,  quando  decco  íobrc 
ellesno  dia  de  Pentecoftes  ,  como  fc  conta  nos 
Aftos  dos  Apoftolos ,  Aft.  2. 


I  1 


A 


^a/  os  dous  cofnpanheyros  conduzidos ^ 
Onde  com  ejie  engano  Baccho  eftava^ 
T oemem  terra  os  gíolhoSi&  os  fentidos 
NaqueLle  T>eos  que  o  mundo  governava: 
Os  chiyros  excellentes  produzidos 
Na  Tanchaya  odorífera  queymava 
O  thloneu,&  afjftpor  derradeyro 
OjalfoT)eos adora  o  verdadeyro, 

J^^aVãKcbaya  odoriftra.  Panchaya  hc  Arábia  fe- 
liZi  ou  beata,  que  aílim  lhe  chamâo  os  Autores,  á 
qual  o  Poeta  chama  odorífera  ,  que  quer  dizer 
cheyrofa  ,  por  ter  muyta  abundância  de  chcyros. 
^íutfmavaolhycntu.  Entende  Baccho,  ao  qual  0$ 
Poetas  chamaváo  aíTim  de  Thy  ,  que  quer  dizer 
andar  furiofa  ,  Ôc  aprcfiadamcnte,  por  ferem  deíla 
qualidade  os  homens  dados  ao  vinho.  E  daqui  as 
molhcres  que  lhe  faziaó  fuás  feílas  ic  chamavaô 
thyadcs.  Eíla  he  a  commum  declaração  dcfta  pa- 


tratamento 
Os  dous  Chn[lãos^não  vendo ^que  enganados 
Os  tinha  ofalfo^ò  fanto;^ngtm  nto. 
Mas  affi  cdvto  os  rayos  e/palhados 
'Do  Sol  for  ão  no  mundo^tè  num  moment$ 
Apareceo  no  rublo  Horizonte 
Na  moçade  TitaÕ  a  roxa  fronte, 

^pareeto  n»  rúbido  Horizdntg.  Horizonte  he  no- 
me Grego  ,  ^  quer  dizer  fim  de  qualquer  coufa, 
inda  qu«  propriamente  hc  o  termino,6c  baliza,  do 
que  alcançamos  com  avifta  ,  olhando  para  qual- 
quer parte^i  porque  cm  qualquer  lugar  ,  que  ho* 
mem  eílâ,  cuyda  que  vè  hum  fim  do  Ceo  que  hc  o 
HonzontCjCorno  o  Poeta  entende  ncíle  lugar  por 
rúbido  Horizonte  aquella  parte  do  Ceo ,  onde  o 
Sol  começava  moílrar  fcus  rayos.  lílo  he  quanto 
à  propriedade  da  palavra.  Do  Horizonte  circulo 
da  Elphera  confiderado  mathematicamente  ,  fc 
veja  a  nofla  annotaçaô  no  canto  oytavo,  oyt.  44. 
bíamcçade  litdo.  Por  moçade  Titaó  entende  a 
Aurora  filha  de  Titão ,  6c  da  terra  ,  6c  caiada  com 
Tithono  irmão  de  Laomcdontc  Rey  dcTroya. 

O  falfo^&  fant»  fingimento.  Chama-  fe  falfo,  por* 
que  os  da  rerra  pretcndiaõ  enganar  os  noflbs:  cha- 
ma-le  fanto  ,  porque  para  eftc  engano  ufaraó  de 
Imagens  fantâs. 

14 

TO  mão  da  terra  es  Mouros  co  recado 
*Z)o  Rey, para  que  entrajjem:  &  configo 
Os  dous  que  o  Capitão  tinha  mandado^ 
Aquém  fe  o  Rey  moflroufincero  amigo. 
E  fende  o  Tortuguezi  certificado^ 
^e  não  aver  receyo  àe  perigot 
E  que  gente  de  Chrifto  em  terra  avia, 
T>entro  no  falfo  rio  entrar  quiria^ 

Salfo  rffl.Entcndc  o  mar  de  Mombaça  ,  ao  qual 
por  efte  refpeyto  chama  rio.fal(o  ,,  que  quer  dizer 
rio  lalgâdo. 

Dlzemlhe  os  j^  mandou  q  em  terra  viraÔ 
Sacras  wfJraSj&  SacerdotefantOy 


4i 


^ue  alltfe  agazalharãoj&  dormir  aòy 
Em  quanto  a  luz  cubrio  o  efcuro  manto, 
E  que  fio  JRey,  é^  gmtenãojentiraêi 
Senão  contentamentOió" gofto  tanto 
^e  uão^oàta  certo  avn  Jujpeyta 
Numa  mojtra  tão  clâra,&  taoperfiyta. 


Canto  Segundo» 


osPortuguefes,  veja-fca  nolla  annotaçaônocanS 
to  ipYÍv:ityro.Oyt.i.§líie  wcautoi pagajjent.lnc&utos, 
palavra  Latina, quer  dizer  delapercebidos,  &  dcl- 
cuy  dados. 

i8 

\  S  ancoras  tenaces  *uam  levando 
"^"^  Com  a  náutica  grita  coftumada. 


Em  tjuanto  a  luz,  cubrio  o  efcuro  manto.  Em  quan< 

to  durou  a  noyte  ,  chama  o  Poeta  l  noyte  manto  ^aproa  áS  vellas  (Ós  ao  vento  danào^ 

efcuro, porque  cobre  a  lpx,ainda  que  falando  pro-  Inclinam  para  a  barra  ábaíifaãa, 

priamente,a  noyte  não  he  outra  couta,  fenáo  falta  J^asalinda  Er yàna^que guardando 

de  Juz  i  porque  paflando  o  Sol  deite  nofio  Hemif-  ^^^avaíemPre  agente  aí/malada, 

phênolupenoradar  luz  aosque  moraonomie-  "'"    ,      ^.,^j        *^     /*!       ,     ' 

íior,  faltando-nos  fica«os  às  efcuras,  &  daqui  fe  Vendo  a  Cilada  granae,&  tamjecreta, 

caufaanoytca  qual  procede  da  auiencia  doSol.  VoadoQeoaomarcomohumaJeta. 


c 


i6 

Om  ijlo  o  nobre  Gama  recebia 
^  Alegremente  os  Mouros  que  Cubiãffy 
^^e  levemente  hum  animo  fe  fia 
^e  mu/iras ^que  tão  certas pareciao. 
Anão  da  gente  per  fida je  enchia.^ 
^eyxando  a  bordo  os  iparquôs^que  traziaõ: 
Alegres  vinhaõ  todos  porque  crem^ 
^e  afrefa  dejejada^  certa  t^m, 

A  nao  da  gente  ferfidafe  enchia.  Era  tanta  a  fa- 
miliaridade ,  6c  converíaçaõ  que  os  Mouros  ti- 
nhaó  com  os  noífos ,  que  continuamente  eftavaõ 
a  bordo  barcos  dos  Mouros ,  que  hiaô  á  nofla  ar- 
mada i  6c  fiavaó-le  tanto  delle> ,  que  tinhão  aíTcn- 
tado  entrar  do  rio  para  dentro,  enganador  com  as 
moíirasde  amor.  O  que  icm  falta  fizeraó,  ícnáo 
íucccdera  defcair  o  navio  de  Vafco  da  Gama  fo» 
bre  huns  bayxos,que  tmha  por  proa,  onde  íc  hou- 
vera de  perder ,  íenão  mandara  furgir,como  con- 
táo  os  noilos  Hidoriadores.  Alegres  vinbão  todos. 
Od\a,que  Vâlcoda  Gama  determinou  entrar  no 
porto  de  Mombaça  ,  foráo  muytos  Mouros  em 
barcos  com  n)uytos  tangercF,6c  muliQas  a  Teu  mo- 
do, moítrando grande fcfta  ,  6c contentamento 
pela  entrada  dos  noífos, porque  lhe  parccia,qucos 
luihaó  jà  dcbayxo  da  lança, para  fe  vingar  dcilcs. 


N  Aterra  cautamente  aparelhavão 
Armas i  ^  munições:  que  como  vijfkmj 
^e  no  no  os  navios  ancoravao^ 
Nelles  oujadamentefe  fubiffem, 
E  com  ejia  treyçaô  deter  minavaõy 
^e  os  de  Lufo  da  todo  âejtnttíjem^ 
E  que  incautos pagaj^em  deftegeyto 
O  ynai,  que  em  Moçambique  tinhaõfeyto. 

^Ateí  de  Lujo  dt  todo  defiruijfem.  Os  de  Lufo  íaô 

■i 


Ai  autoras  tenaces.  Tenaces  he  próprio  EpithGto 
das  ancoras,de  teneo  palavra  Latina,  que  quer  di- 
zer ter  ,por  ler  próprio  officio  íeu  af}errar,ôí  pren- 
der onde  chegâo.  Com  a  náutica grtta.  Nauta  entre 
os  Latinos,  quer  dizer  marinhey  ro ,  grita  náutica 
hc  a  gritaque  osraarinheyros  Icvaniâono  mar, 
quando  trabalhão,  a  qual  por  outro  nome  íe  cha- 
ma celcuma.Aííií  a  linda  Erjcina.  Entre  outros  no- 
mes que  tem  Vcnus  ,  hum  heErycina do  monte 
LryxdeSicilia  ,  que  hoje  le  chama  em  vulgar  de 
Saó  Julião  ,  onJc  antiguaroentc  era  venerada :  de 
outros  nomes  quclhe  os  Poetas  dão ,  le  veja  o  que 
cfcrevcmosno  pnnieyro  Canto  Oyt.33. 


19 

C>  Onvoca  as  alvas  filhas  de  Nereo, 
j  Com  toda  a  mais  cerúlea  companhia^ 
^e  porque  nofalgado  mar  naceo, 
'Das  agoas  o  poder  lhe  obedecia, 
E  proponde  lhe  a  cau/a  a  que  deceOj 
Com  todas  juntamente  fe  partia^ 
TaraeftotvaTjque  a  armadanãochegajfe 
Aonde  para  fempr  efe  acabajfe. 


I 


Convoca  as  alvas  filhai  de  Nent.  Attribuc  como 
Poeta  a  Vénus  (  a  qual  faz  protctora  dos  Portu- 
guezcs)naõ  entrar  o  navio  de  Valco  da  Gama  no 
porto  de  Mombaça,  que  parece  foy  milagre  :  por- 
que não  quis  noíTo  Senhor  que  os  PortuguezeJ 
acabaflcm  emhumatáo  triftc  ,  6c  barbara  rerri^ 
6c  leeíhovaíle  huma  viagem  ,  que  havia  de  rcj 
dundar  em  tanto  ferviço  leu.  ^  JPor^ue  no  falgac 
marnaeeo.  Fingem  os  Poetas ,  que  Vénus nacet 
da  efcuma  do  mar  ,  pelo  que  lhe  chamâo  Aphro- 
diris ,  ou  Aphrodiíia  de  aphros,quc  he  a  elcuma, 
por  efta  razão  as  Nymphas  do  mar  a  ajudavâo, 
6c  favoreciaó  em  tudo  como  nefte  trabalho  drs 
Portuguezes.  Nereidas  ,  íaó  Nymphas  do  mar, 
das  quaes  fica  trattado  no  Canto  primeyro  ,  oy- 
tava  96.  cliamalhe  alvas,  por  lua  cftancia,  6c  mo- 
rada íer  nas  agoas;. 

Ce- 


Lujiadas  de  Luis  de  Camões  Commentados. 

CtrHlêa  companhia.  He  a  mais  gente  d©  mar,  co-     Tc  em  no  maàeyro  duro  o  brando  peyto, 
OTO  Protco,  Tritão,  ÔC  outros  a  qual  íe  chama  af-     '^      ^  -  .■    .    7.,      .- 

fiwjde  cerulêui  palavra  Latina,que  quer  dizer  cou- 
la  de  cor  de  Ceo,ou  Mar. 


43 


Tara  detrás  a  forte  Naoforçanao\ 
Outras  em  derredor  levandoa  eJiavãOj 
E  da  barra  inimig  a  a  de/viavão. 


20 

JA'na  agua  erguendo  vão  cõ grande prefa. 
Com  as  argênteas  caudas  branca  efcuma, 
Cloto  copeytú  cortafÉ  atravefja 
Com  mais  furor  o  mar  do  que  ccjinma: 
Salta  NtfeyNerine/e  arremeda 
Tor  ama  da  agua  crefpa  em  força  fumma\ 
\Abrem  caminho  as  ondas  encurvadas 
'  IDe  temor  das  Nereidas  afrejjadas. 

De  untor  dai  Nereidas  apresadas,  O  Poeta  no- 
wca  aqui  fó  trcs  filhas  de  Ncreo  ,  Clcto  ,  Niíè  ,  ÔC 
Nerine:  fendo  cincoenta  como  fica  dito. 

^r^ente  as  caudas.  Rabos  brancos  ,  porque  as 
■pmtáo  có  roftos  de  molhercs,  Sc  rabos  de  pey  xes. 

11 

i^J\l  Os  homhros de hú Tritão cdgeflo accefo 

'  X  >l  Vay  a  linda  'Dionefuriofa, 
Hãofente  quem  a  leva  o  doce  pefo 
^e  foberbOiCom  carga  taÕ  fermofa. 
Jãchegao  perto, donde  o  vento  te fo 
Enche  as  velas  da  frota  belltcofa. 
Repartem fe,  fí>  rode  ao  nejje  infiante 
As  nãos  Itgeyras^que  hiao por  diante, 

Ntfí  homhroi»  da  hum  Tritão,  Tritão  dizem  os 
Poetas,  que  foy  filho  de  Neptuno,  6c  Salacia  Se- 
nhores do  mar  ,  Sc  que  foy  feu  trombeta.  Dionc 
querem  alguns  ,  fejao  nomeda  máy  de  Vénus, 
pelo  que  lhe  chamaô  aflim.  Tem  entre  os  Poetas 
diííercntes  nomes  ,  como  fica  tratado  no  Canto 
priraeyro  ,  oytava  35.  Houve  difíercntes  Vénus, 
»as  quando  entre  os  Poetas  fe  nomea  eftenomc, 
iccntendea  filha  de  Jupiter,&:  Dione,caíadacom 
Vulcano  ,  que  fazia  os  rayos  a  Júpiter  feu  pay. 
Outros  a  fazem  nacida  de  efcuma  ,  como  fica  no- 
tado atrás,  oytava  1 5?.  Efta  foy  huma  molher  pu- 
tlica  na  Ilha  Chipre  ,  aqualporeíle  rcfpeyto  os 
antiguos  idolatras  ,  6c  ignorantes ,  tinbaó  por  feu 
ldolo,&  lhe  Icvantavão  grandes  altares,  Scfaziâo 
grandes  templos*,  que  he  bom  final  de  feu  pouco 
laber ,  pois  tomavaó  por  fcus  Deoles  gente  per- 
dida, 6c  diíloluta. 


It 


POemfe  a  Tíeoja  com  outras  em  dereyto 
T^  a  proa  capttayna,  ^  allt  fechando 
O  caminho  da  b  arraie  pão  de  geyto 
^eemvãoajjopra  o  vento  a  veUa  inchando. 


DafYoacafitayna,  Ifbo  diz  o  Poeta, porque  que- 
rendo Valco  da  Gama  entrar  para  dentro  de 
Mombaça,  como  lhe  pedia  o  Rey  da  terra  ,  le- 
vada a  lua  nao,nunqua  quis  fazer  cabeça  para  en- 
trar dentro,6c  hia  lobrc  hum  bayxo  que  tinha  por 
proa:  que  foy  caufa  de  furgirem  todas  as  nãos,  ÔC 
náo  paílarcm  avante.  Milagre  evidentiíTimo,  que 
náo  quis  nofio  Senhor  que  hum  intento  tão  fanto 
dos  Reys  de  Portugal  acaballc  aqui ,  pojs  de  elles 
hirem  por  diante  ,  fe  havia  de  augmcntar  tanto 
luaFcfanta,como  vemos  por  experiência, 

^5 

QVaespara  a  cova  as  providas  formigai 
Levando  o pefo grande  acomodado. 
As  forças  exercitão^  de  inimigas j 
*Do  inimigo  Inverno  congelado, 
Allifàojeus  trabalhos jtS fadigas j 
Alli  moerão  vigor  nunc%.  efperado: 
Taes  andavão  as  Nymfhas  eftorvando 
Agente  Tortuguefa  ojim  nefando, 

^aespâra  a  cova  ás  providas  formigas.  Compara 
oPocta  apreíla,  8c  diligencia  de  Vénus  ,  6c  d  a? 
Nymphas,  em  deíviaras  nãos  do  porto  de  Mom* 
b-íça  ,  com  a  das  formigas  no  tempo  do  verão, 
quando ajuHtaó  o  ncccílario  para  o  Inverno.  He 
imitação  de  Virgilio  na  iEneidalib.4. 

24 

TOrna  pvra  detrás  a  nao  for  cada, 
Apefar  dos  que  lev a ^que gritando 
Mareão  vellaSjferve  a  gente  Irada, 
O  leme  a  hum  bordo,  SJ  outro  atraveffando^, 
O  Meflre  ajiuto  em  vão  da  popa  brada 
Vendo  como  diante  ameaçando 
Os  ejíava  hum  mar itimo penedo j 
^e  de  quebrar  lhe  a  nao  lhe  mete  medo^ 

Torna  para  detrás  a  nao  forçada.  Indo  com  gran- 
de fefta,  &alegria,aílim  os  Mouros,  que  hiaó  nas 
noílasnaos,  por  lhe  parecer ,  que  tinhãoaprcza 
deícjada  nas  mãos  :  como  os  noflbs  em  cuydav 
(vendo  tão  luzida  gente,  6c  taôboas  novas  da  ín- 
dia )  que  era  jâ  acabada  fua  peregrinação  ,  &  tra* 
balhosjeílando  áquellahora  em  perigo  de  perder 
as  vidas  ,  fcgundo  a  determinação  dos  Mouros: 
fuccedco,quc  o  navio  de  Valco  da  Gama  náo  quis 
fazer  cabeça  para  tomar  vento  ,  6c  foy  defcâindo 
em  hum  bayxo,  como  temos  dito:  o^quf  vendo  o 

F  ^  mcílvc 


^^  CaJit o  Segundo»     .^ 

incílre  começou  a  bradar  da  popa,  ao  que  acodio     mais  Capitães  a^pcuca  fegorança  d'^aqucncs  por- 

o  Capitão  rEÓr,&  mandou  loltar  hu ma  ancora.  E     tos  :   &  coiro^Deosimlagrolamente  os  livrara  de 

porque  líto  íegundo  coftume  dos  que  navcgão,     hum  tão  grande  perigo,pelo  que  logo  le  partirão 

náo  íc  faz  em  taes  tempos  iem  grande  revolta  ,  Ôc      dalli.  E  porque  não  tinháo  PjlotoSjdeterniináraó 

ofitta  :  tanto  que  os  Mouros  viraó  o  que  paflava,     ir  ao  longo  da  coita  ,  que  íabião  fer  muyto  pc 

cuydando  fer  defcuberta  a  trayção  que  pretcn-      voada,  para  ver  íepodiaôavcr  alguns. 

diáo  :  huns  por  cima  dos  outros  Ce  lançarão  nos 

barcos,6c  muytos  no  mar,  querendo  antes  morrer 

afogados,  que  às  mãos  doi  noílos,  como  o  Poeta 

vay  contando. 

P(.mdo  marítimo.  Quer  dizer  penedo  do  mar; 
não  f  altáo  pefloas ,  que  calumniem  a  Luís  de  Ca- 
mões, como  já  fica  dito  atrás,  canto  i .  oy  tava  19. 
uíar  de  palavras  Latinas ;  &  alguns  que  o  não  íaó 
muyto  ,  lhe  põem  que  uíouds  algumas  impro- 
priamente,como  homem  não  muyto  Latino. En- 
tre outras  ella  dcíle  lugar  hehuma  ,  chamarão 
penedo  do  mar  maritimo ;  no  que  não  tem  razão; 
porque  Maritimus ,  a  ,  u  m  ,  na  lingua  Latma  hc 
coula  que  eftà  ao  longo  do  mar  ,  ou  dentro  ncUe. 
E  Luís  de  Camões ,  foube  para  lua  profifiaó  o  que 


2-7 
A  SJicomoem  Sehaticaalagúaj 
■^^  As  rans  no  tempo  antiguo  Ly  cia  gente, 
Sefentem porventura  vir peffoaj 
Ejiandofóra  da  égua  incautamente. 
^  aqui  is  dalli  faltando^o  charco  Jòa% 
*Pcr  fugir  do  perigo  jque/efentei 
E  acolhendo/e  ao  couto ^  que  conhecem^ 
Sòs  as  cabeças  71' agua  lhe  aparecem. 

Ai  ratnm  tttnfo  antiguo  Ly eia  gente,  Contao  es 
Poetas  ,  que  paflando  Latona  máy  de  ApoUo  per 


lhe  baftava  j  &  neíle  particular  não  tenho  que  Lyciaera  tempo  de  grande  calma  ,  apertada  d» 
trattaf  ,  que  hoje  vivem  muytos  homens  deíles  icdc,  íe  chegou  a  beber  a  hum»  alagoa.  Osrufti- 
que  o  conheceraó,&  tratarão.  cos  daquella  terra  lhe  defenderão  a  agua  ,  &  por 

nenhum  cafo, por  mais  laftimas  que  lhe  ouvirão,  a 
dcy  xáraó  beber.  Sentida  muyto  Laicna  pedi©  a 
Júpiter  a  vingafie  daquella  gente ,  &  quileflc  que 
vivcllem  lcn>pre  n^agua  para  íe  fartarem  bem  del- 
ia. Júpiter  CS  convertco  cm  rans,as  quaes  tem  por 
coílumc  íétindo  alguma  pefibarecolherfeà agua, 
&  moftrar  fomente  as  cabeças  ,  como  aquidizo 
Poeta,  comparando  os  Mouros  que  Ic  lançarão  ao 
irar,  ás  rans, porque  hindo  nadando  Ihcapareciaõ 
fomente  as  cabeças. 

28 

A  í/^  fogem  os  Mouros,  E  o  Tiloto, 
"^^  Si^e  ao  per  igo  grande  as  nãos  guiara. 
Crendo  que  Jeu  engano  ejlavã  noto. 
Também  fo^e  faltando  na  agua  amara. 
Mas  por  não  darem  no  penedo  immotOj 
Onde  per  cão  a  vida  doce^tí  cara, 
A  ancora  folta  Ugo  a  Capita^na, 
^alquer  das  outras  junte  deílaamaynal 

Tenedo  immoto.  Quer  dizer  penedo  firme  ,  & 
que  le  não  move.  Eftc  penedo  era  o  bayxo,  era 
que  diflemos ,  que  hia  dará  nao  de  Vafcoda  Ga- 

ma,felhcnão  acudirão  ^eprcfla, 

25> 

VEndo  Gama^attentadOiã  eflranhezd 
*Dos  Mouros  ^não  cuydadat^juntamêti 
O  TiUtofugirlhe  comprejleza^ 


^5 

A  Celeuma  medonha  fe  levanta 
-*^  No  Yudo  marinhey  ronque  trabalha^ 
O  grande  ejf  rondo  a  Maura  gente  efpanta^ 
Como/e  vifjem  hórrida  batalha. 
Não  f abem  a  razão  de  fúria  tantú^ 
Não  fahem  nejfaprejfa  quem  lhe  valha j 
Cuydãoi  que ] eus  enganos  fãojabidos^ 
E  que  hão  de  fer  por  iJ]o  aqui  punidos. 

Celeuma^  he  palavra  Grega,  quer  dizer  a  gritta, 
que  os  marinheyros  levanrão  para  todosahuma 
porem  hombros,&  força, no  que  tem  entre  mãos, 
ÔcaíTini  Ic  ajudarem  melhor.  O  Poeta  lhe  cha- 
mou arras  oytava  iS.gritta  náutica  ,  que  he  o 
mcfmo. 


2.C 

17  Tios Jubítament efe  lançavão 
^  Afeus  bateis  velozes ^que  traziãOj 
Outros  encima  o  mar  alevantando. 
Saltando n^aguaanadoje  acolhião. 
^e  hum  bordOjfS  d^outro fubtto  faltavãot 
^e  o  medo  os  compellia^do  que  vião: 
^e  antes  querem  ao  mar  aventurarfe^ 
^e  nas  mãos  inimigas  entregar fe. 


^ue  antes  tjuerem  ao  mar  aventurar fe.  O^  PWotos  ^         j       -           ,                / 

de  Moçambique,  6c  outros  efcravos,  que  hião  na  Entende  o  que  ordenava  a  bruta  gente: 

nao  do  Capitão  mór  ,  fe  h  nçáraõ  ao  mar :  com  a  ^  vendo  fem  confrade j&f em  braveza 

qual  novidade  cntcndco  VaícodaGama  ,  Sc  os  ^  os  vent  os  ^  ondas  agueis  fem  corrente^ 


Lupadas  de  Luis  de  Camões  Commentados,  '45 

^e  a  Kaopafar  avante  não  podia j  'D' entre  as  Nimphasfe  va^^  quefaudf>fas 

Avendoopsrmilagre affi dizia.'  Ficarão  deftajuhtta partida. 

J a  penetra  as  EjireUas  lumimfas^ 
30  Jd  na  teYCCyra  Ejphera  recebida, 

Xlâfo grãde^ireftranhoMnão  cuydad!o\    ^vantepajja,  t3  là  no  fexto  Cto, 


o 


O  milagre  cUrtJJmo,  (^  evidente^ 
O  defiuberto  engano  inopinadol 
O  fer fida, inimiga,  fíf alfa  gemei 
^uem pudera  do  mal  aparelhado 
Livrar/e  fem perigo  fàbiamente. 
Se  là  de  cima  aguar  da  foberana 
Não  acudira  a  fraca  força  humana. 


''Fará  onáe  eflava  o  Tadrefe  moveo. 


lâ  na  ttrccfra  Ffpbera  recthida.  Chamaõ-fe  os 
CeosOibes,  ou  Eipheras  ,  portei  em  a  figurarei, 
donda,  6v  circular,  pela  qual  razão  o  mundo  tam- 
ben»  Ic  chama  tlphcruiporque  a  Efphcra  he  hum 
corpo  1  cdondo ,  &  lolido  ,  de  huma  fó  lupcrficie, 
con.o  huma  bola,  ou  ptlla,  &  afiim  os  Aítronomi- 
cos  inciííeremeníente  ulaó  dellcs  vccabulos:Or- 
O  etfo  grande.  Sáo  eftas  exclamações  paraen-  ^c>  Circulo,  Elphera,  tomando  hum  pelo  outro, 
carecimento  deílc  milagre  ,  que  aos  noflbs  acon-  E  <Ji^>  qucfoy  itcebida  noterceyro  Ceo,que  hco 
cccco  ncfta  barra  de  Morrbaça.  Bem  fc  nr.oftra  ^^^  U  gar  por  ordem  dos  Planeias  ,  porque  a  Lua 
que  íeus  intentos cráo  fantos  :  &  que  o  caminho  tem  oprimcyro,  Mcicurio  ofcgundo  ,  Vcnuso 
ncftes  principies  era  tomado  puramí  nte  por  amor  t^'  ceyro,  o  Sol  o  quarto,  Marte  o  quinto,  Júpiter 
deDcos,&  porlcrviçodoícu  Rey,  fem  outro  m-  o  íexto,  Saturnoo  letin  o:  6í  queíemovec  para  o 
tcrefle  algum  ;  &  aíFim  tudo  lhes  fuccedia  prof-  Itxto  Ceo  ,  que  heo  lugar  ue  Jui  iter  feupay  ,ao 
pcramente.  qualhia  fallar  fobre  as  couías  dos  Portuguezes. 

EngantinopirtaJo.lietnginQnzocuyàâí^Otiíio     ^^  canto  dt  cimo  íe  tiata  mais  largamente  do 
dizoHocta  ,  porqucos  boiTos  cuydaváo  que  efta-     Ceo,  6c  Planetas, 
vão  jâ  fora  de  trabalho  ,  icudo  tanto  ao  contrario* 


3> 

BEmnoimoflra  a  T>ivinaTrovidencia, 
'Deites portos  apouca  fegurança. 
Bem  claro  ttmos  vi  fio  na  m par  ene  ia, 
Sljie  era  enganada  a  noffa  confiança. 
Mas  foís  jaber  humano , nem  prudência , 
Enganos  tão  fingidos  não  aicançi^ 
O*  tu  Guarda  'Vívinajem  cuydado 
T)e  quem  J em  ti  não  pôde  fèr guardado. 


34 

EComo  hia  afrontada  do  caminho^ 
TutH  ftrmofa  nngvflo  fe  mnftrava^ 
^e  as  EjireUas  o  CeOy^  o  Ar  vizinho 
E  tw^o  a u amo  avia  namorava: 
*Dos  olhos , onde  faz  jeu  filho  o  ninho , 
Hnus  ejptrttos  vivos  infpirava^ 
Com  que  Tolos  gclad&s  acendia, 
E  tornava  do  Jogo  a  Efpherafria. 


Dot  olhos  onde  f(.z,  [eu  filho  o  ninho.  O  filho  de 
Vénus  he  C  upidu  ,  a  que  os  antigos  enganados 

E^  .   j   j  chamavão  Deosdc  An'or.  DizLuis  deCaroóes, 

òefemovetantoapiedade  que  o  Amor  faz  fcu  ninho  nos  olhos  ;  porque  o 

'Defia  mtfera gente  peregrina,  pnmeyro  encontro  ,  &  principio  de  aíFcyçao  íc 

caufa  com  a  vifta.  Dcnde  difle  Propcrcio,  Sintf» 

ttt ,  oculi  funt  tn  amorc  ducti.   Os  olhos  laó  guias  no 

amor,  &  V^irg.  nasEglog.  Ut  vidf,  ut  fmji  avifta 

fov  caufa  de  minha  perdição. 

Com  tfue  ot  foloi  gelado*  aandia^ 

E  tornava  do  fcgo  a  Elfkera  fria.  Pelos  pólos  Te 

entende  o  Arftico,  6c  Antarélico,quehe  Norte, 

&  Sur,  os  quacs  chama  gelados,  pela  grande  frial- 

0«  »0f  amo/ira  a  terra  ^uehufcamoi»  A  terra  que     cinde  que  naquellas  partes  ha  ,  cauíada  da  aulencia 

05  Portuguezes  bulcavâc  ,  &  por  cujo  refpeyto  fe     do  Sol;  doí  pólos  tratey  atraz  no  canto  primeyro, 

offereciáo  a  tantos  com  ralles,ôc  trabalhos,  eraa     oytava24.  Quanto  à  declaração  dcíle  lugar;qucr 

índia.  o  noflo  Luis  de  Camões  por  eíres  rodeosmoftrar 

a  força,  ^  poder  do  /^mor,do  qual  todos  osPoe- 
-  tas  aíTim  Gregos,  como  Latinos  cfcrevcraõ  muy- 

..       ny    '  7L  '  tas  coufas,os  Gregos  lhe  chamão.P<»B</<iw<jr«r,do- 

/^  Vvíolhe  eftas palavras piadofas  mador  de  todas  as  coulas;pinta-rc  com  hum  ramo 

\J  Afermofa  ^Díone/3  commovida  na  mão  dircy ta ,  ôc  hura  peyxe  na  cfqucrda,  para 

rrt  "  /  niol- 


3  2- 
Se  te  move  tanto  a  piedade 
'Defia  mifera gente  peregrina, 
^e  fô por  tua  altUftma  bondade^ 
'Pa gente  ai  falvas, pérfida  Jê  maligna, 
Nalí!um  porto  ftg  u\  o  de  veydu  de 
Conduzimos  já  agora  determina. 
Ou  nos  amojira  a  terra  que  bufcamos^ 
Tois  fòpor  teuferviço  navegamos. 


46 


mcflríusqiie  íobre  todas  as  coufas  tem  domínio;  & 
Cita  hearazão  ,  porque  diz  o  noflb  Poeta  ,  que 
acendia  os  poios  congelados  ,  &  esfriava  a  Eí- 
pheiíidofogo  ,  para  moÍLrar  que  não  ha  couía 

que  reíifta  a  fcu  poder. 

3  5 

E^oY  niaif  namorar  0  foberano 
Tadreide  quemfoyfépre  amada, &  cara 
Se  lhe  apre fentaaffi^  como a§Tro)f ano j  ' 
Na  (eiva  Idéajdjfe  aprefentdra. 
Se  a  vira  o  Caçador ^que  o  vulto  humano 
Per  de  o  vendo  a  T>iana  na  agua  ciara, 
Runqua  os  famintos  galgos  o  tnatãraÔ^ 
^eprmeyro  defejos  o  acabar aÒ» 

Se  Ibe  aprefstíta  ajji  i  iomo  aú  Troyan».  Contão  a$ 
fabulas ,  que  Hecuba  molher  de  Priamo  Rey  de 
Troyafonhou  huma  noy  te  andando  dcparto,quc 
lhe  lahia  do  ventre  huma  chama  de  fogo  ,  que 
queymava  a  Troya.  Atemorizado  Priamo  difto, 
perguntou  ao?  íabioa  de  íeu  Reyno  a  declaração 
deite  fonho;  os  quacs  rcfpcnderaô  ,  que  havia  fua 
Biolhcr  Hecuba  de  parir  hum  filho  que  havia  de 
fer  caula  da  deftruiçáo  de  Troya.  Sabido  ifto  tra- 
tou Priamo  com  fua  molher  íobre  a  morte  do  fi- 


Canto  Segundo'* 


quem  himos  tratando ,  que  morava  no  monte  Ida. 
Ellasíeforaóa  elle  ,  &:  lhe  íizerâo  grandes  pro- 
mefias  cada  huma  porí],piopondo-lheocafo,mas 
elle  deu  a  maçam  a  Vénus  ,  pcrlhe  parecer  mais 
fermoía,  que  era  a  pai  te  porque  íc  havia  de  alcan- 
çar. Efta  he  a  caula  porque  Vénus  favorcceo  íem- 
pre  a  PariSj&;  lhe  deu  ordem,coin  que  fnrtaHe  He- 
lena a  feu  mando  Mcnelao,  que  foy  caufa  de  Tro- 
ya fer  queymada  pelos  Gregos. 

Se  a  vira  o  Cavador.  Efte  Caçador  foy  A6leon 
filho  de  Arifteo,  &  Autonoc.  Centáo  os  Poetas, 
que  apertandoo  hum  dia  a  calma  ,  ôc  Mq,  fe  reco- 
]h€G  a  hum  valle  onde  citava  huma  fonte,  &  eh«- 
gando-le  a  beber  acertou  de  fc  encontrar  com 
Diana ,  que  os  antiguos  tinhaó  por  Dcola  da  Ca- 
ça, a  qual  íe  cfiava  lavando  com  luas  companhey- 
ras  na  mefnoa  fonte.  Tomou-fc  tanto  Diana  de 
Adteon  a  achar  naquclle  eftado ,  que  e  canverteo 
em  cervo ;  o  qual  logo  es  léus  mcfmos  cães  dcfpe- 
daçaraô.  Efta  Fabula  conta  Ovídio  lib.  $.  nas 
MctamprphQfis. 

OS  cr  e ff  os  fios  de  ourofeeffarztão 
'ttío  colloque  a  neve  ejcurecta\ 
^ ndando  as  lájeas  tetas  lhe  tremião^ 
Com  qutm  amor  br  meava  ^  &  7iãofevjam 


]ho,para  que  em  parindo  fe  mandalle  matar;  Naó    59^  alva  trttifjaflafnas lhe fàiao 


fómiCntenâo  fez  Hecuba  ,  o  que  Priamo  íeu  mari- 
do lhe  encomendara  ,  mas  mandou  a  huro  íeu  cri- 
ado ,  de  que  fe  fiava  ,  levafic  o  mininoaalguma 
parte  ondeie  criaíle  fecrctamente,  &  íem  fer  co- 
nhecido. Foy  omininocriadonoraontc  Ida  per- 
to de  Troya  ,  onde  depois  de  fer  iioço  de  quinze, 
ou  dezaficis  annos  ,  toy  tido  entre  os  moradores 
daqucUa  terra  cm  tal  reputação  por  fua  habili- 
dadcjôc  engenho, que  não  havia  em  toda  ella  cou- 
fe  de  duvida,  que  elle  não  determinaíle.  Quanto 
ao  nome  ,  foylhepofto  Alexandre  pormandado 
de  íua  máy,&;  depois  de  conhecido  por  filho  d*El- 
Rcy  Prismo,foy  chamado  Paris  ,  que  em  lingoa 
Eólica  quer  dizer  engtytadojcomo  elle  toy.E  ná© 
k  chamou  Paris  á  }  aritate,queheigualdadc(como 
rodos  CS  demais  qucrtm  )  por  fabci  com  igualdade 
tratar  as  coufas  ,  como  fez  no  negocio  da  maçam 
douro,  de  que  ibayxo  trato.  Succedco,  queíendo 
convidado  Jnpitcr  ,  &  todos  es  fallcs  Deeícs  para 
asBcdas  de  Pelco  Rey  de  Tefialia  com  Thetis 
filha  de  Nereo  ,  não  toy  chamada  a  Diícordia, 
pelo  que  agravada,  &f  tomada  de  não  fe  fazer  calo 
dclla,lançou  em  cima  da  meia  orde  eflavão  Juno,     diff  mular  n  torpeza  dos  antiguos  idolatras ,  qu 


Onde  o  veniíio  as  almas  acendiaj 
delias  lízas  cvlumnas  Ihetrefavão, 
defejos  jque  como  erafe  enrfilavão. 

Oi  crefpoififisd^eurê.Vny  o  Poeta  por  eftas  oyta- 
vas  tratando  como  Vcnus  apparceco  a  Icupay, 
não  tem  coufa  de  duvida. 


37' 

Cy  Omhum  delgado  Jendal  as  fartes  cobre, 
i  'De  qvem  vergonha  he  natural  ref  aro, 
^orem  nem  tudo  e f conde ^nem  de fcobre 
O  veo  dos  roxos  Ur  tos  fcpro  avaro: 
Aias  para  que  o  defejo  acenda  fè  dobre. 
Lhe  põem  diante  aquelle  cbjeão  raro, 
Jáfèjenttm  no  O  o  fer  toda  aparte. 
Ciúmes  em  Vulcano ^amor  em  Marte. 

Ciumtt  etn  VuUant]  «mor  tm  Marte.  Não  hepari 


Palias,  &:  Vénus, huma  maçam  d^ouro,  ccnri  huma 
letra  que  dizia  :  Vulckrwt  detur.  Défíeá  maisf«r- 
moía.  Cada  huma  prtiendcndo  fitar  com  a  ma- 
çam, não  tanto  por  íua  valia,  quanio  por  levara 
palma  da  fermoíura  ,  quiitraólcgo  alli  que  Júpi- 
ter dera  lentença,maí.  elculoufcporquc  Juno  era 
fua  molher,  &irmã  ,  Palias,  &.  Vcnus  luas  filhas, 
pelo  queasremeicoa  Alexandro,  quc«jaParÍ5d« 


faziaó  feus  Dcoks  homens ,  6c  eftcs  perdidos , 
diflbltítosem  todo  o  género  de  vicios,  Oquefa 
ziaõ  para  crcubrir  fuás  iraldades,  ÔC  vivercn»  à  r< 
dcaíolta  tm  luas  torpc7a8  ,  comotratevno  priJ 
meyro  tari©.  Vulcano  era  cafado  com  Vcnu$,f 
Marte,  dizem  os  Poetas,  que  cometia  adulterii 
«cnsella  ,  pelo  que  diz  aqui  o  Poeta  ,  quehavi 
ciumej  em  Vulcano  j&amer  cm  Marre.  Vu) 

cai 


Lupáàas  de  Luís  de  CamBes  Commentados, 


cano  tinhaô  por  Deos  do  fogo  ,  &  Marte  da 
guerra. 

38 

EMoftrando  no  afigelko/emhlante 
Wo  rifohumatrtjtezafnifturada. 
Como  dama  que  foy  do  incauto  amante 
Em  brincos  amorofos  maltratada, 
^luefe  queyxa.^ferinum  mefmoinflAntet 
fjfe  moflraentre  alegre  magoada: 
T^eftaartea  iJeofaj  a  quem  nenhuma  iguala^ 
Mais  mimofa%que  trijie  ao  Tadre  falia, 

Q  Empre  eucuydeyj  Tadre  poderozoi 


47 


vra,  com  que  iica  a  oração  impcrfcyta  j  o  que  hc 
niuyto  uíado  nos  Pocias  para  naoíhar  algum  cf- 
fey  to  de  ira, ou  indignação,o  qual  Ic  moftra  muy- 
to  na  imperfeyçaõ  da  oração  ,  como  aqui :  que 
pois  eu  f  uy,entéde-rc  rnGÍina.E  Virgílio  na  Mnc- 
ida:  §luotego.  Osquaes  eu,  entende- lecaíHgarey. 
Eem  outros  muytos  lugares. 

Ogram  Tonante.  Tonante  ,  charoavão  os  anti- 
gos a  Júpiter  ,  que  tinhaô  por  principal  de  feus 
Ídolos,  <Je  tono,  as,  palavra  Latina,  que  quer  dizcr 
fazer  trovões  ,  por  ellc  ter  o  autor  deitas  coulas 
íegundo  lua  opiniaó  errada. 


42- 

E7)effas  Br  andai  mojiras  commovido^ 
^ie  moverão  de  hum  tigre  o peyto  duro: 
Co  vulto  alegre ^qual  do  Ceo  Jubtdo 


^iepara  as  coufas  ,  q  eu  dopeyto  amaj/e,    Xornafereno,&  claro  o  ar  e/curo. 


Teachaffe  br  anão, a  f abei  fé  amorofo^ 
To  fio  que  a  algum  contrario  lbepeja£e. 
Mas  pois  que  contramim  tevejoirojoy 
Sem  que  to  merecejfe^nem  te  erraffe% 
Faça/è  como  Baccho  determina 
Ajjentarey  emfinijquefuy  mofina^ 


As  lagrimas  lhe  alimpa ^^  acendido 
Na  face  a  beyja,^  abraça  o  Collopuro^ 
2)í'  modo  que  dal  li  ^  Jc  fo  Je  achara^ 
Outro  novo  Cupido  fe gerara. 


^e  moverão  de  hum  tigre  o  feyto  duro.  He  o  tigre 

hum  animal  muyio  cruel  pur  natureza  ,  peloque 

Seru^e  eu  cuydej.  Imita  nertas  oytavas  a  Virgi-     os  Poetas  ulaó  delle  para  exemplo  de  crueldade, 

lio  ,  o  qual  na  Aia  Eneida  lib.  i.  introduz  a  Vc»     corwo  o  noílo  Luis  de  Camões  nelle  lugar.  Dif- 

nus fazendo  outra  fala  lemelhante  a  feu  pay  Ju 


pjter,  pedindo-lhe,favorcceílc  Eneas. 

40 

E  St e  povo  que  he  meu,  por  quem  derramo 
As  lagrimas  que  em  vão  cabidas  vejo^ 
^ue  afjãz  de  de  mal  lhe  quero y  pois  o  amo^ 
Sendo  tu  tanto  contra  meu  drfejo'. 
Tor  elle  a  ti  rogando  choro ^^  bramo 
E  contra  minha  dita  em  fim  pelejo-. 
Ora pots porque Q  am^^he  maltratado% 
^erolòt  querer  mal^fer aguardado. 


tx 


41 


MAs  morra  em  fim  nas  mãos  das  brutas 
^  pois  eufuy-M  nijlo  de  mimofa[^éteSi 
O  rofio  banha  em  lagrimas  ardentes^ 
Como  cQ  o  orvalho  fica  afrefca  rofa, 
'Calada  hum  pouco ^como  fe  entre  os  dentes 
Se  lhe  inpedira  afalapíadofuy 
yornaáJeguila^&  indo  por  diante 
Lhe  atalha  o  poder ojojà"  gram  tonante. 

fluefoiíeufu^,  Uíaaqui  elegantemente  de  hu- 
ma  figura  a  que  os  Gregos  chaniáoapoíiopclis,  & 
os LatHKs  obliceniia,ou  reticentia,  quando  cala- 
mos ,&  deyxamoi  de  pór  na  orarão  alguma  pala- 


uís  de  L^amoes  ncuc  lugai 
fere  do  leaó  íômentc  na  variedade  da  cor ,  porque 
tem  por  todo  o  corpo  huns  íinaes  pretos  gi  andes 
a  modo  de  remendos  compridos  ,  que  o  íazem 
muyto  ferraoío.  O  rabo  muy to  longo  ,  comos 
melmos  íinaes  pretos,  Sc  aíTim  a  cabeça,  a  qual  he 
redonda,âs  oreihas  faó  pequena?, os  dentes  muyto 
agudosjo  ptlcoço  curto,  &  groílo:  come  cíleani- 
mal  do  que  caç  i  ,  6c  acomete ,  2>c  mata  todo  o  gé- 
nero de  anirni»!  por  muyto  brabo  que  feja.  Mar- 
cial m  jpedac.  Epigran).  18.  efcrcvedclie,que  nos 
Efpeftaculos  Romanos  matou  hum  leaó.  Hcdc 
clpantola  ligeyreza  ,  peia  qual  rezáo  os  Poetas  o 
fazem  filho  do  vento  ZephyrcsÔC  o  nome,que  tem 
omoílra;porquetygreem  lingua  Pci fia,  Índia,  Sc 
Arménia,  he  a  fetta,  nas  quaes  partes  lhe  piríciaó 
cíie  nomc,6c  delias  veyo  a  nos. 

43 

ECom  o  feu  apertando  o  rofio  amadot 
Sjue  osfaluçoSj^  lagrimas  augmentaj 
C  orno  minimo  da  ama  cajligado^ 
^e  quem  o  afaga  o  choro  lhe  acrecenta, 
Tor  lhe  per  tmjocego  o  pey  to  irado-, 
Muytos  ca/os  futuros  Iheaprejenta, 
'Dos  fados  as  entranhas  rtvolvtndo% 
T>efia  ma  luyra  em  fim  lhe  efiã  dizendo, 

C(W3o  t»m:v.o  da  ama  câfttgado.  Humas  das  cou- 
las em  que  o  Poeta  moflra  ícu  engenho,  &  erudi. 

çaó, 


I 


^8  Canto  Segundo, 

çaó  ,  he  nas  comparações  ,  as  quacs  faõ  tão  pro-  zendo-lhc  muy  tas  promeíTaSjonde  ficara  para  íem- 

prias  que  nenhuma  vcntagem  lhe  hzcm  os  an-  pre,  fe  Júpiter  a  requerimento  de  Palias  o  não  cf- 

tjpos.  torvara,  como  conta  Homero  na  Odiflea  ,  &  que 

Doí  fados  ai  entranhas  rtvêlvendo.  Dos  fados  le  por  ordem  dos  Latinos  hc  o  livro  quinto. 
veja  a  nofla  annotaçaõ  no  primcyro  canto  oy-         Se  Antenor  ts  feyos  ftmtrtu.  Antenor  foy  Tro- 
tava 24.  yano  de  nação(fegundo  achoefcrito)  vendeo  fua 

pátria  aos  Gregos.  Efte  depois  de  ter  deftruida,  Sc 

qucymada  Troya,  fc  recolhe© altalia,  ÔCcdificQK 

;^       ^    .        ^  huma  Cidade  no  território  de  Veneza,  á qual  do 

1^  Ermofa  filha  minha  não  temais  ieu  nome  chamou  Antcnoria  ,  hoje  fe  chama  Pa- 

'  Perigo  algum  nos  vofjos  LufitanoSj  dua.Eftas  palavras ,  que  o  Poeta  aqui  põem ,  laó  a 

Nem  que  ntmguem  comigo poffamãts,  iroitaçáo  de  Virgílio  na  fua  ^Eneida  ,  &  porque 

ghieefjes choro fos  olhos  loherauos,  trattão  da  chegada  de  Antenor  a  Itália ,  &  como 

^  ^         *^^//,i^*.^  ff,^V/,;r  edificou  Pádua,  &  juntamente  fazem  menção  do 

^ecwvos  prometo  filha  que  vejats  rioTimavo,&de  modo  que  parecem  moft/ar  que 

Efquecerem/e  Gregos,  &  Romanos  ^^^^^^^  Antenor  a  Cidade  ao  longo  dellc  ,  náo 

Telos  illufiresfeytos.que  efia gente  f^^j^  aflim.Entrc  Varões  muy  doutos  ha  fobrccf- 

Ha  de  fazer  nas  fartes  do  Oriente,  ig  rio  grades  altcrcaçccs,as  quaes  dedararey  aqui. 

Ti^mofa  filha,   Neíla  repoíla  de  Júpiter  a  Ve-  Antenor  potuit  tnedtis  elapfus  Achivis 

nus  lua  filha  ,  lhe  vay  contando  todas  ascoufas  llljricos  fenetrate  finui^ate^uetnttmatutui 

que  haò  de  acontecer  aos  Porriiguezes  na  índia,  Regna  Ltbumorutny  &  ftntem  fuperare  Tifttavi: 

èc  cofta  de  Africa  ,  &  como  haó  de  por  cftas  par-  Unde  per  ora  ncvemva/iotKum  murmure tnfntit 

tes  debayxo  do  jugo  dos  Reys  de  Portugal.  2t  ntare  praruptum  ,  &  pélago  premit  arua  JcnanU 

Hic  tamen  tile  hrbtm  Tatavi»  fedefque  lotavtt 

^^  Queyxando-le  Vénus  a  Júpiter,  &  recontan- 

QVefe  O  facundo  Vlyfes  e/capou  do-lhe  os  trabalhos  que  feu  filhopaflava  ,  dizia 

'Defèr  na  Ogygia  Ilha  eterno  efcravOj  deíla  maney  ra  :  que  pode  Antenor  hum  tão  máo 

Efe  antenor  os  fey  os  penetrou  homem  cfcapar  das  mãos  dos  Gi  cgoSjpaflar  o  mar 

ll'irtcos,&  a  fonte  de  Timavo.  ^^"^  perigo,cntrar  por  terra  firme  pela  Efclavonia: 

í7  í»  ^^i^A^L  i7«^^, ».>,»,«  &paflar  a  fonte  dcTiinavojOC  edificar  Cidade  cn- 

^eoptdolo  Eneas  navegou  ^/^j,^     ^  ^^  ^^^^  ^^^^.^  ,fl-,„,^.  Eftes  vcríos 

"De  Scylla.à-  de  Chapbdts  o  m^r  bra%0,  ^ -^  ^^  ^^^  ^^^^^^  ^  j^omens  doutos ,  &  curioíos 

Os  voffos  mores  coufas  intentando  ^^^  i^fj-^g  humanas ,  principalmente  a  cerca  do  rio 

Novos  mundos  ao  mundo  irão  mofirando,  Timavo  ,  do  qual  o  Poeta  aqui  tratta  depropo- 

fito,  fiabre  o  qual  rio  ha  grande  contenda  entre  os 

^iue  fe  o  facunda  Uly^es.  Facundo  hc  palavra  homens  que  íabcm.  Eílc  rio  hc  nos  confins  de 

Latina,  quer  dizer  eloquente,  &  copiolo  de  pala-  Aquilea  Cidade  da  Senhoria  de  Veneza, que  eftâ 

vrasj  tal  dizem  os  Poetas ,  que  foy  Uly fies:  fie  por  pou  co  mais  de  trcs  Icgoas  do  mar.  Deita  Cidade  á 

cRa  rezáo  o  faz  Homero  muyto  mimofo ,  &  fava-  outra  por  nome  Trieíl  (a  que  es  Autores  chamao 

recido  de  Palias,  que  CS  antigos  chamaváo  Deofa  Tcrgtfte  )  haverá  fete  legoas  ao  longO;da  cofta. 

da  Sciencia  ,  &  lhe  dà  por  epitheto  o  Divino  Junto  a  efta  Cidade  eftà  huma  Igreja  do  nome  do 

Ulyíies :  para  encarecimento  de  leu  avifo,  &  dei-  Bcmaventurado  S.Joaó,da  qual  fe  vem  humas  ler* 

criçaó.  Efte  foy  com  outros  Cavalley ros  de  Grc-  ras  afperas ,  &  pedregofas ,  de  cujas  quebradas,  ^ 

cia  â  conquifta  de  Troya  ,  onde  fez  muytas  cou-  quedas  fe  faz  hum  vallc,no  qual  íc juntâo  muytas 

ias  dignas  de  memoria.  Depois  de  Troya  deftru-  aguas  que  correm  dos  montes  que  tem  aodtrrc- 

ida,  caminhando  para  fua  pátria  Ithaca,pafibu  no  dor.  E  porque  efte  vallehe  fundo,  &  cercado  das 

mar  muytostrabalhos,&:  perigos,dosqua(s  traíra  íerras  que  o  cercaô  demancyra  ,  que  as  aguas  que 

J.Àrgamente  Homero  na  fua  Odyflea  ,  à  qual  poz  delias  decem  ,  não  tem  por  onde  fair  fora :  a  natu- 

cfte  nome,  por  não  trattar  nella  de  outra  coufa  le-  rf  za  lhe bulca  remédio,  8c  forvendo-fe  alli  da  ter- 

nâodeUlyHcs,  oqual  na  língua  Grega  Icchama  ra  ,  arrcbcntáo  ao  pé  dos  ditos  montes  prrdifíe- 

Odyjjeui.  Entre  eutros  rrabalhos  que  conta  Ho-  rentes  partes ,  a  modo  de  fontes,  com  tanto  im- 

mero  ,  hum  he  efte  de  que  oPocta  aqui  íaz  men-  pêro,  êceftrondo,  que  efpantaó  aos  quee  oiivenr 

çáo  ,  que  aportando  na  IlhaOgygia  ,  que  he  no  Eílas  fontes  ,  ou  bocas  por  onde  o  Timavo  íâ^flj 

mar  Jonio  defronte  do  cabo  Lacinio  ,  foy  agaza-  diZ  Eftrabáo  Capadócio  que  íàó  fete  ,  8c  Maf^ 

Ihado  de  Calypfo,  filha  de  Oceano  ,  &  Thetis,  &  ciai  diz  o  mcfmo. 
fcnhoradiiquellallha  ,  a  qual  por  efta  razão  hoje 

(m  dia  entre  os  Autores  fc  chama  Calypfo  :  ôc  de  Et  tu  Ledao  felix  Ae^mUa  Tirtruvt^ 

mancyra  o  agazalhou,  que  o  não  queria  largar  fa-  Hiç  uhfepttnaf  Cj/llarus  ítaufit  a^um» 


Lufiadas  de  Luís  de  Camões  Commentaãos,  49 

Ou  demoílra  como  paliando  Caftor  filho  de     outrascora  tanto  impeto,  2c  fúria,  que  parecem 


Tyndarojôc  Leda  por  aqucllas  partes,  bcbeo  o  feu 
cavalo  Cyliaro  Icte  aguas  :  dando  a  entenderas 
aguas  do  Timavo  ,  que  nafccm  de  Tete  fontes. 
\  irgilio  diz  que  laó  nove. 

Unãt  pfr  ora  novtm  vafio  cum  murmure  montii 
It  maré  fraruptumy  &  pélago  premn  arua  fonantú 


peleyjar  entre  fijhumasfopjndoj&c  outras  arreme- 
tendo, que  caula  grande  medo  nos  que  o  vem  ,  & 
efpantonosqueoouvem  :  donde  fe  levantarão  as 
fabulas  de  ScyJla ,  &  Charybdis ,  dizendo  que  na- 
quella  paragem  ladraváo  cács  ,  &  havia  outras 
nionftruoíídades  ,  o  que  tudo  he  pela  grande  re- 
volta ,  6c  furit  das  aguas,  como  conta  Juítino  ,  &: 
outros.  SciUa  hc  hum  penedo  chamado  hoje  peloi 
que  navegáo  Scyllo  -  Chary  bdis  he  agua  com  gra- 
des voltas,  Ôcrodomuinhos,  o  qual  lugar  fe  chama 
Gallofaro.  A  fabula  de  Scylla  conta  Ovidio  nas 
Mctamorphofcsjde  Scyllâ,&:  de  Charybdis  larga- 
mente Virgilio  na  Eneida.  Eítas  coufas  de  Ante- 
nor, ÔcEneas  pós  aqui  o  Poeta,  por  ferem  cele- 
bradas dos  Poetas  antiguos,as  quaes  faó  de  muyto 
pouca  importância  ,  em  comparação  das  que  os 
noílbs  Portuguezes  íízeráo  nas  partes  da  índia. 


Onde  maravilhofamente  delcrevc  a  lahidado 
Timavo,em  dizer  vafio  cum  murmurt^  pelo  grande 
ruído,  &  eltrondo  das  aguas  ,  de  que  laó  caufa  os 
muytos  penedos  com  que  as  aguas  le  encontrão. 
O  lugar  por  onde  efte  no  entra  no  mar  ( que  he 
iuntoa  Cidade Trieíl ,  de  que atraz falámos)  he 
pelos  naturaes  chamado  mar  ,  pelas  muytas  que 
leva:donde  diz  aqui  Virgilior/f  maré  pr^ruptum^éf 
pélago premit arua  jonamtivay  hum  grande,  &  impe- 
tuolo  mar  ,  que  parece  querer  aflblar  o  mundo. 
Deftes  verlos  de  Virgilio  tomáo  alguns  occaíiaó 
para  dizerem  ,  que  o  Timavo  não  he  nefta  para- 
gcin,nvas  que  he  hum  no  que  paíla  pela  Cidade  de 
Pádua,  a  que  os  antigos  chamavão  Meduaco  ,  6c 

hoje  pelos  Paduanos  he  chamado  Brenta  ,  que  faz  Os  TuYCOS  btllactffiniosJS  duYOS 
muytas  vokas  pela  Cidade,  &  por  elle  lhe  vem  em  ^£)elles  femPYâ  vereis  desbaratados: 
barcos  a  provilâo  neceflaria  dos  lugares  vizinhos, 
para  intelligencia  dos  quaes  veribs  íe  ha  de  notar, 
que  Virgilio  não  diflcque  Antenor  edificí\ra  Ci- 
dade neltc  lugar,onde  o  Timavo  corre,  mas  falou 
geralmente  que  edificara  ,  não  determinando  lu- 
gar ,  porque  a  palavra,  htc,  não  he  adverbio  ,  que 
moítre  lugar  mas  pronome  relativo,  que  refere 
Antenor  ,  &  que  ie  deve  juntar  com  o  tile  que  fe 
fegue:&  aflim  ambos  fignificáo  como  fe  tora  hum 
ló.  Hic  tamtntlUurlfem  Fatavi.  Efte  Antenor  diz 
Virgilio  edificou  a  Cidade  de  Pádua. E  defte  modo 
de  falar  ajuntando  o  hic  com  iUe  ,  &  fignificarem 
ambos  huma  mefma  couía  ufa  muytas  vezes  Vir- 
gilio. Hurtc  tllum  Fatís  extrema  â  fede  profeElum  ,  diz 
no  fetimo  ,  &  no  mefmo  li^ro  :  hunc  tllum  profcare 
fada.  Aífim  que  a  verdade  do  rio  Timavo  he  a  que 

tenho  dito.Quanto  as  fuás  fontes  não  fe  pode  com    Tremer  delle  Neptuno  de  medro fo^ 
certeza  affirmar  ferem  oyto,ou  fete,ou  nove,pela    Stm  vento  fuás  aguas  encrefpandox 
grande  confufaó,&  revolta  das  aguas  que  ha  na-     Q  cafonuncaviftoM  milagrofox 
fciíelleiugui  ao  luhir,nelo  que  todos  acertao.  as     r  n^  /  1    ^ /,/?>.«>//,i 

FrpnrZjnr.17  I  ç   u    ^  j  f-k       ^ueferva^^  trema  o  mar  em  calma  ejianaoi 

t.jeo  ptaaojO  Lneai  »avj£ou^  aeòcyllaj  (^  ae  Lha-  ^  /-         y     j      ,  r 

rjbait  o  mar  bravo,  Eneas  filho  de  Anchifes,  Sc  Ve-  ^  gente  forte,&  de  altos penf amentos, 

nusfoy  taô  pontual,  6c  tão  excellente  Varão,  que  ^e  também  delia  haõ  medo  os  elementosl 
merecco  epitheto  de  piadoío  entre  os  Poetas ,  co- 

«10  lhe  chama  aqui  o  noflo  Luis  de  Camóes  ,  8c  Vereis  ejie  «jue agora  preJJurofo.Ede  hc  Dom  Vaíco 
Virgilio  fez  muytos  livros  em  feu  louvor  ,  aos  daGamaConde da  Vidigueyra,ík  Almirante mór 
quaes  de  ieu  nome  intitulou  Eneida.  Efte  Eneas  do  mar  Indico,  o  qualEl-Rcy  Domjoaõo  Tcr- 
depois  que  fahio  de  Troya  fua  pátria,  paflbn  muy-  ceyro  elegeo  por  Capitão  mòr  de  huma  armada 
tos  trabalhos  ,  &:  perigos  no  mar  ,  como  conta  o  que  mandou  á  Indiano  anno  de  1514..  tom  titulo 
tnelmo  Virgilio.  Entre  muytos  hum  muy  arrif-  de  Viforrey  :  o  qual  indo  demandar  a  coita  de 
cado  toy  o  de  ScylU  ,  &  Charybdis,  cachopos  do  Cambay a  (  como  por  regimento  levava  )  foy  tão 
eltreytode  Meflina  entre  Itália,  £c  Sicília  ,  que  grandco tremor  do  mar,qucfezdefcorçoar ato- 
tcráde  largo  mil  gcquinhentos  paflos:  noqual  cf-  daaannada.  O  que  vendo  Dom  Vafco  daGama 
pailo  de  nur  tão  pequeno  fazem  as  aguas  grande  levantou  huraa  voz  alta  dizendo :amigos  prazer, 5c 
«llronUo  ,  5c  ruido  ,  encontrando-fc  huraas  com  aiegm ,  que  o  mar  treme  com  medo  de  noz:  como 

G  refere 


4(í 

Ortalezas  Cidades /$  altos  muros 
Vor  eUes  vereis  filha  eaifaados. 


Os  Reys  da  índia  livres j  &  feguros 
Vereis  ao  Rey  potente /objugadosi 
Epor  elles  de  tudo  emfimfenhores^ 
Seràõ dadas  na  terra  kys  melhores^ 

Ftrtatezas.  O  que  os  Portuguezes  fizcrão  na 
índia,  &  as  terras  queconquiftáraó,  he  aflás  notó- 
rio, &nefte  livro  fe  trata©  algumas,  &  logo  nas 
oytavas  feguintes  :  pelo  que  aqui  feefcula  tratar 
dellas,reíervandoas  para  feus  lugares  próprios. 


47 

V  Éreis  efle^que  agora  preffurojh 
^or  tantos  medos  o  índovay  bufcandõj 


5©  '  CayitQ 

leferejoáo  de  Barres  na  terceyra  Década  hb.  9. 
c.  I.  onde  diz  que  muytos  doencçs  da  araiarfa 
com  aqueJk  tremor  faràraô. 

48 

\'J  Éreis  a  ter  rasque  a  agua  lhe  tolhia^ 
'    ^ue  inda  ha  de  f^rbu  porto  muy  decéte^ 
Em  que  vã»  defiançar  da  longa  via 
j9s  nãos  que  navegarem  do  Occidentei 
Toda  ejia  cofta  em  fim  ^  que  agora  urdia 
O  mortífero  engano ^obedtente 
Lhe  pagar  d  tributos  ^conhecendo 
Não  poder  refifitr  ao  Lufo  horrendo. 

Vereit  a  terra  ejue  a  agoa  lhe  tolhia.  Entende  Mo- 
çambique, no  qual  lugar  (como  fica  dito)  lhe  qui- 
zcraó  eftorvar  fazer  aguada. 

§iue  inda  ha  de  fer  hum  porto  rfiuy  decente.  Hoje  he 
Moçambique  a  principal  cfcala  que  os  noflosna- 
Vios  tem  na  navegação  da  Índia. 

Lhe  fagar d  01  tributos.  No  anno  de  quinhentos 
5cdous  ,  em  que  Vafcoda  Gama  tornoya  Índia 
com  titulo  de  Almirante  màr  do  mar ,  &  com  húa 
frota  de  vinte  velas ,  fojeytou  toda  a  coita  de  Afri. 
ca  ,  &  fez  tributaria  a  El- Rty  de  Portugal  a  Ci- 
dade Quiloa. 

Ef^ereis  o  mar  roxotãofamofi 
Tornar fe  lhe  amare  lio  de  inflado: 
Vereis  de  Ormuz  o  Rcyno  poder  o fo 
T)Uas  vezes  tomado .^fojugado: 
Alli  vereis  o  Mcurofurio/ò 
T)efuas  mefmai {ettas  trajpajfado, 
§ue  quem  vay  contra  os  vojfos  claro  veja, 
^eje  rejíjie  jContr  a  fl peleja, 

E  vereu  a  mar  roxo.  A  cerca  do  mar  roxo  ,  por- 
que nem  Gregos,  nem  Latinos  acertarão  a  cauía 
dcfta  cor ,  não  tratarey  do  que  elles  difleraó  ,  & 
também  por  evitar  proluxidade,  A  verdade  ,  5c 
certeza  que  hoje  temos  pela  experiência ,  exames, 
&  diligencias  que  osnoílos  Portuguezcstemfey- 
to  he  cita  :  naquelle  mar  por  cima  das  aguas  apa- 
recem manchas  vermelhas,brancas,&:  verdes,que 
fazen^  crcr,aos  que  não  íabem  a  verdade,íer  aquel- 
la  à  vèrdtdeyra  cor  daqucllas  agua?:  O  que  não 
heaflim  ,  porque  fey to  como  digo  ,  exame  nas 
aguas,tÍ!ando-as  em  baldes,  fe  achou  procederlhc 
aquella  cor  do  íundo  ,  porque  a  agua  em  íi  he  tão 
clara  como  nas  outras  partes  do  mar  ,  ôc  aíTim  de 
mergulho  por  ter  partes  muyto  bayxas ,  fe  trazia 
do  fundo  huma  matéria  vermelha  de  coral  em  ra- 
mos ,  6c  aíTim  meímo  das  outras  cores  que  por 
cima  das  aguas  aparecião,ôc  não  fomente  íe  fez  pe- 
los noíTos  Portuguczcsefla  experiência  em  partes 
ba)'xas,mas  cm  outras  de  mais  de  vinte  braças  de 


Segundo, 
altura  ,  como  contí  João  de  Barros  nas  Décadas» 
Em  conclufaó  a  cor  do  mar  roxo  he  do  laftro  ,  6c 
fundo  da  terra,  &  tudo  o  que  os  Antiguosdeíla 
matéria  tratarão  hefalfo  ,  pois  elles  nem  experi- 
nientáraõ,nem  tratarão  deraizdefte  negoçío,co- 
mo  os  Portuguezes  o  fabemos  por  verdade vras 
Relações ,  6c  informações  de  noílas  armadas,  qu© 
naquellas  partes  tem  curfado,5c  çurfaó  continua- 
mente )  os  quaes  com  muyta  curicíidade  procura- 
rão tirar  a  limpo  a  verdade  do  caio. 

Fereíi  de  Ormuz,  o  Reyvo poderof».ACiáAát.á^  Or- 
muz ,  de  quem  o  Reyno  toma  íua  denominação, 
eftà  três  léguas  de  terra  firme  ,  fituadaemhuma 
pequena  Ilha  chamada  Gerum  ,  qucjazquafina 
garganta  do  mar  Perleo,  terá  em  roda  pouco  mais 
de  três  leguas,toda  muy  efteril,rero  ter  de  leu  nem 
hum  ramo,nem  huma  herva  verde,  nem  agua,ial- 
vodehunspoços,ou  ciílernasiôclc  a  querem  me- 
lhor ,  a  trazem  da  terra  firme  da  Pçrlèa  ,  donde 
também  lhe  vem  ortaliça,  verdura,  fruyta,  ÔC  ou- 
trasmuytas  coufas  em  grande  abundância  :  que 
Ormuz  não  tem  de  fua  colheyta  mais  que  lai  ,  ^ 
enxofre,  em  tanta  quantidade,  que  Uo  laltazem 
ladroas  n.io&.  Com  ícr  elta  Cidade  em  ú  tuóeíte- 
rii,nos  ILdificios  he  magnífica  ,  &  grotla  no  trato, 
por  ler  elcalaonde  concorrem  do  mundo  todo, 
^c  coii)  líie  viraefta  Cidade  tudo  de  tora, he  muy 
abaítada,  &  abundante:  &  tãofermofa  emfí,  que 
dizem  os  naturaes,  que  o  mundo  he  hum  anel,  & 
Ormuz  a  pedra.  Eíla  Cidade  tomou  duas  vezes 
aos  Mouros  Aííbnfo  de  Albuquerque  com  gran- 
de mortandade,  Sc  deílruição  dos  da  terra,  como 
contai  João  de  Barros ,  o  qual  trata  dç  huma  cou- 
l"a  maravilhofa  ,  de  que  o  Poeta  aqui  faz  menção, 
Qt-ie  íe  acháraó  muytos  Mouros  mortos  de  frc* 
chás  fem  outra  tenda  alguma  ,  não  havendo  na 
ncDa  arníada  pefiba  que  atiraíie  com  arco.que  pa7 
rccequeas  frechas  que  ellesatiravâo,  aelks  n.eí«» 
unos  !e  virávaó  ,  &  os  matávaõ-,  ^  aíí^m  morriHQ 
çom  íuas  próprias  armas,  como  «iiz  aijui  g  Focta. 

V  Éreis  a  inexpugnável  T^iofôrtey 
^e  dous  cercos  terá  dos  vojjos  fendo: 
Allije  moftraràfeupreço^^  forte, 
Ftytos  de  armas  grandiffimos  fazendo, 
Envejofò  vereis  o  gr aÕ  Mavorte: 
T>opeyto  LufttanoferoM  horrendo^ 
Do  Mouro  alli  veràô.que  a  luz  extrema 
Dofalfo  Mafamede  ao  Ceo  blasfema, 

Vereii  a  expugnavel  Dio  forte.  He  Dio  huma  Ci- 
dade marítima  no  Reyno  de  Cambaya  ,  a  qual 
alem  de  fer fortiífima  pornaturcza,  é.  merecer  o 
nome  de  inexpugnavei,tinha  à  entrada  do  porto 
huma  cadea  de  ferro  muyto  groíTa,  que  o  impedia 
a  todos ,  os  que  o  queriâo  tomar.  He  muyto  feri. 
til,Ôc  abundante  doneccílario  para  a  vida,  muyto 

íadia, 


Lu/iadas  de  Luis  de  Camões  Commentades. 
iadia ,  Sc  de  muyto  bons  ares  ,  &  aíTim  mefuao  de    E  vereis  em  Cochim  ajjinalarfe 
grande  trato.  Entregou-a  fem  guerra  o  Soldaó     Tãnto  hum  peytoJohrétoJB  iníolentey 
B.dur  Rey  de  Cambaya  a  Nuno  da  Êunha,  por-     ^,  Cythatajà  mais  cantou  vttoYta, 
oue  o  amdou  com  alguns  Portuguezes  em  huma    <^^  ^/Jt  mereça  eterno  nome ,^ gíort^. 


fí 


que  o  ajudou  com  alguns  Fortuguezes 
guerra  que  tinha  contra  os  Mogores,  por  cuja  via 
ioyrclUcuidoaíeucftado  ,  que  os  Mogores  lhe 
tinháo  tomado.  Arrcpendeu-le  depois,  &  quifera 
h^ver  Dio  à  maó,mas  não  foy  poderoío  para  iflo: 
antes  toy  efta  íUa  determinação  caula  de  lua  mor- 
te ,  porque  o  matarão  os  Portuguezes.  Quanto 
aos  dous  cercos  que  aqui  trata  o  l-'octa,o  primcy- 
ro  foy  fendo  Viíorrey  Dom  Garcia  de  Noronha, 
&  Capitão  de  Dio  António  da  Sylveyra  anno  de 
4  5^8.  &  o  fegundo  Governador  Dom  João  de 
Caltro,  oqualdcfendco  Dom  João  Maícarenhas 
anno  de  1547. 


Vtreu  a  fertaUz>a  fujientarjt  de  Cananor.  He  Ca- 
nanor  na  cofta  do  Maiavar,entrc  Goa,&  Cochim: 
íuccedeo  eftc  cerco ,  de  que  o  P  oeta  aqui  fala  ,  era 
Agoftode  1507.  fendo  Vifo-Rey  da  índia  Dom 
FranciÍcod"'Almeyda,&.  Capitão  da  fortaleza  de 
Cananor,Lourenço  de  Brito. Paílàraó  nefte  cerco 
os  Portuguezes  muytos  trabalhos,fomes,  6c  iedcs, 
&  lendo  muyto  poucos  houveraõ  grandes  vito- 
rias de  El-Rey  de  Cananor,6c  do  Samorim,  que  o 
ajudava. 

E  vtreii  Calecut  desbaratarfe»  O  Malavar  he  hu- 
ma  das  Provincias  da  India,em  cuja  cofta  diflemos 
atraz  eftar  Cananor.  Começa  eíta  Província  no 
monte  Dely  ,  Sc  acaba  no  cabo  do  Comori ,  entre 
os  quacs  dous  termines  haverá  oytenta  léguas  de 
comprimento.  Dizem  os  índios  que  cfta  terra  do 
Malavar  foy  cm  outro  tempo  mar,  o  qual  correo 
para  as  lihas  de  Maldiva,que  erao  naquelle  tempo 
terra  firme,  ôc  que  defta  maneyra  a  terra  que  ago. 
rachamão  Malavar  ficou  firme, Sc  as  Ilhas  de  MaU 
diva  alagadas.  Nefta  Província  do  Malavar  ha 
muytas,  Sc  muyto  ricas  Cidades,  das  quaes  Cale» 
cut  he  a  principal,de  que  aqui  o  Poeta  fala,  por  ler 
a  principal  elcala,  &  mais  rica  de  toda  a  índia:  por» 
tropoli  Epifcopal  da  índia  ,  Sc  o  património  dos  que  nella  fe  achaô  em  abundância  todas  as  coulas 
Reys  de  Portugal  naquellas  partes.  Eftâ  fituada  que  os  homens  bulcão  para  fuás  mercancias  ,  ôC 
eíla  Cidade  em  huma  Ilha  chamada  Teçuarij,  que  tratos.  Huma  imperfcyçáo  tera,que  he  ferem  to- 
quer  dizer  trinta  Aldeãs,  porque  tantas  teve  anti-  das  as  cafas  palhaças,faÍvo  as  dos  Reys,Sc  dosfeus 
guamentcSc  tantas  pagaváo  tributo  aos  Senhores  idolos,que  faó  telhadas,Sc  muyto  ricamente  guar- 
de Goa.  He  Cidade  muyto  nobre ,  de  muyto  cx-  necidas.  He  Calecut  muyto  fermofa  á  vifta  ,  por 
"  *"  "  ^  eftar  fítuada  na  cortado  mar  ao  longo  de  hum  ar- 


GOa  vereis  aos  Mouros  fer  tomada ^ 
A  qualiJirà  depois  a  ferfenhora 
'De  todo  o  Oriente M  fub limada 
dm  t)s  tnumfhos  da  gente  vencedora-, 
jllít  fokerbajaltivay  &  exalçada 
AoGentio^que  os  tdolos  adora^ 
^uro  freyo  porà^à'  a  toda  a  terra 
^e  cuy  dar  de  fazer  aos  voJòos  guerra* 

Goa  vereis  aos  Mouros  fer  tomada.  Goa  he  a  me- 


ccllentes  Edifícios  ,  tem  muyto  boas  aguas  ,  he 
muytofertH,  êc  graciofa,  Sc  tem  muyto  bom  por- 
to.Chama-fe  Ilha ,  por  fer  rodeada  de  cftrey  tes  de 
agua  lalgada  por  entradas ,  que  o  mar  faz  na  terra 
com  ajuntamento  de  alguns  rios  de  agua  doce, 
que  decem  da  ferra  de  Gate.Foy  efta  Cidade  duas 


recife  cora  muytas  hortas  ,  quetcromuytas  fruy- 
tas,ortaliça,  Sc  muyto  boas  aguas.Toda  a  terra  do 
Malavar  fe  chama  Calecut  do  nome  daCidade,Sc 
o  Senhor  da  terra  Saniori,que  he  como  entrenós 
Emperador  ,  por  fer  o  mayor  Senhor  de  toda 


vezes  tomada  aos  Mouros:  a  fegunda,Sc  da  qual  fi-  aquella  Província:  Sc  ao  qual  todos  os  mais  anti- 

.  cou  até  hoje  em  poder  dos  Portuguezes  ,  foy  hum  guamente  obedecião.  Efta  Cidade  foy  entrada 

dia  da  Bemaventurada  Santa  Catherina,de  mil  Sc  dos  nofios,queymada,  Sc  deftruida  no  mez  de  Ja- 

quinhentos  Sc  dez.O  modo  de  íua  tomada  íê  trata  neyro  de  1 509.  o  primeyro  anno  da  governança 

no  Canto  decimo.  de  Affonfo  de  Albuquerque,  Sc  dcs  daquelle  tem- 

Ao  Gentio  cjue  osidolos  adora  ,  duro  freyo  por Â,  Ifto  po  ficara  fogeyta  para  fempre  ,  íe  na  entrada  (t 

diz,  porque  de  Goa  facm  as  armadas  contra  todos  não  defmandáraó  os  noflbs. 
os  Mouros  da  índia  ,  que  pela  mayor  parte  faó         E  -vereis  tm  Coihim.  He  Cochim  cabeça  de  hum 

Gcntios,SccftaCidadeosenfreya,Scnáodeyxafa-  Reyno  chamado  aírim,eftá  50.  léguas  de  Calecut 

zer  coufa  alguma  contra  os  nofibsPostuguezes,&  na  cofta  do  Malavar.  Com  os  Reys  defta  terra  ti 


terras  que  tem  conquiftadas  ,  porque  eftá  lempre 
com  mão  armada  para  acudir  a  todas  as  partes. 

_    .  5^ 

VErets  afortalezafupentarfe 
1)e  Cananor  com  pouca  for  ça^í^  gente: 
E  vereis  Calecut  desbaratar/e, 
Qdaúepopuloja^  Q?  tàoptente. 


verão  fempre  os  Portuguezes  muy  ta  amizade  ,  8c 
em  toda  a  índia  nunca  acháraó  lealdade  ,  como 
nefte Rtyno.  Aqui  tem  El-Rey  de  Portugal  hu-í 
ma  fortaleza  muyto  fermofa  ao  longo  do  mar,  Sc 
a  principal  fey toria  da  índia, por  haver  aqui  gran* 
de  carregação,  principalmente  de  pimenta. 

AjfinaUrÇe  tanto  hum  pejto,,  Eftc  de  que  aqui  o 
Poeta  trata  foy  Duarte  Pacheco  ,  que  fez  em  Co- 
chim maravilhas  contra  o  Samori  Senhor  de  Ca- 

Gx  lecut, 


íj  Canto 

lecur,em  defenfaó  d'El-Rcy  de  Cochim:  ao  qual 
o  Saniorijôc  cucros  iriuytos  Senhores  do  Malavar 
perftguiraõjpor  fer  amigo  dos  Portuguczes,  como 
refere  o  nollb  Poeta  no  canto  decimo. 

Çiue  Cythara  /i  maif.Por  Cy thara  entende  a  Poc- 
íla  ,  pela  grande  conformidade  queneítas  Artes 
liberaes,Muíica,&:  Poefia  ha.  O  que  o  Poeta  aqui 
diz  para  encarecimento  da  grande  cavalieria  de 
Duarte  Pacheco:  ôc  que  tudo  o  q^e  os  Poetas  el- 
creveraõ  de  feytos  grant^es,  não  íe  poderão  com- 
parar có  os  que  fez  L) u ar ^^  Pacheco  em  Cochira. 

53 

NVncacom  Marte  inftruBoy  ^furtoCn, 
Se  vto ferver  Leucatejvfuando  Augujto 
Nas  civis  Âccias guerras  animo fOt 
O  Capitão  venceo  Romano  injufío: 
^e  dos  povos  da  Auroraste  do  f amo/ò 
Nt/Oy(^  do  Baãro  Scythico,^  tohujio^ 
^Víãoriatrazta,& prezd  rica^ 
^refo  da  Egypcta  lmda)&  não  pudica» 

Uunca.  coní  Marte  infiruão^  ó"  fi*T^io(o.  No  Epy- 
ro,que  hoje  íc  chama  Albânia, ha  huma  peniniu la, 
a  que  Piinio  chama  Leucadia  ,  onde  dizjiaver 
duas  povoações  ,  humapornome  Leuca  ,  outra 
Neiito:  nelta  llhaellâ  o  cabo  Leucate  ,  &  perto 
outro^chamado  Accio  ,  que  hoje  ícchama  Cabo 
figalo  :  na  qual  paragem  foy  aquelli  batalha  na- 
val entre  Anguílo  ,  6c  Marco  António,  tão  cele- 
brada pelas  hiítorias  :  em  a  qual  Marco  António, 
&  Cleópatra  Raynh^  de  Egypto  foráo  desbarata- 
dos. Diz  o  Poeta  que  ttrvia  Leucate,  não  porque 
nellefofle  a  guerra,  pois  era  no  mar,  fe  naô  pi)r  fei* 
muyto  í  erto  delle.Ou  porque  da  penínlula  Leu- 
cadia ,  que  aqui  entende  por  Leucate,  vinháo  al- 
gumas ajudas ,  &  apercebimentos  de  guerra.  Ufa 
da  phrafe  VirgilianatFervtrc  Leucaté,&c.^neid. 
lib.8. 

O  Capitão  venceo  Romano  injujlo.  Eíle  Capitão 
Romano  injuíto,  he  Marco  Antonio,queem  to- 
das as  partes  onde  cfteve  cometeo  muytas  iniuíli- 
ças  ,  &  fez  muytosaggravos  agente  que  gover- 
nava :  como  fe  pode  verem  Plutarco  na  lua  vida. 
Eílando  cite  Marco  António  por  Governador  do 
Oriente  ,  embaraçou  le  cum  Cleópatra  Raynha 
do  Egypto  ,  6v  repudiou  a  oytava  irmãdeOda- 
Vianò  Augufto  ,  &  roubou  o  povo  Romano  por 
enriquecera  Cleópatra  ,  dando-lhe  muytas  Pro- 
vmcias,ôí  Reynos.Oétaviano  Jofrendo  mal  a  inju- 
ria fey ta  a  íua  irmã,ÔC  os  aggravos,  &  sfrontas  que 
fazia  ao  povo  Romanojfdhio  de  Roma  com  gran- 
de exercito  em  buíca  de  Marco  António  ,  Sc  Cle- 
opatra;osqiiaestambem  abalarão  do  Oriente  com 
o  mefmodtfenho  ,  &  neíla  paragem  do  cabo  Fi- 
gdo  (de  que  atras  tratamos)  a  que  os  Lannof  cha- 
mão  aEli»,  le  encontrarão,  &  nverão  huma  cruel 
batalha ,  na  qual  foy  vencido  Marco  António,  6c 


Segundo» 
Cleópatra.  Depois  do  desbarate  fugirão  para  o  E- 
gypto,  Sc  recolheraõ-fe  na  Cidade  Alexandria,na 
qual  Marco  António  íe  matou  com  luas  próprias 
mãos ,  lendo  de  idade  de  cincoenta  ÔC  leis  annos, 
cuydando  fcr  Cleópatra  morta  :  o  que  ella  tez  fin- 
gir aos  leusjcomo  refere  Plutarco, por  certos  def- 
goílosque  entre  elles  houve.  Cleópatra  fe  matou 
depois  de  entrada  a^Cidade.  Velleo  Paterculo,  fie 
outros  querem,  que  com  humas  cobras  chamadas 
alpidcs  :  inda  que  nilfo  não  hà  outra  certeza ,  lai- 
vo levar  Odavio  quando  triumphou  defte  luc- 
ceílo,  Ixim  retrato  de  Cleópatra  com  huma  alpidc 
em  huifi  braço,  6c  Propercio  diz  que  o  vio.  A  ba- 
talha naval  entre  Octaviano  ,  6c  Marco  António 
delcreve  Virgílio  na  iEneid.i  lib.8. 

^ue  cioi  povoí  da  /íurora^y^  dit  famofo  Ntlo.  Con» 
vocou  Mirco  António  j^ara  eita  guerra  muyta 
gtntede  Períia,  Arábia,  Aru^enia,  í^cScythia  por 
onde  o  Rio  Bactro  palia:  ^do  iEgypto,  que  en- 
tende pelo  Nilo. 

Prefo  da  Ezpcta  linda  t  éf  na<t  pudtca.  Entende 
Cleópatra  Raynha  do  ilLgypto  ,  feraioia  ,  uias 
pouco  honefta. 

54 

("^  Omovereiso  mar  fervendo  acefo 
>  Com  os  incêndios  dos  vojjos  peltyjando 
Levando  o  idolatrai  &  Mouro prefò 
^De  Nações  d/fferentes  triumphundo, 
E  fojeyta  a  rica  atire  a  Cherjonefo^ 
^tè  o  longínquo  China  navegando'. 
E  as  libas  mais  remotas  do  Oriente ^ 
Ser  lhe  hà  todo  o  Occeano  obediente. 

E  fojeyta  a  rica  áurea  Cber-finefo.  He  Cheríoncíb 
palavra  Grtgâcompolfa  de  Cherlos  ,  6c  N nos; 
terra,  &  Ilha:  donde Cherfonclb he penínlula dif- 
ferentcdallha.  Porque  a  Ilha  he  toda  cercada  do 
mar:6c  a  peninfula  tem  terra  por  onde  le  entra  em 
terra  firme  :6c  porque  Chcríoneío  he  palavra  ge- 
ral a  todas  as  peniníulas  ,  para  le  elpecificar  a  de 
que  fe  trata,  le  lhe  dá  lempre  epitheto  convenien- 
te, como  a  Malaca  aqui  chamada  áurea,  que  quer 
dizer  de  ouro  ,  por  razão  do  muyto  queletrásde 
Moncabo,6c  Harros,que  faó  duasComarcas,don- 
de  íc  tira  na  Ilha  Samarra,  que  he  a  própria,  a  que 
os  Antigos  chamarão  Áurea  Cherlone(o,cuydan- 
do  fer  continua  a  outra  terra  firme ,  onde  ora  eltá 
fituada  Malaca.  Eíta  Cidade  he  cabeça  de  todo  o 
Reyno  afiim  chamado  :  eftà  em  dous  gráos  6c 
meyo  da  linha  para  a  parte  do  Norte.  Tem  muy- 
to bom  porto  ,  6c  frequentado  de  todas  as  Nações 
do  mundo  ,  porquede  todas  as  coufas  he  muyto 
abundante.  E  para  remate  de  tudo,  o  que  delia  Ic 
pode  dizer,  balia  o  epitheto  que  tem  d'ouro,aífini 
per  haver  muy  to  nella,como  por  ler  fcrmofiílima, 
&cheya  de  todas  as  couías  boas  do  mundo.  Efta 
ganhou  aos  Mouros  o  grande  Affonfode  Albu- 
querque dia  de  S.Lourenço  ,  anuo  de  1511.  ten- 

dolhe 


Lufiadas  de  Luis  dê  Camões  Commentados.  ff 

áolhe  já  dado  outro  combate  em  dia  de  Santiago     Lhe  manda  matSj  que  emfonhos  lhe  moftrajje 
da  me  ima  era  ,  como  le  pôde  ver  nos  íeus  Com-     ^  c^yra  onde  quieto  repoufajfe. 


ment.naj.  part.  ôcjoão  de  Barros  na  z.Dec.  lib.5. 

Cl. 

E  modo  filha  minha^  que  de  geyt9 


D 


Por  filho  Je  Maya.  Entende  Mercúrio  filho  de 
Jiipiter  ,  &  Maya  ,  filha  de  Atlas  Rey  de  Africa. 
Elie  fazem  os  Poetas  menlageyro  dos  fallbs 
Deoíes ,  como  aqui  diz  o  noflo  Luis  de  Camões: 


AmoftrâraÒ  èsjorçomaií  quebumam^    fingindo  que  o  mandara  Júpiter  leu  pay  com  re 


^e  nunca  Je  vera  são  farte  peyto 
^0  Gangetico  mar  ao  Gaditano: 
Nem  das  Boreaes  ondas  ao  eftreyto^ 
(shie  mo/irou  o  agravado  Lu(itano: 
^^^ot^Oíjfueemíodoo  mimdOj  de  afrontados 
Rtjufatapm  todos  os  ^ajfados. 

Dir  Gofi^etiefi  mxr  ao  Gaditano.  De  Oriente  ã 
Poente,porque  mar  Gangetico  he  o  mar  da  Índia 
Oriental ,  chamado  aíTim  do  Rio  Ganges ,  que  a 
rega.  O  mar  Gaditano  he  o  mar  Occidental  dito 
aíhm  de  Gades,que  he  a  Illha  Cadizno  Poente. 

JV*»z  Jas  Boreaes  ondas  ao  efíreyto^íjue  wo^rau  o  a^- 
gravaUo  Lufítano.Vor  cíías  palavras  entende  as  ou- 
tias  partes  do  mundo,que  laó  Nt)rte,6c  Sur.  On- 
das  Boreaes  he  ornar  do  Norte  chamado  allimde 
Boieas  vento, que  lopra daqueila  parte.  Eílieyto j 
que  moítrou  o  aggravado  lluí]tano,l>e  o  elheyto 
de  Magalhães  que  caeaoSur.O  que  o  Poeta  quer 


CâUoaos  Portuguezes,avilando  osdatrayçâoque 
lhe  em  Mombaça  citava  ordenada  ,  6c  que  logo 
défle  á  vela  caminho  de  Mtlinde. 

E  para  ejueem  Mombaça  aventurado.  De  Móbaça 
fe  veja  a  noHaannotaçáo  no  canto  primeyro  oy« 
tava  54. 

5  7- 

J/4*  pelo  ar  o  Cylleneo  voava 
Com  as  afãs  nos  p'es  d  terra  dece, 
òua  vara  fatal  na  mão  levava 
Com  que  os  olhos  cançaàos  adormece-. 
Com  e/ia  as  triHes  almas  r  evo  cava 
''Dos  Ínfimos ,0"  o  vento  lhe  obedece , 
Nd  cabeça  ogalero  co(iumaãOj 
E  delia  arte  a  Melindefoy  chegado. 

Jd  fdo  ar  oCylkneo  voava.  Cylleneo  he  Mercu* 
rio,  chamado  afliin  de  hum  nioncedc  Aicadiucliu- 


dizer  por  cites  termos  de  falar  ,  con»  que  Júpiter     mado  Cyllene,  onde  era  venerado.   Neliaoycav 


encarece  a  valentia  dos  Portuguezes  he  ,  que  de 
Oriente  ao  PocnEe,  &  do  Norte  ao  Sur,  em  que  fe 
comprende  o  mundo  rodo  ,  nuncahouvegentc 
mais  estorçada  que  os  Portuguezes,  Quanto  ao 
Portuguez  aggravado  ,  de  que  neíta  o) tava  faz 
menção,  he  Fernão  de  Magalhães,  o  quul  aggra- 
Vadod^El  R^y  Dom  Manoel ,  por  lhe  não  que- 
ttt  acrecentar  dous  toftões  de  moradia  por  n.ez, 
fahio  de  Portugal,  &  íe  foy  a  Caítella:&c  noanno 
de  mil  Sc  quinhentos  fie  dezanove ,  fahio  do  porto     \^  ^  T)o  Lujitano  o  preço  grande^  ^  raro^ 


deicreve  as  iníignias  que  levava  Mercúrio,  quando' 
hia  levar  fuás  embaxadas.  Tudo  o  que  he  neccH- 
lario  para  declaração  deita  oytava  ,  (t  póJe  vcf 
no  canto  prtmçyro  ,  oytava  10.  De  Mclindc 
trato  na  oytava  feguintc. 

•^  Onjlgo  afama  leva, por  que  diga 


de  Sevilha  com  cinco  velas  para  as  Ilhas  de  Ma 
luco  :  o  qu.d  íoy  correndo  a  coita  do  Brazil  até  o 
Rio  da  prata,  queera  jà  deícubcrro  por  parte  de 
.Caítclla.fi,  caminhando  ciícgou  a  hum  Rio,a  que 
poznome de  S.Juliaó  que  elíá cmquarc ma 6c no- 
vt  grãos,  onde  invernou  na  entrada  de  Setembro, 
no  qual  ten^po  começa  o  veraó  naqutlla  terra, la- 
hiráo  do  Rio,  &  defcnbrirão  o  eítreyto,a  que  pu- 
zeraõnomcde  Magalhães,donomede  Fernão  de 
Magalhães  Capitão  d.iquellas  cinco  velas  ,  6c  da- 


^le  o  nome  ilíujire  a  hum  certo  amor  obriga, 
Efaz,  a  quem  o  tem  amado ^  caro» 
T>efia  arte  vay,faz,endo  a  gente  amiga 
Co  o  rumor  f amo zíffímOj& prec lar Ot 
Jd  Me  linde  em  defejos  arde  todOj 
'De  ver  dagentefórte  0  ge(tOi^  modo. 

Cênftgo  afama.  leva.  Enojada  a  terra  de  Júpiter, 
gcdos  mais  lalfos  Deoíes  por  lhe  deítruirem  os 


quella  armada,  o  qualeliá  em  cmcoentaôc  douS     Gigantes  feus^filhos,criou  novamente  a  fama  para 
grãos  da  banda  d&  Sur.  lhe  dcfcubrir  feus  vicios ,  &  para  fazer  notório  ao 

mundo,  quaó  pervcrfos,  &  cítragados  homens  fo- 
çC  rão  ,  comodiz  Virgiliolib.  4.  na  íua  Eneida,  E 

porque  o  oflicio  da  fama  he  dizer  tudo  ,  a  pinta 
aqui  o  Poeta  em  companhia  de'  Mercurio,para  de- 
clarar aos  Melindanoso  vdior  dos  Portuguezes. 
DaTama  fe  veia  a  nofláannotação  no  canto  nono, 
oytava  44.47.88. 

^lj*e  o  nome  tllu/ire  a  bum  certo  amor  obriga.  Coula 
natural  hc  aíFeyçoaremíe  as  pellbas  á  gente  excel- 

lente 


C"^  Omo  ijlndi(fe, manda  oconfagrado 
j  Filho  dt  Maya  a  terra^por que  tenha 
Htim pacifico pouoy  à-  fofjegado, 
*para  onde  (em  j  eceyoafrota  venhr. 
E  para  que  em  Mombaça  aventurada 
O  forte  Lapitãofe  não  detenha. 


M 


54,  Canto 

lente  em  alguma  arte  ,&  qucrerlhc  bem  ,  &  inda 
que  as  nao  conhcçáo  ,  lenáo  de  ouvida  fomente: 
donde  veyo  aquelle  dito  tão  celebrado,  Vtrtus  glo- 
riaWiglorta  aworem  parit.  As  boas  partes  fazem,  que 
os  homens  lejáo  conhecidos  por  fama.  Eíla  fama 
faz  que  a  gente  le  lhe  affeyçoe. 

iâMelmde  em  ãejtjoi  arde  todo.  Melinde  eílà  na 
cofta  de  Africa,  a  qual  íc  chama  hoje  coíla  de  Me- 
linde ,  porque  nclle  lugar  foraôos  Poituguezes 
bem  recebidos  ,  como  pelo  contrario  em  Mom- 
baça, 6c  em  Moçambique,  que  íaô  na  mefma  coí- 
ta.iiílà  Melindc  de  Mombaça  i  S.leguas  ties  grãos 
áa  banda  do  Sur.  He  Cidade  grande ,  &  bem  ar- 
ruada, dcmuytofermofascafasdepedra,  &cal, 
com  muytas  janelas,  5c  cyrados:  tem  muy tas  hor- 
tas com  muyta  ©rtaliça  ,  Ôchuyta  ,  Ôcmuytos 
mantimentos.  Naó  tem  bom  porto,  porferquaíi 
coita  brava,6£  eftar  dentro  de  hum  arrecife,  onde 
arrebenta  o  mar,mas  tem  hum  campo  ao  longo  do 
mar,  que  lhe  da  muyta  graça.  O  Rey  de  Melinde 
deu  Piloto  aos  Portuguezes  que  05  levafic  a  Ca- 
lecut. 

DAlllfara  Mombaça  logo  fartei 
Aonde  as  nàos  eftavào  temerofas^ 
^Faraque  à  gente  mande ^que/e  aparte 
1)a  barra  inimiga j  &  terras  Jojpe^topus: 
forque  muy  pouco  vai  esforço /3  arte 
Contra  infernaes  vontades  engano/as: 
^ouco  vai coração,aftucia^&Ji/òi 
Se là  do  Ceonâo  vem  celefie  avifà» 

Se  là  do  Ceo  não  vem  cekfie  avifo.  Dito  he  efte  de 
Varão  Cavalleyro ,  6c  temente  a  Deos  porque  nas 
terras  não  há  quem  fayba:  &  pouco  valem  forças, 
&  iaber  humano,  onde  Deos  náo  entra. 

60 

MEyo  caminho  a  noyte  tinha  andado^ 
E  as  eflr cilas  no  Ceo  cõ  a  luz  alheya 
Tinhaõ  o  largo  mundo  alumiado ^ 
Efo  c^o  ojono  a  gente  fe  recrea. 
O  Capitvõ  illuftrejà  canfado_, 
©í  vigiar  a  noyte  que  anecea^ 
Breve  repoufo  então  aos  olhos  davai 
A  outra  gente  a  quartos  vigiava, 

Meyo  caminho  a  mpe  tinha  andado.  Diz  que  a 
meya  noyte  aviíou  Mercúrio  ao  Capitão  niór 
Vafco  da  Gama,o  que  havia  de  fazer. 

A$  efirelUi  no  Ce»  co  a  luz  albea.  Chama  a  luz  das 
eftrellas  alheya  ,  porque  todos  os  Planetas ,  &.  eí^ 
trellas  recebe  a  luz  que  tem  do  Sol.Vcja.fe  a  noíla 
annotação  atrás  neftc  mefmo  canto  oytava  i. 


61 

QVãdo  Mercúrio  emfonhos  lhe  aparece 
T>tzendo\fuge.juge  Luzitano 
T>a  cilada  que  o  Rey  malvado  tece^ 
Tor  te  trazer  aefim^&  extremo  dano: 
Fuge^queõvento,^  o  Ceo  te  favorece j 
Sereno  o  tempo  tens^&  o  Oceano. 
E  outro  Rey  mais  amigo  n' outra  fartey 
Onde  podes  Jeguro  agazalharte^ 

Outro  Rey  mais  amigo  n" outra  parte.  Eftc  R  ey, 
que  Mercúrio  diílc  aos  Portuguezes ,  que  tinhâo 
mais  amigo  n^outra  parte ,  era  o  de  Melinde  que 
os  agazalhou  ,  6c  favorece©  muyto  diferente  do 
que  CS  receberão  todos  os  outros  defta  cofta  de 
Africa,porque  todos  determinarão  deftruilos; 

6z 

NAÕ  tens  aquifenão  aparelhado 
O  hofpicio  que  o  cru  T>iomedes  daval 
Fazendo  fer  manjar  acojiumado 
2)^  cavallos  agente^que  hofpedava: 
As  Aras  de  Bujiris  infamado. 
Onde  os  hofpedeí  trifles  imolava^ 
Terás  certas  aquije  muyto  ejperasi 
Fuge  das  gentes  perfdas^&ftras. 

O  hofpicio  éjue  o  cru  Diomedei  dava.  Efte  Dio- 
medes  foy  hum  tyrano  cruelilíimo  de  Thracia, 
quefuftentava  os  íeus  cavallos  com  a  carne  ,  & 
fangue  dos  holpedes  que  agazalhava.A  efte  matou 
Hercules ,  &  fez  delle  o  que  elle  fazia  dos  outros. 

jís  Aras  de  Bu/iris  infamado,  Buíiris  foy  hum 
grande  tyranno  do  Egypto  :  o  qual  lacrificava 
fcus  hofpcdes  aos  feus  ídolos,  &  querendo  fazer  o 
mefmo  a  Hercules,  omatouaclle.  Chamou-lhc 
aqui  o  Poeta  infamado  ,  a  imitação  de  Virgílio 
Georg.  2.  /í«í  illaudati  nefcit  Bufiridis  aras.  Ou 
não  iabe  os  altares  do  infame  Buíiris. 

^3 

VAyte  ao  longo  da  co(ia  difcorrendoy 
E  outra  terra  ai  haràs  demais  verdade 
Lá  quafi junto, donde  o  Sol  ardendo 
Iguala  o  diaj&  noyte  em  quantidade: 
Alli  tua  frota  alegre  recebendo 
Hum  Rey  com  muytas  obras  de  amizade  % 
Gazalhadofdguro  te  daria ^ 
E para  a  índia  cefta,&  Jabta  guia. 

Lá  efuafi  junto  donde  o  Sol  ardendo.  A  terra,  para 
onde  Mercúrio  encaminhava  os  noflbs  era  Mc- 
linde,que  cftà  quatro  gr^os  da  banda  do  Sur.  Pelo 

que 


Lujtadas  de  Luh dé Camões  Commentados]  5^ 

que  diz,lâ  quaíi  junto  donde  o  Sol  ardendo  igiia-  Ajfopralhç  Galerno  o  Vento,^  brando 

U  o  dia,õc  noyte  em  quantidadej  dando  a  enten.  Com  fuave ,  &  íezuro  movmenm 

der  que  elhva  perco  da  Jinha,nti  qual  paragem  os  at„,  ^^^:^„.  ^^/r  "j        x^  /  /    .j 

,      „                 ,  '•           ^\            *    »?(•   j  iy.os  perizos  paiaaosvao  falandos 

dias,&:  as  noytcs  (ao  iguaes.  Mas  porque  Mehnde  ^     r      s    r  Ji   '^^^  ^'*^j  ^'*''^''i 

elU  quatro  grãos  da  banda  do  Sur  .  ufou  defté  ^^^  m^l/eperdemõ  dopenfamento 

termo,  quaíi  dand»  a  entender,  que  eílava  perco  ^^  Çíifos grandes^donde  em  tanto  aperto 

<ia  hnha.  A  Vida  emfalvo  efcapafor  acerto. 

64 

Al  vias  bumiJaí  de  argento.  U,ntcnàesi$ag[iis  da 

ISto  Mercúrio  dtffeM  QJono  lei^a  mar  ,  as  qu^es  çoíluma  o  Poeca  chamar  argento, 

i_Ao  Capítão^quecom  muy  grande  e/pauto  que  quer  di^er  praca,pela  conformida4e,ôç  leme- 

ji cordãy&vé ferida  a  ffcuYa  treva  Ihança  que  na  qualidade  da  brancura  as  aguas 

©É'  humafubita tuz>,  &  rayofanto,  ^^'"  ^^"^  ellAicomo  os  Poscas,  mormente  os  Gre- 

E  vendo  claro, quanto  lhe  releva,  S°^  ^<^%^^  '^^'^^l  ^^^"^^  ^^^"L^^?  ^'"  '"^'>!;''^ 

■T^-^j.         ■  j.             •        .     7  partes  a  1  nctibíenaora  do  mar.  rtí/eí  4r£c«fcí>í  o«« 

í^aojedeternaterratmquatanto.  L,,  que  tem  pés  de  prata.  Galerno  hetemo.  a 

Com  novo  efptrtto  ao  mejtre  Jeu  mandava,  q^e  champô  os  mannhey  ros  de  todo  pano,  quan- 

^icas  velas  dejjeao  vento ^queajaprava,  do  fazem  viagem  í^tjuartclarjcomoellcs  falaó,  que 

he  hir  pn?  bonança  ,  melhor  que  coni  vento  a 

E  o  fona  leva  40  Capita»,  Levou- lhe  o  fono  com  popa.  Porque  èntâo  vay  a  nâo,  que  parecc,quefe- 

a  fua  v3ra,â  qual  entre  outras  propriedades,&  vir?»  nâo  move,fa2endo  prolpera  viagem. 
ttKlc$5lhc  atribuem  os  Poetas  cfta  de  tirar  o  íono, 

2cadormecer,cumodiz  Virgdio. /)<jí/tfw»úi,  á<5/í-  ^g 
mit^tey  &  lumina  m«rterefignat.  Faz  dormir,  & 

aco  rdar.  ^T~^  7«Ãá  huma  volta  dado  o  Sol  ar  dente  y 

^  X    Ef^^  outra  cnme  çóíV  a  ^quando  viraó 

*^  Ao  longe  dous  navios  ^brandamente 

DAy  velas  JílfeMy  ao  largo  vento,  Com  ventos  navegando, que  refpiraè: 

^ue  o  Ceo  nos  favorece,^'Deos  o  mUa.  forque  havião  defer  da  Maura  gente, 

Clue  hum  men/'4geyro  vi  do  claro  affento,  ^^ra  elles  mibar^ao  as  v^las  virão, 

^efó  em  favor  de  nofjos  paffos  anda.  H^m  do  tmor  do  mal.qne  arreceava, 

Ale^mta^fe  nifto  o  movimento  Torjefalvar  a  gente.a  cofia  dava. 
fíDos  marmheyros  de  htima,^  d' outra  banda ^ 

Lev ao, gritando, as  ancoras  acima j  rinha  huma  volta  dado  »  Sol  ardente.   Depois  que 

MoJtrandO  arudeforçaquefe  efiima,  Vafco  da  Gama  lahio  de  Mombaça, fendo jâ  deila 

oyto  léguas,  lurgio  huma  noyte  junto  à  terra,  por 

••  •  lhe  acalmar  o  vento  :  6c  ern  amanhecendo  apare- 
cerão dous  Zambucos ,  quç  laô  navios  pequenos, 

NNefietempo^que  as  ancoras  levavão,  os  quaes  feguiráo  Vafco  da  Gama  atè  horas  de 

Nafombra  e/lura  os  Mouros  efcõdiàos  velpera,dos  quaes  toQiou  hum  16,  porque  o  outro 

Mantamente  as  amarras  Ihecortavão  varou  em  terra,  &  a  gente  fepós  cm  falvo,  Iftofa- 

^or  ferem  dando  à  cofia,  deíiruidos:  ^'^  «  ^»P'^^"  '''^'  ^*^^°  ^^  P^"!f. ' .  P^í-q"^^^»"^^* 

Mas  com  vijia  de  Lynces  vigiavão  neceffidade  de  Piloto,que  o  levaflc  a  Ind.a ,  &  an- 

r\  cn     .                 r             *''<S*«*;'"^  dava  vendo  fe  O  podia  achar  de  bom  lanço  na- 

OsFhrtugnezesfempre  apercebidos,  „,5  p^rtes.E  por  eRe  rcfpeyto  trabalhava  tan- 

■MlleSyComo  acordados jOs/entir ao,  to  por  tomar  os  Zambucos.  E  iíto  he  o  que  aqui 

Voando ^^  não  remando  lhe  fugirão,  diz  o  Poeta.  Que  o  Sol  tmha  huma  volta  dado  If. 

que  era  paflado  hum  dia  ,  depois  que  fahiraó  de 

Mai  com  vtfia  de  L^ces  vigiavâo,  O  Lyncc  he  Mombaça,  &  (jue  ao  outro  dia  lègumtepela  ma- 

ânimal  que  vè  muyto,como  diz  Plinio  lib  28.  cap.  "^^  apparccerao  os  Zambucoi. 
fe.in  fine,  ao  qual  compara  aqui  o  Poeta  03  Portu- 

guczes,pela  grande  vigilancia,&  cuydado  que  ti-  ^^ 

qhâo  na  guarda  das  nãos.  A  fabula  de  Lyncio  ^T  Amhe  ooutro  queficatãomanhofo, 

convertido  em  Lynce  conta  Ovidio  nas  Meta-  ]%  Mas  nas  mãos  vay  cair  do  Lufit  ano, 

inorphofis,hb.<.  *                    j    %/i    ^   r    -^  r 

'              '  òemorigor  de  MartefuríofOi 

67  E [em  a  fúria  horrenda  de  l^^iUcanOs 

Asjà  as  agudas  proas  apartando  ^ue  como  fojfe  débil,  &  medro fo 

Htaõ  as  vias  húmidas  de  argento,  *JJa  pouca  gente  o  fraco  peyt  0  buMáttP: 


M 


t 


Canto  Scgtindo. 

de  Europa  a  luz  Pbeka.  Defcrevc  o  tempo ,  6c  dia 
em  que  a  nofla  armada  ouve  vifta  de  Mclmde.  O 
tempo  diz ,  que  era  quando  o  Sol  entra  no  Signo 
Tauro,  que  he  no  mez  de  Abril.  Luz  Phebea,hc  a 
luz  do  Sol.  Chama-fe  luz  Phcb:a,  porque  entre 
ouiros  nomes  que  o  Sol  tem  ,  hum  hc  Phcbo.  O 
roubador  de  Europa  hc  o  Tauro  ,   pelo  que  con- 
táo  os  Poetas,  quej  upiter  em  figura  de  touro  fur- 
tou a  Europa  hlha  de  Agenor  Rey  de  Phenicia, 
&  a  levou  a  Cândia  :  &;  por  eíle  rcipcyto  poz  a 
touro  no  Ccojôc  fez  delle  huma  conítellaçáo,quc 
he  hum  dos  doze  Signos  do  zodíaco.  Charoa  a  ef- 
te  tempo  alegre,  porque  he  o  mais  de  todo  o  anno; 
pois  a  terra  eíta  como  hum  fermofo  paynel ,  veíH- 
da  de  todo  o  género  de  boninas,  6c  H  ores.  Como 
fe  entenda  entrar  o  Sol  em  algum  Signo  ,  fe  lea  o 
queeícrevemosno  canto  quinto^oytava  Icgunda. 
Çiuando  bum  ,  (jf  uutro  corno  lhe  stjuentava.  líto 
diz.pelo  que  os  Poetas  dizem  do  Signo  Tauro, que 
cm  memoria  do  turto  que  fez  Jupiter,quanclo  era 
figura  de  touro  roubou  a  Europa  >  não  apparcce 
elte  Signo  no  Ceo  à  parte  trazcyra  :  ÒCalíima» 
principaes  eífrçllas  tem  no  roílo,  6c  pefcoço. 
E  tloré  eltrramava  o  de  Amalthca,  Para  niayor 
^luenenhHm  delles  ba.Kíkts  Mouros  que  tomáraõ     declaração  do  tempo ,  de  que  acima  falámos ,  ula 
noZambuco  ,  erao  daquela  coíla  de  Mclinde,     deílas  palavias,que  Flora  Deola  das  flores,  dcrra- 
gente  barbara,  6c  boçal,  pelo  que  nenhum  loube     mava  boninas,  6c  flores  por  toda  a  terra  emgian 
dar  razão  da  índia.  '  .    ^ 


56 

NaS  teve  repfíencta^  &/e  a  tivera^ 

Mais  dano  rejijimdo  recebera. 


Sem  o  rigor  de  Marte  furitío.  Diz  que  tomarão 
aquellc  navio  lem  contradição,  &  fim  a  furta  hor- 
renda de  Vulcano:  nem  peleja  alguma  \  o  que  mof- 
tra  por  cilas  palavras ,  Marte  ,  £c  Vulcaao  ,  hum 
Deos  da  guerra  ,  outro  do  fogo  1  como  fc  diz  por 
muytas  vezes  neílasnoflasannotaçóes.  Vulcano 
fe  toma  aqui  pela  artelharia  ,  6c  efpingardaria, 
como  he  ordinário  nos  Poetas  Latinas. 


70 

EComo  0  Gama  muyto  defejajje 
*Pí  loto  para  a  Índia  que  bufcava, 
Cuydou  que  entre  eftes  Mouros  o  tomajje. 
Mas  não  Ihe/ocedeo  como  cuydava. 
^ue  nenhum  delles  ha, que  lhe  enfinafje^ 
A  que  farte  dos  Ceos  a  índia  eftava^ 
Yorèm  dízemlhe  todos ^que  temperto 
Meímdeyonde  acharão  Tiloto  certo. 


de  abundância  :  Pelo  que  fe  contado  Corno  da 
Cabra  Amalthea,que  deu  demamarajupiter,que 
tudojO  que  qucrião  fe  achava  nelle.   De  Flora  fe 

LOuvão  do  Rey  os  Mouro  r  a  bondade,        veja  o  que  efcre  vemos  no  canto  ç.oytava  61. 
Condição  liberal fincero  peytO ^  A  mtmoria  do  dia  renovava  oprejjurofit  Sol  tjue  ê 

Ceorodeya.  Depois  que  o  Poeta  tratou  do  tempo 
que  a  nofla  armada  vio  Melinde  ,  que  foy  no  mez 
de  Abrili  tratta  agora  do  dia  ,  o  qual  diz,  que  toy 
aqucHe  em  que  Deos  poz  o  fcUo  a  quanto  tinha 
feyto.  Eífedia,como  confiadas  Hillonas,loy  dia 
de  Pafcoa  da  Refurrcyçâo  15.  de  Abril  de  14^8. 
dia,âo  qual  com  muyta  rezão  deu  o  Poeta  cite  no- 
me ,  quepoz  Deos  o  lello  nelle,  a  quanto  tmha 
feyto,pois  nelle  poz  a  ultima  máo  a  todos  0$  bene- 
fícios ,  6c  mercês ,  que  deíde  a  criação  áo  mundo 
havia  feyto  aos  homens;  principalmente  ao  da  lua 
Sacratifiima  Payxaó  ,  6c  Redempção  do  género 
humano.  E  afiim  diz,  a  quanto  tinha  feyto,  por- 
que entende  tudo  o  que  tinha  íeyto  dcide  a  Cria- 
ção, à  qual  fe  refere  á  Redempção,  6c  a  Redemp- 
ção â  Refurreyçâo,com  a  qual  acabou,6c  poz  ícU 
lo  a  todas  as  mais  obras  que  pelos  homens  tinha 

En        A.      ^    ^1  j       ^  fevto.E  afllm  o  Bemaventurado  S.  Paulo  adPhi- 

Ra  no  tempo  alegre  quando  entrava  v  ^      r      l  \  -  !  a  n.     i         -lu^riíTíma  cU 

*r         /    C     j  "V.    "  /         /   /  Jippcnfes  5.  iratradooeltaobraexcellentillimada 

No  roubador  de  Europa  a  luzphebea:         Omnipocencia  Divina  diz :  Qiie  a  mayor  conlo- 

laçâoquetemosChriftãos  ,  ôc  o  mayor  remédio 
para  todos  os  trabalhos  da  vida  ,  6c  para  todos  oS 
iucceflos  que  pode  haver  nclla ,  he,  a  efperança  da 
Reíurrcyção,pois  com  ella  acabou  o  Redemptor 
nollo  de  vencer,  6c  confundir  ao  demónio,  6c  nos 
abrio  as  portas  do  Paraifo  ,  que  G*antcs  cílaváo 
cerradas.  Chamou  ao  Sol  prcflurofo,quc  rodeya  o 
í.ra  no  tempo  êlegn  guando  entrava.  Ns  rouhder    Ceo ,  porque  em  f  ípaílo  de  vinte  6c  quatro  hora* 

dá 


71 
Ouvão  do  Rey  os  Mourox  abondade. 
Condição  liberal finceropeyto. 
Magnificência  grande  j  ^  humanidade ^ 
Compartes  de  granáiffimo  re/peyto: 
O  C  apitão  o  affella  por  verdade, 
Torquejã  lho  dij^era  defiegeyto 
O  Cyllenéo  emjonhos^^  partia^ 
Tara  onde  ofonhOi&  o  Mouro  lhe  dizia. 

OCyllenèo.  Atrás  fica  dito,  como  Júpiter  man- 
dara Mercúrio  feu  Embayxador,  a  avifar  os  Por- 
tuguezes,fe  defviafiem  de  Mombaça,  6c  que  fízef- 
lem  (ua  viagcm:que  adiante  acharião  porto,  6c  ga- 
zalhado  cm  hum  lugar  chamado  Melinde  :  cujo 
Rey  era  homem  de  grande  condição  ,  &  partes. 
E  ifto  he  o  que  aqui  diz  o  Poeta. 

72- 
Ra  no  tempo  alegre  quando  entrava 
No  roubador  de  Europa  a  luzphebea: 
guando  hum^^  outro  corno  lhe  aquentava, 
E  Flora  derramava  6  de  Amalthea: 
ji memoria  do  dia  renovava 
Oprefurofo  Sol  que  oCto  rodeya. 
Em  que  aquelle,  a  quem  tudo  eíiàfogeyto, 
Ofellopos  a  quanto  tinha  feyto. 


Lufiaãas  de  Luís  de  Camêés  Commentadoí,  5  f 

dâ  volta  ao  Univerfo,levado  com  furia^ôc  impeco  non  fecimui  ifft,  Vix  ect  nofira  "joco^,  Geraçâo,êc  bita^ 
do  pi  irBeyro  móbil ,  de  Oriente  para  Occidcnte,  vós ,  &  as  cauías  que  náo  fizemos ,  apenas  lhe  cha* 
como  íe  cratta  no  canto  dccirao,oytava  85.  mo  noflas. 


73 

QVandò  chegava  a  frota  àquella  parte 
Onde  o  Reyno  Melmdejajevia, 
T>e  todes  adornada,&  leda  de  arte^ 
^ue  bem  moftra  efti  mar  Q  Janto  dia: 
Treme  a  bandeyra/ueao  efiandarte^ 
Açor  purpúrea  ao  longe  aparecia^ 
Soaõ  os  atambdresy& pandeyros: 
Eaffientravão  ledos i&guemyros. 

Çju  btm  mofira  e/limar  o  fant9  dia.  De  fere  ve  a 
alegria  com  queaarmadachegoua  Melinde,  §c  o 
dia,que  foy  dia  de  Paícoa  da  Relurrcyçáo  »  como 
fica  dito. 

74 

ENcbefiíodaapraya  Melindana 
IJe  gente  ^quei)  em  vtr  a  leda  armada  ^ 
Gente  mais  'verdadeyra,&  mais  humana^ 
§ué  toda  a  d' outra  tetra  atras  deyxada. 
Surge  diante  a  ff  ata  Lufitana, 
^ega  no  fundo  a  ancora  pezada: 
Mandão  fora  hum  dos  Mouros  que  tomarão s 
*Por  quem  fua  vinda  ao  Rty  manifeJfàraÕ. 

^lut  toda  a  de  outra  Urra  atrai  deyxada.  Pontue  em 
todos  os  outros  lugares  daquclla  eofta  tiverão 
conrradjçáo,&  ruim  ga/.alhado, laivo  em  Mclindc. 

7$ 

ORey  quejàfàbia  da  nobrezai 
^e  tanto  os  Tortuguezes  engrandece, 
Tomarem  o  feu  porto  tanto  preza, 
planto  a  gente  for  ttfjima  o  merece, 
E  com  Ve rdadeyro  animo ^&  purez  i, 
^le  os peytõs generofos  ennobrece. 
Lhe  manda  rogar  muytOjquefahiffemi 
""Fará  que  defèus  Reynosfefervijfem, 

§lue  91  pej/tos  gencrojos  tnnobrece.  Próprio  da  no* 
i-breza  he  ,  guardar  verdade ,  6c  primor  cm  tudo, 
^dondcdifieo  Philofopho  DcQiocralcs  :  Fecndut» 
nobilitai  in  bono^  validocjue  corporis  hahitu  fita  cfi-,  bo' 
nnnum  autem  in  bonttate  morum.  A  nobreza  dos  ani- 
ntacs  conlille  nah  boas  feyçóes  do  corpo,  &  forta- 
leza, 6c  a  do  honiem  na  bondade  dos  collumes.  lií- 
tihea  verdadtyra  nobreza,  l"gundo  to*  os  os  lá- 
bios, &  náo  a  daquclles,  que  fiandofe  da  nobreza 
dos  avós, vivefubajxa,&;  eítragadannence.  Donde 
Ulyílès  naquclla  contenda  que  teve  com  Aiax 
^ue  Ovidio  reconta:  Namgenuit&  vroavoi^&  f «*« 


SAq  offerecimentos  verdadeyros^ 
E  palavras  fine  eras  _,não  dobradas^ 
As  que  o  Rey  manda  aosnobrts  cavalkyroi^ 
^ts  tanto  mar,&  terras  tempaffadas* 
Mandalhe  mats  lanígeros  Carneyros-, 
E  Galinhas  damejticas  Cevadas ^ 
Com  asfruytas^que  então  na  terra  havia^ 
E  a  vontade  à  dadiva  excedia. 

Lanigeroi  carneyros,  Lanigcros  he  epitheto  dd 
carneyro  ,  &  ovelhas :  ÔC  chama-fe  afiim  de  lana, 
L.Ami& geroi  que  quer  dizer  trazer,  por  lerem  cu- 
bcrtos  de  Iam» 

77 

REcebe  o  Capitão  alegremente 
O  menfageyro  ledo ,ò  feu  recadoí 
E  logo  manda  ao  Rey  outro prefente, 
^e  de  longe  trazia  aparelhado: 
EJcarlata  purpúrea  ^cor  ardente^ 
O  ramofi)  coral  fino  j^  pezado: 
^e  debayxo  das  aguas  mole  crece^ 
Ecomo  hefôra  deUasfe  endurece, 

O  ram»fo  coral,  O  Cotai  nace  debayxo  d*agiiá, 
como  lartro  dclla,a  modo  de  ramos  de  arvore  com 
niuytosefgalhos,como  heaflás  notorio,&:  fabido»' 
A  transformação  ,  Sc  fabula  do  coral ,  &  de  que 
modo  ioy  fcyto ,  conta  Ovídio  nas  Metamorphor- 
fís  lib.  4.  O  qual  cm  quanto  eftá  debayxo  d*'agua, 
he  mollc  ,  éc  em  o  tirando  fora  ,  le  faz  duro, 
como  diz  o  raelmo  Poeta  lib.  1 5. 

5íc,  c^  eoralium,ejuoprimMm  contigit  aurat 
Tempore  durefctt ,  mollis  futt  bei  ba  (ub  undis, 

Affim  o coraljdiz  Ovidio,  em  o  tirando  d*agua,  8c 
aparecendo  ao  ar ,  logo  fe  faz  duro ,  0  qual  debay- 
xo d^agua  era  hcrva  molle,6í  branda. 

78 

MAnda  mais  hum  na  pratica  elegante  ^ 
^e  cô  o  Rey  nobre  as  pazes  còceftajje^ 
E  que  de  nãofahir  naquelle  tnsíante 
'De  fuás  nãos  em  terra,o  defculpajfei 
*Fartido  afifio  embayxador  prepante. 
Como  na  terra  ao  Reyfe  aprefentafje^ 
Comefiilojque  T alias  lhe  en finava j 
Efias  palavras  taes falando  orava^ 

C§m  ejiilo  ^ut  Palias  Ibt  tnjtnava»  Palias  tínhaõ  os 

H  antigof 


CâHto  Segundo. 


cIjIndia,como  íetrattaneílc  livro  largamente  em 
muytos  lugares. 

81 


Q1)e  geração  tad  Uitra  ha  hi  de  gente, 
^e  bárbaro  coftumey&  ujançafca^ 


antigos  por  Deofa  da  Icíencia,  &  da  guerra.  Tem 
entre  os  Poetas  diferentes  nomes:  fingem,  que 
naceo  da  cabeça  de  feu  pay  deftemodo,  Eftando 
Júpiter  com  grande  dor  de  cabeça ,  mandou  cha- 
mar feu  íilho  Vulcano.  Sc  difielhe  que  lhe  fcndeíTc 
a  cabeça  com  hum  machado,  comofez,  ôclogo  _  _ 

fahio  Palias  armaria  molher  jâ  caladoura,ferrooía,     ^j^f.  f^ao  vedem  OS  portos  tãofimente 
&  com  huma  lança  nas  mãos.  Chamaó-lhe  Deoía     j^^^  tnda  o ho/picio  da  dejtrta  areai 
da  guerra ,  &  da  Iciencia ,  porque  dtas  4uas  artes     ^^^  ^^  tençãolque  peyto  em  nòsfefente] 
juntasparecem  bem,  Scajudao  muyto    L^^^^^^         t,ie de tãopoucageiL fe  arrecea 
a  razão  porque  fazem  a  Palias  nacída  da  cabeça  ae     c<^     *•   ^      r         ^      .  -^    _     ^     . ' 
Júpiter  leu, pay,pórf'er  cabeça,  ôcaílento  da  íabc- 
doria  ,  a  qual  parte  hemuyto  neceílaria aos  ho- 
mens que  tem  estorço ,  &  vivem  da  mibcia.  Don- 
de  nquelle  grande  Poeta  Homero  na  lua  Uiada  faz 
companheyros  a  Ulyfles ,  &  Diomedes ,  porque 
Ulyllcscranuiyto  avilado  ,  ôc  Diomedes  grande 
eavallcyro.  Veja-íc  a  noíla  annotação  no  canto 
terceyro ,  oytava  noventa  5c  icis. 


^e  com  iaços  armados  t  ao  fingidos 
Nos  ordenajfem  vernos  dejtruidos? 


7^ 

SVblime  Rey^a  quem  do  OiympQfuro 
Foy  da  fummajufttça  concedido 
Refrear  o  foberbopovQdura^ 
Não  menos  delle  amado ^que  temido^ 
Como  porto  muy  forte  ^^  muyfeguro 
^e  todo  o  Oriente  conktctãOj 
Te  vimos  a  bufcarjparaque  achemos 
Em  ti  o  remédio  certo ^  que  queremos^ 


Çlue  geração  tuõ  dura»  Efta  exclamação  de  que 
o  Pc>ctaaqui  ula,  hea  imitação  de  Virgilioonde 
lliontu  companhsyro  de  bncas  ,  vendo-le  livre 
de  huma  grande  tormenta  que  no  mar  leve,  poílo 
diante  de  Elyla  Dido  RaynhadcCarthago  ,  lhe 
reconta  o  maogazaJhado  que  rccebiáo  da  gente 
daquella  cofta,  que  nem  na  trifte,  &  dcícmparada 
área  lhe  deyxàvaô  fazer  aflento. 


^odgenushoe  homim^  quave  bane  tam  barbara  more 
Fermtttit  ptítrta^hojptcíú  prohíbemur  arena. 

Que  geração  he  efta  de  gente  ?  que  terra  tão  bar- 
bara permite  eíle  coftume  ?  eis  aqui  nem  na  área 
ngsdeyxáoporpè. 

M/4s  tu  j  em  quem  mny  certo  confiamos^ 
Achar fe  mais  verdade ^ó  Rey  benigno^ 


l^ão  wems  delle  amadoyfjm  temido.  O  vcràiácyro     _ 

Rey  ,ík  que  merece  eítc  nome  nas  terras,  ha  de  ter     E  aquelta  certa  ajuda  em  ti  efperamos^ 
cilas  duas  párt€s:bondadc,pela  qual  todos  os  bons     ^^^ ^.^,^Jg  o  Perdido  Ithaco  em  *yílcin0: 
o  amem:  gravidade,  &  intevreza,  com  que  íejate-     ^ teuportofeguros  navegamos 

{Conduzidos  do  interpn  te  "Divino: 
^epois  a  ti  nos  mandate ftà  muy  clarOt 
^e  es  dé  peyto  fincero^hwnano^à'  raro. 


graviuaae,  Cí  intey reza,  com  q 
mído  dos  ii))a<:)S.  Donde  Ilocrates  na  vicjii  de  Eva- 

torasjdizeíl.is  palavras:  Governava  a  lua  Repu- 
lica  táopiadoia  ,&:  humanamente  ,  que  os  que  o 
VJÚo  ,  nâo  íómenteaclletinhãopor  bemaventu- 
rado,  por  aílim  trattar  a  íua  gente:  como  aos  léus, 
per  affim  ferem  trattados  delle.  Em  concluíaõaf- 
fim  paliou  lua  vida  ,  que  nunca  nella  aggravou  a 
ninguém ,  honrando  aos  bons ,  Sc  caíligando  aos 
mãos. 

80 

NAÕ  fomos  roubadores  ^que  pajjando 
Petas  fracas  Cidades  defcuydadas^ 
A  ferro,  &  fogo  as  gentes  vão  matando 
^or  roubar Ibe  as  fazendas  cobiçadas. 
Mas  dafoberba  Europa  navegando 
Htmos  bufcando  as  terras  apartadas 
tD«  índia  grande_,&  rica  por  mandado 
^e  hum  Rty,quetemos^altOi&fublimado. 


^ueteve  o  perdido  ti  baço  em  Alcino.  Alcino  foy 
Reyde  Corcyrallha  ,  que  hoje  le  chama  Coríu, 
foy  muy  to  curiofo  de  jardins,  &  hortas:  &  dizem 
que  nelta  fua  Ilha  havia  tanra  abundância  de  fruy- 
tas,que  todoo  anno  as  havia,dc  maneyra  que  hu- 
ma acabada  ,  outra  começava  ,  donde  diííe  Ei- 
tacio  nas  Sylvas. 

Çiuidbifera  Alcionilaudem  pomaria  ?  vof<jut 
§l,ttt  nm(juamvacui  prodi(tntn 4etheraramtí 


Paraque  trattarcy  dos  pomares  de  Alcinoo  ,  que 

dão  fruyto  duas  vezes  no  anno  ,  &  de  voz  ramos, 

que  nunca  ertais  no  ar  vazios.  A  eíta  Ilha  aportou 

ÚlyHes  (a  que  o  Poeta  aqui  chama  Ithaco  ,  por- 

"    '  que  era  Senhor  de  Ithaca)  ,  £<  foy  recebido  ,  6c 

De  bum  RfjfejuetemêíaltOy^fuhlimado^^í^ccr^     agazalhadode  Alcinoo  com  rodo  o  bomtratta- 

El  Rey  Dom  Manoel  xiiij.  de  Portugal  ,  o  qual     mento  ,  coano  conta  Homero  na  Odiífea  hb.  5. 

com  muytamílancia  procurava  o  defcubrimcato     6,  &  7. 

Conduz,'uhf 


Lu/iaãas  de  Luts  de  Camões  Qommentades, 
ConJux^idoj  f!o  interprete  Otvtno.  Interprete  Di-     E  O  Rey  íllítftre, o peyto  obediente 


Í9 


vino  hc  Mercurio,por  que  o  Hngem  interprcce,& 
aicnlagcyro  de  Júpiter  ku  pay  ,  &  de  todos  os 
mais  íaiiós  Dtoles,coa)o  fica  dito  cant.i.oytav.3, 

ENaÕ  cuydes.ó  Rey^quenâ^JahtJJe 
O  nojjo  Çupttaõefí  Uru  ido 
inverte, ou  ajervtrte  porque  vi/Je 
Ou  Cofpeytajfe  em  tipeytopigtão: 
Masjaberàs^que  o  fez,. porque  comprije 
O  Regimento  em  tudo  obeaecidot 
*jDeJeu  Rijjíiíie  lhe  ntAnda^que  nãofayéi 
'Deyxanao  ajrota  em  nenhumpçrto^oupraya^ 


'Dos  Portugueses^  na  alma  imaginando, 
Tinha  por  valor  grande  Jê  muy  (obido 
O  do  Rey^que  he  tao  longe  obedecido^ 

§lue  tantos  Ceotf  ^  ptartt  vayfajjanâo.  Eíla  pa- 
lavra Ceo  ,  quer  dizer  propriamente  eíta  maqmna 
que  vemos,  ondeeítáoas  liítrelias  ,  6c  planetas: 
T  oma-le  também  pcloar,ôc  por  elte  rclpeytojpor 
regiões, Sc  partes  do  mundo,na  qual  fignificaçáo  o 
tomou  aqui  o  Poeta, &  nos  o  deelarámos  no  canto 
primeyro. 

"P  Com  rifinha  vfftaJ3  ledo  afpeyto 


Refpóde  ao  embayxadorj  q  tanto  ejlimai 
E  não  cnyJeií ,  o  Rey  ,  ^ue  nao  {»htffe.  Não  ufa  o    Toda  a  fofpeyta  mà  tiray  dopeytOy 
Poeta  deita  linguagem  íkhiírejViíle,  ôc  outras  que    JSlenJíUmfrto  temor  em  vósfe  imprima 
peiodílcurlodohvro  leachàraó .  por  falta  de  pa-    ^^evoppreço.á  obras faò  de gyto 

^tara  vos  ter  o  mundo  em  muy  ta  efiimtty 
E  quem  vos  fez  molejio  tratíamento, 
Nâopode  ter  (ubtdopenjamento^ 

Ntnbum  frio  temor  em  voz,  fe  imprima,  Epitheto 
mu)  to  uzado  cm  todos  os  Poetas  he  chamar  ao 
medo,  frioOvidiohb.  I.  Faílorum. 


{jeiouiicuriouo  livro  leacnarao,  portaitaaepa 
avras,Dias  por  ler  coílume  entre  os  Poetas,  uzar 
ckàuns  tempos  por  outros  ,  como  íeverá  neltc 
canto  muytas  vezes  :  6c  05  lidos  em  os  Poetas, 
aíTini  Laiinos  como  Gregos  ,  &  das  mais  lin- 
gur.b  ,  u  entendera  muyto  bens. 

84 

*T7  forque  he  de  vajjallos  o  exercício 


^te  os  membros  tem  regidos  da  cabeça:    Extimui/enfiefue  metn  riguiffeca^iilesi 


SSiào  querer ài\j>ois  tens  de  Rey  o  ojjicio'\ 
^^eningnvm u  fèu Rey  defobedeça-. 
Mas  ás  nmces tà"  ogranae  beneficio^ 
^u  ora  acha  em  th  promtte^  que  conheça 
Em  tudo  aquíllOiijue  elle,  &  os /eus  poderem j 
hm  quanto  Os  nos  para  o  mar  correrem. 

Em  quanto  os  rios  fará  o  Mar  correrem.  Termo  he 
de  talar  nuty  tu  ulado  entre  Oi  Poetas. 

J^itm  jugamontis  aper,fit4VÍ0í  dum  pifeis  amahit, 
Ditmejue  thyntõ  paf.cKíur  af€i  ,  dum  rore  cvcai^t 
êempcr  honei^nomenc^m  tnumjaudfjue  manubunt. 

Em  quanto  o  porco  andar  na  Terra  ,  opeyxeno 


Et  geltdum  (uitíto  pettort  frtgus  erat* 

Temi,&  Tenti  levanraríeme  os  cabelos  com  o  me- 
do ,  6c  em  meu  peyto  ertava  hum  medo  írio.  Lu- 
canoIib,j.  Ph^ri.GeUdos  pavor oecupat  artut.  O  me- 
do occupa  os  membros  íVios  ,  ôc  n^cutrcs  muytos 
lugares. 


DEnãofdhlr  em  terra  toda,  agente 
Tor  objervar  aujada preminenciat 
Atnaa  que  me  peje  ejirunhamente. 
Em  muyto  tenho  a  muy  ta  obediência: 
Masfe  lho  o  reg Imento  nâo  conCentej 
Ne  ?n  eu  coníentírey^que  a  excellencla, 
rio,  em  quanto  as  abelhas  comere«u  o  ouregáo,  &     T^epeytos  tao  leaes  em  fi desfaça 
as  cigarras  o  rocio, vivirà  o  vofíb  nomc,vofla  hon-    òó  porque  a  meu  dejejojaíjsfaça, 
ra,  Sc  vofios  louvores.   Deílcs  modos  de  encareci-  ^'^ 

nícntos  eílão  os  Poetas  cheyos,  &  laó  muyto  ula-  por  ehfervar  aufada  preminemia.  P orq lie  hc caí- 

dos na  pratica  commum  dos  homens  para  dizer     tumenâodelembarcar  o  Capitão  ,  &  gentcpriíx- 
cm  quanto  o  mundo  duiar.  ciial  em  terra  de  inimigos. 


«5 

Aífi  diStia^^T  todos  juntamente 
Hunsccm  outros  em  pratica  falando, 
Louvào  muyto  o  ejlamago  da  gente  ^ 
^t  tantos  Ceosyí^  uares  vay  pajfando: 


88 

1^  Orem^como  a  luz,  craflina  checada 
y/<?  mundo  forcem  minhas  almadlas 
Eu  Irey  vi  fitar  a  forte  armada, 
^lue  ver  tanto  dejejo,  hà  tantos  dias. 

Ha 


E 


6o 

Efe  vier  do  mar  desbaratada  ^ 
iJofurtofo  vento jò"  longas  vias, 
yíqui  terá  de  Itmpos  ^enf amentos 
Piloto  mumçêesjé'  mantimentos, 

Torèm  como  a  luz,  crafiina.  Como  amanhecer, 
porque  craftina  na  lingua  Latina  quer  dizer  cou- 
íadodia  feguinte. 

Almaàiês,  São  barcos ,  de  que  fe  uía  naquellas 
partes. 

ISto  àijfefê  nas  aguas  fe  e/condia 
O  filho  de  Latonaj&  o  menfagtyro 
Com  a  embayxada  alegre  fe  partia 
'Para  afrotanofeu  batelligeyro, 
Enchemfe  os  peytos  todos  de  alegria^ 
'Por  terem  o  remédio  verdadeyro 
^ara  acharem  a  terra  que  bufcavâo 
Eaffiíedosa  noytefefiejavaô, 

O  filho  </«  Latona.  Apollofilhode  Júpiter  ,  & 
Latona  que  he  o  Sol:  Sc  porqjjc  elle,  &  a  Lua  na- 
ceráo  ambos  de  hum  parto  na  Ilha  Delos ,  tem  os 
ir.clmos  nomes  entre  os  Poetas,  de  que  nos  trattà» 
IDOS  por  muy  tas  vcz.es  nefte  livro.  Diz  que  Te  e(- 
condja  nas  agua?.  Veja-fe  a  noíla  annoiaçáo  no 
cauto  primeyro  ,  oytava  5^. 

5)0 

NAõfaltão  alli  os  rayos  de  artificio  % 
Os  trémulos  cometas  imitando j 
Fazem  os  bombardeyros  feu  officio 
O  Leoa  terra  as  ondas  atroando: 
Mojirafe  dos  Cy dopas  o  exercido. 
Nas  bombas iqiie  de  fogo  efião  quey  mando: 
Outros  com  vozes ^com  que  o  Ceofertaõ^ 
Inftromentos  altiffonos  tangido, 

JS!ae  faltai  alli  01  rayos  de  artificio,  Defcreve  o 
Poeta  a  fcfta  ,  &  alegria  que  houve  na  arma<ia  ven- 
do que  chegavãoâ  terra  que  bulcavao  ,  na  qual 
houve  muyios  foguetes,  aos  quaes  o  Poeta  chama 
rayos  de  artificio. 

Oj  trémulos  eomttas  imitanJo,  Entre  as  Impref- 
íócs  ignitas  de  que  os  Philolophos  trattão,  fe  con- 
ta também  o  comcta,o  qual  fe  gera  das  exhalaçôcs 
da  terra  levantadas  ao  alto  do  ar  por  huma  influ- 
encia natural,&  virtude  do  Sol,&  dos  mais  Plane- 
tas, &  EftrcUas:  nas  quaes  exhalações  com  a  rczi- 
nhança  d©  fogo,  &  movimento  do  ar  fe  inflamão, 
&  duráo  por  algum  tempo  com  novas  ajudas,  que 
lhe  da  terra  vão  d*outros  vapores,  £c  exhalaçóes. 
Eftes  cometas  tem  differenies  nomes  entre  os  Phi- 
lofoj  hos  ,  conforme  á  figura  que  aquella  matena 
inflamada  lhe  faz ,  como  diz  Ariftotcles  nos  Me- 


Canto  Segundo, 

tcoros.  Pliniodiz,  que  as  razões  que  os  Philofo. 
phos  daó  neílas  matérias  do  Ceo  ,  íaõ  mais  fubti. 
Icza  de  engenho ,  que  verdade  :  6c  que  a  natureza 
proveo  neítas  coufas  por  alguns  rcípeytosoccui- 
tos  j  o  que  fevé  claramente  por  acontecerem  pou. 
cas  vezes,âc  em  certos  tempos:  donde  proctde  ler- 
nos  elcondi^  a  raz.ác  diíto.He  dito  avilaclo,&:  tu- 
do o  mais  íao  galantarias ,  o  que  todos  os  Phiiolo- 
phos,  &  poetas  dizem  dos  Cometas.  E  mdaque  el- 
les  o  não  difl^eráo  ,  a  experiência  no  lo  enfina  5c 
heque  pela  mayor  parte  laófínacs  de  males  gran- 
des, guerras,  peíles,  fomes,  morte  de  alguma  pcl- 
íoa  abalizada.  Donde  Lucano  na  fua  Pharfalia. 

Ignota  ohfcura  viderunt  fyJtra  no6leSy 
yirdentemcjue  polumflammtstcaloejue  volantes 
Obliquas  per  inane  faces  ^crinemíjue  time fult 
Sjfderis,  ^  terrts  mníantem  regna  comtttn. 

As  obfcuras  noy  tes  (  diz  o  Poeta  Lucano )  vcráõ 
Eftrellas  não  conhecidas :  grandes  fogos  no  Ceo, 
&  o  cometa  mudador  dos  Rcynos. Chama  o  Popta 
líUcano  ao  cometa  mudador  de  Rey  nos ,  porque 
prognoílica  fua  deftruiçáo  como  fica  dito. 

Mo/lrafe  dos  Cyclofas  o  íxcrocio. Fingem  os  Poetas 
que  tinha  Vulcano  Ferreyro  de  Júpiter  leu  pay  na 
Ilha  Lipara,  huroa  das  Eolidas,  as  quaes  eílão  en- 
tre Italia,  &  Sicilia,  certos  obreyros  que  o  ajuda- 
vão  a  fazer  os  rayos  para  Júpiter  feu  pay.  Eítes 
eráo  três,  Brontes,  Eíleropes,  ôc  Pyracmon  filhos 
de  Neptuno,  &  Amphytrite.  Chamaváo-lecíles 
Cyclopas,  como  lhe  chama  aqui  o  Poeta,  por  te-», 
rem  hum  fó  olho  grande  na  tefta  de  cyclos  ,  que 
hc  o  circulo,  Scopf.  oolho,  por  terem  hum  fó 
olho  muytogrande.O  que  o  Poeta  quer  raoftrar, 
he  que  nefte  recebimento,  6c  feita  do5  Portugue- 
zcs,  &  Melindanos  havia  muytos  foguetes,  bom- 
bas ,  &  rodas  de  fogo  ,  &  outras  fcílas  ,  que  o 
Poeta  reconta  neítas  oytavas. 

91 

REfpondemlhe  da  terra  juntamente 
Com  o  rayo  volte  ando  ^  com  Zonidot 
Anda  emgyros  no  ar  a  roda  ardente^ 
Eftoura  o  pò  fulphureo  efconàido: 
 grita  fe  levanta  ao  Ceo  dagente^ 
O  marfe  via  em  fogos  acendido, 
E  naÕ  menos  a  terra\&  affifefleja 
Hum  ao  outro  â  maneyra  de  peleja^ 

Anda  emgyros  no  ar  a  roda  ardentcAi^da.  as  yoltaj 
no  ar  a  roda  de  fogo. 

E/loura  o  pé  fulpbstreo.Pó  lulphureo  he  a  polvori 
a  qual  os  Latinos  chamáo  pui  vis  fulphurcus,p^ 
de  enxofre  ,  porque  fc  faz  deli c. 


Ma 


Lufiadas  de  Luis  de  Camões  Commentadoí. 

Traz  o  Rey  de  Me  linde  acompanhado 
o  1  2)í  nobres  defeu  ReynOj  ^  defenhores: 

Vem  de  ricos  vejiidos  adornado 
Segundo Jeus  cofiumes^ô" primor es^ 
Na  cabeça  humafota guarnecida^ 
2)í  ourOj&  de  fedaj&  de  algodão  tecida. 


6í 


MAsjâ  o  Ceo  inquieto  revolvendo^ 
Ai  gentes  incitava  afeu  trabalho'. 
El  d  a  mây  de  Menon  a  luz,  trazendo^ 
Aofono  longo  punha  certo  atalho, 
Hiaõfe  asjombras  lentas  desfazendo. 
Sobre  as  flores  da  terra  em  frio  orvalho*. 
(Quando  o  Rty  Meltnaano  fe  embarcava 
"^ ver  a  frota, que  no  mar  eãava. 

Mas  jd  o  Cíâ  /«^«ifítf.Defcreve  o  Poeta  nos  pfí- 
n^.eyros  (eis  verios  delia  oytava  o  tempo  da  ma- 
nha. Por  Ceo  inquieto  entende  o  primeyro  mó- 
bil ,  o  qual  com  curfo,  &  movimento  arrebatado 
faz  I  que  todos  os  mais  Ccos  dem  huma  volta  em 
24. horas.  Eíla  volta  he  caufa  do  dia,  õc  da  noytc, 
como  o  Poeta  aqui  diz,  &  henotorio  aos  que  en- 
tendem as  pniiieyras  letra»  da  Aílrologia.Chama 
ao  primeyro  móbil  inquieto, porque  íeucurfo  he 
rauy  arrebatado.  Veja-fe  o  que  cícrevemos  no 
canro  decimo,oytav  a  85. 

fííaÕ-(e  as  lentas  (omkras  Jeifazen(io.Kfí.Sí  hea  ra- 
zão ,  porque  de  todo  o  tempo  da  noyie  a  manhã 
he  mais  fría,porque  le  recolhem, £c  ajuntào  todas 
as  humidadcsahum  lugar, fugindo  da  prcfença  do 
Sol, que  le  chega.  E  apartadas  de  huma,  6c  outta 
parte, le  faz  em  orvalho,como  o  Poeta  aqui  diz. 

Por  mây  de  Memnon  entende  a  Aurora,  Efte 
Meranon  íoy  Rey  de  Oi  lente ,  pelo  que  lhe  daõ 
a  Aurora  por  fuamáy.  Da  Aurora  íe  veja  o  que 
trattámos  cm  outro  iugar,oytava  i4.canto  i. 

\7  laõfe  em  derredor  ferver  as  ftrayas 
IDagente^que  a  ver  fó  concorre  leda: 
Luzem  da  fina  purpura  asQabayas\ 
Lu/ir aô  os  panos  da  tecida  feda: 
Em  lugar  de  guerrearas  azagayas 
E  do  arcoyque  os  cornos  arremeda 
2)tf  Lua, trazem  ramos  da  palmeyra^ 
*Dos  que  vencem^  coroa  verdadeyra. 

Trazem  ramos  de  palmtyra,  A  palmeyra  he  final 
de  vitoria  ,  como  diz  Aulo  Gelio  nas  fuás  noytes 
Atticas:  onde  alleg-^  Plutarcho,  &  Ariftoteles. 
Tem  eílu  arvore  tal  propriedade,  quepormayor 
carga  que  lhe  ponháo,  fempre  trabalha  por  fe  Ic- 
VantarA  por  mais  que  a  apertem,  &  nialirattem, 
fempre  icfifte.  Da  natureza  dtfta  arvore,  íc  veja  o 
Autor  dos  Chibadas  no  provérbio  Palmam  ferre» 


Na  cabeça  huma  fota,  Huma  fcíta,hc  huma  toií^ 
ca  de  varias  cores  ,  &.  teyta  para  le  trazer  na  ca- 
beça ,  o  qual  trajo  coíf  uináo  os  Mouros ,  6c  ufaó 
dellc,como  nós  câ  dos  chapeos. 

C"^  Abaya  dedamafco  ricOi&  dinOj 
^  T>a  Tyria  cor  entre  tiles  eflimada^ 
Hum  collar  aopefcoço  de  ouro  fino  j 
Onde  a  matéria  da  obra  he  fuperada: 
Cum  refplandor  reluze  adamantino j 
Na  cinta jU  rica  adaga  bem  lavrada: 
Nas  alparcas  dos  p'es  em  fim  de  tudo 
Cobrem  ouro,  &  aljôfar  ao  veludo, 

Cahaya  dedamafco.  He  Cabaya  huma  vcílidiirn 
muyto  elti  eyta  ,  6c  apcrtsd  i  com  o  corpo  ,  caino 
as  trazem  os  Mouros  hoje. 

Dd  Tyria  cor.  Em  Tyro  ,  6c  Sydo  ,  Cidades  de 
Phenicia  que  hoje  fe  ciiama  Suria,  fe  faz  gram  cx- 
cellente  ,  pelo  quea  eíla  cor  chaináoosLatinos 
cor  Tyria,  ou  Sydonia. 

Onde  a  matéria  da  obra  he  /«píi-ái/í. Encarecimen- 
to dos  vertidos  que  levava  jquer  dizer,onde  o  fey* 
tio  vai  mais,que  o  propriojO  que  diflc  á  imitação 
deOvidiolib.  2,  in  principio,  o  qual  gabando  os 
paços  do  Sol,  diz,  Materiam  fuperabat  oput^  ofey- 
tio  valia  nuis  que  a  matéria  ,  roais  que  ouro,  pra* 
ia, Sc  mariiin,de  que  eráo  fabricadoSé 

C'>  Om  hum  redondo  empar  o  alto  de  feda, 
^  Numa  altay  (^  dom  ada  aflea  enxerido^ 
Hum  mtniflro  a  folar  quentura  veda% 
^e  não  offenda,  ^  queyme  o  Rey  fubido, 
Mufica  traz  naproa  eííranhat&  leda 
T)e  afpero  fomjjorrifono  ao  ouvido: 
^e  trombetas  arcadas  em  redondo, 
^efem  concerto  fazem  rudo  eíírondo. 

Com  hum  redondo  amparo  alto  dt  feda.  Entende© 
chapco  do  Sol,  que  naqucllas  partes  fe  uía  muyto. 
Som  borrifon».  Som  clpantofo»  &  que  hz  cílrondo. 


H 


5?4 
Um  batel  grande  ^fê  largo  jque  toldado 
Vinha  de  fedas  de  diverjas  cores^ 


N 


í>7 
Aõ  menos  guarnecido  o  Lufitano 
Nos  {eus  bateis  da  frota  je  fartia 


Çt  Canto 

A  receber  no  mar  o  Melmdam^ 
Lom  íujírofãj&  honrada  companhia: 
^íjíiíO)  o  Gama  vem  ao  modo  Hijpano, 
Masjrancefa  era  a  roupa  que  vejfta 
UJejetim  da  Adnattca^eneza^ 
Larmefi.cor  que  agente  tanto  preza» 

'    Da  Adriática  1^'eneza.  Veneza  he  huma  Ciclíiae 
edificada  no  mar  ,  rodeada  ,  &  entretecida  com 
a^ua  laigada^  mais  fcrmola,  6c  rica,  Ôc  de  mayor 
irattOj&  negocio  do  mundo.  Foy  o  principio  de 
lua  edificação  no  anno  de  nofla  ialvaçáo  de45<5. 
no  mez  de  Março  ,  cm  tempo  que  o  cruel  Atila  (a 
que  os  Elcricores  chamão  açoute  de  Deos )  del- 
truhia]taiia,aferrOj£c  fogo:  íci-n  de  circuito  duas 
léguas,  6c  eítá  da  terra  firme  outras  duas,  pouco 
niais,ou  mcnos,anda'le  toda  por  mâr,&:  por  terra, 
falvo  alguns  bayrros,  aos  quaes  íe  náo  pôde  irfe- 
nâo  por  mar,por  lerem  partes  tão  deíviadas  da  ter- 
ra ,  quenâo  íc  podem  nellas  fazer  pontes.  Para  a 
paliagem  do  mar  ufaó  de  humas  barcas,a  que  cha- 
mão gôndolas  ,  d  s  quacs  tem  a  Cidade  paraefte 
iiHfter,raaisdeonze  mil,  que  eílâoferaprepreftcs 
de  dia,  &  de  noy  te,  para  o  ferviço  da  paflageni  de 
todo  o  gcnero  de  gente,ôc  por  muy  pouco  preço. 
E  para  a  paflagem  da  terra  tem  quatrocentas  6c 
cincoenta  pontes ,  a  mayor  parte  delias  de  pedra, 
&  as  outras  de  madcy ra.  Divide  a  eítafermola  Ci- 
dade era  duas  partes  hum  canal  de  aguadomefmo 
fnar,que  a  faz  muy  to  mais  fcrmola,  pelo  qual  na- 
vegue gaUs,  caravelas,6c  nãos.  No  meyo  do  canal 
tem  huma  ponte  fcrmofifljma  ,  ondehámuytas 
tendas  de  mercadores  em  que  fe  acha  todo  o  ge* 
nciode  mercadoria,  &curiofidade  do  mundo  cm 
grande  abundancia.Ha  nefta  Cidade  muytos  bro- 
cados de  todo  o  género,  ík  telas  de  ouro,  &  prata, 
pei lumes,  &  cbcyros  excellentiflimos,  &  muyta, 
ix  muy  rica  pedraria,  èí  ledas  de  teda  a  forte,  pelo 
que  uiz  aqui  o  Poeta  ,  que  hia  veílido  o  Gama  de 
cetim  da  Adriática  Veneza.  Chama-fe  Veneza 
Adriática, Sc  o  mar  Adriatico(comodÍ2  Polybio) 
de  huma  Cidade  por  nome  Adria  ,  que  efteve  en- 
ti  e  Ai  bocas  do  riò  Pó,  de  que  hora  náo  hà  fafto,  a 
qual  foy  Colónia  dosToícanos  (  como  diz  PÍj- 
nio),&.  Eílrabão.Hcrmolao  Barbai  o  nas  íuas  cal- 
ligações  Plinianas  quer  que  a  Cidade  fechamaile 
Atria ,  pela  quai  razão  o  mar  íc  deve  também  cha- 
mar Atriarico.  Náo  feuraaííim. 

DE  botões  douro  as  mangas  vê  tomadas  j 
Onde  o  Sol  reluzindo  a  vifta  cega. 
As  calçasfoldadejcas  recamadas 
Do  metalyque fortuna  a  tantos  nega. 
E  com  pontas  do  mefem  delicadas 
Os  golpes  do  gihào  ajuntai&  achega: 
AoLtaltCtí  modo  a  áurea  e/pada^ 
Tlumu  nagorra  humpQUco  declinada. 


Segundo* 

Do  metal  <jue  4  fortuna  a  tantoí  nega.  Entende  o 
ouro,  que  a  muyto  honrada  ,  &  boa  gente  faitu, 
como  faltou  ao  noílb  Poeta  Luis  de  Camões  ;  ÔC 
pela  mayor  parte  falta  aos  que  íegucm  o  roefmo 
exercício.  E  parece  que  he  natural  aos  Poetas  le- 
rem pobres.  Donde  o  pay  de  Ovidio  não  poden- 
do fof  rer  velo  affey  coado  ao  eítudo  da  Poclia ,  pu- 
nhalhe  diante  o  pouco  proveyto  queos  homens 
tiravão  delia. 

Sape  pater  dixit  :  Jludium  p^mãinatík  tentai 
Maomdíi  nullas  tpfereliqmt  opes. 

Filho  paraque  te  occupas  em  eftudo  de  tão  pouco 
proveyto.^oihaHomeroo  mayor  Poeta  que  hou* 
ve  no  mundo,com  fcr  elle,viveo,&:  niorreo  pobre,- 
£c  miferaveln)ente,donde  hum  moderno  diz; 

Has  artei  mágnii  dura  mercede  Pottis 
Concedtt  PLabui^jemperut  tndigeant, 

Apollo  ajuda  aos  Poetas,8c  lhe  communica  a  íujy^v, 
Sc  vea  que  tem,  com  condição  que  fejáo  pobres. 


99 

^l  Os  de/ua  companhia  fe  mojirava 
H  T>a  tinta^qiie  da  o  Murice  excellente^ 
A  varia  cor  que  os  olhos  alegrava^ 
E  a  maneyra  do  trajo  àifferente^ 
Talofermofo  ejmalte  fe  notava 
T)õs  veftidos  olhados  juntamente , 
^lal  aparece  o  arco  rutilante^ 
"Da  bella  Ntmpha  fiíha  ae  Taummte, 

Da  tinta  cfue  dã  o  Murice  exceUente.  Entende  a  cõt 
vermelha,  a  qual  fe  hz  do  pey  xe^Muricc,  que  por 
outro  nomeie  chama  Conchilium  ,  o  qual  hc  co- 
mo hum  búzio.  E  eítc  cortado  ao  derredor  com 
íerro  ,  lança  humas  gotas ,  como  lagrimas  de  cor 
vermelha  ,  &  por  eíla  razão  le  chama  agram  ,  oí- 
trum  ,  por  íe  tirar  deíles  peyxes  cubcrios  de  con- 
chas que  geralmente  fechamáo  oílras.  Asveíb- 
duras  tintas  com  o  Mutice  tinhão  hum  chéyro 
fartum  ,  &  que  tirava  a  fedor»  Donde  Marcial  el- 
crevendoahum  amigo  (por  nome  Lyciâno,Mobr< 
as  coulas  de  Heipanha  ,  louvandolhe  o  confclh' 
q  tomara  cm  largar  os  tumultos,ôi:  revoltas  de  R< 
n)a,&:  rccolherfe  a  Heipanha,  terra  quieta,  ôcfói 
daquelles  embaraços ,  entre  outras  coulas  lhe  diá 

Lunata  nu(tjua»i  pellis,  é"  nuj^uam  togiC 
Oiiãa  ^ue  vefUs  Murtce* 

Náo  vereis  em  Heipanha  fenhor  Lyciano.osfaí 
tos,  &■  pompas  de  Roma,  nem  vereis  os  homcnj 
veftidos  com  o  Murice  fedorento,  E  o  mefmí 
Marcial  zombando  ,  de  huma  Philene  ,  a  qut. 
nunca  tirav*  do  carpo  hum*  veílidura  verme- 
lha 


lha  que  tinha 
fotrer  o  fedor  ,  diz. 

7in5lií  Murice  vtftibm  ,ejuod  emni 
Et  n9&e utíturt&  Me  Philents, 
2^on  ejí  ambítiofa^nec  fuperba. 
Peleãatur  odort^non  colore. 


Lufiadas  de  Luís  de  Camões  Çommentad&s.  (>% 

que  não  havia  quem  lhe  pudeíle    onde  Dcos  o  deu  a  Noé  ,.Sc  a  feus  filhos  depois  do 

diJuvio  para  final  de  paz  enrrecUe  ,  Sc  ©5  homens, 
paraquc  vendo  efte  arco,  &:  final  poílo  por  Deos, 
não  temeflem  mais  na  terra  diluvio  de  agua  ,  & 
ainda  que  efte  arco  he  nacural,haveruos  de  enten- 
der que  foy  tambcra  dado  por  Dcos  parafinai  da- 
qucllepaóto,  que  fez  com  os  homens,  como  di- 
zem os  Expofitorcs.  Diz  Heytor  Pmto  ,  que  fc 
chama  arco  da  velha  ,  pelo  paélo  que  Dcob  fez 
com  os  da  Lcy  velha  como  já  fica  dito. 


Philene  trás  de  dia  &  de  noyte  huma  veíirdura 
<3e  gram  ,  não  o  faz  por  fobcrba  ,  nem  por  ambí- 
ção,nem  por  fe  alegrar  com  a  cor  ,  fenão  porque 
lhe  fede.  Notandoa  de  fuja:  &  a  illo  aludio  Virgi- 
lio,  trattando  da  felicidade,  &  abundância  de  to. 
das  as  coulas  que  havia  de  haver  com  o  novo  na- 
cimento  de  Salonino,  filho  de  Azinio  Polio,  com 


100 


SOn 
Os 


OnoYofas  tnmbetas  tncitavão 
ânimos  alegres  refonando^ 


o  qual  diz  que  cheyraria  a  gram  fuavcmente  ,  &    2)^ j  Mouros  os  bateis  o  mar  coalhavâo^ 


diffcrcntedo  quetuiha  de  naturezaé 

Jpjefedin  pratit  artes  ]am  fuavembenti 
Aáurictyj*nt  crocto  mutabtt  vellera  luto. 

0$  carneyros  diz  o  Poeta  naceraõ  com  vellos  ver» 
iDclbos  ,  éc  que  náo  tenhaô  neceífidade  da  cor  do 
Munce  ,  ou  de  outra  tinta.  E  quando  nomeou  o 
Murice  acrecçntou,  \umfttaverubmti:  vcimelho, 
maà  não  com  o  contrapelo  que  antes  tmha  de 
inao  cheyro,  mas  com  hum  cheyro  fuavc,  &  apra- 
zível. 

Çlual  aparece  o  ar  co  rutilante,  da  bella  Nimpha  filha 
dt  Jaumante.   Diz  que  os  ioldados,  5<  Capitães  da 


Os  toldos  pelas  aguas  arrojando: 
As  bombardas  horrijonas  bramav^o^ 
Com  as  nuvens  dpjumo  o  Sol  tomando» 
Ameudamje  os  brados  acendidos^ 
Ta^ão  com  as  mão  (  os  Alouro s  os  ouvidos ^ 

lapãa  com  as  mãoi  os  Mouros  01  ouvidos.  Conta 
Joaô  de  Barros  lib.  i .  Dec.  .i.c.(5.  que  depois  de  os 
noflbs  feftèjarem  a  vinda  d''EUHey  de  Melindá 
com  inílromentos  de  felia  mandou  Vaí^co  da  Ga- 
ma que  tiraflem  alguns  berços,  Sc  efpingardas,  ÔC 
no  fim  delias  ie  deu  huma  grande  grita,  a  qual  tro- 
voada como  era  nova  nag  orelhas  diíqudU  gente^ 


armada  Portugucza  fahiraó  diante  d*'El-Rcy  de     houve  entre  elles  taó  grande  elpanto,  que  eítive- 
Melinde  vertidos  de  differentes  cores  muyto  ga-     raó  quafi  apodados  tornaríc  a  terra. O  que  fentin* 


lantes.ôc  bem  concertados,  o  que  compara  com  o 
Arco ,  que  em  tempo  de  chuva  aparece  no  €eo,  a 
que  chamamos  commummcnie  arco  da  velha.  E 
os  Poetas  Íris  de  hum  verbo  Grego  iro,  que  quer 
dízer  Núncio,  levar  recados,  &  cmbayxadas,por 
fcr  cílc  Teu  oflficio,porque  íris  hlha  de  laumante, 
ie  Electra  era  Embayxadora ,  &  mcnfageyra  dos 
Deoles,6c  principalmente  de Juno,donde  Ovídio 
-nas  Mctamorphofiá,na  defcripçaó  do  diluvio  lib.i. 

•Ir- 

l^uncia  lunonis  vários  induta  cohres 
CoHCípít  Ir  IS  a^usífãlimenta^ue  nulfibus  affsrt. 


do  Valcoda  Gama  ,  íe  chegou  ao  Zambucoeni 
que  El-Rey  vinha,  onde  foy  recebido  com  tanta 
cortezia,como  fe  fora  o  próprio  Rey  de  PortugaL 

lOt 

JA'  no  batel  enty ou  do  Capitão 
O  Rey^que  nos  Jeus  braços  o  levava: 
Elle  CO  a  cortesia  que  a  razào^ 
ÇPor/er  Rey^-e queria ^Ihe falUva-. 
tom  as  moftras  de  efpantOjér  admiração^ 
O  Mouro  ogejloj  t£  o  modo  lhe  notava: 
CoTKiO  quem  em  muy  grande  ejltma  tinha 


íris  menfageyra  de  Juno  vertida  de  diverlas  cores 

recolhe  as  aguas ,  &  reparte-as  pelas  nuvens ,  &  Gente^que  de  tão  longe  á  índia  vinha. 

Virg.lib.9.ÍE,neid.  Irim  dt  Calo  mtfit  Saturnia  Inno. 

Juno  filha  de  Saturno  mandou  Íris  do  Ceo.  Efte         O  Mouro,  Entende  o  Rey  de  Mclinde 

arco  cauEa-fe  de  difixrentes  nuvens,  de  modo,  que  era  M^uro  ,  &  íeguia  a  maldita  feyta  de 

humaslejáomaisdcnças,  &  outras  mais  raras.que  famede  ,  como  feguem  os  inais  d^quclJa  corta 

£t  ertam  derretendo  em  orvalho,  nas  qiucsferin-  de  Africa  ,  o  qual  (  comocontáo  os  noílos  Hii- 

00  os  rayos  do  Sol  fazem  aquclle  arGo,que  nos  pa-  toriadorcs )  ficou  atónito  de  ver  o  tratto  ,  êc  mo- 

rccedevanascorcs.E  quanto  aos  Poetas  fazerem  do  dos  noflos  ,  mayormenie  do  Cnpifâo  niór, 


que 
Ma* 


Insmcnlageyrade  Junomepareceamim  ,  que 
he  por  Juno  irmã  de  íupiter,&  lua  molher  ler  Se- 
nhora do  ar,como  diz  Ciccro  lib.z.de  nar.Dcorfi, 
&.  porque  ertc  «rco  íe  íaz  na  região  do  ar  pelo  mo- 
do dito,d^aqui  fingem  os  Poctas,que  Íris  era  men- 
íagey  ra  de  Juno.  Dcttc  arco  le  tratta  nos  Genifis, 


cuja  autoridade  o  efpantou  wuyio  ,  &  aíliui 
lhe  fez  muyta  cortezia  ,  &  gazalhado  ,  levan- 
do nos  braços ,  como  aqui  diz  o  nofib  Poeta. 


£ 


Í4 


Canto  Segundo^ 


101 

E  Com  grandes  palavras  lhe  offerece 
TudOiO  que  defeus  Reynos  lhe  comfriffe; 
E  que fe  mantimento  íhef'alkce% 
Como  fe  próprio  foffe ,  lho  pt  aijje: 
'Dizlhemais  que  por  fama  bem  conhece 
ji gente  Lujitanajfem  que  a  vljfe: 
§nejà  ouviodiZfT^que  n'outra  terra 
Com  gente  de  Jua  Lty  tlvejje  guerra. 

Com  gente  de  (ua  Lsf.  Com  Mouros  da  feytade 
Mafamcde ,  com  osquaes  os  Poituguezes  tiverão 
grandes  guerras  em  Hetpanha  até  os  lançarem 
alem  mar  ,  ôcindalá  osnãodeyxàraó,  nenj  dey- 
xão  cílar  quietos,  como  he  nocoí  10. 

105 

1"^  Como  por  toda  a  Ajrlca  fe  foãs 
^  Lhe  dizj  os  grandes  fey  tos  que  fizer ão^ 
^ando  nellag&nhàraõa  coroa 
íDo  Reyno  ernie  as  He/per  idas  viverão: 
E  com  muy  tas  palavras  apregoa 
O  menos ^que  os  de  Lufo  merecerão: 
E  o  mais  que  pela  fama  o  Rey  fabta. 
Mas  de  jta  forte  o  Gama  refpcndiA* 

O  Reyno  tnât  as  HefperiJai  viverão.  Entende  o 
Reyno  de  Fez,  6c  Marrocos,  onde  os  noíTos  Por- 
tuguezes  houverâo  dos  Mouros  grandes  vitorias, 
&lhe  romáraó  muytos  lugarcs,como Ceuta, Tan- 
gerc  ,  ÔC  outros  que  íaõ  chave  daqucllas  partes. 
Chama- k  Reyno  onde  vivcráo  as  Hefperidas, 
porque  fc  conta  que  neílas partes  rcynou  Hefpeo 
Rey  de  Africa, irmão  muyto  lico  de  Aihlas^oqual 
teve  trcs  filhas,  Eglc,  Aiethufa,  &  Helper^ula,  as 
quaes  tinhâo  hum  pomar  ,  cujas  arvores  daváo 
fruyto  deouro  ,  guardado  por  hum  dragão  que 
nunca  dormia.  Veja-Í"e  a  noíla  annotaçáo  no  can- 
to quinto,oytavâ  iá. 

I  04 

07»  que  fó  tive  [le  piedade 
Rey  benignOida gente  Lufitana, 
^e  com  tanta  miferia^^  adverfidade 
^os  mares  expriwevta  afutia  infana: 
Aquellaalta^^  T^ivina  Eternidade^ 
§ue  o  Cío  revolve,  ^  rege  a  gente  humana, 
^Oís  que  de  ti  ta?s  obras  recebemos ^ 
Te  pague  o  que  nós  outros  não  podemos^ 

/l  furta  infana.  Fúria  grande  ,  &  defenfreada, 
porque  não  ha  no  criado  couía  mais  furiofaneni 
maispaiatenicrqueomar.  Veja-fc  a  noílaanno- 
tação  ncíte  nicfmociimo,oytavâ  iiz. 


105 

TDfó  de  todos  ,  quantos  queyma  Apollo^ 
Nos  recebes  empani  do  mar  profundo  j 
Em  ti  dos  ventos  hórridos  de  Eolo 
Refugio  achamos  bom  fido ^^  jucundo: 
Em  quanto  apafcentar  o  largo  polo 
As  Eftrellasj  &  o  ^older  luz  ao  mundo. 
Onde  quer  que  eu  viver^comfamaj  ^  glorta 
Viverão  teus  louvores  em  memoria, 

lufhàeuàoi  ,  quantos  ^uej/ma  ^pollo.  Tuíòde 
quantos  moráo  nclta  coita  de  Afnc*  :  ícguc  aqui 
o  Poeta  nclte  termo  de  falar  a  opinião  commura, 
dos  que  atribuem  a  cor  negra  dos  homens  daquel- 
la  parte  à  quentura   ,  ôc  vizinhança  do  So) :  não 
fendo  mayornclla  que  no  eítrcyto  de  Magalhães, 
onde  com  tudo  a  gente  he  branca.  Os  Hefpa- 
nhocs  também  ,  6í  Italianos  eítam os  na  mclma 
diítancia  da  Equinocial,com  os  que  moráo  no  Ca» 
bo  de  boa  eíperança,  ellcs  da  banda  do  Sur,  &  nós 
da  banda  do  Norte  ,  êí  fomos  na  cor  tão  difi-ercn- 
tes  como  fe  vé.  Os  do  Preílefaó  pardos  arou lata- 
dos,&:  os  que  moráo  em  Zeilà,&:  Malavar  negros, 
morando  todos  num  meímo  Paralclo,&  ordem  do 
Ceo.  Outra  coufahe  mais  para elpantar,  que  cm 
toda  a  America  fe  não  achão  negros  ,  fc  não  huns 
poucos  que  moráo  em  hum  lugar  chamado  Qua- 
reca.  Pelo  que  tenho  por  couía  roilagroíaa  varie- 
dade da  gente  do  mundo.  São  legredos  occuítos 
da  natureza,&  obras  daquelle  Omnipotéte  Deos, 
cujos  Myfttriosningucm  pôde  alcançar.  Alguns 
querem  que  a  caulaef&cientcdcfta  corfeja  a  íe. 
curado  ar,&  terras  daquellas  partes, &huma  pro- 
priedade não  entendida ,  nem  fabida  dos  homens, 
ou  algum  fegrcdo  da  natureza,  que  naturalmente 
dá  áquellas  gentes  aquellacor.  Ou  heiílo,ou  fc 
ajuntão,  &  concorrem  todas  eílas  razões,  a  dar 
aquelle  matiz  ,  áquellas  tantas  ,  &  tão  varias  Na- 
ções. Qiialquer  coula  que  feja,  o  certo  hc  não  ter- 
mos os  homens  certeza  alguma.  Pelo  que  a  folu- 
ção  defta  queftáo  fica  para  os  curiofos  ,  que  nuiis 
de  propoíito  fe  quizerem  por  a  eílt  trabalho  ,  q  uc 
quanto  a  mim,aíiim  fahiráo  com  ella,  como  com  os 
querer  tazer  brancos. 

Em  ttdoi  ijtntoi  hont/Í9t  di  Eolo,  Os  Peetas  fín«^ 
gemhum  Rey,&:lenhordos  vcntos,aquechama^ 
EoloiO  qual  os  tem  pretos  g&  a  muyto  bom  reca. 
do  em  humas  covas  muyto  grandcs,dnndc  os  loltat 
quando  lhe  parece.  Dellctratiey  atrás  no  primcy- 
ro  canto  oytava  t8. 

Em  quanto  apa/ctntar  o  largo  Polo.  Encarecimen- 
to ( como  atrás  fica  dito  oytava  84.  defte  Canto  ) 
para  dizer  ,  que  cm  quanto  a  natureza  tiver  fuás 
coufas  com  aquella  ordem  ,  &  condição  com  que 
Deos  as  criou  ,  terá  elle  lembrança  dos  benefícios 
recebidos,onde  quer  que  vivcr,&  cftivcr. 


Is  to  dizendo  ^05  barcos  vâo  remando 
'Para  a  frota^  que  o  Mquyo  ver  defeja: 
Vão  as  nãos  humano'  huma  rodeando^ 
Torque  de  todas  tudo  notey  &  veja: 
MasparaoCeo  Vulcano f o ztl ando» 
J frota  co'  as  bombardas  o  jejieja^ 
Eas  trombetas  canoras  tbetangião, 
Co'  os  anafins  os  Mouros  refpondiâo. 


Lujtadas  de  Luts  de  Camões  Commentadss.  $^ 

tcs  Occidentaes  he  o  primeyro  ,  que  fe  vé  depois 
I  o(J  ^^  P°^°  o  S°^  neílas  parces  Occidentacs,daqui  íc 

chamão  Hefperiesde  Helpero,ôc porque Hclpa- 
nha  he  mais  Occidental, fe  chama  ultima  ,  6c  mc- 
nor,por  íer  rcenor  em  quantidade. 

Fdos  humtdoscaminboi.  Peios  caminhos  do  mar, 
por  lua  navegação, Ôc  pelo  que  lhe  tem  acontcci» 
00 no  mar,delde  que  lahio  deíua  terra. 


M 


I05> 

As  antes  valer  o fo  Capitãoj 
Nos  contadhe  dezia^àtligente^ 
T)a  terra  tua  o  cltmafi^  região 
T^o  mundo  onde  moraes  dijtintamente, 
E  afjlm  de  vojja  antigua  geração^ 
E  o  principio  do  Reyno  tão  potente^ 


Mas  para  o  Ceo  Vttlcam  foz,tland»,  Vulcano  era 
entre  os  antiguos  Dcos  do  fogo,  pelo  que  íe  toma 
pelo  mclino  togo, como  o  Poeta  aqui  neíle  lugar, 
&  nos  notamos  atras.  Porque  mandou  Vafco  da 
Gama  por  fazer  fefta  ao  Rey  de  Melindedelparár     .-,  -- 

a  artelharia  ,  a  qual  a  pnmeyra  vez  lhe  fez  tanto     Cosjuccejjoi  das  guerras  do  começo, 
medo   ,  que  fe  quileraó  recolher  para  terra  ,  Sc     ^^ejem  fabellas  fey^  que  JaÕ  de  preço. 
paliada  erta  vez  depois  que  perdeo  o  medo  fe  re- 
crearão muy  to  de  a  ouvir,  por  íer  coufa  nova  na 
qu^iâs  partes. 


%ut  Çeivt (ahtlaiy  Pelo  quc  tinha  ouvido  ,  &via 
agora  no  gefto,  ôc  trato  dos  Portuguczes. 


107 


Ti 


As  depois  defer  tudojà  notado 
"Dogenerojo  Mmío^quepafmava 
Ouvindo  o  mjirumento  inufitado, 
^e  tamanho  terror  em  íimojtrava: 
Mandava  ejUr  quieto  ^ô*  ancorado 
JSla  agua  o  batei  ligeyro  que  os  levava^ 
'i^or falar  devagar  c'o  o  forte  Gama 
Nas  côufas  de  que  tem  notuia^&fama. 

Ouvindo  o  iu^rumento  inu fitada.  A  artelharia  que 
caqucllas  partes  não  fe  uúiva  naquclle  tempo. 

108 

EM  praticas  o  Mouro  differentes 
òe  de leytava  perguntando  agora 
^Feias  guerras  famof as  ^Ò"  excellentes^ 
CV  opovo  ávidas ,  que  a  Mafoma  adora, 
j^gsra  lhe  pergunta  pelas  gemes 
^e  toda  a  HefpenaMlttma  ondt  mora'. 
Agora  pelos  povos  (eus  vizinhos ^ 
Agorapelos  húmidos  caminhos. 

Co  piivo  avídai  c^ue  a  Mafoma  adora.  Eíles  faõ  os 
Mouros  que  leguem  a  torpe,  &  peílelencial  leyta 
de  Mâfamede. 

Detoda  a  Hefperia  ultima.  Entende  Hefpanha,  a 

r  uiil  tanibem  le  chama  Hefpanha  menor ,  á  diffe- 

[  rcnça  de  Itália,  que  le  chama  Helpcria  primeyra, 

I  &  Hefperia  mayor.  Chamaó-le  eltas  partes  defte 

nome  de  Hefpero,  Ellrclla  Occidental, que  he  o 

I  Planeta  Vcnus,  a  que  commumniente  chamamos 


IIO 

EAJft  também  nos  conta  dos  rodeyos 
Longos ^em  que  te  trás  o  mar  irado 
Vendo  os  cofiumes  bárbaros ,^  alheyos^ 
€^ie  anoffa  Africa  ruda  tem  criado. 
Conta  fi^ue  agora  vem  cos  áureos freyoê 
Os  cavalos ,  que  o  carro  jrurchetado 
'Do  novo  Sol  da  fria  Aurora  trazem^ 
O  vento  dorme ^0  mar^S  as  ondasjazem. 

Conta  ^tie  agora  vem  coi  áureos  freyos»  Como  atrás 
fica  dito,  fingem  os  P  oetas  que  o  Sol  acabado  feu 
curfo  ncfte  Enriíphcrio  não  tem  mais  que  cami- 
nhar, pelo  que  fe  recolhe  a  dclcançar  com  Tbetis 
ftnhora  do  mar  Occidental,  Ôc  que  dalli  fahia  pc* 
la  manhã  com  feus  cavallos  folgados,ifto  he  o  que 
o  Poeta  aqui  diz  deícrevendo  o  tempo  da  manha, 
ôcnacimento  do  Sol  ,  6c  hum  tempo  muyto  fe- 
reno  ,  &  quieto  j  o  que  tudo  eftà  muyto  claro  na 
oytava.  Ciaama  à  Aurora  fria ,  porque  no  tempo 
da  manhã  cohi  a  vinda  do  Sol  fe  ajunta  ,  &  aperta 
o  frio  em  hum  lugar,5c  alTim  he  mayor,&  os  ven- 
tos ,  &  as  ondas  do  mar  cíláo  maia  quietas  neíle 
tempo  CO  a  manhá.como  fica  dito  atrás. 

I  I  I 

ENão  menos  co'  o  tempo  fe  parece 
O  de/e/o  de  ouvirte  o  que  contares j 
^le  quem  ha^qne  por  fama  não  conhece 
As  obrai  ^Fortuguezas  (ingulares> 
Não  tanto  defviado  refpUndece 


Luzeyro:2c  porque  o  l>lancta  que  aparece  nas  par-     2)f  HÔs  o  claro  Sol^parajulgares, 


^e 


^heâs  Meltndanostem  tão  Yudop^yto^ 
^enãoefttmem  muyto  hum  grande  feyto, 

l^ao  tanto  Jefviado  refplandeee,  Oe  nós  o  claro  Sol. 
Não  íomos  tão  apartados  da  policia  ,  &  trato  da 
gente, nem  tão  rudcsj^  bárbaros.  A  imitação  de 
Virgílio  lib.  I.  ^neid.  Nec  tam  averfus  equoi  Jyrta 
Solfungit  ab  urin. 


Ca7ítõ  Segundo 


c 


Sol  morto ,  ainda  que  íua  morte  foy  tão  triíle,  & 
táodcreílrada  ,  porque  le  atreveo  a  governar  os 
carros  do  Sol ,  coufa  de  tanta  difficuldade  lhe  pu- 
ferão  eftc  Epitaphio  ,  como  conta  Ovídio  nas 
Metam orphoies  lib  i. 

Hiefitus  efi  Pbaeton  currm  auriga  patcrni, 
§í,uemj'ini»n  ímuít^magnis  tamett  exciàit  aufiu 

Aqui  jaz  Phaeton  goverdador  do  carro  de  feu  pay 
Ometerãofoberbos  os  Gigantes  o  Sol ,  o  qual  inda  que  não  lahio  bem  do  partido 

Com  guerra,  vão  Olympo  claro^  &pUTOx    ^  morreo  na  empreza  ,  acabou  como  homem  de 
-.  .-i>,.„:*A.^-  j^n-L^n.^  j^ .^..^^^.-^n»^  grande  animo  ,  atrevcndo-fe  a  huma  couJa  tão 


III 


Tentou  'Terithoo^  &  Thefeo  de  ignorantes 
O  Reyno  de  T latão  horrendo^  &  e/curo: 
Se  ouvefeytos  no  mundo  tão  polfantes^ 
Não  menos  he  trabalho  illu/lre,&  duro^ 
Quanto  foy  cometer  InfernOy^  Ce»^ 
^46  outrem  cometa  a  fúria  de  Nerèo, 


grande,  6c  por  efta razão  atribue  EI-Rcy  deMe- 
iindc  a  grande  louvor  os  Portuguezes  cometer  as 
tunas  de  Nereo,que  he  o  mar,  por  kr  huma  couia 
de  tanto  perigo  ,  6c  trabalho,  como  excelJente- 
niente  o  pinta  Horatio  nas  Odas,Od.3.1ib.r. 


Cometerão  foherhos  oí  Gigantes. Contz  aqui  o  Poe- 
ta alguns  acontecimentos  grandes ,  osquaes  inda 

quenáotiveráoeffeyto  .nãodeyxàraódetcrfeu  ^.^        ^ ,.^ ~j^^-,^^^ 

premio:  porque  em  coulas  grandes  o  acometer,  &  jHeroftratOypor  fer  da  gente  humana 

moílrar  ouladia,  6c  atrevimento,  he  coufa  grande.  Conhecido  no  mundo ^^  nomeado, 

O  pnmcyro  toy  dos  Gigantes  filhos  da  le.  ra  ,  os  j>^  t&mbem  com  íaes  obras  nos  enzana 

quaes  determinarão  lubir  ao  Ceo,  òc  lançiraju-  f.,  ,  •    ^.    >„  ^  ^^  ^        ^ 

^       ,  ,,  ,  (^    X-       M^-     r^^.t        O 4' leio ae  bum  nome Azentajado* 

piter  delle, como  conta  Uviaio  nas  Metamorplio-  .' -^      .    .  t«j/«t#u, 

ícslib.r. 

Tentou  ?erithoo,é'  Jhefeo.O  fegundo  foy  de  The* 
feo,  &  P^rithoo  grandes  amig  s,  os  quaes  fe  atre- 
verão decer  ao  Inferno  ,  para  furtar  a  Proícrpina 
inolher  de  Platão.Poílo  que  lhe  não  fahio  bem  do 


QVeymou  ofagrado  Templo  d eTiiana 
_  'Do ftibíilTepphonio fabricado 


Mais  razão  heyque  ejuejra  eterna  gloria 
^emfaz  çbras  tão  dignas  de  memoria^ 


partido,   porque  Perithoo  foy  morto,  &  Thefeo 
preío,onde  ficara  também  para  fempre,  ie  Hercu- 


r. 


Herofirato.  Efte  foy  hum  perdido  .  &  àefcfíii' 
niadooe  todos,  pornâo  preítar  para  nada  ;  ven- 
do-le  nellc  eíbdo,detremmou  fazer  algum  feyto, 

..^.w,v,..v.^ r , .-, por  onde  fofle  conhecido, 6í  hcallememona  lua: 

.es  o  não  livrara:  todavia  entre  os  fey  tos  fínalados  pelo  que  pos  fogo  a  hum  Templo  de  Diana  em* 
de  Thefeo  fc  põem  também  eíle,como  opôs  Ovi-  Hphclo,  feyto  pelo  grande  Teliphonio  como  diz 
dio  na  carta  de  Phylis  a  Demophonte  filho  de  Solino,no  ítu  PcJyh1il.cap.58.pcio  que  diz  aqui  o 
Thelco.  Inter  ,  &  K^gidas  media  (í aturais  tnurbe.  Poeta:  fe  homens  perdidos,  &  que  p^ra  nenhuma 
Magnificui  titulis  /iet  pater  ante  fuii ,  pela  qual  rezão  coufa  prefíão  ,  delcjâo  fama ,  mais  rczão  he  que  a 
a*  Nimphas  de  Itália  achando  a  Phaeton  filho  do    pretcndaó,&  bufquem,os  que  a  merecem. 


OS 


/.■í 


^ 


-C»S*  '->^«- 


os  LUSÍADAS 

DO   GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commentados  pelo  Licenciado  Alamel  Corrêa* 
ARGUMENTO. 

A  populofa  Europa  fe  deícreve. 
De  Egas  Monizofeytofublimado, 
Lufitaniajque  Reysjque  guerras  teve, 
Chrifto  a  AíFonío  íe  expõem  crucificado: 
De  Dona  Inez  de  Caftro  a  pura  neve 
Em  purpura  converte  o  povo  irado, 
Moáraíeo  vil  deícuydo  de  Fernando, 
E  o  graó  poder  de  hum  geftó  fuave ,  &  brando. 

CANTO  TERCEYRO. 

Nefte  Canto  defcreve  o  Poeta  o  fitio  de  fua  pátria ,  as  guerras  que  os  Reys  delia  ti- 

veraó  com  os  Mouros ,  &  íuas  vittorias ,  o  caio  de  Dona  Inês  de  Caftro, 

&  a  morte  d'EURey  Dom  Eernando. 


A    Gora  tu  Calliope  me  enfinay 
O  que  contou  ao  Rfyo  ilíuftre  Gama: 
Ififptra  hnmor  tale  ante  yiê  voz,  ^Dtvlna 
Neftepeyto  mor  tal, que  tanto  te  ama: 
AJfio  claro  inventor  da  medicindj      \ 
Pequem  Orfheopartfte^ô  Unda  T>ama, 
Kuncapar  Daphne,  CUcie.nu  Leucothoe^ 
'renegue  o  amor  de  vido, como /ôe, 

^gora  tu  Calliope.  Fingem  os  Poetas  nove  Mu- 
las filhas  ciejiipitcr,&da  Memoria,  padroeyras 
dos  Poetas,  Sí  Mu  fie  os.  Chamâraólhe  Mulas  de 
moftx,  que  quer  dizer  inquirir,  ou  defcubrir:  por 
cDas  ferem  as  inventoras ,  &  defcubridoras  das  ar- 


tes liberaes.Seus  noraes  faô:  Calliope,  Clio,Erato, 
Thalia,Melpomenc,  Tcrpfichore,Euterpc,  Poly- 
hymnia,  Urania.  A  principal  deftas,  £c  a  que  os 
Poetas  Heróicos  invocão,  he  Calliopc:pclo  que  o 
nofib  Poeta  aqui  o  faz ,  &  com  muy  ta  razão ,  pois 
ha  de  trattar  dos  Heróicos  fcytos  dos  Portuguezes. 
Os  nomes  deílas  Mufas,&:  o  que  cada  huma  inven- 
tou tratta  Virgílio  nos  Opuículoscra  hum  Epi- 
grama que  começa. 

>*''"•  ' '  ■■ 

'Clhgejlacamns  tranfaãis  têmpora  redJít,  ^e. 

Ajfim  o  claro  inventor  da  Medicina.  Entende 
o  Appolo  ,  o  qual  os  antigos  tinhão  por  in- 
ventor da  Medicina  ,  5c  Padroeyro  dos  Médi- 
cos, como  Ovídio  nasMetamorpholcslib,  r. 


Ia 


/fl. 


«« 


Inventum  medicina  meum  eft,opífexqHeper  orbem 
Vicori&  íierbarunt  fubjeãa  pottntiít  mbu. 


Lujiadas  de  Luis  de  Camões  Commentados, 

he  nioílrar  que  também  neftas  partes  por  onde  o 
Tejo  pafla,hà  Poetas.Sc  que  as  aguas  deílcrio  tem 
a  propriedade  das  da  fonte  Aganippe  ,  por  l'e 
criarem  aqui  engenhos  excellentes. 

Deyxa  ai  flora  de  ptndu.  Pindo  he  hum  mon- 
te de  Macedónia  conlagradoa  Apollo  ,  &  às  Mu- 
fas  chamado  Mezov o  ,  como  diz  SophianoDon- 


A  medicina  he  invenção  minha  ,  &  pelo  mundo 

lou  chamado  dador  de  remédios^  &  a  natureza,  &: 

propriedade  das  hervas  he  Tugcyta  a  mim.  Eíle 

Apollo  houve  de  Calliope  a  Orpheo,  de.  quem  os     de  diíle  Virgílio  nas  Eglogas. 

Poetas  dizem  grandes  couías  acerca  da  Pocfía ,  &: 

Mufica.  Foy  também  afFeyçoado  a  Daphne,  Cli-     Nam  neque  Parna/i  nobis  juga.nãm  mciue  Piudi 

cie,  ôc  Leucothoe,que  aqui  o  Poeta  nomea.  Pede     UlU  moram  fecère^nec  Aonta  /iganippe. 

ncfta  oytava  á  Calliope  o  favoreça,  &c  ajude  neíla 

matcria,que  cem  entre  mãos,  aífim  lhe  tenha  íem-     Reprehendendo  as  Nymphas  de  delcuydadas  em 

pre  amor.ôc  aíFeyção  Apollo,  &  em  fua  compara-     não  impedirem  a  Cornelio  Gallo  a  mâ  ordem  de 

ção  faça  pouco  calo  das  mais  Nymphas  fuás:  lin-     vida,quc  trazia,  gaftando-a  toda  em  íeus  apetites, 


guagcm  ordinária 
dem.  De  Apollo 


5c  muyto  ulada  dos  que  pe- 
6c  d"outros  nomes  que  lhe  os 


&  íenlualidades ,  &  que  no  melmo  eítado  deviaõ 
eílarellasinem  era  poíTivelreíidir,  ou  ko  Monte 


Poetas  dâo  trattamos  no  canto  primcyro  oytava    Parnafo,ou  no  monte  Pindo,ou  na  fonte  Aganip- 
35.  pe  :  íinalhando-lhe  eíles  lugares  como  próprios 

^  léus,  ôc  onde  ellas  coftumâvão  reíidir,  &  daríe  ao 

exercício  das  artes  Iíberaes,de  que  ellas  faõ  padro- 

]2)  Oem  tu  Nymfha  em  effeyto  meu  défejOj    eyras,&  lenhoras. 
Como  merece  agente  Lufttanaj  Banharme  apollo  na  agua  foberana.  Termo  Poé- 

tico ,  &elegantiíIimo  ,  em  que  moilra  ajudalo 
Apollo ,  Ôc  favorecelo  com  fúria  poética,  banhan» 
doo  na  agoa  da  fonte  Aganippe  :  a  qual  chama 
foberana  ,  por  ter  a  qualidade  ,  de  que  atrás  trat- 
tamos. E  porque  eltà  nelte  tão  honrofo  eftado 
come  hc  trattar  dos  feytos  Heróicos  dos  Portu- 
guezes.  Pede  aCaliopc  o  ajude  neíta  empreza; 
porque  fe  o  não  fizcr,crerá  que  lhe  procede  de  en- 
Poem  tu  Nympba.l^ymphA  entre  os  Gregos  tem  veja,por  ver  que  faz  ventagem  a  leu  filho  Orpheo, 
diíFerentes  íignifícaçóes ,  que  naó  faõ  deíle  lugar. 


12)  Oem  tu  Nymfha  em  effeyto  meu  défejOj 
Como  merece  agente  Lufitanaj 
^e  vejajò'  fayha  o  mundo _,que  do  Tejo 
O  liquorde  Aganippe  corre  Jà' mana. 
^eyxa  as  flores  de  *PindOjquejâ  vejo 
Banharme  Apollo  na  agua  Job  erana'. 
Se  não  dtrey^que  tens  algum  receo, 
^efe  efiureça  o  ten  querido  Orpheo^ 


E  porque  entre  outros  hum  he  tom^rfe  pela  agua, 
daqui  uláráodeíla  palavra  por  hu mas  Deofas,quc 
elles  fingiâo  viver  nas  aguas :  &  largando-fe  mais 
a  accommodáraõ  a  outras  Decías  ,  como  das  ar- 
voresjcampos,  lagos,  tanques.mares,  montes,pra- 
dos ,  bofqucs,  vallcs ,  &  outras  que  a  eftè  fom  in 


3 


PRomptos  eftavão  todos  efiuytando, 
O 


que  o  fublime  Gama  contaria^ 
guando  depois  de  hum  pouco  eílar  cuy dando ^ 
^levantando  o  roflo  aj[i  dizia. 
vcntàráo.E  porque  as  Mufas  padrocyras  dos  Poe-     Mandaíme  d Rey.que  conte  declarando 
tas  folgàvaó  com  eftcs  lugares,  por  lerem  frefcos,     cj^^  ^;«a^  ^.ntinaraa  aeneloçia: 
&  apartados  da  converfaçao,  chamàram-lhc  iam 


^e  minha  gente  a  grão  genelogia; 
Não  me  mandas  contar  eflranha  hi floria'. 
Mas  manda/me  louvar  dos  meus  a  gloria^ 


Mai  manda fme  Uuvar  doi  ment  a  glaria»  Tem  por 
coufa  dura  o  Gama  contar  a  gloria  ,  &  cavallaria 
dos  Portuguezcs  feus  naturacs  :  porque  não  he 


bem  Nymphas  como  Virgílio  naEgloga7.N;w- 
phanojier  amerltbet brides.  Nymphas  da  fonte  libe- 
thro  noíTa  aííeyçáo  ,  &  iílo  hc  entre  os  Poetas  or- 
dinário. 

O  liífmr  de  Aganippe  corre^^  mana.  Aganippe  he 
humafonte no  monte  Helicondc  Boecia,daqual 

os  que  bebiáo  ficavão  Poetas.  Chamou-fe  aíiim     bemcontado  a  gente  de  primor  engrandecer  ,  & 
de  agan,  que  fignifica  muyto ,  &  hippos,  cavallo;     gabar  luas  coulas. 
porque  foy  feytacom  as  unhas  do  cavallo  Pegafo, 
no  qual  Perfeo  filho  de  Júpiter  aportou  àquelle 

lugar,  Charaa-fe  por  outro  nome  Heppocrine,  e^^^*-!-  '  ,/       , 

cavallo,  fonte,  pelamefma  razão.  Algunsfazem     r\ue  outrem  pojja  louvar  es  for çoalheyOf 
cftas  fontes  differentes.mas  ambas  em  hum  mefmo     \J^Çou/a he,que/e coflumajfêfe  defeja: 
monte.  Aganippe,  dita  aflim  de  huma  moça  aífira     Mas  louvar  os  meus  próprios iarreceyo^ 
chamada.filha  do  rio  Permcfio,  quecorreao  lon-     &ue louvor tãofufpeytomalmeeíleja: 
go  do  Monte  Helicon  ,  como  diz  Pauíanias  :  ÔC     F  tara  dizpr  tudo  temo  eh' crexo 
Hippocrenedo  fucccílo  do  cavallo,  de  que  acima     ^^""'^  "^T     ^f^^J^^^f"  ^''^^  . 
trattamos.  O  que  o  Poeta  pretenda  neíla  oytava    ^'  qualquer  longo  tempo  curto  feja: 

Ma 


Canto  Terceyro,  ^^ 

Mas  pois  o  mandas  Judefe  te  devey  pela  mayor  parte  muyto  habitada,íadia,  5c  frelca, 

Irey  contra  o  que  davOi^ferey  breve ^  Ôc  alguma  de  ventagem  deítoutras  partes ,  a  que 

chamamos  temperadas.  E  não  lómente  he  iíto 
^  outrem  foJJ»  louvar.  Sempre  o  louvor  pro-  certo  pela  experiência  que  atègora  temos,  porque 
prio  foy  íolpeyto,  donde  dizem  os  Latinos ,  Laus  muytos  dos  antigos  o  tivcráo  allim  contra  a  com- 
inoreproprt$  vtlefctí  ,  o  louvor  na  boca  própria hc  mum  opiniaoem  concrario,conio  Ptolomeo,Avi- 
reprovado.  E  não  lómente  louvar fe  huma  pcflba  cena  ,  i<c  alguns  Thcologos ,  como  refere  o  B.S 
a  íj,mas  admittir  louvores  em  leu  rofto,&  prelen-  Thomâs  i.p.  q.ioi.arcz.  Os  quacs  affirmâo  eftar 
çâ,nunca  Ic  coltumou  entre  gente  fefuda.-porque  o  Parailo  da  terra  debayxo  da  Equinocial,  por  fer 
os  taeslouvorcsfaó  mais  híongeyros,  que  certos,     aqutlla  parte  muyto  temperada  ,  &  ladia  ,  como 

tem  os  muyto  Reverendos ,  6c  Doutos  Padres  da 
Companhia  de  Jefus  no  Tratado  de  Casio  c.  14. 

ATj,^^,m,   ^  '  ^*..j^^^.  r  T    •  qi.p«u8.  E  paraqueosquc  nenhuma  noticia  tem 

Umdiífo  oj^atudoemfimmeohriga,     LcouiasdaEiphera,  emendáo  can.bctnellelu^ 
He  nao poder  mentir  no  que  difíer  gar,  &  outros  íemelhantes,  ha  íe  de  notar,quc  no 

•  Ceo  não  ha  círculos  nem  linhas, por  ler  purilfimo. 


Lém  diffoy  oj^a  tudo  em  fim  me  ohrigaj 

He  não  poder  mentir  no  que  dijjer 
Torque  defeytos  taes^por  mais  que  diga. 
Mais  me  ha  de  fie  ar  inda  por  dizer  ^ 
Mas  porque  rufio  a  oraem  teve  J^ figa 
Segundo  o  que  de/eja  t  defaher: 
'Frtmeyro  trattarey  da  larga  terraj 
T>epois  direy  da  fanguinofa  guerra^ 

Frimeyro  trattarey.  Para  vir  a  trattar  da  guerra 

que  nelle  Reyno  os  Portuguezes  liveráo  com  os 

Mouros,  delcreve  primeyro  Europa,  na  qual  eílá 

o  noíib  Portugal. 

• 
6 

ENtre  a  Zona,  que  o  Cancro  fenherea^ 
Meta  Septentrional  do  Sol  luzente y 
E  aquella  que  por  fria  fe  arreceya 
Tanto ^como  a  do  meyopor  ardente» 
Jazafoberha  Europa  aquém  rodeya 
"J:^  ela  parte  do  ArCíurOj^  do  Occidente 
Com  fuás  falfas  ondas  o  Oceano^ 
Efela  AuftraljO  marmediterrano^ 

Entre  a  Zona  éjue  o  Cancro  linborea.^o  carxto  pri- 
meyre»,  oytavaz.  trattey  brevemente  da  defcrip- 

ção  do  mundojSc  o  que  íè  não  podia  efcufar  para  gando  ao  primeyro  grão  deCapricornÍG,que  he  o 

entendimento  defte  livro  ,  onde  prometti  larga-  que  mais  pode  bayxar^fe  faz  o  Solfticio  do  Inver- 

mente  neftc  lugar  em  algumas  coufas  da  Europa,  no.E  chainaó-feSolrticios  ,  não  porque  o  Sol  íê 

como  farey  no  que  for  neceflario  para  entendi-  detenha  cm  parte  alguma,  le  não  porque  nemfobe 

mento  da  letra  do  Poeta.  E  porque  cUc  defcrevc  mais  alto,ncm  dece  mais  bayxo.E  no  Solílicío  do 

Europa  por  tal  ordem,  que  não  ha  mais  que  defe-  Eítio  temos  o  mayor  dia  do  anno  ,  que  he  a  11,  do 

Jar  ,  lómente  tocarey  algumas  couias  ncceflarias.  mez  de  Junho:  êc  no  do  Inverno  o  menor  aos  vin- 

Os  Gcographos  dividem  a  lerra  em  cinco  partes,  te  8c  dous  de  Dezembro.Neíla  oy tava  defcreve  o 

a  que  chamáo  Zonas ,  ufando  defte  termo  de  fal-  Poeta  o  íitio  de  Europa,&  léus  términos ,  o  qual 

lar  ,  para  com  mayor  claridade  poderem  trattar  diz,  que  jaz  entre  o  circulo  Arftico  ,  Sc  o  trópico 

delia.  Deftis  cinco  Zonas,  duas  faól-riasjporefta-  deCancro  ,  que  hc  huma  das  Zonas  temperadas. 

rcm  dentro  dos  circulos  Aiílico  ,  &  Antárctico,  Chama  ao  trópico  meta  Septentrional  do  Sol  lu- 

a que  chamamos  Norte,6c  Sur.  Duas  temperadas  lenre,  porque  nefta  parre  Septentrional,  que  he  o 

entre  os  ditos  círculos  ,  ôc  os  trópicos ;  ôc  huma  Norte,  não  pafla  o  Sol  delle:  diz  que  tem  por  ter- 

quentcquche  a  do  meyo,  onde  cae  alinha  Equi-  minosda parte  do  Arfturo,  que  he  o  Norte,  &  do 

nocialja  qual  tem  nom«  de  quente,  ou  torrida,por  Poente  o  mar  Oceano,fic  da  parte  Auftral,que  hc 


tranfpirente ,  &  folido  fem  repartimento  algum: 
mas  que  lhe  fingem  eítas  couias  os  Aílronomos,& 
outras  kmelhantes  para  melhor  poderem  trattar 
de  luas  particularidades.  Prelupollo  ifl:o,digo  que 
IheaíTinão  dez  circulos  ,  leis  grandes ,  &  quatro 
menores.  Os  grandes  faó  Equator,  Zodiaco,  Me- 
ridiano,dous  Coluros,  &  o  Horizonte.  Os  meno- 
res laõ  o  trópico  de  Cancro  ,  &  o  trópico  de  Ca- 
pricornio,circulo  Ardico,  &:  Antaról;ico:&  por- 
que neíle  lugar  não  he  poffivel  trattar  eílas  cou- 
ias de  raiz,pela brevidade  que  le  requere,8c  por  Ic 
não  pretender  aqui  mais ,  que  declarar  eíte  livro, 
para  que  fe  entenda  :  o  quaipor  eftc  rclpeytohe 
calumniado  de  alguns  ,  não  direy  fc  não  oquefe 
não  podeefcular.  Trópico  le  diz  de  trepo  ,  que 
quer  dizer  volver  ,  &  porque  o  Sol  lemprc  anda 
em  hum  pedaço  do  Ceo  ,  no  qual  tem  balilas  ,  6c 
términos  que  não  pafla  :  chamarão  a  eftasbalifas 
trópicos :  porque  entre  ellas  anda  o  Sol  ftm  paíTar 
nenhuma  delias  :  nem  o  trópico  de  Cancro  da 
banda  do  Norte  ,  nem  o  de  Capricórnio  da  banda 
do  Sur.  E  quando  o  Sol  fc  chega  a  nós  até  o  pri- 
meyro grão  de  Cancro,quc  hc  o  que  mais  pôde  fu- 
bir,temos  o  Solfticio  do  Eftio:  &  quando  fe  apar- 
ta de  nós  dando  fua  volta  contra  o  Sur  em  che- 


íer  continuamente  vifitada  do  Sol, pela  qual  rezaõ 
cuydáraó  os  antigos  íer  deshabitada  ,  o  que  não 
hcjcomo  Ic  fabc  por  experiência:  anrcs  vemos  ler 


o  Sur,o  Mediterrâneo.  Do  Arâruro  fe  veja  anoffa 
annoraçaó  canto  i.oytava  21. 

Vã 


70 


Lujiadas  de  Luís  de 


D   /í parte  donde  o  dia  vem  nacendoj 
Com  i^Afiafe  avezinha\mas  o  rio, 
^e  dos  montes  Rifeos  vay  correndo^ 
Na  alagoa  Mcotis^curvo^à' frio. 
As  divide i^ê  o  ma^-,quefero^à'  horrendo 
Via  dos  Grego  s  o  trado  fenhorio: 
On  de  agora  de  Troya  trmmphante. 
Não  vê  mais  que  a  memoria  o  navegante. 

Da  parte  donde  o  dia  vem  nacendo.Diz  queda  par- 
te Oncntal(que  declara  por  eíles  termos  da  par- 
te donde  o  dia  vem  naccndo)a  divide  da  Afia  o  rio 
Tanais,  chamado  commummente  Tanâ:  começa- 
rão dos  montes  Ripheos.onde  eíte  rio  tem  fua  ori- 
gcm,&  fonte;&  o  mar  Egco,  chamado  Archipe- 
Jago ,  onde  os  Gregos  com  aquelle  tão  celebrado, 
&  íabido  cerco  de  dez  annos  deftruhiraó  aquella 
infigne  Cidade  de  Troya,da  qualnáo  ficou  pedra 
lobre  pedra  :  &  hoje  em  dia  íe  vem  as  rumas  d'a- 
quella  grande  Cidade;&  dos  navegantes  Italianos 
íaõ  chamados  aquelles  campos  Itddi  Troyani ,  pra- 
yas  Troyanas.  Dos  montes  Ripheos  fetrattana 
oytava  que  fe  feguc. 

8 

LA*  onde  mais  debayxo  eftà  do  Tolo, 
Os  montes  Hyperboreos  aparecemí 
E  aquelles  onde (emprejopra  Eolo, 
E  c^o  nome  dosjoprosje  ennobrecem^ 
Aqui  t  ao  pouca  força  tem  de  Apoio 
Os  rayos  que  no  mundo  rejplandecem, 
^e  a  neve  efià  contino pelos  montes j 
Ge  Lado  o  mar  ^geladas  Jempre  as  fontes. 

Chmmtei  Hyftrhoreoi  apparectm.  Diz  que  Euro- 
pa na  lua  parte  Septentrional,  que  he  da  parte  do 
N<írtc  ,  tem  os  montes  Hyperboreos ,  chamados 
aíTim  de  hyper ,  que  íignifica  encima  ,  &  Boreas, 
que  he  hum  vento  que  íoprado  Norte,  por  andar 
íempre  o  tal  vento  encima  delles.  Outros  dizem 
que  tem  eíle  nome  por  cftarem  eíles  montes  ain- 
da alem  donde  o  vento  Boreas  íopra.  Outros  pe- 
los homés  d^aquellas  partes  viverem  muyto  mais, 
que  todos  os  outros  do  mundo  ,  porá  tenvi  (cr  la- 
dia ,  &  abundante  de  todo  o  necefiario  para  a  vi- 
da. Acrecentaó  alguns  que  enfadados  os  homens 
deita  rcgiaô  de  fua  long»  vida ,  eícolhem  hum  gé- 
nero de  morte  voluntária  ,  o  qual  he,  que  buícaõ' 
hum  alço  rochedo  ao  longo  do  mar  ,  do  qual  de- 
pois de  grandes  feftas,  &  banquetes  com  cappcllas 
nas  cabeças  fe  lanção  para  acabarem  lua  vida  dei-, 
ta  mane y  ra,  tendo  cila  por  grande  felicidade ,  &  a 
mais  honrada  lepultura  ,  que  poderão  eítolher,, 
Eftes  povo^  tem  leis  mezes  do  anno  contínuos  dia, 
5c  outros  féis  noyte ,  como  diz  Solinocap.  i6.  k 


Camões  Commentados, 

Melalib.3.cap.5.  Olivario  fobrc  Pomponio  Melu 
naó  faz  os  Hyperboreos  tão  Septentnonaes  como 
os  ditos  Autores :  pelo  que  tem  por  falfo  iílo  que 
delles  dizemos  :  &:  quanto  a  mim  eftes  montes  {'c 
chamaó  aíTim  por  íercm  muyto  altos ,  &  por  cita 
rezaó  logeytos  ao  vento,  mayormente  Norte  por 
lua  vizinhança,  como  diz  DiodoroSiculo  lib.  5. 
pag.  128.  6c  Girava  na  fua  Coímographia  lib.z. 

E  aijuellei  donde  fem^re  fopra  Eolo.  Eolo  he  o  fe- 
nhor  dos  ventos ,  como  fica  dito  em  muytos  luga- 
res. Ncftc  lugar  entende  o  Poeta  os  montes  Ri- 
feos ,  de  que  atrás  fala  ,  chamaó-fe  aíTim  de  ripi, 
que  quer  dizer  força  de  vento  ,  por  curfarem  alli 
muyto.  Ncftas  partes  como  conta  Solino  cap.  25. 
tudo  faó  neves,giadas,  caramclos,6c  friosrpclo  qu« 
aquella  regiaó  le  chama  entre  os  Gregos  tcropho* 
ros ,  que  quer  dizer  coula  que  trás  alas ,  por  andar 
continuamente  oarcuberto  denevoas,  &  neves 
que  parecem  voar  pelo  ar  :  ÔC  naó  conhecer  a  gen- 
te defta  terra  outra  coufa  fenâo  Inverno  ,  ôcfrio, 
&  tal  que  o  rio,&  mar  fe  çongelâo. 

E  CO  nome  dos  fopros  fc  ennobrecem.  Pela  rezaó  dita. 


Agudos  Scythas  ^  grande  quantidade 
kívemj  q  antiguamente  grande  guerra 
TiveraÔ  Jobre  a  humanm  antiguidade  ^ 
Co  os  que  tmhão  então  a  Egypcia  terra. 
Mas  quem  tão  fora  eflava  da  verdade, 
{^àqueojuizú  humano  tanto  erra^ 
Tara  que  do  mais  certo  fe  informara. 
Ao  campo  T>amafceno  o  perguntara. 

Asjui  dos  Scythãí  grande  ejuantídade.^fí:^  região  he 
habitada  de  Scythas  chamados  Sagas  pelos  povos 
vizinhos  como  diz  Mela  lib.3.cap.5.  ôiPliniolib. 
(í.cap.iy.donde  tratta  largamente  da  multidão,  ôc 
variedade  de(U  gente  ,  hoje  íe  chamão  t«dos  ern 
geral  Tártaros. 

§itt{  antiguamente  grandt guerra.  Houve  antigua- 
mente  grande  contenda  entre  os  povos  Scythas,&; 
Egypcios ,  fobrc  a  antiguidade  de  fuás  pátrias ,  6c 
Naçóesrquercndo  cada  hum  com  fâlias,&  fabule 
las  razoes  dar  a  entender  que  ellcs  foraõ  os  pri 
mcyros  homens  do  mundo,allegando  para  iílo  anij 
tiguidadcsdc  Cidades  ,  &  outras  fabulas  que  in. 
ventávaórás  quacs  davaó  credito  por  naó  faberet 
a  verdade.  Pelo  que  o  Poeta  os  remete  aqui  a< 
campo  Damalcenojonde  Deos  noílo Senhor  crioi 
o  primtyro  homem  ,  6<:  d^ahi  o  levou  ahum  lugai 
muyto  frelco ,  &  d;  leytofo  chamado  por  eíle  rel- 
peyto  ,  horta  de  delcytes,  a  que  commummente 
chamamos  Parayfo  da  terra. 


J\ 


70 
Gora  neftas  fartes  fe  nomeya 
A  Laplajrta^a  inculta  Noroéga 

Efcaiu 


EJcandlfíavh  llhatquefe  arreya 
'Das  'vit tortas  que,  Itaíia  não  lhe  negai 
Aqui  em  quanto  as  agoas  nãorefreya 
O  congelado  Inverno^fe  navega 
Hum  braço  do  Sarmatico  Oceano 
Tela  BruJíOiSuectQi&fno  Dano. 


Canto  Terceyro.  f^ 

entende  os  moradores  de  Dania,terra  frigidiíTima, 
porque  lhe  chama  Danos  frios ,  &  pelos  naturaes 
hoje  Dencmarker:  aflim  que  Brufios,  Suecios,  Sc 
Danos  navegão  eíla  paragem  ,  &  todas  fuás  par* 
teSjSc  outras  muytas  Nações,  que  naquellas  par- 
tes íaô  fcm  numero,  como  diz  plinio  lib.ó.c.iy. 


IO 


/igora  nefiat  paríet.  Tratta  de  algumas  provin- 
das da  Europa  Septencrional  ,  como  Lapia  ,  & 
Noruega,  a  que  chama  frias,  6c  incultas  por  ier  o 
grande  frio  caufa  de  viverem  os  moradores  delias     Sarmatas  outro  (empo,  ^  na  montanha 


ENtre  ejle  mar,&  o  Tanais  vive  eftranha 
Gente i  RuthenoSyMojcos^  &  Ltvonios 


em  grande  aperto.  E  inculta  não  quer  dizer  deí- 
habicada,como  o  vocábulo  foa,6c  parece  moílrar: 
mas  habitada  com  trabalho,como  também  a  mef- 
ma  palavra  moílra  por  virtude  da  propoíiçaõ  ,  in, 
como  he  notório  aos  que  fabcm  a  língua  Latina, 

Ejcandmavia  //^íí.Efcandinavia  não  hc  Ilha  co- 
mo o  noilo  Poeta  lhe  chama  feguindo  os  antigos: 
mas  he  pcninlula,  como  os  Modernos  hoje  eicre- 
•vem,pela  experiência,  6c  conhecimento  que  tem 
da  terra.  Foy  também  chamada  Efcandia,  ou  Ef- 
candavm,ou  Bafilia,dosquaes nomes  todos,fazem 
mençaó  Piinio,Solmo, Mela, &  outros  antigos,  & 
modernos  que  delia  efereveraó.  Efta  província  he 


HtYcmea  os  M ar  com  ano  s  f ah  Tolonios. 
Sogeytos  ao  Império  de  Alemanha 
São  ÒaxoneSyBoemtos^  f£  Tanonios, 
E  outras  varias  Mações  que  o  Reno  frio 
Lavaj^  o  Danubio^Amafis^à'  Albis  rie. 

Entre  efte  mar.  Tratta  das  gentes  que  vivem  en- 
tre o  mar  de  Sarmacia  ,  6c  o  no  Tanais ,  chamado 
commummente  Tanà  ,  como  fica  dito  oytava 7. 
Primeyramente  diz  que  vivem  os  povos  I\uthc-  - 
nos,  chamados  por  outro  nome  Roxalanos ,  ou 
Rufios  do  Reyno  de  Polónia  ,  ScnaóFrancefes 
muy  to  grande  ,  6c  ( como  diz  Girava  na  fua  Cof-  como  alguns  aqui  dcclarão:qiie  he  bom  defpropo- 
mographia)  tem  de  comprimento  mil  leguiis  ,  6c  íito  :  pois  o  Poeta  vay  defcrevendo  outro  mundo 
outras  tantas  de  largo.  He  terra  muyto  fcrmola,  bem  differentcMoícos  faó  os  povos  do  graõ  Du- 
•6c  abundante  de  todas  as  coufasjtem  muyto  bons  quede  MoTcovia.  E  Livonios  faé  dehumapro- 
portos,  6c  cicalas  de  mercancias,  muytos  Reynos,  vincia  de  Sarma6Ía,que  agora  fe  chama  Livonia, 
6c  provincias.Nefta  eíta  o  Keyno  de  Suevia,Got-  chamada  antiguamente  Sarmacia  ger3lmente,co« 
iia,Líponia,ou  Laponia,a  que  o  Poeta  chama  La-  mo  a  mais  terra.Sarmacia  tem  fetc  províncias,  P  0- 
pia,Gautiandia,Filandia,  &  Noruega.  lonia,Ruíia,  Pruíia,Littuania,  Livonii,  Polónia, 

§lue  fe  arreya  das  vittoriai  t  ojue  balia  naolbe  nega,     6c  Molcovia  :  das  quaes  fe  podem  ver  muytas 


Ifto  diz  porque  deita  Efcandinavia  vieraò  os  Go- 
dos ,  6c  outros  bárbaros  a  Itália  ,  gc  fogeytàraó 
muy  ta  parte  delia ,  6c  moráraõ  por  muytos  annos 
naquella  parte  de  Itália,  que  hoje  le  chama  Lom- 
bardia: como  conta  Paulo  Diácono  nas  Hillorias 
de  Lombardia  ,  6c  Frey  Leandro  Albertina íua 
Defcripçáo  de  ltalia,no  titulo  de  Lombardia. 


dignas  de  memoria,  nas  Relações  de  Joaó  de  Bu- 
tero,naiua  Europa:  6c  na  fabrica  dei  mondo,  de 
Lourenço  de  Anania,6c  outros. 

E  na  montanha  tíerctnea.  Aflim  lhe  chama  Cefar 
lib.F.de  bcllo  Gallico  ,  dizem  ler  hum  bofque 
muyto  grande,6c  mu\  to  eípeíIo,que  de  comprido 
tcrà  feflenta  leiloas,  6c  de  largo  nove.  Entre  eftc 


Aejutemtjuamoasagtiaí  nãorefreya,  Neftas  partes     boíqueX^a  terra  de  Sarmacia  eftá  Alemanha,  co- 


(comoclcrevem  os  Autores )  fe  vive  com  raayor 
trabalho  pelo  Verão,  que  pelo  Inverno.  No  Ve- 
faõ  tudo  lãó  aguas,  6c  lamaçaes,  porque  fe  derre- 
tem as  muytas  neves,  6c  caramelo:  6c  no  Inverno, 
como  tudo  eílá  congelado  ,  caminha-fe  melhor, 
roas  não  fe  navega  no  mar  por  eftar  coalhado:  paf- 
lado  o  Inverno  fc  navega. 


meçando  do  monte  Sevo  ,  coníio  diz  Solino  c.  zj. 
Aquieftaôos  Marcomanos, Boémios,  Saxonios, 
Pannonios,que  íaõ  hoje  os  do  Ducado  de  Auftria, 
6c  Rcyno  de  Ungria:  6c  outras  varias,  6c  innume- 
raveis  Nações, fogeytas  ao  Império  de  Alemanha, 
pelas  quacs  pafiaô  eftes  quatro  rios  tão  nomeados: 
Rheno,que  naccnos  Alpes,chamado  vulgnrmen- 


Hum  braço  do  Sarmatico  Oceano.  Sarmatico  cha-     te  Rein,ou  por  fer  muyto  claro  em  fuás  agoas:  ou 


ma  aqui  efte  mar,por  fer  na  paragem  de  Sarmacia, 
â  qual  confina  com  Elcandinavia. 

Pelo  Brufio  SueciOyéf  frio  Dano.  Ifto  não  laó  rios 
(como  alguns  com mentaõ  por  fuás  cabeças ,  íem 
autoridade  nem  razão  alguma  )  mas  íaõ  nomes  de 
Nações  que  vivem  naqucJlas  partes ,  6c  navegaó 
no  mar  cm  tempo  que  o  frio  Ihedd  lugar  ,  como 
fica  dito  atrás.  Brufios,  ou  Barufios  íaõ  povos  de 
Prufia  provincia  de  Sarmacia.  Suecios  íaõ  de  Sué- 
cia província  de  Elcandinavia.  Pelo  frio  Dano, 


por  correr  com  grande  furia  ,  6c  Ímpeto,  que  huma 
6c  outra  coula  figsifica  a  palavra  na  lingua  Alemã. 
Danúbio  he  o  mayor,  6c  mais  celebrado  rio  de  to- 
da a  Europa  :  nace  no  monte  Arnoba  cm  Alema- 
nha ,  dcide  aínafontc  até  a  Cidade  AxiopoH  de 
Mifia  abayxa,  chamada  lioje  Colonamich  ,  como 
dizOlivario  lobre  Pomponio  Mela  (indaque  en- 
ganado pelas  taboas  dcPtolomeo  erradas  em  lu- 
gar de  Axiopoli  ,  lcAxia)he  chamado  Danúbio:" 
k  da  Cidade  Axiopoli  atè  o  mar  le  chama  lílro. 

Amafo 


m%  Lufiaàas  de  Luís  de  CamÕes  Commentados, 

^Amafo  corre  entre  o  Rheno,&  Albis,hc  no  gran-  carneyrocom  o  vdlodeouro  ,  no  qual  pafiaflcm 
'  'dc,&  navegável,  como  diz,  Eltrabãolib.7.inprin-  hutupedaçoxiemar ,  que  divide  Afu  de  íLuropa, 
cip.Ôc  Herrnolao  Bárbaro  lobre  Plínio  lib.4.c.i4.  &  com  condição  que  nenhum  deiles  olhafle  para 
,HojeiechamaEemps.Albishchum  riodeniuyto  trás.  Hellecihanuo,  cahiono  mar,  &  atogou-lc: 
nome  entre  os  Eicntorcb  ,  chama-le  em  vulgar  p(-lo  que  de  leu  nome  HeUe,6c  do  nome  de  aquei- 
£lbi,  naceenihum  monte  daSdva  Hercyniana  kcíbtyto  que  antes  le  chamava  ponto  ,  poreíla 
Boémia,  chamado  Riícmbcrg,  como  dizOrtclio  occâíiao,5c  inortede  Helle  le  chamou  Hciiclpon- 
na  fua  íynoniroia  na  palavra  Àlbis.  to,coaío  le  diílciremos  ponto  de  Hclie.hoje  le  cha- 

ma o  cílreyto  de  Galipoli,ou  braço  de  S.George, 

j-  A  Fabula  de  Helle  contaójuílmo  lib.  41,  Ovídio 

lib.5.faltor.Pontano  in  Urania,&  outros. 

ENtre  o  remoto  IfirOy^ê  Õ  claro  tjireyto  Uo  Ur  o  Mane ,  fatria  tão  <]umda.  Os  moradores 

Adonde  Helle  deyxt  u  co'  nome  a  vida,       tie  Thracia  inó  nomeados  entre  todos  os  Eicntto- 
Eflão  os  Thraces  de  robujlopeyto^  *"^^  poi"  ger^te  terá,  &  no  excrcicio  da  guerra  muy- 

T^oiero  Marre  pátria  tão  querida,  í^  delti^,&  exercitada.  Eíla  hc  a  razáo,porque  os 

Onde  coo  Hemo.o  Rkódope  fugeyto  Íwh     '"''  M-rte,que  os  Anfgos  tmhaó  por 

^  r\.  fi'  /   '  ^-  /  Ueos  da  gucrr*  ,  natural  deita  região,  ik  lhe  cha- 

^0  Otomano  e/f  a  que  fomettlda  ^,5  ^aí.  de  Marte ,  &  que  o  nome  que  tem  lhe  li. 

Bizâncio  temajeu  [erviço  tndinoi  cou  de  hum  filho  leu  por  nome  Thratioque  nd- 

Boa  injuria  do  grande  Conjiantino^  la  reynou. 

Ondeco"^  0  Hemoo  RoJope fugeyto*  Conraô  as  Fabulas 
Entre  o  remoto  l/lro.  Depois  que  trattou  de  ai-     que^Hemoíoy  Rey  de  Ihracia  calado  com  Rho- 

gumas partes  Septentrionaes  da  Europa,cumcça     t^ope  >  aos  quues  jupiter  convcrceo  cm  montes, 
a   Dcfcripçáo  de  Grécia  que  antiguan.entc  foy     por  lerem  tão  lobcrbos,&:  arrogantes,  que  Hemo 
chamada  Hellas,  do  nome  de  humas  lerras,  que  a     dizia  de  íi  que  erajupiter,  &  Khodopc  Juno  ,  Sc 
partem  pelo  meyo  ,  ou  de  Hellene  filho  de  Deu-     mandávaó  que  os  adorafieir),ôí  lervilkni  por  iaç§, 
calion  tomo  diz  Mela.Dclla  Grécia  eícrevcraó  os     como  cctu  Ovídio  nas  Metamorphofes  lib.6.  bile 
Antigos  muytas  couias  ,  porque  foy  Regiaó  de     n^onteHemo  parte  Thracia  pelo  meyo, como  diz 
miTytonomejaffim  pela  fertilidade  da  terra, como     Piiniolib.4.c.ii.  E(lrabaõ,Polybeo,í<í  Niclacuy* 
pelos  excellentiífimos  varões  que  nella  houve:aí-     dáraó,  quedo  alto  deite  monte  Ic  via  ornar  Egeo, 
íim  em  letras  como  em  armas.   Hoje  eílá  perdida,     ^  Adriático  ,  o  que  naó  hc  poflivel ,  pela  grande 
§í  desbaratada  ,  nem  ha  nella  couta  digna  de  me-     diílancia  que  ha.  Outros  acrecentáraó  que  le  viaó 
mona.  Os  Modernos  a  dividem  cm  cinco  partes,     lambem  delle  os  Alpes  ,  Sc  o  Danúbio,  como  diz 
ou  regióes,Thracia,Burinto, Macedónia, Achaya,     TitoLivio,lib.i.Dec.4.oqual  tem  todas  ellas  cou- 
Sc  Morca,Thracia  chamada  vulgarmente  Roma-      fas  por  Fabulas :  &  dclcrevendo  o  fitiodo  monte 
BÍd,qucheadequeaquio  Poeta  tratta,fítua»acn-     Hemo,diz  que  tem  tanto  arvoredo,que  as  arvores 
tre  o  rio  litro,  de  que  atiá  falíamos,  &  o  Heilel-     laó  taó  pegadas ,  &  tecidas  humas  com  as  outras, 
ponto.  Terá  o  Hellefponto  de  largo  800.  piiflos,     que  irabalhofamente  fe  vé  o  Ceo,  que  he  boa  li  n- 
que(  ícgundo  os  Gregos  dizem  )  he  o efpallo  que     guagem  para  os  que  querem  dalli  defcubrir  o 
hum  boy  pode  nadar  ,   pelo  que  lhe  chamaó  Boi-     mundo. Eílc  monte  ie  chama  hoje  cadey.i  do  mun. 
phoro  os  da  terra.  Divide  cite  eftreyro  Afia  de     doxomodiz  Girava  na  lua  Cofmographialib.íj^j 
Europa,  Sc  hojeem  dia  fe  vemdehuma,  Sc  outra     Toda  eíla  Thracia  hc  hoje  lugevta  ao  Turco™ 
parte  do  m;ir  as  ruinas  das  Cidades  Abidos,Sc  Sef-     Junto  a  eíte  monte  Hemo  eílà  Rhodope  ambos^ 
tos.donde  forâo  naturaes  aqueiles  grandes  amigos     ao  longo  do  rio  Iftrimon.  A  Fabula  de  iua  convcr^  * 
Leandro.Sc  Hero,dcque  Ovidiofazmençaó  nas     faôem  montes  trata  Ovidio  no  lugarallcgado» 
íuas  Epiftolas.  g.ue  fometttda  Bizâncio  tem  a  (eu  fèrvtço,  Nefíí 

Adonde  Helle  deyxou  c^o  o  nome  a  vida.  Contaó  as     Thracia  na  boca  do  Ponto  Euxino,  chamado  vuK 
Fabulas  que  Athimante  Rey  de  Thebas  teve  doas     garmentcMar  roayor  ,  oumarnegro,  eítàafcr- 
molheres  ,  Sc  queda  primcyrapor  nomcNephele     mofa  Cidade  Conílantinopla  ,  chamada  em  icus 
houve  dousfilhos.Phryxo.ScHellc.-cafadoiegun-     princípios  Bizâncio,  como  diz  Juftino,  &  PlinioW 
da  vez,  morta  a  primeyra  molhcr,  com  outra  cha-     no  lugar  allegado.O  primeyro  que  a  cnnobreceo  Jl 
mada  Ino,  tinha  os  dous  filhos  que  lhe  ficàraõ  de     Sc  fez  cabeça  de  Império  foy  Conftantino  filb<lf| 
Nephelc  comíigo  ,  aos  quaes  a  madralla  Inoío-     de  Helena  ,  queachoii  a  Cruzem  que  Chrifto 
mou  taó  grande  aborrecimento  que  os  não  podia     Noflb  Senhor  foy  cnicificádo:  Sc  outro  Conftan- 
ver  :  pelo  cjuc  determinou  por  todas  as  vias  dei-     tino  por  alcunha  Paleologoa  perdeo  no  annode 
tru»los :  Sc  para  eíte  cíFcyto  fez  com  cncantamen-     mil  Sc  quatrocentos  Si  cincoenta  Sc  tres,a  vinte  Sc 
tOb,Sc  feyticerias.que  os  campos  naó  déC>m  trig©,     nove  de  Mayo:  pelo  que  diz  aqui  o  Poeta,  boa  in- 
Sc  acíibou  com  os  Agoureyros,Sc  Sábios  dilleflem     juria  do  grande  Conftantino.  Eíla  Cidade  havia 
aEI-Reyquetodoaquellemal  lhe  vinha  por  cau-     mil  Si  cento  Sc  noventa  Sc  hum  annosque  craca- 
fa  de  feus  filhos.  AcodioNephele,  Sc  deulhcshum     beça  do  Império  Romano,  qnc  cantos  houve  en- 
tre 


Canto  Terceyrol  73 

tre  o  Império  de  Conílantino  primeyro  ,  que  a 

cnnobreceo  ,  8c  de  hum  trilte  lugar  afez  taó  no-  j  , 

bre,  ôc  cxcJlcnte  ,  atéotenipode  Conitantino 

Paleologo  que  a  perdeo.  Da  Cidade  Conílanti-  T     OgO  OS  T>almatas  ^ivem^&  no  feyo 
nopla  ,  &  luâ  ultima  ruina  traica  a  Chronica  do      j  ^  Onde  Anttnorjà  muros  levantOUj 

mundo  ,  na  qual  íe  defcreve  todo  o  lucceflbda  A (oberba  Veneza  ejtànomeyo 

entrada  da  Cidade ,  &  as  crueldades  que  o  Turco  «j^^j.  agoas.que  tãe  haxa  começou. 

ufou  com  os  ChníUos ,  Igrejas ,  &  Imagens ,  &  ç^)^  ^^^.^^  ^^^^  ^         ^^^  ^^  ^j 

muytas  torpezas  que  cometeo  :  na  era  nao  con-  .^^        ,  ^   ,  r       J 

forma  com  os  demais  Elcrittores.  Lu.s  dei  Mar-  ^'  esforp.uafocs  vartas /ogeytow, 

mol  Carvalhal  tratta  o  meímo  na  primcyra  parte  Braço  forte  de  gente  Jublmuday 

de  lua  j:)cícnpçáo  de  Africa  lib.  z.  pag.  224.  com  Não  menos  nOò  engenhos, que  na  efpadd, 
muyta  diligencia,  &  verdade :  o  qual  no  tempo, 

conta,  ac  ordem  da  txpugnaçaó,  6c  prognolhco,         /^o^o  oi  Dálmatas  vivem.  O  que  agora  le  ehama 

que  lobreelU  aconteteo  ,  he  conforme/aos  que  comm um  mente  Elclavonia  ,  chamarão  os  Anti- 

bem  Icntem.  gos  Dalmácia  ,  Illyris ,  ou  Liburnia.  E  debayxo 

j  ,  •  delle  nome  de  Elclavonia  lecomprendem  outros 

j  ^  Reynos ,  &Provincias,  Carinthia,Corvacia,  o 

LOgO  de  Macedotiia  eftao  as  gentes.  Condado  de  Tara,  Libumia ,  Dalmácia  ,  com  os 

A  quem  íava  ao  Axio  a  agoafria*  povos  Raguíeos,  &  Catherinos.   Dizem  que  tem 

E  vos  tamíteytiyó  terras  excellentes^  a  Efclavonia  de  comprimento  cento  &  vinte  le- 

Uos  Coíiumes, engenhos, à'  ouf&dia,  g«^s,&  de  largo  trinta.  He  terra  de  grandes  ferras, 

íi^         :a»,  r.    >,^  Vr, o  ^ //,,,-., VI ^-,  mayormentena  Carinthia.A  linsoadosElclavóes 
^ue  crttes  os  peytos  tloquenteSj  .■',-,        .   r     ,         nr  1  u   ►     u 

^     .  -^  '■    i      r        r  nao  íomente  ieuía  em  Efclavonia, mas  hc  também 

L  OS  juízos  de  altajantajia  „^^^j.^,  ^  ^^^^^  ^  ^^  Emperador  de  Alemã- 

Com  que  tutelarei  Grecta^o  Ceo  penetras,  nha,como  faó  Boemios,Pollacos,Bulgaros,  Mof- 

E  nàomemsfor  armas, que  por  letras.  covitas,&  Boírjnefles,ac  fós  os  Ungaroihnaô  lin- 
guagem muy  differente.  A  Senhoria  de  Veneza 

Lcge  de  Macedónia  efiãoas^entes.Jontoã  Thracia  governa  a  mayor  parte  das  Cid-^des  que  eliaô  no 

eílà  Macedónia  ,  chamada  hoje  Turquefca  :  cha-  leu  marras  da  terra  ty ranníza,  &:  tratta  mal  o  Tur- 

moufeantiguamcnteaííim  ,  de  hum  Macedo  neto  go.  O  Rey  dos  Romanos  he  fenhor  do  quceftà 

de  Deucalion,que  a  governou  como  o  diz  Solino  entre  Sena  ,  &  Trieíte.  Ella  terra  toda  eítá  quaíi 

naleu  Polyhiiloi.cap.í4.6cPliniolib.4.  cap.io.  deshabitada  ,  pelos  Cirandes  males  que  o  Turco 

j^  cjuttn  lavade  /Ixio  a  az^uafria.O  lio  Axiocha-  nella  faz.  De  toda  a  Elclavonia,  fó  oquepoíluem 

mído  hoje  Brade  ,  ou  Varadi  como  diz  Ortclio,  os  Venczianos,val  alguma  coufa. 
atr.vefla  Macedónia*  E  n9  (eyo  aonde  /Intmorja  muros  levantou,Vét\ttn- 

E  vôi  tambem^ò  ffrr<aíex«//fnífi.Neftas  palavras     de  o  leyo  Adriático,  onde  Antenor  edificou  a  Ci- 
comprende  as  outras  três  Provincias  de  Grécia,     dade  de  Pádua  como  truttey  largamente  atrás. 
Burinto  chamada  pelos  Antigos  Epyro  ,  a  qual  A{QberbaVenez,aejiânomtiiodai  agoai^metaobaj» 

tem  quatro  Províncias,  Chaonia,  Thefprota,  Caf-  xo  começou.  Depois  que  trattou  da  Efclavonia,  en- 
li<)pca,&:  Arcania.Achaya,que  os  Amigos  chama-     tra  na  Deícripçáo  de  Itália  ,  da  qual  em  muyto 

raóHclada  ,  que  he  aquepropriamcnte  chama-  poucas  palavras  diz  muyto. Os  Modernos  lhe  daó 

iros  Grecia,&  he  como  peninlula.  A  ultima  regiaó  figura  de  perna  de  homem  ,  começando  da  coxa 

de  Grécia  ,  he  a  Moreu  chamada  antes  Danaa,  atè  o  pè:o  noílb  Poeta  de  braço,poríer  termo  de 

Apia,  Pelafgia  ,  &  Peloponnefo:  temCorinthia,  falar  mais  próprio,  Sc  mais  accommodado  para  (eu 
Cariença,  Mefienia,  Hcllas,  Arcádia,  Lacedemo-  intcnto,que  he  trattar  da  gente  Italiana.  Éfta  Ita- 
nia,ÔC  Argia.  Paflbu  pela  deícripçáo  deílesluga-  lia  entre  os  Autores  tem  muytos  nomes  Janicula, 
res  o  Poeta ,  porque  laó  hoje  pela  mayor  parte  do  Cameíana,  Saturnia,  Enotria ,  A  penina,  Taurina, 
Turco,  Sc  todas  as  coufas  de  que  os  Antigos  tanto  Vitulia,Heíperea,  &  ultimamente  Itália.  Eíles,& 
celebrarão  Grécia,  eftaóextinítas  Tem  haver  me-  outros  nomes  põem  Ortelio  na  fua  Synonimiíi 
moriadellas:&  eíles  lodvores  que  aqui  o  Poeta  dá  Gcograpbica  lib.  2.  pig.  loi.da  palavra  Itália.  De 
a  Grécia, faó  pelo  que  aniiguamcnte  nella  houve,  lua  origem  tratta  Girnva,&:  Frcy  Leandro  Alber. 
tíTim  nas  letras  como  nas  armas ,  &  aíllm  como  os  ti  na  Defcripçaó  de  Itália  logo  no  principio  ,  os 
Antigos  a  tiveraõ  pela  principal  Provincia  do  quaesíaó  Modernos  ,  &  tem  tudo  oqueos  Antí- 
•nundopor  efle  relpeyto  ,  aílim  os  Modernos  a  gosdellaelcrevcraó.  O  Poeta  tratta  deila  em  duas 
tem  nojcpeloelladocmqueeftá,  por  muyto  infe-  oytavas,na  primeyra  lhe  dá  a  figura  de  braço,  que 
'^°^*  acima  difle  ,  começando  de  Veneza:  na  fegunda  a 

pinta  cercada  de  mar ,  a  modo  de  Penin'ul.i,  como 

lodosos  Antigos  a  dcfcrcveraõ.  E  paraqusasoy- 

i,  tavas  íc  cntcndaó  claramente ,  as  declsrarey  aqui. 

K  E 


^^  Lufiadas  de  Luis  de 

E  nofep  ondt  AnUn$r»  Eíie  he  o  ley o  Adriático, 
na  qual  paragem  Antenor  Troyano  edificou  a  in- 
íigne  Cidade  de  Pádua  ,  aonde  eftá  lepultado  o 
Corpo  do  Bcmavcnturado  Santo  António  Portu- 
guez,  &  natural  delia  nofla  Cidade  de  Lisboa,  em 
hum  Moíteyro  do  Bcmavcnturado  S.  Francilco 
logo  á  entrada  da  Igreja  cm  hum  icpulcro  tal, qual 
hum  taó  grande  Santo  raercce:  muy  venerado,  & 
frequentado  da  gente  daqucllas  Comarcas  ,  os 
quaes  não  lhe  chamaó  Santo  António  ,  fe  naô  fó- 
nientco  Santo  por  exceliencia  ,  tão  grande  he  o 
relpcytojôc  reverencia  que  toda  a  gente  lhe  tem. 

A  (oberba  yt»íx>a  eftà  no  meyo  Dai  agunt  e^ue  tao 
kajxaf»meçou.  Comelte  Antenor  de  qucatrásfa- 
lámos  ,  primcyro  fundador  da  Cidade  de  Pádua 
vieraó  de  Troya  depois  que  foy  dcílruida  pelos 
Gregos ,  os  Henetos  povos  de  Lydia,  os  quaes  fo- 
raó  em  companhia  de  leu  Rcy  l''hilinicne  cm  fa- 
vor dos  Troyanos ,  6c  vendo-le  fenj  tile  leu  Capi- 
táo,&;  Rey(porque{oy  morto  no  ccrco^dcígoíto- 
(os,  ÔC  enfadados  lèforaócom  Antenor  a  Itália  ,& 
fizeraó  feuaUento  junto  ao  lugar  aonde  agora  he 
Veneza  ,  a  qual  de  leu  norre  foy  aíTim  chamada. 
Lançados dahi  os  £uganeos,que poíTuhiaô aqucl- 
las  partes  como  conta  Eftrabaô  lib.4,  ôt  3.  onde  íè 
não  determina  bem  nefta  opinião  ,   mas  no  livro 
i5:.à  refere  por  certa:  fie  Pliniolib.3.  c.19.  Polybio, 
&  Tito  Lívio  ne  principio  de  fua  Hiíloria ,  onde 
com  muy  tas  palavras  a  confirma ,  pelo  que  fc  naó 
pode  fcguir  outra.  Daqui  le  chamaó  os  povos  Ve- 
nctos  mudado  o  H.era  V.de  Henetos,Venetos,& 
comummente  Vtnezeanos.  Quarto  a  Cidade  de 
Veneza  he  a  mais  bclla,5c  fcrmola,  que  h(  je  há  no 
mundo ,  &  edá  fiiuada  dentro  do  golfo  Adriático 
chamado  hoje  golfo  de  Veneza  ,  cujo  principio 
(  como  conta  o  Poeta )  foy  muy  to  bayxo.  O  que 
contaó  os  Hiíloriadores  acerca  do  principio  delia 
taô  excellente,&;  nomeada  Cidadc,he,que  entran- 
do por  Itália  com  hum  poderofiffimo  exercito 
aquclle  loberbo  Attila  Rey  dos  Scythas,  (  que  fc 
intitulava  Rey  dos  Hunos,  Godos,  Medos,&  Da- 
nos,medo,&:  ejpanto  do  mundo,£;floute,&  caíligo 
de  Deos )  deílruindo  todas  as  Cidades ,  &  lugares 
por  onde  paliava  ,  &  não  perdoando  a  coula  que 
cncontraíle,  atravefi*andoatcrradc  V^eneza,  pós 
tanto  temor  âs  gentes  daqueUa  Província  ,  que 
naó  Te  tendo  por  feguros  na  terra  íe  recolherão  a 
huns  piqucnosllheosque  no  mar  ellavaó,  aonde 
eícapáraó  ,  &  (icndo-fealli  por  feguros  da  ira  de 
Attila  )  começÃraó a  fundar  cafas  para  viver,  & 
fortificarfe  alli  o  melhor  que  podiaó  ,  porque  o 
exercito  de  Attila  naó  entrava  por  mar  ,  aonde 
tan>bem  fe  recolherão  alguns  que  efcapáraó  da 
Cidade  de  Aquileya,  &  de  outras  gentes,q  fugiaó 
do  aííoute  de  Attila»  Deíles  que  laó  aíTàs  fracos 
princípios   ,   veyo  )  Cidade  de  Veneza  ler  o  que 
agora  he.  Veja-fc  o  que  clcrevcmos  no  canto  2. 
oytava97. 

Da  terra  hum  braço  vtm  ão  mar  ^ue  cbeyo^  Eílc 
braço  que  aqui  põem  he  a  terra  de  Icalia  que  faz  o 


Camões  Cctnmentados, 

Poeta  Ictoclhante  a  hum  braço  de  homem  ,  como 
fica  dito  airàs,  cercado  por  três  partes  de  mar ,  & 
porhumaló  de  terra  ,  pelo  que  lhe  chamaó  ou- 
tros Peninfula.  Da  parte  do  Oriente  tem  ornar 
Jonio  ,  chamado  hoje  o  golfo  de  Veneza ,  ou  mar 
Aufonio,  Sc  Siciliano.  Do  meyo  dia  o  mar  Liguí^ 
tico  ,  que  he  o  mar  de  Génova  ,  &  o  mar  Thyr- 
rcno ,  que  he  de  Toícana :  do  Septentriaó  o  mar 
Adriático,  chamado  mar  de  Veneza, ocos  Alpes. 
Do  Occidente  os  mcrmos  Alpes  que  a  dividem 
de  França,  &  Alemanha,  começando  do  rio  Va- 
ro,até  o  monte  Adula,  chamado  hoje  pelos  mora- 
dores Tirei. 

Bra^o  forte  Jt gtnte fublimada.^Dxz  que  eíla  Itália 
cria  gente  fublimada,  ÔC  excelkntc,  affim  nas  le- 
tras,como  nas  armas.  Quanto  ao  tamanho  de  Itá- 
lia ,  dizem  que  tem  de  compi  ido  mil  fie  vinte  mi- 
lhas ,  &dc  largo  naó  lhe  afíignão  certo  cfpafiò, 
porque  conforme  a  dilpofíçáo  da  terra  em  huma 
parte  he  larga,  6c  em  outraeílreyta,  de  circuito 
\ht  daó  duas  mil  6c  quinhentas  &  cincocnta. 

15 

EMtorno  occrcão  Reyno  Neptunino 
Co'  os  muros  naturaes  por  outra  parte; 
^Felo  meyo  o  áivtde  o  Apenino ^ 
^e  taó  illufirefez  o  pátrio  Marte. 
Alas  depois  que  o  Torteyro  tem  divino j 
^Fer  denao  o  esferço  veyo,  (^  bellica  arte, 
Tobre  cfiàjà  da  antiga  pote  fade. 
Tanto  UJeos  fe  contentada  humildade. 

Kr»  tornt  o  ctrcá  o  Refm  Ntptunino.  Moílra  o  qil 
fica  dito  atrás  fer  It.lia  rodeada  de  mar  por  ti" 
partei,&  pela  outra  de  muros  naturaes,  que  laó  l 
Alpes,  6c  outras  ferras  juntas  a  eiles.  Pslo  Reyn^ 
Neptunino  le  entende  o  mar. 

Ftlo  meyo  ê  divide  o  /ípenim.  Apenino  he  hum 
efgalho  dosAlpes,o  qual  começa  da  nbcyra  deGe» 
nova  ra  Cidade  de  Nila, 6c  parte  Itália  pelo  meyo, 
como  excellcnte,8c  meudameute  o  efcrevc  Eílra- 
baólib.5.6c  Polybiolib.^.  Dizem  que  fechatr.ou 
aílim  de  Apino  Rey  d«  Italia.ourros  querem  que 
rivcfle  cite  nome  de  Apis  humCapitáo  antigo,que 
a  fogeytou.&C  tiiunfou  delia:  pelo  que  entre  ou« 
tros  nomes  fe  chama  rsmbem  Apenina.Ourros  di- 
zem que  le  chamou  eílc  monte  Apenino  por  ler  o 
paílb  por  onde  Annibal  entrou  em  Itália  contrí' 
os  Romanos, o  qual  como  foflc  Carthagineníê,  Ô. 
os  Carthaginenfes  lechamáo  Penos,  deaquiquc*^ 
rem  que  lhe  venha  cíle  nome.  li.  porque  Annibal 
paílbu  por  aqui  diz  o  Poeta  que  o  tez  o  próprio 
Marteilluílre  :  porque  com  ellcad ver fario  taó 
giande,que  tantos  annos  lhe  durou  Ic  exercitarão 
os  Italianos  nas  coulas  da  guerr;»,  6í  fizeraó  mara* 
vilhas  nella  até  deílruir  Annibal,  6c  tomar  lua  pá- 
tria Carthago,  6c  aflolalla  de  todo.  Também  fe 
pode  dizer  ,  que  ellcs  montes  fizcraõ  fua  pátria, 

illuftre»! 


r  o     - 

i 


1 


Canto  Terceyro.  j^ 

illuftrc  ,  por.ferem  eftorvo  ,  &  impedimento  aos  montes  chamados  Sequan!,&  Vegefo  em  Borgo- 
que  por  tiles  queriaó  paliar  com  exercito  contra  nha  paíla  per  terra  dos  Senoncs  ,  que  hoje  iè  cha- 
ltaha,no  qual  lugar  muytas  vezes  eraó  desbarata-  maó  Sens,  dcnde  parece  tomar  o  nome:  palia  tnai- 
'dos,pclo  que  Phnio  lib.5.  c.4.  Jhc  chama  laude,  6c  bé  pela  Cidade  de  l^aris.R  hodano  chamado  R  hol- 
remédio  do  povo  Romano.  nc,nace  nos  Alpes,  íkíazo  Lapo  que  dizem  í<o- 


I4ai  dipii  qug  o  Porteyre  tem  dtvino.  Dcpotó  que 
Iraliafoyaliento,  &  morada  do  Porteyro  divino, 
qucheo  Summo  PontiHce  Vigário  de  Chrifto,  & 
Governador  da  Chnítandade,atroxou  algum  tan- 
to nas  couías  da  guerra,  entregue  de  todo  a  outro 
<<ifferenic  exercício,  qual  he  trattar  da  lalvaçaõ 
dasalma.s  vendu  quanto  Dcos  Noilo  Senhor  toU 
ga  com  gente  dada  à  virtude,  &  humildade  :  & 
quaó  inimigo  hc  da  gente  foberba,&:  bellicofa, 

GÂllla  alítje  ver  d, que  nomeada 
Co's  Le/areos  triunfos  foy  no  mundo ^ 
èlj^e  do  Sequanay  ^  ao  Rhodano  he  regada^ 
Edo  GaYumnafrío^^  Rheno  fundo: 
Logo  os  montts  da  Ninfa  fepultada 
^yrenej  fi  levantão,  quejegunao 
Anttjí^uidades  contaõy  quanao  ar  der  ao  ^ 
Rios  de  our  o^^  aa  prata  entaõ  cortcraÕ^ 

Gallia  aílt  fe  ver4.  Tudo  o  que  ha  de  terra  entre 
o  rio  Rin,  mar  Oceano  ,  montes,  Pyrincos,  mar 
Meditei  laneo, Sc  mnnte  Apenino  até  A ncona  Ci- 
dade da  Regiaó  Piceno,(aque  vulgarmente  cha- 
mamos Marca  de  Ancona  j  ne  entre  os  Latinos 
chamado  Gallia  ,  ^  vulgarmente  França.  Cha- 
ma-lcaflim  degala  ,  que  he  o  leyte  p«r  lerem  os 
Franccics  de  cor  tnuyto  branca  ,  &  eíla  parece  a 
verdadeyra  origetn  da  palavra  Gallia.  Amda  que 


íana  ,  a  cuja  nbcyraeíU  Génova.  Goruninalaye 
dos  montes  Pyrtncos,  paíla  por  Thoioia,  Vicnj, 
Bordtaux,  6c  he  muyto  grande.  Rheno  he  o  rio" 
Rhin  de  que  rraticy  atras  neftc  canto,  oy  tava  1 1. 
L»g«  0$  wont«t ,  Cf^C'  Entende  osn)ontes  Pyrc- 
neos,  que  dividem  França  de  Helpanha,  os  quaes 
como  dizem  os  Poetas  toiaó  chamados  aíTim  de 
huma  donzella  chamada  Pyrene  ,  que  Hercules 
deshonrou,  àqual  manâraó  humas  bcltas  leras  em 
humas  montanhas  onde  elle  a  dcyxoy.  bl  porque 
efta  moçaalli  toy  Icpuhada  ,  le  chansárao  Pyic- 
neos,conio  aqui  diz  o  Pocra.  Outros  quercni  que 
fe  chamalle  all-.ni  de  \ya:.^  fabula,  que  delias  Icr- 
ras  Diodoro  Siculo  ,  J^oii^ros  coníaó  ,  ^ueno 
anno  de  88o.  antes  de  ^';feici^icnto  de  Chrillo 
Noflo  Senhor  arderão  em  tal  maneyra,que  ofogci 
foy  vifto  quafi  de  todas  as  partes  de  Hcipanha  ,  cC 
de  muyta  pai re  de  França  :  aonde  acicccnlaò  qua 
a  grande  quentura  do  fogo  penetrou  as tniraniias 
da  terra,  òc  derreteo  as  vcas,  &c  ir.inas  delia  de  í)»a- 
neyra,que  correrão  grandes  rios  de  prata, &  ouro, 
donde  íe  fizeraó  ricas  muytas  nações ;  &  que  da- 
qui de  pyr,  que  em  Grego  quer  dizer  fogo,lc  cha- 
maôeltcs  montes  Pyitncos  ,  comu  aqui  tamberu 
aponta  o  Poeta.  Plínio  ljb.5.  c.  1 .  tem  líio  por  fa- 
bula. Dos  Pyreneos,  6í  fua  Delcr ipçaó  traita  Ga- 
nbay  lib.5.  c  15.  pag.iiz.  largamente,  onde  poern 
cílafubula. 

17 

Eis  aqui/e  defcohre  a  nobre  Efpanha^ 
r  Como  cabeça  alli  de  Europa  tcda, 


ida  da  agua  :  po,  dles  pnncipalmenie  fe  terem  Mas  nunca podirà  com  força.ou  manha 

m  f.?J^-tí''M^'"   ''v  "'""^  "'  ^'' 7'.^  '^*  afortuna  tnquieta  por  lhe  nada, 

m  le  prezao  delta  antio-iiidadc  :  comofedizno  /-/     >i         ^    •  r  >        r^  j- 

^  i^/«f  íba  nao  tire  o  esforçado-  ovfadia 


Ptolomeo  tem  o  contrario,  dizendo  que  eíles  po-      — .-,  ^  ^ 

vcs  vier^ó  de  Allyiia,S<  Arménia  a  eílas  partes, &  Emcujofenhorto,^ gloria  ejhanha 

que  na  lingua  AHyria  Galat  quer  dizer  coufa  ti-  Mulitas  voltas  tem  dado  a  fatal  roda: 

rada  da  agua  11.-..-. ..  1. ..„.,.„  r- ..  ,  •^                    .      ,           „     -^ 

P 

Ptolomeo  novamente  impre|]o,na  tcrceyrataboa 
antiguâ  da  delcripçâo  de  Gallia. 

^enowea'ia  co'í>i  Cefareei  triutnphos  fof  no  mundo. 

Depois  que  Cclar  acabou  o  Confulado  ,  foycom  _. .  ^^^ .., .^ 

grande  exercito  a  França  ,  na  a  qual  dez  annos  pa,da  qual  os  Geographos  começáo  fuás  Dcícrip- 

continuos  teve  guerra  comos  Francezcs,&  fugey.  ÇÕcs  ,    por  ler  a  principal  de  toda  tila  cm  todas  as 

tou  tudooque  hadefdeosmontes  Pyrineos  atèos  coulas  como  todos  affirmaô.  Eftrabão  Ihedá  fi- 

AlpeF,5í  iodo  o  rcflante  até  o  rio  Rhin,&  venceo  gwa  de  corno  de  vaca  ,  ao  qual  fegucm  todos  os 

outras  gentes  bellicolas  ,  que  feria  lar2,o  contar,  Modernos.  He  rodeada  de  mar  por  todas  as  par 


^Dos  bellicoíos  peytos^  que  em  fi cria* 

Eis  arjui^  (^c.  Hefpanha  he  Província  de  Euro- 


das  que  elle  tratta  nos  fcus  (onímentarios  ,  que 
por  ieus  mcfmos  inimigos  foraó  approvados.  E 
pehs  muytas  vittoi  ias  que  houve  em  França  ,  Sc 
triumphos  que  alc<^nçou  diz  o  Poeti  que  a  Gallia 
foy  nomeada  no  mundo  com  os  Celarcos  trium- 
phos 


tes  ,  laivo  do  Oriente,  aonde  os  Pyrcficosn  divi- 
dem de  França.  Dividc-íc  Hefpanha  toda  em  três 
Provincias,Bethic3,Lufirania,&TarraconenC.A 
Tarraconenie  (  chamada  alTim  de  huin.:  Cidade 
deTarragona  lua  Metropoii  )  temeíUs  Reyno^: 
Murcia,  Valença,  Aragão  ,Carahinha,Ljão  cha- 


Ka 


ment« 


^6  Lufiadas  de  Lms  de  Camões  Commentadõs, 

4iiente  Guadalquibir ,  a  qual  palavra  hc  Arábiga,     ipilia ,  &  cala  dos  Godos:  o  qual  aquclles  poucoj 

•&  quer  na  nofla  lingua  dizer  no  grande)chama-le     Hefp^nho.es  que  por  aquellas  ferras  cílavâo,o  le- 


Andalu2Ía,o  qualnome  tomou  dos  Vandalos,que 

âfenhoreâraô  ,  §í  chamando^^le  primeyro  Van^a- 

lia,re  veyo  a  chamar  Andaluzia  corrupto  o  vocá- 
bulo- Tem  eíla  Província  eftes  Reynos,Seyilha, 

Córdova,  Granada»  &  Jaem,  Luíiunia[que  agora 

chamamos  Porcugaljdizíc afiim  de  Lulo,  ou  Ly ■ 

fa  companheyros  de  Bacho,ou  filhos  como  alguns 

o  querem:  es  quaes  aportando  a  cíti  terra,  íizeraó 

neilafeuaflento,  &:como  a  governarão,  &:foraó 

Icnhores  della,de  feus  nomes  ie  chamou  Luíitania 

Lyíitania,  hoje  le  chama  Portugal,  ainda  que  náo 

tem  todas  as  terras,que  a  antigua  Luíitania  tinha, 

tem  outras  muytas   ,  que  nâoeráo  da  Lufitania: 

verdade  he  que  tem  hoje  os  Rcys  de  Portugal  o 

melhor  daLuíicania  antigua.  Deyxadas  as  Deí- 

cripçóes  da  antigua  Lufit^^piajc  pôde  o  noíío  Por- 
tugal partir  em  quatro  Pi*S'Vmcias:  Tranftagana,  a     Çm^*»»  non  tecjua  bona  pramia  divtdii} 
que  chamamos  >=ilenr«^Pj  a  qual  parte  comprende 

9$  campos  de  Ourique-,  &  Âlgarves  aquém  tnar.  O  fortuna  invejofa  aos  homens  esforçados ,  quão 
Eftremadura,naqual  eftá  Lisboa,  Santarém, Co-  mal  repartes  teus  prémios  pelos  bons.  Diíto,a  que 
imbri.iAbrantes,  ác  outros  muycoslugsres.  Intc-  os  homens  chamáo  Fortuna  eftâo  cheyos  os  ijt* 
ramnis,chamada hoje  Entre  Douro,3c  Minho,ter-     vros  dosPhilolophos,&:  Poetas,vejâ-íea  noflaan- 


vantâraó  por  Rey  no  anuo  de  7  i(5,Elte  teve  muy- 
tas vittonas  dos  Mourps  ,  loinando-lhe  muytu$ 
lugares,  6<:  desbaratandoos  muytas  vezes , que  foy 
principio  de  íerem  lançados  de  Heipanha. 

A  fortuna  inefumíi  poribe  mda,  ÈlegantiíTima- 
mcnte  declarou  a  natureza  da  íortuna  ,  thaman- 
dolhe  inquieta,  porqu.  náo  labe  eftarquçda,  & 
firme  em  hum  lugar.  O^  Poetas  a  pintáo  cm  figura 
de  molher  lem  olhos ,  íobre  humabola,  paramoi^ 
trar  fua  inconftancia,  &,  mquietaçáo,  &  quaó  qe*-> 
gji,:5c  dcíatmadamente  le  ha  na  repartição  das  cou- 
las  ,  dando  íemprc  pela  mayor  pai  te  tudo  aps  qup 
não  merecem  nada  :  pelo  que  lhe  chamou  íie» 
neca  trágico»  inimiga  Uos  bons* 

O  ff  r tuna  vir»  invidã  fortibftit 


notação  no  primeyro  canto,oytava44. 

18 

C"^  Om  Tingitania  ente  [ia  ^&  allifarecs, 
j  ^*^  ^^^^  fechar  o  mar  Mediterram 
Onde  ofabtdo  Efireytofe  enmbrece 
Com  o  extremo  trabalho  do  The  bano: 
Com  nações  dtffèr entes  f&  engrandece, 
C  ercadas  com  as  ondas  do  Oceano j 
Todas  detahwhrezaM  tal  valor ^ 
^{e  qualquer  delias  cuydat  que  he  melhor _, 

Com  Tmgitaniaenufa.  Moftra  como  defronte  de 
Heipanha  eíU  a  Provincia  Tingitana  ,   chamad 
4Ílim  de  Tingi  Cidade  fugcy  ta  aos  Reys  de  Port 


ra  muy to  freica  ,  &  abundante,  na  qual  etU  a  Ci 
dade  de  Braga,  Porto  ,  &  outros  muyios  lugares. 
Tranfmontana,  Trás  os  montes,  aonde  efta  a  Ci- 
dade de  Bragança, cabeça  do  Ducado  de  Bragan- 
ça, ôc  outros  lugares  :  &  efte  heo  Reynode  Por- 
tugal, o  qual  lempre  andou  anncxo  a  Hefpanha, 
cpmo  parte  fua  ,  até  que  Dom  Affonlo  o  fexto 
Rey  de  Hefpanha  de  alcunha  o  Bravo, que  tomou 
Toledo  aos  Mouros  ,  querendo  fitisfazer  aos  fer- 
viços,&:aiudas,que  o  Conde  Dom  Henrique  lhe 
linha  dado, calandoo com  íua filha  DonaTareza, 
lhe  deu  era  dote  todas  as  terras,que  naquelle  tem- 
po erâo  tomadas  aos  Mouros  neíta  parte  de  Lufi- 
tania,que  agora  he  Reyno  de  Portugal.com  todas 
as  mais,,  quecUe  podelle  conquiftar.  Da  origem 
defta  palavra  Portugal  le  veja  a  noflaannotação 
nefte  canto, oytâva  20. 

Muytat  voltas  tem  dado  a  fatal  roda.  lílodiz  pe-     gal  por  nome  Tangcre,  Efta  Provincia  compren- 
las  grandes  mudanças  que  houve  nos  Reynos  de     de  os  Reynos  de  Fez,&  Marrocos:commummca« 
Heipanha  por  muy  tos  annos :  porque  a  fugeytá-     te  fe  chama  efta  terra  Berbéria, 
raó  Suevos,  Alanos,  Vândalos, Romanos,  &  Go-         AlU  parece,ejue  íjucr  fechar otííar  Mediterrano.Kíi 
dos,  havendo  entre  elles  grandes  guerras  íbbreel-     marapartaEuropade  Africa. Tem  entre  os  A utO' 
la  :  comocontâoas  Hiftorias  de  Heipanha,  £c  le     res  outros  muy  tos  nomes,  porque  íe  chama  A/<ir^ 
pode  ver  largamente  em  Garibai  no  feu  Compen-     magnumyMare  internumtMare  mJirum,Mare  Ibyrrt' 
dio  Hiftorial  ljb.5.6.  ^  7.  Nas  quaes  voltas  andou     nujn^Mare  HefpertHm\  que  quer  dizer, Mar  grande, 
atéque  ultimamente  porordem   ,  Scconfelhode     Mar  de  dentro, Mar  noflo, Mar  Thoícano,&  MaC^ 
Julião  Conde  de  Ceuta,foyentrada,&deftruhida     de  Itália.  Chamaó-lhe  também  os  Heípanhoc 
quafi  rodados  Mouros  ,  noanno  do  Nafcimento     Mar  de  Levante.  Tem  além  deftes  outros  nome 
de  ChriftoNoOo  Senhor  de  714.  lendo  Rey  Dom     conforme  aos  lugares  por  onde  pafia. 
Rodrigo  ultimo  dos  Godos.  Enãoficáraópor  fu-  Ortãt  o  (abidoeflnytofeennQbrtceC^moextremotrêm 

geytarje  não  alguns  poucos  Chriftãos,  que  íc  ré-  balhodoThebane.  O  fabidoeftreyto  heodeGibal- 
colheráo  ,  fugindo  defta  praga  para  as  terras  das  taradas  conhecido  ,  aqiie  chamáoos  Latmos/rí- 
AfturiaSjScBilcayarosquaeseftandojáparalccn-  tumGaJitanum  ,  d^  fretum  Herculeum  ^  cíireyto  de 
tregaraos  Mouros,foráoeftorvados  por  coníclho  Cadix  pela  Cidade  Cadix  que  nelleeftá :  &  ettrc)- 
dchum  Fidalgo  Bifcainho  chamado  Pclayo  de  na-  to  de  Hercules  ,  porquedizem  as  fabulas,  que  de- 
ção  Hefpanhol :  ainda  que  alguns  o  fazem  dafa-    pois  de  Hercules  haver  perigrinado  pelo  mundo^ 

ali-n. 


CantoTerceyro.  ff 

alimpandoo  d/e  vários  nionftros  que  nella  havia,  terra ,  toy  publicamente  mandado ,  que  a  Cidade 
aportou  aonde  agora  hc  Gibakar  ,  &  eftando  alli  íofic  aeítruida,  6c  os  que  ncHa  moravão  íe  toraaí- 
huma  feira  inuyto  grande,  a partio  pelo  meyo,  ôc  lem  para  Cumas.  Mas  focedeulhe  mal  eíte  nego- 
itz  ,  que  o  mar  fizefle  ieu  curlo  pelo  mcyo  delia,  cio  >  porque  íubitamente  lhe  Icbreveyo  grande 
como  hoje  U'L  dividida  a  lerra  em  duas  partes,  hu-  pefte  ,  coniultando  o  Oráculo  relpondeulhs,  quQ 
ma  chamada  Calpe,  &  outra  Abyla,  a  qual  os  Au-  tornallcm  a  Cidade  Partenope  a  leu  pnmeyrqel-i 
toreschanião  Alyba  ,  que  quer  dizer  cGlumna,  tado  ,  &quedcftamâneyraceflarÍ4apeíl:c,  o  que 
porque  Hei cules  pozemcada  huma  deílasferras  elles  íizcrãp  logo  por  Ic  livrar  de  hum  mal  tãoi 
huma  colunina,  como  termino,  ôc  fim  de  feus  ira-  grande  ,  Òí  dahifcy  chamada  Nápoles,  que  quer 
baihos:  as  quaes  columnas  andáo  hoje  nas  armas  dizer  novu  Cidade  ,  porque  novamente  toy  ediíi- 
dos  Reys  de  Caltella.Na  ierra  Calpe  elU  hoje  Gi-  cada  por  mandado  do  Oráculo. 
balca),Ôc  na  Abyla  T^tutatcítíi  he  a  razão,  porque  ^ugeyiando  Partenope  tncjuieta.  Chama  a  Nápoles 
os  Autores  chamáo  eílcsdous  montes  as  colum-  inquieta  pelas  grandes  revoltas  que  lobie  elia 
nas  de  Hercules.  houve  ,  como  conta  Garibai  no  fcu  Compendio 

OgMo  7 «f^<a«ff.  He  Hercules  chamado aífim  da  Hillorial  lib.  52.  c.  8.  uiquead  18.  no  qual  iratta 
Cidaocdc  1  hcbasdonde  tUefoy  natural.  A  ver-  como  Dona  Joanna  Raynna  de  Nápoles  perhlhou 
dadeheqix  Hercules  terciodecimoRey  de  Hei-  a  Dom  Aííonlo  Quiiito,  &  uUimo  deite  nome  dos 
panha  elt«  enterrado  em  Cadix  ,  o  qual  foy  Excel"  Reys  de  Aragaõ  de  alcunha  o  Magnânimo  ,  mas 
Jentiffin-o  Rcyrpeloquefoy  tido  por  Deos,  affim  ctta  amizade  durou  pouòo,5<.' depois  houve  traba- 
dos  Help.inhoti  como  dos  Africanos. Depois  dcfte  lhos  atè  que  íí-URey  Dom  Fernando  i?.  de  Ara- 
houve  muytos  que  á  lua  imitação  le  chamarão  gão,5c  lo.deCaílcllaa  íogeytou  até  hojf. 
Hercules.  O  ultimo  foy  eíle  de  rhcbas,de  que  o  o  Navarro^ai  /ifiurtas^c^ue  riparo  iâ  forno  contra  A 

!»oefaaquifala,aoqual  atriibuea  cavallana,  ôccí-  gente  Mahometa.  Das  terras  das  Aftuna.s&Navar- 
foiçoquccíleprimeyro  Hercules  teve.  Eilahe  a  ra.fe  tornou  a  recuperar  Heipanha  por  hum  Fi- 
razáo  porque  elleeítreyioíe  chama  também  Her-  dalgp  chamado  Pclayo,  que  pelo  grande  amor,  õc 
çulco,  o  mais  he  fingimento  Poético,  lea-fe  Gari-  afi^^cyçâo  que  lhe  os  povos  Elpanhoes,  que  cntaõ 
|>ai  no  leu  Compendio  lib.4.  c.  i  $.  havia ,  tiverão ,  levantarão  por  Rey,  6c  chamarão 

CvMoi  na^iei  dí^erentei  (e  engraneíece.ldo  dizpe-     por  Dom.  Palavraque  até  eíies  nolíos  tempos  du- 

lasdificrcntcs  nações  que  tem  Hcfpanha  ,  como     ra  entre  Reys,&.  outros  íenhores  de  Herpanha,a 

atrás  ficadito.  qual  palavra.  Dom, he  dirivadada  palavra  Latina 

j  g  Dommui ,  que  quer  dizer.  Senhor  :  ôc  porque  por 

confelho  defte  nobre  Cavalheyro  receberão  os 

TEm  9Tarragcnez^,que  fefezclaro^  Efpanhoes  algum  refrigério,  &  íe  tornarão  a  alar, 

Òugeytundo  'PaYtèyiope  in^uittaj  &  cobrar  esfoi  ço,6c  debayxo  de  íua  bandeyra  lhe 

0  Na-varroas  J/turits,  que  reparo  f^z  l^eos  muytas  mercês  ,  lhe  puferão  eíte  tão 
Já  foraõ, contra  a  oente  Mahometa'.  amorolo ,  &  honrado  titulo  de  Dom,  não  ie  cha- 
Tem  o  Galeoo  cuuto,  &  Oiiraude,&  raro  mando  antes  niais  que  Pelay^o. 

Lajhlhano,  a  c^uemf.z,  oj.utlaneta  ^^^  ^^  Hefpanha,  que  atras  pus,  fe  entenderá  eíle 

Rejíítuidorde  hjpanha,^  /enhordeila,  verfo  ,  que  traita  de  alguns  Reynos  de Caíklla, 

BethiijLeaõfirunadai  com  Cajtella.  como  he  o  de  Andaluzia ,  que  fc  entende  por  Be- 

ihi<^,porque  aííim  chamão  os  Letinoí  ao  rio  Gua- 
Ttm»  JarragontXat^uefeftx,  ^Uro.  DcTarragona    dalquibir  que  por  elle  paíla. 
fe  vcjaa  ncflaunnciação  ncíte  canto  ,  oytava  17. 
Aqui  Tarragonez  fe  entende  fomente  o  morador  «q 

do  Reyno  Aragão,  pelo  queaqui  tratta  :  pwque     

EURey  Dom  Aífonio  de  Aragão  logeytou  Na-     T7  Is  aqutcjuafícume  da  cabeça 
lH<lcs,  a  qual  toy  chamada  antiguamente  Parte-     \J^T)e  Europa  toda ^e  Reyno  Lu fitãUO^ 
r.ope  ,  como  a  chama  aqui  o  nofio  Llis  de  Ca-     Onde  a  terra  fe  acaba  j^  ornar  começa^ 
mócí.Os  poetas  conião  que  Partenope  foy  huma     £  ^nde  Theborepoufa  no  Oceano: 

mn?rnTvn?r  "^M  ^'^'"^?  """^  leu  canto  def.  ^^^^      -^ ^  Ceojujlo,que  flore ça 

tiHiir  a  UJyíles,  &  lua  armada,   tomadas  diílo  fe  -kt      ^  i  -^     7    /   ar       -^ 

lr.nçàraó  dehum  rochedo  no  mar  aonde  morre-  Nas  ar  mas,  contra  o  torpe  Mauritano, 

r:io,^huma  dcli.s  chamada  Partenope  foy  dar  a  T>eytandoo de Jifera,{£)  lanaardtnte 

huma  parte  aonde  íoy  cntcrrada,&  edificado  ahi  ^Jrica^  eftar  quieto  O  nao  confe^te» 
,    hum  lugui  que  Ic  chamou  Partenope  de  leu  nome. 

1  E  porque  elKb  fundido»  CS  de  Partenope  (e  hiúo  Eit  a^ui  íjuaft  cume  da  cabeça  Di  Eurôfa  todo  o 
I    eíquccendodciua  natureza,  6c  delempíiravão  a  líf;»^  iL«//f<i«/).Aqui  tratcadc  Portugal,cujâDef- 

Cidade,  6c  Comarca  de  Cumas  ,  aondeellesalli     cripção  fc  pôde  ver  atnís.oytava  ly.aondçtrattey 
v;cráo  ,  por  lhe  comentar  inuyto  aquelie  Ctio  de    do  que  agora  hc  propriamente  Portugal  ,  pelos 

mais 


78 


Lu/iadas  de  Luts  de  Camões  Commentados, 


Ij.òí  56.dilie  como  o  ftcílo  Portugal  fe  chama  en* 
tre  osLatinoi  Luíítania  ,  do  nome  Lulo,ÔC  L-yla 
companheyiosdeBaccho,  alli  Ic  pôde  ver  ,  Òto 
nollo  PoetM  o  diz  na  oytava  ieguintc  :  outrcs  que- 
rem ,  que  it.  chyniaficelia  terra  aflim  de  Lufo  de- 
cimo nono  l<.ty  de  Hclpanha  ,  vejaic  Ganbai  no 
íeu  con)penaio  lib.  4.  cap.n. 


11 


mais  claros  nomes  ^uc  cu  pude.  Quanto  â  origem 
d^íte  nome  Portugal  ,  todos  os  homens  Doutos 
(principalmente  os  noflbs  Portuguc2es,que  pro- 
curarão tirar  a  limpo  a  verdade  da  i>rigem  da  lua 
patria)concordâo  niílo,  6c  he,  que  antiguamcnte 
houve  na  foz  do  no  Douro, cm  hum  alto,que  pen- 
de fobre  o  rio,hum  lugarinho  por  nome  Caié,no 
qual  vivia  alguma  gente  pobre,  principalmente 
peícadores:&  como  ertcs  viveflcmtrabalhofamen- 
tc  naquelle  lugar  por  caufa  da  ruim  lervcntia  que 
tinháo  no  hir,  &:  vir  do  rio, onde  principalruente 
trattavãoicomeçáraô  de  fe  recolher  para  a  praya, 
a  qual  chamávaó  porto  ,  &  edificar  alli  algumas 
calas, para  fugir  do  mao  trattamento  que  em  Cale 

paflâvaó.  Creceo  a  genre,  &  crecerâo  os  edifícios     ^^'^" ^  ^'.Jhol 7ue'os 
demancyra,  que  le  veyo  a  fazer  Cidade  ,  â  qual     cA,„   .    ^  ^^  j^  r    ^ 
chamarão  porti  de  Calcado  nome  do  lugar  Cale,     "^fr  detreto  ào  Lee,    _ 
Sc  do  porto  que  era  na  praya.  E  porque  eítas  duas     ^0'^  ^  f^^*^^  ^^^  «^«^^^  tanta  farte, 
letras  C,  &  G.  em  moytaà  Línguas  le  põem  hurna     Cnandoa  RfyhO  tllujrre:,  t3foy  de[ia arte, 
por  outra  muytas  vezesroque  acontece  em  outras 

palavras/occedeoneftajquc  de  Portoeale  fe  veyo  Defía  o  Vaftor  naceo.  Como  fica  dito  não  tem 
chamará  Cidade  Portogale  :  6c  porque  o  Porto  agora  o  ncflo  Portugal  todas  as  terras  ,  que  a  Lu- 
cradas mais  antiíiuas  Cidades  ,  6c  de  mayorcon-     fitaniaantigua  tinha, £c  nos  termos  outras  muytas 


DEfta  o  TapQYnafceo^que  mfeu  nome 
Se  vè,  ^  de  homem  forte  osfeytos  teve, 
C  ujafama,  ninguém  vtrà  j  que  dome, 
'Fois  a  grande  de  Roma  nãoje  atreve: 
filhos  fropios  comej 
lígfjfOj  ^  leve^ 


curío  de  todas  ,  as  que  naquelle  tempo  havia  no 
Reyno  de  feu  nome  Portogale  fe  chamou  o  Rey- 
no  Portugal  :  6c  não  por  ier  porto  de  Francelts, 
como  alguns  querem.  Efta  opinião  tem  o  ncllb 
André  de  Re(ende,OlorÍ0, Duarte  Galvão,6c  ou- 
tros ,6c  que  eftiveílcantiguamente  o  lugar  Cale, 
de  que  falámos  no  lugar  acima  dito  ,  affirma  Or- 
telio  na  íua  Synonimia  Geographica  ,  na  palavra 
Cale;  aonde  refere©  Emperador  Antonino,  que 
a  fitua  na  melma  parte.Novamente  o  Padre  Dou- 


novanente  aíUnadas  a  Portugal  ,  quenãocrao 
contadas  na  Luíítania.  Entre  outras  Cidades  que 
tinha  a  antigua  Luíítania, huma  era  Sarr.ora,  fitua- 
da  nas  nbeyras  do  rio  Douro  ,  da  qual  dizem  foy 
natural  o  grande  Viriato, que  foy  C;pitáo  Gene- 
ral dos  Liiíitanos,  outros  o  fazem  natural  da  Bcy- 
ranão  lhe  cfíignando  lugar  de  luanaturezarhuns, 
6c  outros  procedem  neíia  matéria  muytoefcura- 
mente ;  pelo  que  a  certeza  que  eu  acho  ncíte  par- 
ticular ,  hc  não  haver  c  uiraíe  não  a  carga  cenadíl 


tor  Frey  Bernardo  de  Britto  nafua  Delcripçâo  dizer,que  foy  Luíitano  ,  como  todos  os  Hiíloria- 

de  Portugal,  lib.i.  pag.  57.  lhe  dá  outra  ctymolo*  dores  c  fazem,p;  lo  modo  acima  ditto.  Antes  def- 

gia,he  livro  que  todos  os cuiiofos  devem  ter,  alU  te  Viriato  fettet.ta  annos  pcuco  mais  ,  ou  menos 

fepódcver.  houve  outro  Varão  ilUiítrc  ,  a  que  alguns  fazeín 

Ondt  a  terra  acaba^éf  o  mar  comera.  Eíle  Reyno  Rey  no  tempo  de  Aunibal ,  que  o  acompanhou  a 

de  Portugal  eftâ  no  fim  da  terra  contra  o  Occi-  Italia,6c  n^orreo  na  guerra  de  Cannas  como  refere 


dente ,  como  he  notório ,  6c  aqui  fe  eílendc  o  mar 
por  todo  o  Univerfo. 

£  onde  Pheho  repeufa  no  Oceano.  Por  eftes  rermos 
moftra  eílar  Portugal  nas  partes  do  Occidente. 


2.1 


ESta  he  a  ditofa  patrta  minha  amada j 
Aqualje  o  Ceo  me  dà  ^  eujèm  perigo 
Torne  com  eíia  emprefajâ  acabada^ 
Acabe/e  efta  luz,  alli  comigo: 
Efta  foy  Lufit anta  derivada 
*T>e  Lufo^  ou  Lyfa^  que  de  Bacco  antig^o^ 
Filhos  for  ãoipareccj  ou  companheyros, 
E  nelle  então  os  íncolas  primeyros, 

Acahefe  tfta  luz  alli  comigo.  Termo  Poético  ,  6c 
inuyto  ulado  tomaríe  eíVa  palavra  luz  entre  os 
Latinos  pela  vída,como  aqui  toma  o  Poeta. 

E/lapj  Lufitanía,  No  canto  primeyro,  oytava 


o  noíTo  Relende  lib.5.  ^^^^^  declara  hum  lugar  de 
Silio  Itálico  a  eílc  propofito.Quatorze  annos  per- 
feguio  eíle  Viriat(>(dc  que  fallamos)os  Romanos, 
6c  deu  aílàs  em  que  entender,  6cdér,imais,  feo 
não  matàraó  á  treyçáo  dous  (oleados  Uds,  princi- 
paes  de  (eu  exercito:  dos  quaes  fe  fiava,  Sc  íc  íêrvu 
nas  occafiócs  de  importância, induzidos,  &  íobor- 
nados  por  Servilio  C  epiáo  Capitão  dos  Romanos, 
com  que  então  Viriato  trazia  guerra,  com  o  qual 
elles  trattavão  pazes  por  mandado  de  Viriato.  Ef- 
te  dizo  noíloPoetaque  foypaílor,  noquefegue 
a  Paulo  Orofio  ,  outros  muytos  o  fazcm  íalteador 
de  caminhos,  6c  aqui  Capitão  dos  Lufitanos.  Lú- 
cio Floro  o  faz  primeyro  caçador,8c  depois  Capi- 
tão.  Quanto  a  mim,  pelo  que  entendo  das  Hiflo- 
rias,  Viriato  devia  fer  faltcador  de  Romanos,  por* 
que  andava  levantado  contra  elles  em  companhia 
de  outros  Lufitanos  ^  cujo  nome  veyo  em  tanto 
crccimento  (pc  lo  tíirago  que  nos  Romanos  fazia, 
o  qual  durou  por  nmytosannos  )  que  vendo  os 
Lufitanos  leu  valor ,  6>c^£Íorço,o  fizcrão  Capitãí» 

General. 


Canto  Terceyro.  79 

General.  E  nâohâ  paraque  lhe  chamem  ladrão,  bitas,6c  Ammonitas,  de  que  a  Sagrada  Efcrittura 

pois  náo  lemos  que  exercitafle  tal  officio,  fenão  faz  menção.  Aqui  cítâ  o  monte  Smay  aonde  cílá 

contra  Romanos  innmgos  de  Tua  Pátria.  E  como  o  corpo  da  Bemavencurada  Santa  Cathcrina.Nef- 

os  Romanos  tratiáo  delle  em  iuas  Hiftorias ,  não  ta  parte  morou  Efau  neto  de  Abraham  ,  &  íilho 

he  de  elpantar  ,  daremlhe  elte  nome,  pois  os  trat-  de  llaac.Daqui  os  Árabes,  que  chamamos  A larves 

tava  táo  mal.  Quer  o  noílb  Poeta  que  fe  chame  corrupto  o  vocábulo  fe  chamâo  Sarracenos,  Sc  íc 

Viriato  a  vtribui,  ou  a  vtrtute  por  fcu  esforço,  6c  jaâráo  muyto  deíle  nome,  dizendo,que  procedem 

cavallaria,  no  canto  oytavo ,  oy tava  6.tratta  delle  de  Sara  molher  de  Abraham  ,  pelo  que  elta  pala- 


mais  largamente  ,  Sc  a  noHã  annotação  no  canto 
primcyro.oytava  16. 

E(id  o  vtlho  eftie  oi filhos  comt.  Pelo  velho  que  co- 
me 03  filhos  le  entende  Saturno  filho  do  Cco  ,  & 
Vefta  como  diz  Laòtancio.  Efte  Saturno  fingem 
os  Poetas  ,  que  comia  todos  os  filhos  que  Upe  lua 
molher  paria;  pelo  que  o  fazem  figura  do  tempo, 
o  qual  gaita  tudo  ,  &  daqui  o  pintão  com  huma 
fouce  na  máo,  para  dar  a  entender  que  tudo  cega, 
&  eonlome  o  tempo,  &  iíto  he  o  que  quiz  o  Poeta 
aqui  moltrar,que  o  tempo,quc  gaíla  todas  as  cou- 
ías ,  &  taz  de  novo  apparecer  outras,  que  nunca 
foráo  :  veyo  a  fazer  de  Portugal  (  que  era  huma 
rouyco  pequena  parte  de  Hefpanha  )  Reyno  ,  6c 
^áo  lilultrejÔC  conhecido  como  agora  porj^experi- 
encia  vemos. 


H 


2-3 
Vm  Rey  por  nome  AfÔ/oJoy  na  Efpa- 
qfez  aos  òarracenoi  tãta  çuerrajÇnba, 


vra  íe  deve  efcrcvcr  com  hum  íó  r.  E  porque  no 
anno  do  Senhor  de  5?99.  paíiáraô  eíles  Árabes  á 
Africa  com  íuas  cafas,&;  tamilia,6c  andando  ò  tem- 
po vierão  a  fer  fcnhores  de  muy ta  parte  della.Da- 
qui  chamámos  aos  moradores  de  África  Sarrace- 
nos, fendo  norae  próprio  dos  Alarves,  dos  quacs 
hoje  em  dia  ha  grande  abundância  em  Africa. 
Chamaófe  tambeui  Agarenos  de  Agar  efcrava  de 
AbrahaiT»,  cujo  filho  llmael  foy  Rey  em  Egypto, 
&  fenhor  de  muyta  parte  de  Africa:  pela  qual  re- 
zâo  lhe  chama  o   l-*octa  muytas  vezes  nellclivro 
netosde  Agar,3cdeitendentesde  Agar.  Chama- 
mos  hoje  a  eíla  gente  Mouros  ,  palavra  antiquií- 
fima  ,  cuja  origem  quanto  a  mim  he  de  JVlauron, 
palavra  Grega  que  fignifica  coula  negra,  porque 
elles  o  íaó  todos  pela  mayor  parte.  Vejafe  Fran- 
cifcodel  Marmol  Caruajalna  lua  Africa  1.  p.  lib. 
i.c.i  8.&  nòs  trattàmos  airàs  no  canto  i.oytava.8. 
Do  Herculano  Calpe  a  Caipiajerra,  No  ^nno  de 
712.  comoconfta  das  Hill^rias  foy  entrada  Hef- 


Sluepor  armas  (angutneas,iorça^  manha^  P^nha  pelos  Mouros  de  Africa  ,  com  ajuda  de  Ju 
yf  muy  tos  fez,  perâer  a  vida,  &  terra:  !.'^°  ^*^"^^  '^^  9"^^'  ^  P^*;'^"^  V^^]^^'^ô  cm  Gi- 
yoando  defte  Rey  a  fama  ejtranha,  ^^^'^'  chamarão,  ao  monte  de  G.baltarjobelpe- 
\cn,  Tl  I  />  /  ^  ^ ->  •  .  rot,quequer  di2er,monte  de  vlttona,porquedal- 
tC>^?  í/éTí^w^Wí?  Calpe  a  Cafptajerra,  Ji  começarão  a  ganhar  a  terra.Efte  monre  fe  cha- 
Mf^ytosJ^para  na  guerra  ejclarecerfe)  mava  ames  Calpe,5c  aífim  lhe  chamâo  hoje  os  Hií- 
Vmhaòaelle  j&  d  morte  offerecerfè,  toriadores,  &  Poetas.  Tem  por  epithct©  Hercu- 

4  lano  como  fica  dito  oytava  i8.  Porefte  termo  de 

H»w  Rejfòrnome  Affonfo  foyntí  Hefpanha.  Efte  falar  entende  dclde  o  eftieyto  de  Gibakar  ,  que 

foy  El-  Rey  Dom  Affonfo  o  lèxto  de  Hefpanha  he  no  fim  de  Helpanha ,  até  a  gente  que  mora  ao 


Emperador  cleyto  ,  o  qual  no  anno  de  mil  Ôc  oy- 
tcnta  òc  três  tomou  a  Cidade  de  Toledo  aos  Mou- 
ros. No  tempo  defte  Rey  fazião  ou  Mouros  gran- 
des iníultos  em  Efpanha  ,  Sc  elle  fez  tanto  eftrago 
ncllts  ,  que  fuás coulascrâofabidas  pelo  mundo. 
Pelo  que  de  differentes  partes  da  Chriftandade 
concorriâo  muy  tos  Senhores  Chriftãos  em  fua 
aÍuda,zelolos  da  dtfeníaó,  &  augmento  da  Fé  Ca- 
tholica,como  fe  conta  nas  Chromcas  deHefpanha 
f.rgamcnte. 


longo  da  lerra  Caípia  na  Alia, como  fc  d)l]era,quc 
por  todas  as  terras  do  mundo  foráo  fabidasascou- 
fas,qiieEl-í^ey  Dom  Aftonfo  fazia  em  Helpanha 
contra  os  Mouros  inimigos  da  nolla  Santa  Fé  Ca- 
tholica. 


E 


2-4 


Com  amor  intrinfeco  acendidos 
*D<2  Fèi  mais  quedas  honras  populares, 
Eran  de  varias  terras  conduzidos ^ 
f,utftx.aoi  Sarracenos  tanta  guma.  Sarracenos    q)eyxa?jdo  a  Pátria  amada, &  próprios  lares: 
lao  moradores  de  Arábia  chamada  Pétrea,  onde     c/^/^,,,  .„..L /-pv^^r  ^/r/,c.^í>. /;.á,^^r 
leu  primeyro  fundador  Pétreo  filho  de  Curete  ne- 


^epoís  queemfeytos  altos ^  &fubídQs 
Se  mofffàraÕ  nas  armas  fingular es ^ 
^iz  ofamofò  Affunfo^  que  obras  íAes, 
LevaJJem premio  digno ^  &  does  iguaes. 


todeCham  ,  ou  por  fcr(cGmo  alguns  querem) 
terra  muyto  afpera,&:  pedregofa,como  eu  ouvi  a 
pefloas,que  a  vjrão,&  andàraó.E  he  ifto  tanto  af- 
fim,  que  os  animaes  da  terra  fe  fuftenião  do  orva- 
lho,que  cae  por  cima  das  pedras,lambendoas  com  E  com  bum  amor  intrinfeco.  Lugar  he  efte  bem 
a  lingua  ,  provendoos  a  natureza  defte  remédio  digno  de  confideraçáo  ver  a  volta,  que  o  mundo 
pela  falta  de  hcrva,  que  não  tem,  6c  laó  fermofií-  tem  dado,  &  a  Meiamorphoíi,  que  Ic  fia  fcyto  na 
fimos  de  gordos.  Eíia  Arábia  Pétrea  confina  com  gente,  cm  que  principalmente  florccia  a  Chriítan- 
Judèa.  NeíU  foráo  os  Ifmaelitas,  AgarenoSjMoa-     dade,  &  que  mais  fc  aíinalava,  ôc  cfmerava  no  fer* 

viço 


go  Lufiadas  de  Liiis  de  Camões  Commentadcs, 

viço  de  Dcos :  que  hoje  çor  nollos  peccados  eíiá  guezes  chamâo  Ti  ás  os  Montes  ,  &  juntamente 
em  hum  táo  trifte,6c  perdido  eíhdo:§c  que  aquel-  aircyio  para  conqmítar  tudo  o  mais  que  os  Mou- 
Jes  que  com  tanta  lealdadc,6c  zelo  dn  Fé  de  Chrir-  rosoccupàvaõda  Lufitania.  G?;nbay  no  Jugar  al- 
to deyxá.vâõ  íuas  patrias,amigos,6c  fazendas,ten-  legado  põem  tambcm  algumas  condiçóes,Ôí;  obri- 
jdo  tudo  o  que  ha  na  terra  cm  pouco  ,  &  não  lhe  gações  que  El-Rey  Dom  Affonio  poz  ao  Conde 
jembrando  outra  coufajc  não  a  honra  de  Deos,ôc  Dom  Henrique  nas  terras,  6c  titulo,  que  lhe  deu. 
^ugíncnto,&  exaliaçãodc  luaSantiffima  Fé,hoje  ComocíteConde  Dom  Henrique  haja  vindoaeí. 
icjâo  os  mayores  inimigos  que  temos ,  &  que  trat-  tas  partes  ha  entre  os  Hiftonadores  diffcrcntes 
tem,  &  le  ajudem  daquelles,  que  femprcandáraõ  opiniões  ,  o  que  íc  conta  por  mais  certo  he  ,  que 
com  a  elpada  na  mão  contra  os  Chriítâos.  paliando  ellc  em  huma  armada ,  que  hia de  Ólan- 

da  ,  &  Zelanda  à  Conquiílade  ultramar  ,  veyo 

ter  a  Corunha  ,&  dalli  ficou  cm  Hcípanha  Cl» 
^  ferviço  d^^EURey  Dom  Affonio. 


■nJWi..»!^^ 


EfleSi  Henrique  dizem,  quefegundo 

Filho  à^húRey  deVngria  exprtmétado%  2, 6 


i 


Portugal  houve  em  forte^  que  no  mnndo  ^ «      .      .  1  ^      / 

Entaõnão  era  illujire,  nemprezaao:  T7  ^^^  ^'f'''  ^^^'jontra  os  defiendentes 

Epara  mais  [mal  de  amor  Profundo.  Xly'D^  e/crava  Jgar  vitorias  grades  teve, 

^tiz  o  Rey  caílelhano,  que  cafaào  Ganhando  muytas  terras  aàejacentes. 

Com  Therefajua  filha  o  Conde  Me,  Fazendo,  o  que  ajeujortefeyto  deve: 

E  com  ella  das  terras  tomouPoJJe.   '  Em  premio  dejies  feytos  exceílentes, 

\Deolhe  ojuprtmo  Ijeos  em  tempo  breve,    . 
.    De/les  Henrique  diz.m.  Sobre  a  pátria,  &  origem     Bumfilho.que  illujiraffe  o  nome  ufano^ 
do  Excellentiffimo  Príncipe   Dom  Henrique     T)obellicojo  Reyno  Lufitano, 
Conde  de  Portugal,&  primeyro fundador  da  caia 

Real  deites  Rcynos  ha  entre  os  Autores  differen-  Ccmra  os  dtfcendentei  da  Ejcruva  j^gar*  Os  dc- 
tes  opiniões  :  porque  huns  o  fazem  do  tronco  dos  cendtntesde  Agar  laó  os  Mouros,  como  fica  di- 
EmperadoresdeConftaniinopla,Sc  aeítapartele  toarias.  Ccniia  eíles  depois  de  ter  o  titulo  de 
inclinãomaisosCaílelhanos:  outros  dizem,  que     Conde  de  l'ortugal,&:  ler  itnhor  delle,fcz  grandes 

foy  filho  fegundo  de  hum  Rcy  de  Ungria  ,  os  coufaso  noflb  Conde  Dom  Henrique,  &.lhe  to- 

quaes  fegue  aqui  o  noflo  Camões ,  outros  dizem  mou  muytos  lugares  à  força  de  armas,  como  aqui 

proceder  da  caía  de  Lotharingia  chamada  agora  aponta  o  nollo  Poeta. 

Lorena, 5c  efta  opinião  pareceo  melhor  a  Garibay       Peulbe  o  Supnmo  Oeoi  cm  tempo  breve  èumfilbo.U 
no  leu  Compendio  lib.54.  c.z.no  que  legue  a  Va-  te  foy  o  feiícilinuo  Dom  Affonio  Henriques,pri 
fco,Sc  outros  que  procurarão  tirarifto  a  luz,&ía-  meyro  Rey  dcilfs  Rcynos  ,  o  qual  nalcco  ef 
beilo  de  raiz.  A  mefina  opinião  tern  o  Autor  da  Guimarães  no  anno  de  1094.  6c  bemfcmoílrape- 
Chronicad^El-Rcy  Dom  Manoel54.p.c.72.  No-  lo  modo  de  leu  nafcimento,6c  do  que  Dcos  Nof- 
vamente  imprimio  o  Doutor  Duarte  Nunes  de  fo  Senhor  nelle  obrou  ,  as  mercês ,  que  ao  diante 
Leaó  huma  Genealogia  dos  Reys  de  Portugal,  lhe  determinava  fazer.  Contão  os  nolios  Chronif- 
aonde  o  faz  natural  da  Cidade  Bezançon  do  Con-  tas  que  foy  o  naícimentod'El-Rcy  Dom  Affon- 
dado  de  Bcrgonhajfilho  de  Guido  Conde  de  Ver-  ío  eítranho, porque  alem  de  nalccr  rnuyto grande, 
nol.  Eu  em  couía  tão  duvidoia  não  tenho  que  af-  nafceo  com  os  pés  ligados,  6c  attados  para  trás, do 
firmar,  cada  hum  figa  o  que  lhe  parecer.  que  feus  Pays  ficáraó  muyto  enfadados.  Puí8- 
Portugal  ouve  em  forte.  Eíle  Conde  Dom  Hen-  raélhe  na  pia  por  nome  Affonio  ,  do  nome  de  leu 
rique  fahio  de  fua  pátria  com  propofito  de  íervir  a  avó  Dom  Affonio  Emperador  de  Heípanha/5í  do 
Deos  contra  infieis,cm  companhia  de  outros  cava-  nome  do  pay  Dom  Henrique,c  fobre  nome  Hen- 
Iheyros  ,  o  qual  aportando  a  eítas  partes  ajudou  riques.  Acrcccr.tão  es  noílbs  Hiftoriadorcs,  que 
com  tanto  esforço  ,  6c  fidelidade  a  El-Rcy  Dom  pedindo  continuamente  a  Deos  os  Condes  dcffe 
Affonfo  o  Sexto  Emperador  de  Hefpanha  ,  cm  laude  a  fcu  filho  primogenito,6c  o  (araffc  daquella 
muytas  occafióes  que  íe  offrecerão  ,  6c  El-Rey  o  fcaldade,tomando  por  mterceflora  a  gloriola  Vir-     ; 
cftimava  muyto.  Pelo  que  affim  por  fuás  partes  gem  Maria  Nofia  Senhora,  lhe  foy  revelado foílíji 
tão  cxcellcntcs,  6c  couías  dignas  de  memoria  que  ahumalgrcja,queert:ava  cm  hum  lugar  chamado 
na  guerra  fez  ,  como  por  ler  de  langue  tãoilluííre  Carquere  ao  longo  do  rio  Douro  que  eilá  duasle- 
o  cafou  com  huma  fua  filha  ,  por  nome  Dona  Ta-  guas  de  Lamego  ,  onde  a  mefma  Senhora  havia 
reía  ,  com  a  quallhe  deu  cm  dote  muytas  terras  aparecido  ,  6c  que  levado  o  minino  là  no  anno  de 
em  Galiza,  6c  oquepofluhiaem  Portugal,que  era  1099.  lendo  j'a  de  idade  de  cinco  annos(annofina- 
Coimbra,  Lamego,Viícu,  a  Comarca  da  Beyra,  o  lado  em  que  os  Príncipes  OcciJcntaes  havião  ga- 
Porto,  Braga,  Guimarães,  coro  as  terras  de  entre  nhado  aos  infiéis  a  Sãta  C:afadejernr*lem,8cacla- 
Douro,  &  Mmho;  6c  aquclla  parte  que  os  Portu-  mado  por  Rey  delia  a  Gofrcdç  de  Bulhãojfcy  íáo 

daqueU4 


Canto  Terceyro,  8i 

daquclla  íua  fcaldack,  &  indifpoíiçãojquerendoo  ainda  que  nefta  conta  ha  variedade  entre  os  Au- 
Noílo  Senhor  íoltar,  &  dilpor  para  exaltação,  Ôc  tores.  Depois  que  fe  ganhou  efta  Cidade  ficou 
augmento  de  lua  Santa  Fè.  Os  Condes  agradeci-  Goíredo  com  titulo  de  Governador,conio alguns 
dos  ,  &  lembrados  de  huma  táo  grande  mcrce,  dizen),náo  querendo  aceytar  o  de  Rey,como  bom 
como  Nofla  Senhora  lhe  fizera  em  lhe  dar  faude     companheyro,6c  Capitão. No  qual  car^o  não  du- 


^7 


a  íèu  íiiho  ,  mandarão  logo  que  Ic  acaballe  de  edi- 
ficar aquella  Caía,  aonde  a  Senhora  havia  apare- 
cido,porque  não  tilava  mais  que  começada.  De- 
pois lè  fez  hum  Mofteyro  ,  onde  eftiveráoReli- 
gioíos  da  Ordem  do  Bemaventurado  Santo  Agol- 
™ítónho,&;  hoje  eftáo  Padres  da  Companhia  de  Jeíus. 

I^pr  A'  tinha  vindo  Henrique  da  conquifta 
I  "DaCtdade  Hierofo  rolyma  fagrada^ 
^  E  do  Jordão  a  área  tinha  vijta; 
§ue  vio  de  T)eos  a  carne  em  fi  lava4a: 
^ie  nà  o  tendo  Gotfredo^  a  quem  refijia^ 
depois  de  ter  Judeafobjugada, 
MuytoSj  que  nefias  guerras  o  ajudarão 
^arajeus  (enhortosfe  tornarão. 


i 


lâ  tinha  vindo  Henriciue  da  Conejuifia  Da  Cidade 
Bterololyma  fagfada.  Hieroíolyma  he  a  Cidade  de 
Hicrulalem  a  principal  ,  não  fomente  de  Judea, 
mas  de  todo  o  mundo, táo  conheeida,v^  celebrada 
pelas  Efcritturas  Sagradas.Senhora  dos  Gentios, 
Princefadc  todas  as  outras  ,  morada  dos  Patriar- 
chas,  Máy  dos  Prophetas,  &  Apoftolos, principio 
de  noila  Fé,gloria  do  povo  Chriílão,terra  de  pro- 
miflaô,  a  qual  antiguamente  deu  com  tanta  abun- 
dância todas  as  coulasa  feus  moradores ,  agora  dá 
a  todo  o  género  humano  remédio  para  fe  poder 
laivar,  6c  viver  eternamente,  pois  nos  enfína  os 
Hcroycos  feytos ,  vida  ,  &:  fucceflbs  de  nofla  re- 
dempçáo.  Os  Turcos  ,  &  mais  inimigos  de  noífa 
Santapélhechamâo  codsBaruch  ,  que  quer  di- 
zer Jugir  de  benção  ,  pfla  grande  abundância  de 
todas  as  coufas,&  excellencia  da  terra.E,ll:a  Cida- 
de teve  grandes  conibates,&  f  oy  por  vezes  deílru- 
hida.  Primeyramenre  a  deílruhio  Veípaíiano 
Tito,no  ap.no  dcChrifto  noflb  Senhor  de  icttenta 
^tres  ,  depois  no  anno  de  cento  &  trinta  ôcleis 
f  oy  rcfhurada  por  Elio  Emperador,  &  de  (cu  no- 
me chamada  Elia  Deflruhiraóna  depois  os  Sarra- 
cenos,&c  gente  do  Soldáo  do  Eg)  pto,os  quaes  ne- 
nhuma toula  deyxánô  ,  falvo  o  Sepulchro  de 
Chiifto  Noifo  Senhor  ,  &  eíle  para  com  clle  ga- 
nharem, &  mercancearem  com  osChriílãos.  Os 
quaes  villo  iíto  fízcráo  liga  entre  íi  ,  ajuntando 
hum  poderofo  exercito  de  mais  de  quinhentos 
nni  homens,  no  anno  de10f7.de  Francefcs,  Hel- 
panhoes,&:  Elcocezes,Inglezes,  Flamengos.Olá- 
deles,  £<:  Lotharingios  ,  entre  os  quaes  repartidos 
osexerciíos,  6cfcyrosCapicáeç ,  humdeliesfoy 
Gofredo  (a  que  outros  chamáo  Godufre  de  Bu- 
lhão )  de  que  aqui  o  Poeta  fala.  Eftcs  ganharão  a  como  pay  Catholico  ,  &  verdadcyro  ,  lhe  aconfe- 
Hicrulalcm  no  anno  de  mil  5c  noventa  ficnove,    Jhou,  o  quclhc  importava  para  fervir  a  Deos,  & 

L  governar 


rou  mais  que  hum  anno,  pcrque  morreo  de  doen- 
ça. Succedeolhe  Baldovino  feu  irmão  com  titulo 
de  Rey.  Depois  le  perdeo,6<:  a  ganhou  por  vezes, 
6c  ultimamente  a  occupáo  os  Turcos ,  os  quaes  a 
lomáraó  no  anno  do  Senhor  d«  mil  quinhentos  ÔC 
dezaíete.  Eíla  hida  de  Hierufalem  de  que  o  Poeta 
aqui  fala,  que  fez  o  noflb  Conde  Dom  Henrique, 
foy  no  anno  de  mil  cento  &  tres,aííim  com  propo- 
fito  de  ajudar  os  Príncipes  Catholicos  Occiden- 
taes  na  conquifta  do  Oriente  ,  como  também  por 
viíitar  os>  Santos  Lugares  da  Terra  Santa.  Aieni 
deftas  occâGóes  tinha  outra  ,  que  era  ver  alguns 
parentes,  6c  conhecidos  feus,  que  naquellas  partes 
andaváv)  em  continuas  guerras  com  os  inBeis,para 
©s  ajudar  nellas  como  bom  parente  ,  Sc  Chnítáo. 
O  tempo  queláeítevc  ,  lempre  fe  occupou  em 
guerras  contra  infiéis  ,  íinalando-fe  muy to  entre 
todos  os  outros  Principes  que  lá  eftavão.  Depois 
que  vifitou  aquelles  fagrados  lugares,  £c  alcançou 
muytas  rcliquias  delles ,  delpedido  de  feus  paren- 
tes,&  amigos,íè  tornou  a  Efpanha,aonde  adoeceo 
de  húa  infirmidade  de  q  morreo,  cm  Galiza  na  Ci- 
dade de  Aítorga,  a  qual  Cidade  tinha  tomado  a  feu 
primo  Dom  AíFonfo  de  Caftella,  chamado  Empe- 
rador. Foy  feu  corpo  levado  a  Braga, &  enterrado 
na  Igreja  mayor  intitulada  de  Santa  Maria. 

E  do  lordáS  a  área  tinha  vifio.O  rio  Jordão,como 
diz  o  Bemaventurado  S.Hieronymo  ,  ao  qual  to- 
dos leguem  niílo,nace  ao  pé  do  monte  Libano,  de 
duas  fontes,humâ  chamada  Jor,&:  outra  Dam,das 
quaes  ambas  juntas  cm  hum  corpo  fe  faz  o  rio  Jor- 
dão. Nellerio  íoy  baptizado  C h ri fto  Noílo  Se- 
nhor, como  dizaEfcrÍ!^tura  Sagrada  em  muytos 
lugareSjSc  o  ncfib  Poeta  aqui. 

18 

Uando  chegando  ao  fim  de  fua  idade 
_  JO forte,  S"  famofo  Vngaro  efiremado, 
Forçado  da  fatal  neceffídade, 
O  efpirito  deu  a  quem  lho  tinha  dado: 
Fícaiiã  afilho  em  tanta  mocidade. 
Em  quem  o  pay  di  yx&va  feu  tres  lado, 
^e  do  mundo  os  mais  fortes  igualava, 
^e  de  tal  pay^  tal  filho  fe  efjíerava^ 

§lMando  chegadt  ao  fim  de  fua  idade.)í,[crz\cm  mais 
os  noflbs  Chroniílas  deite  felicilfimo  Conde  Dom 
Henrique,  quccftandonofimdefua  vida,  &  en- 
tendendo chegarfe  o  tempo  de  íua  morte, mandou 
fofle  diante delle  feu  primogénito  filho  Dom  Af- 
fonfo  Henriques ,  o  qual  cílava  em  Guimarães.  E 


8j  Lu/tadas  de  Luif  de 

<7overnar  bem  feus  fubditos,  encommendandol  hc 
lobre  tudo  o augmcnto  da  Fé  Catholica,&:  o  bom 
trattamcntodobíeusjregendooscom  juítiça ,  Sc 
benignidade. 

19 

MAs  o  velho  rumor  naô.feyfe  errado 
Ç^iâ  em  tãta  antiguidade  naõ  ha  cer» 
Contaiq  a  may  tomado  todo  o  ejlado^    teza) 
Do  fegundo  Hymenh  naõ  fe  d^ ff  reza: 
O  filho  orfaÒ  deyxava  desherdadoj 
Dizendo  j  que  das  terras  a  grandeza^ 
E  ofenhoriotodofôfeu  era, 
"Porque para  cafar/éupay  lhas  dera, 

.  Mat  o  velho  rumor  nao  fey  fe  errado,  Contaó  os 
noílosChioniílas,  8c  alguns  Caílelhanos,  como 
Garibay  no  lea  Compendio, que  a  Condelía  Dona 
Tareia  niolher  do  Conde  Dom  Henrique  quefe 
caiou  fegunda  vez  depois  da  morte  de  feu  marido 
com  hum  Fidalgo  Caílclhano  ,  por  nome  Dom 
Fernando.O  que  foy  caufâ  para  pretender  desher- 
dar  a  feu  filho  Dom  Aííonío  Henriques ,  dizendo 
precencereraas  terras  de  Portugal  a  ella  ,  &náo  a 
íeu  filho,  pois  lhas  dera  íeu  pay  cm  dotcquando  a 
calou  com  o  Conde  Dom  Henrique,  tílaopi,. 
niáo  fcgue aqui  o  poeta,  m>s  com  humafalva,que 
he  dizer  que  pôde  ler  mentira,por  fer  negocio  tão 
antiguo  ,  &  nas  coulas  antiguss  haver  tanra  incer- 
teza ,  &  duvida.  Alguns  Varões  Doutos  tem  eftas 
coulas  que  le  dizcnj  da  Condella  Dona  Tareza 
por  fabulolas,Sc  que  nunca  tal  focedeo:nem  Dona 
Tareza  cafarle  fegunda  vez,  nem  feu  filho  Dom 
Affonlo  Henriques  prendella  ,  o  que  me  a  mim 
também  parece  conforme  a  razão  ,  nem  fe  pôde 
crer,  quehuma  tal  fenhora,  &:  quefemprétez  o 
que  devia,  fe  deímanchaíle  tanto  contra  o  decoro 
de  lua  pefloa,&  virtude. 

Do  (egundo  ttymeneo,  Himineo  entre  os  Antigos 
era  o  Deos  da^  bodas,  &  padrinho  dos  defpolados: 
pelo  que  fe  toma  entre  os  Poetas  também  pelas 
mefmasbodas,como  o  Poeta  aqui  o  toma.       , 

MAs  o  Trincipe  Afonfoy  que  dejia  arte 
Se  chama j  do  Avo  tomando  o  nome. 
Vendo  fe  em  fias  terras  naÕterparte^ 
§ue  a  mãji  cem  feu  jnarido  as  mãda^  ^  cowei 
Fervendolhe no peitoo  duro  Marte, 
Imagina  covfigo  como  as  tome. 
Revolvidas  as  coufas  no  conceytOj 
Aopropofito  firme  fegue  o  e fey  to, 

Mat  o  Príncipe  Ajfonfo.  Continua  o  Poeta  com  a 
ordem  dos  noílos  Hiftoriadores,  contando  o  que 
fucedco  entre  o  Principe  Dom  AfFonlo  Henri- 
ques,ôcíua  máy  dona  Tareza,  depois  que  Ic  calou 


Camões  Commentades* 

legunda  vtz,inda  que(con":o  ficadito)não  tem  ef- 
tas  coufas  por  ctnas.  Eu  tan  bem,ainda  que  lou 
de  outro  parecer  ,  como  difle  na  cytava  patíada, 
náo  pofio  eicufar  de  declarar  oque  o  Poeta  vay 
contando,  pois  meu  intento  heatclararelie livro. 
Efte  Dom  Fernando  com  quem  lecafou  ( fegun- 
do  dizem  )  a  Condella  Dona  1  areza  era  hum  Se- 
nhor grande,  &  dosprincipaes  deCaítella,  Ôca 
primeyra  pellba  delia  depois  Q^El-Rty,  pelo  que 
le  levantcu  contra  o  í  rincipe  quafi  todo  o  Rcy- 
no.O  Principe  vendo  láo  grande  Itm  razâojpoz  Ic 
em  armas,  §{  tomou  a  fua  máy  dous  Calicliosjun- 
toâ  Cidade  do  Porto,hum  chamado  da  Feyra,6c 
outro  de  Neiva  j  dos  quaes  fez  tanta  guerra  a  leu 
padrafto  ,  que  o  lançou  de  todo  o  Reyno  ,  & 
prendeo  a  rnáy  no  campo  de  Guimarães,como  lar. 
gamente  fc  conta  na  Hiftoria  do  Principe  Dom 
Affonfo  Henriques,  &:  o  nfiflo  Poeta  aqui,  Sc  Ga- 
ribay no  leu  Compendio  lib.54.  c.8. 


DE  Guimarães  o  ca  mpo  fe  tingia^ 
Co  o  faiigue próprio  da  inteftinaguerra^ 
Onag  a  mãy-,  que  t uò  pouco  o  parecia ^ 
A fuf lho  negava  o  amorj&  a  terra: 
Cem  ( llepfífa  em  campojàje  via^ 
E  naõ  ie  a  joberba  o  muyto  que  erra^ 
Contra  Deos  ^contra  o  maternal  amor 
Mas  nell^  ofnfialera  mayor, 

Mat  nella  0  fenfud  era  mtyor.  Não  pode  dcyxar 
de  me  parecer  mal  ,  em  coula  tãoduvidofa  tratcar 
t^ínto  de  propoíito ,  como  aqui  o  Poeta  rratta  ,  §c 
trattão outras  HHloriasda  honra  de  huma  Senho- 
ra,tronco,  &  fonte  dos  Rcys  defta  nollii  terra.  E 
pois  o  Poeta  fala  no  principio  deíla  matéria  como 
de  coula  incerta  ,  ôc  muytos  o  tem  por  fabulofa. 
Omilhorfora  ,  ou  difiímulalo  de  todo  .  ou  fa- 
lar por  termos  mais  honeftos. 


32- 


à 


OTrogne  crua ,  ó  mágica  Medea, 
Se  em  voffos  próprios  fiíhos  vos  vingais ; 
Da  maldade  dos  pay  s,  da  culpaalhea, 
Olhay  que  inda  Therefa  pecca  mais: 
Incontinência  mà^  cobiça  fea^ 
Saõ  as  califas  defte  erro  principais  ^ 
Scyllapor  huma  mata  o  velho  pay ^ 
EJiafor  ambas  j  contra  o  filho  vay,  , 

O  Vrogm  crua^o  magica  Media.  Compara  o  Poeta 
a  Raynha  Dona  Tareza  a  duas  molheres  que  os 
Poetas  fingem  cruéis.  Progne  que  matou  feu  fi- 
lho ,  &  o  deu  a  comer  a  Tereo  leu  pay  ,  &  Mcdea 
que  por  amor  de  Yafó  matou  íeu  irmão,&  hindo 
fugindo  de  feu  pay  ,  lho  hia  lançando  pelo  cami- 
nho 


Capito  Terceyro. 

nho  em  pedaços ,  para  que  defta  maneyra  tiveflb    Em  batalha  cruelofeyto  humâftOi 
icmpoparafugir.A  fabula  de  Progne,&  Medeale    Ajudado  da  Angélica  aefeja, 
pôde  ver  nasMctamorpholesdeOvidio  liv.  6.  &.    ^^ô  (ó  contra  tal  furta  je  íuítenta^ 
Chama  o  Poeta  à  Medea  magica,  que  quer  dizer 


8j 


tcytictyra,  porque  o  foy  granJiflima  como  a  pin- 
tão  todos  os  Poetas. 

Scjlla  far  huma  mata  o  vdbepay  ,  e^a  for  ambas 
(sntraofilhovay,  Dtiascoulas  diz  o  l-*octa,  move- 
rão á  Condella  hir  contra  ("eu  filho  Dom  Aífonlo: 
fcnluaUdâde,&  cobiça.  Eftesdous  viciosa  fizeráo 
commetter  huma  falta  tão  grande>como  eraque- 
Tcr  privar  leu  filho  do  Reyno  ,  que  por  aiortedc 
leu  pay  lhe  vinha  por  direyto.  A  qual  Dona  Ta 


Mas  0  tntmígo  ajj^trrtmo  afogenta. 

Eis  fe  ajunta  o  faberhj  Ca^tíbano.  Vendo  Dona 
Tarezacomo  feu  filho  a  tinha  prera,2c anão  que- 
ria foltar ,  mandou  fecrecamente  avizar  diílo  a  El- 
Rey  Dom  AftonlodcCaítella  chamado  impera- 
dor, a  viefle  livrar  do  poder  de  feu  filho  ,  ôc  aco- 
diiíe  a  tomar  aquellc  Reyno  que  era  íeu.Vcyo  Ei- 
Rey  com  grande  poder  ,  ôcajuntàraólè  em  hum 
lugar,  que  le chama  Valdevés, entre  Monção, 6c 


reza  diz  que  foy  ainda  mais  digna  de  culpa  que  Ponte  de  Lima,  &foy  o  Emperadoralli  vencido, 

Progne,que  matou  leu  filho, ÔC  Medea  que  matou  ficando  ferido  de  duas  lançadas  :  &  vendo  le  neíle 

íeu  irmão.  Progne  tinha  por  fi  a  fcm  razão  ,  ÔC  elladolerecolheo  â  Cidade  de  Toledo,  temendo 

afronta  que  Tereo  fizera  a  lua  irmã  Philomela.  perdclU  comcílc  desbarate.  Forão  prelos  neíta 

Medea  depois  que  fe  namorou  de  Yaíô,  6c  lhe  en-  batalha  fecte  Condes ,  6c  outros  muytos  Fidalgos, 

tregou  o  vello  de  ouro  ,  via  queachandoa  feu  pay  ôc  CavalleyroSj&morreo  muy  ta  gente, 
a  mataria, pelo  que  fez  aquella  crueldade  de  matar 


feu  irmão,  poreícapar  da  morte  :  mas  a  Condefla 
nenhuma  dcfculpa  teve  no  feu  erro.  Scyllafilha 
de  Nilo  Rey  dos  Megarenfes  foy  occafiáo  da  mor- 
te de  feu  pay  por  amor  ^''El-Rcy  Minos,  aquém 
cUa  muyto  queria.  A  eíía  cegou  a  incontinência, 
&  lcn(ualidade,a  Condefla  alem  delle  pecado  tam- 

fem  a  ccbiya  ,  &  dcfejodereynar.  A  fabula  de 
cylla  tratta Ovidio  nas  Metamorphofes  lib.  8. 

MAsja  o  Trlnctpe  claro ,  o  vencmenta 
*Dí>  padraftOj&  da  tniqua  may  levava^ 
Jà  lhe  obedece  a  terra  num  momento^ 
^e  primeyro  contra  elle  pelejava: 
^t*vrèm  vencido  de  ira  o  entendimento^ 
A  mãy  em  ferros  afperos  atava ^ 
Mús delDeosfoy  vingada  em  tempo  breve. 
Tanta  veneração  aospaysfe  deve, 

Maide  Dt9s  foy  vingada  em  tempo  breve.  Contâo 
as  Hiílona?  que  quando  oPrincipeDoni  Afíonlb 
prendeu  a  niãy,  lhe  lançou  cila  grandiflTimas  mal- 
dições ,  pedindo  a  Deos  que  aflim  le  vifle  com  as 


55 


NAõpa(fa  muyto  tempo  quando  o  forte 
Vnncepe  em  Guimarães  ejlã  cercado^ 
'De  infinito  poder ,  que  defla  forte  ^ 
Foy  re fazer  fe  o  inimigo  magoado'. 
Mas  cem  fe  cfferecerà  dura  morte  ^ 
Cofiei  Egas  amo  foy  livrado^ 
^e  de  outra  arte  pudera  fer perdido^ 
Segundo  eftava  mal  apercebido, 

Nã»  paffa  muyto  íempê,  Eílando  El-Rcy  Doni 
AíFonfodeque  atras  falámos  em  Toledo  muyto 
fentido  do  desbarate  que  o  Principe  DomAífbnfo 
Henriques  lhe  havia  feyto  ,  determinou  fazerlhc 
guerra,  &  lubiiamente  deu  fobre  ellc  em  Guima* 
râes,aonde  otomoudelaperccbido,  5c  Tegundoas 
Hiftorias  dizem  a  pouco  cufto  ,  o  Principe  ,  &  a 
Villa  le  perderão  fe  feu  Ayo  Egas  Moniz  o  não 
remedeàra,  o  qual  fe  lahio  huma  mcnhâ  ao  arra- 
yal  d'El-Rey  de  Cafl:ella,fó  fem  peflba  alguma,&c 
ciepoisdetrattar  muy  tas  coufas  fe  concertou  com 
Ei-Rey  ,  fazendo-lhe  preyto  ,  &;  omenagem  de  o 
cumprir  ,  que  o  Principe  o  reconheceria  por  Se- 
fuas  pernas  atadas,  {^quebradas  como  lhe  clleatà-  nhor,  êchinâ  âs  fuás  Cortes,  com  que  El-Rey  fi- 
ra as  fuás.  O  que  dizem,que depois  Iheaconteceo,  cou  muyto  fatistey to  ,  &  levantou  logo  o  cerco, 
que  fendo  já  Rcy  fahindopor  huma  píjrtada  Ci-  como  fe  conta  n^  oy  uva  leguinte. 
dade  de  Badajoz  na  Eílremadura  ,  fe  lhe  quebrou 
huma  perna ,  fie  loy  prefo  por  El-Rey  Dom  Fer- 
nando de  Aragão ,  como  fe  tratta  nas  Hiítorias  do 
Reyno. 


54 

Eis  fe  ajunta  o  foberbo  Cafie  lhano 
Tara  vingar  a  mjurta  de  Therefaj 
Contra  otaõraro  ingente  Lufttano, 
A qutm  nenhum  trabalho  agrava^  oupefa: 


MAs  o  lealvaffallo  conhecendo^ 
^le  feufenhor  nao  tinha  refiflendaf 
Se  vay  ao  Ca  fie  lhano,  prometendo^ 
^e  e  lie  faria  dar  lhe  obediência: 
Levanta  o  inimigo  o  cerco  horrendo^ 
Fiado  na pr orne ffa^tê  eonfetencia 
D'  Egas  MoniZj  mas  naÔ  comente  o pey  to 
^0  moço  íllufíte^  a  outrem  fir  fogey to. 


3 .  Lupâàas  de  Luís  de  Camões  Commentados, 

Do  moço ílli*llre ,  d-El-Rcy  Dom  Aftonfo  Hen-    ^/siia,  eis  aqui  venho  offerecidú 
riques,  o  qual  náo  tinha  paciência,  quand©  loubc    ^  ^^  fagar  co'  a  vid4  o  Prometido. 
parte  do  concerto  »  que  leu  Ayo  Egas  Moniz  fi- 
zera com  El-Rey  de  Caftella  ,  como  conta  o 
P  oeta  pelas  oytavas  íeguintes. 


AÚ  pagar  com  a  vida  »  fromttúdo»  O  promcttido 
era  corno  atras  declarámos,  que  o  Príncipe  reco- 
nheceria a  El-Rey  de  Caftella  por  Senhor ,  St  le- 
ria obrigado  hir  as  íuas  Cortes. 


3^ 

VEs  aqui  trago  as  vidas  innocentes, 
^05  filhos  jem  peccado,  &  da  conforte j^ 
S  apeytos  generofos^  &  exctllentes 
^os  fracos  fàtii  faz  a  fera  tmrte: 
l^es  aqui  as  mãos^  (ê  a  lingoa  delinquentes^ 
Nellasfós  exfr  intenta  toda  a  forte 
T>e  tromentos^  de  mortes^ feio  eftilío 
^e  Scínis,&  do  touro  de  Terillo, 

De  Scinis,  Scinis  cantão  os  Poetas, que  foy  hum 


37 

C"^  Hegaudo  tinha  opraÇoprometido^ 
j  Em  que  o  Rey  Cajlelhano  jà  agradava, 
§ue  o  'Vrincepe  afeu  mando  fobmettdOi 
Lhe  dejfe  aobedtencia^  que  e/per  ava: 
Vendo  Egas  que  ficava  fementido  y 
O  que  de  lie  Cajiella  nào  cuydava^ 
'Determina  de  dar  a  doce  vida^ 
A  troco  da  palavra  mal  cumprida, 

chegado  tinha  aprazo,  Quapdo  o  Príncipe  vio  o 
cerco  levantado  tão  íubitamentCjficouefpantado, 
&  labida  acaufa  por  leu  Ayo  Egas  Moniz  ,  ficou 

muytrifte,  &  íbltou  muy  tas  palavras  contra  El-  ladrão  muytoforçofo  ,  o  qual  coftumava  matar 
Rcy  de  Caftella.  Vendo  Egas  Moniz  a  determi-  todos  os  léus  holpedesdefta  mantyra:abayKavaos 
nação  do  Principc,&  que  fe  chegava  o  prazo  pro-  ramos  das  arvores ,  ôcatavalhes  os  braços  ,  &as 
metido  ,  em  que  o  Principe  havia  de  hir  dar  lua  ^pernas  nelles  ,  &  delde  que  os  tinha  bem  atados 
obediência  a  Caftella:  vend©-le  afrontado,  por  o  tornava  a íoltar  os  ramos,&  deftamaneyra  os  def- 
Principe  não  querer  cumprir  ,  o  qucelle  ficara  pedaçava.  Derte  ladrão  tratta  Ovidio  nas  Meta- 
cora  El-Rey ,  Sc  como  ficava  tido  em  ruim  conta  morpholes  lib.7.&  na  Epiftola  de  Phyilis  a  Demo- 
entre  os  Caftelhanos  ,  foy-le  diante  d'El -Rey  phontc,  &  em  outros  lugares,  &  outros  muytos 
com  fiaamolher,  8c  filhos  defcalços,  &  delpidos     Poetas. 

com  baraços  aos  pelcoços.Entráraô  defta  roaney-  E  d$  touro  de  ferillo.  Perillo  foy  hum  homem  de 
ra  pelos  paços  de  Toledo ,  aonde  eftava  El-Rey  grande  engenho,natural  de  Athenas,o  qual  laben- 
com  muytos  Fidalgos ,  &:  Cavalheyros ,  o  qual  o  do  que  Phalaris  Rey  de  Sicilia  folgava  muyr< 
quifera  logo  mandar  matar  dizendo  ,  queoenga-  com  novas  invenções  de  tormentos  para  matai 
nára  ,  &  fora  caula  de  fazer  o  Principe  Dom  A  f-     os  homens,  a  que  era  naturalmente  inclinado,  foj 

a  Sicilia,6c  fezlhe  hum  touro  de  metal,com  tal  in 
venção,  que  os  homens  nelle  bramiâo  como  tou 
ros.Phalans  folgou  muyto  com  o  touro,  ^  gavou 
muytoa  Perillo  aquella  invenção  ,  mas  fez  que 
cllea  provaficprimeyro,  Veja-íea  nollaannota- 
çaó  nette  canto,oytava  94.  Iftodizo  Poeta  que 
pedia  Egas  Moniz  a  El-Rey  de  Caftella  ,  que 
cxercitalle  nelle  todo  o  género  de  tormentos  que 


4 


jpe 
fonío  o  que  fazia:  o  que  íem  falta  fizera,  fe  os  Fi- 
dalgos que  eftavão  prclentes  o  nãodefculpáraó, 
Scdiíferãoa  El-Rey,  que  Egas  Moniz  não  íinha 
culpa,  antes  merecia  favor,  &  era  digno  de  lou- 
vor,em  fe  vir  daquelle  modo  diante  de  fua  Alteza. 
Pelo  que  era  razão  lerlhe  levantada  a  omenagem 
que  tinha  dado  pelo  Principe  ,  &  deíobrigalo  da 
piomeffa  que  fizera.  O  que  El-Rey  logo  tez  pelo 


1 


dito  dos  Fidalgos.  Todas  cftas  coulas  tratta  aqui     lheparccefle,alegandolheosquc  Scinis,&  Perillo 
o  Poeta  de  modo,que  fe  efcula  ler  as  Chroniças  do     tinhão  inventado. 
Reyno  para  efte  particular.  Efte  Fidalgo  Egas 
MjÔniz,  de  que  o  Poeta  fala  nefte  Canto,  foy  hum 
Fidalgo  muyto  esforçado  ,  &  de  langue  nobilil- 


fimo  ,  como  fe  diz  nas  noflas  Hiftonas ,  5c  nós 
trattamosno  canto  primcyro  oytava  12. 

E  Com  J  em  filhos  y  &  mulher  p^pa^fc 
Alevantar  com  ellesafiançay 
7)efcalçosy&  defpidos  de  tal  arte y 
^e  mais  move  a  piedade y  que  a  vinga» f  a: 
Se  pertendesy  Rey  alto,  de  vingart.Cy 
T>e  minha  temerária  confiança j. 


40 

Q^al  diante  do  algoz  o  condenado, 
^ejà  na  vida  a  morte  tem  bebidoí 
Toem  no  cepo  a  garganta^^jde^ttregadoy 
Efpera  pelo  golpe  tam  temido-. 
Tal  diante  do  Trincepe  indignado y 
Egas  efiava  a  tudo  offerecido'. 
Mas  o  Rey,  vendo  a  efttanha  lealdade j 
Maisfodeemfim^queaira.^  a  piedade. 


41 


OGramfidelídãde  Tortuguefa, 
TDe  vafJallOi  que  a  tanto  fe  obrigava^ 
^lue  mais  oTerfa  fez  naquella  em^refa, 
OnderoJiOy  &  narizes  fe  cortava? 
^oque  ao  grande  T)ariõ  tantopefa^ 
^e  mil  vezes  dizendo fufpiravat 
^lue  mais  ofeu  /íopyrofaõ prezara^ 
^Khf^  '^Inte  Babilónias,  que  tomara. 

^B  0^<  mau  o  Perfa  fez,  naejudla  «wprc/^.Tendo  Da- 
HkioRcy  dos  Perlas  Babylonia  cercada  ,  &  não  a 
^^©dendo  levar  hum  feu  valíallo  por  nome  Zopy- 
ro  cortou  as  orelhas, narizcs,ôc  beyços,  6c  deu  por 
todo  íeu  corpo  muytas  feridas :  ôc  deíla  maneyra 
le  liiigio  lanhado  com  os  de  Babylonia,  qucyxan- 
doíe  ínuvti)  da  crueldade  de  Dano.  Como  os  de 
Babylcnia  o  viraó  diquella  maneyra  ,  deraólhe 
credito  a  luas  palavras, 6c  cuydando  que  trabalha- 


Canto  Terceyrol  85 

ver  nas  Chronicas  do  Reyno,âs  quaes  rcmetto,os 
que  mais  de  raizquiierem  labcr  cilas  coulas.  Eo 
Poeta as^vay  contando  ptlas  oytavas  legumtes. 


43 

EM  nenhuma  outra  coufa  confiado  ^ 
Senão  no  Sumo  'Deos,  que  o  Ceo  regia, 
^ue  tampouco  era  o  povo  bautizado, 
^e  para  humjó  cem  Mcut  os  haveria. 
Julga  qualquer  juizo  f o IJegado 
^or  mais  temer  idade  ^  que  oufadia^ 
Cometer  hum  tamanho  ajuntamento^ 
^e  parfíoum  cavalleyro  bouvejfe  cento: 

44 

C^  Inço  Reys  Mouros /âÕ os  inimigos y 
j  ^os  quaes  o  principal  Ifmarfe  chamUi 
Todos  experimentados  nos  pet  igos 
'Da guerra,  onde  {e  alcança  tlluflre  fama: 


na  por  vmgar  a  injur.a  queDario  lhe  tinha  feyto,     Segue guerreyr as  damas  feus  amidos, 
6c  que  relejana  fielmente  contra  os  Perlas  pois  o      .^.^  '^  ,       /        r     j   f   ^    j 


que  pelejaria  tieímcnte  contra  os  rerias  p( 
rrattaruó  tão  mal, o  íizeraó  Capitão  da  gente  que 
tir.haó  contra  Dario,Sc  dizem  os  Autoresjque  di- 
zia Dário  depois  de  tomada  Babylonia,  que  mais 
quizcrao  ícu  Zopyrofaójquc  ganhar  vime  Baby- 
lonias.Eilloquiz  dizer  aqui  o  Poeta,que  foy  tão 
grande  a  lealdade  de  Egas  Moniz,  que  paílbu  pela 
de  Zopyro  ,  porque  fe  oííerecco  com  íua  molher, 
6c  íílhus diante  d^ÊURey  Dom  Affonlo ,  offere- 
cido  a  ludo  o  que  iDandaíle  fazer  delles:  &  Zopy- 
ro ('fiuecco  ló  fua  peflba,Bc  além  difto  o  que  Egas 
Mor.iz-fez  náD  toy  fomente  cm  tavor  de  ícu  Rey, 
6^  por  favorecer  fua  pairia  ,  mas  por  fahir  pela 


Imitando  afermofa,  &  for  te  dama  ^ 
*De  quem  tanto  os  Troyanos  fe  ajudar ãoy 
E  as  que  o  TermodontejàgoJlàraÕ, 

Seguem  gueneyras  D  amai.  Contão  as  noíljs  Hif- 
torias,que  nefta  batalha  houve  de  companhia  com 
os  Mouros  muytas  moljheres  ,  quedemiílura  vi- 
nhaó  a  pelejar  contra  os  Chriílãos,  como  fe  loube 
depois  muyto  miudamente  pelos  Mouros  que  cat- 
tiváraõ.  E  galantca  aqui  o  Poeta,  que  eftas  Mouw 
ras  vieraó  em  ajuda  dos  feus  ,  como  Pentheíilea 
Raynha  das  Amazonas  fora  em  favor  de  Priamo 


obrigação  que  unha  a  lua  pcfloa.  É  Zopyro  pre*     Rey  de  Troya,quando  eftava  cercado  do  exercito 
tendfío  tazer  Dário  Rey  de  Babylonia  por  quí(i-     dos  Gregos. 


qurr  modo  que  folie;  pelo  que  toy  muyto  may^r 
lealdade  a  de  Egas  Moniz,que  a  de  Zopyro.       ^ 

42' 

M/lsjdo  Trvuipe  Ajfonfo  aparelhava 
O  Lufitano  exercito  dito  fo^ 
Lontra  o  Mouro j  que  as  terras  habitava^ 
TyâUm  do  claro  Tejo  deLytofo: 
Jà  no  campo  de  Ouriqut  fe  ajfentava 
O  arrayalfoherbOj  ^  belltcofOj 
^Defronte  do  inimigo  Sarraceno ^ 
To[io  que  emforça^  agente  taÕ pequeno, 

)â  no  CarKp9  de  0«ri<5«í.No  anno  do  Senhor  de 
1109.no  campo  de  Ourique  cm  dia  do  Bemaven- 
tiiiado  Santiago  venceo  El-Rey  Dom  Aífonfo 
Henriques  cinco  Reys  Mouros,  com  rr^uyta  gen- 


Eas  íjueo  Tertmidondejà gofidraÕ.  As  Amazonas, 
que  moravão  antiguamente  na  Scy chia ,  por  on- 
de o  rio  Tcrmodonte  pajíla. 

45 

A    Matutina  luz  ferena^  ^  fria 
As  Eftrellas  do  Tolojâ  apartava, 
^anào  na  Cruz  o  Filho  de  Maria, 
Molirando/e  a  Ajfonfo  o  animava: 
EUe  adorandoa.quem  lhe  apparecia. 
Na  Fé  todo  inffamadOj  afji gritava: 
Aos  infleis.  Senhor,  aos  injieis, 
E  não  a  miiquecreyo  o  que  podeis, 

A  tnatutinaluz.  O  Poeta  nefta  oytava,&  na  fe- 
guinte  fcguc  o  que  as  Chronicas  derte  Rey  no  di^ 
zem  fobre  o  aparcciníenco  de  Chriílo  Noflb  Se- 


te ,  lendo  os  Poriuguczes  muyto  poucos.  Aqui  nhor  a  EURcy  Dom  Affonío  Henri<jues.  AHim 
foy  levantado  por  Rey  á  inftancia  de  todos  os  na  era,conio  na  hora  ,  6i  tempo  cn»  que  iílo  íoce- 
ieus,  não  o  querendo  ellc  accytar,  como  lepóde    deodiíFcrem  muyto  de  huma  Relação  ,  ou  para 

melhor 


$6  Lujiadas  de  Luís  de  Camões  Commentades. 

melhor  dizer ,  juramento  que  novamente  (e  achou     6c  rodella,  lahi  fora  do  arrayal » &  fubitamcntc  vi 
no  Moíleyro  de  Alcobaça  em  hum  pergaminho     para  a  banda  dircyca  contra  o  Oriente  hum  rayo 
lellado  com  cinco  fellos  pendentes ,  Sc  autentica-     relplandceente ,  cujo  refplandor  le  tazia  cada  vez 
do,  &  tido  por  certo ,  6c  verdadeyro  nefta  Cidade     mayor.Tendo  eu  os  olhos  poftos  firmemente  na- 
de Liíboa  ,  o  qual  por  fer  muy to  neceflario  para     queila  parte,  íubitamcnte  naquelle  rayo  mais  cia- 
entendimento  defte  lugar  ,&  para  ficar  memoria     roque  o  Sol, vi  o  final  da  4:ruz,ôc  a  Jefu  Chriíto 
mais  clara  delle  o  tresladey  aqui  do  Latim  cm  que     crucificado  nellc,&  de  huma.&  outra  banc4a  mul- 
íe  achou  eícrito  palavra  por  palavra  na  nofla  Im-     tidáo  de  mancebos  muy  lermofos,  os  quacs  crcyo 
gua  Portugueza  ,  cujo  teor  he  o  leguinte.  ^  Eu     eu,quc  eraó  os  Santos  /\njos.  Vifta  cita  Viíaõ  ti- 
Affonlo  Rey  de  Portugal,filho  do  illullrc  Conde     rada  a  eípada^ôc  rodella,ôc  deyxado  o  veílido,  &  o 
Henrique,  neto  do  Grande  Rey  AíFonfo,  diante     calçado  ,  me  lancey  de  bruços  na  terra  ,  &  derra- 
dc  vós  bons  VarôexBirpo  de  Braga  ,  &Bil"podc     madas  muy  tas  lagrimas ,  comecey  a  rogar  pelo  ef- 
Coimbra,&  Theotonio,  &  outros  principaes  Oí-     forço  de  meus  vaíjallos ,  &  fem  nenhuma  pertur- 
ficiaes  vaílallos  do  meu  Reyno  ,  p^í:as  minhas     baçáo  difle:  Senhor  paraque  me  apareceis  a  mim? 
mãos  neíla  Cruz  de  metal  ,  Sc  nefte  livro  dos  San»     Quereis  augmcntar  a  Fé  a  quem  crèPmclhor  feri 
tifltmos  Evangelhos  juro, que  eu  miíero  peccador     que  vos  vejâo  os  infiéis,  &  creyão,que  eu,quc  pe- 
ví  com, eftcs  olhos  indignos  a  Jefii  Chriíto  Deos,     la  fonte  do  Bautilmo  vos  reconheci,&  reconheço 
&  Senhor  Nofib  poíto  na  Cruz  nefta  forma.  Eu     por  verdadeyro  Deos  Filho  da  Virgem,  &  do  Pa- 
eftavacom  a  rainha  gente  nas  terras  do  Alentejo     dre  Eterno.  E  a  Cruzera  muyto  grande,&  ellava 
no  campo  de  Ourique  para  dar  batalha  a  Ifmael,&     levantada  do  chaó  quafi  dez  covados.  O  Senhor 
a  outros  quatro  Reys  Mouros   ,  osquaesimhaó     com  hum  fom  de  vós  fuave  ,  que  minhas  orelhas 
comfigo  infinitos  milhares  de  homens.  E  a  minha     indignas  houviraó  me  difle:  Nâo  te  apareci  delt* 
gente  atemorizada  com  a  multidão  dos  Mouros     maneyra  por  te  acrecentartua  Fé,mas  paraforii- 
eftâva  muyto  afadigada  ,  &  trifte  cm  tanto  ,  que     ficar  teu  coração  neíte  conflitto,&  cítabelecer  os 
muytos  diziào  fer  temeridade  cómctter  tal  p,uer-     princípios  do  teu  Reyno  (obre  pedra  firme.  Tem 
ra.   Eeu  trifte,8c  malcnconizadocom  iílo  ,  que     confiança,  A  fí^onío, porque  não  fomente  vencerás 
houvia  ,  comecey  de  trattar  comigo  o  que  faria,     eíla  bati- lha  agora,  mas  todas  as  outras,  nas  quacs 
Tinha  hum  livro  na  minha  tenda  ,  no  qual  eftava     pelejares  contra  os  inimigos  da  Cruz.Acharás  tua 
efcrittooTcftamcnto  velho,  ôcoTeftamentode     gente  alvoraçada  ,  &  esforçada  para  a  guerra  ,  & 
Jefu  Chrifto,  habriho,&  li  a  vitoria  de  Gedeaó,  Sc     que  te  peça  ,  que  com  nome  de  Rey  entres  neJta 
difie comigo:  Vós  Senhor  JeíuChriíloíabeis,  que     batalha,  não  lhe  ponhas  duvida,  mas  conccdelhe 
por  amor  de  Vós  tomey  (obre  mim  cfta  guerra     livremente  o  que  te  pedirem.  Porque  eu  íou  Edi* 
contra  vofl^os  inimigos ,  &  na  voíla  maóeftàdar-     ficador,  &  Diflipador  dos  Impérios,  &Reynos,ÔC 
me  forças  a  mim,  &  aos  meus,  paraque  vençamos     quero  eftabeleccr  Império  para  mim,em  ti,  &  nos 
eílcs  que  blasfemaó  Voflo  Nome.  Ditas  cít:is  pa-     teus  defcendentes :  paraque  meu  nome  fcja  levado 
lavras  adormeci  fobrc  o  livro  ,  &  vi  hum  velho,     a  gentes  eftranha:.  E  paia  que  teus  íucccliores  co- 
que fe  chegava  a  mim,  &  que  dizia:   Afí<)nfotem     nheçâo  quem  lhe  deu  o  Reyno  ,  farás  o  teu  bra- 
confiança  porque  vencerás,  6c  deítruhirás  eítes     zão  de  armas  do  preço  ,  com  que  eu  comprey  o 
Reys,  fie  desfarás  íèu  poder,  &  oSenhorle  temof-    género  humano:  &  do  preço,  com  quefuy  com-' 
traria  ti.  Em  quanto  vejo  eftas  coufas  ,  chegou     prado  dos  Judcos.  E  fera  Reyno  para  minSanti- 
Joaô  Fernandes  de  Souía  meu  Camarcyro,  &  dif-     ficado.puro  por  Fé,8í  amado  por  piedade.Depois 
fe,  Icvantay vos  Senhor,  que  cftáaqui  hum  velho,     que cftas  coufas  ouvi  poftrado  por  terrao  adorcy 
que  vos  quer  falar.  Refpondi  eu,entre,  le  he  fiel:     dizendo:porquc  merecimentos,  Senhor,me  fazeis 
&  entrando  donde  eu  eftava ,  conheci  fer  aqucllc,     tão  grande  mercê. Tudo  o  que  me  mandais  farey. 
que  tinha  vifto  na  vifaó,  o  qual  me  ò^\^ç.\  Senhor     Vós  ponde  os  olhos  benignos  na  minha  geração, 
tende  bom  animo,  vencereis,  vencereis,  5c  naó  fe-     que  prometteis,ôc  tende  em  vofla  guarda  a  gcntí 
reis  vencido.  Sois  amado  do  Senhor:  porque  tem     Portugueza.  E  fe  contra  eli  es  algum  mal  apare- 
pofto  fobrc  vós  ,  &  fobre  voflbs  defcendentes  os     Ihardes  ,  converccyo  antes  fobrc  mim  ,  Ôclobre 
olhos  dcfua  mifcricordiaaté  lexta  decima  gera»     meus  fucceílores  ,  &livray  o  povo  que  cu  amo 
çaõ,  a  qual  fera  menos  acabada  algum  tanto,  mas     como  filho  único.  Concedendo  o  Senhor  difle: 
nefte  menos  cabo  a  olhará  com  olhos  de  íuamife-i     não  le  apartara  delles  ,  nem  deti  nuncaaminha 
ricordia.  Elle  mefmo  me  manda,  que  diga,  que     mifericordia :  por  refpeyto  ,  &mcyo  delles  apare* 
quando houvirdes cfta noy te feguinte  a  cápainha     Ihey  humagrande  fementeyra,  ôceícolhidos  aci- 
da minha  Hermida  ,  fayais  fora  do  arrayal  ló  fem     les  por  meus  íegadorcs  em  terras  remotas.  Ditas 
pcfloa  alguma  :  porque  vos  quer  moftrar  lui  muy-     eftas  coufas  delapareceo.Torney  ao  arrayal  cheyo 
tapiedadc.  Obedeci,  &pofto  por  terra  cornrcve-     de  confiança  ,&gofto  :   Eeu  A  fionfo  juro  pelos 
rcncia  fiz  o  devido  acatamento  ao  menlageyro,&     Santifiimos  Evangelos  de  Jeiu  Chrifto  ,  emque 
aquém  o  mandava.  Eeftando  eu  pofto  em  ora-     ponho  minhas  mãos,  quepaílaaflun  defta  mancy- 
çaò,eíperandoofom  da  campainha,  na  fegunda     ra.  Por  tanto  mando  a  meus!  jccefibres  ,  que  ao 
vigilia  da  noyte  a  ouvi,&  logo  armado  com  elpada,     diante  haôde  fer,  que  tragaõ  por  bríjzãc  de  armajs 

cincí 


QC^ 


Canto  Terceyro.  S7 

cinco  cfcudosfeytos  em  Cruz,  por  amor  da  Cruz, 

6c  cinco  Chagas  de  JerLiChrifto,&  em  cada  cícu-  g 

do  trinta  dinheyros  ,  6c  cm  cima  a  Serpente  de ^ 

Moyfcs  peia  Figura  de  Chrifto.E  elte  leja  o  noflb  /Tpt  AldoRey  novo  O  eftamago  acendido 
mciaorial  cm  nojla  geração    ,  6c  íe  algum  tomar       JL    Tor  T^eoss^  pelo  f  OVO  juntamente  ^ 

ouiro  leja  maldito  do  S.nhor,6c  atoruientado.no  Q  harbarn  comete  apercebido^ 

infcrnocorn  Judas  traydor.  bm  Coimbra  aos  50.  ^^^^  animofo exemto rompente: 
de  Outubro  ue  1151.   Nelta  carta  citava  aílinado 


odicaKey  Dom  Artonfo  Henriques, dous  Bilpos, 
de.<j'ie  LLi  no  principio  ,  6c  outros  Ufficiaes  ,  6c 
Procuradores  do  Rcyni)  ,  cujos  lellos  pendentes 
era©  das  armas  daquelles  que  eítavaó  aííinados 
na  dita  carca. 

A  maiuiinalux,  Cerena^ié^  ftta.Luz  matutina,qucr 
.dizer  ,  iuzda  u.anhã,  porque  á  manhã  chaoiaó  os 
Latinos  matula.  VejA-lc  o  que  elcrevemos  no 
canto  2.oyta\  a  92. 

/fi  tjirtíUi  do  'c*olo  jà  apartava.  Que  couía  feja 
Polo.&L  como  ie  tome  pelo  Ceo  fica  dito  no  canto 
i.oy.iav'a  24. 'v^uer  dizer  aqui  oPoeta,quca  luzda 
artilha  hi2i  i  couí  que  ie  não  villem  as  eílrellas, 
^jjÉorquv^  c<ímo  trás  mayor  ciai  idade  do  que  temas 
^Rrcíi-s  ,  faz  com  que  delaparcção  por  todo  o 
C^eo,&.  Icnãó  vcjaó. 

46 

C-  Om  tâlmilaare  os  ânimos  da  gente 
^.  Tortugueza  inflamados  j  h  vantavaÕ 
^or/eu  Rty  natw  ai  ffte  excdiente 
^Fnnaptí.^<fue  àopeyto  tanto  amavao: 
£  duií.te  do  ex  r  cito  potente 
%)u  imfgõs gritando,  o  Ceo  tccavaÕj 
%)izenac  em  ^Ita  voz..  Real  Real, 
Tor  Ajfotijh  AU  o  Rty  de  tortugal, 

Cí>wí<j/»íí/<jgre.Neílelugar,Sc  tempo  vifto  hum 
taô  claro  ,  g>:  evidente  milagre,  lodosos  Portu- 
guezesa  hinna  voz  levantarão  ao  Principe  Dom 
/iiííonio  } 01  leu  Rey,o  que  cHe  logo  por  iaber  íer 
aíTim  vontade  de  Dcos  ,  &  dclle  lhe  vir  cite  tão 
honrado  titulo,  como  o  melmo  Senhor  lhe  tinha 
dko  quando  lhe  aparecco ,  o  accy tou  com  muyta 
vontade,6cgoíto. 

.47 

QValcosgritoSi  ^  vozes  incitado^ 
'tela  montanha,  o  rábido  molofo^ 
Contra  o  touro  ttmr  te,  que  fiado 
Na  força  eHa  do  como  temerojo; 
Orapêií^a  na  (.relha,  era  no  lado 
Latindo  mais  Itgeyro,  quejorçcfo. 
Ate  que  em  fim  rompeyidoLhe  a  garganta, 
*Do  bravo  aforçu  horrenda  Je  quebranta. 

Vela  montanha  o  rabiio  Molofo.  Molof^  heocaô 
e;ue  cm  noila  lin-jua  chaman-os  ]ibrèo,chamaólhe 
os  Latinos  MoLfo^T^or  virem  os  melhores  de  Mo- 
lofíí  ,  Proviíicia  do  Epy  ro ,  a  que  hoje  chamamos 
Albânia. 


Levantão  nifto  os  perros  o'alaridoy 
^Do^ gritos,  tocaõ  arma^  fei^ve agente^ 
As  lanças ,1^  arcos  tamâo ^ttibas  foaÕ ^ 
Injirumentos  de  guerra  tudo  atroão, 

49 

BEm  como  quando  a  flama  j  que  ateada 
Foy  nos  áridos  campos  Ç^ajfopr ando 
Ofibilante  Bnreas)  animada 
Co  vento  o  feco  mato  vay  queymandoí 
A'P  aflorai  companha,  que  deytaàa 
Co  docefof^ô  eflava^  de/per  tando 
Ao  eftridur  dofogo^  queje  ate  7^ 
Recolhe  ofato,^  foge  para  a  aldeã, 

Ofihilantt  Bore^  ,  Boreas  he  o  vento  a  que  cha- 
mamos Nornordeíle,  Chamalhe  íibilante  ,  que 
quer  dizer  queafovia  :  porque  com  leu  lopro  pa- 
rece aílbvrdr,por  f^r  vento  rijo,  6c  que  venta  com 
grande  furia. 

50 

DEfla  arte  o  Mouroattonito^^S  turbado ^ 
Toma  f em  tento  as  armas  muy  depre[Ja^ 
Nadfoge  mas  e/per  a  confiado, 
Eog  tnete  belliger  o  arre  me  (Ja: 
O  'For  tugtiez  o  encontra  denodado^ 
'Pelos  pfytos  as  lanças  lhe  atravejfa, 
Huns  caem  meyo  mortos,  lè  outros  vaõ 
A  ajuda  convocando  do  Alcorão, 

A  ajuda  convocando  do  Alcorão. Mcorio  he  entre 
os  Mouros  o  livro  de  lua  feyta  maldita  ,  6c  «nde 
clles  tem  poílo  iua  cfperança  ,  6c  ptlo  qual  fe  re- 
gem. Aqui  Ic  toma  pelo  maldito  Mafoma  feu  au- 
tor. 

51 

ALÍífe  vem  encontros  temcrofos. 
Tara/e  desfazer  huma  alta/erra,. 
E  os  antmae^  corendofuriofos^ 
^e  Neptuno moftroufierinao  aterra-. 
Golpes  (e  dão  medonhos,  &  fiorçofosy 
^Ftr  toda  a  parte  andava  acefa  agutr  ra, 
Alas  o  de  Lufo  arnez,  couraça .  tè  malha^ 
Rompe,  corta,  desJaZi  a  bollaj  Ôí  talha. 

E  es  animaes  ctrremU  fmojos  ^  ^u^l^eptunomoC' 

troti 


38  Lufiadas  de  Luis  de 

tr  ou  ferindo  aterra.  Contaõ  as  fabulas  que  havendo 
alteração  entre  Neptuno  fcnhor  do  mar,&:  Palias 
lualobrinha,  filha  de  feu  irmáo  Júpiter,  de  cujo 
nome  fe  havia  a  Cidade  de  Athcnas  nGní>ear,a  qual 
elles  ambos  havião  fundado  :  como  entre  clles  fe 
naópodeíTe  determinar  ,  &  averiguar  cfte  nego- 
cio,  fizeraó  os  Deofes  junta,  na  quaJ  aflentâraó, 
que  pufefle  nome  á  Cidade  ,  o  que  milhor  coufa 
déífe  para  ferviço  dos  homens  na  terra.  Neptuno 
ferio  a  terra  com  feii  tridente  ,  &  fahio  o  cavallo, 
animal  de  tanto  esforço,ligeyreza,&:  lealdade.Pal- 
las  fazendo  o  mcfmo  com  a  lua  lança  ,  deu  aoli- 
vcyra  infignia  de  paz:&:  logo  por  todos  foy  deter- 
minado,que  Palias  fizera  ventagem,6c  que  ella  de- 
via por  nome  á  Cid.íde  ,  o  que  fez ,  chamandolhc 
Athenas  ,  porque  aíTirn  fe  chama  Palias  na  lingua 
Grega.  Eíla  Cidade  foy  a  mais  exccllente,  6c  no- 
meada ,  não  digo  eu  de  Grécia,  em  cujo  território 
cila  cftá,  mas  de  todo  o  mundo.  Efta  foy  a  inven- 
tora de  todas  as  boas  artes  ,  raãy  de  todos  os  ho- 
mens iníignes,que  no  mundo  houve  em  letras.Ho- 
jc  he  huma  muy to  trifte  aldeã  fcm  nome,  &  humas 
caíinhas  palhaças  :  boa  injuria  dos  homens  Dou- 
tos.  E  bem  fe  vcque  Bárbaros  pofiliem  a  terra. 
Chamaólhe  hoje  os  moradores  Setinc,  como  quer 
Ortclionafua  Sinonymia  Gcographica.  Alguns 
querem  que  haja  ntlla  hum  eftudo  de  Gramma- 
tica  Grega,  o  qual  fuítenca  o  Turco  em  memoria 
do  que  a  Cidade  foy. 

Rompey  certa^deifaZi  a  bolay  &  talha,  A  bola,aqui 
naó  he  veílidura ,  como  aleuns  commentaó  ,  que 
he  bom  delpropofito  para  lugar,  onde  Ic  tratta  de 
cutiladas.  He  propriamente,  abolar,  amolgar,  & 
desfazer,  6c  neíla  íignificaçaó  fe  põem  aqui ,  &  af- 
íim  uíaó  delia  palavra  os  que  entendem  bem  a  lin- 
gua Portugueza. 

52' 

C^  Abe  ças  feio  campo  vaÕfaltando, 
j  Braços jf  emas  fem  dono^&  fem  fétido, 
E  doutros  as  entranhas  pa/pttandoj 
^allida  a  corj&  ogefto  amortecido: 
Já  perde  o  camfo  o  exercito  nefando t 
Correm  rios  de  fungue  dejparztàoj 
Com  que  também  do  campo  a  cor [e  perde. 
Tornando  Carmefide branco^  &  verde, 

lornadi  carme ft  de  branco^  &  verde,  lílo  diz  para 
encarecimento  do  muyto  íangue,  que  havia,  que 
aterra  ,  fico  campo  eftava  todo  em  lugar  defua 
própria  cor  fcyto  carmcíi ,  vermelho,  naó  apare- 
cendo outra  coufa  fc  naó  fanguc. 


T 


53 


A  fica  vencedor  o  LufitanOy 
Recolhendo  os  trofeos,  òprefa  rica, 
'  desbaratado,^  roto  o  Mauro  Htffano, 
Três  dtas  $gram  Rey  no  campo  fica: 


Carnes  Commentados. 
Aquip  nta  no  branco  e feudo  ufano, 
^e  agora  efia  vitorta  certifica, 
Ctnco  e/cudos  azuis  efclarectdosj 
Em  final  defies  cinco  Reys  vencidos^ 

O  Mouro  Hifpano.  Mouro  morador  em  Hefpa- 
nha.  Depois  de  vencido  Ifmael  com  outros  qua- 
tro Reys  Mouros  ,  ficou  El-Rey  Dom  AfFonfo 
Henriques  no  campo  tre?  dias ,  como  he  coílume 
entre  os  vencedores ,  ôclogopozno  íeu  efcudo, 
que  lhe  leu  pay  em  branco  deyxára,cinco  efcudos 
em  cruz  ,  por  amor  da  Cruz  de  ChriftoNoílb  Se- 
nhor, &  das  fuás  cinco  Chagas,  &  em  cada  eícudo 
os  trinta  dinheyros  ,  porqueosjtideoso  compra- 
rão a  Judas  ,  como  o  melmo  Senhor  lhe  man- 
dara quando  lhe  aparcceo. 

54 

ENefies  cinco  e/cudos  pinta  os  trinta 
dinheyros, porque  T)eosfora  vendido, 
E/creventío  a  memoria  e  m  varia  tinta^ . 
^aquelle,  de  quem  foy  favorecido: 
Em  cada  hum  dos  cinco,  cinco  pinta, 
íPorque  affifica  o  numero  ctimp  ido. 
Contando  duas  vezes  o  do  mtyo 
^os finco  azuis  i  que  em  Cruz  pintando  veyo, 

E  m(iei  cinco  efcudos.  O  Poeta  nefta  ordem  dos 
efcudos ,  &  dinheyros  fcguc  a  ordem  das  Chroni- 
casdoReyno  ,  que  o  contaõ  deíla  maneyra  que 
elle  aqui  põem:  que  pos  El-Rey  Dora  Áífonfo 
Henriques  huma  Cruz  azul  partida  em  cinco  eí- 
cudos  ,  por  amor  da  Cruz  cm  que  ChriftoNoílb 
Senhor  apareceo  crucificado  no  Ceo:6c  em  memo- 
ria dos  cinco  Reys  Mouros, que  vencera,  &;  trinta 
dinheyros  repartidos  pelos  cinco  efcudos, em  cada 
elcudo  cinco  :  o  que  tudo  he  contra  a  carta  que 
atras  polemos  d*El-Rey  Dom  Aííbnfo,aonde  el- 
tas  coulas  eílaó  na  verdade  como  fica  dito.  No 
tempo  que  o  Poeta  eícreveo  eíles  cantos ,  naó  fe 
fabia  a  verdadc,Sc  certeza  deíle  negocio, pelo  que 
elle  fala  ,  conforme  ao  que  as  Chronicas  dizem, 
que  movidos  por  Relações  naó  certas,naõ  efcre- 
veraõ  eíta  matéria  com  a  certeza  neccílaria. 

55 

PAffadojà  algum  tempo,  quepàjfada 
Era  efta  gr am  vitoria,  o  Rey  fubido^ 
Atomarvayheyria^  que  tomada 
Fora,  muy  pouco  havia,  do  vencido: 
Com  (fia  a  forte  Arronches  fohjugada 
Foy  juntamente^  Ò"»  fempre  ennobrecido 
Scabeltcafiro,  cujo  campo  amento 
Tu  claro  Tejo  regas  taõ [ereno^ 

Pafadoià algum  timfê.  Depois  daquella  iníígne 

vitioría 


Canto  Terceyrol 
vittorla  do  Campo  de  Ourique  ,  ficou  o  Mouro    CintYãi  onde  as  Nâyades  efiondidas 
Ifmacl  taó  enfadado  ,  &  tomado  dos  Chriftáos,     Jslasfontes^  vaô  fugindo  aos  doces  laçoSy 
que  logo  foy  por  cerco  a  Leyria  ,  que  El-Key  ti-     q^^^  ^j^^^^  ^^  ^^^^^^^  brandamente, 
nha  dado  ao  Prior  de  Santa  Cruz  de  Coimbra  ,  a  * 


89 


qual  tomouimas  efteve  pouco  tempo  debayxo  de 
icu  poder,  porque  El-Rey  Dom  Affonlolha  tor- 
nou logo  a  cirar  das  mãos.  No  meímo  tempo  foy  o 
ir.eímo  Prior  de  Santa  Cruz  com  gente  íobre  a 
Villa  de  Arronches,que  eftá  na  arraya de  Caftella, 
&  a  tomou  aos  Mouros.  Com  efte  íucceflo  fe  foy 
aEl-Rey,  Ôclhe  diíTc,  que  fua  Alteza  fizeíle de 
LeyriajSc  Arronches  o  que  bem  Iheparecefle.El- 
Rey  poz  em  confelho  com  os  prmcipaes  de  lua 
CortCjO  que  faria  nefte  cafojôc  aílentoufe,que  no 


Nas  agoas  acendendo  fogo  ardente, 

Ajunta  tamhem  Mafra  em  pouco  e(paço.  Mafra  he 
huma  Villa  no  termo  de  Cintra. 

E  nai  ferrai  da  Lua  conhecidaitSojugt  a  fria  Cintra 
0  (luro  braço.  A  ferra  de  Cintra  chama  Varraó  wo»- 
te  Tagro  ,  como  refere  Ortelio  na  lua  Sinony  mia 
na  palavra  Tagrum  montem.  A  eíte  monte  chamaó 
outros  a  ferra  da  Lua  ,  como  lhe  chama  aqui  o 
noflo  Camões.  Defta  lerra  íahc  huma  ponta  para 
o  mar  ,  que  fe  chama  o  Promontório  da  Lua.  A 


tocante  ao  eípiritual  foflcm  eílcs  dous  lugares  lu-  razaó  deftenome  he,porque  na  praya  ao  longo  do 
gcytosao  rnoíteyrode  Santa  Cruz,6c  no  tempo-  mar  ,  dizem  erteveantiguaniente  hum  Templo 
ral  aos  Reys  de  Portugal.  confagrado  ao  Sol,6c  a  Lua,  como  parece  por  hu- 
E ofempre enmbrecido  Scalebicafiro.Km  dia  do  apa-  ma  pedra  que  le  achcu  naquellas  partes ,  com  hum 
recimento  do  Bemaventurado  S.  Miguel  ,  oyto  letreyrj  Romano  que  dizia, 
dias  do  mez de  Mayo  de  mil  cento  quarenta  &  le- 
ie,entrou  eílcteliciíTimo  Rcy  Dom  AíTonlo  Hen-  Soli  aterno,  ^  Luna 
fiques  na  Villa  de  Santarém  ,  chamada  aflim  em  Pro  aternkateimperij, 
nofloj' tempos ,  por  ter  em  fi  o  corpo  da  Bem-  Et  faluta  imp.  Caf.Sep- 
aventurada  Santa  K.ryâ,o  qual  lugar  le  chamava  timij  Severt  ^ug.Ptj,&  Caij 
antíguamcnteScalcbicaftro,  como  o  noílo  Poeta  Ctef.M.Aureltj  dntomni 
lhe  aqui  chama.  Plinio  lhe  chama  Scalabis  ,  6c  Aug.Pij 
Ptholomeo  Scalabifcus  ,  os  Autores  lulium  prajt»  Aug.matris  tius^Drufui 
<//«w,o  qual  nome  dão  também  a  huma  Cidade  da  Valerm  Caalianuí, 
Eílremadura,  lugcytaaos  Reys  de  Caftella,  cha- 
mada vulgarmente  Turgillo  ,  nome  corrupto  do  O  qual  quer  dizer  em  noíTa  lingnagem.Drufo  Va- 
Latino.que  antiguamcnte  tinha,  que  era  7«/i;í«r-  lerio  Ceciliano  dedicou  cfte  Templo  ao  Eterno 
r#í,torre  de  Júlio  Ccfar,  por  ter  nefte  lugar,  ôc  cm  Sol>  6c  á  Lua,  pela  eternidade  do  Império  Roroa- 
Santarem,  6c  em  outros  guarnição  de  gente,  para  no  ,  &  pela  íaude  do  Emperador  Cseíar  Septiraio 
íegurança  da  terra  ,  que  por  efta  razão  fe  chamaó  Severo  AuguftoPio,&  deCefar,&de  Marco  Au- 


rélio Antonino  Augufto  Pio,6c  de  Juli-i  Augufta 
lua  máy.  Outros  lhe  daó  eftc  nome  por  ler  efta 
terra  de  Cintra,a  mais  Occidental,  6c  frei  ca  terra 
de  toda  a  Europa  Occidental.  E  porque  a  quali- 
dade defte  Planeta  he  fer  húmido  ,  6c  frio  ,  daqui 
alguns  lugares  que  tem  as  mefmas  partes ,  le  cha- 
maó com  eftc  íobre  nome  de  Lua. 


S7 

T7  Tu,  nobre  Lisboa,  que  no  mundo 


Frafidtum  /«//fjguarniçaô  de  Julioxomo  também 
Évora  le  chama  liberalitas  luíta,  pelas  mercês,  &  li- 
berdades que  efte  grande  Capitão  lhe  fez  íempre. 
Ennobrecido  chama  o  noflb  Poeta  ao  lugar  San- 
tarém, porque  Íempre  foy  muyto  eftimado  ,  aflim 
cm  tempo  dos  Romanos, como  em  noftbs  tempos. 
Do  tempo  dos  Romanos  nos  confta  pelo  calo  que 
íc.  delle  fazia  em  porem  nelle  gente  de  guarnição 
como  era  lugar  importante.  Do  noftb  tempo  não 
tenho  maisque  uizcr,  que  fer  hum  dos  melhores, 

&ftiais  populolos  lugares  de  Portugal ,  como  he      t-i         -  -'  •       r 

notório.  JL>  Faciímente  das  outras  es  Trínceja^, 

Cujo  campo  ameno  tu  claro  Tejo  regai  tão  fereno.  I  ft o  ^<?  edificada  fofte  do  facundo, 

diz  porque  o  noflb  Tejo  paflk  ao  longo  de  Santa-  ^or  cujo  engano  foy  TDardania  acefa: 

rera  ,  6c  alguns  annos  fazem  fcus  campos  oofii-  Tnaquem  obedece  ornar  profundo, 

CIO  do  Nilo  no  Egypto  ,  6c  outras  vezes  he  taõ  Qbedeceíieà  forca  Tortmnefa 

grande  a  enchente,  que  faz  grande  deftruiçaõ  nas  ^^^<^Yj\u       ^Z   ?  %tL.^. 

tcrras.como  também  o  Nilo  coftuma  fazer.  /ijudada  também  da  forte  A?  mada, 

^e  das  Boreaes fartes  foy  mandada, 

^  Etu  nobre  líièod.Eftando  El-Rey  Dom  AíFon- 

AEfias  nobres  Villas  fobmetidas ,  íoem  Cintra  logo  que  a  tomou  aos  Mouros ,  apa- 
Ajutatambe  Mafra  empoucoSefpaço,  receono  marhuma  armada  de  cento  ,  6c  oytcnta 
Enas  ferras  da  Lua  conhecidas  vellasde  Alemanha,Ing)aterra,6cFrf^nça.qucvl- 
.V/^^íVv/T.,  ^  Z^;^  r  •  X  /  /  nhaõ  daquellas  partes  lomcntc  a  pelejar  com  >n- 
òoijuga  ajna  Cmtra  o  dnro  hap:  f^^,^   Vendo  El-Rcy  Dom  Affonlo  de  cim»  do 

M  CsftcUo 


tío.  hujiaàas  de  Luis  de  Camões  Commentados, 

Caílello  ÒQ  Cintra  aonde  eftava  huma  tão  grande     ajudar  os  Chriftâos  delia  contra  os  Mouros  ,  de 
armada,  mandou  quatro  homens  principaeslaber     que  eftava  cheya.tt,  como  eftas gentes  moraó  para 

quegenteera  ,  ôc  que  bulcava  naquellas  partes,  as  partes  do  Norte,  ufa  o  Poeta  defte  termo  de  fa- 
Keíponderaô  os  da  armada  ,  que  eraó  Chriftâos,     lar,que  das  Boreaes  partes  foy  mandada. 
6c  que  íua  vinda  naó  era  com  outro  intento,  falvo 

Í)e]ejar  com  os  inimigos  da  Fé  de  Chrifto,ElRey  ç  8 

olgou  muyto  com  efta  nova,6c  mandoulhe  ofte-  »   /  /n 

recer  tudo  o  que  ouveflem  mifter  da  terra.Dey-     T     ^  de  Germânico  Albis.,  &  do  Rheno, 
xo  á  parte  muytas  coufas  que  paflàraõ  entre  El-      j  ^  Eáafria  Bretanha  conduzidos j 
Rey,&  cftes  Eftrangeyros,  em  que  lhe  pedio  que     A  dejÍYUir  o  povo  Sarraceno, 
lhe  ajudaftem  a  tomar  a  Cidade  de  Lisboa,o  que     Muytos  com  tmçãofanta  erão  partidos; 

elles  fizeraó  com  muyta  vontade.  Durou  o  cerco  Entrando  a  boca ja  do  Tejo  amem, 

cinco  mefes,  2c  nohm  de  les  a  25.de  CJutubroda  ^  ^       1^      ,.j     ait    /     ,-j 

dita  era  de  mil  cento  quarenta  6c  ietc ,  em  dia  dos  ^'^^ '  anayal  do  grande  Affonjo  unidos, 

BemaventuradosM^rtyres  Cnlpmo  ,  ôcCnípi-  (^ujaaltafamaentaojuha  aos  Leos, 

niano  foy  entrada  ,  &  tomada  aos  Mouros ,  com  Foy  pojfo  cercoaos  muros  Ulifjeos. 
muyto  derramamento  de  fangue  ,  como  fe  pôde 

ver  mais  largamente  n£\s  Chronicas  do  Rcyno,6<:  U  do  Germânico  Alh'u^é'ào  R^sno.  Albii,&:  R  he- 

refere  André  de  Refende  na  Dcfcripçáo  de  Evo-  no  faó  nos  de  Alemanha  ,  dos  quaes  trattcy  nelle 

ra.E  querendo  El-Rey  Dom  AíFonlo  fazer  par-  canto  oy  tava  1 1 .  &  por  efta  razaó  lhe  dâ  por  Epi- 

tilha  na  Cidade  ,  como  tinha  concertado  com  os  theto  Germânico,  por  que  Germânia  he  Alema- 

Eftrangeyros  :  elles  o  naó  confentiraó  ,  &  larga-  nha. 

raó  todo  o  dircytoquc  nella  tinhaõ,&  a  deyxáraó        E  4a  fria  Bretanha  coduziios.k  ilhadc  Inghrenra, 

livremente  a  El-Rey  :    o  qual  deu  aos  quede  fua  que  os  Antigos  chanáraó  Albion  por  certos  mon- 

vontade  ficáraõ  no  Reyno  ,  os  lugares  que  elles  tes ,  &  rochedos  braRCos  ,  que  tem  ao  longo  do 

quiferaó  para  os  povoarem  ,  &  viverem  nelles  mar, fe  chamou,&chi)ma  hoje  BritanÍ3,Bretanfaa.' 

izcntos  ,lem  obrigação  alguma  ,  osquaesforaô  á  Ariofto  a  nomea  de  huma,  &  outra  maneyra  em 

Touguia,  Lourinhã,  Arruda,  Villa  verde,  ViUa  huma  \>.\Mtà'\ztnáQ:Bret(ígna(bejupúidttta  Inghtl' 

Franca,  Azambuja,  &  Almada,  de  cuja  progénie  terra  :  &  em  outra  parteonde  Inghtlterra  fu  dctta 

hoje  em  dia  ha  em  Portugal  gente  muy  conheci-  Albtone.  A  cerca  da  origem  da  palavra  Bretanha 

da, Sc  principal,  como  he  notório  a  todos  os  Por-  ha  diíFerentes  opiniões ,  huns  querem  que  <e  cha- 

tuguezes.E  aos  que  quiieraó  tornar  para  luas  ter-  maflb  aftim  de  hum  Brutto,filho  de  Silvio  Pofthu- 

rasjfcz  El-Rey  muytas  merceSjSc  honras, Ôcaffini  moRey  dosRomanos,que  afugeytoujôc  reynoa 

hunsjôc  outros  foraó  m^iyto  contentesjôc  latisfey-  nella.  Outros  de  hum  Britão  Rey  da  melma  ilha. 

tos  do  bom  trattamento  que  lhes  El-Rey  f.z.  Hoje  lhe  chamaõ  osLatinos  Anglia,^(\{iQ  também 

^ue edificada  fofie  do  facitnik.  Chamão  os  Poetas  fe  daõ  differentes  nomes, huns  querem  que  de  hu- 

a  Ulyífcs  íacundo  que  quer  dizer  eloquente,  por-  ma  Angla  Raynha  dos  Saxones,que  foy  Senhora 

queofoy  cllenniyto.EUcUiyílesfoy  grande  par-  deftailha,  outrcsde  Anglo  Rey  antigo  delia  ,  ôc 

te  para  le  tomar  Troya  ,  que  os  Gregos  tiveraô  outros  de  angului  ,  que  he  canto  por  fcr  hum  can- 

cercada  dez  annos,a  qual  o  Poeta  aqui  chanta  D^r-  to  ,  &  cotovelo  do  mundo  ,  ou  por  milhor  dizer, 

dania,do  nome  de  Dardano  Rey  delia. Depois  de  outro  mundo,  como  lhe  chamão  os  Autores,  &:  íe 

queymada  ,  Ôcdeftruida  ,  dizem  os  Autores ,  que  pode  ver  em  Ptolomeo  no  livro  1.  n«  qual  tratta 

aportou  Uly  ilesa  eftas  partes  ,  Scqueedjficou  a  deftailha,  aonde  comprendedebayxo  da  palavra 

Cidade  de  Lisboa,3  qual  querem  que  por  efte  rei-  Bretanha  alem  de  Inglaterra,  Irlanda, que  he  ilha 

peyto  fe  ch^me  Ulyííipt,  em  Latim,  fatria  UlyífiSf  apartada,as  Orchadas,  que  Caq  ti  inta  ilhetas  Thy- 

maniaUlyjJlSi  &  com  outiôs  nomes,quc  vem  adi-  le,  &  outras  muytas  ,&  claramente  fevé  que  PtojJ 

zer  fer  cila  fundada  por  elle,  como  o  tem  o  no0o  lomeo  no  lugar  allegado  toma  a  Bretanha  ,  naó  ffl 

Camões  no  canto  S.oytava  5. Os  que  o  negam  ef-  por  Inglaterra, mas  por  toda  aquclla  Regiaõ,  qufl 

crevem  efte  nome  muyto  diffcrentemente,  Olyf-  os  Poetas  chamaõ  outro  mundo.  O  que  porven- 

íipotundados  em  Ictreyros  antigos ,  onde  o  acha^  tura  quiz  entender  Virgilio  qu^indo  difie:Ef  penu 

aflim  eícrito ,  mas  naó  lhe  labcm  arinar  com  a  ori-  tm  totó  àivifn  orbe  Britanoi,&í  05  Britóes  divididoí 

gem.  He  coufa  muyto  antiga»  &  como  tal  naó  ha  &  apartados  de  todo  o  mundo,  quafiquerendo< 

quem  acerte  com  fua  vcrdadeyra  Etymologia,ca^  fazer  diftíntos ,  8c  feparados  do  noílo  mundo  ,  l 

da  hum  figa  o  que  melhor  lhe  parecer.  DeUlyflbs  que  moravaõ  cm  outro  mundo  por  fi.  A  Bretanhi^ 

fe  vejaanoflaannotaçâónocanto  i.oytava  y&ci.  chama  o  Poeta  aqui  fria  ,  por  ier  terra  Septcn- 

§itte  dai  Boreati  partes  foy  mandadsí/^ox  partes  trional,&  porefterelpeyio  muyto  fria. 
Boreaes  le  entendem  as  partes  do  Norte ,  ao  qual         A  deftntir  o  povo  Sarraceno.  Por  j)ovo  Sarraceno 

os  Gregos  chamaõ  Boreas.Eftahe  a  gente  de  que  entende  os  Mouros  ,  como  fica  ditto  atrás  oyta- 

falàmos  atras  cytava45.  que  fe  ajuntou  de  Ale-  va  zj.  aonde  trattey  da  origem  da  palavra  Sana», 

manha,  Fráça ,  &  Inglaten  a,para  vir  a  Heípaiiha  ceno. 

Fo 


1 


Foy  fofo  cerca   a&s   Maroí  Ulyjfsos 
Ulyíieos  ,  faó  os  muros  de  Lisboa  ,  chamados     he  o  que  o 
aflim  (  como  atrás  íica  dito  )  de  feu  primeyro 
fundador  UlyíTes  ,  como  quer  o  Poeta  ícguin- 
do  a  opinião  dos  Antigos. 


CantõTerceyto]  ^x 

Muros    maneyra  desbaratou  de  todo  a  Xerxes.   E  ifto 


c 


55> 
Inco  vezes  a  Lua/e  e/condêra, 
^  E  outras  tantas  moftrara  cheo  o  roftoy 


Poeta  diz  ,  encarecendo  eíla  bata- 
lha ,  que  teve  dous  géneros  de  gente  vence- 
dores afperos  ,  ôc  vencidos  deíefperados  :  por- 
que a  huns  anima  a  vittoria  ,  5c  a  outros  a 
delefperaçáo  faz  pelejar  anitnoíamente  ,  vendo 
que  nenhum  outro  remédio  tem. 


^anáo  a  Cidade  entrada  fe  rendera 
Ao  duro  cerco,  que  lhe  eftavapofto: 
Boy  a  batalha  tãofanguinea,  ^  fera^ 
^anto  obrigava  ofirmeprefupojio, 
T)e  vencedores  afperos-,  &  ou/a  dos, 
E  de  vencidos  jà  defe/perados, 

cinco  vezes  a  Lua  feefcondera.  Declara  por  eftes 
termos  o  tempo  em  que  a  Cidade  de  Lisboa  eíleve 
cercada  por  El-Rey  Dom  AíFonIo  ,  &  pelos  Ef- 
trangeyros,  que  foraõ  cinco  mezes.  Dcfte  me(- 
iBo  modo  de  falar  uíou  Ovidio  na  Carta  de  Phi- 
lis  a  Demophonte. 

Luna  ejttater  latuity  totó  tfuater  orbe  recrevit 
Nec  vebit  Actuas  Scythonis  unda  rates. 

Qiiâtro  vezes,  diz  o  Poeca ,  íc  efcondeo  a  Lua,  & 
outras  quatro  tornou  a  crecer  em  toda  íuaredon. 
dcza,que  he  o  que  Camões  aqui  diz,6c  outras  tãtas 
moílrava  cheyo  o  roíto. 

De  vsnceJores  afperos^  &  oufados,  <jr  de  vencidos  jà 


Co 

Efta  arte  em  fim  t  ornada  fe  rendeo 
/iquella^,  que  nos  tempos  jà  pajfados 
A  grande  força  nunca  obedeceo, 
'Dos  frios  povos  Scyttcos  enfados: 
Cujo  poder  a  tanto  fe  eftendeo, 
^ue  o  Ibero  o  vt^j  SJ  o  Tejo  amedrentados^ 
E  emfimdoBethis  tanto  alguus puder ão, 
^ie  à  terra  de  Vandalia  nome  derão, 

Dotfnoi  povos  Scythicos  oufados.  Entende  aqui  oS 
Vândalos  ,  aosquaes  Plinio  ,  &:  Ellrabochamaó 
Vandalicos,  faó  povos  de  Alemanha,  os  quacs,  co- 
rno diz  Volaterrano  ,  alguns  annos  antes  que  os 
Gregos  occupaflcra  a  Cidade  de  Roma  ,  entrarão 
em  França,  6c  Hefpanha  pelos  montes  Pyrineos, 
com  Cuja  chegada  os  Hefpanhoes  ficàraó  muyto 
atemorizados  :  os  quaes  entende  por  eftes  nos 
lbero,que  he  o  que  comummente  fe  chama  Ebro, 
Tejo ,  6c  Bcris ,  taó  conhecidos.  Eílcs  Vândalos 
depois  de  terem  feyro  grandes  cftragos  em  algu- 
mas partes  de  Hefpanha  ,  fizcraõaflentona  Pro- 


defefperados.  Deftas  mefmas  palavras  taó  fentcncio-     vincia  Botica, chamada  aííim  do  rio  Betis,que  ho 


las  ufa  Jiiftino  liv.  6.  Vstloria  atiimumvtncentthu^ 
virtutcm  ejuo^ue  viclis  addit  defperatto,  A  vittoria  Jâ 
animo  aos  vencedores  ,  ôc  a  derefperaçaõ  esforço 
aos  vencidos  ,  6c  ifto  he  o  que  diz  Virgilio: 
Utta  falus  viõlis  nullam  f per  are  falutem.  A  principal 
confolaçaó  ,  6c  remédio  que  tem  os  vencidos, 
he  eftar  ícm  efperança  de  o  poder  ter  :  porque 


je  Ic  chama  Guadalqtiibir  ,  que  (  como  fica  dito 
atrás  oytava  i7.)he  palavra  Arábiga, Sc  quer  dizer 
agoa  grande.  Efta  Província  Betica  le  chamou 
primeyramcntc  Vnndalicia  do  nome  dos  Vânda- 
los,que  a  fugeytâraó:6c  andando  o  tempo, 5c  cor- 
rompendo-le  o  vocabu|o  ,  fe  veyo  a  chamar  An- 
da1uzia,como  hoje  fe  chama.  Nefta  oytava  enca- 


nenhuma  coula  obnga  mais  aos  vencidos  a  pe-     rcce  o  Poeta  o  esforço  dos  Portuguezes,  mayor- 

Icjar  ,  que  ver  que  nenhum  outro  remédio  tem:     mente  dos  moradores  da  Cidade  de  Lisboa  ,  pois 

.  donde  veyo  aquella  lentençataõcclebre,8c  com-     fogeytandoos  Vândalos  Helpanha  naô  pudcraõ 


mum  que  dizem  teve  principio  daquelle  grande 
Capitão  Themiftocles.  Ao  inimigo  ponte  de  pra- 
ta. Depois  de  vencido  Xerxes  Rey  dos  Períns  pe- 
los Gregos,  vendo  que  fe  punha  em  fugida, deter- 
minarão mandar  alguma  gente  diante  para  o  en- 
treter ,  ficeftorvar  quenaó  tornafle  alua  pátria. 
Themiftocles  foy  de  contrario  parecer  ,  dizendo, 
que  fe  a  Xerxes  lhe  eftorvavaó  o  paflb ,  feria  occa- 
íiaô  por  onde  os  feus  convertendo  a  deíefperaçaó 
tvn  virtude,  abrillem  caminho  com  as  armas:  pois 
cie  outra  maneyra  o  naô  podiaó  fazer.  E  naõ  con- 
tentando a  todos  os  outros  Capitães  Gregos  efte 
parecer  de  Themiftocles,clle  mandou  íecrctamen- 
teaviíar  a  Xerxes  por  hum  feu  efcravo  Períiano, 
que  caminhafle  deprefla  ,  porque  os  Gregos 
lhe  queriaó  impedir  feu   caminho   ,   6c  dcfta 


íugeytar  Lisboa  ,  6c  com  tudo  El-Rey  Dom  Af- 
fonfo  a  tomou  aos  Mouros. 


61 

Q1)e  Cidade  tão  forte,  por  ventura 
Haverá,  que  refifia^fe  Lisboa 
Naõ  pode  refifitr  à  força  dura 
Da  gente-,  cuja  fama  tanto  voa^. 
Jà  lhe  obedece  toda  a  Eflremadura, 
Óbidos,  Alenquer , por  onde  foa 
O  tomdas  frefcas  agoas  entre  as  pedras 
^e  mormurando  lavay&  Torres -pedras, 

Óbidos ,  /ihntfutr ,  éf  Torres.Vedraf.  Aflás^ro- 
M  a  nhecidos 


9* 


Lupdàas  de  Luís  de  CâmÒes  Comntentadosl 


nhecídos  Lugsres  da  Eftrcmadura. 

Vor  ondefoa  9  tom  das  frefcas  agoas.  Pela  muyta 
frefcura  da  terra »  Sc  abundância  de  rios  que  a  re- 
gaô. 

Cl 

EVôs  também,  ó  terras  Tranftaganas^ 
Affamadas  co  dom  da  flava  Ceres  ^ 
Obedeceis  às  forças  mais  que  humanas 
Entregandolhe  os  muros^  &  os  poderes; 
E  tu  lavrador  Mcuro^que  te  enganas^ 
Sefufttntar  a  fert  ti  terra  queres ^ 
Sue  Elvas  j^  Moura,^  Serpa  conhecidas  j 
E  Ale  acare  do  iiale[hÕ  rendidas. 

E  vos  tamhem  ,  o  terras  Tran^aganas,  Terras 
*rranftaganas  ,  faô  terras  do  Alentejo  ,  muyco 
abundantes  de  todas  as  coufas  neccflarias  para  a 
vida  ,  &  principalmente  de  trigo,  o  quaí  entende 
por  eftas  palavras :  dem  da  flava  Ccreí,porque  di- 
zem os  Poetas,quG  Ceres  filha  de  Saturno,&  Ope 
foy  a  pnmeyra  que  eníinou  aos  homens  como 
haviaõ  de  lemear  as  terras ,  6c  beneficialas  para  (e 
poderem  luftentar.  EdizGicero  Vih.z,  óc  hlatur a 
DeoruWy  que  íc  chama  Ceies  ,  qu^Ci geres  a  gerando 
pela  grande  abundância  que  os  homens  na  terra 
tem  de  mantimentos,por  beneficio,5c  ordem  lua. 


Aflim  que  nefte  tempo  já  era  Évora:  mas  quando 
começafle ,  ou  quem  fofie  o  fundador  naó  coníta, 
Nefta  Cidade  de  Évora  fez  aflento  Sertório  Ro- 
roanojpor  ícr  de  nobre,6c  grande  povo,para  o  po- 
der favorecer  ,  &  ajudar  nos  negócios  de  guerra 
contra  os  Romanos.  E  nellafezhuma  cala  que 
hojefe  chama  cala  de  Sertorio.ôc  mandou  cercar 
a  Cidade  de  cantaria  lavrada,como  fe  molíra  ain- 
da por  muytas  partes, por  onde  eftà  a  cerca  velha. 
E  aílim  fez  trazer  a  agua  da  prata  à  Cidade  para 
ornatOjôc  provimento  della,o  que  tudo  fe  pôde  ver 
emRelende,no  lugar  allegado.ehamalhe  o  nofio 
Poeta  rebelde  ,  porque  lendo  Italiano  de  naçaó 
natural  da  Cidade  deNurf]a,q  hoje  le  chama  Noz- 
za,  vendo  qucSyllaera  Senhor  de  Roma,  venci- 
do Mário,  cujas  partes  íeguira,  íe  recolheo  a  Heí- 
panha,  aonde  o  favorecerão  tanto,  quclhederaõ 
gente  com  que  fugeytou  muytas  Cidades ,  &  fez 
guerra  aos  Roiíianos  ,  venccndolhe  muytosCa- 
pitães,como  conta  Plutarco  em  fua  vida. 

Onde  hora  as  aguas  de  argento.  Eíta  he  a  agu-a  da 
prata,a  qual  vem  por  cima  de  arcos  à  Cidade,  &  le- 
vada por  difFerentes  partes ,  a  provê  toda^e^owu 
neyra,quenaõ  tem  a  gente  ncceííidade  de  outra. 

Oe  Girald0t<^ue  medos  não  ífww.Giraldo  foy  hum 
Cavalleyro  Portuguez  de  muyto  esforço  ,  ic  fem 
medo  algum  ,  pelo  que  era  chan)ado  por  alcunha 
Sem  pavor.  Eíte Cavalleyro  foy  em  tempo  d^El. 


Iftohe  muyto  trilhado,  &  iabidodosqueJcm  pe-  Rcy  Dom  Áffonfo  Henriqucs,o  qual  andando  cjh 
los  Poetas,  Moura  ,  Serpa ,  &  Alcacere  Villas  do  dcfgraça  do  fcu  Rey,  por  algum  cafojde  que  naó 
Alentejo,  6c  Elvas  Cidude  na  arraya  de  Portugal,  ha  memoria  :  vendo  que  naó  podia  andar  na  Cor- 
te, lançouíc  com  os  Mouros  do  Alentejo.  E  por- 


Eis  a  nobre  Cidade  ^  certo  ajjento 
^Dorebelde Sertório  antigamente^ 
Onde  ora  as  agoas  nítidas  de  argento-, 
Vemfuftentar  de  longe  a  terra^  &  agente^ 
"Pelos  arcos  reaes^  que  cento,  &  cento 
N^os  ares/e  levantaÔ  nobremente  ^ 
Obedeceopor  meyOj  &  ou/adia 
1>e  GiraldOj  que  medos  naÕ  temia. 


que  naquclle  tempo  tudo  eraó  guerras ,  6c  revol 
tas,  havia  outros  muyros  homiziados,  ôc  encarta 
dos,que  fe  chep^avaó  ao  Giraldo,ôí  o  acompanh 
vaô,por  clle  fcr  homem  de  peyto.  O  que  tambe 
foy  parte  para  os  Mouros  o  favorecerem,  &  par 
límael  Rcy  Mouro,  que  fora  vencido  no  campo 
de  Ourique ,  lhe  dar  licença  para  ter  fua  colhey  ra 
na  ferra  de  Monte  muro  em  hum  Caílelloqucallt 
fez,que  hoje  naó  tem  mais  que  o  nome  de  Caílel- 
lodeGiraldo  ,  queno  mais  hedcílruido.  Tinha 
efte  Giraldoem  fua  companhia  muytos  conpa- 
nheyrosipelo  que  vendo-1'e  em  defgraça  de  Deos, 
>   E«  a  nobre  Cidade  certo  ajjento  ,  Do  rebelde  Sertório     &  de  ícu  Rey  ,  &  doendolhe  o  coração  de  trattar 
antiguamente.  Efta  hc  a  Cidade  de  Évora, das  prin-     com  bárbaros,  arrependido  dos  infultos,  &  males, 
cipaes  de  Portugal ,  6c  muyto  antigua  ,  &  tanto,     que  tinha  feyto  contra  os  Chrifláos,  determinou 
que  naó  me  lembro  ter  lido,  quem  fofle  o  primey-     de  fazeralgum  ferviço  a  El-Rey  ,  com  que  lhe 
ro  fundador  feu ,  nem  íe  pôde  affirmar  delia  mais,     perdoaíle  o  paflado.  E  lançando  o  penfamento  ao 
queíerantiquiílima  ,  como  dizonoíToRefende     que  farja,  em  nenhuma  coula  lhe  pareceo  que  po- 
na  fua  Delcripçaó,aonde  tratta  de  feu  nome,  Sc  o     dería  elle  ,  &  feus  companheyros  fervir  a  El-Rey 
que  pode  alcançar,&  laber  de  fua  antiguidade.  O     melhor  ,  que  em  tomar  Evoraaos  Mouros.  Pelo 
que  fabcmos pelas  Híítorinshe,  quejáno  tempo     que  começou  Giraldo  muyto  de  propofito  a  fa- 
de Viriato  era  Évora,  o  qual  Viriato  fe  começou     beras  entradas,  &  lahidas  da  Cidade  ,  &  fazerfe 
levantar  com  Lufitania,  &  depois  com  toda  Hef-     mais  familiar  dos  Mouros.  E  poílo  que  fe  naó  fia- 
panha  perto  do  anno  de  fcifcentos ,  &  o.yto  da  cdi-     vaó  delle,&  Ih^  dbhia  o  cabello,vendo  que  em  fim 
ficaçaô  de  Roma  ,  fendo  Conluies  Gneo  Corne-     era  Chrjftaõ  :  xom  tudo  teve  Giraldo  léus  meyos 
lio  Lentulo,&  Lúcio  Mumio,como  efcreve  Pau-     por  onde  cffeytuou  o  que  pretendia.  Veyo  huma 
lo  Oroíio,  que  toraó  cento  6c  quarenta  annos  an-     noy te  com  fua  gente  pela  parte  aonde  hoje  eftá  o 
tes  do  Nacimcnto  de  Noflb  Senhor  Jefu  Chrifto.    Moftcyro  do  Bcmavencurado  S. Benco  ,  no  qunl 


1 


lugu* 


.lil 


Canto  Tercâyro,  95 

lugar  os  Mouros  tinhaõ  hu  ma  Atalaya  ,  ôcnella 

lium  Mouro  de  vigia  ,  o  qual  naô  tinha  comfigo  ^j 

mais  que  huma  moça  filha  fua.  E  deyxando  ícus  .--.  ^,       n' j  j 

companbeyros  era  huraa  certa  paragem  efcura,  &  'XA  na  Ctdade  Beja  vay  tomar 

aonde  mcJíior ,  &  mais  Iccrctamente  podiaó  eftar  I  l^ingançA  deTrancofo  dejiruida^ 

até  lua  tornada  ,  fe  foy  fem  medo  algum  contra  a  ^  Affonfo^  que  naõ  fabefoffegãfi 

Atalaya,  a  dclcubrir  o  que  paflava :  &  levou  logo  y^y.  tjiendcr  CO  afama  a  CUrta  Vida: 

hunias  dhcas  para  meter  por  huns  buracos  que  na  j^^-j^  lhe  pode  muy  í  o  fu  (tentar 

torreda  vigia  cítavao,  para  lubir  ate  a  lanella  ,  le  ^/^^  j   j   ^         ,     j    •>        j-j 

acafo  achalte  occaíiaó  para  irto  :  porque  à  torre  fe  ^^'^^^^^  mas/endoja  rendida, 

iiaó  podia  hir,ie  naô  por  efcada  lançada  decima.  ^^  todaacoujavivaagente  irada. 

Chegou  â  torre  a  horas  de  meya  noy  te,  6c  a  tem-  ^YOVando  os  fios  vay  da  dura  efpada. 

po  que  o  Mouro,que  até  entaó  eílivera  em  vigia, 

entregarão  cargo  a  fua  filha  para  elle  defcançar  lâ  na  Cidade  Beja  vay  tomar.  Tendo  El-Rey 

hum  pouco  ,  a  qual  iedeícuydou  ,  como  moça,  ôc  Dom   Aftonlo  Henriques  cercada  a  Cidade  de 

Ic  deyxou  dormir  no  rebate  da  janela  da  torre.  Beja ,  foraõ  05  Mouros  cercar  a  Villa  de  Tranco- 

Como  Giraldo  vio  tõió  boa  occaíiaõ  ,  trepou  atè  a  foja  qual  t0máraõ,6c  deftruhiraójfem  dcyxar  pcí- 

janella,  Si  lançando  maó  á  moça,  deu  com  cila  em  Toa  alguma  viva.  O  que  fabido  por  El-Rey ,  nem 

bayxojde  modo  que  nunca  mais  faloUjncm  fez  ru-  por  iílo  deyxou  o  cerco  de  Beja  ,  mas  continuou 

mor  algum. E  entrando  na  torre.achou  o  Mouro  com  elle  até  a  tomar,  &c  paflar  todos  os  Mouros  á 

dormuido  ieguramente  ,  cortou  a  cabeça   ao  efpada,  por  eftar  lentido  ,  ôc  enfadado  do  que  os 

JMouro,&  à  moçu,  &  levouasaos  companbeyros,  Mou-rostinhaõ  fcyto  em  Trancofo,como  diz  aqui 

&  iubiado  nella  deu  final  de  fogo  aos  da  Cidade,  o  P  oeta.  Giraldo  tomou  Évora  no  anno  de  11 66i 

dando  a  entender  que  havia  Chnílãoa  no  campo,  &  Beja  foy  tomada  no  anno  de  1162.  em  dia  do 

na  outra  parte  da  Cidade  ,  aonde  agora  eftà  hum  Bemaventurado  S.André  ,  como  fe  pôde  ver  no 

Mofteyro  de  Hierony mos  da  invocação, de  Nof-  noflb  Relende,na  defcripçaô  da  Cidade  de  Evora« 

íâ  Senhora  do  Elpinheyro.  E  paraquelahillemos 

Mouros  com  mayor  prcfla,  &  vontade,fez  que  ai-  ^  ^ 

gunsdefeus  companbeyros pafi^aflbm  por  aquella ^ 

•parte,  fazendo  reboliço  de  modo,  que  foflbm  fen-  /^  Om  eftas  fobjugadafoy  Talmellà, 

tidos,S<:  aíTim  luccedeo,  porque  lentindo  os  Mou-  \^  ^  £  apifcofa  Ce  Zimbra,  &  juntamente^ 

ros  o  tropel  da  gente,  fahiraó  da  Cidade,lem  ten-  Sendo  ajudado  mais  de  fua  efirelía^ 

to,  nem  ordem.  Como  Giraldo  vio  fahir  os  Meu-  q^gsbarata  htm  exercito  Potente: 

ros  fora  da  C.dade,6c  que  tinha  tempo  para  poder  ^^„^ -^  ^  ^^^    ^  ^ -^  ^y^,„^^^  ^^^ 

entrar  ,  cometco  com  os  leua  as  portas  ,  que  os  ^         ^           ,'        •    ,     j-,- 

Mouros  com  prelladeyxàr.ôaberus,  &deraó  fe  ^ie  a  f ocorre  lia  vtn  ha  diligente, 

tal  manha  dentro,  que  em  pouco  efpaço  naõ  tive-  ^elajraída  da  ferra  defcuydado, 

raó  que  fazer  nella.  Porque  mattáraô  maytos ,  Sc  ^0  temerofo  encontro  inopinado^ 
pofcraõ  outros  em  eftado  ,  que  naó  tiveraõ  mais 

que  fazer ,  fendo  osChriíláos  muyto  poucos.  E  Com  efias  fo^ugada  foy  Valmtlla.  Eftando  El  Rey 
deita  maneyra  foy  tomada  Évora  por  Giraldo  fem  cm  Alcacere  depois  de  feytas  todas  as  couías  que 
pavor,no  anno  do  Senhor  de  mil  cento  &  íeflenta  atrás  ficaó  ditas ,  ao  qual  lugar  viera  ter  de  Coim- 
&  leis,  havendo  trinta  &  nove  annos  que  El-Rey  bra ,  andando  vifitando ,  6c  provendo  fuás  terras. 
Dom  Aííonfo  Henriques  Icnhoreava  Portugal,  como  era  tempo  de  guerra  :    fiiubeque  Cizirabra 
Por  efta  razaó  ,  &  em  memoria  defte  Giraldo  pri-  eftava  fem  gente  ,  &  que  facilmente  fe  podia  to- 
roeyro  Capitão  de  Évora,  tem  a  Cidade  por  divi-  mar,o  que  o  moveo  a  hir  logo  fobre  ella.êc  aíTini 
ia  ,  Sc  armas  hum  Cavalieyro  armado  a  cavallo,  a  tomou  fem  trabalho.  Edcyxando  fua  gente  cm 
com  huma  efpada  nua  levantada  ,  8c  duas  cabeças  Cizimbrafefoy  fòcomfeflentadecavallo  ,  Ôcal- 
cortadaSjhumado  homcm,Scaoutradehumamo-  gunsdepèa  ver  Palmella  ,  &  eftando  notando  o 
ça,como  diz  o  noflb  Poeta  no  oytavo  canto ,  oy-  ficio  da  terra,houve  vifta  do  Rey  de  Badajoz,  que 
tavaii.  Alguns  por  naó  iaberem  a  Hiftoria,  ven-  vinha  foccorrer  Cizinabra  com  quatro  mil  de  Ga- 
do efta  divifa  em  Évora ,  fingem  mil  invenções.  vallo,Sc  feflenta  mil  de  pé,fera  ordem  á  gram  preC- 
Outros  quelheparecequeacertaó,  dizem,  que  fa  ,  o  qual  com  aquella  pouca  gente  quetinhao 
aquelleCavalleyrohe  o  Bemavéturado  Santiago,  desbaratou,&:poz cm fug>da.Fczifto  tanto  temor 
&  aqucUas  cabeças  de  Mouros, que  matou  emía-  aos  que  eftavaó  em  Palmella  ,  que  logo  lhe deraó 
vor  dos  Helpanhoes,  A  verdade  ,  he  o  que  fica  a  Villa  com  condição  que  os  deyxafle  lahir  cm  íal. 
^tto»  vo  ,  o  que  El-Rey  fez  de  muyto  boa  vontade. 

Chamao  Poetaa  Cizimbrapifcofí  ,  por  fertem 
aonde  le  armaõ  grandes  pelcarias ,  aíllm  por  parte 
d^^El-Rey  como  da  gente  do  lugar. 


Q^  Lujiadas  de  Luis  de  Camões  Commentadosl 

Do  umetêf o  encontre  inopinado.  Ifto  dezia  porque  hog»  fegue  a  vittma  fim  tardança.  Ávidas  eílas 

o  Rey  Mouro  vinha  defcuydado  ,  parecendolhe  vittorias  dos  Mouros,  poz  cerco  a  Badajoz,  que 

que  Ll-Rey  Dom  Affonío  eftava  no  cerco  de  Ci-  era  da  conquifta  de  Leaó  ,  por  cftar  de  quebra 

2.imbra ,  &L  como  elle  tinha  efte  penfamento  ,  &  com  El-Rey  Dom  Fernando  leu  genro  Rcy  de 

feu  intento  naó  era  outro  íe  naó  foccorrer  a  Ci-  Leaó,&  a  tomou  facilmente, 

zimbra, caminhava  ícm  ordem. Pelo  que  vifto  por  §íae  a  fez  fazer  as  outras  companhia.  Diz  que  Ba- 

El-Rey  Dom  AíFonIo  ,  foy  fubitamente  lakeado  dajoz  fez  companhia  às  outras ,  que  tinha  tomado 

por  elle,  &  acommettido  com  tanto  tsforço,  que  aos  Mouros. 


lhe  pareceo  queeftava  Êl-Rcy  Dom  AfFonfoal- 
li  com  todo  leu  exercito  :  o  que  foy  cauíade  1Í3 
por  em  fugida  com  todos  os  feus. 

O  Rey  de  Badajoz  era  alto  Mouro^ 
Com  quatro  mil cavailof  furiofos , 
Innumeros^iÔes^  darmaSj  &  de  ouro 
Guarnecidos  >i  guerreirosj  &  luftrofos: 
Mas  qual  no  mez  de  May  o  o  bravo  touro 
Cos  ciúmes  das  vacas  rececfosy 
Sentindo  gent€ j  ohruto^  &  cego  amantCi^ 
Saltea  o  defcuydado  caminhante. 

Jnnumeroí  piões.  Gente  de  pé  fem  conto.  Atrás 
diflemos  como  trazia  El-Rey  de  Badajoz  quatro 
niildecavallo,&  feflenta  mil  de  pé,  que  he  o  que 
o  Poeta  aqui  diz. 

^^ 

DE  fia  arte  Affonfo,fuh\te  mofírado, 
Na  gente  da^  que  pajfa  bemfegurá^ 
Fere, mata  derriba  ãenodadOj 
Foge  o  Rey  Meuro^  &/ó  da  vida  cura: 
2)(?  hum  pânico  terror  todo  affembradOy 
Só  de  Jeguillo  o  exercito  frocura. 
Sendo  ejfes  que  fizer  aõ  tanto  abalo  j 
No  mais^  quefòjejfenta  de  cavalo. 

De  hum  pânico  terror  todo  ajjombrado.  Pânico  ter- 
ror chamaõ  os  Latinos  hum  medo  grande:  &  vem 
de  hum  fingimento  Poético,  oqualhe,  que  Pau 
(queelleschamavaó  Deos  dos  paílores)era  caufa- 
dor  de  todos  os  medos,&  fantalmas.  A  efte  propo- 
fito  le  trattaó  muytas  coufas  nas  Chiliadas  no 
adagio  Panicui  cafuti  Angelo  Policiano  nas  Mifce- 
Ianeas>cap.2  8. 

IOgo  fegue  a  vitoria  fem  tardança 
.s  Ogram  Rcy  incançavel  ajuntando 
Gentes  de  todo  o  Rey  no  ^  cuja  ufança\ 
Era  andar  fempre  terras  conquijtando: 
Cercar  vay  BadajoZi^  logo  alcança 
O  fim  de  jeu  defejo  pelejando 
Com  tanto  esforço,  &  arte^&  valentia^ 
^e  afez  fazer  às  outras  companhia. 


69 

As  o  altoDeos^quefara  longe  guarda 
O  cafiigo  daquelley  que  o  mertce^ 
Ou  para  que  fe  emmendeàs  vezes  tarda^ 
OuporftgredOi  que  homem  não  conhece.* 
Se  atè  aqui  o  forte  Rey  refguarda^ 
^os  perigos  a  que  ellefe  ofiferece^ 
Agora  lhe  não  deyxa  ter  defefa 
'Da  maldição  da  may^  que  efiava  prefa, 

^goralbe  nHo  deyxa  ter  dtfefa.  Porque  a  Cidade 
de  Badajoz  lhe  loy  tornada  a  tomar  por  feu  gen- 
ro,6c  elle  ao  lahir  pela  porta  contra  feu  genrxv<iue 
a  tinha  cercada,  quebrou  huma  perna  no  ferrolho 
da  porta ,  com  a  prcHa  ,  &  defatento  que  levava, 
como  fe  conta  nas  Chronicas  do  Reyno  ,  Ôí  o 
Poeta  na  oytava  feguinte. 

Q1)e  e fiando  na  Cidade^  que  cercar  a-. 
Cercado  nellafoy  dos  Leonefes^ 
Torque  a  conquifta  delle  lhe  tomara^ 
2)í  Leaõ fendo y  &  naõdos  Tortuguefes: 
A  pertinácia  aqui  lhe  cu  fia  cara, 
Afft  como  a  contece  jnuytas  veze^s^ 
^le  em  ferros  quebra  as  pernas,  indo  acefo 
A  batalha^  onde  foy  vencido y  &  prefo, 

^uee^ando  na  Cidade  efue  cercdra,  Efta  he  a  Ci- 
dade de  Badajoz. 

OFamofo  ^ompeyoy  naotepene 
De  teusfeytos  illueftres  aruina% 
Nem  ver  que  ajufta  Nemefis  ordene. 
Ter  teu  f ogro  de  ti  vitoria  tndina 
Toflo  que  o  Rio  Fafis,  ou  Syene, 
^e  para  nenhum  caboafombra  inclina, 
O  Beotes gelado^  t3  a  linha  ardente 
Temejfem  o  teu  no7ne geralmente. 

O  f amo  (o  Pompeyo  f)âotepene.Yoy  Pompeyo  R< 
mano  de  gente  nobiliflima.No  tempo  das  guerras 
civis  entre  Sylla  ,  &  Mário  ,  leguio  as  partes  de 
Sylla.  Fez  taes  coufas  nefte  tempo  ,  quemcreceo 
o  nome  de  Magno.  Depois  de  grandes  vittorias, 
&  triumphos ,  6c  demandar  Roma  muytos  annos, 

& 


CantoTerceyro, 


&  fer  taó  conhecido,  Sc  temido  no  mundo,  o  ven 

cea  feu  lo^ro  Júlio  Celar.  E  fugindo  deJIe  para 

o  Esypto  ,  Dionyíio  Ptolomeo  lenhorda  terrii, 

em  quem  cllecuydava  ter  muy  certo  valhacouto, 

o  mandou  matar  ,  como  conca  Plutarco  em  fua 

vida.  O  que  o  Poeta  aqui  niollra ,  he  a  pouca  le- 

ourança  das  couras,&  como  em  quanto  dura  a  vi- 

<la,nínguem  eftà  feguro  dos  contrafíes  delia.  Fal- 

]a  cm  Pompeyo ,  que  íoy  hum  Capitão  vaierolo:     emendar  lem  razaò  alguma ,  p©is  Lucano  naò  fez 


meyo diajfâõ nella taó direytós , que emneuhuma 
parte  ha  fombra  ,  como  diz  aqui  o  noílb  Poeta á 
imitação  de  Lucano.  O  qual  le  ha  de  entender, 
que  lucede  fóhuma  vezno  anno  ,  quando  tem  o 
Sol  por  Zenith:  que  hc  quando  efta  no  primeyro 
ponto  de  Cancro  :  porque  entaó  a  fnnibra  he  per- 
pendicular naquclla  parte.  E  aflim  o  cntendco 
L-ucano  ,  ao  qoal  Macrobio  ,  Sc  outros  quifciaó 


go  qual  coníola  em  lua  ruína  com  a  deícaida  do 
nofio  Rey  Dom  AíFonfo  Henriques.  Refere  as 
Provincias,&  lugares  que  lugeytou  ao  povo  Ro- 
n.ano  nefta  oytava,  6c  duas  que  le  íeguern  à  imita- 
ção de  Lucano  lib.  2:  cujos,  verios  ponho  abayxo. 


mais ,  que  apontar  a  particularidade  daquella  Ci- 
dade ,  deyxando  a  pontualidade  da  declaração 
a  quem  íe  entende. 

O  Bootes  gelado  ,  &  a  linha  ardente.  Por  Bootes 
gelado  entende  as  partes  do  Norte  ,  aondecíláa 


Nem  ver  iCjue  a  ]ujla  JSemefti  ordene,  A  Nemtlis,     conítellaçaô  Boote,  queheos  Sette  eítrello.  Por 


linha  ardente,  os  moradores  debayxo  da  Equino- 
cial ,  que  (aó  varias  Nações.  Do  Bootes  le  veja  o 
que ffcievemos  no  canto  I. oytava  zi.  '' 


chamada  por  outro  nome  Rhamnuíia  ,  do  lugar 
Rhamnuncc  em  Aíia,  onde  era  venerada,  fazem  es 
Poetas  filha  do  Oceano ,  &  da  noyte  ,  grande  ini- 
jnigado^mao?,  &  amiga  dos  bons.  Pnita-lecom 
humfreyo  namaõ  direyta  ,  &:  hum  covado  na  el- 
qucrda,para  nioítrar  que  devemos  fer  comedidos, 
éc  teu)perados,aflia)  nus  obras  como  nas-palavras. 
C-hniriírlhe  o  Poeta  juíla  ,  por  ler  tida  dos  antigos 
por  Deola  dajuíiiça.  E  daqui  lhe  der.  ó  o  nome     O  véo  dourado  eftende^fê  OsCapadoces^ 


1'^ 

1"^  Oflo  que  a  rica  Arábia^  ^  que  os  ferozes 
Eniocos,  &  QõUhos^  cuja  fama 


Nemefis  dc,nemeo,que  quer  dizer  deílribuir,por 
ler  leu  officiodar  a  cada  hum  o  feu.Attnbuhiaólhe 
tan)bein  aza>  nospés  ,  para  mofbâr  a  obrigação, 
que  05  iVhnJÍhos  da  Juliiçatcm  na  expedição  dos 
negócios.  Alguns  a  fazem  a  lortuna  :  6c  porque 
Adraílo  Rey  dos  Argivcs  lhe  fez  hum  Templo 
iumptuofojlhe  chamaó  Adraftia. 

Pofioíiue  o  frio  Pha^s,  ou  Sycne,  Começa  a  recon- 
tar o  grande  poder  que  Pon^pt  yo  teve,  6c  as  gran 


E  Judea^,  que  hum  T>tcs  adorado'  ama\ 
E  que  os  moles  Soferios^^  os  a  troces 
Cilícios ,  com  a  Armanta,  que  deriama. 
As  agoas  dos  ãous  rios^cuj,^  jonte^ 
Eji  i  noutro  mais  alto,&fanto  monte ^ 

Po/lo  (juea  rica  Arahia,  Ptolomeo, &  os  Antigos 
dit^idem  Arábia  em  Dcferta,  Felice,  Sc  Pétrea.  A 


des  vittoiídbque  alcançou  em  todas  as  partes  do  Deferta  tem  eíle  nome  por  fer  terra  herma  ,  6c  cf*- 
mundo, que  trebladou  de  Lucano  palavra  por  pa-  teril,  os  naturaes  lhe  chamaó  Beriará  :  &  a  Eícrit- 
vra,onde  Pompeyo  diz  eílas  palavras. 


Vars  mundi  mtbi  nulla  vacat,íedtota  tenetur 
Terra  meií^^uvcumc^ue  jacit  (uh  (olf,trofheif, 
fíínc  me  vicíorem geltdai  aU  Phafids  uudat 
AftUi  habety  cálida  medtm  mibi  cogmtmáxu 
t^y^ÍJfpto,atijMe  umhrai  nufxjuam  jicólenta  Sjene. 


tura  Sagrada  Cedar.  A  Felice  ou  beata  chamarão 
aíTim  pela  grande  abundância  de  cheyros ,  de  que 
os  homens  Icaproveytavaó  para  fuás  delicias  :  os 
quaes  como  punha©  íua  bemaventurança  nos  de- 
Icy  tes ,  &  bom  tiattamento  do  corpo  .  tinhaó  por 
bemavcnturada  a  terra  ,  que  lho  ajudava  a  ter  mi- 
mofo,'&  regalado,  comodizPlinio  liv.12.cap.18." 
Os  moradores  lhe  chamaó  hoje  Mamotta  ,  como 
Nenhuma  parte  do  mundo(diz  Pompeyo)íi^,  que  quer  Pinelo,&  nas  taboas  modernas  Ain^an.A  ter- 
naólaybamcunoine,  antcstodaa  terra  que  o  Sol  ccyra  le  chama  Pétrea  , a  que  os  Turcos  hoje  cha- 
toca  etlá  cheya  de  meus  tropheos.  O  Norte  me  maó  Barraab.  Veja-fc  a  noflà  Aunotaçaõ  nefte 
reconhece  por  vencedor ,  até  as  congeladas  aguas     meímo  canto,  oytava  25. 

dorioPhalo  :  ÔComcyo.dia,  que  cae  na  quente  E  tjue  os  fereces  Eniocof.  Saó  Eniocos  povos  de 

Egypto:8c  Syenc,  que  para  nenhuma  parte  dobra  Sarmacia  Aíiatica,quehoje  chamamos  Mofcovia, 
as  lombras.  Com  outros  verios  que  no  Poeta  eftâo  qiie  moraó  nas  faldrás  domar  ,  como  diz  Ptolo- 
tresladados  ,  como  fica  dito.  Phafis  he  hum  rio  ineo  nafegundataboade  Afia  ,  noíim.  He  gente 
muy  to  grande:  naccno  monte  Caucaío  nu  parte  fera,  pelo  que  os  Poetas  lhe  chamaó  feroces,  como 
do  Norte, pelo  que  lhe  chama  frio.  Pafla  por  Col-  aqui  o  nofíb  Camócs.  Colchos  faó  moradores  Je 
chos  Província  de  Afia,  que  hoje  fc  chama  Men-  Colchis,  de  que  trattàmos  atrás.  Nefta  Província 
gullia,iugey  ta  ao  Graó  Caó  Senhor  dos  Tártaros,  foy  Rey  Eeta  pay  de  Mtdea  táo  conhecida  por 
òyenehe  Cidade  do  Egypto,drt  qual  querem  ai-  fcyticeyra.  Aquicíleve  o  vellode  ouro  em  hum 
guns  que  naó  haja  mais  hoje  que  o  nome,  no  qual  Templo  de  Marte, taó  nomeado  naquelle  tempo, 
também  varcaó.  He  muyto  celebrada  pelos  Ef-  por  huma  das  pnncipacs  venturas  do  mundo. 
cnttorcs,  por  huma  paiticulandade  fua,  que  os  Aor)âç  d\ziC[u\oPotzr.BColcbos^  cuja  fama  e^en/k 
rayos  do  Sol  em  certo  tempo  do  anno ,  a  horas  de    c  velío  de  our»,  Vcja-fc  Ovidio  nas  Metamoi  phoíes 

•  lib.7,  S 


qS  Lu/iadas  de  Luh  de  Camões  Commentados], 

'.'  E  osCapaJâces,  Saõ  moradores  de  Capadócia,  todas  ascouías  grandes  ,  &  robuftas  nomeavâo 
parte  de  Nathalia,  que  hoiechanjamos  Turquia.  com  efte  ncme  dcTauro.  Efta  hc  a  razáoqueal- 
\  iudèa,  íjue  bumDcoia(ioraj&  ama.Hc]\iáéâi)âr-  guns  dáo  para  cfte  monte  fc  chamar  Tauro  ,  que 
te  daPaleítína  ,  que  a  Eícnttura  Sagrada  chama  he  hum  dos  mayores  do  mundo:porque  abraça  to- 
Tdefitm  Canaan ,  ou  Terra  de  promillaó.  Toda  he  da  a  Aíia,  deíde  o  Oceano  Oriental,  até  o  Septen- 
lugeyta  ao  Turco.  Nefta  Província  eítá  a  Cidade  trional,com  diíferentes  nomcs,conforme  as  varias 


de  Hierulalem,de  que  tractey  atrás 

Oi  wolUs  Sophenos.  Saõ  povos  de  Sopheno  Pro- 
víncia de  Suna.Saó  gente  molle, 6c  affeminada, co- 
mo lhe  chama  aqui  Camóes ,  ou  por  melhor  dizer 
Lucano  que  elle  imita. 

E  os  atrocci  Cthctos.  Os  moradores  de  Cilicia, 
que  hoje  fe  chama  Carmania.  Foy  Província  do 


Nações  por  onde  pafia,  conio  diz  Solino  cap.  y  i. 

Se  o  campo  Emathtofó  te  vio  vencido.  Emathia  re- 
gião de  Grécia  fe  chama  também  Thefialia  ,  Ôc 
Emonía.  Nefta  Emathia  junto  a  hum  lugar  cha- 
mado Phargalo  ,  foy  vencido  Pompeyo  de  Júlio 
Ceíarleu  logro,  como  conta  Apiano. 

O  genro  a  efie.  Pelo  que  fica  dito,que  Dom  Fer- 


povo  Romano,6c  muyto  rica  :  Ôc  nclla governou     nando  ReydeLeaó,?i  genro  d*El-Rey  DomAf. 


Marco  Tuliio.  He  gente  cruel  de  natureza,  pelo 
que  o  Poeta  lhe  chama  atroces. 

Arménia^  ojue  derrama.  Ha  duas  Arménias ,  ma- 
yor,ôc  menor.A  mayorchamaa  Efcrittura  Aram, 
&  nós  Turcomania,  lugey  ta  ao  Turco.  Nefta  eftá 
o  monte  Gordico  ,  aonde  dizem  eftar  a  Árcade 
Noé.  A  menor  chama  a  Efcrittura  Ararat,  ou  ter- 
ra Us  ,  como  quer  Arías  Montano.  Em  vulgar 
Anaduole,  Os  moradores  defta  região  faóChri- 
ft:âos ,  mas  guardaõ  os  ritos ,  &  ceremonias  difte- 
renres  da  Igreja  .Romana.  Por  Arménia  mayor 
paílaõ  dous  rios  taõ  nomeados  Euphrates ,  &  Ti- 
gris ,  que  a  Efcrittura  Sagrada  diz  que  nacem  no 
Paraylo  Terreal.  A  efte  lugar  chama  o  Poeta  aqui 
Monte  alto,  £c  Santo:  pelo  que  diz  o  venerável 


fonfo  Henriques  o  vencco  em  Badajoz. 


74 

T  Ornado  o  Rey  fub  lime  finalmente j 
1)0  atvino  luízo  cajtígado, 
depois  que  em  Santarém  Joberbamente, 
Em  vãf)  dos  Sarracenos  fcy  cercado: 
E  depois  que  do  Martyre  Vicente 
O  fanttjjimo  corpo  venerado t 
*Do  facro promontório  conhecido 
Aa  Cidade  yiyjjeajoy  trazido. 

Depois  cjue  em  Santartm.   Como  os  Mouros  ÍOU' 


Beda,&  outros  Autores  ,  que  he  taó  alto  o  lugar  berúodo  dcfaftred'El.Rcy  Dom  AíFonfo  Hcn 

aonde  cfteve  o  Parayfo  da  terra,que  parece  chegar  riques ,  &  como  fora  vencido  em  Badajoz  por  feu 

ao  Ceo  da  Lua.  Aonde  efte  Parayío  folie  naó  ha  genro  Dom  Fernando  Rey  de  Lcaó  ,  tomáraõ 

cerceza  :  pelo  que  alguns  querem  ,  que  o  naó  haja  oufadia  pnra  entrar  por  fuás  terrab:  6c  logo  no  an- 

totalmente  :  &:que  com  o  diluvio  fe  conlumio.  no  de  mil  cento  Scíettenta  6c  hum  fahio  Albora- 

Outros,  que  Helras  ,  6c  Enoch  cftâo  nclle  ,  6c  que  gue  Rey  de  Sevilha  por  antre  Tejo,  6c  o  Diana, 

haô  de  aparecer  no  tempo  do  Antichrifto.  Saõ  fe-  deftruindo  tudo  o  que  encontrava.  Depois  de  ter 

gredos  que  Deos  reícrvou  para  fí,  pelo  que  naó  ha  fey to  grande  eftrago  na  terra,6c  gente,  poz  cerco 
quecanlar  nelles. 


a  Él-Rey  em  Santarém. O  qual  não  podendo  fo- 
frer  táo  grande  atrevimento, fahio  aos  inimigos, 6c 

I  j     ^  ,  os  desbaratou  ,  íem  querer  eperar  por  El-Rey 

4         (    ^^^fi^4^^J^^  mar  de  Aiblante^     Dom  Fernando  fcu  genro  que  fabia  abalara  de 
^  Atê o  Scythico  TaurOy  monte erjiuidoy         Leáo cm  fcu  favor.  O  qual  Jabcndo  do  bom  luc- 

ceílo  d'El-Rey,fe  tornou  do  caminho  fem  o  ver, 
porque  ainda  náo  eftavâo  correntes  :  6c  aílim  não 
faltava  quem  difiefle  que  vinha  com  outra  ten-^ 
çâo.Mas  mandoulhe  recados  de  amizade,ôc  os  pa- 
rabéns do  fuccefio.  ^  JÊM 
Depois  cjue  do  Martyre  Vicente»  Dous  annos  depois W 
de  levantado  o  cerco  de  Santarém  ,  annodcmil 
cento  lettcnta  6c  três ,  foy  trazido  a  Lisboa  o  cor- 
E  pifto  em  fim  íjue  des  do  mar  de  Atlante,  Mar  de     po  do  Martyr  S.Vicente,  6c  pofto  na  Sé,  como  íe     ^ 
Atlante  he  propriamente  mar, que  paíla  por  Afri-     pode  ver  na  Chroníca  d^El-Rey  Dom  Aftoniom 
ca,aonde  o  monte  Atlas  eftà.Os  Autorts  ufaódef-     Henriques,aonde  fe  moftra  claramente  fer  aquel-  '■ 
ta  palavra  mais  largamente,6c  o  tomaó  por  todo  o     le  o  corpo  do  Bemaventurado  Santo  ,  que  alguns 
mar  Oceano  .  como  Cícero  no  fonho  de  Scipiaõ:     fem  razaôquizerão  contradizer.  jll 

Sacro  Promontório  conbtctJo,  Promontório  he  pa-  '■ 
lavra  Latina,  quer  dizer  ,  coufa  que  ameaça  por 
cima,  6c  porque  os  montes,  6c  rochedos  ao  longo 
domarlaó  deftemodo  ,  daqui  fe  chamarão  pro- 
montórios, 6c  cm  vulgar  cabos,  como  efte,  que  ^ 

fG 


75 
Tofto  emfim^qàefdo  mar  de  Athlantej 
.^  Atê  o  Scythíco  Tauro^  monte  erguido^ 
Jà  vencedor  te  vijjem^  naõ  te  e/jjarjte, 
Se  o  campo  Emathio  fó  te  vio  vencido: 
'Porque  A ffbnfò  verás  foberbo.zy  ovante 
Tudo  render ^^  fer  depois  rendido, 
AJJio  quis  o  concelho  altOjé'  celefle^ 
^e  "vença  o  jogro  a  tij&  o  genro  a  efte. 


Omntm  terram,  tjua  nobss  colitur  AtUnttco  marí,quem 
Oceanum  apptlUmus,  ctrcumfttndi.  Toda  a  terra  que 
he  habitada  dos  homcns,hc£ercada  do  mar  Atlan- 
tico,que  chamamos  Oceano. 

/ítè  o  Scythíco  Jauro, monte  erguido.  Os  Antigos  â 


Canto 
fe  chama  hoje  o  cabo  de  S.Vicente  ,  por  rcfpeyco 
^o  Santo. 

75 

POrque  levaffe  avante  fiu  defejo^ 
Ao  forte  filho  manda  o  lajjo  velho^ 
^e  as  terras  /èpaffa/e  de  Alem  Tejo^  j 
Com  gente ,  &  com  be  lligtro  aparelho: 
Sancho  de  esforço/£  animo  fobejo. 
Avante pajfatK^  faz  correr  vermelho 
O  Rio,  que  Sevilha  vay  regando^ 
Cofangue  Mouro^barbarOj&  nefando, 

Torqut  UvaJJe  avante  feu  Jefèjo.  Havendo  cinco 
annos,  que  Portugal  citava  em  ócio  ,  porhumas 
tréguas  que  El-Rcy  Dom  Afíonfo  Henriques  ti- 
nha feyto  com  El-Rey  de  Sevilha,  enfadado  elle, 
&  os  íeus  com  a  paz,vendo  que  os  iniq;iigos  da  Fé 
deChiiílo  andavão  á  larga  ,  &  hiaó  em  grande 
crccimento,couíaque  elie  muytoaborreciannan- 
dou  leu  filho  Dom  Sancho  ás  partes  do  Alentejo: 
O  Infante  partio  de  Coimbra  no  Mez  de  Julho 
<3e  1 178.6c  fazendo  pelo  caminho(depois  que  che- 
gou  às  terras  do  Alentejo)grande  eftrago  na  gen- 
t«,&  terra  dos  Moures,  (etoy  na  volta  de  Sevilha* 
Os  Mouros  de  Andaluzia,não  o  podendo  íoher,le 
ajuntarão  todos,^  fahirão  ao  Infante  perto  de  Se- 
vilha, maselleospozcm  deíbarato,  &  dizem  as 
Chronicas,que  toraó  tantos  os  mortos,  que  o  rio 
Guadalquibir,a  que  o  Poeta  chama  rio  de  Sevilha 
tinha  as  aguas  vermelhas  com  o  langue  dellci.Ha- 
vida  cila  vittona ,  o  Infante  fc  foy  ao  arrayal  dos 
Mouros,  aonde  achou  grande  ,  &  rico  deípojo  de 
ouro,&  prata,  &  outras  coutas  de  preço,  as  quaes 
todas  repartio  pelos  loldados ,  lem  lhe  ficar  couía 
alguma  para  fi. 

ECom  ejla  vitoria  cobiçofo, 
Janàodefcançaomoço,  atê  que  veja 
Outro  efirago^  como  eftâ^  temer  o  fo 
No  bárbaro j  que  tem  cercado  Beja", 
Nao  tarda  muyto  o  Trmcepe  ditofo^ 
Sem  ver  o  fim  dãquiiloy  que  defejãj 
AJJi  ejiragado  o  Mouro,  na  vingança 
Tie  tantas  perdas  põem  fua  efperança, 

E  tom  t(la  vittoria  cobiçofo.  Quando  o  Infante 
Dom  Sancho  paflbu  por  Alentejo  ,  levou  con- 
Cgo  alguma  gente  dos  lugares  por  onde  paílava,^ 
«Ic  Beja.dizem  as  Chronicas,que  o  feguio  muyta, 
pelo  que  ficou  a  terra  algum  tanto  falta.  Como  os 
jMouros  iílo  fouberaô  ,  foiaòihe  por  cerco  ,  mas 
CS  que  cftaváo  dentro  ainda  que  eraõ  poucos  )  a 
defenderão  com. muyto  csforço,aièqueo  Infan- 
te chegou,  aos  Mouros;  largarão  logo  o  cerco ,  &• 
foraó  desbaratados,  não  indo  com  o  Infante  mais 
e^ue  mil  &  quatrocentos  de  cavallo,  coiji  os  quacs 


Terceyro.  f^^ 

acudio  aBeja,deyxandoatrás  amaísgêntè,  pára- 
quco  íeguille,  o  mais  depreda  que  pudeílè  ,  mass 
quando  chegou,jà  o  Infante  tinha  os  Mouros  dei* 
baratados.líto  iuccedeoai8.dc  Abril  de  1179, 

_      77 

JA'  fejuntao  do  monte ya  quem  Medufâ^ 
()  corpo  fez,  perder^  que  teveoLeOy 
J  a  vem  do  promontório  de  Ampelufa^ 
E  do  Tinge ^  que  afftntofoy  de  Anteoi 
O  morador  de  AbUa  naò  Je  ejcu/a^ 
^e  também  com  fuás  armas  Je  moveo^ 
Aofom  da  Mauritana ,&  rouca  tuba^ 
Todo  o  ReynOi  que  foy  da  nobre  Juba^, 

Jd  fe  ajunta»  do  Monte  a  t^nem  Medafa,  Irados  râ 
Mourosjik:  eífomagados  contra  os  Chriítáos,pelo 
grande  eítrago  que  nellcs  faziaó  ,  valeram-le  dé 
todos  Teus  amigos.  Feio  que  Miralmuminim  Rey 
de  Marrocos  t-mperador  dos  Mouros  paílou  a 
Portugal  com  hum  podcrofo  exercito,  t.  ícnda 
ncíhis  partes  Ic/oy  na  volta  deSantarcm,aondc  o 
Infame  citava.  Pafibu  eíle  Mouro  o  Tejo  em  hum 
dia  de  S.Joaó  de  mil  cento  oytenta  &  quatro,  eoiu 
quarenta  mil  de  cavallo ,  &  quinhentos  mil  de  pé| 
com  a  qual  gente  fez  tão  pouco  ,  comocontao  as5 
Hiftorias  :  porque  loccorrido  o  Intante  por  feu 
pay,lahio  com  lua  pouca  gente,  Sc  os  venceo.  Fo- 
raó nclta  batalha  mortos,  ik  feridos  muytos, entre 
os  quaes  o  Emperador  morreo  de  huma  fenda  que 
houve  na  batalha.Eítas  coufas  conta  aqui  o  Poeta 
por  algumas  oytavas  elegantemente  :  pelo  que 
não  farey  mais  que  declarar  alguns  vocábulos  el* 
euros, para  os  que  não  faó  lidos» 

Do  monte  a  <juem  medula  ocorpofet,  perder^<jae  tevê 
o  Ceo.  Contáo  as  fabulas  que  Medufa  filha  de 
Phorco  ,  &  Letho  foy  huma  molher  muyto  fer^ 
mola  ,  mas  muyto  alpcra  para  agente.  Pelo  que 
lendo  requellada  de  muytos  a  nenhum  dava  ven- 
to,antes  os  elcandalizava.  No  numero  deítts  en- 
trava Neptuno  lenhor  do  mar.  Vendo  eíte,  que 
nem  promeflas,nem  rogos aproveytaváo  com  Me- 
duía,determinou  aproveytarfe  delia  por  qualquer 
modo  que  pudefle  ,  &  não  podendo  eíFeytuar  o 
que  pretendia  ,  le  não  no  Templo  de  Palias ,  alli 
poz  por  obra  feus  defejos ,  ficou  Palias  affrontada, 
fie  irada  com  efte  cafojpelo  que  convertco  cm  co- 
bras os  cabellos  de  Medula  »  com  que  parecera 
bem  a  Neptuno,  &  deu  a  léus  olhos  tal  qualidade, 
que  tudo  oqueolhaficm  fetornaflc  empedra.  Eí- 
tava  já  toda  aquelU  terra  cheya  de  pedras  ,  ÔC  já 
não  havia  couía  que  náo  fofle  pedra,pelo  que  acu- 
dio  Períco  filho  de  Júpiter  a  eltc  n)al,&  matou  el- 
te  moníf  ro,&  do  fangue  que  lhe  cahio  da  cabeça, 
le  levantarão  muytas  cobras  ,  de  que  ficou  toda 
aquella  terra  lemeada,de  modo  que  em  nenhuma 
pai  ledo  mundo  ha  mais.lflotocao  Poeta  no  can- 
to 5.oytavaii.  aonde falladc  Medufa.  Paliando 

N  depois 


oÇ  Lufiadas  de  Luís  dt  Camões  Commentadas, 


depois  por  Afnca,aonde  Atlas  rcynava,  como  lhe 
anoyteceíle  perto  dos  paços  d^El-Rey,  chegouie 
áporta,£c  pondolhc  diante  cujo  íiiho  cia,  lhe  pe- 
dio  pcuíada.hcou  tio  atemorizado  Atia^  com  lhe 
diztr  Perleo ,  que  era  filho  de  Júpiter  (poiquc  ti- 
nha ouvido  do  Oracuipjque hum  filho  ue Júpiter 
havia  de  ler  caufa  de  íua  deftruiçáo  ;  t|ueonáo 
quiz  agazalhar.  Sentido  Perreo  diíto,  dekobno  o 
roílo  ua  Medula  ,  que  unha  efcottdjdo  ,  fcí  pcJp 
diant,e  de  Atlas  ,  o  qual  em  o  vendo  ficou  tey to 
iiionie.  iLÍta  tabula  conta  Ovídio  nas  ívlctomor- 
pholeslib.4.  Daqui  levancão  o^  Foetas  outras  Ic- 
inelhanteò  mctntiras  ,  que  Atlas  erahumhomeia 
grandtí  de  corpo ,  5c  muyto  forçol©  ,  pelo  que  ci- 
nhaoCcoâscoílaSj&queeílecaítigo  ihc  deu  Jú- 
piter por  fe  levantar  contra  elle  em  coíBpanhia^ 
dos  Gigantes,  para  o  lançar  do  Ceo,  a  pedimento 
de  íua  mulher  Juno,  como  conta  Higinio.  A  ver- 
dade difto  he,  que  Atlas  foy  grande  Altrologo,  & 
por  eíla  razão  hngiráo  os.  Poecas,  que  tinha  u  Ceo 
as  cofias  ,  porque  continuamente  eílava  com  os 
olhos  nelle,coníiderando  o  curlo  dos  Planetas,  & 
maiseílrtllas.  De  Atlas  convertido  em  moiue,ôc 


78 

ENtrava  com  toda  íjfa  companhia^ 
O  Miralmumine  ffm  'l^ortugal. 
Treze  Reys  Mouros  leva  de  valta^ 
J^ntn  os  quaes  tem  o  Ceptro  imperial: 
E  affifa&enão  quanto  malpoãm^ 
O  que  em  partes  podia  fazer  mal, 
^Dom  Sancho  vay  cercar  em  Santarém^ 
'Forem  nuò  lhe Jtíc cede  muyto  bem. 

Entrava  com  toda  e^a  companhia. Mir^XwMmmm 
íe  ha  oe  lerj^kelcrcvcr.hc  paUvia  Arábiga,  quer 
dizer  Princepedos  Scientes.  h.íla  alcunha  le  poz 
bum  !\bedrainonda  geração  dos  Caliphas  de  Da* 
malco  por  autorizar  lua  pclloa.Sc  adquirir  gentes, 
que  o  IcguUlem  ncítas  partes  de  Berbéria  ,  aonde 
íe  recolhco  com  alguns  parentes  ,  &  gente  lolta, 
que  o  lejíuio  ,  fugmdo  da  fúria  de  Abedela  novo 
Calipha.Òsque  Um  Miramulim  he  corruptamen- 
te, iiífe  AbedrajDon  drzem  que  fundou  a  Cidade 


que  monte  fcjale  veja  a  noílaannotaçâo  no  canto     de  Marrochos  paralVletropoli  ,  &cabeçadeleu 


i.oytava  z. 

lavem  do  promontório  de  /ímpelufa.O  Promontó- 
rio Ampclula  hc  entre  Ceuta  ,  Ik.  Tangere  ,  cha- 
ma íe  hoje  a  ponta  de  Alcaccre-  Dizie  Ampeluía 
pelas  muytas  vinhas  que  tem, porque  ampelos ,  he 
:i  vide.  Ortelio,ÔC  outros  lhe  thamáo  cabo  de  ti- 
partel,  Olivario  labrc  Pomponio  Mela  ,  cabo 
Cantono.  Os  Portuguczes  ponta  deAlcacere.  A 
Icrralc  chama  hoje  ferra  Ximera.  As  vinhas  nâofe 


cíUdo  ,  pelo  que  ficou  Rey  de  M arrochos  ,  6c 
Empcrador  dos  Mouros  ,  o  qual  vendo  o  grande 
dano  que  El- Rey  Dom  Aíi^onlo  Henriques  fazia 
nos  Mouros  de  Hefpanha ,  &  os  queyxumcs  que 
cada  dia  hiaó  delles  ,  porque  o  finhaó  por  leu  Se- 
nhor,&;  amparo,  determinou  entrar  cm  Portugal, 
&  foy  com  gente  lem  conto  ,  &  com  treze  Reys 
Mouros  comíigo  ,  2í  depois  de  ter  fey  to  grandes, 
males  na  terra ,  foy  cercar  o  Infante  Dom  Sancha 


79 


cultiváo,  por  eítarem  entre  Ceuta,  &  Tangere,  cm  Santarém,  do  qual  foy  desbaratado  ,  Sc  nior- 
aondenáo  vivegente,porqueolngareftâde  rodo-  10  ,  como  fica  diiio  oytava  76. 
delabitado,por  ler  ác  pouco  provey  to,  com  tudo 
pelas  icrras  ha  muytas  parreyras  ,  &c  cepas  de  vi- 
nhas feytasmortoriQ,  aqui  andaõ  continuamente 
JVl ouros  fazendo  todo  o  mal  que  podem  po«cr« 
ra,&  por  mar. 

E  dt  Itngt  «fue  ajjento  foy  àt  i^wíco.Tingc  he  a  Ci- 
dade de  Tangere,  fugeyta  aos  Reys  dê  Portugal,     ^,„^  fecretaUrtéte  forçofo: 


DAlhe  combates  a/peros  afazendo 
Ardis  de  guerra  mil  o  Mouro  trofi^ 
NaÔ  lhe  aprovyeta  ja  trabuco  horrèd& 


I 


ôc  da  qual  a  Mauritânia,  quecomprendeos  Rey» 
nos  de  Fez ,  &  Marrochos ,  Ic  chama  Mauritânia 
Tingitana.  O  pnmeyro  fcu  fundador  dizem  que 
foy  Antco,  como  diz  Soli.no,pJinio,6c  Pomponio 
JMela  no  lugar  allegado. 

O  morador  de  Ainla  não  fe  tfcufa.  O  morador  de 
Abilabeo  morador  de  Ceuta.  De  Abila  fica  dito 
ncl\e  canto  oytava  18. 

Todo  o  Rtynocjuefoj  dgncbre  lu(^a.  Juba  como  diz 
Sobno  toy  icnhor  das  duas  Mauntanias  ,  Tingi- 
tana ,  &  Celarien{e,nas  quaes  íccomprendem  os 
Rcynos  de  Fez,  Marrocos ,  TremeíTcm  ,  &  ou- 
tros ,  das  quaes  partes  drzaqui  o  Poeta  que  foy 
muy  w  gente  com  oMiralmuramin). 


Torque  0^ filho  de  Affonfoy  nadperdend» 
Nada  do  esforço ^&  acordo  generofi^ 
ludo  prover  com  animo ^^  prudência^ 
^ie  emtodaaparte  ha  esforço jò  rejiflenciai 

Trabuco  horrendo.  He  hum  inftru  mento  dcgucr- m 
ra  chamado  pelos  Latinos  bah^a  ,  de  huro  ver- J| 
bo  Grego  bailo  ,  que   quer  dizer  arremeífar, 
porque  tira  pedras ,  cadeas  de  ferro  ,  kttas  ,  6c 
tudo  o  que  lhe  mcttem  dentro  ,  como  diz.  Vcgi-j 
cio  ,  6<  Vitruvio.  ji 

Antte  forçofo,  He  vay  ,  &  vem  ,  iílílrunien-:*! 
rode  guerra  ,  chamado  arietc  ,  que  quer  dizer 
carneyro  ,  porque  a  modo  dsc  carueyro  marrt^' 
COíu  us  muros  paru  os  derribar. 


Mi 


im 


Canto  Terceyro, 


99 


8o 

MAs  ovelho  j  a  quem  Unhão  jâ  obrigado 
Os  trabalhos  os  annos  ao/ojfego^ 
Eíiando  na  Cidade^  cujo  prado 
Enverdecem  as  agoas  do  Mondego: 
Sabendo  como  o  filho  eftã  cercado^ 
Em  Santarém  do  Mouro j  povo  cego. 
Se  parte  diligente  da  Cidade  j 
^le  não pírãe  apreftez,a  com  a  idade, 

M»s  o  velho.  Efte  he  E,l-R.cy  Dom  AfFonío 
Henriques,  o  qual  citando  em  Coimbra  por  onde 
patía  o  1 10  Mondego  ,  como  íoube  do  cerco  do  rt- 
lho,acudio  com  prcfteza,  cuja  chegada  foy  caula 
da  delt-ruiçáo  dos  Mouros  ,  os  quaes  havia  cinco 
diab  nnhàó  poílo  ao  Infante  Dom  Sancho  cm 
j»rândiiiimo  apercocom  combates  concinaus. 

8i 

ECo'  afamo fa gente  â guerra  ufaday 
Vay  foc  correr  o  filho  ^^  affljuyitadoSj 
Apor tu^ue [afaria  coflumada, 
F^m  breve  os  Mouros  tem  desbaratados: 
jícampin«ty  que  toda  eflà  qualhada 
U^e  mar  lotas  j  aptízies  variados  j, 
*De  c^valloSyjaez^es^  prefa  rlca^ 
''JJeJeâs  fenhores  mortos^  chea  fica, 

Ec0  a  f amo fa  geníe^G Qnttí^ãmoCn,  entende  grcn - 
te  iIluítre,Sc  digna  de  fama  ,  &  honr:i.  No  tempo 
<le  Tullío  eíta  palavra  famofut  fe  tomava  fempre 
cm  má  parte  ,  por  couia  infame.  Dondeahuma 
pefloa  perdida,Sc  infa-nc  chamaváo  famoí*,  como 
eftaó  cheyos  os  livros.No  tempo  de  Plinio,  Sc  ou- 
tros mais  modernos  fe  ufou  tambein  em  boa 
parte  ,  como  aqui  o  Poeta. 

8l 

LOgo  todo  o  reflante  fe  par  tio 
''De  Lujitania^poflos  em  fugida; 
I  O  Miralmuminifó  naõ fugiot 
\  forque  antes  defugir^  lhe  foge  a  vida: 
\  A  quem  lhe  efla  vhoria  per  mil  io, 
^ao  louvores ^^ graças  fem  medida^ 
^e  em  cafos  taò  eftranhos^  claramente 
Mats  peleja  o  favor  de  "Ueosy  que  agtnte: 

Port^ue  antes  de  funir  lhe  foge  a  vida.  lílo  diz  por- 
que antes  de  fugir  foy  moi  to  pelos  noflos ,  como 
dizem  as  ehronicas,ík  fica  notado  atrás. 


85 

DE  tamanhas  vitorias  triunfava 
O  velho  Ajfonfo  'trincepe  fubido^ 
aluando,  quem  tudo  emjim  vtncendo  andavn 
'Da  íarga^^  muyta  idade  foy  vencido: 
A  pa Ilida  doença  lhe  tocava 
Com  fria  mão  o  corpo  enfraquecido, 
E  pagâraó  Jeus  annos  aeftegeytOt 
Aa  trtjie  Libifma  Jtu  dtreyto, 

A  pallida  doença  íhe  tocava.  O  fclicilíimo  Rey 
Dom  Aífonío  Henriques  Keyde  Portugal  ,  do 
qual  por  algumas  oytavas  deite  canto  ferceyra 
havemos  trartado, tocando  lómente  algumas  cou- 
ías  ,  que  íè  naó  elcufavaó  para  entendimento  do 
livro,  viveo  noventa  6c  hum  annos,  dos  quaes  de- 
'/oyro  eíteve  debayxo  do  poder  de  leu  pay  o  Con- 
de Dom  Henrique,  &  vinte  &  lecte  ceve  o  titulof 
de  Princepe  depois  da  morte  do  pay,  até  que  ven- 
ceo  os  cinco  Reys  Mouros  no  campo  de  Ourique; 
&  antes  de  ledar  a  batalha  foy  levantado  por  Rey, 
no  qual  cargo  vivco  46.  annos.  Falleceo  aos  feis 
di.is  do  mt  z  de  Dezembro  de  mil  cento  oytenta  6c 
cinco  annos  ,  anno  £v  meyo  depois  que  ò  Miral- 
muminim  cercou  Santarém.  Mcrreo  eítc  Santo 
Rey  de  (ua  natural  doença  ,  6c  demuyto  velho, 
(como  diz  aqui  o  Poeta,uiando  de  términos  Poeti, 
cos)  etn  Coimbra  ,  Sc  foy  enterrado  no  Moíteyro 
de  Santa  Cruz,cm  hum  monumento  de  pedra  chã, 
o  qual  Mofteyro  elle  novamente  fundara  ,  t^  do- 
tara largamente  ,  6c  ao  qual  tinha  íingulardcvo- 
çaò.A  qual  ícpultura  El-Rey  Dom  Manoel  man- 
dou tirar,  &  por  em  outro  lugar  mais  convenien- 
te a  taó  alto  original  feu.  PalUda  fe  chama  á  doen- 
ça,que  quer  dizer  amarelb  ,  pelos  effcytcs  que 
nos  corpos  faz^  que  he  fazelos  amarellos.  Lyby- 
tinahe  a  que  por  outro  nome  os  Poetas  chamaõ 
Proferpina,  mol herde  Plutaõ  fenhordo  Inferno.' 
A  cfta  triftc  cala  tinhaô  por  certo  os  Antigos  to- 
dos os  qhiaó,  masque  havia  lugares  de  pena  para 
os  mãos,  &  lugares  de  detcanço,  aonde  moravap 
os  que  neíla  vida  viverão  bem  ,  ás  quaes  partes 
chaoiavaó  campos  H^lifios  ,  por  ferem  delcytofos, 
&  fora  de  eniadamentos  ,  &  trahblhos.  lllo  he 
aqui  o  que  diz  o  Poeta  ,  para  dizer  que  falleceo  o 
Bemaventurado  Rey  Dom  Aftonfo  Henriques, 
diz  que  pagou  feu  tributo  à  triíleLibitina  ,  fal- 
iando  con^^o  Poeta.  Confideradaa  liçaô  dos  Poe- 
tas antigo^',  acho  que  Libitina  era  a  mcfma  que  os 
Poetas  chamaõ  Vénus,  lenhora  das  graças,  &  ga- 
lantnrias  ,  a  qual  afTim  como  para  os  vivos  lhe  at- 
iribuhiaóeíledom,alTim  a  pintavaô  prefidenteda 
morte  ,  &  que  no  feu  templo  fe  vendiaó  todas  as 
coulas  para  as  exéquias  dos  defuntos  :  dando  por 
eíles  rodcos  a  entender  a  fraqueza,  6c  pouca  dura 
da  vida  humajia  ,  pois  a  mefmaque  nos  princípios 
da  vida  ajudava  ,  6c  favorecia  aos  homens,  6c  era 

Na  caufi 


IQQ  htifíaâas  de  Luls  de  Camões  Cttmm enfados', 

cauia  cie  muytos  goíloSjSc  paflatcmpos,  lhe  tinha     Eu  vi(diz  Lucrecio)lugare3  que  refpondiaó  a  hu- 
rreftesj  &  aparelhados  os  liiítrumentos,  Sc  petre- 


chos necellarios  para  alcgultura,como  dizCelio 
Rodiig.  lias  luaj,  lições  antigas,Uv.<>.cap.i8, 

84 

O  Saltos  fromontorios  o  chorar  ao  j 
E  dos  nos  as  agoas  faudojas ^ 
Osjetneados  campos  alagarão, 
Com  lagrimas  correndo  piado/as  : 
Mas  tanto  pelo  mundo  Je  alargarão^ 
Com  fama  Juas  ohras  valer  ojas^ 
^efempre  nojtu  Rtyno  chamarão, 
^jfonjoy  Afonfo  os  eccos,  mas  em  vão. 

Otaltoi  Promontórios  o  cbonirao.  He  teimo  defal- 
}ar  n/uyto  uí"ído  dos  Poetas  ,  para  encarecimento 
do  que  trartaó  ,  como  tez  Virgílio  napriuKyra 
Egloga  ,  aonde  introduz  Melibco  paílor  era  no- 
me dos  Mantuano» ,  falando  com  Tytiro  outio 
paítor  ,  que  le  alli  coma  pelo  nieímo  Virgílio, 
moltrando  o  grande  gollOj&  contentamento  que 
toda  a  gente  de  Roma  tinha  com  a  convcrfaçaó  de 
Virgilio,ôc  como  c5  fua  aulcnciaeftava  tudo  triftc. 

TytirHí  hinc  ahrâtyipfa  te  Tytire  pinus^ 
ipfi  te  fintei  Jp/a  h^sc  aibufta  vecahm. 


ma  vóz  leis  &  lete  vezes  ,  o  que  procedia  dos  ou- 
leyros,  ÒC  concavidades  da  terra,  que  termao  o  ní 
relia  ,  &  naó.podendo  paflar  adiante  ,  tornavió 
í.trás,  contóriíie  aos  iugarts,  com  que  Ic  encontra* 
vaójafliin  rcij  ondiaó.  Vejale  Piíniono  lugar  alie» 
^ado. 

S  Ancho  for  te  mAncebo^  que  ficara 
Imttandofeupay  na  valentia^ 
E  que  emjua^oídajã  je  exprtmentàra, 
^ando  o  Bethts  aejangueje  tingia: 
E  o  brabopoàer  desbaratara 
^Dolfmaeltta  Rey  de  Jndaluziay 
E  mais  quando ^os  que  Beja  em  vão  cercãraS 
Os  golpes  dejeu  braço  em  vao  provarão, 

aluando  Bethis  de  fangue  fe  tingia.líío  diz  pela  ba- 
talha que  Doin  Sancho  deu  aos  Mouros  junto  a 
Sevilha,  aonde  houe  tanta  mortandade  ,  que  o  rio 
Bethis,que  he  o  de  Guadalquibir.tinha  fuás  agua» 
vermelhas  com  o  langue  dos  muytos  Mouros  que 
relle  cahiraó,  como  atrás  fira/dito  neftemeímo 
canto.  ^  E  mais  cjuando  os  ejue  Jieja  em  vaÔ  eercÁraU 
líto  íica  iiattado  ncílc  mcliiiO  canto, oytava  75. 


86^ 


Efolsquefoypor  Rey  a  levanta  do  ^ 

Havendo  poucos  annos  que  reynava 

jí Cidade  de  Sylves  tem  cercado% 


Tytiro  diz  Milibeo  naõ  eftava  Roma  contente, 

nem  moíiravater  golto  perfcyto,  porq  lhe  a  voz 

faltaveis,os  pinheyros,as  fontes,  5c  as  arvores  lol- 

luçavão ,  &  choravaó  por  vòh.  Entende  pelos  pi-     ^^y^,  campos  í  bárbaro  lavrava: 

rbeyi  os  os  principaes  da  terra,peias  fontes  os  Le-    p    ^^^  valentes  e entes  ajudado 

trados.Sc  Poetas,pelas  arvores  a  mais  Pente.  Aílim     ct<  r^  ^       ^*   /r^«,^ 

cnofloPoeta  aqui  pelos  Promontonos  entende    'DaGermamaarmaaa,  mepajfava, 

osprincipaes.aíTimde  feu  Reyno,como  de  outras     ^^  armas  fortes, &  gente  apercebida 

partes.ôc  pelos  rios  todas  a.  mais  gentes,quc  a  mo-     -^  recobra  Judeajâ  perdia- 

do  de  liosandaõ  neíla  vida» para  huma  parte 


I 


& 
outra. 

^ffonfò,^ffonJhyOi  echos^mas  tm  t'flíi.Echo,he pa- 
lavra Grega  ,  que  propriamente  quer  dizer  vós  de 
icheo,qucfígnilica  loar.  Entrenós  propriamente 
le  toma  peio  retorno  de  noíla  vós  ,  o  queluccedc 
da  natureza  do  lugar  aonde  bradamos,  que  indo 
retumbando  a  vózpor  cntreouteyros ,  &valles, 
ferindo-íe  o  ar  com  a  voz  ,  torna  anos  amefma 
voz,  &  houvimosos  ulrimos'ancntosdaspnlavras 
t^ue  difiemos.  A  fabula  de  Echo  convertida  em 
vóz,  Sc  depois  de  vóz  tm  pedra,  conta  Ovídio  nas 
Wetamorphofes  liv.  5.  &  ha  lugar  aonde  o  echo  da 
icoz  reíponde  Ictte  vezes  ,  como  diz  Phnio  liv.  ^. 
cap.  1  ^.  Sc  Lucrécio  Poeta  antigo  Usz,  que  e!le  v  10 
fcfte  lugar  com  feus  olhos  ,  acmde  o  echo  ahuma 
voz  fua  refpondia  leis  &:  íctte  vczcí»: 

^ex  etiam,ac  feptem  loca  vtdi  reddert  vocet 
Unam  cum  taceres;tta  coíUs  colithus  tpft» 
Verlhi  refulfantet  iterêhaHt  dicla  refcnu 


A  Cidade,  de  Sylves  tem  cercado.  A  nove  dias  à» 
mczde  Dezembro  de  mil  cento  oytenta  &  cinco, 
três  dias.dcpois  da  morte  d^Ei-ReyDom  Aflron- 
fo  Henriques  ,  foy  fcu  íâlho  o  infante  Dom  San- 
cho levantacjo  por  Rey  na  Cidade  de  Coimbra, 
por  todos  os  nobres  do  Reyno  ,  &  com  todas  as 
ccremonias ,  6c  folemnidsdes  coítumadas ,  fendo 
de  idade  de  ji.annos,  porque  naceo  cm  Coimbraa 
onze  de  Novembro  de  1154.  EfteRcy  Dom  San- 
cho cercou  a  (Jidade  de  Svlves ,  vefpcra  de  Santa 
Maria  Magjalcna  a  22.de  Julho  de  1 190.  a  qual  to- 
mou com  aiudatff  ?|vims  Eilrangcyroi ,  que  com 
cinCof  nta  &:  três  velas  aportarão  a  eílas  partes 
com  hurra  grande  tormenta  que  lhe  deu, que  para 
eíle  R(  yno  naó  foy  tormenta ,  fe  naó  huma  gran- 
de mifericordia  do  Senhor.   As  Chronicas  andaó 
erradas  na  era  do  Senhor ,  as  quaes  dizem  que  foy 
ifto  noannodc  1199.  naó  lendo  íenaónode  1190,' 
como  fica  dito.  Eíles  Cavallcyros  Elhangcyros 
hiuô  cm  companhia  du  Empei  i»dor  Fcdciito,  cha- 
mada 


Canto  Tercppo]  loi 

iTiado  por  alcunha  Rarbaroxa,  que  por  efta  razaó     te Ihcfoy  entregue  Hierufalem  a  partido  ,  haven- 
Ihc  chama  o  noílb  Poeta  na  oytava  icguintc  Ro-     do  oytenta  6c  oyto  annos  que  eftavn  em  poder  di 


Xo  Fcdcrico  ,  a  conquiftar  %  Terra  banca  ,  que 
Guido  i.uligniano  ícu  ultimo  Rey  perdera. 

87 

PJfavão  a  ajudar  na  (anta  empreza 
O  roxo  Feder icOi  que  moveo 
O  poder  o fo  exercito  em  defefa 
*Pa  Cidade,  onde  Chriflopadeceo: 
liando  Gui do  co'  agente  em  feàe  acefa 
Ao  grande  ãaUdinoJet  endeo^ 
No  lugar  onde  aos  Mouros  fobejavãí 
As  agoaSy  que  os  de  Gutdo  de/èjavào. 


Chníláos.Efta  he  a  ícde  de  que  aqui  íala  o  Poeta. 
Com  eila.nova  taó  triite  para  a  Chriílandade  o 
Emperador  Fedcnco  ,  ainda  que  velho  determi- 
nou ajuntar  todo  fcu  poder  para  cobrar  a  Hicru- 
laicm,  6c  o  mefmo  íizeraõ  os  Hcys  de  França,  In- 
glaterra,5c  outros  mu yto  Senhores ,  os  quaes  ain- 
da que  tomáraó  muytos  lu^^ares  na  Aíia  ,  &  por 
niuyta»  vezes  delbuniraó  osinmiigos,  todavia  a 
Terra  Sanca  ficou  cm  poder  dos  inheis  ,  porque 
Fedcrico  que  era  a  cabeça  do  exercito  morreo 
afogado  em  huííl  rio ,  aonde  íe  meteo  para  íe  lavar 
aos  dez  dias  do  mez  de  Junho  de  mU  cento  &  no- 
venta. Houve  depois  dillo grandes  diíTençóes  en- 
tre EUKcy  de  Frmça.ííc  Inglaterra,  que  toy  cau- 
íâ  de  líto  naó  hir  avântc,como  em  muy  Cás  ríiílo* 
nas  ie  conta. 


88 


NX  As  afermofa  armada^que  viera, 
'  \  ToY  conttafte  4e  vento  àqueíla  parte^ 


§iua»iIo  GuUê  cei^  a  gente  em  fe/ie  acefa.  A  Cidade 
de  Hieruialem  foy  tomada  aos  Mouros  no  anno 
de  1099.  havendo  noventa  que  eílava  tm  poder 
de  infiéis  ,  a  qual  fe  tomou  por  Princepes  Ciiiil- 

táos  ,  que  paraeíleefícyco  fizeraó  liga.  Entre  os 

quaes  hia  hum  Capitão  valercliflimo  Duque  de  Sancho  quiz  ajudar  na  guerra  fera, 

Lotharingia  ,  a  que  os  Latinos  chamaô  Goifre-  y^  ^^^^  ^y^  ferviço  va\  do  Janto  Marte: 

do  ,  fie  os  Hcfpanhoes  Gudufre  de  Bulh-^ó.  De-  >^^^^^^  afeupay  acontecera, 

pois  de  ganhada  a  Terra,  com  tanta  mortandade  ^f      j^  */  ^/  1  :.í,^^  x/.«  *»»^/;«^ -«*^ 

\    ■  c  r  a\^..  .^.,«  ^  ro.,,..w>  ia  guando  tomou  Lisboa jaamejma  artCi 

de  iníieis,que  dizem  os  Autores  que  o  langue  da-  ">-.  j     k-  t       ^ 

va  pelos  artelhos  ,  todos  de  commum  coníenti-  T>u  Germano  ajuaado.òylvestor^a, 

mento  levantarão  por  Rey  a  eíle  Gudufre  de  Bu-  Eo  bravo  morador  deíiroe^^  doma. 
ihaõ,porfer  Varaóexcellcntiflimo,  ôcf^zendolhe 

cm  Bethlem  fuás  ceremonias,3c  lolemnidades,por         Santo  vVfjffí.Santa  guerra,porquc  Marte,  a  qud 

nenhum  cafoquis  coníentirquc  lhe  puleílem  na  os  Antigos  tivcraó  por  Dcosda  guerra  ,  íetoma 

cabeça  huraa  coioa  deouro,dando  por  razaó  que  niuytas  vt-zes  pela  meirna  guerra.  Chaaia-feguer- 

naó  era  decente  ler  clic  coroado  com  ouro,  aonde  ra  lanta  eíta,  que  os  Ch;  iftãos  emprendiaõ  contra 


Chriíto  fora  coroado  com  efpmhos.  Depois  deite 
Gudufre  de  Bulhaó,houve  oyto  Reys:  Balduíno 
primcyra^  Balduíno  fgundo  ,  Falcaò  Balduíno 
tcrccyro,  Almeiico  Balduíno  quarto,  Balduíno 
quinto  o  minino ,  a  que  chamarão  afilm  os  Auto- 
res,porque  morreo  menino ,  &  Guido^que  a  pcr- 
xleo,  como  contaremos.  Tendo  Saladino  Soldaó 
do  Egypto  pofto  cerco  a  Tyberiade ,  Cidade  do 
Conde  Raynmndo,  determinou  Guido  JLuíigni- 
tno  Rey  de  Hierufalem  lahir  a  pelejar  com  Sala- 
dino, com  ajuda  de  Boemundo  Conde  de  Antio- 
chia,&cdo  Conde  de  Tripoli, ic  de  outros  Senho- 
res. Como  a  nova  da  fahi.la  deites  Princepes  che- 
gou a  Saladino,levantou  logo  o  cerco  á  Cidade,  & 
foy-fc  também  cm  bulca  dos  Chriítáos.  K  porque 


os  podliidores  daTerr^  Santa. 

Al[i  C0mo  afeu  pay  aconttcera.  Atrás  trattcy  nef- 
te  canto  ,  como  coíh  ajuda  de  huma  armada  da 
Altmanha,  Inj^latcrra  ,*éc  França  foy  cercada,  6z 
tomada  Lisboa. 

F^  Se  tantos  trofeos  do  Mahometa^ 
y  Alevantando  vajy  também  do  forte 
Leonez^naõ  confente  eftar  qutrtaj 
A  terra  ufada  aos  ca/os  de  Mavortei 
Até  que  na  cerviz/eu  Jugo  meta 
"Da  foberba  Tuiy  que  a  mefma  forte, 
Vio  ter  a  mnyt as  filias  Jua^  vizinhas^ 


a  Terra  he  de  poucas  aguas,tomou  Guido  o  cami-    ^e  por  armas  J u  Sancho ^  humtldestinhasi 
nho  muyio  aprcílado  com  lua  gente  por  ic  apro- 


vcytarde  certo  lugar  que  tinha  agu:i  ,  mas  por 
niais  preflâ  que  fc  deu  ,  já  os  inimigos  quando  ci!c 
chegou  tinhaó  ganhado  o  lugar  ,  do  qual  nunca 
Guidoospode  lançar  fór-i,  K  como  a  fua  gente, & 
Oscavalloshiaó  canfados  do  raminho,  5í  muvto 
mal  trattados da  iede,  a  provcvtoulc  SaUnimo  def- 
ta  occaíia6,&  dando  batsiha  aus  Chnítáos  os  vcn- 
cco,  &  prcíiucoa  El-Kc)  Guiuo,  líto  foy  nu  armo 


E  fe  tantos  tropheês.  Da  fugida  dos  inimigos  que 
k  chama  em  Gi  ego  tropi ,  fe  chama  tropheo  o  fi- 
nal que  íe  punha  cm  ilgum  lugar  em  memoriada 
lua  fugida.  Vcja-fc  o  que  efcrevemos  non  canto 
priíuí^yrn. 

Tamhfm  eltt  forte  Licntz„\^o  diz  porque  El-Rey 
Dom  Sancho  tomou  a  El- Rey  Dom  AfFonío  de 
Lciu  a  C!)idadede  Tui.l^once  vcdra.Sí  Sampayr,8c 


de  i  ib6.&  W^Q  no  aano  fegumce  de  oy tcnu  5c  íèt.    outros  lugares  de  Galiza  ,  de  que  fcmpre  íóy  fc. 

nhor  em  quanto  viyeo.  ^í 


102 


90 


As  entre  tantas  palmas  /alteado 


JV  J  ^a  temer  o ja  morte  ^  fica  herdeyro 
Humfilko  feUj  de  t  o  dos  ejimado, 
^e  foy  Jegundo  AffonJo/£  Rey  terceyro: 
No  tempo  aejie  aos  Mouros  foy  tomacto 
Aícaçare  do  Sal  for  derradeyroy 
forque  de  antes  os  Mouros  o  tomar aõ^ 
Mas  agora  efirmdoo  pagàraÕ, 

Mai  entre  tantas  falmat  falteado.  Palma  romã 
aqui  o  Poeta  pela  vittoria,  coulâ  muyto  ulada  en- 
tre os  Poetas.  A  caufaporqneapalmalignifica  vit- 
toria dâ  AuloGellio  nas  fuás  noytes  Acticas  liv.  5. 
C3p.  6,  dizendo  que  tem  a  palma  huma  particula- 
ridade,que  diz  muyto  com  a  natureza, 6c  condição 
dos  homens  esforçados :  &  he  que  por  mayor  pczo 
que  ponhaô  lobre  ella,  6c  por  mais  que  a  apartem, 
lempre  tira  para  cima  ,  6c  que  por  nenhum  cnío  íe 
íabe  fogeytar.  Ariftoteles  nos  Problemas  Hb.y.  6c: 
Plutarco  nas  queftóes  continuaes  iib.S.Plinio  liv. 
i(S.c.4i.6c  Theophraíto  lib.5.dizem  o  meímo.Fal. 
Icceo  El-Rey  Dom  Sancho  depois  de  alcançadas 
grandes  vittorias, Sc  feytas  grandes  maravilhas  ém 
armas,em  Coimbra  de  lua  doença,  fendo  dr  idade 
de  cincocnta  6c  oyto  annos ,  havendo  vinte  ôt  leis 
quei^ynava  no  anno  do  Senhor  de  1212. 

íicíí  herdeyro  hum  filho  feu.  Eíte  filho  que  fucce- 
dcono  Reyno  he  El-Rey  Dom  Affonfo  fegundo 
defte  nome  ,  6c  tcrceyro  Rey  de  Portugal ,  o  qual 
cm  vida  de  íeu  pay  caiou  com  a  Raynha  Dona 
Urraca,  filha  legitima d'El-Rey  Dom  Affonfo  o 
nono  de  Caftella.  Foy  levantado  por  Rey  de  ida- 
de de  vinte  6c  cinco  annos, havendo  já  quatro  que 
era  cafado.  Efte  tomou  a  Villa  de  Alcacere  aos 
Ív1ourof,com  ajuda  dos  Eftrangeyros.comoacon- 
teceo  a  feu  pay  Dom  Sancho  na  tomada  de  Sylves. 
Foy  entrada  Alcacere,  6c  tomada  pelos  noífos  cm 
dia  do  Bemavcnturado  S.Lucas,a  dezoyto  de  Ou- 
tubro de  mil  duzentos  6c  dezaflettc  ,  tendo  pri- 
meyro  desbaratados  quatro  Reys  Mouros  que  a 
vinhaó  foccorrer  com  quinze  mil  de  cavallo  ,  ôc 
oytenta  niil  de  pé  ,  em  diados  Bemaventurados 
Martyres  Protho  ,  6c  Hiacintho  em  onze  de  Sep- 
tembro  dó  dito  anno. 

Portjue  d^antes  ot  Mturoi  a  tomârai.  No  tempo 
d^TLl-Rey  Dom  Sancho  fe  perdeo  Alcacere  ,  6c 
Sylves,  náo  pordefcuydo,6c  fraqueza  dos  léus,  fe 
naó  pelos  trabalhos  do  Reyno, porque  houve  gra- 
des peftes,  fomes,  6c  outros  trabalhos,  que  eítor- 
varaó  poderem  íer  foccorridas. 


Luftadas  de  Luís  de  Caçoes  'Corr^^rfut^àci, 

^e  tãPtotmfeus  defcuydosfe  defmede, 
^í4e  de  outrem^  que  mandava^  era  mandado: 
^JJe  governar  o  Reyno  y  que  outro  pede  ^ 
'For  caufa  dos  privados  foy  privado j 
'Forque  como  por  ellesfe  regia^ 
Em  todos  osfeos  vícios  confentia. 


91 


a.Ya 


Orto  depois  Afonfojhefnceãe 
Sancho  fegmdo^manç  o  i&dejcuidado^ 


Morto  depoit  Affonfo  Ihefaccede  Sancho,  Falleceo 
El-Key  Dom  Affonlono  anno  de  mil  duzentos  6c 
vime  6c  quatro  ,  lendo  de  idade  de  trinta  6c  Ictte, 
6c  havendo  doze  que  reynava.  Jazem  Alcobaça 
com  a  Raynha  Dona  Urraca  íua  molher  ,  na  Cap- 
peila  grande  ,  que  eile  em  fua  vida  mandou  fazer. 
Soccedeolhe  no  Reyno  Dom  Sancho  o  fegundo, 
Sc  quarto  dos  Reys  de  Portugal, chamado  por  al- 
cunha o  Capello  ,  foy  levantado  por  Rey  em  Co- 
imbra,lendo  de  idade  de  dezafleis  annos.Era  muy- 
to pulillanime  ,  ôc  dclconcertado  no  governo  cio 
Rey  no, 6c  nas  coulas  da  juítiça  de  muyto  fraco  ef- 
pintu  ,  6<:  pelo  confeguinte  muyto  lailb,  pelo  que 
naó  caltigavacs  vicjos  ,  nem  hia  à  niaó  aos  que 
commectiaó  quaclquer  maldades  ,  6c  iníultos ,  o 
que  foy  caula  de  Ic  ajuntarem  os  principaes  do 
Reyno  ,  8c  avilarcm  ao  Summo  Pontífice Inno- 
cenciolll.  para  que  provellenefias  coulas,  6c  lhe 
déljc  quem  os  governaile.  Entaõ  foy  acordado 
que  lofle  cley  to  por  Governador  do  Reyno  hum 
irtraô  do  dito  R  ey  Dom  Sancho,  o  qual  era  Con- 
de de  Bolonha.  Elleoaceytou  ,  ôc  vindo  a  eíte 
Reyno  Dom  Sancho,6c  os  da  lua  conferva  lhe  qui- 
Zcraô  rcfifl:ir,mas  como  naó  puderaó  Dom  Sancho 
fe  fahio  do  Reyno, 8c  fefoy  a  Caíiella,aonde  mor- 
rco  no  anno  de  mil  duzentos  6c  quarenta  6c  leite, 
6c  jaz  lepultado  na  Sé  de  Toledo.  Viveo  quarent* 
annus,dos  ^uacs  foy  Rey  vime  6c  quatro. 


91 

^l  Ao  era  Sancho^  naÕ  taõdeshotteffo, 
^  Como  Nero,  que  hum  moço^  recebia 
^or  mulher,  &  depois  horerndo  tnceflo. 
Com  a  mãy  A^rtpina  cometei  ia: 
Nem  taõ  cruel  ás  gentes  y&  mole  fio 
^ue  a  Cidade  qw  yrrta^e^  onde  viviat 
Nemtaõ  mae,  como  foy  líeltogabalOy 
Nem  como  o  molle  Rey  Sardauha  paloj 


Nao  era  Sancho  na»  taS  deshoveffo.  El  Rey  Dom 
Sancho  Capello  naó  era  hornem  inclinado  acoin- 
mciter  vic:os ,  8c  maldades ,  como  fe  lé  de  outros 
Revs ,  que  na  vida  foraõ  muyto  deíenfreados  neU 
las:  foy  privado  do  Keynoporlcr  pufiHanime,  8c 
fracodeefpiricu,6c  para  muvro  pouco,porquenaO 
fahia  caíbsar.nem  rcnrchender,5c  affim  conlcntia» 
ik  diflimujava  con)  os  vicios  dos  homens  ,  que  nc 
aliás  grande  mal.  Nero  lexto  Emperador  Romano 
(cujas  crueldades ,  6c  injuíliças  paflaraó  por  toda» 
as  dos  outros  crtíeis,6c  peílimos  Tyrannos)foyna 

crueldade 


« 


CantoTerceyro,  toj 

crueldíi  1e  taõ  eílremado  ,   que  para  chamarmos  a     danapalo,  que  fe  queymou  por  íua  livre  vontade, 
hum  homem  cruel, coftumamos  dizerthc  hum  Ne- 


NEm  era  o  povo /eu  tyramzado. 
Como  Sicí/ia  foy  de  feus  tyranos^ 
Nem  tifiba^  como  Falares ^  achado 
Géneros  de  tromentos  mhumanos: 
Mas  o  Reync  de  altivo ^^  co/iumado 


IO.  E.lte  perfeguio  grandemence  a  Igreja  de  Oeos. 

i^adeceraó  cm  leu  cempo  os  bemavencurados  A- 

polloios  S.Pedro  ,  &  S.Paulo  ,  6c  outros  muytos 

Santo$,que  feria  largo  contar:  mandou  pórfogo 

ti  lua  paína,  como  arfirma  Suctonio,  Paulo  Oro- 

íio,&oucros  muytos.   O  qual  Fogo  dizem  qucdu- 

roo  ícisdiaSjèc  lette  noytes,  &  que  em  quanto  ar- 

dia  Roma,  Ic  pozen»  huma  torre  alta,donde  eíta-       ^^    ,     -  ,    nt 

va  vendo  arder  a  Cidade,  &  com  grande  conten-     Afiyihuies_  em  tudo fober anos, 

taniento  ,  &  gofto  contava  huns  vcrlos  de  Home-     A Rty  naõ  obedece^  nem  conjen  te, 

vo  ,  que  trattaó  da  deftruiçaó  ,  òi  incêndio  de     ^ie  naõ  for  mais  que  todos  excellente, 

Troya.  Mattou  lua  própria  molhcr  ,  mây,  ák  ir- 

luaó. 

Ní»í  taÕntao  como  f>y  Heltogabalo^Kúe  foy  outro 
Emperador  Romano  tal  como  Nero,dc  que  atrás 
aliamos,  o  mais  vicioio  ,  &  afteminado  homem 
que  no  mundo  houve.Nos  galtos  de  lua  peHoa,&: 
na  gula  era  taó  ellragado  ,  que  dizem  os  Autores 
que  dellceícrevem,  que  nenhum  Rcy  por  muyto 


Nad  era  o  povo  feu  tyranvíza^Of  como  Ciciliafoy  de 
fem  tyrannos.  Cicilia,  como  diz  Juitino  no  livro  4. 
aonde  tratta  de  leu  íitio  ,  &:  fertilidade  ,  foy  mây 
dos  mayores  tyrannos  do  mundo,&  como  os  pnn- 
cípaes  da  terra  eraó  elles,  a  gente  bay  xa  aprendia 
delles  ,  pelo  que  era  hum  formigueyro  de  ladroes 
bayxos,  donde  veyo  hum  provérbio  entre  os  La- 


nço que  fora  fe  pudera  fullentar  ,  gaitando  o  que  tinos,S/f«/«j  ompbacíz^atiO  Ciciliano  faz  furtos  bay- 
cftc  gaitava, &  que  valia  a  qíte  ler  Senhor  do  mun-  xos  ,  como  laó  uvas  em  agraço  ,  que  para  pouco 
do, Òí.  ter  as  rendas, &  riquezas  de  todo  elle,que  de     mais  de  nada  preílaõ.  He  terra  muyto  fértil  ,  ôc 


ourra  maneyra  naõ  podem  viver,  taó  exceílivos 
eraó  os  galtos  que  tazia.  l\  porque  fuás  abomina- 
ções,&  viciosfaõ  taes,que  hemeliior  naõ  as  iaber, 
nem  ouvir  ,  &:  eu  me  corro  tratcar  delias  as  naõ 
ponho  aqui.  Quem  as  quizer  ler,veja  Herodiano, 
Lampndio,  Eutropio,  &  Peio  Mexia  cm  lua  vi- 
da. 


abuwdanre  das  coulas  necellarias  para  a  vida,aon- 
de  fe  atreverão  muytos  a  lhe  chamar  Roma  horreu, 
celieyrode  Roma.E  daqui  íingiaõ  os  Poetas,que 
Ceres ,  &  Bacco  eraõ  naturaes'deíta  ilha  ,  por  ler 
taõ  fertii,&:  abundante.  He  cita  ilha  de  íòrma  tn- 
angular,como  lnglaterra,dizem  que  tcrà  letecen- 
tas  milhas  de  circuito.  Foy  antiguamente  junta 


Níw  COMO  o  molle  Rey  Sardanapah,  Sardanapalo  com  Calábria, como  alguns  elcrevem,Sc  hum  ter- 

foy  ultimo  Rey  dos  Alíirios  taó  leníual ,  &  luxu-  remoto  a  dividio,6c  pos  no  mcyo  aquelle  mar,quc 

rioio,quc  naó  le  corna  andar  entre  as  molhcres  de  he  de  mil  &  cincocnta  pafl"os,Sc  fe  chama  eítrcyto 

partidojveltido  de  leu  trajo,&;  fiando  em  roca  en-  de  Mefiina.o  qual  ainda  que  feja  pengofoem  cer- 

irc  elias,  &  falando  palavras  deshoncílas,  &  lalei-  tos  lugares,ik  tempos,  naõ  he  tanto  como  os  Poe- 

vas  ,  como  fefora  mulher  publica.  Mandou  que  .  tas  fingem,  attnbtindclhe  Charybdis,  Sc  Scyllas 

lhe  puzeílem  eltc  Epitaphio  na  lua  fepultura  de-  taõ  celebrados  dos  Efcriítores  Gregos ,  6c  Lati- 


poisde  fua  morte. 

Bdeyhiheidf  liiíle,poJi  mortent  nulla  voluptas; 


nos.  Entre  outras  muytas  coufas  que  tem  eita  ilha 
he  aquelle  taó  celebrado  monte  Ethna  ,  do  qual 
Pétreo  Bcmboelcreve  hum  livro  particular  ,  que 
anda  impreílo  entre  luas  obras.  A  gente  he  vajc- 
Comc,  bebe  ,  &  tolga ,  que  com  a  morte  tudo  fe  rola  em  armas,  &  letras,  como  le  pôde  ver  nas  Hií- 
acaba.  Epitaphio,  como  dizCiceronas  Tufcula-     torias  antigas.  Veja- le  a  noíla  annotaçaó  no  canto 


ms,mais  para  boy  ,  que  para  Rey.  Tomados  os 
Alllirios,  Sccnojadrs  por  ter  tal  Rey,  ou  por  me- 
lhor dizer  de  obedecera  huma  molhcr, le  levantá- 
faó  contra  elle  para  o  matar  ,  o  que  elle  naó  elpe- 
rou,  porque  recolhendolc  aos  p^ços  da  ( >idade  de 


^.oytava  61. 

Nemtwba  como  PhaUris  achado generot  de  tvrmen- 
toi  inhumanoi.  ÍLÍle  Phalaris  foy  também  Ciciliano, 
£c  fez  huma  ventagem  aos  mais  ,  que  alem  de  to- 
mar a  fazenda  aos  feus  ,  lhes  tirava  também  as  vi- 


Njno,  cabeça  ,  6c  mctropolide  Ãihiia(que  a  Ef-     das ,  porque  naõ  gaitava  o  tempo  cm  outra  coufa. 


crutura  Sagrada  chamada  Ninive)  mandou  fazer 
humafooucyra,6c  puito  nella  todo  o  ouro,prata, 
&  riquezas  que  tinha  ,  fe  queymou  juntamente 
com  clle,comodiz  Ovídio  no  ibii,. 

i^'^»epyramtecum*;artffirKa  compor  a  mittat 
^utm  finem  vitx  Surdanafí*luí  babei. 

Efcrevendo  contra  hum  feu  mimií!;o  íntrc  outras 


fenaõem  bulcar  modos,  &  invenções  de  tormen- 
tos com  que  os  atormcntaílc.  Comoafamadeíla 
cruel  cnnoíidade  vicfleàs  orelhas  de  hum  grande 
ollicial  por  nome  Penllo,ao  qual  Plinio,  6c  outros 
chamaó  Perilao.fezlhe  hum  boy  de  metal, 6c  com 
lai  invenção  que  mcttido  hum  homem  dentro, 
polto  fogo  dcbayxo  ,  urrava  como  touro.  Phala- 
ris folgou  muyto  com  a  invenção  ,  n^as  mandou 
ao  n^eltre  que  a  fizera, que  a  provafle  primeyro,6c 


piagâs  que  lhe  roga  he,que  morra  a  morte  de  Sar-     aflimfoy,&c  com  muyta  juítiça,  donde  dizÕvidio 

na  Arte  iib.i.  "  Bi 


Lujiaàas  àe  Ijús  de 


Bt  Vhalant  Úun  violenú  nitfnhfa  FirilH 
lorruitiWfeUs  tmbutt  authitr  opus: 
JhJIuí  merque  futi  ,  nequetnim  Uxjuftior  ulla  e^ 
^ludm  m6íi  arttficít  arte  pirtrtfHa* 

Phalaris  fez  provar  pfimeyro  a  luaobiaaPerino, 
Ôí  com  razaojporque  he  muyta  jufl:iça,que  os  que 
pretende  fazer  mal  o  paguem. Phalaris  també  mor- 
reo  da  meima  maney ra,como  diz  Ovidio.  No  ibis. 

Ut^í4e  ferox  Phalaris  lingua  prius  enfe  refi-la 
M»re  hovtí  Papbio  claujus  tn  are  gemai. 

.Porque  naó  podendo  os  feus  fofrcr  taó  grandes 
crueldades,  lhe  dcraõa  morte,  que  clie  a  outros 
dâva,òc  deita  maneyra  acabou  como  acabaõ  mal,& 
.cedo  os  que  querem  ufar  neíla  vidade  femelhan- 
tes  obras.  De  PeriUa  ,  6c  Phalaris  fe  veja  a  noíía 
annota^^aó  nelle  canto  oytava  59. 

POreJia  caufa  o  Reyno  governou 
O  conde  Bolonhez,^  depois  alçado 
*J^or  Ry^  quando  da  vidafe  apartou 
Òeu  nmao  Òancho,  fémpre  ao  octodado 
EJie^  que  Aijonjo  o  Bravo  fecbamou%  • 
E  áefque  teve  o  Reymfegurado, 
jLm  dilatalõt  cuyda^  que  tm  terreno ^ 
Maôcabe  altivo feyto  tad pequeno.\ 

Tor  efia  cmfa»  Por  El-Rey  Dom  Sancho  íer 
hmn  homem  para  pouco,foy  eley to  por  Governa* 
dor  Dom  Affonío  Conde  de  Bolonha  leu  iroiaó, 
como  atrás  hca  dito  ,  o  qual  íoy  levantado  por  , 
JR.ey ,  logo  que  o  irmaô  morreo ,  &  obedecido  por 
tal  no  aiino  de  mil  duzentos  6c  quarenta  $c  fettc. 
Eíteie  caiou  íegunda  vezcomhuma  DonaBea- 
tris filha  baltaraa  d^lil-l^ey  Dom  Affonfo  o  de- 
cimo de  Caílella.  Reynou  52.  annos ,  falleceo  em 
Lisboa  no  anno  de  izyp.a  20.de  Março,  6c  jâz  ena 
lAicoba^a» 

D  JÊ  terra  dos  Algar ves,  que  Ih  efora 
Em  caíàtnento  dada  grande  farte 
Recupera  co  braçofê  âeyta  for  d 
O  Mouro  malqueridojà  de  Marte: 
Efta  de  todo  fez  livrey&fenhora 
Lufitanla  com  for  fa,^  belllca  arte 
E  ucabou  de  oprimir  a  naçaõ  forte 
Ala  íerraj  que  aos  de  Lufo  coube  em  forte. 

Da  terra  <lot  Algárves.  Com  efta  Dona  Beatris 
lhe  foraó  dados  os  Caílellos  ,  ScVillas  dos  Al- 
gárves em  caíamento  que  El-Rey  tinha,  &  a  con« 
quiíta  dos  raais.Pelo  que  elletoy  o  prinieyro  Rcy 


Camões  Commentados] 
de  Portugal,  que  teve  clle  titulo,  &  afíi  m  fe  ajun- 
tarão logo  ás  armas  de  Portugal  huns  caílellos 
dourados  em  campo  vermelho  porrazaó  defte  no- 
vo acrccentamento  dos  Algárves.  Eíla  he  a  ver* 
dadeyra  origem  daquelles  caftcllos,ainda  que  ou- 
tros queyraó  dar  outra.  Efte  Rey  lendo  vi  a  a 
pnmeyramolher,  fc  calou  com  a  dita  DooaBri- 
tis  contra  todo  o  direyto,6c  jultiça.Pelo  que  hou- 
ve neílc  Keyno  muy  tos  annos  interdito  ,  até  que 
jnorreo  a  Condelfa  de  Bolonha  íua  primeyra  rao- 
Iher.  Entâó  o  Papa  a  uetiçaó  dos  Prelados ,  6c  no- 
bres do  Reyno  diípeníòu  com  clle  ,  6c  ligitimou 
íeus  filhos,  como  nas  Chronicas  íe  pôde  ver.  No 
tempo  delle  Rcy  ,  Portugal ,  como  diz  aqui  o 
Poeta,íoy  limpo  de  Mouros,aonde  nunca  mais  pu^ 
leraó  pè. 

Eis  depois  vem  ^iniz,  que  bem  parece 
^0  bravo  Affonfo  efttrpe  nobreço"  dina^ 
Lom  quem  afama  grande  fe  e/curece 
'Da  liberalidade  /9lexanarina: 
Com  efte  o  Rtyno prolperoflorece^, 
ÇAlcançadajã  a  paz  áurea  divina^ 
Em  conjlnuíçoés^ítysj^coftumesy 
Na  ttrrajâ  tranquilla  claros  lumes. 

Eis  depoif  vem  í>/«Í2:..Depois  da  morte  deftc  RejflH 
que  foy  cm  Lisboa  a  20.de  Março  de  1275?.  fendo 
oe  idade  de  fetenta  annos,dos  quaes  reynou  trinta 
&  dous ,  6c  foy  fcpultado  no  mofteyro  de  S.  Do- 
mingos que  clle  fez  ,  focedco  no  Reyno  feu  filho 
Dom  Diniz ,  o  qual  logo  foy  levantado  por  Rey, 
fendo  de  idade  de  dezoyto  annos ,  havendo  nova 
mezes,  que  fem  ler  caiado  tinha  fua  cafa,  6c  vivia 
apartado  de  íeu  pay,  Efte  Rey, dizem  os  Chronif- 
tas,que  foy  de  muyta  verdade,  jultiça,  6c  liberali- 
dade que  o  Poeta  compara  com  a  de  Alexandre 
Magno ,  do  qual  íaó  efcnttas  grandes  coutas  acer- 
ca da  liberalidade,  ôc  condição. 

FEzprimsyro  em  Coimbra  exercitar ft 
O  valer 0/0  officio  de  Minerva 
E  de  Heltcona  as  Mufas  fezpafjarfe, 
Apefar  do  Mondego  a  fértil  erva: 
^antopôde  de  Athenas  defejarfè, 
*2  udo  ofoberbo  Apollo  aquirefervay 
Aqui  as  capellas  da  tecidas  de  ouro, 
T)o  Baccaro^à'  do  fempre  verde  Louro, 

Fez,  frimeyro  em  Coimbra  exercttarfe.  Como  cite 
Princepeera  pcrfeytiflimo  em  tudo,quis  que  léus 
vaflallos  ofoticm  também  ,  6c  que  pois  na  milicia 
eraõ cftrcmados,o  fofiem  também  nas  lctras,pelo 
que  foy  o  primeyro  que  fez  em  Coimbra  houveflc 
cftudos ,  para  os  quaes  buicou  homens  de  todas  as 

partes 


^y  Ohés  Vtllas  de  novo  edificoUt 
S|  Fortalezas jCaftellos  muyfeguros, 
E  quafio  Reyno  todo  reformou,, 
Com  edifícios  grandes ^à*  altos  murosi 
Mas  depois, que  a  dura  Atropos  cortou 
O  fio  de  f eus  dias  j a  maduros^ 
Ftcoulhe  o  filho  pouco  obeàiente^ 
^luarto  AJfionfoi  mas  forte ^à-  excellente. 


CmtoTerceym  ^loç 

partis  eannenwsjaos  quaesfaiia  muytas  ham'as,8c 
mercês.  og 

OQício  de  Minerva.  Ht:  o  exercício  das  letras,  o 
qual  íe  chama  aíTimjporque  os  Antigos  chamarão 
a  Minerva ,  que  por  otitro  nomeie  chama  Pailas, 
X)eol\  d  as  íci  ene  i  as»  V  ej  x-íe  o  qnte  n  o  t  á  m  os  no  fe- 
gundo  canto  oytava  78. 

E  de  Helicun  at  Adujas  fez,  pafarfe.  Por  termos 
Poéticos,  ôc  Rhetoricos  diz,  como  £1-Rcy  foy  o 
primeyro  quefez  houvcíle  eítudos  em  Portugal. 
Helicon  hehum  monce  dedicado  a  Apollo  ás  Mu- 
las,padroeyras  dos  Poetas,  que  eftá  em  Phocis  re- 
jbiaó  de  Grécia,  naó  longe  do  monte  Parnalo,  co- 
mo diz  hllh-abaó  lib.  9.  Deílc  monte  Hehcon  fe  ji^at  depoit  tjue  a  dura  /^tropos.  Fingem  os  Poetas 
chamaó  as  Mulas  Hclicomdas,  como  lhe  chamou  que  ha  três  Parcas ,  que  fiaó  a  vida  dos  homens ,  6c 
Perfeo  no  prologo  das  luas  fatyras.  Diz  aqui  o  que  dcterminaô  delia  o  que  lhes  parece.Dasquaes 
Poeta  que  delle  monte  Helicon  ,  aonde  as  Mufas  Atropos  cortava  o  fio ,  pelo  qual  Te  entende  a  vida 
tinhaó  Tua  morada,íe  vicraó  a  Goimbra,por  onde  do  homem.O  que  aqui  também  diz  o  noíib  Poeta. 
o  rio  Mondego  paíla.  que  depois  que  Atropos  cortou  o  fio  dos   dias 

Çiuanto  pode  de  ^tbenas  de fej ar  fe.^ncíivcce  os  cila--  d-^El-ílev  Dom  Diniz,que  quer  dizer,  depois  qus 
dosdeCoi:nt)ra,  &  na  verdade  clles  daótaes  mol-  EI-Key  Dom  Diniz  fallecco.  Quanto  ás  Parcas 
trás  de  li,  Reproduzem  tal  fruyto,  que naò  finto 
outros  que  lhe  façaó  ventagcm.  Epor  o  mundo 
^iãber  afias  delta  verdade  naó  trattarey  mais  delia. 
í<^uanto  à  Cidade  de  Athenas ,  de  que  aqui  o  Poe- 
bifala,  taó  celebrada  pelos  Efcrittores ,  6í  taô  co- 
íihecida  pela  fama,  hoje  he  huma  trilte  aldeã,  co- 
mo fica  á\ío  neíte  canto  oytava  51. 

Do  BaccarOi  &  d»  fempre  x^rde louro.  Baccaro  he 
huma  herva,  chama-ie  em  vulgar  moatAÕ,  tem  as 
folhas  como  òorragens,ôc  humas  flores  amarellas, 
como  as  da  herva  vaqueyrâ,ainda  que  mais  peque- 
nas ,  defta-hci*valecor©av^ó  os  Poetas  antigos, 
como  diz  Virgílio. 


■fa 

m 


ji y 


Bdccare  frontem, 

CiHgtte^nevatt  ntceatmala  Ungua  futuro, 

'A  qual  dizem  que  tinha  virtude  contra  o  mao  olho, 
como  alli  lente  Virgilio,  ôc  declara  Sérvio.  Pon- 
dclhe  (diz  Virgilio)  humacappella  de  hêrva  bac- 
caro, porque  a  má  língua  naó  faça  mal  a  eíle,  que 
ha  de  ler  Poeta.  O  olho  mao  ,  a  que  os  Latinos 
chamaó /<»/««»/,  dizem  os  Autores  que  íuccede  de 
duas  maneyras  Plinio  liv.7.  c.  1.  diz  que  em  Africa 
haviacertacaílade  gente,  que  com  a  linguamat- 
tavaó,porque  tudo  o  que  louvavaó  Ic  perdia, feca- 
vaólc  as  arvores, morriaõ  os  mininos.  Na  Efclavo- 
nia  diz  o  meimo  Plinio  que  havia  gente  ,  que  pon- 
do os  olhos  fitos  em  alguma  coufa  a  rnatavaô  ,  5c 
que  efta  gente  tinha  em  cada  olho  duas  mininas. 
■!Na  regiaó  do  Ponto  de  Afia  diz  o  mcfiuo  Autor,  q 
havia  outra  caíla  de  gente  chamados  Thcbros,quc 
tinhaó  a  raelma  particularidade ,  ôc  delia  mancyra 
de  olhado  entende  Virgilio.  Coroavnó-k  tambcm 
os  Poetas  de  louro  por  mandado  de  Apollo  fcu 
padroeyro,  porque nellc  Te convcitco  Daphnc  fi- 
lha do  KroPeneo,a  que  elle  era  muy  to  afi-cyçoado.  de  Marrocos  com  os  Rcys  de  Tunes  ,  Bugia,  6c 
Conta  eíU  fabula  Ovídio  nas  Mciaawrphoícs  Granada, 5c  hum  poderofilfimo  exercito  quis  ver 
^'^  '  fe  podia  tomar  Hclbafiha.  A  qaal  prcíla  acodio 


trattey  delias  largamente  no  canto  i.  oytava  24. 

Ftcoulhe  o  filho  fouco  obediente.  Depois  da  morte 
d^El-Rey  Dom  Diniz,  que  foy  a  lete  dias  do  mcz 
de  Janeyro  ,  outros  dizem  a  vinte  do  meimo  niez 
de  1525.  O  qual  viveo  leficntaÔC  quatro  annos,  5c 
dellesreynou  quarenta  ôc  feiã,&cellálepultado  no 
Moíte)  ro  de  Odivellas  que  elle  mandou  fazer,foy 
levantado  por  Rey  em  Santarém  no  melmo  mez, 
&  anno  atrás  dito,íeu  filho  Dom  Aftonlb  deite  no- 
me o  quarto,  í>c  dos  Reys  de  Portugal  o  letimo,o 
qual  cm  vida  es.  leu  pay  lhe  foy  muyto  deiobcdi» 
ente ,  &  como  contaó  as  Chronicas  ,  dclejou  por 
muytas  vezes  darlhe  batalh.i,&  locederaó  algumas 
coulasde  memoria,  que  nas  Chronicas  do  tvcynu 
fe  podem  ver. 

99 

St e  fempre  asfobirbas  Caftelhanay, 

Compeyto  de/prezou  firme ,  &  fereno% 

forque naõ  he  das  forças  Lufiiana  s 
Temer  poder  mayor  por  mais  pequeno.^ 
Masporêm^quanâo  as  gentes  Mauritanas 
Apoffiiir  o  He fp eriço  terreno 
Entrarão  pelas  terras  de  Cafieila% 
Foy  ojoberbo  Ajfonfo  afoccorrella^ 

Efte  fempre  at  foherhas  Caflelhanaí.Ttvt  cíle  Rey 
Dom  Afíbnfo  grandes  quebras,ôc  dclavenças  com 
El.Rev  Dom  AíFonío  de  Callella ,  o  onzeno  leu 
genro. ' Mas  Icmpre  levou  a  melhor  ,  aífim  em 
obrasjcoino  em  palavras  como  o  nollo  Poeta  aqui 
diz,&  traitaó  largamente  as  Chronicas  do  Reyno, 
com  tudo  lempre  o  favorecco ,  Sc  ajudou  todas  as 
vezes  que  foy  lua  ajuda  neceflaria,como  fez,  prin- 
cipalmente na  batalhado  Salado.quando  El  Rcy 


hb. 


I. 


ít)6  Lupa^as  de  Lúis  âe  Ca 

El«ReyDom  AfTonfo  de  Portugal  a  pedimento 
de  Dona  Maria  lua  filha  Raynha  de  CaílcUa  ,  Sc 
junto  com  feu  genro  deraó  batalha  aos  Mouros, 
dosquacs  ,  íegundo  algumas  Chronicas  dizem, 
morrerão  mais  de  quatrocentos  mil,&  dos  Chrií- 
láos  vinte  homens.  As  particularidades,  &  miu- 
dezas difto  le  podem  ver  na  Chronica ,  Sc  o  noflo 
Poeta  o  conta  aqui  por  algumas  oy  tavas. 

Jemtr  poder  wajor  por  mau  peojueno.  Porque  os 
Portuguczes  aindaque  lejaó  myy  to  menos  cm  nu- 
inerojuaô  íeacobardaóa  exercites  mayorcs. 

Hefpenco  ícrríwo.Hc  a  terra  de  Helpanha. 


mÕes  Commentadòsl 

Temendo  mais  o  fim  dôf>ovo  WfpanOt 

Jã perdido  bumavez^  que  a -própria  mortêi 

^teàindo  ajuda  ao  for  te  Lnfitano 

Lhe  mandava  a  charijjima  conforte^ 

Mulher  de  quem  a  manda  j^ filha  amada, 

^Daquellej  a  cujo  Reynofoy  mandada, 

Jâ  perdido  bttma  vez,.  No  tempo  d' El  Rey  Dom 
Rodrigo  ultjmo  dos  Godos. 


?.fc 


lOO 


N1)nca  com  Semtramis  gente  tantd 
Vtyo  os  caynpos  Plydafptcos  enchendo^ 
Nem  Âttila^  que  Jta/ia  toda  efpantay 
Chamando/è  de  'Deos a^outt  horrendo: 
Gottica gente  trouxe  tantaj  quanta 
^0  Sarraceno  bárbaro  ellupendOi 
Lo  poder  excefftvo  de  Granad^^ 
Foy  nos  campos  Tartejios  ajuntada, 

T^iunca  com  Semirarnis  gente  tanta.  Foy  Semira- 
itiis  molher  de  Nino  Rty  dos  A!iyrio5.  Morto 
Ninojvendo  Semiramis,  que  hum  fiího  que  lhe  fi- 
cava de  feu  marido  ,  6c  do  melmo  nomedopay, 
pela  pouca  idade  naó  podia  ter  a  governança  do 
Reyno  :  ôc  vendo  também  que  os  Aflyriosnaõ 
qutiiaó  ler  governados  por  molher  ,  fintio-íe  fer 
icu  filho, ôcdeíla  maneyra  íecotncçoua  metíer  na 
governança  dos  Afiyrios  ,  o  que  fez  por  muy  tos 
annos  com  muyto  valor,como  conta  Jiiílino  liv.i. 
in  principio,  Foy  taõ  prudente, 6c  varonil  era  fuás 
couías,  Sc  houvc-íe  de  tal  maneyra  no  governo  do 
Reyno  ,  queíe  naô  coiuentou  com  confervar  o 
que  de  feu  marido  lhe  ficou  ,  mas  acrec  ntou 
outros  muytos  Reynos,  &  Provincias,6c  na  índia 
níetco  grandes  exércitos  para  a  fujeytar  ,  como 
diz  aqui  o  Poeta.  Por  campos  H ydaf picos  fe  en- 
tende aqui  campos  da  India,chamados  aílim  do  rio 
tjydafpes,quc  a  lega. 

/vícíw  /íttila ,  ^ue  Itália  tâda  efpanta,  Attila  que  fe 
intitulava  Rey  dos  Hunnos,  Godos , Medos ,  Sc 
Danos:  medo,  ôcefpanto  do  mundo,  açoute,  6c 
caíligode  Deosilahio  deluas  terras  com  quinhen- 
tos mil  homens  de  peleja ,  com  que  poz  efpanto  a 
todahalia  ,  fazendo  grandts  crueldades  pelos  lu- 
gares poronde  paliava. At rá^  irattey  de  Attila  neí- 
te  can[o,oytava  14.6c  aíTim  no  canto  legundooy- 
tava  97.  pelo  que  aqui  me  naô  alargo  mais. 

CampoiJartefiós,  Saó  campos  de  Tarifa,  Villa  de 
Andaluzia  aflâ s  conhecida,  chamada  entre  os  La- 
tinos Tartcfia. 


101  -1^ 

ENtrava  a  fermojijjima  Maria, 
Te/os  paternaes  paços  fubíimados 
Ijtndo  ogiijto,  masfióra  dealegria^ 
EJeiís  olhos  e7n  lagrimas  banhados-. 
Os  cabe  lios  angelu  os  trazia 
^elos  ebúrneos  hombfos  ejpalhados , 
XDiante  do  'Paj  ledOj  que  a  agajalha^ 
Efias palavras tats  chorando ejpalha^^ 

Entrava  a  f ermo fifjima  Aí<»r/<i.  Efta  era  a  Raynha 
l^ona  Maria  filha  u*  El  Rey  Dom  Affonío  de  í-^or- 
tugal ,  caiada  com  El-  Rey  Dom  AíFonfo  de  Caf- 
telia,  como  atrás  fica  declarado.  Pintanos  aqui  o 
Poeta  como  entrou  efta  Senhora  nos  paços  de  leu 
pay  ,  a  pedir  ajuda  da  parte  de  leu  mando  contra 
os  Mouros  ,  quetietciminavaó  deílruirlegundi 
vez  Helpanha. 

Elfurnecí  hotribros»  Hombros  de  marfim  ,  hom* 
bros  fcrmoios,  porquLéi'«r  hemaiáiu. 


J 


E 


lOI 


Vendo  o  Rey/ublhne  Cafle lhano, 

J força  tnexpugjtavelygrnadeM  fortCi 


103 

Quantos  povos  a  terra  produziu  ^ 
IDe  ^-ífricatodáygente  fera^éf  eftranhã^ 
OgraÕ  Rey  de  Marrecas  cmduzioj 
T^ara  vjrpofiuir  a  nobre  E/panha: 
Toder  tamanho  junto  não  ft  viOj 
'De/pois  que  ofaljo  mar  a  terra  banha: 
Traz  tal  ferocidade  j&  furor  tantOi 
S^ue  a  vtvos  medOi&  a  mor  tos  faz  efpanto» 

Salfo  tnar.  Mar  falgado. 

104 

ASuelle,  que  me  de  fie  por  marido, 
To  rdefendtr fua  terra  amedrontada^, 
Co^  pequeno  poder  offerecido 
Ao  duro  golpe  efía  da  Maura  efpada: 
Efe  naô  for  contigo  Jocorrido, 
Vermehas  deíle^&  do  Reyno  fer  privada^ 
Viuva  triftei&pofta  em  vida  ef.  ura. 
Sem  marido,  fem  Reyno^&fem  ventura. 


Canto  Ter ceyrõ^>  i5* 

Afieik  que  mi  dcfle  porjumdo.  Conta  o  Poeta  a    Lujfra  CO  Sol  o  arnês ,  a  lançãj  a  efpada^ 

VaÕ  rinchmdo  os  cavallosjaezados: 
^canora  trombeta  embandeyrada^ 
Os  corações  â  Tàz  a^ojiumudos^ 
^ay  as  fulgentes  armas  incitando^ 
^Pelas  concavidades  retumbando^ 


pratica  que  a  Raynha  Dona  Maria  de  CaftelU 
leve  CO  ai  El-Rey  Doai  Affonfo  íeu  pay,  períua- 
dindoo  foíle  em  íoccorro  d^EURey  de  GaíteIJa 
leu  maridotcontra  os  Mouros,que  detcrminavaó 
deílruir  Hefpaiiha. 


i 


105 

POr  tantOi  o  Rey  de  quem  com  furo  medoi 
O  corrente  Molucajè  congela^ 
ompe  toda  a  tardança^  acode  fedo 
míferavel gente  de  Gajtellai 
e  efft  gejtõi  que  moftras  claro/S  ledo^ 
1)e  'Pay  o  veràadeyro  amor  affella^ 
Acode ^^  corre  Pay^  que  fè  naô  corres^ 
'I^ôdefer  que  naõ  aches  quemfoccorres. 


.  o  corrtnte  Molucha.  Molucha  Íie  rio  do  Reyno 
de  Fez,  como  quer  Ptolomeo  na  primeyra  taboa 
de  Mauritânia  Tingitana  Ijv.  4.  Os  Mouros  lhe 
chamâó  hoje  Munzemar  ,  os  L,atinos  Molucha, 


Ot  Eboremet  cam^oi  tfaS  coulbaãos,  lílo  diz,  por- 
que ao  tempo  que  a  Raynha  Dona  Mana  foy  pe- 
dir eíte  foccorro  ,  citava  El-Rey  íeu  pay  cm 
Évora. 

108 

ENire  todos  no  meyofefuhlm^t 
T>as  infignias  Reaes  acompanhado^ 
O  valerojo  Affonfo  ^  que  por  cima 
*T)e  todos,  leva  o  collo  levantado: 
E  fomente  cogoJloesforçai&  anima 
A  qualquer  coração  amedrontado: 
Affi  entra  nas  terras  de  QaftelLa^ 


ou  Mulucha  ,  \vc  rio  grande  ,  5c  que  le  vadea     Coma  filha  gentil  Raynha  de  lla^ 
em  muyto  poucas  partes. 


T  Ao  de  outaforte  a  tímida  Maria 
^  Bailando  eftâ,  q  atrifteVenus^  quando 
A  Júpiter  feu  pay  favor  pedia^ 
'Fará  Eneasfeuflho  navegando: 
^ie  a  tanta  piedade  o  commovia^ 
^le  cahido  das  mãos  o  rayo  infando ^ 
Tudo  o  Clemente  Tadre  lhe  concede^ 
^Fezandolhe  do  pouco  que  lhe  pede» 


»qui 


J  Untos  os  ãous  A ffonf os  finalmente 
j\[os  campos  de  Tarifa^  ejiaõ  defronte 
'Da  grande  multidão  da  cega  gente  ^ 
'Para  quemfao  pequenos  campo ^&  monte: 
Naõ  hapeyto  tão  alto%^  tão  potente^ 
^e  ae  de j confiança  não/è  afronte. 
Em  quanto  não  conheça^&  claro  veja^ 
^e  CO  braço  dús  fèus  Chrijio  peleja. 

Oi  dom  ^ffúnfos,VLeys  hum  de  Caftella,&  oufcío 
c3e  Portugal. 


IIO 


EStão  de  /ígar  os  netos  quafi  rindo^ 
^0 poder  dos  Qhrtfãos/raco^ejpeí^ 


Nio  de  outra  forte.  Compara  o  Poeta 
Raynha  Dona  fviaria  neílas  laílimas ,  que  conta  a 
feu  pay  ,  com  Vénus  filha  de  Júpiter ,  6c  máy  de 
ILneas  Troyano,a  qual  vendo  leu  filho  perfcguido 
de  [uno  ,  &  cm  eílado  de  íe  perder  com  toda  íua 

armada  ,  commuytas  lagrimas  lhe  pede  remédio     As  terras  COmo  fuas  repartindo 
para  hum  taó  grande  mal.  Conta  lílo  Virgilio  no     Ante  nraõ,  entre  o  exercito  Agarenot 
Imaprimeyro  daEneida  ,  naõ  muytolongedo     fe?^^  comtitulofalfopojfuindo 
principio.  "^-  ■  - 

Rayo  infandoi.  As  infignias  com  que  Júpiter  it 
arma  que  laó  principalmente  rayos.f  nfando  rayo, 
pela  crueldade  que  ula  no  matar  ,  &  deftruir  to*, 
das  a?  couías  em  que  dá.  E  afiim  como  Júpiter, 
por  naô  tazer  mal  a  Vénus  com  feus  rayos,  os  lan- 
çou de  fi  :  aflim  EURey  Dom  AfFonfo  tirou  de 
fi  todo  o  ódio  que  contra  EURey  de  Caítella 
tinlia.  para  favorecer  a  lua  filha. 


quéno^ 


Eflà  o  famofo  nome  Sarraceno^ 

Affi  também  comfalça  conta,&  nuA^ 

A  nobre  terra  alhea  chamaõfua^ 


M 


107 

Asjàcos  esquadrões  dagéte  armada ^ 
Os  Eborenjes  campos  vaõ  coalbudaU 


Eflaode  Agar  os  nttoíl  Netos  de  Agar  i  ôá 
Agarenos  lechamaò  os  Mouros ,  que  procedem 
de  llmacl  filho  de  Agar  efcrava  de  Abram.  Da- 
qui exercito  Agareno  ,  exercito  dos  Mou- 
ros. 

Nome  Sarraceno,  Nome  dos  Mouros  que  tam- 
bém Ic  chamaó  Sarracenos.  Vcja-íc  a  nolVa  anno- 
laçaõ  nefie  canto  oytava  25. 


Oi 


^«^/ 


l^ 


Lufiadas  de  Lu  is  de  Camões  Qwmentadoi. 


1 1 1 

QValo  membrudo ^ir  bárbaro  Gigantey 
T>o  Rey  iiauh  com  caufa  tao  temido^ 
Pendo  o  Tajior  inerme  ejiar  dtante^ 
Só  defedras,^  esforço  apercebido": 
.Com  pa/avras  foberhas  arrogante  ^ 
^ejpreza  o  fraco  moço  mal  veftido^ 
■^e  rodeando  afunda  o  defmganay 
^anto  mais f  ode  afinque  a  forçafiumanay 

^ual  o  memhrudo  ,  &  bárbaro  Gigante.  Efte  he  o 
Gigante  Goliath  ,  a  que  commummcntc  chama- 
mos Golias  ,  que  deíafiou  com  palavras  arrogan- 
tes,6c  loltas,a  qualquer  que  do  exercito  de  Saul  íe 
qujzefic  combater  com  elle ,  &  que  fícafle  a  vitto- 
ria  com  o  exercito  ,  que  levaflè  a  melhor  ,  pondo 
cadj  lium  de  íba  parte  hum  que  pelejaílecm  lua 
defcníaó.  El,  como  houveííe  jà  dias  que  eíle  Go- 
liath andava  diante  do  exercito  dos  Hcbreos  ar- 
mado ,  Ôc  Toitando  muytas  palavras  injurioías. 
Achando-íe  ahi  hum  dia  David  pobre  pallor  ,  fi- 
lho menor  de  Iíay,coraodi^3  Sagrada  Efcritrura 
liv,  I.  Reg. cap.  17.  ícntidodo  que  ouvia  áquelle 
Gigante,  determinou  vir  com  elle  a  batalha,  & 
fazcndoo  Saul  armar  ,  não  pode  fofrer  as  armas, 
pelo  que  íe  tornou  a  feucoftume,  que  era  funda, 
&  cajado.  Como  o  Gigante  vio  fcu  competidor, 
coiTicçou  a  Zombar  delLe  ,  mas  tornou  fel  he  a  zom- 
baria em  choro  ,  ôc  morte  porque  lhe  fez  David 
hum  tiro  com  afunda  ,  com  que  lhe  fez  dar  fim  á 
batalha  ,  cortandolhe  a  cabeça  com  a  eípaday 
con^o  fe  conta  mais  largamente  no  livro  dos  Reys. 

Vaflor  inerme,  Paftordefarmado  ,  porque  como 
fica  dito ,  naó  levou  mais ,  que  huma  funda ,  com 
humas  poucas  de  pedras  em  o  furraó. ' 

I  Efta  arte  o  Mouroperfido  defpreza 
¥  O  poder  dos  Chrtflãosjênafí  entende ^ 
§tie  ejià  ajudado  da  alta  Fortaleza^ 
jicjuem  o  inferno  borrife  o  fe  rende: 
Com  ella  o  Caftelhano^^  com  defireza; 
Uje  Marrocos  o  Rey  cemete^&  offende^ 
O  TortugueZy  que  tudo  ejiirna  em  nada^ 
Se  faz  temerão  Reyno  de  Granada. 

Se  faz,  ttmer  ao  Reyno  ãe  Granada.  Ifto  diz  por- 
que locedcocairlhe  eíle  em  forte  de  peleja  .como 
a  El-Rey  deCaftellao  de  Marrocos  ,  como  aqui 
diz  o  Poeta,  Sc  depois  que  o  teve  vencido  acudio  a 
EURty  Dom  Affbnlofeu  genro,  que  andava  en- 
tre muy  tos  Mouros ,  nos  quaes  fora  deraó  taó  boa 
manha,  que  em  poiícA  efpaço  os  deftruhiraó ,  ma- 
tando grande  multidão  delles,  como  atras  fica  di- 
tOi^  o  Poeu  aqui  conta. 


113 

I"'  //  as  lançaSiér  eípadas  retentào 
^  ^or  cima  dos  arnefes^  bravo  ejirago^ 
Chamão  (  fegundo  as  kys  que  aUifegmaÕ^ 
tíiins  Maf ame  de  /£  outros  San-Ttago; 
Os  feridos  com  grita  o  Ct  o  ferirão^ 
Fazendo  defeufàngue  bruto  lago^ 
Onde  outros  tneyo  mortos  fe  afogavão^ 
^ando  do  ferro  as  vidas  e/capavão, 

Santiago.  Padroeyro  dos  Helpanhoes,pelo  qu- 
delleíeelcreve,que  vivco  nasHclpanhas,prégan- 
do  nellasa  Fé  de  Chriíl:o,pclo  que  lemprefavore- 
ceo  aos  Hefpanhoes.  E  que  Santiago  haja  prega- 
do em  Helpanha,ôc  que  por  eíle  rclpcy  to  fcja  pa- 
droeyro  dos  Helpanhoes,&  os  favoreça, &  defen- 
da nas  bataiha?:dílo  o  Bemaventurado  S  liydoro, 
êc  o  Venerável  Beda,  &  outros  muytos  Autores, 
que  com  muyta  diligencia  ajuntou  oilluftnílimo 
Senhor  Dciii  Joaó  de  Vallaíco  Condeltavel  de 
Caílella,em  huns  diícurros,quefezlobie  a  vinda, 
&  pregação  dcfte  bemaventurado  Santo  a  eíUs 
partesi 

I  14 

C'^  Om  esforço  tamanho  defiruej&  mata 
j  O  Lu/o  ao  Granadiljq  em  pouco  efpaço^ 
Totalmente  o  poder  lhe  desburata^ 
Sem  lhe  valer  defe/a^oupeyto  de  aç  0: 
1)e  alcançar  tat  vitoria  tam  barata^ 
Inda  naô  bem  contente  o  forte  braço^ 
yay  ajudar  ao  bravo.Ca fie  lhano  y 
^te pelejando  ejià  co'  Mauritano, 

JA^  fe  hia  o  Sol  ardente  recolhendo 
Tara  a  cafa  de  Thetts^&  inclinado 
Tara  oponente  o  vefpero  trazendo j 
Eflava  o  claro  dia  memorados 
aluando  o  poder  do  Mouro  gr  ande, horrendo  , 
Foy pelos  fortes  Reys  desbaratado 
Com  tanta  mortandade ^que  a  memoria 
Nunquano  mundo  vio  taõgraõ  vitoria. 


lã  fe  hia  o  Sei  ardente  recêlbendo  para  a  cafa  de  Tbe^ 
tis.  Defcreve  aqui  o  Poeta  o  tempo  da  tarde,  con» 
o  qual  íe  acabou  a  batalha  ,  a  qual  fe  começou  á 
hora  da  terça,  que  hc  ás  nove  horas  do  dia  ,  no 
qual  tempo  houve  tanta  mortandade  dos  Mou- 
ros,que  íe  aííírma  ,  que  os  mortos  foraó quatro- 
centos mil,&;  infinidade  de  cativos.Qiianto  a  The- 
tis  de  que  aqui  fala  o  Poeta,vejafe  a  nofia  annota- 
çaõ  no  canto  fegundo, oytava  I,  a 

Para  o  Pgnente  Fefpero  traund»*  Vefpero  ou  Hei*-  | 
-  '    '  '  pêro 


I 


Ca}nõ  Terceyro.  lo^ 

pcro  hc  o  PlnnetâTcnus.que  nas  partes  Occiden*     moltravaó  tanta  ferocidade  ,  que  os  Romanos  os 


taes  aparece,  em  fe  pondo  o  Sol  primeyro  que  co 
das  as  Eíbellas  ,  6c  Planetas ,  &  alTim  antes  que  o 
Sol  faya  íe  sé  no  Ceo,  depois  de  elcondidas  as  ou- 
tras Eítrellas.  Chamaólhe  Luzeyro,  por  ler  raof- 
tradordaluz  ,  porque  fica  no  Ceo  até  a  menhã 
clara, &  parece  que  eítà  moítrando  o  dia, Sc  Eftrel- 
la  da  alva  pela  mefma  razaõ.  Os  lavradores  lhe 
chamaô  Elli  cila  boeyra,  porque  le  regem  por  cila 


tcmiaó.  E  porque  no  exercito  de  Mano  havia  faL 
ta  de  agua  ,  &:  com  eíla  dilaçaô  cada  vez  faltava 
mais,  vendo-íe  Mário  apertado  dos  foldados»  que 
fe queyxavaó  de  fede,  lhe  moílrou  hum  regnto  de 
agua  ,  mas  que  era  ncccflario  comprala  com  lan- 
gue ,  os  quaes  rompendo  com  os  inimigos  reme- 
dearaó  o  d.ino  da  lede  ,  masbebcraóde  miílura 
muytofangue  ,  que  no  regato  eílavada  grande 


i 


parafaberem  o  cempo  em  que  haó  de  curar  o  leu  mortandade  quenaquelle  encontro  houve.  Fo- 
cado. Naóhea  Aurora,  como  alguns  cuydaó,  &  n;ó  vencidos  neíia,  &  em  outra  batalha  os  Cym- 
icrevem  (que  hc  bom  dcrprepofiio)  porque  a  Au-  bros ,  na  primeyra  por  íò  Mário  ,  ôí  na  feguiida 
ra  ,  como  le  diz  neíte  bvro  por  muytas  vezes,  com  ajuda  do  outro  ConfuI  chamado  Catulo. 
?iaó  he  Eftrella ,  nem  Planeta  ,   knáo  aquella  cor  Ni?;»  o  Pífio  afperrimo  contrario  do  Romano  poder  ds 
quenoC^eo  aparece,antes  que  o  SQlíaya,quehea  vacitmnto.  Peno  afperrimo,  quer  dizer  Car.hagi- 
claridadc  do  dia.  neníe  muyto  alpero.  Chamaó-le  os  Carthaginen- 
j  j  ^  fcs  Ptnos,  ou  Púnicos,  porque  tiveraô  fua  oi  igeiíi 

de  Phenicia,  como  dizem  os  Latinos ,  &:  tirada  a 

^V  T  Aêmatou  aquartaparteoforte  Mario^  alpiraçaò  h.íe  dizem  Penos  quaíi  Phenos.   Aqui 


T)ds  que  morrerão  nefle  vencimento, 
aluando  as-dgoas  co/arigue  do  adver farto 
tez  beberão  exercito  Jedento: 
Mem  o  Teno  afperiffimo  contrario 
iJo  Romano  poder  de  na/c  mento  j 
^ando  tantos  matou  da  iUuftre  Roma^ 
ue  alqueyres  três  de  anets  dos  mortos  toma, 

NaÕ  matou  a  efuarta  parte  o  forte  Mário.  Mário 
foy  homem  de  bayxa  lorte  ,  vivco  muytos  annos 
lio  campo  rultica,  &c  pobremente,  ate  que  movido 
de  huma  altivez  de  animo, que  naturalmente  tinha 
deyxada  lua  pátria  A rpino.fe  (by  a  Roma  a  ver  fe  _ 

poJia  ter  outra  vida  diffcrente  da  que  de  íeu  pay  ta  o  Poeta,  a  qualfoy  em  Apulha,  junto  de  humi 
Jierdàra.  Como  era  homem  de  condiçaó,&enge-  aldeã  chamada  Cartas ,  na  qual  morrerão  ,  como 
nho,roube-fe  tanr.bcm  negociar  com  os  Romanos  conta  Titolivioliv.5.  Década  3.cap.5.  vinteniil  de 
que  o  mcteraô  no  numero  dos  cidadãos,  6í  como  pé  >  ^  dos  nobres  tantos,  que  le  apanharão,  como 
tinha  grande  elpirito  ,  veyo  a  fer  taó  valerofo  foi-  dizaqui  o  noílo  Camões ,  três  alqueyres  de  aneis, 
dado,  que  entre  todos  os  outros,  queand.ívaó  nos  os  quaes  naô  podia  trazer  le  não  gente  nobre.  El« 
cxtrcitos  Romanos   finaladamente  lazia  venta-     ta  foy  a  mayor  perda  que  os  Romanos  tiveraô  em 

lua  Monarchia.  Donde  Silio  Itálico  chamou  a 
Canas  fepnltura  de  líalia;&  Plínio  diíle  que  aquel- 
la aldeã  era  r.cbre  ,  &  infigne  ,  pela  perda  que 
os  Ro  manos  ncila  receberão. 


entende  Annibal,  que  foy  (como  conta  Titolivio 
no  prologo  da  terceyra  Década,  &  Juftino  liv.29. 
êc  o  noíTo  Poeta  aqui)  inimiciíTimo  do  P  ovo  Ro- 
mano de  feu  nacimento.  Os  quaes  acrecentaó  que 
polias  asmãoslobre  hum  altar  ,  aonde  leu  pay 
Amílcar  eílava  lazendo  facrificio  ,  andando  cm 
Heipanha  em  fua  companhia  ,  lendo  minino  íei 
juramento  ,  que  vindo  á  idade  que  pudclje  tomar 
armas ,  trabalharia  por  exrinçuu*  o  nome  Roma- 
no. O  qual  entendido  pelos  Carthagincnfes,  o  fí- 
7xraó  leu  Capitão  geral  ,  fendo  de  idade  de  vinte 
&  cinco  annos.  Delde  o  qual  tempo  começou  a 
fazer  guerra  ao  Povo  Rom  mo, contra  o  qual  hou* 
ve  grandes  vittori^s,cotno  foy  eíla,  que  aqui  con* 


gem  :  em  tanto  quceílando  Scipiaó  Emiliano  no 
cerco  de  Nurnanciaa  cafohumanoytena  fua  ten- 
da íetrattouqucm  lhe  poderia  loceder  no  cargo 
de  Capitão  morrendo  elle  ,  6c  pondo  Scipiaó  os 
olhos  cm  Mário  cftendeo  a  maõ  ,  &  a  poz  fobre 
hum  hombro  íeu,  moílrando  que  aquelle  o  mere- 
cia. Foy  lete  vezes  Coníul,  vencco  grandes  bata- 
Ihas.ík  houve  grandes  vittorias, entre  as  quaes  foy 
elU  de  que  o  Poeta  aqui  faz  menção  ,  6c  foy  deíti 

mancy  ta.  A  cabada  a  guerra  de  Africa,&  prcfo  El-     fiando  a  [anta  Cidade  desjizefle 
Reyjugurtha,  fucedeo,  que  das  paitcs  Septen-     *Jjo pfívo pertinaz  m antigorito: 
rrionaes  deceo  huma  Naçaõ  de  gente  chamada  -         .    - 

Cynibros  a  Itália  Com  fuás  molhcres,  6c  filhos,  & 
juramentados  de  naô  largar  Itália  até  a  dcftruir.E 
como  alguns  Capitães ,  que  03  Romanos  manda- 
raõjfoílcrn  vencidos  por  ellesCymbros,detcrmi- 
naraó  mandar  Mano,o qual  eílan  lo  períodos  ini- 
migos lhe  dilatou  a  batalha  com  defenho  ,  que  os 


Mandar  ao  Reyno  e/curo  de  Cocitoi 


Tp  Se  tn  tantas  almas  fó pude ^e 


Termijfadi^^  vingança  foy  celefte, 
E  nad  força  de  braço ^  ó  nobre  íitOi 
^eajfidos  í^at es fiy profetizado, 
E  depois  Tor  Jefus  certificado. 


éo  Reyno  efairo  de  C»eyto,  Cocyto  he  hum  rio 
ícusos  foífcm  conhecendo  pouco  a  pouco,  para  la-     do  mferno.chama-leafiim,  que  quer  dizer  chorar, 
•bercoaioíchavuó  de  haver  com  cllcs  ,  porque     porque  naquclletriítclugaríemprc há  choro.Ha- 
i-  vcndg 


114'  Lujiaãas  de  Luís  de 

Vendo  tmiytbsãilnos  qnè  Roma  andava  tyranni- 
zada  ,  ôcueítruhida  por  niaos  Emperadores ,  õc 
vendo  alguns  homens  de  bem  o  eltado  taódelel- 
trad'o  da  cena,êc  como  le  hiaó  ascoulasao  fundo, 
«ícarmentados,  ôc  enfadados  muyco  com  os  rou- 
bos dos  Caligulas,  Neios,Galbas,Occon€SvVite* 
Jios,6c  GUtroo  máos  Emperadorcs  como  eíles.  Fi- 
zeruó  feu  Emperador  anura  homem  ,  o  qual  ain- 
da que  por  calta  o  naõ  merecia  ,  na  milicia  era 
excellentf^  ík  havia  tido  alguns  cargos  honrados 
cm  Roma  ,  6cem  algumas  Provmcias  logeycas  a 
dia.  Hítc  le chamava  Velpafiano ,  cujo  hino  Tito 
no  fegundo  anno  do  império  dopay  ,  quarenta 
annoí»  depois  da  morte  de  Chriíto  Noiro  Senhor, 
pozccrco  á  Cidade  de  Hierufalem  ,  ôc  a  tomou 
por  força ,  allolou  ,  5c  quey  mou  ,  naó  deyxando 
pedra  lobrc  pedra,  aoyto  dcbetembro,  havendo 
cinco  inezes  que  era  cercada  ,  no  anno  de  letenta 
&  tres,do  iNacimento  de  Chrifto  Noílb  Senhor: 
na  qual  entrada  diz  Jofepho  »  que  morrerão  hum 
conto,  ix  cem  mil  homens,  &  foraõ  cativos,  Sc  fe 
venderão  noventa  ôc  lete  mil.  E  fesundo  diz  Eu- 
kbio ,  &  Paulo  Oroíio ,  morrerão  feilcentos  mil 
homens  de  peleja. Aconteceo  eltc  caftigo  taó  juf- 
to  &  íanto  por  Divina  promiflUó  ,  conrraaqueile 
pertinaz,  &  rebelde  povo:  lendo  alfim  profetiza- 
do ,  &  chorado  peloi  Prophecas ,  U  peio  mefmo 
Chnfto  Deos,  6í  Senhor  noílb  dito  ,  Òc  declarado 
a  léus  Diícipulos ,  encarccendolhc  elles  as  gran- 
dezas da  CiJadc  de  Hierulalem,  ôc  a  mag^niHcen* 
cia  dos  Ediricios  do  Templo  ,  como  o  contaó  os 
bagrados  Evangeliílas  largamente  ,  iVlatdi.  24. 
Mwic.  1$.  Luc.zí.  E  porque  he  matéria  larga  re- 
nttto  o  icyfor  a  Jolepho  iiv.5.que foy  teftemunha 
devifta,  Òcque  tratta  muytociegunte,  ^  verda- 
devraraente  eltamatenano  lusar ul ieiiado.  Ei2.e- 
íippo  liv.  II.  &  Corneho  Tácito,  òc  i^edro  Me- 
xia na  vida  de  Vefpaliano. 

118 

PA  (fada  epa  tãopfofpera  vitoriaj 
Tornado  Affonfo  à  Lufitana  terra ^ 
Afe  lograr  da  paz  com  tanta  gloria^ 
Sluant a  foube  ganhar  na  dura  guerra', 
O  cafo  trijfe,ò  dino  aa  memoria, 
^edo  fepukhroos  homens  dejenterra^ 
ykonpeceo  da  tnifera,^  mefquinba, 
^le  de f pois  de  [er  morta  foy  Raynha. 

Vaffada!  efla  taÕ  profpera  vittoria.  Começa  aqui  o 
poeta  a  contar  o  calo  defcíf  rado  de  Dona  Inez  de 
Caftro,huma  Fidalga  muyto  principal,  &  de  que 
o  Infante  Dom  Pedro  filho  quinto  d^El-Rcy 
Dom  A íFonfo o  Quarto  oyrav  o  de  Portugal,  mas 
lierdeyroj&c  fucellbr  deíles  Reynospor  terem  os 
outros  írmáos  fallccidos,  tinha  já  filhos,  6i  dizem 
cftava  íecretamente  cafado  com  ella  ,  depois  da 
morte  de  fua  molher  Dona  Confiança  Manoel, 


Camões  X2ommentâà0s\ 
que  fora  erpolada  com  El-Rcy  Dom  Afíonfó  on^ 
zeno  de  Gaftella.Eíta  Dona  Inez  era  parenta  def* 
ta  Senhora  DonuConltança,  pelo  que  viera  com 
elladeCaltella  >  ôc  foy  fua  comadre  do  pnmcyro 
lilhosque  do  Infante  pario.E  como  cila  era  muyto 
fermoía,  ^aviiada, morta  Dona  Conílança,  o  lu- 
fantedetermmou  calarfecom  ella  ,  comodizeni 
que  o  era  Íecretamente:  mas  vivia  com  ella  publi- 
camente, com  grande  delgoílo  do  pay,  &:  clcan- 
dalo  da  gente  ,  naó  querendo  por  nenhum  caio 
caiar  com  molher  alguma  ,  de  que  todooRçyno 
tinha  grande  deigolto  :  pelo  que  iendo  o  infante 
aufentê,  El-Rey  leu  pay  lefoy  a  Coimbra,  aonde 
cila  eílava  nos  paços  velhos  de  Santa  Ciara,  ôc  alli 
a  mandou  matar  ,  o  que  foy  caufade  EUj[l.ey  ter 
depois  muycos  enfadamentos,  Sc  deigoílos  com  o 
Infante  leu  filho  ,  quejunto  comes  irmãos  de 
Dona  Inez ,  vieraó  de  Caitella  a  Portugal,  Sc  fize-^ 
raó  muyta  guerra  ,  &C  dano  agente  ,  5c  terra,  mas 
como  o  tempo  cuia  tudo  ,  também  fez  íeu  oíficio 
entre  eítes  Senhores, que  os  uquietoUkE  ainda  que 
o  infante  depois  de  feyta  a  paz  entre  elle.vk  o  pay, 
naó  moitrou  publicaruente  o  ientimentoque  na 
alma  tinha,pelamoite  daquella  Senhora, que  elle 
tanto  amava.  Todavia  como  teve  o  leme  do  go* 
verno  nk  maó>  &  foy  levantado  por  Rcy,  que  foy 
em  Lisboa  no  mezde  Mayo  de  1557.  lendo  já  d« 
idade  de  trinta  Sc  féis  annos ,  Sc  havendo  doze  que 
era  viuvo  da  Infanta  Dona  Confiança  fua  mo* 
Iher  ,  deu  ordem  para  ha  ver  â  maó  os  autores  da, 
morte  de  Dona  Inez  de  Callro.  E  porque  íe  ha- 
viaó  acolhido  aCaítella,temeroíosdoque  lhe  po- 
dia Ibceder  ,  fez  El-Rey  Dom  Pedro  concáiròi 
com  leu  fobrmho,  também  do  meftno  nome  de  al-^ 
cunha  o  cruel,quc lhos  cniregaíle. Elles  craò  hum 
Álvaro  Gonçalves  ,  que  fora  Meyrinho  mòr  de 
íeu  pay,  Fero  Coelho,  Sc  Diogo  Lopes  Pacheco» 
Ao  pêro  Coelho  mandou  El-Key  tirar  o  coração 
pelos  peytos ,  Sc  a  A'varo  Gonçalves  pelas  coitas, 
citando  elle  cm  Santarém  ,  Sc  depois  os  mandou 
queymar.Diogo  Lopes  Pacheco  le  íal  vou  em  Cal» 
leliaem  hábitos  de  Peregrino. Depois  diílo  publi- 
cou poriua  molher  adita  Dona  Inez,  eílando  em 
Cantanhede,com  Tabaliaó,&  teilemunhas,  conio 
em  vida  de  feu  pav  a  recebera  em  Br:igança,eíban-. 
do  preiente  Dom  Gil  Bilpoda  Guarda  ,&  outras 
muytas  pcíToas  nobres ,  &  honradas ,  de  que  fez  o  ^ 
Elcrivaó  hum  auto  publico  ,  Sc  todos  os  outros 
exames  ncceílarios  ,  para  moilrar  como  fora  íua 
)TJolher,moílrando  também  a  difpenfaçaó,  que  do 
Summo  Pontífice  houvera  por  lercomadre  ,  ÔC 
parenta,  aííim  lua  como  de  Dona  Conilança  Ma- 
noel fua  molher  ,  como  nas  (>hronicas  largamente 
fe  tratta.Feytaseílascoufas  todas, mandou  mudaf 
o  íeu  corpo  de  Santa  Clara  de  Coimbra ,  aonde  ci- 
tava enterrado  ,  para  o  Moíleyrode  Alcobaça, 
com  grande  pompa,8c  aparato  ,  acompanhada  de 
Jiilpos,  Clérigos,  6c  Religiofos  de  todas  as  ordens» 
&  molheresprincipaes  ,  aonde  foy  poilacmhuma  — - 
fcpulturade  alabaílro  muyto  fermofa  ,  &poilo,.^j 

feu 


Canto  Tèrceyrô^  i\\ 

íew  rctratto,  com  íníignía,  &  Coroa  de  Rayníia 

na  cabeça.  Quanto  aos  filhos  que  tinha  da  dita  \  t  i 

Dona  Inez,  mandou  que  folfem  chamados  Infan- 

tes ,  ainda  que  nunca  pode  haver  de  Roma  legiti-     "T^XO^utras  hellas  fènhoras^&  ^rhlcezaf^ 
niaçaó  para  í  lies ,  como  todas  cilas  coulas  fc  con-     X— ^  Os  defejados  thalafnos engeyta^ 
them  largamente  nas  Chronicas  do  Reyno  ,  &  o     ^e  tudo  emfim^tupuro  amor  dejprezas^ 
lib  Poeta  o  cratta  aqui  larga,ôc  diítma^mente.     ^^ando  hum  gojfofuavetefugeyta: 

Vendo  eftas  namoradas  eflranhezas^ 


110 


1  1.9 

T^fó  tu  puro  amor^  com  força  crua, 
^c  os  orações  humanos  tanto  obrigay 
'Dèfte  cauja.  à  mole  fia  morte  fm. 
Como  fe  for  ^  pérfida  infmiga: 
Se  dizem  fero  amor^  que  a  fede  tua 
Mem  com  /arrimas  trtjhsfe  mitiga, 
He  porque  queres  afpero,&  tyran?^ 
Xuas  aras  banhar  emjangue  humano* 

Tu  fo  tupuroamor.M-^^ri  neftaoytava  o  Poeta, 
como  a  morte  de  Dona  Inez, Sc  todo  leu  mal  pro- 
ccJco  do  amor  ,  que  teve  ao  Infante  Dom  Fedro, 
o  qu.il  Ic  naó  fora,  naó  viera  áquelle  eftado.  Do 
amor,Screu  poder  tratey  largamente  no  legundo 
Cânto,oytava  54. 

110 

EStavas^  imda  IneZj  pofla  em  fo[fe^o, 
^  et  eus  annos  colhendo  o  doce  fruto  j 
JSlaquelle  eftgano  da  alrna^  ledo,&  cego^ 
§ue  a  Fortnni  naõ  deyxa  durar  muyto: 
H^is  fauàofos  campos  do  Mondego^ 
*pe  teus  fermofos  olhos  nunca  enxuto^ 
Aos  montes  enfinando^ò" às  ervilhas^ 
O  nome,  que  nopeyto  efcrito  tinhas^ 

O  nomt  ejue  no  peytp  efcritto  tinbai.O  nome  do  In- 
Intante  Dom  [•'cdro  a  quem  muyto  queria. 

I  II 

DO  teu  'Príncipe  a/li  te  refpondiao 
As  lembrãças^q  na  alma  lhe  moravao^ 
^tefenipre  antefeus  olhos  te  trazíaõj 
fiando  dos  teus  fermofos  fe  apartavao: 
lye  noyte  em  doces  fonhos ^  que  mentiaoy 
*De  dia  em penfamentoSique  voavao, 
E  quanto  em  fim  cuydavaJS  quanto  viaj, 
Erào  tudo  memorias  de  alegria, 

'Eraoluâo  memoriai  de  alegria»  Os  queamaõpor 

mais  tormentas  ,  Sc  contraltesque  haja  ,   lemprc 

■ndâõ  alegres  ,  porque  de  tudo  fazem  matéria  de 

alegria;  Veia-fea  nollaannotaçaó  no  canto  oyta- 

vo,oytava.86. 


O  velho  pay  fe  judo  %que  refpeyta^ 
O  murmurar  do  povo  j&  fant  afia 
T>o filho ^que  ca/arje  não  queria, 

Oi  defejaioi  thalamtt  engeyta.  Como  era  ca  fado 
cncubeitamente  com  Dona  Inez  de  Cattro  naó 
falava  a  propolito  de  cafamento  com  o  pay.  Tha* 
Íamos  defciados  ,  bodas  delejadas.  Porque  como 
tinha  fuaaífeyçaõ  em  outra  parte  ,  naõ  dava  ore* 
lhas  aos  cafduicncosj^uc  lhe  traziaó. 

125 

Tirar  Inez  ao  munda  deter  mina  ^ 
Tor  lhe  tirar  ofilho^que  tem  ^tefio% 
Credo  CO  o  fangue  Jó  da  morte  inatna 
Matar  do  firme  amor  o  fogo  acefo: 
^e furor  confentio^que  a  ejpada  finai 
^epodefufientar  v grande pefo 
'1)0 furor  Mauro Jo^e levantada^ 
Contra  huny^fraca  dama  delicada; 

Tifat  tnezao  mundo  determina»  O  intento  d^Et* 
Rey  Dom  Aífonlo  era  matar  Dona  Inez  ,  para 
defta  maneyra  ficar  leu  filho  delembaraçado  ,  5c 
livre  delia. 

Do' furor  MatêTo,  Da  fúria  dos  Mouros.Nota  da 
doudice  eíleícyto  da  morte  de  Dona  Inez,  pois 
hum  Rey  taó  Cavalleyro,  &  taó  coílumado  a  ma- 
tar  infisis,  &  Mouros  ,  ulou  de  huma  taógrands 
cruclu<ide,como  hc  matar  huma  molher* 

1 14 

TRaziãona  os  borrtferos  algozes- 
Ante  o  Rey^jâ  movido  apiedade^ 
Mas  o  povo  com  f alfas  ^tè  ferozes 
Razões ^a  morte  crua  o  perfuade: 
Ella  com  triftej&  piedofas  vozes^ 
Sahtdãsfó  da  magoa  tè  faudaae 
T>o  ftu  Trtncepe,\£plhos,que  deyxaval 
^te  mais  que  apropia  morte  a  magoava^ 

ylnte  o  Rey  j4  movido  a  piedade.  Próprio  he  da 

gente  nobre  dobraríc  da  lua  payxaô  ,  &  por  mais 

afrontas  que  lhe  façaô,tt  r  mifcncordia,&  piedade, 

o  que  he  contrario  em  gente  bayxa  ,  que  nunca 

elquccem  oá  aggravos  que  lhe  fazem,  Ilio  he  adàs 

labtdo« 

Horii^ 


ÍÍ2  _  Lufiaâas  de  Ltiis  de 

tiorrijicos  eilgozth  Cruéis,  Sc  temcroíos, 

115 

P^ra  o  Ceo  criftalino  alevantando 
Com  lagrimas  os  olhos  pie  do fos. 
Os  olhos jf>or que  as  mãos  lhe  e fiava  atando 
Hum  dos  duros  mintfiros  riguro^os: 
£  depois  nos  meninos  atentando^ 
^í€  taõ  queridos  tinha^^  tao  mimofos: 
iuUJa  orfandade  como  mây  remia, 
Ifaraoavó  crueíajjidtzia, 

"Paracavolcruel.  Chamai he  cruel,  porqiie  algu- 
mas coulas  tinha  deftemiftcF,  pelo  que  uíou  com 
l€u  pay  ,  êcirmaó  ,  &  ultimamente  com  Dona 
IneZr 

Oí  olhos ,  pw^M8  «n  79t4âs  (he  eftava  atando.  Efta 
repotiçaó  dos  olhos  hehuma  hgura  de  ihetorica 
muy  ciegante.Daqualulaô  os  Poctas,Sc  oradores 
para  moítrar  algum  effeyro  ,  &  payxaódaalma, 
repetindo  humacoufa  duas  vezes,  5ctres,ou  mais, 
como *quií"e2  o  Poeta  ,  dizendo  no  verfo  anies; 
Com  lagrimas  os  olho§  piadofos:  começa  o  outro 
verfo,  os  olhos,  a  imitação  de  Virgiiio  liv.  2. 
^neid.o  qual  trattando  de  Caflandra  filha  de  Pri- 
amo  Rey  de  Troya  ,  dizaflim. 

Eíce  trahthatwr  pa(fii  'Priameitt  virgo 
Crimhm  a  tem^  Calandra ,  aàitifcjm  Minerva; 
jldCalum  tendem  ardentialumtna  fruflra, 
Lumitta,  namttmrat  Attthúnt  vincula  paltxgs* 

Eis  aqui  (diz  Virgilio  trattando  da  çntrada  dos 
Oregos  nos  paços  de  Priamo  Rey  de  Troya  )  tra- 
aiaó  do  templo  de  Minerva  a  Caflandra  filha  de 
Priamo,  com  os  olhos  levantados  para  o  Ceo:  com 
os  olhos  ,  que  as  mãos.  hiaò  atadas  de  modo  que 
as  naõ  podia  ella  builir. 

SEjãnas  brutas  feras^cuja  mente 
Natura  fez  cruetde  najcimentoi 
E  nas  ofves  agrefies^que  fomente 
Nas  rapinas  aertas  tem  o  intento: 
Com  pequenas  crianças  vio  agente^ 
Terem  tãopiedofo  fentimento. 
Como  CO  a  mãy  de  Ninojã  mo/fràrao^ 
£  cos  irmãos ^que Roma  edificarão. 

Como  CO  a  may  de  Nino.  A  mãy  de  Nino  he  Semi- 
ramis,da  qual  jifi^caditoalgunfyacoufa  neíleean- 
lojoytava  99.  Quanto  ao  propofito  defta  oytava 
le  note  ,  q,ae  elia  Semiramis  máy  de  Nino  Rey 
dos  Aflirios  toy  filha  d«  huma  Derceta  ,  a  que  al- 
guns chamaó  Acergate.  Fingem  os  Poetas ,  qoc 
pombas  a  criàraô^^c  porque  em  lingua  Syriaca  íc 


Qamões  Commentadesl 

chama  a  pomba  Semiramis  ,  daqui  tem  ellaefte 
nome.  llto  dizem  os  Poetas  de  Semiramis,  ôciílo 
quiz  aqui  mortrar  o  noíib  Luis  de  Camões.  O 
que  tudo  he  fingido,  porque  nem  Semiramis  foy 
criada  de  pombas,  nem  a  pomba  le  chama  em  Sy- 
riaco  Serniramis,renaóOía,E  quanto  a  mim, com 
mais  razaó  fc  lhe  podia  dar  o  nome  Semiramis  de 
Samir  ,  que  quer  dizer  diamante,  aíiimemHe- 
breojcomo  em  Syriaco,  pelo  grande  esforço  que 
teve,da  qual  dizBerolb  liv  4.eftas  palavrab:g«<ír- 
10  loco  regnavit  StmiraiTiii  Nwt  uxor^rjua  rei  mtUtarit 
ferttta^divtttif  ^&  trttímfhu  munui  Aíonarchasemnes 
antecdíutt.  No  quarto  lugar  reynou  Semiramis,  a 
qual  paflbu  por  todos  os  Monarchas ,  na  milícia, 
riquezas, ÔC  tiiumphos.  Ovídio  nas  Metamorpho- 
les.  6c  outros  dizem,  que  depois  de  Semiramis  ter 
fcyto  coufas  finaladas  na  guerra  ,  ocos  muros  de 
Babylonia  acabados  ,  vendo  que  feu  filho  Nino 
lhe  armava  trayçaó  para  a  matar,  chamou  os  feus, 
6c  lhe  fez  huma  pratica  cm  que  lhe  encomendou 
muyio  obedcccllem  com  amor ,  &  lealdade  a  leu 
filho ,  naõ  fc  lenibrando  dos  aggravos  que  lhe  ti- 
nha fey  to, Sc  quepa{]í».doifto,quedefaparcceofey- 
ta  pomba  entre  humas  pombas  que  lhe  entrarão 
pela  porta ,  &  acrecentaõ  que  eíta  he  a  razaó  por- 
que os  moradores  na  Syria  (  que  hoje  chamamos 
Suria)naõ  mataó  as  pombas, antes  lhe  tem  muytom 
refpeyto ,  6c  reverencia  ,  dizendo  que  Semirairiis 
fija  Raynha  foy  convertida  cm  pomba.  Foy  Se- 
miramis Senhora  de  toda  a  Afia,  fâl voa  índia,  a 
qual  nunca  pode  fogeytar, entrando  muytas  vezes 
nella  com  grande!» exércitos,  como  fica  dito.  Vi- 
vco  feflenta  &  dous annos,  dos  quaes  rCynou  qua- 
renta 8c  dous,  como  dizem  os  que  delia  falaó. 

E  coi  irmãssy  e^ttt  Roma  edificarão.  Eíles  faó  Ró- 
mulo ,  ôc  Remo,  dos  quaes  conta  Títolivio  ,  que 
fendo  lançados  na  praya  do  rio  T)  breem  huma 
lagoa  por  mandado  do  Key  da  terra ,  por  ver  que 
eraó  filhos  de  huma  virgem  Veltal  chamada 
Rhea,  que  contra  a  ordem  ,  &ley  de  fua  vida  fe 
havia  miílurado  com  homem, huma  loba  chegan- 
do ahi  a  calo  obrigada  da  lede  ,  &  vendo  os  mini- 
nos  lhe  deu  de  mamar,  Sc  depois  achandoos  huni 
paftor  chamado  Fauítulo,  oslevouaruacaGi,  5cos 
entregou  a  fuamolhcr  chamada  Laurencia  para 
os  criar. 

O  Tu ^que  tens  de  humanoogeflo^  ^/O'^^», 
(^Se  de  humano  he  matar  húa  donzelU 
Fracai&  fem  força  fò  por  ter  fugeyto 
O  coração ^a  quem  Joube  V(  ncelía) 
jíe fias  criancinhas  tem  re/peytOy 
Tois  o  naõ  tens  d  morte  efcura  de  lia  j 
Movate  a  piedade  Jiiay&  minha, 
Tois  te  não  m^ve  a  culpa, qm  não  tinha^ 


ii8 

ESe  vencendo  à  Maura  re0encla, 
Aínortefahes  dar  com  fogo/S  ferrúi 
Solhe  também  dar  vida  com  clemência ^ 
Jlqíiem  paraperdtlla  não  fez,  erro: 
Mas  fe  to  ajfl  merece  efta  innocencta^ 
Toemme  emperpetaOi&  mifero  dejierrê 
Na  Scythia  fríUiOu  lâ  na  Libta  ardente^ 
Onde  em  lagrimas  viva  eternamente. 

Na  Seytbiafria^ould  na  Lybia  ardente.  Chirtlâ  â 
terra  de  Scythiafria  ,  por  Ter  terra  Septentrional, 
aonde  pela  falta  do  Sol,  a  terra  he  tVigidiílima;  A 
Lybia  quente  ,  por  íer  regiaõ  de  Africa  cali- 
djífima  ,  Sc  aqui  a  toma  geralmente  por  AfriCJ» 
coftio  hc  collume  entre  os  l^oetas. 

|! 

■^  1 19 

1'\  Oemme  on  de/e  ufe  toda  a  feridade^ 
Entre  LeoéSy^S  TigreSi&  verey 
Ò€  nelles  achar  po^ o  a  piedade^ 
Sitie  entre pey tos  humanos  naõ  acheyz 
Mili  co^  amor  intrin/eco^  ^  vontade, 
Jsíaífuelle,  por  quem  morro ycriarey 
Eftas  relíquias  fuaí^que  aqui  vifle^ 
^e  refrigério  fejaé  da  mày  trifle^ 

E^as  reliijHÍaifuaí.  Dizendo  eflas  palavras  mõf* 
trava  feus  íilhos,que  por  relíquias  entende. 


CmtoTerceyto^^"''^  ^ 

Na  mi  fera  mãy  poflot  \que  endoudece^ 
Ao  duro  facnficiofe  oferece. 


«1 


I  ^o 

Queria  per doarlhe  o  Reybenino^ 
Movido  das  palavras  jque  o  magoaOj 
Mas  o  pertinaz  povO'i&  feu  dejfino^ 
(  ^le  dn  fia  forte  o  qtitz)lhe  naôperdoão: 
Arrancão  dasefpadas  de  aço  fino ^ 
Os  que  por  bom  talfeytoaílipregoãoy 
Contra  huma  dama^ó  piytos  carniceyrot^ 
Ferozes  vos  moJhaeSié'  cavalleyros? 


^  §ÍMal  contra  à  linda  rrioça  Vdicenê,  Achilles  filho 
dcThetis,  &de  Peleo, entrando  acalocmTroyá 
cm  tempo  de  tréguas  ,  vioa  Policenafilha  d^Ll- 
Rey  Priarao  ,  òc  afeyçooufetantoaella  j,  que  a 
mandou  pedir  a  leu  pay  ,  prcmetcndolhc  levantar 
o  cerco  de  Troya  ,  íe  ihe  concedelle  o  que  lhe  pe- 
dia,&:  como  depois  da  morte  de  Heytor  lucedeflc 
matarem  os  Gregos  também  a  Troy  lo  leu  irmâo^ 
depois  de  acabadas  as  tre^oas  enfadada  Hecuba 
detrminou  buscar  algum  meyo,  poroiidé  vmgalV 
Ic  a  morte  deíles  dous  filhos,&  toy  queelh  man- 
dou recado  a  Achilles  ,  que  lhe  queria  dar  íua  fi- 
lha Po ly cena  por  niolher,que  Ictoílb  íecrctàmen- 
te  ver  corri  ella,quefariaó  leuscohtertos/Achíilcs 
movido  mais  da  affeyçaô  •,  que  a  Policenatínhai 
que  da  razão  ,  &  conielho  que  em  tal  calo  era  nej 
cellario  ,  entrou  em  Troya  com  lò  Antilochofi^ 
lho  de  Neftor  com  fuás  capas,&  clpadas,&  citan- 
do no  Templo  de  Apollo,aonde  ellc  cuydava  que 
fehavira  de  caiar  com  Polycena,  entrou  Paris,  Ôc 
os  matou  a  ambos ,  como  conta  Ovidio  nas  Me- 
tamorphoícs  ,liv.  5.  Eftando  morrendo  Achilles 
encomendou  a  leu  filho  Pyrrho  procurafle  hauer 
Polycena  à  maó,  que  fora  caufa  de  fua  morie  ,  &:  a 
encerraíle  ao  longo  da  fOa  l<ípulrura,o  quePyirha 
fez  diante  de  íuamáy  própria,  como  conta  Virgí- 
lio na  lua  Eneida  liv.  5.  pag.  z6.  Higinio  diz  ,  que 
paliando  os  Gregos  por  junto  da  ícpultura  de 
Achilles  com  toda  a  preza,  que  levavaó  dè  Troya* 
AchiUcs  pedio  lua  parte,&:  que  os  Gregos  trattaa-^ 
do  comfigo,  o  que  lhe  dariaó  lhe  íacrihcâraõ  jun- 
to da  íepultuia  Polycena,  por  cuja  caula  ellc  tora 
morto. 


ToYCjue  a  fombra  de  Achilki  a  eondtna.  Os  Poetas 
chamavaóàs  almas  dos  mortos ,  umbras  ,  que  faô 
fombras  ,  como  aqui  ulou  o  Poeta  a  imitação  dos 
Antigos*  Virgílio  na  Eneida  liv. 6.  falando  do  in- 
ferno: Umbrarum  hichcitsefiJomnitn«ãít<jue {oporei 
&em  outras  rauy tas  partes  ,  &  outros  muytos 
Poetas. Eftc  lugar  he  das  fombras,àqui  mora  o  To- 
no, Sc^a  efcuridadc,  &  diz  que  a  lombra  de  Achil* 
les  condena  a  Polycena, pelo  que  fica  dito,  que  ha- 
via encomendado  a  Pyrrho  a  mataflcao  longo  da 
fua  fepultura  ,  &  lhe  fizeflem  delia  facrificio; 
Oi  fie  por  bom  tal  feyto  alli  pregoao.  Eftcs  foraÕ     Quanto  às  lombras  para  mayor  declaração  fe  no^ 

te,  que  os  Antigos  Philofophos  ,&  Poetas  diziaõi 
que  o  homem  tinha  três  coulas,alma  que  cm  mor- 
rendo o  homem  caminhava  para  o  Ceo  ^  corpo 
que  ficava  na  terra, &  huma  imagem  do  mcfmo  ho- 

a^  ,  mem  corporal,  mas  impalpável  ,&  como  hum  eí- 

Oal contra  a  linda  moça  Tilicerta^  pirito,quc  hia  ao  inferno,5c  efta  imagem  he,a  que 

.Confolação  extrema  da,  mãy  velha$  elies  chamavaófombra  ,  como  entende  quem  lé 

pelos  Poetas  Gentios,  Hlo  faõ  fabula>  de  ^entc 
cega,  &  torpe.  Nós  cremos  firme,  &:  verdadeyra- 
meiite  ,  que  hà  Parayloparaos  bons,  inferno  par*. 
os  mãos,  6c  purgatório  para  fe  purgarem  as  almas 
de  algumas  impcrfeyçôcs  vcniaes  ,  ou  das  penas 

P  ^0» 


principalmente  os  três  nomeados  atrás 

'M 

^Oal  contra  a  linda  moça  Tolicena^ 
.Confolação  extrema  dtt  mãy  velha% 
'Porqueafombra  de  Achiles  a  condena, 
Co  ferro  o  duro  Tirro  fe  aparelhai 
Mas  elía  os  olhos ^com  que  o  ar  ferena^ 
(Bem  como  paciente ^à*  manfa  ovelha) 


íujiaãds  àe  Lais  ãe  Camões  Co^mentados, 
dos  mortâes,qoe  le  deve  depois  das  culpas  perdoa-.    O  cheyro  trazpei  âiáo/§  a  cor  murchada, 
das,quandocâ  detodonão  íatisfizcraõacilas,por'• 
que  náo  he  licito  nem  decente 


que  váo  diante 
daquclíe  Senhor  perfeytiíTimOjque  criou  todaS  as 
coulas,ie  nâo  muyto  Iimpos^,6c  purifacados,&  cre- 
mos firmententc  que  hav  crnos  todos  de  rcíu Icitar, 
«íTim  mãos  como  bons  cm  noílos  corpos, para  par- 
ticiparem com  as  almas  da  gloria,  ou  pena,  con- 
íoruie  ao  que  cada  hum  obrou  neíla  v/da. 


Talejtd  morta  apallida  àonzellay 
Secas  do  roflo  as  ro/aSj& perdida 
Abr.AHcay^  viva  cor^co  a  doce  vida. 


I  3  i 

Aes  contra  Inez  os  brutos  matadores ^ 
No  collo  de  alabaftro^que  fofttnha 
As  obras ^com  que  amor  matou  de  amores 
A aquelle^que  aejpois  afez  Raynha: 
As  e/padas  banhando/3  as  brancas  flores^ 
^eella  dos  olhos  /eus  regados  ttnha, 
òe  ene  arniçavào  fervidos  ^Ó"  tvojos^ 
No  futuro  cajiigo  naõ  cuydofos. 


Sendo  àêt  mâ9í  lafcivas  mal  tratada  ,  da  mininaí  >■ 
Kiáoslafcivasneíte  lugar,  não  quer  dizer ,  mâo*^ 
deshoneíta9,cemo  alguns  calumniaóao  Poeta,  di- 
zendo ,  que  pois  as  máos  eraò  de  minina  ,  não  po« 
diao  fer  deshonellas.  Porque  ,  elle  quiz  aqui  ular 
da  palavra  laícivas  ,  mais  propriamente  do  que 

T-.  I     ^  ^    j  coliumaó :  toniandoa  no  leu  próprio  fienificauo, 

Aes  contra  Inez  os  brutos  matadores,        ^^^  ^^^,.  ^^^^^  ^  ^-^^  brincadoras  com  appctitc 
Nocollo  de  alabap o.que  foftinha  natura!  íem  ordem  ,  nem  concerto  :  comolaôas 

d«s  minimas  cm  colher  rolas :  não  attentando  ao 
iiiimo5&  refguardo  com  que  cilas  fe  querem  colhi- 
das.-íenaó  aoíèu  gofto  guiado  (ódoappctite  natu- 
ral indiftinftojpor  náo  terem  ainda  ufo  de  razaó. 
Que  tm  vez  de  as  colherem  lem  lhe  tocar  nas  luas 
ni imolas, &  delicadas  folhas:eíl'as  laó  as  primeyras, 
que  nas  mãos  aptrtaó  »  &  desfazem  :  conforme 
áquilio  de  Quintiliano  ,  i<ie  Ytcentfs  bujui  Ufdvia . 

j^cjmlk  <jut  defpoisafez,  Ra^nhaXí^e  he  o  Infan-     Pfcults  captt  ,  loluptate  cjuadam  prava  dtlwtantur. 

Dom  Pedro,  o  qUallevantadd  por  Rey,  pubii-     Como  fizeraõ,diz  o  Poeta,  os  que  matarão  a  Dona 

r^a^r.  r^^^^  u^^  Ai...  ^^ -     Jnezde  Caftro,  fem  refpeyiarcmao  mimo,  áxde-. 

licadtzadc  luapefioa  ,  6<:  ao  rclguardo  cm  queo 
amor  do  leu  Pi  incipe  a  tinha  ,  como  roía  não  to- 
cada de  outrem  mais  que  do  orvalho  do  Cco  j  a 
que  táoilluílrc  an^.or  não  fica  rral  comparado. 

/í  fa!líílaíIonz,elia.  Dona  Inez  de  Caítro  ,  cha- 
malhe  pallida>que  quer  dizer  aniaiclla,porque  tal 
íita  hum  corpo  delem  parado  da  alma:  diz  o  Poeta 
iTos  ultimes  verlbs  deita  oy tava:]:  erdida  a  branca, 
êc  viva  corcom  a  doce  vida  :  porque  juntanientc 
perdendo  a  vidapcrdeoacor  do  roUofermofaquc 
cm  vida  tir.ha. 

Donzilta.  Alguns  curiolos, ou  demaíiadamente 
cicrupulolos ,  noráraó  aqui  ao  nollo  Poeta  ,  por 
grande  impropriedade  ,  chamar  donzella  a  Dona 
JnezdeCaílro  :  ícndo  aílim,  que  elle  melmo  aca- 
bava de  dizer  na  oytava  pi ecedentc,queella  tinha 
ante  fi,  quando  a  mata'raó,^trcs  filhinhos,  que  pa- 


tê 

cou  a  Dona  lútz  de  Cáítro,cortJò  liCa  dir'<>,p7òi  íua 

rtiolher.  * 

135 

Em  puderas  J  So/jda  u'fl%dâjlesy 

Teus  Rayos  apartar  aquellediay 
Como  da/eva  me/a  de  Thyejies, 
guando  os  filho  f  por  ma  o  de  átreu  comia: 
p  òSi  ò  côncavos  VãUeSjquepude:f'es 
A  voz  extrema  ouvir  da  boca  fria, 
O  nome  do  /eu  Tedro^que  lhe  ouvijiesy 
5Por  muyto  gr  ande  e/pa  (o  repetijies, 

•  Como  da  fc-úa  mefa  de  Thyt^€S,'Thyeí\es  f  oy  íleto 
de  Tântalo  ,  taó  nomeado  nós  Poetas  filho  de  Pe- 
>ope  ,  &  Hippodamia,  teve  hum  irmaôpor  nome 
Atrcu  ,' com  o  qual  nuflca  tévekmizade  :  &  coriío 

ármbòs  eraõináos  (porque de  outra  maneyra  pôde     iJra  do  Infante  Dom  Pedro.  Partctndoihc,que  a 
icr,  que  não  houvera  tanto  ódio)  cada  hum  pro-     palavra  donzella  não  le  podia  attribuhir  ,  lenâo  a 

inolhér  quefollc  virgem:  com,o  parece  a  alguns^ 


que  nao  nouvera  tanto  oclio)  taua  num  pro 
curou  reconciliação  para  fazer  mal  ao  outto.Fey- 
^a  a  fingida  amizade  Thyeftes ,  commetteo  adul- 
tério com  a  molher  doirmaô  ,  6c  Atreu  lhe  deu  a 
elle  a  comer  hum  filho  leu.DcndecontãoosPoe- 
ías,  q  ue  paliando  o  Sol  por  onde  Thyeftes  eftava 
Comendo  o  filho,fugio  por  íe  não  inficionar.  Da- 
qui fe  chama  a  lua  meza  torpe,  5c  cruel,  como  lhe 


que  (vulgarmente  íè  ufa.  H  cfta  opinião  calum*  « 
nioía  lhe  nafce  de  duascoufas:  hun.a  he  não  que-  H 
rcrcm  acabar  comfigo  de  confcfiâr  que  o  noílb  ~ 
Camões  era  homem  Douto  em  varias  artes»; 
6c  íciencias  cm  que  elle  fala:  pois  em  todas  ellas, 
moílraler  mais  perito  qucmuyiosde  feusprofcl- 


íifqui  chama  o  Pocta.Seneca  faz  huma  tragedia  par-     íores,&  principalmente  cm  dar  epítetos  muy  pro- 
riculardifto.  prios  ,  8c  trazer  comparações  muyto  ao  natural» 

leva  ventagcm  aos  famofos  Poetas  que  o  mundo 
celebra.  E  chamar  elle  donzella  á  molhcr  que  elIc 
fabia ,  pois  aíTun  o  clcrevco  ,  que  parira  já  três  fi» 
lhos:  moftra  não  ter,  a  palavra  donzella,  por  infa^ 
lível  demoftradorade  molher  virgem  :  pcrque  de 
outra  maneyra,não  ha  mais  íer  tão  ignorante  que 
aflim  o  dcreveflc.  Mas  como  elle  devia  faber,  que 

a  oiigcui 


A 


S/i  como  a  bonina^que  cortada 


Antes  dotempofoy,candida/è  bella^ 
Sendi  das  mãos  lafcivas  mal  tratada^ 
T>a  wmna,que  a  trsuxe  na  capella: 


a  origem  (íeda  palavra  he  muy  dlverfa  do  que  os 
calumniadorcs  entendem  (que  he  a  fcgundacoufa 
que  elles  não  (abem  )  daqui  lhe  nafcc  ular  delia, 
iieíle  lugar,  cm  que  elle  queria  dizer  ,  que  Dona 
ínez  de  Caítro  era  Senhora  muy  to  mimofa.muy- 
lo  moca,  &  muy  to  fermola,  delicada,  &  tcnrinha. 


Canto  Terceyrol 


"f 


grimas  de  Dona  Inez  em  buma  fonte  chamada,{on* 
te  dos  amores,  pelos ,  que  alli  rcvc  com  o  Infante 
Dom  Pedro.  E.  como  as  Nymphas  do  Mondego 
chorarão  grandemente  íua  morte  ,  &  aufcncia. 
Eíla  fonte  nace  cm  hum  lugar  chamado  vai  de  In- 
terno ,  Sc  corre  por  bayxo  de  huma  lapa  muyto 
Porquea  todas  eftas  partes  le  eílendc  o  nome  don-  frelca,&:  dalli  vay  regar  a  horta  de  Santa  Clara,  5c 
zelIa.  O  qual  fegundo  Grammaticos  tamofos  le  pada  pelos  paços  da  Raynha  ,  aonde  Dona  Incz 
deriva  de  <^<»»í<«/<<,como  diz  António  de  Ncbrixa:  eílava.  E  porque  nefte  lugar  trattàraó  ellcs  feus 
por  fer  diminutivo  de  <^í>/i»<«4  ,  qucquer  dizer  Sc- 
nhora:co!no  diz  Joannes  Janneníis:  &  que  dellc  Ic 
diriva  também  </tf/»/»c//<t,  que  heomelmo,quc  Se- 
nhora piqucnina:  donde  diz  cllc,que  domiceUns^  é^ 
dowieella  etiam  eltcuntur  ptilchrt  juvems  magnatunt^feu 
itherorumi  ftve  fint  (ervuntesy  five  nênx  que  he  o  roef- 
nio  que  dizer,  que domieellui  ,  àcdomtcella  ,  donde 
V em  donzel,5cdonzella:rcch*maó  também  aquel- 
Jes  moçosjou  moças  termolas,que  refidem.ou  fer- 
vem em  cala  dos  grandes.  Como  antigamente  fe 
ufava  na  Cotte  de  Hefpanha  ,  aonde  a  eltes  moços 


amores ,  hoje  em  dia  le  chama  a  fonte  dos  amores 
por  cíle  refpeyto. 

I  3<> 

N^õ  correo  tnuyto  tempo^quea  vingança 
NâoviJfeTedro  das  mortaes  feridas^ 
^e  em  tomando  do  Reyno  agovernança 
A  tomou  dos  fugidos  homicidas: 
T)e  outro  Tedro  cruljffimo  os  alcança^ 
^ue  ambos  imigos  das  humanas  vidas ^ 
O  concerto  fizerão  durc,^  injuflo. 


JFidalgos,  que  íecnávaó  com  o  Princepecharaa 

váo  donzeles:  Sc  delles  havia  hum  regedor ,que  fe  ^e  com  LepidOi&  António  fez  Augujio, 
chamava  Alcayde  de  los  donzeles  :  fem  Ce  ter  rel- 
peyco  a  ferem  virgens:  Jc  fomente  o  attribuhiáo  a 
lerem  moços  Fidalgos ,  prezados ,  Sc  eílimados, 
fermofos  ,  Scc.  Como  também  era  Dona  Inez  de 
Ca(tro,que  era  nobiliííima,  moçamuytofermola, 
'Sc  delicada  ,  Scc.  E  neíte  fentido  o  dille  o  Poeta: 


Do  outro  Pedro  eruijjimo  os  fl/í4«f 4.  Atrás  diíTeraoí 
coroo  El-Rey  Dom  Pedro  de  Portugal  fez  con- 
certo com  El-Rcy  leu  íobrinho  de  Caftella ,  cha- 
mado Dom  Pedro  o  cru ,  que  lhe  entregafle  os  ma- 
tadores de  Dona  Incz  ,  que  andavaó  cm  íuas  ter- 


pois  em  outro ,  era  disbarate ,  Sc  ablurdo  grandif-     r^s  ^  g^  que  elle  lhe  entregaria  huns  Fidalgos  Caf- 

"-'^  '-       '  telhanos,  que  em  Portugal  andaváo  homiziíidoí, 

E  defta  maneyra  fe  vingarão  deftes  homens ,  a  que 
tinhâo  má  vontade ,  porque  naturalmente  ambos 
eraó  inclinados  á  juftiça. 

§iue  com  Lefido  ,  c?*  António  fez,  /lugufio.  Eftes 
fendo  inimigos  Capitães  ,  fizerúo  huma  liga  ,  Sc 
concerto  entre  fi  ,  no  qual  náo  pretendião  outra 
coufa  mais  ,  fe  náo  vingarfe  cada  hum  de  feus  ini- 


fimo,  que  de  tão  grande,  5c  tão  bom  cultivado  cn 
tendimentoem  todas  as  boas  artes  ,  Sc  fciencias, 
náo  te  pôde  preíumir. 

Acrelccntafe  a  illo ,  querer  o  Poeta  nefte  lugar 
mover  a  compayxáo  os  ouvintes ,  da  cruel  morte 
que  deráo  a  Dona  Inez  Je  Gaftro,  fendo  táo  mo- 
Ça,  táo  termoía,  táo  delicada  ,  táo  mimola  ,  Sc  táo 
illultre  ,  Sc  náo  tocada  de  outro  algum  homem: 


fcnàodo  feu  Dom  Pedro,  que  era  Princepc  de     n»igos,  Separa cffcytuarem  iftocílivcráo  ires  dias 

en»  huma  ilheta  que  o  rio  Cavino  faz  entre  Bo- 
lonha, Sc  Peroía,  nefta  iua  junta  partirão  primey- 
rameiíte  o  Império  Romano  entre  li,  fegundaria- 
mente  trattaráo  o  modo,  que  haviaó  de  ter  em  íe 
vingarem  de  feus  inimigos ,  Sc  para  iílb  acertarão 
que  cida  hum  havia  de  entregar  ,  o  que  liveílè  em 
leuexercito,aindaquefoflefeu  pay.  Coufa  certo, 
veroonhofa  ,  poispefava  mais  com  cllcsodefejo 
da  vingança,que  a  obrigação  de  fuás  pellbas.Ncl- 
ta  volta  deu  Marco  António  hum  feu  tio  irmão 
de  feu  pay  :  Sc  Lépido  hum  feu  irmáo  ,  ScOda* 
vianoaMarco  TuIio  Cicero  ,  a  quefcmpre  cha- 
mara pay  ,  Sedo  qual  fora  trattado  como  filho, 
alem  delles  foraô  outros  muy  tos»  a  que  Plutarcho 
dá  numero  de  Trezentos.  T>tolivio,Sc  Floro  trat- 
lando  delles  náo  finaláo  numero. 


Portugal ,  que  a  tinha  até  aquella  hora  ,  táo  guar- 
dada ,  relguardada,  recolhida,  táo  mimofa ,  Sc  efti- 
mada  :  comocftâ  humafrelca  rola  entre  as  efpí- 
íihas :  que  lo  do  rocio  do  Ceo  he  tocada,  como  o 
melmo  Poeta  aqui  o  declara  na  comparação  da 
roía  de  que  ufa  ,  com  muyta  "eloquência ,  Sc 
brandura ,  Sc  propriedade. 

M5 

AS  filhas  do  Mondego  a  morte  efcura^ 
Longo  tempo  chorando  memorarão^ 
Epor  memoria  eterna  emfonte  pura^ 
As  lagrimas  choradas  transformarão: 
O  nome  IhepuzeraÕjque  inda  dura, 
'Dos  amores  de  inez,  que  aUipaffarão^ 
yede, que  freCca  fonte  rega  as  flores, 
^e  lagrimas  fão  agoa^à*  o  nome  amores. 


137 


-^  ^  r^,  ,    X^  Stecalfi^adorfoyrigurofoj 

.nr^LT^T"  "'T  '""  ^''"'  r'-  ^}'^r\''     K  Tie  latrocínios, m6rtes,&  adultérios; 
mtchnge  aqui  o  Poeta  a  transformação  das  la-     •*-^  ^  **     _     *  r-      ^ 


mente 


í>rS 


é^a&êrmí  mãds  nuezasifero/è  trofi^ 
^rãot)S  feíismais  certos  refrigérios: 
As  (Cidades guet rdandojujiiçoJOy 
"^e  todos  ús/oberbos  vituperiosy 
^MsUàr'aes€a(iigãndoã  morte  deo^ 
Mji^^i  vaguífundu  AUid^s^  oH  T/^efeõ, 


Lu  fiadas  de  Lnís  de  Camões  Comm  enfades. 


kii  Rcyno  ,  cm  tanto  que  dcyxou  entrar  os  Caí- 
lelhanos  até  Lisboa,  a  qual  deílruhiráo  ,  &  quev* 
fiiáraó  toda  ,  &  puferáoen)  gtande  aperto  lodo  o 
Reyno  ,  Ic  não  vieia  de  Roma  hum  Cardeal  Le- 
gado a  faz«r  as  pazes  cncrc  ciie  ,  ík  El-Rcy  Dom 
Hcnnquede  Caftella. 

€^e  hum  fraco  Rey  'fax,  fraca  a  firtt  gente.  Os  La« 
tinos  trazem  hum  dito  muyto  uzado  ,  o  qual  Ic 
Efiecafligaáor  fof  rigurofo.  Conta  a  Chronica  dei»  refere  nas  Chiliadas  ,  &  póem  entre  os  mais  Pro* 
*€  Key,  que  todo?  os  vícios  caíiigou  muy  riguro-  vcrbios  :  Dux  hnus  bonHm  pra/iet  comttem,  O  bom 
íanunie  ,  lem  afícyçâo  alguma,  fiem  cxcey^áo  de  Capitão  faz  o  bom  tompanhcyro  ,  Sc  não  diz  loU 
|)cl]oa  por  muyto  principai  que  Foíle  ,  ôc  que  era  dado,  fenãocoropanheyro:  porque  como  o  Capi- 
tão contrario  de  ladrões,  6i  nialfeytorcs,que fazia  láo  nâo  trattar  o  loldado  como  conipnhcyro  ,  & 
« impoflivel  ,  labendo  de  algun« ,  para  os  haver  as  o  Rey  naó  tor  pay  do  valíalo  ,  &  o  Prelado  irmão, 
^tiiáos  ,  .&  amda  quctítiveílc  ientado  â  mcza,  dan-  de  ku  fubdico,  tudo  k  perdera  muyto  deprcfla.E 
^olhe  nova  que  lhe  traziáo  algum  ,  lelcvantava     ie  0  Capitão  fer  fraco,  torçozamence  os  loldados 


'logo  para  o  mandar  caíligar.  A  c:íle  piopoíitofe 
cícrevcmgrandcs  couías  ucllc  ,  quelepóJem  ver 
na  fua  Chronica. 

§^«í  6  VAgahund»  Akidts^«H  Tbefeu.  Compara  El- 
Rcy  DoHi  Ftdrono  modo  de  dcíl:errar,6c  deftruir 
aiiidrôescom  Hercuks  ,  ^Ti>cleu,  queforâo 
dous  Cavalleyros  Gregos  do  meímo  tempo,  6c  pa- 
líeines.dos  quac*  fe  tfcrevem  grandes  maravilhas. 
A  Hercules  chama  Alcides,  porque  íoy  neto  de 
Alceo.  Dcíle  Herculfô  trattcy  atrab  neltc  Canto, 
oyiava  jS.c.z.  &  os  livros  dos  Poetas,  6c  Hiítoria- 
aorcs  eítáo  ch-cyos  das  couias  deites  dous  C  íival- 
Icyros. Vagabundo  chamão  os  Poetas  a  Hercules, 
jcon.Q  siqui  lhe  chama  Luís  de  Camões  ,  porque 
scprieo  o  mundo  buícando  aventuras  ,  Òí  brigas. 
Tieleu  filho  de  Egco  Rey  de  Athcnas  matou  trcs 
Jadróes  (como  conta  Ovidio  na  carta  Phewira  a 
Hjppolito,  Scyron  Procuífcs,&:  Scims  que  íaziáo 
gí-ajidçs  males  no  mundo. Fx^y  ao  inferno  cym  íeu 
jWTpigoPeríthooafurtara  moihcr  dcPLtáo  Rey, 
^  benhordaquelle  tnltc,^^cfcuro  Reyno.  Matou 
o  Minotauro  de  Cindia,  &  ícz  na  vida  outras  cou- 
ias dignas  de  memoria,  que  Ic  pódcm  ver  em  Plu- 
lírchonaluavida. 


o  haó  de  (er,  porque  o  bom  Capitão  faz  a  boa  gen- 
tCjComodiz  Pluiarcho  na  vidadeLicurgo,  ôcda»  || 
qui  na  ceo  outro  dito  que  alguns  querem  aítri-  " 
buhir  àqucUe  grão  Capitão  Themlílocles  :  Mdtêr 
«fl  cerxioram  exerehui  dusc  letneitjuam  ieonum  duce  cer- 
vo.  Melhor  hc  hum  exercito  de  cervos  com  hum 
Capitão  leaõ  ,  que  hum  de  leões  com  hum  Capi^ 
tão  cervo. 

135? 

01)  foy  cajiígo  clavo  dopeccado 
IDe  tirar  Ltonor  a/eu  marido 
h  cafarfe  co7n  e//atde  eríUvado 
Nur/.fa//oparecer,maUfitefidido: 
Ou  foy  j  ^ue  o  coraçaôJugeyíOj&  dado 
j^o  vicío  vtljde  qntm  fe  vto  rtnáidoj 
Molle  fe  feZiò  fracctè  hemparece^ 
^e  hum  bayxo  amor  os  fortes  enfraquece. 


De  tirar  Leanor  a  feu  marido.Kííe  Rey  Dom  Fcr* 
nando  etlando  conirattado  com  El-Rey  Dom 
Henrique  deCaílellade  cafar  com  u  Infanta  Do- 
na Leanor  fua  filha  ,  parecendolhc  nitlhor  huma 
mo)  hcr  caiada  ,  &  fidalga  chamada  Dona  Leanor 
Telles  de  Menezes  a  tomou  a  íeu  marido  Lou- 

DOjUp,&  duro  Tedro.nafceO  brando^       renço  Vazda  Cunha,bom  FidaIgo,&  íeu  vafiallo, 
(kede  da  natureza  o  eíefconcertó)  &  fe  cafou  com  ella  com  grande  vitupério  íeu  ,  & 

contradição  do  povo ,  pelo  que  não  lho  quiz  con- 
fentir  ,  &  aílim  fe  fizeráo  muytas juntas  para  lha 
titar  decaía  ,  ficcomoclle  lhe  nâo  podeíle  icfiílir 
em  Lisboa ,  recolheofe  fugindo  da  furia  do  povo 
á  Cidade  do  Porto,aonde  cfcapou. 

^«e  hum  bayxo  amor^  aoi  fè^tet  enfraefuece-  Co  m  O  ^ 
fabemcs  pela  lição  dos  livros,&  nos  enllna  a  cxpc- 
riencia.gente  muvto  nobre,&  fcientifica/az  muy-j 
^  Do  ;«/?o,  ^  dure  na fce  o  brando.  Depois  da  morte     las  cou  las  mal  feytas  forçada  da  âffcyçáo,&  amor  J 
d-bJ.Rcy  DoiTí  Pcdio,que  ^oy  em  Eftremoz,  hu-     ao  qual  com  muyta  razão  chama  aqui  o  Poctaj 
ini  íegundafeyraa  i8.de  Janeyro  de  i557.írndode     bayxo,  pois  faz  aos  homens  fazer  biyxezas:  comd 
idadede47.annos,6ci>ovf  me7es  ,dos  quacsrcy-     SaUmão, hum  Rey  tãoSabio,  quclcperdeo  poí 
noudczannos,ôcoyromezes,&  eífá  lepultadocm     amor  demolhercs  ,  &  hoje  cm  dia  não  ha  certeza 
Alcobaça,  foy  levantado  porRey  feu  hlho  Dom     de  fualalvação. David  que  mandou  maiaraUrias 
Fei.nando,fcndojá  de  idade  de.  ry.annos.  Eífefoy     Itu  Capitão  por  amor  defira  molher.Os  quaes  bal-^ 
íCOiíílo  >  Sc  dclcuyda49  nas  couias  do  govcino  do     tão  por  exemplo  >  pcis  hum  delicsera  o  mai?  fa-j 


'38 

Ojufio.ò-  duro  Tedro^nafceo  br  ando  % 
(J^ede  da  natureza  o  ííef concerto) 
Remiíjc<fé  Jcm  cuydadd  algum  Fernando 
^e  todo  o  Reyno  p o z,  em  muyto  aperto: 
^le  vindo  o  Qaftelhano  devaflando 
As  terras  fem  dejefa.efltve perto 
U^e  deftrutrfe  o  Reyno  totalmente j 
^e  hum  fraco  Rey  Jaz  fraca  a  forte  gente. 


Ca)Ho  Tercpyro, 
bio  Rey  q  nunca  houve,  o  outro  o  principal  Pro-    C/í  (^tà pacato /iatuíffe  h  orh  celumnaf, 
pheta  de  Deo!5:&  com  cudoiílo  os  derribou.Sc  ío-     Um  dura  tralmt  mediãjienfs  fnum» 
peou  a  íenlualidide. 

I4O 

DOpeccaâo  úverMfempre  a  pena 
Mnytos^que  T>eos  o  qutZi& premittio 
Qsqueforaô  roubar  abe  LU  Elenay 
£.  com  /^pio  também  Tarqumo  o  vio: 
Toispor quem  Davtã  janto fè condena. 
Ou  quem  o  Trihii  tlluftre  dejíruto^ 


nr 


1)e  Benjamin j  bem  claro  no  lo  enjtna» 

for  Sarru  Foraô,òlichem  por  'Dina,    .^^-^^ 

D9  fecsudo  tiverao  (empre  a  pena.  Moftra  pof 
•xemplusquâcos  males  tiça  a  Ícníazlidscác-Troy^ 


A  tanto  cliegou  ,  dizPropercio  ,  «  fermofurade 
Omphalc,  cjueaqudle  grande  Hercules,  que  no 
mundo  havia  Feytoláo^/andes  maravilhas  j  eí« 
quccido  de  fi,  6c  de  quem  era,íiou,  &  lavrou  entre 
Híolh-ereâ. 

Dt  MãreoArAonío.  Cleoparfa  RaynhadoEgy- 
ptefoy  caufa  da  deíliuhiçâo  de  Marco  António, 
como  tica  cftritns  no  legundo  canto. 

Ttcíambim  Penaprfifptroojenttfie.  Entende  Anní- 
bâl  Capitão  valeroíiflimo  dos  Carthaginenles. 
Chamalhe  prolpero  pelas  grandes  vittonas  que 
tinha  havido  dos  Romanos.  Delle,5<.  da  razão  do 
nome,  Peno,fica  trattado  nefte  canto,  oy tava  1 1 5. 


íoy  deltruliiJa  por  Pariz  hlho  de  Priamo  Rey  d«     Q  q,ie  o  Poeta  aqui  diz  he ,  que  tambeni  Annibal 


Troya  turtar  Helena  molhcr  de  Menelao  Kcy 
deMycenas,naqual  Virgilio,Sc  Homero  fallarao 
tão  largamente  liv.  5.  ab  1.  Liví,  Appio  Governa- 
ilordeKoma  acabou  mal  prefo  em  ferros  ,  p  -r 
querer  tomar  huma  Vir^^mia  a  fcu  marido.  Sexio 
Tarquino  íilho  de  Tarquino  o  tobcrbo  de  alcu- 
iiha,toy  caula  de  íeu  pay  ler  privado  do  R.eyno,  õc 
clle  acabar  mal  fora  de  Koiua  ,  por  commetccT 
adultério  com  Lucrécia  molherdeCollaCiao,Liv. 
liv.i.Dec.i.cap.2./V  David, por  cometer  adulcerro 
com  Bethfabe  molherde  Urus,matoa  logo  Deus, 
o  íilho  que  delia  hjuvc  ,  6ç.  a  elle  houver  ide  deí- 
truhir  íe  não  riíera  penitencia, 8c  chorara  leu  pcc- 
cado.  No  quil  tempt)  compoz  aquelle  exceUcnte 
Pfalmo  Mifirtre  met  Deuui.  Re^.cap.  1 2.  Oà  mora- 
dores de  Guibádo  Fribu  de  Benjamin  forão  mor- 
tos,5c  a  lerraalV-^iada, por  forçirstn  hu>ni  molhwT 
do  Tribu  de  Lcvic.  iv^.  2c  lo.Jud.  A  Pharaó  Rey 
de  Egypto  calligou  Dcoi  íò  por  mandar  lhe  Ic- 
vaílemacaiaSâra  molherde  Abraham.Genel.cap. 
1.  Sychem  filho  de  Hemor  foy  morto,ik  iodos  os 
ícus,6ca  terra  deílruhida  por  tomar  Duna  a  Jacob 
leu  pay.Genef.cap.j. 

141 

ETois  fe  ospeytosjortes  enfraquece. 
Hum  inconceffò  amor  de  [atinado  j 
Bem  no  filho  de  Alcmenafe  parece, 
fiando  em  O  fale  andava  transformado: 
^De  Marco  Ântonh  afamafe  efcurece, 
tom  ler  tanta  a  Lleopatra  affeyçoaao. 
Th  também  'Penoprvfpero  ofanttjicy 
^Depois  que  a  moça  vil  na  Apiiiia  vijfe, 

/i»jor  iwcííwíf^o.  Amor  illicito  ,  &  não  permit- 
tido.  Lilbodc  Almena  hc  HcrcuUs  ,  do  qual  fica 
traiiado  nelle  Canto  ,  oycava  18.  Eitc  foy  tão  al- 
fc> coado  a  Omphale  Raynha  de  Lydi.» ,  que  fez 
graiidescftrcmos  por  ella  te  fiar  ,  &  lavrar  como 
inolfitr.  Donde dilicPropcrcio  liv.  5.  ckg.  i. 

Omphale  in  tantum  forma  procejjit  honnnm 
Ljjàm  Cj^eotmà0fuiila  Uch, 


leiuio  os  eííey  tos  do  amor.  Porque  depois  daqiicl- 
la  grande  vutoria  de  Canas ,  le  afi eyçoou  a  huma 
moyade  bayxa  íorte  na  Apulhadc  maneyra  que 
foy  caulíidc  lua  perdição.  Donde  diílb  Fetrar* 
cha  :  iTt  tnumpho  amoru. 

Ualtro  èí figltvol  <P Amílcar .é"  no^lptegã 
Intanti  annt  itaita  ttttta,^^  Roma: 
yilfimtnclla  tn  fugUa  il  frendey<^  íjega. 

142. 

MAs  quem  pode  livr arfe  por  ventura. 
,  T>Qs  laços ^q  amor  arma  brandamente 
Entre  as  rojas ^cf  a  ntve  humana ^(£ pura, 
Oourôi&  o  alabaftro  tranf parentes 
^em  de  huma  peregrina  fermo/ura, 
*Dehum  vulto  de  Aiedu/a propriamente, 
^e  o  coração  converte^que  temprejo. 
Em  pedra  não^mas  em  a  e/ejo  ac  ejoi 

Entre rofas.  Nefte  verfo,-  ôcivofeguintc  trattl 
das  cores  da  fcrmolura. 

De  hli  vulto  de  Medufa.Quc  foy'  Medula  fica  dito 
neliecãto,oycava7^. 

QFé  zio  hii  olhar  feguro.hum  geflo  hrado 
Htia  fuavCj^  angélica  çxcelltncia^ 
èlue  emfi eftà  fépre  as  almas  trãs formado j^ 
^ue  tavijje  contra  ella  reftfienctai 
'Desculpado psr  certe  eftã  Fernando 
Tara  quem  ttm  de  mor  experiência 
Mas  antes  tendo  livre  a f ante  fia, 
Tormuyto  mais  culpado  ojutgaria, 

Defcttlpado  for  cetto  efid  fernando,  Eílc  he  El- 
Rey  Dom  Fernando  ,  o  qual  Ic  caiou  com  huma 
molher  cafada  ,  tomandoaa  fcu  marido,  como  es- 
crevemos nefle  canto.  A  linguagem  do  Poeta  aqui 
cm  di7.cr  queelfá  defculpado  El- Rey  Dom  Fer- 
nando,he  mais  galantear  que  verdade. E  lempreo 
noHo  Luís  de  Cafnócs  tem  hum  dclcuydo  deites  q 
pudera  efcular,  ^^ 


OS  lusíadas 

DO  GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commentadôs  pelo  Licenciado  Manoel  Corrêa. 
ARGUMENTO. 

Acclamado  Joaó  de  Pedro  herdeyro, 
Convoca  Leonor  ao  Caílelhano, 
Oppoemíe  Nuno  intrépido guerreyro> 
Dafe  bata]ha5vence  o  Luíitano: 
Quem  a  Aurora  bufcar  tentou  primeyro 
Pellas  túmidas  ondas  do  Occeano, 
E  como  ao  Gama  coube  efta  alta  empreía,' 
Por  aífinar  a  gloria  Portugueza. 

CANTO  QUARTO. 

Keftc  canto  tratta  o  Poeta  da  grande  felicidade  d'EURey  Dom  Joaõ  o  Primeyro 

nas  coufas  da  guerra :  dos  grandes  defc jos  que  Ei-Rey  Dom  Joaõ  o  Segundo 

teve  de  defcubrir  a  India,o  que  pos  em  eíTcy to  El-Rey  Dom  Manoel^ 

mandando  a  Vaíco  da  Gama  por  Capitão  mòr. 

y  vcrnod'El-Rcy  Dom  Fcrnatido  >  íceraô  tantas 

as  revoltas.&diflcnfõcs  no  Reyncquc  ficarão  0$ 

DEpois daprõcelofatfmpejtade^  Portugnczes  com  a  nova  fucccfláô   d^EURejr 

No^UrnAfombrãt^ fihtlanteventO^  Dom  Joaô  o  pnmcyro  fen  irmaó  ,  como  ficaô  os 

Trazamenhãaferena  claridade^  qneeícapaô  de  alguma  grandt  tormenta,  5c  tem- 

Elperança  dt  porto  f3  falvatfientoi  pcílade.  ^ 

Jparta  o  Sola  vr^ra  efcurldade,  ^;^'['  T  P''^"*"'^;^^'"''*  ^''^^/^^r.  """u  ^T 

i>\.^         j       ^  r       \  nando  íallcceo  cm  Lifboa  a  10.  de  Outubro  de 

Removendo  o  temor  aopenfamenío,  ,^g^   ,^       -^  ^^  ^^,,  morteficou  o  Reynoqu.ero. 

^Ii  no  Reyno  forte  aconteceo,  &  cn,  ourro  cíUdo  diffcrentc,  per  ter  por  Gover- 

T>epotsque  o  Key  Fernando  falleceo,  pador  ,  Ôcdefenfor  a  Dom  Joaô  filho  d'El'Rcy 

Dom  Pedro   ,&  de  luuna  Dofia  Tarefa  com  que 
DepoiiJaproeeUofntempe/tMde.^m  tal  cftado  efts-     nãofoy  caíado,oqual  drpoisde  commum  coníen- 
vaô  as  coulas  dos  Poriuguezes ,  6c  tão  arruinada,     timento  à.o  povo  foy  levantado  por  Rcy  cm  Co- 
dí  perdida  a  terra  com  os  dclcuydos  ,  Scmaogo-     imbra,a  cinco  dias  do  mcz  de  Abril  de  mil  trezen- 
tos. 


H 


I 


Lujiadas  ãeLuts  de  Camões  Commentaàesl  119 

ros  í^yténta  &  cinco  ;  ou  Icgundo  outros  ,  cm     trattar  ,  Scconverlar  publicamente  com  clle  ,  até 
Agoíto  vclpera  de  Noíla  Senhora  da  Aílumpçaó,     que  o  Infante  Dom  Joaõ  ,  que  cntâo  era  Meílre 


como  íe  diz.naoytava  fcguinte. 


POrque  fe  muyto  os  no  ff  os  defejàraõ^ 
quem  os  da}ios,ô"  off eu/às  va  vingando 
}^aqnelles,  qu^  também  fe  aproveytàrão 
2)0  defcuydo  remijfo  de  Fernando: 
1)epois  de  pouco  tempo  o  alcançar  aOy 
Joanne  fempre  tlluflre  levantando 
Tor  R  y  coma  de  'Fedro  único  herdeyro 
(Jinda  que  baftardo^  verdadeyro. 


de  Avis,  Q  matou  dentro  nos  paços  que  Cíâo  aon- 
de agora  he  a  cadea  da  corte.  O  que  fez  por  ia» 
hir  peia  honra  de  íeu  irmão ,  6c  acuuir  a  huma  taó 


g^randc 


ôc  publica  infâmia. 

5 


'\X^^  ^^^^  em  fim  com  caufa  deshonrado^ 


^Diante  delia  aferro  frio  morre^ 
^De  outros  muytos  na  morte  acompanhado ^ 
que  tudo  o  fogo  erguido  queyma^&  corre 
^em  como  A fiianaz  precipitada 
Çòem  lhe  valerem  ordens^de  ai  a  torre ^ 
Nacjuellsf  <jue  também  fe  aproveitara»  <to  defcwiãa    A quem  orâens  netnaras0emrefpeyto 


ftahíffi  de  Fernando.  Eífes  faó  os  Caftelhanos'os 
quaes  cm  tempo  d"El-Rey  Dom  Fernando  fizc- 
río  muytos  males, 8c  perdas  nas  terras, 6c  gente  de 
Portugal,por  não  terem  Reyqueos  deffendeíle. 

3 

SEr  ifto  ordenação  dos  Ceos  divina, 
'Porfhaes  muyto  claros  fe  moflrou, 
fiando  em  Évora  a  voz  de  huma  minina 
Mnte  tempo  falando  o  nomeou: 
E  como  coufa  em  fí  que  o  Ceo  deflina^ 
No  berço  o  corpora-  a  voz  alevantou^ 
Portuga l^Porutgal calçando  a  mão^ 
^ije^pelo  Rey  novo  'Dom  João^ 

^audo  em  Évora  a  vez,  de  huma  minina.  Conta 
Chronica  deíle  Rey, que  huma  minina  de  oyto     T)  Odemfe porem  longo  efquecimento 


^iem  núpor  ruas^ér  em^edaçosfeyto, 

§.utm  como  /1/!tanaz precipitado Afihnaz  foy filho 
de  Hey  tor,  ^  andromacha,  o  qual  foy  lançado  de 
huma  torre  abayxo  quando  os  Gregos  entrarão 
na  Cidade  de  Troya.  O  mefmo  diz  aqui  o  Poeta, 
que  aconteceo  cm  Lisboa  naquella  revolta.quan- 
áo  o  Meílre  matou  o  Conde  ,  porque  lançarão  da 
Sé  abayxo  o  Bifpo  da  Cidade  ^  Caftelhano  de  na- 
ção ,  6c  natural  da  Cidade  de  Samora ,  por  nome 
Dom  Martinho.  Doqi'al  as  Chronicas  dizem  que 
era  hum  homem  muyto  virtuoío,  honrado,  6c  km 
culpa  alguma.  Matàraõ  também  hum  Clérigo,  6c 
hum  Tabdiâo,quccomoBilpoellavâo,6c  outros, 
o  que  tudo  nas  Chronicas  fe  pòdc  ver. 


mefes  filhadehum  Eíievão  Ancs  deEvora,eíl:an- 
do  no  berço  le  levantou, 6c  diflc  levantando  a  voz 
com  a  mão  alçada  :  Portugal,  Portugal ,  Portugal 
jíor  El-Rey  Dom  Joaõ.  O  qual  foy  n0tado,6c  ti- 
do por  milagre,  6c  certificado,  quando  foy  levan- 
tado por  Rey  ,  porque  os  moços  de  Coimbra  ,  6c 
mais  gente  d líferaó  ,  venha  embora  o  noílo  Rey 
^rophetizado,  ôc  criado  por  Deos  para  iílb. 


ALferadas  então  do  Reyno  as  gentes^ 
Com  o  adio,  q  occupado  os  peytos  tinha ^ 
Ablolutas  cruezas ió  evidentes y 
Fazdo  povo  o  furor  por  onde  vinha\ 
Matando  vão  amigos ^^ parentes ^ 
"•Do  adultero  Conde,  ^  da  Raynha, 
Com  qntmfua  incontinência  des honefla , 
Mais  ^depois  de  viuva.méinifefla. 


Do  adultero  Conie.  Eftehc  o  Conde  Joaõ  Fer- 

ha  Dona  Lcanor  t(- 
áo  qu«ria  dcyxar  de 


^^  «-».»«,»•  v.B««e.  nirenc  o 
nandcs  ,  com  o  qual  a  Raynha  Dona  Lcanor  t  <- 
tayajníamada  ,6c  conitudonác 


,1.     As  cruezas  mor taes, que  Roma  vio^^ 
Feitas  do  feroz  Marto^&  do  cruento 
Scy  lla^quando  o  coiitrarto  Ihefugto 
Tor  iffh  Leonor ^que  ofenttmento 
7>£?  morto  Conde^  ao  mundo  dffcubrio^ 
Faz  contra  Lufitania  vir  Cafiella^ 
dizendo fer  fua  filha  herdeyra  delia, 

Feytas  dê  feroz,  Mário ^  éf  de  cruento  Se^llay^uandâ 
0  contrario  lhe  fugio.  Scylla,  Êc  Mário  torâo  dOiiS 
Capitães  valeroTos  entre  0S  Romanos  ,  mas  taô 
contrários  hum  dooutro,que  lefaziaõ  todoomAl 
que  podiaójôc  finaladamcnte  íe  efcreve  de  Scylla, 
que  vindo  da  guerra  contra  Mytridathfs  Rey  dó 
Ponto  ,  entrando  em  Roma  mandou  degolar  fcis 
mil  peílbas  ,  que  fcguiâo  a  parte  de  Mário  *  pela 
crueldade  que  para  com  os  leus  havia  uíadu  ,  em 
Aia  abfencia,como  conta  Plutarcho, Appiano  con* 
ta  de  Mário  ,  que  alem  de  não  perdoara  pellba 
que  Icntiflc  íèguir  as  partes  de  Scylla,niandava  ai« 
raftrar  ,  dclpcdiçar  ,  6c  pór  pelos  lugares  públicos 
as  cabeças  dos  mortps  ,6c  lançai  os  aos  c?  es  ,  av<s, 
ôc  bcíks  feras ,  que  oscom«íl4;m ,  ôc  ulava  outj  a« 
'  "  muytrtS 


íit>  _,,  Cãntb  ^àrto, 

muytas crueldades, ^ue^s Hiftoríadorcis  conuó  que  foy  filha  do  Conde  Dom  Saního.  E  o  áé 

principalmente  Pluiarcho  em  Tuas  vidas.  Morre-  JLiaõ  por  parte  de  fua  molher  Dona  Sancha,irmi 

ráo  como  viverão  ,  porque  Mano  íe  matou  com  d^lil-Rcy  Dom  Bermudo.  FoyelteRey  muyto 

fuás  próprias  máos  por  nao  vir  âsde  leu  inimigo  Cavalleyro,6c  affeyçoadoa  gentcdeeípirito,pelo 

Scylla  ,   otjual  também  morreo  cm  hum  lugar  de  que  toaos  os  moços  Fidalgos  orphãos  ,  &  que  fi^ 

Isl apoies  por  nome  Piifol  ,  dchuma  infirmidade  caváo  iem  pays,rccolhia  "cm  íua  cafa,  Sc  mandava 

muyto  nojenta,  &  íuja  ,  cuberto  ,  6c  comido  de  criar,6c  enlinar  iodas  ás  boas  artcs»lL  entre  outros 

piolhos.  V  cja-le  o  que  elcrevemos  no  canto  5.  oy-  foy  hum  Rodrigo  de  Bivar  »  que  depois  foy  chai. 

lava  i\6.  mado  Gid  Ruy  Dias  ,  que  foy  muy  valeroío  nas 

Faz,€ontra  Lvfítahia  vir  CàficUa.  EURey  Dortt  armas,  ôc  ganhou  muytas  terras  aos  Mouros,  ha- 

"Fernando  nomeou  por  íua  morte  a  fua  filha  Dona  vendo  grandes  vittorias  delles.tLÍtes  faó  Férnan- 


Bcatriz  caiada  com  El-Rey  Dom  Joaó  de  Caílella 
por  hcrdcyra  do  Reyno  de  Portugal,  o  que  moveo 
aos  Portuguezes  a  logo  levantar  por  Rcy  ao  Mei- 
trede  Avis.  Como  El-Rey  de  Caílella  foube  da 
morte  do  íogro,  6c  foy  avilado  pela  Raynha  fua  lo- 
gra acodio  logo  ,  mas  foy  desbaratado  com  ajuda 
doCondeítavel  Dom  Nuno  Alvares  Fereyra, 


■■r 


Eãtriz  era^;à  filha,  que  ca  fada , 
Co'  o  Caftelhano  ejiâ ,  que  o  Reyno  ^ de ^ 
^or  filha  de  Fernando  reputada^ 
Se  a  corrompida  fama  lho  concede: 
^.om efta  voz,  Caftella  levantada^' 
*D'izendú,que  ejiafilha aopayfucede^ 
Suas  forças  ajunta  payà  as  guerras  ^ 
2)^  varids  regmnsyde  varias  terras. 

Se  a  corrompida  fama  lho  concede*  Pela  fama  que 
a  Raynha  tinha  com  o  Conde.  ^ 


8 


dojôc  Rodrigo ,  de  que  aqui  o  Poeta  tratta ,  &  as 
Chronicas  largamente. 

Of  cãpoí  LionefeSiCujagmte  co"^  §s  Moura  foy  vasar^ 
mas  excelUnte,  Põem  pnmeyro  os  Lioneles, porque 
eílcs  íaó  os  verdadeyros  Câftclhanos  :  ficaílimos 
antiquiflimos  Rcys  de  Helpanha  íc  intitulaváo 
Reysdc  Liaô  ,  porque  efta  foy  a  pruneyra  terra 
que  foy  tomada  aos  Mouros,  depois  da  deftruição 
de  Helpanha  ,  em  tempo  d-Ei-Rey  Rodrigo  ul- 
timo dos  Godos,  ôc  elies  Ic  houveraó  nelf e  lempo 
muyto  honradamente  contra  o»  Mouros» 


OS  Vanda  los  fia  antiga  valentia, 
/íinda  confiados  f/e  ajuntavao 
'Da  cãbtça  de  toda  Andaluzia^ 
^e  do  Guadalquivir  as  agoas  lavão^ 
j^  nobre  Ilha  também  fe  apercebia^ 
^e  antigamente  os  Tynos  habitavãd 
2  razendo  por  infigntas  vtrdadeyras 
As  Hercúleas  colunnas  nas  bandeyraSj 


Em  de  toda  a  Trovincia,^  de  hu  Brigo] 
(^Sefoy^jâ  teve  o  nome  derivado, 
'Das  terras^quc  Fernandoy^  que  RodrigQ 
Ganharão  do  tirano<,à-  Mauro  efiado: 
ISíão  cfiimão  das  armas  o  perigo^ 
Os  que  cortando  vão  co^  o  duro  arado. 
Os  campos  Leonefes^cuja  gente 
W  os  Mouros  fioy  nas  armas  excellenteí 


Os  Vândalos  na  antfgíía  valentia. Rftcshó  os  An 

VEm  de  toda  a  Tr0Víncia,%  de  hu  Brigo]    daluzes  chamados  alhm  por  trazer  lua  origem  dos 
(Sefoi^jâ  teve  o  nome  derivado^  Vandalos,como  le  trai  ta  no  canto  terceyro. 

A  nobre  tlba  tambtm  fe  apercebia.  Eíla  hc  a  ilha 

Cadis,a  qual  antiguamente  le  chamou  Erythreya» 

Fundou-a  a  gente  de  Tyro  Cidade  de  Phenicia, 

pelo  que  lhe  chamaóos  FoetasTyria  por  epithe- 

10,  como  Lucano,  Tyri^s  ejuiGadibns  hofpes  adjacet^ 

É  os  que  fc  acharão  em  Cádis  fundada  pelos  de 

Tyro.Eftes,diz  o  Poeta, traziaó  por  infigniasnas 

bandeyras  as  colunsnas  de  Hercules  ,  pelas  duas 

Vem  de  toda  d  Trovintia  ejue  de  hum  Briga.  Eítc     columnas,que  Hercules  aqui  pos  ,  como  fc  conta 

Èrigo  querem  alguns  fofl"«  quarto  Rcy  de  Hefpa"     no  terceyro  canto. 

nhanoanno  antes  do  Naícimento  de  Chriílo  de 

1905.  Outros  dizem  ,  que  aífim  efbe,  como  Lufo,  IO 

Tago  ,  &  outros,  que  alguns nomcaô por  Rcys      ,,   ,    n  j  cr.  /  j  - 

delias  partes  ,  nunca  cftiveraô  neilas.  E  affim  o     'T'  Ambemvem  la  do  Reyno  deToledn, 
Pocia  nclla  oy tava  falia  de  Brigo  com  cfia  (ai va.fc       1    Cidade  nobreza'  antiga ^a  quem  cercandé 
foy,porquc  cm  coulas  taó  antigas,  St  taó  deíampa-     O  Tejo  em  torno  vay  fuave ,&  ledOj 
radas  de  memoria  ha  muy  pouca  certeza.  ^é-  das  ferras  de  Conca  vem  manando: 

O.,  terras  ^utFemand» ,  &oiue  Rodrtgo.  Efte  hc     ^  ^^^  ^^^^^^  também  naÒ  tolhe  Q  mcdo, 
El-Rcy  Dom  Fernando  ,  filho  Q*E1-Rey  Dom     r\  r    j  j     n  )i    .,  ^,,,„/,^»^ 
Sanrho  o  mavor  R  ^v  A^  XT  /^«..  A^    U  jordtdos  GalleQOs  duTO  bando^ 

oancno  o  mayor  Kcy  de  Navarra  ,  começou  de     ^  n-i  n 

reynaremCalfclla,  &  Liaó  noannode  1017.  O     ^^e parar cfiftirdes  vos armajles, 
reyno  de  CaílçlU  houve  pôr  parte  de  fua  máy,    A  aquelles^cujos golpes jà  provaíles. 

.  ""  Tam^ 


1 


Lujiaâãs  àe  LuU  de  Camões  Oúmmmtaãof.  %ii 

Tftvtkm  vem  Ho  T.eyno  de  loledo.  O  Reyno  de     eido  dos  Phihíleos  ,  como  le  pode  ver  nolivr^ 
ToleJo  le  chama  aíTiir»  de  huma  Cidade  principal»     dos  Juizes,  d  etip.  13.  uf^ue  ad  eap.iy^ 
&metropoli  lua, pela  qual  paíla  o  Rio  Tejo,  co« 


5 


mo  aqui  di2  o  Poeta,cujo  principio,  &  naciincn 
10  he  nas  Serras  de  Cuciica,  Cidade  de  Caftella  a 
velha.  He  Kio  aíiãs conhecido  ,  &  nomeado  em 
Herp3nha,o  qual  entra  no  mar  de  Calcais  quatro 
léguas  de  Lisboa. 

/i^uelies  cujos  golpes  j4  provâfies.  lílo  diz  porqUé 
El-Key  Dom  bancho  de  Portugal  entrou  por     ^^""•v-/ -"•->'-'  ".*- ^-/.^v«,-««„*u, 
Galiza,  6c  tomou  a  C.dade  de  Tuf ,  Ponte  Vedra,     :^^^'«^'  '  ^'"^^T  ^^^^ gfl^J^O^merU, 
&  ouiros  Lugares,  Sc  fez  grande  deílroço,  &  el-    SíJ^eaprõpta.miatuYalJideltdade, 
trago  na  Terra. 


NAÕ  falta  comrazõesyquem  defc 
T>a  opinião  âe  todos ^na  vontade 
Em  quem  o  esforço  antigo Je  converte 
Em  defufada,&  mâ  defleald^dei 


concertei 


1 1 

TAmbem  move  da  guerra  as  negras fmàSt 
Agente  Bizcainfjatque  carece 
^epoUidas  razoes ^é"  que  as  injurias^ 
Muyto  mal  dos  eflr anhos  compadece-. 
Jl terra  de  Guipuf  ua,&  das  Afturias^ 
^uecom  mmás  de  ferro  fe  enyiobrecei , 
jírniou  deite  os  foherbos  matadores ^ 
Tara  ajudar  na  guerra  afeus  fenhores,  ] 

Agp.ntl  Rifcáinha,  que  carece  de  polidas  razSec.Dii. 
como  também  deceraó  a  Portugal  em  favor 
d^EURcy  de  Caftella  feu  Senhor  gente  de  ^lí*^ 
caya.GuipUfcuajScdas  Afturias. 


Negão  o  Reyià'  a  patria^fêfe  convém 
Negaram  {como  Vedro')  e  ^eos^que terUl 

i^egãratyCófno  Pedroso  Deos  tjue  tem.  Eftando  El* 
Rcy  Dom  Joaó  em  Abrantes  com  muyto  pouca 
gente  ,  &  labendo  como  El-Rcy  de  Caftella  vi- 
nha com  grande  poder  todos  os  prmcipaè^ ,  que 
com  elle  eftavão  foraó  de  parecer, que  fc  reco- 
IheíTcm  ,  6c  nâo  cíperallerti  a  El-Rey  de  Caftella» 
porque  alem  de  trazer  hum  muyto  poderofo  exer- 
cito de  Caílelhanos ,  vinhaó  também  de  miftura 
muytos  Portuguczes ,  que  le  haviaó  lanhado  da 
banda  de  Caftella.Os  nomes  deites  põem  a  Chro- 
nica,  6c  diz,como  aqui  o  Pocta^que  por  medo  dos 
Caftelhanos  negarão  lua  patria,6c  á  ieU  Rey,6c  fe 
os  apertarão  mais,tem  a  pulillanimidadc  tal  natu* 
reza  ,  6c  faz  tão  grande  impreflaô  nos  ânimos  de 


Armou  âellet  os  [oberbos  matadores.  Eftes  Reynos  quem ella  toma poíle,que  negarão  a  Deos,  como 

qucaqui  o  Poeta  nomea  tem  grandes  miniis  de  fez  o  Bemaventurado  S.Pedro »  que  negou  a  feu. 

ferro  ,  das  quaes  partes  fe  provê  toda  Hcfpanha,  Meftre  ,  como  he  notório  ,  &  íe  pode  ver  nos  Sa* 

pelo  que  diz  :   Armou  delle  os  foberbos  matado-  grados  Evangeliftas.  Matthki5.Marc.14.  Luc.iié 

jes.  Armou  defte  ferro,  os  que  vinháo  de  todas  as  Joan.iS, 

partes  de  licipanha,contra  os  Portuguezes.  Cha-         Temor  gélido^  é*  inerte.  Medo  frio^  &  froxo,peIo 

malhe  matadores,  pelo  que  cllescuydaváo  ,  náõ  cffeyto  quetâz  naqucUcsdc  que  toma  pofte» 
pelo  que  íizeraõ./-^                                              '  .,.^  l 


tt 

JOane,a  quem  dopeyto  o  esforço  cretê] 
Como  a  San^SaÒ  Hebreo  da  guedelha^ 
'Fojto  que  tudo  pouco  lhe  parece^ 
Cos  pontos  de  (eu  Reyno  fe  apare  Ih  i', 
E  não  porque  confelho  lhe f alie  çe^ 
Ços  principais  fenhores  fe  aconfelha 
Jdusiópor  ver  das  gentes  as  fentençaí 
^e  fempre  ouve  entre  muytos  dtfferenças, 

hanne  a^uem  do  feyto  esforço  creee ,  como  a  SanfaÕ 
fíebreo  da  guedelha.  Sanlaô  toy  Hebreo  de  naçaò 
filho  de  Manue  do  Tribu  de  Dan.  Foy  milagro- 
íamcnte  dado  por  Deos  a  Manue  lendo  efteril  fua 
niolher ,  paradertruiçáo  dos  PhiUlleos  inimigos 
do  leu  povo.  Tmha  a  fortaleza  n/s  cabellos  da 
cabeça.  Em  quanto  cfte  fegreda  de  fua  valentia 
íc  não  foube  ,  não  havia  coufa,  que  lhe  rcíiftiflc: 
tnas  depois  que  Ic  conhou  de  Dalida  molherdeí- 
lioncftâ  ,  6c  cila  lhe  coi  cou  os  cabellos,  ficou  elle 
cutro  homem  particular :  pelo  que  logo  foy  veil- 


Í4 

MAs  nunca  foy  ^que  ejíê  errofefenttffè 
'Ro forte  'D.Nuno  Alvares ^mas  antes^ 
*PoJlo  que  em  f eus  irmãos  taÔ  claro  o  vtjje^ 
Reprovando  as  vontades  inconftantes: 
Aaquelias  duvidofas  gentes  diffe^  .^ 

Lom palavras  mais  duras ^que  elegantes^ 
A  mão  na  eípada  irado, &  naÔfacundot 
Ameaçando  a  terrado  mar^^  o  mundo^ 

Mas  nunca  foy  <jae  efe  erro  fe  fentiffe.  Ainda  qué 
dous  irmãos  do  Conde  Dom  Nuno  Alvares  craó 
lançados  cam  Caftella»náo  foy  parte  para  o  Con- 
de o  fazcr,6c  hir  contra  lua  pátria. 

Com  palavras  matí  duras  t^ue  elegantes,  O  Poeta 
guarda  aqui  as  regras  da  Rethorica,  como  acoa-« 
ielha  Horácio  na  lua  arte. 

I  bonoratum  fi  forte  reponis  Achtlkmy 
tmptgtrt  tracuakufyinexorabtíist  acer, 
Ittrft  neiet  /ilft  dafa  mhil  non  atroget  armitl 

^     -     "         Jí^ 


Tratando  ííõríicio  da  obrigação  que  tem  os  ho- 
mens que  haô  de  efcrever  as  vidas  ,  6c  coftumcs 
^Iheosjdepois  de  dcfcorrer  por  outros  eílados  vin- 
<ioa  dar  no  do  Capitão,  6í  do  loldado  diz;  quando 
fallardcsiEi^  Achilles  (que  entende  por  qualquer 
"toldado  valerofo)  fálico  diligente ,  6c  colérico  que 


iB 


REy  tendes  tal^f^uefe  'OaloY  tiver des\ 
.  Igual  ao  Rey^que  agora  levantaftes, 
^Defbarat areis  tudo  o  que  qutferdeSy 


Al        V,        f^^  •r:í«  .,.,u^«(x     «,.„-^«  'Do  penetrante  medo  ^quetomaftes^ 

no  Alvar^ss  como  Capitão  valeroio  ,  quenaoera  ~,  ^  ^  '  -  ^      ' 

facundo  ,  &  que  as  luas  palav^eraó  mais  duras  ^tay  asmaos  avojJQVaoreceyOy 

xjue^legantesA  que  tallavaçom  a  maó  na  eípada.  ^^  <'»/'!?'  refifiirey  ãojugo  aibijo. 


15 

C"^  Orno tdâ gente  illufire  Tortuguefa 
j  Ha  de  haver  ^quem  refute  o  pátrio  Marít^ 
cò7nOidefta  Trovinciaique  Trtnce/a 
Foy  das  gentes  na  guerra  em  toda  parte: 
Ha  de/atryquem  negue  ter  defcfd, 
^em  negue  afè  e  amorfo  esforço,^  arte^  ■ 
*JJe  TortHgu^zfêfOT  nenhum  re/peytOj 
Oprvprto  Reynoqneyra  verJÍAgeytO\ 


O  pátrio  ^»r/«.[Guerra  cpi  dcfençãcde/ua  pa- 


tuá* 


1(^ 


Ofnn^não  fiis  vós  inda  os  decendentes] 
_    ^aq  uelles ^q uc  dehayxo  da  handeyrâ^ 
"^0  grande  EnriqueZyferos^&  valentes  ^ 
Vence fte  e fia  gente  tadguerreyra^ 
^ando  tantas  bandeyras  Jantas  gentes^ 
^ujceraõ  em  fugi  d  a  de  maneyra^  ^ 

^ejete  illuftres  Condes  lhe  trouxer aç 
^refosy  afora  aprefa^qiie  tiver aõ* 

.  iete  ilhflres  Condes.  Veja^fc  o  canto  terceyro, 
*tDytava34. 

CT  Om  qujemfora^  contino  fopeadosi 
^  Eftestde  quem  o  efiais  agora  vos, 
^orT^iniZj^feu  íilho  fuhltmados , 
Senaõcos  vofjos  fortes  pays^à'  avos^ 
*Pois  fe  com  feus  defcuydos  ,oh  peccadoSy 
Sernando  em  tal  fraque fa  affi  vospos^ 
Tornevos  voff as  forças  o  Rey  novo, 
•Se  he  certo, que  co  Reyfe  muda  opovo^ 

'  túT  Dinis.  Efte  Dom  Dinis  foy  o  fexto  Rey  de 
1^òrtugal,5c  leu  fillio  Dom  Aífonfo,o  qual  vcnceo 
aos  Mouros  do  Salado  ,  em  ajuda  d'EI.llcy  de 
Cníielh.  Fernando  emtal  f-raejuefaaffim  vw  ;><?i.  Atrás 
trattey  da  fraqueza  de  Dom  Fernando. 

Rey  novo,  El-Key  Dom  Joaó  o  primcyro  1  de 
que  himos  tractaiido  na  oytava  r. 


jltay  at  maoi  ao  vojfo  vao  recejo.  Deyxayvos  fo* 
pear,  èc  vencer  do  medo,  pondevos  de  parte,  que 
^u  tó  rcfiítirey  ao  inimigo ,  &  vos  livrarcy  do  ju. 
go,6c  cativeyrOjCm  que  vos  quer  por, 

EVfo'com  meus  vaffallos  ^t£  com  efia, 
(E  dizendo  ifto  arranca  meya  efpida') 
'Deftnderey  daforça  dura,&inf(fiai 
Aterra  nunca  de  outrem  fojugada: 
Em  virtude  do  Rey ^da  pátria  mefia^ 
*\Da  leald adeja  por  vos  negada, 
J^encerey,  naõ  (óeftes  adver fartos , 
Mas  quantos  a  meu  Rey  forem  contrários^ 

For^ain^tfia»  Força  contraria- 
futrta  mefia,  Pâtda  trille» 


iô 

BEm  como  entre  os  mancebos  recolhidos^ 
Em  Canufio ^relíquias  fés  de  Canas ^ 
Jà  para  fe  entregar  ^quafimovidoSy 
A  Fortuna  das  forças  africanas: 
Corne  lio  moço  osfa  z^que  compelidos 
*íDafua  efpada  jurem ^que  as  Romanas 
Armas  naõ  deyxâram^em  quanto  a  vtdA 
Os  naõ  deyxar^ou  nellas  for  perdida. 

Bem  como  os  tnancthos  recolhides  em  Cânula  reli' 
cjutai  (òs  de  Canai.  Conta  Tití  livio  na  terctyra 
Década  liv.  z,  cap,  8.  que  depois  daquellc  grande 
eftrago  ,  que  Annibal  fez  em  Canas ,  alii,uma  d* 
gente  dos  Romanos  fe  recoiheo  a  hum  íugai  cha* 
mado  Canuíio  ,  perto  de  Canas.  E  cílando  todoií 
deícorçoados ,  &  para  le  entregar  a  Aníbal ,  Pu- 
blio  Cornelio  Scipiaõ  nmnctbo  de  pouca  idad« 
arrancou  da  efpada,  &  os  fez  jurar,  que  nunca  de- 
femparanáoasbandeyras  Romanas  ,  &c  que  por 
ellas  morreriaó  contra  os  Carthigmenfes,que  foy 
caufa  de  fe  não  acabar  de  perder  o  exercito.  O 
que  Dclo  mefmo  modo  acontecco  ao  Conde  Dom 
Nuno  Alvares.ccmoo  noflb  Poetáaqui  conta,  6ç 
íc  pôde  ver  mais  largo  nas  Chronicas.  Da  bata- 
lha 


1 


1 


Lufiadas  ãe  Luís  de  Camões  Commentaifisl  t  i\ 

IhadsCanasfevejaanoíraannotaçáono  terceyro  de  barcos ,  com  todo  feu  exercito»  que  era  in  n  u- 

canto,oytavaii<í.  meravel  ,  &  tanto  que  dizem  os  Autores  Teriaõ 

21  hum  conto  Sc  duzentos  mil  homens.  Com  toda  ef. 

Dr.n       ^         "     r         c^      ^        »t  ta  gente  foy  vcncido  no  paUo  Thcrmopvlas  por 

Eflaarte  ageteforça/S  esforçaNmo,  Leonídes  Capitão  dos  Lacedemonios ,  òc  depois 

^ue  com  lhe  ouvir  as  ultimas  razões,  no  mar  com  a  gente  que  lhe  ficou  deThemilto- 


Removem  o  temor  frio  ,  importuno^ 
G)ue gelados  lhe  tinha  os  corações^ 
jslos  animaes  cavalgao  de  Neptuno; 
Brandindo jà"  volteando  arremejfõesl  \ 
VaÚ  correndo  j^  grita  fido  a  boca  aberta  j, 
Fiva  ofamofo  Rey^que  nos  liberta» 


cies  Capitão  dos  Athenienles.  E  finalmente  foy 
fie  todo  perdido  ,  &  desbaratado ,  &  elcapou  eni 
huma  trifte  barca.  Ficou  tão  enfadado  da  guerra- 
^ue  nunca  aiais  tornou  às  armas. 


i4 

DOm  Nuno  Alvarez  digo^veràaàeyrò 
Açoute  defobtrbos  Cajie lhanos^ 


N(f{  animaes  caval^ao  âe  líeptuno.  Os  animaes 

Neptuno.íaó  os  cavalloá,  porque  Neptuno  foy  o  Comojao  fero  Huno  ofoyprimeno. 

pnmeyro  que  deu  o  cavallo  ,  co.no  fica  duo  no  ^^ra  Francezes^para  italianos: 

canto  terceyro  ,  oytava  51.  -  '■ 


D  As  gentes  populares  j  huns  approvão 
A  guerrãy  com  que  a  pátria  fe/òjtinbai 
Huns  as  armas  altmpâo^&renovàoy 
^ue  a  ferrugem  dapazgaftadas  tinha: 
K^apaçetes  ejhfãoypeytos  provãoy 
jírmafe  cada  hum  como  convinha: 
O  litros  fazem  vejiidos  de  mil  coret. 
Com  letras f^  tenções  defeus  amores^ 

Dai  gentes  populares  huns  aprovai.  Na  gente  po* 
pijkr nunca  houve  coiuradição,  alguns  Fidalgos 
contaó  as  Chronicas  ,  que  lhe  parecia  mal  a  guer- 
ra ,  porque  temiaó  perderfe.  Ou  uíada  palavra 
populares  no  rigor  da  língua  Latina ,  que  he  gen* 
te  de  coda  a  forte  aiCâ,ôc  bayxa, 

C'^  OmtodaeíialufirofacompanK^a^ 
^  Joanne  forte  fae  da  frefca  Abrantes ^ 
Abrantes  ^que  também  da  fonte  fria^ 
T^o  Tejo  Logra  as  agoas  abundantes: 
Qsprimeyros  armigeros  regia, 
'^empara  reger  era  os  muypojj antes 
Orientaes  exércitos  fem  conto, 
Corn  quepaffava  Xerxes  o  Hellefponto^ 

Oi  primeyros  armigttos   regia.    O  Condeflavel 


Outro  também  famo/ò  cavalleyro 
^e  a  ala  direyta  tem  dos  Lujitanosi 
yiptopara  mandalosyó  regelas , 
Mem  RodrigueZjfe  4iz^de  Vafconceksi 

Como  jd  ê  fero  Httno  o  foy  primeyro.  Eftc  he  At* 
tila  R.ey  dos  Hunos  de  que  fica  trattado  no  cah* 
to  5. oytava  14. 

Çiue^  ala  direyta  tem  dos  Lufitanos:  Ala  he  pro^ 
priamentea  aladopaílaro  ,  a  cuja  lemelhan^alc 
chama  ah  no  exercito  a  gente  de  cavaHo,que  vay 
pela  maó  direyta, &  efquerda  para  amparo  da  gen- 
te dt:  pé ,  que  vay  no  meyo  cuberta  ,  &  guar Jada 
como  hum  pallaro  cobre,  6c  ampara  com  luas  alas 
o  corpo. 

E2)/í  9ulrà  àla^que  à  efla  corre fpondéi 
Antãn  yafquez  de  Almada  he  Capitai, 
^e  depois  foy  de  Abranches  nobre  Conde» 
^as  gentes  vay  regendo  afejira  mão-. 
Logo  na  retaguarda  nao  fe  efconde 
jD^J"  quinas  yiê  cafiekos  o  pendão* 
Com  Joanne  Rey  forte  em  todaparte^ 
^e  ejcurecendo  o  preço  vay  de  Marte ^ 

Antão  Vafo[ue%»  de  Aímada.^^c  foy  hum  dos  do2 
ze  Cavalleyros,  queforáo  a  Inglaterra  pedidos 
pelas  Damas  daquclle  Reyno  para  as  defagravar 
de  certos  Cavalleyros  Ingleíès  ,  que  as  afrontarão 
publicamente,ao  qual  El-Rey  de  França,por  leu 
esforço  ,   6c  cavallaria  deu  o  Condado  de  Abran- 


"Dom  Nuno  Alvares ,  como  aponta  na  oytava  fc*     ches.  O  noflb  Poeta  tratta  deftes  Cavalleyros  no 
g^>^te.  canto  íexto,  aondecu  eícrevi  delles,  o  que  pude 

Aorantes^  tfue  também  da  fonte  fria  do  Tejo  logra  as  achar ,  porque  não  ha  memoria  perfeyta  dos  fey- 
#Ç«íii  iiPMníiawfej. Porque  o  Tejo  paJa  junto  á  Vil-  tos  deftes  Cavalleyros  ,  pelo  que  alguns  tema 
h  de  Abrantes.  Hilloiia  por  fingida. 

.     (^^^^J^^P^ffavaXerxes  o  Helefponto,  Xerxes  foy  t /: 

£lho  de  Dário  o  mais  poderofo  Rey  que  os  Perías 
tivcraõ.  Paflbu  o  Helefponto  ,  que  hoje  chama- 
mos o  brajo  de  S.Jorge ,  fcy  ta  nelU  ha  ma  ponte 


EStavaô pelos  muros  temerofasl 
E  de  hum  alegre  medo  qnaji frias ^ 
$i4 


fM 


Rezando  as  mãysjrmas  jdamas^&ef^o/asy 
^ormetetidojeJMmj&  romarias: 
Jà  chegaõ  as  ej quadras  bellkofas 
^JJefronte  das  imtgas  companhias^ 
^lue  com  grita  gr  andijjima  os  recebem  ^ 
íL  todas  grande  duvida  concebem. 

E  toda»  grande  duvida  concebem.  O  que  as  Chro*- 
nicas  dizeaijôc  parec«  contormc  á  razaó  hc,  que  os 
Caítelhanos  cuydavaó  não  ier  poíTivcl  erperarcm 
osPortuguczes  àfua  furta,  com  tudo, tííIo  como 
continuaváo  na  porfia  de  pelejar  ,  hcaraó  algum 
taiÍLo  temeioíos. 

^7 

REfpondem  às  trombetas  nienfageyras 
T ifaros  fibilantts ^^  atambores. 
Os  Alferes  volteaò  as  bandeyras^ 
^e  variadas faõ  de  rnuytas  cores: 
hr  anoje  CO  teni^o,  que  nas  eyras 
Ceres  ofruytodeyxa  aos  lavradores^ 
Entra  em  Aflrea  o  Sol_,no  mez  de  AgoJlOi 
Baccho  das  uvas  tira  o  doce  mofio^ 

Tira  fio  [eco  tempo ^  ejue  nat  tyrat  Cera  ofruyto  Jeyxâ 
aoi  lavradores.  Delcreve  o  tempo,eiTique  foy  cila 
i)atalha.Os  Antigos  tinhaó  a  Ceres  por  Deofa  das 
iementeyras ,  6v  cnais  fruy  ros  da  terra :  pelo  que  a 
pintavâo  Icntada  cm  cima  de  hum  boy  com  huma 
enxada  na  mão  direyta,ík  lium  ceílo  na  efquerda, 
ôc  rodeada  de  lavradores  com  feus  petrechos  ,  8c 
inftrunientos  de  agricultura  ,  dando  poreftesro- 
deosa  entender  ,  que  ella  fora  a  inventora  ,  ôc  fe- 
n.liora  de  todas  as  coufaSjque  n  terra  produz.  Afíim 
-«  noflb  Poeta  aqui  nioftra,queeíta  batalha  foy  no 
elho,  em  dizer:  Era  no  feco  tempo  que  nas  eyras 
Ceres  dtyxa  o  fruyto  aos  lavradores.  E  abayxo 
declara  o  mez,quefoy  Agolto. 

Baccho  datuvas  tira  o  doct  moflo.  As  ChronicâS 
particularizando  mais  o  calo  dizem  o  dia  que  foy 
a  huma  Icgunda  feyra  quatorze  dias  do  mez  de 
Agoíto,  vefpera  de  Noíla  Senhora  da  Aflumpçaõ 


Canto  ^íirtol 


tneímo  mez ,  &  os  Poetas  tem  cfta  licença  \  coma 
diflemos  em  outra  parte. fi<íeíÃ<»  das-uvas  ttra  o  doce 
píoflú.  Não  diz  aqui  o  Poeta  que  no  mez  de  Agoí- 
tofc  faz  H  vindima  ,  fenão  quer  moílrar  quc  no 
mez  de  Agoíto  faó  já  as  uvas  maduras. 

18 

D  Eu  (inala  trombeta  Cajielhanat 
HorrendoyferOiingente t&  temerofOj 
Vuvio  o  monte  AttabroJS  Guadiana 
Atràz  tornou  as  ondas  de  tnedrofo, 
Ouvio  o  T>ouro^&  a  terra  Tranftagana^ 
Correo  ao  mar  oTejo  duvido fo 
E  as  mãys^que  o  fom  terrível  efcutár ao, 
Aospeytos  os  filhinhos  acertarão. 

Ouvio  o  monte  Artabro.  A  efte  monte  Artabro 
chamaó  os  Geographos  por  outro  nomt^Magnum 
frumontorium  Uí)i(fiponenfe,  Cabo  grande  «  cabo  de 
JLisboa  ,  por  começar  na  lua  Comarca.  Hoje  íe 
chama  Cabo  de  finis  terrsc.  Guadiana  a  que  os  La- 
tinos chamão  Anãs,  nafce  junto  â  Serra  de  Alçar» 
raz  ,  &juntoahum  lugar  chamado  la  puebla  de 
Alcácer,  le  metedebayxodo  chaô  ,  Ôc  vay  iahir 
dallia  cez  léguas. 

Imalran^agana.  Terrado  Alentejo. 

QVantos  Yoflos  alitfe  vem  f em  cor, 
^e  ao  coração  acode  o  fangue  amí^oí 
^ie  nos  perigos  grandes  o  temor 
He  mayor  rnuytas  vezes jCjue  operigOi 
E  feo  naÕ  he^pareceo^cjue  o  furor 
^e  offtnder^ou  vencer  o  duro  imigo. 
Faz  naõfent  traque  hcj^erda  grande  J£  rara] 
''Dos  membros  corporaes  a  vida  cara, 

30 

C"^  Omeçafe  a  travar  a  incerta guma, 
j  T^e  ambas  partes  fe  move  aprimeyra  ala^ 
oytava  6i.  Aílrea,  de  que  aqui  falia  o  Poeta,  foy     Hnns  leva  a  defen  faõ  da  própria  terra^ 
íilhadeTitano,&:  Aurora.Notcmpo,qocfeupay,     Outros  as  efper ancas  de ganbala: 
&  léus  irmãos  os  Gigantes   trabalharão  lançar     Lopn  o  <7randeTerexra,em  quem  fe  encerra 
Jup.ter  do  Ceo  ,  ajuntando  muytos  montes  altos,    ^^^^^  olalor^prtmeyrofe  affinala, 

mfemeai 


jupuer  uo^eo  ,  ajuntanao  muytos  montes  airos,     ^olioovalorMimeyrofeaffinala, 
«pondo  hunsíobre  outros.  Dizem  que  Aftrea     \J*  u  »/t**c/  ^^f*     -^.V  ^-^  r 

fcmprefoy  de  contrario  parecer  ,  Sc  que  em  tudo     "Dcrr tba, encontra,^  a  terra  em  t^ 


o  que  foy  na  íua  mão  ajudou  ,  5c  favoíeceo  a  Jú- 
piter ,  pelo  que  depois  que  vcnceo  os  Gigantes  a 
pósnoCeo  ,  &  tez  delia  hum  dos  Signos  do  Zo- 
'iliaco,oqualicm  vinte ôcfeis  eíl relias.  Efteheo 
Signo  a  que  os  !\ftronomoscham'o  virgem  ,  no 
qual  entra  o  Sol  a  vinte  6c  três  dias  do  mez  de 


U^os  que  tanto  a  defejaõ  fendo  aihea, 

Comrçafe  a  travar  a  incerta  guerra.  Chama  â^^ 
guerra  incerta  ;  porque  feu  fim  he  incerto  ,  como 
diflc  Cicero:  BelUrum  exitui  tncerit  funt.  O  fuccefib 
da  guerra  laó  inccrtos,como  lemos  nas  Hiftoiias, 


Agoíto,nem  he  inconveniente  que  o  lucccflo  def-  que  muytos  grandes  exércitos  foraó  vencidos  de 
ta  batalha  tofle  a  quatorze  de  Agofto,&  o  Sol  en-  outros  muy to  pequenos ,  pelo  que  nefta  matcria 
Jtf  e  ncft.e  Sigoo  a  vinte  Ôí  trçsu  Baila  ler  tudo  no    não  ha  Gsrtcza  alguma. 


Lufiaàas  de  Luís  de 

fíttns  leva  a  âefenfao  da  procria  terra,\Li\c^  eraó  os 
Portuguczes ,  qae  pclejavaô  pela  defenfaõ  de  fua 
pátria  ,  a  qual  os  Caftelhaaos  muyto  deícjavaõ, 
náo  fendo  fua.nem  tendo  direyto  nelia. 
,  Logo  o  grandi  Pereyra,  Efte  he  Dom  Nuno  Al- 
vares Percyra :  illuítre  fundamcato  da  Caía  Real 
de  Bragança. 

M 

JA^pelo  effeffo  ar  os  eflridentes 
FarpõesJetaSi  ^  vários  tiros  voaOj 
^ebayxo  dospès  duros  dos  ardentes 
CavalloSj  treme  a  terrados  valies  (oão: 
Efpedaçãofe  as  lançasse"  as  frequentes 
^ledasco  as  duras  armas  tudoatroãô^ 
Jiecrecem  os  inimigos  f obre  a  poueei 
Gente  do  fero  NunOijue  os  apouca. 

Gente  â»  fero  Nano.  Fero  Nuno  he  Dom  Niiúó 
Alvares  Pcreyra  ,  a  que  chamou  na  oytava  acras 
lómente  Pereyra ,  &  aqui  Nuno ,  coftume  muyto 
ufado  eiure  os  Poetas  nomear  as  peflbas  huaias 
y«zes pelos  nomes  próprios  ,  outras  pelos  fobre- 
nomes ,  Sc  outras  pelas  alcunhas ,  que  por  algu:a 
aconcecimento,o  u  de  bem,ou  de  mal  tem. 

IJ*  Is  alli  fetis  irmãos  contra  elle  vão 
^  {Cafofeo  j  &  crtiei)  mas  não  Ce  efpanta^ 
Mue  menos  he  querer  matar  o  irmão^ 
^eirhontra  o  R  y^à-  a  pátria  fe  levantai 
*2Jtftes  arrenegados  muytos  fad^ 
JSloprimeyrn  efquadrao.quefe  adianta^ 
Contra  irmãos ^i3  parentes iCafo  efiranhOt 
^uaes  nas  guerras  civis  de  Júlio  Magnoí 

%uat$  nas  guerrat  civis  de  lulio  Magno,  Como 
bconteceo  nas  guerras  civis  entre  Cefar  ,  &  Pom- 
pcyo ,  tão  celebradas  por  todos  os  Eícritcores ,  6c 
iobre  as  quacs  fez  o  Poeta  Lucano  a  ília  Pharlalia, 
tí  nós  tratiàmos  no  tcrceyro  canto,  oytava  7o.Ju* 
lio' Magno  he  o  grande  Julio  Cciar  ,  de  que  trat- 
jtâmos  no  canto  primeyro. 

O  Tu  SertoriOiò  nobre  Coriolano^ 
Catilina j&  vofòutros  dos  antigos^ 
^e  contra  voflas  -úatrias ,com  profana 
Coração, vos fize/tes  inimigos: 
òe  la  no  R,yno  efcuro  de  Sumano^ 
Receberdes  graviffmos  caftigosy 
IDizeylbe.f^ue  também  dos  'Fortuguefes^ 
^Iguns  ttaydores  houve  algumas  vezes^ 

O  tu  5Ér/orw.Scrtorio  nas  diíTcnçócs  entre  Scyl- 


Oimves  Commentadõfl  n^ 

la,&:Mario,  ícguio  as  partes  de  Mário,  quefoy 
vencido  de  ScylU  ,  vendo.íe  perdido  recolhco-ie 
a  Heípanha^ôcnellafoy  Capitão  dos  Portuguezes, 
&  outros  Hefpanlioes  >  &  fez  grande  guerra  aos 
Romanos.  Veja- fe  a  nofla  annotação  no  canto  ter- 
ceyro,  oytava  95.  Coriolanofoy  hum  Varaó  de 
muyta  autoridade  entre  os  Romanos.  Em  humas 
diflenções  foy  lançado  fóra  de  Roma,  pelo  quô 
aggravado  lhe  fez  muyta  guerra  ^  como  conta 
AppianojÔcPlutarcho  emfua  vida.  Lúcio  Sérgio 
Catelina  com  outros  de  lua  paríialidade  determi- 
nou apoderarfe  de  Roma,  o  que  fizera  fenâo  aco- 
dira  Marco  Tulliocom  fua  prudência,  Sc  atalha- 
ra lua  detcrmuiaçaó,  matando  muy tos  doá  conju* 
radosjcomo  conta  Salluftio. 

Se  U  no  ejcuro  Reyno  de  Sumam,  Sumario  he  o 
meímo  ,  que  Plutaó  a  que  os  Antigos  chamávaó 
Deos  dos  mfcrnos.  Chamouíeaffim,  qua/i  fummffs 
tnanium,  o  príncipe  do  mferno» 

34 

ROmpemfe  aqui  dos  noffos  os  primeyro  f. 
Tantos  dos  inimigos  a  elles  vaoi 
Efiâ  allt  Nuno, qual  pelos  outeyros 
'De  Ceyta  efià  ofortiffimo  Leão: 
^e  cercado  fe  vè  dos  cavallcyrosy 
^e  os  campos  vaô  correr  de  Tutuaõ^ 
'Ferfeguemno  com  lanças  ji^  elle  trofOj 
Turbado  hum  ^ouco  eftàjmas  na§  medrofil 

^al  pelos  ojteyroí  de  Ceuta,  Ceuta  he  fronteyra 
de  Africa,  5c  porque  em  Africa  ha  muytos  leões, 
chamalhe  aqui  leões  de  Ceuta:  figura  muyto  ufa- 
da  entre  os  Poetas,  que  tomáo  a  parce  pelo  todo, 
como  aqui  Ceuta  por  Africa,  £c  aflimle  ha  de  de- 
clarar, ÔC  não  porque  em  Ceuta  haja  leões. 

^«c  os  cambos  vai  correr  de  Tutuão.  Lugar  d2 
Africa  fronteyro  ,  ao  qual  correm  os  Portugue* 
zes  para  efcaramuçar,§c  pelejar  com  os  Mouros. 

55 

C"^  Om  torva  vifla os  vé^mas  à natura 
j  Ftrtna^à'  a  ir  ando  lhe  compadecem^ 
^e  as  cofias  détmas  antes  na  efpeffura 
^as  lanças  fe  arremeffa^que  recrecarni 
Tal  efià  o  cavalleyro^qne  a  verdura 
Ttnge  cofangue  alheyoiéilU  perecem 
Alguns  dos  feiís ^que  O  antmo  'Qalentf 
Ter  de  a  virtude  contra  tanta  gente  ^ 

fine  o  animo  valente  perde  é  virtude  contra  tanta 
gente.  Coula  fabida  ,  &  experimentada  he  os  muy- 
tos  ainda  que  fejaó  mais  fracos,  poderem  mais  que 
os  poucos :  donde  yeyo  a^ucllc  provérbio:  ISie^uc 
HcrcuUi  contra  duos  :  Nem  Hercules  contra  dous* 
líto  hccomlaum  jÔc  regra  geral;  m»  como  todas 


fjg  imanto  ^ártol 

tem  íua  exceyção,  tambcm  cfta  a  teve  ncfia  bau- 
lha  Q'E1-Rey  Dom  Joíó  o  de  Portugal  contra 
os  CaítcJhanos :  porque  com  ferem  muyto  mais, 
fofâõ  vencidos ,  ainda  que  com  morte  ae  alguns 
dosnoílos. 


35> 


5^ 

SEntio  Joanne  a  afronta^que  paffava 
Nuno^ique  comofabio  Capitão^ 
Tudo  corria ^Ô'  ^ta^&  n  todos  davãj 
Compfefençaj&  palavras  coracào: 
^^al panda  Leoaferaxò'  ahrava^ 
^ie  os  filhos  ^que  no  ninho  fós  ejtãoy 
SentiOj  que  cm  quanto  o  fajto  lhe  hufcâra% 
O^ajlor  de  MaJJiUa  lhos  furtara. 

O  fafior  de  M afilia  Ihot  furtara.  Ma/íiliahc,ft 
tjue  por  outro  nome  chamamos  Mauritânia  ,  & 
commummente  Bcrberia,Pelo  paftor  de  Maílilia, 
íè  entende  o  paílor  de  Africa..E  aílim  Virgílio  na 
Eneida  trattando  da  montaria  de  Eneas  com  Ely- 
fa  D  ido  diz:  Ma(fttn^uc  ruunt  ee]uim,Ó'  fidora  canum 
tjii  :  Saem,  diz  Virgílio,  osCavalleyros  Cartagi- 
ncnfes  com  muy  tos  fabujos ,  ÔC  outros  petrechos 
de  caça. 

37  _      . 

COrre  rayvofas^  freme  ^com  bramidos'^ 
Os  montes  fete  irmãos  atroaió'  abala j 
Ta/Joanne^com  outros  efcolhtdos 
^os  f eus  ^correndo  acode  àprimeyra  ala: 
'O fortes  companheyrcsjó/ubídos 
Cavalefrosta  quem  nenhum fe  iguala^ 
^Defendeyvojjas  terras  ^que  a  e/per  anca 
^a  liberdade eflanavofja  lafjça, 

Oi  montei  finte  irmãos.  Na  Mauritânia,  que  atrás 
cbamey  MaíTilia  ,  eftâô  fetc  montes  ,  dos  quaes 
Porrponio  Mella  diz  :  Ex  kis  tamtn,  tjua  commemo- 
rare  non  píget^mentes  funt  altit^ut  continentur,  é^  t^uaft 
tit  ifidiijirta  in  ordtnem  expofiti ,  olf  nttmerum  feptcm ,  ob 
fif/itlnudinemfratres  vocantur.  Não  he  para  paliar, 
quebanefta  Mauritânia  huns  montes  altos  :  os 
quaes  poftos  hum  após  outro  ,  òí  em  tal  ordem, 
como  de  induílria ,  pelo  numero  Te  chamaó  lette, 
èi  pela  íemelhança  irmãos. 

VEdefme  aqui  Rey  voffofS  companhfyrOt 
^e  entre  as  laças i&fet as i\è  os  arnefes 
^os  Inimigos  corro j&  vou  primeyro^ 
^elfjay  verdadeyros  Tortuguefèsi 
Ifto  dijfe  o  magnantmo  guerreyro^ 
Efopefando  a  lança  quatro  vezes j 
Com  força  itra^à-  defíeumco  tiroy 
Mujtos  ímçdrãQ  o  ultimo  fujplro^ 


1"\  Orque  eis  os  feus  acefos  novamente 
T>ehúa  nobre  vtYgonha%&  honrofo  ff>g6\ 
^obre  qual  mais  com  animo  valente 
perigos  vencerá  do  Mar  cio  jogo  ^ 
^orjião  tinge  o  ferro  o  fogo  ardente, 
Hompem  malhas  primeyro,&  peytos  Ugo^ 
jljfi  recebem  junto  ^&  dão  feridas. 
Como  a  quemjà  não  doe  perder  as  vidas  ^ 

Mareie  jogo,  He  a  guerra  ,  aífim  íhc  chamaõ  oi 
VociâSyluduí  iW<jrí/«í:jogodc  Marte. 

Fogo  ardente.  He  o  que  acima  chamou  fogo  hon* 
Tofo,  que  he  huma  ira,  &  fúria  tomada,  por  íe  ver 
abatida  huraa  peílba  ,  &  perder  a  opiniaõ  que  ti- 
nha. Diz  que  cftelogo  rompe  malhas,  porque  eíta 
cólera  aguça  as  navalhas,  ôc  faz  que  o  ferro  ufe  de 
leu  officio.  E  os  que  pocm  fangue  ardente,  danaó 
a  intenção  do  Pcsta  :  porque  aqui  le  aponta  fó« 
mente  a  fúria  do  principio  da  batalha.        **-      j^^ 

Imge  aferro.  Àquella  cólera  vay  na  pont3  ÚM 
lança, 2c  a  encaminha  para  feu  eíFey  to. 

A     ^uy  tos  mandão  vero  Efligiolago^, 
em  cujo<orpo  a  morte ^&o  ferro  entrava] 
O  Mejire  morre  alli  de  Sanãtago^ 
^efortiffiynamentepflejava: 
Morre  tamhem  fazendo  grande  eflragê 
Outro  Mejire  cruel  de  Calatrava^ 
Os  Tereyras  também  arrenegados 
Morrem^  arrenega ndo  o  Ceo^à'  os  Fades ^ 

A  ntuytoi  mandão  ver  o  Efygio  lago.  Os  A ntiguò* 
tinhaó  por  coula  certa ,  &  lem  duvida  hir  todas  as 
almas  ao  inferno  ,  aonde  tingiaó  hum  Rey  aquç 
chamavaó  Plutão  ,  com  o  qual  diziaó,  que  raora- 
vaõem  perpetua  efcuridade.  Pintavaò  acíle  Pm* 
taô  nuiyto  trifte  ,  ÔC  medonho ,  fentado  em  huma 
cadcyra  de  enxofre,  com  hum  íceptronamáodi* 
reytajSc  com  huma  alma  na  eíquerda,muytoaperja| 
rada ,  &  com  o  caó  Cerbero  debayxo  dos  pès ,  §C"' 
quatro  rios,l.etho,Cocyto,Phlegctonte,&:  Ache- 
rontc ,  que  lahiaó  debayxo  da  cadeyra,  ao  longo 
deites  rios  a  lagoa  Eftygia  ,  com  outras  mil  fabu- 
las que  os  Poetas  pocm  ,  &  íe  podem  ver  em  Albe* 
rico.  Daqui  diz  o  nollb  Camões.  A  muytos  man- 
dão ver  o  Eftygio  lago,  que  quer  dizer ,  a  muy  cos 
mataó,termo  Poético, &  galante.  ComotamDem 
na  oytava  íeguinte  para  dizer  que  morrerão  muy- 
tos, diz,  queforaó  mandados  ao  profundo,  aonde 
cílá  o  caõ  Cerbero  porteyro  do  Inferno. 
-  Oi  Pertyras  íamhtm  arrenegados,  lílo  diz  por  dous 
irmãos  de  Dom  Nuno  Alvarez  Pcieyra ,  q  fclan^ 
çàraó  da  parte  de  Çaílella :  pelo  ^  o  Poeta  lhe  cha- 
|ga  arrenegados;  f*?"/3 


Lufiadas  de  Luis  de  Camões  Commentados. 

^Do  peyto  cobiçofofè pihvvdd: 
4 1  ^epor  tomar  o  afheo^o  mtferando 

MT)ytos  também  do  vulgo  vilfem  nome    ^^'"^  ^  i^entura  âs  penas  do  profundo, 
Vaê/jr também  dos  nobres  aoprofãdot    ^JfAlt^  ífl^l'  mãysdantasefpofas^ 


nr 


Vnde  o  Trtfauce  Caõ  perpetua  fome 
Tem  das  aímastquepajfaô  de(Íe  mundo: 
E porque  mais  aqui/e  amance^&  dome 
Jfoberba  do  tmigo  furibundo, 
j/ublime  bandeyrd  Qajielhana^ 
foy  derribada  aos pes  aa  Lufitana, 


Semjilhosjem  mandos  áefdttojas^ 


45 

O   Vencedor  Joanne  efteve  os  dias 
Cofiumadõs  no  campo, em  gr  ande  gíoria^ 
Comojfertas  de  pois ^t^  romanas 
As  graças  deu  a  quem  Lhe  deu  vittôria: 
Mas  NunOjque  não  quer  por  outras  vias 
Entre  as  gentes  àeyxar  de  fi memoria 


Onde  a  Trtfauce  caõ,  Câõ  trifauce,quer  dÍ2cr,câa 
de  três  gargantas  ,  qual  pintaó  os  Poetas  o  Cer- 
bero, que  guardava©  Inferno.  ,^ 

A  lokrha,  (lo  inimigo  furibundo.  ?í  foberba  dos  Caí-     àenãopór  armas  fempre  Joberanas^ 
\  telhanos ,  os  quacb  fiziaó  muyto  pouco  cafo  dos     ^i^  ara  as  terras  fepaJjaTranJlaganas^ 
poríUguezes,por  lerem  muyto  menos, 

Oi  diai  cóflumadQS  no  campo.  O  que  Te  cofluma 
wBt  Al,  entre  gente  de  gucn  a  havida  alguma  vittoria,  hs 

I^P^       /-»•/•        /        //     /•  citar  no  campo  do  inimip,o  alguns  dias  recolhen- 

IRBi    ^^^  ^'^^^  ^^^V^^^-f^  ^«fr»^f<^  do  os  dcfpojos,  que  ficáràó ,  &  dando  graças  pd  i 

'^fx  Com  mortes  i^ritosjanguei&cuti/adas,     vittoria,  que  alcançarão  ,  ík:  moílrando  que  ai  i 

eilaó  para  tudo,  o  que  a  fortuna  determinar  ,  ôc 
cuenaõ  Cem  medo  algum  do  inimigo  >  cites  diai 
coftumados  fohiaô  ler  antiguamenté  três  »  hije 
nrais ,  òu  mtnos ,  confòrnie  a  dcrpofíçaõ  do  Capi- 
taó,S<  preíaque  leacha.  Eíta  batalha  que  teve  LU 
Rey  Dom  Joaóo  primeyrode  BoanK-moria  ,  foy 
entre  porro  de  Mós  ,  &  huma  Aldca  chamada  AU 
gibarrota  ,  em  hum  campo  muy  chaõ,  no  qual  lu* 
gar  em  muyto  pouco  elpaçoforaó  C5>Caíkihinos 
vencidos  dos  Portuguczcs  ,  mortos  n,uyt  js  , 
ôcmuyroscattivos. 

Para  as  turras  fe  fajja  Tran^aganas.  AlcançaJi 
cfta  táo  grande  vittoria  le  recoihco  Ll-Kty  a 
Santarem,aonde  achou  amda  muyios  Caltelhano^^ 
aosquacsfavoreceo,  ôc  mandou  para  lua  terra  li- 
vremente. Depois  que  dcfcançou  alguns  dias,  nos 
quaes  trouxe à  fua  obediência  alguns  lugrcs,.jue 
eltavaõ  por  El-Rey  de  Caíiella,  foy  em  rom^iru  a 
Norta  Senhtra  daOliveyraem  Guimarães  ,  45, 
léguas  de  Santarém.  Pai  tio  El-Rey  a  cita  roman.í, 
que  tinha  promcttido*  Dom  Nuno  Aharcz  Ic 
partio  para  as  partes  do  Alentejo  ,  para  entrar  por 
Laítelta,  para  o  que  mandou  dai  rebate  a  todos  os 
fronreyros  para  fe  aperceberem  contra  clle.  Pal- 
fou  por  Elvas,  &  Badajoz,  &  chegou  a  Vul  verde, 
aonde  os  Caítelhanos  cítavaó  c<pcrando  ,  &  os 
Lhedânaoph  ,  mas  a fat  á  fugida.  AíTim  diíle  vcnceo  com  muyu  honra  doS  Portuguczts ,  co- 
Virgilio,  Pedihus  timor  addidít  alai.O  medo  lhe  poz     nio  contâo  as  Chronicas. 


41 

^ã  a  fera  batalha  fe  encruece 
Com  mortes  ^gritos  Jangue^  &  cutiladas, 
A  multiàaõ  dagente  jque  perece 
Temas  flores  da  própria  cor  mu  da  ias: 
Jã  as  cofias  daô,&  as  vidas'. jd falece 
O  furor yè  fobcjaÕ  as  lançadas ^ 
yà  de  Ca  fie  lia  o  Rey  desbaratado 
Se  vè^&  defeupropoftto  mudadd^ 

Tem  asfioret  da  própria  cor  tnudadíií,  Eftaõ  ama- 
relos ,  &:  perdida  a  própria  ,  &  natural  cor  de  (eus 
ro(tos,por  1  he  faltar  a  almi  que  lha  dava.  Outros 
entendem  e  íte  paíTo  pelas  dores  do  campo  cuber- 
tas  do  langue  dos  mortos. 

43 

O   Campo  vay  deyxandoao  vencedor ^^^ 
Contente  de  Lhe  naÔ  deixar  a  vtãa, 
leguem  no  os  que  ficarão  j&  o  temor 
Lhe  da  não  pês^mas  azas  àfugÍ4a\ 
Encobrem  no  profundo  peyto  a  dor 
^T>a  morte  jda  fazenda  defpenaidaj 
^a  magoa^da  deshonrajfy  trijle  nojo^ 
T^e  ver  outrem  triunfar  defeu  defpojol 


aias  nos  pés.  E  daqui  chamaó  os  Latinos  ás  côuías 
Jigeyras  timidas ,  porque  o  medo  dá  ligeyreza  aos 
que  fogem. 

^      ^         44 

AL^ús  vão  maldizendo, &  blasfemando 
^D  o  primeyro/jue  guerra  fez  no  mundo  y 
Outros  a  fede  dura  vão  culpando 


4^ 

AJudaofeu  deflino  de  maneyral 
^ue  fez  Igualo  rffeyto  ao penf amento] 
^Por  que  aterrados  Vandaloi  fronteyra^ 
Lhe  concede  o  defpojo^^  o  vencimento-, 

74 


ihl  Canto 

§á  de  Sevilha  4  Èethicàhandiyrà^ 
E  de  vanosfenhores  num  momento 
ò  e  lhe  áirrtba  aospêsJt;m  te r  deftfa. 
Obrigados  an  for f  a  'Fortugueja, 

Porque  a  4trra  dos  Vandaloi  front€yra.  Terra  dos 
VandaJoshe  Andaluzia  ,  como  atrás  fica  dito  no 
canto  tcrceyro  oytavaíSo. 

Betbtoa  btndeyra,  A  bandeyra  de  Sevilha  ,  por 
que,' o  no  Guadalqmbir^  chamado  Bethis  paíla 
por  cila. 

47 

DÈpas^é'  outras  vit tonas  longamente 
ErAÕ  os  Lapelhams  oppnmtdost 
^ando  a  pA-z  de/cjadajd  da  gente y 
\Oeraõ  os  vencedores  aos  vencidos: 
'Depois  que  quiz  o  Tadre  omnipotente 
'Dar  os  ikeys  inimigos  por  maridos, 
Âs  duas  illu  fíriffim^  s  Ingltz^as , 
Cernis  jfermojas  jinclttas  princezas^ 

Ai^  duas]  ilhjlrtjjimas  Ingletati  Dom  Joaõ  de 
Alencaílre  filho  d^EURey  Dom  Duarre,o  quar- 
to de  Inglaterra  ,  teve  da  Duquera  íua  moiher 
duas  filhas  ,  Dona  Ifabel ,  que  foy  calada  com 
Wonfíeur  Joaó  Conde  de  Jelanda  ,  &  Dona  Fhe- 
lippa  ,  que  calou  com  El-Rey  Dom  Joaõ  o  pri- 
iTieyro  de  boa  memoria  ,  de  que  himcs  trattando. 
Depois  da  morte  da  Duqueza  Tua  moiher  cafou 
com  humafenhora  chamada  Dona  Conftança,  fi- 
Jhad'El-Rey  Dom  Fedro  de  Caflella  ,  à  qual  o 
Reyno  pertencia  por  morte  d^iil-Rey  :  pelo  que 
o  Doque,fal]eciJo  El-Rey  Dom  Pedrotcom  aju- 
da d^El-Rey  Dom  Joaõ  de  Portugal ,  fez  muyta 
guerra  a  Caltclla ,  tomou  muytos  lugares ,  &  lhe 
fez  muytos  danos  ,  atè  que  houve  concertos ,  os 
quâesforaó,que  El-Rey  calafle  leu  filha  o  Prin- 
cipe  Dom  Henrique  hcrdeyro  de  Caífella  com 
Dona  Catherina  ,  filha  do  Duque  ,  6c  de  Dona 
Conllança,  Feytos  elles  concertos  com  algumas 
condições  ,,que  as  Chronicas  trattáo ,  ccílaraõ  as 
guerras. 

NÂÕfofre  o  ^eyto forte  ufado  à  guerra, 
NaÕ  ter  imtge  jà  a  quem  faça  dano^ 
E  affi  naô  tendo ^a  quem  vencer  na  íerra,^ 
Vay  cometer  as  ondas  do  Occeano'. 
Ejte  he  oprimeyro  Rey^que  fè  deflerra 
^Dafatrta^por  fazer ^que  o  Africano^ 
Conheça  pelas  armas  ^quando  excede 
jl  Ity  de  Çhrijlo  à  ley  de  Mafamede. 

Vay  cometer  as  ondas  do  OíM»tf,Dcpois  que  ccíla- 
raô  as  guerras  de  Caftella  ,  não  podendo  El-Rey 
cftar  otiolb  ,  determinou  paflar  em  Africa  contra 
S^  M.~~^^l  !Í?  í^?'"  ^^^>  *^'  quaes  tomou  acjuella 


^àrfol 

tão  excellente  ;  &  itrporjante  Cidade  de  CeutaJ 
chavcdetodaHerpanha,huma  veiperadcNolk 
Scnnorade  Agoílodci4i4.  Oulcgundo  ouuos 
querem  a  vmte  6c  húdouitomczdoannodc  1415. 
que  hc  o  níais  certo. 

45> 

Eh  mil  nadantes  aves  peio  argento 
Dafuriofa  Thetts  inquieta, 
abrindo  as pandas  azas  vaó  ao  vtnto^ 
^ara  onde  /ikidtspoz  a  extrema  meia: 
O  r/i  otite  Àbylaj/ò"  o  nobre  fundamento 
De  Ceyta  toma^ÍÍ>  o  torpe  Mahometa^ 
Deytajóra^  &Jegura  toda  E/panha^ 
\lJa  'Juliana  ma^^  áejíeai manha, 

,  Eis  mil  naãantís  aves  feio  argento»  Uia  nefta  oy- 
lava  de  algumas  palavras  meiaphoricas ,  como  he 
chamar  as  nãos  aves  1  6í  as  aguas  argento  por  le- 
rem brancas ,  conioa  prata  ,  a  que  os  L,aiinoscha- 
nyàoargentuw.E.  às  vellaidas  naos  alas paudas,alks 
largas,6c  cllendidas. 

Da  furto fa  Ihettt»  Thctis  he  Deofa  do  marjfe  tt* 
ma  aqm  pelo  meln)o  mar. 

Paraênde  ^Ictdtipoz  a  extrema  wpfa. Alcides  cha- 
mão  i  s  Pocias  áJHcrculcsde  leu  avo  Alceo»  £x- 
trema  meta.  A  derradeyra  columna,  a  qual  poz  em 
Ceuta  ,  para  o  qual  lugar  os  Portuguezcs  encami- 
nharão lua  armada.  Das  cciumPias  de  Herculcí 
íe  vcjaa  roUaannoiaçaó  canto  j.oytava  18. 

Da  luUana  rf.â,&  4ejleal  manha»  t.omo  Ceuta  hl 
fronieyia  oc  Helpawha  faziáo  dalli  os  M«ufod( 
granoes  danes  ntlla ,  os  quaes  ccllârdó  depois  que 
El-Rcy  Dom  Joaólhaiomou.  Dizqueficou  le* 
gu rada  manha mà,  Sc  desleal ,  porque  por  Ceuta 
mtieo  os  Mouros  em  Helpanha,  aquelle  mao  ,  6C 
desleal  Hclpanhol  oConde  Dom  Juliaõ  ,  que  foy 
caula  de  le  j  crderem  as  Helpanhas  em  tempo 
d'E]-Rey  DoH)  Rodngo ultimo  dosGodus,co2 
mo  diíiemos  atrás  no  canto  tercey  ro. 

N^Õ  confentio  a  mor  te  tafJtos  annofi 
^le  deHtroetão  ditofofe logralfe 
V^or  tu  galernas  os  coros  jcberanos 
Do  teofupremo  quiz  quepovoajjei 
Mas  para  defenfub  dos  Lufitáfios, 
Deyxou  quem  o  íe^ou^quem govtrnaffe^ 
B  aumentajje  a  tetra  mais  que  d^antes^ 
Inc/itageraçaõjaltos  Infantes. 

tíeroetaõâitofo.  Hcroe  he  palavra  Grcga,íigní* 
fira  Icnhor  excellente.  Chámaó  heroes  aquelle* 
que  ainda  que  viváo  nas  terras,  merecem  por  luas 
partes  eftar  nos  Ccos.  ^^ 

Mas  01  coros  feheranôs  do  Ceo  fupremo,  Fallecr»  ■■ 
cftctclicifliíBo  key  cm  Lisboa  vtípcrade  Nor» 
-       ^  '^  Sc- 


Lufiadas  âe  Ltih  âe 
Senhora  de  A^oílo  ,  de  mil  quatrocentos  &  trinta 
&tr€sannos,  &he  para  notar  ,  que  venceoalil- 
Rey  dcCaítella  vefpcra  de  Noíla  Senhora  da  Al- 
íumpçáoaquatorzc  de  Agotto  ,  Ôcemodtfo  tal 
dia  tomou  Ceuta  aos  Mouros, 8c  em  outro  tal  fal- 
Jeceo,  que  parece  a  glonola,  Virgem  deq«emelle 
I  era mayco  devoto  haver  permitcido,  6c  querido 
lhe  íuccedeílem  citas  coulas  em  hum  leu  taó  fma- 
iadojôc  gloriofo  dia.  E  affirma-íe  que  no  dia  de  lua 
iiiorce  foy  o  Sol  eccly piado» 

Alto\  tnfantet.  Porque  teve  quatro  filhos  legí- 
timos, Dom  Duarte, Dom  Henrique^  Domjoaó, 
Dom  Fernando  ,  Sc  Dom  Pedro  Aftonfo  baftar- 

51 

NAõfoy  do  Rey  Duarte  taÕ  ditofb 
O  t empo ^que  ficou  najummaalteza^ 
^e  affivay  alternando  o  tempo  ircfit 
O  bem  CO  o  mal  o  gofio  co  a  tVífleza: 
^em  viojempre  hum  e fiado  deleytofò? 
Ou  quem  vio  em  fortuna  haver  firmeza^ 
^ois  inda  nefie  Reyno,&  nefie  Rey^ 
'  ^aÕ  ufiou  ella  tanto  de  fia  ley. 


w 


Nííp  [oy  do  Rey  Duarte  tão  ditêjoo  tempo.  Depoiâ 
da  morte  d^El-Rey  Dom  Joaó  foy  levantado 
por  Rey  feu  filho  mayor  o  Infante  Dom  Duarte, 

jquefoy  opnmeyrodclte  nome  ,  6c  undécimo  dos 
.ReysdcPortugal.em  Lisboa  ,  aos  quinze  dias  de 

lAgofto,  de  mil  quatrocentos  trinta  &  três ,  6c  fen- 
do de  idade  de  quarenta  6c  dous  annos  ,  reynou 
cinco  lomente,  os  quaes,  como  diz  o  Poeta,  f  oraõ 
aguados  com  muytos  trabalhos,  6cdergoílos,por- 
que  neíle  R.ey no  houve  grande  peíle ,  de  que  di- 
2em  El-Rey  talleceo  emThomar  a  nove  deSe- 
tembp,de  mil  quatrocentos  6c  tnnta6coyto.^ 

V  lo  fer  cativo  o  fanto  Irmão  Fernando^ 
^e  a  tão  altas  empreías  afpiravuy 
^lepor  faluar  opovomifierando. 
Cercado  ao  Sarraceno  fe  entregava'. 
Só  por  amor  da  'Pátria  efià  p afiando 
yi'  vida  de  fenhora  feyta  efcra  va, 
^w  não/e  dar  por  elle  a  forte  Ceiíta^ 
Mais  o  publico  hemique  o  feu  rejpeyta, 

Vhftrcattivo  o  fanto  irmão  Fernandoi  Alem  dos 
trabalhos  do  Keyno ,  de  que  falíamos  atrás,  lobrc- 
•veyo^utro  mayor,  quefoy  o  defeílrado  Tuceflo 
lio  cerco  de  Tãngere  ,  o  qual  os  Infantes  Dom 
Fernando,  6c  Dom  Henrique  quiferaó  fazer  a  pe- 
lar de  todo  Portugnl.E  aflim  lhe  luccedeo  de  nm- 
doqueo  infame  Dom  Fernando  ficou  em  Africa, 
porque  retirados  da  Cidade  de  Tangere  ,  qucti- 
•nhaó  cercada ,  foray  dles  cctc.idos  pelos  M^ures. 


Camões  Comnentados]  1 2  9 

E  vendo  o  Infante  Dorn  Fernando  o  perigo  cm 
queeftavâo,6cquenáo  erapoílivc!  efcapar,iedca 
elle  em  reféns,  com  condição  de  lhe  dar  Ceuta  ,  6c 
todos  os  Mouros  que  houvefie  cattivos  em  Por- 
tugal ,  o  quenáo  pareccobem  a  Porcu^^al ,  nem  o 
Intanre  o  confentio  ,  antes  foy  de  contrario  pare- 
cer, porque  quiz  antes  morrer  cm  hum  tão  vil,  & 
bayxo  eitado  de  cattivo  ,  que  darle  Ceuta  aos 
Mouros ,  por  ler  a  chave ,  6c  íegurança  de  Helpa- 
nha. 

Si 

CÒdrOjporque  o  inimigo  não  vence ffe^ 
T)eyxou  antes  vencer  da  morte  a  Vídaj 
Regulo  porque  a  'Pátria  não  perdeffe^ 
^uiz  antes  a  Ubadade  ver  perdida: 
Elie  ^porque  fe  Efpanha  não  temefie^ 
A  catíveyro  eterno  fe  convidai 
"Cedro  inemCurcio^ouvidoporef^antOi 
JMem  os  'Deãos  leaesfi^erào  tanto. 

Cedro  forque  o  inimigo  não  vémtjje.  Trás  alguns 
exemplos  de  antigos  ,  que  por  falvar  luas  patriaS 
pei  tkraó  ás  vidas.  Codro  Rey  dos  Atheníeníes  cnt 
kuma  guerra,  que  tinha  com  os  Lacedemoniosi 
labendodos  oráculos  ,  queaquelle  exercito  havia 
de  vencer,  cujo  rey  niorrelle  na  batalha,  fe  veítia 
em  trajo  de  particular  ,  6c  delta  maneyra  metido 
entre  os  inimigos  o  matâraó  ,  6c  aílim  com  fua 
morte  ficou  o  leu  exercito  vencedor.  Marco  Atti- 
lio  Regulo  Coniul  Romano  venceo  muytasve* 
zesosCarthagineníes  ,  vcyo  depois  a  ler  vencido 
delies ,  6c  eílando  em  Cai  thago  cattivo,  foy  man- 
dado a  Roma  fobreque  fe  déllem  os  cattivos  Car- 
thaginenfes  por  elle.  O  qual  foy  de  parecer  que  a 
tal  troca  lenáo  fizeíle  ,  pelo  que  tornado  á  Car^ 
thago,foy  cruchuente  morto. 

i^orijue  a  patuá  nã^ptrdejje.  Porque  Roma  não 
fícaílecom  quebra  ,  porque  elle  era  velho  ,  6c  os 
Carrhaginenfes  cativos  mancebos ,  6c  que  lerviâo 
para  a  guerra. 

Nem  Curcio  ouvido  per  efpanto,  Eicrcve  Titolí- 
vio  na  primeyra  DecaJa  ,  que  âo  tempo  que  oá 
Romanos  tinhaó  guerra  com  ofHcrnicos  ,  appa- 
rcccc  lubitamcnteiia praça  de  Roma  huma  muy- 
to  grande  abertura  ,  a  qual  os  Romanos  nunca 
poderão  ferrai  jantes  quanto  eilcs  mais  o  procurá- 
vaó, tanto  ella  mais  íe  abria-.  Conlultado  o  Ora« 
cuío,rerpondeo,que  aquella  abertura  queria  den- 
tro em  fi  aquillo  ,  com  que  Rou)a  era  mais  pode» 
roía.  E  como  neíle  cafo  variaílcm  os  Romanos,  6c 
nenhum  íoubeflc  dar  no  entendimento  da  repol- 
ta.  Curcio  os  reptendéo  mijyio  aípcramente,  noi 
tando-os  de  fraco  juizo,6c  dizciído  que  homens, 6c 
armas  fiziaõa  Republica  Romana  muy  poderola, 
6c  qucallim  íe  haviaó  de  tnitncier  ns  palavras  do 
Olaculo;  ptílo  que  le  armou,6c  porto  a  cavalio,  íe 
lançou  muyto  alvoroçado  dcnrro  naqiiella  aber- 
tuiaja  qual  Ici^o  íc  fcir&u.E  defta  maneyra  ficáraq 


1^0  Canto  ^ar  to, 

©s  Romanos  deíafibrubrados  doniedojquc  tinhaò     Gretia.  Entre  outras  coufas  nomeadas,  que  na  vi- 
portiuina  ráo  grande  novidade.  daHercuiesíez,  humaíoy  matar  hum  dragaô,  que 

I^ewoi  Dícm  Itaet  fiíceraS  tanto.í^oríiòáoustpíiyt  as  Helpcndas  íilhas  d"Ll-Rey  Hcfpero  tinhaó 
íilho,eíles  le  lacrifacáraô  por  lua  pátria.  Eílc  ia-  por  guarda  de  hunra  horta,  aonde  o  fruy  to  das  *r- 
w-  -  ,  .„..,..^^„,  j <í, .  _  vores  era  de  ouro.  Eíla  horta  dizem  foy  na  Berbé- 
ria ,  aonde  El-Rcy  Dom  Affonlo  tomou  trcs  lu- 
gares aos  Mouros,  Alcaccre,  Arzilla ,  &  Tangcre: 
ArziUa,  Ôc  Tangcre  «m  24,  de  Agoílo  de  mil  qua- 
trocentos tií  Icienta^:  hum  ,  Alcaccre  íeguerem 
dezoytode  Outubro  de  quatrocentos  cincoenia 
5c  oyto. 

JSIafronti  a  palma  luva^  é^  o  vtrde  hur».  Pop  fíftc^ 
termos  moítr a  ,  como  El-Rey  Dom  Aífo«loan- 


•crificio  le  taziatm  tempo  de  grande  aperto»&:  tra- 
balho ,  &  era  deíla  mancyra  :  o  que  le  havia  de  la- 
xrvíicar  Tc  armava  ,  Si  poítoa  cavallo  dizia  certas 
palavras ,  &  tazia  certas  cerimonias ,  2c  acabado 
lílo  fc  metia  pelejando  valeroliílimamcnce  entre 
os  inimigos  ,  Ôí  dcfta  mancyra  acabava.  Eftaera 
entre  os  Romanos  a  roais  honrada  morte,  que  le 
podia  haver  ,  &  aos  que  morriaõ  deíla  maneyra 
íe  faziáo  todas  as  honras  ,  ôceráo  tidos  por  bem- 
^■Gnturacios,Ôí:  para  delles  haver  perpetua  mcmo- 
Tia  íc  iheiuvanuváo  grandes  eltatuas. 


dava  vittoriolb  nas  partes  de  Africa.  Porcjuc  a 
palniasSíolouro  laó  iníignias  de  vittoria. 


54 

MJs  Ajfonfo  do  Reyno  mico  herdeyro, 
t^Nome  em  armas  dito  {o  tmnoJJaEjpe^ 
^te  a/oherba  do  barhâYofronteyrOy         na) 
7  ornou  em  hayxa»  &  bum í /Uma  rnijeria: 
Fora  por  certo  invíto  cavaleyro^ 
^efiaó  quizera  tr  ver  a  terra  Ibéria^ 
jVlas  /Ifrtcadtrà  jcr  impodivelj 
Woder  nmguem  vencer  o  Rey  terrível, 

Maí  A^cnÇo  eh  Reyno  único  herdejro.  Depois  da 
morte  d-^El-Rey  Dom  Duarte  foy  levantado  por 
Rey  em  Thomar  leu  filho  Dom  Altonlo  o  quin- 
ío  deite  mome,  Sc  duodécimo  dos  Kcys  de  Portu- 
gal.E  por  fer  de  íeis  annos,  íómente  ao  tempo  que 
«[levantarão  por  Rey  governou  em  leu.  lug,ar  o 
Intaute  Dom  Pedro  fcu  tio.  Fcy  eíte  Rey  muyto 
beniafojtunado  ,  como  faião  os  n  aisdo  melmo 
name  ,  pelo  que  ihc  charaa  o  Poet.-í^noiíie  err>  ai> 
mas  ditolo  em  noíla  Heíperia.  Helperia  he  Hel- 
panha.  Vejaíca  noílaannwaçâo  nolcgundocan- 
io.oytava  10.  \ 

Se  não  ^tfira  ir  ver\a  terra.  Iberia.Tcrrz  Ibéria  he 
o  Reyno  de  Aragaó, chamado  afiim  do  Rio  Ibero, 
que  vulgarmente  k  chama  Hebro  >  queorcga. 
'ionu-lc  por  roda  Htl}  anha» 

EStepôde  colher  as  maças  de  ouro ^ 
^e  fomente  o  Thjrinthlo  colher ^odeí 
S^ojugo  que  ellepoz  ao  bravo  Mouro ^ 
A  ceri^tz  inda  agora  naÕ  facódr. 
Na  fronte  a  palma  levafà'  o  verde  louro 
*I)as  vit tonas  do  barbar o^que  acode 
A  defender  Alcácer, forte  Vi  lia, 
latjgerpopulofa,&  o  dura  Arzilla, 

Efli^^fodt  cslher  as  maçit  d^our»,efue  fomenU  o  Thf- 
rititto  colher  pode.  Thyiintio  chamaó  os  Poetas  a 
Hércules  por  razáo  dcfThyrmtia  l.na  pátria  cm 


POrêm  e  lias  em  fim  por  força  entradail 
Os  muros  abayxãraõde  diamante^ 
As  Vçrtuguezas forças  coflumadar^ 
A  derrubarem  quanto  ac hão  diante. 
Maravilhas  em  armas  ejiremadas% 
E  de  efcrttura  dignas  elegante y 
Fízêraò  cavalelyros  nefa.  emprefa^ 
Mais ajfnando  ajá^mu^ortuguezA, 

0$  muros  ahayxàrao  de  diamantt.  Muros  de  dia^jj 
n^antelaó  muros  fortes,qual  heodiamantc,tcrniO'. 
et  fallar,  de  que  os  Poetas  ufaó  para  cncarecimen-^  • 
to  de  coula  muyto  dura,  Veja-le  anoíla  aiinoca»..] 
çáo  no  legundo  canto,  oytava^4.  i\ 


57 

POrém  de  spois  ^tocado  de  amhiçãú, 
E  gloria  de  mandar  amara.y&  bella'^ 
Vay  cometer  Fernando  de  Ar  agrão^ 
Sobre  o  potente  Reyno  de  Cajtella: 
Ajuntafe  a  mimiga  multidão 
^ãs  Joberbas  ^ét  varias  gentes  de  Uai 
^Defde  Cadtz,  ao  alta  TirineQ^ 
^e  tudo  ao  Rey  Fernando  obedeceo. 


i 


l^ay  eowtur  ternênÀo  de  Aragão.  Para  fe  iílo  c  íl- 
tender,  henecefiario  eicrcver  mais  algumas  )fe- 
gras ,  ainda  que  fcja  contra  a  brevidade  prom  ct- 
tida.EURey  Dom  Henrique  o  quarto  defte  no- 
me de  Caílellafoy  calado  primcyra  vez  com  hu- 
ma  Dona  Branca  ,  filha  d^EURey  Dom  Jonô  de 
Navarra  fcu  tio:da  qual  Senhora,  havendo  já  trc  ^ 
ánnosqueeraó  cafados  ,  ie  apartou  por  aiuhori»; 
dadc  do  Papa  Nicolao  Quinto  ,  per  ler  tida  por 
cíienl,&:  logo  Ic  calou  com  a  Infante  Doua  Joan^ 
naíiiha  do  Infante  Dom  Duarte  de  Porr.ugal  ,ôC 
iamá  deíf  c  Rey  Dom  AíFonfo.de  que  himos  trac* 
tando.  Houve  defta  Senhora  huií^a  fir/ia,  a  quem 
foypoílo  omcímciioaicdeluaí/iúy  -,  a  qual  lhe 

iiace 


I 


1 


íiufitdas  dè  Luh  de  Cat^oes  Commentad^s^ 


íi*ceohavetiJo  já  cinco  annos  que  eraó  cafados. 
E  porque  havia  praguentos,  qucfillávaó  netèc 
calo  coMtra  a  honra  Cl^£l-Key  Docn  Henrique, 
diieaJo  queaquella  Senhora  não  era  lua  falna.si- 
lefcii  corceá,:^  pírance  codjs  os  Senhores  do  i<cy- 
110  declarou  ler  a  Infante  Dona  Joanna  lua  Hifta 
Jegiaai4,herdeyra,Sc  lucceflbrados  Icus  Reynos. 
li  por  tal  a  fci  logo  iarar:ik:airiin  o  tornou  â  rati» 
íicar  v^o  leu  teltameato.  Morto  tLl-Rey  Dom 
Henrique,  Dom  Fernando  Hlho  d^iil.Rcy  Dom 


»^t 


Deita  arte  foy  vencido  Oãdviáu».  Compara  o  luci 
cellb  delta  i^ucrra  ao  de  Uctaviano,Ôí  Marco  An-, 
tonio  contra  os  matadores  de  Julio Gelar  ,  quuii- 
dn  pelejando  nos  campos  Phihpicos  foy  Uctavii 
no  vencido,  ficando  Marco  António  de  fua  partt 
vencedor,  como  conta  Appiano,  aonde  elcicvc  a. 
Cidade  l-*  hl  li  ppos  ,  em  cujascampos  foy  aqucUa 
batalha  cncre  Celar.ÔC  Pompeyotáo  celebrada en« 
tre  os  l?.Jcnttores,6c  cita  entre  Octaviano,ík:  Már- 
cio Antoiíio  contra  Bruto,Callio,  Òc  outros  cons. 


]<i»aó  de  Aragaó  íc  cafou  com  Dona  llabel  tia  da  jurados.  Donde  diz  Virgílio  nas  Gcorgicas  hv.u 
Infante  Dona  Joanna  ir.ná  de  leu  pay  ,  ôctoaiou  , 

pcrtVe  do  Reyno  ,  dizendo  que  Dona  Joanna  não  Ergo  inter  fefe  parihus  concurrerc  telit 

«ra  legitima  ,  o  que  foy  caula  de  muy tas  guerias,  RumatMi  aetti  ittrnm  vidert  Pbtltpfu 
&  enfada -nentos  entre  o  nolib  Rey  Doa\  Agonio,  * 

&  Dom  Fernando  de  Aragáo,como  o  noffoPoeu  Trattando  da  batalha  »  que  houv^e  entre  Ofta- 

«qui  aponta.  ^  viano,Sc  osquematàraó  aJuHoCelarrAÍIim  quea 

De/de  Cadiz,' ate  à  alto  Perintt,   Neílas  palavras  Cidade  dePhilippos  vio  outra  vez  os  exerci  toWo- 

comprehende  o  Poeta  as  partes  aonde  vieraó  e.n  manos  encontrarle  comas  mcímas  armas  >  £c  diz 


ajuda  d^El-Rey  Doai  Fernando  ,  que  laó  as  ter- 
ras rodas  de  Hefpanha  poifas  entre  eílcs  dous  cer- 
minosiaCidadc  de  Cadiz  no  eíèrey  to  de  Gibalc4r> 
6c  os  montes  Pcnneos ,  que  a  dividem  de  Franja. 

N/ío  quiz ficar  nos  keynos  ociofò 
O  mancebo  Joanne,^  logo  ordena 
*Í)e  tr  ajudar  opay  ambtciofh^ 
^le  então  ihefuy  ajuda^não  peífuenai 
Hahto/e  em  fim  do  trance  per  tgofi) 
Comjronte  não  tmbada^mas  ferena^ 
'DesOar atado  opay  {angumo tento ^ 
Mas  ficou  duviâo/o  o  vencimento. 


outra  vei  ,  pelo  que  antes  tinha  iucccdido  ciure 
Ccíar,vk  l^ompcyo. 

POrèm  defpois  que  a  *fcura  noyte  eterna^ 
Affonfo  apojentou  no  Ceo/èreno, 
O  'Frtncepe^que  o  Reyno  então  governa ^ 
Foy  J oanne J egundoy^  Rey  trezeno: 
Ejte por  haver  famafempttetna. 
Mais  dt  que  tentar  pôde  homem  terreno  ^ 
Ttiíttu  que  foy  bu/car  da  roxa  Aurora 
Os  términos, que  eu  vou  bu/c ando  agora. 


Forem  defpoit  <júe  à  efcura  hoyte  eterna.  Por  fale- 
cimento d^lil-Rcy  Dom  AíFonfo  foy  levantado 
por  Rey  Dom  Joaó  leu  filho   herdeyro  Geltcs 

n— „-t   !-..««*   n  P-.-rt^.v- TS       t     -  rii  .     Reynos,  lesundo  deílc  nome )  decimo  tercevro 
O  mancebo  hanne.  vj  rnncipc  Dom  Toaõfi  hò      4    ij  P,      j    j     j  j    j    ..•   ..    «,  r 

d^EI.Rcy  Dom  Affonfo.  o  qual  acompínhou  fcu    "^'a    l'?^:  a  r  '""°'- 

paynefta  jornada  ^  F       o       u     í^ite  dekjolodeacrecentar , 


DtiharatAdtopay.  Porque  em  Craíto  queymadó 
houve  grande  batalha  entre  Êl-Key  Dom  Afíon- 
fôde  Portugal  ,  &  Dom  Fernando  de  Aragaó  na 
qiial  eíles  Reys  foraó  cada  hum  para  fua  parte,  6c 
íi  Infante  ficou  no  campo  ,  como  fe  diz  na  oytava 
Vegvinte.  Chama  a  li,l-Rey  Dom  AfFonfo  ambi- 
cioCojSt  fanguinolcnco ,  pela  ambição  de  haver  o 
Keyno ,  ôc  por  efte  rcípey  to  haver  tantas  mortes. 

POrqueofi/ho/ublímey'^  /oberano, 
GenttLfíiftetantmofò  cavalieyro. 
Nos  contrários  fazendo  tmmenjo  dano^ 
Todo  hum  dia  ficou  no  campo  hiteyro: 
*X)efla  arte  foy  vencido  O^aviano^ 
E  António  vencedor feu  companhem^ 
isolando  daquelles^^ue  a  Cefar  matarão^ 
Nos  Thtlí^tcifs  cambos  [e  vtngàt  ão^ 


)olo  de  acrecentar  ,  &  ennobrecer  o  leu 
Rey  no  ,  profeguio  o  delcobrimento  da  Conquifta 
de  Gume  ,  que  icus  anteceflorcs  tinhaõ  começa- 
do ,  parecendolhequé  por  cita  via  dcfcobriria  as 
terras  do  Pi-eíte  Joaó  ,  de  que  tinha  fama  ,  &  que 
tanto  delcjava  conhecer,  para  ver  Ic  por  eíte  meyo 
podia  entrar  na  lndia,cujo  defcobrimcnto  pretcn- 
dia,como  aqui  diz  o  Poeta. 

Oi  termtnoí  da  roxa  surora.  Os  términos  do  Ori^ 
ente, como  muytas  vezes  temos  declarado. 

^ueeu  vou  bufcando  a^flro.líliodizo  Poeta,  por4 
que  o  alvo  a  que  cllc  ncltc  livro  tira  hc  crattar  da» 
coufas  da  Índia. 

6t 

M4fjdá  fcis  companheyroSyque pãjjarã9 
Efpanha^Frànça ,  Itália  celebrada^ 
E  la  no  iiluflre  prirto/e  embarcarão. 
Onde  jâfoy  ^fartenope  enterrada: 
jSlapoles.onde  os  fados  fe  moftràrão^ 
Fazendo  a  varia  gente  Jobjugada^ 


fíjlii  Canto  Ç^ârto\ 

^Jfaraa  ilhtflrarnõfimâe  tantos  annos^  que  diz  fe  engrandecem  com  a  morte  de  Pom^ 

CoíenhoYío  de  mclytos  Htfpams.  F'^)"^  Mag^-»-  ,      ^^ 

"*  VãaaMcmphu,  Memphishehojeo  Cayro.  AI« 

Adsndafeui  menfagejireiy^tK  pajjdrao.  Efte  defcu-  gunír  querem  que  Mcmphis  cílivelíc  da  outra  ban- 

brimentode  que  au  ás  falíamos  ,  continuou  por  da  dono  defronte  do  lugar  aonde  agora  he  o 

wandadod'^Ei-Rey  Domjoaó  hum  Berthoiameu  Cayro,^  que  delia  náo  haja  mais  que  o  nome.  O 

Dias, que  fora  Almoxaritedos  Aluiazens  de  Lií-  nollo  Gamões  quer  que  íèja  Mcmphis  o  Cayro 

boa,o  qual  defcubrio  aqueile  grande,&í  cipantofo  por  ler  opinião  com  nmy  to  fundamento, 

cabo  dos  Antigos  não  conhecido  ,  a  que  agora  E  «i  terras  tjueje  regai  das  enchentei  NUoticat  un* 

chamamos  de  boa  Efperança  ,  &  paíiou  avante  </<»/»>. As  terras  de  ÍLgypto,que  íe  regaò  com  o  cre- 


cimento  do  rio  Nilo.  Vqa-ie  o  qelcrevercmosno 
canto  decimo. 

Sobem  a  Eãtiofia  fobre  Egypto.  Efta  he  a  terra  dos 
Abexins,  lu^cytosaoPrclteJoaó,  ^Chriíláos, 
como  aqui  diz  o  Poeta, 

<í5 


<:ento  ^  quarenta  léguas ,  até  o  no  do  Infante, 
aonde  fem  outra  nova, nem  conhecimento  le  tor- 
nou para  Portugal.  Depois  deterEl-lley  man- 
dado eíle  Berthoiameu  Dias.  por  mar  ,  mandou 
por  terra  hum  Religiofo  por  nome  Frey  António 
de  Lisboa,  com  hum  leygoem  fua  companhia,  os 
Quaes  naõ  pallàraõ  de  Hieruíalcm.  Depois  deites 
manifou  dous  criados  feua  Affonío  de  Pay  va  ,  & 
Ptdro  de  Covilhã,com  os  quacs  linha  côHança:  o 
t^ue  entende  netfas  palavras:   Manda  íeus  menfa-  _ 

gf  yros.  Os  quaes  dclpachou  em  Santarém  a  íettc     '^^IJ^^^de  I/maelcom  'o  'nomeormui 
deMavodo  annodei487.  Eltandoprcíente  Ei-     ^      ,,       j     í         ç  lé 
Rey  Dom  Manoel ,  que  naquell.  tempo  ^ra  Du-     ^'  ''J^^'  odortferas  Sabias, 
que  de  Beja.  Embarcaraô-le  dia  de  S.Joaó  BaptiU 
ta  do  dito  anno  na  Cidade  de  Nápoles  ,  chamadn 
antiguamente  Parthenope  ,  como  fica  declarado 
no  terceyro  canto^oytava  19. 

Faz.endo  a  varias gintes  fojugaãa.  Iflo  diz,porquc 
depois  de  Nápoles  conhecer  muytos  Senhorcs.S: 
fer  mandada  àt  muytos,  veyo  no  fim  a  ler  de  Hel- 


P^ljãõ  também  as  ondas  Erythrêas, 
^e  o  povo  de  Ifraelfem  naopaffon^ 
Fkaõlhe  atraz  as  Jerras  Nabathéas^ 


Mite  a  mãy  do  bello  Adónis  tanto  honrou^ 
Cercão  com  toda  Arábia  defcuherta 
Felizi^  deyxando  a  Tetreai&  a  "De/erta, 


panhots, como trattàmos  no  Ifgtjr  alk-gado. 

til 

PE  lo' mar  alto  Siculo  nave^ãoj 
Vãofe  àspayas  de  Rhndes  arenofas^ 
E  dallt  às  Ytbeyras  altas  ibegao, 
^e  CO  a  morte  de  Magno  làof amo/as: 
p  ao  a  Menphis^^  às  terras ^quejí  rega» 
^as  enchentes  Nilotlcas  undo/as, 
iõbem  a  Ethioptafobre  EgyptOi 
^e  de  Chrifto  la  guarda  o  Janto  rito^ 

TeWmar  alto  Siculo  n^avegao.  Mar  Siculo,  mar  de 
Sicilia,  chamado  aflim  de  Siculo  Senhor  delia. 

.  Vao{e  âi  frayat  de  Rbodes  anncfãi.  Rhodes  he  hu- 
ma  ilha  do  marCarpathio,  que  lerá  cento  &  ti  inta 
milhas  de  circuito,  como  dizPlinio.  Foy  aiTento 
dos Cavallcyros  de  S.Joaó.  Hoje  he  pofluhida  dos 
Turcos ,  porque  Solymao  Graó  Turco  a  tomou 

no  anno  de  mil  quinhentos  vinte  6c  trcs  ,  no  mez 

de  Dezembro  ,  havendo  féis  mezes  que  a  tinha 

cercada.  Pelo  que  o  Collegio  dos  Cavallcyros  de 

S.Joaó  rcfide  hoje  cm  Malta  ,  que  o  Emperador 

Carlos  quinto  lhe  deu. 

E  ddli  «áj  ribefraí  altas  thegao  ,  ^ue  co^  a  mor' 

te  de  Magno  faõ  famòfat.  E^ílâs   faõ   as  Ribey- 

ras  de  Alexandria.em  cuja  praya  foy  morto  Pom- 

pcyo,  como  trattâmcs  no  canto  3,oy  taya  71.  pelo    ^e  cau/a  ainda  fera  de  la)'ga  htjloria^ 


LO 

1 


Vafjão  também  as  Ondas  Erythreas.  Ondas  Ery- 
threas  faó  as  aguas  do  mar  roxo  ,  o  qual  le  chama 
Erythreodonome  de  hum  Rey,  quegovernouBI 
aquellas  partes.  Da  cor  deíVe  mar ,  ôc  a  razaó  por-*' 
que  as  aguas  parecem  vermelhas,  trattey  no  canto 
legundo  ,  oytava  49.  Por  efte  mar  roxo  paílbu 
povo  de  Ifrael  a  pè  enxuto  fugindo  de  Pharaó  , 
qual  com  toda  fua  gente  le  afogou  ,  como  ie  con- 
ta no  Êxodo.  Sobre  efta  paílagem  dos  filhos  de 
Ifrael  ie  veja  a  nofla  annotaçaó  no  canto  decimo. 

Oí/orji/er^i.Ghcyroías.O  que  o  Poeta  quer  moí- 
trar  he  ,  que  eftes  dous  Portuguezes  chegarão  a 
hum  lugar  chamado  Toro  ,  que  eftâ  perto  do 
monte  Synai  ,  no  qual  eftâ  fepultado  o  Corpo  da 
Bemaventurada  Santa  Catherina  ,  &  que  Jhe  fi- 
cava atrás  a  cofta  de  Arábia  P  etrea:a  que  elle  cha- 
ma ferras  Nabatheas^como  diflemos  no  primeyro 
canto  oytava  84. 

^m  a  mãj  do  bello  Ad»ms  tanto  honrou.  A  mây  do 
bello  Adónis  foy  Myrrha  ,  a  qual  como  conta 
Ovidio  nas  Metamorphofcs  foy  convertida  em 
arvore  do  leu  nome,&:  por  aqui  haver  muy  ta  ,  Sc 
muyto  encenfo,chama  aefta  terra  odorifeia. 


I>4 

EI\ítaÕ  no  EJlreyto  Terftco  onde  dtira^ 
T)a  confufa  Babel Jnda  a  memoria: 
Alli  CO  Tigre  o  Enfartes  fe  mtjturaj 
^ie  as  fontes  onde  nafcem  tem  for  gloria: 
^Jalli^ão  em  demandai  da  agoapnray 


T)é 


Lufiaàas  de  Lms  de 
ÍZ>£?  Indo  apelas  mdasdoOcceano^ 
Offde  na$  fe  atreveo  paSarTrajano, 

Entrão  m  ejirepa  Pttficet  tnds  dttríi  dã  çanfafa  B»* 
hl  tnda  a  mimaria»  Os  Gcograpbos  chamaó  eílr ey, 
todaPcríia,  aoquePlutarcbo  na  vida  dcLicurT 
go  chama  mar  de  Bahylonia,  que  he  a  razaó  por, 
que  o  Poeta  diz  que  dura  ainda  a  memoria  ,  da 
tontufa  Babel;  porque  le  chama  mar  de  Babylo» 
»ia.  He  huma  enleada  entre  Períia  »  Hí  ikra«- 
bia.  Chamaólhe  os  Latinos  Sinus  Per/Ucus  fre* 
tHt»  Perficum,  enleada  da  Períia ,  eítreyto  Períico; 
por  ler  aqucUa  terra,  quccae  da  bmda  de  fiíiihin. 
l-'elas  laboas  vemos  que  ie  chama  hoje  E,iiatiph,  6c 
Meltdim.  Osnolios  lhe  chamaó  cítreyto  de  Ba- 
fora* 

^llf  CO  Tjfgre  o  Eufrates  fe  mifluray  ^ue  ãifontei  ««- 
denacem  ttmfw ilorta.  Eíiesdous  nos  Tygris,  8c 
Eufrates  íacm  do  Parayío  Terreal ,  como  conlU 
do  Gcncíis,&;  o  Poeta  moílrajdizendo:  que  a  fon- 
te donde  nacemtem  por  gloria,  que  Icjaclaõ  ,  & 
prdaõ  do  lugar  donde  procedem  ,  que  he  o  Pa- 
raylo  terreal  :  os  quaes  andando  por  differentes 
partes  le  vem  ajuntar  neífe  cítreyrode  Boçarà, 
como  diz  aqui  o  Foeta. 

D*aUi  vaò  tm  demanda  da  agua  purayCfue  catifa  ain- 
da [erd  de  larga  ht/lorta.  Deite  eífreyto  diz  o  Poeta, 
que  foraó  bufcar  a  agua  pura  do  no  Indo  ,  que 
atraveliaa  lndia,o  qual  diz  fera  cauía  da  larga  Hií- 
loria,  pclodefcubninenco,  &  conquilta'dos  Por- 
luguezes  naquellas  partes.A  verdade  he.que  elles 
.dous  homens  foraó  ao  Cayro  ,  &  dahi  a  Toro  em 
companhia  de  Mouros  de  TrcmeOcm,  &  Fez.que 
pafláraó  a  Adem,  &;  daqui  por  ler  tempo  de  nave- 
gação le  apartarão.  Afto<ifo  de  Pay  va  leguio  a  via 
dcEthiopia,  &  Pedro  de  Covilhã  da  índia  ,  do§ 
quaes  nenhum  tornou  a  effa  terra:  porque  Affon* 
lo  de  Tay  va  morrea  no  Cayro,  &  Pedro  de  Covi- 
Ihá  na  Corte  do  Prelie. 

Ondefe  nao  atnvea  paj/ar  Irajana.  Efte  Empera- 
dor  fugeytou  todas  as  Cidades  que  eltaó  aquém, 
í^cálcm  dos  rios  Tygris,ÔcEufratcs,Ôc  daqui  nave- 
gando pelo  mar  Períico  fahio  ao  Oceano  conquif- 
.jando  até  a  Índia ,  mas  não  entrou  ne!Ia,  como  ef- 
creveraos  nocanco  i.oytava  3. 

Vlraõ  gentes  íncôgntias,  ^  éfíranhas, 
'Dalndta.de  Carmania.iêQedrofiay 
Vendo  vários  a>ji  ume  sovarias  manhas, 
^ue  cada  Regiae  produzia'  cria: 
Mas  de  vias  t ao  a fp eras ^t amanhas^ 
Tornar (e  facilmente  naõpodta^ 
Lã  morrerão  em  fim, ^  lâ  ficar  aõ 
í^ie  ã  defejada  pátria  md  tornarão. 

^ViraÕgfntes  incognitai»  Conta  aqui  o  Poeta,co-no 
€Ílcs  dous  Portuguç2«s  mandados  por  fit-K<y- 


C^m^s  Cr,j77mentadõsl  i^^ 

Dom  Jçaô  buicar  ai  terras  do  Prefte ,  6c  da  índia, 
ucpois  que  vtraô  m!4yÇí^5  tçrvíS  ,  ^.  ncllas  grandes 
variedades,  &  differenças  de  gentes ,  &  coltumes, 
icabàraô  Itusdsas  lem  tornara  Portugal. 

Da  Inítioí^d»  Carmanta^i^  Gedrofia.  Por  Índia  en- 
tendem as  Geographos  propriamente  a  terra  que 
jaz  entre  os  dous illuíbes,^:  celebrados  rios  Indo, 
&  Ganges.  Hi  nelta  regiaò  muytas  variedades  de 
gemes, repartidas  em  differentes  Reynos,^  Eífa- 
Uos ,  os  quaes  ainda  que  íejaó  todos ,  ou  idolatras 
Gentios  ,  ou  Mouros  da  leytade  Maíamcde  ,  tem 
entre  li  tanta  variedade  de  ritos,  &  coltumes,  que 
leria  largo  contalos.  Carmania,  6c  Gcdrolia  laó 
partes  da  lndia,hojclcchamão  ]Slaríingu,5c  Cam- 
baya. 

CG 

I^y  Arece^quc guardava  o  cUro  Ceo 
.    y^  Manoíijè Jeus  merecimentos i 
Efta  empreja  tam  ardua^que  o  moveo^ 
jí lubidoSi&  illujires  movimentosi 
Manoel ^que  a  Joanne  fuccedeo 
No  Reyn0i&  nos  altivos  pen/àmentos: 
Logo  como  tomou  do  Reyno  o  cargo^ 
Tomou  mais  a  conquijia  do  mar  largo, 

"Parece  ifut  guardava  o  claro  Ceo.  Fallecido  EK 
Rey  Dom  joaó  íem  hcrdeyro,  fuccedeo  no  Rey- 
no Dom  Danocl  Duque  de  Beja  ftu  primo  coia 
irmaó,  ao  qual  por  direy to  pertencia  ,  ScaíTimo 
deyxava  declarado  cm  leu  teítamento.  Foy  le- 
vantado por  Rey  em  Alcaceredo  lai  ,  a  vinte  & 
lete  de  Outubro  do  anno  de  1495.  íendo  de  vinte 
&  íeis  annos,  quatro  mezes,&  leis  dias.  li  porque 
com  eílcs  Keynos  herdava  também  o  profegui- 
mentode  tão  alta  emprefa,  como  ftusantecello- 
res  tinhaó  começado,que  era  o  defcubrimento,  Sc 
Conquiíla  da  índia  ,  que  El-Rey  Dom  Joaõ  em 
feu  tempo  tanto  dcfejou  .  nunca  cuydava  ,  nem 
prancavai  em  outra  couía,comoo  Poeta  diznaoy- 
tava  íeguirate,  confultando  muytas  vezes  com  os 
Príncipes  de  (cu  Reyno  ,  dos  quaes  muytos  craõ 
de  contrario  parecer.  Mas  como  elle  o  deíejava 
muy  to,&€ficcndia  ler  obrigação  fua,  determinou 
poia  eui  execução.  Para  o  qual  mandou  Vulco 
da  Gama  por  Capitão  mpr  de  huma  armada  de 
quatro  velas  o  qual  partio  de  Lisboa  hum  Sab- 
bado  oyto  de  Julho  do  anno  de  mil  quatrocciuos 
noventa  8c  íete. 

O^ua/,romndo  nohepeníamento 
*Daquella  obrigação  ^que  lhe  ficara 
'De  [eus  auttfajf^dòsjcujo  intento 
Foy /empre  acii/antar atarracara. 
Não  deyxajjejde  f.er  hum/ó  momento 
QonqHijfadQ^no  tempo^queã  Ihz>  clara 

Fog^i 


Foge^  K  as  eprelías  fí}íiííaSjquefaem% 
trepou/ò  convidão  ^quando  caem, 

fio  tempo  ejue  a  luz,  clara  foge.  Finge  o  Poeta  que 
«ftando  El-Key  Dom  Manoel  em  íua  cama  dor- 
ípindo  ,  lhe  apparecéraõ  entre  lonhos  aquelles 
dous  taó  celebres,6c  nomeados  rios  Ganges,  Sc  hi' 
do  ,  avifandolhe  mandafle  logo  pór  em  ordem  o 
defcubrimcnto  da  Índia  ,  da  qual  fcn»  falta  leria 
Senhor ,  ainda  que  fua  Conquilta  cuílaria  muy  to. 

£  <3j  EjlrelUi  nitidat  (jut  (aem  a  repou/o  c«nvtdaô^ 
guando  caem.  Poreftas  palavras  dá  a  enttnder.q  era 
alta  noy  te  a  imitação  de  Virgílio  na  Eneida  hv.i  i. 

í !  Etjam  nox  húmida  CaU 

Traciptat ,(uadent<^m  cétdtntia  fydtra  (òmnti. 

Quando  Eneas  t,  pordargoftoa  Raynhn  Dido, 
ainda  que  contra  o  leu,  determinou  contarlhe,jà 
alta  noy  te,  adeftruhiçáo  de  Troya,  &  já  a  húmida 
noyte,'diz Eneas,  cae do  Ceo,&:as  Eílrellasquc 
caemobngaóa  dormir,  Schaíc  de  entender,  quê 
era  contra  a  n)adrugada  ,  porque  então  o  ar  he 
mais  humido,&  as  Elirellas  parecem  que  le  pocm» 
ráo  íe  pondo, nem  caindo,  mas  chegando  mais  com 
leu  curlo  para  a  parte  do  Poente.  Mas  o  mais  certo 
lic,l{r*ifl;o  no  principio  da  noyte:  como  o  Poeta  o 
diz  claramente. 

St  ando jà  deytado  noaureo  leytó. 
Onde  tmigmações  mats  certas  fag^ 
lievolvendo  contino  no  conceyto^ 
1>ejeu  offcio^têfangue  a  obrigação: 
Oi  olhos  ihe  occupou  ojono  aceyto. 
Sem  ihe  de/ocufarocoração. 
Ter  que  tanto  que  /a/fo/è  adormej/e^ 
Morfeoem  var  tas  formas  lhe  ap^arecel 

Morfheo  em  varias fèrmai  Ibt  \âfareci»  Morpheo, 
dizem  os  Poetas  que  be  filho  do  fono  >  chamado 
aífim  de  uiorphi  palavra  Grega  ,  que  quer  dizer 
figura,  pelas  muytas  que  faz  aparecer  aos  que  dor- 
inem>como  diz  Ovídio  nas  Metamorplioics  liv*i  i. 

A^ui/e  lhe  aprefenta^quefubU 
Tão  alto ^que  tocava  a  prima  Esfera^ 
<  ^onde  diante  vários  mundos  via. 
Nações  de  muyta  gente  eftranha&fí  ra: 
E  Id  bem  junto  donde  nafce  o  dia^ 
depois  que  os  olhos  longos  eftendera^ 
Vio  d* antigos^  longínquos ^  &  altos  montes 
Nafcerem  duas  claras j&  altas  fontes, 

A<^ui  ft  lhe  aprefenta  cjue  fuhia,  Parccialhe  que 
chegava  á  primeyra  elphera ,  que  hç  o  pnmcyro 


Canto  Suartol  ' 

Ceo,aonde  eftá  a  luâ,&  que  daqui  dcfcubríagrârt- 
des  mundos ,  &  varias  Nações  de  gentes ,  &:  qud 
notadas  cftas  coufas  vio  nas  partes  do  Oriente 
duas  fontes  muy  to  claras ,  em  huns  muyto  gran*» 
dci,&  defviados  m(  ntes ,  donde  nalciáodous  rios 
muyto  grandes ,  Indo,  &  Ganges:  os  quaes  ainda 
^ue  arrebentem  íobre  a  terra  apaitado  hum  d» 
outro  nos  monccs,a  que  Ptolomeo  chama  Imao,Sc 
es  Habiiadcnsdelies  Daianquer  ,&  Nangracot, 
faó  eítes  montes  tão  pegados  hum  com  outro,quc 
quaíi  querem  cfcondcras  tontes  deites  deus  no  , 
íi  Icgundo  dizem  os  Gentios  comarcãos ,  parece 
que  ambos  naccra  de  hum  mefmo  lugar. 

AFes  agrejiesi feras  alimárias j 
Telo  monte  Jelvatico  habitavao' 
Mtl  arvores fylvejlresy&  hervas  varias, 
Opaffo^^  o  trato  às  gentes  atalhavah 
Efias  duras  montanhas  adverf árias ^ 
iJe  mais  convtrfaçaò  porJimiJiravaSt 
'^e  defque  Adaõpeccou  aos  noffos  annos^ 
NaÕ  as  romp  èraõ  nunca  pés  humanos* 

Aves  agrefies,  Deícrevc  oíitiodeftes  montcsj  8e 
a  gente  de  que  faó  habitados  ,  que  laô  Aves  Syl- 
veílrcs,  bellas  feras ,  ík  grandes  matos, que  eílor- 
vaó  o  tratto,&  communicaçáo  dos  horacns  neilas 
partes,  os  quaes  cíláo  de  maneyra  que  defdequí 
pecou  Adam  até  noíios  tempos  nào  1«  enxcr^aj 
haver  entrado  homem  nelles* 

DAs  agoas  fe  lhe  antolha^que  fahiaÒ% 
Tara  elle  os  largos  paffos  inclinando 
^ous  homens, que  muy  velhos  parecíão% 
'De  aJpeytOjWda  que  agrefte^venerande; 
^J) as  pontas  dos  cabellos  lhe  cahíaõ 
Gotas jque  o  corpo  todo  vaõ  banhando, 
Acoràapelle  bafai&  denegrida^ 
A  barba  hirfuta^mtonfajmas  comprida. 

Dai  aguai  fe  lhe  antolha  ejue  [ajfai.  ProícgUc  d 
poeta  leu  íingimeRto,  dizendo,  que  fe  lhe  antolha 
a  El-Rey  Dom  Manocl.qucdaquellas  duas  fohteS 
fayaó  dous  homens  velhos  ,  &  de  afpcfto  vene- 
rando, ainda  que  pareciaô  homens  de  campo,  que 
craó  os  dous  rios  Indo  ,  8c  Ganges,  os  quaes  pinta 
squio  PoetA  maravilholamcnte.  „ 

Rarba  birjuía.  Barba  cr^fpa  ,  intonfa  ,  por  to^ 
quiar. 


D 


72- 

B  a  mbos  de  dous  afronte  coroada  ^ 
Ramos  não  conhecidos, <t  hejvai  tinba^ 

HurtAi 


ííiim  âelles  apre  finca  traz  cançada^ 
Como  quem  de  mais  Longe  alit  caminha: 
jÇ  affia  agua  com  ímpeto  alterada , 
^areaayque  de  outra^arte  vinham 
Bem  como  Alfèo  de  Arcádia  em  Sy,ractifa 
Vay  a  kufcav  as  abraços  de  Ar  et  ufa. 


Lujiaâasâe  Luís  ãâ  Carnes  Commentados', 


Í35 


d§yi-a.  Termo  de  faltar  rmrytGiiifaíío  entiteos  La 
finos,  os  quaas-ao  piincipio  cliamáo  berço  ycoing 
he  nocorio  aos  que  tem  quai-quer  coahecimenco 
íief];a  liagua,6c  hca  dito^no  caiuo  pi-nney ro. 


^T  AÕdtjJe  mais  o  rà^ilhftre/é  fanto, 
\  Mas  ambos defparecemnum momento^ 


Hum  dtlki  a  prefertftt  traz  cânfada  ,  como  ejuem  de 

wati  longe  alU  caminha.  D»  por  eílas  palavras  a  en-  Acorda  Manoel co^ hum  novo^e/pAnto^ 

tender  o  Poeta  que  o  verdadeyro  nafcimento  do  £  çrande  alteração  de  pen/amento: 

rio  Ganges  hc  no  Parayfo Terreal,  como  fc  dFz  no  Eftendeo m(h Thebo  O  cí^'o  manto, 

Geneiís  cap.r.  '               -                                      ' 


Bim  como  ãiphto.  Andando  Arethirfa  corapà* 
nheyradc  Diana  pelos  montes  de  Arcádia  á  caça 
caníadado  trab;ilho,6c  apertada  da  calma  chegou 
«o  rio  Alphco  da  mefma  Província  ,  &  larando-ía 
ncUcaflimícafíeyçoouaella  ,  que  não  podendo 
Arcthufãrofrer  fuás  importunações  ,  fugio  para; 
Sicília  ,  aonde  íoy  convertida  em  fonte  de  fcu  no- 
me. Mas  nem  iftolhc  valeo,porque  Alphco  Ic  me- 
ico  por  debayxo  da  terra  ,  &  foy  arrebentar  na 
Cidad*  de  Syracu (a  de  Cicilia ,  aonde  eílá  a  foncô 
Arethufa,  5c  aflimamboscntrão  no  mar  juntos. 
Com  eíla  fabula  de  Alpheo  compara  o  Poeta  o  naf- 
cimento do  Ganges,  dando  a  entender ,  qucaiada 
que  arrebenta  íobrc  a  terr^  naqueJla  partc/eu  naí^ 
cimento,  he  cm  outro  mais  remoto,  5c  íecreco  lu- 
gar. 

'TT*  Ste^qtíe  era  o  mm  grave  napeffoa\ 
xIj  'Delia  arte  para  o  Rey  de  longe  bradai 
O  tiha  cujos  ReynoSisi  Coroa^ 
Grande  parte  do  mundo  e/f  ã  guardada: 
Nófoutr  os , cuja  fama  tanto  voa. 
Cuja  cerviz  bem  nunca  foy  domada. 
Te  avt/amos jque  he  tempo^quejà  mandas 
A  receber  de  nos  tributos  grandes, 

74 

ED  fòuc  illufire  Ganges ^^ue  na  terra 
Celejte  tenho  o  berço  verdadeyro, 
Eftoutro  he  o  Indo  Rty^que  nefia  ferra 
^ue  vésjeu  nafcimento  temprimeyrê: 
Cuftarteemos  com  tudo  dura  guerra. 
Mas  infiftindo  tu  por  derradeyroy 
Com  naÕ  vijtas  vittorias  fem  receyo, 
A  quantas  gentes  vèspords  ofreyo» 


Telo  efcnro  EmisferioJomnokHtOi 
Veyo  a  manhã  no  Ce^  fintando  as  corp 
^a  pudibunda  rofa^à-  roxas  flores^ 

"E^endev  nifio  Thtbo  ocUromant».  Defcrcvertos 
aqui  a  manhã  elegantiffimamentc.  Phebo  he  o 
Sol,  manco  do  Sol  faó  os  léus  rayos^coj»  que  dá 
luz  ás  terras.  i«íi^  c 

Efenro  Hemifpheriojomnoknto.  He  a  noyte.  Pe- 
los quacs  termos  moítiaque  apareceo  o  Sol  Ío- 
brc o  hemirpberio  ,  que  pouco  antes  eílivcra  oc- 
cupado  com  a  noyte  mây  doíomno. 

Pttdihunda  rofa,  Rofa  vermelha.  E  roxas  florei, 
lílo  diz  porque  a  manh4  íem  aquella  cor  rolada, 
&  roxa ,  como  cada  dia  venvos ,  antes  de  lahir  o 
Sol  na  parte  aonde  elle  cgmeça  a  naicer. 

7^ 

C"*1  }tamao  Rey  os  fenhoves  a  confelho 
j  E propoemlhe  as  -figuras  da  vifão 
As  palavras  lhe  diz  dofanto  velho, 
§ue  a  todos  forão grande  admiração: 
^ètenninão  onautico  aparelhe ,  ^ 

^ara  que  comfublime  coração 
Vá  a  gente^que  raandartcortando  ês  mares ^ 
Abvfcar  novos  climas, novos  ares. 

Determina»  o  náutico apartlho. Aparelho  náutico»! 
íaóas  couíasneceflarias  para  aparelhar  as  nãos. 

A  buícar  novos  ctimat  novos  aret.  Veja-fe  a  noílâ 
annotaçâo  no  canto  primeyro,oytava  a^. 

77 

ET)  que  bem  mal  cuydava,  que  em  efeytê 
SejmzeJJe.o  queopeyto  mepedia^ 
^lefempre grandes  coufas  dejiegeyto^ 
'Prefa^o  o  coração  me  prometia: 


Eufou  o  iUuJlre  Ganges    ,  ijt4e  na  terra  cdejit  tenho  »  j^^^  f^ ^,  poYqtie  razaõ^porque  refpeyto^ 

terço  verdadeyro.  Para  .i^aís  ,l¥^rço',r  a  lil.Rey  2ç  ^    ^' [  bom  final,  que  em  mt  fevia, 

opcrfuadiratoraarleucjnlelholhcdizcomofcu  ,  t  V  ^  ./;./.  ^l  ^i^x  mãn,  ^rhni^^ 

primevro  nafcimento  hc  no  Parayfo  Terreal  ,  ôc  Me  põem  o  indito  Rey  nas  mãos  achave, 

que  o  In4o  nacia  naquellc  monte,  aonde  ic  ambos  "J^^l^^  cometimento  grãnde^C  grave. 
Iheapreíentâraõ. 
_  Ber^o  vtrdadijro.  Principio,  Sc  oriecm  vcrda*         £;í  o«eÍM«  «wÍ.<;í(/<Íií/#.  Saó  palavras  de  VafcQ 


IJá 


€ànto  '§^àYt'o\ 


da  Gama ,  o  qual  tratta  como  EKRey  o  chamou 
paraeíledeícobnmento  do  Oriente,  &  o  fez  Ca- 
pitão mór  deita  enipreía. 

trejagu  ( oração  ,  ^«e  nunca  mente.  Coração  pre- 
jago,qucr  dizer,coraçaó  lribio,que  adevinha.  Vc- 
ja-íc  anofla  annouçáo  no  canto  primeyro  ,  oy- 
tavâ  83. 

78 

ECom  YOgú^&palavrãi  amorofast 
^4e  he  hu  mando  nosReys  q  mais  obriga^ 
Me  díjfe  As  coufas  ar  duas  JS  lujlrojasj 
Se  alcançâo  com  trabalho,^  com  fadiga: 
FazasfefjQas  altas.^É  famofas 
A  vtda.cjHe  feferdej!^  que  periga, 
^le  quando  ao  medo  'mfkme  naõfe  rende 
Hutaõifi  menos  dur armais  Je  e/tende. 

:   Elegantiflimos  verfos.    Donde  difle  o  Júris 
conlulto  Pruci  Regumlegefjmt. 

7^ 

E*U  'VOS  tenho  entre  todos  efcolhiâo 
Tara  huma  emprefa,  qualà  vôsfe  deve. 
Trabalho  illuftre^duro,^  ejclarecido^ 
O  que  eufejique  por  mt  vos  fera  ieve: 
NaÔfofri  maisjt/ias  togOyO  Reyjubido ^ 
jíventurarme  a  ferrosa  fogosa  neve^ 
He  taõ  pouco  powós  ^que  mais  me  pena 
òer  ejia  vida  coufà  tão  pequena, 

,8o 

IMagínay  tam  gr  andes  a  venturas  j 
^aes  Èuri/leo  a  Alcides  inventava, 
O  Leaõ  CleonèOjHarpias  durai , 
V porco  de  Erimaníbo^a  Tdrabrava 
*Decer  em  fim  as  fombras  vans^é^efcuraSy 
Onde  os  campos  de  T>yte  a  Efttge  lava, 
l^oxque  a  mayor perigosa  mor  afronta^ 
Tor  vós  ó  Rey ,(?  efpYíto^&  carne  he  pronta. 

§luaet  Eurifihto  a  Alcides  inventava.  Foy  Euril- 
theo  hum  tyranno  de  Mycenas,o  qual  por  ordem 
de  Juno  períeguia  a  Hercules ,   &:  lhe  inventava 
eS-rprefas  arrilcadas  ,  para  que  defta  maneyra  aca- 
baflc  mais  deprefla :  por  entender  Ter  eíla  a  vótade 
de  Juno.  O  Poeca  conta  aqui  algumas  :  oLiaó 
Cleoneo,as  Harpias,  o  porco  de  l^.rymanto,  a  íer- 
pcnre  Hydra,  6c  a  fua  ida  ao  inferno.   O  Liaõ  ma- 
tou Hercules  na  defefa  Ncmeaenrre  Argos  ,  & 
Cormtho  ,  junto  a  huma  aldeã  chamada  Clcone, 
pelo  que  o  Poeta  lhe  chama  aqui  Cleoneo.  Har- 
pias eraõ  aves  de  rapina  com  roflos  demolhercs, 
das  quaes  Virgilio  tratta  na  Eneida  liv.5.  filhas  de 
ÍN\'ptuno>Sc  da  tcrra.Pelo  que  aíTm»  no  mar,  como 


na  terra  faziáo  grandes  males.Eryraantho  he  hum 
monte  em  Arcádia,  aonde  Hercules  matou  hum 
porco,  que  delhuhia  toda  aquella  terra,  Ôc  o  le- 
vou âs  coitas  a  Euriíthco.  Hydra  era  huma  lei- 
pencG  na  lagoa  Lcrnea  de  muytas  cabeças  ,  das 
quacslclhe  cortavão  alguma  ,  lhe  nalciaô  dobra- 
das. A  ida  de  Hercules  ao  inferno  foy  por  amor 
de  Thcíeo  leu  amigo, que  o  tinha  Plutão  prelo. 

81 

C'^  Om  mercê sfumptuofas  me  agradece ^ 
^  E  com  razão  me  louva  efia  vontade, 
^ue  a  virtudfi  louvada  vive^^  crece^ 
Ji,  o  louvor  a  altos  cajòsperfuade: 
A  acompanhar  me  logofe  offerece^ 
Obrigado  de  amor  jdè  de  amizade^ 
Naô  menos  cobiçofo  de  honra^^  fama^ 
Ò  caro  meu  irmão  Taulo  da  Gama, 

^ue  Â  virtude  huvada  vive  1  é^  crece.  Nenhuma 
«ouía  faz  mais  crecer  as  boas  artes  que  havei" 
quem  asfav©reça,aonde  dillc  Ovidio: 

Excitai  auditor  fiudium^laudataejue  virtut 
Crelctty^  tmmeníum  gloria  calcar  halfet. 


Os  ouvintes  defpertâo  os  medres 
louvada  crece.  E  Juvenal. 

Çltíii  tnim  virtuttm  amfkãiíur  ipfam 
Frantia  fi  íollas. 


Sc  a  virtude 


é 


Naó  ha  quem  figua  a  virtude  íefaltãoprcmíosj 

82. 

MJis  fe  me  ajunta  Nicola  o  Coelho]     J 
T)e  trabalhos  muy grande  fofre dor ^  ^ 
Ambos  faò  de  valia ^^áe  covfelho^ 
*X)e  experietícia  em  armas y&  furor: 
Jâ  de  manceba  geme  me  aparelho^ 
Em  quem  crece  o  defejo  de  valor ^ 
Todos  de  grande  esforfOy^  ajfi  parece^ 
^ema  tamanhas  coufas  fe  offerece, 

85 

FOrão  de  Manoelr  enumerados , 
Torque  com  mais  amer  fe  apercebeffe) 
E  com  palavras  altas  animados ^ 
Tara  quantos  trabalhos  fuccedeffemi 
AJffvrão  CS  Myntai  ajuntados^ 
Tara  que  o  veo  dourado  combate jfem 
Na  fatídica  nao^  que  oufou  primeyra 
Tentar  o  7nar  Enxmo  aventureyra. 


Liij^aiàí  âe  Luh  de  CawÕeis  Commmtaãosi  t  f/ 

^yj  foraVòi  Myniát.  Mynias  povos  de  Thefla-  Argos,de  que  acras  fallámos,em  qae  os  Argonau- 
íia  ,  aiue  toráoaColchos  àconquillado  vello  de  tas  foraó  áquella  aventura  tão  nomeada  do  vello 
ouro.  L  porque  foráo  em  humanao  chamada  Ar-  de  ouro  ,  toy  pofta  no  Ceo  coroada  de  eltrellas: 
gcs,  a  qual  Ip diz  que  foy  a  primeyra,que  no  mun-  porque  íoy  a  primeyra  do  mundo,  que  fez  aquefla 
do  houve  ^  daqui  íe  chamarão  Argonautas  mari-     viagem  tão  celebrada.  Diz  aqui  o  Poeta  que  as 


noflas  nãos  Portuguezas,vendo.le  no  mar,  &  não> 
fe  tendo  em  menos  reputação  ,  que  a  nao  Argos,- 
eftão  dando  a  entender  deli  ,  que  haó  de  levar  o 
melmo  prçmio,que  Argos  levou*  , 


nhevrosdanao  Argos  ,  &por  eítanao  Icrfeyca 
por  induftria  ,  6c  ordem  de  Palias  ,  &  a  madcyra 
que  íe  fez  cortada  na  defefa  Nodonea  ,  aonde  le 
oaváo  os  Oráculos  ,  daqui  le  chamou  a  nao  fatí- 
dica ,  que  quer  diEcr  dadora  de  Fados  ,  &  Ora». 
culos.  Aonde  os  Poecasacrecentaõ,que  a  melnia 
nao  hlhvãnpfacjiue  vocem perMJít  /irgo.Diz  Séneca, 
amcfma  nao  perdeo  afalla.  E  Claudiano:  Tabulas 

4ímm*Ue  U<faacet,  fallando  no  trabalho  ,  Sc  diligen-     

ciu.que  Palias  poz  no  feytio  daquella  nao.diz  que     aparelhamos  a  almapara  a  m^rte. 


DEpois  de  aparelhados  de  fia  fortéi 
T)e  quanto  tal  viagem  pede, &  mandif 


as  taboas  fallavaó. 

Tentar  o  mar  Euaino.  Mar  Euxino,  he  o  que  os 
Italianos  hoje  chamão,  Mar  magiore,  aonde  eftá  a 
grande  Cidade  de  CohftahtinOpla  ,  cabeça  que 
foy  antiguamentedo  Império  Komano  ,  Sc  hoje 
de  Turcos,  pela  quairazaô  efte  mar  fechaaiamar 
deConftantmopla. 

84 

EJàno  porto  da  ínclita  Víyljea^ 
Lo'  hum  alvoroço  nobreza- cum de (eJ9 
{Onde  o  licor  mifiura  a  branca  area^ 
Co  falgado  Neptuno  o  doce  Tejo) 
As  naosprejies  e/ião j&  nao  recea 
Temor  nenhum  ojuvemldefpejoy 
Torque  a  gente  marítima  Js  a  de  Marte 
^Jtão  çara/egutrme  a  toda  parte  ^ 

No  porto  da  inclyta  Utr/fea.  Ulyflea  hc  Lisboa» 
Veja-íc  a  nolla  annotação  no  canto  terccyro  oy- 
Uva  57. 

Co'^  o  falgado  Neptuno  o  doce  7tjo,  Ifto  díi,porque 
o  no  Tejo  paíla  por  longo  de  Lisboa  ,  Sc  quatro 
léguas  da  Cidade  cm  hum  lugar  chamado  CafcaiSj 
entrano  mar  Oceano.  Gente  tnarttima,  He  gente 
domar.  Gente  âe  marte,  Szò  os  íolái^dos  y  porque 
a  Marte  faziaó  os  Antigos  Dcos  da  guerra. 

PElasprayas  veftidos  osfoldados] 
7)6  varias  cores  vem,&  varias  artes ^ 
E  não  menos  de  esforço  aparelhado r, 
^ara  btifcardo  mundonovas partes: 
Nas  fortes  nãos  os  ventos  fojegadosj 
Onáeão  os  aerios  eflendartes^ 
Elias  prometem  ^vendo  os  mares  largos^ 
'De/er  no  O  Impo  ejlre  lias, como  a  d' Argos. 

^^rm  efendarteu  Epitheto  exccllente  chamaf 
aos  eítendartes  aéreos  de  acr,  que  hc  o  arrpor  eíh- 
rem  Icmprccm  lugar  alto,aondeo  ar  os  mova. 

Uejerm  Ol^mfoe(lrdUi  como  a  de  ãrgoi.  A  niiw 


§ue  fempre  acs  Nautas  ante  os  olhos  anday 
IP  ara  o  fumo  poder  ^que  a  Eterna  corte ^ 
Sujimtafócoaviftavenerandaj 
Imploramos  favor  ^que  nos  guialfe  ^ 
E  que  a  mjfos  começos  afpirajje^ 

^te  fempre  aos  nauta$  ante  01  olhos  anda.  Aílirii 
difle  Virgílio  liv.i. cm  huma  tormenta  >  qúepaf- 
íou  Eneas  no  mar  :  Prafentemejue  vtris  intentnnt 
omnia  worffW, Todas  as  coulas  fazem  aos,  navegátes 
prezéte  a  morte.Nautaslaõmarinheyros. Coríeeí/^«* 
re^í.CoiLe  Ccleílíal,  decther)quc  he  o  Ceo» 

PArtimonos  affl  dofanto  templo] 
^e  nasprayas  do  mar  ejfa  íentadú^ 
^eo  nome  tem  da  terra jpara  exerfiplo^ 
Onde  T)eosfoy  em  carne  ao  mtindo  dadoí 
Cert  tf  cotejo  Rey^que  fe  contemplo^ 
Como  fny  deftasprayas  apartado 
Cheyo  dentro  de  duvidará'  receyo^ 
^e  apenas  nos  meus  olhos  ponho  o  freyol 

fj/*í  ò  nome  tem  da  terfa  pata  exemplo  ,  donde  Deoi 
foy  em  carne  ao  mundo  dado»  Moílra  que  nthu*aõ  de 
Belém  Moíleyro  do  Bemaventurado  S.  Hiero- 
nymo,que  efta  na  praya  donde  as  armadas  partem 
para  diíFerentcs  partes.  Chamou-fe  aíTim  aquellô 
Templo  à  imitação  daquella  exccllcntiíHma  Ci- 
dade de  Belcm  ,  aonde ChriítonofloSenhornal^ 
ceo  para  remédio  do  género  humano.  Efte  Tem- 
plo de  Belem,que  hoje  hc  hum  dos  fumptuolos,  SC 
principaes  do  mundo  ,  de  Rcligíofos  do  Berna* 
venturado  S.Hieronymo,&  que  os  Reys  de  Por^' 
tugal  ercolhcraó  para  fuás  fepulturas  ,  foy  anti* 
guamente  huma  muy  pequena  Hermída  ,  que  o 
Infante  Dom  Henrique  filho  d"El-Rcy  Dom 
Joaõ  o  prímeyro  mandou  fazer  no  principio  tdef- 
tes  dcfcobrimentos ,  Sc  navegações,  no  qual  efta- 
vão  alguns  frcyrcs  do  Convento  de  Thomar  par* 
adminiítrarem  os  Sacramentos  aos  mareantes. 


3 


w 


Torquehis  aventurar  ao  mar  ir ofb' 
%%  Ejja  víàa^qut  he  mmha^&  naò  he  vojjki 

Gente  da  Cidade  aquelle  dU  Como  ftr  hum  caminho  duvido/o, 

{Hms^oY  amigos .à-oiitm  for parét^sy.    i^^ose/quece  aaffeyçaotaÔ  doce  nojja, 


NoJJo  amor^nojjo  vao  contentamento, 
gereis tque  com  as  veUasyleve  o  ventou 

Ao  mar  irofo.  Aílim  lhe  chamou  Horácio:  Aui 
ix^net  iratfim  maré,  Qu  teme  o  mar  iioio. 


<àutros^orver/omeme)c6incorrtaj 
Saudojos  na  vijiaj&  dvfconttntes: 
E  fios  to  a  virtuosa  companhia 
^emiiRehgioJosdiligenteSi 
EmpYocíJJão/oíemne  a  T)eos  orando^ 
^ara  os  bateis  viemos  caminhando. 

iWe  ml  Keligiofct  dtligevtes. Eíies  Religiofosèraô 
Freyies  da  Ordem  de  Chnílo  ,  que  cíiaváo  iia- 
qu^iia  hermida  ,  de  que  atrás  falíamos,  E  dizer 
aqui  mil  não  he  porque  foflem  tantos  ,  mas  hc 
hum  enòarecimcnto  de  que  os  Poetass  ulaõ  muy- 
tas  vezes, pondo  as  coulas  certas  pelas  incertas,  ôc 
pelo  contrario:  ou  da  parte  peloiiodo,oudo  todo 
pela  pai  te, 

EM  tão  longo  camtnho^fS  duvido fi^ 
Tor perdidos  as  gentes  nosjulgavao^ 
jís  mulheres  com  choro  piedofo. 
Os  homens  comfujpirosyque  arrancavãõi 
Xdãys^efpofaSjirmãs^que  o  temerofo 
jímor  mats  dejconfia,  acrefcentavao 
jí  defefpera ção-^òfrio  medo 
IDejã  nos  não  tomar  a  ver  tão  cedo^ 

Nem  à  mky^Yiem  aefpofa^  neíie  efiado\^ 
Çiue  i  ttmrofo\ámoT  mais  defconfia.  Onde  hà     Tor  nos  fiaõ  magoarmos ^ou  mudarmos^ 
amoralli  reynaomedo,porque  osqueamaô  Icm-     ^opropofito  firme  começado'. 
pre  aridaó  temerolos  ,  &  Ibbrefaltados  íobre  os     ~  -  -  ' 

que  amaõ.Daqui  diíle  Ovídio  definindo  o  amor: 
Kci  ejijollicui  fteua  timorú  amor:  O  amor  hehuma 
couía  cheya  de  temor  ioUicito.  E  poreftarazaõ 
deiiváo  alguns  o  amxjr de  amarçr  ,  que  heamar* 
gura,  porque  nunca  falta  aos  quc^o^íeguem. 


NEJlas,&  outras  palavras  jque  diziaõ; 
^e  amor^&  de  piedo/a  humanidade y 
Os  velhtís^ér  os  mininos  oslfeguião. 
Em  quem  menos  esforço  põem  a  idade 
Os  montes  de  mais  perto  re/pondiao^ 
^afífnovidosde  aita piedade^ 
yi  branca  área  as  lagrimas  banhavãoy 
§^e  em  multidão  com  tilas  fe  iguálavai 

Em  ejutm  mttiOí  esforço  fsem  a  iàade.  AUude  d 
Poeta  aqui  em  ajuntar  os  velhos  com  os  mininos 
a  hum  provei  bio  uflás  labido  :  ftnex  repuerafcit.  O 
velho  tornaalermoçojporque  todos  pela  mayor 
parre  no  filo ,  condição  forfas ,  Sc  cuydados  iaã 
jmeninos. 


í»?. 


IV  "I  0'r  oufros/em  a  vtjfa  levantarvwst 


ã 


5?0 

"Valvay  àizenia.ó  filhota  que  eii  tinha 
Sô  para  refrigertOi&  doce  amparo, 
^efia  can cada  j d  velhice  minha, 
!^4e  em  choro  acahard penofi^^  amaro: 
forque  me  deyxas  mi ferai&  mefquinkdi 
forque  de  mim  te  vãs  ^afilho  caro 
Áfaztr  o  funéreo  enterramento, 
Onde/ejas  de  peyxes  mantimento^ 

A  faztr  o  funéreo  enterramento.  A  morrer,  de  /«- 
»<«,quehea  morte. 


^eterminey  de  é; finos  embarcarmos^ 
Sem  o  dejpedimento  cojiumado^ 
^epopo  que  he  de  amor  ufança  boal 
A  quem/e  aparta^ou  jica,mais  magoai 

§lue  pojio  que  he  de  amor  ufança  í'í<í.Bem  pode  ícl[ 
coífume  bom,  ôc  nâo  ler  coílumeavilado.  Com» 
também  he  de  homem  de  boa  condição  j  6c  natu-^ 
reza  fazer  de  tudo  virtude  ,  &  he  de  homem  avi- 
fado  interpretar  algumas  coufas  mal  ,  ôccuydar 
que  o  podem  fer.  E  aílim  o  nollo  Camões  moítia 
aqui  a  obrigação,  que  temos  os  homens  a  fer  ho- 
mens de  erpiritu  ,  &  deli)  pegados  do  parente,  6c 
amigo,&  nãocílarmos  tão  grudados,5c  aferrado^ 
a  ellcs  que  nos  cufte  muy to  caro  dcyxallos* 


ã 


Mas  hum  velho  de  afpeyto  venerando^ 
^e ficava  nas  prayas, entre  agente. 


'í' o  fios  em  nós  os  olhos  ^mene  anda 
Três  vezes  a  c abe ça^def conte: 


Q  'Vai em  cabelo J>  docefê  amado  eípo/ò^    A  voz  pezada  humpoia  o  levantando^ 
Sem  quê  naâ  quiz  amor,  q  viver fojfa,    S^e  ms  no  mar  ouvimos  claramente^ 


■  i 

C0?  hum  Hl 


Lufiaâas  de  Ltits  de  Otmes  Commentadosl 

Co^  himfaher  sô  de  experiências feyto^ 
Taes  palavras  ttrou  à(^e;^pertopeyto» 


"fW 


5^8 


55 

O  Gloria  de  mandaria  va  cobiça 
'Defta  vaidade ^  a  quê  chamamos  fama^ 
O  fraudulento  gojiOyqueJè  atiça 
Co  huma  aura  popular ,  (lue  honra  fe  chamai 
^e caJttgotamanhOy&  quejufttça 
•taz.es  noptyto  vão^que  muyto  te  ama> 
4^ue  mortes^que perigõs^ue  tormentas^ 
^e  crueldades  nelles  experimentas^, 

Q gloria  dt  mandar.  Finge  aqui  o  PoeU  ^ongio 

hum  velho  honrad»^,  ficdeauthorid44ç,  veo*Íao>s 
no  lios  apontados  4  huma  emprela  de  UO.ÇQ  pea- 
gOj&cuuvida,  foliou  alg^unus  palavras ,  cjue  o 


Myls  òtu.^êraçad  da  queHe  infano^ 
Cuj,opeccado  ,&  de  (obediência , 
Naõ fomente- do  )^eyHO  foberanOi 
Tepoz  nefte  defterrOiS'  trffit  aufencia: 
Mas  indA  d^ outro  ejiado.  maia  ^un  humano, 
"Da  qme.ta^^daj[imples  inmcenciay 
Idade  d'ourOifAntQ.  te  privm^ 
^e  iiA,def(írii%&  dtéki^mai  te.  d^yjtmu. 

Mas  ,  òtu  geração  (IaeiúelUm(aMú,  Neíla  oycavá 
converte  o  veibo  íua  pratica  G()>atra  os  horaensi 
cujos  apetites.  deren.fEeadx)&  íiò  cauía  de  lantoi 
iTVdles,&:  trabalhos^quátos  ha  na  vida.E  bafta,co- 
mo  diz  o  Poeta,  trazermos  a  orLgem  daquelle  de- 
fobediente  Adam  nolVo  piimeyro  paY,o  qual  len- 
do criado  de  DeosNoflb  Senhor  em  tanto  goíto^ 


i^oeta  vay  recontando.  A  verdade  he,  que  a  genç*;     ^  p^j^^  p^^^  elle  con»  tanto  mima,  &  regalo,  cm 


da  armada,  que  ieriaó  ate  cento  Sc  leteota  petloas 
íahiraódâ  Hermidadc  Nolia  Senhora  de  tieiem, 
acompanhados  dos Freyres,que  alli  eíUvàa  ,  6c 
inuyta  gente  da  Cidade,aos  quaes,como  chegarão 
perto  do  mar,  abloivco  g  Vigário ,  poltvselics  de 
ioelhoi  »  de  todos  os  pecçauos  por  huaiaiiulia, 
que  paraeite  effeyto  d  liitante  Dom  HennquG 
houvera  de  Roma  ,  paraosque  morreíiein  neile. 
deicobrimento.  Nclte  ado  houve  uigytaí»  Ugn- 
Hias  de  huinajôç  de  outra  parte. 

Gvli»  frauduimta.  Gollo  enganeío.  dwa  f&^H'. 
lar»  Gra^-a  ,  5c  f*YOf  tlp  povo. 

9(r 

nVra  inquietação  da  alma ,  ^  dã,  viday 
Fonte  de  dejemparoSi  ^  adulíeriasi 
Sagaz  cenfumtdora  conhecida^ 
*De  fazendas  ide  Reynos^&de  Impérios^ 
Chamaéte  illultreiChamãote  fubidaj 
^^ndo  digna  de  infames  vitupérios  ^ 
Çhamaòte  fama)&  gloria  jQberan4% 
Cornes  com  quemfe  o  povo  nefao  engana. 


^7 

A^ue  novos  defafltes  detevmiytas 
T^e  levar  efes  Reynss.é'  eflag^eute^ 
^te perigos, que  mortes  lhe  deftin^s 
jjebayxo  de  algum  nome preeminentel 
fluepromejfãs  de  Reynos  »&  de  minais 
%>' ouro, que  lhe  farás  tãixfacilm^nte^ 
1^  Famas  Iheprometes^qm  hifiorÍ4.s^ 
^«tf  triunfos  ^que palmas ^qtic  vtttoíiaf^ 


hum  lugar  chamado  l^araylojpor  lua  exccllenciat 
por  íeronoaisirelco,&  apraiivel  lugar  do  mundo,, 
íoy  caó  mal  entendido  ,  que  deiobedtceo  a  fea 
Criador »  &  Senhor,  p^lQ  que  foy  Jançado  do  Pa- 
raylo  elle^Çc  fua  9iulhcr,ÔC  íicou  lujeyto  a  n-.il  tra« 
balhos»  êc  enfadamento,  como  íe  pôde  ver  no  Ge* 
weliç. 

ldad,ed^\ura.  Fazem  os  Poetas  quatro  idadcs,àj 
quaes  daó  differeçites,  noroe&jtomados  dos  metaes^ 
da  terra,  comQ  ouro,  prata,  cobre,  ferro.  A  idade 
de  Ouro  attribucm  todas  as  çoulas  de  ouro  ,  bon- 
dade na  gente,  fertilidade  na  terra,  quietaçãv;,  6c 
paz  no  mundo  ,  &  hum  vcraõ  perpetuo,  6c  conti- 
nuo,fem  os  homés  laberem  de  outro  tempo.  Na  de* 
prata  começarão  os  homens  ater  trio^ík  calma, 6c 
a  íentír  outras  couías  ,  que ua  idade  de  ouro  nâo 
conheciaó:  parque  )*a  nelte  houve  Veraõ,  Inver-. 
tia,Eft;io,&  Outono.  E.  para  fe  defender  da  adver- 
íidade  do  tempo,  começarão  os  homens  a  edificar 
cafas,&  lizcraó  outras  coufas, que  na  idade  de  ou- 
ro le  eícufavaó.  Na  terceyra  ,  quçfoiy  de  cobre» 
f  ra  a  ganto  mais  pervewlta  que  na  de  prata, mas  nãa 
Cia  ds  todantà.  Naqu.aii3,a  que  põem  nome  de 
ferro,  entrou  toda  a  maldade,  Sc  eícoiia  do  mun^ 
do,porquc  não  houve  vergonha,  fé,nem  verdade, 
mas  tudo  enganos,  trayçôcs,forças  ,  Sc  defejos  de 
pofiuhir.  |ilt^  idadôs defere veÇXvid^Q nas  Meti- 
morphoíes  ii,v.i.  O  que  o  Poçta  aqui  diz^  hç  que 
não  fomente  os  homens  pelo  peçcadq  do  primey- 
ro  p^y  Adam  foraô  privados  de  tanto  bem  quan- 
to Deos  fhe  tinha aparelhadoj  le  elt^nâp  peccára, 
*  mas  que  Ois  privou  À»  idad«  de  auto,  na  quak ainda 
havia  algum  fc^tm^  ôc  os  poí  i%a  da  feirai»  ipftde  tu- 
do íaó  engaHQ^ ,  &  »ft^Uí;»a$  »  qu^hç  ç^U^W  <iu© 
agof  a  eftf  n\c«. 

S>9  _y^ 


I 


A^  que  neflagoflofa  vaidade 
Tanto  enlevas  a  leve f  ante  fia, 

5a 


U 


^c^  _  ,        vafíto 

yã  que  a  hrnfa  'crueza,  &  ftrUade 
IPufelie  fiorney  esforço^  &  valentia, 
Jà  que  f  rejas  em  tanta  quantidade 
O  defprejo  da  vi  da  ^que  devia 
^ejer  fempre  ejitmada^pois  quejà 
Temeo  tanto  perde  la, quem  a  aâ, 

Gofiifa  vaUade.He  a  honr»,  &  tama.  Cha malhe 
gollofa  vaidade,  pof  fer  couta  de  que  tão  pouco 
provey  to  vem  a  os  homens, nem  lhe  ferve  de  mais, 
que  de  os  levar  ,  &  fazer  commctter  quaeiquer 
coulas,por  árduas,  &  difficultofas  que  lejaó,  com 
mu  y  to  gofto,&  alegria. 

tois  ^ue  jd  temeo  tanto  perJela,  cfuem  a  da.\^o  diz, 
porque  Chriíto  Noflb  Senhoreítando  na  agonia 
da  morte  para  nos  nioílrar  como  era  vfrdadeyra- 
mente  homem ,  &  que  o  feu  corpo  era  de  carne, 
tcmeo  a  morte,como  he  natural  a  todo  o  homem 
temclla,  E.  aílim  diílb  naquella  hora  do  fcu  tran- 
fíto  ,  pedindo  ao  Padre  Eterno  que  o  livrafleda- 
quelle  trabalho:  Pater  f  poffibile  efi  tranfeat  á  we  cá- 
lix ifte.  Padre  meu  le  he  poífivel  paíle  deraim  efte 
cálix  da  morte. 

100 

NAõ  tens  junto  contigo  o  Ifmaelita, 
Com  quem  fetnpre  terás  guerras  Job  ej as  ^ 
Nad  Jegue  elle  do  Arábio  a  ley  maldita. 
Se  tu  pela  de  Chrijioj  o  pelejas} 
NãÔ  tem  Cidades  mil^terra  injinttay 
Se  terras tò"  riqueza  mais  dejejas^ 
Naõ  he  elle  por  armas  esforçado^ 
Se  queres  por  vittonasjtr  louvado'^ 

Na5  Uns  junto  contigo  o  Efmoeíita.  Chama  aos 
Mouros  Ifmaelitas  ,  do  nome  de  límael  filho  de 
Abram  ,  &  Agar  ,  que  foy  rey  naquellas  partes, 
como  fica  dito  no  canto  r.oytava  8. 

Na5  fegue  elle  do  /írahto  a  ley  maldita.  Efta  do 
Arabiohe  a  feyta  maldita  de  Mafoma,  o  qualdi- 
2em  os  Elcrittores,que  foy  filho  de  hum  homem 
Arábio  de  nação.  Veja.feanofla  annotaçâo  no 
cantoi.oytavaS. 

lOI 

DEyxas  criar  as  portas  o  inimigo, 
T^or  ires  bufcar  outro  de  tam  longe, 
*Por  quem  fede  f povoe  o  Reyno  antigo. 
Se  enft  aqueça ^&  Je  vâdeytandoa  longe} 
BuÇcas  o  incert0i&  incógnito  perigo, 
forque  a  Fama  te  exalte ^é*  te  lijonge, 
Chamandote  fenhor  com  larga  copia^ 
'T>iLndia,T€rfia,ArabiaM  da  Etkjiopia? 


^àrtbl 


101 


O   Maldito  o primey ronque  no  mtiniot 
Nas  ondas  vella  poz  em  [eco  lenho ^ 
^igno  da  eterna  pena  do  profundo^ 
Se  hejujio  àjujla  ley , que  figo  fè  tenho: 
Nuncajuizo  algum  altOi&  profundo. 
Nem  cyiharajonora^ou  vivo  engenho, 
7e  depor  tjfo  Fama, nem  memoria. 
Mas  contigo  fe  acabe  o  nome,^ gloria. 

105 

TJRouxe  o  filho  de  Japeto  do  Ceo 
OfogOyque  ajuntou  aopeyto  bumdnol^ 
Fogo ^que  o  mundo  em  armas  acendeo. 
Em  mortes, em  deshonras ^grande  enganoi 
planto  melhor  nosJora^Trometeo, 
E  quanto  para  o  mundo  menos  dano^ 
^iea  tua  ejiatua  illujire  nad  tivera 
Fogo  de  altos  dejejos^que  a  movera} 

Trouxe  o  filho  de  lapeto  do  Ceo.  ÍPilho  de  Japetí» 
he  Prometheo.  Eíle  contaõ  os  Poetas  ,  que  fa- 
zia homens  de  barro  ,  com  tanto  engenho  ,  que 
quem  os  via  ,  os  tinha  por  homens  vivos.  Entr 
outros  que  viraó  efta  obra  de  Prometheo  foy  hu 
ma  vez  a  calo  Minerva  ,  a  qual  maravilhada  d 
obra.,  lhe  deu  ajuda  para  fobir  ao  Ceo  ,  dond 
Prometheo  trouxe  fogo  ,  que  tirou  dos  carro; 
do  Sol ,  com  o  qual  deu  vida  aos  homens ,  que  fa 
2ia  de  barro.  Enojado  Júpiter  do  atrevimento  d 
Promethep  ,  o  mandou  amarrar  no  monte  Cau 
cafo  com  huma  águia  junto  com  elle  que  lhe  cC- 
tiveíle  de  contino  comendo  as  entranhas.  E  par» 
milhor  caftigar  o  atrevimento  de  Prometheo^ 
fez  que  nas  teclas  houvefle  doenças,  6c  trabalhos» 
que  antes  náo  havia.  Eíla  fabula  contaõ  adira 
Ovídio  ,  &  outros  muytos  Poetas.  Hcfiodona 
fua  obra  intitulada:  Opera  ,  (jr  dtet  ,  diz  que  Pro- 
metheo defcobrio  aos  homens  o  ulo  do  fogo» 
que  Jupirer  tinha  elcondido  :  pelo  que  Jupitá 
enojado  fez  que  os  homens  dalli  em  diante  viveft 
fem  com  trabalhos  ,  &  aquelle  modo  de  vivei 
que  tinhaô  facilmente  ,&  quieto  ,  (cconvcrtef- 
fe  em  inquietações,  &  enfadamentos.  Outros  coii- 
tão  de  outra  n)ancyra  ,  mayormcnte  os  Gregos. 
A  verdade  do  cafo  he  que  Prometheo  foy  hum 
homem  muyto  piudente  ,  &  dado  aoeftudo  da 
Aftrologia,  &  grande  amigo  de  honra  ,  Scfama, 
ao  que  chama  aqui  o  Poeta  :  fogo  de  altos  dele- 
jos ,  que  eníinava.  A  qual  doutrina  ,  diz  o  Poeta, 
fez  mal  aos  homens  .  porque  daqui  lhe  ficou  a 
curioíidade  ,  &  cobiça  de  lerem  conhecidos  ,  6c 
honrados ,  que  hc  a  febre  ,  que  diz  Horácio  ,  que 
Júpiter  mandou  ao  mundo  ,  pela  defcorteíia  de 
Promcihco. 


i 


íufiaias  ãeYuuis  de 

104 

NAòcomettêra  o  tnoço  miferando 
O  carro  alto  dopay^nem  o  ar  vazio j, 
O  grande  Archite~6for  cd'  ofilho^damio 
Hiém  nome  ao  mar,^  outro  fama  ao  rio." 
Henhum  cometimento  altOj&  nefando^ 
^or fogo, f erro ^agOãjCaima  (^frio, 
*Deyxa  intentado  a  humana gèr a çaÕ^ 
Mi/èra forte, eflranha  condição^ 

Não  cometera,  Moftra  aqui  o  Poeta  os  traba- 
lhos ,  &pcngosa  que  le  põem  os  homens  por  al- 
cançar honra,  &  fama.  E  por  exemplo  trás  P  hae- 
èón,DeJalo,&  Ícaro.  De  Phaeton  fe  veja  o  canto 
primeyro,  oytava  45. 

O  grande  arcbneiUr.  Dédalo  que  foy  huíll  dos 
fnayores  que  houve  no  mundo  :  donde  sis  obras 


Camões  tommentaàof,  t\x 

de  engenho  de  qualquer  calidadeque  fejâo  cha* 
maó  os  Latinos  ,  Dtedda  opera  ,  obras  de  Dédalo, 
&  aílim  os  Gregos»  Eílc  foy  Achenieníe  de  na- 
çáo  ,  &  por  cerco  crime  que  comcteo  foy  degra- 
uado.  Foy  ter  a  creta  ,  aonde  foy  prelo  por  Mi- 
nos  Rey  da  terra  ,  porque  cm  íua  auíencia  deú 
ajuda  a  Paíiphe  íua  mulher  ,  em  huma  coufa  con- 
tra lua  honra.  Na  cadea  contáo  os  Poetas  que 
fez humas  afãs  de  cera  com  pennas  ,  comquefu- 
gioelle,  ôchum  íeu  filho  por  nome  ícaro,  iiltc 
como  era  moço  quiz  florear  com  as  afãs  pelo  ar^ 
pelo  que  cahio  no  mar  ,  aonde  acabou  ,  &  o  mar 
íicou  com  o  leu  nome.  Dédalo toy  dará  Sicília, 
aonde  morreo  por  ordem  de  Crocalo  Rey  da 
terra.  Dizque  humdeú  nomeao  mar  ,  &  outro 
fama  ao  rio  ;  porque  do  nome  de  ícaro  lilho  de 
Dedato  le  chamou  o  mar  ícaro  ,  &  com  a  que- 
da de  Phaeton  que  cahio  no  rio  Endano,  que 
vulgarmente  le  chama  o  rio  P<j  ,  lhe  ficou  fama 
deite  calOíí 


/k 


OS 


54"^ 


#É  -osiâ^-ttínifi^-esf  â«»^f  ée»«*8gâo»^f  .^«o^f  2K*-oif  í»»*^^^  Éfy^ 

OSLUSIADAS 

DO  GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commtntados  ptlo  Lictnciado  Manoel  Corrêa^ 
ARGUMENTO. 

Relata  o  Gama  illuftre  ao  Rey  potente 
Sua  viagem  longa  5  &  incerta  via, 
As  eítranhas  nações  de  Aírica  ardentej 
EdcFernaó  Velloíoa  ouíadia: 
Como  Adamaftor  vio^gigante  ingente,' 
Que  hum  dos  filhos  da  1  erra  fe  diziat 
E  as  couíasjque  paflbu  atè  feu  porto^ 
Oadc  xepoaío  achoiir&  faõ  conforto* 

CANTO  quinto/ 

Nefte  Canto  fe  põem  o  tempo  em  que  os  Portugueses  fihiraÕ  do  porto  de  Lil 
boa ,  &  o^ac  &£  acontccco  atè  chegarem  à  índia. 


EStasfentenças  taes  o  velho  honrada 
Vociferando  eflava^tquando  abrimos 
As  azas  ao/ereno^&filfegaâo 
VentOi&  do  porto  amado  nos  partimos: 
E  como  hejâ  no  mar  coftume  ufado 
A  vclla  desfraldando  o  Ceofrimos^ 
^'tz,endo^boa  viagem  Jogo  o  vento^, 
Nos  troncos  fez  o  ufado  movimento^ 

O  vtlh»  btnraão.  De  que  fe  tratta  no  fim  do  can- 
to quarto  ,  que  rcprchendeo  a  navegação  dos 
Vortuguezes  a  taó  remotas  partes. 

I^os  troncos  fez  o  ufado  mêvimento.  JComo  tenho 
tóvc^idg  muytas  vezes  coftumáo  os  Poetas  pór  a 


juatexia  diE<quc  íc  fazem  as  coufas  ptlas  mefmaa 
CGUÍas,  como  aqui  troncos  pelas  Nãos,  &  em  oa«| 
ItSí^tS,  Jlie  chama  lenhos ,  traves  ,  &  outí< 
nomes  deita  mancyra. 


EEtava  nefte  tempo  o  eterno  hme 
No  animal Nemeo  truculento^ 
E  o  mundo yque  co  tempo  fe  confume, 
Nafèxta  idade  andava  enfermo t&  lenta\ 
Neíla  vê  como  tmhapor  coftume 
Curfos  do  Solquatorze  vezes  cento. 
Com  maí^noventa^&  fete^em  que  corria^ 
^4 ando  m  mar  a  armada  fè  eftendia. 

Entrava  fiejie  tempo  0  tíerno  lume*  Ncfta  oytava 

tratta 


Lufiadas  ãe  Luis  ie 
ttâtta  da  tempo  èm  que  a  armada  partio  do  porco 
tic  Lisboa. 

Eterno  lume.  He  o  Sol,  chamalhc  adira,  porque 
he  pay  de  todos  os  mais  Planecas,&EftrelIas,por- 
que  por  iodos  reparte  lua  luz  ,  &  claridade  eomo 
hcallicò  no  canto  fegundo. 

Am/nd Nemco.Hc  o  Liaó.  Chama-lc  aí]íim,por- 
«jueomatou  Hercules  na  defcíaNemea  ,  como 
íicaditono  canto  quarto, oycava  i.  E  porque  el- 
ta  foy  a  primeyra  cavalUria  que  Hercules  fez, 
á  Júpiter  leu  pay  em  memoria  deíle  fcyco  poz  o 
jLeaóno  Ceo  ,  &  fez  delie  huma  conllellaçáo 
muyto  fer  mofa,  à  qual  ricoufeu  antiguo  nome  de 
L-eaó  ,  &  legando  o$  Aílronomos  he  o  qumco 
Signo  celeíleera  ordem  natural.  Tem  alua  ima- 
gem vinte  &  lete  eftrellas  ,  entra  o  Sol  nellc  em 
Julho  ,  noqual  mcz  fahiraõ  os  Porcuguezcs  da 
barra  de  Belém  no  anno  de  1 497.  Díz-Je  entrar  o 
Solem  algum  Signo  quando  eftá  em  igual  pro- 
porção ,  porque  o  Sol  caminha  muyto  defviado 
dos  Signos.  E  para  mayor  declaração  imaginay 
huma  linha  queíáya  do  centro  do  mundo  ,  éc 
paíib  pelo  centro  do  Sol,  6c  chegue  ao  lugar  aon- 
de eftà  o  Signo.  Quando  o  Sol  concorre,  Ôc  fc  en- 
contra neíU  proporção  com  o  Signo ,  fe  diz  pro- 
priamente entrar  nelle. 

-  N»  [(xta  idade  andava  enfermú,(^  Unto*  Como  a 
Vida  do  homem  le  divide  cm  partes, que  chamaó 
idades,  da  mefma  maneyra  o  curlo  do  mundo.  As 
idades  do  munJo  faõ  féis.  A  primcyradeídeacriat 
ção do  mundo .ité  odiluvio^aqual  lègundo  acou- 
ta dos  Hcbrcos  j  teve  mil  leifcentos  cincoenta  6c 
Icisannos,  ^  fegundo  05  fetenta:  dous  milduzen* 
tos  &  quarenta  6c  dous.  (  A  íegunda  defdeodilu^ 
vio,  ate  o  nacimento  de  Abraham,  com  duzentos 
&  no  venta  6c  dous  annos, conforme  aos  Hebreos, 
&  novecentos  6c  quarenta  6c  dous  annos,  confor- 
me aos  Setenta,  A  terceyra  até  o  principio  do 
Keyno  de  David  ,  a  qual  teve  legando  os  He* 
brcos ,  novecentos  quarenta  6<  hum  annos ,  6c  lè- 
gundo os  fetenta  ,  novecentos  6c  quarenta.  A 
quarta  ate  a  deílruhiçáo  de  Hieruíalem,  6c  capti- 
fcyro  dos  filhos  de  lirael  por  Nabuchodonofor* 
cita  teve  conforme  aos  Hebreos  ,  quatrocentos 
èytenta  6c  quatro  annos  ,  6c  fegundo  os  íctenta, 
quatrocentos  oytenta  6c  cinco*  A  quinta  até  o 
Nacimento  telíciílimo  de  Noflb  Redemptor  6c 
Salvador  Jefu  Chriílo  ,  6c  teve  fegundo  a  ordem 
que  guardamos,  quinhentos  &  noventa  annos.  A 
fcxta  começou  do  Nacimento  de  Chrillo  NoITo 
Senhor  ,  6c  acabará  quando  ellc  for  ícrvido,  cujo 
fim  não  fabe  ninguém  ,  6c  andar  com  altercações 
neíla  matéria  he  defpropofito.  Na  conta  delias 
jdadcs  ha  grande  variedade,o  que  aqni  efcrevi  te- 
nho por  mais  certo.  Diz  aqui  o  Poctaque  o  Capj^. 
ião  mor  Vafco  da  Gama  partio  para  a  índia  na 
íexta  idade,  que  he  a  em  que  agora  cífamos  os  que 
vivemos,qiiecranoannodcmii  quatrocentos  no- 
venta &  fetc  ,  o  qual  fe  entende  daqucUas  pala- 
vras; curfos  do  Solqnatorie  vezes  cciito,  que  laó 


oes  GommentaâoÈl  't|j 

mil  6c  quatrocentos  ,  côm  tnais  novCíita  &  lece, 
que  vem  a  íer  os  mil  6c  quatrocentos  noventa  6c 
fete  que  temos  dito. 

Andava  mf ermo  y  éf  lento.  Diz  ifto  ,  porque  rio 
mez  de  Julho  ,  que  heo  tempo  cmque  os  noiios 
partirão  ,  ha  na  terra  fempre  pela  mayor  parte 
grandes  doenças, 6c  defconccrtos  em  todas  as  cou* 
las,  por  ler  o  tempo  leco,  6c  deílemperado,  6c  con- 
trario aos  corpos  humanos,  o  que  caufáa  impreí- 
faõ  que  o  Signo  deLeaó  hz  na  terra,6c  os  dias  que 
chamamos  Caniculares,  queíaó  neftemez.  Uu 
quiz  o  Poeta  por  eftas  palavras  chamarão  mun-^ 
do  velho  ,  6c  por  efta  razaó  inútil  j  6c  cançado  ,  o 
que  a  mim  mais  me  contenta ,  porque  neíte  noflo 
tempo  aílim  no  parecer  dos  homens »  como  no 
produzir  da  terra  (e  moílra  bem  diíferente  do  que 
no  lo  pintaó  os  Autores  nas  outras  idades  ,  6c 
bafta  vivermos  na  de  ferro ,  aonde  o  mundo  elfà 
no  ertado  que  todos  vemos. 

TA^  a  njijf  a  pouco ^& pouco  fedeft erra 
Dacjueãespãtrtos  montes jque ficavaO% 
Ficava  9  caro  TejOj^  afre/ca/erra 
7)e  Cmti'a^&  nella  os  othos  fe  alongavah 
Ficavanos  Também  na  amada  terra 
O  coração, que  as  magoas  là  deyxavíiõj 
Ejâ  depois  que  toda  fe  e/condeo^ 
Naõ  vimos  mais  em  fim  que  Max^&  Ceo 

A  frefca  ferra  de  Cintra.  Eíla  he  a  ra^aõ  quanto 
a  fnim  ,  porque  a  terra  de  Sintra  fe  chama  a  terra 
da  Lua  ,  que  he  por  fer  terra  muyto  frelca,  aonde 
ha  grandes  orvalhadas ,  6c  rocios  no  meyo  do  Ef- 
tio,eftandono  melmo  tempo  lugares  muyto  per- 
to delia  ardendo  em  fogo.  Veja-fe  o  que  clcreve^ 
mos  atrás  no  canto  tcrceyro,  ©ytava  \6. 


AS  li  fomos  abrindo  aqiielles  fúares^ 
^legéraçaô  alguma  naõ  abrio 
As  nódoas  iíhas  vendo ^ó"  os  novos  ates 
^ic  ogenerofò  Henrique  defcobrto: 
i:>e  Mauritânia  os  monte s^à- lugares^ 
Terra ^que  Antêo  num  tempo  poffuio 
"Deyxando  à  maÕ  efquerda^que  d  direytàl 
Naõ  ha  certeza  d' outra  mnsfofpeyta, 

^ue  o  generofo  Henriejut  ãefcobrig.  Eftefoy  o  Til- 
fante  Doin  Henrique  ,  filho  tcrceyro  d* til- Rey 
t)om  Jonóoprir»eyro  da  boa  memoria.  Foyefte 
Infintc  Governador  da  Ordem  daCavallaria  de 
Chrifto  ,  que  feii  Avò  El«Rey  Dom  Diniz  fexto 
Rcy  de  Portugal  inftitnhio  novamente  ,  para  a 
guerra  que  determinava  fazer  contra  os  Mouros, 
que  tinhaô  occupadoHclpanha  ,  6c  quando  feu 


j)ay  tomou  Ceuta  íe  esforçou  elle  muyco  mais  Mas  nem  por  fer  do  munào  a  âerfahyrà   ' 

para  o  proleguimento  deíU  obiigaçãodo  íangue,  Se  lhe  avantajão  mantas  Vénus  ama  ^ 

^  offiuo.  h  porque  o  negocio  de  Africa  perten-  ^^^^^  y,^^,  ^j^^j^^^  j-^  ejqnecera 

cJaaosReys  de  Portuffal,quiztomaremprcíaem  ,rr^    r^\,,    r\.^.u^     ti-  r    ./ ^ 

que  alcançallc  glor.a .  &  lan.a  para  fi.Para  o  qual  ^^  Cypro.Gmdo,Fafos,^  Lythéra. 

cífey  to  mudou  a  vontade,que  tinha  <áe  cunquií-  VaJJàmot  a  grande  Ilha  àa  Madejra.  Efta  ílhafoy 
tar,  para  parte  mais  remota,  aonde  os  mentos  de  deícuberta  por  hum  Joaó  Gonçalves ,  &.  Triftaó 
ícus  trabalhos  ficafi^mpoílos na  milicia  deChrií-  Vaz,  noannodemil  quatrocentos  &  vinte.  Cha- 
to, cujo  Governador,  &  thcloureyro  elle  era.  E  mou-te  Ilhada  Madeyra  ,  peio  muyto  arvoredo, 
como  andava  com  eíla  imaginaçãojtodo  feu  cuy-  que  tinha  quando  foy  delcuberta,quc  não  poden- 
dado  era  mformarle  de  gence  de  differcntespar-  do  o  dito  Joaó  Gonçalvtz  ,  que  era  o  Authordo 
■tes,  6c  ler  livros  de  Geographia,  â  qual  era  muyto  deícubrimento,&  a  principal  pefloa  daquella  via- 
dado  para  lahir  com  leu  intento.  E  quando  Ic  ga-  gem,  daríe  a  entender  naquella  terra  ,  poreftar 


nhou  Ceuta,  fez  grandes  exames  com  os  Mouros, 
ânformando-ledqs  moradores  da  terra  a  dentro; 
dosquaes.ÔC  de  outros,  com  que  outras  vezes  fal- 
lou  íoube  muytas  coufas  ,  que  ajudavão  muyto 
iuaprctençâo.  Comeítas  informações  conieçou 


toda  cuberta  com  arvoredo  ,  que  fe  não  via  o 
chaó,  lhe  mandou  por  o  fogo ,  o  qual  affim  tomoa 
pofledo  mato,  que  dizem  durou  feteannos  íemíe 
apagar. 

Das  o^ut  nôi  povoafffoi  a  frimeyra.  A  Ilha  da  Ma» 


a  porem  execução  fcus  deícjos ,  &  mandar  gente  deyrafoy  a  primeyf»  que  os  noflos  Portuguezes 

adelcobnr  acoita,  alem  do  cabo  de  Não,  que  era  povoarão, mas  a  lcgunda,que  defcubriraó  porque 

o  termo  da  terra  deícuberta  pelos  Hefpanhoes.  primeyrofoy  deícuberta  a  Ilha  do  Porto  Santo,  a 

Chamava-leeítecabo  de  Não  ,  porque  os  deíco-  qual  largarão  os  Portuguezes  miportunados  d* 

bridores  nãoíeatreviaó  paílar  adiante.  grande  praga  de  Coelhos ,  que  fc  criou  de  huma 

Jerra  qns  Anteo  num  tempo  fo^uhto.  Antco  dizem  Coelha  quealli  levnraódo  Reyno,  osquaes  foraõ 

os  Poetas  quefoy  hum  Gigante  ,  lilho  de  Neptu-  cm  tanta  quantidade ,  qucfe  não  femeava  ,  nem 

no,  6c  da  terra  ,  de  quarenta  cevados  de  altura,  ÔC  pl^^ntava  coufa,que  elles  naó  dcftruiflcm.  O  mef- 

lâo  esforçado  que  Hão  havia  em  fcu  tempo  quem  "^o  ^"e  acontecco  aos  Portuguezes  com  oscoe- 

ie  atrevefle  a  vir  có  elle  âs  mâo> ,  porque  le  acaío  ^hos  na  Ilha  do  Porto  Santo  ,  aconteceo  aos  que 

alguera  o  vencia  por  forças ,  ôc  derribava  cm  ter-  íoraó  povoar  a  Ilha  Carpatho, chamada  hoje  Scar-. 

ra,  com  ajuda  da  mefma  terra  fuamãy  recebia  no-  pan(o  ,  comoquer  Sophiano,  no  marde  Rhodes, 

vas  forças ,  ôc  le  tornava  a  levantar  ,  õcdefta  ma-  que  levando  lebres  para  criação  ,  íizeraô  tal  mul- 


jieyra  tra  temido  de  todos.  Hercules  o  venceo, 
|)orque  labendolhe  eíla  manha  o  nãodeyxoU  che. 
^ar  a  terra,  mas  apertou-o  comfigo  de  modo,  que 
o  matou  entre  as  mãos  ,  como  dizem  todos  os 
Poetas.  Diz  onollo  Luís  de  Camões,  que  poliu* 
hio  Anteo  a  Mauritânia  ,  que  faó  os  Reynos  de 
Fcz,ôc  Marrocos,  porque  foy  Rey  deífa  parte,  6c 
elle  fundou  a  Cidade  de  Tangere  ,  6c  nella  tinha 
lcuspaços,&  principal  habitação,  eomo  diz  So- 
lino  no  leu  Poiyhiítonco.  cap.  37.  &  Mela  liv.  i. 
cap.5. 

Deixando  a  tnao  cp^f4erJay^ue  a  dtreyta.  Não  ha  cer- 
teza  (it  outra  mas  fulpejta,    Afi  ica  liça  aos  que  na 


upljcaçâo,  que  largarão  a  Ilha,  porque  lhe  deltru^ 
hiaó  as  lebres  as  fazendase  Aonde  dizem  os  Lati" 
nos-.Carpathusodit  leporer»,o  morador  da  ilhaCarpar 
lho  aborieGe  a  lebre,  o  qual  provérbio  leaccom- 
modâ  a  quem  le  arrepende  de  algum  negocio  quq 
tem  entre  mãos. 

Alaii  celebre  por  nome  que  por  fama,  Ifto  fe  ha  de 
declarar  delia  mancyra:a  Ilha  da  Madey  ra  hc  mais 
conhecida  pelo  nome  que  pela  obra  ,  porque  fen- 
do conhecida  no  mundo  por  efle  nome  de  Madey- 
ra  ,  huma  das  cou  las  de  q"ue  tinha  mayor  falta  ao 
tempo  que  o  Poeta  cfcreveo  eíles  cantos, era  a  ma^ 
deyra  pelo  fogo  de  que  acima  trattámos.  Hoje  fa- 


ve^âóparaa  Índia  àmaõerquerda,&  na  paitedi-  bemos  por  informação  certa  de  peiíoas  da  Ilha  t£|^ 

rcyta  aotempo,queíc  delcobrio  a  nofla  índia,  niadeyra.  ál 

naõ  era  coufa  alguma  dçfcuberta,  &  neíle  fentido  ^^*  nem  por  fer  do  mundo  a  derradeyra.St  lhe  aven" 

falia  aqui  o  Poeta.    Hoje  temos  a  nova  Hcfpanha  tajáo  quantas  Uenus  ama,  Efta  Ilha  da  Madeyrahc 

florida  ,  com  todas  as  Ilhas  adjacentes,  quecha-  ^^^^  conhecida  pelo  mundo  por  lua  fertilidade,SC 


maó  Antilias  ,  6c  toda  a  mai:  terra  Occidental, 
qne  le  chama  Aincnca,oi'  novo  mundo. 


5 

Pejamos  a  grande  liba  da  Ma  deyra, 
^ue  do  ynuyto  arvoredo  ajfí/e  chama^ 
T>as  qnenósfovúamos  aprimeyra^ 
Mais  ceiebre^or  nome^que  for  fama: 


abundância,  chama-a  o  Poeta  aqui ,  do  mundo  a^ 
derradeyra  ,  por  ler  a  mais  Occidental  de  lodasí 
para  mayor  encarecimento  de  louvor  a  prefere 
a  quantas  Vénus  ama,das  quaes  põem  aqui  algu- 
mas. 

De  Cyprot  Gnido,  Paphos,  &  Cphera,  Cypro  he  a 
Ilha  Chipre  no  mar  Mediterrâneo  ,  fugeyta  hoje 
ao  Graó  Turco,porque  hum  leu  Capitão  por  no- 
me Muílafá  a  tomou  por  força  de  armas ,  ícndo  à.\ 
Venezianos ,  o  primeyro  dia  do  mez  de  Agofto  (Í{| 
"iSTi*  com  grande  danno  ,  6c  injuria  daChrillanj 
■      -  "  ~      dadeS 


Lufiaâàí  ie  Lms^e  Camões  Commentados* 

•iêàe.  OalJò,ou  Cnido  que  he  humamaneyra,  ôc 
«iitra  le  diz  he  Ilha  do  mar  Capathio.  l^aphoshe 
Cidade  da  meímallha  Chipre  ,  de  que  falíamos 
«cima.  Cythera  hc  Ilha  no  Peloponclo,  chamada 
hojeCetige. 


Hf 


DEyxamQs de  Maffilia a  efierilcofla^' 
Onde  (eu gado  as  Azemguespajiam% 
Gente  tíftte  as  frefcas  agoas  nunqua  gofta^ 
JSlem  as  ervas  do  campo  bem  lhe  abaftamx 
ji  terra  a  nenhum  fruto  em  fim  di/pofia^ 
Onde  as  aves  no  ventre  oferrogaftam^ 
padecendo  de  tudo  extrema  tnopiay 
§hie  aparta  a  Berbéria  de  Ethwpia. 

Deyxamot  dè  Majfília  a  ejferil sopa.M^fíilhfComo 
fica  dito  canto  4.  oycava  36.  he  a  Província  de 
Africi,  qweporoiirrv*  nome  chamamos  Mauritâ- 
nia. Pela  clteril  coíla  de  MaíTilia,  entende  a  trille, 
Scefterilcolta  de  Atrica  ,  aonde  vivem  os  povos 
Azcneguesjdos  quaes  i'e  começa  a  terra  de  Guine. 
He  eftâ  terra  muy to  falta  de  aguas,  £c  mantimen- 
tos,porque  tudo  l^ó  dclertos.  H  he  tanta  a  pobre- 
2a,  Sc  mileria  delia  gente,  que  nem  de  hervas  do 
campo  le  fartáo.  Vivem  fempre  nos  ca.npos  fa- 
zendo vida  agrcíle,  6c  bruta.  Ha  ncfta  terra  gran- 
des animaesferos,5c  grandes  Hímasjque  digerem 
o  ferro,  faóíis  Hemasanimaes  que  tem  azasconjo 
aves, mas  não  voaó  com  ellas,  íómcnte  lhe  fervem 
deajuda  para  correrem  com  mayor  ligeyreza.  Saó 
do  tamanho  de  hum  cavallo,  ôcmayores,  temo 
peícoço  longo  de  lete  palmos  ,  Sc  a  cabeça  como 
huma  cidra  meã  com  bico  agudo.  Poenl  ovos 
grandes  ,  cujas  calcas  grandes  vemos  por  em  as 
alampadas  furadas ,  náo  ie  lançaô  fobre  tiles ,  al« 
guns  dizem,que  o  goraó  com  os  olhos,outros  com 
o  bafo, Sc  irto  fe  tcfa.por  mais  ccrto.dirigcm  fcr 


PÀÍJatnos  o  limite ^aonde  chega 
O  Sol^quepara  o  Norte  os  carros gu/a^ 
Oft  de  jazem  os  povos  ^a  quem  nega 
O  filho  de  Cítmene  a  cor  do  dia: 
jíqui gentes  eft ranhas  lava^f3  YegA 
^0  negro  Sonagâ  a  corrente frtà. 
Onde  o  Cabo  Ar  finaria  o  nome  perde^ 
Chamandojfe  dos  nojjos  cabo  Verde^ 

V^JJãmot  o  limite  aúndt  chega,  «  Sol  tjue  paru  §  Sfifi 
«os  carrofguta.  Os  Poetas  atinbuem  ao  Sol  carro 
com  cavallos ,  em  que  dá  luz  ao  mundo  como  dis 
Ovidio  nas  Metaraorpholcs  aonde  põem  os  no- 
mes dos  cavallos. 

O  filho  dt  Chmene  a  cor  do  dia.O  filho  de  Climene 
he  Phaeton  o  qual  como  fingem  os  Poetas  ,  foy 
cauía  de  os  negros  terem  a  cor  que  tem:  fobre  ci- 
ta matéria  veja-le  o  que  fica  efcnto  atrás  no  pri* 
m  eyro  canto  oy tava  46.  Sc  a  razaó  pi  rque  os  ne*. 
gros  tenhaó  a  cor  negra  fica  também  trattado  cm 
outro  lugar  no  canto  i.oytava  105* 

Do  Negro  Sanagâ  a  corrente  fria,  O  rio  Sanagâ  di* 
vide  a  rerra  dos  Mouros  Azenegues,  dos  prm^ey- 
rob  negros  de  Gume,  chamados  Gelolos»  Hiero* 
nymo  Gyravalhe  chama  Sonagà  na  íua  Colmo* 
graphia ,  Sc  Olinario  lobre  Pomponio  McUa  i  Af* 
ncge  ,  dcfte  particular  trattámos  ao  diante  neíta 
mclmo  canto. 

Onde  o  Cabo  Arfmario  o  nowt  perde*  Entre  dous 
rioSjSanagájde  que  atras  fizemos  mcnçaô,Sc  Gam- 
bca,dc  que  trattámos  adiante,eítà  hum  pedaço  da 
terra  a  que  os  Portuguczes  chamaó  Cabo  verde, 
&Pcholomeo,  &  outros  Colmographos  ,  Cabo 
Arfínario»  DeíleCabo,  Sc  dos  nos  que  o  cercão 
trattámos  adiante.O  que  o  Poeta  diz  nelta  cytava» 


ro,o  que  lhe  procede  de  quentura  grande  do  efto-  he  que  tinha  a  noíla  armada  pafiado  o  Trcpico  dô 

mago.  Os  machos  laó  negros,5c  as  fêmeas  pardas,  Cancro ,  que  he  o  limite ,  Sc  baliza,  que  ten»  o  Sol 

8c  brancas.  Das  pcnnaslefiizcm  os  penachos.  Dts  da  banda  do  Norte:  na  qual  paragem  eltáo  os  po* 

negras  ficaó  negros,Sc  das  outras  cores  fe  tingem,  vos  Azenegucs,5c  Gelofos.  Veja-fe  o  queelcrcve* 

&  fazem  da  maneyra  que  os  cá  vemos»  Caçaô-fe  rnos  no  canto  8. 


eftas  aves  a  corço,a  cavallo  cora  lanças, ou  arman« 
dolhe  pelo  cammho  humas  cordas  com  humas  na- 
valhas, com  as  quaes  le  cortaõ,  Sc  aílim  le  tomaó, 
porque  em  vendo  Tangue  efmorecem,  Sc  demayaó 
de  modo  ,  que  não  podem  dar  maispafío.  Eílas 
couíasfoubc  dequem  as  vio  ,  &caçou  por  muy- 
tas  vezes.  Os  Autores  que  delias  eícreveraó  póJe 
ier  que  nem  as  viraó,  nem  tiveraó  tão  cerra  rcli- 
çáo.  O  natural  delias  Henvas  hc  criuríe  em  gran- 
des delertos  ,  quaes  faó  eftes  dos  Azenegues,'  pelo 
Gue  naquellas  partes  ha  muycas,  que  he  nos  con- 
fins de  Berbciia ,  Sc  ILihiopia ,  como  aqui  diz  o 
Poeta. 


s 

PJfadas  tendo Jâ  as  Canareas  Ilhatl 
^e  tíveraõpor  nome  Fortunadas^ 
Entramos  navegando  pellas filhas 
T>o  velho  He  fper  to, He/per  idas  chamadasi 
Terras  por  onde  novas  maravilhas 
Andarão  vendo jâ  nojjas  armadas ^ 
Alli  tomamos  porto  c6m\bom  vento» 
Ter  tomarmos  daterra  mantimento» 

Va)Jad«i  tenâojÀas  Canareat  Ilhas»  Eíías  Ilhas,' 
que  em  noflo  tempo  íc  chamão  Canareas,faô  cha- 
madas por  todos  05  Aiuoresantiguos  Fortunadas, 
que  quer  dizer  btir.avcnturacias  ,  por  ferem  pcJa 


mayor  parte  abundantes,  h  fertis.ainda  que  as  ei- 
tenles  o  faó  demaíiadamcnte :  Sc  faõ  doze,  a  Graó 
Canarea  ,  Palma,  Gracioía  ,  Interno  ,  Alegrança, 
S&nta Clara,  Roque.  A  dos  Lobos  ,  LanÇciroi;e, 
FoKíe  vcnturajFcrro,&:  Gomera.  Das  quaes  Lan- 
çarote, Forte  ventura,  êc  Ferro  delcobrio  hum 
Gavalle^-ro  Franccz,pornoníe  Joaòde  Betancor, 
&  a  Gomera  hum  leu  iobrinho  chamado  Maciot 


Canto  ^àntôl 


paiccer,  quc  ifio  não  he  âeté:  h  tèrtierídadé  Te* 
na  affirmar  por  certo  huma  couiâ  em  que  kâ  tan* 
ta  mcerteza  :  no  canto  fegundo  chama  Luís  de 
Camões  a  Mauritânia  Reyno  ,  aonde  viveraõ  as 
Helperidas, porque  feiía  leu  pay  Helpero  Scnhoi* 
também  daquella  Região  ,  que  não  he  mconveni- . 
ente,  6c  teriaó  alli  as  hoitas  com  fiuytodeouro, 
de  que  os  Poetas  fazem  tanto  alardo.pclo  qucnaõ 


Betancor  no  tempo  d^El-Rey  Dom  Henrique  o  he  jfto  cncontraríc  o  Foeta  ,  ôc  quando  le  encon- 

terceyrodc  Caílella.  As  outras  íoraódelcuber tas  trarnáo  he  deícredito,  pois  Platão  tem  por  acer- 

pormandido  do  Iniante  Dom  Henrique  ,  filho  tado  nos  Poetas  delacercarem  algumas  vezes ,  6C 

d^E,l-Rey    Dom  Joaó  o  primeyro  de  Portugal,  aílim  querem  muytosquefizefle  Virgilio  liglog. 

Depois  que  Maciot  Betancor  por  conceito,  que  ó.Onde  Virgilio  põem  Scylla  filha  de  Nylo  R.qy 


dos  Me^arenies  ,  que  foy  convertida  em  coiuvia, 
por  Scyllá  filha  de  Foico,  que  foy  convertida  emi 
pedra,  que  hoje  hc  cachopo  no  eítreytode  Mtíli- 
najpor  nome  Scyllo,con)o  diz  Fazello. 

1  errai  por  ondt  novas  maravúhah  andarão  'Vendojil 
mijas  armadau  lllo  diz  o  Poeta,  porque  cilas  par^ 
tesdeque  himos  trartando  ,  toraó  as  primeyras 
que  os  Portuguczes  tleícubriraõ  ,  como  rtíere 
Joaó  de  Barros. 

.  trovai  maravilhai.  Qiier  dizer,grândcsmaravi- 
IhaSjá  imitação  áai  LaunoSjOS  quaes  a  hun)a  cou- 
íh  grande,Sc  eípantola  chamaó,novA,con^o  he  no- 


íez  com  o  Infante,  lhe  largou  o  direy  to  que  tinha 
nas  quatro  Ilhas  delcubertas  ,  a  troco  de  outras 
couias,que  lhe  deu,  com  que  vivco  muyto  honra- 
damente. Eílas  Ilhas  fe  chamaó  hoje  todas  geral- 
mente as Canareas, pelos  muytos  cáes  que  ncllas  fe 
criaô,  principalmente  na  Graó  Canarea.  A  razaó 
porque  eílas  Ilhas  {ílÒ  hoje  da  Coroa  de  Caftelia, 
fe  pôde  ver  em  joaó  de  Barros  Década  i.c,  ii. 

Entramos  navegando  pelat  filhai,  do  velho  Hejpcrio, 
fíefperidas  chamadm.  As  Ilhas  Helperidas,  chanja- 
das  aflím  de  Hefpcro  feu  Rey  ^  faó  as  que  chama- 
luosdo  Cabo  verde,  fujeytas  áos  Reys  de  Portu- 
gal, legundo  a  melhor,  Ôc  mais  provável  opinião  tono  aos  que  fabem  algum  Latim, 
dos  que  bemlentem.  Oque  fecolligcde  Ptholo* 
raeojoqualdcícrcvendoasllhas  Gorgadas,  a  que 
outros  chamaó  Dorcadas,  que  fegundo  o  melm.o  a       tt    isr 

Pih8lomeo,&  os  verdadeyros  Coímographos  faó        A     -^^^^^'^  Ilha  aportamos, que  tomou 
«s  llhns  de  S.  Tho  né  ,  &  Principe  junto  a  Mani-     T\  O  nome  doguerreyro  Òan-Tiago^ 
congo.  Diz  que  ao  Poente  deílas  cílaó  as  Heípe-     Santo^que  os  EJpanhoes  tanto  ajudou 
ridas ,  que  conforme  a  navegação  dos  Anriguos    Afazerem  nos  Mouros  bravo  ejiragoi 
ellarâó  os  quarenta  dias  de  jornada  que  Seboío     ^J^aqui  tanto  que  BortáS  nos  ventou, 
clizaHeíifado  por  5o  ino,&  Plinio.E os Quedizcm     o-  ,  ,/  /    „ 

o  conii  ano,  he  pornao  olharem  bem  os  Autores      ,         ,      ,  ^  .      ,.-  j  ^ 

allegâdos,  Scoítrosantiguos,quedeflamaterv*  'Uo Julgado  Occeano,  ^  alJi  d^yxamos 
fallaraõ,  que  legue  aqui  o  noflo  Poeta,  o  qual  cm  ^  ^^^^  a^aoude  o  rtfrejco  doce  achamos^ 
todas  as  fciencias  teve  grande  engenho, como  neí- 
te  hvro  fe  moftra  ,  6c  hum  juyzo  myyto claro  para  y^ejaella  llhaportdmoi^  <^ue  tomou.  O  nome  doguer^ 
determiiiar  o  melhor,  comofezneíle  particular,  rtyr  o  Santiago.  Ella  Ilha  de  Santiago,  que  o  Poeta 
no  qual  hatanta  revolta  ,  que  huns  não  Ic  deter-  aqui  nomea,  he  huma  das  do  Cabo  verde,  a  qual 
minâo  ,  outros  fogem  ao-c6uto  dos  que  não  que-  dcícobf  ifo  bum  Fidalgo  Genovez  por  nome  Au- 
rem briga ,  dizendo  que  as  Hefperkias  foraó ,  n^as  tonio  de  Nolie  ,  no  anno  de  linil  quatrocentos  6c 
que  hoje  asnaóha,  queo^maras  devia  de  allagar,  IcííentaSc  hum  ,  o  qual  veyo  a  cites  Rey  nos  por 
como  temfeyto  em  outras  muytas  partes.  Bem  ve-  certos  delgoíioíí,  que  na  pátria  teve  com  duas 
jo  qwe  Gonçalo  Fernandes  de  Oviedo  na  lua  naos,Sc  hum  barind,  trazendo  em  ftmconnpanhia 
Chroaieadas  Antili;\s  ,  quer  que  ellas  fcjaô  a$  Barthokmewde  Noile  ftíunmjò  ,  &  Kaphaei  de 
Helperidas,d»ndoparaiflornuytasra-zóes,  Affon-  NoIIe  leu  fobrinho  ,  6í  pÉ>rqo€  o  Iwfante  Dom 
lo  de  Saííitâ  Cruzi,  kyxti,  fcjáo  as  dos  Açores :  Anto-  Henrique  entendco  dcllcs,  lerem  pelíoâs  de  con- 
nioGalváo  Portuguez,asllHasdei).Thomé,  &:  fiança  lhe  deu  licença  para  pederem  deícobrirj 
Principe.  £►  aflim  veja  como  no  l/lappamundi  fe  Eíles  deícobriraã  a  líhfàdc  Mayo  ,  &  as  Ilhas  S* 
poemas  Dorcadas  a  baíravento  das  Ilhas  do  Cabo  Phihppe,  6c  Santiago  :  d€quea<^u'i  Miámos  ,  às 
verde ,  coufa  de  trinta  Icgoas  de  diílancía,  que  fao'  quaes  pufera^  cites  nome^-,  pof  relpeyto  da  dia  etn 
humas  Ilhas,aondc  nío  hà  fe  não  gado,  6c  algumí     que  foraõ  defcubercas.  Neíle  mefmo  tempo  eraó 


pouca  gente,quc  por  pai  te  de  EbRey  fe  feytori- 
2a:todas  eftas  cotifas ,  6f  rmt rw  mnyías  ten^ho-no- 
tado ,  &  confiderad<oí  o  que  tenho  rfiro  mt  parece 
contormar  comos  Anti^uoi|  ,  &  com  os  qac  me- 
lhor lêiicem  ikílíi  maEcria,efda  htçflv%a  oque  lhe 


ao  ra^fmó  dcfeubrimento  bwns  criados  do  Infante 
Dom  Fernando  ,  os  quaes  dclcubriraó  as  outras, 
que  por  todas  laó  dcz,chamada?  todas  vulgarmcn- 
tCjdoCabo  verde  ,  por  cílarem  ao  Poente  dcUc, 

por  diílancía  de  cem  Icguas. 

Santo 


Lu/íaãas  àe  Luh  ãe 
o^fsU  ^ae  et  Utjpanhott  tanto  ajadótt.  Sabida  cou- 
fahe  ier  o  Bemaventurado  Santiago  Padroeyro 
dos  Heípanhoes ,  Sc  pelas  Chronicasheaflàs  ma- 
nitclto  o  grande  tavor  ,  &  ajuda  que  lempre  deu 
aeíta  naçaó ,  contra  os  Mouros  inimigos  da  nolla 
fanta  Fé  Catholica  ,  por  haver  pregado  nella  a 
Fè  de  Chriílo  Senhor  nollb  »  o  que  hc  certiirimo, 
como  com  muytas  razões  o  prova  o  lUuítrilíimo 
Condeltavel. 

D'^ae^Ht  tanto  ijue  Boreas  nos  ventou.  Boreas  he  o 
Norte, couiO  atlas  fica  dito. 

W  terra  onde  o  refrefco  duceachamat.  Efta  he  a  Ilha 
•ide  Santiago ,  aonde  cíUveraó  alguns  duselperan* 
tio  por  tempo. 

lÕ 

POr  ai^ui  rodeando  a  larga  parte 
T>e  Afr k a ^que  ficava  ao  Oriente^ 
^  Trovincia  Jetofo^que  reparte 
*For  diver/as  naçoens  a  negra  gentes 
A  muy  grande  Mandinga  por  cuja  art€ 
Logramos  o  metal  nco^ó'  luzente ^ 
^edo  Curvo  Gamhea  as  agoas  bebe^ 
As  quaei  o  largo  Athlantico  recebe» 

Voraofm  r$ieand>  a  tnayor  ^arte.  De  Africa  é^uefi^ 
tava  ao  Oriente.  Neíta  oy tava  cratta  o  l^oeta  co;no 
collsando  os  Portuguezes  pela  terra  de  Afiica, 
pafliraõ  pJa  Província  dos  Gelofos  ,   que  laõ  os 
primcyros  negros  de  Guiné  ,  a  qual  he  muyco 
grande  ,  &  íc  eftende  por  aquella  coita  de  Guiné 
iobre  o  mar  Oceano  Occidental :  jaz  efla  terra  dos 
negros  Gelofos  entre  dous  grandes  rios  ,  &  Sana- 
ga  ,  ôcGambea,  osquaes  tem  differentes  nomes 
entre  aquella  gente,  conforme  aos  lugares  por  on- 
de pallaó.  O  Sanagâ  divide  os  Mouros  Aienegue'? 
dos  negros Gelotos :  corre  por  mu)  ta  diltancu  de 
terras  ,  até  entrar  no  niar  Oceano  em  altura  de 
quinze  graos,8<:  meyoj  vindo  das  fontes  dos  lagos 
a  que  Ptolomco  chama  Chelonides ,  Nuba  ,  8c  Nu 
ger.Os  Portuguezes  lhe  não  fabem  outros  nomes 
lenáo  Sanagá,donomede  humSenhor  da  terra, 
com  que  tivcraò  paz  ,  &  comercio  no  principio 
delle  delcobrimento,  pofto  que  o  verdadeyro  no- 
me do  rio  he  logo  alli  na  entrada,  Qi^iedech  ,  le- 
gundo  a  lingua  dos  Mouros ,  que  alií  moraó.  O 
GambcaHe  por  onde  os  noíTos  vãoaorclgate  de 
Cantor, não  tem  tanta  variação  em  nome, porque 
todo  cilc  tem  o  rcfgace  do  ouro  ,   aonde  os  noííos 
vão.  l'erá  por  linha  direyta  oytenta  iegiias,  &  ca- 
minhando por  elle  cento  Sc  oytcnca.porrazúódas 
muytas  voltas  que  faz  :  &  em  todo  cftc  efpaço  o$ 
negros  da  terra  lhe  chamaó  Gambú,  &  nós  Gam- 
béa.He  rio  mais  caudal, Sc  mais  alto  que  o  Sanagà, 
porque  (è  metem  nellc  muytos  rios  ,  que  nalcem 
no  íertaõ  da  teita  chamada  Mandinga  ,  alUs  no- 
meida  ,  &  conhecida  dos  noflos ,  de  que  o  Poeta 
aqui  hlla.  As  principaes  fontes  defte  no  Jaó  as  do 
no  a  que  Pcolomeo  chama  Nigcr,  6c  a  lagoa  Lybia» 


Camões  Commentadofi  1  ^f 

Pelo  que  dizem  alguns  que  o  Gambea  i  SrNiger 
íaõ  o  mefmo  no  ,  ôc  que  aflim  o  affirmaó  os  natu- 
raes  da  terra  ,  como  refere  Luís  dei  Marmol ,  na 
Defcripçâo  de  Africa.  A  terra  quejaz  enrrc  cites 
dous  nos  faz  hum  Cabo, que  Ptolomeo  chama  pro- 
montório Arffinario,€c  os  Poriuguezes  Cabo  ver- 
de ,  ao  qual  poz  eíle  nome  hum  Diniz  Fernandesi 
criado  d'El-Rey  Dora  Joaó  ,  &  morador  cm  Lif* 
boa, que  o  dcfcobrio.  Chama  o  Poeta  ao  no  Gam- 
béa  Curvo  ,  por  fer  íeu  curfo  cm  muytas  voltasj 
principalmente  do  lefgate  atè  entiar  no  mar  em 
altura  de  treze  grãos  6c  meyo  ao  Sueíte  doCabo 
que  chamamos  V^erde.  Eftas  voltas,  que  faz,  íaõ 
cauía  de  navegarem  os  noflos  navios  melhor  por 
elle  acima, por  virem  as  aguas  com  menos  ímpeto 
do  que  vieraó  le  feu  curlo  tora  direyto.Mandingai 
hc  Província  grandiffima  de  negros,  donde  vem  O 
ouroá  Cidade  de  Tungubutú  ,  que  eltátrcs  lé- 
guas dorioSanagá,  da  banda  do  Norteia  qual  Ci- 
dade por  eíle  rclpeyto  concorrem  muytos  mora- 
dores  do  Cayro,  Tunes,  Oraó,  Trcmcflem,Fez, 
^l arrotos  ,  &  outros  Rcynos  ,  êc  Senhorios  de 
Mouros,6c  he  boa  graça  haver  quem  diga,&com- 
mcnte,que  Mandinga  he  rio. 

E  logramoi  o  metal  uco,  &  luzente.  Metal  rico, SÊ 
luzente  he  o  ouro  ,  oqualvcui  cm  grande  abun- 
dância da  terra  Mandingâ,coino  Hca  dito.  A  ter- 
ra que  hoje  chamamos  Guiné  ,  que  hc  toda  a  Re- 
gião do  rioSanagà  tomou  nome  de  huma  Cidade, 
que  tila  nas  correntes  dcííe  rio  chamada  Gena ,  a 
qual  foy  antiguamente  muy  frequentada  ,  por  ra- 
zão (So  ouro  ,  antes  que  viclle  à  Cidade  l'ungu- 
butu.  Os  moradores  da  terra  chamáo  a  efta  reguô 
GcnajOU  Gcnij,nÓ3  commummente  Guiné, 

AST)orcadas  pajfamos  p9V0aaas 
T)a5  irmãs i  q  outro  tempo  alli  vivtãòj, 
^.e  de  vijia  t  ot  ai  fendo  privadas  ^ 
1  o  das  três  de  hum  lô\)lhofeferv'tãoi 
Tafò^tu  cujas  tranças  encrefpaãas^ 
Neptuno  Jà  nas  agoas  acendião^ 
Tornada jà  de  todas  a  mais  fea, 
T>e  víboras  enchcjie  a  ardente  areal 

Ai  DorcaJas  paffamos  povoaJat.  Dai  irm^s^ue  ou- 
tr»  tempo  alli  i'/i;;<íõ.Phoico  Kcy  das  Ilhas  Corlega, 
&  Sardenha,  teve  três  filhas,  Éuriale,Eílheno,  6c 
Mcdufa,  eftas  dizem  os  Poetas,  que  não  tinhaô  to- 
das três  mais  que  hum  ló  olho  de  que  fe  lerviaõ,8c 
que  le  chamavaõ  Gorgones  ,  por  refpeyto  das 
Ilhas  Gorgadas,ou  Dorcadas,aondc  habitavaõ  dAS 
quacs  íica  irattado  atrás  ncfte  meímo  canto, oy  ta- 
va 8.  Tm/í  r/»  cí*\ai  trancas  encrefpaâuí.  Efta  he  Mc- 
dufa. Veji-fcoqueefcrevcmos  nocanioj.  oytaya 
yó.Qiianto  a  cfte  fingimento  deitas  três  irmâs.que 
tinhaô  hum  lò  olho  porque  leíerviaô,  hc  porquê 
todâb  craó  rnuyto  fennolas ,  &  convertiaó  cm  pc-* 

Ta  tiia$ 


dias  todos  osqiie  as'olliáva5,  porque  com  fua  vil.  labido  efte  Bcmaventurâdô  Santoi  não  Tc  ãch?lii3 

Kijfaziaó  que  os  homens  lelheaíFeyçoaflem  muy-  do  depois  da  Relurreyçáo  cie  Chnfto  Noílo  Se-^ 

to.  nhor  com  os  mais  irmâos,&:  companheyros,quan-' 

^  artientearea.He  a  terra,  de  AFrica,aqual  chama  do  leu  meílre  lhe  appareceo  ,  dandolhe  conta  os 

srea  ardente  ,  por  haver  nella  grandes  areaes  ,  ÒC  outros  Dilcipulos,  como  lhe  apparecera  leu  Mcí^ 

niuyto  mfcítados  da  grande*lqucnturadoSol.  tre  ,  ôc  o  viraó  com  as  Chagas  abertai.diflb  ,que 

lornadi^dde  todafumaufea.  Pelo  que  nella  fez  naó  havia  de  crer  tal, fe  com  Teus  próprios  olhos  <i 

r«llas,que  lhe  converteo  os  cabellos  em  cobras,  5c  nãovillc  ,  òc  com  luas  mãos  lhe  não  palpaíle  as 


s 


ChagaSjOqucChriftoNoflb  Redemptorfez  com 
muyto  golt©,chamandoo,&  dandolhe  licença  que 
tocaíie,  &  meteíle  a  maó  no  lado,&  muyto  de  va^j 
gar  le  ccrtificalle  da  verdade  do  calojcomo  Ic  con- 
ta cm  o  glorioio  Apoítolo,  &  Evangelifta  Si  JoaS 
^  pa»a  Com  a  duvida  deíle  Sanro  Apcltolo  ficaf 

nolla  Fé  firme  ,  &  a  elpcrança  mais  certa  ,  com  o 
Empre  em  fimpara  o  Aufiro  a  aguda  f  roa     exemplo  da  culpa  do  Difcipulo,  &  da  brandura,5c 


aos  olhos  deu  propriedade  de  converterem  pedra 
tudo  o  queolhalicm.  De  viberas  rncbejie  a  ^ardentt 
fitea.  Veja  le  o  que  fica  elcrito  de  Medula  no  cantb 
s.na  Deicripçao  de  Africa  oytava  i. 


No  gr  andijfimo  golfão  nos  metemos^ 
'jjeyxando  aferra  aJperYtma  Lioa^ 
Co  Cabo,  a  quem  das  palmas  nome  demos: 
O  grande  rw^onde  batendo  foa 
O  marnasprayas  notas ^que  allltemosy 
Ficou.co  a  Ilha  illuftreiquetomrd. 
O  nome  de  hum^que  o  lado  a  ^Deos  tocQU% 


miíencordia  tão  ufada  do  Meftre  ,  &  daqui  diz  o 
Bemaventurado  S.Gregono ,  que  mais  devemos  à 
infidelidade,  &  duvida  de  S.Thomé  ,  que  a  dili- 
gencia ,  &  prefteza  coid  que  os  outros  Diicipulos 
crcraó.  Quanto  ao  tempo  cm  que  efta  Ilha  le  del- 
cobrirte,õc  quem  folie  o,  Autor  deíle  defcobrimcn- 
to  não  ha  certeza,  como  lambem  a  não  hà  de  ou- 


tras  muytas  coulas  que  acontecerão  no  temp3 

d^El-Rey  Dom  Afi^onlo  o  Quinto  ,  ou  por  falta, 

Stmpreemfimpara  o  Aufiro  a  aguda  proa.  Cortti^     &  negiigeiícia  dosChronilhs  daquclle  tempo,  oa 


por  le  perderem,  6c  conluniirem  os  papeis,  Sc  me- 
moriai, daqucila  idade  ,  fuzendo  o  tempo  nella  iei 
oíHcio  )  como  em  outras  coítuma. 


M 


nua  o  Poera  a  navegação  dos  Portuguczes  para  a 
india,os  quaes  coxeando  a  terra  de  Aí  i  ica  lev'avaó 
Sd  proas  pura  o  Sul, baleando  o  Cabo  de  boa  Elpe- 
arnça.  OvS«/  Nomea  por  eíla  palavra,  Auftro,  que 
íí«  vento  que  fopra  daqucila  parte  ,  a  que  os  Gre- 
gos chan.aõjNoto,  6í  nós  em  vulgar,  Sul,ou  Ven- 
daval. 

Por  GolfaSgrandiffi/tío.Kmendt  o  mar,termo  de 
fallar  muyto  u  fado  entre  os  Poetas,  osquacscba- 
ináoao  margurges.ltagnum,  &clacus,que  laõ  pa- 

lavras  de  pouco  tomo     Sc  fignificaçáo  ,   porque  ^/^^r  e//e  lar^omar  emfm  me  alongo, 

curees.hc  a  parte  profunda  de  qualquer  no,  ítaa-  ^-^      '   .       j    (r,  ,     ,   r^  ,■  n        ^ 

Sum  tanque!  &lacus  a  lagaa,&  em  termo  vilgar,  ^^^onheado  Tolo  deCahJh. 

golfaó  henome  que  lenão  pôde  accommodar  fe-  Tendo  O  termino  ardente ja  paljado 

não  ao  mar ,  ao  qual  os  Latinos  chamãoy/««i,  co-  Onde  o  meyo  do  mundo  he  limitado, 

mo  grande  goltaóde  Africa,daPerfia  ,o  Gange- 

tico,  adriático,  o  de  Marcelha,  &  outros:8c  quan-         Allio  muy  grande  Reyno  t(iá  de  Cfinp.O  Rcyno  ds 

do  o  vocadulo  fora  impróprio  com  o  epitheto  de  Congo  toy  uticubertopor  hum  Diogo  Cam  Ca* 

grandiíTi  mo,  ficava  concertado  como  Virgilio  na  valley  roda  Caía  d^  El- Kcy  noannodequatrocen- 

Éncida.  Afpartnt  rari  nantei  in  gurgtte  vajto,  &  em  tos  oy  tenta  ,  6c  quatro  ,  o  qual  por  ordem  deíle 


A  LU  O  mUy  grande  Reyno  effà  de  Congt 
*Tor  Tiòsjà  convertido  â  Fe  de  Qhnjh 
Ter  Onde  o  Zayrepaffa  claro^^ longo ^ 
Rto  pelos  antigos  nunca  viflo: 


outra  parte:  Per  jiagna  immen f a, la  cu  (e^u€,pe\  os  Hn- 
quês,  Sc  lagos  grandes,  Pus  aqui  ilto, porque  não 
falta  quem  reprehenda  ao  nofio  Camóes  ,  ufar  de 
golfão  grandiííimo  pelo  mar,rendo  vocábulo, que 
a  nenhuma  outra  coula  le  pôde  accõmodar.  Diz 
logo  o  Poeta  nella  oytava  que  hindo  os  Portuguc- 
zes ao  longo  da  coíba  de  Africa, le  fizeraô  na  volta 
do  Sul ,  na  qual  viagem  palláraô  a  lerra  Lioa  :  o 
Cnbo  das  Palmas,  Sc  o  grande  no  Zayre.que  paíla 
pelo  Reyno  de  Congo,do  qual  trattaremos  na  oy- 
tava ícguinte. 

C'*  a  tllufire  liba  e^ue  tomou  >  O  nome  de  bum  cfue  o 
lado  a  Dm  mow.Eíla  Uiva  he  a  de  S.Thomé,a  qual 


mef;no  delcubridor  fe  começou  a  converter  á  Fé 
deChrilto,  como  dizjoaó  de  Barros  na  primeyrt 
Década  liv. 5. c,^ 

Vor  onde  o  Zayre  pajja  claro,  é^  longo,  Eíle  rio  dei 
cobrio  o  melmo  Diogo  Cam  que  atrás  nomeamoi 
neíla  fua  viagem  ,  em  que  dclcobrio  o  Reyno  d 
Congo,  o  qual  por  muyto  tempo  foy  chamado  rio 
doPídraó  ,  por  caufa  de  hum  que  o  leu  defcubri- 
dor  ao  longo  dellepoz  ,  &  como  quem  tomava 
pofie  por  parte  d"  E.l-Rey,da  Coíla  que  atrás  dcy- 
xava  delcuberta.  Hoje  le  chama  rio  de  Congo, 
por  atravcílar  hum  Reyno  do  mefroo  nome,  ainda 
que  c  leu  nome  entre  os  naturacs  íeja  Zayre  ,  mais 
iicnieya  poreílesrodeyos ,  porque  comoheaílás  notável ,  Sc  iliuílre  por  aguas,  que  por  nome,  por- 
-  que 


I 


íupaàas  de  Luis  de  Caffioes  Commentaàoi,  i4.t> 

^ue  ftõ  tempo  em  que  naqucllas  partes  he  Inver-     mos  na  Europa,  nova » 6c  não  vlíla.'  NovatfireUa, 
no,  entra  tâofurjolb,  &:  loberbo  pelo  mar,  que  a     •""•    "^ 
Vinte  léguas  da  Cofta  íe  achaó  as  aguas  doces.  He 
rio  muyco  grande  ,  tem  Tuas  fontes  no  íertáo  den 


iro  no  Reyno  de  Congo,  em  huma  lagoa  que  tem 
certas  lih.tas  feytas  delia  meíma  ,  donde  o  Zayrc 
começa  ,  nas  quaes  vivem  hans  negros  chamados 


Eíle  Hemilpherio  da  linha  por  diante,diz o  Poeta, 
que  foy  alguns  tempos  incógnito  ,  &;elcondido 
aos  moradores  neítas  partes  da  nofih  ILuropa  ,  o 
qual  como  fabemos  por  razáo  da  ETphera,  òc  pela 
experiência  nâo  hc  parte  tão  acompanhada  de  £l- 
trellas ,  nem  tão  clara ,  Sc  reíplandcccnte  como  o 


Mudsqaetes,  lujeytos  ao  Rey  de  Congo, ao.qual     noíTo  Norte.  Tem  eftc  Polo  Antarâ;ico,quehe  o 


03  naturaes  chamaó  Manicongo,porque  Mani  en 
ire  cllcs  quer  dizer  lenhor,ôc  daqui  Manicongo 
ioa  tanto  como  Icnhor  de  Congo.  Diz  o  Poeta 
que  eíle  rio  não  foy  conhecido  dos  Antigos,  por- 
que não  tiveraó  noticia,  nem  conhecimento  dcl- 
le. 

Do  conhecido  polo  de  Calyflo,  Polo  de  Cal y  fio  co* 
mo  fica  dito  he  o  Norte.  Tendo  o  termino  Arden'ejâ 
^«/«(-/o.Pâíladaiaalinha  a  que  chamamos  tenTiino 
ardente  ,  por  onde  o  Sol  faz  feu  curfo  comam  :n* 
jnente.Chamamos  a  eífa  linha  Eclyptica,  porque 
fcomo  heocammhodo  Soljosecclypfesdo  Sol, Sc 


Sul,  de  que  hiraos  fallando,  quatro  eílrelias  a  mo- 
do de  Cruz  ,  em  as  quaes  (empre  anda  huma  nu- 
vemzinha  branca  ,  que  lhe  apaga  a  claridade  ,  5c 
junto  a  eílas  quacro  ha  outras  tres,que  lemclhaõ  o 
noílo  Noitc.Ptf/o  /íxfl.Hecílc  Polo  Antarélico,  no 
canto  primcyro  ,  oy  tava  24.  trattey  dos  Poios  do 
mundo  :  chamãole  fixos, porque naó  fe movem, 
movendo-íeo  mundo  todo  fobreelles. 

^itte  outra  terra  comece^tu  mar  acabe.\X.QÍQ\\iX.2i  cou- 
fahj  lem  duvida  alguma  ,  ler  toda  a  terra  deícu- 
berta  ,  §c  navegada  do  jLefte  a  Oefte  ,  quafipor 
onde  o  Sol  andaimasde  Sul  ao  Norte  ,  aflimde 


J-<ua,  as  conjunções,  oppofiçóes ,  6c  aípedos  dos     huma  parte  como  outra,  ha  muy  ta  diíFerença,  &  a 


Planetas  não  fe  póJem  tazer  em  outra  parte  do 
Zodiaco  fe  nâo  neíU. 

Onclt  o  mep  do  mundo  he  limitado.  Afiím  como  a 
eclyptica  parte  pelo  meyo  o  Ceo,aíIicB  outra  linha 
jquelhecorrefpondc  aellanaterra  ,  apart?,  pelo 
que  diz  aqui  o  Poeta  ,  que  naquella  paragem  he  o 
ineyo  do  mundo.  Dcílas  linhas  ,  ou  zonas  \nwj'\^ 
^adas  no  Ceo  ,  fe  veja  a  noíla  annotaçaá  no|tcr- 
ccyro  canto  ,  o y tava  6, 

Jy4^  defcubevto  tínhamos  diante 
La  no  nov9  Emisferio  nova  eflrella^ 
Nam  vifta  de  outra  gente ^que  ignorantes 
^Iguns  to  tipos  efteve  incerta  delU: 
Vimos  aparte  menus  rutilante j 
£  por  falta  de  ejirellas  menos  bella^ 
'Do  To  Co  fixoyonde  indafe  nam  f abe  ^ 
^ue  outra  terra  comece ^ou  mar  acabe t 

LÀ  no  novo  Hemifpberio  nova  efirelía.  Como   o 


mayor  parte  eftà  por  deícobrir  ,  que  hcoqueo 
Poeta  aqui  diz,  que  da  parte  do  Sul  naó  há  certeza 
de  rerra  alguma,  ainda  que  fe  lufpeyta  havela,  por 
refpey to  do  eílreyto  de  Magalhães. 

ASfipajfando  aqueilas  regiieSt 
'tor  onde  duas  vezes  pajja  Apollo, 
'ÍDohs  Invernos  fazendo, é^dous  Verões, 
Em  quanto  corre  de  hum  a  outro  'Poio: 
'Por  calmas  ^por  tormentas  fi^  opprejjoes 
^f  (empre faz  no  mar  o  trado  Eolo^ 
Vimos  as  %)rjas  a  ^efar  de  JnnOy 
Banhar emfe  nas  agoas  de  Neptuno» 

Afji  pajfando  aqueilas  Rtgtoes,  Ptr  ande  duas  vezet 
pada  /ipoUo.  Apollo  he  o  Sol  ,  chamado  afiim  da 
particula  A. privativa, que  quer  dizer  lero,&  poli, 
muytos  porque  ló  elle  dá  luz  ás  terras ,  &  toda  a 
que  tem  os  outros  Planetas  ,  &  cftrellasa  rece- 
bem delle.Eítas  Regiões  por  onde  pafla  duas  ve- 


xnundo  he  redondo,daõlhe  os  Latinos,  &  Grego>  zes  fazendo  dous  Invernos,  &  dous  veróes,faó  as 
I)omcs  conforme  a  fua  figura,  porque  os  Latinos  Ilhas  de  S.Thomé,  Príncipe,  &  outras  que  eltaõ 
Jhechamâo  Orhts^  que  quer  diz^r  redondez,  6c  os  debayxo  da  linha  ,  nas  quaes  faz  efta  variedade 
Gregos  Elphera,  que  fignifica  o  mcfmo.Eíla  Ef-  quando  caminhado  Trópico  de  Cancro  para  ode 
phera,  ou  mundo  repartem  em  duas  pirtes,  que  Capricórnio  ,  que  entaó  faz  hum  Inverno  ,  & 
çhamao  Hemifpherios.hum  íuperior,&:  outro  in*  quando  torna  do  Capricórnio  para  o  Cancro,  ou- 
tenor.Hemilpherio  fupenor  lechamaameyapar-  tio  como  experimcntáo  os  que  paíleão  aquelle 
tc  da  redondez  do  mundo,  como  lerii  tudo  aquil- 
lo,  que  eílando  nós  em  algum  lugar  chaó  ,  ou 
monte  ako  ,  viflemos  ao  derredor  como  moftraa 
figura  ^.  Hemifphcrio  inferior  Chamáo  áquelia 
partedo  mundo,  que  cae  debayxo  dosnoílbs  pés, 
na  qual  moraõ  os  Antipodas  ,  que  íiiõ  os  que  mo- 
raó  nas  partes  Auftraes  ,  como  fe  vé  na  figura  B. 
chama  o  Poeta  aqui  novo  Hemifpherio  aquelTa 
parte,que  cae  alem  da  linha,por  fcr  aos  que  mora- 


CHma.  E  o  Poeta  dá  a  entender  claramente  ,  di- 
zendo, que  o  Sol  faz  cites  dous  Invernos ,  6c  Ve- 
r(3cs,em  quanto  atravcílando  alinha  pafla  de  hum 
polo  a  outro. 

§iuj  lemprc  faz,  no  mar  o  ir  aio  Eolo.  Eolocomo  di- 
zem os  Poetas  ,  tinhaó  os  Antigos  por  Rey  dos 
Ventos ,  &  queclle  os  tinha  ,  Sc  lolt;iva  quando 
queria,como  elcreve  Virgílio  na  Eneida.  Veja-íc 
a  noíla  annotaçâo  no  canto  i.oytava  58. 

Vmit 


iS 


'^  tanto  §^titt^l 

lítmot  ai  Xlrfaià  féíar  h  iuno*  Banharem-fe  nas 
atuíii  de  Nepf«»o.Contaó  as  fabulas,qu«  depois  que 
Arcas  filh»  de  Júpiter  matou  a  lua  roây  Calyfto, 
que  andava  pelos  matos  convertidaem  Urla,  Ju- 

|)iter  os  poz  ambos  no  Ceo.Sc  fez  delles  eftrelias.       V     ^^  ^  marítima  gente  tem  por  falitK 
bentida  muyto  Juno  difto,  deu  conta  defte  aggra-     £fn  tempo  de  tormentai^Bvento  efquivo 
vo, que  feu  mando  lhe Hzeia,a  ThetYS,&  a Oc«a.     cj^g  tempeftade  efcura^à'  trifle pranto: 


^  T  Idaramente  vijio  o  lume  vivol 


tiOjíenhores  do  mar,  os  quaes  lhe  prometerão  que 
^ílas  eftrelias  não  íe  banhariaó  nas  fuás  aguas  co- 
roo as  mais  eftrelias,  &  Planetas  faziaõ.  Eftas  Ur* 
íascftáo  como  meyo  grão  do  polo  ao  derredor  do 
qual  andáo.  Saó  as  que  chamamos  guardas  do 
Korte ,  não  lazera  feu  curío  como  as  mais  eftrel- 
ias. E  porquç  femprc  as  vemos ,  &  não  le  nos  ef- 
condem  como  nas  mais  íuccedc  ,  dizem  es  Poetas 


Natn  menos  foy  a  todos  txceffivo 
Milagre ^^  couja  certo  de  alto  efpanto, 
yèr  as  nuves  do  mar  com  largo  canoy 
Sorver  as  altas  agoas  do  Occeano, 

V't  claramente  vifio  o  lamt  vivo.^at  a  rttariúmàgt^ííi 
te  tem  por  jante.  Começa  o  Poeta  a  trattar  dosca* 
quefc  nâobanháo  no  mar  a  petição  de  Juno  que  fos,que  a  gente  do  mar  conta  por  certos.  O  pri- 
acaboucomTethys  IcnhoraUo  mar  ,  quenáaen-  nieyroheo  lume  lantojcomo  lhe  chamaó  osmari^ 
traílcm  nas  luas  aguas  ,  Sc  o  que  o  Poeta  aqui  diz,  nheyros ,  6c  comir.ummente  os  Portuguczes  S.Pe- 
qje  apçzar  de  Juno  as  viraò  banhar ,  he  porque  clro  Gonçalves  ,  &:  os  Caftelhanos  SandeJmo, 
paliada  a  linha  tica  o  Norte  cncuberto,  6c  parece  que  tudo  hc  hum, porque  o  Bemaventurado  San- 
que  íc  mete  no  mar,,Ô{Jdalli  por  diante  U  govcr-  lo  le  chamava  Pedro  Gonçalves  Telmo  ,  como  Ic 
não  pelo  Sul.  póJc  ver  na  lua  vida  que  elcreveo  Frty  Vicente 

/iguai  de  Neftuno.  Saó  aguas  do  mar,como  fica     j uftiniano  da  Ordé  dos  Pregadores.  Aparece  or- 
ditoem  muytas  parccs.Efta  fabula  de  Arcas,Sc  Ca-     dinariarr.ente  em  tempo  de  tormenta  ncsinaílro» 


lyllo  conta  Ovídio  nas  Metamorphoits. 

CT  OntArte  longamente  as  pífigofaí 
j  Cou/as  do  mar^q  os  homés  naÔ  entendem 
Súbitas  trovoadas  temero/as, 
Beíampagos^que  o  ar  em  figo  acendem*. 
Negros  (Jibuvjyros^noytes  tenebrofas^ 
Bramidos  de  trovões  ^que  o  mundo  fendem  ^ 
Nam  menos  he  trabalho  que  gr  ande  nto^ 
Amda  que  tivejfe  a  voz  de  ferro, 

Atnda  ^ut  tiveffe  a  voz,  de  ferro,  He  termo  Vor» 


dss  nãos, piques  dos  loldados,  6c  em  outras  partes. 
Mas  como  Deos  Noílo  Senhor  para  legurança  do 
i(U  povo  ulou  do  arcc,a  que  commum mente  cha- 
mamos da  Velha,de  que  atlas  fica  trattado.  E  ka-i^ 
tio  couía  natur  il ,  quis  mofti  ar  por  elle  i  que  nâ( 
haveria  mais  diluvio  nas  terras ,  aífim  lepódcdií 
zer  ,  que  efte  lume  de  que  os  Antiguosfaliàraój 
com  ler  coufa  natural,  5c  fabida,ufa  í3eos  dcile, 
quer  que  o  leu  Bcaventurado  Santo  S.Pedro  Gon« 
çalveís  por  efte  meyo  ,  &  cem  elle  final  ajude  aos 
navegantes.  Saó  iegredosleus,  6í  osque  lerem  a 
vida  do  Bemaventurado  Sanclielmo ,  le  afteyçoi- 
raô  muyto  a  crer  ilto  ,  pelo  que  os  marinheyrosla^ 
bem  aconielhadoâ  continuar  com  lua  devoção. 
Sorver  dt  altas  agun  do  Oceana.  Ifto  que  o  Poeta 


tico,  &  muyto  uíado  para  encarecimento»  A  eftc     aquidizdasnuvens.queviodecerdoCeo,  Sc  re- 


jnodo  Virgílio  na  lun  Eneida.  Nfnmibi  fi  lingua 
centum  (int,oraijue  centuta^ férrea  vox.  Ainda  qut  te- 
nha cem  linguaSjSc  cem  bocas,Sc  a  voz  de  ferro. 


17 


OSca/òs  vhque  os  rudes  marinheyros^ 
^e  tem  por  mejira  a  longa  experiência    coufas  luccedem  que  íaô  naturaes  ,  outras  lobr 


ceber  agua  em  fi,&  lançada  outra  vez, elle  nieim* 
mediíica  mim,queo  vir.i  muytas  vezes:  &o  mef» 
mo  me  difleraó  outras  peftbas  que  o  viraó  ,  &  que 
a  agua  que  lançavaó  as  nuvens  era  doce,eomo  diz 
o  Poeta  neíle  canto.  Saõ  couías  áo  Cco  ,  &  os  ho 
nnens  eftamos  na  terra  da  qual  fjbemos  muyr 
pouco,quanto  mais  do  que  pafia  no  Ceo.Muyt 


1 


Contão  for  certos  fempre^^  verdadeyros , 
Julgando  as  coufas fó pela  apparencta: 
E  que  os  que  temjuizos  mais  inteyros^ 
^e  fô  por  puro  engenho,^  por  fciencia 
i/em  do  mundo  osjegredos  efiondidos^ 
Julgãopor  falfosyou  mal  entendidos. 

Oi  cafoí  vi  ,  ^m  «itujot  marinbeyroi.  Que  calos 
cftes  fejaõjconla  nas  oytavas  que  fe  feguem. 


naturaes,  cujo  legredo  Deos  guarda  para  lí,8c  com 
tudo  alguns  atrevidos  lhe  querem  dar  íahida,na< 
fe  entendendo  a  fi* 

IP 

ET?  o  vi  certamente ,(  ònamprefumo 
^ueavifta  me  enganava^evantarfe 
No  ar  hum  vapor finhofÁ  fútil  fumo t 
E  do  vento  trazido  rodearfè: 
"De  aqui  levado  hum  cano  ao  7^  o  lo  fummè 
S^  Via  tom  dtlgadoyque  enxergarfe 

Vi 


Lufíaâas  de  Lu  is  àe 
^õs  olhoífaciMente  nam podia, 
^Da  matéria  das  nuvês  parecia, 

Euotfi  certamnte.  Neíla  oytava,  &:  nas  tres  fe- 
|;uinces  conca  o  Poeta  o  modo  que  tinhaó  aquéU 
las  nuvens ,  que  lorviaó  a  ftgua ,  êc  de  que  proce- 
diaó.  Vay  em  cílilo  taõelegance,  Sc  palavras  tão 
claras ,  que  nenhuma  neceliidade  tem  de  declara- 
%'áo. 

20 

HIafe  pouco  f&  pouco  acrefcentandoy 
E  mais  q  hú  largo  mafto  fe  engrojjavà^ 
jíquife  ejirâyta^aquije  alarga  ^quando 
■K)s golpes  grandes  deagoa  em/i  chupava: 
Mftava/e  co  as  ondas  ondeando^ 
£m  cima  delle^  huma  nuvem  fe  efpejfava^ 
JFdzendoJe  mayoryfnais  carregada, 
Co  a  carga  grande  de  agaa  em  fi  tomada. 

Grandes  golpes  d'' agua  em  fi  chupava,  He  termo 
Çorcugucz.  p<tra  dizer  grandes  pedaços  ,  ou  gran- 
de loma  de  alguma  coula  ,  dizer  grandes  goipcs, 
como  aqui  o  Poeta. 

21 

Q   Uai  roxa  fanguefugafe  veHta 
Nos  beyços  da  almaria,que  imprudente 
Bebendo ^a  rdcolbeo  na  fonte  fria. 
Fartar  do  Jangue  alheòa  fede  ardente: 
Chupando  fHais^é*  mais  fe  engrú/fa/S  cria^ 
jíllife  henchet\êfè  alarga  gr anaemente^, 
Tal  a  grande  columna  enchendo  àHrHtnta, 
Apj&  a.  nuvem  negra  que  jujltnta, 
*» 

•  (^alroxa  Sangt4tfuga,  Sangilefuga.he  a  qué  cor- 
ruptamente chamamos  lari)beXuga  ,  bicho  aílas 
conhecido.aflim  ellc  como  lua  qualidade,  qUe  he 
thupar  ó  Tangue  do  lugar  aonde  le  põem.  Cha- 
,  ina-í"é  aífim  dt  duas  palavras  Latinas, /âagM/i,  que 
hfo  langae,ac  /«go,chupal-,  por  etta  ler  íua  natu^ 
reza. 

A  fi,& a  nuvem  negrfi.ejue  fafienta.  Porque  párc- 
Iriateraquellanuveni  (obreíi ,  6c  íuílentaíà  ,  que 
ftáo  cahiilejou  pela  agua  que  lhe  dcytava. 

22 

M/^s  depois  que  de  todo  fe  fartou, 
O  pè/juetem  no  mar  ajirecolhe, 
Epelo  Ceo  chovendo  em  fim  voou, 
^Porque  co  agoa  a  jacente  agoa  molhe: 
As  ondas  torna  as  ondas ^que  tomou ^ 
Mas  ofahor  dojal  lhe  tira/^  tolhe ^ 
Vejaô  agora  os  fahios  na  ejcntnraj 
^efegredosfàõelles  de  natura^ 


Cdmoes  Commentadosl  If  1 

As  ondas  torna  as  ondas  <juc  tomou.  Onda  vem  de; 
««ia  no  Latim  ,  que  quer  dizer  agua  :  diz  aqui  o 
Poeta  ,  que  aquella  nuvem  tornou  as  aguas  ao 
mar,dondè  a9  tinha  tirádâs,màs  com  difíérente  Ta- 
bor,  porque  fendo  as  do  mari  donde  aquellasTahi- 
raõ  falgadas  ,  caindo  da  nuvem  que  as  recolheo, 
não  traziaõ  o  tal  labor,  couía  certa  para  notar,cni 
a  qual  os  homens  daràõ  tão  boa  fahidacomo  daó 
cm  outras  ,  que  preíumptuoíamente  querem  de- 
clarar,lendocoulas  doCeo,  &  reíervadas  á  Divi- 
na Mageítade  ,  cujo  conhecimento  nos  impoita 
rouytopouCo  para  nollafalvaçâo. 

SE  os  antigos  Vilofofos^que  andar  aõ 
Tantas  terras  por  ver  fegredos  delias^ 
As  maravilhas ^que  eupaf/ey,paj]âraõj 
Ataõ  diverfos  ventos  dando  as  vellas: 
^e  grandes  efcrituras^que  deyxàradl 
S^e  infliu çad  de fignos  j!p-  deejirellasi 
^tv  eJirahhezaSjque  grandes  qualidade  si 
E  tudojfem  mentir^uras  verdades^. 

E  tudofem  mentir.  Porque  os  Antiguos  diíleraô 
itiuytas  couias  não  muyto  certas, porque  não  tive* 
raó  experiência  delias. 


24 


sr 


AsjâoTlaneta,queno  CeoprimeyrOf 
Halitaycinco  Vezes  aprejjada,. 
Agora  meyo  rofto^agora  inteyro 
MoJfràra,em  quanto  o  mar  cortava  armada^ 
fiando  da  etherea gávea  hummarinhtyro, 
'ítronto  co  avifla^tena^terra  brada  .^ 
Salta  no  bordo  alvoraçada  agente^ 
Cos  olhos  no  Orizontedo  Oriente, 

Mas  \à  o  Planeta,  efue  no  Ceo  primeyro  haiita,  O 
primeyro  Planeta ,  &  mais  junto  a  nòs,  he  a  Lua, 
por  eíies  rodçQS  de  fallar  aíiàs  Poéticos,  &  de  que 
os  Latinos  Pt)era§  muyto  ufaô.  Dizque depois  de 
paliados  cinco  tntíts  ,  que  Tahiraó  dabaira  de 
Lisboa, houvera©  vifta  da  terra, que  foy  hum  Sab- 
bado  ^.dias  dò  mcz  de  Novembro  ,  ás  nove  horas 
dn  dia  ,  córll  que  todos  íkáfaô  muyto  alegres ,  & 
contentes  >  cnmo  contdõ  ós  noflos  Hiíloriadores 
logo  no  principio  dertedelcobrimento. 

guando  da  Etherea  gávea  hum  marinhe ^frcGivez 
Etherea,qucr  dizer,gaveàalta,de  lithcr,que  quer 
dizer  o  Ceo. 

Cos  clhoí  n»  ÚUzonte  do  Oriente.OuioÚtc  ncíiuni 
dos  CÍftuIoS  (tIayorcSda  Eíphera  ,  quís  divide  o 
Ceo  cm  duas  partes  iViiaes.deyjiandoàiíiètade  lo- 
bre  a  tcría,5<.a  outra  dobayxó.Tòma-lctânibefn 
poraqutlwí  eípaço'  ♦  quccôm  os  olhcs  podemo? 
ver  ,  &  ntftafig-niííraç^ap  tornou  íiqui  o  Poera, 
Veja- ic  u  noili  annoraçHo  no  canto  Icgundo  oy- 
lava  13.  4 


í'%i 


i5 


{^am^míòl       ^^    ■    •_ 

^e  tomarão  for  for fãim  qUãnto  apanha 
^JJe  mel  os  doces  favos  na  mo  ntanha. 


Manéyradenuvesfe  come f  ao 

Adejt  ubrtr  os  montes ^que  enxergamos 
As  ancoras  pe fadas  Je  a  dereçaõ^ 
As  vellasja  chegados  ^amaynamos', 
£para  que  mais  certas  fe  conheçaô 
As  fartes  taÒ  remotas  ^onde  eflamos^ 
^elo  novo  mfirumenío  do  Ajirolabio^ 
Invenção  de  fubtiljutzojífabio. 

Velo  novo  inflrumento  do  /i^rolabto^,  O  modo  dô 
navegar  por  Altrolabio  foy  achado  em  tempo 
d*lLl*Rey  Dom  Joaó  olcgundo,  pordous  médi- 
cos do  mefaio  Rey.Eíle  inftrumento  foy  logo  no 
principio  de  pao,hoje  ie  colluma  de  metal, muyto 
niais  apurada ,  &  concertadamente.  Serve  aos  na- 
vegantes para  tomar  a  altura  do  Sol,para  fabererti 
o  iugaraonde  eítáo.  Quis  Noflb  Senhor  acudir     íadojporquecomaaufcnciadoSol  eílas  duaspar- 


^châmos  ter  de  todo  j4  paffado.  Do  Semicapro  peyxé 
-agrande  Meta.  Diz  que  tomada  a  altura  do  Sol  pc* 
lo  Aftrolabio  acháraõ  eftar  alem  do  Trópico  de 
Capricórnio  hum  dos  doze  Signos  celeílesjO  qual 
aqui  entende  por  Semicapro  peyxc»  que  quer  di» 
zerpeyxc  mcyocabra,porque  o  Pintáo  os  Poetas 
com  figura  de  cabra  ,  &  rabo  de  peyxe ,  dando  a 
entender,  que  quando  ò  Sol  entra  na  fuauhima 
parte,  coftuma  haver  muy tas  chuvas*  &  tempclla- 
des. Pelo  que  lhe  chamáo  também  os  Poetas, hu* 
midoj&gozero  ,  bode  húmido.  O  que  o  Poeta 
aqui  quer  dizer  j  he  que  fe  achavaó  alem  do  Tró- 
pico de  Capricórnio ,  que  he  a  meta ,  6c  baliza  do 
Sol,  da  banda  do  Sul  ,  &  que  eílavâo  entre  eftc 
TropicojSc  o  Circulo  Antardico,  que  heo  Sul,  a 
que  chama  o  Circulo  Auftral,por  ventar  daquella 
parte  o  vento  Auftro,de  que  atrás  fallámos,&  ge» 


aos  que  navegaõ  com  eíte  remédio  ,  paraque  o  fi. 
zeílem  melhor,  3c  mais  feguramente*  Porque  an- 
tes de  toda  a  navegação  era  ao  logo  da  cofta,ievã* 
doa  íempre  por  rumo,da  qual  tinhaõ  íuas  noticias 
porfinaesdequc  taziaóroteyros.Baftava  ifto  nos 
principies  para  o  negocio  do  defcobrimento  ,  o 
que  he  muyto  differente ,  para  quem  íc  ha  de  en- 
golfar no  mar  ,  &  perder  a  terra  de  virta,  que  fem 
tlte  iníhumento houve  mil  perigos,&  enganos. 

16 

D  E/embarcamos  logo  na  efpaçofa 
'FartCypor  onde  a  gente  fe  efpalhoUj 
T>e  ver  couf^s  eflranhas  defèjofa 
'De  t  erra  ^que  outro  povo  naõ  pifou; 
^crèm  eu  cor  Tilotos  na  arenofa 
^rajà, por  vermos  em  que  parte  efíou. 
Me  áttenho  em  tomar  do  isol  a  altura^ 
E  cbmpafar  a  univcr (ai pintura 


tes  do  mundo  Norte,  &  Sul,  Taó  muyto  frias.  Qus 
couía  feja  Trópico  fica  dito  no  canto  }.  oy  tava  ^* 

i8 

TOrvadõ  vem  na  vtfla^como  aquelhl 
^te  naôfe  vira  nunca  em  tal  eftremòl 
Nem  elle  entende  a  nôs^nem  nos  a  eíle^ 
Saivàgem  mais  que  o  bruto  Toíifemo: 
Come  folhe  a  mojirarda  rica  pelle 
2)  e  Lolcos  o  gentil  metalfupremo^ 
A  prata  finada  qumte  fpectarta-i 
A  nada  difio  o  bruto  fe  tnovia* 


Torvado  vem  na  vijla.  Conta  o  Pôeta,como  ci- 
tando na  prayá  tomando  o  Sol,  Sc  vendoapara- 
jcm  cm  que  ertaváo  ,  houveraô  às  mãos  hum  ne- 
gro ,  que  tomàraó  andando  apanhando  mel  pelo 
matOi  o  qual  diz  que  era  mais  bruto,  &  falvagcm 
que  o  Polyphcmo.Eíle  Polyphemo  foy  hum  Gi- 
gante, filho  de  Neptuno ,  Sc  da  Terra,  do  qual  os 
E  compalfar  a  univerfal  pintura.  Ido  dh,porq\iC     Poetas  contão  grandes  coulas  entre  outras  »  que 
álemj^de  tomar  a  altura  do  Sol  pelo  Aftrolabio,     tinha  hum  fò  olho  tia  tcft;i,  ião  grande  como  hu-] 
lançavaó  também  fuás  medidas ,  Sccompaflosna     ma  grande  rodela  ,  Sc  que  morava  em  huma  cova; 
carta  de  marear ,  a  qual  aqui  entende  por  univer-     em  cuja  entrada  tinha  huma  pedra  que  vinte  5c 
lai  pintura  ,oquefaziaó  para  laberem  a  dirtancia     dous  carros  anão  podiaó  levar.Efte  olho  lhe  que- 


dos lugares,Sc  o  que  tinhaõ  caminhado. 


^7 

Achamos  ter  de  todojàpa[fado 
T>o  Semicapro  peyxe  agran^e  meta, 
Efianáo  entre  elle.à' o  circulo  gelado 
\  Auftral  parte  domundo  mais  fe  creta. 
Eis  de  meus  companheyros  rodeado f\ 
■  Vejo  hum  epanho  vir  de  pile  preta. 


brou  Ulyííes,  o  modo  que  teve  para  lho  quebrar, 
Sc  a  cova  em  que  morava  delcreve  Homero  na 
Odiflca  ,  que  he  por  ordem  dos  Latinos  o  livro 
nono  nofin>.  Chamarlhe  o  Poeta  aqui  bruto,  he 
pelo  que  os  Poetas  delle  dizem  ,  porque  o  pintaó 
fcro.cruel,matador,  Sc  comedor  de  carne  humanp. 
Cormçidhe  a  mcfirar  de  rica  pelU.  De  Colchoi  o  gentil 
metal  (upre mo.  Entende  O  ouro  ,  SccomoPoeta 
aqui  o  dizer  tão  claramente  per  eítas  palavras:  O 
gentil  mctàl  lupremo  ,  não  falta  quem  declare 
brocado  ,  que  he  boa  galantaria,  (vhama  ao  ouro 
felle  de  Colchos,  porque  naquelle  lugarem  hum 

Templo 


"^  Lttfiadas  de  Luís  de  Camões  Commentadôf, 

Templo  dedicado  a  Marte  eítava  a  pellede  hum 
<carncyro  com  fua  Iam  de  ouro  ,  a  qual  Phrixo  íi* 
&0  d*El-Key  Athamante  lhe  offereceo  em  me- 
moria do  bom  íucceílojque  tivera  em  efcapar  das 
mãos  de  iua  madrafta,que  o  queria  matar.  Eíle  he 
o  vcllo  de  ouro  tão  celebrado  entre  os  Poetas ,  a 
cuja  conquillA  hiaóde  todo  o  mundo.  Sobre  a 
^ual  faz  Valério  Fiacco  hum  livro  a  que  intitulou 
argonautas  ,  por  amor  daquelles  Fidalgos  de 
Grécia ,  que  foraõ  na  nao  Argos  a  eíU  aventura 
ilcftc  rcllo,queellava  em  Cojchos, 


ni 


32- 


O  Batei  de  Coelho  foy  deprejfa, 
^Felo  tomar ^mas  antes  que  chegaffe^ 
Hum  Ethiope  oufado  fe  arretnejfa 
Aelk^porque  nadfe  lhe  ifcapajfe: 
OutrOt&  outro  lhe  faem^vejje  emfreffa 
Vellofoyfem  qtie  algum  lhe  alli  a/uda^e. 
Acudo  eu  logOj&  em  quanto  o  remo  apertff^ 
Se  moftra  hum  bando  negro  dejcuberto. 


25> 

MAndo  moftrarlhe  peças  muy  fomenos^ 
Contas  de  enfia  Imo  tranfparente^ 
Alguns  Joantes  cafcaveis  pequenos^ 
Hum  barrete  verme IhOjCor  contentei 
Vi  Ifígoporjifiaesyé^por  acenos^ 
Sjie  com  ifiofe  alegra  gr  an  demente^ 
Mandoo  faltar  com  tudo ^à"  a [fl  caminha 
Tara  apvoaçaõ^ciue  perto  tinha^ 

M  As  logo  ao  outro  dia  f eus  farceyr os 
Todos  nus^&  da  cor  da  e/cura  treva» 
'Decendo  pelos  afperos  outeyroSj 
As  peças  vem  bufe  ar, que  efl  outro  leva: 
^orne/ticos jà  tanto  ié'  companheyros 
Se  nos  moftr  ao, que  fazem  quefe  atteva 
Fernão  Veliofo  a  ir  ver  da  terra  9  trafo^ 
Efartirfe  com  e lies  pelo  mato. 

Ai  pefas  vem  bufcarj^sjue  ejioutro  leva,  Eftas  peças 
eraó  calcáveis ,  Sc  contas  de  cnltal ,  que  o  negro 
que  foltâraó  o  dia  antes  havia  levado  ,  Scíoy  tan- 
u  a  familiaridade  que  tomàraó  com  os  negros, 
que  foy  caufa  de  hum  mancebo  honrado  por  no- 
me Fernão  Veliofo  fe  atrever  a  ir  pela  terra  den- 
tro cora  elles,para  fabeí  o  que  lá  paílava. 

3í 

HE  Veliofo  no  braço  confiado  j 
E  de  arrogante  crè^que  vay  feguros 
Mas  fendo  foum  grande  efpaçojâpaf/adoj 
Em  que  aígum  bom  final  faber procuro-, 
Efiando.a  viffla  alçada^co  cuydado 
No  aventureyro^eis pelo  monte  duro 
Apparece^ér  fegimdo  ao  mar  carnínfoa. 
Mais  apreffado  do  que }or advinha. 

Mau  aprejfado,  Iflo  diz  »  porque  enténdeo  que 
0$  negros  Ihearmavâo  cilada  para  o  matar  ,  pelo 
que  procurou  porfe  em  cobro. 


Se  ntofira  hum  handê  negro  deffhífertOé  A  cfta  preflá' 
de  Fernão  Veliofo  acudio  Nicolao  Coelho  Ca* 
pitão  do  navio  Berrio  ,  que  era  hum  navio  Mer* 
cante ,  mas  os  negros  vinhão  já  taó  perto  y  que 
quaíi  o  tomavão  ,  &  lhe  houvera  de  cuftar  caro  a 
hida  ,  le  do  mar  naó  defviáraó  os  negros  com  a  ar* 
telharia,  aqualremedeou  tnuyto,  porque  os  ne* 
gros  vinhaó  com  arcos ,  &  frechas  tão  apercebi* 
dos,  que  trattiraó  mal  a  alguns  dosnoflbs,  como 
diz  aqui  o  Poeta  ,  Ôc  contaò  os  noílbs  Hiítoriado- 
rcs.  tthiope  ,  quer  dizer  negro. 

J3 

DAe/peffa  navemfetas^&pedradásl 
Chovem  fobre  nos  outros /em  medida^ 
E  naoforaõ  ao  vento  em  vaò  deytadas 
^e  efia perna  trouxe  eu  dalli  ferida: 
AJas  nós, como  peffoas  magoadas^ 
A  refpofia  lhe  demos  taò  tecida^ 
§ue  em  mais  que  nos  barretes  /efi/peytá] 
^e  a  cor  vermelha  levaÕ  defia  feyta, 

§lueA  cor  vermelha  levão  defla  feyta.  Dá  a  entett^ 
der  que  foraó  muy  tos  feridos  daefpingardaria,  Sc 
artelharia  que  lhe  atirarão  da  armada  para  os  apar- 
tar ,  6c  impedir  da  tenção  que  traziaó  de  fazer  mal 
a  Fernão  Veliofo. 

ESendõjà  Veliofo  emfialvamentõi 
Logo  nos  recolhemos  para  armadal 
Vendo  a  malícia  fe  a, ò  rude  intento 
2)^  gente  bepialjbruta^à'  malvada; 
T^e  quem  nenhum  melfoor  corifoecimentê 
'Pudemos  ter  da  índia  defejadaj 
^lue  e fiarmos  inda  muyto  longe  della^ 
a  ajfitorney  a  dar  ao  vento  a  vella, 

§lae  ejlarmsi  inda  rnupo  longe  delia.  Porque  COffld 
íinhaô  entendido  por  informação,  &  relações  de 
muytos ,  não  dizião  aquelles  finaes ,  qus  viaô  com 
o  que  íabiaô  por  eftoutro  modo ,  pelo  que  cnien- 
diaó  cllAr  ainda  longCi 


S5 


DJIfe  então  a  Vellofo  hum  comfAnheyr% 
{Qomeçandofe  todos  afurriry 
KJu  lãi Vellofo  amigo  aquelle  outeyro 
éJe  melhor  de  d€cer%  que  de  (ubtr: 
St  he,Tef ponde  o  oujado  aventureyroj 
Mas  quando  encara  cà  vi  tanto  vir 
íDãquelks  caès^de  prefa  hum  pouco  vim^ 
^or  me  lemhrar^que  e fiáveis  càjem  númí 

:■  Oh  là  amigo  Vttiofo,  Efta  graça  conta  Joaô  de 
Barras,q«e  paílbu- entre  os  íoldados,5c  o  VeJioío, 
^ue  aíTim  de  huma  paite  como  da  autra  tem  muy- 
to  engenho, 

3f 

C'>  Ontou  então ^que  tanto  que  fajfaraõ 
j  Aquelle  monte  os  negros, de  quem  f alie , 
Avante  maispaffar  onaÒdeyxàraà^ 
^hierendo  fenaÕ  torna ^alli  matallox 
h  tornando/e  logOjfe  embofcàraS^ 
Torquefamdo  nós  para  tomallo, 
JSlos  pudejfem  mandar  ao  Reyno  efcuro] 
jPor<ms  roubarem  mais  a/èu  feguro» 

Avante  mctn  p^fTar  o  nâo  deyxàra^.  Alguns  de*^ 
ckraô  a qiíi.q  14c  fiarão  os  negros  ifto  ,  porque 
^ueriaó  bem  ao  Vellofo  ,  queeríió  dos  que  hiaõ 
contentes  do  navio  ,  ô:  entendendo  que  os  outros 
Ihefariaó algum  ma], lhe eílorvaraópaflaravnnte. 
O  q%e  o. Poeta  quer  dizer ,  &  parece  ler  verdade, 
pelo  que-eoníta  dos  que  cfcrevcraô  eíta  Hiíloria, 
lie,  que  os  negros  detcrminnraó  armar  cilada  aos 
JK)Hos  para  os  roubar  ,  &  que  não  quiferaó  que 


€mto^mt9» 

7onm  jd  cinco  Soes  erao  paj!Jados,C\r\co  Soesquct 
dizer  cinco  dias,  a  imitação  dos  Poetas  Latinos» 
que  uíaó  delta  palavra, y<i/ej,  no  plural ,  pelos  dias. 
Virgílio  liv.  $.  fclneid. 


Jras  adeo  incerto*  cacâ,  caligine  Soles 
Erramus  pélago. 

Ha  três  Soes  que  andamos  perdidos  pelo  mar ,  co« 
mo  le  diflera  há  três  dias.  O  que  o  Poeta  diz  neít* 
oytavahe  ,  que  pufcraó  cinco  dias  de  viagem  da 
Angra  de  Santa  Helena  aonde  furgiraõ  para  fa- 
zer aguada,  até  haverem  viíla  do  Cabo  de  Boa  El- 
perança. 

Huma  nuvem  ejtte  ot  ara  efcurece,  Sebre  noffat  ca^ 
hças  aparece.  Finge  aqui  o  Poeta,  queapareceoo 
Cabo  de  Boa  Elperança  aos  Portuguezes,  o  qual 
defcreve  aqui,  ^juntamente  huma  pratica  que  o 
meímoCabo  fez  ao  Capitão  mcr,  com  tanto  arti« 
íicio,que  pafla  ptlos  antigos ,  Sc  tem  pouca  ncce- 
íidade  de  declaração. 

TAm  temerofa  vinhai&  carregada, 
^lepoz,  nos  corações  hum  grande  med9\ 
Bramindo  o  negro  mar  de  longe  brada j 
Como/e  déjje  em  vaô  nalgum  rochedo: 
O  poteílade  ^difje  iltiblimada  ^ 
§ue  ameaço  divino, ou  que  Jegre.do 
Efte  clima,  ér  epe  mar  nos  aprefenta^ 
^te  mòr  cau/a  pare  cerque  tormenta? 

7 ao  temetófa  ^mha.  Pará  vir  o  Poeta  á  defcríp* 
çáo  do  Cabo ,  conta  como  naquella  paragem  Ihí 
apareceo  huma  nuvem  muyto  carregada,  ik  teme-' 
rola,  &  que  moilrava bem  fer  aquelle cUma  ,  Sc 
mar  diffcrente  do  que  até  alli  linhuô  navegado. 


Vellolo  paflafle  adiante,  para  que  os  nofloso  íof.  &  como  a  pozanuvem  viraó  huma  figura  gran- 
íem  bulcarjôcaíTim  fepodeflemaproveytardelies,  djíTima.ôc  disforme,  que  era  o  Cabo,  como  diz  na 
oqwcilheiuccsdco  ao  contrario  ,  como  aqui  fe     feguinte  oytava. 


conta,&  fe  póJe  verem  Joaó  de-  BaiTos. 

Nos  fodtffem  mandar  no  Rtyno  efcuro.  Por  Reyno 
cfcuro  fc  entende  o  inferno  ,  he  termo  de  fallar 
poético,  &muytoufadopara  trattardamorte,  6c 
lie  a  ifuitação  dos  Antiguos ,  que  tinhaó  por  cer- 
to depois  da  morte  hirle  ao  inferno ,  como  he  aflás 
iiotoriojôc^^^pdos  quelcm  pelos  Poetas.  ^ 


Cw.^vy. 


37 


33  Orêmjâ  cinco  Soes  eraõpajfados, 
^e  dallt  nos  partimos, cortando 
Os  mares  nunca  de  outrem  navegados, 
^Profperamente  os  ventos  affoprando: 
^ando  huma  noyte  eftando  de jcuy  dados  ^ 
JSla  cortadora  proa  vigiando j 

Huma  nuve^que  Os  ares  efcurece» 
òobre  nojfas  cabeçts  apparece^ 


35> 

NAôacabavasquando  huma  figura 
Se  nos  mojlra  no  ãr^  ^obuJfa,&  valida^ 
n^e  disforme  j&  gr  andiffim  2  efíaturay 
O  rofto  carregado^tè  a  barba  e/quaUidaí 
Os  olhos  encovados i&  a  poftura 
Medonha  fê  mâ^^  a  cor  t  err  ena  fê  falida^ 
Cheos  de  terra  ^&  crefpos  os  cahellosj 
A  boca  negra^os  dentes  amare  lios»  " 

Não  acahava  quando.  Não  tenho  palavras  para** 
encarecer  a  linguagem,  propriedade,  Sc  eloquen** 
cia  defta  oytava,  que  realmente  fazeíte  fingimen- 
to ,  &  Metamorphofe  que  vay  trattando  defte 
Cabo  de  Boa  Elperança ,  vcntagem  às  de  Ovidio^ 


idioM 

I 

Ta5  ' 


Lujiadas  de  Luis  âe  Camões  Qommenudosl 


'5i 


40 

T/!m  grande  era  de  membros ^que  bêfojfo 
Certificarte,que  efte  era  ofegundo^ 
^e  Rhodes  eftranhífimo  Colojjoy 
^te  hum  dos  fetc  milagres  foy  do  mundo: 
Cuffí  tom  de  voz  nos  falia  horrendo ^  &gYOjIo, 
^ue  pareceo  (ahir  do  mar  profundo^ 
Arrefiâofe  as  carnes ^à'  o  cabello^ 
Am'ii&  a  todos  fó  de  ouvllo,  &  velío^ 

De  R9(íes  eJlranbf(Jimo  Colojjo»  GoloíTo  foy  huma 
eftatija  de  metal  em  Rodes,  confagrada  ao  Sol  de 
muyto  grande  altura  ,  6í  por  efte  refpeyto  tida 
por  humadas  fece  maravilhas  do  mundo. 

ET>ife:  ó  gente  oufada^mals  que  quantas 
No  mundo  cometerão  grandes  coufas^ 
Tu.que por gíurras  cruas ^taes^i^  tantas^ 
Mpor  trabalhos  vãos  nmtqua  repou/asi 
'poís  os  vedados  términos  quebrantai, 
E  navegar  meus  longos  mares  oujas, 
^lue  entanto  têpo  hajd  que  guardo »  &  tenho 
Nuncfua  arados  de  eJiranhOiOUpropio  lenho, 

Vcii  et  vedados  termnos  efuehafitat.  Q^icbrantaó 
os  homens  os  términos vediJos  entrando  nò  mar» 
porque  Noflo  Senhor  como  fe  conta  no  Geneíis, 
quando  criou  efte  mundo  univerfo  poz  cada  cou* 
la  em  íeu  lugar, os  homens  na  terra,  as  aves  no  ar, 
os  peyxcs  nas  aguas,  &  os  animaes  nos  matos.  E 
paraque  declaremos  o  noflb  Poeta  com  Poetas, 
veja-fe  Horácio  liv.  i.  Ode  t.  aonde  tratta  com 
muyto  engenho  do  atrevimento  dos  homens  nel- 
ta  matéria  de  navegar,  5c  Ovidio  liv.c.  nas  Meta- 
jnorpholes,&  outros  muytos  Poetas,  5c  oradores. 

NftHca  arados  ã^efiranho  ou  próprio  lenho.  U^a  efta 
^det3phora,  de  arar,  por  navegar,  á  imitação  dos 
Poetas  Latinos.  Vngilio  na  Eneida  :  Ecee  paraía 
qHier.ffuUum  maris  ecjuor  arandum,]^  eftais  em  porco, 
róo  tendes  mar  q  arar.E  Ovídio  nos  Triftcs  liv.3. 

Non  tgo  divitias  ávidas  fine  fine  parandi 
Latum  mutandis  msrctbus  aqi4or  aro. 

Não  lauro  o  largo  mar  para  bufcar  riquezas  ,  & 
outros  nuiytos  Poetas.  Lenho  toma  pela  nao,  por 
huma  figura  a  que  os  Grammaticos  chamáo  Sy- 
nedoche  ,  que  he  quando  ulamos  da  matéria  de 
que  Tc  fazem  as  cguTas  pelas  mcfmas  couías.  Ltnho 
efiranbo.  Saó  nãos  eftrangeyras.  Lenho  próprio, 
nãos,  &  embarcações  da  gente  que  mora  na  pro. 
pria  terra,  aonJelc  aparelha  a  armada.  Defta  ma- 
téria Çc  veja  a  noftà  anaotaçao  no  primcyro  can- 
to oytava  i. 


42' 

POis  'Vens  ver  osfegredos  efcondidos 
T)a  natureza^&  do  húmido  elemento^ 
A  nenhum  grande  humane  concedidos  ^ 
^e  nobre jou  de  immortal  merecimento: 
Ouve  osdanos  de  mi, que  apercebidos 
Efiam^a  teu  fobejo  atrevimento, 
Tortodo  o  largo  mar ^^  pela  terra^ 
^e  inda  has  dejojugar  com  dura  guerra. 

Viu  vens  ver.  Continua  o  Cabo  fua  pratica,pon* 
do  diante  aos  noílos  os  trabalhos  que  lehaó  de 
acrecentar  nefta  viagem  da  Índia  ,  a  que  pelo  def- 
cabrimento  deftc  Cabo  abrem  porta,  &  como  feu 
atrevimento  ha  de  fer  caufa  de  muytos  danos  ,  6c 
trabalhos.  Humtdo  tkmento.  He  a  agua.  A  nenhum 
grande  humano  concedidos.  Encartce  o  Cabo  aos 
Portu^u^zes  aquella  paragem,  a  qual  diz,  que  ne- 
nhum Monarcha,nem  Senhor  do  mundo  por  mais 
poderofo  que  foílevionem  chegou  ,  aonde elles 
chegarão  ,  &  de  volta  deftes  ameaços,  ôc  perigos, 
que  lheprophetiza,lhe  moftra  lanibcm,  5c  decla- 
ra os  grandes  tropheos  ,  &  vitoiias  que  na  Indu 
alcançarão.  , 

45   „ 

SAhe^que  quantas  nãos  efla  viagem 
^e  tu  fazes  fizerem  de  atrevidas^ 
Inimiga  teràm  ejta paragem. 
Com  ventos,&  tormentas  de/medidasi 
E  da prtmeyra  armada^que  paffagem 
Fizer  por  ejia%  ondas  injufridas, 
Eufarey  de  improvifi  taUaJttgo, 
^e/eja  mór  o  dano, que  o  perigo. 

Inimiga  terão  efia  paragern»  O  mayor  trabalhai 
que  hà  na  viagem  da  India,he  dobrar  efte  Cabo,  ÔC 
aftim  tem  ruccedido  ,  &:  luccedem  cada  dia  nclle 
muytos  naufragios,5c  traba)hos,cOmo  he  aílás  no- 
tório. 

E  da  primejra  armada.  Porque  o  Capitão  mór 
Vafco  da  Gama  que  dobrou  primeyro  efte  Cabo, 
teve  nefta  paragem  muytos  trabalhos,  aílim  com 
os  moradores  delle,  com©  com  infermidades  que 
lhe  fobrcvieraó  das  quacs  recebeo  mais  dano  na 
gente  ,  que  perigo  na  armada  »  como  diz  aqui  o 
Poeta ,  &.  conta  Joaó  de  Barros  no  livro  quarto  da 
primeyra  Década, 

44 

A^ti  efpero  tomar(finaõ  me  engano') 
IDe  quê  me  defcobriofumma  Vingança^ 
E  naô  fe  acabará  fó  nijlo  o  dano 
'De  voja pertinaz  confiança: 


m 


jíntes  em  voffas  nãos  vereis  cada  ãnno 
(Se  he  verdade  o  que  meujuizo  alcança^ 
jSlaufyagws^perdtçdesdetodafortey 
^e  o  menor  mal  de  todos  feja  a  morte. 

De  ejtiem  tnt  defcúbm.  Náo  particulariza  aqui  a 
Bartholomeu  Dias  Teu  primeyro  defcobridor, 
porque  náa  tornou  mais  âqiidlas  partes.  Ou  íeja 
termo  geral  de  quem  o  deícobrio  ,  dos  Portuguc- 
•£es,que  me  deícobriraó.E  aflitn  fe  ha  de  entender 
geralmente  dos  Portuguezes  ,  quepor  allipafla- 
rem  ,  porque  clkso  dclcobriraó  ,  contra  cíiana* 
^âo,  qu€  o  delcobiio  le  moftra  agravado. 

45 

E^Doprinuyo  illttfire^que  a  ve?itura. 
Com  fama  alta  fizer  tocar  os  Qeos^ 
Serey  eterna^^  novafepuíturat 
^or Juízos  incógnitos  de  T)eos: 
Aqtú  porá  da  Turca  armada  dura     *** 
Qs  foherbõSj  &  profperos  trofeos^ 
iíomtgo  dejèíis  danos  o  ameaça 
A  dejiruida  ^Hoa  com  Mombaça, 

E  do  primeyro  illa^re.KÚie  he  Dom  Franciíco  de 
'Almeytia  íiiho  de  Dom  Lopo  de  Alfpeyda  pri* 
meyro  Conde  de  Abrantes.  O  qual  fahio  deite 
Reynoais-de  Março  de  r505.com  o  titulo  de  Ca- 
pitão mór  ,  &:  Governador  ,  c<  que  fazendo  trcs 
fortalezas  na  India,em  Cananor,Cochim,  6c  Cey- 
laó^ícchamaíle  Vilo-Rey,comofoy.  Eíledeftro- 
hio  a  Mir  Abrahsm  o  Governador  que  fora  de 
Aufadail  Kcy  de  Qniloa  ,  que  tinha  o  Rcyno  ty- 
ranni.  amcnte  ufurpado  ,  Sc  lhe  entrou  na  Cidade 
em  dia  de  Santiago  do  dito  anno  ,  6c  fez  Rey  a 
liura  particL'lar  pornomc  Mahamed  Anconij,que 
fervirade  íLfcriviio  da  fazenda  de  Quiloa,  porfcr 
ho  mem  bem  quifto  ,  ôc  com  que  todos  folgavaô 
Com  condição  que  pagaíTe  parcas  a  El- 


Canfo  Ó^intõl 


mar  junto  ao  Cabo  de  Boa  Elpcrança :  èc  fee  bòni 
deíengano  para  os  que  fe  fiaóno  mundo  ,  6c  em. 
fuás  coulasjver  que  aqucile,a  quem  nem  bombar* 
das»e!pingardas,frcchas,  6c  braços  de  gente  esfor- 
çada poderão  vencer,o  mataílehum  pao  toítado, 
que  laó  as  armas daqutlles  bárbaros  ,  quemoraõ 
naquella  paragem  do  Cabo  de  Boa  EfperaHça,ve* 
jaíe  o  qus  eicrcyeremos  no  canto  deciaio. 

O^Vtro  também  virá  de  honrada  fama^^ 
Liheral^cavalleyro^namoradoy 
E  comfigo  trará  afermofa  dama^ 
^4e  amor  por  gr  ande  mercê  lhe  ter  d  dado: 
Trifte  ventura,&  negro  fado  os  chama, 
Nejfe  terreno  meu^que  duro  &  irado, 
Os  deyxarà  de  hum  cru  naufrágio  vivos\ 
^ara  verem  trabalhos  excejflvos. 

Outro  tamhem.  Efte  foy  Manoel  de  Sou  ia  de  Se- 
púlveda ,0  qualpartiodcCochlm  atresdeFeve- 
rcyro  do  anno  de  1552.no  Galcaó  grande  SJoaõj 
o  qualfeperdeo  na  ferra  do  Natal.  Efta  foy  huma 
das  laílimofas  couías ,  que  acontecerão  nefta  via- 
gem,depois  que  a  índia  he  delcubcria.  A  fermoía 
dama  em  que  aqui  falia  o  Poeta  ,  he  lua  molher 
Dona  Leanor. 

47 

VeraÕ  morrer  com  fome  os  filhos  caros, 
Em  tanto  amor  gerados  ^  &  nacidosy 
VeraÒ  os  Cafres  afperos  &  avaros 
7 irar  d  linda  dama  fens  vejiidos: 
Os  criflãlinos  membros  tempere  lar  0S9 
Acalmarão  frio. ao  ar  veraê  defpdosj 
depois  de  ter  pifado  longamente 
Lo's  delicados  pês  a  área  ardente. 


muyco  _ 

Rey  de  Portugal ,  8c  o  reconhecefle  por  fuperior.         Verão  morrer  com  fome  01  filhos  caros.  Os  Cafres  dé 

J)eQuiioa,ôc  tvlombaça,fe  Veja  a  noílaannotaçaõ     que  Manoel  de  Soufa  íe  confiou  ,  forçado  de  ne« 


no  canto  i.oytava  54. 

j^í^ui  for  d  da  Turca  armada  dura,  Ot  [oierbot ,  c^ 
frofperoi  Tropheos,  Sentido  niuyto  o  Viío-Rey 
Dom  Francifco  de  Almcyda  da  morte  de  feu  filho 
Dom  Lourenço  de  Almeyda ,  que  os  Rumes  ma- 
tàrnó,  determmou  deftruhilos,  como  fez,  porque 
náo  podendo  colher  a  armada  dos  Turcos  no 


ceíTidade,  fome,  lede,  &:  caminho  de  muytos  dias, 
quejânãopodiaó  dar  palio,  6c  não  havia  dia  que 
lhe  não  ficalTem  duas,6c  três  pe libas  atrás,  por  não 
poderem  caminhar:eíles  o  dcrpiraõ  a  elle  molher, 
&  filhos ,  6c  defta  maneyra  os  lançarão  a  hum  ma- 
to trift:e,6c  areal  deíaventuradoí  aonde  nem  hcrva 
haviarno  qual  morreo  Dona  Leonor  com  dous  fi- 


tnar,  pelejou  com  ella  no  porto  de  Dio  ,  fendo  os     Ihinhosleus,  como  o  Poeta  aqui  aponta  :6c  Ma 


inimigos  mais  de  cem  vclías  ,  6c  citando  em  fuás 
terras  favorecidos  de  fua  gente  ,  6c  artelharia  da 
fortaleza.  Desbaratou  delta  vez  a  Mirocem  Capi- 
tão mór  da  armada  do  GraóSoldaó  do  Egypto: 
6c  a  armada  d^El.Rey  de  Calecut  :  &  Meliqueaz 
Capitão  do  Hidalcaó.  Eftas,  6c  outras  coufns  ma- 
ravilhofas  fez  na  índia  ,  Ôc  vindo  para  o  Reyno 
foy  morto  pelos  Cafres  na  Aguada  de  Saldanha, 
çuehehurnanbeyra  nauytofreíca,  que  entra  no 


noclde  Soula  vendo  eíle  cafo  laíl:imofo,palmado 
6c  como  fóradefi,fem  (aliar  palavra  fe  meteo  pelo  |j 
mato  dencro,  deyxando  fua  mulher,  ôc  filhos  cn*  11 
terr ados,6c  nunca  mais  aparecco 


I 


E 


48 

VeraÕ  mais  os  olhos  ^que  efe  aparem 
'De  tanto  mal ^  de  tanta  de f ventura] 


Os 


iLufiãdas  de  Luís  de 
T)s  dous  amantes  ml  feros  Jic  ar  em 
Ma  fer>vída,&  implacável  efpejfura: 
AUi  depois  que  as  pedras  abrandarem^ 
Com  lagrimas  dedoVyde  magoa pura^ 
jíi^raçados  ,<ks  almas  JoltàÕy 
^afermofa^&  mtferrima  ^ri/aÕ^ 

E  verào  inats  ot  olboi  e^ue  efeaparem.  Na  deíèm» 
l>arcação  ,  por  o  marandar  trabalholoosquepu- 
nhaõ  pé  em  lerra  fe  tinháo  por  bemavcnturadoa, 
&náo  o  eraó,  íe  não  que  Deos  Noflb  Senhor  os 
guardava  para  mayores  trabalhos  ,  porque  com  a 
ittortcle  acabiraíudo  ,  &  não  foraó  morrer  com 
tanto  vitupério  ,  &  deshonra  ,  como  morrerão  a 
máos  de  gente  barbara  ,  Sc  torpe,  muytos  mone- 
raónomar,  outros  pelo  cammho  com  fome  ,  & 
canfaflb,  &  outros  (e  lançarão  pelos  matos  nús,  &c 
entre  eíles,muytos  Fidalgos,Sc  gente  de  elpirita. 
iViguns  dos  que  elcapáraó,  6c  hcaraó  com  Manoel 
de  Soula ,  viraõ  o  triite  fucceílo  deite  nobre  Capi- 
tão ,  6c  íua  molher ,  &  lilhos.  De  toda  a  gente  da 
nao  não  eícapàraõ  mais  que  oy  to  Portuguezcs,  Sc 
quitorzcou  quinze  elcravos,  Sc  três  elcravas  das 
queeílaváocom  DonaLeanor  ao  tempo qut  f^- 
leceo  ,  osquaes  depois íoraó  refgatadosporhum 
nayiode  Portuguezes  ,  queacaio  ulli  tby  fazer 
marfim  *  Sc  cuítaria  cada  hum  valia  de  dous  vin- 
tçns.  Os  nomes  deftes ,  Sc  o  lucceflo  na  verdade, 
ôccommuytascircuuftancias  ,  que  íaõ  dignas  de 
faberpara  deícnganoda  vida  íe  pode  ver  ea»  hum 
livro  que  deite  caio  anda  impreíib. 

M/fis  kia  por  diante  o  monftro  horrendo^ 
T>izendo  nojjos fados  yquando  alçado^ 
Lhe  dljje  eu  quem  es  tu. que  effe  eftupendo 
Corpo^certo  metem  maravilhado? 
^boca^^  os  olhos  negros  retrucendo^ 
E  dando  hum  efpaniofo^&  grande  brado ^ 
Me  refpondto  com  voz  pefada^&  Amara ^ 
Como  quem  da  pergunta  Ihepezdra^ 

Com$.efuem  da  prfgunta  Ibe  pezâra,  lífo  não  he 
jTiais  que  encareciaiento  da  figura  do  Cabo  ,  que 
cm  todas  luas  coufas  moftrava  terror  ,  Sc  efpanio^ 
porque  até  em  humacoula  que  cllc  delcjava  ,  co- 
mo era  dizer  aos  Portuguezes  feu  acontecimen* 
to,Sc  transformasão,Íe  moílrou  trifi;e,5c  pízaroío 

EV/òu  aqaclle  occiílto  &  grande  €aho^ 
A  quê  chamah  vósoutros  Tormentório^ 
§uenunca  a  "Ptolomeo^Pomponie^ffiraho, 
'Fllni0i&  quantos  pajfdramfuy  notório: 


TV 


Camões  Commentadoí,  ft^f^ 

Aqui  toda  a  Africana  cofia  acabo, 
Ne  fie  meu  nunca  vifto  'Promontório, 
^lepara  o  'Polo  Antarticofe  ejiendt^ 
A  quem  vojja  oufadia  tanto  offende^ 

Eu  fou  aifuelíe  ecculto^  é)-  grande  Cabo.  Tormeni 
tório  ,  ou  tormentololhepczfiartholomeu  Dias 
íeu  primeyro  delcubridor,pelas  tormentas»que  na* 
quella  paragem  achou  De  Boa  Efperança.  EU 
Rey  Domjoaõoíegundo  ,  por  ver  que  leabria^ 
porta  para  o  que  tanto  dekjava,6c  cfperava, como 
era  o  defcobrimcnto da  índia  ,  que  parece  quç 
aquelle  Cabo  delcuberto  lha  cftava  prometendo* 
Sc  moftrnndo.  Defte  famolo  Cabo  não  tiveiaô 
noticia  os  Cofmographos  Antiguos  ,  como  Ptoloi 
meOjPomponij,  Meila,Eftrabo»  Plinio.Sc  outros^ 
como  aqui  diz  o  Poeta,inclinado  para  o  Sul ,  que 
o  Poeta  aqui  chama  Polo  Antaráico  ,  somo  fie* 
declarado  por  muy  tas  yezes^ 

F^y  dos  filhos  afperrimos  da  terral 
^lal  EnceladOiEgeOi^S  o  Centtmandl 
C  hameyme  Ada  vh  afior,  ^  fuy  na  guerra 
Contra  o  que  vibra  os  rayos  de  Vulcano: 
Nao  que puzefje  ferra  jobre  ftrra^ 
Mas  conquiflãndo  as  ondas  do  Occeano^ 
Fuy  Capitão  do  mar, por  onde  andava 
A  armada  de  Neptuno ^que  eu  bufcava» 

JFuy  dos  filhos  ajperrimos  da  terra.  Continuando  ó 
Cabo  Tua  pratica  antes  de  vir  a  fállar  de  íua  Meta-, 
morphofi  ,  Sc  transformação  trattadefuaOene» 
alogia,  Sc  nome,  como  era  Gigante,  filho  ua  tçi  ra* 
irmão  de  Encelado  Egeo»  Sc  i5mrco,a  que  chama 
Centimano ,  que  quer  dizer  de  cem  máos ,  porque 
tantas  dizem  os  Poetas  que  tinha  crte  Gigante. 
Diz  mais  que  feu  nome  antiguo  foy  Adamaftorj 
Sc  que  ao  tempo  que  íeus  irmãos  os  Gigantes 
Gombatiaô  a  Júpiter  por  terra  para  o  lançar  do 
Ceo^elle  fazia  guerra  por  mar  a  feu  irmão  Neptu* 
no. 

O  íjfíie  vibra  os  rayos  de  Vulcano,  He  Júpiter,  por 
quem  fingem  os  Poetas  que  Vulcano  filho  de  Ju«* 
piter ,  &  ícu  Ferreyrojlbe  fazia  os  rayos,  coniohà 
muy  to  fabido  a  quem  lé  pelos  Poetask 

A     Mores  da  alta  efpofa  de  Telèo]     [ 
Me  fizer  aõ  tomar  tamanha  emprefàl 
Todas  as  Deofas  defprezey  do  CeOf 
Só  por  amar  das  agoas  a^rincefoi 
Hum  dta  a  vi  co  as  filhas  de  Neréo 
Sair  nua  napraya^f^  logoprefa 
A  vontade  fenti  de  tal  maneyra^ 
^e  inda  7iaÕ  finto  coufa^que  mais  qiíeyral 

Amerei 


f^S  .    „         .  Canto  Sluinn. 

Amores ãa alta  efpofâde  ?eho.  Começa  Adamaí- 
íor  a  contar  lua  uansformaçaó  naquelle  taó  gran- 
<ie  Cabo,a  qual  eítá  cora  tanto  engenho,  ÔC  artifi. 
CIO  ,  que  lhe  não  fazem  ventagcmas  deOvidio. 
ElpoíadePcleOjheThctis  fenhorado  raar,  calada 
com  PeleoRcy  de  Theflalia.íilhade  Nereo  Prín- 
cipe do  mar.  Saó  as  Nereidíis  Nyraphas  do  m^ir, 
tias  quaes  fica  trattado  atras  no  Canto  Icgundo, 
«ytavaao. 


5^ 


5  5  _ 

C"^  OmofoffelmpoJJivelalcançalla^ 
_jr  'Pela grandeza  fea  de  meu  gejfo, 
^etermineypor  armas  de  tomalla^ 
B  a  'Dor is  tfte  cafo  mantfejio: 
tDe  medo  a  ^Dcofa  entaÕpor  mi  Ihefalla; 
Mas  ella  cunifermoCo  rifo  honefio^ 
Rejpondeo.qnaLfeYàoamor  bafiante 
^e  Nymfajquefulíentao  de  hum  Gigante^, 

E  a  Dorii  ejie  cafo  njanifffio.  Doris  dizem  os 
poetas  qUe  he  rnolher  de  Nereo  Senhor  do  mar, 
^  máy  das  Ncrcidas.de  que  na  oytava  atrás  fallà» 
jTios  :  A  qualdcii  Adamaílor  conta  da  affeyçaõ 
que  tinha  a  Thetis  ,  &o  que  determinava  fazer, 
como  aquilo  l^oeta  conta. 

54 
Om  ttídújpor  livrarmos  o  Occeano 
j  'De  tanta  guerra  teu  bufe  ar  ey  maneyta^ 
Cnm  que  com  minha  honra  efcufe  o  dano^ 
Talrefpojfa  me  torna  a  men/ageyra: 
JEu  que  cayr  naõpude  /lefte  engano 
(^*f  he  grande  dos  amantes  a  cegueyra') 
£ncheradme  com  grandes  abundan^as 
Opeyto  de  d€fejos<i&  efper  ancas, 

§?«ff  he  grande  doi  amantes  a  ctgueyra.  Os  Anti- 
giiospinraváo  a  Cupido  ,  que  tinhaó  por  Deos 
itos  amores  cego.  A  menfageyra  he  Dons  que 
Adaraaftor  tomou  por  tercey rapara  com  Thetis. 


TA"  ne feio  já  da  guerra  defiflinúo^ 
Huma  noyte  de  Doris  prometida^ 
Me  aparece  de  longe  ogefto  lindo 
2)^  brancàThetis  unica  defpida: 
Como  doudo  corri  de  Ionize  ^abrindo 
Os  braçosjpara  aquella^que  era  vida 
^Defte  corpo  J£  começo  os  olhos  bellos 
A  lhe  beyjar^aface^&  os  cabe  lios. 


O^ie  nadfey  de  nojo  como  o  conte j 
^e  crendo  ter  nos  braços ^qué  amava ^ 
Abraçado  me  acbeyco^  hum  duro  monte ^ 
De  a  (pêro  matOjô'  àe  efpejjiira  brava: 
Eftando  ce^  hum  pene  do  fronte  a  fronte  ^ 
^e  eu  çelo  rofto  angélico  apertava^ 
Naõfiquey  homem  naÕ,mas  mudo  e  quedo^ 
E junto  de  hum penedoyoutro penedo. 


§lííc  pelo  rojlo  angélico  apertava.  Cuydando ,  que 
citava  com  Theiss  a  quem  m  uy to  amava. 

57 

O  Ninfa  a  mais  fermofa  do  Occeano] 
Jàque  minha prefença  naõ  te  agrada ^ 
^e  te  cufiava  ter  me  nefie  engano 
Oiifoffe  monte, nuvefonhOiOu  nadai 
Daqui  me  parto  irado  fS  quafi  infano 
Da  magoa,&  da  des honra  allipaffada^ 
A  bu/car  outro  mundo ^onde  naõ  viffey 
^em  de  meupranto^&  de  meu  mal  fe  rifei 

^em  de  meu  pranto.  Achoii-fe  o  Cabo  corridofl 
do  que  lhe  iuccedco  com  Thetis  ,  peloquedey-| 
xou  aquellc  lugar  ,  &  íe  foy  para  outto  remoto, 
aonde  naó  folie  o  fcu  ca(o  íabido» 


í8 

EÈ:aõjà  ncfte  tempo  meus  irmão  f. 
Vencidos ^&  em  miferia  txtremapoflos 
Epor  mais  [igurar/e  os  Deofes  vãos. 
Alguns  a  vários  montes  Jotopojlss: 
E  como  contra  oLeo  naõ  valem  mãost 
EUyque  chorando  andava  meus  defgoftosj 
Comecey  afentir  do  fado  imigo, 
Tor  meus  atrevtmentos  o  c&Jtigo,      \ 


Erai  jà  nejie  tempo.  Conta  Adamaftor  cort\ 
quando  lhe  aconteceo  a  fua  transformação  ,  tam 
bem  léus  irmãos  eníó  mortos  por  mão  de  Júpiter, 
como  conta  aqui  o  Poeta,8c  mais  largamente  Oví- 
dio nas  Mctamorphoícs,  lib.i. 

5í> 

Converte  ofeme  a  carne  em  terra  dura^ 
Em  penedos  os  ojfos  fe  fizer aõt 
Efies  membros  ^quevésfê  efi  a  figura 
'Por  e fias  longas  agoas  fe  eftendéraÕ: 
Em  fim  minha  grandijfima  eflatura 
Nefie  remoto  cabo  converterão 


I 


fis 


I 


Lufíaàas  de  Luís  àe 
Os  ^eofiifS  por  mais  dobradas  magoas j 
Me  anâa  Theírs  cercanáo  delias  agoas. 

Me  anda  Jhetis.  O  mayor  defgofto  que  o  Ca- 
bo tinha  era  ter  íempre  prelente  a  Thetis,  que  fo*. 
ra  Câuía  de  fua  converfaõ  em  aquelle  Cabo» 

60 

AJJicontavíi^com  medonho  choro^ 
^  Stiblto  ante  os  olhos fe  apartou^ 
desfez/e  a  nuve  negra j&  comfomro 
Bramido^muyto  longe  o  marfoou: 
£u  levantando  as  maosaofanto  Coro 
VOos  Anjos^  que  tam  longe  nosguiou^ 
A  T)eospedh  ^«^  rem  oveffe  os  dut  os 
Ca/os, que  Âdatnojior  contou  futuros. 

Ca/os  efue  Adamafior  contou  fníuros.  O  que  O  Câ»- 
bo  dizia  haver  de  acontecer  aos  Porcuguezes  na- 
quella  paragem. 


(Tl 

JA'  Thlegonj\£  Tyroii  vinhaõ  tirando 
Cos  outros  dons  o  carro  radiante , 
^ando  a  terra  alta/e  nos  foy  moftrando 
Em  que  foy  convertido  ogram  Gigante: 
Ao  longo  defla  coftajComeçando 
Jd  de  cortaras  ondas  do  Levante^ 
*For  ella  abayxo  hum  pouco  nave^amos^ 
Vnde  fegunda  vez  terra  tomamos^ 

U  Phlegfini&  Pyrõii,  Ovidionas  Metamofpho* 
fes  liv.  2.  põem  os  nomes  dos  cavallos  do  carro  do 
Sol, que  faô  Phiegon,  Pyrois,  Eoo,  &  Echon.  Ifto 
hc  por  hum  fingimento  que  os  Poeras, fazem  di- 
zendo que  Phebo,  que  he  o  Sol,  da  luz  ás  terras 
em  hum  carro  de  quatro  cavallos.  Por  eíles  ro- 
deyosdefallar  nos  dá  a  entender  a  que  tempo  le 
dclcobrio  o  Cabo  de  Boa  Elperança,quc  foy  hum 
dia  fahindo  o  Sol,&  caminhando  ao  longo  da  Coi- 
ta, foraô  íegunda  vez  tomar  terra  em  huma  Bahia 
inuyto  grande  ,  6r  abrigada  de  todos  os  ventos, 
falvo  do  Norteja  qual  fe  chama  hoje  pelos  noflbs 
Aguada  de  S.  Brás  ,  que  cílará  fetenta  legua^  do 
Cabo,  Sclurgiraó  nella  humdiadeS.  Catherina, 
em  hum  Domingo  de  mii  quatrocentos  noventa, 
&  Icte. 

A'  €en  te^que  efla  terrapoffíihia^ 
^ofto  que  todos  Et hiopes  eraêt 
Mais  humana  no  trato  parecia^ 
£^e  os  outro  f  ,que  taô  mal  nos  receberão: 
Com  bayles^&comfeftas  de  alegria ^ 
Tela^raya  arenoju^mos  vieraõ. 


Camões  ComtHentadosI  t  f  0 

As  mulheres  configotò'  t>  manfigadoi 
^e  apacentavaõgordOj&  bem  criado, 

Po/io  ^ue  todos  Etbiopes  erdS.  Ethiopes  he  homâ 
geral ,  que  comprehende  a  todo  o  género  de  gen- 
te negra.  Chama-fe  aílim  de  Etho, palavra  Grega, 
qucquerdizerqueymar,  &  roílo,  por  terem' os 
roftos  negros,  Sc  queymados:  outros  querem  que 
fejanome  fomente  dos  negros  da  Ethiopia,  pane 
de  Africa,  entre  Egypto ,  Arábia,  chamados  alIim 
de  Ethiope  filho  de  Vulcano  ,  que  loy  Rey  na- 
quella  Regiaó,  como  querPlinioliv.6.c.30i  Siga 
cadahumoque  quizer  ,  &  lhe  parecer.  Amima 
primeyra  optniaó  me  parece  melhor. 

Oí  outroi  que  ta»  mal  nos  receberão»  Eíles  foraó  os 
da  Angra  de  Santa  Helena,  como  atrás  largamen^ 
te  fica  dito.  Os  deílaBahiade  S.Brâs  vicraócom 
muytosbayles,  §cfell3s,com  luas  flautas,  &  com- 
figofuasmolheres  encima  de  boys  muyto gordos, 
albardados  com  fuás  albardas  de  taboa  ,  a  modo 
das  CaftelhanaSjôc  com  huns  paos,que  fazem  tcy* 
çaõ  deandilhas ,  dos  quaes  boys  muytos  náo  tem 
coinos» 

AS  mulheres  queymadas  vem  em  cima 
T^os  vagar  o/os  bois  ^aUifentadas  ^ 
Ammats^qiie  elles  tem  em  mais  eflimUi 
^e  todo  o  outro  gado  das  manadas: 
Cantigas  pajiorts  emprofa^ou  rima. 
Na  fila  lingoa  cantão  concertadas  j 
Co  doce  fom  das  rufticas  avenas^ 
Imitando  de Tit troas  Camenas^ 

As  molhetest  Atrás  diííertjos  como  traziaõ  íuas 
molhercs  naquclles  boys  albardados, os  quaes  pre- 
zaõ  mais.quc  todo  o  outro  gado  por  efte  relpey  to* 
^dvenas»  Saó  flautas  como  fica  dito. 

Imitando  de  Ty tire  asCamenas.  Imitando  a  mu- 
fica,Sc  cantigas  de  Tytiro  Paítor,quer  dizer  aq ui, 
que  vinhaó  eíles  negros  com  fuás  molheres  can- 
tando cantigas  paftoris  ,  quaes  cantava  Tytyra 
paftor  como  diz  Virgilio  Eglog.N 

EStes  como  fia  vifiaprazenteyros 
Fo(femihumAnamente  nos  tratarão^ 
Trazendonos  galinhas, tê  carneyrosy 
A  troco  d^ outras  peças, que  levar au: 
Mas  como  nunca  emfim  meus  compatiheyros 
palavra  alguma  fiia  lhe  alcançarão y 
^e  dè[[e  algum  final  do  que  bufcamos% 
As  veilas  dando ^as  ancoras  levamos, 

/?!  vellas  dandt  as  Ancoras  Icvatftâi.Joíió  de  Bar- 
ros nn  primeyra  Década  ,  diz  que  o  Capitão  mór 
íe  mudou  para  outro  povo  perto  daquclle  ,  por- 


l 


Kque  entre  os  noiToSjSc  õs  negros  começava  haver 
revolta  iobre  o  rcfgate  do  gado:mas  que  os  Mou- 
íffos  foraõ  a  vifta  da  nolla  armada  até  que  ancorou» 

■^'  aqui  tínhamos  dado  hum gravrodeyo 
Acofla  negra  de  Africa,&  tornava 

Aproa  demandar  o  ardentemeyo^ 
^0  CeOi^  o  Tolo  Antart ICO  peava', 
jíqueUe  llheo  deyxamos^oyide  veyo 
i^utra  armada primeyr a ^qne  bufiavat 
O  'Túrmontorio  Cabo,&  defeuberto^ 
Maqtiellellheofezfeu  limite  certo, 

4Íe}U(ll(  llheo  deyxãmoí.  Depois  de  ter  rodeado  à 
Cofta  de  Africa ,  tornarão  a  demandar  a  linha  ,  à 
^ual  chama  ardente  nieyo  ,  por  íer  o  meyo  do 
inundo,  Sc  ardente,  com  a  vizinhança  grande  do 
Sol,  dei  viando,  fe  das  terras  do  Sul,  a  que  chama 
olo  Aiitarótico,  como  fica  declarado  em  muy  tos 
rgarcs.  Qi.ianto  ao  llheo  de  que  aqui  tracta,  he  o 
diiCruz  ,  que  Bartholomeu  Dias  defcobria  ,  no 
C|ual  poz  oderraJeyro  Padraô,como  coftumavaõ 
jior  alguns  pela  terra  que  deyxavaõ  defcuberta. 
Efte  Bartholomeu  Dias  paflou  alem  do  Cabo  de 
Boa  Elperançu  cento  &  quarenta  léguas,  até  hum 
rio  a  que  poz  nome  do  Infante,  porque  o  que  nel- 
Ic  primeyro  dcfembarcou  tinha  efta  alcunha.  E 
porque  neíla  viagem  poz  alguns  Padrões  ,  aqui 
falia  o  Poetado  derradeyro  ,que  he  eíleda  Cruz 
cjue  diíTemos  ,  o  qual  poz  quinze  léguas  antes  de 
chegai' ao  rio  do  Infante,  li.  náo  havemos  de  en*- 
icndcr  aqui  que  o  Capitão  raór  tomou  terra  neíla 
Ilha,  porque  nem  o  Poeta  o  diz  ,  nem  os  noflbs 
Hiíloriadores,  mas  que  houveraó  viíta  delle,  &  o 
j.áotonváraô,  pelo  tempo  lhe  não  dar  lugar ,  mas 
tomàraó  outro  porto  chamado  os  Ilheos  cháos, 
(]ue  eílavaó  cinco  léguas  alem  do  da  Cruz ,  como 
c-ontt  Joaó  de  Barros  na  primeyra  Década»  Cabo 
Tormontorio.  He  o  Cabo  da  Boa  Efperança  ,  co- 
jiio  jâçnuytas  vezcã  declarámos. 

D  Aqui  fomos  cortando  miiytos  dias 
(^Entre tormentas  trifles^fè  bonanças^ 
O  largo  maTjfazendo  novas  vias, 
ò'ó  conduzidos  de  árduas  ef per  ancas: 
Co'  o  mar  hum  tempo  andamos  em  proflas^ 
§Hecomo  tudo  nellefaÓ  mudanças _, 
i^orrente  nelle  achamos  taõpoffante^ 
^epajfar  naò  deyxavapor  diante^ 

^uepafar  não  deyxavapor dianti.'^e^z  paragem 
dos  Ilheos  cháos  faô  tão  grandes  as  correntes  da 
agua  ,  que  não  deyxavão  navegar  as  nofias  nãos, 
ate  qtje  com  ajuda  de  Deos  pallàraó  ,  £c  chegarão 


^uhltOt 
á  terra  do  Natal  ,  â  qual  puzeraõ  eftenomepot 
paílarcm  por  ella  eíte  dia.  A  força  da  corrente 
das  aguas  daquelle  lugar  aponta  o  Poeta  na  oyta» 
va  feguinte,  5c  pelo  grande  Ímpeto  com  que  dalli 
correm  as  aguas  ,  íc  chama  aquelle  lugar  o  Cabo 
das  Correntes» 
\ 

ERa  mayorá  força  em  demafia 
Segundo  para  traz  nos  obrigava\ 
2)(?  mar^que  contra  nos  alli  corria ^ 
S^epor  nôs  a  do  vento, que  ajfoprvai 
Injunado  Noto  daprofia. 
Em  que  CO  o  maryparece^tanto  e flava. 
Os  ajjopros  esforça  iradamente, 
Qomque  nos  fez  vencer  a  gràõ  correntel 

Injuriado  Noto.  Galante  fingimento,  em  queda 
a  múo  ao  vento  em  paliarem  aquelle  lugar  das  cor-, 
rentes  ,  quefoy  ncceííario  por  o  vento  toda  fua 
força  neíla  partc.Noto  he  propriamente  o  Sul. 


68 

T  Razia  o  Solo  dia  celebrado. 
Em  que  três  Reys  das  partes  do  Oriente} 
Foraõ  bufe  ar  hum  Rey  de  pouco  nadOj 
No  qual  R(y  outros  três  hà juntamente: 
Nefte  dia  outro  porto  foy  tomado 
Tor  nós^aa  me/majã  contada  gente ^ 
Num  largo  rio, ao  qual  o  nome  demos 
T)Qdia^em  que  por  elle  nos  metemos^ 


TraziaoSel.  Paliada  aCofta  do  Natal  entrarão 
em  hum  Rio  a  que  puieraõ  o  nome  dos  Reys, 
porque  em  taldiaentràraó.nelle.  A  efteRiocha* 
maô  outros  do  C9bre,pelo  reígate  delle  em  mani- 
lhas, marfim,  em  mantimentos,  que  os  negros  da 
terra  com  elle  relgatâraó  ,  tendo  tanta  communi- 
caçaó  com  os  noflos ,  que  hum  Martim  AfFonlo 
marinheyro  foy  a  huma  Aldeã,  aonde  foy  do  Se- 
nhor da  terra  bem  agazalhado  ,  &  o  melmo  Se- 
nhor veyo  com  muytagente  ver  a  nofla  armada 
inoílrando  muyta  paz.gc  amizade:  pelo  que  o  Ca 
pitaó  mòr,  vendo  que  em  cinco  dias  que  alli  eíli 
veraô  ,  nunca  receberão  deíla  gente  mao  tratra-f 
mentoalgum,  nem  lufpeytaditlb  ,  Ihepufctaó 
o  nome,dc  Aguada  de  boa  paz. 

D    Efta  gente  refrefco  algum  tomamos  ^^ 
E  do  rtofrefca  agoa^mas  com  tudo 
Nenhum  final  aqui  da  índia  achamos 
Nopevo^com  nò$  outros  quajimudo: 
Ora  vé  Rey  quamanha  terra  andamos. 

Sem  fair  nunca  dejie  povo  rudo, 

Seni 


I 


I 


Lufiadasâe  Lnii  de  Camfis  Commentadòf, 
Sem  vermos  nunca  nova ^nem  final 
Wa  defèjada  parte  Or  tentai. 

DdiagenU  refrefco  algum  tomámos.  Ifto  diz  pelo 
gazalhado  ,  ík  communicaçáo que  coma  gente 
•defta  parte  tiveraó. 

Povo  quafi  mudo ,  porque  não  fc  entendiaõ  com 
dle.' 


70 

Of^a  imagina  agora  quam  coytados 
An  danamos  todos ^  qua  m  perdidos^ 
U)efomey\de  tormentas  quebrantados, 
IPorclímaSi  ^  por  mares  naÕfaéfiaasi 
E  do  efperarcompYídstaõ  cançados, 
planto  a  de/ejperarjâ  compellidos, 
jfor  Ceos  fiaõ naturais, de  qualidade) 
Inimiga  de  nojfa  humanidade. 

Por  Ceos  não  naturaes.  Terras ,  Sc  Climas  íòra  de 
foannturcza,  &  táo apartados, Sc contrartos  aella. 
Das  fignificiçócs  que  tem  a  palavra  Ccojfe  veja  o 
que  dcrcveuios  no  canto  i.oytavíi  29.  ôci.oytava 
«5. 

7* 

C>  Orruptojã^  ^S  danado  o  mantimento, 
jT>anoío^à-mao  ao  fraco  corpo  humano^ 
E  alem  dtffò  nenhum  contentamentOt 
^e  fi  quer  da  efperançafojje  engano-. 
Cresta  que fe eflenoffo ajuntamèncOi 
íDí  fcldaáos  riad  fora  Lujitano^ 
^le  durara  elte  tanto  obediente 
"For  ventura  afeuliey^^ajeu  Regente} 

VoT  ventura  a  (cu  Rey,&afeu  Regente}  Encarece 
aqai  a  lealdade  da  Naçaó  Portugueza,da  qual  naó 
lemos  havcrle  levantado  algum  comra  leu  Rey 
CQuía  ciu  outras  Nações  muyto  coílumada. 


1^ 


C^  Res  tíi^quejá  nao  for  ao  levantados 
j  Contra/euCapttàOyfeasrefiftiraj 
Fazendo/e  V tratas , obrigados 
'De  dejefperaçãoydefome.^S  deird> 
Grandemente  por  certo  eftão provados^ 
^ots  que  nenhum  trabalho  grande  os  tira 
'Daquella  Tortugrie/àalta  excellencia, 
*Da  lealdade  firme  j&  obediência» 

Tyratau  SaóCofiariosdo  mar  ,  Sctemcíleno- 
me  ícgundo  alguns  querem  de  hum,  que  pi  imcy. 
roomvcntou,  H  ulou  cfteofficio  chama  jo  pyra. 
ta,outros  querem  (o  que  a  mim  mais  contenta)que 
le  chama  o  Collario  do  mar  ,  Pyrata  de  pcrao 
palavra  Grega  ^  que  quer  dizer  ,  andar  de  hu- 


til 
ma  parte  para  out4'a  ,  por  for  «íle  feu  coítu* 
me. 

7$ 

DEyxandõ  o  porto  em  fim  do  doce  rio^ 
E  tornando  a  cortar  a  agoafalgada^ 
Fizemas  dejia  cojla  algum  dejvicy 
T^eytando  para  o  pego  toda  armada: 
forque  ventando  Noto manfOy&  frio ^ 
Não  nos  apanhafe  a  agoa  da  enfeuda^ 
^le  a  cofia  faz  ai  li  da  quella  banda, 
UJohde  a  rica  Sofala  o  ouro  manda, 

Naõnoi  apanhafje  a  agua  da  enftada»  Efta  eníéadá 
de  que  o  Poeta  aqui  taJla  eftá  ícflenta  legoas  aqué 
de  Moçâmbique,chama-le  commummenteo  Par- 
cel de  Sofala,em  que  as  aguas  correm  muYto  para 
dentro  por  ler  mais  bayxo  ,  de  maneyra  que  há 
perigo  grande ,  por  fe  prelumir  que  podem  ir  dar 
cm  bàyxos  quea-hi  há  rouytos. 

Donde  a  rica  Sofala  o  ouro  manda.  Sofala  he  huma 
povoação  na  cofta  de  Moçambique, cou ia  de  íci^ 
lenta  legoas  deJJa  >  aonde  El-Rey  noílo  SenhoJi 
tem  huma  fortalecia,  6c  o  Rey  ^■^^•'^rYÁ  eítà  á  fua 
obediência. A  efta  terra Sofalatói'*2.em  os  Gcntics> 
6c  negros  da  terra  dentro  ,  por  v^ja  de  comercio, 
muyto  ouro  ,  por  cujo  rcípeyto  òã  Mouros  po* 
voàraó  aq  11  çl la  terra  ,  &  pel a  mcfraa  xQ^^^ó  agora-, 
cnrre  nòi  he  muyto  frequentada. 

74 

EStap-affada^  logo  o  leve  le^el 
Emcomendado  aofacro  JsLicolah'^ 
^ara  onde  o  fnar  na  cofia  brada fíè  geme% 
A  proa  inclina  de  huma^  de  outra  nao: 
fiando  indo  o  toraçaôjque  ffperajê  teme^ 
E  que  tanto  fiou  de  hum  fraco  paOj 
2)<?  que  tfperavajâ  defefperado^ 
Foy  de  huma  novidade  alvoraçada,,] 

encomendado  ao  Sacro  Niniaoé  O  Êerrtavenfti- 
ràdo  S.  Nicolao  grande  Advogado  dos  Eftudan- 
tes,  ohctambem  dosquetrattaõnomar,  Seara* 
zaó  de  lhe  fer  cònfagrado  o  lenie  do  navio  ,  áleni 
de  outro's  milagres  que  nefte  particular  tez  \  he 
porque  em  huma  tormenta  grande  chamando 
hup.s  marinheyros  muyto  rijamente  por elle,  lhes 
apareceo  ,  &difi"e:  Eys  aqui  Nicolao,por  quem 
chamais, não  temais,  que  eu  vos  livrarey  defte  tra- 
balho, 6c  tomado  o  lcn7e,na  máo,  lhe  encaminhou 
a  nao  de  modo,  que  fe  falvou,  andando  muyto  ar» 
M Içada  ,  como  conta  cm  lua  vida  Simaô  Meta* 
phraftes. 

75 

T^  Poy^^w  fflandojà  da  cofia  pertiít 
1  u  Ondí'  as  prayasy^  v a  lies  bemfe  viaÕ, ' 

X  Nim 


Mum  fío\que  allifae  ao  mar  aheYto\ 
Bateis  à  vella  entravãofê  fahião; 
Alegria  muy  grande foy  por  certOt 
Acharm6sjãpeJfom,quefabião 
Ndvegar,porque  entre  ellas  ef^eramos^ 
'De  achar  novas  algumas ^como  achamos. 


Un/a^ínto^ 


79 


76 

EThtopesfàõ  todos, mas  parece 
^e  com  gente  melhor  câmunicavão^ 
IPalavra  alguma  Arábia  fe  conhece 
Entre  a  linguagem  fua^que falavãoi^ 
E  com  pano  delgado ^quefe  tece        J 
1)e  algodam^as  cabeças  apert^vãfi^y    4? 
€om  Qutro^que  de  tinta  azulJTtmge^ 
Cada  hum  as  vergonhojas partes  cinge. 


4 


A^ide  limos  ycafc  as,  érde  oflrinhos^ 
Nojo f a  c  riafão  das  ãgoas  fundas^ 
jílim^amos  as  nãos , que  dos  caminhos 
Longos  do  mar,vemfordidaSi&  imundasi 
^os  hofpedes^qne  tmhamos  vifinhos^ 
Com  mofiras  apra(iveíSy& jucundas 
Houvemos fempre  o  ufado  mantimento j 
Limpos  de  todoofaljopenfamento. 

é>íijiii  defimot.  Por  fe  acharem  bem  nefta  terra 
com  a  CGmm^feçã<idageEl>fe/  &  alegria  que  ti- 
nhâojConi  a^^pas  cj^c  acháraõ  da  índia,  mandou 
o  Capirâo  mórTlar  pendor  aos  navios  ,  por  irem 
muy  to  luJQs,  &eítcvencíle  lugar  trintaôcdous 
dias. 

80 


Palavra  alguma  Arahla,  Tiveraõ  por  bom  final, 

ver  que  eíles  negros  ulavaó  de  algumas  palavras  T\  .C  As  naofoy  da  efperaça grade ,e immefa 

Arábia^,  também  o  tratco ,  &;  vertidos  craó  diffe-  j[ VJ  ^«  ^  ne/fa  terra  houvemos  Itmpa.&Pura 

-fCtTK^^da  outçâ  geate,  que  aiéeníio  tmhaó  viílo.  A  alegria  mas  logo  a  recompenfa 

ir^  '  A  Ramunjia  comnovadefventurai 

/^        11  AjffiKoCeo  fereno  fe  di/penTa^ 

Q  Ela  Aréhica  língua ^q\ie  malfalãoj  Com  efta  condição pefada,&dur a 

.    Eq^le  Fernão  Martmz  muy  be  entende  ^  ' Nacemos  ^0  pejar  terá  firme  za^ 

Vtzem.quepor  naoSj  que  emgrãdeza  igualao  ^^^^  o  bem  logo  muda  a  naturezal 
kAs  nojjas^  o/eu  marje  c  ort  a  ^^  fendei 


Mas  que  là  donde  fae  o  Sol  fe  abalao 
'Paraondeacofta  ao  Sul j%  alargai^  ejlcnde^ 
E  do  Suipara  o  Soliterfd  onde  háVíét 
Gente  afficoma  nós  da  cor  do  diiu 

Gente  ajjí  como  nos  da  cor  do  dia.  Gente  branca, 


R<íw»«y?<?.Chamada  aííim  do  nome  de  hum  Lu- 
gar,aondeera  venerada,  hc  Nemefís  Deofada  juí- 
tiça,  ininnga  dos  foberbos ,  &  grande  iopeadora 
da  gente  prcíunçoía,&  altiva.  Veja«íe  a  noflkan- 
notaçfio  no  canto  terceyro  ,  oytavayi.  O  que  o 
Poeta  aqui  diz  he,  que  o  grande  gollo,  &  conten- 
tamento que  naquclla  terra  linhaó  ,  porvertaó 


porque  o  dia  í^claro,Scbranco,ac  a  noyte  negra,  claros  finaes  da  terra,  quebufcàvaõ,  feJhe  aguou 

&  elcura.  comhamadefaventuia,quelhe  íuccedeo  dehuma 

^g  gran.ic,8c  nojóía  infermidade,da  qual  adiante  vay 

>  crattando. 


A/T  Vyg^^n^^fP^^^f^  ^W  ^OS  alegramos^         j^  \  ^,^^,  t,,j  firmeza.  Faz  a^fte propofito  AI- 
XV 1  Coa^ttte,^co  as  novas  muyto  mais?    ciaio  hum  Emblema,  que  he  o  50.  em  ordem,  ntà 


^elosjindrf^ue  ne^e  rio  achamos, 
O  nome  lhe  ficou  mi  bons  finaes: 
Hum  padrão  nejla  terra  levantamosy^ 
i^uepara  affmalaMimres  tais 
Trazia  alguns^o  notWtem  do  bello 
Guiador  de  Tobias  %  Gabe  lio. 


qual  pinta  o  mal,  &  o  bem:  o  mal  muyto  ligcyroi 
&  npreílado:  6c  o  bem  muyto  vagarolo.  Eíle  Emi 
blcma  fez  á  imitação  de  Homero  ,  o  qual  na  íua 
lUada  inttoduz  Até  filha  de  Júpiter  perfeguindo 
Wj  homens,  &fazendolhcmil  males :  &  para  os  re- 
mediar manda  outras  filhas  luas  chamadas  Litas, 
Velhas, Cegas,  6c  Coxas,  que  nunca  chegaó  a  dar 
o  remédio,  §c  quanto  para  prova  difto  baila  a 


I 


tx- 

GuiadoràeThobiái  aGàbello,  He  o  Archanjo  S.   /periencia,qu'èbcni  cUro  rios  moílra  a  verdade  do 
Raphael.  A  hillotia  he  ,  qué  iudo  T-hobias  po(*Mrcafo. 


mandado  de  leu  páy  ftrrccâdar  cdrfeo  difiheyrçi^t 
hum  homem  por  nomeGabello ,  moradirr  na  Ci- 
dade de  Rages  dos  Medos,  arreceando  cõmetter  o 
caminho, (cm  compa.nhcyro,appareceo  o  Anjob. 
Ilaphael  ,  £v  o  acompanhou  àtèò  lugar  aonde  hia» 
como  íe  pôde  ver  cm  Thobias. 


81 


EFoy^que  de  doença  crua^&fea^ 
Amais ^que  eu  nunca  vi^defemparãrao 
Muy  tos  a  vtda.e  em  terra  ejíranha^i(*t  alheya^ 

Os  ejfospara  fvmpre  fepiUtàrão. 

Çliiem 


Lufiaâas  de  Luís  ãe  CâtmétCommentadoi»  i  6;J 
^(em  haverá  que  fem  o  ver  o  creya^ 

<->)ue  tãô  disformemente  aly  lhe  incharão  %^ 

^s gengivas  na  boca.que erecta  y«    Sfis^uedepprtonos punimos 

A  carne,& juntamente  apodrecia.  J\  q^^^  ^^jor  efpera^fa,&  mor  tripzâ. 

As  gengivas  na  hoca.  Conta  Joaõ  de  Barros  nij  E feia  cofia  a^ayxo  o  mar  abrimos 

primeyra  DccaUa  que  naquelies  dias,que  eftiveraô  Bu/cando  algum  finai  de  mais  firmezal 

dando  pendor  aos  navios,  parece  que.ou  do  ar  da-  j^^  ^^^^  Moçambique  emfimfuriimOS^ 

jj^dU  terra  ,  ou  da  ^^l^^^^l^^^^l^J^^^^  <De  cujafalfidade.é  ma  vileza              ' 

lhe  robreve\o  hum  trabalho  com  doença,  de  que  c^  a  .■     ^^  r  i    j      j    j 

íDorr^-áo  alguns.  A  mayor  parte  foy  de enfípelas,  J ^í^r as  fabedor,&  dos  enganas 

Scjantiinçnte  Ih;  crecia  canto  a  carne  das  gengi-  'Dos  f  ovos  de  Mombaça  pouco  bttmanos. 
Vas  ,  que  lhe  não  cabia  na  boca,  6c  logo  lhe  apo- 

arecia  aquclla  carne  de  mancyra  ,  que  nãoliavia  Ci>Mmiyortfperanfét,&  nt$r  tri/ieza.  Levâvaó  â' 

òucín  roportaífe  o  fedor  da  boca,&  com  tftes  ma-  efperança  pelos  fmaes,  que  achàraó,  &  novas  d* 

les  pidcciaô  dores  muy  grandes  ,    &  morrerão  India.&trifteza  pelo  trabalho  daquella  tão  trifte» 

alguns  como  aqui  dii  o  l»oeca.  ^  nojenta  doença./Va  dura  Moçambt^m,  Aos  24.dc 


81  .;:u,.^. 

ATodrecid  co^  hum  fétido /S  brutdi  ' 
Ch  yro^que  o  ar  vifinho  inficionava, 
Hão  tínhamos  aUi  Medico  aftuto^ 
Cirurgião  fútil  menos  je  achava: 
Mas  qualquer  nefie  ojficiopouco  injfruãa 
'P € U  c ar nejâ podre  affi  cortava 
Como  fe  fora  morta^&  bem  convinha, 
Tois  qie  mor  to  ficava  quem  a  tinha^ 

Poh  ^ue  morto  ficava  <^ue>n  a  tinha.  Nâo  quer  âl^ 
zer  ,  que  os  que  cinhaò  e!te  mal  eftavaô  mortos 
com  morte  natural ,  mas  que  tinhaó  as  qualidades 
que  tem  os  mortos, porque  náo  íallavâo ,  èc  o  leu 
cheyro  era  de  gente  jà  detunta,  6c  nâo  tinhaó  len-. 
tiuu  de  homens  vivos  ,  pelo  trabalho  grande  que 
tinhaó  com  hum  taõ  grande  íaul ,  Sc  dores  cxccf- 
Çvas. 

8  3 

EMfmyque  nefta  incógnita  efpeffura 
*  'Deyxamosparafê^re  os  conipanheyros^ 
^e  em  talcaminbotem  tauta  defventura 
FoTâ.0  fempre  comnofco  azentureyros: 
!^tão  fácil he  ao  corpo  ajèpulturai 
^Aef  quer  ondas  do  mar ^quaefquer  outeyres, 
Eftr anhos  affimefmo^corno  aos  noffds 
Receberão  de  todo  $  ilíujire  os  offos^ 

• 

ÇluaÕ fácil  he  ao  corpo  a  (epukura.  Declara  o  Poeta 
neita  ovtava  a  igualdade  ,  que  a  morte  trarta  com 
rodos,náo  fazendo  difterença  nos  eítados,"confor- 
me  aqucllc  dito  de  Horácio.  Pallida  mors  ee^uopal. 
(ãt  pede  ,  &  Regum  turres ,  pauperum'jue  tabernas.  íi 
moítcatodo5  iguaUjaíTim  entra  nas  torres,  &:  pa- 
çi»s  dos  lleys  ,  como  nas  tendas  dos  pobres  olíí- 
ciacs  ,  &  como  qualquer  lugar  Içrvc  de  fepulrura, 
atTim  doilluílre,  como  dos  que  o  náo  Uõ,  como 
a  expei  icncia  lios  eníina. 


Fevereyro  de  1498.  fahiraó  os  noíios  do  rio  dos 
Bons  finaes  ,  6c  o  primeyro  de  Março  houveraó 
viíta  de  Moçambique ,  terra  hoje  aliás  conhccid« 
dos  notlos ,  por  ler  muyto  frequentada  das  noílas 
armadas ,  ôc  terem  os  Reys  de  Portugal  alli  forta- 
leza. Chamalhco  Poeta  aqui  dura  ,  porque  feoi» 
prc  le  dcraó  mal  os  moradores  defta  terra  com  0$ 
noíTos. 

D01  pi>vBS  ãe  Mombaça  pouco'  humanos.  Os  dgt 
Mombaça  também  fizeraó  roim  gazajhado  aos 
noíTos,  &  determinarão  deítrokilos,  como  fica  dis 
to  cm  outro«  lugares»  a 

A    Té  que  aqí4Í  m  teufeguroporto] 
{Cuja  brandura^&  doce  ir at amento; 
*Daràfaude  a  bum  vivo,^  vida  ahum  morto^ 
Nos  trouxe  a  piedade  do  alto  affento\ 
jíqui  repoufo ^aqui  doce  conforto^ 
Nova  quietação  do penf amento 
Nos  dèfie^^  vès  aqui^fe  a  tayito  ouviflej 
Te  contey  tudo  quanto  mefedifie* 

Âtèijue  dtfui,  Edâs  cõufas  todas  vay  relatando» 
o  Capitão  niór  Dom  Valco  da  Gama  a  El-Rey 
de  Melinde  a  petição  lua ,  como  fe  tratta  no  canto 
fegundo  aonde  le  começa  a  relatar  efta  Hiftoriaj.^ 

8^ 

JVfga  agora  Reyje  houve  no  munia 
GentCique  taes  caminhos  comete ffeml 
Crés  tu^que  tanto  Eneas^&  o  facundo 
V/y ffes  pelo  mundo  fe  efiendefjem? 
OufOu  algum  a  ver  do  marprofundo^ 
(fPor  mais  verfos^que  dellefe  efirevejffeínj) 
1^0  que  eu  vi^  apoder  de  esforço ft£  arte^ 
E  do  qiití  inda  hey  de  vet^a  oytavaparte^ 

Crh ''fie  tanto  Eneis.  De  Eneas, êcUIyfe  trai^ 
tcy\io  canto  primeyrOjSc  fegundo»-  '   ' 


t^artU 


fef 


Es/e, que  hebeo  tanto  da  ãgoa  aonla^ 
Sobre  quem  tem  contenda  per  e gr  ma  ^ 
Entre  fii  Rbode^Smirna,  ^Colophomai 
jítheriasXos  ArgoM  Saíamina: 
MjJoHtrOtquè^clareCe  toãaAufonla^ 
A  cuja  vozaíttjonat&âivma 
Ou  vindo  o  pátrio  Mtncio  fe  adormece^ 
Mas  o  Tíbreco*  o/om/eênfoberbece. 

Efe  ms  iekeo  tanto  da  agua  aonia.  Agua  aonía,  lie 
%  agua  da  fonce  Aganippe  ,  da  qual  todos  os  que 
'fcebiaó  fícavaó  Poetas  ,  &  diz  que  bcbeo  rouyta 
^àç{)::\  sgiia  t^omero ,  porque foy  Poeta  excelien- 
tiífimo  ,  &  para  encarecimento  de  fua  doutrina,  & 
erudição  não  ha  mais ,  quetrazer  queoquedelle 
-dizVelleyo  Pâterculo  no  livro  primeyro  daHif- 
toría  Romanaí,qae  íò  merece norne  de  Poeta,aon- 
«de  acrecenta,i«  i^ho  hoc  maximum  e^,<!jttodne(^ue  ante 
iUum  ,  tfutm  tile  imitar  st  ur^.  7iee]ue  poji  illum  ,  ^«i  eum 
imitanpo^etinvèntiís  cfi^  que  nem  antes  delie  houve 
<juemelle  imitaíle,  nem  depois  deile  quem  o  pu- 
«lefle  imitar  adie.  Não  fe  poéeVnais  dizer,  &  com 
verdade.  Sobre  o  quallugarde  Vellcyo  diz  Jufto 
L.ipfio  muytascouías  ,  &  dignas  de  íeu  entendi- 
mento ,  porque  não  há  poder  chegara  Homero^ 
&  por  elle  fer  elte  depois  de  morto  o  pretenderão 
jnuytos  por  natural, tem  ate  hoje  íè  faber  a  certeza 
donde  fcme.'  0  Poeta  conta  muytas  Cidades  de 
«Grécia  ,  que  f inhaó  entre  íi  grande  contenda  ÍO' 
^re  Homcro^hecoufa  íabida. 

Effoutro-  ejm  «fcUreee  todíi..  Attfonia.  Aufonia  he 
Itália,  chamada  aflioQ  de  A iMqnio  leu  Rcy.  Efta 
cfclarcce  ,  &  ennobrcce  mayto  o  Poeta  Virgílio 
ítaliano-de  nação  ,  6c'iaaturárda  Cidaidedc  Man» 
tua,juntocla  qual  palia  ò  no  Mihcio,  de  que  aqui 
o  Poeta  fazmençaô,  Sc  diz  que  o  Mincio  (e  ador- 
mece com  leu  fom,6c  o  Tibre  fe  enfoberbecCjpor- 
que  o  Mincia  não  teve  de  Virgílio  oacrointe* 
reflcjlc  não  o  gollodclle  ícrfeu  natural,  pelo  que 
diz  que  fe  adormece  pelo  gofto ,  &  contentamen- 
to que  tem  de  ouviftão  boas  novas  de  leu  natu- 
ral, E  o  Tibre  fe  enfoberbece,  porque  em  Roma 
fez  eíle  Poeta  feu  aílento  ,  &  alli  compoz  os  feus 
livros.  E  porque  Roma  goza ^'adelle  ,  &  o  tinha 
femprccomíigOiandava  loberba,  &  levantada,  5c 
aindâquè  ie  chama  Mantuano,elle  não foy  natural 
de  Mantua  ,  le  não  de  huma  Aldeã  nuTytotriíle 
junto  a  Manteíajchamad^a  And€s,aonde  eu  jà  cíti- 
vcelpantado  de  ver  a  triíteza  do  lugar  ,  &  exccl- 
lencia  do  Poeta,  que  alli  naceo. 

Cyíntêi/otivem,é'  efcrevaõíepre  eftremos 
*2)eJfes/eHs  Semiáeofes^  encare ^ah 


^tntol 
fmgindoMagã^sCtrces^^olyphemíl 
Siretms^que  co'  canto  os  adormeçad 
'Demlhe  mats  navegar  á  ve//a,&  remos 
Os  Cicones^&a  terra  ^ondejè  efqueçao 
Qs  comfanhsyrosyem  goftando  o  Loto^ 
^crnlhe perdernas íigoas  o  TUoto^ 

Cantem  t  louvem.  Diz  iílo  porque  Homero  í  6c 
Virgílio  ,  &  os  mais  antigos  tudo  efcreveraõfa- 
bulaSjSc  mentiras,  como  em  fuás  obras  fe  pôde  ver 
fingindo  muytas  patranhas ,  &  contos  fabuloios, 
como  trattar  de  Teus  íemideoíes  ,  que  por  outro 
nome  fe  chamaô  Heroes ,  dos  quaes  fica  traitado 
no  canto  4.oy tava  5  o.Magasfiircti,  M aga  he  pala- 
vra de  Perfia  ,  na  qual  língua  fignifíca  o  que  na 
Grega»  PhílolophojÔC  na  nofla  Sábio.  E  porque 
entre  eftes  Sábios  havia  alguns,  que  tocavaó  de 
communicação  com  os  demónios  ,  como  fempre 
fe  cofbijmou  entre  osEgypcios  ,  &  hoje  entre  os 
Jndío£,Si:  Ethiopicos:daqui  Magia,quehea  Icien- 
tia  dlftês  Magos  fe  tomava  em  boa  ,  &  mà  parte, 
como  hoje  em  dia  fe  toma,  porque  a  perfeyta  Phi- 
lolophia  fc  chama  Magia.  Magai  Círcíf.Aqui  nefte 
lugafiporCirces,  entende  feyticeyras ,  tomando  a 
palavra  Magas  cm  mâ  parte  com  o  epitheto  de 
Circe,qiieo  foy  grande.  Da  qual  conta  Homera 
na  OdificaK.què  por  ordem  dos  Latinos  he  o  li- 
vro decimo  ,  qu€  convenço  os  Companheyros  de 
Ulyíles  cm  porcos  ,  6c  o  mefmo  diz  Virgílio 
Eglog.8.C<irw;«í^rti  Circeftciot  mutavh  Ulyffis.Civ» 
ces  com  luas  encantações  ,  8c  feytiçarias  convcr» 
teo  os  Companheyros  de  Ulyfles  em  porcos ,  que 
he  o  que  o  Poeta  nefte  lugar  entende.  Polypbemos» 
Polypheoio  foy  hum  Gigante  filho  de  Neptuno, 
do  qual  os  Poetas  contaô  grandes  fabulas ,  entre 
outras, que  tinha  hum  olho  ló  na  tefla,  tão  grande 
como  huma  grande  rodela,o  qual  Ulyíles  lhe  que- 
brou, como  diz  Virgílio  na  Eneida ,  &  Homero 
naOdirtea, 

Spenai  ejut  co^  canto  01  aJormeçao.  As  Sercas,  di* 
!Z.em  os  Poetas  que  foraó  filhas  de  Acheloo  ,  & 
CaHiope  ,  huma  das  nove  mufas :  outros  lhe  daõ 
outros  pays»  Moravão  no  mar  de  Siciliai  da  cin- 
ta para  cima  molheres  ,  &  peyxes  da  cinta  para 
bayxo ,  cujos  nomes  eraó ,  Partenope  ,  Lígia  ,  6c 
Leucofia,grandes  muficas,  6c  tangcdoras:em  tan- 
to que  com  a  doçura  da  voz  entrctinhaô  aos  que 
paílavão,&  adormecidos  com  a  fuavidadeda  mu* 
fica  os  lançávaó  no  mar  ,  como  tratta  Homero  na 
Odiílea  M. 

Dtmlht  mais  navegar  a  vella^  &  rema  nos  Cy  cones» 
Eíla  diligencia  de  navegar  dos  Cy cones  povos  de 
Thracia  ,  Sc  a  briga  que  tiveraõ  com  a  gente  de 
Uiy(Tcs,pinta  Homero  na  OdyíTca  liv.  15.  cap.  17. 
Go(land9  oloto,lA  arvore  loto,  como  diz  Plinio,he 
do  tamanho  de'huma  Pereyra ,  o  fruyto  que  dá  hc 
cônlo  huma  fava,  Sc  nacem  muytosjuntos  nos  ra- 
mos como  mortrnhos.  He  taó  íaboroío  eftefruy- 
to,que  vieraó  os  Poetas  daqui  a  alcvantar  ,  que  o» 

quii 


Lnfíaàas  de  Luís  de 
C]«e  comiaõ  âelle,  ft  ejqueciaô  de  íuas  terras,  mo- 
4híres,Sc  filhos,  como  Homero  conta  dos  Compa- 
nheyros  de  Uiyfles  no  lugar  allcgado.  Do  nome 
iielta  arvore  icchamãoos  moradores  dcíla  Pro- 
víncia Lotophagos,  que  quer  dizer,gente  que  co- 
mida arvore  Loto.  Ortelio  na  lua  Synonimia 
^uer  que  Icjaó  osGelves.  Em  Africaha  muytas 
arvores  deftas,8c  em  Italia,como  diz  o  mcfmo  Plí- 
nio, também  há  algumas,  mas  ofruytonão  hetaô 
boíh.  A  fabula  da  Nympha  Loto  convertida  neíla 
íirvoroconta  Ovidio  nas  Metamorpholes  liv.  9, 
Vemlbe  pçrder  nai  agnat  ê  PUoío,  Como  conta  Vir- 
gilio  na  Eneidj  liv.quinto  que  aconteceo  a  Eneas, 
(jucihecahio  Palinuro  íeuPilaco  no  mar  ,  o  que 
cUc  íentío  muyto* 

Ventos  foUos  lhesfinjaõy&  imaginem 
Dos  odres ^^  Caíipfos ^namoraaas 
Harpias  ^ífue  o  manjar  lhe  CQntam'tnem%  \ 
T>ecer  âs  jòmbras  nuas  jàpajfAdas: 
^apor  mHyto,&  miiyto  que/e  afinem 
Níjt as  fabulas  vãs  também  fonhadas^ 
Averdadtyqiie  eu  conto  nua^^pura^ 
Vence  tuda  grandíloqua  efcrttura^ 

Vmtoi  fnUdi  lhe  finja»,  PaíTando  Ulyífes  pelas 
Ilh.i5  Eoiidas ,  aonde  EoloReydos  ventos  tinha 
lua  morada  ,  conta  Homçro  na  OdiíFca  ,  Eolo  lhe 
meteousventosem  hum  odre  ,  para  que  dalli  os 
íoleafle  quando  quizelle.  Veja-le  o  que  cícrcve- 
mos  no  canto  quarto, oytava  58. 

E  Qaiyphi  n&moradAu  Calyplo  grande  elperdi- 
çada  por  Ulyiles.filiia  de  Thetis,&  Oceano  deter, 
minou  não  o  largar  toda  a  vidafazendolhegran^ 
des  promeirascomo  diz  Homero  na  Odyllea  ,  Sc 
como  eu  notey  no  legundo  canto  oy cava 45. 

Arphi  tjueo  manjar  Ibt  contamina»,  Contaô  as 
fabulas ,  que  Phinco  Rey  de  Thraciaporconic- 
Ihodc  fuá  íegundamolher  ,  tirou  os  olhos  aos  fi» 
ihosda  primcyra  >  pelo  que  enojados  os  Deoles, 
lh&  quebráiâó  os  ícusjôclhe  acrecêtàraó  outro  tor- 
mento mayor ,  que  tudo  o  que  lhe  punhaó  diante 
para  comer  Ihetiravâoas  Arpias,  que  eraó  humas 
Avcsmuyco  íujas  »  &  goloías  ,  Òcihe  iujavão  a 
mela.  Veja.fe  a  noíla  annotaçáo  no  canto  quar*. 
tooytavíiSj. 

Deccr  ái  jembrai  nuat  jâfaffadat.  Sombras  jà  paf- 
fedas  laó  almas  idas  dctta  vida.falia  á  imitação  dos 
Latmos,  que  por  morrer  dizem  :  defcenderead  em- 
brai^  ctcccr  ao  lugar  aonde e'taó  as  almas ,  as  quaes 
clks  chaTiaó  lembras,  Veja-fe  a  noíla  annotaçáo 
no  canto  terccyro  oytava  1 5 1.  O  que  o  Poeta  neí- 
tasoytavas  atras  quiz  moílrar,  foy,  que  todas  âs 
mentiravdeHomero,com  Ulyfles,  8c  de  Virgílio 
como  teu  Eneas,  6c  aíTim  de  outros  antigos  Poe- 
tas, nao  (aó  para  fe  ouvirem  comparaçáa  das  ver- 
dades, que  dos  Portuguczes  íè  trattão  ,  porque 
com  ferem  fabulas  Eaõ  conceruiAs  ,2v  bcíu  sici;i. 


•^'íí.. 


Cdmoes  Commentadof, 

tas ,  com  eítylo ,  &  palavras  tâo  elegantes  ,  rfenj 

com  todas  eitas  particularidades,  vem  a  conto  de 

verdades  ,  quelò  osPortuguezcs  trattáo  enifuaí 
hiílonas. 

Djíhoca  do  facundo  Capitão^ 
'Pendendo  efiavaõ  todos  embebidof^ 
afiando  deu  fim  à  longa  narração 
^os  altos  feytosygrandes  ^f&  Jubidosi 
Louva  o  Rey  ojubltme  coração 
*T>os  Rey s, em  tantas  guerras  conhecidos^ 
^agente  louva  a  antiga  fortaleza^ 
A  lealdade  de  animosa'  mbreza, 

Facunio  C<i;>ií<»ff. Entende  o  Capitão  mór  Vafc6 
tía  Gama,  porque  neíla  narração,  que  fez  ao  Rey 
de  Melinde  le  houve  facunda,6v  eloquentemente* 

VAy  recontando  ofovOjque  fe  admirei 
O  cafo  cada  quaí^que  maisnotou^ 
Nenhum  de  lies  da  gente  os  olhos  tíray^ 
^e  tam  longos  caminhos  rodeou: 
Mãsjà  o  mancebo  T)eliO  as  rédeas  vira} 
^e  o  irtnaõ  de  Lam^ecia  mal  guiou  j 
^For  vir  a  de/canfar  nos  Tethicos  braçot 
E  elRey  fe  viy  do  mar  aos  nobres  paços^ 

Mai  ']à  o  manceba  Delio  ai  tedeas  vira.  Neílas  pà2 
lavras  nos  pinta  o  Poeta  o  tempo  da  tarde  quandcr 
o  Sol  le  queria  por,&  cítá  por  táo  galantes  termos, 
que  não  pode  mais  fer  ,  mas  muytas  vezes  por  nos 
nelle  livro  declarados.  Mancebo  Del  io  hc  o  Sol, 
chamado  aflimdallha  Dclos aonde naceo,  como 
fica  notado  atrás.  Diz  ,  <}ue  o  Sol  virava  as  rédeas^ 
que  o  irmão  de  Lampecta  mal  guio»  ,  porque  ao  Sol 
attribuem  hum  carro  com  quatro  cavallos  em 
queda  luz  às  terras  ,  como  notamos  nefte  canta 
oytava  46.  O  irmaõ  de  Lampeeia  he  Phaeton  £[• 
lho  do  Sol  ,  o  qual  dando  hum  dia  luz  ao  mundo 
cahio  como  conta  Ovidio  largamente  nas  Meta- 
morpholes, ôcfica  notado  no  canto  primeyroi  ÔC 
quintOjOytavay. 

Por  virdefcançav  aot  Theticoí  brafoi.  Hc  pelo  que 
muytas  vezes  fica  notado ,  que  o  Sol  à  tarde  fe  re- 
colhe ao  mar  em  calade  Thetis  ,  aonde  eftáatè 
que  o  outro  dia  fe  levanta  a  dar  luz  ás  terras  ,  o 
que  tudo  pinta  Ovidio  no  lugar  allcgado  ,  &  hç 
muyto  labido,6c  por  nós  muytas  vezes  notado, 

Q^aô  doce  he  o  louvor ^^  ajuÇagloriét 
^Dos  próprios  fcyt  os  ^quando  faó  foadosl 
í^iaíquer  nobre  trabalha  que  em  memoria 
Vença  jQU  iguale  os  grandes  ^ápa(fadQS', 

4i 


,^  envejas  àa  Ulufire^é*  alhea  hijiona 
Fazem  mil  vezes  fgy  tos  fub limados ^ 

^■^em  valer  ojas  obras  exercita 

^uuvor  albeo  muyto  o  efperta^  incitai' ' 


t!antõ  ^intú. 


Al 


^ua^âocebeoíouvsrt  Oqueeu  pudera  aqui  trâ- 
zej^^çál^ declaração  delia  oytava  tratta  o  Poeta 
«as  jegaintes  até  o  fim  do  íivro  com  exemplos 
tão  próprios  ,  &  tão  conformes  que  me  cfcufa  a 
Biim  depor  outros. 


^My:'-' 


NAnttlnhã  em  tanto  os  feytos  gloriofor 
TDe  Achites  Alexandre  napelleja^ 
^^uanto  de  quem  o  cantados  numerofos 
''Vcrfo^iiJJo/ò  louva  jffo  àeCeja'. 
Os  trofheos  de  MeUiadesfamofos 
*Temiíiocles  defpertão  (o  de  eniieja, 
E  diz,, que  nada  tanto  o  deíeytava, 
Como  a  vozjqueféus  feytos  celebraua, 

Nã^  tinha  emtantê  os  feytot  gloriofos.  Conta  Cí- 
cero naqr-açâoquefezemfavorde  Archias  Poeta, 
que  chegando  a  cafo  Alexandre  ao  lugar  aonde 
Áchilles-eílava  fepultaJo  difle  eílaspalavras  :  O 


pátria  de  fervldaõ.  Entre  õutrns  côiítas  que  dellè 
íc  efcrevem  hc  eíta  ,  de  que  o  Poeta  aqui  faz  men- 
ção ,  trazer  icmpre  dianiedefcus  olhos  os  Tro- 
pheos  de  Melciades ,  &  huma  enveja  grandiíTima 
-de  Tuas  cavallçrias  ,  &  que  com  nenhuma  coufa 
dentia  levar  may or  gofto  na  vida ,  que  cm  tratcaç 
de  íuas  coufas. 

T^abdhapoYfnoflrar  Vafcoâa  Gama^ 
^e  effas  navegaçoes%que  omundo  câta% 
NaÕ  merece  tamanha  gloria  ,^  fama^ 
Comoafua^que  oCeoM  aterra  ejpanta: 
Simas  aquelle  Heroe^què  eftima^^ ama 
Com  dÕes_,mercèsfovores,^  honra  tanta 
A  Ura  MantuanafaZi  que  foe 
Efieas^tè  a  Romana gUria  voe. 

Si  tn4i  atjueUe  Húroe.Que  íeja  Herocficadito  nõ 
canto  quait.o  oytava  50.  Oqueo  Hoetaqu,e-r  dizer 
he  que  os  Portuguezes  naô  favorecem  nem  fazem 
mercê  algama  aos  homens  de  engenho  como  fize- 
raó  os  íntigos,  8c  efta  he  a  razaõ  poi'que  li,neas,£c 
outros  RQm<*nos  excellentes foraó conhecidos  no; 
mundo  por  lerem  Mecenatcs,  &  Padroeyros  áoà 
Poetas.  Lyra  Mantuana  he  viola  de  Mantua,  cn- 


fortukatè  adoUfcensy  ^ui  tua  vtrtuti'  praconem  invenc'     tende  os  veríos  de  Virgilio,  que  tanto  celebrarão 
ris  Homemm,  O  ditofo  mancebo  pois  tiveíte  hum      t-ncas. 


tão  gtande  pregoeyro  de  tua  cavalleria  como  foy 
Hotaèrq,  ,  ,&  Plutarcho  na  vida  de  Alexandre  o 
chama  bemaventurado, porque  teve  na  vida  hum 
«migo  leal  ,0  qual  fe  claamou  Patroclo,  &  depois 
«Jefua morte  hum  taòrgrande  pregoeyro  de  luas 
«bras  como  Homercío  íí-fte  valerofo  Capitão  ain- 
da que  trabalhava  por  imitar  as  obras  de  Achilles, 
&  lhe  eia  muyto  affsyçoado  por  luacavalleria,to- 
davia  maisjin  veja  tinha  ,  como  diz  aqui  o  Poeta ,  á 
4itta>deiAchiUes,em  lhe  caber  por  lorte  ter  a  Ho- 
JBiÈnotipoírelcriLordcfuascoulas,  queá  luacaval- 
icria,  Scprorperaforcuna  nas  coufas  da  guerra. 
(f  ,  ,Qílr0pbtot  Mekiahs.  Melciades,  ôcThemiílo-. 
-cies  foraó  dous  Capitães  Athenienfes  de  graude 
tiome, entre  outras  coulas  excellentes,quefecon- 
táo  de  Melcidss  hama  digna  de  memoria  ,  Sede 


i>5 

DA^  a  terra  Lujítana  Scipioes^, 
Ce/ares t  /llexandre s  fS  dâ  Angujlos^ 
Mas  naõlhedá  com  tudo  aquelles  doens^ 
Cuja  falta  os  faz  duros  j&  ro  bufos: 
Odíavio^entre  as  may  ores  oprejjões 
Compunha  verfos  doutos j&  venuftos^ 
NaÕ  dirá  Fulvta  certo jCfue  he  mentira^ 
^mndo  a  deyxava  António  por  Glafira^^ 

Dâ  a  terra  Lu/ítana  Scipides.Modrn  o  Poeta  nef» 
ta  oytava  corno  cm  Portugal  fe  criaõ  homens 
muyro  esforçados ,  &  Cavaílcyros,  &  tanto,  quâ 
ncui  os  Komanos  antigos  de  cuias  façanhas  htj 


t|antos  livros  cheyos, lhe  íizercióventije,  comool 
jque todos QsHiftoriadores  fazem  muytocafo,foy  $cipiões,Ceíares,  Auguítos,  Scquedelles  não  h( 
que  feyto  elle  Capitão  general  de  hum  pequeno     hum  Scipiaó,fenão  muytos  ,  muytosCclares ,   2| 


cxercitQ  ■,  pira  rcfiílir  ao  poder  grande  de  Date 
■general  de  hum  poderoíillimo  evercito  de  Dário 
Rey  dos  Perfis,  o  qual  vinha  com  propofito,  & 
«determinação  de  deítruir  toda  Grecii  ,  junto  a 
liuin  -pequeno  lugar  chamado  Marathon  fe  en- 
co4icrou  com  Date,  Ôc  lhe  matou  trezentos  mil 
homens.  De  Thsmiílocles  fe  conta,  que  foy  hum 
Capitão  de  grande  conlcliio,&  engenho,  &  de  taó 
gr^ttdd  msmoria.,.quc  de  cór  fabia  o  nome  de  to- 
dos bs/Achenienfes.  A  primeyra  guerra  que  os 
*ÀthénicnÍestiveraõ  com  o^^s  Pcrías,foy  eleyto  por 
gentralv  Em  huma  batalha  navàl,que  riwevaó  jun- 


muytos  Alexandres,  mas  tem  os  Portuguezes  h\ 
ma  muyto  grande  tacha ,   que  he  não  mifturaret 
comas  armas  as  letras  ,  como  os  antigos  fazia^ 
como  Odaviano  ,  6c  Marco  António,  de  que 
Poeta  aqui  faz  menção,  6c  outros  muytos  Prin( 
pesdequeos  livros  eft.iõ  cheyos.  Faz  fcifto  hoj" 
tanto  ao  revez,  que  antes  íe  pragueja  de  quem  ia- 
be.Naó  tem  elle  lugar  necelTidade  de  prova. 

Mão  dirã  Fulva  »aoejne  he  mentira.  Marco  An- 
tónio como  conta  Plutarcho  em  fua  vida  foy 
ipuyto  aííeyçoado  a  letras,  &  poefía,em  efta  par- 
te foy  demafíado  ,  porque  deyxava  lua  molhei' 


to  a  SaUmina desbaratou  os  Perfas,,  5c  livrou  fua    Fulviapor  irouvirchiftes,SctrovmhasdeGlafira 
:K  -   -   -  -..       .    -      ^   .  .        Sc  outras  moíKcr es.  ^*y 


96 


VAy  Ce/ar  fòjugando  toda  França^ 
E  as  armas  naô  lhe  emfedem  afciêcia^ 
Mas  numa,  mão  a  pena  ^é^  noutra  a  lança 
igualava  de  Cícero  a  eloquência', 
O  que  de  Sciplaõ  fe  fabe ^&  alcança, 
He  nas  comedias  grande  experienc'ia\ 
lÀa  Alexandre  a  Homero  de  maneyra^ 
.^lue/empre/è  Ihejabe  d  cabeceyra 


Lujiadas  de  Luís  de  Cafnões  Commcntados".  f^  j 

zer  q  não  há  homés  conhecidos  pela  fama,por  mais 
excellentcs  q  na  vida  foflem,por  falca  de  quern  Ihs 
elcrevaíuascoufas.Eoc]  mais  he  de  kntir,  qelleli 
íaó  caes,q  o  não  lente  como  na  oycava  ic^uince  du 
o  Poeta. 


9% 


POr  ljf0i&  naõ for  falta  de  Natura 
Naõ  ha  tãbem  Vir gt lios ,  nem  HomeroSf 
Nem  averà^fe  ejje  coftume  dura, 
^J^ior  Eneas^nem  Ac  htles  feros: 


^ay  Cefar.  Elte  he  Júlio  Ceíar ,  do  qual  have-     -l^as  opeyor  de  tudo  he^que  a  ventura 


mos  traitado  algumas  vezes  neftas  annotações, 
«ntre  outras  coulâs  que  íe  dclleelcrevem  ,  huma 
he  que  o  Poeta  aqui  aponta  ,  que  cm  huma  maó 
trazia  a  pcnna,  &  na  outra  a  cfpada ,  porque  tudo 
o  que  delia  lhe  fucccdia  na  guerra,  de  noyte  eícrè- 
via  com  tanta  diligencia,  Ôc  fidelidade, que  os  léus 
Commcntaiios  que  deitas  coufascompoz  ,  foraó 
approvados  ,  &  tidos  por  verdadeyros  por  íeus 
próprios  adverlarios,&  inimigos. 

O  <\us  ât  Sapiaõ  fe  (abe.  Publio  Cornelio  Scipiáó 
chamado  Africano  pelas  grandes  cavallerias  que 
cit»  Africa  fez  ,  principalmente  na  deítruição  de 
Carihago  ,  foy  delcendente  da  illuílre  cala  dos 
Cornehoi,  &.  filho  de  Publio  Scipiaó  ,  oqualle- 
gundo  íe  efcreve  foy  o  primeyro  Capitão  Ro- 
mano ,  que  pelejou  com  Annibal.  Foy  muyto 
-dado  ao  cíludo  das  letras  ,  ík  principalmente 
muyto  aífeyçoadoa  comedias  ,  como  aqui  diz 
o  nollo  Poeta  ,  pelo  que  foy  muyto  amigo  de 
Terentio,  6c  com  muytas  mercês  que  lhe  fez, 
acabou  com  elle  tresladaile  as  comedias  que  ho- 
je temos.cujos  primeyros  Autores  foraó  Gregos. 

Lia  Alexandre  a  Homero  de  maneyra,  O  naayor 
goílo  que  Alexandre  tinha  na  vida,  era  ler  pelo 
Poeta  Homero  ,  &  tanto  que  de  dia  o  trazia  no 
ieyo,  6c  de  noyte  o  tinha  debayxo  do  cravefleyro 
da  fua  cama. 

EMjim  naõ  ouve  forte  Capitão  ^ 
^ie  naofojje  também  douto^.ò'  fciente^ 
"Da  Lacia.Grega^OU  Barbara  nação, 
Smão  da  'Fortuguefa  tão  fomente. 
Sem  vergonha  o  não  digo,que  a  razão 
T>ealgumnãofer  por  ver/os  excellente, 
He  nãofe  ver  prezado  overfoy^  rima, 
forque  quem  naofabe  a  arte  não  na  ejiíma. 

Em  fim  naa  houve  forte  Capitão.  Diz  que  todos  os 
Capitâc5,íj  houve  no  mundo  de  no.ue,  quer  l^o- 
nianos,quc  entende  pela  nação  Lacia,q  quer  dizer 
Latina.qucrGregos.ou  Bárbaros,  foraó  dados  ao 
exercício  das  letras,  5c  q  fc  os  Portuguezes  as  def- 
prezáo,  &  ilto  porqas  não  entendem, porque  não 


Tam  afperos  osfez^^  tam  Auflèros^ 
Tam  rudoSj(^  de  engenho  tam  remiffi) 
^e  a  muytos  lhe  dà pouco, ou  nada  dijjo^ 

§lue  a  muytos  lhe  dâ  poueOyOu  nada  <///^.Poderafe  ío* 
frer  não  lhe  dár  aos  homés  de  fabcrcm  letras, 6c  Ici- 
encms,  mas  haver  homés  q  tcnhaócm  pouco  os  q^ 
íabé,âe  barbaria  fina. 

AS  Mu/as  agradeça  omjffo  Gama 
O  muyto  amor  dapatria^que  as  obriga 
A  dar  aos  /eus  na  lira  nomeJ3  fama, 
''De  toda  a  illuftre^à'  bellica  fadiga: 
^e  elle^ncm  quemna ejlirptf  Jeufè chama^ 
Caliope  não  tem  por  tam  amiga  j 
Nem  4S  filhas  do  Tejo^que  deyxajjem 
As  te  lias  douro  fittOj^  que  o  cautajfeml 

Ai  Mttfas  <ijçr4</g^«. Nota  aqui  o  Poeta  aos  Por* 
tuguezes  pouco  favorecedores  dos  Poetas, pelo  q 
eíla  empreza  q  elle  tomeu  de  lhe  efcrever  íeus  fcy- 
t0S,devéno  â  Patna,aondc  elle  naceo,q  o  amor  de- 
maíiado  q  lhe  tinha, o  fez  cantar  os  iey  tos  dos  feus 
naturaes^  não  obrigação  alguma  q  tiveílb.  Cali- 
ope he  húa  das  M ufas, 6c  principal  dellas.Filhas  do 
Tejo  faó  as  Nymph.is  do  Tejo,  Padroeyras  també 
<los  PoecaS)Como  íicadito  no  canto  i.oytava  4* 

100 

POrque  o  amor  fr ater  no  yô*  purogofia 
^De  àar  a  todo  oLufitano  feyto 
Seu  louvor, he  fomente  o  prefupofio 
'Das  Tágides  gentis  j&jèu  refpryíO: 
'Porém  naõ  deyxeemfm  de  ter  difpofÍ9 
Ninguém  a  grandes  obras  fempre  opeytê'^ 
^e  por  eft  a^ou  por  outra  qualquer  via^ 
Nãoperderã  feupreço,^fua  valia  ^ 

Dai  Tagidei  gentis.  Tágides  faó  as  Nymp^as  do 
Teio.Veja-le  o  q  efcrevemos  no  primeyro  canto. 
O  q  neíta  oytava  diz  o  Poeta  he  q  o  feu  intéto  ncí- 
te  livro  he  dar  o  devido  louvor  aos  heróicos  feytos 


dos  Portuguezes  ,  pela  obrigação  q  atrás  tocámos 
preza  as  coulas.hnão  qué  as  conhece, 6c  q  por  naó  de  leié  Íeus  naturaes,  &  não  por  clles  o  mcreceré, 
haver  quem^faça  cafo  da  Poeíi:i,não  ha  Poetas.ha-  pois  não  favorece  aos  homens  q  neíla  parte  os  pó* 
vendo  homcs  de  muyto  engenha,  6c  habili  jade,6c  de  fizer  grãdcs,8c  excellentcs  có  feus  efcritos.  Cô 
uaqui  vcià qnaó ha  iiiieas  aeni Àchille§:quero di-    tudo acófelha fe appliqué as  obras áz virtude,porq 

nunca  falta  quem  íaya  por  elUs. 


orq 

oà 


t<6 


os  lusíadas 

DOGRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commentados  pelo  Licenciado  Manoel  Corrêa. 
ARGUMENTO.'" 

Parte-íe  de  Melinde  o  Illuftre  Gama, 
Com  Pilotos  da  terra,  &  mantimento, 
Dece  Lieo  ao  mar,Neptuno  chama 
Todos  os  Deoíes  do  húmido  elemento: 
Conta  Velloío  aos  íeus  dando  honra,  &  Fama 
Dos  doze  de  Inglaterra  ó  vencimento; 
Soccorre  Vénus  a  afligida  armada, 
E  à  índia  chega  tanto  dezejada- 

CANTO  sexto/ 

Neíle  Canto  fe  tratta  como  fahio  Vafco  da  Gama  de  Melinde  ,  Zi  o  que  lhe 
aconteceo  atè  chegar  a  Calecut.  Conta-fe  também  a  faraofa  Hiftoria 

dos  doze  de  Inglaterra. 


NAõfahta  em  que  modofefleja(fe 
O  ReypagaÕ  õs  fortes  navegantes^ 
^ara  que  as  amizades  alcança jje 
2)(?  Rey  Chrijiaô, das  gentes  taõpoffanteS^ 
'Pe falhe  qne  taõ  longe  oapofentajfe 
*T>as  Europeas  terras  abundantes 
ylventnra^que  nado  fez  ve  zinho 
U^onde  Hercules  ao  mar  ahrio  caminho , 

O  Rey  Pagai,  O  Rey  de  Melinde,ao  qual  Vâfco 
da  Gama  relatou  a  Hiftoria  ,  que  nos  trcá  cantos 
atrás  ouviíles. 


Europeas  terras.  São  terras  defta  noíTa  Europa. 

Bonde  HercuUf  ao  mar  abrio  o  caminho.  Entende 
b  eftreyto  de  Gibaltar.  Veja-lc  o  que  eícrcvémos 
no  canto  terccyro ,  oytava  95. 


J 


C"^  Om  jogús ^danças 0  onttas  alegrias 
j  Segundo  a  policia  Metindana^ 
dom  u  fadas  j  &  ledas  pefc  ar  ias 
Com  que  Lageia  a  Âritonio  alegrado  engana. 
Efiefamofo  Rey  iodos  os  dias 
hefltja  a  companhia  Lufitãiia, 
Com  banquetes  ^manjares  defufadox^. 

Com  frutas  ^aves  ^carnes  i<^  pe  fcados^ 

Co, 


\  V     /     LíifiaãasãeLuh  de  Cainhei  Commertfadosl 

Cú^  pe  a  Lagelajirtttnio  alegra^  éf  engana.  La*    ^  agente  LuJitana^deUas  dlna^ 


Í(JJ 


«eia  he  Cleópatra  Raynha  do  Egypto  ,  chamada 
afliiu  de  Pcolomeo  Lago  Rey  delle.  Efta  deu 
grandes  banquetes  a  Marco  António.  Veja-fe  o 
que  cícrevemos  no  canto  fegundo,  oytava  55, 


M 


3 

As  vendo  o  Capitei^  quefè  detinha 


Ar  de  ^morre  ^blasfemai  &  de  f  atina. 

ThalaMoiãoSoL  Saô  as  partes  aonde  o  Sol  nace,^ 
os  quaes  na  oytava  atrás  chamou  partes  da  Au-' 
rora,  que  tudo  hc  huma  mefnía  coula.  Chamaó  os 
Poetas  áquelias  partes  thalamos  do  Solde  thaU* 
Tuuíy  que  quer  dizer  cama,  ou  eílrado,  porque  fin- 
gem que  dalii  fe  levanta  ,  &  nace  o  Sol.  Tbyorteoj 


Jã  mais  do  que  devia  &  ofrefco  vent&    Baccho.  Veja-íe  a  noíla  annotaçáo  no  feguudo 


O  convida  quepartay&  tome  a/ínha 
Os  Tílotos  da  terra^é^  o  mantimento. 
Não  Ce  quer  mais  deter ^qne  ainda  tmhA 
JMuytopara  cortuY  dofalfo  argentai 
Jà  do  pagão  benigno  fe  defpede^ 
^Ine  a  todos  amiz^ade  longa  fede> 


I 


Sal{Q  argento.  Sallo  argento  hc  o  man  Veja-íèa 
iioíli  annotação  no  canto  primeyro  oytava  18. 
Benigno  chama  ao  Rey  de  Melinde  ,  pelo  bom 

âzalhido  ,  quenclle  achàraó  os  Porcuguczes» 


PEdelhe  maisyque  aquel/e  porto  feja 
Semp/e  co  m  fuás  frota  f  vifitado^ 
^te  nenhum  outro  bem  mayordefeja^ 
^46  dar  a  taés  baroês  feu  Reyno^  Q?  t  liado ^ 
E  que  em  quanto  f eu  corpo  o  efpirito  reja 
EJtãra  de  contino  aparelhado 
Apur a  vida^fê  Reyno  totalmente 
fPor  tão  bom  Rey^por  tãojub  lime  gente* 

5 

O  'Vtras palavras  taes  Iherefpondia 
O  Capitão ^&  logo  as  vellas  dando j 
IPara  as  terras  da  Aurora  je  partia, 
^te  tanto  tempo  haja  que  vay  bujcando: 
NoTolitoque  leva  naõ  avia 
Falfidadeimas  antes  vay  mo/irando 
Anavegaçaôcerta^Ò' afsi  caminha 
y  â  mais  figuro  do  que  dantes  vinha* 


canco,oytãva  u. 


Via  eftar  todo  o  Ceo  determinado 
De  fazer  de  Lisboa  nova  Roma^ 
Nao  o  pode  eflorvar^que  deflinado^ 
Eflà  de  outro  poder  ^que  tudo  doma 
jD<?  Olympo  doce  em  fim  defèfperado^ 
Novo  remedi»  em  terra  bufe  a, ^  toma 
Entra  na  húmido  Reyno ^à'  vayfe  â  corte 
IDaquelle  a  quem  o  mar  cahio  em  forte* 

De  fazer  dt  Liibôa  nova  Roma.  Pelas  vittorlâs 
que  havia  de  alcançar,  com  que  íe  havia  de  pare- 
cer com  os  Romanos,  que  tanto  dominarão. 

Da^juelíe  a  ^uem  o  mar  cahio  em  fortcEjilc  he  Nep- 
tuno u-máo  de  Júpiter,  Plutão,  &  Juno,  filhos  de 
Saturno.os  quaes  lançando  fortes  fobrc  o  que  ca- 
bia a  cada  hum  dos  Reynos  de  feu  pay  Saturno,' 
que  era  Senhor  do  univerfo  ,  depois  que  toy  lan- 
çado do  Ceo.A  Júpiter  cahio  em  forte  o  Ceo,  a  Ju- 
no o  Ar,  aNeptunoo  Mar,aPlutão  oinfernoj 

8 

NO  mais  interno  fundo  das  profundai 
Cavernas  altas yonde  o  mar  fe  e [conde l 
La  donde  as  ondas  faemfiribundas 
fiando  às  iras  do  vento  o  mar  refponde: 
Neptuno  morado'  moraõ  asjocundas 
NereydaSjt$  outrosT>eofes  do  mar  .onde ^ 
As  ã^uas  campo  deyxaô  ãs  Cidades^ 
^e  habitão  ejias  húmidas  deydadesi 


tio  maii  interno  fundo.  Deícreve  aqui  os  âpoíení 
Para  ax  urras  da  Aurêrafe  partia.  Que  coufa  fe-     tos,  &  paílos  de  Neptuno,os  quaes  diz  que  íaõ  no 


ja  propriamente  riurora 
meyro  ,  oytava  14.  & 


fica  dito  no  canto  pri- 

II2i 


AS  ondas  navegavaô  do  Oriente 
Jã  nos  mares  da  india,&  enxergavaÕ 
Os  thalamos  do  Sol.quenace  ardente^ 
Jã  quafi  feus  de  Cf j  os  fe  acabavaõ. 
Mas  o  mao  Thyoneo^que  na  alma  fente 
As  venturas  ^que  entali  fe  aperelhavaê 


fundo  do  mar. 

Cavernas  ali at.  Covas  fundas.^ 

Nereidas.  Saó  as  Nymphasdo  marfilhâs  deNe- 
reo  ,  de  que  jámuytas  vczcs  temos  trattado.  Hit* 
midai  deidades.  Saô  divindades  do  mar  ,  gente  no- 
bre, &  Senhores,  que  os  Poetas  fingiaô  morar  no 
mar  ,  &  por  eílerelpeyto  lhe atribuhiaõ  poética, 
&;  fabulofamente  diyind;\de,coa)o  coníla  da  liçaô 
dos  Poeta». 


^^f^t^d 


,IJP 


ta  cxcellentemente  à  imitação  de  Oviáít 


DEfcohre  afundo  nunca  defcuherto 
As  áreas  aly  de  prata  fina, 
borres  altas  fe  vem  no  campo  aberto 
■^a  tran (parente  majfa  crijialina: 
^artto  fe  chegão  mais  os  olhos  ferto^ 
Tanto  menos  a  vifta  determina, 
"Se  he  chriftalo  que  vé  fe  diamante, 
^e  ajfi  fe  moftra  claro j&  radiante. 

Funde  nunca  defcuberu,  He  aquelfi  partcaende 
Nepuuio  habita  por  fer  no  maÍ5  fundo,  &  fecreto 
lug^r  do  mar.aondc  nunca  ninguém  vay. 

Torres  altas. Eíi^s  tones  altas  de  maíla  ciiílalina, 
fãò  tonesdeagoa  muytoclara,  &  radiante,  como 
o  Poeta  rtrftâ  oytava  encarece. 

iSe  be  enfiai  o  ejue  fe  vè  fe  diamante.  Para  encare» 
cimeíito  da  ferajofura  das  aguas. 

IO 

AS  portas  d^  ouro  fino  ^ér  marchetadas 
Uo  rico  aljof Ar ^Qjue  nas  conchas  nace^ 
íDí  ef cultura  fer  mofa  ejl  ao  lavradas 
Na  qual  do  trado  Bacco  a  vifta  pace: 
E  vèprimeyro  em  Cores  variadas ^ 
^J^o  velho  Chãos  a  tam  confufaface. 
Vemfe  os  quatro  elementos  ttasladadoSi 
Em  diverfos  of fidos  occupados^ 

Do  rico  aljôfar^  ífue  nax  conchas  nace,  O  principal 
aljof^ir  le  peíca  na  Cidade  ae  Barem ,  na  coíla  da 
Arabia,logeytaa  El  Rey  de  Ormuz.  Ha-o  tam- 
bém em  Geylaó,  ôc  em  outras  partes.  Pefca-fe  no 
fundo  do  mar,  tirando  as  oílras,  &  dey  tandoas  ao 
Sol,  ,as  quaes  delpois  de  íeccas  i'e  abrcm,Sc  dalli  le 
tira. 

j  Na  cjual  do  irado  Bacco  a  vijla  fafce.  Encareci- 
mento grande  he  da  fermofura  do  lugar,pois  Bac- 
cho  raó  colérico  ,  £c  irado  Ic  deteve  ,  6c  dcleytou 
em  ver  aqucllas  coulas. 

Doveib»  Chãos  a  tão  cenf ufa  face.  Entre  outras 
coufas  que  eftavão  naquellas  portas  ,  huma  era 
aquellc  ant igo,6c  confuío  Chaos,de  que  os  Poetas 
tantofallaô,  quefoy  o  primeyrolugar,  fegundo 
elles  fingem  ,  donde  todas  as  coufas  tiveraó  ori- 
gem. Chãos  he  palavra  Grega ,  &  quer  própria* 
luente  dizer  confula5,porque  naqucíle  Chãos  ef- 
tavão confulamente  todas  as  coulas  fem  ordem 
nem  concerto  algum.  Trattadeíle  Chãos  Ovidio 
nas  Metamorphoícs  ,  liv.  i.  Ôc  chamalhe  o  Poeta 
velho  por  fua  antiguidade.  Vcja-fc  o  Provérbio 
Chaò  antiíjutor. 

Vem  fe  os  ejuatro  elementot.Dos  quatro  elementos, 
êc  razão  delle  nome  trattey  no  fegundo  canto, 
oytava  35.  Ôcna  oytava  íeguintc  os  pinta  o  Poe- 


1 1 

Ahlifubltme  o  Fogo  eflava  em  ema, 
^le  em  nenhuma  matertafefufiinhay 
^)aqut  as  cou/as  vivas  fempre  anima^ 
%>e  pois  que  'Fr omethéo furtado  o  tinha: 
Logo  após  elle  leve  fe  fubtima 
O  invencível  Ar^que  mais  afinha 
l^omou  lugar ^&  nem  por  quente ^oufriOi 
^Igum  deyxa  no  mundo  ejiar  vafio, 

/llli  o  Ubhwe  fogo  efiava  encima*  Chama  aõ 
fogolublime  ,  ou  pela  nobreza  ,  ou  pelo  lugari 
aonde  dilfe  Ovidio: 

ígnea  convfxi  vis,  éf  ftne  pondere  Cali  . 

Emtcuiti  (ummat^ue  locumftbi  legit  tn  arce, 

O  fogo  tomou  o  mais  alto  Uigar,  porque  efiájun^ 
toaoCeoda  Lua  encima  de  outros  elementos. 

Ç.^e  ejn  mnhuma  materta  (e  fojiinha.  Porque  não 
tem  neceffidade  de  lenha  ,  nem  de  outrab  ajudas 
para  fe  luílentar. 

Depois  ejue  Promethea  furtado  o  tinha.  Veja-fe  a 
ncíla  annotaçâo  no  canio  quarto,  oytava  105. 

O  invifivel  Ar.  Chamaao  ar  invifivel  ,  porque 
raõ  fe  detém  a  vifta  nelle  por  ler  muyto  raro  ,  &: 
íutil.  Eíí:e  Ar  eftá logo  junto  aofogo  ,  &l  logo  a 
agua,Sc  no  ultimo  lugar  a  terra  como  mais  pelada 
que  os  outros  elementos.  E  ainda  que  o  Poeta 
aqui  â  imitação  de  Ovidio  delcrevendo  aos  Ele- 
mentos ,  pocm  a  terra  no  terceyro  lugar »  ?í  não 
he  por  fer  mais  leve  que  a  agua»mas  por  fer  aflen- 
to  delia,  5c  aílim  fe  ha  de  entender  Ovídio  ,  ^  o 
Poeta  aqui.  Nem  he  inconveniente  cftar  muyiM 
parte  da  terra  delcuberta  de  agoa,porque  ifto  or^ 
denou  Deos  Omnipotente  ,  para  habitação  dos 
homens,  por  cujo  relpeyto  criou  todo  ounivcrío. 
A  qual  ordem ,  5c  preceyto  de  Deos  íe  collige  do 
primeyro  capitulo  do  Genefis :  Cvngregeníur  ar^i^a 
i^KX  jub  Cxlo  funt  in  locum  uaum  ,  &  appareat  anda. 
Ajuntem-íe  as  agoas  que  eílão  dcbayxo  do  Ceo- 
em  hum  lugar,&  appareça  a  terra.  Pelo  que  have* 
mos  de  entender  ,  que  fe  efte  preceyto  de  Deor 
não  fora  por  ordem  da  natureza  a  agoa  cobrir 
lodaa  rerra,pois  he  regra  Philofophica,  que  tcdoí 
concedem  ,  que  qualquer  elemento  luperior  bí 
dez  vezes  tanto  mayor,que  o  inferior,  mas  Dqo 
todo  poderofo,mandou  ás  agoas  que  le  dcfviíHei 
para  huma  parte,&:  deyxaflem  lugar  deloccupad 
para  habitação  dos  hotnens* 

£  nem  por  ejuente,  ou  frio.  Ifto  he  por  aquella  rc» 
grada  Philolophia,  ^uodnondatur  vacuum  inrert. 
natura ,  que  não  hà  lugar  valio  no  univerlo  ,  Díí 
tudo  eílá  occupado. 


-Ef^vi 


Lufíaàas  de  Luís  de 


1 1 


Estava  a  Terra  em  montes  reveflidat 
^e  verdes  ervas  j&  arvores  flor  idas  _, 
'ÍD  anilo  pafif^  âiverjo^  dando  vtda^ 
j^as  alimárias  nella  produzidas: 
aclara  forma  alli  tilava  e/culpida^ 
T)as  agoas  entre  a  terra  dejparz^idas^ 
'De  pejcados  criando  vanos  modos ^ 
Comfcu  humor  mantendú  os  corpos  todos. 

N  Outra  parte  efculpida  eftava  a  guerra ^ 
Quetiveraoõs  Ueofes  co'  os  Gigantes i 
Efià Tipheo  debayxo  da  alta  C.rra 
2)9  Etna,qneasflamns  lança  crepitantesi 
EíCíilpido  fe  vé  ferindo  a  terra 
Neptuno y<^uando  ^as gentes  ignorantes 
^elle  o  cavalo  houveram  ^(^  a  prime  yr  a 
^e  Minerva  pacifica  0/iveyra, 

N^outra  parte  ifculpiía  e(iava  a  guerra.  Veja-fe  o 
canto  primeyro  ,  oytava  5'». 

E(íd  7yphe9  debayxo  da  alt4  ferra  de  Ethna.  Diz 
Pindaro  Poeta  Grego,  ao  qnal  fegiie  Ellraboliv. 
15.  que  o  Gigante  Typheo  eíH  prc^^o  no  monte 
Ethni  ,  ôc  atonnentajoalli  por  mandado  de  Jú- 
piter, por  le  achar  na  guerra  dos  outros  Gigantes* 
Daqui  chaaiáo  os  Poetas  aos  rayos  tela  Jypbas^ 
naó  por  Typheo  Gigante  os  fazer  a  Júpiter, como 
alguns  querei), fe  não  por  lerem  de  matéria  de  fo- 
go,o  qual  dizem  os  P  oetas,quc  o  monte  Ethna  de 
Sicília  o  lança  de  íi  ,  aonde  Thipheoelld  amjr- 
rado. 

Efcftlpido  fe  vè  ferindo  a  terra  Neptuno.  Veja-íe,  o 
que  elcrevemos  no  canto  terceyro,oy tava  5 1. 

POuca  tardança  faz  Lyèo  trado 
Na  vtfla  delias  coujàs^mas  entrando 
Nos  paços  de  Neptuno^que  avifado 
©a  vinda  ftia^o  e fiava jà  aguardando» 
jí  as  portas  o  recebe  ^acompanhado^ 
^as  NiiifaSique/e  eíião  maravilhando^ 
5D^  ver^que  cometendo  tal  caminho^ 
Entre  no  Reym  dagoa  o  Liey  do  vinho. 

Pouca  tardança  faz  Lyeo  irada.  Entreoutros  no- 
ircsqucosPoctasdaòaBaccho,  hum  heLyeo,o 
qual  confv^rma  muyto  coai  a  natureza  dos  ho- 
mens aftcyçoados  ao  vinho  ,  porque  he  de  hum 
verbo  Grego  Lyo  ,  que  quer  dizer  foltar, ou  li- 
vrar, porque eíta  gente  he  muyto  hvre,  ôcapar- 
tada  de  cuydâdgs ,  uu  paia  milhor  diier  muyto  li- 


CdmÕes  Commentadosí  '%ji 

vre,6c  folta  no  fallar,Sc  de  pouco  fegredo*  Efta  me 
parece  a  mim  a  razaó  porque  a  gentilidade  enga» 
nada  coílumava  em  léus  lapriíicios  ,  &  feftas  de 
Baccho  levar  cirandas  ,&joeyras,  valos  que  nãc» 
foftém  em  fiagoa  ,  dando  a  entendernifto  a  natu- 
reza de  Baccho  ,  &  dos  que oícguiaó :  porque 0$ 
quelhefaziaó  luas  feitas  lè  preUvão  muyto  de  le 
lomaremdo  vinho  ,  &fuzercoulâsquccoftuma5 
fazer  os  que  guardão  fuás  regras.  Donde  diz  Vir* 
gilio  nas  Georg.  Et  my(lka  vanus  laccbtt  &  a  myH^ 
tica  ciranda  de  Baccho.  Bem  fey  que  lhe  dáo  alli 
outras  declarações ,  mas  elUme  parece  a  mim  a 
própria  ,  &alljm  relpondi  ao  noUo  Luís  de  Ca* 
mões  perguntandomc  a  razaó  ,  &:  declaração  da* 
quelle  vcrlo  ,  &  lembiame  que  lhe  contcntoi|, 
mais,que  as  que  os  comentos  Baquelle  lugar  crat* 
tão.  l^óde  Ici  Baccho  cambem  Lieo  de  lio,  que  he 
prender  ,  pelo  officio  do  viuho  ,  que  he  prender^ 
èc  atar ,  a  quem  ie  dá  a  cllc» 

ONeptunOylhe  dijfe^não  te  efpantes 
^De  Bucco  nos  teus  Rtynos  receberes 
'Ter que  também  có*  vs grandes j^ pv£antes^ 
Mofiraa  Fortuna  feus  poderes: 
Manda  chatnur  os  \Deo/es  do  marcantes 
S^e  fale  mats^ft  euvirme  o  mais  qiújeres^ 
l'  eram  da  de/ventura  grandes  modos: 
Ou^aõ  todos  o  maluque  toca  a  íodos^ 

16 

Í*X)tgando]à  Neptuno  ^quf  feria 
Eflranh')  cafo  aquelle^logo  manda 
Trttão^qut  chame  os  T^tofes  da  agoafria^^ 
Sjie  ornar habttão  d^huma^  &  d' outra  bãdai 
Tritão  jque  defer  filho  ft:  gloria 
1)0  Rfyi&  da  SaUcta  veneranda: 
Era  mant  ebo  grande  ^fiegro^ô'  fey  o. 
Trombeta  defeu^ayfBfèu  correjo, 

TritaÕy  nfut  defer  filho  fe  gloriado  Rey,  &  JeSaíaeiê 
venerandtí.  Tritão  foy  filho  de  Neptuno  ,  &  da 
Nympha  Salada  ,  correyo,  &  trombeta  de  feii 
pay  ,  como  aqui  diz  o  Poeta. 

OS  C abe  lio  t  da  barba,  (^  os  que  âecefé 
T>a  cabeça  nos  hombros^todos  eram 
Huns  limos  prenhes  dagoa,  &  bem parecemÀ, 
^e  nunca  brando  peutem  conheceram: 
Jslas pontas  pendurados  namfallecem 
Os  negros  mexilhões, que  allifegéram^ 
Na  cabeça  por  gorra  tinhapo^a 
Hurna  muy  grande  cajca  de  lagofta^ 


Oí  cahítos '^alarba.  Vitt&nos  aqui  o  Poeta  a 
Triuô  trombeta  de  Neptuno  lèu  pay  à  imua- 
^çaó  de  Ovídio  Irv,  t>  iM€t. 


iô 


i8 

C^^r/^o  ?//5,(d^'  os  membros geititaeSj, 
^Por  naõ  ter  m  nadar  impedimento 
Mas  ptrèm  de  pecjumes  antmaes^ 
^0  mar  todos  cuberios  centOy&  cento: 
ipav!araêsj&  Cangrejos  &  outros  mais^ 
.^ie recebem  de  i^hebe  crecimento^ 
Oftras^fÉ  Birbigoès  domufgofujos, 
id^seejias  cotn  acâfcaos  Qaramujos. 

^«e  rtt(h,'m  àt  Phek  cfe^irnerito.  Phcbe,he  à  L/õk, 


Vinha  o  Vadre  Occeano  âcompanhaiõ 
©oi  filhos ^à'  das  filhas , que ger àr a ^ 
Vem  NereOj  que  com  Dorisfoy  cafadoy 
§ue  todo  o  mar  de  Ninfas  povoara: 
O  'Pròpheta  Prothêo  deyxando  o  gado 
Mar it imo  pacer  pella  agoa  amàra^ 
Alli  veyo  tambem^mas  jà  [abta^ 
'O  que  o  Padr^  Lyêo  no  mar  queria^ 

Vinha  o  Paire  Oceam,  Ós  antigois ,  Como  por 
muycas  vezes  fica  dito,  faziaó  Deoíes  a  cada  canto 
nos  matos,  rios ,  6c  niar  tudo  eraó  Deoíes ,  ôcao 
m^fmo  mar  rinhaó  ncíla  conta  ,  como  o  noílo 


l>íz  q titias  òiflras,  6c  o  mais  marílco  r;  cebe  crcci^     Poeta  aqui  QÍz,fal]andocomo  Poeta,  que  acudío  a 


mento  d  i  Lua  ,  pcrq\ieaíua  principal  influencia 
he  frialdade,  &  humidade,  que  ncítascoulas  pro- 
priamente faz  tifey  to  como  em  outras  muy  tas  dtf- 
ta  qualj(;^^C. 

NAmaõagrande  concha  retorci dã^ 
^le  trãzta  com  forçajà  tocava^ 
A  voz  grande y&  canorafoy  ouvida 
^oYtodo  o  mar ^qm  lovge  retumbava: 
Jà  toda  a  companhia  apercebida 
*ÍDos  ''Deefis  par  aos  paços  caminhava 
2)í>  "Deos^quefez  os  muros  de  1)ardaniâ^ 
^Defiruidos  depois  dá  Grega  in/ànta» 


eíle  ajuntamento,  que  fe  fazia  nos  paços  de  Nep« 
tuno,lcnhor,'&:  monarcha  do  nvAT.J/tm  I^creo.  Efte 
Nercohe  outro  Deosdo  nar,fiiho  do  Oceano,  6c 
Thctis.  Eftefoycafado  com  Doris,  &  quanto  ao 
que  aqui  diz  ,  que  Nereo  povoara  todo  o  mar  de 
NymphaSjhe  pelo  que  os  Poetas  fingem  delie,que 
leve  muytas  filhas,  a  que  chamáo  Nereidas ,  Sc  al- 
guns querem  que  foífcm  cincoenta.  Seus  nomes 
íe  pódé  ver  em  Higinio,  no  principio  do  leu  livro» 
O  Fropheta  trotheo.  Prutheo  foy  filho  do  Oce- 
ano ,  Sc  Thetis  paílor  do  gado  de  Neptuno  como 
fica  dito  no  canto  primeyro  foy  grande  propheta, 
fegundo  o  q  dellc  finge  os  Poetas,como  aqui  apó« 
ta  o  noílo  Camões ,  Sc  diz  Virgílio  nas  Gcorgicas 

\  l^úvii  namíjue  omnia  vattty 
<^a  fintf^Uíiefaennt  ejua  moxventmá  trahantur. 


ÍLntende  Protheo  muy  to  bem  ,  diz  Virgílio  , 
coufas  aífim  prefentes  como  pafladas ,  Sc  por  virj 
Veja  fea  noliaannotaçaó  no  lugar  allegado. 

Ly«o.  He  Baccho,  Veja-íe  o  que  cicrevcmos 
atras  neíle  canio  ,  oycava  i4«> 


II 


Na  mão  ^grande  concha  retorcida  Concha  retor- 
cida era  hum  búzio,  com  que  Tritaõ  tangia,  o 
qaàl  era  a  lua  trombeta  ,  Sc  chama  ao  búzio  con- 
cha ,  como  lhe  chamâo  05  Latmos  ,  ÔC  afiim  lhe 
chamou  Ovidio  liv.i.  Mtt.  Cmekacjut fonanti  in/pi- 
rarejuhet.  Er  manda  IheNeptuiao  tocar  o  fcu  bú- 
zio íonoro.  ^.C>N'M^' 

yl  vezgranJe  caneta.  Voz  Canora  he  voz  fonora 
de  ean»  verbo  Latino  ,  que  quer  dizer  cantar ,  ou 

•     Daejuelk  e^ttefez,  Oimuros  de  Dardanta.   Entende 
Neptuno, a  quem  os  Poetas,  como  fica  por  muytas 
vezes  dito,  chamaó  Dcos  do  mar.  Efte  em  compa- 
nhia de  Apollo  ,  que  os  Poetas  chamaó  Deoh  da    ^ue  fe  amançavaemar  de  maravilhai 
mufica ,  Sc  medicina ,  fez  os  muros  de  Troya  a  pe-     l/efíida  huma  camiCaperctOjai 
tiçáo  de  Laomcdonte  leu  Rey,pela  qual  refaó  aos     T^y^zia  de  delgada  baet ilha 
inu*'05  de  Troya  chamaó  os  Poetas  MacniaNep-       -  o_  . 

tunia,  ou  Apollinea  ,  muros  de  Neptuno ,  ou  de 
Apollo.  Chama  aqui  Luis  de  Camões  a  Troya 
Dardania  de  Dardano  feu  Rcy  ,  o  que  tudo  he 
muyto  íabido  dos  que  lem  pelos  Poetas. 

Deflruhtdos  depoit  da  Grega  infanta.   Aponta  aqui     de  Neptuno,filha  de  CelojSc  Veíta. 

a  deílrwhiçáo  de  Tioya,da  qual  trAttámos  no  can* 

totcrccyro,  ^* 


Vinha  por  outra  parte  a  linda  efpofa 
Tie  Neptuno,  de  Ceh,&  Vefiafilha^ 
Grave ^ér  ledanogelio,&  taÒfermofa^ 


^Uí'  o  corpo  crifiálino  dcyxa  verfe^ 
^e  tanto  bem  nao  hepara  efconderfe* 

Vinha  por  outra  parte  a  linda  c/po/^r.Salacia  molhei 


C 


AMfitritefer  mofa  como  asflores, 
•  Nejie  cafo  naõquix,  quefallece§'e 


Lufiadas  de  Lúis  ãe  Camões  Commentàâoi,  iy  J 

i) T)el fim  tra%con!jtgõ,(jue aos  amores  f urus. de  Athamante,corrio  fica  dito  ,  Seque  tam- 

T>o  R<  y  ihe  aconfelhou^que  obedece  fiei  b^'"  ^^Y  ^^f  «pea  Nympha  do  mar ,  filha  de  Ne* 

^  j      //         ,..  j\...Â.  /  -  ri  reo  ,  Sc  Dons.  O  bdlo  Infante,  He  Mtlicerta  h- 

€o'sMos,^ue  de  tudo/ao  fmhores.  ^^^  <l'£l.Rcy  de  Athamame. 

^alqmr  p^recera^que  O  ôolvenceJlfe^ 

jimbas  vem pellamaòhtgual Partido, 

*^m  ambãs  faôef poj as  de  hum  marido,  ^ 


T7  0'Deosyquefoy  num  têpo  corpo  humano^ 


Amphitrite  fermofa  como  ai  florei,  Efta  Amphi-  fc>  Epor  virtude  da  ervapodero/à^ 

tritc  era  taníbem  molher  de  Neptuno  ,  como  Sa-  foy  convertido  emp€yxe_,&dejie  daHO 

Í3C'^-     ,,.               .    „                         ,  Lhe  refultouT>eydade  çloriofa: 

1^  u    .,/r,o  A^k^^i  ^     /       -    r    j  11  Inda  Vinha  chorando  O  feoenq^anoy               ^.^ 

mos  eolíiiiho  aíias  conhecido.  Contao-fe  deilc  ~^      ,  .             ,       ^  ^           z          V 

muycas  CQuías  acerca  da  afteyçáo  que  tem  aos  ^e  Ctrce  tmhaufado  CO  aftrmopt 

homens  ,  &â  mufica.  Huma  digna  de  memoria  òcylla^que  elle  amu^dillajendo  ârnadô^ 

coma  Solino  no  Polyhjítor ,  a  qual  diz  Appiano,  ^le  amais  obriga,  amor  mal  empregado^ 
que  vio  com  ícus  olhos  ,  6c  oucios  niuytos  com 

cllc  :  quehumgolfinho  tomou  tão  grande  affey-  g  <,  D€oi,tj»€  foy  num  tempo  corpo  huma»»,  Ertefo^ 

çaóa  hum  moço  ,  que  lhe  coftumava  deytar  ao  Glauco  pefcador  do  qual  coma  Ovidio  ,  que  tcn*.' 

longo  da  praya  alguns  bocados  de  paô  ,  que  o  ic-  do  muytos  peyxes  na  praya  em  quanto  le  deteve 

vavapeio  meyodomardeBayas  até  Puzzolepor  no  enxugar  das  redes  le  lhe  toraó  muytos  ao  mar. 

efpaço  de  duzentos  eftadios ,  que  he  quafi  légua  Olhando  Glauco  a  caufa  deíla  novidade,  vio  que 

Scnieya,  Sc  o  tornava  a  trjzercom  grande  admi-  os  peyxes  viviaõ  tocando  cm  huma  hcrva  que  na 

ração  da  gente,  ôcaccrecenta  que  dcipois  que fai-  prayaellava.   Provou  Glauco  aquclla  herva  ,  ÔC 

leceoo  moço  vinha  todos  os  dias  ao  lugar  donde  aconteceo-lhe  o  que  acontecia  aos  peyxes.  Elte 

coltumavalcvallo,  Sc  que  vindo  por  nuiytasve*'  foy  tido  entre  os  antigos  por  Deosdo  mar,que  he 

4es,&;  náo  o  achando  morrera  de  laudade.  oquedizaquionofibCamóeSjquedodannodcfer 

convertido  de  homem  tm  peyxe  por  viitude  de 

^$  huma  herva  lhe  refultou  ier  tido  por  Deos  do 

A^     -             j      r    •      j     yr  f  mar.Efte  também  foy  a  efl:eajuntamcnto,de  que 

S^jella.qne  das  fanas  de  /ílhãmante^  himostrattando,masaggravado>&queyxolode 

hugmaoveyoater  diviint  ejiãio%  hum  engano  grande,que  huma  molher  por  nome 

Comfigo  traz  o  filho  bello  Infante^  Circe  lhe  fez ,  a  qual  como  era  grande  feyticeyra» 

No  numero  dos  'Deo/es  relatado:  pedio  a  Glauco  que  lhe  défle  remédio  para  que 

Telia  praya  brincando  vem  diante,  ^^'"y^^^ ,  aquém  elle  queria  muytolhe  déílè  algum 

Com  as  lindas  conchinhas, que  o  Julgado  ^^'"l  •  ^  «/^^^  \^"^  ^^''^^,      .  i^f  , '  "^T 

,^      ,                •     j    ^       ^        -^  ,,^  em  luear  de  fazer  bem  ao  Glauco  lhe  tez  mal,- 

Marfimpre  cria^à  as  vezes pe lia  área,  porque  pertendiacafarfe  com  cllejnficioncu  hiu 

NocoloatomaabellaTanopèa.  mafonte  aondeScylla  fe  coílumava  ir  lavar »  de 

maneyraque  entrando  Scylla  nella  ,  affim  (efez 

Acfuella  <fU€  dai  furtai  de  /Ithamante.  Conta  Ovi-  ray  voia.que  lhe  parecia  que  a  rohiau,  &  comião  os 

dio  que  não  fe  podendo  Juno  molher  de  Júpiter  cães  da  cinta  para  bayxo^  peloque  não  fe  podendo 

por  fi  vingar  de  Ino  molher  de  Athamanie  Rey  íofrerfc  lançou  no  mar  de  Sicilia  ,  aonde  de  conti- 

deThebas  ,  á  qual  tinha  ódio  por  ter  em  pouco  no  cílá  ladrando.  Vcja-fe  o  que  cfcrevemos  no 

aíTim  a  ell.ijcomoa  Júpiter  leu  marido,  le  ajudou  íegundo  canto  oytava  ^6. 
das  fúrias  infcrnaes,buma  das  quaes  foy  logo  a  ca- 

fa  de  Athamante  ,  6c  lha  inficionou  de  maneyra,  *- 

que  Athamante  com  rayva  ,  &  fúria  matou  hum  /r        j 

filho  TcLi  por  nome  Learcho  ,  &  o  meímo  fizera  a  X  '^'  finalmente  todos  ajjentados 

molher  (ele  lhe  não  efconderacom  outro  chama-  I  Ra  gr  ande  (ala  nobre,&  divinal ^ 

do  Meliccrta:os  quacs  também  com  a  mefma  fu-  ^ /Is  l^eofas  em  riquifflmos efirados^ 

na  fc  lançarão  no  mar.  Mas  Neptuno  por  rogo  q.  T>eofes  em  cadtyras  de  criítal: 

mtHaninrh''              '  &  honrou  no  (eu  Keyno,  Poraõ  todos  doTadre  agafalhadvsi 

mudandolhe  os  nomes  a  Ino  chamando  Lcuco-  ^,          ^/    ,        ,-    .     ^J   ^    •  ..   / 

rh.a,5c  a  MeUcerta  Pal^mon:  ao  qual  os  Latinos  ^^^  corhebanotmhaajjentotguah 

chamãoPortuno,  por  fer  fenhor  dos  portos  do  'De  fumos  enche  a  cafa  anca  moUa^ 

mar.  O  que  o  Poeta  aqui  diz  he  que  a  eitc  ajunta-  ^le  HO  marnace^^  a  Arábia  em  chiyropâffal 
mento,que  Júpiter  fazia  fobre  as  coufas  dos  P«r- 

tuguczes.foráo  L.eucothea,  &  Palemon,  os  quacs  De  fumo  enche  a  eafa  a  rica  mafa,  <fue  no  mar  nacei 

diz  que  vicraõ  a  fcr  Dcolcs  do  mar ,  fu^^indo  d;ic  Efta  malVa  que  nace  no  nur,  he  o  âmbar:  o  qual  a 

natureza 


,%1 


f74  imanto  Sexts, 

:natu  reza  erm, não  geralmente  em  todas  eftas  par-    £  tu  'Padre  Occeano^què  roãeas 


tes  do  mar,  mas  em  algumas  como  laltro  delle,  por 
cujoreipeytoas  baleas  cm  certos  tempos arnbaõ 
áquel Ias  partes ,  por  fer  cíèe  o  feu  propi-io  manjar, 
&  affirma.re  que  coiiiemtanto  até  que  ie  embebe- 
daó,&  que  o  que  íayc  à,  praya  he,ou  arrancado  por 
cilas  no  íundo  do  mar,  ou  arrebeçado  do  que  Jhe 


O  mundo  tmiverfal,^  o  tens  cercado] 
E  comjufto  decreto  affi permites  ^ 
^e  dentro  ijtvamjo  aefeus  limites^ 

Vrincefe^cjut  de  jura  fmboreas.JDaqm  começa  Bac3 


-ibbeja  quando  comem.   E.  quefejaifto  aíTiniihe     choa  trattar  lua  caula  diante  de  Neptuno,  &  ou 
■cou4a  manifeíta ,  porque  não  há  âmbar  íe  não  em     tros  íenhofes  do  mar,  o  que  pretende  he ,  perfua-» 
algum^sp.aragcns,  &  cita  hc  a  opinião  de  Luis  de     dilosaquenáo  confintãoos  Portup^uezcs  no  leií 


Camões,  como  coníla  do  leu  vcríò ,  ôc  fey  ta  expe 
lienàa  por  alguns  curioíos  em  baleas  mortas 
•achâraô  o  ahibar  no  bucho  ,&  tripas  ainda  frcTco, 
&  indigeíiojComo  rac contou  hum  homem,  que 
fe  achoii  nas  partes  aonde  o  ha.  Pelo  que  nem  fe  ha 
de  dizer  ler  o  éfterco  das  baleas,  nem  o  feu  eípcr* 
ma,  como  querem  muy  tos,  porque  íe  fora  afiim, 
«charíc  o  âmbar  en>,tGdasas  partes  aonde  hába- 
.leas.  Ha.duas  caftasde  âmbar  ,  hum  pardo  a  que 
chamão  Gris ,  quchemuyto  eílimado  em  todo  o 
mundo,  outro  preto  que  vale  muyto  pouco.  Logo 
quando  lahe  eíte  âmbar  hc  íoltoconiolubaó  „mas 
dahi  a  poucos  dias  endurece,  6c  fica  com  o  cheyro 


Reyno,antes  os  perfiguaó;&  avcxem,  pois  faó  taa 
atrevidos  que  entraó  cm  Reynos  alheyos  ietn li- 
cença, 6c  vontade  do  Senhor  dcllcs.  Hceftapeti^ 
ção  a  imitarão  de  Virgilioliv.i.  iEneid.em  huma 
oração  qut  Juno  molherde  Júpiter  fez  a  Eolofc4 
nhor dos  ventos,  pedindo-lhedeílruiflea  Eneas 
no  mar,  para  que  náo  chegafie  a  Itália  ,  como 
Bacclio  aqui  queria  fazer  ,  que  os  Portuguezes 
náo  entraíkm  na  Índia.  Contí^m  eílapeciçáo  to- 
das as  p^rtc;  ,que  fc  requerem>as  quaes  faó  tres,pri- 
meyramenre  pedir  aquém  tem  poder, Icgundaria- 
rneiitepedir  coula  jufta,  ultimamente  moítrarnos 
gritos  d.i  mercê  que  fe  nos  fizer ,  ou  moftrar  que 


que  todos  veraos,tendomi  yto  pouco, ou  nenhum     vay  lambem  muyto  aos  que  haó  de  ajudar,  como 
€m  maiía.i;)iz  que  palia  ena  cheyro  a  Arábia,  por-     aqui  os  Dcofesdomar  ,  cujo  Reyno  le  perderia  ia 


que  em  Arábia  ha  muy  :omccnío,Òt  outras  couías 
cheyroías. 

Estando  fo(fegaàojà  o  tumulto 
'Dos  'Deofesy^  de  feus  recebimentos  ^ 
Começa  a  defctt  br  ir  do  pey  to  occultOj 
A  canja  o  Tyonèo  de f tus  tormentos: 
Hum  pouco  carreganàofe  no  vulto  ^ 
'Dando  moftra  de  grandes fentiment  os  ^ 
So  por  dar  aos  de  Lufo  trijte  rnorte^ 
Qo^  ferro  alheyo  fala  de  fia  forte. 

^  Thyoneo,  He  hum  dos  nomes  de  Baccho ,  como 
fica  dito.  í^ulto.  He  o  roílo  chamado  aííim  de  voh 
palavra  Latina ,  que  quer  d^zer  querer ,  porque  o 
que  temos  na  alma  logo  aparece  no  roíto. 

Oi  de  Lufo.  Saõ  os  Hortuguezes  chamados  aíTim 
de  Luio  companheyro  de  Baccho ,  como  fica  dito 
muy  tas  Vf  zes. 


Jiào  rcfiítiííem  à  entrada  dos  Portuguezes.  Fede 
Baccho  a  quem  pode, pois  pede  a  Neptuno  fenhor 
do  mar,  queofavoreça  nelle,  &:  juntamente  aos 
mais  fenhores  do  meímo  mar  ,  como  coníta  deftas 
duas  oytavas  deldc  aquellas  palavras  :  Princepc 
que  de  juro  fenhoreas.  O  que  pede  he  jufbo  ,  peio 
grande  atrevimento  dos  Portuguezes,pois  não  le 
contentando  com  fuás  terras  fe  metem  por  Rey* 
nos  alheyos,&  atravellaó  os  mares  lem  licença  da 
Neptuno  lènhor  delles.  Por  Prmcepe  entende 
Neptuno. 

L>e  bum  Pelo  a  outro  poio.  De  Norte  a  Sul,terfrio 
he,  que  muytas  vezes  declaramos  em  eíUs  nofias 
annotaçôes. 

E  tu  padre  Oceano.  Efte  fazem  os  Poetas  grande 
Senhor  do  mar ,  6c  Icgunda  pefloa  depois  de  Nep- 
tuno «  como  aqui  o  faz  Luis  de  Camões.  Do 
Oceano  le  veja  o  que  fica  dito  atrai  no  canto  pri; 
nieyrooytava  ií>. 

i8 


Eyòs  7)eofes  do  tnar^que  naõ  fofreis^ 
Injuria  alguma  em  vofjo  Reyno  grande.^ 


Co^  o  ferro  alheyo.Qom  forças  alheyas  porque  náo 
áeacreviaBacchoporíiadelviarosPortuguezesda  ,  _  -  ^ 

cmprefa  que  tinhaó  entre  mãos ,  pelo  queprocu-  ^e  com  cajltgo  igual  vos  naõ  vingueis 

rava  favor .  &  ajuda  de  Neptuno ,  para  ver  fc  por  T^e  quem  quer.quepor  elle  corra, fè ande 


clle  mçyo  podia  eíFeótuar  alguma  coufa. 


^7 

PRinclpe^que  de  juro  fenhoreas 
De  hum  'PolOi  a  outro  Tolo  o  mar  irado 
Junque  as  gentes  da  terra  toda  enfreas, 
Site  naõpaffemo  termo  limitado: 


^ue  defcuydofoy  efle^em  que  viveis? 
^icm  pôde  fer , que  tanto  vos  abrande^ 
Os  pey  tos  com  razaõ  endurecidos^ 
Contra  os  humanos  fracos  y&  atrevidos^ 

Evès  Dsofetdâ  war.  Entende  Nereo ,  Glau( 
Thctis,&  outros. 

Contra  oi  humanot  fracos  ^  (jf  atrevtdot.  O  q  í< 
paccho  tacha  aos  Portuguezcs  hcíèrcm  atrevid'^si| 


Lujtadas  de  Luhàe  Camões  Commentadoil 
que  a  mayor  glorIa,8c  honra  que  elles  podem  ter, 
níayormenceenu  coulas  tão  árduas  ,  &  difficuko- 
las  como  ellés  commettiaó,  E  por  tão  bom  fim, 
porque  como  aiz  Pliaio,  in  tnagnit,  auderemagnum 
tfi  ,  emcoufas  grandes  o  atrevimento  he  coufa 
grande.  íi.  aquelle  grande  Tyrteo,  ao  qual  Plataó 
cm  muytos  lagares  chama  Poeta  divino,  fallando 
a  eítc  propoíito  diz: 


m 


^tfejuis  maré  navigat^ts  aut  infunit, 
Aut  mendtcuf  tfi^am  mon  CMpif.ex  bit  trtbui 
Ndn  fitrifoteji^quin  faltem  Hnum  verumfit. 


l^en  mim  vir  botim  exijiit  in  bello 

Si  nonfii/ltneat  (cedim  vidert  cruentam, 

Et  ffopius  bojlei  (lare  cupiatf 

Hac  vírtui  efiboc  ofttmum  inter  bominesframium. 


O  que  navega  tem  hum  de  três  males ,  ou  he  dou* 
do ,  ou  pobre  ,  ou  amigo  de-  morrer.  Deílas  trc$ 
coulas  não  pode  deyxar  de  ler  huma.^ 

3° 

VEdes  agora  a  fraca  geração, 
^e  de  hum  vajjaio  meu  o  nome  toma^ 
Com  fvberbOi&  aitivo  coração^ 
Avos^^  a  myt&  o  mundo  todo  doma: 


Não  le  pôde  ter  por  ruim  foldado  o  que  fizer 

loin)  loftoacutiladasjôcniortestôcquenáo  folaar     r^   .  ^-  .      j       ^ 

co.n  inimigos  perto.lfto  he  cavailana.  Ariftotcies     ^'/''  ^  vo{lo  mar  cortando  vao 
fias  Ethicas  poeoi  o  atrevimento,  &  medo  por  ex-     -^^^^  ^^  que  fez  agente  alta  de  Roma^ 
iremos  da  fortaleza.  He  matéria  eíla  larga,  6c  que     yedes  O  vojjo  Reyno  devaffando, 
coinprende  muytas  niaterias.Quanto  a  cite  lugar.    Os  "Vojfos  ejtatutos  vaÔ  quebrando, 
&  propofico  o  atrevimento  he  fortaleza  ,  Scern 
matérias  de  cavallaria,Sc  virtude  foy  fempre  lou- 
vada, &  o  medo  nenhuma  defcarga  tem.  Em  ou- 
írascoulas  como  he  commetter  vícios  ,  &  fazer 
pontrao  quepedeahonra  ,  ôiaraiiúo,  o  medo, 
&  cobardia  cem  lugar. 


Vdts  agora  a  fraca  geração  ,  <]ue  de  hum  vaffailè 
meu  o  nome  toma.  Entende  aos  Portuguczes  cha- 
mados Lufitanos  de  Lulo  companheyro  de  Bac« 
cho,  ou  como elle  aqui  quer,  ler  leu  vafiallo  :  os; 
quaes  diz  que  procediaó  no  negocio  da  navegação 
com  mais  oqíadia  do  que  o  fizeraõ  os  Romanos» 


i5> 

Vlfles^qne  com  grandiffimâ  oufãdla^ 
Foram  jà  cometer  o  Ceo/upremo: 
Vijíes  aquella  infana  f anta  fia  ^ 
^e  tentarem  o  mar  com  vellaM  remo: 
Vijtes^à'  ainda  vemos  cada  dia^ 
Soberbas  ^&  tnfolenctas  taes^que  temo} 
^ie  do  Marjê  dó  do^empeucos  annos^ 
Venhaõ  T)eo/tfS  aferia'  nós  humanos, 

Forao  jd  cometer  o  Ceofupremo.  Para  confirmação 
da  ouíadia,  6c  defcnvoltura  dos  Portuguezes  em  a 
navegação  de  mares  allega  Baccho  também  ou- 
tros exceflbs  ,  que  os  homens  fizeraó  contra  os 
falfos  Dcoles ,  primeyramente  os  Gigantes  filhos 
íla terra  ,  os  quaes  procuraváo  lançar  Júpiter  do 
Ceo,5cdefl:ruir  todos  os  mais  Deoíes,para  del^ig- 
gravar  (uamây  aterra  ,  a  qual  os  criou  para  efte 
effeyto,  como  conta  O  vidio  nas  Met.imorphofes, 
&  Claudiano  na  fua  Gig.Tntomachia  ,  &   Ma- 
crohio  nos  Saturnaes ,  aonde  moralifa  eíla  fabula* 
•    ^í/?fí  aejudl»  infana  faniefta  dt  tentarem  o  mar  com 
*ela  ,  &  remo.  Efte  dito  he  peral  contra  todos  os 
homens, que  le  atrcvaó  a  andar  no  mar,  ainda  que 
princip.^lmcnte  parece  entender  aqui  os  primey- 
ros  que  o  fizeraó,  como  forao  os  Argonajitas,  dos 
quaes  temos  fallado  muyras  vezes  ncíle  livro.Cha- 
ma  aqui  o  Poeta  ao  navegar  fantefia  infana  ,  que 
podemos ,  por  termos  mais  claros)declarar  doudi» 
ccNa  verdade  cila  foy  invenção  de  homés  dema- 
fiadamétc  atrevidos.Dódc  diíle  o  Poeta  Euripides; 


31 

EP^ví  q  contra  os  Mynias ^que primeyro  j 
No  voffo  Reyno  ejte  caminho  abrira  Ô^ 
Boreas  injurtado^^  o  compãnheyra 
Aquillojê  os  outros  todos  rejijiiraõ: 
"Pois  fe  do  ajuntamento  aventureyro 
Os  ventos  e/ia  tnjurtaajfi  fentírão^ 
Uos^a  quem  mais^competeejta  vingança] 
G^e  e/perays\p6rque  a  pondes  em  tardanfaf 

Eu  viejut  €ontra  os  Minias,  Veja-fe  a  nofla  an» 
notação  no  canto  4.oytava  83. 

ENaê  conJintofDeofes jque  cndeysl 
^lepor  amor  de  vos  do  Ceo  deciy 
Nem  da  magoa  da  i  njuria  que  fof reis ^ 
Mas  da  qiiefe  me  faz  também  ami. 
^e  aqiieilas  grandes  honras ^quefabeyi 
^lâ  no  inundo ganhey , quando  venci 
As  terras  Indianas  do  Oriente ^ 
Todas  vejo  abatidas  dejta gente f 


Q 


33 

'^  ' 
Ve  o graõ  fenhor,é'  fados  que  defíbiaò. 
Como  lhe  bem  parece, o  bayxo  wundOi 

Famas 


i^amas  wores^cfue  nunca  determinão 
*Z)í  dar  a  eftes  varões  no  mar  profundo: 
jíqui  ver  ey  s  JT)eofes^c  orno  en(i  nad 
O  mal  tãmbem  a  ^Deofes^que  fegundo 
Se  vè  ninguém  jà  tem  menos  valia 
^e  quem  com  mais  razaõ  valer  devia% 

§lue  o  grão  Sen  bar  tdr  fados  que  de/imaÕ»  Qiic  cou- 
fa  leja  Fado,6c  em  que  íentido  fe  pofla  touiar  para 
fe  poder  fallar  delle  fica  trattado  no  canro  primey- 
TO,oytavaa4.. 

Ninguém  '{atem  menoi  vaka,ejue quem  commais  ra» 
x<í5  valtr  devia.  Moeda  he  que  lemprc  correo  no 
inundo,&:  que  correra  em  quanto  ellc  durar,niOM- 
lar  muyto  pouco  a  gente  de  merecimentos  ,  ôc 
pelo  contrario  ter  grandes  ofíicios  ,  St  citados  a 
que  préfta  para  pouco.  He  fruytada  terra, &taó 
conb€cida,que  náo  tem  ncccflidadc  de  prova. 

34 

ETor  iffo  do  Olympojàfo^i, 
Bufe  ando  algum  remédio  a  meus  pt farei 
^or  verfe  o  preço  que  no  Ce  o  perdi 
Se  por  ventura  acharty  nos  voffos  mares ^ 
Mais  quiz  dizer jà'  naÒpafjoud^aqui^ 
forque  as  lagrimas  jà  correndo  apares 
Lhe  faltarão  dof  olhos  ^com  que  logo 
Se  afceyidem  us  deydades  dagua  em  fogo ^ 

È  for  ip  do  Olympo  ja  fugi.  Veja*  íc  o  canto  pri* 
meyro  oytavá  17. 

■je  acendem  as  dtiilaâesda  agua  em  fogo*  Deidades 
da  agoa  raó  Deoles  do  mar  ,  os  quaes  diz  aqui  o 
)?oeta ,  que  com  a  cólera  grande  que  tomáraó  pe- 
las palavras  que  ouvirão  a  Baccho  contra  os  Por- 
tuguezcs^aquella  propriedade  que  tinhaó  de  agoa, 
que  he  Ter  humida,ôc  fria.le  convcrtco  em  fogo,Ôc 
furia,coino  na  oytava  leguinte  íe  declara» 

Atra  com  que  fubito  alterado     ' 
O  coração  dos  T>eofesfoy  numpoHto% 
Nadfofreo  maisconfèlho  bemcuyàado^ 
Nem  ãílaçadnem  outro  dr-fconto. 
Ao  grande  Eolo  mandão  já  recado 
^aparte  de  Neptuno ^quefem  conto. 
Solte  as  fúrias  dos  ventos  repugnantes 
^e  naòaja  no  mar  mais  navegantes^ 

^0 grande  Éolo  mandão  }drecado,t)e  Eõlo  íe  veja 
O  que  cfcrevenaos  no  canto  i.oytava  58* 


B 


Em  quiferaprtmeyro  aly  Trotheo 
[l^i&sr  nejie  negocio  o  q^uefentUi 


Sextvl 
Efegmdo  o  que  a  todos  pareceoi 
Era  alguma  profunda  ^rophecial 
^orem  tanto  o  tumulto  fe  move  o 
Súbito  na  divina  companhia^ 
^e  Thetis  indignada  lhe  bradou: 
Neptuno  f abe  bem  o  que  mandou. 

De  Protheo  ,  &  Thetis  fe  veja  o  que  efcreve^l 
mos  no  canto  primeyro,  oytava  15.  fie  16. 

37 

JA^  lã  o  foberho  Hypotadesf oitava 
^Do  cárcere  fechaao  os  furiofòs 
yentos^qút  cijm  palavras  animava^ 
Contra  CS  varões  uudaces^à'  animo jos 
Súbito  o  Ceo  ferem  fe  obumbrava^ 
^ie  os  ventos  mais  que  nunca  impetuofoi 
Conte çaò  novas  forças  u  ir  tomando, 
forres  ^montes  y^  cafas  derribando^ 

Hypotadei,  He  Eolo  filho  de  Júpiter  ,  &  Ser» 
gella  filha  de  Hyp  tas  Troyano  ,  pelo  que  da 
noníC  do  avó  lhe  chamaô  os  Poetas  Hypota- 
des  ,  com  o  o  noíTo  Poet:)  aqui. 

is 

EM  quanto  efte  confe  lho  fe  fazia 
No  fundo  aquofo,aleda^&  laffafrotA 
Com  vento  folfegadoprofeguia, 
^Felo  tranquilo  mar  a  longa  rota: 
Era  no  tempo, quando  a  luz  do  di% 
T^o  Eoo  E mis f  rio  eji d  remota f 
Os  do  quarto  dafrtmafe  dtytàvam 
'Fará  ofegundo  os  outros  deffertavam. 

Fundo  aejuofo.  O  mar.  Era  no  tempo  tfuando  a  luz 
do  dta  do  Eco  Hemtfpherio  ejid  remota.  í^elcreve  o 
tempo  em  que  Eolo  por  mandado  de  Neptuno 
ioltouos  ventos  ,  que  foraó  caula  dele  levantar 
huma  grandiílima  tormenta.  E  para  moftrar  quo 
era  alta  noyce  ,  diz  que  era  quando  a  luz  do  dia 
eítà  apartada  do  Oriente  ,  ao  qual  chama  Hen)ií- 
pherio  Eoo,dc  Eous,  a,um,  que  quer  dizer,  coufa 
do  Oriente.  Que  coufa  feja  Hcmifpherio  fica  di-  ? 
to  no  canto  i.oycav.i.^S  &  5.  oytava  14. 

Os  do  (juarto  da  prima  je  dtytavã'o.  Entre  os  fol- 
dados  le  reparte  o  tempo  em  vigias  ,  para  que  to- 
dos ajudem  a  levar  a  carga.  E  de  noyte  hà  eíU 
ordem  »  que  os  primcyros  que  eftaó  de  guarda 
logo  no  principio  da  noyte  ,  quehe  a  primeyra 
vigia  ,  ettaõ  quatro  horas  ,  &  pelo  confeguince 
os  outros  até  amanhecer. 


fentidai 


39 


VEncUos  vem  do  fono^  Ôf  mal  de/pertos^ 
Bocejando  a  meudoje  encoftavaõ 
I  Telas  antenas  jodos  malcttbertos^ 
I  Contra  os  agudos  ares, que  ajfopravaõi 
I  Os  olhos  contra  feu  querer  abertos^ 
I  Mas  esfregando  os  membros  eftiravaÔf 
I  Remédios  contra  o  fona  bufcar  querem^ 
I  tiijiorias  contam^ca/os  mil  referemt 

40 

C"^  Om  que  melhor  podemos  j^mmdtzia^ 
^  Efte  tempo pafar^que  he  tampe fado^ 
Senão  com  algum  conto  de  alegria^ 
Com  que  nosdeyxe  ofono  carregadol 
Uefponde  Leonardo, que  trazia 
Tenfamentos  de  firme  namorado, 
^ie  contos  poderemos  ter  melhores  j, 
¥arapa£ar  o  tempo^que  de  amoresl 

Refponde  Leonardo.Kíle  foldado  íe  chama^^aLeOi 
flardo  Ribeyro  ,  íegundo  me  diíTc  Luis  de  Ca- 
mões, pergunundo-lhe  porelle,  mancebo  deíen* 
Volto,dezidor,6c  grande  namorado. 

4t 

NAoheidijfè  Vellofo^coufajuflai 
Tratar  branduras  em  tanta  afpereZã^ 
^le  o  trabalho  do  mar ^  que  tanto  cufta, 
Naõ  fofre  amores  ^nem  delicadeza: 
Antes  de  guerra  fervida.&robufia 
yínoffa  hiftoriafeja^pois  dureza 
Nojfa  vida  hadeferjegundo  entendo, 
^e  o  trabalho  por  vir  mo  eftâ  dizendo^ 

l^ãobe  diJJeVellofú,  Eíleera  hum  Fernão  Veí" 
lolo,criadod'El'Rey  de  que  nasChronicas  letaz 
mcnçaõ. 

41 

Cl  Onfentem  nifto  todos ^é*  e^co^nendad 
A  A  VelloCo^que  conte  i/lo^qUe  aprova: 
Contarey^diJJeJèmque  me  reprenãaõ 
^e  contar  cou/a fabulo/a, ou  nova: 
E porque  os  que  me  ouvirem  daqui  aprendao 
A  fazer  feytos  grandes  de  alta  prova. 
Tios  nacidos  direy  na  m£a  terra, 
Eefiesfejào  os  doze  de  Inglaterra. 

Do$  nacidos  direy  na  nojfa  terrai  Determina  Ve- 
lofo  contar  huma  hiftoria  de  doze  P0rtugue7.es, 
os  quâcs  porque  cm  In^Uterra  ycnccraõ  doze  In- 


Lujíadai  àeLuísdeCamoèsCommenfadòsl  \Jf 

gleíes  fe  chamarão  os  doi^e  de  Inglarerrav  Efta 
hiíloriaaindaque  o  Poetaaqui  a  trâttademodo 
que  baite  para  entendimento  do  livro.todavia  parsl 
mayor  claridade  farcy  hum  breve  difcúrlo  iobrè 
cila,  ôcalém  diílo  dcclararey  pelas  oytavas  aspa* 
kvras  que  tiverem  neceffidadc  de  declaração-,      ^ 


.      43 

NO  tempo, que  do  Reyno  a  rédea  levê 
Joam filho  de  Tedro  moderavax ,  ^ 
depois  qne/ò([egadOi&  Itvreo  teve 
2)<?  vifinho  poder  jque  o  moleftava: 
Là  nagrande  higlaterra^que  de  neve  % 

Boreal  fem^re  abunda  ifeineãva 
A  fera  Ertmnis  dura,^  mà  cizânia^ 
^e  lufirefojfe  ã  m[fa  Lufitania. 

loao  filho  de  Fedro.  Efte  joaõ  filho  de  Pedro  qué 
aqui  o  Poeta  noroea ,  he  El-Rey  Dom  joaõ  o  pri- 
fneyro,por  alcunha  chamado  de  Boa  memoria,íi- 
lho  baílardo  d-Ei-Key  Dom  Pedro  o  cru,  5c  neto 
d^El-Rèy  Dom  Afíonço  o  bravo.  Coiita-íe  quô 
dcfpoís  que  Ei-Rey  Dom  Joaõ  de  Boa  memoria 
deu  batalha  a  El-Rcy  de  Caftella,  andando  cá  o 
Duque  Dalencaftre,  porque  El-Rey  de  Portugal 
era  cafado  com  huma  lua  íilha,a  qual  elle  lhe  trou- 
xera á  Cidade  do  Porto,6c  alii  calara  com  ella.  E 
deípoisdeaííím  a  batalha  rerdada,refoy  o  Duque 
para  Inglaterra  ,  &eílandoalli  em  leu  contenta- 
mento, pela  bondade,  ôc  valentia  que  nos  Portu- 
guezcs  vira  ,  dos  quaes  elle  fez  fazer  humaChro- 
nicaem  Inglaterra  dos  fc}tosde  armas  que  lhes 
vira  fazer  nas  guerras  de  Caílella.  AíTim  que  eítan-^; 
do  elle  hum  dia  com  as  Damas  da  Raynha  de  In- 
glaterra em  grandes  lolazes,&  prazeres,&  rauytos 
Senhores,  &  Fidalgos  Inglefes  coni  elle,vieiaó  os 
Fidalgos  Inglefe?  a  dizer  ás  Damas,que  craõ  muy- 
to  feaSjSc  que  náo  tinhaõ  fervidores  que  Ihocon-; 
tradiíTeíTem  ,  &que  elles  eílavão  preíles  para  fò 
combaterem  com  quaeíquer  Cavalleyros  que  lho 
contradifleflem  por  fua  parte  ,  &  que  le  quilc íleiu 
combater  com  ellesrcftes  eraõ  dozej  Sc  ellas  outras 
doze, de  que  ellas  foraó  muyto  agaítadas:  &  pedi-; 
raõ  ao  Duque  que  fe  doeíle  de  luas  honras  >  &  lhe 
dcíle  Cavalleyros  que  por  fua  parte  fe  combateí- 
íem  com  os  que  ifto  lhe  diziaó  ,  &  que  ellas  os 
aceytariâo  por  feus  fervidores,  le  elles  vingaííent 
osdcfeytos  que  cilas  tinhaõ  daquelles  Cavalley- 
roSjporaíTim  as  injuriarem.  O  Duquerogou  aal-; 
guns  dos  íeus  que  aceytafíem  aquella  demanda 
pelas  Dannas  ,  o  que  elles  não  quileraó  fazer  por 
todos  ferem  naturaes  ,  cntaó  mandou  o  Duquô 
bufcar  alguns  Cavalleyros  ,  &  não  fe  poderão 
achar .  então  dille  ãs  Damas :  cu  em  minha  Corte 
não  acho  Cavalleyros  que  íe  queyraõ  combater 
com  cll:outros,mas  porém  darvos  hey  hum  confe- 
Iho,  fe  vós  quifcrdes,  &  he  tal.  Qiiando  andcy  cm 

Portugal,  vi  nas  baulhas  que  El-Rey^cjcu  genro 

-    ......  ^g^ 


ffi  Cajjto  Sexfol       _'_,:_" 

deu  a  El-Rey  df  Gaílelk.muytos,  &  bons  Cavai-  por  mais  mofina  que  todas,  pois  nclla  cahira  a  for- 

íeyrosemfeytosde  armas:  le  vós  qju Herdes,  eu  vos  tcdo  fcuCavalleyro  não  cumprir  a  palavra  que  ti-] 

nomearey  doze,  ôceftesosmelhoies,  os  quaeseu  nha  dado»  A  qual  os  onze  conlolavão  dizendo, 

•conheço  :  6c  efcreverey  a  tL,l-Rey  meu  ger^ro  que  qtie  íe  não  agaíiafle,porque  elle  era  tal  Cavalleyra»' 

lhes  dé  licença  ,  lêelles  quiíereni  tomareílacm-  que  cumpriria  íuapromefla,  laivo  íearnortclho 

prefa:&  vós  efcrever-lhcheis cada  humafua  carta,  eftorvafle.  E  que  feaíTim  fofie  que  elles  onze  ío 

Ce  eu  tambcmjSc  querendo  elles  vir,fereis  fatisfey-  combatcriaó  com  os  doze  Ingleles,&  tomariaó  ai-» 

tas  de  vofla  injuria.  Difleraó  ellas  então,  que  lhe  li  também  lua  fama,  6c  honra.  Eltando  tUes  niíto 

beyjávaó  as  mãos,6c  que  eraó  contentes.  Poz  logo  chegou  o  Álvaro  Gonçalves  Magriço  ,  com  que 

o  Duque  os  nomes  delles  cada  hum  cm  feu  papel,  ella,  6c  elles  foraó  muy to  ledos :  Sc foraô-fe  todos 

8c  os  nomes  delias  da  meímamancyra:  ôclançârap  os  doze  então  ao  Duque,  6c  difleraó- lhe,quecllcs 

fortes ,  6c  acontcceoacadaCavalleyrofua  Dama:  eraó  alli  vindos  a  feu  rogo,6c  mandado, Õc  porque 

iie  maneyra  que  pelo  nome  fa.bia  já  cada  Dama  eraóCavalleyroseílrangeyros,  6c  oscom  que  ha- 

qual  era  oíeuCavalleyro  pela  lorte  que  lhe  acon-  viaõ  de  fazer  batalha,naturaes,  8c  grandes  Senho- 

Tecera.  Então  cada  huma  enviou  lua  carta  ao  ícu:  res,  6c  podia  acontecer  que  dando-lhcs  Dcos  vito- 

ôc  o  Duque  pelo  femelhantc  enviou  a  cada  hum  ria,  os  tratriílem  mal ,  que  lhe  pediaõ  os  legurafl^e. 

fua  carta,  em  que  lhes  rogava  ,  6c  pedia  quifcllcm  Entaó  o  Duque  chamou  os  doze  Cavalleyros  in* 

aílim  pelo  amor  dclle,como  pelo  que  deviaô  áor-  glefes,  6c  Ihesdifleque  elles  eraó  os  cometedores 

dem  da  cavallaria,aceytar  aquella  emprefa  por  ca-  defte  defafio  ,  6c  que  as  Damas  aprefentavão  por 

da  huma  daquellasDamasipois  em  lua  Corte  não  íi  aquellcs  Cavalleyros  :  6cque  feacafofofiequc 

achava  Cavalleyros  que  por  parte  delias  a  quileí.  os  vencellem  ,  que  elles  lhes  não  íizeflem  nenhum 

fem  aceytar.  Chegado  o  Embayxador  das  Damas  defaguizado  p(  r  fi,  nem  por  ícus  parentes :  6c  que 

«  efte  Rcy no,  foy  recebido  nelle  com  tanto  alvo-  clle  os  tomava  fobre  lua  cabeça :  6c  que  loubeflcm 

Toço  de  alegria  ,  que  aquellc  fe  tinha  por  mais  di-  que  fc  alguma  confa  fe  lhes  fizeíle  que  a  clle  era 

tolo,  que  vinha  pelas  Damas  nomeado:  por  haver  íey ta  ,   6c  que  caltigaria  a  tal  culpa ,  aílim  como  íe 

jnuytos  outros  que  de  boa  vontade  aceytariaó  a  contra  a pelfoa  delle  Duquefoflecommettida.Ao 

cmprela.Mas  os  doze  nomeados  refponderaó,  que  que  reípoivderaõ  que  elles  os  íeguravão  ,  6c  que 

pedida  a  licença  a  El-Rey  de  Portugal, eJles  feriaô  não  houveflem  recco  de  nada.Eftando  aílim  já  le- 

íá(prazendo  a  Deos)  pela  feíla  do  ti,ípirito  Santo,  guros  os  Portuguezes  ,  forão  o  dia  da  batalha  ver 

^uc  era  o  prazo  que  os  outros  tinhaô  pofto  para  a  as  íuas  Damas,  6c  receberão  de  cada  huma  feu  joel, 

batalha.  A  licença  deu-lhalogo  El-Rey  :  &  eíles  que  traziaó  nos  elmos  ,6c  com  elles  le  foraó  todos 

Cavalleyros  fe  affirma  que  eraó  todos  naturaes  da  armados  a  pé  meter  no  campo:  6c  os  Juizes  os  me- 

Serra  da  Ellrella ,  dos  lugares  que  eítaó  pelas  fal-  teraõ  dentro,  eftando  o  Duque ,  6c  toda  a  Cidade 

«dras  delia,  como  Tr-tncofo, Pinhel,  6c  outros:  en-  de  Londres  em  grandes  cadafalíos,  aonde  também 

treosquaeserahum  Álvaro  Vazde  Almada,  que  cílavãoas  Damas.  Aflim  que  entrarão  na  batalha, 

tlelpois  foy  Conde  de  Abranches  em  França  ,  6c  O  motivo  do  delafio  foy  ,  o  que  atrás  tica  dito.fll 

ourro  Álvaro  Gonçalves  Coutinho,  de  Alcunha  que  as  Damas  eraò  muy  to  feas,  6c  pouco  para  fe- 

•o  Magriço,  filho  do  primeyro  Marichal  Gonçalo  remamadas,6ctacs  que  nenhum  Cavallcyro  oufa^ 

Vazques  Coutinho,6c  irmão  de  Dom  VafcoCou-  ria  por  força  de  armas  a  lhe  contradizer  iíl o.  Ao 

tinho ,  primeyro  Conde  de  Ma?  ialva.  E  outro  di-  que  os  Portuguezes  refponderaó,  que  as  Senhoi  as 

Xem  que  fe  chamava  JoartPereyraAgoftin  ,  filho  eraó  muyio  gentis  molhercs,  6ctaes  que  Cavalley- 

fegundode  Gil  Vazques  da  Cunha  ,  fenhor  das  ros,  6c  de  terras  tão  remotas  ,  como  as  fuás  eraó,  j 

terras  de  Baíto  ,  6c  Monte  longo,  6c  Alferes  mór  folgavão  de  as  lervir,6c  de  fe  matarem  c^n  batalha  j 

d*El-Rey  Dom  Joaõ  de  Boa  memoria.  Os  outros  com  elles  por  amor  delias .  6c  os  Juizes  lhe  parti- I 

bum  delles  fe  chamava  Pacheco  ,  6c  outro  Pedro  raó  o  Sol.  Então  começarão  de  íe  combater,  pri- 

liomem,  6c  outros,que  eraó  por  rodos  doze,  6c  to-  meyro  com  maílas  de  ferro  ,  6c  defpois  com  eípa- 

<3os  muy  esforçados,  6c  valerolos  Cavalleyros.  Os  das  :  6c  foy  abatalha  muy  cruel,  6c  tão  dura,  que 

quaesle  foraó  á  Cidade  do  Porto:  6c  os  onze  delles  começarão  pela  manhã,  6c  a  hora?  de  terça  defcan-  , 

ie  foraó  em  huma  nao  que  ahi  toraáraõ  caminho  çáraó  :  6c  quando  veyo  a  fegunda  batalha ,  mete»  ; 

■de  Inglaterra.  Álvaro  Gonçalves  Magriço  quiz  raó-fe  os  Portuguezes  tão  apertadamente  comei-! 

hir  por  tcrra,por  ver  mundo,  promettendo  a  íeus  les,  que  finalmente  ferirão  os  oyto  muyto  mal ,  6C  Í 

«ompanheyros  que  íe  no  caminho  não  morrcde,  os  lançarão  fora  do  campo:no  qual  ficáraó  os  Por» 

feria  com  elles  no  tempo  do  prazo.  Os  da  naofo-  tuguezes  vencedores  ,6c  com  muy  ta  honra  tirados 

rao  a  lalvamento,  6c  aportarão  em  a  Cidade  de  Ló-  delle,6c  levados  â  poulada,  que  para  iílo  cílava  oi 

dres,  aonde  fora©  bem  recebidos :  6c  eftando  ahi,  denada,  aonde  os  vieraóviíitar  íuas  Damas ,  6c 

não  taltavâo  mais  que  dous  dias  do  prazo  em  que  Duque.  E  ao  tempo  ^ue  le  aflentáraç^à  meia , 

íe  havia  de  dar  a  batalha.  As  Damas  dos  onze  cila-  Damas  lhes  deraó  agua  ás  mãos  cada  huma  ao  fe 

vão  em  extremo  contentes  ,  porque  tinhaó  alli  &  quando  a  de  Álvaro  Gonçalves  Magriço  lli 

feus  Cavalleyros  :6c  a  Dama  de  Álvaro  Gonçalves  quiz  dar  ,  elle  efcondco  as  fuás  ,  dizendo  que  nd 

Magriço  pelo  contrario  muyto  agaftada^tendo^fe  lhe  havia  de  dar  agua  ás  mãos  molher  ,  fe  não  ho- 
mem: 


iLuflâàas  âè Ltúí  de  Camões  CommentàâQs\  í/^ 

ifnem:  8crogahdo-Iheella,  que  Ihefizefle  aquella  c€z  foy  morto  ,  &  vencido  das  mãos  de  Álvaro 
mercê,  elle  não  queria,  tendo  fenipre  as  mãos  de-  Gonçalves  Coutinho  ,  &  deita  mancyra  por  luas 
trás:  mas  a  Dama  apertou  tanto  com  ellc,  dizendo  mãos,  por  fervir  a  dita  Iníanta,  ficou  Flandes  fòra 
que  pois  as  oúcrâs  lançarão  agua  ás  mãos  afeus  Ca*  da  lubgeyção  de  França.Eíla  Hiíloria  conta  aqui 
valipyros ,  que  ella  em  toda  a  maneyra  havia  de  fa-     L'uis  de  Câmões.mas  porque  no  verlo  nunca  le  dÍ2f 


aer  o  meímo,  Ôc  ailim  le  não  podia  efcular ,  6c  en- 
tão  diílc  :  Senhora  íabeis  porque  não  quero  que 
jneianccisaguaàs  mâoshe,porqueas  tenho  muy- 
to  cubclludas,  &  vendo. mas  aflim,  temo  que  vos 
aborreça.  E  dizem  que  eíle  Cavalleyro  tinha  cm 
tanta  quantidade  os  cabellos  nas  mãos  ,quequaíi 
lhe  cobriâó  as  unhas.  A  Dama  lhe  reípondeo ,  Se* 
hor,antes  ellas  voíVas  mãos  lou  eu  mais  obrigada 
lavar  ,  6c  tazer-lhe  todo  o  acatamento ,  pois  que 
por  ellas  me  livralle  da  dcshonra  ,  &  intarnia  que 


tãoclaramcntc  que leeícule declaração,  íiz  aquç 
cíle  breve  dircurfo,6c  quando  íe  oftcrecer  no  vcri;^ 
fo  alguma  coufaefcura também  o  dcclararey. 

Do  vex,inho  poder  que  o  molejiava.  Dos  Caltdha» 
nos  vezinhos. 

Da  n€ve  boreal.  Neve Frígidiffima. Boreal  fecha* 
ma  de  Boreas,  que  he  o  norte,  por  ler  Inglaterra 
chegada  a  eUe  ,  &  por  cfte  rclpeyto  muytotru^ 
Fera  Erjmmi»  Eryamnhc  nome  Grtgo  ,  ÒCgeral-j 
mente  quer  dizer  qualquer  fúria,  ôc  dcíatino.  Os 


>  va 


aquelles  Cavalicyros  me  queriaó  dar:  &  então  lhe  Poetas  pmtão  tres,as  quàcs  ião,  Alt6to,Thiíipho-! 

conlcncio  que  lhe  délle  agua  às  mãos,  ne,ôc  Megera:  que  ião  caufa  de  todas  as  difcordias; 

Depois  Uc  citarem  alguns  dias  na  Corte»  foraõ  quehánomundo  :  pelo  que  uía  aqui  o  Poeta  do. 

uvilados  que  os  Cavalleyros  Inglelcs  determina-  nome  geral  delias  todas,quc  he  ErymnÍ3,dandoa 

vaó  de  os  matar  ,  ícntidos  de  os  vencerem  :  pelo  'entender  que  todas  íc  ajuntarão  para  iemear  cfta 

ue  pediraò  licença  ao  Duque  para  le  tornarem  cizânia,  2c  diícordia  entre  as  Damas,  &  Fidalgoaf 

ara  Portugal.  E  poilo  que  o  Duque  íe  punha  por  Inglefcs. 
êlles  ^  airegurando-os  que  não  hou veflbm  medo:         ^«í  lu/irefofc  d  noff'a  LufHani».  Da  qual  cizânia^ 

(lies  não  quileraò  hcar,porque  não  le  levantallem  ôc  contenda  folie  Portugal  illuílrado.  A  diíFeren* 

reyçóes  no  Reyno  ,  êc  alíim  le  foraõ.   Aqui  vos  ça  que  ha  entre  cila  Relação,  &  os  veríos  de  Luii 

ião  íabere.y  mais  dizer,  que  de  três  que  ficarão  em  de  Camões  he  ,  que  na  Relação  fc  diz  que  a  briga 

quellas  partes  :  6c  os  nove  le  tornarão  para  Portu-  foy  a  pé  com  maças  de  ferro  no  principio,  &.  dei- 

jal.  O  Coade  de  Abranches  que  ainda  o  não  era,  pois  com  efpadas.  Luis  de  Camões  diz  que  foy  « 

fez  em  {^rançatacsFeyíos  em  armas,  que  o  fez  El-  cavallo.  Mas  não  temos  cer^a  por  ler  coula  lern 

Rey  de  França  Conde  daquelle  lugar  de  Abran-  n-.emoria,  em  Inglaterra  dizem  que  a  há,  Ôc  Luis  de 

ches.Eíte  veyo  depois  a  morrer  na  batalha  da  Al-  Camões  faria  cita  differença  para  oníato  de  lua 


farrobeyra  ,  com  o  Inlante  Dom  Pedro,  como  re-     Poeíia» 
ferem  os  Diálogos  de  Varia  Hilloria  Dialogo  4. 
cap.z.  E  Álvaro  Gonçalves  Magriço,fc  foy  tam« 
bem  para  Flandes  ,  aondeeílava  a  Infanta  Dona 
llabel ,  filha  d^El-Rey  Dom  Joaó  o  primeyro  de 
Portugal ,  calada  com  o  famolo  Philippe  Conde  dé 
Flandes, Duque  de  Borgonha.  Ao  qual  neíle  tem- 
po chamava  a  Cortes  EURey  de  França ,  porque 
todos  osCpndesde  Flandes  crão  feus  vallatlos.Sa- 
bidopelalnfanta  diíle  ao  Conde  feu  marido  ,  que 
não  foífe  ,  porque  ella  queria  hir  áquellas  Cortes. 
E  aíTim  o  fez,  E  quando  foy  ao  allentar  noauto 
das  Cortes  ,  a  íafanta  mandou  por  a  fuacadeyra 
junto  j  &  Igual  com  a  d^El-Kcy,  E  fcndo-lhe  iflo 
cftranhado  pelos  grandes  de  França:  diíleque  cila 
merecia  aqueUe  lugar  ,  porque  ella  era  filha  de 
Rey:  Sc  mais  que  ella  daria  Cavallcyro  que  fizefle 
conhecer  por  força  de  armas ,  que  o  Condado  de 
Flandes.nãoera  tendoa  vaflaHagem  aos  Réys  de 
França.  El-Rey  aíTinou  o  dia  para  a  batalha,  & 


44 

ENtre  as  dantas  gentis  da  Corte  Ingkfál 
E  nobres  curtefaósa  ca/o  hum  dia 
Se  ievantou  dijcordia  em  ira  acejd 
Ou  foy  opiniam^  ou  foy  porfia: 
Os  Cortefaòs^a  quem  tam  poutopept 
Soltar paiavr as  graves  de  oujadia^  1 
^Dizerriique provaram ^q  honras i&  famatl 
Em  taes  damas  namhaparafer  damas, 

Ditatm  que  provdra'5,  Eíle  foy  o  motivo,que  foy 
câula  de  haver  a  batalha,  de  que  atrás  falíamos  en* 
tre  os  Portuguezes,êc  Inglefes.^ 

E^efe  houver  alguê  cõ  lan^àfi  effaià\ 
^ue  queyra  fuftentar  apartefua^ 
paradelender  o  contrario  do  que  ella  dizia.  E  ella     ^teelies  em  campo  rafiiOU  eftãcada^ 
deu  por  fi  a  Álvaro  Gonçalves  Coutinho  o  Ma-     £^^  darâmfea  tnfamia.ou  morte  cràai 

deínuarS^""' m^o  f^T^V  ^"^  °"^^«^  A fcmenil  fraqueza  poucoufada, 

decntrar  nelta  batalha.Odiaaiiinado,ococampo  ík>  ^     ^      ,   J  ?  ^     , 

feguro,  os  Cavalleyros  forâo  metidos  nelle,  &  ar-  ^  ^T^^^"^  ""  opróbrios  taesvendofe  nu4 

remeterão  hum  ao  outro,  8c  dos  encontros  ambos  ^^  forças  mturaes  convenientes y 

forão  cm  terra,vierão  as  erpadas,&:  andarão  em  fua  Socono pedem  A  émtgOs/^  parentes^ 
batalha  rouy to  clpaílg de  cempa.  1^  ao  íiai  g  Fran*. 


Z2 


a 


íSo  .__  CdntoSextil 

Afcmenúl  fraqutzi.  As  Damas  molhcres  fra- 


cas. 


4^ 


48 


Ascsmofoffem  grande  s^&  pojjantes 
%Mo  Rtyno  os  inimigos ^nãofe  atrevem 
Nem  par  ente  SiTiem  fervidos  amantes^ 
Ajuftentar  as  damas^como  devem^ 
Com  lagrimas fer mo/as, &  baftantes 
Afazer^que  emficorro  os  ^eofes  levem 
'De  todo  o  Ceopor  rojios  de  alab afiro. 
Se  vam  todas  ao  1)uque  de  Âlencajiro,^ 

47 

1"^  Rã  efle  Inglez  potente jfêmllitdr a 
i  Cos  'Portuguejes ia  contra  Ca jiella^ 
Onde  as  forças  mcígnanimas  prova}  a 
U^os  companbeyrosJÉ  benigna  efirellai 
NaÕ  menos  nefta  terra  exfrimentàra^ 
Namorados  effeytos^quando  nella 
Afilha  vio.que  tanto  o  peyto  doma 
^0 forte  Key^quepor  mulher  a  toma. 

Era  efte  Inglês.  Efte  Duque  de  Lencaílre  por 
morte  de  fua  prima:ra  molher  caiou  com  Dona 
ConíUnça  filha  maprd'El-Rey  Dom  Pedro  de 
Caftella  "por  alcunha  o  cruel ,  ao  qual  rrtatou  hum 
íeu  irmáo  por  nome  Dom  Henrique,6c  le  empof- 
fou  do  Reyno,  por  cuja  morte  ficou  em  feu  lugar 
hum  feu  filho  por  nome  Dom  Joaó  ,  Sccomo  a 
mulher  do  Duque  de  Lécallre  filha  mayord?Ei- 
Rey  Dom  Pedro  o  cruel  dcCaftella  lofreíle  mal 
eítar  o  Reytio  de  Caftella>  que  a  ella  lhe  vinha  por 
direyto,  em  poder  de  Dom  Joaó  feu  primo,  ven- 
do occafiaõ  para  le  poder  latisfazer  nefta  parte» 
que  eraó  as  guerras  que  havia  entre  Portugal  ,  ÔC 
Gaílella  ,  acabou  com  íeu  marido  o  Duque  qui- 
ieíTe  vir  aeftas  partes.  O  Duque  efcreveo  a  El- 
Kícy  Dom  Joaõ  de  Portugal  como  elle  determina- 
va vir  a  eftes  Reynos  com  huraa  grofia  armada, 
para  tomar  os  Reynos  de Caftella  ,  6c  Leaõ  que 
cítivefieprelles,  &  o  ajudaíle  por  terra,  Veyoo 
Duque,&delembarcou  na  Corunha,  &:  entrando 
por  Galiza,&  empoílando-fe  de  algús  lugares  deU 
la,vio  em  os  Portuguezes,quc  em  lua  companhia 
trazia  fazer  coufas  de  muyto  esforço, &  cavallaria, 
p^lo  que  lhe  era  muyto  affeyçoado ,  &  os  tinha  na 
conta  que  elles  mereciaó» 

/l  filha  vio  ,  (fue  tanto  0  feyto  doma  do  forte  Rey. 
Efta  foy  Dona  Philippa  filha  do  Duque  de  Len- 
caftre,.,  á  qual  fe  affeyçoou  tanto  El-Rey  Dom 
João  ,  que  ie  caiou  com  ella.  Efte  caíamentofoy 
Icyto  no  Porto  ,  em  dia  de  Nofla  Senhora  da  P  u- 
rificaçáo,  a  hum  Sabbado  ,  dous  de  Fevcrcyro  de 
mil  trezentos  oy  tenta  5c  fetc: 


ESte.quefoccorerlhe  não  queria] 
Tor  nao  caiifar  dijcordtas  intefiinasl 
Lhe  diz^quando  o  direyto  per  tendia 
^0  Reyno  ia  das  terras  Iberinas: 
Nos  Lujitam  s  vi  tanta  ou/adia. 
Tanto  prím'or\&  partes  taõ  divinas  l 
^e  elles  fòs  poder  ião(^fe  naõ  erro^ 
òtifientar  vojjaparte  afogo^&  ferroí 

"Ejle  «fm  focomrlhe  não  (juieria.O  Duque  nao  que"? 
ria  dar  favor  ás  Damas  nefta  lua  defavença,que 
com  CS  Fidalgos  Ingl  íes  tiveraõ ,  por  não  caufar 
inimizajes  ,  o  que  fucccderia  fe  entendeflem  os 
Fidalgos  que  era  contra  elles  em  favor  das  Damas,'  m 
E  aílim  o  cónleiho  que  deu  de  mandar  a  Portu- 
gal a  bulcar  Cavalheyros,que  deíendcflem  lua 
caufa,  foy  em  legreoo,  &  da  maneyra,  que  os  Ca- 
valheyros  o  nãoloubelfen). 

Dt(cordiai  intefttnai,  Dilcordiâs ,  interiores,  6c 
grandes. 

Terras  fbertnas.  Terras  de  Hefpanha.Chamaõ  I3 
affimdelberus,  que  he  o  no  Hebro,  queporella% 
palia. 

45> 
45*^  agradadas  ^amas  ,foh  fervidas , 
^^Por  vos  lhes  mandarcy  Embayxadoresl 
^e  por  cartas  di [cretas,  &  polidas, 
^e  Vfíffo  agravo  çs  façao  fabedores: 
Também  for  vo  ff  a  parte  encarecidas^ 
Com  palavras  de  afagos ^fy  de  amores^ 
Lhefejam  voffas  lagrimas  ^que  eu  creyo, 
Sj£e  alli  tereis  fôccorro^^ forte  efteyo. 

Também  por  vojja  farte.  Efcre vendo -lij^e,  Sctrat- 
tando-lhe  dá  razão  que  tendes  de  iahir  por  voíia 
honra. 

D  Efta  arte  as  aconfelha  o  T>uque  experto^ 
E  logo  lhes  nomea  doze  Fortes^ 
E  porque  cada  'Dama  hum  tenha  certo t 
Lhes  manda^que  jobre  tllts  lancem fortesi 
§ue  filas  fò  doze  fan^^  descubi  rtCy 
^ala  qual  tem  cahiào  dos  confortes  y 
Cada  huma  efcreve  ao  feu  por  vários  modof^^i 
E  todas  a  feu  Rey,^  o  T>uque  a  todos  ^ 

E  todas  a  ff»  Rey.Á^s  Damas  todas  fizcraô  huniá 
carta  a  El-Rey  Dom  Joaó  o  pnmeyro  dcfte  nointf 
de  Portugal  ,  pedindo-lhc  lhe  fizefle  mercê  dos 
Cavalheyros  tinalados  pelo  Duque. 

Confortes.  Saó  companheyras,  que  todas  o  ei  ão 
«o  paço  de  Inglaterra. 

U 


Lufiaàas  de  Luís  de  Camões  Commentadosl 


18 1 


51 

J'A^  chega  A  Portugal  o  menfàgeyros 
Toda  a  Corte  alvoroça  a  novidade ^ 
Qutzera  o  Rey  fubtime  fer primeyro^ 
Mas  naõ  lho  fofre  a  Regia  Mageflade: 
^htalquer  dos  Corte faós  aventureyro 
^efeja  fèr  com  férvida  vontade, 
Efo  fica  por  bem  aventurado  ^\ 
^emjà  vem pe lio  'Duque  nomeado. 


È  Jò  fica  por  bentaventurado.  Cofturac  daquella 
rimcyra  idade  ,  6c  verdadeyramente  de  ouro  da 
4açáo  Portugueza  ,  que  nenhum  outro  intento 

tinháo  Ic  não  honiar  fua  pátria,  6c  alcan^^ar  nome 

nella. 

5  2' 

yf  ^  na  leal  Cidade ^donde  teve 
OrigcmÇcomo  he  fama^o  nome  eterno, 
'portugal^armar  madeyro  leve 
landa  ^0  que  tem  o  leme  do  governo: 
V/ipercehernfeos  doze  em  tempo  breve, 
)e  armas j&  roupas  de  ufo  mais  moderno^ 
)e  elmos  icimeyrasjetrastt^  primores, 
lCavalloSi&  concertos  de  mil  cores. 

Lana  Uai  Cidade.  Efta  he  o  Porco,donde  o  nof- 
(o  Portugal  tomou  o  nome.  E  ainda  que  Luis  de 
amóes  o  diga  com  efla  lalva,  como  he  Fama»  re* 
foluto  eftà  entre  os  homens  doutos  ler  eíta  fua 
ngem  :  como  affirma  André  de  Refende  em  hu- 
ma  carta  fua  para  RerthoUmeu  Qiicbedo.  Duarte 
Galvão  na  Hilloria  d"^EURey  Dom  Affbnío  o 
primeyro  ,  Oforio  Bifpo  de  Sylves  na  Hiftoria 
d'El-íley  Dom  Manoel.  E  novamente  Duarte 
Nunes  de  Leio. 
i  Madeyro  leve.Ht  nao,figura  muyto  ulada  entre 

os  Poetas,por  a  matéria  de  que  ella  fc  faz. 

O  ejue  tem  o  leme  do  governo.  El-Rey  Dom  João  o 
primeyro  de  Boa  memoria  ,  que  neíle  tempo  go- 
vernava o  Reyno» 


55 


>-^^'^l^V 


T/^^  dofiu  Rey  tomado  tem  licença^ 
Tarapartir  do 'Douro  celebrad9 
yíquelles^que  efcolhidospor  fentença, 
Forad  do  Duque  Inglês  exprimentado: 
Naõ  ha  na  cornpnhla  diffcren ça 
'/)^  cavalleyro .defiro jOU  esforçado. 
Mas  hum  fô, que  Magriço  fe  dizia^ 
^ejla  arte  falia  à  forte  companhia. 

Maí  hum  fê,  efue  Magriço.  Efte  hc  Gonçalo  Vaz 
Magriço,deq  fica  trattado  neíle  canto  oyiava48. 


54 

FOrtijflirncs  confocios^eu  defejo 
Ha  mvytojâ  de  andar  terras  eflranhafi 
Tor  ver  mais  agoãs,q  a  do  T>ouro^&  Tejo, 
Varias  gente s^à'  leys,&  varias  manhas: 
Agora tque  aparelho  certo  vejo 
0Pois  q  domundo  as  coufasfaÔ  tamanhas^ 
^trofe  me  deyxais  ir  fó por  terra ^ 
^J:" arque  euferey  com  vofco  em  Inglaterra, 

Forttjfimtí  eonfacioí,  FortiífimoscompaneyroSj 

55 

Estando  cafofor^que  eu  impedido] 
Tor  quem  das  cou/as  he  ultima  linha] 
Naõ  for  com  vofco  ao  prajo  inftit  u  ido  9 
*P  ouça  falta  vos  faz  a  falta  minhT, 
Todos  por  my  fareis ^0  que  he  divido, 
Masje  averdade  o  efprito  me  adevinha] 
Rios^montes  fortunaydu  fua  fnveja^ 
Naõ  faraó  ^que  eu  com  vofco  ià  nãofejal 

Por  tfuem  dascoufas  he  ultimei  linha.  ^  ultima  linha 
de  todas  as  coulas  he  a  morte,  por  íer  o  remate,  8c 
fim  delias,  AlTim  o  diíTe  Horácio  liv.  1.  Ep.  16. 
Alort  ultima  línea  nr um  e[i,  a  morte  he  ultima  linha 
das  CO  ufas, 

5T 

ASfidiz,^  abraçados  os  amigo  f, 
E  tomada  ltcença,(fmfim  fe  parte^ 
Tajfa  LeãOiCaftella^vendo  antigos 
Lugares  ique  ganhara  o  pátrio  Marte: 
Navarra j&  os  altifftmos perigoi 
'Do  'Pirineo,que  Efpanhaj&Gallia  parte] 
Vi  fias  em  fim  de  França  as  coulas  grandes 
No  grande  Imperiofoy  parar  de  Fr  ande  s^ 

Lui^etrti  ejue ganhara  o  pátrio  Marte.  No  tempo 
d'EI-Key  Dom  João  o  primeyro»  No  qual  os 
Portuguezes  fizerão  muytas  entradas  no  Reyno 
deCaílella  ;  ôclhetomáraó  muytos lugares  em 
Liaó,  &  Galiza,  como  fc  pôde  vec  nas  Chronicas. 

Ca^s  altoi  perigot  dâ  Vyrinto.  Dos  montes  Pyri- 
neos  Ic  vejaa  noflaannotaçáono  primeyro  canto 
oytava  16. 

57 

Atfichegado.oufoffe  cafo  ou  manha] 
Sempaffarje  deteve  muytos  diasy 
Mas  dos  onze  a  illnfiriffima  companha^ 
Cor  tão  do  mar  do  Norte  as  ondas  frias: 

Chegadoi 


Chegados  àe  Inglaterra  â  cofia  eftranha 
Wara  Londres jã  fazem  todos  vtas^ 
"QJoDuque  fmõcomfeftas  agajalhados^ 
Sdas^amas fervidos ^1^  amimados, 

Ccrtão  do  mar  do  Norte  ai  ondat  friai »Mzr  do  Noi- 
te bc  o  que  palia  pelas  partes  do  Norte,  coino  In- 
,glaterra,6c  outras  naqucUa  paragem,  que  pendem 
para  o  Norte.  Chama  às  aguas  do  mar  do  Norte 
friíis  ,  porque  naquellas  partes  até  o  mai*  fe  con- 
gela com  a  grande  frialdade. 

C"^  Hegafe  oprafoj^  dia  affln alado ^ 
j  T^e  entarêcampojd  cos  doze  Inglefes^ 
Muefello  Reyjá  tmhaòfeguraao, 
Armâoje  d* elmos ^gr evasão"  de  ame/es: 
Jàas  Í>amas  tem  for  fi fulgente  ,^  armado 
O  Ma  vorte feroz  dos  ^ortuguefis^ 
Vefiemféellas  de  cores  fê  dtJedaSy 
2)í  ourOi&  dv  joyas  mil  ricas^^  ledas, 

^uefelo  Rey jÀ  tinhaÕ  fegurado.  ComoosPortU- 
guezes  eraô  eftrangeyros,  náo  quileráo  entrar  em 
campo  com  os  Ingleíes  fem  o  Duque  lho  fegurar. 

O  Mavortt  feroZi  dos  Px>rtuguez.es.  Mavorte  ,  £c 
Marte  laó  nomes  do  Dcos  da  guerra  dos  antigos, 
que  fomaváo  pelamefma  guerra  ,  como  aqui  o 
«oílô  Poeta. toma  Mavorte  pelo  eíquadrão  dos 
I^ortuguezcs,que  eítava  jà  a  pique  para  pelejar. 


rx3^'^ 


C^moSextJ^, 


•>  >  t\  ■<  »j,í  ís^  <>  r\  ■  •♦  c»  ■ 


Jí» 


MAíaqUellayãquem  fora  em  forte  dado 
Magriço, que  não  vinha  com  trifieza 
ôe  vè/ieipor  nãoteriquem  nomeado 
Seja  /eu  cavalleyrOjnefta  emprefa: 
Bem  que  os  onze  apregoão^que  acíthado 
Será  o  negocio  affi  na, Cor  te  Inglefa, 
^te  as  'Damas  vencedoras  Je  conheçaõ^ 
"FoJloSique  doHSj^tres  dos  feusfaíleçaÔ, 

Cem  trifitt>afe  vejle,  Vefte-le  de  veftiduras  ne- 
gras de  trJÍieza. 

JA^  num  fublíme^&  publico  tbeatro 
Se  ajfenta  o  Rey  Inglez  com  toda  a  Corte^ 
Efiavaõ  tns^à*  tres^^  quatro^^  quatro^ 
Bem  como  a  cada  qual  couber  a  emfortei 
NaÕfão  vijtos  do  Soldo  Tejo  ao  Batro 
*De  forçares  for  ço^^  de  antmo  mais  forte 
Outros  doze  fàir^como  os  Inglefes 
No  campo  contra  os  onze  Tortuguèfes. 

Do  Tejo  ao  Batro.  Do  Poente  ;io  Oriente,  tcrm^ 


de  fallar;  porque  rooftrainbs  todo  o  mundo  aíndé 
que  le  íinale  lómente  o  Poente  ,  &  Oriente,  &  af*~ 
fim  o  ufaõos  Poetas.  Do  Tejoíe  veja  o  que  fica 
dito  no  canto  quarto,oy cava  lo.  Batro  he  Rio  da 
Regiaó  Batriana  de  Alia  ,  que  nace  do  Montes 
Tauro,  Querem  alguns  que  le  chame  hoje  Bo-' 
chara.  E  porque  o  Tejo  he  Kio  do  Occidence  6c 
JBacro  do  Oriente  ,  por  líio  os  põem  aqui  para  o 
icntido  que  lhe  demos.  "  ^ 

61 

MAfiigaõ  oi  cavallos  efcumando 
Ós  áureos  freos  com  feroz  femblan^ 
Eftava  o  Sol  nas  armas  rutilando 
Como  em  críjial^ou  rígido  diamante'. 
Mas  enxergafe  num,&  noutro  bando 
partido  defigualy&  diffonante^ 
^os  onze  contra  os  doze^quando  agente 
Começa  a  alvoroçar  fe  geralmente^ 

Ou  rigido  diamantí.  Do  diamante  íe  veja  a  noíl| 
annotaçáo  no  legundo  canto  oytava4. 

Cl 

Vlraõ  todos  o  rofto  a  ondehaviã 
A  caufa  principal  do  reboliço  ^ 
Eis  entra  hum  ca^aleyro, que  trazia 
t^^rmaSiCavalõ  ao  bellicoferviço: 
Ao  Refj&às  lDamasfala,&  logofehta 
^ara  os  onze^que  efie  era  ogram  Alagri^èi 
Abraça  os  companheyrosycomo  amigos ^ 
Aquém  naÕ falta  certo  nosferigos^ 

A7)ama  como  ouviõ,que  efie  era  aquellel 
q  vinha  a  defender  (eu  nome ,ò  fama ^ 
Se  alegra_,&  vefie  alli  do  animal  de  He  lie  j 
^ue  agente  bruta  mais  que  a  virtude  amai    ' 
Jâ  dão  final jò'  ofom  da  tuba  impelle 
Osbellicofoi  ânimos ^que  inflama^ 
^icão  dtfpor  as  Jargão  rédeas  lõgo^ 
Abayxão  lanças, fere  a  terra  fogo. 

O  animal  de  tíelle.He  de  ouro.  Veiâ«le  ó  que  cf-^ 
crevemos  no  terccyro  canto  oytava  ii, 

§t^e  agente  bruta  ntaii  ^ue a  virrude  ama»  O  ouríj 
de  lua  natureza  náo  he  mao  ,  nem  faz  mal  antes 
com  elle  fe  pôde  fazer  muyro  beto.  O  que  o  nolib 
Poeta  aqui  diz  ,  he  pelo  mao  modo  que  alguns 
tem  no  ufodelle,  que  hepórnelle  toda  fua  felici- 
dade ,  que  com  muyta  razão  merecem  onomç  de 
brutos,que  o  P  oeta  aqui  lhe  dá. 


Lupadas  de  Luís  dâ  Camões  Commentadosi 


i«$ 


^4 

D  Os  cavalos  o  ejlreptto  parece, 
^lefaz  que  o  cham  debayxo  todo  tremei 
O  coração  nopeytOyque  eftretnece,  •  ^^^wj;  ^s 

*Z)í  quem  os  olhos  fe  alvoroça,&  temei 
;^al  do  cavalo  voa,  que  não  dece, 
€Ual  CO  cavalo  cm  terra  dando  geme , 
bhialvermelhas  as  armas  faz  de  brancas^ 
^aWos  penachos  do  elmo  açouta  as  ancas ^ 

Dot  tavàlUt.  CoTi  muyto  artifício  nos  pinta 
aqui  o  Poecaa  encrada,Sí;  principio  defta  batalha: 
o  animo  dos  Cavalleyros,  impctu  ,  6c  fúria  dos  ca- 
vallos,  6c  o  (ucceflb  da  dcinanda,  6c  como  em  br<*- 
vecempocilevca  viccoria  pelos  Porcuguczes. 

AL^tm  da  Ui  tomou  perpetuo  fonõ^ 
E  faz  da  vida  ao  fim  breve  intervalo ^ 
Correndo  algum  cavallo  vay  fem  donOi 
E  noutra  parte  o  dono  fem  cavaloi 
Cae  a  foberba  Inglefa  de  feu  trono^ 
^le  douSyOU  tresjãfdra  vão  do  valo; 
Os  qu'j  de  efpada  vem  fazer  batalha^ 
Mais  acha  yd  qtte  arnés,efcudOi&  malha. 

Alg»m  d?aili  tomou  perpetue  fono»  Chama  á  morte 
fono  perpetuo  como  lhe  chamáo  todos  os  Poetas; 
Horácio  Od.z4.liv»!.  Erg9  ÇLutnãtíiMm  perpetuas  fo* 
por  «r^et.hum  perpetuo  fono  aperta  Quintilio,pe- 
ra  dizer  he  morto  Quintilio.  O  melmo  Horácio 
Od.ti. IÍV.5.  Ihechama  grande:  Nelangus  tthifom- 
nus  undt  no»  timei  <^efMr,porque  vos  não  venha  com- 
prido fono,  donde  não  cuydais.E.  Virgílio  iiv.io. 
JEaeid.  lono  de  ferro:  Ollt  dura  ejutei  oculoi  ,  &fer^ 
réus  urget  fomnusjlmm  lono  de  ferro  lhe  aperta  os 
olhos.  E  aííim  cm  outros  muytos  lugares.Homs- 
ro  liv.  14.  lliad.faz  o  fono  irmão  da  morte.  Ubi 
fomno  obviavit  fratri  mortis.  Onde  fe  encontrou 
com  o  fono  irmão  da  morte. 

r"^  y^ftar  palavras  em  contar  eflremos 
^  y  T^e  golpes  feros  ycrua!  eftocadasy 
He  de (Jesgaji adores,  quefabemos 
Mãos  do  temp0^com fabulas  fonhadasi 
BafiapOY fim  do  caío^que  entendamos j 
^e  c  om  finezas  altas  Ç^  afamadas, 
C^os  nojos  fica  a  palma  da  vitoria  ^ 
E  as  'Damas  vencedoras^  &  com  gloria, 

GaiUdoresfnaosd»  tempo.  Homens  que  gaftâo  o 
tempo  cm  efcrever  fabulas  ,  &  fingimentos ,  doí 
quaes  hu  abundância  na  terfd. 


<J7 

R    Eco  lhe  o  T)uque  os  doze  vencedores 
Nos  f eus  paços  com  fefias/^  alegria^ 
Cozinheyros  Gccupa^ài'  caçadores 
^Das  T>amas  afermofa  companhia: 
^terem  dar  aos  feus  libertadores j 
Banquetes  mil^cada  horaj&  cada  dta^ 
Em  quanto  fe  detém  em  Inglaterra^ 
Atè  tornar  ádoce^&  cara  terra. 

6% 

MAs  dizem t^  com  tudo  o  gram  Magriçê 
^Defejofo  de  ver  as  coufas  grandes, 
hd  fe  dey  X  ou  ficar  yonde  hum  fervi ço% 
Notável  àLondeffa  fez  de  Fr  andes: 
E  como  quem  não  erajà  noviço^ 
Em  todo  o  trance  iOnde  tu,  Marte  ^  mande  si 
Hum  Francez  mata  em  campo ^que  o  defitm 
Là  teve  de  7 ore  ato  ^  de  Corvino, 

O  graõ  Magriço,  Efte  Cavalleyro  le  chamava 
Álvaro  Gonçalves  Coutinho  o  Magriço  ,  do  que 
já  talámos  atrás  na  oytava  45.  E  alem  de  que  já 
temos  delle  contadoidizem  também  que  em  Flan- 
des  livrou  a  Condeífa  Madama  Leonor  de  hum 
aleyve  que  lhe  levantou  hum  Aicuiáo  por  nome 
Ranulpho  de  Colónia  ,  ao  qual  matou  em  delaíio 
na  Cidade  de  Dunquerque:E  em  Orlians  Cidade 
de  França  venceo  em  deíafio  Moníiur  de  Lan- 
fay  diante  d^El-Rey  de  França,6c  lhe  tirou  hum 
coUar  de  ouro  do  pcícoço  ,  como  Tito  Manlio 
mancebo  Fidalgo  Romano  ,  fezaoucro  Francez 
em  JeUfio,como  conti  Tito  Livio  liv.7.  pag.iij, 
fub  litera  B»E.  M.  Valério  Tribuno  ,  que  por 
hum  corvo  que  no  deíafio  ie  lhe  poz  no  capacete, 
íe  chamou  de  alcunha  Corvino,  como  conta  Tito 
Livio  lib.  7.  pag.  mei  libri.  2x2.  lub  littera  G.  pelo 
que  o  Poeta  aqui  diz  que  teve  odellinode  Tor* 
quato,8cCorvino,que  tiveraõ  delafios  cótra  Fraa; 
cezeSvSc  os  vencerão  como  o  noUo  Magriço. 

OVtro  também  dos  doze  em  Alemanha 
Se  lança,^  teve  hum  fero  defafio, 
Cum  Germano  engano  forque  com  manhn 
Na  6  de  vidado  quiz  pór  ne  extremo  fio  i 
Contando  afftVellofo.jà  acompanha 
Lhe  pede  ^que  não  faça  tal  defvio 
7)(j  cafo  de  Magriço,^  vencimento. 
Nem  deyxe  o  de  Alemanha  em  efquecimental 

Outr»  também  dos  doxAem  Alemanha.KO:^  Portu- 
euezdos  trcs  que  ficáraó ,  q^ue  fe  lançou  em  Al»», 

manha j 


"Canto 
nianha,chamava-fe  Álvaro  VâZ  de  Almada.  Con- 
ta-le  delle  que  foy  ã  Cidade  de  Baíilea  em  Alema- 
nha ,  aonde  teve  hum  delafio  cora  hum  Aiemão. 
O  concerto  do  defaíio  foy  que  levaflem  ambos  as 
meímas  armas,  &  que  foíle  tidoporaleyvoío,  Sc 
traydor ,  o  que  íizefle  o  contrario.  Entrarão  cm 
batalha,  5c  a  juizo  de  todos  Álvaro  Vaz  de  Almey- 
da  hia  de  vencida.  O  Alemão  poíto  em  aperto, 
cjuiz-leaproveytar  de  huma  arma  fecreta  que  le- 
vava clêondida  com  hum  gancho,com  a  qual  afer- 
rou em  hum  hombro  de  Álvaro  Vaz  de  Almeyda 
de  maneyra,  que  lhe  rompeo  o  arnès,6€  o  ferio  na 
carne.  Sentindo-fe  picado,  &  vendo  o  engano  do 
Alemão,  ferrou-lecomclle  ,  ôciançando-lhe  as 
mãosàsguellas,  de  tal  maneyra  lhas  apertou,  que 
the  fez  acyxar  alli  o  folegcO  emperador,Sc  todos 
os  mais  circunítantcsjulgáraó  o  Almada  por  gra- 
de Cava)icyro.'ÔC  o  Alemão  por  traydor, pois  com 
aquelle  engano  o quizcra  matar.Contando  Vello- 
fo  citas  coulas  a  léus  comp^nheyros,&;  ouvindo-as 
elles  com  muyto  goftojfe  levantou  huma  tormen- 
ta que  o  eftorvou  hir  por  diante. 

Germano  enganofo.  Alemão  enganofo  ,  porque 
os  Latinos  chamâo  a  Alemanha  Germânia  ,  ôc 
aos  Alemães  Germanos. 


70 

My^j  Nejlepajfo  affi  prontos  efiandò^ 
Eis  o  Meflre^q  Mando  os  ares  anda, 
O  apito  toca^acordaõ  defpertando 
Os  marinheyros  de  humafS  de  outra  h andai 
E  porque  o  uento  vhiha  tefr  efe  ando. 
Os  traquetes  dasgaueas  tomar  mandai 
Alerta^dijfe ^e[iay ^que  o  vento  crece 
^aquella  nuve  negra^que  apparece» 

EU  o  mefln  ijue  olbandú  os  arei  anda.  Pinta  tnara* 
vilhofamente  a  obrigação  .  &;  ojfíicio  do  meftre  do 
navio,que  he  vigiar,&  trazer  o  fentido  no  ar,  para 
veric  hâ  algum  final  de  tcmpeftade.  Tal  faz  Vir* 
gilio  liv.  5.^Encid.  aquelle  grande  piloto  de  Eneas 
PalinurOjdo  qual  diz  ellas  palavras. 

7 alta  dicía  dahat,  clavurni^ue  affixus,é^  harém 
]Sufquam  amitttbat ,  oculot  (ub  afira  ttnsbat* 

'    Nunca Palinuro,dizVirgilio,perdia ponto tra; 
zendo  fempre  os  olhos  no  ar. 

NAÕeraoos  traquetes  bem  tomados, 
^ando  aâ  aqrandefêjubitaprocella^ 
Amaina, dijfe  o  Mejtre  a  grandes  brados, 
Amayna  idijfe.amayna  a  grande  vella: 
Não  e [per ao  os  ventos  indinados 
'^e  amaynajjem^mas  juntos  dando  nella, 


SeW. 

Em  pedaços  afazem  com  ruydâ 

Que  o  mundo  pareceo  Jerdejtriúdol  - 

Nao  efperaooj  ventvi  indinados,  O  mefmoepíthej 
to  lhe  deu  Virgílio  liv.  i,  ^neid.  Uli  indignantu 
magno  cum  nturmurt  montisy  Ctrcum  claufira  fremunti 
QuaTidodeícreve  o  lugar ,  aonde  Eolo  feu  Rey  oé- 
tinha  metidos,  Elles,  diz  o  Poeta ,  indignados  fa- 
zem grande  eítrondo,  &  reboliço  ao  longo  da  lua 
cadea,aònde  cftâo  encerrados. 

O   Ceo  fere  com  gritos  nifio  agente^ 
Vom/ubite  temor  ^^  de  [acordo  ^ 
^íe  no  romper  da  vella  a  não  pendente ^ 
Tomagramfoma  de  agoapello  bordo: 
Alltjà^lffe  o  Meftre  rijamente, 
Allijà  tuãoaú  mar, não  falte  acordo. 
Vão  outros  dar  á  bomba,não  ceffando^ 
A  bomba^que  noshimos  alagando^ 

O  Ceo  fere  com  gritos,  A  imitação  de  Virgílio  na 
Eneida  liv.5.  Fertt  athera  clamor  ^autieus,  A  gente 
da  nao  fere  o  Ceo  com  gritos, 

C^  Orrem  logo  osfòldados  afiimofbs 
^  A  dar  abomba^&  tanto  que  chegar ad^ 
Os  balanços , que  os  mares  temerofos 
'Derão  à  nao, num  bordo  os  derribarão: 
Três  mari  nheyros  duros, ^ for  çojos 
A  menear  o  leme  não  bapiarao. 
Talhas  Ihepunhão  d'húa,&  d^eutraparte'^ 
Sem  aproveitar  do4  homens  forçado'  arte*, 

Talhai  ihepunbaod'^bumaiéf  lontra  paríc. Remé- 
dio he  efte  que  fe  ufa  algumas  vezes  em  tempo  de 
grande  tormenta  para  inderey  tara  nao  ,  &  fazer 
que  fc  não  embalance,6ic  penda  para  alguma  part  , 
roucaladepipas,ôf  talhas.amarrada  pnmeyrocom 
grandes  calabres,  Sc  cordas,  como  diz  o  Poeta  que 
aqui  fe  fez.  E  conforme  a  ifto  fe  pode  declarar 
aquelle  paíTo  dosaótosdos  Apoftolos  da  tormen- 
ta que  o  Bemaventurado  S»  Paulo  pâflbu  no  mar 
indo  prefo  para  Roma  ,  que  para  alguns  he  diffi- 
cultofo.  As  palavras  íaôeftas:  /ídjutorijtutebantttr 
accingentes  navim  ,  timtntei  nein  Syrtim  inciderent, 
fubmij/o  va[e  fícferebantur,  Aproveytavaõ  fe,diz  a 
letra,  de  muytos  remédios ,  &  ajudas  ,  cingindo  a 
nao, temendo  quefoflea  darem  algum bayxo, Sc 
poftns  ao  redor  vafos  ,  faziaô  íeu  caminho.  Eíla 
cingidura  da  nao  fe  ha  de  entender  ,  que  hia  com 
grandes  calabres ,  &  cordas  groflas,  para  não  fen» 
der,dando  em  algum  bayxo,  &  para  ir  mais  direy- 
ta,poftas  pipas ,  &  talhas  ao  longo  aferradas  com 
as  mcfmas  cordas.  Nem  hc  incoaveniente  dizer 

.  a  letra 


Lu/iadas  de  Luh  de  CàmÕes  Commentaâosl 


aletra  vafo  por  vaíos,ufando  no  numero  íingular 
j)or  plural. 

.  74 

OS  ventos  eraÕ  taes^que  naõ  puderãã 
Mojirar  mais  força  d' ímpeto  cruel^ 
Separa  derribar  então  vierão 
j^fortijffimd  torre  de  Babel: 
J<[os  altijjimos  mares  ^que  crecérão^ 
^  pequena  grandura  d' hum  batel 
Moftra  apoj[funtenào,que  meteefpantOj 
yendo,queJeJojiem  nas  ondas  tanto. 

•  Afortiffirna  torre  de  Babel.  Para  encareci menrô 
cia  erande  torjnenta  que  havia  no  mar,  pozaqui 
aquclb  tão  celebrada  torre,que  os  filhos  de  Adáo 
fizeraó  na  cerra  de  Suria  delpoisdodiluvioidizen- 
doque  núo  le  conjurarão  os  montes  com  mayor 
funa  fc  te  ajuntarrió  para  derribar  a  fortiíTima  tor- 
re de  Babylonia.S,rtci  torre  conta  Jofepho  nasan- 
tjcruidades  liv.i.  ci*p.  p.  que  a  fez  ediiicâr  Nemrod 
filho  de  Cam,  &  Neto  de  Noé,  homem  lobcrbj, 
6c  de  má  conlciencia  ,  induzindo  aos  mais  a  fazer 
aquella  obra  j  dizendo  que  não  attnbuííliai  a 
Deos  verem  na  vida  bens,  que  cada  hum  íe  hafle 
ée  íeu  braço,  &:  puzelTe  fua  confiança  em  fuás  tor- 
ças :  Seque  paraitlo  era  iieceliarioediricaiie  hu.n 
inflar  alto,forte»6í:  inexpugnavel,aonde  náohou- 
veiíc  couiã,que  lhe  pudelie  prejudicar.  Conten-     Jíqúelle^que  ã/alvar  o  mundo  veyo: 


ISf 


tro  diluvio  ,  para  nella  fc  livrarem  da  forçadas 
agoas,pois  eítava  alii  Noè,  ao  qual  (como  le  conta 
noGenefisliv.  8.)  Deos  Noflo  Senhor  tinha  pro- 
mettido  ,  quenâo  haveria  mais  outro  diluvio  de 
agoa  ,  5c  que  Noé  fe  achaflb  alli  ninguém  o  con* 
tradiz,  porque  Noé  viveo  950.  annosi  &  no  anno 
lexcenteííimodcluaidade.lroy  o  diluvio  ,  como  fe 
diz  nolugar  allegadodoGeneíis  ,  &  a  torre  foy 
edificada  cem  annos  depois  do  diluvio  ,  como  di- 
zem os  mais  Doutos  dos  Hcbreos :  ainda  que  Al- 
guns querem,  que  fofle  duzentos  £í  fetenta.  De 
qualquer  modo  que  feja  ,  hecouía  certa,  que  neíla 
volta  andava  Noè  com  léus  filhos,  aos  quaes  Deos 
havia  promettido  fcgurança.  Nem  havcn  os  de 
cuydar  ,  que  hum  Varão  tào  pcntual  cahifle  em 
buma  falta  tão  grande  ,  como  era  deíconfíar  do 
que  Deos  lhe  tinha  promettido  ,  &  da  efcriítura 
nã->  ic  collige  o  contrario,antei  fe  inclina  a  illo.  E 
porque  naquclle  lugar ,  que  edificavão  luccedco 
aqutUa  divilaô,  8c  confuiaó  de  línguas,  que  le  não 
enteivJiâohuns  aos  outros  ,  foy  chamado  Babel, 
qiie  ncscm  vulgar  chfimamos  Babylonia,  palavra 
Hebraica,  na  qual  língua  quer  dizer  confuiaó. 


7J 

ANaogranàe^em  q  vay  Tatdo  da  Gamai 
^it brado  leva  o  majlropelo  rrteyo^ 
^íãfitodà  alagaáa^a gente  chama 


toutant')  tltt  conlelhode  Ncnirod  aos  Hcbreos, 
que  procurarão  edificar  hum  a  torre  ,  ou  poi  mc- 
Ihc-r  dizer  Cidade  aonde  vive  li  em  íeguros,  &;  lem 
ter  necertidade  de  ajuda  alguma.  Ella  he  a  opí« 
niâode  |ofepho  no  lugar  allegado  ,  &  que  quafi 
todos  legiem.  Alguns  Varoens  doutos, cc  muy to 
verlados  na  efcritura  dizem  ,  queiíto  nâoproce- 
deode  Nemrtíd  ,  le  não  que  os  mefmos  Hcbreos 
quízeráo  faztr  ha;na  Cidade  com  hum  forte  muy- 
to  alto  para  viverem  alli  todos  juntos  ,  por  ler 
gente  entre  fi  muyra  conforme  ,  2c  amiga:  5c  que 
iílofignificáo  aquellas  palavras :  Erat  autem  tetra 
Ubi]  urtiui^  é^  ferrnonum  eorundem,  Fallavão  todos 
huma  mclma  linguagem  ,  5í  as  meímas  palavras, 
como  le  mais  claro  diíTerâo  :  eráo  muyto  confor- 
mes, ÔC  muyto  amigos  entre  fí,  5c  co.iio  eraô  eílas 
deteraiinàraóbufcar  lugar,  aonde  vivcflem  jun- 
tos ,  êc  que  não  hauveflécouía,  que  05  apartslle. 
Mas  como  a  vontade  de  Deos  folie  outra ,  5c  qui- 
Zcfie  povoar  o  mundo  não  periTJÍttio  foliem  por 
diante  com  fua  obra.  Pelo  q.ue  os  apartou  huns 
dos  outros  por  diffcrentes  partes  do  mundo  ,  en-, 
finando-lhe  differtntcs  linguagens  para  deíba  ma-     yjf^s  intimeis  entranhas  do  profunda: 


Não  menos  gritos  vãos  ao  ar  derrama^ 
Toda  a  nao  de  Coelho  com  receyOj 
Com  quanto  teve  o  Mejire  taniotento^ 
^e prméyro  amainou /jue  déjje  o  vento. 

A  nao  em  c^uevay  Paulo  da  Gama,  Eílc  Paulo  da 
Gama  era  irmão  do  Capitão  mór  Vaico  da  Gama, 
de  que  nelte  livro  fe  faz  particular  menção  ,  por 
fcr  o  primeyro  delcobridor  da  Índia. 

/i^Mclíe  ejue  a  (aluar  o  mundo  ve^a.Diz  que  naqucl- 
Ia  tormenta  chamavão  por  |elu  Chiiilo  noílb 
Salvador, 

Toda  a  nao  de  Coelho,  Efte  fe  chamava  Nicolao 
Coelho  Capitão  de  huma  nao  da  mefma  ccníerva 
de  ValcodaGama  ,  de  quem  já  falíamos  atrás  no 
no  canto. 


AGorafohre  as  nuves  osfobiao. 
As  ondas  àe  Nf p t uno furi bundo', 
Agora  a  ver  parece  ^que  dejctaõ 


neyra  viverem  ,  entendenio  le  huns  aos  outros. 
Q(i*ntoaoqueaefcrituradiz  ,  que  edificavãoel- 
tcshoinens  humaconcque  chegalTe  aosCeos,la5 
palavra*dccrtearecimento,quc  ula  a  eleritura  pa- 
ra trattar  de  huma  cou la  muyto  alta.  Nem- have- 
mos de  dizer  que  eílcs,  homens  faziâo  eíla  torre 
para  terem  aonde  fe  rcculheíTcin,  luccedenda  ou£ 


Noto^  Auftro.Boreas^Aquilo  queriao 
Arruinar  a  machina  do  mundo^ 
A  noyte  negraSèfeafe  (itbmia 
Cos  rayos^em  que  o  T0I9  todo  ardia. 

Ai  tndai  deNeftun^fHiiititndít.  EtaeíUsânnota* 


x<M  Canto 

çóes  fica  dito  como  Neptuno  era  tido  entre  os  an- 
i-ocj  por  Dfos  do  niar:ôc  que  os  Poetas  o  tomaó 
íiiuvtas  vezes  pelo  metmo  mar  coaio  o  noflo  Luís 
tic  Catnóes  aqui  faz,  aonde  ao  mar  tiirioío  chaaia 
Keptuno  furibundo. 

/ij  intimai  entranhas  do  profunàa.  Humas  vczes, 
diz  o  Poeca,os  levantaváo  as  aguas  iobre  as  ondas 
altiílimamente.  Outras  vezes  os  afundaváo  tan- 
to que  parecia  dar  com  elles  no  fundo  do  mar  ,  a 
que  chama  entranhas  intimas  do  profundo. 

iVo/fl,  Attfiro^Boreai^díftiiio.  São  nomes  próprios 
de  ventos  dos  quaesfica  tratcadopor  muytasvc* 
Ees. 

C^oi  rajoi  em  tjue  o  Polo  todo  ardia.  Rayo  aqui 
fe  coma  peio  rclíimpago,  ÔC  outros  fogos,  que  em 
tempo  de  tormenta  ,  &  tempeítadecurlaõ  no  ar, 
entre  ss  quaes  coufas  colluma  íempre  cahir  ai* 
gum  rayo. 

^qIo,  Hc  o  Ceo,  como  fica  dito, 

77 
A   S  Alàoniãs  aves  trtfte  canto, 

'^  Junto  da  cofia  bravd  levantarão^ 
Lembrandoffí  de  Jeupaffado  pranto^ 
^e  as  furiofas  agnas  lhes  catíjárãn 
Í)s  'D dfitts namorados  entretanto 
Lanas  coVas  marítimas  entra- ao  j 
Fuj^indo a  tempeftaãe ^à'  'Ventos  duros^ 
^ie  nem  no  fundo  os  deyxa  ejiurfeguros, 

Alciotãas  aves  tri(ie  canto,  Alcioné.ís  aves  íiô  ot 
MaílarrcoS)  que  chamamos  os  Portuguezes,aves, 
que  vivem  no  mar,6t  terra»  Há  duas  caílas  delias» 
humas  mayores  a  que  chamáo  rcaes  ,  outras  mais 
pequenas.Na  cor  não  differemcouía alguma.  Ef- 
tas  aves  tem  as  particularidades  ,  que  os  autores 
efcrevem  da  ave  Alcione.  Ariíloteles ,  £c  outros 
pintão  a  Alcione  huma ave  nunca  vifta,  nem  ou- 
vida. Pelo  que  cm  quanto  a  outra  fe  não  acha  fir- 
memonos  nelta.  Diz  que  levantarão  triíle  canto, 
lembrando.fe  do  feu  primeyro  pranto  ,  porque 
fingem  os  Poetas  que  Alcione  filha  de  Eolo  ,  ía- 
bendo  do  nautragio  de  feu  marido  Ceyce  ,  fe  lan- 
çou no  mar»  6c  Jalii  toy  convertida  em  ave,  como 
conta  Ovidio  nas  Mctamorphofes  liv.  ir.  E  da- 
qui dizem  ,  que  quando  ha  de  haver  alguma  tor- 
menta no  mar,  cilas  aves  a  Tentem  primeyro  ,  &  a 
leu  modo  a  fignificâo  cantando  :  a  que  o  noíTo 
Pofta,por  eíla  razão  chama  triíte  canto. 

0>  Dtlfini.  Dos  Delfins  fica  trattado  atrás 
nelle  canto  ,  oytava  ia. 

N1)nca  tão  vivos  rayos  fabricou 
Contra  aferafobfvba  dos  Gigantes^ 
Ogram  ferreyro  fordido^que  obrou 
^0  enteado  as  armas  radiantesi 


Sextõ^ 

Nem  tanto  o  gram  Tonante  arremeçon  • 

Relâmpagos  ao  mundo  fulminantes^ 
No  gram  diUivio^dondejós  viver aõ 
Os  aous^que  em  gente  as  pedras  converterão^  ■ 

Nunca  tão  vivos  rayos  fakrieêu.  Para  encareci^ 
mento  delia  tormenta  diz :  que  nem  quando  Júpi- 
ter deílruhio  os  Gigantes,  que  procurarão  lança- 
lo  do  Ceo ,  como  conta  Ovidio  nas  Metamorpho* 
fesliv.i.  ulou  de  tantos  rayos  como  havia  neílá 
tormenta, nem  do  diluvio  geral  em  o  qual  o  mun- 
do foy  deítruhido  com  agoa  ,  &  o  género  huma- 
no alagado  &  afogado  neHa,houve  tantos  relâm- 
pagos,&  frgo,como  aqui. 

O  grão  Ferrtyro  fordtd».  Eílc  Fcrreyro  que  o 
Poeta  aqui  põem, que  fabricou  as  armas  de  feu  en- 
teadojfoy  Vulcano,  que  fazia  os  rayos  a  Jupílcr 
leu  pay:6<;  foy  calado  com  Vénus,  da  qual  Anchi- 
fesTroyano  houve  Encas, que  fica  fendo  enteado 
de  Uulcanojde  cuja  vida,&:  feytos  Virgilio  elcre- 
vcoâ  lua  Eneida.  C  hama-lhe  o  Poeta  lordido  que 
quer  dizer  lujo  ,  porque  os  Ferre)  ros  não  pódcn» 
andar  limpos.  Ellccomo  conta  Virgilio,fezasar- 
ntas  de  Eneas  a  petição  de  VenuF,  6c  fez  também 
PS  de  Achilles  a  petição  de  Thetis  ,  como  conta 
Homero. 

Nem  tanto  o  grão  tonante  arren:eJfoít.  O  graõ  to- 
nai-ite  hc  Júpiter ,  o  qual  conta  Ovidio  no  mefmo 
livro  primeyro  das  Metamorphofes ,  que  vendo  a 
grande  maldade  dos  homens  ,  detcriTtinou  deos 
deílruhir  com  diluvio  deagoa,  temendo  que  leo 
quizv-rie  fazer  com  fogo,  fe  lhe  queymaria  o  Ceo. 
lílo  raófabulas.Sf  fingimentos  Poéticos.  Quanto 
a  efta  dos  G  igantes  que  aqui  contamos,  &  a  do  di- 
luvio. Ovidio  devia  de  ler  o  Genefis,&  adeílruhi- 
çãOjqucfezDeos  Nofio  Senhor  na  torre  de  Ba- 
bel, de  que  falíamos  na  oytava  paliada  :  &ado 
mundocom  o  diluvio  ,  o  que  tudo  attribuhio  a 
ícus  Ídolos.  Ea  Noépozonome  Deucalion,6ca 
fua  molher  Pyrrha,acrecentando  outra  invenção» 
queellcs  dous,que  ficàraó  fós  no  mundo  delpois 
dsquellediluviopor  mandado  de  Themis,que  da- 
va os  or^culos,renovàiaóo  mundode  huma  nova 
nianeyra ,  que  loy  lançando  pedras  por  detrás  das 
collas,&  as  pedras  que  o  homem  lançava  f^  taziaó 
fubitamente  homens :  &  das  que  lançava  a  moIhcr 
fe  levantaváo  molheres.  E  iílo  heoqueePoeti 
aqui  diz  :  Donde  fês  viverão  es  dotts  tjue  em  gtnte  at 
pedrat  converterão.  Que  fomente  elcapàráo  do  dilu- 
vio os  dous  que  das  pedras  fizeráo  homens,&  mo- 
lheres: os  quaes  foráo  Pyrrha,£c  Deucalion,comq 
fica  dico. 

79 

QFantos  montes  ent  ao  ^qne  derribaria 
As  ondas, que  bdtião  denodadas ^^ 
jantas  arvores  velhas  arramarão  \ 

%)o  vento  bravo  as  fúrias  tndinaãas: 

At 


I 


Lu/íaâijs  de  Luis  de 
'^í  forço fas  ratsses  não  cuydaraOj 
^te  nunca  para  o  Ceofojfem  viradas^ 
Mem  as  fundas  áreas,  que  pidejjem 
Tanto  os  Piares ique  encima  as  revolvejfem. 

ÇUnantos  montes.  Profegue  o  encarecimento  da 
tormenta,  c»n  que  os  Portuguezcs  andaváo  ,  diz 
que  feas  ondas  colherão  diante  de  fí  grandes  mon« 
tes  os  derribarão  :  6c  grandes  ,  &  annguas  arvores 
viráraõ  com  as  raizcs  para  o  ar  ,  coroo  taziaó  nas 
fundas  áreas  do  mar  ,  que  as  trazião  por  cima  da 
agua,  €jue  he  final  de  grande  revolta  ,  6c  trabalho, 
como  difle  Virgílio  na  Eneida  :  Fum  tç fintar ems, 
as  áreas  ferviáo  com  a  tormenta. 

80 

VEndo  Vafco  àa  Gama, que  tamferto 
IDofim  defeu  defèjofeperdia. 
Vendo  ora  o  mar  atè  o  Inferno  aberto^ 
Ora  com  nova  furta  ao  Leofithta: 
Confufo  de  temor, da  vida  incerto y 
Onde  nenhum  remédio  lhe  valia. 
Chama  aquelle  remédio  fanto  ,&  forte^ 
^e  o  ím^ojjivelpàde  dejla  forte. 

81 

Divina  guarda  ^angélica  celefe, 
^te  os  CeoSiO  Mar^&  Terra  fenhoreas, 
TUj  que  a  todo  l/raèl  refugio  dèfie, 
^or  metade  das  aguas  Erithreas: 
Tu^quelivrafie  'Faulo^&  defende jle 
T>As  Scyrtes  arenofas^  ondas  feas ^ 
E  guardafte  cos  filhos  o  fegundo 
Povoador  do  alagado^à'  vácuo  mundo\ 

jiguAi  Erythteas. kgymào  marroXo,chamado  aí^ 
fim  d^íí,l-Rcy  Eryihro,  que  Senhoreava  aquellas 
parte$,como  diz  Solino, 6c Quinto  Curfio.Do  mar 
roxofe  veja  a  noila  an«otaçáo  no  fegundo  canto 
cytava  49.  Aonde  fe  tratta  a  verdadeyra  razão  da 
cór  daquella  agua.  Da  tormenta  que  paílbu  o 
Bemaventurado  S.  Paulo  irattàmos  atrás  nefte 
canto.  O  fegundo  povoador  do  mundo  alagado, 
de  queo  Poeta  aqui  hllahe  Noè,oqual  por  man- 
dado de  Deos  fez  numa  Arca  em  que  elcapou  com 
feus  filhos  das  aguas  do  diluvio ,  como  fe  conta  no 
Qenefis.  Syrtes  propriamente  faó  lugares  no  mar 
bayxos ,  6c  aparcellados,  altos  cm  huma  parte ,  6c 
bayxosem  outra.  Chamaó-fe  Sírtcs  de  firin  verbo 
Grego,  que  quer  dizer  acirahir:  porque  com  tor* 
menta  os  lugares  fundos  attrahem  alia  área  ,  de 
que  os  bayxos  tem  ntuyia  abundância.  E  ainda 
que  fallando  propriamente ,  qualquer  lugar  defta 
maneyra  fe  chama  firte  ,  entre  os  autores  íaô  no* 
meados  dous ,  os  quaes  cftáo  nos  confins  de  Afri- 
ca contra  o  Egypto,  huro  le  chaina  Syrte  may or, 


gamões  Commentadosl  i  S  7 

6c  outro  menor.  Veja-íe  Plinio,8c  Solino;  Asfir- 
tes  laó  aflim  no  mar,como  na  tcrra.A  viagem  por 
terra  he  em  os  areacs  de  JLybia  ,  aonde  eltáo  cUaâ 
íirtes,que  he  tanto,6c  mais  perigoia  ella,  que  a  do 
mar.  Conta  Plutarcho  no  íiai  ua  vida  de  Alexan- 
dre, que  caminhando  efte  valerolo  Capitão  pcloâ 
areaes  de  Lybia,  Íq  levantou  hum  vento,  que  lhe 
afogou  cincocnta  mil  homens.  A  principal  firtè 
da  terra  he  da  Cidade  Quitauga  ,  que  elta  no  fiiii 
da  Província  de  Drá,atè  a  Cidade  Tumbuqutum, 
aonde  os  de  Africa  vão  bulcar  o  ouro,o  qual  vem 
alli  da  grãdeProvincia  de  Mandinga.N elta  Cidads 
Quintauga  fe  ajuntáo  as  recovas  dos  almocreves 
que  elles  chamão  Cáfilas,  6c  partem  com  feus  Ca- 
inelos,6c  odres  cheyos  de  agua,  porque  emaquel* 
Ja  jornada, que  lerá  de  três  mezes,  caminhando  de 
dia,6c  de  noyte,não  ha  agua  mais  que  em  duas, ou 
trcs  partes.  Governão-le  pelo  Norte  ,  como  no 
mar,coui  os  mefmos  inílrumentos,  6c  altrolabios, 
6c  hà  nefte  caminho  grandes  montes  de  área ,  que 
andáo  de  huma  parte  para  outra  ,  de  modo  que 
não  há  quem  k  entenda  por  aquella  tnfte  terra, 
Oshomens,quccuriaõeftes  caminhos,  coftumioi 
criar  camelos  de  pequenos  cfieytos  a  não  beber, 
quinze,  6c  vinte  dias,  ÔCellcs  laó  muyto  pezadosr 
éc  quanto  mais  fotrem  a  fede  ,  tanto  maiò  valem.j 
Dos  corpos  que  morrem  neftes  arcaes  fcfaz  z 
myrrha  que  fe  vende  pelas  boticas.  Da  qual  i« 
trazem  cayxôes  daqucilas  partes.  He  corno  cera 
quando  a  apanhão,  6c  fe  íc  aperta  nas  mãos  íe  dei- 
faz  como  área.  Ouvi  huma  peflòa  que  vio  cftes 
areaes  ,  6c  caminhou  por  elles  alguns  dias  ,  que 
curlava  alli  certo  vento,  ás  vezes,  tão  quente  que 
fecavaaagua  quelevavão  nos  odres, Deftcs  arcaes 
hà  também  do  Cayro  para  Meca  por  ioda  Arábia 
defcrta,na  qual  há  tanta  falta  de  agua,  que  em  cCíb 
legoas  de  terra^não  há  fonte  nem  poço. 

8í 

SE  tenho  novos  tnedos  pnigofos^, 
"Doutra  ScyUaj&  Qarybdts jà  pajfados^ 
Outras  Scyrtes y&  bayxos  arenofos^ 
Outros  Acorceraunos  infamados:  ^ 

No  fim  de  tantos  cafos  trabalho/ os^ 
forque  fomos  de  ti  aefemparados-. 
Se  efte  noffo  trabalho  não  te  offende% 
Mas  antes  teu  ferviço  fó pretende? 

D^eutra  Scylla^  &  CarybJit.  Veja-fe  a  Scylla,  lc 
Carybdis  o  legundo  canto  oytava  45.  Das  Syrtes 
na  oytava  paliada. 

Outros  Acfoctrauiiios  infamados.  Ceraunios  ,  Gil 
Acroceraunos  (como  lhe  chamão  os  Autores) 
laó  huns  montes  de  Epyro,  a  que  hoje  chamamos 
Albânia,  afias  nomeados,  6c  conhccidos:leu  com- 
mum  nonie  he  montes  de  Chimara,  ca  Chima-' 
rilfos ,  como  quer  Qrtelio  na  fua  Svlionimia  Geo- 
graphica.  Eltc  epithsto  de  infanies  lhe  dão  os 


iSl  ,  tanto 

Poetas  pelos  muytos  naufrngios  que  alli  aconte- 
cem. QLiantoa  mim  Acroccraunios  (ou  como  lhe 
chama  Virgílio)  Cerauvios  hc  nome  geral,  &  que 
conipete  a  qualquer  ferraaha,  le  olhamos  a  Ety- 
inologia  da  palavra  ,  porque  he  monte,  &  ccrau- 
nosrayo  ,  ÔC  porque  os  rayos  fempre  coftumão 
dar  em  lugares  alperos  ,  &  altos ,  daqui  os  taes  fe 
chamaó  Acioceraunios,ou  Ceraunios. 

^itofos  aqlie  He  s^que  puder  ão. 
Entre  as  agudas  lanças  Afrkanns 
Morrer^em  quanto  fortes  foftíver  âo 
A f anta  Fe, nas  terras  Mauritanasx 
ZDe  quem  feytos  íllu[iresfe  fouberão, 
^JJe  quem  fie  ao  memorias  fòberanas, 
2>é'  quem/è  ganha  a  vida  com  perde  lia  ^ 
^ocefizendo  a  morte  as  honrras  àella. 

De  cfuem  fe  ganha  a.  'vida  com  perMU,  Os  qac 
morrem  em  detenção  de  íua  pátria,  &  ferviço  de 
Deos ,  Ôc  de  leu  Rey,não  fe  dizem  perder  a  vida, 
mas  ganhala  ,  porque  com  íeus  feytos  illuílres  fi- 
iéráo,  que  ficafie  perpetua  a  lua  memoria  entre  os 
homens:pelo  que  eftes  vivem  para  femprc:  6c  pelo 
contrario  os  que  gaílâomal  á  vidn  de  tal  maneyra' 
morrem,que  juntamente  com  eilcs  morre  fua  me- 
moria, porque  não  fizerâo  coufa  digna  de  a  ter  na 
terra  ,  falvo  portal  que  com  ella  léjáo  perpetua- 
mente deshonrados. 

84 

ASftdtzendOiOS  ventos^que  lutavão^ 
Como  touros  indómitos  hr amando j 
Mais^&  mais  a  tromenta  acrefcentavão^ 
¥(^lid  miuda  erixarcia  ajfovtando: 
Relâmpagos  medonhos  não  cejJavãOy 
Feros  trovões, que  vem  reprefentdndo 
Cahir  o  Ceo  dos  eyros  fobre  a  terra^ 
Lomfigo  os  elementos  terem  guerra, 

Cahir  o  Ceo  dos  eyxoi  fobre  a  terra.  Que  coufa  feja 
cyxo  do  Ceojfe  veja  no  canto  primey ro,oy tava  24. 
£c  dos  clemencos  no  fegundo  canto. 

_        85 

Mj^sjà  a  amorofa  Eflrella  centilava 
Diante  do  Sol  claro  no  OrtzontCf 
Menfageyra  do  dh^ó'  vifitava 
A  terra,^  o  largo  mar  com  leda  fronte: 
A  "Deofa^que  nos  Ceos  a  governava  j 
*De  quem  foge  o  enfifero  Orionte, 
Tanto  que  o  mar,^  a  cara  armada  vira, 
focada  junto foy  de  medo  J^  de  ira. 


Sexti',  ' 

Mai  jâ  a  amorofa  efireJla  fcintilava]  Defcrevi 
aqui  o  Poeta  o  ten)po  da  menhâ  por  termos  muy^ 
to  ufados  entre  os  Poetas.  Ovidio  nas  Metamor* 
phofes  :  Lúcifer  undecimus  fiellarum  coegerat  agmenl 
Jà  o  undécimo  Luzeyro  tinha  junto  as  eílrellas^ 
rdejlt  já  havia ©nzedias ,  6c  nomeava  os  dias  por 
Luzeyros  ,  porque  efta  eílrella  aparece  cada  dia 
duas  vezes,  huma  antes  que  o  Sol  apareça  no  Ori- 
Eontc  ,'  6c  outra delpois  de  poíto.  Eftacílrella  he,  * 
a  que  os  Aítrologos  chamâo  A'c««j,  Quando  vem 
antes  do  Sol  chama-fe  Lucifer^áe.  duas  palavras  La- 
tinas, Lux ,  &  ferOi  porque  he  menfageyra  da  luz, 
como  lhe  chamou  aqui  o  Poeta.Qi.iando  yemdef« 
pois  de  recolhido  o  Sol,  fe  chama  heJperttSf  ve/per^ 
ou  vefperugo,  entre  os  Latinos  quer  dizer,  á  tarde, 
por  aparecer  naquelle  tempo. 

/í  Deofa  efue  ne$  Ccot  a  governava ,  De  quem  foge  9 
tnfifero  Ortzonte.  Orizonte  he  huma  coníleliaçáo' 
junto  ao  Signo  Tauro,  a  qual  tem  dczaíeteeílrel- 
ias,dizo  Poeta  aqui,  que  foge  de  Vénus,  porque 
eítâ  na  parte  Occidental  diante  de  Vénus ,  6c  vay 
lempre  diante  deilH.Podc-lc  também  dizer,que  fo- 
ge dl)  Orizonte  de  Vénus  ,  porque  quando  efta 
conftelldçao  apirece  no  Ceo  ,  que  he  na  entrada 
de  Outubro  começa  de  haver  chuvas  ,  6c  tempef. 
lades,  que  hc  contrario  â  qualidade  de  Venus,que 
caufalereni^ade,  6c  quietação  no  ar  ,  6caírimos 
Poetab  todos  lhe  dão  por  epirheto:  chuvolb  ,  tem- 
peíluofo,  contrario  aos  que  navcgão  ,  6c  outros 
quemoíbáo  íua  natureza.  A  fabula  de  Orion  leão 
os  curiofos  cm  Ovídio  liv.5. 

"p  ^^^^  ^^^'^J  de  Baccofâopor  ceftol 
jr>  IMJfe^mas  nab  ferâ^que  avante  leve 
Tão  danada  tendão, que  aefcuberta 
Me  fera  fempre  o  mal^a  quefe  atrevei 
Ifio  dizendo ^doce  ao  mar  aberto^ 
No  caminho  gafando  erpàço  br  evct 
Em  quanto  manda  às  Ninfas  amorofasi 
Grinalaasnas  cabeças  por  de  Rojas ^ 

Efíat  obras  de  Baccho (ao  por  certo,  Eftas  palavras 
difle  Vénus ,  quando  vio  os  Portuguezes  no  mar 
tão  apertados  da  tormesta,  que  o  Poeta  vay  con* 
tando. 


87 

GRinaldas  manda  fór  de  varias  cores ^ 
Sobre  cabe  lios  louros  àprofia^ 
^iem  não  dirá, que  nacem  roxas  flores 
Sobre  ouro  naturalsque  amor  infia: 
Abrandar  determina  por  amores 
1)os  ventos  a  nojo/a  companhia^ 
Moflrandõlhe  as  amadas  Ninfas  bellas] 
^4e  mais  fermojas  vmhaô^que  as eftrellas 

Grinaldas 


'Lufiaâas  de  Luís  àe  Carnes  Commentadoh 
tSrhalJas  manàa  pr.  Como  Vénus  vio  o  mar  re- 
volto ,  &  os  ventos  que  com  íua  fúria  decerrnina- 
Vaódcílruhir  a  armada  dos  Portuguezes  ^  ajuntou 
Nymphasdomar,&;levou-as  comíigo  muytofer- 
moías  ,  &  concertadas  com  luas  grinaldas  nas  ca- 
beças,para  ver  fc  com  ifto  podia  fazer  que  os  ven- 
tos leabrandaflem  de  lua  tuna.  Roxas  florn.  He  a 
aíFeyçáojde  que  a  cor  roxa  he  final.  Ouro  natural. 
He  a  fermotura.  Moílra  aqui  ler  coufa  natural 
parecer  bem  a  fermolura. 


189 


5>l 


n 

ASfifoy  porque  tanto  que  chegar a$ 
A  vtfta  de  lias  Jogo  lhes  falecem 
jísfoYças/om  que  dantes  pelejarão  j 
Ejd  como  rendidos  lhe  obedecem'. 
Ospèsi&  mãos  par ece^que  lhe  atàraÕ 
Os  cabeílos^que  os  rayos  efcurecem% 
ylBore ataque  do  teyto  mais  queria^ 
AIJi  àiffe  a  belliffima  Oritbia, 

A(fi  díp  a  helliffima  Orithia.  Orithia  henome  de 
huma  dasNymphas  do  mar,  a  que  quiz  muyto  o 
vento  Boreas. 

85) 

NÂocreasfero  B orcas  que  te  crefo^ 
^ic  me  tivefte  nunca  amor  conjlante^ 
^^ebranãurahe  de  amor  mais  certo  atreyo^ 
E  não  convém  furor  afirme  arnante: 
Sejànaõpões  a  tanta  infanta freyof 
Não  efperes  de  mi  daqui  em  diante ^ 
^epojja  mais  amartejmas  temerte^ 
^lue  amor  contigo  em  medo  fe  con  ver  te  ^ 

Enão  convém  furor  a  firme  amante.O  amor  quer 
brandura:  fanas,  &  afperez.a  laô  para  gente  bar- 
bara. Ovidio  conta  liv.  ^.  na  Metamorphoies  que 
logo  que  o  Gigante  Polyphemo  íe  affeyçoou  a 
Galatea,qucbrou  de  fua  má  nacureza,ôc  condição 
afpera. 

5)0 

A   S(ímme/moâ  firmo/â  GaUtea^ 
Dizia  ao  fero  Moto^que  bem  f abe  i 
^e  dias  ha^quC  em  velafe  recrea^ 
E  bem  crèyque  com  elle  tudo  acabe: 
NaÔ  fabe  o  bravo  tanto  bem  fe  o  crea 
^le  o  coração  nopeyto  lhe  não  cabe^ 
^e  contente  de  ver, que  a  T>ama  o  manda;, 
Touco  cuyda  quefazje  logo  abranda. 


DEfia  maneyra  as  outras  amançavãoi 
Subitamente  os  outros  amador c-s^ 
E  logo  a  linda  Vénus  fe  entregavãoy 
Amançadas  as  íras^&  os  furores: 
Ella  lhes  prometeOjVendo  que  amavão 
Sempiterno  favor  em  (eus  amores^ 
Nas  bellas  mãos  tomandolhe  omenageta^ 
^e  lhe  ferem  leaes  efia  viagem. 


Defia  maneyra  as  outras  amançavífo.  A  ordení 
que  Orithia  ,  &  Galatea  guardarão  em  abran- 
dar os  ventos  ,  que  náo  procedeflem  na  fua  fa- 
ria importuna  ,  &  contumaz  ,  a  mefma  guar- 
darão as  outras  Nymphas  com  os  mais  ventos. 
Vénus  vendo-os  condclcendcr  com  o  que  Ihè 
pediaò  ,  prometteo  favorecelos  fempre  em  léus 
amores,  &  lhe  tomou  a  omenagem  de  favorecerem 
nefta  viagem  aos  Portuguczes, 

P^ 

JA^  a  menhã  clara  dava  nós  outeyrosl 
Ter  onde  o  Ga?iges  murmurando  foa^ 
fiando  da  excelfa  gávea  os  marinhíyféè 
Enxergarão  terra  altapetla  proa\ 
Jd  fora  de  tormenta,^  dos  primtyros 
Mares ^0  temor  vão  dopeyto  voa, 
^iffe  alegre  o  Toítto  Melindano, 
Terra  he  de  Calecut ^fe  nao  me  engan  oí 

Terra  be  de  Calecut  j  fe  não  me  engano.  Entre  htí^ 
ma  ferra  (  a  que  os  naturaes  por  nome  commurrt 
chamâo  Gate  )  Sc  o  mar  ,  jaz  huma  cinta  de  ter- 
ra, que  aonde  he  mais  larga  tem  dez  léguas,  &: 
por  algumas  partes  féis  ;  fcgundo  as  eníeadas ,  8c 
cotovelos  da  terra  fe  encolhem ,  ou  eílcndem  :  Sc 
de  comprimento  tem  oytenta  léguas.  Ella  hc  a 
terra  do  Malavar  ,  na  qualeftá  íiruada  a  Cidade 
de  Calecut  em  huma  Coíla  braba  ,  &  com  pe- 
quenos Edifícios  ,  fomente  as  calas  dos  ídolos, 
&  doRey  ,  ôc  de  alguns  Mouros  nobres  pref- 
tão,  &  todas  as  outras  faó  palhaças,  Sede  pouca 
importância  ,  cobertas  de  hum  certo  género 
de  folhas  de  palha,  a  que  elleschamáo  ola.  Veja-fc 
delia  Cidade  de  Calecut  a  nofla  annoiaçáo  n9 
ícgundo  canto ,  oytava  51. 


^3 

EStaheporcertoaterra^que  bufe  ais 
*Da  verdadeyra  Inãia^que  aparece, 
E  fedo  mundo  mais  naõ  de fejatSj 
Voffo  trabalho  longo  aqui  fenece^ 

Sofrer 


^0 


o 


offcr  aqutnaôplâe  o  Cama  mais] 
*\De  ledo  em  ver  que  a  terra  fe  conhece^ 
Os  piolhos  no€hào^as  mãos  ao  Ceo^ 
Jl  mercê  grande  a  ^^os  agradeceo, 

Verdaãeyra  Indta,  Veja-fco  queclcrevímcsno 
íegundo  canto  ,  oytava  5  a. 

54 

AS  gr  aças  a  7)eos  danjaj^  razoútinha^ 
^e  não  fomente  a  terra  lhe  mojtravaj 
ÍS!jje  com  tanto  temor  bnfcanào  vinba^ 
^or  quem  tanto  trabalho  exprimentava: 
Mas  viafe  Urrado  tão  afinha 
^ji  morte  que  no  mar  lhe  aparelhava 
O  vento  duro^fervidõ ,tS  meaonho^ 
Como  quem  deJpertoH  de  horrendo  fcnho. 

Como  cfutm  defpertou  de  horrendo  feno.  Termo  de 
fjilar  ,  para  moltrar  a  mudança  repeniina\  6c 
f  ubita  tormenta ,  em  bonança  ,  que  foy  como  fuc- 
Ci:dc  aos  que  dormem  ,  &  fubitamente  acórdão 
de  hum  horrendo  ,  bí  trabalhoío  fonho  ,  cm  que 
eftavâo  muyto  opprimidos ,  Ôcafadigados:  que 
íbnhando  que  íe  faziaó  em  pedaços ,  ou  lhe  acon- 
tecia alguiii  mal  grande  acórdão  íubitameate  li- 
vres, 

POr  meyo  deftes  hórridos  féYtgotl 
Refles  trabalhos  graves  j^  temores^ 
/llcan^aô  os  que  /aÕ  de  fama  amigos 
As  honras  im  mortaesfê  os  grãos  mayor^sx 
Naõ  en  cofiados  fémpe  nos  antigos 
Troncos  nobres  de f eus  antecefjores^ 
Naõ  nos  hytos  dourados  entre  os  finos 
Anirnaes  de  Mofcevía  Zehe limos, 

Animatí  de  Mofcovta  Zebellimt.  Não  faõ  cíles 
anirnaes  propriamente  Martas  ,  ainda  que  alguns 
lhe  chamão  Marcas  Zebcllinas:  he  outra  caftapor 
li ,  laó  brancos ,  tem  lómente  a  pontinha  do  rabo 
preta ,  faô  tão  limpos  de  fua  natureza  ,  que  íe  lhe 
poemqualquer  coufaíuja  á  portadas  covasaon- 
de  habitâo,  não  entrão  nellas,  Scafiimostomão. 
Deftas  há  muyta  abundância  em  Polónia  ,  & 
Molcovia  ,  pelo  que  o  Poeta  lhe  chama  aqui  ani- 
inaes  de  Molcovia.  Chama-fe  elle  animai  Zebel- 
lo  j  pelo  que  o  Poeta  lhe  chama  animal  zebellino, 
6c  as  peiles  le  chamavão  zebeliinas  ,ôclaó  muyto 
preladas  para  forrar  vertidos,  como  aí>  Marcas. 

NAÕ  cot  manjares  ?tovos,^  exquffitoSt 
Naõ  CQSp>aff€Qs  molles^^  nojofis, 


Canto  SexftP. 

Não  nos  vários  delejtes\ó'  infinitos] 
^{e  afeminão  os  peytos  generojos: 
Não  cos  nunca  vencidos  apetitos^ 
^le  afortuna  temfempre  taô  mimofos, 
^le  naõfofre  nenhum^que  opoffo  mude 
^J:* ara  alguma  obra  herotca  de  virtude^ 


^e  não  fofre  a  nenhum  que  o  paffo  mude.  A  mo^ 
licie  ,  6c  deleyces  da  vida  ,  não  deyxão  fazer  03^ 
homens  o  que  fnó  obrigados ,  antes  fempre  os  in- 
clinão  para  o  mal  ,  apartando-os  de  toda  a  obríi 
boa  ,  ôc  virtuola.  Donde  dizia  Sócrates ,  que  os 
homens  que  prctendião  preftar  para  alguma  cou- 
ía  ,  devião  fugir  dos  delcytes ,  como  das  Sereas: 
porque  aílim  como  as  Sereas  com  fua  muíica  ma- 
ta váo,aílim  os  deley  rcs  matão  com  fuás  branduras» 

MAs  com  bufe  ar  CO  feu forço/o  braço 
As  honrasyq  elle  chame  próprias  fuds^ 
Vigiando^&  vefiindo  o  forjado  açoy 
Sofrendo  tempcfiades^&  ondas  cruas: 
Vencendo  os  torpes  fr tos  no  regaço 
*Do  Sul,&  Regtcês  de  abrigo  nuasj 
Engolindo  o  corrupto  inanti^nento^ 
Temperado  cum  arauofofrimento, 

Mat  aom  hufcar.  Eftas  faõ  as  coufas  com  que  á 
verdadeyra  nobreza  fe  alcança. 

No  regaço  do  Sul  ,  c^  regiões  de  abrigo  nuas,  No- 
mea  aqui  as  partes  do  Sul  ,  as  quaes  aííim  como 
as  do  Nofte  íaw  muyto  frias ,  por  eftarem  apar- 
tadas do  Sol  :  6c  nomea  eftas  :  por  partes  ,  por 
ondeosnoíTos  Portuguczes  curfarão  muyto  em 
fuás  navegações. 

Temperado  com  hum  árduo  Jofrimento»  A  kl  (a 
dos  trabalhos  he  a  paciência  ,  aonde  ella  não  an- 
da não  há  coufa  perfeyta  ,  comodizo  Bemavcn- 
turado  Santiago  na  fua  Canónica.  Fattentia  opus 
ferfclum  hahet,  A  paciência  apcrfcyçoa  âs  obias  j 
E  o  Poeta  P  rudencio: 

Omnibui  una  comes  vlrtuúbus  ajfociatur 
^uxiltumejue  futtm  fortií  p^^tientia  mifcet. 
Nulla  ancepsluòlatr.en  tnit  virtuteftne  i{la 
Firtusy^  vidua  ef,quam  non patteníta  jormatl 

Só  a  paciência  ,  dizPrudcncio  ,  acompanha  to- 
das as  virrudes  ,  nenhuma  le  atreve  a  traba. 
lho  ,  neúi  difficuldade  (em  ella  :  ôca  que  a  nã9 
tem  he  viuva ,  &:  dcfcmparada. 


E 


9^ 

Com  forçar  o  rofto^quefe  enfia, 
A  parecer fegurOj  ledojnteyro 


TarA 


Lujtadaí  âe  Luís  de 
^ayaofilouro  ardente  ^que  affovia, 
E  leva  aperna^Qu  braço  ao  companheyroi 
^efta  arte  opeyto  hum  calo  honrojh  cria^ 
^efprezador  das  honras ^^  dinheyro^ 
ÍD^J  honras ^^S  dmheyroyque  a  ventura 
forjoUit£naÔ  virtude jujia^&  dura, 

DEfta  arfe fe  efilarece  o  entendimento^ 
^le  experiências  fazem  repoufadOt 
E  fica  vendo ^como  de  alto  affento^ 
O  bayxo  trato  humano  embaraçado-, 
Efie  finde  tiver  força  o  regimento 
^ireytOió'  «^^  de  affeyto  occupado^ 
Subir  à(jcomo  deve{a  illuflre  mando 
Contra  vontade  fua^à*  naõ  rogando^ 


Camões  Commentadosl  í  ^  t 

Defia  arte.  Enfina-nos 'o  Poeta  neíla  oytava 
como  ló  a  virtude  faz  Tubiros  homens  que  a  íe* 
guem  a  alto  lugar  ,  6c  montar  muyto  neíla  vida, 
porque  tem  por  guia  a  paciência ,  a  qual  não  te- 
mendo diíficuldades  ,  nem  perigos  os  põem  em. 
lugar  ,  do  qual  vem  a  Teu  íalvo  a  errónea ,  &  de* 
fatmo  em  que  vivem  aquelles  que  engolíados 
em  coufas  bayxas ,  &  vis  da  terra ,  le  clquecem 
<la  virtude.  Êftcs  tacs  aonde  houver  govern3 
direyto  feràó  tidos  era  conta  ,  favorecidos  ,  gc 
honrados :  6c  alcançarão  as  honras  ,  &  cargos^' 
que  merecem ,  ainda  que  os  não  prctendão,  como 
ie  fazia  no  tempo  dos  Romanos.  Dille  muyto 
bem  Luis  de  Camões  ,  Onde  tiver  força  o  regtment» 
direyto  :  porque  de  outra  manèyra  correm  os  ne- 
gócios difí-crencemente  ,  Scmúytas  vezu  quem 
merece ,  perece. 


OS 


Tpí 


-3«iiée"^  ^Ke^*^  ^im.É'*^  ,«íi^^-4>*^  -íKe'*^  ^  •íiji^e^<^  ■-^^í^^.f'^  ^a^iKit^^»**  mí>^e^'  mQ^i^  gr 
ig|  ^>^e^  ^cé^  «^;^  «s^?«í^  c^^^  1  «^.V^  c^e^  mc'ê^  <^C?^  ^&^éK&t  íli 


OS  LU?  I  AP  AS 

DO  GRANDE 


CAMÕES 


e 


Commentados  pelo  Licenciado  Manoel  Corrêa* 
ARGUMENTO. 

Dà  fundo  a  frota  a  Calecut  chegada, 
Manda-fe  meníageyro  ao  Rey  potente,' 
Chega  Monçaide  a  ver  a  Lula  armada, 
E  da  Pro vincií  í n foVm a  largafrien te: 
Faz  Gama  ao  Samori  íua  cmbayxada, 
E  recebido  bem  da  indica  gentCv 
C'o  Regedor  da  terra  ào  mar  íe  torna, 
Que  de  toldos,&:  flâmulas  íe  adorna. 

CANTO  SETlMp. 

chega  Vafco  da  Gama  a  Caíecut.  Propõem  íua  el^ayxada  ao  Rey  da  terra. 
Defcreve-fe  o  ficio  do  Keynbde  Malabar.  Vay  o  Rtgedor  da  urra  a  vi- 

~íiEar  a  noíía  armada. 


TA^fe  viaõ  chegados  junto  ã  terra, 
^ue  defejadajà  de  tantos  for  a% 
^ue  entre  as  corrétrs  Indicas  fe  encertaj 
Eo  Gangés^que  no  Ceo  terreno  mora: 
Ora  fus  gente  for  te, que  na  guerra 
^lereis  Levar  a  palma  vencedora  j 
lâ  fins  chegfxdosjà  tendes  diante 
Aterra  de  riquezas  abundante. 

lâft  vi^o  chegados.  Conta  aqui  o  Poeta  ,  como 
os  Poriuguezes  houverão  vifta  da  terra  da  índia, 
a  jual^i^,  quefoy  delejada  de  niuytos ,  porque 


pelas  hiílorias  fabemos  como  AlexandrejTrajano» 
&  outros  a  pertcnderáo  ,  &  nenhuns  fizeraó 
aíTento  nella  táo  de  raiz  como  os  Portuguezcs. 

'^«c  entre  at  correntet  indicas  (t  encerra,  Ella  hc  a 
terra  Jo  Malabar  ,  poíla  no  meyo  da  verdadeyra 
Índia  entre  os  dous  nos  Indo  ,  &l  Ganges ,  como 
fica  dito  no  lexto  canto  ,  oytnva  92.  Correntes 
Indicas, laô  correntes  do  rio  Indo.Dizque  o  Gan- 
ges mora  no  Cco  terreno  ,  quehe  o  Parayíoda 
torra  pelo  que  diz  a  Efcntrura,que  do  Parayloda 
terra  lahiáo  quatro  rios.  O  Bcmaventurado  SJc- 
ronymo  ,  &  S.  João  Damalceno,  Hugo,  &  outros 
muyros  dos  antigos  tiveraô  ,  que  elles  rios 
eraó:Ganges,  Nilo,Tigris,&:  Euphrates.  Alguns 
modernos  q^ucrem  que  o  Nilo ,  Sc  Ganges  não  fa- , 

yaô; 


iLuJiadat  âe  Luh  de 

'yão  do  Paraylo  Terreal,  mas  outros  dous  rios  que 
ciizsm  ler  recolhidos  com  o  Tigris,  ôc  Euphrares, 
CUJOS  braços  cráo. Como  eíle  lugar  não  he  de  apu- 
rar duvidas  táo  largas  deyxo  aquellâoparaas  cl- 
colas  ,  advertindo  poiéni  ler  matéria  em  que  há 
jjiuyco  pouca  cerceza.íL  ainda  que  hoje  íaybaraos 
os  lugares  aonde  cíles  rios  layem,não  havemos  de 
cuydar  que  eíta  he  a  verdadeyra  fonte  ,  porque 
jiáo  he  pollivel  fabcríe  ,  pois  le  não  fabe  o  lugar 
aonde  o  Parayfo  da  terra ellcvc.  E  aíTun  quando 
letratiano  nacimsnto  deites  nos  ,  entendc-le  do 
lugar  donde  clles  ariebentâo ,  &  a  noílb  juizo  pa- 
,f  cce  que  nacem. 

Ora  fui  gente  forte.  São  palavras  do  Poeta  com 
as  quacs  toma  occafiáo  para  trattar  algumas  cou- 
ías  dos  Feytos  valeroíos  dos  Portuguczes,animan- 
doos,  &tazendo-Ihe praça  do  queleus  antepaila- 
dos  lempre  na  vida  fiicrao,  aííim  em  detenlaõ  da 
í^é  Cathoiícà,  como  dcfeu  Rey,&.lua  pátria  ,  &: 
como  amda  que  poucos, 5c  metidos  em  hum  canto 
pequeno  do  mundo  ,  daqui  fe  deraó  a  conhecer 
por  todo  eilc.  Por  terra  de  riquezas  abundantes, 
*^tende  sl  lndia,aonde  tinháo  jâ  chegado. 


Camões  Commentados^ 


m 


3 


VO V  ^ortuguefes  poucos ,  quãtõfortes\ 
èílie  o  fraco  poder  vofjb  naòpezais^ 
Uós^que  â  enfia  de  vojfas  varias  mortes^ 
A  ley  da  vida  eterna  dilatais  ^ 
A(]i  do  do  deytadas/aõ  as  fortes^ 
^e  vós^oT  mtiyto  poucos  que/ejaisj 
Muyt o  façais  na  fanta  Qhnjiandadey 
^e  tanto ^ó  Chrtjto^exaltas  a  humildade, 

^e  o  fraco  podtr  vojfo  rt^opezaif.  Em  louvor  doS 
Portuguczes  entre  outras  coufas  diz  o  Poeta,  que 
quando  luccede  alguma  coula  dehonia^em  que 
hajáode  moítrar  ícu  valor,6c  esforço  ,  náopcraâ 
ícu  traço  poder  ,  porque  poucos  íe  atrevem 
contra  muy  tos ,  ôc  que  não  eítimando  morrer,  na 
vida  dilatâo  leu  nome,  &  fama  de  maneyra,  que  vi- 
vem eternamente ,  6c  que  ifto  he  negocio  do  Ceoj 
querer  Deos  que  os  portuguezes  com  ler  tão 
poucos,f4çáo  tanto  na  Chriilandade. 


AVÓS  â  geração  ae  Lufo  digOy 
^ue  taõ  pequena  parte  joís  no  mundo  ^ 
jSlào  digo  inaa  no  mundo ^mas  no  amtgo. 
Curral  ide  quem  governa  o  Ceo  rotundo: 
^òsta  qutmnaõ  fomente  algum  perigo 
Jífhrva  conquíjiar  opovoímmundo^ 
Mas  em  cobiça^oupouca  obediência j 
U)a  Madre  jque  nos  Qeos  ejiâ  em  effencia, 

A  vôt  ò  geração  de  Lujo  digo.  Continua  lua  pra- 
tica com  o»  l^ortuguezes ,  aos  ^uaes  chama  í!,era* 
çáo  de  Lufo,  pela  razão  que  tica  dada  no  canto 
pnmeyro  ,  oytava  i.  os  quacs  diz  que  laó  muy  to 
poucos, 6c  que  efta  pequena  terra  que  poíluem  he 
no  curral  amigo  de  Chriílo,  cm  hum  canto  da 
Chriilandade.  Louva-05  da  fortaleza,  &  cavalla. 
ria,pois  nenhuns  perigos  faó  baítantespara  oseí- 
torvar  da  conquiltaoa  Mourama  ,  a  que  chama 
povoimmundo  ,  que  quer  dizer  povo  lujo.  Lí'u- 
va-os  também  do  zelo  que  tem  da  Fe  de  Chriílo 
iioflb  Senhor  ^  que  não  ha  coula  que  os  dcfvie  de 
lua  obediência, 

A  Madre,que  noi  Ceos  eftâem  cjfeacia.  He  a  Igreja 
triumphunie,  lugar  dos  Bcuiaventurados.  Cha- 
ma.íe  trmmphancc  ,  porque  os  que  eíláo  nella, 
cílaõ  em  porto  fcguro.  Eltaem  q  vivcmo.s  le  Cha- 
ma Igreja  militante  ,  porque  cm  quanto  anda- 
niios  nella  ,  temos  guerra  com  tãt?  ciutis  inimi- 
gos: Diabo,  Mundo,  ôí  Carne. 


VBde  os  Alemaensjòberbogàdo^ 
^iepõr  tão  largos  campos  fe  af>acenta^ 
T>o  òucf.t'jforde  Tedro  rebelado 
Novopajior^t§  novafeyta  inventa: 
Vede{)tmfeas  guerras  accupadot 
^e  inda  co  ctgo  error  fe  não  contenta^ 
Não  contra  o fuperbiffimo  Otomano^ 
Masporfair  áo jugo fober ano, 

Vdt4oi  Alemaeu  Serrou  o  Poeta  â  oytava  pal- 
iada com  aquclla  tão  exccllcnte  fentença  >  que 
Deos  levanta  aos  humildes ,  &  derriba  aos  lober- 
bos.  E  que  cfta  he  a  razão  porque  os  Portuguezes 
em  fuás  emprefas  vão  por  diante, &  os  Alemães  fi- 
cão  atrás.Por  guerras  teas  entende  as  que  faô  con- 
tra Chnílãos.  Cego  error  faó  as  hereíias.  Nao  con»^ 
tra  o  foUrhí[[imo  Otfomane.  Ottomanos  le  chamâú 
os  Empe»  adores  de  Turquia  ,  donomedehuna 
Ottomano  de  que  trazem  lua  origem.  Foy  clle 
Otíomano  chegado  á  cala  do  Emperador  dos 
Turcos ,  o  qual  vendo-fe  dcsflivorecido  nclla  ,  fc 
ajuntou  com  alguns  perdidos,quc  nunca  faltaó,  ôc 
começou  a  fazer  guerra  a  alguns  lugares  com 
que  le  atrevia  nos  léus  principios ,  dos  quaes  tãot 
fracos  vcyo  em  pouco  tempo  a  ler  Senhor  de 
tantas  terras  ,  £c  Provincias,como  lodos  íabemos; 
O  que  o  Poeta  diz  nella  oytava  he  ,  que  melhor 
fora  aos  Alemães  ,  &  Inglefes  tomar  armas  con- 
tra os  Turcos  ,  que  andar  envoltos  cai  hereíias, 
&  invenções  na  Igreja  de  Deos, 


Bb 


Vede» 


ISetttnol 

Alli  fehaõ  de  provar  àaefpadaòs  fioi. 
Em  quem  quer  reprovar  da  Igreja  ocantol 
T>e  Carlos, ãe  Luis  o  nomeia  a  terra 
Herdafie^^  as  canjas  naõdajujtaguerra, 

E  não  contra  o  Cynifio  ,  &  Nilo  ms.  Contínua 
Gom  os  Francefes  ,  os  quaes  diz  que  fora  melhor 
gaftar  o  t«mpo  em, guerra  contra  os  Turcos  ,  ôc 
Mouros ,  que  contra Chriftãos ,  pois  fe  chamáo 
Chriíliàniflimos.  Pelo  rio  Cynifio  fe  entende  os 
Mouros  de  Africa  por  onde  paflao  rio  CynifioJ 
Por  Nilo  os  Turcos ,  porque  o  Turco  he  Senhor 
de  Egypto,  que  o  rio  Nilo  rega.  Defte  rio  le  veja 
J^eét  o  duro  Irtglez.  Entre  os  titules  que  tem  os     o  que  efcrevcmos  no  canto  decimo. 


VEdes  o  duro  Inglês ^quefe  mmea, 
Rey  da  velhaj^  fanttjjima  Cidade ^ 
^^e  o  torpe  Ifmaelitajenhorea 
(^^em  vio  honra  taÔ  longe  da  verdade) 
Entre  as  Boreaes  neves  Jerecrea, 
Nova  maneyrafaz  de  Chrlflandade^ 
Tara  os  de  Chrifto  tem  a  e/pada  nua^ 
Mao  for  tomar  a  t^rra,que  erafaa. 


DeCarhsy&  Luis.  ForâoReys  de  França  valc^ 
rofiffimos,  &  ChriftianiíTimos.  De  Carlos  trattá-j 
mos  no  canto  primeyro.  Do  Bemaventurado  S,' 
Luis  baile  dizer  que  foy  canonizado  por  Santo,&í 
que  reza  delle  a  Igreja  de  Dcos. 


Reys  de  Inglaterra,  hum  he  Rey  de  Hieruíaiem, 
eftando  eíla  Cidade  hoje  íujeyía,  (como  he  notó- 
rio) ao  Turco,  o  qual  entende  por  Ifmàelita  ,  por- 
que aífim  fechamâo  os  Turcos,  6c  Mouros,  como 
fíca  declarado  por  muytas  vezes.  Emre  ai  hreaes 
r.eveiferecrea.He  boreas  o  vento  Norte,  por  neves 
boreaes  le  entende  aqui  as  partes  do  Norte  ,  aon- 
de  tem  íua  habitação.  Eftes  diz  o  Poetaque  fazem 
nova  maneyra  déChriftaiidade,  levantando  novos 
ritos  contra  a  Igreja  Romana  ,  &  íeguindo  diífe-  _ 

rentes  fcytas ,  como  fe  pôde  ver  na  hiítoria  Eccle-    Ga  fiam  as  vidas  jlograo  a,s  divícias^ 
fiaílica  de  Inglaterra.  Defta  II  ha  fe  veja  o  que  ef-     Esquecidos  de/eu  valor  antigo? 


8 


POiS  que  dtrey  daquelles,que  em  dflicidsi 
^eo  vil  ócio  no  mundo  traz  conjigoy 


crevcraos  no  terceyro  canto,oytava  58, 


C>f  ^arda^lheporem  tanto  hum  falto  Rey^ 
J  A  Cidade  Hyerofolima  terreftc. 
Em  quanto  elle  não  guarda  afanta  Ley 
©tf  Cidade  Hyerofoltma  ceie  fie: 
'Pois  de  ttS^allo  indino^que  direy^ 
§ue  o  nome  ChriftianiJJimo  quizefte^ 
Nao  para  defenàelojnemguardalo^ 
Mas  para  fèr  contra  elle^^  derrtbalA 

Guardalbeporerv  tanís.  Moftra  aqui  o  Poera  íer 


Nacem  da  tyrania  tmmiciciasy 
^ie  o  povo  for  te  tem  deJíinimtgo\ 
Contigo  Itália  fallojàfumey^Ja 
Em  vícios  mili&  de  ti  me/ma  adverfaí 

Túis  ^«e  Mrey  iaèiutlks  íjue  em  diliciai.  Quanto  rtial 
façâo  asdilíciasâos  homens  trattey  no  Texto  can- 
to, oyiava  ptf,  Nefta  oy  tava  torna  o  Poeta  a  repe* 
tir  os  males  defte  vicio  ,  do  qual  diz  que  nacem 
grandes  males ,  como  he  afias  notório ,  &  princi* 
palmente  o  torpiffimo  da  lenfiialidade ,  o  qual  na*' 
cede  ócio  ,  &  delicias  da  vida  como  diz  o  Bem* 
aventurado  S,  Jeronymo:  Ventrtm  abo  difitntum 
voluptuis  /fi^«ií«r^c«/M/í«w,  alenfualidade  procede 


Divina  permiflaó  ter  Turcos  a  terra  de  que  os  In-     do  muyto  comer,  E  S.  Chryfoílomo  lobre  S. 


Mattheus:  t^murn  Ubidinti  fácil e  txvacantia^  &  oci» 
nafcitur  :  O  vicio  da  fenlualidade  tem  lua  ori; 
gemdoocio.  Eo  PoetaOvidio: 

Otiafi  tolUf  perière  Cupidinis  arcas 

ÇQntewptaqtft  mantrit^^  fine  lace  facet» 


gleíes  fe  intituláo  por  Reys  ,  que  he  a  Santa  Hie- 
ruíaiem ,  emquantoelies  andâo  apartados  da  Fé 
de  Chnílo. 

Pois  de  ti  Gallo  indigno  cfue  dtrey  ?  Nota  também 
osFiiincefesdc  gente  advcrfaria  do  nomeChrif- 
táojdo  qual  elles  tem  hum  tão  largo,&  excelicnte 
titulo ,  como  he  chamarem-fe  Chriítianiírimos,  de 
cuja  origem  fe  lea  a  noflaannotação  no  primeyro  Onde  falta  o  ócio  não  há  reynar  malícia)  &  Í 
canto  ,  oytava  15.  E  porque  os  Francelcs  íccha-  íenlualidade  eftà  a  hum  canto, 
mão  Gallosno  teiceyro canto, oytava  16. 

9 
■^  j  áT^  Mi/eros  Chri/lãoSfpela  venturâf 

'  K^  Sois  os  dentes  de  Cadmo  dê'sparzido5l 

AChas^qiie  tens  direyto  emfènhorios  ^e  huns  aos  outros  Je  daõ  a  morte  dura 

de  Chriftãos, fedo  o  teu  tão  largo, &tãto    Sendo  todos  de  hum  ventre  produzidos^ 
E  naÕ  contra  o  CyniJío^&  Nilo  rios^  Naõ  vedes  a  divina  fepultura^ 

Inimigos  do  antigo  nomefanto^.  ToJJuida  de  cães^quefempre  unidos'^ 

Véi 


Lufiadas  de  Luis  de  Camões  Commentados, 
Vosvemtomar  a  vojja antiga  terra^  OJhay,fe  efíais fegUYOS deperig^s^ 

Fazend&fe  famofos  pella  guerra> 


m 


o  mifffros  Cbriflãos»  Com  muy  ta  razão  fe  queyxa 
<^)  noflo  Poeta  dos  ChníUos,pois  tendo  obrigação 


^e  eíles^^  vósjoh  vojjos  tnmígosi 

Entre  vh  nunca  deyxa  a  fer<*\Ale^o.  Entre  oU* 
tros  fingimentos  dos  Poetas ,  haeíle,  que  há  três 
de  ter  entre  íi  paz,6c  conformidade  ,  pois  he  gente  fúrias,  as  quaes  caufaõ  todas  as  difcordias,  Ôc  dela- 
governada  por  razão,  &  que  legue  huma  ley,  que  venças  da  vida.  Eílas  fe  chamão  Aleâ:o,Tiíipho» 
com  tanto  rigor  lhe  manda  tenha  paz  entre  íi,  ne,Megera.  Ulaaqui  o  noflo  Poeta  de  huma  dcU 
eiles  tanto  ao  contrario  de  lua  obrigação  tem  las,  para  confirmação  do  que  vay  dizendo  ,  que 
guerra  huns  cora  os  outros ,  &  não  fc  confundem  entre  os  Chriftãos  lempre há  dilcordias,  &  inimi* 
v<:r  os  bai  baros  unidos  ,  6c  amigos  de  maneyra,  zades :  fendo  tanto  pelo  contrario  ifto  entre  os  ia* 
que  pouco  a  pouco  vaó  lujeytando  o  mundo  a  íi.  fieis,que  commummente  andão  unidos,&  confer- 
ia e/í»  ventura  jõis  oi  dentei  de  Cadmo,  Cadmo  foy  mes ,  &  fe  tem  guerras  he  contra  Chriitãos,  o  que 
filho  de  Agenor  Rey  de  Phenicia.  Foy  mandado  nos  houvéramos  de  fazer  ter  guerra  contra  ellcs, 
por  leu  pay  abulcar  l£uropa  fiia  filha,  que  Júpiter  ^  trabalhar  pelos  deílruir  de  todo.  Mas  como  a 
em  figura  de  touro  lhe  huvia  furtado  ,  ôcque  não  noíla  inquietação  he  lempre  contra  nòs  mcímos: 


çornaílcacala  iemella.  Cadmo  confultou  o  Orá- 
culo de  Apoilo ,  vendo  que  naó  achando  lua  irmã 
Europa ,  naó  podia  tornar  diante  do  pay  ,  que  af- 
fiíR  lho  mandava  ,  para  faber  que  fana  ,  aonde !« 
ina.fazer  lua  habicaçaó.O  Oráculo  lhe  reípondeo, 
que  acharia  no  campo  huma  vaca ,  que  a  leguillç, 
êc  que  aonde  ellaparaflè,alli  edificalle.  C^uerendo 
Cadmoporemeífeyto  XI  que  o  Oráculo  lhe  man- 
dava ,  achando  o  lugar  aonde  havia  de  edificar, 
quiz  primeyro  tazer  lacrificio a  Jupiter,parâ  o  que 
mandou  léus  companhcyros  a  certu  fontt.-,que  per- 
to eftava.  Succedeo  eftar  hum  diagaó  naqu«i!a 
parte  aonde eltava  a  fonte  ,  o  qual  como  houve 
villa daquelles  homens, que  hiaõ  bulcar  agoa,the- 
gou  ,  6c  matou  a  todos.  Cadmo  vendo  que  léus 
companhcyros  tardavaó  muyto  determinou  hilos 
bulcar  ,  mas  achou-os  mortas ,  6c  o  dragaó  lobre 
elles.  Cadmo  matou  o  dragaó.  Eítando  nclle  eíla* 
do  Cadmo  ,  chegou  Palias  ,  que  os  antigos  faziaô 


tem  os  dous  inimigos  huns  os  noílos,6coutros  a  el- 
les: elles  por  ódio,  que  nos  tem:  nós  por  não  ter* 
mos  paz,éc  coníormidadehuns  com  outros. 


m 


r\ 


SE  cobiça  âe  grandes  feiíhorlosl 
Vos  faz  tr  conquíjiar  terras  alheat^ 
NaÔ  vedes, que  TaBolOjfS  Hermo  rios. 
Ambos  volvem  auríferas  arèas^ 
Em  Libia,  Ajfíriajavrão  de  ouro  osfiosy 
Africa  efconde  em  fi  luzentes  .^Veas^ 
Movavos  jàfe  qun  riqueza  tanta^ 
^015  movcYijOs  naÓ^òde  a  Cafafantá* 

Se  cobiça.  O  intento  do  Poeta  neíta  oytava  bé 
induzir  os  Chriftãos  a  ter  paz,  6c  conformidade, 6c 
a  guerra  que  trazem  entre  ú  a  convertão  contra 


Deofa  da  fjUerra,6c  dille-lhe  que  lemealle  na  terra     os  infiéis  inimigos  de  noíla  íanta  Fé  Gatholica  ,  5C 
os  dentes  daquellc  dragaó.  Fez  Cadmo  o  que  Pai-     fe  cobiça  os  move  a  deíejar  conquilla  de  terras 

'  ^     1        -r  «        alheyas,em  nenhuma  parte  tem  mais  com  que  iar- 

tar  lua  cobiça,  6c  vontade,  que  na  Afia  fenhoieada 
pelo  Turco ,  6c  na  Africa  polluhida  dos  Mouros- 

I>)aõ  vedes^ejtte  Paêiolo^^  Herm»  riot.  Saó  rios  de 
Lydia  P  rovincia  de  Afia  menor, a  que  a  Elcrittura 
Sagrada  chama  Lud.  Crerão  os  antigos  ter  elles 
rios  muyto  ouro  ,  pelo  que  entre  ellcs  laõ  muytq 
celebrados  ,  como  diz  Solino  no  leu  PoJyhiftor.' 
cap.  13,  Virgilio  na  Eneida  do  Padolo  liv.io.  Vbi 
pinguia  culta.  Exercentque  viriy  FaèlJup^ue  irrigai  aa» 


las  lhe  mandou,  6c  logo  dos  dentes  do  dragaó  íc  ie- 
vantarão  homens  armados, os  quaes  huns  com  ou- 
tros fendo  todos  irmãos  fe  matâiaó.  Conta  efta 
fabula  Ovídio  nas  Mctamorphofes  liv.  5.  in  prin- 
cipio. O  noílb  Poeta  quer  aqui  moílrar  como  os 
Chriftãos  fão  como  os  dentes  do  dragão  ,  que 
Cadmo  femeou  por  mandado  de  Palias ,  os  quaes 
fe  matarão  huns  aos  outros  ,  fendo  todos  irmãos: 
Q  que  fazem  os  Chriftãos ,  pois  podendo  ter  guer- 
ra cora  gente  inimiga,  6c  contraria,  a  tem  entre  i\ 
huns  contra  outros.  Divina  Sepultura.  He  o  Santo 


ro.  Onde  os  homens  fazem  grandes  lavouras,  6c  as 
Sepulchrode  Hierufalem  ,  o  qual  tem  os  Turcos     terras  laõ  regadas  com  ouro  do  rio  Paétolo.  E  do 


inimigos  noflos  capitães ,  como  diz.  o  Poeta  na  oy 
tavaleguinte. 

10 

VEdes  que  tem  por  ufo^  por  decreto 
(JDo  qual faõ  tão  inteyros  ob/ervautes') 
Ajuntaremo  exercito  inquieto^ 
Contra  os  povos ^que  faõ  de  Chrifto  amantes^ 
Entre  vós  nunca  deyxa  a  fera  Aleto^ 
'De  f eme  ar  ctzanias  reptgnantest 


Hermo  nas  Georgicas  liv.  2.  Nee  pulcber  Gangeíf 
atcjue  amo  turbidus  tíerrfto.Ncin  o  fermofo  Ganges» 
6v  o  Hermo  turvo  com  ouro.  Aífiria  he  Suna  de 
que  atrás  fica  trattado  no  canto  primcyro,oytava 
24.  Neíla  Provinda  ,  ôc  em  outras  de  Afia  menor 
há  gente  que  fazem  grandes  delicadezas ,  aííim  de 
GurôjComo  de  outras  coulas  de  mão,com  tanto  ar^ 
tificio,6cg''ilantariâ,quenão  há  mais  que  ver.  Pelo 
que  o  Poctaaquidiz  ,  que  neftas  partes  lavráodd 
ouro  os  fios.  O  que  também  notou  Girava  naíua 
Geographia,  pag.ij^.liv.j.cap.ii.  aonde  tratta  da 


£b& 


Mâ 


^  -■  tdnto^Setwél 

Afia  ínetior.  .Deftatéiía  diz  Solino  ho  leu  Poly-  E  naÕ  queyraes  louvores  ánogântef, 

hiftor.  Í1V.5.  C.I2.  que tomáraó  os  Romanos  prin-  ^eferdes  contra  os  vojfot  muy  poffanteíl 

■cipio  para  íeus  perfumes ,  Sc  unguentos.  O  que 

staíTihem  refere  Floro  liv.15.  cap.  $.  porque  cila  GrfgTji»  Iraett  ^  Armenm  ^  Georgianof,  Reconta 

gente  ufava  muyto  deitas  delicias.  Do  tempo  em  aqui  o  Poeta  algumas  Províncias  de  Chriftãos 

^ue  ifto  foy  Ce  veja  Plínio,  He  também  muy  to  n-  que  hoietftaõ  lugey  tas  ao  Turco.Foy  gente  fem-! 

«adçouro,  l&prata^  peloquc  oepitheto  queos  preá  deíla  terra  Catholica,&:  firme  na  Fè,  aqual 

Poetas  lhe  daõ  bechamar4herica  ,  comoenccn-  hoje  em  dia  deve  permanecer  em  algumas  deftas 


tiurâo  a  <:ada  paflb  os  que  por  elles  lerem» 

li 

Relias  invenções  feras ,&  novas, 
_  ^e  tnjiromentas  mortaes  ae  arlnhariãi 
yã  devem  de  fazer  as  duras  provas 
jSlos  muros  de  Bizâncio  ^^  deJurqtàa: 
'Faz  y  que  torne  lâ  àsjilvefires  covas 
^os  Ca/pios  montes, &  da  Scyfhiafria, 
jlTiir  ca  geração  ^que  multiplica^ 
Na  policia  de  voffa  Europa  rica. 


partes,  mas  como  vivem  entre  aquella  má  canalha 
alguns  devem  ter  alguma  defordem.N  oflo  Senhor 
lhe  acuda  por  fua  milericordia.  Armenia,&  Geor- 
giana chamada  por  outro  nome  Ibéria  ,  laó  Pro- 
víncias da  Afia  mayor  ,  a  qual  toda  hc  lugeyta  ao 
Turco. 

Preceytosdo  Akorâo,  Alcorão,  quer  dizer  doutri»! 
na ,  lie  o  livro  em  que  eftá  eícritta  a  maldita  íeyta 
de  Mafàmede,entre  outros  preceytos  tem  hum  de 
que  o  Poeta  aqui  faz  mençáo,que  todas  as  molhe* 
resdeftes  Chrillãos  deltas  partes  que  parem  ma- 
cho,fetor  hum  íó  lho  daraò  de  tributo,  &  de  dous 
hum,  xk  de  três  hum.  Sc  aonde  não  hà  filho  macho, 
lhe  daó  hum  cruzado  de  tributo  cada  anno.  Eítes 
filhos  os  obriga  a  tomar  rualey,6c  os  manda  criar, 
&  tnfinâr  às  cou  fas  da  milicia,6c  cita  he  a  gente  de 
que  ic  mais  fia» 


14 


^|t  Âs  em  tanto  que  regos y&  fedent os 
I  Andais  de  vojfo  fangue^é gente  Injanãi 


Anjuellai  ifi'àenço<:sferaf,&  novas.  Chama  aarte- 
Ihana  invenção  nova  ,  porque  eílc  exercicio ,  Sc 
artifício  Começou  no  anno  do  Naomentodo  Se- 
nhor de  1581.  Não  feíabc  quem  foy  o  inventor, 
&;  foy  bem  efconderfe  ,  porque  íc  le  foubera  feu 
iiome  todas  as  horas,&  momentos  fora  maldito,Sc 
abominadocomo  merecia  >  porque  foy  cau  fade 

não  haver  nô  mundo  aquelle  esforço ,  &:  cavulla-    JSlão  faltarão  Chrifiãos  atrevimentos 
ria  que  antcsjia via  nos  homens,  bios  murm  de  Bj^    ^^n^ peqtmaCa/a  Lufitana: 
%afsííOi&de  7«m«w.Byzancio  he  Conílantinopla,     ^r^^  Jr^ír^  *^^  *^^».;^;«./,..  ^/r^*.^/,- 
Cidadehoje  a  prmcpal  detodasasque  o  Turco     "Dt  Afrtcatemmautmos ajfentos. 
fenhorea/ pois  nella  tem  feuaífento,  ôccadeyra    tíe  na  Afia  mais  que  todas  foberana, 
real  Veja- íc  a  noflaannotaçáo  no  canto  3.oytava    Na  quarta  parte  nova  os  campos  ara 
12.  Fax^tf  íjut  torne  lâ  as  Jilvefira  covas.  Como  difle     E/e  mais  mundo  houverajâ  chegar  âi 
os  Turcos  que  agora  faó  ienhores 


atras  oytavii4 

de  hu  ma  grande  parte  do  mundo,  tiverão  fiia  ori 
gem  dehum  loldado  por  nomeOttomano  ,  ho- 
mem de  bay xa  forte ,  natural  de  Tartaria ,  o  qual 
fe  levantou  contra  o  Empcrador  dos  Tártaros,  & 
pouco  a  pouco  veyo  o  negocio  a  dar  no  eítado  em 
que  hora  eltà.  O  principio  foy  na  Tartaria,  a  que 
<?s  Elcrittores  chamáo  Scythia,nefta  eílão  os  Cal- 
pios  rnontts»0  que  o  Poeta  aqui  quer  moítrar  he, 
qucdeviáo  os Chriltâos lançar  os  Turcosfórade 
Conltantinopla  ,  &  outros  muytos  lugares  da 
Europa,quetem  tomado  aos  Chriítãos,  Scfazelos 
recolher  aos  montes  Calpios  de  Scythia  ,  donde 
Yierão  para  eftas  partes.  Deites  montes  fe  veja  a 
noíla  annotação  no  terceyro  canto* 

GRe^os  Xraces,  Arménios  ^  Georgianos  ^ 
Bradando  vos  eflão^que  o  povo  bruto 
Lhe  obriga  os  caros  filhos  aos  profanos 
2^receytâs  do  Alcorâo{duro  tributo') 
Emcafttgar  osfeytos  inhumanos 
VosglQíiaj  depeytoforte^&aíluto^ 


Mas  em  ejuanto.  Louva  o  Poeta  aqui  ó  fioífo 
iPortugal ,  o  qual  não  vay  pela  ordem  das  outras 
naçóes;anies  em  quanto  os  outros  andão  occupa- 
dos  cm  guerras  injuftâs  ,  elícs  as  fazem  a  Mouros^ 
Sc  infiéis,  Scandaó  íugeytando  novas  nações  em 
novas  terras,que  o  Poeta  aqui  nomea. 

De  Africa  tem  marítimos  ajjentes.  As  Cidades  mai»' 
ritimasqiie  o  Poeta  diz  que  tem  os  Reys  de  Por- 
tugal,faó  Ceuta,  Tangere,  Arzilla,&:  Mazagaò.  Ha 
na  Afia  mais  t^ue  toda  (oberba,  llto  diz  pelo  niuyto 
que  os  Portuguczes  tem  feyto  ,  &  conquiítado  n» 
Oriente,aonde  tem  muytas  terras, 5c  muy  tas  IlhaSè 
§íuarta  parte  nova.  He  America ,  ou  novo  mundo, 
da  qual  com  as  mais  partes  tratrâmos  no  primcyro 
cantOjoytavai.  Diz  que  também  os  Portuguezes 
tem  pé  nella  pelo  Brazil,  que  pofluem,que  he  tam- 
bém huma  parte  deita  America,  como  fica  dito  nd 
lugar  allegado  :  &  como  mais  copiofamente  o  di- 
zem os  Diálogos  de  varia  Hiítoria,  Dialog.4.cap, 
12.  &  6.  cap.  1.  6c  joaõ  de  Barros  na  íua  Afia,  De- 
cad.i.  aonde ella cif ganteoytava  eítà dignamente 
com  meneada. 


Lufíaàas  àe  Luís  de  Camks  Commentaàos* 


^97 


E  Vejamos  em  tanto  o  que  acontece 
/^aquelles  tamfamofos  na  veganteS, 
depois  que  a  branda  Vénus  enfraquece 
O  furor  'VaÔ  dos  ventos  repugnantes: 
depois  que  a  larga  terra  lhe  apparece. 
Fim  defuasprofias  tão  cantantes ^ 
Onde  vem  f entear  de  Chrijto  a  Ley^ 
E  dar  novo  coflume^à'  novo  Rey^ 

Ve]am9itm  tanto»  Torna  o  Poeta  a  trattar  o  que 
áconceceoaos  Portuguezes  defpois  que  hoveraó 
vifta  da  terra  da  índia  ,  acabada  aquella  cão  traba- 
ihofa  tormenta  qu6  no  fiai  doícxto  canto  contou. 

Defpoit  efue  a  larga  urra  lhe  apatece»  Ftm  de  fitas 
for  fiai  tdo  confiantes,  lifta  terra  larga  de  que  liou- 
veráo  viíla  ,  foy  a  terra  de  Calecut  »  que  era  a  que 
elles  com  tatita  porfia ,  6c  cmílancia  buícaváa.  li 
â  verdade  tudo»  havia  miíler  humataõcompridaj 
&  importuna  viagem ,  que  milagrofamente  pode- 
mos crerhiremos  homens  a  terras  taó  rematas, 
oíFerecidos  a  tantos  perigos ,  &  trabalhos »  que  os 
de  que  os  Poetas  tazem  tantos  medos, como  Scyl- 
la,  éc Carybdis,  Acroceraunios,& outros  faó  nada 
em  comparação  dos  que  hà  nefta  taó  larga  ,  6c 
•  tnfadonha  viagem  da  índia» 

TÂnto  qtte  â  nova  ter  rafe  chegarão^ 
Leves  embarcaçoens  de  pejcadores 
' Achar aõjque  o  camiuho  lhe  moftràraô 
*T>e  Calecut  jonde  eraò  moradores'. 
Yara  là  logo  as  proas  fe  mclinãraÕ, 
forque  efiaeraa  Cidade  das  milhares 
1)o  Malabar  me Ihor^onde  vivia 
O  Rey^que  a  terra  toda  pojluta^ 

f  Tanto  tjus  ã  nova  terra  fe  ch87drào,}i\jm  Domin- 
go vinte  de  Mayo  de  mil  quatrocentos  noventa  & 
oyto  houveraô  os  Portuguezes  vifto  a  rtrra  de 
Calecut ,  &  íurgiraó  defronte  de  hum  lugar  cha- 
mado Capocate,  o  qual  o  Piloto  cuydou  íer  a  mef- 
ina  Calecut,  Mas  furta  a  noíla  armada  j  acudirão 
logo  quatro  almadias  de  gente  da  terra  a  fabcr  que 
nãos  craô  aqueilas,porque  nunca  as  virão  daqueU 
la  invenção  ,  nem  hirem  a  tal  tempo  àqudlas  par- 
tes. Eíla  gente  que  aciidio  á  noíla  armada  era 5 
pefcadores  :  aos  quaes  Valco  da  Gamafezgaza- 
lhado,  6c  mandou  que  lhe  compra flem  do  pcícado 
que  traziaõ.  Eftes  o  levarão  a  Calecut.  O  Poeta 
neílas  oytavas ,  que  fe  feguem  defcreve  a  própria, 
&  verdadeyra  índia  ,  como  eu  atrás  toquey  no 
canto  fexto,oytava  pi. 


17 

AL/m  do  Indojaz^é'  aquém  do  Gange^ 
Hú  terreno  mUygràde^Cr  ajfazfamofo^ 
Repela  parte  AuftraL  o  mar  abrange  ^ 
E  par  a  o  Morte  o  Emodio  cavemo/o: 
Jugo  de  Reys  diverÇos  o  conjlrange 
Avarias  leys ^alguns  o  vicio fo 
Mafoma^alguns  os  Ídolos  adornÕi 
Alguns  os  animaes^que  entre  elles  morada 

Alem  do  índújaz»  Como  atrás  apontey  no  canto 
lexto,  oytava^i.  a  terra  que  os  Geographos  cha- 
niaó  índia  ,  heaqueéítá  entre  aquclles  dousfa- 
moíos  rios  Indo,6c  Ganges,  Os  naturaes,  \Sl  vezi- 
nhos  lhech'^maó  por  nomt-  próprio  Indoítan.Tem 
da  parte  do  Norte  por  termmo  o  monte  Emodio, 
que  he  hum  ergalho  do  monte  Tauro  ^  aoqualo 
Posta  aqui  chama  caVernolo  ,  porlerrauyto  af- 
pero,  com  muy  ta  penedia ,  6c  quebradas,  a  que  os 
Latinos  chamaó  cavernas.  Da  parte  do  Sul  tem  o 
Oceano  í  ndicoi  Do  Poente  o  rio  Indo:  6c  do  Ori* 
ente  o  Ganges  ,  ainda  que  ambos  layemde  huma 
paragem  contra  o  Norte,;  A  teiia  que  eítá  entre 
osdousrios,  que  dizem  chamaríe  Indoltan,  a  que 
nós  chamamos  índia ,  tem  diííerentes  Reys ,  6c 
naçóesjcom  diíterentes  ley.tas,  6c  torpezas,que  le« 
ria  largo  contar  ,  porque  hun^  leguem  a  peítilcn^ 
ciai  feytii  de  Mafoma:  outros  adorno  os  Idolosiou- 
trosanimaes  :  outros  tem  em  íi  outras  brutalida- 
des indignas  de  fe  cfcrcvcrem.  /íi^uns  o  vtci&fo  Ma» 
foma.^  pcrfeguiçaó  de  Mafoma  foy  no  fim  do  im- 
pério de  Heraclio  no  anno  do  Senhor  de  Óyí.ain- 
da  que  mito  há  variedade  entre  os  Autores  ,  que 
outros  querem  toílc  no  anno  deSjip.  6cque  co- 
meçaííe  em  hum  lugar  chamado  Saralo  na  Arábia 
Pétrea ,  comoapontámos  atrás  no  primeyro  can- 
to,oytava8è  Quanto  ao  lugar  de  iua  natureza  di- 
zem que  foy  Itarip,  aldeã  pequena  de  Arábia  ,  6c 
que  feu  pay  foy  Gentio  por  nome  Abdalá  ,  6c  fua 
máyHebrea  chamada  Emina  gente  bayxa.  E  co- 
mo era  filho  de  pays  difFerentcs  ,  querendo  Ihei 
hum  enfinar  huma  coufa  ,  6c  outro  outra  ficoit 
confufo  ,  6c  diítrahidoem  fua  vida.  Defpois  da 
morte  dos  pays ,  naófabendo  a  quardasíeytasfe 
daria,le  à  do  pay,  que  era  Gcntilica,  íe  á  da  mãy, 
que  era  Hebrea.Sendo  moço  criou- fe  entre Chril- 
tãoSíVindo  a  idade  cm  que  entendia,como  era  mal 
inclinadojSc  perverío  de  natureza,âjudado  de  hum 
Sérgio  hereje  Neftoriano  ,  6c  de  dous  Judeus  e{- 
padeyros*  Fez  das  feytas  de  Teus  pays  j  6c  da  ley 
Chriílã  huma  feyta  diabólica  ,  tomando  de  cada 
huma  o  que  lhe  parecia  ,  parabém  deíuaperten- 
çaó,  que  era  (cr  tido  por  lanço,  para  por  eíte  meyo 
ter  mando  ,  6c  poder  no  mundo  ,  comofucccdeo 
que  em  pouco  tempo  com  voz  de  prophcta  coii- 
quiítou  muytas  terras  vczinhas. E  como  a  fua  ley- 
taera  humalellada  tirada  de  difiFerences  partes  i  6c 

que 


.; 


que  qualquer  hotiiem  dejulzõ,  Zí  de  razaõ  enten-  viados  hum  do  outro  de  Levante  ao  t*oentCÍpoi? 

•deria  facilmente  que  era  errónea,  largou-Ihe  a  re-  elpaflb  de  trezentas  léguas  pouco  mais ,  ou  menos,^ 

dcaatodoo  genero_devicios,&deu-lhe  liberdade  queheoelpafib  ,  quetetna  terra  chamada  Índia* 

que  fizeflem  o  que  quizeflbm  ,  principalmente  no  Acabão  leu  curfo  no  cabo  Camorij ,  defronte  da 

victoda ícnfuaWade  ,  queíoy  partepara adquirir  Ilha Ceyláo ,  masdefviados  hum  do  outro  ,  como 

^a  íi  em  breve  tempo  meyo  mundo.  E  cfta  he  a  ra-  diz  o  Poeta  na  oytava  feguinte.  O  Ganges  entra 

zaó  porqiie  o  nollo  Liais  de  Camões  lhe  chama  vi-  por  duas  bocas  defviada  huma  da  outra  por  cfpaíTo 

ciolo.  Tem  lavrado  tanto  efte  malpeftilencial  en-  de  cytenta  legoa?  na  enleada  do  Reyno  de  JBen- 

tre  tantas,  ISc  taõ  diverlas  nações,  que  em  compa-  gala,qtie  por  efte  relpeyto  fe  chama  entre  os  Coí- 

raçáo  da  gente  enganada  com  fua  lcyta,laó  muyto  rnographos,yÇ««í  Gangeticut,  feyo  Gangetico,  que 

poucos  os  que  leguem  o  caminho  da  verdade,  que  quer  dizer  enleada  do  rio  Ganges.  O  Indo  entra 

he  noffà  Santa  Fé  Catholica.  O  que  facilmente  k  na  enleada  de  Cambaya ,  chamada  affim  do  Rey« 

pode  ver  ,  pois  não  crè  em  Chrifto  Noilo  Senhor  no  Cambaya,aonde  eítá.Vcja-feo  que  elcrevemos 

•coda  a  É^uropa  perfcytamente,Sí  em  Mafoma  par-  «ocantodecimo,oytava  io6.  Da  fonte  deftesrios 

-te  delia, com  toda  a  Afia,  6c  Africa,pouco  menos,  até  o  cabo  Comonj,  aonde  entráo  no  mar,  haverá 

JB  mandou  ;iK)  íeu  Alcorão ,  que  ninguém  oulaílé  quatrocentas  legoas  de  comprimento, 
trattar,  nem  dilpataríobre alua ley,  pondo  niiio         Cercão  tod»  o  temfodo  ttrnno»  Diz  que  cercão 

^grandes  penas  :  no  que  bem  moílrou  como  tudo  aquelles  rios  aquelJe  pedaço  de  tcrra,de  que  atrás 

craó  enganos,  &  falfidades,  &  que  lhe  punha  efl e  fica  trattado  ,  que  abraça ,  &  rodea  a  índia,  Pcfo 

barbilho,  arreceando-fe,  que  houvcfib  homens  de  do  terreno  qncr  dizer  aquellc  efpaflo  da  terra, 
-juizo,  aHda4ido  o  tempo,  que  cahiílem  em  leu  f  n-         Fazendo  o  Cherfonefo.  Que  feja  Cherfqneío  fica 

gano,  6c  maldade,   Defte  maldito  Mafoma,  d€  íua  dito  no  canto  lcgundo,oytava  541 
torpe  vida  ,  6c  pcyor  feyta  ,  fe  pode  ver  hum 
cunolo  <:apitulo  nos  Drilogos  de  varia  Hiílo- 
ria,  PiaÍQgo|.cap.3,  " 

A  'jn  Ntreh{ij&  outro  riOiem  gr  ande  e/f  âçol 

J[_^  òae  da  larga  terra  huma  longa ponta^ 

LA'  bem  m  grande  monte, qtte  cortando^  ^aftpiramiãal.tjue  no  regaço  h 

Ta^  larga  terra.toda  Afta  di/corret  ^0  mar, com  Ceylaõ  In  fula  confrontai  m 

^e  nomes  taõ  diverfos  vay  tomauda,  E junto  donde  nace  o  largo  braço  m 

iSegundo  as  Regtoésfor  onde  torre',  GangettcOyO  rumor  antigo  conta,  1 

As  fontes jatmjonde  vem  manando  '^g  ^s  vifinhvs  da  terra  moradoreí. 

Os  rws.cujagrm  corrente  morre  ^^^  cheyrife  mantém  das  lindas fior es-. 
No  m^r  Indico i&  cercão  iodo  opefo 
^Do  tmmo^fazendo  o  Qherjonefo.  Entre  hum,  &  outro  rio,  Deícreve  a  figura  que 

íaz  a  terra  chamada  Índia  ,  rodeada  daquelles  tão 
Là  Um  no  grande  montt.  Eíte  he  o  grande  mon*.  illuílres,&  celebrados  rios:Indo,&  Ganges,6c  co- 
te Tâuro  o  mayor  do  mundo ,  como  dizem  todos  mo  ambos  acabão  fcu  curfo  defronte  da  Ilha  de 
os  Geographos, chamado afiim,  como  diz  Diony*  Ceylaõ. 

fio  Alexandrino ,  cap.  3.  por  difcorrer  por  largas         Ponta  pyramtdaí.  Ponta  aguda  ao  modo  de  pyraS 

icrras,  levantada  a  cabeça  como  hum  touro  :  ou  mide,quehe  hu  ma  columna  quadrada  muyto  iar- 

como  diz  Eullachio  ,  por  lua  grandeza,  porque  os  ganopé,  a  qual  quanto  mais  vay  íubindo  le  vay 

antigos  chamavão  a  todas  às  coufas  grandes ,  tou»  adelgaçando  de  maneyra^que fica  com  huma  pon- 

ros.bíte  monte  corta  toda  Afia,fazendo  por  todas  ta  muyto  aguda  ,  6c  delgada  a  modo  de  fogo  ,  que 

«s  partes  grandes  entradas  pelo  mar,  que  parece  parece  fubir  às  nuvens,  li  aflim  íedizde  ,  pirque 

ameaçalo,6c  quererlhe  eftorvar  leu  curlo,tanta  he  he  o  fogo,porque  no  leu  fubir  o  imita.Eftas  pyra- 

íualôberba,  ôc  altivez  defde  o  Oceano  Oriental  mides   coílumavâo   antiguamente  os  Reys   de 

atè  o  mar  Egeo.  Tem  differentes  nomes  conforme  Egypto  ,  as  quaes  lhe  ferviáo  de  fepulturas.  Eraõ 

aos  lugarcs,6c:  nações  por  onde  pafla,como  diz  So-  huns  Edificios  muyto  altos, 8c  iumptuofos,que  os 

lino  no  leu  Polyhiílor»  De  huns  efgalhos  delle  ditos  Reys  faziâo  para  moílra  de  fua  grandeza,  6C 

monteTauro,aquePtolomeo  chama  Imao,  6c  os  poderrdas  quaes  as  que  cflaváo  na  Cidade  de  Mem-] 

moradores  D^alanquet,6c  Nangracot,arrebentâo  phis  eráo  de  tanta  grandeza,que  íaó  contadas  en-»'' 

£>s  deus  nos  taõ  celebrados  dos  Elcrittores ,  Indo,  trc  as  fete  maravilhas  do  mundo. 
&  Ganges,mas  difbinétamcnte:  ainda  que  os  Gen-         lunto  aonde  nace  o  largo  braço  Gangetico  )  o  rumor 

tios  ,  comarcãos  querem  que  feja  toda  huma  vea  de  antigo  conta,  llto  melmo  diz  SoUno  no  íêii  Poly- 

agoa,  donde  veyo  a  chamarem  áquelle  monte  dos  hiílor.  cap.65.  aonde  acrecenta,  quenaó  fomente., 

dous  irmãos  por  lhe  parecer  que  ambos  fahiaó  de  cfia  gente  íe  íuílenta  em  luas  terras  com  o  cheyraí 

■hum  mefmo  lugar*  Apartaó-fc  eíles  rios  logo  em  das  flores,  6c  frutas,  mas  que  quando  caminhão  asl 

íeu  nacimenco  }  ôc  correm  do.Norccao  Sul  j  dei*  levaõ  comfigo,  6cdcfta  maneyra  vivem,  &  andaó,^ 

&  (^ue  cm  lhe  faltando  raorrem,      ~"  Ma$' 


MAi  agora  de  nomes ^&  de  ufaríça. 
Novos j  ^  vários  faõ  os  habitantes^ 
Os  TJelíJSi  os  Tatànes^que  empoffança 
*Deterra,t§gentefaõ  mais  abundantes: 
^e  canijsflnàs^que  a  efperança 
TemdefuafalvaçaÕ  nas  rejonantes 
Agoas  do  Gange/ê  a  terra  de  Bengala^ 
Fértil  de  forte  ^que  outra  naõlhe  iguala^ 


Lujíadas  de  Luís  de  Camões  Commentadosl  ^    *  ^^^ 

O  Reyno  de  Narfinga  podmjl) 
2  o  Mais  de  ouro  i&  pedras  jquc  de  forte  gente: 

Aqutje  enxerga  là  do  mar  mdofò 
Hum  monte  alto ^que  corre  longamente^ 
Servindo  ao  Ala  lavar  de  forte  muro. 
Com  que  do  Lanará  vivefeguro. 


O  Kayno  de  Camhaja  beUicofo,  O  Reyno  de  Gti" 
aarate  he  o  que  chamamos  commummente  Cam- 
baya.  He  muy to  grande,  &  cheyo  de  Mouros,  ôc 
Gentios.tem  muy  tas  Cidades,  &  portos  de  mar  de 
muyio  tratto,8c  negocio.He  agente  defte  Reyno 
muyco  bellicofa  ,  pelo  que  rauytos  vivem  lera  íè 
quererem  fugeytar  a  Rey ,  nem  a  Senhor  algum, 
antes  fazem  continuamente  guerra  aos  Rcys  de 

tas  ^oiuaucs,  CA,  uiLijt,v^  ..^v,^, -^ — j --     Cambaya,  os  quacb  não  pódeH»  levar  a  melhor  del- 

concurfo  de  mercadores.  Foy  antigamente  eíte  \q^^  porque  tem  muy  tas  Cidades,  &:  lugares  fortes, 
Reyno  de  Gentios:  dosquaes  alguns  que  ticâraõ  aonde  ledcfendemjÔcoíFendem,  porque  laõ  gran- 
em memoria  defe  verem  privados  de  fuás  fazendas,  deshomensde  cavallo.Ncíte  Rçy  no  cila  a  Cidade 
&  terra,  andáopelo  mundo  comofiganos,deícal-  ^e  Dio,  fugeytaaosReysde  Portugal.  He  tão  ri. 
ços,&defpidos,  Ôclemcoufa  alguma  nas  cabeças,  <:o,&:  poderoío  eíte  Reyno,  que  tem  El-Rey  de 
cingidos  com  grandes  cadeas  de  ferro,  Ôcchey  os  Cambaya  vaííallos  feu»  que  tem  mais  de  oytocen- 
decinza,pedindodeportacm  porta:  faô  tidos  dos     cos  mil  ciuzados  de  renda.  Ecom  todos  elles  foy 


Oi  D<?/;;í,  flí  Vatanes,  Delijs  faó  os  moradores  do 
Reyno  Delij  metido  pelo  fcrtáo  dentro:tem  muy- 
tas  Cidades,  &  muyto  ricas,  de  muyto  tratto,  SC 


outros  Gentios  por  lautos  ,  5í  lhe  fazem  grandes 
eímolas.Elle  Reyno  Deli  he  muyto  grande  ,  ainda 
que  muyto  menor  hoje  do  que  ja  foy  ,  porque  as 
terras  do  Hidalcaó  ,  &  Cambaya  foraó  tambcm 
luas  com  as  quaes  felhe  levantarão  algunà  Capi- 
tâes,nomeando-fe  Reys.como  hoje  ie  chamáo.He 
gente  b  Uicofa ,  tem  muy  tos  cavallos ,  &  cUes  faõ 
homens  de  cavallo.  Dos  Patanesfecícreve  ,  que 
faõ  tantos,que  não  tem  numero.Traz-lc  por  pia- 
tica  na  India,quando  (q  ajuntaõ  para  algum  fey  to, 
fe  fe  põem  ao  longo  de  algum  no  que  o  efgotaõ. 
He  bom  encarecimento.  O  Poeta  moítra  nefta 
oyiava  ferem  em  gente  ,  6í  terra  poderolbs  ,  & 
muytos.  Decanijs  lai»  os  do  Reyno  do  Hidalcaó,  a 
que  os  Indos  chamáo  Decaó.  Tem  Rey  Mouro, 
mas  os  moradores  íaó  pela  mayor  parte  Gentios. 
He  Reyno  grande  pelo  íertaô  dentro.  Tem  tam* 
bem  bons  portos,  com  grandes  trattos ,  &  merca* 
dorias,quegafl:aóem  terra  firme.  Nelte  Reyno 


venciuo  por  poucos  Portuguezes.  Defte  Reyno 
de  Guzarate  elcreve  Juftino  ^  que  foy  antigamen- 
te Rey  Poro  grande  cavalleyro  muyto  ebforçadoj 
£c  bellicolo  ,  como  diz  o  nofib  Luis  de  Camões. 

O  Reyno  de  Narfinga  fedtro(o  mat\  d''ouro  ,  ó"  fí- 
dras.  O  Kcyno  de  Naríinga  chamado  poroutto 
nome  Biínagá,  dagrandiíTima  CiUadede  Bihiaga 
cabeça,5w  Metropolido  Reyno,peioconcurlo,& 
ttatto  da  gente  ,  Sc  pela  abundância  de  todas  as 
coufasneceílarias.he  muyto  grande,6c  muyronco 
de  todas  as  coulas,principal  rncte  d*OLiro,  6c  pedra- 
ria,que  le  vendt  na  Cidade  de  Biínaga,aonde  vem 
^e  Pegú.  E  no  próprio  Reyno  há  huma  grande 
mina  de  diamantes  ,  6c  dizem  que  he  huma  terra 
muyt'^  grande  donde  fe  tirãoos  melhores,  ôc  mais 
efti  nados  do  mundo.  As  molhcres  defte  Reyno 
fe  faõ  pobres  delpois  que  enviuvaó  faó  obrigadas 
a  queymaríe:&  le  laó  ricas,antes  que  fe  quey memj 
coftumaò  a  gaftar  todos  feui  bens  em  banqut'tes,Sc 


cftà  Chaui,Dabul,Gofl,6c  outros  muy  cos  lugares,  feftas  com  feus  parentesrSc  muyto  veftidas,6ccoa- 
que  hoje  conhecemos  por  fama.  Orias  faó  mora-,  certadas.  fe  lanção  no  fo^o  ^'to  a  cinza  le  lepulta 
dores  ao  longo  do  rio  Ganges.  com  a  dos  maridos.  As  que  i  .'«aó  querem  quey- 
E  a  terra  de  Bengala.  Efte  Reyno  de  Bengala  he  ^ar  lançaó-as  fora  da  terra^rapando-lhe  priíneyro 
chamado  aflim  do  nome  de  huma  Cidade  princi-  as  cabeças  à  navalha ,  que  he  final  que  tem  de  nao 
paldo  mefmo  Reyno.  Efta  efte  Reyno  ao  longo  f^^erem  oque  fualey ,  6c  coftumeda  terramanda. 
dacoftadomar  contrao  Norte  ,-paílapor  meyo  Asque  faómoças,6cbcmparecidas,felenãoquey- 
dcllc  o  rio  Ganges ,  he  Reyno  muyto  abundante,  maó,coftumaó  os  parentcs,por  lhe  fazerem  favor» 
íSc  rico ,  6c  tem  muytos ,  6c  muy  grandes  lugares,  polas  em  certas  cafas  de  ídolos,  que  para  ifto  tem 
Nefta  paragem  de  huma,  6c  outra  parte  do  Gan-  jà  deputadas,  aonde  cltáo  ganhando  com  feu  eor- 
ges  he  tudo  povoado  de  Gentios  idolatras  ,  &  poparaíi  ,£c  para  ajuda  de  concertar  aquellacafa 
que  põem  toda  lua  íalyaçâo  nas  aguas  do  Ganges,  ''  ~' 
como  íica  dita. 


11 


O 


Kcyno  de  Camhaya  belllcofo 
QDizemquefoydeTóro  Rey  potente) 


dos  ídolos.  Eftas  gaftaõ  certas  horas  do  dia  em 
danças,  muficns,  8c  outros  excrcicios  defta  calida- 
de,  o  tempo  querefta  deftesbayles,  6cmuíicas, 
gaftâo  na  outra  corpeza.  Bem  fe  moftra  a  grande 
bruteza  ,  6c  ignorância  deftcs  ,  pois  gaftaó  leu 
tempo  defta  maneyra  ,  co:no  Uò  eftes ,  he  gente 
pouco  bellieoííi,  como  aqui  diz  o  Poôta.  Tem  efte 


^13Ô  •  •_  _  _     

íRcyno  dílFercntes  Scntibres ',  c]ue  o  jgovcrnáo  de 
muyto  pequenos  cílados  ;  &  como  he  gente  de 
apouca  fé,  já  toda  atena  fora  fugeyta  ao  mais  pode- 
luio,  íc  a  natureza  naó  atalhara  â  cobiça  dos  ho- 
mens com  grandes  iios,'lagos,  montes,  Òc  d:lertos 
habitados  de  rnoytas,  5c  grandes  feras,  que  empe» 
<lema  paflagem.  ti,  principalmente  hum  monte, dt 
-que  o  Vo^ta  aqui  f<tzn)cnçâo,o  qual  por  ler  gmn- 
43iflimo,  Ôc  muyto al.pero,  não  tem  nome  próprio» 
mas  chauid-ie  Gate  ,  que  iie  o  nome  cnirc  eiles 
geral  pira -dizer  íerra.  Lílc  monte  corre  do  Nor- 
aeao  Sul,  .pela  coftado  mar  kmpreá  viftadcile, 
aLéhir  fenecer  no  Cabo  Comorij ,  porefpaço  d^ 
-duzentas  legoas,pouco  mais,ou  menos-  Enti  e  eíia 
jlerra  de  Gate,  6í  o  mar,  ellà  huma  cinta  de  terra, 
■que  lerá  larga  de  dez  legoas ,  tem  algun>aí;  partes 
^•ouco  mais,  ou  menos,  a  qualfe  chama  Malabar, 
-que  teiâ  de  comprimento  como  oyrenta  lego.iS, 
aonde  eítà  íituada  a  Cidade  de  Calccuf.Eíle  Gate 
ícrve  aos  moradores  do  Malabar  de  muro  ,  &  de- 
'fenfaó  contra  os  moradores  do  Rcyno  Bilnaga  ve- 
%inhos. 

D  Aterra  os  naturaes  lhe  chamao  Gate.y 
T^opè  do  quai pequena  quant idade y 
Se  e  (fende  huma  fralda  eflrey  tanque  combate 
^0  mar  a  natural ferocidaaei 
jíqiii  de  outras  Cídadisfem  deli  ate 
Calecut  tem  a  illuftre  dignidade 
^e  cabeça  de  Império  r  te  a  :,&  hella^ 
'Samormfe  intttulla  o/enhor  delldj 

SàMorim  fe  intitula  o  Senhor  delia,  Samorij  he  o 
nomeappellativo  do  Senhor  do  Reyno  de  Cale*. 
t:ut,o  qual  nome  foa  tanto  como  Emperador,por 
«ile  fer  o  mayor  Rey  de  toda  aquella  coíla.  A  ra- 
aâodeíle  nome  íe  veja  no  z.canto,oytava  52. 


C 


Hegada  afrtaao  rico Jenhorio^ 

y  Hum  Tú^  ^  pie  zmandado  logo  parte  y 

j4 Jazer  fabedoV  o  Rty gentio^ 
2)^  vinda  jua  a  taõ  remota  parte: 
Entrando  o  manfageyropello  rio, 
^ealli  nas  ondas  entrada  não  viflaarte^ 
yhor^ogefto  efiranho.o  trajo  novo^ 
Fez  concorrer  a  velo  todo  o  povo» 

Hum  Tortuguez,  mandado  logo  parte.  Diz  Joaó  de 
Rairos  que  mandou  Valco  da  Gama  ao  Piloto 
Mouro  por  ling^oa  com  hum  Portuguez* 


E 


14 

Níre  a  gente ^que  a  velo  concorria, 
Se  chega  hum  Mahometa,que  nacids 


Setmdl 
Fora  na  região  de  Berhefiu^ 
Lâ  onãefrra  Anteo  obedecido'. 
Ou  peia  vifinhan,çajà  teria 
O  Reyno  Li^Jii ano  conhecido, 
Oujoyjâ  ajjmalado  ae  fèu  ferro, 
Fort  ima  o  troxe  a  tão  longo  dejierrol 

Entre  a  gente  i  ejue  a  vello  concorria.  Entre  outraá 
pefloas,  que  concornaó  a  ver  os  Portuguezcs  que 
Vaíco  da  Gama  mandara.  Succedeo  vir  hura 
Mouro,natural  de  Berbéria,  da  qual  foy  Rey  an* 
tigamente  Anreo filho  da  terra,  o  primeyro funJ 
dador  da  Cidade  de  Tangere  ,  como  fica  dito  no. 
canto  tcrceyro.oytava  76.  Eílc  Mouro  diz  o  Poe- 
ta ,  que  conhecia  os  Portuguezcs  ^  ou  por  ler  vczi- 
nho  de  Portugal ,  ou  porque  por  ventura  leria  já 
em  alguma  eicaramuça,ou  briga  mal  irattado dos 
Portuguezes  pela  continua  guerra  que  tem  coig 
os  Mouros. 

EM  vendo  o  mejifageyro^ecm jucundo 
Rojfo^como  quem /abe  a  iingoa  Hifpanà^ 
Lhe  díffe:quem  te  trouxe  a  eftontro  mundo^ 
Taõ  louge  da  tua  pátria  Lufitana^ 
Abrindo, lhe  refponde  o  marprofu)ídOy 
^or  onde  nunca  veyo  gente  humana^ 
Vimos  bufe or  do  Indo  agraÕ  corrente,, 
Tor  onde  a  Ley  dtvinafe  acrefente^ 

i^ 

Espantado  ficou  da  gr  aõ  viagem 
O  Mouro jque  Monf  a/de/e  chamava^ 
Ouvindo  as  opprtjjoés^que  napajfagem 
tornar, o  Lujitanolhe  contava: 
Mas  vendo  emfim^que  a  força  da  menfageml 
Sòpara  e  Rey  da  terra  re levava y 
Lhe  dtz.que  eftavafora  da  Cidade y 
Mas  de  camtnho pouca  quantidade^ 

i7 

E^ie  em  tanto  que  a  nova  lhe  chegajfe 
T>efua  ejtranha  vinda  fe  queria  '• 

Nafua  pobre  cafa  repoufajjei 
E  do  manjar  da  terra  comeria: 
E  depois  quefe  hum  pouco  recreajfe 
Com  e  lie  para  a  armadatornaria^ 
^le  alegria  naÕpòde  fer  tamanha, 
^ie  achar  gente  vifníha  em  terra  efiranhal 

E  (jae  em  tanto  ^ae  a  liova  lhe  cbegafje,  Lu  is  do 
Camóes  naô  conta  ifto  láo  pontualmente  como 
Joaõ  de  Barros  diz  Decad.i.  liv,4..  c.8.  que  Vaíco 
da  Gama  mandou  piloto  leu  mouro ,  Sc  com  elle 

hum 


Lufiadas  de  Luis  de  Camões  Commentados, 


hum  degradado  Portuguez,  os  quaes  náo  achando 
a  El-Rey  em  Calecut,  o  for aô  bulcar  a  hum  iugar, 
que  eílâva  cinco  iegoas  de  Calecut ,  &  que  á  volta 
vcyo  entre  outixjs  teytorcs ,  &  arrecadadores  da 
fazenda  d*El-Rey  ,  elle  Monçayde  de  Berbéria, 
de  que  falia  o  Poeta.  O  qual  por  ter  conhecimen- 
to do  Piloto  oagazaihou  hunia  noyteemfuacala, 
juntamente  com  o  Portuguez.  Eíte  Monçayde, 
legundo  elle  depois  dizia  era  natural  do  Reyno  de  Veja-le  a  noila  aaaotação  no  terceyro  canto,  oy^» 
Tunes  ,  &  tivera  já  communicaçâo  com  os  Porcu-     tava  12. 


10  r 

Poeta ,  a  qual  deípois  de  morta  foy'Orpheo  buf- 
car  aomferno.  E  contaó  dellc  os  Poetas,que  po- 
de tanto  lua  mulica  com  Plutaó  tcnhor  do  inter- 
no,que  lha  reltjtuhío:mas  com  condiçãojqueeni 
quanto  foífe  naquella  paragem  ,  não  olhalièpar* 
tràs.O  que  elle  não  podendo  acabar  comíigo, tor- 
nou a  perder  Euridice.  Khodope  he  hum  monte 
de  Thracia  ,  donJe  o  Poeta  Orpheo  era  natural. 


guezes  na  Cidade  de  Ourao  ,  com  os  quaes  trat- 
tou  naquella  parte.  Pelo  que  como  vioosPortu- 
guezes,  le  alegrou,  &deíde  o  dia  que  entrou  nos 
Ccflos  navios  Hcou  taó  familiar,  Sc  anugo  dos  noí- 
íos  com  tanta  lealdade, que  em  tudo  os  fiivoreceo, 
&  ajudou  :  &  tanto  Ic  entregou  em  fua  amizade, 
que  fe  veyo  com  Vafco  da  Gama  a  Portugal, aon- 
de recsbcoa  Fé  de  Noflo  Senhor  JcluChriítoj  & 
nclla  morreo. 


OTortugíiez  aceyta  de  vontade^ 
O  que  o  ledo  Moncalde  lhe  offerece^ 
Como  fe  longa  forajâ  a  amizade^ 
Com  elle  comei&  hebe/y  lhe  obe4ece'\ 
Ambos  fe  tornaõ  logo  da  Cidade^ 
^ardãfrota^que  o  Mouro  bem  conhece, 
^óbem  d  Capitania j&  toda  a  gente ^ 
Monçâide  recebeo  benignamente^ 


3^   , 

ELle  começará  gente, que  a  natura 
Vizinha  fez,  de  meu  paterno  ninho 
^le  defttno  taõgrande,ou  que  ventara 
Vos  froxe  a  cometerdes  tal  caminho! 
Não  he  fem  caufa  naõ  ocultará'  efcurãy 
Vir  do  longinco  Tejo,&  ignoto  Minho, 
Tor  mares  nunca  de  outro  lenho  arados, 
Afieynos  tao  remotos, ^ê  apartados. 

Ninho  paterno.  A  patria,8{  terra  aonde  cada  hum 
nace.Tcjo,&  Minho  íaó  rios  aliás  conhecidos  nef- 
tas  noflas  partes.  Lenho  toma  aqui  pela  nao ,  fi- 
gura uíada  entre  os  Poetas. 

Por  mares  nunca  <Poutro  aradei.  Veja-fè  o  que  CÍ^ 
crevemos  no  primeyro  canto,  oytava  priíDCyra. j"^ 


31 


O  Portuguez  aceyta  de  vontade.  Parece  que  foy 
permiíTaó  Divina  citar  aquelle  Mouro  naquellas 

partes  para  proveyto  noílo  ,  Ôc  aflim  logo  N^flb  ^Por  ijfo^jó  vos  guia  ^^  vos  defende 
Senhor  imprimionoanimodosPortuguezeshum  q)os  mtg  OS  domar  do  ventO  irado:  ' 
amor,  Sc  conhança  em  luas  palavras,  que  parecia 
haverfe  criado  com  elles.  Elle  foy  tal  com  a  nofla 
gente,  que  fe  elle  náo  fora ,  por  ventura  aconte- 
cera á  noflk  armada  algum  defaílre  ,  como  ve- 
remosjpelo  que  adiante  aconteceo. 


DEospor  certo  vos  traz  porque  per  tende^ 
Algum  ferviçofeu por  vos  obrado; 


Sabey^que  eftais  na  Indta^ondefe  eflendc 
^)iver Jo povo  yico.^prof pêra  do^ 
^e  ouro  luzente i&Jina  pedraria^ 
Cheyro  /nave , ardente  ejpeàar  ta. 


29 

O   Capitão  o  abraça  em  cabo  ledo% 
Ouvindo  clara  a  lingoa  de  Caftella, 
Junto  de  fio  ajfent a i& pronto _,&  queda ^ 
^ella  terra pergunta_,&  coufas  delia: 
^lalfe  ajuntava  em  Rhòdope  o  arvoredo 
Sà  por  ouvir  o  amante  dadonzella, 
Euridicejõcando  a  lira  de  ouro, 
Toda  agente  fí  ajunta  a  ouvir  O  MoU,ro% 

^ual  fe  ajunta  em  RboJope  o  arvtredo.  AíHm  eon- 
coiíi.ia  gente  a  ver, 6c  ouvir  o  Mouro  Monçayde, 
como  ie  conta  de  Orpheo  que  com  fua  viola  at- 
irahn  homens  ,  pedras,  arvores  ,  6c  outras  coulas 
iníènlatas.  E  que  fazia,  que  o;  nos  fe  detivcflem  a 
ouvir  fua  muíica.  Eíte  Orpheofoy  caiado  com  hu- 
mamolhcrpor  nome  Eurydicc,  como  aqui  diz  o 


Esta  Trovincia^cujo  porto  agâra 
.  Tomado  tendes,  Malavar  fe  chama 
*T>o  culto  antigo  os  Ídolos  adora 
^tie  càpor  efias  partes  fe  derrama: 
©f  diverfos  Reys  he  mas  de  hum  fô  fora 
Noutro  tempo y^Jegundo  antiga  fama^ 
Ser  ama  ^erimalfoy  derradeyro 
Rey^que  ejle  Reyno  teve  unido j  &  inteyro] 

Efia  Provinda  cujif  porto  agora.  De'Malavar  trac- 
tamos  largamente  nefte  canto,  5c  no  canto,fegun-. 
do,oytava  51.  A  razão  porque  íendo  hum  Rey  fó, 
fedividiocm  muytos,he,quc  lendo  Sararoâ  Pery- 
mal  Senhor  univerfal  deíba  Província,  aconteceo 
que*daqucllas  partes  do  mar  roxo  vcyohumMou- 
ro  ter  a  Calecut ,  o  qual  tomou  grande  familiari- 

Cc  dadc 


aade cofft  Pcryma},^  eom  palavras,  de  que  devia     txezcntos  vexiohos.  As  cafas faôjOU  de  pedra^ou  de- 


ter abuntiaijçiajlhc  perfuatiio  íofie  Moiuci)6c  qui*- 
2£Íle  kguix a ley ta  de  Mulotna.O  Peiímal  engana- 
dp  tei3í  as  raiòes  do  Mouro  ,  cJetcrunnoucicyxar 
tii-dp  em  vitia,  &  jr  mori  er  Santo,  como  o  Poeta 
a^tiidiz,  vjíitando  a  caía  do  lailo  propheta  Mato- 
sa. OReyno  dividio  entre  alguns  parentes :  fez 
liey  deCananor  ahum,  de  Ccyiaó  outro,  &  a  ou- 
tros deu  outros  lugares ,  como  conta  Luis  de  Ca- 
mões nefte  canto.  Ainda  que  Joaó  de  Bairosdiz: 
que  o  dividio  lómcnte  cm  trts  partes,  &a  hum  lo- 
brinho  leu  deu  Calecut ,  com  efta  condição ,  que 
os  outroi  lhe  obedeceíleni,  &  eíle  tivcfíe  titulo  de 
Samoryjnonic  de  eíhdo,  •&:  dignidade,  como  en- 


bdrilho,mas de  pouca iaopoitancia.  O  l©u  Kwrito- 
nonâo  dàfruyiQalgum  ,  nem  tem  arvore,  neru- ^ 
CQUÍa  que  prtlte.  Parece  ícr  caíiigo  de  Deos:  íó-'  H 
nicnte  eítao  humas  poucas  de  paímtyras,  couía  de 
mcya  legoa  da  Lidade,quc daò  tamaras.Nelte  mal- 
dito ,  6c  trjtlc  lugar  cttá  o  corpo  de  Mafonia ,  em 
hunra  Meíquita  grande,  cem  grande  abobada  ,  6c 
columnas,5£coiTimaisdctrcs  mil  ajampadasactlas 
continuamente.  Eícrevi  ido  aqui, porque  Joaó  de 
Barros ,  t<c  outros  muytos  tern  para  fi  que  o  corpo 
de  Mafomaeíláíepuitadoem  Meca, He  erro,  por- 
que hum  Loduvico  Romano  affirma  comoteíte- 
niunha  de  viíla  ifto  que  eu  íTcrevo  em  hum  traita- 


ire  nós  o  de  limperador.  Eítas  coufas  vay  o  Poeta     do,quefezde  huma  comprida  peregrinação,  &  af- 

íim  o  affirmaó  outros  muytos.  E  o  nieímo  ouvi  a 
hum  Turco  de  naçaó  ,  que  havia  eftado  naquellas 
partes. O  qual  meafHrmou,queem  Meca  não  ha- 
via mais  que  huns  poços  de  agua,  aonde  dizmó  que 
íe  coflum.ava  lavar  Niatomia  ,  &  queos  que  hiaóa 
Meca  em  romaria, não  hiaô  raais  ()ue  a  hivarie,  ÔC  a 
burriUríecomaqueilaagoa  :  coniaqualcuyda- 
váo  que  ganhavão  grandes  b-jos,  &  que  com  cíic 
lavatório  ncaváo  livres  de  cuipa,  6»:  ptna.  Ainda 
que  não  falta  quem  diga, que  o  ícu  n)aldiro  corpo, 
ocomcraóoscács,n4  Cidade  de  Marrocos;  Seque 
delle  naó  ficou  mais  que  huma  perna;quc  vul^ar- 
rrienre  chamaó  çamartaó  de  Mafoma.  E  como  i(- 
toaconreceo  fe  conta  nos  Diálogos  de  varia  Hií- 
teria  Dialogo  j-cap-j. 


contando  peias  oytavas  feguintcs  muyto  clara 
mente» 

r  Orem  como  a  eftaterrãentão  vlejfem 
^^  íãáo  ceyo  AraHco  outras  gentes y 
^le  o  culto  Mahomeúco  trouxejjem, 
JSlo  qual  ?nc  inftttuirétÕ  meus  par  entes: 
Hucccdeo^qtie  pyèji^ando  converterem 
O  l^erimal^de  fabtos  f§  eloquentes^ 
Fa  zemlhe  a  ley  tomar  com  fervor  tanto^ 
^iepro/upoz  de  nella  morrer/knto, 

T>e  lado  feyo  /Irahico»  Seyo  Arábico  he  o  mar  ro- 
xo, como  lhe  chamamos  commummente os  HeP- 
panhoes.  Chama. fe  feyo  Arábico,  por  correr  eíle 
mar  ao  longo  da  terra  Arábica.  Dos  Mouros  huns 
lhe  chamai  mar  de  iMeca:  porque  peito  delle  tem 
a  cafa  de  abominação  de  Mafoma:  outros  lhe  cha- 
inaó  Baharcorzum  ,  que  quer  dizer,  mar  ferrado. 
Veja.feanollaannocaçâo  no  canto  fegundo ,  oy- 
lava  4^. 

^^ 

N/los  arma^&  nellas  mete  curlofo 
Mercador ia^quíf  ^ffercça  rica^ 
Tara  n  nellas  afer  Reltgiofòi 
Onde  o  profeta  jaz,, que  a  ley  publicai 
Antes  qveparta^o  Reyno  poderofo 
Cos  feus  reparte  jporque  não  lhe  fia 
ErdtyropropriOjfaz  os  mais  aceitos. 
Ricos  de  pobres  Jivr  es  dejogeytòs. 

Onde  o  propheta  j^Z.  ejue  a  ley  puhlica.DeCpois  que 
Pcrymal  repartio  o  feu  Reyno  pelas  peílbas  que 
quiz,  le  embarcou  levando  comfígo  muytas  nãos 
carregadas  de  efpeciaria  par.i  offcreccrna  caíade 
Meca ,  mas  antes  que  chegafle  fe  perdeo  a  armada, 
&  elle  juntamente  com  e)la  com  toda  a  riqueza  que 
kvava.  Pelo  propheta  que  a  ley  publica,  entende 
Mafoma.  (>u3nto  n  (ua  (epultui-a  eílâ  cm  hum  lu- 
crar chamado  Medinathabi  ,  diftantc  do  portode 
judá  por  oípa#a  de  doze  íígtía*  ,  terá  efte  Kigar 


35 

Afíum  Cocbitn  ^  a  outro  CananoY^ 
A  quql  Chalé  ^a  qual  íiha  âa  *Pimentay 
AqualCoiilam^a  qual  do  Cratigdnor 
E  ornais ^a  quem  o  mais  ferve ^ò"  contentai 
Hum/ò  moço^a  quem  tinha  muyto  timor^ 
'JOepois  que  tua  o  deu  fi  lhe  apre  finta 
^ara  efie  Lalecut  fomente  fica,  y 
Cidade  j apor  trato  Tiohre^&  rica,  ' 

A  hum  Cochim.  Deftcs  lugares  que  aqui  o  Poeta 
nomea,  &  eu  tenho  jâ  tiattado,fez  cfte  Mouro  re- 
partiçaô,8c  diflerençade  eftados,  como  aqui  diz  o 
Poeta.  E  a  Cidade  de  Calecut  deu  a  hum  moço 
ieu  íobrinho,a  quem  tinha  afFey  çaó,  com  titulo  de 
Samorim,como  fica  dito  atrás, 

A  ^ual  a  ilha  da  pimenta.  A  ilha  da  pimenta  hei 
juntou  Cochim,  Chama- le  Reyno  de  pimenta,  ou 
ilha  de  pimenta ,  por  haver  muy  ta  nella  ainda  que 
cm  outras  partes  do  Malavar  a  há  também  cm 
abundância. 


34 


-S-V 


Sta  lhe  da  c*o  o  titulo  exct llente 

*Z)(?  Emperador^q  fohre  os  outros  mãde^ 

1  fto  fey to  Je parte  diligente 

''Fará  onde  em /anta  vtáa  acabe, &  ande. 

E 


Lufiadas  de  Luis  dé  CàmÕes  Gommentadof. 


\ii 


E  daqui  fica  o  nome  de  potente 
òamoriyfnais  que  todos  digno jò* grande j 
Ao  ri\oço,&  deftendentes  ^âonde  vem 
ajie, que  agora  o  Im^erto  manda, &  tem, 

57 

ALey.dagente  ioda  rica ^é' pobre ^ 
^De fabulas  compojias  fe  tmagma^ 
jindãó  nás  JS  fòmen^r  hum  parto  cohye^ 
As  p'irtes^qHt  a  cubrtrnatura  enjina^ 
^JJo'is  modos  ha  da  gente, porque  a  nobri 
Nayres  íbumaaos  jaòj^  mt:  nos  dm  a 
*Jt^oleas  ttm  por  no^te^a  quem  obrigt 
Aley  nâo  mi^jturar  u  cajta  antiga. 

A  lef  àa gente  ro/j.Moitra  nefta  oytava  cútho  ós 
Tííorâdorea  de  Calecut  aflim  ricos  ,  como  pobres, 
láó  Gentios  idolatras  ,  os  quacs  crem  em  mil  fa- 
bulas ,  &  invenções,  muyto  dados  a  agouros ,  ô£ 
guudos  por  qiiaiquer  imaginação,  l^iyra  cbama- 
4oi  (hi.  Nefte  Malavar  diz-  o  Poeta  ,  que  ha  dous 
géneros  de  gente  ^  huns  nobres  chamados  entre 
tiles  Nayrcb:  &  outros  Polcas  gente  bayxa,&  vih 
Elles  Nayres  vivem  do  felario  que  lhe  dá  lil- 
Key  ,  &L  não  lhe  fervem  de  outra  couta  le  não  dti 
iua  detcnçàajôc  guarda,em  tempo  d«  guerra.para 
a  qual  eiles  laó  muyto  atrevidos.  Andáo  conti- 
nuamente com  luas  elpadas ,  &  rodelas ,  &  alguns 
trazem  lançai,  5c  outros  arcos,êc  frechas*  &  as  ef- 
padas  nuas.  tiles  acompanhâo  iempre  os  Reys,.S£ 
laó-lhe  muyto  leaes.  Tem  huma  ceremónia  entre 
fi,  aqual  guardão  muy  pontualmente,  6í  he  nao 
conlcntirtm  fçr  tocados  de  algum  PoUeá.  Pelo 
quecoítumáo  os  Polleàí  ,  quando  váo  pelas  ruas 
hir  bradando  ,  para  que  os  Niyrcs  Icdelviem  dcU 
les,  &  elles  íogem  em  vendo  hum  Nayre,  porque 

tememque  o  mate.  Eíhs  Nayres  forçadamente     íephó  nas  antiguidades  liv.l$,c.7. 
haó  de  ler  de  linhage  ,  porque  açm  o  leu  Key  pôde 
fazer  Nayre.  São  homens  muyto  tcmpsradus  no 
comer,  porque  com  muyto  pouco  que  Ihedà  lil- 
Rey  le  luítentaô  ,  èc  o  lei^vem  de  dia ,  5c  de  noyte, 

Jiâo  temendo  trabalho  nem  perigo  algdm.  Não     XJ^  Monte  antigo  ^^  de  grande  premtnencia^ 
pódew  calar  por  Icy  do  Keyno  ,  por  citarem  prcí-     Ohfervao  õs preceytos  tamjamofis 
icspara qualquer  rucccHo do  Rcy  ,  eu  daguerra.    «£)^  bim,que  prtmeyro poz7lome âfciencia\ 
t.  he  muyto  para  notar ,  que  quatro  .  ou  cinco      M;inmntLrLr.^á^a,ff.  t^nieroros 
iNayres  tem  huma  manceba  cum  quem  cónver- 
ção,  lem  haver  entre  tiles  bnga,  riem  defavcriça, 
íiem  fina!  áz  ciumrs,  más  conccrtâo-feaos  dias,6c 
dclU  maneyra  vtvem   ,  fem  ninguém  os  ouvir. 
E  todos  elles  manteiu  a  manceba  juntamrnte, 

Pohàs  ttm  por  nome.  Os  Poleas  laó  homens  la» 
vradorcb,  vivem  etn  lugares  apartados,  aonde  não 
íinda  gente.   São  pela  mavor  parte  efcravos  dos 


algum  Poleá,he  tida  por  danada, pelo  que  os  Nay* 
resa  leváoaocampo  ,  ôc  amatã.o  ás  cutiladas:  6c  d 
Nayre  que  rratta  com  Poleá  tem  pena  de  morte* 
Efte  tocamento  fuccede  muytas  vezes  por  tra- 
vellura  dos  Poleàs  ,  quecm  dous  n>ezes  que  tcnn 
para  andar  por  onde  quilercm  ,  fazem  mil  toca* 
mentos  dcftes.  O  Poleá  nunca  pôde  medrai',  nem 
ter  mais  ,  nem  ter  outro  grão  de  honra.  Uto  quer 
dizer  o  Poeta  no  fim  da  oytava  ,  que  náo  pódeai. 
miíturar  a  cafta  antiga.  Como  fe  dillera ,  náo  pó* 
dem  ter  outra  vida,  nem  outro  officio  difií crente 
de  feusantepallados,quc  molira  na  oytava  icgmn^ 
te. 

3^ 

POrqos  q  ufãraÕ  fépre  hum  fnermo  officiê 
'De  outro  naõ podem  receber  conjorce^ 
JVem  os  filhos  terão  outro  exerctctOi 
Senão  de  [eus  pafjados  atè  morte: 
Vara  os  Nayres  he  certo  grande  vicii}^ 
Defies  ferem  tocados  de  tal/orte^ 
^te  quando  algum  fe  toca  porventura^ 
Com  ceremoniéis  mil  /e  alimpa^^  apitrà% 


55> 

DEflafarteoJudaycopõvoantigff 
Nao  tocava  na  gente  de  Samaridf 
Maisejtranhezas  inda^das  que  digo 
Nefta  terra  vereis  de  uíanfa  varia: 
Os  Nayres  fos  (eÕ  dados  ao  perigo 
*T>a5  armas ifòs  defendem  da  contraria 
Banda  ofeu  Rey ^trazendo  fempre  ujada 
Na  e/quer ãa  a  adarga j  Ç^  na  direyta  a  efpaàà 

Nã»  tocava  rtà  pivô  de  Samaria»  Por  ferem  Ido^ 
Jatfas  ,  como  te  conta  no  livro  dos  Rcysi  6cj0i 


40 


Bkamenesfjiõ  os  Jeus  Reltgiofbsl 


Nâo  matâo  coupa  viva^^S  temerofos 
Das  carnes  tem  grandi(fíma  abjt meneia^ 
Semente  no  venéreo  ajuntamento. 
Tem  mais  liceu ça^&  mems  regimento, 

Brameties  faÕ  ot  fent  rdipofdu  Os  Malavares  cha- 
mão  aos  religiofoi  Rranienes.  li.  elles  laó  os  Go- 
vernadores ,6c  cozinheyros  dos  Keys  da  terra  ^  8c 
Niyres, porque  os  iervemiSc  lhe  apanháo  fuás  no-  que  cem  cuydado  das  catas  dos  ídolos  ,  nem  pó- 
vidades,  ôc  quando  talião  com  elles  para  lhe  man-  dcm  ter  outro  ,  fa'.  vo  for  d  i  geração  do  mefúio 
dar  fizer  algu  m  lerviço  ,  chegmdo  a  luas  c:i("is  fe  Rey  de  que  le  potla  fiar.  Os  que  fe  cnão  para  Bra- 
Iavão,&  vc.Ua  oacru  fato.Ss  alguma  Nayra  coçív    menss ,  como  íaó  de  idade  de  fece  annos ,  crazcf» 

Ccz  huni 


hui>  t»>âGo|o  ao  pé^.ço  ,<j€  <Qrr.eíi  de  hum  ani-  Jà  vinhãõ pelas  ruas  caminhando ^ 
J»^i,:a,q.ue,e,)lçs  çhâípáp  Chriína  Mergan  ,  íjue  he 
ço/TkOíiiMn^  '^í 'IO  íyjv«ft'"Pía  qual  ha  de  fer  larga  de 
OQU.s  dedos,6c  crua  có  pello.  Delpois  f\ac  lhe  ian- 
çáoeftetiracolo^  lhe  mandão,  que  dallia  lete  ân- 
uos náo  córneo  Bettle,  Como  entrãocm  os  qua-^ 
toi7,e>nnos  ,  tjraó-lhe  a  correa  do.Chrifna  Mor- 
g3,n,  &  poem-ihe,Q,utra  de  linha  dobrada  de  três 
tiGs:  &  efta  a  tris  toda  a  vida.  E  q.uando  lha  lan- 
çãp  fazcjn-/he  muytas  cerimonias,  &  ficâo  fira- 
n:ienefc,&;  dal  li  .ppr  dtante  podem  comer  Betele.Eí- 
tes  í^ja^Penes  ícgueni  a  icyta  do  philoiopho  Py- 
thagoras:  o  quai  entende  aqui  o  Poeta  poraqucl- 
las  palavras  ,  de  hura  que  priíiieyro  pós  noase  à 

ícicncia  :  porque  eílefoy  o priraey roque eníinou     ^^  r         ^  j  n 

Fhiloíophia  em  Itália.  Pelo  que  toy  tido  naquel-     ^^{  ^^^^^  ^  fermofa  d.ferença 
las  partes  por  Deos,  tão  grande  era  a  reverencia,     ^'^ift^  alegra  ao  povo  alvoroçadâi 
&  rèípeyto  que  todos  lhe  tinhão.  liítcs  Br^inienes    O  remo  compajjado  fere  frio 
não  comem  carne^nem  pefcadojnem  matâo  copía  -^  AgOTd  Q  mar , depois  o  frefio  ria, 
viva  como  aqui  diz  o  Poeta.Só  no  pecc^do  da  len- 
iual idade  íaó  dcíenfreados. 

Venéreo  ajuntamtní».  A  íenfualídade  chamada  aíl 
fim  ,  de  Vénus,  que òs antigos  tinhão  por  DeoU 
da  luxufia.DQ  Betcle,de  que  neftaannotação  fiz 
menção ,  Tc  veja  o  que  eícrevemos  ao  diante  nefte 
canto. 


Roaenãos  de  todo/exo^i^  tdade^ 
Osprittcipaes.queo  Rey  bufcar  mandara} 
O  Capitão  da  armada ^que  chegara^ 

Rockadoi  de  todo  ojexOi&  idade.  Rodeados  de  hÕ* 
mcns,niolheres,moços,6c  velhos. 

45 

Mj4s  elle,^ue  do  Reyjà  tem  ítcenÇã, 
T^ara  de/emé^arcarjacompanhada 
'Dos  mores  Tortuguefes  Jem  deten£^^ 
*P  arte, de  ricos  panos  adornado; 


,         ,         ,4« 

G.^raesfaô  as  mulheres ^mas  fomente 
^Pa^ra  os  da  geração  defeus  maridos^ 
*T>ttofa  condirão ^ditof agente^ ,,  , 
^e  naõfão  de  cuymes  offendidosi 
EfteSf^  outros  coftumes  variamente 
Sàê  pelos  MaUvares  admittiâos^ 
^  t^rra  begrojfa  em  trato^é'  tí^do  aquilo 
§lHe  as  ondas  pode  dar  da  China  ao  Nilo. 

Gfratt  Uõãs  molheret.  Entre  os  Malavares  naõ 
hàciunicsiporquchuraamolher  hedc  treSíSc  qua- 
tro; os  quaes  a  mantcm, 6c  andaô  aos  dias  íem  nun- 
ca entre  elles  haver  diííerença  ,  nem  defavença. 
Quando  eíiil  algum  dentro  com  Tua  nianccba,tem 
arodela,&  eípadaà  porta,  por  final  de  cllaroccu- 
pada  a  cala » o  que  baila  para  não  haver  quem  fallc 
palavra,  nem  procure  entrar  dentro.  He  terra  de 
grandç  tratto,&  de  muytos  mercadores,  ík  muyco 
ricos  ,  pelo  que  fcacha  em  Calecut  tudo  em  abun- 
dância. O  que  o  Pceta  quiz  molhar  por  aquellas 
palaf  fas.Em  tudo  aquillo^que  as  ondas  podem  dar 
da  China  ao  Nilo.Da  China  ás  terras  do  Egypto, 
ou  Afri<:a,que  peio  no  Ndo  entende» 

A    £i contava  o  Mour o ^mas  vagando 
andava  a  Fumaj à pela  Cidatíe^ 
^avinda  defiagenteeftranha.qudnda 
O  Rejjaòer  mandava  da  vc  rdade: 


Mai  elle.Como  o  Capitão  mor  Vafco  da  ^artl^ 
teve  licença  por  recado  do  San>orim,que  enttafld 
em  Calecut, &  fe  foílé  ver  com  elle,fahio com  do- 
ze peíloas  em  terra  muy  bem  trattados  todos:aon«i 
de  o  reccbeo  o  Covernadordaterra  (aqueelle» 
ehamaõ  Caiual  )  acompanhado  de  duzentos  ho-j 
mcns,delles  para  levarem  o  fato  dos  noíTos,  &  del- 
les  que  fcrviaó  de  elpada^  êc  adarga, como  guardi 
de  íua  pcíloa  :  &  outros  de  o  trazer  aos  hombros 
em  hum  andor, que  hc  o  íerviço  do  Malavar.Què 
feja  andor  le  veja  \\^  oy tava  íèguinte. 

O  remo  cowpnfjado  fere  frio  >  agora  o  mar  i  defpoii  é 
frefcorio.  Tratta  neíles  verfos  o  modo  queleva- 
vaô  quando  ie  hiaô  a  Calecut  -,  que  hiaó  remando 
com  grande  ordem,  &  compafio,  &  muyto  de  va- 
gar s  o  que  moílranaquellas  palavras  :  Fere  frio» 
agora  o  mar,  deípois  o  Frefco  rio>  que  iílo  he  ferir 
o  marfriamente,remar  muyto  manlo,&  devagar. 
Diz  que  o  remo  feria  o  mar ,  &  o  no,  por  amor  de 
hum  rio  quecntrA  no  mar  ao  longo  de  Calecut| 
como  o  nolfo  Tejo  em  Calcais» 


44 


4 


NÀpràya  hum  Regedor  do  Peyvo  efiav^ 
^e  tia  fna  língua  Catualfe  eh  ama  ^ 
Rodeado  de  NayreSyque  ejperava 
Com  defufadafejla  ao  nobre  Gama: 
'Jà  naterranos  hr<jçor  o  levava^ 
E  num  portátil  leyto  huma  rica  cama 
Lhe  offerece.em  que  và  cofiume  ufado^ 
^e  nos  hombros  dos  homens  he  levadoi 


Evíimportatilkpo,  'Nuvannâoi'  ,  que  nffim  (5 
chamáo  huns  leyros  pequenos  cm  que  hon-erslc" 
vaõ  aos  hombros  os  nobres  do  Malavar.  Saó  os 
andores  como  lèytcs  de  andas, mas  dclcubertos.SCj 
quníi  rafoSjtaó  bayxas  tem  as  gunrdas.Cada  andoiT 
hs  levado  por  quatro  homens.  Os  que  vaô  nelle^ij 

vaój 


Vao^  oij  aíTentado<?,  ou  deycados:  &  cubertos  com 
lombreyros  de  pe  ,  que  lhe  leváo  homens  a  que 
chamaô  boys ,  ôc  defta  maneyra  vão  amparados 
do  Sol,  Sc  da  chuva.  Outros  andores  hà  que  levaô 
dous  homens  ,  por  lerem  mais  leves.  Eíte  ulb 
lic  por  eliado  :  porque  aflim  aonde  ha  betUs, 
como  aonde  as  naó  hà  o  uzaó. 


htifiaàas  ãe  Lutí  de  Câmoes  Comméntaãos. 


\^. 


o  legundo  dia  de  caminho  ('porque  pritneyro  que 
começarão  a  caminhar  não  puaeiaô  chegar  aon* 
de  o  Samorim  eílava  por  eftar  cinco  legoas  de 
Calecut)  foraó  dar  a  hum  grande  Templo  do 
Gentio  da  terra  lavrado  de  cantaria,ôc  uiuyto  fer- 
iTioío  ,  no  qual  todos  entrarão  :  ík  porque  haviat 
nelle  algumas  imagens ,  todos  os  nollos  cuydaraô 


D 


íer  aquclla  gente  convertida  pelo  Apoítolo  S, 
Thojrjè.  Alguns  íe  pureraó  de  joelhos  parecenJ 
m        .       *i»T''         j  /7        ^        T    r     dolhcícrcmaquellasimaeens  verdadeyrasjcom  a 
Eftaar  eo  Malavarjeftaaríe  oLufo    .^e  os  Gentios  da  terra íolgaraómuy  to.  ' 

Lamtnbaoíííparaonaeo  Rey  o  ejpera. 


45 


Oi  outros  ^ortuguefes  vaÔ  ao  ufo^ 
^€  infantaria  (egue  efquadrafera: 
(Jpovo^que  concorre  vay  confujò^ 
*De  ver  agente  ejiranha,^  bem  quizera 
^^erguntar.mãS  notempojà pajjado^ 
tia.  torre  de  Babslihsfoy  vedaio^ 

Os  outros  VortiigHtzet .  Os  mais  Portuguézé<?i  H- 
f  ftdo  o  Capitão  raór  hiaó  a  pé ,  ao  modo  que  a  in- 
fantaria cammha.  E  conta  Joaó  de  Barros  liv.4. 
1. Década, que  caminhão  eíles  MaUivares  com  tan- 
ta prella,  que  não  ha  pelloa  que  oS  ature ,  &  aíTiíi» 
cftes  Portdguezes  da  conferva  de  Vaico  da  Gama 
nftô  o  viraó  le  não  a  noyte,  porque  nunca  os  pude- 
ra*) tílcançar  no  caminho. 

O  povo  cfue  concorre  vay  confufo^,  Eraagentetan*  de  haver  naquellas  partes  ChrilUos  do  tempo  do 

ta  que  iahia  a  veros  Hortuguezes  ,  que  eícreve  BemaventuradoS.Thomè,áprimeyra  víítacuy-' 

J08Õ  de  Barros  no  lugar  allegado,que  andava  hu-  daraó  fer  aííim  j  &  que  aqticllas  imagens  eraó  ae 

ma  por  cima  da  outra  ,  6c  que  houve  brigas  por  Santos,coíí;umados,comodizo  Poeta,a  ver  iaia« 

vezes  de  que  íàhiraõ  muytos  ferido5,&:  hum  mor-  g^óis  de  Chriílo  NoíTo  Senhor ,  &  de  íeus  Santos^ 

to.  Na  torrede  Bahellhefoyve^ado.  Éíta  gente  de  em  figura  humana  como aqueliaícftavaõ   :  pelo 

C^kcut  defcjavadizot^oeta,  perguntar  aos  Por-  queícefpantaraõ  *  vendo  naquellas  partes  ufo  da 

tugueies  donde  eraó  i  que  bulcavaõ  ,  ôc  outrss  iinagens,como  em  íua  pátria  viaô.  §íaal «  Cbtmcra^ 

TToufasquc  os  homens  naturalmente  deíejáo  (aber  Chimera  he  hum  monte  em  Lycia  de  que  dizenit 

de  gente  eft ranha:  mas  não  Iheentendiaó  liialin-  Iahia  fogo  pelo  alto  dcllci  Era  no  tempo  paliado^ 

guagem,  por  ler  muyto  diíFerente  ,  o  que  declara  muyto  fiabitadoodc  leóes^cabrais  monteíes,lerpes^ 

por  eítas  palavras  :   Na  torre  de  Babd  lhe  foy  vedado:  6c  outros  bichos  venenolos.  Pelo  que  os  antigos  o. 

porque  quando  NoUo  Senhor  conFundio  aqucU  fingirão  ler  hum  mwnftro  com  trcs  cabeças  :  de 

Ics  que  faziáo  a  torre  de  Babel ,  ficàraó  não  fe  en4  leaô,  cabra,  &  dragaó,  -Sc  lançando  fogo  por  ellas* 

tendendo  huns  aos  outros ,  porque  cadi  hum  fa-  Bellorophonte  filho  de  Neptuno  matou  títe  móí^ 

lava  de  íua  maneyra.  De  Babylonia  Te  vejaanoíla  cro,  o  que  lhe  attribuem  ,  porque  foy  hunicâvak 


47 

A    LU  eftaõ  das  ^eydadès  as  $gíitas 
Efculptdas  em  pao/3  em  pedra  fria^ 
Varios  de geftos^vartos  depmiuras^ 
Bfegundo  o  "Demónio  lhes  fingiai 
i^emfe  as  abamtnaveis  e/culturas, 
^aíã  chimèra  em  membros  fè  variai 
Os  Cbnfiãos  olhos  ^a  ver  Deos  ujados 
Em  forma  humana^eflào  maravUhadoSé 

^(gnnio  9  demonU  Iht  fingia.O  Poeta  diz  verdadàf 
que  aquelias  imagens  eraó  idolos  daquciles  Gen« 
tios  feytis  por  ordem  do  demónio.  Mas  os  Poi  tu* 
guezes  enganados  com  a  informação  que  tinhaS 


annotaçao  no  lexio  canto,oycava  75, 

4^ 

O  Gamaste  o  CattialhiaofalUndò 
Nas  coufas^cfue  lhe  o  tempo  oferecia^ 
Monçayde  entre  elíes  vay  interpretando 
As  palavras ^que  deamhos  entendia: 
yt [jipe Ih  Cidade  caminhando 
Onde  hnm/i  rua  fabrica/e  erguia, 
^De  humfuntuGfo  templo  ja  chegava', 
Tellas  portas  do  qual  juntos  en  travão, 

^[Fí  ftla  Cidade  caminhando'.  Tito  conta  difFf 


leyro  muyto  aviíado  ,  £í  pcríbadio  aos  homens 
habitaflem  aquelle  monte  ;  para  por  cita  vu  fa 
alimpar daquelles  animaes  ,&  bichos  >  quetaziaà 
grande  perda  aos  povos  vezmhos. 

Hljm  na  cabeça  cornos  efculpiâês\ 
^allupiíer  Amon em  Lybiaejlavã^ 
Outros  em  hum  corpo  rojhs  tinha  unidoiy 
Bem  como  o  antigo  larto fi  pintavai 
Outro  com  muytos  braços  divididos ^ 
A  Briarèo  parece  qne  imjtfiva. 
Outro  fronte  Canwa  p^m  defdra^ 


te  Joaó  de  iiarro>,ija  pniueyra  DetAda:  &  he  que    êÍ!*^^  Anul?ii  Memjitícoje  adora^^ 


fíim 


^^  hálito  Selmol 

lr)íin}tiacàWç<*C6rmr«fci:lpih!.  Conta  a  varieda. 
de  <^^^  Ídolos  que  eítavaó  naqucUe  Teniplo.  ^al 
iuttitr  Arnon  trn  Ljbia  eftava,  Huma  íigura  uizo 
ppcca,  que  íe  paiccia  com  Júpiter  Amun  de  Ly- 
bia.Conca  Poruj^onio  Melia,  Paufanias,  &  outrus 
Geographos  ,  que  caminhando Baccho  por  Ly- 
bia  rcgiaó  de  Atrica,  muyto  falia  de  agoa,  aperta- 
do cllc,&ú  leu  exercito  da  lede,  pcdio  a  leu  pay  Jú- 
piter o  hvoreccílenaquelle  trabalho.  Jupirerlhe 
íipparcceo  em  figura  de  carneyro,  &;  (ubitamente 
vjraó  naquelle  lugar  hunva  fonte  de  agoa  ,  de  que 
o  exercito  bebeo.  líaccho fez  logo  alli  hum  Tem- 
plo a  fçu  p  ly  ,  em  figura  de  carneyro  ,  &  poz-lhe 
nome  JupíLcr  Amon, que  quer  dizer  área  ,  porque 
nnquella  parte  aonde  eílavaaquel la  fonte  -,  havia 
gnaudes.areacs  como  há  em  toda  Lybía. 

Outro  rmm  corpo  rojhí  tinha  umdos.Htm  comooan^ 
tigo  Uno  fe  pintava.  Diz  que  havia  algumas  figu- 
ras de  diffe rentes  rollos,  como  pintaó  os  Poetas  a 
J  ano.  Dctte  Jano  elcrcvern  muyias  couías  os  Au- 
tores, í4uns  fingem  que  era  porteyro  do  Ceo,  ÔC 


45) 

A^iffyta  ào  bárbaro  Gentí» 
Ajuperjttiioja  adora  çaõt 
yyireytn  vão^fem  outro  algum  defvio 
^Para  onde  ejlava  o  Rey  do  povo  vão: 
E^ngYofftíndo  Je  vay  aa  gente  ofio^ 
Cos  que  vem  ver  oeftranho  Capitão^ 
Ejiào pelos  telhado ' ^ò"  j ancilas y 
Velhos  ^&  moçoSidonas^&  donzellasí 


AoiuifeyKi  do  harbaro  ijcntio.Qom-à  Joaò  de  BàÍíí 
ros  que  alem  do  Templo  no  mcfmo  caminho  an- 
tes de  chegarem  aos  paços  do  Samorim  i  eftava 
humlugannho  ,  &  n«fjJe  outro  Templo  muytd 
mayoto  no  qual  eíUva  outro  Catual  efperando  % 
Vafco  da  Gama  ,  ò  qual  ò  fahiio  a  receber  coíii 
muyta  gente  de  guerra  ,  todos  com  adargas  a  leu 
moda  ,  &  com  inflrumentos  de  tanger ,  táo  con-] 


que  continuamente  eftava  à  porta  ,  pelo  que  ne-     certados  lègundo  íeu  roílume ,  que  os  nofios  fol- 


garão de  os  ver.  Aqui  Ihederaõ  outro  andor  me* 
Ihor,  &  mais  concertado,  &  logo  Jcguiraó  fcu  ca- 
minho para  os  paços  d^E.l-Rey  >,  o  qual  caminho 
osdepénáo  pudcraõ  aturar  »aftím  pelos  do  andoí- 
andarem  muyto  dcprcíla  ,  como  pela  grande  mui-* 
tidaô  de  gente  que  os  lahia  a  ver  ,  que  temcraâf 
os  noíioí»  que  os  afogafiera* 


nhun»rogo  podia  chegar  là  fem  fer  regiílado  por 
clie,  peloque  Ihechamaváo  lanodelanua  ,quehe 
0  pórtacSí  daqui  fe  coftumava  entre  os  Romanos 
jiáo  le  fazer  lacrificio  algum  lem  ícr  primeyro  in*» 
vocâdo  lano  ■,  como  conta  largamente  Macrobio 
íios  Saturnaes.  Outros  diziaôquelanoerao  mel" 
ij^o,quc  o  Sol,  6c  por  iflo  o  pintavão  com  dous  rof* 
toSjdos  qnaes  hum  fignificava  as  partes  do  Orien- 
te ,  òc  outro  âs  do  Occidente*  Outros  que  era  o 
inundo  >  peloque  IheaíTinavâo  quatro  roílos»  em 
que  fe  denotava  as  quatro  partes  do  mundo  ,  ou  as 
quatro  parres  doanno,  Veraô)  Eílio, Outono  ,  Sc 
inverno:  &  lhe  faziâó  doze  altares,  que  fignifica- 

váo  os  doze  meies  do  anno,  ou  os  doze  Signos  do    Ahos  àe  torres  nâo^mas  Jumptuojosi 
Zodiaco  por  onde  o  Scl  caminha.  Outros  que  era     tãificao  os  nobres feus  ãjfentos^ 
Chaos.Eftas,8c  outras  couíàs  de  lano  íe  podem  ver     «p^^  ^^,^^^  ^^  arvoredos  deleytofõs 
cm  Macrobio  no  lugar  allegado©  Das  quaes  todas        - -.    .  ^  «^ 

ba 


50 


T/^^  chegaop^rto^  não  compajfos  lento» 
^õijarátns  odor  tf  eros  f ermo f  os  , 
^e em/iejccnàem os  Régios  apofentos^ 


zomDa  ,  &  com  razaó  o  Bemàventurado  S;uito 
^\golHnho  no  Livro  da  Cidade  de  Dcos. 

O  utro  com  tnvytoi   braçoí  divididos  a  Briareo  pá- 
rece  «jue  imttava.  Outras  figuras  diz  que  fe  pareciaó 
com   o  Gigunte  Bnareo  filho  da  terra,  6c  doCec: 
ao  q\i  aJ  os  Poetas  pintáo  com  cem  braços.  Donde 
dl  fie  Virgiliona  Lncida  :  Et  centumgeminm  Brta- 
teuí.  Briareo  com  cem  braços.  Outro  fronte  canina 
tem  àe  fòfâ  qual  Anuí n  Mimpbttico  fe  adora,,  Anu- 
bis  era  hum  Ídolo  dos  Egypcíos  com  cabeçada 
caó  ,  donde  Virgiliona  Ent-ida  lhe  chamou  ladra- 
dor.  Et  l^trator  AnubiSf^o  ladrador  A  nu  bis.  To- 
das eftascoulas  põem  aqui  o  Pcetapara  moftrai^a 
barbaria  ,  £<  dek-oncerto  da  gentilidade,  osqu^es 
enganados  do  demónio  uzaó  delias    invenções. 
Bem  íemoílra  fer  gente  de  pouca  policia, 2<juizo, 
pois  não  cayem  na  verdade,2s:  delengano  de  huma 
taógrande  cegucyra,  6ccrronea,em  que  o  demó- 
nio ostras  atolados. 


y^J/í  vivem  os  Reys  daque  lia  gente  ^ 
No  Cútnpo^&na  Cidade  juntamente^ 

Âltoi  de  toffei  fi^9.  Os  paços  do  Samõrim  i  qliè 
eíláofóra  da  Cidade  de  Calecut  ,  cílaó  entre  pal- 
mares, ÔC  comgrandes  jardins,  que  hecoftume  de 
toda  a  Índia,  &  naó  faó  de  grandes  cafarias,mas  de 
calas fracas.qual  eraeíla  cm  queoSamorim  eftava 
cinco  legoas  de  Calecut  ,  entre  liuns  palmares, 
como  aqui  diz  Luíi  de  CamóeSé 

PElos  portaes  da  cerca  aftibtilezal 
Se  enxerga  da  ^Dedálea  faculdade f 
Em  figuras  mojtrau do  por  nobreza 
^a  Índia  a  mais  remota  antiguidadet 
yíf figuradas  vão  com  tal  vivez-a 
yis  hífiorias  daquella  antiga  idade ^  ' 

.^4e  ifuem  delias  tiver  noticia  inteyrdi 
^iUfirnbra  conhece  a  verdadayra, 

Felet 


Lufiadas  de  Lms  de 
Teloi  portae}. l^ouva.  o  Poeta  a  obra  dos  paços  do 
Samonm  poética ,  &  elRgantemenre  :  moltrando 
como  peJQS  poftaes  da  cerca  dos  paços  havia 
jiiuytaa  coulàsíeycas  com  tanto  artcficio,  qu«  pa- 
reciag  ferfeytas  pelo  grande  architcétos  Dédalo. 

Pedaíea  faeuhaJ^.  Qticr  aqui  dizer  obra,  &arti« 
ficio  de  Dédalo,  cujas  obras  na  architcciura  craQ 
taó  pnmorolas ,  qye  não  fomente  as  que  toçavaó 
ao  oíiicio  de  ar chitçcto  ,  mas  quacfqutr  omras  de 
engenho, fe  chamaváo  obras  de  Dédalo.  Vçja-íe  p 
Provérbio.  Daelala  opera:  Sc  anoíli  aniAotaçáo  ^q 
canto  qiiarto,oytava  104. 

Pela  (omhra  conhece  a  verdaâeyra.  Por  lombra  en- 
tendea  pintura,quedefta  linguagem  uíainos  vul- 
garmente ,  trattando  de  pinturas,  dizer  qus  teiii 
lombrasparamoltrara  exceiiçnciadaobra, 

f  "^  Stava  bum  grande  exercito, que  pifa 
j_^  j^ terra  Qnentaisfue  oldafpe  lava^ 
Regeo  hum  Capitão  defronte  lifa^ 
^e  comfrondentes  Lyrios  pelejava: 
'J^or  eík  edificada  eflava  Nifa» 
Nasriheyras  do  rio^qne  manavaj 
Tam  proprh  quefe  ai  li  efiiver  Semçlley 
T>trd  por  certo jquç  hefeufiUjo  ^quell^, 

Rí^eo  bum  Capitão  de  fronte  lija.  Entr<;  outras 
coutas  para  ver  que  eílavão  naquclla  cerca  pint»r 
das,  diz,  que  eftava  Baccho  ,  de  que  já  nefte  livro 
por  muytas  vezes,  tenios  fallido:  o  qual  fenhoreçju 
a  índia  ,  &  nefta  pintura  eílava  por  Capitão  de 
hu  grande  exercito, q  entrava  pela  terra  Oriental 
que  o  Hydalpe  lava,que  he  efta,  pela  qual  efte  rio 
paiTa,doqual  fica  tratado  no  pnmeyro  canto,oy- 
lava  55.Chama-lheCanitáodc  fronte  lifa, porque 
£omo  Baccho  he  padroeyrodos  homens  dados  a 
vinho,  ÒL  os  Poetas  lhe  chamáo  Deos  delles,  pin- 
ta-fe  mancebo  lem  barba  ,  &  algum  tanto  deíen» 
volto,  &  alegre,  que  ifto  entende  por  fronte  IiTa: 
porque  os  Latinos  quando  querem  fignificargrar 
vi  Jade  em  alguma  peflba  ,  dizem  que  tem  a  tella 
arrugada,6c  quando  o  pintaõalegre,&  defcnvolto 
cm  iuas  coulas,  que  a  tem  lifa  ,  &  defarrugada.  E 
como  a  gente  que  tratta  com  vinho,  he  gente  ale^ 
gre,&c  dçlencalmada,  &  que  lhe  dá  pouco  do  que 
vay.ík  vem.-daquJ  le  pinta  Biccho.com  a  teíla  liía, 
A  lança,  &  armas  que  daóaelle  Baccho  hehuma 
hajta  chamada  thyi  fo,  cuberca  toda  de  pâmpanos 
de  vides,  êc  rasios  de  era:  para  moftrarquc  a  vide 
attrahcmuytoa  fi,Scaera  pega,  &:  faz  firme  o  qup 
fe  chega  á  bandeyra  de  Baccho.E  por  itlo  Baccho 
fojcyiou  a  índia  ,  porque  fuás  armas  eraó  dadivas 
que  podem  muyto ,  &  principalmente  dadivas  de 
hoin  viaho.  Nila  que  diz  eftava  naquclla  pintura 
edificada  per  B<iccho,he  huma  Cidade  na  índia  ,  a 
quai  diz  Sohno, que  íe  cham  i agora  Scyconolis,  6c 
da  razão  do  nome  ,  porque  Baccho  trouxe  a  N  ifa 


CétfttÕ£i:  Commentados,      ""  to^ 

gente  de  Scythia  para  alhabitar],  pelo  qiiejhcfoy 
pollo  o  nome  ScythopoUs,que  quer  dizer  Cidade 
dos  Scychas.  Vcja-fe  Ortelio  na  lua  Synonymiaj 
na  palavra  Scythopolis.Sí/wé/e,Máy  de  Kaeciío. 

MAts  avante  bebendo  feca  o  rio 
Mny  ^râde  muludão  da  AJJiriagent^^ 
Sogeyt^  afemmtno  fenhorio^ 
7Je  huma  tão  bella,CaniQ  lncontixiente\ 
Âllt  temjunto  au  ladònuncafriOf 
^fculpido  o  feroz  ginete  ardente^ 
Çom  queyn  teria  o  filho,  competência^ 
Amor  nefmdCtbruta,  incontinência. 

Mais  avante  hehenãaftca  o  «V.Logo  junto  aBíJC# 
cliocrtavaa  Raynha  Semiramis  com  Luni  excr»- 
cito  grandiíTimo  de  Afiyrios ,  para  cujo  encareci- 
mento diz  que  juntos  a  hum  rio  o  efgotavão,  tan- 
tos eraó, con\o  contámos  atíàs  dos  l'atanes. 

/íllt  tem  ymto  ao  lado  nunca  frio  ,  efrulpids  o  feroz 
ginete  ardtnte,  Ifto  diz  pelo  que  íe  conti  de  Semi^ 
ramis  ,  quefoy  tão  lenfual  que  até  com  hum  cai» 
va}lo,&;  eom  leu  próprio  filho  teve  ajuntamen- 
to ,  que  he  aílás  brutalidade. 

D  Aqui  mais  apartadas  tremolavao 
As  bandeyras4t.  Grécia  glorio f as  ^ 
Terceyra  Monarchia,^  fibjugav0,o 
Até  a  f  agods  Gangeticas  undofas: 
^DumOipttão  mancebo  fe  çuiavaOf 
^epal^^s  rodeado  valerolas'^ 
^ejà  não  de  ^hilifo/nas  fem  falta 
^e  prçgenie  de  lujpiterfe  exalta» 

Datjui  waii  apartadat  tremolavaõ.  Junto  a  Semí^ 
ramis  eftava  Alexandre  Magno  terccyro  Monar- 
cha  ,  6c  Senhor  do  mundo  ,  o  qual  não  contente 
com  íugey tar  Europa ,  &  Africa,  entrou  pela  In- 
dia.&a  íugeytou. 

De  hum  Capitão  mancebo  fe  guiava^»  Demoftcnes 
(como  refere  Piutarcho)chamava  commummen- 
ce  a  Alexandre  menino  ,  porque  de  muyto  pouca 
idade  lugeytara  o  mundo:o  que  fe  moftra  aqui 
por  aqueílas  palavras :  de  palmas  rodeado  valero- 
las  :  porque  a  pah-na  he  infignia  de  vittoria. 

f^e  fâ  nâ$  de  Phtlippo,  Alexandre  Magno  que  o 
mundo  tinha  por  filho  de  Philippe  Rey  de  Mace- 
dónia ,  dizia  publicamente  que  era  filho  de  Jú- 
piter ,  éc  que  alTim  lho  defcubrira  fua  máy  Olym- 
pias,  coiiíocícrevc  Solinono  leu  Polyhiítor,, 


Of 


íoâ 


Canto  Sétimo^. 


55 

OS  'Port  íigttefes  vendo  ejias  memorias 
(jDízia  o  Catualao  Capirão) 
Tempo  cedo  virâjCjue  outras  vktorias 
Eftas  que  agora  olhais ^abaterãoi 
jíquijeefcreverão  novas  hifloriaSj 
'Por  gentes  eftrangeyraSjque  virão, 
^.s  osnojfos  fáhios  Magos  o  alcançarão^ 
fanado  o  tempo  futuro  efpecularão. 

§lue  os  nojei  Jabios  Magos  o  alcan^drao.  Relata 
aqui  o  Catual  aos  Portuguezes,  como  elles  tinhaó 
entre  íi  por  coufa  certa,  que  viria  tempo  que  outra 
nação  dominaria  aqucllas  partes:  &  que  em  lugar 
^aquellas  hiítonas  que  alii  eílaváo  eicrittas,  &  ef- 
culpidas,haveria  outras  novamente  portas:  5c  que 
ôiTim  o  tinhaó  dito  muytos  annos  haviaó  os  íeus 
Magos. Elia  palavra  Magos  hePerfica,&:  não  Gre- 
ga, como  alguns  querem.  Significa  propriamente 
homem  verfado  nas  coufas  divinas  ,  &  naturaes: 
como  eraõ  entre  os  Perlas  os  que  tinháoedc  no- 
me. E  quaes  eraó  os  que  vieraó  a  adorar  a  Chriílo 
Noiro  Redemptor, como  declaiaó os  que  uieíhor 
ientem.  A  hiílonados  Reys  Magos  tratta  na  ver- 
dade Tanfenio  na  concórdia  Evangélica  liv, 9.  O 
qualfaza  palavra  Magos  Grega,  não  íendo  affim. 
Leaó  os  curioíos  a  Celio  Rodiginio  nas  lições  an- 
tigas íiv.j.cap.^. 

"'!■■      .    ^^ .    .  .    -^ 

EDíz/he  mais  a  Magica  fcienciat 
f  Repara  fe  evitar  força  tamanha^ 
Nâo  valerá  dos  homens  rejiftencia^ 
§Ihs  contra  o  Ce  o  não  vai  da  gente  manha-}, 
Mas  também  diz^que  a  bellica  excellencia\ 
Nas  armas  t\£  na  paz  da  gente  effranha^  , 
Será  t  aí, q  ue  fera  no  mundo  ouvi  do 
O  vencedor  por  gloria  do  vencido» 

->  o  venctâdT  por  gloria  Jo  vencido.  He  hiima  grande 
prezumpção  dos  Portuguezes,  que  foraõ  taes  nas 
parte?  da  índia,  (que  ícrá  tal  fuafama  no  mundo) 
<]uc  os  vencidos  íe  prefaraó  muyto  de  lerem  ven- 
cidos dellest  A  imitação  de  Ovídio,  que  naquella 
contenda  que  Aiax  ceve  com  Ulyílbs  íobre  as  ar- 
mas de  Achilles,diz  cilas  palavras: 

ipfstuUtpretium  jam,  nunc  certawinis\hujmf 
^ui  cum  vtclui  mtiViecHtn  certajje  feretur. 

^  Uly  Hcs  levou  o  premio  deíla  contenda,  o  qual 
ainda  que  feja  vencido  baíU-lhe  dizer  ,  quecom- 
petio  comigo. 


4O 


57 

A'  Sfif aliando  entravãojdnafala. 
Onde  aque  lie  potente  Emperador^ 
Numa  camilha j az ^que  não  fe  iguala 
T)e  outra  alguma  noprcçOjó-  no  valor: 
Norecojlaàogefto  feajjtnala 
Hum  venerando _fê  projpero  Jenhor, 
Hum  pano  de  ouro  cinge ^^-  nacabeca 
T)e  preciofas  gemas  Je  a  dereça. 

No  recoflaclogi^o  fe  a(finalaj)um  vtnerandoi&  prof" 
p(ro  fsnbor.  Conta  joaó  de  Barros  na  prime)  ra 
Década  liv.4.  c.8.  que  tinha  o  Samorim  tanta  gra-  ■ 
vidade  ,  de  Mageítade  naquella  camilha  em  que 
eftava,  que  nâo  lezmais  movimento  para  Valco 
da  Gama  ,  quando  oreccbeo,  que  levantar  a  ca- 
beça de  huma  almofada  em  que  a  tinha  encoftada, 
aind4  que  no  roílo  deu  molhas  de goíto,^  prazer. 

58 

Em j  finto  de  lie  hum  velho  reverente 
^Cosgiolhos  no chaÔ de quãdo  em  quando^ 
Lhe  dava  a  verde  folha  da  erva  ardente^ 
^e  a  feu  cojfuwe  eftava  ruminando:  ■ 

Hum  Bramene^pepja  prem  inente^ 
*para  o  Gamaje  vem  compiijfo  brando, 
^  ara  que  ao  grande  Trincepe  oaprefente^ 
^e  diante  lhe  acena^que  Je ajfente. 

Bem  junte  àelie bum  velbo  reverente.  A  huma  ilhar- 
ga do  leyto  cm  que  o  Samorim  jazia  encoílado  ef- 
tava hum  homem,  que  parecia  no  trajo  ,  &  officio 
dos  principaes  da  terra  ,  o  qual  tinha  na  mão  hum 
prato  de  ouro,com  folhas  de  Betcle,que  tiles  coí- 
tumão  remoer,  para  lhe  confortar  o  dramago.  O 
Betele  he  huma  folha  amodo  de  tanchagem  ,  o 
qual  fe  colhe  de  huma  arvore  como  hera,  Deíhs 
arvores  ha  muytas  na  coíla  do  Malavar  ao  longo 
de  hum  rio  chamado  Bctcle,  tem  cilas  arvores  ao 
modo  de  latadas  muyto  concertadas  ,  não  daó 
fruyto.nem  lemétc  alguma,  lÓmcntc  lhe  colhem  as 
folhas  ,  das  quaes  ufa  todo  o  género  da  gente  da* 
quellas  partes ,  aíTim  Gentios  ,  como  Mouros  de 
noyte,&:  dedia.  Não  o  engolem,  nem  comem, l'ó- 
mentelhechtipaó  o  íumo  >  o  qual  dizem  que  he 
muyto  bom  paracnxugar  o  cílamago  ,  conlervar 
o  miolo,  6c  lançar  fora  a  ventoíidade.  Tem  outra 
propriedade  que  tira  u  fede,Chupaó-no  miílurado 
com  cal  de  marifco,  11.  mexilhões  ,  &  oitras,  para 
lhe  abrandar  a  queniura,que  tem  muy  ta:  pelo  que 
o  Poeta  lhe  chama  ardente  ,  &  he  tão  prelado  eíle 
Betele  naquellas  partes  ,  que  he  a  principal  renda 
que  Oi  Reys  dcilu  tem,  &  dcUe  mandão  zaiubucos 
carregados  para  muytas  partes.  Os  Perlas  chamaõ' 
a  eíla  folha  tambo   :  nós  ihe  chamamos  folio  In- 

dicoJ 


Lufiadas  de  Luts  de  Camões  Commentadosi 
áico  i  que  quer  dizer  folha  da  índia.  Eíte  velho 
era  hum  Brameiíe,  Veador,  Sc  Governador  de  íua 
caía,&  peílba ,  porque  naqueilas  parces  não  Te  fíaò 
de  outros  >  con^o  iica  nocado  airás  nelle  melaio 
canco* 


2e^ 


6i 


5í> 

S  Enfado  o  Gama  junto  ao  rico  leyto, 
Osfens  mais  af  afiados  apronto  em  vijla 
Efiava  o  SamoríjUo  trajOiér  geytOy 
^agefUeyHUUca  dantes  de  lie  viftai 
JLançando  agrave  voz  dofabiopeytOy 
§ue  grande  mithortdade  logo  aqui  fia 
Na  opinião  do  Reyj&  do  povo  todOi 
O  Capitão  lhe  falia  defie  modo. 

Sentado  o  Gama,  O  Gama  fe  Tentou  por  manda- 
do do  Samorira  em  huns  degraos  do  eílrado ,  em 


E^or  longos  rodeos  a  ti  manda j 
Tor  te  fazer  faber^que  tudo  aqui  Ih 
^ue/òbre  o  mar^quejobre as  terras  anda^ 
2)^  riquezasyde  la  uoTejo  ao  Nilo: 
E  de/de  a  fria  plaga  de  Ze  landa  ^ 
Ate  bem  aonde  o  Sol  não  muda  o  efiilo 
Nos  dtasfobre  agente  de\Ethiopia, 
Tudo  tem  no /eu  Rejno  em  grande  copiai 

E  por  longos  rodeyot  a  ti  manda  Defpoís  que  trat- 
tou  da  cerra  de  Portugal,  trata-lhe  agora  de  íua  ri- 
queza ,  6i  abundância  de  todas  as  coulas  que  hâ 
neílas  partes  da  Europa  ,&  juntamente  de  África, 
para  mais  o  affeyçoar  ao  vmculo  de  amizade  que 
com  elle  pretende.  Do  Tejo  ao  Nilo.  De  Hefpanha 


que  cílava  o  Catual ,  &  os  de  íua  companhia  hum     por  onde  o  Tejo  pafla  até  o  Nilo.que  vodeya  to- 
pouco  deíviados  em  outra  parte  ,  Sc  defpois  que  o     da  a  Ethiopia. 


Samorim  por  hum  grande  elpaço  notou  as  pclíoas 
Sc  trajos  dos  noflbs  ,  lhe  fallou  o  Gama  algumas 
couf»s,quc  o  Poeta  põem  nas  oytavas  íeguintes« 


H 


Da  fria  flaga  de  Ztlanda  atè  bem  onde  o  Sol  nÍo  mu-' 

da  o  tjlilo  noí  dtai,  Defde  as  terras  do  Norte,  aonde 

Zelanda  cae  atèas  de  Ethiopia, que eftão debayxo 

dalinha:aondeo  Sol  nâo  mudao  eílilorporqueos 

^  morsdores  debayxo  da  Equinocial  tem  fempre  os 

_  3    n      j    ,^  j  j      dias  iguacs  com  as  noytes.  Do  Tejo íe  veja  a nofla 

Vm grande  Rey  de  la  das  partes.onde    annotaçáo  no  canto  4.  oytava  10.  Zelanda  he  no-' 

O  Ceo  volílbil  com  perpetua  roda,  mt  moderno ,  &  de  que  os  antigos  nenhuma  noti-' 


ciativerao  ,  porque  eda  ilha  fe  chamou  lerrpre 
Mattia,  Sc  os  povos  Mattiacos  ,  que  quer  dizer 
companheyros,  Sc  ajudadoresemtodo  ogenera 
de  negocio,contraco,amÍ2ade,Sc  pcrigo,peJa  gran» 
de  aliança,  Sc  amizade  que  efta  gente  tem  entre  íi 
cm  feus  negócios ,  Sc  trattos  de  todas  as  couías  d» 
que  a  ilha  tem  grande  abundância.  Eíle  nome  lhe 
deraõ  os  Romanos  quando  a  íogeytaráo  a  fcu  po- 
der ,  tomando  do  colturae  ,  Sc  natureza  dos  natu- 
raea,Sc  nao  de  algum  lugar,Rey,Senhor,ou  Capi- 


^a  terra  a  luz  folar  c^o  a  terra  e f conde ^ 
Tingindo ^a  que  deyxou  de  efcura  noda: 
Ouvindo  do  rumor, que  la  re (ponde 
O  eccfi.como  em  ti  da  índia  toda 
O  Trincipadoeftã,^  a  Mageftadey 
Vmculo  quer  contigo  de  amizade. 

Hum  grande  Rey.  Tratta  aqui  o  Capitão  da  terra 
iugcyta aos  Reys de  Portugal  ,  aqualdizquehe 

nas  partes  do  Occidente  ,  o  que  moítra  por  hum  táo  que  a  domu^afle.  E  daqui  Cefar  liv.  4.  bellí 

termo  de  faltar  muyto  galante  ,  dizendo  que  o  ieu  Gallici  chama  aos  Zelandezes  Ambados  ,  nome 

Rey  era  daquellas  partes ,  aonde  o  Ceo  rodeando  que  entre  os  Belgas  moftra  homens  illuftres  ,  SC 

a  terra  com  feu  continuo  movimento  efconde  poderofos,  porque  taeseraó  os  moradores  de  Ze- 

fua  luz  com  a  terra.  Chama  ao  Cabo  volubil,por-  landa,que  fendo  vezinhos  a  Batavia,ou  a  Holanda 

que  o  decimo  com  huma  volta  que  dà  cada  dia,  de  maneyra  que  íe  pôde  contar  entre  elles,  porque 

leva  depois  de  íi  todoj  os  raaisCeos:  Sc  neíla  volta  fónonomcdifferem,  nas  forças,  diligencia,  csfor- 

elconde  o  Sol  ámetadedo  mundo  (  a  que  os  AI-  ço,  engenho.ardis,  aílucia.Sc  arte  de  negociar, Sc 

trologos  chair.áo  Hemiípherio)  cncubsrta  íua  luz  outras  couías,  que  na  vida  faõ  eílimadas  entre  os 

com  a  terra  que  cftâ  no  mcyo  :  a  qual  fica  efcura  homcns,lhe  fazem  muyta  ventagem.  He  Zelanda 

com  aabicnciadoSol  ,  que  he  o  que  o  Poeta  aqui  terra  muyto  larga,  cercada  toda  demar,  pelo  que 


diz 

O  rttunh  do  rumor,  <jue  U  refponde  o  echo.F^cho  he 
palavra  Grega, quer  dizer  o  retorno  dobrado  que 
feda  em  algumas  partes  ,  o  qual  porrcfpeyto  dos 
altos,  &:  b  lyxos  aonde  falíamos,  ou  dobramos  tor- 
na a  nos.  Vcja-le  o  que  notamos  no  terceyro  canto 
oycavT.  84.  Aqui  quer  o  Poeta  dizer,  que  ouvindo 
El-Rcy  de  Portugal  o  rumor  ,  ^  fama  das  coufas 
do  Sa Dorim.  E  vindo  á  lua  noticia  a  fama  de  fua 

Magcítadc  ,  Sc  poder,  pretendia  ter  comercio  ,  Sc    da,no  que  faz  ventagem  a  tf)das  as  ilhas^vezinhasJ 
amizade  com  cUe.  Dd  Tcna 


lhe  deraõ  cílc  nome  ,  porque  Zelanda  quer  dizer 
terra  maritima.  Tem  dentro  de  íi  quinze  Ilhas, 
ainda  que  de  poucos  annos  a  elU  parte  íe  allagaraò 
terras,  Sc  lugares  de  Zelanda,  Sc  hoje  em  diaalgu^ 
mas  delias  eltáo  temerofasde  lhe  foceder  o  mef- 
mo  ,  pelo  que  andão  em  continuo  trabalho  ,  6c 
guerra  com  o  mar,  para  o  delviarde  fazernellaso 
que  tem  fcyto  em  outras  da  mefma  Zelanda.  He 
muyto  abundante  das  coufas  ncceílarios  para  a  vi- 


'3^o-  Canto  Si tmo\ 

Tem  rauyto  excellenres  Cidades ,  &  lugares ,  de    ^le  em  ver  Embayxadores  de  níição 
uiuytogalances.ôc  íunjptuoíos  edifícios,  &  lâò  os     y  ^q  yemotaigrad gloria  recebia-. 
Zeiandezes  muyto  concertados,ôc  polidos  em  luas 


MdS  ftfjie  cajo  a  ultima  tençãõ 
Comos  aefcucoitfelho  tornaria^ 
Infonnandoje  certo  de  quem  era 
O  Rty^à-  a  gente, à'  terra^que  difjera, 

A  ejuem  o  Rcy  Gtntio  refpondta.  O  que  João  de  ' 
IBarros  cciita  a  ellepropoGco  he,  que  delpois  que., 
o  Samorim  por  cípaço  grande  eiteve  notando  as 
pcfloas,  6c  trajos  dos  nolios,  &  praticando  em  pa- 
lavras gei-aes  com  Valco  da  Garra,  recebidas  delr 
]e  duas  cartas, que  lhe  mandava  El-Rey  Dom  Ma- 
noel ,  huma  efcritta  em  Arábigo ,  Sc  outra  cm  iin- 
gua  Portugucza,qucera  damelma  l"ubítancia,diire 
que  clie  as  vira,  &  deípois  mais  de  vagar  o  veria  a 
elle,que  porem  tanto  fe  foíTc  repouíar. 

E^ie  etn  tanto  podia  do  trabalho 
'Faffado  ir  repoufar^&  em  tempo  breve 
Ijaria  a/eu  defpacho  humjujio  talho. 
Com  que  a /eu  Rey  rei^ofla  alegre  levei 
là  nlfto punha  a  noyte  o  ufado  atalho^ 
As  humanas  CMiceyras ^porqtie  ceve 
'Do  àoce/ono  os  membros  trabalhados j 
Os  oihos  occuj^anão  ao  ocio  dados, 

lâ  níflo  punha  a  noyte  o  ufado  atalho.  Jâ  anoytecia. 
Ufa  deite  termo  de  fallar  Poerico,8c  eleganie,por- 
que  a  noyte  he  para  ajudar  a  levar  a  carga ,  U  tra- 
balhos do  dia.  Donde  diíle  Valério  Flacco  no 
livro  quinto  dos  Argonautas: 

J^ox  hominum  genut,  é^  duros  tniferata  labores 
Rettulerat  fe([is  optata  ftlenúa  rebus. 

Doendo-le  a  noyte  dos  homens,  6c  luas  milenas, 
&  trabalhos  acudio  para  lhe  remedear,  &  ajudar^ 
fuâs  canfeyras. 

A     Ga  falhados  fgyaõ juntamente 
O  Gama^&  'Portugne/es  no  apofento 
*Do  nobre  Regedor  da  Indica  gente ^ 
Zomfeflasfi^  geral  contentamento', 
OCatualno  cargo  diligente 
7)e  feu  Rey^tinbajãfor  regimento 
Saber  da gefite  eliranha^áonàe  vinha^ 
&  navios ,  como  na  oytava  diz  larga-     ^i^cojhmes.que  Ity.que  terra  tmha. 


coulas,  &  no  ciattode  iuascafas  muyto  limpos,  6c 
]ieiliotantoaflim,que  entrando  na  terra  Ll-Rey 
l^hihppe  Iceipantou  do  concerto,  6c  limpeza  dei- 
ta gente, como  conca  Livino  Lemnío  Medico  na- 
tural dç  Ziura  Cidade  da  melma  Zelanda  em  huiii 
irattado  qjie  fez.  de  ocuitis  natura  miraculis  y  liv.z. 
cap.  6.  j:^rque  como  foy  natural  deíla terra  trat- 
tou  com  muyra  curioíidade  ,  tudo  o  que  os  cu- 
jiofos  delia  quizeremfaberdifto  ,  tratra  também 
Adriano  Balando  na  delcripçâo  da  bayxa  Alema- 
nha.    • 

ESe  queres  com  paãos^&  fianças 
T>epaZià'  de  amizade  f acra ^^  nua, 
Comercio  conjentir  das  a bun danças 
^ as  fazendas  da  terra  fua^é'  tua: 
parque  cercão  as  rendas  j&  baftançast 
forquem  agente  mais  trabalhasse  jua, 
*De  voffos  Reynosjferà  certamente 
tDí  tiproveytOi&  delle gloria  ingente. 

Por  quem  a  gente  mais  trahalha,&  fua,  Huma  das 
coulas  quenavida  mais  inquieta  os  homens  he  o 
defejo  de  terem  rendas ,  6c  lerem  abaflados,  &  ri- 
cos, ti,  para  eíleetíeyto  muytas  vezes  fazem  muy- 
tascouias  mal  feytas  :  donde  diíle  aquellegrande 
P©etaVirgilio  na  Eneida  :  Aurt  [acra  f ames  quid 
non  mortaha  peãora  cogita  Fome  maldita  de  ouro  a 
que  não  induzes,ôc  forças  os  homensPE  nefta  ma- 
teri,i  lâbem  todos  tanto  que  me  elcuUráo  trattar 

E  Sendo  ajfi^que  o  nádega  amizade 
Entre  vos  firmemente  permaneça^ 
Eflarà  pronto  a  toda  adverfidade, 
^lepor  guerra  a  teu  Reynofe  offereça: 
Comgenteiarmasj&  nãos  de  qualidade, 
^iêpor  irmão  te  tenhai&  te  conheça j 
E  aa  vontade  em  ti  Cobre  iftopofla. 
Me  des  a  mim  certtjjhna  repofia, 

E  fendo  <!í^. Delpois  que  trattou  o  Capitão  mor 
diante  doSamòrim  de  Portugal,  6c  aabundancia 
de  todas  ascoufas  commette  comcrcio,6c  amizade, 
&  que  fe  quizer  fer  ivmâo  em  armas  do  Rey  de 
Portugal  ,  que  em  todo  ocafo  o  ajudará  com  ar- 
mas agente 
mente. 


6^ 


TAl  embayxaâa,dava  o  Capitão , 
yi qu^im  o  Rey^antiorefpondia^ 


AgaZjdlkadcs  forao  juntamente.  O  Samorim  def-™ 
pois  que  recebeo  as  cartas  que  lhe  deu  Vafco  df| 
Gama  d^El  Rey  Dom  Manoel  ,  lhe  perguntou 
com  quem  le  queria  agazaihar  ,le  com  Mouros^ 
ou  Gentias  ,  ao  ^ue  elle  refpondeo  ,  queentn 

Mouros 


Lufiadai  de  Luís  de 
Mouros,Sc  Chriílãos havia  differenças  por  muy- 
las  viaSjaííim  por  relpeyto  da  ley,quc  profellaváo, 
como  de  payxóes, Sc  ódios  parciculares,quetinháo 
entre  íi,ÔC  que  também  náo  íabiaó  o  tratto,  &  or- 
dem,que  tinhão  osnaturaes,  que  pedia  a  íua  Real 
Senhoria, que  os  mandaíleapolcntar  ícm  compa- 
nhia alguma.  O  Samorim  folgou  de  ouvir  as  ra- 
zóesde  Valco  da  Gama,8c  mandou  ao  Catuallhe 
fizellc a  vontade,&  o  agazalhaíVe,  ló  uíando  de  pa- 
Javras  honroias ,  em  que  moíhava  ter  ao  Capitão 
mór^por  homem  de  clpintu,  ík  prudência  grande, 

^7 

TAnto  que  os  ígneos  carros  dofermofo 
Mancebo  'T>eíto  vio^que  a  luz  renova^ 
Manda  chamar  Monçayde^defejo/o 
^e  poder/e  informar  dagente  nova: 
làíhepregunta pronto j^  cariofi^ 
Se  tem  uottcía  inteyrai&  certa  prova 
'Dos  (Jir anhos ^quem/àg^que  ouvido  tinha 
^le  he  gente  áefuapatrta  muy  vizmha. 

Tanto  tjue  os  ígneos  carros  doferntofo.  Reconta  co- 
mo o  Catual  o  outro  dia  fegumte  cm  o  Sol  apon- 
tando mandou  chamar  o  Vlouro  Monçayde,para  le 
informar  dos  Portuguczcs,  porque  tinha  ouvido, 
que  era  gente  vezinha  à  terra  aonde  elle  nacera. 
Carros  i^weoj,quer  dizer  carros  de  fogo»  Taespin- 
táo  os  Poetas  os  do  Sol  em  que  dà  luz  ao  mundo, 
feytos  por  mão  de  Vulcano  filho  de  Jupiter,&:  íeu 
Ferreyro.  E.  os  cavallos  que  levaváocíle  carro  ti- 
inhâo  fogo  no  peyto,&:  o  lança  vão  pela  boca,6c  na- 
rÍ2es,corao  diz  Ovídio  naá  Metamorphofes: 

JVíC  tibi  efuadrupedes  animo fos  ignihus  illh,    , 
Çiuos  inpcãore  habenttqu«s  orey&  naiibus  efflant 
In  prompíu  r(gere  e(i. 

DiíTuadindo  Apollo  aPhaeton  feu  filho,  que  lar- 
gafle  a  pretençáo  de  governar  os  carros  dò^ol, 
entre  outras  difficuldades  que  lhe  punha  era  efta, 
que  tinhaó  fogo  nos  pey tos,  &  que  lançaváo  pelas 
ventas, 6c  pela  boca. 

Mancebo  Delio,(jt4e  a  luz  renova.  He  o  Sol.  Cha- 
ma-Ce  Dclio,  &  fua  irmã  a  Lua  Delia.porque  nace- 
ráo  ambos  de  hum  parto  na  ilha  Delos.  Difle  re- 
novar a  luz  o  Sol  por  hum  fingimento  dos  Poetas, 
que  dizem  que  todas  as  manhans  nace  novamente. 

6S 

QVe  particularmente  alli  lhe  dèfje 
Informação  muy  larga.pois  fazia 
Nijfoferviço  ao  Rey porque  foubtffe 
O  que  nefie  negocio  je  faria: 
Monçayde  torna  fojio  que  eU  quízcffe 
^szercedijlo  maisjUão/aberiaj^ 


Camões  Commentados]  'iii 

òòmente  fty^que  he  gente  la  de  E/panha^ 
Onae  he  o  meu  ninho ^^  o  Sol  no  mar  fe  banhai 

Onde  he  o  meu  ninho.  Ninho  toma  pela  pátria  » & 
a  natureza  de  cada  hum  tomada  a  metaphorado 
ninho  dos  paífaros. 

O  Sol  no  mar  ]e  banha.  Aonde  o  Sol  fe  põem, nas 
partes  Occidentaes  Monçayde  difle  ao  Catual 
que  efta  gente  era  de  Hetpanha  vezinha  á  íua  pá- 
tria nas  partes  ^do  Occidente. 

TEm  a ley  de  hum Trofeta^que gerado] 
Fny  fé m  fazer  na  carne  detrimento 
©  a  Mãy  Jal  que  por  bafo  e/lâ  appr  ovado 
^0  T)eos  ique  tem  do  muyido  o  regimentoi 
O  que  entre  meus  antigos  he  vulgudo 
IJelíes^he  que  o  valor  fangmnoknto 
1)as  armas ^no feu  braço  rejplanaece^ 
O  que  em  nofos pajjaaosje parece. 

Tem  a  Lty  de  hum  Propbeta.  Eíle  he  Chrifto  Noí* 
lo  Senhor,  &  Salvador,  o  qiial  naceoda  Gloriofã 
Virgem  Maria  Nolla  Senhora  concebido  pelo 
Elpirito  Santo,(o  qual  entende  aqui  por  cfta  pala- 
vra bafo,  que  he  o  cípirito.)  Virgem  antes  do  par-' 
to,  &  dtípois  do  parto,  como  temes  por  verdade 
Carholica,6c  rcloiutiflima  íem  fallencia: 

O  ejue  entre  mem  a^ttgos  he  vulsado.O  que  he  pu- 
blico, &  labido  entre  os  antigos ,  6c  velh(  s  de  mi- 
nha pátria,  diz  Monçayde,  hc  que^no  negocio das 
armas  fao  gente  valerola,ôc  cifor^âda.  ~     ' 

POrque  elles  com  virtude  fobre  humanai 
Osdeytàrão  dos  campos  abundo fos^ 
'Do  rico  TejOiò  frefca  Guaaiana^ 
Com  feytos  memo\  aveis  ^iè  famofos*, 
Enaô  contentes  tndana  /Ifricana 
T  arte  ^cortando  os  mares  porcelofos^ 
Nos  naõ  querem  deyxar  viver  feguros^ 
Tomandonos  Cidades ié'  altos  muns, 

E  frefca  Gttadiana.GuzàhniL  he  rio  que  nacceni 
Helpanha,  junto  aferra  de  Alcaraz,  &  perto  de 
•hum  lugar  por  nome  La  puebla  de  Alcocer.íe  me- 
te por  dcbayxo  da  terra  por  cfpaço  de  dez  legoas. 
He  rio  que  pafla  pelas  terras  da  Eftremadura,  Ba- 
dajoz, Ohvença>  &  outras.  Náo  tem  peyxe  do 
niar,porquc  aonde  entra  nclle  cftahum  altiííimo 
penedo  por  onde  a  agoa  cae  ,  que  osimpoílibilita 
para  poderem  fobir. 

Jomatidonos  C idades ^éf  altos  muros»  Como  Ceuta 
Tangere,Ma23gão,&  outros  lugares  que  os  Rcys 
de  Portugal  laigàraõ  ,  por  lhe  náo  parecercni 
muy  to  importantes  a  eftc  Rcyno. 

Ddi  Kiií 


m 


71 


y^õ  menos  temojirado  esforço  Mmanha 
^     \em  quae/quer  outras  guerras  ^q  acõíeçaõ 
Ou  dds gentes  beliigeras  de  Ejpanbay 
Ou  là  de  alguns ^que  do  Tyrene  deçaô'. 
'AÍJi  (jue  nunca  em  fim  com  lança  eflranha 
iSetem, que  por  vencidos  fe  cmheça^y 
Nemfefahe  inda  nao^te  afirmo  ^^  aJfellOi 
^ara  ejies  Anntbaes  algum  Marcello, 

Ou  dai  gemes  belligeras  de  Hefpanha,  Ifto  á\z  pelas 
vitto.rias,queosPortuguezes  houveiáodos  Heí- 
panhocs. 

Ou  la  de  algum  <]ut  do  Vyrene  deçao.  E  porque  em 
ajuda  dosReys  deCaílella  veyo  muyta  gente  de 
Catalunha,  Bjícaya,  6c  Navarra,  Sc  outras  gentes 
daquclla  paragem,  diz,  ou  de  algumas  que  do  Py- 
rcne  dcção^porque  os  montes  Pyrineos  dividem  a 
Heípanha  de  França:  pelo  que  os  moradores  da- 
quellas  partes  faô  íogeyios  aos  Reys  de  Hefpa- 
nha.  Que  íejáo  Pyrineos  Te  veja  na  noííà  annota- 
çáo  no  canto  terceyro,oytava  i6. 

Para  efiti  An\bai$  algum  Marcello,  Marco  MaF» 
celio  Capitão  Romano  valerofiíTiuio,  o  primeyro 
Capitão  Komano  ,  quevencco  Anibal  Capitão 
dos  Carthagiaenfes  ,  como  eícreve  Titolivio,na 
primeyra  Década.  O  que  á\%  aqui  o  Poeta  he,  que 
nunca  houve  quem  vpncefle  aos  Portuguczes, 
aos  quaes  chama  Aníbais,  porque  Aníbal  foy  hum 
dos  mais  esforçados  Capitães  do  mundo. 

7^ 

TJ^  Se  efta  informação  naõfor  mteyra, 
jfr^  Tanto  quanto  convém jãe lies pertende 
Infirmar  te  jque  he  gente  verdadeyra. 
Aquém  mats  fal/tdade  enoja^& ofende: 
Vay  verlfje  afrota^as  armas  ,(^  a  maneara 
^0  fundido  metal^que  tudo  rende^ 
E  folgar àt  de  veres  a  policia 
^ortu^Hefajnapaz,\£  na  malicial 

E  a  mamyra  do  fundido  metal.  ^  o  modo  o  concer- 
to daartelharia,  á  qual  chama  metal  fundido ,  cC 
diz  que  rende  tudo  ,  porque  defpois  que  ouve  ar- 
&4Íi^ria,não  ouve  homem  eslorçado* 

JA^  com  defejo  o  Idolatra  ardia 
T>í  ver  ifto^que  o  Mouro  lhe  contava^ 
Manda  ef  qutp ar  bateis ^que  ir  ver  queria 
Os  lenhos  jcm  que  o  Gama  navegava: 
Ambos  parte  m  da  praya^a  qut  m  fe<iiúa 
A  Nayrag  òtaçâo^qHe  o  Wât  •  coalhava, 


Canto  Stfmol 

ACapitâyfJãfõhsmforte^^  bella^ 
Oude  Taulo  os  recebe  a  bordo  delia, 

Jdcomdejejoí  o  Idolatra  ardia,  lílo  que  aqui  vay 
conrando  o  Poeta, he  legundo  às  regras  da  Poelia, 
mu)  to  galante,  &artiíicioi'o,as  quacs  dão  licença 
que  le  tinga  huma  fabula  como  diz  Horácio  na 
Ãrtc  Poética:  §luí  fpkndeat  unui  ,  &  aiicr  a^uitur 
fannui.  A  licença  que  os  Poetas  tem  hs  em  fuás 
obras  meterem  aleu ma  fabula,  &  finsimento  sa- 
Jante,  &  que  pareça  bem.  E  aflim  niíto  não  con- 
fcrmn,com  o  que  os  noííos  Hiíloriadores  contão, 
porque  não  íómente  não  forâo  os  Maiavaies 
aos  navios ,  antes  citando  Vafco  da  Gama  em  ter- 
ra ,  crcrcvffo  por  Monçayde  a  íeu  irmão  Paulo  da 
Gama  que  eftiveííè  com  grande  vigia,  Seque  não 
fe  fiafíc  da  gente  da  terra,  nem  os  coníentiíle  hir  a 
bordo  ,  porqiie  tinha  entendido  dellcs  lhe  fíiriáo 
todo  o  mál  que  pudcílem»  O  que  fe  pôde  vci'  em 
João  de  Barros  na  primeyra  Década. 

Drpureosfão  os  toldo s^à*  as  bandeyras 
bórico  fio  faô  jque  o  bi€ho  gèra^ 
Ne  lies  eftão pintadas  as  guerreyras 
Obras  ^que  o  forte  braçojãfiz>€ra: 
Batalhas  tem  campaes  aventureyras^^ 
Tiejafios  cruéis jpvíturafer a j 
^ue  tanto  que  ao  Gentio  fe  aprefenta^ 
At  tento  nella  os  olhos  apucenta. 


\ 


O  rico  fio  cjue  o  bicho  gera.  He  a  feda  ,  porquí 
delles  fe  faz  como ,  he  coufa  íabida. 


75 

13  ^^0  que  vè pergunta^mas  o  Gama 
,    Lhe  pedia  primeyro  ^que  fe  ajjente^ 
E  que  aquelledeieyte^ique  tanto  ama 
A Seyta  Epicurèa^experimente\ 
T>os  ejpumantes  vafos  fe  derrama 
O  luor^que  Noé  mcfirãra  agente: 
Mas  comer  o  Genti  o  não  pertende^ 
^e  a fey tanque  feguia  lho  defende, 

jifeyta  Epictírea.  Epicuro  (  como  alguns  eícrc» 
vem  )  toy  Athenienfe  ,  ainda  que  outros  querem 
q  uc  fofic  de  Samos ,  &  levado  a  Athenas ,  vencida 
Samos  pelos  Athenienles  em  tempo  que  Anilo» 
teles  ,  ík  Xcnocrates  floreciáo.  Foy  de  opinião, 
que  ancila  alma  era  mortal, Sc  corruptível,  &;  que 
Deosnão  tinha  cuydado  das  coulas  do  mundo, 
masquccrão  governadas  por  influencias  dos  Pla- 
netas ,  Si  cftrellas  do  Cco.  Teve  outra  diabólica, 
que  roda  a  felicidade  da  vida  eftava  no  coiucnta- 
mcnto.  Si  dcleytes  delia,  Sc  que  não  havia  outro 
bem  fe  não  cofncr,&  bcber,Sc  levar  boa  Vida.  Pin- 


1 


Lu/íaàas  de  Luís  de 
tava  a  virtude  ao  pé  dos  vicios  poítradn  diante  dei- 
leá,6c  fervindoos.  lílo  diz  aqui  o  Poeta,  cj  ue  o  Ca- 
pitão inòr  pedia  ao  Catual,accytaííeo  deleytc,que 
a  leyca  Epicurea  tanto  ama :  pelo  qual  entende  o 
comer ,  &  beber ,  no  qual  os  que  feguirão  a  feyta 
do  Philofopho  Epicuro  ,  punhâo  lua  bemavcn- 
turança  ,  5c  felicidade.  O  //cor  <^Ht  Noè  mofírara  á 
gewrÉcÊítc  he  o  vinho,  porque  Noé  delpuis  do  di- 
luvio enlinoa  o  modo  que  íc  havia  de  ter  no  plan- 
tar das  vinhasjcomo  le  conta  no  Gencíis. 

Mai  comer  o  Gtntto  nao  pertende,  A  íeyta  dos  Gen- 
tios prohibelhe  comer  com  gente  de  outra  naçáo, 
pelo  qúe  não  acey táraó  os  oííerecimentos  de  Vai- 
CO  da  Gama. 

A    Trombeta  j(jue  em  paz  nopenfameiito 
Imagem  faz,  deguerra^  rompe  os  ares^ 
"Coo  fogo  o  diabólico  mfir  amento] 
Se  faz  ouvir  no  fundo  tà  dos  mares: 
Tudo  t gentio  nota^mas  o  wtento 
Mo/irava  fempre  ter  nosfingulares 
F<ytos  dos  homens ^que  em  retrato  breve ^ 
A  muda  çoejia  allt  defcrtve, 

A  trombeta,  «jue  tem  paz,  no  penfantento,  Tratta  o 
Poeta  da  fefta  que  os  noílbs  íizerão  ao  Catual  na 
Capitania  com  trombetas,artelharia,  &  elpingar- 
daria.  Diabólico  inftrumento  chama  á  artelharia. 
Vejafeoqueefcrevemosnocantofetimo ,  oytava 
12.  /i  muda  povfia  alli  de/creve,  O  Gentio  notava 
jaiuytas  coufas  nos  Portuguezes ,  principalmente 
fe  detinha  com  os  olhos  nos  retrattos  ,  &  figuras 
que  ellavâo  pelas  bandeyras,  &  outras  partes  do 
Bavio,  as  quaes  chama  poefia  muda.  Poefía  muda 
he  a  pintura  ,  como  lhe  chamâo  todos  os  Poetas. 
Taesfaóos  emblemas,  emprefas  ,  Scpegmasde 
que  os  Poetas  trattão  em  muytos  lugares.  De  íe- 
mclhanie  modo  de  efcrever  ufaváo  os  Egypcios, 
pintando  aves,animacs,5c  outras coulas  femelhan- 
les ,  pelos  qutes  íínaes  moftraváo  oquequeriâo, 
&  a  eílcs  íinaes  chamaváo  liierogliphica  ,  que 
quer  dizer  letras  íagradas,  pela  grande  veneração, 
'&  rcfpeyco  que  tinhão  a  efte género  deefcrever. 
Pocfia  que  falia  (aó  os  veríos ,  pelo  que  Homero 
he  chamado  de  muytos  grande  pintor,  porque  na 
defcripçáo  das  couias  foy  excellente,  6c  pinta  tan- 
to ao  natural,animaes,fero2es,ullos,  leóes,pardos, 
á  grandeza  do  Sol  ,termoíurada  Lua,  n  multidão 
deeítrcUas ,  diffcrentes  Cidades  com  diíTerentes 
trattos,que  efpànta  os  que  o  le  ,n. 


77 


A 


Lçafè  empé^  com  elle  os  Gamas  junto^ 
Cociho  -1' outra  parte ^  &  o  Mauritano 
,Ç>s  olijospaem  nobeUtcotrafiinto 
"Da  hum  velho  bramo^afpeyto  venerando. 


Camões  Commentadosl  ^^  ij 

Cíijo  n  orne  nàe  pode  fer  defunto 
Em  (fuanto  houver  w  murtas  tratto  humattO% 
No  trajo  à  Grega  ttfança  ejta  perfeyta^ 
Hum  ramopor  infignla  na  aireyta. 

Alçafe  empe.  Folgava  tanto  o  Catual  de  ver  as 
coulas  dos  Portuguezes,  ík  principalmente  os  de- 
buxos, Sc  pinturas,  que  pela  capcçui  ia  eftavão,quâ 
íe  levantou  em  pè  para  melhor  os  poder  ver.  0$ 
Gamas  laó  j  O  Capitão  mor  Vaíco  da  Gama  ,  èC 
leu  irmãtí  Paulo  da  Gama,  o  Coelho  era  hum  Ni- 
colao  Coelho  Cspitá^  dç  hum  navio  da  armada* 
O  Mauritano  er-i  Monçayde,que  fervia  de  língua 
entre oCãtual ,  ôcoGapitáô  mór,  pxnquecomo 
era  Africano  de  nação ,  natural  do  Reyno  de  Tu^j 
nes,  peia  comniunicação, que  tivera  com  es  Hel- 
pnnhoes,  lábia  fallara  lingoaCaftelhana,  na  qual 
declarava  aos  Portuguezc&as  coufas  que  lhe  o  Ca» 
tual  dizia. 

Dehumvelhe  érawco.Entre  as  figuras  eftava  hum 
velho  branco  de  alpecto  grave, 2c  vencrando.Eítc 
velho  era  Luío  companheyro  de  Baccho,  o  qual 
foy  Senhor  de  f^ortugíl,  ík  do  feu  nopie  íe  chama- 
rão os  Portuguezes  osLuíicanos,  como  fica  dito 
neílas  noílas  annotaçôes  muyto  largamente  ,  6c 
muytas  vezes ,  ôc  o  diz  o  noffo  Poeta  no  principio 
do  canto  oytavo. 

Cujo  nome  n^o  pede  fer  defunto.  Cuja  fama  íe  não 
perderá  em  quanto  o  mundo  durar.No  trajo  a  Gre* 
ga  ufançaeftâ  pnfeyta.Moiiyà  o  modo  do  trdjo  que 
tinha  Luío  no  feu  retratto,  que  era  ao  coílume,  èc 
ulo  dos  Gregos  ,  &  com  hnma  phkiva  na  mão ,  co* 
mo  o  Poeta  refere  no  principio  do  livro  oytavo,- 
aonde  continua  cila  hiíioria,que  lhe  pareceo  não 
fer  juílo  trattar  dos  primeyros  fundamentos  de 
Portugal,  6cdealgunsqueoconlervaráo,&:aug- 
mentâraô  íem  particular  ajuda  das  Mulas ,  como 
elle  aífirma^na  oy  cava  fcguinte. 

78 

HlJm  ramo  na  mão  tinha^Mas  ó cego 
Eu\qne  cometo  infano^^  temerário^ 
Sem  vós  Nymphas  do  Tejo,  &  do  Mondego^ 
'^Por  caminho  tão  ardnOjlongOj  &  variou 
Voffo  favor  invoco^  que  navego 
T'or  alto  mar ^com  vento  tão  contrario^ 
^«<?  fenão  me  ajudais ^ey  grande  medo 
^e  o  meu  fraco  batel feaí^age  cedo. 

Mai  o  ífg*««.Boa  digreflaõ  ,  &  entre  os  Poetí3 
muyto  ulada,  que  no  nicyo  de  fuás  obras,  quando 
mais  engolfados  vão  em  alguma  narração,peguera 
com  as  Muias,que  os  tavorcção,  Sc  difto  há  tantos 
exemplos  ,  &  he  coufa  tão  vlada ,  que  não  he  nc* 
ceflario  ulurgamps  neíla  matéria. 


Olhai 


>i4 


1^ 


'Çdnto  Setimir, 

òe  não  que  âquetles  que  eu  cantando  andava^ 
Tal  premio  de  meus  ver  [os  me  tornaffem: 
A  troco  dos  defcanços  que  ejperava, 
*T)as  capellas  de  louro^que  me  honrajjetn^ 
Trabalhos  nunca  u/ados  me  inventarão 
Com  que  em  tão  duro  ejiado  me  deytaraõ. 


E  inJa  Nywphaí  winbas»  Nota  o  noílo  Camões 
aos  Portuguezcs  de  gente  ingrata  ,  pois  cantando 
cUe  ,  ôc  celebrando  feusíeytos ,  em  lugar  de  lhos 


OLhay^que  hà  tanto  tempo, que  cantando 
O  vojjo  Tejo^&  os  vojjos  Lufitams 
A  fortuna  me  traz,  peregrinando, 
JSlovos  trabalhos  vendo j&  novos  danos-. 
Agora  o  mar^agora  efprtmentando 
Os  perigos  Mavórcios  inhumanos, 

^al  Canace  que  à  morte Je  condena,  ^„_ , ^_„,  _...  .„^„. 

Muma  mão  fempre  a  efpada^^  noutra  a  pena.     agradecerem,ôc  ícrvirem:  os  mayores  amigos,  que 
,  tmha  o  mexericarão  com  o  Vilo  Rey  da  Índia,  co- 

■    Perifoí  iW^i/ordw.Perigos  de gucrra,deMavor-     nioeilemediíle,  contunde  os  enfadamentoF,quc 
tc,quche  omelmoqueMartcque  os  antigos  ti-     na  índia  tivera,  que  foy  cauíadc  o  prenderem,  6c 
nhaõ  por  Deos  da  guerra.  §lual  Canace  ejue  d  worte     enfadarem. 
fe  condena.  Diz  o  Poeta  que  nefte  feu  clcrever  as  82. 

coufas  dos  Portuguezes ,  fe  houve  como  Canace, 

que  em  huma  maó  tinha  a  penna.comqueeftava     "T  T  Ede,Nymphas,  ^  engenhos  de Tenhores 
tfcrevendo  a  feu  irmão  Macareo,em  outra  a  eípa-       V    O  vo(fo  Tejo  cria  valero/oSj 
<ia  para  fe  matar.pclos  muytes  perigos,  trabalhos,     ^e  ajjifab  em  prezar  com  taes  favores 
^guerras  que  na  índia  paliava ,  quando  eícrevia     ^  quem  os  faz  cantando  gloriofisi 

^e  exemplos  a  futuros  e/critores, 
T^arn  ejpert ar  engenhos  curió  jos^ 
^ara  porem  as  coufas  em  memoriai 
^te  merecem  ter  eterna  gloria. 

Vede  Nymphat  que  engenhos  de  (enbores.  Ifto  hé  hu- 
ma  figura,a  que  os  Rhctoricos  chamão  Ironi^,  da 
qual  ulamos, quando  nas  palavras  moílramos  cou- 
fa  differente  do  que  fentimos,  como  aqui,  que  pe* 
las  palavras  parece  dizer  bem  dos  Portuguezes,re- 
prehendendoos,  &  tachandoos  de  homens  pouco 
aíFeyçoados  às  letras ,  &  aos  que  as  entendem,  ôc 
exercitão. 


•cíles  cantos. 


80 


A    Gora  com  pobreza  aborrecida, 
Tor  hofpkios  alheos  degradado^ 
Agora  da  efperançajâ  adquirida, 
*De  novo  mais  que  nunca  derribado: 
Agora  as  cofias  e [capando  a  vida, 
§^ie  de  hum  fio  pendia  tão  delgado^ 
^ue  não  menos  milagre  foy  falvarfe , 
Repara  o  Rey  Judaico  acrecentarfei 

Agora  da  eíperançaja  ad^ttirida.V or(\uc  vendo- fe 
"algumas  vezes  com  alguma  efperança  de  remédio, 
muyto  deprcfia  íe  lhe  hia  das  mias./lgora  âs  co^at 
tfcapaudo  a  vida  ,  ^ue  de  hum  fio  pendia  tão  de/gado. 
Ainda  que  he  termo  geral  para  moftrar  as  muytas 
vezes  que  fe  vio  perdido.  Bem  fc  pôde  aplicar  el- 
te  dito  a  hum  naufrágio  que  paílou  vindo  da  Chi- 
na. Veja-le  o  que  eícreveremosno  cato  lO.Pender 
de  fio,  he  termo  muyto  u fado  para  fallar  cm  cou- 


85 

POis  loí^o  em  tantos  males  he  forçado 
^efò  vojfo  favor  me  não  f  alie ça^ 
T^rincipalmente  aqui, que  f ou  chegado, 
Ondefeytos  diverfos  engrandeça: 
^aymo  vôs  f os, que  eu  tenhojájurado. 


'  de  ho,he  termo  muyto  uado  para  tallar  cm  cou-      a).,       ^  .,  ■  -  -  -— -^ 

,        \        r    j    c               ^       •        4        1  ^ue  nao  0  empregue  em  quem  O  nao  mereça^ 

ia  muyto  arriícada,6c  parece  teve  orisemdaquel-  'TV           ,"'.     ^          ?       r.  1  •  j            ^^^ 

la  h.ftoriado  tyranno  Dionyfio,  que  tinha  naíua  Nem  por  Itfonja  louve  algum  Jubído,             || 

íala  humaefpada  dependurada  de  hum  fio  ,  para  Sobpena de  nao  fer  agradecido. 


moftrar  o  perigo  a  quetftava  fugcyto  quem  rey- 
nava.Vejale  o  Provcrbioide  filo  penda. 

Çlue  para  o  Rey  ludayca  acrecentarfe.  Por  Rey  Ju- 
dayco  fe  entende  Ezechias,  o  qual  eftando  jà  fcn- 
tenciado  por  Deos  à  morte  ,  todavia  milagrola- 
mente  por  Tuas  lagrimas  foy  rcmedeado  >  como 
fe  conta  no  livro  dos  Rcys. 

81 

E  Ainda  Nymphas  minhas ^nao  bafava, 
^ie  tamanhas  rai férias  me  çercaffem-, 


Vtit  logo  em  tantos  males.  E  pois  de  todas  as  par- 
tes me  cercão  males,  favoreceyme  vós  Nymphas, 
mayorraentc  nefte  lugar,aondehey  de  trattardos 
feytos  dos  noílos  Portuguezes. 

ãob  pena  de  nâofer  agradecido.  Sob  pena  dc  ficar 
tido  entre  vós  N  ymphas  por  ingrato,  5c  que  nao 
rcereço  mais  ler  favorecido,  &  ajudado  de  vós. 

NE?n  creais yNyniphas ^•não.q  fama  dèfje^ 
Aquém  ao  bem  cl  mmHm^& doftu  Re^, 


'Antepofer  Ceupoprio  inter  e£e^ 
Inimigo  da 'Di^Oina  ^&  búniíihaley: 
Nenhum  âmbictojuyque  qutzejje 
áubir  a  grandes  cargos  ^cant  ar  ey^ 
ãó  por  poder  com  tofpes  exercícios 
'Vjarmais  largamente  de  (eus  vícios, 

Nent  cre ais  Nympbaí, ^Auy tos  quirerão  neíla  par- 
te  locara  Luís  de  Camões  de  homem  affey coado, 
&  aceycudordcpí-ílbas,  porque  com  algumas  dil- 
íimulou  ncltes  léus  cintos  ,  que  mcrcciíio  'louvor, 
&;  honra.  Digoiílo,  porque  hc  maceriaque  vi ja 
traitdr  eiiLre  Porcuguezes. 

NEnhum  queufe  de  feu  poder  bnftante 
Tarafervir  afeu  dejfejo  feo; 
E  que  por  comprazer  ao  vulgo  errante 
òe  muda  em  mais  figuras  que  Trotheo: 
Nem^Camenas ^também  ctiydey  que  cante ^ 
^íem  com  habito  honefioj^  grave  veOj 
'^For  contentar  ao  Rey  no  ojjicio  mvOj 
Adejpir^&  roubar  o  pobre  povo. 


Lufiaias\ãe  Luis  àe  Camões  Conunentados^ 


Ixf 


^T  Em  quê  acha  qbejufio.^  ^  q  he  direyta 
i  Guardar fe  a  Ley  do  Riy  (everamente^ 
E  não  acha  que  bejujto,  <^  bom  re/peyto^ 
^e/e pague  ofuor  aa/avil gente, 
jSLem  qUcmJempre  com  pouco  eícpertopfyto 
Razões  aprende ^^  cuyda  que  heprudente^ 
Fura  tascar  com  mão  rapace ^  &vjcajja^ 
Qs  trabalhos  alb  yos^que  nãopajja, 

"Nem  qutm  acha  e^tte  he  juflo»  Acrecenta  o  Poeta 
puc  também  nâo  trattarà  de  gente  demaíiada- 
niente  rigurofa  na  guarda  das  Leys  dos  Keysc  jn 
parte, 5c  nâcíemtod^. Homens  há  quc  íaó  leverif- 
fiií^os  cm  guardaras  Lti^s  dosReys,  tanto  queef- 
táo  coíirraponteando  ,%[:  fyUogdaiando  nas  pal,v- 
vras  delias, o  qual  he  hum  grande  n)al.  Deftes  fal- 
íosintcrpretadore?  ,  ôcluperílicioíosgloradores 
das  Leys  zomba  Marco  TulHona  oração  pro  Mu- 
rcna^em  o  livro  dos  officios,  aonde  refere  aquelle 
dito  tão  celebrado  de  Terêncio  ,  ôc  que  todos  fa- 
bem:  Im  jumtniim,(u?nmain^urta:  myyta juíliça,he 
muyta  leni  jaítiça.Ói  tr^halhoi  aibeyostjue  não  pajja. 
Mal  laberá  tratt^ar  de  pagar  trabalhos  alheyos, 
quem  nuhcá  os  paílbu.! Daqui  dizia  Eliía  Dido, 
quando,  vio  os  Troyanos  no  feu  porto  de  Cartha-- 
go  perdidos  ,  6c  desbararados  das  tormentas  ,  6c 
naufrágios  do  mar  ,  domo  refere  Virgílio  na 

Eneida  Uv.  i»  ^^ 

•      'íOv  > 
Mi  (^iiofiue  per  multM  Jtviilís  fortuna  laborei 
Jaãatam  hac  demum  votutt  cnnjijlere  terray 


Nenhum  ejue  «/^.Hu  ma  das  coulas  que  fe  tem  por 
cruel,  &  íoberba,  be  fazerem  os  homens  tudo  o 
que  podem.  Donde  difle  CollumehrNec/^wè  x/i«- 
dicanâutne^  nobti  ,  ejHfJcjuid  íicet.  Nem  havemos  dc 
caftigar  tudo  o  que  podemos  ,  8c  entre  os  tyran- 

iiicos ,  6c  ícberbos  dittos  do  tyranno  Diohyíio  fe     ,^^„,„,„  „„,  ^.,„„,„  v,.,. .j.j 

elcreve,  que  então  fe  tinha  por  fenhor,quando  fa-  .  jsíon  ignara  maUs  mifeús  (uccurrere  dtjco, 

2ia  o  quefe  Iheentojava  :  dito  por  certo  digno  A.  ^  t 

de  íeu  autor.  Pelo  que  o  Poeta  diz  aqui ,  qne  não 

cantará  ,  nem  celebrará  homens  que  d.fenfreada- 

mente  fazem  tudo  o  que  podem,  6c  exercitâo  fua 

vontadc,&  appctites,u(ando  rigurofarnence  de  íeu 

poder. 

£  <fue  psr  oêmprazer»  Nem  homens, que  por  eíla- 
rem  bem  com  o  povo  ufaó  dc  invenções,  mudan- 
dofe  em  mil  figuras ,  como  le  efcreve  de  Protheo, 

andando  fempre  â'Vontade,  6c  ffofto  dos  que  haõ  ^>      ,,      ,/     /•  *     ^     - 

miíler,  não  lhe  lembrando  juftiia  ,  nem  verdade.        A    ^elles  fos  direy  ,que  aventwarao 
De  Protheo  fe  veja  a  nofla  annotação  no  primey-     jt\  Torfeu'Deos,porfeuRey,a  amada  vida 
ro  canto,oytava  19.  Ondeperdendoa  emfam.t  a  dilatarão^ 

Nem  Camenai.Nçm  cantares.Camenas  he  nomie    Também  de  fuás  obras  merecida. 
das  Mu^as,  ditas aíTim  á canendo  do  canto.  Vejafe  o    /JpoUoJ^as  Mufas^que  me  acortípanhãraõ* 
que  cfcrevemos  no  primeyro  canto.  j^^  dohrarão  afaria  concedida,  . 

Em  quanto  é**  t orno  alento  defcançadv, 
Tor  tornar  ^^  trabalho  mais  folgado» 


A  experi^cia  dos  males  me  faz  doerme  ,  8c  ter 
compayxâo  de  quem  es  paíla.  O  que  tacha  aqui 
o  noilo  Camões,,  he  haver  quem  governe  ícm  ter 
experiência,  &  quem  trattede  guerra,  íem  haver 
arrancado  elpada  ,  5c  que  delpacheni  outros  fèm 
ter  conhccitoento  das  coufas  lobre  o  q  le  ha  dc  fa- 
zer o  deípacho. 

87 


OS 


Ii6 


-o§  «í>^É^  <^i^*^  «^'^  «K?'^  <mce^%^^{^  ts^ifle^^  mc'è^^  ^:^le€»  <s^?<&5'  'i^ 

os  lusíadas 

DO  GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

l  Commentados  pelo  Licenciado  Manoel  Corrêa^ 

ARGUMENTO. 

Vem-fe  de  Lufitania  os  Fundadores, 
c  E  aquellesjque  por  feytos  valeroíos 

De  alta  memoria  faõ  merecedores, 
De  hymnos,&  de  veríos  numerofos; 
Como  de  Calecut  os  Regedores, 
Confultão  os  Arufpices  famofos, 
E  corruptos  com  dadivas  poflantes, 
Trattaó  de  deftruhir  os  navegantes. 

CANTO  OYTAVO. 

Vay  o  Regedor  de  Calecut  à  noíla  armada.  Detem-fe ,  vendo  alguma  tapeçaria; 
aonde  eftavaõ  debuxados  os  primeyros  fundadores  de  Portugal  ,  &  outros 
Cavalleyros.  Arma  defpois  trayção  ao  Capitão  mor  Valco  da  Gama; 
-,  da  qual  efcapou  por  boa  ordem. 


N^prmeyrafigurafe  detinha, 
O  Catualj<fue  vira  efiar pintada^ 
^epor  divifa  hum  rama  na  ntaÓ  tinha, 
A  i^arba  branca  Jonga,&  penteada-, 
^*emera,^ porque  caufa  lhe  convinha 
^divifa ^ofue  f^^  y^^  ^^^  tomada, 

'Paulo  refponde^cuja  voz  difere ta^ 
O  Mauritano  fabio  lhe  interpreta. 

O  Mauritano  fibio  lhe  interpreta,  Eftando  oCa- 


tualcom  osolhospoftos  na  prlmtyra  figura,  que 
era  hum  velho  com  a  barba  branca,  longa,  8cpen- 
tcadaj&  com  hum  ramo  na  mão  direyta:  éc  não  íe 
fabendo  determinar  quem  feria ,  chcgou-ie  a  ellc 
Paulo  da  Gama,  &  lhe  declarou xujas  palavras  in- 
terprctava  Monçayde,de  que  atrás  temos  fallado, 
que  citava  por  Iingoa:ao  qual  chama  Mauritano 
fabii),  que  quer  dizer  Mouro  fubio. 


^    St  as  figuras  todas ,  que  apparectm. 
Bravos  em  vijla^^  feros  nos  a/p ey tos 

Mait\ 


Lufiddas  de  Luís  de  Camões  CommmtadosS 


Mais  br  avos, &  fn^is  feros  fe  conhecem 
^ellaf amainas  obrasse'  nos  feytos: 
jíniigos  faÕ ^mâs  inda  refplandecem 
Conomeyemre  os  engenhos  mais prejeytos 
EftCjqve  vès  he  Lufoydonde  afama 
AnoJJo  Reyno  Lu[itarúa  chama. 

B^e  fje  vèt  he  Lnfo.  No  fíni  do  canto  paílado 
di/ie,coino  o  CatuaJ  de  Calecut  nunca  foy  ã  nollk 
aimada  ,  &  que  iíto  que  o  Poeta  aqui  tratta,  &  he 
hum  tingimcnto  poccico»  &:  galante:  donde  toma 
occâíiáo  para  trattar  dos  prirneyros  fundadores,  6c 
Reys  de  Portugalidos  quaeso  primeyro  diz,  que 


fif 


hiaó  repoaíar,Sc*uíar  de  perpetua  felicidade:6c  ai- 
íim  diíle  Protheo  dei^enciao,  que  acabado  lua  vi- 
di  Te  recolheria]  a  Hcfpafíha  para  goznr  da  felici- 
dade ,  í<  gloria  ,  que  hu  m  tão  grande  Capitão ,  êc 
Rey  merecia  ;  como  refere  Celio  Kodngino  nas 
luas  lições  antigas-  NeiU  matéria  dos  Campo* 
Eiyíios  ,  dos  ijuaes  diziáo  os  antigos  íe  recolhiâoi 
os  homens, que  nefta  vida  correrão  direytamente 
com  lualí  obrigações,  vare;iõ  os  Autores:  porqus 
hunsquizeraó  que  f  lie  em  Thebas ,  como  Lico- 
phronta:  Philoítrato  em  Bretanha:  Heródoto  ent 
Egypto:  outros  no  concavo  da  Lua,&  outros,  ôC 
os  mais  em  Heípanha,  aonde  diílerão  que  inoiava 
Plutão  íenhor  das  riquezas.  Outros  queeftrey- 
foy  Lufo  filho  de  Baccho,   de  cuio  nome  o  noílo     tando  mais  o  negocio  diíllráo ,  que  nos'  campos  de 


Portugal  fe  chama  Luíitania:Ho!e  em  d:a  entre  os 
Latinos,  &. os  Portuguezes  Lufitanos,  como  o 
Poeta  diz  largamente  nas  oy[avas,q.ic  Ic  feguem: 
6c  nós  o  notámos  no  primeyro  canto,  oy tava  i. 

FOy  filho, ou  companhey ro  do  Thebano^ 
^ie  tam  diver/as  partes  ccnqiuJioUj 
aparece  vindo  ter  ao  ninho  Htjpano, 
Seguindo  as  armas ^que  confino  ufou: 
T^o  T>OHYOy&  Guadiana  o  campo  ufanoy 
Jà  dito  Elifio  tanto  o  contentou^ 
^ue  alli  ^uiz  dar  aos  jà  cançados  offosy 
Eterna /epultur a ^Ó"  nome  aosmjjos^ 

^oy  filho  ^  ^  companheyro  cio  Thel^ano,  Profegue 
agora  fua  narração  lobre  Lufo,pnmeyro  Rey  def- 
tes  Reynos  de  Luíitania,  o  qual  diz  que  foy  filho, 
&  companhtyro  de  Raccho  grande  Capitão  :  8c 
que  he.  prelumçáo  muyto  provável, fegundo  ellè 
era  dado  ao  exercicio  das  armas,que  aportou  a  ci- 
tas partes,a  que  chama  ninho  Hilpano, continuan- 
do leu  exercicio  militar,õc  conquillando  ellas  par- 
tes também  ,  como  tinha  feyto  em  outras  regiões. 
Eque  fc  contentou  tanto  do  fitiodeíla  terra  ,  que 
ie  quiz  apofentar  nella,&  acabaT,o  que  lhe  faltava 
de  vida^como  fica  dito  no  canto  prrmcyro,oytava 
^^.Thebanojquer  dizer  Baccho,  chama-le  atliin, 
porque  fua  mãy  Semeie  era  natural  de  Thebas. 
r  Do  DourOf  é^  Guadiana  o  campo  ufano  jâ  dito  Eiy- 
fio:  De  commum  conlcnti mento  de  todos  os  CoU 
mographos  ellâ  aficntado  ,  fer  europa  a  mais  fer- 
•tnoia,&  mais  abundante  parte  do  mundo:£caíÍim 
o  nvoítramos  no  principio  dslfas  annotaçóes  ,  no 
canto  primeyro,  oytava  z.  aonde  trattámos  da  di- 
:vii;ió  tio  mundo.  E  porque  Heipanha  faz  venta- 
^getiPia  todas  as  de  mais  partes  de  Europa,  &  todas 
•de  Hclpinha,  na  fertilidade,  bondade  de  terra,  &: 
todasas  mais  coufavnecellarias  para  a  vida  ,  a  me- 
Alior.Sc  mais  cxccUtnte  terra  he  Andaluzia,.&  Eí- 
•iremadura  :  daqui  vierãoos  antigos  a  dizer  ,  que 
inefta  parte  eftavá;)  os  campos  EÍyfios  ,  aonde  os 
-Bctnaventuradas  .ckfpiíis  de  paíl\dos  defta  vid*, 


Andaluzia  ,  como  refere  Guaribay  no  feu  com» 
pendio  \w,\.\>39,.6.  Chamaõie  El)  nos  como  que* 
rcm  alguns  de,e,prepofiçáo  de  ablativo,  que  quer 
dizer  íóra:  èíUfie  leJaõ,  por  citarem  os  que  habi- 
tão  neítes  lugares  fora  de  todo  o  trabalho  ,  6c 
opreílaó.  Mas  quanto  a  mim  vemdelyo  ,  verbo 
Grego,  que  quer  dizer  loltar,  êc  livrar,  porque  os 
que  n)oravaó.neíie8  campos  Eiyfios  ,  eraó  livres 
de  cu y dado  ,  5í  de  defgoíloh:  pela  qual  razã  >  tam* 
bem  Baccho  fe  chama  Lyeo  ,  porque  aííim  elic, 
como  os  -que  o  leguem  ,  tem  muy  poucos  cuyda- 
dos  na  vida  que  lhe  dcm  pena.  O  que  o  nollo  Ca- 
iTiòes  qirer  ^qui  he  ,  que  vendo  Lufo  os  campos 
do  DourOjôí:  Guadiana,  que notempo  antigo  fo* 
raó  chamados  hlyfios  ,  lhe  contentarão  tanto» 
que  fe  deyxou  ficar  nelles.  »»{ 


Ramo^que  lhe  vès  para  divifa^ 
O  verde  Tyrfo  foy  de  Bacco  ufadOf 
O  qml èmj]a  idade  inoftra  &  avifa^ 
^léfoyjftt  cOrnpanheyro  /,ufilho  amadoí 
Vêi  oiitr%que  doTejo  a  terra  pi  za^ 
Tíepois  de  ter  tam  longo  mar  afado^ 
Onde  muros  perpetuo  f  edifica^ 
E  templo  a  Talas, que  em  memoria fica^ 

O  verde  TJjyrjofojft  Q  ramQ,que  Lufo  tinha  para 
diviía,cra  huma  haíla  rodeada  de  pâmpanos  de  vi- 
des, chamada  Thyrfo  ,  como  fica  dito  no  letimo 
cantOjoytava  52., 

O  ejuál  a  nofja  idade.  A  gente  defle  noílo  tempo 
porque  por  aqutUes  finaes,&  diviías  entendiaõ  fer 
Lulo  da  con>rerv^a,&:  companhia  de  Baccho,     O 

Vèi  outro  cjue  do  Tejo  a  terra  píz^a.  Elfe  he  UlyíleS 
filho  de  Laertes  Rey  de  Ithaca  ,  que  foy  grande 
ardilofo  nos  negócios  da  guerra :  pelo  que  fe  elcre- 
redelle  que  foy  grande  parte  para  fe  tomar  Tro- 
ya.  E  dei  pois  de  ter  andado  por  muy  tas  partes, 
aportou  neíle lugar  aonde  agora  eílá  Lisboa:que 
dizo  iiofio  Poeta  na  oycava  leguintc  que  elleedij 
ficou. 


Ee 


Vl/fe' 


31$  Canto  Oytavól 

lar,antesfempre  os  trazia  em  roda  viva.  O  primor 
ç'  que  com  Pyrrhotivçráojfoy  que  andando  os  Ko- 

manos  em  guerra  com  Pyrrho  Rcy  de  Epyro  ,  aU 

\T  Lyfjes  he^  9  que  fez  afanta  cajã  cançáraó  delle  trcgoas,&:  outros  primoreb,qL'e  en- 

'     /H  Ueo/ajqueihe  dâ  Língua  facunda^       tre  os  Prmcipes ,  que  trazem  guerra  entre  íi ,  ie 

coílumão.  íi  foy  taó  primoroíò  Pyrrho  ,  que  no 
tempodas  tregoas  lhe  mandava  pi elenies,  como 
eicreve  juítino.  Diz  o  melmo  Autor,  que  nunca? 
houve  no  mundo  Rey  de  mayor  primor,  estorço, 
bondade,  &  iaberqueefte:ao  qual  Aníbal,  como 
refere  Tirolivio  dava  Icgundo  lugar  dos  Capi- 
tães ,  pondoíe  a  íi  no  primeyro.  Que  na  verdade 
Annibal  foy  excciientiíTimo  Capitáo,&  como  ho- 
Vljjl~t%  he.  Já  fica  dito  como  a  fegunda  figura,     mem  iabioneíiaarte  ,  tinha  a  Pyrrho  por  grande 
que  citava  na  tapeçaria,  era  Ulyfies,  o  qual  def-     official.  Muytas  coulas  conta  dclle  Plutarcho  em 
pois  de  haver  paliados  rauytos  trabalhos  pelo  mar,     fua  vida.E  he  boa  graça  dizerem  alguns,&  impri- 
aportou  a  eíle  porto  aonde  agora  he  Lisboa  ,  a     mirem,  que  eíle  Pyrrho,  de  que  aqui  falia  Luís  de 


Y  Lyljes  hcj  $  que  fez  afanta  cafa 
A  Ueofajquelhe  dâ  Língua  facunda^ 
^eje  là  na  Afia  Troya  infigne  abrafa^ 
Ca  na  Europa  Lisboa  ingente  funda: 
^luem  Cera  eft  outro  ca, que  o  campo  ar  rafa 
IDí"  mortos  iCom  prefençafuribunda> 
Grandes  batalhas  tem  defbaratadas% 
^e  as  Águias  nas  baiiáeyras  tem  pintadas? 


qual  o  Poeta  que  eilc  edificou,&  juntamente  hum 
Templo  a  PalÍas,que  os  antigos  tinháo  por  Deofa 
da  Scicncia.  Deftas  coufas  le  veja  a  nofla  annota- 
çâo  no  canto  terceyro,  oytava  57.  Sc  no  priraeyro 
oytava  i.fim  felã  na  Afta.  Eíle  Ulyíles  foy  gran- 
de parte  paralè  deílruhir  ,  &  abrafaraquella  in- 


Caraócs,era  filho  de  AchiUes. 


COm  força  nãoyCom  manha  vergonbo/à 
A  vida  lhe  tirarão jque  osefpantaj 


figne  Cidade  ds  Troya. Da  qual  Homero, Sc  Vir-    ^e  O  grande  aperto  em  gête^inda  q  honrofa, 
giho  trattão  largamente  em  luas  obras.  Eíle  diz  o    j^  ri^gzes  ieys  magnanmas  quebt  anta: 


noiVo  Poeta  que  edificou  Lisboa.  Veja-leanoíla 
annotação  no  canto  5. oytava  57, 

^iuem  fera  efioutro  c4  ^ue  o  campo  arrafa  de  mor" 
toi.O  que  eftiiva  no  terceyro  lugar  era  Viriato  Ca- 
pitão dos  Lufitanos,  &  Lufitanode  nação,  natu- 
ral de  Portugal,  queíecomprehende  também  nas 
terras  da  antiga  Lufítania ,  como  fica  trattado  no 
canto  primeyro,oytava25. 

Cr andtí  batalhas  tem  deiharatadas  ,  §lue  a t  águias 
<nas  bandeyrâí  tem  pintadas*  Asmfignias  dos  Roma- 
nos em  luas  bandeyras,erâo  Águias.  O  que  o  Poe- 
ta aqui  Quer  dizer  he  ,  que  Viriato  desbaratou 
grandes  oatalhas  dos  Romanos ,  os  quacs  trazem 
cm  íuas  bandeyras  Águias  por  infignias. 


Outro  ejtâ  aqui^que  comra  a  pátria  irofay 
degradado  com  nofcofe  levanta, 
Efcolheobemycom  quem  Jelevantaffe^ 
Tara  que  eternamente  fe  tliufirajfe. 

Com  força  nâo.  Vendo  hum  Servilio  Scipião  C^» 
pitão  dos  Romanos  ,  que  não  podia  haver  a  me- 
lhor de  Viriato,  Sc  que  havendo  tantos  annos  que 
trazia  guerra  com  ejle,!empre  levava  a  pior,8c  que 
era  impoíTivel  vencelo  :  determinou  ,  jà  que  por 
força  não  podia,  vencelo  por  manha.  E  para  íahir 
com  leu  intcntOjíobornou  alguns  amigos,Sccom- 
panheyros  de  Viriato  ,  queo  niataírem  à  trayçaó, 
como  fizeraõ  :  vejaíe  o  que  elcrevemos  no  pri- 
meyrQ  canto,  oytava  20.  Sc  no  terceyro  canto,oy- 
cava  22. 

§^e  o  grande  aperto  em gente,inda  ejue  honr9(a  ,  At 
'vezetleys  magnânimas  ^uehranta.  Sentença  he  eílí 
digna  de  íeeícrever  com  letras  de  ouro,  porque 
aperto,  Sc  neceílidade,como  a  experiência  moftra, 
obriga  a  fazer  muytas  coufas  contra  priíDor  ,  Sc» 
honra.  Donde  diíle  o  Poeta  Menandro  Grego, 
J)ra  necejfitate  multa faciens  mala.  A  neceílidadenos 
obriga  a  fazer  muytos  males:Sc  daqui  nafceo  aqucl»- 
le  celebrado  Provérbio  :  Necejfitai  ingrns  telum. 
Muyto  pode  a  neceíTidade.  Trattando  Titolivi© 
^fiato  fahemôs  ejue  fe  chama.  De  Viriato  fe  veja     de  certa  gente  ,  que  eítava  em  aperto :  Nec((fitate' 


A   S/í  O  Gentio  diz^refponde  o  Gama^ 
Efic^que  vès  paftorjâfoy  de  gado ^ 
Vtrinto  fabemos^que  fe  chama ^ 
defiro  na  lançatmais  que  no  cajadoi 
Injuriada  tem  de  Roma  afamai 
Vf  ncedor  invencível  afa  mado^ 
Nâo  tem  com  elle  nad^nem  ter  puder  ão 
O  primor  tque  com  í^irrhojâ  tiver  ão. 


a  nofla  annotação  no  primeyro  canto  ,  oytava  26. 
&  no  terceyro,  oytava  22. 

N/totem  com  elle  wtfb,  nem  ter  puderaÕ  o  primor,  <jue 
emo  Pyrrho  jàttveraõ.  Em  louvor  de  Viriato  diz, 
que  nunca  os  Romanos  com  elle  tweraô.paz.nem 
tregoas  como  fe  coítuma  entre  gente  que  traz 


ejua  ultimum  ac  maximum  telum  e/i  .  fupcrii/res  efiii. 
Animando  hum  C-apitáo  aos  íeus  íoldados  ,  o  ef- 
forço  que  lhe  dava  ,  era  dizer ,  que  eílaváo  em 
aperto  ,  Sc  neceílidade  ,  que  he  a  ultima  arma  ,  Sc 
melhor  de  todas:porque  neílc  eílado  como  os  ho- 
mens não  tem  outro  rclugio  ,  le  não  o  de  fus 


guerra  entre  íi :  porcjue  nunca  os  dcyxava  repou-    ínãos,pelejão  dilícrcntemente  :  Donde  difle  Vii 


gilioi 


Ltifiadas  de  Luts  'de  Carne)  Commentadosl 

gíUo:l7«^  [alut  viclis  nuUam  fperare  faluum.O  prin- 
cipal remédio  que  os  vencidos  tem, he  não  terem 
eipeiança  de  remédio. Davaó  os  antigos  tanta  tor- 
ça à  neceflidade  ,  que  diziaõ  ,  que  nem  os  léus 
Deoies  lhe  podiaó  relittir ,  ÔC  como  a  tal  lhe  fiiziaõ 
grandes  Templos, Sc  tinhaõ  em  grande  reputação, 
^  honra.  Vcjale  o  Provérbio  :  Neceffitai  wgeni  íe- 
/«»í,  d^  neceffítatt  nec  01}  cfutdem  refifiunt,  \L  não  íó- 
niencenas  coaiasdaguerra,mas  nomeneo,ôC  trat- 
todavida,temanecelÍidade  grande  poder,porque 
até  aos  brutos  animaes  eníina  a  noíia  linguagem, 
aonde  diíie  Pcrlio  no  principio  de  fuás  Satyras. 


%t§ 


8 


VEs  com  nofco  tâbem  vêce  as  bândeyraí^ 
*De{fas  aves  delupiter  validas ^ 
^lejà  naquelU  tempo  as  mais  guerrçyras 
GenteSide  nôs  fuuheraõfer  vencidas:  ^ 

O  Ih  2  tãofubtts  artesão-  maneyrasy 
Tara  adqmrtr  os  povos  tão  fingidas^ 
A  fatídica  Cerva, cjue  o  avifa% 
Ellc  he  Sertório ^&  elía  ajua  divi/Hé 


Ficafcjue  docuit  noftra  verba  conarti 
Magtjltr  artiíyingení]e^ue  (argitor 
Venttr  negatas  ar ttfex  Jequi  vocês* 

Outro  iflã aqui  que  contra  a  paíristirofa.  No  quar* 
to  lugar  eílava  Sertório, Italiano  de  nação,o  qual 
degradado  porfua  vontade  da  lua  terra  ,  íc  veyoa 
cllanolJa  ,  6c  nclla  foy  Capitão  geral  dos  Luiira- 
iios,6c  deu  grande  opreflaõ  aos  Komanos.  DeScr- 
tono  le  veja  a  nofla  annotaçaó  no  canto  pnmey- 
rojoytava  2(S.Chamarlhe  o  Poeta  aqui  degradado» 
cnccndefe  do  degredo  ,  queelle  tomou  por  fua 
vontade, porque  iefahiode  Roma,  vendo  que  lhe 
náoíuccdiaò  as  couías  como  elle  pertendia.  Na 
ley  c.jfJetnter diais,  &  relegatif^k  põem  três  géne- 
ros de  degredo.  Hum  he  quando  lepoem  inter- 
dicto  a  alguma  peílba,que  não  entre  em  algum  lu- 
gar. Outro  quando  íe  Ikye  alguém  de  lua  pátria 
para  outro  lugar, por  lhe  haver  acontecido  algum 
defaíbe,  como  fez  o  noflo  Sertório.  Outro  quan- 
do degradaó  algum,5cpor  algum  crime  que  com- 
mette.  Todas  eílas  maneyras  de  degredo  há  :  Sc 
conforme  a  eíta  ordem  ,  deque  os  homens  doutos 
ufaó,&:  le  pratica  em  as  leys,  fe  chama  também  de- 
gradado o  homem  que  por  fua  vontade  muda  o 
Jugar. 

Para  que  eternamente  feillufiraffeJíío  diz,porque 
alcançou  tanto  nome  Sertório  neltas  partes,  íen- 
do  General  dos  Luíitanos ,  Sc  Governador  de  to- 
da a  Província  ,  que  elcreve  Vallerio  Paterculo 
deile  .  que  por  efpaço  de  cinco  annos  pelejando 
contra  os  Komanos ,  hayia  duvida  fe  ficaria  Hef- 
panha,  fc  Roma,  tão  grande  era  o  esforço»  &  va- 
lentia defte  Capitáo.E.  Apiano  dizliv.i.  que  nun- 
ca houve  Capitão  mais  valerofo  ,  nem  mais  bem 
afortunado,  que  Sertório,  pelo  que  era  chamado 
de  maytos  Aníbal.  Efte  teve  o  fim  que  coítumâo 
ter  os  homens  excellentes  ,  porque  nunca  faltaó 
traydcres  que  facão  íeuofficib,  comofizeraó  tam- 
bém a  Viriato.  Hum  (eu  particular  amigo  Koma- 
no,  por  nome  Pcrpena  o  matou;  &  como  efcrcve 
Paulo  Orofio  liv.^.cap.aj.  o  que  fucccdco  íetten- 
ta  ,  &.  hum  annos  antes  do  nacimento  de  Noífo 
Senhor  |efu  Chrillo. 


Vés  com  nofco  tamhem  vence  as  handejras,  DeJJat 
aves  àe  lupittr  validas.  As  aves  de  Júpiter  faó  as 
Águias.  Plínio  diz  qucdavâo  os  antigos  a  Águia 
a  Júpiter  por  fua  ave  ,  porque  os  rayos  do  S--llhe 
não  fazião  mal.  Outros  daó  outras  râzóes.  Eftas 
aves  iraziâo  os  Romanos  por  infignias  nas  íuaí 
bandeyras,como dizem  lodosos  Poetas,  &  Hilto- 
riadorcs ,  o  Poeta  aqui  diz :  que  Quinto  Sertório 
vencia  as  bandeyras  que  tinhaó  as  aves  de  Júpiter, 
que  f^õ  as  bandeyras  Komanas  que  tinhaõ  Águias 
por  infignias* 

A  fatídica  Cerva.  Contaíe  que  Hiípano  por  no- 
me ,  &  Portuguez  de  nação,  aca(o  tontou  hum* 
cerva  pequena  :  ík  por  ler  muyto  branca  ,  &  fer- 
mola  a  deu  de  preitnte  a  Sertório  ,  o  qual  era  tão 
ardilofo,&.  de  tanta  ailucia,&  laber,queperíuadio 
aos  Helpanhoes,que  aquella  Cerva  adivinhava, 6c 
1  he  dizia  o  que  havia  de  fazer,  como  diz  P  linio  liv* 
8.C.  52.  Nas  moedas  que  delle  batião  em  Romà,o 
qual  coftume  era  muyto  guardado  entre  os  Ro- 
manos ,  de huma  parte  eltava  Sutorio com  hum 
olho  menos ,  que  perdco  nas  guerras  civis  de  Ko- 
ma,&  da  outra  a  Cerva,que  íegundo  elle  dizia  lhe 
mandara  Diana,a  que  os  antigos  tinhão  por  Dcoía 
dacaça.Chamalhe  o  Poeta  tatidica, que  quer  dizef 
adevinha,porque  fingia  elle  lhe  adcvinhav3,o  que 
lhe  havia  de  acontccer,Dondecont<i  Apiano  liv.i^ 
que  perdendoíe  huma  vez ,  !è  entadou  dcm.tíiada- 
mente,tendo  ifto  por  muyto  mao  agouro,  8c  final 
de  algum  mal  grande.  E  aílím  não  quiz  dar  bata», 
lha  aleus  inimigos  em  quanto  não  achou  a  cerva» 


O  Lha  efloutra  bandeyra^à'  vè  pintado 
O  grão  'Progenitor  dos  Reysprimeyro^i 
Nos  Vngaro  afazemos, porém  nado 
Cr  em  ftr  em  Lotharingia  os  ejirangeyrosi 
depois  de  ter  os  Mouros  fuperado,  A 

Galegos  ^&  Leonefes  cavalleyros^ 
A  Cafa  fantapaffa  o  janto  Henricfue^ 
Torquc  o  tronco  dosReys  fe/antifquel 

Olha  efloutra  handeyra.  No  quinto  lugar  logdi 
junto  a  Sertório  eílava  o  retratto  de  Excellentii- 
limo,&  fcUcilfimo  Conde  Dom  Henrique,  tronco 

Eea  dos 


5.1Ô  Canto Oytavoi  -^    '"^ 

^feRfys  de  PortiigaI,de  fúa  origem  Te  veja  o  que  dou  muyto ;  cm  rccompehfa  deíla  ajuda ,  Sc  ami- 
efcrevemos  no  tcrceyro  cancojoytava  26.  E  deita  z,ade  lhe  concedeo  huma  mercê  ,  ôc  foy  que  os 
jornadaqueaqui  rccontaoPoeca,  quefezaHie-  i  Deoles  jurando  por  a  iagoaEílygialua  máy  ,  ti- 


Lul4l€ro|i\p^.Cftelíiio  canto ,  oytava  i^. 


IO 


a  Vem  he^  me  dtze  eftotitro  q  me  e/p  anta 
(^Pergunta  o  Malabar  maravilhado^ 
^{e  tantcsefquadroens, que  gente  tantas 
Com  tãopouca^tem  rotOi*£  defiro  çado? 
Tantos  nturos  afperrimos  quebranta^ 
Tantas  batalhas  dà  nunca  canJadOj 
Tantas  coroas  tem  por  tantas  partes^ 
AJeus^ès  derribadas  jà'  ejl  andares^ 

^tttem  hefWedii,e,€^outro.  Tratta  por  muytas  oy- 
tavas  do  grande  Dom  AlTonlo  Henriques  pri- 
ineyro  R.í.y  de  Portugal ,  filho  do  grande  Conde 
ppm  Henrique,  de  que  ti  at:ànios  na  oytava  pal- 
iada. Deite  Rey  feliciílimo  le  tratta  em  muytos 
ÍMgares  deite  livro.  O  noílb  Poeta  largamente  no 
canto  terceyro  ,  oytava  29.  até  54.  E  nòs  notámos 
cm  diftçrentes  lugares  no  lerceyro  canto  ,  ÔC  pri- 
meyro,oy  tava  i.alli  le  pôde  yer. 

I  I 

ESte  he  o  prmeyro  Affonfo^diJJe  o  Gamai 
^te  todo  Tortugalaos  Mouros  torna^ 
^for  quem  no  Eftigio  lagojuraafama^ 
^)e  mais  não  celebrar  nenhum  de  Roma: 
Efte  he  aquelle  zelozo^a  quem  T>eos  ama. 
Com  cujo  braço  o  Mouro  tmigo  domUj 
IP  ar  a  quem  defeu  Rey  no  abayxa  os  muros  ^ 
Nada  deyxandojd^ara  os  futuros» 


vclkm  tanto reípeytoaeíte  juramento  ,  quepor 
nenhum  modole  uireveílem  a  quebralo.O  que  tu- 
do conta  Servio,dcclarando  aquelle  verib  de  Vir- 
gílio. £>//  cujui  curare  timent^  é^  fallere  numcn.  Por 
cuja  dignidade  os  Deoíes  [ememjurar.ôí:  quebran- 
tar o  juramento.Outros  dizem  que  Eltygia  he  hu- 
ma lagoa  em  Arcádia  ,  deagoa  peçonhenliílimn, 
çmranto  ,  que  todo  o  que  bebe  delia  morre  logo, 
como  dizPlinio  ,  6c  que  cita  he  a  razão  porque 
lhe  chamáo  lagoa  do  interno. 

E  Cefar.fe  Alexandre  Reys/iverão 
Ião  pequeno  poder  ^t  ao  pouca  gente  ^ 
Contra  tantos  imigos ^quantos  erão. 
Os  que  desbaratava  ejle  excelleitte: 
Naõ  creas^qtiefeiis  nomes  fe  ejlenderao 
Com  glorias  immortaes  tão  largamente^ 
Mas  deyxo  osfeytos  [eus  mexplicavcis, 
P^éyjue  os  de/eus  Vajjalos  fão  notáveis. 


SeCefarJt  ákxanãre.  Para  engrandecimento  da 
cavallaria,  &:  esforço  de  El- Rey  Dom  Aífonío 
Henriques  taz  aqui  menção  de  deus  Capirãc 
muyto  celebrados  pelos  Autores  ,  Ceíar  ,  £c  Ale 
xandre  ÍVIagno,  osquacs  fizcrãocoufas  dignas  dtf 
memoria  ,  mas  toraó  diífercntcs  do  nollo  felicil- 
fimo  Rey  mito  ,  que  todos  léus. fey tos foraó  com 
grandes  exércitos,  &  multidão  de  gente ,  êc  deita 
maneyra  desbaratavaó  feus  inimigos  :  El-Rey 
Dom  Aiíonfo  fez  grandes  couias  ,  fictiiou  eite 
Reynodamáodos  Mouros,queopoíruhiaó,  com 
snuy  to  fracas  ajudas  de  homens  ,  porque  os  feus 


3 


eraó  muyto  poucos,em  tanto,que  em  muytas  ba 
E/?c  he  aquelle  zehfo.  Foy  efte  ExcellentiíTimo     ^^'^1^^  9"^  ^^"  «os  Mouros  havia  para  cada  Chrií- 


liey  muyto  zeiolb  da  honra  ,  ôc  lerviço  de  Deos, 
pelo  que  to  lo  leu  cuydo,ôc  diligencia  poz  em  lan- 
çjar-.de  Portugal  os  Mouros  inimigos  crueliíTimos 
da  nolia  fanta  Fe  Catholica  >  6c  em  lugar  das  luas 
MelquitaSiSc  templos  de  abominação,fundou  ou- 
tros novos  para  gloria  ,  6c  honra  de  Deos ,  6c  ieus 
Santos.  E  como  era  cite,  todas  as  coufas  lhe  íucce- 
diaóbsm.Sc  com  muyto  pouca  gente,  6cdefarma- 
4?  ,»;  desbaratava  grandes  exércitos  de  inimigos, 
forque  pelejava  com  o  braço  de  Deos  ,  como  diz 
aqui  o  Poeta  ,  6c  íe  pôde  ver  mais  larga  mcnrc  na 
Chrõnicà  de  fua  vida.  E  nós  o  notámos  também 
em  muytas  partes  deite  livro. 

Por  ejuem  no  Eftygio  Ugo  jura  afama,  Eíligia  hc 
liu  ma  lagoa  no  infcrno,legundo  fingem  os  Poetas, 
Hcííodc^naiua  iheogonia  a  íazfilhado  Oceanoj 
ScTIíetis:  outros  Poetas  lhe daó  outros  payj  ,os 
quacsacreccnt^íó  ,  que  teve  Eilygia  huma  filha, 
chamada  Vitoria,6c  porque  eíla  na  guerra  que  Jú- 
piter teve  com  osGiufiiKes  ofavorçcco  ,  ficaju- 


tão  cem  Mouros  ,  comofe  pode  ver  na  Chronica 
de  íua  vidaé 

Esterque  vés  olhar  com  geflo  irado» 
Tara  o  rompido  Alumno  nuifofridoí 
'Dizendolhê^que  o  exercito  efpalhado 
Recolhaj&  torne  ao  corpo  defendido: 
Torna  o  moço  do  velho  acompanhado^ 
^le  vencedor  o  torna  de  vencido ^ 
Egas  Momz>fe  chama  o  forte  velho^ 
Tara  leaes  Vaffalos  claro  e/pelho. 

EJíe  <jut  vèi  olbar  com  gefle,  Contaõ  as  Hiítorias 
quetevc  o  Príncipe  Dom  Affonfo  hnm  recontro 
com  Dom  Fernando  hum  Fidalgo  Caítelhano 
com  o  qual  fua  máy  ie  calou  defpoisda  morte  do 
pay  o  Conde  Dom  Henrique, no  qual  Dom  Fer- 
nando ficou  jvencedor.  Neíta  eícaramuça  não  le 

achou' 


LuftaàãS  ãe  Ltãs  de 
achou  Dom  Egás  Moniz,  Ayo  d^El-Kcy,  mas  co». 
molhe  veyoâ  noticia, foy  a  grande  preila  em  bul- 
ca  do  Príncipe, &  reprendeadoo  porque  fizera  cal 
feni  clle ,  6c  o  tez  tornar  atrás ,  fie  entrar  outra  vei 
cm  batalha.  Hl,  delta  mancyra  desbaratou  o  padral- 
to,Sc  prendeoa  máy.  Alurnno  he palavra  Latina, 
que  quer  dizer  criado.  Rompido  lhe  chama,  por- 
que vinha  ja  vencido  :  2c  o  leu  campo  era  roto  ,  ÔC 
úcsbaratado,oqual  íe  rcílaurou  com  a  chegada  de 
EgaSiMoniz.  Da  caula  deíla  dela  vença, 5c  guerra 
entre  o  Príncipe  Dom  Aífbnlo  Henriques,  &  feu 
pâdrâíi:o,trattámos  no  cerceyro  canto  no  lugar  al- 


icgado. 


14 


VElo  cdvay  cos  filhos  a  entregar fe^ 
 corda  ao  còío^nu  defedat&panOy 
forque  nao  qniz  o  moço  fugeytarfe. 
Como elle prometera  ao  Cajfelhano: 
Fez,  com  (ifo^ ^pro  mejfas  levantarfe 
O  cerco^^uejâeftavaJub&Yano^ 
Os  filhos^  èr  mulher  obriga  àpena^ 
Tara  que  o  fenhor  falve^afi condena, 

Felocâvay,  Contaô  as  noflasChronicas  ,  que 
derpoisqueo  Príncipe  Dom  Affonío  Henriques 
venceo  a  (eu  padralto  ,  &  o  lançou  fora  de  Portu- 
gal, &:  prendeo  fua  máy,  que  magoada,  ella  efcre- 
veo  a  El-Rey  Dom  Aftonlo  de  Caftella  leu  íbbri- 
fiho  acudiíle  a  tomar  aquelle  Reyno,  que  era  íeu. 
Veyocíle  Rey  com  grande  poder  ,  masaprovey- 
Éoulhe  pouco  ,  porque  o  Principe  o  desbaratou. 
Tornou  fegunda  vez  fobre  elle,  pozlhe  cerco  em 
Guimarães ,  por  o  Principe  eftardeíapercebi  io. 
Vendo  o  leal  vaflallo  Egas  Moniz  o  pouco  poder 
do  Príncipe,  &  o  muyto  dos  Caftelhanos,  fahiofe 
fccretamente  ao  arrayal  dos  inimigos,  6c  contrar- 
iou com  El.Rey  Dom  Afíonfo  de  Caílelia,  que  o 
Principe  feu  íenhor  lhe  daria  obediência ,  &  reco- 
nheceria íuperioridade,  &iriaa  fuás  corres,com  o 
qiial  El.  Rey  de  Caftella  ficou  fatisfeyto ,  6c  con- 
tente ,  6c  levantou  logo  o  cerco.  Todas  citas 
coufas  fe  podem  ver  largamente  no  canto  terccy- 
ro,ab  oycava54.urqucad4í. 

N  Ao  fez  o  Conful  tanto  ^qiie  cercado 
Foy  nas  forcas  Caudmas  de  ignorante, 
^tau  do  a  paffa  r  por  bayxo  foy  forçado 
^Do  Samnittco  jttgo  triumfante: 
Eih  pelo  feu  povo  injuriado j 
J^fijè  entrega  fó firme, s§  confiante^ 
Efioutro  affi^é-  os  filhos  naturais^ 
fi  a  con  forte  f em  culpa^qae  doe  mais, 

Nãa  fez,  o  Conful  tanto.  Conta  Ticolivio  na  pri- 
meyra,DdCida ,  que  tendo  os  Romanos  guerras 


Gamíes  Commentados,  híí 

com  os  Samnitcs  ,  que  hoje  faõ  ôs 'moradores  do 
Abrurzo  regiaõ  ds  Itaiu  ^  entre  l^iceno,  quehojô 
'  chamaó  iM^ircade  Ancona  Apulha  ,  6c  Campania» 
deiejando  osSiMiinites  paz  com  os  Romanos,  pre* 
tendendoa  por  todas  as  vias   ;  nunca  os  KoiDunos 
jhaquizeraó  conceder  jnem  deferira  (uas  embay- 
xadas,  pelo  que  criaraó  por  Emper.idora  hum  va- 
rão principal  por  nome  Cláudio  ?onciOéEíle  ven- 
do que  os  Komanos  lhe  cntraváo  por  luas  terras, 
cí  lhas  d.  Itruhiaó,  6c  quey mavaõ,  delpois  de  tey ta 
huma  pratica  aos  leus,em  que  os  animou  contra  os 
Romanos:  ulou  de  huma  manha,  6c  foy  que  man- 
dou dez  ioldadoshompns  de  faber  ,  õc  de  animo, 
cada  hum  por  íua  parte,em  habito  de  paftores  com 
gíido  ,  osquaesl-azendoíeencontradiçoscom  os 
Romanos  pelos  c.impos,nor  onde  andavaõ  a  rou- 
bir ,  perguntados  pelos  Samnites ,  difleílcm  ,  que 
eftaváo  em  Apulha  no  cerco  dn  Luccria.  E  cooi 
todos  aquelles  dez  ach;idos  em  differcntes  partes, 
6c  tempo,  todos  fallaíkm  por  huma  boca.   Move* 
raõos  Komanos  leu  exercito  para  loccorrer  aos 
Liicerianos  queeraó  léus  amigos.  O  Capitão  def- 
te  exercito  era  o  Coníul  Eípuriopofthumo.  Che- 
gados os  Romanos  a  hum  certo  lugar  entre  douà 
montes  inuyto  eitreyto^  ,  6c  cercado  ,  o  qual  poir 
cfterefpeyto  ,  6c  por  eftar  perto  de  hurna  Aldeá 
chamaiia  Cauda  ,  ic  chamava  as  torc;>s  Cáudinas, 
começando  a  entrar  pelo  poço  ,  foraó  ccrcadoi 
dos  Samnites  ,  ík  alli  como  em  rede  forçados  a 
comprir  as  condiçces  ,  que  ih;;  os  Samnites  pulc- 
raõ  ,  entre  os  quaes  hu ma  muyto  ignominorafoy 
palhrem  por  debayxo  do  jugo.  'O  que  o  Poet» 
aqui  moílrahc,que  cite  ConlulEfpunoPofthuma 
não  paliou  tanta  afrcmtá  riefte  lugar  ,  aonde  com 
grande  menoscabo  de  íua  pellba  ,  ÒCàbatimentc* 
de  feu  exercito  paliou  elle  com  todos  os  léus  de- 
bayxo do  jugo  dos  Samnites  ,  como  pa fiou  Egas 
Moniz,  porque  elte  paliou  íó,  6c  contra  vontade^ 
Egas  Homzcom  léus  filhos ,  6c  Tua  molher.  Eftc 
paliar  por  debayxo  do  j..go  ,  era  huma  affronta,» 
6c  injuria  grandillimâ,quere  faziaaos  vencidos,6c 
era  deita  maneyra.  Armaváo  três  paos  a  modo  de 
forca,  6c'oS  vencidos  vinhaoalii  todos  em  procií- 
íaó,  delpidos  ,  6c  delarmados,  como  quem  vay  ^ 
vergonha  com  baraço  ,  6c  pregão  ,  6c  chegando 
áquelle  lugar  aonde  citava  aqucUe  jugo, pallavaó 
por  debayxo  dcllc.  Elte  hc  o  jugo  de  que  os  Au- 
tores faltaô,  6c  naó  letomâo  aqui  forcas  Caudinas 
por  jugo  ,  como  alguns  querem  declarar  por  fuás 
cabeças,  náo  fe  regendo  pelo  que  os  livros  dizem: 
que  forcas  Caudinas  he  nome  do  lugar»  aonde  os 
Romanos  foraó  tomados  pelos  Samnites  ,  o  qual 
por  fer  alpero,  eitreyto,  6c  alto,  fe  chamava  forca, 
ôc  por  fer  pei  to  da  Aldeã  Cauda  ,  forca  Caudina, 
efta  he  a  verdade.  Hoje  íc  chama  o  eftreyto  de 
Arpaya  ,  como  diz  Ortelio  na  fua  Synonimia  na 
palavra  Caucima  fure^i^onác  Ihcacrecenta  outros 
nomes. 


&i 


^4i  Canto  Oytavol 

res  maritlmos ,  os  quaes  Í6  a]iintflrão  ,&  armarão 

Y^  entre  íi  cincoenta  ,&  quatro  Gnlès.  com  nsquaes 

^      j    j      ...  dellruhiraó  a  DomFuasRoupinho ,  oqualan- 

•^  T  Es  cfie^qtie  faindo  da  cilada^  dava  na  coda  Icm  laber  deft-a  armada  ,  o  que  foy  a 

\   Y     Dá/obre  o  Rey^que  cerca  a  villa  forte     dezaflete  de  Outubro  de  mil  cento  &  oy  tenta  an- 


nos:  ôc  nefta  volta  morreo  elle  grande  Capitão,  o 
que  tudo  aqui  diz  o  Poeta.Serra  de  Abyld,he  Ceu- 
ta,como  liça  dito  no  canto  j.oytava  77. 


Jjà  o  Rey  temprejoj^  a  villa  de/cercada 
dlluftrefeyto  digno  de  Mavorte^ 
Velo  cà  vay pintado  nefta  armada j 
No  mar  também  aos  Mouro  s  dando  amoxte 
Tomandolhe  as  galés  Jevando  a  gloria 
*J)a  primeyra  marítima  vittoria: 

^  "  Trajo, fahir  da  grande  armada  nóva^ 
Ves  efle  efut  fainiô  da  alada.  Conta  Duarte  Gal-     G^ic  ajiuda  a  combater  o  Reyprimeyro 
vaó  na  hiftori^  de  El-Key  Dom  AíFonlo  Henri-     Ltlboa^àefi  dando  fant aprova} 
qnes.que  citando  Dom  Fuás  Roupinho  Capitão     q -^^  Henrique famof o cavaleyrOy 
mordomar,  no  Ca  tello  do  Forto  de  Moz  lhe  ve-       ^^   ,  '  ,/  •     *      -^^ 

'      ^.    •  Nyí„.,..«D^x,  ^«1-; ^«;^     Apalma.quelhenacemntoacova^ 

■yonova  ,  que  Gami  Mouro  Key  de  Cima  leio,       (      ,,    ^     n     r^r^  ,  /i 

■       )ra  he  Cáceres  vinha  com  grande  poder     ^^"^  ^^^^^  moítraT>eos  milagre  vtflo. 


18 

•^7  Aõvh  o  ajuntamento  de  eflrangeyro 


I 


aonde  hor 

a  tomar  Portugal ,  por  ver  que  El- Rey  Dom  Af- 
fonfo  andava  occupado  em  outras  guerras ,  pelo 
que  logo  poz  no  Caílellohumapelloade  confian-' 
,ça ,  6c  elle  com  os  mais,que  pode  le  poz  em  cilada, 
&  vendo  que  os  Mouros  combatiáo  o  Caftello  lem 
o  largar,  deu  fobre  elles  hum  dia  de  madrugadn, 
eftando  os  Mouros  defcuydados,&  desbaratouos, 
Sc  cativou  o  Rey.  O  que  luccedeo  a  vinte  &  dous 
de  Mayo  de  mil  cento  6c  oy  tenta. 


Germanos  fão  os  Martyres  de  Chrifto, 


Nao  ves  hum  ajuntam  nto.  Ifto  diz  pela  armada 
de  eltrangeyros  que  aportou  â  viíta  de  Cintra,  ci- 
tando Ei-Key  Dom  Affonfo  Henriques  nclia, 
com  cuja  ajuda  foy  tomada  Lisboa ,  como  fica  di- 
to no  canto  terceyrojoytava  57. 

Olha  tíemique  famofo  Cavulkyro,  Eílc  Henri- 
que foy  Alemão  de  nação  ,  o  qual  morreo  neíla 
Velo  càvay  fintado  nefta  armada,  Deípoisda  víc-     Cidade  de  Libboa,  quando  foy  tomada  aos  Mou 
^     -  -■-  **  ■^  ros  ,   fazle  delle  menção  particular  na  Chronicá 

d*El-Réy  Dom  AíFonlodo  cap.59.  &ccntare  hu. 
ma  coula  maravilhola  ,  &  he  que  ao  longo  da  (ei^ 
pulturadelle  Santo  Cavalleyro  naceo  huniapal- 
meyra,  como  aqui  dizo  Poeta,  a  qual  dava  íaude 
%  todos  os  que  a  punhaó  ao  pefcoço  alguma  pe- 
quena delia, ou  moído  algum  paolhe  bcbiaõ  aquel- 
lepò.  O  que  tudo  fe  pôde  ver  no  lugar  daChro* 
nica  allegado.G£rw<í»í?/,Quer  dizer  Alemães, 


toria  que  houve  Dom  Puas  do  Mouro  Gomi, 
foyle  a  Coimbra,  aonde  El«Rey  eítava ,  Sc  là  foy 
nova  que  andivão  Galés  de  Mouros  pela  cofta 
Jazendo  dano  ,  mandou  logo  El-R.ey  Dom  Fuás 
Ríuipinho  a  eítaeniprcfa  ,  o  qual  pelejou  com 
as  Galés ,  &  as  tomou  todas,  que  eraõ  no  ve ,  a  de- 
zaíieis  de  Junho  do  duo  anno. 

HE  Dom  Fuás  Roupinho^que  na  terra^ 
E  no  mar  refpUndece juntamente^ 
Co  fogo,  que  acendeojunto  da  ferra 
y)í  Ab  i  la  ^nas  galés  da  Maura  gente-. 
Olha  como  então  juft a ^^  fant a  guerra 
*De  acab  ir  pelejando  efta  contente-. 
"Das  maus  dos  Mouros  entra  afelice  alma^ 
Triunfando  nos  Ceos  comjufta plama, 

^y  Co  fog9  ^ue  aeendeo  junto  da  ferra.  Alcançada  a 
vittoria.quo  rcterimos  na  oytava  partada,efcreveo 
Dom  Fuás  a  Coimbra  a  El-Rey  como  a  gente  por 
aqaclla  vittoria  que  houvera  eftava  alvoroçada, 
para  hir  na  armada  contra  os  Mouros ,  o  que  El- 
Rey  iheagradeceo  muyto,  &  deu  licença,  para 
quefoílcm  ,  como  os  Portuguezes  naóachallem 
no  mar  em  que  pegàr,chegâraò  a  Ceuta,  que  ncí- 
te  tempo  era  de  Mouros,  Ôc  tomarão,  ÔC  queymá- 
raõ  quanto  no  porto  havia.  Sentidos,  ÔC  enfada- 
dos os  Mouros  Uiíloj,  deráo  avifo  a  todos  os  luga- 


15) 

HVm  Sacerdote  vè  brandindo  a  efpada. 
Contra  Arronches ^é[  toma  por  vinga çai 
2)^  Leyriajque  de  antes  foy  tomada  j 
Tor  quem  por  Mafamedeenrefta  a  lançai 
He  Theotonio  Trior^mas  vè  cercada 
Santarém,^  verás  afegurança 
*X)a  figura  nos  muros ,que primeyra 
Subindo  ergueo  das  ^linas  a  bandeyra. 

Hum  Sacerdote  vè.  Dom  Theotonio  Prior  de 
Santa  Cruz  de  Coimbra  ,  ao  qual  El- Rey  Dom 
Aftonio  tinha  dado  Leyi  ia  por  fua  ,  aílim  no  go* 
vernocfpirituil,comono  temporal.  Os  Mouros  a' 
cercarão,  6c  tomáraó:  pelo  que  o  Prior  p^^z  cerco 
a  Arronches,  lugar  do  Alentejo,  6c  a  tomou  aos 
Mouros  tjue  era  lua  ,  EURcy  dcfpois  de  alguns 
dias,  tomou  KomarLcyria  ,  &  arelhtuhio  ao 
JMoíley» o  Uc  Santa  Cruz  de  Coimbra  ,  quanto  ao^ 

tfpintua"' 


Líiftadasde  Luís  de  CawÕes  ^ommentados",  ã ã  j 

cfpiritual  fômenteitomado  algum  tanto  do  lucceí-     defallar.Feyto  nuca  reyto,Como  fecliírera>6craais 
io  de  Leyriajfiifpeytando  que  houvera  algum  dcl-     áigno  de  memoria,que  nunca  íe  fe?. 

Eila  por  armai  toma.  Entende  Évora, de  todas  aS 
couíasdeGiraldo  ,  6c  de  verdadeyra  declaração 
deita  oytava  íe  veja  a  nofia  annotaçaô  no  lugar  al- 
legado,aonae  trattamos  eílas  coulas  de  prepuíitOf 
&  na  verdadei 


cuydo  no  Prior. 

Ber  estiem  for  Mafamede  enre/la  a  lança.  Entende 
os  Mouros  que  pelejayáo  pela  fcyta  de  Mafa- 
mede. 

Mas  ve  cercada  Santarém,  Do  cerco  de  Santa- 
rém ,  &  como  Ic  entrou  fe  veja  ©  que  notamos  no 
canto  terceyrojoytava  55. 

E  verds  a  feg»ran fa.lito  diz ip o v  hum  Mem  Mo- 
DÍz,{ilhode  Egas  Moniz, Ayod^El-Rey  Dom  Af- 
fonfo  Hemrqucs.Eíte  Mera  Moniztoy o  primey- 
roque  poz  pé  nos  muros  de  Santarém  ,  arvoran- 
do em  cima  a  bandeyra  de  Portugal ,  com*muyro 
estorço  ,  como  fe  contem  iia  Chronica  de  El- 
Rey  Dom  Affonío  ,  cap.  jz. 

20 

VE/o  cd donde  Sancho  desbarata 
Os  Mouros  de  V and  alia  em  fera  guerra 
Os  tmigos  rompendo  o  alferes  mataj 
E  o  Ijpalico penado  derriha  em  terra: 
Mem  Moniz  he^que  emfy  o  valor  retrata^^ 
^le  o  fepulcro  dopay  cos  ojfos^cerray 
*2Jino  dejfas  bandeyras , pis  fem  falta 
Acontraria  derriba^  a/ua  exalta. 

Velo  cã  donde  Sancho  desbarata.  Continua  com  os 
feytos  de  Mem  Moniz,  o  qual  cm  companhia  do 
Infante  Dom  Sancho  ,  filho  de  El-Rey  Dom  Af- 
fonlo  Henriques  ,  aquemandou  o  pay  apelcjir 
com  os  Mouros  nas  terras  de  Andaluzia  »  lhe  to- 
mou huma  bandeyra  junto  á  Cidade  de  Sevilha, 
qucfoy  caufa  de  todos  le  porem  em  fugida, como 
le  conta  na  hiíloria  do  dito  Rey,c.5 1,  Vandalia  he 
Andaluzia.  A  razão  deite  nome  íc  veja  no  tercey- 
ro  canto,  oytava  óo.Hiipalico  pendão ,  he  pendaõ 
de  Sevilha  ,  porque  Sevilha  fe  chama  em  Latim 
Htfpalíi ,  como  lhe  chama  Plínio  no  fegundo  livro 
cap.j>7.da  natutal  hiltoria,6c  todos  os  uiâis, 

21 

O  Lha  aquellejque  dece pela  lança 
Com  asduas  cabeças  das  vigias ^ 
Onde  cilada  efconde  com  que  alcança 
A  cidade pur  manhas j^^  oufadias: 
Ella  por  armas  toma  afemelhança 
U)o  cavaleyro^que  as  cabeças  frias 
Na  mão  levava-jFeyto  jiunquafeyto, 
Ciraldo  f em  pavor  he  o  forte  peyto. 

Olha  acjuelleijueííece  pela  lança,  Eíte  he  Giraldo 
lem  pavor  ,  como  aqui  diz  o  Poeta  ,  vejafc  a  nofla 
annotiçáono  cmto  tcrceyro,  oytava 65.  Feyto 
nunca  teyto  ,  para  encarecimento  de  hum  feyto 
tão  cxcellente,  como  cite  Giraldo  ufa  deite  termo 


21 

N/^S  vès  hum  Cajielhano^qtie  agravada 
'De  /Ijfonfo  novo  Rey  pelo  ódio  antigo 
T)os  de  Lar  a  cos  Mouros  he  deytado^ 
T)e  'Fortugalfazendofe  inimigo'^ 
Abrantes  vilUi  toma  acompanhado 
^05  duros  infiéis ^que  traz,  configOi ' 
Mas  véque  hum  Torttiguez  com  pouca  gente 
Odesbaratajê  o  prende  oufadamentCk 

'■''  Nad  ves  hum  Cafielbano,  No  tempo  de  EURcy 
Dotn  Sancho  o  primeyro  defte  nome,  &  fegundo 
de  Portugal ,  lendo  Kcy  em  Caltella  Dom  Affoníb 
o  nono  deite  nome  ,  Hlho  de  Dom  Sancho  o  ter- 
ceyro  por  alcunha  o  defejado.  Succedeo,que  hum 
Dom  Pêro  Fernandes  de  Caitro  que  chamavaõ 
da  guerra,  homem  principal  em  Caltella  fe  lançou, 
cora  os  Mouros, por  fer  desfavorecido  do  ícu  Rey* 
por  amor  dos  Condes  de  Lara  ,  a  que  El-Rey  era 
niuyto  aíFeyçoado.  O  qual  entrou  por  Portugal 
pelacomarcâ  de  entre  Tejo,  &  Odiana,  êc  chegoa 
a  tomar  Abrantes  :  &  levando  muy  tos  Chriítãos 
cativos  deites  lugares, com  grande  defpojo,  &  ten^j 
do  feyto  muyto  mal  pela  terra  ,  indofe  recolhen- 
do lhe  íahio  ao  encontro  hum  Fidalgo  Portu- 
guez,  por  nome  Martim  Lopes,com  pouca  gente 
de  cavailo,  6c  de  pé,  6c  os  desbaratou,  6c  tomou  o 
deípojo  que  levavaô,  &  prendeo  o  dito  Pêro  Fer- 
nandes de  Caílro.  O  qual  perdoado  de  El-Rey  de 
Caltella,  (e  tornou  a  lançar  com  os  Mouros ,  &  là 
acabou.  Eíta  entrada  fez  eíte  Caítelhanonoann» 
do  Senhor  de  mil  cento  &  noventa  &  nove,  &  foy 
prefo  pelo  dito  Martim  Lopes  em  huma  oytava 
de  Pentecoite  do  dito  anno  ,  a  caufa  das  inimiza- 
des entre  eíte  Dom  Pêro  Fernandes  ,.6c  os  de  La- 
ra, íe  pedem  ver  largamente  na  Chronica  de  El- 
Rey  Dom  Sancho  o  legundo  Rey  de  Portugal. 

MArthn  Lopes  fe  chama  o  cavaleyro', 
^íe  d t fies  levar  pôde  afalma^  e  o  louYO% 
Mas  olha  hum  Ecclefiaflico guerreyro^ 
Slae  em  lança  de  aço  torna  obago  d'ouro: 
Velo  entre  os  duvidofos  tao  inteyroy 
Em  nâo^negar' batalha  ao  bravo  Monroi 
Olbã  o  final  no  Ceo^que  lhe  aparece^ 
Com  que  nos  poucos  feus  o  esforço  creceí 

Martim  Lopes.  Deíte Martim  Lopes  fica  trattaíd 
naoytavapafl':Tda.  ,    ^^ 


XT4^.  __  Canto  OyfaziP, 

i,Ma!  ilh»  hufn  Jí.ecle(i4ico  gutrVeyYo.  V.{\g  foy    Jterrdàos  Alg&rvet,^jàmlU 


Dom  Matcheu.s  Birpode  Lisboa.o  qual  comaju- 
(J^díí  cílrangcyros ,  que  aportarão  a  ella  Cidade, 
Wf^  anuo  de  mii  duzeiícos  ík:  dczaílbte  poz  cerco  a 
Alcaccre  do  lai :  6c  lendo  todos  d,e  parecer  que  Ic 
l'^;vaPtafle  o  cerco ,  por  haver  nova  cerca  que  vi- 
nha grande  loccorro  aos  Mouros  ,  elieo  n,aõ  quiz 
Í-azer,aiues  eítando  quaíi  todos  cmfadados .  &  in- 
conllaritts,  clle  fó  pcrreveroucoiiiniuyto  animo: 
o  q'u€  d^  a  entender  o  Poeta  naquellas  palavras: 
vejo  entre  os  duvidofQstaóintcyro. 

Olha,  o  finai  m  Ceo,c}ue  lhe  aparece.  Eftando  o  ne- 
gocio nelíe  eftado  fez  o  Bilpo  QraçaóaDcosNof- 
fo  Senhor  publicamente,  pedindolhe  Jahiflepor 
fua  honra  ,  qc  pela  ex;íkaçaó  de  íua  Santa  Fé  Ca- 
tholica  ,  acompanhada  com  lagrimas  de  muytos. 
Nò  qual  tempo  íe  diz  que  apareceo  no  Ceo  hum 


Rad  acha  ^quem  por  armas  lhe  reflfta: 
Lom  manha ^esforçOiò'  com  benigna  ejlrelU 
^^ilUsyCaJieíÍGs  toma  àefcaía  víjta-, 
Vès  T aviUa  tornada  aos  moradores. 
Em  vingança  dos /è te  caçadores^ 

Olha  bum  Meflre.  Efte  Meftrede  que  o  Poeta 
falia, era  Dom  P.iyo  Corrêa,  Mclire  da  Ordcin  de 
Santiago  em  Caftella.  Fc-.y  grande  cavalleyro,  & 
perlegiiidor  de  infiéis.  Era  Portuguez  de  nação, 
mas  viviaem  CaflelUem  tempo  d'El-Rey  Dom 
Fernando  o  Icgundo  :  debnyxodecujabandeyra 
fez  muytas  cauías  (inaladas  ,  como  foy  ajudar  a 
ganhar  Sevilha  ,  &  fazer  muytas  entradas  pelos 
Mouros  do  Campo  de  Ourique,  &;dos  Algarve;, 


íinal.o  qual  foy  hum  homem  muyto  velho,  ou  pa-     em  lèrviço  dos  Reys  de  Caftella.  Delpois  le  ajun- 


ra  melhor  dizer  grande, 6c  muyto  reíplandecente 
^  alvo  como  a  neve,  caro  huma  Cruz  vermelha 
130  peyto  ,  com  o  qual  ficárâó  todos  muyto  ale- 
gres ,  vendo,que  Deos  fe  lembrava  delles :  o  que 
toy  parte  para,  todos  perderem  o  medo  que  ti- 
nhaój&c  tomarem  novas  forças  contra  íeusinimi- 
g^os.  O  que  tudo  fc  pódç  ,ver  na  Chronjca  de  El- 
l^<.cy  Dom  Affonfo  pof  alcunha  o  gordo,o  íegun- 
do  çtpíle nomcSc  teiçeyro  dos  Reys,  c^e  Portugal. 

^4 

VEs  vão  os  Reys  deÇõrdo^a^  &  Sevilha 
Rotos  cos  OMtros  dms,^  não  de  e/paço 
Rotos ^mas  antes  mortos ^maraviíha 
Feyta  de'jytos^cfue  não  de  humano  braço: 
Vès}â a  vjUa  de  Alcaçere  fe  humilha. 
Sem  íhe  ^a/er  defeza^ou  muro  de  aço,    .    ' 
j^  'Dom  MAtheus^oÉtj^Q  de  Lisboa^ 

y&ivaifft  RejfsJeC^riòva.t^o  lugar  acima  alle- 
gado  da  Ch^onicafe  conta,  ct)mo  vieraó  em  foc- 
corr(>aQS.  Mouros  de  Alcaçere  ,  quatros  Reys 


tou  com  El-Rey  Dom  AfFonfo  o  lerccyro  de 
Portugal,  (5c  conquiftaraó  todos  os  lug  ires  do  Al- 
garve ,  como  fe  traica  largamerite  na  Chronica  do 
ditoRey. 

f^et  Tarvilía  tomada  an  moradores.  Efte  luccefib 
que  o  Poeta  aqui  aponta  dos  lete  Caçadores  ,  íe 
tratta  na  dita  Chronica,  aonde  le  relerem  muytas 
coufas,queomcftre  Dom  Payo  Corrêa  fez.  Eíoy 
defta  maneyTa :  Os  Mouros  de  Tavilla,  £c  de  ou- 
tros lugares  Ão  Algarve  andavttó  muyto  perlt» 
guidos  ,  6c  atormentados  do  Meítre  Dom  Payo. 
Vendofc  no  mez  de  Junho',  no  tempo  em  que  the 
era  neceflario  recolher  fuás  novidades  pedirão  tré- 
guas até  dia  de  S.Miguel,  que  he  a  vinte ,  &.nove 
deSeterabro.O  Meítre  lhas  concede  o  dt- boa  von- 
tade ,  porque  também  lhe  eraónecefliirias  a  dJe,,^ 
para  os  feustomaren»  algum  alivio,  do  continue 
trabalho  em  que  andavaô»  Nefte  tempo  das  tre^ 
goas  Dom  Pedro^  Pires  Commendador  de  SaiiH 
tiago,  &  compan^heyrodo  Meftré,  vendo, que  h;w 
via  pazes,  determinou  hirfe  folgar  eom  certos  Fh 
dalgos  amigos,ahum  certo  lugar  alem  de  Tavilla 
chamado  Antas,aonde  havia  oiuyta  caça.  Quan4 
do  traitáraó  tabreelía  íuíi  ida  com  0  Meftríí  ^  ejlo  j 
lha  contrariou,dando!he  muytas  razoens,por  on- 


Mo<.'ros:  o  dp  Cordova,Sevilha,  Badajoz,  ôc Jaenm:!     de  lhe  não  parecia  a  elleJitm.  Mas  como  elles  cí 


íii5>.(i^.aes.todos,o  Bifpodeu  batalha  ,  &  vcnceo* 

iei^ííf^JliA g^ite  raiiyto  menos  ,  &  os  R eys  todos 

quatro  foraò  mortos,  &  muytadeíua  gente.  O 

que  fuccedeoaos  onze  4i^do  inezde  Setembro, 

de  mil  duzentos  &  deza^etercom  tudo  os  Mouros 

que.effa víd-no  CaftHfò,ri ver,iô  rna5V&  fe  dcf en- 

j^f^ô-atQmais.  »áQt,poder" ,  porque  na©  podendo 

rtfiílir  á/f^ri^dos  ngilTos. ,  lhe  Urgáraõ  o  Caftcll,^ 

a  dezo.yto,.deQutubi{Q.ç|<x,dito  anno  eni4ia  do 

BemaVenturado  ^^iMmyCom.outroíclouu  VoK 

cftoutrosjÍ9usent^n^cíe'4^(l^^^  ík  o  de 

Jacu*^  ■'■■     >  -vv  'i^s,^.- 

7JoahHmfSÍlfíre,qm  deiè  de  Caftella, 
f  'P<jyMgiie,^4e,rja^o^co^oçm^^  - 


o 


l>àk.''«, 


tavaó  apctitofos, porfiarão  tanto,que  foy  força dol 
ao  Meftre  naó  ífie  contradizer  lôu  goflo.  Neíta 
hida  pafiáraó  porTavillaro  queòs  Mouros  toaiàc- 
raó  cm  afronta,&  deiprezo  fcu.  Pelo  que  foraóaõ 
lugar  da  caça,^  aonde  matáraô  ao  Comniendador 
com  leis  coirnpanhcyros  mais  ,,  cujos  nomes  eftáo 
naChronica.  Fazendo  elles  primeyro  em  fua  de- 
fenfaõ  as  mais  eítranhas  maravilhas  de  valor  ,  & 
Chriílandade ,  que  íe  nunca  viraô  em  lemelhante 
acontecimemo :  camoJargarttcnte  conta  aChro. 
nica  do  dito  Rey  Dom  Aííonio  cap.j.Foy  o  Mel-  * 
tre  aviíado  defte.cak)  ,0  quab  aèudio  logo  ,  ôc  deí« 
pçis  de  ferviraoK  Mouros  com  muyta^  lançadasl 
íeC^y  a  Ta'villa,5c  atoníou  aos  Mouros  com  grani 
de  mortandade  dos  moradores  a  nttyed&Jwíihí 
deruil  diizeitLos,qiuaí'caía  &dQU9w  v-  í. -1-j-í-oí.í 


%c 


Luftadas  de  Luis  de  Camões  Commentados,  12$ 

coutas  nelU  viJa,  que  fua  boa  fama  fica  íeajpvc 
viva» 


VEs  com  helltca  afliicta  ao  Mouro  ganha 
Silves, q  e  lie  ganhou  com  força  vigente 
He  Dom  Tayo  Corrêa ycu/ a  manha ^ 
E  grande  es  forço  faz  inveja  agente: 


a  8 


A    Tenta  num^que  afama  tanto  eflende^ 
^ie  de  nenhum  çajfadófe  contenta, 
^e  á  ^Fatr  ianque  de  hum  fraco  fio  pende  ^ 


Mas  noÕ pajfes  os  tres,q  em  frãça/$Efpanha    Sobre feus  duros  bombros  a  fuflenta^ 

Sefa-zem  conhecer  perpetuamente^ 

Em  defafioSijuftaSy&  torneos, 

Ne  lias  deyxando  públicos  trofeosi^^^-  \^  ■ 

Vti  com  bellíca  ãjlucia.  Andando  o  Meftre  Dom 
Payo Corrêa,  nefta  demanda  dos  Algarves  fucce- 
deo,queos  léus  defmandaclos  deraó  cm  hum  lugar 


Não  no  vez  tinto  deira^quereprende 
Avil  defconfiança  inerta^à'  lenta 
2)í>  povo^^faz^que  tome  o  freyo^  ^ 

^efeu  Rey  natural ^à"  naÕ  de  alheo» 

Atttnta  num.  Eftehe  o  Conde  Dom  Nuno  AlJ 
vares  Pereyra,  Condcílavcl  defteReyno,  o  qual 


perto  do  Cabo  de  S.Vicente,  chamado  Eftombar,     vendo  os  Portugucze»  inclinados  a  tomar  Rey  ef- 


&  o  tomáraó  ,  cu  ydando  os  Mouros  que  achariaõ 
o  Meíire  deíapercebido  lahiraò  a  elle  da  Cidade  de 
Sil  ves  :  o  Meíire  fabido  ifto  le  foy  ás  portas  da  Ci- 
dade, 6c  nellas  houve  huma  crua  batalha,  porque 
o  Rey  por  nome  Abcn  Afan,era  fó.ra  ,&  queren- 
do entrar  :  &  os  Mouros  acudindo  a  huma  porta 
para  o  recolher  ,  foy  huma  caó  cruel  briga  lobre 
cila  entrada  ,  que  o  Rey  ficou  fora  ,  ÔC  os  Portu- 
guezes  dentro.  Como  fe  conta  na  dita  Chronica       __ 

de  El-Rey  Dom  Aífonío  o  terceyro.  m%  nSo  paf^    Só  pode  ^o  que  mp  o  ffiveí parecia, 
fes  ot  treu  Deíles  trcs  fe  veja  a  nofla  annotaçaó  na    y^^^^^^  ^  .    f,^^     ^^  Caítella; 

oytava  leguinte.  ,    .,,   ^     '^  .  n  •        ,         J       i    ^• 

J  ^  .  *,^  yes porindujiria Mesjor ço t&  valentia 


trangeyro ,  Sc  a  principal  Fidalguia  rebellada ,  & 
recolhida  a  Caftella  :  elle  lò  teve  maó  no  negocio; 
E  fez  que  os  Portuguezes  perdeflem  o  me^io,  O 
que  tudo  maii  largamente  lepódc  ver  no  canto 
quartOjoytava  14, 

OluhaporfeuconfelbOi^  oufaàia 
T>e  T>eosfímdofó,^é  de  f anta  EJlrelh 


^1 

VElos  CO  nome  vem  deaventureyros 
ACaftella.onde  opreçofós  levar  UQ 
*De jogos  de  Bellona  verdadeyros^ 
^e  com  dano  de  alguns  fe  exercitarão: 
Vè  mortos  os/oberbos  cavaleyros^  * 
^e  o  principal  dos  três  defafiàraÔ^ 
^e  Gonçalo  Ribeyrofe  nomea^ 
^tiepódenaõtemer  aley  Lethea, 


Outro  eftragOy&  vtttor  ta  cíarajò'  bella, 

Na  gente  ajfi  fero  z^c  orno  infinita^ 

^le  entre  o  tortefo/^  Guadiana  habita. 


§lue  entre  o  Tartefâ ,  é^  Guadiana  hahita,  Dcfpois 
de  vencida  aquella  taó  nomeada,  &  celebre  bata- 
lha de  Algibarrota,contaó  as  Chronicas  que  (e  re- 
colheo  o  Condeílavel  Dom  Nuno  Alvares  aos 
lugares  de  Alentejo  ,  aonde  era  fronteyro.  E  dalli 
mandou  dar  a  vifo  aos  grandes  de  Caílella,  quclc 
fizcflera  preíles,  porque  elle  determmavacntrar- 
Veloí  CO  nome  vem  J«  avmturtyros.  Os  três  que  na     lhe  por  luas  terras,6c  deílruhilos  a  fogo,&  a  ferro, 
oytava  paflada  o  Poeta  notou,  que  fizeraó  gran^     Com  eíle  recado  fe  ajuntarão  os  principaes  de 
des  coulas  em  França,  foraó  Gonçalo  Rodrigues     CaílcUa  com  muyta  gente ,  &  tanta  que  contaò  as 
Ribeyro  ,  Vafco  Anes  ,  colaço  da  Raynha  Dona     Chionicas,  que  havia  cincoenta  Caftelhanos  para 
Maria  de  Caílella  :  &Fernaõ  Martms  de  Santa-     hum  Portuguez  :  &  aduaslegoas  de  Merjdaem 


rem.  Eíles  defpois  de  haverem  andado  ires  annos 
cm  França  como  aventureyrcs,por  ganharc  hon- 
ra, &  fama  por  fua  cavallaria,coítumc  mayto  ufa- 
do  naquelles  tempos-*  vieraó  ter  a  Caílcl la ,  aondô 
Gonçalo  Rodrigues  Ribeyro  matou  humCaíle- 
Ihano  em  hum  defafio.  E  em  humas  Juílas  reacs 
que  El-Rcy  de  Caftella  fez  a  pt  tiçaó  do  dito  Gon- 
çalo Rodrigues  Ribeyro,  fizeraó  todos  três  niuy- 
tas  ventagens  :  o  que  tudo  le  pódcver  na  Chro- 
nica d^EURey  Dom  Affonfoo  quarto  de  Portu- 


ga 


^e  pode  nat  temera  ley  Lethea.  Lerhum  ,  entre 
os  Latinos  hc  a  morte  :  daqui  Icy  Lethea  ,  he 
a  Icy  da  morte  :  a  qual  vence  ,  que  n  faz  tacs 


hum  lugar  por  nome  Valverde  fe  encontrarão, 
aonde  os  Caílelhanos  forao  vencidos, 

Tartelo.  HeTariffa,  Cidade  de  Andaluzia.  O 
que  o  Poeta  aqui  quer  dizer  he  ,  que  Dom  Nunq 
Alvares  entrou  pelos  lugares  de  Caftella  da  Ef- 
tremadura,  quecft.i(3  entre  Tarifia,  &  Guadiana, 
rio.que  palia  pelo  eílremo  de  Cailella.o  que  tudo 
fe  pôde  ver  largamente  na  fegunda  parte  das 
Chronicas  de  EURcy  Dom  Joaó  o  prjmeyrodff 
Boa  memoria, cap.59. 

Tl  /t  As  não  vès  quajijà  desbaratado 


O  podar  LuJitanOipela  anfencia 
Ff 


09 


ía6  Canto 

*Z)í?  Capítaê  devot o ^que apartado 
Orando  invoca  a  Sur/ima^^é  Trina  E{Jenc\àt 
Velo  com  prtjjajâ  dos /eus  achado, 
G^e  lhe  diz  em^que  falta  refiftencta 
Contra podir tamanho^^ que  VíeJJe^ 
Torqué  confino  esjor^o  a  os  fracos  deffe. 

Mai  não  vht^uafijâ  àetharatàdoA^o  â\z  O  Poeta, 
porque  rvefta  batalha  de  Valverde  ,  como  os  Por- 
tuguçzes  eraó  muyto  menos  que  os  Caítclhanos, 
ellavaõ  em  aperto  ,  oque  vendo  Dom  Nuno  Al- 
vares Pereyra  fem  dar  conta  a  peílba  alguma  ,  Iç 
foy  a  hum  lugar  apartado  ,  levando  conílgo  fò 
huniçnado  feu  ,  £v  pofto  d-ejoeihpsíez  oração  a 
Deos  Nollo  Senhor, o  ajudallecontraleus  inimif 
£os ,  Sc  como  elle  era  muyto  querido  de  todos,  Sf 
ícíbrequem  todos  eftribaváo  ,  andavaó  todos  pal- 
mados como  o  naó  viaò.  E  andandoo  buícando 
pordijferentes  partes, foy  ac«io  dar  com  cUe  hum 
Cavaileyio  por  nome  Ruy  Gonçalves  ,  o  qual 
vendoo  naquelle  dlado,não  le  attrevço  a  f^llarlhc 
logo  ,  mas  cnLcndendo  iit  neceílario  lhe  diflc  o 
dano  que  osCaftelhanõs  faziaô  nos  PortuguezeSi 
Neíle  tempo  chegou  outro  Cavalleyro  porno- 
çne  Gonçaleancs  de  Caílello  de  Vide,  o  qual  lhe 
fallou  mais  ibho, dizendo  era  muyta  gente  morta, 
ôí  ferida;ao  qual  ellc  não  relpondeo  outra  coufa, 
íenaó  queo  deyxafle  ,  que  ainda  náò«ra  tempo, 
como  lò  mii  na  oytava  legumte.' 

MAs  olha^comque  fanta  confíançàt  "^ 
^ie  ainda  nao  era  tampo  refpondia. 
Como  quem  tinha  em  Deos  afegurança 
'Da  vittorta^qttf  logo  lhe  daria: 
yjjfi  'PompiUo  ouvtndoyque  apoffanfa 
'ÍDos  imigos  a  terra  lhe  corria^  --^  -  - 
Aquém  Iheadura  nova  e flava  dando , 
Tois  euÇ  rejfonde)  e fiou  f ai  rife  ando, 

.■••f»»j:;}-;; 

Afji  r»mpílío.  Eíle  foy  fegundo  Rey  dos  Ro- 
fnanos :  o  qual  delpoi?  de  fe  aquietar  com  feus  ini- 
migos, le  conta  delle,que  todo  le  deu  ao  culto  dos 
fallos  Deoíeíi:  &  era  tão  íupcrlliciofo,  &  ceremo- 
niatico.que  conta  delle  Plutarcho  na  lua  vida,  que 
entrandolhe  os  inimigos  pehi  fua  terra,  &:  dcílru- 
indolha,aviradD  dos  íeus,refpondeo,o  que  o  Poeta 
aquidiz.eftou  facríficando:  porque  cftava  fazen- 
do facrificio  aos  Icus  (rilles.Sc  lalíos  Deolcs.  Bom 
exemplo  de  Gentio,  o  qual  dava  a  entender  neíta 
rcpoíla,  que  mais  fe  refreava  a  fúria,  dos  inimigos, 
com  o  favpr,Sc  ajuda  de  Deos,  que  com  poderoíos 
exércitos,  AíTim  o  nollo  Dom  Nuno  Alvares  di. 
zendolhe  os  léus  o  aperto  em  que  eftavaõ,  relpon- 
cleolhe,q  o  deyxaflem  orar.  E  pódc  tanto  cita  lua 
oraçaó  com  Deos  que  levanrandofe  delia,  desba- 
ratou  com  tnuyto  pouca  gente  grande. mukidaó 
dç^nimigos. 


OytavQm 


U 


Ç  E  quecofn  ta  to  esforço  em  T>eosfi  atreve 
l3  Ouvir. qut fere  5  como  fe  nome  a, 
^ortuguez  Sciptao  chamar  fe  deve y 
Mas  mais  de  T)õ  Nuno  Alvrezfi  arreai 
'Ditofk  Tatr ianque  tal  filho  teve. 
Mas  antes  Tày^que  em  quanto  o  Sol  rodeãy 
EJie globo  de  Ceres,^  Neptuno, 
Sempre  fu/pirarã  por  talalumno, 

Portu^uez  Scipiào  chamar  fe  deve.  Em  louvor  def» 
te  excellcnte  Capitão  de  que  vay  trattando  nef- 
tas  oytavas ,  &  recontando,  grandes  excellencias 
/cm  o  nomear ,  diz,  que  le  devia  chamar  Scipiaõ 
Portuguez  :  mas  que  elle  com  ter  eítc  titulo  de 
Scipiaó  taó  honrolo  ,  quer  mais  o  feu  de  Nuno 
Alvares  Pereyra,  pelo  qual  era  taó  conhecido,  & 
nomeado  naquelle  tempo,  Foy  eíle  Scipiaô  de 
que  o  Poeta  aqui  falb,  dotadp  de  muytas ,  6ç  muy 
grandes  virtudes  Nas  coulas  da  guerra  efpantofo, 
porque  nclla  fez  maravilhas.Su^^eytoutoda  Hcf- 
panha  a«  povp  Romano.  Deílruhio  Aníbal, &  ou- 
tros Capitães  de  Africa  ,  pelo  que  lhe  foy  poílo 
o  cognome  dç  Africano.Foy  da  gente  illuíírc  dos 
Cornelios  cm  Roma,&  o  prjmcyro  que  dizem  foy 
chamado Cefar,  porque  mortaa  máy,  quecftava 
prenhe ,  vendo  que  lhe  bulia  a  criança  no  ventre, 
foy  por  acordo  dos  Médicos  mandado  ,  que  fe 
abfiflc  ,  Sc  tirafle  a  criança  fora.  Elias ,  Sc  outras 
muytas  couías  deftc  varaó  excellente  íe  poderi 
ver  em  P  lutarcho  na  fua  vida.  Pois  a  efte  Scipiaó 
taó  nomeado,  Sc  conhecido  por  feu  esforço,  Sc  ca- 
vallaría  ,  compara  o  Poeta  o  noílb  Dom  Nuno 
Alvares  Pereyra ,  pelo  qual  diz  que  lufpirarà  Por- 
tugal cm  quanto  o  mundo  durar. 

Efie globo  de  Cerei,  &  Neptuno,  Por  eftas  palavras 
entende  todo  o  univerlo ,  porque  globo  ,  quer  di- 
zer bola,  a  cuja  forma  o  mundo  he  leyto,  por  fer  2 
figura  redonda  mais  pcrteyta  que  todas  as  outras. 
Pela  qual  razaó  diz  Ovídio  liv.  i.  Metamorpholeç 
que  Deos  fez  o  mundo  Ycáonóo.Alagnf  fpeae^fglo' 
meravit  in  orbis,  Fizcftes  o  mundo  redondo  para 
ornato  ,  Sc  fermofura  fua.  Ctres,  Como  dizem  os 
Poetas,  foy  filha  de  Saturno ,  Sc  Ope:  era  tida  por 
Deola  dos  mantimentos  ,  Sc  fruytos  da  terra,  por- 
que diziaó  que  ella  fora  a  primeyra  que  inventar!^ 
o  modo  de  lavrar,Sc  lemear  a  terra.  E  que  por  efíe 
refpcyto  fc  chamava  Ceres, quafi^e>eí,de^er<j  i/,quç 
he  trazer  ,  porque  criava  ,  Sc  dava  todas  as  coufas 
aos  homcs  como  di jTuUio  liv. z, de  natura  Deoru. 
Outros  lhe  davaô  outras  Ethimologias-,  6c  fazern 
diftercntes  Ceres.  O  Poeta  toma  aqui  Ceres  peU 
terra,comoofezCiceiol.i.de  natura  Peoiú.Nt/- 
tmo.  Dizem  os  Poetas  ler  idolo  do  mar,  irmáq  de 
Júpiter,  Sc  Plutaó,  tomalepclo  mar,  como  aqui. 
^ilumno.He.  cnadojchamaleaflim  deo/#  <í/ij,palavr^ 

Latina, que  quer  dizer  cnar,Sc  fuílcntar. 

Na 


Lupaàas  de  Lm  dê 


5  3 


NA  me/ma  guerra  vé  que  prefas  géinha 
Eft outro  Capitão  de pouc agente^ 
Comendadores  vence ^&  o  gado  apanha, 
§lu.e  levav  ão  roubado  onfàdamente: 
Qutra  veZiVé  que  a  lança  em  fatigue  banha 
Refles  ^fò  por  livrar  c'o  amor  ardente 
Qpre/ó  amtgOfprefo  por  lealy 
"Fero  Rodnguez»  he  do  Lmdroal, 

^ a  me fma  guerra  vè. Por  moncàc  El-Rey  Dom 
Fernando  o  nono  ,  ficando  cfte  Reyno  fem  her- 
deyro  tomou  o  povo  por  íeu  Governador,  &  de- 
fcnforjConcra  El-Rey  Dom  Joac  deCaílella,  que 
queria  entrar  em  Portugal ,  a  Dom  Joaô  meyo  ir- 
iTjaó  do  dito  Rey  Dom  Fernando, Meftre  de  Avis. 
Foy  caufa  ifto  de  haver  entre  Portuguezes  ,  5c 
Caítelhanos  grandes  difcordlas ,  6c  guerras.  Com 
El-Rey  de  Caftella  era  lançada  a  principal  fidal- 
guia de  PortugaljCuydando  Ter  melhor  partido,  6c 
que  ieguravaó  melhor  íuas  fazendas.  Entre  outraí 
coufas ,  que  neíle  tempo  acontecerão  ,  huma  foy 
efta,  de  que  o  Poeta  aqui  faz  menção:  Scheque 
dous  Commendadorcs  Caftelhanos  ,  hum  de  ÃI- 
x:ântara,outro  deCalatrava,foraõ  com  muytagen* 
te  aílim  de  cavallo  como  de  pè  correr  o  termo  de 
Évora,  &:  lua  comarca.  E  como  naõ  há  coufa  por 
inuyto  fecreta  que  feja  ,  que  fe  não  íayba  :  ainda 
queelles  hiaó  com  todo  legrcdo  poíTivel ,  Sede 
maneyra,  que  lhe  parecia,  que  por  nenhum  modo 
feriaó  ierxtidos.  Hum  moço  Portugucz  por  nome 
Rodrigo  Valleyo ,  natural  de  Borba,  pagem  de 
hum  Caftelhano  por  nome  Diogo  Gonçalves 
Maldonado  ,  foy  dar  avifo  a  Pedro  Rodrigues  Al- 
cayde  mór  do  l.3ndroal,que  naquelle  tempo  eíla- 
va  por  Capitão  daquellas  partes,  &  que  era  muy  to 
leal,  ôcfiel  aoferviçodo  Meílre,  que  he  o  de  que 
aqui  falia  o  Poeta.Eíle  Pêro  Rodrigues  fabido  illo 
lahio  com  alguns  de  cavallo ,  ôc  de  pè ,  em  alcance 
dos  Callclhanos ,  &  lhe  tomou  a  prefa  que  leva- 
vaõ,que  eraó  cinco  mil  ovelhas,  mil  6c  quinhentas 
cabras,  6c  leílenta  homens  6c  moços  cativos.  E  af- 
íim  mefmo  derribarão  dos  cavallos  os  Commenda- 
dorcs, os  quaes  ficarão  alli,  ícnaõforaõ  foccorri- 
dos  pelos  léus  ,  que  lhe  deraó  cavallos  em  que  le 
pufcraó  ein  íalvo.  O  que  tudo  fcpóde  ver  mais 
largamente  na  primeyra  parte  das  Chronicas  de 
El-Rey  Dom  Joaõ  o  primeyro. 

Outra  vez,  ve  ejue  a  lança  em  (an^ue  banha,  Neíte 
tempo  tudo  eraô  guerras ,  6c  divilóes ,  nem  havia 
quem  ieentendefle:  porque  os  Portuguezes,  huns 
leguiaô  as  pii  tes  do  Meílre  :  outros  le  lançavaõ 
com  El-Rey  de  Caftella.  Succedeo,que  hum  Vaf- 
co  Porcalho.a  quem  o  Meftre  tinha  encomendado 
oCaftelio  de  Villa  ViçoU.foy  ientido  naó  ler  leal 
ao  fcu  fenhoro  Meftre  ,  6cque  íe  carteava  com 
hum  Pcro  Rodrigues  da  Fonfeca  ,  queeftavaem 


CdmÕei  Comm^nfadõf,  tif 

Olivença  por  El-Key  de  C^ííclía.  Pelo  íjiie  ,  hum 
Cavallcyro  natural  Ue Villa  Viçofaipor  nome  Ál- 
varo Gonçalves  Coytado,  com  outros  a  quemdeil 
conra  do  caio,  ci-etprmmáraó  de  o  prender.  E  para 
cite  effcyio  mandou  recado  a  Peio  Rodrigues  do 
LanJroâl,  deque  himosfallando,  oquaiacudio 
logo,  6c  teytos  todos  em  hum  corpo,  icforaó  aos 
paços  aonde  eftava  Vafco  Porcalho,  &  o  lançarão 
fora:  elie  íe  foy  a  Lisboa  lanearfecom  o  Meítre^  o 
qual  lhe  tornou  a  dar  o  Caílello.  Como  Valco 
Forcalho  ícvio  naquelle  eílado,pozpor  ordem  o 
que  antes  defejava  ,  que  era  dar  aqucUa  Villaaos 
Caílelhanos.   E  como  eftava  Ientido  do  que  lhe  fii- 
zera  Álvaro  Gonçalves  Coytado  ,  determinou  de' 
o  prende  r,como  íez,&  o  meteu  na  torre  da  mcna- 
gem,com  molher,6c  filhos, 6c  mandoulhe  laquear 
tudo  quanto  tinha  em  íuacafa  ,  logo  eíta  noyie 
meteo  Valco  Porcalho  no  Cafteilo  duzentas  lan- 
ças de  Caftelhanos.  Os  quaes  como  amanheceo 
levantarão  bandeyra  por  El-Rey  de  Caftella  ,  di- 
zendo a  altas  vozes, Gaftilha,  Caftilha.  El-Rey  de 
Caftella  mandou  logo  recado  a  Valco  Porcalhoj. 
quemandaiTea  Álvaro  Gonçalves  prefo  a  Oliven- 
ça, para  ler  ahi  mClhor  guardado,  6c  huma  carta  9. 
Pêro  Rodrigues  da  Foníeca,  que  o  tivcHe  a  muy-! 
to  bom  recado  ate  ver  o  que  íe  havia  de  fazer  del-^ 
le.Como  o  Condeftavel  Dom  Nuno  Alvares  lou- 
be  defta  prilaô  de  Álvaro  Gonçalves ,  ficou  muy- 
to  pezarofo,6c  efcreveo  a  Pêro  Rodrigues  do  Lã-] 
droal  trabalhaíle  por  faber  fe  o  haviaóde  paflar 
dallip^raoitra  parte,  elie  lhe  reípondeo  que  fimr 
mas  que  raS  fabia  quando,nem  como. Dom  Nuno 
Alvares  lhe  mandou  logo  alguma  gente  ,  que  ti-' 
vefle  comfigo  para  o  ajudar  a  tirar  o  Álvaro  Gon- 
çalves do  poder  dos  Caftelhanos  ,  luccedendole-/ 
valo  a  alguma  parte.  Dahi  a  poucos  dias  veyo  hu- 
ma elpiaque  Pêro  Rodrigues  do  Landroal  tra-]. 
zia  em  Villa  Viçoía,  6c  diíleihe,  como  a  noyte  le- 
guintehaviaó  de  levara  Álvaro  Gonçalves  a  Oli- 
vença. Pêro  Rodrigues  fabendo  iíto  confultoa        y 
com  os  íeus  como  fana  efte  negocioros  quaes  açor-     ^ 
daraôporfe  cm  cilada  era  certa  paragem, por  onde 
os  Caftelhanos  haviaò  de  paflar.  Pelo  que  fahiodo 
Landroal  hum  dia  já  Sol  pofto,  com  trinta  6c  hum 
de  cavallo,  6c  cincoenta  de  pé,  fingindo  ir  cami^ 
nho  de  Eftremoz :  6c  como  foy  noyte  deraó  volta 
para  o  lugar  aonde  cftavaõ  concertados  hirem:  6c 
lendo  alta  noyte  foraó  avilados  como  vinhaõ 
muy  tos  de  cavallo,  5c  pé,6c  alguns  befteyros.  Pela 
que  le  fizeraó  preftes,  6c  pelejarão  com  clles,6c  lhe    ' 
tirarão  o  prelo  que  levavaó  ,  6c  aelles  trattáraó 
muytomal,   o  que  o  Poeta  a^ui  aponta,  6c  (e  pódc 
ver  nas  Chronicas  de  EUl^ey  Dom  Joaõ  o  pri- 
meyro no  lugar  allegado. 


O 


34 

Lha  efle  desleal  o  como  pai^a 

O  perjuro , que fes!ii&  vai  engano^ 


22^  Canto 

QilFernmdezi  he  ãe  ElvaSiquem  o  ^Jiraga^ 
Efaz  vir  apaffar  o  ultimo  dano: 
*ÍDe  Xeres  rouha  o  campo j&  qua/i alaga 
Uojangue  de  f eus  donos  íajhlhanoy 
Mas oiha Ray  'Fere^ra^que  í'o o rojio 
fas^  cjciido  àgaíèsjdiance^ojco. 

Olha  e^edoleal.  Conta*  asChronicaç.queefcre- 
Veo  o  ^lclí  r.e  a  Gil  Fernandes  dç  Elvas ,  que  cita- 
va por  Cípíçaôda^cnte  dâquelJa  terra,quefonea 
Çampp  i)t1ayor  ,  &  fallaííe  com  Paes  Rodrigues 
M,(\.ói}ho  Alcayde  mór  de  Campo  Mayor  ,  o  qual 
eftavgpor  Caítella  ,  &  operluadifie  tomafielua 
VQZ,  que  lhe  faria  muytas  mercês,  6c  honras.  Gil 
Fernandes  viíla  a  cartado  Meftrefoyle  a  Campo 
Mayor,levando  comíigo  çincoenta,de  cavallo  ar- 
mados, como  chegou  perto  do  lugar,  mandou  re- 
Cãdp  a  PafcS  Rodrigues  quizefle  fahir  do  Caíkllo 
a.  vcrle  com  eiIe,íobre  certo  n€gocio,que  a  elle  lhe 
iniportí^v  a.OPaes  Rodrigues  refpondeoiquefoíle 
q  Gil  Fernandes  fallnr  com  elle  entre  o  niuro  ,  6c 
abarreyradoCaftello,  &  que  podia  levar  dez  ho- 
ipeiís  de  armas  comfígo.Gil  Fernandes  ucey  toq  o 
partido, mas  com  condição  quefizeflcm  pleyto,&: 
omenagem,  quefofle  leguro  hum  do  outro,  Paes 
Rodrigues  aceytou  a  condição  ,  &  paíTaraôfe  el- 
critos  de  huma  ,  &  outra  p^rte:  o  qual  concerto 
naó  cuínprio  PaebRodrigues,antes  chegando  Gil 
F.ei  nindcs  pprendeo,  com  rnuyta  gewte  que  para 
edc  effeyto  tinha  preftcs ,  da  qual  priíaó  fe  reíga- 
tQU  dclpois  Gil  Fernandes  ,  por  duas  mil  dobras, 
como  as  Chronicas  contaõ.  Succedeo  delpois  en- 
contrai le  G.il  Fernandes  com  p  Paes  Rodrigues 
em  hum  mente  entre  Elvas  ,  &  Campo  Mayor, 
cha  r.^do  Segóvia  ,  aonde  q  Paes  Rodrigues  foy 
preio  ,  com  outros  alguns  Cavallcyros  da  fua 
conlerva ,  6c  morto  ,  como  tudo  fe  pòdc  ver  mais 
largamente  nas  ditas  Chronicas.  O  desleal  perju- 
ro ,  de  queaqui  falU  o  Poeta,  he  Paes  Rodrigues, 
que  quebrou  a  fé  que  tinha  dada  a  Gil  Fernandes, 
chamalhe  desleal,  porque  lendo  Portuguez  feguia 
as  partes  de  Caftella.  Ultimo  dano  he  a  morte,  da 
qual  Gil  Fernandes  foy  cauía,  ainda  que  elle  naó 
o  matou  ,  antes  lhe  pelou  de  lua  morte,  como  nas 
Chronicas  íe  conta. 

DeXerez.  roukao.campo.EíÍQ  meímo  Gil  Fernan- 
des de  Elvas  ajuntou  cem  de  cavallo  ,  &  quatro- 
centos de  pè  ,  5c  entrou  por  Caftella  até  os  Cam- 
pos de  Xerez, donde  trouxe  grande  prefa  de  vacas, 
&  ovelhas, &  cattivos.  Vindo  com  efta  prera,acu* 
diraõ  de  Xerez  ,  5c  outros  lugares  com  trezentas 
lanças ,  Sc  muy  ta  gente  de  pé  ,  2c  o  alcançarão  em 
hum  lugar  ,  que  fe  chamava  Serra  das  Porcas  aon- 
de Gil  Fernandes,  os  desbaratou,  matando,  &  fe- 
rindo muytosdelles,cqn\p  o  Poeta  aqui  aponta. 
E  dizem  as  Chronicas,  que  era  tanto  o  gado ,  que 
Gil  GernanJes  Icvav;^,  que  cada  hum  tomava  4e41e 
o  que  qi^eiriíi,  porq^s  n^ô  labiaõ  o  q  haviaõ  de  fa- 
s^eraeilé. 


Oytavo'1 

Mas  olha  Ruy  Tereyra.  Efte  Riiy  Pereyra  era 
muy  to  esforçado  Cavailtyrp,o  qual  íeguia  as  par- 
tes do  Meílre.  Neíte  tenspo  determinou  El-Rey 
de  Caftella  vir  fobrc  Lisboa,^  cçrcala  por mar,6c 
por  terra ,  como  o  fez.  Os  Porluguezes  puleraó-íe 
em  defeníaó  peio  melhor  modo  que  puderaó,  A 
armada  de  CaitcHa  aliim  de  nãos  como  gales  era 
muyto  de  ventagem  da  de  Portugal.  Entre  outros 
Capitães  do  Mcitre  eràKuy  Pereyra  :  cfte  vendo 
que  os  Caltclhanos,  quecitavaó  defronte  de  Al- 
mada ,  com  quí.renta  nãos  groíVas  ,  &  ti  eze  gales, 
quizeraó  dar  iobre  as  npfius  galés  ,  quç  pãllavaò 
por  defronte  dclles ,  pozle  de  roí^jo  com  a  lua  nao, 
com  outros  dous  Capitães  Portuguezes  ,  6c.e}lc  à 
aferrou  com  a  Capitania  dos  Caftqlhanos ,  que  hia 
de  rofto  fobre  as  nofias  galçs,  iem  a  armada  de  Cal- 
tellalhe  íaiernojo.  Kíjas  o  Ruy  Pert;yramorreo 
nefta  voita ,  6c  foy  muyto  íentiuo  ,  6c  chorado  dcs 
Portuguezes ,  porque  toy  hum  esforçado  Caya]- 
leyro  ,  &  leal  Portugucz.  llloheoque  p  Poeta 
aqui  diz,que  Ruy  Pereyra  fezefcudoáj  galés  pof- 
to  diante  ,  porque  fc  poz  diante  da  armaoa  de  Caf- 
tella, 6c  tez.  cicudp  às  galés  de  Portugal,  que  naó 
recebeflemdaiio  dasnaps,  ôc  galés  de  Caftçllâ,que 
eraõ  niuytas  mais. 

3  5 

OLha<,qne  dez>afete  Luftaiíos^ 
Ne/h  outeyro  fubidos^fe  defendem 
Fortes ^de  quatrocetítos  Cnfle lhanos ^ 
^ueem  derredor  pelos  tomar  fe  efiendemi 
'^Forèm  Itgo  fentirao  com f eus  danos ^ 
^e  tíão  f o  fe  defendem  ^rnas  offendem; 
^ignofeyto  defer  no  mun^oetcrnoy 
Grande  no  tempo  antigQ^lê  no  moderno. 

Olha  efue  dezafete  Lujitanos.  Nefte  tempo  eftavst 
Almada  em  grande  aperto  cercada  por  rnar,5c  por 
terra  de  Caftelhanos,&  contafe  nas  Chronicas, que, 
paflavaó  grande  trabalho  ,  mayormcnte  de  fede, 
por  falta  de  agua  ,  de  roaneyra  quç  lhe  morna 
muyta  gente  à  íôdc,  Sc  alguns  cavallos  que  dentro 
da  Villa  eftavaõ  ,  lançuraónos  por  huma  penedia 
abayxoaomar  ,  por  naó  terem  que  lhe  dar  a  be- 
ber, &  outras  coufas  que  nas  Chronicas  pódcm  ler 
os  curiofos.  Poftos  os  Portuguezes  ncíle  eftado 
determinarão  hir  bufcar  agoa  ao  longo  do  mar, 
para  o  qual  hi^ó  por  huma  penedia  muyro  gran- 
de ,  poF  hum  caminho  que  elles  para  efte  effry  to 
íizeraó.  Como  os  Caftelhanos  loubtraó  iftopufe- 
raófeera  ciladaefcondidos  muytos  ,  ecos  Portu- 
guezes que  hiaó  pela  agua  naó  eraó  mais  de  dezaf- 
fete,os  quaes  entre  aquella  penedia  pelejarão  com 
os  Caftelhanos  taó  vâlerofamente,que  matarão,  & 
f«riraó  muytps. 


s 


5^ 

y^hCe  dHtfj^^meute^que  trez-etitos 
Jà  contra  mil  Romarm  pelejarão 


\  Lufiadat  àeLnitàe 

ílo  tempo  quê  os  viris  atrevimentos 
^De  Viriato  tanto  fe  illuftrarão: 
E  delles  alcançando  vencimentos 
Memoráveis jde  herança  nos  deyxàrr.ô^ 
^m  Os  muytos por  fer  poucos  não  temamos^ 
O  <iue  depois  mil  vezes  araojiramos, 

Sahefe  antigamente  <jue  trezentos,  Efte  cafo  coma 
Paulo  Orolio ,  ík  outros :  6c  he  que  no  tempo  de 
Viruto  delpois  da  rotta  de  Nigidio  rccolhendore 
para  Caílella  mildecavaIlo,encontraraó  con)  rre» 
zentoiPcrruguezes  da  Beyja,  osquaes  hiaó  car- 
regados de  deipojo  da  batalha,  &  querendo  os  de 
cavallo  tomarlhea  prffa/c  puferaó  em  lom  de  ba- 
talha ,  Ôc  os  iizeraó  fugir  ,  ficando  dos  mil  tre- 
zentos no  campo  marcos. 

37 

Oljba  cã  dous  Infãtes^TedrOi'^ Henrique 
Progénie  generofa  de  Jomne\ 
AqusUefaz^que  Fama  tlltijhejique 
*£)eile  em  Germama^com  q  a  morte  engane: 
Rfle^que  ella  nos  mtres  o  publique , 
^  or  (eu  de  fcnhridor  ^f£  de  [engane 
*De  C^yta  a  Manra  túmida  vaydade^ 
Trimeyro  entrando  as  portas  da  Cidade, 

Olhacâ  âom  infantes  Pedr^)^^  Henrifde.  Eíles  in- 
fantes foraó  filhos  d'El-Key  Dom  João  o  pri- 
meyro  de  Boa  memoria.  Foy  o  infante  Dom  Pe- 
dro Duque  de  Coimbra  ,  &  Governador  dcftes 
Reynos ,  cm  tempo  d^El-Rey  Dom  Affonfo  o 
quinto  feu  fobrinho,  por  fer  o  dito  Dom  Aííonfo 
de  pouca  idade  ,  &  por  cíle  reípeito  não  ler  para 
governar  o  R.eyno,como  fe  conta  largamente  na 
Chronicado  dito  Rey.Efteve  o  infante  Dom  Pe- 
dro em  Alemanha  ,  a  qual  o  Poeta  chama  aqui 
Germânia  ,  como  lhe  chamaõ  os  Latinos,  6cna- 
quellas  partes,  fez  coufas  dignas  de  memoriado  que 
diz  o  Poeta  por  eftes  termos,com  que  a  morte  en- 
gane: porque  aquelles  fe  dizem  enganar  a  morte, 
que  fazem  coulas  na  vida  com  que  fua  memoria 
deípois  da  morte  fica  viva. 

Efie,ejue  elia.  nos  maleíapublisfif£..'&nHi\d€  o  ínfan^ 
te  Dom  Henrique,  era  eíle  Prmcipe  naturalmen- 
te ir.clinaio  a  fizer  guerra  a  infieiç;  A  efta  inclina- 
ção natural  fe  ajuntoa  a  obrigação  de  Teu  cargo, 
&  officio  de  Governador  da  ardem  da  cavalleria 
de  Noílb  Senhor  )e!u  Chiiílo,  que  El-Rey  Dom 
Dinis  tresavó  inftituhira  para  cfí-eyto  deita  guer- 
ra contra  infiéis. E  como naôpudefle  executar  eít* 
vontAdcporcdareroja,  os  Mouros  lançados, alem 
do  mar,  &  porque  cambem  lhe  naó  feria  bem  con- 
tado por  ler  negocio  çoçançc  aos  Reyi  de  Porçu- 
gal,o  que  te  verificou  muyto  mais,dçípois  que  feu 
pay  tomou  Ceuta»quçentaõlhe  ferrou  de  todo  as 
porcas  á  íua  pretçngaõ.  Determinou  eiuaó  Urgar 


Camões  Commentados]  Itif 

as  veias  a  léus  defcjos,&  nseíferfe  pclo  msr  dentro^ 
para  fazer  novas  conquiftas  ,  &  delcobrimentos, 
aonde  leu  nome  principaluicnteniilicalle  i  Síoú 
meritoá  da  tal  eovprefa  foílem  ícus  próprios ,  6c  f» 
pudcflem  merer  na  ordem  da  cavallaria  de  Chrilto* 
d«  que  elle  era  Governador  ,  &  de  cujo  thefoura 
podia  defpender.E  também  porque  lhe  ficafle  no- 
me de  primeyro  conquiltador  ,  &  defcubridor  da 
gente  idolatra, imprefa  que  até  leu  tempo  nenhunni 
Príncipe  tentara. 

Ck  Ceuta  a  Maura  túmida  vitUade.  lílo  diz  por- 
que quando  feu  pay  tomou  Ceuta  aos  Mouros, 
elle  loy  o  pnmcyro  que  entrou  às  portas  como  nas 
Chronicas  fe  tratta  liv.i.  cap.2. 

VEs  o  Conde  T>om  Tedro^quefuftenta 
l^otfs  Cercos  contra  toda  a  Berkeriaí 
Vés  outro  Conde  eftã^que  reprefenta 
Em  terra  Marte ^em  for  çnM  oufadiai 
*De  pader  defender  fe  não  contenta 
Alcácer e  da  ingente  companhia^ 
Mas  do  feu  Ray  defende  a  cara  vida, 
^ondo  por  muro  a  fua  alli perdida, 

Ves  o  Conde  Dom  Pedro.  Elle  Dom  Pedro,a  qUÍ 
o  Poeta  aqui  chama  Condç,fay  filho  de  Dom  Jaaõ 
Affbnío  de  Menefes  Conde  de  Viana  :  o  qual  no 
tempo  d*£l-Rey  Dom  Joaó  o  primeyro  de  Bo.i 
memoria  fe  lançou  com  o§  Caftelhanos,  &  morreo 
na  batalhado  Algibarrota.  Pelo  que  tornandofe 
fua  molher  pava  Portugal  comefte  filho  Dom  Pe- 
dro,ainda  que  El-Rey  Dom  Joaó  lhe  fezmuytas 
honras,  Sc  mercês ,  nunca  lhe  quiz  dar  o  titulo  de 
Conde  a  efte  leu  filho  Dom  Pedro ,  le  nad  delpois 
que  por  algum  tempo  regeo  a  capitania  da  Cidade 
de  Ceuta  em  Africa ,  de  que  foy  o  primeyro  Capi- 
tão, 5c  Governador.  Mas  nomeavale  Conde  publi- 
camente, como  lhe  chama  aqui  o  Poeta,  por  fer  fi- 
Ihodo  Condtí  Domjoaó,  comoficadito,  &  por 
fer  fey  to  Conde  cm  CaíteU2,como  diz  a  lua  Chro- 
nicacap.,5.Foyerte  Dom  Pedro  de  Menefes  excel- 
ientiíTimo  varaó,  6v  prjmeyro  Capitão  de  Ceuta,» 
qua!  dcfendeodedous  cercos  de  Mouros  ,  a  que 
acudio  toda  Berl>eria,  &  fez  outras  muy  tas, coulas. 
dignas  de  memoria  nas  partes  de  Africa  ,  quefe 
podem  ler  em  htimaChronica  que  ha  de  fuás  cou- 
ías  de  letra  de.  maõ.  Foy  lUuítre  fundamervto  da 
caía  de  Villarcaliôcmiis  de  muytos,6cmuy  valero- 
fos  Principes. 

l^et  outro  Cmde  eJlà.Edc  he  o  Condq  Dom  Duar- 
te, filho  i>aó  legitimo  do  dito  Dom  Pedro,,  Foy  o 
pnmeyro Capitão  de  Alcácer  ceguer  :  o  qual  de- 
tçndeo  de  hum  grande  çerço  ,  cmqueíeachouo 
Xaritecoimtodo  íçu  poder ,co  mo  diz  aqui  o  Poeta. 
Mas  do.  feu  Rty  defende  a  caré  vida.Qonta^^  na  Chro- 
nica  d' El-  Rey  Dom  Affonfo  o  quinto,queeftan- 
do  EURçy  em  Ceuta  Ibt;  deraó  huns  Mouros  avi** 

io, 


livro. 


#56"  .  __  "      Cí^Kí<?  OytavH] 

ioj  como  na  ferra  de  Bénacoíic  havia  rauy tas  ai-  Camóes  , 
d€as ,  &  lugares ,  aonde  podia  fazer  grande  prela. 
Como  lii-Key  era  affeyçoadoa  eítas  coufat.»  fol- 
gou com  elta  nova,&:  entre  outros  Fidalgos  levou 
CO mligq^ao  Conde  Dom  Duarte  ,  queeíUvaen- 
laó  couí  elle  em  Ceuta.  i)uccedeolhe  o  negocio  de 
uianeyr»  ,  que  toy  necellano  recolher le  tLl-Rey 
para  a  Cidade:oqual  venuo  que  os  Mouros  carie- 
gavaó  «layto  iobreelie  ,  diíie  ao  Conde  Dora 
Duarte  encretiveíleaquelles  Mouros  ,  oqueeile 
fez  dç  maneyra  ,  que  por  falvar  a  vida  d^lílíley, 
pcrdeo  a  fua  ,  o  que  tudo  íc  pôde  ver  largamente 
na  Chronica  allegada  d''ii.I-Rey  Dom  Aflonlb  o 
quinto:  Sc  ailego  os  lugares  aonde  os  curiofos  leaõ 
as  coufas  de  que  tratto  ,  porque  para  commento 
baila  aíTim. 


Como  elle  diz  tú  algumas  partes  deílc 


40 

A^iellesYPays  tlluflres^qnejà  derao 
'Principio  âgeraçàotque  ae lis s pende ^ 
'^Fela  virtude  muyto  então jizeraõ^ 
Epor  dcyxar  a  cafa^  que  dejcende: 
Cegos ^que  dos  trabalhos ^que  tiverão 
(Se  alta  famujô'  rumor  de  lies  fe  ejiende^ 
Efiuros  àeyxãofempre  feus  menores^ 
Com  lhes  deyxar  de fc  anjos  corruptores. 


5P 

0'Vtrõs  mu y tos  verias ^  que  os  pintores 
Aqut  também  por  certo  pmtarião^ 
Mas  faltalhes pincel Jaltamlhes  cores ^ 
H&nra,premio,favor,que  as  artes  crtaot 
Culpa  dos  vicio/os  fuccejforesy 
^le  degenerado  certo ií^fe  defvião 
*iDo  lujfre^^  do  valor  dos /eus  pajfados 
£mgoftoSi\3  vaydades  atdíiados, 

Otttroi  mupoí  verias^  Diz  o  Poeta  que  a  cauía  de 
naô  citarem  outros  muytos  em  aquelles  payneís, 
he  porque  de  generaraó  de  léus  antepaflados ,  os 
quaes  também  jazem  no  melmo  elquecimento  por 


/^cjuelks  fays  illa^res.Not^  o  Poeta  neíla  oytava, 
Sena  ieguinte  o  mao  modo  que  tem  alguns  ho- 
mens nobres  no  leu  proceder,  que  he  a  caula  por- 
que íe  cfcreve  lua  geração ,  &.  íe  naó  tratta  de  feus 
teytos.  Nefta  primeyra  diz,  que  hà  alguns  que  fi- 
2eraó  muyto  pela  virtude  ,  ôcem  quanto  viverão 
le  houveraô  muy  honradamente  com  todas  luas 
coulas,  mas  que  em  volta  diftotrattaraó  as  coufas 
dos  filhos,  com  tanta  dcfordem,  £<:  dcícuydo,que 
foraó  caula  de  feus  fey  tos  fe  eicurecerera  de  todo: 
porque  todo  leu  cuydado,6c  vigilância  pufcraó  em 
fazer  grandes  morgados  aos  fiihos,naó  ie  lembran- 
do quaó  differente  negocio  fora  adeftralos  em  ou- 
tras coufas ,  que  mais  lhe  importavaõ,  6c  como  os 
criarão  com  mimos,  &  delordens,  6i  lhe  deyxaraô 
largo  que  gaílar, vivem  atoUados  em  vicios,  &  fó- 
njente  trattaó  do  modo  que  teraõ  em  viver  folta, 
6c  defenfrcadamente ,  conlorme  a  criação  que  ti^ 


falta  de  feus  delcendentes,  que  íaó  taes  que  naó  ef-  veraô,Sc  deíla  maneyra  fe  perde  a  memoria,  aífim 
timaõa  virtude,  nem  fazem  cafo  dos  homens,  que  de  feusantepafiados,  como  a  fua,leaó  os  curiofos 
lem  engenho,  ÔC  partes  com  que  os  honrem,  6c 

Íionhiõ  os  feytos  excellcntes  de  feus  mayorcs  no 
ugar,que  merecem,  O  pincel»  6c  cores  que  faltaô 
aos  pintores, pelos  quaes  aqui  entendem  os  Poetas, 
Iromens  de  engenho  faó  como  elle  raefmo  diz  nel- 
ta  oytava:  Honra,premio,favor,  que  as  artes  cria, 

aíTim  o  diae  CKero.Homs  alit  artes,  O  que  parece    Culpa  de  Repique  às  vezes  aprivndos 
tomou  do  Poeta  Anílophanes,  o  qual  vendo  que     ^^^  ^^/     .  ^  ,^^,y^  esforço^e  faber  tenhao 
le  queyxavao  muytos  de  haver  fracos  Médicos      r-n     ^,  r         -      '^  ^  ^    •'   j 

em  Athenas  havendo  cm  outras  fciencias  varões    ^P'' ^s feus  nao querernverptntados       ^ 
€minentiíritnos,diae  cilas  \>^'zvY7i%S»emadmodum     ^^^^do  que  cores  vanslhes  nao  convenbao 
framiHm,  ifamc  ars  x;í^íí.Faltaõ  Medicos.porq  lhe     ^  ^^^^  ^/^f*  c^^^  trario  naturalj 
faltaõ  prémios  a  iílo  alludio  Marcial  quando  diílej    Ajpiutura^que  fallayquerem  tnal. 


a  Horácio  ,  que  trata  deíla  matéria  largamente. 
Od.24.1iv.3. 

Ostros  t  abem  ha  gr  ande  s^  G?  abaftadosl 
Sem  nenhú  tronco  illu[lre  áõde  venhaõi 


SifJt  Maceniteijfjon  deerunt  flacce  Maronei 
í^trgtlíumfit  tibiyVÚ  tua  rura  dabunt. 

Aja  Mascenates ,  haja  homens  que  favoreçaô  ,  6c 
nao  tiltaraô  Poetas, 8c  a  cada  canto  achareis  hum 


Virgilio  ,  6c  quanto  a  mim  a  razaó  porque  hoie 
os ,  6c  Virgilios ,  he  porque  naõ  há 


faltaô  Homeros 


*.w«w  t^ic^ucros ,  ccvirguios,  neporquenao  na 
uem  faça  calo  dos  homens  quepreftaõ.  E  vemos 
iíoje  os  homens  dados  a  letras  humanas  ferem  ti- 
dos cm  pouco  ,  donde  vem  haver  poucos  que  nd- 
las  fe  efmerem  ,  Talvo  a  natural  inclinação  de 
ál^UiÀ,  o  força  a  iílo,  CQmo  o  foy  o  nollb  Luís  de 


Outros  tfimbem.  De  paflagem  dáhuma  repren- 
faõ  aos  Principescos  quaes  muytas  vezes  leaíley- 
çoaõ  demafiadamenteagenteque  naó  he  dignada 
honj-a  que  lhes  daó, 

E  como  a  feu  contrario  natural,  Aftntura^  ^ue  falia 
querem  mal.  Daqui  vem  que  eíles  querem  mal  a 
hiftoria ,  6c  poefia,  a  que  aqui  chama  pintura  ,  que 
falia  ,  porque  aííim  huns  como  outros  naó  tem 
partes ,  por  onde  fuás  coufas  fejaó  celebradas :  8c 
daqui  querem  mal  aos  homens  que  tem  engenhoií 
A  razaó  porque  a  Poeíia  íe  chama  pintiira,q  fallai 
vejafe  a  nofla  annotaçaô  no  canto  7.oytava 76. 

NaBl 


Lujiadasde  Luis  de  CamBes  Qommentados. 

A  bufe  ar  a  repoufa,  que  defcança 
41  Os  lajjos  animais iUa  noyte  manftt^ 


n^ 


NAÔ  nego, (j fie  ha  com  tudo  de fce  ridentes 
T)o  generofo  tronco y^  caf a  rica^ 
^tecomcoflumes  altos /$  exeellentes, 
Suftentão  anobreza^cfue  lhes  fica: 
£fe  a  luz  dos  anttgus  feus aparentes ^ 
J^elles  mais  o  valor  não  clarifica^ 
i^aÕ  falta  ao  menos ^nemfe  faz  efcura^ 
Masdefies  acha  poucos  a  pintura. 

Naofte^o.  Louva  neftaoytava  o  Poeta  ,  os  que 
procuraóconlervar  a  honra,  que  erdaraó  de  feiís 
inayores,os  quaes  ainda  que  naó  taçaó  maravilhas, 
nem  eftremos  em  Cavallaria  ,  6c  oucras  couías 
dignas  de  memoria,  nem  fe  queyraó  avantejar  de 
Icus  antepaíladosiconlcrvaõ  a  honra  que  deJles  lhe 
ficou.,  E.  iftohe  coula  muyto  digna  de  louvor, 
donde  difle  Ovídio: 

í7om  minor  e(l  vwttts^efHíim  f^uarere^parta  tuerif 
Cafui  mejl  illic,bic  erit  arttt  opui. 

Naô  he  menos  virtude  confervar  o  ganhado,  que 
ganhalo, porque  no  ganhar  governa  a  fortuna,  no 
reterá  prudência.  È  como  eíta  virtude  de  íaber 
confervar  o  ganhado  íeja  grande  ,  há  poucos  que 
•  tenhió.pclo  que  diz  o  Poeta,  deftes  acha  poucos 
a  pintura,quedeílcs  achaó  os  homés  doutos  muy- 
to poucos  de  que  clcrever,5c  trattar  em  fuás  obras. 

4$ 

ASfieftâ  declarando  os  grandes  feytos 
O  GamãjCfue  alli  mofira  a  varia  tmta, 
^le  a  douta  mão  taõ  claros  Jaõperfeytos 
^0  fmgular  artífice  alli  pinta: 
Os  olhos  tinha  prontos  fl$  direytos,  ^  " 

O  Catualna  hiftoria  bem  diftintay 
Mil  ve&es  perguntava^  mil  ouvia, 
Asgofiofas  b atalhas ^que  alli  via, 

^ueallimofira  avaria  tinta.  A  diverfidade  da 
pintura  que  alH  eftava  feyta  por  maó  do  official 
excellente  ,  na  qual  tapeçaria  efUvaô  pintados 
diffcrcntes  acontecimentos ,  &  batalhas,  que  os 
Portuguezestiveraócom  difFerentes  acontecimé- 
tos,6c  tudo  có  tanta  claridade, 6c  perfcyçaó,q  naô 
havia  que  delejar. 

44 

MAs já aluz  fe  moílrava  duvido fa^ 
Torq  a  tampada  grand(í  fe  escondia 
^ebayxo  do  Orizonte^à'  lumimja 
Levava  aos  antipodas  o  dia: 
^ando  o  GentÍ0i&  agente  generoTa, 
'Dos  Nayres  da  naofortefe  partia 


MaijÀ.  MoftraoPoetanefta  oytava  o  temp» 
que  o  Catual,  &  gente  principal  de  Calecut,  qus 
fora  à  nofla  capitania,  íe  recolhia,  que  era  já  quaíi 
Sol  pofto ,  o  que  diz  por  eftes  termos.  A  lâmpada 
grande  fe  efcondia,debayxo  do  Horizonte,  &  lu» 
minofa  levava  aos  antipodas  o  dia.Alampada  gran- 
de he  o  Sol,como  lhe  chamaó  os  Poetas  Horizon- 
te,he  hum  circulo  da  Eíphera,q ue  divide  efte  unt- 
verfo  cm  duas  partes  iguaes^flcyxando  huma  ame* 
tade  fobrc  a  terra,&  outra  debayxo.Ifto  he  o  que 
o  Poeta  aqui  diz  :  que  o  Sol  le  metia  debayxo  do 
Horizonte  ,  como  fe  diílera  que  íe  recolhia  para 
a  outra  parte  do  Ceo,  que  eftâ  debayxo  de  nós,  n^ 
qual  moraó  os  Antipodas.  Antipodas  he  nome 
Grego,  compoílo  de  duas  palavras  da  prepofíçaó 
anci,q^^  quer  dizer  contra,  Sc  pus,  o  pe,por  ferem 
homens  que  pizaõ  o  terra  ao  contrario  de  noflbs, 
pés.O  Bemaventurado  Santo  Agoftinho,  como  fç 
pòdc  ver  no  livro  da  Cidade  de  Deos  liv.  16.  c.  9^ 
naó  íc  pôde  períuadir  haver  Antipodas  ,  hojehc 
mais  que  certo  que  os  há,  Sciftonaó  Icmente  por 
razão  da  Efphera ,  mas  por  fe  haver  andado  tanta 
terra  conira  o  Sul, que  feguramente  le  pode  dizer, 
que  na  terra  contraria  a  cita  noífa  moráo  homens 
como  neftas  partes,  ôcaíHm  eftes  quanto  a  nós  fe- 
ráõ  noflbs  antipodas  ,  Sc  nós  da  mefma  maneyra 
quanto  a  elles,como  diz  Luis  Vives,  íobre  o  lugar 
allegado  do  Bemaventurado  Santo,  ao  qual  enga- 
nou Ladancio  Firmiano ,  quefoy  defta  opinião. 
Do  Horizonte,  ôCiíiais  círculos  do  Ceo  vcjale  o. 
que  efcrevemos  no  tcrceyro  canto  ,  oytava  6. 

O  repoufoejueíle(ca»ça.  Kepoufo  quedefcança,hc 
o  fono,aírim  lhe  chama  Virgilio:Sí»í»e  (juies  rtruniS 
O  fonodefcanço  das  coulas  ,  6c  outros  Poetas. 
A  força  do  fono,&  a  cafa  em  que  mora,pinta  Oví- 
dio nas  Metamorpholes  liv.io. 

45 

ENtre  tanto  os  Arufpices  famofos , 
Nafalfa  opinião, que  em  facri fidos 
Antevèmfempre  os  cafos  duvido fos» 
Tor  (mães  diabólicos^  indícios; 
Mandados  do  Rey  próprio ^ejludiofos 
Exercitavãò  a  artet&feusofficiosx 
Sobre  ejla  vinda  dt fia  gente  ejiranha, 
^e  ãsfuas  terras  vem  da  ignota  Efpanhd 

Entre  tanto  ot  Arujpim  famefos.  Finge  aqui  o 
Poeta  como  em  quanto  o  Catual  eftava  embebido 
em  verosrctrattos,6c  pinturas,  de  que  atrás  Ic  fez 
menção,  o  que  também  foy  fingimento,  mandou 
o  Rey  aos  feus  agourcyros  ,  aos  quaes  os  Latinos 
chamaó  Arufficei,  como  o  Poeta  lhe  chama  aqui, 
que  lhe  foubcftcm  o  intento  dos  Portugupzes ,  Sc 

que 


^^  -. 


231  ^         1^  ,  H.«,,       CantoOytavo. 

que  os  movera  a  hir  ás  partes  da  India^^para  ver  co-    Ifto  dizendo jãcorda  o  MmiYO  apnhã^ 

mo  fe  havia  de  haver  com  elk-s.  '    Efpantado  do  lonho^mas  configo 


46 


Cuyda.que  não  be  mais, que [onho  ufado^ 
Jorna  a  durmtr  qutetofê  lojjegado 


-fT 


E  dízlbe  affi.Reconia.  o  Poeta  aqui  neíla  oytava 
ascouras,quc  Baccho  difle  a  El-Rey  de  Calecut, 
citando  dormindo  em  figura  do  feu  maldito.  Ma- 
fâmede,que  fe  guardafle  dos  Portuguezcs,os  quaeí 
náo  tràziaó  outrointeiíto  fe  não  deftruhir  a  terra 
da  índia.  ' "i  i 


T 


49 

Orna  Bacco  dizendo:  Não  conheces 


Sinal  lhe  moftra  o  T^emo  verdadeyro, 
T)e  como  a  nova  gente  lhe  faria 
Jugo  perpetuOieterno  caíiveyro, 
^Dejirutçaõ  de  gente ,&  de  valia: 
Vaife  ejpantado  o  atonitOyagoureyrOy 
*ÍDi'zer  ao  Rey  Çfegundo  o  que  e?itendía') 
Osjinaes  temerofos ,que  alcançara 
Mas  entranhas  das  viãimas^que  olhara, 

l^a^  entranhai  das  viBintat,  Viftima  he  palavra       J.    O  graõ  legislador , que  a  teus pajjados 

Latma,  quer  dizer  facrificio,  &  era  o  que  enire  os  Tem  moflrado  o  freceyto  a  que  obedeces^ 

Antigos  íe  fazia  por  alguma  vittona  alcançada  Semoqual fôreis  muytos  bauttzados? 

peio  pioprio  vencedor :  Donde difle  no  livro  pri-  EuPortt  tudo  vèllo,^  tu  adormeces^ 

travmricevocatur.   Viótimafechamao  lacrificio,  "Pois  faber as, qne  aqUelles, que  chegados    ^ 

que  le  lacrificou  pelo  vencedor.  Eftas  vidimas  ^  novo J ao  feraomuy  grande  dano 

craó  animaes,os  quacsmataváo  os  Antigos  a  léus  ^^  l^ytque  eu  deyúO  nejcio  pOVO  humano. 
ídolos,&  pelas  tripas,&:  entranhas  delles  conjedu- 

ravão  o  que  haviaó  de  fazer  ,  como  o  Poeta  aqui         7orna  Baccho.  A  primcyra  vez  que  o  Rey  acor- 

aponta  ,  queeftes  agourcyros  de  El-RcydeCa-  doa  efpantado  do  fonho  que  fonhara  ,  náofein- 

lecut  conhecerão  das  entranhas  dos  animaes ,  que  q^uictou,porque  lhe  pareceo,que não  era  mais  que 


lácrificaváo  fínacs  de  Calecut  fcr  deftruhiâá  dos 


Portuguezes, 


47 


AJflo  mais  fe  ajunta^que  a  hum  devoto 
Sacerdote  da  ley  de  Mafamedcj 
^os  ódios  concebidos  não  "femotOy 
Contra  a  divina  Fè^que  tudo  excedei 
Emformado^rofetafalfOj^notOj 
§lue  do  filho  da  efcrava  Agar  procede , 
Bacco  odiofo  em/onhos  lhe  aparece^ 
^le  defeus  ódios  4ndafe  não  dece^ 


fcnhojComo  coílumava  outras  vezes  fonhar  cou^ 
ias  femelhantes.  Mas  defpois  que  vio  o  retorno  do 
Baccho  dizendolhe ,  quem  era,  6c  como  o  avilava 
do  mal,que  lhe  citava  aparelhado, tornou  lobre  íi, 
como  nas  oytavas  leguintes  fe  verá.  O  grande  Legifi 
lador,  He  o  íeu  fallo  propheta  Mafamede,  que  lhe 
deu  a  ley  que  leguem.  Eu  por  ti  rudo  'velo,  Saó  pala- 
vras de  Mafamede  ,  comas  quaes  reprehcnde  aa 
Reychamandolhe  rudo,pois  andando  inquieto,5c 
velando  pelo  livrar,  elle  adormecia,  defcuydado 
do  que  lhe  podia  acontecer.  Da  ley  ejue  eu  d(y  ao  ntm 
cio  povo  humano.  Com  muyta  razão  chama  o  Poeta 
aos  Mouros  povo  necio  ,  pois  feguem  huma  tao 
grande  parvoice ,  &  defatino,  como  he  a  torpe ,  $C 
necia  feyta  de  Matamede. 


50 


A  iflo  mais.  Para  o  Mouro  mais  le  certificar  no 
que  os  fcus  agouros  lhe  dizião  ,  6c  aconíelhavão, 
finge  o  Poeta  que  Baccho  inimigo  capital  dos 
Portuguezes  »  tomou  a  forma  do  falío  propheta 
Maían-ede,  6c  induzio  a  El-Rey,que  deftruhifle  os 
Portuguezes,  queerãohunspiratas,que  andavaó 
aílolando  o  mundo.  O  propheta  falío,que  proce- 
de da  elcrava  Agar ,  he  Matamcde.  Uía  defte  ter-    Seplde  nellepdr  a  aguda  vifia: 
modefallar  ,  porque  como  fica  dito  por  muytas     ^^  orem  depois  que  fobe  claro  ^  ardente 
vezes    os  Mouros  procedem  de  Agar  efcrava  de    Seaagudezados  olhoS  oconquifta 
Abraham  ,  da  qual  eeraçao  procedia  Mafamede.    *—-     ^       n  r        • 


EM  quanto  he  fraca  a  for  ça  de  fia  gente ^ 
Ordena  como  em  tudofe  refífta^ 
^Porque  quando  o  $ol fae  ^facilmente 


Vcjaíe  a  nofla  annotação  no  canto  5»oy  tava  23. 

48 

EUizlhe  affíyGuardayvos  gente  minhas 
T>o  maluque  fe  aparelha  pelo  tmígOj 
Slue pelas agoas húmidas  caminha. 
Antes  ^que  ejleis  mais  perto  do  perigo: 


Tão  cega  fica ,  quanto  ficareis, 
Seratzes  criar  lhe  nad  tolhe  is, 

Emejuanto  he  fraca  a  força.  Com  humacompti 
ração  maravilhofa  moítra  Baccho  a  El-Rey  dl 
Calecut  ,  como  lhe  importa  muyto  cortar  as  ra| 
hizcs  a  efte  negocio  ,  &  entrada  dos  Portuguezc 
cm  Calecut,porque  aílim  como  o  Sol  em  nacend< 

não 


Lufiadasde  Luís  de  Carnes  Commentndos,  2  j  ^ 

não  faz  nojo  à  vifta  ,  o  que  he  pelo  contrario  na    "Dizendo ^que (ão gente ttnqiúetãSi 
crecença  do  dia  ,  que  não  hà  quem  o  elpere  por    ^e  OS  mares  dijcorvendo  Occtdmtaes^ 
fua  quencura,  ôc  claridade,  &  aílim  nos  princípios     i/i.yemjò  de  Mr áticas  rapinas, 
temascoulasrcnKdio,oqualde(poisqueelW  Sem  Rijjem  leys  hummas  ^oudtvinas. 

crecimento  nao  aprovcyta :  donde  ailic  Ovídio.  j-fj  '  j       »  u*,í.í»^. 


Trincipijs  ohflatjero  medicina  paratury 
Cum  mala  per  longat  convaluere  moras. 

Refifteaos  princípios,  porque  tarde,  Ôc  mal  fe  rc 

niedeaó  os  males,quando  tem  tomada  poíle  da  caza.     coílayros,  porque  os  Latinos  chamáo  ao  Coilayro 

do  mar  pirata. 


Com  fí/fíí/.Efcreve  Joaõ  de  Barros  naprinjeyrâ 
Década  liv.4.  c.s>.  que  os  Mouros  de  Calecut  pey- 
tarão  grandemente  ao  Governador  da  teira  ,  para 
que  danaíle  o  animo  de  El-Rey  contra  os  Portu- 
guezes, como  fez.  Raptnaf  ptrattcas.  Saò  roubos  de 


51 

IStodíto,e/ley^  ojonofe  defpede. 
Tremendo  jica  o  atónito  Agareno j 
Saltada  camajume  aos  fervús fede. 
Lavrando  nelte  o  fervido  veneno: 
Tanto  que  a  nova  íuz^que  ao  Sol  precede^ 
Moftràra  rojto  angeluOj&ferenOy 
Convoca  os  ptmipats  da  torpe  Jeyta^ 
Aos  quaesydo  que Jonhou  dà  conta  ejlreyta, 

Ifiodttto.  Moftra  nefta  oytava  como  El-Rey  de 
Calecut  licou  ctpantado  ,  ôc  medrofo,  com  o  que 


54 

O   planto  deve  0  Rey^que  òemgoverriíh  '■■. 
'De  olhar^qos  confelheyros^ouprivauQS 
*Dc  confiencíai&  de  vntude  interna  ^ 
E  defincero  amorfejão  dotados : 
^Porque  como  ejlépojlo  nafuperna 
Cadeyra,pòde  mal  dos  apartados 
Negócios  ter  noticia  mais  inteyra, 
T)o  que  lhe  der  a  lingoa  confe  Iheyra 

O  efuanto  deve  o  Rey,^u€  hem governa.  O  principal 

íhedilVe  Bacchr/tm  figúr7do'lVulaílõ"p^^^^  coníclheyro  de  El-Rey  que  pcrtende  governar 

Mafamede  ,  ÔC  como  mandou  logo  em  amanhe-  ^^u  povo  reda,  ôcjuílamentcdevc  fer  Deos,  a  elle 

cendo  chamares  principaes  da  terra  ,  8c  trattou  ^edeve  chegarem  luas  duvidas  ,   Sccomelledeve 

com  tiles  o  que  fonhara  aqutlla  noytc  pafikda.  trattar  fuascoufas,  como  fe  efcrevcque  fazia  Da- 

Asareno  hc  Mouro,como  fica  dito  por  muytas  ve-  '^'^  Reg.2    Eík  he  o  verdadeyro  coníclheyro,  Sc 

zes,  tomale  pelo  Rey  de  Calecut ,  ao  qual  chama  9"^  »^âo  pôde  erranofegundo  ,  logo  gente  zelofa 


Agareno ,  não  por  elie  ler  Mouro ,  fe  não  porque 
era  afiFeyçoado,ôc  inclinado  aos  Mouros.  Nova  luz 
g««<ííá<j/^ríCíí/e,Efta  nova  luz  que  precede  ao  Sol 
he  o  Luzeyro,ôc  chamafc  luz  nova, porque  apare- 
ce ante  manhã  ,  como  menfageyro  da  luz,  &  por- 
teyra  do  Sol  ,  defta  ellrella  le  veja  o  que  notá- 
mos atras  no  canto  6.oytava  85. 


D  Iver/os  parecer  es, (^  contrários 
Jiltje  dãojegundo  o  que  entendião, 
JJí uc tas jrat coes iCUíT^anos  vários. 
U^nfidias  ínventavãOj&  tectão: 
Mas  deyxando  concelhos  temerários y 
*T>tfiruição  da  gente  pertendiãOj 
^ur  manhas  mats/ut is, &  ardis  melhores j 
Com^eytas  adquirmdo  os  Regedores. 

55 

C"*^  Ompeytasyouro^&  dadivas  fecretas 
j  Cone iliào  da  terra  osprinãpaesy 
Bcom  razoes  notáveis,^  di [cretas, 
Mojlrão/tr^erdi^aô  dos  nattiraesx 


da  virtude, 6c  que  vive  Chrinãmenre,ôc  não  gente 
ambiciofa,8c  que  pertende  \ò  feu  intereíVe.Porque 
os  conitlhos  de  gente  de  rrà  alma,  não  podem  fer 
bons,le  não  peflilenciaes,  &  como  dizem  os  Lati- 
nos: Exe<í  ofjictna^cje  funt  opes'.  De  tal  tenda, tal  fer- 
ramenta ,  Mâ  arvore  não  pode  dar  bem  fruyto. 
Qiieyxalc  Deos  por  Ifaiascap.  50.  dos  Principcs 
de  Tírael    ,  porque  fe  não  aconfelhaváo  com  elle: 
porque  via  os  defaíires ,  &  perdas  que  lhe  aconte- 
ciãopor  fefiar  defi  ,  ôc  de  outros  que  fabiáotão 
pouco  como  clles.  E  pcis  os  Rcys  neceflariamen- 
te  haó  de  ularde  homens,  com  que  trattcm  fuás 
coulas,que  o  contrario  feria  tcmeridade,deviaó  fe- 
guir  o  ccnfelho  do  Sábio  Eccleliaft.  8.  em  bufcar 
gente  de  boa  confcicncia,  ôc  avifada.  Porque efta 
como  tratta  em  não  ííelervir  a  Deos,  também  pro- 
cura a  cortar  nos  negócios,  que  lhe  commettem: 
porque  cuydaó  o  que  haó  de  fazer,  o  que  não  tem 
homem  de  m:i  alma  ,   que  logo  Ic  precipita  a  fazer 
o  que  fua  mâ  inclinação  pede,  ôccom  cordejul- 
tiça  executa  fua  níá  inclinação. 

5  5 

NEm  tão  pouco  direy^que  tome  tanto 
Emgrojfo  a  covfiencta  Í\mpa%  &  cert* 
^ne  fe  eleve  em  hupohrey&  humilde  mantOf 
Onde  ambição  acafoande  encubcrta-. 


2^4  Canto  Oytav9. 

d  quando  hum  bom  em  tudo  hejuflo ,  ^fanto 

Em  negócios  do  mundo  f  ouço  actrtãy  e  g 

^ttcmulcom  e  lies  poder  àtsr  conta  ,    .,,         r»     ^      •    # 

A.Htct^imocencia  cmíó  'Deos  PXomPta.  p  i^"""     '^  ^''"í^^/^^f  ^'«^í 

,  ^       ^  X    ^or  quecom/eudefpacbofe  toruaffe^ 

Nem  tão  pouco  í/<Vej».Não  quer  o  Poeta  aq ui  mof-     ^ejâjentia  em  tudo  da  maligna 
trar  couhi  alguma  contra,  o  que  notámos  na  oy-     Qente  twpedir/è  quanto  defejaífe' 
_  tava  paí]ada,nem  ^xcluyc  do  governo  do  Rcyno,     QRey.que  da  noticia  f alfa, &  mdina, 
CC  njuda,  Scconíelho  dos  Reys  os  virtuofos:  mas      \r-  j      r       ^       r     r  rr 

Nao  era  de  e/pantar/e  e[pantajjej 


•*u 


quer  que  os  Keligiofos  ,  6í  recolhidos  le  naô  in- 
quietem para  os  taes  miniílerios ,  mas  que  le  bul- 
quem  homens  bons,  aviíados,  amigos  ,  &  zeloios 
da  virtude  ,  aos  quaes  ie  dé  lemelhantc  cargo.  E 
quando  os  Religiofos  tiveflem  as  partes  neccfla- 
rias  ,  para  femelhantes  cargos,  muyta  ventagetn 

fazem  aos  fccularesjpois  alem  das  partes, que  os  le- 

cu lares, tem  outras  muytas,que  ícrvem  muyto  para 

lemejhantcs  obrigaçóes,como  he  virtude,}etra5,& 

citar  mais  chegados  a  Deos ,  pois  efta  he  lua  obri- 

gaçaõjSí  ofíicio. 

j*  As  aquelles  avaros  Catuaes^ 
^le  o  Genúíico povo govcrnãvxOj 
Induzidos  das  gentes  tnfernaes. 
Ao  ''Fortuguez  de/pacho^dilatàvão: 
Mas  G  Gama, que  não  pertende  mais, 
T>e  tudo  quanto  os  Mouros  ordenavão% 
^46  levara/eu  Rey  hum  final  cer  to  ^ 
U}o  tmndo.que  deyxava  defcuberto. 

Mas  aejuelles  avaro*  Catuaei.  Os  Governadores 
de  CaJccut,queiâ  fica  dito,que  íechamaó  em  lin- 
goa  do  Malavar  Catuaes  ,  procuravaõ  por  todos 
Gs  meyos  deftruhir  a  Valcoda  Gama,  &  aos  léus, 
&  aíTim  os  n»exencavaõ  com  El-Rey,  movidos 
pelo  dinheyro,  &  pcyta?,  que  os  Mouros, por  eftc 
refpeyto  lhe  davâo.  É  cila  era  a  razaó,  porque  lhe 
dilataváo  a  repolta  ,  &  dcfpacho  para  tornar  a 

Portugal  a  dar  conta  a  El-Rey  ,do  que  tinhaó  dei-     Qf^^  bemvè,aue£rafídi//Imoproveyto 

Faraje  com  verdade, a-  comjuftt^a 

57  . 

Nlflo  trabalha  fó^qtis  bem/abia, 
yiue  depois ^que  levaffe  efta  certeza 
Armas ^^  nãos ^^ gentes  mandaria 


^le  tão  crédulo  era  em/tus  agouros ^ 
E  mais  fendo  affirtmados  pelos  Mouros^ 

Fallar  ao  Rej  Gentio  ãetermina.  Como  Vaíco  da 
Gama  enrcndeo  a  malícia  dos  Mouros,8c  até  a  que 
ordiaô  ,  para  por  todos  os  meyos  delvjar  os  Portu- 
guezes  do  comercio,  &  tratto  que  pcrtendiaó  nas 
partes  da  índia  :  determinou  fallar  a  El-Rey  ,  ôc 
defta  maneyra  com  bom,  ou  mao  delpacho  lahirfc 
de  Calecut, &  tornarle  para  o  Reynoj  porqucen- 
tendia  fuâellada  fcr  de  pouco  proveyto.E  como  o 
Rey  eílavafobornadodo  Carua!,&  mal  informado 
delle  ,  ôv  de  fua  natureza  era  homem  de  pouco  la- 
ber,  &conílancia,  não  acabava  de  dar  ordem  ao 
defpacho  de  Valcoda  Gama: antes  cílava  de  bor- 
do de  fa7cr  mal  aos  Portiiguezes,  por  comprazer 
aos  Mouros  ,  os  quaes  viaó  que  Te  os  Portuguczes 
tivelIVin  comercio  em  aquelJas  partes ,  redundava 
cm  grande  dano  ,  8c  perda  lua.   E  o  que  mais  os 
atormentava  era  o  dito  de  hum  feyticcyro,  o  qual 
affirn!ava,quc  os  Portuguezcs  haviaó  de  ler  totaijB 
deftruhiçâo  daquellas  partes,como  fe  pôde  ver  ena    - 
Joaó  de  liairos  naprimcyra  Década  hv.4.  c.p. 


59 

E  St e  temor  lhe  esfria  o  bayxopfytOy 
^or  outra  parte  a  força  da  cohiçay 
A  quem  por  natureza  eftàfogtyto^ 
Hum  defejo  immortallhe  acende  j^  atiça: 


O  contrate  fazer  por  longos  annos^ 
^e  lhe  comete  o  Rey  dos  Lufitanos^ 


"Efle  temor  lhe  nfria  o  bayx6  pyt»X>U7S  couías  tra- 
ziáo  I  El-Rey  confulo,&  o  não deyxavâo  deter- 
minar como  le  haveria  nefte  negocio  dos  Portu- 
guczes, huma  o  medo  ,  que  lhe  faziaô  os  Mouros, 
dizendolhe,que  osnoflos  eráocoflario5,Sí  vinhaó 
deftruhir  aquella  terra:  a  outra  era  a  cobiça»quco 
apertava,  porque  naturalmente  era  avaro,  &  ami- 
go de  adquirir ,  como  aqui  diz  o  Poeta  :  &  conta 
l^iji o  trabalha  fo.   O  que  procurava  Vafco  da     Joaó  de  Barros,  que  o  Mouro  Monçnyde  o  avifou 


Manoel jque  exercita  afumma  alteza: 
Com  que  a  jeu  Jugo^^  ley  fometeria 
^as  terras, &  do  mar  a  redondeza^ 
§ue  elle  nao  era  mais^qne  hum  diligente ^ 
^e/cubridor  das  terras  do  Oriente: 


Gama  era  repoíla  d' El-Rey  de  Calecut,  &  fahirle 
delia,  para  levar  nov^s  a  El-Rey  Dom  Manoel  do 
que  tinha  dclcuberto,pora  prover  com  armada,& 
gente, com  quefojugafleaquclias  partes, que  tinha 
Cicicuberco. 


affim  a  Vafco  da  Gama  ,  &:  porque  viao  que 
aceytando  elte  negocio  dos  Portuguezcs  ,  fendo 
verdade, o  quelhedizv.i  o  Capitão  mor  Valcoda 
Gama, teria  grandes  intcrcfles,&  proveytosrainda 
que  era  combatido  dos  medos.qoe  os  Mouros  lhe 

punhaô 


nunhaó  ,  não  Te  acabava  de  determinar  no  defpa- 
cho  de  Valco  da  Gama ,  como  diz  o  Poeta  na  oy- 
tava  leguinte. 

CO 

Sobre  ifto  nos  confeíhos^qne  tomava^ 
Achava  muy  contrários  parecerei 
^le  naquelles^com  quem  Je  aconfsLhavdy 
Hxecuta  o  dtnheyro  ftus  poderes: 
Ogrande  Capitam  chamar  mandava, 
A  qnem  chbgado  dljfâ: Se  qmzeres       ^ -j  y;;jyo 
LoiifejJaT7/ie  a  verdade  limpa^^  nua    ■'-  - 
'i^ardào  alcançaras  da  culpa  tua. 


Lujiadâs  de  Luis  de  Camões  Commentados,  2  3  f 

Mouro  Monçayde  como  fica  dito  aconíelhoua 
Va<co  da  Ga 


ma,  que  mandaílc  algum preíence  a 
El-Rey  de  Calecut,  porque  ie  coítumava  iiaquel- 
las  partes  :  6í  de  outra  maneyra  não  teria  entrada 
cm  cala  do  Rey;  o  que  Valco  da  Gama  guardou  a 
rifca  ,  mas  ainda  o  l<.ey  náo  ficou  latisfeyto  ,  pelo 
q  remoqueou  aqui  ao  Capitão  mór ,  que  náo  era 
poíTivel  lerfuacmbayxada  verdadeyra  ,  pois  náo 
hia  acompanhada  com  grandes  prcíentes  :  6c  que 
náo  era  razão  dar  credito  ás  palavras  de  hum  na- 
vegante ,  que  náo  tinha  lugar  cerco  ,  ôc  que  náo 
podia  dar  outro  fiador  a  íuas  promeflas  ie  não 
as  palavras,  de  que  ufava* 


<^i 


SE  por  ventura  vtndes  de jl  errados^ 
Comojà  forão  homens  de  alta  for  te^ 


Executa  o  Jinbeyrofeui' poderes.   Náo  acertava  o 
Rcy,no  que  devia  fazer  ,  acercado  defpachodos 

Portuguezcs;  porque  os  do  leu  conlelho  eílavão  _ 

peviaaos ,  Sc  lobornados  pelos  Mouros :  Sc  Hto  he  £tn  meu  Reynojereis  aga/alhados^ 

o  que  diz  aqui  o  Poeta  ,  que  executa  o  dinhey  ro  &uetoda  a  terra  he  pátria  para  a  forte: 

feus  podcres;porque  como  diz  o  Provérbio:  Mun.  (jufeptrata  [cis.ao  mar  usados, 

erihuivel  Otf  capmntur.  Ate  osucoicsíeâohvào  com  ct^-     '  r'  j     •    , 

dadivas ,  para  encarecimento  do  muyto,qo  inte-  "Dtzeymo.fenUemor  de  mfamia^ou  mortt, 

refle  pódc.  Vejaíe  o  noflb  Poeta  nas  oytavas  uki-  ^ueporjefiíjtentar  em  teda  idade ^ 


mas  deite  canto. 


G\ 


E 


^f ou  bem  informado ^(jue^ a  embayxada^ 
^e  de  teu  Rey  me  áèfie^que  he  fingida x 


Tudo  Jaz  d  Vital  neceffidade, 

^m  toda  á  terra  he  fatria  para  o  forte.  Os  Grego» 
dizé  Otnne  fohm  fcrti  pátria  efi.  Toda  a  terra  he  pá- 
tria para  o  foi  te  aóde  os  hoinés  Ie  achaô  bé.alli  he 


forque  nem  tu  tens  Rey, nem  pátria  amada,    lua  patria^Sc  natureza.  Perguntando  o  P  hiloíopho 
Mas  vagabundo  V  às  pajj ando  d  vida:  ^  ^' ^"  "*        """"^  — '-'^'^'^'"^ '  -^-^  ^.'^«. 

^em  da  He/peria  u/t  ima  alongada, 
Rey,  oufenhor  de  in Tânia  de/mcdida^ 
Ha  devir  cometer  com  naos^é' frotas  ^ 
Tam  incertas  viagens ^&  remotast 


Cltic  quem  da  Hefperia  «/íiwa.Tinha  por  coufa  tão 
extraordinária  o  Samorim  poder  ir  gente  de  Hel- 
panha  ás  partes  da  Índia,  que  cuydava  ler  mentira 
tudojO  que  Vaíco  da  Gama  lhe  dizia.  Hefperia  ul- 
tima ,  ou  minor ,  chaniáo  os  Latinos  a  Hcfpanha. 
Hefperia  prima,  ou  mayor  a  Itália,  arazáoleveja 
na  nofla  annota^áo  no  iegundo  canto,oytava  108. 

E  Se  de  grandes  Reynospoderofis 
O  teu  Rey  tem  aregta  Magefiade^ 
^epref  entes  me  trazes  valer  o  [os, 
Stnaes  de  tua  incógnita  ver  d  ide? 
Compeças^^  does  altos  funtuofos 
^e  lia  dos  Reys  altos  a  amizade^ 
^le  final, nem  penhor  ^nao  he  baftante^ 
As  palavras  de  hum  vago  ftavegante. 


Sócrates dórie  era  natural, rcfpondeojq do  mudo: 
dando  a  entender  ,  que  qualquer  lugar  aonde  o 
homem  vivia  a  íeu  goffo  era  íua  natureza ,  &:  qu  e 
era  lugar  de  deíf  erro,  6c  dcfaventura  aquclle  aon- 
de fe  achava  mal.  Vçjafe  o  provérbio  :  ^LUfvister^ 
ra  pátria ,  sonde  ajunta  algumas  coufas  a  efte  pro- 
pofito. 

/í  vttafnecFJfidade,  A  ncceíTidade  das  coufas  ne- 
ceflarias  para  3  vida  ,  a  quanto  a  neceffidade  obri- 
gue, &  qué  coulas  commcttão  os  homens  aperta- 
dos defte  maljhe  coufa  alíás  fabida.  Donde  veyo 
aquelle  provérbio  tão  ufado  :  Necef/itat  telum du" 
riffintíiWy  a  neccíTidade  he  arma  duriflima.  Os  anti- 
gos linhaó  a  neceíTidade  por  Deofa  ,  a  qual  pinta- 
váo  com  hum  tear  polio^noalto  doar,  armado  em 
grandes  eriacas,&  muyto  forTcs,do  qual  lugar  pef- 
cava  tudolem  haver  couía  que  lhe  refiílifle.Aflim 
o  diz  Platão  em  muytoslugares,&  a  ifto  tirou  Ho- 
rácio em  h3a  Oda  do  livro  terceyro  que  começa; 

Inta^ií  opukntior 

Jhefaurií  Arabum^  (jr  dtvttis  India^ 
Camentii  licet  occupet 

Tyrrhínum  omne  tuitf  &  mart  A^ulUcum: 
Sifi^tt  adawantivos 

Surnmif  verticibus  dirá  ttece(fita$ 
Clavoiínon  animuM  meíu, 

JSIon  morta  latjueit  tfxpedies  taput. 


Com  peçaSf  &  aoent  altoi.  He  efte  o  coftume  da- 
quellas  partes  da  Índia  não  mandar  Embayxador 
a  outro  Príncipe  com  as  mãos  vazias ,  pelo  que  o     Ainda  que  abarqueis  o  mundo  com  voíTas  riquQ»' 

Gga  zas. 


2j6 


za>,{e  aneccíTidadc  no  íeu  alto  armar  fua  rede  não 
vos  podsrcis  livrar  ddh,5c  aflini  le  ha  de  declarar 
aqueiic 


Canto  Oytavõ, 


lugar, 


64 


que  o  Poeta  attribuyc  eíles  trabalhos  ,  ScoprçU 
íóes,  que  o  Capicáo  niór,  &  Tua  gente  padecu  era 
parte  aonde  lhe  parecia,que  eíiava  ja  fcgurOjànç- 
ceílidade  do  caio:  todas  as  ceuias  grandes  cuíUo 
muyto  ,  donde  difle  Terêncio.  hionfitftmptricuU 

IS^9  ajji dttOxO  Gam^^quejà  tinha  facmui  magnum  ,  &  memorabtle.  Naõ  íc  alcançãu 

Sofpeytas  das  infíaiaSjque  ordenava  ^^"^  perigo  feytos  grandes,6<  dignos  de  memoria. 

E  aílim  parecia  coula  extraordinária  ,  acabar  05 

Portu^^uezes  huma  couía  táo  grande»  6c  hum  tey- 

to  taó  excellente,  como  era  o  deTcubrimento  de 

huma  terra  taó  defejada,  como  era  a  Índia,  a  táo 

pouco  cuílo ,  pelo  que  foy  neceflario  para  perfey- 

çáo  da  obra  ,  íucceder  eltes  novos  trabalhos ,  ÔC 

opreflócs  nofim  della.E  aflimdiz  ValcodaGama, 

que  Te  náo  efpanta  de  lhe  íucceder  no  fim  deíle 

^e  Vénus  Acidalialhetnfiuya,  Como  fica  no-     delcubrimento  efte  robroço,porque  he  natural  as 

tado  ,  ndtes  cantos  finge  o  Poeta  os  Portuguezes     couías  de  importância^  paliar  pelo  elcamcl  dos 

favor^çf^os  fempre ,  &  ajudados  de  Vénus,  a  qual     iff^balhos.  E  a  eíla  nccefiidade  attribuye  Vafco  da 

chama  aqui  Acidaliado  nome  de  huma  fonte  cm     Cxama  náo  lhe  crer  El-Reyíuas  palavras  ,  6c  dar 


Sf-o  a  ffi  ditoso  Gama^quejà  tinha 
Sofpeytas  das  tnfiaiaSjque  ordenava 
O  Mahorneúco  odto,donde  vinha 
jlqutlío^que  tão  maio  Rey  cuydava: 
Com  huma  alta  confiança^qual  convinha 
ÇCom  que  feguro  creditoalcanfava') 
^e  Veniis  Aciàalta  lhe  influía^ 
Taes palavras  dafabiopeyto  abria. 


Boecia^    chamada  aíTim  conlagrada  ás  graças,  as 
quaes  os  Poetas  fazem  filhas  de  Baccho,  ôc  Vénus. 

SE  0s  antigos  ^ehytes^que  a  malicia 
(  /l coute  tão  cruel  da  L  hnftandade) 
l^um/ma  cometeo  na  i)rifLe.  idaaç^ 
Nãi  caujàrào^que  ova/o  da  naqtúcia 
Vier  A  por  perpetm  intmiciciaj 
Na  geração  de  Adam^co  afaljtdaài^ 
O'  ^odern/o  Rey  doutor pe/eyt a, 
Naõ  conceberas  tu  tão  rnajofpeyta. 

Se  91  antigot,  Eílaíuípeyta  mà  que  EI-Rcy  de 
Calecut  tinha  contra  os  Pt)rtuguezes  attribuye  o 
Poeta  ao  grande  ódio  que  os  lequazcs  da  maldita, 
&  torpe  feyta  de  M^tamçde  ,  a  que  chama  aqui 
valo  de  maldade  ,  Sc  açoute  da  Chri^andade  ti- 
nhaó  aos  Chníláosrpelo  que  trabalhavaó  com  El- 
Rey  os  lançafle  de  luas  tc}Ta8,metcndolhe  em  ca- 
beça que  eragentcque  vivia  de  roubos,  6c  ladro- 


crtdito  agente. falia, 6c  enganadora, 6c  aquemnaô 
devia  crer  conjo  laó  os  Mouros^mas  quelucccdc 
iílo.porque  he  neceflario  hum  negocio  de  tanta 
importância  ,  como  he  o  defcubrimento  da  índia 
cuítar  mu  ytos  perigos  ,  6c  enfadamentos:  paraque 
aílim  fc  tenha  cm  mayor  eítima:  pois  o  que  ppuc0 
cufta,ordinariaaientc  íe  nâo^eílima  em  muyto. 


67 


POrquefe  eu  de  rapinas/d  vive [fe 
Ijndivago.ou  da  pátria  àcji  errado^ 
Como  crès^que  tam  longe  me  vitffe 
Bufcar  affento  incogmtOi&  apartado: 
forque  efperançai^ou porque  snterf£e 
Viria  exprimentando  o  mar  trado y 
Os  Antar6iicos  frioSi&õsàrdòièSj 
^J*eJofrern  do  Larneyro  os  moradores? 

Vorefuefeeu  dcraftnãs  Jo  vivfra*  Prova  o  Capi- 
tão mór  Valc:o  da  Gama  cçm  raz>es  baftantes, 
como  a  lu'pcyia,quc  tinha  dellc  El-Rey  de  Cale. 


I 


hices,  êc  que  íeu  officio  era  alloiar  os  lugares  aon-     cut  era  falia, porque  fc  fe  houvera  de  dar  ao  tal  of- 
de  chegavão.  ficio  ,  náo  tinha  neccíTidade  de  fe  defterrarpelo 

^^  mundo  ,  &  ir  a  partes  tão  remotas,  paliando  por 

tantos  perigos, 6c  trabalhos:tuo  exceíTivos  frios,  & 

MAs  porq  nenhum  grande  bemfealcãça    calmas.Frwi  antarílicoi.  Saó  fi  ias  do  Sul  nas,quaes 
Sè grades  oprej[joés,&  emíodoejfeytO    partes  os  há  grandiflimos  ,  como  nas  pqrtesdó 


I 


Segue  o  temor  os  pajfos  da  efperança 
^e  emjuor  vive  jemper  de  ftupeytoi 
Memojirastutãopouca  confiança^ 
7)efta  minha  verdade  Jem  re/peyto 
^as razoes  em  contrarto^que  ac hartas j 
Senão  crejfes^a  qutm  crtr  naÕ  divias^ 

Mas  porijue  nenhum  grande  hem.  Naó  parecia  ra- 
iaõ,que  huma  coyfa  tão  excellente,6c  de  tanta  im- 
portancia,como  era  o  defcubrimento,  6c  conquif- 
tado  Oriente  fetizellemi^^na^QS  lavadas  :  pelo 


Norte,por  lerem  partes  afaftadasdo  curlb  do  Sol, 
afíim  humascomo  as  outras.  Os  arãorei^que  fofrem 
do  Carneyro  os  woraJorss.  Os  moradores  do  Carney- 
ro  (aô  CS  que  habitâo  na  zona  tórrida  aonde  eftà  ^ 
conftellaçaõ  Aries  ,  que  quer  dizer  o  Carneyro: 
que  he  hum  doj:  doze  Signos  Celcfles.  E  porque 
os  Aftronomos  fazem  efta  conflellaçáo  na  linha 
Equinocial  entre  os  trópicos ,  que  he  o  caminho 
do  Sol, pelo  que  efta  terra  he  mais  Jugcyta  a  calma. 
Daqui  chama  o  Poeta  àquc^Uç  lugar  os  ardores  do 
Carneyro  ,  pelas  quaes  palavras  moftra  os  ex- 
ceífivos  trabalhos  dosPortqguezesneíta  viagem. 

Vejafe 


Lufiadas  de  Luts  de 
Vejare  o  que  eícre vemos  no  canco  terceyro  ,  oy- 
tava.6. 

6% 


»= 


l^  E  com  grandes  prefentes  de  alta  ejlhm 
l5  O  cerdito  me  pedes ^  do  que  digOy 
Eu  não  vim  rnais,que  achar  o  eftranho  cima 
Onde  a  natura poz  teu  Reyno  antigo: 
Mas  /ê"  afortuna  tan to  mefuh  limay 
^e  eu  torne  à  minha  pátria  ^^  Reyno  antigo^ 
Então  veras  o  domfobetbo,^  rico, 
Lom  que  minha  tornada  certifico. 

Se  com  grandes  prefentei.  Como  notamos  neílc 
canto,oytava52.hunu  das  coufas  quemoviua  EI- 
Rey  de  Calecut  a  lhe  parccer,que  a  Embayxada 
"íie  VafcodaGamanaóera  verdadeyra  ,  &quea 
noflageiícenãoeradebom  titulo,eraver  que  não 
lhe  levaváo  algum  grande  prefente  :  pelo  que  o 
Capitão  mòr  Icdeículpa  aqui  de  não  ter  corrido 
com  a  obrigação  dos  Príncipes  da  terra:Sc  a  prin- 
cipal jp^rque  aquella  viagem  não  tora  a  outro  íini, 
íe  não  a  delcubrir,  &  como  não  tinha  certeza,  do 
que  na  viagem  lhe  aconteceria ,  fora  aííim  dcfar- 
mado  áqucllas  partes  ,  mas  que  tornando  a  ellas 
correrpondcria  a  perteytilíimatnente  com  íua  obri- 
gação ,  ôc  eliylo  da  terra. 

SE  te  parece  inopinado  feyto, 
^e  Rey  da  ultima  Hefperiaatl  me^made 
O  coração  Jub lime ^0  régio peyto^ 
J^enhum  cafo  poffivel  tem  por  gr  and  e\ 
Bemparece^que  o  nobre, ^è grão  conceyto^ 
^0  Lufítano  e/pirtto  demande 
Mayor  cre ditosa'  fè  de  mais  alteza^ 
^e  crea  delle  tanta  fortaleza, 

Nenhum  cafo  poffivel  tem  por  granâe.  De  gentç 
debayxos  elpiritos  he  ,  clpanrarfe  de  qualquer 
coula,& fazer  grandes efcarceos, em  qualqucrno- 
vidade,  pelo  que  o  Poeta  parece  inftar  aqui  oi^cy 
de  Calecut  de  pufillanime  ,  pois  não  coníidera, 
que  gente  tão  valerola,como  os  Portuguczes  po- 
deíTcm  commetter  huma  coufa  poílivel. 

S  Merque  ha  muytos  annos,que  os  antigos 
Reys  nQJjos firmemente  propuzerão 
^e  vencer  os  trabalhos y&  perigos^ 
^le  fempre  a  grandes  caufas  feopuzeraô: 
E  de/cobrindo  os  maré»  inimigos 
^0  quieto  defcanço  pertendèrao 
^e/aber^quefim  tinhão^cír  onde  eflavão^ 
As  derraãeyras  prayas^que  iavavão» 


Camões  Commentados,  22  j 

Sahe  íjuebã  muytoí^nnoi.  Moftrn  O  Capitão  mor 
Valco  da  Gama  como  a  razão  de  lua  chegada  a 
crtas  partes  tão  remotas  ,  foy  a  inclinação  natursl 
dos  Rcys  de  Portugal  ,  os  quaesforáomuyto  af- 
feyçoados  íempre  a  conquiílar  Rcynos  eflranhos, 
&  deícubrirmai  es  nunca  viltos,&  quanto  a  eíta 
matéria  de  defcobnr  novos  mares  fedeve  muyto 
ao  Infante  Dom  Henrique  filho  de  El-Rey  Dom 
Joaô  o  primcyro  de  Boa  memoria  ,  o  qual  poza 
primeyra  pedra  nefta  obra  ,  como  aça  dito ,  &  fe 
nota  na  oytava  leguinte, 

71 

C"^  Onceyto  digno  foy  de  ramo  ciarei 
j  T^o  venturofo  Réy^que  arou  primeyr» 
O  mar, por  ir  deytar  do  ninho  caro 
O  morador  de  Abiia  derradeyro: 
Efíeporfua  tndullna ,  ér  engenho  raro^ 
Num  madeyro  ajuntando  outro  maaeyrOf    "T 
^Delcobrirpode  a  parte  ^que  faz  clara 
"De  Argosjda  Xdtaaiuzja  Lebre, é  da  Am 


,  til' 


Cinctjto  digno  foy  ãe  ramo  claro.  O  primeyro  qu6 
inventou  a  navegação  do  Oceano  neftes  Reynos, 
ôcquepoz  hombros  a  eílc  dcfcobrimento  foy  o 
Infante  Dom  Henrque  filho  terceyro  d^El-Rey 
Dom  Joaó  o  prime  yrode  Boa  memoria,  que  to- 
mou a  Cidade  dcí  Ceuta  aos  Mouros,  lílo  diz  o 
poeta  nelia!oytava,ainda  que  por  termos  elcuros 
para  os  que  laó  pouco  lidos ,  pelo  que  os  declara- 
rey  aqui.  O  Riey  venturofo  ,  que  arou  primeyro  o 
mar,he  El-Rcy  Dom  João  o  primeyro,  o  qual  pa- 
ra eíle  effeyto  de  paliar  á  Africa  ,  foy  o  primeyro 
dos  Reys  de  Portugal, que  entrou  no  mar.  O  Teu 
claro  ramo  ,  he  leu  filho  o  Infante  Dom  Henri» 
que ,  que  primeyro  tratiou  deites  delcobrimentos 
como  irattámos  airásjoytava  28.6:  76.  Abyla  hca 
Cidade  de  Ccu  ta.  A  razão  deUc  nome  íe  veja  no 
canto  terceyro. 

De  Arg9\  ,  Àa  Ura  a  luz  àa  khre ,  &  da  ara ,  Por 
cftas  palavras  moílra  o  Poeta  como  o  Infante 
Dom  Henrique  foy  o  primeyro  inventor  dcftes 
dercobnmentos  ,  &  como  por  lua  ordem  íe  defco- 
brio  aquella  parte,  que  caye  para  o  Sul,  na  qual  eí- 
tão  eftas  conftellaçóes  ,  que  aqui  poero  Argos, 
Idra,  Lebre,  Ara:  Deftas,  ôc  quantas  eílrellas  te- 
nha cada  bua  tratta  Higinio  no  fim  do  livro  ter- 
ceyro hv.3.in  fine  alli  le  pode  ver. 

C^  Recendo  cosjucceffos  bons  primeyro f 
j  No  peyto  as  oufadtas  defcobrirão 
'PoucOi& pouco  caminhos  eflrartgeyros, 
^íie  huns  fuçcedendo  aos  outros  profeguira^l 
í)e  Africa  os  moradores  ditradeyros 

Aufiraes^que  nmca  asjetejlatfías  vira  o  j     ^ 

f$ra$ 


Forao  vi  fios  de  nds.afYai&  deyxando 
^iantõs  (Jiaõos  ToY];'tcos  queymando. 


De  Afri€'a  os  moradores  derrgdeyro),  Dizneftaoy- 
tava  ,que  ntíle  profeguimento  dos  dcícobrinien- 
tos  , '  viraó  Gs  noflos  t^ortuguezes  os  dcn adey ros 
moradores  de  Africa, que  caye  ao  Sul,  couro  laõos 
njoradorts  do  Cabo  de  Boa  Efperança  ,  &Iv1o- 
çambiquejo^  quaes  diz  que  não  vem  o  Nortc,que 
entendem  pelas  letc  fiaminas  ,  que  he  o  Jeteeílrel- 
lo.E  que  deyxâo  atrás  05  queymados  com  os  tró- 
picos ,  que  laó  os  que  moraó  na  tórrida  Zona  ,  por 
donde  o  Sol  faz  leu  curío:  quantos  íaó  os  trópicos, 
£c  que  gentes  habitem  a  Zona  tórrida  ,  kaíe  o  que 
cfcrevciííosnocaiicQ  3;o.ytava  <S.   '^«(^'swO  '^'  \ 

1\ 

ASJí  comfirmtípeytòM  com  tamanho 
^Própojito  vencemo^s  ajorima^ 
Mtè  qtienôs  no  teu  térre  no  ejíranho 
J/té  mos  pôr  a  ultima  voluna : 
"'Rampênào  a  força  do  'líquido  ejf ranho ^  ' 
KDa  tem^ejiade  borrifica^ó-  imfoj  tu7ía, 
"^  ti  c^fVá^oSide  que?^ifó  queremos 


Canto  Oytiivo,  ^ 

da  Gama  tudo  o  que  clle  diz  fer  verdade  ,'^5c  não 
fercoílariodo  marjComoos  Mouros  lhe  punhão, 
porque  le  tai  fora,  tinha  pouca  ncceílidade  de  de- 
len  barcar  em  terra,  &  galhr  teiDpo  em  palavras, 
coula  tão  delacoftu  mada  de  gente  que  anda  a  lou- 
bar  ,  os  quaes  náogaítão  Teu  tempo  ,  fe  não  no 
meyodo  mar,aí]oiando,  ôc  dellruindo  tudo, o  que 
achnó.   ,  ^,  .,  .  \ 

Da  »7<í</ye  7^ífi/,  Thctis  diziáô,  os  antigos  íer 
Deola  do  mar  ,  ôí  caiada  com  o  Oceano.  Gremiò 
do  mar  he  o  meyo  delle  ,  charnalhe  o  Poeta  fero, 
&  nunca  defcançíi  peias  grandes  inquietaçoens 
queneilc  há-contitíiiamente.  » 


5fl3n  2  • 

S fique  ô  ^keyje  minha  gram  verdade 
Tem  per  qual  he^fincera^ò'  não  dobrada 
J^juntame  ao  dtjpacha  brevidade  ^ 
Não  me  iwpídas  ogcfio  da  tornada^ 
E  fe  tnda  te  parece  falfidade^  . 
Çuyda  bem  na  razão  ^que  e/t  aprovada^ 
^ue^com  claro juizo  pôde  lerje^ 
^^.e  fácil  he  a  verdade  de  entenderfe. 


Tonel uye  Vâfco  da  Gama  íua  pratica  ,  dizendo 
ao  Rcy,  que  o  deípaclie  logo,  pois  jâ  tem  entendi- 
yiet»«ífâra  u/tiwa  eolutntJínCorDO  Vaíco;da  Ga-  ^o»  S*-'^  ^he  falia  verdade:  pelo  coílumcque  elU 
delerminou  não  paílar  tc^n^  <^c  fe  dar  a  conhecer  a  qualquer  claro  enten- 
dimento: quanto  mais  ao  delle  Rcy  ,  que  era  tão 
fuperior  a  todos  ús  homens :  &  p>óí  cfta  via  procu- 
rou de  o  períuadir  a  lhe  dar  crcdito:como  aconte- 
ceo. 


ma  chegou  a  Calecut 


7^ 


adiantc,ncra  defcobrir  mais  terra, pois  aqueJla  era 
a  verdadeyra, terra  da  India,que  bufcava.  Ultima 
colurv^na  dizaqui  o  Poeta,porque  em  todas  as  ter- 
ras ,  que  detcobriráo,  punhâo  huns  padroensem 
memoria  do  deícobrimcntc,  que  faziáo  ,  como  íe 
vé  claramente  pelos  rwfi os  Hiftoriadores.  E  o 
derradeyro,que  poz  Valco  da  Gama  nclla  íua  jor- 
nada.toy  era  Calecut.ao  qual  o  Poeta  por  eífe  rel- 

•  peyto  chama  ultima  colurana.  E  aííim  lemos  que     Concebe deíle certa  confiança, 
fez  Hercules,  o  qual  poz  dous  padrões  em  Geuta.     Credito  firme  :em  quanto  proferia-, 

Cv  Gibraltar,  dando  a  entender  que  a  li  fe  acaba^  <d     j        j     ^    i  /    íj 

,,;í^  lo  .o  r    K«ii,^o   r.-i    ^.      ^  «^  •*•/' »^ ''^'iL»d-  ''Ponderadas  palavras  a  abalança^ 

vao  léus  trabalhos,  pelo  que,  fechamaoaquelles  *v   ,  \t     •)    j  i-^  * 

lugares  as  columnas  de  Hercules.  Jul^a  na  anthor  idade  gram  valia, 

.,-j  EompenJo  a  força  do  itcjuiclo  eflagno.  Liquido  el-     Começa  de  julgar  por  enganados 

-tffgno  ,  toma  aqui  o  Poeta  pelo  mar,  aimitaçáo     Os  Catuaes  CorrutQS  mal  julgados 

^e  VirgiliojSc  de  outros  Poetas. 


A    Tanto  efiava  o  Rey  nàfiegurança^ 
Com  que  prtvava  o  Gama  o  que  di&ia 


iíiíU- 


uL. 


7^ 


77 


'Vf  Siaíoé  d  verdade,  Rey^que  não  faria 
XL  T^cr  tão  íhcerto  bem  taõ fraco  premio 
^lalnão  fendo  ifto  ajfiefperarfod/a. 
Ião  longo, tão  fingi  do, é-  vãoproemio: 
Mas  antes  defcanfar  me  deyxa ria 
No  nunca  defcar>çado,^  fer  o  grémio 
'La  Madre  Thet  ts,  qual  pirata  iníquo 
T>os  trabMos  alheôs  festos  rico. 

'Bfinhi  a  verdade  Rey  qmnSo  f*mMo?LXA  Valco 


J1)ntamente  a  cobiça  dopcrveyto 
^e  efpera  do  contrato  Lufitanoy 
O  faz  tbedecerjê  ter  refpeyto 
Co  Capitão,&  naÕco  Mauro  engano: 
Em  fim  ao  Gama  mantía^que  dtreyto 
Jlas  nãos  fe  vâi&  fèguro  de  algum  danOy 
^offa  a  terra  mandar  qualquer  fazenda^ 
Repela  effeciarta  troque^&  venda. 

luiítamentea  cobiça.  Como  fica  ditOjCÍfe  Rcy  era 
muyto^cobiçQÍb  ,_^&"grandc,  amigo  do  interefle, 

pelo 


Ltifiaàas  de  Luís  de  Camões  Com^entados. 
pelo  que  rambem  lhe  parecia  bem  ,   o  que  dizia  o     Jãcom  tantas  tardanças  entendia 
Capitão  mór ,  poi  que  a  cobiça  o  aíFeyçoava  a  iHo,    Q  Gama^qus  o  Gentia  conjentijje 
vendo,que  do  comercio, 6c  amizade  dos  nol]bs,lhe 
relukaria  algum  proveyto  ,  aíTira  quepor  huma 
parte  o  interelle ,  por  outra  a  fegurança  das  pala- 
vras do  Capiráo  mór  o  perfuadiaó  cuydalle  dos 
noflbs  dillerente  do  que  os  Mouros  lhe  diziaô»    , 


n^ 


Na  ma  tenção  dos  mouros  torpedo"  fera^ 
O  fue  âelle  atè  U  não  tntenaera 


78 

aT)r  manâe  da  fazenda  em  fim  lhe  m  ãda 
^ienos  Reyttos  Gangeticos  faleça. 
Se  alguma  traz  idónea  là  da  banda 
^onde  a  terra  fe  acaba^^  o  mar  começa\ 
Jà  da  realprefença  veneranda% 
Òe  parte  o  Capitão  para  onde  peça 
Ao  Catual^que  delle  ttnha  cargo  j 
Embirre  a  cavaque  afua  eftâ  de  largo, 

§ÍHe  noí  Rejfnos  Can^eticos  falleça.  Movido  El- 
Rey  da  cobiça  determinou  dar  delpacho  a  Valço 
da  Gama, 8c  em  principio  mandoulhe  que  defern- 
barcaileda  fazenda  que  levava  deftas  partes  para 
lhe  darem  da  terra,  Reynos  Gangeticos  faó  Rcy- 
nos  da  índia,  chamados  aíiim  do  no  Ganges,  que 
por  elles  palia 


O  tjue  delle  atelli  fião  entendera.  Do  modo,  &  dila- 
ções,com  que  o  Catual  trattnva  Vaíco  da  Gamaj 
veyo  a  entender  delle ,  o  que  ate  então  náo  prefu- 
mira  ^  que  era  querello  deftruir  ,  por  eítar  IbboF; 
nadojòc  peycado  grandemente  dos  Mouros. 

81 

ERã  efte  Catual  hum  dos, que  eftavão 
Corrutospela  Mahomctana.  gente  y 
Oprnicipaljpor  quem  fè  governavão 
As  Cidades  do  Samori potente', 
'Delle  jòmente  9s  Mouros  efper^vão 
Effcytos  a/èus  enganos  torpemente^ 
Elie.queiio  conceyto  vtlcon{p\ra% 
*De  fuás  ejperançâS  não  delira, 

Somorim potente.  Samor!m,CQmo  fica  dito,  he  ò 
nome  do  Emperadordo  Reyno  do  Malavar. 
€lue  no  concerto  vil  confpira.ConipW^r  he  palavra 


Donde  a  terra  fe  acahd^é'  o  mar  começa.  Entende     Latina  ,  entre  outras  íignificaçôes,que  tem,  quef 


Portugal,  a  mais  Occidental  terra  de  toda  Europa, 
donde  começa  o  mar  ,  êc  íe  acaba  a  terra ,  porque 
aqui  he  o  fim  da  terra  Occidental  ,  como  fica  di- 
to no  primeyro  canto,oytava  i. 


E 


79 


dizer  ,  fazer  conjuração  para  fazer  mal  a  alguém, 
como  o  Catual  de  Calecut  traitava  com  os  Mou- 
ros, que  era  dellruir  os  Porruguczes.  Gente  Ma- 
homctana, he  gente  que  legue  a  Mafomgj.qge  faó 

os  Mouros.,  _  -',:■..       .... 

De  (uai  efperançat  não  àelyra*  Delirar  hè  tahri2 
bem  vocábulo  Latino  ,  quer  dizer  defvariar,  8c 


Albarcaçaõ^qUeo  leve  âs  nãos  lhe  pede     perder  o  tino:  aqui  quer  dizer  defconfiar:  comofc 


diflera  ,  que  o  Catual  náo  defconfiavade  alcançar 
o  que  eíperava  ,  que  era  a  nofla  deítruiçaõ. 

81 

OGamd  com  in flanela  lhe  requere 
^e  o  mãda  por  nas  nans^&  não  lhe  "val 


Mas  o  mao  Regedor ^que  novos  laços 

Ehe  machinava/iaàa  lhe  concede, 

InterpondotardançaSi^  embaraços: 

Com  tile  parte  ao  caes^porque  o  arrede 

Longe  quanto  puder  dos  régios  paços  j 

Ondejèm  que  feu  Rty  tenha  noticia^ 

Faça  o  que  lhe  en  finar  Jua  malicla.  £  que  affi  lho  mandada, lhe  refere ^ 

O  nobre  fuccefjor  de  Tirtmal: 
Lhe  machinava,  Machinar  he  palavra  Lntina,    ^Porque  razão  lhe  impede,&  lhe  difere, 
quer  dizer  ordenar ,  &  tecer    o  Catual  lobornado     j  f^^,^^^  ^y^zer  de  Tovtugal, 

ppios  Mouros  procurava  deítruir  os  Portuguezes,     ^  . ^,j ^  ^»  r>„.,„;  í  7^^^ 

pelo  que  o  entretinha  ,  6c  naó  lhe  queria  dar  em- 
barcação para  ir  a  armada  ,  antes  o  importunava 
a  mandafle  chegar  a  terra,  para  deílamaneyra  fa- 
zer mais  livremente  o  que  defejava. 


Tois  aqutllo^que  osReysjâ  tem  mandado^ 
Não  pôde  Jerpor  outrem  derogado. 


80 


LA^  bem  lonfrejpje  diz, que  lhe  daria 
Embarcação  baftante,eyn  que  p&rtifje. 
Ou  que  para  a  luz  crajitna  do  dia 
Futuro  Jua  partida  d/jferice: 


O  nobre  fuccefjor  do  Ptrimal  Eílc  Perimal  como 
fica  dito  ,  foy  o  que  dividio  o  Reyno  de  Malavar 
em  tvcs  partes  ,  fazendo  trcs  Reynos  do  Malavar, 
fendo  anrcs  hum  fó  :  6c  mandado  que  hum  leu  ío- 
brinho  a  quem  deu  Calecut, fe  chamalle  Samorim, 
para  que  os  outros  dous  Rcys.  1.  de  Cananor  ,  & 
Coulaó  Ihcobtdecelícm.Succefibr  de  Pcrimal,hc 
oSamorim  Rcy  de  Calecut. 

Touiê 


240 


«3 


P  Ouço  obedece  o  Catualcorruto 
Ataes  l>alavras  ^atites  revolvendo 
Nafantafiã  algumfutil^&  ajiuío 
Engano  jãtabclícojè  ejlu^endo: 
Ou  como  banhar  pojfa  o  ferro  bruto  y 
No  Jangne  aborrectdo^ejiàva  vendo  t 
Ou  i  orno  as  nãos  em  fogo.  lhe  abrafajfe^ 
forque  nenhuma  àfatna  mais  tornajfe, 

I^o.favgm  ahrrecido.No  langue  de  Vafco  çla  Ga- 
iDa,ao  qual  por  nriuytas  vezes  pretcndeo,  &  àtic- 
jou  marar,&:  não  o  efíeytuou, porque  Ihenão  baf- 
tou  o  animo  ,  o  que  o  Poeta  vay  contâiKÍo  rnuyco 
claramente  por  eílas  oyiavas.    /    V.  .'.v  ?x" 


Canto  Oytavo. 

Ern  V avios  penf amentos  fe  derrama^ 
FantafianâOífâ  remeàto  certo , 
^le  dejfe  a  quanto  mal/è  lhe  ordenava^ 
Tudo  temiajudo  emfim  cuydava. 

Tudo  temia,  tudo  emfim  cuydava.  Como  Capitã3 
prudente  ,  &  amigo  de  lua  armada,  porque  quem 
ama, vive  em  continuo  medo,^  cuydado.  Donde 
difie  Ovidio  na  carta  de  Penélope  a  UJyles,  defi- 
nindo o  amor.  Re$  efi  Jolicitiplena  timorts  amor.  O 
amor  he  hum  medo  continuo,  quem  ama,  tudo 
teme.E  A\chtO'.Efi nigre pumca glans  clypfo.  Alegria 
em  campo  negro  pelos  dclgoílos ,  6c  lobrefaltos, 
que  tem  cíle  pequeno  goílo  de  amor. Mas  nos  tra- 
balhos ,  6c  enfadamentos  alegria,  como  fica  no- 
tado no  canto  terc€yro,oytaya  izo. 


84 

QIJe  nenhumtOYne  â  pátria fópertende 
O  conjelho  infernal  dos  Mahometanos 
'Porquenãojabia  nunqua  ondefeejlende 
Aterra  Eoa  oRey  dos  Lu (it anos: 
Não  parte  o  Gama  em  fim  ^que  lho  defende 
,  O  Regedor  dos  Bárbaros  profanos j 
Nem  f em  licença  fua  irfepodta^ 
^e  as  almadtas  todas  lhe  tolhia, 

A  Urra  Eóa.  Eoos  he  palavra  Grega,  quer  dizer 
aurora,da|ui  cerra  Eoa,he  terra  Oriental. 

A   Os  brados  fé  razoes  do  Capitão 
Refponde  o  idolatrayque  mandajfâ 
Chegar  â  terra  as  naos^que  longe  eflao^ 
forque  melhor  dalt  foJje^&  tornarei 
Sinal  he  de  tnlmigo^à'  de  ladrão^ 
^e  là  tão  Imge  a  frotafe  alarg affe^ 
Lhe  diZjporque  do  certOi&Jido  amlgOy 
He  não  temer  dofeu  nenhum  perigo^ 

Kefponde  o  Idolatra.  Por  Idolatra  entende  aqui 
o  Poeta  o  Catual  Gentio  pelos  idolos ,  6c  inven- 
ções, que  elta  gente  adora.  Eíle  dizia  a  Vafco  da 
Gama  ,  que  era  collume  dos  que  alli  vinhão  va- 
rar léus  navios  em  terra,  o  que  elle  não  fizera,  an- 
tes os  tmha  tanto  ao  mar  ,  que  era  final  de  pouca 
fidelidade  ,  6c  amor :  6c  que  dalli  colligia  fer  gente 


de  rapina. 


%G 


NEftas  palavras  o  difcreto  Gama^ 
Enxerga  bem, que  as  nãos  defeja.pertB 
O  Catual  ^porque  comferro^&  flama  ' 
LhasaffaÍte,por  caio  defcuberto: 


87 

Qljal  o  reflexo  lume  do  polido 
Efpelho  de  aço^ou  de  chrlftalfermoro^ 
^{e  do  rayofolar  fendo  ferido^ 
Vay  ferir  noutra  parte  lummofo: 
E  fendo  da  ociofa  mão  movido ^ 
'Pela  ca  fã  du  moço  curtofo. 
Anda  pelas  paredes  ^^  telhado^ 
'  Tremulo  aqui-i&  allldeffojjegadOy 

Çiual  o  reflexo  lume.  Por  efta  comparação  mof- 
tra  o  cuydado  ,  6c  inquietação  de  animo  em  que 
eftava  o  Capitão  mór  Vafco  da  Gama  fantafian- 
do,  6c  revolvendo  comfigo  o  que  fariarcomo  fuc- 
cede  em  hum  efpelho  de  aço  ,  que  ferido  dos  ra- 
yos  do  Sol,nunca  leu  lume  aquieta. 

88 

TAlo  vago  jutzo  flutuava 
Uo  Gamaprefo^quando  lhe  lemhrâtA 
Coelho  fe  por  cafo  o  ejperava 
Napraya  cos  bateis ^como  ordenara; 
Logo  fecretamente  Ihemandava 
^le  fe  tornafje  à  frota^que  deyxâra^ 
Nãofojfefalteado  dos  enganos , 
^e  ejperava  dos  feros  Mahometanos, 

Coilho.  Efte  he  Nicolao  Coelho  Capitão 'de 
hum  dos  Navios  da  conlerva  dos  de  Vaíco  da 
Garaa,ao  qual  tinha  mãdado  o  eíperaíle  na  praya, 
mas  com  eílc  novo  fucceflb  da  determinaçaó,que 
cniendeo  no  Catual,  o  mandou  fecretamente  avi- 
lar  le  tornafie  para  a  armada,  como  íe  pedem  ver 
todas  citas  couias  em  Joaõ  de  Barros  na  prioieyr* 
Década  Uv.4.ç.9i5c  10. 


Jal 


24» 


Lu/iadas  de  Luís  de  Camões  Commentados, 

fazia  ,  o  qual  bufcou  logo  remédio  para  naô  icr 
gp  íentido,ncmrabidodeEURey,oc]i]ednhafeyto 

a  Valco  da  Gama  ,  como  le  cratcana  oytava  ie* 
gumce.  '  '      "^ 


TAlha  defe)\quem  quer  co  dom  de  Marte 
Imitar  os  iUuftres,&  igual  lalo  s 
Voar  CO penjamento  a  toda  aparte, 
Adevinh  ar  perigo  s^^  evltaLos; 
Çom  militar  enganOi&  fútil  arte^ 
Entender  6simtg0Sj&  enganaíos 
Crer  tudo  em  fim. ^e  nwiqua  louvar  ey 
O  Capitão j  que  dtga  não  cuydey» 

Dom  de  Marte.  Dom  de  Marte  he  fer  hum  lio* 
mem  Cavalleyro,&  nas  coufas  da  guerra  ardilofo, 
o  qual  fingem  os  Poetas,  que  toy  Marte  ,  pelo 
que  os  antigos  o  tinhaó  por  Deos  da  guerra. 

§iue  nunca  leuvarey,  O  homem  avilado  ha  de 


Pl 


Dlzlheyque  mande  vir  toda  afazendét 
Vendivcl^que  trãziapara  a  ttrra^ 
Tara  que  devagar  fe  troque j\$  venda, 
^ue  quem  não  quer  comer  cio  ^bu  [ca  guerra: 
Tofto  que  es  mãos  prop  o  fitos  entenda, 
O  Gama^que  a  danado  peyto  encerra^ 
Confente^porque  fabe  por  verdade 
^e  compra  cõ  ajazenda  a  liberdade^ 

^uee^uem  nia  sjuer  contercioi  bufca guerra.  Todos 
os  meyos  bufcoa  eíle  Catual,  para  fazer  mal  aos 
cuydar,que  tudo  pôde  fer,&:  neíte  modo  crer  tu-     "«"'^J'  mas  nunca  pode  levar  a  íua  a  nos,  porque 
■^  •  •  •-  •        a  prudência  de  Vaíco  da  Gama  era  grande  ,  6c  lá- 

bia trattar/uas  coufas  de  maneyra ,  que  nâo  peri* 


do:porque  a  mayor  ignorância, que  hà  no  mundo, 
hc  dizer  ^  nâo  cuydey,não  me  pareceo.  Donde 
diíTe  Cícero:  In fjpieníís  e(i  Mcere  non  putaram^  he  de 
homem  de  pouco  laber  dizer  ,  naó  cuydey.  He 
também  obrigação  de  homem  prudente ,  acertar 
com  muytas  coufas :  donde  veyo  aquelle  dito  ex- 
«cllente,&  certo:S<íp;e«í  divinatiO  Sabio  adevinha» 

5)0 

ÍNfifieo  Malabar  em  teloprefoj 
Senão  manda  chegar  à  terra  a  armada^ 
Elle  cofiantei&  de  ira  nobre  acefo. 
Os  ameaços  feus  não  teme  nada, 
^le  antes  querfi)bre  fi  tomar  o  pefo 
ÍD^  quanto  mal  a  vil  malícia  oufàda. 
Lhe  andar  armando ^que por  em  ventura    • 
Afrota  de  feu  Rey^que  tem/ègura, 

§iue  ter»  fegura.  Porque  eftava  aolargg,  aonde 
lhe  naó  podiaõos  Mouros  prejudicar. 


51 

A^iellanoyte  eftevealli  detido j 
.  E  parte  do  outro  dia  ^quando  ordena^ 
U^efe  tornar  ao  Rey^  mas  impedido 
Foy  daguarda^que  tinha  naopequena^ 
Comete  lhe  o  gentio  outro  partido  y 
1  emendo  de  feu  Rey  cafiigOjOupeúa 
Se  f abe  efla  mandada  qualafínha^ 
Saber ãfe  mais  tempo  alli  o  detinha. 


gaílem. 


5?3 


i\^  "^ii 


C"^  OncertãÕfeyque  o  negro  mande  dar 
^  Em  har caçoes  idontas^com  que  venha^ 
Que  os  feus  bateis  nãô  quer  a  venturar^ 
Onde  lhos  tome  o  imigo^ou  lhos  detenhai 
Tartem  as  almadias  a  bufe  ar 
Mercadoria  l (pana, que  convenha^ 
EJcreve  a  /eu  irmãos ^que  lhe  manda(fe^ 
/i fazenda  iCom  quefe  refgatajje. 

V\Em  a  fazenda  â  terra  aonde  logo 
A  agafalhou  o  infame  Catual; 
Com  ellafica  Alvaroyiê  T>iogo^ 
^le  a  pude jj em  vender, pelo  que  vai: 
Se  mais^que  obrigação,que  mando^&rogOj 
JSlopeytoVílo premio pdde^&  vai, 
Bem  o  mo  fira  o  Gentio  ^a  quem  o  entenda 
Tõiso  Gama  foltou  pela  fazenda, 

ComelUficaÕ  Alvaro,é'  Ow^o.Eíles  eraõ  Alva* 
ro  de  Braga,  &  Di«go  Dias,  que  íicaraô  em  terra 
para  eíf  ey  to  de  vender  a  fazenda ,  como  íey  tores* 

55 
T>  Orella  o  folia, crendo  que  alli  tinhê 


Mai  empedído  foy  da  guar da. O  fi^iUil  entreteve 
aValcodaGamahumanoytc  ,  &  hum  dia,  para 
ver  le  por  efte  modo  podia  fazer,  que  chegafle  a 
armada  a  terra,  o  que  o  Capitão  mór  nunca  quiz, 
antes  determinou  queyxarfe  a  El«Rcy  de  Cale- 
cut, Sc  darlhc  conta  do  aggravo,  que  o  tatuai  lhe    Nellas  efiarfe  deyxa  defcançado4 

Hh 


Tenhor  bafante^donde  recebe£e 
Inter ejfe  mayor ^do  que  lhe  vinha^ 
SeoCapitão  mais  tempo  detivejje: 
Elle  vendo  que  já  lhe  não  convinha 
Tornar  d  terra  porque  nadpudeffe 
Ser  mais  retido  jfendo  às  nãos  chegado^ 


^M 


OJ 


2.41  .:  <^anto 

^  As  nãos  eflar/e  deyxa  vagar ojo,^ 
Atè  ver  <?  que  o  tempo  lhe  de j cobre ^ 
^ie  não  jejiajà  do  cobiço/o 
Regedor  corrompido  J^ pouco  nobre. 
Veja  agora  ojuizo  cunofo^ 
^iwito  no  rico, a  fft  como  no  pobre 
"jfòde  o  vilmtereffe.à-fede  tmtgit 
T>o  dinheyro^que  a  tuào  nos  obriga. 

A     Polidor  o  mata  o  Rey  Threicio: 
Sôpsrfcnr  fenhor  do  gram  thefouro^ 
Entr^  ^elo forújjimo  edtfiito. 
Com  afiiha  de  Acrifio  a  chuva  de  omo\ 
Tôds  tanto  em  Tarpaya  o  avaro  vtciot 
§ue  a  troco  do  metal  luzente y&  louro 
Entrega  aos  mtmtgos  a  alta  torre, 
'Da  qual  qua[i  afogada  em  pago  morre, 

A¥i)ly(lor9,'^<^^x'^  com  alguns exemplos.quã- 
tos  malííS  o  ouro  faz  fazer  »os  homens.  Efta  hiílo- 
riade  Pohdoro  conca  largainente  V^irgilio  na  lua 
Eneida  liv.  5.  com  tudo  a  porcy  aqui  brevemente 
para  os  que  naó  íabejn  Latim. liftando  Troya cer- 
cada dos  Gregos,  vendo  Priamo  leu  Rey  o  aperto 
cmque-eftava,  ôccomolegundo  os  fins  da  guerra 
faó  incertos,podia  vir  a  darem  algum  grande tra». 
balhojfendo  Troya  tomada  dos  Gentios.  Juntou 
huma  grande  quantidade  <de  ouro  ,  Sc  com  ellc 
manJou  hum  filho  feu  por  nome  Polydoro  a  caía 
de  Polimneílor  Rey  de  Tliracia  feu  granáe  ami- 
go ,  para  que  por  méyo  dcítc  moço  fendo  Troya 
deftruhida  viefle  em  algum  tempo  a  poder  dos^ 
Troyanos,  Sc  podeflem  as  couiâs  ter âlgura  reme- 
diQ,  polymncítor  como  vio  o  fucceflo  dcTíoya 
com  a  cobiça  do  ouro  ,, matou  o  moço  Polydoro, 
&  tomouJhe  as  rique2^s,que  íeu  pay  lhe  havia  da- 
do. Rey  Treicio  quer  dizer  Rey  de  Thracia.  Naõ 
henome  próprio  como  alguns  cuydaò,  Sc  cõmen- 
tão.Mas  he  nome  geral  de  lbrúáu\^a^um^  por  cau- 
fa  dcThraciajdaqui  Rf-y  Threicio  Rey  de  Thra- 
cia.Digoiitô  porque  li  hufria  annotaçáo  íobre  cite 
lugar.em  que  fazia  Thí^icio  nome  próprio.  Entr» 
ftU  fortífjimo  edtficio  com  afilha  de  Acri^o  a  chuva  de 
êuro.  Contáoas  fabulas  qáé  Acriíio  Rey  dos  Argi- 
Vos,  querendo  ter  lua  íiHiaDanae  recolhida,  & 
jjuardada ,  a  mcteo  cm  huiiaa  torre  muyto  forte. 


Oytavo, 
que  querem  alguns, que  foíTe  de  metal ,  mas  nem 
iílblhe  valeo.  Ovídio  conta  eíla  fabula  nas  Meta- 
morphoíes  Xu^ê^.Vadt  tanto  entTarpea»  Tarpeia  foy 
huma  donzella  íilha  de  Tarpcio  Romano,  ao  quãlj 
Rómulo  primcyro  Rey  dos  Romanos,tendo  guer- 
ra com  os  Sabinos  fez  Álcayde  morda  fortaleza 
de  Roma,  como  conta  Plutarcho  na  vida  de  Ró- 
mulo. Elta  Tarpeia  com  cobiça  de  humas  mani- 
lhas de  ouro,  que  os  Sabinos  lhe  prometerão,  dea 
ordem  para  entrarem  no  Cafteilo.tVlas  lahjolhe  ao 
revez  do  que  ella  ciperava  ,  porque  em  lugar  de 
manilhas  lhe  deraó  a  morte.  E  de  feu  nome  le  cha- 
ma hoje  em  dia  o  Caílello  monte  Tarpeyo ,  entre 
os  Autores  donde  diflb  Propercio  no  leu  livro  das 
Elegias  I1V.4.  Elegia  4. 

Tar peiam  nerru(,&  Tarpeia  turpe  fepulchrum 
Fabor,^  únn^ui  Itmina  capta  íovis, 

Trattarcy  aqui  do  monte  Tarpcio, &  da  infame  fe- 
pultura  de  Tarpeia  ,  êcda  cafa  do  anngo  Júpiter 
Hoje  Iccbamacfte  monte  em  vulgar  Campido- 
glio  :  todás  as  mais  coufas  deitas  oytavasíobre© 
intcreflecílaô  claras. 

5>8 

ES  te  rende  fnunidas  fortalezas. 
Faz  treydores^^  falfos  os  amigos ^ 
E  entrega  Capitaens  aos  inimigos i 
Efte  a  mais  nobres  faz  fazer  vilezas y 
Efle  corrompe  virgtnaes  purezas. 
Sem  temer  de  honra^oufama  alguns  per  igos^ 
EJie  deprava  às  vezes  asjVtenctns^ 
Os  Juízos  cegando  ^à"  as  confeiencias, 

Efiè  renie  TMtnidas  fortaUz.ai.  Munidas  vem  de 
tnunttut ,  palavra.Latina,  que  íignifica  couía  forte, 
ÔC  guarnecida  de  todos  os  petrechos  neceílarios 
para^iua  íegurai}ça,5c  guarda. 


99 

ES  te  interpreta  mais, que  fíitilmente 
Ostextos^ejlefazy^  desfaz  leys^ 
Efte  caufa  os  frejurios  entre  agente ^ 
E  mil  vezes  tiranos  torna  os  Keys: 
Atè  os  quefóa  T^eos  Omnipotente 
Se  de aicão^mll  vezes  ouvireis^ 
^e  corrompe  efte  encantador^  illude^ 
Mas  não /em  cor  com  tudo  devirtud^. 


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^  0^.,^  ^d*^  ^d*»  í«^í;*^  -<líií«r  ^l^.rk^  -Crjíjv»  j5«  ,a»       -^-^  •«»  ^i#^?<i»  -tót^^li»  -O^jíí»  ■05j«»«  *4^  >  ^H^  ^õ^í^ 

ç í?^ ^à^  ««^â» -oí !•• -«Sâe- ^ i*  «^ S»» ^5^^«»Sâ* -aí ã«» ^&* -^ â«» ««8.^  «^:>.  «é^  ^ -«5:».  ?Í 


OSLUSIADAS 

DO  GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commentados  pelo  Licenciado  Manoel  Corrêa. 
ARGUMENTO. 

Parte  de  Calecut  o  Luíitano, 

Com  as  alegres  novas  do  Oriente, 

E  no  meyo  do  túmido  Occeano, 

Vénus  lhe  raoíha  huma  Infula  excellente: 

Aqui  de  todo  bem  íofrido  dano, 

Acha  repoufoaíTaz  conveniente, 

E  com  Nymphas  gentis  o  mais  do  dia 

Em  feitas  pafla ,  &  jogos  de  alegria. 

CANTO  NONO. 

Parte  Vaícoda  Gama  com  fua  armada  de  Calecut  ,  informado  por  Monçayde  d« 

determinação  dos  Mouros,  Leva-o  Vénus  a  huma  Ilha ,  a  qual  o  Poeta  aqui 

finge  muy  to  fértil ,  5c  aprazivehaonde  juntamente  as  Nymphas  fizeraó 

muy to  gasalhado ,  &  fefta  aos  Portuguezes. 

I  1 

TIverão  longamente  na  Cidade^  TT    A^  no  feyo  Er ttreo^onde fundada 
Sem  vender fe  a  fazeda^os  dons  feyt  ores  %     I  ^  Arjinoefoy  do  Egy  cio  Ttolomeu^ 

§ue  os  infiéis  por  manhaj&  falfidade^  ^0  nome  da  irwãafua  affi  chamada^ 

FazemyCfue  naõ  lha  compre  mercadores'.  ^iie  depois  emftiez  fe  converteu: 

^ue  todofeupropofitofè  vontade  Nao  longe  o  por  to  jaz  da  nomeada 

Era  de  ter  alli  os  defcubridores  Cidade  Mecasque  fe  engrandeceu 

Tia  India^tanto  tompo^que  viejfem  Com  afupreftiçaõfalfa^^  profana^ 

'De  Meca  as  naos^que  as  fuás  desfizeffem,  *Da  reltgioja  agoa  Mabometana. 

Hhx  i^ 


244 


Lufiadai  de  Lais  de  Camões  Commentados, 


Lá  no  feyo  Erythreo.  Neílas  trcs  oytavas,que  í'e     de,&fermoia  povoaçâo,a  qual  teia  íeis  mil  foges, 

ia 


feguein  nos  cratca  o  Poeta  do  porto  donde  íahiaó 
as  nâos  de  Meca  para  Calecut. Seyo  Erythreo  hc  o 
que  por  outro  noine  chamaó  os  Autores  feyo  Ara 


As  calas  como  as  melhores  dasnolTas ,  porque  hà 
cafas  que  valem  três  &  quatro  mil  cruzados  cad;i 
hutna  ,  náo  he  cercada  ,  mas  iervemlhc  de  muros 


bico,&  vulgarmente  Mar  roxo.  Os  leyos  do  mar     humas  rnuy  to  altas,  &  afperas  montanhas,  que  a 

'  ""-  rodeaõ  por  todas  as  partes.  Dizem  que  lançou, 
nolio  Senhor  maldição  a  efta  Cidade  como  a  de 
Medinathalhabi  ,  aonde  cftá  o  corpo  de  Mafoma, 
porque  náo  produzem  os  campos  herva.nem  tem 
arvore  alguma,  nemcoulaboa,  5c  tem  tanta  falta 
de  agua  ,  que  náõ  há  peflba  que  íe  farte  delia  ,  £c  o 
que  quizclle  attcntar  iíto  lhe  cuftariamuyto  ca- 
ro.Todooneceffariolhevem  de  Arabia,Ôí.  Ethio- 
pia ,  terras  vezinhas ,  porque  cila  de  íeu,  não  tem 
outra  cou  la  lenão  aqucile  maldito  poço,com  cuja 


a  que  os  Latinos  chamaó  finut ,  faó  as  entradas  ,  & 
íahida&,  que  o  mar  faz  pela  ter/a,  as  quacs  rnuy  tas 
vezes  laó  muyto  grandes  ,  como  he  o  graó  feyo 
Perfico,  Gangctjco,  Adriático,  eílc  Erythreo  de 
que  falíamos ,  &  outros  muytos.  Chamoule  aflim 
clle  Ery  thrco  ,  ou  de  hum  Rcy,que  aíTim  le  cha- 
mava naquellas  paries,fiIho  de  Perfco ,  &  Andro- 
meda ,  como  diz  Sohno  no  feu  Polyhiftor :  ou  da 
cor  da  aguajdaquella  paragem  ,  que  parece  roxa, 
que  ifto  quer  dizer  a  palavra  no  Grego,  Chamaíe 


leyo  Arab]Co,como  fica  dito,  por  cítar  na  cofta  de     agua  \t  lavão  os  Mouros,quc  vão  da  índia,Ethio^ 
Arábia  deferta.  O  primeyro  Uigar  delta  coíla  na     pia,Africa,Egypto,&:  outras  muytas  partes, 
entrada  do  mar  roxo  hehum  pequeno  ,  de  que 
aqui  falia  o  Pocta,por  nome  Suez,poílo  cm  altura 

do  Norte  vinte  &  nove  grãos  &  três  quartos,  ha-  ^  * 

bitado  fomente  de  gente  bayxa,  Sc  trabalhadores,    ^^  Idàfe  chama  O  parto^aonde  O  trato 
os  quaes  eílão  alli  para  fazerem  ao  Turco  as  em-     VJ  ^^  f^do  o  roxo  mar  ^ynais  flor  eciat 
barcaçoens  neceílarias  para  a  India.Eftc  Suez  foy     q)e  que  tinha  proveyt  o  grande  ^^  grato 
chamado  antigamente  Arfínoe,  do  nome  de  huma     q  i^oldaÕ  mieefft  Remo  pofjuia: 
filha  de  Pcolomeo  Rey  do  Egy  pto,que  o  íundou.    ^       ■  ^^^  Malabar  es, por  contrato 
ainda  quc,o  Poeta  quer  aqui  que  fone  irma.  cr^        r  •    r         /        ^      /• 

mo  longe  o  porto  jaz..  Perto  deite  lugar  Suez  tia  ^"^^  infiets ,fermoja  companhia 
coíla  de  Arábia  eílá  a  Cidade  de  Judá,a  que  o  Poe- 
ta aqui  chama  Gida  ,  como  lhe  chamâo  outros 
muytos ,  a  qual  f  udá  hc  o  porto  da  Cidade  de  Me- 
ca, diítante  delia  pelo  lertaõ  dentro  por  efpaço  de 
quinze  legoas.  He  cila  Cidade  de  ]udd  de  grande 
tratto,&  comercio, &;  a  mais  nobre  povoação  que 
há  em  toda  aquella coíla  de  Arábia  dentro  no  ef- 
trcyto,ainda  que  nos  Edificios,hc  de  pouca  impor- 
tância» 1>A  relígíoja  agua.  Quer  Joaõ  de  Barros.ôc 


T>e  grandes  nãos, peto  Indico  O  cceanoy 
E/pectaria  vem  bujcar  cada  anno. 


GíddÃ,  Deíle  porto  fahiaõ  as  nãos  de  Meca  para 
alndia,&:  poreíiasefperaváoos  Mouros  de  Cale- 
cut, para  com  fua  ajuda  fazerem  mal  aos  noíTos,  fc 
puderaó ,  como  diz  o  Poeta  na  oyiava  que  aqui  íe 
íegue. 

Soldao.  Eíle  he  o  titulo  dos  Reys  do  Egypto: 


POr  eftas  nãos  os  Mouros  efperavao 
^e  como f o ffern  grandes  Jê  poffant  es 
Aquelles^que  o  comercio  lhe  tomavaõ» 
Lomjlamas  abrafaffem  crepitantes 


outros,que  o  corpo  de  Mafamede  eftcja  em  Meca.  quer  dizer'grão  Senhor :  hoje  he  tudo  íugeyto  ao 
A  verdade  he  que  cílá  em  hum  lugar  chamado  Turco. 
Medinathalhabi,como  ficadito,nem  fua  fepultura 
eílá  no  ar,  rodeada  de  pedras  de  cevar,  como  ou- 
tros q  uerem.  Os  que  eícre vem  eílas  couías ,  fou- 
beraónaspor  alguma  falia enformação  ,  porque 
nem  Mafamede  cílá  em  Meca ,  nem  fepultâdo  da 
nianeyra,qac  elles  cuydaó,  antes  eílâ  em  Medina- 

thalhabi  quaíi  enterrado  no  chaó  ,  como  dizem     -.-,  /í  r  r    - " 

muytos,queo  viraó  ,  &fepóde  ver  era  Ludovico     Nefle  [ocorro  tanto  conflavao. 
Romano  na  lua  navegaçaó.André,Corfalo,Duar-    Sl^^jà  não  querem  mais  dos  navegante s^ 
te  Barbofa  Portuguez ,  &  outros  muytos,  que  ef-    Senão  que  tanto  tempo  alli  tardaffem^ 
tas  coulas  fabem  de  raiz  ,  Aílonfo  de  Albuqucr-     &ue  dafamofd  Meca  as  nãos  chegajfem, 
que.  O  que  Meca  tem  em  fi  ,  &  a  caufa  porque  os 
Mouros  Concorrem  a  ella  ,  he  por  amor  de  hum 
P°Ç°  Cque  eílá  em  huma  Meíquita  da  mefma  Ci« 
dade  ,  com  cuja  agua  dizem,que  íe  lavava  Mafo- 
ma,&  cuydaó  elles  que  íó  eílc  lavatório  baila  para 
fe  falvarem.pelo  que  de  diíFerentes  partes,&  muy- 
to remotas  vão  alli  Uvarle  com  aquella  agua  ,  & 
alevaó  em  arredomas  ,  tendo  nella  a  fc,  que  te- 
nho dito.lílo  hc  o  que  leva  os  Mouros  a  Meca,  & 
aííim  o  íentc  aqui  o  Poeta ,  &  não  eílar  aqui  fepul- 
tâdo Mafoma.   A  Cidade  de  Mcca,be  huma  gran- 


Com  jl&mmai  ahraz,aj[em  crepitantes.  Flammas 
crepitantes ,  fogos  que  cílalaõ ,  &  fazem  rogido 
quando  ardem.  He  epitheto  próprio  do  fogo, 
quando  dá  em  leniiaverdejprincipalméte  cm  vita. 


5 
Ti  T  y^x  tf  Governador  dos  Ceosfit gentes^ 


^lepara  quanto  t€ni\determmado^ 

T>e 


Canto  Nono. 
1>e  longe  os  meyos  da  convenientes^ 
^or  onde  vem  a  (ffeytos  o  fim  fadado: 
Ínfimo  pie  doj os  accidentes^ 
^e  afifeyção  em  Monçayde^que  guardado 
Eftavapara  dar  ao  Gama  avtjo, 
E  merecer  por  ijfo  o  'Taratfo, 


2+5 


Mai  o  Governador.  Como  a  vontade  de  Deos 
Omnipotente  cra  vir  ao  efteyto  á  prctençáo  dos 
Portuguezes,pâraglona,  6c  honra  lua,  &  extirpa- 
ção de  idolatrias  dos  Reys  da  índia  ,  nãopermit- 
tio,que  houveílb  couía.que  eítorvaíle  humaobra 
tão  hercyca,&  importante,pc  lo  que  foy  lervido  q 


OGamãtque  também  conjiderava 
O  tempo jque para  apartida  $  chama 
E  que  dejpachojà  não  ejpera^a 
Melhor  ao  Rey^que  os  Mabomtanos  ama: 
jíosfeytores^que  em  terra  efião^mandava^ 
êltie  fe  tornem  as  nãos  ^&  (or  que  a  fama 
Uejla  fúbita  vtnda  os  não  imj?iday 
Lhes  manda^que  afize/Jem  e/conaida. 


.Do  Rey  ejue  ot  Mahometanoi  ama.  Era  o  Samo- 
Ic  achava  naqueIJas  partes  hum  Mouro  por  nome     rim  de  Calecut  amsgo  dos  Mouros,pelaspevtas,8c 
Monçayde,  que  aih  aportara  dos  Reynos  de  Fez,     prefcntes.que  lhe  mandaváo,  comoíicadito  por 
oqual  le  âfleyçoou  aos  noflos,  cc  Ihedefcubrioos     mu y tas  vezes, 
intentos  danados  dos  Mouros,  como  aqui  conta  o 
Poeta  muyco  claramente. 


ESte^de  quem  fe  os  Momos  não  guardavas 
Torjer  Mouro  como  elit soantes  era 
^Participante  em  quanto  machtnavão 
y^  tenção  lhe  de/cobre  torpe j&J era: 
Muytas  vezes  às  naos^que  longe  eftavaOj 
ytfita^à'  com  piedade  confider a 
O  dmot&fem  razâo^que  fe  lhe  ordena 
Telia  maligna  gente  Sarracena» 

Eftedee^utm  feoi  Moura  nao guaràavao.  Os  Mou- 
ros tinhaó  dado  conta  de  lua  determinação  a  Mon- 
çayde  ,  de  que  acima  trattámos ,  o  qual  defcubrio 
tudo  ao  Capitão  mór  Vaíco  da  Gama.  Gente  Sar- 
racena laó  os  Mouros  ,  vejale  o  que  notámos  no 
canto  primeyro  ,  oy lava  8. 


Informa  o  cauto  Gama  da  r  armadas^ 
^c  da  Arábica  Meca  vem  cada  anno^ 
^ie  agora  fão  dosfeus  tão  defejadas^ 
Varafer  tnfirumenfodefle  dano: 
^izlhe^que  vem  de  gente  carregadas^ 
Edos  trovões  horrendos  de  Vulcano^ 
E  que  pódejer  delias  opprimidOy 
Segundo  e fiava  malapercebtdo. 

^w  ia  Arahtca  Meca.  Chamale  a  Cidade  de  Me- 
ca Arabica,por  eftar  na  terra  de  Arábia  deferta. 

JrovÒts  horrendos  de  Vulcano.  Vulcano  como  fica 
dito  ern  muytas  partes  dcíles  cantos  tinhão  os 
Antigos  por  Deos  do  fogo:  &diziaó  qucera  Fer- 
rcyro  de  Júpiter  ícu  pay,  &  que  lhe  fazia  os  rayos. 
Pelo  que  tomafe  pelo  mclmo  fogo.Daqui  trovões 
horrendos  de  Vulcano ,  Ião  os  tiros  de  artelharia. 


POrèm  não  tardou  muyto.que  voando 
Hum  rumor  nãofojjem  comveraaáey 
^eforãoprefos  os  feytores^quando 
Foràofentidos  vir  feda  Cidade: 
Efiafama  as  orelhas  penetrando 
1^0  fabto  Capitão  ^co  mbrevidade 
Faz  reprefaria  nuns^que  às  nãos  vier  ao 
A  vender pedraria%que  troxerão. 

g^tforao  prejos  otfeytorei.O  Capitão  mór  Vaíco 
da  Gama  tmha  em  terra,  para  feytorizar  a  fazenda 
que  tinha  em  Calecut,  dousfeytores  ,  Álvaro  de 
Braga  ,  Diogo  Dias ,  6c  Fernão  Martins  lingua, 
com  outros  quatro  homens  para  os  fervirem  ,  6c 
ajudarem,  Os  quaes  como  tivcíTem  recado  lecre- 
to  do  Capitão  mór  para  fe  recolher  para  a  armada, 
fendo  fentido  lílo  dos  Mouros ,  lançarão  maô  del- 
les ,  6c  deriveraõnos  :  êc  lá  ficarão  para  fempre,  fc 
Vaíco  da  Gama  não  ufara  de  hum  ardil,o  qual  foy 
fazer  repreía  em  alguns  homens  de  Calecut  prin- 
cipaps,que  foraô  negociar  á  armada,  com  os  quaes 
fíngio  dar  â  vella,  para  lhe  tornarem  os  fette,  que 
lhe  ficavaó  erxi  terra,  como  lhos  tornarão  logo. 

IO 

ERaõ  efte  r  antigos  mercador  es  y 
Ricos  em  Calecut, &  conhecidos j 
2)<í  falta  delles  Jogo  entre  os  ynelhores 
Sentido foy^qne  efiaò  no  marretidos-y 
Masjà  nas  nãos  os  bons  trabalhadores 
Volveocabrefiante^à'  repartidos 
Te  lie  trabalho  Jjuns  puxad  pella  a?narra, 
Outros  quebraõ  copeyto  duro  a  barra* 


1 1 

•^  litros  pendem  da  verga,^jà  defataaQ 


A  vella jque  comgritajefdltavay 


^anda 


246 

fiando  tom  mayor grita  ao  Rey  reiataÔ 
^  prcjja^com  que  a  armada  fe  levava-, 
yls  molheres^&  filhos  ^que  femataÕ 
T)aqtulleSjque  vaõ  pr  e/os  ^a  onde  ejíava 
O  Samori.Je  (j  ti  exaô^^que perdi  dos 
Huns  tem  os  Tays^as  outras  os  maridos 


I  z 


^f€  Anda  logo  osfeytores  Lu/itanoSj 
_|  Com  toda Jua  fazenda  livremente^ 
Apefar  dos  imigos  Mabometanos  ^ 
Torqiie  Lhe  torne  afiia  prefa gente: 
^i (culpas  manda  o  Rey  dejeus  enganos^ 
JRecèheo Capitão  de  melhor  mente 
Ospre/os^queas  difculpas ^^t ornando 
alguns  neoroSi/eparte^as  vellas  dando, 

13 

12)  Artefe  coflaahayxo^porque  entende 
^le  em  vão  co  Rey  gentio  trabalhava 
Em  querer  delle  páz^a  qualpertende 
'Per  tomar  o  tomercio^que  tratava-. 
Mas  como  aquella  terra^quefe  eftende 
^Fella  Aurora  fabiáa  jâdeyx av a; 
Come/ias  novas  torna  a  pátria  cara^ 
Certos finaes  hvando^do  que  achara. 


Lujtadas  de  Luís  de  Camões  Commentadosl 

ros  ,  as  quaes  tem  as  tolhas  como  de  Medronho, 
E  o  cravo  naca  cm  pinhas  como  fior  de  laranja, 
ou  de  madre  lylva.Eíte  cravo  no  principio  he  ver- 
de, depois  fe  taz  branco  ,  &  depois  de  muyto  ma- 
duro vermelho  muyto  fino  :  como  eftá  maduro  íe 
colhe  â  maõ,  então  o  põem  a  íecar  ao  Sol,  aonde 
le  faz  pretojcomo  o  cá  vemosjvcjafc  dcílas  drogas 
Chriíloval  da  Coíla  no  livro  que  fez  delias  cap.  u 
&4.  Há  tanta  abundância  dellc  neílas  Ilhas,  que 
nãoopódem  apanhar,nemdeípender. 

Com  a  canelia^com  ^»e  Ceylao  he  rica  illu/lretó'  ^c/- 
U.  De  Ceyláo  fica  trattado  no  canto  i.  oytava  i. 
vejale  o  meímo  Chriftovaó  da  Coíla  cap.  i.  que 
melhor  que  todos  os  Eícritores  trattou  cilas  cou- 
las,  como  teftemunhade  viíla,  debuxandous  ao 
natural  excellentementc. 


15 

ISto  tudo  lhe  houvera  a  diligencia 
T>e  Monçaydefiel^que  também  leva^ 
§ue  infp trado  de  Angélica  influencia  ^ 
^er  no  livro  de  Cbrifto^que  fe  efcreva: 
O  dttofo  Afrií  ano ^que  a  clemência 
T)ivina  ajfji tirou  de  e/cura  trevay 
E  tam  longe  da  pátria  achou  maneyra 
'Farajubir  àpatria  verdadeyra. 


DeMofifaydefiel.Jà.  fica  dito  largamente  a  fJd 

lidade  ,  &  amor  com  que  Monçayde  Mouro  d_ 

.  Africa  trattou  os  nofibs,&  como  le  embarcou  com 

Pela  aurora  jã  fabtda.?chs  partes  do  Oriente  def-     elles  para  efte  Rey  no  ,  &  íe  baptizou,  &  viveo,  & 


cubertas,  porque  aurora,  quer  dizer  Oriente. 

IEva  alguns  Malabares, que  tomou 
^  Torforça^dos  que  o  5amori  mindàra 
^{ando  ospre/osfeytores  lhe  tornou^ 
Leva  pimenta  ardente^que  comprar  ai 
Afecaflor  de  Banda  nãoficou^ 
jí  Noz^&  o  negro  Cravo ^que faz  clara 
A  nova  Ilha  Maluco ^co  a  Canella^ 
Com  queCeylão  herícayillujire^&  bella^ 

Afeca^ftorâe  J^anda  naÕ ficou,  Dcbayxo  deíle  no- 
"'^e  Banda  le  encerraô  cinco  Ilhas, chamadas  Ban- 
da ,  habitadas  de  Mouros  ,  &  Gentios, 'entre a 
Jaoa  ,  6c  Maluco:  h'a  neílas  Ilhas  muyta  noz  mof- 
cada  em  humas  arvores  como  louros.  A  fruyta 
dcílas  arvores  he  a  noz  ,  &  a  malla  que  chamamos 
lie  como  flor  da  melma  noz.  Eíla  maíla  he  huma 
das  melhores  drogas,  que  vem  a  eílc  Reyno,  he 
p  uytoprefada,là^Sc  cl,^  danozhà  tanta  quanti- 
dade,quefe  acendem  ofego  com  cila.  Onegrocra- 
f*.  AlcmJ delias  cinco  Ilhas  eíláo  outras  cinco 
mnis  contra  o  N'orte>chamadas  de  Maluco,  neílas 
Ilhas  le  dà  o  cravo  em  humas  asvores  cooio  lou- 


morreOjComo  muyto  bom  Chriílaô,  que  he  o  qu^; 
aqui  o  Poeta  diz  neíla  oytava. 


16 

Acartadas  ajfida  ardente  cofia. 
As  venturofas  nãos  levanao  aproa 
^ara  onde  a  natureza  tinhapóíia 
A  meta  Auftrina  da  efperançaboa. 
Levando  alegres  novas y^  repofta 
^apartd  Orientai  para  Lisboa^ 
Outra  vez  cometendo  os  dujros  medos  J 
*Do  mar  incerto  ^timidoSiò  ledos ^ 

Meta  Auflrina  da  efptrança  boal  Conta  o  Poeta 
como  os  Portuguezesderaõ  á  vella  para  Portu- 
gal ,  pondo  a  proa  para  o  Cabo  de  Boa  efperança, 
a  que  chama  Meta  Auílrina  ,  que  quer  dizer  ter- 
mino ,  &  limite  do  Auílro,  que  he  o  Sul,  no  qual 
termino, &  fim  jaz  eíle  tão  nomeado  Cabo.  Timi' 
ãoí,  &  ledos.  Os  homens  que  navegaô,  tem  as  pro- 
priedades dos  que  amaó  ,  os  quaes  em  léus  traba- 
]hos,6c  inquietações  trazem  hum  alvoroço,&:  ale- 
gria ,  que  lhe  faz  fofrer  os  perigos  4  &  enfadamen- 
tos facilmente.  Por  eíla  razão  diz  aqui  o  Poeta> 
que  os  Portuguezes  hiaó  medrofos,6c  ledos. 


O 


I 


17 

O    Trazer  àe  chegar  á  pátria  cara, 
A feus  penates  caros ^& parentes, 
^ara  contar  a  peregrina ji^  rara 
Navegação, os  vartos  CeoSj&  gentes: 
yir  a  lograr  o  premio, que  ganhara 
portão  longos  trabalhos ^à'  acciâentes. 
Cada  hum  atem  por  gojlotao  perfeyto^ 
<^e  o  coração  para  elle  hevafoejlreyto* 

Ajeus  Penates  ctroiAs  fuas  cafas  amadas.  PenaS 
tes  entre  os  antigos  eraô  os  principaes  dos  feus 
idolos.chamadosaíTim,  como  diz  Macrobio,  por- 
que por  elles  fingem  que  vivia<d  ,  Sc  poíluhiaó  as 
forças  do  corpo  ,  &alma:  &  por  ido  os  tinhaó 
dentro  cm  caíatchamandolhe  l^enates,  como  quer 
TlíHío  )iv.  i.  de  Natura  Deorum  ,  dizendo  que  fe 
chama  ailim:  ^ttodpcms  nm  nattiunt.  Vejáo  os  cu- 
nolbs  Alcxander  aò  Alcxandro  liv.  6.  gcnial.dier. 

i8 

POrém  a  T>éofa  Cypria.que  ordenada 
Era  para  favor  dos  hufttanos^ 
^0  Tadre  Eterno y§  por  bom  génio  dada^ 
^le  fempre  os  guiajà  de  longos  annosx    •. >  > , 
^ glona por trabaíhos  alcançadat  r-T' 

Satisfação  de  bem  fofndos  danos ^ 
Lhe  andava] à  ordenando J^per tendia 
UJarlheno^  mares  trijiesyalegria. 

Porém  a  Deofa  Cypria.  Eíla  he  Vénus  amiga  dós 
PoiíuguczeSjChamaleaíTim  deCypro,ílha,  ao^de 
era  venera  Ja.E  por  b$m génio  dada.  Os  antigos  cha- 
Oiáo  Deolesgeniaes,  á  agua,  terra,  fog-?,  ôcar,  & 
acrecentavâo  o  Sol ,  8c  Lua ,  por  ferem  os  princí- 
pios da  geração  das  coulas  :  5c  aeftes  nos  dias  de 
feus  nacimcntos  faziáo  grandes  feílas.  Empédo- 
cles dille,  que  em  hum  homem  nacendo,  lhe  eraô 
dados  dous  génios ,  hum  bom,  que  o  guardafle^  6c 
outro  mao  que  o  perfeguifle.  Donde  alguns  inter- 
pretaôaboa  ,  ou  má  fortuna,  que  tem  cada  hum, 
que  he  o  que  o  Poeta  aqui  diz  ,  quea  V^enusera 
dada  do  Ceo  por  bom  génio  ,  como  le  diílera  para 
ajuda ,  ôc  favor  dos  Portuguezes.  Dos  génios ,  & 
variedade  dos  antigos  nefta  parte,  fe  veja  Alexan- 
dre no  lugar  allegado  na  annotação  acmia. 

19 

DEpois  de  ter  hum  pouco  revolvido 
Na  mente  o  Urgo  mar, que  navegarão 
Os  trabalhos yqae pelo  'Deos  nacidoy 
Nas  Anfitoneas  Thebas^e  caufarãr. 


Canto  Nono,  24,7 

Jà  trazia  de  longe  nnféntido, 
'í*  ar  a  premio  de  quanto  maip^ffdrhy 
Bufcarlhe  algum  déleyte^algum  aejcanço 
No  Reyno  áe  crtjtai líqutaOi&  manco 

Nas  AmphioneatThéas.  Amphion  ReydeThc- 
bas  foy  grande  mufico,Sc  tanto  que  feefcreve  dei- 
le,que  tocando  a  Tua  viola,  8c  cantando  a  ella  íe  le- 
vantaváo  as  couías  iníeníiveis,  como  pedras,paos, 
6c  outras  femclhantes ,  8c  o  feguiaó ,  8c  que  defta 
maneyra ajuntou  u  pedra,comque  fezosmuros  a 
Thebas  ,  a  qual  por  eíla  razão  fe  chama  entre  os 
Poetas  Amphionca,como  aqui  lhe  chama  o  Poeta. 
Eíta  Thebas  he  em  Boecia  Rcgiaó  de  Grécia ,  8c 
chamafe  hoje  Éílybrcs.  Nefta  Cidade  he  opinião 
de  muytos,  que  naceo  Baccho,  o  qual  tecia  tantos 
enganos  ,  8c  caufava  tantos  trabalhos  aos  Portu- 
guezes. No  Reyno  de  CrifUl li^uUo,  &  manfo.  Por 
Reyno  de  criftal  liquido  ,  entende  o  mar ,  ao  qual 
chama  manlo,  que  ainda  que  de  lua  nutureza  leja 
luricifo,8c  bravo,  haviâo  os  Portuguezes  de  achar 
defcançojôc  quietação  nelle. 

2,0 

^^■Lgum  rtpoufoemfim^com  quefude[fe 
Refucilar  a  lajfa  humanidade 
^os  navegantes  feus  ^como  inter  effe 
*Dos  trabalhos, qtie  incurta  abrevidadei 
^ar^celhe  ra^ão,que  conta  déffe 
AJeu  filho  ipof  cuja  pote jiade 
Os  T^eofes  faz  decer  ao  vil  terreno^ 
E  os  humanos  fubir  ao  Qeoferem^  >  , , 

7?í/òci//;jr.Recrear.  Do  trabalho  ^ite  encurta  a  hri2 
'veidade..Os  trabalhos,  8c  dcígoflos  cncurtáo  a  vi- 
da :  8c  pelo  contrario  os  goílos ,  8c  paflatempos,  a 
eftendem,^  dilatáo:  pelo  que  os  antigos  pinta  vão 
a  Apollo,  que  elles  tinhaó  por  Ídolo  da  Nluíica,  Sc 
a  Baccho  da  vinho  ,  ambos  mancebo?  fem  barba, 
como  fe  pôde  ver  nos  Emblemas  de  Alciato,  Em* 
blema  pp. 

Parecelbe  rezao  cjue  couta  Jc fé  a  fsu  filho.  Com» 
Vénus  determinou  fazer  algum  gazalhado  aos 
Portuguezes,  8c  darlhe algum  dcicanço,  com  que 
lercpayraflem,8c  recreaflem  algum  tanto  dos  tra- 
balhos do  mar.pareccolhc  ler  bem  dár  conta  defta 
fiu  determinação  a  Cupido  feu  filho  ,  8c  pois  era 
poderolo  no  Ceo,  8c  terra,como  o  Poeta  aqui  diz, 
Sc  por  efte  relpeyto  ncceflario  para  o  gazalhado, 
que  ella  procurava  fazer  aos  Portuguezes. 


2.1 


Ato-i  ív\;» 


ISto  bem  revohido^détermtfia 
T^eterlhe  a  partlhada  là  no  meyo 
'Z)«/  a^oasydlgujna  Infida  divina^ 
Ornada  de  ejmaiíada^&  verde /irreyo: 


§jf^ 


114^ 


Lufiâàas  de  Luis  de  Camões  Commentaaos, 


^e  mnytaí  tem  no  KeynOjque  confina 
"jja  mãy  primeyra  c^o  o  terreno/ty  -), 
Afora  as  que pofjue {ober anãs ^ 
*t  ar  adentro  dasj^ortas  Herculanas. 

D»  frimeyrac'^e  o  terreno  fey o, Aifíim  fezLuis  de  Ca- 
mões cíle  vcrlb,  Senão  como  anda  imprelío  :  da 
tnáy  primeyra  c'o  o  terreno  feyo:que  foy  acrecé- 
caincnto  da  Syllaba  mây,  por  creieni,  que  faltava 
laoverío  ,  oquenaõhe.  Nem  a  palavra  mãy  na- 
quelie  lugar  quer  dizer,  couia  que  íatisíaça:quan- 
do  as  íyliabas  da  palavra  primeyra  teui  quatro, 
vogaes.  E  ainda  que  o  ay  lejadiphtongo,  êc  fe  to- 
me por  huma  lyllaba  íó,  coítumaó  os  l^oetas  divi- 
dilos,  E  allim  o  ouvia  Luis  de  Camões  :  os  que 


thsgo  quizefiebem  a  leu  íilho  Eneas  ,  que  foy 
mandar  feu  filho  Cupido  em  habito  ,  6c  figura  de 
Alcaino,filho  de  Eneas,  para  delia  maneyra  affey- 
çoar  Elyía  Dido  a  Eneas,  como  conta  Virgílio  na 
lua  Eneida  liv.i.in  fine. 

O  Campo, íjue  a  hntna  felU  tomou,  He  o  campo  da 
Cidade  Carthago  em  AÍrica  ,  contáo  as  fabulas, 
que  íendocafada  ElyfaDido  com  SjcheoReyde 
Phenicia  ,  feu  irmão  Pigmaiiaõ  matou  a  Sycheo, 
com  cobiçados  thefourosgrandeSjquetinha.Ely- 
fa  Dido  foy  avilada  por  íeu  marido  morto,queíe 
fofle  daquella  terra,porque  aíTim  como  Pigmaliaó 
o  matara  a  elle,  a  havia  de  matar  a  cila.  Ely  fa  ajun- 
tou a  mais  riqueza,  &  gente  que  pode,  &  metcofe 
cm  huma  nao,  na  qual  foy  aportar  a  Africa,  &  alli 


quilerem  que  errafle  Luis  de  Camões, íação  o  ver«  fe  concertou  com  El-Rey  Hyarbas  lhe  dèíle  a 

iodefla  maneyraicom  o  terreno  feyo.  terra  que  hum  couro  deboy  leyto  em  tiras  occu- 

D  as  for  tas  Herculanas.  No  mar  Mediterrâneo  paíle.  Nefta  terra  edificou  huma  grande  Cidade, 

do  cítreyto  de  Gibraltar  para  dentro  ,  como  Pa-  ii  qual  foy  grande  emula  dos  Romanos  por  rauy- 

pho,  Gu.ido ,  Chipre,  Cythera ,  de  cujos  nomes  le  tos  annos,como  eílao  cheyas  as  hiftorias.E  iílo  he 

chama  Paphia,  Gnidia,Cypria,&;Cyther;ea,,  Cha-  d  que  o  Poeta  aqui  diz,  que  iez  Vénus,  que  Eneas 

mafe  eíle  eíbeyto  Portas  de  Hercules*  ou  colum.  foíle  bem  recebido  no  Campo ,  que  tomou  de  eí- 

nas  de  Hercules  ,  porque  neíle  lugar  poz  duas,  paço  a  pellede  boy,que  he  Carthago, 6c  o  que  diz 

como  fim  de  léus  trabalhos ,  fingindo  que  partira  por  íutil  partido  he  porque  íoy  aquella  pelle  fey 

pelo  meyo  deus  monrcs  ,   8c  fazendo  que  o  mar  ta  em  tiras  muyto  delgadas 

paflaífe  por  alli,levando  feu  curlo  por  outra  parte,  lio  no  lugar  allegado. 
como  fica  dito  no  tcrceyro  canto,  oy  tava  8.  &  jC, 


como  conta  Virgi- 


^4 


21 

A    LU  quer ^que  às  aquáticas  donzellas 
Efperem  os  forjjimos  varoeus^ 
Todas  as  que  tem  titulo  de'  belias,  * 

Gloria  dos  olhos ^dor  dos  coraçoensi  \ 

Com  danças  ^éf  core  as  ^forque  nellas 
Influirá  fecretas  affeyçoens^ 
^ara  com  mais  vontade  trabalharem 
*ij)e  contenta^  ^aq^emfeaffey  coarem^ 
1'  '''  ^  ,-./,".-, ' 

^^uaticas  íknz^elUs.  Nymphas,6c  donzellas  mo- 
radoras nas  aguas,  como  as  filhas  de  Nereo,  a  que 
os  Poetas  chamáo  Nereidas  :  ôc  outras  dequcos 
Poetas  tráttâo  cm  fuás  fabulas. 


^3 

T  Aí  manha  biifcouj ampara  que  aquelle^ 
^le  de  Anchifes  pariOjbem  recebido 
IPafJenocampo^que  a  bovina  pelle 
Tomou  de  efpap porfutil parttdo: 
Seu  filho  vay  bufcar  ^porque  fò  nelle  , 
Tem  todofeupoder  Qero  Cupido) 
^íie  affí  como  naquella-e  mprefa  antiga 
A  ajudoujà^nejioutr^aa  ajude  ^tê  figa, 

Taí  tnanh»  jà  hufcon,  Ó  modo  que  teve  Vénus 
para  aííeyçoar  as  Ny níphas  aos  Portiiguezcs ,  foy 
t)  que  teve  paraquc  Ely  fa  Dido  Raynha  de  Car- 


NO  Carro  junta  asaves^que  na  vida 
Vão  da  morte  as  exéquias  celebrando^ 
E  nque liassem  quejâfoy  convertida^ 
^erifleraj4S  boninas  apanhando: 
Em  derredor  da  ^Deofajà partida^ 
No  ar  lafctvos  beijos  (e  vão  dando 
Ellapor  onde  paffa  o  ar^&  o  vento 
Serfnofaz^com  hrando  movimento. 

No  carro  ajunta  ês  aves.  As  aves,  que  fingem  os 
Poetas  levar  o  carro  de  V^enus  faó  Cifne5,ôc  pom- 
bâS.Os  Ciínes  entende  aqui  o  Poeia  por  aves,quc 
na  vida  celebrãoas  exéquias  da  morte  ,  porque 
fingem  deftas  aves,  que  cantão  muyto  fuavemcn- 
te  ao  tempo  de  fua  morte,vcjale  o  que  elcrevemos 
no  primeyro  canto  ,  oytava4.  Por  pombas  a  a^ve 
cm  que  foy  convertida  Periftcra.  Contão  as  fabu. 
Jas,  que  andando  Vénus,  ôc  Cupido  aporfia  apa- 
nhando fiores:  huma  donzellapor  nome  Perifterií 
vendo  que  Cupido  apanhava  mais,  fe  poz  da  ban- 
da de  Vénus  para  a  ajudar  ,  pelo  que  irado 
Cupido,a  converteo  em  pomba,  que  ifto  fignifica 
a  palavra  Periftcra  no  Grego.  E  por  efte  reípeytó 
lhe  queria  muyto  Vénus,  6c  a  trazia  em  o  leu  car- 
ro, 6c  lhe  faziaó  lacrificio  delia,  como  dizOvidio 
nosFauftoshv.i. 


J 


^5 

A^  làfobre  os  Idalios  Tnont es  pende ^ 
Onde  ofilhofrkbeyro  eftava  então^ 


"■-fX 


AJHH' 


Ajunfmdo  outros  mttytos^que  fertende 
Fazer  humafatnofa  expedtção. 
Contra  o  mundo  rebelde, porque  entende 
Erros  grau  de  Syque  ha  dias  nelle  eftào^ 
Amândio  coufas^que  nos  for  aõ  dadas  y 
Não  para  fer  amadas ^mas  ufadas. 


CanuNonn^  ^^^ 

livros ,  tem  licença  de  áeíprezar  toda  a  outra  vi^ 
da»ôc  muycas  vcz-csle  engauâo,fóra  das  couliis  de 
lua  protiiraõ. 

^7 


Eye  do  inundo  todos  o%  principais ^ 
Sue  nenhum  no  hem publico  imagina^ 
yèneíles^quenãotemamoramats^ 
U  fdr,  >,  v,m«  mm.  ?"»  f f'""  <«!>  ">-    ^«^  afilòmeHte,&  a  quem  Filáucia  enfímx 
ito  íe  foy  Vénus  ao  monte  Idalio  em  Chipre,     rf-  tr  i-^         *-  "^ 

^  ^         y  e^queejj es  ^que  fer  quentão  os  reaes 

^  aços  por  verdadeyra,^  fãa  do  tma^ 
Vendem  adulação ^que  mal  conlente 
Mondarfe  o  novo  trigo  jkrec ente. 


tento  le  toy  Vénus  ao  monte  laauo  em  e-tiipre 
aonde  Cupido  leu  fiihoeílava  preparandoíe  para 
efta  empreía:  Chamafe  frechey i  o,porque  o  pincaó 
os  Poetas  com  arco,5c  frechas. 

Amanâo  coufai.  Naó  queria  Venus,quc  houvef- 
fe  no.  munda  outro  exercicio/e  náo  o  de  lua  obri- 
gação ,  que  era  amor ,  6i:affeyçãQ,  ôcaflimpcr- 
luadiaao  Hlho  fearmaíle ,  8c  fizefle  guerra  contra 
o  mundo  rebelde, pois  gaílava  o  tempo  cm  outras 
coulas,  comojogos,  caças,  privanças,  Scgrangea- 
ria  de  fazenda,  &  outras  coufas  lemelhantes,queo 


A  t^nem  PbilaHcia  enftnit,  Philaucia  he  patavf» 
Grega,  quer  dizer  amor  próprio.  Adulaçâo,he  li- 
fonja,vicios  faó  e(les,que  reynáo  muyto  em  gente 
poderoía,  &  quetratta  com  os  Reys,  &  Senhores 
grandes,  como  aqui  diz  o  Poeta,  &  nos  moftra  a 


Poeta  vay  recontando  por  algumas  oytavas,  que  experiência.  Mondar/e  a  nova  tngo  fUreUente.  Im- 
iaóas  que  o  Poetadiz  ,  que  ler  vem;  para  fe  uíar  poffivei  he  faltar  no  Paço  adulaçáo.comoheim. 
dellas,6c  nao  para  ierera  amadas.  políivel  no  novo  tngo  faltar  herva^que  tirar.      " 


VlaAêie^n  na  caça  tão  auflero^ 
"De  cego  na  alegria  bruta^infana^ 
^4eporfegHÍrhHm  feo  animal  fer o^ 
I^òge  àa gente i&  be Ha  forma  humana:, 
Epor  cafiigo  quer  doce^^  feveroy 
Mofiralhe  afermofura  de  Dianaf 
£  guarda/e  mo  feja  mda  coínido 
^effes  caejjque  agora  ama,&  confumidol 

ViaABton.  Acidava  Vénus  triíte  »  5c  enfadada 
de  ver  os  homens  dados  a  exercicios  differentes, 
cfquecidos  dos  feus,  queeraó  caflfar,  6c  namorar, 
pelo  que  por  ordem  do  filho  determinou  dcfter* 
rar  do  mundo  os  taes  exercicios  ,  &  o  primeyro 
cm  que  executou  fua  cólera  ,  foy  no  Caçador 
Acleon  ,  o  qual  fez  que  foflc  dar  a  huma  fonte, 
aohdc  Diana  Dcota  da  C3ça,íe  eftava  pala  lefta^la- 
vando  com  fuás  donzellas ,  paraque  afrontada  de 
Afteon  a  ver  naqoellacftaio  lhe  fizefle  algum  \o* 
.g«ete,  comofez,  qu€  foy  convertelo  em  veado,a 
qual  Teu»  próprios  cães  o  defpedaçaraô,como  con* 
taOvidio  nas  Metamorphofcs  liv.^. 

De  cegana  afegria  bruta  infans»  Alegria  bruta,  & 
rhfánn  chama  ao  exercício  da  caça  ,  Xenopbontç 
\ht  chavn^ ^Hhtim  jludmmvtnattoniiéO  nelcio  cxer- 
cicTO  da  caça,  6c  outros  a  efte  íom»  Naõ  fey  com 
que  rezaó  todos  os  outores  dizem  çoal  da  caça  :  o 
que  daqui  fe  collige  he,  que  não  fabiaó  os  provey- 
tos ,  &  goftos  deite  cxercrcio.  E  porque  cu  fo«i 
lufpeytonefta  materia.náo  me  alargo  ncUa,  baila 
que  he  cxercicio  de  Reys,6c  fcnhores,  8c  que  não 
hccoufa  a  que  gente  de  bayxoseípiritoifeaffcy 
"^oc.  Os  Leiradog  como  não  goftáo  mais  que  dos 


1% 

VBf.  que  aquelleSjque  devem  à  f^obrasití 
Amor  dívinOi&  ao  povo  chartdade^ 
AmaÔ fomente  mandos ^^  riqueza j  . 
Simulandojtiftiçajâ  in  tegridadei 
2)^  fea  tyraniai&  de  afpereza. 
Fazem  eiírejto,&  vãafeveridade, 
Leys  em  favor  do  Reyfè  eflabelecem» 
Asemfav&r  do  povo  fò  perecem, 

Vè  ejttt  à^udku  Como  fica  notado  atras  o  noíTo 
Poeta  naó  diz  mal  dosRcHgiofos »  antes  em  fuás 
©bras  moftra  (erlhe  muyto  âffeyçoado  ,  &  cu  lho 
ouvi  muytas  vezes.  E  em  tanto  be  iílo  aíTim  ,  que 
no  teinpo,queeu  com  elle  trâltava,nuuca  íahia  áoi 
moíleyro  do  Remaventurado  S. Domingos,  8c  m« 
dizia  muytas  vezes ,  que  não  havia  roais  honrada 
converfaçlo,  êc  amizade,  que  a  deftes  Relígiolos. 
Nota  nos  Religiolos  quererem  andar ,  &  trattac 
nos  Paços  com  fcculares,  6c  ifto  he,o  que  quer  di^ 
zer  nas  partes  aonde  delles  tratta, 

t9 

VE^emfimipie  ninguém  ama  o  que  deve 
Senão  o  que  fomente  maldefeja^ 
Não  quer  que  tanto  tempo  fe  releve, 
O  cafiigo, que  durQ^juftofJa:      ^      ^ 
Seus  mini[iros  ajuntajporqne  leve         \       - 
Exércitos  conformes  ãpeieja, 
Sue  efpera  ter  cõ  ama/ regida  gente j 
§ue  lhe  nã^hr  aoora o  bediente. 
^      .  .  li  Se^ 


òeui  mkljítús  ajuntd. 


Lujiaàasãe  Luis  de  Camões  Commentados, 
Fez  Cupido  hum  elqua-     ais ,  Sc  íufpiros  dos  que  hiaõ  feridos  das  fettas  deHe 


tes  meninos  voadores.  Plcbcruba,  gente  bayxa. 
Crebros  fufpiros,continuos  Íufpiros,  ÔC  muytos. 

Mas  põem  em  vida  os  tnda  não  nacidoi.  He  dito 
de  encarecimento  para  moítrar  a  grande  mão  das 
Nymphas  ,  que  aonde  chegava  hcava  logo  o  re- 
médio dado  ,  porque  náo  lomente  para  os  feridos 
aprovcytavaó  feus  remédios  ,  mas  ainda  aos  por 
nacer ,  que  cm  algum  tempo  haviáo  de  ter  ncceí^ 
(idade  de  ajuda,iá tinhaó  eílc  valhacouto. 


làraó  de  miniltros  léus  para  pelejarem  contra  gen- 
te dcimandada ,  6c  apartada  de  Icus  preccytos. 

30 

Vytos  de  fies  mininos  loadores 

Eftão  em  varias  obras  trabalhando^ 
Huns  amolando  ferros  pafjadores^ 
Outros  afteas  de fetas  fe  adelgaçando: 
Trabalhando  cantando  ejlâo  de  amores 
Vários  cafos  em  verfo  modulando» 
Melodia  fonora,&  concertada^ 
Suave  a  letra  ^angélica  afiada. 

Muytot  de(les  mininos  voadores,  A  Cupido  parraó 
dos  namorados  pintaó  os  Poetas  com  arco,  &  fre- 
chas ,  &  com  azas.  Eíla  he  a  razão  porque  o  Poeta 
chama  aqui  a  outros  fubftitutos  de  Cupido  para  o 

ajudarem  neíta  empreza,  que  tinha  entre  asmáos,     J fio  acontece  as  vezes jqttando  as Jetar 
meninos  voadores. 


33 

F  Ermo f as  fão  algumas i&  outras  fe as» 
Segundo  a  qualidade  for  das  chagas^ 
^eovenenoefpalhado  feias  veas, 
Curãí^no  ãs  vezes  a/peras  triagas: 
yllguns  fícão  ligados  em  cadeaSj 
^or  palavrasfubtis  de/abias  Magas^ 


31 

N^s  fragoas  immartaesyonde  forjavão 
Tara  as/etas  as  pontas  penetrantes 
^cr  lenhajCoraçoens  ardendo  eflavão^ 
Vivas  entranhas  tndaplapit antes 
Asagoasonde  os  ferros  temperavão% 
Lagrimas  f ao  de  mi  feros  amantes» 
AvivafiamayO  nunca  morto  lume, 
U^e/ejo  he  finque  queyma,&  nâoconfumi 


Acertão  de  levar  ervas  fecretas^ 

Fermofãí  fa^ algumas.  Reconta  o  Poeta  os  gran- 
des disbarates,  6c  dcfavcnturas  que  hà  nefte  nego- 
cio de  molheres ,  &  os  grandes  cafos  que  nefta  ma- 
téria acontecem,o  que  nosmoftra  bem  claro  a  ex- 
periência. 

Sabias  Magas,  Sabias  feyticeyras  ,  o-quctam» 
bem  neíla  matéria  não  falta. 


34 

DEftes  tiros  affiàefirdenadosj 
^e  eftes  moços  mal  deftros  vão  tirada 


Defejo  he.  A  lenhti,que  fe  queymava  na  fragoa  ^     . 

aonde  íe  forgavão  os  ferros  das  fettas  de  Cupido  Nacemamores  mil  de fconcertados » 

eraó  coraçóes.Sc  entra nhas:as  aguas  aonde  fe  tem-  Entre  o pOVO  ferido  mtferando: 

peraváo  os  ferros  ,  eraó  lagrimas ;  o  fogo  era  de-  ^ ^^^y^^  ^,,  j,,^^^^  ^,  j^^^  .n^^^,^ 

leio,  que  qucyma,  &  naomata-.as  coufas  do  amor,  e*        ^i  ir  j  \.  ^  .  j 

&0S  paflbsdosqueamâo  iaótrabalhofos,masneíI  ^^'^^^^  mtl fe  vem  de  amor  nefando , 

tes  trabalhos  hâ  huma alegria  grande  :  aíTim  que  ^«^^^  dasmoças  Btbh,&  Lyntrea 

cfte  defejo,como  dizo  Poeta,queyma,&  náo  mata.  H^mmancebo  de  A£irtajhú  de  Judèa, 
Vcjafe  o  que  notámos  no  canto  oytavo,  oy tava  83. 


*iu  xíJilpaupi.  ? 

ALiguns  exercitayido  a  mão  andavão 
Nus  duros  coraçoens  da  plebe  ruda^ 
Crebros  fufpiros  pelo  ar/oavão , 
'X>os  que  feridos  vao  da  feta  aguda: 
Fermofas  Ninfasfão^as  que  curavao 
As  chagas  recebidas ^cuja  aj uda 
Não/òmente  dà vtda  aos  malferidos^ 
Mas  põem  em  vida  os  inda  naõ  nacidos^ 

Alguns.  Diz  que  deftcs  ajudadores  de  Cupido 
feoccupavâo  alguns  nos  coraçoens  de  gente  bay- 
xa,porque  o  amor  a  ninguém  perdoa.Sc  em  quan- 
to elles  eílâo  nefta  forja  foavaõ  çelo  ar  grandes    íVnfrfiad©,6c prohibido  de  íeu  irmâo,Sí  com  impa- 
ciência 


E  tamhenf  not  Utnts,  Não  fomente  cm  'gente 
bayxa,  mas  na  gente  principal  faziaõ  eftes  tiros  de 
Cupido  cffeyto  ,  &  caufaváo  delconcertos  gran- 
des,  &;  torpe?.  Heroes ,  faó  Senhores  grandes ,  & 
gente  de  titulo, 

§Í«<j/  o  das  moças  Bihli.  Efta  Bibli  conta  Ovidio 
nos  Metamorpholcs  liv.  9.  que  fe  embrulhou  com 
Cauno  irmão  leu  ,  &  por  cllclc  querer  defped ir 
óella  com  niuyto  chorar  ,  le  converteo  em  fonte. 
O  meímo  Ovidio  diz  nos  livros  de  Arte  amaa- 
di,queTe  enforcou. 

Biblida  cjuid  referam  veú^o  qua  fratris  amore 
Arfitiéf  ^ft  lat^ueo  fortiter  uíírn  nefas, 

>í  '^bcíj:') :.;.-.)  -j^  ■ 
Que  dircydeBiblis  ?  aqualardcocomamorde» 


I 


Canto 

cícnciafe  enforcou. E  Cyniren.  Entende  Mirra  filha 
de  Cyniras,a  qual  amou  a  íeu  pay  deshoneílamen- 
te,  como  conta  Ovidio  nas  Metaraorpholcs  liv.io. 
o  quetoy  caufa  de  le  converterem  arvore  doicu 
nome. 

Hum  mancebo  de  AjJjriaM^  ^^  luaêa.  O  mance- 
bo de  Aflyna,  heNmo  filhodcSemiramis  ,  do 
qual  fe  elcreve  que  cohabitava  torpemente  cora 
fuamáy.Hum  dejudéa.  Rubem,o  qualferoiftu- 
rou  com  Bilhah,  concubma  de  leu  pay  Jacob,  co- 
mo fe  conta  no  Genefis.  Outros  entendem  eftc 
mancebo  de  Judea  por  Amon  ,  com  fua  meya  ir- 
liú  Thamar,  filhos  de  David. 

35 

EVòs^ò  foderofosyferfafloras 
Muytas  vezes  ferido  ofeytovedeSf 
E  porbayxoSy&  rudes  vòSj/enhoras^ 
Tambemvostomão  nas  Fulcaneas  redes: 
Huns  efperdndo  mdais  nocturnas  horas ^ 
Outresfubis  telhados  ^t£^aredes^ 
Mas  eu  creo^que  dejte  amor  indmoy 
He  mais  cul^a  a  da  may^que  a  do  mininol 

E  voz  i  foãerofosl  Tratta  o  Poeta  a  delordem, 
que  há  no  mundo  no  pedfcado  da  feníualidadc,  co- 
mo homens  muyto  principaes  fe  embaraçáo  com 
molheres  muyto  bayxas  :  &  pelo  contrario  mo- 
IJiercs  muyto  honradas ,  com  homens  de  muyto 
bayxa  forte  ,  o  que  declara  o  Poeta  naquellas  pa- 
lavras.To;»/}?  nai  l^ulcaneas  redes.  Contaô  as  fabulas, 
que  fencmdo  Vulcano,  que  lua  molher  Vénus  lhe 
iazia  adultério  com  Marte ,  fez  huma  rede  muyto 
íutil  de  ferro  ,  a  qual  armou  em  hum  lugar  aonde 
elles  coftumavaó  ter  feus  paflatempos,  &  os  pren- 
deo  nellaios  quaes  não  foltou  até  que  foraõ  viftos, 
&  labido  publicamente  feu  peccado.  Daqui  redes 
Vulcaneas  ,  laó  as  prilões  em  que  os  lenhores  na- 
morados caem.  He  mêú  tulpa  a  da  mHy  tjue  a  di  mi- 
nino.  Quer  aqui  dizer  o  Poeta  que  eíla  delordem 
do  mundo  ,  he  mais  caufada  por  própria  torpeza 
áos  homens,  que  de  amor ,  &  aíFeyção,  porque  fe 
não  movem  a  iíto  ,  íc  não  por  ferem  puramente 
lorpesjôc  Icnfuacs, 

MAsjà  no  verde  prado  o  carro  leve 
Tutthão  os  brancos  Ctfnes  mançâmenti 
E  T>íòne,quer  as  rofas  entre  a  nevcy 
No  roflo  traz^decia  diligente-. 
O  frècheyrOiqne  contra  oCeofe  atreve^ 
A  recebe  la  vem  ledo^&  contente^ 
Vem  todos  os  Cupidos  fervtdores 
Beijar  a  maõ  à  T)eoJa  dos  amoresl 

ÂlaijÀn»  verde  prádti  Já  Vénus  tinha  chegado 
^pm  feu  carr9  ao  lugar  aonde  queria  fazer  fua  fef- 


Nono]  251 

ta  aos  Portuguezes,  O  carro  de  Venns,  como  fica 
dito  ncfte  canto ,  oy  tava  z8.  era  levado  de  Ciíncs. 
Dionc  he  Vénus  como  fica  dito  no  i. canto, oytava 
3  5.  a  qual  gaba  de  fermofa  dizendo,  que  traz  roías 
entre  a  neve,que  he  cor  com  alvura.O  frccheyro, 
que  contra  o  Ceo  fe  atreve  he  Cupido,do  qual  di- 
zem os  Poetas,que  a  ninguém  perdoa,porque  tam- 
bém Júpiter,  ApoUo,  Baccho,  6c  outros,  que  elles 
tinhaó  por  léus  Deofesfugeytava  Cupido,  porque 
tinhaõ  fuás  inquietações  deamor.Deola  dos  arao-;; 
resjhe  Vénus  de  que  falíamos. 

37 

E  Lia  por  que  naõgajle  o  tempo  em  vaS$ 
Nos  braços  tendo  /» /  lho  ^confiada 
lahe  diZ jantado  filho ^em  cuja  maõ 
Toda  mtnha  potencia  ejiàfundada\ 
Ftlho^em  quem  minhas  forç as  fempre  eflaõ^     * 
Tujque  as  armas  Tifeas  tens  em  nada, 
AJocorrerme  a  tuapoteflade,  v 

Me  traz  efpecial  necejjtdade. 

Tu  ^ue  ak  armai  T^pbeeas  tem  em  nada.làíí^  piedoza 
pratica  de  Vénus  com  Cupido  feu  filho  ,  he  ti- 
rada de  Virgílio  na  lua  Eneida  ,  naquelles  vcr- 
fos.  liv»i.  ^uafi  infint» 

JSIate  mea  vires,  mea  magna  fetentia  folui, 
hiate,patris  fummiy^uique  ttla  Ibyphoea  temnisl 
Ad  te  eenfi4ii9i&  (upfkx  tua  uumtna  ^ofco. 

Filho,  cm  o  qual  confiftem  minhas  forças ,  Sc  todo 
meu  poder,filho  que  tens  em  nada  as  armas.  Thy- 
phoeas,apcrtada  da  neceífidade  me  chego  a  ti. En- 
grandece o  Poeta  ncftas  palavras  o  poder  de  Cu- 
pido, como  atrás  fica  dito,  o  qual  não  lòmente  na 
terra,raas  no  Ceo  entrava  com  feu  podenpelo  que 
Jupiter,quc  elles  tinhaó  pelo  principal  de  feus  fal- 
fos  Deoles  le  lhe  fugey  tava  :  o  que  daó  a  entender 
aqucllas  palavras.Que  as  armas  Thypheas  tensjcm 
pouco.  Armas  Thypheas  laó  os  ray  os,  de  que  Jú- 
piter uíava.Chamaó  aírim,ou  porque  Júpiter  com' 
ellas  matou  o  Gigante  Thypheo  filho  da  terra,co^ 
mo  conta  Ovidio  no  quinto  das  Metamorphoíes, 
ou  porque  efte  Gigante  eftava  fotcrrado  debayxo 
do  monte  Etna  de  bicilia  ,  aonde  os  Cyclopas  fcr- 
reyros ,  5c  obreyros  de  Vulcano  faziáo  os  rayos  a 
Jupiter,como  aponta  Ovidio  nos  Faílos  liv.i.  ain- 
da que  Homero,ao  qual  legue  Lucano  liv.i.Phar. 
quer  que  o  Gigante  Thypheo  cfteja  na  Ilha  Ina- 
rime  chamada  hoje  1  (chia  no  mar  Ty rreno,  laó  faj 
bulas,Sc  fingimentos  de  Poetas. 

BEm  vès  as  Lujitanicas  p  digas, 
(^e  eujâ  de  muyto  longe  favoreço 

li  2  Torqn^ 


Ltifíãàas  de  Luís  de  d^mÕes  Commentados, 


*Por(»t4e  das  'Parcas  fey  minhas  am/gas, 
^tf  rne  hão  de  venerar, &  ter  em^reço: 
E porque  tanto  tmttão  as  antigas 
Oííras  de  meus  Romantts/ne  ojfereçQ     ;  «ytan-j 
M  lhes  dar  tanta  ajuda  em  quanto po]J(H 
jíquántoje-  ejlendtr  o  poder  nojjo. 


E  ^arfiij]'o(^uma.  Com©  a  intenção  de  Venus) 
era  dar  aos  Portuguczes  algum  alivio  dostrabà» 
lhos,5c  fazerlhc  algum  gazalhado,aonde  os  íavore- 
ceik,&  déilc  a  entender  a affeyção,  que  lhe  tinha: 
communicou,  como  atras  referimos,  fua  intenyaõ 
com  Cupido  leu  filho  para  ferir  com  fuás  lettas  as 
Nymphas  domar  ,  para  que  çncendidascom  o 
amor  dos  Portuguezcs ,  lhos  ajudaflem  a  tcílejar 
emhumallha,  que  novamente  lhe  havia  depor 


'  BtTn  v($at  Lu^tíinkas  fadigai. Conúnu^  o  V^àttíi 

com  a  imiiação  de  Virgílio  no  lugar  allegado,  nomeyodomar,  íópara  cíteeffeyto,  aquali'lha 

aonde  Vtnus  procurava  afícyço^r  a  Rainha  Elifa  havia  de  fer  nuiyto  írefca  ,  o  que  moftra  o  Poeta  " 

Dido  a  Eneas  leu  filho,o  qual  tinha  paliado  muy-  pòr  aqucllas  palavra^.  De  dons  de  íloray  &  Ztfhjra 

ros  trabalhos  no  mar  ,  depois  da  dcílruiçâo  de  <í</tfr»<i<^^.Porque  Flora  he  entre  os  Poetas  a  Deoía 

Troya  ,  por  ordem  de  Juno  molher  de  Júpiter,  das  Flores,  &  Zephyro  vcnto,que  por  outro  no- 

Gomo  eáà  cm  Virgílio  no  lugar  allegado  :  para  o  rnc  chamamos  Favonio  ,  a  viração  que  corre  no 

que  íc  ajudou  de  leu  rilho  Cupido,  como  atrás  dif-,.  veraó  ,  o  qual  fazem  os  Poetas  caiado  com  Flora, 

iemos:o  que  aqui  também  finge  o  P  oeta,attnbuin-  porque  lhe  favorece,  6c  ajuda  fuás  flores,  vejale  a 

do  os  trabalhos  dos  Portuguezes  a  Baccha  íeu  ini-  noíla  annotaçáo  nefte  melmo  canto  oytava  6i.  6c 

migo  grande.  Pcloque  Vcnus  aíBm  como  nos  tra-  no  decimo  oytava  74.  Quanto  a  efta  Ilha  íe  he  a 

balhos  do  filho  Eneas,  caulados  por  odio  ,  &  mal  de  Santa  Helena ,  como  alguns  cuydaó,  &oque 


querençadejuno  fe  aproveyta  de  Cupido  ,  para 
por  lua  ordem  dar  algum  delcanço  a  Eneas,  6c  af- 
íim  aqui  pela  mefmà  via  o  dar  aos  Portuguezes  ,  o 
que  tudo  na  letra  vay  muyco  c\<ito.Porjutdas  Par- 
£ás  fe/  Mtnbas  amigas.  Que  coulas  lejáo  Parcas  íc 
veja,o  que  cfcrevemosnocanto  pnnieyro  oytava. 

E  forque  das  injidias  do  odio fò 
Baccoyffirão  na  iudia  mole  fiados^ 
£  das  injúrias  Jòs  do  mar  undo/Oj 
poderão  mais jer  mortos ^que  cançados:^ 
No  mejmo  mar, que  fempre  temer  o fo 
Lhefoy^quero  que  fejão  refoujaáosy 
Tomando  aquelíe  premíOi&  doce  gloria 
2^0  trabalho ^que  faz,  clara  a  mer/ioriãm 


■í»t. 


o  Poeta  aqui  quiz  moftrar»le  veja  o  que  cícrevere* 
mos  no  canto  decimo  oytava  74.  Ponto  fundo  he 
o  mar  alto  ,  porque  ao  mar  chamão  os  Latinos 
Ponto  ,  dirivandocíta  palavra  do  Grego  de  pon- 
tiro,que  he  afogar,  porque  o  labeelle  muy  to  bem 
fazer. 

41 

Llicom  milrefrefcos^  manjares  ^ 
Com  vinhos  odoríferos jtèro/àsy 
Em  criftalinos  façosfingulares^ 
Fermofos  Itytos^à'  ellas  mais  fermofasi 
Em  fim  com  mildeleytes  não  vulgares^ 
Os  efperemas  Ninfas  amorofasy 
*De  amor  feridas  ^f  ar  a  lhe  entregarem 
^anto  delias  os  olhos  cobiçarem. 

Jklil  deUytes  vlt»  vulgares,  Dclcytes  extraordi- 
nários, &  delacoílumados. 


41 


Poderá»  maiijcr  mortot,  ejue  cattfadês.  Grande  en- 
carecimento da  valentia  dos  Portuguczes,6c  fufri- 
niento  dos  trabalhos, que  fó  a  morte  os  podia  apar- 
tar de  íeu  intento,  não  trabalhos,  nem  perigos  al- 
guns por  grandes  que  fofiTem.  Di  trabalho ,  ^uefaz 
clara  a  memoria.  Não  há  na  vida  coufa  que  mais 

honre,  n.em  levante  os  homens, que  o  trabalho,  8c    Etome  exemplo  o  mundo  vil^maltno^ 
diligencia,  nem  coufa,  que  mais  os  abata,  &dcf-     &ue  contra  tua  potencia  fe  rebela: 
trua  ,.quc  o  ocio.  Vejale  a  nofla  annotaçáo  no    ^,rou.fntendão.aue  muroaàama 
cauto  íexto,oytava  55>, 


a  Vero  que  haja  no  Reyno  Neptunino 
Onde  eu  nàcí,frogenieforteJ3  bella 


40 

ETara  tffo  quertãyque  fofridas 
As  filhas  de  Nerèo, no  ponto  fundo^ 
n^o  amor  dos  Lufitanos  encendidas^ 
^Me  vem  de  descubrir  o  novo  mundoí 
Todas  ntrma  llhajuntas  ^&  fubidas^ 
llha^quenas  entranhas  do  profundo 
Qcceano  terey  aparelhada^ 
IJi  does  de  Florai&  Zéfiro  adornada. 


T^orque  entendão.que  fnuro  adamantino, 
Nefn  trifie  hypocrefia  vai  contra  ella. 
Mal  haverá  na  terra  quem  fe  guarde. 
Se  teu  fogo  immortal  nas  agoasarde. 

Ondt  en  »/iíi.Dizem  os  Poetas,que  Vénus  nacc© 
da  cfcuma  do  mar ,  pelo  que  lhe  chamão  Aphrof* 
difía  de  Afros,  :juc  he  a  elcuma.  Vúrque  entetulão  tjue 
muro  ãdamantinOt  nem  trijle  hypecrefta  vai  cBtttra  elU, 
Entende  outras  coufas ,  que  teve  Vénus  para  fa- 
zer gazalhado  aos  Portuguezes  no  mar ,  huma  foy 
lambem  querer  lahir  pela  honra  de  lu&  pátria,  que 

lie 


Canto  Nom, 
hco  mar,porque  dizem  os  Poetas  que  naceo  nelle.    ^e  com  cem  olhos  vè^é'  por  onde  voa, 
AíTirn  que  por  honrar  o  mar  dando  os  Portugue-     q  ^ue  vè  com  mil  bocas  aperzoa. 
zes  por  parentes  das  Nymphas,êc  paraque  enten-  -^     * 

deflem  os  reveis  *  leu  hlho  Cupido 


m 


A  Deofa  Gigantea.Eííz  terceyra  que  Vénus  que- 
ria  he  a  fama  para  publicar  o  valor  dos  Portu- 
guczes.  Chama  o  Poeta  á  lama  Deola  Gigamea, 
por  fer  irmã  dos  Gigantes,  &  filha  da  terra,geradi 
delia  para  a  vingar  dos  falfos  Deofes.  Virgílio  na 
Eneida  liv.4.  defcreve  excellentementc  a  fama, 
aonde  diz  que  he  hum  monílro  horrendo,  &  gran- 
de, com  penas  como  ave  ,  Scquequanraspennas 
tem, tantos  olhos,  outras  tantas  lingoas ,  &  outras 
tantas  bocas.  O  melmo  dizaqui  o  Poeta:8c  em  di- 
zer que  tem  cem  olho3,6c  mil  bocas,  he  ufar  de  nu- 
mero certo  por  incerto  ,  figura  ffiuy  to  ulada  cru 
os  Poetas. 

VAõna  bufcarfè  mandaona  diante, 
^le  celebrando  và  com  tuba  clara: 
Os  louvores  da  gente  navegante  t 
Mais  do  que  nunqua  os  doutrem  celebrar  a 
Jâ  7nurmurando  afama  penetrante 
^eias  fundas  cavernas  fe  ejpalhàra 
Fala  verdade ^a  vida  por  verdade, 
^e junto  â  ''Deofa  traz  {Credulidade^ 

^t  junto  â  Deofa  traz,  credulidade,  A  fama  traz 
comfigo  por  companheyra  á  credulidade:&  ifto  he 

amar,  &  outras  com  pontas  de  chumbo  botas  que  tâo  certo,que  não  tem  neceííidade  de  prova ,  por- 

faziaô  defamar  como:  fe  pode  yer  em  Ovidio  nas  que  o  que  dizem  muytos,facilmentc  fe  cré,  &  rem 

Metamorpholes,  liv.i.  Delias  lettas  com  as  pontas  por  certo.  Donde  naceo  aquelle  Provérbio  tâoía- 

dc  ouro  ufou  Cupido  para  fazer  afcyçoar  as  Nym-  bido:  Non  omning  ttmere  ef,<juod  vulgo  diãitant:  náo 

phasaos  Portuguezes  ,  arco  ebúrneo  hc  arco  de  fí^  levanta  fumo  fcm  haver  fogo.  Ao  quealludio 

marfim  Cypria  he  Vénus  ,  chamada  aífim  da  Ilha  Hefiodo  na  fua  obrâ,que  intitulou  liv.2.  Opera^df 

Chipre,  aonde  era  venerada.  A  redta  larga  dt  avet,  <^«í, obras, &  dhs.Nam  non  ulla  ijuidtfnprorfum  pertt^ 

CU}»  canto.  O  carro  de  Vénus  fingem  os  Poctas,que  irrita  fama  ,  per  fopulos  ejuacumcfue  volat ,  ^aia  numen 

he  levado  de Cifnes,  6c  pombas,  como  fica  notado  W^Ã  Náo  há  fama  que  de  todo  laya  vâ,porquc 

nefte  canto ,  oytava  24.  Chama  aqui  ao  Cifne  ave  ^  ^^"^^  he  Deofa,  afiim  que  o  que  muytos  trazeoi 

^ue  chorou  muyto  a  morte  de  Phacton  ,  pelo  que  1*  boca,  náo  fe  pode  ter  por  fallo  de  todo, 
os  Poetas  delles  contaó  ,  que  quando  Phaeton  fi- 
lho de  Apollo,  &  Climene  cahio  doCeopornão 
faber  governar  os  carros  de  feu  pav  o  Sol ,  fentio 
tanto  lua  cabida ,  &  morte  Cygno  Rey  de  Liguria 
feu  parente ,  &  grande  amigo  ,  que  os  Deofes  por 
compayxãoque  delletiveráo  o  converterão  em 

Ciíne .  ave  de  ícu  nome ,  vendo  que  por  nenhum  Mudando  os  fez  humpouco  affeyçoadosi 

H)odo  aquietava  cm  feu  choro.  Conta  efta  fabula  Qpeytofeminil.que  levemente 


que  nem  os 
muyto  esforçados  ,  que  entendo  por  muro  ada- 
mantino ,  nem  hypocritâstriftcsle  podiaó  livrar 
dclle,pois  (eu  domínio,  ôc  poder  le  ellendia  fobre 
todos.que  ifto  náo  era  de  elpantar,  pois  o  fogo  do 
amor  fe  atreva  nas  agoas.Pintáo  os  Poetas  Cupido, 
que  os  antigos  tinhaó  por  Deos  dos  mares  ,  com 
hum  ramo  na  mão  direyta  ,  ôC  hum  pcyxe  na  ef* 
querdâ  ,  querendo  moítrar  que  tinha  poder  no 
mar,  òv  na  terra  ,  &  que  não  hà  no  criado  couía 
que  lhe  náo  obedeça  ,  como  diz  Alciato  emblema 
io6.cap'io. 

45 

ASfiVenuspropoz^&  o  filho  iniquo^ 
Tara  lhe  obedecer jâfe  apercebe^ 
Manda  trazer  o  arco  ebúrneo  rtco^ 
Onde  as  J et  as  de  pontas  de  ouroembebe\ 
Comgojlo  ledo  a  Cypriaj&  impudico^ 
'Dentro  no  carro  o  filho  feu  recebe 
An  de  a  larga  às  aves^cujo  canto^ 
AFaetontea  morte  chorou  tanto^ 

Ondeai  fetas  defontd  de  ouro  emhebe.T^u^^  maney- 
ras  de  fetas  atribuem  os  Poetas  a  Cupido  humas 
com  pontas  de  ouro  muyto  agudas  ,  quefaziáo 


4í 

O  Louvor  gr  ande  ^0  rumor  excellente 
Nocoraçãodos  Deofes  ^que  indinadôà 
Foraòpor  Bacco  contra  a  iUufire gente 


@  vidio  nas  Metaraorphoíes  liv.a. 

44 

MAs^áiz  Cuptdo^que  eranectjjaria 
Humafermofa.à-  celebre  terceyra, 
^epofio  que  mil  vezes  lhe  he  contraria^ 
Outras  mtiytas  tem  por  companheyra: 
A  'Deofa  Gigantea  temerariaj 
laãante^mentirofa^  verdade^ra^ 


Muda  quaisquer  prop ofii os  to mados^ 
f  à julga  por  mao  zelo  Mp^t  crueza 
Defejar  mal  a  tanta  fortaleza, 

O  pejtc  feminil  ejue  levemente.  Muda muaef^uer  pro* 
pof  tos  tomados.  Náo  lómente  os  fallos  Dcoles  que 
cíiaváo  de  parte  de  Baccho  contra  os  Portuouc- 
zes  fc  mudarão  de  ícu  propofito,íí  (e  afieyçoaraã 
Ros  Portuguezes,  masasmolhcres  animal  natural- 
mente inconítante,&  lcve,jul^ou  por  crueza  de- 
legar 


2f4  Lujiadat  ãeLnisde  Camões  Commentado si 

/êjar  mal  a  gente  tão  esforçada.Naó  íe  pódc  negar 
haver  rnolheres.rauyto  honradas  ,  ôc  de  grande 
conílancia ,  êc  pcfo  em  luas  coufas :  mjis  delias  hâ 
muyto  poocas.Pela  mayor  pane  faô  as  molhcres, 
as  que  o  Poeta  aqui  diz  á  imitação  de  Virgílio, 
Vartum  ,  &  mutahle  ftmper  fosmina  ,  a  molher  he 
hum  animal  vario  »  6c  que  nunca  eftá  em  hum 
fer.  Tudo  o  que  fe  pode  dizer  das  molheres  dillb 
huma  Gloia  do  decreto. 


45? 


§lufdlcviusfumo}fiame»  ejuid flaminelventus 
Çl^td  vento} Mulitr.  §luíd  mulien^  nibtl. 

Que couíã  mais  levcqueofumoPoloprOjquemais 
que  o  fopro,  o  venco,que  mais  que  o  ventOi  a  mo- 
lher,que  mais  que  a  molhernada. 

47 

DECpede  mfloofero  moça  asfetasy 
Huma  apoz  outr  aderne  o  mar  cos  tiros 
^ireytas  pelas  ondas  inquietas 
jíígmnas  vão,  &  algumas  fazem  giros: 
Caem  as  Ninfas  JançaÕ  dasfecretas 
Entranhas  ar  denttffimosjufpiros^ 
Cae  qualquer  fem  ver  o  vulto jque  ãma^ 
^e  tanto  como  a  vijtapòde  afama, 

§lue  tanto  como  a  vi/ia  pôde  a  fama.Conh  ordiná- 
ria hc  affeyçoarfe  humas  pelloas  a  outras ,  lem  íer 
conhecidas  fó  pela  fama,que  tem  de  luas  boas  par- 
tes. A  flim  eftas  Nymphas  ,  ainda  que  não  tinhaó 
noticia  dos  Portuguezes ,  fópcja  fama  de  fuás  ex- 
cellentes  partes  Ihequeriaõ  bem.  E  do  fundo  do 
mar  ,  aonde  refidiâo  daváo  muytos  fufpiros  com 
laudade  delles,&  fem  ver  a  quem  amaváo  lhe  quc- 
riãoentranhavelmcnte  ,  como  leos  tivcráopre* 
íèntesjtáo  grande  he  a  fama  da  boa  fama.| 

48 

OS  cornos  ajuntou  da  ebúrnea  lua, 
Comferça  o  moço  tndomito  excejjii)aj 
^e  Theti  sequer  ferir  mats  que  nenhuma  ^ 
forque  mais  que  nenhuma  lhe  era  efquiva\ 
Jà  não  fica  na  aljava  feta  alguma. 
Nem  nos  equoreos  campos  Ntnfa  vivai 
Efe  feridas  inda  eflão  vivendo^ 
Serà^arafentir^que  vão  morrendo. 

Os  corhcs  ajuntou  dá  Ebúrnea  Lua.Chimz  âs  pon- 
tas da  Lua  cornos,pela  lemelhança  que  rem  antes 
queeltcjachcya,pclos  quaes  aqui  fe  entende  o  ar- 
co que  aííira  diflc  Ovidioliv.  I.  Lunavíttjue" gentt 
finucfum  fortiter  arcum  ,  dobrar  fez  à  maneyra  dc 
Lua  o  arco.Chamaá  Lua  Ebúrnea,  de  Ebur,  que 
heo  marfim  ,  por  fcrfuacor  branca.  Campos 
equoreos  ,  faó  campos  do  mar ,  dc  í^«or,  que  he  o 
ii/ ar  entre  os  Latino?. 


D  /íy  lugar  altas,&  cerúleas  ondas, 
^e  vedes  í^enus  traz  a  medicina, 
Mojirando  as  brancas  vellas^^  redondas^ 
M^e  vem  por  cima  áâagoa  Neptuninax 
Tara  que  tu  reciproca  refpondas^ 
Ardente  amor yâ flama  je menina, 
lie  forçado  ^que  a  pudicta  honefta 
Faça  quanto  lhe  Vénus  amoejia^ 


Day  lugar,  Defpois  que  Cupido  com  íuas  fcttas 
ferio  as  Nymphas  do  mar ,  deu  ordem  com  que  os 
Portuguezes  acudiflemáquellas  partes  para  cfíey- 
tuar  o  que  pertendia.  Ondas  cerúleas  faó  aguas  do 
mar  ,  chamáofc  cerúleas  deceruleus  a  ,  um  ,  que 
íignifica  a  cor  do  mar.  Agua  Neptunina  he  agua 
do  mar ,  chamafe  Neptunma  >  porque  a  Neptuno 
tinhão  os  antigos  por  feu  idolo  do  mar  ,  donde 
a  agua  Neptunma  ,  quer  dizer,  agua  de  Neptuno^ 
&  por  conleguintc  do  mar. 

IA'  todo  o  bello  cerofe  aparelhe 
'Das  Ner ey das ^^ juntos  caminhavs 
Em  coreas  gentistufança  velha, 
^Paraallha^aque  Vénus  asgmava: 
Alli  a  fermofa  T>eofa  lhe  aconfelha, 
O  que  elíafez  mil  vezes  ^quando  amava\ 
Elias, que  vão  do  doce  amor  vencidas 
Eftâo  a  feu  confèlho  o  ferecidas, 

14  todo  o  hello  coro.  Como  Cupido  ferio  com  íaas 
fcttas  as  Nymphas  domar  ,  a  que  os  Poetas  cha-, 
mão  Nereidas  ,  por  lerem  filhas  dc  Nerco  lenhor 
do  mefmo  mar  ,cllas  tendo  vifta  da  armada  dos 
Portuguezes  ,  que  pelo  mar  caminhavaó  ,  fe  apa- 
relharão com  muytas  feílas ,  6c  danças  para  os  re- 
cebcrem.Corcasjlaó  danças. 


51 

C"^  Ortando  vão  as  r.aos  a  larga  via 
j  7)o  mar  ingente, fará  a  pátria  amada, 
*Defejando  prover/e  de  agoa  fria, 
Tara  a  grande  viagem  prolongada: 
^ando juntas  comjubita  alegria 
Houver ão  vifta  da  Ilha  namorada. 
Rompendo  pelo  Ceo  a  mãy  fermofa 
jD^  Memnonio  fuave^à'  de  leytofa. 

Rompendo  pelo  Ceo^a  tn^f  fermofa,  A  mãy  fer- 
mofa dc  Memnonio ,  hc  a  aurora  ,  a  qual  dizem  os 
Poetas ,  que  houve  efte  fil ho  Alemnon  de  Titbo- 
no.  Moftra  o  Pocw  Bcfta  oytavaque;Oí  Portu- 
"      *  -  guezes 


i 


Canto 

guezes  houverão  vifta  da  Ilha,  que  Vénus  lhe  ti- 
nha apârclhada,hum  dia  em  cíclarecendo  a  menhã. 


52' 


?o^ 


DE  longe  a  Ilha  virão  frefcajé*  heUã^ 
^e  Vénus  feias  ondas  lha  levava 
(^Bem  como  o  vento  leva  branca  vella) 
'Tara  onde  a  forte  armada  fe  enxergava: 
§ue porque  nãopaJfajUemJem  que  nella 
Tomaffem  porto,como  defejava, 
Tara  onde  as  nãos  navegão  a  movia. 
A  Accldalia^que  tudo  em  fim  podia, 

i^Be  longe  a  Ilha  virai,  Muy tos  tem  para íí  ,  que 
efta  Ilha  de  que  o  Poeta  aqui  falia ,  feja  a  de  Santa 
Helena  ,  mas  enganaófe  ,  porque  foy  hum  fingi- 
mento que  o  Poeta  aqui  fez  ,  coroo  claramente 
confiada  letra  ,  &  fepôde  vernanoira  annotaçaó 
no  canto  decimo  oytava  74.  Acidalia  ,  he  Vénus, 
vejafe  o  que  notámos  no  primeyrojGanco ,  oytava 

35'     ^- 

5? 

M  As  firme  a  fez^é*  immovelycomo  vWj 
q  era  dos  Nautas  viftai&  demandada 
^al ficou  T>eloSytanto  que  parto 
Latona  Febo^t£  a  Deofà  à  (aça  ufada: 
Tara  la  logo  a  proa  o  màr  abrío\ 
Onde  a  cojia  fazia  huma  enceàda 
Curva  j&  quieta^cuja  branca  aréa^ 
Ttntou  de  ruyvas  conchas  Çytheréa, 

Mat  firme  afez..  Ufa  aqui  o  Poeta  de  huma  ga- 
lantaria poética  no  pintar  defta  Ilha  ,  que  Vénus 
aparelhava  para  os  Portuguezcs  terem  alguma  le- 
creaçáo ,  &  defcanço  dos  trabalhos  do  mar ,  ôc  hc 
que  a  faz  movediça,  &  que  andava  á  viíla  das  nãos . 
dos  Portuguezes,para  que  por  nenhum  mododey- 
xcm  de  a  ver,6c  entrar  nella,  efta  Ilha  diz  o  Poeta, 
que  €m  os  Porcuguezes  vendo  ,  ficou  firme, 
como  fe  conta  da  Ilha  Delos:a  qual  era  movidiça, 
&  andava  de  huma  parte  para  a  outra.  Mas  como 
Latona  pario  nella  Apollo,  6c  Diana  ficou  firme, 
&  fem  femais  mover.  A  Deola  â  caça  uzadâ»  he 
Diana,  irmá  de  Apollo,  a  que  os  antigos  tinhão 
por  Deofados  caçadores.Cythcrea.he  V^us,cha- 
raadaaírimdaIlhaCytherca,donde^cravcnçrada. 

TRe?  fermofos  cuteyros  fe  mofiravaê 
Erguidos  com  foberbagractofa^ 
^e  de  gramíneo  efmalte  (e  adornàvao^ 
Na  f ermo/à  Ilha  alegre,^  deleytofa: 
Claras  fontes  ^f§  liquidas  manàvão 
^ocume^que  avcrdura  tem  viçofa^ 


Nom,  ij-ç 

Tor  entre  pedras  alvas  fe  deriva^ 
Afonoros  lymphafugitiva, 

Trei  fermúfoi  outeyrcs.  Começa  a  deícrever  os 
lugares  da  Ilha  antes ,  que  venha  a  trattar  do  que 
aos  Portuguezcs  aconteceo  nella  ,  &  ncfta  def- 
cripçáo  ufa  de  todos  os  encarecimentos  necefla- 
rios  pars  ornato.ôc  louvor  defta  Ilha,  como  pelas 
oytavas  lemoftra.  Gramíneo  efmalte  faó  as  her- 
vas.Lyropha  he  a  agua:fonora,  &  fugitivajaõ  cpi- 
thetos  muytopropiios,6c  accommodados  â  natu- 
reza da  agua>quc  he  íoar,  &  correr; 

í5 

NVm  lalle  ameno^  que  os  outeyros fende 
Vinhão  as  claras  agoas  ajuntarfe^ 
Onde  humt  me fa  fazem  ^que  fe  eflend» 
Tão  bellatqHantofóde  imaginar/e: 
Arvoredo  gentil  fòbre  ellapeude^ 
Como  queprompto  eft  apara  enfeytarfè^ 
Vendo  feno  criftalrefplandecente^ 
Sue  em  fim  o  eft â  pintando  propiamenteí 

Onde  huma  wtfa  fazem.  Diz  que  nefta  Ilha  fa- 
^^m  asagoas  huma  Lagoa  muytofcrmoíâ  ,  a  que 
^'hama  aqui  meia  rodeada  de  arvores  de  muyras 
maneyras,  que  lhe  davaó  muy  ta  graça,  &  que  pa- 
recia eftaríealliaíFeytando  ,  prefandofe  do  lugar 
aonde  eftavão  ,  que  he  grande  louvor  da  agua, 
pois  era  a  cau  la  defta  frdcura,  &  fermofura,  &  0$ 
arvoredos  concorriaõpara  fcver  a  ellacomoeai 
cfpclhocryftalino,ôc  muyto  refplandeccntc. 

Mil  arvores  eft  ao  ao  Ceofuhindo 
Compomos  odiriferos jfè  bellos^ 
A  larangeyrá  tem  no  fruyto  lindo  \ 

Acor^que  tinha  Tjaphne  nos  cabelloti 
Encofiafe  nn  chão, que  eftà  c ah  indo 
A  cidreyra  c*o  ospefos  amare  lio  s^ 
Os  fermofos  limões, alli  cheyrando,  \^vÍu 
Eftão  virgíneas  tetas  imitando. 

Com  pomot  odoriferot*  PoBio  entre  os  Latinos  lie 
toda  a  fruy  raquete  a  ca  fca  delgada,  com  o  peras». 
maçans,ameyxas,laranjns,peccgos,  &  outras  defta 
qualidade  :  Easquetem  a  calca  dura  fe  chamão 
nuces,  como  caftanhas,  nozes,  amendoas,avclans, 
&  outras  fcmclhantcs.  A  cor  que  tinha  Daphne 
nos  cabellos ,  hea  cor  loura  ,  qual  tem  as  laranjas*. 
Daphne  fingem  os  Poetas»  que  foy  filhado  fio  Pe* 
neo  ,  a  que  Apollo  foy  muyto  affeyçoado.  Efta 
querendo  hum  dia  Apollo  uíar  com  ella  ,  o  que 
ella  náo  queria,  fugiolhe,  &  indo  fugindoj  fingem 
os  Poetas  ,,,  que  leu  pay  a  converteo  na  arvore 
louro.Conta  cftafabuiaOvidio  nas  Metaniorpho- 
içs  liv.i.Pcfoi  amareiosjlaó  as  cidrai.  ^« 


256 


57 


Lufiídas  de  Luís  de  Camões  Commentadós, 

QpomOtque  da  pátria  'Perfia  veyo^ 
Mdhor  tornado  n(y  terreno  albeyo. 


ASàWores  agrefies^queos outeyros  ^'  ^^^^  V*^  ^^  Pomona.  Pomona  tinhaô os antu 

7 em  comfrondme  Coma  ennobrecidos    g^s  por  Deola  da  fnjyta     o  que  aqui  aponta  o 
Alamos  fâo  de  Alcides, &  os  Loureyros  ^°^^  ^'  '  ^"'  "*^"^"^^'  Una  produzia  a  natureza 

2)^  louro  T>eos  amados  ^^  querido  j; 
l^irtos  deCytherèacos  pmhtyros 
5Df  Cyhelejfor  outro  amor  venctaes 
EJtã apontando  o  ag  udo  Cyparifo 
Taraonde  hepofto  o  etéreo  Taratjú^c.^  '•'- 


fruytas  excellenoirimas  ,  fem  íe enxertar  as  ar- 
vores,nem  cultivar  as  terras. 

A*  amoríHy^ue  o  nome  tem  dot  amantet,  Cont^^', 
Ovídio  nas  Metamorphofes  liv,  4.  que  as  amoras 
foráo cm  principio  brancas  ,  &  que  reconverte- 
rão na  cor  negra,  com  oíangue  de  dous,que  muy- 
ro  le  quilerâo ,  íjúeforaó  Pyramo ,  &  Thisbc.  O 

arvores  de  fruyto     po^^o,^^^  da  pátria  Ferfiavey,.^  Entende  o  Pecego. 

arvores  aercítes  Quanto  a  eftafruyragalanteao  os  Poetas  .  como 
'  coíí  umáo  cm  outras  coufaSjSí  tem  metido  cm  ca- 
beça aalgurras.pefioas  fer  o  pccego  peçonhento 
naPcrfia  ,  como  difle  Alciato  Emblema  141,  Ôc 
conráo  ,  que  tendo  os  Perías  guerra  com  os  Ro- 
manos ,  trouxeráo  a  Itália  muyto?  pecigueyros, 
paracom  o  fruyto  matar,comofaziáo  na  Períia,  a»; 
quaes  arvorcs"em  Itália  dcráo  fruyta  cxcellentií^ 
fimajqual  vemos  hoje  por  cilas  noílas  partes  muy- 
tas  coufas  a  efte  propofito,&  os  Autores  deíla  opi- 
nião, allega  Cláudio  Mirfoe  lobrc  Alciato  Em- 
blema allegado  ,  Laguna  fobrc  Diolcorides  hv.  x. 
cap.i5i.pag,i05.  Zomba  dos  que  dizem  ifto,&  afv 
íim  o  íabemos  hoje  por  experiência  ,  porque  cada' 
dia  vemos  peflbas  daquellas  partes ,  que  dizem  o 
contrario  ,  Sc  porque  os  antigos  não  iabiaô  tanto 
do  mundo  ,  como  nôz  agora  íabemos,  íeventaraã 
eftas  tabulas  para  rcr  que  dizer  cm  léus  cfcrittos,o«> 
quacs  tinhaó^mais  de  elegância,  que  de  verdade.  ; 


Al  arvores  agrtjlei»  Além  das 
de  todo  o  género, havia  também  arvores  agr 
&:  que  onáodavão.  Mas  eftas muytotermofas,  6c 
apraziveis  à  vifta,  como  alemos,  louros, myrtos,pi- 
nheyros ,  &  cipreftes.  Chama  aos  alemos  arvores 
de  Aicides,qúe  he  Hercales,chamado  aílira  de  feu 
avó  Alceo  ,  porque  a  gentilidade  enganada  entre 
outros  erros,  que  tinha  ,  era  confagrar  arvores  * 
feus  Ídolos :  ôc  aílim  paflaros  ,  aitribuind^^acada? 
hum  o  leu,  conforme  a  opinião,qucdelle  tiiihão, 
comoconíta  da  lição  dos  Poetas  :  ApoUo  tinha 
por  fua  arvore  o  lourOjporquc  nella  foy  converti- 
da Daphne,como  notámos  na  oytava  paliada. Vé- 
nus a  mortinhcyra ,  por  fer  muy to  cheyrola.  Cy- 
belles  o  pinho, porque  Atys,  a  quem  eila  foy  muy- 
to  affeyçoada,  foy  convertida  nefta  arvore,  como 
conta  Ovídio  largamente  nos  faftos  liv.  4.  &  nas 
Metamorphofes  liv.  lo.  Diz  aqui  qae  opinheyro 
foy  de  outro  amor  veficido,âttribuindoo  ao  que  fe 
conta  de  Atrys ,  que  encomcndandolheCybelles 
quefoíle  honefto,  6c  cáfto,  &  íe  déíTe  ao  excrcicio 
da  caça,elle  fe  deu  a  amores  torpes,8c  deshoneftos, 
pelo  que  endoudeceo ,  &  quercndofe  matar,  acu- 
dio  Cybdles  ,  &  o  <;onvertco  em  pinho,  Catulo 
trata  largamente  dafuriá,  &  doudice  cíe  Attys  enà 
huns  verfos,  que  comççâo:  Super  alta  neãits  Attys, 
o  interprete  de  Nicandró  Grego  diz  ,  quc  hum 

porco  m^u  a  Attys  r.  como  faò  fabulas  tem  mil    £  ^^j  fè  jja  vofa  arvore  fecunda, 
cnredos.Contao  o.  Poetas  que  Apolloconverteo.   <Peras  piramidais, viverdui  fer  dê  s, 
cm  ciprcfte  a  hum  moço  chamado  Cypariflb,  por    1^        /'"'♦"*-,»  ^    1  ' 

onde  efta  arvore  fc  chama  Cyparifííis  ,  ou  Cu-    Entregayyos  ao dano.que ç  oos bicos 


59 


ABre  a  Rmã ,  mojlrando  a  rubicunda 
Cor^com  que  tu  Ri>hy  içu preço ptrdes 
Entre  os  braços  do  ulmeyro  efià  a  jucunda 
Vide  c'o  hwís  cachos  roxos, &  outros  verdis^ 


J 


preíTus  :  cfta  fabuíapónça  Ovídio  nas  Metamor- 
phofes liv.io.  i  V  ^     -  - 

Eíèereo  p^rajffo,  Parayfo  Celeftial  ,  8c  alto  :  diz 
ifto  porque'  os  cipreílesífaó  arvores  aUa»,  8tquc 
caminhadpara  oCeòcòmíúa  altura. 


j  ff  3rr 


^5 


Ȓ;>ocno 

OSd$nf  Jque  dà  ^omònataUi  natura^ 
Troduze  diferentes  nos Jabores^ 
Sem  ter  neaffidaáe  de  cultura, 
^efem  ellafe  dão  muyt o  melhores: 
Jís  cerejas  purpúreas  na  pintura^ 
jis  amoras, que  o  mmitem  de  amúrts^ 


1  iJS 


Entre  os  braços  dôniíjfèyro*  Vay  difcof  rendo  peia 
abundância  de  arv©i*es,6<:  fruytas,que  tinha  aquel- 
lallha,  qjie  Vcnus  aparelhava  para  os  Portugue- 
ses ,  primcyramcntedi7,quc  havia  nclla  muytas 
vinhas,8i:  parreyras  por  cima  de  grandes  olmos, no 
que  allude  a  humcoftumcde  Itália  ,  no  qual  to- 
das as  vinhas  hò  a  modo  de  latadas,  arma  Jas  lobre 
arvorfta:o  <)u«l  coftuine  hc muy  pjovcyroia,  por- 
que femeaô a  terr»  ,  colhemuiía* »  Sc  lenhapara o 
fogo.  E  porque  efte  coftame  Keião  ufado  naquel- 
las  partes  ,  &  as  parreyras  cobreni  com  fua  rama 
os  ulmeyros  por  muyt  o  velhos  ,..íí  gaftados  que 
íejâo.Daqui  parafinai  da  amízad'cíirme,Bc  vcrà^- 
deyra ,  pintão  os  Poetas  hum  uhiío  muyro  vclh^ 

podr  ' 


> 


1 


Canto 
podre  »  5c  Garunchofo,  cercado  toJo  de  parras ,  as 
quacs  lhe  cobrem  fuás  faltas  na  velhice,em  recom- 
pcnía  dos  benehcios  que  delle  tem  recebido  em  as 
luílentar ,  3í  ter  lebre  íi  todo  o  mais  tempo.  Ve- 
jale  Alciato  nos  limblemas,l\mblcma  i  ^pg 

E  voz.  (ena  voj^a  arvore  fecunda  ,  peras  pyramidaei 
víver  íjiííftríIes.Gí^àína.  ás  peras  pyramidaes,por  te- 
rem tigura  de  pyramide  ,  que  he  huma  columna 
feytaao  modo  Ue  huma  pêra  ,  larga  em  bayxo,  6c 
muyto  delgada  em  cima.  Vejare  o  que  efcrevemos 
ibbre  as  Pyramidcs  no  canto  letcimo  oytava  i^. 
quanto  à  UccUraçáo  verdadeyra  deíles  verlos  he 
notar  o  Poeta  a  terra  de  grande  fertilidade j,  que 
nfio  havia  coula  que  pudeíle  gaílar  o  fruto  delia, 
que  hutna  comia  à  outra ,  de  modo  que  para  le  po- 
derem conlervar  ,  era neccflario  deyxaile  comer 
dos  paHaroSjtâo  juntas,  6c  amontoadas  eftaváo.  ÍL 
dizerem  alguns  que  os  paílaros  não  comem  le  íiâo 
asmaduras,&qusdeftamaneyraas  peras  não  vivi- 
riaôjpois  fe  comem  algumas,fenão  as  que  amadu- 
recelfeiTr  ,  ÔC  aílim  nunca  viriaó  em  crecimento, 
jfto  he  fiar  muyto  delgado ,  baila  que  o  Poeta  dá  a 
entender  por  eíta  linguagem, que  para  as  peras  me- 
drarem, òc  prellarem,  era  neceflario  desbaratarfe, 
tanta  era  a  copia,  &  abundância  da  fruyta.  Que- 
rem alguns  que  o   Poeta  neftesverfos  note  certi 
gente  de  intratável  ,  6c  duro  fervir  ,  não  hà  pêra, 
que  o  apontar,  porque  não  he  lugar  acconimoda- 
do  para  lílo  ,  pois  vay  trattandoda  fertilidade  da 
llha,Sc  eu  em  fua  vida  pratiquey  iílo  com  elle,  6c 
não  Iheenxerguey  final  de  tal  imaginação.  E  le 
elle  tal  entendera  ,  ou  .imaginara  ,  mo  defcubrira, 
Icgundo  tínhamos  cílreyta  amizade: mayormente 
pcdindome  elle  em  fua  vida  por  muytas  vezes,  lhe 
quizeíVe  glolar  eftes  cantosio  que  a  mim  por  entaõ 
me  não  pareceobem,por  certos  x*efpeytos, 

P:  Qls  a  tape  [faria  bella^à'  fina^ 
Com  quefe  cobre  o  rujiico  terreno^ 
Faz  fera  de  Achemenía  menos  dinay 
Mas  ofombrio  valle  mais  ameno. 
Mia  cabeça  afiar  Caphyfía  inclina^ 
dobre  o  tanque  lucidoy^  fèreno, 
tlorece  o  filhado'  neto  de  CyniraSy   ,        ,  ,  ^  . 
forquem  tUyT>eofd  ^ apUa^inda  fufpiras» 

Fax,  fer  a  de  Achcmenia  tnenof  Jina.  Depois  que 
'trattou  da  abundância  das  fruy  tas  da  []ha,tratta  da 
fUavidadedasflorey,  &  boninas  :  as  quaesdizquc 
fizião  ventagem  á  tapeçaria  de  Perfia,que  enten- 
de per  Achcmcnia  região  íua  ,  aonde  ie  fazem  as 
melhores  alcatifas, &  tapeçaria  do  mundo. 

Alli  a  cabeia  a  flor  Cepbyfta  hcltna.  Flor  Cephy- 
fia  ,  he  huma  efpecie  de  hrio  ,  no  qual  Narcilo  fir 
lho  da  Nympha  Liriope  ,  Ôcdo  rioCephifo  ípy 
convertido.  Alguns  querem  que  íeja  o  lirio  roxo: 
Laguna,  &  os  que  entendem  melhor  cíla^maiceria 


Nono,  257^ 

de  hervasjo fazem  difíerente,com  huma  flor  br4a-}{ 
ca,&.  açafroada. A  fabula  de  Naiciío  conia  O v i.iio. 
nas  MLtaniorphoícs  Iw.j.  tí.m  hum  livro  de  mão 
daletradeLuisde  Camóes  ,  em  lugar  de  flor  ce-» 
phifiaellâva  Horciícia,  que  he  o  Heliocropio,  a 
que  vulgiraieiíte  chamamos  Gyrafol  ,  flor  aliás 
conhecida  ,  cuja  cabeça  meya  derribada  íeripre 
acompanha  o  Sol)  para  qualquer  parte,  que  cami- 
nha,ainda  que  o  Ceo  eíleja  nublado,  6c  o  Sol  não 
apareça.  Mas  por  eítoutra  letra  andarem  todos  os 
livros  impreííbs  a  pus  aqui, 5c  dcclarey,  adevirtm- 
do  porém  ao  Leytor  de  cltoutra  ,  para  que  não  fi.- 
cafle  nunca  lugar  de  duvida  aos  Curiolos. 

FUrectofilho,  ^  neto  de  Cyntrai.,por  c^utm  tu  Deof^ 
Vapbtaindafujpiras,  O  filho, 6c  neto  de  Cyniras,  h« 
Adonistchamaólhcos  Poetas, filho, 6c  neto  de  Cy- 
niras,  porque  o  houve  de  huma  lua  filha  chamad* 
Myrtha.   A  elte  era  muyto  affeyçoada   Vénus 
Deofados  amores.Contaó  os  Poetas, que  era  muy- 
to  dado  â  caça,6c  daqui  fingem  que  o  matou  hum 
dia  hum  porcoacafo,6c  que  fétida  muyto  Vénus, 
o  converteoem  huma  flor  da  cor  de  langue  ,  que 
íaó  os  goy  vos  vermelhos.  Os  Latinos  todos  poc 
efta  razão  chamáo  aos  lugares  aonde  hà  goy  vos, 
6c  boninas,  Horti  Adontâii^VioYi^sát  Adónis,  peU 
rezão  acima  dita.  A  metamorphofi  de  Adónis  con- 
ta Ovidio  liv.T0.Metamorphofes,o  que  fingem  os 
Poetas  de  Adónis  he  fabido.   Paphia  he  Vcnus, 
chamada  aíTim  da  Cidade  Paphos,na  Ilha  Chypre, 
que  hoje  he  chamada  Papho  ,  aonde  Vénus  era, 
muyto  venerada  entre  os  antigos.  Diz  o  Poeta,^ 
que  ainda  Vénus  lufpira  por' Adónis,  para  encare- 
cimento do  bem,  que  lhe  queria  ,  6c  aííim  fingcnx 
os  Poetas, que  quando  ejle  morrco  o  lepuhou  Vé- 
nus entre  folhas  de  alfaces,  dando  a  entender,  que 
fepultava  com  Adónis  toda  a  affeyçâo  ,  6c  amor,^ 
que  na  vida  podia  ter:porque  alface  he  frigidiííima 
de  natureza,,  remédio  promptiíTimo  contra  a  len- 
íualidade.  Vejafe  Alciato  nos  Emblemas.  Emble- 
ma 77.  Parece  alludir  aquilío  de  Virgilio  na  copa 
Synfca:  Amigares ^raperet  ne  rojts  aurora  rubor emyAi€ 
darttfó' jloreiítrt^eretortadiss, 

61  ioqodí:» 

1^  Arajulgar  dificil  coufaforaj 
No  Ceo  védo,&  na  terra  as  mefmas  cores 
Se  dava  as  flores  cor  a  bella  Aurora-^ 
Ou  fe  lha  dão  a  eíla  as  be  lias  flores: 
'Pintando  eftava  alli  Zefiro,&  Flora 
As  violas  dacordos  amadores  ^ 
Oitrioroxo^afrefca  roja  bel  la  ^ 
^lal  reluze  nas  faces  da  donzdla, 

/í$  víólat  da  cor  doi  amadores.  Entende  todo  o 
género  de  boninas  de  todas  as  cores  ,  pelos  quaes 
os  namorados  trattáo  das  invenções  de  íeus  amo- 
res,6c  ociofidades,a  verde  para  íerpe rança,  6c  ama- 
rella  defclperaçáo  ,  a  branca  lealdade ,  a  roxa  ciu- 

KJ^  mes, 


2^8  Liifiádas  de  Luís  de  Cãtnoes  Commnitaacs, 

mes ,  a  vernnclhn  firmeza ,  6í  outras,  de  que  os  íe-  tras,que  tem  nas  folhas 
nhores  ocioíos  íabcraó  dar  milhor  rezáo ,  que  cu, 
pelo  que  baíte  apontar  o  entendimento  do  verlo: 
U  hc  boa  galantaria.commentarefte  lugar  de  Py- 
ramo ,  &  Thisbe.  E  diz  que  Flora ,  Sc  Zephyro  as 
pintavão ,  os  quaes  os  Poetas  fazem  caiados ,  &  a 
Flora  chamáo  a  lenhora  das  flores ,  &  a  Zephyro 


Bem  (c  enxerga  noi  powoij  éf  boninas.  G^ue  contfeúã 
Clorn  com  Pomona.  Da  abundância  dos  pomos,  que 
jaó  as  íruytas  ,  &  das  boninas  le  enxergava  ,  que 
Flora  tinha  competência  com  Pomona, 6£  que  an- 
davão  em  porfia  lobre  quem  mais  produziria  na- 
quella  tcrra.Flora  conro  fica  dito  era  a  Raynha  das 


a  viração  do  verão, com  a  qual  as  flores,  ôcbonjnas  flores,  a  qual  antes  que  le  caíaik  com  Zephyro  íe 

do  campo  lemelhoráomuyto  no  chcyro  ,  &fref-  chamava  Clons,  como  diz  Ovidio  nos  Faílos  ij^, 

cura  ,  6c  aflim  todas  as  mais  coufas  ,  porque  cite  5.  E  Pomona  era  a  da  fruyta,como  atrás  notámos, 

vento  he  amigo  da  natureza  ,  criador  de  todas  as  Pí*/i/e<íi /lx;cJWí'4r,d^<^.  Acrecenta  o  Poeta  para 

coulas  da  terra  ,  peloque  os  Latinos  lhe  chamão  mayor  louvor  da  Ilha,  queâlem  das  muytas,ôc  va- 

Favonioy  por  fer  favorecedor,  6c  ajudador  de  todas  rias  fruytas,  6c  boninas,  que  muyto  ornaváo  a  ter- 
ás coufas,  6c  alento,  6c  refrigério  particular  delias, 
de  Zephyro  le  veja  a  nolla  annnota^^áo, 

A    Cândida  Cecém  das  matutinas 
Lagrimas  rociada, ($  a  Maujeronai 
l^emfe  as  letras  nas  flores  Hyacmtinasy 
Tão  queridas  dojilho  de  Latona: 
Bem  fe ^enxerga  nos  pomos /S  boninas ^ 
^le  competia  Qloris  com  Tomonai 
l^ois/e  as  aves  no  ár  cortando  voão 
Alegres  animaes  o  chãopovohi 

A  cândida  cecem.He  aquclla  flor  branca  aíTás  co- 
nhecida,a  que  chamamos  cebola  cecém  neílas  par- 
tes de  Portugal :  os  Latinos  lhe  chamáo  hliitm  aU 
huf»}  ou  rofa  lunontífioÇã  de  Juno,  pelo  que  os  Poe- 


ra,o  ar  andava  coalhado  de  paí]aros,que  cantaváo 
fuavemente,  6c  o  campo  de  todo  ogcncrodeani* 
maes,que  o  fazião  muytó  fermolb. 

A(^  /origo  da  agoa  o  níveo  Clfne  cantai 
Re  [ponde  lhe  do  ramo  Ftlomella* 
'Da  fombra  de/eus  cornos  nâofe  e/panta^ 
Aãeon  n^  agoa  crifialma^ò'  bella: 
Aqm  a  fugace  Lebre  Je  levanta 
Da  efpejfa  mata^ou  temida  Gazella^ 
Alll  noblco  traz  ao  caro  ninho, 
O  mantimento  o  leve  ^ajfartnho, 

Ao  lovgo  dg  agua  o  niveo  Cifne  canta.  Vay  pondo 
alguns  nomes  de  pafiaros,6c  animaes ,  de  que  havii 
grande  abundância  na  Ilha.  Chama  aoCifne  ni- 
tas  delia  contáo  ,  queefta  flornaceodo  leytede  vco,que  quer  dizer  branco,comohefabido,6c  noi 
Juno.  Chamafe  vulgarmente^  ceccm,palavra  Ara-  tório  a  todos ,  por  fer  ave  muyto  conhecida,  dizoi 
biga,  porque  08  Arábigos  lhe  chamaó  ,çuçam,a  que  canta,  hefeguir  a  opinião  dealguns,quecuyi 
qual  palavra  nos  ficou  como  outras,  do  tempo,que  dão  illodoCifne,  como  laybamos  hoje  o  contra 
os  Mouros  eftiverão  neílas  partes.  rio, como  notámos  no  canto  primeyro  oytava  4. 

Das  matutinal  lagrimas  rociada.  Lagrimas  matu-         Re/pcndeíbe  do  ramo  Pbtlomela.  Philomela  ,  he 
tinas,hc  o  rocio  da  manhá,de  matuta,  qucheaau-     rouxinol.  A  fabula  de  Philomela  convertida  cr 
rora.  rouxinol ,  6c  Progne  em  andonnha/conta  Ovidíi 

Vemfeas  letras  nas  fores  Hyacinthinas.  Contãoas     nas  Metamorphofesliv.5. 
fabulas  que  Apollo,  a  que  os  antigos  tinhâo  por         Da  fombra  de  feus  cornes  nao  je  effanta.  Aíleon 
Deosdamedicina,era  muyto  amigo  de  hum  man-     Ic  toma  aqui  pelo  Cervo  ,  no  qual  animal  Aóteon 
ccbo  por  nome  Hyacintho  ,  como  conta  Ovidio     mancebo  caçador  foy  convertido ,  6c  depois  mor- 
liv.i,Metamorphofes,quefe  matou  com  hum  Man-    to,  6c  defpedaçado  de  feus  próprios  cães  ,  como 


cahoutros  Poetas  contáo  a  fabula  de  outro  modo. 
Apóllo  fentio  muyto  a  fua  morte  ,  6c  vendo  que  a 
não  podia  rcmedear  ,  o  converteoem  huma  flor 
com  humas letras  a  i  que  vem  a  dizer  ay  para  mof- 
tra  do  ay,  que  Hyacintho  deu  quando  cahio  mor- 


conta  largamente  Ovidio  nas  Metamorphofes  liv. 
$. A Iciato nos  Emblemas  Emblema  52. 

Ou timidíf  gazela.  Dá  epithetos  cxcellentiíriraos 
aeílcs  animaes,  de  que  vay  trattando,  chama  á  le- 
bre fugace,quc  quer  dizer  ligcyra  no  fugir,  como 


to.O  verdadeyro  Hyacintho  nace  entre  os  tribos,  fabemos  por  expcriencia,6c  a  gazela  timida,por  ler 

&  cevadas,  florece  delde  o  fim  de  Março,  até  me-  muyto  medrola.  He  a  gazela  hum  animal  do  mo- 

ado  de  Abril,  ao  tempo,  que  há  outras  boninas  do  do,  ôc  tamanho  de  hum  corço,  có  os  cornos  muy- 

campo.  Tem  forma  de  lirio  pequeno,  6cteniem  to  negros,da  própria  feytura,quc  os  da  cabra.mas 

luas  folhas  eftas  duas  letras  Gregas  a  y  ,6c  he  a  cor  redondos,6c  na  ponta  muyto  agudos,  corre  muy- 

muyto  vermelha,  6c  huma  flor  íó,como  diz  Lagu-  to,6í  a  carne  hç  muyto  boa  para  comer,  mas  muy- 

na  no  livro  quarto  lobre  Diofcoridcs,cap.64.pag.  to  difficultola  de  tomar,porque  he  animal  muyt» 

41 5. aonde  diz  allegando  com  Paufanias,  que  a  flor  ligcyro,6c  acautelado, 
nacidadofanguedc  Aiax  ,  náoheo  verdadeyro 
Hyacintho  ,  ainda  que  fe  parece  com  ellc  nas  Ic- 


JcJíM 


€anto  Nono, 


259 


NE  fia  frefcura  tdidefembarcàvão 
Jà  das  nãos  os  fegundos  Argonautas y 
Onde  pela  flor  eji  a  fe  deyxàvão 
Andar  as  hellas  T>eofasyComo  incautas: 
algumas  doces  Cytharas  tocàvão% 
Algumas  arpas i&finor as  frautas. 
Outras  cos  arcos  de  ouro  fe  fingi  âo 
Seguir  osanimaes^quenão/eguiaõ, 

U  dai  nãos  01  (egundoí  Argonautat,  Os  primeyros 

homens,  que  no  mundo  navegarão  ,  fe  chamarão 
Argonautas  ,  porque  fizerâo  íua  víagera  nanao 
Argos,  qucfoyaprimeyraque  no  mundo  houve: 
como  dillemos  na  nofla  annotaçáo  no  canto  pri- 
meyrojoyiava  i8. 

ASfl  lho  aconfelhàra  a  me  fira  experta^     > 
^é  andaffem pelos  campos  efpalhadas-, 
%ie  vijias  dos  njarões  a  preza  incerta^ 
Se  fizejjem  primeyro  dezejâdas: 
Algumas  ^que  na  forma  defcnherta 
©5  bello  corpo  eftavao  confiâd^is , 
T>epofta  a  artificio fa  fermofura^ 
Nuas  lavar  fe  deyxão  na  agoa  pura. 

^(filh»  âcenidbara  a  me(lra  experta.  A  meftra  cx-^ 
pertahe  Vénus,  a  qualaconfelhou,  &  deu  ardis  às 
Nymphas  do  modo,que  havião  de  ter  nefte|  en- 
contro dos  Portuguezes.como  o  Poeta  o  vay  moí- 
trando  ,  por  termos  muytoavilados:os  quaes  tO" 
doífc  reíolviáo  cmqucos  Portuguczçscntendef- 
lem  delias  quefugiáo  ,  £c  lhe  pelava  ,  &fentiáo 
miiyto  ferera  achadas  naquelle  lugar  ,  para!  dcfta 
maneyra  os  affcyçoar  mais  a  fi  :  porque  quanto  as 
coulas  fe  nos  mais  negaó,tan  to  com  mayor  delcjo, 
2c  appctite  as  procuramos:&  iíto  hecoula  natural. 

MAs  os  fortes  manceboSi  que  napraya 
'TufihaÕ  ospès  da  terra  cobiço f os j 
^e  naô  hà  nenhum  delles^que  naõ/aydj 
"Deacharemcaça  agre  [te  defejofos: 
1    Nao  cuydaõ yque  f em  laços ^ou  redes  cayay 

Caça  na  quelles  montes  deleytofos 
I    Tãojuave  domefticaj&  benina, 
I    ^al  ferida  lha  tmhajã  Ericiua, 

I  ^ual  ftriJa  lha  tinha  jã  Ericina.  Ericina  he  Ve- 

j  í)us,  chamada  aílim  de  hum  monte  em  Sicília  cha- 
'     fnado  Erix  ,  que  hoje  ic  chama  em  vulgar  monte 

éè  Sáojulião,  aonde  Vénus  antigamente  era  vc* 

«rerada. 


67 

ALguns^q  nas  efpmgardas,^  nas  bèfias 
Tara  ferir  os  Cervos  fe  fiavão^ 
Telos  fombrios  matoss&floreftas^ 
^Determinadamente  fe  lancàvaõi 
Outros  nas  Jombras  ,qíie  das  altas  feflas 
IDefendem  a  verdura pafjeàvaõy 
Ao  longo  da  agoa^que  fiiaveM  queda, 
Ter  alvis  pedras  corre  àpraya  íeda, 

Alguns  cjM  em  efpingardás.  Moftra  o  Poeta  como 
os  Portuguezes  aportados  a  efta  Ilha  ,  6c  vendo  a 
frefcura ,  &  abundância  delia,  cada  hum  começou 
a  exercitarfena  arte  á  que  era  de  natureza  dado, 
como  a  letra  moítra  clararaente.^ 

C"^  Omeção  de  enxergar  fibitamente, 
j  Vor  entre  verdes  ramos  varias  cores 
Cores  de  quem  a  viftajulgãfê  fente^ 
^e  não  eram  dat  r  o  faseou  das  flore  s\ 
Mas  da  lã  fina  ^&  feda  diferente,  '■ 
^te  mais  incita  a  força  dos  amor elty  ^  ^ 
h)e  quefè  veftem  as  humanas  rofas, 
Fazendofepor  arte  matsfermofas. 

Centeç^de enxergar  fubitamente.  Alguns  dos  Por- 
tuguezes afteyçoados  á  caça,meterãole  pela  terra 
dentro  com  fuás  efpingardás ,  a  verle  achavâoi 
que  atirar ,  8c  foccedeo,  que  por  entre  o  arvoreda 
da  Ilha  derão  com  as  Nymphas  ,  muyto  veftidas, 
&  concertadas,' como  o  Poeta  conta. 

DA^Velofo  efpantado  hum  grande  grito^ 
Senhores, caça  efiranhaydtfje ,he  efla. 
Se  inda  dura  o  Gentio  antigo  rito 
A  T>eo/a  he  flagrada  efta  flor  efl  a: 
Maisdefcubrimos  do  que  humano  efprito 
^efèjoununcaj^bemfe  manifleflat 
^w  Ião  gr  andes  as  coufasJS  excellentes\ 
^e  o  munáo  encobre  aos  homes  imprudentes. 

Vá  Vellofo  efpantado  hunt  grande  grita.  Vellofo, 
he  íobre  nome  de  hum  foldado  Portuguez,  de  que 
falíamos  no  livro  quinto,  oytava  ^o.  Jnda  dura  o 
Gtnttú  antigo  riícComo  cõfta  pela  lição  dos  A  uto- 
rcs,  aflim  Poetas  como  hiftoriadores,  os  antigos 
foraómuy  fnperílicioios  em  fua  religião  faKa  de 
feus  Ídolos,  5c  afiim  não  havia  mato,rio,  nem  fon- 
te a  que  nãodefiem  feus  Deofcs,  &:  Deofas,nem  o 
mar  carecia  dos  feus,  &  iílo  he  o  que  o  Poeta  aqui 
diz,  que  citas  donzcllas,que  aparecerão  ncílallha 


Lujiadas  de  Luh  de  Camõei  Commentados, 
eraõ  Nymphas,  &lenhoras,a     las  as  varias  íontes  ,&nbeyras ,  queentfeosboí- 

ques  daquella  Ilha  os  PcHTuguezes  hiáo  achan- 
doríobre  as  quacs  fe  lançavâo  a  beber, 6c  refrelcar- 
íe ,  com  o  alvoroço,  Sc  dcleytação ,  que  coftuma 
caufar  a  vifta  de  frefcas  aguas  aos  homens  muyto 
lequioíos.E  mais  aquellas.quedlaváo  cercadas, 6c 


aosPortuguezes, 

que  era  dedicada  aquella^i^loreíla  ,  legundo  o  coí- 
tumc,  ôcrito  antigo  pelos  Poetas  fingido,  (^ut  o 
rnundo  encobre  aos  homens  imprudentes.  Linguagem, 
&  queyxa  he  cíia  dos  homens,  que  virão  mun- 
do,ccmcrem  efcrevcr  o  que  viráo,pelo  pouco  cre- 


dito ,  que  íurpeytão  poderem  ter  fuás  palavras»     cubcrtas  de  muyta  variedade  de  plantas  ,  Síarvo» 


Tractando  Dom  Joaó  Bermudez  Portugucz  do 
que  vio  nas  partes  de  Atrica  ,  na  terrado  Preftc 
joaó  fenhor  da  Ethiopia  ,  aonde  elie  era  Patríar- 
cha  ,  das  coulas  que  vio  naquellas  partes,  gaíla 
muytas  palavras  a  efte^pi''opoíito.  O  raeímo  faz 
Marco  Polo  Veneciano,  do  que  vio  naTartaria, 


res ,  &:  boninas  de  varias  cores  que  de  u  occafiaõ  ao 
Poeta  fingir  aqui  vertidas  de  varias  fedas  decores 
alegres, com  que  â  viíla  dos  canlados  Portuguezes 
fe  deleytava.  Tanto  como  o  Poeta  aqui  pinta; 
com  o  mais  lindo  artificio  que  os  preceytos  recho- 
ricos  enfináo.  Fingindo  que  ainda,  que  lhes  pare- 


do  Egypto  ,  &  outras  partes  por  onde  andou ,  &     cia  que  ellas  lhe  hiáo  fugindo:  nao  era  afijim,  pois 


aífim  outros  infinitos.  E  a  verdade,quc  nuncafa- 
bio  do  fcu  lar,mal  crerá  as  rnnravilhas,6c  móílruo- 
íidades  ,  que  há  no  mundo  de  todo  o  género  de 
coufas.  Eíla  matéria  remeto  aos  que  lem  ,  que 
creão  algumas  coulas  das  que  acharem  eícrittas, 
por  homens  que  virâo,8^  ^aflaráo  o  mundo. 

70  ■■ 

Sigamos  eflas  'De$fas^&  vejamos  ^ 
Sefantaftlcasfâoje  verdadeyyas^ 
JJio  dito  ^velozes  mais  que  gamos  ^ 
Seianç ao  a  correr  pelas  yibeyras 
Fugindo  as  Ninfas  vão  for  entre  os  ramos    ^ 
Mas  mais  indujirio/às ,que  ligeyras^ 
JPoucOy^ pouco  rurrinàofe,&  gritos  dando ^ 
Se  deysiaÕ  hir  dos  galgos  alcançando. 

Com  as  ^Deofas  dejpidas^que  fe  lavão 
'  Mais  induftrtofat  <jue  Ugeyrat,  Ifta  diz  ,  porque    Elias  come ção  íubtto  a  gritar y 
o  fcu  defeio,era  que  ob  Portuguezes  as  alcançaílem,     (^^^^^  ^^^  ^ //-^/^^  ^ai  não  e/ParavaÕ: 
&  por  ifto  fingião  que  lhe  pelava  ,  Sc  aíTim  a  fua     rj^.^J^  /;.J:,.Jr.  ^^^.^  .fí.^^^ 


quando  ellcs  imaginaváo  ,  que  ellas  lhe  fugiaó  ,as- 

achavâo  paradas ,  aguardando  ,  que  com  lua  con- 

verfaçáo  fe  recreafiem,bebendo,&  reírefcandofe: 

cm  alguns  rcmanfos  aonde  a  corrcte  de  luas  aguas 

parava.  Mas  diz  que  ellas  fingião,  que  lhe  fugião, 

&  íc  paravão,para  lhe  acrefcentarem  mais  o  goílo 

de  as  fcguir.  Eíle  hc  o  fentido  literal  deftas  oy  ta- 

vajs:  &  nefteícntido  ficâo  eilas  lem  nenhuma  efpe- 

cic  de  deshoneftidade  ,  que  alguns  lhe  quizeraõ 

atiiibuir:entendendoas  contra  a  jntençâo  do  Poc- 

tn,como  me  confta  que  elle  o  dizia,  6c  aíTim  como 

aqui  eftáo  impreíTas  as  tinha  errendadas  ,  por  con. 

klho  dos  Religiofos  de  S.Domingos  delia  Cidade, 

com  que,  tinha  grande  familiaikiaiie* 


72- 


/^  Utrospor  outra  parte  vão  topar  j 


igiao  que  ihcpei 
fugida  era  mais  manha,  &  fingiracnto,que  dcfejar 
de  rugir. 

DEhua  os  cabe  lios  de  ouro  o  vento  leva 
Corrêdoy  fê  da  outra  as  fraldas  delicadas 
Acende  fe  o  defejo^quefe  ceva 
Nas  alvas  carnes  fubito  moftradasi 
Huma  deindruftria  cae^jàrelevà 
Com  moftras  mais  macias ^que  indinadas^ 
^efobre  ella  empeçando  também  caya, 
^emafegmopela  arenofapraya. 


Nefta  oyrava,8c  nas  leguintes  continua  o  Poe- 
ta com  a  defcripçáo  Poética  da  Ilha  de  Santa  He» 
lena  ,  aonde  os  Portuguezes  depois  de  tantos  tra- 
balhos, 6c  tão  longa  navegação  aportarão,  aonde 
finge  que  Vénus  lhe  mandou  dar  gazAlhado  pelas 


HurHas  fingindo  menos  efiimar 
Avergonha^que  aforça^Je  lançavaÕ 
Nuas  por  entre  o  mato^aos  olhos  dãndo^ 
O  que  às  mãos  cobiçofàs  vaõ  7íegando, 

73 

01)tra  coma  acodtndo  mais  deprefa 
Aa  vergonha  àa  T)eõfa  caçadora^ 
Efconde  o  corpo  nagoa^^  outra  fe  aprejja 
^or  tomar  os  vefítdos^que  tem  fora: 
Tal  dos  mancebos  ha  que  fe  arremeffa^ 
Veflido  affi^&  calçado ^que  c'o  a  mora 
T^efe  defpir  hà  medo^que  inda  tarde^ 
A  matar  na  agoa  ofogo^que  nelle  arde. 


1 

I 


A  vergonha  da  Deofa  cafaJora.  Eíla  hc  Diana, 
que  os  Gentios  fingiaõ  Deola  da  caça.  Da  qual  j 
Nymphas  das  aguas, febre  que  cila  tinha  domínio,  fingem,que  eftandole  banhando  em  humafloi*cí^  1 
como  nacida  da  efcuma  delias  :  ainda  que  com  fi-  tfl,chegou  Actcon  Caçador,  6c  a  vio  nua:queelU" 
gurâs  humanas  reprefenta  eíle  gazalhado  ,  ôcre*  fentio  tanto,  6c  ficou  tão  vergonhola,que  por  iflo 
creaçãojtáo  neceílana  a  ânimos  tão  canfados ,  co-  o  converteo  a  ellc  em  Cervo  ,  t|o  naturalmente; ; 
mo  clles  vinháo.Tuda  via  haíe  de  entender  por  el-    que  Icus  propnçs  cães  o  comerão:  que  allegoricaíi 

mente 


,^<y-  Cauto 

mente  fc  entendEm  ,  pelo  atrevimento,  que  teve 
de  chefiar  a  ver  nua  huma  Deofa  tão  relpeytada 
por  lurhoneílidade.  E  a  elta  vergonha  ,  queella 
então  houve  de  a  verem  nua ,  allude  aqui  o  Poeta: 
para  dizer,qiie  algumas  daquellas  tontes,de  quan- 
doem  quando  le  hião  efcondcndo  por  entre  as  er- 
vas, Sc  bofques ,  &  boninas,  de  que  eftaváo  cerca- 
das,'&  cu  bertas.  j;       j     T:a    c 

A  matar  na  agoaofogo,  ejtttneUe  arde.  Lite  togo 
hfro  calor  ,  quelhecaufava  aícde  quetraziáode 
beber  ,  5c  fc  refiefcarem  com  aguas  írelcas  daquel- 
las fontes:que  por  entre  aquelles  bolques  hião  ar- 
cafldo,correndo,&;  aílaltando  para  ellas  de  prazer: 
que  também  Iheacrecentava  mais  calor  ,  Sc  mais 
íede,que  traziáo,2c  com  que  nellas  fe  refreícavão. 

74 

Q^Odcâode  caçador  JagaZy&  ardido  ^ 
Vfado  a  tomar  na  agoa  ave  ferida^ 
Vendo  no  rofio  o  férreo  cano  erguido^ 
^ara  a  Garcenha^ou  Tatá  conhecida: 
Jantes  quefoe  o  eflouro  ^mal  fofrtdo 
Saltana  agoa /S  da  preza  naõ  duvida^ 
Nadando  vajyò'  latindo ^a(fi  o  mancebo 
Ke metera  que  não  era  irmãa  de  Febo, 

Remete  a  ejue  naõ  era  irmã  de  Thebe,  Mrm^  de  Phc- 
bo,hç  Diana,renhora,  Sc  Raynha  dos  Caçadores, 
&  grande  caçadora  elia  per  fi^,  pelo  que  o  Poeta 
aqui  diz  ,  que  remetterâo  os  Portuguezes  com 
aquellas  Nymphas,  as  quaes  não  fendo  caçadoras, 
íingião  leio  ',  como  fe  diz  nos  últimos  verfos  da 
ovtava  íeflenta  Sc  quatro  deíle  canto  :  6c  dilo  por 
cftes  termos,  Remete  a  que  não  era  irmã  de  Phe- 
bo,que  remettiáoáquellas  Nymphas,  que  na  rea- 
lidade não  erão  o  que  moftravão  ,  mas  faziâo 
aquelle  arroido  feytiço  para  lerem  viílas  ,  Sc  re- 
queridas dos  Portuguezes.  Cano  férreo ,  he  cano  da 
cfpingarda,quc  íe  chama  aflim  por  ler  de  ferro. 


que  como  Luís  de  Camões  era  muyto  lido  nas  íe-"^ 
trás  humanas,quaes  aqui  moltra  a  propriedade  do 
amor,o  qual  tem  os  mayores  trabalhos,  Si  enfada* 
mentos  dà  huma  certa  alegria  aos  namorados  com 
que  os  fuílcnta.Daqui  Alciato  nos  Eniblçmas  1 1 5. 
coneluye  o  que  quiz  dizer  do  amor  com  citas  pa» 
lavras:  hcundus  labor  eft  lafciva per  otia\  figniim  dliut 
elinígro  pumca  glani  C/jfeo,  O  amor  diz  Alciato  hc 
hum  trabalho  goftofo,o  qual  íe  conlerva  ,  Sc  acre- 
centa  com  o  ócio,  o  feu  brazaõ,  Sc  armas,  he  huma 
romã  em  campo  negro,  para  moílrar  que  entre  os 
trabalho&,Sc  perfeguiç®es  há  golto,Sc  alegria  con--' 
tinua,porque  a  româhe  hum  pomo  muyto  fcrmo- 
lo,Sc  goílofo,  Sc  lito  quer  aqui  dizer  o  Poeta,  que 
o  amor  nunca  lhe  dera  hum  fódelgofto  ,  íendp- 
c1elleperíegHÍdo,Sc  maltiattado.  Porque  todos  os 
Icusdcicontos  paliava  com  alegi  ia  :  Sc  ainda  quc< 
tinha  alguns  foros  amaigos,  qual  hea  calca  de  ro» 
má:  o  interior  era  muyto  goítoío  qual  he  a  romã 
por  dentro. E  que  aíTim  como  a  romã  tem  rauytos 
bagos,  aíTim  o  amor  dava  muytos  goílos.   Algu- 
mas couias  a  eftepropofito  ajunta  fobreo  Emble- 
ma allegado  Francifco  banches  das  Brocas  Cathe- 
dratico  de  Rhetorica ,  Sc  Grego  na  Univerfidade 
de  Salamanca,Sc  Cláudio  Mivio  Parifienfc,  ainda 
que  declara  os  ultimes  verfos  de  Alciato  de  outrt 
nianeyra. 


■j»n  ju' 


7<í 


Q^izaquifua  ventura^que  corria 
Apoz  Efire^exemplo  de  belíeza, 
^ie  mais  caro, que  as  outras  dar  queria^ 
O  que  de  o  fera  darfe  à  natureza:       ,  ^ 
Jã  can/àdo  correndo  lhe  diziay 
O  fermo/ura  indina  de  afpereza , 
Tois  de  fia  vida  te  concede  a  palma  ^ 
Efpera  hum  corpo  de  quem  levas  a  alma,       ^ 

Apoi  í:^*7»'í.Ephyre  hc  nome  de^huma  Nymphj, 
que  Virgílio  faz  filhando  Oceano,  ScTethís. 


75 

LEonardofòldado  bem  defpo(}o\ 
Manhofo  cavaleyYOj&  namorado, 
Aquém  amor  nao  dera  hum  fò  degoflOj 
Mas  femprefora  delle  maltratado-. 
E  tinhajãporfirme  perfiípoílo 
Ser  com  amores  mal  afortunado, 
Torêm  não  que  per  de  fe  a  efperança, 
*De  inda  poder  feu  fado  ter  mudança. 

Atjuem  o  amor  não  dera  hum  (0  defgo/ío.  Os  verfos 
que  le  leguem  ,  declarão  efte,  Sc  quer  dizer  que  o 
amor  não  lhe  dera  hum  ló  defgoílo  a  efte  foldado, 
mas  muytos ,  Sc  que  fempre  fora  ncfta  mareria  de 
amar  mal  afortunado.  Efta  he  a  declaração  .  que 
a  todos  contenta,  mas  amim  não  me  latísfaz,  por- 


Todas  de  correr  canção,a  Ninfa  pttra%    q 
Rendendo  fe  à  vontade  do  inimigo^        \ 
1u  fé  dn  mi fô foges  na  efpeffura,  ú 

Sluem  te  diffe,que  eu  era  o  que  te  figo7 
Se  to  tem  ditojà  aquella  ventura ^ 
^íie  em  toda  parte  fempre  anda  cemtgo^ 
O  não  na  creas ^porque  eu  quando  a  cria. 
Mil  vezes  cada  hora  me  mentia. 

Se  t9  tem  dito  jd  acfuella  vtfafMr*,! fto  diz  pela  pou- 
ca ventura',  que  eUc  tinha  neílc  negocio  de  amar 
como  fica  dito. 


mê 


2t)2 


Lujiadas  àe  Luis  de  Cantões  Commentados, 

Atada  levas ^ou  depois  de  f  reza 
»  Lhe  mudafie  a  'ieHíurai&  memsj^eza^ 


^'J  Aõcanees.que  mecanças^&fe  queres 
H  Fugir  tne, por  que  nãopoffa  tocarte^ 
Mtnha  ventura  he  tal^que  inda  que  ejperesy 
Eíla  fará  que  naofoffd  alcancarte'. 
Eípera^quero  verje  tu  quizeres, 
^efubtilmodo  bufe  as  de  efcaparte^ 
E  nota  rã  s  no  fim  dejfe  fuccejfo, 
Tra  lafpca  è  la  man^qualmuro  è  mejjo. 

■^  Traia  fpíca,&  la  ma» ^^jual  muro  be  tneffo.  Alguns 
rirão  daqui  cftc  vcrío.qucrendoo  interpretar  fora 
do  que  clle  diz  Lionardo,qucrendo  moílrar  quaõ 
pouco  venturolo  era  na  marcria  do  amor  ,;&.  co- 
mo a  fortuna  lhe  eraadverla  ,  ufou  deite  vcrfo, 
que  tem  bem  diífercnte  fentido,do  que  1  he  dão,  &: 
traia  Ipica.Sc  la  man  qual  muro*he  mcflo:  entre  a 


Çjiue  neQci  fios  de  oura.  Os  fios  de  ouro  em  >  que 
hia  atada  a  alma  deite  trilte  namorado  eráo  os  ca- 
bcllosjchamalhe  fios  de  ouro  reluzente  para  enca- 
recimento de  fua  fermolura. 

Ou  (Itfpn  de  prefa  Ibe  muda^c  a  ventura  ,  ^  memt 
pefa.  Tudo  iílo  laó  encarecimentos  de  íua  pouca 
ventura,  &  dirá,  que  fendo  fua  alma  lemprc  carre- 
gada,dcJpois,quc  tez  aílento  em  lua  dama,  mudou 
a  natureza,  &  fe  fez  leve  de  maneyra,  que  fazia, 
que  lua  dama  o  foíle  muyto  mais  para  não  poder 
kr  alcançada. 

8i 

NEfla  efperançajó  te  vou  reguindc^ 
^e,õu  tu  yiãojofreàs  o f  c/ò  delia 
Ou  na  virtude  de  teu  gejio  Hnde^ 
Lhe  mudaras  a  trifteyér  dura  eflrella: 


cipiga ,  &  a  fouce ,  que  muro  «^^^  Po^^°-.^°,7j^  Efe  fe lhe  mudarão  vas  fugindo, 
d  ílera.quenáo  erapoíTivel  tereíteytoleu  mten-        '   '  /-^-    ^        ^,\,'^      ,/ 

ciiici.i,4u   lau  '-*   ;  •'^  §ue  amor  te  ferira  gentil  donzelUi 

to.por  quão  pouco  venturolo  era  em  leus  amores.  «<_.  r  ^     r^  r 

Porqueaffim  comocntrca  máo,&aefpiga,que  fc  Etu  meefperarasje amorte  fere-. 

quer  cegar  com  a  fouce,  não  há  muro,  quclo  im-  E  fem€  e  f peras  ^nàoba  mais  que  e/pere. 


pidaiaíTim  fe  confcfla  elle  tão  deldichado  em  amo 
res :  que  não  cíperava  meyo  algum  paraalcançar 
relles  algum  lavor  ,  que  lhe  inapida  náolerlcor- 
tado  com  infortunios:como  le  vc  a  efpiga  apertada 
da  mâOjSc-  da  fouce  com  ique  a  querem  cprtar. 


^y 


82 

Jí^'  não  fugia  a  bel  la  Nyn\pha^t&nto, 
Torfè  dar  cara  ao  trifte^que  afeguiaj 
Como  par  ir  ouvindo  o  doce  canto ^ 
jís  yumoradas  magoas  que  dizia. 
Volvendo  o  roftojàferenofêfanto. 
Toda  banhada  em  rifo% &  a legria, 
Cayrfe  deyxa  aos  pès  do  vencedor , 
^e  todofe  desfaz  em  puro  amtr> 

O  ^e  famintos  beijos  najlorefla^ 
E  que  mimofo  choro^que  fuava^ 
§^e  dffagos  tãofuavestque  ira  honejltéfi 
O  tjue  tu  Ji  fards  não  m  fugindo.  Realça^aqui  o     G^ue  em  rijinhos  alegres  fe  tornava, 
podei-  defta  Nymp^a,que  feguc  dizendo, que  riáo     q  ^^g mais pafão namanhã,&  nafefta 


.79 

O  Não  me  fujas  jãffi  nunca  o  breve 
Tempo  fuja  de  tua  f ermo  fura, 
^iefò  com  refrear  opajjo  leve 
Vencerás  da  fortuna  a  força  dura: 
^e  Emperador  ^que  exercito  fe  atreve f 
jíquebrantar  a  furta  da  ventura^ 
^e  em  quanto  defejey^me  vayfeguindoy 
O  que  tu  fé  j aras  nm  mefugindoi 


podendo  nenhum  Emperador  ,  nem  exercito  por 
grande,  que  feja  quebrantar  a  fúria  da  fortuna :  íó 
ella  não  fugindo  o  poderá  fazer,porque  delia  ma- 
neyra a  vencerá  ,  pois  não  pretendia  outra  coula, 
íe  não  cnfadalo,&  deflruilo,&:  privalo  de  todos  os 
goílos  da  vida,©8  quaes  ella  lhe  podia  dar  eíperãdo. 

V     8o 

POemfle  da  parte  da  defdita  minha^ 
Fraqueza  he  dar  ajuda  ao  mais potente-y 
Levafmehum  coração ^que  livre  tinha^ 
Soltamofé  correrás  mais  levemente: 
Não  tecarrega  ejfa  alma  taõ  mejquinhaj, 
^lenejjesfios  de  ouro  reluzente 


quematspafi 
§^e  Vénus  comprazeres  ihfiammava^ 
Melhor  he  exprimentalo^quejulgaU^ 
MasjulgueOjqucm  n^õpode  exprimentaíi, 


Continuando  o  Poeta  com  (uaícção  na  dçf- 
cripção,rque  faz  das  recreações,  &  deleytes,  que 
os  Portuguezes  receberão  naquella  Ilha  ,  com  as 
varias  fontes  ,  &  varias  arvores ,  6c  boninas  ,  que 
hiaó  achando  nella:fingem  que  eraô  varias  Nym- 
phas,que  lhe aparcciaó,&  lhe  fugiaó,para com  nia- 
yor  defejo,&  gofto  as  feguircm,para  fe  recrearem, 
&  refrelcarem  com  fuás  agoas,&  com  leus  fruytos, 
&  cheyros.  Em  cfpecial  nomea  aqui  o  Poeta  a 
NymphaEfirei  &  Virniliodiz,  que  era  filha  do 

Oceano, 


Canto 

OccaFio,6c  de  TethySiDeofcs  das  aguas.Para  mof- 
trar  o  golto  ,  6í  apetite  com  que  eítc  Portuguez 
Leonardo  toy  leguindo  alguma  frefca  fonte,  que 
ma>s  lhe  coiitentou:ôc  delpois  que  por  hum  elpeíò 
boíquc  alcançou  em  algum  remanlo  em  que  elia 
o  aguardou, a  íinge  que  lhe  cahio  aos  pés  a  Nym- 
phvi,que  era  a  fonte :  com  cujas  aguas  fc  eíleve  rc- 
ti  ercando,6c  recreando,Ôc  bebendo,  Sc  lavandole, 
ÔC  burrifandole:  eíles  laó  os  famintos  beyjos  ,  mi- 
moío  choro  afíagos  íuaves,5í  níinhos  alegres,com 
que  o  Poeta  o  figniíica  neíla  oy  tava.que  laó  figu- 
ras mais  accomniodadas  ao  que  por  ellasfignifica, 

84 

Defta  arte^emfimtCÕfoYmeijd  asfermofas 
Nymphas^cOj  os  feus  amados  navegai  es 
Os  ornão  de  cape  (las  deleytofas^ 
2)^  iouroy^  ae  ouro j&  flores  abundantes: 
As  mãos  alvas  lhe  davaÕ  como  ejfo/asi 
Com  palavras  formaeSi&  efttpulantes^ 
Se  prometem  eterna  companhia^ 
Em  vtda,&  morte  de  honraj&  alegria^ 

Com  palavras  formaes^  éf  e^ipulantef.  Entende  o 
contra  rio  rnatrimonÍHl,quc  le  faz  entre  partes  pro- 
inetcndojSv  accytando,que  ifto  hecftipulaçáo  em 
dire)  to ,  &  afíim  palavras  eftipulantes ,  faô  pro- 
mcttimcntos  aceytados ,  quaes  finge  le  trattavaó 
entre  as  Nymphas  ,  ocos  Portuguezcs  :  comos 
quaes  quiz  fignificaro  Poeta  os  agradecimentos, 
que  lhe  daváo  pelos  goftos,que  com  fuás  agoas,6c 
fruytos  receberão  naqucUa  Ilha. 

85 

HVwa  delias  mayor.a quem/e  humilha^ 
Todo  o  coro  das  Nymphas t&  obedece, 
èiue  dizem  fer  de  CelOià*  Veftafilha^ 
O  que  nogefto  bellofe parece: 
Enchendo  a  terra  Jê  o  mar  de  maravilha 
O  Capttaõ illu/lreyque  o  merecet 
Recebe  aly  compompa  honeftá,&  vegia^' 
Mojlr ando/e Jenhora  grande ^^  ^í^^g^^* 

Huma  delias  7»<ayír.Entende  Tethys  fenhora  do 
Biar,  &  lenhora  das  Nymphas,  a  qual  como  prin- 
cipal ,  SciTiâyor,  que  todvis  as  outras ,  agazalhaao 
Capitão  mór  com  grande  pompa, 6c  aparato,coBio 
pertencia  a  huma  taó  grande  fenhora. 

IC 

QVe  despois  de  lhe  ter  ditto  quem  era, 
com  híi  alto  exórdio  de  alta  graça  ornado 
U:>andolbe  a  entender ^que  aly  viera 
Toralta  influição  do  immobil fado í 


Nono.  263 

^Fara  lhe  defcuhrir  da  unida  esfera^ 
T^a  terra  immeyifas&  mar  naõ  navegado^ 
Os/egredospcr  alta  profecia , 
O  que  efta  fua  naçaõ  fó  merecia, 

§íue  deipois  de  lhe  ter  dito  ejuim  era.  Moftra  neíla 
oytava  o  Poeta  o  que  Tethis  difle  ao  Capitão  niór, 
&  como  era  alli  vinda  por  ordem  dos  Fados ,  para 
lhe  declarar  os  legredos  áo  mar ,  ôc  da  terra  ,  6c  o 
que  deíla  lua  navegação  le  lhe  havia  de  leguir.  E 
porque  deftas  coufas  havemos  de  trattar  no  canto 
decimo ,  dcldc  a  oytava  6.1argamente  ^  o  raõ  laço 
aqui.  Imraobilfado,  quer  dizer  fado  ,  que  fenaó 
muda.  Dos  Fados  íe  veja  o  que  fica  notado  atrás. 
Unida eíphera,quer  dizer  eíphcia  junta,  qual  hc  a 
do  mar ,  &  da  terra ,  porque  eítes  dous  elementos 
ambos  fazem  hum  corpo,  que  coula  feja  ciphe- 
ra ,  fica  já  dito  largamente.,^ 

87 

TO  mandoo  pella  maõ^o  levafê  guia 
TAra  o  cume  dum  monte  alto^&  divinO^ 
No  qual  huma  rica  fabrica  fè  erguta 
'De  criftaltoda,t§  de  ouropurOy&flno: 
A  mayor  farte  aquipajjaõ  ao  dia 
Em  doces  jogos  ^&  em  prazer  confino, 
Ella  nos  paços  logra  feus  amores  ^ 
As  outras  pellas  fombr  as  ^entre  as  flore  s\ 

No  cfual  huma  ricã  fahrica  fe  erguia,  Efta  fabrica, 
craó  os  paços  de  Tethis  fenhora  do  mar  ,  de  que 
himosíallando,  os  quaes  diz  que  eraõ  decriílal,  6c 
ouro  puro,  &  fino, para  moftiar  fua  excellencia,  6c 
riqueza,  6c  maravilholamente  nos  pinta  aqui  eítes 
P  aços ,  aííim  pelo  fitio  do  lugar ,  que  he  o  monte 
alto  ,  como  pelas  partes  de  que  crao  fabricados, 
como  criílal ,  8c  ouro  fino,pois  pela  Tethis  fe  en- 
tende aqui  a  honra, &  virtude,que  não  faz  aflento 
noutros  lugares,  como  o  Poeta  diz  abayxo.  E  nós 
diíTemos  em  outta  parte  deítc  mcfmo  liyro. 

ASítafermofaj&  a  forte  companhia^ 
O  dia  quafltodo  eftaõpaffandOy 
Numa  alma^doce  jincognita  alegria^. 
Os  trabalhos  taô  longos  compenfando, 
forque  dos  fey  tos  grandes, da  oufadia^ 
ForteyfêfamofayO  mundo  eflà guardado, 
O  premio  la  no  fim  bem  merecido. 
Com  fama  gr  ande  i&  tiome  altOx&fubidoí 

Torefue  doi  feytos  grandes  da  oufadia.  Como  fic4 
dito  çm  algumas  partes  defte  livro  os  meyos  or- 
dinários por  onde  os  homens  vem  a  medrar  ,  Sc 
a  montar  muyto  laó  os  trabalhos  honrolos.  O* 

quaes 


2  6  /  V  Liifiaàas  de  Luís  de  Camões  Commentados. 

quacs  pagio  rhYfyto  bem  a  quem  delles  na  vida  heroes ,  lendo  homens  de  carne  como  nos,  movi-: 
ufa,CQma-pelo  contrario  o  ceio  desbarata,  5c  dei-  dos  íónr.ente  por  léus  teytos  illuitres,&  excclicntes;  , 
troe  tudo.  Vejafe  a  nofla  annotaçaò  ncíle  melino  dos  quaes  noriíea  alguns  na  oycava  Tegumce.  O-  '■ 
cantOjOyiava  85.  ;<i»iòVlv"'   lympo  efteliance,  he  Cco  cftrellado.  Do  Olympo 


85> 

Q^)e  as  Ninfas  do  Occeano  tamfermofas 
ThetiSi&  a  Ilha  angHicaptntada^ 
Outra  coufa  naõ  he^cfue  as  deUytofàs 
Honras ^que  a  vida  fazem  fiibltmada: 
^que  lias  pr  eminências  glorio/as  y 
Os  triunfos ya  fronte  coroada 
'De  'Palmará'  Lourosa  gloriai&  maravilha^ 
Eftes  fào  os  deltytes  dejia  Ilha, 

EftesfaÕ  os  di/eytes  defia  Ilha.  Declarava  neíla  oy- 
tiiva,  ôcnasçipe  le  leguem,  o  que  pintou  poetica- 
mente acerca  deita  Ilha,  ôc  dá  fertilidade,  Sc  abun- 
dância delia  habitada  de  Nymphas  táofermoías, 
kvk  honra ,  &  premio ,  que  os  homens  Cavalley- 
ros,  6c  amigos  d-a  virtude  alcanção.  E  le  o  Poeta 
fc  naó  alargará  em  algumas  óytavas,  em  palavras, 
que  pudera  efcufar  o  fingimento  jeíte  he  poético, 
ôcexccl  lente,    como  laó  todas  íuas  couías.  Por 
ifto  íe  \\\Q  emendarão  ,  &  declararão  algumas  oy. 
tavasdeíié  canto,  5c  com  rezaõ, porque  nenhuma 
coufa  faz  na  vida  mayor  mál,  nem  prejudica  mais 
que  a  lição  de  Autores  deprava- 


jc  veja  o  que  efcrevcmosno  canto  primeyro,  oy- 
táva  Í7.  zo.^t.  Sohre  as  af  ai  ittcUtas  da  fama.   Da  fa- 
ina,, 6c  como  os  Poetas  a  pintaó  com  azas ,  le  lea  o 
que  diíTcmos  neíle  meímo  canto  ,  oy tava  44.   Pdo 
trabalho  mmenjí/.  O  trabalho   como  hca  notada 
atrás, he  camniho  da  virtude, pay  da  boa  fama.  O 
grande  Pythagoras,  comparao  caminho  da  vir- < 
tude  a  hum  y  Grego, para  moílrar  o  bom,5c  o  mao ; 
fim  dosqueneíta  vida  tratrarnos,  6c  vivemos:  os 
que  entráo  peloeftreyto  deite  y  que  he  por  tra- 
balhos,6c  perigos,  no  fim  vem  dar  no  largo  delic, 
aonde  tudo  íaó  felicidades ,  ôc  goítos.  Pelo  con- 
trario os  que  começâo  pelo  largo  ,  quehcdan- 
doíc  â  boa  vida,&  ao  ocio  em  lua  niocidade^,  no. 
fim  níuytos  enfadamentos, £c  roirerias,que  hc  o  ef- 
treytodo  y  de  iíto  hâhum  Epigramma  nos  opuf- 
culosde  Virgílio  ,  o  qual  começa  :  Ltttera  Pytha- 
gora  dffcyiwine  /eptabícortií.  O  qual  os  curiofos  po- 
derâojcr  para^declaração  deite  iugar.^ 


N'  /^o  er ao  fenaõ prémios ^que  reparte 
7 


a  confciencià 

dos, 6c  torpes.  0  que  naôtáõ  fomente  a  gente  Ca 

tholica  GKriílã,  mas  aos  Geptios,  que  careciaõ  de 

lume  de  fé  ,   pareceo  femprc  muyto  mal.  Donde      G^ue  Júpiter ^Mercurio.Febo.à' Marte^ 

aquelle  grande  SatyricoPerfioSatyra  i.  repre-     Eneas,& farino, ^  dous  Thebanos, 


^orfeytòs  immortaes  fé* f^^eranoSj 
Omundo  cos  varões ^que  esfoço^\ê  arte 
divinos  osfizeradjendo  humanos: 


hendcndo  a  deíToluçaô  ,  6c  defenfreamento  dos 
Romanos  em  os  vícios ,  huma  das  couías ,  que  lhe 
mais  tacha ,  he  dar  audiência  a  obras  obfenas ,  6c 
a  vcrfosfealuaes  nçft^s  palavras. 

'  '  ;       ■     •■..''■:     ,     •■■■:'.     J  í  í-  ',    ,■     .  í-  í  ' 

Hic  necjue  more  pYobo  Ttideai ,  nic  você  ferenãf  '  "'  • 
Ifg^entes  treppdarelitos  cum  carmina  íumlfuhíf.  '  ' 
Intrant,^  tensro  fcalpuntur  uki  intima  verfit^ " '    ' 

Vereis ,  diz  Pç.rfio  efi:es\  .cjíiçíiiaviao  de  íiar  c£eím- 
plo  aos  outros ,  deleytaríe  niúy^ò  èhi  oUVirirbrpé- 
zas  ,  o  qual  queyxume  foy  de  todos  os  Satyricos 
antigos,  que  bem  fentiyaõ  como  fe  pódc  verem 
íuasobfas.- '^••?\\«i55  ^^ 

QlJeas  immortajídadesjque  jingta^ 
A  antiguidade  ^que  os  illujires  ama, 
L.à  no  eftellante  Oh  mpo^  a  quejubia 
Sobre  as  azus  ínclitas  dafymai 
'Por  ohrasijaler  o/as  ^que  fazia, 
^eio  trabalho  immenfa^q{i€  fe  chama 
Caminho  da  virtude  alto)3fragofo^ 
Mas  no  fim  doce, alegre  yfè.  deleyto(o,  ^^^^.^i\ 

^ue  as  immortalídades  í^ue  fingia.  Os  aníi^ofe  ntni 
gos  da  virtudCjSc  honra,engrandeceraó  tanfô  nel-' 
£a  vida  os  homens  dados  a  eHá ,  que  lhe  chamarão 


CereSi  ^ altas yà'  luno^com  T>iana, 
Todos  for  aô  de  fraca  carne  humana, 

§iue  íífpiterfMercurio,Tbèho,^  Afarfe.Dos^nomes 
deites  falíòs"  Deofes  dos  antigos  temos  uattado  era 
mijytas  partes  deite  livro.  Qi-iirino  he  Romula 
primeyro  fundador  da  Cidade  de  Roma.Chamou- 
íe  Quíririo  ,  ou  de  quiris ,  que  he  a  lança  entre  Oi^ 
Sabinos ,  da  qual  Rómulo  muytò  ufava,  porquê 
era  gVande  Cavarieyro,ou  porque  fez  paz,  6c  con- 
formidade entre  os  Romanos,  6c  Sabinos ,  chania-j 
doeite  dos  querites  ,  como  diz  Ovídio  no  nq* 
Faítos.naquelJi©gv;Verlos. 

Sive  cfuodbafía  quiris  prlfcii  ffi  diElaSabipii^ 

Bellicui  â  tão  venit  in  afira  Deus, 
Sive  fuo  Reiinomen  pofuère  §tuirites^  ''idí 

Seu  cjuia  Romanis  junxcrat  tile  Curef,  ' 

Os  qúaès  verlos  ficâo  declarados  acfmi.  Os  dous 
Thebanos  faõ  Hercules,  8c  Bac*rhí>,  exccllentes 
CapitãeSjSc  ambos  naturaes  de  Thebas,Cidadc  em 
Boecia ,  eítes  tiveraó  os  antigos  também  por  fcus 
Deofes,  como  fica  notado  cm  muytas  partes  deite 
livro. 


pi 


MAslafama^trombetdde  obras  tais. 
Lhes  deu  no  mundo  nomes  taô  eflr anhos 


eftima  á  genre,ncm  por  iíTo  he  mais  honrada  ie  his 
falta  vircude,ôcquehe  muyto  melhor íer  hu(o  lio- 
mecn  partes  porque  inere^ao  ouío  ,  que  tclo  íem 
o  merecer. 


5D^  Deofes^Semideofei  immortalsy 

Indigites  fitrotCQs-ià'  àe  Magnos\ 

í^or  tjjoyò  vôsyque  as  famas  ejttmaisj         ,^,^^ 

Se  quiferdes  no  munáojer  Tamanhos^      j' j  ^ 

"JJeJpertayjà  do/ono  do  octo  ignavo,  ^  4 

^e  Q  animo  de  livre  faz,  e/cravo.  Ç\  V,day  na  paz  as  hys  iguaes^coft 

A  Um.  n.mbtu  de  obras  tau.  A  fama  não  con-  >^  ^^eaosgrãaes  não  dem  o  dos^^^ec 

jeiue  que  obras  excellenccs  fejáo  encubertas.don-  ^«  '^^^  '^^J^^  ^^^^  ^^^^^^  ruttUntes, 

de  ávL  o  Provérbio:  Fanta  omma  prodtt.  A  fama  tu-  Contra  d  ley  dos  imtgos  Sarracenos y 

ÚQ  delcobre.  Da  fama  Ic  veja  a  noífa  annotaçáo  tareis  os  Reynos  grandes ^&  poffantes 

íitràs  neilc  cani:o,oytava  44.  E  todos  tereis  mais ^é"  nen bum  menos 

De  Oeolu  firmdeQfti  immortaci.Os  antigos,como  ToJ/uireis  riquezas  merecidas. 

Com  as  honras jque  tUuJirão  ta  nte  ds  vidas. 


^}iteft 
pequenos 


iica  trattado  no  pnmeyro  canto ,  como  era  gente 
<:ega  ,  òc  errada  no  conhecimento  do  verdadeyro 
J  JeoSjôc  Crcddor,&  não  acertava  na  verdade  del- 
ta matcna,  dez-ia  mil  delvarios  nella,  &  a  cad*  can- 
tolcvantaváohumDeos-  Todos  elles  ,  ík  princi- 
palmente os  Lacedcmoniosguardavão  com  gran- 
de obiervancia  hum  coítume,que  tinhaópor  pon- 
to de  honra   ,  o  qual  era  hzer  grandes  lacnhicios 
íicpois  da  morte  ,  chamar  fallamente  Deofes  aos 
Cjue  na  vula  fizcráo  obras  excellentes,6c  dignas  de 
memoria  procurando  com  fuás  forças  augmentar 
a  republica ,  ôc  lahir  pelahonra  de  lua  pátria  como 
Hercules,  líneas, Caltor,Pollux,  ôc  outros  de  que 
d  taó  cheyos  os  iivros,&C  a  cftes  chamavaó  indigetei» 
^a  afimdijí  <ige»íeí, porque  de  homens  íubiaó  aqucl- 
Ic  grão.  A  outros  chamavâo  Njag^os,quc  quer  di» 
zc  r  grandes  como  Júpiter,  ÀVlinérva,  Marte,Mer- 
cu  rio,porque  nefta  mcfma  matéria  Te  haviâo  aven- 
te] ados  outros.Os  íemideofeseráo  homens, que  vi- 
vi; io  aiada,&  por  algumas  grandes  obras  lhe  davaó 
aq  ucllc grande  nome  ,  elles  fe  chamavâo  também 
H  eroes ,  ainda  que  alguns  fazem  os  Heroes  mora- 
dc  )rcs  na  regiaó  uo  ar,  entre  o  Ceo,&:  a  terra.  De 
to  dos  cftes  fâUos  Deolcs, nomes,  &  valias, entre  os 

tcitigos  I  tratta  Alexandre  ab  Alexandro  nos  leu»     tooío»  &  honrado,  a  verdade  não  temdeículpa  o 

('iias  geniaes,liv.6.c.4.ôc  Macorbio  fobre  o  lonho  de     que  nefta?  matérias  fe  efcufa,  com  dizer ,  que  não 

i'Scipiaó,liv,  i.cap.j.  Ócio  jgnavo,qucr  dizer,  ócio     pode, porque  vemos  homés  de  nuiyto  fracas  habili- 

clelalado,pelo  eftey to,que  faz  nos  homens,  que  íc     dades  fahirem  muyto  grandes  letrados ,  &:  outros 

daô  a  elle  ,  vejale  o  que  cfcrcvcmos  nefte  melmo     muyto  engenholos  fahirem  muyto  fracos  por  náo 


Çlue  e$  grandei  nà'o  dem  o  dos  peíjuenos.QuG  he  pró- 
prio da  juftiça  diilnbutiva,  dar  a  cada  hum  o  que 
he  leu,  o  que  faz  bem  o  Governador,  que  tem  o 
olho  na  juftiça  ,  ôc  trabalha  por  comprir  com  a 
obrigação  de  icu  cargo. 

^     .  ^5 

E  Fareis  claro  o  Rey^  que  tanto  a  mães 
Agora  cos  con  fe  lhos  bem  cuidados, 
Agora  CO  as  e/padas.que  immortaes 
Vos  faraó, como  os  vojfosjâpojfados: 
Impojfikilidàdes  naõfaçaes, 
^4e  quequiz  fempre pode ^^ numerados \ 
der  eis  emre  os  Heroes  ejclarecid9s'. 
E  nejia  Ilha  de  Vénus  recebidos, 

fine ejuemtjmz  fenspre pode.  Dito  comum  he,  5c 
aílásfabido;vc/e«íi  omma  poj/ibilta,  tudo  pôde  o  que 
quer.  Eífte  dito  íe  entende  das  coulas ,  que  eftâo 
na  mâo  do  homem,&  que  pendem  da  fua  vontade, 
como  hc  ler  hum  homem  letrado,cavaHeyro,vir- 


eanco,oytava39. 


^3 


ETondenacobtçahumfreo  duro, 
E  na  ambição  íambem^que  indinamente 
Tomais  mil  vezes, &  no  torpe, ^  e/curo 
Vicio  datyraniajnfame^^  urgente: 
''For  que  e/las  horas  vanSjCjfe  ouro  puro, 
Verdadeyro  valor  não  dão  agente. 
Melhor  he  merece  lios  fem  os  ter, 
^epoJUuillos/em  os  merecer. 


qucrerem,o  que  fuccede  também  nas  mais  coulas, 
queapontey. 

E  nefia  Ilha  de  Vénus  recebidot.Eíío.  Ilha  entéde  aqui 
o  Poeta  allcgoricaméte,pela  remuneraçáo,6c  gnlar- 
dáo,q  não  falta  aos  q  nefta  vida  obráo  virtudes  cf- 
clarecidas.Para  os  quaes  Deos  neíle  mundo,ou  no 
outro  tem  guardados  os  bens,6c  honras, q  pelas  re- 
creações delta  liha  o  Poeta  quizfignificar.De  que 
fez  merecedores,  &  polluhi dores  aquclles  Portu- 
guezes,q  por  meyo  de  tantos  trabalhos  procurarão 
dar  principio  a  ampliHcaçáo  àa  nolla  Santa  Fé,na- 
quellas  remotidimas  Regióes.Qucrendo  com  efta 


Melhor  be  merectllos  fem  os  ter,  Vay  poreftas  oy-     conclulaó  moftrarnos.q  asrccreaçóes,que  em  ef 


tavas  o  Poeta  aconfelhando  aos ,  que  govcrnáo  as 
republicas ,  não  íejaó  ambiciolos  nem  tyrannos, 
porque deftas  coufas  não  le  alcãça  fe  náo  infâmia, 
&  deshonra,6{;  que  naô  le  Hera  de  honra$,ofticio?, 
&  dinheyro,porque  cftas  coufas  não  daó  valor,  ííC 


feyco  os  Portuguczes  receberão  nefta  Ilha,  q  elle 
pinta  com  ficções  Poéticas, laó  os  bes  temporaes,q 
nefta  vida  não  faltão  a  quem  em  obras  virtuofas,5c 
grandes  le  avcntaja  dos  outros ,  6ccom  os  q  agora 
conciuy c  efte  canco  ,  entende  os  bens  efpintuass. 

U  OS 


2i5V 


-  "^««»  «^ê»» :  «o^èe» -eiSí»» -oç-s»»  ^,i;«»  «o§ê«»»  ^Hâ<> -«^  è«^ -«^S*»^!*»^^ 

^^•Oiêi^  ^^ :  «««1*5* -Oí^^  ^S«» -^lí»  «««S*»  ««ifO»  *t'^à«»,^â«>  ^ê^ 


OS  lusíadas 

DO  GRANDE 

luís  de  CAMÕES. 

Commentados  pelo  Licenciado  Manoel  Corrêa. 
A  R  G  V  ME   NT   O. 

\         r  » 

t. 

.'  As  mefas  de  vivificos  manjares 

Com  as  Ninfas  os  Lufos  valerofps. 
Ouvem  de  feus  vindouros  íingiilaresj 
Façanhas,em  acentos  numeroíos: 
Moftralhe  Thetis  tudo  quanto  os  mares, 
E  quanto  os  Ceos  rodeam  luminofos, 
A  pequeno  volume  reduzido, 
E  torna  a  frota  no  tejo  tam  querido. 

CANTO  DECIMO. 

Nefte  Canto  ultimo  defcrcve  o  Poeta  huma  Ilha  muy  to  freíca,à  qual  levou  Vénus 

os  Portuguefes.  Tratta  dos  Viforeys,  Governadores,  Capitaens,  que  na  índia 

(Cujas  partes  também  dcícrcve )  íè  ouvcrao  valerofamcnte. 


M\^sjà  o  claro  amador  da  Larlífeà 
Adultera  jincímava  osanimaes 
LàpaYã  o  grande  Lago  ^que  rode  a 
Temitijiãoynosfins  Occidentais, 
O  grande  ardor  do  Sol  Favonio  enfrea^ 
C^çfipro^  que  nos  tanques  naturais 
Encrefpa  a  agua  ferena^lê  defpertava 
Os  lirm^&jafmins^qtte  acalma  agrava^ 

Mas  jd  9  çfaro  amador  da  Larijfea*  Dclcrevc  o 


Posta  o  tempo  da  tarde  por  hum  modo  poetíco,6c 
elegante,de  que  os  Poetas  uíaõ,attribuindo  ao  Sol 
carro  com  caval)os,no  qual  dá  luza  terras. 

Jlmador  dá  Larijfea  adultera.  Apollo,  o  qual  no- 
me os  antigos  entre  outros  daváo  ao  Sol  Lariffeg 
adulura,  Coronis,  a  qual  por  lhe  commetter  adul- 
tério, matou  Apollo,  commo  conta  Ovídio  nas 
Metamorphofcs  liv.2.  Chamoufe  Lariflea,  por  ler 
natural  de  Larifla,  Cidade  de  Thcflalia.  Animaeu 
Saó  os  cavallos  do  carro  do  Sol  :  os  quaes  diz  que 
guiava  para  o  Occidente  :  &  dilo  por  eftas  pala- 
vras :  Inclinava  os  animaes  là  para  o  grande  lago, 
que  rodea. 


i 


Lujiadas de  Luis  de  Camões  Commentados,  iGj 

Temiú(lão  nos  fns  oceiàntats,  Temitiíláo  he  no- 
me da  Cidade  de  Mexio  na  nova  Helpanha:&  del- 
ia fe  intitula  a  Província  toda  do  inelhio  nome.  5 
Teve  anciguamentc  elle  nome  ,  hoje  fe  chama        A    Liy  em  cadeyras  ricas jchryflalyfms^ 
Mcxico,que  quer  dizer  manadeyro.por  ter  ao  re-     j\  Sea(fentão  dous,&dous,amãte\&  damA 
dor  mnytos  olhos  de  agua.  6c  tentes  manantiais.     Routraià  cabeceia  d\ur  o  finas, 
<)ue  fazem  hum  lago  de  mais  de  tnncalcgoas.que      _.^  ^            t   n  ít\     i   ^    i       r^  ^ 
^cerca.Todos  os  Geographos  lhe chamâo  Temi-    ^^ ''"^ "".^'i^  T>eolaodaro Gama, 
tiltáo :  mas  a  verdadeyra  origem  defta  palavra  ti-    ^^  tguands/uaves,^  dtvmaSj 
udi  dos  Annacs  dos  Mexicanos,he  chamaríe  Te-    ^quem  não  chega  a  Egypcia  antigmfama% 
noílilan.  E,  procedco  daqui,  que  alguns  daqucJlcs    ^e  accumulão  os  pratos  de  fulvo  ouro^ 
Índios  Occidencacs  coniultarâo  hú  ídolo  íeu ,  on-    Trazidos  là  do  Atlântico  thefouro. 
de  queria  lhe  fizerVem  hum  Templo  ,  o  qualrcí- 
pondeo,  que  em  hum,a  lagoa,  aonde  eftiveíTe  hum 
tunal,  que  he  íigura  em  huma  pedra,6c  húa  Aguea 
era  cima.  Acharão  eílesfinaes  neíte  lago  aonde 
hoje  he  o  MexicOjÔC  edificarão  alli,ôc  chamarão  ao 


A  ejue  não  chega  d  Egypcia  fama.Vç\os  grandes, 5c 
cuftoíos  banquetes  ,  que  Cleópatra  Raynha  do 
Egyptodeu  a  Marco  António. 
,    -  ,  j-         r  7raz,i(ioi  14 do  Atlântico  tbefvuro.Do  moniQ  AtU% 

.  lugar  Teiioílitan  ,  que  quer  dizer ,  figura  em  pc-    ^^  africa  trattey  no  canto  fexto.  E  porque  em 
dra,  comodizjoleph  daCofta  nahiíloria  dasln-    Africahá  muyto  ouro, como  henotorio,ôc  Atlas,' 


dias,  dirigida  â  Infanta  Clara  Eugenia.  Eíle  he  o 
lago  dc^que  o  Poeta  aquifalla,o  qual  como  a  ref- 
pey  to  noflb  he  no  Occidcnte,ôc  os  Poetas  fingem, 
que  o  Sol  ie  recolhe  neftas  partes  a  defcançar  do 
trabalho  do  dia,  uía  deíle  termo  de  fallar,  que  o 
Sol  fc  recolhia  no  México  ,  por  íerem  do  Ócci- 
dentc. 

O  granit  ardor  do  Sol  Favonio  enfrea.  He  Favo- 
nio  vento  Occidental,  brando,  &  amigo  da  natu- 
reza, pelo  que  os  Latinos  lhe  dão  efte  nome ,  que 
quer  dizer  favorecedor,peloseííeytos,que  na  ter- 
ra faz.  Os  Gregos  lhe  chamâo  Zephiro,  que  quer 
dizer ,  dador  de  vida.  Efta  he  a  rezão  ,5porque  os 
Poetas  o  tazem  calado  cora  Flora  Deoía  das  flo- 
res, porque  as  defende,  Sc  defagrava  das  forças  da 
calma,como  o  P  oeta  aqui  diz. 

Tancjuci  naturaes.  São  rios,  &  mares,  porque  as 
agoas,quetem,naõ  faó  empreitadas, mas  próprias, 
ficnaturaes,  diíFercntes  dos  tanques  fcytos  por  ar- 
te, que  as  agoas,  que  tem  não  faó  fuás.  AíTim  cha*- 
mou  os  mares  Virgílio  :  ^tagna  imrmnfat  lacufque. 
Tanques  grandes,ôc  lagos. 

Enerefpa  a  <ig«a /(rrío<a.Porquc citando  quieto,&: 
fcrcno  o  mar  no  tempo  do  Eltio,&  horas  da  tarde, 
o  Favonio  encrelpa  as  agoas ,  &  parece,  que  as  re- 
crea,gc  deiencalma  com  fua  viração. 


he  cm  Africa.daqui  diz,  que  os  pratoi  eráo  de  ou-[ 
ro,  trazido  das  minas  de  Africa,  que  por  iheíauro 
Athlantico  entende.  E  aííim  íe  ha  de  entender  eíte 
lugar  geralmente  ,  &',não  do  ouro  achado  nos 
montes  Claros  de  Africa  ,  que  he  o  Atlas,  ^inda 
qur  Diogo  de  Torres  na  fua  hiíloria  dos  Xarifes 
diga,que  neíles  montes  há  minas  de  ouro,mas  que 
osReys  de  Africa  não  querem,que  febula  ncllas, 
por  nãofcríua  terra  por  efterelpeytomolellada, 
&  defejada  de  ieus  inimigos. 

Ouro  fulvo.  Cor  fulva ,  he  cor  de  ouro ,  &  por 
iílo  fe  chama  elle  fulvo. 


OS  vinhos  doriferosyque  acima' 
EJião  naÕfò  do  Itálico  falerno^ 
Mas  da  Ambro/ia,  que  love  tanto  eflima^ 
Com\todo  o  ajuntameniofempiterno. 
Nos  vafos^onde  em  vão  trabalha  a  lima 
Cre/pas  e/cumas  erguem^que  no  interno 
Coração  movem  fubita  alegria^ 
Saltando  co  a  miftUra  da  agua  fria, 

Ot  vinhos  *</íri/cr*i.Tratta  neíla  oy  tava  cIo$  vi- 
nhos que  os  Portuguezes  beberão  neíte  banquete 
que  Tethys  lhe  deu,  os  quacs  diz,  que  faziaó  vcn- 
tagcm,  naó  lómentc  aos  do  monte  Falerno,  masá 
Ambrofia  de  Júpiter.  E  iílo  quer  dizer :  ejlaoem 
iimatfAÒ  muyto  melhores. Vinhos  odoriferos,quei? 
dizer  vinhos  de  cheyro.Falerno  he  huma  parte  em 
Campania,  cora  hum  monte  do  mcfmo nome,  a 
qual  fe  chamou  antiguamente  Minia  ,  como  diz 
Macrobio  nos  Saturnacsliv.  14.  cap.  i6.  aonde  há 
muytas  vinhas, que  daó  vinhos  excellentes,  6c  ce- 
lebrados pelos  Poetas  ,  como  aquifazo  noíTo.  E 
Plinio  na  hiíloria  natural.  Ambrofia,  como  fica 
notado  no  primeyro  canto,  diziaó  os  antigos,  que 
Mandados  da  Raynha,  Eíla  Raynha  Tbetis  fe-     era  o  comer  dos  Deofes  ,  &  Ncclar  o  beber.  O 
Tihora  do  mar,  a  qualfazia  cita  fcfta ,  £c  gazalhado     Poeta  aqui  ufou  de  Ambrofia,  pelo  beber,  como 
aos  Portuguezes.^  LI  a  âzerav 


QVãdoasfermofas  Nymphas  cosamãtes 
Tela  màojà  conformes  J£  contentes^ 
Subtãa  para  os  paços  radiantes  ^ 
Edcmetais  ornados  reluzentes: 
Mandados  da  Rainha^que  abundantes 
Mefks  de  altos  manjares^excellentes^ 
Lhes  tinha  aparelhadas  que  a  fraqueza 
Reflaurem  da  canjada  natureza. 


Ú:'lÚ: 


268  Canto  "Decimo, 

fizerão  outros  Poetas ,  ufando  deftes  vocábulos  a  x%\  i^n  , 

feu  gollo, tomando  hum  por  outro,  bl  não  lócnen-  -j  ' 

te  nelU  íignihcaçáo  de  comer, ÔC  beber, n:ias  tam- 
bém por  aguai  de  cheyro,6c  burritos.  Vejale  a  nol-     f^  ^^^^  ^^^^  "^^-^  ^^^  fubindõ  ao  CeO 
íiiannotaçâonolu-garallegadQ.  \^^  y^ltQSVardeSiq ejiaõforvtraomimdõ^ 

%ut  tove  í<jw/e>c/j?/w«.Jovehe  Jupir,er,dizqueef-     Cujas  claras  Ideas  vtoprotheo, 
timamuyto  a^AíDbrofía.por  ler  manjar  \^u.  ^afos    Num  Mo  vaÕ,T>iaphano,m  rotundo: 
tnde  em  'Vão  trabalha  a  itma.linienaei  valos  ac  VI-     /!>,_  r?  ^•.  j'/l  ^^   ^   j 

j  j       a  1  f  c        n.      •  j  j      ^ueluptterem  domlhoconcedeo^ 

dro,  ou  de  cnítal,  os  quaes  le  fazem  íem  ajuda  de     yf    ,    %       ,  n         i 

Jjma.  E  aíTim  le  deve  declarar  eíte  lugar,  porque    I^^n/onhoSy&àespots  ros  Reym fundo 
o  criftal  he  matéria  conveniente  ao  lugar  ,  aonde    Vaticinando  o  dt£e,&  namtMOria 
fe  efte  banquete  dava ,  ^  a  quem  o  dava ,  que  era     Récolheo  Logo  a  N^mpha  a  clara  hijloria. 
Tethys  Deolado  mar.    Crejpai  efcamai  erguem.  O 
noíloPoeia  como  entendido  em  todas  as  meterias, 
tambemnefta  falia  apropoíito.  Porque  os  vinhos 
bons  quando  lhe  meíturaó  agua,  parece*,  que  íe 
cncrcipaõ,2c  ícrvem. 


M 


5 
11  praticas  alegres  fi  tocavao^ 


Cem  âoct  voz,  e/iafuhíndâ  ao  Ceo.K cconta  o  Poeta 
ascouías,  que  Tcihys  cantava  cm  favor  dos  Por- 
rue,uezes ,  ouvidas  de  Proiheo ,  ao  qual  Júpiter  as 
tinha  dito  antes ,  &  molhado  os  retrattos  daquel- 
ks  Po)  tuguezes,que  nas  partes  da  Índia  haviaó  de 
fazer  couias  dignas  de  memoria,  em  huma  cíphera 
a  modo  de  huma  redoma  tranfparente  ,   aonde 


Rí/os  doces  fut is ió"  argutos  dittos^       Júpiter  lhos  moílrava.Idéa  he  palavra  Grega,qucft 
èlue  entre  hum^&  outro  manjar  fe  hvãtavão    dizer  reiratto.  De  Proiheo  le  veja  a  noíla  annota- 


*íDefpertando  os  alegres  appetitos. 
Mtificos  injirumentos  nãofaltavaõ^ 
^taes  no  profundo  Rtyno^os  nm  ejfpritos 
Fizer aÕ  dejcançar  da  eterna  pena 
Coma  voz  dj  huma  angélica  Syrena, 


çaõ  no  canto  primtyro  ,  oyiava  19.  Globo  hc  ef- 
phcra.  Chamalhe  vaó  ,  porque  naó  tinha  outra 
CQofa  le  naó  aquelles  Cavallcyros.  Diaph  mo  por. 
ler  tranfparente  ,  &  rotundo  por  ler  redondo.) 
Nympha,he  Tethy£,a  qual  diz  o  Poeta,que  canta- 
va Hiante  dos  Portuguezes  as  couias  que  Protheo 
delles  lhe  havia  dito.  Do  qual  fingimento  toma  oc- 
'    ^<í«  no  profundo  Reynooi  niisefpritoi.  Fizer  ao  de f-     cafiaó  para  traitar  dascoufasjque  na  índia  fizeraô. 
fcançar  da  eterna  pena.  Para  encarecimento  da  me-     Reyno  fundo  ,  he  o  mar,aonde  Protheo  habitava. 
Jodia,&  inílrumentos  de  muíica,que  as  Nymphas 
tinhaó  para  feílejar  os  Portuguezes  diz,  que  ate  os 
danados  do  inferno  pudérão  ter  alivio  da  pena 
eterna  ,  em  que  eftaváo,  ouvindo  efta  mufíca,  tal 
era  a  confonancia  dos  inltrumentos ,  &  voz  de  hu-  _ 

ma  das  Nymphas,  que  cantava,  à  qual  pela  cxceU     '§hial  Topamãojmbe.ou  'Dcmodico 
lencia  da  voz  chama  Serea.  Efta  era  Tethys  ,  &    i^^^re  os  Theaces  hum,ou:ro  em  Caríhago. 
cantava  o  que  Protheo  lhe  tinha  dito  íobrea  via-       >»  •   /    >o  /,    ^   ^    •       ^ 

gem ,  &  eí?ada  dos  Portuguezes  nas  partes  da  In-    ^^^  '^'"^^  9''^^''^'  ^'  '"^        ' 
dia  ,  o  que  tudo  o  Poeta  aqui  vay  relatando.  Das    -^^/^  trabalho  extremo, porque  empago 
Sereas  le  veja  a  noíTa  annotaçaó  no  canto  5.  oyca-    ^^  tornes, do  que  efcrevo,^  emvãopertende 
va88.  O  gofto  de  e/crever^que  vou  perdendo. 


M 


8 

ateria  he  de  Cothurno,é'  não  de  Saco 
A  que  a  Nympha  aprendeu  noimméfo 


CAntava  a  hella  Mufa^  SJ  c^o  os  acentos 
^e  pelos  altos  paços  vao  foando^ 
Em  confonancia  ygual.os  inftrumentos 
Suaves  vam  a  hum  ttmpo  conformando, 
Humfubitojilencio  enfrea  os  ventos^ 
Efaz  ir  docemente  murmurando^ 
^s  aguasse-  nas  cafas  naturaes 
Jídormecer  os  brutos  animaes, 

Adormecera  brutos  aniwaei.  Era  tanta  f»  doçura 
da  mufica  de  Tethys,  que  fazia  acalmar  os  ventos, 
deter  as  aguas  ,  &  adormecer  os  animacs  em  fuás 

covas,  &  lApas,que  laóas  caías.quea  natureza  lhe    grande  mufíco  cm  Africa,  &  tangedorexcellénre. 
iáeu.  !(  .  .i    ■  £)cmodojCo  outro,  da  libados  Pheaces,  que  he  » 

quSI 


Mattria  he  de  C6thurmy&  não  de  Soco.  Coihurno 
hc  calçado  de  homem,  comoonoílb  borzcguim, 
trnjo  que ufavaô os  íenhores antigamente  ,  Sede 
que  à  fua  in)itaçaó  íecalçavaõosque  reprelenta- 
vaó  as  tragedias,  nas  quaes  propriamente  le  trat- 
taô  couias  de  importância,  &  tocantes  a  Principcs, 
&  Senhores  grandcs,daqui  Cothurnofe  toma  por 
eílilloalto,  éclubido.  Soco  he  propriamente  cha- 
pim ,.  calçado  de  molhf  res ,  &  porque  nas  Come- 
dias le  tratta  de  brigas,  arroydos,  &  embrulhadas, 
de  molheres ,  &  de  luas  gritaSj  daqui  fe  toma  foco 
pela  Comedia,  &  peloeftilo  biiyxo,  qual  hc  o  que 
nas  Comedias  fe  ti;aita,conio  o  toma  aqui  o  Pc>cca. 

^ual  Topai  nãofoube^ou  Demodoco.Yopàs  foy  husn 


Lu/tadas  de  Luís  de  Cafnões  Commentados,  260 

que  hoje  chamamos  Cortu  ,  ôc  outros  Coreyra.  Também  Liiis  dcCtmóesadivideemquitropar- 

DeílallhâfoyReyAlcinoojO  qual  como  diz  Ho-  tes  neíle  lugar  ,  conforme  aos  quatro  tempos  do 

mero  na  Odillea,que  por  ordem  dos  Latinos  he  o  anno  ,  primcyra  idade  do  verão  he  até  os  vinte  cC 

Jivrooytavo,  apoi-taii.doUiyíles  a  íuallhadepoií>  cinco  ,  a  legunda  ,  que  fé  compara  ao  cftio  até  os 

deter  paliados  grandes  trabalhos o.agaza]hou,&  cmcoenta  ,  à  qualchamão  conliílencia,  porque 

cm  hum  Danqucte,quc  lhe  deu  cantou  Demodo-  nellaeítá  hum  homem  em  fuás  forçasVa  do  outo- 

co  ,  como  no  que  Elila  Dido  deu  a  Eneas  cantou  no,que  heaíc  osíctenta,  na  qual  idade  le  colhe  ià 

Yopas.  Airimqaehum  mufico  deftes  foy  muyto  oíruyto  da  vida  ,  6c  a  do  inverno  ,  que  he  a  que 

aUmado  entre  os  Pheaces,  Sc  outro  em  Carthago,  chamamos  decrépita,  O  Poeta  viafe  em  idade  de 

&  duaqui  o  Po;;tapara  encarecimento  da  muíi-  quarenta annos,  &  mais ,  Senão  muy to  fiworeci- 

<jjí,  Sceílancias,  que Tethys cantava,  qus  nunca  do  dos  Principes,  mereccndoo  el!e tanto,  caníado 

Demodoco,  nem  Yopas  virão  íemclhante  letra.  das  armas ,  ôc  enfadado  com  as  letras ,  pelo  queti-' 

Af]u%  minha  Calltope,  te  invoco.  Torna  a  invocar  nha  necelfidade  de  favor  ,  para  conleguir  fua  em- 

a  Mula  Calliope  ,  como  coítunião  os  Poetas  hc-  preía,5c  por  iílb  invoca  a  Mufa  Calliope,  que  lha 

ipicos  fazer  pelo'mcyo  de  fuás  obras ,  todas  as  vc»  dè  novas  forças, 8c  ajuda.  Rio  do  erqueci.-ncnto  he 

aes  ,queentráocm  nova  matéria,  Scdiííicultola.  o  Letheo,  como  fica  dito  no  canto  primcyro,  oy- 

Trabalho  extremo  chama  o  Poeta  a  efte  ultimo  tavaja.Os  dcfgoftos,  Ôc  pouco  favor  orebotwão, 

canto  ,  ao  qual  da  cite  nome  por  razão  da  mate-  ôcfaziãoeíquecer  do  que  havia  de  dizer,  co-no  fs 

Tia,  que  nellc  ha  de  trart^ir.  fora  morto.  Raynha  das  Mufashc  Calliope,  6c  co- 
mo a  tal  invocão  lempre  os  Poetas  heróicos.  Das 

^  Mufasle  veja  a  noílaannoração  no  primcyro  can* 

to,oytava  4. 

Vy^õos  annos  decendoy&jâ  do  ejii9 

Hàpoucoquepa[far  atéoõUtO)io:  ^ 

Afortuna  me  faz,  o  engenho  frio  j  /^  An  fava  a  hella  l^eofa^  que  vlriao 

|2)í>  qualjâ  não  mejatto^nem  me  abono:  V_^  ©<?  tejo.peío  mar  que  o  Gama  abrira^ 

xWs  defgofios  me  vào  leiando  ao  rio  Armadas^que  as  ribeyras  venceriao, 

*  toí?  negro  eJquecimento^&  eterno  fino :  ^or  donde  o  Oceano  Indico  fuf pira: 

}Mas  tu  me  d  a  que  cumpra^ôgrào  Rainha  E  que  os  Gentios  Reys  ^que  não  dar  tão 

ijDas  MufaSiC'0  o  que  qutioanaçaó  mtnha,  A  cerviz  fua  aojugo,oferro,&  ira 

Yrovarião  do  braço  àuro/$  forte ^ 
Vão  otannot  ãutnào.  Entre  os  Varões  doutos  Atèyenâtrfe  aelíeiOU  logo  fíjnçTfe^^ 
}  louvc  varias  diviíóes  das  idades.Os  Médicos  as  di- 
vidirão em  quatro  partes  ,  conforme  aos  quatro  Cantava  a  htlla  Deofa.  O  que  Tethys  cantava 
l];empos  do  anno, tendo  também  refpeyto  aos  qua«  he,  que  iriâo  do  Tejo  ,  que  faó  as  partes  do  Occi- 
ijro  intemperamentos  do  corpo  humano.  Hippo-  dente,  por  onde  o  Tejo  corre ,  pel  o  mar  por  onde 
i^ bates  nos  aphorihnos  em  puerícia  ,  adolclcencia,  o  Gama  fizera  a  primeyra  viagem  para  as  partes; 
i.^  velhice.  Aonde  Galleno  leu  commentador,  6c  da  índia, armadas,  qucaconquiílariâo,  o  que  cn- 
^j>utros  lhe  acreccntão  mais  duas  idades ,  ajuven-  tende  por  aqucllas  palavras.  Por  onde  o  Oceana 
I.  tus  ,&  adecrepita:  pelas  quaes  dizem,  que  paflbu  Indico  fuípira  ,  por  onde  o  mar  da  índia  pafla,  E 
IjHippocratescomocoufaíabida.  A  puericia  heatè  diz  íuípira  pelo  fom  ,  que  as  aguas  fazem.   Effca  ida 
• ».  |»b  quatorze  ,  dos  quatorze  até  os  vinte  ÔC  cinco  a  dos  Portuguezes  á  índia  ,  muyto  tempo  antes  ef- 
V  idolefccncia,  de  vinte  Sc  cinco  atè  trinta  6c  cinco  tava  denunciada  pela  Sibylla  ,  fegundo  a  opinião 
í  i  juventus ,  de  trinta  8c  cinco  ate  os  quarenta  Sc  de  alguns.  E  aíTim  no  anno  de  mil,  quinhentos  8c 
<  )yto,  cmcoenta  a  conííítencia,  dos  cincocnta  até  cinco ,  leis  annos  depois  do  defcobriment  o  da  In- 
tísfcfienta  a  prima  fcncélus,  do  feílenta  por  diante  dia, havendo  treze,que  reynava  o  feliciíTimo  Rey 
1  ae a  decrépita.  Outros  (  que  he  a  conta  que  hoje  Dom  Manoel ,  aos  nove  dias  do  mez  de  Agofto  na 
V|aíamos  (a  dividem  em  fetc  partes  infância  atè  os  ferra  de  Cintra  ao  longo  do  mar  forão  achadas  trcs 
Icte  annos,  puericia  até  os  quatoizc,  adolefcencia  columnas  de  pedra  quadradas.com  Ictreyros  Ro- 
atc  vinceSccincojjuventus  atèos  quarenta,con(il-  manos,  ainda  que  duas  le  não  poderão  ler,  por  el- 
tcnciaatéoscincoenra  ,  prima  fenectus  até  os  fef-  tar  a  letKtgaílada  do  tempo  ,  8c  huma  tinha  huns 
fcnta  ,  8c  dahi  por  diante  a  decrépita  ate  o  fim  da  verlos  E^tinos  ,   os  quaes  fe  lerão  com  trabalho, 
vida.  Efta  idade  he  conforme  aos  Aíl:ronomos,os  com  hum  titulo,que  dizia: 
^uacs  a  dividirão  em  feteparte8,conforme  aosfcte 

Planetas  do  Ceo,  aos  quaes  dizem  «ftar  fogevtas  as  S<M.  vaúcmum  occiJiji  dccretum, 
iuadcs,como  a  infância  â  Lua.puericia  a  Mercúrio 

ídolelcenciaa  Venus,aiuventudao5ol,  conílan-  Prophecia  deSibilIa,  fey ta  para  os  moradores  d» 

<^ia  a  Marte,a  prima  íenectus  a  Júpiter,  a  decrépita  Occidentceraò  os  feguintes: 

a  Saturno,  Outros  a  dividem  de  outra  xTjaneyra. 

Vtlvtutuf 


270 

Volvem ur  faxa,  ItHrisy  &  ordine  reBis 
Cum  vide*s  Otiens  Qccidentíi opes: 
Gange$ylndíit^Tagus  {ent  ntirabiU  vifa) 
Mtrciscúmmutãífii  fttas  uterque  fibi.^ 

Os  verfos  não  eíláo  muyto  certos ,  6c  a  cauía  he, 
porque  le  náo  poderão  ler  melhor,6c  alguns  fica- 
rão poreícrever,  por  fe  náo  poder  ler  a  letra.  A 
declaração  hc:  Revolvcrleaó  as  pedras  com  as  le- 
IMs  direytasj&c  em  ordem,quando  tu  Oriente  vi- 
res as  riquezas  do  Occidente:orio  Ganges,  Indo, 
ScTejo  (íerácoufa  maravilhoía)trocarão  entre íi 
fuás  mercadorias.  Querem  alguns,  que  ellcs  ver- 
fos forâo  achados  poucos  dias  antes  ,  que  Paulo 
Coelho  chegafle  a  Cintra,  como  diz  Caílanhcda: 
faó  muyto  celebrados  em  Itália,  5c  outras  partes, 
aonde  há  gente,  que  fc  preza  de  faber:  Sc  cm  Por- 
tugal,a  quem  toca  a  honra  delta  antiguidade,pou- 
cos  há  que  tenhão  noticia  delia.  Affírmando  Pe- 
tro  AppianoMathematico,no  leu  lívro,aõde  trat- 
ta  dos  letreyros  antigos  da  Europa,  logo  no  prin- 
cipio ,  queellc  vio  as  columnas  com  feus  olhos  ,8c 
leo  os  verfos,de  que  fazemos  menção,  cfcritos  em 
caraéteres  Romanos.  E  com  tudo  iftoháPortu- 
guezes  ,  que  movidos  pelo  ditto  ,  não  Icy  de  que 
Italiano,  fazem  pouco  cafo  defta  antigualha,  &  a 
tem  por  mentira ;  dizendo  ,  que  foy  invenção  do 
Senhor  daquella  terra,aondc  lé  as  columnas  acha- 
rão. Dito  ,  quanto  a  mim  ,  que  íe  poderá  elcuíar. 
Nem  há  homem  tão  ociolo  ,  nem  os  moradores 
da  ferra  de  Cintra  faõ  cam  eftudiofos  ,  que  po- 
de Hem  fâzer  coufa  fcmelhante. 


1 1 

CAntava  de  hum,  que  te  nos  Malabares 
^ofummo  Sacerdócio  a  dignidade j 
^e  (opor  não  quebrar  c^osfigulares 
Barões^  os  nós  que  dera  de  amizade: 
Sofrera  fuás  cidades/j'  lugares  j 
Com  ferro  jincendios  , ira  j&  crueldade 
Ver  dejlruyr  do  Samorimf  utente; 
^e  taes  ódios  terdcOj  a  nova  gente: 

Cantava  (k  hum»  Os  Reys  de  Cochim  ,  que  he 
dezanove  legoas  de  Calecut  forão  muyto'amigos 
dos  Portuguezes :  o  que  foy  caufa  de  o  Samorim 
Rey  de  Calecut  ajuntar  grande  exercito  ,  &  en- 
trar em  Cochim,  &  deílruhilo.  Efte  Rey  de  Co- 
chim de  que  o  Poeta  aqui  talla  ,  chamavafe  Tri- 
umpara.  Diz ,  que  tinha  do  fummo  Sacerdócio  a 
dignidade ,  pelo  coftume  daquella  terra  ,  que  ne- 
nhum Rey  pode  fubir  a  dignidade  real  rem"pri- 
meyroíer  Bramene,  que  heo  nome  dos  Sacerdo- 
tes entre ellesj  &  fcyto  Rey,  fica  lumo  Sacerdote, 
coroo  dizjoaó  de  Barros  liv.jíji.Decad.c.j. 


Canto  Decimo. 


XI 


E  Canta  como  làfe  embarcaria 
Em  Belém  o  remédio  dejie  dano. 
Sem  faber  o  que  em  fy  ao  mar  traria^ 
O  gr  ãoT  acbecj)  ^Açhilles  Lufitanoi 
O pefo  fentirào ^quando  entraria 
O  curvo  lenho ^em  o  fervido  Oceano^ 
aluando  mais  na  agua  os  troncos ^que  gemerem^ 
Contrafua  na  turezafe  meterem» 

E  canta  c»mo  Vã  fe  tmbarearta  i  em  Belém  ,  (^e. 

A  caía  de  Nofla  Senhora  de  Belém  ,  que  hoje  co- 
nhecemos por  hum  dos  íumptuoíos  Templos ,  Sc 
excellentes  Edifícios  do  mundo.foyprimeyro  hu- 
ma  pobre  Hermida  ,  qjue  o  Infante  Dom  Henri* 
que  mandou  fazer  no  principio  deites  defcobri- 
menros,  para  os  que  houvcflem  de  navegar,  &  to- 
mando^a  Virgem  NolVa  Senhora  por  íua  ajuda- 
dora,8c  dcfenlora,inritulou  cila  cala  de  feu  nome: 
na  qual  eílavão  lórrente  quatro  ,  ou  cinco  Reli* 
giolos  da  Ordem  de  Chrifto,de  que  clle  era  admi* 
niíljador,  para  facramentar  aos  navegantes,  fie  lho 
dizer  Miflajíeporcaufa  do  tempo  fe  detivefiem  al-^ 
li  alguns  dias.  El-Rcy  Dom  Manoel  a  ennobre- 
ceo  depois ,  &  a  poz  no  citado,  em  que  agora  eítâ ,' 
depois  que  vio  Vafco  da  Gama  cm  Portugal  com 
boas  novas  do  intento  ,  que  pretendia,  que  era  «> 
delcobrlmento  da  India.E  porque  o  Infante  Dom 
Henrique  tinha  dado  cila  Hermida  aos  Religioi- 
fos  de  Chriílo  com  as  terras ,  &  propriedades  adja- 
centes jdotadas  ao  Convento  de  Tomar,cabeça  d  a 
dita  Ordem.  El-Rey  Dom  Manoel  deu  por  auto- 
ridade Apoítolica  ao  dito  Convento  á  Conceyçâo 
de  Lisboa,  que  havia  tomado  aos  Judeos, que  fora 
caía  de  fua  Synagoga.  E  c«mo  efta  cafa  de  NofifaHl 
Senhora  de  Belcm  eítá  fita  no  lugar  chamado  ant  i-' 
gamenté  Reítello, donde  partem  todas  as  armad;is^ 
para  fora.  Diz  aqui  o  Poeta,  que  em  Belém  fe  apa- 
relhava o  remédio  contra  o  dano,  que  o  Samorim 
haviafeytoa  El-Rey  de  Cochim, queymandolhic 
a  terra ,  &  lançandoo  fora  delia.  O  remédio  foy  o 
grande  Duarte  Pacheco  Pcreyra  ,  o  qual  foy  p(  )r 
Capitão  de  huma  nao  da  confcrva  de  três  ,  que  [o 
grande  Affonço  de  Albuquerque  levava,ôc  de  que 
hia  por  Capitão  mór. 

Vachec»  AehilUi  Lufitano.Foy  Achillcs  humCri- 
valleyroGrcgo  muyto  celebrado  ,  emcujolou!- 
vor  fez  Homero  a  lua  lliada,  aílim  como  Virgili  9 
a  Eneida  em  louvor  de  Eneas.  E  porque  Duart  e 
Pacheco  foy  muyto  esforçado  Cavalleyro  ,  lhe 
chama  aqui  o  Poeta  Achillcs  Lufitano. 

O pcfo  [entirioy  guando  entraria.  Heencarecimcn  . 
to  grande  do  valor  ,  6c  Cavallaria  de  Duarte  Pa  . 
chcco,6c  mais  PoftugMezes,cujas  torças,  fie  valen  - 
tia  fentirão  logo  os  Malabares  cm  fe  os  Portuguc  " 
zes  embarcando  ,  fií  o  mar  furiofo  lhe  conheccn 
fuperioridade ,  vendo  o  pçfo  delta  gentç  fazer  hi 

mi 


Lufíadas  de  Lnis  de  Camões  Commentadds. 


85  nãos  ao  fundo  ,  tanto  contra  vontade  das  agoas, 
Jc  QâLurcza  do  pao ,  que  he  citar  fora  da  agoa. 

M  As jà  chegado  aos  fins  Orientais 
E  deyxado  em  ajuda  do  Gentio 
Rey  de  CochiniiCom poucos  naturais^ 
Nos  irraços  dojalgado^é'  iurvo  rio, 
desbaratará  os  Mayres  infernais 
Nopí.ffo  Cambalão  jtornando  frio 
ly^Jpanto  o  ardor  immenfo  do  Oriente ^ 
^e  verá  tanto  obrar  tamf  ouça  gente. 

Mas  jâ  chegaio.  Chegado  Duarte  Pacheco  na 
conlc-rvado  grande  Affonço  de  Albuquerque  a 
Cochim  ,  deconíclho  de  fcu  irmão  Francifco  de 
Albuquerque,que  hia  na  melma armada  por  Capi- 
tão de  outras  três  naos,ficou  cai  Cochim  com  hu- 
manao,  Scduas  caravelas,  com  noventa  homens, 
alguma  artclharia,  6c  munições,  para  defenlaó,  6c 
ajuda  d''El-Rey  de  Cochim,  contra  o  qual  era  cer- 
10  hir  o  Samorim  de  Calecut  cõ  grande  exercito. 
Com  eíla  pouca  gente  desbaratou  Duarte  Pache- 
co o  Samorim  com  muytos  Rcys,  que  o  acompa- 
nharão neíla  guerra,  fazendo  nel]es  grandc.cftra- 
go ,  como  le  poderá  ver  cm  João  de  Barros  na  pri- 
Jt^eyra  Década  liv.4.  do  c.%,  até  7.  aonde  fe  relatão 
todas  as  vitorias,que  Duarte  Pacheco  houve  con- 
tra El-Rey  de  Calecut.He  Cochim  huma  Cidade 
no  Malabar  dezanove  iegoas  de  Calecut  ,  para  a 
banda  do  Suhcftá  cm  nove  grãos  da  parte  do  Nor- 
te, fituada  ao  longo  de  hum  rio,  o  qual  íc  mete  no 


%ft 


'Diambas  as  íays  tmigas^fard  a  guerra  j 
Aíouros por  juarfitutios  feíla  terra, 

Vtrãõ  Reyi  de  Bípur,(j^  de  7í!«ír.Bipur,ScTanor  faô 
^ugarcs  na  coíia  do  Malavar. 

Dai  ferras  de  Narfinga.  E,i-Kcy  de  Narfínga  tem 
na  coita  do  Malabar  muytos  portos  :  conjo  Bati* 
cala,B>'acelor,Mangulor,5c  Bacanor.Vcijare  Caít*- 
nhcda  liv.i.  c.  i.  aonde  tratta  largamenie  de  Nar* 
íinga.  Vejafe  também  a  nolfaannotaçâo  nocantoí 
fetimoioytavaii.Tcm  Naríingaao  longo  do  mad 
muytas  povoações ,  6c  ao  longo  de  grandes  mon- 
tes,&  ferras, donde  acudio  muyia  gente  em  favor 
do  Samorim, como  de  Rcpehm,Curlor,Cotogamj 
&  outros  mu)  tos  lugares ,  que  nomeaCaíianhe- 
da. 

D*ambai  as  kys  imigai.  As  leys  duas  inimigas  da 
noíla,laô  a  dos  Gentios,  &  a  dos  Mouros,as  quaes 
nações  ambas  fe  ajuntarão  por  mar  ,  6c  terra  con- 
tra os  nolios,como  diz  aqui  o  Poeta. 

E  Todos  outra  vez  desbaratando, 
Tor  terrdyé-mar^ogrão  Tacheco  oufad^ 
j^  grande  multidão  que  hlra  matando^ 
Atodd  o  MaUbar  teràadmiraáoi 
Commeterà  outra  vez,  não  dilatando 
O  Gentio  os  combates  apreffado^ 
Injuriando  os  f eus  fazendo  votos 
Émvaoaos  T>eofes  vãõSyfurdoSj&  immotêsl 

E  todos  outra  vez,  desltaratanda.  Duarte  Pacheco 

mar.com  que  a  Cidade  fica  cm  Ilha,Ôc  muyto  for-  desbaratou  (ete  vezcs-ao  Samorim  no  paflb  Cam- 

tc,  que  fláo  fe  pódc  entrar  por  certos  paflbs;   tem  balão:  aprimeyrafoy  hum  Domingo  de  Ramosa 

bom  porto,  o  qual  fe  faz  na  foz  deite  rio  ,  ao  qual  dezoyto  de  Abril  de  mil  quinhentos  6c  quatro.  A. 

chama  aqui  o  Poeta  falgado, porque  entra  no  mar.  icgundalogo  à  feita  feyraíeguinte.  A  terceyradia 

Desbaratara  os  Narres  infernais.  Nayres  hc  gente  de  Pafchoa  de  Flores. A  quarta  terça  feyra  íeguin- 

nobre  de  Calecut ,  que  ícmpre  anda  com  o  Rey,  tc,que  foy  a  ícgunda  oytava,  as  demais  íucceíTiva- 

&olervéemtodasasgucrras,&ncceíndadcs.  Vc-  mente  por  aquclles  dias  fcguintes  ,  porque  o  não 

j^fca  noíTaannotÃção  nocanto  fetimo.  deyxavãodefcançar  ^  oqucerapeyorparaelles. 

No  fafjo  Cambalão.  He  Cambaio  huma  pequena  que  lhe  deflruhia  as  povoações.  Jnjnriando  os  feui 

Ilha  junto  a  Cochim  ,  na  qual  citava  hum  fenhor  lito  diz  ,  porque  o  Samorim  trattava  mal  de  pala- 
inim^;o  do  Key  de  Cochim,pela  qual  dava  entra- 
da ao  Samorim  contra  ellc  ,  mas  não  lhe  fucccdeo 
como  cuydàraô  ,  porque  foráo  desbaratados  trcs 
vezes,  por  Duarte  Pacheco  ,  lem  lhe  valer  infini- 
dade de  gente  por  mar,6c  terra. 


14 

C>  Hamara  o\Samorim  mais  gente  nova; 
j  Virão  Reys  de  Bipw\^  de  Tanor^ 
^as  [erras  de  Síarfinga^que  alta  prova 
Efl  (ir  ào  prometendo  a  f eu  fenhor  \ 
Fará  que  todo  o  Nayre  em  fimfe  mova^ 
fluetnire  Qalecútjaz^à'  Qananor^ 


▼ra  aos  léus ,  lançandolhes  em  roíto  o  esforço  doí 
Portuguezes,como  conta  Caítanheda. 

TA'  não  defendera  fomente  ospaffos. 
Mas  queymarlheha  h gares  ^templos  ^cafaf 
Acefo  de  ira  o  Cão^não  vendo  íajfos^ 
Aquelles^que  as  cidades  fazem  razas: 
Farã,que  os  feus  de  vidapouco  efcajfof 
Come  tão  o  Tacheco%que  tem  afasj 
*Pordous paíjos  num  tempo, mas  voando^ 
íDj  hum  noutro ^tudo  tra  desbaratando 

Mas  quejmarlke  bâ  lugares.  Não  fe  contentava 

Duarcd 


2  7»  Canto  decimo, 

Duarte  Pacheco  com  fe  defender  d^El-Rey  de    baralhe  abalroar  as car ave/as í 

Culccut,  mas  o  dia ,  que  entendia  náo  haver  com-     Que  atè  ly  vãolheforacometelas, 

bate  entrava  peia  terra  dos  inimigos  ,  6c  deítru- 

hiaihe  as  povoaçócí.  Vor  ^om  fajJo$.  Eíte  combate 

íoy  em  dia  de  Pafchoa ,  no  qual  cuydou  o  Samo- 

jim  prender  Duarte  Pacheco  ,  6c  ilto  mandando 

ietenta  Paraos  fobre  a  fua  nao,  para  que  occupado 

rifto  ,  U  indo  acudir  a  nao  le  dclcuydalie  do  palio. 

Eíks  Paraos  foráo  por  hum  efteyro  de  mar  íera 

ler  viltos  de  Duarte  Pacheco  ,  pelo  qual  eílcyro 


Mas  com  tudo  e^e  /o  0  fars  confufo.  Detodos  05 
combates ,  que  El-Rey  deCalccut  deu  aos  nofios 
nenhum  os  confundio  mais ,  que  eíle,a  que  o  nol» 
io  Poeta  chama  ofetimo,conioa  Tcthys  cantava. 
Fizerão  oyto  cajftellos  de  madeyra  muyto  altero- 
ros  lobre  Paraos,  &  com  muyta  gente,  &  artclha- 
ria,  que  foy  invenção  de  hum  Mouro  pratico ,   gc 


poderá  o  Samormí  entrar  com  menos  rcíiítencia,     engenhoro,que  le  havia  achado  em  muy  tas  partes. 


mas  náo  o  fazia,  porque  haviáo  por  injuria  entrar 
poroutropaflò  ,  lenáopelo  deCambalão  ,  que 
Duarte  Pacheco  lhe  defcndia.Mas  Duarte  Pache- 
codeu  tal  manha  ,  queacudio  a  huma,  &  outra 
parte  com  muyta  diligencia  ,  como  diz  aqui  o 
l^oetajôc  desbaratou  o  5«n  ormi. 


17 

Vlràallio  Samoryniiforque  emfejfoa 
Veja  a  bâtalba^e  os f eus  esforce ^e  anime 
Mas  hum  tiro^que  com  zonido  voa 
^e  faiigue^o  ttngirà  no  andor  fub lime, 
Jâ  não  verá  remedio-^ou  manha  boa. 
Nem  for  calque  o  Tacheco  muyto  eftime^ 
Inventará  trayçoesj^  vãos  venenos ^ 
Mas  femprCiO  Ce  o  quer  en  do  tf  ar  à  menos  ^ 


Vtrâo  Sãmmm.  Em  hum  dos  combates,  que  foy 


por  nome  Cogealé.  Eífa  invenção  foy  para  afer- 
rar as  nãos  caravelas ,  diante  dos  quaes  hião  gran- 
des bailas  de  fogo  ardendo  ao  pé  de  cento  i^  dez 
Paraos  cheyos  de  gente,  &  artelharia,  £c  muytos 
delles  encadeados.   E  detrás  defía  maquina  cem 
Cattures  pela  mefma  ordem  ,  &  oytenta  Tones  de 
coxia  larga,com  muyta  geme  de  peleja, &  tiros.  E 
por  guarda  dtfta  u^atinada  os  oyto  caílelios ,  tudo 
lílo  venceo,  &.dcftruhio  Duarte  Pacheco,  com  a 
ajuda  de  Deos ,  em  dia  da  Aícenção  de  Noílo  Sc-»i 
nhor  JeíuChrilto  dodiloanno.  Os  curiofosleaô. 
cilas  coufas  mais  largamente  em  João  de  Barros»; 
liv.7.cap.7»&.  8.6c  Caftanheda  liv.i.cap.(56.até^S« 


I]J  Ela  agua  levará  ferr'is  de  fogo 
Yara  abr azar  lhe  quanta  armada  tenha^\ 
Mas  a  militar  arte, ^  engenho ^logo 
Farà/er  vã  a  braveza  com  que  venha. 


lejar,animancloos,ec  tazendoihes  grandes  promt.        -. 

fas.  Fizerâoneílc  combate  os  PoVtuguezesmara-  Chega  a  ejte, que  a  palma  a  todos  toma, 

vilhas,roataráo  muyta  gente,  &:  meterão  no  fundo  ÉprdotmeaillujireGrecta^ou  Roma, 

vinte 6c  dous  Paraos. Aí<a)  i?>«»>ííro.Indo  El  Rey  de  íí-jr;  _ 

Calecut  defelperado  fugindo  ao  longo  de  hum         Telt  agoaitrurâferras  defogB,  Eftasfaí»  as  balias 

palmar  ,  defronte  das  Caravelas.  Pedro  Raphael  de  fcgo  de  que  o  Poeta  falia  na  oytava  paliada. 

Capitão  de  hu  ma  ,  lhe  mandou  atirar  com  huma  Jogo  Mareio,  lie  jogo  de  Marte,  que  íaó  brigas,  fie 

bombarda,  que  lhe  matou  treze,  6c  hum  delles  tão  guerras,como  fica  dito. 

perto  d^El.Rey,que  o íalpiccu  como  langue. Pe-         Chega  a  (fe.  Elleheo grande  Duarte Pachecí 

lo  que  EI.Rey  le  baqueou  do  andor  coco  grande  de  que  vay  fallando  neílas  oytavasi 

medo,  como  refere  Caftanhedaliv.i.  c.75.  i»x/í»- 

tarâtraifoet,  líto,  diz,  porque  quando  ©  Samorim  ^ 

íe  dclenganou  ,que  náo  podia  íazcr  mal  aos  Portu- 

£uczes  por  força,  6c  armas,  determinou  fazelo  por  "T)  Orque  tantas  batalhas fujlentadas 

nianha,peytando  alguns  Nayres,que  os  matalTem,  J.*    Cam  muyto  fouco  mais  de  cem  foldados  ^ 

lançandolhc  peçonha  no  comer ,  fií  beber ,  6c  fez  Comtantas  manhas, &  artes invtntadas      * 

outras  invenções  diabólicas  ,  que  refere  Joaó  de  Tantos  cães  não  mbeUes prof  lia ados,    ' 


Barros  na  primcyra  Década  I1V.7.  cap.5. 

18 

Q^e  tornara  a  vezjettima  cantava^ 
Pelejar  c'o  o  ifíViÚo^ó  forte  L ufoy 
A  que  nenhnm  trabalho  fejàfê  agrava^ 
Mas  com  tudo  ejle  (ò  o  fará  ccnfujo. 
Trará  para  a  batalha  horrenda^ó^  brava, 
Machitias  de  mudeytosfcra  de  ujo, 


^poflig, 
Ouparecerão  fabulas  Jonhadas , 
Ou  que  çs  eelejtes  coros  invocados 
tecerão  a  ajudalo^ô'  lhe  darão 
Esforço^orçajardílt^  corarão. 

Jantas  cães  nJío  mbtllet  frofligadêi.  Chama  30 j 
Malavares  cãcs,&.  com  muyta  razão-  Não  imbeU 
les,  quer  dizer  esforçados,&  valentes,  porque  co- 
roo hoje  íabemos  por  experiência  pelcjão  com 

muyt« 


Lufíaàas  de  Luts  de  Camões  Commentados,  272 

muyto  animo.  Profligagos,quer  dizer  vencidos,&  deyrn,eH:e  mancebo  den  grandes  vo2cs,Sc  brados 

deíiruhidos.  aos  Romanos ,  que  hiaól-ogindo,  que  lhe  acudif- 

2^  j  rem,&  ajudaíVem  a  derribar  a  ponce,d0s  quacs  não 

vierão  mais  ,  que  dous  homens  nobres  ,  hum  por 

A^elle^quems  camÇOS  Marathontos  nome  Elpuno  Lucrécio,  &  outro  Tito  Hcminio. 

U  grão  poder  de  T>arÍo  dejtruejè  rende  Eitando  a  ponte  quaíi  derribada  tez  Horácio  com 

Ou  quem  com  quatro  mtl  Lacedemomos  ^f^^  eompunheyros,  que  fe  pailaflem  ,  &:  fe  puíef- 

Ópalfo  de TermoPtlas  defendei  ^^^^  ^^  '''*^^°  »  facando  eile  ló.  E  depois  que  feus 

ifemomancebo  Locles  dosAufomos,  companheyros  eíliveráo  em  lugar  feguro  ,  deu 

LecomtodoopoderTufcocontende  ^ua  oXuTnldo°th^ndo^^^                             " 

•o                     f             J              r~>  /  ■  ^uai  paliou  a  naao,tiianaoine  OS  inimigos  muy  tos 

brndefenja  da  ponte  ^ou^umto  babio  dardos.rettas.&ipedras.masellefahiofalvo.  Os  da 

fyy  como  ejie  na  guerra  fortei&fabto.  Cidade  agradecidos  de  hum  tão  grande  beneficio 

»^    •;  Ihefizerãograndes  honras  ,&  lhe  levantarão  hu- 

Aijféelíeiíjue  nos  campos  ítdaratbonios,  EfteheMel-  ^^  eítatua  em  memoria  de  tão  grande  feyto,  O 

ciades  vaiei  olilíi mo  Capitão  dos  Athcnienlcs  ,  o  que  tudo  conta  Titolivio  na  fegunda  Década  liv. 

qual  dcsbautou  nos  campos  Marathonios  da  re-  i-cap.^.  Poder  Tufco,  he  o  pcoder  de  Poríena  Rey 

giáo  AtticaUc^Giecu  a  Date  Capitão  de  Dário  <í^  Tolcana,  a  que  os  Latinos  chamâoTufcia. 

Key  dos  Lucilas  ,ÔC  lhe  matou  ,  como  diz  Valério  0«  6;}«wíí>F<í^w.  Eítefoy  Quinto  Fábio  Maxí- 

AlâXiiiío,liv:.6.Lrezcntos  nnl  homens,  Ôccomodi-  mo  Didador,o  qual  como  conta  Titolivio na  tcr- 

zciitoutrob  trezentos  &  íeis  niiljO  qual  Datecom  ceyra  Década liv.z.  c.  5.6.  & 7. leai  dar  batalha  a 

hum  poJcrofiiíimo  exercito  deítruhia,j2cíaquea-  Annibal  o  trazia  afiado,  &  morto  ,  canfandoo  ,  6c 

va  toaaGrecia,coii.o  conta  Heródoto,  òc  Fulvio  dctendoo  com  ardis,  &  cautelas  ,comaqualin- 

Jiíucino  no  fcu  livro  dos  Elogios  dos  Varões  lUul-  venção  odeílruhio.  Donde  diz  Propcrcio  nas  cle- 

tres  iogo  no  principio  , .  aonde  traita  muytas  pro-  gi^s:viãrícef(jue  moras  Fabij^zi  tardanças  vcncedo- 

,as  deite  Mclciades.     *  ras  de  Fabio.  Todos  eftes  tão  nomeados  Capitães 

Ou  t]i4em  com  ejuatro  mil  Lacedemonlos,  Em  Mace-  diz  o  Poeta,que  fe  não  haõ  de  comparar  com  eilc 

doma  regiáa  de  Grécia  cílá  hum  monte  por  nome  noílb  Duarte  Pacheco  Pereyra. 
Oeta  Miuyto  alto, o  qual  faz  hum  pafib  muyto  ef- 

treyco  ,  é.  trabalholo  aos  que  caminhão  ao  longo  22, 
da  praya  para  a  Cidade  Locros.  Pelo  que  aflim 

pela  tltreyteza  do  lugar  ,  que  entre  os  Gregos  fe  T\.  /f  ^'^  "<^A/'/sr/í'  d  Nymphã  o  fom  canoYê 


m 


chama  Pyia,como  por  huns  banhos  de  agua  qucn-  X^X  AbaxandoJezYOUCoJê  entYÍflicid9 

te ,  que  naquelie  lugar  cilão ,  íe  chama  Thermo-  Cantando  em  baxa  voz  tmvolta  em  choro 

pyla,paiavra  cópoíta  de  therm3e,thermarum,q  laó  Q  nrande  esforço  mal  agradecido. 

osbanhos,  £c  Py la: as cll rey tezas,  &  apertos  de  Q  Benzar'to(dfjfe)quenocoro 

cualquer  coula.  Ho  e  Icchama  eíte  luear  de  ai-  „^       %/i    r     r  r     ^  j      j 

guns  tcrremotcde  outros  boca  de  lobo,pela  afpe-  f  ^"^  Mufas  feras  fempre  engrandecido, 

icza  do  paflo.como  íc  pôde  ver  em  Ortelio  na  lua  ^^  ^^  ^^  '^(/^^  abattdo  O  bravo  Marte ^ 

Synonimia  Geographica  na  palavraThermopyla.  Aqui  tens  côm  quem podes  conjolarte. 
Eftepaflodefendeo  Leonidas  Rey  de  Laccdemo- 

nia,de  hum  grandiííimo  exercito  de  Xerxes  Rey         Belizario  d/ff€,^ut  n»  eero,  &c.  Eíle  Belizario  foy 
dos  Perlas,  que  levava  mais  de  quinhentos  mil  ho-  Capitão  de  Juítiniano  Emperador  ,  cujos  feytos 
homens, lómcnte  com  quatro  mil  Lacedemonios,  conta  Pedro  Mexia  na  lua  hiíloria  imperial  ,  logo 
como  diz  Jullino. Eile  Leonidas  foy  ò  prinieyro  no  primcyro  capitulo.  Faz  o  Poeta  aqui  memoria 
cjuediflehum  dito  tão  celebrado,  &  que  muytos  delle,paramoftrar  a  pouca  conílancia  dos  homens, 
]he  hniivííoiAJale  cervútum  agmen  duce  Leone^cjuam  fica  pouca  fé, 6c  lcaldadc,que  tem,aquem  os  íerve, 
Leonumagmendueecervo.Múb  quero  hum  exercito  &  acompanha  em  luasncceflidades,  &  morre  por 
de  cervos  com  hum  Capitão  Lião, que  hum  excr-  leu  ferviço,  coroo  foy  efte  Belizario,  o  qual  con- 
cito de  Lióes  com  hum*Capirão  Cervo.  quiftou  Atricaem  pouco  mais  de  quatro  mezest 
Newío  manceifo  Coeles  dos  Aufotitos^  §tuecom  todo  »  Houvegrandes  vittorias  cm  a  Pcrfía ,  6ccm  lialia, 
pdtr  Tufco  contende»  Auionh  íe  chama  Itália,  entre  5c  pagoulhcjuftiniano  com  o  prender  ,  &deíler- 
outros  muytos  nomes,  de  hum  Aulonio,que  a  go-  rar.O  queluccedeo  tambcm  ao  nofib  Duarte  Pai 
vcrnou.  U  mancebo  Coeles  de  que  aqui  fdla  o  checo,  que  havendo  pouco  tempo  ,qUc  El-Rcy 
Poeta,  foy  humHoracioCoclcs ,  oqualoanno.  Dom  Manoel  o  levara  comfigo  debayxo  de  hum 
que  os  Romanos  le  ifentàráo  dos  Rcys  pclaty-  palleo,  emhumaprociflaódaScaté  S.Dommgos, 
rannia,5í  maldade  de Tarquino,vey o  em  favor  de  aonde  fe  pregou  publicamente  o  que  fizera  con- 
TarquinoPorlenaRey  dos  Thofcanos,o  qual  cí-  ira  El-Rcy  de  Calecut,  dahi  a  poucos  dias  por  en- 
tando  com  todo  o  exercito  para  paílar  a  ponte  do  veja  ,  &:  mexericos  de  alguns  privados  feus  o  man- 
rio  Tybrc,  que  palia  por  Roma,  a  qual  era  de  ma-  dou  trazer  da  Mina,aondc  cftava  por  Capitáo,pre- 

Mm  í# 


2  7+ 


Canto  T)ecmo: 


io  em  ferro-, com  os  quaes  efteve  muyto  tempo  na 
cadca,  até  íelaber  as  culpas ,  que  Ihepunháoler 
deilisfiKas,  ôc  delias  taes,  que  em  hum  táo  exccU 
l^nte  Cupauo  não  tuihaó  lugar.  K  depois  de  íoico 
Vivco  em  lunima  pobrtza ,  Sí  nclla  acabou  ,  como 
conta  Damião  de  Góes  na  phmcyra  parte  da  Chro- 
nica  d'ii<l-Key  Dom  Manoel.  Omeímo  aconte- 
ceo  ao  grande  Capitão  Mclciades ,  1  nemiltocles, 
Viriato",  ôc  outros  cem  mil,  de  que  os  livros  eltáo 
cheyos.  Apenas  houve  grande  Capitão,  que  não 
déíle  grande  queda  ,  ilto  nao  he  culpa  dos  Reys, 
mis  contrapelo  do  mundo,5c  ordcm,queelle  tem 
em  gratiticar  os  beneficies  recebi  J^os  ,  paraqueíe 
clcarmentem  os  homens,Íc  olhem  o  que  fazem. 

^5 

A^i  tens  companheyro  afinosfeytos 
Como  no  galardão  injufio^^duro'. 
Em  tij^  nelle  veremos  altos  feytos^ 
A bay XQ  eftado, humilde ^^  e/curo. 
Morremos  hospitaes  empobres  leytos"- 
Os  que  ao  Rey^Cf  âley  fervem  de  muro; 
Ifiofazemos  ReySjCuja  vontade 
Manda  maiSique  ajMJitçã^&  que  a  verdade 

Morrer  nos  bofpitaes  em  pobret  leytos,  lílo  diz  por- 
que Belizano  morreo  deílerrado  fora  da  graça  do 
íeuRey,  a  que  elie  tinha  lervido  também,  &  da 
mefma  maaeyra  Daarte  Pacheco.  O  qual  dizem 
que  veyo  a  dar  em  tanta  pobreza  depois  de  íua 
prizão  ,  que  adoecendo  ,  foy  neceflario  Icvaloao 
hofpital ,  aonde  morreo  miieravclmence  ,  o  que 
tem  acontecido  a  outros  muytos  excellcnces  Va- 
rões de  que  os  lidos  nas  hiilorias  íabem. 

2-4 

IStoftzem  os  Keys^quando  embibidos 
Numa  aparência  branda  que  es  contentai 
^âo  os  fremios  de  Aiace  merecidos 
Alingua  vã  de  Vlyjjes  fraudulenta. 
Mas  vingome^que  os  bens  mal  repartidos 
'Forquem  fõ doces  fombras  aperfenta^ 
Se  nãa  os  dão  afabios  Cavalleyros^ 
^ão  os  logo  a  4  uarentos  linjongeyros. 

Da3  0$  premiai  de  Ayace  merecidos,  Contaó  asfa- 
bulas,8c  nifto  gaítaOvidio  o  livro  15. de  fuás  tranl- 


dèliem  as  armas,8c  Aiax,que  as  merecia  ficaflc  lem 
cilas.  O  que  acontece  hoje  em  dia  ,  que  le  dão  o» 
prémios ,  que  outros  merecem  ,  a  gente  inutil ,  Cie 
que  não  prcíla  para  coulà  alguma ,  ficando  lem  eU 
ks  os  que  os  merecem.  Mai  xitngome,  He  o  que  diz 
Séneca  :  Non^otuit  Ouiindgts  concupttatraductre, 
auâmta  immenntthus  tradendo.  Não  pode  Dcos  dar 
iiiayor  final  do  pouco  preyo  das  couias,que  os  ho- 
mens delejáo  ,  que  entre^alas  a  quem  as  não  me- 
rece ,  que  parece  íè  quiz  vingar  delias  em  as  dar  a 
gente  indigna. 


\\ 


2,5  ^ 

MAs  tu  de  quem  ficoH  tão  mal  pagado 
Hum  tal  vaÇfaio^ó  Rey  nifiofó  tnic» 
òe  não  es  para  darlhe  honro/o  ejlado^ 
Heelleparadarte  hum  Reyno  rico: 
Em  planto  for  o  mundo  rodeado 
1>os  Apollineos  rayos^eu  te  fico 
^ue  elle/eja  entre  agente  illuflre^  &  clare^ 
Etu  ni[to  culpado  por  avaro, 

O  Rey  nifo  fd  im^Mo.Parcccnotarbcma  El-Rcy 
de  Avaro  nefta  parte  :  ainda  que  parece  mais  ler 
fruyta  do  mundo  ,  o  qual  coftuma  ícmpre  pagar 
defte  modo,aos  que  o  lervem  com  tanta  fidelidade. 

Rayos  Apolhmos.  Sao  Rayos  do  Sol ,  de  Apollo, 
que  he  o  Sol. 

^C 
li  êt  As  eys  outro,€antavajntitulado 
IV 1  Vem  com  nome  real^tê  traz  çomfigQ 
Ofilho^que  no  mar  fera  illuftrado 
Tanto jcomo  qualquer  Romano  antigo. 
Ambos  darão  com  hraçoforte^armado, 
A  ^tloa  ferttlafpero  cãftigo. 
Fazendo ne lia  Rey  Ital^à"  humano^ ' 
^Deytadofora  o  pérfido  tiranno, 

Mát  eys  outros.  Sabendo  El-Rey  Dom  Manoel 
como  os  Reys  de  Cochim,Coulâo,  &  Cananor  eí- 
tavâo  certos  na  amizade  dos  noflos  ,  &  vendo  o 
que  até  aili  lhe  acontecera, determinou  mandar  hu- 
ma  grofla  arrnada  à  índia,  parte  para  ficar  nella  de 
aflcnto,&  fazer  fortalezas,aonde  as  nãos  dcílem,8c 
tomallem  carga  a  fim  de  favorecer  os  Rcys  noflos 
amigos,  &  acudir  a  algu mas  neceíTidades  da  terra, 
&  parte  para  tornar  ao  Reyno  com  carga.  Foy 
_  por  Capitão  mór  dcfta  armada  Dom  Francilco  de 

formações , que  morto  Achillesem  Troya,  como  Almeyda, filho  de  Dom  Pedro  de  Almeyda,Con- 
fuas  armas  erâo  de  muytaeftima,que  houve  gran-  de  de  Abrantes,  coro  novo  titulo  de  Vilo  Rey,pa- 
de  contenda  entre  dous  Cavalleyros  Gregos,  fo-     j-a  o  qual  nome  levava  gente,  &:faufl:o  competen- 


bre  quem  as  havia  de  levar  ,  &  por  derradeyro  aá 
levou  Ulyflcs,  por  ter  melhor  linguagem  ,  &  íer 
roais  brando  nas  palavras,  6c  mais  eloquente  ,  & 
entremetido,  que  Aiax,  porque  Aiax  tudo  fazia  âs 
punhadas,  &  Ulyflcs  com  a  lingua,  a  qual  foy  cau- 
fs,  que  os  Gregos  vencidos  com  lua  rethorica  lhe 


tc,comonasChronicas  fcconta.Sahio  DomPran- 
cifco  de  Almeyda  do  porto  de  Belém  a  vinte  6c 
cinco  de  Março,de  mil  Sc  quinhentos  &  cinco,  le- 
vando comfigo  hum  filho  por  nome  Dom  Lou- 
renço de  Almeyda ,  o  qual  fez  na  índia  coufas  no- 
táveis, como  le  pôde  ver  era  joaó  de  Barros,  Oer^ 
cada  i.liv.8.cap.3. 


Lttfiadas  de  Luís  de  Camões  Gommentados]  275 

A  §iuí!o  a  fértil  afpero  ca/iígo.He  Quiloa  huma  Ci-         Depoh  na  cojía  da  índia.  Dom  Lourenço  de  AU 

ilads  nacoitadeMelmUe  ,  cercada  toda  de  mar,     meydâ  houve  huma  vittoria  miiyto  grande  con- 

^ueafazllha,  tem  muytas  palmas,  arvores  de  ef-     tra  o  Samorim.a  vinte  6t  leis  de"  Marido  de"  í5c(J. 

pinho,&hortaliças,comoasdcHefpanha:  gali-     Deufe  efta  batalha  deíronte  de  Cananor,  Tinha 


a  armada  d^El-Rey  de  Calecut  zo8.  veías  a  faber 
84.naos  groílas,  &  i  z4.Páraps,  em  que  hiáo  muy- 
tos  Mouros  ,  Sc  Nayres  de  peleja  íem  conto.  Os 
noflbs  não  tinhaó  riiais  qúé  onze  velas, com  oy to- 
ccntos  homens, com  asquacs  deílruhirio  toda  ef- 
ta armada,que  levâva  mi4yta,  5c  muy  boa  ar  telha- 
ria. 

28      ^ 

D  As  grandes  Nao/do  'Samorim  potente 
^le encherão  todo  omaY.coãfeYY.eajeU^ 
^e/ae  como  trovão  do  cobre  ardente^  /fidiiu'J 
Fará  pedaços  leme^  mafhy&  vela, 
T>€fpois  lançando  ar f  tas  oujadamente 
Na  Capitania  miga  ^dentro  nelU 
Saltando. , a  far d  Jb  com  lançará'  efpada^ 
2>í  quatrocentos  Mouros  deípejada^ 

Depoiii  ^ançan/io  ârpeos  eufadawente,  lílodizpor^ 
que  Dom  Lourenço  abalroou  com  duas  nãos  a 
Capitania,  ô£  fotto  Capitania,  6c  nâo  deyxou  nel- 
ks  homem  vivo,  como  diz  aqui  o  Poeta, ô^  Caí- 
tanhcda  liv.z.cap.Sz/. 

M/ís  de  T>eos  a  Yfcondida  providencia^ 
^ne  ellàfòfahe  o  bem  de  que  fè ferve 
Oporá  onàeesf orço  ifiem  providencia 
Modera  aver^que  a  vida  lhe  referve^ 
Em  ChauliOnde  emfangue^ò  refijlencia 
O  mar  todo  côm fogo i&  ferro  ferve^ 
Lhe  farão,  que  com  vidafetiãofayalj^^^^  vi  ,  ^[v 
As  armadas  de  EgyptOy&  de  Camboja, 

Maí  de  Deos  a  efcondida  providencia.  Vendo  o  Sa* 
morim  o  grande  dano,5c  perda, que  dos  noflos  re- 
cebia ,  &  que  não  era  poderolo  para  lhe  reíiílir, 
mandou  hum  Embayxador  Maymane  Matar,por 


nhas,póbas,rolas,gado  groílojôc  miúdo,  &  outras 
muytas  aves ,  de  que  noz  ncrtas  partes  náotemos^ 
noticia.  O  mantimento  da  gente  he  milho  ,&  ar- 
roxeai aguas  náo  laô,  boas,  porque  laó  de  poços  de 
terra  aUgadiça,por  eílar  a  Cidade  fituada  ao  lon- 
go do  mar.  As  calas  faô  de  pedra,  &  cal  com  léus 
eyrados,ôc  quintaes,com  muytas  arvores  de  fruy- 
to,  aíHm  para  trclquidáo,como  para  proveyto.  4 
dcfcripçáo  deíla  colia,  a  que  os  Perfas,  Ôc  Arábios 
chamáo  Panguebar,  põem  Joaõ  de  Barros  na  pri- 
meyra  Década.  Vclpera  de  Santiago  do  dito  anno 
fahio  Dom  Francilco  cm  terra  ,  &  náo  achando 
refiílcnçia  na  Cidade  Tc  erapoflou  delia ,  &  a  man- 
dou laquear  ,  &  fazer  Rey  delia  hum  Mahamcd 
Ancony  amigo  nollo ,  6c  dcfapoílbu  hum  tyran- 
no,que  a  governava  chamado  Mirhabrcmo. 

TAmbem  farão  Mombaça^quefe  arre  a 
T)e  cafasfumptuofas^^  eáificiosy 
€j?j  oferro^f£ fogofsu  queymada^^  fea^ 
Em  pago  dos  pajfados  malefícios, 
^espois  na  coita  da  índia  andando  chea 
^e lenhos  inimigos ^à*  artificioSy 
Contra  os  Lufos^com  velas, &  comremoSfr  -^ 
Ò  mancebo  Lourenço  Jará  ejiremos»        \f 

Tamhem  faraó  M§mhaç  a. Depois  qtrc  Dom  Fran- 
tilcode  Almeydaproveo  o  neceflario  na  Cidade 
éc  Quiloa ,  partiole  para  Mombaça  a  nove  dias  de 
Agoílo,  á  qual  chegou  a  treze  do  raefmo  ,  6c  não  , 
querendo  os  Mouros  obedecer  ao  recado  do  Ca- 
pitão mór,mas  ufar  de  lua  má  inclinação, 8c  coí^ú- 
mc  contra  os  nofibs  ,  íoltando  palavras  injuriofas, 
&  pilourofi  de  bombardas,  que  tinháo  em  hum  ba- 
luarte novamente  feyto,entrarão  os  noííos,  6c  lhe 
Sueymarão,  6c  faqucaraó  a  Cidade,  nâo  perdoan- 
o acouta  ,  que  encontraflem.  Efta  Cidade  de 
Mombaça  eftá  na  melmacofta,  metida  dentro  da     nomcReiigiofo  de  lualeyta,6c  homem  que  entre 
lerraíirme,  rodeada  com  outro  cftreyto  de  agua,     elles  era  lidopor  Santo,  aoSokáo  doEgypto,  5c 
a  modo  daCidade  de  Quiloa  ,  que  tcrà  como  qua-     outro  a  Cambaya  pedir  foccorro  contra  os  Portu- 
tro  léguas  de  redondo.   He  grande  ,&  íorte,  tem     guezes  ,  pondolhe  diante  o  grande  mal ,  que  era 
bons  Edifícios  de  pedra,  8c  cal,  com  muytos  eyra-     cftarcm  Portuguezes  naquellas  partes  ,  8c  quanto 
dos,6c  torres,  com  que  fica  muy  to  fermofa  à  vifta,     lhe  importava  a  todos  lançalos  fora  delias.  O  Sol- 
&  temerola,para  os  que  a  houverem  de  commet-     tão  mandou'hum  Cavalleyro  per  nome  Mirho- 
ter.Tem  i?ey  próprio.  He  lugar  de  muyto  tiatto»     cem  por  Capitão  de  dcze  vchis.Scis  ga!iões,8c  leis 
&  abundância  de  tudo  o  neccfiario  para  a  vida,8c     gales ,  com  ordem  ,  que  fe  fofle  ver  com  Melique 
inntamente  de  muyto  boas  aguas.  Aqui  tiverâoo&     Azfenhorde  Diu  ,  éc  que  dcfeu  ccnfdho  tomaf- 
Portuguezes  fempre  roim  gazalhado,pclo  que  diz     fcm  ncordo  fobrc  efte  lançamento  dos  Portuçue- 
aqui  oPocca,  que  DnmFrancifcodc  Almeyda  a     zcs  fora  da  Índia,  Ajuntaraófe  ambos,  Scfahirão 
fleftruhio  ,  cm  pago  dos  malefícios  paliados,  È     em  buíca  da  noíla  armada, Mirhocem  com  as  ve- 
com  fogoíeu  ,  porque  com  hum  tiro  no  fio  (elhe     las  acima  ditas,  Sc  Melique  Az  com  quarenta  fuf- 
accndeo  fogo  na  lua  pólvora, que  foy  caufa  de  lar-     tas,cftando  Dom  Lourenço  em  Chaul,  bem  fora 
gartm  logo  o  baluarte,  donde  começou  o  íeu  dif-     de  lhe  parecer  o  que  fuccedeo ,  que  era  haver  efta 
Varatc.  Mm  z        armada 


,^6  .^^Vfc\»v.       Canta 

aiínada  contra  elle  :  porque  avifado  por  feu  pay 
'    Dom  Francifco  ,  dC  outras  pcfibas,  nunca  o  quiz 
crcr,por  náo  haver  peíloíí,que  com  os  olhos  tivef- 
íe  VI í£â  a  aímacíâ  ,  iTCítt  ò  pay  o  dtí-cVía  por  couía 
ccrr;í,  Foy  niorro  no  riÒdeChaulpór  hnm  dcíaf- 
trc.que  ihc  acontcceo,quefoy  irlelheanao  ao  turí- 
do  ,  6c  naó  puder  por  nenhum  modo  dará  vela. 
Pelo  que  foy  entrada  dos  Mouros ,  6c  niortu  elle, 
&  cativos  alguns  Portuguczes,  com  morte,  &  det- 
truiçâo  de  mu-ytos  Mioufos.  Hc  Chaui  huma  Ci- 
dade no  Reyno  Adecâo  ,  a  que  corruptamenre 
chamamos  Daquem,  fituada  por  dentro  da  coita, 
ém  hum  rio  de  bom  porto  ,  diftante  da  barra  por 
elpaço  de  duas  Icguas ,  fie  de  muyco  trarto ,  êc  o 
prinicyro  porto  deite  Reyno ,  o  qual  confina  com 
Cambaya  ,  &  ellà  da  Cidade  de  Diu  diílancia  de 
cincoenta  legoas.  Ncfterio  cílava  Dom  Louren- 
ço de  Almeyda  com  a.  mais  armada  Portugueza, 
quando  Mirhocem  ,  Sc  Mclique  Az  o  commette- 
ráo  ,  Ôcaqui  feçmbaraçou  anaoem  humacftaca- 
da,queeiUvapoíla  pelos  da  terra,  6c  pòreftacau- 
fâ ,  &  por  fa^er  muyta  agua,  k  pcrdcoDom  Lou-  ■ 
rcnço,  como  fica  dito. 

\^t  firmadíH  elo  Egyptò  ,  (^  Je  Car^haya.  lílodiz 
porque  Mirhocem  Capitão  do  Soltaó  do  Egypto;^ 
tC  Meliquc  Az  lenhor  de  Diu  ,  que  eíU  no  Reyno 
de  Cambaya  ,  &  Capitão  mór  de  liMley  de  Cam«i 
baya  foraô  caula  da  perda  de  Dom  Lourenço. 

ALy  o  poder  de  muytos  inimigòs^^ 
^le  o  grande  esforço  Jò  com  força  rende 
Os  ventos , que  faltar  ãOy&  os  perigos 
*Do  mar^quefobejarão  tudo  o  dffendei 
Aqui  refurjãe  todos  os  antigos ^ 
Aver  o  nobre  ardor ^que  aquife  aprende^ 
Outro  Sceva  verâo^que  efpedaçado 
Naõfabefàr  rendído^nem  domado. 

Outro  Sceva  verão.  Eílefoy  Caílio  Sccva'Capi- 
taô  de  huma  companhia  de  Gelar,  o  qual  en»)huma 
batílha,que  PompeyotcvecomCeíaremhumjlu- 
gar  junto  à  Cidade  Du razzo  na  Maccdonia;eftan- 
doCaflioá  porta  da  Villa  ,  gc  fendo  commettido 
por  muytos  inimigos ,  tendo  já  hum  olho  quebra- 
do, &  mal  ferido  em  huma  coxa,  6c  hombro,  &  o 
cícudo  efpedaçado,  com  muytas  feridas  por  todo 
o  corpo,  nunca  le  quiz  render,  como  conta  Sueto- 
nio  na  vida  dcCefar  liv.  2.  Sc  Appi.ino  nas  guerras 
civis.  Compara  o  nofio  Poeta  aqui  a  Dom  Lou- 
renço de  Almeyda  a  eíla  Sceva, o  qual  depois,  que 
no  rio  de  Chaul  ,  naó  podendo  iahir  por  le  lhe  ir  a 
nao  ao  fundo,  &t  lhe  faltar  o  vento,  6c  o  entreter 
também  huma  cílacada,que  no  dito  rio  havia,  ten- 
dolhe  huma  bombarda  levado  huma  coxa  ,  naó 
confcntio  ,  qucosfeus  o  tiraílem  da  nao  ,  antes 
mandou  ,  C|ueo  encoílafl*em  ao  perpao  junto  do 
m^íio  do  msyo  aflentado ,  pam  q  dalli  já  que  náo 


7)ecímoi^  "^ 
podia  com  obra,com  palavra  ajudaíle  sos  léus  íol- 
dadob :  ao  qual  eltando  allim  vcyo  ouira  borabar-, 
da,queoacat>ou  de  niatar,lcvandolhc  todas  as  coi- 
tas da  parte  direyia.Ncm  he  para  paffar,o  que  hum 
Portugucz  natural  do  Porto  por  nome  André 
Fernandes  grumete  fez  cite  dia,c]ue  lendo  entrada 
a  nao  do  Capitão  mór,elielónagavca  ledtfendco 
dous  dias  6c  mcyo,ícm  o  poderem  entrar.  Ate  qu« 
Melique  Az  vendo  a  valentia  deite  homem ,  man-- 
doulhenaóatirallem,  òcfazendolhc  grandes  pro- 
mclias ,  6c  juramento  de  íegurança  ua  vida ,  ie  cn-' 
t/cgou  ,  como  contajoiõ  ae  Barres  na  fecunda 
Dccadâliv.2.cap.8. 

CyOm  huma  coxa  fera  que  em  pedaços 
^  Lhe  leva  hum  cego  tiro  quepaffara^ 
Se  ferve  ainda  dos  ammofos  braços^ 
E  do  graõ  coração^que  lhe  ficara: 
Ate  que  outro  pi  louro  quebra  os  laços 
Com  que  cOj  a  alma  o  cf  rpofe  ha  ra. 
Eílafoíta  voou  da  prifãõfora^ 
Onde/ubi  tofe  acha  vencedora. 

Onde  fubito  fe  acha  vtncedora.  Porque  entrou  noj 
ccosjaonde  recebco  o  premio  de  feu  martyrio. 

3^ 

VAyte  alma  em  faz  da  guerra  turbulèt» 
Nd  qual  tu  merecefie  paz  ferena^ 
^ue  Aocorpo^que  em  pedaços  fe  aprefenta^ 
§}uem  o  gerou  vingança jà  lhe  ordena, 
^ue  eu  ouço  retumbar  a  grão  tromenta^ 
§ue  vem  já  dar  a  durajó'  terna  pena, 
íDff  efperas^ba/ilífcoSitè  trabucos^ 
AÇambaycos  crueys^&  Mamelucos, 

^tmottuu.  Eíle  era  Dom  Fraritiíco  de  AI- 
ineyda  filho  de  Dom  Pedro  de  Almeyda  ,  de  que 
himos  fallando,o  qual  tinha  determinado  caítigar 
a  morte  de  leu  filho,como  fcz. 

A  C»mhaycoi  crueyt^  ér  Aíawelucoi.  Cambayco» 
laô  osmoradoresdo  Reyno  dcCnmbaya  ,  aonde 
cftâa  nofla  fortaleza  de  Diu  ,  da  qual  era  lenhor 
naquelle  tempo  Mclique  Az  Capitão  morda  ar- 
mada d'El-Rey  de  Cambaya.  Mamelucos ,  Jani- 
zeros  ,  &  Rumes,  faó  Turcos  filhos  deChriílãos, 
os  quaes  o  Turco  cria  de  pequenos, í?c  dcllcs  fe  fer- 
ve para  fua  guarda,  6c  milícia,  f^eílcs  havia  muy- 
tos neíla  armada  dos  ini.iiigos  »  tomocontaõ  oi 
nofios  hilloriadores. 

EYx  vem  o  pay  com  animo  eflupende, 
Trazendo  fur  ia, lè  magoa  por  antolhos^ 
Com  que  o  paterno  amcr  lhe  eftà  movendo 
Foge  no  coraçãOiUgúa  ?ws  oIÍjos, 


Lujíadas  de  Luis  de  Camões  Commentados,  277 

Anobre  ira  lhe  vinha  promettendo^  guiar  agente  da  terra  ,  trouxe  Tua  molher  de  iiu- 

Que  ofanguefdrà  dar  ptLos gtolhos  "^^  ^uinc-»  >  que  unha  ,  a  qual  taíiibem  moaeo  ns^ 

Níis  tmnmasnaos-./entiloha  o  NtlOf  "^^l^'  j'n     l        \j  r    j    i  r    ' 

t».    / ,  ,    °  f    j  '      n  •/  òeyo  ^í4C4»;%<í.  He  a  enleada  de  que  efcrc- 

^Podelohao  Indover^cr  oGangeouvíh.  vemos  adiante,  oytava.  106.  :>. 


fiyí  t/í»»  o  p4/.Eíle  era  o  Vifo-Rcy  Dom  Fran- 
iiiico  de  Alu»cyda  ,  o  qual  depois  da  morte  de  íeu 
íilho,iogo  le  tez  preítes  para  a  vingar.  E  depois  de 
wr  provido  tudo  o  neceliario  ,  afliiii  das  nãos ,  que 
Iraviâó  de  vir  com  carga  para  o  Reyno  ,  cómoda 
guarda  da  coila  :  partio  de  Cochim  a  doze  de  Dc- 
'iiÈímbro,de  mil,qumhentos  &  oyco,com  huma  ar- 
mada de  dezanove  velas  ,  que  podia  levar  mil  & 
quinhentos  Fortuguczes,  fora  alguns  Malavares, 
ifc  gente  de  ícrvi^^o,com  a  qual  dcílruhio  a  arma- 
da do  Sulcao.,;  de  que  era  Capitão  mór  Mirho- 
ccm.òc  adeMeliquc  Az  ,  Ôcad^El-Rey  de  Ca- 
lecut. 

Stnttlob»  o  Nilo.  Porque  a  isente  ,  que  morrco 
jKÍla  batalha  era  do  Cayro,  6c  de  outras  partes  do 
jigypto  porondè  o  rio  Nilo  paíTa. 

foddoha  o  Inda  ver^^  o  Gange  ouvílo*  Efta  bata- 
lha foy  em  Dm  ,  Cidade  de  Cambaya  ,  por  donde 
pafla  o  rio  Indo,poronde  diz,que  o  poderá  ouvir 
o  rio  Gmges, porque  os  Malavarcs,que  não  elpe- 
rarâo  o  hm  da  batalha  ,  iriáo  com  a  nova  a  El- 
Rey  de  Calecutjpor  onde  o  rio  Ganges  pafla*-  \ 

Q  Vai  o  touro  cio/ò, que  fè  en/aya 
Para  a  cruapcUjãyOs  cornos  tenta 
2^0  tronco  de  hum  carvalho ^ou  alta  faya^ 
Eo  ar  ferindo  as  forças  ejprtmenta. 
Tal  antas  ^que  no  Jeyo  de  Cambaya 
Entre  Francifco  tr adorna  (pulenta 
Cidade  de  'Dahulya  efpada  afia^ 
Ahaxandolhe  a  túmida  oufadia^ 

Cidaà  de  Dahttl,  Era  ncíle  tempo  ,  que  Dom 
Francílco  chegou  a  Dabul  ,  huma  das  melhores 
povoações  daquellas  partes,aírim  pelo  íltio,  como 
pelo  tratto  dos  mercadores,  que  a  ella  concorriaõ 
de  diferentes  partes.  Era  do  babayo  fenhor  de 
Goa  ,  por  cuja  ordem  havia  nella  icis  mil  hoi#len5 
de  peleja, com  rcpayros,5c  baluartes  de  artelharía: 
Tinha  cdificios  nobres, &  caías  de  muyto  aparato 
fituadaao  longo  de  hum  rio  muyto  fermolo  ,  lar- 
go, 6c  navegável,  diftante  da  barra  por  clpaço  de 
duaslcgoas.  Ncfte  lugar  diz  o  Poeta  ,  que  deu  o 
Vifo  Rey  fipà  fua  efpada  ,  porque  entrou  \  força 
de  armas,  {aqncandoa,  &  queymandoa,  fem  ficar 
coufaem  pè,ncmpefiba  viva. 

/íhajxanJolbt  a  túmida  oufadia.  Ifto  diz,  porquf 
•ftavão  os  de  Dabul  tam  confiados  na  gente  »  que 
tinháo,  que  mandou  o  Capitão  da  terra  apregoar 
lob  pena  de  morte  ,  que  ninguém  feíahifie  daCi. 
dâde,  nem  tiraflc  fato  delia ,  &  cllepara  mais  afie- 


35 


fc;> 


ELogo  entrandoftro  na  enfeada 
2)<f  'Diu  illujlre  em  cercos ^^  batalhas  : 
tara  efpalhar  a  fraca f£ grande  armada  ' -  í^i 
*!De  caltcuti  que  remos  tem  por  malhas*     "-f  . 
Ade  Melique  az  acautelada^     *'  '  ~'^''''''',^t 
Cos  pelouros  que  t  u  Vul''ano  efpalhas 
Fará  ir  ver  o  frio  i&  fundo  affento^ 
Òecreto  leyto  do  humtdUú  dUmento. 

A  dt  Aáeliíjuea%,  acautelada  J do  diz  porque  Mc* 
lique  az  fempre  andava  com  cautelas,  6c  malicias, 
Foy  cfte  Mclique  az  em  o  principiode  fua  vida 
cattivo  de  hum  mercador ,  no  qual  tempo  le  cha- 
mava lómente  az.Eíle  mercador  o  deu  em  prcíen- 
tecomíoutras  coufas  «  Mahamud  Rey  de  Cam- 
baya, oqual  pelo  lentirbom  fervidor  ,  6c  amiga 
fiel  de  luas  coulas,  alem  da  liberdadedhe  mandou, 
que  feehamafledalli  por  diante  MeiiqueYaz  ,  o 
qual  nome,he  como  entre  nós  Dom,dandolhe  cftc 
apnellido  pelo  honrar  ,  &  âlcm  deftas  couíaslhc 
deu  também  a  povoação  de  Diu.  Erta  h.e  a  razão^ 
porque  Melique  Yaz  era  fenhor  de  Diu. A  nao  dcf- 
te  era  muyto  alterola ,  &  grande ,  pelo  que  não  lè 
podendo  abalroar  foy  metida  no  fundo  com  arte* 
Iharia ,  conío  aqui  diz  o  Poeta.  De  Diu,  &  de  ieu8 
cercos  íe  veja  a  noíla  annotação  no  canto  fegundo 
oytava.50, 

?<^ 

MAS  a  de  Mirhocem^que  abalroando 
A  furta  €  (per  ara  dos  vingadores  ^ 
Vera  braços ^ò" pernas  ir  nadando , 
Sem  corposypelo  mar  defeus/enhores^ 
Rayos  de  fogo  irão  reprejentando 
Ho  cego  ardor  os  bravos  domadores, 
planto  aly  fentirào  olhos ^é*  ouvidor 9 
Hefumo,ferro,flammas^  alaridos. 

No  cego  ardor  oí  bravoi  domadorei.Clnm^  aos  Pof- 
tuguczes  bravos  domadores ,  pela  braveza ,  fie  fú- 
ria ,  com  que  acommettião  os  inimigos  ;  osquae» 
naõ  íe  atrevendo  efperalos,fe  lançavaó  a  nado,por 
fugir  de  lua  fúria. 

MAs  ah?que  defla  profpera  viítoríii 
Com  que  defpots  vtrà  ao  pátrio  Tejo^ 
êluafilhermbarà  a famoíã gloria 

Híi  m  fucçejfo  qm  trifie.&  negrs  veje» 

0 


r 


2-ft 


LvCaí 


o  cabo  tor mentor Wyque  a  memoria 
Co  os  offòsguardãYàjião  terá  pejo 
*X)e  tirar  defte  mundo  aquelle  eJpritOy 
^e  não  tirarão  toda  a  Lndía^  E^to. 

O  cabo  tormentório,  Neíle  cabo  de  Boa  Elperan- 
ça  ,  em  hum  lugar  chamado  a  aguada  do  Salda- 
nha ,  matarão  os  Cafres  bárbaros  daquella  triítc 
terra  ao  ViíoRey  Dom  Francifco  de  Almeyda 
com  a  melhor  gente,  que  configo  trazia,vindo  pa- 
ra P Q4tugal,que foy  huma das  mais ialliraofas dcf- 
venturas,  que  tem  acontecido  neíta  viagem  ,  def- 
dc  o  tempo  ,  que  os  Portuguezes  navegaó  cíles 
mares. 

Çiae  nao  tirarão  toda  a  índia  y  &  Egypio.  Porque 
náofoy  todo  o  poder  da  índia  ,  ôcEgjpto  pode- 
roíb  para  o-dcftruir  ,  antes  elle  os  dcfoaratou  ,  ôc 
deílruioatodos,  como  atrás  fica  dito ,  êc  o  Poeta 
v^y  recontando. 

léy  Cafres  falvagens  poderão  j 
O  quedejlros  imigos  não  poderãoi 
E  rudospaòs  tojlados  f os  farão , 
O  que  arcos  jò^fe louros  nãofizerah 
Occultoosjuizos  de'DeosJão 
^s gentes  vans^que  nao  os  entenderão', 
Qhamãolhefado  maojortuna  e/cura^ 
èiendo  foprovidonctade  Deos  pura* 

Cbamaoibe  fado  mao.  Os  antigos  como  não  acer- 
taváo  no  caminho  de  lua  falvaçáo ,  punháo  todas 
ascouíasGmmão  de  Fados,  a  que  por  outro  nome 
chamavão Parcas:  quando  tinhaõ  bom  fucccfio, 
era  bom  Fado,  aquando  mao,  era  mao  fado.  In- 
ventarão também  outra  fabula  ,  a  qual  era  fazer 
outra  Dcola,aque  chamavão  fortuna,  não  caindo 
na  conta,  que  não  íe  bolle  huma  palha,  fem  von- 
tade de  Deos ,  6c  que  todas  as  couías  fe  governâo 
por  fua  particular  providencia  ,  como  temos  os 
Chriftâos  porfé  certiffima.VejafcanoíTaannota- 
ção  lobréa  Fortuna  no  canto  primeyro,  oytava. 
í|4.ÔC  dos  Fados  no  meímo  canto,oytava  24. 

MAs  d  que  luz  tamanha^que  abrir  Jinto 
Dizia  a  Nympha^tè avoz akuantava 
Là  no  mar  de  Melinde  em  fangue  tinto 
*Das cidades  de  LamOide  Oja,&  Brava 
^e/o Cunha  tambem^que  nunca  extinto 
Será  fèti  nomeiem  todo  o  mar  que  lava 
As  ilhas  do  Auflro ^^ prayaiyque  Je  chamao 
Defão  Lourenp^S'  em  todo  o  Sulfe  afamão, 

■    \       ■  r  -    ■' 

Dat  Cidadn  de  Lamo.Oja^ér  Brava.  Lamo,  Oja, 
&  Brava,faô  Cidades  na  coíla  de  Melinde,  chama- 
da por  outro  nome  coíla  de  Moçambique  ,  por 


Cdnto  Decimo,      -t.x^i 

cftarcm  eftes  lugares  nella  pouco  diílantcs  hutn.^ 
do  outro»  a 

Ptlo  Cunha.  Efte  toy  Triftão  da  Ciinha,  o  quâV 
foy  por  Capitão  mor  a  Índia  com  quarorzc  velas," 
na  qual  conlerva  hia  o  grande  Afí-bnço  de  Albu- 
querque no  anno  de  1506.  Eílc  dcílruio  as  ditas 
trcs  Cidades  da  cofta  de  Melmde  ,  como  Ic  pôde 
ver  cm  Joaó  de  Barros  na  icguuda  Década  ,,iiv,i, 
cap.5.  ^niv  f.  stí-ue- í'vic[  .v:;i3i  ^    .  :,j:' 

^1  ílèas  do  Aufro,  São  Ilhas  ,  que  caem  ao  Sul, 
porque  Âuílro  he  hum  vento  ,que  lopradaquel- 
las  partes.  NcíU  paragem  delcobno  Triílão  da 
Cunha  humas  llhas,quc  hoje  em  dia  íe  chamão  de 
feu  nome.  Entrou  também  na  lJhade.$.Louren., 
ço  ,  como  aqui  diz  o  Poeta  ,  &  fez  muytas  coufas, 
nelhs  partes  ,  que. le  podem  ver  na  fegundaDc- 
cadade  Joaó  de  Barros,  liv.i  .cap.i.  que  por  evitar 
prolixidade  não  ponho  aqui. 


40 

E  St  a  luz  hidofogo^&das  luzentes 
Armas ^cÕ  q  Albuquerque  ira  amarando 
Tie  Ormuz  os  'Parfcos  ^porfeu  malvaleníes^ 
J^ue  recufàd  o  jugo  honro fOy&  brando, 
A/y  verão  as  f et  tas  eftridentes 
Reciporcarre%<iJ^onta  no  ar  virando. 
Contra  quem  as  tirou^que  Deos  peleja 
Tor  quem  ejltnáe  a  fè  dd  madre jgrejg, 

Pc  Ormuz,  os  Par/eot.  Sobre  efte  lugar  íc  veja  a 
noflaannotaçáo  no  fegundo  canto. 

Aí  fettaí  reciproearft,  Porquç^as  fetcas  ,  queo^ 
Mouros  tiravâp,tornavão  para  traz  ,  &  matavâf 
os  mefmos  Mourps. 

41 

ALy  defalos  montes  naS  defendem 
De  corrupção  os  corpos  norombate^ 
^e  mortos  pelapraya^&  marfeejíendem 
De  Gerum^de  Ma/cate  j&  Calayate, 
Atê  que  âforçajò  de  braço  aprendem 
Aabaxar  a  ceruiZyOnde  fe  lhe  ate 
Obrigação  de  dar  o  reyne  inico 
Da^perlas  deBarem  tributo  rico. 

Alli  de  fal  oi  montes  não  defendem.  Em  Ormuz 
pelas  paredes  das  calas  há  geílo.  O  (ai  eftâ  em  hu- 
ma ferra ,  que  íc  chama  de  Gil  Lobato  ,  o  qual  he 
em  tanta  quantidade ,  que  fe  faz  dcUe  o  laftro  para 
as  nãos. 

De  Gerum,  de  Mafcate^  &  Calayate.  Sá  o  lugares, 
que  eílão  de  Socotorá  para  Ormuz.  Geriím  h© 
Órmuz.Vejafe  o  que  efcrevcmos  no  ícgundo  can-^jj 
to,oytava  49.  JH| 

Das  perlas  de  Baremtrihuto  rico,  Barcm  he  huma  ' 
Ilha  de  Ormuz,onde  fe  pelca  aljôfar,  a  que  aqui  o 
Poeta  chama  tributo  rico.    ,. 


Lufiadas  de  Luis  de  CapiÕes  Commentados. 


^7f 


41 

Q 'De gloriofas  palmas  tecer  vejo, 
Com  que  viBoria  afronte  lhe  coroa j 
fiando fem  fombravãa  de  meão iou  pejo 
Tomaaílhailluflrijffima  de  Goa^\ 
'Despois  obedecendo  ao  duro  enfejOj 
Adeyxa^à'  occajião  efpera  boa^ 
Com  que  a  torne  a  t ornar .^que  esforço ^it'  arte 
Vencerão  a  fortuna  Jê  oproprio  Marte. 

Toma  a  Ília  illuftrijjima  de  Goa.  De  Goa,  do  íeu 
fitio  ,  &  tomada ,  &  tudo  o  que  pertence  para  en- 
tendimento deíla  oy  tava  ,  le  veja  o  que  efcrevc- 
mos  no  canto  íegundo ,  oytava  51. 

45 

ETs jàfohre ellatorna^^  vayrompenàa 
Tor  muroSifogOilanças\é'  pelouros, 
Abrindo  com  a  efpada  o  efpejfoyè  horrendo 
Efquadrão  de  Gentios, à*  de  Mouros, 
Irãofoldados  Ínclitos  fazendo 
Mais  que  liões  famélicos  ^&  touros  ^ 
NaluZjquefemprecelebraaa^Ó'  dina 
SeràdaEgypctafanta  Cathertna, 

Será  da  Egj/pcia  Santa  C<»íi&cn>i(í.Iftodiz,porque 
Goa  foy  tomada  a  ultmia  vez  da  qual  ficou  em 
poder  dos  Portuguezesaté  hoje,  emdiadabem- 
aventurada  Santa  Catherina  ,  á  qual  chama  Egy- 
pcia  ,  porque  foy  natural  de  Alexandria  Cidade 
doEgypto, 

.44 

NEm  tu  menos  fugir  poderás  defle, 
Yofto  que  rica^&pofío  que  affentada 
La  no  grémio  da  Aurora  onde  najcejU^ 
.  Opulenta  Malaca  nomeada. 
Asfetas  venenofas^que  fizefle^ 
Os  crifes  com  quejâ  te  vejo  armada^ 
Malayos  namorados  laos  valentes. 
Todos  f ar  as  ao  Lufo  obedientes. 

Opulenta  Malaca,  Malaca  rica.^Chamalhe  aíTim 
pelo  muyto  ouro  ,'quc  a  ella  vem  de  varias  partes 
por  comercio.  Do  fitio  de  Malaca,  &  lua  tomada 
pelos  noílbs  trattey  no  fcgundo  canto. 

Oi  cri/ei.Sâoarmas,dcqueulaõos  Malayo?  com 
os  cabos  muyto  galantes,  ao  modo  de  traçados,  & 
arcados  afiim  como  os  nofios  lequcs,&  fervem  en- 
tre elles  como  entre  nós  as  adagas.  Maiayos  íaó 
naturacs  da  Ilha  Malaca.  Chamalhe  namorados, 
porque  diz  que  o  laõ  elles  muyto.  ]aos  valentes, 
faó  gentes  de  Jaca ,  que  viera í)  em  íoccorro  a  Ma- 
laca contra  os  Portuguczcs. 


45 

MAls  efl ancas  cantara  efta  Syrena 
Em  louvor  do  tlluHfíffimo  Albuquerque 
Mas  lembroulhe  huma  tranque  o  condena^ 
^ojlo  que  afama fua  o  mundo  cerque, 
O  grande  Capitão ^que  o  fado  ordena 
Slue  com  trabalhos  gloria  eterna  merque] 
Mats  ha  defer  hum  brando  companheyro 
^ara  os  f eus  , que  juiz  cruel !£  tnteyro 

Mais' e/f  ancas,  Efira  Syrena  he  Tethys  fcnhora 
do  mar,quc  hia  declarando  aos  Portuguczes  o  que 
lhe  havia  de  lucccder  nas  partes  da  índia  ,  &náo 
proíeguio  os  louvores  de  AíFonçodc  Albuquer- 
que por*huma  crueldade  ,  que  uíou  contra  hum 
ioldado  íeu  por  nome  Ruy  Dias  natural  de  Alen- 
quer ,  o  qual  mandou  enforcar  por  lhe  entrar  de 
noyte  na  fua  camará  com  huma  efcravaíua  .  que 
cativara  cm  Goa  ,  como  conta  Caílanheda,  liv.  5, 

câp.ipi 

§iue  eúm  trahalhot,N cnhu  ma  couía  boa  íc  alcan- 
ça na  vida  lem  trabalhosielles  dão  honra. Vejafcq 
que  elcrcvemos  no  canto  nonoioy tava  3^. 

MAs  tem\tempo  que  fomes  fê  afperezas 
Doenças.frechasy&  trouões  ardentes 
AJazãõ^&  o  lugar  fazem  cruezas 
Nosfoldados  a  todo  obedientes . 
parece  de  felvatícas  brutezas^ 
1)e  peytos  tnhumanos^&  Infolentes, 
T)ar  extremo fupplkio pela  culpa j 
^e  a  fraca  humanidade  j&  amor  ãefculpa. 

§ijfea^ fraca  humanidade  ,  ó'' amor  defculfa.  Ne- 
nhum pecado  continuado  tem  defculpa  ,  antes 
roereCe  muyto  grande  pena  hum  tão  grande  atre- 
vimento, como  elle,  que  commcttco  cfie  foldad9 
ociofo  ,  que  foy  entrar  na  caía  do  fcu  Capitão 
mòr,  &  nella  trattar  com  huma  eícrava  fua.  Pelo 
que  o  nofib  Poeta  não  devia  neíla  parte  moílrar- 
ie  tão  rigorofo  contra  hum  táo  honrado,  6c  Pon- 
tual Capitão,  &  que  tudo  fazia  também  feyto  an- 
tes lhe  houvera  de  parecer  mal  huma  táo  ídeíen- 
volta,&  delenfrcada  maneyra  de  proceder  cm  cafa 
aonde  devia  ter  diíFcrente  refpeyto,  &  em  tempo, 
que  melhor  contado  fora  andar  com  o  íentido  em 
Deo3,que  cm  íenlualidades,&:  dcícnvolturas.^ 

+7 

N  Am  fera  a  culpa  abomino fo  inceflo^ 
Nem  Violento  eflupro  em  virgem  pur ai 
Nem  menos  adultério  deshoneffd 
Mas  com  huma  efcrava  vilja/clvatejcura. 


íSo  Cantou  ecimo» 

Se  opeytooudeciofo^oude  modefio  çarcomellâ  ,  porque  lhe  diziáo  quecramuyto 

Ou  de  vfado  a  crueza  fera,^  dura,  fer mofa. Araípas.que  le  havia  cnado  de  moço  com 

r^->         '       I  •   ^     'í       „;;„^«/u-^  Cvio  ,  vcndo  O  QUC ulavacom  Panthea ,  6c  que íc 

C 0  0$ (eus humatratníananaorefrea,  -    c       a  n      í^      i  -         »  ^  v.i«; 

^v   ^yi.*»a  r^wf/it**         /  /       .  naofiavadeu  nicímo:peloquenaona  via,Iançan- 

Toem  na  fama  alva  noda  negra.&Jea.  ^^  grandes  barbaras ,  difie ,  que  bem  fora  eílava  o 

amor  de  poder  mais  que  elle  ,  &que  fe  clpantava 
Ahaminofoinceflo,  Efte  dito  de  Luis  de  Camões     muyto  de  Cyro  ler  para  tão  pouco ,  Cyro  lhe  eii- 
he  de  alguns  homens,que  defculpaó  íeus  vicios,6c     tregou  logo  aquella  mulher  para  a  ter  em  fua  guar- 
da, O  qual  (e  deu  tal  manha  nelte  negocio,  que  fe 
perdera  por  amor  de  Panthea,  fc  Cyro  onãorc- 
mcdeara :  porque  não  fomente  lhe  perdoou  a  cul- 
pa ,  mas  le  fervjo  dellc  em  hum  negocio  de  impor- 
tância ,  como  diz  aqui  o  Poeta  ,  Ôc  refere  Xeno- 
phonte  na  Pedia  dçj  Cyrio* 
:íL!{JO0i 

45) 


os  tem  por  nada,  vendo  que  fe  commettem  outros 
mayores.  Não  le  pôde  negar  haver  vícios  torpil» 
íimos,  êc  muyto  mayores  que  outros,6c  dignos  de 
caíligo  extraordinario.Nem  por  ifloos  que  com- 
mettem os  menores  Hcáodiiculpados ,  como  efte 
íoldado  aqui, o  qual  ainda  que  náo  commetteo  ne- 
nhum dos  vicies  de  que  o  Poeta  aqui  tratta  ,  náo 
deyxou  de  merecer  o  caftigo  »  que  o  Capitão  mor 
lhe  deu  por  fua  foltura,&  detconcerto,  comoíica 
dicto.Inceílo,he  peccado  commettido  eom  aquel- 
la,com  que  he  prohibido  cafar:como  roãy,irmá,íi. 


7i/t  ^s  vendo. ò  illuftre  Ter/a  ^que  venctde 
X.Vx  Fora  de  amer^q  em  fim  não  tem  defenfa 


Jha,parenta  muyto  chegada,  ou  virgem  confagra-     Levemente  o perdoa^&  foy  fervido] 


da  a  Deos.Chamafe  efte  vicio  entre  os  Latinos  i«. 
tefttm  ,  quaíi  incajium ,  por  fer  contra  o  primor  da. 
caftidadc.  Outros  o  dinváo  do  Grego  ,  &  dizem, 
que  ccfto  era  huma  certa  cinta  ,  que  as  donzellas 
trazião,  a  qual  leu  prtmeyro  efpofo  lhe  tirava  o  dia 
de  leu  recebimento.  Eíteattribuiâoa  Vénus  ,  do 
qual  ufava  fomente  nos  matrimonio  licito» ,  para 
attrahir  algum  a  amor.  Daqui  tudo  o  que  era  con- 
tra efta  obrigação  chamaváo  os  Latinos  ince^o, 
Eftupro  hc  propriamente  peccado  commettido 
com  irioiher  donzelia.  Adultério  com  molher  ca- 
fada. 

48 

VIo  Alexandre  a  Apelles  namorado 
T>ajua  CãpafpeJr  deulha  alegremente 
Nãofendofeu/òldado  exprimentado^ 


T^efte  num  c  ajo  grande  em  recompenfa^ 
Tor  força yde  luditafoy  marido 
O  férreo  Balduíno  ^mas  di/penfà 
Carlos pay  delia, pofio  em  coufas grande:, 
^e  viva ^^ povoador fej a  áefr andes, 

Vor  força  ãe  luâitta.  Efte  Baldovino  povoador 
da  terradcFlandes,  em  tempo  de  Carlos  fegundo 
Emperador  dos  Romanos ,  foy  muyto  esforçado 
cavalleyro,o  que  lhe  deu  atrevimento  a  furtar  hu- 
malilha  dodito  Emperador  ,  por  nome  Juditta. 
O  Emperador  fentio  muyto  efta  afronta, mas  dií- 
fimuloua,&  paliou  por  ella,por  Baldovino  ler  ho- 
mem de  grande  prudência  ,  6c  cavallaria  :  6ç  náo 
íomente  diflimulou  ,  mas  deulhe  a  terra  de  Flan- 
des,  que  naqucllet<'mpoeradelerta,&  muyto  dif- 


Nem  vendofe  em  hum  cerco  duro,&  vrgénte,  ^   Gerente  do  que  agora  he,a  qual  elle  aproveytou,ac 


Sintio  Cyro  que  andava jà  ahraz^ado 
Arafpas  de  Tanthea  em  fogo  ardente^ 
§He  elle  tomara  em  guaraaJS  promettiãf 
^e  nenhum  mao  defèjo  o  venceria^ 


povoou,  como  refere  a  Chronicà  do  mundo. 


50 
*T^^  As profeguindo  a  Nympha  o  lego  cato 


T)e  Soares  cantava^que  as  baudtyras 
Farta  tremolar^por  efpanto 
Trelas  roxas  Arábicas  ribeyrar, 
Medina  abominável  teme  tanto, 
^anío  Mecaj&  Gidã  cÕ  as  ãerradeyras 


Via  Alexandre  \Ap&lla  namorado*  Conta'  Plinio, 
que  mandando  Alexandre  Magno  retrattar  huma 
molher  por  nomeCampaípe  a  Apelles  leu  pintor, 
le  afleyçoou  tanto  Apelles  á  Campafpe  ,  «que  o 

veyo  a  lèntir  Alexandre.  O  qual  náo  lômente,  o     „^  t     ^,    ^    n     i     ^  ^ 

náocaftigou  poriflb.aindaque  ellctinha  particu-     Prayas  de  Aba(Jia\Barbora  fe  teme 
larafteyçãoaCampafpe,maslhadeu  por  molher.     'Bo  mal  de  que  o  Empório  Zeylageme. 

Sentto  CyrtyCjue  andava  \â  ahraz.adú.  Entrando 
Cyro  Rcy  dosperfas  por  Aíliria  á  íorça  de  armas 
entre  outras  coufas ,  que  houve  do  arrayal  dos  Af- 
íirios  ,  foy  huma  molher  cafada  com  Abradaras 
Rey  dos  Sulos,  grande  cavalleyro,  &  da  parciali- 
dadedos  AíTirios.  Efta  molher  fe  chamava  Pan- 
thea, como  aqui  a  nomea  o  Poeta.  Como  Cyro  an- 
dava em  guerra,  6c  de  tantos,  6c  tão  aíperos  inimi- 


Ma$  trefeguindo  a  Nympba,  No  anno  de  1551. 
houve  El-Rey  Dom  Manoel  por  leu  ferviço  ,  que 
AffoHço  de  Albuquerque  le  vielle  para  efte  Rcy- 
no  pelo  que  mandou  á  índia,  com  humafrottadc 
treze  nãos  ,  para  ficar  por  Governador ,  a  Lopo 
Soares  de  Albergaria.  Efte  partio  a  fette  de  Abril 
do  dito  anno  ,  6c-a  dous  de  Setembro  do  mclm< 


gos ,  não  quia  ver  a  Panthea  ,  por  fç  não  embara-    lurgio  na  barra  d«  Goa,  citando  Hffonço  de  AU 

buquerqu«j 


Lujiadas  de  Luis  de  CafnÕes  Commentados.  2  8 1 

buqucrqiic  cm  Ormuz.  O  qual  parado  para  Goa,  Cuaqucmif,  Macua ,  Arquiquo  ,  que  he  do  Preítc 
para  íe embarcar,  ôc  vir  para  o  Keyno,morrco  na  Joaô,barbora,í<<:Zeiia,queelLara  cinco  léguas  do 
lua  barra  hum  Domingo  antemanhã  dczaíFeis  de  eílreyto.  Chama  a  Zeila  limporiOjpor  ler  terra  de 
Dezembro  de  1515.  rnaycotratco,  que  lílohe  empório  na  língua  Gre» 

tdai  roxai  Arahças  rUfeyras.V^nio  Lopo  Soares  ga.  rie  muy  to  bem  arruada,  5c  tem  boas  calas  de 
ác  Goà  para  o  eítreyto  do  mar  roxo  na  entrada  pedra ,  &  cal.  Os  moradores  laó  Mouros»  Sc  pela 
de  Fe vereyro  de  1 5 17.  com  huma  armada  de  crin-  niay or  parte  ncgros,mas  trattaólc  bem,ôc  andaõ  a 
ta  ÔC  leis  velas ,  em  que  levava  3000,  Portuguczes,  cavallo.  Defte  lugar  ,  &  de  Barbora  ,  por  lereia 
cona  os  quaes  mcteo  em  grande  temor  ,ôcconfa-  muyto  abundantes,  vaómuytos  mantimentos  aos 
iaó  todos  os  moradores  daquellas  partes^a  que  cha-  lugares  do  eílrcyto  do  mar  roxo.Diz  aqui  o  Poeta, 
ma  roxas  Arábicas  nbeyras,por  aquelle  mar  eílar  que  Barbora  le  teme  do  mal  ,  de  que  ainda  Zeila 
na  coita  de  Arábia,  ôc  mar  Roxo.  geme  ,  porque  Ruy  Galvaó  Capitão  de  hum  na- 

Mtdina  abominável»  Medina  hc  hum  pequeno     vioqueymou  vinte  nãos,  que  eílavão  no  porto,  Sc 
lugar  ,  que  cita  do  porto  de  Liumbo  da  coita  de     logo  no  anno  feguinre  tez  António  de  Salda- 
Arabiâ  entre  Gida,Sc  Toro  pelo  lertâo  dentro  co-     nha  o  mclmo  cm  Barbora. 
mo  dous  dias ,  de  caminho.  Não  hà  em  eíie  lugar 

íenão  huns  Mouros  tido?  entre  elles  por  Santos,  -  j 

Com  as  unhas  alienadas, os  quaes  fe  mantém  de  ef-  _  ^ 

inoirts,que  lhe  vem  do  Cayro,  &  de  outras  partes.       A    Nobre  ilha  também  da  Taprobana^ 
Neitc  lugar  eílão  os  oílos  do  peft;ifcro,&;  maldito     JljL  J  apelo  nome  antigo  tamf amo/a, 
Matamede  ,  em  huma  lepultura  no  meyo  da  cafa,    ^lanto  agorafoberbaj&  foberana 
cercada  de  grades  de  ferro  :   Poílo  que  Diogo  do    'j-^ela  COYttça  cálida  cheyrofa. 
Couto  Chronilta  da  índia  tem  averiguado  ,  que    cj^.u^  ^^rd  tributo  ã  Lufitana 
liao  haem  meyomais,quehunsbanhos,cmqueos      „  ^.  ^  ,  /^  -^       .  .   - 

Mouros romeyrosfe  vão  lavar,  cuydando  queaf-    B^ndeyra,  quando  excelfa,^  golrtofa 
fim  hcao  hmpus  de  léus  peccados.De  Gida,&  Me-    Vencendo/e  erguera  na  torre  erguida, 
a  le  veja  a  nollá  annotaçáo  no  canto  nono  ,  aon-     ^^  OlumbOjaosproprios  tao  temida, 
de  tratcàmos  largamente  deitas  matérias. 

Praja$  de  Âhaj/ia,  Para  declaração  deíle  lugar         An»brt  Ilha  TapPúhans^  Taprobana  hc  a  Ilha  d« 
)ie neceliario  trattar  alguma  coulado  íitio  do  cl-     Ccylaó  lugeytaaos  Reysde  Portugal, como diíl* 
trcyto  do  mar  roxo,  para  o  qual  le  ha  de  notar,quc     atrás  no  i.Canto.  Chamaólhe  os  moradores  Gele- 
çfte  mar  fe  divide  em  três  faxas  ,  ou  cintas:  a  do     naruz,  que  quer  dizer  terra  viçola,  por  ler  a  mais, 
ÇDcyo  ,  que  cnteíta  com  a  garganta  do  eítrey  to ,  a    que  há  na  Índia.  Os  moradores  íaó  Gentios,  ainda 
que commumrocntcchamáo  portas  por,  entrar  o     que  nas  partes  do  mar  vivem  alguns  moradores 
çiar  por  ellas ,  he  mar  limpo  ,  &  que  fe  navega  de     Mouros,  mas  fugcy  tos  ao  Rey  da  terra,  o  qual  hc 
dia,íknoyte,8c  terá  de  largo  trinta  léguas.  Asou-    Gentio.  Andavaõ  entaó  todos  nús  da  cima  para 
trás  duas  taxas,queeftáo  de  huma,  Sc  outra  banda     cima,  &  trazem  as  orelhas  furadas  de  modo,  que  a 
<ias  portas,hemar  aparcellado,com  muy  tas  rcílin-     pcHe  chega  aos  hombros  ,  &  nos  dedos  muy  tos 
gas ,  &  bayxos ,  peio  que  fe  não  navega  de  noyte.    anéis.  Por  efta  terra  fcr  muyto  rica,&  aSundant» 
As  portas  deite  eitrcyto,a  que  chamão  os  morado-    de  todas  as  coufas ,  fe  vaô  muytas  gentes  de  outras 
rcs  Babel  Mandem  ,  he  hum  paflb  eílreyto  como     partes  a  viver  nella.  Os  matos  faó  de  larangcyras, 
de  Lisboa  a  Almada,  poíto  entre  Arabia,Sc  Africa.    &  limoeyros,&  de  outras  muytas  arvores  de  f  ruy - 
•  Da  banda  de  Arábia  eftà  o  cabo  PoíTidonio  ,  do     ta  da  terra.  DeBengala  lhe  vem  mel ,  açúcar,  Sc 
qual  à  outra  fronteyra  de  Africa  haverá  diítancia     manteyga,  que  naó  há  na  terra ,  Sc  aíTim  arroz  de 
<le  feis  léguas ,  no  qual  cípaço  eftáo  fete  Ilhas  tão     outras  partes.  Hâ  ncíta  Ilha  a  melhor  canela  do 
pcgadashumascomoutrasqucviílas  de  longe  dos     mundo  ,  ÔC  nace  pelos  matos  em  humas  arvores, 
que  navegáo,  cuydáo  não  haver  alli  mar,  até  que     como  louros :  há  também  grandes  clephantcs  ,  Sc 
chcgaó  muyto  perto  delias.  As  feis  eftão  junto  â     muytos. O  Governador  Lopo  Soares  entrou  ncl-] 
terra  de  Afnca  ,  Sc  huma  á  de  Arábia  ,  a  qual  os     ta  Uha  por  força  de  armas  no  mcz  de  Novembro 
Mouros  chamão  Mehum,  atraveíTadanaboca  do     de  1518.Sc  fez  nella  fortaleza,  Sc  o  Rey  tributário, 
eltrcyto,  por  entre  a  qual,  Sc  terra  firme  navegaó     por  naó  querer  paz  com  os  nollos  por  confclho  dos 
asnaos  para  differentes  partes.  Na  coita  de  Ara-     Mouros  de  Calecut.Os  moradores  delta  Ilha  fallaó 
biaeitâo  eitcs lugares :  Camarão,  Geza  ,  Zidem,     i  lingua  do  Malavar  ,  Sc  Chararoandcl.  Alguns 
Gidá,Liumbo,  Toro,do  qual  até  o  monte  Sinày,     quizcrtó  que  Taprobana  foíTe  Samatra ,  mas  en- 
aondeeítà  o  corpo  da  Bcmaventurada  Sania  Ca-     ganaõfe  ,  comotratta  largamente  Joaó  de  Barros 
therina  pelo  Icrtão  dentro  haverá  dezoyto  legoas:     na  j.Decada  liv.a.cap.i.Gafpar  Barrryro?  no  trat- 
ScSuez.quehe  o  ultimo  lugar  daquella  coita.  Hà     tadodeOphyr,  Maífeo  na  fua  hiíloria,  aonde  diz 
outros  alguns  lugares,  mas  de  muyto  pouco  nome.     que  o  vulgo  dos  Geographos  lhe  chama  Samatr?»; 
Os  lugares  da  coita  de  Africa,  começando  da  par-     A  defcripçaó  deita  Ilha,  Sc  fuás  antiguidades  con- 
te aonde  caye  Sucz,faó  eítes:Corofidolo,Alcoccr,    ta  bem  Diogo  do  Couto  na  Década  6.  fiw  Columbo^ 

Nn  Columbo 


%%L 


Canto  *Z>edmol 


c  ulu  mbo  he  hum  lugar  pequeno,  mas  o  principal 
porto  dl  HhadeCeylaó.Os  Reys  da  terra  refidcin 
diííancia  de  huina  légua  defte  porto  em  hum  lu- 
gar chamado  Cotta.  Ncílc  porto  Columbo  fizcraõ 
os  noHos  â  foi  taleza  por  força  dearmas,como  con- 
ta Juao  de  Barros  na  j.Dccada, 

TAmbem  SiqueyYãjãs  ondas  Erythreas 
Dividindo  abrirá  novo  caminho^ 
'Para  ti  grande  imperio^que  te  arreas 
T>e/eresde  Candace^&  Sabà  ninho: 
Mdçuà  com  cifternas  d' agua  cheas 
Vera^^  oferto  Ar  quico  aly  vizinho  ^^ 
Efura  defcobrir  remotas  ilhas , 
^le  dão  ao  mundo  novas  maravilhas* 

Também  Si^ueyra,  Eíle  he  Diogo  Lopes  de  Sí- 
queyra  ,  que  fnccedeo  na  governança  da  índia  a 
Logo  Soares  de  Albergaria.  Partio  de  Liiboa  a 


55 


Vira  déspois  Menefes^cujoferro 
Mais  na  Africa  que  cà  terá  provado, 
CajiigArà  de  Ormuz  foberba  o  erro. 
Com  lhe  fazer  tributo  dar  dobrado. 
Também itu  Gama^empagodê  defterro 
Em  que  efiãSi&/erãs  inda  tornado^ 
Co  os  títulos  de  Condeno"  honras  nobres, 
Vir  às  mandar  a  ter  rasque  de/cobres, 

Viràilepoii  Mtnt%ei.  Eftc  foy  Dom  Duarte  de 
Menezes  filho  hcrdeyro  de  Dom  Joaô  de  Mene- 
zes Conde  de  Tarouca,Prior  do  Crato,da  Ordem 
de  SJoaó  ,  6c  Capitão  de  Tangere  em  Africa  ,  & 
Mordomo  mór,  que  fora  dacalad?El-Rey  Dom 
Manoel ,  &  feu  Alferes  mór  ,  peíloadas  notáveis 
deite  RcynojaíTim  pelo  langue  claro  defua  linha- 
gCjComo  por  íua  cavallaria,&  qualidades:&  como 
era  pelloa  táo  abalizada  EURey  Dom  Manoel  e 


27.  de  Março  de  1,5  ih'.  Chegou  a  Goa  a  oy to  de     mandou  por  Governador  da  Índia  com  mayor 


Setembro  do  meímo  anno.  Depois  de  ter  leytas 
algumas  coulas  neçellarias  para  quietação  da  ín- 
dia íe  partio  para  o  eftreyro  ,  como  tinha  por  or- 
dem, 6c  provizáo  d^El-Key  Dom  Manoel,  a  treze 
de  Fevéreyrodc  1510.com  huma  frota  de  vinte  6c 
quatro  velias,cm  que  levava  até  mil  6c  oytoccntos 
Portuguezes.  E  entrou  pelas  portas  do  eftreyto  a 
17.  de  Março  do  dito  anno.  E  porque  a  tenção 
d'El.Rey  Dom  Manoel  era  principalmente  def- 
truir  os  Rumes  ,  que  tinha  por  nova  certa  hirera 
áquelic  eftreyto  para  fazer  fortaleza  nclle ,  &  to- 
mar porte  da  terra :  6c  fegundariamente  por  levar 
hum  Embayxador  do  PrefteJoao,por  nome  Mat- 
theus  ,  queveyo  a  efte  Reyno  com  Embayxada 
d^El-Rey  Dom  Manoel  ,  6c  faberem  principal 


ordenadojdoque  teve.  nem  antes,  nem  depois  al- 
gum outro.  Sahio  defte  Reyno  com  huma  frott.i 
de  doze  velas  a  cinco  de  Abriljde  1521.  Succedeo 
a  Diogo  Lopes  de  Siqueyra  na  governança  da 
Índia.  O  qual  lha  entregou  a  dous  de  Janeyrode 
1512.  Diz  o  Poeta,  que  Dom  Duarte  de  Menezes 
tinha  provado  feu  ferro  mais  em  Africa  ,  que  na 
Índia  ,  porque  cfteveporCapitão  mór  em  Tan- 
gere ,  Sc  houve  grandes  vittorias  de  Mouros.  E 
que  caftigará  de  Ormuz  íoberba  o  erro  ,  porque 
quietou  o  Reyno  de  Ormuz  ,  que  eftava  levanta- 
do conna  os  noflbs  ,  6c  havia  grandes  trayçóes 
nellc, 

lambem  tu  Gama,K{[e  he  Dom  Vafcoda  Gamt 
Conde  da  Vidigueyra  Almirante  do  mar  da  índia. 


54 


mente  dascoufasdaquelle  Príncipe  ,que  El-Rey  ÔC  o  primcyrodercubridordclIa.Partio defte  Rey- 
tanto  procurava.  Diz  aqui,que  Diogo  Lopes  nas  no  por  Vilo-Rey  a  nove  de  Abril,  de  1 524.  com 
ondas  Erythreas,que  faó  no  eftreyto  do  mar  roxo,  quatorzc  velas.  E  porque  não  durou  no  governo 
abriria  caminho  para  o  grande  Império,  que  le ar-  da  Índia  mais  que  três  mezes  8c  vinte  dias,  porque 
rca  de  íer  moradade  Candace,6cSabà,  quche  o  faleceo  ,  não  temos  que  trattar  dcile.  O  que  fez 
grande  império  do  Prefte  Joaô  na  alta  Ethiopia,  nefte  tempo  na  lndia,6c  o  que  lhe  íucccdco  no  ca- 
na qual  terra  foraó  Raynhas  Candace  ,6c  Sabá  taó  minho  le  pódc  ver  largamente  era  Joaó  de  Barros, 
nomeadas,6c  iabidas  pela  Elcrittura  Sagrada;  na  terceyra  Dccada,liv.^.cap.i, 

Macua  comcifíernat  de  agua  chea.^^ot  todaaquel- 
la  cofta  do  mar  roxo ,  aílim  de  Arábia  ,  como  de 
Africa  há  muy ta  falta  de  agua  ,  por  haver  muyto 
poucos  rios,  6c  nenhuma  fonte,  pelo  que  a  agua, 
quehâdcpoços,  he  muyto  roim.  QuantoaMa- 

cuá.de  que  aqui  talla  o  Poeta,6c  nós  falíamos  atra's  llluftrado  com  aRe^ia  dignidade^ 

^u^í""^  í^^^  na  cofta  de  Africa.  E  conta  Ca(h-  7>  tirará  do  mundó.&fetis  enganos, 

nheda,  que  nefte  lugar  achou  Diogo  Lopes  de  Si-  q^^^^  Menefes  lofio.cuja  idade 

queyra  quarenta  6c  neve  cifternas  fechadas  ,  re-  tj  \     J"     • 

íriuflHa^Tn-jra «  ^«         4         ^  1  A     «.      * «.  •"<' mayor  naprudencta  que  nos  annor. 

icjvaaasparao  tempo  daneccflidade ,  6camuyto  ^        -^      ^  j   r     "      j\.    n      ■ 

bom  recado  ,  por  fer  terra  que  tem  n>ais  falta  de  Governar  a:&  faraó  O  dito  Henrique^ 

iígoa ,  ijue  de  outra  alguma  coufa.  O  mcfmo  diz  ^eferpetua  memoria  dellefque% 
Joaó  de  Barros  na  terceyra  Década  liv.  5.  cap.  10. 

aonde  tratta  do  fitiodefta  ilha  ,Ôc  outras  particu-  ,.  Outro  Meneuilogo.A  Dom  Vafco  da  Gama  por 

iaridadesluas.  '  '  iei  ' 


MAs  aquella  fatal  nece/fidadej 
'De  que  ninguém  fe  exime  dos  humanos 


I 


feu  falecimento  luccedeo  Dom  Henrique  de  Me- 
nezcs  de  Alcunha  o  roxo.  O  qual  ainda  que  náo 
era  velho  de  idade,  era  homem  de  muyca  prudên- 
cia ,  ôc  muyco  cavalleyro ,  &  aílim  fez  maravilhas 
contra  EI.Rey  de  Calecut. 

5  5 

NAÔ  venceràfsmente  os  Malabar es^^ 
Dejiruyndo  Tanane^com  Coulete^ 
CBinet tendo  as  bombardas, que  nos  ares 
Se  vmgãojódo  peytoqueas  comette. 
Mas  com  virtudes  certo  fingulares 
Vence  os  imigos  d' alma  todos  Jette^ 
'Decobíça  triíímpha/$  incontmenciai 
^ut  em  t alidade hejumma  excellencia. 


Lujiadas  de  Luís  de  Camões  Commentados, 


2> 


Succederdí  ifórie  Aaafcarenhas.  Por  fíilecimentt^, 
de  Dom  Henrique  de  Menezes  luccedia  por  fe- 
gunda  via  Pedro  Mafcarenhas  Capitão  de  iMalaca. 
Mas  porque  não  eftava  na  Índia  ,  nempodm  acu^ 
dir  a  ella  ,  le  não  dahi  a  onze  mezçs  por  amor  da^ 
monções,  foy  aberta  a  terceyra  via  ,  na  qual  hia 
Lopo  Vaz  de  Sampayo  :  o  qual  ainda  que  coni 
contradição  de  muytos,diílençôes,Ôc  revoltas  foy 
Governador. 

Mais  de  palmai  eoroadaMo  diz  pelo  que  fe  trat- 
ta  na  oytava  ícguinte  do  que  fez  cm  Bintáo.  O 
que  o  Poeta  aqui  attribuye  a  injuftiça  ,  heem  lua 
aufcncia  darfe  a  governança  da  Índia  a  Lopo  Vax 
de  Sampayo:deílas  eleyçócs,  &  dilcordiaseícrcve 
largamente  Diogo  de  Couto  na  quarta  Década. 


57 


NO  Reyno  de  Bmtão,que 
Terá  a  Malaca  muyto  tt 


ta?itos  dan§s 
muyto  tempo  feyt os. 


Def  ruindo  Panane  com  Coulete.  He  Pananc  huma 
povoação  d^El-Rey  de  Calecut  das  principaes, 

que  elle  fero,  fituada  ao  longo  de  hum  rio  de  agua  Num/ò  dia  as  injurias  de  mil  annos 

doce.  Ao  tcmpo,que  Dom  Henrique  a  accommet-  Vingarás  c'o  valor  de  illujires peytos 

tco,náo  era  cercada  de  muro,mas  tinhaó  os  Mou-  Trahaíhos^&periaos  inhumanos, 

ros  teyta  huma  defeníaó  de  madeyra  com  eran-  ^íArn/h^c^^v-vL^^.:/  ^  rr       a     \ 

des  enLlhos ,  &  terra,  que  fazião  hum  tortf  mu-  ^^^'^^<^' férreos  ml, paffos  ejireytos, 

ro,aonde  tinhão  muyta  artelharia,  como  o  Poeta  iSm^jy^^s,balvarteSyUnçáS  jtttas 

diz  neíU  oytava.  Coulete  hc  outro  lugar  na  mcf-  ^^^^  1}CO^querom{as^  fomettas 
ma  coíla  do  Malavar  féis  léguas  de  Calecut  íitua- 

do  ao  longo  da  praya,  &  fem  muros.mas  com  ou*  Ne  Kf^no  dt  Bintio.  Scílcnta  léguas  de  Malaca 

troamparoj&dcfeníaócomoa  de  Panane:  aonde  cílâ  a  Ilha  Bintáo  íugcyta  aos  Rcys  d«  Malaca 

havia  muyta  artelharia ,  &  navios  poltos  também  alem  do  eftreyto  de  Cyngapura.junto  com  a  terra 

para  ajuda,  &  guarda  da  Cidade.  Por  entre  todos  íirme,da  qual  a  aparta  hum  pequeno  ric,que  entra 

tiles  tiros.que eráo  infinitos,  aíTira  de  efpingardas,  no  mar  naquella  paragem.  Não  muyto  longe  da 

como  de  bombardas  entrarão  os  noílos,  6c  aíTolá-  fozdeílc  rioeíU  huma  povoação  grande  por  no- 

j  áo  eílcs  doua  iugares,como  conta  Joaô  de  Barros  me  Bintão,que  dá  nome  a  toda  a  llha.Hc  cftc  lu- 

Decada  j.liv.io,  gar  povoado  de  Mouros  Malayos  ,  para  a  qual  íc 

De  cohtça  trtumpba.  Não  tinha  Dom  Henrique  recolherão  quando  os  Portuguczcs  os  lançarão 

o  lentido  pofto  em  intereflcs ,  nem  era  notado  de  de  Malaca ,  Sc  daqui  lhe  fazião  guerra  ,  6c  di^no, 

vicio  algum  ,  fomente  olhava  o  que  importava  ao  como  diz  o  Poetaj6c  conta  João  de  Barros  na  tcr- 

ferviço  de  Dcos,6c  do  Rey.  ceyra  Década  liv.3.câp.5.  EílaIlhatomou,6cdeíi^ 

E  incontinência,  §íut  em  tal  idade  be  funtma  exceí»  truhio  Pedro  Mafcarenhas  naqucllc  tempo  ,  que 

kncia.  Dom  Henrique  de  Menez«s  ao  tempo  que  cftevc  fem  poder  accytar  a  governança  da  índia. 

tomou  a  govcrãnça  da  índia  não  era  de  30.  annos,  E  havendo  nella  3oo.pcças  de  artelharia,6í  outros 

cm  efta  idade  não  era  dado  a  vicio  algum  ,  como  niuy tos  petrechos,  6c  invenções  de  guerra,  6c  hu- 

contajoaõ  de  Barros  na  5.  Década.  Somente  foy  ma  armada  d'El-Rcy  de  Pam  ,  genro  do  Kcy  de 

algum  tanto  delconfiado ,  como  diz  o  dito  Autor  Bintáo  ,  que  mandava  cm  foccorro  de  ftu  fogro. 

cap.ult.qucfoy  cauía  de  ter  defgoftos  com  alguns  Com  todos  eftes  apercebimentos  não  cfcapou  a 

Fidalgos.  ^    ' 


5« 

MAs  despois  q  as  eflrellas  o  chamarem j 
Succederas^ò forte  Mafcarenhas 
EJe  tniufios  o  mando  te  tomarem^ 
''J^rometcte^quefamaeterna  tenhas. 
ÍPara  teus  inimigos  confeffarem 
Teu  Valor  alto^o  fado  quer  que  venhas 
Amandar Jamais  depalmas  coroado^ 
Slite  de Jortunajujia  acompanhado.  ^ 


Pedro  Mafcarenhas. 

Abrolhos  ferrees  mil.  Depois  que  El-Rcy  de  Ma^ 
iífca  íe  recolheo  a  Bintão,  com  medo  dos  nofios, 
fez  em  hcrma  baya  pequena  cm  que  o  rio  fe  mete, 
quehe  oportodaCidade,huma  eftacada  que  fazia 
ficar  hum  paflb  tão  eftreyto,  que  huma  Galé  não 
podia  virar  nellc.  Era  a  eftacada  de  paos  muyto 
groftbs  ,  metidos  em  grandes  mós  de  pedra  ,  os 
quaes  paos  ficavão  por  cima  da  agua  em  boa  altu» 
ra.  Havia  também  outros  paos  mais  groflos  a  mo- 
do de  maftos  de  nãos,  6c  «utras  muytas  invenções 
para  le  defenderem,  6c  cnferrarem,  que  os  noflbs 
•s  não  podeftem  entrar.  £  cm  huma  tranqucyra, 

Nni  ^Hjl 


jS4.  Canto  decima] 

que  cercava  a  povoação  a  modo  de  cava  ,  havia    Farã  cem  ã  Vtftafô perdida jé-Yòtta, 

trcs  ordens  de  clticpcs  com  as  pontas  hervadas,6c 

pollos  en»  levcz,  ,  hunspara  eltorvar  a  entrada, 

6c  outros  prira  »  lahida.  Eíles  íaó  es  abrolhos ter« 

rcos/^ue  c  Poeta  aqui  pocra. 


5S 

MAs  na  Índia  cobiça^^  ambição^ 
^e  claramente  põem  aberto  o  ropú 
tontra'Dees^^jujiiça^t€ farão 
Vitupério  nenbum;masjò  4efgolio^ 
^emfaz  injuria  vil^&  fem  raz,âo. 
Com  forças  t^foder  em  que  ejfàpojio. 
Não  vence^que  a  vit torta  verdadeira, 
Hefaber  terjujiiça  nua^^  inteyra. 


^PorHeytorda  Si/vejirat^  dfjiroçada. 
Tor  Heytor  Tcrtuguez^  de  quem  [e  nota 
^e  na  cofia  Cambayca  fempre  armada^ 
Serd  aos  Gu&arates  tanto  dano, 
^antojàfoy  aos  Gregos  o  Troyano. 


Tar  Heytor  da  Sylvtjra.k  efte  Fidalgo  deu  o  Go- 
vernador a  Capitania  niór  de  todo«%)s  navios  de 
remo.  O  qual  desbaratou  Halixa  Capitão  morda 
armada  de  Diu,  com  lellenta,  &  quatro  fuftas,cm 
huma  das  quacsfogio  Halixa  ,  &  as  outras  todas 
forão  tomadas ,  &  ties  queymadas.  A  nofia  frotta 
cílava  em  Chaul,&  o  Capitão  delia,  que  então  era 
hum  Francifco  Percyra  de  Berredo  citava  temc- 


roíojque  lha  cniralle  a  de  Diu  ,  por  eftar  mal  pro- 
vida de  gente.  Mas  com  a  chegada  de  Heytor  da 
Vitupério  nenhum.moi  ft  defgojfo.  Era  Pedro  Maf-     Sylvcyra,  o  Mouro  foy  desbaratado,  &  a  fortaleza 
carenhas  muyto  esforçado  cavaileyro ,  &  não  ha-     ficou  quieta. 


Quanto  jà  foy  a»s  Gregos  o  Troyano.  Diz  que  fc 
houve  Heytor  da  Sylveyra  com  osGuzaratcs,quc 
fão  os  moradores  do  Reyno  de  Cambaya  ,  aonde 
eftá  Diu,  de  cujo  mar  elle  era  Capitão  mór,  como 
HeyrorTroyano  comos  Gregos,quepormuyca8 
vezes  os  vencera  no  cerco  de  Troya. 

6i 

ASatnpayoferozfuccederã 
Cun banque  íongo  tempo  tem  o  leme; 
*De  Chalé  ar  torres  altas  erguera 
Em  quanto  'Diu  tlluftre  delle  treme. 
O  forte  Baçaimfe  lhe  dará, 
Naôfem  fangue  porem,que  nellegeme 
Meliqnelforque  àforçafo  d^gfpáda 
^  tranqueyrafoberba  vè  tomada. 

Cunha,  No  anno  de  1528.  a  18.  dias  do  mcz  de 


via  coufa  que  lhe  polefle  nódoa  na  Aia  fama  ,  ôc 
como  irtq  era  notório  a  todos  os  da  Índia,  lòmen- 
tc  teve  defgoftos  por  ter  outro  Governador  ena 
leu  lugar,  vindolhe  a  cUepor  ordem,  ôcdireyto 
das  lucceí]óes,como  conta  a  4.Decada. 

Mj4s  com  tudo  não  nego  que  Sampayo 
Será  no  esforço  illuftrey&  ajfmalado 
Moftrandofe  no  mar  hum  fero  rayOy 
^e  de  inimigos  mil  verá  coalhadê^ 
Em  Bacanor  fará  cruel  enfayo 
No  Malabar ipar a  que  àmedrontadê 
*Despois  a  fèr  vencido  aelle  venha 
Cutiale,com  quanta  armada  tenha: 

Mas  tom  í»iff.\íoftra  como  Lopo  Vaz  de  Sam- 
payo era  muyto  esforçado  cavaileyro,  6c  que  não 

fe  pode  negar  ler  para  governar  a  índia.  O  qual  Abril  partio  Nuno daCunha  de  Portugal,  cm  hu- 

fendo  eleyto  cm  Governador  da  índia  pela  ordem  ma  armada  de  onze  velas ,  por  Governador  da  In- 

acimaditta  foy  em  peíloa  correr  a  coftadoMala-  dia,  &  fendo  o  officio  de  Governador  de  três  an- 

var  ,  na  qual  dcftruhio  huma  armada  de  muytos  nos, Nuno  da  Cunha  o  teve  dez,porque  como  El- 

paraos,  quccitavão  cm  Bacanor  ,  os  quaeseráo  Rey  deícjavt  muyto  a  fortaleza  em  Diu,cílcNu- 

d^El-Rcy  de  Calccut.Pelo  que  lhos  queymou  com  no  da  Cunha  a  houve:  para  coníervação  delia ,  & 

muyta  pioienta,quc  tinhâo.  Mas  ao  lugar  não  fez  por  fcr  Nuno  da  Cunha  homem  de  recado  ,  quiz, 

nojo,porferd'*El-Rey  deNarfinga,com  quem  os  que  cftiveíTc  todo  eíle  tempo  na  índia:  &iftodiz 

noflos  tinhSo  paz,  &  amizade,  &  tomou  nefta  ar-  aqui  o  Poeta ,  que  tcv«  longo  temp©  o  leme,  por- 

mada  oytenta  peças  de  artcl  haria,CutiaIe  era  hum  que  governou  dez  annos.  Chalc  he  hum  lugar  na 

Mouro  grande  cavaileyro  ,  que  os  outros  tinhâo  coftadc  Calecut,aondctcm  osPortuguezeshuma 

por  fanto,porque  havia  pouco,  que  viera  de  Meca,  fortaleza.  NunodaCunhafoyo  primeyro  ,  que 

aeftcMouro,com  150. veias  muyto  bem  artilhadas  começou eftc  forte,  6c  lhe  lançou  a  primeyrape- 

dcftruhio  Sampayo  com  íós  onze  velas.  dra  com  muyt»  tanger  de  trombetas,  êc  charamc- 

Ias:£fta  fortaleza  he  duas  legoas  de  Calecut,  feyta 

••q  para  fopear,  &  refrear  os  de  Calecut,  &  eftorvar- 

ihc  fua  navegação  hoje  naô  he  noíla,  porque  a  la  r- 

ENão  menos deT>iua  a  f^ra  frotta  f  "7'  Portuguezes.  Em  .,uanu  Din  illu/ire  idU 

fí,     m      I.    ^"{'*'*J^^»J\*"'\*  ír«ww. Fez  Nuno  da  Cunha  efta  fortaleza  em  quan- 

^ue  Chaul  temera  de  gr  ande, &  oufada    to  não  pode  entrar  cm  Diu  ,  do  que  tremia  Diu, 

porquí 


Lu^éíàas  de  Luís  de  CãfnÕes  Commentados, 
porque  lentia  o  que  fc  lhe  aparei  hava.O  forte  Ba. 
çaim.  Baçaim  hc  hum  lugar  cnirc  Chaul,  &  Diu 
mecjdo  por  huno  rio.aonde  pódcm  nadar  Gaiés,d« 
qual  1  IO  íc  faz  hum  eílrey to,  que  o  cerca  da  banda 
deLe(te,&  ievay  meter  no  mar,&  atcrraHcaeíii 
Ilha.  Hei  via  nos  baluartes  de  Baçaira  quatrocen- 
tas peças  de  artilharia.  Com  tudo  foy  tomado  dos 
noilú»  em  dia  deS.Sebaíliãoannode  1555,  aonde 
foráo  mortos  muytos  Mouroi,  &  a  artelharia  to- 
niaJa,  ôco  forte  derribado,  6C  Meliquc  fenhor  da 
terra  Fugio  para  huma  ferra  ,  aonde  felalvou.  A 
trattsjtte^ra  foberb»  vè  fmada,  ILlta  tranqueyra  de 
que  o  i-^oeta  aqui  falia,  tinha  Mclique  muyto  bem 
fortalecida ,  òc  com  muyta  gente  de  guerra ,  mas 


í8í 


«5 


D  As  imos  do  teu  EJíevaõvtm  tomar 
As  rédeas ^h um  que  fera  iliuflrado 
No  Brafil^com  vencer  jé"  cajiigar 
O  pirata  Francez  ao  mar  ufado. 
*De/po'ts  Capitão  mor  dê  Indico  mar 
O  muro  de  T)amão/oberbOi&  armado^ 
E/cala /é  primeyr o  entra  a  porta  aberta^ 
^e  fogo  t^  frechas  mil  ter  aÕ  cuberta. 


Nú  Brafil.  A  Dom  Eftcváo  da  Gama  fucccdeo 
nada  lhe  aproveytou,  porqu?  os  noflos  a  entrarão     Martira  AíFonço  de  Soufa,  Capitão  valerofiíTimo, 


por  força  de  armas,corao  diz  aqui  o  Poeta.O  mo- 
do detla  tranqueyra,íeu  tamanho, 6c  força,rc  veja 
cm  Caítanheda.  li  porque  parece  ficar  aquiahil- 
toria  eicura  lem  fe  trattar  de  Diu,íobrc  íua  toma- 
da,ÒC  como  a  houverâo  os  Portuguczes ,  Ic  veja  o 
que  cfcrcvemos  atrás. 

TRâs  efle  vem  Noronha^  cujo  Aufpklo 
'De  'Útu  os  Rumes  feros  afugentaj 
Ijm  que  (tpeytOy^  belli  co  exercido 
T^e  Antonto  da  Silveyra  bem  fuflenta^ 
Faíà  em  Noronha  amorte  o  vfado  officio^ 


o  qual  temião  tanto  os  Malavares,que  trazião  por 
rifaô  entre  íi:  oxarc  Marti m  Affonço  :  guarda  de 
Martim  Aflonço  :  &  não  íómente  dos  Malavares, 
mas  de  todos  os  mais  Rcys  ,  &  fcnhores  da  índia 
foy  muyto  temido.  Na  cofta  do  Brazil  desbaratou 
huma  armada  de  Francezès.como  aqui  dizo  Poe- 
ta. Antes  que  fofie  Governador  da  índia  foy  Ca- 
pitão mor  do  mar  Indico  ,  no  tempo  que  gover- 
nava Nuno  da  Cunha.E  porque  EURey  de  Cam- 
baya  por  nome  Sultão  Badurotcmia  ,  &lhceri 
aíFcyçoado,por  lua  cavallaria,8c  csforço,lhe  man- 
dou pedir  fe  vific  cora  clle  em  Diu  para  commu- 
nicar  com  elle  algumas  coufas  tocantes  a  leu  efta- 

ou- 
que  trattarao  entre  li, huma  delias  foy 
que  havia  de  dar  huma  fortaleza  em  Diu,  na  parte 
aonde  o  Governador  a  clcolhefle.  Eíla  he  a  razão 
porque  diz  Camões  na  oytava  leguinre  ,  qucEl- 
Rey  de  Cambaya  lhe  deu  fortaleza  cm  Diu.O  que 
íucccdco  fendo  Governador  Nuno  da  Cunha, 
porque  não  pareça  ,  que  nos  encontramos  com  o 
que  dizemos  no  canto  íegundo>oytava  50. 

AEfle  o  Rey  Cambaycofoberbijfimê 
Fortaleza  dará  na  rtca  7)iui 
forque  contra  Mogor podtrofiffimo 
Lhe  ajude  a  defender  ofenhòrio, 
^efpois  irà  com  peyto  esforçadijjitno 
A  tolher  que  nãopaífe  o  Rey  Gentio 
«onde  deyxou  a  mayor  parte  de  fua  armada ,  &  fó    ^^  Calecut ^que  affim  com  quanto  vey9 
com  lí.  vclhs  foy  até  o  porto  de  Suez  o  ultimo    O  fará  retirar  defangue  cheyo, 
daquella  cofta  ,  com  intenção  de  queymar  a  ar-  © 

mada  do  Turc©,quc  alli  cftava.  Fez  naquella  coí-  Voreiue  contra  o  Mogtr  pêderofifflmo.  Mogores  faô 
ta  grande  terror  ,  Semedo  em  todos  ,  tanto  que  íc  os  que  commummcnre  chamamos  Tártaros.  O 
n>eteiâo  pela  terra  dentro  ,  mas  não  pode  quey-  Rey  dcftas  gentes  tinha  determinado  tomar  o 
mar  a  armada  do  Turco,  por  eftar  com  grande  re-  Reyno  de  Cambaya.  O  que  labendoo  Rey,  pro- 
cado  ,  &  vigia.  Tornou  ao  porto  de  Maçuà  ,  6c     curou  amizade  com  os  nofibs  para  o  favorecerem. 


§ua^do hum  teu  ramoso  Gama/e  e/irmenta    f °'^ '7:«°,  *!= '^-"■'^ 'J  ^'  f°''T^-  ^"f 

'<i  .    .         .  *     .        .-^     ''f  trascoulas,que  trattarao  entre  íi,huma  delias 

A'6  governo  do  tmpertoicujo  zelo^ 

Com  medo  o  roxo  mar  fará  amirello^ 

Traz,  efit  vem  Noronha.  A  Nuno  da  Cunha  fuc- 
ccdeo Dom  Garcia  de  Noronha,  o  qual  foy  man- 
dado por  Viio-Rey  no  anno  de  1558.  por  haver 
nova,que  hião  Rumes  fobre  a  índia. 

De  Antonto  da  iitlvtyra.lL^t  António  da  Silvey- 
ra  neite  tempo  defendeo  a  fortaleza  de  Diu  ,  de 
que  era  Capitão.de  65.  velas  de  Turcos  com  doze 
mil  homens ,  Capitão  mor  Solimão  Baxá  Rey  do 
Cayro.  Os  quaes  forâo  desbaratados,  como  refere 
Caílanhedâ. 

^ãndo  bum  teu  ramo  6  Gama.  A  eftc  Dom  Gar- 
cia de  Noronha  fuccedeo  Dora  EífevâodaGama 
filho  de  Dom  Valco  da  Gama  no  anno  de  1541. 
Foy  ao  mar  roxo  ,  6cefteve  no  porto  de  Maçuà, 


dahi  mandou  feu  Irmão  Dom  Chriftovãoda  Ga- 
ma com  joo.Portuguczcs  contra  El-Rey  de  í^cilâ 
era  favor  do  Preftc. 


&  ajudarem  contra  os  Mogores,6c  principalmen- 
te com  Martim  Affonço  de  Soufa  ,  que  era  ecíle 
tempo  Capitão  mór  do  mar.  Ao  qual  deu  fortaleza 
em  Diu  ,  por  o  favorecer  nefta  cmprcza  ,  o  que 
Martim  Affonço/ez  com  parecer  ,  &conlenti- 

«nenco 


2%6  Canto  ^Decimo» 

Hicaco  do  Governador  Nuno  da  Cunha. 

Depoíí  ira.  Querendo  El-Rey  de  Calecut  paílar 
com  grande  poder  de  Cranganor  paraRcpcJim, 
lugares  do  Malavar  fcte  léguas  de  Cochim,  eftor- 
voulhe  Martim  Affonço  o  paflb ,  6c  depois  tomou 
o  Repelim  ,&  o  quçymou  ,  por  dar  obediência  a 

El.lUy  de  Calecut ,  como  diz  na  oy tava  leguintc.    '^antoemconfelh^Jabw^^  TemVuydadô. 

Òuccederlhe  ha  aly  C afiro  ^que  o  ejíendarte 
^5  ^onuguezterà/empre  levantado 

DEftroyrà  a  cidade  Repelim,  Conforme  fuccejjor  aojuccedtdo^ 

Fondo  o/eu  Rey  com  muytos  emfogida    ^^  ^^^  ^^g^^  "DtUyOutro  o  defende  erguido 
E  de/pois  junto  ao  cabo  Comorim 


^1 

Este  fera  Martinho  ^que  de  Marte 
O  nome  tem  côas  obras  derivado-. 
Tanto  em  armas  tlluftre  em  toda  aparte 


I 


Hnma  façanha  faz  efclarecida . 
A  frot ta  principal  do  Samorim^ 
^^e  defiroyr  mundo  não  duvida^ 
Vencerá  com  o  furor  doferrOj^fogOy 
Emfy  verá  Beadãla  o  Mar  cio  jogo. 

E  depois  junto  ao  cabo  Comorim,  Eíle'cabo  he  de2 
fronte  da  Ilha  de  Ceylaó  ,  chamafc  aííim  por  fer 
hum  monte  muyto grande  ,  queifto  quer  dizer  a 
palavra  Comorim. He  na  cofta  do  Badagas,  aonde 
cftá  a  Cidade  Miliampur,  lugar  aonde  padeceo ,  & 
eíU  fepulcado  o  Beraaventurado  S.Thomé  Apof- 
tolo,&  DiícipulodeChrifto  Noíío  Senhor.NelU 
paragc  do  cabo  Comorim  ,  entre  clle ,  &  Ccylâo 
venceo  Martim  AfFonço  CucialeCapitáo  mòr  do 
Samorim ,  junto  á  Cidade  Bedeâla,  &  deftruhio  a 
mefma  Ciáadc  ,  a  qual  eílà  junto  ao  cabo  Como- 
rim. 

Mareio  joio»  O  jogo  de  Marte,  Dcos  da  guerra, 
que  hc  a  guerra. 

CC 

TEndo  affim  limpa  n  índia  dos  immig^s^ 
Vtrà  dejpots  com  [ceptro  agovernaía^ 
Sem  que  ache  refifiencia^nerfiperigoSi 
^íc  todos  tremem  delle^^  nenhum J ala» 
Sò  quiz  provar  afperos  caftigos 
Batícalà  que  virajà  Beadàlax 
*DefangHej&  corpos  mortos  ficou  chea^ 
E  defogOj&  trovões  desfeytaj&  fea,  \ 

Ten40  affi  limpa  ê  InJia,  Com  cila  vittoria  ficou 
El-Rey  de  Calecut  fcmarmada,ôcfcm  artilharia, 
porque  toda  pcrdeo ;  &:  cm  eíUdo  ,  que  náo  teve 
mais  animo  para  fe  bolir  ,  como  diz  aqui  o  Poeta. 


Succederlhebd  atU  Cafiro.  A  Martim  Affonço  de 
Soula  ,  ao  qual  o  Poeta  aqui  deriva  o  nome  de 
Martinho  de  Marte  ,  que  os  antigos  tivéráopor 
Deos  da  guerra,  porque  foy  hum  cxcelIentiíTimo 
Capitão,  ôc  fabio  Governador  na  índia,  como  fica 
dito,  fucccdeo  Dom  Joaó  de  Caílro  Varão  exccl- 
Jentiflimo  também  ,  &  femelhanteao  luccedido, 
aflim  nacavallaria,como  no  confelho.  Efte  Mar- 
tim Affonço  ergueo  de  principio  a  fortaleza  de 
Diu ,  &  Dom  Joaô  de  Caftro  a  detende»  de  hum 
grandiílimo  exercito  de  varias  nações  ,  como  o 
Poeta  diz  por  algumas  oy  tavas. 

PErfas  feroces^Abaffis  ,à'  Rumes^ 
^e  trazido  de  Roma  o  nome  tem^ 
Vários  de  geji  os  ^vários  de  cofiumes» 
§lue  mil  nações  ao  cerco  feras  vem. 
Farão  dos  ceos  ao  mundo  vãos  quêyxumes; 
forque  huns poucos  a  terra  lhe  detem^ 
Emfangue  Tortuguezjuraò  dejridos 
2)^  banhar  os  bigodes  retrocidos» 

Perfatferoces.Kecont^  as  gente?  qucforáo  ncfte 
cerco  de  Diu,  como  Perlas,Abaffis,  &  Rumes,na- 
ções  diffcrentes ,  que  todos  forâo  em  ajuda  d^El- 
Rcy  de  Cambaya.  Perfas  faó  moradores  de  Perfia, 
Abaffisdc  Abaííia,  terra  de  Africa.  Rumes  faó  os 
Turcos  ,  chamados  aííim  por  virem  da  coíla  dos 
Romanos ,  como  aqui  diz  o  Poeta.  A  verdade  he 
chamaremfe  Rumes ,  não  por  ferem  da  cofta  dos 
Romanos ,  fenão  porque  vendoos  os  da  índia  na- 
quellas  partes,  lembrados  do  que  íe  dizia  da  caval- 
laria  dos  Romanos,lhe  ckamarão  Rumes,  queren- 
do entender  Romanos  :  como  também  chamão 


Vira  depois  comfetptro.Dcpois  de  Capitão  mór  do     Francos  aos  Portuguezes ,  pela  fama  que  os  Fran- 
iTiar,  foy  Governador  da  índia,  depois  de  Dom     cos  alcançarão  na  tomada  de  Hyeruíalcm.  Todas 


Eífevâo  da  Gama.  No  qual  tempo  havia  huma 

?|uietação  grande  no  Orientc,porque  Martim  Af- 
onço  era  muyto  temido  nelle.  Só  Baticala  forta- 
leza na  coíla  do  Malavar  ,  como  ttinta  léguas  de 
Goa,  não  le  quiz  efcarmentar  com  males ,  &  tra- 
balhos alheyos ,  porque  tendo  vifto  o  que  paffara, 
em  Beadala  ,  não  quiz  le  não  como  nccia  cfpn- 
mcntar  cm  lua  propna  cabeça. 


eílas  nações  forâo  cro  ajuda  ri^El-Rey  de  Cam- 
baya a  eíle  cerco  de  Diu  ,  6c  outras  muytas.  Os 
Rumes  faõ  gente  muyto  arrogante:  tem  por  cof- 
tumc  trazer  as  barbas  rapadas,  com  grandes  bigo- 
des ,  pelos  quaes  juráo  quando  lançaô  luas  barba- 
tas,de  que  ellcs  íaó  grandes  homens* 


Bafílifeot 


Lufiadas  de  Luis  de  Gamões  Commentaâos.  287 

Huns  paredes  Jubindo  efcusaõ  pôYta^ 

Cp  Outros  a  abrein^na  fera  eftjuadra  tnfana; 

Fey  tos  farão  taõ  dignos  de  memoria^ 
^le  não  caybaõ  em  verfo^ou  larga  hiftoreo. 


Afiltfcos  meàdnhosy&  l'tões% 
Trabucos  feros ^minas  encubertas, 
Suftcrita  Mascarenhas  com  os  barões ^ 
<3)ue  taõ  ledos  as  mortes  tem  por  certas: 
jtè  que  nas  mayores  opprejfões 
Cafiyf>  libertador, fazendo  offertas 
cpas  Vidas  de  feus filhos  ^quer  que  fiquem 
Comfa^<*  eternajíè  a  'Deos  Cejacrijiquem^ 


Eh  vtm  <ií/pí?ix:Dcrpois  de  partido  o  filho  Dora 
Alvaro.fc  fez  preíles  (tw  pay  Dom  Joaó  de  Caílro, 
&  chegou  a  Diu,eftando  em  grande  aperto,&  deí- 
pois  que  chegou  ,  dalli  a  trcsdias  lahioaocampo 
contra  o  exercito  d'El-Rey  de  Cambaya  ,  &  o 
desbaratou  ,  matandolhe  mais  de  cinco  mil  ,  6c 
pondo  em  fugida  todos  os  mais. 


1^ 


Su^enta  Mafcarenhat:  Efte  foy  DomJoaóMaí* 
carenhas  Capitão  de  Diu  no  tempo  de  Dom  Joaó 
deCaltro  ,  o  qual  defendeo  aquella  fortaleza  de 
mais  de  50.  mil  homens ,  &  leis  mil  Turcos,  com 
menos  de  feifcentos  Portuguezes ,  leis  mczes ,  atè 

que  foy  foccorrido  pelo  Governador :  luílentan-     Rey  de  Cambaya^é'  à  viftalhe  amèdrenta 
do  htrm  dos  mais.  famofos  cercos  que  no  mundo  le    <Dafera  multidão  quaármedante, 
virão  nunca:  &  alcançando  tão  grande  vittoria      — 
em  campal  batalha,que  fe  não  pôde  crer  lero  gran- 
de admiração.  Como  referem  os  diálogos  de  varia 
hiíloria  dialogo  5.ann.i547. 

Oaividtti  defeni  filhos-hjilci  eraõ  Dora  Fernan- 
do de  Caílro,6c  Dom  Álvaro  fcu  irmâo.Dom  Fer- 
nando foy  morto  cm  hum  baluarte,queíe  chama 
de  Gil  Coutinho  em  huma  mina  ,  que  os  Mouros 
alli  fizerão,na  quai  com  a  força  do  fogo  voou  pe- 
lo ar  eílc  Dom  Fernando ,  com  hum  lanço  do  ba- 
luarte ,  como  o  Poeta  conta  na  oytava  leguintc. 


ESte  de f pois  em  campo  fe  aprefenta 
Vencedor  forte  ^à'  intrépido  ao  polfanit 


Não  menos  fuás  terras  malfuftenta 
O  Hydalcão  do  braço  triumphante, 
^e  cafitgando  vay  T^abulna  cos  fia: 
Ntmlhe  ejcapou  Tondã  no/ertaÕpofta: 


Efiedefpcis.Du^ís  batalhas  campaes  deu  o  Gover- 
nador Dom  João  de  Caílro  a  El-Rey  de  Cam- 
baya ,  humano  legundo  cerco  de  Diu  ,  que  foy  « 
onze  de  Junho  de  mil  quinhentos  quarenta  ÔC  féis, 
8c  outra  a  oyto  de  Novembro  de  1547.  huma  fc- 


nas. 


70 


Quando  levarão  a  nova  ao  Vilo-Rey,,  que  eítava  gunda  feyra  nos  campos  de  Baroche,que  íaõhuns 
em  Goa  ,  íabendo  que  a  fortaleza  eftava  ainda  por  catnpos  muyto  grandes,  aonde  El-Rey  de  Cam* 
El-Rey  de  Portugal, íe  vcftio  de  fcíla,  &  moílrou  baya  tinha  trinta  mil  de  cavallo,&  gente  de  pè  fem 
grande  prazer,Sí  fez  que  os  Fidalgos  jugaflera  ca-  numero,  6c  muytos  elcphántes,  onde  o  Governa- 
dor lhe  apreíentou  batalha  campal,  cora  tão  vale- 
rola  refoluçãoi  que  o  Rey  o  não  commettco,  ate- 
morizado da  valerofa  ouladia  dos  Portuguezes, 
que  contra  tão  podcrofo  exercito,queerademais 
de  cento  &  cincoenta  mil  homens,  íe  atreviáoef- 
pcrar  em  campanha,  &  formar  íeuselquadróes. 

O  Hydalcão  do  braço  trtumphantt.  EítandooGo» 
vcrnador  em  Diu,foylhenova,con:^o  o  Hydalcão 
tinha  o  paílode  Sal;ette  ,  que  he  perto  de  Goa, 
com  grande  exercito  ,  com  intenção  de  tomar  a 
Cidade,  babido  iílo  de  certeza  mandou  o  Gover- 
nador dar  á  vela  ,  &  foy  a  Baçaim  ,  que  fera  trinta 

Neíle  lugar  mandou 


FErfiándo  hu  delles/amo\da  altapranta^ 
Onde  o  violento  fogo  em  ruido^ 
E*n  pedaços  os  muros  no  ar  levanta^ 
Será  aly  arrtba  tado^&  ao  ceo  fubidoí  '< 
Álvaro  quando  o  inverno  o  mundo  efpanta 
E  tem  o  caminho  húmido  impedido^ 
Abrindo  ^vence  as  ondas  i&  os  perigos. 
Os  ventos ^tè  despois  os  inimigos. 


legoas  de  Goa  pouco  mais 
./í/i;*r*.Efte  foy  Dom  Álvaro  de  Caftro,o  qual     dar  pregão  geral,  que  todos  os  de  Baçaim  le  íizef- 


dcyxou  o  pay  em  Goa  ,  &  partio  no  mcyo  do  In 
vcrnoafoccorrcraDiu  ,  quefoycoula  ,  que  cí- 
pantou  a  índia  hir  era  tal  tempo. 

EYs  vem  defpois  opay^que  as  ondas  corta 
Cooreftante  da  gente  Lufitana-^ 
E  comforça^^^Jabn^que  mais  importa^ 
Batalha  dà  felice^^Joberana. 


lem  preftes  para  o  acompanharem  com  íua  frotta, 
&  gente:  &  dahi  foy  a  Chaul,  que  faó  doze  legoas 
de  Baçaim.aonde  fez  o  mefmo.  Ncíla  jornada  dcí- 
truhio  no  caminho  Qiiclicia  ,  Dabul ,  &  outros 
muytos  lugares  do  Hydalcão. Sem  entrarem  Goa 
fe  paíTou  em  terra  firme  ,  com  pouco  mais  de  trcs 
mil  Portui^uezcs  ,  comos  quacs  desbaratou  hum 
exercito  do  Hydalcão  ,  com  cinco  Capitães  léus, 
com  mais  de  vinte  mil  homens  de  pé  ,  &.  Icte  mil  de 
cavallo,emdiadeS.Thomè  de  1547. 

Nem  lhe  tfcspou  Pondâ  m  Jtrtâo  pofâ,  Pondá  hc 

hucna 


28S 


Cant0  ^ecimfT, 


feuma  fortaleza  do  Hydâlcáo  trcs  legoas  de  Goa 
pelo  fcrcáo  dentro  ,  cita  queymou  o  próprio  Go- 
vernador com  a  íoldadclca  de  Goa,a  vinte  &  hum 
dias  de  Setembro,  três  mezcs  antes,  que  ihc  acon- 
tcccfle  cite  luccciio  com  o  Hydâlcáo. 

7$ 

ESteSiér  outros  Barões  por  varias  partes 
dignos  todos  de  fama  j&  maravilha^ 
Fazendo  fs  na  terra  bravos  Manes 
Virão  lograr  os^ojtos  defta  ilha. 
Varrendo  trtumphantes  eftandartes 
Telas  ondas ^que  corta  a  aguda  quilha ^ 
E  acharão  eftas  Nymphas^à'  eftas  me/as ^ 


^\;' 


dolheiuntamenteaterra,paraqueviírc,  qucpelas 
cavallarias  j  &  obras  cxccUentes  feytas  nella,  le  al- 
cançava aqucliefermolo  lugar  do  Ceo  ,  queeítc 
f  oy  também  o  intento  de  Cícero  nos  Icus  livros  de 
republica.  Eifto  he  o  que  os  antigos  Romanos 
moílraváo  em  fazer ,  que  ao  Templo  da  honra  le 
não  pudefle  entrar  ,  fe  náo  pela  porta  do  Templo 
da  virtude.  E  affim  fica  o  Poeta  ncfte  particular 
entendido. 

74 

ASJicttava  a  Nympha^&as  outras  todas 
Com/onorofo  aplaufo  vozes  davaoi 
Com  quefcftejão  as  alegres  vodas  | 

^ie  comtanto prazer je  celebravao. 


r^       .••>/-      ,  -j        j  ^    V  >    Tor  mais  que  da  for  tuna  andem  as  rodas 

^egímasjô- horas jao  de  árduas  emfrefas,    (^^ii^,„„J„„^J^todas/oavão) 

Naõvosbão  de  j altdr  agente  fumo fa^ 


Virão  kgrar  9s  gojioi  deftâ  Ilha.  Nefte  fingimento 
dcfta  Ilha  com  tantos  favores  ,  &  gazalhado  de 
Thetis  princela  do  mar,  que  os  agazalhara,  &  fer- 
vira  ,  imita  o  Poeta  a  Marco  1'u11íq.  O  qual  nos 
feus  livros  de  republica ,  que  muy tos  virão ,  &  íe- 
ráojde  cuja  relação  íabemos,©  que  ncHes  trattava, 
ôcaflim  do  mefmo  Tulliocm  muytas  partes,  dcf- 
pois  de  ter  debuxado  o  citado  de  huma  perfcyta 
rcpublica,5c  as  partes  que  fe  requerem  para  o  bom 
governo,  Ôcadminiílração  delia,  no  fim  dcílcs  li- 
vros fez  hum  breve  dilcurío  ,  a  que  podemos  cha- 
mar taboa  do  naufrágio,  pois  de  todos  os  livros  da 
republica  de  Ciccro ,  não  temos  mais  que  eftc  pe- 
queno f  ragmento,a  que  chamamos  conimummen- 
tefonho  de  Scipião: perdido  o  principal  todo,tan- 
to  á  cuíta  dos  cunofos ,  ou  clcondido  cm  alguma 
parte  avara  de  no  lo  communicar.  Em  o  qual  fo- 
nho  finge Tullio  ,  que  Pablio  Scipiâo  Africano 
c liando  dormindo  lhe  aparccco  feu  verdadeyro 
pay  Paulo  Emilio ,  &  Publio  Scipião,  que  o  pcrfi- 
lhou,&  o  grande  Africano,8c  outros  fenhores  Ro 


HonratValor^à'  fama  glorto/a, 

F»r  maii  ejue  dâ  fortuna  andem  at  rodas.  Da  fortu- 
na le  veja  o  que  fica  eicrito  no  canto  primeyro. 

75 

D  E/pois  que  a  corporal neceffidade 
SefatísfíZ  do  mantimento  nobre ^ 
E  na  armonia  \&  docefuavidade 
Virão  os  altos feytos, que  de/cobre, 
Tethis  de  graça  ornada  ^&  gravidade , 
Tara  que  com  mais  alta  gloria  dobre 
As  f eftas  defle  alegre ,&  claro  dia 
Tara  ofelice  Gama^affi  dizia. 

Tara  oftlict  Gama  a(fim  dizia.  Chama  o  Poeta 
ao  Gama  felice  ,  pois  foy  digno  de  hum  tão  ditofo 
gazalhado ,  como  eíle ,  que  Thetis  lhe  fez  decla- 
randolhe  o  fucceflb  felice  ,  que  luas  coulas  haviaõ 


7« 


manos  já  defuntos,os  quacs  delpois  que  lhe  conta- 
rão tudo  o  que  na  vida  lhe  havia  de  aconcecer(co-  d»  ter  no  dilcurío  daquclla  navegaça*^. 
mo  fez  aqui  Tethys  aos  Portugucze8>&  as  honras, 
ôc  triumphos ,  que  na  vida  hayião  de  receber ,  que 
he  o  gazalhado  ,  &:  fuavidadc  defiia  Ilha  ,  paraque 
com  mayor  alvoroço  fofrcflem  os  trabalho8,le  dif- 
puzcflcni  para  os  perigos,  Ihemoílrarâoafermo- 
fura  dos  Ceos ,  o  curfo  ,&  ordem  dos  Planetas ,  & 

eftrelias.dizendolhe,  que  aquelle  lugar  citava  de-    Tios  errados. &  mi  feros  mortait. 
putado  para  os  que  ncfta  vida  correflcm  com  fuás    Sigueme  frme,&  forte  com  prudência 


FAzte  mercê  baraõ^a  Sapiência 
Suprema ^de  c'o  os  olhos  corporais 
Veres  .fi  que  naõpõde  a  vaaf ciência 


obrigações,  favorecendo,  &  governando  dircyta- 
mente  as  fuás  republicas ,  fazendolhe  juntamente 
praça  das  coufas  da  tcrra,como  tudo  fe  pode  ver  no 
dito  Hvro,que  he  afias  conhecido.E  quanto  a  mim 
iílo  quiz  dizer  aqui  o  noílo  Poeta  ;  quedefpois, 
que  Tethis  agazalhou  Vafco  daGama,&aosmais 


Tor  ejie  monte  efpeffb  com  osmais^ 
A(fi  lhe  diz'M  o  guia  por  hum  matto 
Arduo^difficilxduro  a  humane  tratto, 

Faz,te  mercê  haritoy  a  Sapiência.  Começa  Tethis 


Portuguezcsjo  levou  a  hum  campo  rauyto  fermo*  a  declarar  ao  Gama  as  mercês,  que  Deos  Omnipo- 
ifo  ,  cheyo  de  rubis,  Sccfrocraldas  ,que  heo  lugar  tente,  que  aqui  entende  por  Sapiência,  tinha  prc- 
aoOde  vão  parar  os  que  leguem  a  virtude  ,  donde  parados  para  o«  que  neíla  vida  fazem  coufas  excel-i 
lhe  n,  oftrou  oCco  com  todos  ícus  Planetas ,  &  cl»  lcntes,&  dignas  de  merRom^Stguemifirme.O  camiJ 
trelJas ,    dcciarandolhe  fua  cxcellencia  ,  moftran^    nh«  da  virtude  hc  no  principio  aípcro  ,  &  intrac* 

tarei 


jS? 


78 


'  ^        Luftaâas  de  Lnh  de  Cdmões  C^mmentadosl 

tavel  aos  que  o  querem  feguir,nias  no  fim  hc  largo, 
Scdelcytofo  ,  comoo  pinca  o  grande  Philofopho 
Pythagoras,  naquella  lua  obra  cxcellcntceferitta 
c«i  verlo,  a  qual  le  intitula  carmina^  verfos,  por  le- 
rem muyco  fentenciolos.  Pelo  que  alguns  lhe  cha- 
niáo  carmina  aureajVQrios  de  ouro, por  lerem  elles, 
como  fica  dito  ,  dignos  de  tal  nome,  E  aífim  aon- 
de le  acha  eíla  palavra  c<írwi«4,  fem  mais  addiçâo, 

nçmacrecenCamento,  le  entendem  cftesvcrlos  de      ,^-      ^  'ri  >"       ° 

pyijhagoras  peU  razão  dita ,  como  naquelle  verfo     ^i^cafe  ergue, ou  fe  abaxa;&  hu  mesmo  rojia 
íjc  Catão:  St  Deus ef  énimui  nobuyitt  carmina  dicuntx     ^or  toda  aparte  tem^t§  em  toda  parte 
aonde  Catão  por  carmina  entende  os  verfos  de  ou-    Começado"  acaba:  em  fim  por  diuina  arte, 
pdcPyth3goi;,as,  nos  quaes  tratcadacxccUcncia 


aVaí a  matéria  feja  naõfe  enxerga ^ 
Mas  enxerga fe  bem^que  eílà  ctmpc^ê 
IDe  vários  orbes ^que  a  divina  verga 
Campos ,^  hum  centro  atodosfó  tempoftê 
Volvendo  hora/e  abaxejhora/e  erga 


da 


,;ilma. 


77 


.'«jVo       .  ^^^  "  matéria  feja  nao  fe  enxerga.  Ncílc  globp 

.V.    vioo  Gama  eíta  machina  .univerlal  .,  &  todas  aa 

coufas  nella  poftas,8c  cora- ver  tudo,&  cnxergar,5ç 

divilar  luas  particularidades ,  não  pode  entender», 

nem  enxergar  a  matéria,  de  que  era  compofta. 

De  vários  orhts.Dc  vários  circulos,&  Ceos.  Qi]* 
coula  feja  orbe,  ôc  como  fe  tome  pelq  Cep,  ic  vej^' 
a  npíla  annotação  no  i.canto. 

Ebumipntro  a  toiUs  (9  temfo(lo,  Eílc  centro  hc  o 
globo  da  terra,  Ôc  agua,  porque  todas  as  partes  da 
Cco  eftâo  delle  apartadas  igualmente. O  qual  cen* 
tro  em  comparâçáp  do  Ceo  ,  he  hum  ponto  muyJ 
Copiqucno  ,  como^codos  os  Aflronomos  provão 
por  fuás  demonílrações.  Centro  he  palavra  Grc- 


^^  AÕandaômuyto^que  no  erguido  cume 
4  Se  acharão  donde  húcapofe  efmaltava 
^De  efineralãas, rubis,  taes  que  pr e/ume 
A  viíiayque  divino  chaÔ pifava, 
Aqut  hum  globo  vem  no  ar  ^que  o  lume 
Qlarijfimopor  eíle  fenetravãi 
'De  modoique  o/eu  centro  e/lã  evidente, 
Como  a  fua/iiperficie ^claramente 

Ndú  anda»  muyto,  A  eftc  lugar  levou  Tethys  o 

Gama,ao  qual  pmta  cheyo  dce(meraldas»-&  ru-  ga,entre  outras  fignjficaçócs,  que  tem.  Humah» 

bisjpcla  fermoíura  delle.Efte  hc  o  campo  çm  que  fignifícar  hum  ponto  no  amogo  da  tcrra,pofto  táí> 

vão  dar  os  que  leguem  a  virtude,  aonde  tudofaõ  pontualmente  no  meyo,que  todas  as  linhas  lança- 

goílosjSc  fcrtt)ofura.  das  para  a  luperfície  íejáo  iguaes ,  pela  qual  razão 

/iepii  humgloho  vem  no  ar.  Finge  aqui  o  Poeta  ic  chama  centro  do  mundo,como  íc  diflcflc  oamo- 

com  muyto  artificio,  como  Tethys,  deípoisquc  go.&  meyo  do  mundo.  Porque  a  terra  coma  agui 

agalalhou  ,  &  feítejou  muyto  aos  Portuguczcs,  os  cftão  no  meyo  da  machina  cclcftial  ,  fcchamáo, 

levou  a  hum  lugar  apartado  ,  muyto  aprazivcl^â  centro  do  Ceo,              '     • 

viíta,do  qual  lhe  moítrou  eíU  machina  do  univer-  Nttneafe  ergue.  Eíla  machina  do  univcrfo  ,  qu< 

io  cm  huma  figura  redonda,que  o  Poeta  aqui  cha-  vemos,como  hc  de  figura  circular,lempr6  anda  em 

ma  globo,tâo  clara,&  fermoía,que  todas  as  coufas  hum  mcfmo  compaço,&  diítancia,  5c  fempre  tem 

que  ncUa  eftavão  íe  vião  clariflimamentc.  E  por-  hum  roí^o^Sc  figura,porquc  nunca  fe  altcra,ncn)  fe 

que  efteglobo,quc  lhe  moílrou  continha  eíla  ma-  muda,  nem  tem  fim,  nem  principio  finalado,  que 

china  celefte,&;elemental,que  heoque  commum-  jaó  condições  próprias  da  figura  redonda,  fie  cir* 

mente  chamamos  mundo,  moftrandolhe  todas  as  cular. Verga  divina, quer  dizer, vara  de  Deos,por-- 

particularidades  do  Cco,o gabou  muyto,  paraquc  que  Deos  todo  poderolo.foy  autor  defta  machin», 

vendo  os  Portuguezes  a  fua  nobreza,  &  que  para  do  univcrlo  ,  como  íc  couta  no  principio  do  Gcj 


ncfis. 


79 


\T  Ni  forme  jper/eytõ;em  fy/oflido^ 
f   ^alem/im  o  Archetipo^queocriou: 


çlcançar  hum  lugar  tão  cxcellcnte,cranccefiario 

fazer  couías,por  onde  o  mereccíTem.íedifpufcílcm 

com  todo  o  cuydado,&  animo  a  cfta  obra,&  pio- 

curaflcm  fazer  coufas  ,  pordondcoalcançaílem. 

Efte  globo  hctoda  a  região  ccleftc  juntamente  _ 

com  leu  centro,que  he  o  globo  da  tcrra,&  agua,  a     Vendo  o  Gama  e/le globo  commsvido 

que  os  Aítronomos  commummente  chamáo  ccn-    <J)'efpanto,&  dedefejoaly  ficou. 

F/L^/"*;    ^  c      c-  Tfizilje a Tteofa.Otrã/Hfíto reduzida 

t.jta  evidente.  O  centro  com  a  fupcrfície  con-  rn     ^  ,         ^^  •  j.   j^,. 

cava  dede  globo  celefte,porque  os  qSemorão  na  Em  pequeno  valume  aqui  te  dou 

terra  pcnctrâo  com  lua  viíta  toda  efta  região  ele-  ^^  "'«"^^  ^^^  ^^^^  teus;para  que  vejas 

mental,  &  celcftç.  Lume.  Hc  a  viíla,  como  íe  uza  ^or  donde  vas/£  iras^àf  oque  defejas. 
tntrc  os  Poetas  Latinos. 

''    ■  I7«í/íir»ff ,pírf7f 0.  Tratta da cxcellcncia,8c pcr- 

feyçâo  deite  globo,  que  hc  figura  do  mundo,  no 

'  «!vOi,<ít  ;.u  :>o  oiriDin    qual  cílava  toda  a  machina  do  Cco,  &  terra,  cha- 

i.;  :     .>  O©  roalhs 


rulhc  uniform«,pcr  fertodo  deliuma  mcímama- 

ici  ia,  &  figura;  pcrfcyto,  por  lhe  não  faltar  coufa  8  I 

ilguma ,  porque  como  a  cal  ihc  foy  dada  a  figura  TT  SJie  cyBí  que  frmeyro  vay  cercarido 

3f£ctonda,qiie  denodas  htn  maiípnfeyfa",  tt  fermo-  J^  Os  outros  Mats  pequenos  ^que  em  fy  tem 

ix.  Donde  O vid.o  rt«  Metaiirõrphôlcs  íiv.  i.  para  G)ue  efíàcotn  luz.  tão  clara  radiando,  * 

moílrar  a  fernK,(ur.do^t>undo,d,zeftas palavras.  %e avijlacega,& amantevtltamlanx 

do  iTdonda,  para  ornato,  &  ftrmolura  do  grande  ^Pjrsoje  nomea.onde  logrando 

mu  ndo.  £/»  ft  (ofíído.  Não  tem  o  uni  veria  tuirda-  'Puras  almas  ejtao  de  aquetle  bem,     . 

rii cnto,  nc;n  aiicçrce » obra  de  hunn  lâò  cxccllente  Tamanho^que ellejò/e  entende, &  alcança^ 

h  1  tifice  como  he  Dcps,lõílido  em  fi.  Dòndc  diílc  2)^  quem rtãoha  no mundofeníeihança. 


a  SagradrÊÍcrittura  da  terra :  (^aifkniafiittífArfi 
luper  fiMttattm  (usm  s  non  inclmakttHr  in  fáeculum 
facuU.  F^uiiáaííès.Scrthor  a  tetra  íobre  a  lua  plo- 
f  riá  fírmézafnátí  fe  incHnarájâ  mais.Oquecntcn* 
áeo  ,  &  declarou  àqucllégfandcjPhiloíopho  Oví- 
dio na  íua  Meramorphoíe,  quando  difle  da  terra, 
que  tilava  íuftcntadà  cm  feu  próprio  '^cio  x  fvndt* 
ribut  Itbratà  /»«  :  pelada  cóm  leu  próprio  pelOj  que 
lie  acaufa  porque  não  caye,  nem  fe  move  para  hu- 
roa  parte  ,  nem  para  a  outra,  ^al  em  fim  o  j4ribe-* 
typa^queú  criou.  Archctypo  he  palavra  Grega,com- 
jiofta  de  duas,  archi,  principalj  typos,  figura,por- 
que  he  o  treslado,  primeyra,ou  principal  fórrrta  de 
qualquer  coufa.  Aqui  o  toma  o  PottaporaquclJc 
ííxcellentiíIimoOfficial  ,  &  Criador  de  todas  jas 
coufas  Deos  Ncflo  Senhoí-  :  no  qual  eminente-       A     ^if(f'VeYdadeyrês gloriofif 
itientc  fe  contém  todas.  Ô  trajunu  rtdaxÀdè.T^^U     /^  c^^/ao/  efiãoiporque  eu  SaturmJ($  láfté 
luntohcotreslado.  MoftraTtthysncftegiobo  a    ^upiterawnoíomos fabulo fos. 


Bflc  orbcy  (jutfrimefrovsy  cerfand^.  Tratta  ncfta 
oytavadoCcofmpyreo  ,  de  que  os  autores  pny* 
plunos  não  trattâo.  Eítc  he  o  allirnto  da  gloria,  & 
Corte  do  Cco.  Nçíte  refidc  principalmente  Deos 
NoíTo  Senh«r  com  os  Bcmavcniurados.  Da  ra,- 
zão  deíle  nome  íc  veja  o  que  cfcrevemos  nocaa^ 
to*rcgufido»oyfava  55. 

Dtíjuem  nãê  hâ  n»  muniif  ftmeÍbança»K{it  he  Dc08 
Nollo  Scnhor,cujo  rcr,6í  Magcftade  náohâ  enten- 
dimento humano,quc  oconiprohçqda,comodiZQ 
Bemavf  nturado  S.Thomàs  í.p.  q,3.art,4i. 


Vaíco  da  Gama  todo  o  univerío ,  paraquc  enten- 
da para  onde  vay ,  por  onde  ha  de  pâflar  ,  &  o  que 
f)eÂa|viagem  lhe  ha  de  acontecer. 

So 

VEi aqui* a  grande  tnaebina  do*munúo 
Ethtreatè  èkmentãlyque  fràbricada 
^ffífof  do  faber  alto,^  profundo, 
S^ue  he  femprincipto ,&  meta  limitada, 
^em  cerca  em  derredor  efte  rotundo 
Globoy^  fuafuperfcie  CaÕ  limada^ 
He  7)eos  yfnas  oqhe  T>eos  ninguém  o  entende 
Que  a  tanto  o  engenho  humano  naÕfe  eflende. 


^'ingídos  de  mortal,&  cego  engano. 
Só  para  fazer  ver/os  deleytofos 
Seruimos ^tè  Je  mats  o  tratto  humam 
NéSpodedar,kefò  que  o  nome  nojfo 
Ne/tas  eftrellas  pòjo  engenho  voff» 

^(júifú.  NoCcocmpyrco  ,  como  fica  dito  na 
oyiava  pafiada,rcfidcm  lòmente  os  Bcmavcntura- 
dos,ôc  Santos  cm  côpanhia  de  ícu  Deos,5í  Senhor.' 

PtfJ^^wííK.Moílra  Tcthys  como  cila  ]upirer,Sa* 
turno, S?:  outros  infinitos ,  que  a  antiguidade  cega, 
&jcrrada  teve  por  Dcoles,fòrãofalfos,8c  fingidos: 

Ntfiãí  EJlttiiat  fíSi  o  ttjgenbo  vol/o,l?orc[\it  os  Pla- 
netas nomearão  os  antigos  deites  fallos  Dcoies: 
Como  Sáturno,Jupiter,Martc,Pbcbc,  Vt  nus.Mer- 
Curio,2caLua. 

T7  Tamhemporque  a  layiÚafrovidenciú^ 


Vts  at^uT,agYonitmachinw\io  muni^.V^^x  machina 
do  univerío  ,que  vemos ,  fe  divide  em  duas  partes 
em  ctherea,  que  he  a  Cèleftial ,  aonde  eftão  as,Ef- 
trelas,&  Planetas,6f  dementai:  qufehc  tudo  o  que 

eftàdebayxodo  coricavoda  Luaâtéáterra  ,  na  jL>  ^eemlupptteraquifereprtfenta^ 

qual  parte  eftãoos  quatro  elementos,  fogo,ar,tcr-  ^or  efpirttosmil-ique  tem  prudência^ 

ra.&c  agua.  Dos  quaes  fe  veia  o  que  eícrevcmos  no  Governa  o  mundo  todo.que /uflenta, 

canto  fegundo,  oytava  5?.  &  cum  fequentibus,  &  Efifaiao  a  porpheticafciencía, 

no  lexto.  DosCeos  fe  tratta  nas  ovtavas  fcguin-  J7»»,*«..-*^.  w^.  >.^^— «/-.  ^,,„  . 


les.  De  Deos  fe  veja  adiante  na  oytavaícguintc« 
^uem  êcmé  he  D^oi,  Donde  difle  o  Apoltôlo. 
Ifje  êmniê  tirsundat  vtrhê  virtutif  fuíe. 


«a 


OUMTiJi 


'mil^iH; 


Em  muytos  dos  exemplos ^qm}  aprefenta; 
Os  quefão  bons  ^guiando favor  ecein^ 
Os  mãos  em  quanto  podem  nos  empecem, 

S«e  tm  lupiter.  Os  antigos  ainda  q  cegos  na  ver- 
dade ,  &  mal  entendidos  no  verdadeyro  conhcci- 
'ncncodcDeos,todavianeílesnomes,quc  punha» 

a  íeus 


Lujiãâas  de  Ltiis  de  Camões  Commentados,  291 

a  leiísfalíos  Deoícs  reprcfentaváo  íua  Mageílade,    ^ehaxa  defle  circulo jOnde  as  vtufídas 
Sc  píovidcncia,coBio  em  Jupitcr,(juccllcs  chama-     filmas  dtumas gozão,que  naõanda 
v4o.o  principal  de  feus  idolo$,o  qual  nome  hc  com-     q^^^^  ^^^^g  ^^^  levet&  tão  Ikeyro, 
pdfto  de  duas  palavras  LaLinas.  de  ;«xj..  -,,  ajudar,     ^^  ^^^j^  tnxerga'.ht  o  mohiíeprmeyro. 
&;>««>•,  pay,  como  le  dl ílcra,payajudador.  A  cftc     -t»  -^  <s  ^^     /"   "v 

3upitcra(tnbuhiáo  o  governo  do  mundo:ÔC  como  Emfim.t^ueo  (ummo  Deu.  Dcos  he  a  primcyra 
nós  temos  por  fé  certa  haver  Anjos  bons ,  que  nos  caufa  de  todas  as  caufas:fontc,  &  origem  de  todo 
favorccem,&:  maos,que  nos  empccemiaílim  os  an-  o  bcm,&  obra  no  mundo  por  fegundas  CAufas.qu 
tigos  idolatras  fingiáo  o  nieftno  em  feus  falfos"    "  -    ..       -        . 

Deofes.VcjaleCclio  Rodiginonas  fuasliçócs  an- 
cigas,liv.i.cap.24.  cum  fequentibus. 
•  */-■g;^v^,-Vu.- 

QT?^^  logo  aqui  a  pintura^  que  varia, 
Ag%ra  delcytaràdoyhora  enpnandOt 
*iJarihes  nomes  queaanttguapoefia 
A  feus  'Deojesjâ  derafabulandoí 
^e  os  Anjos  da  ceíejte  companhia 
T>eoies  o  (acro  ver/o  eftà  chamand». 
Nem  nega  que  ejje  nome  çreminente 
Xarnbem  aos  maosfe  áà  mio^fal/amentc, 

,- '-  Çiuer  /tf^tf.Moftra  o  Poeta  coraoX)  fcu  intento  cm 
ílíar  algumas  vezes  dos  nomes  dos  falfos  Deoícs» 
nâo  he  mais,que  para  ornato  de  feus  verlos.  E  por 
efte  meyo  enÁnar  algumas  couias  neceâarias  para 
a  vida.  _íj<j>'> 

Pmturty^iui  vãrhr*  Hc  a  Poefia,á  qual  pocm  cíttf 


ião  ceos.eftrellas,  &í  todas  as  mais  cauías  particu- 
lares. Sum^a  aqui  quer  dizer  alto,  omnipotente, 
perfeytiflimo  ,  porque  em  Deos  ha  asperfeyçóci 
de  rodas  as  coulas,como  diz  o  Bcmventurado  San- 
to Thomás. 

Debaxê  deUe  eirtuU.  Eílc  circulo  hc  o  eco  cmpy- 
n0)de  que  atrás  filiámos.  Diz  o  Poeta^queeíleceo 
náo  anda  porque  íe  nâo  movc:que  hc  a  rczâo  por- 
que os  autores  prophanos  naó  trattâo  delle.Deba- 
xo  defte  ceo  cmpyrio,diz  que  cftá  outro  taõ  ligey- 
ro,quc  efcaíTamentc  íc  pode  enxergar  leu  movi- 
mento. E  que  eftc  he  o  eco  a  que  os  Aftronomof 
chamâo  primcyro  mobile. 

/^^  Om  efte  rapto^&  grande  movimente 


Vão  todos  os  que  dentre  tem  no/èyoi 
^or  obras  defle  ^o  Sol  andando  attento  ' 

Odia^  noytefaziycom  curfo  alhe; 

duasartcs.Vejaieano(raannotaçáonoeácofctimo.  Tao  lentOyX3jojugado  adumfreyo^ 

^e  Anjêi  de  Ctle/ie  comfênbi*,Dffti  ofucto  verf»  Mjje  em  quanto  Thebo^de^  luz^?iuncâ  e[caff9, 

fjli  cbamandê.  Da  o  Poeta  a  entender  como  a  fagra-  ^Duzentos  curfis  faK,dâ  eUe  humpaffo, 
da  Efcrittura  ufa  dcftc nome  Deõfesjhumas  vezes 

para  reprovar  os  falfos  Deoícs  dos  antigos ,  outrai         Com  tfit  r^^fo.Entrcosantiguos  ouvcdiflFeren- 

para  moftrar  o  favor,5c  mimo.q  Deos  faz  aos  gran-  ics  opiniões  fobre  o  numero  dos  ceos.Huns  poíc- 

dcs  da  tcrra,6c  juftos  della,em  lhe  comunicar  o  fcu  raó  hum  fó,outros  oyto.ouíros  novc.Oje  eftâ  rc- 

proprionome,como  aquclle  Pfalmo.  Deuiietitin  foluto  ícrem  dez:dos  quaes  o  primeyro,£c  vitimo 

fynagogã  Dtorum»  Dewcftevcno  ajuntamento  dos  quúto  a  nòs,le  chama  primcyro  mobiic.porqueh» 

Deoícs.  E  no  mcfmo:  Egê  dixidij  e(iu.E.\i  diíl*e,lbys  o  primcyro,  que  le  movc,iendo  os  mais  tambc  fcu 

Dcofcs,8c  cm  outras  partcs.O  qual  nome  dâ  tam-  movimento.Hc  tão  arrebatado  o  movimento  de- 

bem  a  cicrittuta  aos  Anjos  bons ,  como  confta  de  ftc  primcyro  mobile,que  leva  após  íy  todos  os  ou- 

alguns  lugares  delia ,  nos  quacs  o  Chaldco  declara  tros  ceos,&  faz  ^ue  em  efpafib  de  i4.horas,dem  to- 

fcroprc  a  palavra  Deoícs  por  Anjos.E  nos  lugares,  dos  huma  volta  de  Oriente,  a  Poncntc,  como  diz 


onde  a  Elcritura  diz,quc  Dcos  appareceoa  Moy. 
fcz,oufallou  a  algum  outro  Prophcta,  como  na- 
qucllcs  lugares  do  Exodo,&  Deutcronomio,muy» 
tos  Doutores  deelaráo  a  palavra  Deos  por  Anjo. 
E  no  lugar  allegado  do  Êxodo  a  letra  Hebraica 


aqui  o  Poeta. 

Os  ^Ht  dtntn  Um  n§  /ê;o,Todos  os  ccoí  cftaó  dc- 
bayxo  defte  ultimo  encaxados,&  poftos  liuns jun- 
tos dos  outros ,  como  cftáo  0$  cafcos  em  huma  ce- 
bola. Pelo  que  diz  o  Poeta  ,  que  os  tem  todos  no 


diz:Malach.quc  hc  an)0,5c  aflim  o  declara  a  Gloía     lcyo,porque  os  abraça,&:  tem  em  íi. 


ordmaria. 

A>w  nega <jue ejlt  n0me preminente.  Nome  preemi- 
nente hc  o  nome  de  Dcos,que  fedi  aos  falíos  De- 
oícs,mas  talfamencc  como  íeião  hon)CS,6c  mãos  ho- 
mens. 

EMJim  q  ofummo  'Deos  jque  por  fegundas 
Qúufas  obra  no  mundo,tudo  manda* 
Etornando  a  contar  te  das  profundas 
Obras  da  mão  diuina  veneranda. 


Por  okrs  dejie  §  SoL  O  que  eftc  primcyro  móbil 
faz  aos  demais  orbei ,  &  ecos  ,  que  hc  fazerlhe  dar 
huma  volta  cm  efpaço  de  14.  horas,faz  tambcm  ao 
orbe  do  Sol.quc  he  a  cauía  do  dia,5c  ncytc»quc  vc- 
mos.E  diz  que  faz  o  Sol  ifto  com  curfo  ilhcy  o:por- 
quc  o  feu  he  contrario  do  Oecidenic ,  para  o  Ori- 
cntc,no  qual  galla  565.dias,8c  íeis  horas. 

Dehãixo  dejie  leve  anda  êutrç  /«ío.Segucíc  depoi» 
o  primcyro  móbil  nono  eco,  o  qual  náo  he  eftrcl- 
l.iáo,mas  muyco  claro, &  tranfparentc, pelo  que  hc 
chamado  eriftalino»  Tem  cftc  ceo  dou*  movmicn- 


i4Jv  ias:  oiHVò  feu  |^.p^«*'*&-M 

roío. Pelo  q^ç lhe chtii>^ft-á;qui oPotíra knco.ôc tá-^ 

to,q  sowíiíiíftentos  annosíiiiodà  niais,<tuA j^ii"»  psí- 

lo,4ue.hchurn  G.comodizo  Poeta  aqui^ Faz eílé 

ftcfitScéKt»^uríò  |)l'dpnO  enl  49«annos.  <^^ 

tanáõ^.iiiífe,  mas  eita  he  a  mais  commum,  6c  rccc- 

bidtftiptiiíèê. 

0^"*^Tlía£^mtrô  Âetaxo.que  epnaítado 
M)íJi9rpoi  Itjosé^ndai^  radtuntesy 
^Uí  também  nelle  tem  cur/o  ordenado^ 
Enoijeus  ãX€s  correm fcintíUantts, 
Bem  v.es  crmo/e  Víjte-^^jaz  ornado 
C\/'oiãf^gú'cmto  d'ourO)que  elireíuntes 
Aiitm^Íi(I.Qj^<  traz  ajjigurados'. 
Af>4k ^^W 4f  ^hebo  limitados. 

'  ÚHíi^^JlMro  flehayx»  efuttjtnaltah»  Efte  he  o  oy- 
tavo  ceo, chamado  cóm-úhi mente  firrívaníento,por 
ter  cm  li  as  eftrcUas  fixas.P.elo  que  diz  aqui  o  Poeta 
que  heeímaltado  de  coipós  lilbs,  6v  rtfplandecen- 
les.^è^é^à^o-as  eíl  relias. 'I  em  efte  rre^  ratDVíRvenros, 
hum  dtí^Wr.te  á  Poenie  còni  o  pnmeyro  movei, 
outro  dcÓccidente  a  Ortente  có  o  noiiaCco,ou-' 
iro  a  que  chamaõ  de  tnpi  Jítçaó,ou  acceílo,ôi:recef, 
ío,por  le  chegar  hurnas  vezes  ao  polo  ai  ctico,  def- 
viãdofe  do^iantardicq,  &  outras  ao  ar.taríílicojdcl- 
viandofe  do  âVélico,  &:  íftb  fobre  Icus  próprios  po- 
loájn^ò  qual  gaft  i  lette  mil  annos. 

£  noyfmiàiiti.MIo  dilz,porque  o  oyravo  ceo  tem 
Eyxo  particular,  &  poios  difterentcs  dos  do  mun- 
do,que  íí)Ô  os  do  Zodíaco. 

'  Bam  vét  como  (e  veíie,^  faz  ornadú.C^e  largo  cin- 
to d^uro,  Eitè  cinto  (íd-ooro,  hc  orbe  dos  Signos, 
chamado  vulgarnientcZodí^cò.O  noílò  Poeta  lhe 
chama  cinto  de  ouro  ,  por  ler  hurra  paragem  no 
óytavo  ceo  povoada  das  pnncipaes  eftrellasdellci 
âsquatspolcraò  nv^mesídeaniniaes  ,  ou  porqas  el- 
trellas  fixas  que  eftaô  nos  taes  Signos, reprelcntaó 
a  figurados  tàes  animaes:  ou  porque  quando  o  Sol 
anda  neílcs  Signos,conforfric  ao  Signo  em  q  anda, 
aíTim  cauia  em  oi  animiies  da  terra  algum  acciden- 
te:ou  porque  as  tacs  partes  do  ceo  tem  huma  certa 
virtude,'  ikmfíuenciji  (emelhanre  a  naturc/ados 
meímos  hhim»es.Efl:as,&<  o^itras  razoes  daôo>  au- 
tores. Tem  efl-ecirriilo(feg\indo  PtolonHo,Sí  to- 
dos os  modernos)  cómummentedozcgiaos  delar- 
gOjfeis  a  ca'daparte,pelo  mcyo  dos  quaes paika  li- 
nha,eccíyptica,  q  hc  o  caminho  do  Sol,6c  chaiviale 
feccKpricàVpòrqos  ecciyplesdo  Sol,&  da  Luanaõ 
fe pòdcmfaZérènv outra pat le do  Zodíaco,  •Ir^naõ 
nefta,  Eíbi  he  áYáztiô  poi^i©-  Pocta  chama  aos  Sig- 
nos do  Zodíaco  aporén!'os  de  Phebo,qiie  he  o  Sol, 
porq  Icmpf e  caminha  por  bayxo  dellc,  lem  Ic  dcí- 
Viar  para  hua nem  nara  oirtíaparte,  díffcrcnte  dos 
mnií  Pííineí"'asos  quaes  íedeJmandab  n.ais,míisnú- 
ÍÈU  de  irt)od«,quc  pifiem  o  cíp^^o  dosdcf?;*  grãos  do 
Z'ydiaco,ainda^"^1ait£,&:  Vtnwsorazem  »lg«mas 
fKrzes. 


,  ;      /  cjtl  CJRVRln^yqST  23{05jCT  ií'r.lh;'í 

Lha  for  píítr^s  par^PJ^^iníuraj 
^e  as.ejirelias fufgfT^t^^f  .vãofaz€}ião 
Qlhaacarreta^aUenta  aCymlura      .  ,,.,^^ 
MfídYomeda  v  jeupay  c>  o  drago  horrenda*  •' 
Wede  Cafjiopeii  a  firmo/ura;  • 
Ê  de  Ortonteb^efio  turbukrrto,  ^i 

Ó/Íja  o  c  ifi  e  mor  fendo  q  ue/ujptra-j  ' ' 

Àlihre,(jScàji^^nap^éadQC€,Lyia. 

Olha  por  outráí  partes  ajmtura,K\çíV[\  das  eft  relias, 
q  ocí  upaó  o  7.odiâCO,dÊ  que  tiattámos  naannoca- 
çaõ  j:lafiada,  ífiVíji^ás  múytasclpalhnd 'S  pelo  o y», 
ta  V  o  Ge  or.  l>á  s  ttíalsVi  ô^a  \>  e  i  s  d  a  s  q  u  à  c  s  j  u  n  t  a  qjc  niÀ 
com  as  do  5í^>iá^|^(íift^\Ptolome.o  quarenta  êcoyto 
iiDSíJenSjOU  ccntfelíftçócs»  pondolhe  nomesdiffe-r; 
rcnre5,cor>f(»r;a«fi'íuíag€m,6c  %ura,que  pareciaq 
ter  no  ceo,da.nd.oa A'-',"™**  nomç  de  ci'iatu  ras,cot?i6) 
Androm.cda,Ca^xipp,.ajPrici^teVà  outras  de  cbu'íàs 
inanimadas ,  como  caireia  ,  ríáò' ,  lyra:  a  outras  ad 
aves,avmo  cifnev^guí-a;a  outraSdr  animaes, com(> 
Iebre,cáó,dragáG,&  aoutráSoutrf?5,que  naópo- 
Bbo,quc  fe  podem  ver  laigameme  em  Higinnio^Sc 
Gyrava,  na  liiaGx^^ftnographia.  Iftohe  o  q  o  Poeta? 
ííquidiz ,  queilem  das eltreljas doZodiaco havia 
outras  rnuvt?.i  neíle  oy tavo  ceo  elpalhadas  porel- 
ley  às  quaes  os  autores  eliivaÕ  diífcrei^tes  nomes» 

Ehaxd  defie grande  firmamento 
Ves  o  ceo  de  Saturno  ^eos  antigOi 

Jnppiter  li go  faz,  o  movimenta^ 

E  Marte  abaxo  helíico  tninugo. 

O  clart  olho  àêteo  no  quarto  ajjeíito 

E  Vénus, que  os  amores  traz  comjigoi 

Mercúrio  de  eloquência  íoberana-. 

Com  três  roftos  debaxo  vay  Triana, 

Dehayxodtfegranie.  Reconta  o  Poeta  neftaoy- 
tavaa  ordem  dos  Icte  ceos  que  (e  feguem  depois  o 
firmamento  em  cada  hum  dos  quaes  n-ão  há  mais  q 
humafócílrella  charradacnmmummcnic  Planeta, 
que  quer  dizer  vago,!^  errante,pv-)rquíS:  os  Plan  ct?s 
naó  lâ-ó  como  as  eltrellas  fixas  do  cenjoytavo,antc9 
fe  movem  diffcrentemente.Ôí  de  fcusniovimfcntos 
f.tzem  os  Aílí'ologos  íeos  inizos,Gomo  tambcm  das 
eftrellas  fixas.Os  íciís  nomcs-l{í6:8atuino,Jupiter, 
Marte,SoI,  Vénus, Mercurio,&  a  Lua.  Dá  o  Poeta 
a  elíes  P  lanctas  epítetos  conforme  a  opinião  q  dcl- 
ks  os  antigos  tinhao.A  Saturno  chama  Deos  antir 
go,porqiic  foy  o  priv.i^ís^rô  ho»nem  aquls  os  antigos 
dcraócílenome  de  Deos.A  Marte  beílico  inimigoj 
porq  foy  lido  por  Deos  da  "guerra,  Vénus  do«  amo* 
i;es,&;  lyiejxurio  da  eJoauencia,como  he  notório  aos 
q  tem  pêlos  Voti^CCu7,^ires'rojlos  debayxovay  D  tom/» 
O  mèiiTíó diflé  yÍrí?;iiió;TrÍá  vir^inii  orá  Dtuna-.tféi 
roílos  da  VítgeíhltitJirfárlftb  di^ztm  os  Poetás;^wj[ 
davaó  áLuu  tiiw  jp<>deK« ,  6c  cônf(w\awa.çUeí?.íhí 

aíTinavaó 


jl 


Lujiadas  de  Liús  de  CamÔes':Cõmmentadõs» 


ííiirtavaó  três  Iugãi«s,&  nomes: Dia«a  nos  montcà 
Lwítsioceo,  Broiírrpinanoiníernoé 

MtQdo.s,efies  orhes  differente 
^  Qurjo  v^ãiviús grave J£  n' outros  l^vc 
Horuftigem  do  centro  longamtntei 
tlora  da  terra  eftão  caminho  breve ^ 
BefUcamo  quts  o*F'acire  omnipotente 
^é  (/■jogofez^^ ôàr  o  ventOi&  neve: 
Os  quaes  ver  as, que  jazem  mais  a  dentro  ^ 
lutem^c-^o  ornar  a  terra  por Jeu  centro, 

■EMitodoi efles  otInií dtjfertntty  &c.  Eíles  orbes  do^s 
léceflanctas, cujos  noincs  pofemos  naoytava  pai- 
la^iaiteJmdiíFerence^  movimentos, porq  huns  ferno» 


295 


oiere  f  ao  )a4  6 1 1 1  ft  ;cel  eítialjSè  l?ca  V'C  nt  u  ra  dí^gi  oa -w 
^lAt  não  (âmevte  on/aJei  jt  ^(>.'if,e7Jíio.  Afiinr  chama 
Horácio  aos  homcnji jjas  iuas.OAlgs:  Aud^^í^  orfifiia.fer" 
fettgemj humana  rutt^r  'U(titafftff^f^''Q^.  homcs  ou«» 
lados,  ík:  atrtviLWj.não.hàiCfipfí^jque  "rtáo  acómet- 
táo.  DondedtzOvidionoliVTjO^i^as  Tuas  transfor^ 
Riaçóe$,quc  depois  do  d»Juy}p:fet>efo|"iíiG[^  ogiene» 
ro  humano  de. pedras  ,  par^  uijqíirar  poT  elljc  i^tjgif>^ 
ipento,a  dureza,  Scouladiados  iipmeos,ii0:sí^Ai^cí 
nãohà  crabalhoi,nempQ.r:igôs,íjuccaníem,  •-.      ^ 

<>JSmo: 

jT  Es  Europa  Chrijiainàis  altãi^é  c/arai 
:    ^eM]àutras  em  f^ha,^^^^ 
Ves  Africa  dos  bens  domuftao  aúàrà  '  ,  ^     J^ 
mcuita^^  toda  chea  de  btiit^za',  . ,  ^  ^^^ 


vcmdepreílâ,outrosdevagar,Síiturnofdáaíuavol,    Coocaboqueatèaqui (e  vos.titgãra^        ,1)3  8 


Icte  horas. Líla  hesarazâo  porqCicdizoPocta,que 
hufls-tém  ó  Guriò  gravcjôc  outros  leve. 

Hârk  fogem  do  centro  hngumente.lSí o  movimento, 
h  turfodos  [■'lanetâs  ConíiderâoosAítrolooos  ctír- 
fos  pontoSjConforme  ao  lugar  em  que  êftáo,oa  chê'- 
gadf>s  à  terra, ou  afaítados  dcl!a:o  ponto  em  que  eí-í 
táó  abadados  da  terra,  fc  chama  Auge  ,  5c  entre  os 
Gr€gos-apogio:o  ponto  do  chegamécoà  cerra  cha 


i^èf  ^ropa.  ,De  Europa, &  Africa  rev^y? ç,/^y^ 
e(crevemos*BO  Canto  primeyr,0;,,oytava  íçg^Ví^^&Wi 
,  €-0  cabo^  tjue  ate  ejut/e  vo$  negara.  Eíl^ç%l?{3(^e  O 
de  boa  eiperafiça,dt;  que  osantigos  nenbi}rníi;i]^ti^ 
ciartivcráoElta  cllc  táofamoíb,5c  t,áp  conhecido 
cabo  cm  huma  terra  de  África  ,*à  qualos  Arábios» 
^oPerfas  cham  ão  Záguebáp ,  6c  os  morudorçs  Zá- 
guy,6<  c«mmummcie Gafres,qu.e  quer  dizer.gen- 


máo  òppofito  do  auge,&:  os  Gregos  perigo:  &  álii    te  fem  l^y ,  por  íer  muyto  torpe, Sc  barbara.  Pós  si 


o  Poetí^que  top.em  do  centro  longamente,  porque' 
quando  eíláfí  no  auge.eftáo  mais  aUftadosda  ter-^ 
ra, que  he  o  centro  do  mundo  ,  5c  quando  cíláo  no 
.oppoíirodoauge,cfl:âo  mais  chegados  a  cili. 

Oí  <7«<iíí  veras  èjue  jazeWy  &c.  Entende  o  fogo,  8jt 
anos  qtraes  dizque  jazem  mais  dentro,por  eítaretti 
rnais  chegados  ao  Ceõ  da  Lua:6c  aíTim  tema  terra^ 
&  a  ag  u  a  por  cem  r o.  ,  -rt',í,\^  ^^^'^^\  *<.0 

^"]  Efie  centro  pon Cada  dos  htimanoii^  ^^ 
Ni  ^e  não  fomente, ou  jadosje  contentão 
T^e  fofri  rem  da  terra  firme  os  danos  ^ 
Mas  mãa  o  mar  tnjfdvel  efprimentão, 
VfYàs  as  varias  partes  ^que  os  in/anos 
Mares  diuidem-^onde  fe  apojentãó 
V ar  tas  nações  ^que  tnandaõ  vários  Rtysi   *"  l' , 
Vários cpjtumes  feus^&  varias leys.       "  ^■^^^' 

JSltfte  centro  poufadadoí  humanos, O  centro  dortrfí* 
do  bc  àxcrra,a  qual  he  poulada,&  morada  dos  ho- 
mcns,comoaquidizo  Pocta,cujas  partxjs^deterraina 
traiturTethys  ncile  canto  dcicrevendoas,  &í  mol- 
tr-jndoas  ao  Gama.paraque  fe  aíícyçoo  a  faz.:r  neU 
lacou.las,paraque  mercíja  alcançar  eílourras  roíCiB 


natureza^eile  cabo  táo  temido' h<lje  tios  noílbsjen- 
treac;i)l:)oP'raflb,que  he  o  de  Moçambique,  Sc  os 
PangelÍDgos  Cogeytos  aoinoílo  Rey  de  Coqgo,  ^ 
qual  terra  eflâ  em  altura  de  5.  grãos  da  banda  do 
Sul.  Do;  nòmc  deílc  cabo  ie  veJ4  a  noil^a  annotai» 
çâono  i.p.nto,  oytava.i.        ■  -  _, 

,  Olha  efa  terra»  Falia  em  geral  daquelUjarga 
terj-a  de  Africa  habitada  de' geme  lem  ley,èi  ieia 
Reyibarbara,&  bruta,^:  logo  na  oyiava  começa 
a  traccajrdc  algumas  nações  ^cUa.] 

VE  do  Menomotapa  o  grande  Império 
T>ejehatica  fi^tnte^egr/3j&  nuay 
Onde  Gonçalo  morte ^àr  vttMperio 
'Padecera  pela  féfanõla/iia, 
•Na/ce  por  ejje  incógnito  Hemifpht  io  ^     ,  i 
O  metaUporque  mais  a  gente  fuav  ^  ^allífi  msJ 
t^e  que  do  lagòjondeje  derrama       "  "       "  ^ 
O  NiíOitambemvindô  eliâCuama,  ' 

Vedo  Metiomotapa.KÍ <;i>oniotapa,ou Benomota- 
pa(pofque  de  huma,&  tíutra  maneyra  le  diz)be  pa« 

-       .  ,  ^  lavra  qpefig4ÚficaQ.qiJeçi4t/,onós.hc  Em p9*««U)r 

4'XcciU;nces,de  que  traitou,qne  hc  o  Geo  mormi»!,  he  n(?uj^  c^o  lçnhor4p  grande  Rey  no  de  ^ofalf. 
&  apoicnto dos  Bemaventurados,  tey torpor  Ddos  He èt^c  Reyhcí Cercado d^omáí^porbuml ■parrc;5c 
WoHoSenhor,  para  dei  ca  n<,  o  dos  que  |>rocucarcm  de  outra,com  dous  braços  de  '^nriVr^^fínde  ri(>,qÍTC 
ícguir  aeila  vid^  a  viuude,£c  fazer  a)iiíaspar*c|tic     layc  do  melmo  bgoVdandt  fa^è  o  Nilo ,  conjo  dfz 

aqui 


^Q^  ^  '  t.Átí*»*,^::  Canto 'Decimo, 

aqui  o  Pocta.ic  Joac  <3c  Barros  na  i.  Dccad*,pelo    Olha  delles  a  bruta  multidaÕy 
<)uc  fica  tcyto  Ilhií.a  t^ual  terá  de  circuito  750.  Ic-     ^laibrando  ejpaço^à'  negro  de  ejtroninhos 
gua5,£c"niâ1s. Todaíi  gente  aciia grandiíTima  pro-    (^ombaterà  em  Sojaía  a  tortalezi^ 
vmcia  he  ncgra,dc  cabelo  i-ctorcido,6c  muy ta  dcl-     ^^^  defenaeyâ  Nhya  com  deãrex.*, 
h,   rnayoiT.icntc  a  que  cac  contra  Moçambique,     "^  ^  i 

Quiloa,&  MelindeiCorac  carne  humana,&:  bebe  o  Olha.  as  cafai  Jfis  migrou  Em  Coda  a  terra  do  Me- 
lan"uedo  gado  vacum, ôcdefta  mancyra  fe  man-  nomotápa  náo  fcpcrmittc  a  pcflba  algúa  ter  por- 
rcm.Toda  em  geral  he gente  bruta,&barbara,co-  tas  nas  calas,&  quando  o  Rcy  ocóccde  hcporfa- 
ino  aqui  lhe  chama  o  Poeta.  Ha  nefta  terra  gran-  zcr  particular  favor,Schonra  a  algú  part»cular,que 
des  minas  de ouro,quc  lhe  colhem  cavado  a  terra,  merece  íeraveniajado  dos  outros,&  dà  por  razão, 
ou  apanhão  pelos  remanços  dos  rios,ou  poralgijs  quando  alguém  lhe  falia  neíla  matcria,q  asportaç 
lamaçacs.  Eíte  he  o  metal  ,  porque  diz  o  Poeta  "âo  le  Hzcrão  íenaô  por  medo  dos  ladrócs,&  maU 
aqui,queagentetrabalha,&lua.  «.Ti^^  v,  w  ^'^yí^rcs.E  pois  clle  tem  á  fua  conta  os  pequenos, 
OncitGonçol9m9rtt,&vhuferto.E^t\oy\í\xQoti-'  aos  quaes  ha  de  governar  em  juftiça.quenâo  tem 
calo  Padre  da  Companhia,  Varáo  de  muyta  pru-  que  cemer.E  ter  humas  portas.he  linal  de  grande 
dencia,letras,&  religião,  o  qual  foy  manuado  dcf-  dj£^nidadc,&  preeminência  entre  tiles.  O  Rey  da 
tcs  Reynospelo  feu  mayor  com  obediência  de  hir  terra  hcjuiz,&  cllecondena,&:ablolveaqucm  Jhc 
a  eftc  Keynode  Mcnomotapa,©  que  fez  depois  de  parcce,<cm  appcUaçâo,  nem  aggravo,ncm  cadcas, 
haver  feytos  muytos  Chriíláos  cm  outras  partes,  porque  af  caulas  íe  dctermináo  logo  com  o  dito 
como elle  conta  em  hú a  carta  que  elcrcvco  aos  Pa-     tl«?  tcílemunhas. 

drcs  da  Companhia  noanno  de  ijío.queandaen-  Çlue tiefenJerd  Nhaya  cor»  ãtjlrtza.  Eftc  foy  hum 
tre  outras  cartas  dos  mclmos  Padres. Mas  eács  bar-  homem  nobre  Caílelhano,a  que  chamaváo  Pedro 
baros  o  n  atarão  pregando  a  Fe  de  Chriílo^pelo  q  da  Nhaya,mascal»do  cm  Portugal,&:  morador  cni 
morrco  Martyr,comodizaqui  o  Poeta.  Santarem.Foyá  índia  noanno  de  1505. por  Capi- 

•  tiace  for  t^t  intvgmto  Hemtffhert:  Chtm«a  eftc  \^^  morde  fcis  naos.có  ordena  de  fazer  huma  for- 
Hemilpherioincognito.por  lenáolabero  quevay  talcza  em  Sofala  parao  traito,aqual«llefcz,como 
pela  terra  dtntro,porfer  gente  de  pouco  tratto,ac  dizoCaftanhcda,liv.i.c.8.6c9.em  breve  tempo.O 
convcrfacâo.  "         Rey  da  terra  por  nome  Icuf,  q  lhe  deu  licença  pa- 

Vonât  l  Ntlo  fe  Jerráma.Eí^e  lago  hc  hú  dos  mais  ra  fazer  a  fortaicza.depois  le  lhe  arrepcndeoiíc  cõ 
notáveis  de  toda  a  Aírica,muy  to  dclejado  de  fcfa-  ajudade  outros  fcnhores  da  terra  a  ccrcou.mas  Pe. 
bcr  dos  antigos  elcnttorcs.por  ícr  a  cabeça  cícó-  t^» o  da  Nhaya  a  defendco  valerofamentc,&  reatou 
dida  do  illuftre  Nilo.  Do  qual  lago  também  pro-  o  R  cy,  como  íe  pode  ver  em  João  de  Barros  na  i. 
cede  o  rio  Zay  re,q^  rega  o  noflo  Rcyno  de  Congo.  Decâda,liv.io.c.i.a.&  3. 
Efte  lago  fegundo  a  informação,quc  fe  té  por  via  ^  ^ 

deCongo,  &  Sofala,  hederoaisdeccm  legoasde      ^^^    .,     ,,         ,^      ,      ,       ,,., 
comprido.  E  porque  do  naíciraento  do  Nilo  fica     f\  ^^^  ^^  ^*  ajagoas, donde  O  Ntlô 
irattado  no  canto  4.  oy  tava  8  z.  mais  largamente,     V^  Nafce.q^naofouberaò  os  antigos i 
•qui  o  náo  farey.Outro  rio  q  lac  deftc  lago,&  vem    J^elo  rega,gerando  O  Crocodilo , 
contra  Sofala,depois  de  ter  andado  muyta  terra, íe    Os  povos  Abaffis  de  Chriftê  amigos^ 
reparte  em  dousbraçoi;  hum  delles  vay  dar  álcra    Olha  como  fem  mur osC novo  efi tio) 
do  cabo  das  Corrétei,.o  qual  os  noftoj  Portuguc    ^,  defendem  melhor  dos  tmmigos: 
zes  chamaváo  no  da  alagoa,  &  agora  fe  chama  no     jy  ^  »^_^  •//     r     j„   ^^         r  ^^ 

do  Efpirito  Santo,o  qual  nome  lhe  poz  hum  Lou-  ^'  ^/roe.que  ilha  foy  de  mttguéfama, 
renço  Marques  leu  delcubridor.Outro  braço  Uye  ^*^  *^°^^  dos  natWfaes  Nobaje  chama. 
a5.1egoasporbayxo  dcSofala,  &chamaleCuáma  Olha  lã  as  lagfas  JonJeo  Ni/o.Do  rio  Nilo,&feu 
comummente.  Ainda  que  algumas  gentes  pelo  ler-  nalciméto  fica  tratado  largamente  no  cato  quarto, 
tão  dentro  lhe  chamão  Zcmbere.  Efte  braço  he  fV/#  rega  geranílc  o  Crecoélo.CrocoàWo  he  hú  ani» 
mayor,  &  mais  caudaU  por  fcr  navegável  irais  de  mal  de  quinze  covados,&  roais  de  comprimento  de 
2  5o.leguas,  oqfazcmfeisrios  notavcis,quefeme-  feyção  de  lagarto  cõ  grandes  dentes,&  unhas,coni 
temrelle:Pâname>,Luamgoa,  Arruya,Manjono,  as  quaes  mata,  afllm  homcs,como  outros animaei 
Inadire,&  Ruenia.os  quaes  todos  rcgaó  a  ççfjiado  datcrra,dcquehe  inimigo.Para  tomar  os  homens 
Mcnopotapa,8í  dclles  fc  lira  o  ouro.       "'  '    ~  ula  de  húa  manha,&  hc,qucchora,paraque  haven- 

do cópayxâo  dellc,chegandole  á  parte  aonde  hou- 
tt^  vechorar,lcapoderedelle,íc  o  mate.Donde  veyo 

aqutUe  Provérbio  tão  antigo  ente  os  Latinos: 

OLhaas  cafas  dos  Negros, como  efíão         CrocoãtU  /rfc^ryw-íiLngrimas  de  Crocodilo,  o  qual 
Semportas^coniadofemíeus  ninhos,        ^T^^l^^  ^^  ^Tl  "^V^^"^       "x  tr"""'^  *"" 
Kl   '.  a-     ^     t  j    u  j.     r  -      ■  '^^    »         obras.Nao  tem  língua  c(tcanimal,&  fomente  mo- 

^'''^  Wl!  jj  ^'>«^f'  veoqucyxodecima.Queréostutores,quefecha- 

£  najidelídade  dos  vtztnhos.  „,  Crçcodilo,  Crocu,  5c  ajlu.açafraó.  &  medo, 

líij  porque 


J 


Lufiâdás  dê  Lnis  de  Camões  Commentados,  1 9  f 

porque  tem  eíle  contrario.  Donde  coilumáo  os  linde, aonde  cila  Mocambiquc.q  de  hurBa,8c  de  oa- 

ligypcios  quando  querem  que  os  Crocodilos  lhe  tra  inaneyra  le  chama,por  cito  lugares  eítaré  iiel- 

náo  toquem  em  alguma  coufa,porlhc  junto  algíi  la.  &  diz  o  Poeta  q  Melmdc  deu  a  Dom  Valco  hof- 

açafraò,  paraque  fujio,  Contão  os  autores  hunia  picio  galalholb,  porq  lemprc  os  noflbs  foraó  recc- 

couUniaravilhofadeílc  animal,  q  lendo  táograa-  bidos,ôí  galalhadosneíte  lugar  com  muy to  amor, 

de  como  Hca  dito/c  gera  de  ovos  pouco  mayores,  como  contaó  os  noflos  hiftonadorcs. 
quede  pato,osquaespocm  cm lugar,aonde o  Rio         o  ríipía  rw.Eíte  no  raptonaccda  terra  do  Prcf- 

Nilo  com  a  enchente  os  não  alcancc,&  q  de  noy  te  te  Joaó,em  hxx  monte,a  que  os  moradores  chamaó 

cllà  no  rio,Ôc  de  dia  n*  terra  para  fazer  mal.  Graro.Sc  ao  no  Obii,6c  Ptolomeo  Rapto.  Entra 

Oi  p9voi  /ílfafií  de  Chrifio  awigw.lLftes  Taó  os  mo-  no  mar  junto  a  hum  lugar  chamado  Quilmance ,  o 

radores  daquella  parte  de  Africa,que  confina  com  qual  lugar  eíH  íituado  na  boca  do  rio  l<.apto,ao  lõ- 

Arabia  ,  os  quacs  dividem  as  portas  do  mar  roxo.  go  do  mar,junto  ao  Reyno  de  Melinde.O  que  tu- 

b'aò  ChníláoSjÔc  fugeytosao  Preíle  íenhor  daalta  do  diz  aqui  o  Poeta  ,  vejalejoaó  de  Barros  na  prir 

Erhiopi;a.lillcs  em  luas  terras  não  coílumâo  mu-  mcyra  Dccada. 
ros  nos  iugarcs.como  le  collu ma  cm  outras  partes:  07 

&a  principal  razão  di^o,hc  por  ler  terra  de  muy-         ..^  ^  ,    _,^  ^^   z/-.^,  #..  ^U^^^^à^ 

ias  lerramas.  2c  rochedos  de  pedra,que  íaõ  os  míi.  t^  %^^'  ^'JJ"  ^^^f  ^/  chamade, 

inexpugnáveis  muros  do  raúdo.E  não  he  para  dif-  V^  E  agora  Guardafu  dos  moradores, 

rimuUr,q  cm  Atnara,í<c.Vedremíido Províncias  do  Onde  começa  a  boca  doafamado 

Preltc,6c  aonde  elle  coftuma  rcíidir  há  Igrejas,que  Mar  roxo^que  do  fundo  toma  as  cores. 

dizem  os  naturaes  foráo  tcy  tas  por  Anjos,5c  legun-  £,flc  como  timite  eftâ  lançado 

do  affirmáo  osq  viraó  as  obras  dellas,parece  exce-  ^^  dtviãe  Afia  de  Africa, &  as  melhore f^  ^' 

d«r  o  poder  humanorporq  lendo  tão  grandes  como  ipç^Q^çÕès  que  Parte  Jfrtca  tewy 

asnoíias,  he  cada  hua delias  teyta  cm  ^^um  penedo  ^açuà,faõ,Arquiquo,&  Suaquem, 
Cf)mcolumnaSjabobaUas,&altare8,fem  milturade  r      v     •»      -2     -j     ^^  i        -nin    :!  , 

aigúa  outra  pedca  de  fóta:  £c  querendo  os  Mouros         O  cah»  'ol  \à  Arâmata  cbamâJo.O  cabo^Otisrdafu 

por  algúas  vezes  derribar  eítas  Igrejas,  nunca  pu-  tão  conhecido  hoje  pelos  noflbs,a  que  Píalomeo,&C 

deráo, nem  có  fogo, nem  com  picões.  Edeíiendcle  outros  antigos  chamarão  Aromata  ,  henofimdt 

efta  gente  melhor  fem  muros,por^  cera  pelas  (erras  terra  de  Africa ,  &  no  principio  da  Aíia,por  ler  nt 

paço«  eftreytos,  &  trabalholos,dc  modo,q  te  os  da  cofta  da  Arábia  na  boca  do  mar  roxo.  Haverá  de 

tcrra,porpoucos,qíejão,nâoderéentrada,impoíli.  cofta  até  o  promontório  PraíTo,  a  q  vulgarmente 

vcl  he  paliarjalguem.  , chamamos  Moçâbique,55o.lcgoas,Macuáhehuma 

a^        a^  »s«5v  Cidade  chamada  aííim  do  nome  de  humaJllha,aon 


N 


-m  r?a      -      *    *  L       rir\u  de eftàíituada,  tão  vezinha  à  terra  firme,  que  íerá 

1  Effa  remota  terraMm  filho  teu  ^^^^^^  ^^i^  ^^  ^^  ,„.^  deeípingarda.He  íugey ta  a 


Nas  armas  contra  os  Turcosjerâ  ciar»  \^^  xequc  Íenhor  da  Ilha  Dalaca,aondc  fe^pcfca  o 

Ha  de  fèr  dom  Lhrtjtovaõ  o  nome  feuy  aljotar.E  o  mais  vczinho  porto  que  tcm.he  Arqui- 

Mas  contrao  fim  fatal  naõ  bareparo.  ouo  lugar  do  Prefte  João»  de  q  o  Poeta  aqui  falia. 

l^e  cã  a  cofia  do  mar , onde  te  deu  O  qual  Prelte  não  tem  outro  porto  em  toda  a  coíf », 

Mdtnde  hofptcio  ^azalhor6y& caro:  Tem pazentrc fi.porque defte portoArquico fayi 

O  rapto  ria  nota  A  o  remance  ^^^  os  mantimentos  de  q  le  a>antem  a  mayor  par. 

rr;  ^          u        Ul        ^           n     i  tcda  coftado  marroxo,por  ter  cfte  Arquico  muy 

"Da  terra  chama  Oby, entra  em  ^tlmance.  ^^  abundância  delles.  Haverá  defte  Maçuá  ás  por- 

<    Nefiarermta  tena,E{it  foy  D.Chriftovaõ  daGa-  tas doeftreyio  85.1eguas.Suaquem  he  húa  Cidade, 

fm»,o  qual  mandou  Dom  Efteváo  da  Gama  fendo  &  porto  o  melhor  de  todo  o  eftreyto ,  cercada  de 

Governador  da  índia  em  favor  do  Prcfte  cótra  El-  mar  a  modo  de  Ilha.a  qual  náo  occupa  mais  terra, 

Rey  deZeilà,có  que  tinha  guerra.  DomChrifto-  que  a  Cidade.  Tcni  calas  nobres  de  pedra,&  cal,»» 

vão  cora  os  Portuguezcs,  q  levava,  queeraõ  500.  modo  da  nofla  Hcípanha.E  tem  Rey  per  íi,da  qual 

desbaratou  duas  vezes  os  Mouros,  &  na  tcrceyra  até  Maçuá  haverá  fetcnta  léguas, 
batalha  q  lhe  dcujfoy  morto  Dom  Chriftováo,  ÔC  « 

os  noftos  poftos  era  disbarato.  Os  l\  ficarão  torna-  ^  ^ 

raôle a reformar,8c com  outro Capitão,q  elegerão  \T  ^^^ extreme Suez^que  antigamente 
entre  fi,dcsbaratarâo  o  exercito  dos  inimigos.  Ma-       V    Dizem  que  foy  dos  Heroas  a  cidade^ 

carâoa  El.Rey  dcZeilâ,oqtudo  fe  pôde  ver  lar-  Outros  dizem  que  Arfinoe^&  aoprefente 

gamcnteernhúaRelaçâo,qoParriarchaDomJo.  j-       das  frottas  do  EosptQ  apoteftaãe. 

ao  Bermudesfezdeftas  coiHaç  a  El«Rev  DôToaó  ^,,  ^       t    ■   j,  4.^   *^ 

o  trrrpvrn  H.  P    .1  ,    -         "  L^o  joao  ^^^        açoai.Has  qu<ies  abrio patente 

o  tcrceyro  de  Portugal,  o  qua  naotratta  de  outra  -^      ,     *     ^    t^m    r    ^        *-  ..^:à^Jm 

coufa,&  «Ue  como  t!ftemu„ha  de  vifta  as  cont»  na  ^lij^'^^»  o  gr  ao  Moyfnna  anU^ua  ,d^f. 

verdade.  Afia  começa  aqut  que  fe  aprejenta 

VÍQàa  cfftá  do  m/ir.Efti  cofta  do  mar  he  a  de  Me.  Ém  terras  gr  ande  jCm  ?^eynos  opulenta. 


2^6  .,  •  Câfitõ^^eiítmí 

Vei.  o  exfrtwo  5í/f2:.lO'tJlt!mo lugar,&  termo  do 
-cftreyto  do  mar  roxo  he  a  povoação  Suez  poíta  em 

altiirado  norte  2p.  (Traos,  &trc^  quartos  na  qual  ^^^    r/^^;«„„^.  r  ^^    r  r 

Suez  quer  Dom  Joaóde  Caílro  nofíc,  Portugucz.q  r\  Lha  O  monte  Smay.quefeennobreçe^ 

fcy  Govcrnador,&  Vilorey  da  India,em  hum  ro-  V-/  C  o  o/epulcbro  dej&nãa  Cathertna: 

.ieyro,quc  fez  das  couias  do  eftrcyto  do  mar  roxo,  Olha.  Jqyo.Ò  Gtàà^que  ihefallece 

que  íofie  fituaçáo  dos  da  Cidade  dos  Heroas de  q  'j^gitií das  jontfs aocefê  crtjlãlina 

íâlU  Ptolomeo,ainda  que  Ptolotneo  a  ponha  diílã^  Úlhã  as  portàs  dO  eííytxtoMUe  fenece 


ros"nrrI|andaDVcadTE  poí  efta"ra2.âo  elpecuíou     ^^de  chuVA.  éAmsJ^mo  deriva. 
todas  ascoufas do  cílreyto  do  mar  roxo,  &;  as  cau-  M,-'í.:.^ít  «ftb;^'/ '^-^iv 

ias  da  cor  das  ago&s  do  dito  marjcommuy  ta  confi-     •     Olhão  mottíeSiiniy.Neííe  monte  Sinay  deu  Deos 
deraçâo,  como  o  meímo  aiuor  affirma ,  o  qual  clle     Noflo  Senhor  a  Ley  a  Moytés,  como  íe  conta  no 
paí]eou,&  vio  muy  to  devagar:  que  defta  mancyra     Êxodo ,  6c  cm  outros  muytGS  lugares  da  Eícrittu- 
íe  labc  aVaerdade  de  huma  táo  varia  fciencia,comõ     ra.Neíle  monçecltá  hoje  em  dia  hum  Mofteyrodc 
hea  Xjèographia,  porque  o  tempofe lios  Jugarès     Rciigioíos da  vocação daBemaventurada "Virgcre, 
feu  officiocomo  cm  todas  as  mais  ccrufas  domúdoi     Êí  Martyr  Santa  Cathtrina,  por  ella  citar  fepuka- 
quche  levantar  hunS,6c  extinguu-,5v  dés^fazer  ou»     díinellc:Sc  outro  da  Uiclma  vocação  em  Toi*o,quc 
rros.Outros  quereh>que  fofle  a  Cidade  Arfinoe,de     h^  huma  povoíçáo  perto  do  mar,  dczoyto  léguas 
q  fíUítóçVQdos  os  Geographos,  aódc  hora  he  Suez.     defte  monré,3Gnde  rambem  hà  muytos  Chriftáos. 
He  hojeeílç  Suez  humcriftelugarjSc.eftenl,  ícm     Peio  que  a  gente  dcíle  lugar  hcdifferente  notrac* 
agoa,ncm  Qytracoufaalguma,queprefte, mais  que     to,£c  policia,deJtoda  aoutradacoíla  de  Arábia, aô- 
alguns  offrciaeSjquc  refideníneHapàha  guarda  ,>Sè     de  cfte  lugar  eílíi  ,  qué  he  a  hwteria  q  o  Poeta  por 
cõceiíia^aeacmadas  doTiirco,paraanc{arnaqucl-     cftasoytavas  vay  trattando.  Todoo  marítimo  da 
Jes  marcisíOizéoj  noflos  Portuguezes,ôc:  affirmáo     cortado  mar  roxo, aíhm  na  Arabia,comona  Afri- 
como  teflíem unhas  de  villa,q  há  entre  aquelles  are*     ca,hc  terra  eílcrJIjSc  de  muyto  pouca  agua:&  tam- 
acs,ruinas,&:fínaesdecalas,cm  que  remoftra,que     bem  nefta  parte  faz  Toro  venrajem  a  rodos  os  ou- 
cm  alguní  tempo  houve  alliedificios.O  q  diz  aqui     tros  lugares,  porque  tem  alguma  agoa,  &  he  terra 
o  Poeta,  que  tem  Suez  a  poteftade  das  frotas  do     mais  frc(ca,éí  differentc  das  outras.  DeGidáfica 
Egypto,he  porque  eíte  lugar  era  do  Soltâolenhor     trattado  no  canto  nono. 

do  Egypto,no  quai  elle  armava  fuás  frottas,como  Olha  as  portas  do  eflnpcO  eílrcytodomar  roxoi 
agora  faz  o  Turco ,  que  jâ  não  ha  memoria  de  ou-  táo  celebrado  dos  antigos  ,  por  razaô  da  cor  das 
tro  Rey  naquellas  partes.  agoas,compàra  o  hofio  Joaó  de  Barros  na  fegunda 

Olbaas  agoas,  Deífe  lugar  Suei;  atéToro  pofto     Década  liv.y.c.  (aíTim  pela  informação  que  temos 
«a  meima  cofta de  q  falia  o  Poeta  na  oytava  ieguin-     dos  nollbs  Portuguezcs,quç  o  viraõjSc  paílàiaó  co- 
íCjha verá  quarenta  legoasdediH:âcia.Entreosrao«     mo  por  dito  dos  autores,  q  deíletrattaiaó)  ao  cor- 
tadores defte  lugar  há  fama,q  por  alli  pafiou  Moy-     po  de  hum  lagarto,porque  parece  fazer  figura  deí- 
iès  cora  os  filhos  de  llrael  fugindo  dcPharaó,por-     te  animal»  Ao  colo  deíle  animalchamaó  portas  do 
que  aqui  fe  vezinhão  duas  terras  de  Arábia  ,  &  de     eílrcy to, porque  parece,que  fe  fcchaó  alli  aquellas 
Egypto,pordift anciã  de  três  leguas,que  dizem  os     duas  terras  de  Arábia,  èí  Africa,cntre  ;-.s  quaes  eílc 
mais  foy  o  tranfito  do  mar.  Outros  querem  q  fofle     cílreyto  jaz.  A  cJibcça  podemos  chamar  o  lança- 
ellapaflagem  porCorondolo,quehchumporto,q     mento  das  agoas  (oradas  portas  ,  entrcdoustão 
cif  à  entre  Suez,&  Toro. João  de  Barros  na  i.  De-     nomeadoSjôc  conhecidos  cabes  Guardafú,Sc  Tar 
cada  Iiv,8.  cap.i.  refere  eftas  duas  opiniões,  &  co-     taquc.O  comprimento  deífe  mar  das  portas  do  ef- 
«10  da  verdade  diffo  não  confia  por  cfcritturacer-    treytoatéa  povoação  Suez  ultimo  termo  feu,  terá 
ta,deyxa  a  refolução  para  a  fua  Geographin,q  até-     trezentas, &  cincoéta  leguas.O  mais  largo  he  trin- 
goranão  fahioaluz,  LuisdeCamóesíegue  a  pri-     ta  Sc  leis:o  mais  eílieyto  he  t rés, júto  ao  lugar  To- 
meyra  opinião ,  6c  cila  hc  a  que  fe  tem  por  verda-     rp,por  onde  dizem  paflárjiô  os  filhos  de  lirael  fu- 
dcyra  entre  os  que  melhor  fentcm,6c  aíTim  o  pare-     gindode  Pharaó.  Heefte  marpelo  meyo  navega-; 
ce  terjoaêde  Barros,queMoyféspaíIou  oshihos     vel,porter  fundo  que  baftcpeloslsdos,  ao  longo 
deljraelpor  junto  do  lugar  de  Toro,  donde  come-     das  coílas  de  Arábia, ík  Africa  he  muyto  perigolo, 
ça  a  terra  de  Arábia  na  Afia, como  elle  aqui  diz.  E     por  ter  muytosbayxos,  &  reílingas.  Eaffimosq 
pela  efcrittura  vemos  claramente  a  derrota  que  le-     caminhão  por  clle  ,  em  vindo  anoyte  lançáo  an- 
you  Moyféscomopovo,de  Ifrael,Sc  queno  mon-     cora,por  lhe  não  acontecer  algum  deíaftre.Elhrâ 
te Smay  lhe  deu  Deos  a  Ley  ,  comoíe  conta  no     a  Cidade  AdGm,de  que  o  Poeta  aqui falln,qúarcn- 
Exodo,  que  hc  pelo  ccrtâo  dentro  dezoyto  léguas     ta  Icgoas  das  portas  a  dentro  na  cofta  de  Arábia 
d« Toro.  -.y  ^tt^^3t^  Ji'^^w,í  Fclix.He  efta  Cidade  Auem  muyto fermpía â  vif-^  i 

.a iiMiUi:^,:  -i.  jir^i^i  ^«'^^.^^■'«iVííiH^Tfc-tn'^  w,       ta,  por  fer  cercada  de  Eauytos  bons  muros,  rorreSt 

ediíiciosj 


i  I 


Lufiãàas  de  Ltiis  de  Camões  Commentadoi,  297 

cdifícioSj&:  cafas  altas  de  fobrados,  ík  cyrados,  cin  derão  lempre  toy  por  forçâ,cuftando]he  porc  Icm- 

tan[o,que  diz  Lodovico  ilomuno  na  lua  navega-  pre  caro,  porque  os  noílos  lhe  quey mavão  as  ter- 

çáo,quc  eíU  hoje  a  mais.tcrmoía  Cidade  de  coda  a  ras,  6c  laquearão  as  fazé das,  como  cudo  conca  lai  - 

Arábia  Fclix,porque  ella  ficuada  ao  pè  de  húa  ler-  gamence  Joaõ  de  Barros  na  primeyra  Década  li v. 

ra,  a  que  os  nacuraes  chamâo  de  Arzira,  a  qual  he  i.CAp.i.De  Ormuz  Ic  veja  o  quccicrevemosnocá- 

toda  de  húa  pedra  viva  íem  arvorc.nein  hcrva  ai-  coregundo,oytavo4C).H,  dizer  o  Poeta  que  todoíc 

guina5quehearazâo,porqo  Poeca  lhe  chama  aqui  anda  pelas  ribeyras.he  porque  todo  eítcí^cynocl- 

tcca.  ií<  paílaólogo  dous,Òc  cresannos  q  náocho-  tá  ao  lon^odacoita.E  não  cem  coula  algumape- 


vc  por  aquclla  comarca  coda,&:  Tc  lucccde  chover 
alguma  agoa,hc  de  crovoâda,que  palia  muy  to  de» 
prclia. 

100 

O   Lha  as  Arábias  tres^que  tanta  terr^ 
TomãOjtodas  da  gente  vagai&  baça^ 
%tonde  vem  os  cavallos  para  a  guerra 
Ijtgeyros ^&feroces  de  altaraça, 
Ohu  a  cojta  que  corre  atè  que  cerra 
Outro eftreyto de  'terfia^^  faz.  atraca 
O  cabo, que  c'o  onome/è  appelUdaj 
*J)a  cidade  Fartaque  alyfabiday 

^K  Olha  at  Arabtai  irei. De  Arábia  (c  veja  ã  nofla  an- 
^Bptaçáo  no  terccyro  canco,oycava  71. 
^K  Olha  a  cuiía  t^ue corre.  Entende  a  coda  de  Arábia 
Hfchx,a  qual  começa  na  Cidade  Adem, de  que  fica 
irattado  atrás,  da  qual  Cidade  ao  cabo  Fartaq  ha- 
verá ceai  legoas  de  coílaiHe  eíte  cabo  aflas  conhe- 


lo  Tertão. 

I^trem  de  Ca^elbranco  nua,  a  efpada.  Efte  foy  Dom 
Pedro  de  Caíielbranco, Capitão  de  Ormuz,o  qual 
houve  grandes  victorias  dos  Turcos  netle  mar  de 
Ormuz. 

102 

O  Lha  o  caba  Afaboro^que  chamado 
Agora  he  Moçandao  dos  navegantes-. 
Tor  aqut  entra  o  lago,  que  he  fechado 
^e  Arabia.à- 'Fer/iu  Leiras  abundantes, 
Attenta  a  ilha  Barem.que  ofunao  ornado 
7 em  das  fnas perlar  ricas ^à-  imltantes 
Açor  da  Auroratà'  vè  na  agua f Chiada 
JeroTygris^tè  Eufrates  hurna  entrada. 

Olhaocaha  /Í(aboro,  Do  cabo  Roçalgate, donde 
começa  a  terra  do  Reyno  de  Ormuz/até  n  cabo,cí 
Ptolomeu  chama  Aiaboro,&  os  nofios  Moçandao 
haverá Sy.legoas  de  coíla.  Ptolomeu  íitua  eíle  ca- 


cido.-oqualfc  chama  afíim  de  húa  Cidade  chamad*     boem  25. grãos, &  dous  terços  de  altura  do  norte. 


6c  os  nolios  Portuguezcs  ,  aos  quaes  íe  ha  de  dar 
crcdito,porq  a  pè  quedo  fizerão  cxperientia.Del- 
tecabo  Moçandao  começa  o  ieyo  PerficOjaquc  o 
Poeta  aquichamalago.  Jaz  entre  duas  terras,  Afa- 
bia,£í  Períia.E  tomou  antes  o  nor-jc  de  Perria,por 
ler  aquella  parte  mais  habicada^porque  da  de  Ará- 
bia não  té  mais  que  quatro  trilles  povoações:.  Ca- 
muzar,Gaçapo,lulfar,  &  a  Ilha  Catifc,que  tem  al- 
guma melhoriajamda  que  Ptolomeu  lhe  dé  outras 
villas,&  Cidades,q  devem  ellar  dcbayxo  das  áreas: 
porque  em  toda  aquella  coíla  não  tem  outra  cou- 
iá^&i  baílalhe  o  nome  q  tem  de  Arábia  dclertàjque 
quer  dizer  delemparada,porque  nem  mantimento 
tem  para  íuítentar  as  aves  do  ceo,quáto  mais  a  gen- 


J<'artâque,a  principal  do  Reyno, por  cujo  reípeyco 
9  Rey  le  chama  Key  de  Farcaque,2c  os  povos  Far- 
taquijs. 

loi 

O  Lha  TDofar  infignejforque  manda 
O  mais  cheyrojo  encenfopara  as  araS: 
Mas  attenta ]à  cà  de  ejioutra  banda 
©í  Roçalgate^& prayas  jempre  avaras* 
Começa  o  Reyno  Ormuz^que  todo  fe  anda 
^Feíat  rtbeyras,que  'tnaajerab  claras 
fiando  as  galés  do  Turco  Jp'  fera  armada^ 
.  Virem  de  Cajtelbranco  nua  a  ejpada. 

Olha  Dofarinftgne.  Na  coíla  de  Arábia  Félix  eí-  te.Terà  de  comprimento  ^oo.leguaSjSc  de  largo  15. 

tá©  dous  inlignes  cabos  Fartaque,de  que  faltámos  K  era  partcá  tão  eílrcyto,que  não  pafla  de  quatro. 

na  oytavapal]áda,êc  Roçalgatc,deq  o  Poetaaqui  Correao  Noroeílt.  da  Ilha  de  Ormu7,&:  acaba  jú- 

t'aUa,o  qual  he  no  principio  da  coíla,aondc  come-  to  á  Ilha  Cargem  ,  aonde  entra  no  ruar  o  no  Eu- 

ça  o  Reyno  de  Ormuz,  ao  qual  cabo  chama  Pto-  frates,  a  que  os  nacuraes  chan.âo  Fiat,  &  nelle  en- 

lomco  Syagro  ,  &  pocm  cm  14.  grãos  da  parte  do  corporado  o  no  Tigris,chainado  por  ellcs*Digida. 

Norte  ,  &  os  nofibs  Portuguezes  o  tem  verificado  Pelo  meyo  deíle  eltreyto  há  algumas  Ilhas  habi- 

cm  iz.graos  Sc  mcyo.Neíla  coíla  que  terá  de  com-  tadas  de  Mouros  Arabios,os  quaes  íe  mantém  de  ta- 

primento  atè  o  cabo  Roçalg.ite,duzentas  5c  nove-  maras,por  haver  muycas,ôc.de  outros  mantimeiKos 

talegoas,hámuytoslugares,&Cidades,masaprin-  pouco  :  pcícaô  aljôfar.  A  principal  delias  ilhas  Tc 

cipalheDofar,porcauíiidomuyto,Sc  bom  enccn-  chama  Baharcm,  a  melhor,  8c  mais  frelca  de  todo 

(o  que  tem,pclo  que  o  Poeta  lhe  chama  infigne:  aquelle  mar,iondc  le  pelcão  todo  o  anno  pérolas, 

i^rayas  fempreavaras.ldfj  áh  porque  os  morado-  as  mais  finas  de  todo  o  Oriente  :  ainda  que  não  he 

resdaquella  coíla  até  a  Cidade  Ormuz,  tirando  os  ella  pcicaria  tamanha  como  a  da  Ilha  deCcylã»  da 

da  villa  Calayate,que  lerá  deíle  cabo  vinte  legoas,  lndia,6c  Aimam  da  China,nas  quaes  três  Ilhas  hâa 

que  receberão  os  noflbSjSc  quizeraó  paz  com  ellcs,  principal  criação  daquellas  odras,  doiule  fe  tira  o 

lodos  os  mais  forão  avaros  para  ellcs ,  2<  o.que  lhe  aljoíar,Sc  pcroias.  Teià  de  circuito  trinta  legoas, 

Pp  pouco 


298  Cauto 

f  ouço  ma!s,ou  menos, 5c  Jc  comprido  letejdiítan- 
tc  de  Ormus  por  elpaço  de  cento  Sc  dez  léguas.  E 
pc.-istrattámosaquida  peícariado  aljofar,razáo  le- 
rá darmos  relação  delia.  Acáo  hum  homem  por 
bayxodos  braços  com  huma  corda  comprida  ,  ÔC 
poeoíihe  hunra  pedra  nos  pés  para  o  levar  deprclla 
ao  fundo.  Elparaque  lhe  não  entre  agoa  nos  nari- 
zes,poemlhe  huma  talanclles,  nasmáos  leva  lium 
baldc.no  qtial  dcyta  oílras,que  acha,&:  muyias  ve- 
xes vem  acimaíemortraB,  &lem  vida:  porque  pu- 
xa pela  corda,paraque  o  alem  arnba,acha  os  minif- 
tros  defcuydadosjde  modo,  que  quando  tirão  por 
clle  o  achão  morto.  São  as  oliras  do  tamanho  da 
palma  de  huma  máo,por  fora  pictas,6í  por  dentro 
rcluzences:abremfe  ao  Sol,&:  Íanç,ílp,jde  íi  as  peio- 
Jas,6í  aljofar,que  vemos. 

Ter  o  Tygrti^^  Eufratet  huwa  entrada,^num  ci- 
tes dons  nostáofamcíosTygris,  &  Eufrates,  cm 
corpo  junto  à  llhamuyto  pequena  ,  que  terá  me- 
nos de  huma  legoa,  chamada  Cargem,  no  fim  do 
cílrey  to  de  Pcrfia,de  que  tallámos.  Da  qual  fe  vay 
peio  lio  acima  à  Cidade  de  Baçoia.  A  gente  que 
aqui  mora  íãó  pilotos,  que  kivcm  de  levar  gente 
á  Cidade  Baçora, que  pelo  no  acima  eílará  quaren- 
ta &  leis  Icgoas  deík  Ilha.   He  taô  largo  clle  rio 
ncíla  Tua  entrada,  que  não  leve  cerra  de  nenhuma 
das  bandas,aiéque  navegando  por  clle  por  elpaço 
de  meyodia  com  bom  vento, ledelcobre  cõ  rouy- 
to  arvoredo  dehuma,&  outra  banda.  Acrccentey 
ifto  aqui  porque  todos  pocm  a  Cidade  Baçorà  no 
ímdeíle  eftreyto  ,  râo  lendo ícnáoaquclU  triíle 
IlhaCárgem  ,  comodizoTcnreyronoleu  Ro- 
tcyro. 


'Decimo, 

porandaré  continunmerc  em  pjucrracó  o  Turco, 
Aíaivèa  liba  Gerum.   Eita  Ilha  Gcrum  heolu-^ 
gnr  aonde  hoje  cftá  fuuada  a  Cidade  de  Ormuz,de 
que  fica  trattado  largamente  no  legundo  canco, 
oytava49.  Era  huma  triíte  terrado  hum  Rey  por 
nome  MalecCacZjO  qual  reíidiaem  huma  11  ha  cha- 
mada Cães, que  iílo  quer  dizer  MalecCaez,a  qual 
llhaeftádentronoeííreytode  Pejlia,cmcolegoas 
da  terra  de  l^erfia, junco  do  cabo  Nabani.  Era  eltc 
Malec  Caez  fenhor  de  iudo,o  cj  havia  na  Ilha  Gc- 
rum até  a  Ilha  Baharcm,quc  leráõ  cento  Ôc  dez  ic- 
goas de  elpaço. Tinha  por  vifinho  hum  Gordun- 
xa  Rey  da  Provinciíi  Maííoftáo,o  qual  tinha  muy- 
to  pouca  neceífidade  delia,  porque  lhe  naó  lervia 
de  mais,quc  de  colheyta  de  alguns  pclcadorcs  da- 
quelle  c{lreyto,cuja  terra  confinava  cô  a  Jlha  Ge- 
rum;pelo  que  procurou  por  todas  as  vias  haver  a 
Ilha,  &:  allim  a  ccmnprou.  Fez  tanto  nclla  o  Gor- 
dunxá,quele  fezlenhordo  eftadodoquelhaven- 
deo,Sí  cítá  hoje  no  eílado  que  labc  o  mundo,que 
he  huma  das  melhores  coufas  da  índia. Na  terra  do 
Magoftaó  vezinha  de  Orm.uz  aparece  hoje  as  ruy- 
nas  da  Cidade  deOrmuz  antiga,a  qual  Cidade  cha«  1 
ma  Ptolomco  Armuza  na  fexta  taboa  de  Afia, que   ' 
fc  tíeípaflbu  nailha  Gerum,aonde  hojeelU  anol- 
fa  OrmtJz.Eilfo  heo  que  o  nollo  Poeta  aqui  diz,ã 
cftá  Ormuz  agora,  aonde  foy  Armuz3,porcj  o  leu 
nomefoy  treipafládopara  alli,ôc  naó  porque  leji 
Ormuz,aonde  foy  Armuza, pois  labemoá;,que  foy 
cm  outro  lugar  muyto  differentc,como  fica  dito, 
ainda  que  naó  muyto  longe,  como  le  pôde  ver  cm 
Joaó  de  Barros,na  fegunda  Década  liv.i.  ca. 


105 

O  Lha  da  grande  Ter/ia  o  Império  nobre 
Sempre  fofio  no  campOy&  nos  cavallos-, 
^lefe  injurta  de  vfar  fundido  cobre^ 
E  de  não  ter  das  armas  fempre  os  callos. 
Mas  vè  a  ilha  Gerítm^como  de f cobre 
O  que  fazem  do  tempo  os  int  erva /los, 
^le  da  cidade  Armuza ^que  aly  ejteve^ 
Ella  o  nome  defpois^tè  a  gloria  teve. 

Olha  à^grandt  Perfja,Dcfo\s  que  trattou  daAra- 
bia,cntra  nos  coíl:umes,6í  vida  dos  Pcrfas,os  quaes 
ciz.que  fempre  cítão  poftòs  no  campo,porquc  fol- 
gaó  muyto  de  andar  nellc,  &  aílim  o  fazé  pela  ma- 
yor  parte,ainda  que  pelos  lugares  tem  muyto  boas 
cafas,  Elles  como  vivem  de  nados ,  &  faó  arandes 
romés  de  cavallo  vivem  por  aduares  com  luas  tê- 
das  no  campo  das  quaes  fayem  em  magotes  a  fur- 
tar,porque  laó  elles  muy  refinados  ladroes. Andaó 
em  bons  cavallos,com  arcos,&  frechas,  traçados, 
elcudos  de  aço:  das  lanças  ulaó,  mas  cm  tempo  de 
grande  apertOjSc  neceflidade.  Antes  de  entrarem 
os  noflbs  Portuguezcsna  Índia  naó  ulavaó  arti- 
lharia,antes  fe  injuriavaódea  trazer  confiados  em 
fcus  cavallos:Hoje a  ulaó  como  (abemos  por  infor* 
Biaçaó  v«rdadcyra,porque  tem.ncccffidade  delia, 


104 

A^i  de  dom  Thiltppe  de  Msnefes 
Se  mojirarà  a  virtude  em  armas  clara^ 
^andocom  muyto  poucos  'Fortugue/es 
Os  muy  tos  ^Parfeos  vencerá  de  Lara: 
y  írao  provar  os  golpes  j^  revezes 
^e  dom  Pedro  de  Sou/a^que provara 
Jãfeu  braço  em  Ampaza/jUe  deyxada 
Ter  apor  terra  à  força  Jò  da  effada. 

Oi  muftoi  P ar feoi  vencerá  de  Lara.\.AV^^  &  Am^l 
paza  faó  Cidades  na  Perlia  nos  confins  de  Ormuz, 
contra  cuja  gente  Dó  Philippe  de  Meneies,  &  Dó 
Pedro  deSoufaCapitáes  de  Ormuz  houvcraó  grã» 
dcs  vittoriasjcomo  aqui  diz  o  Poeta. He  commum 
opinião  ,  q  o  grande  Tamoilaõ  foy  natural  da  Ci- 
dade de  Lara  ,  o  qual  foy  v  m  feu  principio  reco- 
veyro,&  deite  cfbado  taò  ba)  xo  vcyo  a  ler  lenhor 
da  Pcrfia.ôc  cativou  o  Graó  Turco. 

,v 

105  \ 

MAs  deyxemos  o  eflreyto^ò  e  conhecido  : 
Cabode  tafqueMtojâ  Carpella, 
Com  todo  o  feu   errem  malquerido 
^anaturezay^ does  vladosáella-, 

Carmuni 


I 


Lufadas  de  Luís  àe  Camões  Cômsutado^,  299 

Carmania  teve ;à por  apeUtdo,     "  ..\^^    da  na  dos  Frâqucsjda  e?iTeada  de  Jaquete,das  cor- 

^^j-Wi  ofamo/ò  Indo^que  de  aquella     \\  ^]A    rences  de  Bcgaía.do  golfaó  de  Ceylaó,&;  dos  bay- 
Jltunnace  jmto  a  qual  também  ^^^  deChiUo.  que  laó  os  perigos  no  mar  da  índia, 

^Beõmaalium  conendooGangevem.  ^^^^^^/^L'll^'^rh 'wr ''""'^'""i^ 

^  Inglacefra,&  bcylla,  Sc  Chanbdis  no  mar  de  Sici- 

iW,4í  deyxQtnos.  Depois  4  tractou  do  cílreyto  de  lia,encre  Sicília,^  Nápoles.  Neílc  Keyno  de  Cam- 

Ptrlia,  entra  na  defcripçaó  da  India,  começando  baya  há  muytas  Cidades,Sc  lugares  muyto  ricos.E. 

pelo  cabo  laíque,  que  eltâ  fôra  da  garganta  do  ef-  diz  ,  que  terá  mais  de  feteiua  Sc  cinco  mil  povoa- 

trcyco  Pcrieo,ao  qual  Ptolomeo  chama  Carpella,  ções,entre  Cidades,villas,6<:  bons  lugares,  tora  aU 

iicuado  por  elic  em  ii.graos  6c  meyo,da  banda  do  Ucas  pequénas,que  faô  infinitas.He  Reyno  muyto 

Norte  ,  mas  verificado  pelos  Portuguezes  cm  14.  rico,6í  abâítado,&:  nclle  entra  o  rio  Indo  naenfea- 

graos  largos,  cujo  fcrtaõ  he  efteril, leco,  Sc  ddpo-  da,q  Ptolomeo  chamaCantu,&  outros  Cãticolpus, 

voado,ao  qual  os  antigos  chamarão  Carmania,co-  hoje  goito  de  Cambaya.     ■ 
roo  diz  aqui  o  Poeta.  - 

A/íWi;«!co/erwía/o  Wo.  OrioIndo,8c  o  Ganges  ,        n  1       r   j 

tiaícem  ambos  juntos  em  o  monte  Paropanilo.que  T  T  ^^  f^orre  a  cofta  celebre  Indiana 
he  hum  elgalho  do  monte  Tauro,mas  em  diífcté-        y     ^Par<i  O  Sulfate  o  cabo  comory 

ics  lugíres.  Pelo  q  entre  os  naturaes  he  chamado  o  'Jd  chamado  Corisque  Tãpobana 

mote  dos  doas  irmáos.  Vcjaíe  o  queefcrevemos  no  ^^g  hora  be  CtUão  defronte  tem  de/y, 

e%ntolcxto,oytavaí)z.  ToY  efle  mar  agente  Lufitana 

lOC  ^e  com  armas  vira  dt^lpots  /*  ty 

O  Lha  aterra  de  l^lctnde  de  fertiUffima-,  Terá  vittorias, terras ytè  ctdadts, 

E  de  iaquete  a  intima  enjeada-y  Nas  qnais  hao  de  viver  muytas  idades, 
'Dotnar  a  enchente  fubita, gr  andijjima^        ,  f^ez>  cone  a  co^a  celebre  Indiana.  Pafl^do  o  Reyno 

Ea  vafante^que  foge  apreffiirada,  de  Cambaya,  q  itrâ  cento  &  trcs  legoas  de  laque- 

Aterrade  Cambaya  vè  riquijftma,  t^»  i-^omcça  a  cofta  da  indis  a  qual  vay  corrcn Jo 

Onde  do  mar  ofeyofaz  a  entrada  F»"^  °  S"''  ^e"™  ^^  ^^P'"^^^  *^^  ^'  ^^^^  Comori  29. 

i    A   v^-.,   *^í.^:i^.^    ^    ^   (T     j  lc2oas  pouco  mais  ou  menos  :  o  qual  Comori  eltà 

Ltaaaes  outras  miLque  VOU  paliando^  a  c     ,   .4  nu  /-    i  -^    1  .            1  V      j    i 

^     ,                       .  r-     /i"       '   -^      /*  '     ocrrontcdalIhaCcylaoem  ieteeraos Jabandada 

Al^as  outros  aqutfe  eji  ao  guardando.  '    Nortc.ao  qual  Prolomco  chama  Cori:nefte  eípaço 

Olba  a  terra  de  Uícinde.Con  o  Reynode  Ormuz  daterrajâso  principal  daIndia,qucosPortugue5 

confina  o  Reynode  Ulcinde  ,  o  qual eftá entre  a  zes  pofrueiti. 

Perlia,ôc  o  Reyno  de  Cambaya.Tcm  Rey  próprio,  I  8  O 

o  qual  heMouro.Os  moradores  da  terra  faõ  Mou-  m      o>.        •     •          ,^^  *-,    /*»«#». 

ros  pela  mayorparte,ôc  alguns  Gentios.  O  Reyno  A    ^^^^^^'«^'^^^^«^^'^^r''^^^^^'''^'^ 

hc  muyto  grande  pelo  fcrtaó  dentro,  Sc  muyto  a-  ^«V  ^^^  (^om  vanas  nações, Jao  tnfinttas: 

bundante  de  mantimentos.Tem  trigo,  6c  cevada,  ^^^  Reyno  Mahometa^outro  Gentio^ 

Êc  muytas  carnes.  Saó  os  moradores  deílc  grande  Aquem  tem  o  demónio  leys  efcrtptas, 

Reyno  pouco  aflPeyçoados  ao  mar,pelo  q  na  cofta  Olha  que  de  Narfinga  ofenhorio 

delle  tem  poucos  portos.Saó  grandes  pctcadores,  Tem  as  relíquias  fanBas^sè  benditt as 

pelo  que  muytos  tem  por  offic.o  peícar,  6c  tomaó  cj^^  ^,,.,  ^,  Thome, Barão  [agrado, 

pcyxesgrandjílimos  ,  dosquaes  muytos  eaaftao  /r,          1  rni     a^               -      ^  1  \, 

íu  tcrríde  outros  lalg,dos  fe  carregão  navios  pa.  ^"''  "  ^</"  ^*'''/'<'  ^'""^  "  '""'  ""  ''"^''- 

ra  levar  a  ostras  partes.  Ê  naô  lómente  a  gente  co-  Âi  Provincial,  Acerca  da  declaração  defta  oy ta- 

meaeftepeyxe  leco,mas delle  mantém  também  os  va  fe  veja  oqueelcrevemosnocanro  fetimo. 

cavallosjéc  outros  animaes.deq  na  terra  há  muy-  Olha  íjue  de  Narfinga.  O  Reyno  de  Narfinga  hc 

ta  abundancia.Por  meyo  dcfte  Reyno  pafia  hú  rio  hú  dos  mayores,  6c  mais  ricos  da  índia.  Tem  muy- 

grandiíTimo  ,  que  vem  de  Perfia  ao  longo  do  qual  tas  Cidades ,  6c  portos  de  mar  muyto  grandes,  & 

cftaó  muytos  lugares  de  Mouros  riquiíiimos ,  por.  muyto  bons.  Dividefe  em  cinco  Provincias  muy- 

I     ler  a  terra  alli  muyto  grofla ,  6c  abundante  de  to-  to  grades, cm  húa  das  quaes  a  m.iis  mariíima  de  to- 

'      dasascoufas  neccííarias  paraa  vida.  das,chamadaChoromandel, que  terá  de  cofta  mais 

Edela<juete  a  mtimaenfeada.N  o  Keyno  de  Czm-  de  cem  legoas,  efteve  antigamente  huma  muyto 

bayaaolôgoda  cofta  eftá  hum  lugar  por  nomeia-.  grandc,&fermoía  Cidade  chamada  Mailapur  por 

quete,que  fcrà  de  Diu  5o.legoas,ao  longo  do  qual  lua  fermofura.que  ifto  quer  dizer  a  palavra  na  fija 

faz  o  mar  huma  enleada  penetrante  pela  terra  ,  na  lingoa.Ncfta  Cidadc,por  Ter  de  muyto  concurfo, 

qual  enche  o  mar,6c  vaza  com  tanta  prcfl"a,q  atrás  &  trattodcgentc,cftevco  Béavcnturado  S.Tho- 

torna  todo  o  navio  que  naó  acha  com  aproa  para  mé  Apoftolo  de  noflb  Senhor  Jefu  Chrifto,3c  neU 

a  corrente  de  agoa,  porque  vay  como  huma  íetta.  la  padecco  martyrio  ,  6c  nella  c(lá  o  feu  corpo  fe- 

Dc  cinco  coulas  dizê  os  Mouros,  q  os  livre  Dcos:  pultado,  como  por  todas  eítas  oytavas  vay  trattá- 

Pp  í  ^o 


JOO 


XJanto  decimal 


C30  o  Poeta. De  Narfínga  fe  veja  o  q  eícrèvcnjos  fto- 
cato  íectimo,oytava  21.  jU.  ob  ?.> 

A§^íi!  a  cidade  foy,quefe  chamava 
Míiiãfcr  ,fermofa,grandei  ^  rica; 

Os  Ido/os  anttguos  adorava^ 

Como  iftda  agora  faz  a gent étnica^ 

Longe  do  mar  naqutlle  tempo  e fiava , 

^iãtído  afè^que  no  munao  fe  publica 

'1  home  vtnhapegandoyò  jàpajjara 

Províncias  mtl do  mundo ^que  mjmàía. 

At^ut  a  Cidade,  A  o  tempo  q  cftc  Bcmaventu  rado     (^{e  a/fi  lho  enjiueu  Chrtjio^à'  elle  OproDa* 

íjanco  eílav3  neíla  Cidade  de  Maylapur.q  aílím  íe     yi  gente  ficou  difto  alvoroçada^ 
ha  de  charoir,ainda  q  alguns  lhe  chamão  Mtliapur 
eftava  cila  doze  legoas  do  rriar.E  dizem, q  prophe- 
tízàrao  Becnaventurado  Santo,q  haviade  virtem- 
po,em  q  ornar  bateíle  na  Cidade,  &  q  então  havia 
de  ir  ter  alli  gente  da  parte  do  Occidente ,  a  (^ú 
cria  no  Deos  q  elle  pregava.  O  q  acontccco  aíurn, 
porque  como  o  tempo  o  mar  foy  galtandç.&comft, 
do  a  terra,  atè  chegar  ao  lugar  aõde  citava  a  Cidâ- 
de,&;aflim  fe  dcltruhio  ,  6c  aflolou  fem  fitar  delia 
mais  qhumacafacahida,aondeeí]:aváo  enterrados 
os  oflos  do  Bcaventurado  Santo,q  òs  noílos  acha- 
rão a  cafo  cavando  na  terra.Hoje  há  edifícios  no» 

vos,6c  a  terra  fe  chama  S.Thomc,aondc  vive  muy-     t,om  que  7 home  naõ  Je  ouça^ou  morto  feja^ 
tos  Portuguczes.  Oprtncipaliqueaopeylotrazosfios^ 

fium  cajo  horrendo  faz_,que  o  mundo  veja^  . 


/íta  o  cordão.que  tr  asa,  por  derradeyro 
No  tronco j&facltmtnte  o  leva^i^  ^rràflét 
'Fará  onaejaça  humjumptuofo  templo^ 
í^eficajjft  aos  futuros  por  exemplo. 

Mai  6  núncio  de  Chnfto.O  Bêaveniurado  S.Tho- 
mè,q  denunciava,  &.prégava a  Fé  dcjcíu  Chriftô 
Noflò  Senhor»;  i-i- <^<  í 

I  I  1 

Sj^bia  bem  que/è  cornfè  formada 
Manaara  hum  monte  fur d  finque  femova^ 
§lue  obedecera  logo  à  voz  J agracia 


Òs  Bramenes  o  tem  por  taufa  nova-. 
Vendo  os  milagres ^ventio a  Janã'idade% 
Hão  medo  ae perdera  a  autoridade. 

^utajjí  Ihoen^mu  Chrifio.Cowo  confta  de  S.Mat" 
theus,  cm  a  luahiiiona  Lvangelica. 

115 

SJS  eftesfacerdotes  áos  Gentios^ 
Em  quem  mais  peneirado  tinha  aenveja 
Bvjcão  maneyras  mtl,buJcão  de/vios 


I  10 


^e  tntmiga  naÒhe  íàoauraj&Jerni 
Lomo  avmude falfa  dajynceray 

SaÕ  efiet  Sacerdotes,  Os  Bramenes  faõ  os  SflCcrdo^ 
fcs  daquellas  partes. Sobre  feus  coftumes,&:  vida.fe 
Veja  a  noíla  annoração  no  canto  y.oy  tava  40.aon-' 
de  declaro,q  fios  faõ  efl:es,que  trazem  ao  pcyio,dc- 
que  o  Poeta  falia  neíla  oy  tava. 


CHegado  aqui pregando^& junto  dado 
Adoentes  faude  a  mortos  vida^ 
Acafo  traz  hum  dia  o  mar  vagandê^ 
Hum  lenho  de  grandeza  dejmedida: 
'Defeja  o  Rey^que  andava  edificando^ 
Fazer  àelle  madeyra,&  não  duvida 
^oaert traio  à  terra  com pojj antes 
Forças  de  homens ^de  engenhos ^de  èlephantes. 

Hum  lenho  de grandezâ*Com*  o  Poeta  neíla  oyta. 
va  hú  milagre ,  que  fez  neíla  Cidade  de  Meliapor, 
q  chegou  acalo  àquella  Cidade  por  cima  da agoa, 

húmadeyrotáogrande,que  eracouladceípanto,o  T>àf  alfas  tefiemunhas^comc/ev/a, 

qual  iabido  por  El-R  ey  mandou  ajútar  muy  ta  gé-  Condenaraôno  ã  morte  brevemente, 

ic,&  elephantes  para  o  trazerem  a  terra  o  que  nao  q  SanCiome  naõ  vé melhor  eficu/a, 

tcvecfíeytojporq  nunca  o  poderão  abalar.  Vendo  ^'«"«''«'jywí^  «««^  «^«^ ''*                            ^ 

ifto  o  Bciíaventirado  S.  Thomé,  pedio  ao  Rcy  \  ^«^  appeUarpara  o  Tadre  omnipotente^ 

Ihodèíleparafazcrcom  elle  hum  Templopara  o  ^er  diante  do  Rey^fS)  dos  jenhores^ 

Deos q  prégava,fe  o  dalli  tiraflc.EURey  lho  con-  ^íj^Jefaçâ,  hum  milagre  dos  mayores, 
cedeo  íorrindofe,  Tomou  então  o  Santo  o  leu  cor- 


H 


114 

^mfilho  próprio  mata^i^  hgoacufa 
Ue  homicídio  Thomè ,  que  era  innocête 


;mi 


dão,5í  atouo  nopao,Scfeyto  o  final  da  Cruz,  oUe- 
vou  ariojôes  até  o  lugar  aonde  tinha  determinado 
fazer  a  Igreja,como  diz  na  oy  tava  Icguintc. 

III 

ERa  tão  grande  opefo  da  madeyro^ 
^efópara  abalar/e  _,nada  bafta,* 
Mas  oNunciode  Chrifio  verdadeyr». 
Menos  trabalhe  em  tal  negocio gafla. 


115 


O  Corpo  morto  manda  fer  trazido^ 
^e  rejujcite^^jeja  perguntado 
^em  foyfeu  matador i&  fera  crido 
Tor  teftemunho  o /eu  mays  appr  ovado. 
Virão  todos  o  moço  viuo  erguido 
Em  nome  de  leju  crucificado: 


2>i 


joi 


Lu/íadas  de  Luis  de  Camões  Commentados, 
^à graças  a  Thome^que  lhe  deu  vida^ 
Edejcobre  fèupayjer  o  homicida,  Ii8 

Eéfcobrefeu  p^^.Outro  milagre,q  o  Poeta  aqui  (^  Horarake  Thfme  ofiaHge,&  o  Indo; 

cor.ta  do  Bernavencurado  S.Thomè,  foy  q  os  Bra^  K^  thoroute  toda  a  terra.que pífafte-,^ 

memes, vendo  q  lua  opmiáo.Sc  credico,qutí  cinhâo  Mats  te  choraô  as  almas ^que  vefltdo 

^;S>^po vo  de  Santos.óc  Religiofos,lc  lhe  pcrdia,íc  Se  hião  nafanãa  Fè^que  lhe  enfinajle. 

o  Bernavencurado  S.Thomè  allipermaneccíle,<ic-  Mas  os  /ínjos  do  ceo  cantando, &  rindo 


tcrmuiàraó  levantarlhe  algum  Ceílcmunho,para o 
deftruhireai,Sc  hum  dclles,cm  qué  a  enveja  ie  me* 
teo  lúais, matou  hum  tilho.ôc  dilíequeo  Santo  lho 
matara,©  que  lhe  provou  com  outras  ceftemuuhas 
àfi  mclma  maíla.Levando  o  Béaventurado  S.Tho- 
laè  diante  do  R.ey  da  terra, para  dar  íentéça  fobre 
çcaloidilíeo  Santo  que  lhe  crouxeflcm  o  minino 
inorto,q  ellc  diria  quem  o  matári.  Trazido  o  mini- 
no,o  Bcmaventurado  Santo  o  fez  levantar  vivo  eta 
yirtude  dejelu  Chrifto  noílb  Senhor,  o  qual  dilFe 

em  voz  alta,q  leu  pay  o  matàra.Fez  tanto  abalo  eílc      ^  ,  ^...^  — 

Biilagre  na  gente,  que  o  Bramene  foy  deílerrado.     ,1  v  T^e  mandados  de  T^eos^como  Thome» 
i)  que  tudo  conta  o  Poeta,  larga,  &  claramente.      ^Dr^eyjefoys  mandados jComo  eftays 
í(  òemyr  de  s  a  pregar  afunila  Fè? 

I  I  í»  Olhay  quejefoysfal^^  vos  danait 

Este  milagre  fez  tamanho  efpaytto  ^"^  pátria, onde  Trêpheta  ninguém  he 

^e  o  Rey  Je  banha  logo  na  agua  Janta,    ^^/^  ?«^  fe /algar  ão  em  no(fos  aias 


Te  recebem  na  glor ianque ganhafte^ 
^edimoíle^que  a  IDeos  ajuda  peças. 
Com  que  os  teus  LufitanosfavoreçaSy 

Chorâraote  7homê9  Gange,&  o  Indo,  Por  Gange, 
&  Indo  cntédc  as  partes  da  índia, por  donde  o  Gá- 
ges,&  o  Indo  rios  paflâo ,  de  que  Hca  trattado  em 
muy tas  partes. 

I  Ip 

T7  Vòs  outros  que  os  nomes  vfur^aes 


E  muy  tos  após  eilejjum  beija  o  manto. 
Outro  louvor  ào  ^Deos  de  Thome  canta. 
Os  Bramenes  fe  encherão  de  odio  tanto ^ 
Com  f eu  veneno  os  morde  enveja  tanta, 
j^eperfuadindo  a  iffoopovo  rudo^ 
^j^etermmaõ  matalo  em  fim  detudo^ 

Determinãõ  ntataU  em  fim  Je  tudo.  Vendo  os  Bra- 
menes a  virtude  de  Thomè,ôc  como  totalméte  íe 
perdia  o  feu  crcdito,&.  quáo  malihcfahira  o  q  de- 
lerniináraó,  q  eratazer  morrer  o  Saato,  por  vu  de 
jufl:iça,lcvanundolhc  algu  teftemunho,  determi- 
narão matalo  elles  por  IuííS  mãos.  Eftand®  cllc  hú 
dia  prégandojlevaniáraó  hum  ruido,&  fazendo  q 
tiraváo  huns  contra  os  outros,  matàraó  o  Santo  às 
pcdradaSjSc  hú  delles  o  paílbu  com  hurna  lança,cõ 
íjdeu  oclpirito  io  Senhor,q  Ihcquiz  dar  a  gloria, 


Çlnfieys  deyxo)tantas  herefias^ 

E  voz»  outroifífuedí  «oww.Efta  oytava,por  não  felP 
bê  entendida  atcgora,foy  interpretada,  &  calum- 
niada  por  mordaz,  &  íatirica,  contra  os  Padres  dã 
Corapanhia.Ma8cnganáiaõre  todos. Pois  o  qclara- 
fticte  o  Poeta  aqui  quiz  dizcr:Foy  lembrar,  &  pcr- 
fuadiraos  Pregadores  Apoftolicos  daley  Evangc. 
lica(qlaõ  todos  Sacerdotes,  &  Religiolos,princi- 
palmente  letrados )  q  atè  o  tempo  cm  q  elle  clcre- 
via  ,  náo  tinhâo  hido  á  índia  pregar  a  Fè,a  obriga- 
ção qtinháo  de  o  fazer.  AíTim  por  razão  de  íeu  of- 
ficioicomo  pelo  ppngo,q  em  todos  os  boroés  cauía 
o  ocio,&;  filencio:quando  clles  Ião  obrigados  a  pu- 
blicar, &  perfuadir  có  todos  os  preceytos  rethori^ 
cosjos  myílerios  de  nofla  fanta  Fè,aos  infiéis.  O  q 
mal  podião  fazer  détro  em  PortugahaíTim  por  nél- 
lenâo  haver  jà  infieis.xomo  tambeno,  porq  com  a 
priguiça,  6c  deícuydo  le  poderáó  danar  em  fua  pa- 


&  levaio  para  fi  mais  deprella  por  aquclle  caminho»  triatcomo  faz  o  la](a  q  o  Evangelho  lagrado  ©s  có« 

como  diz  aqui  o  Poeta,  &;  íe  pôde  ver  tudo  larga,  parou ;  o  qual  para  aprovey  tar,  fe  ha  primcyro  de 

mente  no  noflo  Joaó  de  Barroii,na  tcrceyra  Deca-  desfazer  em  agoa.Porquc  os  doutores  entendem  a 

daiiv»7.cap.ii.E  o  Padre  Lucena  largamente.  palavra  de  Deos.Ôc  as  obras  pcnaes,8c  de  virtude; 


»^7 

H^m  dia  que  pregando  ao  povo  ejlava. 
Fingirão  entre  a  gente  hum  arroido-, 
Jà  Chrifto  nefte  tempo  lhe  ordenava 
^ie padecendo fojfe  ao  Ctofubindo. 
A  multidão  das  pedras , que  voava, 
Nofaníío  dàjã  a  tudo  offerecido: 
Hum  dês  mãos  ^porfart  arfe  mays  depreffa, 
COfn  crua  lançaofeyto  lhe  atravfjja. 


com  que  cila  melhor  íe  cultiva,&  planta, 

Coníirmale  eíta  verdade,  có  íabcrtnos  de  certa, 
q  o  Camões  efcreveoeíVe  livro  noanno  de  70.  tcpo 
cm  que  os  Padres  da  Companhia  havia  mais  de  ^  o. 
annos  q  trabalhavão  ntquellas  partes  na  pregação 
da  Féadmiravelmentcrcô  muyras  calas  já  edifica- 
das por  cllcs  ,  &muytas  Províncias  cultivadas  na 
doutrina  Evangelicaiaindaq  os  Frades  de  S.Fran- 
cifco,5c  de  S.Domingos  erâo  jâ  lâ  muyto  mais  aio- 

E  como  o  Camões  era  tão  viílo  nas  hiíloriàSjOC 
couías,principâl mente  da  lndw,aoude  andara  tin^ 

ta* 


N^-^ 


I  11 


O  Lha  o  Reym  Arracão^olha  o  ajfento 
^De  Tegu^quejã  monjíros  fovorão 
Monftr  os  filhos  do  fio  ajuntamento 


jo2  .i43í»Vitn^i^^3ç^„^^  q)ecmo* 

cos  aiinos,  &  tão  particularmente  fe  informara  de 
tantas  nicudezas,como  íe,;yè  dcíle  ieu  Poema. Não 
podia  ignorar  eíla  vcrdadç  ,tâo  patente  naqucllas 
pàrtcbjéc  €m  todo  o  mundo.E  aílim  Ic  lhe  deve  rcl- 
irtuir  llia  hõraneílacalumniajindigna  de  hum  tão 
grande  entcndinicnto,como  foy  o  ícu.  Que  como 

táo  pratico  nas  couí..s  da  Índia  delejsva  q  todos  os  'Dehuma  molher/§  hum  cão^q/ds  fe  acharão. 
Trcgadores  Evangélicos  le  fofiem  occupar  cm  táo  Jquijoante  arame  no  injirumcnto 
lantaobra.Pelo  grandciruto  queelle  labja,qucos  T>afferaçãocoíiumão:o  que  v/ar  ão 
F0uco.,q4eentáolâandavâo,tinháo,feyto:S.pela     'Jt^or  manha  da  Kaynha.que  tnient ando 

Tal  v/o  àtytoufQra  o  error  nefando» 

Olha  o  Rtyno  /irracâo^Com  ó  Rcyno  de  Benga- 
1j  confina  o  Reyno  de  Arracáo.  O  Rey,5c  os  mo- 
radores deite  Rcynò  todos  faó  Gentios.  Heefte 
Reyno  muyto  grande  metido  todo  pelo  fcriâodc- 
trorpeio  q  nâo  tem  portos  de  mar.O  Rey  he  muy- 
to rícodedmheyro,Scn)uyto  poderoio  dcgctcdc 
guerra  ,  a  qual  traz  continuamente  com  Icus  vezi- 
íihos :  &  tem  grandes  paços  por  todas  íuas  terras, 
cô  grandes  tanques  de  agoajardins,  &  arvores  de 
todo  o  género. Ulaó  de  rouyias  molheres,não  tcra 
ordem  nem  Icy  algúade  máirimonio,hcgétcdada 
a  muytas  delicias,  por  ier  a  terra  muyto  rica, fie  a- 
bupdante  de  todo  o  nccefiario. 

De  Pegu.  Com  o  Reyno  Arracão,de  que  falJâ- 


mos  acima, confina  o  Reyno  de  Pegii.Eftc  Reyno 
hc  muyto  rico  pelo  lertáo  dentro,  por  haver  nellc 
muyto  ouro,robijs,&  outras  pedras  de  muyto  pre- 
ço, &  rauytOjêc  muy  fino  lacre.  Hc  terra  muyto 
fadja,8c  muyto  abundâte  de  mantimentos,5c  fruy- 
tas.Tem  alguns  portos  de  mar,cm  os  quaes  morão 


grande  diípofíçáOjquc  via  nos  moradores  de  iccc- 
berem  a  Fé  infinito  numero  :  íe  houvefic  copia  de 
obreyrOs  que  lha  miniítraílem. 
•  Qiic  era  comum  dos  Governadores,6c  Capitães 
daquclles  topos  mandarem  pedir  ao  ieu  Rey  muy- 
tos  pregadores :  peias  infinitas  alnias  ^  le  pcrdião 
porfaltadelIes.O  que  o  Gamões  procurava  pcríu- 
adir,5í.  não  calumniar.E  eíta^he  a  verdade. 

I20 

MÀspaff^o  e ft a  matéria  ferigofa^ 
E  tornemos  â  cofia  dchixaaa^ 
jfà  com  efia  cidade  taõ  f  amo/a , 
òefaz  curva  a  Gangetica  enfieada^ 
Corre  Narfinga  ricajè  poder oja^ 
Corre  Orixá  de  rou/^as  abajlaãai 
No  fundo  àa\enjeada  o  tlluíire  no 
Cangesvemaojalgadoíenhorio^ 

-    lá  com  t(ia  CtdâJe,  Da  Cidade  de  S.Thomc,quc 
«ftá  hoje  no  lugar  aonde  foy  aJSantiga  Cidade  de 

•I^ay]apur,atéocaboGuardarij,q  cílà  cm  ly.graos  tnuytos  Mouros,'&  Gcntios,grádcs  mercadores.  E 
há  algúas  Cidades. Nclte  cabo  Guardarij  íe  acaba  a  a!li  concorrem  depucras  muytas  partes  homens  de 
terra  de  Naifinga,6c  começa  o  Reyno  Orixá.  Té  ncgocio,como  de  Samatra,  MalacjiyCambaya,  Sc 
«fte  Reyno  poucos  poitos,por  fera  cofta  brava.  A-     outras  partes  da  índia. 

Cabale  a  terra  do  Reyno  Orixá,  no  cabo  Segogo-  Mvnfiroi  filhos  dopyo  ajuntamento  De  hunta  molhtr, 
2a,q  eftá  cm  ai.graos.  Deftc  cabo  atè  a  Cidade  de  c^  hum  c<í5.Contale  dos  moradores  defte  Reyno  de 
Chatigãodo  Reyno  de  Bengala,deq  o  Poeta  falia  Pegú,como  refere  Joaó  de  Barros  na  icrceyraDc- 
naoytava  feguinie,hácem  Icgoas.  Entre  os  quaes  cada,6c  o  Poeta  ncfta  o vtava,q  procedem  de  huma 
termos  faz  o  mar  huma  eníeada.na  qual  entra  o  rio  inolher,&  de  hum  cáo.O  q  contáo  defta  maneyra, 
Gâiíges  no  mar  de  miílura  com  outro  rio.chama-  q  vindo  acafo  huma  embarcação  da  China  aportar 
do  G  anga,  o  qual  atravcfia  todo  o  Reyno  Orixá,     com  tormenta  á  cofta  deite  Reyno,que  então  era 

deshabitádo, fomente  efcapou  hua  molher,Sí  hum 
câo,©s  quaes  lédo  copula  entre  fi.hou  verão  filhos, 
os  quaes  multiplicarão  de  míàneyra,q  povoarão  to- 
da aquelJa  terra,  q  he  muyto  larga,&  por  nâo  dc- 
gei>erarem  dos  cofiumes  de  feus  pays,inventáraõ 
os  calcáveis,  de  q  o  Poeta  aqui  falia,  &  nós  traitâ- 
mos  na  oytava  fcguinre,de  q  ulaváo  em  luas  partes 
vergonhofas  para  moftrar  a  diflclução  ,  &:  defen- 
frcamento,q  tinhão  nefia  matéria  da  luxuría,6>:  íé- 
fualidade,aqporrerpcyto  daquelleleu  primeyro 
payerâo naturalmente inclinados.Outros  querem 
q  huma  Raynha  da  terra  por  nome  Canàne,invé- 


III 

Ct  Aftges;no  qual  os  feus  habitadores 
1  Morrem  banhados^tendofcr  certeza^ 
^ue  inda  que  fèjão  grandes  peccádorest 
Efta  agua  fantía  os  lava ^ér  da  pureza. 
Vê  Cathigaõ cidade  das  melhores 
2)tf  Bengala  província^  que  fef  reza 
^e  abundante ;mas  olha^que  ejiàpofiã 
^ara  o  Aufiro  de  aqui  vrrada  a  cofia. 

-  Masclhae^ueeJíâ^o^Aparao  /í«/?fo.Paf  adooRey-  tafie  oscalcaveis,por  le  evitar  o  peccado  nefando, 
nodeNarfingavay  a  cofta  correndo  dircy ta  ao  le-  q  naquellas  partes  muyto  feufava,  os  quaes  legue 
vante  atè  a  Cidade  Chatigam,&:dalli  tornaacofta     aqui  o  nofibPpeta.   A  eíle  mefmo  vicio  da  carne 


com  outro  rodey o  para  oSul.Peloqucosmarean- 
tcs  chamãoa  cílc  lugar.Contracofta, 


lao  muyto  dados  os  moradores  do  grande  Reyno 
de  SyáOjdonde  lhe  ficou  cftc  mao  coítume.E  por- 
que 


i 


Lufíaàas  de  Luís  de  Camões  Ccmmentados^, 

que  osliomcs  deílas  partes  íaô  muyco  maisfeyos  \     Aurea^por  epitheo  lhe  ajuntar ao^ 
88  molhcres, dizem  elias,qos  homens  fayem  aupn*    Outros  que  fojjem  Ophyrmàgtnarâd. 
mcyro  pay,ÔC  eiiaaíuapnmeyr&máy.  Outras  ra- 
zoes no  lugar  allcgado  dejoão  de  Barros ,  ailias 


30B 


póaem  ver  os  cuf  loíos. 

113 

O  Lha  Tavay  cidade^onde  começa 
De  Syão  o  largo  imperia  taõ  comfrido 
JeneJJary^§Íuedãjquehefò  cabeça 
"Das  que  pimenta  aly  tem  produzido: 
Mays  avante  fareyi  que  Je  conheça 
Malaca.por  Lmperio  ennobreciao, 
Onde  toda  a  província  domar  grande^ 
^Suas  mercadorias  ricas  mande. 

Olba  Tava^.Pãíiaáo  o  Rcyno  de  Pegu  pela coíla 
adiante  cótra  Malaca  ellá  o  grade  Reyno  de  Syáo: 
os  moradores  laó  Gcntios.òc  o  Rey  também  Gen- 
tio:he  muy  to  grande  lenhor  pela  terra  dentro, por- 


A  nobre  Ilha  Samatra.Víc  Samatra  bua  Ilha  mu y- 
to  grande,  Sc  muy  to  fermoJa,  q  ter*a  de  circuito  ic- 
recctas  legoas,polla  debayxo  da  linha  equinocial, 
hcabundantillima  de  todas  as  couías:tem  muy  tos 
Reynos,nos  quaes,hâ  muyta  pimenta, no  de  Pedir, 
que  eílâ  dclronre  de  Malaca, &  no  de  Zunla,ôc  em 
outros  muyto  ouro,comode  Menomcabo,6c  Bar- 
roz,nosquacsie  colhe,  ou  de  grandes  minas,ou  ao 
longo  dA  praya  dos  rios. Em  todos  os  Reynos  deita 
Ilha  hà  muy  tas, 6c  muy  grandei  Cidadcsras  que  cl- 
ião  pelo  ferrão  dentro, laó  habitad..s  de  Gctios56c 
as  da  coíla,de  Mouros  grandes  mercadores.Dizem 
alguns,quc  efta  Ilha  Samatra  foy  antigamente  hua 
melrnacoula  có  a  noíla  Malaca, q  o  tempo, que  inz 
outras,Sc  mayores  mudanças, asdividiojíc  poz  no 
GÍtado  em  q  agora  cftáo,como  contáo  também  da 
Ilha  Sicília  có  Itália:  ôcporq  neíla  comarca  deSa^^ 


j  j3-  ^ ,1  _ ^v  , -^    -.- „„ 

que  começando  deíla  coíla  de  Pegu,vay  conhnar     matra  hâmuytoouro,acrecentáo,q  eíla  heOphyr 
có  a  China,  na  qual  paragem  te  muy  tos  portos  de     deq  a  E,icritturafaila,aí?imo  tem  hum  Portuguez 


inar,he  muy  to  poderoío  Rey,  &  té  muy  ca  gente, 
aííim  de  cavallo,  como  de  pè.ôc  muytos  eiephàtes. 
Náoconlcnteq  Mouro  algum  traga  armas  no  íeu 
Reyno,  Há  pela  terra  dentro  muyto  beyjoim,  & 
muy  to  bom.A  Cidade  de  Tavay, de  q  o  Poeta  aqui 
falUjtoy  antip^amente  do  Reyno  de  Syâo,ho]e  he 
a  uicimado  Reyno  dcPegú.  Paflado  Tavay  eílâ 
Tenallary.  E  Queda  Cidade  do  mefmo  Reyno  de 
Syãojiias  quaes  <e  dá  a  melhor  ^limenta  do  mundo, 
como  diz  aqui  o  Poeta.He  gente  aííim  ella  de  Pc- 
gú,como  a  de  Syáo  muyto  dada  ao  vicio  da  cai'nc. 
Pcloí^  para  mais  dilicia  delia  coíluraão  nos  nicm- 
bros  genitacs  trazer  cafcaveis,  híis^de  ouro,outros 
de  prata,  tinalmentc  cada  hú  coníorme  afua  poiFii 
bilidade.E  laó  tão  diflolutos,6c  dcfentrcados  neíla 
parte,q  trazem  nas  mermas  partes  diamáics.ôc  ou- 
tras pedras  tle  grande  prcço,6c  andando  pelas  ruas 
andáo  tinindo  có  os  calcáveis. E  o  Rey  coítuma  ter 
50o.molhercs,&  mais,5c  aíIim  os  mais  da  terra  as  q 
queré. Muytas  coulas  dignas  de  le  labcr  deite  Rey- 
no,&  Tua  géte  tratta  Joaó  de  Barros  na  5.  Década 


noflo  por  nome  Gafpar  Barreyros, autor  graviíTi- 
mo,ôc  grande  antiquário,  6c  que  cite  póto  trattou 
melhor  q  todos  os  outros  efcrittorcs  ,  &  Abr.ihata 
Ortelio  o  refere  também  na  fua  Synonimia,na  pa- 
lavra Ophyr.  E  a  iílo  íc  inclina  o  Padre  Joíeph  da 
Coita  no  livro  defrocurandalndorHmfalute  ,  6C  cila 
opinião  parece  teralgúacor,  comofe  tratta  no  li- 
vro q  novamente  imprimirão  os  Padres  da  Cópa- 
nhia  de  jefu  do  Collegio  de  Coimbra.  Ainda  que 
Luis  de  Camies  a  tenha  por  imaginada,0|mais  cer» 
to  he  q  ninguém  fabo  a  certeza.PcIo  q  em  coula  de 
tanda  duvida, não  temos  q  certificar.  Eíta  Ilha  Sa- 
matra tiverão  os  antigos  por  Cheríoncfo,  porque 
cuydaó  não  ler  Ilha. Mas  a  experiência  nos  mollra 
ocontrariojSc  aíTim  ("abemos  por  informação  ver- 
dadeyrados  noílbs  Porruguezes,  q  a  viraó,  ík  paf- 

fearão  toda,Vcjaíc  a  noila  annotação  no  ícgundo 

cantOf 

125 

M/lsnapoyita  da  terra  Gingapura  (ja, 
VeràiyOnde  o  caminho  às  naos/e  cjlrey» 


i 


hv.2.  cap.5.  -     -    .  „  f.     .^. 

Ma(aca.Dc  Malaca  íc  vcjao  que cfcrcvemosno  "Deaqut tornando aLoftaaLyfiOíura 

canto  i.oytava  54.  Seen(urva^&  fará  a  Aurotaje  mdtrcyta» 

Onde  toda  a  Provinda  do  mar  grande^Suas  ntercadt-  Vès  "PaiHi  'Patàne\Reynos^Ò'  aioug  Ura 

riaí  ricai  mande.  Illo  diz  porq  de  todas  as  partes  do  (j)^  Syão^qne  efles^&  outros  ?nays  /fgf-jta, 
Oricnte,q  entende  por  mar  grande,pelascorrcr,Sc  -    . 

paliar  todas  o  grande  mar  Oceano,concorrem  a  el- 
la Cidadc,por  ler  de  grande  tratto,&  comercio. 


Olha  o  no  Menad^quefe  derrania 
©o  grande  lagUiqueChiamay/e  chamai 


1 14 

Dizem  que  defta  terra  co  aspnffantes 
Ondas  o  mar  entrando  dividia 
A  nobre  ilha  Samatra^quejà  dantes 
Juntas  ambas  agente  anti(^ua  vto 
Cher fone fo  foy  dttta.é-daspreftantes 
Veas  de  omo^que  a  terraprodu2,tê. 


Mdi  a  ponta  da  ttrra  Cin^apura.He  Gingapura  h\i 
cabo  de  terra  defróteda  Ilha  Samatra,  da  qual  dil- 
ta  por  efpaço  de  io.legoas^  /íi  nãos  [et  flr  tf  ta.  Por 
ler  eilreytilfima  cm  terra  firme  de  humabanda,& 
muytas  Ilhas  da  outra.  Dcíle  eítvcytoloubc  Lnis 
de  Can)ócs:&;  do  novo  náo,q  nnvamentc  Ic  dclco- 
brio  por  hú  Joaó  Velhojdo  qual  hoje  fcuia  mais,5c 
le  navega  para  varias  partes.E  aqucHe  eftreyto  pri- 
meyro  o  he  tanto  ,  que  vaó  as  vergas  das  »aoa  cm 

muyus 


304- 


Canto  ^echjKU 


muyias  partes  dando  de  bui»  ti  outra  l-anda,  £c  os 
dous  cíti  cy  LOS  ambos  dcíeuibocáo  no  mar  de  Bin- 
táo.t]  heo  cílreyto,que  o  Poeiaaqui  diz.Foy  anti- 
^íiiriéte  neítc  iugai  a  Cidade  Cingapura, aonde  cô- 
cori  ia  coda  a  geiue  l\  agora  concorre  a  Maiaca  ,  q 
eíiurá  delia  ^5.1egoas,pouco  mais  ou  mcnos.E  por- 
que leria  couu  iarga  tratiar  da  mudança  delia  ter- 
ra, remctto os  cuiioíos  ao  noílo Joào  de  Barres,  o 
qual  tratca  eíla  matéria  largamente  na  legundi^Ue- 


yéi  pafaper  Camboja  Aíff<iwí>;o.Cambojalie  hum 
Rcyno  marítimo,  íugeyto  ao  Reyno  di  Siaó,pc}o 
qual  corre  hum  gi-anoillimo  no  chamado  Mecom, 
q  quer  dizer, Capitão  das  agoasrcujo  nacimenco  h« 
na  China.  Ajuncáoíc  a  eíte  rio  tantos,quc  o  fazem 
tão  grande,  que  quando  quer  lahir  ao  mar  retalha 
a  terra  por  tantas  partes  por  íceíi:ender,q  faz  hum 
l;igomais  de  oy tenra  kgoas  decompriaicnto.coni 
oSqu^l  jedividem  dousReynosdoelladode  Syáo, 


cadiicap.i.Pinianosaquio  Poeta  a  traça  deíla  col-  ode  Cait/baya,8c Chimpa.  E  dizem  de!ie,quetem 

ta.  Cooío  eílc  cabo  Ciugapura  eftà  contra  o  Nor-  o  ofrlcio  ao  Nilo,  que  he  regar  as  terras  por  donde 

.«e,que  entéde  aqui  por  Cynolufa,torna  a  vir^rj  &  palia.  Mas  dizem  dclie  rio,que  em  tempo  de  che- 

fazer  ponta  para  o  Orienic,  que  entende  pela  Au-  yas  íe  não  pódc  andar  por  toda  a  terra  de  Cambayá 

rcra.  INÍa qual  paragem  hà  muy tos  Rv)  nos,  como  Icnâo  em  barcos. 

Pam,Pat«ne,&:  outros  fogeyios  ao  grande  Reyno  ^ígc«íéí^f//íicr^.Ôs  moradores  ao  longo  deftr  tio 

de  Syáo,doqualtambcm  anti^aãientetoy  Malaca,  .  lV1econi,entre  outros  erros  da  gentilidade,quc  tem 

bamatr.i,&  outras  intinitas  ilhas.q;hà  naquelle  có-  J-iuni,de  que  o  Poeta  aqui  hz  mei}çáo,he,q  hádeU 

pois  dcila  vida  outra,  Ccq  todos  CS  animais  nella  té 
pcna,6i  gloria. 

128 

ESte  recebera  placíiíOj&  brando 
No  fen  regaço  os  cantos, que  molhados 
Vem  do  naufrágio  trtfie.i&  fnijeranao^ 
'Dos  procelo/os  baxos  e/capados, 
^D  as  fomes  jdos  perigos  grandes  ^quando 
Hera  o  mjujto  mando  executado 
Naquelle  cuja  lyra/ònorofa 
Hera  mais  afamada  que  ditoja. 

E//erfíe^er<í.Moílrao  Poeta  como  veyo  ter  a  eí- 
te Rtynode  Cambaya,vindo  da  C  hina, aonde  cltc- 
ve  alguns  diss  tomando  algum  alento  dos  grades 
trabalhos.que  naquella  viagem  da  China  paí]àra,6c 
dos  naufragioSjôc  bayxos  de  que  etcapàra,de  q  na- 
quclles  mares  ha  muytos  ,  pela  quâl  razão  íe  naó 
pôde  chegar  a  algúus  partes  daquella  região.  Che- 
gando á  Índia  foy  prcibpor  mandado  do  Govcr4 
nador  Francilco  Barreto,  pela  fazenda  dosdefun» 
tos,que  clle  trazia  a  leu  cargo,  porque  Foy  à  Chi- 
na por  Provedor  mór  dos  detunios:ôí  íílo  lhe  fize. 


torno.O/iia  í>  rítí  Aíeoiii-Eííc  no  iMenão,q  na  hngea 
«iobuaturaes  quer  dizer,  máy  das^agoas,  nalcc  ecn 
Jhú  iago  por  neme  Chiamay,  q  eíià  em  ^o.graos  de 
altura  da  parte  do  Norte  ,  6c  lende  de  alto  abayxo 
todo  o  Rcyno  de  Syáo,  o  qual  por  mtorma^áode 
gente  que  nellc  elteve  ,  tem  uci-  omprimtnio  mais 
ue  trezentas  òc  trinta  léguas. 

I  ^C 

VEs  nejlegrao  terreno  os  diferentes 
Nomes  de  mil  na  coes  numafahidas-j 
Çs  Laos  em  terra  &  humcro  potentes t 
uiuàs^  Br<iináSipòrfet  ras  tau  compridas^ 
Vè  nos  remotos  mmte ;  outraí  gentes 
f(ue  Gueosfe  chamão  de  felvages  vidas-, 
humana  carne  comem^mas  ajua 
^à^tntaò  com  ferro\ârdente^u(ança  crua 

VI  mflegrão  ícrrcwff.Tratta  nsfta'oy tava  de  algu- 
mas nações  íngeytas  aoRey  de  Siâoios  povos  Laos 
Avás, Bramas, &Í  Gueos,os  quaes  vivem  por  gran- 
des ff rranias,  como  bruto*;  animaes,  tão  feyos,  &; 
cruéis, q  comem  carne  humana,  &  trazé  continua- 
mente guerra  com  os  Reys  de  Syáo,Ôc  íe  ferrão, 6c     raõ  mexericado  por  alguns  araigos,  uondc  clle  cí- 
pintão  por  todo  o  corpo  ,  couía  qem  todas  aquel-     perava  íavor.Dizquc  a  lua  lyralcrâ  mais  afamada 
las  regiões  não  íahemos,q  outra  gente  o  faça.  Def-     que  dirola,porque  lendo  tão  grande  Poeta  teve  n* 
tes,  Laos,  Sc  mais  coulas  de  Syão  ,  &aírimdono     vida  muyto  pouco  favor. 
Mecõ,de  que  o  Poeta  tratta  na  oytava  ícguinte,  fc 
veja  hum  trattado  da  China, que  fez  húReligiofo 
da  ordem  de  S.Doníingos,i<  João  de  Barros  na  5. 
Década  IÍV.2.C.5. 

izy. 

VEspaffapor  Camboja  Mecom  rio^ 
^i€  Capitão  das  aguas  fe  interpreta; 
Tantas  recebe  de  outro  íò  noefUo^ 
Slfie  alaga  os  cumpos  largos  &  inquieta^ 
Tem  as  enchentes  qnaes  o  Nilofrhi 
\^  gente  delle  cré^como  indifcretai 
^íepena^^ gloria  tem  de/pois  da  morte 
Of  brutos  animaes  de  todajorte. . 


119 

VEs  corre  a  cofia  que  Chawpàfe  chama 
Cuja  mata  he  dopan  cheyrojo  ornada: 
Vès  Cochichina  ejià  de  efcurafama 
Ede  Aynão  a  vè  incógnita  enfeada. 
Aqui  ofoberb^  Império  ^qu  efe  afama 
Com  terras ^ò"  rtqueza  naò  cuydada, 
T)a  China  correrá'  occupa  o  fenhorio 
T)efde  o  Trópico  ardente  ao  cinto  frio, 

Vii  corre  a  ccfía.Nos  confins  do  Reyno  de  Cam- 
bayá eítá  o  de  Cham^pá,  como  atras  diffemos,  em 
cujas  montanhas  nafce  o  vcrdadcvro  cjilambá,a  q 
nós  chamamos  calan^buco.Com  eíle  coníina  outro 

Reyno,! 


.má 


Lujiadas  de  Imi.^d^SInVi^ô^  Commentados, 

Í$SSLÍtVi^vQ2«á^^m}ii^il^íh^^^^iSS}^  fita  íiyjj^.cap.TrfE  cpjto^8icjí^flihéíi5Í^%Êtá.àg8í0^j^ 

lifliijwjíSo  form6nEot'o^^&;;pftr.^lieiCeípc.y|e!,íe|)iej^  feyu  por  mao  dos  homens,  &:  linal  njanifet^^Ç/j[t^ 

49iiíittU4iyU&iQâíJ5,ma3  AS  ^!í9to*oyMCii),;P>iAyíPi»ij  de  grade  poder,Sc  nqu£Za|deftes  Chins,  6c  que  le 

^ifeaÇ^an>à  q  líOfi&xft^ftc/R«yírt>áÍQieí^PJ!^^iíí«l  pódc  ter  por -huina  das  maravilhas  do  muudo^n- 

gftriq,,nQlcui.ierag»Qihaiíia  põvic*  aoJ-tóa  )deUe,hçys  tre  outras  *éó\}^,Mle^^íH[}'^lftlVc%^T^;í^ 

híif;n?ayXíiíJi&itaai(b!è.iiappPia>g€0t,e4ftllí  íertí^yj^l  &  governo^hhfíià^ti^è^^^uV^Ww^oiMVR"^  ^Sk«á- 

44iqfpjr^if0&í&.iíjJi4bUjp3fca(A!g'l*Qrf^-o..ii  ui  ,fifn:i2  ca  o  filho  por  fe^Vdè^V^^^liayaws^í^^&Skàcítii 

0^giffiíU;€ímhú'apç|5itftik:íc^-íi(4»C4liií>^íiai»ení"r*T  vernar.lílpi4©§ví^g.X^53i\^J^^c^jj<?ç^g^^4y-(^^,Çip- 

jiw^lo^t^i-fâiéia  ChmAíiá>qi;é^l<o  Çp^t#cp.prreíí!:sy  ^m  vcrázdejb^^c^i^^^i^àem^ 

c^^  i^uioi  tt&k^lkQi^ài^.mú  derciii?çi;tP'íÍç^,n#i  rença  que^a  parénterfa^caTnoVtíífíns  efta  èríf  fcâí 


d^  qjue  aqj^  i.  t,r  ^t  ta^b,  ^oaih  b  A<>  da  <Ç;li^i|]>,ft  q,M  ^i  h<& 
lè>tW^t^êr45»i^-?ieO>  jiiAtQ  qtdi?it^qtíi  Pil?oeía,{,P?9'(| 

^êWflP-^  tÇ^ií^Ç  l^í^ríí 'a  §H  IJeftqecnt^f r  ^1  qwan 
zofluo  2o  oíiío:)  òKcv/  cjfi  o  ansfi  rr*;)J  ònn  sup  ínsd 


des  defta  grande  terra  fe  pódc  ver  em  hu^f|-.^jc»4g 
qttefi^;hí^gftlI)gií?laf^^,í^ç4eoí 

aqaí^,fjt^f}oD,fn3Íu^i.l/j3JuoW,3ioLrr,33f,fri3T 
jI».iJoniup3;;rInrí  tb  ojf/icfcbari  oijíl  ojijD  :  rnÊfÍD 


Eili4-'^wp»Jfe9miàd^íiqm\  vtfp^i3iét\  ;>  3 3  n  a  í i >  Í£r{ 


Mhs  eLbçem  aqtieUe  ^què^ke  faiáojo 


5Pí?r  cavaUéíi 


zcíãâifs  iftío  Htfxxvnb  fp/rr^ri/AjiiAarfabâjáaaatefoTipi 
§§0  dé  'Afia  6ríWitaxie:adIg!Uíirni&jlihas*do  CJ*itKWifi2Í 
SípRiffi^)Qa/d«jqAlbfaí  ímc^çÃo  .b;è  Oífaipôc^(íjaquaJ 

dá  :^a  voado  Nbrte^dpcj^iéjaiikâ.<MeQ^A(èt«^fd»jpòç 


0/i&/i  ft«j^\Dt3\hfiaíb'^jfd4(f»Sí  ncwií«\Qpki^^  iMíTds^&^fègwntioííijinfírnniçáo-tffÇífl^temos.áflftai 

^  eílâ  í^«d^  çnt5-eyiíiaV;í^í\riiãtWíV4ç^alMí^^a^Çftri  t«rrp  ítíwnTj  i9oe/tcKár|Joò«leg«afe<itJp©ííftYi^dwjí»ltel 

te  do ^^^i^^a^'  J}^n?UK^cpmf  íx^^riç^tç ^|,  tyhTfiiadxs de  íoigo.He  cftaítef raptòiiíi  iíwgçyrip»  fcffi 

fechar  em.Q^tm  gramies^ fç  ao  mati  lóoRey^aaqtwlcilefii di^máo' Vo<k."iH^^fl«í*i'p«§*« 

ao  modo  efe  cabo  por  eípaço  de  mais*dé^u^a^%r  uk3fbOdQSímmdnm£avç;\]hanãe  tttJqf^Jjiojicosiljj 

gOífsíSc  f)à  po'rftaíxtefliéfcíA)o'poií  ondftiíâ  <?é«iUíii-  itrikao  oiiifiaígôraM  doiilasííoslnioto  R«*ig!i©<<f^ 

«^9áori^«Fartai(ia  áClpií)a,fizcrâi>'o5lQ3in8.pa:r^  fio  Sc(Rietígiwfíi^<aíKÍÍ2cm.*i:)roMâiô^S£^li>rbftt|E(éi(rtí^ 

tgwjríw>«aiãda}  la  o  itreJira  ífiwbi  pBnteldb  féi-JiOíebBWJoto  àitmisiv)pç^ttvs{yi0i^cií\náiá^  &•  f  íWfíTl«p  Wo  fi-jJíw 

lím^ajiç-fcEiráí-^vigasdatcirroíddQ^yíJtG^daia^-aa^?  M]teficiafÇ4}ejiJnsr/i&fe>(7oiiíoçáo]í>«fblii« 

«nilque3aiáco[uriftB  rciruftenfeâJ\^^o,<2K«ídMúlLontÍHf  ciTí'Vôa»kltaí  ^^èiò  que^romcrtem Jalj^awisKiotríísí^ 

iMtecí<calfl«ntJrb'Tari^irosií&iehins.ErhítTp(>6tj6Íiâi  q«€fcwwfb{maóiCiDmí«<!rfc©vSd«tl*'S'1frô)h©*eríS'di^ 

vtgjaolcCbinscom  conpóIdxi^giBaTaflí&til  jftootcihot  bòrVíjuií^&itcm  osíPadrestlarCápíaribíâ-  feyçií^íin*» 

bURiadasfcnaaraviíbas  damundoi,de;^eDPÍto^eíBB{j  diípniVpyro*wéíUírlfha/acci'iía  dMioíflá'fâtâíFè<I»q 

fecí-tíiençSçt&ieuo.lQulíedopeaoa)^  li;andda  pbip  thíílkí»'^  &  háln«llia  màyrosChríftao&.'!Í=tçírèrf«i 

«fpaçd  dt.XifíaivrM>£C!  8t diac>osriáui«csiKjp€tM3hí»q  a6Mida^ltívía?)Bíh5  h&  pfacafravyr©fin'a?<í«  muyísi'^ 

iJhcaB0s  dàq,Hciia:rcgiãx5!di>  Gbiiw  mindâriá  àdcr/  d^riWai(|WÍalrB<U?õt»tâLlíRz«h^lio^S*e»1iiíH»-i^ 

aqwHrmwroiéí  fe'C8rcára6  camrcHiE  òò^mxJsJ^arUi  tê<^ôfta ÍIiv*cJ<nco  mil<Rcligi<>fi!«Jffniy«dT"Ítfí)^Gí^í 

taros  lcu&>vc2iaboK>,.coiu<|uè 4«i]^^leiuicakiDÍi{ua)  «»âytW^T6tV(^«:sv]M)a^ÃÍ(j[ri»,^  VédMOiftAçciPcpf^flM 

ob&fn£d:>  Q^  vivcnt 


m^4  ^••-         Ca%têT>ecim(f, 

Vivem  cora  tantt  caíliáade,qucnáopódeeftardo     h uma  cavidade  pequena, Jc  o  macho  tem  outra  O 
icu  Mofteyro  por  elpaço  dchuma  legoa.  molher,     breasancas:na  qualclU  põem  os  ovo;,^  poítaíô' 
nem  coulatemca:  Eftas,  6c  outras  muytas  coutas     bre  elle6,os  anda  chocando,  Icmprc  voandonoa 
muy  curioias  deita  Ilha  ícpódcm  ver  cm  joaóde     &  paranaócahirfe  ligaó  hum  ao  outro  cóosdous 


Barros* 

131 

OLhacafeks  mares  do  Or tente 
As  infinitas  ilhas  efpalhaàasi 
Vè  Tidore^Ternate.eo  ofarvente 
Cume-^que  lança  asjlammas  ondeadas^ 
As  arvores  veras  do  Cravo  urdente^ 
Comfangue  Tortuguez  inda  com f  radas. 
Aqut  ha  as  áureas  aves  que  não  aecem 
Nunca  a  tcrrai&Jô  mortas  apparecem 


ncrvinhos:  &  tambcm  lhe  pôde  Tcrvir  para  fe  pen- 
durarem nas  arvores  para  dormir,ou  deícançar.  O 
corpo  deita  ave  he  muyto  pequeno  ,  &  de  pouca 
carne:  porque  tudo  laó  aquellas  pennas douradas, 
&  fcrmofiflimas.  Dizem  que  não  comem  coufa  al- 
guma, le  naô  o  orvalho  do  ceo:  mas  nem  por  iflb 
deyxaó  de  fer  gordas.Os  naturaes  da  terra  lhe  cha- 
maó  paílaro  de  DcoSjôí  dizem  que  vem  do  Paray- 
lo Terreal.  Aflimoelcrcvem  graves  Autores  ,  & 
nòs  o  labemos  por  experiência  de  pellòas  de  cre- 
dito,que  os  tiveraõ  muytas  vezes  nas  mâos,&  por 
penachos,  todo  o  paflaro  com  toda  lua  pena  icrà 


Oíba  cà  feios  mares  do  Ofitntt.  Por  todo  ornar  do     do  tamanho  de  pouco  mais  de  hum  palmo,  tem  a 


Oriente  há  muytas  Ilhâs,que  o  Poeta  pafla,  porq 
feria  coufa  infinita  trattar  dellas,trattando  íómcn- 
te  de  algumas  mais  nomeadas,  &  mais^conhecidas 
dos  noílos. 

l^è  Tíclorejernate.  As  primey  ras  Ilhas  de  que  trat- 
ra  faô  as  de  Maluco,  aonde  le  colhe  o  cravo,as  de- 
mais faõde  muyto  pouca  importância:  laó  cinco, 
Tcrnate,Tidore,Moutel,Maguiem,Congu,ôcBa- 
cham  :  cujo  filio  hcdcbayxo  da  linha  equinocial, 
diítantes  da  noffa  Malaca  ,  conforme  a  navegação 
dos  noflos  por  elpaço  de  trezentas  legoas  ,  pouco 
mais  ou  menos.Todas  laó  muyto  piquenas,porque 


cabeça  pequena,6c  o  bico  comprido.Outras  muy- 
tas cou  ias  nota vtis  conta  deita  ave  Conrado  Gef-' 
nero  iiv.j.deavibus  ,  aondeeítâo  ícu  rctratto  ao" 
natural.  Também  António  Pigafetta  cavalleyro 
de  Rhodas,em  hum  roteyro  que  lez  da  jornada  de 
Fernaó  de  Magalhães  ao  eítrtyto  de  (eu  nome,no 
annodc  i^ip.em  o  nuineropy.  conta  que  cheganJ 
do  o  refto  da  armada  âs  Ilhas  Malucas,  El-Rey  dfi? 
Ternate  mandou  aoCapitaó  Caltelhano  dous  paí^ 
faros  mortos, fermoíiífimos ,  a  que  elleschamaã 
paflarosdc  Deos,  ôc.do  Parayfo:os  quaes  entre  ou- 
tras pirticularidades,  conformesao  que  temos  di- 


a  mayornãopaííadefeislegoasemroda.Nocume  to,  diz  q  tem  pernas  muy  delicadas:  &  futiliflimas, 
de  húa  delias  chamada  Ternatc,íaye  fogo  princi- 
palmente cm  dous  mczes  do  anno :  Setembrojíôc 
Abril,por curlarem  naquellc  tempo 'alli  huns  ven- 
tos ,  que  Taó  caufa  de  fe  afccnder  alli aquelle fogo 
natural,  Deft3S,6c  outras  muytas  couJas  deita  Ilha 
Ic  veja  em  João  de  Barros  na  terceyra  Década.  As 
arvores  cm  que  íe  dâ  o  cravo  ,  faô  como  os  noíTos 
loureyros  ,'nalcem  em  pinhas  como  flor  de  laran- 
gcyra,ou  madre  lylva.Quando  eítà  de  vez  para  fc 
poder  colher ,  hc  verde ,  depois  de  apanhado  lan^ 
çáono  ao  So],aonde  anda  atè  que  le  faz  roxo,  del- 


que  devem  fer  os  nervinhos  que  dizíamos.  Diz  tâ- 
bem  que  naó  tem  azas  ,  naó  voaó  como  os  outros 
pailaros,  mas  que  naquellas  pennas  grandes  le  fuf- 
tenraó,&  movem  lem  adejar.  O  meimo  diz  també 
Conrado  Gclnerojôc  Melchior  Guilandino,6c  ou- 
tros. 

O  Lha  âo  Banda  as  ilhas,  que  fe  efntaltão 
T)a  varia  cor^que  pinta  o  roxofruto-y 
As  aves  variadas , que  aly/altaõ^ 


pois  o  borrifaó  tanto  com  a  agoa  falgada,que  fica    'Da  verde  Noz  tomando  feu  tributo. 


preto,como  o  queremos.  Hà  também  neítas  Ilhas 
humas  Avcs,que  dizem  não  pouíarem  nunca,  por 
naó  terem  pés ,  &  quando  ie  acháo  faô  mortas ,  de 
cujas  pennas  por  lerem  muyto  íermoías  fe  fazem  os 
pcnacho5,6c  por  eítc  rcfpeyto  chama  o  Poeta  a  ci- 
tas aves  áureas  por  íuaíermolura:  &  entre  nósfc 
chamão  paíTaros  celeítes.  E  todo  o  paflaro  entcy- 
ro  fe  traz  por  penachojailim  neitas  partes,como  na 
India.líto  he  labido,&  cu  tive  nas  mãos  algús.Naf. 
celhedo  bico  hum  como  nervo  delgado,  de  com- 
primento de  dous  palnos  pouco  nsais ,  ou  menos, 
com  o  qual  daó  volta  nos  ramos  das  arvores  ,  6c  fc 


Olha  também  BorneOjOnde  naô  falta» 
Lagrimas jw  licor  qualhadOj&  enxuto^ 
^as  arvores ^que  Camphora  he  chamado 
Com  que  da  ilha  0  nome  he  celebrado. 

Olha  Je  BaiÁ  df  llhai.  As  Ilhas  de  Bandl  laó  cin- 
co, como  as  de  Maluco.  A  principal  das  quaes  fc 
chama  Banda,  debayxo  do  qual  nome  fe  comprc- 
hcndcm  todas,tendo outros  nomes  dilt~erentes,co- 
moasde  Maluco.  Neitas  cinco  Ilhas  nafce  todaa 
noz  ,  &  mafla  ,  que  fe  leva  por  todas  as  partes  òo 
mundo.  A  Ilha  chamada  Banda  hc  como  hum  jar- 


penduraó  delhs,para  defcançar,ou  dormir,porquc  dim  muyto  fermoio,  em  cuja  pintura  a  natureza  fe 

nunca  pouiaraó  em  rerra.  Outros  dizem  que  tem  quiz  efmerar.  As  arvores  que  daó  a  noz,  laó  como 

dous  nervos  de  comprimento  de  três  palmos  ,  taõ  pcreyras.com  a  folha  como  de  nogueyra.O  fruy  ro 

delgados  como  guitta  de  Flandes:com  os  quaes  ic  vemfe  a  fazer  da  cor  dos  noflos  pecegos,  do  tama- 

ligaó  hum  ao  outro,  quando  põem  os  ovos,  6c  os  nho,&feyçaó  danoz,calvos,  com  difícrétes  cores 

findaó  chocando  :  Porque  a  temea  tem  na  barriga  muyto  fermofas»  que  fe  parece  com  o  arco  do  ceo 

chamado 


I                         Lufiadas  de  Luís  de  Camões  Comentados,  507 

chamado  íris.  Quando  cfte  tVuyco  começa  a  ma-  Oiha  a  òunda,  Êlla  Ilha  Sunda  eftá  álcm  de  Sa- 

durecer,  acodem  da  ferra  muytos  paílarosde  diffe-  maira  contra  a  Jaoa  mayor.Há  neila  nuiyta  pimen- 

renccs  cores,  como  papagayos,  &  outros  a  comer  ta,6c  niuytoboa.    Concafe  deíla  Ilha  huma  couta 

deite  íruyco.  Terá  elta  Ilha  de  comprimento  crés  maravilhola,&c  hcjque  cem  hum  rio,que  náolofre 

legoaSjSc de  largura huma.He  terra  muyto  fermo-  lobre  licouíaa]guma,por  muytolevequefejajo  q 

la.áqual  concorre  codas  as  cou  Tas  das  outras  Ilhas  quizaqui  moílrar  o  Poetacm  di/er,  cjospaosquc 

polias  ao  redor,por  terem  alli  bom  expediente  por  le  lançaváo  no  rio  le  convertiaó  em  pedra.  Outros 

cauiados  mercadores  que  alli  concorrem. A  gente  querem  que  realmente  le  converta  em  pedra  :  ôc 

delia  ilha  Uõ  Mouros  da  Icyta  de  Mafamede.Naó  que  no  nollb  Alentejo  junto  a  Aviz.  ha  hum  rio 

tem  Rey  ,  mas  governafe  por  velhos  da  terra.  O  que  tem  a  meíma  qualidade, 
íruy  to  delias  arvores  da  noz  não  he  própria  ,  mas 

comum  detodos,detcoutalea  leu  tempojcomocá  j2Ç 

entre  nós  a  bolota,  6c  landre  de  carralco:  Sequem  ^  ,^  r-        .«i,.^       ^-««>.>.~*^     ..     íí.- 

,  '  ,„„  ^  li  T  E  naaue lia  que  e  tempo  tornou  tiha 

mais  apanha  mayorproveytotaz.  \S   X       "     1     ^ n  ,  y 

.   Olha  também  Borneo.Hc  huma  Ilha  muy  to  grade,       V   ^e  também flammas  tremulas  vapOYA 

&  muy  to  tertil  ,  &  abundante  de  todas  as  coufas,  A  fonte  que  óleo  manaf£  maravilha. 

principalmente  de  Camfora ,  da  qual  a  leváo  para  T>o  cheyro/o  líCor,que  o  tronco  chora. 

outras  partes.  Tem  cila  ilha  Borneo  huma  Cida-  Cheyrofò^mats  que  quanto  eftila  afilha 

de  do  melmo  nome  ,  que  tem  vinte  mil  calas.  Os  q^ç  Cymras^na  Arábia  onde  ella  mora 

moradores  delia  grande  Ilha  laó  todos  Gentios,os  ^  ^^        ^^,^^^    ,^^^^  ^^  ^^^^^^  ^^^ 

Guacsadoraoo  bol,5c  aLua:  heeentcmuytoco-  n       {    /j    jJa\.„^..^^j)í*      1 

mr.a  de  guem.pelo  que  quando  o  feu  Rey  ,  faz.  Branda feda,&  fino  ouro  datamhem. 

O  matâo,pelo  que  todos  os  Reys  procurâo  ler  pa-        yènaejuella»  Entende  a  Ilha  Samatra,a  qual  co- 
ciíieos.  li  eftii  tem  pela  mayur  honra  ,  Sc  gloria  do    mo  atrás  trattey  ,  querem  alguns  que  lofle  antiga- 
roundo.Náohà  entre cftes  ladrôes,nem  homicida*     mente  huma  mefmacouíacom  a  noíla  Malaca.mis 
antes  vivem  em  grande  concordia,5c  paz.  Sáo  ef-     que  o  tempo  as  dividio  huma  da  outra,6c  as  poz  no 
tcs  os  mayores  inimigos  de  Caftelhanos,  quefe  fa-     clladoem,  que  ap,ora  eíláo.  Eftailhahe  muyto 
bem  naquellas  partes.  Eílas ,  Sc  outras  coufas  dos     grande,  como  atrás  diílemos,  Sc  tem  muytos  Rey- 
noradores  delta  Ilha  conta  Maximiliano  Tranlyl-    nos,  entre  os  quaes  hum  he  o  Reyno  de  Peder:  no 
vanojSecretario  do  Emperador  Carlos  Quinto,em     qual  dizem  os  naturaes  ,  que  ellá  hu  ma  fonte  de 
huma  epiltolaque  cfcrcveo  ao  Cardeal  Salíebur-     oleo,chamado  pelos  Mouros  Napta,quc ferve  pa- 
genfCjlobrc a  navegaçáo,q  íizerão  os  Helpanhocs     ra  muytas  enfirmidade$,príncipalmente  para  frial» 
às  Malucas  no  anno  de  mil, quinhentos  Sc  dezano-    dades.Hà  também  nefta  Ilha  beyjoim,que  o  Poeta 
ve:  na  armada  em  que  Fernão  de  Magalhães  def-    entende  aqui  pelo  licor,que  o  tronco  chora,  por^ 
cobno  o  cltrey to  de  feu  nome.  «aíce  como  a  refina  nas  ameyxiey ras.E  diz  que  he 

mais  cheyrolo  que  a  mirrha,o  que  entende  pela  íi- 
j  2  .  lha  de  Cyniras.  E  fendo  cfta  Ilha  tão  abundante 

7-     .      /      cr-  I     r         «»         como  as  outras  em  tudo  diz,que  em  ouro,  Scleda 

Ly  tambemTtmor,que o  enhomanda      ^^^ ^entagem  a  codas  as  outras. 
òanaaloJaluttferOj&  cheyrojo, 
O  Lha  a  Sunda  taô  larga^que  huma  banda  j  2  ^ 

EJcondeparMoSuldtjficultefo.  _^  LhaenC^e^lao^quecmontefealevãta 

A  gente  dojertao.que  as  terras  anda,  (^  ^^^^^  ^)  mvêspajUa^ou  a  vifta  engana 

Htmrtodt^  quetemmtraculofo.  Os  naturaes  temporcoufa  íanBa. 

pepor  onde  elUfofem  outro  vae  ^^^  ^  ^^  '    ^^^  ^  ^4^  h^^^^^. 

converte  em  pedraopao  quenelle  cae.  Mas  ilibas  de  Maldiva  nace  a  pranta 

MU  também  Timor.  Efta  Ilha  Timor  eílá  tambê     No profundo  das  agoas  foberanaj 
rcfte  archipelago,aóde  eílão  as  Malucas,Bornea,    Cujo  pomo  contra  o  veneno  vrgente 
&  outtas  de  q  íe  tratta  ncftas  oytavas.Efta  he  tam-    ^  tido  por  atttidoto  excellente. 
bem  muyto  grande  do  Levãte  ao  Poente.  O  prin- 
cipal fruto  deita  Ilha  he  o  fandalo  brãco.He  mo-         Qlha  em  Cejlit.Kík^  Ilha  de  Ccylão  eílá  hoje  to- 
rada de  Gentios,8c  o  leu  Rey  he  Gentio.Tambem     da  fogeyta  aos  Reys  de  Portugal, de  modo  que  pò- 
tcmgingivrc,arro2,  Sc  muycas  frutas,  8c  animaes     dem  nellaconítituir  hum  grande  Império  ,  Sc  tão 
da  terra.  Tem  muyto  ouro,  com  o  qual  fazem  co.     pacifico,como  eíta  terra  que  habitamos, $j  he  taÕ 
merciocó  os  mercadores,que  alli  aporcaó.  Ofan-     nomcada,8c  conhecida  dos  floflos  ,'cftíl  fitòada  dé- 
dalo fe  colhe  a  certo  tempo  da  Lua,porque  de  ou-     fronte  do  cabo  íTomory,  que  he  á  parte  mais  aul- 
tra  maneyra  não  he  bom.  He  muyto  prezado  en-     trai  àc  toda  a  índia ,  q  jâs  enrre  aqiiellcs  dous  rios 
tre  elles,  porque  coftumão  moer  o  pao,  Sc  com  os     tão  celebrados  Indo,Sc  Gange,terâ  de  comprimc- 
pòs  untar  a  cabeça.  E  dizem  que  lhe  tira  a  dor.        to  de  Norte  a  Sul  fcttenta  Sc  oyto  legoas,Sc  de  lar- 

Qa*  fio 


A 


joS  Canto^echno, 

goLjuarenta  &  quatro.O  qual  pedaço  de  maren-  ôflcoíoríí.Efta  Ilha  cfi:â  entre  o  cabo  de  Fartaquc, 
ue  terra  ,  6;  terra  hf  tio  temido  dos  que  navegáo  &  o  de  Guardafú:  he  lerra  de  niuytas  montanhas, 
,por  aqucllas  partes, por  ter  muy tos  bayxos,&  rcf-  &  a  gente  delia  í"e  chama  Chriílã,  mas  heo  no  no- 
tingaíi,quc  le  diz  deite  mar  o  que  os  Poetas  contão  me  lomente,porque  lhe  falta  o  Baptifmo,ôc  Don- 
de Scylia,6í  Cai ybdis como  hca dito.  Eítáncíta  trina Chriílá.Difíe que  neftallha morarão aquel- 
liha  hum  monte  muyto  alto,DO  cume  do  qual  ef-  hs  molheres  a  que  chamamos  comummente  Ama- 
ta  hiinia  pedra, que  tem  huma  pegada  de  homem,  zonas, o  que  íe  moftra  cm  algumas  coulas,  porque 
que  dizem  os  naturaes  ler  de  noUo  primeyro  Pay  os  homens  naó  preíhó  para  nada  ,  &  as  molheres 
.Adam  I  pelo  que  lhe  chamâoo  monte  Santo.  He  trabalhão  ,6c  negoceaó  a  vida.  Nelta  Ilha  feda  o 
cftallhade  muyto  bons  ares,ladia,fcrtil,&viçola,  pao  Aloe,que  he  como  pao  de  Aguda  muyto  ptc- 
&  tem  muy  ta  canella  a  melhor  de  todo  o  Oriente.  zado,ôc  náo  pôde  ninguém  trattar  neile  lenaó  El- 
Outras  coulns  delia  ilha  íe  vejão  em  João  de  Bar-  Rcy  ,&  he  pena  de  morte  trazelo. 


ros  na  5.  Década,  iiv.z.c.  1.  E  as  nollas  annotaçócs, 
canto  i.oytava  i.canto  lo.oytava  51.  &  agora  co- 
piofamentc  Diogo  do  Couto. 

-N<7í  libai  de  Maldiva,  Elias  Ilhas  de  Maldiva  et. 
tão  defronte  da  coíla  da  India,  as  mais  chegadas  a 
ella  eílaráoda  coitado  Malavar  quarenta  legoas 


Outrai  liba*  no  mar.Diz  que  cm  muytas  Ilhas  da 
coíla  de  Africa  de  que  fica  trattado  largamente,lc 
acha  muyto  âmbar  ,  ao  qual  o  Poeta  aqui  chama 
maíla  ao  mundo  occulta,6c  preciola,por  fe  naó  (a- 
ber  a  certeza  de  q  fc  gere  o  âmbar ,  porque  le  acha 
peias  prayas  do  mar  ,  como  coufa  lançada  delle: 


em  altura  de  1 2.  grãos  Sc  meyo  da  parte  do  Norte,  donde  alguns  querem  que  feja  o  lixo  da  balea,ou- 

As  derradeyras  deílai  Ilhas  diílaráo  500.  legoas  da  tros,que  naíce  no  fundo  do  mar,como  laltro  dellc, 

terra,  &  em  Icte  grãos  da  parte  do  bui.  No  meyo  como  o  coralroutros  de  humas  grandes  aves,  que 

" '  anda*  neítas  Ilhas,  6c  nas  de  Maldiva:  outros  daõ 


dcíla  fâxa  de  Ilhas  eílâ  a  principal  delias  chamada 
Maldiva  aonde  rclide  o  Rey,quc  íe  intitula  por  le- 
nhor  de  todas  ellas.  E  pollo  que  eíte  nome  Maldi- 
va íeja  nome  próprio  delia  principal,a  Ethymolo- 
gia  da  palavra  quer  dizer  mil  Ilhas,  porque  tantas 
çizem  haver  em  huma  corda  dellas.Ccmeçâo  cilas 
Ilhas  nos  bayxos  de  Pádua,  na  paragem  do  monte 


outras  razoes.  O  mais  certo  diílo  he,ferdo  fundo 
do  mar. 

Dt  S.Lourenfo  a  liba. Ao  travcz  da  coíla  de  Afri- 
ca ao  mar  defronte  de  Moçambique  eílá  a  grande 
Ilha  de  S.  Lourenço  ,  chamada  por  alguns  Mada« 
galcar.  Charoalheo  Poeta  aqui  afamada  ,  por  ler 


Pely,Ôc  vão  entellar  na  terra  Jaoa,6c  coíla  da  SQ-  muyto  grânde,&  ter  em  fi  muy  tos  Rèynos,naóla6 

di.O  Rey  deílas  Ilhas  he  Gentio,&  os  moradores  lenhores  delia  os  Rcys  de  Portugal  ,  ilem  fazeai 

Gentios,  ainda  que  os  Governadores  da  terra  laõ  delia  cafo,  porque  hedc  poucoproveyto,  comoo 

Mouros.  A  íituaçáo  deitas  Ilhas  hc  cílarcm  pela  íouberaó  os  Portuguezcs  ,  que  a  foraó  dcfcubrir. 

mayor  parte  muyto  juntas  humas  com  outras,pe-  Pollo  q  já  agora  íe  tem  penetrado  o  interior  delia. 

Jo  que  a  terra  he  toda  retalhada  com  regueyros  de  cm  que  ícachíô  muy  grandes  provcy tos  ,  que  o 

agoa,que  Oi  naturaes  pallaó  a  falto,  E  os  canacs,q  defcuydo  tem  allilcpultadosneíla  terra, 
íe  podem  navegar  laó  táo  eílrey tos,quc  as  cntenas 


das  nãos  vão  dando  nas  palmeyras ,  de  que  os  ca- 
pães  Uõ  cercados ,  os  quacs  debayxo  da  agoa  tem 
as  arvores,  que  dão  os  coco? ,  q chamamos  de  MaU 
diva. 

AntidotoMt  remédio  muyto  proveytofo  oppoí- 
to  ao  vcneno,como  diz  aqui  o  Pocta.E  bem  íe  mof- 
tra em  eílar  táo  juntas  humas  com  outrasjfer  ver- 
dadeyra  opinião,que  os  Malavares  tem  deílas  Ilhas 
que  o  mar  mudou  feu  curfoda  terra  do  Malavar, 
por  donde  antes  corria,para  citas  partes.dcyxando 
aterrado  Malavar  defcuberta  ,  ôccubertacílou- 
tra,quefe  chama  agorade  Maldiva, 


V 


»J7 

Eras  defronte  eftar  do  roxo  e^teyto 
Socotorà  co'o  amaro  Atoe  famoja 
Outras  ilhas  no  mar  também Jogeyw 
Avos  na  cofia  de  Africa  arenofa: 
Onde  fae  do  cheyro  mais  per feyto 
Amaffa  ao  mundo  occulta^^preciofav 
T)e  Sam  Lourenço  ve  a  ilha  afamada, 
^e  Madagafcar  be  de  alguns  chamada. 


138 

1"^  Ts  aqui  as  novas  partes  do  Oriente^ 
^  ^e  vòs  outros  ogora  ao  mundo  days^ 
Abrindo  aporta  ao  vajlo  mar  patente 
^e  com  taÕ forte  peyto  navegays. 
Mas  he  também  razão ^que  no  í^ouete 
2)f  hum  Lufitano  hum  feyto  inda  vejais  j 
^e  de  feu  Rey  moftrandofe  agradado 
Caminhfy  ha  de  fazer  nunca  cuydado, 

Eyiaejui  mnovafparttt  do  Orientt,  Defpoisqueo 
Poeta  trattou  das  terras,  &  mares  do  Oriente,  en- 
tra a  trariar  de  paílagem  as  do  Poente,  aonde  cíláo 
ás  índias  Occidentaes  deCaílcllarle  k  lhe  pôde  dar 
eílc  nome  de  índias,  porque  íó  as  noílas  o  merece, 
pois  eíle  nome  lhe  vem  ác  rio  1  ndo ,  que  as  rega. 
Eíle'Lufitano  de  que  o  Poeta  aqui  falia,  hchuru 
Fernaó  de  Magalhães  Portugucz,o  qual  aggrava- 
do  d'El-R  Dom  Manoel,  por  lhe  naó  accreccnrar 
o  foro  ,&  moradia,  lerecolheoaCaftella  ,  ôcper- 
fuadio  ao  Emperador  Dom  Carlos,  o  mandal^c  ás 
Ilhas  do  Maluco,  dizendo  que  lhe  pcrtenciaõ  a  el- 
le^Ôc  náo  a  Portugal.  Do  caminho  qus  cite  Maç;a. 

Iháas. 


309 


Lu/iaàas  de  Luís  de  Camões  C^mmentados,  ^^^ 

Ihács  fez  ,  &  do  eílreyto  que  dclcobrio  nclla  via-     de  pouca  lealdade.  De  Fernão  de  Magalhács ,  le 
gcín,tratccy  atrás,canto  2.oy  tava  55.  veja  o  que  fica  tiattado  atrás. 


13^ 

VEdes  a  grande  terra  que  contina 
yay  de  Califto  ao/eu  contrario  polo  i 
i    §lue  Joberba  fará  a  luzente  mina 
^JJo  metal^  que  açor  t  em  do  louro  Âpolêi 
Cajiella  vojfa  amtgaferà  dina 
^De  lançar  lhe  o  colar  ao  rudo  colo^ 
Varias  provindas  tem  de  varias  gentes 
EmrutSt^  coflumes  differentes. 

Vtdti  a  gnatíde  terra,  Eíta  terra  grande  que  corre 
de  Norte  a  Sul,  que  entende  aqui  por  eítas  pala- 
vras: de  Caliíto  ao  íeu  contrario  Polo,como  ja  por 
^vczca  dcclaràmos,he  a  terra  em  que  ic  comprehen- 
dcmaslndiasdc  Callelia,pol]iiydas  pelobReys  dcl- 
la:na  qual  ha  grades  Rcynos,&:  Províncias  de  táo 
cftranhas  gentcs,6c  de coilumcs,&  ceremonias  tão 
differentes  ,  que  havia  miítcr  muyto  tempo  para 
irattar,  náo  digo  eu  de  tudo,  mas  de  alguma  parte 
delias.  Porque  he  eíle  novo  Império  táo  grande, 
<jue  por  eíle  refpcyto  Ic  chama  novo  mundo,  co- 
mo clcrevcmos  no  canto  priracyro.oytava  z.Tcm 
grandes  mmas  de  ouro,  &  prata,  como  aqui  diz  o 
Poeta  ,  Sc  (abemos  por  mformaçóes  certas ,  &:  de 
expcnenciappois  vemos  todos  os  annos  vir  a  cftcs 
reynos ,  6c  aos  de  Caftella  tantas  nãos  carregadas, 
que  he  coufa  de  admiração.  O  metalt^ue  tem  acêr 
do  louro  ^pvl$,  He  o  ouro. 

T40 

Myís  ca  onde  tnajjfe  a/arga,aly  tereys]\ 
Tarte  também  c'o  opao  vermelho  nota 
*JJâJan&a  Cruz  o  nome  lhe  poreys^ 
^e/cubrilahâ  aprimeyra  noj/a  frofta: 
.  ^»  longo  de/ta  cojla  que  tereys^ 
Irâ  bujcando  a  parte  mays  remota 
O  Magalhães, no  feyto  com  verdade 
Tírtuguez^orèm  não  na  le  lealdade. 

Mas  cá  onde  mais  fe  «larga,  Naderfíarcaçâoquc 
Icfezdo  mundo  paraodelcobrimenio  ,  entre  os 
|{  Rcys  de  Portugal,  &  Caftella,  cahio  os  de  Portu- 
gal em  forte  a  coíla  do  Brazil ,  que  fera  de  mil  & 
cincoentalegoas ,  pouco  mais  ,  ou  menos  a  qual 
deícobiio  Pedro  Alvarez  Cabral,indopar«  a  Índia 
com  huma  armada  de  treze  veias ,  no  anno  de  mil 
8cquinhentos,8c  pozlhe  nome  Sarna  Cruz. 

Ao  longo  dtjla  co(la,  Ifto  diz  ,  porque  Fernão  de 
Magalhães  foy  ao  bngo  da  coftadp  Brazil  a  dcf- 
cubrir  novos  marcs,ôccliraas:&  com  inrcncodr:hir 
às  Ilhas  do  Maluco.para  fe  vingar  d' El-Kcy  Dora 
Manoel  de  Portugal.  O  qual  diz  que  no  feyto  f^jy 
Portuguez,mas  não  na  Icaldadc.porque  o  que  fez, 
foy  de  grande  animo,&  em  fe  lançar  com  Él-R  ey 
>^e  Caílclla,6c  ler  contra  os  Reys  de  Poriugal,foy 


141 

D  Es  que  paljar  a  via  mays  que  me  a 
^e  ao  Antárctico  polo  vay  da  litiha, 
iJ^huma  ejiatura  quafiGigantea 
Homens  verá  da  ttrra  aly  vezinha, 
E  mais  avante  o  ejtreytoyque  jearrea 
CjO  o  nome  de  lie  agora  o  qual  camtnha 
^ara  outro  mar^^  terra  que  fica  onde 
Cem  fuás  fr  tas  azas  oAuJiro  a  ejconde, 

De$  (juepalJar,  Seguindo  Fernão  de  Magalhães 
leu  delcobrimento,paíl'ada  a  cofta  do  Brazil,  chc. 
gouahum  rio  a  que  poz  nome  de  S.Juliâõ,quec(- 
tâem  50. grãos,  na  qual  paragem  havia  tantas  tor- 
mentas ,  Ôc  frios ,  que  os  marinheyros  naó  podiaó 
menearas  vellas ,  porque  naquellaso  frio  hema- 
yor ,  que  nas  partes  do  Norte.  Pelo  que  determi. 
nou  invernar  alli  os  quatro  mezes  do  inverno  da- 
quellas  partes,  que  faó  Mayo, Junhojulho,  ôc  A- 
gofto.  Eltando  nefte  lugar  mandou  alguns  dos 
?eus  pela  terra  dentro  dcicubrir ,  &  tentar  le  havia 
alguma  cou|a  digna  de  íc  laber,  le  houviaó  da  ou- 
tra parte  algum  tom  do  mar,fazendo  grandes  pro- 
mcflas  a  quem  lhe  trouxefle  algúa  boa  nova.  Nel- 
taida  cntráraó  os  defcubridores  vinte  Icgoas  por 
terra  dentro,  &  trouxeraô  comfígo  huns  homens 
da  terra ,  cujos  corpos  paílavaõ  de  doze  palmos,  q[ 
he  o  que  o  Poeta  aqui  diz,  que  achkraó  homês  co- 
mo Gigantes. 

E  ma»  /»t/<i«íf.Partido  Fernaó  deMagalhãcsdef- 
tc  lugar  donde  invernou,foy  cofteando  a  terra  até 
dar  em  o  cflreyto  que  chamou  de  feu  nome:o  qual 
cfta  em  aliura  de  5z.graos»&  56.  minutps.  ILlle  eí- 
treytotcm  de  comprimento  iio.legoas,  &  o  maig 
largo  de  duas.  O  qual  cftreyto  deiCAibrio  Fernão 
de  Magalhães  para  paflar  do  mar  do  Poente ,  para 
o  de  Sul ,  o  que  diz  aqui  o  Poeta  por  termos  (^uc 
já  ficaó  declarados  muyi^  vezes: 

A  Te  aqui  Tortuguefes  Concedido 
Vos  he/aberdes  os  futuros  fey  tos 
^iepelo  mar  que  jà  deyxays  Jabido, 
l/irão  fazer  Bardes  de  fortes  peytos. 
Agora^pois^que  tendes  aprendido 
Trabalhos , que  vos  façam  fer  aceytos 
A  as  eternas  efpofasj^  f  ermo fas 
^e  coroas  vos  tecem  glorio fas, 

AtéefMPortuguezes,  Ascoufas  atráselciittais  dilTc 
Thetisaos  Portuguczcs,moftrandolbs  como  pela 
ordem  que  naquelle  principio  do  delcobrimento 
da  índia  tivcrão.fegundo  os  perigos,  ôctríAballio» 
que  fttccçdiaô  ,  viriAÃ  a  alcançar  grande  ooinc,  6C 
ler  conhecidos  poi  todo  o  mundo  ,  como  hoje  íc- 
raoy.  ^^' 


>*5fo 


Cdnti^  Tiecimol 


145 

POdtyvos  embarcar^que  tendes  vento 
E  mar  tr  aquilo  para  a  pátria  amada^ 
jijfim  lhe  aice:  Elogo  movimetito, 
fazem  da  ilha  ale^re^  ($  namorada. 
Levão  refref€Oi&  nobre  mantimento^ 
Leváõ a  companhia  defejada 
"Dos  Nymphas ,que  bãde  ter  eternamente 
Tor  maís  tempo  que  o  Solo  mundo  aquente. 

Leváo  a  companhia  Jefejada,  DasNjfmphaf.  Eda 
companhia  das  Nymphas  que  lcvavao,eraa  hon- 
ra,  &  gloria  que  alcançarão  no  deícubrimcnto  da 
Índia, a  qual  nunca  perderão  em  quanto  o  mundo 
durafjO  qual  diz  \)or  ci\es  urmos,for  mais  tempo  ^ue 
éSolo  mundo  aquenie^  que  quer  dizer,  por  mau  que 
e  mundo  dure,que  he  bom  encarecimento. 

144 

AS/íforaõ cortando  o  marfereno 
Com  vento  fépre  manfòi&  nunca  irado ^ 
Ate  que  ouverão  vtjia  do  terreno 
Em  que  naceraõ,/empre  defejado. 
Entrarão  pela  foz  do  Tejo  ameno 
Ea/uafatriai&  Rey  temido ^à"  amado 
O  çre7nioy&  gloria  daõ,porque  mandou j 
E  com  titules  novos  fe  illujtr^u, 

At^ejut  hcuverao  viftã  do  ícrrmtf.Eíle  terreno  he 
a  terra  de  Portugal,  a  qual  chama  fempre  dcíejada, 
porque  hecoufa  natural  ter  fempre  as  pefloas  aon- 
de quer  que  eftão,  &  em  qualquer  eltado,  lem- 
brança de  lua  pátria.  Donde  difle  Ovídio  liv.  i. 
de  Ponto,Elegia  4: 

Uefiío  ejua  Satale  folum  duladint  cun^lii 
jíilicit  immtmtres  nec^^nif  tJfèfuL 

145 

NAõ  mais  Mu/ã  ao  mais^que  â  lyratenho 
T)e[ieMperada^&  a  vozenrouquecida, 
E  não  do  Canto^mas  de  ver  que  venho 
Cantar  agente  Jurday&  endurecida: 
O  favor  com  que  matsfe  acende  o  engenh» 
Não  odàa  pátria  nao^que  efiâmetída 
Nogojíodacubiça^^  na  dureza 
'D^huma  auftera^apagada^^  vtltrtfieza. 

^Ni#fl  dã  a  pátria  ««o.Qucyxaíé  o  Poeta  c5  muy- 
ta, razão  dos  noflbs  naturaes,  cuja  inclinação  na© 
hc  dada  ao  exercício  das  lctras,nem  a  favoreceer  os 
homens  que  as  fabem,  doença  irabalhola  ,  &  que 
faz  mal  l  fua  naçaó  raõ  cxcellente  em  todas  as  cou- 
ías:  dcfta  maneyra  trattey  em  outra  parte  dcfte  li- 
vro. 


I4(í 

E  Não  fey porque  ífífluxo  dedeftino 
Não  tê  hum  ledo  orgulhOy& geral gefto^ 
^e  os  ânimos  levanta  de  contino^ 
Ater  para  trabalhos  ledo  o  rofto 
^ortjjo  vos,  ó  Rey  ^que por  divino 
Con/elho  eftays  no  Rtgtojolio  pofio 
Olhay  que  JeysÇó'  Vede  as  outras  gentes^ 
òenhorjó  de  vajjallos  excellentes. 

A  ter  para  os  trahalbot  ledo  o  rojto.  Nota  o  Poeta 
nefla  oytava  os  Portuguezcs  ,  de  gente  dada  ao 
ócio,  6c  inimiga  do  trabalho.  O  qucnãoeraaílim 
nos  princípios  defta  Monarchia  de  Portugal, quan- 
do nenhuma  coula  lembrava  mais  aos  Portugue» 
zes ,  que  o  ferviço  de  Deos ,  &  de  feu  Rey ,  pe- 
lo qual  não  tcmiaó  nenhum  género  de  perigo, nem 
trabalho. 

147 

OLhay  que  ledos  vão,por  varias  vias 
^aes  rompentes  Itões^bravos  touros^ 
Usando  os  corpos  afomeSià'  avigias^ 
A ferrojã  fogo ^ajetas-iàf'  a -pelouros, 
A  quentes  RegiÕes^aplagas  frias; 
A  golpes  de  taolatraSjà-  de  Mouros  i 
A  perigos  incógnitos  do  mundo  ; 
A  naufragios,apyxes^aõ  profundo. 

Olhay  qut  ledoi  vão  por  varias  vMi.Moftra  o  Poe- 
ta o  gofto,  &  alegria  com  que  os  Portuguezcs  fer^ 
vem  ao  leu  Rey  oppondoíeporamor  delleatodo» 
os  perigos,&  trabalhos.  §íutntei  regiocni,  Saó  eílas 
partes  de  Africa ,  &  outras  debayxo  da  linha,  por 
donde  os  noflbs  P  ortuguezcs  paflaó.  Plagas  frias» 
iaó  as  do  Sul,  por  donde  ordinariamente  navegão»  .1 

148 

POr  vos  fervir  a  tudo  aparelh  ados, 
'De  vòs  taõtenge  fempre  obedientes 
Aquaefquer  voffos  afperos  mandados 
Sem  dar  repofta prontos ^&  contentes-. 
Sò  com  faber  quefdõde  vos  olhados 
'Demónios  inférnaesynegros^&  ardentes 
Come t terão  com  vofco^à-  naÕ  duvido 
^e  v€7iceãor  vosfação^não  vencido, 

Devòf  tio  longe  fempre  okedientes,  He  matéria  de 
confidcraçâo",  ver  que  eftando  os  Portuguczes 
tantas  Hiillegoas  do  feu  Rey  ,  &  tendo  tantas  oc- 
cafióes  para  lhe  dcfobcdcccr  ,  nunca  atè  hoje  tem 
acontccido,o  que  cm  outras  nações  he  muy  dife- 
rente ,  nas  quaes  ordinariamente  há  treydorcslc^ 
yantados. 


Lufiíidas  de  Luis  de  Camões  Commentados, 


3" 


I4P 

FAvoreceyosJogo^à'  alegrayos 
Com  aprefènça^tè  leda  humanidade^ 
'/^é-  rtgurofas  leys  dejaíivayosj 
^ite  ajfí  fe  abre  O  caminho  ãjantidade: 
Os  mais  experimentados  levantayos^ 
òe  com  experiência  tem  bondade ^ 
"Fará  vojjo  conjelho  jfois  quejabem 
O  comOiO  quando ^&  onde  as  coufas  cabem. 

Com  a  prez,ença,éf  íeiia  hHmanidade,  Todas  as  na- 
ções do  mundo  faó  muy  afíPeyçoados  ao  interefle. 
A  Portugueza  não  quer  outro  ,  lenaó  que  o  feu 
Rey  a  favoreça  ,  &  ame  ,  como  o  Poeta  diz  muy 
elegantemente  neílas  oytavas:em  as  quaes  lembra 
a  L^Rey  efta  condição  natural  dos  Portuguezcs: 
concentaremíe  mais  dos  favores  do  leu  Rey  ,  que 
de  grandes  incercfles.li  tambem.como  o  Poeta  era 
homem  taó  douto,  &  taó  experimentado ,  &  El- 
Rey  Dom  Sebaíliáo ,  que  Dcos  tem  ,  com  quem 
vay  íaiando'neíte  Poema,era  inda  moço,  &  havia 
pouco qué  tomara  ogovcrno,&:  Septro:  tratta  de 
oaconlelhar,  ôc  advertir  o  que  mais  lhe  convinha 
para  ler  íenhor  dos  corações  de  léus  vaílallos ,  & 
rambcn)  para  começar  o  feu  governo,corH  as  mais 
louvadas  virtudes  que  os  grandes  Principcs  tive- 
raó,que  he  o  melhor  fundamento  que  ftpóde  dar 
uoprmcipiode  grandes  Impcrios,como  todos  de- 
fcjaváoneftefeu  Rey. 

150 

TOâos  favocerey  emfeus  officios% 
Segundo  tem  das  vidas  0  talento^ 
lenhão  Religiojos  exercícios 
2)^  rogar  em  por  'voffo  regimento: 
Cornjejuns^difcíplinas  pelíos  vícios 
ComuSitoda  ambição  ter aõ por  vento-, 
^e  o  bom  reltgiofo  verdadeyro. 
Gloria  vãa  naôpertendejnem  dmheyro» 

OSCavalleyros  tende  em  muyta  efiima 
^ois  comjeufãgue  entrepidOiò  fervête 
EJíendem  não  fomente  aley  de  fim  a  ^ 
Mas  ainda  vojJò  império pre  eminente: 
^ois  aquelles.que  a  tão  remoto  clima 
Voi  vãofervir  cem  pajfo  de/igeníe, 
^ous inimigos  vencemjmns  os  vivos 
B  o  que  he  mais  os  trabalhos  eycefftvos, 

Doui  inimiiúí  vencem Jbum  os/vivts.E  e  ejue  he  mais 
#j  traifalhoi  exce(fivof.  Por  vivos  entende  os  homens 
com  que  andaó  em  guerra  ,  como  faóefles  Mou- 
ros da  cofta  de  Africa  ,  Sc  outros  das  partes  da  In- 
dia.Por  trabalhos  exceíTivoSjás  fomes,  frioSjledcs, 
&  perigos  que  paílaó. 


151 

F/lzey  fenhorique  nunca  os  admirados 
Alemães ^ GallosJtalosJ^  Inglejes 
'I:'offão  dix^er^que  faÕpara  mandados 
Mais  que  para  mandar  os  Tortugue/ès, 
Tomay  conCelhojò  de  exprimentadosj 
^e  virão  ia) gos  annosilargos  mefes^ 
í^epofto  que  em  [cientes  muy  to  cabe^ 
Mais  em particnlar  o  experto  jabe. 

Pojfao  dizert  efut  fatiara  mandados,  maií,ejue  pars 
mandar  01  Ptfrí«|»gz.ej.Para  encarecimento  do  valor 
dos  Portuguezes,diz  que  faõ  mais  para  mandar,  & 
íer  fcnhorcs  dos  Alemães ,  &  mais  nações,  que  no 
principio  da  oytava  aponta  do  que  elles  laó  para 
íer  mandados,  quehe  hum  grande  louvor,  ôcairim 
íc  ha  de  cntender^eíla  lctra,quc  eílá  efcura. 

DEThormião  Thilo/opho  elegante 
Vereys  como  Aníbal  e/carnecia^ 
^ando  das  artes  bellicas  diante 
^elle  com  larga  voz,  trattava^ò"  Iía 
A  difciplina  militar  pre ftante^ 
Não/e  aprende  fenhor  nafantajia. 
Sonhando,  imaginando  ^ou  efludando^ 
Se  não  vendo  tratt ando ^ò' pelejando. 

De  Formiao  Pbilofopbo  tkgante,  Foy  Phormiaó 
Philoíophoda  íeyrados  Peripateticosido  qual  con- 
ta Cicero,que  cííandoAnnibai  em  Ephefo,ao  qual 
lugar  íe recolhera  defterrado  derCartbago  ,  como 
folie  grande  a  fama  dffte  Philofopho ,  determinou 
hilo  ouvir  hum  dia.Como  Phormiáo  vio  Annibal 
ra  fuacfcola,  fez  huma  larga  oraçâo,em  que  trat- 
tou  do  officio  do  bom  Capitão,&  outras  couías  to- 
cantes ao  ufo,6í:  cxerciciodagj^erra.Todos  os  cir- 
cunftantcs  fícâraó  admirados  da  eloquécia  do  Phi- 
loíopho,  dos  quaes  alguns  fe  chegarão  a  Annibal, 
te  lhe  perguntarão  que  lhe  parecia  aquella  liçáoi 
clle  refpondeo.  Jà  vi  muy  tos  velhos  doudos ,  mas 
nenhum  mais  que  eílc.  Outros  tachão  a  Annibal 
de  alpcro,  &  cruel  em  trattar  tão  mal  com  efta  re- 
porta a  hum  homem,que  fóporagazalhar,  ôcfeí- 
tciarna  fua  elcolajdeyxadaafua  lição  de  Philolo 
phia,  quiz  trattar  de  coufas  de  guerra,  quem  nun- 
ca íe  achara  nella,  &  com  tudo  vemos,quc  fcus  li- 
vros laó  muyto  cflimados.  E  aíTím  le  pinta  Cefar 
com  hum  livro  cm  huujamão,  &  com  aefpadana 
ourra,com  huma  letra  que  diz.  Ex  ttírfl<y«í,quc  quer 
dizerde  ambos:  como  fe  diílèra, que  fuás  vittorias, 
6v  boas  fortunas  na  guerra  lhe  havião  procedido 
da  lição  dos  livros,&  da  deftreza  de  fua  elpada.  Ao 
que  le  pòdc  também  alludir  o  que  cícrcvc  Home- 
ro na  Ilíada, qu£  para  Menciao,Sc  Agamenâo  man- 
dar efpias  ao  campo  dos  Troyanos  ,  conlultâvâo 
primcyro  Ncílor  varão  de  grande  experiência,  6C 

confclho. 


\ 


confclho.  E  da  melma  mancyra  todas  as  vezes  que 
Ulyfles  fazia  alguma  CDofi  íínalada,levava  era  lua 

Vcj. 


[709  óob 


Mmm 

êc  outt«sobi:íisfii«3sc>ijToftrÃQíi  >E^né*i^uííJeíbui- 
milhe  tanto.nem  por  iflo  deyxade  acreditar  os  có- 
iclhos  que  tem  dado  aaíci^Rey:  dizendo  que  nellc 
concertem  todas  âs  partes  4e  que  po^^faJiir  hmn 
bom  co^SftWBSãTOWil^ 
perienci<fiíè'tiò%^aèè^>iííí""êí^fôBi^^^ò  àí  vWi. 
de  de  lervir  o  JtétfJRfey^t^ViíiO^^WllitW  ll®^ím«^ 

, Jfd 

«inç)Ci]lri<ia4ftj6a-4iÍ4ía.;  ."^  4i?^li?ç#ií?M?bqr§T 

fDÒytíabo*pQiWÍj6;Çqf'l<FÍ|i^»^fyfí3?(Ç6>"?ft"f^d^ 
©«rpditiirqúc/ílfíí^jag^j  ^ÍIiÍ^^^YrÍ  c.^,  ^.W^>*l  ^R-j 
lBaiM>s^.iíei3i^>quç,j¥^iíjK9  fei^\ríç^çw  y^lqrjpiljçjirí^ 
^ífaduOidi^píPffi^]  ,r,qf*í^l!Í4^^P§iíí»êí??s<lp,,^^e^ 

-nun  rnoup  ^Êinrj^^b  íelíjoo  ob-iniiRit  ,\r(ip  «F-irí'-} 
-ií  f.{3i\  3rjp,í>onn!>'>  obtjí  moD  >^  ,R((9n  ÊifidDK  'jl  rj 
ItbO  Êiniq  3l  mrFin  jf  .»obR.-nf  fl*)  ol-.Mjrn  òêí  íotv 
trt&bcql3  E  rnoD  >2»  ,onfn  Kiuud  mooivil  _ 
•jaupaijpj-iiw^íjt^w  xH.sibaijp  ntnl  i5  nurl  rní 
,8;?holiiv  ziíui  3ijp,f5i3^ltb  6\  omoD  :?ocJfnt 
©biba^onq  oàivur!  adi  Ê-naijjj  nn  zcniino)  2Borj  >5 
òA  .RbRqb  eij)  3b  íx^ifl-jb  cb  >r5,2mv(í  ?oh  ok-jII  sb 
>3rnoH  ava ob  3íjp  o  nbulíft  mad/ncí  sboq  aí  oup 
-ncmofinamcg^  ■JÃ.oRhnif/  ftií:qsijp,fibiirfí  nn  nt 
0£7EjIi;lno3  ^  zonRyoiT  ?ob  oqmfta  oi:  aeiq")^  (fib 
35  ♦r>ijnji-i3qx;3  abrií^iâ  30  o£  uv  loiiaVi  oi'(3raaq 


Tl  OÊÍ  íOfV 


ciando :  mayormente  quando  conílderava  a  incli» 
nação  exceliented^tí.^l^ey,  a  que  chama  divma 

por  enj  lua.  peflVa WncoiVér^TOSíS  n^^ 

des,  ^ií^^èí^TO^^c^l^ále^feH^V^ 

palhadas.         «.^c^^^^^^v^V-»^  "^K"^*  xs.Yo-aíu;\'^  ^í«.\5 

!«eg>aíO(qéfc#tónçbíeffl<àS'n0^GiiOtft5.§íi5tiííamp9Ãdff 

jAwp&UtíajíôQ  jaqíyfíftRf>apos-dfi'AfraçÃ;çQefc  i«i=4  ^ 
fíduáâ  líotiklM@aiiip8r|cjç«Ur  :4ejJft^V9ta\èfcíçRfWiWí' 
doD op  5iX>ai)ti«)ii«5fettt,v5í.7(Spís4ar^oc£r$^ .[IdJiidanít 
iâôíiCi  01  r,^^;dft  ihàa  ip*ritjç  ide;,  Àlr  ij^,(?hfldiívdíi  i&Qfr 
èfcniiílAQ  Wib<^séaJ>)ççft^;R?yfiPfidiÇ(ÇjJÍft^;B^«ig 
Éíiieí  i  m  ]  3  ó^  oi  C&nXf^iiY^n  feuiate^,  (^€iÀf fcies  »fi<to 
fe  pKiílôÔííieftejlug^ÇjTf i>íi^jnç,  porlAer WWÍÉC) 

HfibojejXrw  din&efewT}a^íntty(ÇQ  ílQpwlota.xíidadc; 
í4JLisld^but5i(j|»qweííí©f)fU!gi4r  foe^áp  osbXafjiPS^icí 
cWí  Ãgftm  thflifí^efcdeff  fíilQídís  t  /jir  a^^©^  erar  fk  t>v  d* 
Berberia,como  fizeráo.Dí /íjí^f  ^^j4/ç«íarfVíAiílif 
ta  de  Achillcs  f  oy  ter  a  Homero  por  pregoeyro  de 
íuas  obrasrao  qual  por^íle^  relpeyto  tinha  Alexã- 
dre  Magfto\íjív(6J*'í^>n*S)^íxOB*ef5TÍío^^^ 
O  que  o.ÇwS^%  €fiftsPo<:WHSíJbç»s|íWí^^ii'Íji  tia 

cm  que  El-Rey  Rpç^-i^b^íH^iíJA^M^l^íAíífSç 
Africa  &qu^ç^^^l^^^^^^^^^ 
Jcrias.ío  clle  (cria  neeeiian(y,cc.rQcíelcreveria  lua 
hiftoria,  c^%^^4^èâ^|tò¥^^tó^^ 
Homcroi^)i?í>bv"éè'^dèmfiftI^^í^^ílWélí.1W 
ceriaó  fuás  obíaí lô^&èlTdt#tô^fq)3^1fc?í^<i  là^Ã 
Alexandt^&«UewiWf^aijft>\HcOT«nEÍ^^ 
taflb.Ifto  que  o  Poeta  aqui  diz  ue  *  Afiicaihe  ptlo 
que  na  terra  corria  da  jyrjiada  d^El  Rey  Dom  Sc» 
baftiativ.O  noílo  Poeta  íio'tempo,ejii  queiucçoké 
aqiM!èWífèíl^^W^\:itocfaWal^i^^^ 
êIÍIèí•Mà:'^i^%e<ViVccí^\5y^^tétò|)ò:'N^Í^^ 
nhor  lhe  t(jRh»l8i,itimâV»  gkíir  Atfaeflw  a^  /í.^^^\5^ 
:%\»«i«\Wi'iX\^n"ò^Wi  <i\\viy'  s»\^v\\s»  iv^lA 

ariJíftoH  20  !)bnDJno  eoviv  lo^l  .híu^í^"»:^^  i»(^U<ím^  i» 
-U'iM  sáTlsòe]  omoD  ,  CTtíUg  rna  ò^br;.';  3np  inoj 
*nl  rb  23ncq  ^^^)  2oi3uo 3S  ,  BoiílA  sb  r/Iod  «b  aot 

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I 


A  S 


DO    GRANDE       ^ 

luís  de  CAMÕES 

PRIMEYRA  PARTE 


SONETO    T,    j-^'  -'*-/ 

EM  quanto  quiz  Fortuna,  que  tivcííe 
Efperança  de  algum  contentamento, 
Ogoftodchum  íuave  pcnía mento. 
Me  fez^  que  feuseffeytos  efcrcveíTe, 

Porém  temendo  Amor,  qu3  avífo  déííe 
Minha  eícrif  ura  a  algum  juizo  izento, 
Efcureceome  o  engenho  CO  tormento, 
para  que  feus  enganos  nam  diccíTc', 

O  vós,  qu*  Amor  obriga  a  fcr  íugeyCos 
A diverías  vontades,  quando  lerdes 
N um  breve  livro  cafos  tam  di veríosi 

Verdades  puras  faô,  Sc  naõ  defeytoSi 
E  fabcy,  que  fegundooamor  tiverdes, 
Tereis  o  entendimento  de  meus  veríos. 

SONETO    II. 

EUcantarey  d'amor  tam  doremenre, 
Por  hús  termos  cm  (1  tam  concertados, 
Que  dous  mil  accidentcs  namorados, 
Faça  fcntir  ao  peyto,  que  mó  íente. 

Faiey  qu'amora  todos  avivente, 
Fintando  mil  fegredos  delicados, 
Brandas  iras,  fufpiros  magoados, 
Temeroíaouladia,  &  pena  aufente. 

Também.  Senhorai  dodefprezo  honeílo 
Devoíía  vifta  branda,  &  ngurofa, 
Contentarm'hey  dizendo  a  menos patte. 

Porém  para  cancar  de  voíTo  geílo, 
A  compofição  alta,  &  mxlagroía, 
Aqui  falta  íaber,  engenho,  &  arte. 

I.  Part. 


^?-./ 


SONETO     III. 


COm  grandes  eíperanças  já  cantcy, 
Cõ  q  os  Deofes  no  Olimpo  cõquiílirâ 
Depois  vim  a  chorar,  porque  cantara, 
E  agora  choro  já^  porque  chorey. 

Se  cuydo  nas  paíTadas,  que  já  dey^ 
Cuílameelia  lembranç^íó  tiim  cara, 
Qu*a  dor  de  ver  as  magoas, que  paííára^ 
Tenho  pela  mòr  magoa»  que  paíTcy. 

Pois  logo,  eíH  claro,  que  hum  tormento^ 
Dá  caufa  que  outro  n*alma  feacrecente, 
Jà  nunqua  podo  ter  concencamcnto. 

Mas  efta  fanrafia  íè  me  mente  ? 
Oh  ocioío.  &  cego  peníamento^ 
Ainda  eu  imagino  em  íer  contente? 

SONETO    IV. 

DEfpois  que  quis  Amor,  q  eu  íó  paflaíTe 
Quanro  mal  já  por  muy  tos  repartio, 
Entrcgoume afortuna,  porque  vio, 
Quenaó  tinha  mais  mal,  q  em  mi  moílraííe, 

Ella  porque  do  amor  íeavantcjaíTe 
No  tormento,  quf  o  Ceo  me  pcrmitio, 
O  que  para  oinguem  feconfencio, 
Para  mi  Í6  mandou  que  fe  inventaflc. 

Eifme  aqui  vou  com  vario  íom  gritando 
Copiofo  exempla  rio  para  a  gente, 
Qlic  dcftcs  dous  tyranos  hc  íugcyra; 

Deívarios  em  veríos  concerta ndoj 
TrirtCj  quem  feu  delcanço  tanio  eítreyta, 
Quedeíteram  pequeno  eílà  contente, 

A  SO- 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões. 


.      SONETO     V. 

EMprífoésbayxâsfuy  hú  tempo  acado, 
Vergonhafo  caftigo  de  meus  erros, 
Inda  agora  arrojando  levo  os  ferros, 
Qiie  amor  á  meu  peíar  tem  já  quebrado. 

Sâcrifiquey  a  vida  á  meu  euydado. 
Que  amor  naó  quer  cordeyros,  né  bezerros  : 
Vi  magoas,  vi  milerias,  vi  deilcíros, 
Parecemc  que  eftaya  alH  ordenado. 

Comenceymeconi  pouco,  conhecendo, 
Qiic  eia  o  contentamento  ver  gonhofo, 
Sò  por  v^fi  queeoufaera  viver  ledo, 

Mas  minha  eítrella,  q  eu  jà  agora  entédo, 
A  morre  cega,  &  caio  duvidoío, 
Mc  íizerão  de  gottos  haver  medo. 


SONETO    VIII. 

AMor,q  o  gcfta  humano  n*aima  cfcreve 
Vivas  faifcas  me  moílrou  hum  dia. 
Donde  hum  puro  criftal  fe derretia 
Por  entre  vivas  roías,  &  alva  neve. 

A  vifta  quccm  fi  mefma  naõ  íe  atreve. 
Por  fe  cer  tifícar  do  que  alh  via, 
Foy  convertida  em  fonte,  que  fazia 
A  dor  ao  íbfrimento  doce,&  leve, 

Jura  amcr,  que  brandiwa  de  vontade, 
Cauía  o  primeyro  eflPcyto,  o  penfamcnto 
Endoudece,  te  cuida  qoe  be  verdade:, 

Olhay  como  amor  gera  num  momento. 
De  lagrimas  dehonefta  piedade. 
Lagrimas  de  in>mortal  contentamento. 


SONETO     VI. 


^ 


SONETO    IX. 


I 


ILluftrer^  dino  ramo  dos  Meneies, 
Aos  quaes  o  prudente,  &  largo  Ceo, 
fO^ic  errar  naõ  íabe)em  doteconctdco 
Ronipefe  os  Mahometicos  arncfes. 

Deíprcfando  a  Fortuna,  &  feus  revefes. 
Ide  para  onde  o  Fado  vos  moveo, 
Erguey  flamas  no  mar  alto  Erithreo; 
E  íereis  nova  luz  aos  Portuguefes, 

Oprimi  com  tam  firme,  &  forte  pcyto 
O  pirata  infolente,  que  íc  eípante, 
E  trema  Taprobana  ,  &  Gedrolia, 

Day  nova  cauía  à  cor  do  Arábio  cílreyto, 
Afll,  que  o  roxo  mar  daqui  em  diante 
O  feja,  ÍÓGOfanguedc  Turquia. 

.íSO  NETO    Vil 

^^  o  tempo,  que  de  amor  viver  fohia, 
S  Ncfépre  andava  ao  remo  ferrolhado. 
Antes  agora  livre,  agora  atado 
Em  varias  flamas  variamente  ardia 

QueardeíTe  num  fó  fogo  naó  queria» 
O  Ceo,  porque  ti  vefle  exprimentado. 
Que  nem  mudar  as  caufas  ao  cuydcido, 
Mundança  na  ventura  me  faria. 

E  fe  algum  f  ouço  tempo  andava  izento, 
Fuy  comaque  n  co  pefo  deícaníou. 
Por  tornar  a  canfar  com  mais  alento. 

Louvado  íeja  amor  cm  meu  tormento. 
Pois  para  p^íTa tempo  feu  tomou 
Efte  meu  tam  canfadoíofrimento. 


TAntode  meu  cftado  me  acho  incerto, 
Que  cm  vivo  ardor  trcmédo  cftou  d* frio, 
Sem  caufa  juntamente  choro, &  no, 
O  rrundo  todo  abarco,  &  nada  aperto, 

He  tudo  quinto  llnto  hum  deíconcerto, 
D'almahum  fogomelae^da  vifta  hum  rio, 
Agora  efpero,  agora  deíconfio. 
Agora  defvario^  agora  aceito. 

Efíando  em  tcira  chego  ao  Ceo  voando, 
Num*nora  acho  mil  annos,  &  de  geyto. 
Que  em  mil  annos  naó  poíío  achar  hú  hora. 

Se  me  pregunta  alguém  porque  aíli  ando? 
Refpondo,  que  naõ  ícy>  potèm  fuípeyto, 
Que  íó  porque  vos  vi,  minha  fenhora, 

SONETO     X. 

TRãsformafeoamador  na  coufa  amada. 
Por  virtude  do  muy  to  imaginar, 
Naõ  tenho  logo  mais,  que  deíejar. 
Pois  em  mi  tenho  a  parte  defejada. 

Senclla  eftà  minha  alma  transformada, 
Qiiemaisdcreja  o  corpo  de  alcançar? 
Em  fi  fomente  pôde  deícanfar, 
Pois  configo  tal  alma  eftá  liada. 

Maseíta  linda, &  pura  femidéa/ 
Que  como  o  accidente  em  feu  íugeyto, 
Aííi  com  a  alma  minha  fe  conforma: 

Eftà  no  penfamento  como  idéa, 
E  o  vivo,éi  puro  amor,  de  que  íou  feyto. 
Como  matéria  íimples  bufca  a  forma. 


II 


Rimas  do  Grande  Luis  de  CamSes, 
SONETO    XI.  SONETO    XIV. 


PAíTo  por  meus  trabalhos  caó  izento. 
De  íentimento  grande^  nem  pequeno» 
Que  (ò  pola  vontade^  com  que  peno, 
Me  fica  amor  devendo  mais  tormento, 

Mas  vayme  amor  matando  taõ  atento, 
Temperando  a  triaga,  co  veneno, 
Quedo  penara  ordem  defornedo, 
Porque  naõ  moconfenteofofrimento. 

Forem  fe  efta  fineza  o  amor  fente, 
E  pagarme  meu  mal  com  mal  pretende, 
Torname  cò  prazer  como  ao  Sol  neve; 

Mas  fe  me  vè  cos  males  taó  contente, 
Fazfe  avaro  da  pena,  porque  entende. 
Que  quanto  mais  me  paga,  mais  me  deve, 

SONETO    XII. 

M  flor  vos  arrancou, de  encaó  crefcida, 
Ah  fenhor  Dom  António,  aduraíorte» 
Donde  fazendo  andava  o  braço  forte, 
A  Fama  dos  antigos  efquecida, 

Húa  fó  razaó  tenho  conhecida^ 
Com  que  tamanha  magoa  fe  conforte. 
Que  pois  no  mundo  havia  honrada  morte, 
Que  naó  podíeis  ter  .mais  larga  vida. 

Se  meus  humildes  verfos  podem  tanto. 
Que  co  defejo  meu  fe  iguale  a  arte, 
Efpecial  matéria  me  fereis, 

E  celebrado  em  trifte,  &  longo  cantoi 
Se  morreftes  nas  mãos  do  fero  Marte, 
Na  memoria  das  gentes  vivireis, 

SONETO    XIIÍ. 

N  Um  jardim  adornado  de  verdura, 
A  queeímaltaõ  porcima  varias  flores 
Entrou  hum  dia  a  Deofa  dos  amores 
Com  a  Deofa  da  caça,  &  da  eípeíTura, 

Diana  tomou  logo  húa  Roía  pura, 
Vénus  hum  roxo  Lirio  dos  melhores. 
Mas  cxcediaó  muyto  ás  outras  flores. 
As  Violas  na  graça,  &  fermofura, 

Perguntaõ  a  Cupido,  que  alli  eftava, 
Qual  d'aqucllas  trcs  flores  tomaria. 
Por  mais  fuave,  pura,  &  omís  termofa? 

Sorrindofe  o  minino  lhes  tornava, 
Todas  termofas  faó,  mas  cu  queria 
Viola  antes,  que  Lu io,  nem  que  Rofa, 

I.Parr. 


TOdo  animal  da  calma  repouíava, 
Sò  Lifo  o  ardor  delia  naó  ícntia, 
Que  o  repouío  do  fogo,em  que  elle  ardia, 
Confiília  na  Ninfa, que  bufcava. 

Os  montes  parecia,  que  abalava 
O  triíte  íom  das  magoas,  que  dizia, 
Mas  nada  o  duro  pey  to  commovia, 
Que  na  vontade  d'outre£a  porto  eftava. 

Canfado  j à  de  andar  pola  efpen'ura. 
No  tronco  de  húa  faya,  por  lembrança, 
Efcreve  eftas  palavras  de  trifteza, 

Nunqua  ponha  ninguém  íua  efperança. 
Em  peyto  feminil,  que  de  natura 
Somente  em  fer  mudável  tem  firmeza. 

SONETO    XV* 

BUÍq  Amor  novas  artes,&novo  engenho 
Para  matarme,  ôc  novas efquivanças. 
Que  naõ  pode  tirarme,  as  efperanças. 
Pois  mal  me  tirará,  o  que  eu  naõ  tenho. 

Qlhay  de  que  efperanças  me  mantenho, 
Vede  que  perígofas  feguranças, 
Qiie  naõ  temo  conítraítes,  nem  mudanças. 
Andando  em  bravo  mar,  perdido  o  lenho. 

Masco  quanto  naõ  pode  haver  deígoílo. 
Onde  efperança  falta,  lá  mo  efconde 
Amor  num  mal,  que  mata,  &  naõ  íe  vé. 

Que  dias  ha  que  n'alma  me  tem  poílo, 
Hum  naó  íey  quCj  que  nafce^  naõ  fey  donde. 
Vem,  naó  íey  como^  &  doe,  naõ  íey  porque, 

SONETO    XVI. 

QUem  vé,  fenhora,  claro,  &  manifefto 
O  lindo  fer  de  voíTos  olhos  bellos, 
Senaó  perde  aviíla  fó  em  vellos. 
Já  naõ  paga,  o  que  deve  a  voíTo  geílo. 

Eíle  me  parecia  preço  honeílo, 
Mas  cu  porde  ventagem  merecellos, 
Dcy  mais  a  vida,  &  alma  por  querellos. 
Donde  jà  me  fica  mais  de  refto. 

Afii  que  a  vida^  &  alma,  &  efperança, 
E  tudo  quanto  cenho,  tudo  hevoíTo, 
E  o  provey  to  diíTo  eu  fó  o  levo: 

Porque  he  tamanha  bemaventurança, 
O  darvos  quanto  tenho,  &  quanto  poflb, 
Qiie  quanto  mais  vos  pago,  mais  vos  devo." 
Aíi  SO- 


4^ 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões, 
SONETO    XVH.  SONETO    XX. 


QUando  da  bella  viíla,  Sc  doce  rifo 
Tomado  eftaó  meus  olhos  mãtiméto^ 
Tao  enlevado  finco  o  peníamcnto, 
Que  me  faz  ver  na  terra  o  paraizo. 

Tanto  do  bem  humano  eítou  divifo, 
Que  quaquer  outro  bem  julgo  por  vento, . 
Aíli  que  em  caio  tal,  fegundo  fentoi 
Alíazde  pouco  faz,quem  perde  o  íizo, 

Em  vos  louvar  fenhora,  naõ  me  fundo, 
Porque  quemyoíTas  coufas  claro  íentc. 
Sentirá  que  naó  pôde  conhecellâs. 

Que  de  tanta  eftranheza  íois  ao  mundo, 
Que  não  he  de  eftranhar.,  dama  excelétej 
Que,  quem  vos  fez,  fizefle  Ceo^  &  Eílrellas. 

SONETO     XVllI. 

D  Oces  lembranças  da  paíTada  gloria^ 
Qiie  me  tirou  Foruna  roubidora, 
Deyxaymerepoufarem  paz  húahora 
Que  comigo  ganhais  pouca  vitoria. 

ImpreíTa  tenho  n'alma  larga  hiítoria 
DeflTe  paííado  bem,  que  nunqua  fora , 
Qu  fora^  &  naõ  paíTára  mas  já  agora 
Èm  mi  naõ  pode  haver  mais  que  a  memoria. 

Vivo  em  lembrãças,  morro  de  cíquecidoí 
De  quem  íempre  devera  íer  lembrado, 
Se  lhe  lenâbràra  eíladotaô  contente. 

Oh  quem  tornar  pudera  a  fer  nafcido ! 
Souberamc  lograr  do  bem  paíTado, 
^e  conhecer  foubera  o  mal  preíente, 

SONETO    XIX. 

\    Lma  minha  gentil^  que  te  partifte 
Jr\,  Tam  cedo  defta  vida  defcontente, 
Repouta  là  no  Cco eternamente, 
E  viva  eu  cà  na  terra  fempre  triíte. 

Se  lano  aíícntoethereo,ondc  fubifte^ 
Memoria  defta  vida  feconfente, 
N?íô  te  efqueças  d*aquelle  amor  ardente. 
Que  jà  nos  olhos  meus  taó  puro  vifte. 

E  íe  vires,  que  pôde  merecer  te 
Algua  couía  a  dor,  que  me  ficou 
Da  magoaífem  remédio  de  perderte ; 

Rogç^aDeoSj  que  teus  annos  encurtod, 
Que  taiõ  cedo  de  cà  me  leve  a  verte, 
Quam  cedo  de  meus  olhos  te  levou. 


NUm  bofque,  q  das  N  infas  fe  habitava, 
•  Sybila  Nmfa  linda  andava  hum  diaj 
E  fobida  n'uma  arvore  lombria. 
As  amarellas  flores  apanhava. 

Cupido,quealli  fempre  coftumava 
A  vir  paííar  a  fetta  à  íombra  fria, 
N  um  ramo  o  arco,&  fetas,  que  trazia,        )i 
Antes,  qne  adormccefle  pendurava, 

A  Ninfa,  como  idóneo  tempo  vira^ 
Para  tamanha  empreza,  naõ  dilata,  B 

Mas  com  as  armas  toge  ao  mo(,'0  cíquívo. 

Asfetas  traz  nos  olhos,  com  que  tira, 
Oh  paftores  fugi,  que  a  todos  mata, 
Scnaó  a  mi,  que  de  matarme  vivo. 


SONETO     XXL 


O^ 


S  Reynos,  &  os  Impérios  poderofos^ 

Que  em  gradeia  no  mudo  mais  creíceraõ, 
Ou  por  valor  de  esforço  florecèraó. 
Ou  por  ví^rões  nas  letras  elpantofcs.  j 

í  eve  Grécia  Thcmillocles  famoíbs. 
Os  Scipiocsa  Koma  engrandecerão. 
Doze  pares  a  França  gloria  deraõ, 
Cidtb  a  Eípanha,&  Laras  bellicofos. 

Ao  noflb  Portugal  (que  agora  vemos 
Tam  differentede  leu  ler  pmr-eyro} 
Os  voílosdcraó  honra,  &  liberdade. 

E  em  vòs  graõ  fuceílor ,  &  novo  erdeyro, 
DoBragançaõ  eftadohamil  eitremos, 
Iguais  ao  íangue,ôc  mores,  que  a  idade. 

SONETO    XXII. 

(dança, 

DE  vós  me  âparto,6  vida,  &  em  tal  mu- 
Sinto  vivo  da  morte  o  íentimento, 
Naõ  ley  para  que  he  ter  contentamento. 
Se  mais  ha  de  perder,  quem  mais  alcança. 

Mas  douvos  efta  firme  fegurança, 
Que  pofto  que  me  mate  meu  tormento, 
Polas  agoas  de  eterno  eíquecimcnto, 
Segura  paílarà  minha  lembrança. 

Antes  íem  vós  meus  olhos  leentrifteção, 
Que  com  qualquer  couía  outra  fe  cõtencemj 
Antes  os  eíqucçais,  que  vos  cfqueçáo. 

Antes  neha  lembrança  (c  atormentem^ 
Que  com  eíquecimcnto  deímereçáo 
A  gloria,  que  cm  foírcr  lal  penalentem. 

SO^ 


I 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões^  i^ 

SONETO    XXIII  SONETO    XXVI.      ^ 


Ara  minha  inimiga  em  cuja  «laõ 
_j  Poz  meus  contentamentos  a  ventura, 
'altouteati  na  terra  fepultura, 
'orquc  me  faltea  rni  coníolaçáo. 
Eternamente  as  agoas  lograrão, 
tua  peregrina  formofura. 
Ias  cm  quanto  me  a  mi  a  vida  dura, 
íempre  viva  em  mmh^alma  te  acharáó, 
E  fe  meus  rudos  veríos  f  òdem  tanto, 
^  |ue  polTaõ  prcmetcrte  longa  hiftoria, 
.Daquclle  amor  taó  puro,&  verdadeyro  : 
Celebrada  feras  lempre  em  meu  caoto, 
'orq  em  quanto  no  mundo ouver  memoria, 
lerá  minha  cfcritura  teuktreyro. 

SONETO    XXIV. 

Qiiclla  triftc,  6c  leda  madrugada, 
.Chca  roda  de  magoa,  &  de  piedade, 
.m  quanto  cuver  no  mundo  íaudade 
[ueroquefeja  íempre  celebrada^ 
Ella  lo  quando  amena, &  marchetada 
Jahia  dando  ao  mundo  claridade, 
io  apartaríe  de  húa  outra  vontade, 
le  nunca  poderá  veríe  apartada. 
ElUíó  vio  as  lagrimas  em  fio, 
kiede  huns^ôc  de  outros  olhos  dírivadas, 
Jeacrefcentaóem  grande,  ôclargo  no, 
Ella  vio  as  palavras  magoadas, 
jQue  puderaõ  tornar  o  fogo  frio, 
dardeícan^o  ás  almas  condenadas, 

SONETO    XXV. 

SE  quando  vos  perdi  minha  eíperança, 
A  memoria  perdera  juntamente, 
Do  doce  bem  paífadojgc  mal  prefente, 
Pouco ftntira  adorjdetal  mudança: 

Mas  amor,  em  quem  tinha  conFi*ança, 
Mereprefenra  nriuy  miudamente, 
Quantas  vezes  me  vi  ledo,  &  contente^ 
Por  me  tirar  a  vida  cita  lembrança. 

Decoufas,  de  que  naó  havia  final, 
Porás  ter  poftas  jáemeíquccimento, 
Dcílas  me  vejo  agora  perieguido^ 

Ahduraeflrellaminhaiah  gramtorméto! 
Que  mal  pôde  fcr  mòr,  que  no  meu  mal 
Ter  lembrancja  db  bcm,que  he  já  perdido  > 


1"^  M  fermoía  Letheafe  confia, 
^  Por  onde  a  vaidade  tanto  alcança^ 
Que  tornada  em  íoberba  a  confiança, 
Com  os  Deofes  ccleftes  competia. 

Porque  naô  foííe  avante  a  oufadia 
CQue  naícem  muytos  erros  da  tardança); 
Em  effcytopuzeraõ  a  vingança, 
Que  tamanha  doudiçe  merecia. 

MasOleno  perdido  por  Lethea, 
Naò  lhe  fofrendo  amor,  que  íoportaíTe 
Caftigoduro  tanta  krmofura  y 

Quiz  padecerem  fia  pena aihea^ 
Mas  porque  a  morte  o  amor  naó  apartaíTcj 
Ambos  tornados  íaõ  em  pedra  dura. 

SONETO    XXVII. 

M  Ales,  que  contra  mi  vos  conjuraftes. 
Quanto  ha  de  durar  taó  duro  intéto  ? 
Se  dura  porque  dura  meu  tormento  ? 
Bi  ílevos  quanto  já  me  atcrmentaíles, 

Masfeaíli  porfiais^  porque  cuydaltes 
Derrubar  meu  taó  alto  penfamento, 
Mais  pôde  a  cauía  delle,  em  que  o  fuítento. 
Que  vós,  que  delia  irefmao  íertomaftes. 
E  pois  voflatençaó  com  minha  morte, 
Ha  de  acabar  o  míil  dcíles  amores^ 
Day  já  fim  a  tormento  taó  comprido  : 

Porque  de  ambos  contente  íeja  a  íorte. 
Vós,  porque  me  acabaítes,  vencedores, 
Eeu,  porque  acabey  de  vós  vencido. 

SONETO    XXVUí. 

EStaffc  a  Primavera  trasladando 
Emyofíavifta  deleytora,&  honefta. 
Nas  lindas  faces,  &  olhos,  boca,  &  tefta» 
Boninas,  Lírios,  Roías  dibuxando. 

De  lortcvoíTogéfto matizando, 
Natura  quanto  pôde  manifcíta. 
Que  o  monte,  o  campo^  o  rio,  &  a  floreAa, 
Se  cHaó  de  vós ,  fenhora  namorando. 

Se  agora  naó  quereis^  que  quem  vos  ama, 
Polia  colher  o  fruyto  defias  flores, 
Perder áõ  toda  a  graça  voflos  olhos : 

Porque  pouco  aprovcyta,  linda  dama, 
Que  femcaílc  amor  cm  vós  amores, 
Se  voíTa  condição  produze  abrolhos. 

SO- 


Rimas  do  Grande  Luis  [de  Camões. 
^      SONETO    XXIX.  SONETO    XXXII. 


SEte  annos  de  Paílor Jacob  ícrvía, 
Labão,  pay  de  Rachel^  ferrana  bella, 
Mas  naó  fervia  ao  pay,  fervia  a  ellai 
que  a  ella  fó  por  premio  pretendia, 

Os  dias  na  cfperança  de  hum  íó  dia 
Pa/íava,  contentandolecom  vellaj 
Porém  o  pay  ufando  decautella, 
Em  lugar  de  Rachel,  lhe  dava  Lya, 

Vendo  o  trifte  Paltor,  que  com  enganos 
Lhe  fora  aíli  negada  fua  Paftora, 
Como  íe  a  naó  tivera  merecida; 

Começa  defervir  outros  fcteannos_, 
DÍ2cndo»mais  íervira^  fenáo  fora 
Para  taõ  longo  amor  taõ  curta  a  vida, 

SONETO    XXX. 

EStà  o  lafcivo,  &  doce  PaíTarinho, 
Com  o  biquinho  as  peoas  ordenando, 
O  verfo  feni  medida^  alegre^  &  brando 
Expedindo  no  ruftico  raminho. 

O  cruel  caçador^  que  do  caminho 
Se  vem  calado,  &  manío,defviando. 
Na  pronta  vilta  a  fetacndereytando. 
Em  morte  lhe  converte  o  caro  ninho. 

Defta  arte  o  coração^  que  livre  andava 
(Pofto  que  jà  de  longe  deftinado^ 
Onde  menos  temiaj  foy  ferido. 

Porque  o  frecheyro  cego  sne  eíperava, 
Para  que  me  tomaíle  deícuydado^ 
Eni  voíTos  claros  olhos  cfcondido. 

SONETO    XXXí. 

1^  Edeo  defejoj  dama,  que  vos  veja, 
,     Naõ  entende,  o  q  pede,  eft  á  enganado, 
He  cfte  amor  tam  fíno^  &  taó  delgado, 
Que  quem  o  tem ^  naô  íabe,  o  que  deíeja. 

Naõ  ha  ahi  coufa^  a  qual  natural  feja^ 
Que  naõ  queyra  perpetuo  feu  eftado^ 
Naõ  quer  logo  o  dcftjoodefcjadOj 
Porque  naõ  falte  nunqua  onde  fobeja. 

Mas  efte  puro  aííefto  cm  mi  fe  dana. 
Que  como  a  grave  pedra  tem  por  arte, 
O  centr®  deíejar  da  natureza, 

Aííi  o  peníamcnto  pela  parte. 
Que  vay  tomar  de  mi  terreítc,  &  humana, 
Foy,  fcnhora,  pedir  cfta  bay  xeza. 


POrque  quereis,  fenhora,  que  oífereça 
A  vida  a  tanto  mal,  como  padeço* 
$e  vos  nafcedo  pouco,  que  mereço, 
Bem  por  nafccr  cftá,  quem  vos  mereça, 

Sabeyem  fim,  por  muyto,  que  vos  peça. 
Que  polfo  merecer,  quanio  vos  peço. 
Que  naó  confente  amor,  q  em  bayxo  preço, 
Tana  alto penfamento  íe  conheça. 

Aíli  que  a  paga  igual  de  minhas  dores. 
Com  nada  fcreítaura,  mas  devei(ma. 
Por  fcrcapaz  de  cantos  disfavores. 
E  fe  o  valor  de  voíTos  fervidores. 
Houver  de  íer  igual  com  voíco  mcfma. 
Vos  íó  com  vofco  meíma  anday  de  amores, 

SONETO     XXXIII. 

E  tanta  pena  tenho  merecida, 
Em  pago  de  íofrer  tantas  durezas, 
Provay,  fenhora,em  mi  volTas  cruezas, 
Qiie  aqui  tendes  húa  alma  oíFerecida, 

N  cila  efperi menta y,  fe  foij  fervida, 
Deíprezos,  disfavores,  ôcaíperezas, 
Qiie  mores  fofrimentos,  &  firmezas 
Suftentarcy  na  guerra  defta  vida. 

Más  contra  voíTos  olhos,  quaes  ferão? 
He  forçado,  que  tudo  fe  lhe  renda, 
Mas  porey  por  cfcudo  o  coração: 

Porque  em  taõ  dura^  &  afpera  contendi 
He  bem,  que  pois  naõ  acho  defenfaõ, 
Com  me  meter  nas  lanças  me  defenda»  ! 

SONETO    XXXIV.  l 

t, 

QUando  o  Sol  encuberto  vay  moftrãdo»  ;i 
Ao  mundo  a  luz  quieta,  &  duvidofa,  ^i 
Ao  longo  de  húa  praya  deleytofa. 
Vou  na  minha  inimiga  imaginando. 

Aqui  avi  os  cabellos  concertando, 
Alli  CO  a  mâo  na  face  tão  fermofa. 
Aqui  fallando alegre, alli cuydofa, 
Agora  eftando  queda,  agora  andando» 

Aqui  eileveaííentada,  alli  me  vio, 
Erguendo  aquelles olhos  cam  izentos. 
Aqui  movida  hum  pouco,  alli  (cgura, 

Aqui  fe  entrifteceo.  alli  íe  rio. 
Em  fim  neftes  canfados  pcnfamentos^ 
PaíToeíta  vida  vam,quefempredura. 

SO. 


Rimas  do  Grande  Lms  de  Camões, 


SONETO    XXXV. 

HTJm  mover  de  olhos  brado,  Sipiedofo 
Sem  ver  de  q,hii  riío  brãdo,&  honeílo, 
Quafi  forçado,hum  doce,&  humilde  gcílo 
De  qualquer  alegria  duvidoío. 

Hum  deípejo  quieto,&  vergonhofo. 
Hum  rcpoulo  graviílimo,  &  modefto, 
Húa  pura  bondade,  manifello 
Jndicio  d'alma,  limpaj&  graciofo. 

HuTi  encolhido  ouíar,  hua  brandura. 
Hum  medo  fem  ter  culpa,  hum  ar  íereno. 
Hum  longo,&obtídicnce  fotriraento: 

Efta  foy  a  celefte  fcrmofura 
Da  minha  Circe,  &  o  magico  veneno, 
Que  pádetiansíòrmar  meu  pcníamento. 

SONETO    XXXVI. 

Omoume  voíTa  vifta  íoberana, 
Adonde  tmha  as  armas  m^is  à  maõ^ 
^or  moftrar,  que  quem  buíca  defenfaó 
,oncra elíjs  bellos  olhos,  que  fe  encana. 
Por  ficar  da  vitoria  mais  ufana, 
>eyxoumc  armar  primeyro  da  razaõ  : 
)uydey  de  me  falvar,  mas  foy  em  vaõ, 
jue  concia  o  Ceo  naó  vai  defenía  humana. 
Mas  porém  fe  vos  tinha  prometido 
O  voíToalto  dcítinocíta  vitoria. 
Serves  tudo  btm  pouco  eftà  íabido  • 

Qj.ie  poilo  que  eftivefl^c  apercebido, 
Naó  levais  de  vencerme grande  gloi ia» 
Mayor  a  levo  eu  de  fer  vencido. 

SONETO     XXXVIL 

NAõ  pafles  caminhâfe,  que  me  chama? 
Húa  memoria  nova,6Í  nunca  ouvida, 
De  hum,que  trocou  finira^  &  humana  vida 
Por  divina,  infinita,  &  clara  Fama, 

Quem  he,que  taõ  gentil  louvor  derrama? 
Quem  derramar  feu  fangue  naó  duvida, 
Por  feguira  bandeyra  eíclareciia 
De  hum  capitão  de  Chnfto,  que  mais  ama. 

Ditoío  fim,  ditcfo  facrificio^ 
Que  a  Deos  íc  fez,&  ao  mundo  juntamente, 
Apregoando  direy  taó  alfa  forte. 

Mais  poderás  contar  a  toda  a  gente, 
Que  femprc  dto  fua  vida  claro  indicio, 
De  vir  a  meiecer  taõ  fanta  morte. 


SONETO     XXXVIII. 

FErmofos  olhos,  que  na  idade  nofTa 
Moftrais  do  Ceo  certiHimos  fma»s, 
be  quereis  conhecer  quanto  poílais, 
Olhaymea  mi,  quefoufeytura  voUa. 

Vacis,  que  de  viver  me  deíapoíía 
Aquelle  riío,  com  que  a  vida  dais. 
Vereis,  conno  de  amor  naô  quero  mais» 
Por  mais  que  o  tem  po  corra,&  o  dano  pofla, 

£  le  dentro  ncíta  alma  ver  quikrdes. 
Como  num  claro efpclho,  alh  vereis 
Também  a  voíTa  angélica,  &  fcrena : 

Mas  eu  cuydo,  que  fó  por  naó  me  verdes, 
Vervosem  mi,  lenhora,  naõ  quereis. 
Tanto  goft  o  levais  de  minha  puia. 

SONETO    XXXlX 

OFogo,quc  na  branda  cera  ardia. 
Vendo  o  rofto  gentil,  q  f  u  nalma  vejo 
Seacendeodeoutroto^o  dodtfejo. 
Por  alcançar  a  luz,  que  vence  o  dia. 

Como  dedous  ardores  íe  encendia. 
Da  grande  impaciência  fez  defpejo, 
E  remetendo  com  furor  íobejo. 
Vos  foy  beyjar  na  paite  onde  fe  via. 

Ditofa  aquella  flama,  que  fe  atreve 
Apagar  feus  ardores,6c  tormentos. 
Na  vifta,  de  que  o  mundo  temer  deve, 

NamoraÕfe,  fcnhora,  os  elementos. 
De  vòs,  &  queyma  o  fogo  aquella  neve, 
Que  queyma  corações,  6c  peníamcntos, 

SONETO    XL. 

A  Legres campos,  verdes  arvoredos, 
Claras^  &  frefcas  agoas  de  criftal. 
Que  em  vos  os  dibuxais  ao  natural, 
Difcorrcndo  da  altura  dos  rochedos. 

Silvertrcs  montes,  afperos  penedos, 
Compoítosem  concerto  dcfigual, 
Sabey,  que  fem  licença  de  meu  mal, 
Jà  não  podeis  fazer  meus  olhos  ledos. 

E  pois  me  já  não  vedes  como  viftes. 
Não  me  alegrem  verduras  ddeytoías. 
Nem  agoas,  que  correndo  alegres  /cm. 

Scmcítrcv  cm  vòs  lembranças  trules, 
Regandovos  com  Ingriraas  faudofas, 
£  nafceráó  fau  dades  de  meu  bem* 

SO. 


Rimas  do  Grande  Lu  is  de  Camêes. 


SONETO    XLI. 

QUantas  vezes  do  fuío  fe  efquecia 
Daliana  banhado  o  lindo  ieyo^ 
Tancas  vezes  de  hum  afpero  reccyo, 
Salceado  Laurenio  a  cor  perdia. 

Ella,  que  a  Silvio,  mais  que  a  íl  queria, 
Para  podelo  ver  não  tinha  meyo  : 
Ora  como  curará  o  mal  alheyo, 
Quem  o  Ccu  mal  taô  mal  curar  fabia  ? 

Elje,  que  vio  taô  claro  elta  verdade, 
Com  íoluços  di2ia(que  a  elpeííura 
Como  via  de  magoa  a  picdade^) 

Como  pôde  a  defordcm  da  natura 
Fazer  taó  diíferentes  na  vontade, 
A  quem  fez  taõ  conformes  na  ventura  ? 

SONETO    XLII. 

Lindo  fútil  trançado,  que  ficafte 
Em  penhor  do  remcdio,  que  mereço^ 
Se  íó  contigo,  vendoce,endoudeço. 
Que  fora  cos  cabellos,  que  aperraíte  ? 

Aquellas  tranças  de  ouro,  que  ligafle. 
Que  os  rayos  do  Sol  tem  em  pouco  preço, 
Naõ  fey,  íe  para  engano,  do  que  peço^ 
Se  íó  para  me  atar  os  defaraíVe, 

Lindo  trançado,em  mmhas  mãos  te  vejo, 
E  por  íatisfaçaó  de  minhas  dores, 
Como  quem  não  tem  outra, hey  de  tomarte, 

E  fe  naó  for  contente  meu  deíejo, 
Dirlhchey,que  nefta  regra  dos  amores, 
Pelo  todo  também  íe  toma  a  parte. 

SONETO     XLIII. 

OCiíne  quando  fente  íer  chegada 
A  hora,  que  põem  termo  a  (ua  vida, 
Muficacom  voz  alta,&  muy  fubida 
Levanta  pclapraya  inhabitada, 

Defeja  ter  a  vida  prolongada, 
Chorando  do  viver  a  delpcdida. 
Com  grande  faudade  da  partida, 
Celebra  o  trifte  fim  deita  jornada. 

Aííi,  minha  fcnhora,  quando  via 
O  triíte  fim,  que  dayaõ  meus  amores, 
Eftando  poíto  jà  no  cílrcmo  íio. 

Com  roaisi  fuave  canto,  &  armoaia 
Dcfcantey  pelos  voflosdisfavorcs» 
La  vueftrafalfa  fé,  y  cl  amor  mio. 


SONETO    XLIV. 

PElos  extremos  raros,  que  moílrou 
Em  faber  Palias,  Vénus  em  fermofa, 
Diana  cm  caíta,  Juno  cm  animofaj 
Africa,Europa,  &  Aíia,  as  adorou. 

Aquelle  fabcr  grande,  que  ajuntou 
Eípnto,  &  corpo  em  liga  generofa, 
Eira  mundana  ooachma  luitrofa. 
De  íó  quatro  Elementos  fabricou. 

Mas  mór  milagre  fez  a  natureza 
Em  vós,  ienhoras,  pondo  era  cada  hu3, 
O  que  por  todas  quatro  repartio, 

A  vos  feu  refplandor  deu  Sol,  &  Lua, 
A  vós  coro  viva  luz,  graça,  &  pureza. 
Ar,  Fogo,Terra,&  Agoa  vos  íèrvio, 

SONETO     XLV. 

TOmsva  Deliana  per  vingança 
Da  culpa  do  pallor,  que  canto  amava. 
Calar  coro  Gil  vaqucy  ro,  &  em  íi  vingava 
O  erro  alheyo,  &  pcríida  «rfquivança. 

A  difcriçáo  fcgura,  a  confiança. 
As  rofas,quc  leu  rofto  dibuxava, 
O  defcontcntarocnto  lhas  fecava, 
Qiietudo  muda  hua  aípcra  mudança. 

Gentil  planta  difpoíta  em  feca  terra, 
Lindo  fruy  to  de  dura  mam  colhido. 
Lembranças  d'outio amor,  &  íe  perjura; 

T  ornáraõ  verde  prado  em  dura  íerra, 
Interelle  enganofoj  amor  fingido, 
Fizcrão  dcíditofa  a  fermoíura. 

SONETO     XLVL 

GRam  tempo  ha  jaqfoubc  da  ventura, 
A  vida,  que  trc  tinha  dcftinada^ 
Que  a  longa  experiência  da  paíTada, 
Me  dava  claro  indicio  da  futura. 

Amor  fero,  cruel,  Fortuna cícura^ 
Bem  tendes  voífa  força  exprimentada, 
Aílolay^  deftruy,  naó  fique  nada, 
Vingayvosdcíla  vida,  que  indadura. 

Soube  amor  da  ventura,  que  a  naõ  tinhaj 
E  por  que  maig  fennffe  a  falta  delia. 
Deimagés  impoíiiveis  me  mantinha. 

Mas  vós,rcnhora»  pois  q  minha  eílrella 
Naó  foy  melhor,  vivey  ncila  alma  minha, 
Que  naõ  tem  a  Fortuna  poder  nclla. 

SOi 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões, 


í 


SONETO    XLVII. 

SE  algua  hora  em  vós  apiedadc, 
De  taó  longo  tormento  íe  fentira, 
Naó  confcncira  amor,  que  me  partira 
De  voíTos  olhos,  minha  íaudade. 

Aparteymcdcvós,  masavontade> 
Que  pelo  natural  n*alma  v©s  eira, 
ie  faz  crer, q uc  cft a  auícncia  he  de  mentira , 
[as  ainda  mal  porém,  porque  he  verdade. 
Irmchey,fcnhora,  &  ncfte  apartamento, 
Tomaràô  triftes  lagrimas  vingança 
jNos  olhos,  de  quem  foftes  mantimento: 

E  afli  darcy  vida  a  meu  tormento, 
Quccm  fim  me  achará  minha  lembrança 
íepultado  no  voflb  cfqiieciíncntOé 

SONETO    XLVIII. 

Como  fe  me  alonga  de  anno  em  anno 
A  peregrinação  canfadaminhal 
)omo  fe  encurta,  &  como  ao  fim  caminha 
Efte  meu  breve,  &vaódifcurfo  humano! 

Vayfe  gaitando  a  idade,  &  creíce  o  dano, 
^erdefeme  hum  remédio,  quemdatiqha, 
\t  por  experiência  fe  adivinha, 

ilquer  grade  efperáça  he  grande  engano. 
Corro  a  poz  eftc  bem,  que  oaõ  fe  alcança, 
Io  mcyo  do  caminho  me  fallece, 
lil  vezes  cayo,  &  pscrco  a  confiança  : 
;'   Quando  cUe  foge,  eu  tardo,  &  na  tardãça 
le  os  olhos  ergo  a  ver  fe  inda  aparece, 
)a  vifta  fe  me  perde,  &  da  cfpcrança, 

SONETO     XLim 

Empo  he  jà  que  minha  confiança 
Se  dcça  de  húa  falia  opinião, 
las  íe  amor  naõ  íc  rege  por  razaó, 
íaõ  poíTo  perder  logo  a  efperança: 
A  vida  íi,  que  húa  afpera  mudança 
Naó  dcyxa  viver  tanto  hum  coração, 
E  cu  na  morte  tenho  a  falvaçaó» 
Si,mas  quem  a  defcja  naó  a  alcança* 

Forçado  he  logo^  que  eu  efpere,&  viva, 
Ah  dura  ley  deamor,  que  naóconfente. 
Quietação  n'hua  alma,  que  hc  cativa. 

Se  hcy  de  viverem  fim  forçadamente. 
Para  que  quero  a  gloria  fugitiva, 
D'híia  cfpcrança  vãa,  que  me  atormenta  f 
I.Fart. 


SONETO    L. 


.jí^áô 


A  Mor,  coaeíperançâ  já  perdida^ 
Teulobcrano  tempío  vifitey. 
For  final  do  naufrágio,  que  pafiey. 
Em  lugar  dos  veítidos  puz  a  vida. 

Que  queres  mais  de  mi,que  deftryhidá 
Me  tensa  gloria  toda, que aícancey? 
Naó  cuydcsdeforçarme,quenaõícy 
Tomar  a  entrar  onde  naó  ha  fahida. 

Vés  aqui  alma,  vida,  &  cfpcrança, 
Difpojos  doces  de  meu  bem  paíTado, 
Em  quanto  quiz  aquella,  em  quem  eu  mòro^ 

Nella  podes  tomar  de  mi  vingança, 
E  fe  inda  naó  cftás  de  mi  vingado, 
Contentate  co  as  lagrimas,  que  choiOi 

SONETO    LL 

APollo,  &  as  nove  Mufas  deícantanddi 
Com  a  dourada  lyra  me  influyam 
Na  fuave  armooia,  que  faziaõ j 
Quando  tomcy  a  pena^ começando: 

Ditofo  feja  o  dia,  &  hera  quando 
Tam  delicados  olhos  me  fcrião, 
Ditofosos  fentidosj  que  fentiaó, 
Eftarfc  em  íeu  defejo  trafpaflando, 

Alll  cantava  ,  quando  amor  viroU 
A  roda  á  efperança,  que  corria, 
Tam  ligeyra,  que quaíi  era  invifivel, 

Con vcrtcoíeme  cm  noy te  o  c laro  diaj 
E  fe  algCia  efperança  me  ficou. 
Será  de  mayor  mal,  fe  for  poílivel. 

SONETO      UI. 

IEmbranças  faudofas,  fccuydais 
^  De  acabara  vida  nellc  cUado, 
Naó  vivo  com  meu  mal  tam  enganado^ 
Que  naó  efperc  delle  muyio  mais. 

De  muyto  longe  já  me  coftumais 
A  viver  de  algum  bem  defefperado, 
Jà  tenho  CO  a  Fortuna  concertado 
De  íofrer  os  trabalhos,  que  me  dais, 

Atada  ao  remo  tenho  a  pacienciai 
Para  quantos  defgoftos  der  a  vida. 
Cuyde  em  quanto  quizer  o  peníamcntô^ 

Que  pois  não  ha  ahi  outra  rcfifteneia. 
Para  tam  certa  queda  de  fubida, 
Apararlhchcy  debayxo  o  fefrimento. 

B  SO- 


to 


Rimas  do  Grande  Luis  de  €éímÔe$, 


SONETO    LIIL 

APartavafeNiíe  deMontanOj 
Em  cuja  alma  partindofe  ficava, 
Que  o  paílor  na  memória  a  dibuxava, 
Por  poder  luítentaríe  deíle  engano. 

Pelas  prayas  do  Indico  Occeanoi 
Sobre  o  curvo  cajado  fe  cncoílava, 
E  Oí  olhos  pelas  agoas  alongava,    . 
Que  pouco  fe  dohiaõ de fcu  dano^  siimol 

Pois  coai  tamanha  magoa,  5c  íaudadé 
(Dizia)  quizdeyxarmeacm  que  eu  moro, 
For  tcltemunhas  como  Ceo,&  Eítrellas: 

Mas  fe  em  vós  ondas  mora  piedade, 
Levay  também  as  lagrimas,  que  choro, 
Fois  aíll  fn«  levais  a  caufa  delias. 

SONETO     LlV. 

QUando  vejo,  que  meu  deftino  ordena^ 
Que  por  me  cxprimêrar  d'vôs  m'aparte, 
Deyxandodemeu  bem  taõ  grande  parte,  , 
Queamefma  culpa  fica  grave  pena. 

O  duro  distavor,que  me  condena. 
Quando  pela  memoria  fe  reparte, 
Endurece  os  fentidos  de  tal  arte. 
Que  a  dor  d'aurencia  fica  mais  pequena. 

Pois  como  pôde  fer,  que  na  mudança 
D'aquillo,  que  mais  quero,  cfté  raõ  fora, 
De  me  oaõ  apartar  também  da  vida. 

Eu  refrearey  taô  afpera  efquivança, 
Porque  mais  fentirey  partir,  fenhora, 
Sem  íencir  rauyto  a  pena  da  partida, 

SONETO    LV. 

DEpois  de  tantos  dias  mal  gadados, 
Depois  de  tátasnoytes  mal  dormidas, 
Dt^pois  de  tantas  lagrimas  vertidas, 
Tantos  íufpiros  vãos  vãmente  dados. 

Como  naô  foís  vòs  já  defengs  nados, 
Deícjos,  que  decoufas  efquecidas 
Quereis  remediar  mortaes  feridas, 
Que  amor  fez  fem  remedío,o  têpo,os  Fados? 

Se  naò  ti  vereis  já  experiência 
Pas  fem  razões  de  a  mor^  aquém  ferviftes, 
Fraqueza  fora  em  vós  a  refiltencia, 

Mas  pois  por  voífo  mal  íeus  males  viíles, 
Que  rempo  naó  cuiou,  nem  longa  aufencia, 
Quebemdelkefpciais  dcíejos  triítes? 


SONET^O     LVI. 

NAyadesvós^queos  rios  habitais, 
Que  os  íaudoíos  campos  vaõ  regando, 
De  meus  olhos  vereis  eftar  manando 
Outros,  que  qaafi  aos  voíTos  faó  iguais: 

Driades,  vós  que  as  fetas  atirais. 
Os  fugitivos  cervos  derribando, 
Outros  olhos  vereis,  que  triunfando, 
Derribaõ  corações,  que  valem  mais, 

Deyxay  logo  as  aljayas^  &  agoas  frias, 
E  vinde  Ninfas  minhas,  íc  quereis 
Saber  como  de  hus  olhos  naícem  magoaf. 

Vereis  como  fe  paífaó  em  vaõ,  os  dias 
Masnaó  vireis  em  yaó,  que  càachareis. 
Nos  feus  as  fetas,  &  nos  naeus  as  agoas. 

SONETO     LVII.    í 

MUdaôfe  os  tépos,mudaõfe  as  vótadcs 
Mudafe  o  íer,  mudaíe  a  confiança. 
Todo  mundo  he  compofto  de  mudança, 
Tomando  íempre  novas  qualidades. 

Continuamente  vemos  novidades, 
DiíFcrences  em  tudo  da  cfperança 
Do  malj  ficaó  as  magoas  da  lembrança, 
E  do  bera  (fe  algum  houve)  as  faudades.    ) 

O  tempo  cobre  o  chaõ  de  verde  roanto^ 
Que  jà  cuberto  foy  de  neve  fria, 
E  em  mi  converte  em  choro  o  doce  canto, 

E  a  fora  eí^e  mudarfc  cada  dia. 
Outra  mudança  faz  de  mór  efpanto. 
Que  naõ  fe  muda  já  como  fohia. 

SONETO    LVIII.  ' 

SE  as  penas,  có  q  amor  taó  mal  me  trats^ 
Quizer,  que  tanto  tempo  viva  delias. 
Que  veja  efcuro  o  lume  das  eft relias. 
Em  cuja  vifta  o  meu  fe  acende ,  &  mata» 

E  fe  o  tempo,  que  tudo  desbarata. 
Secar  as  frcfcas  roías  fem  colhcUas, 
Moftrandoa  linda  cor  das  tranças  bel laS| 
Mudada  de  ouro  finoem  branca  prata. 

Vereis,  fcnhora,  entaõ  também  mudado 
O  penfamento,  &  afpereza  vofla. 
Quando  naõ  firva  jâ  lua  mudança» 

Sufpirareis  cntaô  pelo  paíTado, 
Em  tempo,  quando  executar  íe  poíTa, 
Em  voíTo arrepender  minha  vingança. 

SO« 


fl 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Camoesl 


n 


SONETO     LIX.        7 

QUem  jaz  no  gram  fepulcro,  q  defcreve 
Tam  lUuftrts  Unais  no  forte  eícudo? 
Ninguetri,  que  niflo  em  fim  íe  torna  tudo. 
Mas  toy,  quem  tudo  podcj  &  tudo  teve. 

Foy  Rcy,fez  tudo  quanto  a  Rey  le  deve. 
Foz  na  guerra,  &  na  paz  devido  eltudo. 
Mas  quaõ  pelado  íoy  ao  Mouro  rudo. 
Tanto  lhe  feja  agora  a  terra  leve* 

Alexandre  ierà,  ningutmíe  engane, 
Que  íuftentar,  mais  que  adquirir  fc  eftimaj 
Será  Adriano  gram  fcnhor  do  mundo? 

Mais  observante  foy  da  ley  de  cima. 
HcNumar  Numanaõ,  mashejoanne, 
L)c  Portugal  Terceyr  o,  fem  íegundo. 

SONETO     LX. 

Uem  pôde  livre  ler,  gentil  fenhora, 
Vende  vos  com  juízo  íoflegado^ 
>c  o  minmo,  que  de  olhos  he  privado, 
4as  mininasídosvoíTos  olhos  mora? 

Alli  manda,  alli  reyna,  alli  namora, 
\\\\  vive  das  gentcsvenerado, 
)ue  o  VIVO  lume,  6c  o  rofto  delicado, 
Imagés  faõ  de  amor  em  cod'a  hora. 

Quem  vé,  q  ena  bráca  neve  nacem  roías^ 
Que  fios  crtlpos  de  ouro  vâo  cercando, 
be  por  entre  eíia  luza  villa  paíTa, 

Hás  rayos  de  ouro  vé,  que  as  duv  idofas 
Almas  eftao  no  peyto  traípaffando, 
AíTi  como  hum  crittalo  Sol  traípalla, 

SONETO     LXL 

C">  Omo  fizejfle,  Porcia,  tal  ferida, 
j  Foy  voluntária,  ou  foy  por  innocêcia  ? 
Mas  foy  tazer  amorcxperíenciaj 
Se  podia  fofrer  rírarme  a  vida, 

E  com  teu  próprio  íangue  te  convida 
A  naò  pores  à  vida  refjílencia? 
Andorae  coftumando  á  paciência, 
Porque  o  temor  a  morte  naõ  impida. 

Pois  porque  comes  logo  fogo  ardente. 
Se  a  ferro  te  coftumas?  porque  ordena 
Amor,  que  morra,  6c  pene  juntamente, 

E  tens  a  dor  do  ferro  por  pequena? 
St ,  que  a  dor  coftumada  naõ  fc  fente, 
E  eu  náo  quero  a  morte  fem  a  pena. 
J.Fart, 


SONETO     LXII.Í 

DE  taô  divino  acento,6c  voz  humana, 
De  taô  doces  palavras  peregrinas. 
Bem  ícy,  que  minhas  obras  naôíaodmas 
Que  o  rudo  engenho  meu  nriedeíu^gana. 

Mas  de  voflos  cfcritos  coríe,ík  mana 
Licor,que  vence  as  agoas  Cabalínas, 
E  com  vofco  do  Tejo  as  flores  finas, 
Faràõ  eovcjaàcopia  Mantuana. 

E  pois  a  vòs,  de  li  náo  íendo  avaras. 
As  filhas  de  Muemcfine  formola, 
Fartes  dadas  vos  tem  ao  mundo  caras : 

A  minha  Mula ,&  a  voíTa  taô  famofa. 
Ambas  pofTo  chamar  ao  mundo  raras, 
A  vofladcalta,  a  minha  de  envejola* 


SONETO     LXIII. 


j 


DEbayxo  defta  pedra  eftá  metido, 
Das  fanguinoías  armas  defcanlado* 
O  Capitão  ilíuftrcaífinalado^ 
Dom  P^ernandode  Gaftro  eíclarecido. 

Por  todo  o  Oriente  taò  temido, 
E  da  en  veja  da  Fama  taõ  cantado, 
Efte  pois  íó  agora  íepultado, 
Eftáaquijáem  terra  convertido, 

Alegrate^ò  guerreyra  Lufiiania, 
Por  efte  Viriato^  que  criafte, 
E  chora  o  perdido  eternamente. 

Exemplo  tonia  niílo  de  Dardania, 
Que fea  Roma  comelleaniquilafte. 
Nem  por  iílo  Cai tagoeftà contente» 

SONETO     LXIV. 

QUe  vençais  no  oriente  tantos  Reys, 
Que  de  novo  nos  deis  da  Índia  o  eAadoí 
Qiie  eícureçais  a  Fama,  que  ganhado 
Tinhaó  , os  que  a  ganharão  a  infiéis: 

Q_ue  do  tempo  tenhais  vencido  asleys 
Que  em  tudo  tm  fim  vêçaís,co  tépo  armado. 
Mais  he  vencer  na  pátria  deíarrradOj 
Os  monftruos,&  as  chimeras,quc  venceis : 

E  aíli  fobre  vencerdes  tanto  imigo, 
E  por  armas  fazer,que  fem  fegundo 
VolTo  nome  no  mundo  ouvido  fcja : 

O  que  vos  dà  mais  nome  inda  no  mundo, 
He  vencerdes^fenhor,  no  Reyno  amigo. 
Tantas  ingratidões,  taõ  grande  mvcja. 

Bi)  SO. 


ti 


Rimas  da  Grande  Lms  de  Carne f^ 


SONETO     LXVJ 

VO/Tos  olhos,  fenhora,  que  competem 
Co  Sol  em  fcrmoíura,  &  claridadci 
Enchem  os  meus  de  tal  Aiavidade, 
Qiie  cm  Iprimas  de  velos  fe  derretera. 

Mcusíentidos  vencidos  fefometem, 
Aíli  cegos  a  tanta  mageítade, 
E  da  trifte  prifaó  da  efcundade, 
Chcyosde  medo  poF  fugir  remetem. 

Mas  íe  nifto  me  vedes  por  acerto 
O  afpero  derprczo,  com  que  olhais. 
Torna  aeípertar  a  alma  enfraquecida. 

Oh  gentil  cura,  &  eftranho  dcfconcerto, 
Que  fará  o  favor ,  que  vos  naõ  dais, 
Quando  o  voíTo  deíprezo  torna  ávida? 


\ 


SONETO    LXVÍ. 


FOrmofura  do  Ceo,  a  nòs  deícida, 
Que  nenhum  coração  deyxas  izcnto. 
Satisfazendo  a  todo  penfamcnto, 
Sem  feres  de  nenhum  bem  entendida. 

Que  língua  pôde  haver  taó  atrevida. 
Que  tenha  de  louvarte  atrevimento, 
Pois  a  parte  mayor  do  entendimento, 
No  menos,  que  ena  ti  ha,  fe  vé  perdida. 

Se  teu  valor  contemplo,  a  melhor  parte 
VcndOj  que  abre  na  terra  hum  parailo, 
O  engenho  me  falta,  o  efprito  mingua  : 

Mas  o  que  mais  me  tolhe  inda  louvarte 
He,  que  quando  te  vejo,  perco  alingua,^ 
E  quando  te  naõ  vejo,  perco  o  fifo. 

SONETO    LXVIL 

12)  Oís  meus  olhos  naõ  caníaõ  de  chorar 
.    Tri ftezas,  que  naõ  canfaõ  de canfarme : 
Pois  naõ  abranda  o  fogo,  em  que  abrafarme 
Pôde,  quem  cuja  mais  pude  abrandar. 
Naõ  canfe  o  cego  amor  de  me  guiar, 
A  parte  donde  naõ  íayba  tornarme. 
Nem  deyxeo  mundotododeefcutarme. 
Em  quanto  me  a  voz  fraca  naõ  deyxar. 
E  íc  nos  montes,  rios,  ou  em  vales. 
Piedade  mora,  ou  dentro  mora  amor, 
Em  feras  aves  prantas,  pedras,  agoas. 

Ouçâo  a  longa  hiftoria  de  meus  males 
Efcutem  fua  dor,com  minha  dor, 
Que  grandes  magoas  podem  curar  magoas. 


\     SONETO    LXVIII. 

DAyme  hCia  ley,  Senhora,de  quercrvos, 
Que  aguarde  íopena  de  enojar  vos. 
Que  a  fé,  que  me  obriga  a  tanto  amar  vos, 
Fará,que  fique  em  ley  de  obedecer  vos. 

Tudo  me  defcndey,  fcnaô  íó  vervos, 
E  dentro  na  minh*alma  contemplarvos, 
Que  \Q  aíli  naõ  chegar  a  contentarvos. 
Ao  menos  que  chegue  aborrecervos. 

E  fe  cíTa  condição  cruel,  &  efquiva. 
Que  me  deis  ley  de  vida  naõ  confente, 
Dayma,  fenhora  jà,  leja  de  morte: 

Se  nem  eíTa  me  dais,  he  bem  que  viva,       J 
Sem  íaber  como  vivo,  triftcmente, 
Mas  contente  porem  de  minha  lorte. 

SONETO     LXIX. 

i 

11^  Erido  fem  ter  cura  perecia  ! 

'  O  forte,  &  duro  Tclepho  temido,  \ 

Por  aquelle,  que  na  agoa  foy  metido,  \ 

A  quem  ferro  nenhum  cortar  podia. 

AoApollineo  oráculo  pedia, 
Conielho  para  fer  rtftituidoj 
Rerpondeo,querornaíre  a  fer  ferido. 
Por  quem  o  jà  ferira,  &fararia. 

Aífi,  fenhora,  quer  minha  ventura. 
Que  ferido  de  vervos  claramente,  • 

Com  vos  tornar  a  ver,  amor  me  cura: 

Mas  he  taõ  doce  voíTa  fermofura. 
Que  fico  como  hidropico doente, 
Que  CO  beber  lhe  crefce  mòr  íecura, 

SONETO     LXX. 

NA  metade  do  Ceo  fubido  ardia, 
O  claroAlmo  paílor,  quãdo  deyxavão 
O  verde  pafto  as  cabras,  &  buícaváo 
A  frefcura  fuavc  da  agoa  fria. 

Com  a  folha  das  arvores  fombria, 
Do  rayo  ardente  as  aves  ícamparâvaõ, 
O  modulo  cantar,  de  que  cefiavaó, 
Sô  nas  roucas  Cigarras  fe  fentia. 

Quando  Lifo  paíior,  num  campo  verde, 
Natércia  crua  Ninfa  íó  bufcava. 
Com  mil  íufpiros  triítes,  que  derrama. 

Porque  te  vas,  de  quem  por  ti  fe  perdCt 
Para  quem  pouco  te  ama?  (fui pirava^ 
O  Eco  lhe  refponde,  pouco  te  ama. 


Rimas  do  Grande  Lnis  de  Camões. 


15 


SONETO    LXXL 

IA  a  íaudoía  Aurora  deftoucava 
0$  feus  cabcUos  de  ouro  delicados, 
E  as  flores  nos  campos  eímaltados^ 
Do  cnftalioo  orvalho  borrifava: 

Quando  o  fertnolo  gado  íe  cípafta^va 
De  Silvio,  &  Laurente  pelos  prados, 
Paftores  ambos,  &  ambos  apartados, 
De  quem  o  meímo  amor  naô  íe  apartava. 

Com  verdadeyras  lagrimas  Laurente, 
Naó  ley  (dizia)  òNinta  delicada, 
Forque  naõ  morre )à,  quem  vive  aufentCi 

PoiS  a  vida  fem  ti,  naó  prefta  nada  ? 
Refponde  Silvio, amor  naó  o  conícnte, 
Qucoffendeaseíperanças  da  tornada. 

SONETO     LXXII. 

aUando  de  minhas  magoas  a  comprida 
Maginaçaõjos  olhos  me  adormece, 
Em  lonhosaquellaalma  me  aparece 
Que  para  mi  íoy  íonho  nefta  vida. 

Là  n'umafoledadc,onde  eílenJida 
A  vífta  pelo  campo  desfalece, 
Corro  para  ellaj  ôc  cila  encaõ  parece, 
Que  mais  de  mi  fe  alonga  compelida. 

Bradoj  naó  me  fujais  fombra  benína, 
Ella  (os  olhos  cm  mi  com  brando  pejo. 
Como  quem  diz,  que  j  á  naõ  pôde  íer) 

Torna  a  fugirme,  &  cu  gritando,  Dina, 
Antes  que  diga  Mene,  acordo^ &  veja, 
Qiie  nem  hum  breve  engano  poíTo  ter. 

V      SONETO    LXXIII. 

SUrpiros  inflamados,  que  cantais 
A  trifteza,  com  que  eu  vivi  taõ  ledo. 
Eu  morro,  &  naó  vos  levo»  porque  ey  medo 
Que  20  paííar do  Lethes  vos  percais, 

Eícritos  para  feropre  jà  ficais. 
Onde  vos  moílraráõ  todos  co  dedo. 
Como  exemplo  de  males,  que  eu  concedo, 
Que  para  aviíbde  outros  eílejais, 

Em  quem  pois  virdes  falfas  efperanças, 
De  Amor,  6c  da  Fortuna,  cujos  dí»nos 
Algústeràó  por  bemaventuranças; 

Dizeylhe,  que  os  ferviftes  muytos  annos, 
E  que  em  Fortuna  tudo  íaó  mudanças, 
E  que  era  Amor,  naõ  ha  íenaó  enganos. 


SONETO     LXXIV. 

\ 

A  Queila  fera  humana»  que  enriquece 
Sua  prefunptuoía  tyrania. 
Deitas  minhas  entranhas,  onde  cria 
Amor  hum  mal,  que  falta  quando  crece, 

Sencllap  Ccomoflirou  (orno  parece} 
Quanto  moílrar  ao  mundo  pretendia, 
Forque  de  minha  vida  fe  injuria? 
Porque  de  rainha  morte  fe  ennobrece? 

Hora  em  fim  íublimay  vofla  vitoria. 
Senhora,  com  vencerme,  &  cativarme, 
Fazeydiílo  no  mundo  larga  hiltoria: 

Que  por  mais  que  vos  veja  maltiatarmei 
Já  me  fico  logrando  defta  gloria 
De  ver,  que  tendes  tanta  ae  matatme, 

SONETO      LXXV. 

Itofo  íejaaquellc,que  íómente 
J  Se  queyxa  de  amoroías  eíquivanças 
Pois  por  ellas  naó  perde  asefperanças 
De  poder  algum  tempo  fer  centcnte: 

Ditofo  íeja,  quem  cftando  aulente, 
Naó  fente  mais,  que  a  pena  das  lembrançasi 
Porque  ioda  que  fc  tema  de  mudanças. 
Menos  ie  teme  a  dor, quando  fe  fente. 

Ditoío  feja  em  fim  qualquer  citado. 
Onde  enganos,  defprezos,  ôc  izen  ção. 
Trazem  o  coração  atormentado: 

Mas  ttíftc,  quem  fe  fente  magoado, 
De  erros,  em  que  naó  pode  haver  pcrdaõ. 
Sem  ficar  n*alma  a  magoa  do  peccadg. 

SONETO     LXXVI 

QtJem  to  flê  acompanhando  juntamente^ 
Por  eCfes  verdes  campos  a  avefinba. 
Que  deípois  de  perder  hum  bem,quetinhat 
Naó  fabe  mais,  que coufa  he fcr contente. 

E  Quem  foíTcapartandoíe  da  gente, 
Ella  por  companheyra,  &  por  vizinha, 
Me  ajudafl^c  a  chorar  a  pena  minha. 
Eu  a  ella  o  pezar,  que  tanto  fente. 

Ditofa  ave,  que  ao  menos  fe  a  natura 
A  feu  pnmeyro  bem  naôdàfegundo, 
Dalhe  o  íer  triíte  a  feu  contentamento. 

Mas  triftf,  quem  de  longe  quiz  ventura, 
Que  para  rcípirar  lhe  falte  o  vento 
£  paratudo^  em  Am,  lhe  falte  o  mundo. 

SOÍ 


^4' 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camhs, 


SONETO     LXXVií. 

O  Culto  divinal  fc  celebrava 
No  templo,  donde  toda  a  creatura. 
Louva  o  Fey  cor  divino,  que  a  feytura, 
Com  ieu  íagrado  Tangue  reílaurava. 

Aili  amor,  que  a  tempo  me  aguardava, 
Onde  a  vontade  tinha  mais  ícgura 
Niía  celefte,  &  angélica  figura 
A  viíla  da  razão  meíaltcava,  , 

Em  crendo,  que  oJugar  me  defendia 
E  feu  livre  coftume  naò  íabendo^ 
Que  nenhum  confiado  lhe  fugia. 

Deyxeyme  cativar^  mas  jà  que  entendo, 
Senhora,  que  por  voíío  me  queria, 
Do  tempo,  que  fuy  livre,  me  arrependo. 

SONETO    LXXVIII. 

LEdaferen idade  deleytofa. 
Que  repreíenta  em  terra  hum  parayfo, 
Entre  rubis,  &  perlas  doce  rifo, 
Debayxo  deouroj&nevejcorderoía, 

Prefcnça  moderada,  &  graciofa» 
Onde enfinando eftão  defpejo,  &  fifo. 
Que  fe  pôde  por  arte,  Sc  por  a  viío, 
Como  por  natureza  fer  fermoía. 

Fala,  de  quem  a  morte,  &  vida  pende, 
Rara,  ftiave,  em  fim,  fenhora,  voía, 
Rcpouío  nella  alegre,  6c  comedido, 

Eítas armas faõ, com  quemerendc^ 
E  me  cativa  Amor,  mas  naõ  que  poíía 
Dcípojarmeda  gloria  de  rendido. 

SONETO    LXXIX. 

BEm  fey  Amor,  q  he  certo,  o  que  receo. 
Mas  tu  porque  có  iíTo  mais  te  apuras. 
De  manhoío  mo  negas,  6c  mo  juras. 
Em  teu  dourado  arco,  6c  eu  tocrco, 

A  mão  tenho  metida  no  teu  feo, 
E  naõ  Vf  jo  meus  danos  ás  efcuras, 
E  tu  com  tudo  tanto  meaíTeguras, 
Que  me  digo,  que  minto,&  que  me  enleo, 

Naõ  fomente  confinto  nefte  engano. 
Mas  inda  to  agradeço,  &  a  mi  me  nego 
Tudo,  o  que  vejo,  &  finto  de  meu  dano. 

Oh  podcrolo  malj  a  que  me  entrego, 
Quenomeyodojuílo  deíengano. 
Me  pofla  inda  cegar  hum  moço  cego. 


SONETO    LXXX. 

COmo  quando  do  mar  tempeíluofo, 
O  marinheyro  laíTo,  6c  trabalhado, 
D'hum  nautr agio  cruel  jà  íalvo  anado, 
Sò  ouvic  falar  nelle  o  faz  medroío. 

E)U>x*»que  cm  que  veja  bonançofo 
O  violento  mar,  6c  loíTegado, 
Naõ  entre  nelle  mais, mas  vay  forçado. 
Pelo  rouyto  incerelTecubiçofo. 

Aífi,  íenhora  eu  que  da  tormenta 
DevoíTa  vifta  fujo,  por  falvarme. 
Jurando  de  naó  mais  em  outra  verme: 

Minh'alma,  que  de  vòs nunca  fe  aufcnta, 
Dame  por  preço  vervos,  faz  tornarme^ 
Donde  fugi  tam  perto  de  perderme. 

SONETO    LXXXI. 

A  Mor  he  hum  fogo,que  arde  fcm  fe  ver, 
He  ferida,  quedoe^  &naõ  íefente, 
He  hum  contentamento  defcontente, 
He  dor,  que  deíatina  íem  doer. 

He  hum  naõ  querer  mais,que  bem  querer, 
He  hum  andar  iolitario entre  agente, 
He  nunqua  contentaríe  de  contente, 
He  hum  cuydar,  que  ganha  em  íe  perder, 

He  querer  elUr  prefo  por  vontade, 
Heíervira  quem  vence  o  vencedor, 
He  ter,  com  quem  nos  matajlcaldadc. 

Mas  como  caufar  pôde  feu  favor 
Nos  corações  humanos  amizade. 
Se  tam  contrario  a  fi  he  o  mefmo  amor? 


SONETO    LXXXII.    ^ 

SE  pena  por  amarvosfe  merece, 
Quem  delia  livre  eíta,  cu  quem  izento? 
Que  alma,  que  razão,  que  entendimento 
Em  vervos  fcnaó  rende,  6c  obedece» 

Que  mòr  gloria  na  vida  fe  cíFerece, 
Que  ocuparíe  cm  vòs  o  peníamento? 
Toda  a  pena  crucl^todoo  tormento, 
£m  vervos  íenaó  fcntCj  mas  eíqucce. 

Mas  fe  merece  pena»  quem  amando 
Contino  vos  eftá,  íe  vos  oífen Je^ 
O  mundo  matarey,  que  todo  hc  voflb. 

Em  mi  podeis,  fenhora,  ircomeçando, 
Qiic  claro  fe  conhece,  &  bem  fe  entende, 
Amarvos  quanto  devo,  &  quanto  poílb. 

so- 


I 


J^itnaí  do  Grande  Luts  de  Camõesl 


n 


SONETO    LXXXIII. 

QUe  levas  cruel  morte?  hum  claro  dia, 
A  que  heras  o  tomafte?  amanhecendo, 
Encendcs  o  que  levas?  naõ  o  entendo, 
pois  quem  tofazlevar?qucmoentendíaé 

Seu  corpo  quem  o  goza?  a  terra  fria, 
Como  ficou  íua  luz? aaoy tecendo; 
Lufitania,  que  diz?  fica  dizendo. 
Em  fim,  naó  mereci  dona  Maria,  i 

Matafte  quem  a  vio  já  morta  eílava. 
Que  diz  o  cruel  amor  ?  falar  naõ  ouía^ 
E  quem  o  faz  calar?  mmha  vontade. 

Na  corte,  que  ficou?  faudade  brava: 
Que  hca  là  que  ver?  nenhúa  coufa. 
Mas  fica,  que  chorar  fua  beldade» 

SONETO    LXXXIV. 

ONdados  fios  de  ouro  reluzente, 
Qucagora  da  mão  bella  recolhidos 
Agora  íobre as  roías  eílendidos, 
Fazeis  que  fua  belleza  íe  acrefcentc. 

Olhos,  que  vos  moveis  taó  docemente. 
Em  mil  divinos  rayos  acendidos, 
Se  de  cá  me  levais  alma,  &  íentidos. 
Que  fora,  íe  de  vós  naõ  fora  aufente? 

Honeílorifo,  que  entre  amor  fineza^ 
De  perlas^  &  coracs  na  ice,  &  perece. 
Se  n'alma  em  doces  eccos  naô  o  ouviíle? 

Se  imaginando  fó  tanta  belleza, 
D^fi,  em  nova  gloria  a  alma  íe  eíquecCj 
Que  fera  quando  a  vir ?ah  quem  a  vitts» 

SONETO     LXXXV. 

FOy  jà  num  tempo  docccoufa  amar, 
Em  quanto  ms  enganava  a  eíperança, 
O  coração  com  efl:a  confiança. 
Todo  fe  desfazia  em  deíejarj 

Oh  vaõ,  caduco,  &  dcbil  cfperar. 
Como  íe  defengana  hua  mudança! 
Que  quanto  hc  mór  a  bemaventurança, 
Tanto  menos  fe  crè,  que  ha  de  durar. 

Quem  jà  fevio  contente,  &  profperado^ 
Vendoíe  em  breve  tempo  em  pena  canta, 
Razão  tem  de  viver  bem  magoado. 

Porém  quem  tem  omundocxprimétadoj 
Naõ  o  magoa  a  pena,  nem  o  eípanta, 
Que  mal  íe  eftranharà  o  coítumado. 


SONETO    LXXXVI. 


D  Os  illuítres  antigos,  que  deyxaraõ. 
Tal  n0me,q  igualou  Fama  á  memoria. 
Ficou  por  luz  do  tempo  a  larga  hiítoria 
Dos  feytos,  em  que  mais  fe  aílinalàraó, 

Sefe  com  coufas  deíles  cotejarão 
Mil  voíTas,  cada  hiãa  taõ  notória, 
Vencerá  a  menor  delias  a  ojór  gloria. 
Que  elles  em  tantos  annos alcançarão, 
A  gloria  íua  foy,  ninguém  lha  tome^ 
Segumdo  cada  hum  vários  caminhos, 
cltítuas  levantando  no  fcu  templo. 

Vós  honra  Fortugueza^ôc  dos  Coutinhos, 
llluft  re  Dom  Joaò^  com  melhor  nome, 
A  vós  encheis  de  gloriaj  &  a  nós  de  exemplo. 

SONETO     LXXXVU. 

COnverfaçaõ  domeílica  aíFeyçoa, 
Hora  em  forma  de  boa,  &  fà  vontade, 
Hora  de  hua  amoroía  piedade, 
Sem  olhar  qualidade  de  peíToa, 

Se  defpois  por  ventura  vos  magoa 
Com  delamor,  &  pouca  lealdade, 
Logo  vos  faz  mentira  da  verdade 
O  brando  amor,  que  tudo  em  íi  perdoa, 

Naõ  faô  ifto,que  fallo,  conjeturas, 
Que  o  penfamento  julga  na  aparência. 
Por  fazer  delicadas  eícrituras, 

Metido  tenho  a  maõ  na  confcienciâ, 
E  naô  fallo  íenaó  verdades  puras. 
Que  me  enfinou  a  viva  experiência, 

SONETO     LXXXVIII. 

Esforço  grande  igual  ao  peníamento, 
Penfamentoscm  obras  divulgados, 
E  naõ  em  peyto  tímido  encerrados, 
E  desfeytos  deípois  em  chuva,  &  vento j 

Animo  de  cobiça  bayxa  izcnto, 
Dino  poriíTo  íó  de  altos  cftados. 
Fero  açoute  dos  nunqua  bem  domados 
Povosdo  Malabar  íanguinolen to: 

Gentileza  de  membros  corporaes, 
Ornados  de  pudica  continência, 
Obra  por  certo  rara  de  natura. 

Eftas  virtudes,  &  outras  muy tas  mai9, 
Dinas  todas  da  fiomerica  eloquência^ 
Jazem  dcbayxo  deita  íepultura* 


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Rimas  de  Grande  Luis  de  CantSesI 


SONETO     LXXXÍX. 

NO  mundo  quiz  hu  tempo,  q  ícachafle 
O  bcíi},  q  por  acerto,  ou  forte  vinha, 
E  por  exprímentar,  que  dita  tinha, 
Quiz  puea  Fortuna  em  mi  í'e  exprimétaíTe. 

Mas  porque  mcudeftino  memoftraííe, 
Que  nem  ter  cfperanças  me  convinha> 
N  unca  nefta  taó  longa  vida  minha, 
Couía  medeyxou  ver,  que  deícjaíTe, 

Mudandoandey  coftun[ie,terra,&eílado, 
Por  ver  fe  fe  mudava  a  forte  dura, 
A  vida  puz  nas  mãos  de  hum  leve  lenho, 

Mas  fcgundo  o  q  o  Ceo  me  tem  m oftrado, 
Já  íey,  que  deite  meu  bufcar  ventura, 
Achado  tenho  já^  que  naô  a  tenho. 

SONETO     XC. 

APerfeyçaó,  a  graça,  o  doce  g^yto, 
A  Primavera  chea  de  frcícura. 
Que  fem  pre  em  vós  florece,  a  que  a  ventura^ 
E  a  razaõ  entregarão  cite  peyto: 

Aqucllecriftalino,8£  puroafpeyto, 
Que  em  Ci  comprende  toda  a  fermofura, 
O  refpbndor  dos  olhos,  &  abrandura, 
De  que  amor  a  ninguém  quiz  ter  refpeyto: 

Se  iíto,  que  em  vos  íe  vè,  ver  defejais, 
Comodinodc  veríe  claramente. 
Por  mais,  que  vós  de  amor  vos  ízcntais. 

Traduzido  o  vereis  taõ  bellamenre. 
No  meyodeíte  elpiritOjOndeeílais, 
Que  vendovos  fintais,  o  que  elle  fence. 

SONETO    XCI. 

VOs,  que  de  olhos  fuaves,  &  fcrenos, 
Com  juíta  caufa  a  vida  cativais, 
E  que  os  outros  cuydados  condenais. 
Por  iníulfos,  por  bayxos,  &  pequenos. 

Seinda  do  amor  domefticos  venenos. 
Nunca  porvaites*  quero  faybais. 
Que  he  tanto  mais  o  amor  deípois  que  amais, 
Quanto  faõ  mais  ascaufas  de  fer  menos. 

E  naõ  cuyde  ninguém,  q  algum  defeyto. 
Quando  na  cauía  amada  leaprefenta, 
Poíía  diminuir  o  amor  perteytoj 

Antes  o  dobrp  mais,  &  fe  atormenta. 
Pouco,  ík  pouco  deículpa  o^  brando  peyto, 
Que  amor  com  feus  contrários  fe  acr£Ícenta. 


SONETO    XCII. 

QUe  poderey  do  mundo  jà  querer, 
Qiie  naquillo,  em  q  puz  tamanho amof^ 
Naò  VI  fenaó  defgoíloj  deíamor, 
E  morte  em  fim,  que  mais  naõ  pódc  fer. 

Pois  vida  me  naõ  farta  de  viver. 
Pois  já  fey,  que  naó  mata  grande  dor, 
Sc  coufa  ha  hi,  que  magoa  de  mayor. 
Eu  a  verey,  que  tudo  poíTo  ver. 

A  morte  a  meu  pefar  me  afíegurou. 
De  quanto  mal  me  v^ha,  já  perdi, 
O  que  perder  o  medo  me  eníinou: 

Na  vida,dcíamor  fomente  vi, 
Na  morte,  a  grande  dor,  que  me  ficou, 
Parece,  que  para  ilfo  íó  nafci. 

SONETO    XCIII. 


à 


PEnfamcntos,  que  agora  novamente 
Cuydados  vãos  cm  mi  rcfufcitais, 
Dizeyme,  ainda  naõ  vos  contentais. 
De  terdes,  quem  vos  tem  taõ  deícontente? 

Que  fantafia  he  efta,  que  preíente 
Cada  hora  ante  meus  olhos  me  moftrais? 
Com  fonhos,  &•  com  lombras  atentais, 
Quem  nem  por  fonhos  pôde  íer  contente?  ' 

Vcjovos  pcnfamentos  alterados, 
E  naô  quereis  de  efquivos  declara rme , 
Que  heiíloi^ue  vos  traz  taó  enleados. 

Naõ  me  negueis,  fe  andais  para  negarme» 
Queíe  contra  mi  citais  alevantados, 
Eu  vos  ajudarey  meímo  a  matarmc, 

SONETO     XCIV. 

SE  tomar  minha  pena  em  penitencia, 
Do  erroj  em  que  cahio  o  pcnfamento, 
Naõ  abranda,  mas  dobra  meu  tormento, 
A  iito,  &  a  mais  obriga  a  paciência. 

E  fe  húa  cor  de  morto  na  aparência, 
Hum  efpalhar  íuípiros  vãos  ao  vento. 
Em  vós  naõ  faz,  (^nhora,  movimento. 
Fique  meu  mal  em  voíTa  confciencia. 

Efe  de  qualquer  aípera  mudança. 
Toda  a  vontade  izenta  amorcaltiga, 
(Como  cu  vi  bem  no  mal,  q  me  condena,} 

E  fe  em  vos  naõ  íe  entende  aver  vingança. 
Será  forçado(^pois  amor  me  obriga) 
Que  eu  íó  de  voíía  culpa  pague  a  pena, 

SO* 


à 


Rimai  do  Grande  Lu/s  de  Camõesl 


n 


SONETO    XCV. 

AQuelkj  que  de  pura  caílidade. 
De  fi  melma  tomou  crutl  vingança, 
Por  húa  breve^  &  fubita  mudança, 
Contraria  àíua  honra,  &  qualidade: 
f    Venceo  a  fermofura  a  honeílidade, 
Venceo  no  fim  da  vida  a  eíperança, 
Porque  ficaíTe  viva  tal  lembrança. 
Tal  amor,  tanta  fé,  tanta  verdade. 

De  fi,  da  gente,  6£  do  mundo  efquecida. 
Ferio  com  duro  fc^rroo  brando  peyto, 
panhâdo  em  fangue  a  força  do  ty  rano. 

Oh  eílranhaoufadia^eílranhofcyto, 
Que  dando  morte  breve  ao  corpo  humano, 
1  enha  Tua  memoria  larga  vidai 

SONETO  xcvr. 

Os  vertidos  Elifa  revolvia, 
Qui  lhe  Eneas  deyxára  por  memoria. 
Doces  dwfpojosda  paíTa da  gloria, 
Doces,  quando  o  íeu  Faio  o  confentiaj 

Entre  elles  a  fermofa  efpada  viij 
Que  o  mílrumcnto  foy  da  triíle  hiítoria. 
Eco  no  qusm  dw  íi  tinha  a  vitoria. 
Com  ella  adi  falando,  lhe  dizia: 

Fermoía,  Sc  noya  efpaia,  fe  íicaíle^ 
Sò  para  executares  05  enganos, 
De  quem  te  quiz  dey  xar  em  minha  vida: 

Sabe,  que  tu  comigo  te  eoganaíie. 
Que  para  me  tirar  de  cantos  daaos, 
S obejame  a  triitcza  da  partida. 

SONETO    XCVII. 

OQuaõ  caro  me  cuíta  o  cntcnderté, 
Molefto  Amor,  que  fó  por  alcançarte 
De  dor  em  dor  me  tcs  trazido  a  parte, 
Onde  em  ti,  ódio,  &  ira  íe  converte; 

Cuydey,  que  par  a  cm  tudo  conhecerte, 
Me  naõ  faltaíTe  experiência,  &  arte, 
I   Agora  vejo  n'alm  \  acrefcentarte 
'    Aquillo,  queeracaufadeperderte. 

Eíbvas  taó  fecreto,  no  meu  peyto, 
j   Que  eu  mcfmo,  que  te  tinhai  naó  fabia^ 
■   Qusmefenhorcn-asdeílegeyto: 

Defcubriftete  agora^  &  foy  por  via, 
Que  teu  defcobrimento,  &  meu  defeyco. 
Hum  me  envergonha,  &  outro  me  injuria. 
1.  Tare, 


SONETO    XCVIII. 

SE defpois  de cfperança taõ perdida, 
Amor  pola  ventura  coníentilTe, 
Que  ainda  algua  hora  alegre  viíTe, 
De  quantas  tr iftes  vio  taó  longa  vida: 

Hua  alma  já  taó  fraca,  &  taõ  cahida. 
Por  mais  alto,  que  a  íorte  me  fubifle, 
Isíaó  tenho  para  mi,  que  confeniifTe 
Alegria  taõ  tarde  conlentida, 

Naó  tàó  fomente  Amor,  me  naÕ  moftróu 
Hum  hora,  em  que  viveíTe  alegremente, 
De  quantas  nefta  vida  me  negou: 

Mas  inda  tanta  pena  me  confente, 
Queco  contentamento  me  tirou 
O  ^oílo  d*dlgum  hora  íer  contente, 

SONETO     XCIX. 

ORayo  criftalinõ  fc  eftcndia 
i\'Io  mundo,  da  Aurora  marchetada. 
Quando  Nife  paftora  delicada, 
Díiide  a  vida  deyxavafe  p<rcia 

Dos  olhos,  com  que  o  Sol  tfcurecia, 
Levando  a  viíla  em  lagrimas  banhada. 
De  n,  do  Fado,  8c  tempo  magoada^ 
Pondo  os  olhos  no  Ceo^  aíli  di  zia: 

Naíce  fcreno  Sol,puro,  &  luzente, 
RerplândcceFermora,&  roxa  Aurora, 
Qualquer  alma  alegrando  deíconcente: 

Que  a  minha,  íabe  tu,  que  deíde  agora. 
Já  mais  na  vida  a  podes  ver  contente. 
Nem  taõ  triíle  nenhua  outra  paílora. 

SONETO    a 

No  mundo  poucos  annos,&  canfados 
Vivi,  cheosde  yil  miíeria  dura, 
Foymetaócedo  aluz  dodiaefcura. 
Que  naó  vi  finco  luftros  acabados. 

Corri  terras,  &  mares  apartados, 
Bufcando  à  vida  algum  remedio,ou  cura,' 
Mas  aquillo,  que  em  fim  naõ  quer  ventura» 
Naõ  noalcançaõ  trabalhos  amfcados. 

Crioume  Portugal  na  verde,  &  cara 
Pátria  minha  Alam-quer,  mas  ar  corruto» 
Que  neíle  meu  terreno  vafo  tinha. 

Me  fez  manjar  de  peyxes,em  ti  bruto 
Mar,  que  bates  na  Abafia  fera,  &  avara, 
Tam  longe  da  ditofa  pátria  minha, 

C  SOj 


iS 


Mimas  do  Grande  Luis  ie  Camões^ 


SONETO     Cí. 

QUe  me  quereis  perpetuas  faudades, 
Com  queeíperança  ainda  me  enganais? 
Que  o  tempo,  que  íe  vay, não  torna  mais^ 
E  fe  corna,  não  tornaô  as  idades : 

Razaó  hejàòannos,  que  vos  vades, 
Porque  eftes  raó  ligeyros,  que  paíTais, 
Nem  todos  para  hum  gofto  faõ  iguais^ 
Nem  fempre  faõ  conformes  as  vontade^: 

Aquillo^  a  que  já  quiz,  he  Cao  mudado^ 
Qiiequaílhe  outra  couía,  porque  os  dias 
Tem  o  primeyro  goíto  já  danado, 

Efperanças  de  novas  alegrias. 
Naõ  mas  deyxa  a  Fortunaj&  o  têpa  errado, 
Qiie  do  contentamento  faó  eípias. 

SONETO    cir. 

VErdade,  amor,  rszaó,  merecimento,^ 
Qualquer  alma  faráõ  fegura,  &  fortci 
Porém  Fortuna,caío,  tempo,  &  forte, 
Tem  doconfufo  mundo  o  regimento. 
Effeytosmil  revolve  o  peníamento^ 
E  não  íabe,  a  que  caufa  fe  reporte, 

Masfabe,queoquehemais,qvida,.^morte, 
Que  não  o  alcança  humano  entendimento.  ^ 

Doutos  varões  daráõ  razões  fubidas, 
Mas  faõ  experiências  mais  provadas, 
E  por  iflo  he  melhor  ter  muy  to  vifto. 

Coufa  ha  hi,  que  paíTaó  íem  fer  cridas, 
E  coufas  cridas  ha,  íeni  fer  paliadas, 
Mas  o  melhor  de  tudo  he  crer  em  ChriftOi 

SONETO    GIII. 

Fíoufe  o  coração  derauytoizento, 
De  fi,  cuydando  mal,  que  tomaria 
Tjô  ilhcito  iimor^  tal  oufadia, 
Tal  modo  nunca  vifto  de  tormento. 

Mas  os  olhos  pintarão  tão  atenro, 
Outros,  que  vifto  tem  na  fantafia, 
Q«e  arazaõ  temeroí?i,  do  que  via, 
Fugio,  deyxando  o  campo  ao  pcnfamcnto. 

O  Hy  polito  cafto,  que  de  gey to 
De  Fedra,  tua  madrafta  fofle  amado. 
Que  não  fabia  ter  nenhum  refpeyto  : 

Em  mi  vingou  o  Amor  teu  caí^o  peyto, 
Mas  eftá  defle  agravo  tão  vingado, 
Que/c  arrepende  já,  do  que  tem  fcyto.  - 


SONETO    CIV. 

QUé  quizer  ver  d*Amor  húa  excellêcia,' 
Onde  fua  fineza  mais  fc  apura. 
Atente  onde  me  põem  minha  ventura. 
Por  ter  de  minha  fé  experiência. 

Onde  lembranças  matão  alõga  aufencia^ 
Efntemerofo  margem  guerra  dura, 
Alli  a  faudadeeílà  fegura. 
Quando  mor  rifco  corre  a  paciência.' 

Mas  ponhame  a  Fortuna,&  o  duro  Fado 
Em  ncvjo,n[iorte,danOj  &  perdição. 
Ou  ena  fublime,&  ptofpera  ventura :     ("do^ 

Ponhame  em  fim,em  bayxo,  ou  alto eíla^ 
Que  até  na  dura  morte  meacharàõ, 
Na  lingoa  o  nome,n'aIma  ji  viíta  pura, 

SONETO  cv; 

Os  Ninfas  da  Gangetica  erpeíTura,' 
Cantay  fuavemente  em  vos  fonora  j 
Hum  grande  Capitão,  que  a  roxa  Aurora 
Dos  filhos  defcndco  da  noyte  efcura. 

Ajuntoufc  a  caterva  negra,6c  dura, 
Qne  na  Áurea  Chcrfoncfo  aíFouta  mora  j* 
Para  lançar  do  caio  ninho  fora 
Aquelles,  que  mais  podem,  que  a  ventura* 

Mas  hum  forte  Leão  com  pouca  gente, 
A  multidão  taó  fera,  como  necia, 
Deftruindo  caftiga,  6c  torna  fraca. 

Pois,  ò  Ninfas,  cantay,  que  claramente, 
Mais  do  que  Leonidas  fez  em  Grécia,  > 

O  nobre  Leonis  fez  em  Malaca. 

SO^NETO    CVI, 

D  Oce  contentamento  já  paíTado, 
Em  que  todo  meu  bem  fó  confiftia. 
Quem  vos  levou  de  minha  companhia, 
E  me  deyxou  de  vòs  taó  apartado? 

Quem  cuydou,  que  íc  viíTe  nefte  eftado, 
Naquellas  breves  horas  d'alegria, 
Quando  minha  ventura  confentia. 
Que  de  enganos  viveií^c  meu  cuydado? 

Fortuna  minha  foy  cruel,  &  dura, 
Aquella,  que  caufou  meu  perdimcnto. 
Com  a  qual  ninguém  pôde  ter  cautela. 

Nem  fe  engane  nenhúacreatura, 
Que  naõ  pôde  nenhum  impedimento, 
Fugir  do  que  lhe  ordena  fua  eikella, 

SO* 


1 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Camões. 
SONETO    CVIL  SONETO    CX. 


0 


VOs,  q  eícucais  em  Rimas  derramado 
Dos  fufpíros  oíom,  que  me  alentava 
Na  juvenil  idade^  quaodo  andava 
Em  outro  em  parte  do  que  fou  mudado: 

Sabey,  que  bufca  íó  do  jà  cantado, 
No  temperem  que  ou  temia^  ou  eíperava 
De  quem  o  mal  provou,  q  eu  tanto  amavai 
piedade,  &  naó  pcrdaõ,  o  meu  cuydado: 

Pois  vejo  que  tamanho  fentimento 
Sò  me  rendco  íer  fabula  da  gente 
(Do  que  comigo  meímo  me  envergonho) 

Sirva  deexemplo  claro  meu  tormento, 
Com  qut  todos  conhcçâo  claramente, 
Que  quanto  ao  mudo  apras  he  breve  íonho. 

SONETO    CVIII.        i* 

E  amor  efcrcvo^  de  arror  trato,  &  vivo^ 
DeamormenaTceamar,  íé  fcr  amado/ 
e  tudo  fe  delcuyda  o  meu  cuydadoj 
Quanto  níiõ  feja  ferde  Amor  cativo. 

De  Amor,  que  a  lugar  alto  voe  altivo, 
E  funde  a  gloria  íua  em  fer  oufadoj 
Que  le  veja  mJhor  purificado 
No  iriimenfortíplandorciehúrayoerquivo* 
Masay,  que  tanto  Amor  fó  pena  alcança ! 
Waisconl^antee]la,&elle  maisconílante, 
Deíeutnuntocada  qudlló  trata. 

Nada  enfim,  me  aproveytaiqaefperança. 
Se  anima  algua  vez  a  hum  tnfte  amante. 
Ao  peito  vivifica^  ao  longe  mata« 

SONETO     CIX*        li 

SE  da  celebre  Laura  a fermofura 
Hum  numeroío  Cifne  ufano  eícrcvej 
Huma  Angélica  peoa  fe  te  deve, 
Vui:  o  Ceo  em  formarte  mais  íe  apura. 

E  íe  voz  menoí  alta  te  procura 
Celebrar^  (  ó  Natércia  !  }  em  vaó  fe  atrevej 
De  verte  )à  a  Ventura  Lifo  teve. 
Mas  de  cantarte  faltalhe  a  ventura, 

No  Ceo  nacefte,  certo,&  não  na  terra : 
Para  gloria  do  mundo  ca  decefte  •, 
Qucniinaisiftonegar^muyto  mais  erra. 

E  eu  imagino  que  de  la  viclle 
Para  enmendar  os  vicies  que  elle  encerra, 
Co  os  divinos  poderes  quetrouxefte. 

1.  Parte. 


ESfes  cabellos  louros,8c  efcolhidos, 
Que  o  fer  ao  áureo  Sol  eftaõ  tirando  í 
Eííe  ar  immenfo,  adonde  naufragando 
£ftaõ  continuamente  os  meus  íentidosj 

EíTes  íurtados  olhos  tòó  fingidos, 
Que  minha  vida jgi  morte,  tftaõcaufando; 
EíTa  divina  graça,  que  em  falando j 
Finge  os  meus  peníamentos  não  fer  cridos : 

EíTe  compafio  certo,  efla  medida 
Que  faz  dobrar  no  corpo  a  gentileza  : 
A  divindade  em  tt  rra^  taó  lubida : 

Moftremjàpiedade,&  não  crueza, 
Que  faó  laços  que  Amor  tece  na  vida» 
Sendo  em  mi  íoírimento,  em  vòs  dureza* 

SONETO    CXI. 

QUcm  pudera  julgar  de  vòs,  Senhora, 
Que  húâ  tal  fé  pudeíTe  aíTi  perdervos? 
Se  por  amarvos  chego  a  aborrecer  vos, 
Deyxarnão  poíFo  o  amarvos algum  hora. 

Deyxais  a  quem  vos  amq,  ou  vos  adora, 
Por  vera  quem  quiçá  náo  fabe  vervos  ? 
Mas  eu  fou  quem  náo  foube  merecervos, 
Eefta  minha  ignorância  entendo  agora. 

Nunca  foube  entender  voíTa  vontade^ 
Nem  a  minha  moílrarvos  verdadeyra, 
Inda  que  clara  eftava  efta  verdade. 

Efta,  em  quanto  eu  vos  vir,  vereis  inteyraj 
E  feem  vaõ  meu  querer  vos  períuade, 
Mais  voíTo  não  querer  faz  que  vos  queyra. 

SONETO    CXII. 

QUem,  Senbora,prefumedeIouvafVos 
Com  diícurfo  que  baxe  de  divino, 
De  tanto  mayor  picna  fera  dino, 
Quanto  vós  fois  mayor  ao  contemplarvos. 

Naóaípire  algum  cantoa  celebrarvos. 
Por  mais  queícja  raro,  ou  peregrino; 
Pois  de  vofla  belleza  eu  imagino 
Que  íó  com  voícoo  Ceo  quiz  compararvos» 

Ditofa  efta  alma  voíTa  a  que  quifcftes 
Pór  cm  poííe  de  prenda  taõ  fubida, 
Qual  efta  que  begnina,  enfim,  me  dcftes. 

Sempre  íerá  antepoíla  á  mefma  vida  i 
Eftacftinnar  em  menos  mefizeftes, 
Se  antes  que  eíToutra  a  quero  ver  perdida. 

Cij  SO- 


to 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Cdmteà 


SONETO      CXIII. 

Moradoras  gentis,  6c  delicadas, 
Do  claro,&  áureo  Tejo,  que  metidas 
Eftais  em  fuás  grutas  cfcon  didas 
E  com  doce  repouío  foflegadas. 

Agora  eíieis  de  amores  inflamadas^ 
Nos  criftàlinos  Paços  entretidas} 
Agora  no  exercício  embevecidas 
Das  telas  de  ouro  puro  matizadas. 

Movey  dos  lindos  roftos  a  luz  pura 
De  voíTos  olhos  bcllos^  coriíentindo 
Que  lagrimas  derramem  de  tríílura. 

Eafli  cem  dor  mais  propia  ireis  ouvindo 
As  queyxas  que  derramo  da  Ventura 
Que  com  penas  de  Amor  me  vay  íeguindo. 

SONETO     CXlV. 

BRandss  agoasdoTejo,  quepaíTando 
Por  eftes  verdes  campos^que  regais, 
Planras,ervas,  &  flor€s,6c  animais, 
Paftores,  Ninfas,  ides  alegrando : 

Naõ  íey  (ah  doces  agoas :)  naõ  fey  quâdo 
Vos  tornarey  a  ver  >  que  magoas  tais, 
Vendo  como  vos  deyxo,  me  cauíais. 
Quedetornarjávou  defconfiado. 

Ordenou  o  DeAino,  deícjoío 
De  converter  mtus  goftos  em  pefares. 
Partida  que  me  vay  cuftando  tanto, 
.    Saudolode  vòsjdelle  queyxofo, 
Enchcrey  de  íufpiros  outros  ares, 
Turbarey  outras  agoas  com  meu  pranto. 

,         S  O  N  E  T  O    CXV. 

>^|<Ovos  cafosde  Amor,  novos  enganos, 
1^  Envoltos  em  lifonjas  conhecidas  i 
Do  bem  promeíías  f alfas,  6c  eícondidas. 
Onde  do  mal  Te  cumprem  grandes  danos. 

Como  náo  tomais  jà  por  deíenganos, 
Tantos  ays,  tantas  lagrimas  perdidas, 
Pois  que  a  vida  náo  bafta,  nem  mil  vidas, 
A  tantosdias  triftes,  tantos  annos  ? 

Hum  novo  coração  mifter  avia, 
Com  outros  olhos  menos  agravados^ 
Para  tor  nar  a  crer  o  que  eu  vos  cria. 

Andais  connigo,  Enganos,  enganados^ 
t  fe  o  quiferdes  ver  cuyday  hum  dia 
O  que  íediz  dos  bem  acuiilados. 


SONETO     CXVI. 

ONde  porey  meus  olhos  que  não  veja 
A  cauíâ  dequenaceomeu  tormento  ? 
A  qual  parte  me  irey  co'  o  peníamcnto. 
Que  para  defcanfar  parte  me  feja  ? 

Jà  fey  como  fe  engana  quem  defeja 
Em  vgò  amor  fiel  contentamento  ^ 
De  que  nos  goftos  reus,que  íaódevento, 
Sem pre  falta  íeu  bem,  feu  mal íobeja. 

Mas  índaj  fobre  o  claro  defengano^ 
AíTi  me  trás  eíia  alma  íojugada^ 
Que  delle  eítà  pendendo  o  meu  defejo. 

Evou  dediaemdia,  de  annoem  anno, 
A  pos  hum  não  íey  que,  após  hum  nada, 
Que  quanto  mais  me  chego  menos  vejo. 

•^      SONETO    CXVlI. 

A  do  Mondego  as  agoas  aparecem 

A  meusolhos^náo  meus,  antes  alheos, 

QuedcQutrasd  íFerentesvindocheos, 
Na  íua  branda  viíta  amda  mais  crecero. 

Parece  que  também  forçadas  decem. 
Segundo  íe  detém  em  íeus  rodeos, 
Tníte !  Por  quantos  modos,  quantos,  meog. 
As  minhas  faudades  me  entriftecem ! 

Vidadetantos  males  faltcada^ 
Amor  a  põem  em  termos  que  duvida 
De  confeguiro  fim  deita  jornada. 

Antes  íe  dá  de  todo  por  perdida^ 
Vendo  que  não  vay  da  Alma  acompanhadai 
Que  íe  deyxou  íicar  onde  tem  vida. 

t.      SONETO    CXVUI. 

QUc  doudo  penfamento  he  o  que  íigo  * 
Após  que  vaõ  cuydando  vou  correndo? 
Sem  ventura  de  mi  i  que  nyo  me  cntendOi  ' 
Nem  o  quccallo  Íey,  nem  o  que  digo, 

PeUjo  com  quem  trata  paz  comigo  j 
De  quem  guerra  me  faz  não  me  defendo,    ^ 
De  fiillas  efperanças  que  pretendo  ? 
Quem  do  meu  propio  mal  me  faz  amigo  > 

Porque  j  fe  nafci  livre,  me  cativo.^ 
E  pois  o  quero  {ç.r^  porque  o  náo  quero  ? 
Como  me  engano  mais  com  defenganos  ? 

Seja  deíeíperey,  que  mais  efpero  ? 
E  fe  inda  efpero  mais,  porque  náo  vivo  ? 
E  fe  vivo,  que  acufo  morcaes  danos  ? 

SOi 


Rimas  do  Grande  Luís  dt  Qâmôes\ 


II 


SONETO    CXIX» 

HUm  firme  coração  pofto  em  ventura, 
HuiD  dercjar  hoQcfto^  quefeengeyte 
DevoíTâ  condição,  femque  refpeyte 
A  meu  taó  puro  amor,  a  fé  tao  pura : 

Hum  vctvos,  de  piedade,&  de  brandura, 
Sempre  enemiga,  fazme  que  íofpeytc 
Se  alguma  Hircana  fera  vos  deu  ley te. 
Ou  íe  nactftes  de  húa  pedra  dura. 

Ando  bu(cando  cau ia  que  dcícul  pe 
Crueza  taò  eíiranhaj  poièm  quanto 
NiíTo  trabalho  mais,  mais  mal  me  trata. 

Donde  vem^q  não  ha  quem  nos  naó  culpe 
A  vòs  porque  matais  quem  vos  quer  tanto, 
A  mim  por  querer  tanto  a  quem  me  maca. 

SONETO    CXX. 

AR,  que  de  meus  fufpiros  vejo  cheyo  5 
Terra,  caníadajà  com  meutormentoj 
Agoa,  que  com  mil  lagrimas  fuftentOi 
Fogo^  que  mais  acendo  no  meu  feyo. 

Em  paz  câais  em  mim  5  &  afli  o  crcyo. 
Sem  eíle  íer  o^ríTo  propio  intentoj 
pois  cm  dor, onde  falta  o  íofrimento, 
A  vida  íe  Iclíf  m  por  voíTo  meyo. 

Ay  imiga  fortuna  1  Ay  vingativo 
Amor  í  A  que  diíciríos  por  vòs  venho, 
Sem  nunca  vos  movct  tem  minha  rriagoa! 

Se  me  quereis  marar^  pc.ia  que  vivo  ? 
Etomo  vivoj  fe.contrarivs  tenho 
í  ogo,  Fturtuna^ Amor^ Ar jTcrra,  &  Agoa  ? 

SONETO     CXXI. 

JA  claro  vejo  bem,  já  bem  conheço 
Quanto  aumentando  V.OU  o  meu  tormêto, 
Poisíey  q  fúdoemagoa,eícrevocmvcto, 
E  que  o  cordeyro  manfo  ao  lobo  peço. 

Que  Aracne  fcu,poisjá  com  Palas  teço; 
Que  a  Tígrcscm  meus  males  me  lamentO} 
Qoertduziromara  húva To  intento, 
Alpirando  a  efie  Ceo  que  naõ  naereço, 
11        Quero  achar  paz  cm  hum  confuío  inferno> 
Na  noytedo  Sol  puroa  claridadej 
Eo  fuave  Verrõ  no  duro  Inverno. 

Bufco  em  luzente  (;h"mpo  eícur idade  j 
E  odefejadobtm  no  mal  eterno 
Baleando  Amor  cm  vofla  crueldade. 


SONETO    CXXil. 

DE  cá,  donde  fomente  o  imaginsrvas 
A  rigurofa  auíencia  me  coníence, 
Sobre  as  azas  de  AmorjOufadamente 
O  mal  íofrido  efprito  vay  buícarvos. 

E  fenaõ  receara  de  abrafarvos 
Nas  chamas,que  por  voíla  caufa  fence, 
Là  ficara  com  voíco,  &  vòs  prefente 
Aprendera  de  vós  acontentarvos. 

JMas  pois  que  eftar  aufente  lhe  he  forçadoj 
For  Senhora,  de  cá,  vos  reconhece, 
Aos  pés  de  imagens  voíTas  inclinado. 

E  pois  vedes  a  fé  que  vos  ofFrecc, 
Ponde  os  olhos,  de  là,  no  feu  cuydado» 
E  darlheeys  inda  mais  do  que  merece* 

SONETO    CXXIII. 

NAÕ  ha  louvor  que  arribe  a  menor  parte 
De  quanto  em  vós  fe  vé,beUa  Senlioraj 
Vós  fois  voíTo  louvory  quem  vos  adora 
Reduz  fomente  a  eftc  o  engenho,  &  arte* 

Quanto  por  muytas  Damas  fe  reparte 
Debello,  &:dcfermofo^em  vòs  agora 
Sejuntaemmodotaljque  pouco  fora 
Dizer  que  fois  o  todo,  cilas  a  parte. 

Culpa,  logo,  naó  he,íevoví  louvarvosi 
Ver  incapazes  todos  os  louvores» 
Pois  tanto  quiz  o  Ceo  aventejarvos. 

Seja  a  culpa  de  voíTos  refplandoresj 
E  a  que  ellestem  vos  dou,  ló  para  darvos 
O  mòr  louvor  de  todos  os  mayores. 

SONETO    CXXIV. 

NAÕ  vàs  ao  MontejNife,  com  teu  gado, 
Que  là  vi  que  Cupido  te  bufcava: 
Por  ti  fomente  a  todos  preguntava. 
No  gcíto  menos.placido  que  irado. 

Elle  publica,  eufim,  que  lhe  has  roubado 
Os  melhores  farpocnsda  fuaaljavaj 
E  com  hum  dardo  ardente aíTegurava 
TrafpaíTar  eíTe  peyto  delicado. 

Fugc  de  verte  là  neíU  aventura^ 
Porque  fe  contra  ti  o  tens  irofoj  ;  Ci  j  (  •  - 
Pode  fer  que  te  alcance  com  mão  dura. 

Masay!  que  em  vaó  te  advirto  temerofo, 
Sc  à  tua  incomparável  fermoíura 
Se  rende  0  dardo  feu  mais  poder ofo  i 

^  SQ- 


II 


Rimas  do  Cratíde  Luís  de  Carnes, 


SONETO     GXXV. 


A  Violeta  mais  hella  que  amanhece 
No  valle  por  eímalte  da  verdura, 
Com  íèu  pálido  íuftre,  &  fernipíura, 
For  mais  bclla,  Violante,  te  obedece. 

PreguntafmCj  porque?  Forque  aparece 
Em  ti  ícu  aome,  6^  fua  cor  maispura^ 
E  eíludar  em  teu  rofto  íó  procura 
Tudo  quanto  em  beldade  mais  florecc, 

O  luminoíá  Flori  ò  Sol  mais  claroí 
Único roubador  de  meu  fentido^ 
Naõ  permitas  que  Amor  me  feja  avaro, 

O  penetrante  Seta  de  Cupido ! 
Que  queres?  Que  te  peça  por  rjparo 
Ser  nefte  Vale  Eneas  deita  Dido  ? 

SONETO    CXXVI. 

TOrnay  eíTa  brancura  á  alva  açucena, 
E  eíTa  purpúrea  cor  às  puras  roías: 
Tornay  ao  Sol  as  chamas  luminoías 
Deeííavifta  quearoubos  vos  condena. 

Tornay  àíuaviflima,  Sirena 
DeeíTa  voz  as  cadencias  deleytofas  j 
Tornay  a  graça  às  Graças,  que  queyxofas 
Eílaó  de  a  ter  por  vós  menos  íerena. 

Torrny  á  beila  Vénus  a  belieza-, 
A  Mmerva  o  íaber,  oengenho,&aartei 
E  a  pureza  à  cajtiíllma  Diana. 

Dcfpojay  vos  de  toda  elía  grandeza 
De  doens}  Sc  ficareis  em  toda  parte 
Com  vofco  fói  que  he  fó  íer  inhumana, 

SONETO    CXXVIí. 

DE  mil  fofpey  tas  vans  fe  me  levantaô 
Trabalhos,  &  delgoílos  verdadcyros, 
Ay !  Que  eíles  bens  de  Amor  faó  feyticeyros. 
Que  com  hu  naõfcy  qtoda  Almaencantaõ! 

Como  Sereas  docemente  cantão, 
Para  enganar  os  triílçs  marinheyros: 
Osmeusaíli  mcatrahemlifongeyros^ 
E  dei  pois  com  horrores  mil  me  efpantaõ, 

Q  an<  :o  cuydo  que  tomo  porto,  ou  terra, 
Tal  vento  íe  hívanta  em  hum  inítante^ 
Que  fubito  da  vida  delconfio. 

iVlas  cu  íou  quem  me  faz  a  mayor  guerra, 
Pois  conhecendo  os  rifcos  de  hum  Amante 
Fiado  a  ondasde  Amor,  delias  me  fio. 


SONETO     CXXVIII. 

Mil  vezes  determino  naõ  vos  ver, 
For  ver  fe  abranda  mais  o  meu  penar: 
h  le  cuydodeaífi  me  magoar, 
Cuyday  o  que  lerá,  íe  ouver  de  fer, 

Fouco  me  importa  já  muyto  fofrcr, 
Defpois  que  Amor  me  pos  em  tal  lugar; 
E  o  que  inda  me  doe  mais  he  íó  cuydar, 
Que  mal  fem  cila  dorpoíTo  viver. 

Afli  naõ  buíco  eu  cura  contra  a  dor, 
Porque  bufcando  alguma  entendo  bem 
Que  neíTe  mtímo  ponto  me  perdi. 

Quereis  que  viva,  enfim,  neílcrigori 
Sò  mente  o  querer  voffo  me  conyem 
Afli  quereis  que  feja?Se|a  afli. 


^\\ 


S.ONETO     CXXIX. 


\  Chaga  que,  Senhora,  me  fizeftes, 
•*^  Naõ  foy  para  curarfe  em  humíodiaj 
Porque  crecendo  vay  com  tal  porfia 
Que  bem  dcfcobrc  o  intento  que  tiveftes? 

De  caufar  tanta  dor  vos  nso  doeíles? 
Mas  a  doervos,  dor  me  naõ  íeria. 
Pois  já  com  cí[  erança  me  veria 
Do  que  vòs  que  cm  mi  viíTc  naõ  quifeftes. 

Os  clhcs  tom  que  todo  me  roubaítes 
Foraõ  caufa  do  mal  quevou  paliando, 
E  vós  eAais  fingindo  o  naõ  caufafl:es. 

Maseumevingarey. E  fabeis  quando? 
Quando  vos  vir  queyxar  porque  deyxaftes 
Iríe  a  minha  Alma  nelles  abrafando. 

SONETO    CXXX, 

SE  com  deíprezof ,  Ninfa ,  te  parece 
Que  podes  delviar  do  feu  coydado, 
Hum  coração  confiante  que  íe  oftrece 
A  ter  por  gloria  o  íer  atormentado. 

Dcyxa  a  tua  porfia,  6:  reconhece 
Que  mal  fabes  de  arnor  defenganado. 
Pois  naó  fentes,  nem  vés  q  em  teu  malciece 
Crecendo  em  mi  de  ti  maisdeíamado. 

O  efquivodefamorcom  que  me  tratas. 
Converte  em  piedade,  íenaõ  queres 
Que  creça  o  meu  querer,  &  o  teu  deígoílo. 

Vencerme  com  cruezas  nunca  efperes: 
Bem  me  podes  matar,  &  bem  me  macas, 
JMâs  fempre  hade  viver  meu  profupoíío. 

SO" 


Rimas  do  Grande  Luís  de  CamÕesl 


n 


SONETO    CXXXI. 

SEnhora  minha,  feeude  vòsaufcntc 
Me  defendera  de  hum  penar  fcvero, 
Sofpeyto  que  ofendera  o  que  vos  quero, 
Eíquecido  do  bem  de  eftar  preíente. 

Trás  eíle  logo  finto  outro  accidente, 
E  he  ver|que  íe  da  vida  deleípero. 
Perco  a  gloria  que  vendo  vosefpero, 
E  aíli  eílou  cm  meus  males  difference, 

E  nefta  diíFcrença  meus  íentidos 
Combatem  com  taò  afpera  porfia 
Qu3  julgo  eftc  meu  mal  pordcshumano. 

.  Entre  li  fem pre  os  vejo  divididos» 
E  fe  a  cafoconcordaõ  algum  dia^ 
He  fó  conjuração  para  meu  dano. 

SONETO  cxxxir; 

No  regaço  da  Mãy  Amor  eílava 
Dormindo  taò  fermofo  que  movia 
O  coração  que  mais  ifento  o  yiãy 
£  a  íua  própria  Mãy  de  amor  matava. 

£llaco'os  olhos  nelU  contem plav^i 
AquaQCoeftra>];oo  Mundo  reduzia; 
Elle,  porém,  fonhando  lhe  dizia 
'  Qu<^  t rdo  aquelle  mal  ella  o  caufava. 
Solifo^quj  graduado  em  íeus  amoresi 
De  íabjr  de  ambos  mais  teve  a  ventura» 
Aíli  íoltou  a  duvida  aos  padores : 

Síbem  meferen  fcmpre  lem  ter  cura' 
Do  Ml  nino  os  ardentes  paíTadores 
Mais  me  fere  da  Máy  a  fcrmoíura. 

SONETO    CXXXIII. 

ESce  terrefte  Caos  com  feus  vapores 
Naópodecondcnfaras  nuvens  tanto  ^ 
I   Que  o  claro  Sol  naõ  rompa  o  negro  manto 
i   Com  fuás  bellaSj&  luzentes  cores. 
A  ingratidão  efquivâ  de  rigores 
Opoíla  nuvem  he,que  dura  em  quanto 
I    Nos  naõ  converte  o  Geo  em  crifts  pranto 
i    Suas  vans  cfperançaSj  feus  fivores. 

Pòdefe  contrapor  ao  Ceo  a  Terra, 
I    Eeftar  o  Sol  por  horas  eclipfado, 
Mas  na6  pode  ficar  efciirecido. 
Pode  prevalecer  a  voíTa  guerra, 
I    Mas  a  peíardas  nuvens,  declarado 
Ha  de  fcr  voffo  Sol,  6c  obedecido. 


SONETO-   CXXXIV. 

TJUma  admirável  erva  fe  conhece 
"*^Que  vay  aoSol  feguindo  de  hora  em  hora 
Logo  que  elle  do  Eufrates  ícvè  fora, 
E  quando  eftà  mais  alto,  entaõ  florece. 

Mas  quando  ao  Oceano  o  carro  decc 
Toda  a  fua  belleza  perde  Flora. 
Porque  ella  fe  emmurchece^  &:  fe  defcora^ 
Tantoco*a  Luzaufente  íeentriftece. 

Meu  Sol,  quando  alegrais  efta  Alma  voíTai 
MoftrandolheeíTerofto  que  dà  vida, 
Cria  flores  em  íeu  contentamento. 

Mas  logo,  em  náo  vos  vendo ,  cntriílecida 
Se  murcha,  &  íc  confume  em  graõ  corméco 
Nem  ha  quem  voíía  auíencia  fofrer  poíía, 

SONETO    CXXXV. 

CReceyjdefejomeu,  pois  que  a  Ventura 
Já  vos  tem  nos  feus  braços  levantado; 
Q|ae  a  bc:lla  cauía  de  que  íois  gerado, 
O  mais  dirofo  íim  vos  afegura. 

Se  aípirais  por  oufado  a  tanta  altura^ 
Nió  vos  cípante  aver  ao  Sol  chegado.* 
Porque  he  Águia  Real  voíTo  cuydado. 
Que  quanto  mais  o  fofre  mais  fe  apu^a. 

Animo,  Coração}  que  o  penfameato 
Tc  pode  inda  fazer  mais  gloríofo, 
Sem  quereípeytc  a  teu  merecimento. 

Que  creças  inda  mais  he  jà  forçofo; 
Porqne  fe  foy  de  oufado  o  teu  intento. 
Agora  de  atrevido  hc  venturofo. 

SONETO    CXXXVI. 

E  o  gozado  bem  em  agua  cfcrito  i 
__.  _  Vive  no  d<?fcjar,  morre  no  cfíeyto  • 
O  defejado  íempre ,  hc  mais  perfcyto. 
Porque  tem  parte  algua  de  infinito. 

Darahúa  Alma immortal gozo  preícritoj 
Em  verdadeyro  amor  fora  deteyto  : 
Por  modo  fuperior,  não  imperfeyto. 
Sois  exceyçaó  de  quanto  aqui  limito. 

De  húa  efperança  nunca  conhecida. 
Da  fé  do  deíejar  naó  alcançada. 
Sereis  mais  defcjada  poífuida. 

Naó  podeis  da  efperança  fer  amada  : 
Vifta  podereis  fer,  &  entaõ  mais  crida : 
Forem,  naõ  fem  agravo  comparada. 

SOj 


^^ 


Rimas  à&  Grande  Luís  âe  Camães. 


SONETO   cxxxvir. 

DE  quantas  graças  tinha  a  Natureza 
Fez  hum  bello^ScriquifllmocefourO) 
t  com  rubis,&  roías}ncve,&  ouro, 
Formo j  rubiimc,&  Angehca  Bi^lleza. 
Pos  na  hoca  os  rubis,  &  na  pureza 
Do  bel  lo  roftoas  roías,  por  quem  morroi 
No  cabelio  o  valor  do  metal  louro ; 
No  peyto  a  neve,  ccn  q  a  alma  tenho  acefa, 
í-      Mas  nos  olhos  mollrou  quanco  podia, 
E  £c2  delles  hum  Sol ,  onde  fe  apura 
A  luz  mais  clara  que  a  do  claro  dia. 

Enfim,  Senhora,  em  voíTa  compoílura, 
£lla  3  apurar  chegou  quanto  íabia 
Deouro^Roías,Kubis,úeve,  &luz  pura, 

SONETO    CXXXVIII. 

NUncaem  Amor  danou  o  atrevimento  5 
Favorece  a  Fortuna  á  ouíadia: 
Porque  fempreaencolnida  covardia 
De  pedra  ferve  ao  livre  penfamento. 

Quem  feeleva  ao  fubhme  Firmamento, 
A  eftrella  nellc  encontra  que  lhe  he  guia: 
Quí  obem  que  encena  em  íiaFantalia 
baõ  huraas  ilufóes  que  leva  o  vento. 

Abrir  fc  devem  paíTos  à  ventura : 
Sem  fi  propio  ninguém  fera  ditofo: 
Os  princípios  fó  nente  a  Sorte  os  move, 

Arreverí^he  valor,&  náo loucura. 
Perderá  por  covarde  o  venturolo 
Que  vos  vé,fe  os  temores  naõ  remove. 

SONETO    CXXXIX. 

DOces,&  cl^raç  aj^oas  Jo  Mondego, 
Doce  repouío  de  minha  lembrança, 
Onde  a  comprida,  6c  pcrfida  efperança 
Longo  tempo  após  íl  me  trouxe  cego. 
e     De  vòs  me  aparto,  fi  >  porém  não  nego 
Que  indaa  longa  memoria,  q  mealcança, 
Mc  não  deyxa  de  vòs  fazer  mudança, 
Masquáco  mais  me  alongo  mais  me  achego. 

Bem  poderá  a  Fortuna  eíleinftromento 
Da  Alma  levar  por  terra  nova,6c  eílranha, 
OíFcrecidaao  mar  remoto,  ao  vento. 

Mas  a  Alma,  que  de  cà  vos  acompanha. 
Nas  azas  do  Iigey ro  peníamento 
Para  vòs,  Agoas,  voa,  &  em  vòs  fe  banha. 


SONETO  cxl: 

SEnhor  Joaõ  Lopes,  o  meu  baxo  eftado 
Honrem  vi  pofto  em  grão  taó  excelente^ 
Que  fendo  vòs  enveja  a  toda  a  gente, 
Sò  por  nr  i  vos  quilereis  ver  trocado. 

O  G:fto  vi  juave,&  delicado, 
Qje  jà  vos  fez  contente,  6c  defcontente, 
Lançar  ao  vento  a  vòz  taõ  docemente 
Que  fez  o  ar  fcreno,  &  foíTegado, 

Vilhe  em  poucas  palavras  dizer  quanto 
Ningucm  diria  cm  muytas;  mas  eu  chego 
A  clpirar  íó  de  ouvira  doce  fala, 

O*  mal  aja  a  Fortuna  ,  &  o  moço  CegQ  í 
Elle,  que  os  corações  obriga  a  tanto  j 
Ella,  porque  os  E/tados  defiguala. 

SONETO    CXLT. 

A  Morte  que  da  vida  o  nò  dcfata,' 
Os  nòs  que  dà  o  Amor  cortar  quifera 
Co' a  a u fendia  que  he  fob/clleef pada  fera 
E  co'  o  tempo  que  tudo  desbarata. 

Duas  contrarias,  que  húa  a  outra  maca^ 
A  morte  contra  Amor  junta,  &  altera^ 
Húa^  Kazaõ  contra  a  Fortuna  aufteraj 
Outra^  contra  a  Razaó  Fortuna  ingrata. 

Mas  moltre  a  fua  Imperial  potencia 
A  Morte  em  apartar  de  hum  corpo  a  AlmaJ^ 
O  Amoroum  corpo  duas  alnjas  una. 

Para  queaííi  triunfante  leve  a  palma 
Da  Morte  Amor  a  graó  pcfardaaulenciaj 
Do  Tempo,  da  Razaõ ,  &  da  Fortuna. 

SONETO    CXLII. 


A  Rvorcj  cujo  pomobello,  6c  brando» 
•*^  Natureza  de  leyce,  &  fangue  pinta. 
Onde  a  pureza,  de  vergonha  tmcai 
Efla  virgineas  faces  imitando. 

Nunca  do  vento,  &c  ira,  que  arrancando 
Os  troncos  vaõ,  o  teu  injuria  finta; 
Nera  por  malicia  de  ar  te  feja  extinta 
A  cor  que  eftáteu  fruto  debuxando. 

E  pois  empreitas  doce,  &  idóneo  abrigo 
A  meu  contentamento,  &  favoreces 
Comteuíuavecheyroa  minha  gloria. 

Se  eu  naõ  te  celebrar  como  mereces, 
Canta ndote,  fe  quer  farcy  contigo 
Doce  nos  calos  tiiítes  a  memotu* 


I 


Rimas  do  Grande  Lms  de  CamÕesl 


»f 


SONETO    CXLIII. 

O  Filho  de  Latona  cfdarccido. 
Que  cò  feu  rayo  alegra  a  humana  gcte, 
Matar  pôde  a  Phitonicaferpente 
Que  mortes  mil  avia  produzido. 

Ferio  com  arco,  &  de  arcofoy  ferido. 
Com  ponta  aguda  de  ouro  reluzente : 
NasThelalicas  prayas  docemente 
Porá  Ninfa  Penea  andcu  perdido, 

Nâó  lhe  pode  valer  contra  fcu  dano  , 
Saber,  nem  diligencias,  nem  rcfpcyto 
De  quanto  era  celeftc,  &;  íobcrano. 

Pois  fe  hú  Deos  nunca  vio  nem  hú  engano 
De  quem  era  caõ  pouco  em  feu  relpeyto, 
í^u  que  cípcro  de  hú  fer  q  he  mais  q  humano. 

SONETO    CXLIV. 

PReíènça  belia,  Angélica  figura, 
Em  qus  quáco  o  Ceo  tinha  nos  té  dajoi 
Gefto  alegre  de  roías  femeado, 
Entre  as  quies  fi  efti  rindo  a  Fermofura: 
Olhos,  onde  tem  teytotal  miftura 
\  Em  criítal  puro  o  negro  marchetado, 
j   Que  vemos  ji  no  verde  delicado,  , 
Naõ  efperança,  mas  enveja  efcura. 

Brandura,  aviíOj&  gr^ç*»  que  aumentado 
A  natu ral  Belleza,  cum  derprefo^ 
Coni  que  mais  deíprezada  mais  íe  aumenta 

Saó  as  prifõcs  de  hunrí  coração,  que  preío. 
Seu  mal  ao  íom  dos  ferros  vay  cantando, 
Como  faz  a  Serea  na  tormenta. 

SONETO    CXLV. 

POr  cima  deílas  agoas  forte,  Sc  firme 
Ireyadondeos  Fados  o  ordenarão 
Pois  por  cima  de  quantas  derramarão 
AquellíS  claros  olhos  pude  virme. 

jà  chegado  era  o  fim  de  deípedirmej 
Jà  mil  impedimentos  íe  acabarão. 
Quando  rios  de  Amor  Ic  atraveíTaraò 
A  meimpediropaííòdepartirme. 

PàíTeyos  eu  com  animo  obílinado, 
Com  que  a  morte  forçada,  &  gloriofa, 
Faz  o  vencido  jà  deferperado. 

Em  qual  figura^  ou  gefto  defuíado, 
Pcdeja  fazer  medo  amorteirofa, 
A  quem  tem  a  íeus  pès  rendido,  6c  atado? 
Íti.JPart. 


SONETO    CXLVr. 

TAl  moftra  de  fi  dà  voíTa  figura, 
Sibela,  clara  luz  da  redondeza. 
Que  as  forças,  &  o  poder  da  Natureza, 
Com  fua  claridade  mais  apura. 

Qtiem  confiança  ha  viílo  taõ  fegura, 
Taó  lingularefmalteda  belleza 
Que  naô  pad  ça  mal  de  mais  graveza. 
Se  refiftir  a  ícu  amor  procura. 

Eu,  Pois,  por  efcuíar  tal  efquivança, 
A  razaó  íogeytcyaopenfamento, 
A  quem  logo  os  íéntidosle  entregarão» 

Se  vos  ofíende  o  mcuatrcvimcnto, 
Inda  podeis  tomar  nova  vingança 
Nas  relíquias  da  vida  que  ficáraõ. 

SONETO    CXLVir: 

NA  defefperaçaôjárepouCva 
O  peyto  longamente  magoado; 
E  com  feu  dano  eterno  concertado, 
Jà  naõ  temia,  jànaõdefejava. 

Quando  huma  íombra  vãa  meaíTegurava^ 
Que  algum  bem  me  podia  eftar  guardado 
Em  caõ  fcrmofa  Imagem,  que  o  traslado 
Na  Alma  ficou,  que  nella  fe  elevava. 
Que  credito  que  dà  taó  facilmente 
Ocoraçaõaaquilio  quedeíeja, 
Quando  lhe  elquece  o  fero  feu  dc/lino! 

Ah!  deyxemme enganar;  qeu  foucontete: 
Pois  pofto  que  mayor  meu  dano  feja^ 
Ficame  a  gloriajà  do  que  imagino. 

SONETO    CXLVIII. 

Dlvcrfos  does  reparte  o  Ceo  benínoj 
E  quer  q  cada  húa  Alma  hil  fó  poflu3| 
Por  iílo  ornou  decafto  peyto  a  Lua, 
Que  o  primcyro  orbe  illuftra,criftalino. 

De  graça  a  Máy  fermofa  do  MininOj 
Que  neíTa  vifta  tem  perdido  a  íua^ 
Palias  de  ciência  naõ  mayor  que  a  tua  ; 
Tem  Juno  da  Nobreza  o  Império  dinoj 

Mas  junto  agora  o  largo  Ceo  derrama 
Em  ti  o  mais  que  tinha,  &foy  o  menos, 
Em  refpeyto  no  Autor  da  Natureza, 

Que  a  (eu  peíar  tedaó,  fermofa  Dama,' 
Seu  peyto  a  Lua,  fua  graça  Venos, 
Sua  ciência  Palias^  J  uno  íua  nobrezal 

D  '     SO. 


''^ 


Rims  do  Grande  Luis  de  Camõekl 


SONETO    eXLIX. 

GEnél  Senhora,  fe a  fortana  imiga, 
Qii^ contra  mico  codoo  Ceoconfpifa, 
Os  olhas  meus  d€'ver os  voíTos  tira. 
Porque  em  mais  graves  caíos  me  períiga. 

CoiUigo  levo  eíta  alma,  que  le  obriga 
Na  rrvór  preíía  de  mar,  de  fogo,  &  d*ira 
A  dar*'i>s  a  mcmoriajque  íiiípir*, 
Sò  per  fazer  coríi  voíco  eterna  liga. 

NeíU  alma,  onde  a  Fortuna  pode  pouco, 
Tnó  viva  v^s  tcrey,  que  frio,  6t  fome. 
Vos  naô  poííaõ  tira^  nem  mais  perigos. 

Anttfs  com  fom  de  voz  tri mulo,  6c  rouCo^ 
Por  V  ò  s  c  ham  a  o  do  ,  ;í  o  cu  m  voíío  nom  c 
Farey  fugir  os  vent^os,  ^  os  imigos, 

.i  SONETO    ClL 

QUc  mr)do  taó  íutil  da  ftature^a 
Bárra  fugir  ao  Mun  do,  6c  ícus  enganos! 
Permitccquefe  eícòfldâ  cm  tenrros ,  annos^ 
Debaxo  de  hum  burel  tanra  bcUeza. 
^  Mas  naó  pod-e efconderfc  a quella  alteza, 
E  gora  vidadc  de  olhos  íoheranoji  j 
A  cujo  rerplanJor  e«rre  ii-shiiíBanos, 
Refiltencianaõ  finai, ou  fortaleza. 

Qtietn  quer  livre íícar  de  dor,  &:  pena, 
Veikioa  jà,  ^  traicndoa  na  meraoriáj 
Na  melnva  razaó  foaa  fe  condena. 
;    forque  quem  mereceo  ver  tanta glóiia 
Cativoha  de  ficar;  que  Amor  ordena, 
Que  dcjurotenti^cliaelta  vitoria. 

SONETO      CLL 

QUando  fe  vir  com  agoa  o  fogo  arder, 
^      Juiitarftí  ao  claro  dia  a  noyte  eícura, 
E  a  terra  colocada  là  na  altura 
Em  que  fe  vem  os  Ceos  prevalecer. 

Qiiando  Amor  à  Razaõ  obedecer, 
E  em  todos  for  Igual  huma  ventura 
Dcyxarcy  eude  ver  lal  Fermoíura, 
E  dcaanaardeyxarey  depois  dcaver. 

Porèmnaõ  lendo  vifta  eíla  mudança 
No  mundo,  porque,  enfim,  naó  pode  veríè 
Ninguém  mudar  me  queyra  de  querervos. 

Que  baftaeftârem  vos  minha  eíperança, 
E  o  ganharfcaminha  alma,ouoperderíe, 
fará  dos  olhos  meus  nunca  perdcrvos. 


SO>JETO     CLII. 

QUãdoafciprema  dor  muyto  me  aperta. 
Se  digo  qire  defejoefqaeci mento, 
He  torça  quçie  faz  ao  penfaínento. 
De  que  a  vontade  livre  defconcerta. 

Alii  de  crrotaõ grave  me  deípertá 
A  luz  dobem  regido enteôdimentO) 
Que moftra  fer  engano,  oti  fingimento,' 
Dizer  que  ern  lal  deícanío  irtfiais  fe  acerta. 

Porqxre cíJa  própria  imagem,  q  na  mente 
Me  reprefe'i5ta  o  bem  de  quê  careço, 
Fazmo  dehufn  certo  modo  íèr  preferitej 

Oitoía  h<e^'lògo,  a  penaqu-e  padeço. 
Pois  que  da  cuuíâ  dciia  ewi  mi  fe  íenté 
Flum  be«i  q^êindaíemvtrvos  recoahb^a 

.  SONETO     CLUí. 

^l  A  fliargem  de  hum  ribey ro  que  fertdia 
st  Com  itquido  criítal  \\^^vs^  vitde  prado, 
O  trifte  Paílor  Lifo  debruçado 
Sobre  o  troncode  hum  freyxo  aíli  dizi^. 

Ah'  Natcrcia  cruel !  Quem  te  defvia 
Eífe  cuydado  teu  do  meu  cuydado  ? 
Se  tanto  hey  de  penar  deftnganado,  ^ 

Enganado  de  ti  viver  queria.  -^^ 

Quefoydeaqueila  fé  que  tu  medefte^ 
De  aquelle  puro  amor  que  me  rooftrafte.»     ' 
Quem  tudo  trocar  pode  taõ  afinha? 

Quando  eífes  olhos  cens  noutro  pufefte. 
Como  te  naó  lembrou  que  mejurafte 
Por  toda  a  fua  lu2>  que  eres  fó  minha?  "* 

SONETO    CLIV. 

SE  me  vem  tanta  gloria  fó  de  olharte^ 
He  pena  defigual  deyxar  de  verte 
Sc  prcfumo  com  obras  merecertc, 
Graó  paga  de  hum  engano  hedefejartc. 

Se  aípiropor  quem  es  atelebrarte, 
Sey  certo  por  quem  íbu  q  hey  de  ofFendertefj 
Se  mal  me  quero  a  mi  por  bem  quercrre, 
Que  premio  querer  poíTo  mais  que  amarte? 

Porque  hú  taó  raro  amor  naõ  me  focorre  í 
Oh,  humano  teíouro !  ò  doce  gloria  i 
Ditoío  quem  à  morte  por  ri  corre ! 

Sempre cfcritaeAar às  neíla  memorias 
E  efta  alma  vivirà,  pois  por  ti  morre  i 
Porque  ao  fimúa  batal^iahe  a  vitoria. 

^  .      so; 


Rimas  do  Grande  Lms  de  Camões. 
SONETO    CLV.  SONETO    CLVlIÍ. 


» 


SEmprea  Razaó  vencida  foy  de  Amor  j 
Mas  porque  alH  o  pedia  o  coraçaõ> 
Quis  Amor  fcr  vencido  da  Razaõ^ 
Ora  que  cafo  pode  avcr  mayor  J 

Novo  modo  de  morte,  &c  nova  dor  l 
Eftranheza  de  gran  le  admiração^ 
Pois  enfim,  feu  vigor  perde  aafeyçaó. 
Porque  naõ  perca  a  pena  o  íeu  vigor. 

Fraqueza  nunca  a  ouve  no  qu-rer. 
Mas  antes  muycomais  fe  esforça  a llim 
Hum  concrario  com  outro  por  vencer, 

Mas  aRazaõque  a  luta  vence,  enfim, 
Naõ  creo  que  he  i<^zaó,  mas  deve  ler 
Inclinação  que  cu  tenho  contra  mim, 

SONETO    CLVI. 

C'>  Oytado,qem  hum  tempo  choro  &  rio> 
j  Efpera,  õc  temo^  quero,  &  aborreço^ 
Juntamente  me  al.:gro,  h  meCiitriíteçOí 
Coafijde  hu  na  coufa,  5c  delconfio, 

Vo  j  fem  azasjeítou  cego  5c  guiOj 
Alcanço  menos  no  que  mais  mereçoj 
Encaó  falo  melhor  quando  emmudcçoj 
Sc:m  ter  contradição  íempre  porfio. 

Poífivel  íe  me  faz  tod  3  o  impolUvel; 
Intento  com  muiirmeeítarmequedoi 
TJÍar  de  liberJade,  &  fcr  cativo. 

Q^iena  viíto  fer,  íer  invifivel; 
Verme  deíenreiado  a  mando  o  enredo, 
TaesDScftremos  íaó  com  que  hoje  vivo. 

SONETO    CLVlí. 

Tulgamea  gente  toda  por  perdido, 
Vcndomc,  raõ  entregue  a  meu  cuydado, 
Andar  fempre  dos  homens  apartado> 
E  de  humanos  comércios  cfquecido. 

Mas  eu  que  tenho  o  Mundo  conhecido, 
E  quafi  que  <bbre  elle  ando  dobrado, 
Tenho  por  baxo,  mítico,  &  enganado, 
Qyem  naõ  he  có  meu  mal  engrandecido. 

Và  revolvendo  a  terra ,  o  mar,  &  o  vento, 
Honras  burque,&  riquezas,St  a  oucra  gente, 
Vencendo  ferro,  fogo,  írio,  Sc  calma. 

Qiieeu  por  Amor  fómcnts;  me  contento 
De  trazer  efculpido,  ecernamtnte, 
Voifo  fermofo  gello  dentro  da  alma. 


O  Lhos,  a  donde  o  Ceo  có  luz  mais  purí 
Quisdir  de  íeu  poder  claros  fiaais, 
Se  quiícrdes  ver  bem  quanto  poíTais» 
Vedenrtea  mi  queíou  voíla  feytura. 

Em  mi  viva  vereis  voíla  figura 
Mais  própria  q  em  putiíTimos  cnftais, 
Porque  neíta  alma  he  certo  que  vejais 
Melhor  que'numcriílal  tal  termoíuia. 

De  meu  naõ  quero  mais  que  o  meu  deíejo, 
Seacaío  por  qucref  vos  mais  mereço, 
Porqueovoílo  poderem  mi  fe  aílelle. 

Do  mundo  outra  memoria  em  minaóvejol 
Com  Icmbrarmcdcvòsjdclleroe  cfqiieço 
Com  triunfardes  de  nd  ,  triunfarey  dtUe» 

SONETO     CLIX. 

C'%Riou  a  Natureza  Damas  bellas 
_j  Qiie  foraó  de  altos  pledros  celebradâSi 
Delias  tomou  as  partes  mais  prezadas, 
E a  vò> ,  Senhora ,  tez  do  melhor  delias. 

Elias  diant ;  vos  Càô  as  Eftrellas, 
Qtie  hcaõ  com  vos  ver  logo  eclípradas  : 
Mas  fe  cilas  cem  por  Sol  eíías  roíadas 
Luzes  de  Sol  mayor,  felices  ellas  • 

Em  perfeyçaõ,  em  graça,  &  gentileza^ 
Por  hum  modo  entre  humanos  peregrino, 
A  todo  bello excede eíTa  B.lleza, 

Oh,  quem  tivera  partes  de  divino 
Para  vos  merecer  !  Mas  fe  pureza 
De  Amor  vai  ante  vòs,  de  vòs  íou  dino. 

SONETO    CLX. 

r\  Ueefperais,  Efperanç:!  ?  Derefpero.' 
^  Quem  diíTo  a  caufa  toy  ?  Húa  mudança.' 
Vòs,  Vida,  como eílaís  ?  Sem  eíperança» 
Que  dizeis,  coração  ?  Que  muy  to  quero, 

Quefentis,Alma,vòs  ?  Qie  Amor  he  fcroj 
E,  enfim,  como  viveis  >  Se  n  confiança. 
Quem  vos  íuftenta,  logo?  Hu ma  lembrança. 
E  fo  nella  efperais  ?So  nclla  efpero. 

Em  que  podeis  parar  ?  Niíto  em  q  eílou, 
E  em  que  eíl^is  vòs  ?  Em  acabar  a  vida. 
Etendeloporbcm  r  Amoro  quer. 

Quem  vos  obriga  alli  ?  Saber  quem  fou^ 
EquemíoisfQjem  detodocflà  rendida. 
A  quem  rendida  eftais  ?  A  hum  fó  querer. 

Dij  SOi 


'Vf 


Rimas  do  Grande  Luís  de  CamÕes\ 
SONETO    CLXL  SONETO    CLXl V. 


SEíomo  em  tudo  o  mais  foítes  perfeyta 
Forcís  de  condição  menos  elquiva. 
Fora  a  minha  fortuna  maisaltiva, 
Fora  a  íua  altiveza  mais  íogeyta. 

Mas  quando  a  vidaavoííob  pèsfedeyta^ 
Porque  naóaaccytas^naõ  querqu^eu  viva: 
Ella  própria  de  fi  jà  a  mi  me  priva, 
Que  porq  me  engeytais,  também  ms  engeytà 

Se  nifio  contradl^  volfa  vontade, 
ivlandayihe  vòs,  Senhora,  que  de  lim 
A  mmha  profundiiiimatnlteza. 
'•     Pois  ella  naó  mo  dà  porque  piedade 
Tcnlia  defte  mju  mal,  mas  porque  em  mim 
Poíiaís  aíii  fartar  voila  crueia. 

SONETO    CLXrl. 

SE  3lgum'hon  eOa  viíta  mais  íuavc 
A  caio  a  mi  volveis ,  em  hum  momento 
2^s  fiiito  com  hum  cal  contentamenco 
Que  naó  temo  que  dano  algum  meagrave. 

Mas  quádo  com  deíddm  eíquivo,  ôc  ^rave, 
O  bello  rolto  me  moítrais  ifento, 
Huma  dor  provo  cl,  hum  tal  tormento. 
Que  muyto  v.ma  í:r  quenaó  me  acabs, 

Aíli  eltà  minha  vida,  ou  minha  morte, 
No  volver  de  cfles  olho  i  pois  podeis 
Darc'huma  volta  dclleâ  mcrce,  ou  vida, 

DitolOi  eu,  fc  o  Ceo  qaer ,  ou  minha  forte, 
Qiie  ou  vida  para  darvõh  me  deis, 
Cu  morte  paraaver  morte  querida, 

SONETO    CLXIIí. 

TAnto  feforaójNínfai  coftumando 
Meus  olhos  a  chorar  tua  dureza, 
Quevaõ  paíTandojàporNatureía, 
O  qaepor  Accidcnte  hiaõ  paíTando. 

ISoqueaoíono  Te  deve  eílou  velando, 
E  venho  a  velar  fó  minha  tníteza  : 
O  choro  não  abranda  efta  afpercza, 
E  meus  olhos  eiiaõ  íempre  chorando. 

Afli  de  dor  em  dor,  de  mágoa,em  mágoa, 
Confuniindofe  vaó  inutilmente, 
ttlb  vida  também  vaó  confumindo. 

Sobrco  fogo  de  Amor  inútil  agoai 
Pois  cuem  choroeilou  continuamente, 
E  do  que  vou  chorando  te  vas  rindo, 

/íj/í  nova  corrente 
J^evat  <ie  cuort  em  f'»rot 
JPeríjue  íie  verte  rtr^de  novo  eb»ro<. 


EU  me  aparto  de  vòs,  Ninfas  do  Tejo^" 
Quando  menos  temia  efta  partiOa  ; 
L  le  a  minha  alma  vay  enrriítecida,  " 
Nos  olhos  o  vereis  com  que  vos  vejo* 

Pequenas  eíperanças^  mal  íobejo, 
Vontade  que  ra^aô  leva  vencida. 
Preito  ver aó  o  fim  átriltevida, 
Sc  vos  náo  torno  a  ver  como  clefcjo» 

Nunca  a  noyte  entretanto,  nunca  o  dià^ 
Verão  pai  ti  de  mi  voíia  lembra'  ça, 
An  or,  que  vay  comigo,  ocertefici. 

Por  mais  que  no  tornar  aja  tardança^ 
Me  íóràó  íempre  trifte  companhia 
Saudades  do  bem  que  em  vòs  me  fica. 


SONETO      CLXV. 


V 


Encidoeftáde  Amor 
Q  mais  que  pode  fer, 
Sogeyta  a  vos  íervir,  & 
Ofíerecendo  tudo 
Contente  deíle  bem 
Ou  hora  em  que  fe  vio 
Mil  vezes  deíejando 
(Jutras  mil  renovar 
Com  eíla  preteníaõ 
A  caufa  que  me  guia 
Taõ  íobrenaturalj 
Jurando  naõ  querer 
Votando  íó  por  vòs 
Ou  fer  no  voíTo  amor 


Meu  penfamento 
Vencida  a  vida, 
inftituidaj 
A  voíTo  intéta. 
Louvaomjméto, 
També  perdidaí 
Alli  ferida, 
Seu  perdimento- 
Elfá  fegura 
Neftâ  cmprefa 
Honrofa,  &  altaJ 
Outra  ventura. 
Rara  firmeza. 
Achado  cm  faka,' 


SONETO    CLXVí. 

Divina  Companhia  íque  nos  prados 
Do  claro  Eurocas,ou  noOlimpo  mote. 
Ou  fobre  as  margens  da  Caftalia  fonte 
VoíTos  Eítudos  tendes  mais  íagrados  : 

Pois  por  deílino  dos  immoveis  Fados 
Quereis  que  em  voíTo  numero  me  conte, 
No  eterno  Tem  pio  de  Bclorofonte 
Ponde  em  bronze eftes  veríos  entalhados, 

Soli fo(^ porque  em  íeculos  futuros 
Se  veja  da  Bclleza  o  que  merece 
Quemdefabiadoudice  a  Mente  inflama) 

Seus  cícntos,  da  Sorte  já  feguros, 
A  eftas  Aras  em  hua  maóoffrece, 
£  a  Alma  em  ouctâ  á  lua  bclla  Dama, 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Camões]  c^f 

SONETO     CLX VIí;  SONETO    CLXX, 


A  La  margen  dei  Tajo  en  claro  dia, 
Con  rayado  maríil  peynando  eítava 
Natércia  fu»  cabellos,  y  quicava 
Con  fus  ojos  la  luz  ai  "^ul  que  ardia, 

SoJifu^quequal  Cli-ie  la  íeguia, 
LexQS  de  li,  mas  cerca  ddla  eftaví  : 
Allon  de íuzampona  celebrava 
La  cauía  de  lu  ardor,  y  afli  dezia. 

Si  Cancãs,  como  tucienes  cabcllos. 
Til  viera  vidas  yo,  me  las  Uevàras 
Colgada  cada  quni  dei  uno  dcllos. 

De  notenerlastu  meconíolàras, 
Si  tanras  vezes  rndcoiio  íòn  ellos, 
En  eilos  laquccengo  me  enredaras. 

SONETO    CLXVIIL 

POr  floria  tu ve  un  tiempo  cl  íer  perdido; 
Perdumede  puro  bieo  ganado  : 
Gane  quando  perdi  íer  líbcrcado} 
Lt.xtr-ftgora  me  voo  màs  vencido. 

VcnciquandodeNifefuyrend  doj 
Rendimi  por  nofer  delia  dexado: 
DexÒTieen  la  memorii  elbien  paíTado; 
Pdlí.agoia  a  llorar  lo  que  he  fervido. 

Servia  ai  premio  de  la  Luz  que  amava  j 
Aniandola  eíperavale  por  cierto; 
Incicrtome  íalió  quanto  eíperava. 

J^a  eíperança  íe  queda  endeíconciertoj 
Elconcierio  ea  el  m'4que  no  peníavâi 
tlpenfamienco  conunfin  mcierco, 

SONETO     CLXIX. 

EEbuelvo  en  la  inccíTablc  fanrafia,  ("do, 
^  Quádo  me  he  vilto  en  màs  dicholoefta» 
Si  ago  a  de  Amor  vivo  inflamado. 
Si  quando  de  íu  ardor  libre  vivia. 

Entoncesdeíla  llaina  folohuia 
Delprcciando  en  mi  vida  fu  cuydado  : 
Agora,  con  dolor  de  lo  piíTado, 
Tengo  por  gloria  aquello  que  temia. 

Bicn  vc:o  que  era  vida  deleytofa 
Aqucllj  que  lograva  fin  temores 
Q-iando  guitos  de  Amor  tuve  por  viento. 

Mas  viendooy  a  Natércia  tan  hermofa, 
Halio  en  eíta  priiion  glorias  mayores, 
V  cnperderlas  por  libre  hallo  tormenc  j. 


L  As  peíías  retumbavân  ai  gemido 
Del  mifero  zagal,  que  lamentava 
£1  dolor  que  a  fualma  iaitnnava. 
De  v\n  obítinado  delamor  nacido. 

El  marque  las  batia  íu  bramido 
Coo  los  retumbos  delias  ayuntava  j 
Conluio  íou  el  vienco  dciramava, 
En  cavernofos  valles  repetido. 

Reíponcicn  a  mi  llanto duras  penas: 
Ay  de  mi  i  (dixo)  ia  mar  brama,y  ^ime  j 
Los  ecos  íuenan  de  trideza  Uenos. 

V  tUjporquié  la  mucrreen  mi  le  imprime 
De  oir  las  anilas  nuas  tedeídenaSi 
y  quãndolloro  màstcablando  menos, 

SONETO    CLXXI. 

EN  una  felva  ai  difpuntardeldia 
Eítava  Endimion  trifte,  y  llororo^ 
Bueltoal  rayo  dei  Sol, que  preiuroío 
Por  la  falda  de  un  monte  dcíccndia. 

Mirando  ai  turbador  de  fu  alegt  Í3/ 
Contrario  dela  bien,  yfurepoío. 
Trás  un  furpiro,y ocro, cong.xoío, 
Kazones  femejanc.s  ledezn, 

Laz  clara,  para  mi  la  máseícura.' 
Que  con  eíTe  paíTeo  aprefurado, 
Ml, Sol  con  tu  tiniebla  eícureciílcj 

Siâllá  pueden  moverte  en  elTa  altura 
Las  quexas  de  un  Paftor  enamorado> 
JNo  tardes  en  boi  ver  a  do  falífte. 

SONETO    CLXXIL 

O  Rfeo  enamorado  que  tania 
Por  la  perdida  Ninfa  queburcãvâ, 
EnelOrcoimplacble  donde  eítava, 
Con  la  arpa,  y  con  la  voz  la  enternecia» 

La  rueda  dei  xion  no  fe  mo via^ 
Ningun  atormentado  fequexavai 
Las  penas  de  los  otros  ablandava, 

Y  codas  las  de  todos  el  fentia. 

El  fon  pudo  obligar  de  tal  mancra^ 
Qiicen  dulce  galardoo  de  lo  cantado, 
Los  Infernales  Reycscondolidos. 

Lemandaron  bolver  íbcompaííera, 

Y  boi  viola  a  perder  cl  deídichado, 
Conquefueroncncrambos  los  perdidos, 

SO. 


r 


^  Rlm^s  do  Grande  Lm>lde  Ca,mdes] 

SONETO    CLXXIII.  SONETO    CLXXVl. 


El/canteyjà,  &  agora  vou  chorando 
O  tempo  que  c^ntey  taõconíiadp: 
parece  que  no  canto  jàpaíT^do 
Se  eílavaó  minhas  bgriíius  crmndo, 

Canteyjmasie  mealgué  pexguta» quando? 
Naõ  fey  que  também  tuy  nííTo  enganado, 
He  taò  trii]:e  efte  cneu  preíente  eftado. 
Que  o  paflado  por  ledo  eílou  julgando. 

Fizeram  me  cantar  manhoíamentc 
Conxen ta  mentos  naó,  mas  confianças  : 
Cantava,  mas  jà  eraaeíom  dos  ferros. 

De  quem  me  queyx3rcy,íe  tudo  mente? 
Porém,  que  civlpas  ponho  á?^  erpcraoças, 
Onda  a  Fortuna  injuíla  he  mais  q  os  erros  ? 

SONETO    CLXXIV^. 

AYj  Amiga  crael !  que  apartamento 
He  eíle  que  fazeis  da  pátria  terra  > 
Ay  i  Qiáemdo  amado  ninho  vos  deíterra. 
Gloria  dcs olhos,  bem  dopeníainento? 

His  tentar  da  Fortuni  o  movimento, 
Edosveotps  cruéis  a  dura  guerra  ? 
Ver  brenhas«de  ondas?  Feyto  o  mar  em  ferra 
Levantada  de  hu  m  vcnro,&  de  outro  vento  ? 

Mas  jà  que  vòs  partis,  fem  vos  partirdes. 
Parta  com  vofco  o  Ceo  tanta  ventura, 
Que  feavefitaje  a  aquella  queefperardes, 

Eíó  dcfta  verdade  ide  íegura, 
Que  hzns  mais  faudades  com  vos  irdes, 
Do  quelevaisdeíejos  por  chegardes. 


c 


SONETO    CLXXV. 

Ampo  nas  Syrres  defte  mar  da  vida^ 

^  Após  naufrágios  Teus  taboa  fegura; 
Claras  bonanças  em  tormenta  efcura, 
Habitaçáada  paz^  de  iVmor  guarida  : 

A  ti  tuJQ :  U.  íe  vence  tal  fugida, 
Equem  mudou  lui^ar  mudou  ventura, 
Cantemos  a  vitoria  j  5c  na  eípefiura 
Triunfe  a  Honra  da  Ambição  vencida. 

Em  flor^Sí  fruto  de  Ver aô,&:  Outono 
Utilmçntemurmuraõ  claras  agoas: 
Alegre  meacha  aqui,  me  deyxaodía. 

Anpantes  roxinoes  rompemmeo  íono 
Que  ata  o  dcfcanfo :  aqui  fepulto  magoas 
Que  jà  foraõ  íepulcrQs  de  alegria. 


AH,  rainha  Dinamene,aín deyxaílc  " 
.Quem  nuca  dcyxar  pode  de  querertei» 
Que  já,  N  mfa  gentil,  não  poíTa  verte  ? 
Que  taó  veloz  a  vida  deíprezaftc  ? 

Como  por  tempo  eterno  te  apartaftc 
De  quem  taò  longe  andava  de  perderte  ? 
Pudcraó  eíías  agoas  deíenderte 
Que  naó  viíles  quem  tanto  magoafte? 

Nem  fomente  falarteadura  Morte 
MedcyxoUj  queaprcíTada  o  negro  manto 
Lançar  fobre  os  teus  olhos-  cenfentifte. 

Oh  mar !  ò  Qto  \  ò  minha  eícura  forte ! 
Qual  vida  perderey  que  valha  tanto, 
bc  mda  tciího  por  pouco  o  viver  tríftc  » 

SONETO    CLXXVIL 

C^  Uaráando  em  mi  a  íbrteo  feu  dercyto^ 
í  EmverJe  me  cortou  minha  alegria. 
Oii  quanto  fencceo  naquelle  dia  ' 

Cuji  trifte  lembrança  arde  em  meu  peytof  J 

Quando  mais  o  imagino  bem  íofpcytO|     j 
Qiie  a  tal  bem  tal  defconto  fe  devia  j 
Por  não  dizer  o  Mundo  qus  podia 
Acharfeemícusenginos  bcrn  perfcytor 

Pois  fc  a  Fortu  na  o  fez  por  defcontarnae 
Effe  deígoílo  em  cu  jo  fcntimento 
A  memoria  naõ  faz  íenão  matarnae  i 

Que  culpas  pode  darme  o  peníamento.' 
Se  a  caufa  que  elle  tem  de  atormsntarmc. 
Tenho  eu  de  íofre  mal  o  íeu  tormento  ? 

SONETO    CLXXVIIL 

C'>  Antandoeftavahumdia  bem  feguro, 
^  Quando  paífaya  Silvio, íc  me  dezui 
(Silvio  Faftor  antiguo  que  fabia 
Por  o  canto  das  aves  o  futuro.) 

Lifo,  quando  quifer  o  Fado  efcuro, 
Aoprimirteviráõem  hum  16  dia 
Dous  lobos  j  logo  a  vozi  êí  a  melodia. 
Te  fugirão, &  o  íom  fuave,  &  puro. 

Bem  foy  aíTi  •,  porque  hum  me  degolou 
Quanto  gado  vacum  paítava&tinh:^. 
De  que  grandes  foldadas  efperava. 

E  por  mais  dano  o  outro  me  matou 
A  Cordeyra  gentil^  que  eu  tanto  amava, 
Perpetua  íaudadc  da  Alma  oiinha. 

so: 


Rimas  do  Grande  Lms  de  Qamêes»  ^f 

SONETO     CLXXIX.  'SONETO    CLXXXIf. 


OCeo,  a  terra,  o  vento  foíTegado  > 
As  ondas  que  íe  eftendem  por  a  areaj 
Os  peyxes  que  no  mar  o  íono  eatrea  j 
Onoái-irno  filencio  rcpouíado: 

O  pelcador  Aonio,  que  dcytado 
Ond€  co*o  vento  a  agoa  íc  menea. 
Chorando,  o  Nomeamadoemvaó  nomeai 
Que  naõ  pode  íer  mais  que  nomeado. 

Onda:,  (dí^i.i^  antes  que  Amor  me  mate, 
Tornaymeá  nun ha  Ninfa,  quetaõ  cedo 
Me  fizellesà  n\orte  citar  fogeyta. 

Ninguém  rcl^^íonde :  o  mar  de  longe  bate; 
Moveíe  brandamente  oarvoredo ; 
Levalhe  q  vento  a  voz  que  ao  vento  deyta. 


A 


SONETO    CLXXX. 

H,  Fortuna  crueí  i  Ah, duros  Fadoí ! 
Quaô  afioha  em  meu  dano  vos  mudif- 
Có  os  voíTbs  cuy dados  me  c^níaíles,       (tes  í 
E  agora  defcançiis co'os  meus  cuydados. 

Fizeíleíme  proyar  goílos  paíTados, 
E  vofla  condição  nelles  provajtes : 
Singelos  em  hum*hora  rnos  levaftes, 
Ptyxando  em  leu  lugar  males  dobados, 

JÕiianto  nulhor  me  fora  que  náovira 
Os  doces  bens  de  Amor  ?  Ah,  bens  luaves ! 
Quem  medeyxa  íem  vòs, porque  me  deyxa? 

De  qutyxarte,  Almj  mtnha,  te  retira: 
Alma  de  alto  caída  em  penas  graves, 
Tois  tanto  amaíle  em  Yaó,em  v^aô  te  queyxa. 

SONETO    CLXXXI. 

QUanto  têpojolhos  meus,  cõ  t  alia  mento 
Vos  hey  de  yer  taó  triftes,&  a.^ravados? 
Naõ  baftaõ  meus  fuípiros  inflamados, 
Que  íem pre  em  mi  rcnovaó  ích  tormento  ? 

..  Naõ  baila  confentir  meu  peníamcnio 
Em  magoas,  em  triftc2as,&  em  cuydados  í 
Scnaõ  que  aveis  de  andar  taõ  maltratados, 
Que  lagrimas  tenhais  por  mantimento  í 
Naò  fey  porque  tomais  cita  vingança, 
Moftrandovos  na  aufencia  taó  fauduios, 
Sc  fabeis  quanto  poie  húa  efperança. 

Olhos,naõ  agraveis  outros  fermolos. 
Tornando  hum  puro  amor  em  cíquivança, 
Pois  íicuis  por  cíquivos  Ueidenholos, 


LEmbrãças  que  lembrais  o  bem  paíTado, 
Para  que  finta  mais  o  mal  prefente^ 
Deyxayme,  fe  quereis,  viver  comente, 
Moirer  naõ  me  deixeis  cm  cal  eítado. 

Se  de  todo,  conr»  tudo,  eílà  do  Fado, 
Que  eu  morra  de  viver  taõ  dtícontence, 
Venhametudoo  bem  por  accidcnte, 
E  todo  o  mal  me  venha  por  cuydado. 

Que  muytomelhor  he  perderíc  a  vida^ 
Perdendoíe  as  lembranças  da  memoria,        ? 
Pois  fâzem  tanto  dano  ao  peníamenio. 

Poi  que, enfim,  nada  perde  quem  perdida 
Aefpciança  tenija  deaquella  gloria 
Que  íazia  fuave  o  leu  tornicato. 

J 

SONETO     CLXXXIIÍ. 

QUando  os  olhos  emprego  no  paffado^^ 
De  quãto  paíley  me  acho  arre^édida ) 
Vejo  que  tudo  foy  tempo  perdidO} 
Qiie. todo  emprego  foy  mal  empregado.' 

Sempre  nomaisdanoío  mais  cuydado  j 
Tudo  o  que  mais  cumpria  mal  cumprido 
Dedeíengaoos  menos  advertido 
Fuy,quândodeerpcranças  mais  fruílradoj. 

Os  Caftcllos  que  erguia  openlamento^ 
No  ponto  que  mais  altos  os  erguia. 
Por  eííc  chaó  os  via  em  hum  momento. 

Que  erradas  contas  faz  a  Fantafia  • 
Pois  tudo  pára  em  morte,tudoem  vento, 
Triílc  o  que  eípera  i  trifte  o  que  confia : 

'      SONETO    CLXXXl\^    2 

JA  cantey»  já  chorey  a  dura  guerra 
Por  Amor  íuílentada  longos  annos  j 
Vezes  mil  me  vedou  dizer  feus  danos. 
Por  naõ  ver  quem  o  fegue  o  muyto  q  erra.' 

Ninfas,  por  que  Caítalia  fe  abre,Sc  cerra  i 
Vòs  que  fazeis  á  morte  mil  enganos, 
Concedeyme  já  alentos  íoberanos, 
Para  que  diga  o  mal  que  Amor  encerra. 

Para  que  aquelle,  que  o  leguir  ardente. 
Veja  em  meus  puros  vcrfos  hum  exemplo 
De  quanto  cm  glorias  prometidas  mente. 

Que  inda  q  em  trifte  cíbdo  me  cótemplo^" 
Se  nefte  alíunto  me  inípirais ,  emitente 
Darey  a  minha  lira  ao  voíío  templo. 


9* 


Mimas  do  Grande  Zaíís  de  Carfich. 


SONETO     CLXXXV. 

OS  meus  alegres  vcntufofos  dias, 
PaíJáraõ,como  rayo  brevemente  j 
Movemícoscnftesmais  pefadamente 
Após  das  fugitivas  alegrias! 

Ah  falias  prccenfôes!  Vansfantafias  ! 
Que  me  podeis  jà dar  que  me  contentei 
Jade  meuCfiftepeytoachama  ardente, 
O  Temporcduzio  a  cinzas  fnas. 

íNellasrevolvo  agora  erros  paíTâdos> 
Que  outro  fruto  nao  deu  a  mocidade, 
A  quem  vergonha,  &  dor  minha  ahna  deve. 
-     Revolvo  mais  de  toda  a  mais  idade, 
Dcíejos  vãoSj  vãos  choros,  váoscuyddd9S> 
Para  que  leve  tudo  o  Tempo  icve. 

SONETO    CLXXXVI. 

K  S  horas  breves  de  meu  conteotamcnco, 
«^jT^*  Nunca  me  parcceo  quando  vos  tinha^ 
Que  vos  viffe  mudadas  taõ  afinha 
Em  taõ  compridos  annos  de  tormento.  . 

As  altas  forres, que  fundey  no  vento, 
Levou,  cníim,  o  vento  qu2  as  foftinha  : 
Doniil  que  m^  ficou  a  culpa  he  minha, 
Pois  fobrecoufís  vãs  fiz  fundamento. 

Amor  com  brandas  moílras  aparcccj 
Tudo  poííivel  fa^,  tudo  aíTegura; 
Mas  logo  no  melhor  defaparece. 

Eílranho  mal !  Ertranha  defvcntura  ! 
For  hum  pequeno  bem^  que  deífallece. 
Hum  bem  aventurar  que  lempre  dura  • 

A     SONETO    CLXXXVII.  "^ 

ONde  acharey  tugar  taò  apartado, 
E  taõifentoemtudoda  Vcnturaj 
Que,  não  digo  eu  de  humana  criatura, 
Mas  nem  de  feras  fcja  frequentado? 
í    Algum  bofque  medonho.  &  carregado. 
Ou  ftlva  folitaria  ,  tnfte,  &eícura, 
Sem  fonte  clara^  ou  placidj»  verdura : 
Enfim,  lugar  conforme  a  meu  cuydado? 

Porque  alli  nas  entranhas  dos  penedos, 
Em  vida  morto ,  fepultado  em  vida^ 
Me  quey  xc  copiofa,  6c  livremente. 

Que  poisa  minha  pena  hc  fem  medida, 
Alli  não  ferey  trirtecm  diasledosi 
h  dias  triftes  me  faraõ  contente. 


SONETO    CLXXXVíir. 

AQui  de  longos  danos  br;?  ve  hiftoria 
Veráó  os  que  íe  jadaõ  de  amadores  : 
Reparo  pode  fer  das  íuas  dores 
Naõ  apartar  as  minhas  da  memoria. 

Efcrcvi,  naõ  por  fama,  nem  por  gloria^ 
Pd  que  outros  ver  íosfaõ  merecedores; 
Mas  por  moftrar  íeus  triunfoSj  ícus  rigores, 
A  quem  de  mi  logrou  canta  vitoria. 

Crecendo  foy  a  dor  co'o  tempo  tanco. 
Que  cm  numero  me  fez,alheo  dearte^ 
Diztr  do  cego  Amor  que  me  venceo. 

Se  aocãtodey  a  voz,dey  aalmaaoprãtoí 
E  dando  a  pena  a  maó ,  efta  fó  parte 
JUc  minhas  triítes  penas  cícreveo. 

SONETO    CLXXXIX. 

'y  Or  fua  Ninfa  Ccfalo  dcyxava 
A  Aurora,  que  por  elle  le  perdia^ 
Poílo  que  dá  principio  ao  claro  dia^ 
Poíto  que  as  roxas  florts  imitava. 

ÊHe^  quea  bdla  Procns  tantoaraavai     J 
Que  fó  por  ella  tudo  engcytaria, 
Defeja  de  tentar  fe  lhe  acharia  ' 

Taõ  firme  fé  como  cila  nellc  achava,' 

Mudado  o  trage,  tece  hú  duroengaoOf 
Outro  fe  finge ;  preço  po:m  diante : 
Qucbrafe  a  fè  mudável,  &  conícnte. 

Oh  íutil  invenção  para  feu  dano  j 
Vede  que  manhas  buíca  humccgoamantc^ 
para  que  ícmpre  fcja  deícontente  I 

SONETO    CXC. 

! 

S  Entindoíè  alcançada  a  bella  Efpofl      \ 
DeCéfalono  crime  confcntido, 
Para  os  montes  fugia  do  marido  •, 
E  não  fey  fe  de  aíluta,  ou  vcrgonhofa.       ^ 

Porqueclle,  enfim,  fofrendoadorciofaj 
Da  cegucyi  a  obrigado  de  Cupido,  .^ 

Após  ella  fe  vay  como  perdido,  I 

Jà  perdoando  a  culpa cnminofa.  jH 

Deytafe  aos  pcs da  Ninfa  endurecida  | 
Que  do  ciofo  engano  eftá  agravada  y 
Jalhc  pede  pcrdaõ,  jà  pjdca  vida. 

Oh  força  de  afFeyção  deíatinada  l 
Que  da  culpa  contt*elle  cometida, 
Pcrdaõ  pedia  á  parte  que  hc  culpada  i 


1 


Rimai  do  Grande  Luís  de  Camões'^ 


m 


SONETO    CXCI. 

SEguía  aquellc  fogo  que  o  guiava^ 
Leandro  contra  o  mar,&  contra  o  vento, 
Quebravsõlhe ondas  oammoío  alento, 
Por  mais  &  mais  q  Amor  lho  renovava. 

Com  fentir  jà  que  quafi  lhe  faltava. 
Sem  nada  eímorecer,  nopenfamento 
(Naó  podendo  falar}  deíeu  intento 
O  fim  ao  furdo  mar  encomendava. 

Oh  mar  (dezia  o  moço  íò  configo) 
Játenão  peço  a  vida;  fò  queria 
QueadeErome  íalvaíTes:  não  me  veja, 

Eile  defunto  corpo  là  o  dcfvia 
De  aquella  torre :  íeme  nifto  amigo, 
Foisnomeumayor  bsm  mcouveltc  enreja. 


SONETO     CXCII. 


l 

K^^^  S  olhos  onde  o  Cafto  Amor  ardia, 
^^^  Ledo  dele  ver  nellcsabrafadoi 
O  roílo  onde  com  luftre  defufado 
Purpúrea  rofa  fobre  neve  ardia. 

O  cabcllo  que  enveja  ao  Sol  fazia. 
Porque  fazia  o  íeu  menos  douradoi 
A  branca  maó,  ocorpo  bem  talhado. 
Tudo  aqui  íe  reduz  a  terra  fria. 

Perteyta  ferraoíura  em  tenra  idade. 
Qual  flor  que  antecipada  foy  colhida. 
Murchada  cítà  da  maõ  da  morte  dura. 
Como  não  morre  Amor  de  pifdadeí 
Naò  della^  que  íe  foy  â  clara  vida^ 
Mas  de  fi,  que  ficou  em  noyce  cfcura, 

SONETO    CXCIII. 

Dltofa  pena,como  a  maó  que  a  guia, 
Com  tantas  perfey(jões  da  fútil  Arte, 
Que  quãdo  com  razaó  venho  a  lou  varce, 
Em  teus  louvores  perco  a  tantafia. 

Porém  Amor,  que  eflrey tos  vários  cria, 
Be  ti  cantar  me  manda  em  toda  parte, 
Naõ  em  ple£tro  bclligero  de  Marte, 
Mas  em  fuave&  branda  melodia. 

Teu  nome  Emmanuel,de  hú  noutro  Polo, 
Voando  íe  levanta,  ^  te  pregoa, 
Agora  que  ninguém  te  le  vantava. 

Ê  porque  immortal  lejasi  eys  Apolo 
Te  ofirece  de  flores  a  Coroa 
Que  j  à  de  longo  tempo  te  guardava. 

J,  Part. 


SONETO    CXCIV. 

ESpanta  crccer  tanto  o  Crocodilo,      T 
Sò  por  leu  limitado  nacimencoj 
Que  fe  mayor  nacera^  mais  ifento 
tlhvera  de  eípanto  o  pátrio  Nilo. 

E m  vaó  levantara  meu  baxo  ellilo 
VoíTo  Pontifical  novo  ornamento, 
Pois  no  ventre  o  immurtal  merecimêto 
Volo  talhou  para  deípois  vellilo. 

Tardou,  mas  veyo :  q  a  quê  mais  merece, 
Vir  o  premio  mais  tarde  he  fcmpre  certo 
Inda  que  vez  alguma  venha  cedo, 

os  Ceos  que  do  primeyto  eltaõ  mais  perto, 
Mais  de  vagar  íe  movem.  Quem  conh.ece 
Sobre  aquelle  íegiedo,  eltc  (cgreoo  i 

SONETO    CXCV. 

Ct  Rnou  fublime  Esforço  a  o  grade  Atlatei 
:  Com  que  a  ccleítc  ma  quina  íuftenta. 
Honrou  a  Homero  o  Engenho,  cõ  q  mtéia 
Grécia  do  quarto  Ceo  paflalio  avante. 

Coroou  claro  Amor  de  amor  confiante 
A  Orfeo,  na  paz  firme  >  &  na  tormenta, 
lofpirou  a  Fortuna  ,  em  tudo  ifenta, 
A  Cefar  de  quem  foy  hii  tempo  amante." 

Exaltafte  tu^  Fama,  a  gloria  alça 
De  Alcides  là  no  monte  em  que  refides,Cma^ 
Mas  Caílro,  em  quê  o  Ceo  feus  does  derra- 

Mais  orna,  honra,  coroa,  inípira^  exalta, 
q  Atlâte Homero,  Orfeo,  Cefar,  &  Alcides,' 
liíforço,  Engenho,  Amor,Fortuna,&  Fama 

SONETO    CXCVL 

DEfpois  q  vio  Cibele  o  corpo  humano 
Do  fermoío  Atysfeu  verde  pinheyro^' 
Em  piedade  o  vaò  furor  primeyro 
Convertido,  chorava  o  grave  dano. 

E  à  íua  dor  fazendo  illuftre  engano, 
A  Júpiter  pedio  que  o  verdadeyro 
Preço  da  nobre  Palma,  &  do  Lourcyro, 
Ao  fcu  Pinheyro  dèíle  ,  íobcrano. 

Mais  lhe  concede  o  Filho  poderofo, 
Quecrecendo  as  Eítrellas  tocar  poíTa, 
Vendo  os  fegredos  la  do  Ceo  lu  premo. 

Oh,  dicoío  Pinheyro  !  ó  mais  ditofo 
Quem  fe  vir  coroar  da  rama  voíTa, 
Cantando  á  voíTa  íombra  verfo  eterno  I 

E  SO. 


g^  Rimai  do  Grande  Luís  de  Cárnõesl 

SONETO     CXCVII.  SONETO    CC. 


POis  torna  por  íeu  Rey,  &  juntamente 
Por  Chrifto»  a  governar  aquella  parte 
Onde  fe  tem  moítrado  hú  Numa,hú  MartCj 
O  famofo  Luís,  jufto,&  valente  : 

O  Tejo  t^Çpç.it  VLT  de  todo  o  Oriente, 
Onde  (ttàô  raros  dõcso  Ceo reparte, 
Rendera  canto  esforço,  aviíò,&,  arte, 
Mil  palmas,  niil  rributos  novameíite. 

Gs  que  bebem  noGangc^os  que  no  Indo, 
A  qu-m  pouco  valerão  lança,&  cícudo, 
O  renderfc.  ceráó  por  bom  partido. 

O  Eufrates  temerá,  feu  nome  ouvindo : 
Que  para  delle  ver  vencido  tudo, 
J  a  vio  do  braço  íèu  tudo  vencido. 

SONETO     CXCVIII. 

A  Gora  tomaa  eípada,  agora  a  pena, 
Eílacio  noiío,  em  ambis  celebrado, 
Sendo^ou  no  íalfo  rnarde  Marte  amado; 
Ou  na  agoa  doce  amante  da  Camena, 

Ciíne  S  )iioro  por  Kibeyra  amena, 
De  mi  para  cantarte  ne  cobiçado , 
Porque  naõ  podes  tu  íer  bem  cantado 
Derudairauta,  nem  deagrelie  avena. 

Se  eu  q:ue  a  pena  coí-ney,  tomeyacfpada, 
I^ara  poder  jugar  licença  tenho. 
Delia  alra  influição  dedous  Planetas ; 

Com  húa,  &  outra  luz  delles  lograda. 
Tu  com  pujante  briço,  ardente  engenho, 
Serás  Faro  a  Soldados,&  a  Poetas, 

SONETO    CXCIX. 

1"^  Rro<,  meus,  mâ  Fortuna,  A  mor  ardete, 
_^  Em  minha  perdição  fe  conjurarão: 
OserroS)&a  Fortuna  íobejàraó, 
Qne  para  mi  baltava  Amoríomentc. 

Tudo  paíTcy,  mas  tenho  taó  preíentc 
A  grande  dor  das  couías  que  paíTaraó 
Qv.íe  jáas  frequências  fuás  me  enlinaraõ 
A  delejos  deyxar  de  ter  contente. 

Etrtíy  todo  o  difcurfo  de  n^cus  annos  j 
Deycaufa  a  que  Fortuna  caftigaííe 
As  minhas  mal  fundadas  cfperanças. 

De  Amor  naõ  vi  ícnào  breves  enganos» 
O  !  quem  canto  pudeíTequefaitaríre 
Lltt  meu  duro  Gcniodeyingançasi 


CA  neíla  Babilónia  adonde  mana 
Mjteiiaaquantomal  o  mundo  cria: 
Cà  donde  o  puro  Amor  naó  tem  valia. 
Que  a  Mày,  q  manda  mai?,  tudo  profana : 

Cà  donde  o  mal  íe  afina,  o  bem  fe  dana, 
E  pôde  mais  que  a  honra  a  tirania : 
Cà  donde  a  frrada,&:  cega  Monarquia 
Cuyda  que  hum  nome  vaõ  a  deíengana : 

Ca  nefte  laberinto  onde  a  Nobreza, 
O  Valor,6c  o  Saber,  pedindo  yaò 
Aí.  portas  da  Cobiça,  &  da  Vileza  : 

ca  neíle  eícuro  Caos  de  confuíaó, 
Coaipnndo  ocuríoellou  da  Natureza, 
Vè  le  meefqucjcerey  de  ti,  Suó  ! 

SONETO     CCí. 

CT  Orrem  turbas  as  agoas  dede  rio, 
j  Que  as  rápidas  enchentes  enturbaraoí 
Os  floreei  Jo$.canpos  fe  fecàraõ}  rd 

Intratável  fe  fez  ovalle,  &fno.  M 

Paliou,  como  o  Veraò ^  o  ardente  Eftio  j    % 
Humas  couías  por  outras  íe  trocarão  : 
Os  fementidos  Fados  ji  deyxaráo 
Do  Mundo  oreginíento,  ou  defvarío. 

Já  o  Tempo  a  ordem  fua  cem  fabida  j 
OMundonáo:  mas  anda  taó  confufo, 
Que  parece  que  delle  Deos  íecíquece# 

Calos, opiniões,  Natura,  &  ufo, 
Fazem  que  nos  pareça  defta  vida 
Que  naõ  ha  nella  mais  do  que  parece. 

SONETO     CCIi; 

VOs  outros  que  bufcaís  repoufo  cerro 
Na  vida,  com  diveríos  exercicios; 
A  quem,  vendo  do  Mundo  os  benefícios, 
O  regimento  feu  fica  encuberto. 

Dedicay  ,  fe  quereis,  ao  defconccr to 
Novas  honras^  &  cegos  facrifícios; 
Qtie  por  caftigo  Igual  de  antigos  vicios, 
Qiier  Deos  que  ande  as  coufas  por  acerto. 

Naô  cahio  nefte  modo  de  calligo 
Quepos  culpa  á  Fortuna  ; quero  fomente 
Crè  que  acontccimientos  ha  no  Mundo. 

A  grande  experiência  he  graõ  perigo : 
Mas  o  que  a  Deos  hejufto,&  evidente. 
Parece  inj  ufto  aos  homens,  ^  profundo. 

SC* 


\, 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Camoesl  3^ 

SONETO    CCIII.  SONETO    CCVI^ 


PAra  fc  namorar  do  que  criou. 
Te  lez  Deos»Sacra  Fénix,  Virgem  pura. 
Vede  que  tal  íer ia  eíta  Feytura 
Que  para  fi  o  íeu  Fcy  tor  guardou  I 

ISoftu  alto conccyto reformou 
Pnmcyto  que  a  primeyra  criaturaj 
Paraque  unica tuííea  compoAurà 
Qlic  de  uô  longo  t^ nipo  k  elludou. 

Niô  fey  Ic digo  cm  cudo  quanto  baile 
Para  exprimir  aj»  raras  ca'ida  jes 
Que  quis  criarem  ti  quem  tu  criafte. 

Es  Filha,  Mãy  &  Efpoía  ;  &  íe  alcançafte 
Huma  lo,  três  taó  altas  dignidades, 
Foy  porq  a  Três  de  Hú  lo  tanto  agradafte, 

SONETO    CCIV. 

DEcedoCcoiraraeníoDeosbcnino, 
Para  encarnar  oa  Virgem  Soberana, 
Porque  dece  divino  a  coufa  humana? 
Para  íubir  o  humano  a  ler  divino. 

Pois  tomo  vem  taó  pobre^  &  taõ  Minino, 
Rendendoíeao  poder  da  mão  tirana? 
Porque  vem  receber  morte  mhumana 
I^dfa  pagar  de  Adaó  o  d^fatmo. 

Hepoílivel  queo^  dousoírutocomem 
Que  de  qu.m  lacs  deu  tinto,  foy  vedado? 
Si,  porque  o  propio  ler  de  Ueofes  tomem, 

E  por  cita  razaófoy  humanado? 
Si,  porque  foy  com  cauia  decretado, 
§e  quiz  o  home  ler  Deus»  q  Deos  foffc  home, 

SONETO    CCV, 

D  Os  Ceos  à  terra  dece  a  mór  Bclleza; 
Uneíe  a  noíTa  carne,  &  a  faz  nobre: 
£  fendo  a  humanidads  d'antes  pobre» 
Hoje  fubida  fica  à  mór  riqueza. 

Bufca  o  Senhor  mais  rico  a  mór  pobreza^ 
Que  como  ao  mudo  o  feu  amor  defcobre, 
De  palhas  vis  o  corpo  cenro  cobre, 
E  por  cilas  o  mcímo  Ceo  defpreza. 

Como?  Dcos  em  pobreza  á  terra  dece? 
O  que  be  mais  pobre  tanto  lhe  contenta, 
Que  cfte  íó mente  rico  lhe  parece. 

Pobreza  efte  Prefepioreprefentai 
Mas  tanto  por  ler  pobre  jà  merece^ 
Qye  quanto  mais  o  he,  mais  ihc  contéu 

!•  Part. 


POrque  a  tamanhas  penas  fe  oíFrecc 
Poro  peccado  alheo,  &  erro  inlano, 
O  Trino  Dcos?  Porque  o  logeyto  huniáno 
Naõ  pode  co*  o  caíligo  que  merece. 

Quem  padecerá  as  penas  que  pacece? 
Quem  fotícrádeshonra,  n.orte  ,  &  dano? 
Quem  lei  á,  ícxãofor  o  bobc'  ano 
Que  reyna^  &  Icrvos  manda,  6^  obedece? 

Foy  a  for^^a  do  hon.cm  taõ  pequena 
Que  naó  pode  íofter  tanta  afpereza, 
Pou  naó  loftcve a  Lcy  que  Dccs  ordena. 

Mas  íòfrea aquclla  uiimenla  Foi  taleza 
Por  amor  puro :  que  a  mortal  traqucza 
Foy  para  o  Ciro»  6>:  naõjá  paraapci^a, 

SONETO    CCVM. 

DEpoisdcavcrchorado  os  mustormc- 
Qiier  Amcr  q  lhe  cante  asíuisglurias^ 
Cantodchuma  Bellcza  os  vencimentos, 
De  hú  longo  padecer  choro  as  memorias. 

Porém  íè  as  minhas  penas  íaõ  vitorias, 
Por  acauía,a  meus  altos  penramentoSi       j 
Dilatemíe  cm  larguiílimas  hiltorias 
Eítesmeus  glorioíos  rendimento^. 

Movaíeem  todo  o  mundo  único  efpanto/ 
De  que  he;  por  a  Belleza  que  eu  adoroj 
Do  que  cantado  tenho  premio  o  pranto. 

Contente  o  freço  à  Amor  taó^rift^  foro : 
Que  íe  choro  náo  ha  como  o  meu  canto^ 
Naó  fey  canto  melhor  q  efte  meu  choro. 

SONETO  ccvm. 

ONde  mereci  eu  tal  penraraento, 
Nunca  de  fer  humano  merecido? 
Onde  mereci  cu  ficar  vencido 
De  que  tanto  me  honrou  co*  o  venciméto? 

Em  gloria  fe  converte  o  meu  tormento^' 
Quando  vendome  eílou  taó  bem  perdidoj 
Pois  naõ  foy  tanto  mal  fer  ater  vido, 
Como  foy  gloria  o  mefmo  atrevimento^ 

Vivo^  Senhora  fó  de  contem  piar  vosi 
E  pois  efta  Alma  tenho  taõ  rendida. 
Em  lagrimas  dcsfcytoacabarey. 

Porque  naó  me  faraó  deyxar  de  amarvos, 
Receos  de  perder  por  vós  a  vida, 
Que  por  vós  vezes  mil  a  perdercy. 


1$^ 


Rimas  do  Grande  Luh  de  Camersl 


SONETO    CCIX. 

DE  freCcas  belvederes  rodeadas 
Eftaõ  as  puras  agoas  defta  fonte  : 
Fermofas  Ninfas  lhe  tllaõ  defronce> 
A  vencer,&  a  matar  acoftumadas. 

Aíldaó  contra  Cupido  levantadas 
As  ÍU3S graças,  que  náo  ha  quem  conte: 
De  outro  vallecíquecidas*  de  outro  monte> 
A  vida  pâlíaõ  ncfte  íolTègadas, 

0'íéii  poder  juntou,  íua  valia, 
Amor  jà  náo  fofrendoelte  deíprezo, 
Somente  por  íe  ver  delias  vingado. 

Mas  vcndoaSjCntendeo  que  não  podia 
Defcírmorco  livrarf&joude  ler  prcío, 
E  íicoule  com  ellas  dcfarmado. 

•^Soneto  ccx, 

NOsbrâçosdehu  SilvanoadorrRCCcndo 
Secftava  a  que  lia  Ninfa  que  eu  adoro, 
Pagando  cora  a  boca  o  doce  foro. 
Com  que  os  meus  olhos  foy  efcurecendo 

Obella  Vénus  i  Porque  eftás  íofrendo 
Qiie  a  mayor  fermoíura  do  teu  Coro, 
Em  hum  poder  taõ  vd  perca  o  decoro 
Queo  mcfito  nnayor  lhe  ejtá devendo? 
u   Eulevarey  deaqui  porpreíupojlo 
Defta  nova  eítranheza  que  fizefte»' 
Que  em  ti  náo  pode  ayer  couia  íegura, 
'>^  Que  pois  o  claro  lume,  o  bello  roílo 
A  aquelle  monítro  taó  disforme  defte, 
Naó  creo  que  aja  Amor,  ícnão  Ventura. 

SONETO    CCXL 

QUcdiz  q  AmòrbcFalío^oucnganofo, 
Lig«yro,íngrato,vaó,deíconhecido, 
Sem  falta  lhe  terá  bem  merecido 
Que  lhe  feja  cruel,  ou  rigurofo. 
-  Amor  he  brando, hedoce^Sí  he  piadofoj 
Quem  o  contrario  diz,naó  feja  crido: 
Seja  por  cego,  &  a  pay  xonado  tido, 
E  aos  hofr\ens,&  indaaos  Deofes  odioío. 
Sc  males  faz  Amor,  em  mim  fe  vem  ^ 
Era  mim-moftrando  todo  o  fea  rigor. 
Ao  mundo  quis  moílrar  quanto  podia. 
ií'  Mas  todas  fuás  iras  íaó  de  amor  j 
Todos eílcsfeus  males  faó  hum  bem, 
Que  cu  poi;  todo^tícrabem  náo  trocaria. 


SONETO    CCXII. 

FErmofa  Beatriz,  tendes  taes  gey tos 
Num  brando  rebolver  dos  olhos  bellos,' 
Qiiefó  nocontemplaKos,  fenãovcUos, 
Se  inflaraaó  corâçóes,6í  humanos  peytos. 

Em  toda  perfeyção  íaótãoperfeyros. 
Que  o  defengano  daó  de  merecellos : 
Naó  pôde  haver  quem  pofla  conhecellos 
Sem  nc*l!e  A  mor  fazer  grandes  eífeytos. 

Sentiraôjpornieumal,  taõ  graves  danos 
Os  meu-í,  que  com  os  ver  cegos,  6c  triftes 
FiciíSLÒ  ícm  prazer,  co'a  luz  perdida,   ' 

Mas  já  que  vòs  com  ellcs  me  feriftes, 
Toroay  me  a  ver  com  ellcs  mais  humanos^ 
Ê  dcyxareis  curada  eita  ferida, 

SONETO    CCXIII. 

ALegres  campos,  verdes,  deleytofos^' 
Suaves  me  íeraó  voíTas  boninas, 
Em  quanto  fotem  villos  das  mininas 
Dos  olhos  de  Ines  bella  taó  fermofos. 

Dos  meus,  que  vos  fcraó  fempre  envejofof 
Por  não  verem  éArtllas  taó  divmas, 
Sert  is  regados  de  agoas  peregruias, 
Soprados  de  íufpiros  amorofos. 

E  vós,  riouradas  flores,  por  ventura 
Se  Ines  qu  jzer  fazer  de  meus  amores 
Experiências  na  folha  dtrradeyra. 

Moftraylhe,  para  ver  minha  fépura^ 
O  bem  que  fempre  quis,  fermofas  flores, 
Q^ie  entaó  não  fentirey  que  mal  me  qucyra] 

SONETO    CCXIV. 

ONdadosfiosdeouro,  ondeenlazado' 
Continuamente  tenho  o  penfamento  i 
Que  quaoto  mais  vos  loira  o  frefco  vento. 
Mais  preío  fico  entaõ  demeucuydado. 

Amor, de  hús  bellos  olhos  fempre  armadoj 
Mecombate  co'as  forças  do  tormento, 
Provando  da  minha  alma  o  fofrimento 
Que  à  jufta  ley  da  Paz  trago  obrigado. 

Aífi  que  em  voíTo  gefto  ma  is,  que  humana 
Amo  a  pazjunt?ímentc,  6c  o  perigo : 
E  em  amar  hum  6c  outro  não  me  engano. 

Muytas  vezes  dizendo  eftou  comigo. 
Que  pois  hc  tal  a  caufa  de  meu  dano, 
Hcjuíla  aGuerra^he juftaa Pazque figo.'  ^^ 


Rimas  do  Granâe  Luís  de  Camões, 


11 


'  SONETO    CCXV, 

AMorq  em  íonhos  vãos  do  penfamento 
Paga  o  zelo  mayor  de  ícu  cuydado, 
Em  coda  condição,  em  todo  citado, 
Tributário  me  fez  de  (eu  tormento. 

Euíirvo,eucanloi&  ograó  merecimento 
De  quanto  tenho  a  Aoior  lacnficado, 
Nas  mãos  da  ingratidão  defpedaçado 
Por  preía  vay  do  ttcrno  eíquecimento. 

Mas  quãdo  aiuyto,  enfim,cicça^  o  perigo 
A  que  perpetuanaente  me  condena 
Amor,  que  Amor  não  he,  màs  enemigo, 
.  Tenho  hú  grade  defcanfo  cm  mir.ha  pena, 
Que  a  gloria  do  querer,  que  tanto  figo, 
Naó  pude  ler  co'os  males  aiaís  pequena, 

SONETO    ccxvr. 

^'T  Em  o  tremendo  eftrepito  da  guerra 
^  Com  armas, com  incêndios  elpancoíos 
Que  dcfpachâô  pelouros  pcri golos, 
Laíl  m;cs  a  abalar  húa  alta  íerra, 

Pedem  por  ir.edo  a  quem  nenhú  encerra, 
Defpoisque  vioosolhob  taõfer moios. 
Por  quem  o  horror  noscafos  pavoíoíos, 
De  mim  todo  íe  a  parta, &  fcd^ílerra. 

A  vida  poflbao  fogo  &  ferro  dar, 
E  perdella  cm  qualquer  duro  perigo, 
E  nelle,  corno  Fenix,  renovar. 

Naõ  pode  mal  a  ver  para  comigo. 
De  que  eu  já  me  não  pofla  bera  livrar^ 
Senão  do  que  me  ordena  Amor  ímigo, 

SONETO     CCXVif. 

Floufe  o  coração,  de  muyto  ifento, 
De  fi  i  cuydando  mal  que  tomaria 
Taò  lUieito  fimor,  tal  oufadia, 
Tal  modo  nunca  vifto  de  tormento. 

Mas  os  olhos  pintarão  taó  atento 
Outros  que  viítos  tem  na  fantafia  j 
Qiie  a  razaõ  temeroía  do  que  via, 
Fugio  deyxando  o  campo  ao  penfamento, 

O  Hipólito  cafto,  quedcgeyto 
De  Fedra  rua  raadrafta  foite  amado, 
Que  naõ  fabia  ter  nenhum  rcfpeyto 

Em  mim  vingou  Amor  teu  calto  peyto  j 
^MaseíUdefte  agravo  taó  vingado. 
Que  fc  arrepeadc  jado  que  tem  feyco. 


SONETO    ccxviir. 

QUé  quizer  ver  de  Amor  hCiacxcellécia 
Onde  fua  fineza  mais  feapma, 
Attíice  onde  me  põem  minha  ventura, 
Porque  de  minha  fé  faça  expaitncia. 

Onde  lembranças  mata  a  larga auíenciâ 
Em  temerofo  mar,  cm  guera  dura, 
A  faudade  alh  eílá  mais  íegura^ 
Qiiandoriíco  mayor  corre  a  paciência. 

Mas  ponhame  a  FortunSjík  o  dui  o  Fado, 
Em  morte,  ou  nojo,  cu  dano,  ou  padiçau, 
Ou  em  fublime,  6c  proípcra  ventuia. 

Ponhame,  enfim,  em  baxo,ouaito^ftaJo 
Queatèna  dura  moitemeacharaó 
Na  hngoa  o  nome,  8í  na  alma  avilta  pura, 

SONETO    CCXIX. 

LOs ojos que con  bbndo mcvioiiento 
Al  paliar  cnternccen  la  Aliijaaaá, 
Si  dv.tener  pudiera  íck  un  diaj 
Pudierabien  libraria  de  lormento, 

Defteianamorofo  íentimiento 
El  importuno  mal  íc  acabaria; 
O  tambien  íu  accidente  cr.ceria 
Para  acabaria  vida  enun  momento.' 

Oíiyatueíquivezme  permitieífe 
Que  ai  ver,  òNinfa,  tuícmbláte  hermoío, 
A  manos  de  tus  ojosyomutieíle. 

O  fi  los  detuvicras  i  qtian  dichofo. 
Seria  aquel  momento en  que  me  vieíTe 
Vida  en  cUos  cobrar,  cobrar  repoío, 

SONETO    ccxx; 

NOÍ3aílava  que  A  mor  puro.y  ardience; 
Por  términos  la  vida  me  buitaíTe 
Mas  que  la  muerte  alli  feaprefuraíTe 
Con  un  deshumaniflimo  accidente? 

No  pretendiò  mi  Alma,  aun  que  lo  fíentci 
Que  el  riguroío  cu  rfo  íe  atajafle 
Porque  nunca  morir  feexprimentafTc 
Deíamado  el  que  amó  tan  dulccmente* 

Mas  vucftra  voluntad  tan  poderoía 
Con  eíTas  gracias  vueftrasordenaron 
CrueldaJ  aíli  impoflible, onunca  cida» 

Aquel  friodefden,  y  la  amorola 
Fúria, -de  un  golpe  íolo  me  quiraron 
Con  dós  contrarias  muerces  una  vida, 

SOi 


^ím4s  do  Grande  Luís  de  Cam^esl 


SONETO      CCXXI. 

AYudame,  Seííorâ,  a  fer  vengançâ 
De  cai  felvaciquez,  de  tal  rudeza, 
Pues  de  mi  poqucdad,  de  mi  baxeza^ 
Olado  a  ti  elevava  la  elpí^rança. 

A  cíía  tu  perfecion,  que  no  fe  alcança  j 
A  eflas  íublimcscumbres  de  bellezâi 
Donde  una  vez  llegò  Naturaleza, 
Mas  de  bolver  pei  dió  la  confiança. 
«      Aquello  que  en  ci  miro  contemplando, 
QLieapeoascontcmplarlo  meconliente, 
Contempl indolo  màs,  menos  lo  elpefo. 

Si  gloria  de  mi  pena  en  ti  í-  fient:-. 
Derrama  en  mi  tus  r  ;s,  deíamandoj 
Qiíealofenderme  más  yo  màs  cc  quicro. 

SONETO    CCXXIí. 

OCbras  aguas  defte  blando  rio, 
Queen  vòsalnaturaleftais  pintando 
ti  frondifero adorno  con  que  alzando 
Se  và  a  los  Cielos  efte  boíque  umbrio. 

Afilias  llubias,alliel  Aufiro  trio 
Jà  más  puedan  veoifosenturbiando, 
Que  os  vais  dei  fccoElho  prefcryando 
Con  focorreros  deíle  llanto  mio. 

Y  quando  en  vós  Marfifa  femirarc. 
Mi  figura^  qual  veis  desfallecida, 

e    AnteTus  claros  ojos  puelta  (ea* 

Y  f\  por  mi  de  vós  los  apartarc^ 
De  verme  allimoítrandofcoífendida, 
En  pena  de  no  vetíLe  no  íe  vea. 

SONETO    ccxxiir. 

çfR  A  ^^  ^^^^^  ^^^^^  íucfíos  tu  figura,' 
IVA^^^-Í^^  Ninfa,  claramente veo; 

Y  quanJo  màs  la  miro,  masdefeo 
Gozar  libre  de  íuenos  fu  hcrmofura. 

Eq  tanto  que  eítedulce  engano  dura, 
Vivoen  la  yana gloria  qucpofleo: 
Mas  quanto  alli  Ic  eleva  mi  deíeo, 
VicRca  caerdefpiertoem  íombraefcura. 

Duelemeeldeípertarporcontemplartei 
Que  li  bien  íé  te  hutlgas  de  no  verme, 
Huçlgomcde  íer  cicgo  por  mirarte. 

Mas  li  quiero  de  enganos  mantenernie, 

Y  tu  quicresmepierda  por  amarte, 
Sin  gran  ganância  no  podre  perdcrmc. 


SONETO    CCXXI  V. 

MI  Guílo, y tu Beldad  fe defpofaron, 
Terctros  por  mi  mal  mis  ojos  fueron: 
Su  logro  íia  fido  tal,  que,  alhn,  hizieron 
Un  hijohcrmofo  a  quien  Amor  llamaron, 

Tan  fucra  de  com  paz  le  regalaron, 
Qiie  quando  n-; às  alegres  eHuvieron^ 
Sn  entender  el  mal  que  produxeron. 
Perdidos  por  amores  íemíraron, 

La  Beldad  defpoíada  delle  fuelo, 
Vmo  a  parir  un  monftro  con  dos  alas  j 
La  Madre  a  la  foberbia,  es  nido  el  zelo. 

O  Madre  que  a  tu  Hij  o  en  todo  igualas! 
Quienmortalhizealiramortal  Abuelo, 
1  ai  Padre  mortal  dà  immortales  lalas? 

SONETO     CCXXV. 

Sr  el  fuego  que  me  enciende,  confumido 
De  algú  más  íuelto  Aquário  íer  pudicílc^ 
Si  el  alço  lufpirar  me  convertieíTtí 
En  ayre  por  cl  ayre  defparzido. 

Si  unhornble  rumor  fiendo  fentido,        ', 
La  Alma  adcxar  elcuerporeduxeírc> 
O  por  eftos  mis  ojos  ai  mar  fucfiTe 
Elte  mi  cuerpo  en  llanto  convertido. 

Nunca podria  la  Fortuna  ayrada, 
Con  todos  fus  horrores,  fus  efpantos,  ^ 

Derrocar  la  Alma  mia  de  fu  gloria 

Porq  en  vueftra  Beldad  yatransformadajjí 
Ni  dei  Eítigio  lago  eternos  llantos 
Os  podrian  quitar  de  mi  memoria. 

SONETO    CCXXVÍ. 

QUe  me  quereis  perpetuas  faudades  ? 
Com  queefperãças  inda  me  enganaisf 
O  ter/J po  que  fevaynaó  torna  mais, 
Efe  torna  naõ  tornaõ  as  idades. 

Razaõhejá,òannos,quevos  vades, 
Porque  eftes  taõ  ligeyros  que  paflfais. 
Nem  rodos  para  hum  goíloíaò  iguaiSf 
Nem  fempre faó conformes  as  vontadcsj 

Aquillo  a  que  já  quis  he  taõ  mudado 
Que  quafi  he  outra  couía ^porque  os  dias 
Tem  o  primeyro  gorto  já  danado, 

Efperanças  de  novas  alegrias, 
Naõ  mas  deyxa  a  Fortuna,&  o  terapo  iradoj 
Que  do  contentamento  faõ  efpias. 

SQsí 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camõei. 


3^ 


SONETO    CCXXVII. 

OH  rigoroía  í  ufencia  deíejacla        '"l" 
De  iDim  lernpre.mas  nunca  conheciaa 
í5au(Jade  noutro  tempo  taó  temida, 
Como  em  meu  dano  agora  e^cpnmcntada 

Jà  rigorolamente  começada 
Tendes  voíla  eíperança  em  minha  vidaj 
Mas  tanto  que  )à  temo  que  oprimida 
Scjaiscom  ella  cedo.  ou  acabada. 

Os  dias  mais  alegres  me  entriíteccm; 
As  noy tt!s  com  cuydados  as  dcíconto, 
tm  que  ícra  vòs  lem  conto  me  parecem. 

t  dc.ejando  típtro,  &  os  annos  conto; 
Ma^  coma  vida, enfimiellesfallecemj 
Ne  baAaà  carne  enferma  eíprito  pronto. 

SONETO    CCXXVIII. 


//L    Yi  quicn  daráa  misojosunafuí 
■**"  Deb^rimas  que  manen  noche, 


lente 
ydia? 

Relpiràra  li  quiera  la  Alma  mia, 
Llorandoio  paliado,  y  lo  prefcnts, 

Qiiienmediera  apartado  de  la  gente, 
De  mi  dolorfíguicndoiaporfia, 
Ccn  la  tnfte  memoria,  y  rantalia, 
Del  t>ien  por  quien  mal  canto  aili  í'e  fiéte  i 

Quien  me  dará  palabris  con  que  iguale 
El  tiuroagrabioq  el  Amor  meiía  hecnj, 
Dçiide  tan  poço  ei  íutnmiento  vale? 

Quien  m^abrirà  porfundamenteel  pecHo? 
Do  eftácfcrito  el  íecreto  que  noíale 
Con  tanto  dolor  mio  a  mi  deípecho? 

SONETO    CCXXIX. 

On  razon  os  vays,  aguas,  fatigando 
^  ^  Por  llegar  do  lereis  bien  rccebidasi 
Yena^uel  mar  immeníoconvertidas» 
Que  ya  de  tantos  dias  vays  buícando, 
,    fTnltcdeaquel  que  fiempreandaUorando 
Las  vanas  eíperani^as  ya  perdidas; 
y  con  dolorlas  lagrimas  vertidas 
l^uncaa  fin  pretendido  v  n  liegndo. 

Voíotraâ  fin  traer  derecha  via, 
AI  termino  Uegays  tau  deícado, 
Por  más  que  os  embarace  el  graa  rodeo. 
Mas  yo  fiem pre  atiigido  noche  ydiat 
Por  un  camino,  que  no  llevo  erravio, 
Janaáspucdoiicgar  donde  deíco. 


SONETO    CCXXX. 

OCeíTe  ya,  Scnor,  tu  dura  mano  ! 
Nollegues  tanto  ai  cabo  con  mi  viciai 
Baile  elcíbr  por  ti  tanconfumida, 
Qucyano  íehalla  cn  cila  lugar  fano. 

Ay,  eftranaHermofuta  •  Ay,  dcibumano 
Hadoa  que  nunca  puedo  bailar  íalidaj 
Si  tu  de  tu  piedad  no  eres  movida, 
Roto  el  hílo  vital  veras»  tem prano. 

Un  blando  delamor,  un  amor  blando, 
Bien  baita  pi  ra  un  hombre  tan  pcíidido, 
Qtiede  íu  njalningunremcdiocípera. 

Y  lieítimasen  poço  el  ver  qual  ando? 
Aqui  me  ticnes  ante  ti  rendido. 

V  iva  tu  guflo ,  mi  eíperança  muera. 

.SONETO     CCXXXL 

Ej  Ulces  engsfíos  de  mis  ojos  triíleSi 
^  Quan  vivodelpertais  mi  peníamicntoí 
Aqu^lloque  pudiera  dar  contento, 
En  íombrí  de  pintura  lo  bolvilles. 

De  blando  íobrcíaltoenternecjftes» 
Con  vifta  arrebitada  el  íentimientOi 
Mas  no  leaíleguraítesun  momento 
Aqueíle  vano  bien  que  le  ofrecift*s. 
,  Veo  que  la  figura  era  fingida, 

Y  no  aquella  que  en  fi  mi  Alma  eíconde, 
Aunquecn  cftafellega  a!  natural. 

Alli  eícucha  mi  llanto,  aíli  rerponde; 
AlTi  íe  condolece  de  mi  vida^ 
Como  lifuexa  el  próprio  Original, 

SONETO    ccxxxir. 

QUanto  tiempo  ha  q  lloro  un  dia  trifte^ 
Como  fi  alguno  alegre  yo  efperara  l 
ComOjóTajo  !  ai  paliar  elTatu  cbra 
Agui^  no  la  alterafte,  y  no  me  hundiíle? 

El  pafib  me  cerraíte,  el  pccho  abrifte. 
O  mi  Ventura  de  mi  bien  avara  1 
A  Dios,  montaíías,  de  hermolura  raraj 
A  Dios,  mi  corazon,  que  no  partilte. 

Si  a  donde  quedas  en  dichola  íuerte, 
No  bevieres  las  aguas  dei  Olvido, 
tn  tanto  bien  no  quicras  olvidarte. 

Cantando  mi  dolor  Hora  mi  muertcj 
Porque  aíta  cl  hueco  monte  fin  fentido, 
bueUa  íu  ronca  vos  por  conlblarme. 

SOI 


40  Rimeis  dQ  Crmde  Luis  de  Camões]  ^    . 

SONETO    CCXXXIII.  SONETO    CCXXXVI. 


LEvantay,  minhas  Tágides,  a  frente, 
Dey  xádo  o  Tejo  às  íombras  nemorolas: 
Douray  o  valleumbroro,  as  frecas  roías, 
E  o  monte  com  as  arvores  frondente. 

Fique  de  vós  hú  pouco  o  Rio  auíentcj 
Geííem  agora  as  liras  numeroías; 
Ceíle  voíío  louvor  >  Ninfasfermofas; 
Cc-ffe  da  fonte  voíTa  a  graõ  corrente. 

Vinde  a  ver  a  Teodoliogrande,&  claro, 
A  quemelUotrecendo  mayor  canto 
Islã  citara  dourada  o  louro  Apolo, 

>l{n.rvaj  do  íaber  dálhe  o  dom  raroj 
Palas  lhe  da  o  valor  de  mais  eípaiuo  5 
E  a  Fama  o  kvajadc  Poio  a  Polo. 

SONETO    CCXXXlV. 

\]r  Os  Ninfas  da  Gangetica  efpeííura 
Gantay  íuavementc  em  voz  fonora^  . 
HumgranddCapitaõquearoxa  Aurora 
Dos  filhos  defendeo  da  noyte  efcura. 

/^juntouíe  a  caterva  ne^ra,&  dura, 
Que  na  aurca  Gheríonefo  atouta  mora, 
Para  lançar  do  caro  ninho  fora 
Aquelles  q  mais  podem  que  a  Ventura, 

Mas  hum  forte  Leaó^  com  pouca  gente, 
A  multidão  U6  fera  como  necia, 
Dcftruindo  caftiga,  &  torna  fraca, 

O  Ninfas,  cantay,  pois,  que  claramente 
Mais  doqueLeonidas  fez  em  Grécia, 
O  nobre  Leonis  fez  cm  Malaca, 

SONETO    GGXXXV. 

.  A  Lma  gentil,  que  á  firme  Eternidade 
^^Subílleclára,&  yalerofamente 
Cá  durarádeti  perpetuamente 
A  Fann>a,aGbria,  oNome^^caSaudade,' 

Naõley  fehemòr  efpanto  em  tal  idade 
Dey  xar  de  teu  valor  enveja  á  gente; 
Se  hum  peyto  de  diamante, ou  de  ferpcnte, 
Fizeres  qucíe  mova  a  piedade. 

Envcjofa  da  tua  acho  mil  fortes, 
E  a  noinha  mais  que  todas  envejoía, 
Poi^  ao  teu  mal  o  meu  tanto  igualafte. 

Oh  ditoíomoirer!  íorteditola! 
Pois  o  que  naofe  alcança  com  mil  mortes, 
Tu  com  hua  íó  morte  o  alcaaçalte. 


DEbaxo  defta  pedra,  fcpultada 
Jaz  do  mudo  a  mais  nobre  Fermofura^ 
A  quem  a  Morte,  ío  de  enveja  pura. 
Sem  tempo  lua  vida  tem  roubada. 

Sem  ter  relpeyto  a  aquella afli  eílremada 
Gentileza  de  luz  que  a  noyte  eícura 
Torna  va  em  claro  dia  i  cuja  alvura 
Do  Sol  a  clara  luz  tinha  eclipfada. 

Do  Sol  pcyrada  fofte,  cruel  Morte, 
Para  o  livrar  de  quem  o  eícureciaj 
Eda  Lua,  queantc  cila  luz  não  tinha. 

Como  de  tal  poder  tivefte  forte? 
Efeativelle,comotaõafinha 
Tornalte  a  luz  do  mundo  em  cerra  fria  ? 

SONETO    ccxxxvir. 


IMagens  vias  me  imprime  a  Fantafiaj 
Oílcurlos  novos  acha  o  penfamentoj 
Com  que  daõ  á  minha  Alma  graõ  tormento 
Cuydados  de  cem  annos  num  fó  dia. 

Se  fim  grande  tiveíTem,  bem  feria 
Refponder  aefpcrança  ao  fundamento: 
Mas  o  Fado  naô  corre  taõ  atento 
Quéreíerveàrazaô  fua  valia. 

Gaio,  &  Fortuna,  podem  acertar^ 
Mas  fe  por  accidente  dão  vitoria. 
Sempre  o  favor  da  Fama  he  falia  hiftoriaj 

Excede  ao  íaber,  determinar: 
A  a  con/lancia  fe  deve  toda  a  gloria: 
O  animo  liyte  he  digno  de  memoria. 


I 


ISONETO     CCXXXVIII. 

QUanta  incerta  efperança,quãto  engano* 
Quanto  viver  de  falfos  peníamentosi 
Pois  todos  vam  fazer  feus  fundamentos        ^ 
Só  no  mefmo  em  q  cftà  feu  próprio  danoj    ^ 

Na  incerta  vidaeftribam  de  hú  humano^ 
Daõ  credito  a  palabras  que  faó  ventos; 
Choraó  deípois  as  horas,  &  os  momentos 
Que  riram  cõ  mais  gofto  cm  todo  o  anno. 

Naõ  aja  em  aparências  confianças^ 
Entendey  que  o  viver  he  de  empreitado; 
Queodeqviveomundofam  mudançasj 

Muday,  pois,  o  fentido,  Síocuydado» 
Somente  amando  aquellas  efperanças 
Que  duraõ  para  femprecomoamado, 

SO 


I 


Rimas  do  Grande  Luís  de  CamSeíl 


4< 


i 


SONETO     GCXXXIX, 

MAl,  q  de  tépo em  tempo  vàs  crccêdo> 
Que  ce  viíTe  de  hú  bem  acõpanhado, 
A  vidapàíTariadeícanfado, 
Da  morte  naõ  temera  o  roíto  horrendo, 

Ss  osvãoscuydados  fora  convertendo 
Em  lufpiros  que  daó  outro  cuydado^ 
Oh  quaô  prudente !  ó  quaó  atbrtunado 
A  capcila  de  louro  irá  tecendo  í 

Tempo  he  ja  de  efquecer  contentamentos 
PaíTados,  co'  a  efperança  que  paflbu, 
E  de  que  triunfem  novos  penfamentos. 

A  fèj  que  viva  na  Alma  me  ficou» 
Dé  já  fim  aos  caducos  ardimentos 
^  que  o  paliado  bem  fe  condenou. 

SONETO  ccxl: 

O  Quanto  melhor  he  o  fupremo  dia 
Da  mania  morte,  que  o  do  nacunento! 
O  quanto  melhor  he  hum  (ó  momento 
Que  livra  de  annos  tantos  de  agonia  ! 

De  alcançar  outro  bem  ceííe  a  porfiaj 
CeíTe  todo  aplica  Jopsníamento, 
De  tudo  quanto  dá  contentamento, 
Pois  fo  contenra  ao  corpo  a  terra  fria. 

O  que  do  íeu  fez  Deos  feu  defpeníeyro^ 
Tem  mais  eftrey  ta  conta  que  lhe  dar: 
Entaõ  parece  rico  oovelheyro. 

Jfrilte  de  quem  no  dia  derradcyro. 
Tem  o  fuor  alheo  por  pagar^ 
Toisaalma  hade  vender  por  o  dinheyrol 

SONETO    CCXU. 

CJ1  Omo  podes  (  ò  cego  Peccador  i) 
j  Edarem  teus  errores  taò  ifento, 
Sabendo  que  elta  vidahc  hum  momentO| 
ISe  comparada  com  a  eterna  for  > 

N  aó  cuydes  tu  que  o  juíto  J  ulgador 
Dr^xarà  tuas  culpas  íem  tormento, 
]Sem  que  paíTando  vay  o  tempo  lento 
Do  dia  de  horrendillimo  pavor. 

Naõgaíles  horas, dias,  meíes^annos, 
Em  íeguir  de  teus  danos  a  amiladc 
Dequedcfpoisreíultaõ  moresd\nos. 

E  pois  de  teus  enganos  a  verdade 
Conheces,  deyxa  ji  tantos  engano"?, 
Pedindo  a  Deos  perdaõ  com  humildade. 
».  I.^arc. 


SONETO    CeXLiU 

DE  Babel fobre  os  rios  nos  fentamôSj 
De  noíTa  doce  Pátria  defterrados. 
As  máosnaface,  os  olhos  derribados, 
Com  faudades  de  ti,  Siaó,  choramos. 

Os  órgãos  nos  íalguíyros  penduramos^ 
Em  outro  tempo  bem  de  nòs  tocados ; 
Outro  era  ellcj  por  certo  j  outros  cuydadosjj 
Maspordeyxar  íaudades  os  deyxanios. 

Aquelles  que  cativos  nostraziaõ. 
Por  cantigas  alegres  prcguntavaó. 
Cantay  (nos  dizemj  himnos  de  SiaÕ* 

Sobre  cal  pena,  pena  tal  nos  daó. 
Poistiranicamente  pretcndiaô 
Que  cantaíTem  aqucUes  que  choravaõ* 

SONETO    CCXLIII. 

Sobre  os  rios  do  Rcyno  cfcuro,  quando 
Triítes,quaes  noíías  culpas  o  ordenarão^ 
Lagrimas  noíFos  olhos  derramarão, 
PortijSiaó  divina,  fufpirando: 

Os  que  hiaõ  noíías  almas  iofeftando,' 
De  contino  em  error,  as  cativarão  i 
E  em  Y^ó  por  noíTos  Salmos  preguntaraó^^' 
Que  tudo  era  filencio  miferando. 

Dizendo  eftamos :  Como  cantaremos 
As  accytas  canções  a  Deos  benigno. 
Quando  a  contrários  feus  obedecemos  ? 
Mas  jà,  Senhor  fó  Santo,  determino, 
Deyxandovíciofillimos  eílremos. 
Os  cactos  profiguir  de  Amor  Divino.' 

SONETO    CCXLIV; 

EM  Babilónia  fobre  os  rios,  quando 
De  ti,  Siaõ  Sagrada  nos,  lembramos, 
Allicom  graó  faudade  nos  ícntamos, 
O  bem  perdido,  miíeros,  chorando» 

Os  inftrumentos  muficos  deyxando, 
Nos  eftranhos  lalgueyros  penduramos. 
Quando  aos  cantares,  q  jà  em  ti  cantamos, 
Nos  eílavaõ  imigos  incitando. 

As  efquadras,  dizemos,  cnemigas  j 
Como  hemos  de  cantar  em  terra  alhea, 
As  cantigas  de  Deos,  íacras  cantigas  ? 

Se  a  lembrança  eu  perder  que  me  rccrcâ 
Cà  neftas  penofi (limas  fadigas, 
Olflivionideturdextra  me  a 

F  §0- 


'j^i  Rimas  do  Grande  Luis  de  Camoesl 

SONETO    CCXLV.  SONETO    CCXLVIII. 


A  Ponta  a  bella  Aurora,  Luz  primcyrai 
-^^  Qlig  a  graô  nova  nos  deu  do  claro  dia. 
Vtftivos  corações  já  de  alegria, 
£  rccebey  da  vida  a  Meníageyra, 

Dà  humana  Redempção  nace  a  Terceyra 
i\!egrate,  divina  Monarquia ; 
Da  rcrra  terás  cedo  a  Companhia } 
Do  Ceo  veras  também  a  noíía  Freyra. 

De  tal  obra  íe  eípanra  a  Natureza, 
Confuío  íica  de  temor  o  Inferno, 
V  endo  a  que  oace  lícnta  da  defeza. 

Ley  geral  era  pofta  deídecrcrno  • 
Mas  o  ?>enhor  da  Ley,  toda  hmpeza 
Parao Sacrário  íeu  guardadou,  iMaterno, 

SONETO    CCXLVI. 

Orquc  a  Terra  no  Ceo  agafalhaíTe, 
O  Ceo  na  Terra  Deos  aga  falhou  .* 
Là  não  cabendo,  cà  fe  acomodou, 
l^oí  que  là  de  cá  indo  fe  alargafle.  (fe 

Porqu'o  homéa  fer  Deos  por  Deos  chegaf- 
Por  o  homem  a  ítr  Homem  Deos  chegou : 
Seu  divino  poder  tanto  humanou, 
Porqu'  o  humano  em  divino  fctornaíre. 

Vede  bem  o  que  deu,  ik  recebeo: 
Naõ  íe  perca  hú  bem  tanto  da  memoria: 
Deunós  a  vid^i  a  morte  padeceo. 

Troçou  por  noífa  pena  a  íua  gloria: 
Deunos  o  triunfo  que  cllc  mereceo : 
Perquo  Amor  íoy  Autor  defta  Vitoria. 

SONETO     CCXLVII. 

QUeeftíla  a  Arvore  /acra?  Hú  licor  fanto. 
Para  quem  f^  Para  o  género  he  humano. 
Que  faz  delle  ?  Hum  remédio  íoberano. 
para  que  í  Para  a  cul  pa,  &  trifte  pranto. 

E  que  obra  ?  Reduzir  Luzbel  a  efpanto. 
Porque?  Porque  cú  pomo  fe^  graõ  dano. 
Que  foy  ?  A  morte  deu  com  hum  engano, 
T-nto  pôde  ?  Sem  falta  pôde  tanto. 

Quem  íobc  a  ella  ?  Quem  do  Ceo  deceo. 
A  quedece?  A  fubir  a  Criatura. 
Que  quiz  da  terra?  Sólevalla  ao  Ceo. 

He  eícada  para  ir  là  ?  E  a  mais  fegura. 
Quem  o  obrigou  ?  De  Amor  Í6  fe  venceo. 
Que  amava  efte  Feytor  ?Sua  Feytura, 


OH !  Arma,  unicamente  íò  triunfante, 
Propugnaculo  íòdenofias  vidas  1 
Por  quem  foraô  ganhadas  as  perdidas, 
Com  q  o  Tártaro  horrendo  andava  ovante,'     g 

Sigaíe  eftâ  Bandeyra  militante,  " 

por  quem  íaõ  taes  vitorias  conícguidas. 
Por  quantas  Almas^  delias  divertidas, 
No  Ponente  erraõ  tà,  là  no  Levante. 

O  Arvore  íublime,6f  marchetada 
De  branco  &  carmefi^  de  ouro  embutida^ 
Dos  rubis  mais  precioíos  eímaltada  < 

De  Troteos  mais  claros  guarnecida  j 
A  Vida  a  Morte  vimos  era  ti  dada, 
Para  que  em  ii  íe  deíTe  á  Morte  a  Vida^' 

SONETO    CCXLIX. 

A  Os  homens  hu  fó  Homem  pos  eípãto^' 
Ê  o  pos  a  toda  a  humana  N  atureza. 
Que  de  home  teve  o  fer,  de  Anjo  a  pureza. 
Porque  antes  que  nacefíe  era  ja  Santo. 

Profeta  foy  na  Mâyj  &  enfim,  foy  tant( 
Que  entre  osnacidos  ouve  a  mór  alteza; 
Que  da  Luz,  fem  a  ver,  vio  a  Grandeza 
Tendo  por  trompa  o  Verbo  Sacrofanto. 

Aquella  Voz  foy  elle,  fonorofa^ 
No  concavo  dos  Orbes  reíonantc, 
EqueaCarne  inculpável  bautizou. 

Quem  do  mór  Pay  ouvio  a  Voz  ámantCjf 
Quem  a  íiitil  pregunta,  induftrioía. 
Com  fincera  repolta  foiTegou. 

SONETO    GCL. 

VOs  ró  podeis.  Sagrado  Evangelííla;    ^^ 
Angélico  abrafado  Serafim, 
E  na  ciência  mais  alto  Cherubim^ 
Do  q  he  mais  fabio  Amor  fer  coronifta 

Divina,  &c  Real  Águia,  cuja  vift a 
Vio  o  qhe  fem  principio,  o  ^  hefeoifimí    t 
De  Jacob  mais  querido  Benjamim, 
Quem  mais  campeã  de  jofeph  na  lifta. 

Apoftolo^  &  Profeta  ^  Patriarca; 
Ao  Principe  dos  Ccos  o  mais  accyto; 
Que  em  íeu  feo  dormindo  entaõ  mais  via 

A  quem  o  mcfmo  Deos  por  Irmão marca^ 
Quem  por  Fjlhoda  Mãy  única  feyto. 
Em  Corpo  &  Alma  goza  o  claro  Dia. 


Rimas  do  Grandt  Lais  di  Camões. 


43 


SONETO 


CCLL 


COmo  louvar  y  eu,  Serafim  Santo, 
Tanta  humildad",  tanta  penitencia, 
Caftídiicic,  &  pobreza^  Si  paciencií, 
Comeftemeu  inculto,  &  rudo canto  » 

Argumento  que  às  Muías  põem  eípanro, 
Que  faz  mu  Ja  a  grandíloqua  eloquência, 
j^bh  imagem  que  a  Divina  Providencia 
^^U€  Cl  viva  em  vós  fez  para  bem  idnto! 
Foíle*  de  Sa  icos  húa  rara  minaj 
Alm.sdeniil  a  ir.ilaoCeo  mand^ftcs 
Do  mundo  que  perdido  rtformaftcs. 

Ênaõ  roubiveisío com  a  doutrina 
As  vontades  mortais,  masadivina, 
Tois  05  feus  rubií)  cinco  ihi  lot bailes. 


SONETO    CCLlV. 

D  Eyxa  Apolo  o  correr  taó  aprcííado, 
Naõ  figas eíía  Ninfa  tao  utanOj 
Naõ  te  Uva  o  Amor,  levatc  o  engano 
Com  foiTibras  de  algú  bem  a  mal  oobrado. 

E  quand)  feja  Amor  ícrà  forçado, 
E  le  torça  Jo  for,  ícrà  teu  dano ; 
Hum  parecer  naóqueyras  mais  q  humano,' 
Em  hum  Silvcftre  adorno  ver  toi  nado, 

Naõ  percas  por  hum  vaõ  contentamento 
A  viltaquete  faz  viver  contente; 
Modera  c  n  tcu  favor  o  pcníamcnto, 

Forque  menos  mal  hetcndoapieíente. 
Sofrer  Al»  crueza, &  teu toruKíito, 
C^ieíentic  lua  aufcncia  eternamente. 


SONETO     CCLII. 

Dltofas  Almasj  que  ambas  junta  menta 
AoCeode  Vénus  &  de  Amor  votítes. 
Onde  hum  bem  que  taó  breve  ci  lograíles, 
Eftais logrando  agora  etcínamente, 

Aquelle  elUdo  voíTo  taó  contente^ 
Qi>e  ío  por  durar  pouco  trifte  achaíteí?. 
Por  outro  mais  contente  jà  o  tro.aftes, 
Onde  fem  fobreíalto  o  bem  íc  (ente, 

Trifte  de  quem  cà  vive  taó  cercado 
Na amorofa  fincz*,  de  hum  tormento 
Que  a  gloria  lhe  perturba  mais  crccida! 

Ti  líte,  poi>  me  naõ  vai  o  ÍOirimcnto, 
E-Amor  para  mais  dano  me  cem  dado 
Tara  taô  duro  mal  taó  larga  vida. 

SONETO     CCLlir. 

Contente  vivi  jà,  vendome  ifento 
Deftemaldeqa  muytos  queyxar  via: 
Chamaòlhe  Amor^nas  eu  lhe  chamaria, 
T)iícordià,&f  íemrazaój  gu::rra, atormento. 

Enganoumcco'onome  opíjnfimcnto. 
Quem  com  tal  nome  naõ  ic  enganaria  > 
Agora  tal  cllou  que  temo  hum  dia 
Em  que  venha  a  faltarme  o  fof  imento. 

Com  deícípcração»  &  com  deíejo, 
Me  paga  o  que  por  elleefton  paíTando, 
t  indaeftá  do  meu  mal  mal  fatiseyto. 

Foisfobre  tantos  danos  inda  vqo 
Para  darme  outros  mil,  hufn  olhar  brandoj 
E  para  os  náo  curar ,  hu.n  dato  ^^eyto. 
1  .    l  Farce, 


SONETO    CCLV* 

^1  As  Cidades,  nos  boíques,  nas  flore/la*?, 
^  Nos  valies,&  nos  «notes,  teus  louvoícs 
Sempre  te  cantem  mulkos  pjílcrcs 
Nas  manhâas  frias,  nss  ardentes  ú  ítas. 

Eneíle  Tcmplodoiidc  nuPifcílaS, 
E  repartes  agora  teub  lavores, 
CoíH  S^dmoSj  hymno^,  &  com  varias  flores,' 
Se/aó célebres  í.  mpreas  tuíisfcllas. 

Edes  te  ofreçáo  pès  eíToutros  máos ; 
De  aqu-jlles  pendaó  íobre  os  teus  altares 
MonílosdomarjdefcrviJaôpriroení, 

Qtieeucuydados,  enganos,  &  affeyções, 
Muy  to  mayorcs  monítros;  &  milhares 
1  c  dey  xo  aqui  de  pcuíameatos  váos. 

SONETO    CCLVI. 

VI  queyxofos  de  Amor  mil  naoT^radoç,' 
E  ncnhús  inda  vi  com  feus  louvores  í 
£  aquelle  q  mais  chora  o  mal  de  amores 
Vejo  menos  fugir  de  feus  cu y dados. 

Se  das  dores  de  Amor  ioi$  mal  tratidos» 
Porque  tanto  bufcais  de  Amor  as  dores» 
E  le  também  as  tendes  porfavoref,, 
Forque  delias  falais  como  agravados? 

Naõ  queyrais  alegria  achar  aigúa 
No  Amor ,  porque  hecõpoítode  triftezai 
Na  Fortuna  que  acheis  mais  agradável. 

Nclla,&ntllcachcy  féprea  meíma  Luma» 
Era  quem  nunca  feyij  outra  firmeza 
Que  uaó  í;.ja  a  de  Ter  fcm  pre  mudável. 


F.j 


SO; 


44 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões, 


SONETO^    CCLVir. 

SE  lagrimas  choradas  de  verdade 
Ò  mármore  abrandar  podem  mais  duro, 
l'orqueas  minhas  que  nacem  de  amor  puro 
IH^Í  coxaçaô  naõ  rendem  a  piedade  ? 
*  Por  vos  perdi^  Senhora,  a  liberdade, 
E  nem  da  pfppria  vidacftou  leguro. 
Rompçy  de  eííe  rigor  o  force  murpj  ^  ío^,  ^ 
Naõ  páide  tanto  avante  a  crueldade.     '      -^ 

Ao  prezar  de  defprezos  d*ay  jà  fim :   . 
Naó  vos  chanicm  cruel^  nome  devídí^i^v  f^ . 
A  quem  íc  ri  de  fluem  íuípira  ,  &  amá. 

Abranaay.efle  pey  to  endurecido, 
Pôr  ò  que  tocaa  vps,  já  naõ  por  mi;n  : 
Que  eu.aVj^ncuro  a  vida,  6í  vòs  a  fama. 

SQtí^gTO     GCLVIII. 

Já  me fundey em vãps contentamentos 
Quandodelles  viyi  todo  enganado 
De  hu  fantaílico  bem,  Sr  Je  hú  cuydado 
De  que  fó  cuydáo  crgos  pcnfa mentos, 

PaíTava  dias,  horas,  Ôcrnomen  tos 
Deííe  ènleo  de  amores  laõ  pagado 
Que  tinha  íó  por  bemavencurado 
%^em  fó  por  elles  m  ús  bebia  os  ventos, 

Masí^gpra,que  )ácahi  na  conta, 
Deíengaaamc  quanto  me  enganava.* 
Que  tudoo.tempo  dá,  tudo  defcobre. 

O  amor  mais  caudalofo  menos  monta  j 
*Quc;  he  de  go/lps  maisTicOj  eu  ignorava, 
Aquellè  qu^  de  amores  hc  mais  pobre, 

SONEXO    CCLIX. 

EM.húa  la  pa  toda  tenebrofa, 
Adonde.  bate  o  mar  com  fúria  brava. 
Sobre  hõ^a  maõoroíto,  vi  queeftava 
Húai^íirifa  gentil,  mas  cuydadola. 
Iguaimenre  que  linda  laftimoí?, 
Aljôfar  dos  Teus  olhos  delíilava  : 
O  mar  os  íeus  furores  aplacava 
Com  ver  coufa  taó  tnltc,  &  taõ  fermoía. 

Algúa  vez  na  horrivel  penedia 
Os  bellos  olhos  punha  com  brandura 
Báftantea  desfazer  íua  dureza, 
tÇi-*'"^^'^  angélica  voz,  afli  dezia. 
*Aln  l  Que  falta  mais  vezes  a  ventura, 
Dondcjobcjamaisa  Natureza. 


SONETO^íCCLX. 

SE  em  mim  (ó  Alma !)  vive  mais  Icbrãça 
Que  aquella  íó  da  gloria  de  querervos| 
Eu  perca  todo  o  bé  que  logrou  em  vervos»  ? 
E  de  vervos  tanribem  toda  a  eíperança,    . .  j 

y ejafe  cm  mim  taó  ruftica  erquiyança    . 
Que  í-oda indigno íer  de  conhecervos; 
E  quãdoem  mór  empenho  de  aprazeçvos, 
Vosoffendí,  feem  miraouver  mudança. 

Confirmado  eltou  já  nefta  certeza: 
Examineme  voííacrueldadej 
.Exprimenteíe  cm  mim  vo0a  dureza 

Conheceyjá  de  mim.  tanta  verdade 
Poisem  penhor,&  fé  delta  pureza  . 
Tributo  vos  fiz  íer  o  que  he  vontadcr 

SONETO     CCLXL 


ILuflre  Graçia ,  nombre  de  una  moça 
Pnmera  malhechora  en  elle  caíío, 
A  Mondoííedo,  a  Palma ,  ai  coxo  TraíTo, 
Sugeto  digno  de  immortal  coroca. 

Si  e.n  médio  de  la  Iglefia  no  reboca 
El  manto  a  vueílro  roftrotandevaíTo, 
Por  vós  dirán  las  gentes  rezío,  y  paíToj 
Veis  quiencon  el  Demónio  íe  retoca. 

Puede  mover  los  montes  fin  trabajoj 
Con  palavras  elcurfo  ai  agua  enfrenaj 
Por  ias  ondas  hará  caminoenxuto. 

A  verguenza  íu  Pátria,  y  rico  Taja, 
Que  porellahombrcsllevâ  masque  arena 
De  que  paga  ai  Infiemo  gran  tributo. 


I 


SONETO    CCLXII. 

QUal  tem  a  borboleta  por  coftume, 
Que  elevada  na  luz  da  aceía  vclla. 
Dando  vay  voltas  mil,  atè  que  nella 
Se  queyma  agora,  agora  íe  confume. 

Tal  eu  correndo  vou  ao  vivo  lume 
De  e{?bs  olhos  gentis,  Aonia  bella; 
E  abraíome,  por  mais  que  com  cautclla 
Livrarme  a  parte  racional  prelume, 

Conheçoorouytoa  que  fe  atreve  a  viftaj 
O  quanto  fe  levanta  o  peníãmcntoj 
O  como  vou  morrendo  claramente. 

Porém  naó  quer  Amor  que  lhe  refifta, 
Né  a  minha  alma  o  quer,  q  cm  tal  torméto 
Qual  em  gloria  mayor  eftá  contente. 

òyJt 


,'Mmas  do  Grande  Luk  de  Camoesl 


^ 


^SPNETO     CCLXIII, 

LEmbrâças  de  meu  bé,  doces  lembrlças, 
Q.ae  tâo  vivas  eftais  nefta  alma  minha, 
JNaoqueráis  mais  de  mi,  fcos  bés  q  tinha 
Em  poder  vedes  todos  de  mudanças. 

Ay  cego  Amor  i  Ay  mortas  elperanças, 
De  que  eu  em  oucro  tempo  me  mantinha  í 
Agora  dcyxarcis  quem  vos  loítmha. 
Acabarão  co'  a  vida  as  confianças, 

Co'  a  vida  acabarão  ,  pois  a  ventura 
Mc  roubou  num  momento  aqueLa  gloria 
Que  quando  taõ  grande  he,  taó  pouco  dura 

Oh  1  íc  apGs  o  prazer  fora  a  memoria ! 
>\o  menos  cUivcra  a  alma  íegura 
De  ganharfc  com  ella  mãis  vitoria. 

SONETO     CCLXIV. 

^1^  Ermofos  olhos,  que  cuydado  dais 
J/  Ameíma  luz  do  Sol  mais  clara, &  pura> 
Que  fua  clclarecida  fermofura, 
Com  tanta  gloria  vofla  atras  dcyxais. 

Se  por  ícrdcs  taô  bellos  desprezais      (j 
A  fineza  de  A  mor  que  vos  procura, 
Pois  tanto  vedes,  vede  que  naó  dura 
O  volloreíplandor  quanto  cuydais, 

Coltiey,  colhey  do  tempo  tugitivo, 
Ede  voflabclleza  odocefuuo, 
Que  em  vaõ  tora  de  tempo  he  defejado, 

£  a  mi,  q  por  vós  morro  ,  h  pur  vos  ViVO, 
Fazey  pagar  a  Amor  o  íeu  tributo^ 
Contente  de  por  vós  lho  aver  pagado, 

SONETO    CCLXV, 

I)  Ucsfiempre  finceíTar  ,misojos  triftes^ 
Ed  lagrimas  tratais  la  noche,  el  dia  , 
Mirad  {\  es  lagrima  efta  que  os  emòia 
Aquel  Sol  por  quien  vós  cantas  vertiftcs. 

Si  vós  me  alkguraib,  pues  ya  lá  villes, 
Que  es  lagriiija,  lerá  ventura  miaj 
Por  em  picadas  bien  deldcoy  tcndria 
Las  muchas  que  por  ella  loía  diftes. 

Mas  quaiquier  cola  mucho  dcíeada, 
Aunque  vicndo  íe  eftè  nunca  es  creidaj 
Y  mcnqs  elta  nunca  imaginada. 

Pêro  delia  aííèguro,  fi  CS  fingida, 
Que  bafta  ler  pwi  bgrima  embiada, 
Para  que  íca  por  lagrima  tenida. 


SONETO    CCLXVL 

TEm  feyto  os  olhos  ncíle  aparramenco 
Hum  naar  de  fatidoía  cempeltade, 
Que  pode  dar  íaudade  à  faudade, 
Sentimentos  ao  próprio  fentimento. 

Em  dor  vay  convertido  o  fotrimento. 
Em  pena  convertida  a  piedade  j 
A  razaò  taõ  vencida  da  vontade. 
Que  elcravo  faz  do  mal  o  entendimento. 

A  lingoa  naó  alcança  o  que  a  alma  lentej 
E  aíli,  íe  alguém  quifci  em  algum  hora 
Saber  queccuía  hedornaõcõprehendida 

Par  tale  do  leu  bem,  porque  cxpnmeute. 
Que  anres  de  íe  partir,  melhor  me  fora 
raituícdo  vivcr  para  ler  vida, 

SONETO     CCLXVII. 

A  Peregrinação  de  hu  penfamento 
Que  dos  males  kz  hi.bito,  ^  ccftumei 
Tanro  da  tnfte  vida  me  coníume, 
Quanto  crece  na  caufa  do  tormtnio. 

Leva  a  dor  de  vencida  ao  íoft  imentoj 
Mas  a  alma  eítà  de  entregue  taó  Icm  lume,  , 
Que  elevada  no  bem  que  a  ver  preíume, 
N aõ  faz  cafo  do  mal  que  eílá  de aílen to. 
De  longe  receey,  fe  me  valera, 

0  perigo  que  tanto  á  porta  vcjOj 
Quando  naó  acho  em  mi  couía  fegura. 

Mas  jà  conheço  (ò  nunca  o  conhecera  í) 
Que  entendimentos  prelos  do  defejo, 
Naõ  tem  remédio  mais  que  o  da  ventura. 

SONETO    CCLXVIII. 

A  Chome  da  Fortuna  falteado, 
O  tempo  vay  fogindo  preíuroío, 
Deyxandome  da  vida  duvidoío, 
E  cada  inftante  mais  deíefperado. 

Trocnufe  o  meu  defcuydo  em  tal  cuydado 
Qiie  dôde  a  gloria  he  mais,  he  mais  penoío 
N  em  si^^Oy  de  perderme,  reccoíc  j 
Nem,  de  poder  ganharme,  confiado. 

Qualquer  ave  nos  montes  mais  agreíles, 
Qijalquerfera  na  cova  repouíãndo, 

1  em  horas  de  alcgriaj  eu  todas  triíles. 
Vos,  faudoíos  olhos,  quco  quífeíles, 

(Pois cõ  tormento  Amor  me  eítà  pagádo^^» 
Choray^  como  o  que  vedes,  o  que  viítcs. 


4^ 


Rimas  do  Grande  Luís  de  CamSes, 


SONETO    CCLXIX. 

SE  no  que  tenho  dito  vos  offcndo, 
N  aó  jic  a  intenção  minha  de  ofcndervosj 
Que  m  jâ  que  pretenda  mcreccrvcSj 
Naõ  vos  dtfnícireccr  íempre  pretendo. 

Mas  he  meu  fado  tal,  ítgundo  entendo, 
Que  por  quanto  ganhava  entendcrvos, 
iNaó  me  deyxa  n  te  agora  ccnhccei  yos, 
For  a  mi  propno  rnc  ir  dcfconhccendo, 
« '-Os  diab  ajudados  da  vericura, 
A  cada  quíl  de  fi  daõ  deíenganos» 
Ea  outros  íoedallo  a  deíventura. 

Qijaldfftas  firvaa  mi,  diràõosdanos> 
Ou  goftos  que  eu  civcr,  cm  quanto  dura 
EíU  Vida,  taõ  larga  em  poucos  annos, 

SONÊIO    CCLXX. 

SEmpre  cru .1  fjnhora>  receey, 
Medindo  voíTa  graõ  defcon íinnça, 
Qul  deíTe  em  de  (ãm.)r  voíTa  tardança, 
E  que  me  per  JcíTe  eu,  pois  vos  a  ney  : 

Percaíe  em  íí.ti  ja  tudo  o  que  efpcrcy, 
pois  noutro  amor  j  i  tendes  crperaaça, 
Tio pot-ncc  lerá  vjfi  madança, 
Quanto  cu  encobri  íe.nprc  o  que  vos  dsy: 

Dey  vos  a  alma,  a  vida,  Sc  o  lentido» 
De  tudo  o  que  em  miiO  ha  vos  fiz  lenhora, 
Prometeis,  ^;  negai»  j  mcfmoamor  : 

Agora  lú  £lt  ju,  que  de  perdido 
Naó  íey  poro  \de  vou,  mas  algum  hora 
Vos  dará  tal  le:íbran^'a|jraade  dor. 

SONETO    CCLXXI.] 

FOrtunaem  mim  guardado  feuditíyto 
Em  verdederrubou  minha  alegria, 
O  quanto  fe  acabou  oaquelle  dia, 
Cuja  triíle  lembrança  arde  em  meu  peyto! 

Quando  contemplo  rudo,  bctn  roíptyto, 
Que  atalbccn,  taldercançoíed.via, 
Pcrnàodircro  mundo,  que  podia 
Acharíeem  feu  engano  bem  perfeyto: 

Mas  f(?  a  Fortuna  o  ^cz  por  deícoDtarmc 
Tan}Anho  gofto,  em  cujo  íentimento 
Amemon?.  não  faz  ícnáo  matcrme : 

Qiie culpa  pódedarmcoíofnmento. 
Se  a  cauía  que  ellc  tem  de  íitormentarme,! 
tu  teiiho  de  íofrci  o  í^u  tomitnio. 


SONETO      CCLXXIí. 

SE  a  fortuna  inquieta»  &  mal  olhada,' 
Que  a  juíla  Ley  do  Ceo  coníigo  infííma> 
A  vida  quieta,  que  cila  mais  dcfama 
Me  concedera  honeíta,&  r  poufada  : 

Pudera  íerqucarouíàaicvantada 
Com  luz  de  mciisardcnte,&  viva  flama 
Fizera  ao  Tejo  la  na  pátria  cama 
Adormecer  co  íom  da  lyra amada : 

Poièm,  pois  o deílmo  trabalhofo. 
Que  n  e  eícurece  a  mufa  fraca,  &  laça 
Luuvorde  fsnto  pie(jO  não  fuítenta: 

A  voíía  de  icíuvarmc  pouco  cfcaça 
(Jutro  íogcytobufqMe  valerofo, 
Tui  ^ual  tiij  vos  aomunJo  íe  aprefcíjta, 

SONETO    CCL  XXIII. 

E  Sfc  amor,  que  vos  tenho  límpo,&  puro 
De  penfa mento  vil  nunca  tocado. 
Em  mmha  tenra  idade  começado, 
Tclo  dvntro  neíla  alma  fò  procuro : 

De  haver  ncllc  mudança cftou  feguro. 
Sem  tcnuT  nenh  um  caio,  ou  duro  fado, 
In  cm  o  íu premo  bem,  ou  bayxo  e/tado. 
Nem  o  r  :mpo  pr ciente,  nem  futuro  : 

A  "óiitna,^  a  flor  aílaha  paíTa, 
Tudo  porteira  o  Inveroo,  &  Eftio  àtytt^ 
Sò  paramcu  amorhefempre  Mayo: 

MoS  ver  vos  para  mim  ffnhora  eícaça* 
E  que  eiFi  ingratidão  tudo  me  engeyta, 
1  ras  cfle  meu  amur  fempre  em  deímayoj 

SONETO    CCLXXI7. 

SE  grande  gloria  me  vem  fó  de  olhartc^ 
He  pena  deílgual  dey  xar  de  verte. 
Se  prefumo  com  obras  mercccrte. 
Grande  paga  do  engano  he  defejartc. 

Se  quero  por  quem  es  tal  vez  louvartc^ 
Sey  ceriOj  por  quem  íou,que  he  offenderte,' 
Sc  mal  me  quero  a  mim  por  bem  qucrerte. 
Que  premio  quero  eu  mais  que  fó  o  amartc  i> 

Eftreoios  íaõ  de  amor,  os  que  padeço, 
O  huniano  thelouro,  o  doce  gloria, 
E  íe  cuydo  que  acabo  entaõ  começo. 

A  íli  te  trago  fempre  na  memoria, 
Nem  fey  fe  vivo,  ou  morro,  mas  conheço^ 
Que  ao  âm  da  batalha  he  i.  vitoria, 

5Q: 


- 


Rimas  ão  Grande  Luh  ãe  Camõesl 


i7 


SONETO    CCLXXV. 

AFermofura  deita  frefca  ferra, 
Ea  Tombra  dos  verdes  eaílanheyros, 
O  manío  caminhar  deftcsribeyros, 
Donde  coda  a  tnlkza  íe  defterra; 

O  rouco  fom  do  mar,  a  eftranha  terra, 
O  efcondtr  do  Sol  pellosouteyros, 
O  recolher  dos  gados  derradeyros, 
Das  nuvens  pello  ar  a  branda  guerra: 
Em  fim  tudo  o  que  a  rara  natureza 
Com  canta  variedade  nos  ofrcce, 
te  eftà  (fe  não  te  vejo}  magoando: 
fem  ti  tudo  me  enoja,  &  rae  aborecCi 
>em  ti  perpetuamente  eítou  paliando 
las  mores  alegrias^  mòr  triítcza, 

SONETO     CCLXXVI. 

Ofpechas,  que  en  mi  crifte  fantefía 
Pucftas  hazeis  !a  guerra  a  mi  íentidõ, 
►olviendo,  y  rebolviendo  cl  afligido 
*echo  con  dura  mano  noche,y  dia  : 
Ya  fe  acabo  la  refiílencía  mia, 
Y  la  fuerça  dei  alma  ya  rendido. 
Vencer  de  vós  me  dexo  arrepencido 
De  averos  contraftado  en  tal  porfia : 

Llevadme  a  aquel  lugar  tan  efpantable, 
QiLC  por  no  ver  mi  muerte  alli  efculpido. 
Cerrados  hafta  aqui  tuve  los  ojos : 

Las  armas  pongoya»  que  concedida 
No  es  tan  larga  defenía  ai  miíerable, 
Col^jad  en  vueftro  carro  mis  defpojos. 

SONETO     CCLXXVII. 

SUÍlenta  meu  viver  hua  efperança 
Dirivada  de  hum  bem  taò  deícjado, 
Qi»e  quando  nella  eftou  mais  confiado, 
Mòr  duvida  me  põem  qualquer  mudança: 
E  quando  inda  eíte  benn  na  mòr  pujança 
De  feus  goftos  me  tem  mais  enlevado, 
..JAe  atormenca  entaó  ver  eu,  que  alcançado 
Seràf  por  quem  de  vòs  naõ  tem  lembrança : 

Aflij  que  neftas  redes  enlaçado, 
A  penas  dou  a  vida,  fuftentando 
Húa  nova  matéria  a  meu  cuydado  : 

Sufpiros  dalma  triftes  arrancando, 
Dosíilvos  dehiia  pedra  acompanhado, 
Eílou  matérias  criftes  lamentando. 


SONETO    CCLXXVIII. 

TA  naõ  finto.íenhora,  osdeíenganos, 
Com  q  minha  aíieyção  íempre  crataíles, 
-     Nem  vero  galardaò,que  me  negaftes, 
Merecido  por  fè  ha  tantos  annos; 

A  magoa  choro  fó,  íò  choro  os  danos 
Dever,  por  quem,  í^enhora,  merroca/tes. 
Mas  em  tal  calo  vòs  fò  me  vingaíks 
De  voííá  ingratidão,  voílcs  enganos : 

Dobrada  gloriada  a  qualquer  vingança,' 
Queoofltndidoioma  do  culpado. 
Quando  íeíatisfaz  com  couía|uíta: 

iMas  eu  de  voíTos  males,&,  eíquivança. 
De  que  agora  me  vejobtm  vingado, 
Naõ  o  quizera  eu  canto  á  volTa  cufta, 

SONETO      CCLXXIX. 

QTJc  pode  já  fazer  minha  ventura,' 
Que  feja  para  meu  contentamento? 
Ou  como  íazer  devo  fundamento 
De  coufái  que  o  não  tem,  nem  he  fegura  ? 

Qije  pena  pòdeíer  tão  certa, &  dura» 
Que  poíla  íer  mayor,  que  meu  tormento  ? 
Ou  como  receará  meu  penfámento 
(Js  males,  íecom  elles mais fc apura? 

Como  quem  íe  coftuma  de  pequeno 
Com  peçonha  criar  por  mão  fcicnte. 
Da  quai  o  u  fo  j  à  o  tem  leguro : 

Mas  eu  acoítumado  ao  veneno, 
E  uíò  de  íofrer  meu  mal  prefence 
Me  faz  não  fcntir  já  nada  o  futuro. 

SONETO     CCLXXX. 

/^  Uândocuydo  no  tempo,  íj  contente 
V-i  Vi  as  pérolas,  neve,  roía,  &  ouro. 
Como  quem  vé  por  íonhos  bum  thefouro^ 
Parece  tenho  tudo  aqui  prefente : 

Mas  tanto  que  fe  paffa  eAc  accidentCt 
E  vejo  o  quam  diftante  de  vòs  mouro» 
Temo  quanto  imagino  por  agouro, 
Porque  de  imaginar  também  meaufente: 

Jáforãodias,  em  que  porventura 
Vos  vi)  íenhora,  fe  aíli  dizendo  poííb 
Com  o  coração  feguro  eítar  íem  medo: 

Agora  em  tanto  mal  nãomoaíTegura 
A  própria  fantaíia,  &  nojo  voíTo, 
Eu  não  poílo  entender  cite  íegredo. 

~"       SO. 


4« 


Himâs  âo  Qrande  Luís  de  Cantões] 


SONETO    CCLXXXI. 

QUandOj  fenhora,quíz  Amor  q  ama/Te 
Eíía  gratn  perfeyçaõj  &  gentileza^ 
Logo  deu  por  íencença,  que  a  crueza 
tm  voflTo  peyto  Amor  acrecentaílc: 

Determinou  que  nada  me  apartaíTe, 
Nem  desfavor  cruel>  nem  arpcreía, 
Ivias  que  em  minha  rarifllma  firmeza 
\'oíTa  izcnçaó  cruel  fc  exccucaííe: 

p  pois  tendes  aqui  offerecida 
Elb  alma  voíla  a  voífo  íacrificio, 
Acabay  de  fartar  voíTa  vontade: 

Naó  lhe  alargueis  ícnhora  mais  ávida, 
Acabará  morrendo  emfeu  ofíicio, 
Sua  fé  defendendo^  &  lealdade» 

SONETO    CCLXXXIL 

P  U  vivia  de  lagrimas  izento 
*^  NuiT)  engano  tão  doce,  &  deleytolb, 
Quw  em  q  outro  amante  foííe  mais  ditofo, 
]SJáo  vahaõ  mil  glorias  hum  tormento; 

Vendornc  poííuir  tal  peníamento» 
Denenhúa  riqueza  era  invcjofo> 
Vivia  benTFjdenada  receofo 
Com  doce  amor,  &  doce  fentimentoí 

Cobiçofa  a  fortuna,  me  tirou 
Defte  meu  tão  contente,  &  alegre  eftadoj 
E  paflbure  efte  bem,  que  nu  oca  fora : 

Em  troco  do  qual  bem,  íó  me  dey  xou 
Lembranças,  que  me.  mataõ  cada  hora, 
Xrazendonicamemoriaobem  paííado. 

SONETO    GCLXXXIIL 

INndoo  triílePaftortodo  embebido 
Na  fombra  de  íeudoce  penfamento, 
Tats  queyxaseípalhavâ  ao  leve  vento 
Cum  brando  íuípirar  da  alma  lahido : 

A  quem  me  queyxarey,  cego  perdido  [ 
Pois  nas  pedras  naõ  acho  fentimento  J 
Com  quem  fallo  !  a  que  digo  meu  tormento! 
Qiieonde  mais  chamo,fou  menos  ouvido : 

O  bella  Ninfa,  porque  não  rcípondes  ?^ 
Porqucoolharmcj  tanto  me  encareces! 
Forque  queres  que  fempre  ms  querellc  ? 

Eu  quanto  mais  te  vejo,mais  te  eícondes ! 
Quanto  mais  mal  me  ves,  mais  te  endureces? 
AUimqueco  malcrefcea  caufa  delle. 


SONETO    CCLXXXIV. 

DE  hum  taõ  felice  engenho,  produzido 
De  outro,  q  o  claro  Sol  não  vio  mayoí 
He  trazer  couías  altas  no  fentido 
Todas  dignas  de  eípan'to,&  de  louvor  ; 

Muíeo  foy  antiquiílimo  Efcriptor^ 
Filolofo,  &  Pccta  conhecido, 
Difcipulo  do  Mufico  amador, 
Que  CO  íom  teve  o  inferno  íufpendido: 

Efte  podeabalar  o  monte  mudo, 
Cantando  aquellemal^  quejeujá  palTey 
Do  mancebo  de  Abydo  mal  fizudo : 

Agoracontaõjá(iegundo  achey} 
Tafio,  &  o  nofio  Bolçam,  que  diíTe  tudo       d 
Dos  fegredos,  que  move  o  cego  Rey,  ^ 

SONEtO    GCLXXXV, 

Dlzey,  fenhora,dabellezaidea  % 

Para  fazerdes  eíTeaurco  crino,^ 
Onde  fcítes  buícar  eíTe  oure  fino. 
De  que  efcondida  mina,  ou  de  que  vca  ? 

Dos  voíFos  olhos  efía  luz  Phebea, 
Eflereípeyto  de  hum  Império  digno > 
Seoalcançaftescom  faber  divino. 
Se  com  encantamentos  de  Medea? 

De  que  eícondidas  conchas  efcolheftes 
As  perlas  precioías  Orientâcs. 
Que  fallando  moftraes  no  doce  rifo  ? 

Pois  vos  for  ma  ftes  tal,  comoquizeftcs,' 
Vigiayvosde  vós,  não  vos  vejaes, 
Fugi  das  fontes,  iembrevos  Narciío, 

SONETO    CCLXXXVL 

NA  ribeyra  de  Eufrates  aflfentado, 
Difcorrendo  me  achey  pela  memoria 
Aquellc breve  bem,  aquella  gloria. 
Que  em  ti  doce  Syaõ  tinha  paíTado  : 

Da  caufa  de  meus  males  perguntado 
Me  foy  j  como  não  cantas  a  hilloria 
De  teu  paliado  bem,]&  da  víftoria, 
Quefempredcteumal  has  alcançado  i 

Naõ  fabcs,  que  a  quê  canta  fe  lhe  efqucce 
O  mal,  inda  que  grave,  &  rigorofo. 
Canta  pois,  6c  não  chores  deíía  forte : 

Reípondicom  fufpiros:  Quando  crece 
A  muyta  laudade,  o  piedoío 
Kemedio  be  náo  cantati  fenão  a  morte* 

so. 


\ 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camõéí\ 


O 


SONETO     GCLXXXVII. 

I^^Lvaforelufienre,  ycrillalíno, 
^  De  Angeles  agua  clara,  y  olorofa, 
X>c  blanda  leda  ornado,  y  freica  roíaj 
Ligado  con  cabJiosdeoro  (mo: 

Bicn  claro  parecia  el  don  divino 
Labrado  por  U  manoarciticioía 
Deaquclld  blanca  Nintagraciofa^ 
jMàs  cl  rubioluzero  matutino; 

Nel  valo  vu^ítro cucrpo  íe afigura, 
Raxado  de  los  blandos  micmbros  bLllos, 
|[y  enelagua  vueílra  anima  pura: 

La  íe  da  e^  ia  blancura,  y  los  cabellos 
Soo  las  priílones,  y  ai  ligadura 
Con  que  mi  libci  tad  í  ue  aíidda  dellos. 

SONETO    CCLXXXVlir. 

Horay  Ninfas  os  Fados  poderoíos 
DaqiUcilaíoberana  fermofura, 
Kjadeforao  parar  na  íepukura 
[„Aqueilcs  reaes  olhos  gracioíos? 

Oii  t>ens  do  mundo  falíos,  íi  enginoíôs ! 
.::  magoas  para  ouvir,  que  Íigur4 
\àii  lemrerplcndor  na  tara  dura 
Com  tal  loitco,  &  cabellos  tão  fermofos :     , 

,  Das  outras  queíerà!  pois  pjdertcve 
A  morte  íobrecoufa  canto  bclla. 
Que  cila  ecliplava  a  luz  do  clavo  dii: 
r    Mas  o  mundo  níjeri  digno  delia, 
por  ilío  mais  na  terra  tião  eíteve, 
Ao  Ceo  íobio,  que  jà  íe  lhe  devia. 

SONETO     CCLXXXIX. 

SEnhorajâ  deíia  alma  perdoay 
De  hum  vencido  de  amor  os  deíatinos, 
E lejaó  voílos  olhos  tão  beninos, 
Com  elie  puro  amor,  que  d*alma  íay: 
i    A  mmhipura  feeíómence  olhay, 
E  vede  meus  extremos  íc  íaó  finos, 
E  íedealgiia  pena  forem  dignos, 
Em  mim. lenhora  minha,  vo*  vmeay  : 

INãoíeja  ador,  que  abraía  o  tiiite  peyto, 
Caula  por  onde  pene  ocoraçaõ, 
Qiie  tanto  em  firme  amor  vos  he  fugeyto  : 

Guarday  vos  do  qucalguns,  dama,  oiraó, 
Que  lendo  raro  tiva  tudo  vojío  ubjeito 
PoíTa morarem  vosingracidiõ, 

1.  rart. 


SONETO    CGXC. 

QUem  vos  levoíi  de  mim/audofo  eílador 
Qiie  tanta  íemrazam  comigo  ulaíles? 
Quem  toy  por  quem  taõ  preito  me  negaites 
Elquecido  de  todo  o  bem  palTado? 

Turcaiteíme  húdeícan^o  cm  hiícuydado 
Taõ  duro,  taô  cruel,  qual  me  ordenaltcs, 
A  fcCj  que  tínheis  dado,  me  negaites,  .; 

Quando  mais  nella  ellava  conhado  : 

Vivia  ítm  recco  deite  mal , 
Fortuna^  que  tem  tudo  a  lua  mercê, 
Amor,  co(n  delamor  merevolveo:  '--_ 

Btm  ley  que  neíte  caio  nada  vai. 
Que  quem  naceo  chorandojufto  he, 
Que  pague  com  chorar  o  que  perdea. 

SONETO     CCXCI. 

DlverfoscafoSi  vários  pen  ia  mentos 
Me  iTtizcm  taó  confuío  o  entendiiiiéto^ 
Q^ieem  n^da  vejo  ja  conccntamenco, 
Scaáo  quando  íe  vao  contentamentos : 

lim  vários  calos  varjos  fentimenros 
Succedem,  por  moílnr  ao  tundaii^ento. 
Que  he,o  que  fe  dcíeja  tudo  vento, 
l''ois  pinta  haver  dcican^o  em  Vi-.05  íntencos; 

Veíeem  grandes  dílcuríos  o  dtfejo, 
Quando  as  ocaíioésos  tempos  mudao, 
Nàohacouía  impoílivela  hum  tuydado; 

Omjuílocojuiío  hejà  trocado; 
Osduros  montes  leus  allentos  mudaõ. 
Eu  ío  não  poíio  ver  meu  mal  mudado, 

SONETO    CCXCIL 

DOce  fonho,  fuave,  &  fobtrano, 
be  por  mais  longo  tempo  me  durara, 
Ah  quem  de  lonho^tal  nunca  acoadàra^ 
Pois  havia  de  ver  tal  deltngano  : 

Ah  dekytoío  bem.  ah  doce  engano. 
Se  por  mais  largo  cíprço  me  eng«nàra, 
Seentaòa  vida  milcra  acabara, 
De  alegria,  &  prazer  moirèra  ufano: 

Ditolo,  naò  citando  em  mim,  pois  tive 
Dormindoo  que  acordado  ter  quizera, 
Olhay  com  que  me  paga  meu  Ut  Itiuo  J 

Em  fia»  tora  de  mim  dtcolo  Jl.\  e^ 
Em  mentiras  fcr  diia  razão  era, 
Poisícnipre  nasveidades  tuy  me  fino, 

G  SO- 


5^ 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Camãef. 


SONETO    CCXCIIÍ. 

Diana  prateada  efckrecia 
Com  u  iuz,que  do  claro  Phebo ardête, 
\fot  íer  de  natureza  traníparencc. 
Em  fi,  como  em  eípelho  reluzia  : 

Cem  mil  milhóesd€  graças  lhe  influía. 
Quando  meappartceo  oexceUente 
Rayodevoiíoaípedo,  diíierenre 
Em  graça, êí  em  amor  áo  que  íohia  : 

Eu  vcndome  taó  cheyo  de  favores, 
E  raõ  propiii  quo  a  ícr  de  todo  voíTo, 
Louvey  a  horaclara^&anoyte  eícura: 

Foisnclla  deltcii  cor  a  meus  amores, 
Donde  colíjo  claro  que  náo  poíío 
De  dia  para  vò s  ja  ter  ventara, 

SONETO     CCXCIV. 

Em  lingoa  Galiega, 

A  La  en  Monte  í<cy  ^  en  Bal  de  Leça, 
A  Biolantc  bi  beyra  de  hum  rio, 
Tam  ícrmoíaem  berdà,  qu-  qucdè  frio 
De  ber  alma  inmortal  em  morcai  maça: 

De  hu(n  alto,  Si  lindo  copoa  ítda  laça 
A  Paftora  facaba  fio  a  6o, 
Quando  lhe  diíTe,  morro,  corta  o  fío| 
Bolveo,  não  corcarey,  íeguro  paíía: 

Ecomopaííarey,  íeeuacà  quedo. 
Se  paíTar,  reípondi,  nâo  bou  ít  guro, 
Que  eftc  corpo  íem  alma  morra  cedo : 

Com  a  minha,  que  Icbas,  te  aíleguro 
Que  náo  morras  PaftoriFaítora  ei  medo, 
O  quedar  me  parece  mais  Íeguro. 

SONETO    GCXCV. 

i 

POrque  me  fiZ  Amor  inda  acà  torto^ 
O  mal  te  faga  Deos  desbergonçado. 
Rapaz  bil,  dcícortez,  que  me  has  guiado 
A  ber  a  Biolanre,  que  me  ha  morto : 

Bila^  por  màs  non  berrne  tomar  porto 
En  repoulonini^uu  Jesbenturado, 
Mas  para  chorar  fempre  que  abado 
As  agoas  ào%  meus  olhos  íom  conforto : 

Bem  vir  ler  tua  madre  Cypriana 
Una  mundana  aílroU^  deshonefta, 
Cruel,  falia,  fem  ley,  dura,  6c  tiiana : 

Que  a  bòs  cila  ler  outra,  6i  náo  ícr  efta, 
Nâotiberas  bontàtâo  deshumana. 
Nem  íof a  contra  mim  tão  cruda  befta. 


SONETO    CCXCVI. 

EM  quanto  Phebo  os  montes  acendia 
Do  Ceo com  luminofa  claridade. 
Por  evitar  do  ócio  a  caftidade, 
Na  caça  o  tempo  Delia  defpendia  : 

Vénus,  que  entaó  do  turto  defcendia^ 
Por  cativar  de  Anchiíes  a  vontade, 
Vendo  Diana  em  tanta  honeft idade, 
Quafi  zombando  delia,  lhe  dizia  : 

Tu  vàs  com  tuas  redes  na  efpeíTura 
Os  fugitivos  cervos  enredando, 
Mas  as  minhas  enredaõofentido: 

Melhor  he  (tefpondia  a  Deofa  pura^ 
Nas  redes  leves  cervos  ir  tomando, 
Quetomarte  aUinelles  teu  marido, 

SONETO     CCXCVII. 

SE  de  vofTo  fcrmofo.  St  lindo  gefto 
Nacéraõ  lindas  flores  para  os  olhos. 
Que  p3fa  o  peytofaõ  duros  abrolhos. 
Em  mim  fevémuy  claro,6c  manifeíto: 

Pois  vofla  fermofura,  &  vulto  honefto 
Em  os  ver^  de  boninas  vi  mil  molhos. 
Mas  íe  meu  coração  tivera  antolhos, 
Nãoviraem  vòsícu  danoomalfuoefto; 

Hú  mal  vifto  por  bem,  hú  bem  triílonho^ 
Que  me  traz  elevado  o  peníamento 
Em  mil,  porém  díverlas  fantaíias  : 

Nas  quaes eu  fépre  ando,&  fempre  fonhoj 
Evos  não  cuydacs  mais  q  em  meu  corméto, 
£m  que  fundaes  as  voíTas  alegrias. 

SONETO     CCXCVIII, 

NUm  raô  alto  lugar  de  tanto  preço 
Efte  meu  peníamento  pofto  vejo, 
Quedesfallecenelle  inda  o  deíejo, 
Vendo  quanto  por  mim  o  defmereço ; 

Quádo  efta  tal  bayxeza  em  mim  conheçoj 
Acho  que  cuydar  nelle  he  gram  defpejo, 
E  que  morrer  por  elle  mehe  fobejo, 
Emòrbem  para  mim  do  que  mereço: 

O  mais  que  natural  merecimento 
De  que  me  caufa  hum  mal  taó  durOjSc  forte 
O  faz  que  vá  crefccndo  de  hora  em  hora  -• 

Maseunãodeyxarey  meu  peníamento. 
Porque  inda  que  eílc  mal  me  cauía  a  morcc 
Un  bsl  mor  ir  cucca  la  víta  hoaora. 

SOi 


Rimas  do  Grande  Luís  dó  Camõesl 


fi 


SONETO    CCXCIX. 

QUantas  penas  Amoriquantos  cuydados, 
Qiiancas  lagrimas  criftcs  íem  prQveyto^ 
De  que  mil  veze?»  olhos,  roíto,  &  peyto 
l^or  Cl  cego,  me  vifte  jâ  banhados : 

Quantos  mbrcacs  fuípiros  derramados 
Do  coração,  por  ranto  a  ti  íogeyco, 
Quantos  males  cm  fim  tu  me  tens  fcyco, 
jTodos  foraó  era  mim  bem  empregados  .* 

A  tudo  íatisfaz  [confeíTote  lítoj 
iHua  fò  vifta  bianda,  &  amorofa» 
[Peqiiem  mecaiivou  minha  ventura  : 
O  ícmpre  para  mim  hora  ditofa, 
JuepolTo  temer  já,  pois  tenho  vifto 
Com  canto goílo  meu>tanta  brandura? 

SONETO     CCC.     ^ 

Tempo  acaba,o  Anno,o  Mez,&  aHora, 
A  Força,  a  Arte,  a  Manha,  a  Fortaleza, 
Tempo  acaba  a  Fsma,  6c  a  Riqueza, 
'  Tempo  o  meímo  Tempo  de  íi  chora  ; 
O  Tempo  bufcâ^&  acaba  o  onde  mora^ 
lualquer  ingratidão,  qualquer  dureza, 
las  naó  pôde  acabar  minha  trifteza^ 
ím' quanto  não  quizerdesvòsíenliora.* 

O  Tempo  o  cl^rodia  torna  eícuro, 
Eo  nr^ais  ledo  prazer  em  choro.trifte^ 
Q  Tempo  a  tempeftade  emgraó  bonança; 

Mas  de  abrandar  o  tempo  tilou  Seguro, 
O  Pcyto  de  dia,mante,  onde  confifte 
Apena^ÔC  djpâzè/deíla  efpcrança, 


SONETO    CCCL 

POílo  me  tem  Fortuna  em  tal  eííaddi 
E  tanto  a  íeus  pes  me  tem  rendido, 
Naõ  tenho  que  perder  já  de  perdido. 
Nem  tenho  que  mudar  ja  de  mudado : 

Todo  bem  para  mim  he  acabado, 
De  aqui  dou  o  viver  já  por  vivido, 
Que  aonde  o  mal  he  taó  conhecido. 
Também  o  viver  mais  ícrá  eícufado  : 

Se  me  baftá  querer,  a  morte  quero, 
Que  bem  outra  eíperança  não  convém, 
t  curarey  hum  mal  com  Gutro  mal : 

E  pois  do  bem  táo  pouco  bem  cípcro, 
Jà  que  o  mal  efte  íó  remédio  tem, 
Naõ  me  culpem  em  queier  remédio  tal, 

SONETO    CCCIL 

JA  naõ  fere  o  Amor  com  arco  ferrei 
As  íettas  tem  lançadas jà  por  tcira> 
Como  íohia  jà  naõ  nos  faz  guerra. 
Porque  a  que  nos  faz  he  de  outra  íorte  .• 

Com  olhos  pel los  olhos  nos  dí  morte, 
E  para  acertar  o  que  naõ  erra, 
Os  voíTos  efcolhco  em  quem  Te  encerra 
Mais  bem  do  que  ha  co  Sul  ao  Norte : 

Concedcvoso  Amor  taõ  graõ  poder^ 
Que  vos  íejaes  do  íeu  livre,  &  izenta  : 
Apagoufe  a  candea  no  mejo  da  coníoante* 

Poriflo  Fclizaíe  vos  não  contenta, 
Naõ  vades  com  o  foneto  por  diante, 
Que  he  fonho  o  que  a  fantefia  rcpreftnta^ 


'^i  Parte; 


Çii 


CAN; 


5» 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Catngts. 


C  A  N  T  O  I. 

Da  creaçaó,  &  compoíiçaó  do  Homem. 


I  fanoo, 

NA  mais  ffeíca,  &  aprazível  parte  do 
A  Vcnus  dos  antigos  dedicada, 
Vénus  amor  de  Marte,&  de  Vulcano, 
Clara cftrella do mar^  &  jcrra  amada: 
Por  cujo  influxo  araigo,  doce,  &  humano, 
Semoííra  a  Primavera  namorada, 
Guiando  a  deOra  mão  da  natureza, 
O  fumo  Creador  da  redondeza. 

3 

QiJando  a  liberal  terra  guarnecida 

Com  a  hucnidâde do  Ceo,&  temperança. 
De  vero  Cí  &:  vario  efmal  te  revcílí da 
MoftjTa  dos  doces  frudtos  a  efperança  i 
Em  toda  a  planta,6c  arvore  florida^ 
Comcorca,&  odoriferaabundança, 
Entaó  parece  mais  fermoía,  &  bcllaj 
Co  rigor  brando  da  amorcfa  eftrtlla. 

3 
Qusndo  em  Tua  Uberdade  as  vagas  ave% 

Còm  ledo  catito  o  ar  ícreno  enchendo, 

A^manháasgraciofasmais  (vz\tSi 

Eapraziveisdofrefco  Abril  fazendo  ; 

Convidaõ  a  doce  fomno  os  corpos  graveiÇ, 

Em  leves  íomnos  vãos  os  entretendo* 

Ajuda  o  rouco  tora  da  clara  fonte^ 

Que  ao  verde  prado  dece  do  alto  monte. 

4    ^ 
Em  hiia  manhãa  deftas  prompto,&  efpcrt^f. 

Me  detinha  húprofundo,&  graôcuydado 

Da  cftranha  providencia,  &  alto  concerto 

Do  Creador  de  tudoj  o  que  hc  creado: 

Como  defpeis  de  dar  numero  certo, 

E  ordem  ao  mundo  efpherico  formado. 

Formou  logo  com  feu  íaber  profundo. 

Do  alto  artificio  cutro  pequeno  mundo. 

Queaíii  como  fez  fò  pela  virtude 
Da  íua  alta  palavra  là  decima, 
Naõ  do  fingido  chãos  disforme,  &  rude, 
>íem  da  vazia^&  váa  matéria  prima. 
Com  ordem  certa,&  tal,  que  não  íe  mude, 
Ui  Ceosdcgraò  vigor,  virtude,&eftima, 
■■^  i      ■ 


E  os  Elementos  vários  corru  ptivos,    ' 
Em  fuás  qualidades  compaflivos. 
6 
E  sfll  como  delles  num  momento 
Formou  diveríos  corpos  de  miftura^ 
Vários  na  crcaçaó,  &  nacimcnto. 
No  fer,  compofiçáo,  &  na  figura; 
As  aves  da  ndo  o  ar  por  quafi  a  (Tento, 
Aos  peyxes  agua,  aos  brutos  terra  duraj 
E  das  quatro  compoílas  qualidades. 
Tantas  fez  de  animaes  diveríidades. 

7 
Como  defpoís  de  tudo  ultimamente 
Num  lugar  deleytofo,  frefco  ameno^ 
Quis  formar,  &  crcardiítindamente, 
Deíie  graõ  mudo  eíloutro  mais  pequeno ; 
AíTi  emtudo  nas  partes  diferente. 
Numa  delias  caduco^  vaõ,  terreno, 
Noutra  immortal  efpiríto,aIto,&  divino^ 
De  razaõ,  &  do  Ceo capaz,  &  digno. 

8 

Que  como  no  Ceo  quarto  o  illuftrcPharoi  i 
Aquelle  olho  do  mundo  luminofo. 
De  toda  a  luz  vifivcl  fonte,  &  emparo,'     ' 
Corre  como  Gigante,  &  alegre  efpoíof  • 
AíTi  oenrçndimétooutroSolcIriro, 
Anda  de  húa  a  outra  parte  prefurofo, 
Luftra  na  parte delle  mais  íuperna, 
Diícorre  com  íua  luz,  tudo  governa 

9 

E  quis  que  os  animaes  inferiores. 

Seu  apetite  íó  brutal  romando. 
Da  rerra  bayxa^  &  vil  habitadores: 
Só  os  paílos  attentos  vaõ  bufcando, 
E  que  os  homés  feus  fuperiorcs, 
A  razaõ  íeus  fentidos  vaõ  mandandoi 
Razaó,  que  diíiirir  os  faz  da  fera  , 
Qiie  de  efpritual  em  bruto  degenera^ 

IO 

Porque  cm  queo  fes  do  mais  bayxo  clcméto^ 
Dcolhc  mil  perfeyçoês  em  abaílança, 
Deolhe  alma  racional,  entendimento, 
E  feio  cmíira  á  fua  femelhan jaj 

De 


Rimas  do  Grande 
De  todo  outro  animal  de  bayxo  aíTento 
Lhe  dco  o  fenhorio,  &  governança, 
Tudo  lhe  fujeytou  de  bayxo  os  pès, 
Dey  xando  lo  lujeyto,  a  quem  o  fez. 

II 
Como  efte  breve  mundo,  homem  chamado, 
prevaricando  nelta  obediência, 
Do  Parayío  foy  por  Deos  lançado, 
Perdendo  o  bom  ellado  da  innocencia  j 
Mas  da  bondade  iramenfa  acompanhado, 
Di  feu  peccado  ícz  íam  penitencia, 
Conhecendo  o  eílacJo,  que  perdera, 
L  quam  diíTerente  fora  do  que  era. 

II 
•"^zendofe  homem  Deos  omnipotente, 
Immortal,  infinito,  &  (em  acedida, 
Amando  o  homem  afli  taó  altamente, 
(^uc  a  lua  vida  dco  por  darlhe  vida ; 
Humilde  em  fi.-n  mortal,  pobre,pacientej 
Sofrco  pregado  íer  na  Cruz  erguida, 
Com  mil  dores,  tormentos,  &  deshonras, 
Por  dar  comfigo  ao  home  eteroas  honras. 

Mas  dentre  os  mortos  logorefurgindo. 
Com  gloriolo  cor  po  triunfante, 
E  ao  Impyrio  cos  Santos  íeus  íubindo, 
]>íauniaõ  da  Igreja  militante  ^ 
peyxa  o  homem  com  íeu  fangue  remido, 
De  íuaves  remédios  abundante. 
Com  que  vencendo  fempre  com  vi<H:oría, 
PodelTe  entrar  na  pura,  &  eterna  Gloria, 

H 

Nefta  imaginação  afll  paíTando 

t  ftava  eu  a  manhãa  de  hum  frefco  dia,' 
Quando  me  em  liquor  húmido  banhaado, 
O  lento  fomoo,  jà  me  adormecia : 
£daquillo,que  eítava  imaginando. 
As  eípecies  tomando  a  fantaíia. 
Sonhava  hú  fonho  aííaz  eftranho^  &  docc, 
Dado  que  verdadeyro,  &  certo  fofle» 

M 
Forque  quanto  os  fentidos  inferiores. 

Em  fua  figura  aíli  me  sprcícntavaG, 
Me  parecia  fer,  que  os  exteriores 
Em  tudo  claramente  alli  o  crata vaÕ, 
Couías  maravilhofas,  ôcmayores, 
Que  humano  entendiméco  me  moílravão, 
Como  aqui  moftrarcy,  íe  copia  tanta, 
Me  conceder,  cantando^  a  Mulafan£ta, 
^      .  16 

Ja  todos  meus  fpiritos  fenfitívos, 
Dos  húmidos  vapores  congelados. 


Luís  de  CafHÕesl  5  3 

No  frio  cérebro  donde  eftavaõ  yivos, 
Pareciaõdetodo  fepultados  > 
Impedindomeas  obra:»  aos  cativos 
Membros,  que  todos  tinha  já  poftradios 
O  íomno  vindo  da  cymeria  cova, 
Por  me  moílrar  vifaò  taõ  docc,5c  nova. 

Quando  de  hum  alto  fpirito  podetoio, 
Arrebatado  ler  me  parecia, 
Elevado  a  hum  graõ  campo,&  efpaçofo, 
Onde  o  feu  corno  a  Copia  diffundiaj 
Porque  era  freíco^  verde,  deleytofo. 
De  fruto,&  flores  cheo,  &  de  alegria, 
EaíTioCeo  benigno  o  temperava, 
Qiie  hu  perpetuo  Veraó  fempre  raoftrava 
18 

Quatro  rios  fermoíos,  &  caudaes, 
Regavaó  efte  campo  taó  florido,' 
De  arvores,  ervas,  plantas, &  animae?! 
De  toda  cípecie  ornado,  Ôc  ballecido: 
Paftava  o  manlo  gado  íem  curraes. 
Do  Lobo,  ou  doLeaõ  pouco  timido, 
Viaôfe  as  feras  de  mayor  braveza. 
Aqui  com  manfídaô,  domciliqueza. 

Em  tamanha  abundancia.&t  variedade, 
De  indivíduos  em  perfey^áo  creados,' 
Tudo  era  paz,  amor,  tranquilidade, 
Huns  nào  lendo  dos  outros  agravadoS| 
Em  confervação  utd,&  amizade 
Syncera,  &  pura,  todos  conformado?, 
Na  terra ^na  agua,  no  ar,  bruto^pey  X j,a7e^ 
Tinha  vida  pacifica,  &fuave. 
20 

Por  efte  frefco,&  bom  jardim  do  mundo; 
A  viíta  derramando  alegremente, 
Humedificiovinobre,&  jucundo. 
De  alta  com  po  fição,  &  obra  excellente» 
E  tal  archite£tura,  que  fegundo 
O  que  íe  via  de  tora, Sc  mais  prcíente^ 
O  de  dentro  feria  mais  perfeyto> 
E  mu y to  mais  para^  quem  fora  feytoi 
21 

Moftrava  fer  no  fitio,&  bom  aíTento, 
Inexpugnável,  claro,alco;,  &  puro, 
Comjuíta  propor ção,arte,  &  ornamento 
Cercado  de  luftrofo,  &  forte  muroj 
Parecia  com  todo  o  pavimento 
Por  dentro^&  fora  eflar  firme,&  feguro, 
E  tudo  vi,  que  a  vifta  fe  eíiendia, 
fim  competente  objcdo,  que  a  fervia* 

AU5 


^4«  Rimai  do  Grande  Luis  de  Camões, 

;c07Í7  tif^^^js^í  2to"?ó  o Í.1  ;rv )  Q\^j.  ov'A  E  delia  tm  qualquer  tempo  fc  faíndò. 

Ale vantarfe  ao trtodo  de  hum  Caftello  FerdeíTe,  o  que  cftivefle  pofuindo. 

Sobreeíte  campo,  quali  íenhornelle,  28 

Do  qual  vi,  q  outro  mais  fermofo^ôí  bello    Que  o  Senhor  a  quê  tem  dado  ao  menagena 


Parecia  naccr  das  coitas  delle, 
E  por  poder  melhor  notalo,&  vcUo, 
Qucrcndome  eu  entaó  chegar  para  ellc, 
Muy  ipreftcs  naõ  íèy  como  pareciaõ^ 
Que  em  chaó  íubicamente  ambos  caíiiaõ. 

Deíla  infelice  queda,  trifte  forte, 

E  fubita  mudança  a  mim  me  vinha.     ;  1 
Hum  íentimentoinrrinfecOjík  taõ  forte> 
Como  que  neltemalgraó  parte  tmha,- 
Cria,  quemecauíavaa  meíma  morte 
Eíía  defavcntura  tanto  minha, 
E  com  grande  pcíar,  que  me  cercava, 
O  frclcp  campo  em  lagrimas  banhava, 
2^  ■     - 

Entaõ  mais  miferavel,  dura,  &  cílranha, 
Me  pareceo  a  nova  fortaleza, 
Daquella  quando  ao  perto  a  vi  tamanha, 
Tão  bem  feyta,  com  tanta  arce:5&dertrcza} 
E  logo  que  por  grande  engano  Hi  manha, 
E  por  trayçaõ  mais  que  por  natureza. 
Cairá  tftj  edifício  húa  tal  ruina. 
Que  erguelio  íó  podia  a  maõ  Divina. 
,^í:fi   t-  25 

Efcaíícntojà  tam  verde  &  taó  ameno. 
Cem  prãtOj  &  dor  de  tudo  eu  jà  deyxãdo, 
j  à  me  naõ  parecendo  o  ar  ícreno, 
,  Mas  trifte,  efcuroj  &  gravido  afpirando  j 
Quandonaõ  tcràs  tu  quinhão  pequeno 
Nefta  perda  taõ  grande(ouvi  bradando^ 
Que  o  mal,  que  a  todos  toca  geralmente,    i 
Inlenfiyel  he  bem.  quem  o  n«ó  fente  ? 

E  Vfrásr,  queo  divino  entendimento 
Tem  de  longe  remédio  a  percebido, 
Qyc  tudo  vem  de  íèu  (u premo  alTento, 
Suavemente  tudo  tem  provido : 
E  íyjos  o  erro  o  arrependimento, 
He  ter  o  mal  em  parre  íoccorrido, 
Que  Q  bem  fé  galardão,  &  o  mal  Té  pena, 
Nuó  dcyxa  ao  fim  do  bê,quc  tudo  ordena. 

O  Caftello,  que  viftecm  gloria  tanta, 
Quf  com  profpei^idadc  &  graó  potencia, 
Senhoreava  tanta  terra,  quanta 
Ver  naó  pòJes.-a  fumma  providencia 
Ordenou,  Ôcdifpos  com  ordem  íandta. 
Que  cftiveííe  à  fua  obediência, 


Defte  Caltello  os  dous  Alcaydes  mores, 
Félos  com  grande  amor  a  íua  imagem, 
X)t  perfeyçoes  dotados,  à.  primores  5 
Por  o  írudo  comerem  de  hum  pomageni 
VedadOjticandocllestranrgrcíTores, 
E  ofFendendo  o  Senhor,  pagáraõ  o  erro 
Com  penas,  &  trabalhos,  &  em  deftcrro. 
29 

Mas  porque  vejas^  que  ama  piedade 
Mais,  que  origor,efteSenhor,quedigo,' 
Como  quem  he  toda  a  fama  bondade, 
Naó  quis  ao  fim  chegar  neíle  caftigo: 
Porque  elle  meímo  intenta  adverfidade, 
Soccorrendo  ao  vafiallo  como  amigo> 
O  remédio  lhe  deo,que  não  pudera 
Outré  algué  darlho  tal,  fe  cUc  o  naô  dcraJ 
30 

Conrolâfe,quea  bom  Senhor  fervimos. 
Que  fempre  quiSjôr  quer  q  o  homem  viva,* 
O  b«;nri  do  íurnmo  bem  vir  fempre  vimos 
Da  fua  perfeyçâo,&  gloria  ahiva  : 
O  mal, a  quem  o  paíTa  atribuímos, 
E  de  fua  mcfma  culpa  fc  deriva, 
E  jàcem  por  não  fero  homem  desfeytoi 
Por  elle  o  Senhor  delle  fatisfcyto. 

Olha  o  novo  edifício  reformado. 

Capaz  de  outra  mayor,&  eterna  gloria^' 
Que  aquellaem  que  jào  viftefituado, 
Quecmíim,poistevetim,  foy  tranfitoria: 
Mil  vezes  íoccorridOj%  vifitado 
Pelo  Senhor,  que  lhe  alcançou  vidoria^ 
De  maoquecomcnganos  conquiftando 
Se  andava^  em  fua  pena  vangloiiando, 
cr:  32 

Foy  e/le  em  nofTa  ctherca  bierarchia 
Dos  princip3cs,masenfoberbecendo, 
Trocava  gloria  em  penarem  noyte  o  dia  j*^ 
E  em  feu  mao  zello  náo  permanecendo. 
Com  illo  a  efte  edifício  combatia^ 
Aféqueenganofamente  o  foy  vencendo^ 
Foge  a  foberba,  fegue  a  humildade. 
Com  firme  fé,  efperança,8i  charidadei 

33 
Entaô  como  eu  já  claramente  viíTe, 

Ser  efte  o  efpirito  bom,que  me  guiaraj 

O  creatura  Angélica,  lhe  diííe, 

Sc  tua  luz  me  não  acompanhara 

EtÁ 


l 


Rimas  do  Grande 
Em  tanta  efcuridaÕ,  que  náo  cahiíTe, 
JL  Nenhúa  humana  induftria  me  livrara, 
I  Fois  para  ver  agora  efta  tamanha 
P'Obra,6c  maravilhoía,  me  acompanha. 

Asbellas  moílras  vcjo^&  boa  figura, 
Da  fortaleza,  que  antes  vi  fer  mofa, 
Mas  quero  notar  bem  íua  compoilura,^ 
Seu  íundamentOj&  traça  aitiftciofa : 
E  efpecular  por  dentro  obra  taô  pura, 
Taó  polida,  cxcellcnte,  &  fumptuofa. 
Que  moftra,fendo  a  obra  em  táto  eftremo, 
Ser  dtUa  o  Architcdor,alto,&;  fuprcmo. 

JE  CO  no  vires  tudo,  porque  eftejas 

Mais  prompto  no  que  vires,  8c  notares, 
Me  rcípondcíO  o  ípirico,pois  defejas 
Ver  deite  aíLnto  as  mais  particulares 
Peçasconv^m  quefem  ninguém  te  vcjas, 
^as  íè  em  parte  íem  miraalgCia  an  lares, 
Tornarmeàs  ver  defpois  que  o  correres 
Tor  dentro^Ôc  fora,  íe  oenceader  quifercs. 

nfto  àiÇ^Çy  &  de  mim  já  fe  apartava, 
^  Deyxandome  entre confulaó,  &  medo, 
>las  como  íobre  tudo  me  apertava, 
.  Deíejo  de  íaber  eíle  íegredo  5 
Do  Caítello,  que  le  me  aprefentava 
Com  qu  into  me  pezou  iríe  taõ  cedo 
O  bom  efpirito,que  me  alli  guiara, 
Movi  o  pàíío  a  ver  couía  tao  rara. 

cornojàmeachaíTemâisâo  perto, 
E  do  que  viife  mecertificalTe  •, 
Maravilhoume oficio, arte,  &  concerto 
Dtftc  force,8t  que  aOi  íe  reformaíTe  : 
Eftava  polto  em  hunti  graò  campo  aberto. 
Como  que  daili  tudo  ícnhoreafre  ; 
Alto,grande,6c  fermofo,  era  em  tal  modo, 
Que  em  duas  columnas  íobre  eftava  codo. 

Mais  que  d'alvoalabaJtro,&  obra  prima^ 
Eraõ  lifas,  pollidas,  rorneada*?, 
De  focil  artificio,  êc  grande  cítims, 
Sobre  dous  pedeíUisbem  aíTentadas; 

P   Mais  delgadas  embayxo  do  que  emfima. 
Por  artificio  raro  bem  lavrarias  j 
Eos  dous  pedeftais,quando  fe  moviaô, 
Todo  o  pezo  comfigo  cm  ú  traziaõ, 

39 
Era  tudo  taõ  primo,  &  taõ  pcrfeyto. 

Que  alegremente  a  viíta  defcanfava. 


Luís  de  Cam^efl  ^  » 

No  alto,  bayxo,  largo,  k  mâíscftreytõ 
Proporção  ordenada  le  moítravaí 
No  chapitel  tinha  hum  dourado  teyto, 
Que  a  todo  efte  edifício  mais  ornava, 
Do  qual  huns  rayos  de  ouro  dependi.i(5, 
Que  ao  longe  mais  q  o  Sol  relplandeciao, 
40 
Nunca  acabara  aíTaz  de  obra  taõ  clara 
Efpecular  o  engcnhojarre,  &  bondade, 
Sc  a  villa  então  dalii  me  náo  cegara 
Minha  importuna, &  vá  curiofidiíde  t 
Porque  íenti^qucencaõ  íe  começara, 
Deite  edifício,  quafi  na  metade 
Dos  feus  matcnaes,  húa  fortaleza^ 
Da  mefmacompollura^  &  natureza. 

Como  nas  linhas  entendi,  Sc  traça, 
Ser  eílcíemelhantc  ao  outro  aíícnto, 
E  que  viris  a  ter  a  mefma  graça, 
E  forma,  nelle  os  olhos  puz  atentoj 
E  vi  queda  matéria,  &  própria  maça, 
De  que  era  feyro  o  pr imeyi o  spoíento. 
De  três  grandcíí  íobr<*dos,  que  em  íi  rinha, 
No  mais  bayxo  a  fazer  outro  alh  vinha. 
41 

Neíle  (obrado  bayxo  hiia  cafa  avíá^ 
De  grande  engenho, &  artificio  feyca,' 
Na  qual  comeípantofa  geometria, 
A  hCia  parte  quafi  a  mão  direyta. 
Hum  íucil  iVlrltre  de  obra  eíla  fazia, 
Muy  regaTada,certa^&  muy  perfeyta, 
Sendo  o  Meítre  para  ííTo  ardido,6£  querei 
Eíperco,vivo,  &  muytodeligcute, 

43 
O  qual,  antes  que  nada  começaíTe 

De  pòr  cm  perfeyçaõ,  6c  íua  figura, 

Os  materiaes  tomou,  com  quecerraííe 

Húa  abobada  aífaz  humidj,  &  efcura  ) 

Ê  deyxou  fó  por  onder.  fpiraííe, 

Hum  pequeno  buraco,&  abertura, 

E  por  onde  vieíTe  o  mantimento, 

A  toda  a  obra,  &  íeu  íuílentamento. 

44 

Ecomo  que  nãocílava  inda  íeguro, 

Porque  fícaíTe  bem  certificada, 

Fez  dous  panos  na  abobada  do  muro, 

Queaílidefóra  atinhaõ  mais  gtiardadâ| 

E  recolher  o  mais  fobcjo,  &  impuro. 

Da  ímmudicia  de  toda  a  obra  laçada, 

E  tudo  o  que  para  ella  erâ  contrario, 

Adcnitinclu  íómente  c  occeííario* 


Kimas  ãú  Cr  ande  Lnis  de  Cãvmsl 


4T 


Defpoís  de  ifto  afil  ter  neíla  ordem  poílo, 
O  force<:omcçou  perfcyçoaríc. 
Tudo  porfííl  iaber,  &  arte  compoílo, 
Que  pôde  encarecerle,  &  naõconíarici 
Eftando edificado^  6c  jàdiípoíto, 
para  poder  de  novo  povoarjc, 
Com  íeus  quatro  retretes^ &,  apofentos, 
Jànéllas ,  atalayas,  guarda  ventos. 
4.Ó 

Em  parte  parecia  inda  com  tudo 
Faltar  algúa  couía  a  fortaleza, 


E  defte  iDodo  já  de  â>i:\,  em  éhy 
Soportava  cite  pejo,  ôc  agonia. 

Atè  que  vindo  tempo  conveniente, 
E  conjun(jâó  para  o  effeyto  difto. 
Com  força  6c  tom  induítria  íuííicicnce^ 
E  íabcr  deite  artífice  previfto  j 
O  forte  quaíimilagrclamente 
Lanhado  íóra  dali  foy  vifto» 
ajudado  porém,  &  luccorrido 
Da  íortaleza,de  qúc  íoy  nacido» 

5^ 


Comoqucm  vealtatua  de  hu  membrudo    Ecomodoapofento  fora  cileve, 


Corpo,  a  que  taíta  o  cíperito,  6i  a  vivezaj 
Ouve  hum  campo  íoiu2rio,&  mudo^ 
5em  couía  viva  mau,  que  lua  rudeza^ 
Era  emfim  cite  lorte  alli  acabado, 
Como  hum  corpo  íem  Alma  afigurado, 

Edefejando cu  versem  queparaya 
Eftaobra  taõ  eftranha,  &  peregrina, 
Húa  Donzela  vi,  quenellacntrava^ 

^      Fermoía,  tiara  pura,  &  emfim  div  ma  j 
Dèimpíoviíoelladcllc  íeapoífava,| 
Como  íenhora  mais  que  delie  digna, 
Aque  logo  no  forte  quanto  avia, 
Servindo  alegremente,  obedecia, 

■48 

Taô  bem  feyta  vinha  cfta  alta  fenhora 
A  fortaleza,  &  armava  Cambem  nella. 
Como  que  fcyta  nclla  entaõíó  fora : 
Para  ornamento  fer,  &  forma  dtlía  j 
Logo  £.s  partes  de  dentro,  &  as  de  fora, 
Se  começarão  a  mover  com  ella, 
E  fe  vivificarão  de  tal  íorte, 
Que  o  forte  íe  Lz  muyto  mais  forte, 

Viafetudo  ir  já  de  dia,  em  dia. 

Com  taõ  nova  fenhora  em  crecimentOj 
A  for  taleza  em  pcrfeyçaó  crecia, 
Em  boa  ordem,  concerto,  &:  regimentoj 
E  j4que  nâo  coubeire  parecia 
íslaqueljc  bayxo,  êc  húmido  apofento,  ] 
Ondç  fora  compoíf a,  Sc  bem  traçada, 
Pola  mào  de  fcu  Meilre  delicada. 

^A  grande  fortalezaj  que  em  fi  tinha, 
Eítoutra  já  também  fe  carregava 


Donde  fundando  foy  dcldo  começo^' 
Logo  outro  parfeícer  crecendotcvc. 
Outro  ler,  B  figura  de  maispreço: 
A  fermola  Donzclia^  a  que  le  deve, 
Deííeahocrecimentoo  bom  íucceíío, 
E  louvor  muyto,  eitava  fatisícyta, 
De  ter  o  mando  em  coufa  taõ  pei  feyra. 

Era  de  todos  muyto  obedecida. 
Era  cm  tudo  fervida,  &  venerada, 
E  com  quanto  em  priíaó  quafi  metida, 
Eitava  em  parte  aqui  neíta  morada; 
Naó  era  erro  por  naó  ler  entaó  tida 
Por  íuâ  cala  piopriaem  quanto  amada. 
Mas  porque  nefta  alua  origem  vira, 
Daquella  antiga  torre,  que  caíra. 

5  + 
porque  as  achegas,  &  materiaes» 

De  que  era  feyto  eíle  novo  artificio, 

Tinhaõ  nas  mcfmas  partes  integraes 

,    Dooutroprimeyrooraltoaindado  vicio; 

Naó  fó  na  geração,  U  malefício. 

Mas  tanibem  na  affeyçaõ,  &  tudo  o  mais, 

Edeílemaldeyxaraõpor  h.ranç:. 

Em  a  terra  a  femente,  &  femelhaoça. 

Daqui  vinha  quenodifcurfo,  &augmento 
j    Da  torre, que  crecia  fem  detença, 

A  real  Donzclla  em  leu  próprio  apozento 
For  vezes  teve  algua  dezavença  .• 
Foy  logo  no  principio  o  regimento 
Semalguadílcordia,  &  dillerença. 
Mas  dei  que  a  torre  em  forças  foy  crecédo» 
Mal  foy  a  gente  delia  obedecendo. 

í6 


Com  tanto  impedimento,  íi  malíolfinha  Com  tudoabeKadama  amavatanco, 

O  grande  pefo^Si  pejo,  que  lhe  dava;  Em  queooriginnl  mal  aborrecia, 

Bccií  que  quanto  de  fora  bom  lhe  vinha,  Que  vezes  mil  dillimulava  quanto. 

Para  a  fabrica  dcUa  dcfcjava,  Eita  liberal  gcaie  lhe  fazia : 


i 

Gutrâ 


mw 


Rimas  ão  Grande 
Outra  hora  ameaçava  com  efpanto, 
fé? Que  a  governan  ça  delia  deyxariâi 
E  que  como  ella  delia  emfím  fe  foíTe, 
Perderiaõ  ieu  íer,  figura,  &  pofle : 

i  ,  57 

Masjápellauoiaô,&  licença  cftreyta, 

Qiieem  cafatinha,confentia  outra  hora, 

rE  da  culpa  em  feu  damno  raeímo  feyta, 

Parecia  ler  delia  a  cauíadora: 

Porque  os  defcobridorcs  da  fofpeyta 

Domal,oubem,que  fenciaó  de  fora, 

Muytas  vezes  o  mal  por  bem  traziaó. 

E  a  ícnhora,  &  os  criados  conlentiaò, 

lotrahora  refiília  com  prudência, 
Por  íer  de  alço,  &  real  entendimento, 
E  convinha  a  íua alta  premincncia, 
NaÕter  no  mal  nenhum  conícntimento  : 
Que  para  tudo  tinha  íufíiciencia^ 
E  do  bem,  &  do  mal  conhecimento, 


Luís  de  Camõesl  ijf/^ 

Mas  jà  da  fortaleza  piarecía^ 
Queimpertcyçóes  fofrer  mais  não  podiaj 

Com  toda  a  policia  edificada, 
De  todos  os  primores  abundante. 
Em  tudo  parecia  confumada, 
E  que  cm  nada  podia  ir  mais  avante : 
Toda  de  fora  fe  moítrava  ornada 
De  húa  viveza,  &  graça  triunfante. 
Forte,  nova,  alta,  írefca  florecencc. 
Rica,  íervida  bem,  leda,  contente. 
60 

E  como  por  de  fora  aíli  eíliveffe. 

Com  tanto  luftro,  graça,  6c  fermofura, 

Dclejey  veríeailloreípondeííe 

A  fabrica  de  dentro,  &  com  poílura : 

E  porque  nifto  me  latisfizcíTe, 

Me  pareceocom  vifta  clara,  &  pura. 

Que  avia  por  de  dentro,  &  com  efpantOj 

Tudo  como  direy  neftoutro  Canto. 


CANTO   IL 


ALtas  obras  fobcrba<;,  &  arrogantes, 
D'  cfpantofa,  &  futil  Archicedura, 
Ouve  em  tempo  paííado,  outras  galantes 
De  pincel,  perípediva,  &  de  cfculpcura  : 
Miiilluítres  Varões^  como  Tymantbcs, 
ProthogeneSj  Pohdes,  na  pintura^     (les, 
Hú  Plydias,&  hú  Chriripo,&  hú  Praxitc- 
Zeulis,  Parrafio,  &  o  celebrado  Apeiles. 
2 
Dédalo  o  laberintho  embaraçado, 
/  E  Symiramis  fez  muro  cfpantofo/ 
Fezle  em  Ephefo  o  Templo  celebrado, 
Eem  R.hodes  o  coloíTo  ao  íol  grandiofo. 
Fez  ao  marido  feu  Maufolo  amado, 

LArthiraifa  fepulchro,  alto,  &  honroío, 
E  outras  torres,  &  altos  edifícios, 
E  de  maravilhofos  artifícios, 
as  como  feytos faõ  por  maõ  humana, 
Naõ  podem  dilatarfe  em  infinito. 
Por  terra  jaz  o  Tem  pio  de  Diana, 
E  jazem  as  pyramides  de  Egy pto: 
Mil  columnas  de  anrigaobra  Romana, 
Arcos,  ftatuas  de  alto,  &  vivo  fpiricOj 
O  tempo duro^  que  de  tudo  afei  ra^ 
Os  tem  dcsfey  tos,  &  poftos  por  terra, 

oI.Parr, 


Porém  a  cimetria  compalTada, 
E  íobrenatural  proporção  viva,' 
Em  que  naó  pode  o  tempo  ter  alçada, 
Do  corpo  humano,  &  Architedura  altiva;' 
De  idade  a  idade  a  vemos  propagada. 
Para  a  fazer  perpetua,  &  que  reviva 
A  quclla  maó  Divina  là  de  cima. 
Que  a  fez  de  nada,  Si  o  ler  lhe  dco,  &  efti- 

5  C™^' 

Os  Philofophos  grandes  com  fciencia 
De  inca nça vel  mduftr  ia>  que  alcançarão 
Das  couíâs  naturaes  a  própria  eíTencia, 
E todos  altamente efpecularaõ; 
Nenhúa  de  mais  alta  arte^  &  cxccUcncia, 
Entre  todas,  q  o  corpo  humano  acharão. 
De  forma,  &  de  matéria  hum  íó  fuppolto. 
Com  tamanho  primor  feyto,&  compolto. 
6 
Mas  tornando  a  meu  fonho,  que  contente 
Metinba,  dcíejandocu  vcrdeperto 
O  mais  da  Fortaleza,  alta  &excellente. 
Que  por  dctro  meeílava  ainda  cncuber to: 
JSlaô  íey  como  aflilogo  eftranhamcncc 
Me  foy  tudo  moftrado,  &  tudo  aberto, 
Como  parte  por  parte  aqui  contara^ 
Sc  me  a  fraca  memoria  naó  faltara. 


H 


Eaa: 


Eílava  a  Fortaleza  repartida, 

i^íii  toda  por  dcntro,Êm  três  fobrados, 
Ou  três  piincipacçquarroSj  ík  cingida 
For  de  foria  de  muros  bem  lavrados : 
Corriaóíeeííes  com  certa  medida, 
E  juíta  propcTçaõ  bem  compaíTados, 
E  tinha  cada  hum  delles  feu  mordomo. 
Ou  Vedor  de  grande  cargo  >  &  tomo. 
8 

E  querendo  olhar  eu  para  o  do  meo. 
Por  lhe  ver  maiseíladoj  ricamente 
De  tudo  ataviado,  ornado  &  chco. 
Parecendo  mancebo  inda  valente  : 
Maravilhoume  ver  hum  bom  meneo, 
E  movimento  feuconrinuamente» 
Com  muyto  ar  Tem  força,  nem  defey  to. 
Mas  de  ku  natural  hum  dom  perfeyto, 

9 
Davalhe  grande  authoridadei  &^  brio 

Hurn  tabardo  de  mangas,  que  vcftia, 

Com  qte  moftrava  mando,  &  íenhorio 

Em  toda  a  gente,que  na  terra  avia  i 

E  por  feu  apofento  fer  de  efíio, 

E  muyto  calurofo,  fe  fervia 

Demuytos  pagésfeus,  queobanhavaõj 

E  de  ar  íçrenO)  &  frio  o  refrefcavaó, 

IO 

Por  eftar  nua  eHufa  muyto  quente, 

Movendoíe continuo,  &  afli  convinha^ 
Para  o  qual,ccmomeílrediligentej 
Hús  dous  abanosjunto  de  fi  tinha  : 
Aos  quais  hum  ar  frio  inceííantcmentc 
para  ícu  refrigério  l  em  lhe  vinha. 
Por  hCis  canos  de  fora  admittindo, 
O  mais,  &.  mais  fumozo  deípedindo, 
II 

Defta  eftufa  era  fcmpre  bem  proviera, 
E  íuftenrada  toda  a  Fortaleza, 
Por  íeus  canos  lhe  dando  fpiritOjSc  vidai 
E  de  feu  vivo  fogo  a  tendo  aceza : 
Para  cite  fim  hua  cafa  alli  cícondida 
Com  promptidaó  eftava,  &  com  vivera, 
O  íotil  meítre  da  obra,  que  fervia 
De  acender  cfte  fogo,  &  o  partia, 

12 

E  como  efta  graó  fabrica,  &  eftranha  obra, 
Toda  em  três  regiões  fe  devidia 
Era  partes  principaes  o  meftre  da  obra 
Em  todo  o  cdeficio,  &  companhia 
Se  via  dcligf  ntc  a  toda  a  hora, 
Porque  em  eftas  mais  vivo  refidia, 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões, 

E  em  que  nefte  apofento  mais  morava, 
Nos  outros  dous  mudado  o  nome  andava.' 

13 

Porém  como  o  mpvcríe  he  com  graõ  calma> 
O  mordomo,  quedice  valeroft), 
Sujcyto  eltava  aos  accidenies  d*alma, 
^ora  ledo,  hora  triftcj  hora  medroío  : 
Outra  hora  a  ira,q  eítá  fempre  em  calma, 
Dominava,&  outro  hora  vergonhoío, 
Com  eíperaoças^  fem  as  ter  outra  h&ra, 
Sc  alterava.  &  mudavafe  cada  hora, 

^  1+ 

E  com  conhecimento  falfoj  ou  certo, 
As  coufas,  que  de  fora  procediaõ^ 
Ao  mellre  da  obra  íempie  vivo^&  cfpcrto> 
DcíTe  ícu  aposento  como  vJáo, 
Fazendooeftar  astriftesencuberto, 
Por  toda  a  torre  as  ledas  o  trazíaõ, 
Com  tanta  variação,  que  detalveríè, 
E/tava  a  nico  às  vezes  deperdcríe. 

Mas  tinha  mais,  a  fim  de  recrearfe 
Eíle  rico  mordomo  os  dous  abanos. 
Em  que  bem  delles  foyaproveytaríe 
Noutros  ferviços  íeus  por  outros canosj 
Porque  no  n.eyodelLsvi  íormaríe 
Húa  frauta  cuberta  de  dous  panos, 
E  atè  o  centro  da  torre  hia  díreytaj 
Fazendo  varia  mufica,  &  perftyta. 
i6 

Com  húâ  fotil  porta  eivava  obrada. 
No  cabo  delia  hm  cabeça,  ou  chave, 
Que  dos  pagés,  &  outros  bem  tocada, 
Caufavaeíla  harmonia  laó  Tuavej 
Nolom,  que  ellesquenaó  temperada, 
Soava,ou  alto.ou  bayxo,agudo,  ou  gravc^ 
Com  que  goílo,  &  proveyto  recebia 
Oveador,  &  toda  a  companhia. 

Tinha  fortificado  eílc  apofento, 

E  repayrado  tm  roda  hum  forte  muro, 
E  da  parte  de  fora  hum  bom  aíTento, 
Duas  fontes  num  quafi  contra  muro. 
Que  trazeiido  de  dentro  o  naciaicnto, 
O  fazíaõ  de  dentro  mais  feguro  > 
Mas  eílas  duas  fontes  parcciaõ, 
Eílar  fecas  entaõ,  &  naó  corriaó. 
i8 

Depois  de  eu  ter  vido  parte,  por  parte, 
Defta  caía  do  meyo»  &  forma  delia 
A  tabrica,  concerto,  a  ordem,  &  arte, 
A  providencia,  &  bom  feryiço  delia ; 
^  *  Como 


Rimas  do  Grande 
Como  íe  ali  montava  cada  parte, 
De  toda  a  fortaleza^  afli  porella 
Repartindo  com  grande  provimento^ 
Seu  liquido^  Sc  aparado  mantimeoto : 

Daqui  ao  apofento  mais  decima, 
Me  paíTey  logo^  ao  mais  alto  (obrado, 
E  íe  o  do  meyo  tive  em  muy  ta  eílima, 
Deíle  inda  íiquey  mais  maravilliado  j 
Por  íua  perfeyçaó,  Tua  obra  prima, 
E  o  lugar,  em  queeftava  fituadoj 

Í    Sobre  a  entrada  da  Torre  com  fermofa, 
Eaprazivelviíla,  &  cfpaçoza. 
20 

Procedia  com  muyta  authoridade. 

Deite  quarto  o  mordomo  nobre,&  antigo, 
De  hCiâ  abobada  forte,  &  na  metade^ 
Por  ler  lugar  muy  aluoj&  de  perigo  j 
De  hum  fiío  era  maduro,  &  gravidade, 
Velho,branco,&  das  letras  muyto amigo, 
E  aíli  gaitar  philofophanao  o  tempo^ 
Avia  por  mor  goíto,  &  pafla  cempo, 

21 
eílida  tinha  húa  opa  roçagante. 
Que  por  todâs  as  partes  o  cobria } 
>4úa  caía  d'  abobada  galante, 
E  armada  de  gentil  tapeçaria} 
Atada  por  detraz,  &  por  diante, 
Por  juntas,  que  a  abobada  fazia^ 
Noutro  pano  de  fora,  que  aguardava, 
E  para  o  mais  ferviíTo  ali  cllaya. 
22 

ÍAlem defte graõ  pano,  que  acercava, 
Poi:  de  fora  tin  ha  outros  dous  em  roda, 
Com  que  provida^Sc  mais  fortificada, 
E  parecia  eftar  cerrada  toda  5  (nava. 

Também  de  húrnufgo,  &  heryas  fcador- 
De  fora  a  fuperficie,  &  toda  a  roda  •, 
Que  citando  alta  afll,  &  do  Sol  luftrada, 
Moítrava  húa  fermoía  cor  dourada. 

Em  oy  to  partes  era  dividida, 

Bem  que  continua,  &  junta  na  figura,; 
Erta  abobada  taõ  cei  rada^  6c  unida. 
Que  naò  íe  deviíava  ter  coítura  -, 
Mas  pellas,  cm  que  eílava  repartida, 
Servindofeexhalavade  miftura^ 
Todc  o  fumo  íobejo^  que  lhe  vinha 
Dosfobrados  de  bayxoda  cozmha. 
24. 

IvíasoSabioanfiaõ,  &bom  mordomo. 
Que  neitealtoapolcntoreíidia, 

ti  J«  Pare, 


Luís  de  Camões é  f^ 

Com  graõ  cuydadoj  Sc  diligencia  como 
Eíperco,  &  piompto,  citava  noyte,Ôc  dia, 
Em  fua  eíphera,  como  em  celeítc  tomo, 
Hora  do  mundo  a  grande  Monarchia, 
Gomtemplava  com  gráde,6c  vario  eitudo, 
Hora  o  desfazer  delias,  &  de  tudo. 

Para  iílo  livraria  de  diyeríos 

Authores  tinha  grande,  &  muy  polida. 
De  yarios  cafo«,  prolperos,  &  adveríos. 
Em  três  camarás  juntas  repartida  i 
A  primeyra,  ou  em  proía,  ou  doces  verfos, 
Continha  alegre  fabula  fingida, 
Leys  a  Tegunda,  &  a  Philoíophia  antiga, 
A  cerceyia  hiítoria  grave  tinha, 
26 

E  deíla  livraria  de  maneyra, 

Compaíladas  eftavaõ  as  cílanteí  j 
Que  a  camará  íegunda^  &  a  primeyra 
Tinhaõ  livros  mudáveis,  &  inconftanílesi 
Mas  os  outros  da  camará  terceyra 
Eítavaó  fixos  quafi,  &  mais  conftantes, 
E  ailios  que  dos  dous  mais  lhe  sprazia^ 
Neila terceyra  Tem pre  os  recolhia. 

Da  íua  condição,  &  natureza, 
Apar  de  fi  o  íabio outro  tinha, 
Que  a  fabrica  de  roda  a  Fortaleza 
Quaii  em  lugar  do  velho  pay  Icilínhaí 

^  E  a  torre  hora  inthnada,  outra  hora  teza 
Fazia  eítar,  íegundo  lhe  convinha. 
Por  meyo  de  hum  cíteyo  de  artificio, 
A  que  encoitado  eítava  ellc  cdificio. 
28 

E  por  detrás  da  abobada  decia 

Eíla  coluna  ate  o  íim  dos  fobrados,^ 
Pela  parte  de  dentro  oca,  &  vafia^ 
Mas  com  trinta  canudos  bem  ligados  5 
E  em  que  de  dentro  vãos,  de  cantaria 
Eraó  firmes,  direytos,  torneados  : 
Ficando  allicolumna  deita  forte, 
Cuberta  de  dous  pannos,  &  muy  forte» 

Por  dentro  da  columna  difcorrendo. 
Do  velho  a  filha  andava  diligente, 
Ella,  &  o  pay  nas  mãos  atadas  tendo 
Setenta,  &  finco  cordas  longamente  : 
As  quais  por  toda  a  torre  fe  eílcndendOj 
Difpertavaò  para  oicrviçoa  gente. 
Dando  força,  &  vigor  ao  movimento, 
Que  neceílario  cra^  ík  ao  íentimento. 


m 


Deftas 


m 


Rimas  iú  Grande 


í^ 


Deftas  ncrvozas  cordas  fcte  partes^ 
O  velho  eftudiofo  governa ndo> 
Ctírft  finto  pãrds  delks  os  lugares 
Mais  ttctctos  dâ  âbobadn  j  &  eípertando 
Os  itmis  criados^  êc  familiares 
Da  cafa,  &  os  dous  inais  hião liando  j 
E  os  critica  pares  repartidos  tinha, 
l^or  toda  a  torre  a  fi lha, onde  convinha* 

Mas  poT^tíe  dos  trabalhos  exceíTitros 
ti)a  torre  os íerVidore$,&  cxercicioi 
Se  pudéíTe  fa^er^  &  andar  itiais  tivoS) 
Behfoiçados  cada  hurw  com  íeuofíicio.* 
Foy  áãéo ztís  í-pktos  fenfitivos, 
E  aos  motivos^  por  grande  benefício. 
Hum  repouzo,  ôc  dfeieaoío  conveniente, 
A  qus  cinimainios  fomnos  vulgaraiente» 

Delle  era  cauía  mrnaedista,  &  certa, 
O  fottl  meftre  da  obra,  qtie  habitava 
No  apozento  do  méyo,  Ik  tinha  eíperta 
Da  Fortaleza  a  gente,  éc  ahmentava  j 
E  qiMíndo ainda  mais  tinha  encubeirta 
Sua  vircude,  &  o  fo;go,a  confcrvava^ 
Repoufavaíiaiorí^c:  a  companhia^ 
Ovelhojíkafitháascí&rdasnaô  movia, 

Ajudava  também,  que  aí  humtldades, 
E  fumos,  que  cxhal'âv^o,í>c  íobiaõ 
Da  cozinha,  &  das  mais  concavidades, 
Afefta  vil  tude  o  caminho  impedía6  : 
E  adormecendo  os  velhos,&  os  Alcaydes 
Da  Torre,  os  fervidíjres  naõ  òolíaõ, 
Do  movi  mérito  a  caufa  afli  ceifando^ 

0  íentimentoen-taõ  nada  operando. 

Pek  parte  de  fora  do  artificio, 

NofobradomaisalciQ,  &  lumitlofOf  « 

1  unto  do  chapipel,  &  fronteípicw, 
Hum -molde  de  janelas  vi  fermo/b: 
Eraõitres  pares,  cada  par  oíBcio 
Diverio  tinhaj  èc  muyto  proveytofo  j 
Às  ntóis  alt3S  de  eftrunha  ferrrwíura, 
"Vários 'HO  íisio,  o  fficio,  6c4ia  Egupa. 

Tinha  cada  hua .delias  ki^  cfpia, 
"^E  atalaya  de  grande  -vigilância. 
Que  ao  longe,  6c  perto  d' alto  defc-ubrift 
Tudo,  o  que  parecia  de  importância  i^ 
Aprezentando  logo^  o  que-lentiáj 
A  húa  atalaya  mór,  que  noutra  cítancia 


Deita  abobafdadVavaapoz^ntadaj 
Para  eíteoaírgo  dentro  deputada. 

AíTentados  eftavaó  íobre  fino 
Marfim,  duas  janellas  alterofiís. 
Com  vtdraças  de  hum  puro  criítalino. 
Que  as  fazia  mais  cUrai^,6i  luAroías  : 
K  para  defendeTÍ^  do  ar  maligno, 
Ou  doutra coufa  ma  húas  fermofas 
Cortinasse  cadilhos  íecerravão, 
E  quando  «ra  neccíía no  abrir  tornavaó. 

Por  cima  da  cortina,  Ct  oorridiças, 
Cada  janclla  tinha  íua  cimalha. 
Para  reparo,  arcadas,  ò£  maciças, 
Gubertas  de  húa  curta,  &  lecâ  palha: 
Eraó  como  convinha  movediças,      (lha, 
Ambas  de  hu  lavor  roeímo,^  de  húa  igua- 
E  alem  de  reparar  da  chuva,  &  vento, 
Davaô  graça  as  janellas^&  vento, 

Logo  cm  direyto  eftavaó,  &  alem  deftasy 
Duas  de  outro  feyf  lo,  &  de  outra  arte, 
Diícubertas  ííõ  vento,  &  manifeílas. 
Cada  húa  a  cada  mão  do  baluarte  .* 
E  em  caracalj  6c  cm  voltas  duas  freftaf 
Tinhaõ  feytas  na  mais  ultima  parte. 
Das  quais  duas  cfcura«  de  vigia, 
Cada  hiia  dava  avifo,  do  que  ouvia.! 

39 
Abayxo  deftas  quatro  inda  outras  duas 

Por  cima  do  portal  da  Torre  eftavaõ. 

Com  grande  engenho  feytas,  &comíuail 

Efpias,  que  do  cheyro  fó  aviíavão : 

Dos  d®us  íobrados  alto*:  duas  ruas, 

'"i'^quivinha6,  por  onde  rcpurgavaÔ 
As  fu  perfiu  idades,  que  dcciaõ, 
E  dentro  o  frcfco  alento  recolhiaÒJ 
<'■'  40 

Deftas  jancllas  logo  abayxoeftava 
O  graõ  portal  da  Torre,  &  fcrventia, 
Ncfta  mais  alça  parte,  em  que  tnoftrava    i 
Eftranha  Architeaurfl^&  geometria: 
For  aqui  todo  o  neceflàrio  entrava, 
De  tudo  quanto  a  Torre  fe  fervia, 
E  para  ifto  poder  fer  fem  rrabilho, 
Hú  grão  remédio  fe  ordet>ou,&  trabalho. 

Quefobreosdous  fobradosdjenrideyros,  ^ 
E  mais  bayxos  cadahumáfua  parte, 
Eftavaõ  dous  rotmftos  crarrcteyros,  í 

Pe  muy  grâtíde"lervi'Ço,^©ngcnhK>,6c  arj:*» : 


Rimas  do  Granie  Luís  de  CamÕerl  /  ^i 

Que  além  de  grandes  ferem,eraó  ligeyros^        Enrre  elles  hua  doar^   JérirtienMÍa  j 


Que  cliegavaõ  corrédo  a  qualqu 
Acarretando  tudo  com  preíteza 
Para  coorervaçaó  da  Fonaleza* 
4» 


parce* 


Eíksdóuscarreteyros  fuítentados 
£raô  por  feu  ícrv^iço,  &  provimento, 


Efpctca  andava  &  fj-^n^pta  noyte,  &  dia ; 
E  delia  era  approvada,  ou  reprovada 
A  farinha  de  quanto  le  moíiia, 
Provando  feera  laboroía,  Ôi  alva> 
Porque  era  ella  gentil  meiírade  í^lva* 
48 


Da  nieima  Torre,  cm  que  foraõ  criados,    Em  coda  a  Fortaleza  era  importante 


\ 


Com  codo  necelíano  mar^imento.* 
Tendo  delles  cada  hum  linco criados, 
Que  a  cuio  da  vaõ  grande  aviamento, 
K  porque  em  feu  trabalho  íépre  andavaó. 
As  cabeças  de  bons  cafos  arma  vaõ. 

43 

Serviaõ com  cuydado^  &  diligencia, 

Eítcs  criados  dezcontinuamcntej 
Sendo  o  principal  toque,  Si  experiência. 
Do  humidoj  do  feeoj  frio,  ou  quente 
Em  qualquer  mechanica  arte,  ou  fciencia^ 
Alem  de  obrarem  neceílariamente. 
Com  armas  refiítião  á  toda  oftenfa. 
Da  Torreidelia  fendo  a  mòr  defenfa. 

44 
defóra  da  entrada,  6í  ferventia 

Da  Torre,  dous  porteyros  fempreeílavaõ 

Luftrofos,  &  vertidos  de  alegria. 

Que  as  portas  cô  cuydado  bem  guardavao: 

Xambcni  o  fom  da  frauO,  &  armonia, 

Com  movimento  íeu  pstfeyçoavão, 

E  aíTi  dos  três  mordomos  dos  fobrados, 

Eraõ  por  ifto  cm  tudo  alimentados, 

45 
Das  portas  para  dentro  logo  entrando, 

De  grande  fabrica  hum  moinho  tmha, 

O  qual  moendo eftava,&  preparando 

Tudo,  o  que  avia  de  ir  para  a  co/inha : 

Moido  &  brando  dentio  aíli  mandando 

O  roantimettto, que  defóra  vinha. 

Com  efta  proporção  conveniente, 

&e  repartia,  6c  hia  a  toda  a  genta : 

46 

!Nertc  moinho  junto  os  dous  porteyroSj 
Eftando  juniamcnte  ern  feu  officio. 
Duros,  Strijos  trinta  ôc  dous  moleyros, 
De  gran  Je  torça,  &  util  exercício : 
Daqui  turados  fora  outros  primeyros^ 
Foraõ  por  graõfraqaeza  íua,  &  vicio, 
E  os  quea^ora  mohuõ  com  dcítreza, 
Tod<?s  branco  vcrt  «aò  por  lim  pcza. 

^.  ^  47 

Tinha  ca  ia  huTidellcs  fua  morada. 

Em  doui  lanços  de  pencdoí  que  avia. 


O  cargo  deíla  dona  reverenda. 
Sendo  fraota,  &  interprece  elegante 
Em  tudo>  alem  do  mando,  &  da  moenda  ♦ 
Dava  também  ao  lom  doce,  &  galante. 
Da  frâuta,o  ar,compaflo,  graça,  cmméda, 
Toda  a  fabrica  cmfiííi  delta  taó  clara 
Torre,  ícm  eítadona  mai  paífara, 

49 

Mas  por  ferella  fêmea,  hum  quafi  freo, 
Por  naò  hir  longcj  a  tmha  preza,  &  atadai 
Bem  que  em  nove  criados  de  hum  arreoj 
Ede  hua  libre  andava  ellaencoltada; 
Que  por  fer  de  cal  graça,  &  bom  menco, 
Servida  era  de  todos,  &  acac^da, 
E  por  julgar  os  golios  na  verdade. 
Cercada  fempre  andava  de  humildade» 

Mas  porque  quando  em  cafa  repoufava, 
Eíta  humidade  muyta  a  naò  cnojafle, 
Duas  efponjas  tinha,  em  que  tomava 
E  recolhia  o  mais,  que  íobejaíTe  ; 
E  também  porque  la  dentro  importava 
Todo  o  húmido  fobejo,ou  ar,que  entraíTe 
Tinha  logo  alem  mais  húa  anceporta, 
Que  rcfiítia  ao  lobejo  ar  áà  porta. 

Alem  defta  anteporta  pareciaô 

Os  dous  principaes  cannos  deíla  Torre, 
Por  hum  delles  os  freícos  ares  hiaó^ 
Com  que  o  Vcador  do  meyo  fe  íoecorre : 
Por  outro  canno  tudo,  o  que  mohiiô 
Os  mokyroSr  &  o  que  à  cozinha  correi 
E  nella  do  primeyro  cozimento, 
Se  preparava  todo  o  mantimenio* 

Masao  quarto  do  meyo  efta  cozinha, 
Humagrolla  parede  dividia. 
Porque  aqui  perto  fua  morada  tinha 
O  mordomo,  que  nelle  prefidia ; 
O  fogo,  &  fumo  delia,  que  lhe  vinha, 
Todo  tomado  tem  por  eUa  y'\t^ 
E  cô  a  parede  falvo,  d^  defendido, 
Fiea  leu  a^ozento  divididc, 

^  Cu8 


4z 


Rimas  do  Grande 


n 


Cos  três  cannos  pof  ^dade  era  provida 

Tcda  a  fabrica,  &  gente,  que  aqui  eítava, 
Eftandoefta  parede  interrompida, 
I^  ella  o  quarto  do  meyo  íe  acabava : 
Em  hfiagraõ  coEÍnha^  &  bem  fervida, 
Onde  o  quai"!©  de  bayxo  começava, 
Ou  também  logonella  começando, 
Tudo  o  que  neila  avia  fuy  notando. 

54    ^  . 
Capaz  era  a  cozinha,  &  funcientc 

Para  cozerfe  nclla  o  mantimento, 

Que  pudeíTc  bailar  a  toda  a  gente, 

E  de  muyto  artificio,  &  provimento: 

Com  VIVO  fogo  eílava  ftmpre  quente. 

Para  rodo  oíerviço,  &  cozimcnro, 

Num  vafodeduas  bocas,  bem  o  brado, 

Sendo  tudo  cozido,  &  preparado, 

Pella  boca  mais  alta  íe  metia 

O  que  vinha  a  cozerfe,  &  digeriríe, 
Pella  outra  bayxa  o  mais  Ic  defpcdii, 
Do  que  menos  aviaó  de  lerviríe  : 
Ejuntodeftaboca  bayxa  avia 
Hús  quatro  cannos  para  repatírfe 
Hum  certo  manjar  branco,  &  imperfeyto, 
Ne/te  primeyro  cozimento  feyco, 

E  aíTi  defta  mefma  obra  outros  mayorcs 
Seis  cannosjuntamente  procediáo. 
Por  onde  da  cozinha  os  fervidores 
As  fezes,  &  fuperfluo  defpidiaó : 
Deftes  cannos  também  outros  mayores, 
Por  mais  apurar  tudo,  indanaciaõ. 
Por  hua  tea  groíTa  derramados^ 
Com  proveyto,  &  limpeza  aíll  ordenados. 

Deites  feis  em  o  bayxo  taõ  fomente 
Hús  três  moçosavia  de  íerviço, 
Que  por  eítar  entre  elles  mais  corrente, 
Eftavaõ  nelle  poftos  já  para  iffo  : 
E  no  remate  delle  ultimamente 
Eftavaõ  outros  quatro  também  niílb, 
Fromptosero  alimpar,  cerrado,  &abrin. 
E  cõ  outroí  na  Torre  bem  fervindo.  (do, 
58 

Prefidiodoncíle  ultimo  fobrado, 

E  quartojinda  outro  principal  mordomo. 
De  graó  negocíamento,  venerado, 
Wuytoimporrantc,&  bem  íervindocomo 
Cada  hum  dos  outros  dousjalcatruzado 
Hú  pouco,rauy to  grave,&  homem  de  to- 


Luís  de  Camofs, 
Tifte  no  parecer,  mas  no  fupofto," 
Alegre  noaibernoz  de  grã  bem  pofto. 

59 
Junto  à  cozinha  tendo  o  apozento. 

Mandava  delia  vir  por  ordenança, 

Sò  da  primeyra  eftancia,  &  cozimento^ 

De  todo  o  manjar  branco  em  abaítança  : 

Fazia  entaó  todo  efte  mantimento 

Outra  vez  recozer  com  temperança. 

Que  mais  puro,  &  cada  hum  por  lua  via. 

Entre  todos  na  Torre  fe  pratia. 

60 

EaíUdefpoisdejàfer  bem  cozido 
Efle  manjar,  que  a  todos  fuftentava^ 
Sendo  em  quatro  licores  convertido, 
Diverío  fer  hum  fo  na  cor  moôrava: 
Mas  deftts,  mal  conforme,  ou  definedido 
Se  algum  muyto  mingoava,  ou  íobejava, 
Fora  de  proporção,  &  íaâ  concórdia, 
Em  toda  a  Fortaleza  avia  dilcordia. 
61 

Pello  contrario  em  jufU  cantidade, 
Em  liquido  vermelho  mifturado, 

.     Seefte  manjar fedàcom  fuavidade^ 
Todo  efte  aftento  eftá  delle  abaftado : 
Daqui  defte  apozento,  por  metade 

;    Da  Torre  corre  índa  hu,  &  outro  íbbradoi 
E  por  cubertos  cannos  vay  mandando, 
A  toda  a  gente  delia  alimentando. 
62 

E  com  quanto  aíTi  leva  fua  miftura. 
Por  mais  baftar  a  todos,  em  chegando 
Ao  apozento  do  meyo,ali  fe  apura  - 1 

Summamente,  &  fe  vay  adelgaftando : 
E  daqui  o  mordomo  com  mão  pura, 
Defpois  que  bem  o  atina  eftà  mandando^ 
Purificando  a  toda  a  Fortaleza, 
Por  outros  fotis  cannos  com  deftrezaj 

Mas  tinha  efte  mais  bayxo  em  fua  cftancia 
Apar  de  fi^  por  grande  beneficio 
Da  torre,  dous  criados  de  importância,     . 
Providos  cada  qual  com  feu  officio : 
Oprimeyrocom  fua  vigilância, 
Sentindo  aver  íecura  no  edifício. 
Por  certos  cannos,  que  para  iíTo  tinha, 
Efpcrtavagraô  íede  na  cozinha. 
64 

Veftiafe  de  hum  verde  fempre  efcuro, 
Poreíliremo  coleríco,&  agaftado, 
E  taõ  azedo,  que  por  todo  o  muro 
Se  via  andar  às  vezes  de  enojado : 

Tam- 


Rimas  do  Grande  LuU  de  Camões,  '  tf  3 

TarabemcaufaVafer  manjar  impuro^  Fíníilmcnte de  tudo  mny  provido, 


Da  cozinha  o  fuperfluo  íeu  lançado 
Por  fcis  húmidos  cannos  dalli  fora, 
Quando  para  lílò  avia  tempo,&  hora. 

O  fcgundo  criado  era  triftonho 

Nocorpo,&  no  vellido,  hú  homem  baíTo, 
Menenconizadiflimo^&  enfadonho, 
De  mà  converíaçáo,  &  pouco  palio : 
Eratnedro2o,&  en:>  fimuyto  medonho, 
Morto  de  fome  fcmpre,  Sc  muycocfcaflo, 
Mas  o  comer  pedia  [  ara  a  gente, 
Nilto  bem  apurado, &  dihgeote. 
66 

Abayxologo  dtftcs,dous  eílavaò 

No  apurado  comer  tanbcm  íervindo. 
No  corpo, traça,  !k  idade  conformavaó, 
IMum  meíiíio  cííicio  não  íedezavindo: 
Todaaíupcrflua  agoa  a  fi  chamava, 
Por  feus  cannos  dosoutíos  iguacs  vindo, 
Tendo  na  mão  huns  vazos  coadores, 


De  gente  de  fervido  bem  ícrvido. 

69 

E  porque efta  taó  bcU  1  Fortaleza 
Nunca  o  tempo  de  todo  a  desfizeíTe» 
Ordenou  da  obra  o  mcftre  com  deflrezâ» 
Qie  de  foi  a  da  Torre  ítmpre  ouvelTe 
Dousnaturaes  hmàos,  cuja  viveza, 
Ourros  mattriaes  í  pintos  delie, 
Para  íc  fazer  o  noyo  edifício. 
Por  delicados  m.yos,  &  artifício, 
70 

Todos  três  apozentos,  &  fobrados, 
Sobre  duas  c»  lumnasleaííentavaõt 
If  ao  pè  delias  entre  tiles  gazalhados 
Eítes  dous  naturaej)  Irmãos eítavac  J 
As  columnas  (cus  pedrtftaes  pegados 
N  iis  mais  dclj^adas  partes  ter  nioítraváo, 
E  o  mais  grolio  para  cima  tinha, 
A  outra  '1  orre,  ác  que  elU  naícer  vinha, 
7í 


Que  coavaõ  tila  agoa, 6c  outros  humores.    Sendo  pois  como dice  taõfernr.ofo 


rm  íl  retendo  íó  \  potagem  boa, 
Toda  a  outra  agoa  coada  fe  metia 
Por  dous  cannos  focis  nua  alagoa. 
Que  de  grande  artificio  dentro í^via  : 
Eíla  agoa  que  heíalgada,&  aqui  fecoa, 
Da  Torre  tora  cmfim  íe  deípedia, 
Por  outro  caonc  em  voltasi  6c  deite  mo  J0| 
Vinha  aíiim  a  faír  fora  de  todo. 
ÓS 
JEfteapozento  abayxo  fe  cercava 

CoQi  paredes  tambem^5c  com  Teu  muro, 
Com  que  emparaJo,&  quente aífi  ficaya 
Aos  perigos  de  fora,  Sc  mais  feguro ; 
Onde  era  neceííano  brando  eílava 
Em  parte,  em  outras  partes  firme,&  duro. 


Elle  novo ed.ficiOj&  taô  pollido, 
Dentro,  &  fora  em  eftremo  artifíciofOj 
E  tudojà  por  mim  vifto,  &  corrido: 
No  Artífice  cuydando  poderolb. 
Que  de  tudo  o  h^era  taõ  provido, 
Edava  eu  contentando  avilta  nelle^ 
Sem  de  todo  a  pcdcr  apartar  dellc, 

7^ 
Quando  enleva  do  a  íli  me  parecia, 

Que  com  trilte  m  idanç i  eílranha,5c  dura, 

E(ie  grande  edifício  delcahii 

De  íua  graçj  alí-gre,  &  fermofura : 

A  ma-|iiina  t(jta|  íe  desfazia. 

Vindo  abayxo  de  íua  mòr  alrura, 

The  de  todo  cair  por  dei  radeyro, 

Como  no  Canto  cantarey  terccjjro. 


CANTO  III 


O 


Vida  humana  taõ  caduca,  &  breve, 
O  talía  gloria  delia,  &  imperfcyta 
A  que  mais  dura  fica  a  hum  lomno  leve, 
Ao  tempo,  ao  fadojá  morte  emíimíu^eita; 
Qué  mais  cota  fez  della,S:  em  mais  a  teve. 
Com  mór  dor,  éc  triíteza  a  vio  desfcy ta^ 
Pafla,&rcu  fim  remata  em  prãcoj5c magoai 
Enchendo  como  fumo  os  olhos  de  agoa. 


ii-» 


Em  que  parou  d-i  terra  o  mòr  Tirano» 
Com  profpcra  fortuna,  ou  com  advetía? 
Em  que  parou  o  graó  ceptro  Romano, 
Em  que  o  Gregc,o  Mc  do,o  Cyro,o  Pt  í  fa? 
De  húa  hora  incerta  hu  certo  dezengano, 
Daquella  hora  final,  dura,  &  per  veria, 
Triíle  odiofa  a  todc  s,  tudo  em  Cerrai, 
Em  muyto  eíqueciaiento,  ôc  pouca  terra* 


6-4. 


Rimas  do  Granai 


3 


Na  antiga  idade  douro,  em  que  abundança 

1    Saudável  da  terra  fiorecia, 

Em  que  a  faude,  &  útil  temperança, 
Nos  homés,&  Elementos  mais  avia  j 
Dos  innumerosannosaabaítaoça, 
A  muy tos  pouca,  êl  breve  parecia. 
Que  o  calado  ladraó  a  todos  furta 
A  longa  vida,  Òi  faz  parecer  curca. 

4 

Quem  vive  por  viver  íó  nefta  vida 

Docemente,  nu  íini  chorola,  &  amarga> 
En)  que  do  Ceo  lhe  ícja  concedida , 
QLieadeMathoíalcm  muy  to  mais  larga: 
Que  mais  he  que  na  mifera  partida, 
Eni  q  ha  de  ir  ter,  levar  muy  ta  mais  carga  j 
Mas  que  íométealpira  áecerna,&  lanòia, 
paraellaalegrc,&c  leve  íe  levanta. 

5 

Levantafc  a  alma  leve  à  mor  altura. 
Do  leu  cbiro  inimigo  delatada, 
Ou  das  obras  levada  clara,  &  pura. 
Ou  à  prifaõ  perpetua  condem  nada  ; 
Toda  inferior^couía,  Òícreaturaj 

,     De  matéria,  &  de  forma  fabricada, 

Por  mais,  que  viva,  em  fim  íeu  fim  afpcra, 
Que  afli  o  quis,  quem  íez  agrandc  íphcra, 
6 

Mas  nunca  a  ninguém  baila  cila  certeza, 
Para  que  a  dura  parca  inexorável, 
Eípanto  lhe  náo  caufe,  dor  tnlteza, 
I  ,       Com  feu  golpe  cruel,  &  irreparável  .• 
Afíi  vendo  o  da  belia  Fortaleza,^ 
h  miferavcl  queda  em  que  durável, 
Sabia  naccr  nada ;  entrilticeome, 
E  coufa  cílranha,  &  grave  pareceome : 

7 

Kaò  íonhava  eu  que  avia  desfazcríe, 

Cem  íubita  ruina,  erleedificio, 
MasSquc  por  tem  po  avia  en velhcccrfc, 
Cada  parte  ceíTando  em  íeu  oííicio : 
E  o  governo,  &  economia  perdcríc. 
Com  íua  ordem  certa,  &  exercício, 
Kaô  ícrvwido  os  vaíallos  à  lenhora, 

'  1  c  que  ella  tnite  íe  fahia  fora. 
8 

Triíle  fc  hia,  por  mal  obedccidr., 
I^araqucyxaríe,  nalufidaelphera, 
Ao  ícnhor,  que  a  cfta  envelhecida 
Caía  íua  a  mandara,  ^  vir  fizera, 
.  Triíteíehiacontula,  &  arrependida 
]L>o  mao  viver ;  mas  mais  viver  quiíera 


LuU  ãe  Cdmoes» 
JSÍa  lua  antiga,  &  taõ  chara  morada, 
Que  íó  por  terra  jaz  defemparada. 

9 
Fazendo  mal  os  grandes,  &  os  menores, 

Cada  qual  íeu  devido  regimento, 

Naó  mãdãdo  os  mordomos,  &  VeadoreSjí* 

Enaõavcndoemnada  certo  aííento: 

Veo  o  commum  manjar  com  ícos  licores. 

Todos  quatro  a  hum  tal  corrompimento, 

Que  as  j^artcs  principaes,&as  outras  logo^ 

Enfraqueciáo,  &  íe  esíriou  o  fogo. 

lo 

Porque  daqui  naceo,  que  confumindo 
Sefoy  omeltrc  da  obra  diligente, 
E  com  clle  de  mal  em  peor  indo. 
Os  Capitães  da  Torre,&  outra  gente.' 
E  os  ícrvidores  todos  mal  fervindo. 
Os  de  dentro^  &  os  de  fórajuntamente. 
Em  todos  íe  enxergava  hua  frieza, 
Deeílranha  forma,  ík  miíera  fraqueza. 
li 

Os  mais  dos  trinta  &  dous  braços  moleyros^ 
Que  tftavaó  no  moinho,  íefaziaó 
Debiíitadosjá,comoos  primeyros, 
E  ícm  poder  moer  fora  cahiaõ  : 
Outros,queem  íeu  vigor,ainda  qínteyros 
Ficavaó,  por  fraqueza  não  íerviaó, 
E  por  eílarem  ali  mais  arrey  gados 
Ficavas  com  o  velho  apozcntados, 

12 

Envelhecendo aíll  tanto  ocdificio» 

De  fora  a  graça,  &  luíhe  hia  mudando,    ^ 
Atè  no  chapitelj  &  f  ontifpicio,  •■ 

Murchando  as  flores  íe  híaõ,  &  arrãcãdo  * 
Porquejá  naó  lhes  fendo  taô  propicio 
O  calor,  &  alimento,  como  qua  ndo 
Em  feu  vigor,  &  pcrfeyçãocílavaõ, 
Em  fria,  &  branca  a  cor  d'ouro  tornayaõ,' 

Aquellcs  dous  robuílos,  &  valentes 
Carreteyros  caofadamente  andavaõ, 
E  já  mais  floxamentc,  &  negligentes, 
O  neceflario  à  Torre  acarretavaô  : 
Também  0$  dez  criados  diligentes, 
Como  tolhidos  mal  femeneavaó, 
E  já  as  columnas  grollas,  que  tr aziaô 
O  pezo  (obre  fi,  fracas  tremiaõ, 

14. 
Com  tal  fraqueza,  6v  contínuos  temores^ 
Torre ameaçavaõ  á  final  queda: 
Eftavaô  fem repouío  os  Vc>>dcrcsi 

E  toda  a  gente  írac^  •  &  pouco  leda : 

D^ 


^1' 


Rimas  do  Grande  Luís  de  CamÕef, 


Da  falva  a  meílra  jà  dcyxa  os  fabores, 
E  cada  hum  de  feu  cargo  já  fe  arreda  j 
Arruinando  por  mil  partes  o  muro. 
Abalado  íe  moftra^&  malíeguro. 

Atónito  com  grande  dor,  &  eípanto, 
Qtie  alli  ficava  entaõ  me  parecia, 
Por  tam  fero  ípcdaculo,  &  com  tanto 
Eftrondo  lachrymofo,  como  avia ; 
Porque  de  fora  eftar  em  alto  pranto 
mMuy  ta  gente  funcftâ,&  triftcvia, 
IB  A  mortífera  queda  defta  íorte, 
^B  Carpindo^  61  da  lua  gente  a  fera  morte : 

flEo  que  mais  mcefpanta,  fobretudo, 
Da  machina  lançada  afll  por  terra. 


^ 


O  que  naõ  for  para  iíTo  defeftímâ, 
E  no  íim  o  dcfprcza,  &  no  começo : 
O  bem  perfeyto&  firme  làefta  em  cimâ| 
Sem  falta  lá  íeguro,  &  ícm  exceíío, 
Daííe  immenío  a  cada  hú  no  claro  aíTentOi 

I    Mas  medido  poríeu  merecimento, 
21 

DaíTe  penna  aquém  iftodef merece, 

Também  íem  nenhum  hm,Êiíem  medida, 
As  quais  por  íua  culpa  íó  padece^ 
Propondo  á  vida  eterna  a  breve  vida ; 
Efta,  que  em  rorpes  vicios  envelhece. 
Até  Ihefer  detodoconfumida, 
Da  almaaíatisfaçaõ  Ihoverefica, 
E  o  que  da  terra  he  na  terra  fica. 
22 


Que  o  material  todo,  &  o  campo  mudo,      Ifto  he,  o  que  cens  viíto,  &  o  que  notaílô 


f 


i    Hum  vii  panno  de  lenço  dentro  encerra, 
E  a  quem  tilando  em  pè  foy  pouco  tudOj 
A  cobria  cahmdo  húa  pouca  terra, 
Eílando  eu  nifto  cuydadofo,  &  afii£to. 
Tornava  a  parccerme  aquclle  fpirito, 

Aquelle  fpirito  bom,  fermofo,  &  puro. 
Que  ao  entrar  da  Torre  me  dcy  xará. 
Em  cuja  companhia  eu  muy  íeguro 
Por  arriícadospallosjàpallara: 
Tornculeme  com  elle  o  triíte,  &  elcuro 
Tempo  puro,  &  fereno,  &  a  noytc  clara, 
Epondo  eu  leve,  &  ledo  os  olhos  nelle, 
Aiii  me  começou  de  tallar  clle, 
18 

Que  fazes,  fraco,  aqui?  que cuydastrifte, 
Mortal,  terreno,  cego,  &  deícuydado? 
Porque  naó  te  aproveytas,  do  que  viíVe, 
No  mal  doutrem  por  teu  bé  doutrinado? 
\    INaóhe  vaófonhonaó,ocm  queconíiíte 
Perderefte,  ou  falvareíle  coytado ; 
Os  olhos  abre  jà  eíperto,  &  pronto. 
Regula  a  vida  ío  por  cite  ponto. 

Quem  te  criou,  &  quem  te  fez  de  nada, 
Dandote  o  ler,  a  forma  intelle-fliví^ j 
Te  meteo  nefta Torre  encarcerada, 
Naõ  íoy,  para  que  nella  femprc  viva : 
Mas  para  merecer  neítajornada. 
Com  íuas  obras  a  outra  eterna,  ^  altiva, 
Com  íuas  obras  tingidas  no  puriíTimo 
Sangue  do  bõ  Cordeyro  innocentilfimo. 
20 
Para  iílo  vive  íó,  para  ifto  eílima 

Qualquer  bê  téporal,q  elle  he  feu  preço  j 

'  1.  Pare. 


Noproceílo,&dilcurío  deite  forte. 
Que  naõ  he  mais^  íe  o  bern  confideraíle, 
Que  hú  VIVO  home  íujeytoácõmO  mortes 
1  u  por  dentro,  &  por  tora  eípcculafte, 
E  viftecada  parte,  de  tal  lorte. 
Que  ler  hum  corpo  humano  organizadoí 
Declarar  te  a  veiey  por  eícufado. 
25 
Fello  Deos  como  a  ty  mortal,  terreno; 
Mas  fello  lacional  capaz  do  Cco> 
Fez  o  graò  mundo,  &  fez  elle  pequeno^ 
E  nelle  por  íalvalo  em  fim  deceo 
A  homem  íe  tazer ;  com  hum  aceno, 
E.  quem  o  ler  ao  Ceo,  &  á  terra  dco> 
Em  húa  Cruz  quiz  íeralevantado, 
Para  trazer  a  fi  todo  o  criado. 

Remirte^ò  homem,  quiz  Deos  fempíterno^^ 
Com  refgatede  amormaravilhofo. 
Dando  por  fi  feu  filho  igual Coeter  no, 
O  qual  fazendoíe  homem  piedozo, 
For  te  livrar  d 3  morre,  &  efcuro  Inferno,' 
Dco  íua  vida,  &  fangue  preciofo  $ 
Pois  com  que  vidas  tu  pagarlbe  entendes 
Se  com  a  que  te  deo  tanto  o  oífende?, 

Será  razaõ  que  deça  de  fua  altura 
A  bayxa  terra,  íó  por  darte  vida, 
A  íua  oíTerecendo  fanta,  &  pura , 
Com  taotoexceíío,&  tanta  dor  crecida. 
Na  Cruz  a  tanta  injuria,  à  morte  dura, 
E  que  feja  taõ  mal  agradecida, 
Qiie  cl le  morra  fò  para  tu  viveres, 
fc  tu  que  vivas  ló  parao  oftenderes  ? 

I  Enga* 


«e 


26 


Rimas  do  Grande 


Engana<3o,  perdido,  ingrato,  &  cego, 
Comodormir,coiiiO  viver,  teat  cves? 
C  omo  afogartc  no  profundo  pego 

/    i^aõ  lemcsjcarregado  do  que  deves  > 
Emmenda  a  vida  não  có  o  mao  emprego. 
Em  quanto  tempo  tês,  que  as  horas  leves 
Se  vão,  fem  eíperar,  coroo  a  figura, 
Para  lílo  a  derradeyra,  triíle,  &  tícura. 

Nojdiluvio  crueU  ^  niar  contrario, 
De  teus  vicios»  cm  que  andas  engolfado, 
Buícar  do  bom  Noe  te  he  necefl?,ri0    . 
A  fanta  arca,  que  em  terra  tem  lavrado  : 
Naõnomontede  ArtncniajmasClavarío, 
No  graõ  Clavario  monte,  celebrado, 
Do  Adão  fegundo  bufca  a  arvore  íanda, 
Que  elle  por  te  falvar  no  mundo  prânca, 
28 

Colhe  pois  fem  recco,  6c  confiado, 
Delia  o  frufto  dividojôf  tão  jucundo, 
Naôo  que  a  Adaò  primeyrofoy  vedado, 
Mas  o  que  deo  a  todoso  íegundo  .• 
Do  Ceo  vindo^  &  na  terra  fcy  pi  antado. 
Para  que  nella  viva  o  morto  mundo, 
Du  m  puro  Lítio  nace  húa  flor  taõ  pura,' 
Novalie  por  fubir  tudo  à  altura. 

Olha  na  fagrada  arvore  pendendo^ 
Do  ventre  virginal  o  frudo  luave, 
Para  dar  bés  os  braços  eftendendo. 
Como  pofta  lhe  foy  coroa  grave  / 
Por  te  efperar  íe  à  vilta  o  vas  perdendo^ 
Pregados  pès,  êc  mãos  tem  na  alta  trave, 
E  pararecolherte  no  deíerto, 
Perdida  ovelha,  o  lado  tem  aberto. 

O  lado,  fonte  VI va,  donie  mana. 

Com  fangue,  <3<  pguaaíTaz  graça  infinita. 
Que  goítandote  bem  a  gente  humana, 
Que  vive  vida  morta,  reluícica: 
Qloria  fica  da  morte  íobcrana, 
Coníola,&  apura  cm  fogo  aalraaafli£ba> 
Tu  purifica  tonte  tudo  regas, 
E  a  quem  tequcrgoftar  nunca  te  negas. 

De  tua  perenal  clara  corrente, 

Nacem  divinos  Rios  fem  diícordia. 
Que  eíía  Cidade  regaõ  refulgente 
De  Deos,  q  tem  a  terra  em  fam  concórdia ; 
Quatro  Rios  de  graça  fuíficientc. 
De  juitiça,  de  amor,  milericordia^ 


l,uh  de  Cámves\ 

E  todo  o  bom,  qud  a  feu  Deos  comunica^ 
Eío  ti*  ó  fonte  íanta  purifica. 

3* 

A  ti,  os  que  da  vida  fede  trazem, 

Tua  agua  íalutifera  bufcando, 
Quanfo  mais  delia  em  ti  le  íatisfazem, 
1  aoto  tom  golto  a  eftáo  mais  dezejandol 
De  terreoa  jà  pura  ler  a  fazem. 
Seu  bem  eíl^^^do  em  graça  renovando. 
Os  que  te  bebem,  6c  teus  Rios  habitaó, 
Ebayxo  do  guiaõ  da  Cruz  miLtaõ. 

33      ^ 
AtaÕ  liquida  vea,  &  írefca  fonte, 

Corre  pois,  ptccador,  lavarte  nella, 

Bayxos  olhos  levanta  ao  alto  monte, 

Aquelle  monte íànârodondenaceelía: 

E  vella  eníangoentada  naó  te  afronte. 

Que  he  mais  fermofa  afi,  q  toda  a  Eílrella,' 

Eílc  divino  íangue,  cm  que  tingida 

Vez  a  landa  agua,  te  he  íaude,  &  vida  : 

Faze  tua  morada  neftaviva 

Singular  pedra  onde  a  doce  agua  nace> 
E  donde  mel^&leyte  fc  deriva. 
Que  o  Ceo,  &  a  terra  alegremente  pacè: 
Portftaefcadafíjbeá  eílranha  altura, 
Queo  gr ãde  Jacob  vio,  q  ao  Ceo  chegaílc^' 
Por  clh  Anjos  do  Ceo  à  terra  dccem. 
Sobem  ladrccs  ao  Ceo,  que  a  reconhecem. 

35 
Vaybanharte  doente,  &  tãoleprofo, 

Nefte  divino,  &  facro  Rio  Jordão, 

PaíTa  o  da  lepra  jà  íaó,  &  fermoíò. 

Para  na  terra  entrar  de  promiíTaô : 

Foge,  &  íayte  doEgypto  trabalhofo, 

Donde  te  tem  teus  erros  em  prizaój 

Paífa  do  fangue  &  agua  o  mar  vermelho^' 

Livrcdo  captiyeyroanrigoôc  velho. 

Olha  a  íagrada  letra^  que  Ezechias, 

Em  Hieruíalcm  vio  imprcíía  &efcripta 
Nas  teftasdos,  queeftavaô  de  agonias, 
E  a  alma  tinhaõ  trifte,  &  muy  afíicVa  j 
Enche  os  corações  efla  de  alegrias 
Perpetuas :  &  lhes  dà  graça  infinita. 
Agora  cú  final  nellas  impreíTo, 
Eícripta  bem  com  fangue  alto  fem  preço; 

37  .^    . 

De  metal  no  deíerto  cm  Cruz  erguida 
Olha  a  medicinal  mortal  ferpente. 
Que  íó  co  a  vifta  da  íaude^  6c  vida. 
Aos  que  feria  co  venenoío  dente : 

Re- 


Rimas  do  Grande 
Reprefcntava  fer  ferpe  efculpida, 
Serpe  era  no  metal,  lerpc  aparente, 
Afli  poíto  na  Cruz  como  cuIpadOí 
Quem  nunca  o  pode  ter,tcra  o  peccado. 

Efta  Arpa  de  David  taõ  branda^  ôc  fanda, 
Com  vozes  taó  divinas,  &  acordadas, 
§e  tocaõ  na  Cruz  poftas  com  dòr  tanta, 
Os  nervos  íeus,  &  cordas  delicadas  : 
Afugenta  o  Demónio  mao,  &  efpanta, 
Destaz,  &_desbarata  íuas  ciladáSj 
Toca  pois  a  fanfta  Arpa,  adora,  6c  ama, 
Mil  lagrimas  d*amorndla  derrama. 

39 
Com  efperança,  amor^  &  íírme  fé, 

A  teus  taó  cegos  olhos  lava,  &  cura , 

.JSiaclanífimafonte  Syloé, 

Sahifas  da  cegueyra  tr ilte,  &  eícura : 

Vcris  por  onde  póes  o  enfermo  pé. 

Ser  tudo  enganoj6i  mádezaventura, 

Da  vil  carne  do  mundo  vem  Pobrezas, 

Du  mao  fempre  malícias^  &  torpezas. 

40 

íozate  dcíla  certa  medicina, 

Baftante  a  c  íhma  á  toda  enfermidade. 

Que  o  bom  &  uniycrfal  Medico  enfina. 

Com  taõ  íincero  amor^6c  boa  vontade ; 

5.ntra  nefta  probatica  piícina, 

,    E  a  tua  paralítica  maldade. 

Convertida  veras  pela  virtude^ 

Deita  agua  eíficaciíTima  em  laude. 

De  Deos  com  puro  amor  olha  o  Cordeyro, 
Cujo  fangue  puriílimo  innocente. 
Derramado  CO  amor  taó  verdadeyro. 
Do  lobo  te  livrou  percucientc  : 

,    Sangue  tanto  íem  preço^  6c  por  dinheyro. 
Por  vil  preço  vendido  lojuítamence. 
Mas  aífi  ás  más  culpas  livramento, 
E  ás  obras  boas  deo  merecimento. 

As  obras,  que  aíTi  oelle  reíplandecem, 
^  r    Como  num  taó  cap3z,  6c  claro  efpelho : 
E  todas  pcrfeyções  fem  fim  parecem, 
E  os  íàntos  Does  do  ípirito,  &  faô  cóíelho: 
As  virtudes  que  mais  aqui  tiorecem. 
Tinha  no  fino  eímalte,  &  bom  vermelho. 
Vete  bem  nefte  efpelho,  &ot2mpo  goza. 
Verás  toda  a  virtude  aqui  fermoza. 

45 
Se  a  fempre  igual  juftiça  firme  &  forte. 
Ver  queres,  vé  que  o  homem  condenado 
1.  Farc. 


Lui^\^^  Camoesl  €f 

Por  íua  melma  c  ulpa  â  eterna  morte, 
Pagando  Deos  por  eiie,  he  perdoado.* 
Deos  feífe  home  morta],  &  mata  a  morte. 
Morre  innocente,&mata  ao  noao  peccado, 
ConQ  fuás  chagas  (ira  a  antiga  chaga. 
Como  Deos  pòdc,ôcquer,comohon>êpa- 

44  ga. 

EíTa  mifericordia branda,  6c  amiga. 
Que  mais  fe  pódc  ver,que  a  piedade 
Com  que  ao  filho  do  Eterno  paycaftiga. 
Per  ptr  doar  do  mao  fervo  amaldade: 
Olha  a  que  eftado  dcce,  &.  a  que  leobriga, 
Se  queres  ver  a  altiílima  humildade, 
Se  a  iam  modcília  vé,  com  que  eftreyteza 
Naceo,  Ôc  viyeo  ícmpre  com  pobreza. 

Ve,  com  que  manfidao,com  que  innocencia 
O  Redemptor  do  mundo  íe  oíiercce 
Ao  fumrno  Sacrifício,  6c  obediência, 
Até  morte  taõ  crua,  que  padece  ; 
Em  tanta  injUria,  tanta  paciência. 
Que  por  feus  homicidios  naõ  fc  efquecCjJ 
Por  iiiíigos  rogar  afli  os  amando. 
Tudo  com  ai  to  amor  bem  rematando, 

4^      • 

Amor  lhe  fez  que  á  terra  do  Ceo  deça. 

Amor  da  terra  íer  em  Cruz  íubido. 
Amor  nos  f  és  j&  mãos,  corpo,  6c  cabeça^' 
Com  cravos^  lança,  eípinhas^  íer  ferido  ; 
Amor,  que  tora  tormentos  mil  pereça 
bcr  hiia  chaga,  &  por  Icprofo  ávido, 
Amof,quc  amalle  o  ingrato  mundo  tanro. 
Que  nellefiqem  carne,  6í  em  corpo  lanto, 

Deos  fendo  amor  puriílimo  pcrfeytOj 
Quis  pelo  mclmo  smc  r  communicarfc, 
Fazendofe  de  hõa  alma^Schumano  f  eyto^' 
E  nelle  Deos^  &  ht mem  agazalharíe : 
E  e/n  lugar  taó  eítrcyro,  mais  íè alegra. 
Que  no  clpaçofo^&largo  1  rapino  achai fe^ 
Que  efte  hc  íò  corporal  morada  nua 
Daima^  6:  eíprito,  6c  outro  imagem  fua. 
48 

Para  cfta  uniaõ  fanta^  6c  amorofa, 
A  divina  Eucharidia  inítituindo. 
Com  difcreia  invenção  maravilhofa, 
Dos  Diícipulos  feus  íc  defpedindo  .• 
Naquella  final  Cea  lachrymoía. 
Debayxo  das  efpecics  le  encobrindo, ' 
De  paõ,  6c  vinho,  cm  doce  mantimento^ 
Se  dá  a  comer  neítc  alto  Sacramento, 


lij 


Çu« 


«8 


limas  ào  GrmdeLms  d^  Camõêi, 


49 


Que  comotrasformado,  &  convertido^ 
Em  quem  o  come  o  mantimento  fica, 
Afli  a  alma  do  homem  a  Dcos  unida. 
Por  amor  íe  íuítenta,  &  vivifica : 

-     Que  efte  manjar  divino  recebido 
Vidadivinadà,&  glorifica 
A  quem  íua  carne  come,  ík  íangue  bebe, 
E  morre,  indignamente  quem  o  recebe. 

Quero  bê  o  come  em  Dtoi  fica,&  Dcos  nelU, 

,     Fica  em  Dcos  como  próprio  mébro  vivo, 
E  o  íuromoDeos,coniO cabeça  dclle, 

<     Hum  íerípiritual  lhe  dando  altivo  : 
Faíle  aíli  hum  corpo  miítico  por  elle, 
Per  efte  'dmor  íeu  puro,  &  unitivo, 
Eofilho  aílidt  Adaó,  &  filhodeira^ 
Fic«  filho  de  Dcos,  Si  a  Deosaípuâ, 
51 

Contente  vivcamancJo,&  perfevera, 
Na  fonte d*amor  puro,  alma  embebida^ 
Abraça  aquella  amiga,  &  fiel  hera, 
Da  laudavel  Cruz  arvore  erguida  : 
Come  o  bom  paõ  da  vida,  6c  a  vida  fera 
Perdendo  irà^j  ganhando  eterna  vida, 
Paõ  fobre  íubftancial  coroe,  &:  de  gtaça^ 
Quede  terreno  Angélico  te  faça. 

^íperta  jà  Chríftaó  dormente,  efperta. 
Para  cfte  paõ,  que  tanto  te  convida, 
Que  a  íatisfaçaõ  tés  taõ  boa ^  &  certa, 
4    Cavando  do  Senhor  fempre  na  vinha : 
V    Ao  pcccado,  êc  chaga  nalma  aberta, 
Applicacfta  fuave,  &  fan  mezinha, 
Os,bés  do  mundo  tem  por  fonho  &  rizo , 
E  o  que  me  ouviíle  em  lonhcs  por  avizo. 

Aíli  une  eftava  o  bom  Anjo  rallando, 
Que  ao  doce  íom  de  íua  voz  divina, 

(,■    Dormia  muy  quieto  repcuíando. 
Na  viíaó  deleytofaj  &  matutina : 
.  E  naó  crendo  eu  que  fofle  ifto  fonhado, 
Cúa  vara  de  inípiraçaõ  divina, 
No  coração  tocarme  parecia j 
£  deípertar  dofomno  me  fazia. 

54 
Taõ  confiifo  fiquey,  taó  aíTombrado, 

J  à  de  todo  acordado,  &  íó  em  meu  ley  iço, 

Daqucllefpiritobom  dczcm parado. 

De  ícu  coUoquio  íanto,  &  brado  afpeyto: 

E  do  que  ouvira,  &:  vira  ioda  Icmbrido, 

Que  impreíTo  me  ficou  détro  em  meu  pey. 

to. 


Comecey  a  fazer  contas  comigo, 
Quaestodo  homem  fazer  deve  configo: 

55 

Miíeio  peccador,  mortaJ,  terreno, 

De  pò,  de  cinza,  6c  terra  hum  trifte  cafo. 
Quero  abarcar  hum  bicho  taõ  pequeno^ 
Aterra,  ôco  Ceo,  como  outro Zodiaco^ 
1^  u  me  engano^eu  me  p£rco,eu  me  cõdeno^ 
Culpado  vou  per dídoj  cego,  &  fraco, 
N  acido  em  dor,em  prato, 6c  em  pcccado, 
Enellecm  mil  m líer ias  cntcr radia 

Queefpero  mais,  quenaômcdczengano. 
Com  tanta  inípiraçaõ^ tanta  doutrinar 
Que  vou  de  dia  em  dia,  de  anno  em  anno? 
A  cura  dilatando  a  cfta  alma  indigna  ? 
Ah  cruel  a  mim  mcímo,  &  deshumano., 
Quetáo  prezente,  ík  íanta  medicina,, 
Qual  fe  me  oflerecendo  eíla  tão  certa, 
l>yxo  depor  na  mortal  chaga  aberta  l 

A  viva  fonte  vejo  permanente^ 

Sempre  manancial,  nunca  efcorrida, 
De  que  manando  cftà  perpetuamente, 
Efem  ceíTar,  íaude,  &  luz  devida: 
Vejome  a  mim  mGrtal,c<  go,  &  doente. 
Chegar  não  quero  á  cura  oferecida  5 
Deyxome  ir  obíiinado  íempje,  &  duro, 
Traz  o  tempo  a  btber  no  lagoefcuro, 

5« 
A  Fortaleza,  que  cu  íonbando  via. 

Florente edificarle  em  tanto  terie, 

Téquc)>or  tempo  cm  fim  me  parecia, 

Cahir  por  terra,  &  nella  desfazeríe ; 

Donde  a  immortal  fenhora  fe  fahia, 

E  fem  para  onde  fofie  entaó  íaberfc. 

Era  o  meu  triíle,  &  frágil  corpo  humano, 

E  que  de  todo  náo  me  dczcogano  .^ 

59 
Ah  não  íejaaílijoaô,  não  dure  tanto, 

Minha  vida  no  grave,  &  mao  letargo, 

Qiie  efquccjdoda  eterna  com  eípanto 

A  percaj6créfim  morra  em  prato  amargo: 

Daquclla  íanta  fonte,  &  Rio  íanto, 

Sempre  alto,  copio ÍOj  doce,  &  largo, 

Là  quero  o  paó  goíUr,  61  agua  da  vida^ 

Para  que  fique  là  comigounida. 

60 

Por  ti  quero  viver  ò  paõ  divino» 

Que  das  a  vida,  8c  e*  vida  por  eíTencia ; 

Por  ti  com  tua  graça  eu  fraco  *s  índigo. 

Quero,  &  poíTo  íazer  ían  |>eniteocia : 

,     Ecem 


Rimas  do  Grande 
Erom  clhi  maíâ  limpd  át  contino 
Quero  amarte  &  goftâr  cõ  mais  frequêcía, 
A  ti,  que  es  amor  puro,  &  bem  í"u  premo, 
Portifufpiroeujà,  &  por  tigeií&o. 
61 
Inda  que  cu  mereCer  tanto  naó  pofla, 
Nem  por  mim,  ao  que  devo,  fatisfaça, 
Teu  puriíTimoamor  a  tudo  adoça, 
E  tua  mifericordía  a  tudo  abraça : 
||      Tu  queres  lemprc  a  convería^ão  nofla 
Amiga,feacuagraçanosdágtaça;       (de 
Se  o  rico^ou  pobre,  ou  ako,  ou  bayxo  pò- 
Chamarte,o  teu  poder  logo  lhe  acode. 

Tu  ufas  ró  Senhor  de  tal  piedade^ 
Só  o  remédio  nos  podes  dar  feguro, 
Tu  altiílimo  Deos  taata  humildade. 
Que  o  íetvo  comunicas  bayxo  efcuro : 
Tu  que  veftmdo  a  nofla  humanidade 
Np  ventre  virginal^  &  fangue  puro, 
Tu  que  por  nò«  na  Cruz  o  teu  derramas, 
E  te  dar  em  comer,  tanto  nos  amas. 

Em  tal  extremo  vendo  a  Fortaleza, 
Vigilante,  Sf  fohcita  accodia 
A  rodas  partes  a  immortal  princeza, 
Sempre  animando  a  toda  a  coftípia^nhia } 
Com  quanto  viaja  lua  defeiâ> 
Ser  taõ  fraca  deyxala  oaô  queria, 
Todo  o  remédio  ex quifito,  6c  raro, 
Bufca  emfiaífcu  pfoveytotememparo. 

Nefta  ultima  agonia  aiii  eftandor 
Adeícoufortadiírima  íenhora, 
Etí  cjtmbcni  criíle  aíTaz  via  fonhando^  - 
Disfof  me  hum  velho  feo  vir  de  foía : 
ÍSmtniKÍda  a  carne  os  olhos  fó  ttioílrando, 
De  corçomidorofto  os  olhos  fora, 
De  efpantoía,  6iferribcl  catadura, 

'     Fraca  a  v^oz^  mas  Toberba,  &  com  folturaf, 

O  qual  as  mãos  lan^çando  defcarn-adas, 
É  torpes  (obre  eíkcdificfaenl-ef  mo, 


Líãs  de  Camões^  é^ 

Deòlhe  hum  fheíonho  abà!o,&  alteradas. 
Tremendo  as  partes  nelle^fez  graõ  termo; 
Traz  iftocom  palavras  muy  pezadas, 
A  prmeeía  fallandodifle,  o  termo 
E^mal,  &  trifte,  a  tua  hora  he  chegada, 
Sáytejà  dá  caduca,  61  van  morada, 
66 

í ícdu  íobrefaltada,  &  temcrofa 

A  princela  com  voz  tam  grave,&horréda, 
Mas  ainda  aíli  Ihercfpondeochorofa, 
Efpcrame  algum  tempo  para  emmenda 
Mmha :  &  delta  morada  perigofa, 
E  o  prazo  final  mais  íe  meeítenda, 
Darey  ordem,  que  em  taó  trifte  partida, 
Naódeyxe  acaíatodadelboida. 

67 

Graô  tempo  haja  Ihereplicou  o  velho. 
Que  ncila  Torre  vives,  &  o  civefte. 
Para  tudo  ordenar  com  graõconíelho. 
Sabias  iíto  bem,  mal  o  fizefte  : 
Se  a  caía  tem  remédio  outrem  delho, 
Ea  ti  o  que  nellaeitandomerecelk  j 
Naõ  poílocfperar  mais,&  vemte  comigo, 

-    Mais  tenho  que  fazer,  que  aqui  contigo, 
68 

Iftodiffe,  SC  pegando  rijamente 

Outra  vez  com  mâo  dura,  &:  com  crueza, 
Cahiotoda  por  terra  fios  Imente, 
Com  grande  terremoto  a  Fortaleza, 
Cahío  com  el  la  morta  toda  a  gente, 
E  a  graõ  regente  delia,  &  alta  prince/à, 
Delaparecco  com  o  velho  a  efla  hora^ 
Sem  iáber  mais  ní-nguem  cerco  onde  fora, 
69 

Pois  feha  de  a  ver  defagradeci  mento. 
De  mercê  tal  à  mim ^  &  a  todos  feyta. 
Se  nifto  naó  fe  achar  merecimento, 
Dientío  em  minha  alma  íeja  íempreaceyta: 
E  fe  eudella  tiver  efquecimentOj 
Demim  íe  eíqueçaa  minha  mãodírcyta, 
Ea  lingoa  fe  me  apegue  na  garganta, 
Se  eu  naõ  louvar  &  amar  mercê  taõ  fanta: 


RIMAS 


70 


RI 


A  o 


DO    GRANDE       ^ 

luís  de  CAMÕES 

SEGUNDA  PARTE- 


C  A  N  Q   A  M     I. 

jiíí^Uí  decanta  o  V^oque  lhe  manda  o  grande 
amor  da.  Fcrmojura  defua  Senhora, 

MAndame  amor,  que  cante  doccmêtc, 
O  q  elle  já  em  minh'alma  té  impreíTo, 
Com  prefupofto  de  defabafarme, 
E  porque  com  meu  mal  íeja  contente, 
Diz,  que  ler  de  tam  lindos  olhos  prcíb,    f 
Contallo  bailaria  a  contentarme : 
Efteexcellentemodode  enganarmei 
Tomara  eu  iode  amor  por  intereííe, 
Senam  fe  arrepenCjeíTe 
Com  a  pena  o  engenho  efcurecendo : 
porém  a  mais  me  atrevo, 
Em  virtude  do  gefto,  de  que  efcrevo, 
E  fe  he  mais,o  que  canto,que  o  que  entendo, 
Invocojo  lindo  afpeyto, 
Que  pôde  mais,  que  amor,  cm  meu  defcyto. 

Sem  conhecer  amor  viver  íohia, 
Seu  arco,  &  feus  enganos  defprezando, 
Quando  vivendo  delles  me  mantinha ;  , 
Oíimorenganoío,  que  fingia 
Klil  vontades  alheas,  enganando^ 
Me  fazia  zombar  de  quem  o  tinha, 
1^0  touro  entrava  Febo,  &  Porgne  vinha, 
O  corno  de  Acheloo  Flora  entornava. 
Quando  o  amor  íoltava 
O  fios  de  ouro,  as  trançasencrcf padas, 
Ao  doce  vento  efquívas. 
Os  fios  rutilando  chamas  vivas/ 
E  as  roías  entre  a  neve  femeadas, 
Co  rifo  tam  galante, 


Que  hum  peyto  desfizera  dcdiamante^ 
Hum  nam  íey  que  íuave  refpirando, 

Caufava  hum  admirado,  &:  novoeípanto 

Que  as  ccuTas  iníenfivciso  íentiaõ: 

E  as  gárrulas  aves  levantando 

Vozes  defordenadas  em  íeu  canto,' 

Comonomeudefejo  íeencendiaõi 

As  fontes  crillalinas  nam  corriaõ. 

Inflamadas  da  linda  viíta  pura, 

Flocecia  a  verdura  , 

Que  andando,  cos  divinos  pés  tocara^ 

Os  ramos  fe  abaxayaõ. 

Ou  de  inveja  das  hervas,  que  pifavaõ. 

Ou  porque  tudo  ante  ella  fe  abayxava. 

Naó  houve coufa  em  fim. 

Que  naô  pafmaffe  delia,  5c  eu  de  mim. 
Porque  quando  vi  dar  entendimento 

As  coufas,  queonaõ  tinhaó^otcmoc 

Me  fez  cuydar,  que  effeyto  em  mi  fariâi 

Conheciroe  naõ  ter  conhecimento, 

E  niAo  fó  o  tive,  por  amor 

Mo  dcyxou,  porque  viíTc  o  que  podia; 

Tanta  vingança  amor  de  mi  queria. 

Que  mudava  a  humana  natureza, 

No«  montes,  &  a  dureza 

Delles  em  mi  por  troca  trafpaíTava  > 

Oh  que  gentil  partido, 

Trocar  o  íer  do  monte  fem  fentido^ 

Pello  que  num  juizo  humano  eftava: 

Olhay  quedoceengano, 

Tirar  comum  proveyto  de  meu  dano. 
Aííi  que  indo  perdendo  o  íentimento, 

A  parte  racional  me  cntriftecia  : 

Vclla  a  hum  apetite  loraetida, 

Mas 


Rimas  do  GrandeLuis  de  Camoei. 


Mas  dentro  na  alma  o  fim  do  penfamcmo. 
Por  taò  íublime  caufa  me  dizia. 
Que  er*  razaõ  íer  a  ra7aõ  vencida : 
A  meíma  perdição  a  reítaurava 
E  em  ir.anía  paz  eftava, 


Que  fcrapre  na  alma  me  cítara  pintado, 

Ncfta  florida  terra, 
Leda,  treíca,  &  ferena. 
Ledo,  &  contente  para  mi  viyia: 
Em  paz  com  minha  guerra, 


7« 


Cada  faum  com  Teu  ccfetrarionum  íugeyco  *     Concenrecom  a  pena. 


Oh  grande  concerto  efte! 

Quem  íera,  que  naó  julgue,  porceleíle, 

Acauía,  donde  vem  tamanho  cíFeyto, 

Que  faz  num  coração, 

Que  venha  o  apetite  a  íer  razaõ  » 
Aqui  fenti  de  amor  a  mòr  fineza, 

Comofoy  verícntir  oiníenfivel, 

E  o  ver  a  mi  de  nu  meímo  perder  me, 
j^  Em  fim  íenti  negarfe  a  natureza, 

Por  onde  cri,  que  tudo  era  poílivel, 
f  iVos  hndos  olhos»  feus,  fe  naõ  queierme, 

Deípois,  que  jà  íenti  dcsfallectrnie. 

Em  lugar  do  ícntido,  que  perdia, 

Isíaô  icy  quem  me  efcreyra, 

Dentro  n'atma  co  âs  letras  da  memoria, 

O  mais  deite  proceíTo, 

Co  claro  gefto  juntamente  impreflb. 

Que  ioy  a  caufa  de  tam  longa  hiftoria, 

be  bemadeclarey, 

Eu  naõ  a  clcrevo,  d'almaatrasladey, 
Cançam^  le  quem  te  ler, 

Islaó  crer  dos  olhos  lindos,  o  que  dizes, 

Pello  que  em  fi  íe  cíconde  : 

Os  leotidos  humanos  lhe  responde, 

Kaó  pòJcm  dos  divinos  ícr  juizes, 

Ss  naõ  de  hum  penfamento, 
Que  a  falta  lupra  a  fe  do  encendimento. 

C  A  N  C,  A  M     II. 


Qtie  de  tam  bellos  olhos  procedia, 

Hum  dia  no  outro  dia, 

Oeíperar  me  enganava. 

Longo  tt  rapo  palley, 

Com  a  vida  folguey, 

Só  porque  em  bem  tamanho  me  empregava: 

Masque  me  preftajà, 

Que  tam  fermofos  olhos  naõ  os  ha  ? 

Ohquemme  allidiíTera, 
Que  de  amor  tam  porfundo, 
O  fim  pudelTe  ver  inda  algum  hora  l 
Oh  quci/i  cuydar  pudera, 
Que  houvcíleabi  no  mundo, 
Apartar  me  eu  de  vós,  miiiha  fenhora. 
Para  que  deíde  agora, 
Perdcíle  asLÍperança, 
E  o  vaõ  penfamento, 
Desfeyto  em  hum  momento. 
Sem  me  poder  ficar  mais  <iue  a  lembrança 
Qiie  íempre  citara  firme 
Até  o  derradeyrodeípedirme. 

Mas  a  roòr  alegria^ 
Que  daqui  levar  poiio. 
Com  a  qual  de  fender  me  trifte  eípero, 
He,  quenunqua  fentia, 
No  tempo,  qoe  fuy  voi^o, 
Quererdefme  vòs,  quanto  vos  eu  quero,    f 
Porque  o  tormento  fero. 
De  voíío  apartamento. 


Naó  vos  dará  tal  pena, 
parece  fala  oT^em  a  auzencia  queelle  fez    Como  à  que  me  condena, 


deLoimbra  ficandolhe  nellajua  que^ 
rtda  òenhora, 

VAõ  as  ferenas  agoas, 
Do  Mondego  defccndo, 
Tam  manfamentc,  que  atè  o  mar  naõ  pàraÕ, 
Por  onde  minhas  magoas, 
Pouco  a  pouco  creícendo^ 
Para  nunqua  acabar  fe  começarão, 
Alli  fe  me  ajuntarão, 
Ncíle  lugar  ameno, 
Aonde  agora  mouro, 
Teíta  de  neve,  &  ouro. 
Rifo  brando,  &  fuave,  olhar  fereno. 
Hum  geft o  delicado, 


Que  mais  íencircy  voilo  fentimento» 

Queoquemmhaalma  fentt : 

Mouraeu,  fenhora, &  vò:.  ficay  contente^ 

Cançam,  tueftarás 
Aqui  acompanhado. 
Fites  campos  &eítas  claras  agoas» 

B  por  mi  ficarás. 

Chorando,  &  íuípirando, 

E  ao  mundo  rooUrandp  tantas  magoas^ 

Que  de  tam  larga  hiftoria, 

Minhas  lagrimas  fiquem  por  memoria* 


CAN: 


y§ 


C  A  N  C,  A  M     III. 


limas  do  Grande  Luís  de  Câmhs: 

Efe  pela  ventura, 


Fala  oT,  Nafaudofa  auzenfia  àehuaSe^ 

nhora,  que  bujcava^  &  /emj^re  delia  je 

achava  auzente, 

SE  eftemcu  penfamento 
Como  hedoce,&ruave, 
Da  alma  pudeíTe  vir  gritando  fora, 
Moftrandoíeu  tormento, 
Crucl^  aípero,  &  grave^ 
Diante  de  vósíó^  minha  fenhoraj 
Pudera  íer^  que  agora 
O  voíTo  pey  to  duro^ 
Tornara  manío,  &  brando, 
E  eu  que  fempre  ando 
FaíTaro  folitarioj  humilde,  obfcuro. 
Tornado  hum  Cifnc  puro^ 
Brando,  &  fonòro  peloar  voando, 
Com  canto  manifefto , 
Pintara  meu  tormento,  &  voíTo  gtfto, 

Pintáraos olhos  bellos. 
Que  trazem  nas  mininas 
Ominino,  que  os íeus  nelle cegou: 
E  os  dourados  cabellos, 
Em  tranças  de  ouro  fino5, 
A  quem  o  Sol  íeus  rayos  abayxou  : 
A  tefta,  que  ordenou 
Natura  tam  fermofa, 
O  bem  proporcionado 
Nariz  lindo^  afilado^ 
Que  cada  parte  tem  da  freíca  rofa/ 
A  boca  graciofa, 

Que  querella louvar  he  efcufado, 
Emfim  hehum  theíouro, 
Pérolas  dentes,  &  palavras  curo, 

Viraíeclaramente, 
O  dama  delicada, 

Que  em  vós  fe  címerou  mais  a  natureza^ 
B  eu  de  gente»  em  gente 
Trouxera  trasladada 
Em  meu  tormento  voíTa  gcntilczai 
Somente  a  afpereza 
Devoííacondiçaõj 
Senhora,  naò  diíTera, 
Porque  lenaó  foubcra 
Qiiecm  vòs  podia  haver  algum  fenaÕ  : 
E  fe  alguém  com  razaó, 
Porque  morres,  diíTeíTe^  refponderaj 
JMouro,  porque  he  tam  bella, 
(^einda  naõ  fou  para  morrer  por  clla.^ 


Daraa^  vos  offendefle 

Eícrcvendo  de  vòs,o  que  naõ  fcnto  ? 

E  voíTa  formol  ura 

Tanto  aterra defceflCj 

Que  a  alcançalTe  humilde  entendimentOi 

Seria  o  fundamento 

Daquillo,  quecantaflc^ 

Todo  de  puro  amor 

Porque  voíTo  louvor 

Em  figura  de  magoas  fe  moftraíTe  j 

Eondelejulgaííe 

A  caufa  pelo  cffeyto,  minha  dor 

Diria  allijfemmcdo, 

Quem  me  fentir  vera,  de  quem  procedo^ 

Entaóamoílrana, 
Os  olhos  íaudoíos, 

E  o  fufpirar,  que  traz  a  alma  coufigo): 
A  fingida  alegria, 
Os  paflos  vág  .rolos, 
O  failar,  &  eíquecerme  do  que  digo, 
Hum  pelejar  comigo ,  -  ^, 

Elogodifculparme 
Hum  recear  ouíando, 
Andar  meu  bem  bufcanc^, 
E  de  poder  achallo  acovardarmc^ 
Em  fim  avcriguarme, 
Que  o  fim  de  tudo  quanto  eftou  fallando^ 
Saõ  lagrimas,  &  amores, 
Sa6  voíTas  izençôes^  &  minhas  dores* 

Mas  quem  terá,  fen hora, 
Palavras,  com  que  iguale 
Com  voífa  fermoíura  minha  pena^ 
Que  em  doce  voz  de  fora 
Aquella  gloria  fallc. 
Que  dentro  na  minh'alma  amor  ordena, 
Naõ  pôde  tam  pequena 
Força  de  engenho  humano. 
Com  carga  tam  peíada, 
Senaóíor  ajudada, 

De  hú  piedofo  olhar,  de  hum  doccenganò; 
Que  fazendome  o  dano 
Taõ  deleytofo,  &  a  dor  taõ  moderada. 
Em  fim  íe  converteíTe 
Nos  goftos  dos  louvores,  que  efcreveíTe." 

Cançam,  naõ  digas  mais,  &  íe  teus  verfos 
A  a  pena  vem  pequenos, 
Naõ  queyráo  de  ti  mais,  que  dirás  menos. 


CAN- 


C  A  N  C,  A  M     IV. 

Toma  oT.apennãyOufeja  de  efcreverjouâe 

fenttr  o dtsfavor dal^ama que 

pertendia. 


TOmeyatriftepena, 
Jadedefefperado, 
De  vos  lembrar  as  muycas,que  padeço, 
Vendo,  que  me  condena 
A  ficar  cu  culpado, 

O  mal,  que  me  tratais,  &  o  que  eu  mereçOj 
Confeflo,  que  conheço, 
Que  em  parte  a  cauía  dey 
Ao  mal,  em  que  me  vejo. 
Pois  íempre  meu  defejo,  J, 

A  tara  largas  piomeíías  eutreguey : 
Mas  naó  tive  lufpeyta. 
Que  leguiíTeis  tençaó  tam  imperfeyta. 

Se  em  voíToefquecimento, 
Tam  condenado eítou. 
Como  os  Unais  demolirão,  que  moftrais, 
Vivo  nefte  tormento^ 
Lembranças  maisnaõ  dou. 
Que  as  que  de  efta  razaó  tomar  queyrais: 
Olhay  que  me  tratais, 
Aflidedia,emdia, 
Com  voflas  eíquivanças, 
EasvoíTas  eíperanças. 
De  que  vanmenteeu  já  me  enriquecia, 
Renovaõa  memoria, 
Pois  com  tella  de  vòs  íó  tenho  gloria. 

E  fe  ifto  conhecefleis 
Ser  a  verdade  pura. 
Mais  que  de  Arábia  o  ouro  reluzente, 
Inda  que  naó  quiíeííeis, 
A  condição  taõ  dura. 
Mudareis  noutra  muyto  differente  5 
E  eu  como  innocente^ 
Que  eítou  em  efte  caio, 
Ifto  em  as  mãos  pufera» 
De  quem  fentença,  dera,^ 
Que  ficafíe  o  direyto  jufto,  &  razo, 
Quando  naó  receara, 
Que  a  vòs  por  mi,  &  a  mi  por  vós  matara. 

Em  vosefcrita  vi 
Vofia  grande  dureza, 
E  na  alma  eícrita  eftá,  que  de  vós  vive  j 
Naõ  que  acabaíTc  alli 
Sua  grande  firmeza 
O  trille  defeogano,  que  entaó  tive  j 

11.  Part. 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões^ 

Porque  antes  que  a  dor  prive 

De  todo  meus  fentidos, 

Ao  grande  tormento 

Acode  o  entendimento. 

Com  dous  fortes  Toldados^  guarnecidos 

De  rica  pedraria. 

Que  ficaõíendo  minha  luz,  &guia. 

Deites  acompanhado, 
Eftou  pofto  fem  medo 
A  tudo,  o  que  o  faltai  deftino  ordene, 
Pòdeíec  quecaníado^ 
Ou  feja  tarde,  ou  cedo. 
Com  pena  de  penarme  me  defpenc? 
E  quando  me  condene 
(Que  ifto  he  que  mais  efpero) 
Inda  a  mayores  dores. 
Perdidos  os  temores^ 
Por  mais,  que  venha^naó  dírey  naó  quero: 
Com  tudo  eftou  taõ  forte, 
Que  nem  raudarme  pôde  a  meíma  morte, 

Cançam,  le  já  naõ  queres 
Ver  tanta  crueldade, 
Là  vay  onde  veras  minha  verdade. 


75 


C  A  N  C,  A  M     V. 

T>efcreve  oT,o  crepufculo  da  manhãal 

JA  a  roxa  manhãa  clara, 
Do  Oriente  as  portas  vinha  abrindo^       * 
Dos  montes  dcícubrindo 
A  negra  efcuridaó  da  luz  avara : 
O  Sol,  que  nunqua  para, 
De  íua  alegre  vifta  faudoío, 
TrasellapreíTuroío, 
Nos  cavallos  caníados  do  trabalho, 
QiJe  refpiraõ  nas  ervas  freíco  orvalho. 
Se  cftcnde  claro,  alegre,  &  luminoío: 
Os  paíTaros  voando. 

De  raminho,  era  raminho,  vão  faltando, 
E  com  fuavej  &  doce  melodia, 
O  claro  dia  eftaó  manifeftando. 

A  manhãa  bella^  &  amena. 
Seu  rofto  defcubrindo,  a  efpeíTura 
Se  cobre  de  verdura, 
Clara,  fuave,  angélica,  ferena; 
Ohdeleytofapena  ! 
Oh  eífeytode  amor,  altOj  &  potente  » 
Que  permite,  &  coníentCj 
Qiic  onde  quer,  que  me  ache,  &  onde  e/leja, 
Serapreo  bcrafím  veja. 
Por  quem  de  viver  trifte  fou  contente ; 

K  "     Mas 


IA' 

jVlastu  AurorgpufSi, 

De  tanto  bem  dágraças  â  ventura, 

Foisafoy  póreni  ti  taó  excellente, 

Que  repreícntes  tanta  fermofura^ 

A  luz  fuave,  &  leda, 
A  meus  olhos  me  moftra,  por  quem  mouro^ 
E  nos  cabeUosdeoufo, 
Naò  iguala  os  que  vi,  mas  arremeda  j 
Efta  he  a  luz,  que  arreda, 
A  negra elcuridâó  do  íentimento^ 
Ao  doce  peníamento : 
O  orvalho  das  flores  delicadas, 
Saõ  nos  meus  olhos  lagrimas  canfadas. 
Que  eu  choro  co  prazer  de  meu  tormento: 
Os  palTaros,  que  captaÕ, 
Meus  elpiritos  íaõ,  que  a  voz  levantaó, 
Manifeít?.ndo  o  gefto  peregrino, 
Com  taõ  divino  fom,  que  o  mundo erpâraó, 

Afii  como  acontece, 
A  quem  a  cara  vida  eftà  perdendo, 
Qiie  cm  quanto  vay  morrendo, 
Algúa  vilaõ  íanta  lhe  aparece  : 
i\  mi,  cm  quem  fallece 
A  vida,  que  fois  vòs^  minha  fcnhoraj 
A  eíla  alma,  que  eir»  vós  mora 
(Em  quanto  da  prifaó  íeeftà apartando} 
Vos  eílais  juntamente  sprefentando. 
Em  forma  da  fernicía,  òi  roxa  Auiora  > 
Oh  ditoía  partida  i 
Oh  gloria  foberana^  alta,  &  fuhida ! 
Se  mo  naô  impedir  o  meu  dcíejo, 
Torque  o  que  vejo  em  fim,  me  torna  a  vida, 

porém  a  natureza, 
Que  neíla  vifta  pura  íe  mantinha, 
Jvle  falta  taõ  ah  Ilha, 

Quaõ  alinha  o  Sol  falta  á  redondeza  ; 
Stí  ouvirdes,  que  he  fraqueza, 
Morrer  em  taõ  penoío,&  trifteeftàdo. 
Amor  (erà  culpado, 
Ou  vòs,oadeelle  vive  taõ  izento, 
Que  cauíaftes  taó  largo  apartamento. 
Porque  perdeíle  a  vida  co  cuydado  > 
Que  fe  viver  naó  poflo. 
Homem  formado  fou  de  carne^  &  oíío, 
Efta  vida,  que  perco»  amor  ma  deo. 
Que  naô  íou  meu^fe  morro,  o  dano  hc  vofTo;, 
Cançam  de  Cifne,  fe]f  ta  em  hora  eftrema, 
K a  dura  pedra  fria 
Da  memoria,  te  deyxo  em  companhia 
Do  letreyro  de  minha  fepultura, 
Que  a  fombra  efcura  jà  me  impede  o  dia. 


Blpias  do  Grande  Luís  di  CamÕesl 

C  A  N  C,  A  M 


VI. 


Comtempla  oT,em  hum  extaze  afermojííra 
4e  huma  l^ama^  quedezeja^ 

FErmofa,  &  gentil  dama,  quando  vejo 
A  tefta  d*ouro,  &  neve^  o  lindo  afpey  to, 
A  boca  gracioía,  o  rifo  honeítoi 
O  colo  de  criftaí,  o  branco  peyto, 
De  meu  naõ  quero  mais,  que  meu  defejo. 
Nem  mais  de  vós^  que  ver  tam  lindo  gello 
Allí  memanifeíto 

Por  vollba  Deos,fí  ao  miídoi  ailí  ra'ínflamo 
Nas  lagrimas,  que  choro, 
E  de  mi,  que  vos  amo, 
Em  ver^que  foube  amarvo<;,  me  namoro: 
E  fico  por  mi  fo  perdido  de  artf, 
Qiie  ey  ciumej  de  mi  por  vofTa  parte. 

Se  porventura  vivo  defconrente. 
Por  fraqueza  de  eípirito  padecendo 
A  doce  pena,  que  entender  naõ  íey  > 
Fujo  de  nii,  &  acolhcme  correndo 
A  voíla  vifta,  &  fico  taõ  contente, 
Que  zombo  dos  tormentos,  que  paíTey, 
De  quem  mequeyxarey^ 
Se  vós  me  dais  a  vida  defte  geyto. 
Nos  maleSj  que  padeço, 
Senaõdemcu  logeyto^ 
Que  nâõ  cabe  com  bem  detanto  preço  ? 
Mas  inda  iíTo  de  mi  cuydar  naõ  poíTo, 
Deeftar  muyto  foberbo  com  fer  voffo. 

Sc  por  algum  acerto  amor  vos  erra, 
por  parte  do  dcíejo  cometendo 
Algum  nefandoj  &  torpe  defatino  : 
Seainda  mais,  que  verem  fim  pretendo. 
Fraquezas  faó  do  corpo,  que  he  da  terra, 
Mas  naõ  do  pcnfamento,  que  hc  divino : 
Se  taõalto  imagino. 
Que  de  vifta  me  perco,  ou  pecco  niA^, 
Deículpame  o  que  vejo. 
Porque  fe  cm  fim  refifto^ 
Contra  taõ  atrevido,  &  vaó  defejo, 
Façome  forte  em  voífa  vifta  pura, 
E  armome  de  voíía  fermofura.. 

Das  delicadas  fobrancelhas  pretas 
Os  arcos,  com  que  tira,  amor  tomou, 
E  fez  a  linda  corda  dos  cabellos: 
E  porque  devòstudo  lhe  quadrou. 
Dos  rayos  defles  olhos  fez  as  fetas. 
Com  que  fere,  quem  alça  os  íeus  a  vcUos, 
Olhos,  que  faô  iam  bcUos, 

Daõ 


Rimas  do  Grande 
Dao  armas  de  ventagem  ao  amor^ 
Com  que  as  almas  deílruc  > 
Porém  fe  lie  grande  a  dori 
Com  a  alteza  do  mal  a  reftitue, 
E  as  armas,  com  que  mata  íaô  de  forccj 
Que  ainda  ihe  ficais  de  vendo  a  morte. 

LagrimaStÔc  íufpiros»  peníamencos» 
Quem  delles  fe  queyxari  fermoía  dama^ 
Mimoíoeftàdomal,  queporvos  ícnte: 
Que  mayorbem  defeja,  qutm  vos  ama. 
Que  eítar  deíabafando  f.us  tormentos, 
Chorando,  &  imagmando  docemente  P 
Quem  vive  defconcente, 
]SJaõ  hade  dar  alivio  a  ft.udergoílO| 
Porque  fe  lhe  agradeça  : 
Mas  com  alegre  rofto. 
Solta  feus  males,  para  qusos  mereça : 
Que  quem  do  malíequeyxa^  que  padece, 
Falio,  porque efta  gloria,  naô  conhece. 

V>c  modo,  que  le  cac  o  penfamento, 
Em  aigúa  fraqueza  de  contente, 
He  porque  elte  fegredo  n^õ  conheço  ; 
Alli  que  com  razões,  naõ  taõ  fòrncnte 
Defcuipo  ao  amor  de  meu  tor  nento, 
Mas  inda  a  culpa  fua  lhe  agradeço; 
For  efta  fé  mereço, 
Agraça,  que elFes  olhos  acompanha, 
O  bem  do  doce  riío  ; 
Ma^  porém  naó  fe  ganha. 
Com  hum  paraiío,  outro  paraifo> 
E  aíli  de  enleada  a  eíperança. 
Se  fatisfaz  co  bem,  que  naó  alcança. 

Se  com  razoes  efcuío  meu  remédio» 
Sabe  cançam,  que  he  porque  naó  vejo> 
EngiQO  com  palavras  o  defcjo. 


mico 


C  A  N  C,  A  M     VIL 

i^quife  lamenta  o  T^,  de&euganado  do  pi 
fruto j  que  tira  dos  feus  defvellos, 

AInftabilidadc  da  Fortuna, 
Os  enganos  fuaves  de  amor  cego, 
(Suaves  fe  duràraõ  longamente 
Direy,  por  dar  á  vida  algum  íoíTcgo  : 
Que  pois  a  grave  pena  me  importuna, 
Importune  meu  canto  a  toda  a  gente, 
E  fe  o  paífado  bem  co  mal  prefente, 
Mc  endurecer  a  voz  no  peyto  frio, 
O  grande  defvario, 
Dará  da  minha  pena  final  certo, 
Que  hum  erro  cm  tantos  erros  he  concerto : 
^    11.  Fart^ 


Luh  de  CamSesl 

E  pois  ncfta  verdade  me  confio 

(Se  verdade  íe  achar  no  mal»  que  digo} 

Sayba  o  mundo  de  amor  o  defconcerto. 

Que  jà  com  a  razão  íe  fez  amigo, 

Sò  por  naõ  deyxar  culpa  íem  caftigo, 

Jà  amor  fez  leys,  fem  ter  comigo  algúa^" 
Jà  fe  tornou  de  cego  arrazoado. 
Só  por  ufar  comigo  fem  razões^ 
Efe  em  alguacoufa  o  tenho  errado. 
Com  fifo  grande  dor  naó  vi  nenhúaj 
Nem  t^lle  deo  íem  erros  afFeyçôes, 
Mas  por  ular  de  luas  izençôes, 
Bufcou  fingidas  caufas  por  matarme,' 
Que  paraderrubarme 
Em  o  abiímo  infernal  de  meu  tormento,' 
Naó  foy  foberbo  nunca  o  penfamento. 
Nem  pertende  mais  alto  leyantarme 
Daquillo,  queelíequiz,  &  ícelleordenaj 
Que  eu  pague  íeu  oufado  atrevimento, 
S  y  ba^  que  o  mcfmo  amor,  que  me  coadena^ 
Mc  fez  cahirna  culpa,  &  mais  na  pena. 

Os  olhos,  quecuadoro^aquclledia^ 
Quí  defcèraõ  ao  bayxo  peníamenco^ 
N'almaosapofentey  fuavemente; 
E  pertendendo  mais^  como  avarento^ 
O  coração  lhe dey  por  iguana, 
Que  a  meu  mandado  tinlia  obediente; 
Forem  como  ante  fi  lhe  foy  prefente, 
Que  entenderão  o  fim  de  meu  deíejo,' 
Ou  por  outro  dcípejo. 
Que  a  lingoa  deícubrio  por  deívario. 
De  fede  morto eftou  poito  num  rio. 
Onde  de  meu  ferviço  o  fruyto'  vejo, 
Mií  logo  íe  alça^  fe  a  (.olhcllo  venho> 
E  fogemea  agoa,  fc  beber  porfio, 
Afli,  queem  fome,  &  íede  me  mantenho,' 
NaõtemTantaloapena^queeulollenho.' 

Dcfpois  q  aquella,cm  qué  minh*alma  viyç 
Quiz  alcançar  o  bayxo  atrevimento, 
Debayxodeílc  engano  a  alcanccy  : 
A  nuvem  do  contino  peníamentOi 
Ma  afigurou  nos  braços,  &  aíTi  tivc^ 
Sonhando,  o  que  acordado  defejcy, 
E  porque  a  meu  dcfejo  megabey. 
De  alcançêr  hum  bem  de  tanto  prcço^ 
Além  do  que  padeço. 
Atado  em  huma  roda  eftou  penando. 
Que  era  mil  mudanças  me  anda  rodeandoj^ 
Onde  fca  algum  bem  íubo,  logodeço> 
E  alU  ganho,  «Sc  perco  a  coníiança  : 
E  adi  de  mi  fugindo,  trás  mi  ando, 
E  aíTi  me  cem  atado  huma  vingança. 


S^  Rimas  doGrãnd€ 

omoixiami  tam  firme  na  mudança* 

Quando  a  vifta  fuave,  &  inhumana, 
Meu  humano  defejo  de  atrevido^ 
CometcOj  Icm  (aber,  o  que  fazía^ 
Que  de  íua  fermoíura  foy  nafcido. 
O  ccgo.moço,  que  coa  leta  infana^ 
O  peccado  vingou  defta  ouíadia : 
K  a  fora  efte  mal^  que  eu  merecia, 
Me  deo  outra  mancyra^cíormsnto, 
Que  nunca  o  penlamentOj 
Que  lempre  voa  de  huma  a  outra  parte^ 
Deftasentrarihastriiks  bem  íe  farte, 
Imaginando^  como  o  famulcnto. 
Que  come  mais,  &  a  fome  vay  crefcendo^ 
Forque  de  atormcntarme  naò  fe  aparte, 
Aíli  que  para  a  pena  eftou  vi  vendo  j 
Sou  outro  noyo  Ticio,  &  naõ  me  entendo. 

De  vontades  alheas^  que  cu  roubava, 
E  que  enganoíamente  recolhia. 
Em  meu  fingido  peyto  me  mai|finha 
De  maneyra  o  engano  lhe  fingia, 
Que  deípois  que  a  meu  mando  as  fugigava. 
Com  amor  as  matava,  que  eu  naõ  tinha, 
Porém  logoocaliigo,  que  convinha, 
O  vingativo  amor  mefczíentir, 
Fazendomefubir 

Ao  mante  de  afpereza,  que  em  vos  vejo, 
Co  pcíado  penedo  do  deíejo. 
Que  do  cume  do  bem  me  vay  cahir. 
Torno  a  íubiloao  deftjádoaííento. 
Torna  a  cahirme,  em  balde  em  fim  pelejo, 
bifitoí  naõ  te  efpantes  defte  alentOj 
Qiíe  as  coíias  o  íubido  fufrimenio, 

Dcfta  arte  o  fummo  bem  fe  me  offerecc 
Aofamint;o  defejo,  porque  finta* 
A  perda  de^erdello  mais  penoíã, 
Como  o  avaro,  a  quem  o  fonho  pinta, 
Achar  tbcíouro  gjTande,  onde  enriquece, 
E  tarta  fua  íede  cubii^ola  5 
E  acordando  com  funa  prefurofa, 
Vay  cavar  o  lugar,  onde  fonhava  : 
>lss  tudo,  o  que  buícava. 
Lhe  converte  em  carvaó  a  defvcntura, 
AUi  (ua  cobiça  mais  fe  apura, 
Por  lhe  faltar  aquillo,  que  efperava  j 
Defta  arte  amor  me  faz  perder  o  fifo, 
Porque  aquelles,  qoeeftaõ  na  noytecrcura^ 
Nwnqua  íentitaõ  tanto  o  trifte  abíío , 
Se  ignorarem  o  bem  do  paraifo. 

Cançam,naõ  m3is,que  |à  naõ  fey,  q  digOi 
Mas  porque  a  dor  me  íeja  menos  forte, 
JPigaopregaóa  cauía  deftamoitc. 


0-*. 


luuts  àe  Camêes, 

C  A  N  C,  A  M     VIII. 

Mais  que  àe  nenhuma  melhor  flor  fe  agrada, 
aqui  o  T,  de  humaformozura ,  que 
extíggera. 

N  Em  roxa  flor  de  Abril, 
Pintor  do  campoameno,6c  da  verdura 
Colhida  entre  outras  mil 
Foy  nunca  âílí  agradável  à  donzella 
Cortez,  alegre,  6í  bella. 
De  lua  máp  cuydado,&  gloria  pura,! 
Como  a  mffoy  a  inculta  fermoíura 
]Síatur:lj<Jiie  pudera 
A  Saturno  render  na  fua  esfera. 

Natural  fonte  agreAe, 
Naô  lavrada  de  artífice  cxcellentej; 
Nem  por  arte  cclefte 
Derivada  deruftico  penedo, 
Naó  fez  jà  mais  taò  ledo 
Cançado  caçador  por  féftaardenfci 
Quanto  o  cuydado  amime  faz  contente 
De  vertaó  defcuydado, 
Que  faz  íereno  a  j  u  pi  ter  irado'. 

Fruyta^  que  íem  concerto 
Naturalmente  em  ramos  íe  pendura^ 
Achada  por  acerto, 

A  quem  pintada  a  vè  de  íangue,  6c  Itrytej 
Naõ  Ihedaraodcleyte, 
Que  efía  graça  me dà  fem  compoíluraj. 
Ornamento  da  nticfma  fermoíura, 
E  o  toucado  íem  arte. 
Que  torna  rà  Paílor  ao  bravo  Marte, 

A  menhâa  gracíofa. 
Que  derramando  fae  dentre  os  cabellos 
A  Flor,  o  Lyrio,  a  Kofa, 
Sem  aj  udá  de  ornato,  ou  de  artificio^ 
Não  faz  obeneficiot 
Que  faz  a  luz  de  voíTos  olhos  bsUos 
A  quem  os  vé  taó  puros,  %í  fing-Uos, 
E  efle  innocente  rifo, 
Por  quem  A  pollo  o  Tejo  torna  Amphryfoj 

Outeyros  coroados 
Das  arvores^  que  fazem  a  eípcíTura 
Com  os  ramos  copados. 
Alegre,  que  mão  deftra  os  não  cultivaj 
Graça  taó  cxceíTiva 
Naô  tem  na  fua  natural  verdura,         ^ 
Qiianta  na  defines  olhos  clara,  &  pura 
Depofita  a  efperança. 

Com  q  Amor  gofto,  a  miy  tormento alcãç^» 

.Dos 


Rimas  io  Grande  Lms  de  Camôeíl  77 

Vemos,  que  o  próprio  Eícòpas  nSo  fizera ; 
Em  ti  CO  a  paz  interna 
Tem  o  íaoto  Prazer  morada  eterna. 

Os  jardins  da  famoía 
Babel  tâõ  nomeados. 
Por  maravilha  o  mundo  naõ  levante, 
Inda  quecom  gloriofa 
Voz,  queeftâó  pendurados 
Do  inltavclar  a  Fama  antiga  cante? 
Nem  haja  quem  íccípante 
Dus  famoíos  de  Alcino, 
Nem  as  mais  doutas  penas 
Cancem  os  de  Mecenas, 
CJulcor  de  codo engenho  peregrino, 
JMas  onde  quer  que  voe. 
De  ti  lo  Ulica  Fama,  &  te  pregoe. 

Que  fé  era  antigamente 
De  pomoidcourobcllos 
%    /¥talluz  (òCançam,queoufaílc  vclla)       Ojardim  das  Heípcridas  ornado, 

**''  ■'  '»      '  K  a  pelar  da  íerpente. 

Que  os  guardou  íb  colhcllo» 

Pode  ofamoío  Alcides  de  esforçado  5 

l'u  ntaisavantcjado, 

JVlollras a  huma  alma  caíl<l 

Seguir  o  que  dezeja, 

F  ugir  da  rorpc  inveja 

Encarece  oT,o  oineno ,  &  agradável  de  hum    [Fomos  de  ouro,  que  o  tempo  nâo  cõiraíla  1 


Dos  ílrrjples  paíTarinhos 
A  muíicaíem  arte  concertada, 
De  entre  os  verdes  raminhos 
Taó  íçíave  naó  he,  taó  dcleytoía» 
A  quem  na  felva  umbrofa 
Com  iíjente,ouvindoaeftà  toda  elevada, 
Qiianto  a  mim  ella falia  uoce  agrada, 
to  natural  avifo, 
Qtie  roubaó  a  Mercúrio  cetro,  &  fiío. 

De  frcícos  nos  agoa. 
Que  clara  entre  ar  voredos  fe  deriva» 
Camdodealta  fragoa, 
Efmaltando  de  pérolas  no  prado 
O  vtffde  delicado. 

Com  brando  foni  aos  olhos  fugitiva, 
NãO  nos  alegra  quanto  agraçaclquiva 
De  efla  luz  íoberana. 
Que  faz  corcez  a  ruílica  Diana. 

Aftal  luz  (ò  Cançam,queoufaílc  vclla) 
""Ven  jo  elhs  yx  pollrado 
l3aturno  criíte,  Júpiter  irado^ 
Bravo  Marte,  áureo  ApoUo,  Vcnus  bella, 
L  Mercúrio,  &  Dian^,  &  coda  EltrcUa. 

C  A  N    C,  A  M     IX. 


jioridoJêfruEimzo  tomar. 

OPonr^ar  venturoío. 
Onde  com  a  naturezi 
A  lubcil  artjtemdemanJiincerC* 
Qjciem  fitio  taó  fcraioío 
A  mayor  lubcileza 

De  ç.n^<ín''\o^  em  ti  nos  moílra  defcuberta ! 
N''^aha;n  jui/o  acerca 
Decepo,  6c  di enleva -Jo, 
Si  tem  em  ti  mais  pire  j 
A  lutureza,  ou  a  arte  ^ 
Se  terra,  ou  Geo  de  ci  tem  mais  cuydado. 
Poisam  feliz  terreno 
Gozas  de  hum  ar  mais  puro,  8c  mais  íereno, 

De  teu  fermofo  pefo 
Se  moílrj  o  monte  ledo, 
EocauJcloíoZ^zereteeílraoín, 
porque  olhas  com  defprefo 
Seucnllal  purD,  Si  quedo, 
Que  com  Pêra  os  teus  pès  rodea,  &  banha. 
Em  ti  pintura  ellranhí, 
A  que  Apelles  cedera^ 
tnigmas  intricados, 
k  nutcos  aoimad jsy 


fem  íim  c6  a  charidade, 

Vencer  o  l.íferno,  abrira  Cternídâdei 

For  tanto  da  ventura, 
Paratiiefervada, 

Te  dcyxa  o  Ceo  gozar  perpetuamente. 
Porque  lejâs  figura 
Da  gloria  avantcjada 
Ddie  meímo,  <k  que  cm  fi  fc  reprefenre; 
Forque  em  quanto  íuílcntc 
O  Ceo,  o  Mar,  &  a  Terra 
Seuifcytos  milagrofov 
Myílerios  mais  gloriofos^ 
Com  que  a  morte  das  almas  nos  deftcrra^     , 
For  onde  em  noíías  almas 
Cò  mais  pompas  triunfa,  &  cõ  mais  paliiias* 

Go^a  pois  longamente 
Teu  venturofo  Fado, 
Da  mãy  do  teu  Authorbem  poíTuido, 
Que  em  ti  íempre  contente 
Dt^leu  lublimeeihdo 
A  alma  dos  feus  alegra,  &  orCQtidc, 
Cada  qual  preterido 
Nas  grandes  qualidades 
Ao  lábio  Neftor  fcja. 
pMia  queoxnufldo  os  vej* 


Rhms  do  Grande  Luh  de  Camtesl 


Exceder  as  longuilllmas  idades^ 

E  com  a  longa  vida 

Seja  íua  memoria  ennobrecida» 

Cançaruj  pois  mais  famofa 
por  ti  naó  podem  íer 
Defte  monte  as  eílancias  deleytofas, 
Bem  pôde  faccedcr, 

Que  aquellc  que  os  teus  números  governa 
Por  querclias  cantar  te  faça  eterna. 

C  A  N  C,  A  M     X, 

Moflra  oT.  que  mais  lhe  enjinou  a  experien' 

cia  de  a}nar  que  nenhuma  Ftlojofia^  ou 

S  iene  ta  de  Athenas^ 

QUem  com  folido  intento 
Os  íegredos  bufcar  da  natureza> 
Quanto  de  Athenas  preza^ 
Entregue  ao  mar  irado,  ao  leve  vento  j 
Em  forjar  meu  tormento 
jNovaPhilolofia 

De  experiências  fcyta  Amormeenfina, 
Das  leys  do  antigo  tempo  bem  declina, 
Que  Amor^  &  a  natureza  em  mim  varia. 
Donde  eícolas  de  íabios  nunca  vio 
Em  natural  íogeytõ, 
Quanto  Amor  em  meu  pey  to  deícobrio.' 

As^aves  no  ar  fereno, 
O  gado  de  Prothco  nas  agoas  pace, 
Vive  o  homem, &  nace 
1^  efíe  mundo^  qual  mundo  mais  pequeno  j 
Eu  tudo  defordeno 
Em  todos  dividido. 
Na  boca  o  ar,  na  terra  o  entendimento  * 
Dame  clTe  Amor,dameeftaopenrâmento, 
O  coração  no  fogo  he  confumido  ; 
JMas  a  agoa,  que  dos  olhos  lempre  defce 
Tem  effey  to  taô  vario. 


Em  vaõ  fe  confidera 
Que  hum  íemelhanteaoutro  bufca^  &  ama^ 
Equefoge,&defama 
Todo  me  rtal  a  morte  efquiva^  &  feraj, 
Seja  huma  linda  fera  , 

Que  cfconde  em  vifta  humana 
Coração  de  diamante ,  &  pey  to  de  açoí 
De  meu  Tangue  faminta^&fatisfaço 
Com  cruel  morte  a  lededeshumana: 
Afli  que  fendo  em  tudo  differentc 
Corro  apoz  minha  forte, 
E  íe  me  entrego  á  morte  eftou  contente^ 

Cae  em  mayor  dtífeyto 
Quem  cuyda  íer  íciencia  clara,  Sccerta^k 
Que  a  cauía  deícuberta 
Sempre  produz  afTi  conforme  o  efíeyto  ^ 
Rtndeomc  hum  lindo  objeito, 
Qiie  fendo  neve  pura 
Vivo  me  abraía^  &  o  fogo  interno  avjva  | 
Que  efta  fermola  fera  fugitiva. 
Com  fer  neve  de  fogo  le  aflegura : 
Donde  infiro  porcerto(&ccfleafamâ 
Vâa,mentiroía,&  leye) 
Que  não  desfaz  a  neve  ardente  chatna^ 

Bem  no  effey  to  /c  fente 
Ceifar,  ceifando  a  cauía  donde  pende  j 
Que  o  fogo  mais  fe  acende^  * 

Eftando  à  yiíía  donde  mai$  auícntei 
Mas  na  alma  vivamente 
A  trazem  dibuxada, 
De  noyte  Amor  de  dia  o  penfamêtoj 
E  quando  Apollodeyxaoclaroaífento, 
Por  entre  fombras  vejo  a  Nimpha  amada* 
Poisrefem  luz  Amor  os  olhos  ceva. 
Cego,  fe  naõ  concede,  ^ 

Que  em  nada  Amor  impede  a efcuratreya, 

Erra  quem  atrevido 
Pregoa  fcr  mayor  que  aparte  o  todo  ; 

Amor  me  tem  de  modo, 


Que  cm  hum  humor  contrario©  fogocrefcc.    Que  eftou  numa  alma  minha  convertido  \ 


Da  vifta  Amor  íohia 
Abrir  ao  cora^aó  fcgura  enixada  5 
Ley  he  jà  profanada. 
Que  quando  a  l  uz  de  huns  olhos  me  feria, 
Aroarôdo  o  que  naõ  via. 
Qual  de  efcopeta  o  lume, 
Primeyro  o  querer  vi,  que  a  cauía  viíTe^ 
Quem  o  defejocom  a  efperança  uniífe 


Derta  gloria  ha  nacido 
O  temor  de  perdei  la, 
E  poftoque  o  rcceoa  muytos  finge 
Lana  imaginação  Chy mera,  &  Esfinge^ 
De  mal  futuro,  que  urde  imiga  eítrtUa, 
Vejo  em  mim,  por  incógnito  fcgfcdo. 
Quando  eftou  mais  contente. 
Que  íó  do  bem  preíente  nafce  o  medo,    , 
Temíc  por  manifefto 


Cego  iria  apoz  ccgo^  &  vilcoftume. 

Que  eu  defta  alma  das  ley  es  do  mundo  izcto,  Parecer  fe  ao  fogeyto  o  accidentc^ 

]V]orta  a  efperança  vejo,  Mas  inda  em  mim  fe  fente 

Uode  íèmpre  o  deíejo  íc  fuftentag  O  peníamcnto,  a  cor,  o  riío,  o  gefto; 


Da 


Rimas  ào  GundeLuis  de  Camoesl  79 

De  eíTe  cândido  pé,  que  a  neve  efpanta 
Pôde  íer  que  na  flor  mudado  fora, 
Que  deu  a  luno  irada  a  linda  Flora  : 

Mas  onde  te  acolheAc(ó  doce  vida) 
Mais  leve,  &  prefuroía. 
Do  que  na  íelva  umbrofa, 
Cerva  de  aguda  fetta  vay  ferida  ? 
Se  para  tal  partida 
Meus  olhos  vos  abriftes, 
Cerraravoso  fomno  eternamentei 
Antes  que  vervos  triftcs, 
Perdendo  taó  íuave,  &  doce  engano  i 
Agora,  cora  meu  dano, 
t^qm  defcreve  o  T.  a f ermo/ura  de  húa  jD4-    Vedes,  para  mòr  magoa, claramente, 
ma  naô  vtjia /enaõem/onhos,  Neíle  bem  fugitivo^  &  fomno  leve, 

Qiie  mal  naõ  ha  mais  logo,  q  hú  bé  breve? 

QUeheiílo?fonho?ouvejo  a  Ninfa  pu-         DitoíoEndimião,  qus  a  Deofa  cara, 
Que  fempre  na  alma  vejo !  (ra,     Que  a  noyte  vay  guiando, 

Ou  mcpmtao  defcjo  Teve  em  braços  lonhando? 

Ubem,queem  vão  cada  hora  me  aífegura?       Ah,  quem  de  fonho  tal  nunca  acordara  t 
Mal  pôde  a  noyte  efcura  Tu  íó,  Aurora  avara. 

Amando  a  fombra  fria,  Quando  os  olhos  ferifte, 

Mandarnaecmfonho  aluzfcri3oofa,&bella.    Me  mataíte,  cruel,  de  inveja  pura; 


Da  vida  jà  perdido 

Nefte  tormento  meu  faõ  duro,  &  crquiva» 

E  íendo  morto  já  vive  o  íentído, 

Porque  fente  que  na  alma  delpedida, 

Pode  em  meu  mal  unirfe 

O  ficar,  6c  o  partirfe,  a  morte,  &  a  vida. 

Deitas  razões^  cançam,  infiro^  &  creo^ 
Que  ou  fe  mudou  em  tudo  a  forma  uíada 
Da  natural  firmeza. 
Ou  cenho  a  natureza  em  mi  mudada. 

C  A  N  C,   A  M     XI. 


Que  fcnaõ  torne  em  dia 

De  feus  luzentes  rayos  inflamada. 

O  viftadeíejada 

Degracioía  Nimpha,  &  vivaeftrella! 

Que  ha  tanto  que  por  efte  mar  navegOj 

(Sem  ver  meu  claro  Polo_)  efcuro,  &  cego. 

Nefles  fermoíos  olhos  de  enlevado 
Minha  alma  Iccfcondeo, 
Quando  ordenava  o  Ceo, 
Qu:  viveíTe  comigo  deílerrado. 
V  òs  a  mais  certa  eílrada 
De  ver  a  Summa  Alteza, 
Do  eíFey  to  a  cauía  abris  a  efta  alma  minha, 
Aíli  mortal  belleza 
Sò delia  naíce,&  delia íerefume, 
Aíliceleftclume 

Là  dos  Ceosle  deriva, &  là  caminha, 
Pots  Como  a  Deos  unirme  a  viíta  polía, 
porque  a  negaes,  meu  Sol,  a  etta  alma  voíTa     J^*'  Cercadas  de  fy Iveltres  arvoredos, 

Sc  me  quereis  prender  a  parte  a  parte  Retumbando  por  afperos  penedos, 

Cabel lo  ondado,  &  louro,  Correm  pcrenncs  agoas  dcley toías : 

Teceyraearedcde  ouro,  Na  nbeyra  de  Buina,afli  chamada. 

Em  que  prédeo  Vulcano  a  Cy  pria,&  Marte,    Celebrada, 
Dei  que  com  gentil  arte  Porque  em  prados 

Veftis  de  flores  bellas  Efmalrados 

A  terra,  em  que  tocaes  com  abella  planta,       Com  frefcura 
Quantas  vezes  com  vellas,  De  verdura, 

Quiz  numas  deíTas  flores  rtanformarme?         AíTifemoítia  amena,aíngracíoraí 
Porque  vendo  pifarme  Que  excede  a  qualquer  outra  mais  fermofí  J 


Mas  fe  defta  alma  tníle 

A  negra  cfcuridaõ  vencer  quizeíle^ 

Sabe,  que  em  vão  nalctft^e. 

Que  para  deífazcríea  névoa  efcura 

De  meus  olhos,  importa  eftar  preíeote 

Outro  Sol,  outra  Aurora,  outro  Oriente. 

Se  a  luz  de  meu  Planeta 
Naõ  meaviva,Cançamj branda,  &  quietij 
Qual  flordechuva  cm  breve  coníumida 
Vcràs  desfeyta  em  lagrimas  a  vida. 

C   A   N  C,   A    M      XII. 

Louva  o  ^.  a  frefcura  de  huma  Ribeyra  que 

corre ^entre  os  rochedos  de  Buhia,  que  laã^ 

f abemos  aonde  he, 

"P)  Or  meyo  de  humas ferras  muy  fragoías. 


§ô  Rhnas  do  Grande 

As  correntes  fe  veni)  queaceleradas. 
As  aves  regalando,  &  as  boninas. 
Se  vaó  a€ntrarnas  agoas  Neptuninas, 
Por  diverías  ribeyras  derivadas  : 
Com  mil  brancas  conchinhas  a  áurea  arca. 
Bem  íe  arrca, 
VoaóâveSv 
Mil  íuayes 
Palia  ri  nh  os 
Nos  raminhos 

Acordememente  eílão  fempre  cantando 
Com  doce  accento  os  ares  abrandando. 

O  doce  Royxinol  num  ramo  canta, 
E  do  outro  o  Pintaíirgo  lhe  reípondc, 
A  Perdiz^  de  entre  a  mata,  em  q  íe  eíconde, 
O  caçador  íentindo,fe  levanta : 
Voando  vay  ligeyra  mais  que  o  vento, 
Outro  aíTenco 
Vay  bufcandoj 
Porém  quando 
Vay  tugindo 
Retinmdo, 

Trás  ella  mais  veloz  a  íetta  corre. 
De  que  ferida  logo  cae,  &  morre. 

Aqui  Frognc  de  hú  ramo  em  outro  ramo, 
Comopeyto  eufanguentado  ^ndavoandoí 
Cibato  para  o  ninho  anda  buícando, 
A  leda  Codorniz  vem  ao  reclamo 
Do  (agaz  caçador»  que  a  rede  eílendej 
E  pretende 
Coo)  engano 
Fazer  dano 

Aa coytada,  a-:i  ^.2  £i'pií5-^  - 

Que  enganada  . 

Pe  huns  efparzidos  grãos  do  louro  trigo, 
Nas  mãos  vay  a  cair  de  feu  imigo. 

Aqui  íoa  a  Calhandra  na  parreyra, 
A  Rola  geme,  paira  o  Eltorninho, 
Sae  a  cândida  Pomba  de  íeu  ninho, 
OTordopouíaemcimadaoliyeyra: 
Vaõ  as  doces  a  belhas  íuíTurrando, 
E apanhando 
O  rocio 
Freíco,  &  frio. 
Por  o  prado 
De  erva  ornado, 

Com  que  o  bravo  licor  fazem,  que  deu 
A  a  humana  gentca  induftria  de  Arifteu, 

Aqui  as  uvas  luzidas  penduradas 
Das  pampinoías  vides  refplandecem. 
As  ffodifcras  arvores  leofrecemi 
Com  diffcrcnces  fruyios  carregadas : 


ZjuU  ãe  Câmôif, 

Os  pey  xes  na  agoa  clara  andáo  faltando^ 
Levantando 
As  pedrinhas, 
E  as  conchinhas 
Rubicundas, 
Queasjocundas 

Ondas  configo  trazem,  crepitando 
Porá  praya  alva  com  ruido  brando. 

Aqui  por  entre  as  íelvas  íelevantaó 
Animaes  calidonios,  &  os  Veados 
Na  fugida  ioda  malaílegurados. 
Porque  do  fom  dos  próprios  pès  íc  efpantaõ: 
Sae  o  Coelho^a  Lebre  íac  manhoía. 
Da  frondofa 
Breve  mata. 
Donde  a  cata 
Caõ  lígcyro, 
iMas  primeyro. 

Que  ella  ao  contrario  fervido  íe  entregue, 
A  vezes  deyxa  em  branco  a  quem  a  fegue. 

Luzem  as  brancas^  &  purpúreas  flores. 
Com  que  o  brando  Favonio  aterra  cfmalca, 
Ofcrmofo  lazintoalli  naõ  falta, 
Lembrado  dos  antigos  ícus  amores : 
Inda  na  flor  íc  moftraó  eículpidos 
Os  gemidos. 
Aqui  Flora 
Sempre  mora, 
Ecom  Roías 
Mais  fermofas^ 

Com  lirios,  &  boninas  mil  fragrantes 
Alegra  os  íeus  amores  inconílantes. 

Aqui  Narciío  em  liquido  criftal 
Se  namora  de  fua  fermolura, 
Nelle  os  pendentes  ramos  da  efpeíTura^ 
Dibuxandofecítaõao  natural, 
Adónis,  com  que  a  linda  Cy  therea 
Sc  rccrea. 
Bem  florido. 
Convertido 
Na  bonina. 
Que  Ericína 

Por  imagem  deyxou  de  qual  feria 
Aquelle,  por  quem  cila  fe  perdia^ 

Lugar  alegre,  freíco,  acomodado. 
Para  fedeleytar  qualquer  amante, 
A  quem  com  fua  ponta  penetrante 
O  cego  Amor  tivefle derribado : 
£  para  memorar  ao  íom  das  agoas 
Suas  magoas 
A  moroías, 
As  chey  roías 

Fio- 


1 


Rimai  do  Grande 
Flores  vendo, 
Eícolhendo, 

Fará  fazer  preciofas  mil  capellas, 
E  dar  por  graó  penhor  a  NymphasbellacI 
Eudtll  'i)por  penhor  de  rneiis  araores, 
Huma  capella  a  a  mioha  Dcofa  dava: 
Que  lhe  queria  bem,  bera  lhe  moftrava 
u  bem  me  queres  entre  tantas  flores : 
Porè'!!  como  íc  tora  mal  me  queres, 
Os  podtrcs  K 

Da  crueldade 
14 a  beldade 
Bem  moftrou  ; 

Derprezou  )fiin«Ê» 

A  dadiva  de  florcs;  oaõ  por  minha, 
Mas  porque  muytas  mais  ellaem  fitinha. 

C  A  N  C,  A  M     XIII. 

Conta  o  T.  em  Goa  as  defgra^  as  que  Ihefnc* 
cederão  na  /h'ahta  Feliz  Jecca^  à-iiubi' 
ta  vel  vindo  do  mar  Roxo, 

I  Unto  de  hum  feco^duro,  efteril  monte, 
Inútil,  &  dcípido,  calvo,  &  informe^ 
Da  natureza  em  tudo  aborrecido  j 
Onde  nem  ave  voa,  ou  fera  dorme, 
Kcm  correclaro  rio,  ou  ferve  fome, 
Nem  verde  ramo  faz  doce  ruídoj 
Cujo  nome,do  vulgo  introduzido, 
He  feliz,por  antiphrafi  infelice  •, 
O  qual  a  natureza 
Situou  junto  a  a  parte 
Adondc  hum  braço  de  alro  mar  reparte 
A  Abadiada  Arábica afpereza, 
Em  q fundada  jàfoy  Berenice, 
Ficando  a  a  parte  donde 
O  Sol,  que  nclla  ferve,  felhe  cfconde.' 

O  cabo  íe  dcícobre,  com  que  a  cofta 
Africana»  que  do  Aufiro  vem  correndo, 
LimittifáZi  Aromata  chamado  : 
Aromata  outro  tempo,  que  volvendo 
A  rodada  ruía  língua  malcompoíla 
Dos  próprios, outro  nome  lhe  tem  dado. 
Aqui,  no  mar,  que  quer  aprefurado 
Entrar  por  a  garganta  dcfte  braço. 
Me  troidxe  hum  ctmpo,&  teve. 
Minha  iera  ventur.i. 
Aqui  neíia  remota,  afpcrajSc  dura 
Parte  do  mundo,  quizqueavida  breve 
Também  de  fi  dey xaile  hum  breve  elpaço; 
porque  íicafTe  a  vida 

11,  f  art. 


Luís  de  Camoesl  g-f 

Poro  mundo  em  pedaços  repartida. 

Aqui  me achey  gaitando  huns  tnílcsdiaj, 
Triftcs,  forçados,  maos^  &  íolitanos. 
De  trabalho^  de  dor,  &  de  ira  cheos  ; 
Nm  tendo,naó,lòmente  por  contrários 
A  vida, o  Sol  ardente^  as  a^oas  frias. 
Os  ares  groílos,  fervidos,  &  feos. 
Mas  osm^us  peníament'.s,queíaõmeyos 
Para  enganar  a  propila  n.  tureza. 
Também  vi  contra  ni:j 
Trazendpmc  3  memor  ia 
Algun.a  jàpaíTada,  &c  brevegloria 
Queeujà  nomunclo  vi  quando  vívij 
Porme  dobrar  dos  males  a  afperczaj  í3 

Por  moftrarme  que  havia 
No  mundo  muytas  horas  de  alegria. 

Aqui eftive  eu  com  eft  s  penfamenfos 
Gaftãdo  tempOi  &  vidajos  quaes  taò  alto^ 
Me  fubiaõ  nas  azas,  que  cahía 
(O, vede  íe  feria  leve  o  falto  \^ 
De  fonhados,  &  YáosconceDtamenitoSr. 
Em  defefperaçaõ  de  ver  hum  dia, 
O  fmaginar,aqui  fe  convertia  i." 

E  em  provifos  choros,  &  em  fufpiros  - 

Qiie  rompiaõ  os  ares. 
Aqui  a  alma  cativa 
Chagada  toda  eftava  em  carne  viva. 
De  dores  rodeada^  &  de  pefaresj 
Delamparada^  &  deícubcrta  aos  tiros 
Da  foberba  Fortuna } 
Soberba^  inexorável,  &  importunar 

Nam  tinha  parte  donde  íe  deytníTe, 
Nemefperança  alguma,  onde  a  cabíça       - 
Hum  pouco  rcclinaíTe, por  defcanlo  : 
Tudodor  Ihcera^&csuía  que  padeça, 
Masque  pereça  naó;  porque  paíTafie 
O  que  quiz  o  deftino  nunca  manío. 
O!  que  eftc  irado  mar  gemendo  amanfoj 
Efles  ventos  da  voz  inípoi  tunados 
Parece  que  feenfrcaõ: 
Somente  o  Ceo  levero, 
As  eftrellas,  &  o  Fado  fempre  fero. 
Com  meu  perpetuo  dano  fe  lecreaô: 
Moftrandofe  potentes,  &  indignados 
Contra  hum  corpo  terreno. 
Bicho  da  terra  vil,  &  tam  peqi  cno. 

Se  de  tantos  trabalhos  (ó  tiraíTe 
Saber  inda  por  certo  que  algum  hora 
Lembrava  a  huns  claros  oihos  quejà  vij  ^ 
Efe  cila  triíle  voz  rompendo  fora,  / 

Asorelhai,  angélicas  tocaíle  ^ 

De  aquclla  cm  cuja  virta  jà  vivij 


fi  Rimas  (Í9  Grande  Lms  dé  CimSésl 

A  qual  tdrn^tfo  hum  pouco  íobre  íi,  Aonde  o  duro  Inverno 

Revolvendo  na  mence  prcfuroía 


ií  Í31B 


O»  tempos  já  paflados 

De  meus  doces  errores, 

De  meus  íuavcs  males,  &  furores, 

Por  ella  padecidos^  &  bufcados  j* 

E  [pofto  que  jà  carde j  piedofa, 

Hu  pouco  Ihf  peraíTc, 

Elà  entre  fi  por  duratejulgaíTe. 

lílo  fó  que  foubeíTc  me  feria 
Defcanío  para  a  vida  que  me  fica  j 
Com  ião  afagaria  o  fofri mento. 
Ahjfenhora  i  Ahíenhora  !  &  que  famrica 
Eftais,  que  cà  tam  longe  de  alegria 
A^Iefultentaiscum  doce  fingimento  í 
Logo  que  vos  figura  o  penfamento, 
Foge  todo  o  trabalho,  &  coda  a  pena. 
Só  com  voíTas  lembranças 
Me  acho  fegaro,&:  forte  ú  3i^\ 

Contra  o  roíto  feroz  da  fera  morte ;          ' 
E  logo  íe  m  e  juntaõ  efperanças 
Com  queafrontejtornada  maisferena. 
Torna  os  tormentos  graves 
Em  faudades  brandas^  &  íuaves. 

Aqui  com  ellas  fico  perguntando 
Aos  ventos  amorofos,  que  refpiraó 
Da  parte  donde  eftais,  por  vòs,íenhora: 
A  as  aves  que  alli  voaó,  fe  vos  viraõ, 
Que  fazieis,&  que eftaveis  praticando; 


Onde,  como,  cõ  quem,  que  dia,  &  qu*hoí:a.     A  minha  confiança, 


Os  campos  reverdece  alegremente. 

ALufitana  gente 

Pof  arrrias  fanguinofas 

Tem  dellaofenhorio. 

Cercada  eftà  de  bum  rio 

De  marítimas agoasíaudofas. 

Das  ervas  que  aqui  nafcem, 

Os  gados  juatamence,&  os  olhos  paícen?» 
Aqui  minha  ventura 

Quiz  que  huma  grande  parte 

Da  vida  que  naõ  tinha  íe  paflaíTcj 

Para  que  a  fepultura  .   . 

Nas  mãos  do  fero  Marte 

De  fangue,  &  de  lembranças  matizafle, 

Sc  amor  decerminaífe  jpiOQ  .   l 

Que  a  troco  dcfta  vida, 

De  mi  qualquer  memoria 

FicaíTeiComo  hiftoria, 

Que  de  huns  fermofos  olhos  folíe  lida, 

A  vida,  &  alegria. 

Por  tara  doce  memoria  trocaria. 

Mas  efte  fingimento. 
Por  minha  dura  forte^ 
Com  falias  efperanças  me  convida. 
Nam  cuyde  o  penfamento 
Que  pôde  achar  na  morte,o?  ,íy£  m: 
O  que  naópodeachar  tara  longa  vida, 
Eftàjà  tam  perdida 


Alli  a  vida  canfada  íe  melhora, 

Toma  efpiritos  novos,  com  que  vença 

A  Fortuna,  &  trabalho, 

Sò  por  tornar  a  vervos, 

Sò  por  ir  a  fervir  vos^  &  quercrvos: 

Dizmeo  tempo  que  a  tudo  dará  talho: 

Mas  o  deíejo  ardente,  que  detença 

Nunqaa  íofi:eo,fem  tento 

Me  abre  as  chagas  de  novo  ao  fofrimento. 

Afil  vivoj  &  íe  alguém  te  preguntaíTei 
Cançam,  porque  naõ  mouroj 
Podesl he rcíponder  j q ue  porque  mouro. 

C  A  N  C,  A  M     XIV. 


Que  de  defeíperado. 
Em  ver  meu  triítc  eít^ído. 
Também  da  morte  perco  a  efperaoça. 
Mas  ó,  que  fe  algum  dia 
Defefperar  pudeíTe,  viviria! 

De  quanto  tenho  vifto, 
Jâ  agora  naõ  me  efpanco, 
Que  até  defcíperar  fe  me  defende. 
Oucrem  foycaufa  diílo, 
Pois  eu  nunca  fuy  tanto 
Qi-iecaulaífeeíle  fogo  que  meencendc, 
Sccuydaõque  meoíftfndc 
Temor  deefquecimento, 
Oxalá  meu  perigo 


Me  fora  taÕ,  amigo 
E?n  Goa/ente  oT.a  aufencia,  ^  e/quiveza    Que  algum  temor  deyxâra  ao  penfamento 


V.^ 


da  fita  queriíia, 

Om  força  defu fada 
^  Aquenta  o  fogo  eterno 


Húa  Ilha  lanas  partes  do  Onente^ 
De  eftranhos  bííbiCâda, 


:» »l  H 


fi'** 


Quem  vio  tamanho  enleo? 

Qtie  houveííe  ahi  eíperáça  fem  receo  í 

Quem  temque  perder  poífa 
Se  pode  recear. 

MíTS  triíle  quem  naõ  pôde  jà  perder ! 
Senhora^  a  culpa  he  voíla, 


Que 


Rimas  do  Grandt^W^iCmhs: 

Qi^e  paramemafar^ 

Lallàra  hum,  hora  íó  de  vos  naõ  ver. 

roltltemc  em  poder 

Derallaselpcráças, 


il 


C  A  N    Q  A  M     XV. 


•et..     .-,-._,_, 
K  do  que  mais  ene  eípanto, 
Qiie  nunqua  valli  tanco, 
CnÍuc  vilTe  tanto  bem  comoefquivança«; 
Vaha  tam  pequena, 
.N<  m  pode  merecer  tam  doce  pena, 

Oaveíeamor  comigo 
Tam  bíando,  &  poucoirado^ 
Qna mo  agora  tm  meus  males  fe  conhece^ 
Qiie  naõ  ha  mòrcaftigo, 
pira  quem  tem  errado, 
Que  nega i lhe  oca lligOj  que  merece, 
E  bem  como  acontece, 
Que  a  (Tl  como  ao  doente. 
Da  cura  defpedido, 
O  medico  labido, 
Tudo  quanto  deíeja  lhe  confentc  j 
Aíli  nieconfentia, 
Elpcrança,  defejo,  &  oufadia. 

E  agora  venho  a  dar 
Conta  do  bem  paíTado, 
A  eita  trifte  vida,  &  longa  aufencias 
Qucm  pòie  imaginar, 
Que  houveíTe  em  mi  pcccado. 
Que  mereça  taõ  grave  penitencia? 
Olhay,  queheconfciencia, 
Por  hum  taiii  pequcnoerro, 
Scfíhora,  tanta  pena  •• 
Naõ  vedes,  que  he  onzena? 
NJas  ie  tam  longo,  &  miíerodeílerro, 
Vos  dàcontentamcnto, 
Nunqua  me  acabe  neile  meu  tortuentOt 

Rio  fer mofo, &  claro, 
Evò>òíirvoredcs, 
Que  os  julto  vencedores  coroais, 
Eao  cultor  avaro, 
Conunuamehte  ledos. 
De  hum  tronco  ró  divcrfos  frutos  dias.' 

AíTi  nunqua  fintais, 
Do  (empo  injuria  alguma, 
Qiic  cm  vòs  achem  abrigo 
As  magoas,  que  aqui  digo, 
Em  quanto  dèr  o  Sol  virtude  à  Luij 
Porque  de  gente,  em  gente, 
Sayiaõ,  que  jà  n^ó  mata  a  vida  aufcntc. 
Cançaaí,neltedelkrroviviràs 

Voz  núa,  &  deícuberta, 

Atè  que  o  tempo  cm  ceco  te  converta. 

U;ParE, 


^efire-ve  o  T.  as  qneyxas  de/ua  adverfa  for^ 
twiAentrcganáoas  aojeufitíl/ècratario^ 
que  he  o  fa^  íL 

Vinde  cà  meu  tam  certo  fecretario, 
Dos  qucyxumts,  q  íéprc  andofazéio. 
Papel,  com  quem  a  pena  cieíaíogo  : 
As  lemrazòeb  digamos,  que  vivendo 
Me  fa?  o  inexorável,  ^  contrario 
Defticc,  furdo  a  lagrimas,  ík  a  rego  : 
Deytemos  agoa  pouca  em  muyto  fogo, 
Acendafc  com  gritos  hum  tormento, 
Que  a  todas  as  memorias  lejatftranho. 
Digamos  mal  tamanho 
A  Dco^, ao  mundo, à  géte^&  en  fim  ao  vento, 
A  quem  jà  muytas  vezes  o  con^ey. 
Tanto  de  balue,  como  o  conto  íigora  : 
Mas  jà  que  para  errores  fuv  naíado. 
Vir  efte  afer  hum  delles naõ  duvido, 
Qie  pois  jà  de  acatar  cftou  tam  fora, 
Naó  me  culpem  também  íenifto  eyrey: 
Se  quer  efte  refugio  ló  terey, 
Paliar,  &  errar  fem  culpa  livremenre, 
Trifte  quem  de  taó  pouco  eftà  contente; 
Jà  me  defenganey,  que  de  queyx^rme, 
Naófe  alcança  remédio,  mas  qutm  penai 
Forçado  lhe  he  gritar,  fe  ador  he  grand 
Gritarey,  mas  he  débil,  &  pequena 
A  voz  para  poder  deíabafarn-e, 
Porque  nem  com  gritar  a  dor  k  abrande : 
Quem  me  dará  requer,  que  fora  mande. 
Lagrimas,  &  fuípiros  infinit(  Sj  j 

Iguais  ao  mal,  que  denrro  n'alma  naora  ? 
Mas  quem  pôde  algum  hora, 
Medir  o  rnsl  com  lagrimas,  ou  gritos? 
Emfim  direy  aqudlo,  q  ue  n- e  enlin.  o 
A  ira,amagoa,&  delias  a  lembrança, 
Queheoiítradorpo.  fi  maisdura,ôc  hrme, 
Chegay  defefpcrados  para  ouvn  me, 
E  íujaõ  os  que  vivem  de  efperança, 
Ouaquclles,qnene!lareim:^:uinao, 
Porque  Amor,  &  Fcrtuna  deierminaô 
De  lhe  darem  poder  pata  entenderem, 
A  medida  dos  maks,  queuvtrtm. 

Quando  vim  da  materna  íepuUura 
De  novo.ao  mundo,  lego  me  fizcrao 
Eftrellaiiinfelicesobrig'ido:  ^ 

Com  ter  livre  alvcdi  io  mo  naõ  dcrao, 
-  '  Lii  {  ^ 


•_.í 


H 

QuP  eu  conheci  mil  vezes  na  ventura 
O  melhor,  6c  o p£or  fegui  fo^çaciç»,     j 
E  para  queocornaento  conformado 
Mç  deíFem  com  dt  idacici  quando  al3|i"C, 
Inda  rnmmo  ps  qlhos  brandamente> 
Mandaó  que  diligepte 
Hum  minmofcmoJhosmeferiíTe  : 
As  Íagrii;rias  da  infância  i?  pianavaõ» 
Çom  Iiy  ttia  íaudade  na  moríid.a : 
O  íom  dos  griros^  que  no  bçrço  davai 
Jàcomo  ^c  rofpifoç  me  ioav^, 
Com  a  idade,8í  fado  concertauOj 
Porque  quando  por  çafo  njç  emb^lavaõi 
Sc  ver  (os  de  amor  trift^s  me  ca.n.tiivaõji 
Logo  me  adormecia  a  ÇÊitureza^ 
Que  iam  conforme  citava  ço  a  trifteza. 

Foy  minha  ama  hu^  fera>  queodeftino 
^4,9  qM,i/Z»  que  mulher  foJíe,,aque  tivçnTe 
Tal  nome  para,  mi^  nçnx  a,  hja,vç;.ia^i 
Aífi  criadoTuyí  por^cjue  bçl^eííe 
O  veneno  amocofoí^eníiinino. 
Que  na  níaypi;  ida^ebebiepia., 
E  por  coiiumc  nap  me  ra,a,t;^ari^ ; 
Logo  entap,  viaiqiagqm,  §ç  fcmelhanÇja, 
D*aquella  humana  fera  t;am  ferm.oí^, 
Snavej  ^  VÉjppnofa, 
Que  m^  criou  aoS; peytos  da  efpcrança, 
De  quem  eu  videíppi^-o  priginal ; 
Que^de  todos;  9S,grandes  dcíatinos^ 
Fas,a  ci|Jpa,rpl?eí  ba*  &  ípberana; 
Parêceme  que  tinhí^  focma  bijmaxi?,,'  ^   .. 
Mas  cintillava^eípiritos  divinos,      ' 
Huíu  rpenco,  &  prefença  tinha  ta.1. 
Que  fe  v.anglpria  va  .todo  o  rpaj 
Isla  viftâ  delia :  a,fombra,co  a  viveza, 
Excedido  poder  da  natureza. 

Que  género  tamnovo  de  tormento 
Teve  amor,  que  naó  foíle,  najó  fomente 
Provadoem  mi^  mas  todo  exccutadq  ? 
Implacáveis,  durezas,  que  o  fervente 
^ftjí>,quedá  força  ao  peníamentqi 
Tinhaóde  feu  propofitoaballadOi 
E  de  fe  ver  corrido,  ôc  mjuriado. 
Aqui  fombra^  fancaíl;icas,  trazida^ 
De  aigúas  temerarias.efperanças» 
As  bemav.enturançasj 
Nellas  Cambem  pintadas,  6c  fíngiJaí^ 
Mas  a  dQr  do  dçfprezo  recebidpi 
Qiie  a  fantafu  medefatinaya,, 
Elfes  enginos  punha  em  dcfcpnp:cr,to,í 
V\qui  o  a.dev.inhar,,  &  ter.  pgr  certo, 
QH.c;era  verdade  quantp  adeyinhaya, 


E  logoodefdizermede  cq^ridlo»'^  r-c' 
Dar  as  coMÍ^Sí  que  viâ»  omro  íentido : 
£  para  tudo  em  iim  buíçar  raZQCs» 
Maseraõ  muytas  mais  ssíenua^ões, 

JMaóíey  como,  fayl^)*  ef^aç  ípubando 
Cosrayos  as  entranhas,  qut  fugwõ 
Porell^  pellQs.Qlh.Qji  iytúmeate.: 
Pouco  a  pouco  invencivejsi  n)e  íahiaõ> 
Bem  como  \\<^)^  y^^Q  l^M^ida  exalando 
Eítà  o  futil  humor  o  Sol  açdentt:}, 
Em  fim  o  gefto  puro»  &  tí^pí^ícnte, 
Pai;a  quen>  ixo^  biay xc>*  ^  íçm  vali^t 
Defte  nome  de  bello^  &  íle  fej? moio  : 
O  doce,  &  piedoío, 

Mover  cj^QÍb.0Si,  que  as  alm^  fufpenidi», 
Foraó  as  hervas  nnagicas,  qj^e ç^  Cj^o 
Mc  fez  beber,  as  qu^*pQí  Wngc^^nno^ 
Noutro  fer  me  tíveraõ  trans£oca>9do>: 
E  tam  contente  de  me  ver  trocado» 
Que  as  mago3sengaji4vac:Qíie<íga«£íSk 
E  diante  dos  olhos  punha  o,  \Mq% 
Qie  me  encobriffe  o  mal,  qm  ^M  Çf:eçco> 
Como  quem  com  afagos- k  «fiava, 
Daquelle,  para  qucmc|ie<i4QQfliia-^. 

Pois  queoipòdoí  pintar  a  vidiwanfei^tíí. 
Com  hum  defcontentajrroíçqtfftnf^Ví^x 
E  aquelle  eftar  t;am  longe»  dofwieeiiavas 
O  fallar,  renaifel>(3rjaqne<iizia>: 
Andatj  fem  ver  ponond©,  ^  ji^n%taín^n;c 
Suípirar,  fem  Cabçc^  Gpe  i\kípís^va^. 
Pois  quando  aquelle  mal  iu«  atíqri*KHtia:vai 
E  aquella  dorjqu^dús^TarBatçafS^agoasi, 
w^ahio  ^mundov^  m^isqpi^titdasid^e!^ 
Qiie  tantas  vezes  Toe,        nm^irnin 
Durasicas.t<Minfl*eoi  brandaí  n5ag€)aPi, 
Agora  CO  furor  da  mag,Qâira3áQí.;; • 
Querer,  &  nsó  qusrerdeyxítrde,trn^ri«. 
E  mudar  noijtravpayrc  poc  vingança 
O  deíejo  privado  de  efjjerança,. 
Que  tam  mal  íè  podia  ji mudar ; 
Agora  á  íaudíKkdo  pafi  ado 
Tormento  puro,  doce,  8>c  n>agoadc3i, 
Fazia  converter  eftesfurores' 
Em  magoadas  lagrimas  de  araorev 

Que  defculpas  comigo  ÍQ  bukava. 
Quando  o  fuav^e  an>or  me  naófíofr ia 
Culpa  na  couía  amada»  St; taín; amada  * 
Em  fim  era<5  remédios^  que*  fingia 
O  medo  do  ropmelKo,  que  eníinava 
A  vidíi  íuftentaríe  de  enganada'. 
Niíto  huina  par^€  dtlla-foy  paíT^da, 
Ma  qual  ktiye  algum  contentamento, 


rr' 


Bté^ 


Rimasdúgranit  Lnisdidi^híl  If 

Breve» ímpcrfeyto,  tímido,  indecente,  Naó  conto  tantos  males,  como  ãquclle, 

Naò  íuy  fcnaô  Icmeote,  ;.    -,  i.  .       Que  déffSois,  di  tcrftienta  prccellofai 

Dcí  hu.iicu.nprido,íiaoiari(rimotoriaco$a,    Os  cafos  delia  conta  em  tempo  ledo, 
Eíie  curío  concmode  tnfteza,  Que  indáagbra  a  FbttUna  fluéhtòlà^.  i-'^^**^^ 

Elles  paflbs  cam  vannocnce  eípalhados,  A  tdmanhtís  miferias  me  compellt^^AV^i  -^^ 

Me  foráo  a  pagando  o  ardente  goftO|  Quede  dsr  feum  íó  j^aíTo  tenho  rtirèb^    • 

Quecarwdc  fiío  n'alinatinhapolto,  Jade  mal^i|uenie  venha, naõftttíVKredo, 

De  aquellcs  peníamentos  namorados^  Mem  bem,  que  me  falleça^  )à  pretendo. 

Em  que  eu  criey  a  tenra  nature2:a,  Qtíe  para  (fií  naõ  vâl  aftUtia  huitáíià,  '      " 

Quedobagocoliumeda  afpereza^       /a^     De  força  fòb^^rana,    ^     -         t «    -^ 
Cuntra  quem  força  humana  naõ  reíiílc^  ^'         Da  providencia  ettí  fim  divirta  pettdó  j 
SeconverteoBOgoftodeícrtrifte.  Ifto  qirecEíydor&  Vejfõ  àsvc-zcStóitíôíi 

Deita  arte  a  vida  noutra  fuy  tf ocandofj  Fará  oonfolafça©  de  tííntoá  danòsi^P  ^'^P  '"^^ 

Eu  naõ^  mas odeftino  tero  irado,  Mas  a  fpí^qweza  híírtíana  qââftdo lârf^      '  ^ 

Queeuindaaíli  poroutr3anaéEro<:ànt OsolNos  na  que  corre,  &  não  aleanja^ 

Fefme  deyxar  o  pátria  ninho  íltnado^   jui  A    Se  naó  oiecnoria  dbi  paíTados  aíiinos  | 

PaíTando  o» longo  mar,  queiamcaçandcxj  sup    As  agoas  que  cntaó  bebo,  6c  ô  paio  qtit  Cof#o^ 

Tantas  vezes  me  eftevea  vrda caraj  '    Lagrimas  triftes  farô^ à^t  e<i  fturtqira  domòj^ 

Agora  experimentando  a  fúria  raça  Senaõ  com  fabricar  na? fantafia, 

DeMaíte,  qiuecos©]lh;.sqtiÍ35quelog<il  Fani5»«^kaffpTnCura8d'é  alegria, 

ViíTe, St trocaíTeo  a cecbo frutoítu,        j ri  aU        Que  íe  poUiVel' foííe,  qxie  fo^Waífó  ^ 

Enefteeícudo.meu,  '•    O  tempo  paratras,  cottio'amt'moría',  ^ 

A  píacara  veraó  doinfcft©  fogo,  ., .  -ía    Pelloevcffí§;iio«  da  primeyra  idadíèj  ^ 

Agora  peregrino,  vago^  &:  errante,      q  ^yp  Ede  novo  tecendo  a  amiga  hiíloria. 

Vendo  naçòies  liinguagíes,  &  coíkimes^  fiioD  Denneus  «wtorcsmekvafíe 

Ceosvarros,  qualidades  d  ifiíerentes,.     íHA       pellas  florcs^j.  que  vid»  mocidade.* 

SóporfeguifcompaíTosdiljgçnteíf^.    tuifil^  E  a  lembrança  da  lorigaíaudade^ 

A  ti  Fortuna  injufta,  que  coníttm^e»     ob  mH  Entaò  fofleaiayjor  coiíteiítam-erttí:)^ 

As  iíi^iksvlevandolhe  diame    inoD  uA  moD  Vendo  a  convaí^açaó  Idda,  6c  ítíavd, 

Huacfperançaem  viftadedíandanCé^polírjO  Ondt?hÃa/^ outra châve^ 

Mas  qjiafrdodasmáos  caefeconhtce,    !c  ■•  *?  Efteve  de  meu  ncvo  {>efiíaiticnt<). 

Que  he.  frágil  vidroaquiUo,  queiapaiecs^^       Os  campos,  as  pafl"adas,xf8  finaisi 

A  piedade  humana  nfi«  falcavffiL-n  xkI  sijP  A  ferWi<a/6»Í^  os  olho«i  af  braridiífar, 
Agente  amiga jà contraí iaíviar,  ud  :)»jp  Agraça,a  manfidaõ,a  cortcfia^-  ■  j^*  ~  ^ 

Mo  pritueyro  perigo,^ noiegundb:    qaG       A  lingella  Afírvixadc^  quedefvia;   'in  n  fii<^  '  * 
Tcrrsj  em  qu&pónos  pés  mefaLccia».  up  oO  Toda  a  bayxa  t^irçãoi  terrena  tmpwsííf 
Ar  para  rcfpifarríc  me  negava},  ^vj  11  ^o\■\i,'ii\o?^  Como  a  qual  outra  alg,itttja  naó  vi  ro^is,^ 
E  fakavaOTeenrfim  o  tcmpof.ôc  âWwifwíbrjr  -  f  AlvV^^iftemoíias  onde  nve  levais 
QuefegredotamarduOjjSctam  profundía,-  _;.  O  fraco  coração,  que  inda  raó  pcíTo 
>J  afcer  para  viver,  &  para  a  v  ^àzi        b/.)rol.'I  D^màf  efto  tam  v^ó  d^ff  jo  voíTo  ? 
Faltârrae  q:uantoomundoteflppatff€Íbi.        t      Não  mais  Câçaó  não  mais,qirey  fallâdo, 
E  naõ  poder  perdcllsr,  Semo  feritírmil  a^lílOS^6^íc  acàfo' 

Eliando  tantas  vczejjà perdida-!  Te  culparem  de  brgar  &  <^c  pelada» 

Em  fina'  naõ  houve  trance  d-a  FofCtinai  Naõ  pôde  fa [lhe  dize]  limirad» 

Nem  perigos,  nem  calos  duvidofo»  A  agoa  domarem  tam  pequeno  vafoj 

Injurtiças  daquelles^  que  oconítifo»  Nem  eu  delicadezas  vou  cantando. 

Regimento  do  mundoantigoabuíia'  .      Co  goftado louvor,  maf.c»|vlicaDdo 

Faz  fobre  os  outros  homés  podePfíícs^ííjd  i:  :  Puras  v'  rd<í<*e»  jà  por  mi  paliadas. 
Que  eu  naõ  pafífaííe  atado  afiei  coluo»  Oxalàforaõ.fabulâ$foniladàS* 

Do  íofriaienLo  meu,  que  a  importuna 
Períeguiçaõderoalesem  pe^daços  «ev? 

Milvezeíi  fczàforça^deícusbiaoo^,     ^  ^   ^, 

;  *  CAN- 


S6  Rimas  do  Grande  Lttls  de  Camões, 

Ou  denvcja  das  hervas,  que  pizavaô, 
C   A  N    Q    A    M      XVI.  Cu  porque  tudo  ante  ellcs  íeabayxavaj 

O  ar,  o  vento,  o  dia 

Ainda  que  efia  Cançam pareça  repetida  nao     E/piritos  contínuos  influhía. 


heaJfiin^poYcjHz  cjtafaz  o  V.  ditada  do 

qut  alma  fííttte  privada  do  gozo  de  hAa 

^eyiad  à  que  elie  a/p  trava, 

MAmdame  Amor,q  cate,  o  q  alma  fête, 
Gafo,que  nu  nca  em  vcrfo  foy  catado, 
ISÍeni  d* antes  entre  gente  acontecido  j 
Pagameaffiem  parte  o  meucuydadOj 
Pois  que  quer,  que  me  louve,  &  reprefente    E  nao  fey  como  o  dava 


E  quando  vi,  que  dava  entendimento 
A  coufas  fora  d^lle^  imagincy, 
Que  milagres  faria  em  mim^  que  o  tinha? 
Vi,  qucme  deíatou  da  minhalty, 
Privandome  de  todo  íentimenro, 
E  n'outras  transformando  a  vida  minha. 

Com  tamanhos  poderes  do  Amor  vinha 
Qiie  o  uío  dos  íentidos  me  tirava. 


Quaà  bem  íoube  no  mundo  ícr  perdido. 

bou  piute,  8c  naó  ferey  da  gente  cridoj 
Mas  he  tamanho  o  gofto  de  louvar  me, 
E  de  manifeftarme, 
Por  cativo  de  geílo  taõ  fermoío, 
Qiie  todo  impedimento 
Rompe,  &  desfaz  a  gloria  do  tormesta: 
Peregrino,  fuave,  &  deleytofo,  04  -.i  .^ 
Que  b^m  fey  que^  o  quecanto,  igq  oqm^i  O 
Ha  d*achar  menos  credito,  quecípanto,' 

Eu  vivia  do  cego  Amor  izento 
Porém  tam  inclinado  a  viver  prefo. 
Que  medava  defgofto  a  liberdade  .-ich  ?6Íb'i 


Contra  o  poder,  &  ordem  de  Natura 
iVsarvorcs^  aos  montes, 
A  rudeza  das  hervas,  6c  das  fontes, 
Que  conhecerão  logo  a  vifta  pura^ 
Fiquey  eu  íó  tornado,  «ujcjí 

Quafi  n*um  rudo  tronco  de  admirado. 

Dcfpois  de  ter  perdido  o  lentímcnto 
De  humano,  hum  iò  dcfcjo  me  ficava, 
Em  que  toda  a  razaõ  íe  convertia ; 
Masnaõ  fey  quem  nopeyto  me  bradava. 
Que  por  taõalto,  &  doce  penfamencoj 
Com  i;a2aò  a  razaó  íe  me  perdia: 

AíTi  que  quando  mais  perdida  a  via 


Hum  natural defejo  tinha  accefo       '  n^i  c 3  Na  íua meíma  p^rda  fe  ganhava; 


D'algum  dítofo^  Si  doce  peníanjento. 
Que  me  iltuftraíTe  a  iníana  mocidade :  < 

Tornava  do  anno  jà  a  primcyríi idade, 
A  reveílida  terra  fe  alegrava,  .-^csv^n  -jv.; 
Qtiando  Amor  me  moftrava       -/^vmej 

Era  fios  douro  humas  tranças  defatadasi^l  A  Que  faz  num  coração 
Ao  doje  vento  eílivop  n ^ol   d  :zm  &  t^w^  A  Que  hum  dcfcjo  fem  fer,  feja  razaõ. 
Osolhosrucilando  em  lume  vivo,   '■  /^niJ  A       Depois  de  jà  entregue  a  meu  defejo. 


Em  doce  paz  eftava 

Com  ícu  contrario  próprio  num  fogeyto  % 

O  cafo  eftranho,  &  novo, 

Por  alta  certamente,  &  grande  approvo 

A  caufa,  donde  vem  tamanho  efFeyto, 


As  rofá$<entrca  neve  femeadas, 
Ogoftograve,  &  ledo 


cboT  Ou  quaQ todo nelle convertido, 
D  R  oíP^^D  Solitário,  filveílre,  &  inhumano^ 
Quejuntoi  move  em  mim  delejo,  &  medo.      Taõ  contente  fiquey  de  fer  perdido. 

Que  me  parece  tudo^  quanto  vejo, 
Eíferamo  efldquafitodoj  na  q  efià  imprejfa.    Eícufado,  íe  naõ  meu  próprio  dano  ; 

Bebendo  eíleve  fuave,  &  doce  engano. 
Hum  naõ  íêy  que  fuave  refpirando,  o  fir7fí  A  troco  do  fcnrido,  que  perdia, 
Caufavahum  deíulaJo,  &  novoelpanto,       "Vi,  que  Amei*  meinfculpia 


\ 


Que  as  coufas  infenfivciso  lentiaó: 
Forque  as  gárrulas  aves  entre  tanto, 
Vozes  dcíordenadas  levantando,     d  í/3  n\ 
Como  eu  em  meu  defejo  íeacenditó.    ' 

As  fontevçrift.ilinas  naó  corriaò. 
Inflamadas  na  viíti  claia,  &  puráí, ;  i/.   1  ; ".; 
Florecia  a  verdura. 
Que  andando  COs  ditofospcs  tocava. 
Os  ramos  fe  abayxavaó. 


Dentro  pnima  a  figura  hooefta,  &  bclla, 

A  gravidade,  o  fiío, 

A  manfidaõ,  a  graça,  o  doce  rifo, 

E  porque  naõ  cabia  dentro  nella, 
^  De  bés  tamanhos  tanto, 
)Sac  pela  boca  converti  do  cm  canto» 
Cançam,fcie  naõ  crerem 

Daquclle  claro  geíto  quanto  dizes. 

Pelo  que  em  íUhe  cícgnde : 


I 


Osí 


í?/Wj  do  Qrmàe  Luís  de  ÇãniBes] 
OsfentidoS  humanos  [IhercfpOQdej  Se.fjaô  huijjpeniamcoto, 

Niõ  podexn  do  divino  fer  jaizc.s,  Que  a  laica  íupra  a  fé  do  entendimento. 


•f 


ODE  I 


0efcreVeoP,afermo/uradoobjeSío  de  fetis  dcfvdosdehayxod^jnetãforade  Lua  ,  por  fe 
acharem  ambos  em  Cintra,  ou  Cmbea^fie  em  latim ftgnifiça  a  Lua. 


DEtem  hú  poucOjMuía,o  largo  pranto. 
Que  amor  reabre  do  peyto, 
E  vertida  de  rico,  &  ledo  manto, 
Demos  honra,  &  reípeyto, 
Aaqaella,  cujoobjeito, 
Todo  o  mundo  alumia 
Trocando  a  noyteeícuraem  claro  dia, 

Oh  Delia,  que  a  pefar  da  névoa  groíTa, 
Cos  teus  ray  os  de  prata, 
A  noyreefcura  fazes,  que  naõ  poíTa 
Encontrar,  o  que  trata, 
E  o  que  n'alma  retrata, 
A  mor,  por  teu  divino 
Rayo,  porque  endoudeço,  &  defatino. 

Tu,  que  de  fermoíiíTimas  eftrellas, 
Coroas,  6c  rodeas 
Tua  cândida  fronte,  6c  faces  bellaSi 
E  os  campos  fermofeas 
Co*as  rofas  que  fêmeas , 
Co'as  boninas  que  gera 
Q  teu  celcfte  humor  na  primavera: 

PoiSjOelia,do  teu  ceo  vendo  eftàs quãíos 
Furtos  de  puridadcs, 
Sufpiros,  magoas,  ays,  muíIçaSiprantosj 
As  conformes  vontadesi 
Humas  poríaudades, 
Outras  por  crus  indícios 
Fazem  das  propias  vidas  facrifícios: 

Jà  veoEndimiaó  por eftes  montes 
O  Ceo  fufpeofo  oihandoi 
E  teu  nome,  co'os  olhos  feytos  fonteSa 
Em  vâõ  íempre  cham.ando. 
Pedindo  (  fafpiranrlo) 
Mercês  a  a  tua  beldade, 
Sem  que  ache  em  ti  hum* hora  piedade. 

Por  ti  fey  to  paílor  de  branco  gado 
Nâsfclvasfohcarias, 
Sò  de  feu  pc nfa mento  acompanha^lOj 
Convería  as  alimárias 
De  todo  3  mor  contrarias. 
Mas  naò  como  ti  duras, 
Onde  lamenta,  6;  cliora  defvcq^tuía». 


Parati  guarda  o  fítiofrefco  d*  Ilio, 
Suas  íombras  fermofas  : 
Parati  no  ErimantoalmdoEpilio 
As  mais  purpúreas  rofaS;  / 
E  as  drogas  mais  chcyrofas 
De  eíle  noíTo  Oriente 
Guarda  a  felice  Arábia  mais  contente. 

De  qual  panthera,  ou  tigre,  ou  leopardo, 
Asâfperas  entranhas 
Naõ  temerão  teu  fero,6í  agudo  dardo, 
Quando  por  as  montaniias 
Mais  remotas,  &  eítranhas, 
Ligeyra  atraveíTavas, 
Tam  fermofa  que  a  Ana or  de  amor  matavas.' 

Das  caftas  virgés  íerapre  os  ajtos  gritos, 
Clara  Lucjna,  ouvifte^ 
Renovandolhe  as  forças,Sj  o^  pfpritos : 
Mas  os  de  aquelle  trifte, 
Jà  nunca  cooíentifte 
Ouvi-los  hum  momento, 
Para  fer  mepos  grave  o  feu  cormêto^ 

Naõfujas,náo,deminv,ah!Naõteercôda5 
De  hum  tam  íielamanfci 
Olha  como  fuípiraõ  eítas  ondas^ 
E  como  o  velho  Atlante 
O  feu  coljo  arrogante 
Move  piedoía mente 
Ouvindo  a  minha  voz  fraca,  &  doente. 

Trifte  dcmmx!  Que  alcá^o  porqueyxir- 
Pois  minhas  queyxas  digo  (me, 

A  quem  jà  ergueo  a  maô  para  matarme 
Como  a  cruel  imígo? 
Mascuj?iey  Fado  figo, 
Queaiftomcdeftina, 
E  que  illo  fó  pertende,&  fó  me  enfina. 

Oh!  quáto  ha  jà  que  o  Cto  me  dcfengana. 
Mas  eu  lempre  purílo 
Cada  vez  mais  na  minha  teyma  infana. 
Tendo  llyre  alvedrio 
Naó  fujo  odeívaiioj 
Porque  eíte  cm  que  me  vejo 
Eneana  co'a  cfperança  o  meu  defeip^ 

Oh 


S8  RíPtas  do  Cr  ande  Luís  de  CamÔes] 

Oh  quanto  melhor  fora  que  dormiíTem        Que  as  dores,  em  que  vivo,  eílima  em  nada.» 


Hum  íono  perenal 

Eltes  meus  olhos  criíles>  6c  naó  viíTem 

A  caufa  de  fcu  mal 

Fugir,a  hum  tempo  tal, 

^4ais,que  de  antes  protcrya, 

!Mais  cruel,  que  Urfa,  mais  tiigiz, que  Cerva.    Encre  adoce  dureza,  &í  manfidaó, 

Ay  de  mi,  que  me  abraío  em  fogo  vivo^       Primores  de  belleza  dcíuíada, 
Com  mil  morces  ao  lado, 


Mas  com  tam  doce  gcfto,  irado,  &  brando  ^' 
O  fentimento,  &  a  vida  meelevou,  *  " 

Que  a  pena  lhe  agradeço. 

Bem  cudey  de  exaltar  emverfo,  ouprofa 
Aquillo,  que  a  aln-ia  vío, 


E  quando  morro  mais,  entaó  mais  vivo : 

Porque  tem  ordenado 

>ítu  infelice  eílado^ 

Ql:«e  quando  me  convida 

A  morte  para  a  morte  tenha  vida. 

Secreta  noyte  amiga^  a  que  obedeço, 
Eftas  rofas  (por  quanto 
Meus  queyxumes  meouvifte^  teoíTereçoj 
E  efteireíco  amaranto 
Húmido  índa  do  pranto, 
E  lagrinnas  da  Ef  ofa 
DociofoTitaÕ  branca^  &  fermofa^ 

ODE     IL 


Mas  quando  quiz  voar  ao  Ceocantando 
EotendimentOj  &  engenho  meccgcu, 
Luz  de  taô  alto  prí  ço. 

NaqueUa  c-ílci  purc za  delcytofa^ 
Qiieao  mundo  íeencubrio, 
E  nos  olhos  angelicoSj  que  íaõ 
Senhores  difta  vídadcftinada, 
E  naqUvlltscabeIlos,queíoirando 
Ao  manío  vento,  a  vida  me  enredou 
Me  alegro,  &  me  entriftcço. 

Saudade,  &  íuípcyta  pengofa. 
Que  amor  conítituhio, 
Por  caftigo  de  aquciles,  que  fe  vaõ : 
Temores,  penas  da  alma  defprr^ada, 
Fera  efquivança,  que  me  vay  tirando 


O  mantimento,  que  me  íuftenftoui 
'jf^uí  defcreve  o  T.  aferme/ura  defua  ama'    A  tudo  me  offcreço. 

duj&je  queyxa  de  que/e  moflra  muyto  Amor  iícnto  a  huns  olhos  me  entregou  , 

^fquivapara  elle,  Noi  quays  a  Deos  conheço. 


TAm  fuave,  tam  frefca!,  &tamfermofa 
Nunca  no  Ceoíahio 
A  Aurora  no  principio  do  veraó, 
A  as  flores  dando  a  graça  coftumada. 
Como  a  fermofa  mania  fera,  quando 
Hum  peníamento  vivo  me  inlpirou. 
For  quem  me  dclconheço. 

Bonina  pudibunda,  ou  frefca  rofa 
Nunca  iio  campo  abriOj 
Quando  os  rayos  do  Sol  no  Touro  eftaÕ, 
De  cores  differentes  ermaltada. 
Como  efta  flor,  que  os  olhos  inclinando, 
O  fofriment©  crifte  coftumou 
A  a  pena  que  padeço. 

Ligeyra^  bella  Ninfa,  linda,  irofa, 
!Naò  crco,  que  feguío 
Satyro,  cujo  brando  coração 
De  amores  coromovelTe  fera  irada. 
Que  aíTi  foffe  fugindo,  %L  deíprezando 
Elte  tormento^  donde  amor  moftrou 
Tam  profpero  começo. 

Nunquaem  fim  coufa  bella,  6c  rigurofa 
Na''ura  produzK^, 
Que  Iguale aquella forma,  Sc  condição^ 


ODE     III. 

Efta  fez  oT,  depms  das  experiências  de 

amor,  &  fortuna,  que  fendo  contrários  o 

tinhaõredtizido  a  naó  poder  cantar 

€om  a  fuavídade  cojfumada, 

SE  de  meu  peníamento, 
Tanta  razaò  tivera  de  alegrarme, 
QLiantodemeu  tormento 
A  tenho  de  queyxarme^ 
Poderás  trifle  Lyra  confolarme. 

E  minha  voz  caníada, 
QLie  em  outro  tempo  foy  alegre,  &  pura, 
Nam  fora  aíli  tornaan. 
Com  tanta  delvencura, 
Tam  rouca,  raó  pefada,  nem  tam  dura. 

A  íí:r  comofohia, 
Pudera  levantar  voíTos  louvores, 
Vòs  minha  Hierarchia 
Ouvireis  meus  amores, 
Que  exemplo  faó  ao  mundo  jà  de  dores. 

Alegres  nicuscuydados, 
Contentes  diaSj  horaSj  &  momentos, 

Ol 


Rimas  do  Grands 
Oh  quanto  bem  lembrados 

Sois  de  meus  peoíamentos, 

Kcyaando  agora  em  mi  duros  tormentos  i 

Ay,goftosfLigicivosi 
Ay,gluria  j^acabada^Scconfumídal 
Ay, males  taótíquivosi 
Qt_ial  ms  deyxais  a  vida! 
C^ia  nchjaLle  pcfar  !  Q^íaõdeítruidal 

.Mjs  corBO  naõ  he  murta 
Jà  Cita  vida !  Cumo  ranço  dura? 
Co  no  naó  abre  a  porca 
A  tanta  deíveotura, 
Qiij  em  viõ  có  feu  poder  o  tempo  cura? 

Mas  para  padc.e  la^ 
Se  esforça  o  meu  TugeytOiôc  convalece, 
Qu  í  fó  para  diz:! la j 
A  f^rça  m:;  falece, 
E  de  to  Jo  me  canfa,  &  me  enfraquece. 

Oh  j  benm  aforcunado, 
Tu,qui  alcançâíkcom  lira  toante, 
Qi  fco,rer  efcutado 
Do  fcTo  Rh. ul amante, 
E  co*os  teus  olhos  ver  a  doce  amante  !. 

Asinfernaes  figuras 
Movefte  CO  r>  teu  canto  docemente: 
A^tres  fúrias  eícurasj 
Implicáveis  a  a  gente. 
Aplacadas  le  viraõ  de  repente. 

Ficou  como  pífmado 
Todo  o  Srygio  Reyno  co'  o  teu  canto  j 
Equifideícanf;ido,  '  i 

De  íeu  eterno  pranto^ 
Ccííòu  de  alçar  Sífifo  o  g^^ave  canto. 

A  ordem  le  mudava 
Das  pcjnas,  que  regendo  tftà  Plutaó} 
Em  defcanfo  fe  achava 
A  roda  díixiaõ  j 
Ee  T-!  gloria  quantas  penas allifió. 

De  todo  já  admirada 
A  Rainha  infernal,  Sccomnaovida, 
Te  deoadcfejada 
Eí^pofa.que^  perdida, 
De  tantos  dins  j i  tivera  a  vida. 

Pois  minha  defventura 
Connojànió  abranda  hui  alma  humana, 
Qiie  h::  contra  mi  mais  dura» 
Einda  mais  de  humana 
Qur  o  furor  dt  Calirroe  profana? 
•i  Oh  !  crua,eíquiva,&  fe  a^ 
Duro  p -yro»  crucl^  ôc  empedernido, 
Deíílgumatigrefera 
Lã  na  Hyrcanianaícidoí 
SiLpart. 


Litls  di>  Camões.  %^ 

Ou  de  entre  as  dur^s  rochas  produzido  i 

M as  q  u e  cH go  co y  1 2  do, 
E  de  quem  Moem  vaõ  nuuh  '-s  querellaS.* 
Sò  vòi  (òdoíagaldo 
H u m ido  Re y no :  ^  bellas 
E  claras  N  inflas,  condo.^yvos delias. 

E  de  ouro  guarnecidas 
Voilâs  louras  cabeçss  levantando, 
Sobre  as  oodis  erguidas 
As  cranças  gotejando 
S:  hindotodss  vmdca  ver  qual  ando, 

S;^hi  cm  companhia, 
E  cantando,  6c  colhendo  as  lindas  flores, 
Vereis  minha  rigoniaj 
Ouvueismeus  amores  : 
AíTentareis  mcusprantps,  meus  clamores. 

Vereis  o  mais  perdido, 
E  mais  infeliz  corpo,  que  ha  gerado^ 
Que  eílàjà  convertido 
Em  choro,  St  nej^e  cílado 
bómente  vive  nelleo  Teu  cuydado. 

ODE     IV. 

lyíhmna  l^ama  ds  Ltsbm  por  quem  parece 
fe  dí [velou  algum  temj^o  o  'F, 

■y?  Ermofa  fera  humana, 

X"  Em  cuiocoraç3óíobifbq,6crudo, 

A  forv^afoberana 

Do  viDgarivo  Amor,  que  vence  tudo, 

As  pontas   amoladas 

De  quantas  íetas  tinlia  tem  quebradas ; 

Amada  Circe  minha, 
Pofto  que  rainha  na '>,co  11  tudoamadaj 
A  quem  hum  bem  que  tinha 
Da  doce  liberdade  deíejad  , 
Pouco  a  pouco  çnrrcgucy, 
E  fe  mais  tenho  mais  entreg^rey. 

Pois  natureza  irofi. 
Da  razaõ  te  deu  partt'S  tam  contrarias, 

Que  fendo  tam  fermoía. 

Folgues  de  te  queymar  em  flamas  varias. 

Sem  arderem  nenhuma 

Mais  quedem  quanto  alumia  c  mundo  a  Lua: 

Pois  triunfando  vas 
Com  diveifos-defpojos  de  perdidos, 
Que  tu  piivandoeftas 
Der^zaó,dejui2o,  &t  dcíentidoS} 
,E  quafi  a  todos  dSndo 
Aquelle  bem,  quea  todps  vàs  negando: 

Poiscaatotecontenra 

M  Vcj 


|è  Rimat  ão  Grande 

Ver  d  rtoÊltífnò  niôÇo  cm  ferro  cnyolco, 

Debayxoda  tormenta 

De  JupiEÊí  em  agoa,  fie  vento  folco, 

A  a  porcai  que  impedido 

Lhe  cem  íeu  bcim,  de  magoa  adormecido. 

Porque  naõ  tens  receo 
Q^ue  tantas  infolencias^  &  eíquivanças^ 
A  V>Qoí\  que  poenn  fret) 
A  foberbas,  &  doudas  eíperanças, 
Caftigu:;comrigor^ 
E  contra  ti  fò  acenda  o  fero  Amor ! 

Olha  a  fermoía  Flora 
De  defpojos  de  quI  íuípiros  rica, 
Por  o  CapiCaõ  chora, 
Que  U  em  Teí  ília,  enfim,  vencido  fica  : 
Efoyfublime  tanro 
Qui  altares  lhe  deu  Roma,  &  nome  fanto. 

Olhtem  Lesbos  aqueila 
No  fíu  Salteyro  infigne  conhecida  -, 
Dos  muy  tos  que  por  cila 
Ss  perderão,  pefdíoacara  vida 
Na  rocha  que  fe  infama 
Com  fer  remédio  extremo  de  que  m  ama. 

Por  o  moço  efcolhido, 
Onde  mais  fe  moílràraô  a$  três  Gfaçasi 
Que  Vénus  efcondido 
Para  fi  teve  hum  tempo  entre  as  alfaças. 
Pagou  co'a  morte  fria 
A  má  vida,quea  muytos  jà  daria. 

E  vendofe  deyxada 
Deaqtítlle  por  quem  tantos  jà  dcxàra, 
Se  foyjdefefpcada, 
Precipitar  da  infanK  rocha  cara: 
Que  o  mal  de  mal  qucíida 
Sabeq«e  v*da  lhe  íie  perder  a  vida. 

Tomaymc,brâvos  mares, 
Vòs  me  romay,  pois  outrem  mcdcyxoa, 
DiíTe :  Sc, dos  altos  ares 
Pendendo,  com  furor  fe  atremeçou. 
Açude  cu, fuave» 
Acude^  poderofa,  &  divina  Ave. 

Toma*a  nasazaztua^i 
Meftifií)  pio^iicía,^  fcm  perigo; 
Antes  que  neítas  eruas 
Agoaç  caindo  apague  o  fogo  anttguo. 
He  digno  amor  tamanho 
Deviver^&  íerrrdo^poreftranho. 

Naõ  :  que  he  rázaõ  que  íeja 
Para  as  Labas  Í2cntafi,que  Amor  vendem., 
Excmplo,onde  fc  vi  ja 
Que  tsflibem  ficaõ  prezas  as  que  prendem» 
Aíli  o  deu  por  íenten^a 


Luís  de  £AvtQtf. 
Nemeíis,que  Amor  quiz  que  tudo  vença, 

O  D  E     V. 

Obriga  o  7^,  0  hum  a  Dama  difcreta  para 
ficar  dt  Ue  pYenaada, 

NUnra  manhãa  fuave 
_        Eítcn  Jcndo  feus  rayos  por  o  mundo> 
Dcípois  de  noyte  grave, 
Tempeítu  )íâ, negra,  em  mar  profundo^ 
Al  g  ou  ranto  nao,  que  |á  no  fundo 
Se  VI  )em  mares  groíToí, 
Como  iljz  ciará  à  mídosolhos  voíToi 

Aqu^lUfcrmoíura, 
Que  íó  na  virar  delles  reíplandccc  j 
E  com  que  a  íombra  efcura 
Clara  fe  fa  z,  &  o  cam  po  reverdece; 
Qjandoomeupeníanientoícentrillece, 
Ella,8i:  fua  viveza, 
Me  desfazem  a  nuvem  da  trifteza. 

O  meu  peyro,  ondefftais, 
He  pa/a  tinto  bem  pequeno  vafo; 
Quando  a  caio  virais 
Os  olhos  ^ue  de  tni  naò  fazem  cafo^ 
Todo,  gentil renhora,entíiò  me  abraío 
Na  luzqu;:  meconfume, 
Bem  como  a  borboleta  faz  no  lume. 

Se  Tiil  almas  tivera 
Que  a  am  fci  moios  oíhos  entregara. 
Todas  quantas  pudera 
Por  as  pcítanas  delles  pendurara } 
E  elevadas  na  vifta  pur  s&  clara, 
(Poíto  qaediflo  inditiâs) 
S.  andáraó  icmprc  vendo  pas  meninas. 

E  vòs,  quedercuy».b»ia 
Agora  vivireis  de  rais  querellas, 
De  almas  minhas  cercada 
Naõ  pudclleis  tirar  os  olhos  delias, 
Naô  pôde  ler  que  vendíj  a  voí&  encr^cllas, 
A  dor  que  1  he  moftraíTem 
Tantac,humaalmafòna5abraodaíreni« 

Mas  pois  o  pcyTo  ardente 
Huma  íó  pôde  ter,  ferovofa  Damif 
Baila  qiucefta  fomente, 
Como  k  foíTem  mil  &  niil  vos  ama } 
Para  que  a  dor  de  íua  ardente  flama 
Comvoíco  t*nto  paíla 
Que  naõ  queyrais  ver  cinza  hum'alfl^a  voffa. 


Q0E 


È,mas  âo  dráHí^  tjás  de  Carnoff. 
•  Que  miíturadatcni  de  qualidade 

O  í)   E      VI.  Que  hu ma  dâoúcra  nunca  íedcfyíaí 

Nem  deyxa.de  íer  h  uma  receada 
\m  huma  aufencta^  em  que  o  íP.  teve  grandes    P^^r  leda,  &  por  íuavc, 


\defejos  de  ver  ajua  querida  fenhora^  ^ 

as  í?9Mgmafões  amor  o/as  Iberepre* 

fentáraõemjiguras  quafidivmas^/ 

Pò  Je  hum  defejó  immenfo 
Arder  no  pcyto  tanto. 
Que  a  brãda^ôc  a  viva  alma,o  fogo  intêfo 
Lhe  gafte  as  nódoas  do  terreno  manto  } 
Epuriíique  cm  tanta  alteza  o  efpirito 
Com  olhos  immortaisj 
^Que  f.u  que  lea  mais  do  que  vé  efcrito, 
c  Qua  a  flama  que  fe  acende 
Alto,  tanto  alumia 

Que  fe  o  nobre  defejo  ao  bem  fe  eftende 
Que  nunca  vioofenteclarodiaj 
E  lá  vé  do  que  bufca  o  natural, 
Agrça,  avivacor, 
í^íoutra  eípecie  melhor  quca  corporaL' 

Pois  vósj  ò  claro  exemplo 
De  viva  fermoíuraj» 

Qucdctaõ  longe  cànotOj&  contemplo 
Na  alma, que ette  defejo  fobe,& apurai 
N^  creais  que  naò  vejo  aquella  imagem, 
Qtie  as  gentes  nunca  vem. 
Se  de  huLíianos  naó  tem  muyta  ventagem> 

Que  fe  os  olhos  auíences 
Naó  vem  a  compaííada 
Proporção,  que  das  cores  excellentes 
De  pureza,  èi  vergonha  he  variada. 
Da  qual  a  Poefia  que  cantou 
Atèaqui  fó  pinturas 
Com  mortais  fermofuras  igualou  .* 

Se  naó  vem  os  cabellos 
Que  o  vulgo  chama  de  ouro  ; 
E  fe  naó  vem  os  claros  olhos  bellos,, 
De  quem  cantaõ,  que  íaó  do  Sol  tefouro  j 
E  íenaõ  vemdoroítoasexcellencias, 
A  quem  diraõ,  que  deve 
Roía ,  &  criftal,  &  neve  as  aparências : 

Vem  logo  a  graça  pura, 
A  luz  alta,  &  íeveraj 
'  Que  he  rayo  da  divina  Fermofura, 
Q^t  na  alma  imprime,  &  fora  reverbera  j 
Alll  como  criftal  do  Sol  ferido. 
Que  por  fora  derrama 
A  recebida  flama  efclarecido. 

E  vem  a  gravidade 
Com  aviva  alegria  ^ 

II.  Pare. 


Nem  outra  por  íer  grave  muyto  amada» 

E  vem  do  ílonefto  fifo 
Os  altos  refplandores 
Temperados  co*o  doce,  &ledo  riío> 
A  cujo  abrir  abrem  no  campo  as  flores  s 
As  palavras  difcretas,  6c  fuaves. 
Das  quais  o  movimento 
Fará  deter  o  vento,  &  as  altas  aves. 

Dos  olhos  o  virar, 
Q^i  torna  tudo  raio. 
Do  quil  naô  íabe  o  engenho  diviíârj 
Se  foy  por  artificio,  ou  fcyto  a  caío : 
Da  prefcnça  os  meneos,  &  a  poítura, 
Q  andar^òcomoverfe. 
Donde  pôde  aprendcríe  fermofura^ 

A  quelle  naó  íey  que,  -^   :^ 

Qiieaípira  nãofey  como; 
Que  invifivel  laindo,  a  vift:a  o  vè. 
Mas  para  o  cõprcder  naó  lhe  acha  tomo  i 
E  que  toda  a  Toícana  Poeíia, 
Que  mais  Febo  reftaura^ 
Em  Beatriz,  nem  Laura  nunca  via: 

Em  V05  a  noíTa  idade, 
Senhora^  o  pôde  veí, 
Se  engenhoi  fe  ciência,  &  habilidade^ 
Iguais  a  yofla  Farmofura  der. 
Qual  a  vio  meu  longo  apartamento  >' 
Q|ial  em  aufencía  a  vejOé 
Tais  aias  dà  o  Deíejo  ao  PenfamentOj 

Poisfco  defejo  afina 
Hum*alma  acefa  tanto 
Que  por  vós  ufe  as  partes  da  divina  j 
Por  vòs  levantareynaõvifto  canto. 
Que  o  Betís  me  ouça,  &  o  Tibre  me  levante  i 
Que  o  noifo  claro  Tejo, 
Envolto  hum  pouco  o  vejo,  &  diflbnante.' 

Q  campo  naõ  oefmaltaó 
Flores,  mas  ló  abrolhos 
O  fazem  fco  >  &  cuydo  que  lhe  faltaõ 
Ouvidos  para  mi,  para  vòs  olhos ; 
Mas  faça  o  que  quizer  o  vil  coítume^' 
Qiíeo  Sol  que  em  vòs  eftà. 
Na  efcuridaõ  dará  mais  claro  lume,' 


Mi] 


P0| 


Mmas  do 'Grande 


ODE     VII. 

^  ÍZ).  Maneei  de  Tortugal^  a  quem  kuva  as 

fartes  de  excelente  'F,  realfangue,  t$ 

Mecenas/eu  muyto  amado. 

Aquém  daràõ  de  Findo  as  Moradoras, 
Tâõ  doutas  como  bellas» 
Florentes  capellas  , 
Do  triunfante  louro,  ou  mirto  verde  j 
Da  gloriofa  palma,  que  naó  perde 
A  prefunçaóíubilme. 
Nem  por  torça  de  pelo  algum  fe  oprime  ? 

Aquém  traráó  nas  faldas  delicadas. 
Roías  a  roxaCloris, 
Conchas  a  branca  Doris  j 
EftaSj  flores  do  mar  j  da  terra  aquellas, 
Argênteas^  ruyvas  -,  brancas,6c  amarellas. 
Com  danças,  éc  coreas 
De  fermoías  Nereydas,  U  Napeas  ? 

Aquém  foraó os Himnos, Odes,  Cantos^ 
EníiThebas  Amphiom, 
EmLebosAriom, 
Senaõ  á  Vos,  por  quem  reftituida 
Se  vè  daPoíia  ja'  perdida 
A  honra,  &  gloria  igual. 
Senhor  Dom  Manoel  de  Portugal  ? 

Imitando  os  efpritos  jà  paífados. 
Gentis,  altos,  Reais, 
Honra  benigna  dais 

A  meu  taó  bayxo,  quanci  zeloío Engenho. 
Por  Mecenas  a  Vos  celebro,  &  tenho  j 
sE  facro  o  Nome  voíTo 
Farey,íe  alguma  couía  em  verfo  polTo. 

O  rudo  canto  meu,  que  reíucita 
As  honras  fepulcadas^ 
As  palmas  já  pafiadas 
Dos  belicofos  noflos  Lufitanos, 
Para  tcíouro  dos  futuros  annos, 
1  omvofcofe  defende 
Da  Ley  Letea^  à  a  qual  tudo  fe  rende. 

NavoíTa  Arvore  ornada  de  hoarra^ôcglo- 
Achou  Tronco  excelente  [ria, 

A  Hefa  florecente, 
para  a  minha  até  aqui  de  baxa  eftima  .• 
Nella  para  trepar^  íe  encofta,  ôc  arrima  5 
E  nella  fubireis 
Taôalto  quanto  os  ramos  eftendejs. 

Sempre  foraõ  Eengenhos  peregrinos 
DaFottunaenvejadosi 
C^ue  quanto  levantados 


ttUts  de  Camfíf»  _ 

Por  hum  braço  nas  afãs  faõ  da  Pamâ  } 
Tanto  por  outro  aquella  que  os  deíamaj 
Co'  o  pefo,  &  gravidade. 
Os  oprime,  da  vil  neceíTidadc. 

Mas  altos  corações  dignos  de  Império^ 
Quevicncem  a  Fortuna, 
Foraõ  íempre  Coluna 
Da  Ciência  gentil :  Otaviano, 
Scipiam,  Alexandre,  &Graciano; 
Qiie  vemos  itnmortais  j 
E  Vòs  que  o  noíTo  Século  dourais. 

Pois,  logo,  em  quanto  a  citara  ío  nora 
Seeílimar  por  o  mundo. 
Com  íom  douto,  6c  jocundo  j 
E  em  quanto  produzir  o  Tejo,  &  o  DouróJ 
Peytos  de  Marte 6c  Febo,  crefpo, ôclourO| 
Tereis  gloria  immortal 
Senhor  Dom  Manoel  de  Portugal, 

ODE     VIIL 

^ede  oT,ao  Conde  de  Redondo ^enta^VíCiè^ 

Reydá  Índia  opriíilegioparaa  impre/'>^ 

faõ  do  livro  de  Garcia  de  Horta* 

Aquelle  único  Exemplo 
De  Fortaleza  heroyca,6c  Oufadia^ 
Que  oiereceo  no  templo  , 

Da  Fama  eterna  ter  perpetuo  diâ ; 
O  gram  Filho  de  Thctis,  qUe  dez  annos 
Flagelo  foy  dos  mifcícs  Troianos: 

Naô  menos  enfinado 
Foy  nas  ervas,  6c  medica  policia, 
Que  deílro,  6c  coílumado 
No  íoberbo exercicio  da  milícia : 
Aíli  que  as  mães  que  a  tantos  morte  deraõj 
Também  a  muytos  vida  dar  puderaô. 

E  naò  fe  deíprezou 
Aquelle  fero,  éc  indómito  Mancebo, 
Das  artes,  queenfinou 
Para  o  languido  corpo  o  intonfo  Febo  j 
Que  íe  o  remédio  Hey  tor  matar  podía^ 
Também  chagas  mortais  curar  íabia. 

Tais  artes  a  prendeo 
Do  femiviro  Mcftre,  6c  douto  velho, 
Onde  tanto  creceo 

Em  virtude,  6c  em  ciência,  &  em  ceníclho^ 
Qiie  Telefo  por  elle  vulnerado, 
Só  delle  pode  fer  defpois  curado. 

Pois  vos,  ò  excellentc, 
E  illuftriíFimo Conde,  do  Ceo  dado^' 

Para  fazer  pcrfentc  ) 

De 


í)e  altos  Heroreso  Século  paíTado; 

E  em  que  bem  trasladada  eftà  a  memoria 

De  ^oíTos  Afcendentes,  a  honra,  6c  gloria ; 

Pofto  que  openfamento 
Ocupado  tenhais  na  guerra  infeíla. 
Ou  CO*  o  íanguinolcDCo 
Tapobrano,  ou  Achem,  q  o  mar  mole/la  i 
Ou  co'  o  Gambayco  oculto  imigo  noíTo  i 
Qiie  q'^lquerdelles  temeoNomevoiTo: 

Favorecey  a  aotigua 
Ciência,  que  jà  Aquilles  cftimou : 
Olhay  que  vos  obriga 
O  ver,  que  em  voíío  tempo  rebentou 
O  furto  de  aqueU'Orta  onde  florecem 
Plafttas  novas,  q  os  doutos  naô  conhece, 

Olhay  que  em  voflTos  annos 
Huma  Orta  produz  varias  eiyas 
iNÍoscampos  Indianosi 
As  quais  aquellas  doutas, &  portcfvas     ) 
Medea,  &  Circe,  nunca  conhecerão, 
Pofto  que  a  ley  da  magica  excederão, 

E  vede  carregado 
De  annos,  &  trás  a  varia  experiência^' 
Hum  velho,  que eníinado 
Das  Çangecicas  Muías  na  ciência, 
Podaliria  AKiljScartefilveftre, 


Himas  áõ  Crânde  Lais  de  Camoef. 


Vence  ao  velho  Chiron,  d' Aquilles  Meílrej    E  Júpiter  chovendo 


Suas  fetas  Amor  afia  agora  j 

Progne  trifte  furpira^ 

E  Filomela  chora ; 

O  Ceo  da  freíca  terra  fe  namora. 

Jà  a  linda  Cithera 
Vem,  do  Coro  das  Ninfas  rodeada  j 
A  branca  Pafitea 
Defpida,  &  delicada. 
Com  as  duas  irmans  acompanhada. 

Em  quanto  as  Ofíicinas 
Dos  Ciclopas  Vulcano  eftà  qucymandoi 
Vaó  colhendo  boninas 
As  ÍMinfas*  &  cantando  $ 
A  terra  com  o  ligcyro  pè  tocanda 

Decc  doafpero  monte 
Diana  jà  caníadadacfpeiTurai 
Bufcando  a  clara  fonte, 
Onde  por  forre  dura 
Perdeo  Adéo  a  natural  figura." 

Aíll  fevaypa fiando 
A  verde  Primavera,  &  o  fccco  Eílio? 
O  Outono  vem  entrando  5 
E  logo  o  Inverno  frio. 
Que  também  paflarà  pof  certo  fínj 

Irfeha  embranquecendo 
Com  a  frigida  neve  o  íeco  monte  % 


n 


O  qUal  eílà  pedindo 
VoíTo  favor,  &  amparo,  ao  graõ  volume, 

Qí-ie  impreíTo  à  luz  íaindo 
Daràda  medicina  hum  vivo  lumâj 
E  defcubrirnos  ha  íegredos  certos, 
A  todos  os  antigos  encubertos, 

AíTi  que  naó  podeis 
Negar  a  que  vos  pede  benigna  aura : 
Qiie  fe  muyto  valeis 
Ma  íanguinoía  guerra  Turca,  &  Maura^ 
Ajuda  quem  a}uda  contra  amortej 
E  íereis  íemelhante  ao  Grego  forte* 

ODE     IX* 


Turbará  a  clara  fonte, 

Temerá  o  marinheyroaOrionte. 

Porque,  enfim,  tudo  paíTa  i 
Naô  íabe  o  Tempo  ter  firmeza  em  nada  ^ 
E  a  noíTa  vida  elcafla 
Foge  tam  apreflada^ 
Que  quando  íe  começa  hc  acabada^ 

Que  fc  ^tz  dos  Troyanos 
Hcytor  remédio,  Eneas  piadúfo? 
Conlumiramte  os  annos, 
OCreíTotam  famoíoj 
Sem  te  valer  teu  outo  preciofoè 

Todo  o  contentamento 
Crias  que  eftava  em  ter  tcfouro  ufano! 


Ofalíopenfamento 
Continua oT, pedindo  ãT>,  FrancifcoOmtl    Queàa  cuítadetcu  dano 

nho  o  me/mo  patrocmiopara  o  Medico  Do  Sábio  Sólon  creftc  o  defengano  i 


Horta, 

Fo^em  as  neves  frias 
Dos  altos  montes  quando  reverdecem 
As  arvores  fonkbi  ias  i 
As  verdes  ervas  crecem^ 
to  prado  ameno  de  mil  cores  tecem. 
Ze^firo  brando  eípira  j 


O  bem  que  aqui  fe  alcança, 
Naõ  dura  por  poíTantc,  nem  por  torte  \ 
Que  a  bemaventurança 
Durável,  de  outra  forte 
Se  ha  de  alcançar  na  vida  para  a  morte. 

Porque,  enfim,  nada  bafta 
Contra  o  terrivcl  fim  da  noyte  eterna  j 
Nem  pôde  a  Dcoía  caíU 


Tor; 


.pjj;  ílímas  do  Grdiíde 

Tornará  a  luz  fupèrna 

Hipólito  da  efcura  íombra  Averna. 

Nem  Tefeo  esforçado. 
Ou  com  manha,  ou  cora  força  valerofa. 
Livrar  pode  o  oufado 
Peritoo-da  efpantofa 
Priíara  Letea  eícura,  &  tenebrofa.    : 

ODE     X. 

O  ajfutnpto  de  fia  Ode^  he  eftãr  o  7*.  ettamoTét* 

\do  de  húajua  e/crava^  G?  negra  dejcuU 

pando Jua  fraqueza  ;  forque  emfim 

o  T.  era  homem^ 

\  quelle  Moço  fero 
^^  Nas  Peletronias  covas  doutrinado 
Do  Centauro  íevero  ; 
Cujo  pey to  esforçado 
Com  tutanos  de  tigres  foy  criado  ; 

Na  agoa  fatal,  menino 
O  lavaamáyjprefaga  do  futuro  i^ 
Fará  que  ferro  fino  í^ 

Kaõ  paííe  o  peyto  duro 
Que  de  fi  meímo  a  fi  fe  tem  por  muror 

A  carne  lhe  endurece, 
Porque  naõfcja  de  armas  ofendida. 
Cega !  pois  nao  conhece 
Que  pòdeaver  ferida 
í^  a  alma>  &  que  menos  doe  perder  a  vida* 

Que  donde  o  braço  irado. 
Dos  Troyanos  paflava  arnês,  &  cfcudo, 
AlIifeviopaíTado 
De  aquelle  ferro  agudo 
Do  menino,que  em  todos  pôde  tudoí 

Allí  le  vio  cativo 
Da  cativa  gentil  que  ferve»  &  adora  j 
Allife  vio  que  vivo 
Em  vivo  fogo  mora, 
Porque  de  íeu  Senhor  ave  Senhora;  ' 

jà  toma  a  branda  lira 
Na  mão  que  a  dura  Pelias  meneara  & 
Alli  canta,  &fuípira, 
Kaõ  como  lhe  cnfinàra 
O  Vclhoj  mas  o  Moço  que  o  cegara, 

Poisi  logo,  quem  culpado 
Será,  fe  de  pequeno  offerecido 
Foy  todo  a  fcu  cuydado  j 
No  berço  inftituido 
A  n»ô  poder  deyxar  de  ler  ferido  ? 

Quem  logo  fraco  infante, 
De  outre  mais  podçioio  foy  fogcy  to  ^ 


E  para  cego  anaanté 

Deídc  o  principio  feytoj 

Com  lagrimas  banhando  o  tenropcyto  S 

Se  agora  foy  ferido 
Da  penetrante  ponta >  &  força  de  erva  | 
E  fe  Amor  he  lervido 
Que  firva  á  alinda  ferva^ 
Paia  quem  minha  Eftrella  me  referva  | 

O  geíto  bem  talhado  i 
O  ay  roío  meneOj  &  a  poftura  j 
O  rofto  delicado, 
Que  na  vifta  figura 
Que  íeen fina  por  arte  a  Fcrmofura: 

Como  pôde  deyxar 
De  render  a  quem  tenha  entendimento  ^ 
Qiie  quem  naõ  penetrar 
Hum  doce  gefto  atento, 
Naõ  lhe  hc  nenhum  louvor  viver  ifentgí 

Aquelles  cujos  peytos 
Ornou  de  altas  ciências  o  Deftino 
Se  viram  mais  (ogeytos 
Ao  cego,  &  vaò  Menino^ 
Arrebatados  do  furor  divinoj 

O  Rcy  famofo  Hebreo, 
Que  mais  que  todos  íoube,  mais  amou  J 
TantOj  que  a  Deos  alheo 
Falfoíacrificou. 
Se  muy  to  íoube,  &  teve,  muy  to  errouj 

Eo  gram  fabio,que  enfina, 
Pafi^&ando,  os  legredos  da  Sophia, 
A  a  bayxa  concubina 
Do  vil  Eunuco  Hermia, 
Aras  erguco,que  aos  Deofes  fó deyia* 

Aras  ergue  a  quem  ama 
O  Filofcfoinfigne  namorado 
Dòefea  perpetua  Fama> 
E  grita  que  culpado 
Da  leia  divindade  he  acufada* 

Jà  foge  donde  habita  j 
Jà  paga  a  culpa  enorme  com  deílerroj 
Mas,  ò  grande  defdita  i 
Bemmofi:ra  tamanho  erro^ 
Que  doutos  corações  naõ  faÕ  de  ferro. 

Antes  na  altiva  mente» 
No  fútil  fágue^  &  engenho  roais  perfeytoj 
Ha  mais  conveniente, 
E  conforme  fcgeyto. 
Onde  fe  imprima  o  brádoí  &  doce  eíFeyt^ 


^DE 


Mimas  dç  Gr  an^k 
ODE     XL 

O  argumento  deífa  ifaõ  os  amores  de  Telíê 

com  nftysj  f£  como  eUaJe  lhe  re^id^a, 

&  ttveraão  forte  Achilles. 

Naquelle  tempo  brando 
limque  (e  vedo  mundo  a  fermofura, 
Que  Thetis  defcanfando 
De  íeu  trabalho  cílà,  termofa,  &  pura, 
Canfava  Amor  o  pcyto 
Domiucebo  Peko,dthumduroaiFeyto. 

Com  impero forçofo 
Lhe  avia  já  fugido  a  bella  Ninfa, 
Qiiando  no  tempoaquofo 
Noto  irado  rebolve  a  clara  linfa» 
Serras  no  mar  erguendo 
Que  os  cumes  das  da  terra  vaõ  lambendo, 

Eíperava  o  mancebo. 
Com  a  profunda  dor  que  na  alma  fetic^, 
Hum  dia,  em  que  já  Febo 
Começava  a  moltraríe  ao  mundo  ardente, 
Soltandoas  tranças  de  ouro 
Em  que  Cliciede  amor  fa?  feu  tefourç, 
t    Era  no  rae?^que  Apolo 
Entre q%  irmãos  celeítes  paíTao  tempo: 
O  venro  enfrea  Eolo, 
Paraqueodelcytoío  paííatempo 
Seja  quieto,  &  mudo  ; 
Qtie  a  tudo  Amor  obriga,  Sc  vence  tudo. 

O  luminofodia 
Os  amorofos  corpos  defpertava 
A  a  cega  idolatria 

Que  ao  pey  to  mais  contenta,  &  maiç  agrava-, 
Ondeo  ceg'>  Menino 
Faz  que  oí>  humanos  cream  que  be  divino  : 

Quando  a  fermofa  N  infa, 
Com  rodo  o  a|ur>camenio  venerando, 
Na  ciíílalma  linfa 
O  corpocri/lâlinotftà  lavando  i 
O  qual  nas  agojs  vendo, 
Neile^akgredeo  veríe  eftàrevçnd^. 

O  peyto  diamantino 
Em  cuja  branca  teta  Anipr  íe  C|ia  ; 
O  gcfto  peregrino, 
Cuja  preíença  tor  na  a  npytf  emdia ; 
A  graciofa  bocca 
Que  a  Amor  com  íeus  aipores  mais  prpvoca. 

Oi  lubisgracioíos  ; 
A*í  pérolas  que  eícondem  viva^J^ofai 
Dos  jardins  deleytofos 


itt//  às  Cmihíl  ^ 

Qlic  o  Ceo  plantou  em  faces  tao  fcí  n  ofas  j 
O  cranfpircntcjcollo, 
Que  ciúmes  a  Dapline  faz  de  Apolo, 

QíLicilniQvu^iç.cutQ 
Dos  ol  hoS;^  c u  ja  v  vila  a  A  mor  cegqu  ^ 
A  Amçr,  quç  com  cojrmento 
Glorioío,  nunca  dcl.Us.(e apartou, 
Poisellcsdccontino 
Nas  meninas  o  trazem  poç  nienino. 

Os  ftoi  deíramado 

De  aquelle  ouro,q  o  peyto  mais  çoW^íi, 

Donde  AmiOí  çnK;d;?dots 

Os  cora^^Qçs  hun^aaos  tra?,  &  atiça  j 

E  donde  com  deíejo 

Mais  ardente  começa  a  f^rfofecjo. 

O  Mancebo  Pçlço^ 
Que  de  Neptuno  t^ava  accnfcUiado* 
Vendo  na  Terra  o  Çeo 
Em  tam  bella  fii^ura  trasladado. 
Mudo  hum  pouco  fícou, 
Porque  Amor  logo  afalia  Ihç  tirou. 

Enfim  querendo  ver 
Quem  tanto  mal  de  longe  Ihc  fa?ia, 
A  viíla  foy  perder, 
Forque  de  puro  a  mor  amor  naq  via: 
Viofe  afli  cego,  &  n^udo^ 
PoraforçadeAmor^quc  pQdçtijdp. 

AgQtafeaparçlhi 
Para  a  batalha,  agora  remçtendq  j 
Agora  fç  agonfelha, 
Agora  vay,  agora  eítà  tremendo^ 
Quando  já dç  Cupido 
Com  nova  íetao  peytg  yip  ferjdo. 

Reipçteo  mOíjQ  \q^q 
Para  onde  eftava  a  chaga  fem  ÍQÍT^go : 
E  co*ofobcjofogo 

Qiianto  mais  perto  eftava,  então  mais  cegq  ; 
E  cegOj  <^  c'hum  íufpiro, 
Na  fermofa  Dopzella  emprega  o  tiro. 

VinggdoaffiPcieo, 
Naceo  defte  amoroío  ajuntapiento 
O  fortç  X.a;iírçOf 

D(  ítruiçaò  do  jPrigio  pcnfamento. 
Que  por  naõ  ler  ferido 
Foy  joaí  agoa$  JEAigias  fommergido. 


ODE 


^ 


p6  Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões. 

^■^^"^  Fará  por  coda  parte  movimento, 

ODE      XII.  Ley  he  da  Natureza 

Muaaíle  deita  Ibrtc  o  tempo  leve : 
^eyxa-/e  o  T.  de  que  havendo  variedade    Suceder  á  a  bellc^a 


nos  tempos j  naõ  via  nenhuma  no  dtsfa- 
vor,  que/èmpre  experimentava 
dejua  querida 

JA  a  caíma  nos  deyxou 
Sem  floresasrib^yrasdeleytofaS} 
Jà  detodofecou 
Cândidos  lírios,  rubicundas  rofas : 
Fogem  do  grave  ardor  os  paílarinhos 
Para  o  íoiiíbrio  amparo  de  leus  ninho», 

Menea  os  altos  freyxos 
A  branda  viraçaój  de  quando  em  quando  j 
Ede  efttrevanos  feyxos 
O  liquido  criítal  íae  murnnurando: 
As  gotas  que  das  alvas  pedras  faltam, 
O  pradoí  como  pérolas,  eímaltaó. 

Da  caça  jácan  ada 
Buíca  a  caO^a  Titânica  a  efpeíTura  j 
Onde á a  íombra  inclinada 
Logre  o  doce  repouío  da  verdura  : 
E  fobre  o  fcu  cabello  ondado,  &  lo  iro, 
Deyxe  cair  o  boíque  o  feu  cefouro. 

O  Ceo  deíempedido 
Moftrava  o  Lumeetcrno das  Eftrellas  j 
Ede  flores  vertido 

O  campo,  brancas^  roxas,  &-:  amarcUas. 
Alegre  obofqu  j  tinha,  alegre  o  monte, 
O  prsdo,  o  arvoredo,  o  rio, a  fonte. 

Porém  como  o  menino 
Qae  a  Júpiter  por  a  Águia  foykvado^ 
Ko  cerco  criftalino 
For  do  Amante  de  Clicíe  vifitado, 
O  bofque  chorará,  chorará  a  foncc, 
OriOj  o  arvoredo,  o  prado, o  monte, 

O  mar,  que  agora  brando 
He  das  Nereydas  cândidas  cortado, 
Logo  fe  irà  moftrando 
Todo  em  crefpas  efcumas  empolado : 
O  íoberbo  furor  do  negro  vento 


Da  Frimavcra  o  fruto  j  a  elle  a  neve ; 
E  tornar  outra  vez  por  ccrto  íio 
OjtonOj  Inverno,  i^rimavcra,  Eftio, 

Tudo,  .níiíii,  faz  mudança, 
Q^ianto  o  c-aro  Sol  vè,  quanto  alumia  j 
Nan)  íe  .^cha  fegurinça 
Emi  tudo,quanco  alegra  o  bellodia  : 
Mudamíe  as  condições,  mudafe  a  idade, 
Abonança^  os  citados^  &  a  vontade. 

Somente  a  minha  imiga 
A  duracondíçam  nunca  mudou  j 
Para  q ii e  o  m imdo  diga 
Qiic  nellalc-y  ta m  cerca  fe  quebrou  : 
Em  naó  verme  eila  fó  fempre  eiU  íirme. 
Ou  por  fugir  de  Amor,  ou  por  fugírme. 

Mas  jàlofrive!  foi:a 
Q[-ie:em  maramic  ellaíómoííre  firmeza, 
Sen2Ó  achara  agora 
Também  em  mi  mudada  a  natureza: 
Pois  fe  nprc  o  coraçam  tenho  turbado. 
Sempre  de  escuras  nuvens  rodeado. 

Sempre  exprimentí)  os  fios 
Qiic  em  concino  rcceo  Amor  me  manda ; 
Sempre  os  dou s  caudais  nos 
Que  em  meus  olhos  abrio  qué  nrsfeus  ar 
Cerrem,  íem  chegar  nunci  o  Veraõ  brà 
Qiie  tamanha  aípereza  và  mudando, 

O  Solírreno,  8í  puro. 
Que  no  fermofo  rofto  reíplandece. 
Envolto  em  manto eícuro 
Dotriíte  eíquecimento,  naó  parece; 
Deyxsndoem  triílenoytea  triíle  vida, 
Que  nunca  de  luz  nova  he  focorida. 

Poiém.fcja  o  que  for  j 
Mudcíe  por  meu  dano  a  natureza  i 
Perca  a  incí^nrtancia  Amor  j 
A  Fortuna inconílante ache  firmeza: 
Tudo  mudável  fe/a  conrramij 
Mas  eu  firme  eítarey  no  que  cmpreudi. 


SEX' 


Rims  do  Griáde  ÍUts  de  Camoesl 

EXTINAI 


% 


X  3  2 


foRojà  of^m  ultimo  àtjua  Vid^,  def enganado  canta  ajua  defgracãyhmhrado  ainda  di^ 
na  Õ  yer  ac^  iitiks  olhos  ^  de  í^ue  fcmfn  de]c)a  Va  /et  Hi/fo. 


Fogeme  prjiíco  a  pouco  a  curta  vida,  " 
Se  por  cafo  he  verdade  que  inda  vivo, 
Vayíemeo  breye  tempo  d'ante  os  olhos  j 
rhoro  por  o  paliado  j  &  cm  quanto  fallo 
}e  me  .paíTam  os  dias  paíío  a  paíío. 
^ayíerae, enfim,  aidade, Si  fica  apena. 
f   Quemaneyratam  afperadepena! 
ÍPois  nunca  hum'hora  vio  tam  longa  vida 
Em  que,  do  mal  mover  fe  viíTe  hum  p^flo. 
tQue  mais  me  monta  íer  morto  que  vivo  » 
Para  que  choro,  enfim  ?  Para  que  fallo, 
Se  lograrme  naõ  pude  de  meus  olhos  ? 
O  ifcrnriofos,  gentis,  &  claros  olhos, 
Cuja  auíencia  me  move  a  tanta  pena, 
Quanta  fenaô  cóprende  em  quãto  fallo  ! 
Se  no  fim  de  tara  longa,  &:  curta  vida, 
DevósmemflamaíTe  inda  ora yo vivo, 
Por  bem  teria  todo  o  mal,que  paíTo. 


S  E  X  T  í  N  A     ir. 

^eyxa'/e  o 'P,  do  agrado  dos  olhos  defua 

querida, (jueforad  a  cattfa  de  eUcpeT'- 

der  a  vijta,  ou  inteyrtza  dos  J eus  ^ 

A  culpa  de  meu  mal  fó  tem  meus  olho«, 
Poisqdèraõ  2  Aaioreatradanaaima, 
para  que  perdelFe  eu  a  liberdade. 
Mas  quem  pôde  fugir  a  huma  brandura» 
Que  deípois  de  vos  pòr  em  tantos  males 
Dà  por  bens  o  perder  por  ella  a  vida  ^ 

Aííaz  de  pouco  faz  quem  perde  a  vida  ? 
Por  condição  taó  dura,  &  brandos  olhos* 
Pois  de  tal  calidade  iam  nieus  males 
Que  o  mais  pequeno  delles  toca  ra  alma,  J 
Nam  íe  engane  com  moílras  de  brandura 
Quem  quizerconíervara  liberdade. 

Roubadora  he  de  toda  a  liberdade. 


Mas  bé  fey  que  primeyro  o  eíf remo  paíTo  fE  oxalà  perdoaíTe  á a  trifte  vida  \^ 

Me  hade  vir  a  cerrar  os  trilles  olhos,  Eíta  que  o  falío  Amor  chama  brandurar 

Que  Amor  me  moftreaquelles  por  que  vivo.  Ay,  meus  antes  imigos^  que  meus  olhes 

1  cftemunhcís  feraõ  a  tíuta,  ^  pcna^  Que  mal  vos  tinha  feyto  cila  voífa  alma. 

Que  eícrcvéramdctaó  moleíta  vida  Para  vòs  lhe  fazerdes  tantos  males? 
O  menos  que  paíTey,  &  o  mais  que  fallo,  Creçaõ  de  dia  tra  dia  embora  os  maLs  s 

O «.  que  n?.ó  íey  queeícrcvo,  nem  q  fallo»  Percafe  embora  a  antigua  liberdade} 


Pois  fe  de  hii  pcníainéto  em  outro  paffo, 
Vejo  tara  trifte  género  de  vida, 
Que  íe  lhe  naó  valerem  tantos  olhos, 
iNaõ  ponbimaginaf  quatfejaa  pena 
Que  eíla  pena  traslade  corft  que  vivo. 

Na  alma  tenho  contmo  hum  fogo  vivo, 
Qielenaó  rcrpiraífeno  que  fallo, 
Eftariajà  feyta  cinza  a  pena. 
Mas  fobre  a  mayor  dor  q  íofro,  &  paíToj 
O  tcmpériím  com  lagrimas  os  olhos^ 
Comque,  fe  foge,  naó  ic  acaba  a  vida. 


Transformefeem  Amortfta  trifte  alma  j 
Padeça  embora  eíta  innoccnte  vida  j 
Quebéme  pagaõtudo  ^ftesmeus  olhos 
Quando  de  oucros,  íeosvê,  vem  a  brandura^ 

Mas  como  nellc^pódcavcr  brandura, 
Se  caufadores  {áò  de  cantos  males  ? 
Engariofoy  de  Amor,  porque  mius  olhos^ 
DeíVem  por  bem  perdida  a  liberdade: 
Jà  naõ  tenho  que  dar  íenaõ  a  vida, 
Se  a  vida  ja  naõ deu^  quem  jà  deu  a  alma,' 

Que  Pode  já  eípcrar  quem  a  fua  alma 


Morrédoeftju  na  vida, &  em  morte  vivo;    Cstiva  eterna  fez  de  bum  a  brandura 


V.joíem  olhoii  ,&ídm  lingoa  fallo  j 
E  juntamente  pado  gloria,  &  pena. 


lí.  Fart. 


Que  quando  vos  dà  mo:  te  dizq  hcvida? 
Forçado  me  he  gritar  ntíles  meus  rrales, 
0'hos  meus:  p^is  por  vòs  a  liber^de 
perdi,  de  vòs  me  qucyxaiey,  meusôJí\os, 

Chora^j  meus  oihos,  lépre  es  danos  di  aU 
Pois  dais  a  liberdade  a  tal  brandtira  "  [ma 
Que  para  dar  mais  males  dàmaiS  vida. 

N  SEX- 


-f 


Rimas  dõ  Granai  Luh  di  Camkíl 


S  E  X  T  I  N  A     III. 

Lament4  oT,  a  duração  de  fua  vid^^fem 
a  vijia  àejua  querida, 

f  ~^  *  f^íftc,  ó  cenebroío,  ò cruel  dia, 
\J  Amanhecido  fó  para  meu  dano  I 

ielt  me  apartar  de  aquelU  vifta 
,<  r>/.  quem  vivia  com  meu  mal  contente? 
i  ií  íie  o  iu  premo  foras  deita  vida  i 
^^uecm  tile  começara  a  minha  gloria. 

'\.1âs  como  eu  naõ  naci  para  ter  gloria, 
?S;íQ4Õ  pena  que  creça  cada  dia, 
AJCcomeelíá  negando  o  tim  da  vida, 
J  or  que  naõ  tenha  íim  comellaodano: 
i/ai  a,^ut  nuota  poíTa  fer  contente 
i  >a  v\lta  me  tirou  aquella  vifta. 

Suive,  deleytofa, alegre viít* 
.  )on  le  pendia  toda  a  minha  gloria, 
X\)t  quem  na  mór  triíteza  tuy  contentei 
<.)^^'aMd  )  íerà  que  veja  aquelle  dia 
E  ip;  ^ue  deyxe  de  ver  taõ  gra^e  dano  / 
1'  CjiT)  que  me  deyxe  taõ  penofa  vida? 

C'omo  de(ejarey  humana  vida 
?^  'ícnçç  de  huma  roais  que  humana  vifta, 
v^iL'  taò  ^loriolo  me  fazia  o  dano ! 
V    jç),o  meu  dano  fem  a  fua  gloria  j 
A  a  minha  noytc  falta  jâ  feu  dia : 
Ti;^ ite  tudo  {t  vé,  nada  contente. 

Pois  <em  ci  já  naó  poíTo  ler  contentei 
Hl  ^f>iío  defej  ar  fem  ti  a  vida : 
>^mtijaver  naõ  poíTo claro  dia: 
Nao  polío  íem  te  verdefejar  vifta í 
Na  tua  vifta  íó  íe  via  a  gloria.' 
N  íõ  ver  a  gloria  tua  he  ver  meu  dano. 

iNÍ^m  via  mayor  gloria  que  meu  dano 
guando  do  dano  meu  eras  contente.* 
^í^ora  me  hc  tormento  a  mayor  gloria 
Q»|e  pódc  pormeterme  Amor  na  vida, 
^ois  tornarte  naõ  pôde  àa  minha  vifta, 
'  :i)í«o  na  tua  achava  alu2  do  dia. 

Ji  p<>is  de  dia  em  dia  crece  o  dano, 
t  polTp  fem  tal  vifta  íer  contente, 
-^    áfp^der  a  vida  acharey  gloria, 

i 


S  E  X  T  1  NA     IV. 

§Hexa'fe  o  í*.  de^ue  ã  vi cU  tanto  Ihedure^ 
em  ejtói^eno/a  aujcncia  de  viJia  do  ohje- 
ílõdtjtuatnór^ 

Sempre  me  qiieyxarey  defta  crueza 
Que  Art^or  uíoa  comido  quando  otépos» 
A  peíar  de  meu  duro,  6v  tr líle  Fado, 
A  meus  males  qucrit  iar  rei^cdio. 
Em  apartar  cie  mim  aqu.lla  vifta 
Por  quem  me  contentava  a  trífte  vida. 

Lcvárame>  oxalá  ^  cr:is  elU  a  vida, 
Para  que  naõ  fentira  efta  crue^a 
De  me  ver  apartado  de  tsl  vifta. 
E  praza  á  Deos  naó  veja  o  próprio  tempot 
Em  mi,  fem  eíperança  deremedio, 
A  deíeíperaçaó  de  hum  triíle  Fado, 

Porém  já  acabe  o  trifte,  (Sc  duro  Fado, 
Acabeo  tempojá  taò  triftc  vida 
Que  cm  fua  morte  fó  tem  {zu  remédio, 
O  deyxarme  viver  he  wiòr  crueza 
Pois  deícfpcro  já  de  em  algum  tempo 
Tornar  a  ver  aquella  doce  vifta. 

Duro  Amor,  fe  pagava  fó  tal  vifta 
Todo  o  mal  que  por  ti  me  fez  meu  Fado, 
Porque  quizefte  que  a  levaííc  o  tem  po  ? 
E  lambem  fe  o  quizefte,  porque  a  vida 
Me  deyxas  para  ver  tanta  crueza, 
Qtiando  em  naó  vella  fo  vejo  o  remédio? 

Tu  iode  minha  dor  eras  remédio, 
Suave^  deleytofa,  &  bcila  vilta. 
Sem  ti,  que  poíTo cu  ver  íenão  crueza  ? 
Sem  ti,  qual  bem  me  pôde  dar  o  fado 
Se  naó  heconícmir  que  acabe  a  vida? 
Mas elle  delia  me  rfkilata  o  rempo. 

Afâs  píira  voar  #cjo  no  Tempo 
Que  com  voar  a  muytos  í"oy  remédio* 
E  fó  naó  voa  para  a  minha  vida. 
Para  que  a  quero  eu  fem  tua  vifta  ? 
Para  que  quer  também  o  triftc  Fado 
Que  naõ  acabí  o  Tempo  tal  crueza  ? 

Naó  podcíráó  fazer  crueza,  ou  rempo, 
Força  de  Fado^  ou  falta  de  remédio^ 
Qucefl^a  vifta  me  fcqueça  em  toda  a  vida* 


^ 


ELE' 


Rimas  do  Grande  Luis  de  CamSésl 

ELEGIA  I 


C' 


S9 


"í 


Compara  ^ui  o  T,  a /na  fortuna  à,  de  OVidio-^  porque  ambos  foraô  desierrados  por  caufa  de 

duas  Senhoras  Talacianas, 


OSulmonenfe  Ovídio  defterrado 
Na  afpereía  do  Ponto,  imaginando 
Veríede  feus  Penates  apartado.- 

Sua  cara  molher  d  iam  parando. 
Seus  doces  filhos,  feu  contentamento  | 
De  íua  Pátria  os  olhos  apartando  : 

Naò  podendo  encubrir  o  íentimentOi 
Aos  montes  jàj  já  aos  rios  fe  queyxava 
De  íeu  efcuro,  &  trifte  nacimento. 

O  curíodas  EítrcUas  contemplava, 
Ea  quella  ordem  com  que  diícurria 
O  Ceo,  &  o  Ar^  &  a  terrra  donde  eílava. 

Os  peyxes  por  o  mar  nadando  via, 
As  feras  por  o  monte,  procedendo 
Como  o  feu  naturallhes  permitia. 

De  fuás  fontes  via  cftar  nacendo 
Osíaudofosrios  decriftal, 
A  a  fua  natureza  obedecendo. 

Afli  fódefeu  propio  natural 
Apartado  fe  via  em  terra  eílranha^ 
A  cuja  trifte  dor  naô  acha  igual. 

Sò  íua  doce  Mufa  o  acompanha^ 
Nos  loydofos  verfos  que  efcrevia, 
E  nos  lamentos  com  que  o  campo  banha. 

Deita  arte  me  figura  a  fantafia. 
A  vida  com  que  morro,  defterrado 
Do  bem  que  em  outro  tempo  polFuia , 

Aqui  contemplo  o  goftojápaíTado, 
Que  nunca  paíTará  porá  memoria 
De  quem  o  traz  na  mente  dibuxado. 

Aqui  vejo  a  caduca,  &  débil  gloria 
Defenganar  meu  erro  co'amudança 
Qj.ie  faz  a  frágil  vida  tranfitoria. 

Aquime  reprefenta  eíU  lembrança 
Quaõ  pouca  culpa  tenho,  6c  me  enftriftccc 
Ver  fem  razaó  a  pena  que  me  alcança. 

Que  a  pena  que  com  caula  íe  padece, 
A  caufa  tira  o  fentimento  delia  } 
Mas  Biu  y  to  doe  a  que  fe  naò  merece. 


rr. 


:.   o   ■!  J  :í 
Por  feu  defcaníotem  me  Já  trabalho,^ 

E  deípois  de  acordado  cegamente, 
(Ou,  por  melhor  dizer,  defacordado; 
Que  pouco  acorao  logra  hud^ /contente] 

De  aqui  me  vou,  com  paíTo  carregado, 
A  hú  outeyroerguido,  &  alii  me  aíTcnco, 
Soltando  toda  a  rédea  a  meu  cuydado. 

Defpois  de  farto  já  de  meu  tormento, 
Eftcndoeftes  meus  olhos  íaudoíos 
A  a  parte  donde  tinhao  peníamento, 

Naõ  vejo  fenaó  montes  pedregoíi  s, 
E  fem  graça,  ÍK  fem  flor,  os  campos  veja. 
Que  já  floridos  vira,  Òc  graciofos. 

Vejo  o  puro,  luave,&  rico  Tejo, 
Com  as  concavas  barcas,  que  nadando 
Vaó  pondo  em  doce  tfteyto  o  íeu  defcjo. 

Humas  com  brando  vento  na  vegando^ 
Outras  com  leves  remos  brandamente     ' 
As  Çíiftalinas  aguas  apartando. 

De  alli  fallo  com  a  agua  que  naõ  íence^  ^ 
Com  cujo  fentimento  efta  alma  fay 
Em  lagrimas  desfey  ta  clara  mente. 

Ol  fugitivas  ondas,  efpcray !  j  r 

Que  pois  me  naõ  levais  em  companhia,  "* 
Ao  menos  eftas  lagrimas  levay . 

Arè  que  venha aquelle  alegre  dia  / 

Que^cu  và  onde  vòs  ides,hvre  &  ledo. 
Mas  tanto  tempo,  quem  o  paífaria  > 

Naõ  pôde  tanto  bem  chegar  taó  cedo  :   . 
Pòrqu^fe  primeyro  a  vida  acabará, 
Que  fe  acabe  taõ  aípcro  degredo. 

Mas  eíTa  triíbp  morte  que  virá, 
Sc.em  taó  cortraVio  eftado  me  acabaíTe,    . 
Efta  alma  alFi  impaciente  a  donde  irà  hjí  aVí 

Que  fcá  as  portasfriataricaschegaíre,íjJ[ 
Temo  Aie  tanto  maf^T  a  mennoria        , 
Nem  a^aftar  ddífcte  lhe  paííaíle.  ^  ^ 

Que  fe  a  Tantalí^^Ticio  for  notória 
A  pena  com  que  va^W  que  a  atormenCíi^ 


Quando  a  roxa  manháa,  dourada,  &  bella,    A  pena  que  lá  tem  ter aó  por  gloria. 


C  1 


Abre  as  portas  ao  Sol,  &  cae  o  orvalho, 
B  torna  afeusqueyxumes  Filomela  -, 

Eftc  cuydado  que  co'  o  fono  atalho, 
Em  íonhosme  parece^  que  o  que  a  gente   . 

IL  Part. 


Eíta  imaginaçaój  enf-m^  me  aun  enta    j^-í 
Mi!  magoas  no fentido,  pcrque  ávida 
Pe  imaginações  infles  íe  contenta. 

Que  Pois  de  todo  vive  cóníumida, 

Nij'  Pof! 


ç'ioo  '\*^Rhnas  dd  Grande  Lu fs  d4  Caçoes. 

Porque  o  mal  que  poíTue  fe  reíuma,  A  vezes  cuydo  em  mi,  fe  a  novidade,   "^ 

Imagina  na  gloria  poffiiida,  f^^\  ^  ^ítcsnhczidas  (ftiataç,  com  a  mudança 

Acèquea  noyceetérna  me  confuíSa,  ^Podenaõ  mutiar  haiTja  vontade. 

Ou  veja  aquelle  dia  éèfejadò 

Em  que  a  Fortuna  faça  o  que  coftuma  ; 
-     Sc  íiella  ha  hi  mudaríe  hu m  tniXt  eftádò. 

ELEGIA     II. 

A  7).  António  de  Noronha  ejfando  o  T.  def- 

terrado  em  Ceuta j  efcreve  as  trtftezas 

que  no  dito  defierro  ex^rimentava, 

Aquella  que  de  amor  defcomedido 
Por  o  fermoío  moço  íe  petdeo, 
Qut^íó  por  fi  de  amores  foy  perdido  ; 

Defpois  que  a  Deofa  em  pedra  a  converceõ 
De  íeu  humano  gefto  verdâdcyro, 
A  ultifra  voz  íó  ihe  conccdeo. 

Afli  meu  mal  do  propio  fer  primeyra^ 
Outra  coufa  nenhuma  me  confenre, 
Que  efte  canto,  que  efcreveo  derradeyro. 

E  fe  huma  pouca  vida  eílando  aufente 
Medeyxa  Amor,  hè  porque  o  penfamentó 
Sipta  3  perda  do  bem  de  eítar  prefente. 

Senhor^  íe  vos  efpanta  o  íofrimento. 
Que  tenho  cm  tanto  mal  para  ercrevelo^ 
Fqi' to  efte  breve  erpaço  a  meu  tormento. 

Porque  quem  tem  poder  para  íofreio> 
Sem  fe  acabar  a  vida^  com  o  cuydado, 
Também  terá  poder  para  dizelo. 

^3,em  eu  efcrevo  hum  mal  já  acoftumado, 
Mas  na  alma  minha  trifte,  &  faudofai 
A  faudade  efcreve,  &  eu  traslado. 

Ando  gaftando  a  vida  trabalhola, 
E elparzindo a  continua  foidade 
Aq longo  de  huma  praya  foidofa. 

Vejo  do  mar  a  inílabilidade, 
Como  com  feu  ruido  impet uofo 
Retumba  na  mayor  concavidade.       -sH 

De  furibundas  ondas  poderofo, 
Na  terra,  a  feu  pefar,  eftá  Comando 
Luçar  em  que  fe  eftenda  cavernoío, 

Ella,  como  mais  fraca,  lhe  cftà  dandjo 
As  concavas  entranhas  onde  efteja  ^ 

Sempre  com  fom  profundo  fui  pirando, 

A  todaseft^scoíifas  tenhocnveja 
Tamanha, que  naõ  íey  determinarme. 
Por  ftiais  Ueterminado  que  me  veja. 

Se  quero  em  canto  mal  dcfefprarme, 
Naó  poHo,  porque  Amor,  &c  íaudade, 
Nem  licença  me  daó  para  raatarme. 


E  íontiftôfiguré^fta lembrança 
A  nova  terra,  o  navof  rato  humano, 
A  eftrángryra  progénie,  aeftranha  ufança. 
Subomeao  monte, que  Hercules  Tebano 
DoaltitTiiTioCalpe  divedio, 
Dando camínhoao  mar  Mediterrano. 
Dealh  eftou  tantcandoadonde  via 
O  pomar  das  Hefperídas  matando 
A  Serpe,  quea  ícu  paíío  renítio, 

Eftoumeeraovcra  parte  figurando 
O  poderofo  Anteo,  que  derribado 
Mais  força  íe  ihe  vinha  ácrecentando. 

Porém  do  Hercúleo  braço  íoju^ado 
No  ar  deyxando  a  vida,  naõ  podendo 
Dos  focorrosda  mãy  ferajudado. 

Mas  nem  com  iito^  enfim,  q  eftou  dizédo 
Nem  com  as  armas  taó  continuadas, 
De  amorotas  lembranças  me  defendo. 

Todas  as  coufas  veiodemudadas, 
Porque  o  tempo  ligeyro  naõ  confenre 
Que  t  ftcjaÓ  de  firmeza  acompanhadas. 
Vi  já  que  a  Primavera  de  contenrCj 
Em  variadas  cores  rtveftia 
O  monte,  o  campo,  o  valle,  alegremente. 

Vi  já  das  altas  aves  a  armonia 
Qiie  atè  duros  penedos  convidava 
A  algum  fuave  modo  de  alegria, 

Vijà,  quetudo,  enfim,  me  contentava. 
E  que,  de  muy to  chco  de  firmeza. 
Hum  mal  por  mil  prazeres  naõ  trocava. 
Tal  metem  a  mudança,  &  eítranheza, 
Que  íe  vou  por  os  prados,  a  verdura 
Pareceque  le  feca,de  triíkza. 

Mas  iíto  he  já  coftume  da  ventura  ; 
Porque  aos  olhos  que  vivem  defcontentes^ 
Dcfcontente  o  prazer  fe  lhe  figura. 

O!  graves,  6c  inlofriveys  accidenccs 
De  Foruna»  Sc  de  Amor !  Quí  penitencia 
Taõ  grave  dais  aos  peytos  inocentes ! 
Naõ  baftaexaminarme  a  paciência 
Com  temores,  &  falfas  efperaoças. 
Sem  que  tambê  me  tente  o  mal  de  aufencia? 
Trazeyshú brando  efpiriro  em  mudãças^ 
Para  que  nunca  poíTa  fiT  mudado 
De  lagrimasi  (uípiros,  ^  lembranças. 

E  leeftiverao  mal  acoftumadoj 
Também  no  mal  naõ  coníentis  firmcztj 
Para q<ie nunca vi^a  defcaníado. 
Já  quicco  me  achava^om  a  crifteza, 

Eallí 


Rimas  do  Grande 
E  a  lli  nâó  me  faltava  hum  brando  engaao. 
Que  riraíTe  defejos  da  fraqueza. 

Mas  vendome  enganado  eltar  ufano. 
Deu  àa  roda  a  Fortuna,  &  deu  commígo 
Onde  de  novo  choro  o  novo  dano. 

Jà  deve  de  baftar  o  que  aqui  digo. 
Para  dar  a  entender  omaisquccallo, 
A  quem  jà  vio  t^ó  afpero  perigo. 

È  fe  nos  brandos  peytos  faz  aballo 
Hum  peyto  magoado,  &  deícontente, 
Que  obriga  a  quem  o  ouve  a  confolallo  j 

Naõ  qujcro  mais  fenaó  que  largamente, 
Senhor  me  nnandeys  novas  deíTa  cerra, 
Que  alguma  deli. IS  me  fará  contente. 

Porque  Te  o  duro  Fado  me  defterra 
Tanto  tempo  do  bem,  que  o  fraco  efprito 
Dcfamparea  priíam  onde  íeenceira 

Aoíomdas  negras  aguas  de  Cocico^ 
Ao  pè  dos  carregados  arvoredos, 
Cantarey  o  que  na  alma  tenho  efcrito 

£  por  entre  efles  hórridos  penedos, 
Aquena  negou  natura  o  claro  dia, 
Entre  tormentos  aí  peros,  Sc  medos ; 

Com  a  tremula  voz,caníada.  Si  fria, 
Celebrarey  o  gefto  claro,  6c  puro. 
Que  nunca  perderey  da fantafja, 

O  Mulico  de  Trácia  jà  fcguro 
De  perder  íua  Euridice,  tangendo  \ 

Me  ajudará  ferindo  o  arefcuro. 

As  namoradas  fombras  revolvendo 
Men\oriasdo  paíTadcmeouviráõ  i 
E  com  feu  choro  o  rio  irá  crecendo,  { 

Em  Saimonèo  as  penas  f.ikaráõ, 
E  das  filhas  de  Belo  luntamente 
Delagrimas  os  vaíos  íe  encheram. 

Qje  íc  Amor  naó  fe  perde  em  vida  auféte, 
Menos  íe  perderá  por  morte  eícura  : 
Porque,  enfim,  a  alma  vive  eternamente  ; 

E  Amor  he  eííeyco  di  alraa,6c  íempre  dura. 

ELEGIA     líl. 

Ef»  Goa  efcreveo  oT,  efia  Elegia,  contando 
ne^ia  os  fentimentos  da  partida  de  ^or*    J> 
tugaíi  &  fu  i  viage^  &  de  huma  trO' 
menta  qm  Ihe/obreveyo  no  mar. 

O  Poeta  Simonides  fallando 
Co*  o  C  apitaõ  Tcmiltocles  hum  dia. 
Em  ct.  uías  df  cK  ncia  praticando} 
Hu(ri*arte  fingular  lhe  prometia, 
Que  sntaõ  compunha^  com  que  lhe  eníiuaíTe 


Luís  de  Camões]  tot 

A  lembraríedetudooquè  fazia. 

Onde  taõ  íutis  regras  lhe  rr  oílVa^ój  -' 

Que  nunca  lhe  paííaííern  da  memoria 
Em  nenhum  tempo  as  coiifas  que  paííaffe.:. 

Bem  merecia,  certOj  fiima,  &  gloria, 
Qtiem  dava  regra  contra  o  eíquecimenco 
Que  íepulta  qualquer  antigua  hiítor?a, 

M^s  oCapicaóclaro,  cujo  iníenCij  ^ 

Bem  diíference  elhya,  porque  avia, 
Do  paliado  as  lembi  anças^  por  tormento  j 

Oi  ilylUe Simonides [deziaj    -•    ''•  J-  - 
Pois  canto  em  teu  engenho  te  confias^ 
Que  molti^as  a'  a  memoria  nOva  via  > 

Se  me  deíTes  hum'arce,  que  em  meus  dias 
Me  naó  lenibraíle  nndado  paliado, 
O  quanto  melhor  obra  me  farias! 

Se  efteexcrllentedito  ponderado 
FoiTe  por  quem  fe  vi(Te  ertar  aufente 
Em  longas eíperançaf,  degradado  j 

O  como  bradaria  juítamente, 
Simonides  inventa  novas  artes, 
Naõ  mídas  opa{íadoco'o  preíentei 

Qjefe  heforçadcí  andar  por  varias  partes 
Buícandoaavida  algu  deícanfobonerto, 
Quetu^  Fortuna  in)uO:a,  mal  repartes 5 

E  fe  o  duro  trabalho^  he  mani telfo 
Que  por  grave  que  fcja  ha  de  paíTaríe 
Com  animofo  efprito,  &  ledo  gefto  ; 

De  que  ferve  à  as  peíloas  o  lembrar fc 
Do  que  fe  paíTou  )á,  pois  tudo  paíTa, 
Senaõdeentriíieceríe^  &  mígoarfe? 

í>e  em  outro  corpo  hum'alma  fc  trafpaííà^' 
Naõ  como  quiz  Pitágoras  na  morte, 
M.íscomoo  quer  Amor  na  vidaefcaíTa  ; 

E  fe  efte  amor  no  mundo  títà  de  forte. 
Que  na  virtude  íò  úg  hum  iindo  objtâio 
Tem  hum  corpo  fem  alma  vivo^ik  forte  j 

Onde  efte  objedo  fal  ta,  que  he  defeao 
Tamanho  para  a  vida  que  ja  nella 
Me  efta' chamando  à  a  pena  a  dura  Aleito  > 

Porque  me  naó  criara  a  minha  Eitrella 
Selvático  no  mundo,  &  habitante 
NaduraScitia,  &  no maisduro delia? 

Ou  no  Càucafo  horendo  fraco  Infante, 
Criado  ao  ptytode  hun.a  tigre  Hircana, 
Homem  fora  fi^r mado  de  diamante. 

Porque  aterviz  ferina,  &  inhumana 
Naó  lomeréra  ao  )ug0,  &  dura  ley 
DcaqucUequeda  vida  qu^ndoengana. 

Ou  em  pago  da^  aguas  qu?.  ertiley. 

As  quf  pafíey  do  rr)ar^foraõ  do  Lete^ 

Para  que  me  cfqueccraoquc  pafiey. 

Por. 


loj  Rimas  do  Grande 

Porque  o  bê  que  a  erperança  vãa  promete^ 
Ou  a  morte  o  eítrova,  ou  a  mudança, 
Que  hs  mal  q  hum'alma  em  larimas  derrete. 

Jà,  Senhor,  cairá  como  a  lembrança 
No  mal  do  bem  paíTado  he  triíte,  òidura, 
Pois  naceadonde  morre  a  eíperança. 

E  fe  quizer  íaber  como  íe  apura 
Em  almas  faudofas,  na(5  íe  enfade 
De  ler  taõ  longa,  &  miícra  eícritura. 

Soltava  Eolo  a  rédea,  6c  liberdade 
Ao  manío  Favonío  brandamente, 
B  eu  a  tinha  já  Tolta  à  a  faudade. 

Neptuno  tinha  polto  o  Teu  Tridente  ; 
A  proa  a  branca  eícuma  dividiai 
Com  a  gente  maritima  contente, 

O  Coro  das  Nereydas  nos  feguia  j 
Os  Ventos,  namorada  Galatea 
Çonfigo  foíTegados  os  movia. 

Das  argênteas  conchinhas  Panopea 
Andava  por  o  mar  fazendo  molhes, 
Melanto,  Dinamene,com  Ligea. 

Eu  trazendo  lembranças  por  antolhos. 
Trazia  os  olhos  na  agua  foítegada, 
Eaagua  fem  foíTego  nos  meus  olhos.- 

Abemaventurança  já  paflada^ 
Diante  de  mi  tinha  taó  prefente. 
Como  fenaõ  mudaffe  o  tempo  nada, 

£  com  o  gefto  immoto,  &  defcontente, 
Chum  fuf piro  profundo,  &  mal  ouvido, 
Pornão  moftrar  meu  mal  a  toda  a  gente ; 

Dezia  .'ó  claras  Ninfas!  feofcntido 
Em  puro  amor  tiveltes,&  ioda  agora 
iDa  memoria  o  naõ  tendes  eíquecido  j 

Se  por  ventura  fordes  algum'hora 
Adonde  entra  o  graô  Tejo  adar  tributo 
A  Tlietys,  que  vós  tendes  por  Sen  hora  i 

Ou  j  á  por  ver  o  verde  prado  en xuto, 
Ou  já  por  colher  outro  rutilante, 
Das  Tagicas  áreas  rico  fruto  j 
'     Nellas,  em  verfoeroico,&  elegante, 
Eícrevey  com  huma  cocha  o  q  em  mi  viftcs ; 
pôde  íer  que  algum  peyto  fe  quebrante. 

E  contando  de  mi  memorias  triftes. 
Os  Paftores  do  Tejo,  que  me  ouviaõ, 
Ouçaõ  de  vós  as  magoas  que  me  ouyiftes, 

Elias,  que  já  no  gelto  me  entendiaõ. 
Nos  mcneos  das  ondas  me  moftravaõ 
Que  em  quanto  lhes  pedia  coníentiaõ. 

Eitas  lembranças  que  me  acompanhavaó 
Por  a  tranquihdadc.da  bonança, 
Kcm  na  tormenta  crifte  me  deyxavaõ. 

Porque  chegando  ao  Cabo  daEfperança, 


Luís  de  Camhs, 
Começo  da  íaudade  que  renova, 
Lembrando  a  longa,  6c  afpera  mudança  : 

De  bay xo  citando  jà  da  Eftrella  nova, 
Qije  no  noYO  Hemisfério ^2Íplandece, 
Dan  Jo  do  legando  axe  cerca  prova  5 

Eis  a  noyte  com  nuvens  íeelcureces 
Do  Ar  iubicamení c  foge  o  dia  j 
Etodo  o  largo  Oceano  íc embravece. 

A  maquina  do  mun1o  parecia 
Qiie  em  tormentas  fe  vioha  desfazendo ; 
Em  ferras  todo  o  mar  íe  convertia. 

Lutando  Boreas  fero,  &  Noto  horrendo 
Sonoras tempcfta  ies levantavaõ. 
Das  nãos  as  vellasconc  vas  rompendo. 

As  cordas  co'o  ruído  aíTuviavaõ  j 
Os  marinheyros,  j  á  deiefperados, 
Com  gritos  para  o  Ceo  o  ar  qualhavaõ. 

Os  rayos  por  Vulcano  fabricados, 
Vibrava  o  fero,  6c  aípero  Tonante, 
Tremendo  os  Poios  ambos  de  aíTombrados* 

Amorallijmoftrandofe  poíTante, 
E  que  por  algum  medo  naõ  fugia. 
Mas  quáto  mais  trabalho  mais  conílante  j 

Vendo  a  morte  preíente,  em  mi  dezia  j 
Sealgum«hora,  Senhora,  vos  lembraíTe^ 
Nada  do  que  paffey  me  lembraria. 

Enfim,  nunca  ouve  coufa  que  mudaíTc 
O  firme  amor  intrinfeco  de  aqueile 
Em  quem  alguma  vez  de  fiíoentrafle. 

Humacouía^Scnhnr,  por  certa  aíTelle, 
Quenunca  Amor  fe  afina,  nem  fe  apura 
Em  quanto eftà  prefente  a  cauíadellc. 

Deftaarte  me  chegou  minha  ventura 
A  efta  defeiada,  &  longa  terra, 
De  todo  pobre  honrado  fepulcura. 

Vi  quanta  vaidade  em  nos  fe  encerra." 
E  nos  propios quim  pouca  5  contra  quena 
Foy  logo  neceííario  termos  guerra, 

Huma  ilha  que  o  Rey  de  Perca  tem, 
E  que  o  Rey  da  Pimenta  lhe  tomara. 
Fomos  tomarlha^  &  fucedeonos  bem. 

Com  huma  groífa  armada,  que  juntara 
O  Viío-Hey,  de  Goa  nos  partimos 
Com  toda  a  gente  de  armas  que  fe  achara. 

Ecom  pouco  trabalho  deftruimos 
A  gente  no  curvo  arco  exercitada  ; 
Com  mortes,  com  incêndios  os  punimoi. 

Era  a  Ilha  com  aguas  alagada, 
De  modo  que  fe  andava  em  almadiaSi 
Enfim,  outra  Venc i2l  trasladada. 

Neíla  nos  detivemos  fósdous  dias, 
Qiie  foraópara  alguns  os  dcrradeyrosi 

Pois 


Pois  paííàraÇ  de  de  Eftige  as  ondas  friâs. 

Que  eítesfaõ  os  remédios  rerdadeyros 
Qiie  para  a  ?idâ  èftâô  aparelhados 
Aos  que  a  querem  ter  pot  ca vallcytos, 

O !  lavradores  bemaventurados. 
Se  conhecem  feuconrentamenro^ 
Como  vivem  no  campo  foflegados  J 

Dàlhcs  a  |uíla  terra  o  mantimento  \ 
Dàlhes  a  fonte  clara  da  agua  pura, 
Mun^em  íuas  ovelhas  cento  a  cenro. 

Naó  vem  o  mar  irado  a  noycceícura^ 
Por  ir  bufcar  a  pedra  do  Oriente ; 
!Naó  temem  o  furor  da  guerra  dun. 

Vive  hum  com  fuás  arvores  concence^ 
Sem  lhe  quebrar  o  fonorepoufado 
A  grani  c<  >biça  de  ouro  reluzente. 

Se  lhe  faltao  veílidoperfumadj, 
E  da  fermoía  cor  de  Afilria  tinto, 
E dos  torçays  Atalicos lavrado: 

genaõ  tem  as  delicias  de  Corinro, 
E  Te  de  Pario  os  mármores  Ihefaltaó, 
O  piropo,  a  efmeralda.  &  ojacinto : 

Se  íuas  caías  de  ouro  naõ  íe  eímaltaõ, 
Efmaltaíelhe  o  campo  de  md  flores, 
Onde  oS  cabritos  fcus  comendo  falfaó. 

Alli  lhe  moílrâ  o  campo  varias  cores } 
Véfe  os  ramos  péder  com  co*  o  flruto  ameno 
Alli  íeafina  o  tanto  dos  Paílorei. 

Alli  cantara  Titiro»  6t  Sileno  ; 
Enfim,  por  eítas  partes  caminhou 
Afáa  juái^a  para  o  Geo  íereoo» 

Ditoío  feja  aquelle  quealcançou 
Poder  viver  na  doce  comparihia 
Das  manfasovelhinhasjque criou, 

Eíte,  bem  facilmente alcançatiâ 
As  cauías  naturays  de  coda  couíà  j 
Como  íegéra  a  chuva,  6c  neve  friai 

Os  trabalhos  do  Sol,  que  naõ  repoufa  s 
E  porque  nos  dà  a  Lua  a  \út  alhea 
Skí  tolhemos  de  Fcbo  o%  rayOsôufa. 

E  corno  taõ  depreíla  o  Geo  f odea  ♦, 
E  como  hum  íó  os  outros  tra2  configo ; 
E  íe  he  benigna,  OU  dura  Gitetea. 

Bem  mal  pôde  entender  ilto  que  digo» 
Quê  ha  dcandaríegumdoo  fero  Marte, 
Que  lemprcos  olhos  tn^zem  feo  perigo* 

Porém  íepj  Senhor,  de  qualquer  arrcj 
Pois  poíto  que  a  Fortuna  pofia  tanto 
Qu-  taólonge  decodoó  bem  me  apaite^ 

xNÍaò  poderá  apariíir  meu  duro  canto 
Defta  obngaçavõ  fua,  em  quanto  a  Morto] 
Me  naõ  catrega  ao  duro  Kadainanto  ^ 


Se  para  triíles  ha  tnô  fedai  fottè^ 
ELEGIA     IV. 


m 


AT>*  Leonis^treyra  GovernKidof'  de  Malacê^^ 

fertende  o  *P.  que  úceyte  hum  livro,  que 

*Feãyo  de  Magalhães  Gandabo  lhe 

deaica  dé  htjioriu  do  Brafil^ 

DE  pois  que  Magalhães  revê  tecida 
A  breve  Híftona  íua,  queilluAraíTc 
A  terra  Santa  Cruz,  pouco  íabida  : 

Imaginando  a  quem  a  dedicaílè, 
Ou  com  cujo  favor  def:nder ia 
Seu  Livro  de  algum  Zoylo  que  ladraíle  5 

Tendo  niílo  ocupada  a  faiità fia, 
Lhefobrsvéyohum  fonorepauíadOí 
Antes  que  o  Sol  abriííe  ó  claro  dia. 

Em  íonhos  lhe  apsfcce  todo  artnado 
Marte,  brandindo  a  lança  furio<a^ 
Com  que  fez  quem  o  vso  todo  enfiado. 

Dizendo,  em  voz  peíâda^  &  temeroia/ 
Naó  hejuíto  que  a  outrem  íe  oíFereça 
Obra  alguma  que  poffà  íer  f  moía, 

Senâõ  a  quem  por  armas  reípla-^déça 
No  largo  mundo  com  ti  nome,  &  fama, 
I    Que  louvor  immoríalíempre  mereça, 

DiíTeadi  j  quando  Apolo,  que  dá  fia mma 
Celèíte  guia  os  carros,  dé  outra  parte 
Se  lhe  prefenta,  &  por  feu  nome  ò  cham-^. 

Dizendo  :  Magalhães,  poílo  que  Marte 
Com  íen  terror  te  efpante,  todavia 
Comigodeves  fó  deacOnfelharte. 

Hum  Varaó  fapitnce  ,  cm  qucm  Thalia 
Poz  íeus  tefouros,  &  eu  mmha  ciência, 
Defender  tuas  obras  poderia, 

He  jullo que à  Efcriturá  na  Purdencia 
Ache  íòdefcníaõi  porque  a  dureza 
Das  armas  he  contraria  da  eloquência, 

Aíli  diífe  :  &  tocando  com  dtllreza 
A  cítara  dourada,  começou 
A  mitigar  de  Marte  a  forfale?a. 

Mas  Mercúrio,  que  íempre  coílumou 
Pacificar  porfias  duvidoías^ 
ComoCoduceo  na  máo,  que  íempre  ufou, 

Decermma  compor  as  perígoías 
Opinióesdos  Deoles  inimigos 
Com  íuaves  razoei,  &  pondérofas, 

Ediííc;  Bem  fabemos  dos  antigos 
Hero(S,{k  dos  modernos,  quç  prOvàraã 
De  Belona  os  graviíTimoe  perigos  $ 

Como  também  mdv«z€$ concordara  ' 


104»  Rlmat  âúGranàe 

Ás  armas  com  as  letraSi  porque  as  Muías 
A  muytos  na  milícia  acompanharão 

Nunca  Alexandre,  ou  Gefar  nas  confufas 
Guerras  u  eft  udo  dcyxaó  grande  efpaço  > 
Ciue  as  arma>  já  mais  delie  laó  eícutaí). 

Numa  mão  livros,  noutra  ferro,  &  aço i 
Aqucltarege,  &enfina-,  eftoutra  ície: 
Mais  co'  o  íaber  íe  vence,  que  co'  o  bi  aço, 

Pos, logo,  hum  Varaõ gran Je  íe requere^ 
Que  com  teus  doens  (Apolo)  illuílrc  íèja » 
b  de  ti  £  Marte]  palraa,&  gloria  eíperc. 

Efte  vos  darey  eu,  cm  quem  fe  veja 
Saber,  &  esforço,  no  fcreno  p.eyto : 
Qíe  he  hum  Leonis  que  faz  ao  mudo  cnveja, 

Oefte  asírmâasem  vendo  o  bom  fogeyco, 
Tod'snove  nos  braços  o  tomàraõ, 
Criand  j-ocom  ofeu  leyte  nofeuleyto. 

As  arteSj  &:  as  ciências  lhe  enílnáraó, 
inclinação  divina  lhe  iníiuiraÒ 
A  as  virtudes  morais  que  logo  o  ornáraõ. 

De  aqui  nos  exercícios  o  feguiwõ 
Dasarmis  no  Oriente,  ondepnmeyro 
Hu  o  foldado  gentil  inftituiraó. 

Alli  cays  provas  fez  de  cavateyro, 
dijCí  deChriftomagnaimo,  &  feguro, 
Atli  meímovenceo  por  derradeyro, 

Def-^ois,  jâ  Capitão  forte,&  maduro» 
Governando  toda  a  Áurea  Chcrfonefo 
Lhe  def^ndeo  com  o  braço  o  débil  muro 

Porque  vindo  acercala  todo  o  pefo 
Do  poder  dos  Achensj  que  fe  fuílenta 
De  alheo  íangue,  em  fúria  lodo  acefo  % 

Efte  16  que  a  ti,  Marte, reprefenta, 
O  caftigou  de  forte,  que  vencido. 
De  ter  quem  vivo  fique  fe  contenta* 

fe  logo  qucefteRey no  defendido 
Deyxoujíegunda  vezi  com  mayor  gloria, 
Para  ir  governar  foy  elegido. 

Mas  naó  perdendo  ainda  da  memoria, 
Os  anagos  o  leu  governo  brando. 
Os  imigosodatyoda  vitoria, 

Huns  coin  amor  intrinfeco  efptrando 
Eftaó  por  ellej  &  os  outros  congelados 
O  eftaõ  com  frio  medo  receando. 

Vede,  pois,  (ê  íiiriaõ  debelados 
Por  feu  claro  valor,  fel átomaíTc, 
E  dos  índices  mares  degradados. 

Porque  hejufto  que  nunca  Ihenegaílè 
O  concelho  doOhmpio alto,  &  lubido. 
Favor,  &  ajuda  com  que  pclejaíle. 

Aqui  lò  pôde  fcr  bem  dirigido 
De  Magalhães  o  eítudo ;  cfte"íó  devc 


LuíS  de  Càmõtf.  ^ 

Ser  de  vos  claros  Deofesi  efcolhido, 

Afli  Mercúrio  diíle  ^  &.  em  termo  breve 
Conformados  íe  vem  Apolo,&Mattei 
E  vooujuntamente  o  feno  leve. 

Acorda  Magilhães,  &  já  le  parte 
A  offreccrvos,  lenhor  claro,  &  famoío, 
Tudo  o  que  nellc  poz  c  iencia,  <k  arce. 

Tem  claro  eftilo,  &  en^^enho  curiofo, 
Para  poder  de  vi\s  fer  recebido 
Com  mão  benigna  de  animo  amorofo. 

Pois  íe  íó  de  naõ  íer  favorecido 
Hum  alto  eíprito,  fica  baxo,  6í  efcuro 
Efte  feja  com  vofco  defendidoi 

Como  o  foy  de  Malaca  o  débil  muro, 

E  L'  E  G  I  A     V. 

SuffirAaqui  oT.peU^vifla  dê  fua  querida^ 

ainda  com  todos  os  defdens^que  aíU 

fazia  delle, 

AQuelle  mover  de  olhos  excellente, 
Aquelle  vivo  elpirito  inftammado 
Do  criítalino  roíto  iranfparente: 

Aquelle  gefto  immoto,  &  repoufado, 
Queeftando  na  alma  propriamente eícricoí 
Naõ  pòieferem  veríotrasladrido: 

Aquelle  parecer,  que  he  infinito 
Para  lecomprenderde  engenho  humano, 
O  qual  offende  em  quanto  tenho  dito ; 

Tanto  a  inflamarme  vé  de  hú  doce  engano^ 
E  tanto  a  eagrandecerme  a  fantafia, 
Qiienaòvi  mayor  gloria  que  meu  dano. 

O  !  bemaventurado  íeja  o  dia 
Em  quetomeytaõdocepenfamentOj 
(^uede  todos  os  outros  medefvia 

E  bemaventurado  o  fofrimento 
Que  íoube  fer  ca  paz  de  tanta  pena, 
Vendo  que  o  foy  da  cauía  oontendimento. 

Façame  quem  me  mata,  o  mal  que  ordena. 
Traterne  com  enganos,  defa mores ; 
Qiieeotaõ  me  falva  quando  meoondeoa, 

E  fe  de  taõ  fuaves  disfavores^ 
Penandovivehuniaalma  confumida, 
O  que  doce  penar !  que  doces  dores  i 

Efehumacondiçaõ^ndurecida, 
Também  me  nega  a  morte  por  meu  dano, 
O  que  doce  morrer !  que  doce  vida  ! 

E  Te  me  molf  ra  hum  gello  lindo  humano^  • 
Cl  mo  que  de  meu  mal  culpada  fe  acha, 
O  que  doce  mentir!  que  doce  engano  ! 

E  fe  em  quererlhc  Canto  ponho  tacha, 

Mof- 


á 


Rimas  do  gtdfide 
Moftrando  refrear  õ  pénfamenco, 
O  que  doce  fingir  .'  que  doce  cacha  1 
g^  Aíli  que  ponho  jà  no  íofrimento 
A]paríe  principal  de  minha  gloria, 
Tomando  por  melhor  todo  tormento. 
^i  Se  finco  tanto  bem  fó  co*  a  memoria 
De  vcrvos,  linda  Dama, vencedora  ; 
Qiíe  quero  eu  mais  que  fer  voíTa  vitoria  ? 

Se  canto  a  voíTa  vifta  mais  namora, 
Qiianto  tu  fou  menos  para  merecervos  j 
Que  quero  eu  mais  q  tervos  por  íenhora  ? 

Se  procede  eíle  bem  de  conhecervos, 
E  confifte o  vencer  cm  íer  vencido, 
Que  quero  eu  mais,  íenhora,  q  quercrvos 

Se  em  meu  proveyto  faz  qualquer  partido, 
Sò  na  vifta  de  huns  olhos  taõ  íerenos, 
Que  quero  eu  mais  ganhar  que  íer  perdido  ? 

Se,  enfim,  os  meu> efpritos,  de  pequenos, 
A  merecer  naõ  chega õ  feu  tormento. 
Que  quero  eu  mais,  q  o  mais  naõ  feja  menos  ? 

A  cauía^  pois,  meesfcrça  o  roftimenroj 
Forqueia  pefar  do  mal  que  me  reíiíle, 
De  todos  os  trabilhos  me  contento. 

Que  a  razaõ  faz  a  pena  alegrCjOU  trifte. 

ELEGIA     VI. 

^efcreve  o  T,  ofrefcOy  Q?  agradável  bofque 

aonde  vive  o  Âmo)\  &  concíne  com  afa* 

bula  de  KaTcifo. 

ENtreruílicas  ferras,  6c  fragofas. 
Comportas  de  âfperiíTimos  rochedos^ 
De  falitradas  lapas  cavernofas ; 

Ondegritando  os  húmidos  penedos 
Orvalhados  de  neve  branca,  &  fria, 
Brocando  eítam  de  fí  niil  arvoredos ; 

f-Iuma  florefta  fez  yerdcj  Si  fombria 
A  Natureza  experta,  querodea 
Como  elevado  muro  a  íerrama. 

Nefte  fermofo  fitio  fe  recrea 
O  laícivo  Cupido  entre  as  boninas, 
Qiiefempre  hCi  brando  Zephiro  menea. 
••  Dí  cândida  cecem^  das  clavcilinas, 
Da  íalva,  manjerona,  &  das  mofqucftas. 
Das  rubicundas  flores  Jacinrinas ; 

Muytas  capelas  tece,  quede  Terás 
Lhsíervcm  contra  pcyCosdc  donzellas 
A  quem  de  enveja  traz  fempre  inquietas. 

Naó  íâõ  de  huma  íó  cor  as  flores  bellas, 
Qurhumasefmalta  verde,  outras  roíado. 
Entre  as  azues  çreccndo  as  amarellas, 

IL   Pau. 


LuisdeCamõesl     ^  ^  toi 

Dos  agrcítes  loiírêyros  rodeado 
Faz  o  Valle  huma  fombra  dehytofa,' 
Quando  aparece  o  Sol  mais  levantada 

E  por  cima  da  relva  bem  gracíoía 
As  goras  de  cníial  quafi  imitandj 
EAam  do  aljôfar  puro  a  luz  fermoía. 

As  crifl:ahnas  fontes,  que  brotando 
Por  entre  alvos  íeyxinhos  fe  derivam, ' 
Das  arvores  os  troncos  vam  banhctndo. 

Entre  as  límpidas  a  guas,  q  inda  efquivaiH 
O  ferrnoíoPaiior,que  feperdeo 
Pr eío das  falias  moftras  que  ocativaõ^ 

Crece  a  por  cuja  ca  ufa  íe  efqueceo 
A  lindaCitherca de  Vulcano, 
Quando  prefa  de  amor  fe  Iherendeo. 

Na  brancura  do  rofl:o  fobsrano^ 
Inda  as  cruéis  feridas  aparecem 
Do  javali  cerdofo,  &deshumano. 

As  rofris  que  de  langue refplandecena 
Nas  cândidas  boninas  marchetadas. 
Qual  roxoefmalte  àa  viíla  be  fe  oíFreccm,> 

Do  m aturi no  orvalho  rocíâd^iS 
As  flores  rutilantes,  &  cheyrofas, 
Eftsm  como  por  cima  priteadas» 

Os  hu medos  botoccs  abrindo  as  rofa». 
Que  os  agudos  eípinhos  vam  cercandO| 
No  prado  fe  vem  rindo  delicioías. 

A  n^^elif^ra  Abelha  fufurrando 
Por  cima  das  boninas,  qiie  rodea, 
Eílà  co'  o  fom  das  aguas  concertando* 

Do  trémulo  regato  abranda  área 
Dejacintos  fe  cobre,&  de  vieyras 
Que  encreípaô  da  corrente  a  branca  vea« 

Os  alamos  fe  abraçam  co^as  videyras 
De  íorre,que  fc  enxerga  efcalTamente 
Se  famos  cachos  feus  fedas  parreyras, 

E  pendendo  por  cima  da  corrente» 
Outro  fermoío  boíque  dibuxando 
Eílam  no  fundo  delia  brandamente. 

Ouve^e  o  Roxinol  aqui  lembrando 
Do  pérfido  cunhado  a  crueldade. 
Magoas  em  melodias  trí.nsformando. 

A  íolitaria  Rola  com  foidade 
Desfaz  o  rouco  peyto  ja  canlada 
De  quenam  move  a  mortea  piedade, 

A  domeílica  Progne  anda  banhada 
No  íangueda-íeus  filhos,  em  vingança  ^ 

Da  trifle  Filomena  profanada. 

De  competir  co' o  Merlo  naó  defcança 
O  gárrulo  Calhandro,  que  enroquece 
Por  nam  perder  callaio  a  confiança,  ] 

Em  quanto  o  pobre  ninho  ajunta,  &  tece 


O 


Ofo* 


ão6 

*0  foiiorò'Canario,  modulando 

Engana  a  grawc  pena^  que  padece 

Alguns  vcrlos  fe  elcuia  derram  mdo 
O  vaao  Pinraíiigo^taõ  raiidaveis. 
Que  produzé  oicínorias  de  amor  brando. 

Poros  direytos  troncos  ha  notáveis 
Epigramas  5  alguns  de  antíguâ  hiftoria^ 
Qi-ie contra  o  duro  tempo  Ía6  duráveis. 


Rimas  do  Gr  a  ff  de  Lais  de  Cíímõesi 


Digna  de  te  chorar  com  magoa  pura,' 

CaíUgo  foy  que  o  moço  mereceo 
Por  íe  moitrar  eíquivo  com  aqudia 
Que  em  viva  pedia  Juno  cOiwerteo, 

Ardia  em  fogo  da  alma  a  yãa  donzeUa,] 
Sofrendo  hum  ouro  peyroi  que  a  Narcifo 
Qjandoella  noius  íeabraín>  maiscógella. 
E  quando  a  ífáca  Ninfamaisdefifo 


Huns  de  cruel  tormentOj  outros  de  gloria    Moílrava  hum  final  certo  de  firmeza, 

.r.C V  -  1:1 1-j-  j_ r c A  i\. .  .  ^:i. 


fonforme  à  a  libardade  do  que  efcreve, 
ílranhos  cafos  moftraó  á  a  memoria. 

O  que  nefte  lugar  conten  te  eftc ve, 
Contente  declarou  feu  penííimento, 
E  os  prazeres  também  qus  nelle  ceve. 

Mas  outros  declarando  o  íentimcnto 
Que  dos  olhos  deAila  triíles  aguas 
Deyxàraõ  mil  lembranças  de  tormento. 

Abraíandofealgunsen  vivas  fraguas, 
Eícrevèraó,  do  boíque  em  muyras  partes, 
Goftôs  de  amor  agora,  agora  magoas, 
,,  PorquCj  cruel  Menino,  o  premio  partes 
A  quem  feras  Tirano  fe  lho  negas  j 
E  injufto,  &  defigual,  íe  lho  repartes  ? 

Porque  enganas  as  almas  que  taõ  cegas 
Arraftras  a  pos  ti,  de  error  cativas  > 
Porque  a  cruéis  rigores  as  entregas  > 


Enraõ  íe  provo:ava  o  moço  a  riío. 

Jà  dehuma  prcfundídin)»  tnfteza 
A  defcora  o  rigor  qu^^  a  coníumia. 
Cornodiídisfâvor  niâl  com  bcllezaí 

O  gelado  Paftor  folgava,  &  ria ; 
Mas  vendoa  de  fcu  gofto  andar  contente. 
Por  naõ  a  contenrer  íe  entriílçcia. 

He  tal  o  feu  rigor  que  naõ  confente 
Que  íeja  o  golto  próprio  fellejado, 
Antts  diílò  femcílra defconíence. 

Mas  ocegQ  Cupido,  de  afrontado. 
Em  vingança  da  fé,  quedeípre/ou, 
Fez  que  fof le  de  fi  mtírno  enganado. 

Caíualmente  hum  dia  fe  chegou 
A  beber  numa  fonte criftalina. 
Que  de  fi  nova  íede  lhe  caufou. 

Vendo  a  fua  figura  peregrinij 


Para  quecótra  hum  peyto  aíTi  te  efquivâS,    Que  a  fonte  dentro  em  fi  reprefentava,' 


Que  humilde  fe  fogeyta  a  ceu  cuy  dado 
Com  enganos  de  ÍOmbras  fugitivas  í 

Leyascomo  a  menino  hum  pobre  a  nado» 
Numa  aparência  falfa  embevecido, 
Quando  co^  os  braços  corta  o  mar  inchado. 

Querendo-íc  tornar,verc  perdido, 
Jà  grita  quefe  afoga,  &:  tu  zombando 
Da  praya  entre  os  penedos  efcondido. 

O  trifte,  que  conhece  irfe  afogando. 
No  meyo  da  arrifcada  zombaria 
por  divino  íoccorro  eftá  clamando. 

Mas  eu  de  que  meefpanto,  le  dezia 
Hum  fabioj  q ue  de  enganos  fc  temeíTe 
O  que  tomaíTea  hum  cego  tal  por  guia. 

Nunca  nelle  a  firmeza  permanece  j 
Se  nos  dà  gofto  algum,  mudafe  logo  j 
Jàchora^  já  fe  ri,  jà  fe  enfurece^jo-  r)  .\ 

Anda  Co*  os  corações  íempre  em  hu  jogo> 
Humas  vezes  os  faz  de  pedra  fria. 
Outras  Gs  faz  de  nevCi  outras  de  fogo. 

Tornando  ao  bofque  meu^  que  deícrevia, 
t)?fpois  de  ter  contado  da  frefcura 
Que  nelle  taó  pompofa  aparecia ; 
}■■'■  Referir  quero  agora  huma  aventura 
Que  nelle  ao  vaó  N  í rciío  aconteceo. 


Se  pt^rdeo  por  imag-nQ  taó  diyiiu. 

Como  jà,  de  cLvado,  naó  cuydava 
Nos  enganos  quea  íomb-a  lhe  fazia. 
Vendo  o  ftrrmoio  roíto^  fuípirava. 

Por  as  avaras  aguas  fe  metiaj 

E  quanto  mais  molhava  os  tenros  braço?,' 
Entaò  mais  vivamente  o  fogo  ardia, 

VenJofe  aíll  prender  cm  duros  laços. 
Ao  fentimenco  obriga  a  paciência, 
Dando  for-i  de  fi  ao  vento  abraços. 

Embevecido  todo  na  aparência. 
Sem  faberdocuydadooque  íentia, 
Naó  fez  ao  doce  engano  rcfillencia. 

Ao  vcrfe  longe  mais^  mais  perto  via 
O  peregrino  gefto  •,  61  fe  chegava,  > 

Entaô  para  mais  longe  lhe  fugia. 

Vendo, enfim,  como  em  tudo  o  rennedava, 
Cahio  no  torpe  engano  que  tivera^ 
A  tempo  que  de  fi  )à  prefoeíUva. 

A  Belleza,que  a  cantas  morte  dera. 
De  fi  meíma  íe  abraía,  ík  íe  cativa. 
Quam  longe entaõ de  fi  veríequizeia! 

EUa  fe  abranda  própria  /ella  f^cíquíva  j 
E  fendo  ella  íómente  a  que  feamava  j 
Elia  fe  chama  ingiaca,  ^  fugitiva, 

Aier 


\ 


Rimas  do  Grande  Luh  de  Camôesl 
A  fermofurâj  pois,  que  namorava,  £  fe  foy  defprezado,  !à  padece. 

Com  taldifilculdadeera  feguida. 


\Q) 


Que  eft^ndo  dentro  em  fimuy  longe  eftava. 

A  folícaria  Niofa,  que  efcondida 
Jà  nas  cavernas  concavas  fc  via, 
Doi>  males  que  Iheouvio  foy  comovida. 

Das  namoradas  magoas,que  dizia 
O  namorado  moço,  eiia  lomence 
Oj  uícimos  acentos  repetia. 

Elle  vcndoíe  cftar  alli  prefenre, 
As  criftalinas  aguas  acufava 
De  qiie  ellas  o  faziaõ  defcontente. 

Outras  vezes  à  afonte  quando  olhava 
Jà  ce^ó,  &  fém  juízo,  agradecia 
A  figura  que  dentro  lhe  moílrava. 

Mas  vendo  que  ella  em  nada  fe  doía  í>My 
De  feu  grave  tormento,  grita,  &  chora.  ' '  *  '  ■ 
Qifauto  erra  quem  de  íombras  fc  confia  l 

jà  lhe  pede  que  íaya  para  fora. 
Ignorando  que  fcmpre  fora  efteve 
A  ÒT-Ueza  que  nelle  próprio  morsi. 

Dei  pois  que  longo  eípaço  fe  deteve 
Neftes  queyxumes  íeus  taó  laítimoíos, 
Que  com  taó  logo  fer  julgou  por  breve ; 

Com  os  olhos,  bellos  fi,  mas  lagrimofos, 
Do  valle  (e  defpede,  &  da  efpeíTura, 
Dando  foi uços  da  almavagarofos. 

Entregue  na  vontade  da  Ventura^ 
Ou,  por  melhor  dizer,  de  feus  en^anos^ 
Ao  centro  fe  arrojou  da  fonte  pura, 

Deíla  arte  feneceo  em  tenros  annos 
Narcifo,  dando  exempo  à  a  Fermofura  i 
De  que  tema,  fe  he  tal,  também  feus  danos. 

Sentimento  moftrou  da  forte  dura 
O  Namorado  Júpiter,  mudando  ♦ 

Ao  moço  em  flor  purpúrea,  que  inda  dura, 

Aquellas  claras  aguas  rodeando. 
Onde  por  feus  amores  íe  perdeo, 
Eltà  defpoís  da  morte  acompanhando 

Tanto  no  feu  engano  procedeo, 
Que  nao  fabe  na  morre  inda  apartaríc 
Dos  erros  que  na  vídacometeo. 

Bem  pôde  o  coração  deíeoganarfe. 
Que  o  fogo  de  hii  querer  na  alma  inflamado, 
Naócoíiuma  na  nrkorceresfriaríe. 
L  Porque  defpois  do  corpo  fepultado, 
Priíaõ  onde  fe  encerra  o  fraco  efprico. 
Eternamente  chora  o  feu  cuydado. 

E  dáS  efcuras  aguas  dg  Cocito 
A  rápida  corrente  refreando^ 
Celebra  o  lindo  geflo  na  alma  efcrito. 

Lá  (e  eflá  co*  oi  favores  recreando : 
.-11,  Paru 


As  duras  cíquivanças  lamentando.  ^ 

Nem  doi  avaros  olhos  lá  feefquece,^  ' 

Que  de  fermoío  verde  a  terra  eímaltáo, 
For  naõ  ver  os  do  tríílc  que  endoudece.' 

Afll  que  os  dis  favos  es  nunca  faltaò 
A  tè  defpoís  da  morte  pcríèguíndo 
Hom  triíte coração  quedesbarataó, 

Triíte  de  quem  em  vaó  lhe  vay  fuguindoi 

E  L   E  G  I  A     VII. 

Elegantemente  pinta  aqui  o  T.  o  Jardim  do 

Kylmòr  com  a  defcripçaõ  das  arvores  q^ue 

o  fazem  Ueleytofo* 


fii . 


i 


A  Opèdehuma  alta  faya  viíentado, 
-^^Num  valle  de  leytofo,&  bem  florido^ 
A  Almcno  Paftor  trifte,  &  namorado,   ^' 

Outro  no  mundo  pôde  aver  nacido 
Taò  quey  xofo  de  Amor  j  poré  naõ  tanto 
Gomoefle  Amante  por  amar  perdido. 

Jà  Vénus  hia  recolhendo  o  manco 
E{curo,com  que  aterra  íe  moílrava, 
Para  ajudar  de  Almcno  o  triíle  pranto 

Apolo  fobre  os  montes  derramava 
Seus  dourados  cabcHos,  que  faziaõ  ' 

Ao  tnílc  inda  mais  trifte  do  que  eftava^ 

As  flores  por  o  prado  íe  eftendiaõ» 
E  das  qtie  finas  mais  eraõ  as  cores,  ^ 

As  brancas  roxas  Ninfas  mais  colhiaõ 

Jà  guíavaô  feus  gados  os  paííores, 
Que  deyxando-os  no  campo  deleytofo^ 
Com  ellas  praticavaó  Iode  amores. 

Mas  era  efta  alegria  hum  perigofo  j. 

Eftado  para  Almeno  entriftecido,  ^ 

E  por  ifio  a  dey  xava  preíurofo. 

Bufcando  outro  lugar,  contra  Cupido 
ClararaenLC  exclamava,  &  o  arguia 
De  contrario,  de  alluto,  8c  fementido. 

De  quando  em  quando  a  frauta  que  tangia 
Números  dava  ao  ar  taõ  docemente. 
Que  as  aves  provoca  a  melodia. 

Cego  aíli  defta  dor^  delle  accidente,        -.t; 
Com  os  olhos  em  lagrimas  banhados 
Poftos  no  Cco,  deziatriftemente; 

Se,  Annor,eu  teoffendi  có  meus  cuydadojTi 
Porque  mos  déíte  tu  para  ofVendercej 
Quando  livre  vivia  neítes  prados  ? 

Naõ  ves  quanto  me  negas  merecertc 
O  bem  que  me  moítrivas,  fe  deyxaííe 
Ferir  meu  coração  para  lofrerceí  ^ 

^     *^  O  ij  Qiial 


■??>E. 


Jl^tníag  do  Grande  Luh  de  Camões, 


QualbêmehaSfdadOjAmor,  q  medaiaiTc? 
Ou  qual  me  has  profioetido  q  |iajas  dado  ? 
Ou  qual  deite  que  tnujítuoaót Mil? ffe? 

Moftramc  qi^em  p^zefte  em  ui  cilada,     ) 
Quepudefle  vjver  dççíçpncentçj  { 

Ou  quem  deu  naõ  foilelaíUmado  ?       t\ 

Inimigp  cruel  de  toda  agente,  '    ^ 

Jà  naó  quero  teu  bemi  ío  tnt  u  mal  quero  |    . 
^e  d^  ti  [>em  meu  (i>al  íe  ruí  confente, 

Inda  que  de  teus  bens  jà  defeípero, 
Naõ  deígrezo  dos  qpalcso  tormento^ 
Antes  o  prezo  mais  quãdo  he  mais  fero, 
^  Al  reboado  deílepcníamento 
H\a  o  trifte  Paftor  com  hum  contina 
Pranto  que  lhe  avivavf^  o  fentipiento. 


Cercaofnangeficaõ,  que  íe  interpreta    ; 
^Icmoria  a  quem  oíFende  o  er^uecipnécQ.' 
.    MííysinJp*->fiunaqudQJ^rdtm  de  Certa, 
A  ameyxieyra^  íloreíla  foUnndo  : 
A  íegurelha  vcjoiquç  hcdiíççcça. 

As  ervas  que  de  aqui  trey  roniando, 
Saõa  pura  çí?çem>  que  heíaudade; 
Ciavos,  mcdQde  vtr  qual  ^^  ^morando. 

E,  de  ter  muy  perdida  a  liberdade ; 
Tomarey  madrefilva  entendimento  j 
Ltgacaó  tomarcy,  porque  he  vtrdade, 

Marmeleyro  me  dá  arreRendímcnço; 
Fora  íalva,  quehegofto,  tqiT^arcy 
Coentro  opqfto  ao  meu  contentamento, 

ConhecimentP  firme  nunca  achey, 


QLiando  entrou  nú  Vergel  de  efmalte  fino.    Que  violetas  Taõ  ♦,  &j  quando  o  ouveraj 


Qvie  era  de  Amar  plantado  ;  &  parecendo 
Lhç  ejlà  menos  humanOjque  divino* 

Nclle  adorfua  efteyerfurpendcndo : 
Porém  naõ  conao cervo  eílá  ferido 
Rep^aro  aomal,que  leva  percendendo. 

Aparecia  o  fitio  taõ  florido  * 

Que  provocava  a  oaõ  vulgar  efpanto. 
Entre  huns altos  ulmíytpts  efçondido. 

De  hum  criftalíno  orvalho  tinha  o  manto. 
Quando  entrou  nelle  o  ncviíero  Paílor^ 
E  as  tençoens  explicou  nelle  feu  Cíyito. 

O !  hellas  R-oías^  vos  que  íoys  A  «jor ! 
He,  pòr  dita  humildade^  ou  he  bayxeza 
O  tcc  apàr  de  vòs  Murta  que  he  0or  ? 

Pap<^ulas  çpnverfais,  que  íaõ  tritte^a  ? 
Naõ  derprjezaiu  o  cardo,  q  he  tormento  ? 
Adraitts  a  Oi  telãa,  fendo  crueza  ? 

Dos  goy  Vos  longe  vejo  o  fentimento  $ 
Dos  jaími^ns  perto  çftou  vendo  o  perigo  j 
Do  malmequeres  vejo  o  íofriraento, 

Deíle  me  temerey  como  eoemígo  j 
M^\  trag  ppr  armas  falya,  que  he  razaõ: 
Com  cila  ac^bi^rà  também  comigo. 

As  minhas  vem  a  fer  huína  affeyçaõ, 
Queíaópspuijos  cravos  mifturados 
Co*a  vontade  íbgeyta,  que  he  limaõ. 

Ay !  mofquerasjq  foys  de  Amor  cuydados ! 
Ay  !  creíjpa  manjerona,  que  es  prazer  ! 
Vòs  íós  devíeis  adornar  os  prados* 

Naõ  podemdQSopollos juncos íefj 
Ondqfe  opõem  gieít^  que  he  lembrança, 
Junto  do  rosmaninho, que  he  crecer. 

Bem  pela  do  Icveaiançip  a  mudança} 
Du  ro-xo  g^yvp  anima  o  peníamento^ 
Do  ciprelte  odorífero  a  efpevança. 

O  trevo,  que  he-ícntido  apartumeíico 


Qual  n^eu  dano  entaõ  fora  bem  o  íey. 

Oi  quem,  ervâcideyra  lòquepi  pudera 
Vervos  aqui  menor,  pois  foys  vitoria 
Que  de  mim  alcançou  chim^  fçycra  i 

Masíe  quereysquetenha  alguma glofít^ 
Por  galardão  de  amar,  &  ter  fogeyto, 
Pcrderey  de  tormentos  a  memoFia.  ^ 

Porém,  pois  ntio  pegais,  d^ todo  cngeyto 
A  píilma,  que  he  ventura  j  &c  na  parreyra. 
Que  heefperança  perdida,  medeleyto. 

Entretanto co*  a  flor  da  larangeyra, 
Qie  he  d.eíafio  duro,  &  arnfoado, 
PofTo  argiíir  da  hora  dcriadeyia, 

Jà  naó  Içquer  de  ter  o  meu  cuydado 
Com  a  romãade^anío  j  a  brevidade 
Das  iç^^rSiVil^as  fó-tem  deíejad^. 

E  vòs,  ovelhas  minhas,  íem  piedade 
Vos  apartay  de  mim»  íe  algum  deíejo 
Tendes  de  ter  do  p^fto  miais  vontade. 

Se  iftuy  ta  de  mç  verdes  em  vó  >  veio. 
Toda  a  minha  de  vervos  hey  perdido 
A  a  força  do  poder  de  amor  fobejou 

LograydoTe}oo  plácido  ruído; 
Sòs  logray  eft^s  vc  yga$  florecidas* 
Pois  íje  p^rd€  o  Paftor  vofl"(i)  querido  : 

Naõ  gofteys  de  com  elle  fer  perdidas. 

ELEGIA     VIIL 

ContrapSem  o  T.  o  fino  do  (eu  i^mor  ao  dwto 
da  efquivança  de  fua  querida  >  cujapena     *í 


> 


defeja  acabar  com  a  morte, 

Elifa,  único  bem  defta  alma  triílc, 
_?  Defcanío  fingular  de  minha  vida  ; 
Trono  donde  q  poder  de  Anior  confifte : 


í 


Fer- 


Rimai  âú  Granai 

Fermofafer?!  aquémeftà  rendida 
De  amor  a  que  he  rnais  livre  liberdade 
Ganhada  mais,  íc  mais  por  ci  perdida  : 

Qoam  contrario  parece  na  beldsdci 
Que  os  corações  cativa  com  brandura 
Alguma  nódoa  aver  de  crueldade  j 

Qiiam  contrario  parece  em  íermofura,  '• 
Qu:deyxa  muyto  atraz  quanto  he  huinano, 
Eiquiva  condição,  ou  alma  dura  ! 

Õj.i3m  mal  parece,  em  que  íó  c*"hu  engano 
Pòdg  dar  vida  ao  coração  íogtyto, 
Darlhe  em  lugar  de  vida  hú  mortal  dano  ! 

Quam  mal  parece  que  hum  amor  perfeyto 
Naõfeja  de  outro  igual  remunerado^ 
Inda  que  feja,  acafo,  conrraFeytoí 

Quam  mal  parece eftardefeíperado 
Quenij  canto  por  ti  lofre,  Ôc  tem  íofrido, 
Devendo  eílar  de  penas  aliviado  ! 

Porém  peor  parece  quem  rendido 
Naõ  for  a  hum  parecer  que  tudorende, 
Por  mais  q  em  íeu  rigor  viva  ofFcndido. 

%  jnda  pcor  parece  quem  detende 
O  íer  eíTa  belleza  lempre  amada, 
Por  íjiaii  que  em  vaõ  íe  canfe  o  q  a  pertcnde. 

Se  quem  te  moílra  amor  te  defagrada, 
Sò  piòdes  pçrtender  o  naó  fer  vifta, 
Mas  naó  deípois  de  vifl^a  o  fer  deyxada, 

Quam  mal  íabi  o  valor  de  tua  vifta 
Quem  çuyda  que  o  q  delia  acafo  alcança 
Pôde  achar  coração  que  lhe  refiíta  i 

Quam  bem  pareceria  huma  eíperança 
Jà  concedida  a  meu  amor  ardente 
Xs'aõ  fempra  húa  mortal defconfíança» 

Sc  hum  padecer  por  ti  conftantemcnte 
ÇlKjeíTe  fer  reparo  a  quem  maisteama^ 
Inda  elperat  pudera  o  fer  contente. 

Mas  eu  temo  que  aquella  imnicnfa  chama 
Com  que  a  teu  bcllo  império  me  leyaíte. 
Te  entria  tanto  atí  quanto  me  inflama. 

Se  a  Olímpica  Belleza  a  íli  imitafte, 
Qie  brandamente  move  hú  amor  puro. 
Porque  taõ  dura  condiç;  ó  tomaíte  ? 

Qual  elevado  íqualloberbo  rauro, 
EftíemaUque  me  ocupa  o  penfamento 
Contado,  naõ  tornara  menos  duro? 

Tu,  que  es  acauía  fó  de  meu  tormento, 
Tu,  que  fomente  podes  gloriarme, 
Queres  q as  minhas  qweyxasleve  o  vento? 

Tu,  que  me  pagarias  com  matarme, 
Inda  amorte  me  negas  vezes  tantas  ? 
Ayi  qlieme  deras  vida  a  morte  darme! 
Ufa  piedade, tu,  que  omundoefpantas 


Luh  de€ánmi,  ÍÕj 

Co*  osbcUai  olhos  cõm  ^o  dôurarTâRfo^  ^^ 
Se  acafo  a  velo  brandos  os  leva nta&r 

Eítendck;  nâ  cerra  o  negro  man«c>, 
E  à  noytedáalcgríaa  luz  aihc-a. 
Mas  nos  meusolhos  trifte  dura  o  prãfo. 

Torna  a  manháa  de(pois  alegrej  U  che^ 
Da  luz  q  o  choro  enxuga  a  a  beiiâ  Auror»,   '^ 
Mas  do  n>eu  choro  nunca  enxuga  a  feá-. 

Lagrimas  yx  naó  íaô,que  cita  aln>a  chorâ>  \ 
Mas  Amor  he  virai  que  denrro  arde,  ^- 

EJpcraluz  dos  olhos  íaita  fora. 

Comoindaa  morte  q^J-er  q  mais  aguarde? 
Naó  Tarde  fá,  mas  corra  a  mal  taõ  fero, 
Mâsià  por  mais  que  corra  virá  tarde. 

Nem  no  fu prem o  tr^infe  detiefpero 
Que  inda  cõ  vercveítada  ero  qmeTias  poílp 
Queyrasj  crua,  entender  quanto  te  quero, 

Ay  J  le  vol veíTes  eife  bcllorofto   '    "     ^  '^'. 
Ao  lugar  crifteem  que  morrer  rae  vLccs 
Naõ  por  defgoíto  teu,  mas  portcugoítoi 

Naó  quero  de  ti^  naõrque  allríuípires, 
Nem  que  de  darme  amorte  te  arrepédas, 
Mas  que  os  olhos  de  verme  cncaõ  naõ  tiresil 

Aíli  nunca  Pdltor  a  quem  te  rendas^. 
Te  fíça  conhecer  o  que  me  fci  zes. 
Para  que  com  teu  mal  meu  mal  ecucêda^ 

Como  já  agora  naó  tpratisfazcsviv  uv  '.: 
Das  penas  deiteamor^  que  por  qtiercrte,'      i* 
De  teu  merecmemto  íaõ  capa7esi 

Pois  quem  com  outro  mérito rsndette 
Prefume  (^òiaromonô-rode  belle:ía  \) 
Muyto tnaislongeeftá  de merecene»  : 

Elle  fi>  que  merece  agraó  crueza     ' 
Com  que  tu  de  acabarme  ayida  tratas,*  ) 

Pois  diante  de  zi,  de  f»  íe  preza.  j 

Se  cuyd^Ts  que  com  ite  disbaratas 
O  meu  conftanteanfiafy  porque  naõ  T^iv^i     f 
Elle  mais  vive  quando  mais  me  matas.  \. 

Se  o  darme  morte  tem  por  gloriai  akiVíc: 
Eu  me  inclino  a  que  maites :  tu  te  inclina 
A  matar  mais  de  branda^quedeelqtiiva. 

Sc  eíta  alma  tua  julga^í  poi  indigna 
De  a quelle  grande  bem  q  cm  ti  íc  eícôdcj 
Do  deícuberro  mal  a  fazed>gna,  de. 

Onde  [ay !]  vez  acharey  q  bafte  (ay !}  On- 
A  poder  rcduzirte  a  fer  piedofa  ? 
Ou  me  acaba  de  todo,  ou  me  rei  ponde.-; 

Mas  poiT  mais  que  te  moflres  rigoroíà, 
Deyxar  meu  peoíamentomc  he  impoíTivelj  "> 
Igualmente  que  a  ti  naõ  íer  fermoía, 

E  pof  mais  que  efta  dor  fej?  terrivel, 

Sóraente  o  contempbr  a  cauía  áúb^ 

lada 


indaquea  fa2  mayòri  a  faz  fotrivel. 

iPorèm chegando  a  naó  poder  íofrela 
Perdendo  a  vida,  quando  a  morte  chame, 
Naõ  perderey  o  goíto  de  perdela 

He  juftoqueeu  por  ti  mil  mortes  ame: 
Mas  \é  tu  ic  te  illuílra,  quando  offcuia 
Minha  mortal  o  teu  valor  íechaane. 

Bem  vesquehuma  beldade  taõ immeafa 
De  vencer meteti)  gloria  bem  pequena, 
Fóis  íó  rendermetomo  pordefcnía. 

Mas  jà  que  amor  taõ  puro  me  condena, 
Contente  fico  alfazdcfta  vitoria; 
Que  naó  me  daõ  meus  males  tan«a  p:na. 

Quanto  o  íeícm  por  ti  me  d à  d-  gloria. 

?:  E  L  E   G  IA     IX. 


Rimas  do  Grande  Luh  de  Camões, 


Haó  de  ver  as  mudanças  da  ventura.) 

A  vida  tenho  pofta  na  balança 
Da  gloria  (ingular  do  dano  elquivo: 
Quc  o  perdcía  por  vòs  hc  mòr  bonança.  . 

Sd  V0SO  fencfe  cuydo  que  oaò  viVo  : 
Olhay  íe  muyco  mais,  que  deofFendervos 
Dasclf^erançasdo  viver  me  privo. 
♦    O  que  temo  íómente  he  ío  perdcrvoS} 
O  que  quero íóínente  heló  adorarvos  i 
O  que  lomente  adoro  he  fó  querervos. 

QLierirvos  íem  dfjyxar  de  vencrarvos  % 
Defejarvos  íómeiue  por  íerviryoS} 
Porfervira  arai õr  vil  niõdeíejarvos. 

Somente vervosj&v'  íomenteouvirvos 
Fertendo,  &  pois  fómenre  ifto  pertcndo, 
Deveis  a  eílcs  ientidos  permirirvos. 

líto  ròmente,TÒ cegO] cílou  dizendo? 
Em  o  principio  defens  amores  ,  entre  os  1 7.     Como  fe  fora  jx)uco,  íílo  fomente  ^ 

iè  1 8.  annos  de  fuá  idade j  moflra  o  'P.        Que  mais  q  ouvirv^s  ha  ?  q  eitarvos  vedo  ? 

Se  o  naó  merece  o  meu  amor  decente  j 
Se  morte  por  amarvos  fe  merece, 
Morra  eu.  Senhora  }  &  vos  ficay  contente. 

Se  vos  agrava  quem  por  vos  padece ; 
Sé  vos  vê  a  oftender  quem  vos  quer  tátoj 


com  muyta/ezudeza  o  t^rnor 
cafto  com  que  amava 
afua  Senhora. 

Vida  me  aborece,  amorte  quero 


AVÍdamcaborece,amorte  quero  j  Se  vos  vê  a  ottender  quem  vos  quer  tato 

Será  eterno  o  meu  mal,fegúdo  entendo.    Quem  deíla  forte  errou  naô  dímercce. 


tois  na  mòr  efperança  deíefpero. 

Sem  viver  vivo  por  morrer  vivendo; 
'^or  naó  verdes,  Senhora,  como  eu  vejo. 
Quâtods  mi  por  vòs  me  ando  efquecendo. 

Sejame  agradecido  cftedelejo! 
Ingrata  naõ  fejais  a  quem  vos  ama 
Com  puro,  &  honcftiííimo  defpejo. 


Que  quando  os  olhos  da  razaõ  levanto 
Ao  Geo  de  elía  rantlima  Belleza, 
De  naõ  morrer  por  cUa  íò  me  efpanto, 

Deyxaymecontentardeftatríílezai 
E  fazer  de  meus  olhos  largo rioi 
Se  algum  pòdc  abrandar  vofTadureza. 

Correndo  fempre  as  lagrimas  em  60, 


Aculpa,que  me  pondes,  ponde  àaFama      Farey  crecer  as  ervas  poros  prados, 


Que  pregoa  de  vòs  celeftc  vida 

Que  os  corações  de  amor  divino  inflama. 

Humana,  quando  naõ  agradecida, 
Vos  moftray  ao  mal  meu  q  me  faz  voíTo, 
Antes  que  alma  do  corpo  fe  defpida, 

Jdas  que  poffoeu  fazer  pois  jà  naó  poíío 
Hum  tormento  do  mar  taõ  forte,  &  duro, 
Homem  formado  fó  de  carne,  &  de  oíTo  ? 

Em  minha  fé  fegura  me  aíTeguro  > 
Porq  efta,  quando  he  grande,  já  mais  erra, 
Se  rcfulta  de  Amor  fincero,  &  puro. 
•  EíTa  Beldade  fanca  mefaz  guerra  j 
Por  ellâ  hey  de  morrer^  inda  que  veja 
Tornar  o  brando  rio  em  dura  ferra. 

Quecoufa  tenho  eu  jà  que  minha  feja? 
Quem  naõ  dcleja  a  voflàfermoíura, 
Naõ  pôde  aíícgurar  queo  Ceo  dcfeja. 

De  que  eu  fempre  o  defeje  cftay  fegura : 
Ncíle  deícjo  meu  nuocaoiudança 


Poisjàdeoutia  alegria  defcOníio. 

No  monte  direy  pafto  a  meuscuydados/^ 
E  feraó  de  mi  fempre  entre  Paítorcs 
Eífes  divinos  olhos  celebrados. 

Aprenderão  de  mim  os  Amadores 
Aquillo  que  íe  chama  Amorfublime, 
Ouvindo  o  rigor  voflb,  &  minhas  dores, 

E  nenhum  averà  que  a  pena  eltime 
Mais  íobemna  por  a  cauía  delia,  ^ 

Que  a  queteveatécnc^iõnaódeíeftims 

E  que  enycja  naó  molíre  à  a  minha  eftrella/ 


4. 


ELE 


i 


Rimas  do  Grande 


ELEGIA     X. 

EJla  Elegia  fez  oT.à  morte  de  T).  Miguel  de 

Menezes  na  Indta  filho  de  'D,  Henrique 

de  Menezes  Vl^Governador  da  Lndi-n 

em  tempo  delRey  'D.  Joaõ  o  III, 

QUe  friftes  novas,ou  que  novo  dano  ? 
Qiie  inopinado  mal  lucertoíoí, 
Tingindo detetnor  o  vulco  humano? 

íiue  vejo  as  prayas  húmidas  de  Goa 
Ferver  com  gínrearon!ty,&  iurbada» 
Do  rumor  j  quede  boca  em  boca  voa? 

He  morto  D.  Miguel,  [ahcruaefpada!] 
E  parte  da  luílrofa  Companhia 
Que  alegre  fe  embarcou  na  triílc  Armada, 

Edeerpíngarda  ardente,  &  lança  fria^ 
Pâíísdo  poi  o  torpe^  &  miquj  braço, 
Qiie  noíías  altas  Famas  injuria. 

Naõ  lhe  valeo  ertudo,  ou  pey  to  de  aço, 
Naó  animo  de  Avós  claros  herdado, 
Com  que  temer  fe  fez  por  longo  efpaço, 

Náó  verle  em  derredor  todo  cercado 
De  irados  Inimigos  que  exabvaô 
h  negra  alma  do  corpo  traípaflado, 

Naõ  as  fortes  palavras  que  voavaS 
A  animar  os  incertos  companheyros. 
Que  tímidos  as  coftas  lhe  moftravaÕ, 

M?s  jà  poftos  nos  termos  derradeyros 
Rotos  por  partes  mil, tra f paliados 
O^membros,  no  valor  fomente  inteyros  / 

Qs  olhos  (de  furor  acompanhados, 
Queindana  morte  as  vidas  amedrentaò 
Dos  duros  inimigos  efpantados  j] 

Poftos  no  Ceo,  parece  que  prelentaó 
A  Alma  pura  á  a  Suprema  Eternidade 
Por  quem  os  Ceos^  6c  a  Terra  fe  íuftentaõ, 

E  pedindo,  dos  erros  que  na  idade 
Immatura,  &  inocente,  )à  fiz:ra, 
Perdaõ  áa  pia,  &  jufta  Mageftade  j 

As;  roías  apartou  da  neve  fria  j 
Çcomo  debil  flama  a  quemfallecc 
O  radical  humorjje que  vivia  5 

Nas  mãos  do  Coro  Angélico,  que  dece^ 
Seenirega,  &  vay  lograr  a  vida  eterna, 
Qu::  com  morte  taó  jufta  fe  merece, 

Vayte,  Alma  era  paz  3  a  gloria  fempiterna : 
V  Ay :  que  quem  por  a  Ley  íacra,  &  divina, 
A  foltajU  aquellc  a  dá,queoCeogovcrna. 
j       Mas  fede:  tal  valoifoy  morre digQa, 
A  aufcocia  que  do  goílo  nos  faltea, 


LmÍs  de  C-A)yêts\  :  |1  f 

Aperpetua  íáudadenosindínaí 

Deyxa,  pois,  tu  fei*mofi  Cithera, 
Do  gentil  filho,  &  neto  de  Ciniras, 
O  pranto  por  a  morte  hórrida,  &  feaj 
Etu,  dourado  Apolo,  que  fuípiras 
Porocreípo  Jacinto,  moço  carOj 
For  quem  a  ciara  luz  ao  mundo  tiras  5 

Vinde>&  chora y  hum  moço  em  rudo  rarò^ 
Nsõ  de  fenrfo  dente  vulnerado, 
Njm  de  riícoíogeyto  á  algum  reparo : 

Mas  ío  de  ferro  imigo  trarpaíTado, 
Q-ie  íem  duvida  incerta,  ou  frio  medo, 
A  vida  po^  nas  mát^s  de  Marte  irado. 

Também  tu,  M  ço  Idalio^aílifte  quedo^ 
Dey  xa  de  dar  o  renenofo  mel 
A  beber  por  es  olhos ^  trift  e,  &  ledo : 
Pois  GS  fermofos  olhos  de  Miguel, 
Jà  cubertos  íe  vem  doeícuro  manto 
Da  ley  geral,  a  todos  mais  cruel. 

E  vòs,  filhas  de  Tht- ípis,  que  com  canto 
Podeis  bem  mitigara  dor  immenfa 
Dos  Irmãos  generofos,  &  alto  pranro; 

Naõ  confinxais  quefaçaô  larga offenfa 
A  a  grande  integridade,  a  que  fe  dtvena 
Aguas  naõ  fó,  dodanoa  recompenía. 

Que  já  diante  osolhos  medeícrevtm 
Quando  as  bocas  da  Fama  voadora, 
Ao  pátrio,  &  claro  Tejo  as  novas  Icvemí 
A  profunda  trifteia  que  em  hum^hora^ 
Tal  poOe  tomará  dos  altos  peytos^ 
Que  delles  o  diícurfo  lance  fora. 

Al  li  de  dor  os  corações  íogeytos 
Haó  de  lançar  de  fi  toda  a  memoria 
De  exemplos  claros,  folidosrcfpcytos, 

Mas^  porém,  fe  igualais  a  vida  a  a  gloriai 
O  claro  Dom  Felipe,  &  pertcndeis 
Dcyxarnos  de  acções  voÔas  larga  hiftoriai 

Éu  naó  vos  períuado  a  que  eíírey  teis 
O  cora^aô  na  Eftoycadifciplina,         ■ '-    '  t 
Onde  livre  de  afíed^os  vos  moílreís. 

Qiiemal  a  Natureza  determina 
Medo,  efperançaSj  dores^  &  alegrfâi 
Como  o  Cynico  velho  nos  enfma. 

Immanidadceílupida  (^dizia 
O  Sulmonenfe  canto}  &  vil  rudezíí 
He  naõ  fentir  afFcdos  que  alma  cria. 

Porém  feoícntir  cada  for  bruteza,' 
E  fe  poyxaó  devida  íe  confente, 
Tambcmolcntirmuyto  he  já  fraqueza. 

Em  vós  hum  íofrer  alto  fctxprimence^ 
Qual  nos  tortes  Varoens  foy  conhecido, 

Como^m  cíUanha.  cm  Luíicana  gente. 

Bem 


Bem  conheço  que  o  corpo  aíli  perdido, 
Coraodtí  iiluítre  Tumulo  carece, 
Sei à  de  brutas  feras  coníumido. 

Mas  coníolame,  enfim^  que  fe  parece 
Ao  grand.  Biíavô,  que  por  a  vida 
Real  a  íua  à  a  Maura  lança  oíFrece, 

Em  pedaços  a  gente  enfurecida 
O  corpo  alli  lhe  deyxa  ,*  &  com  mão  dura 
Lhe  nega  a  lepulcura  mer^ícida. 

Fácil  he  a  perda  aqui  da  fepultura  ^ 
Diógenes  prudente,  &  Teodoro» 
Pouco  fentem  do  corpo  eíTa  jaítura. 

Afli  fcrmoío,  &  inteyro  j  aíli  decoro 
Adora  quem  o  tem,  como  o  tomou 
Quaniofe  ouvir  o  extremo  fom  canoro. 

Mas  3y !  Qual  temor  fubito  ocupou 
O  voíTo  claro  peyto  ?ò  Portuguezes ! 
Qual  pávido  temor  vos  congelou  ? 

Que  lançadas,  que  golpes^  que  revezes 
Vos  fizeraó  fazer  tamanha  injuria 
Aos  forces  Luíiranios  arneíes  ? 

Ou  jade  Capicaô  fobeja  incúria, 
Oufraqueza  ?  Naõ ;  que  elle  fuftentava 
Cora  feu  peyto, dos  Bárbaros  a  fúria. 

Ou  jâ  do  férreo  cano  a  força  brava 
Com  eftrondos  que  atroaõ  mar,  &  terra, 
E  os  corações  ardentes  congelava  ? 

Ah  I  Qucíii  vos  fez  q  os  impetus  da  guerra 
N^õ  fuftencaíTeis  coravaloroufado, 
Defprezando  o  furor,quc  a  vida  encerra  ? 

Ávida  por  a  Pátria^  &  por  o  Eftado, 
Pondo  volFos  Avós,  a  nòs  dcyxáraó 
Em  terra,  &  mar  exemplo  fublimado, 

Elles  a  defprezar  nos  cnfináraõ 
*Podo  temor.  Pois,  como  agora  o$  Netos 
Subitamente  aíli  degenerarão  ? 

Naõ  podem,  certoi  naó,  viver  quietos 
Com  fea  infâmia  Peytos  gencrofos, 
Jàem  pubhcos  lugares,  jà  em  fecretos. 

Mortos  de  Efparta  os  Heroes  valerofos, 
Da  fera  multidão,  fa?cndo  extremos, 
Tiis  Epitáfios  tinhaô  gloríofos : 

T>íYãs.  Hofpede,  tu  ;  que  aqtit  jazemos 
^ajfados  do  tUimigo ferro,  em  quanto 
A  as  CantAS  leys  da  ^Pátria  obedecemos, 

FogindoosFerfasvaócom  frioefpanto. 
Mas  achaóas  molheresnocaminho 
Moílrandolhes  o  ventre  em  terror  canto 

Pois  do  dano  fug»s^  vendo-o  vefinho. 
Fracos,  vmde a  cfcondervos  ("lhes  diziaô} 
Outra  vez  no  m^itemo,  &  eícuro  ninho. 

Vede  quais  cora  maisglorw  ficaria*}, 


Rtmas  do  Grands  Luís  de  CamSes. 


Se  aquclks  que  morrerão  por  o  Eílado^ 
Se  eílesaquenri  niolheresinjuriaõ? 

Mas  tu,  claro  Miguel,  que  ja  acordado 
Defte  íonho  taõ  breve,  cítàs  na^juella 
Torre  do  Ceo,  íegurOj  6c  repoufado; 

0;idc  com  Dcos  unida  a  íortt,&bella 
AIma,cO:ri  leu?  Mayorcs,  reluzindo 
Trocartecrtda  chaga  ern  ciara  bítrelja  :  i 

Co' os  pésGcrillaimoCeo  a-jidmdo. 
Nada  de  eíTas  altifllmas  Esferas, 
Nem  da  terrtftc'  os  olhos  encubrindo  ; 

Agora  hum  curío,  íV'  outro  ccnfideras, 
Agora  a  vaidade  dos  Mortais, 
Qae  cu  tambcm  paflaras  fe  viveras,  &c, 

ELEGIA     XI. 

%yíqui  devoto  o  T,  facrafica  efia  Elegia  à 

'Payxiiô  ãe  Cbrífio  N,  S.  fe  guindo  a  Sa* 

naz,cirio  Departu  Virginis. 

E  quando  contemplamos  3S  fecretas 

Caufas  porqu "  tfte  mund^  íe  íuftenta, 

E  o  revolver  dos  Ceos,  &  dos  Vhncus  > 

Efe  quancoá a  memoria  fe  preienca 
EílecurrodoS  Ijtaiõ  bem  medido 
Que hu  ponto  ió  aaòraingU3,nsm  feaumêtai 

Aquclje  efiVyto  tarde  conhecido 
Da  Lua  na  mudança  taócoítante, 
Qtie  mingoar,&crecer  he  feu  partido  ; 

Aquella  natureza  taõ  poííante 
Dc-s  Ceos,  q  taõ  conformes,  &  contrários. 
Caminhão  fem  parar  hum  breve  inftantej 

Aquelles  movimentos  ordinários 
A  que  ref ponde  o  Tempo,  que  n^ò  mente, 
Co'  os  cffeytosda  Terra  neceííarios} 

Se  quando,  enfini,  revolve  íutilmente 
Tantas  coufas  a  leve  Fantafia 
Sagaz  eícrutadora^&  diligente  -, 

Bem  vè,  fc  da  razaõ  fe  naõ  defvia, 
Aquelle  único  Ser , alto^ &  divino, 
Qiie  tudo  pode,  manda,  move,  &  cria. 

Sem  fím,&  femprmcipio  humfercôtino, 
Hu  Padre  grande  a  quétud  j  he  polliyel. 
Por  mais  que  o  dificulte  humano  atino. 

Hum  faber  infinito^  incomprehenfivel  5 
Huma  verdade,que  nas  coufas  anda, 
Que  mora  novifivel,vScinvifivel. 

Eíta  potencia,  tnfim^  que  tudo  manda  j 
Efta  C  aiía  d..s  caul:is,  reveítida 
Foy  dcfta  noíla  carne  miferanda. 

Do  Am^r,  Sida  Juftiça, compelida 

Po! 


Rimas  ão  Grande 
por  os  erros  d"?!  gérite,  em  mâòs  da  ^^^mt-  - 
(^CpniQ ie  Deos hírô  íoíTe)  dey xa  íi  víJí . 

t'Ó*"Chriftaõ  deÍLuydado,  U  negligente  í 
Pondera-o  com  dífcurlo  repoiííado ; 
E  vertehaí,  advercjcJo  facilmente. 

'Òihaaqueile  Deos  alto,  &  increado 
Senhor  das  coufas  todas,  que  fundou 
O  Ceo,  a  Terra,  ó  Fogo,  o  Mar  irado  : 

Nâõdoconfufo  Caos,  comocuydou 
A  falia  Theologia,  &  povo  efcuro 
Quenefta  fó  verdade  tanto  errou. 

Naõ  dos  átomos  leves  de  Epicuro  j 
Naõ  do  fundo OceanO)  como  Thales, 
Mas  fó  do  penfamento  cafto,  &  puro, 

Olha^ animal  humano,  quanto yales^' 
Pois  eftc  immenío  Deos  por  ti  padece 
iSovo  cftilo  de  morte,  novos  males 

Olha  que  o  Sol  no  Olimpo  fc  efcurecc^ 
Naõ  por  oppofiçaõ  de  outro  Planeta, 
MáS  lo  porque  virtude  lhe  falece. 

Naõ  vcs  que  a  grande  máquina  inquieta 
Do  mundo  fe  desfaz  toda  em  trifteza, 
E  naô  por  cauía  natural  fecreta  ? 

Naõ  vés  como  fe  perde  a  Natureza  ? 
O  Arfe  turba  5  o  Mar  batendo  geme, 
Desfazendo  das  pedras  a  dureza, 

Naó  vés  que  cae  o  monte,  a  terra  treme 
£  que  là  na  remota,  &  grande  Athenas[  rr 'li 
O  douto  Arcopagita  exclama,Sr  teme  ? 

O !  Summo  Deos,  tu  meímo  te  condenas, 
poro  mal  em  que  eu  lóíou  o  culpado, 
A  ramanhasafrontas, tantas  penas?  .Ci 

Por  mi,  Senhor,  no  mundo  reputado    ^ 
Por  falío,  &  violador  da  Sacra  Ley, 
A  hma  a  ti  fe  põem  do  meu  pecado? 

Eu, Senhor,  fou  ladraó,  tu  juíto  Rey.  ' 
Pois  como  entre  ladrões  eu  naõ  padeço!?  r:^ 
A  pena  a  ti  fe  dá  do  que  eu  errey  ?         í-  7'/; 

Eu  fervo  fem  valor^  tu  immenfo  preço  •  ^ 
Em  preço  vi  1  te  poens,  por  me  tirares  :fi-;di'/ 
Do  cativeyro  eterno  que  mereço?  òi  xiiavA 

Eu  por  perderte,  &  tu  por  megaiiliaret' ■ 
Te  dás  aos  foltos  homens,  que  te  vendé^ 
Só  para  os  homens  prefcsrcfgatares  ?  y^ 

A  ti,  que  as  almas  foltas,  a  ti  prendem  ? 
A  ri  íummojuizj  ante  Juizes 
TeacufaÒ  por  o  error  dos  que  te  ofFendem  ? 

Chamamre  malfcytor,nao  contradizes. 
Sendo  tu  dos  Profetas  a  certezaj 
Dizerra  que  quem  te  fere  profetizes. 

Rimfedeti,  tu  choras  a  crueza 
;Que  fobre  elles  virá  :  a  gente  dura 

II.  Pare. 


Lins  dèCàmõefl  i\^ 

Por  quem  cu  venS  ao  miindo  te  defpreza. 

O  teu  rofto,  de  cuja  ftTmoRua 
Se  veile  o  Ceo,  &:  o  Sol  reíplaodecente,        ' 
D.antequem  pam  adaeílá a  Natura i 

Com  cruas  bofetadas  da  vil  gente, 
Deprtciofoíangueeftá  banhado, 
Cuípido^  íjtropellado  cruelmente* 

Aquellecorpo  tenro,  &  dei? cado^ 
Sobre  todos  os  Santos  Sacroíanto, 
A  açoutes  rigurofos  defangrado. 

Defpoiscubertomaldehum  pobre  mato  > 
Q.^ie  fc  pegava  á  as  carnes  magoadas 
Para  dobrarlhe  as  dores  curro  tanto. 

Magoavamno  as  chagas  naõ  curadas 
Hum  tormento  cauíandolhe  exceílivo,       ^ 
Ao  defpir  por  as  mãos  cruéis,  &  iradas. 

As  vcnerandasbarbas  de  Deos  vivo, 
De  rcfplandor  ornadas,  le  arrancavaò 
Para  defempenhar  Adam  cativo. 

Com  cordas  por  as  ruas  o  levavao. 
Levando  fobre  os  hombrosoTrofeo 
Da  vitoria  que  as  almas  alcançavan. 

O  í  tu,  que  paíías,  homeno  Gyrenèo, 
Ajuda  hu  pouco  a  efte  homem  verdadeyroi 
Que  agora,  como  humano  enfraqueceo. 

Olha  qtieocorpoaffliítodo  marteyro> 
E  dos  longos  jejuns  debilitado^ 
Naõ  pódejà  co'  o  pefo  do  Madeyro. 

O !  nam  enfraqueçais,  Deos  Encarnado  |;* 
EíTas  quedas,  que  tanto  vos  magoam,  ^ 
Soportay,  Cavalleyro  fúblímado. 

Aquellas  altas  vozes  que  làíoam,  ^ 

Dos  Padres  íaõ  que  o  Limbo  tem,eícuroi 
E  jà  de  louvor^  á  palma  vos  coroam. 

Todos  vos  bradaó  que  íubays  o  muro 
Da  cidade  infernal,  &  quearvoreys 
Encima  eíTa  Vandeyra  muy  feguro. 

O !  Santos  Padres,  naõ  vos  apreflcís  5 
Pois  muyto  mais  a  Deos  q  a  vós  cuilárao 
EíTàsduraS  prifões em qUe jazeis! 

Aquellas  mãos  que  o  mundo  cdiftcàraõ||p 
Aquefíes  pés  que  pifaô  as  cftrelUs, 
Com  duriílimos  pregos  fecncravaõ. 

Mas  (^ual  feri  o  humano  que  as  querelas  ^ 
Da  angúttiada  Virgem  contempláíTe,  -'^ 
Sem  íe  mover  a  dor,  &  magoa  delias .? 

E  que  dos  olhos  íeus  naõ  deftilaííe  ?  ^" 
Tinta  copia  de  lagrimas  ardentes,  ^ 

Que  caWcyras  no  rofto  finalaíTe  ? 

Ô!  qúcrti  lhe  vira  os  olhos  refulgentes  '^ 
Converrendo-íeêm  fontes,  &  regando} 
Aquellas  faces  bellas^  &  excellcnteí»! 

P  Qucn^ 


ífí 


Rimas  dò.  Grande  Luis  de  Camões) 


Quem  aouvifacom  vozes  ir  cocando 
As  iiítreilas,  a  quem  reíponde  o  Ceo 
Co' os  acentos  dos  Anjos  retumbando] 

Qiieni  viraquacdoopuroroftoergueo 
A  vero  Filho  que  na  Cruz  pendia, 
Bonde  a  noíTa  laude  deícendco »  o-cíj  .  • '      ' 

Que  magoas  caó  choroías ,  que  diria  ? 
Que  palavras  caó  miíeras,  &  cníUs, 
Para  o  Ceo,  para  a  gente  eípalhariai)3  iidijg 

Pois,  que  fetja,  Virgem»  quando  viftes 
Com  fel  nojofo  f&  com  vinagre  amarp^ 
Matar  a  íede  ao  Filho  que  pariítes  ^ 

Naõ  era  efte  o  licor  íuave,  &  claro, 
Que  para  o  confortar  entaõ  darieys 
A  quem  vos  era,  mais  que  a  vida,  caro. 

Como,  Virgem  Senhora>  naõ corrieís 
Adar  aspurastetasaoCordeyro  ,  a^ 

Que  padecer  na  Cruz  com  fede  vieys  ? 

Naõ  era  fó,  oaó,  çííe  o  verdadcyro   : 
Pofto,  que  voííò  Filho  deíèjava. 


A  confeíTar  hum  Deos  crucificado^ 
E  por  nenhum  refpeyco'íe  detenhaó, 

\L  de  hum,  ôc  de  outro  vicio  já  deyxadbi 
O  feu  Nome^  co'  o  voflb  neíte  dia, 
Seja  por  todo  o  mundo  celebrado  : 

Erelpcndaóos  Ccos  JESUS  MARIA. 

ELEGIA     XII. 

Traduz  o  T,  os  verfis  da  Syhilla  Eritrea  em 

ovattctnlo  tocante  aChriJio  no  juizo fi- 
nai ejcritos  com  a  ley  de  AcYofitcon* 

JUizo  extremo,horrifíco^&  tremendo, 
E  Juiz  rempiterno,alta,  &celclbj 
Signihcará  a  Terra  humedecendo. 
Verfeha  nella  hum  íuor  que  manifelte 
Como  em  carne  vem  Deos,  para  que  o  veja 
Homem  toda  efta  maquina  terrefte. 
Reyjufto,  quedos  corpos,  8c  almas  feja 


Morrendpporo  Mundo  em  hum  oaadeyro,    Juizi  Ôc  quando  o  mundo  cego^Ôc  inculto 


Mas  era  a  íal  vaç3Õ,que  alli  ganhava    ; 
Para  o  mifero  Adam,  que  alli  bebia 
Na  fonte  qus  do  peyto  lhe  manava. 

Pois,  ò  pura,  &  Santiílima  Mai:ia, 
Qje,  enfim,  fentiílçs  efta  magoa  quanto 
A  gravs  caufa  delia  o  requeria  j 

De  eíTa  Fonte  imigrada  i  &  peyto  fanco. 
Me  alcançay  huma  gota,  com  que  lave 
A  culpa  que  me  aggrava,Sc  pefa  canto. 

Do  licor  faluti fero,  &  fuave 
Me  abrangcy,  com  que  mate  a  fede  dura  , 
Deite  mundo  taò  cego,  torpe,  &  grave. 

A  (lij  Senhora,  toda  criatura  /  . ,.  r* 
Q!ieíVÍ;Ve,  &;vivirá,  fie  quenaõconhece+ 
A  Ley  dç  vpíTo  Filho  a  abrace  pura. 

O  falíi/llmo  herege  que  carece 
Da  gr^ça,  &;  com  danado,  &  falío  efpritp 
Perijurba^.Santa  Igreja,  que  florecc. 

O  povo  pertinaz  noantigo  rito, 

ate  16  (>dçfterro  feu,  que  tanto  dura, 
e  i\\z  que  he  pena  igual  ao  íeu  delito. 

O  torpe  Ifmaelita,  que  miftura 
A^Leys,  &  com  preceycos  taõ  viciofos 
Na  terr^eltcnde  a  ceyta  falfa,  &  iinpu,ca. 

O >  Idolatras  màos,  fuperfticiofos, 
Varios-de opiniões,  Scdecoítumes, 
Levados  deconceytos  fabulofos. 
\x:  As  mais  remotas  gentes  onde  o  lume 
Da  noíTi  Pé  naó  chega,  nera  que  tcnhattl 
Religiani  alguma  íepFefume. 

Ali]  tO}l<i§».entim>  Senhora^  venha$  ; 


Sobre  cfpinhos  cruéis  deytadofcja  i 
Todo  vaò  fimulacro,  &  gentil  culto 
Ouíaràengeytaragente  j  ^  guerra 
Fará  co'  o  nnar  o  fogo,  &  cru  tumulto. 
Immsnfa  Luz,  que  as  carnes  defenterra 
Lançara  fora  as  portas  vans  do  Averno, 
Humjufto,&outro,alçandoáaíancaTerra, 
Outros,  que  faò  os  roáos,  no  fogo  eterno 
Peytará,  defcobrindoíe  os  fegredos, 
E  fendo  claro  todo  feyto  interno. 
Desfeytos  feraõ  montes,  Sc  penedos  j 
E  íerà  tudo  pranto,  &  eílridor  duro  i 
Obras  de  grande  dor,  &triftes  medos,' 
Será  tornado  o  Sol  de  todoelcuro  j 
E  deftruida  a  maquina  do  mu ndo  5 
Sem  luz  as^luzes  todas  do  Orbe  puroj 
Altos  feraô.  os  valles,  &  em  profundo 
Lugar  fe  abaterão  os  altos  montes, 
Vibrará  mares  Vento  furibundo. 
Averá  ló  de  chamas  vivas  fontes; 
De  trombeta  tremenda  fom  terrível 
Ouvido,  fará  pálidas  as  frontes, 
Refponderá  dos  mãos  gemido  horrível. 


ELE. 


'ELEGIA     XÍIL 

Louva  o  !P.  afmguUr  fermozura  de  ©.  Má- 

ria  de  Ftgeyroa filha  do  T>,  Mejire  BeU 

chi9r  a  quem  6fftrece  efte  'Poema ^  na 

Indta  em  'Damão, 


s 


Rimas  do  GràftdèlLuls  àè  €dmSêíl  fif 

Eenrreellas  íois,qaat  Soléntrc  asEílrelUs, 

Por  vòs  DamáOjSenhora^  hojeílorcce> 
Por  vós  as  Mufas  jà  do  íacro  monte, 
Donde  contino  o  Louro  verde  crece, 

Vos  vem  aprezentafj  da  clara  foncej  ^ 

De  pallidas  violas  coroadas, 
As  pegafeas  flores  de  Eliconre, 

A  vòj  íe  vem  cantando  rodeadas 
DasNímphas,  qae  o  dourado  Tejocriâj 


E  obrigações  de  fama  podem  tanto^ 

Que  inda  de  Helena  vive  hoje  a  m:;moria>    Com  íiias  doces  Liras  temperadas. 


Fazendo  cada  vez  mayoreípantOi 

Se  cambem  de  Lucrécia  a  Li  via  hiftoria, 
IndaquejápaíTada,ca  tlorece, 
E  por  fama  j  &  triumpho  hoje  cem  gloria  j 

Se  a  perfcyçaó  de  Laura  nunca  elquece, 
Também  hc  que  por  fama  laureada, 
Nos  ficou  por  Petrarca,  Ik  hoje  crece  j 

E  íe  aquella  cruel  Troyana  eípada. 
Deu  coma  morte  vida  àfermofura 
De  Dido,  por  Virgílio  ceie  brada  :  >.i 

E  íe  Vénus  fermofj,  hoje  íegura 
Seaprezenta  em  milveríos,  &  Diana 
Com  as  nove  Irmãs  d*  Apollo  tem  ventura, 

Que  fará  a  fermofura  fobcrana, 
De  Figucyroa  illuftre,  de  quem  quero 
j,Cantar  com  doce  Lira,  &  Mantuana  ? 

Mas  íe  meella  naõ  faltaj  delia  efpero 

mtar^naó  deftas  já,  que  jà  acabarão  5 
>eftas  cante  Virgílio,  cante  Homero : 


E  com  íeu  fuave  canto,  &  melodia. 
Chegadas  a  vós  já  dizem  caiKando> 
Eíla  hc  por  quem  Apollo  emmudecia. 

Efta  he,  por  quem  Veturnodeíprezando 
Pomona,deconcinoíeabraíava, 
Na  menos  parte  fua  imaginando, 

Efta  he  por  quem  em  fonte  íe  tornav» 
O  avòdé  PhaetontCj &  porqueOrphéO 
As  fúrias  infernais  aquebrantava  j 

Efta  he,  por  quem  íò  Troya  íe  perdeo» 
Eíla  he,  a  quem  Paris  deo  a  msçáa  dVuro, 
E  efta  por  quem  Orlando  endoudeceo. 

Eíla  he,  quem  defdo  Ganges  ate  o  Douro^' 
Sò  íem  falta  cOmpoz  a  natureza. 
Do  Indico  Oriental  todo  o  thefouro ; 

Eíla  he,  quem  trouxe  a  luz  toda  à  nobrez*! 
DosdeLiaõ  Fajardos^quedefcende 
Do  Keal  tronco  íngrez^  na  mòr alteza. 

Efta  he  a  flor  do  Lago,  que  íe  cílcndc. 


Q^ie  íe  outras  com  feus  verfos  celebrarão,     E  em  quem  de  novo  oace  a  Real  pranca. 


'  oy,  que  por  íua  idade,  a  defta  dama 
(Por  inda  eílarnoCeo}  na6naalcançara5. 

Mas  tinhalhe  a  ventura  Oriental  cama^ 
Guirdadalàem  Damaõ,  porque  nacendo, 
Perder  íizeffe  às  outras  gloria,  6c  fama. 

E  em  quanto  alegre  declarar  pertendoj 
Vos  Pay  de  tal  thefouro,  daíme  ouvidos, 
Para  delle  dizer,  mais  do  que  entendo. 

Naó  reproveis  meus  verfos  d'atrevidos, 
Antes  daylhe  louvor^para  quefejaõ 
De  tal  dama,  &  de  vós  favorecidos  : 

Que  milagres  d'amor,  farey  que  vcjaó? . 
Direy  os  olhos  bcllos,  boca,  &  rizo» 
Mil  partes,  que  outras  damas  ter  defejaô, 

Cabellosd'ouro,emfimfeu  grande  a  vízo, 
SúB.  arte,  perfcyçaó,  8í  íermofura, 
Qiie  na  terra  nos  moílra  hum  Parayfo  ? 


Efta  he,  a  quem  o  mefmo  Amor  íe  rende  1 

Efl:a  he,  por  quem  a  Aurora  fe  levanta. 
Na  parte  Oriental  mais  clara,  &  pura^ 
Efta  he,  por  quem  morrendo  oCifnecantai 

Efta  he,  por  quem  nos  dotou  íó  a  ventura  | 
De  mil  primores  chea  colocada, 
Em  rara  perfeyçaõ  de  fermoíura. 

EíU  ícra  át  nòs  íempre  cantada, 
E  dos  novos  Poetas  mil  louvores 
Terá  com  fama  eterna,  &  foblimadaT 

Na  tefta  ác  Deos  Pam  cem  mil  paílores 
D-fta  feliceterraati  cantando. 
Mil  ramos  levarão  cheos  de  flores, 

Ati  as  luas  lutas  dedicando, 
Seus  jogos  pftftoris  de  cem  mil  partes, 
Com  verfos  teeítaraõ  fempre  louvando^' 

E  tu,  que  de  teu  fer  nunca  te  partes 


Que  mais?  o  grave  afpeyto,  &  a  brandura,  Com  fermofura,  &  graça  de  contino, 

A  b  jca  de  Rubis,  chea  de  perlas,  Comjque  por  fama  ao  mundo  te  repartes^ 
Das  chriftalínas  mãos  a  neve  pura?  Com  rofto  branco,  alegre,  &  peregrino 

Svjnhora  Dona  Maria,entreasmaisbeHaS)  Aceytaràs  feus  verfos^  coroada 

Vòs  fois^  quem  noíTa  idade  hoje  eariauece.  De  rofas,  &  de  louro  a  ti  íó  dino, 

iLFart.  Pij  Pal^ 


xrô 


Rítnai  do  Grande  Luís  de  Camêefl 


Dali  do  noífo  choro  venerada 
Terás  cargo  da  felvadc;  Diana, 
E  entre  nòstu  feras,  maisefíimada^ 

Dalj,  ò  alta  Dea,  &  íoberana 
Goveriiarà^o  Indico  Oriente,        nsv  eoV 
E  iodo  eíiado  aièm  da  Taprobana.  ; 

Dali  correndo  irà  de  gente  em  gente 
Tua  fama^-fazendo  efquecida  .    - 

A  da|  antigas  Damas  do  Occídente, 
Ganhando  teu  louvor  immortal  vida,' 

E-  L  E  G  I  A     XIV. 

^efifierado  o  !P.  de  confegun  o  ohjeão  aoí 

Jeus  dtjvellos  ãezeja  acabar  com  amoYte 

o  Jeu  tormento. 


N 


Soube  que  folies  vãaSjfoíles  fingidas^ 

Efli  que  poíTo^  óu  que  devo  hoje  efperar, 
Onde  acharcy  de  novo  outros  enganos, 
QLie  poííaô  dtífenganos  enganar. 

Mas  he  vento  Cuydar  enganar  danos, 
O  trilte,  que  nem  na  alma  tem  alento  ? 
Tem  íeu  remédio  íó  no  fim  dosannos. 

Já  naócfpeio  ver  contentamento. 
Perdi  quanto  efperey  numa  ío  hora, 
Enaó  perdi  em  rauytas  o  tormento, 

Eíobre  tantas  perdas,  mda  agora, 
Queefperavade  vòsa  vòsqucyxarme, 
Naó  mo  coníente  Amor^  que  na  alma  morai 

Poemíe  diante,  a  fim  (òáç.  eftorvarme, 
Que  vos  cftendercy,  moftrandoaquí, 
Ql-ie  tanta  fé  pagaes  com  maltratarme. 

E  entaõ  cite  temor  deyxam^  aílí. 


Ao  porque  de  algií  bé  tenha  efperança    Além  de  magoado,  frio,  &  mudo. 


Vos  eícrevo  meu  mal  em  tal  cftado, 
Qae  fey,  queeníi  vos  fará  pouca  mudança, 

Ma$jà  perdido,  triftCj  Sc  magoado 
Para  remédio  tomo  efcrever  dores, 
£rperar  de  vòs  outro  he  efcufado, 

O  que  naõ  faz  Amor  em  meus  amores^ 
O  que  lágrimas  triítes  naô  fizeraõ. 
B  jm  menos  o  faraó  caufas  menores, 

Poisonde  as  mais  tcgora  íe  perderão, 
Percaõle  eftas  palavras  de  meu  fer, 
Qué^oucò  me  doem  já,  jà  me  doeraõ. 

Sempre  deite  meu  mal  tive  fofpeyta, 
N  iõ  que  de  todo  em  todo  mo  faitafle 
Htía  eíperança  váa  cm  fim  desfeyta, 

Faziá^ne  o  deíejo  que  erperaíTe^ 
A  razaó  doutra  parte^  quetemeíTe, 
Ede  elperan^'as  vâas  naõ  confialTe. 

Q^ic  olhaííe,  que  por  cilas  naõ  perde/Te] 
A  doce  liberdade,  o  riíOj  o  cantOj 
pique  depois  em  vaó  mearrependeíle, 

Ànor,  que  tudo  pòde^  podetanto, 
Quí  para  vero  mal, cm  que  me  vejo, 
Me'naõ4eii  olhos  mais  que  para  pranco, 

Naõ  curey  a  razaó,  íegui  o  defejo. 
Outras  coulas  feguij  de  qualidade, 
Qae  choro,  &  callo,  por  naó  fer  fobcjoi 

Pela  vòÍTa  ncguey  minha  vontade, 
Logo^como  vos  vi,  no  meímo  ponto 
Vos  entTL^go j  a  yida  a  liberdade. 

O  qu^  paíTou  depois,  naõ  vo  lo  contoi 
De  qiíe  ferve  contar  coufas  fobejas, 
A  qíiem  lhe  foube  dar  hum  tal  deíconto, 

Ahefperanças  minhas/jà  perdidas. 
Agora,  para  mais  ter  quecontai:^>  Vd  *?£*!  ; ; 


Q 


Arrependido  de  quanto  efcrevi, 

Coufas  de  voíío  gofto  ainda  cudo, 
ComofenaócuydaiTe,  o  que  naõ.creoj 
N  aõ  perder  lílo,  como  perdi  tudo. 

Maivaííeo  medo  já>  pois  que  já  veo 
O  defengano,  (em  íe  ter  fabida^ 
Que  a  certeza  podia  ter  receo. 

Agora  naó  me  dà  perder  a  vida. 
Nem  a  deve  recear  quem  a  defpreza, 
MataymCj  fede  mim  íoisoífcndidai 

Senaó  mateme  já  minha  tnfteza, 
Queeftcíóbem  me  íicajCÍtemeval, 
Semonaõeílorvar  volTa  crueza. 

Quem  fe  naó  efpantará,  vcndome  tal  í 
Tcmer,queo  triíle  fim,  que  me  ordena  de  <^,' 
Mo  negueis  por  remédio  de  meu  mal. 

Entre  filveftrcs  feras  vos  criaílcs. 
Pois  dais  por  galardão  do  que  efperava 
Cruezas  dcfu fadas  do  que  uíaftes. 

Quantas  lagrimas  trifte  derramava. 
Quantos  fufpiros  dava  noytc,  8i  dia. 
Se  vOs  naô  via,  &  em  quanto  vos  olhava. 

Tremia  diante  vós^aufente  a rdia^ 
Abrandava  eíle  mal  ter  para  mim, 
Qtie  íentiâ  meu  fogo  efia  a!ma  fria. 

Mas  muy  to  di  ff  crente  foy  o  fim 
De  tudo  oquecuydavanocomeço, 
por  onde  de  hum  mal  noutro,  a  tantos  vim.'?. 

Vida  para  tal  vida  naõ  vos  peço. 
Morte  para  cal  morte  qual  me  mata 
Me  podeis  dar,  que  bem  vo  lo  mereço. 

Porque  com  a  dor  a  lingoaíedeíara, 
E  com  gritos  vos  chama,  &  com  razam 
Serafé,  defamoravcl,  cruel,  ingrata. 


PoÉ 


Rimas  do  Grande  Luts  de  Camõesl 
Por  iíIoacabayjávoíTa  tenção^  Lançaóforao  Amor,  gífua  firmeza. 


Farcay,  fenhora,  jà  voílàs  cruezas 
No  íangue  deííetriíte  coração. 

Acabay  de  acabar  cantas  triílezas. 
Pois  acabaftes  jávãaseíperanças, 
Acabem  jà  também  minhas  firmeza*?. 

Acabe  a  vida,  acabarão  lembranças, 
>4as|udoeftà  por  vòs  taõ  acabado 
Comomuytascmmimas  confianças. 
Que  Canto  me  crouxeraõ  enganado, 

ELE  G  I  A     XV. 


Que  daí$  eíqyécimc^ntp  por  ler^brailça. 

Armada  dos  eípinhos  da  crueza,  ^ 

Traieis  por  appareneiaS  a  brandura 
Norolto,  a  qual  o  peyt.Q  pouco  preza. 

Moítroumehuraicvçbíím  mmha  ventura^ 
Pagueyo  logo  com  longo  tormento, 
Queo  goilo  foge  íempre,  U  a  pena  dura. 

A  canta  dor  hum  leve  ientiméntoj 
Nunca  em  yòs  pude  ver,  quãco  em  yaô  digo^ 
Alais  mudável  que  o  vcnio  odaisaavenco.  1 

No  principio  meu  Fado  me.  toy  amigo, 


Naveguey  pelo  mar  deite  derejo, 
^eyxâ'fe  o  'P.  dafua  fortuna  em  lhe  conce-    Qm^  ^^^^  ^^^  í'*um  perigo  a  outro  perigo. 


der  a  dita  de  ver  huma  fermnzura^  de 

quem /eml>Ye  ficou  caplvo  Jem 

refgate, 

FOyme  alegre  o  viver,  jà  me  he  pezado, 
Que  do  contentamento  que  fentia 
ií  minha  cuíla  ellou  defenganado, 

Ao  regaço  da  morte  a  dor  m  c  guia^ 
Porènti^  porque  com  vida  mais  me  mata, 
Dilatandoma  vay  de  dia  em  dia. 


Em  vos  he  pouco  oaooor,  em  mim  íobcjo, 
Crefceemípim,  falta  em  vòs,&  demaneyraj 
Quede  quinto  em  vòs  vi»  já  nada  vejo, 

Moftroufcmeo  tornaento  na  pnmeyra 
Com  roíloaíegre,  para  quço  íeguiíTe,  > 

E  lanceymeaoíeguir  nelta  cegueyra,   . 

Fortuna^  porque  qui7j  queeu  o  icntilTej 
Moílraíe,  per  moftrar  qual  dentro  era. 
Eu  choro  roeu  engano, ikella  riíle. 

Quem  em  contentamentos  vãos  efperai 


MandamcAmor  fugir  da  morte  ingrata,    Eíperecedo  defenganarfe 


Pois  naõfofre  limite  em  vòsamor, 
Que.elleos  laços  ordena,  elleosdefata. 

Lancey  contentamentos  a  voar, 
Tarde  os  eíperover,  que  he  íeucoftume 
Ter  azas  ao  fugir,  freyo  ao  tornar, 

O  penfamento  pofto  em  alço  cume. 
Para  íacri ficar fe  à  voíTa  vifta, 


,  Ql^erem  breves  limites  fua  efpcra. 

Fprém  quem  ha,  que  maisqueyralirrarfe 
De  taõ  doce  prifaó,  ou  quem  deíèja  * 
Dos  nòs  dçííes  cabellos  dciatarfe. 

Os  olhos, a  quem  as  luzes  tem  inveja, 
Qt'€em  vòs  o  Amor  de  amor  tendes  vencido,^ 
Quen?  hà  que  vos  naõ  arae,  &  vos  nao  veja, 

Rofto  fermofo,  em  quem  eftá  eículpido 


No  coração  me  guarda  eterno  lume. ,  ---  -, 1-- — 

Com  o  penfamento  os  olhos  té  conquifta,    O  mòr  b^m,  q  ue  íe  pôde  ver  na  terra, 
V\s  fempre  em  vòs  eftá,  porque  os  naõ  leya.    Quem  ha  naõ  quey  ra  íer  por  vòs  perdido^ 


Po  ^ 

Que  elle  muro  naõ  tem^  que  lhe  refifta. 

Ainda  quft  minha  alma  em  vòs  fe  enleva. 
Em  todo  tempo  naõ  deyxadearder, 
ji  Quâdo  o  mote  arde  em  caIraa,ou  quãdo  neva. 

Vivey  cuydados  era  quanto  cu  viver, 
Ou  porque  em  fombrasvoíTas  fempre  viva. 
Ou  porque  me  aprelFeis  para  morrer. 

Vontade  minha,  fempre  fois cativa, 
Meu  penfamento,  nunca  íois  mudado, 
Flammadeamor,  íereis fempre  eoimi^iv»» 

Suave  cativeyro, doce eftado,  >  f-'    ' 

Brando  fogo  de  Amor,  que  em  vós  guardaes 
j  A  fim  de  meu  defejo  retratado, 
^    Nunca  nefta  alma  minha^  aonde eftaes, ; 
Falteis,  porque  cntaõ  falta  a  efpcrança, 
SeíTi  quem  me  falta  a  vida  muyto  mais,  jidEd 

Seniiora,  cm  cujo  pcyco  odio,  &  mudança 


Olhay,  fenhora,  as  horas  apreíladas. 
Que  vem  cobrindo  o  ouro  dos  cabellos 
De  neve,  &  torna  as  roías  defcóradas,  -f 

Ireis  ver  ao  criftal  os  olhos  bellos, 
E  jàos  naõ  vereis  quais  dantes  eraõ, 
Poísquaescntaóferaó,  naõ  queyraesvellot^ 

Ufay  dos  bens,  qu:  vaó  como  nafccraõ, 
Olhayj  que  tudo  delce  de  alto  eftado, 
Que  cambem  os  prazeres  meus  deceran3| 
Mas  naõ  defcerá  nunca  meu  cuydado. 


£L£^ 


m 


E  L  E  G  I  A     XVi; 


Efia  Elegia  parece  feyta  em  o  defterro  do  ÍP, 

^  nelía  Je  queyxa  da  defiguaddade  do 

arnoYi  muyto  da  Jua  farte ^  & 

nenhum  delia. 


NUnca  hum  apetite  moftra  odano 
Antes  de  ler  de  todo  eífey tuado^ 
Mas  no  fim  vem  moftrar  o  delengano. 

Dureza  a  cauA»  &  eu  defel  perado, 
PellD  que  imaginou  o  penfamento^ 
An  Jo  por  eít4  ferra  defterrado, 
'  Efp^lhandoa  voz  ao  leve  vento, 
Delíeíóconfoladojdelle  ouvido, 
O  faço  íabedor  de  meu  tormento.:  ;j  'À.  íjí. 

Que  monte  ha,quena5  tenha  jà  motido, 
Que  afpera  montanha,  ou  roca  dura, 
K  força  de  meu  mal  naõ  merecido. 

vNas duras  pedras achafe  brandura, 
Falta  nefíè  cruel  humano  peyto. 
Quem  vio  nunca  mayor  deíaventura » 

Pouco  pôde  em  ti  amor  perfeyto. 
Quando  de  hum  movimento  vive  indigno^ 
Quejá  mais  fe  negou  a  humfogeyto. 
~i  Da  ventura^  de  vos,  demeudeftino, 
Pois  todo« contra  mim  íaõ  conjurados* 
Eíle  valle  fareydemeu  mal  digno, 

Co  elle  a  noyte,  &  o  dia  meus  cuydados 
PaíTareycm  acerba^  &  longa  vida 
Em  queyxaSj  &  em  fuTpiros  deíufadoSfc 

Porque  íey  que  feras  diíTo  fervida,     -^ 
Nió  deyxarey  dos  montes  a  dureza, 
Ate,  tua  vonta  ie  íer  movida. 

Aqui  me  íòbirí^y  na  mor  alteza 
Da  ferra,  onde  logo  contemplada 
Será  tua  perfeyçaô,  tua  crueza. 

A  alma  em  ti  fó  prompta,  &  óccupada 
Eft  ando  de  tormento  efquivo,  &  duro. 
Oprimida  fera  de  ti  levada, 

.^Diícorrendo  hum  paíío,  &  outro  efcuro^ 
De  mal  em  mal,  de  hum  cm  outro  dano, 
A  pa^a  tal  verá  de  hum  Amor  puro, 

E  vcodío  aqui  taó  claroodeíenganOj 
Cos  olhos  feytos  fontes  mudará 
Lugar taõ  iníèlice,  &  des humano.' 

È  o  que  mòr  tormento  lhe  dará 
A  leaibrançi  de  alguiu  contentamento, 
Qiie  inda  qu:  pequeno,  magoará,  i 

Fará  pof  divertir  o  penfaoicnto' 
Deita  parte  tri/tiflima  mudando 


Rimai  do  Grande  Luís  deCam^esl 

Huma lembrança  cheadè  torniento, 

Alli  algum  eípaço  porfiando^ 
Tendo  por  impoílivel  efquecerte^ 
Ficará  ao  vento  vozes  dando, 

Alli  íe  queyxará  de  conhecerte, 
Alli  dura,  cruel  defpiedoía 
Dirá  .•  Dux^  que  podes  já  moverte. 

Mais  que  Veiiu:>[dirà]  dize,  fermofa. 
Quando  neíla  bclleza  pura,  &  rara 
Se  verá  huma  hora  piedofa. 

Alli  dirá,  cruelj  &  quem  cuydàra 
De  hum  efpirito  taó  reíplandccente 
Taõ  fera  condição,  &  taó  avara. 

AMi  vivera  trífte,  alli  aufente, 
O  coftumado  mal  por  íi  fof-endo, 
De  o  quereres  tu  íanto  contente, 
Co  mo  o  mundo  eftà  )à  conhecendo. 


E  L  E  G  I  A     XVII. 

Reprefenta  o  í*.  os  vagarofos  pajfus,  em  que 
fe  viterttnha  alivianao-fe  com  a  repre^^ 
/entafaõ  imaginaria  de  Jua  quer  ida 
.     Senhora. 

,  TT    A  íierra  fatigando  de  contino 
J.^  Los  paílos  vagaroíos  voy  movendo, 
Perdiendo  de  la  vida  todo  el  tino, 

De  mis  fufpiros  triftes  no  pudiendo 
El  alma  apartar,  yelpenfamtnto 
De  aquella  por  quíen  yo  cftoy  muriendo: 

Queaunque  laaufencia  es  grave tormcnrq 
Que  te  olvide  en  elloes  impoíTible, 
Queconamornopuede  apartamiento, 

Veote  con  fpirico  in  vifible 
Fnelmuy  vivotengoaquel  meneo 
Tan  fíero  para  mi,  y  tan  terriblet 

Todo  lo  n>às  alegre  triíle  veo, 
El  frefco  valle^  el  monte,  Ia  efpeífuraj 
La  clara  fuente  enoja  aun  el  defeo. 
.,  El  dia  fe  mcbuelye  en  nocheeícura^ 
No  puede  amanecer  de  dò  auíente 
Tus  claros  ojos  fon,  de  tu  hermofura, 

Permitteya^fcííora^que  preíente. 
Do  quiera  que  tu  luz  es  decenida 
Sean  el  alma,  y  vida  juntamente, 
r^fEn  tu  fervicioalh  prompta  la  vida 
Pornc  en  alm^  fola  en  conccmplarce, 
Aunqus  me  feas  íiempre endurecida. 

El  mal  que  hazcs  dulce  en  toda  parte, 
Sabroíoes  eltormiento,  yo  loquieiO, 
Pues  es  tu  voluntad  no  ablandarte,  j^ 


i 


\ 


Rimas  âo  grande 

Quequado  utia  horâvêga>  quenoelpero, 
Piedofa,  y  blanda  mas  que  las  paííadas, 
y  me  quíeras  oir^  viendo  que  muero. 

Las  criíles  no  íeran  de  mi  dexadas. 
Que  no  fabré  vivir  fin  el  eílado 
Pe  penaS)  tanto  tiem po y a  provadas, 

Hablo  como  furiofo,  y  tranfportadoí 
Pido  lo  que  me  es  màs  eoojoío, 
Holgandodeme  ver  tan  olvidado. 

Qi-iien  fatigado  es,  no  dà  r  epofo, 
Que  íufras  cob  paciência  te  conyienc, 
Las  quexasdelj  que  a  fifeesodiofo. 

Al  liempo  que  bolando  ya  màs  viene 
Mis  deíiifadas  bo^es  encomienda^ 
Qiie  aíli  la  trifte  voz  en  ti  detiene. 

La  fuerça  deldalor  ninguna  emienda 
Puede  tomar  en  mi^  que  fatistaga 
Lo  menos  que  la  quexa  en  mi  teoíienda. 
,   Incuriblc  parece  una  gala, 
Y  lo  e?^  que  reciba  de  tu  mano, 
Noquiera  Amor,  queyo  jamásdeshaga 
Su  voiuncad  en  dto^  qu:  es  en  vano. 

ELEGIA     yiSVà^^^ 

Continua  oT,a  faudade  j  &  reprezentaçaS 
dafermofUrãy  aqueeJiàprend>z4o, 

DE  pena  en  pena  muevo  Ias  paíTadas,' 
Latriftiflima  voz  ai  ayredando.-íJpio'i 
Voy  cantando  mis  quexas  defufadas  .•  '■  "^  '^ 

Irvcierto  en  el  camino,  que  pifando 
De  un  monte cíquivoi  ai  otro  me  encamina,' 
En  médio  dél  eftoy  en  ú  penfando, 
O  rigorofo  paíTo,  yquan  indigna 
El  alma  veo  aqui  de  Tola  una  hora 
Poder  en  ci  peníar  cofa  tan  digna,         p  sCt 

'  Si  el  alma  aun  no  es  merecedora  ;  ^i  O 
Puriíiima,  y  perfe6ta,y  que  me  puedc  '""^" 
De  efperança  quedar  en  ti^  fenora? 
i'  Mas  que  puedo  querer.  Fortuna  ruede^ 
Llcvandome  de  un  trifteenotroeílaJo, 
y  fiestuvoluntadunbien  no  quede,    :    .^^ 

Enmmo  vive  y3,escranformado      '^) 
En  cij  cl  triíts  efprito,  que  tenia  "  P 

De  ti  íola  fequiere  ver  mirado, 

iQ«ieaunquj  en  fatigas  paíTe  noche^ydia 
De  tu  mano  le  vie.Te,  o  cn  paíTo  eftrecho 
La  firme  vokintad  no  mudaria. 

Y  fi  por  realeza  un  blando  pecho, 
Qiie  tanto  tiempo  fue  endurecido 
'"iiiiicírcya  moltfar  uanue^ohecho» 


^ 


Lnis  de  Câmoêíé  ^  t  tf 

Adò  me  llegada  aquet  fonído 
De  tu  nueva  mudança,  y  mi  ventura, 
Al  eco,  ai  valle,  ai  monte  empedernido*        j 

Dò  no  fe  cantaria  tu  blandura, 
En  que  region  eltrana,  o  nueva  parte 
Quedara  por  loaratu  hermofura, 

Qiiien  nopulieraeítudio,  ingeniO, y  aftCj 
Y  quando  todo  nò,  mucho  djxiera, 
Moílrando  que  cupiera  en  tiablandarte* 

Que  roblcj  queleon,  que  tigre  huvicfâj  i 
Qiic  afpera  montana  intracada, 
Que  mis  mudadas  vozes  no  oyera* 

Mí<s  no  quiere  Amor,  que  la  uíada        .fj 
Quexa,  en  citas  lierrascíparzida  ,{ /'J 

De  tanto  tiempo  ya  íca  dexada,  ^ 

Ni  tu  querias  que  yo  dcxe  la  vida, 
Para  me  dar  tormiento  aun  màs  fiero, 
Ni  con  tan  longa  ufança  interrompida*   i 

Cada  hora  más  afpera  te cfpero,  O 

Que  vcngas  pido,  el  mal  íea  naàs  duroj         j 
Que  el  que  puedo  íufrir,  ya  no  Io  quiero. 

Frtiêvafecíte  amor  per teâ:o,y  puro 
En  fatigas niàyoreSj  en  crueza,  .,.* 

■Quanto  fuere  mayor,  es  más  leguro.        ) 

Excedcáàlasfierasen  dureza. 
Quando  fe  ha  vifto  en  efta  pura,  y  rara 
Gracia,  dei  duro  monte  la  ítípereza. 

De  los  bicnes  que  puedes  dai  avara 
Al  que  puedesdar  vida,  y  por  ti  pena, 
PuiS  niegas  lo  que  el  mundo  no  peníâra,' 

Hazc  cn  tu  volunrad^  como  ella^or  Jena. 

ELEGIA     XIX. 

Tanegyrico  do  T,  a  Tedro  da  Sylva  defcen\ 

dente  dos  Sylvtos  j  &  de  ç^yEneas  òyU 

ViO^  que  mojjos  fundarão  o  Império 

Roman\ 
(_  -' '  . 

ILluílre,  &  nobre  Sylva  defcendído 
Oogram  filho  de  Anchiíesvalerofo, 
Por  armas,  &  por  fangueefcUrecido. 

Que  como  forte,  ouíado,  U  piedofò 
A  as  coitas  íalvou  o  pay  de  longos  annos,'  > 
E  o  filho  pela  mão  tenro,&  mimofo, 

Eo^  Penares,  que  rinhaó  os  Troyanos, 
Tirou  no  mòr  confli£to  da  Cidade, 
E  n  que  Gregos  fizeraõ  cantos  danos, 

Creícendo  foy  de  húa  em  oucra  idade 
Efta  illuítre  progénie  gcnerofa 
Em  virtuie^  valor,  honra,  &  bondade, 
Accchegíirànoílatanidicofat  _ 

Vo\M 


Rmúi:M  Grande  Luís  âeCãmoes. 


njf^. 


Fois  no  dia  menor/  que  tinha  o  nhno 
O  mayor  feyto  era  Africa  íizefe. 


Pois  nelle  o  Cco  a  tVSy  to-  nos  deu 
Que  a  faizés  com  tuas  obras  mais  íeímoía. 

Aonde  oinciíroRey  de  oiotu  íeu^ 
Movidopello  SpirUQ,  quco  guia 
A  mayofes  píoelas,  que  a  Theíeo. 

Pellas  paires,  qucemtijà  conheciaV:»^^))^)    O  argímento  defla  Elegia  he o  mais  próprio 


ELEGIA     XX. 


Gu  decreto  de  cima  te  efcolhco 
Por  começo  do  íim  que  pertcndia. 

De  Capicaóde  Tí^nger  te proveo 
Em  tempo  que  o  Maluco  aílkz  valente 
O  grande  Império  de  Africa  venceo, 

E  íendoe^íla  eleyçaò  do  Rey  valente,    -,.^ 
Da  cegainvcja  folie  murmurado,         ^.M 
Porque  ninguém  eícapou  ao  maldizente. 

Naõtenegàraõ  feres  esforçadot 
Masdiziaõ,  que  á  guerra  em  tal  idade 
Servia  Capitão  expnmentado. 

E  que  em  tempo  de  tal  neceííidade 
Convinha  velho  amparo,  £t  forte  efcudo, 
Em  quem  naò  poíTa  haver  temeridade,    .  _/ 

Mas  bem  ao  contrario  íè  vio  tudo,    ^  ^i'l> 


do  MetrOi  de  quantas  o  T.  compoz ;  cho» 

ra  a  morte  de  T),  Tello ,  a  quem 

tnatdradna  índia, 

SAyaõ  defta  alma  trifte,  &  magoada 
palavras  magoadas  de  trifteza^ 
E  feja  ao  mundoa  cauía  declarada. 

Saya  do  peyto  a  voz,com  que  a  graveza 
Sogiga,  doma^  &as  gentes  move  tanto, 
Por  mais,  6c  mais  que  tenhaó  de  dureza. 

E  vòs  meus  olhos  triílcs  entre  tanto 
Em  lagrimas  efta  alma  derretida 
Choray,  que  amargo  choro  he  o  meu  canto. 

Quanto  de  mim  a  caufa  foy  feniida^ 
Seja  de  vòs  chorada,  &  juntamente 
Choremos  huma  morte,  &  huma  vida,^ 

Abondade  choremos  innocente» 


Pois  prudência,  &  esforço  juntamente 
Em  ti  exprimeotou  o  Mouro  rudo. 

Quando  cõ  graõ  confelho,  &  pouca  gente  Cortada  em  flor,  que  pela  acerba  morte 

AtravelTafte  os  campos  Africanos,  Nos  foy  arrebatada  dentre  a  gente. 

ComdgràmCapitaó^  velho,  valente.  Eaquellaimmenfador,&  dura  forte 

Efoítea  parte  onde  os  mauritanos  Da  niagoadamãy,  cuja  alma  trifte 

Naó  tinhaò-villo  lança  de  Chriftãos  .  ...  Também  cortada  foy  com  agudo  corte.' 

Havia  loogos  tempos,  longos annos.  ^  np  \k  Qçípiritp gentil, que  ao  Ceo  fabifte, 

Toraaftédeíciíydado  humCapitao.w.u^  Porque  engcytafte  a  minha  companhia, 

iNd  tempOj.&aíTi  na  guerra  exprinientkdo,  E  acompanhartc  cu  naõ  confentifte. 


Em  quem  fe  confiava  Tetuaó 

Alafe,  irmap  de  Alafe»  noíne;\.do£l 
Que  naõ  íó  o  feu  campo  defendia, 
Mas  entrava' no  noílb  Confiado. 

Efte,  que  toda  a  grande  Berbéria  _.,„;, 
Tinha, por  muy  prudente,  &  animpfQ> 
Agora  o  tens  na  tug  eftrebaria. 

Que  pôde  aqui  dizer  pois  o  envejofo^ 
Onde taõ  claro  véj  que  neíTa  idade        *  ^ 
Supreo  nobre  Tangue  generofo. 

Naõ.tc  dirá,  que  íoy  temeridade    : 
Para  feyto  conoellc  taõ  valente,     ,-  •,;;_, 
Cpm  ter  íeguroo  campo,  &  a  cidadei  <:  ■*, 

Nem  te  pode  negar  <eres  prudente,-;,: 
Pois  tem  pOj  &  conjunção  folie  efcolher 
Em  que  naó  arriícaílea  tua  gentCui  cn  íj„ 

Masafliteíoubeíle  recolher'     .)->«••  ^ 
Com^gram  defpojo  feyto,  denfo  dano^ 
S^m  hum  dos  que  levafte  fe  perderijuiii  r, 

O  fplige  Varaó^  SylvaTroyano,  r 
Quem  te  pôde  louvar, como  yenccíte, 
2i   'i 


-ip 


Efte  heo  canto  heroyco,  &  de  alegria,^ 
Que  eu  jà  em  têU  louvor  aparelhava» 
Como  o  cornou  a  morte  em  Elegia,  í 

Efta  he  a  efpçrança,  que  nos  dava 
De  ti,  tua  tenra,  &  alegre  mocidade,  ^ 

De  quem  taõ  grandes  couías  fecfperava.      | 

O  Hymineo,queem  mães  pcrfeyta  idade 
Gom  honras  mil  te  andava  aparelhando 
A  máy,  de  quem  naõ  ouvelte  piedade. 

Qi-ie  agora,  como  Hecuba,anda  bramado/ 
Buicandoemvama  caía  em  toda  a  parte       ;" 
Amado  Filho  mcu^  por  ti  bradando. 

Quem  me  vedou  os  olhos  teus  íerrarte, 
Qiie  em  tam  amarga,  &  trifte defpedida       i 
Pudera  efta  alma  minha  acompanharte.      ( 
ailQtiem  te  privou  dachara,  &doce  vida, 
Mcufilhotaõfcrmofo,  &  mal  logrado         í 
Dous  corações  pafiou  huma  fó  ferida.         í 

Em  terra  de  dcfterro,  ay  filho  amado, 
Deyxandome  fem  ti  defemparada,  .) 

Quizcfte  ícrdeeítranhosíepultado.  ) 

St 


'I^imâs  do  grande 

Sc  hiâç  para  fazer  ta6  graõ  jornaJa, 
Naõ  levarás  em  tua  companhia 
Eíta  mifera  mây  defconíolada. 

Quiçaes  que  algum  foccorro  te  feriaif 
C2ue  vendo  vir  a  eípada  em  alço  erguida^ 
Filho,  com  hum  grito  meu  keaviíaria. 

Ou  recebera  o  golpe  nefta  vida, 
Metendomenomeyo,  &:tu  viveras^ 
Fartara  de  meu  íangueeíTe  homicida. 

Ay  filho,  meu  amor,  que  cu  fó  eras 
Quem  com  tua  vida  alegre  algum  defcanço 
A  meu  viver  cançado  dar  puderas. 

E  tu  ícràs  também  quem  manco  a  manco 
Me  acabarás  a  vidat  que  eu  queria 
Seaj  ti  ver  acabada  de  hum  íó  lanço. 

E  vòs  também  mulheres,  que  pariftes 
Ajudayme  a  chorar,  porque  em  mal  tanto 
Naõ  fatisPazem  íó  meus  olhos  triftes* 

Aíli  com  grave  dor  de  canto  a  canto 
Aíè  nos  corações  de  mor  dureza 
Soahuma  voz  coofufa,  hum  amargo  pranto» 

O  tu,  honraj  &  primor  da  natureza, 
Illuítre,  &  fermofiííima  Maria, 
l^aõ  trates  mal^  fenhora,  tal  belleza. 

Pois  fó  cuílodia  es,  donde  aleg  ria 
Defunta,  &  tal  chorada  em  dia  amargo 
Refurgirà  em  Outro  alegre  dia. 

Que  a  ti  deu  o  movedor  do  mundo  o  cargo 
pe  alegres  a  máy  chorofa,  &  triíte. 
Que  alegre  vivirà  por  tempo  largo. 

Foltoque  a  dor  do  irmão  muyto  fentifte 
Naó  dcftruas  as  lindas  tranças  bcllas, 
Pois  o  remédio  niííonaò  coníiíte, 

Naó  traces  mal  as  nidicascllrellas 
Dos  olhos  tens  com  lagrimas  ardentes, 
Pois  tem  mais  refplendor  que  todas  ellas. 

Naõ  offendas  as  faces  refulgentes. 
Obra  de  Deos,  com  mão  deípiedofa. 
Da  pátria  honra,  fe  louvor  das  gentes. 

Mas  vay  com  doce  voz,  brada,  &  amorofa 
Confola  a  criíte  niãy  deíconíolada 
Com  tua  viíla  alegre,  &  caôfermofa.  t 

Promerelhe^  que  em  fi  reíuícitada 
\  erá  íua  alegria  jà  perdida, 
De  todos taõ  lentidaj&taõ  chorada, 
, .    Pois  ceu  remediu  eltá  fó  em  fua  vida. 
Que  haja  do  ti  materna  piedade, 
Naõ  dè  tanto  lugar  âdor  crecida. 

Bem  íe  permitcc  a  fraca  humanidade 
Por  filho  tal,  &  canto  tempo  aufente 
Hum  moderado  pranto,  huma  faudade. 

Mas  taõ  continua  dor,  qucj  eípátea  gente^ 
r    II.  Pare. 


Luts  de  Cámoissl  Xií 

E  põem  em  tal  eftremo  a  vida  amada, 

Ne  o  mudo  o  quer,  nem  Deos  naõ  o  cófente* 

Naõ  foy  a  morte  de  Heytor  fépre  chorada 
Da  trille  mây,  que  alem  de  filho  amado, 
Era  porelle  fóTroya amparada» 

Mas  jà  deípois  de  morto,  &  arraflado 
Com  Grego applaufo,  vozes,  &  alarido^ 
O  corpo  houve  às  mãos  deícon juntado^ 

Perdida  a  ccr,  o  collo  recaydo, 
Naõ  parecia  Heytor,  que  dantes  era. 
De  pó,  de  íangue,  &  de  fuor  tmgido. 

Com  feus  olhos  lavoulhe  a  chaga  fera^ 
Com  fuás  mãos  o  rofto  lhe  alimpava 
Sem  alma,  8c  fangue,  jà  de  cor  de  cera* 

Mas  vedo  em  fim  quaõ  pouco  aproveytavà 
Seu  chorOj&  né  por  mais  q  em  vaó  bradado 
Chamava  Heytor,  Heytor  refuícitava. 

De  lagrimas  os  ol  hos  enxugando. 
Defenganada  jà  do  Filho  amado 
Se  foy  com  a  amada  filha  confolandoj 

Nem  fempre  o  fero  Achiles  foy  chorado 
De  Thetis  fua  máy,  do  branco  coro, 
Princepe  Grego  taõ  aílinalado^ 

Também  pagou  à  morte  o  antigo  foro»' 
E  à  Deoía  naò  valco  íer  prevenida, 
Nemíufpirosvalèraõ,  nemfeu  choro. 

Também  a  efte  acabou  mortal  feridaj 
Sendo  meyo  immortal^  &  filho  amado 
Da  Deofa  de  N  éreo  taõ  querida. 

Nas  agoas  de  Acherontc  foy  banhado^ 
Porque  em  batalhas^  como  o  fero  Naarte, 
Po  ferro  naõ  pudelfe  íer  cortado. 

Mas  a  agua  naó  chegou  áquelia  parte. 
Que  cfquadrinhou  a  fetta  aguda ,  &  forte^ 
Que  contra  ella  naõ  vai  engenho,  Sc  arte, 

Ghoráraó  as  Gregas  gentes  íua  morte, 
Os  Phocas,  6c  Delphins  cambem  chorarão^' 
Chorou  do  gram  Nereo  toda  a  corte. 

Tantas  lagrimas  triftes  derramarão. 
Tanto  chorou  a  mãy,  que  muytooamavai 
Que  a  Xanto,  &  o  Simois  acreícentáráo. 

Mas  vendo  que  o  chorar  naõ  aprovcytaya, 
E  que  era  dor  perdida,  ^  defàtino. 
Os  (cus  fermoíos  olhos  alimpava. 

E  com  alegre  roílo  de  ar  benino 
O  Ceo,  a  Terra,  o  Mar,  tudo  alegrando, 
E  os  cidadãos  do  Reyno  cnftalino. 

Os  íeus  verdes  cabcllos  eípalhando 
Ao  vento,  de  mil  Ninfas  rodeada. 
Tornando  a  viíla  atraz  de  quádo  cm  quando* 

DePaufilipe,  6c  Oricia  acompanhada. 
De  Dçris,  McnalipC)  &  de  Mcknto, 


Í2  2  _  Rimas  do  Granàe  Luh  de  Camiões. 

Se  foy  para  Nereó  eõnfolada.  Hum  Anjo  novo  tens,  fanto,  &íbeninOj 

Deyxay  pois  jàjfenhora,  o  amargo  pranto,     Vive  fenhora  alegre,  &  coníolada. 


A  pena,  a  dor,  o  mal,  que  tanto  crece, 
Eday  lugar  ao  meu  inculto  canto. 

Com  graõdifficuldadeleoíFcrece 
A  grandes  deíyenturas  taes  como  eJla, 
A  darlhe  iguacs  palavras,  quaes  merece. 

Por  tanto  eu  lenhoraj  agora  neíla 
Náõ  as  hey  de  bufcar  por  coníolarte, 
Que  aos  tnftes  coníolar  fó  a  razaõ  prefta. 

Também  íeraõ  perdidas  neíla  parte 
Confolaçôes,  que  cm  choro  de  amargura 
Força  naó  tem,  por  mais  que  tenhaõ  d'arte. 

Se  as  lagrimas  naô  veacea  razaõ  pura, 
Fortuna  íempre  a  outras  acrefcenta, 
Guardete  Deosde  mòr  delaventura. 


Que  por  ti  roga  ao  Padre  de  conti  no, 

O  alma  pura  em  alto  alevanrada. 
Que  là  eftàs  neíTe  Ceo  luzente,  St  ciaro, 
Defta  mortal  priíaõ  jà  defatada. 

O  fenhor  meu  Dom  Telo,  amigo charo, 
Qiedo  terreno  Sol,  onde  vivefte 
Te  arrebatou  fem  tempo  o  tempo  avaro. 

Se  ao  paíTardo  Lethcnaõ  perdefte 
A  memoria  de  mim,  que  ^anto  te  amo, 
E  por  intimp-amigo  me  tiveíle. 

Com  atteoç^õ  cfcuta  o  meu  reclamo^ 
Naó  dciprefí  s  de  ouvir  là  deíTa  altura 
A  bayxa,  &  rouca  voZj  com  que  te  chamo. 

Que  quando  concedido  da  ventura 


Naõ  digo,  que  a  alma  eílc  de  magoa  izeta,    Mc  for  o  que  eu  por  ti  agora  peço, 


Porque  humano  hè  fentir,  mas  he  fraqueza, 
Niô  íofrer  o  que  Deos  nos  apreíenta. 

N aó  he  efte  m u  ndo  a  noíí a  natureza, 
Eftrada  íi,  por  onde  caminhamos, 
Prcten  dpndo chegar  à  Summa  Alteza. 


Naõ  borrara  o  teu  nome  a  fama  cfcura,' 
Em  tanto  as  bayxas  Rimas  te  oíFereço 
Em  penhor  da  vontade,  &  amor  profundo, 
Até  cumprir  o  que  hora  aqui  profcço. 
Queentaõ  te  cantará  por  todo  o  mundo» 


Nefte caminho hú  paiTocftreyto achamos.    Com linguas mil  afama  foberana. 


Morte  íe  chama  horrenda,  &  deíabridaj 
Divida,  que  Adam  fez,  &  nós  pagamos. 

A  todos  he  conimumeíta  partida, 
Quei?i  morre,  naó  morreo,  partio  primeyro, 
t  o  que  ha  depois  da  morte  he  eterna  vida. 

Tod  J  animal, que  nace  eítá  foreyro 
A  paliar  elle  paflb  eftrcy  to  tanto. 
Todos  là  havemos  de  ir  porderradeyro. 

Deyxa,lenhora^deyxa  o  amargo  pranto. 
Teu  filho efti  no  Ceo  reíplandecente, 
Jâ  wnrre  os  Cidadãos  do  Coro  íanto^ 

Nollas  memorias  trilles  naó  as  íente, 
Jà  livre,  &  de  theatro  eftà  olhando 
Comolhosimmoitaes  a  ímraortal gente. 

Da  V^iíaóBdaiifica gozando, 
Sem  medo,  ou  fobrefaltode  perdella 
O  mundo,  6c  feus  afagos  deíprezando. 


Eoccuparàteu  nome  fem  íegundo 
Do  patno  Tejo  alem  da  Taprobana. 

ELEGIA     XXI. 

Tede  o  ^.  encarecidamente  a  huma  Senhor  a, 

quefupottbofoy  todo  o^objeHo  de  feus  dif* 

vellos^  quefe  compadejfa  do  tormeU" 

fO)  em  que  o  tempofio/ua  vifia, 

NAÔ  me  julguf^is,  fenhora  a  atrevi  meto 
O  que  me  faz  fazer  hu  mal  tão  forte^ 
Que  naõ  me  baila  nelle  o  íofrimcoro. 

Qiic  tal  me  traz  jà  agora  minha  forte, 
Que  me  faz  buícar  voífa  crueldade. 
Donde  fò  por  remédio  eípero  a  morte. 
Naõ  vos  pudecallarcíla  verdade^ 


Daiíi  coiUépld  de  uúa,  òi  cie  outra  eílrella^  Pwrque   força  naó  ttm  poder  humano 

Ou  fixa^  &  errante,  o  curlo,  6c  movimento^  Contra  outro,  que  naõ  tem  humanidade. 
TendOj  fem  fe  mover,  os  pès  íobre  ella.  Arrior,  que  tudo  faz  para  mòr  daao 

Veloz,  qual  o  ligeyropenfamenro,  Me  deu  o  mal^  leyoume  ofofrimento, 

PaíTa  depòloapòÍo,&oCcoconhcCí  Ah  duro  Amor,  cruel,  &deshumano. 
Quj/eu  caminho  faz  com  palio  lento.  Naõ  vos  lembre,  fenhora,  meu  tormento, 

fi  porq  o  mar  continuo  min^oa,  &  crcce,  Que  efte  bem  o  merece  a  ou/adia 

Cofnprêde.Si  a  quinta  efrencia  pura^ôc  neta^  De  eu  empregar  em  vòs  meu  peofamento. 
E|com  que  luz  a  Lua  refplandece.  Lembrovos  hum  amor^  que  cadadia 

Ne  Tl   nos  efpiota  no  ar  qualquer  cometa^  Em  mim  taô  verdadeyro,  &  firme  crccc. 

Os  pontos  fabe  de  hum,  &deoutro  fígno,  Quealheo  metraz  doquefohia. 
Por  gnie  faz  feu  curío  o graõ  Planeta,         -        Naõ  peço  queo  pagueis,  como  merece^ 
í  '  '         Que 


I 


Que  na5  mereço  eu  tanto,'mas  fo  peço. 
Que  por  mim  naõ  cuydeis,quedeírnerece, 
1^  Porque  íefó  por  fi  hedetal  preço^ 
Que  a  íliprir  baila  feu  merecimento 
Quanto  eu  de  minha  parte  deímereço, 
í    Bem  vejo  que  em  tomar  o  fofrimento 
Para  viver^  melhor  remédio  foraj 
Que  hum  taõ  deíordcnado atrevimento. 

Mas  cu^  que  do  viver  menos^  jà  agoi;a 
Qiie  de  todo  a  livro,  poiscreícendo 
Vaõ  com  a  vida  os  males  cada  hora. 

Vos  quiz  manifeftar  meu  malj  fabendo 
A  quanta  defventura  fe  aventura. 
Quem  pcrtende  fazer  o  que  eu  pertendo. 

QuizeíTej  ó  oxalá,  minha  ventura, 
Quccaftigafleis  vòseftaoufadia 
Com  humacruel  morte  trifte,  &  dura. 

Que  naõ  íeria  morte,  roas  feria 
Hum  fuave  remédio  doce,  &  brando 
Defte  mal,  que  me  mata  cada  dia. 

Até  quando^  fenhorai  6c  até  quando 
Terá  lugar  em  vos  vofía  crueza, 
E  a  morte  naó  em  mim,  q  aeftou  chamado? 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camões, 


Abrande  meu  amor  voíTi  dureza, 
Que  efta  alma  em  fitrâsforma  com  tal  cura, 
Quejá  naõ  heamor^  mas  natureza.  I* 

Abrande  )à  huma  vida,  em  que  fó  dura 
A  alma,  porque  veja ^  &  exprimente^ 
Que  naõ  tem  fim  a  graôdeCaventura. 

Abrande  já  huma  dor,  que  juntamente 
A  vida  penetrou,  &  a  alma  trifte, 
E  lhe  roubou  o  eftado  feu  contente. 

Moftrayvos  poderoíaemquemreíiíle     y\ 
Em  deíobedecer,  ou  cnojarvosí 
E  naõ  jà  contra  quem  vos  naõ  rcfífte» 

Em  quem  cuydar,q  digno  íby  de  amarvos,' 
!M  oftray  voflío  poder,  poiso  merece, 
Em  mim  naõ,  q  o  naõ  íòu  taõ  fó  de  olharvos.^ 

Atccntay  por  huma  alma,  que  fe  eíquecc 
De  fí,  por  que  em  vòs  poz  fua  lembrança, 
E  tal,  que  em  nenhum  tempo  desfalece.  :P 

Nem  fofpcyto  que  poííà  aver  mudançaj  " 
Numcoraçaõ,  quemaisqueafi  vos  ama, 
Daylhe  já  mortCj  ou  vidi^  ou  efperança. 
Que  tudo  lerá  gloria  por  tal  daraa.    5"»^;  'i  « i>H 


II.   Pare: 


Qii 


OCTA^ 


tp^  Rimas  do  gr  a  nde  Lms.de  Camões , 

CTAVA I 

Efla  OytaVa  fe:^  o  T,  eftando  deflerrado  em  Ceuta  em  Vinte  é*  dous,  ou  Vífite  &  três 
anms  de  Jua  idade^  ér  a  dedicou  a  (D.  António  de  TSÍoronhíi,  O  argumento  todo  hg 

fubre  ode/concerto  do  munda. 


aUem  pôde  íer  no  mundo  taó  quieto? 
Ou  quem  terá  taõ  livre  o  penfamcnto? 
Quem  taó  exprimétado,  ou  ta6  dilcreto? 
1 4Q  fora»  enfim ,  de  humano entéditnentOi 
Que  ou  com  publico  eíFcy  to,  ou  c6  fecreto^ 
Lhs  naó  revolva,  6c  efpance  o  fentimencoí 
Deyxandolhe  o  juízo  quafi  incerto, 
Ver,  &  notar  do  mundo  o  defconcerto? 
Quem  he  que  veja  aquelle  que  vivia 
Delatrocinios,  mortes,  &  adultérios  5 
Qaeaojuizo  das  gentes  merecia 
Perpçtga  pena,  tmmeníos  vitupérios  s 
Se  a  Fortuna  em  contrario  o  leva,  &  guía> 
Moftrando,  enfim,  que  tudo  faómifterios 
Em  akeza  de  Eftados  triunfante, 
Que  por  livre  que  feja  naõ  fe  efpantc? 

Q  lem  ha, que  veja  aquelle  que  cam  clara 
Teve  a  vida,  que  em  tudo  por  petfcyto 
O  próprio  Momo  à  as  gentes  o  julgara» 
Inda  quando  lhe  viíFe  aberto  o  peyto  f 
Se  a  má  Fortuna  ao  bem  íòmenieavàro, 
O  reprimej  &  lhe  nega  feu  dircyto, 
Qtie  lhe  naòfiqueo  peyto  coftgelado, 
Por  maisi  &  mais^  que  feja  exprimétado? 

Demócrito  dos  dcofes  proferia 
'Que  eraó  fós  dous;  a  Pena,  &  Beneficio, 
Segredo  algum  ícrà  da  Fantafta, 
De  que  eu  achar  naò  poíTo  claro  iadício. 
Que  fe  ambos  vem  por  naócuydada  via 
Aquém  os  naõ  merece,  he  grande  vicio 
Em  Dcoíes  íem  juíhça,  &  íem  razaô 
Mas  Demócrito  o  diíle,  &  Paulo  nam. 

Dirmchcis,  que  k  eíle  eílranho  dtfcõcerco 
Novamente  nom  1  tdofemoílraííe^ 
Que  por  livre,  que  ione^Ôc  rnuy  experto, 
Naò  era  de  efpantar  fe  me  eípantaíTc, 
Mas  que  íeja  de  Sócrates  foy  certo, 
Qtie  nenhum  grande cafo  IhemudalTe 
O  vulto  i  (ou  de  prudentci  ou  de  còftante) 
Exemplo  tome  delle,  &  naó  meefpante. 

Parece  a  razaó  boa  -,  mas  eu  digo 
Defte  ufo  da  Fortuna  taõ  danado, 
Que;j^li4jDlo  he  mais  uíado^i^  mais  antigo^ 


Tanto  he  maif  eílranhado,  &  blasfemado^ 
Por  que  íe  o  Ceo>  das  gentes  taó  amigo, 
Naõ  dàà  Fortuna  tempo  limitado^ 
Bem  he  para  caufar  hum  grande  eípanto. 
Que  maltam  mal  olhado  dure  tanto. 

Outro  efpaoto  mayoraqui  me  enlea  ^ 
Qiie  com  quanto  Fortuna  tam  profana. 
Com  eftes  deíconcertos  fenhoreai 
A  nenhu  ua  pcffoa  dcfengana. 
Naó  ha  ninguém  que  agente,  nem  que  crea 
Efte  diícur  ÍQ  vaó  da  vida  humana» 
Por  mais  q  filofofe,  nem  que  entenda. 
Que  algii  pouco  do  mudo  naõ  pertcnda* 

Diógenes  piíava  de  Plataõ 
Com  feus  fordidos  pés  oricoeftrado ; 
Moílrando  outra  mais  alta  prefunça5 
Em  defprezar  o  faufto  cam  prezado. 
Diógenes,  naõ  ves,queeftremos  Iam 
Efles  que  fegues  de  mais  alto  eftado? 
Pois  lede  defprezar  te  prezas  muyto, 
Jà  pertendes  do  mundo  faroa^  &  fruto. 

Dey  xo  agora  R.çys  gr  andes,  cu  joe. tudo 
He  fartar  efc  fede  cobiçofa 
De  querer  dominar,  &  mandar  tudo 
Com  fama  larga,  &  pompa  íuntuofa. 
Dcyxo  aquelles  que  tomaõ  por  eícudo 
De  feus  vícios,  &  vida  vergonhofa, 
A  nobreza  de  íeus  anteceflbres, 
E  naõcuydaó  de  fi  que  íaó  peores. 

Aquelle  deyxo  a  quem  do  fon  o  efperta 
O  grão  favor  do  Key  q  íerve,  &aJora, 
E  íc  mantém  defta  aura  falia,  &  incerta, 
Qiie  de  corações  tantos  he  fenhora, 
Deyxo  aquelles  q  eftaó  co^  a  boca  aberta 
Por  fe  encher  de  teiouros  de  hora  em  horaj 
Doentes  deíla  falfa  hidropefia, 
Que  quanto  mais  alcança^  mais  queria. 

Deyxo  outras  obras  vans  do  vulgo  errado, 
A  que  jà  naõ  ha  alguém  que  contradiga  •, 
Nem  de  outra  coufa  alguma  he  governado  ;j 
Que  de  huma  opmiaô,  &  ufança  antiga. 
Mas  pergunto  ora  a  Ccfar  esforçado, 

Ora  a  Placaó  divino,  que  me  diga, 

Eílc 


.--"^ 


Rimas  do  Grande 
£ítedas  muytas  terras  em  queandouj 
Aqueliedevencelas,  que  alcançou? 

Geíar  dirá  j  Sou  digno  de  memoria. 
Vencendo  povos  vários^  6c  estorçados  .• 
Fuy  Monarca  do  mundo.  &  larga  hiftoria 
Ficará  de  meus  feytos  fublimados. 
He  verdade ;  mas  eíTe mando,  &  gloria 
Lografte-o  muyco  tempo? Os  conjurados 
Bruto,  &  CaíBo  díràó,  que  le  venceíte. 
Enfim,  enfim  a  mãos  dos  teus  morrefte. 

Dirá  Plataó :  Por  ver  o  Etna,  &  o  Nilo, 
Fuy  aCeeilia^  a  Egipto^  Sc  outrâs  partes, 
Sò  por  ver,  &  eícrever  cm  alto  eftilo 
Da  natural  ciência  em  muycas  artes, 
O  tempo  he  breve,  &  queres  confumilo, 
Plataó ,  todo  em  trabalhos  y  &  repartes 
Taô  mal  de  teu  eftudo  as  breves  horast 
Qlic,  enfim,  do  falíò  Feboo  filho  adoras? 

Pois,  quando  dcs  que  vivejà  apartada 
A  Alma  defta  prifaõ  terreile,  &  efcura, 
Bílà  em  tamanhas  coufas  ocupada. 
Que  da  fama  que  fica  nadacura, 
E  le  a  corpo  terreno  finta  nada 
O  Cínico  dirá  íe  porventura 
No  campo  onde  lançado  morto  eftava 
De  fi  os  caensj  ou  as  aves  enxotava. 

Quem  taõ  bayxa  tiveíTc  a  fantada, 
Qutí  nunca  em  mores  coufas  a  merece 
Que  em  fó  levar  feu  gado  á  a  fonte  fria, 
Emungirlhedolcyte  quebebeíTei 
Quam  bem  aventurado  que  feria ! 
Que  por  mais  que  a  Fortuna  revolveíTe, 
N  une ^  em  fi  feotiria  mayor  pena, 
•Que  peíàrlhe  de  a  vida  ítr  pequena. 

Veria  erguer  do  Sol  a  roxa  face  j 
Veria  correr  fempre  a  clara  fonte  ; 
Sem  imaginar  a  agua  donde  nace, 
Nem  quem  a  luz  oculta  noOrizonte: 
Tangendo  a  f  rauta  donde  o  gado  pace. 
Conheceria  as  ervas  do  alto  monte  : 
Em  Deos  creria  fimples,  6c  quieto. 
Sem  ma»ys  eípecular  algum  íecreto. 

Di  humcertoTrnfii.o  íelè,  &  eícreve. 
Entre  as  coufas  da  velha  Antiguidade,; 
Que  perdido  gram  tempo  o  fiforeve 
Porcaufa  de  hum  a  grave  enfermidade  : 
E  em  quanto  de  (i  fora  doudo  efteví!, 
Tinha  portcyma,  &  cria  por  verdade. 
Que  eitaó  íuas,  das  nãos  que  navcgavaó, 
Quantas  no  porto  Pireo  ancoravaõ. 

P«i^  hum  fenhor  muy  grande  fe  teria 
(Alemda  vidaalegre  que  paliava^ 


Lnis  deCamhs,  ii^ 

Pois  nas  qne  fe  perdíaõ  naô  f  erdía, 
E  das  que  vinhaõ  íalvas  fe  al^^gra  va. 
Naó  tardou  muyto  tempo,  quádahum  diai 
Huncrito,  feu  irmão,  que  aufente  eílava. 
Chegado  à  a  pátria, quádo  o  vio  perdido, 
Do  fraternal  amor  foy  commovido^ 

Aos  médicos  o  entrega,  &  com  avifo 
O  faz  eftar  á  cura  recuíada. 
Triíle !  que  por  tornarlhe  o  antigo  fifo 
Lhe  tira  a  doce  vidadefcanfada » 
As  ervas  Apolineas  de  improvifo 
O  tornaò  à  a  faude  jà  pafTada, 
Sefudo  rrafilao,aoc3ro!rma5 
Agradece  a  vontade,  a  obra  nao 

Porque  defpoi«>  de  vcrfe  no  perigp 
Dotrabajfaoa  que  o  fifo  o  obrigava  j 
E  defpois  de  naó  ver  o  eítado  antigo. 
Que  a  louca  prefunçaõ  lhe  prtíentava: 
O  !ÍaímigoirmaÕ,com  cor  de  amigo  í 
Fará  que  me  tirafte  [íufpirava] 
Da  mais  quieta  vida,  Sc  livre  cm  tudo. 
Que  nunca  poderer algum  feíudo  ? 

Por  qual  Senhor  algum  eu  me  trocara," 
Ou  por  qual  algum  Rey  de  mais  grandeza? 
Que  me  dava,que  o  mundo  íe  acabara. 
Ou  que  a  ordem  mudaíle  a  Natureza  ? 
Agora  me  he  penofa  a  vida  chara  : 
Scy  que  coufa  he  trabalho,  &  que  triftezai 
Torna  me  a  meu  eftado ;  que  eu  te  avifo 
Que  na  doudice  fó  confifteo  fifo. 

Vedes  aqui,  Senhor,  bem  claramente 
Comoa  Fortuna  em  todos  tem  poder, 
Senaõ  fó  no  que  menos  labe,  6f  fente. 
Em  quem  nenhum  defcjo  pôde  a  ver: 
Erte  íe  pôde  rir  da  cega  gente ; 
Neíle  naó  pôde  nada  acontecer  > 
Nem  eílaràfuípenfo na  balança 
Do  temor  raao  da  pérfida  efperança,^ 

Mas  le  o  fereno  Ceo  me  concedera 
Qualquer  quieto,  humilde,  &  doce  eílada 
Ondecom  minhas  Mufasíó  vivera. 
Sem  verme  em  terra  alhea  degradado  ; 
Ealli  outrem  ninguém  me  conhecera, 
Nem  conhecera  eu  outro  mais  honrado, 
Scnaó  a  vós, também,  como  eUj  contente» 
Que  bem  fey  que  a  ferieis  facilmente  : 

E  ao  longo  de  huma  clara^Ôc  puxa  fonte, 
Qieem  borbulha*;  nacendoconvidaíTe 
Ao  doce  palfarinho  que  nos  conrc 
Quem  da  cara  conforteo  apartaííe : 
Deípois,  cubrindo  a  neve  o  verde  monte. 
Ao  agafalhado  o*  frip  no&iâVaâe> 

Avi- 


íizú  Rmas  dogrmde 

Avivando  o  juízo  ao  doce  cftudo, 

Mays  certo  íPájar  da alma^eníin?,  q  cudo: 

Cantáranosaquelleque  taõ  claro 
O  fez  o  fogo  da  Aurore  Ftbca, 
A  qual  eile  em  eliilo  grande,  &  raro, 
Louvando;,ocritalinaSorgaenfrea. 
Tangeranos  nafrauta  Sanazaro, 
Ora  nos  monte  %  ora  por  a  área. 
Paflara  celebrando  o  Tejo  ufano 
O  brandojôc  doce  LaííoCaftelhanho. 

E  comnoíco  também  íe  achara  aquella 
Cuja  Lembrança^  ôccujoclarogcfto 
Na  alma  fomente  vejo,  porque  nella 
Ellà  tm  eíTencia  puro,  6c  manifefto  5 
Por  alta  influição  de  minha  eítrella 
Mitigando  o  rigor  do  pey to  honefto. 
Entretecendo  rofas  nos  cabellos^ 
De  quetomaíTea  luz  o  Sol  em  vellos,' 

E  em  quanto  por  Veraõ  flores  colheíTeí 
Ou  por  Inverno  a  fogo  acomodado, 
O  que  de  mi  fentira  nos  diíTeííe, 
De  puro  amor  o  peyto  falteado  j 
Naò  pedifj  entaõ  eu,  que  Amor  me  deflfe 
Do  iofano  Trafilao  o  doudo  eítado, 
Mas  que  alli  me  dobraffe  o  entendimento. 
Por  ter  de  tanto  bem  conhecimento. 

Mas  por  onde  me  leva  a  fantafia  .* 
Porque  imagino  em  bemaventuranças, 
Se  taõ  longe  a  Fortuna  me  defvia, 
Queinda  menaóconísnte  asefperanças? 
Se  hum  novo  peníamento  Amor  me  cria, 
OaJeo  lugar,  o  tempo,  as  eíquivanças 
Do  bem,  me  fazem  taó  defamparado^ 
Que  n ao  pòdefcr  mais  que  imaginado  ? 

Fortuna,  enfim,  CO*  Amor  íe  conjurou  ' 
Contra  mi,  porque  mais  me  magoafe : 
Amor  a  hum  vaó  dcíejo  me  obrigou^ 
Sò  para  que  a  Fortuna  mo  negaííe : 
O  Tempo  a  tal  eftado  me  chegou, 
E  nêliequiz,  que  a  vida  feaçabaíle  : 
Se  ha  em  miacabarfe,  oqueeu  naõ  creO} 
Queatèída  muyta  vda  me  receo, 

O  C  T  A  V  A     II. 

ConfóU  aqui  o  T,  a  T^.  Coflanthw  Vice-Rey 

ao.  Índia  animando^o  contra  a  inveja /3 

murmuração  dos  Eortuguezes, 

r1  O  T>o  nos  voflbs  ombros  taó  conftantes 
j  [Prirrcipeilluílre^  &raro  ]  fuftenteis 
Tantos  negócios  nrduos,  &  importantes. 
Dignos  do  Ia;  go  Império  que  regeys  % 


Luís  de  Camões] 

Como  íempre  nas  arnn as  rutilantes 
Vellido,  o  mar,  &  a  terra  íegureis 
Do  Pirata  infolente^  6c  do  tirano 
Jugo  do  potentiílimo  Otomano ; 

E  como  com  virtude  ncceíTaria, 
Mal  entendida  dojuizo  alheo, 
A  a  defordem  do  vulgo  temerária, 
Na  fanta  paz  ponhays  o  duro  freo  j 
Se  com  minha  efcritura  longa,  &  varía,^ 
Vos  ocupafle  o  tempo,  certo  o  creo 
Que  com  vagante,  &ociofâ  fantafia 
Contra  o  com  mu  m  proyeyto  pecaria 

E  naô  menos  feria  reputado 
Por  doce  adulador,  fagaz,  &  agudo. 
Que  contra  meu  taô  bayxo,  &  trifle  eftado 
Bufco  favor  em  vòs,que  podeys  tudo  5 
Se  contra  a  opinião  do  vulgo  errado 
Vos  celcbraííc;  em  verfo  humilde,  6c  rudo 
Diràõ,  que  com  liíonja  ajuda  peço 
Contra,  a  miferia  injufta  que  padeço. 

Porém,  porque  a  verdade  pôde  tanto 
No  livre  arbítrio  (como  diíTe  bem 
Ao  gram  Dário,  o  moçoíabio,  &fanto,' 
Que  foy  reedificar  HiCrufalem) 
Elta  me  obriga  aqu'em  humilde  canto,' 
Contra  a  tençaó  que  aplcbe  ignara  tem. 
Vos  faça  claro  a  quem  vos  naó  alcança  ^ 
E  naó  de  premio  algum  vil  efperança 

Rómulo,  Bacco,&  outros  que  alcançarão 
Nomes  de  Semideofes  fobsranos. 
Em  quanto  por  o  mundo  exercitarão 
Altos  fey  tos,  &  quafi  mais  que  humanos  i 
Com  juíliílimacaulaíequeyxáraõ 
Que  naõ  lhes  refpondéraõos  mundanos 
Favores  do  rumor  juftos,  &  iguais, 
A  feus  merecimentos  im  mortais, 

Aquelle  que  nos  braços  poderoíos 
TírouavidaaoTingitano  Anréo^ 
E  a  quem  os  feus  trabalhos  taõ  famoíos 
Fjzeráo  Cidadão  do  claro  Cco  j 
Achou, que  a  mà  tcnçaõ  dos  cnvejofos 
Niô  fedoma  fenaõderpois  que  o  véo 
Se  rompe  corporal;  porque  na  vida 
Ninguém  alcança  a  gloria  merecida 

Com  tudoje  varões  taõ  txcell entes 
Foraõ.do  bayxo  vulgo  moleftados, 
O  vitupério  vil  dasrudas  gentes, 
He  louvor  dos  Reays,  &  fublimndos.^ 
Quem  no  lume  dos  voílos  ATcendentes 
Poderá  poros  olho?,  que  abalados 
Lhes  naõ  fiquem  da  luz,  vendo  os  mayores  1 
Vofifos  PaíTados,  Reys,  6c  Emperadorcs  ? 

Quem 


Rmas  ão  Grande 

Qnem  vera  a  qiielle  Pay  da  Pátria  fua^ 
Açoute  do  foberbo  Caftelhano, 
Que  o  duro  jugo  fó,  co^aefpada  nua 
Removeo  do  pefcoço  Lufitano  \ 
Que  naò  digíi :  ò  gram  Nuno  !  a  eterna  tua_ 
jVJemoriacaufarà,  fenaó  me  engano, 
Que  qualquer  teu  menor  tanto  fe  eftime, 
Que-niinca  poíTa  fer  fenaó  fublime. 

Nifto  náo  fallo  mais,  porque  conheço 
Que  da  matéria  fe  me  bayxa  o  engenho : 
Mas  pois  adizer  tudo  me  oíFereço, 
(^E  dias  haque  nodefejootenho) 
Sendo  vòí  de  taô  alto,  &  illuftre  preço^ 
A  vida  íoltes  pòr  num  fraco  lenho» 
Por  largo  mar,  &  undofa  cempeftade, 
ííò  por  Ter  vir  à  Regia  Mageftade, 

E  deípois  de  tomar  a  rédea  dura 
Na  mão,  do  povo  imdomito,  que  eftava 
Coílumado  à  a  largueza,  &  á  a  foltura 
Do  pelado  governo  que  acabava  % 
Quem  náo  terá  por  fanta,  &jufta curai 
Qual  de  vofTo  concey to  fe  efperava, 
A  táodefenfreada  enfermidade 
Applicarlhe  contraria  qualidade  ? 

Não  he  muyto,  Senhor,  íe  o  moderado 
Governo  fe  blasfema,  &  fedcíama 
Porque  o  povo  a  larguezas  coílumado, 
A  a  ley  fercna,  6c  jufta  dura  chama. 
Poiso  zelo  cm  virtude  fó  fundado 
De  falvar  Almas  da  Tartarea  flamma. 
Com  aagoa  falutifera  de  Chrifto , 
Poderá  por  ventura  fer  malquiíto  ? 
"   Quem  quizclTe  negar  tam  gram  verdade^ 
Qual  heo  íeu  eíFeyto  fanto,  &  pio  j 
Negue  também  ao  Sol  a  claridade, 
E  certifique  mais  que  o  fogo  he  frio : 
Seo  fuccfTo  he  contrario  da  vontade 
A  as  obras  que  fàó  boas ,  8c  o  defvio  $ 
Eílà  nas  mãos  dos  homens  comítelas, 
f.  nas  de  Deos  cftà  o  fuceíío  delias, 

Sey  eu  ,  &  fabcm  todos,  que  os  futuros 
Veràm  por  Vòs  o  Eftado  acrecentado ; 
Seràõ  memoria  voíTa  os  fortes  muros 
Do  Cambayco  Oamaó  bem  íuftentado : 
Da  ruma  mortal  íeràm  feguros 
Tendo  tudo  o  liccrce  feu  fundado 
Sobre  Orfans  amparadas  com  maridosj 
E  paí»os  os  ferviços  bem  devidos. 

Quãto  de  infâmia  ao  Príncipe  he  perderfc 
Pouco  do  Eftado  feu  que  inteyro  herdou , 
Tanto  poi*  gloria  grande  pôde  terfe 

Sc  acrecenCddo,&  profpci©o  deyxoq. 

c 


Lttls  de  Câmôeí,  \  ij 

Nunca  confentio  Roma  finnobrecerfe 
Com  triunfos  alguen»,  fenaó  ganhou 
Provinciacomq  o  Império  íe  augmencaflej 
Por  mayoresviàorias  que  alcançafle. 

Pôde  tornar  o  voflo  Nome  digno 
Damaô^  por  honra  lua  clara,  &  pura. 
Como  jà  do  primeyroConftantino 
Tomou  Bizâncio  aquelle  que  inda  dura. 
E  tu,  Rey,  que  no  Reyno  Neptunino, 
Lâ  no  íeyo  Gangetico  a  Natura 
Te  apofcntou}  de  fer  tam  inimigo 
Dcftc  Eítado^  naõ  ficas  fcm  caíligo,' 

Bem  viíle  contra  ti  nadantcs  aves 
Cortara  eípumofa  agoa  nevegando  j 
Ouviíle  o  fom  das  tubas  náo  íuaves. 
Mas  com  temor  hornfero  foando : 
Sentifte  os  golpes  afperos^  ^  graves 
Do  Lufitano  braço  nunca  brando; 
Naõ  fofrefte  o  gram  brado  penetrante 
Que  os  torvocns  imitava  do  Tonante. 

Mas  antes  dando  as  coílas>5c  a  vitoria 
A  a  Bragancès  ventura  náo  corrido, 
Dèftc  bem  a  entender  quam  grande  gloria 
Hs  de  tal  Vencedor  o  fer  vencido. 
Quem  faz  obras  tam  dignas  de  memoria 
Sempre  ftrá  famoío,  òc  conhecido 
Ondeosalcosjuuos  fe  eftimarem  : 
Qiie  cftes  fós  tem  poder  de  fama  daremj 

Náo  vos  temais,  Senhor,  do  povo  ignarOf 
Tam  ingrato  a  quem  tanto  faz  por  elle  .• 
Mas  fiibey  que  he  final  de  lerdes  claro, 
O  fer  agora  iam  malquiíto  delle. 
Temiftoclesda  Pátria  fua  amparo  | 
O  forte,  6c  liberal Cimonj&  aquelle 
Que  leys  ao  povo  deu  de  Efparta  antigoj 
Tellemunhas  íeràm  de  quanto  digo. 

Pois  aojufto  Ari/lides,  hum  robufto 
Votando  noOílracilmo  coílumado, 
Lhe  diíle  claro  aíli  i  porque  era  juíto 
Dcfeiava  que  foíTe  defterrado. 
Pachitas  por  fugir  do  povo  injufto 
Calumnioío,  dando  no  Senado 
Conta  de  Lesbos,  que  elle  jà  mandara,' 
Se  tirou  co'o  feu  ferro  a  vida  chara. 

Demofihenes  lançado  das  cormencas^' 
Populares , a  Palias  toy  dizendo, 
Que  de  três  (r>onfi:ro>  grandes  te  contentas, 
DoDrago,&  Moucho,&do  vilPovo  horrédo? 
Que  glorias  immortais  houve  queizentas     . 
Do  veneno  vulgar  fofllm  vivendo  ? 
Pois  mil  exemplos  deyxo  de  Romanos  j 
Eyòs  umbcm£eis  hum  dos  Lufiçanof. 


fcS  Ritmas  âo  grnnâe 

O  C  T'A  V  A     III. 

Efta  oytava  efcreveo  o  í*.  fobre  a  Jetta^  qUe 
0  PapA  Gregório  XllLda  igreja  de  Ueos, 
r/tandoupor  occaftad dejte  Rey  na/li míCí 
cer  em  dia  de  S^SebafttaÒ  a^o.     «soD 
.  •     dejaneyroannoi')']')^  "" 

MUy  alto  Rey,  a  qaé  os  Ceos  fm  forte 
Deraõ  o  notnc  Augufto,6c  fublimadoí 
De  aqueUe  Cavalleyro  que  na  morte, 
Por  Chriíto,  toy  de  fetas  mil  paflado } 
Poisdejleo  fiel  peyto,cafto,  6c  forte, 
Co'oNcuneImpcrial  tendes  tomado, 
Tomay  também  a  Setta  veneranda 
Que  a  Vós  o  SuceíTor  de  .Pedrt>  manda. 

Já  por  ordem :do  Ceo^  que  o  coníentio» 
Tendes  o  braço  feu^  relíquia  chara, 
Defenfor  contra  o  gladio  que  terio 
O  Povo  que  David  contar  mandara. 
E  pois  que  tudo  em  Vòs  fe  permittioj 
Prelagio  temos^St  eíperança  clara. 
Que  fcrcis  braço  íbrcey&  loberano. 
Contra  o  íoberbo  gladio  Mauritano. 

E  o  que  hum  preíagio  tal  agora  encerra, 
Nos  faz  ter  por  mais  certo»8c  verdadeyro 
A  Setta, que  vos  dà  quem  hc  na  terra 
I^os  celeftes  Tcfouros  Diípeníeyro. 
Que  asvoflfas  íettas  iam  najutta  guerra 
Agudas»  &  entraram  por  dcrradeyroj 
Camdo  a  voíTos  pés  povo  fem  ley^ 
Nos  pey  tos^que  inincíigos  faô  do  Rey. 

Quando  voíTas  bandeyras  defpregava 
Albiíquerque  tortiífimo,  com  gloria^ 
For  as  prayas  de  Perria,&  alcançava  t 

De  Naçoenstam  remotas  a  vitoria  5 
As  fettaSíCmbebidas,  que  tirava 
O  arco  Araiufiano,  he larga  híítoria, 
Nosares^  Deos. querendo,  fe  viravam, 
Pregando* íe  nos.peyíos  que  as  tiravam, 

Oi  querido  Ucos,  por  quem  peleja 
'O  ar  tombem,  6c  o  vento  conjurado  • 
Ao  támboracode^  porque  veja 
Que,0'q  aDeosama>  he  de  Deos  amada. 
Os  contrários  reveis  à  a  Madre  Igreja 
Atroaram  co\:)  tom  do  Ceo  irado. 
Que  a  111  deu  já  favor  mayor  que  humano, 
A  Joíuè  Hebreo,  aXeodofio  Hiípano. 

Pois  fe  as  íettas  tiradas  da  inimiga 
Gordaj  contra  fi  fó  nocivas  fam, 

Que  farara^  Rcyi  as  voíTas  que  tem  liga 

,  it  ■■  •  ■ 


Líits  de  Cámôesl ' 
Coma  que játoecuSebaílIam? 
Tinta  vem  do  íeu  Tangue,  com  que  obriga 
A  levantar  a  Deos  o  coraçam. 
Crendo  bem  que  as  que  vòs  defpidereis 
No  Tangue  Sarraceno  as  tingireis. 

Afcanioffe trazer  me  he  concedido 
Entre  Tantos  exemplos  hum  profano  ) 
Rey  do  Império,  deTpois  tam  conhecido^ 
De  Roma,6c  íó  relíquia  do  Troyano; 
Vingou  com  íetta,  &  animo  atrevido> 
As  foberbas  palavras  de  Nu  manoi 
E  logo  foy  de  alli  remunerado , 
Com  louvores  de  A pol lo  celebrado, 

Aíli  vòs,  Rey, que  foft^s  íegurança 
DenoíTaliberdadei  &  que  nos  dais 
De  grandes  bens  certiflima  eTperança, 
Nos  coftumes,  6c  aTpe£to  que  moltrais  j 
Concebemos  fegura  confiança, 
Que  Deos  a  quem  feryis,  &  venerais. 
Vos  fará  vingador  dos  feus  reveis, 
E  os  prémios  vos  dará  que  mereceis, 

Eítes  humildes  verfos,  que  prtgao 
Sam  deites  voílos  Reynos  com  verdade, 
Reccbey  com  benigna,  &  Real  maó. 
Pois  he  devido  a  Reys  benignidade. 
Tenham  (  fenáo  merecem  galardão )  > 

Fa  vor.íe  quer  da-Regia  Magcílade : 
AíTi  tenhais  de  quem  já  tendes  tanto. 
Com  o  Nome,  6t  Relíquia,  favor  Tanto»' 

O  C  T  A  V  A     IV, 
« 

Eftas  oytavãs,  t£  as  que  fe  figuem  fe  achà^ 
raÔ  em  alguns  mano/crttõs.  Nejiaglofa 
o  "F,  hum  Soneto  feuXlV,  que  co» 
mefaToáo  o  animal  da  cal- 
ma repouíava. 

DEípois  q  a  clara  Aurora  a  noyte  efcura 
Com  novo  re/plandor  foy  des fazendo  j 
E  Febo  poros  montes,  &  eípelTura, 
Os íeus  dourados rayos  eftendendoi 
Se  buícava  nos  vailes  a  verdura 
C)  manTogadoa  luzíercna  veodo; 
Quando  a  fervida  íeftaja  abrafava, 
Todç  animal  da  calma  repoufava. 

Já  por  fugir  do  Sol  o  fogo  ardente, 
As  Tombras  os  rebanhos  vam  buTcando  í 
Os  tenros  cabritinhos  juntamente 
A  poz  as  manias  noãyshiam  faltando: 
Tangendo  as  fuás  frawtas  docemente 
Os  Pa/lores>  eítavam  enganando 

Ajgrâtti 


Rimas  do  grande  Luh  de  Camões» 
A  g  am  chama  folar  queentam  ardiaj  Com  aeípe  aoça  fòde  íua  morte 

So  Lifo  o  ardor  delia  nam/ènúa,  Aqueilas  penas  ultimas  engana, 

1  riites  lembranças  tanto  o  traípaíTavami    Deyxando  na  dpefíura  o  claro  Norte, 


J(29 


Que  a  dura  feita  neilas  íò  paliava: 
Ocenfipo  que  em  prazer  outros  gaitavam, 
tm  celebrar  íeu  njal  elle  o  goftava: 
As  feitas  que  com  jogos  celebravam, 
Klle  com  lufpirar  as  celebrava: 
Nada  buícavamaysjjnays  nam  queria 
jõ^e  o  repoufi  do  fogo  efn  que  e/le  ardia. 

Os  repetidosjogos  dos  paftores. 
As  lutas  entre  a  rama  repetidas^ 
Mas  antes  na  alegria  as  vé  crecidas. 
Em  nada  lhe  divertem  fuás  dores, 
Como  o  repouío  roubam  os  amores 
A  as  almas  que  para  elles  {am  nacidaSy 
Delle,todo  o  repoufo  que  eíperava, 
ConJi[íta  na  Ninfa  que  bufiava. 

Com  o  choro^que  já  corria  em  fio 
Por  o  pálido  roíto  aumenta  as  tontes. 
Que  levam  agua  eftranha  ao  claro  rio 


Para  elle  de  outra  luz  m  jys  íoberanaj 
A  hum  valle  aberto  então  íair  procura, 
Canfadojà  de  andar  por  a  efpelfura» 

Deyxando  as  fuás  cabras  que  paceíTetTi 
Na  quelle  verde  prado  as  freícas  tiorcb} 
Porque  os  Sátiros  leves  o  íoubeííem. 
Ou  os  filveítres  Faunos  amadores; 
Também  porq  os  Paítores  o  entendeíTem, 
Todo  o  proceiro,&  fim  de  (eus  amores 
Efcreveo  (fem  em  nada  avcr  mudança) 
No  tronco  de  humafayapor  íem  branca* 

Por  lembrança  no  tronco  de  huma  faya 
Que  vay  faindo  ao  Ceo  de  pura  altiva, 
Na  verde^prateada,&  áurea  praya. 
Por  donde  o  claro  Tejo  fe  deriva; 
Porfjue  também  ao  Ceo  fua  dor  íaya^ 
Sobre  aquella  corrente  fugitiva, 
Efcrita  no  papel  da  Natureza, 


Cjue  os  valles  vay  regando  entre  altos  mótes^    Efcreve  efias  palavras  de  trifteza. 


Com  íuípiros  a  quem  o  Eco  pio 
Rcfponde  de  apartados  Orizontes, 
Os  ventos  parecia  que  en  freava. 
Os  montes  parecia  que  abalava. 

Quê  as  queyxasde  íeus  doces  pêfamêtos 
Se  moveíTem  os  montes  mays  cooftantes. 
Se  paraflem  os  mays  veloces  ventos, 
Que  ellavaó  ,que  corriáo  cricunílantesj 
Bem  íe  devia  a  dor  de  léus  tromentos, 
E  índa  que  foíTe  em  pey to  de diamantesj 
Que  hum  pcyto  de  diamante  abrandaria 
O  trijtejom  ãús  magoas  que  dizia. 

Porém  elle  as  dizia  a  outro  pey  to. 
Mays,que  diamante  inexpugnaveI,duro 
A  fe  lhe  encarecia,a  que  íogeyto 
O  tinha  em  pena  eterna  o  amor  puro; 
Moílravalhe  eíle  na  alma  mays  perfeyto, 
Quanto  mays oífendido  mais  íeguro 
A  Ninfa  mais  íegura  tudo  ouvia, 
Mas  nada  o  duropeyto  commovia. 

As  laltimas  aqui  tanto  crecèram 


Natércia  Ninfa  bella  por  quem  vivo 
Em  tal  tormento,tempo  algum  meoíhouj 
Masdesqueem  mi  fentio  que  era  cativo 
De  aquelle  brando  olhar  que  me  enganou, 
O  amor  tornava  em  defamor  eíquivo, 
E  de  hum  tO! mento  tal  a  outro  paiTou. 
Emcouíastamíogeytasa  mudar.ça 
Nunca  ponha  ntnguernjua  (Jptrança.  , 

Paradar  proveytpíos  deíenganos 
Dos  enganos  que  fam  de  amor  efteytos, 
Edosdous  íexos  publicar  hun.anos, 
A  origem  das  mudanças  de  feus  peytos; 
EíUs  letras  aqui  por  longos  annos 
Digam, (a  coraçocns  a  amar  fcgeytos) 
Em  peyto  varonil, que  de  Ventura; 
Em  pey  to  feminil, que  de  Natura. 

Faltou) he aqui  o  alento,&  jàcançado 
Cahio  ao  pé  da  faya  em  que  eícrevi  a, 
Nam  podendo  feguiro  com.çado. 
Porque  a  alma  já  do  corpo  lhe  íaia. 
Três  vezes,com  acento  maLformado, 


Que  íe  t^m  montes  de  Hircania  fe  efcutàram    Para  exemplo  futuro  repetia; 


Tigres  nos  feyos  feus  mover  puderam, 
E  pedras  nos  íeus  cumes  abrandaram, 
]Mas  íe  no  peyto  as  triítes  vozes  deram 
De  aquella  Fera  humana  que  bufcàraro,* 
Elle  de  as  admitir  fc  retirava; 
^ie  na  vontade  de  outro  pojlo  eftava, 

Deieoganado  jà  da  trifte  íorte» 
De  que  mal  fino  amor  íe  dcíengana» 
•,    ll.Part, 


Amanres,entendey  quea  iPÓr  Belleza 
Somente  em  fer  mudável  tem  firmeza, 

Cà  nejf a  Babilónia  adonde  mana 
Hipocrefia,engano,&  faUidadej 
Cá  donde  ouíâda  toda  carne  humana 
A  todo  arbítrio  vivede  vontade: 
Cá  dondeenrouqucceo  da  lufitana 
Mufa  o  furor  hercico,&  fuavidade^ 


a 


f  50  Rimas  âo  grande 

Cá  donde  fe  produz  f  or  cega  via 
Méiteríaa  quanto  maio  mundo  cria: 

Cã  donde  o  puro  Amor  uam  tnn  valia, 
porque  Bacco  o  tem  hoje  dellenadoj 
Cá  donde  a  frecha  de  ouro  nani  feria 
Senam  cabello  preto,&  altenado; 
Cà  donde  a  loura  crança  nam  íerviai 
Nem  o  roíto  de  fangue  matizadoi 
Ca  donde  nada  vai  à  aglorja  humana 
^ie  a  Mãj/jue  manda  mujis^tudo profana^ 
Cà  donde  o  mal  fe  afina//  bem  Je  áana^ 
Se  algum  a  terra  em  íi  quer  produzirj 
Cá  dcndc  a  falía  gente  Mahometana 
h  gloria  coda  funda  em  adquerir: 
Ca  donde  mulciplíca  a  máo  tirana 
ProfeOa  enti  mays  crecer, matar, mentir 
Cá  donde  o  fazer  bem  he  villania, 
E  fhde  mays  que  a  honra  a  t  ir  ama: 

Cà  donde  a  errada ^^  cega  Monarquia 
De  fabulofas  leys  ellà  vivendo, 
E  à  aforça  de  hum  amor  engrandecia 
O  nefando  A!coram,cm  que  eítà  crendo: 
Cà  donde  nada  vai  á  apoefia, 
Eíeeítàda  ley  delia  efcarnecendoj 
Càdonde  a  fidalguia  Maometana 
Cuyda  com  nome  vaõ  que  aT^eof  engana, 

Cànejia  Babilónia  onde  a  Nobreza 
DaLufitana  gente  fe  perdeoj 
Edogram  Sabaíliam  toda  agrandeza 
Irreparavelmcnte  fe  abateo: 
Cà  donde  algum  mentir  nam  he  bayxezai 
E  os  méritos  ermola(afli  creceo] 
Da  cobiça  mortal  a  femrazaô) 
Qomesforç9^Jaber ^pedindo  vam: 
Ji  as  portas  da  cobiçará'  daiiUeza 
Eíles  netos  de  Agar  eftam  /entados,i 
Em  bancos  de  torpiílima  riqueza. 
Todos  de  tirania  marchetados. 
He  do  feo  Alcoram  fumma  a  largueza 
Que  tem  para  que  fejam  perdoados 
De  quantos  erros  cometendo  eftara| 
Cãnejie  efcuro  Caos  de  confufam, 

Cuntprindo  o  curjo  eftou  da  Natureza^ 
llluftre  Dama,neíte  laberintOi 
Masquem  uíâ  comigo  mays  crueza, 
He  toa  condiçaó,que  na  alma  finto 
Acabafe  algum  dia  tal  tnfteza, 
E  eíle  fentido  maluque  em  verlos  pinto: 
E  I  oys  na  alma  he  fentido,8c  coraçam, 
Vèfe  me  e/quecerey  de  tijStami 

Senhora,fe  cncubrir  per  algum'artc 
^Pudera  efta  ocafiáode  meu  tormento. 


Luís  de  Camões, 
Náo  creas  que  chegàrn  a  declarartft 
Efte  meu  pcrigoío  peníamento: 
Mas  por  mays,que  te  offendainão  fou  parte 
No  crime  de  tamanho  atrevimento 
Ellehede  Amor,&  delle  foy  forçado 
A  que  te  declarafíe  o  meu  cuydado. 

Se  merece  caítigo  a  confiança, 
Com  que  defcubro  agora  o  que  padeço. 
Aqui  pronto  me  renSjtoma  a  vingança 
Que  por  tão  grave  culpa  te  mereço,  .. 

Bem  mepodes  negar  toda  efperança,  1 

Mas  eu  não  defiftir  deíle  começo-,  l 

Porque  Tempojôc  Fortuna,naó  íáo parte 
Para  deyxar  hum'hora  fò  de  amarte. 

Ja  que  verte  os  meus  olhos  alcançarão 
Deícanfem  neíte  bem  com  alegria, 
Poys  jà  Com  ver  oç5  teus,  tanto  ganharam, 
Quanto  eftando  fem  veloSjfc  perdia 
Que  gloria  querem  mays,fe  a  ver  chegaram, 
Aquclla  pura  luz,que  vence  aodia? 
Qual  mor  bem  ha  no  mundo  que  quererte^ 
Senaô  ha  mays  que  ver  defpoys  de  vertei^ 

Minhas  dores  mortays^beíla  íenhora. 
Tirarão  a  virtude  ao  fofrimentoj 
E  tazendofc  mays  em  qualquer  horaj 
Levando  vão  trás  ti  meu  peníamento; 
Porém  íoberbos  vejo  defde  agora, 
Por  a  caufa  gentil  de  íeu  tormento. 
Minha  alma, meu  dcíejo,meu  fentido, 
Porque  á  tua  belleza  íe  haò  rendido. 

Apar  de  tua  rara  Fermofura 
Se  deíconheceo  mór  Merecimento: 
A  tua  claridade  torna  cfcura 
Do  Sol  a  clara  luz  em  hum  momento. 
Se  Zeufis  ao  formar  bella  figura, 
A  vifta  em  ti  pudera  por  atento, 
Mays  alto  original  ouvera  achado" 
Para  admirar  o  mundo  co*o  traslado. 

Aquelles,  que  efcrevèraô  mil  louvores 
De  fermoíurajgraça,&  gentilleza, 
Todos  forão,Senhora,huns  borradores 
De  tua  perfeytifiima  belleza. 
Agora  íe  vè  claro  em  teus  primores 
Que  em  ti  fe  elmerou  mais  a  Natureza; 
£  que  craõ  os  íeus  cantos  profecias 
Do  que  avias  de  íer  em  noíTos  dias, 

Vé^poySjfe  vinha  a  fer  culpável  falta 
Em  mim  o  naõ  renderte  amante  a  vida^ 
E  íe  a  deyxar  de  amar  gloria  tão  alta 
Era  digno  da  pena  mais crecida, 
Enfim,eu  te  amareyrque  Amor  me  exalta 
Co*«câftigo  de  culpa  a íTi  atrevida: 


J 


Rimas  do  Grande  Luís  de  Camõeslk  i*, 

E  quando  delia  caya,raayor  gloria  Uríula.porquem  Noto  era  mais  claro 

Terá  o  Tejo  que  o  Pò  com  lua  hiftoria.  Que  por  rodo  o  poder  que  poíTaia: 

Com  quem  em  nada  o  Ceo  quiz  fer  avaro, 
O   Y  T  A   V   A  S      VIL  Com  quem  todas  as  graças  repartia  j 

i:'>i.í    PrQdente,honefta,Sidouta,a  maravilhai 
Z)o  Grande  Luis  de  Camões  feitas  a  SantH    De  tão  dítoío  Pay  ditofa  Filha. 

Urfula,  \$fuas  Companheyras  as  quaes  Aquella  que  por  o  ar  com  ligeyreza 

Bernardes falfamente  attrl*  As  penas  de  mil  azas  abre,&  cerrai 

buye  a/i,  E  que  com  velociffima  prefteza 

Com  outros  tantos  pès  corre  por  terra: 

DE  huma  fermoía  Virgem  defpofada,        Aquella,  que  de  fua  natureza 
Que  de  outras  onze  mil^tábé  fermoíasj    Nào  cuyda  cm  quanto  diz  fe  acerta,ou  erraj 
Entrou  no  claro  Olympoacompanhada,  E  de  huma  em  outra  boca  íe  derrama; 

Com  coroas  de  lirios,8&  de  roías^  Aquella,eníim,  a  quem  chamamos  Fama: 

De  Chriílo  EípoCo  (eu  tão  namorada  Hia  por  todo  o  mundo  divulgando 

Que  delle  as  quiz  fazer  todag  Efpofas,  Eílremos  deita  Virgem  foberana, 

Amor,Vida,&  Martyrio  cantar  quero,  Aquella  fermofura  celebrando 

Fiado  no  favor,que  delia  elpero.  Com  que  Amor  cego  atanta  viíta  engana: 

Alcança,Uríulabella,(que  diante  Mays  hia  a  da  alma  íua  publicando^ 

De  tão  bello  efquadrâo  fofte  por  guia^  Porque  era  mays  divina  do  que  huínana; 

Do  teu  íuave  Amor,  que  de  ti  cante  Jà  de  huma,&  de  outra  jà,dizia  tanto, 

O  íeu  amor  que  no  teu  pey to  ardia.  Que  em  huns  criava  amor,noutros  eípantoi    i 

Meu  verío  para  ti  mays  fc  levante.  Ouvidos  íeus  louvores,muytas  vezes  ^ 

O  Chriftiferaió  Heróica  companhia!  Deíejou  defta  Virgem  fazer  Nora 

Tanto  íe  mpftre  aqui  mays  foberano,  Hum  Rey  que  o  Cetro  tinha  dos  Inglezcs,    i 

Quanto  o  divino  Amor  excede  o  humano.        Idolatras  entáo,cegos  agora,  » 

E  Vós,unica  Mãy,8c  Virgem  pura,  OíPovo  cego,&  leveias  torpes  fezes 

Poys  foys  das  que  tal  Ordem  efcolhérâo.  Aparta  do  ouro  puro,&  lança  fora. 

Que  foítes,foys,íereys  Guarda  íegura  Tornate  ao  teu  Paftor  perdido  Gadoí 

Da  Pureza  que  a  Dcos  ofFerccéraó,  Olha  que  vas  fem  elle  mal  guiado, 

Nefte  canto  me  day  melhor  ventura  Hum  filho  deftc  Rey(^de  quem  dizia 

Doqueatègoraas  Muíasvansmedcraõ*  Qucferde  lJrfulaíogrodefejava)rj,c)rih4  oi<s 

VoíTas  fervas  feráo  de  mim  fervidas^  Movido  do  rumor  que  delia  ouvia'. 

Cantadas  fuâs  mortesjfuas  vida*.  Jà  dentro.no  fcu  pey  to  a  namorava 

Sereniílitoa  Infante, produzida  Alli  feu  amor,dellc,lhc  oflrrecia; 

Do  gram  Tronco  R.eal,fublime  Planta}íjJloi  Alli  por  amor,  della,fufpirava. 
No  Titulo,nasObras,&  naVida,  "  Suf pira  clle  por  cila  jellafufpira 

Retrato  natural  de  Urfula  Santaj  Também  por  outro  amor  que  nunca  vira. 

Defta  Virgem  também  de  Reys  nacida,  Mandou  o  Rey  Inglez  Embayxadores 

Ouvi  com  ledro  rofto  o  que  fc  canta:      ^^  m'iZ  Com  pompa  Regiaj&  luftre  funtuoío 
Day  o  fcntido  hum  pouco  a  tal  Sogeytoi  '    '    C^°  grande  Rey  no  íeu  grandes  Senhores)       ^ 
Nam  lhe  tire  íeu  preço  o  meu  defeyto.  A  Noto, Rey  não  tanto  poderoío.  > 

No  tempo  que  Ciriàcoíefentava  PcdiolheabellaFilhafqueemanaoresj 

NtCadeyradePedroPefcadorj  Ardia  toda  do  cclcíle  Eípofo]  J 

De  que  com  fáá  doutrina  apacentava  ParaErpofadoFilbo,quefabia       íjoju^      ^ 

As  Ovelhas  de  Chrifto  Bom  Paítorj  Que  jade  amores  delia  todo  ardia-;;r>  ntr-  --  'I 

Teve  Bretanha  hum  Rey  que  profeffava  O  Rey  Bretam  fc  achava  deícontente        '\ 

A  Leyquedeu  no  mundo  o  Redentor,.-  /  2i;Cr  Com  a  nova  Embayxada  de  Inglaterra:     t^iO 
Jufto,&  temente  ao  Ceo,pio,&  devoto,  '  -^  '>  Receaque  íe  nella  nãoconfente,  ^^  '^ 

Chamado  Mauro  de  huns,Sc  de  outros  NotOi    O  Gentio  lhe  mova  cruel  guerra: 

De  virtudes,hura  novo  exemplo,  &  raro,      Porque  ícndo  mays  rico,6{  mais  potente» 
fim  idade,St  belleza,ílorecia  -  i  dbttO  Aíll  no  largo  mar,  como  na  terra» 

41.  Parr.  R  a  Quand# 


\ 


í  p  Rim  as  do  Grande  Luis  deCamSesl  A 

Quando  dcfprezos  viílede  leu  rogo,   ,6li;h'J   Juntar  fe  via  de  buma ,  &  de  outra  banda, 


Fedia  por  Brccanha  a  ferro,&  fogo^^i  xoq  í^ 

Sobre eíte náo  ertado  peniamcnto 
Do  medo  de  perder  feu  Senhorio, 
Novodiícuríotinhajôc  novo  intento 
Com  que  fe  achava  mais  medrofo,  êc  frio 
Eílranhava  o  fazer  ajuntamento 
Da  Cathohca  Filha  c^hum  Gentio; 
Pois  nem  a  Ley  de  Chr iílo  o  permitia, 
XSitm  Ur Aila  fiel  o  admitiria, 

Eliando  o  Pay  em  tal  anguftia  poAo^^ . 
Divinamentea  Filha  já  inípirada,    í/víoí 
Lhe  aílegurava  com  lercno  roítoy«  íímiiri : 
Que  conícntir  podia  na  Embâyxada; 
Dizendo,que  íe  o  Inglês  levava  gofto 
De  úh  com  feu  Herdeyro  fer  cafada, 
Primeyro  lhe  mandaíTe  dez  donzellas, 
DoRcynoasmais  illuftres,as  maysbcllas. 

Que  mil  daria  a  cad^  Virgem  deltas, 
E  que  a  ella  outras  mil  também  dana, 
Todas  de  claro  fanguCiStem  vida  honeftas; 
Defta  arte  a  conta  de  onze  mil  fazia, 
Qi^epar  três  annosdilaçaõ  nasfeltaSj  . 
Além  dojà pedido,lhe pedia;      <^'\}h 
E  naos,&  mantimentos,  porque  todas 
Foííem  com  ella  a  Roma  antes  das  bodas. 

Alli  íua  purezã,ôc  virgindade 
Queria  com  foJenc,&  íacro  voto 
Confagrar  á  a  di^inaPotettade, 
Que  o  Ceo,&  a  Éerra  fez  de  próprio  moto. 
E  que  deyxaííe  a  vãa  Gentilidade 
Seu  Filhojp^ra  genro  íer  dejNoto, 
Para  que  nôftc  eípaço  doutrinado  ob  ohr 
FoíTena  Fède.Chrifto^&  bautizado.rrJr. 
Com  citas  condiçoens  Urluladiílc  '^  ^i  - 


De  feminil  nobreza  tenra  idade. 
As  nãos  aparelhar  o  Pey  já  manda, 
Jà  nellasíc  recolhe  a  Virgindade; 
Já  dão  para  Bretanha  ao  vento  vcUas: 
G  coração  do  Noyvo  vay  com  cilas. 

Jà  vem  a  tomar  porto  onde  efperava 
Urfula  alvoroçada  em  gram  maneyraj 
Que  para  as  receber  alli  íe  achava^ 
Como  Senhora  nâo,mas  companheyra. 
Quão  f alfa  era  a  ley  delias  lhes  moílrava, 
A  de  Chrifto  quão  pura^Sí  verdadcy  ia. 
Jàlebautizahuma^&  outra  Dama; 
Damas  Uríulajá,doCeo,lhes  chama, 

A  Fama, que  não  fabe  tepoufar. 
Voou  de  Reynoem  Reyno  d*ilha  cm  Ilhaj 
A  gente,que  concorre  não  tera  par, 
Por  ver  a  nunca  vifta  maravilha. 
Outros  vem  por  fc  rvir,&  acompanhar 
A  Virgem  de Rey  Nora,de  Rey  Filha. 
Movemfe  muytos  Bilpos  de  Bretanha; 
Pantoloem  vida,  &  morte  os  acompanha. 
Por  Ti,deyxandooReynoco'a  família» 
E  quatro  filhas  luas,fe  embarcou 
[Juliana,  Vitoria,Aurea,Babiliaj 
ftum  filho  tinha  mays  que  mais  levou] 
Gcrafina  Raynha  de  Sicília^ 
£  com  devido  amor  te  acompanhou: 
Que  he  juílo,que  contigo  vão  Raynhas 
Quando  tu  para  o  Rey  dos  Reys  c^minha^. 
Jàfe  partem  as  bellas  Peregrinas*     .  .. 
As  mãos  ao  claro  Fmpyrio  levantadas;  âíJpoí 
Jà  rom  pem,  j  á,por  ondas  criílal  inas 
As  nãos  da  Feimofura  carregadas: 
^  Quando,  dizcy^  (ò  Aguas  Neptuninas  j) 


Ao  charo  Pay,que,a  íer  delias  CQjitentc»:>q  úih  Foites  de  tal  belleza  navegadas  ?  iT  mwi 
Podia  rerponder;&  dtjfpidiíle .  -loq  ^lio  £i!qk?â  Nunca»  deípois  que  a  terra  defcubriftcs, 
A  proporta  de  aquelle  Rey  potente:       :  virtisT  A  tal  Frota  porvós  caminho  abriftcs. 

Com  vento  fempre  igual,  có  mar  bonã^t^I 


Sem  perigos  alguns,  fem  algum  pejo. 
Cicia  foráo  tomar  porto  de  França, 
Onde  pouca  demora  fazer  vejo 
O  coração  da  Virgem  não  dcfcança. 


Ou  porque  ou vindoas  ellcdefiftiílè,-  -  ^^M 
Podendofe  aceytar  difficilmentc$  u-^moq  'í 
Ou  porquêjquandoas  Virgens  conírcdeíTe^ 
Configo  a  feu  Senhor  oiue  mil  déiíè, 

0!divilio,faber,quam  foberano 
Coníelho  he  fempreo  teu  !  quam  remontado!    Saudoía  do  fim  de  feudefejorl 
O:  quanto  o  mor  faber  te  cede,  humano,  Manda  que  Irvem. ferro, foltfin:Knho,  x 

Por  mays  quede  razões  và  mays  ornado!  Que  leve  por  ornar  o  negro  pinho.  i 

Já  dos  ídolos  deyxa  o  cego  engano  Ovento  novapoífe  vay  tomando 

OPrincipeda  Virgem  namoradotfivonsmoj Das  Virgens  qué  Iheíaoenoommdadas:   J  A 
Jà  tento  pede  ao  Pay  quanto  ella  pedej  '  Com  tal  proíper idade  vão  voando,  [ 

Já  o  Pay  quanto  lhe  roga  lhe  concede.  Qocjàdeyxâoatraz  ondas  falgadas: 

Jà  p^faTijò  Virgem  bella,&  branda,  Já  nas  doces  do  Reno  eílão  entrando, 

Com  huma  fingular  velocidade,  .  o^ibI  on  lii  A  Onde  tem  íuas  vidas  limitadas:  .  bi  máíl 


H«rna  cidade  vem  a  alinguadaagoa^ 
Que  de  velas  morrer  náo  teve  magoa, 

AhiColonia  cruel, que  não  te  encobres 
A  tão  fer moios  olhos,  que  fcguros 
As  altas  torres  viaó^que  delcobres, 
Luíhofos  edificiosjfortes  muros» 
Permite  o  largo  Ceo  que  fama  cobres 
De  ícr  tão  dura  máy  de  peytos  duros? 
Duros peytos,que  a  tantos^limpos de  crro> 
Viraõ  abrir  íem  dor  com  impio  ferro. 

Eftando  neíle  porco  a  bella  Armadat 
Tomando  o  neceflário  mantinaento. 
Para  poder  fcguir  fua  jornada, 
E  dar  tcrceyra  vez  o  trcu  ao  vcntoi 
Sendo  parte  da  noy  te  jà  paíTada, 
A  Virgem  là no  feu  retraimento,  ^upn, 

Quando  eftava  dormmdo  toda  a  Frota» 
A  Chrifto  orou  aHijbranda,&  devota. 

Araor,divino  Amor,Amor  fuave^ 
Amor,que  amando  vou  toda  rendidaj  ;^^*^'^ 
Com  quem  não  há  na  vida  pena  grave» 
Sem  quem  gloria  real  não  há  na  vida:^ 


Rimas  do  Grande  Luh  de  Camões. 


Amor^quedomeupeytocensachave.         .        Delata  o  meu  efpirito  faudofo  ^ 

Artior,de  cujo  Amor  ando  ferida,      '  íí3"P  *^  Do  nó  mortaÍ,em  que  íe  vay  detendo^'^^^  '^*^>\ 


Amor,que  em  cays  prifoens  me  aíTcguraíle 
Aseíperanças  de  antes  fugitivas: 
Amor,que  fufpirando  me  eníinaíte 
A  derramar  por  ti  lagrimas  vivas^ 
Quando  ver ey,  A mor,Q  que  defejo. 
Para  que  veja, Amorfo  que  náo  vejo? 

Quando  vcrey  hum  dia  em  que  offereça 
Por  Ti  ao  cruel  ferro  o  pey  to  forte, 
E  cercada  de  Virgens  a p pareça 
Na  tua  foberana,&  eterna  Corte? 
Onde  là  cada  huma  cc  mereça, 
Ca  paflTando  comigo  a  própria  mortej 
E  todas  dandoofangue  juntas, todas 
Celebremos  contigo  eternas  bodas. 

Fazcme  jâ,Senhor,eíla  vontade 
Que  tenho  de  te  ver,que  fempre  vivej 
Dcs  que  me  deu  lugar  a  tenra  idade, 
E  lume  de  razão  ncfta  alma  vive. 
Naci  queyras,  meu  Amor,quealaudade 
Sem  tal  bem  a  mim  íó  da  vida  pnvej 
Q^ue  íè  muy to  fe  alarga  cfte  defterro. 
Por  ella  ircy  a  Ti,naõ  por  o  ferro. 

Defata  o  meu  efpirito  faudofo 


>3Í 


Quando  verey, Amor,o  que  deícjo, 
para  que  vcja,Amor,o que  não  vejo? 

Amor,quede  amorcheo,8cde  brandura^  ; 
De  amor  enches  efta  Alma  íaudofa:  -i'^^ 

Amor,fem  cujo  amor,S£  fermoíura. 
Não  pôde  nunca  aver  coufa  fermoía: 
Amor, com  cujo  amor  anda  fegura 
Hu  má  vida  tão  fraca»í^  duvidofa. 
Quando  vercy,Amor,o  que  defejo, 
Pará  que  veja,  A mor,o  que  não  vejo? 

Amor,que  poramortedirpuzc:íte 
A  reftaurar  o  mundo  errado, &  tníle; 
y\mor,que  per  amor  do  Ceo  défceftej 
Amor^que  por  a^mbr  à  Cruz'  íubiíte: 
Amor,que  por  amor  a  vida  dèítc; 
Amorique  poí  ahíor  a  glória  abí"ifté;  "  "' ' 
Quando  verey.jÁmor,o  que  dèfejo, 
Para  que  veja,  Ambr,o  que  não  vejo? 

Amor,que  roàySj&mais  fempre  te  aumêtas 
No  coração^quela  contigo  trazes: 
Amor,qucdeamór  purote  fufténtas 
N  o  fogo  em  que  tu  mefmo  arder  me  fazes: 
/^  mor,  que  íem  amor  não  te  contentas» 


De  tudo  com  aiíipr  te  fatisfàze$|' 


Quando  verey,Amor,oquedelejb,         '**^ 
Para  que  veja,  Attior,o  que  não  vejo> 

Amor^que  còm  amor  me  cativafte,         , 
[^Sejivrc  í-òde  fer  quem  não  cativas]  •  ^"" 


Primcyro  que  três  vezes  prefurolo 
O  Sol  os  doze  Signos  vá  correndo. 
Ef paço  he,que  tomey,meu  doce  EfpofdV 
Para  outro  Éfpofo  meu  ir  entretendo: 
Mas  a  meu  amor  crendo,de  Ti  creo 
Que  acabes  com  a  vidaomeureceo, 

inda  neftefervente,5:  jufto  rogo 
Urfula  fufpirando  procedia, 
Quando  de  hum  refplandor  como  de  fogo» 
Divina  voz  ouvio,que  afli  dizia.  ,  "i      ' 
0!Virgem,que  foubefte  fazer  jog6;'-^~^  ^ 
Do  que  DO  mundo  tem  máyor  valia.» 
Entende  que  da  volta  que  fizeftes, 
Acjui  quero  que  feja  o  que  tu  queres. 

Tanto  que  tal  refpbftâ  do  Ceo  revej 
Não  quiz  do  que  cfperava;  perder  l>orà: 
Jà  lhe  parece  larga  a  ncryte  ht^MG^^^J^' 
E  quejàtardamuytoabclla  Auróív' 
Em  dcícubíindo  Apolo  o  carro  leve»  ,.- 

Do  porto  de  Colónia  íahiofòra;  '^'«'^*.^»^^^;.'* 
Já  Bafilea  em  breve  tempo  tçma:  ^Pt^t^n-iio.  i 
E  a  pé  de  ali í  partirão  pata  KomzT''^^''^^% 

O  Paftof  fummo,Ciriaco  fanto,         *"\^ 
Asfae  areccberiSi  as  acompanha  l^ 

Com  gozo  eipiritual,  com  grande  efpanto    .-j 
De  ver  em  tal  idade  fé  tamanha. 
Dizer  fe  pôde  mal^mal  cuydar  quanto 
Se  goza  o  Réál  fángue  dé  Bretanha» 

01 


lorTíA 
) 


su 


Os  veneráveis  Templos  vifitando 

De  Àquellcs  que  também  foy  imitando. 

Na  própria  noytedefte  próprio  dia 
Que Roaia  veras  Virgens  mcreceo, 
A  quem  de  Pedro  a  Barca  então  regia. 
Revelou  o  que  rcgeaTerra,&  Ceoj 
Que  martyrio  também  receberia 
Onde  Urfula  co'as  maisorecebeo: 
Deyxa  contente  o  gram  Pontificado^ 
Dcíej  oío  de  fer  marcyrizado. 

Por  mays  que  todo  o  Clero  fofrc  mal 
Moverfe  por  aquellas  Eftrangeyras, 
M*5vicJó da  vontade  divinal      -.trii-b 
O  bom  PaJlor  íe  vay  com  as  Cordeyras. 
Hum  Arcebifpo  leva,hum  Cardeal; 
Três  Bifpos  deyxaõ  vagas  três  Cadeyras, 
De  Luca,Ravicâna,&dcRavena.' 
Maurício  me  ficava  jà  na  pena. 

Deípois  de  na  agua  entrar  donde  fahirão^ 
Com  taõ  fermofo  Sol  tantas  Eftrellas, 
Jà  as  ancoras  debayxp acima  tirão, 
E  de  cima  já  abayxo  loltaõ  velas, 
Eílas  nãos  là  adiante  outras  nãos  viraô 
Que  fazendofe  vem  na  volta  delias; 
Conhcccraõfe  logo  as  duas  Frotas;   . .,, 
Ambas  de  hum  Reyno  íaõ,ambas  devotas. 

illli(  já  Rey  erguido  de  Inglaterra) 
Vinha  de  Urfula  bella  o  bello  Efpofo, 
Que  reynar  naó  queria  já  naterra. 
Do  Ccojá  namorado>&:  faudoío. 
Do  feu  primeyroamor  venceo  a  guerra, 
A  força  de  outro  Amor  mays  poderoío: 
A  mando  já  em  feu  Deos  a  Efpofa  bella. 
Para  o  poder  achar  bufcava  a  ella. 

A  máyjaconvertida,tra2configo> 
O  pay  já  çhriftâo  feytó  fallecèra. 
Com  que  íoube  evitar  o  grão caftigo 
Que  morrendo  Gentio  náo  íoubcra. 
Amor  celcftc,corao  aqui  não  digo 
O  teu  fublimeobrarPAhi  4ucm  pudera! 
Por  meyò  de  huma  Virgem  fofte  meyo 
Com  que  gente  ccpíoía  a  Chrifto  veyo. 

Vinha  mais  ncíla  nova  Companhia 
Florencia^irmãa  do  Rey,da  mãy  çuydado} 
Florencia,queem  beleza  florecia^ 
Como  flor  em  jardim  bem  cultivado 
Também  a  Frota  ^ifpos  dous  trazia. 
Hum  MarcelOjCleipcpte  òuçro  chamado; 
O  primeyro  já  em  Grécia  bago  tevcj 
Dofegundoo  Bifpado  não  fe  eícreve 
Outra  Virgem  viuva  aili  mays  vinha» 


Rimas  do  grande  Luisde  Camões, 


Antes  das  bodas  inviuvada  tinha 
E  prometida  a  ChriAo  a  caílídade, 
Efta  do  mefmo  Rey  era  fobrinha, 
FiihadaEmperatriída  gram  cidade. 
Onde  por  culpa  DOÍTa^ot}  pouca  dita 
Seu  Trono  agora  tem  o  fero  Seita, 

Eíles  que  advertem  repetida  Hiftoria 
Deyxaraõ  fó  por  Deos  altos  eftados. 
Com  outros  de  que  he  menos  a  memoria, 
Forâo  divinamente  a  moeítadosj 
Que  todos[para  entrar  juntos  na  gloria] 
Ao  Coro  Virginal íoíTem  juntados^ 
Com  quem  oa  terra  Martyresferião, 
E  noCco  para  íeraprereynarião. 

Seria  eitranho  o  gozo  que  fcntirão 
Aquellas  bem  nacidas  Almas  fantast 
Quando  juntas  alli  todas  fe  virão 
De  partes  tão  remotas,£c  de  tantas. 
Sem  eítorvosique  de  antes  o  impedirão. 
As  duas  mays  que  todas  bcllas  Plantas, 
Al  li  abraços  íe  daõ  fem  algum  pejo. 
Ambas  conformes  já  num  íodefejo, 

Aili  faria  o  Rey  acatamento 
A  quem  deyxou  da  Barca  o  Graõ  governoi 
E  ElkjContorme  a  feu  merecimento, 
Refponderia  com  amor  paterno. 
iMaõ  faltaria  em  tal  recebimento 
Prazer  exterior,praíer  internoi 
Inda  que  cos  EÃados  di  íferentes. 
Todos  ferião  huns  cm  fer  contentes^ 

O  vento  as  brancas  vellas  nam  ene hia 
Corria  o  frio  Reno  entam  mays  quedos 
5fi5/Q  ^^^^^  P^*"^  Colónia  nam  corria, 
Vi  Porque  as  Virgens  nam  foíTem  lá  taõ  cedo. 
^  Parece  quejá  claro  conhecia 
o<>(I  Í9  Coro  Virginaljfcreno,& ledo) 
Que  lá  vos  elpcrava  a  impia  Morte 
Agora,òMufa  iconta  de  queforte« 

Aqucí  leque  na  forma  de  Serpente 
Deyxou  aos  dous  primcyros  enganados^ 
Envejoío  de  ver  que  tanta  gente, 
*  Se  convertia  à^Ley  dos  Baptifados 
No  coração  entrou  manhofamente 
De  dous  Gentios  Principcs  danados. 
Da  foberba  Roma  a  Cavallaria, 
Por  encurtar  a  Fè  que  fe  cftendia. 
A  Fama  os  aííegura  com  certeía 
Que  a  Virgem  a  Colónia  jà  voltava^ 
Com  toda  a  caíla  juvenil  Bclleza 
Que  por  amor  do  Ceo  peregrinava. 
;  Fizcraõ  a  vifar  com  graõ  preide^a 


x\' 


Qucdeípófada  íendp  em  tanta  idade^^^^..^  ..^  A  hum  parente  que  Julião  fe  chamava, 


Soberbo  Opitaó  dos  Hunos  feros; 
Que  todos  para  todos  foraó  Neros. 

£ys  logo  o  cego  Princepe  gencio, 
Com  gente  innumcravel  de  leu  mando, 
A  prayaa  tomar  vem  do  meímorio 
l^oc  onde  as  Virgens  vmhaõ  navegando 
Jà  defcobre  aquelle^elte  navioi 
Os  que  eltaõ  do  mays  alto  atalayando: 
A  as  armas  veloz  corre  o  bruto  povo, 
Por  de  novo  as  tmgir  no  fangue  novo. 

Vindo  a  Frota  alurgír  junto  do  muro 
Onde  Itie  parecia  eftar  fegura^ 
(ó  V^irgens  que  bulcays  lugar  íeguro 
Adonde  vos  eípera  a  íèpultura!) 
Entra  com  maó  armado  o  povo  duro^ 
Por  efta  peregrina  fermoíura: 
]  á  começa  a  provar  os  aços  fortes; 
Eys  tudo  langue  já,jácys  tudo  morcesi 

Já  nú  todas  as  Virgens  oífereciaõ 
O  delicado  collo^o  tenro  peyto: 
Era  para  caber  quantas  cahiao. 
Todo  largo  lugar  lugar  cftreyto. 
Do  puro  langue  os  rios,que  corriaõ. 
Outro  vermelho  mar  já  tinhaõ  feyto. 
Tu  fo,Còrdula,â  a  morte  ce  cícondeftes 
Mas  defpoys  a  bufcafte,&  recebelte. 

Ciriaco  o  primeyro,bem  cõftante^ 
A  vida  ao  feno  oíFrcce  fem  efpanto: 
O  moço  Rey  Inglcscahio  diante, 
De aquelles caftos olhos,que  amou  tanto 
EíperijbrandoEípofo  hum  breve inftance 
Efpera  a  tua  doce  Êípoía  era  tanto 
Que  outro  Amor  outro  golpe  lhe  perparaj 
E  junros  entr  areys  na  Pátria  chara. 


Rimas  do  granâe  Luis  de  Camões] 


135 


Vcndojcubertajádenevoa  eícura 
A  luz  de  tantos  bellos  apagaríc? 
Vendo  a  purpúrea  roía,á  cecém  pura, 
Emtaõ  fermofas  fí\ces  deícoraife? 
As  tranças  de  ouro  vendo,eípedcçadaSi 
Por  debayxo  dos  pès  andar  piíadsj 

'  Na  força defta  furia accfa^St  brava, 
OTirano  cruel  a  viíla  ergueo 
A  a  Virgem,que invencível  animava 
As  Almas  que  juntara  para  o  Ceo 
A  íli  já  envolta  cm  fangue  como  andava 
Da  lua  fcrmofura  Ic  venceo; 
E  com  doces  ra2oens,que  Amorenfina, 
A  vencela  de  amor  le  determina. 

Fingmdofe  arrepende  do  paíTado^ 
(^E  de  fingillo  fe  arrepende  azi nha) 
bua  vida  lhe  offrece,&  feu  eftado 
Sem  ver  que  Eftado,&  vida  a  perder  vinha. 
O  feu  amor  lhe  pede  confiadoi 
O  feu  amor,  quedado  a  íeu  Deos  tinha: 
Pedclhe  oíeu  amor,antes  náo  íeu. 
Porque  já  dado  o  avia  a  quem  lho  deu. 

U fa  de  mil  hronjas,mil enganos, 
Por  coníeguir  o  feu  defejo  bruto, 
A  florlogra(dizia^  de  teus  annosj 
Colhe  de  efla  Bellcza  o  doce  fruto  j 
Náo  dés  matéria  nova  anovos  danos, 
Naõ  pagues  verde  á  morte  o  feu  tributo: 
Olha  que  tens  em  mim(naó  fam  cautelas) 
Outro  Reynojoutro  Eípoío,outras  donzcHas 

Naõ  faças  menciroía  a  Natureza, 
Que  dá  de  amor  era  ti  grande  efperança» 
Que  fó  pode  alcançar  d'eíla  BcUeza, 
Se  jà  piedade  delia  naõ  íe  alcança? 


Em  qual  terra  >  oh  crueysiem  qual  cidade?    Aos  Tigres,aos  Leões, deyxaja  braveza» 


Entre  quaes  gentes  mays  a  furor  dadas, 
Se  nâo  uíou  de  amor,&  de  piedade 
Com  fermoías  Donzellas  delarmadas? 
Como  Belleza  tanta,&  tal  idade 
Vos  deyxou  arrancar  voíTas  efpadas? 
Ah!  lobos  camic^yros, tigres  bravos. 
Filhos  decrueldade,de  iraefcravos! 

De  quantos  animaes  fuftenta  a  terra. 
Nunca  tanta  crueza  foyufadaj 
Inda  que  tenháo  huns  com  outros  guerra. 
Nunca  do  macho  a  fêmea  he  lalhmada: 
Anda  a  cerva  co'o  cervo  por  a  ferra, 
A  novilha  do  touro  acompanhada 
A  aleonefa  o  Lcaõ  defender  preza 
Vos  fós  quebrays  as  leys  da  Natureza 

Pudèraõ  outros  olhos  por  ventura 
De  iagtimasdiyinas  efcufarfe, 


E  deyxa  aos  meus  loldados  a  vingança. 
Se  porverme  cruel  queres  fer  crua, 
Játevingasdeinimemcoula  tua- 

Volveeíles  olhos  jâ  com  mays  brandura? 
EíTesolhos^de  Amor  doce  morada: 
Delles  naõ  faça  em  mim  a  fermoíura, 
O  que  em  tanto  ja  fez  a  minha  efpada. 

Se  queres  derribar  minha  ventura 
Que  delles  eftar  vejo  pendurada, 
Acabareyde  verquam  pouca  tenho 
Poys  donde  a  matar  vim  a  morrer  venho. 
Como  do  rogo  meu  naõ  te  aproveytas. 
Quando  o  teu  rifco  a  me  rogar  te  obriga? 
Ou  naõ  conheces  bem  a  quem  engeytas. 
Ou  me  engeyras,por  mays  que  feja,6c  diga. 
Em  quem  cuydas,Senhora?ou  que  íòfpeytas? 
Mays  próprio  era  chamarte  dura  imiga. 

Mas 


136  Rimas  ào  Grande 

Masnaõ  confente  Amor  nome  raõ  duro, 
Em  parecer  tâo  brando,&  tam  feguro. 

Os  rayos  deííes  olhos  já  íercnos 
Enxuguem  deíTe  rofto  3«  puras  roías: 
O  trifk  íuípirar  já  íoe  menos 
Neíias  concavidades  íaudofas. 
Naó  façam  grande  mal  males  pequenos; 
Que  naõ  íofre  eíperanças  vagaroías 
Quem  atida  coílumado  em  íeus  amores      . . 
A  medir  por  feu  goílo  feus  favores. 

Quegolto  podes  cer  de  maltratarme, 
Vcnclome  do  paííado  arrependido? 
Attenta  que  mays  ganhas  em  ganharme, 
Do  que  nefte  dcítroço  tens  perdido 
Se  queres  ínfiftirem  defprezarme» 
Vermchaçjfobre  amoroío,enfurecido. 
Naó  me  declaro  mays,porque  naò  quero 
Qaeo  medo  faça  o  que  de  amor  eí pêro. 

Ah!  pérfido  amadoridcyxa  o  teu  erro. 
Naõ  ve^  quanto  enganado^Si  cego  andas? 
Aquella  a  quem  naõ  vence  o  duro  terro. 
Como  a  podem  vencer  palavras  brandas? 
Mandaaíuaalmajàdeíle  dellerro^ 
ComtíTisque  aíeu  doce  Eípozo  mandas, 
Naó  a  detenhas  mays  em  itus  amores, 


Luís  de  Camões. 
Sedobraiihe  nãoqui:íres  fuás  dore?. 

Vcndoocrueljenfim^qUe  o  que  diZÍa, 
Tomava  a  bella  Virgem  poraírontaj 
E  que  quanto  de  amor  mays  íe  acendiai  . 
Eiia  delle  fazia  menos  conca; 
No  concavo  arco  que  na  maõ  trazia, 
Huma  íeca  embebeo  de  aguda  ponta, 
E  o  pey  to  lhe  paílou  de  banda  a  banda, 
Aíii  rendeo  o  Elprito  a  Virgem  branda. 

Vayte,EfpritoGcntiLdeíta  bayxezaj 
As  aias  abre  ja,jàa  luz  derrama: 
Voa  com  defufada  ligeyreza^ 
Onde  o  teu  bem  te  eípera,onde  te  chama, 
Veras  bayxado  o  mundo  á  mór  alteza: 
Verás  que  engana  mays  a  quem  mays  ama: 
E  lá  do  teu  Amor,cà  luípiracio, 
O  fruto  colherás  tão  deíejado* 

Em  paz  te  vay,ò  Alma  pura,&  bella, 
Mays  bella  inda  no  langue  que  verteíte; 
Vayte  alegre  a  gozar,  vayjà  de  aquella 
Fcrraoía  RegiSOjaUa^ík  celefte. 
Coroada  de  Gloriajirnroorta  1  nd la 
ComChriflolograràs^a  quem  tedéftc 
Com  taDtaSj&  também  nacidas  Almas^ 
£Fermo»uradoCeojOnze  mil  Palmas. 


■  OJl^JiV 


EGLOGj 


Rifnas  do  Grande  Luis  de  Cémôesl 


m 


EGLOG  A  I. 

INTERLOCUTORES 

VMBRANO,  FRONDELIO,  AONIA. 

ISleUa  Egloga  pnmeyra  lamenta  oV.  a  morte  de  T>*Àntonio  de  Noronha ,  que  morreo  pélf* 

jando  em  Africa,  &ado  frmcipe  D.IoaÕfilho  de  ElJi^y,^.  loaÕ o  III,  fay  de  El-l{ey 

(D^Sebaílião.  Debaijxoda  peffoa  de  Frondeliofe  de^^e  entender  o  foeta. 


QUe  grande  variedade  vão  fazendo, 
Frondclio  amigo,as  horas  aprcíTadas! 
Como  íe  vão  as  coufas  convertendo 
Em  outras  coufas  varias,8c  infperadas! 
Hum  dia  a  outro  dia  ?ay  trazendo 
Por  fuás  mefmas  horas  já  ordenadas: 
Mas  quaai  conformes  íaõ  na  quantidadcj 
Tãodifferentes  faó  na  calidade, 

Euvijádeftecampo  as  varias  flores 
A  as  Eítrelias  do  Ceo  fazendo  enveja: 
Adornados  andar  vi  os  Paftores 
De  quanto  por  o  mundo  íc  deleja: 
E  vi  co^o  campo  competir  nas  cores 
Os  trajes  de  obra  tantaj&  tão  íobeja, 
Que  íe  a  rica  matéria  não  faltava, 
A  obra  de  mays  rica  íobejava, 

£vi  perder  feu  preço  à  as  brancas  roías.) 
Equaíi  efcureceríe  o  claro  dia 
Diante  de  humas  moítras  perigoías 
Que  Vénus  mays  que  nunca  engrandecia. 
As  Paítoras,entim,vi  tâofermoías 
Que  o  Amor  de  fi  mcímo  fc  temia: 
Mas  mays  temia  o  penlamcnto  falto 
De  não  íer  pa  ra  ter  temor  tão  alto. 

Agora  tudo  eítà  tão  diíferente, 
Que  move  os  corações  a  grande  cípantoj 
E  parece  que  Júpiter  potente 
Se  enfada  já  de  o  mundo  durar  tanto, 
O  Tejo  corre  turvo,&  deícontente, 
As  aves  deyxáo  feu  fuave  canto: 
£  o  g9do,inda  que  a  erva  lhe  falkce, 
Mais  que  da  falta  delia  íe  emmagrece. 

FRONDELIO. 


Umbrano  irmão,decreto  he  da  Natyra, 
Inviolavclifixo,&:  ícmpiterno, 
.   ll.Parr. 


Que  a  todo  o  bem  íucceda  defventura, 
E  não  haja  prazer  que  feja  eterno: 
Ao  claro  dia  fegue  a  noyre  eícura, 
Ao  fuave  V  erão  o  duro  Inverno.- 
E  íe  hà  coufa  que  fayba  ter  firmeza^ 
He  fomente  a  ley  da  Natureza. 

Toda  alegria  grande,&  íuntuofa, 
A  porta  abrindo  vem  ao  criíf  e  cílado: 
Se  hum  hora  vejo  alegre, &  deley  tofa. 
Temendo  a  eítou  domai  aparelhado. 
Não  ves  que  mora  a  ferpe  venenofa 
Entre  as  íiores  do  freíco,&  verde  prado? 
Ah!  não  te  engane  algum  contentamento. 
Que  rnays  inftavcl  he  que  o  penfa mento: 

E  praza  a  Deos  que  o  triítej&:  duro  Fado 
De  tamanhos  deíaíf  res  fe  contente; 
Que  fempre  hum  grande  mal  inopinado 
He  naays  do  que  o  efpera  a  incauta  genrcJ 
Que  vejo  eíle  Carvalho  que  queyraado 
Tão  gravemente  foy  do  rayo  ardente. 
Não  íejaora  prodígio  quedeclarc 
Que  o  bárbaro  Cultor  meus  campos  are. 

UMBRANO. 

Em  quanto  do  feguro  Azambugcyro 
Nos  Paftores  de  Luíoouver  cí^jados^ 
Com  o  valor  antigo,  que  primcyro 
Os  fez  no  mundo  tão  aíTinalados; 
Não  temas  tu,Frondelio  companheyroj 
Que  cm  algum  tempo  fejão  fojugados. 
Nem  que  a  cerviz  indómita  obedeça 
A  outro  jugo  qualquer  que  fe  lhe  oílrcça. 

E  poílo  que  a  íoberba  fe  le  vanre 
De  inimigo»  a  tortOj&  a  direyto. 
Não  rreas  cu  que  a  força  repugnante 
Do  £cro,&  nunca  ià  vencido  peyto; 

S  Ql'' 


T  5  $  Rimas  io glande  Luís  dê  Camões 

Que defdc  quem  poíTue o  monre  Atlante, 

Aponde  bebe  o  Hidalpe  tem  íogeyto^ 

O  poíia  nunca  íer  de  força  alhea. 

Ena  quanio  o  Sol  a  Terra,8c  o  Coo  rodea. 


FRONDELIO. 


FRONDELIO. 

Umbrano a  temerária  íegurança 
Que  cm  fgrça^ou  cm  razão  oáo  íeaíTegurai 
He  faira,&vâa,que  a  grande  confiança 
iSi  áo  he  íempre  ajudada  da  Ventura. 
Quelàjuntodasarasda  Efperança, 
Nemefis  namorada^juíla^&  dura^ 
Hum  freo  lhe  eítá  pondOj&  ley  terriyel^ 
Que  o8  limites  não  pafTc  do  poílivel. 

E  íê  atentares  bera  os  grandes  danos 
Que  íe  nos  vão  moilrando  cada  dia, 
JPoràs  freo  também  a  eíTes  enganos 
Que  te  efta  figurando  a  ouladia, 
1  u  não  ve5  como  os  Lobos  Tingitanos, 
Apartados  de  toda  cobardia, 
Matão  os  caens  do  gado  guardadores^ 
b  não  fomente  os  caens^mas  os  Paftores? 
Foys  o  grande  curral,íeguro,^  fortei 
Do  alto  monte  Atlas,náoouviftc,  -'  rv 
Quecom  fanguinolenta,&  fera  morte^ 
Deípovoado  toy  por  cafo  trifte? 
Oj  trifte  caíoí  ò  defaftrada  forte! 
Contra  quem  força  humana  nâoreflAe: 
Que  alJi  lambem  da  vida  foy  privado 
O  meu  Tionio,aindâ  em  flor  cortado.' 

U  M  B  R  A  N  O. 

Em  lagrimas  me  banha  roí!oj&  peyto 
De  eííe  cafo  terrível  a  memoria, 
Quando  vejo  quam  fabio,  &  quam  pcrfeyto^ 
E  quam  merecedor  de  longa  hiftoru 
Era  eíTe  teu  Paílar,quc  fem  direyto 
Deu  á  as  Parcas  a  vida  tranfitoria: 
Mas  não  ha'hi  quem  de  erva  o  gado  farte, 
í^em  de  juvenil  íanguc  o  fero  Marte, 

Porénijfe  te  não  for  muyto  pefado 
[Já  que  efta  trifte  morte  me  lembrafte] 
CantamedeíTecalo  deftcrrado 
Aquellcs  brandos  verlos  que  cantafte. 
Quando  hontem  recolhendo  o  manfo  gado, 
De  nofoutros  Paftores  te  apartafte: 
Que  eu  também  que  as  ovelhas  recolhia, 
Xvi  ão  te  podia  ouvir  como  queria. 


Como  queres  renove  ao  penfamento 
Tamanho  maljtamanhadeíventura? 
Porque  cfpalhar  íuípiros  vãos  ao  vento, 
para  os  que  triíles  íaõ  hc  falia  cura. 
Mas  pois  te  move  tanto  o  fentimento 
Da  morte  de  Tionio  friíte,6c  eícura, 
Eu  porey  teu  defejo  em  doce  cffey  to, 
Sc  a  dor  me  não  congela  a  voz  no  peyto, 

U  M  B  R  A  N  O. 

Canta  agora, Pa ftor^que  o  gado  pace 
Entre  as  húmidas  ervas  íoíTegadOj 
£  là  nas  altas  ferras  onde  nace 
O  lacro  Tejo  à  aíombra  recoftado, 
Co' os  íeus  olhos  no  cháo,amaò  na  face, 
Efta  para  te  ouvir  aparelhado; 
E  com  filencio  triAe  cftaõ  as  Ninfas 
Dos  olhos  deftilando  claras  linfas. 

O  prado  as  fioies  brancas,6c  vermelhas 
Eftà  fuavementc  prefentandoj 
As  doces j&  folicitas  abelhas 
Com  íufurro agradável  vaõ  voando: 
As  candidas,pacificas  ovelhas, 
Das  ervas  efquecidas, inclinando 
As  cabeças  eftaõao  foni  divino 
Que  faz  paliando  o  Tejo  criftalino. 

O  vento  de  entre  as  afvorcs  reípira, 
Fazendo  companhia  ao  claro  rio: 
Nas  íombras  a  ave  gárrula  fufpira. 
Sua  magoa  efpalbando  ao  vento  frio. 
Toca,Frondelio,toca  adoce  lira; 
Que  de  aquelle  verde  álamo  íombrío 
A  branda  Filomela  intriftecida 
Ao  mays  faudofo  canto  te  convida. 

FRONDELIO 

Aquelle  dia  a$  aguas  não  goftâram 
As  mimofas  ovelhas,&  os  cordeyros 
O  campo  encherão  dearaorofos  gritos. 
Enaôfe  pendurarão  dos  falgucyros 
As  cabras  de  trifteza>mas  negarão 
O  paftoafi,&:  o  ley  te  aos  cabritos. 
Prodigios  infinitos 
Moílraya  aquelle  dia. 
Quando  a  Parca  queria 
Principio  dar  ao  fero  cafo  triftei 
E  cu  cambem [ó  corvo!]o  dcfcubr iíle 

Qiiando 


Rimas  do  Grande 
Quando  da  máo  direyta  cm  voz  efcura, 
Voando^repctifte 
A  tirânica  ley  da  morte  dura. 

Tionio  meu, o  Tejo  cnftalino^ 
E  as  arvores  quejà  deíemparaíte, 
Chorão  o  mal  de  tua  auíencia  eterna. 
Naóíey  porque  taó  cedo  nosdeyxafte? 
Mâsfoy  confentimento  do  Deíhno, 
Por  quem  o  mar,íâi  aterra  íe  governa. 
A  noy  ce  íempiterna, 
Que  tu  taó  cedo  vifte 
Cruel,acerba,&  tnftc, 
be  quer  de  tua  idade  não  te  dera 
Que  lograras  a  freíca  primavera? 
N  àò  uiára  comnoíco  tal  crueza, 
Que  Dcm  nos  montes  fera^ 
Nem  paílor  ha  no  campo  íem  triíleza^ 

Os  FaunoSjCerta  guarda  dos  FaíloreSj 
Já  naõ  leguem  as  Nmfas  na  eípeílura 
Nem  as  Ninfas  aos  cervos  dâo  trabalho, 
Tudo,qual  ves,he  cheo  detriltura: 
A  as  abelhas  o  campo  nega  as  flores. 
Como  as  flores  a  Aurora  nega  o  orvalho 
Eu  que  cantando  efpalho 
Ttiítezas  todo  o  dia? 
A  frauta  que  íoia 
Mover  as  altas  arvores  tangendo^ 
Semevay  dctnfteza  enrouquccendo? 
Que  tudo  vejotrifte  nefte  monte; 
E  tu  também  correndo 
Manas  envolta,&:  triftc^ó  clara  Fontei) 

As  Tagídas  no  no,&  na  aípereza 
Do  nonte  asOreadas,conhccendo 
Quem  te  obrigou  ao  duro,6c  fero  Marte? 
Como  em  geral  íentença  váo  dizendo^ 
Que  não  pôde  no  mundo  aver  triíleza 
Em  cuja  caufà  Amor  naõ  tenha  parte. 
Porque  ellejCnfi  ro  ^della  arte, 
Kos  olhos  laudofos, 
Nos  paíios  vagarofos, 
E  no  roílo  que  Amor  com  fantaíia 
Da  pallida  viòla  lhe  tingia, 
A  todos  de  fi  dava  final  certo 
Elo  fogo  que  trazia. 
Que  nunca  foube  Amor  fer  cncuberto,  r-í'7 

J  à  diante  dos  olhos  lhe  voaváo 
Imagens,&  fantafticas  pinturas, 
Exercícios  do  falío  penfamenjro. 
Jà  por  asfohtarias  eípeíTuras, 
Entre 08 penedos  fós,que  naõ  fallavão^ 
^^Fallava,&deícubria  leu  tormento 
;;  Em  longo  efquecimento 
k  \    11.  Part, 


Luís  de  Camiões.  139 

De  fi  todo  embebido      -r^^úc: 

Andava  tão  perdido 

Que  quando  algum  Paílor  lhe  perguntava 

Acauía  da  crifl:t:za  que  moltrava? 

Como  quem  para  penas  fò  vivia, 

SorrindOjlhe  tornava; 

Sc  naó  viveííe  trifte  morreria. 

Mas  como  elle  tormento  o  (Inalou, 
E  tanto  no  íeu  roftofe  moítraíTe, 
Entendendo  o  jà  bem  o  Pay  feludo, 
Porque  dopcníamentolho  tírafl^e. 
Longe  da  caufa  delle  o  apartou, 
Porque,enfim  longa  auíencia  acaba  tudo 
Olfalío  Marte  rudo, 

Das  vidas  cobiçofoi  ; 

Que  donde  o  generofo 
Pey  to  refucitava  em  tanta  gloria 
De  feus  anteceflbres  a  memoria, 
Allijtero  &  cruel^lhe  deftruifl:e. 
Por  injufta  vitoria, 
Prinncyro  que  o  cuydado  a  vida  trifte. 

Pareceme,Tionio,que  te  vejo. 
For  tingires  a  lança  cobiçofo  :% 

K  a  quelle  in  fido  fangue  Mauritano^ 
No  Hifpanico  ginete  belicoío. 
Que  ardendo  também  vinha  no  defejo 

De  atropelar  por  terra  ao  Tingitano 

Olconfiado  enganoi 

Oiencurtadavida! 

Que  a  virtude  oprimida 

Da  multidão  forçoíado  inimigo 

Não  pode  defenderíe  do  perigo: 

Porque  aíTi  o  Deftinoo  primirioj 

E  afli  levou  configo 

O  mays  gentil  Pafl:or  que  o  Tejo  vio^ 

Qual  o  mancebo  Eurialo  enredado 

Entre  o  poder  dos  Rutulos,fartando 

As  iras  da  roberba,&  dura  guerra. 

Do  crifl:alino  rofl:o  açor  mudando. 

Cujo  purpúreo  fangue  derramado 

Por  as  alvas  efpaldas  tinge  a  íerraj 

Que  como  florique  a  terra 

Lhe  nega  o  mantimento^ 

Porque  o  tempo  avarento 

Também  o  largo  humor  lhe  tem  negado, 

O  collojinclina  languidOj&  canfado, 

Tal  te  pinto  ò  Tionio!dando  o  efprito 

A  quem^to  tinha  dodo; 

Que  cfte  he  fomente  eterao,&  infinito. 
Dacongelada  boca  a  alma  pura, 

Co'o  nome  juntamente  da  inimiga, 

E  excellenteMarfida  derramava, 

S2  % 


140  Rimas  de  grande  Luisde  Camões, 

E  tu  gentil  Senhora^naõ  te  obriga 

A  pranto  fempiternoaniorte  dura 

De  quem  por  ú  íòmente  9  vida  amara? 

Por  ti  aos  Ecos  dava 

Acentos  numerofos: 

Portiaosbellicoíos 

Exercícios  fe  deu  do  fero  Marte, 

£  tu  ingrata  o  amor  já  noutra  parte 

PoráSjComo  acontece  ao  fracojintento; 

Que,eníini  eníim,delUarte 

be  muda  o  íemenino  penfamento. 

Pa/torcs  defte  Vale  ameno  &  frio. 
Que  de  Tionio  o  caio  deíaílrado 
Quereys  nas  alta$  ferras  que  íe  contej 
Hum  tumulo  de  flores  adornado 
Lheadiíicayaolongodcfterio, 
Que  a  vela  enfrearão  duro  navegante; 
Eo  laíTo  caminhante, 
Vendo  tamanha  magoa, 
Arrafe  os  olhos  de  agua, 
Lendo  na  pedra  dura  o  verío  cícrito^ 
Qiic  diga  afli  Memoria f ou jque gritei 
'Fax a  dar  tejiemttnho  em  toííaj>aríe 
Z)^  maysgentti  Efprito  i  p  b  14. 

^e  ttràraõ  d9  mundo  Amor^  Marte. 


FRONDELIO. 

Antes  por  eíle  valIe,amigo  Umbrano, 
Se  te  aprouvcr^k  vemos  as  ovelhas: 
Porque  íe  eu  por  acerto  não  me  engano, 
0e  là  me  íoa  hum  íico  nas  orelhas. 
O  doce  acento  não  parece  humano: 
Ejfeem  contrario  tu  naõ  mcaconfelhas^ 
Eu  quero  defcubrir  que  eoufa  fejaj 
Que  oitom  me  efpãta,&:  a  vo^  ma  faz  enycja. 

UMBRANO. 


UMBRANO, 

Qual  o  quieto  fono  aos  canfados 
Debaxo  de  algum^arvore  íombriaj 
Ou  qual  aos  fequiofos  cncalmados 
O  vento  refpirantc,6c  afontcf riaj    jóq  oíi /í 
Tays  me  foraó  teus  veríos  delicados, 
Teunumerofocanto,&  melodia: 
E  ainda  agora  o  tom  fuave»&  brando. 
Os  ouvidos  me  fica  adormentando. 

Em  quanto  os  peyxes  húmidos  tiverem 
As  areofas  covas  dcAcrio} 
E  correndo  efta»  aguas  conhecerem 
Bo  largo  mar  o  autiguoSenhorio|iqií^í 
E  cm  quanto  eAas  ervinhas  pafto  derem 
A  as  petulantes  cabras^eu  te  fio 
Que  em  virtude  dos  veríos  que  cantaftc 
Sempre  viva  o  Paftor  que  tanto  amafte 

Mas  jà  que  pouco  a  pouco  o  Sol  nos  falta 
B  dos  montes  as  fombras  fe  acrccentão^ 
De  flores  mil  o  claro  Ceofeeímalta, 
Que  tão  ledas  aos  olhos  íe  preíentãoi 
Levemos  por  o  pé  defta  ferra  alta 
Os  gadoSjquc )á  agora  fc  contão 
Do  que  comido  tem^Frondelio  amigo^ 
iinda,  que  atè  o  outeyro  irey  contigo. 


Contigo  vou,que  quanto  mays  me  chec^o 
Mays  gentil  me  parece  a  voz  que  ouvifte} 
Pcregrina,excellentej&  não  te  nego 
Que  me  faz  ca  no  peyto  a  alma  rriíte 
Vcs  como  tem  os  ventos  cm  íoíTcgoA 
Nenhum  rumor  da  ferra  lhe  refiítc.' 
Nenhum  paflaro  voa, mas  parece 
Que  do  canto  vencido  lhe  obebece. 

Porém, irma6,melhor  me  parecia 
Que  não  fofl^emos  lá,que  eftrovaremos: 
Alas  íubidos  nefta  arvore  fombria, 
Todoovalledeac]uidefcubrircmos. 
Osçurroens,&  cajados,todâvia, 
Ncíte  comprido  tronco  penduremos: 
Para  fubir  fica  homem  mays  ligeyro. 
Dey  xamc  tu,Fiondelio  ir  primcyro, 

FRONDELIO. 

Efperaafli,dari'heydepé,íequcrcgi 
Subiràt  fem  trabaIho,&  íem  ruidoj 
E  dtípois  que  íubido  la  cfíivercs, 
Darm'hBsa  mão  de  cima, que  he  partido 
MasprimeyromcdÍ2e,feopuderes 
Ver,donde  nace  o  canto  nunca  ouvido: 
Quem  lança  o  doce  acento  delicado, 
Falla?que  jà^te  Vejo  citar  pafmado. 

UMBRANO. 

Couías  naõ  coftumadas  nt  erpeíTura 
Que  nunca  vi,Fíondclio,vejo  agora, 
Fermolas  Ninfa»  vejo  na  verdura, 
CujodivinogeflooCco  namora. 
Huma  de  defuíada  fcrmoíura, 
Que  das  outras  parece  ler  fenhora, 
Sobre  hum  triíle  ícpulcro,não  celTandc, 
Eílà  perlas  dos  clhos  depilando. 


^4 


Rimas  do  Grande  Luís 

De  todas  eftas  altas  Semideas 
Que  em  turno  eitaó  do  corpo  fepultado, 
Humas^regando  as  húmidas  areaSj 
De  iiores  temo  Tumulo  adornado: 
Outras, queymando  lagrimas  Sabeas^ 
Enchem  o  ar  de  chcyro  fublimado: 
Outras  cm  ricos  panos,maís  avante, 
Eovovel  brandamente  hum  novo  Infante. 

Huma,quc  de  entre  as  outras  fe  apartou, 
Co  na  gritos,que  4,montanlia  entrifteceram, 
Diz,quedelpoys  que  a  Morte  a  Flor  cortou 
Que  as  Ellrcllas  íòmcnte  mereccraõj 
Lite  penhor  chariíiimo  ficou 
De  aquelle,acujo  Império  obedeceram 
Douro,  Mondego,  f  ejó,5c  Guadiana, 
Ate  o  remoto  mar  da  Taprobana, 

Diz  maisique  íe  encontrar  elte  Menino 
A  noyte  imtempeítiva,amanhecendo, 
O  Tejo  agora  claro,&  criftahno. 
TornaràaferaAlecto  em  vulto  horrendo; 
Mas  que  a  fer  coníervadodo  Deítiao, 
As  benignas  Eftrellas  prometendo 
Lhedtam  o  largo  palto  de  Am^elufa, 


de  Camêes. 


ifi 


A  O  N  í  A. 

Alma,y  primero  amor  dei  alma  mia, 
Efpiritu  dichoío,en  cuja  vida 
La  mia  olluvo  en  quantoíDios  queria 
Sombra  gentil  de  íu  prifion  íalida. 
Que  dcl  mundo  a  iaL^atria  te  bolville, 
Donde  fuifte engendrada  y  procedida! 
Rçcibc  allà  cite  íacrificio  tnitc, 
Que  te  offreccn  los  ojos  que  ti  vieron 
Si  la  memoria  dellos  no  pcrdifte. 

Que  pues  los  altos  ciclos  permiticron, 
Qiic  no  te  acompanaííccn  tal  jornada, 
Y  para  ornaríe  íolo  a  ci  quificronj 
Nunca  permitirán,que  acompanãda 
De  mino  íeaefta  Memoria  tuya, 
Que  eita  de  teus  deípojos  adornada. 
Ni  dexaràn,por  mas  que  el  ticmpo  huja, 
De  eltar  en  mi  con  fcmpitcrno  llanco^ 
Aíla  que  vida,y  alma  íe  dcftruya. 

Mas  tUjgentil  Erpiritii,entretanto 
Que  otros  campoi,y  fllorcj  ván  pifando. 


Co*o  Monte,que  em  maó  ponto  yio  Meduía    Y  otras  zarapofia»  oycs^y  outro cantOi. 


Eítc  prodígio  grande  a  t>íinfa  bella 
Com  abundantes  lagrimas  recita. 
Porém^qual  a  ecliplada  clara  eítrclla, 
Que  entre  as  outras  o  ceo  primeyro  habita 
Talcubertade  negro  vejoaqueila, 
A  quem  fò  na  alma  toca  a  gram  de(dita« 
Dácáfrondelio^amáOjSc  íobeaver 
'1  udo  o^mays  que  eu  de  dor  naõ  ícy  dizer 

FRONDELIO      lUooL) 

Oitrifte  Morte^eíquivaj&  mal  olhada 
Que  a  tantas  Fermofuras  injurias. 
A  aquella  Dcola  bclla,&  delicada, 
Sequer  algum  reípey  to  ter  divias. 
Efta  hcpor  certo, Aonia  filha  amada 
De  aquelle  gram  Paltor,que  em  noíTos  dias 
Danúbio  entrcaimanda  o  claro  Ibcro^ 
E  efpanta  o  Morador  doEuxinofero, 

Morreonos  o  exccllentc,&  poderofo 
(Que  a  ifto  eftá  íogeyta  a  vida  humana) 
Doce  Aooiojdc Aonia charo Epofo* '^ '-■  ■ 
Ah!  ley  dos  Fados,aspcra,6c  tirana» 
Maso  fom  peregrino, &  piadofo. 
Com  que  a  fermoía  Ninfa  a  dor  engana, 
Efcuta  hum  pouco  Nota,&  vc^Umbranò^ 
Quam  bem  que  foa  o  verfo  Caítelhano. 


Agora  embevecido  cltés  mirando 
Alláenel  Empyreo  aquella  Idea, 
Que  el  mudo  cnfrciia,y  rige con  íu  mãJo: 

Agora  te  poíTuya  Citherea 
En  cl  terceto  aílicnto^o  porque  amaílc, 
O  porque  nueva  amante  allá  te  íea; 
Agora  el  Sol  te  admire, fi  miraftc 
Como  vàjporloSjSignos  cnccndido 
Las  tierras  alumbrando,qucdcyxaíl:e: 

Sicn  ver  eitos  milagros  no  has  perdido 
La  memoria  de  mi^o  fue  en  cujmano 
XMo  paliar  por  las  aguas  dei  Olvido 
Buelye  lín  poço  los  ojos  a  efte  llano, 
Vcràs  una. Que  a  ti  con  tnfte  llorO'Y^  '^ 
Sobre  eítc  marmol  íordo  llama  en  vano. 

Pêro  fi  entraren  en  los  Signos  de  oro, 
Legrimas,y  gimidos  amoroíos, 
Que  muevan  clfuprcmo,y  fanto  Coro} 

La  lumbre  de  teus  ojos  tan  hermofos 
Yo  la  vcré  muy  preftojy  poder  verte 
Que  a  pcíar  de  los  Hados  cnojoíos 
1  ambien  para  los  triíles  ubo  muctce. 


iT 


EGLOGA 


E  G  L  o  G  A     11. 

INTERLOCUTORES, 

ALMENO,  Y  AGRÁRIO. 

Em  efia  Egloga  debayxo  ão  nome  de  Almeno 

fe  confoU  o  T^com  o  Taftor  y^gr anojem 

mtlbAnte  nojujjeço  de  Jaus  amores^ 


AO  longo  do  fereno 
Tejo  ruave,6c  brando. 

Num  valle  de  altas  arvores  íbmbrioi 

Eftava  o  trifte  Almeno, 

Sufpiros  eípalhando 

Ao  vento, &  doces  lagrimas  ao  rio. 

No  derradeyro  fio 

O  tinha  a  cíperança, 

Que  com  doces  enganos 

Lhe  fuílentàra  vida  tantos  annos 

Numa  aroorofa^ôc  branda  confiança, 

Qiie  quem  tanto  queria. 

Parece, que  nam  erra,fe  confia, 
A  noyte  cfcura  dava 

Repoufo  ao$  can  fados 

Animaes  efquecidos  da  verdura: 

Ovalletriftecftava 

C*huns  ramos  carregado^. 

Que  indâ  a  noyte  faziam  mays  efcura 

Offrecia  a  cfpeíTura 
Hum  temerofo  efpanto: 
As  roucas  ransfoavam 
Num  choro  de  agoa  negra,&  ajudavam 
Do  paíTaro  nofturno  o  triílc  canto: 
O  Tejo  com  íom  grave 
Corria  mays  medonho  que  fuavc,' 

Como  toda  atriíleza 
No  filencioconfiíle, 
Parecia  que  o  valle  eftava  mudo: 
E  com  cfta  grayeza 
Eftava  tudo  trifte, 

Porém  o  trifte  Almeno  mais  que  tudo: 
Tomando  por  efcudo 
De  fua  doce  pena, 
Para  poder  lofrella, 
Eftar  imagioandoacaufa  delia: 
Que  cm  tanto  mal  he  cura  bem  pequena: 
Mayor  o  bc  o  tormento^ 
Qiie  toma  por  alívio  hum  pcnfamento, 
Aorioíequeyxâva 


Rimas  do  grande  Luís  de  Camões^. 

Com  lagrimas  em  fio, 

Com  que  as  ondas  creciam  outro  tanto; 

Seu  doce  canto  dava 

Triftes  agoas  ao  rio, 

E  o  rio  trifte  fom  ao  doce  canto 

Ao  íonoroío  pranto. 

Que  as  agoas  enfreava 

Refpondeo  yalle  umbroío: 

De  tanta  voz  o  acento  temerofo 

Na  outra  parte  do  rio  retu-mbava 

Quando  da  fantefia 

O  fílcncio  roropendo,afii  dizia. 

Corre  fuavCjSí  brando 
Com  tuas  claras  agcas, 
Saidas  de  meus  olhos,doce  Tejo^ 
Fede  meus  males  dando, 
Para  que  minhas  magoas 
Sejam  caftigo  igual  de  meu  defejo: 

Que  poys  em  mi  nam  vejo 

Remedio^nem  o  efpcroj 

Ê  a  Morte  íe  deíprcza 

De  me  matar,deyxandome  á  crueza 

Deaquellapor  quem  meu  tormento  queroj 

Sayba  o  mundo  meu  dano. 

Porque  íedeíenganeem  meu  engano 
Jà  que  minha  ventura. 

Ou  a  cauía  que  a  ordena, 

Quer  que  em  pago  da  dor  tome  o  fofrella 

Será  mays  certa  cura 

Para  tamanha  pena 

Defefperardeaverjà  cura  nclla: 

Porque  le  minha  eftrella} 

Cauíou  tal  efquiva  nça, 

Confínta  meu  cuydado, 

Que  me  farte  de  íer  defeíperado 

Para  dcfenganar  miriha  efperança: 

Poys  fomente  naci 

Para  viver  na  mortc,&  cila  cm  mi\ 
aidoíí     Nam  cefle  meu  tormento 


De  fazer  feu  oíficio, 

Poys  aqui  tem  hum'alma  ao  jugo  atada; 
Nem  falte  o  fofrimenro» 
Porque  parece  vicio 
Para  tam  doce  mal  faltarme nada. 
OiNinfadelicadai 
Honra  da  Natureza» 
Como  pode  ifto  fer 
Quede  tam  peregrino  parecer 
PudeíTe  proceder  tanta  crueza? 
Nam  vem  de  nenhum  geyto 
De  ca  ufa  di  v  ina  1  contrario  c  fiíey  to^ 
Poys  Como  pena  tanta 


He 


He  contra  a  caufa  delia? 
Fora  he  de  nacural  minha  taiíleza. 
Mas  a  mi  que  meeípanca? 
Nam  bafta(ó  Ninfa  bcliai) 
Que  podes  preverter  a  Naturaza? 
Nam  he  gentileza 
De  teu  gefto  celefte 
JFora  do  natural? 
Nam  pôde  a  Natureza  fazer  tal. 
Tu  melína(ò  bella  Ninfa  jte  fizeíle. 
Vorem^porque  tomafte 
Tam  dura  cundiçain,íeccformaíle? 
Por  ti  o  alegre  prado 

Me  he  penofo,&  duro; 

A  brolhos  me  parecem  fuás  flores, 

Tor  ti  do  manío  gado> 

Como  de  mim  nam  curOj 

Por  nam  fazer  offcnfa  a  teus  amorec. 

Os  jogos  dos  paftorcs. 

As  lutas  entre  a  rama^ 

Nada  me  faz  contente: 

E  íou  jà  do  qae  fuy  tam  differentCj 


Rimds  do  grande  Luts  de  Camões] 

Dcícobre  o  negro  manto 

Dafombra,queas  montanhas  encubria, 

Pcfcanla,frauta,agora, 

Poys  meu  efcuro  canto 

Nam  merece^que  veja  o  claro  dia. 

Nam  caníe  a  fantada 

De  cftar  em  fi  pintando 

O  gelto  deUcado, 

£m  quanto  eras  ao  pado  o  maafo  gadoí 

Elle  paftor,que  là  fó  vem  falando. 

Calar meeyíómentej  . 

Que  omeu  mal  nem  ouvirfe  me  cóíentc 


í4i 


AGRÁRIO. 

Fermofa  manhaãclara^&deleytora. 
Que  como  f  refca  roía  na  vei  dura     , 
Te  moítras  bella, &  pura  marchetandoi 
As  Ninfas  eípalhandoíeuscabellos 
Nos  verdes  montes  bellosjtu  íò  fazes 
Quando  a  fombra  desfazes  trifte,&  cícura, 
Fermofa  a  erpeffura,&  a  clara  fontei 


Que  quàdo  por  meu  nome  algué  me  chama    Fermofo  o  alto  monte5&  o  rochedo, 


talmOjpoíquc  conheço, 

Que  inda  comigo  próprio  me  pareço. 

Ogado,que  apacento, 
Sam  na  alma  os  meus  cuydados; 
As  flores^que  no  campo  íempre  vejo, 
Sam  no  meu  penfamento 
Teus  olhos  dibuxados^ 
Com  que  citou  enganando  o  meu  defejo. 

Do  íriOjíScdoce  Tejo 
As  agoas  íc  tornaram 
Ardcntes,6i  falgadas, 
Dçípoys  que  minhas  lagrimas  canfadas 
Com  leu  puio  licor  fe  miílurárami 
Como  quando  miílura 

Hyppanisco^oExampéofu^agoapura. 
òeahino  mundo ouveíle 

Ouvircime  algum^hora 

Aíkntados  napraya  defterioi 

t  de  arte  te  diíleíTe 

Cmal  que  paflo  agora. 

Que  pudelle  movertc  o  pcyto  frio. 

Clquanto  defvario. 

Que  eítou  imaginando! 

]á  agora,mcu  tormento 

Nam  pôde  pedir  mais  ao  penfamento, 

Que  eite  fantifiar^donde  penando 

A  vida  me  referva. 

Querer  mais  de  meu  mal  íer  à  íoberba. 
^^  as  já  a  eímaitada  Aurora 


Fermofo  o  arvoredo,&  deleytofo, 

E^enfim  tudo  fermofo  co''©  teu  rofto 

Dcouro,&  rofas  compofto,&  claridade. 

Trazes  a  laudadeao  penfamento, 

Moftrando  em  hum  momento  o  roxo  dia, 

Com  a  dpce  armonia  nos  cantares 

Dos  paílaros  a  paies,que  voando 

Seu  paíloandambuícando  nos  raminhos 

Para  os  amados  ninhos,que  mantém 

0!grande,&  fummo  bem  da  Natureaia! 

Eftrapha  íutilezade  pintora, 

Que  matiza  em  hum-^hora  de  mil  cores 

O  Ceo,a  cerradas  floreSjmontej&  prado, 

OitempojàpaíTadoJquam  prelcnte 

Te  vejo  abertamente  na  vontade! 

Quam  grande  íaudade  tenho  agora 

Do  tempo,que  a  paftora  minha  amavai 

E  de  quanto  prezava  a  minha  dori 

Entam  tinha  o  Amor  mayor  poder, 

Quando  era  hum  fó  querer  nos  igualava: 

Forque  quando  hum  amava  a  quem  queria 

Logo  Eco  refpondia  de  aífey  çam 

No  brando  coraçam  da  doce  imiga. 

Nefta  amorofa  liga  concertavam 

OstcmposjquepaíTavamcom  prazeres 

Moftrava  a  flava  Ceres  por  as  eyras 

Das  brancas  fcmcnteyras  ledo  fruto. 

Pagando  feu  tributo  aos  lavradores; 

E  enchia  aos  Paiioies  todo  o  pradOf 

Palc 


144 


Rimas  do  Grande  Luis  de  CémSes. 


Palesdo  manfogado  guardadora 
HíãZéíiro,&  Flora  paíleando^ 
Os  carapos  eíinaltandode  buninas. 
Nas  fontes  criftalinas  crifte citava 
Narciío^qúc  indà  olhava  na  agoa  pura 
Sua  linda  figura,6c  delicada: 
M  as  Eco  namorada  de  tal  geílo, 
Com  pranto  manifefto,feu  tormento 
No  derradeyro  acento  lamentava. 
Alli  também  íe  achava  o  fangue  tinto 
Do  purpúreo Jacinto/&  o deftroço 
De  Adónis  bel  lo  moçojmorte  teai 
Da  bella  Citherea  tam  chorada. 
Toda  a  terra  cfmaltada  deitas  rofas. 

Hiam  Ninfas  fermoías  por  os  pradosj 
Eos  faunos  namorados  apòz  ellas, 
Moítrandolhes  capellag  de  mil  cores^ 
Ordenadas  das  flores,que  colhiam: 
As  Ninfas  lhes  fugiam  eípaotadaj. 
As  taldas  levantadas  poros  montes. 
Vrafc  a  agoa  das  fontes  eípalharfej 
Vertuno  transformarfe  alH  fe  viai 
Pomona^que  trazia  os  doces  fruito*: 
AiliPaíloresmuytos^que  tangiam 
Gaytas,que  bem  íe  ouviam, ík-  cantando 
Eítavam  enganando  as  fuás  penas, 
Tomando  das  Sirenas  o  exercício,  nassfi 

Ouviafe  Salicio  lamcntarfci 
Da  mudança  qucyxarfe  crua,8c  fea^ 
Da  dura  Galatea,tâm  fermofa: 


For  ventura  ellc  fentcjou  elle  entende 
Aquillo^quc  defende  o  íer  divino? 
Elle  ufa  de  contino  feu  oíficio, 
Quejá  por  exercício  lhe  hc  divido 
Danos  fruto  colhido  na  fazão 
Do  ferraoío  Vcraõj&  no  Inverno, 
Com  feu  humor  eterno  congelado 
Do  vapor  levantado  co'a  quentura 
Do  Sol,a  terra  dura  lhe  dà  alento. 
Para  que  o  mantimento  produ2ÍHdo 
Efte  lemprc  comprindo  feu  coftume; 
Aíli  que  nam  coníume  de  fi  nada, 
JNem  muda  da  paíTada  vida  hum  dedo; 
Antes  íempre  cltá  quedo  no  devido, 
Porque  cite  he  feu  partidOi&  fuaufançt 
E  nelleefía  mudança  he  mais  firmeza. 

Mas  quem  a  ley  deípre2a^&  pouco  eftima 
De  quem  de  là  de  fima  eilà  movendo 
O  Ceo  fublime^Sí  horrendo,©  mundo  puro 
Efte  muda  o  feguro,&  firme  cftado 
Do  Tempo  nam  mudado  da  verdade 
Nam  foy  naqUella  idade  de  ouro  claro, 
O  firme  tempo  charo,&  excellentc? 
Vivia  cntam  a  gente  moderada} 
Sem  fera  terra  arada  dava  pâõ 
Sem  fcr  cavado  o  chaó  as  frutas  dava» 
Nem  agoas  defejava^nens  quentura} 
Supria  entam  Natura  o  necelTario. 
Foys,quem  foy  taro  contrario  a  efta  vida? 
Saturno,  que  perdida  a  luz  fercna, 


E  dàmorteenvejofa  Nemorofo       <^Í\tq  im^     Cauíou,que  em  dura  pena  dcítcrrado. 


Ao  monte  cavernofo  fe  querelía 
Que  a  fua  Elifa  bella  em  pouco  efpaço'' 
Cortou  inda  em  agraço  Ah  dura  íortc» 
Oíimmatura  Morteique  a  ninguém 
De  quantos  vida  tem  ja  mais  pcrdoasi 
Mas  tu  Tempo,que  voas  aprclFado 
Hum  dcl:ytofoeftado'quam  afinha 
JNÍeíla  vida  mezquina  transfiguras 
Em  mil  deíaventuraSjôc  a  lembrança 
Nos  deyxaspòr  herança  do  que  levas! 
Affi  quefe  nos  cevas  com  prazeres, 
He  para  nos  comeres  no  melhor* 

Cada  vez  erri  peor  te  vai  mudando: 
Quanto  vens  inventando,quc  hojcaprova* 
Logo  aameohaá  reprovas  com  inítãeia 
Oiperverfa  incGfl:ancia,&tam  profana 
Detadacaufa  humana,enferior 
A  quem  o  cego  error  fempre  anda  anacxo» 
Mas  eu  de  que  me  queyxoPou  eu^que  digo? 
Vive  o  tempo  comigo?  ou  ellc  tem 
Culpa  no  maluque  vem  da  cega  gente? 


Foííedo  Ceo lançadOjOnde  vivia; 
Porque  os  filhos  comia,que  gerava 
Por  líío  fe  mudava  o  tem  po  igual 
E  m  mais  baxo  metal;&  affi  decendo 
Nosvcyo,em  fim  trazendo  a  eíte  eftado. 

Maseu,defacinado,adonde  vou?  ' 

Para  onde  me  levou  a  fantafia? 
Que  cftoa  gaitando  o  dia  cm  vãs  palayras? 
Quero  ora  minhas  cabras  ir  levando 
Ao  Tejo  claro,&  brandojporque  achar 
No  mundo  que  cmendar,nam  he  de  agora, 
Bafta  que  a  vida  fora  dellc  tenho;  ^ 

Com  meu  gado  me  avenho,&  eftou  contente 
Porém, fe  mr  nam  mente  a  vifta,eu  yejo 
Nefta  praya  do  Tejo  eítar^deytado 
Almeno,que  elevado  em  penifàmcntos, 
Ashorajj&  os  momentos  vay  gaitando: 
Voume  a  elle  chegíindo,lò  por  ver 
Sc  poderey  fazer,que  omal,que  fente 
Hum  pouco,íelhe  aufente  át  memoria 


Rim^s  do  grande 


A  L  M  E  N  O 


Oidíoce  penfamentoiò  doce  gloria» 
Satn  cltes,por  ventura,os  olhos  bellos^ 
Que  cem  de  meus  íentidos  a  vitoria? 

Sam,eltas(N  infamas  tranças  dos  cabellos 
Que  fazem  de  íeu  preço  o  ouro  alheo. 
Como  a  midcmimeímoíó  com  vellos 

He  efta  a  alya  coluna,o  lindo  efteo, 
Sultentador  das  obras  mais  que  humanas 
Que  eu  neftes  braços  tenho, 6c  nam  o  creo? 

Ah!  falfo  peníamento^que  me  enganas! 
Fazesme  pòr  â  bocapnde  não  devo, 
Com  palavras  dedoudO)OU  quafi  infanas? 

Comoa  alçarte  tâo  alco  aíli  me  atrevo? 
Taesaías  doutas  eu,ou  cu  mas  dás? 
Levaíme  tu  a  mim,ou  eu  te  levo? 

Naó  podcrey  eu  ir,ondd  tu  vas? 
Porém, pois  ir  não  polio,ondc  tu  fores, 
Quando  foi  es,Qão  tornes  onde  eftas. 

AGRÁRIO. 

0!quc  triíle  fuceíTo  foy  de  amores, 
O  que  a  efte  Paftoraconteceo, 
Segundo  ouvi  contar  a  outros  Paftores! 

Tanto,enfímjpor  íeu  danno  fe  perdeo, 
Qiie  o  longo  imaginar  em  feu  tromcnto, 
Emdefacino  Amorlho  converteo 

Oiforçofo  vigor  do  penlamento 
Que  pôde  em  outra  coufa  eftar  mudando 
Aforma,a  vida  o  íifo,o  entendimcnco 

Eftà  íe  un  trifte  annante  transformando 
Na  vontade  de  aquella,que  tanto  ancia, 
Pe  fi  a  propia  eííencia  traníportando. 

E  nenhuma  outra  couía  mais  defama 
Que  a  fi,íe  vc,que  cm  íi  ha  algum  fcntido, 
Que  deAe  fogo  infano  nam  le  inflama. 
Almeno,queaquieftátam   influído 
Nofantafticoícnho,queo  cuydado 
Lhe  trás  Tempre  ante  os  olhos  efculpido 

EJlàíelhe  pintando  de  elevadoj 
Que  tem  jàdafantaftica  Pallora 
O  peyto  diamantino  mitigado. 

Em  efte  doce  engano  eft:ava  agora 
Fallandocomoem  fonho,mas  achando 
Ser  ventoso  que  íonhava,grica^6í  chora. 

Dcfta  arte  andavam  fonhos  enganando 
O  Paftor  fomnolcnto,que  a  Diana 
II.  Part, 


Luís  de  Camões,  i^ 

Andava  entre  as  ovelhas  celebrando. 

Deita  arte  a  nuvé  falia  em  forma  humana 
O  vão  Fay  dos  Centauros  enganava. 
Que  Amor  quando  contenta^íempre  engana 

Como  eíle,que  comílgo  fo  falia  va 
Cuidando  que  faliava,de  enleado^ 
Com  quem  lhe  o  penfamenco  figurava. 

Nam  pôde  quem  quer  muyto  ícr  culpado 
Em  nenhum  erro,quando  vem  a  fcr 
Efte  amor  em  doudicc  transformado 
Amornam  íerá  Amor,íe  nam  vier 
Coradoudices^dcshonrasidifcençoens 
PazeSjguerras,  prazer, &  deiprazer, 

PcrigoSjlinguas  màs,murmurâçoen« 
Ciumcs,arroidos,compitencias, 
Temores,nojos,mortes,perdiçoens. 

Eftas  fam  verdadcyras  penitencias. 
De  quem  põem  o  defejo^onde  nam  deve 
De  quem  engana  alheas  innocencias. 

Masiflio  tem  o  Amor, que  nam  ícefcrevc 
Senam  donde  he  illícito,&  cuftofo 
E  donde  he  mais  o  riíco  mais  íe  atreve 

PaíTava  o  tempo  alegre,  &  deleitofo, 
OTroyanoPaftor,emquantoandava 
Sem  ter  alto  defcjo,&  perigofo 
Seus  furiofos  touros  coroava, 
.   Enos  alamos  altos  eícrevia 
Teu  nome(Enone^  quando  a  ti  íò  amava. 

Os  alamos creciaro,&  crecia 
Oamor^que  elle  te  cinha:íem  perigo 
E  fem  temor,  contente  te  íervia. 

Mas  deípoys  que  deyxou  entrar  coníigo 
llicito  deíejo,  &  peníamento. 
De  fua  quietaçam  tam  inimigo^ 

A  toda  a  Pátria  pozem  detrimentOi 
Com  mortes  de  parentes,  &  de  irmãosj 
Com  cru  incendio,&  grande  perdimento 

Nilio  fenecem  penfamentos  vãosj 
Triftesíer  viços  mal  galardoados. 
Cuja  gloria  íe  paíTa  de  entre  as  mãos 

Lagrimas,&  fufpiros  arrancados 
Da  alma, todos  fc  pagam  com  enganos? 
E  oxâlá  foram  muitos  enganados 

Andam  com  feu  tromento  tam  ufanos 
Que  gaftam  na  doçura  de  hum  cuydajo, 
Apoz  humaçlperança  muitos annos. 
£  tal  ha  tam  perdido  namorado 
,   Tam  contente  co*o  pouco,que  daria 
Por  hum  íò  volver  de  olhos  todo  o  gado. 
O     , '  Em  rodo  povoadOj&  companhia 
Sendo  aufentcs  de  íi  fe  vem  prefcntes 

X  Com 


j^G  Rimas  do  grande  Luis  de  Camões, 

Com  quem  lhes  pirta  fempre  a  fantaíia  Se  preguncares  porque  íàm'choradas 

C*hu  ce^to  nam  íey  que,andam  concentesj  Ou  porque  ranta  pena  me  coníume, 

E  logo  huní  nada  os  rcraa  ao  coutrarioj  Revolvendo  memorias  magoadas-, 
Detodoltr  humsDo  diiierentes.  Defque  perdi  da  vifta-oclaro  lume, 

Oiciransco  Amorlò  caio  vario!  E  perdi  a  elperaDça,&  cauía  delia 

Que  obrigas  a  hum  querer,que  fempre  feja  J^  Não  choro  porrazam,mas  por  coftumc 


De  fi  continuOjíSí  aípero  adverlanoi 
E  que  ou[t'hora  nenhuma  alegre cfteja, 

Senam  quando  do  íeu  deípojo  amado 

Sua  inimiga  eftar  triunfando  veja. 
Quero  tailar  com  eite,que  enredado 

NeítaccgueyraeíUíem  nenhum  cento. 

Acorda  ja,Paítorde(acordado. 

A  L  M  E  N  O. 

O»  Forque  me  tiraíle  hum  penfamcnto. 
Que  agora  cftava  os^olhos  dibuxando, 
De  quem  aos  meus  foy  doce  mantimento? 

AGRA  RI  O. 

Ncfta  imaginação eftàs  gaitando 
O  tempo,&  vida^AlmenoíPcida  grande! 
Nam  ves  quain  mal  os  dias  vas  pâíiaadof , 

jA  L  M  E  N  O, 

Fermofos  olhos, ande  a  gente, &  ande; 
Que  nunca  yos  ireys  defta  alma  minha. 
For  mais  que  o  tempo  corra,amortc  o  mãdc. 

AGRÁRIO. 

Qj-iem  podcrácuydar,quetam  afínha 
Se  perca  o curfo  âfli  do  íiío  humano, 
Quecorrepor  direyta,&  jufta  linhaíni  i  ítjoD 

Que  fejas  tam  perdido  por  teu  dano, 
Almeno  meu,nam  he,por  cerco,aviíOi 
Hcjíó  doudice  grande^grande  engano. 

|A  LM  E  N  O. 

Oi  Aj^rario  mcurque  vendo  o  doce  rifo, 
E  o  Eofto  tam  fermofOjComoefquivo^J  ?»0 
O  menos  que  perdi  foy  todo  o  fifo. 

E  nam  cntendOjdefque  fou  cativo, 
Outra  coufa  de  mijfcnam  que  morror   ^  msT 
Nem  ifto entende  bem  poys  inda  vivo  ^  "so^í 

Aafombra  defte  umbroío^Sc  verde  louro, 
PaíTo  a  vida,ora  em  lagrimas  canfadas 
Ora  em  louvores  dos  cabellos  de  ouro. 


Jamais  pude  co'o  fado  ter  cautellaj 
Nem  ouve  nunca  en  mi  contentamento, 
Que  nam  foífe  tocado  em  dura  eftrclla. 

Que  bem  hvre  viviaj&  bem  ifento. 
Sem  que  ao  jugo  me  vife  lometido 
Denenhum  amoroío  penfamento. 

Lembrame,amigo  Agrario,que  o  íentido 
Tam  fora  de  Amortmhajquemeria 
De  quem  por  clle  vja  andar  perdido. 

De  varias  cores  íempre  me  veítiaj 
De  boninas  a  fonte  coroavaj 
Nenhum  paftor  cantando  me  vencia. 

A  barba  entam  nas  faces  me  apontava; 
Na  luta  na  carreyra,cm  qualquer  manha 
Sempre  a  palma  entre  todos  alcançava. 

Da  minha  idade  tenra,em  tudo  eftranha, 
Vendo(como  acontece  Jafeyçoadas 
Muytas  Ninfas  do  Rio,ík  da  ^Montanha.- 

Com  pabvras  mímoraSj&  forjadas  < 
Da  lolta  liberdade,&  livre  peyto. 
As  trezia  contentes,&  engadas 

Mas  nam  querendo  Amor,quedcftegeyto 
Dos  coraçoens  andaííe  triunfando. 
Em  quem  elle  criou  tam  puro  efteytoj 

Pouco  a  pouco  me  foy  de  mi  levando 
Diflimuladamente  ás  mács^de  quem) 
Toda  efta  injuria  agora  eftà^vingando. 

AGRÁRIO. 

Defteteu  cafo  Almcno^eu  íey  muy  bem 
Oprincipio>&ofim,que  Nemoroío 
Contado  tudo  iíTo,&  mais,nie  tem 

Mas(querote  dizer}(e  eíle  enganoíb 
Amor  he  tam  uíado  a  defconccrtos, 
Que  nunca  amando  itz  paftor  ditofo: 

Já  que  nelles  eftcscafos  fam  tam  certos 
Porque  os  eftranhas  tanto  ,  que  de  magoa 
Tc  choram  valles,montcs,&  defertosí 

Vejotc  eftar  gaitando  em  vivafragoa, 
E  juntamente  em  lagrimasivencendo 
Agram  Sicilia  em  fogOjO  Nilo  em  agoa 

Vcjo,que as  tuas  cabras^nam  querendo 
Goftar  asverdes  ervas,re  cmmagrecem, 
As  tetas  aos  cabritos  encolhendo.  ' 

Ofi  campos  ^que  co'o  tempo  reverdecem 

Os 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Cambes, 


Os  olhos  alegrando  defcontentes. 
Em  te  veodo^parece^te  entriftccem. 

De  todos  teusamigos,&  parentes, 
Que  là  da  ferra  vem  por  conlolarte 
Sencin  Jo  na  alma  a  pena,que  tu  íentes; 
Se  querem  de  teus  males  apartarte, 
Dt^yxando  a  choçajôc  gado,vas  fugiudo, 
Como  cervo  fendo, a  outra  patte. 

Nam  vés  que  Amor,as  vidas  coníumido 
Vive  íó  de  vontades  elevadas 
No  falío  parecer  de  hum  gefto  lindo? 

Nem  as  ervas  das  agoas  defejadas 
Se  tarcaminem  de  flores  as  abelhas; 
Nem  efleamorde  lagrimas  caníadas. 

Quantas  vezes^pcrdido  encre  as  ovelhas, 
Chorou  Febo  de  Daphne  as  eíquivan^as. 
Regando  as  jíorcs  brancas, &  vermelhas? 

Quantas  vezes  as  afperas  rriudanças 
Ou  amorado  Gallo  tem  chorado^ 
De  quem  o  tinha  envolto  em  eíperança 

Eltava  otrilíe  amante  recoftado, 
Chorado  ao  pe  de  hum  freyxoo  triftecafo 
Que  o  fallo  Amor  lhe  tinha  dcltinado. 

Por  cUeo  íacro  Pindo,&  o  gram  Parnaío 
Na  fontcdeAganipe  deftinando 
Se  faziam  de  lagrimas  hum  vaio. 

O  intonfo  Apolio  o  vinha  aiU  culpando, 
Aíobeja  trifteza  perigoía 
Com  afperas  palavras  reprovando, 

Gallo,por que  endoudece  *que  a  fcrmofa 
N  infa,que  tanto  amaftc  defcubriodo 
For  falia  afè,quedava,&  mentirofaj 
Por  as  Alpinas  neves  vay  íeguindo, 
Outro  bem  outro  amor,outrQ  deíejo, 
Como  enemiga, enfim  de  ti  fugindo. 
Mas  o  roííero  Amante,quc  o  fobejo 
.  Mal  empregado  amor  lhe  defendia 
Ter  de  tamanha  fé  vergonha^ou  pcjO; 

Da  falfiíica  Ninfa  nam  fcntia, 
Senam  que  O  frio  do  gelado  Reno 
Cs  delicados  pés  lhe  oífenderia. 

Ora  ÍK  tu  vts  claro,aaiigo  Almeno, 
Que  de  Amor  os  defaltrcs  iam  de  forte, 
Qiic  para  matar  bafta  o  mais  pequeno; 

Porque  nam  poens  hú  freo  a  mal  tão  forte 
Que  em  eílado  te  pcem,que  fendo  vivo 
Já  nam  le  eltende  em  ti^vida^nem  morte? 
ALMENO. 
Agrário; fe  do  gcfto  fugitivo, 
Por  cafo  de  Fortuna  defaftrado, 
Algum'hora  dcyxar  de  fer  cativo; 

Ou  fendo  para  as  Urías degradado, 
.    ll.Part, 


147 


AdondeBorreastem  o  Oceano 
Co''os  frios  Hyperboreos  congelado; 

Ou  donde  o  Filho  de  Climene  infano, 
Mudando  acordas  gentes  totalmente^ 
As  terras  a  partou  do  trato  humano; 

Ou  íe  já  por  qualquer  outro  accidenrc» 
Deyxar  eílecuydado  tamdicofo. 
Por  quem  íou  de  íer  rrifte  tam  contente^ 

Eítc  rio,que  paíTa  deleytofo, 
Tornando  para  traseira  negando 
A  aNatureza  o  curfo  preíurofo. 

As  cabras  por  o  mar  iram  bufcando 
Seu  pafto;  &  andarfeàm  por  a  cfpeííura 
Das  ervas  os  Delfins  apacentando. 

Ora  fe  tu  ves,  na  alma  quam  fegura 
Deite  amor  tenho  a  té, para  queinfiíleg 
N  eíTe  confelhOj&  pratica  tam  dura? 

Se  de  tua  porfia  nam  defiftes, 
Vay.repaílartcugadoa  outra  parte; 
Que  he  dura  a  companhia  para  os  triftes. 
Huma  íò  couía  quero  encomendarte. 
Para  repoufo  algum  de  meu  engano. 
Antes  que  o  tempo,em  fim,de  mi  te  apaíte 
Que  íe  eíla  fera,q  anda  cm  traje  humano 
Por  a  montanha  vires  ir  vagando    íq  «  itri 
De  meu  defpojo  rica^ôc  de  meu  dano|      '  *^ 

Com  os  vivos  efpritos  inflamando 
O  9r,o  monie,&  a  ferra, que  comfigo 
Continuamente  leva  namorando; 

Se  queres  ccntentarmCjComo  amigo, 
Paffandojlhe  diràs.-Gentil  Paílora, 
Nam  ha  no  mundo  vicio  íem  caítigo. 

Tornada  em  duro  mármore  nam  fora 
A  fera  Anexarete^feamorofo 
Moftràra  o  roílo  Angélico  algum'hora 

Foy  bem  juílo  o  caíligo  rigurofo: 
Porém  quem  te  ama(Ninfa}nam  queria 
Nódoa  tam  fea  em  geílo  tam  fermofo. 
Tudo  farey,Almeno,&  mais  faria. 
Por  algum  dia  verte  defcanfado. 
Se  íe  acabam  trabalhos  algum  dia. 

Mas  bem  vcs,como  Febo  já  empinado 
Me  manda>que  da  calma  iniqua,&  crua. 
Recolha  em  algum  valle  omanfogado. 

Tu  neílá  fantafia  falfa,&  nua. 
Para  engano  mayor  de  teu  perigo^ 
Nam  queres  mais  que  a  fua. 
Voume  de  aquij  &  fique  Deos  comtigo 
E  ficarás  melhor  acompanhado. 
ALMENO. 
Elle  comtigo  và,como  com  igo 
Me  fica  acompanhando  o  meu  cuydado. 

Ti  EGLOGA 


Rimas  âo  grande  Lttis  de  Camões, 

Remeto  a  vòs,ò  Tágides  Câmenas; 
Q     (^     ^      YW  Que  eu,  demagoaynamponb  dizer  tanro: 

forque  cm  tamanhas  penas 
Me  canú  a  pcna,6c  a  dor  me  impede  o  canto 


14S 

E  G  L 

INTERLOCUTORES, 


ALMÈNO,  E  BE  LIS  A. 

'Dehayxe  dafeffm  de  Almeno  defcrenjeoT 

ahuma  T)onzela,6u  Ninja^que por  não 

ifjftnder  a  Cajttdaíte/e  converteo 

em  Arvore  como  de  'Daphne 

Ovtdío  Metham^ 

PAnadojàa]gumtempo,quieosamores 
De  Almeno  porfeu  mal  eram  paflados, 
Porque  nunca  AiriorcumprCjO  que  promete 
Entre  huns  verdes  ulmeyros  apartado, 
Regando  por  o|campoas  brancas  flores, 
Em  lagrimas  canfadasfe  derrete: 
Quando  a  linda  Paílon,que  compete 
Co'o  monte  em  al^pereza, 
Com  oprado  em  gentileza^ 
Por  quem  o  Paftor  crifteendoudecia^ 
Por  a  praya  do  Tejo  difcurria 
h  lavar  a  beatilha,ôc  o  trançado: 
OSoljàconfentiai 
Que  faiíTe  da  fombra  o  manío  gado. 

Já  acordado  de  aquelle  pcníamento. 
Que  cam  defacord  tdo  lempre  o  teve, 
Vio  por  acerto  o  bem, qucinccrto  tinha, 
E  porque  donde  Amor  a  mais  fc  atreve, 
Alli  mais  enfraquece  o  entendimento, 
JNam  lhe  íoubc  dizer.o  que  convinha. 
Como  homem  que  a  aprazada  briga  vinha^ 
A  quem  de^fóf  a  engana 
A  confiança  humana, 
Edelpoysvendoo  rofto,aqiiem  rcfiííe, 
Treme,&  teme  o  perigo,6í  nam  infiftci 
Já  fe  arrepcnde,a  audácia  lhe  falece^ 
Defta  arte  o  Paftor  trifte 
O  ufa,  recca, esforça  ^&  enfraquece. 
E  tendo  aíll  )à  atónito  o  fcntido, 
Cometco  com  furor  de/acinado, 
E  tirou  da  fraqueza  coraçam. 
Cometimento  foy  defcrperado: 
Quchumaíòíalvaçaõtcm  hum  perdido 
Perder  toda  a  efpcrança  à  falvaçam 
As  magoas^quc  paííàram,fediram: 
MasasqueÊUadizia^ 
Lembrandolhe,quc  via 
As  agoas  murmurar  do  Tejo  amenas, 


B  E  L  I  S  A. 

Que  alegre  cam pOj&:  praya  deleytofai 
Qiiam  faudola  faz  cita  efpeííura 
Attrmoíura  aDgclica,&  krtna 
Da  tarde  amenaiQuam  íaudoíamente 
A  íefta  ardente  abranda, fuípirando 
De  quando  em  quádo  o  vento  alegre^S:  frio 
No  fundo  rio  os  mudos  peyxcs  íaltanij 
Os  Ceos  íe  eímaltam  todos  de  ouro,&:  verde 
E  Febo  perde  a  força  da  quentura. 
Fora  efpeíTura  levam  paffeando 
O  gado  brando  ao  íoro  das  zanfoninas. 
Pilando  as  finas, &  fermolas  flores 
Os  guardadores,qUe  cantando  o  geflo 
Fermoío,&  honelto,dasPaíloras  que  amam. 
Por  o  ar  derramam  mil  íuípiros  vãos 
Hú  iou  va  as  mão$,lou  va  outro  os  rayos  belos 
Outrooscabellosdeouro,em  fom  íuave 
E  amorofa  ave  leva  o  contraponto. 

Mas  ó  que  conto,&  faudosa  hiftoria. 
Que  na  memoria  aquijíemeafferece» 
Se  nam  meefquecejàjdefíe  lugar 
Ouvi  foar  os  vallcs  algum  dia 
E  refpondia  o  Eco  o  nome  em  vão 
Num  coraçam jBeliía  retumbando. 
Eftou  cuidando,como  o  tempo  paíTa 
E  quam  efcafla  he  toda  alegre  vida: 
£  quam  cemprida,quandOihetrifte,&  dura 

Nefta  eípcfiura  longo  tempo  amey^ 
Se  meenganey  com  quem  do  peyto  amava 
Nam  me  peíaya  de  fer  enganada. 
Fuy  íalteada,en  fím^de  hum  pcnfamcnto, 
Que  hum  movimento  tinha  cafto,6f  fão: 
Convcrfaçâm  foy  fonte  defte  engano. 
Que  por  meu  dano  entrou  com  atalía  cor 
Porque  o  amor  na  Ninta,que  he  ícgura 
Entra  em  figura  de  vontade  hontíla. 

Mas  que  me  prefta  agora  dar  defculpa? 
Poys  fe  ouve  culpa,  foy  do  firme  Amor 
Sò  num  Paftor jque  nunca  Sol, nem  Lua 
Ou  ferra  algu  ma,dcíde  o  I  bero  ao  Indo, 
Outro  ram  lindo  viram^tam  manhofo, 
Nefteamorofoeftado,&  fé  que  tinha 
Nefta  alma  minha  tam  fecretamente. 
Vive  contente,amando,&encubnndo 
E lie  fingindo  mentirofus  danos^ 


Q-ie  fam  enganof;,que  nam  cuftam  nadaj 
Tendo  alcançada  jà  nocntendimenco 
A  fe,6í  intento  meu  íò  nelle  poílOj 
(Que  logo  o  roíto  ntioitia  os  coraçoens 
E  as  aíFcyçocns  co-'os  olhos  íe  praticam, 
Que  mais  publicam  muyto,quc  palavras^ 
Cum  luas  cabras  lempre  à  parte  vinha, 
Onde  eu  mantinha  os  olhos  do  defejo. 

Tu  maiiío  Tejo,&  tu  florido  prado 
Do  mais  paírado,eníim,4ue  aqui  nam  digo, 
Sefeys,me  obrigo,tejtemunho  certo 
Poys  delcuberto  vos  foy  tudo,6í.  claro, 
Oitcmpoavaroiòíorte  nunca  igual 
Quam  grande  mal  qucreysá  humana  gente 
Porque  hum  contente  eítado  afli  trocafte 
Vòs  me  tirafts  do  meu  peyto  líento 
O  penfamento  honellOjôi  repouíado 
j  a  dedicado  ao  Coro  de  Diana: 
Vos  numa  ufana  vida  me  pufeftcs, 
B  alli  quifeite,que  gozafTc  o  dano 
Do  doce  cngano,que  fe  chama  Amor^ 
Com  CUJO  error  paíía  va  o  tempo  ledo: 
E  vòi  tam  cedo  me  tiraes  hum  bem 
Qiie  Amorjá  tem  impreflo  na  alma  minha 
Defpoys  que  a  tinha  envolta  cm  efpcranças 
E  com  lembranças  triftes  me  deyxays. 
Mal  me  pagaysafé^que  fempre  tiye 
Mas  aíTi  Vive  quem  lem  ditanafce. 

Mas  jà  a  face  alegre  o  Sol  eícondc, 
E  nam  reíponde  alguém  a  tantas  magoas, 
Scnam  as  agoas,que  dos  olhos  íaem; 
As  iombras  caemjvamíe  as  alimárias, 
Fartas  das  varias  ervas,íeu  caminho; 
Buicam  íeu  ninho  os  pafiaros  fem  dono} 
Jâporo  fonoeíquccem  o  comerj 
Quero  elquecer  também  tam  doce  hiftoria 
Poys  he  mcmona,quc  trás  mor  coydado 
Ifto  he  pafladoi&  íe  me  deu  payxam, 
Os  dias  vam  gaftando  o  mal,ik  obemj 
L  naoi  convém  quererme  magoar 
Doque  emendar  nam  pofloja  com  magoas 

Nas  claras  agoas  defte  rio  brando, 
Que  vam  regando  o  valle  matizado, 
Elle  traçado  lavar  quero,enfim 
Qlic  jade  mim  me  eíqueço  co'a  lembrança 
Defta  mudança,queefquecer  nam  fey: 
Bem  queeu  verey  mudar  aopíniam, 
Poys  homens  fam  a  quem  o  efquecimcnto 
Dcprcfla  faz  mudar  o  peníà mento 


!#!, 


Rimas  do  grande  Luís  de  Camões. 


^4f 


A  L  M  E  N  O. 


Sea  vifta  nam  me  engana  a  fantafia 
Como  jà  me  enganou  mii  vezes^quando 
Minha  ventura  enganos  mcfofriaj 

Pareceme,que  vejo  efcar  lavando 
Huma  Ninfa  algum  vèo  no  claco  Tejo, 
Que  leme  eftáBeiíía  figurando. 

Nam  pôde  fer  verdade  ifto_,que  vejo: 
Qiie  facilmente  aos  olhos  fe  figura 
Aquillo,que  le  pinta  no  defejo. 
Oíacontecimentoiquea  ventura 
Me  dá  para  mór  danoiEfta  he,ccrtc: 
Que  nam  he  de  outrem  tanta  fermofura. 

Se  poderey  falarlhe  de  mais  perto? 
Mas  fugirmeha.Nam  pôde  feríquc  orio 
Para  acolá  nam  tem  caminho  aberto. 

Oltemor  grandeiògrandcdefvarioí 
Que  a  voz  me  impede,&í  a  lingua  negligente 
AíTi  meeítà  tornando  o  peyto  friol 

De  quanto  me  íobeja  cAando  aufentCj 
Que  para  lhe  falar  fempre  imagino, 
Tudo  me  falta^quando  cftou  prcfente. 
Oiaípeyto  íuave,&  peregrino! 
Poy$como?Tam  afinha  aíli  fe  efquece 
Huma  íé  verdadcyra,humamor  fino? 

B  E  L  I  S  A. 

O  altas  SemideasiPoys  padece 
Em  voíTo  no  a  honra  delicada 
De  quem  tamanha  força  nam  merece 
Ou  feja  por  vòs,Ninfas,rerervadai 
Oo  cm  arvore  alguma,ou  pedra  dura, 
Medeyxay  velozmente  teansformada. 

A  L  M  E  N  O. 

AhíNinfa,nani  te  mudes  a  figura: 
Nem  yòsjDeofas  queyrays,que  eu  feja  parto 
De  fe  mudar  tam  rara  Fermofura, 
Porque  a  quem  falta  avós  para  falarre, 
E  aquém  faltaodefpejodaoufadia, 
Também  faltaram  mãos  para  tocarte 

Que  me  queres^Almenoíou  que  porfia 
Foy  a  tua  tam  afpera  comigo? 
Minha  vontade  namjto  merecia. 

Secom  amor  o  fazes,cu  redigo, 
Que  amor,que  tanto  mal  me  faz  em  tudo 
Nam  pôde  ler  amor^mas  inimigo. 

Nam  es  tu  de  faber  tam  falto,^  rudo, 
Que  tam  fcm  fifo  amaíTef  ,como  anoaAc 

AL* 


t^o 


Rimas  do  Grande 
A  L  M  E  N  O. 


Onde  vifte  tu^Ninfa  amor  fefudo? 
Porque  jà  nam  te  lembra,que  folgaílc 
Com  meus  tormentos  triftes,&  alguma  hora 
Com  teus  íermoíos  olhos  jà  me  olhaíte? 
Como  te  efquece  jà^gcntil  Paítora} 
Qiie  folgavas  de  ler  nos  frey  xos  verdes, 
O  quede  tiefcrevia  cada  hora? 
Por  que  a  memoria  tam  á  preíFa  perdes 
Do  amor,quc  mollravas,quecu  natn  digo. 
Se  vós,  ó  alCQS  montes,  nam  diíTerdes? 

E  como  te  nam  lembras  do  perigo, 
A  que  fo  por  me  ouvir  te  aventuravas, 
Buícando  hOras  de  íeJia, horas  de  abrigo? 

Co'a  maçaã  da  diícordia  me  tirava? 
Qiie  a  venus,que  a  ganhou  por  fermofura. 
Tu, como  mais  fermoía,lha  ganhavas. 
E  efcondendote  logo  na  eípeíTura, 
Hiàs  fug  ndo,como  vergonhoía, 
Da  namorada,&  doce  travellura 

Nam  era  efla  a  maçaã  de  ouro  fermofa 
Com  que  encuberta  alll  de  aítucia  canta 
Cedipe  fe  enganou  por  cubiçoía 

Nem  a  que  o  curío  teve  de  Atalanta 
Mas  era  aquella  com  que  Galatea 
OpaltorcativoUjComo  elle canta 

Se  más  tençoens  puíeram  nódoa  fea 
Emnoíío  firme  amor  de  en  veja  pura 
Porque  i»agarey  eua  culpa  alhea? 

Quem  dcfta  fé^quem  defteamor  nam  cura 
Nunca  teve logey to  ocoraçam: 
Queoíirmeamorcom  a  alma  eterna  dura 

B  E  L  I  S  A 

Malconheces,  Almeno,humaâfcyçam; 
Que  íe  eu  deíTe  amor  t :nho  efqucciraento 
Meus  olhos  magoados  todiram. 
Mas  teufobejOj&  livre  atrevimento, 
E  teu  pouco  fegredOjdefcuydando^e  -jilpio^ 
Foy  cauíadcíle  longo  apartamento, 
Vés  as  Ninfas  do  Tejo^que  mudando 
Me  vam  jà  pouco  a  pouco,o  claro  gefto 
Noutra  mais  dura  forma  trafpaíTando. 

Hum  Í6  fegredomeu  te  manifefto; 
Que  te  quis  muyto  eraquànto  Deos  queriai 
Mas  de  pun  effeyçam,de  amor  honefto 

E  Poysde  tens  defcuydos,&ouradia, 
Kaceoiaiiiduí^âj&afpcra  mudança 
Folgo  que  muy  tas  vezes  to  dezu. 


Luís  de  Camõesl 

Ficate  embora,&  perde  a  confiança 
De  verme  nunca  maisjcomo  ja  vifte: 
Que  aíii  le  deíengana  hum*elperança 

A  L  M  E  N  O. 

Oíduro  apartamento!o  vida  triíle! 
O:  nunca  acontecida  defventura! 
Foys,como.?Ninfaiafli  te  delpediftc? 

Alíi  fe  ha  de  ir  tornando[ab!fortedura!] 
Ncíta  filvcílre,&  aípera  rudeza 
Tam  branda^Sí  excellente  Fermofura? 

Tua  nunca  entendida  Gentileza, 
E  teus  membros  a íliíe transformaram 
Negandofelhe  a  própria  natureza? 

Deita  arte  os  teus  cabellos  íe  tornaram? 
[Deyxando  jà  leu  preço  ao  ouro  fino] 
£m  íolhas^que  açor  tem  do  que  ne  gàraó? 

Se  cfte  confentímento  foy  diyinOj 
Confintame  também, que  perca  a  vida, 
Antes  que  a  mais  mt  obrigue  o  deíatino, 
Poys  íe  afortuna  fempre  embravecida 
Em  meu  tormento  tanto  íe  deímede, 
Nam  viva  mais  huma  alma  tam  perdida, 

E  vòs  feras  do  monte, poys  vos  pede 
Minha  pena  o  remédio  derradeyro, 
Fartay  já  de  meu  íangue  voíTa  fede 

Evós^Paílores  defterudoouteyro. 
Porque  a  todos  jcnfim^fe  manifefte. 
Que  coufa  he  amor  puro,&  vcrdadeyro 

Aa  fombra  deite  fúnebre  cipreíle 
Mefarcys  hum  Sepulcro  íem  arreo 
De  boninas^que  o  prado  ameno  vefte, 

Asdcfufadas  muficas  deOrfeo 
Aqui  me  cantareysj  &  dcílaíotte 
Nam  averey  enveja  ao  Maufolco. 

E  porque  a  minha  cinza  fe  conforte. 
Em  vo/Tos  metros  doces,&  fuaves, 
Asexequias  direys  de  minha  morte. 

Allirefpondei  amas  altas  aves^ 
Nam  módulas  no  canto,ncm  laícivas 
Mas,de  dor,ora  roucas,ora  graves, 

Nam  corrí'rám  as  agoas  fugitivas^ 
Alegres  por  aqui  mas  faudoías 
Que  pareça  que  vem  dos  olhos  vivas 

Naceràm  por  a$  prayas  deleytofas  ; 

Os  aíperos  abrolhos  em  lugar 
Dos  roxos  lirios,das  pudicas  rofas, 
Nam  trarám  as  ovelhas  a  paftar 
Derredor  do  fepulcro  os  guardadores} 
Poys  nada  comeriam  de  peíar 
Viràm  os  Faunos, guarda  dos  Paftores, 

Se 


Rimas  do  grande 
Sc  morri  por  amores  perguacandoi 
Keíponderam  os  Ecos: For  amores. 
Dos  que  por  aqui  forem  caminhando. 
Hum  a  pitafiocriíte  Icierái 
Que  efteja  minha  morte  declarando. 

No  tronco  de  alguma  arvore  cítara^ 
Numa  rude  corciça,penduradOj 
Eícrico  c'huma  fouce^ôc  alli  dirâ. 

Almcnofuy,Paílor  de  manfo  gado. 
Em  quanto  o  coníencio  minha  ventura, 
DcNint^asi&Paítores  celebrado. 

Se  algum  dia,  por  caio  na  eípeiTara 
Se  perder  o  Amor^Sí  aíFeyção, 
Tirem  a  pedra  delta  Sepultura, 
£  em  figura  de  ciaza  os  acharam, 

E  G  L  O  G  A   IV. 

INTERLOCUTORES, 

FRONDOSO  ,  E  DURIANO. 

Nejia  Egloga  /^.efcrka  em  os  primeyros  anttôs 

do  *F,  invoca  âjua  querida  comounica 

Muzaparajatr  bem  tíejie  Foema* 

C^  Antandoporhtim  valle  docemente 
^Defciam  dous  Paítorcs,quandoFcbo 
No  Rey  no  Neptunino  fe  eícondia: 
De  idade  cada  qual  era  mancebo, 
Mas  velho  nocuydado,&  deiconcente 
Do  que  lhe  clle  canfava  parecia. 
O  que  cada  hum  dÍ2Ía  , 
Lamentando  ícu  mal.feu  duro  fado^ 
Nam  ítu  eu  tam  oufado^ 
Que  o  pcrtenda  cantar  fem  voíTa  ajuda: 
Porque  íeaminha  ruda 
Fráuta  ,  defte  favor  voíTo  for  dina 
Pofloeícufar  a  fonte  CabaHina. 

Em  vòs  tenho  Helicon,tenho  Pegaíoj 
Em  vòs  tenho  Caliope^Si  ThaLaj 
E  as  outras  fete  irmaãs  do  tero  Marte: 
Em  vósdeyxou  Minervao  quevaliaj 
Em  vós  eftam  os  fonhos  de  Parnaío$ 
Das[Píeridai  em  vòs  fe  encerra  a  arte 
Com  qualquer  pouca  parte, 
Senhora jque  tne  deys  da  ajuda  voíTo 
Podeys  fazer  que  cu  poíTa 
Efcurecerao  Sol  refplandccente: 
Podes  fazer,que  agente 
Em  mi  do  gram  poder  voífo  íc  cípantcs 


Luh de  Camões,.  x ^ \ 

E  que  voílos  louvores  femprc  cante. 

Podeys  fazer  ^  que  creça  de  hora  em  hora 
O  nome  Lufitano,  6c  faça  enveja 
A  Eímirna,qde  Homero  fe  engrandece, 
Podeys  fazer  tambè,que  o  mundo  veja 
Soar  na  ruda  frauta,o  que  a  lonora 
Citara  Mantuana  ló  merece. 
Jáagora  meparcccj 
Que  podem  começares  meus  Paftores 
A  cantar  feus  amoresj 
Porque  inda  que  preíentes  nam  eftejam 
As  que  elles  ver  defejam 
Mudança  do  lugar  menos  de  eftado 
Nam  muda  hum  coraçam  do  leu  cuydado 

]  á  deyxâva  dos  montes  a  altura^ 
E  nas  íalgadas  ondas  fe  eícondia 
O  Sol,quando  Frondofo,&  Duriano 
Ao  longo  de  hum  ribeyro ^que  corria 
Por  a  mais  freíca  parte  da  verdura^ 
Clâro,íuâvej&  manío,todo  o  anno, 
Lamentando  leu  danOj 
Vmham  jà  recolhendo  o  manío  gado.* 
Hum  cftava  callado^ 

Emquanto  hum  pouco  o  outro  íe  qucyxava 
Apozelle  tornava 
Adizer  de  feu  mal  o  que  fentia; 
E  cm  quanto  eíte  falav^i  aquelle  ouyia. 

Vinhamfe  aíii  queyxando  aos  penedos 
Aos/ilveftres  montes,&  áafpercza, 
Que  quaíi  de  feus  males  fe  doiam 
Alli  asjpedras  perdiam  a  dureza} 
AUi  correntes  rios  eílar  quedos, 
Prontos  ás  fuás  queyxas  pareciam. 
Somente  as  que  podiam 
Eftes  malles  curar,poysoscaufavam^ 
O  ouvido  lhes  negavam, 
Por  perderem  de  todoa  eípcrança: 
Mas  clles,que  mudança 
De  amor  com  tantos  danos  nam  faziam. 
Com  ella&ifalando  inda,aíri  diziam, 

F^R  O  N  D  O  S  O. 

Ifto  heo'queaquelíaverdadeyra 
Fé,com  queteamey  lempre,merecia^ 
Sem  nunca  tedeyxar  hum  fò  momento? 
Como(cruel  Belifa)te  eíquccia 
Hum  maljcuja  eíperança  derradeyra 
Em  ti  fó  tinha  poílo  o  leu  aíTento? 
Nam  vias  meu  tormento? 
IMam  vias  tu  afè,com  que  te  amavK? 
Porque  nam  te  abrandava  i 

Efte 


3^2  .  Rimas  do  grandi 

Elte  amor^que,  me  tu  tam  mal  pagaíle? 

Mas  poysjá  medeyxafte 

Cc^a  eí  perança  de  ti  toda  perdida 

Perca  quem  te  perdeo,iambem  a  vida. 

D  U  R  I  A  N  O. 

Se  os  males>que  por  ti  tenho  íofrido 
[ó  SilvanajCm  meus  males  tam  conftante!] 
Quiíeíres,que  algum'hora  cediííera, 
Inda  que  qual  durifiimo  diamante 
Fora  o  teu  cruel  peyto  endurecido,  > 
Creo  jque  a  piedade  te  movera. 
Jâ  agora  em  branda  íera , 
Os  mootes  iam  tornados,&os  penedosj 
E  os  rios, que  eílam  quedos, 
Semiram  meus  fufpiroSjminhas  queyxas. 
Tu  íò,cruel,me  deyxas, 
Qiiees  mais  que  montes  A  penedos^dura 
E  fugitiva  mais,que  a  fonte  pura. 

FRONDOSO 

Onde  eftá  aquella  fala,que  foi* 
Sò  com  íeu  doce  tom, que  me  chegava, 
Avivarmc  os  cípiritos  canfados? 
Onde  eílà  o  oiharbrando,que  cegava 
O  Sol  refplandecente  ao  meyo  dia? . 
Onde  eftam  os  cabellos  delicados 
Que  ao  vento  efpalhados 
Eícureciam  o  ourOjami  matavam 
E  a  quantos  os  olhavam, 
Caufa vam  também  novos  acidentes? 
Porque.cruel,  confentes. 
Que  outro  goze  da  gloria  a  mi  divida? 
Perca,quem  te  perdeo,tambem  a  vida. 


Luís  de  Camões^ 

FRONDOSO. 

A  quemjBelifa  ingraía,te  ectregafte? 
A  quem  dèíleicruel,a  fcrmoíura 
Que  a  meu  tormento  fò^íó  fe  devia? 
Porque  huma  fèdeyxaftes,firme,&  pura? 
Porque  tam  fem  reípeyrometrocafte, 
Forquem  fò  nem  olharte  merecia? 
O  bcm^que  te  eu  queria, 
E  que  nam  perderey,lenam  por  morte 
Nam  hede  mayor  íorte. 
Que  quanto  a  cega  gente  eftima  &  preza? 
boa  tua  crueza 

Foy  niíto  contra  mi  endurecida. 
Perca,quem  te  perdeo,tambcm  a  vida* 

íD  U  R  I  A  N  O. 

Levafteme  o  meu  bem  num  fó  momento? 
Levafteme  com  elle  juntamente 
De  cobrallo  já  mais  a  confiança: 
Deyxafteme  em  lugar  delle  lòmentc 
Huma  continua  dor, hum  gram  tormento,' 
Hum  mal,de  que  nam  pôde  a  ver  mudança 
Tu, que  eras  a  elperan  ça 
Dos  males,que,cruel,tu  me  caufafte 
Detodotctrocafte 

Com  amor  conjurada  em  minha  morte. 
Porém  íe  a  minha  forre 
Confente,que  por  ti  fcja  cauíada. 
Morte  nam  foy  mais  bemaventurada. 


FRONDOSO. 


D  U  R  I  A  N  O. 


Nenhum  bem  vejo^  que  a  meu  mal  eípere, 
Sc  nam  foíTe  eíperar,que  morte  dura, 
Me  venha^enfim,a  dar  a  íaudadc, 
Vejofaltarmeatua  fermoíura^ 
A  vontade  mediziquedefefpere 
Contradizme  a  razam  eíla  vontade 
DÍ2,queemhuma  beldade, 
Em  quencí  moftrou  o  cabo  a  Natureza, 
Nam  ha  tanta  crueza. 

Que  hii  tam  conftante  amor  defprczar  queira 
E  íe  tam  verdadeyra: 
Mas  tu  que  de  razam  jà  mais  curaílc, 
Porque  era  darme  a  vida  ma  ticaíte. 


Nam  naceíle  de  alguma  pedra  dura; 
Nam  te  gerou  alguma  Tigre  Hircana^ 
Nam  te  criafte,nam , entre  a  rudeza 
A  quem^crueljíaiftedcshumana? 
No  Ceo  formada  foy  tal  fermoíura 
Onde  a  meima  brandura  he  natureza. 
Poys,logo,eíTa  dureza 
Donde  ceve  principio,ou  a  tomaft;e? 
Porque,dura  engeycafte 
De  hum  verdadeyro  amor,que  tu  bem  vias, 
A  fè^que  conhecias, 
Por  outra  de  ti  nunca  conhecida? 
Perca^quem  te  perdeo^tarabem  a  vida. 


i 


D  U  R  I  A  N  O. 

Vayíe  coVfeu  paftor  o  manfogado^ 
Porque  de  amor  entende  aquella  parte^ 


Qiie 


R imas  do  grande  L uis  de  Camôesl 
Que  a  natureza  irracional  lhe  enfina.*  A  mi  nam  me  fízeíte 

Oruftico  leam  fem  algum'arte, 


»53 


Do  natural  inílinto  fò  enfinado 

A  donde  lente  amofjlogo  íe  enclinâ. 

Etu,que de  divina 

Nam  tens  menos  que  VenuSiÔc  Cupido^ 

Forque  fe  quer  co^o  ouvido 

Hum  amor  veidadeyro  nam  focorres 

Ahiporquetenam  corrcf 

De  que  o  leam  te  vença  em  piedade» 

Se  Dam  te  vence  Vénus  na  beldade? 

FRONDOSO. 

Ami  nam  me  faltava jO  que  fe  preza 
Entre  Os  celtftes  Dcoú s,que  forn  aram 
A  tu  amais  que  humana feimofura. 
Em  irnm  os  voluntários  ceosfaltatami 
Eni  mi  íepreverteo  a  Natureza 
De  huma  cruel  fermola  criatura 
>la>,poys,Behfa  dura, 
Qu  j  do  mais  alto  ceo  a  nòs  viefte 
Eiu  t?u  peyto  celeíle 
Hum  tal  contrario  pode  a  pofcntarfci 
N  am  he  contrario  acharfe 
Tamanha  fé,tam  mal  «gradecida, 
Fcrca,quem^  te  perdeo  também  a  vida# 

D  U  R  I  A  N  O. 

Portianoyteercurame  contenta,* 
por  ti  o  claro  dia  me  aborrecej 
Abrolhos  me  parecem  frcfcas  flores: 
A  doce  Filomela  me  entriltece, 
Todo  contentamento  me  atormenta 
Com  acontemplaçam  de  teusamores; 
Asfeftasdos  Paftores, 
Que  podem  alegrar  toda  a  triíleza. 
Em  nri  tua  crueza 

Fa7,queoiTial  cada  hora và dobrando. 
OjCruclíaté  quando 
Ha  de  durar  tm  ti  tal  penfamento, 
E  avida  em  m!,que  íoíre  tal  tormento? 

FRONDOSO. 

Fugifte  de  hum  amor  tam  conhecido; 
Fugiftedehuma  té  tem  clara, &  firme^ 
E  íeguiíle  a  quem  nunca  conheceftc-, 
Nam  nor  fu^ir  de  amor,rtia«  oor  fugirmcí 
Poysbem  vés  quanto  cu  tinha  merecido 
EHe  amor,quc  tu  a  outro  concedeftc, 

iLFâit. 


Alguma  femrazamjqiie  bem  conheço, 

Que  tanto  nam  mereço; 

Fizefteaa  aquelle  bem  firme^&  íincéro 

Que  íabes,que  te  quero, 

Em  lhe  tirar  a  gloí  ia  merecida, 

Ferca,quem  te  perdeo,tambem  a  vida 

D  U  R  1  A  N  O. 

Crecc  cad^hora  cm  mi  mais  o  cuydadq 
E  vcjo^que  em  ti  crcce  juntamente 
Cad^hora  roais  de  mi  o  eíquecimcnto^ 
OiSilvana  crueliporque  confente 
EíTe  peyto  fermoío,&  dilicado. 
Que  teefqueçâ  hum  tam  aípero  tormento? 
Tal  aborrecimento 
Merece  hum  capital  teu  inimigo^ 
Nam  cu,que  fò  comigo 
Eftou  con tente, &  nada  mais  defejõ} 
Sealgum^hora  te  vejo. 
Tu  es  hum  íò  meu  bem^huma  fÓ  gloriaj 
Qus  nunca  fe  me  aparta  da  mcmoriat 

FRONDOSO. 


'v-^J 


OlhoSjque  viram  tua  fermofuta; 
Vida,que  (ó  de  verte  fe  íoftinhaj 
Vontade^que  cm  tieftava  transformada^ 
Alma,que  eíTa  alma  tua  em  fi  íó  tinha^ 
Tam  unida  comfigo,quantoa  pura 
Alma  co'o  débil  corpo  eft  àliadaj 
E  que  agora  apartada 
Te  vé  deíi  com  tal  apartamento> 
Qual  fera  leu  tormento? 
Qual  fera  aquelle  mal, que  tem  prefente? 
Mayorhe^queo  queíente 
Otnftecorpocm  ultima  partida, 
perca  quem  te  perdeo,tambem  avidâi,' 

P  U  R  I  A  N  O. 

Regendo  era  outro  tempo  o  manfo  gâdoj» 
Tangendo  a  minha  fr^uta  neftcs  vtles, 
PaíTava  adoce  vida  alegrtmeute; 
Namílentia  o  tormento  deites  mal  esj 
Menos  fenria  o  mal  deíle  cuydado ; 
Quetudoentam  em  mim  era  contente* 
Agora  »^am  fomente 
Deíla  vida  (uave  me  apar  tft ei 
Mas  outra  me  deyxafte^ 

Que  ao  duro  maLquc  finto  cá  nopeyío> 

—  ^  _    r  j        j^^ 


ii 


Metemjà  tsm  affeyto 

Que  fiDtojà  por  gloria  a  minha  peni: 

Por  natureza  o  mal, que  me  condena. 

FRONDOSO. 


Rimas  do  grande  Luís  de  Camots". 

D  U  R  I  A  N  O. 


Juntamenfe  viver  compridos annps. 
Os  Fidos  te  concedam^que  quiíeram 
Ajuntarte  com  ti*!  contí^niíimento. 
Poysosbens  para  ti  todos  naceram, 
JNaçeram  para  mi  todos  os  <Íanos,  •  fi«5*iO 


Entam,cruel,veràs,fe  te  merece 
Com  tamanho  dcíprezoíer  tratada 
Hum'alma,qoc  de  amarre  fó  fe  preza 
Mas  como  poderás  fer  desprezada 
Se  omenos  que  em  ti  for  fe  aparece, 
PòJe  abrandar  dos  montesa  afpercza? 
Porque  feaNaturcza 
Em  ti  o  remate  poz  da  farmofura 


'Logra  tu  tua  gloria,eu  meu  tormento»  oJ37  |   Qual  fcrà  a  pedra  dura; 


l^enhiiju  apartamtjntOj 

Belifa,mefarà  deyxar  áe  amarce; 

Porque  em  nenhuma  p^rte 

Po.deràs  nupça  eítar  fem  mi  hum'hora» 

Confcnte,  poys  agoraj 

Que  em p a g9  deita  fècam  conhecida, 

Perca  quem  te  pcrdeo,t^mbem  a  viua. 

D  U  R  I  /no. 

Vcjateeu,çrua,amar  quem  tedefame 
Porque  íaybaSjO  que  heíer  amada 
Dequem  tantoabàrrecesiôí  deíprewí 
Vcj  Ate  eu  Ter  inda  deíprezada 
He  quem  ti^  mais  defej^sr  que  te  ame, 
Porque  fintas  cm  ti  tu^s^  çfwezas; 
Sintds  tuas  durezas, 
E  quancQ  pòic  o  feueruel  effeyto 
Num  cor%çam  íogeyto: 
Porqu -cm  íçntÍQdoomal,que  ílnto agora 
Eípéro,qi]e  algum^hora 
Faça  o  teu  prppio  mal  de  mi  iembrartCj 
J  á  que  nam  pode  o  mc^  eunca  abf andarte. 
<•  - 

FRONDOSO. 

Mil  annç>s  dç  tormeqco  tue  parece 
Cad*hofa,qujíeTi  ct,lemelperança 
Vivode  pod(íC«i*'íí3tArn^r  a  verte. 
A  vida  fò  me  dà  tun  lernbrançaj 
A  v ida^fôbpe: tudo  me  (snt rtítccei 
A  vida  antes  pcrdera/que  perderte 
Mas  eu  fe  por  quercrte, 


Hum  btip  que  emti  fó  tem  íeu  firme  aíTento,    Hm  fi  te.tem  prefenrc. 


Que  a  teu  valor  refiíla  brandamente? 
Que  fará  a  fraca  gente, 
Se  a  humano  parecer  naó  íèdefendej 
E  a  meíma  Vénus  Deofa  ao  teu  fe  rende? 

.FRONDOSO. 

E  poys  fé  verdadfyra,amor  perfeyto. 
Tormento  defigual,&  vida  trifte. 
Junta  com  hum  ccmtinuo  fofrimeoto, 
E  hum  naal,em  queo  maItodo,en  fim  côfiftc 
Nam  puderam  mover  teu  duro  peyto, 
Amoíira  fe  quer  contentamento 
De  ver  o  meu  cormentój 
Antes  tudo,íoberba,defprc2aftc 
E  a  outrem  te  entregaíle, 
Pomada  me  ficar,em  qu«  cíperacci 
Senam  quando  acabafife 
A  vida  a  peíarjmeu  já  fam  comprida, 
Pcrca^qucm  te  pcrdeo^tambem  a  vida. 

D  U  R  I  A  N  O. 

Longo  curfo  de  tempo,&  apartado 
Lugar^a  hum  coração.que  vive  entregue, 
Nam  podem  apartar  de  íeu  intento. 
Porque  foges,cruel^a  quem  te  íegue? 
Porque.íeguesem  vaõeffc  cu y dado, 
Poys  nunca  eílás  fem  mim  algum  momento 
Nenhum  apartamento, 
Inda  que  a  alma  do  corpo  fcoQeaparte> 
Poderás  jà  auíencarte 
Deílâ  alma  trille,que  continuamcatc 


Padeço  tal  torment 

Qiie  ef;5^jiafà  de  ti, quem  te  defama. 

Ou  quem  ao  menos  te  ama 

Com  algum  falíp  amor,ou  fé  fingida? 

Perca,qutíra  te  petdco,taaibem  a  vida. 


Torna,cruel;nam  fujasa quemte anja; 
Vem  a  dar  vída,oumorte,a  quem  techama 

A  noytecfcura,trifte,&tenebrofa, 
Que  jà  tinha  eftcndfdo  o  negro  manta 
De  efcuridade  a  terra  toda  enchendo^ 
Fez  pòç  A  efte«  PaAores^fiai  ao  cjinto^ 


Rimas  do  Grande 
Que  ao  longo  da  ribcyrâ  deky  tofa 
Vinham  feu  manío  gado  recolhendo. 
Scaquil!o»que  eu  pertendo 
X)  lie  trabalho  aver,que  hc  todo  voíTo, 
Scnhora,alcan<jar  pollb; 
Jslam  fera  muyto  aver  cambem  a  gloria^ 
E  o  louro  de  vitoria, 
Que  Virgílio  procura^Sc  aver  pertende^ 
l^oys  o  mcímo  V  irgilio  a  vos  fe  rende, 

"  E  G  L  O  G  A   V. 

PASTOR  SOLO-l 

:  Nefta  Egloga^ou  Solilóquio' entreduz  o  T»\ 

hum  ^aftor  ]h  namorado ^  &  queyxozo 

dos  rigores  áejua  amada ^ 

A  [Quem  darey  queyxumcs  namorados 
Do  meu  Paftor  queyxofOjSí  namorado? 
Abranda  voz, íufpiros  mogoados, 
A  caufa  porque  na  alma  he  magoado, 
De  quem  ferám  íeus  males  contolados? 
Quem  lhe  fará  devido  gafalhado? 
Sò  vos, Senhor  famofo,&  excellentc, 
Efpecialem  grâçasencrea  gente. 

Por  partes  miUançando  a  fantafia, 
Eufquey  na  terra  Eftrclla,que  guiaíTe 
Meurudoverío^em  cujaconrípanhia 
A  farira  piedade  fcmpreandaííe 
Luzenre,&  clyra,como  aluzdodia, 
Que  o  rudo  engenho  roeu  me  alumiaíTci 
E  em  voíTas  perfeyçoens,gram  Senhor,vejo 
Ainda  àlcm  comprido  omeudeíejo. 

'  A  vos  íc  dam  a  quem,juhto  fe  ha  dado 
Brandurn,manridam,engcnho,&  arte 
De  hum  eíprito  divino  acompanhado, 
Dos  íobrchumanos  hum  em  toda  parte. 
Em  vòs  as  Graças  todas  íe  ham  juntadoj 
De  vós  em  outras  partes  fe  reparu'. 
Soy :  claro  rayo,íby:i  ardente  chama; 
Gloria^^  louvor  do  Tcmpc  :aías  da  Fama 

Em  quanto  eu  aparelho  hum  novo  efprito 
E  voz  de  Cifne  tal  o  ir>undo  eípante-. 
Com  quedevòsjSenhf  r,emaito  grito 
Louvores  milem  toda  parte  cante: 
Ouvi  o  canto  aí»rf  íte  em  rronr o  efcrito, 
Entre  vacas,&  gado  petulante: 
Qúe  quando  tempo  for  em  melhor  modo 
Ha  de  me  ouvir  por  vòs  o  mundo  todo. 

^    AsvaãsquerellastbrandasAamotofaSi 
II,Part, 


Luís  deCamoês^ 


J55 


Sejam  de  vòs  tratadas  brandamente: 
Verdades  da  alma  pouco  venturofas^ 
feaidascomfufpiros  vívo.6c  ardente. 
Em  voílas  mãos  íc  entreguam,valerofaSj 
Porqueao  futuro  vivam  entre  a  gente^ 
Chorando  feropre  a  antigua  crueldade 
Para  mover  as  alraasa  piedade. 

Já  declinava  o  Sol  contra  o  Orientei 
E  o  mais  do  roxo  dia  era  paíTado. 
Quando  o  Paftor  co*o  grave  manque  fenrc 
Por  dar  alivio  em  parte  a  ícu  cuydadoj 
Se  queyxa  da  Paftora  docemente, 
Cuydando  de  ninguém  fer  eícutador 
Eu^que  efcutey,num*arvore  efcrcvia 
Asmogoas,quecantou;&  aíTidczia. 

Ou  tu  do  monte  Pindafo  es  nacida. 
Ou  marmor  te  pario  fermofa^&  dura: 
Nam  pôde  fèr^que  foíTe  concebida 
Dureza  tal  de  humana  criatura: 
Ou  quiça^quees  em  pedra  convertidas 
Ou  tens  da  natureza  tal  ventura: 
Porém  nam  fez  em  ti  boa  impreíTam 
Só  de  mamor  tornarte  o  coraçam. 

Jàjjà  com  minha  vos  rouca^ôc  choroía      { 
A  gente  mais  auftéra  moveria; 
E  com  efta  corrente  lagrimola 
Os  tigres  em  Hircania  amanfaria^ 
Sc  nam  foíTes  crucl^quanto  fermofa,' 
Meu  longofuípirar  te  abrandaria 
Mas  fufpirar  por  ti, mas  bem  quererre,' 
Que  farám  Mais,q  mais  cndurecerte? 

Se  deyxàras  vencer  a  crueldade 
Detuatam  perfcytafermoíura, 
Hum  pouco  virss bem  minha  vontadcj 
E  viras  a  fé  minhajlimpa,6í  pura. 
Por  venturajque  ouveras  já  piedade       q 
E  tivera  eu  quiçà  melhor  ventura 
Mas  nunca  achou  igual  tua  belleza  "^ 

Senam  íe  foy  em  ti  tua  dureza. 

Humbronzejâabrandára^que  nam  fcnte» 
Eíte  meu  grave  maljegundo  he  forte 
Se  decera  do  Inferno  ao  Polo  aodente, 
A  piedade  movera  a  propia  Morte, 
PoySjíe  huma  gota  de  agoa  brandamente 
Torna  brando  hum  penedo,duro,&  forte. 
Tantas  lagrimas  minhis  nam  f.  ràm 
Huni  pequeno  final  num  coraçam? 

Na  teíla  fonte  viva  te  n lio  de  agua, 
Que  por  meus  olhos  triíics  fe  derrama: 
E  no  peyto  de  fogo  viva  fragoa, 
Que  tudo  em  ficonverte^tudo  inflama: 
Amor  em  deiradcr,por  mayor  roagoa» 
^      ""  Vij  Voando 


1^6 


Voan  lo  mais  acende  àardence  chana. 
Se  queres  ver,fe  ardentes  íam  íeus  nros 
Olha.íe  iam  ardentes  meus  íuípíros. 

•Quando  grica»&  rumor  grande íe  Tente 
Porque  fogo  íe  atea  em  cara,ou  torre, 
De  pura  com payxamvay  toda  3  gente, 
i^gua  ao  fogo  gritando  jík  cada  hum  corre. 
Dellaâiíte  anda  o  meu  peyto  é  chama  ardéte 
E  com  a  agua  dos  olnos  fe  íocorre: 


Rimas  do  Grande  Luis  de  Camoes\ 


Com  cujas  íombras  frias  já  folgaílêj 
Agora  triíle,ercuro,he  já  tornado. 
Que  todo  o  bem  com  tigo  nos  levafte 
Eras  tu  nofTo  Sol  mais  deíTejado: 
Nam  temos  luz,defpoys,quc  nos  deyxaíte 
Torna, meu  claro  Solj  torna  meu  bem] ' 
Qualheojefué,  quetc  detesn? 

Deípoys  que  dcílc  vaile  te  apartafte, 
Nam  pacejá  algum  gado  com  íecura 


Que  quem  meabrara^outra  agua  me  deféde    Secoufeo  campo  des  que  lhe  negafte 


Porqaccom  erta  o  fogo  mais  íe  acende. 
Quando  vemos,que  láe  là  no  Oriente 
O  Soljícu  curíoantiguo  começando, 
Fermofo,intenfo,puro,refulgente, 
O  monte,o  campo,o  mar,tudo  alegrandO) 
Quanciode  nóvfecíconde  no  PonentCi 
E  em  cA-itras  terras  íae  alumiandOj 


Dos  teus  fermofos  olhos  a  luz  pura, 
Secoufe  a  fonte,donde  jà  te  olhaíte. 
Quando  mcnoSjque  agora  afpcra,&  dura: 
Nega  fero  ti  a  tcrra,ouvindo  gritos, 
A  as  cabras  pafto,5f  leytc  aos  cabritos. 
Sem  ti  doce  cruel  minha  enemiga, 
A  clara  luz  efcura  me  parece: 


Sépre  jemq4.iântovay  dando  ao  mundo  giro    Efte  ribcyro,quando  a  dor  me  obriga,' 
Choram  por  ti  meus  olhos,8c  eu  íuípiro  Com  meu  chorar  por  ri  contino  crece. 


Caàíinha  o  dia  todo  o  caoiinhant 


*-» 


Nam  ha  fera,a  que  a  fome  nam  perfigàj 


E,eníim,lhe'chega  a  noyte,em  que  deícança;    Algum  prado  fem  ti  |à  nam  florece: 


Taobalha  na  tormenta  o  navegante, 
Tra2!  he  a  clara  maníiaâ  feliz  bonança. 
Recobra  o  fruto  fcrtil>&  abundante. 
Da  terra  o  lavrador, Te  nellacança: 
Mas  eu  de  mcLícuydado^Sc  mal  cam  forte^ 
Tormento efperoíójfo crua  morte. 
Deouvicm.ettdannoasroíasmatutinas> 
Condoídas  le  cerram  Í€em  urchecem: 
Com  meu  íuípiro  ardente  as  cores  finas 
Perdenioeravo,oliriOj8c  nam  ftorecem. 
Co*a  roxa  Aurora  as  paíhdas  bomnas, 
Em  lugar  de  alegraríe,reentriítecem: 
Deyxani  feu  cantoProgne,&  FilOmenaj 
Que  mais  lhes  doeique  a  íua,a  minha  pena» 
Refpondc  o  mo nre  concavo  a  meusays, 
Etu,como  áfpid,  cerraslhe  o  ouvido; 
Os  indómitos  feros  animays^ 
Sem  humano fentir,moílram fentido: 
Mas  em  ti  minhas  dores  defiguaes 
Nunca  movem  o  peyco endurecido: 
Pormuytoque  te  chame, nam  reípondes 
E  quant-j-ra.íis  te  buíco^mais  te  eícondes 

Naquella  parttí  donde coltumavas 
Apacent^r  meu<!olhosSz  teu  t^ado 
Allí  donde  mil  vezt;s  me  moftmvas 
Que  era  o  Paílor  deti  mais  deíejadoj 
Vezes  mil  te  bu^quey,pOf  ver  fe  davas 
Algum  breve  dc'fcanro,a  rneii  cuy  iado: 
Bufcoteemvâõno  valleem  vão  nomontej 
Qual  o  ferido  cervo  bufca  a  fonte» 
.  Eíle  lugar  de  ti  defaropAradv) 


Cegos  eítam  meus  olhosjnada  vem, 
Porque  nam  podem  ver  leu  claro  bem.' 

O  campo  como  de  antes  nam  feeímaita 
De  boninas  azues,branças,vermelhas: 
Falta  agua  ao  paíto,&  fentem  da  agua  a  faíra 
As  cândidas  pacificas  ovelhas: 
Bem  conhecem  tambem,queo  eco  lhes  falta 
As  doces,&  íolicitas  abelhas: 
Com  lagrimas^que  manam  dos  meus  olhos 
A  terra  nos  produz  duros  abrolhos. 

Torna, poyj,já  Paftora^ao  noíTo  prado 
Se  reílituir  lhe  quf^rcs  a  alegria: 
Alegrarás  o  valle,  o  campo,o  gado, 
E  aqucUe  efpelho  teu  da  fonte  fria, 
Torna^tornaimeu  Sol  tam  dcfejado 
Farás  a  noyteefcura  claro  diaj 
E  alegra  ja  efta  vida  mogoada, 
Em  que  fó  tua  aufencia  he  Parca  irada^ 

Vem  como  quando  o  rayo  transparente 
Defte  nofío  O  nzonte  que  cfcondido 
Deyxa  hum  certo  temor  à  mortal  gente 
CaUlavJo  de  ver  o  Orbe  eícurecido: 
E  quando  torna  a  virclaro,&  luzente. 
Alegra  o  mundo  todo  cntriíiecido: 
Que  affi  he  para  mi  tua  luz  pura 
Cíf^ro  SoljComo  a  aufencia  noyte  efcuta, 

Mastuefquecidajá  do  bem  p'^ííádo, 
E  do  primeyro  amorique  me  moftrate, 
Teu  corsçam  de  mim  tens  apartado, 
Nam  menos  que  do  valle  te  apartafte,' 
Nam  te  quero  cu  a  ti  mais,que  a  meu  gado? 

Nam 


Rimas  do  grande 
Ním  foueu  mefmo  aqucIÍe,quetuamafteí 
Oode  o  meu  erro  viílCjOu  deívario^ 
Que  pôde  merecerrehum  taldeíyio? 

JBsm  vés,qlie  por  Amor  íe  mov^  tudo, 
E  que  delle  nara  ha  qnem  feja  iíentoj 
O  msisfimples  animal, mais  baxo,&rudo^ 
O  de  mais  levanudo  peníamento: 
Debaxodaagua  fria  o  peyxc  mudo 
Também  là  tem  de  ardor  feu  movimento: 
Foys  as  avc$,que  ao  ar  cantando  voam, 
Nam  menos  humas  de  outras  fe  affeyçoam. 

A  muílcado  leve  paíTarinho, 
Que  Tem  concerto  algum  íoltaj&  derrama 
De  hum  raminho  faltando  a  outro  raminho^ 
Moftra,que  por  amor  íuípira^&  chama: 
Em  quanto  no  fecreto  amado  ninho 
Nam  acha  aquelle,q  íò  bufca,&  ama,- 
No  canto  a  nós  alegre  trifte  chora, 
Porque  teme  perder  aquém  namora, 
il  feraj,qucmais  feraj&o  leam, 
S.mpreachâ outro  leam^fempre outra  fcra^ 
Em  quem  pofia  empregar  huma  affeycão^ 
Que  o  con  verfar  no  pcy  to  íeu  lhe  gera » 
Também  íabefentirfua  payxam, 
Tambcm  íuípira^morrejdeferpcm, 
Acena^íalca,bradà,ferve,&  gemcj 
E  nam  temendo  a  nada,a  Amor  fò  teme 

O  cervo,quee(condidoj&emboícadO| 
Temendo  o  cobjçolo  caçador, 
Eftà  na  íeiva,monre,bofque,ou  prado 
Alli  dorideanda,&  vive.  vive  Amor; 
Dcteniorjôc  de  amor  acompanhado. 
Com  juita  caiiía  amor  tem^Sí  temor.* 
Temor  a  quem  paraferillo  vinhaj 
Amor  a  quem  jàjjà, ferido  o  tinha. 

Poyí>,<eafefainfcnfivel,quenamrente 
Também  fence  de  amor  afrecha  dura. 
Porque  a  ti  nam  te  abranda  hum  fogo  ardéte 
Que  procede  da  tuaícrmolurai» 
PorqueeícondesaluzdoSol  à  gente 
Que  neíles  olhos  trazes  beUa,&  pura? 
Mais  pura, mais  íuave,mais  f^rmoa, 
Qiíelirio,quejazmim,que  cravo^&rofa. 

Pòdíí  ícfjíe  me  viíTes^que  íentiras 
Ver  liquidar  hum  peyro  em  inlle  prantoj 
E  bem  pouco  fizeras, íe  me  viras, 
Foy*5  eu  ró  por  te  ver  fuípiro  tanto: 
As  magoasjos  íurp!ros,que  me  ouviras 
Te  puderam  mover  a  grande  efpanto, 
A  dor^a  piedade,a  fenrimento, 
Ea  mais,que  para  mais  he  meu  tormento^ 
Gs  penfamentosyaós^que  o  vento levc^ 


/ 

Luís  de  Camões.  t^f 

O  fufpirar  em  vaô  também  ao  \rêDCOí 
Hum  efperar  á  cal  ma, à  chuva  já  neve, 
E  nunca  poder  verte  hum  íó  momento 
Tormento  he,que  fomente  a  ti  fe  deve* 
Efe  pôde  inda  a  vfir  mayor  tormento. 
Quem  te  viOjÔc  fe  vê  de  tiaufent:, 
Muyto  mais  pafíarà  mais  levemente. 

Faz  móíia  apedra  dura  em  íua  durezâi 
Com  a  agua,que  lhe  toca  brtndamentt: 
Abranda  o  ferro  forte  a  fortaleza, 
Se  lhe  toca  também  o  fogo  ardente 
Em  ti  fó  defconhcço  a  N a  tureza, 
Que  a  fer  de  pedra,ou  ferro  totalmente, 
Já  teu  peyto  cruel  fora  desfey  to 
Das  agoas,&  das  chamas  do  meu  peyto2 

Quando  a  fermoía  Aurora  moílra  a  íronCe 
Alegra  toda  a  terra  vendo  o  dia: 
Quando  Fcbo  aparece  no  Orizonte, 
Manifeíla  também  grande  alegria: 
Contente  pace  ogado  ao  pé  do  monte^ 
Contente  a  beber  vay  na  fonte  fria: 
Eftá  tudo  contente, alegre  fudO; 
Eu  lójfò  penfativo,riiAe,&  mudo. 

Se  jâ  da  alma,&  do  corpo  tens  a  palmai 
E  ao  corpo  fem  alma  nam  teys  dój  * 
Ha  dò  do  corpo  fó,que  elia  fem  alma, 
Poys  fem  alma  nam  vive  o  corpo  fò. 
Nas  chamas, &  no  ardorjno  fogo,&  cfJmas 
Na  afFeyçam,no  querer,eu  fou  hum  fo: 
Nam  acharás  vontade  tam  cativaj 
Nem  outra  como  a  tua  tam  efquiva. 

Se  te  apartas  por  nam  ouvir  meu  rogo^ 
Onde  eiliverest'hey  de  impertunat} 
Pofto  que  vàs  por  agua, fcrro,ou  fogo, 
Comtigó  em  toda  parte  me  has  de  achar: 
Que  o  fogOjé  q  ardo,&a  agua  em  q  me  afogO 
Em  quanto  eu  vivofor,ham  de  durar 
Poys  o  nó,que  me  enlaça, bc  de  tal  forte^ 
Que  nam  fe  ha  de  foltar  em  vida,ou  iKorte* 

Neíle  meu  coraçam  fempre  eftaràs, 
Em  quanto  a  alma  cfliver  com  elle  unida: 
Também  omeuefpriío  pon'uírà«, 
Deípoys  ^  a  alma  do  corpo  fcr  partida: 
Por  mais,&  mais  que  faças,naõ  farás^ 
Qlic  deyxeoamariencliajSc  cílbutravidà 
Impoflivel  íerà<que  eternamente 
Aufenteeftésde  mim  cliandoauíente, 

Cà  me  acompanhara  vofla  memoria 
Se  o  rio,que  íe  diz  do  efqnecimf  nro, 
Daminha  naõ  borrar  taro  longi  hiftoría 
Tam  grave  mal^tam  duroapartamentoJ 

Ate  quando  vos  veja  entrar  na  gloria 

•  -      -  Vivircy 


•t^S 


Vivirey  num  continuo  fentimento 

E  ainda  enraóvereys[íeiíto  íer  poiTa] 

Eíta  minh  1  alma  là  fervia  a  voíTa. 

Aqui  com  grave  dor,com  critte acento 

Deu  o  triílc  Paítorfím  afeu  canco; 

Comroílo  baxo,&alto  penfanfientò. 

Seus  ol hòs  começarão  novo  pranto. 

Mil  veZ£S  parar  fez  no  ar  o  vento, 
EapiJou  noCeooGoro  íanco: 
AscircuníUí^tes  filvas  íe  inclmáraÕ, 
Condoidas  das  magoas  que  efcutarâo 

Com  huma  maó  na  face,reclinado>    '^  ^'■^ 
Tam  elevado  em  íiia  dor  citava. 
Que  como  cm  grave  fono  fepultado 
Nam  via^que  jà  o  Sol  no  matentrava» 
Berrando  andava  em  roda  o  manfo  gado, 
QLieoíegurocurral)á  dcfejava: 
!Nas  covas  as  rapofas/Sc  em  feus  ninhoi 
Se  recolhem  os  iimples  pafTarinhos. 


Rimas  do  grande  Luh  de  Camõesl 


E  le  Por  íultentarfe  o  moço  cego 
Nos  trabalhos  agreítas  a  alnna  inHami 
O  que  he  mais  propio  no  ócio,  &  no  íoiTeg-íj 

Mais  maravilhas  donde  avo2  da  Fama, 
No  niefmo  mar  undoío^ôc  vento  frio, 
Bráías  roxas  acende  a  roxa  flama. 

Vós^óRamo  de  hum  tronco  alto^Sc  fõbrío 
Cuja  frondente  coma  jà  cubrio 
De  Lufo  todo  o  gado,&  Senhorioj 

E  cujo  faó  madeyro  jà  faio 
A  lançar  a  forçofa,&:  larga  rede, 
No  mais  remoto  mar,qiie  o  mundo  vioj 

E  vósjcujo  valorem  canto cxcedci 
Qua  a  cantalo  com  voz  alta,6c  divma 
A  fonte  do  Par n aio  move  a  fede. 

Ouvi  da  minha  humilde  çanfonina,' 
A  armooia,que  Vòs  j  á  levantays 
Tanto,que  de  Vós  msí mo  a  fazeys  dina.^ 

Mas  k  agora^que  atabil  me  eícutays. 


Jàfabrehumíecoramoeftava  pofto  -loU    Namouvirdescantar  com  alta  tuba, 


O  moucho  com  funefto,&  trifte  canto: 
Ao  fom  delleo  Paftor  ergueo  o  rofto, 
E  vio  a  terra  envolta  cm  negro  manto. 
Qaebrando  e.icaó  o  fío  de  íeu  gofto,        ;. 
E  ofio  níõ  quebrando  de  íeu  pranto, 
Pornaõfe  deícuidar  de  feucuydado. 
Levou  para  Oi  curraes  o  roanlo  gado. 

E  G  L  O  G  A  VI. 


O  que  vos  deve  o  mundo,que  dourayS} 
EfeosRcys  Avós  voííosjque  de  juba 
Os  Reynosdebelliram,naó  ouvis 
Que  nas  afãs  do  excelfo  verío  íubai 
Se  naó  fabem  as  frautas  poftoris 
Pmtarde  toro  os  campos  femeados 
De  ar  mas, 6c  corpos, fortes, &  gentisj 

Por  hum  moço  animofo  íultantados, 
Contra  o  indonoito  Tay^de  toda  Efpanha, 
Contra  a  Fortuna  vaá^à  injuílos  Fadosj 
.  ^^      ■  '       ,  HLÍmoço,Cujoesforço,brio,& manha 

AGRÁRIO    PASTOR,  ALICUTO     Do  Olimpo  fez  decer  o  duro  Matte, 


Peícador. 

NeftmEgloga  chamada  c  ntenda  entro duz  & 

F,a  hum  tfãjioY^  &  a  hum  Tejcaãor  ar* 

gumemando   qual  /tja  a   milhar 

muzicafe  a  dos  T aflores ^ou 

éi  dos  Tef(  adore  p, 

iRuftica  contenda  defurivia 
Entre  as  Muíasdos  boíqueá  das  arcas. 
De  feus  rudos  cultores  modalada» 

A  cujo  fom  atónita  ,&  alneas, 
Do  monte  as  brancas  vacas  eíliveram, 
E  do  rio  as  faxatiles  Iam  preás: 
)     Defejo  de  cantar  Que  fe  moveram 
Os  tronco*;  às  avenas  das  Paftores, 
Ejàfilveftres brutos  fufpenderaó; 

Naó  menos  o  cantar.dos  Pcfcadores 
As  ondas  amanfou  do  fundo  pego, 
B  fez  ouvir  os  mudo$  nadadores. 


Edailhéa  quinta  Esfera,que  acompanha 

Se  naõ  fabem  cantar  a  menor  parte 
DofapientepeytOj&  graõconfelho. 
Que  pódeCó  Reyno  illuftre!)defcanfartej 

Peito,queaodufO  ApoUo  faz  vermelha 
Deyxar  o  lacro  Monte,&  as  nove  IrmaaS^ 
Porque  a  clleíe  afteyté  comoaeípclko,* 

Saberàm  bem  cantar, en  nada  vaás 
De]  Alícuto  as  contendas^&  de  Agrário^ 
Hum  de  elcamascubertOjOUtrodelaãs 

Veteys  (Duque  Sereno^o  eftilo  vario 
A  nòs  novo, mas  noutro  mar  cantando 
Dehum,q(òfoydas  Mufas  Secretario. 

OPcícadorSmcérOjqueamaníado 
Tem  o  p^go  de  Prochita  co'o  canto. 
Por  as  ÍOnoras  ondas  compaíTado. 

Deftefeguindoo  íom,que  pode  canto, 
E  mifturando  oantiguo  Mautuano, 
Façamos  novo  eftilo  novo  cfpanto.  ^ 

Pa^tiraíe  do  mote  Agrário  infano, 


Para  onde  a  forçí?  fò  do  peníamento 
Lhe  encamiftl^ava  o  laflo  pefd  humano 

Emkbidoem  hum  longo  eíquccimento 
Pe  ft ,  já  naó  jà  íò  de  pobre  fâto^ 
>\pos  hum  doce  íonho,& fingimento 

Rcmpeiido  as  filvas  hórridas  do  mato, 
Vay  por  fíma  de  outeyroSj&  penedos, 
FugindcjCofim^detodo  humano  tríto. 

Ante  os  í^us  olhos  leva  os  olhos  kdos 
Da  branca  DinamenCjquc  enverdece 
Sócò*o  meneo  vallcs,&  rochedos. 

Ora  fe  ri  comfigOjquando  tece 
Na  fanrafia  algum  prazer  fingidoi 
OrafallâiOra  mudo  fe  entriftece. 

Quial  á  tenra  novilha, que  corrido 


Rimas  do  gmide  Luh  de,  Camões, 


^^ 


Por  tftilado  Agreíle  fom  divcrfo 

Ouvindo  Agrário afonjto,nrroyx?»ndo 
Da  fantaíia  hum  pouco  íeu  cuydado, 
Suípénío  teve  os  números  notando, 

MasAlicutovendofe  eftorvíido 
Por  hum  Paftor,daaiuÍ!ca  divina, 
O  rofto  levantou  bem  íoíTcgado. 

EdiíreaílirVaqueyrodacampiaai 
Que  vem  buícarab  arenofas  prayas, 
Omieabella  Ampbitrite  íó  domina? 
Que  razâm  ha  Paílor,para  qXie  íayas 
A  efte  noíTo  ercamoío,&  vil  terreno. 
Dos  teus  flóridos  mirthos,&:alta«  fayaa? 

Poys  le  agora  o  mar  vci  brando,&  kreno 
E  cftendèríe  eftas  ondas  por  a  àjea 


Tem  montanhas  fragoas,&  eípeiruras^tni  'A/    Amanfadas  das  magoas  coro  que  penoj 


Por  bufcar  o  cofligtro  roarido} 
E  canfada  nãS  húmidas  verduras 

Cair  fe  deyxa  f^olongo  do  ribcyro. 

Já  quando  as  fombras  vé  caindo  eícuraSj 
E  nem  co*a  noyte  ao  valle  ícu  primeyro 

Se  lembra  de  tornar  como  foia^ 

Perdida  porobruio  companheyroj 
Tal  Agratio  chegado,etí  fim,fc  via 

Onde  o  gram  pego  horriíono  fufpira. 

Numa  praya  afenofa,humida^6c  fria. 


Logo  verás  o  como  deícnfrea 
Eolo  o  venta  por  ornar  undofo. 
De  forte  que  N  eptuno  fe  recea. 

Refponde  Agrario:0!mufico,8c  âmorofo 
PefcadorlEu  naõ  venho  a  ver  olago 
Bravo,&  quieto, ou  vento  brando, &  irofo 

Mas^o  meu  penfamento,com  que  apago 
As  flamas  ao  deíejo,me  trazia 
Sem  ouvir,&  fem  ver/uípenfo,&  vago 

Até  que  atua  angélica  armonia 


Tanto  que  ao  mar  eftraúho  os  olhos  vira.    Me  acordou, vtndo  o  íom^comq  aqui  cantas 


Tornando  cm  fi,de  longe  ouvio  tocarfe 
De  dduta  máo,nam  vifta*&  nova  lira. 

Fezlhe  o  ícm  dcfuíado  deíviarfe, 
Para  onde  mais  íoava,deíejando 
De  ouvir, &  convcríarj&  deprovarfe. 

Muyto  naó  rinha  proleguido,qu3ndo 
Em  a  concavidade  de  hum  penedo, 
Que  pouco  a  pouco  fora  o  marcavádo} 


A  tua  pcrigofa  Lemnoria. 

Mas  Ic  de  vercrjt  cà  no  mar  te  cfpanras. 
Eu  mecípantotan.btm  docllilo  royo, 
Com  qúe  as  ondas  horriíonas  qutbiantas. 

Pofém  íecom  verdade  o  louvo, &  aprovo 
Dtít  jo  de  o  aprovar  contra  o  filvt  ílre 
Antigo  p^cifl;oril, que  eu  mal  renovo 

Etu^quc  no  tocar  pareces  meíjrcj 


Topou  hum  Peicador,q  pronto, &  quedo    Bem  julgarás, k  ha  clara  diíferença 


Numa  pedry  aíTcntadOibrandamente 
Tangciidujfez  o  mar  íercno,6c  ledo. 

Mancebo  cia  de  idade  flcrecente 
Pefcador  grande  do  aUo,ccnhccido 
Por  cnomede  roda  húmida  gente, 

Alicuto  fe  chama,que  perdido 
Era  per  atei  mola  Lemnoria, 
Nírifa  que  tem  o  mar  er  nobrecido. 

Por  tila  as  icdej>  iança  noyte, &  dia 
Por  ella  as  ondas  túmidas  dcif  rezaj 
Pr>r  ella  íofre  o  Sol  &  achuva  fria, 
Co'  oftu  nome  mil  vezes  a  braveza 
De  irados  ventos  sinanícuc(  *c  veifò 
Quercntove  das  rochas  a  dureza, 

Eagcracm  fcm  de  vozíuavc,&  terfo 
Eílà  íeu  nome  r  ^^^  ^^oi  eRÍmanda 


Enrreocanto  maririrrOjíc  ocompcílrcJ 
Naó  ha  (difle  Alicuto)em  mi  detençaj 
Alvoroço  antes  ha, por  mais  que  vcjai 
Qut  a  tuâcocfifinça  íò  me  vença. 

Mas  porque  íaybas,que nenhuma  envfcjt 
Os  pGÍcacores  terr  os  ses  Paftores, 
Do  Ic m^quc  no  parnaío  íe  dcfejíj 

loma  a  i-rana  n  á<  ,quc  osn  cradores 
To  vir  te  o  fundo  vedo  cíloo  juntar  le 
r? ra  ciivii  ncl  os  rtftucsamorts. 

Btn^^  \t^  pcrifa  piaya  preíentarfc 
Kas  ccrtlías  varia  ccràviÔa  humana; 
E  c  msr  vir  \cx  entre ellafjSfJornaríe. 
ScíTegada  de  yf  nto  a  fúria  iníana, 
Encreípalrardamepfeornrcno  rio, 
QueículicGr  aqui  mi  Aura  j6c  dana. 


£ft« 


2  6©  Rimas  do  grú ndt  Luís  de  Càmeíí 

Eílc  penedo  concavo,&  fombrio. 
Quede  cangrejos  vès  eltar  cubetto, 
I^os  dá  abrigo  do  SoljquietOj&  frio. 

Tudo  nos  moítra,enÍim,repouío  certo,     vj 
E  nos  convida  ao  canto^com  que  os  mudos 
Pcyxes  laem  ouvindo  ao  ar  aberto» 

Aíli  fedefafíacneftesrudos 
Poetas^nos  oíiicios  diícrepantes, 
Nos  eogenhosf  porèm,futis,&  agudos. 

Eys  jâ  mil  coaipanheyros  circunílantes 
Eftavam  para  ouvir^Sc  aparelhavam 
Ao  Vencedor  os  primeyros  ícmclhantei^ 

As  bem  íonantes  lyras  íe  tocavam."  ^ 

Agrário  comcçava^fit  de  armonia 
Os  Pefcadores  todos  le admiravam: 
E  dcíla  arte  Alicuto  rcípondia. 

A  G  R  A  R  I  O. 


A  L  I  C  U  T  O. 

'Pefcador  já  foy  GlaucOtSc  Deos agora 
Hè  do  mari&  Protéo  Focas  guarda. 
Nacco  no  pego  a  Deoía,quc  hc  Senhora 
Do  amoroib  pra2er,quc  fcmpre  tarda, 
Sc  foy  bezerro  o  Deos,que  cá  íe  adora 
Também  já  foy  Delfim.Se  íe  refguarda,' 
Vnefe,que  os  moços  pefcadores  eram 
Que  o  efcuro  enigma  ao  primo  Vate  deram. 

AGRAR  IQ. 


^::Vòs  femicapros  Deofesdo  alto  monte. 
Faunos  longevos,Satiros>Si  vanos; 
Evos  Deofasdo  bofque,&  clara  Fonte, 
£  dos  troncos^que  vivem  largos  annos: 
Se  tendes  pronta  hu  n  pouco  a  facra  fonte 
A  noíTos  veríos  ruílicos.&  Humanos, 
Ou  me  day  já  a  capella  deloureyro, 
Pa  penda  a  minha  lira  de  hum  pinheyro 

AL  I  C  U  TO. 

Vós  húmidas  Deydades  defte  pégôi 
Tfitoens  cerúleos, ProtèOjCom  Falciiio 
Vós  Nereydas  do  fal,em  que  na  vcgo, 
Por  quem  do  vento  as  funas  poucotemo: 
Se  às  voíías  facras  Aras  nunca  nego 
O  congro  nadador  na  pà  do  remo, 
Nam  confinray!5,queamufica  marinha 
Vencida  (cja  aqui  na  lira  nunha. 

AGRÁRIO. 

Pa/lor  fe  fez  hum  tempo  o  moço  louro. 
Que  do  Sol  as  carretas  move,&  guia; 
Ouvio  o  no  Amphrifo  a  lira  de  ouro, 
Que  o  feu  claro  inventor  alU tangia 
Io  foy  vaca}  Júpiter  foy  touro 
Manias  ovelhas  junto  da  agua  fria 
Gusrdou  fermofo  Adonis;&  tornado 
Em  bezerro  Neptuno  foy  j  á  achado 


iFermoíà  Dinàmentc,íe  dos  ninhos 
Os  implumes  penhoresjà  furtey 
Aa  doce  Filomela}&  dos  muttinhos 
Para  ti  (^fera)as  flores  apanhey: 
Efe  os  crefpos  madronhos  nos  raminhos 
Com  tanto  gofto  jà  t^jp rcfcntey 
Porque  nam  dàs  a  Agrário  defciítoío 
Hum  íò  revolver  de  ulhos  piadofo? 

À  L  I  C  U  T  O, 

Para  quem  trago  de  agua  em  vafo  cavo 
Os  curvos  camaroens  vivos  íaltando? 
Para  quem  as  conchinhas  ruyvas  cavo. 
Na  praya  os  brancos  búzios  apanhando? 
Para  quem  de  margulho  no  mar  bravo 
Os  ramos  de  coral  vou  arrancando, 
Sanaõ  para  a  fermofa  Lemnoria, 
Que  c^faum  fò  rifo  a  vida  me  daria? 

AGRÁRIO, 

Quem  vio  defgrenhado,&:  crefpoTnvercd 
De  altas  nuves  vefl:ido,horrido,&  fso, 
En  negrccendo  a  virta  o  Ceo  fuprcno 
Quando  os  troncos  arranca  o  rio  cheoi» 
Rayos,chuvas,rrovoensjhumrriítelnvernot 
Que  ao  mundo  moftra  hum  pallido  receoj 
Talo  Amor  hecioía,a quem  fufpira 
Que  outrem  de  feus  trabalhos  íe  a  provcyta 

A  L  I  C  U  T  O. 

^  Se  alguém  vé,fí**alguem  ouve,o  (ibilantc 
Furor,laniçando  flamas, 6c  bramidos^ 
Quandoaspafmofas  ferras  traz  diante 
Hórrido  aos  olhos  jhor  ri  do  aos  ouvidos, 
A  braços  derribando  o  já  nutante 

Mundo 


«-     —  —  7      Rimas  do  grande 
Mundo^co'os  Elementos  deítruidos: 
A\Xi  me  reprefenta  a  Faotalla 
A  dcíeiparaçam  de  ver  hum  dia 

AGRÁRIO. 

Minha  alva  Dinamente>a  Primavera, 
Que  os  deley  tofos  campos  pinta^&  vcfte, 
fe  rindofe  huma  cor  aos  olhos  gera, 
Que  em  terra  lhes  faz  ver  o  ArcoCckftc 
As  avc:s,asboninas»a  verde  hera, 
Etoda  afcrmoíuraamefta  agrefte, 
Naõ  he  para  os  meus  olhos  tam  fermoía 
Como  a  cua^que  abate  oliiio^^  roía 

A  L  I  C  U  T  O- 

As  conchinhas  da  prayajque  prefcntaÕ 
A  cor  dis  nuvensiquando  nace  o  dia; 
O  canto  dasSirenas,que  adormentaó: 
A  ti/ua,que  no  Murice  íecria: 
O  nivegar  por  ondas, que  fe  aflentaõ 
Co'o  b  andu  bafo,com  que  o  Sol  íe  enfria 
Islaõ  podé,Nmf4  mínha,allii  aprazerme, 
Como  o  vertc,íe  em  canto  chego  a  vrcme. 

AGRÁRIO. 

A  Deola,que  na  Libica  lagoa 
Em  fóraoa  virginal  aparcceo. 
Cujo  nome  tomou, que  tanto  íoa 
Os  olhos  belloj  tem  da  cor  do  Ceo: 
Garços  os  tem:  mas  huma, que  a  coroa 
Das  fermoías  do  campo  aiereceo. 
Da  cor  do  campo  os  nooftras  graciofos; 
Quem  dizjque  naõ  faõ  eíles  os  fermofos? 

A  L  I  C  U  T  O. 

Perdocmmeas  Deydadcsjmas  tu  Diva, 
Qtie  no  liqui  Jo  mamorc  es  gerada, 
A  luz  dos  olhos  teus  cclcflc,&  viva. 
Tens  por  vício  amorofo  atraveflada 
Nós  pctoí)  lhes chamamos;mas  quem  priva 
De  luz  o  dia  baxaj&  íoíTegada, 
Traz  à  do>  ícus  nos  meus^que  eu  o  naõ  nego 
Ecom  toda  efta  luz  fcmprccftou  ceho, 

AHi  cantavam  an>bos  cultores 
Do  monte. Si  prayajquanHo  os  ralharam 
A  huraPaftof  cs.a  r  utro  Pefcadores. 

E  quaefquerafeu  Vate  coroaram 
De  capellas  ídoneas,&  fermoías, 
Que  as  Ninfas  lhes  teceram,  &  ordenaram 

A  Agrário  de  murtinhos>&  de  roíasi 

11.  Part. 


Luís  de  Camdes,  \^i 

A  Alicutode  hum  fio  de  torcidos 
Bu2i(  s,&  conchas  ruyvas,6c  iuílrofas. 

F  ílaviím  na  agua  os  pcy  xes  embebidos 
Com  as  cabeças  íóra,&  quali  t  m  terra 
Os  muficoe  delfins eftam  perdidos. 

Julgavam  os  Paílores,que  na  íerra 
Ocume,&  preço  eftà  do  antigo  cantoj 
Que  quem  o  nega-contra  as  M ufas  erra. 
Dizem  os  Peícadore*,que  outro  tanto 
Tem  da  fònora  frauta, quanto  teve 
O  monte  paíloril  da  antigua  Manto. 

Mas  já  o  Paílor  de  Adméto  o  carro  leve 
Molhava  na  agua  amara,&  compelia 
A  recolher  a  roxa  tarde,&  breve. 
£  foy  fim  da  contenda  o  íim  do  dia. 

E  G  L  O  G  A    VIL 

INTERLOCUTORES 

SÁTIRO  I.  SÁTIRO  II. 

Nefta  Écloga  chamada  Faunos  offereceo  SP,' 

a  T>ona  jín tonta  de  Noronha  ,  em  que 

conta  os  amores  deites  com  as  iV/w*- 

f as  fugitivas^ 

AS  doces  cantilenas,que  c?n^avam 
Os  (emicapros  Deoícs  amadores 
DasNsf  éas,queos  montes  habita vam> 

Cantando  efcrevereyrque  fe  os  ao. ores 
A  íifveítres  Deydades  maltrataram 
Jà  (icomdeiculpadosoa  Paílor  es. 
VóSjScnhor  Dom  Antonio^cm  quê  achara6 
O  claro  Apolo,ôc  martr,hum  íerptcfeyto 
£  íuas altas  montes aílinaram^ 

Seomeu  engenho  herudo^ou  ímpcrfcytq 
Bem  íabe  onde  ic  falva^poys  pertcndc 
Levantar  com  scaufa  o  baxo  tíft  yto. 

Em  vòs  minha  fraqneza  íe  de  fendej 
Em  vòs  infWla  a  Fonte  de  Pegafol 
O  que  meu  canto  poromundo  tílende^ 

Vedes, qu^í  as  altss  Mufas  do  Patnafo 
Cantando  vos  cílam  na  doce  lira^  .' 

Tomandome  das  mãos  taò  alto  calo» 

Vedes  o  louro  Apollo,quc  me  rira 
De  louvar  voíTa  eítr  ipr,&  tícurecc, 
O  que  a  voíTo  louvor  m*  u  canto  aípira. 

Ou  por  me  a  ver  envf  ja  me  falece, 
Ou  por  naõ  ver  lo^r  na  frauta  ruda, 
O  que  a  íçnòra  citara  merece. 


itfi  Rimas  do  Grande 

Poysfty  dfzer,Senhor,que  aimgua  aiuda 
Em  quanto  Progne  triíle  o  í<  ntimcnto 
Da  corrompida  iraiaácg'o  pranto  ajuda 

EemquantoGalatéa  ao  manfo  vento 
Solta  os  cabellos  louros  da  cabeça, 
E  Ticíro  nas  íombras  íaz  afientoj 

E  emquanto  íior  aos  campos  naõ  faleça, 
("Se  naó  recebeys  ifto  por  a  fronta^ 
FaráiqueoDourOjSí  o  Ganges  vos  conheça. 

Ejàquea  língua  nifto  fica  pronta. 
Conl"enti,queanninha  tigloga  íe conte, 
£nn  quaoto  Apolloasvoiias  cauías  conca. 

No  cume  do  Paraaío.duro  naonce 
De  íilveftre  arvoredo  rodeado, 
Ndce  huma  cíiftalinajSi  clara  fonte 

Donde  hum  manioRibeyrodirivado 
pof  Orna  de  aívas  pedras  maníafneDte 
Vay  correndo  íuavei&íofTcgado. 

O  murmurar  das  ondas  exceilente. 
Os  paííafos  incita,que  cantando 
Fazem  o  verde  monte  mais  contente. 

Taro  claras  vam  as  aguas  caminhando. 
Que  no  fundo  as  pedrinhas  delicadas 
Sc  podcm,huma,&  huma  citar  contando. 

Naó  k  vcram  em  derredor  pifadas 
De  fcra,ou  de  paftor,que  alU  chcgaíTe, 
Porque  do  efpeflo  monte  íap  vedad-s 

H^rva  Te  naó  verá,que  alli  crinfle 
O  monte  ameno,triftc,ou  venenofa, 
SenaÕ  que  lá  no  centro  as  igualaíle, 

Oroxo  lírio  a  parda  branca  roía, 
A  cecém  pura  aâor,que  das  amantes 
A  cor  tem  magoada, 6l  íaudoía. 

Alli  íe  vera  os  mirtos  circunftanteSj 
43ueacriftâli(iâ  Vénus  encubriami 
Eícofldeiidoa  dos  t^aunos  petulantes. 

Hortalaã,mangerona,aíli  reípiram. 
Onde  nem  frio  lnverno,ou  quente  Eftio 
As  murcharam  já  mais^ou  íecas  viram. 
Defta  arte  vay  íeguindo  o  curío  o  rio 
Onftonteinhabicad0j&  odeícrto, 
Sem  pre  Com  verdes  arvores  íombrio. 

Aqui  huma  linda  Ninta, por  acerto 
PciHiidadsfVagucyra  compnnhia, 
A  quem  cíle  lugar  era  encuberto: 

Caníada  já  da  caça  vindo  h»im  dia 
Quizdcfcançaràfombra  daerpeOura 
E  tirar  nas  mãos  alvas  da  agua  fria. 

A  novidade  vendo  manifefta 
Do  fuiOjSt  como  as  arvores  com  o  vento 
As  calmas  defendiam  da  alta  feftaj 

Das  ayes  o  lafci^o  movimento 


Luii  àeCátntes, 
Que  em  leus  módulos  verfos  ocupadas 
As  afãs  dam  ao  doce  penfa  mento 

Tendo  notado  iudo,jápaííadas 
As  horas  dagraã  feíta^fe  torvou 
A  buícar  as  irmaás  no  centro  amadas 

Defpoys  que  largamente  lhes  contou 
Do  naõ  vitlo  lugar,quc  perto  eítava, 
E  tanto  poreftrcmoanamoroui 

Que  ao  outro  dia  í-oflem,lhes  rogava 
Alavarfe  em  aquellB  fonte  amena 
Que  tam  fermofas  aguss  deftilava 

)a  tinha  dado  hum  giro  a  \\m  lerena 
Do graro  Paftor  de  Adméro^&  )à  nacia 
Aos  ditos  amantes  nova  pena: 

Quando  as  fermofas  Nmfas  em  proíía 
Para  o  lugar  do  monte  caminhavam 
Rompendo  a  m  anhaã  roxa,alegic,&  fria 

Dehuma  os  louros  cabellosíeerpaihavaô 
Poro fermefo  collo  íem concerto, 
Ecom  mil  nòsíuaves  fe  enlaçavam. 

Outra  levando  o  collo  deícuberto. 
Por  mais  defpejo  em  tranças  os  atàrag 
A  vendo  porpeíado  o  deíconccrto. 

Dinamente,Efireiaquem  topara 
Nu^s  Febo  em  hum  rio,8i  encubriram 
Seus  delicados  corpos  na  agua  clara. 

Sirene, Sc  Niíe^quedasmáos  fugiram 
Do  Tégeo  Panj  Aman  ;a,&  mais  Elifa 
Deftras  nos  arcos  mais  qquanrai  tiram, 

AlindaDâlian>,com  Bclifa 
A mbas  vindas  do  TejOique como ellas 
Nenhuma  tam  fcrmoía  as  ervas  pifa 

Todas  eftas  Angehcas  Donzellas 
Por  o  Vicoío  monte  alegres  hiam, 
Quaesno  Ceo  largo  as  nítidas  Eftrella';. 

Mas  dous  filveílres  Deoíes,que  traziaõ 
O  penfamenro  cm  duas  ocupado, 
A  quem  de  longe  mais  que  afi  queriam: 

Nam  lhes  ficava  monte, Vâlk,ou  prado, 
Nem  arvore,por  onde  quer  ^  andavam 
Que  naó  íoubeííe  dclles  leu  cuydado. 

Quantesvezesos  rios,que  paliavam, 
Deciveraõ  íeu  curfojouvíndoos  dannos, 
Que  aos  propíos  duros  montes  magoavanti! 

Quantas  vezcs  Amor  de  tantos  annos 
Abrandara  qualquer  vontade  iícnta, 
Se  em  Ninfas  coraçoens  ouveíTe humanos» 

Mas  quem  defeu  cuydado  (e  contenta, 
Offercça  de  longe  a  paciência 
Que  Amor  de  alegres  magoas  fj  fuftenta,' 

Que  o  moço  Idalio  quíz  nefta  ciência. 
Que  fc  compadeíTecem  dou  \  contrários. 

Digao 


Rimas  do  Grande 
Digaoquem  tiver  delleexpencnoa. 

indo  os  Deofes^enfím,por  montes  vários 
Exercirandoos  olhos  laudoíos^ 
Aocriftelinorio  riiburanos: 

Topáraó  dos  pés  alvo«»,&  mimoros, 
As  piíadas  na  cerra  conhecidas, 
As  quaes  foraó  feguindo  preíurofos. 

Mas  encontrando  as  Nínfas^que  defpidas 
Na  clara  fonte  ertavaô^naó  cuydandoí 
Que  de  alguém  foííem  viltas^ou  fentiaasj 

Deyxaraóíe  eftar  quedos,comtemplando 
Asfeyçoens  nunca  viftas,demancyra, 
Que  viíTem  fem  íer  viftosjeípreytando. 

Porém  a  afpeíTura  maca  ruaníageyra 
Dacilada  dos  douSjCom  o  rugido 
Uos  raminhos  de  huma  afperra  a  valeyraj 

Manifeítandoclaroo  cícoodidoi 
Todas  huma  tal  gf^ita  levantarão. 
Que  o  monte  parecéoíerdcftruídj. 

Alli  defpidas  logo  ie  lançarão 
Porá  eipeílura  tam  ligcyamente 
Que  roais  que  o  próprio  vento  entam  voarão 

Qual  o  bando  das  pombas  quando  lente 
Arapida  Aguia,cuja  vifta  pura 
Kaõ  obedeceo  ao  Sol  rcfolandecente^ 

Em preftalhe  o  temor  da  morte  dura 
Nas  a/as  novo  alento.naõ  parandoí 
Veloz  rompendo  o  ar  fugir  procuraj 

Delia  ar  te  as  Deoíastinudas,dcyxando 
De  feu  dcfpojo  os  ramos  carregados, 
Nuas  por  antre  as  filvas  vam  voando. 

Mas  os  amantes  já  deíefpcrados. 
Que  para  as  alcançar,enfiinjíe  viam 
Nadados  pes  caprinos ajudadosj 

Crm  pmoroíoi  brados  as  feguiam 
Hu  T)  íò[qur  o  outro  ainda  naõ  toroava 
Folegu  algum  da  prcffa^que  traziaõj 
DciU  íorte  ientido  le  queyxava. 

SÁTIRO  PRIMEY  RO. 

AiNinfas  fugitiva', 
Que  fó  pcrnao  ular  humanidade, 
Os  perigos  dos  matos  naõ  temcysí 
P^raquc  fcys  efquivas? 
Oueinda  de  nó^  naó  peço  piedade, 
M^sdtflas  alvas  carnes,queoffendeys, 
AlNinfas-.naõ  vereys. 
Que  Euridice  fugindo  deíTa  forre 
Fugio  do  flmantp,&  naõ  da  frrg  morte? 
T^n  bem  afll  Epiríe  foy  mgrdida 
Dabivora  cfcondida. 
tlI.Part. 


Luis  deCámhs!  163 

Olhay  a  íerpe  oculta  na  herva  verde. 
Qu(  m  o  rigor  naõ  perdcperdea  vida, 

Qne  tigrtjOu  que  icam^ 
Que  peçonhi  nta  fera  venf  nofa 
Ou  qucenemigo,em  fim, vos  vay  feguindo? 
De  hum  brando  coraçam, 
Que  preío  dcfla  vifta  ngurofa 
De  fi  para  vòi  foge  andays  fugindo.? 
Olhay,queem  gelto  lindo 
Naó  íe  confente  peyto  taõ  disforme. 
Se  naõ  quereys^que  tudo  íe  conforme. 
Poíto  que  bellas  na  agua  vos  vejays» 
A  a  fonte  naõ  creays, 
Qtie  vos  traz  enganadas  por  vingança 
Defta  nofla  efperança,quc  engana  ys. 

Mas  ahique  naõ  confítito, 
Que  nem  pelavra  minha  vosoíTende. 
Poíloquemedefculpeamagoa  pura. 
Digo,NiufaSjque  minto: 

Poys  malí:òdeavernunca,quêpertenda 
Negarvos  elTa  rara  fermoíura. 
Se  amor  de  tanta  dura 
Por  tanto  mal  tam  pouco  bem  merece, 
Nam  eftranheys,minha  alma  íe  endoudece: 
Que  fe  doudices  falia  de  improviío, 
Semtento»&  fem  avifo, 
Queyra  Deoe»que  dureza  tam  crecida 
Me  naõ  prive  da  vida  alem  do  fiío. 

Coufas  graDdleS)&  eílranhas 
Por  o  mundo  tem  feytOjS:  faz  Natura, 
Que  a  que  vos  naó  vio,Ninfas,muyfo  erpãtaõ 
Nas  Libicas  montanhas 
As  Scitales  iam  feras  de  pintura 
Tam  fingular^q  fó  co*a  vifta  encantam. 
As  Hienas  levantam 
A  voz  tam  natural  à  voz  humana, 
Que  aquém  as ouve,facilmente engana,' 
E  vós(ógentisferas!}cujoaípeyto 
O  mundo  tem  fogeyto. 
Tendes  de  natureza  juntamente 
A  vifta,&  voz  de  gentc,&  fero  o  peyto 
Dasamorolasleys, 
Com  que  liga  Natura 05  caraçocns, 
Andays  fugindo(ò  Ninfas!)na  eípeflura? 
Como?E  nam  vcscorreys 
De  avcr  em  vòs  tam  duras  condiçoens 
Que  poíTam  n^ais  que  a  provida  Natura? 
Se  voíTa  fermnfnra 
He  fobrenatural,nam  he  forçado 
Queaíli  tenha  rambcmo  peyto  irado: 
Antes  ao  puro  A  mordem  cuja  maõ  ^ 
Os  coraçoens  eftaõ,  ^ 

^  Xi  Por 


í($4i  Rimas  do g^an^e 

Por  voíTagentileia  taõ  fermoía, 
Lhes  de  veys  amorofa  condição, 

Amor  he  hum  brando  affcdto. 
Que  Oeos  no  mundo  po2*íi  a  Natureza 
Fará  aumertràr as  caúía'>j4Lie  criou. 
De  Amor  eftá  íujeyto, 
Tudo  quanto  poíTue  a  redondeza: 
N ada  ítm  «fte  affvjito  fe  gerou. 
Por  elleconíervou 
Acauía  pnncipil  omundoamaio, 
Dond;ít)  Pay  famulentofoy  deyrado, 
Ascauraselleasacâ>&  as  conforma 
Com  omundo,5c  reforma 
A  mafetia  Qiiem  h?i,que  naõ  o  veja? 
Quanta  meu  mal  ddcja  ícmpre  íof  ma 

Entre  as  plantas  do  prado 
Naõ  ha  «tiachos^^  temeas  conhecidas, 
Qus  junto  huma  da  outna  permeneceí 
Islaò  eftàm  carregados 
Os  ulfíieyros  das  vides  retorcidas, 
Onde  o  cacho  enforcado  amadurece^ 
Naó  vede<;,que  padece 
Tantatrifteza  a  rola  por  a  morte 
Da  (ua  amada,^  unica  confortei 
Poys  lànoOlinapo,a  quantos  cativou 
Cupido,&  maltratou? 
Melhor;,queeuo  dirá  a  fútil  Donzella, 
Que)à  naíoi  tellao  dibuxou. 

Ahicafo  grande,ík  gravai 
Ahipeycos  de  diamante  fabricados 
Edas  leys,abrolutas, natura ysi 
Aquelle  Amor  íuave; 
Aquelle  poder  aico»que  forçados 
Os  DeoícsofaedeccíTi^deíprezais 
Poys  quero,que  f^ybays, 
Qua  contra  o  fero  Amor  nunca  ouve  cfcudo, 
Coftuonehcííu  tomar  vingança  cm  tudo. 
Eu  vos  verey  lançarem  hum  momentu 
Suípiros  mil  ao  vento, 
LagrimaSjtriíte  píanío,Si  nova  dor. 
Por  qiflcmtcn  ia  ouiro  amor  no  penfamanto. 

Mais  quifera  dizer 
Odeíiitofo  Amante.queâjiida  lo 
Se«iaentaõ  da  ma  >oa,&  datriftezar 
Mas  foylho  defender 
Oou^r0com',>snheyro,com^  'ra  o, 
Comtaõ  disformei, Scaípera  dureza. 
Aquillo,quearudeza  .-^'i 

De  huma  cie  icia a^rvfte'.lh^ ennnà''a,^'      '7^ 
DiíTe,qual  (c  cm  tal  ponto  defpertára. 
De  horrendo íonho  cina  pelado  ^f4C0. 
O  mais  que  alli  foy  ditoi 


Lutsâe  Camões, 

Vos  Mootes^o  direySi&  vòSjPenedosj 

Que  em  voílos  arvoredos  anaa  eícrito. 

SÁTIRO  SEGUNDO. 

Nem  vòs  Hâ  cidâs  foys  de  gente  hu  mana, 
Nem  foy  humano  o  leyte.que  mamaltes^ 
Mas  de  alguma  disforme  lera  Hjrcanai 
Lá  no  Caucafo  horrendo  vos  crialtes: 
De  aqui  trouxelles  a  afpereza  infana? 
De  aqui  os  cálidos  pey  tos  congelaftes, 
Soys  Efphinges  nos  geftos  naturays, 
Que  de  humanas  os  roftos  íò  molfrays. 

Se  vòs  foftes  criadas  na  efpeíTura, 
Onde  naó  ouve  coufa,qucfeachaííe, 
Agua^pedraiarbor  flor,ave»alma  dura, 
Queemícu  paliado  tempo  naoamaííej 
Nt^ma  qucmaafteyçam  ÍUève,Slpura, 
iNeíTa  perfente  forma  naõ  mudaíTej 
Potque  naódeyxareystamb:rm  memoria 
De  v6s  em  namorada, í^  longa  hiftoria? 

Olhay,como  na  Arcádia  foterraado 
O  namorado  Alphèo  íua  agua  clara, 
Lâ  na  ardente  Sicilia  vay  buícando 
Por  de  baxo  do  mar  a  Nính  charí. 
Aíli  também  vcreys  paíTar  nadando 
Acis,que  Galaréa  tanto amara# 
Por  onde  do  Ciclope  a  grande  magua 
Con  vertco  do  mancebo  o  íangue  em  agua,   . 

Viray  osolhos,Ninfas,àEricina 
EípeíTurajvereys  alli  mudaríe 
Egería,&:  em  fonte  clara, 6c  criftalioa 
Por  a  morte  de  Numa  deílilarfe. 
Olhay^que  a  triíle  Biblii»  vos  cnfina. 
Com  pcrdcrfede  todo,&  trkosformaríc 
Em  iagrimas^que  enfim, puderam  tanto. 
Que  acrecentàram  lempreo  verde  mato 

E  fe  entre  as  claras  aguas  ouve  amores. 
Os  pendos  tambjm  foraó  perdidos. 
O  Ihay  os dousconformc!» amadores 
Li  no  Monte  Ida  era  pedra  convertidos, 
Letéa,por  cair  em  vãos  errores 
Deluafermolura  proceáidiosj 
Oh  no,  por  que  a  culpi  em  fi  tomava, 
porefcufara  pena  a  quem  amava. 

Tomay  exéplo,Sí  vcaIc  em  Cipro  aquella 
Por  quem  Iphis  no  laço  poz  a  vida. 
Também  vfreys  em  pedra  a  Ninfa  bella. 
Cuia  voz  foy  oor  Jaaoconfumida; 
E  fequevxarfequer  de  fua  eftreila 
A  vozf^Tctrema  <ò  lh«  hc  conccdidt 
F  tutambem[íóDJohai-i]  quitfOLTxefle 
Primeyro  ao  monte  o  doce  veríoa^r-ftc* 

Xâmaniio 


Rimas  do  grande 

Tamanho  anfior  lhe  tinha  a  branda  auiiga 
Qu  í  em  inimiga, eDfinfijfe  foy  tornanJo: 
,  Porque  outra  Ntntaeítranhaja  o  íogigaj 
!  Suas  magicas  hcrvasvay  buícando. 
Olhay  a  quanto  a  crua  dor  obrigai 
Por  vingaríc  aíli  irada^transformando 
O  foy  cm  pedra  Oh  dura  confuíaói 
Deípoys  lhe  peíariajmas  em  vaó 

01hay(Ninfas)a$  arvores  alçada8$ 
A  cuja  lombraandays colhendo  flores, 
Como  emfcu  tempo  foram  namoradas^ 
Do  que  inda  agora  o  tronco  íenteas  dores. 
Vereys  entre  as  de  fi  uco  matizadas: 
Como  a  cor  das  amoras  hc  de  amores: 
O  íangue  dos  amantes  na  verdura 
Teítimunha  de  Tisbe  a  íepuUura, 

E  )a  pK)r  ao  doníera  S^béa^ 
Kam  vedcs,qae  de  lagrimas  de  aquclla. 
Que  cem  íeu  Payíe  junta, &  fe  rccrea^ 
Arábia  íe  enriquece,&  vive  delia? 
Lembray  vos  da  verde  arvore  Penea, 
Que  foy  jà  noutro  tempo  Ninfa  bella; 
.  t  Cipariío  angélico  mancebo; 
Ambos  verdes  com  lagrimas  de  Febo. 

De  Fngu  vede  o  moço  delicado. 
No  mais  alto  arvoredo  convertido^ 
Que  tantas  vezes  fere  o  vento  iradoj 
Galardam  de  ícus  erros  merecido: 
Poys  da  alta  B»ricintia  fendo  amado 
Purhuma  Nmtabaxa  foy  perdido: 
Ea  Dcoía,a  quem  perdeo  do  penfa mento, 
Quiz,quc  também  perdeííe  o  entendimento. 

0  fubiro  furor  lhe  figurava, 

Que  as  arvores, 6c  os  montes  fecahiam: 
Já  dos  pudicos  membros  fe  privava, 
Que  os  horrores  a  tantooconílragiam» 
Jà  no  cndignado  monte  fe  lançava; 
De  fua morte  »s  kras  íedoiam. 
Deílaciítcperdéo  Atiysnacfpeíílira, 
Deípoys  de  tantas  peidas^a  figura. 

Lembrcvo^quando  as  gentes  ctlebravaó 
Em  Grécia  as  grandes  fdiasdeLiéo, 
Onde  as  íern  oías  N  inías  íe  juntavam, 
E  Cl  (acros  n^oradores  do  Licéo, 

1  odostm  doctr  íono  le  ocupavam 
Por  o  n-oritf  .deípoys  que  anoy teceo: 
Ma«i  o  r^cQs  do  Htltfpótf •  n?m  dormia; 
Quf  hum  novo.amof  o  fono  lhe  impedia 

Mas  tU?»)ertfim  os  br^^ços  tíltndendoj 
Fm  rpjm*^  s  te  Ihí-  foram  transformando} 
FmrsÍ7efos  pés  fevam  torcendo, 
E  o  nome  Loto  io  lhe  vay  fica^dd 


Luís  de  Camões»  i6< 

Vede^NapéaSjClk  caio  hor  en.-ío, 
Qtie  vos  eílá  de  longe  ameaçando. 
Adi  também  deaquella,á  quem  feguia 
O  Sacro  Pan,a  forma  fe  perdia. 

Que  vi  s  direy  de  Feljs,poys  perdida 
Dáíaudofador,com  quevívia9 
A  defeíperaçâm^enfim, trazida 
Do  comprido  cíperar  de  dia  em  dia? 
Por  deíatardo  corpo  a  trifte  vida, 
Atava  ao  collo  a  cinta^que  trazia; 
Mas  o  tronco  íem  folha^por  o  monte 
Ródope,abraça  o  lento  Demo  fonte. 

Nas  boninas  também  vereys  Jacinto, 
Porque  Febo  de  fi  íe  queyxa  em  vaõ; 
Vercyso  Monte  Idalio  cm  fangue  tinco 
Donçtode  ícuPay,da  Mãy  Irmaó. 
Chora  Vénus  a  dor  do  moço  extintoj 
Maldiz  o  Ceo,&  aterra.coo)  razaò; 
A  terra, porque  logo  nam  íe  abriOi 
O  Ceo,porque  tal  morte  permitio. 

Etu,conftante  Clicie,aqucm  fallece 
A  fé  de  teus  amores  enganofos, 
Nolouroamante,quede  ti  feeíquecc 
Secíquecem  os  teus  olhos  íauQoíos. 
Nenhum  alegre eílado  permanece^ 
Quefamdomundoosgcftos  mcntiroíbS} 
E  à  tua  clara  luz^porquem  íulpiras. 
Ainda  agora  em  herva  a  folha  viras. 

Tragovos  ettas  coufas  á  lembrança, 
Pofque  fecftranhe  mais  vcíía  crueza, 
Com  ver,que  a  criaçam,&  longa  uíânça 
Vos  naó  perverte»&  muda  a  natureza. 
Dou  as  lagrimas  minhas  em  fiança. 
Que  cm  tudo  quanto  eítà  na  redondeza, 
CoufadeAmor  líenia^fe  f>tentays, 
Em  quanto  vos  nam  virdes, nam  vejais. 

Jà  diíre,que  de  Amor  lempre  tiverani 
As  coufas iníenfiveyspena,&  gloria; 
Vede  'àb  íerifiveys  como  íe  pcrderiím 
E  dirvoshey  das  aves  larga  hiftc  ria. 
As  pcnas,que  em  fua  alma  íefoíicram^ 
Nas  azas  lhes  ficaram  por  mcmoiia; 
Eaquclle  aliivoj&  Icye  movimento. 
Lhes  ficou  do  vtar  dopenianienio. 

U  doceioxincl,ík  aandoiirha, 
Donde  Ihts  vcyc  o  iríe  transfere  ando, 
be  nâodf'  purocn  o',q  oTrano  tinha. 
Que  cm  Poupa  ainda  a  snuda  vay  chamado? 
Clarraíecr  culp?  a  miíera  a  vt^^nha, 
Que  na.area  de  phgfis  iiabitando. 
Do  rio  tc)|T>a  o  ncniC5& quando  clamaj 
Cruel àMiiVjap Fay  iniuíivchaira. 


1^6 


Vede  a  que  engeytnu  Palias  por  taiiac, 
Quedos  amores  he  mayor  defyto; 
Eaquella,que  íuccede  em  leu  lugar. 
Ambas  aves  de  Amor  ufido  eifeyto, 
Humaiporquefugiao  Deos  domars 
Outrâjporque  tenràra  o  pacho  leyto: 
E  Scylla^que  o  f  u  Pay  poz  em  pengo. 
Só  por  fer  muyto  amiga  do  inimigo. 

E  PicOja  quem  ficaram  inda  ás  cores 
Da  purpura  l<.eal,que  antes  veftia. 
Eíáco,quc  o  feguir  de  íeus  amores 
O  trouxe  a  ver  taõcedoo  eílremodia. 
Ou  vede  os  dous  tarti  firmes  amadores. 
Que  Amor  aves  tornou  na  praya  fria: 
Do  Rey  dos  ventos  era  genro  o  trifte: 
Mas  contra  o  Fad'),eii  fim, d -da  r  fifte, 

Eftava  a  tnítc  Alcione  eíperando 
CoQi  longos õlho>  o  mando  aufcntCi 
Mas  os  ventos  indomiros  foprandOj 
Nas  aguas  o  afugatam  tnftemente 
Em  íonhos  íe  Ihceftà  repreíentando; 
Queocoraçam  prefago  nunca  mente: 
Sòdobemasíafpeytasmentsràm, 
Mas  as  do  mal  tuiuró  certas  fam. 

Ao  prantoos  olhos  léus  a  trílleenfayai 
BufCindoo^narcomelles  hia>&  vinha, 
QLiando  o  corpo  Icm  alma  achou  na  praya. 


Rimas  do  grande  Luis  ds  Camões, 


Mas  comoo  trifte  Princepeem  fi  achara 
A  defuíada  fòrma,le  partio 
Os  feuSjdefconhecendoojO  vam  chamando, 
E  rondoo  alli  prefente.o  vam  buícando. 

Co^osolhos,&  co*ogefto  lhes  faliavai 
Que  a  voz  humana  jà  perdida  tmha. 
Qualquer  delLs  porelíe cncam  chamava, 
E  amultidaõ  dos  cacos  contra  elie  vinha. 
Hum  cervo  açude  a  ver  (qualquer  gricava^ 
Aâ:eon,dondeeítàsfAcude  afinha. 
Que  tardar  tanto  he  cfte?f  repetia^ 
He  eílejhc  eíkjo  Ecco  refpódia. 

Quantas  couías  em  vaó  cftou  fallando 
COh  Napeas  crquivabljíem  que  veja 
O  peyro  de  diamante  hum  pouco  brando^ 
De  quem  meu  danno  tanto  ló  defeja, 
Poys  poro^aisquedemi  meandeys  tirando  ^ 
E  pormais  longa,enfim,que  a  vida  íeja^ 
Nunca  em  mi  Ic  verá  tamanha  dor, 
Que  Amor  a  nam  converta  em  mais  amor. 

AquiCfermofas  Ninfas^vos  pintey 
Todo  de  amores  hum  jardim  fuave, 
Deaguasjde  pedras,de  arvores  contey 
De  flores,de  almas  feras, de  hu ma, outra  ave. 
Seefteamor,que  no  pcytoapofenteyj 
Que  dos  contentamentos  tem  achave, 
Por  dita  em  tempo  algum  determinafle. 


Sem  alma  o  corpo  achou  que  na  alma  tinha    Que  de  tam  longos  dannos  vos  peíaíTe; 


OlNereydas  do  tgéo.coniolaya, 
Poys  efte  pio  officio  vos  convinha, 
Confolayajfahi  da<  vofias  aguas, 
Seconfolaçam  ha  em  gt  andes  magoas. 

MaSjòaeciodc  miiQuc  eítou  fallando 
Das  avizinhas  manlas,6i  amoroías, 
Poys  também  teve  Amor  natural  mando 
Entre  as  feras  monccíes  veneno!  as. 
Oleam  &  a  Le03jComo,ou  quando 
Taes  fóf^mas  alcançaríim  temtrulàs? 
Sàbeo  da  Deola  Dindimcneo  Tamploj 
Ea  quea  Adoiuso  dava  por  cxetuplo. 

Quem  foíí*  a  mania  vacá  dibhia^ 
Mas  ogram  Nilo  o  diga, poys  a  adora 
Que  forma  teve  a  U  í  j/abiríehia 
Do  Polo  Bcreal, onde  cila  mora. 
Ocafode  A£téon  também  diria 
Em  cervo  transforr^ado ;  &  me'hor  fora 
Se  dos  olhos  perdera  a  vifta  pura 
Queemíeu  gijgos  achar  afeplutufa. 

Tudo  ifto  A  deon  vio  na  fonte  clara 
Onde  a  fi  de  improvifo  em  cervo  vio: 
Qiie  quem  a  ni  defta  arte  alli  o  topara, 
C^ae  íe  mudaíTe  em  ccryo  permitio. 


Quanto  mais  de  vagar  vos  contaria 
De  minha  larga  hiítoria,&  nam  alh:ai 
E  com  quanta  mais  agua  regaria, 
Queorio,deconrente,a  branca  área 
Novo  contentamento  me  feria, 
Formar  de  meu  cuydadoanovaidéa 
E  vós  goílando  dcfte  eftado  ufano, 
Zombarieys  entam  de  voíTo  engano. 

Mas  com  quem  fallo  jà  Que  eítou  gritado 
pois  nam  ha  nos  penedos  fentimento* 
Ao  vento  eítou  palavras  elpalhandcj 
A  quem  as  digo,corre  mais  que  o  vento, 
A  voz,&  avida^a  dor  me  eftá  tirando 
E  o  tempo  nam  me  tira  o  peníamento, 
Direy,em  fim^ás duras  efquivanças, 
Que  iò  na  morte  tenho  as  eíperanças. 

Aqui  fentido  o  Satir(),acabou 
Com  huns  íoluços,que  a  alma  lhe  arrancava 
Osmonres  inr^nfiveys,queaballoUi 
NasultimasrefpoíUso  ajudavam 
Entam  Febo  nas  at^uas  fe  encerrou 
Co^O';animaes»qomundo  alumiavami 
E  co^o  luzente  cçado  appareceo 
A  cândida  Paílora  por  o  Ceo.  •^■ 

EGLOGa 


U 


E  G  LO  G  A 

PISCATOR.IA. 
SERENO     SO 


Rimas  do  grande  Luts  de  Camões,  i5y 

O  meu  peyto  arde  cm  vam,em  vam  íufpira. 
T7TJT  •  Anda  no  romper  da  alva  a  névoa  ccg4 

^  •*'*■*'         Sobreos  montes  d'ArrabiJa  Víçofos 

Em  quanto  o  Solar  rayo  lhes  naó  chega 

Eu  vendo  apaiaccr  outros  tcrmofí^s 
Rayos,qa  grat^ajfií  cor  ao  Ceo  roubarão 
L   O.  be  os  olhos  cegos  vijvqofaudofos. 

Quantas  ve^es  as  ondas  fe  en  crcfpáram 
Com  meus  íuípirosiQuantas  com  meu  prato 
As  fiiz  parar  de  migoa,&  meercutàram! 

Se  naforçâ  dador  a  voz  levanto 
E  ao  f  om  do  remOjq  agua  vay  ferindo 
PoranteaLua  meu  cu y  lado  cartO} 

Os  ma vioÍQs  delfins  mceftam  ouviadoi 
A  noyte  foílcgada  jo  mar  callado; 
l^u  lo  foges  de  ouvirmej&  te  vás  rindo. 

Eltranhas.por  ventura^o  mar  cercado 
Da  fraca  redeja  barca  ao  vento  foltai 
E  hum  pobre  Pcfcador  aqui  lançado. 
Antes  que  o  Sol  no  Ceo  cerre  huma  voltíf 
Se  pôde  melhorar  minha  ventura^ 


Nefta  EgtogadefcreveG  ardente  affeão  com 

que  aaora  ,  (^  àezeja  ver  a  Ninja  Ga* 

iathea^ 

ARdc  por  Galatéa  branc^,&  loura, 
Sereoo  PcícaJof  pobre, forçado 
Lie  huma  eftrella^que  quer  a  mingoa  moura. 

Os  outros  l^elcâdores  cem  lançado 
No  Tejo  asreiesielle  ío  fazia 
tile  queyxumcao  vento  dercuyd^do. 

Quando  virà(fermoraNinfa>um  dia, 
EmquetepoHadaracontaeltreyta 
Defta  doudice  triite^&  vaá  porfia* 

N  ró  ves,q  tne  foge  a  alma,&  q  me  enjcyta    Como  a  outros  fuccede  na  agoa  envolta. 
Bufcando  eai  humíò  riíodeelia  boca.  Igual  preço  nam  he  da  fermofura 

N  'S  teus  olhos  azues  mania  colheyta?  De  ouro  o  area,que  o  rico  Tejo  erpraya. 

Se  ao  teu  eíprito  alguma  magoa  toca,  Mas  hum  Amor,que  para  ícmpre  dura. 

Scdeamorfi:^  nelle  humapégada>  Vejam  teus o.hos(bdUNinfa^aprayaí 

Que  te  vay^Galaréa^neftd  tioca?  Verás  teu  Nome  na  mimoía  área. 

Dartehey  minha  alma*lá  me  tens  roubada     N  uoca  lobre  elle  o  mor  com  furia  fayal 


Nam  ta  demindarey.dâme  pot  ella 
Hu  r  a  íò  voltadeoihos  dclcuydada 

Se  muyto  te  parece,&  minha  eltrcila 
Nam  conícntir  ventura  tam  ditoía, 
Doute  as  alas  do  A-nor  perdidas  nclla. 

Qie  irais  te  poíío  dar^ Ninfa  ftrmofa, 
Jnda  que  o  mar  de  sljofar  me  cubrira, 
Toda  efta  praya  leda,&  gracioía 

Amaníamíe  ondas,quebra  o  vento  aitaj 
Minha  tormenta  fo  n^nca  ío  ílcga: 


Vento  algum  até  agora  o  nam  laltea: 
Três  dias  ha.que  ekrito  aqui  o  deyxou 
Amor.  &  o  veda  a  toda  torça  alhca. 

EUccom  luasmaós  propio ajudou 
Acícolher  eftas  cone has^aííir mando. 
Que  o  Sol  para  ti  iò  as  matizou 

Hum  ramo  te  colhi  de  coral  brando, 
Antes  que  o  ar  lhe  dén"e,parecia 
O  que  de  tua  boca  eftou  cuydando. 

Ditoio  fe  o  íoubeíle  mda  algum  dial 


RIMAS 


í68 


RIMAS 

D  O    G  R  A  N  D  E 

luís  de  gamões 

m 

TERCEYRA  PARTE- 

^,  Tercetos  a  Bl'Rcy  Dom  Sehaítiam. 


REYbemaventurado,emqucin  parece 
Aquelía  alta  efperaoça  jà  comprida» 
De  quanto  o  Ceo^Sc  a  terra  te  oífercce. 

De  Deos  fermoía  pIanta,conccdMÍa 
A  lagrimas  de  Amor,&  lealdade, 
Bem  ooflb  íò.dc  noíTa  vida^vida. 

Em  quanto  efta  innocente,í^  brada  idade 
Por  Deos  crefccado  vay  felicemcnte, 
Té  o  mundo  encher  de  nova  claridade, 

Em  quanto  eíle  teu  Povo,&í  do  Oriente 
NovoaLiefcentamento  por  ti  efperaõ. 
De  outrosKeys, doutras  terrasdoutra  gente. 

Taes  promeíTásos  Ccos  de  ti  nosderaó 
No  teu  taó  rnilagrofo  nafcimento, 
E  eíprito  igual  em  ti  a  cilas  puzeraô. 

Eu  levado  de  araofjdeíanro  intento 
f  Qu?ni  ante  efia  brandura  temeria^ 
Detcrte  com  meu  ver fo  hum  pouco efpcro 

Dc[pois  virá  hum  taó  dlcolo  dia, 
QueastLias  Keaes  Qumrasdefprfgadas 
Na  multidão  de  to  ia  a  Berbéria,) 
F  As  vitoriof^s  frotas  carrega  ias 
Das  cativas  Coroas, &bandeyra';, 
De  outro  cíphtn  mayor  fejaõ  cantadas. 

Agora  ouve,Sínhor^as  verdadeyras 
MufaSjquelevaõ  os  Reys  a  cíta  alta  gloria, 
Tendo  por  armas  íò  velas  ligeyras. 

Quantas  armadas  conta  a  ant igua  hiftoria^ 
Quentos  grandes  exércitos  perdido», 
;JDeyxáj:aó  aos  mais  pequenos  a  viíloria.' 


Eíles  ta  Oto  no  muudo  conhccidof,' 
Cujos  nomes  vencerão  tantos  annos, 
N  â.0  foraó  fó  por  força  obedecidos, 

Nãofc  fubjigaõcoraçoens  humanos 
De  boa  vontade^a  força  hum  pcyto  aberto 
Os  vence  de  bom  amor^fem  arte»&  cngano5 

NeíVa  fombra, onde  tudo  anda  encuberió» 
Quem  da  verdade  vè  mais  que  a  figura 
Quem  feu  panodircytoleva,&  certoi 
Huns  falfos  longes  de  huma  vãa  pintura 
Com  íua  cor,ao  parecer  luílrofa, 
Qiiantos  detém  com  falia  fermofura! 

Naõ  tem  cores^nem  dobras  a  fermofa 
Verdade,que  buícaes,ó  gente  cega, 
Humilde^ôc  nua  cílâ,oaô  taó  cuílofa: 

Não  hc  hun»  íò  Cnpido,quç  almas  cega,c 
Mais  ha  no  mundo  que  huns  íós  vãos  amor. 
Qiiehetudooque  à  vontade  mal  íe  entrega 

Aquelles^que  do  Amor  foraõ  pintores. 
Que  os  olhos  lhe  tiràrãOj&  o  deícubrirão. 
Fintarão  para  l<eys,&  Emperadores. 

Altos  engenhos, que  em  figura  viraõ 
A«:  forças  defte  próprio  amor  imigo, 
Que  moco  A  cego,&  nu, Peruei  fingirão, 

Ca;fa  huna  traz  em  fí  mefmo  feu  perigo» 
Herdado  defta  natural  fraqueza, 
Qje  tanto  fazem  homem  de  fi  amigo. 

I^uaes  fomos, Senhor,na  natureza* 
Aíli entramos  na  vid3,aíTi  fahimos, 
O  entendimenco  he  noíTa  fortaleza. 

Igualmcntg 


Rimas  do  grande 

Igualmente  de  hum  fó  principio  vimos, 
Iguaimentea  hum  fim  todos  corremos, 
E  huma  eítrada  com.num  igual  fcguimos, 

N  íi  ter í a  a  mortCja  vida  nos  Ceos  temos, 
Quanto  eíla  terra  mais  que  os  Ceos  olhaajos> 
Tanto  caminho  do  bom  fim  perdemos. 

Cegos  de  nós,que  nos  taõ  mal  trocamos^ 
Qyea  parte  vil>&i  bayxa  fenhorea^ 
E  o  mais  alto  ao  mais  bayxo  cativamos^ 

Força  crueijquc  dentro  em  nòs  guerrca, 
Vemos  a  cega  vontade,a  razão  clara, 
E  leva  afli  de  nòs  viftoria  fea. 

Aquelle  lume,que a  alma  illuflraj&  aclara 
Apagado  por  nós,nclle  he  perdido. 
Como  mortos  nos  deyxa,&  defampara,. 

Deu  o  remédio  Deos,eis  hum  erguido 
Por  elle  em  poder  alto,do  que  o  povo 
He  jà  por  bem  levado,ou  conftrangido. 

Náo  he  nome  de  Rey  titulo  novo, 
Co  clle  começou  o  mundo,&  dura. 
Por  fabulas  antigas  naõ  me  movo. 

Depois  que  da  quella  alta  termofura 
Veyo  o  primeyro  homem,&  atriftc  forte 
O  envolveo  nerta  fombra  groíra,&  eícura. 

Fugio  a  luz^entrou  armada^a  mortei 
Cumprio  nova  vigia, &  guarda,&  ley^ 
Qucocegomoftrealu2,&obrigue  o  forte. 

Elegco  Oeos  Paftora  íuaGrey, 
Vio também  a  razaò  oeceílldade. 
Eis  aqui  eley  to  hum  Rey,eis  outro  Rey. 

ConformCjôcjuntoo  povo  numa  vontade 
Num  íò  por  bem  commum  todos  poderes, 
Prometendo  obediencia,&  fieldade^ 

Obrigarão  fuás  vidas,ícus  avcres, 
Prometeo  o  bom  Rey  juftiça,&  paz, 
E  rcmediOjfkfoccoíroa  feus  mifteres. 

Dalli  fogeyto  ao  Rey  o  povo  jaz, 
Da  111  fogeyto  o  í<ey  à  boa  razaó. 
Da  mcfrna  luz, que  era  fi  eíla  força  traz. 

A  quem  rodos  íeus  bens,&  vidas  daõ 
Por  oslivraç  da  injuriajôc  violência 
Se  Ihaselle  fizer,aquem  fe  iraô? 

Será  juiz  ííjuftaconfciencia 
E  aqucíleíantOjSí  natural  preceyte 
Deve  á  ley  o  que  a  fez  obediência. 

Quem  o  caminho  ha  àc  jr.oftrar  direyto, 
Se  troce  dei If^i^"^'  fegue  a  falfa  eílrada, 
Como  terá  feu  povo  á  ley  íògeyto? 

Poz  Dcos  na  mão  do  Rey  a  vara  alçada 
Para  guia  do  povo  crrado,&  cego, 
Mas  naõ  foy  fó  ao  feu  defcjo  dada. 

Como  defiro  Piloto  no  alto  pego 

ULPart, 


Luis\d€  Camões,  169 

Co  leme  guia  a  nao,hora  a  huma  parte, 
Hora  a  outra  a  dcfvia  do  vao  cego,  -^ 

Naõ  valem  alli  forças,vál  fò  arte. 
Arte  vence  do  mar  a  ira  efpantofa. 
Arte  fem  ferro  vence  o  fero  Marte 

Hydra  de  mil  cabeças  enganoíai 
Pego  de  tantos  ventos  revolvido. 
Não  fe  vence,lenhor,com  mão  forçofa^ 

Em  duas  iguaes  partes  repartido 
Te  deu  Deosteu  poder  em  premio,empeiia 
Defifeacadâhum  o  que  lhe  for  devido, 

Aquelle  que  à  íua  vontade  ordena 
Todas  as  coufas,olha  com  que  amor 
Paga  o  bem  logo,&:  de  vagar  condena. 

Naõ  íe  acha  alli  reípeyto,nem  favor^       , . 
Tanto  vai  cada  hum,quanto  merece, 
Iguaes  ante  elle  fj  o  fervo,&  fcnhor  \ 

Olhatebcm  ,gram  Rcy,&  a  ti  conhece," 
Nacidofò  para  reger  a  cantos, 
E  deíía  grande  Alteza  o  teu  fira  decc. 

Vertehas  igual  na  humanidade  a  quantos 
Mandas,veràs  o  fim  taõ  duyidofo. 
Como  quem  tãbem  morre,&  nace  em  pratos 

Que  prefta  íer  na  terra  poderoQ>, 
Se  o  alto  fim  do  Ceo  le  põem  em  íorte. 
Que  até  ao  Filho  de  Dcos  foy  taô  cuftofoJ 

Corte  o  bom  Rey  primeyro  porfi,corte, 
M^is  vence  o  exemplo  bó,q  o  fcrro,&ofogo 
Não  pode  errar  quem  contra  fi  he  forte 

Nem  a  própria  affeyção,nem  brandorogo 
Tire  a  força  à  razão^ou  à  igualdade. 
Nem  fe  lhe  faça  fempre  falfo  jogo. 

Somente  em  Deos  razão  hc  a  vontade^ 
Abfoluto  poder  não  o  ha  na  terra 
Antes  fora  injuíliçajôc  crueldade. 

Que  vontade  mortalifenhor  naô  erra, 
Seajuftaley^  &  razãoa  náocnfrea, 
De  que  naíce  a  injuftiça,&  cru  1  guerra 

Cada  hum  pinta  èm  It^u  peyto  aquella  idea 
A  qual  ou  mal,ou  bem^fe  íe  aflfeyçoa^ 
AíTi  lhe  lie  íermofa,ou  lhe  fae  fea. 

A  boa  guia  he  a  inclinação  boa^ 
A  qual  nafce  do  claro  entendimento, 
E  com  fâcil  difcurío  ao  melhor  voa. 

Tanto  vai, tanto  pode  o  fanto  intento. 
Que  íò  por  fi  a  honra, &  louvor  crcce 
E  a  obfH  que  vai  dez, faz  valer  cento. 

E  quando  humanamante erro  acontece^ 
f  Quem  pôde  acertar  fempre)a  culpa  he  leve 
Etodoobemjuizo  a  compadece. 

Qiieinjuítiça  íèrá,que  não  releve 
Não  fahir  á  vontade  a  obra  iguaJ^ 

Y  Foii 


lyo  Rimis  âo  grande 

i^ois  pelo  intento  fó  julgar  fe  deye. 

No  livre  peyto,&  coração  real 
Eftà  o  bem  conimum  fempre  fundado 
Não  pôde  de  cal  fonte  manar  mal. 

Ama  o  povoo  bõ  Rey,&  hcdelle  amado^ 
Ledo^&  tacilemcrer,&  julgar  bem, 
Imigodj  todo  o  animo  dobrado. 

Sempre  a  mão  larga/empre  aberto  tem 
O  generoío  peyco  ao  premio  juíto, 
E  triíle,Sl  vagarofo  à  pena  vem, 

Êíte  he  chamado  Bõ,&  Grande^  Augufto 
Da  Pacna  Pay,Prazer,6c  Amor  do  mundo 
Morral  imigodotyrano  injullo, 

Eíle  lago  de  hum  alto,&  de  hum  fecundo 
Engenho  até  as  Eítrellas  bem  cantado. 
Voando  vay  na  terra  fcm  íegundo 

Tal  nos  cr«ce,gram  Rcy,por  Deos  já  dado 
Inda  mayor  que  as  noíTas  eiperanças, 
Mayor  que  íua  Eltrelk,&  alto  Fado, 

Cedo  ceuefprito  vencerá  as  tardanças 
Pq  tcmpo,Sí  idade,&cedo  renovando 
irás  dos  íantos  Reys  altas  lembranças. 

Começ^te  jà  agora  ir  coftumando 
A  pòr  em  nos  ttqs  olhos  Rcacs  fereoos, 
O  manriflimo  Avò  teu  imitando  ("nos» 

Inceyro^^  humano  aos  grádes,&  aos  peque* 

'Petiçâmfeyta  ao  Regedor  de  bwna  mbre  mu 

(aypn/à  no  Itmoeyro  4a  Cidade  de  Lisboa,, 

por  fe  dizer jqtie fizera  adultério  ajeu 

m  ir  ido  que  era  na  Indiai  f^yta 

^^or  Luís  de  Lamões, 

S  Frito  valcrofOjCujo  eílado 
O  alto  peos  prç)rpcre,&  acrefcentCriJaiv. 
KegeçHÍ9  o  fiel  Reyno  defcaníado. 
Com  vida  fel iciílínia,&  contente;  - 

A  vos, em  quçrn  o  humil  ncccfiiiado     lí,  ;jG 
^cha  fempre  favor^.Si  amor  ai  dente, 
Ptço  qucyrâiSQuv»r,que  na  verdade^ 
Z:lo,&  amor  de  Dcos  me  pcríuade. 
Naõ  vos  ícja  peíado  o  atreverme 
A  quere/  emprender  íujeyto  alheyo 
Porque  fízeraõ  lagrimas  nioverme 
Vir  ante  vós0uíado,&  fcm  receo* 
E  le  por  tal  quiíerdes  conhecerme, 
Servindovos  de  mim, por  algum  meyo, 
O  nome,o  braço,aMufa,&  quanto  poíTo, 
Ha  jà  muy to^ícnhor^que  tudo  he  voíTo. 

Quem  vos  iftooíferece  dirà  quanto 
Deicjo  muyto  ha  jà  ferves  aceyto. 
Porque  corp  yoíTo  zeloso  favor  lanto, 


Luís  de  Camões^ 

Faça  meu  rude  verfo  algum  provcytoí 
Qiiecobrindome  vós  com  voíTo  msnto, 
A  cu  fer  nobre  tendo  algum  refpeyto, 
Sey  que  poíTo  ganhar,o  que  não  tenno, 
Pois  me  naó  faltaó  forças,nem  engenho. 
Porem  iíto^lenhor,deyxandoa  partCi 
Que  razaõ  he  de  vida,a  que  me  guia, 
A  vòs  venho  com  força,engenho, &  arte,   , 
Por  i nfluxo  do  Cco  que  a  vòs  me  envia: 
A  vòs  aquém  tem  dado  Apolo,&  Marte, 
Defensthefouros  parte,&  melhoria, 
Venho  cantar  com  voz  rouca,&  chorofa, 
Por  huma  encarcerada  dcíditofa, 

A  vós  venho, fenhor, na  confiança 
Do  voíTonome  pondo  meu  fentido 
Que  qut  m  em  vòs  confia,tudo  alcança,' 
Sendo  coufajde  que  Deos  he  fervidoj 
E  pois  el  Ic  vos  deo  juíta  balançi, 
Para  pezar  juíliça,&  dar  ouvido, 
Ouvi  a  petição  da  miíeravel. 
Com  quem  Fortuna  foy  taõ  pouco  aflavel. 

Ouvi  da  pobre  Dona  Catherina 
O  grande  defemparo  inopinado, 
A  quem  nenhum  remédio  determina. 
Ou  permite  feu  duro,&  cruel  fadoi 
Qneíe  na  tenra  idade  foy  mofina 
Sua  vida  entregando  ao  vaõcuydado. 
Aja  noíTo  càíligo  com  btandura, 
Porque  o  medo  a  fará  viver  ícgura. 

Aja,renhor  cuydar,que  he  moça  pobre 
Que  pobreza  não  cem  nenhum  rcípeyto, 
E  mais  não  tendo  idade^que  Ihs  fobrc. 
Para  faber  fugir  do  que  he  mal  fcyto: 
Aja  também  cuydar,que  he  fangue  nobre, 
E  ao  jugo  da  Igreja  inda  fugey  to. 
E  que  podem  nafcer  de  tal  proceíTo 
Hum  grandej6<  crueliílimo  íuceflTo» 

Ccrto,quccom  razão  urgente, gi  clara 
Tem  alguma  razão  a  infclice, 
QLie  fe  ninguém  recoihe^nem  ampara 
Atriltcoiíaã  na  flor  da  meninice, 
A  Fortnnacruel^em  tudo  avara, 
Para  lhe  acarretar  tníle  velhice 
Lhe  entrega  a  honf  a,&  purc  caftidadc 
Nas  mãos  de  buma  vital  neceílidade. 

Bem  lcy,quede  trr  culpa  naó  carece, 
Só  por  não  fer  do  fangue  feu  lembrada, 
Masdefelheocaftigo,que  merece, 
E  não  para  taõ  longe  deílerrada: 
Qiie  fe  para  là  for,bem  fe  conhece, 
Quaó  vilmente  fera  vituperada, 
Dando  rootivo  ao  lude  marinhcyro, 

Que 


Que  fe  ja  incotiiiente  carníceyro^ 

Vede,íenhor,o  rifco,aqut  Ic  obriga 
A  d.  iditoía,&  frágil  mocidade^, 
Senhora  não  vay  bulcar,ou  parte  imiga. 
Que  lhe  defenda  íua  honelhdade 
Naõ  queyrais  naó  íenhor,queo  mundo  diga 
Ah, que  grande  rigor,8c  ciueldadei 
Comoiávaydizendo,&  murmurando. 
Sua  grande  ignorância  difculpando. 

Eu  certo  naó  duvido,quc  o  Piloto, 
O  MeftrCjO  Marinheyto,  Capitão 
U  ftm  do  coílumado  vicio  roto 
Com  toda$,as  que  cm  feus  poderes  vaò: 
Dayme  vòs,fenhor,hum,  que  efté  remoto 
De  taldilicia^oeftaocafiaój 
E  eu  direy  talio,  o  que  vos  digo, 
Tomando  lubre  mira  todo  o  caftigoj 

Ja  naó  ha  Ki  joâo  pofto  cm  deícrto, 
Que  Icja  a u  Ceo^por  caltor,taó  aceyco 
]Si:n)  ha^quem  naõ  cometa  d  fconcertOi 
X>lcflatorptza  bruta, &  vil  íugey CO.* 
Já  naó  ha  hi  Hicronymo  taó  certo, 
QiiCjCom  pedra  na  máo  ferindo  o  peyto, 
Dá  carne  eíhmulado,allí  lhe  digai 
Não  te  chegues  a  mim,carne  inimigíi^ 

A  culj.  a  he  dos  parentes  deícuydados. 
Que  vendoa  fem  aroparo,&  fem  abrigo 
Lai  tempo,que  os  mais  ricos^gi  esforçados 
Temendo  a  Dcos,fup;iaô  feu  caftigc* 
Huns  para  feus  jardins  determinados 
Outros  por  onde  o  Ceo  lhes  foíTc  amigo, 
A  dey  xarão  tão.íò  nefta  Cidade, 
Batalhando  CO  a  vil  neccffidade. 

Pois_,quem  ouveraahi,que  nâocahira 
Vendoíe  em  tal  cílremo,em  tal  miícría. 
Qual  Arthemifa  aqui  não  confent ira 
Qual  Romana  Scfaronia,cu  qual  Valeria? 
E  qual  Lucrécia  fo  a, que  iílovra, 
Qiienãorend.raojugoàvil  matéria.? 
Qual  Thcbana  Thimv  chia^ou  linda  Sara, 
Cu  qual  mulher  de  UlilTcsfe  negara? 

Qu 4  tora,aque  fe  vira  t  m  táo  infefta 
Baialha,turbultnta,&  elpaíttcfa^ 
Exercitando  a  moiterija,&  meíiaj 
Seu  duro  officio,brava,6c  rigurcfa. 
Que  Nympha  ouvtra  ahi^que  Dcoía  Vefta . 
Em  virginal  ( Itado  poderosa, 
Que  não  rendera  a  tudon  csPonome, 
Pornão  mcrrer  nas  mãos  dadura  fome? 

Ah  valerofo  eíprito^cafo  he  ifto, 
Para  fe  dar  perdão  à  fraca  ovelha, 
Nâo  íeja  o  perdão  ícu,  feia  de  Chriftoi 

IlI.Part. 


Rimas  dogrãn^f  ^^^^  ^^  Camões, 


^71 


Poisellea  perdoar  nos  aconfelha: 
Aíli  nos  altos  Cens  fcjais  bem  quiflo, 
E  vos  incline  Deos  attenra  orelha, 
Que  vos  lembre, renhor,rcudefcmparo, 
Pois  fois  dos  pobres  pay  &  amigo  claro 

Poriíroclhay,íenhor,o  quanto  importa 
Cortar occafiões  com  fioagudo^ 
Porque  não  fe  cortando,abreíe  porta 
Do  laícivo  defejo  ao  Nauta  rudo, 
E,fc,como  vos  digo^efta  fe  corta, 
O  Ihando  bem  as  leys  do  claro  elludo^ 
Será  grandeza  voíTa  muy  fobida, 
Defla  real  profapia  produzida. 

Olhay,que  temjíenhor,huma  minina 
Doauíenteconforte,&  filha  fua, 
Muytodefemparada^ôc  pequenina. 
Fora  do  natural,deípida,&  nua. 
Sede  vòs,fenhor,agoada  Piícina* 
A  voíTo  zelo  tudo  íe  atribua, 
Que^movendovos  ellc,não  duvido,' 
Que  tudo  a  ella  ícja  concedido. 

EfifloU  de  Luís  ãe  Cantões^ 

DU  vidofa  efperança,certo  medo 
Senhora  de  me  não  ouvir  meus  danosí 
Fizerão  que  não  fiz  ifto  mais  cedo. 

Mil  remédios  bufquey  bufquev  enganos. 
Por  incobrir  o  mal  que  me  cauíais, 
Temendo  outra  mór  dor  dos  defenganos 

Mas  tudo  quanto  fiz,fíz  pordemais 
Amor  que  como  quer  de  mim  ordena, 
Náo  fofre  que  tal  dor  encubra  mais. 

A  íeH  voílb^fenhora  me  condena 
NiÃo  mcrce  me  faz  íc  a  vos  offende 
A  culpa  ao  amor  day.amim  a  penaj 

Não  cuydeis,que  minha  alma  fe  defende 
Decouía,dequevós  fcrdes  contente 
Forque  íò  iíTo  b"uíca,&  iíTo  pretende. 

Ditofa  dor^a  que  por  vós  íe  fente, 
Ditoío,pois  conheço  (ftii  verdade^ 
Fera  não  íer  das  minhas  def  contenter 

Com  tudo,a  náo  poder  huma  vontade 
Tam  pura,&  tanto  a  medo  cíFerecida, 
Movcrvos  de  meu  mal  a  piedade.- 

Não  quero  irais  vivcrjnâo  quero  vida, 
Milhor  me  íerá  morte,que  dtfgoflo, 
A  nuem  tanto dcítjovtr  fervida.     . 

Banhem  f  oisrrinhas  lagríra  s  meu  roflo^ 
Sofpire  o  coração,quf  treme, &  srde, 
rhorar,&  fufpirar  fcjao  meu  gofto. 
JMão  queyrao  os  meus  fados, que  irC  guarde 

Ya  Oe 


ijz  Rimas  do  Gr  anda 

De  fendr  nOva  dor^novo  tormento, 
Que  finto  muyto  mais  íentillo  farde, 

Quifera  dcsque  tive  entendimento, 
Por  verjfe  com  firmeza  vos  movia, 
Nâotere:n  outra  coulaopenlamento, 
Em  vòs  Guydar  a  noyte^em  vòs  o  dia, 
Porvòs  fentir  prazer,por  vos  trifteza, 
bem  vóSjter  para  mim^quc  não  vivia. 

Mas  nem  por  iíTo  haja  mda  em  vós  crueza, 
Sofrcfe  mal  num  pcyto  delicado. 
Parece  Coufa  contra  a  natureza, 

O  lhay,que  em  vivas  chamas  abrafado» 
Por  remediOjícnhora^ore  vós  venho, 
Bufcalo  noutra  parte hc  efcufado. 

Porque  não  vai  faber^força^ou  engenho, 
Pedras, pala v.  as,er vas  de  virtude, 
Contra  o  golpe  d'âmor,quc  n*alma  tenho. 

Se  volTos olhos  podem  dar  faude. 
Se  neíte  grave  mal  me  náo  íoccorrem, 
Dexmeme  morrer  jà, ninguém  me  ajude, 

Ditofos  íáo  os  triftes, quando  morrem 
No  começo  dos  dannos,que  oáo  íentem, 
Quão  vagarofis  as  cr iltezas  correm* 

Porem  feasefperanças  me  não  mentcnii 
Eípero  dcfte  conto  inaa  fer  fora 
Que  cruezas  em  vós  nao  íe  confentem, 

E  Tifim  a  fim  de  tudo  ifto  he,íenhora^ 
Que  ÍQ  me  náo  valeis/inhais  perccrto> 
Que  cedo  virey  a  derradeyra  hora, 

Já  que  meu  mal  voí  tenho deícuberto, 
Avey  demim  dó  não  íejaiíloem  fim 
(( 'omo  diz.^m^dar  vozes  cm  deítrro 
Valeyme,que  por  vos  me  perco  a  mim, 

'     .     REDONDILHAS* 

S  Óbolos  rios_,que  vão 
Por  Babylonia  me  àchey 
Onde  íentado  chorcy 
As  lembranças  de  Syio, 
E  quanto  nella  paííey. 
Ali i  o  rio  corrente 
De  meus  olhos  foy  manado, 
E  tudo  bem  com  para  lo, 
Bqbylonia  ao  mal  preíente, 
Syão  íio  tempo  paflado. 

Alli  lembranças  contentes, 
N^alma  fereprefencàráo, 
E  minhas  coufa^  aufentes,' 
Sc  fizerão  tam  prefentcs. 
Como  íe  nunqua  paffàráo. 
AlUdctpois  de  acordado. 


Luís  de  Camtes\ 
Co  rofto  banhado  em  agoa, 
Deftc  íonho  imaginando^ 
Vi  que  todo  o  bem  paiíado, 
Nam  hegofto,mas  he  magoa, 

E  vi,que  todos  os  danos 
Secaulaváo  das  mudanças, 
E  as  mudanças  dôs  annos. 
Onde  vi  quantos  enganos 
Fazo  tempo  áscfpcranças. 
Allivi  omayor  bem. 
Quão  pouco  eípaço^que  dura, 
O  mal  quáo  depreffa  vem^ 
E  quão  trifte  citado  tem. 
Quem  íe  fia  da  ventura. 

Vi  aquillo,que  mais  vai, 
Qtie  então  íe  entende  melhor. 
Quando  mais  perdido  fori 
Vi  o  bem  fuccedsr  mal, 
E  o  mal  muyto  peor. 
E  vi  com  muyto  trabalho. 
Comprar  arrependimento.' 
Vi  nenhum  contentamento, 
E  vejome  ami,que  efpalho 
Triíles  palavras  ao  vento. 

Bem  fâo  rios  cilas  agoas. 
Com  que  banho  eíle  papel. 
Bem  parece  fer  cruel. 
Variedade  de  magoas, 
E  confufâo  de  Babel, 
Como  homem^que  por  exemplo 
Dos  trancesjcm  quefeachou^ 
Deípois  que  a  guerra  deyxou, 
Pelas  paredes  do  templo 
Suas  armas  pendurou; 

AíTi  deípois  que  aíTentey, 
Que  tudo  o  tem  po  gaitava 
l>a  triíleza^que  tomey, 
Xsloslalgueyros  pendurey 
OsorgáosjCom  que  cantava. 
Aquelle  inftromento  ledo, 
Dcyxey  da  vidapaííada, 
Dizendo^mu fica  amada, 
Deyxovosnefte  í^rvoredo 
Aa  memoria confagrada, 

Fr?.uta  minba.que  tangendo 
Osmontes  fazeis  vir. 
Para  onde  eftaveis_,corrpndo, 
Easagoas,quehiáodccendo 
Tomavão  logo  a  fnbir. 
Jamais  vos  nãoouviràó 
Os  tigres, que  feamanfavão, 
Easoyeíhas,quepâílavâo,  ^ 


Das 


I 

i  ^mas 

f  Díis  ervas  íe  fartaràó, 

Que  por  vos  ouvir  deyxaváo. 
Já  nem  fareis  docemenre 

Tím  rohs  tornar  abrolhos» 

Na  ribeyra  florecencc, 

Nem  poreis  frco  à  corrente^ 

£  mais  Te  for  dos  meus  olhos. 

Não  movereis  a  eípeíTura, 

Nem  podereis  jâ  trazer 

Atraz  vós  a  fonte  pura. 

Pois  nam  pudefte  mover 

De  (concertos  da  ventura. 
Ficareis  otferecid4 

Aa  t^^araa^queíempre  vella, 

Frauca  de  iDim  tam  querida^. 

Porque  mudandofea  vida. 

Se  muJão  os  g(ftos  delia. 

Acha  arenra  niocidade 

Prazeres  acomodados, 

E  logo  a  mayor  idade 
Já  ícnte  por  ( ouquidade 
Aquelles  goíto^  paílados. 

Hum  ^ofto,que  hoje  fe  alcança^ 
Aa  Hianháa  jáonamvejoj 
Adi  nos  traz  a  rriudan^a 
De  efpcrançií  em  efpcrançe, 
E  de  derc)o  em  dciejo, 
Mas  em  yída  tam  efcaífa, 
Que  clpcrança  fera  forte? 
Ff  aqueea  de  humana  íbrte, 
Que  quanto  dav  ida  paíla, 
Eítá  recitando  a  morte, 

Mas  dey  xar  nefta  efpcíTura 
O  canto  da  mocidade, 
Naõ  cuyde  a  gente  futura 
Que  Itráobra  daijadc, 
O  que  hc  força  da  ventura. 
Que  a  ideda,t«:  mpo,&  efpanto 
De  ver  quão  lig^yro  paíle, 
N  unqua  em  mi  pudérão  tanto, 
Que  pofto  que  dcyxo  o  canto, 
A  caufa  delle  r.eyxafle» 

Mas  em  trirtezas^Sí  nojos 
Em  gofto,&  contentamento, 
Por  S('l  por  nev(,por  v  nto, 
Teràm  pre^^ente  a  los  ojos^ 
Porqaien  mucro  tan  contento 
OrgãoSj&  frauta  dcyyj^va, 
Dcípojo  meu  ram  querido, 
No  falgueyro,Que  alli  eftava, 
Que  para  trofeo  ficava, 
De  qucra[mc  tinha  vepcido. 


dogrande  Luisdt' Camões] 

Mas  lembranças  da  afFtyçãôi 
Que  alli  cativo  rac  tinha. 
Me  perguntarão entaõ, 
Que  era  da  mufica  minha 
Que  eu  cantava  em  Syão: 
Que  foy  daquelle  cantar. 
Das  gentes  tam  celebrado. 
Porque  o  deyxava  de  ufar, 
Pois  (empre  ajuda  a  pafl^ar, 
.  Qualquer  trabalho  paííado? 

Cantão  caminhante  ledo. 
No  caminho  t  rabalhoío, 
Por  entre  o  cfpeço  arvoredo^ 
E  de  noyce.temerofo 
Cantando  refrea  oroedo. 
Canra  o  prezo  docemente, 
Osduros  grilhões  tocando, 
Canta  o  íeg?dor  contente, 
E  otrabalhador  cantando^ 
O  trabalho  mtnos  fente. 

Euquecítas  couías  fenti 
N^almsde  mgoas  tarncheaj 
Como  dirà^reipondi. 
Quem  tam  alheo  cftá  defy. 
Doce  canto  em  terra  alhea? 
Como  poderá  cantar 
Quem  em  choro  banha  o  peyto? 
Porque  fe quem  trabalhar. 
Canta  por  menos  canfar. 
Eu  fo  def^-anfo*  cogeyto. 
Que  nam  parece  lazão^ 
Nem  leria  couía  idonia. 
Por  abrandar  a  payxaó, 
Que  cantaíle  em  Babylonia 
As  cantigas  de  Syaõ. 
Que  quando  a  muy ta  graveza 
De  íaudade  quebrante 
Efta  vital  fortaleza j 
Antes  morta  de  tdfteza. 
Que  por  abrandala  cante. 

Que  fe  o  fino  peníamento, 
Sò  na  triíteza  confiílei 
Naõ  tenho  medo  ao  tormento^ 
Qiie  morrer  de  purotrifte, 
Que  mayor  contentamento? 
Nem  na  frauta  cantarey 
Oqueraílo^ík  p  licyja, 
Nem  menos  o  eícrcvcrey j 
Porque  a  pena  cPnlarà, 
E  eu  nam  deícanfarey. 

Que  fe  vida  tam  pequena. 
Se  acrecenta  em  terra  eilranha^ 


m 


È 


174  Rimas  do 

t  le  amor  aíli  ordena, 

Razaõ  he  que  canfe  a  perw, 

Decrcrever  pena  tamanha; 

Porém  íe  para  aíTentar, 

O  que  fence  o  coração, 

Apeoajà  mecanf^r, 

Islamcaníe  para  voar 

A  memoria  em  Syac. 

Terra  beraaventurada^ 
Se  por  algum  movimento 
Da  alma  me  fores  tir^^da, 
Mmha  pena  íeja  dada 
A  perpetuo  efquecimento 
Apena  dcftedeftero, 
Qj.ie  eu  mais  defcjo  efculpida, 
£m  pedraiou  em  duro  fcrio^ 
Eíía  nunqua  íeja  ouvida, 
Em  caíligo  de  meu  erro. 

Ele  cu  cantar  qyifcr, 
Em  Babyl  ínia  fugeyto, 
Hieruíalem  fero  tever. 
A  voz  quando  a  mover  .ti 

Se  me  congele  no  peyto: 
Aminha  língua  íe  apegue 
A  ai  fauct  s  pois  ttj  perdi 
Ss  emquanto  tiver  aíli 
Houver  te^upojem  que  te  negue. 
Ou  quemeeíqutrça  deti. 

Mas  ó  tu  terra  de  gloria. 
Se  eu  nunqua  vi  tua  eílencia. 
Como  me  lembra^  na  auíencia, 
Náo  me  lembras  na, memoria, 
Sc  nem  na  reminifccncía: 
Que  a  alma  he  taboa  raza 

Que  com  a  eícrita  doutrina 

Celefte,tanto  imagina^ 

Que  voa  da  própria  cafa, 

E  íobe  à  pátria  divina. 
Nim  he  logo  a  faudadc 

Das  terras, onde  nacco, 

A  carne, mas  he  doCeOj 

Daquella  f^nta  cidade, 

Donde  cita  alma  deícendeo; 

E  aquellâ  humana  figura, 

Quecà  me  pode  altera»-, 

Nam,he  quem  íe  ha  de  bufcar, 

He  rayo  da  fermofura, 

Que  íò  fe  deve  de  amar.         >o^on~j< 
Que  os  ólhos,&  aluz.quc  atca 

O  fogo, que  cá  íugcyta 

Nam  do  Sol, mas  d^  candea^ 

Hefombradaquellaidéa,     . 


grande  Luis  de  Camões] 

Que  cm  Deos  eftà  ntiais  perfeyta: 
E  os  qne  cà  me  cativaram. 
São  poderofos  eíTey  tos, 
Que  os  corações  cem  fugeycos, 
Sofifl:as,que  ma  enfináraõ 
i      Mãos  caminhos  por  direytos, 
Deftes  o  mujido  tyrano, 
Mc  obriga  comdelatino, 
A  caDtar  ao  íom  do  dano. 
Cantares  de  amor  profano. 
Por  verfos  de  amor  divÍDo; 
Maseu  luftrado  CQ  íanto 
Rayo  na  terra  de  dor. 
De  confuroés,&  de  clpanto,' 
Como  hey  de  cantar  o  canto, 
Que  fó  íe  deve  ao  Senhor? 
T^nto  pôde  o  b:  ncficio 
Da  graça^que  dá  íaude, 
Que  ordena, que  a  vida  mudct 
>      E  oouc  tu  tomey  por  vicio. 
Me  faz  grão  para  a  virtudCt 
E  faz,que  eíle  natural 
Amor.que  tanto  íe  preza^ 
^      Suba  da  fombra  ao  real, 
Da  particular  belleza, 
Para  a  beleza  geral. 

Fique  logo  pcnduraia 
A  frauta,com  que  tangi 
Oh  Hieruíalem  ia  grada, 
E  tome  a  lyra  dourada^  .. 
Paraíó  cantar  de  ti, 
Kam  cativo,êc  ferrolhado 
Na  Babylonia  infernal, 
Mas  dos  vicios  deíatado, 
Ecá  dedâ  a  ti  levado, 
Pátria  minha  natural, 

E  feeu  mais  dera  cerviz 
A  mundanos  accídentes» 
Duros^tyranoSjôc  urgentes, 
Riíqucíe  quanto  já  fez 
Do  grão  livro  dos  viventes, 
E  tomando jà  na  mão 
A  lyra  íanta,&  capaz 
Doutra  mais  alta  invenção, 
Calefeeíla  cnnfuíao, 
Cantefe  a  viíao  de  paz, 
Ouçameopaftor,&  oRey, 
fi  TítjVí     Retumbe  elie  acento  íanto, 
'-'^      Movíííenomundoefpanto, 
^     Quedo  que  jà  mal cantey, 
APalinodiajàcanto,'  •     '; 

A  vós  íó  me  quero  ir. 


i 

Scnhoç 


Rimas  do 

SenhofjSc  grão  Capitão 

Da  alta  torre  de  S  yaó, 

Aa  qual  nam  poflo  fubír, 

Se  me  vòs  nam  dais  a  mao, 
Nograõ  dia  fingular, 

Que  na  lira  o  douto  íom, 

Hieruíalem  celebrar, 

Lembray  vos  de  caftígar 

Os  ruins  filhos  de  Edom, 

Aquelles,que  tintos  vão 

InIo  pobre  fangue  ínnocentCj 

Soberbos  co  poder  vaõ, 

Arrazalos  igualmente. 

Conhe^aõ^que  humanos  faó 
Ea  quelle  poder  tam  duro 

Dos  aff :ytos,com  que  venho, 

Quecncendem  aJraa,&  engenho 

Que  jà  me  cntràraõ  o  muro 
Do  livre  arbítrio  que  tenhoj 
£(tes,que  tem  furiofos 

Gritando  vem  a  eícalarme^ 
Mãos  cfpiritos  danoíbs,  t  obne: 

Que  querem  como  forçoíos, 
Do  alicerfe  derribarme, 

Derribayosjfiquenn  íòs. 
De  forças  fracos, imbelles. 
Forque  nam  podemos  nós, 
IsIemcomeUcsíra  vós, 
I\Vm  fem  vós  tiranos  delles: 
]SÍ  Hm  baila  minha  ira quezaj      \  Toq  vic 
Para  medardcfeníaó. 
Se  vòs  fanto  Capitão, 
Nelta  mmha  fortaleza, 
Nam  puzeídts  guarnição 

E  tu  ócarne,que encantas 
Filha  de  Babel  tam  fea,  _..   . 

Toda  ds  mileria  chea  '  r>mvú 

Que  mil  vezes  te  levantas. 
Contra  quem  te  íenhorea: 
Beato  fo  pôde  ler^ 
Quem  com  a  ajuda  celeftc 
Que  contra  ti  pcrvalecer, 
fc.  te  vier  a  fazer 
O  mal, que  lhe  tu  fizeííe. 

Quem  com  ú\(  iplina  crua 
Se  fere  mais,que  huma  vez. 
Cuja  alma  de  vicios  nua. 
Faz  nodas  na  carne  fua. 
Que  já  a  carne  nalma  fez. 
E  beato  quem  tomar 
Seus  pcnfamcntos  rczentes, 
E  em  nafcendo  os  afogar^ 


g fv.  nãe  Luis  de  Cawêes, 

Por  nam  virem  a  parar 

Em  vicios  graves, &  urgentes^ 

Qiiem  com  clks  logo  der 
l^a  pedra  do  furor  lantOj 
E  batendo  os  desfizer 
Na  pcdra,que  veo  a  fer 
£m  fim  cabeça  do  canto: 
Quem  logo  quando  imagina 
Nos  VÍCIOS  da  carne  mà» 
Os  pentamentosdcclinai 
A  aquelia  carne  divina, 
Que  na  Cruzeftevc  já. 

Quem  do  vil  contentamento 
Cá  deíle  mundo  viíiveU 
Quanto  ao  homem  for  poflivel, 
Pafiar  logo  o  entendimento 
Fará  o  mundo  intelligivelj 
Alli  achará  alegria 
Em  tudo  petfeyta,6c  chea 
De  tam  íuave  armonia. 
Que  nem  por  pouca  rccrea. 
Nem  por  fobtja  en  faília» 

Alli  verá  tam  profundo 
Miílerio  na  fumma  altezas 
Que,vencida  a  natureza, 
Os  mores  fauílos  domundd 
J  ulgue  por  may  or  bay  xeza: 
Oh  tu  divino  a  pofenro^ 
Minha  pátria  Gngular, 
•íj*a     Se íòconí  te  imaginar. 

Tanto  fobe  o  entendimetltoj 
Que  fará  fe  em  ti  fe  achar? 

Ditoío  quem  fe  parti 
Fará  ti,tetra  cxcellente, 
Tam  juílo,6c  tam  penitente^ 
Que  dcípois  de  aci  fubir 
Lá  defcaníe  eternamente^ 

Carta  a  huma  Tíama* 

QUerendo  cfcrcver  hum  dia 
O  mal,que  tanto  cftimey, 
Cuydando,no  que  poria. 
Vi  Amor.quc  me  dizia, 
Eff  rcve,que  tu  oocarcy. 
E  como  para  felcr 
Nam  hera  hiftoria  pequena, 
A  quedíímiquizfazer, 
Das  afãs  tirou  a  pena 
Com  que  me  fez  cícrever, 

E  logo  como  a  tirou. 
Me  dííTe^iviva  os  erpricas^ 


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Rimas  do  Grande  Luis  de  CamSes. 


Que  pois  em  teu  tavor  íoli, 
ElUpena^quq  te  dou. 
Fará  voar  tcus  elencos, 
E  dandome  a  padecer 
Tudo,o  quequizjquepuzeíTe, 
Pude  em  fim  aelle  dizer 
Que  me  dco  com  que  eícreveíTe, 
O  que  me  deo  aeícrever, 

Euquecíle  engano  entendi 
Diflelhe  ,quc  eícrevcrcy? 
ReípondeOjdizendo  afli: 
Altos  eíFeytos  de  ti, 
E  da  quelia  a  quem  te  dey, 
E  já  que  te  manifefto 
Todas  minhas  edranheias^ 
Efcrevcipois  que  te  prezas. 
Milagre  de  hum  claro  géfto, 
£  de  quem  ouvio  triílezas. 

Ah  fcnhorajcm  quem  fc  apnra 
A  fé  de  meu  penfa memento, 
Eícutay9  8t  eílay  atento, 
Que  conn  voflfa  fermofura^ 
Igual  a  amor  meu  tormento^ 
L  pofto  que  tam  remota 
Eftejais  demeefcutar,  afoim-. 

Forme  nam  remediar, 
Quvi,que  pois  Amor  notai 
Milagres  Tão  de  notar» 

Eícrevem  vários  authores. 
Que  junto  da  clara  fonte         ;  aJíOí .. 
Do  GangeSjOS  moradores  '  "" 

VivcíT»  do  cheyro das  flores,      .- -. 
Que  naccm  naquelle  moncc»  A-j'>iipoís 
Se  o^  íentidos  podem  dar  ira  fiit3i,ii  ê) 
Maiitímento  ao  viver,  '  ''^     ■' 

Nam  he  logo  de  efpantar^ 
Se  cites  vivem  de  cheyrar,  íí isJa ísl  ; 
Que  viva  eu  (ó  de  vos  ver. 

HumaM<vore  fecôahecc,     h> 
Que  na  geral  alegria. 


Se  defpois  lhe  fofle  dado. 
rmd     Eu,quecriey  de  pequena 
A  vifta  a  quanto  padece. 
Deita  íorre  me  acontece. 
Que  nam  me  faz  mal,  a  penai 
Senàm  quando  me  fallece. 

Quem  dl  doença  Real, 
De  longe  enfermo  íe  íentc. 
Por  (egredo  natural. 
Fica  íaô  vendo  íòmentc 
Hum  volátil  animal. 
Do  mal,que  Amor  em  mi  cria. 
Quando  aquclla  Finix  vcyo, 
Ssóde  todo  ficaria. 
Mas  ficamc  hydropefía. 
Que  quanto  mais,mais  defejo, 

Dabibora  he  verdadeyro, 
Sc  a  conforte  vay  bofcar. 
Que  em  íe  querendo  juntar, 
Deyxa  a  peçonha  primeyro. 
Forque  1  he  im  pede  o  gerar: 
Afli  quando  me  aprefento 
Avoíla  vifta  inhumana. 
Apeçonhado  tormento 
Deyxo  a  parte,porquedana 
Tamanho  contentamento. 

Querendo  amor  íuftcntarfe. 
Fez  huma  vontade  efquiva, 
Dehuma  cftacua  namorarfe 
Deípois  por  manifeftarfe. 
Converteoaem  mulher  viv^.^ 
De  quem  me  irey  queyxando 
.  Ou  quem  direy,que  me  engana, 
Sc  vou  figindOj&  bufcando 
Huma  imagem, que  de  humana 
Em  pedra  fevay  tornando? 

Dehuma  fonte fe  fabia. 
Da  qual  certo  íe  provava. 
Que  quem  lobre  ella  jurava. 
Se  falfidade  dizia. 


E  lia  canto  fe  entrn^tece/^'?^!»  obnsiatj y^     Dos  olhos  logo  cegava 


Que  comohc  noyteflorecè,'^uj;Jí;^ 
E  perde  as  flores  de  dia. 
Eu  queemvervosfinroopreço. 
Que  em  voíla  villa  confifle. 
Em  avendome  entriftcço. 
Porque  fey,que  nam  mereço 
A  gloria  de  verme  trifl:e. 

Hum  Rey  de  grande  poder,       i  ^«li  «cí'! 
Com  veneno  foy  creado. 
Porque  fendo  collumado, 
Na|n  lhe  pudeíle  em  peçer, 


orr^ 


Vos  que  minha  liberdade. 
Senhora  ryranizais, 
Injuftamente  mandais. 
Quando  vos  fallo  verdade. 
Que  vos  nam  Dofla  vtr  mais. 

Da  palma  fe  efcreve,&  canta 
Sertamdura,&  tamforçofa^ 
Que  peio  nam  a  quebranta, 
Mas  antes  de  prcfunçofa. 
Com  ella  mais  fe  levanta, 
Co  pôzo  do  a)al>que  daiSj» 


Rimas 
A  conílancia,que  em  mi  vejo^ 
Nam  lomentcttia  dobrais. 
Mas  dobraíe  meu  defejo, 
Comqueentam  vos  quero  mais. 

Se  alguém  os  clhos  quízer 
As  andorinhas  quebrar^ 
LogoíHfnây,fem  íe  deter. 
Huma  erva  lhe  vay  buícar. 
Que  lhes  faz  outros  naccr. 
Eu  que  os  olhos  tenho  atento 
Nos  vofibs,que  cftrellas  íáo, 
Ccgaõíe  os  do  entendimento. 
Mas  nacemme  os  da  razão, 
De  folgar  com  meu  tormento. 

Lâ  para  cnde  o  Sol  íac^ 
Deícubrimos  navegando 
Hum  novo  rio  admirando. 
Que  o  lenho  que  nelle  cae. 
Em  pedra  íe  vay  tornando^ 
IM  am  fe  eí pantem  dillo  as  gentes: 
Mais  razão  íerá^que  cfpante 
Hum  coração  tam  poiraate» 
Que  com  lagrimas  ardentes» 
Sc  converte  cm  diamante. 

Pode  hum  mudo  nadador 
Na  linha^ôc  cana  influir 
Tam  venenofo  vigor. 
Que  fáz  mais  nam  íc  buJic 

0  braço  do  peícador. 
Sc  couieçâo  de  beber 
Defte  veneno  excellentCj 
Meus  olhos  ft  m  íe  deter 
Não  fe  íabem  mais  mòvcr 
A  nada  que  fe  aprefenie» 

Iftoíaô  claros  finais 
Do  muyto  queemmipodcisj 
Nem  podeis  deíejar  mais, 
Que  íe  veryos  deícjais, 
Em  mi  claro  vos  vereis, 
E  quereis  vcr^a  que  fim^ 
Em  mi  tanto  bem  íe  poz, 
Porque  quiz  amorafllm^ 
Que  por  vos  verdes  a  vós 

1  ambem  me  viíTeisa  mim. 
Dos  males, que  me  ordenais, 

Qiie  inda  rcnho  por  pequenoSi 
Sabey  íe  mos  eícutais. 
Que  já  não  fey  dizer  mais. 
Nem  vós  podeis  faber  menos, 
Mísjàqueatanto  tormento. 
Não  íeacha»quemrcíifta 
Eu  íenhora  me  contento, 
llI.Part. 


do  grande  Luís  de  Camões,  177 

Deterdcs  meu  íofrimcnto, 
por  alvo  de  voíTa  viíla. 

Quantos  contrários  confentc 
Annor  por  mais  padecer, 
Qjíe  aquella  viíía  cxcellente, 
Que  me  faz  viver  contentç, 
Me  faça  tam  ttifte  fer . 
Mas  dou  eílc  cntendimeno 
Ao  mal,quc  canto  me  cifende» 
Como  na  vella  íe  entende^ 
Qucfe  íe  apaga  co  vento, 
Co  meímo  vento  íe  acende. 

Experimentou  fe  algum  hora^ 
D'ave,que  chamão  Camão^ 
Que  íe  da  caía,onde  mora» 
Vé adultera  a  fenhorai 
Morre  de  pura  payxio. 
A  dor  he  tam  íem  medida, 
Que  remédio  lhe  nâo  valj 
Mas  6  ditoío  animal. 
Que  pôde  perder  a  vida^ 
Quando  vé  tamanho  mal! 

Nos  goílos  de  vos  querec 
Eílava  agora  enlevado, 
Senam  fora  falteado 
Das  lembran  ças  de  temefj 
Ser  por  outrem  deíamado, 
Eítas  íuípeytas  tam  frias. 
Com  que  o  peníamento  íonhai 
São  aílicomoas  Harpias^ 
Que  as  mais  doces  iguarias 
Vao  converter  em  peçonha, 

Fazme  eíle  mal  infinito, 
Nam  poder  já  mais  dizer. 
Por  não  vira  corromper 
Os  goílos ^que  tenho  eícrito, 
Cos  males  que  hey  de  eícrever. 
Não  quero,que  íc  apregoe 
Mal  tanto  para  cncubrir, 
Porque  em  quanto  aqui  íc  ouvir» 
Nenhuma  outra  couía  foe. 
Que  a  gloria  de  yos  ícrvir 

Outras. 

Dama  de  cftranho  primor, 
Se  vos  for 

Pefada  minha  firmeza, 
Olhaynáome  deistriíleza. 
Porque  a  converto  em  amor, 
Efecuydais, 
De  me  matar,quando  uíais^  ^ 


178  Rimas 

Deefquivança, 

Irey  tornar  por  vingança 

Amarvoí»  cada  vez  mais. 

Porém  voílo  pcnrameoCo 
Gomoizento, 
Seguirá  sua  tenção 
Crendo, que  cm  tanta  a  fíeyçâo 
Naõ  aja  acrecentacccnco. 
ISáocreais, 

Que  d-fta  arte  vos  .façais 
Invencível» 

Que  amor  fobre  o  impoíUveU 
Amoítra,quc  pôde  mais. 

Mas  jà  da  tençáo^que  íigo^ 
Medefdigo, 

Qutí  fe  ha  tanto  poder  nclle 
Também  vòs  podeis  mais  que  dk 
Nefte  mal,que  uíais  comigo. 
Mas  íe  for 

O  voíío  poder  mayor, 
Antre  nós. 

Quem  poderá  mais  que  vós, 
Se  vós  podeis  mais  que  Amor? 

Defpois  que  dama  vos  vi, 
Entendij 

Que  perdera  Amor  íeu  preço, 
tois  o  favor, que  I5e  eu  peço^ 
Vos  pede  elle  para  fu 
Nem  duvido,,; 
Qne  náo  pòdc  de  fçntido 
Refiftir, 

Pois  em  vez  de  vos  ferir, 
Ficou  de  vos  ver  ferido, 

IVÍas  pois  y clTa  y^fta  he  tal 
Er.n  meu  mal, 
Que  poíTo  de  vós  querer? 
Que  mal  podcírey  valer. 
Onde  o  meímo  mal  Amor  náo  vai 
Se  atentar,  j  ,.      , 

Nenhum  bcifl  poíío  efperar^flUíJp  m 
E  oxalá, 

Qievosa'cmbr<ane.J9, 
Se  quer  para  me  niarar. 

Mas  nem  com  ifto  creaís, 
Oue  façais 

Meus  fctviços  «lií^iii  pequenos; 
Porque  eu  quando  efpcro  menos, 
Sab  'y,queentam  quero  mais 
Nada  efpero. 

Mas  de  mi,cre^Q  ette  tero, 

Que  cm  fer  volTo^ 

Vo|  quero  tudo^o  que  poíTo^ 


íio  grande  Luís  de  CamÕe  f . 

E  náo  poíTo  quanto  quero. 

Só  por  eíla  fantafia 
Merecia 

De  meus  males  algum  frutOi 
E  não  era  certo  muyto 
Para  o  muyto,que  queria 
Demaneyra, 

Que  nam  he  na  derradcyra 
Grande  cípanto. 
Que  queoijdama  vos  quer  tanto^ 
Que  outro  tanto  de  vòs  queria, 

Jí  himas  fufpeytas, 

Sufpeytas,que  me  quereis 
Que  eu  vos  quero  dar  lug  ar. 
Que  de  cercas  memateiSj 
Se  acau fa^de  que  naccis. 
Vos  quizeíTe  confeíTar. 

Que  de  oam  lhe  achar  difculpai 
A  grande  magoa  paíTada, 
Me  tem  a  alma  tani  canfada 
Que  fe  me  confeffa  a  culpa, 
•    Telâhey  por  deículpada, 

Ora  vede  que  perigos 
Tem  cercado  o  coração. 
Que  no  meyo  da  opreíTaõ, 
A  feus  próprios  inimigos 
'    Vay  pedir  a  de  feníáo. 

Quefufpeytaseubem  fey, 
Como  fe  claro  vos  viflcj 
Que  he  certOjO  que  já  cuydcy. 
Que  nunqua  mal  íufpeytey, 
Que  certo  me  nam  íahiíTe 

Mas  queria  eíla  certeza 
Daquella,que  me  atormenta. 
Porque  em  tamanha  cftrey  tcza 
Ver  que  diíTo  fe  conteftta, 
He  deícanfo  da  trifteza. 
» ^upioT        Porque  fe  cfta  fó .verdade 
Meconfefla  limpa, &  nua, 
Decautcla,&:  falíidadc, 
Nam  pode  a  minha  vontade 
Diíconformeíerdafua. 

Por  íegredo  namorado 
H^^  certo  eftar  conhecido. 
Que  o  mal  de  fer  cngeytado, 
Mais  atormenta  fabido, 
Milve2es,que  íufpeytado. 

Mas  eu  íò,em  quem  fe  ordena 
Novo  modo  de  querella 
^Ri  3Ci    De  modo  da  dor  pequena» 


>77tJ 


Venho 


Rimai  do  grande 
Venfio  3  achar  ií  a  mayor  pena 
O  refrigério  para  clli. 
f    Jànasirrsmeíi  Haoiey, 
Nas  vinganças,nos  furores, 
Qiiejâ  doudo  imdginey, 
Ejaír.aisdcudojurey 
Dearrancar^d^alnia  os  amores, 
J  á  determiney  mudarme 
Para  outra  parte  com  ira,  \ 

Dcípois  vim  a  conccrtarme, 
Que  era  bom  certificarme, 
No  que  raoftrava  a  mentira. 

Mas  defpois  ja  de  caníadas 
As  fúrias  do  imaginar^ 
Vinha  cm  fim  arcbentaf  ■ . 

Em  lagrimas  magoadas^ 
E  bem  para  magoar,  a 

E  deyxandofe  vencer 
Os  meus  fingidos  enganos, 
De  tam  claros  defenganos,         o^CI  5;jpio^ 
Nam  polTo  menos  fazer^ 
Que  contentarmc  cos  danos, 

Epedir,que  me  tiraíTeni, 
Efte  mal  de  luípeytar. 
Que  me  vejo  atormentar, 
Indaque  meconfeííaíTem, 
Quanto  me  pôde  matar. 

Olhay  bem  fe  me  trazeisi 
Senhorapoílo  no  fim 
Pois  oeftc  eílado.a  que  vim> 
Para  quevôsconfeííeis, 
Sc  daõ  os  tratos  a  mim. 
Mas  para  que  tudo  poíTa 
Amor,que  tudo  encaminha. 
Tal  juáiça  lhe  convinha, 
Porque  da  culpa, que  hevoffa 
Venha  a  fer  a  morte  minha. 

Juíliça  tão  mal  olhada, 
01hay,com  que  cor  fe  doura, 
Que  quero  ao  fim  da  jornada, 
Quevòs  fejais  confeíTada, 
Para  que  cu  feja,o  que  moura, 

Po'sconfeflarvosjà  ^gora, 
Inda  que  tenho  temor, 
Que  nem  neiía  ultima  hora 
Me  ha  it  perdoar  Amor, 
VoíTos  pecados,  fenhora. 

E  aíTi  vou  defcfpcrado. 
Porque  ete  faô  os  coílumes 
r)^aroor,que  hemal  empregado 
Do  qual  vcu  já  condenado 
^o  inferne  de  ciúmes. 
■    llI.Part, 


LuísdeCamõesl 


m 


Laberinto  queyT^andofe  do  mundo. 
Corre  íem  vella.Sí  lem  leme 
O  tempo  defordenado, 
De  hum  grande  vento  levado, 
O  que  perigo  não  temcj 
He  de  pouco  exprimentado. 

As  rédeas  trazem  na  mã0| 
Os  que  rédeas  nam  ti  verão,  .  no^^m  i  ^  I 

Vendo  quanto  mal  fizerâo 
A  cobiça,&  ambição^ 
Disfraçados  fe  acolherão, 
A  nao^que  fe  vay  perder, 
Dcftrue  milefpcranças. 
Vejo  o  mao,que  vem  a  ter, 
Vejo  perigos  correr. 
Quem  náocuyda^que  ha  mudanças. 

Os  que  nunqua  em  íclla  andarão, 
Naíellapòílosíevcm, 
De  fazer  mal  não  deyxàrão. 
De  demónio  habito  tem. 
Os  que  ojufio  profanarão: 
Que  poderá  vir  a  fer 
O  mal  nunqua  refreado? 
Anda  por  certo,enganado 
Aquelle»que  quer  valer. 
Levando  o  cammho  erradoj 

He  para  os  bons  confufaó. 
Ver  q uc  os  mãos  per valecéraó, 
Que  pollo  fe  detiverão 
Com  cita  fimulação. 
Sempre  caftigos  tivérão, 
Naoporquegoverneoleme 
Em  marenvolto,&  turbado. 
Que  tem  íeu  rumo  mudado, 
Se  perece  grita,&  geme 
Em  tempo  deíordenado. 

Terem  jufto  galardão, 
E  dor  dos  que  merecerão, 
Sempre  caftigos  tivérâo 
Sem  nenhuma  redempção, 
Poílo  que  íc  detiveraó. 
Na  tormenta  íe  vier 
Defeíperena  bonança. 
Quem  manhas  nam  íabe  ter. 
Sem  que  lhe  valha  gemer. 
Verá  falíar  a  balança. 

Os  que  nunqua  trabalharão, 
Tendo  o  que  lhe  não  convém. 
Se  ao  innocentc  enganarão, 
Perderão  o  eterno  bem 
Sc  domai  não  íe  apartarão, 

Zí  CON: 


l8o  Rimas  ão  gr  Ande  Luís  de  Cáfnôesl 

Se  trovas  vos  enganarão^ 
CONVITE    QUE    FEZ    NA   ÍNDIA    Que  trovas  vos  defenganem. 


a  certos  í«  idalgos. 

Afrhneyra  i^uariafoypofta  a  Vafco  de 
Atatáe^Ò'  dtsita, 

Senam  quereis  padecer, 
Huma,ou  duas  horas  triftes 
Sabeis  que  haveis  de  fazer? 
BolvcrospordoveníleSj 
Que  aqui  nam  ha  que  comer 
fc  pofto  que  aqui  leais, 
Trovinha,que  voscalea 
Corrido  nam  cftejais, 
Porque  porque  mais,corrais. 
Não  eis  de  alcançar  a  cea. 

jífegunda  aTJ  ,Franct  fco  d'  Almeyda* 

Heliogabalo  zombava 
Das  peHoas  convidada?, 
Ede  forte  as  enganava. 
Que  as  iguarias,qaedava 
Vinhâo  nos  pratos  pintadas 
Não  temais  tal  travclTora, 
Pois  já  não  pódc  fcr  nova. 
Porque  a  cea  eftà  fegura 
De  vos  nam  vir  empintura, 
Mas  hade  vir  toda  em  trova. 

Ateneyra  a  Eyt  sr  da  Stlveyta, 

Cca^não a  papareis, 
Com  tudo,porquenam  minta, 
Para  bfb^r  achareis, 
Não  Caparica,mas  tinta 
E  mil  coufSjque  papeis, 
E  vòs  torceis  ofocinho 
Com  eíla  am  fibologi  a? 
Poisíabey^quea  poefia 
Vos  dà  aqui  tint^  po  vinho, 
E  papeis  por  iguaria, 

A  quarta  a  João  Lnpes  Leytão,a  quem  o  Au* 

torfez  hum  mote, que  njay  adiante ^fobte 

huma  peça  de  cacha ,  que  deo  a  hu* 

mal>ama. 

Porque  os  que  vos  convidarão 
VoíToeftamago não  danem. 
Por  juíla  caufa  oídenárão^ 


Vòs  tereis  ifto  por  tacha^ 
Converter  tudo  em  trovar. 
Pois  leme  virdes  zombar, 
Nam  cuydciSjfenhofjque  he cacha, 
Que  aqui  nam  ha  que  cachar. 

Refponde  Jaão  Lopes. 

Pelar  ora  nam  de  faro, 
Eu  juro  pelo  Ceo  bento, 
Se  de  de  conver  oam  me  daõ, 
Qje  eu  nam  íbu  Camelcâo? 
Que  me  hey  de  manter  no  vento,' 

Re  ff  onde  o  Autor» 

Senhor,nara  vos  agaftcis. 
Porque  Deos  vos  proverá, 
E  fe  mais  íâber  quereis. 
Nas  coftas  deftc  lereis, 
As  iguana$,que  ha. 

Vira  o  papeljqne  dizia  ajfu 

Tendes  nem  migalha  aíTada, 
Coufa  nenhuma  de  molho, 
E  nada feytoem  empada. 
Evento  de  tigelada. 
Picar  no  dente  em  remolho: 
De  fumo  tendes  taíTalhos, 
Ave  da  pena, que  (ente 
Quem  da  fome  anda  doente 
Bocejar  de  vinho,&  dalhos. 
Manjar  em  branco  excellentc, 

A  derradeyra  a  Francifco  de  Me  Ih» 

De  hum  homem,que  teve  o  cetro 
Da  vea  maravilhofa. 
Não  foy  coufa  duvidoía. 
Que  fe  lhe  tornava  cm  metro, 
O  que  hia  a  dizerem  proía. 

De  mi  vos  quero  affirmar 
Que  faça  couías  mais  novas. 
De  quanto  podeis  cuydar, 
Eeftacea,que  he  manjar, 
V os  faça  na  boca  em  trovas. 


^ 


Na 


Rimas  do  grande  LuUde  Camhs. 
Na  índia  ao  Vlforey^com  o  mote  adiante. 


«?- 


i8i 


Conde,cujo  illuftre  peyto 
Merece  nome  de  Rey, 
Do  qual  muyco  certo  ley^ 
Que  lhe  fica  fendo  eftreyto 
O  cargo  de  Viforrey. 

Servirdeívos  de  ocuparme 
Tanto  contra  meu  planeta. 
Não  foy  íenaõ  azas  darmci 
Com  as  quaes  vou  a  queymarme» 
Como  o  faz  a  borboleta 
Efe  eu  apena  tornar^ 
Que  tam  mal  cortada  tenho^ 
Será  para  celebrar 
VoíTo  valor  fingular, 
Dino  de  mais  alto  engenho, 
Que  íc  o  meu  vos  celebrafle 
ÍNleccíTariome  feria, 
Que  os  olhos  d*  Águia  tomaíTej 
Sò  para  que  nam  ccgaffe 
No  íol  de  voíía  valia. 

VoíTosfeytos  fublimados. 
Nas  armas  dignos  de  gloria^ 
São  no  mundo  tam  foados, 
Que  em  vós  de  voíícs  paíTados, 
Se  refufcita  a  memoria. 

Pois  aqueíle  animo  cílranho. 
Pronto  para  lodo  eífeyto, 
Efpanta  todo  o  conceyto, 
Como  coração  tamanho 
Vos  pôde  caber  no  peyto? 

A  clemenciajque  aíTcrena 
Coração  tam  fingular. 
Se  eu  niflo  puztffi  a  pena, 
Seria  encerrar  ornar 
Emcovamuyto  pequena. 
^      Bem  bafta,fenhor,que  agora 
"  Vos  fírvais  de  me  ocupar. 
Que  aíli  fareis  aparar 
A  pena,coni  que  algum  hora> 
Vòs  vereis  ao  Ceo  voar, 

Aíli  vos  irey  louvando, 
Vòs  a  mi  do  chaó  erguendo^ 
Ambos  omundoefpanrando, 
*  Vòs  com  aefpada  cortando, 
£u  com  apena  efcrevendo. 


MotCyque  lhe  mandou  o  Vifoney^para  Ihefa^ 
zer  bumas  Voltas, 

Muytofoumeu  inimigo, 
pois  que  não  tiro  dcmi 
Cuydadosjcom  que  naci. 
Que  põem  a  vida  cm  perigo» 
Oxalá,que  fora  aíli. 

O  Autor. 

'    Viver  cu  fendo  mortal 
De  cuydados  rodeado. 
Parece  meu  natural, 
Que  a  peçonha  nam  faz  mal, 
A  quem  foy  nella  criado, 
Táoto  fou  meu  inimigo* 
Que  por  não  tirar  de  mi 
Cuydados  com  que  naci 
Porey  a  vida  em  perigOf 
Oxalá  que  fora  a fli 

Tanro  vim  acrecer.tar 
Cuydados,que  nunqua  atnanfaõ. 
Em  quanto  a  vida  durar, 
Quecanfojà  dccuydar. 
Como  cuydados  nam  canfaõ. 
Seeílescuydados,que  digo, 
Déílem  fim  ami,&  afi, 
Farião  pazes  comigo. 
Que  pòr  a  vida  em  perigo, 
O  bom  fora  para  mi. 

Ahumã  dama^qtie  lhe  mandou  fedir  algumas 
obras  fuás. 

Senhora,fe  eu  alcançafíe 
No  tem  porque  ler  quereis. 
Que  a  dita  dos  meus  papeis. 
Pela  minha  fc  trocaífe, 
E  por  ver 

Tudo  o  que  poflb  efcrever. 
Em  mais  breve  relação. 
Indo  eu  aonde  elks  vão, 
Pormi  fò  quizeíTeis  ler, 

Defpois  de  ver  hum  cuydado 
Tam  contente  de  íeu  mal» 
Vereis  o  natural. 
Do  que  aqui  vedes  pintado» 
Que  o  prefeyto 
Amor,deque  foufogeyto», 
Vereis  arpero,&  cruel, 

Aqui 


i8i  Rimis  io Grande 

Aqui  com  tinta,&  papel, 
Em  mi  com  fanguc  no  peyto. 

Que  hum  continuo  imaginar 
Naquí]lo,que  Amor  ordena, 
He  peDa,queemfim  por  pena 
Senam  pode  declarar; 
Que  fe  eu  levo 
Dentro  n/il ma  quanto  devo 
De  tresladir  em  papci«?, 
Vcde,que  melhor  lereisf 
Seamijíe  aquilloque  eícrevo? 

A  htma  fenhora.  a  quem  de rão  hum  fedaço 
de  [ittm  amare  lio. 


Se  derivais  da  verdade 
Efta  palavra,^/>/w. 
Achareis  fem  falfidade, 
Que  após  o  fim  tem  o  ti m 
Que  tine  em  toda  a  cidade. 
Bem  vejo, que  me  entendeis, 
IvlâS  porque  nam  falle  em  váo, 
Sabey,que  a  efta  nação, 
Tanto  que  o  fí  concedeis, 
O  tioi  logo  eftá  na  mão, 

E  quem  da  Fama  fe  arreda. 
Que  tudo  vay  deícubrir^ 
Deve  íemprc  dç  fugir 
De  fitins,porque  da  feda 
Seu  natural  he  rugir. 
Mas  pano  fino,&  delgado, 
Qiialárax  ,&  outros  aílí, 
Dura,aqucnta,&  hecallado, 
'Amoroíoj&  dà  de  {\ 
Mais  que  fitim^nem  brocado, 

MaseíleSique  íédas  íaõ. 
Com  que  fecng-inâo  mil  damas» 
Mais  ufa  tomaõjdo  que  dão, 
Prometera,mas  nam  daráo, 
Senam  nodaspara  as  Famas. 
E  íe  nam  me  quereis  crer. 
Ou  tomais  outro  caminho. 
Por  exemplo  o  podeis  ver, 
Quando  lá  virdes  arder 
A  cafad^algum  vizinho^ 

Oh  feminina  fimprezíi, 
Dondeeftão  culpas  a  pares» 
Que  por  hum  dom  de  nobreza, 
Deyxão  does  da  natureza, 
Maisalt08,&  Angulares: 
Hum  dom^que  aodaenxertado 
No  nome,&  nas  obra3  nam. 


Luís  de  CámSesl 
Fallo  como  exprímcntadoí 
Que  fitim  deita  fcyção, 
Eu  tenho  muyto  cortado. 

Dizeymme^que  era  amarelo, 
E  quem  aíli  o  quiz  dar, 
Só  para  me  Deos  vingar, 
Se  vem  á  maõ  amarelo, 
O  que  eu  nam  poflb  cu y dar. 
Porque  quem  fabe  viver 
Por  eftas  artes  manhofas, 
Ifto  bem  pòdc  na m  fer 
Dà  a  mininas  fermofas, 
Somente  pelas  fazer. 

Quem  vos  iftodiZjfenhora, 
Sérvio  nas  voflas  armadas 
Muyto,mas  anda  jà  fora, 
E  pôde  fer  que  inda  agora 
Trás  abertas  as  frechadas, 
E  pofto  que  disfavores 
Otiráodelervidor, 
Quervos  ventura  melhor, 
Que  dos  antigos  amores, 
Inda  lhe  fica  efte  amor. 

A  hua  fenhora  rezando  por  humas  contdíl 

Peçovo$,quc  me  digais 
Asoraç5es,que  rczaftes. 
Se  fáo  pelos, que  mataftes, 
Se  por  vós,que  eíTi  matais? 
Sefaõ  porvoSjfaõ  perdidas, 
Que  qual  fera  ao  râçaõ. 
Que  fejâ  fatisfaçaô, 
Senhora^de  tantas  vidas? 

Que  fe  vedes  quanto  vem 
Afóvida  vos  pedir 
Como  vos  hà  Deos  de  ouvir, 
Se  vós  nam  ouvis  ninguém? 
Nam  podeis  íer  perdoada 
Com  mãos  a  matar  tam  prontas^ 
Queíe  numa  trazeis  contas, 
Na  outra  trazei^  elpad^i. 

Se  dezeis,que  encomendando 
Os  que  mataítes  andais, 
Sere2í^is,porquem  matais, 
Para  que  matais  rezando? 
Que  fe  na  força  do  orar 
Levantais  as  mãos  aos  Ceos, 
Nam  as  ergueis  para  Deos, 
Ergueylas  para  matar, 

É  quando  os  olhos  cerraisi 
Toda  enlevada  na  fé^ 

Ccrraofc 


Rimas  do  gund^ 
Cerraófe  os  de  quem  vosve. 
Para  iiunqua  verem  tinais 
Pois  íe  aííi  forem  tratados 
Os  que  vcs  vem  quando  oraísj 
Llias  horas,que  rezais, 
Sa6  as  horas  dos  finados. 

Pois  logo  íe  íois  íervida, 
Qiie  lanto^  mortos  nam  ícjão, 
^ara  rezeis  onde  vos  vejao, 
Oa  vede  para  dar  vida. 
Ou  íe  quereis  cfcufar 
Eltes  males^que  cauíaftes, 
Re  íucitay^quem  mataftes 
Nam  teccis^poí  quem  rezar, 

A  huma  T>ama  que  lhe  deo  humafetia. 

Se  n'alma,&  no  pcnfamento 
Porvoflb  mcnnanifefto, 
Nam  me  peia  do  que  fcntOj 
Que  íenam  fofrer  tormento, 
Faço  oíFcnía  a  voíTo  gefto. 
E  pois  quanto  Amorordcna> 
E  quanto  efta  alaia  defeja^ 
Tudo  á  morre  me  condena, 
Nam  quero  íenam  que  íeja 
Tudo  pena,pcQa,pena. 

( 
A  huma  ^ama ;  que  lhe  chamou  cara  ftm 
oíhés. 

Sem  olhos  vi  o  mal  claro, 
Que  dos  olhos  íe  íeguio; 
Pois  cara  fem  olhos  vio 
Ol hos, que  lhe  cu/lão  caro, 
De  olhos  nam  faço  menção. 
Pois  quereis  que  olhos  nam ítjâo, 
Vendovos  olhos  fobcjão, 
Nam  vos  ycndo  olhos  nam  faó 

^ifparates  na  índia. 

Eílemundoesel  camino, 

Adoay  duzientos  váf  s, 
O  per  onde  bõs,&:  maos^ 
Todos  fomos  dei  merino, 
Ma<i  o$  mãos  íaõ  de  teor^ 
Ouc»Heíquemudaõa  cor, 
Chamaó  lopo  a  ElRey  compadre, 
F  em  fim  dexaldos  mi  madre^ 
Queíempretem  hum  f?fcor, 
De  quem  torto  n^ccjCardc  fe  cndireyta 


Jjitsde  Camões,  igg 

Dcyxay  a  hum,qii<»  fe  abone, 
DizlogodemuytoíengOj 
Villas,ycaliillos  tcngo, 
Todos  a  mi  mandar  line, 
Entaõ eu, que  cílou  de  molho 
Com  alagnma  no  olho, 
Pelovirar*do  envés 
DigolhCjtu  ex  illises, 
E  poriílo  nam  te  olho, 
Pois  honra,&  prcveyto  naõ  cabem  num  faço 

Vereis  huns  ^que  no  feu  íeyo, 
Cuydaó,quc  trazem  Paris, 
£  querem  comdous  ceytis. 
Vender  anca  pelomeyo, 
Vereis  mancebinho  de  arte 
Com  eípada  em  talabarte^ 
Nam  hamais  Italiano: 
Aeftedireis,racu  mano> 
Vós  íois  galante, que  farte, 
Mas  pan,  y  vmo  anda  el  camino,  que 
no  moço  garrido. 

Outros  em  cada  teatro» 
Por  cíficio  lhe  ouvireis, 
Que  fc  macaràn  con  três, 
Y  lomiímo  haran  con  quatro: 
Prezaófe  de  dar  repoflas, 
Com  palavras  bem  coropoftas, 
Mas  íe  lhe  meteis  a  onáo, 
Na  paz  moítraõ  coração. 
Na  guera  moílraõ  as  coílas, 
Porque  aqui  torce  a  porca  o  rabo.^ 

Outros  vejo  por  ahij 
A  que  íe  acha  mal  o  fundo, 
Que  andaõ  çm  mendando  o  mundo, 
Enam  íeemmcndaóaíli 
tiles  refpondcm  a  quem 
DtUesnam  entende  bem, 
El  dulor^que  efti  fecretc, 
Mas  porém  quem  for  diícreto, 
Relpondcrlhehâ  muyto  bem, 
Aíli  entrou  o  mundOjâíTi  hade  fahir 

Achareis  rafeyro  vtlho, 
Que  fe  quer  vender  por  galgo, 
Dí2  qiieodmheyrohe  fidalgo. 
Que  o  langue  toco  he  vermtlhoi 
Sc  elle  mais  alto  o  diflera, 
Eíle pelote  pu/tra, 
Quf  oftu  echo  lhe  refponda, 
Qucíu  padrccra  de  Ronda, 
Yfu  madre  de  Antequera, 
E  quercubrir  oCeocumâ  joeyra. 

Fraldas  largíSjgraivc  aípeyro 

Parjt 


i84  Rimas  ãogr 

para  fenador  Românc> 

Oh  que  grandiflimo  engano^ 

Que  Momo  lhe  abriííe  o  pcyco, 

Conciencia,que  fobeja, 

SiíOjCom  que  o  mundo  reji 

JManfidjo  outro  que  íi 

Mas  queloboeftàemti, 

Metido  em  pele  deovcja, 

E  íabemno  poucos. 

Guardayvos  de  huns  meus  fenhores 
Que  ainda  comprão^ôc  vendem^ 
Huns,que  he  certo^qua  deícendem 
Da  geração  de  paltorcs; 
Mol^raõ  levos  bós  amigos 
Mas  íc  vos  vem  em  perigosi 
Efcarráovos  nas  paredes. 
Que  de  fora  dormiredcs, 
lrmâo,quehc  tempo  deiigos, 
Porque  de  rabo  de  porco  uunqua  bS  virote 

Qie  direis  de  hunsjque  as  entranhai 
Lheeftaõ  ardendo  em  cobiça, 
Efccem  mando,ajuftiça 
Fazem  de  tcas  de  aranhas."  X 

Com  íuas  hypocrefiaSt 
Que  íaõ  de  voíías  cípias  í 
Para  os  pequenos  huns  Neros, 
Para  os  grandes  tudo  feros: 
Pois  tu  ,parvo,nam  (abias, 
Que  U  vaõ  leys  onde  querem  cruzados? 

Mas  tornando  ahuns  enfadonhos. 
Cujas  coufas  faó  notórias, 
Huns,quecontâó  milhiftorias. 
Mais  defmanchadas,que  fonhos, 
Huns  mais  parvos, que  zaniboas. 
Que  eftudaõ  palavras  bíjas, 
A  que  ignorância  os  atiça, 
Eftes  paguem  por  juítiça, 
Que  tem  morto  mil  peíloas, 
por  vida  de  quanto  queto.  í 

Aonde  ticnen  las  mentes  ,i 

Huns  fccretos  trovadores. 
Que  fazem  cartas  deamores 
De  que  ficaõ  muv    ontentes, 
Na  n  qu:;rem  fahir  á  praça 
Trazem  trova  por  negaça, 
Efelhe  gabais, que  he  boa, 
Diz.quehe  de  certa  peíToa: 
Hora  que  quereis  que  taça, 
Se  nam  irmc  por  eíte  mundo? 

O  tu,como  me  atarracas, 
EícudcyrodeSolia, 
Com  bocais  de  fidalguia, 


ande  Luís  de  Camões", 

Trazido  quafi  cora  vacas, 
Importuno  a  importunar, 
Morto  pordeíenterrar 
Parentes,que  cheyraó  jà, 
Voto  a  tal,que  me  fará 
Hum  deites  nunqua  fallar 
Mais  com  viva  alma. 

Huns,qnc  fallaõ^muyto  vi. 
De  que  quizera  fugir, 
Huns^que  enfim  ícmíefentir^ 
Andaõ  fallando  entre  (i: 
Porfíolos  íem  razão, 
Edeíquc  tomaó  amaó^ 
Fallâõ  íem  neceíl^dade, 
E  íe  algum  hora  he  verdade. 
Deve  ícr  na  confiííaõ^ 
Porque  quem  nam  mente^ 
Jà  me  entendeií. 

Oh  vÓ8,quem  qucr,que  me  lerdes 
Que  haveis  de  fer  avifado, 
Quedizeitao  namorado, 
Que  caça  vento  com  redes? 
J  ura  por  vida  da  dama, 
Falia conílgo  na  cama, 
PaflTca  de  noyte5&  elcarra^ 
Por  falfete  na  guitarra 
Pocm  íempre,viva  quem  amaj 
Porque  calça  a  fcu  piopofito. 

Mas  dcyxemoSjfe  quiserdes. 
Por  hum  pouco  as  traveíluras. 
Porque  entre  quatro  molduras 
Leveis  tairibem  cinco  verdes. 
Deytemonos  mais  ao  mar» 
E  íe  algum  fe  recear, 
PaíTe  trcSjOU  quatro  trovas, 
E  vós  touTiais  cores  novas? 
Mas  nam  he  para  eípantar^ 
Que  quem  porcos  ha  menos, 
,    Em  cada  mouta  lhe  roncáo. 

Oh  vòs,que  íois  íecretarios 
Dasconciencias  Reais, 
Qye  entre  os  homens  eftais 
Porícnhores  ordinários: 
Porque  nam  pondes  hum  frco 
Ao  roubar  ,quevay  fem  meo, 
Debayxo  de  bom  governo? 
Pois  hum  pedaço  de  inferno, 
Porpouco  dinheyro  alheOj 
Se  vende  a  MourOj&  a  judeu 

Porque  amante  affeyçoada 
Sempre à  Real  dinidadc, 
Vos  faz  julgar  por  bondade, 


teimas  do  grande  Luis  de  CamUs, 


A  malícia  defculpada? 

More  apreíença  Real 

Huma  aífeyção  natural, 

Q_ue  iogo inclina  ao  Juiz 

A  íeufavor,&  nam  diz  éovín 

Hum  rifaõ  muyro  geral,    . 

Qiic  o  Abbadc  donde  canta,dahí  janta, 

E  vós  baylais  a  eflc  lum. 
Por  ijlo  gcncis  paítoreSj 
Vos  chama  a  vòs  mcrcadoresi 
Hum, que  íò  foy  paftor  bom 


Sevindes,porque  me  daís 
Tormentos  deíefperados, 
Eu,que  lempre  fofri  mais> 
Nam  digOjQue  nam  venhais. 
Mas  porem  a  qu ;  cuydados? 

Ao  fxefmo. 


Í85 


Se  as  penas^que  amor  me  deui 
Vem  por  tam  íuaves  meos, 
Nam  ha  que  temer  receos> 
Que  vai  hum  cuydado  meu, 
A  João  Lopes  Leytãoyfo^re  humspeça  de  ca-    For  mil  dcícanfos  alhcos. 
cha,  que  mttndou  a  huma  'Dama^que  fe         Ter  nus  olhos  tam  fermofos 

Os  fcntidos  enlevados. 
Bem  fcy  que  cm  bayxos  eftados, 


íbefazta  donzella. 
Mote, 


lObõJl 


Se  voflTa  danpa  vos  dá. 
Tudo  quanto  vós  quizeftes> 
I)izey,para  que  lhe  deites, 
O  que  vos  ella  fez  jâ? 
Sendo  osrcítos  envidados^ 
E  yòs  de  cachas  mil  contos. 
Sabeis  com  quaõ  poucos  pontof, 
Queolhos  achaft  s  quebrados: 
ÍSeoquetem  líTovosdá^ 
Vós  muy  bem  lho  mereccftes, 
porque  íe  a  cacha  lhe  deitei 
Tinhavola  feyra  jà,        i.nduv  ^ 


São  cuydados  pcrigofos, 
Mas  porém  a  que  cuydados. 


Carta  com  aglofa achm^       X^  ^Jsi  f. 

D  Eyxe-me  enterrar  no  erquccimentodc 
V.  m.  crendo  me  feria  aíll  mais  feguro: 
mas  agora  que  he  fervida  de  me  tornar  a  re- 
fuícitaPjpor  moftrar  íeus  podere$,lembrolhe, 
que  huma  vida  trabalhoía,he  menos  de  agra- 
decer, que  huma  morte  deícanfada.  Masfc 
eftavida,que  agora  de  novo  me  dà^for  par» 
ma  tornar  a  tomar,fcrvíndofe  della^  nam  me 


i  iii  ,  fica  mais^que  dcíejar,  que  poder  acertar  com 

eftc  mote  de  v.m.  ao  qual  dcy  três  cntendiraê- 

A  Dona  Francifca  de  Aragão^que  lhe  Ptan-    tos,regundo  as  palavras  delle  pudéraô  íotrcr, 


àou  glofar  efta  regra» 

Mas  porem  a  que  cuydados. 

Tanto  mayores  tormentos 
Foraõ  femprc,osque  fofri, 
DaqHÍllo,que  cabe  cm  mi. 
Que  oann  íeyjque  penfamcntos, 
São  os  para  que  nacf. 
Quando  vejo  cíle  meu  peyto 
A  perigos  arrifcâdos. 
IncUnadOjbem  íufpeyto, 
Que  a  cuydados  íou  fugeytOé 
Mas  porem  a  que  cuydados.^ 

Ao  me  fino. 
Que  vindes  cm  mim  bufcar, 
Cuydadcs,que  íou  cativo? 
Eu  nam  tenho,que  vos  dar. 
Se  vindis  a  me  matar. 
Já  ha  muyto,que  nam^  vivos 
-lU.Parc. 


fe  forem  bons  ,  hc  mote  de  v.  m.  íe  rnaos» 
íaó  as  glofas  minhas. 

Mote  alheo. 

Campos  bemavcnturados 
Tornayvos  agora  triftes. 
Que  os  díasjem  que  me  viftcs 
Alcgrcsjá  faõ  paíTados 


'      Glofa. 

Camposcheos  de  prazer 
Vós,quecftais  reverdecendo, 
Jàme  alegrey  com  rosver, 
Agora  venhoa  tcmef, 
Que  entrirteçais  em  me  vendo, 
Epois  a  viíla  alegrais 
Dos  olhos  defcfperados, 
Nam  quero^que  me  vejais, 

Ar 


lU 


Vi 


Par4 


para  que  fempre  Icjais, 
Campos  bemaventuradoS. 

Porem  fe  por  accidcntc 
Vos  pcfarde  meu  tormento, 
Sabercis,que  amorconíencc, 
Que  tudo  me  dcícontcnte, 
Senam  dcfconcentamcntc). 
PoriíTo  vós,arvoredos 
Que  jà  nos  meus  olhos  viftes 
Mais  alígriasiqucmedos, 
Se  mos  quereis  fazer  ledos^ 
Tornayvos  agora  triftcs^ 

Jà  me  viíles  (édo  íer. 
Mas  dcfpois  que  o  falío  Amor 
Tam  criítc  me  fez  viver, 
Ledos  folgo  de  vos  ver 
Porque  me  drobeis  a  dor# 
E  fc  cíle  goílo  fobejo 
De  minha  dor  me  f^^ntiftes^ 
Julgay  quanto  mais  deícjo 
As  horas,quevos  não  vejo, 
Que  os  dias^em  que  me  viíles. 

Otempo,que  hcdefigual. 
De  fccoSjVerdes  vos  tem, 
forque  em  voíTo  natural, 
Sc  muda  o  mal  para  o  bemi 
Mas  o  meu  para  mór  mal. 
Se  perguntais,verdcs  prados, 
Pelos  tempos  difFerentes, 
Que  de  amor  me  forão  dados 
Triftès,aqui  í^ó  prefentes, 
Alcgf esjá  faò  paíTados. 

Mote  alheõ. 


Rimas  do  grande  Luis  de  Camões. 

Qiialquer  trabalho  mè  fora 
Por  vòs  graó  contentamento^ 
Kad^  fentira^fenhora, 
Sc  vira  diílo algum  hora, 
Em  vòs  hum  conhecimento, 
Porma],queomíil  metrataííc 
Tudo  por  bem  tomaria, 
Poijto  que  o  corpo  cançaíTe, 
Aalmadeícanlaria, 
Sc  para  vòs  trabalhaíTe. 

Quem  voíTas  cruezas  jà 
Sofrco,a  tudo  fe  poz, 
Coílumado  ficará 
E  muyto  melhor  íerà^ 
Sc  trabalhar  para  vòs, 
Triftczas  cfqueccriãoi 
Pofto  que  mal  me  tratarão, 
Annos  nam  me  lembrariaó. 
Que  como  cíloutros  paífàraõj 
Tempos  triíles  paífariaô. 

Se  íoíTc  galardoado 
;  /'*!    Eíletrabalho  tam  duro, 
^    '     Nam  vivera  magoado^ 
Mas  nam  ofoy  o  paflado, 
Como  o  fera  o  futuro? 
De  canfar  nam  canfaria. 
Se  quÍ2ereis,quc  canfaííc^ 
Cavar,roorrer^falohia, 
Tudo.em  firo  eíqueccria 
Se  algum  hora  voslembraííc. 

Motealheo, 


Trabalhos  defcaofariaõ» 
Se  para  vòs  trabalhaíTc 
Tempos  triíles  paíTariaõ^ 
Sc  alguma  hora  yos  lembraife. 

Nunqua  o  prazer  fe  conhece, 
Senam  dcfpois  da  tormenta, 
Tara  pouco  o  bem  permanece^ 
Que  fe  odcfcanfo  florecc, 
Logo  o  trabalho  arrebenta. 
Sempre  os  bens  fe  lograrião, 
Mas  os  males  tudo  ataíhâo, 
Porém  jà  queaíll  porfião. 
Onde  defcanfos  trabalhão. 
Trabalhos  defcanfarião. 


Triftc  vida  fe  me  ord«níi. 
Pois  quer  voíTa  condição, 
Que  os  malcg,quc  dais  por  pena, 
Me  fiquem  por  galardão. 

GUfa. 

Defpoís  de  fempre  fofrer 
Senhora,voíTa$  cruezâS^ 
A  pcíar  de  meu  querer, 
Meqaereis  facísfazcr 
Meus  ferviços  com  triílezasj^ 
Mas  pois  em  balde  refiíle. 
Quem  voíía  vifta  condena, 
Preftes  eftou  para  a  pena, 
Que  de  galardão  tam  trifte, 
Trifte  vidaTc  raeordena 

De  contente  do  mal  meu) 
Atam  grande  cílremo  vim^ 


^^ 


Qjic 


\ 


RimaT 
Queconfintò  cm  minha  fim, 
Aií»quevós>&  mais  cu, 
Ambos  fomos  contra  tnim. 
Mâs  que  fofra  tncu  tormento^ 
Sem  querer  maísgalardáOj 
N  am  he  fora  de  razaõ, 
Que  queira  meu  ío  frimcnto 
Fois  quer  voíTa  condição» 

O  mal, que  vós  dais  porbeaij 
Eííc,renhora,hc  morcal. 
Que  o  mal,que  dais  como  mal 
tm  muyto  menos  íe  tem, 
Porcoítume  natural^ 
K^las  porém  neíla  vitoria, 
Que  comigo  he  bem  pequena 
A  mayor  dor  me  condena, 
A  pena^que  dais  por  gloria, 
Que  ot  males, que  dais  porpena. 

Que  mor  bem  me  pofia  vir^ 
Que  fervirvos  nam  o  ícy, 
Fois  qu2  mais  quero  cu  pedir. 
Se  quanto  mais  vos  fcrvir; 
Tanto  mais  vos  dcvercy? 
Se  voílos  mereci  mentos 
De  tam  alta  eílima  raô> 
Aííaz  de  favor  me  daõ» 
£m  querer, que  meus  tormentos 
Me  fiquem  porgalatdaó. 

Mote  alheo. 

fi  nam  poiTo  fcr  contente, 
Tenho  adfperança  perdida. 
Ando  perdido  entre  a  gente 
Nena  niorro,Qem  tenho  vida* 

Glofa^ 

Defpois  que  mcacrticl  Fado 
Deílruiohuma  elpcrança, 
£tu  que  me  \i  levantado. 
No  mal  fíqucy  fem  mudança, 
E  do  bem  dcíefperado: 
O  coração,  que  iílo  fentc, 
A  fua  dor  nam  refiftc. 
Porque  vé  muyclaraniente, 
Que  pois  naci  para  trifte, 
Jánam  poíTo  fcr  contente. 
f^Por  iíTo  contentamentos 
Fuiíi  de  quem  vos  dcfprcza, 
Já  fiz  outros  fundamentos, 
li  fíz*fenhora  a  triíleza 
lll.Part. 


do  grande  Luts  de  Camões. 

De  todos  meus  penfamectos 
O  meno8,que  Ihcentregutyi 
Foyefra  Cànlada  vida, 
Cuydcque  nifto  accrtcy. 
Porque-  de  quanto  efperey. 
Tenho  a  cfptrança  perdida. 

Acabar  de  inc  perder 
Fora jà  tnuyto  melhor. 
Tivera  fim  cAador 
Que  nam  podendo  mor  fer^ 
Cada  vez  a  finto  móf} 
Devòs  deíejoefcondermc, 
E  de  fsi  principalmente. 
Onde  ninguém  pofla  verme. 
Que  pois  me  ganho  em  perdfrme 
Ando  perdido  entre  a  geiite« 
Goílos  de  mudanças  chcoí 
Nam  me  bufqueiSjOam  vos  quero» 
Tcnhovos  portam  alheos. 
Que  do  bemiquc  naó  cfpcro, 
Inda  me  ficaõ  receos. 
£m  pena  taní  fem  medida, 
£m  tormento  tam  efquivo» 
Qae  moura,ningucm  duvida» 
Mas  eu  fe  morro,ou  íe  vivo^ 
Nem  morro^nem  tenho  vida. 

Mote  a  humé  Tramas 


18; 


\  A  mortCjpois  que  íou  toíTo, 

N  am  na  quero»mas  fe  vcm^ 
Hade  fer  todo  meu  bem., 

Glofa. 

Amor,queein  meu  penfamento 
Com  tanta  f é  íe  fundou, 
Mc  tem  dado  hum  regimento, 
Que  quando  vir  meu  tormento. 
Mc  faive  com  cujo  fou, 
£  com  efti  de  fcnfáo. 
Com  que  tudo  vencer  ponfo, 
Diz  a  cauía  ao  coração^ 
Nam  te«  em  mi  jurdição, 
A  morte^pois  qucíou  voíTo, 
Por  exprimentar  hum  dia 
Amor,re  me  achavar/orte, 
Ncfta  fé^como  dizia, 
Meconyidou  com  a  morcCp 
Sò  por  ver  fe  a  tomaria. 
£  com  elU  feja  a  coufa. 
Onde  câà  todo  meu  bem, 

Aa  a  RcfpoíidiJhè 


> 


TÍS  Rtm^s  ^Grande  Luís  de OiffiSesl 

Kcrpon  Jihc,comoq  liem 
Quer  dizer  mâis,&  naai  oufa, 
Nam  a  qucro,mas  íc  vem. 

N  im  diilè  maiSjporque  entãa 
Entendeo  quaaco  ms  tocai 
£(c  cmhadicoo  nam, 
Muyras  vezes  diz  a  hoca^  -  im  ^b  rijè^ih 
O  que  nega  o  coração. 
Toda  a  coafi  dcfcn  iida. 
Em  mais  cftima  fc  cem, 
Fonífohecouza  íabíd-a, 
Que  p2rc[:;r  por  vos  a  vidt, 
Ha  de  icr  codo  meu  bem. 


Mstealhe». 

Scmj\  ò«,Sf  com  meu  cuydado, 
Olhay  coca  quem^^c  km  i^ucra 


{  Moteâhuma  Dama  quffi  chamava  Ânna^  ■ 

Vcjo"aalfna  pintada, 
Qutodo  me  pede  o  defejo» 
A  aatural;»que  aaoi  vepi 

Se  ró  de  ver  puramente,  in ^mi 

Mecransformey  no  que  Vi, 

De  vifta  cana  cxccUente, 

Mal  poderey  ícc  auícntc. 

Em  quanto  o  o  am  for  de  mi. 

Porque  a  aloia  namorada 

A  traz  caubcm  debuxadai 

E  a  memoria  tanto  yqa,   n  ^-íiom  A 

Qu  ^  íe  a  nâ  m  V ej  o  cm  pettoi| n  (nrA 

Vejoa  na  alma  pintada.      '"lÀúikl-i 

O  dcíej jjque  íe  cftcnde 
Ao  que  menos  íe  coiícfd^, 
Sobre  vòs  peíie,&  pertcndc 
Como  o  doenpf  ^qiie  pcdcj 
O  que  mais  (e  lhe  defende: 
Eu,quecmauiencia  n»m  ve)0| 
Tcnhí  picdaáft^  pejo,  jjjijp 

l)c  me  ver  tam  pobre  citar 
Que  então  nam  tenho,que  dui 
Quando  me  pedro  dcíejo 

ComoaqueUc,quec?gaii^  «siCÍ 

Hecouíavifta,!i  aí>wiria,  ' ' 

Que  a  natu-eza  ttrd^na», 
Que  íe  lhe  dobre  em  mcnK>ria, 
O  que  em  vifta  lhe  faltou> 
A^  a  mim, que  nam  rejo 
Of  olhos^ao  que  dcíéio. 
Na  mcmoria,&nafiri»€a» 
Jde  concede  a  natureza  í 

A  ní^tural^quc  nam  v«j^.  uj 


Vendo  amor^qtte  com  vos  ver 
Mais  levemente  íofría 
Os  malcs^que  me  fazia, 
Nam  me  pode  iílo  íofrer:' 
Conjurouíecom  oieu  Fado^ 
Hum  novo  mal  meoidcooui 
Ambos  me levào  forçado, 
Nam  fey  onde^poís,que  vou 
Sem  vós,&  com  meu  cuydado. 

Nam  ley  qual  he  maiscAranho, 
Dcftes  dous  malcs^quc  figo, 
Sc  nam  vos  ver^  íe  comigo 
Levar  imigo  tamanho. 
O  que  fica,  &  o  quç  vem. 
Hum  me  mata.cutro deíeja 
Com  tal  mal,&  fem  tal  bem, 
Em  tais  cftreraos  me  vejo, 
Olhay  com  quera,&  fem  quem; 

jfo  mefm9m 

Amor,cuia  providencia     /. 
Foy  íemprc^que  nam  errafle 
Porque  n^alina  vos  IcvsíTc 
Relpcytando  o  mal  de  aufencít, 
Quiz  que  cm  vós  me  transformaíTe 
E  vendome  ir  maltraudo^ 
Eu,6c  meu  cuydado  lòs 
Froveo  niQb  de  acteatada» 
Por  nam  me  aufentar  de  vòs. 
Sem  voj,&  com  meu  cuydado. 
Mas  cll^alraa, que  cu  trazia, 
Poiquc  vósnella  morais^ 
Deyxamcccgo,líi  icm  guia. 
Que  ha  por  niclliorconi|)anhia^ 
Ficar  onde  vòs  ficais» 
Afli  me  vou  de  meu  bem. 
Onde  quer  a  forte  eftft  Ha, 
Sem  alma, que  em  fi  vos  tcm> 
Co  mal  de  viver  fem  ^\2í, 
Olhay  com  qucm^gj  feítt  quem/ 


Mete 


Rimas  ão  grande  l,uis^e  ^al^esC 


if^ 


Mote  alheo. 

Sem  ventura  hc  [lor  demais 

Ghf». 

Todo  o*trabalhado  bem, 
Promete  goftoío  fruitcK- 
Mas  os  trabalhos,que  vem» 
para  quem  dita  nam  tem» 
Valem  pouco,&  cuitão  muyto. 
Rompe  em  toda  a  pttíra  durt. 
Faz  os  homens  immortaii 
O  trabalho  quaado  a  corá 
Mas  querer  achar  ventura 
Sem  venturâxhc  por  deitais. 

Mote  Alheio^ 

Minh'alma  Icmbnjfyoi  áélli» 


Pois  o  vervos  tenho  cm  máí$i 
Que  mil  vidasjquc  mcdeis| 
Aili  como,aque  utedai^^- 
Meu  bem  jâ  que  mó  negais 
Meus  olhos,nam  mo  negueis. 
E  leataleftado  vimj 
Guiado  de  minha  oftreHa, 
Quando  houverdes  dó  de  tóiitt. 
Minha  vida>daylhc a  fim, 
Mmh'  alma  lembray  vos  dclls^ 

Mote  âiheà. 


Tudo  pódc  huttiâ  ãffcyçSó. 

Glofa. 

Tem  tal  jurdiçáo  amor, 

N^alma  donde  fc  apoíenta^ 

E  de  que  fc  faz  ícnhor^ 

Que  a  libcrta»Sc  izericà 

De  todo  humano  rcmóf,''^'^^^''^^ : 

E  com  muy  jufta  razão, 

Como  f^nhor  rherano, 

E  róis  me  Cofre  tenção, 

Gritarey  por  defcngarío, 

Tudo  pódc  humák  aíPey^ld^ 


Trovas  de  Bofião^ 

Jufta  fue  mi  perdiciort. 
De  mis  males  foi  con cento 
Ya  no  cfpero  galirdon, 
Pues  vucftromerccimiem»^ 
Satisfiz©  a  mi  paíllon, 

Defpues  que  amor  meformó 
Todo  de  mor,qual  tvk  ^eô> 
En  las  Icyes,que  medió, 
£1  mirar  me  cohílèrtò 

Y  de  fcndiòmc  d  deffco. 
Mas  el  alma  como  injuítas 
Envicndotal  pcrfedòt»,^ 
Diò  ai  deíTeo  o  cafíoni 

Y  pues  quebre  ley  tàd  jiiftáj 
JuÃa  fue  mi  perdicion. 

Moílrandoíeme  íel  aítíof^ 
Más  benigno,quê  cr  Uel^ 
Sobretyranocraydd   íTi 
Dezelos  de  mi  dolofi 
Quiío  tomar  parte  en  élv 
Yo,quc  tan  dulce  lôrtóêfttò 
No  quicra  dallo^àufiqiae  pcêò 
Rcfifto,y  no  lo  conficntOí 
Mas  íl  me  lotoma  a  truécõ^ 
De  mis  males  foy  contA^to. 

Senora,ved  lo  qu^  ordena 
Efte  amor  tan  falfo  nueftro, 
PorpagiracoftaagCúai        b  so^f  fn:>iJiio- c'. 

Manda  que  de  un  mirar  Vâtítrd 
Haga  cl  premio  de  ííii  péná. 
Mas  vós,para  que  vcâi$ 
Tan  engafiòfá  intencionj 
iiunque  ifetiértp  me  fintais, 
Nomireis^que  fi  mirais^ 
Yá  no  eípero  galardon, 
Pues  que  prenaiojiirié  direis, 
Efperas^quc  fera  bueíio? 
SabcdjfinoloíabeiS) 
Que  es  lo  ntáS  de  lo  qúépeà* 
Lomcnos,que  mereceis. 
Quien  haze  ^%ttià\iiktf^ifi6j 
Yrnnlibrral  kí\x\mMi^\ 
El  deíTeoíNojq  ue^  ^i  vffhôí 
Elamor?No,quc  es  typ3flhcr, 
PuesfVueftro  mercciniieUtO; 


>3  tf 


um  i^H 


No  pudiendoamcírrcy^atç 


De 


ipQ  Rimâs  do 

De  mis  tan  caros  dérpojos. 
Aunquf*  fuc  por  más  honrarme 
Vòs  íòla  para  maCarmc 
Ls  prcftaftóS  vueilros  o/os. 
Macatanms  amoos  a  dos» 
Masavòscon  mátrazon 
DevcclU  íatisfacion. 
Que  a  mi  por  <;l,&  por  vós, 
SdCi6íÍ20^mi  paílion. 

Menina  feFraora«&  crua» 
Bem  íey  cu. 

Quem  dey  xará  de  fer  leu, 
Se  fòs  quizercisfcr  fua. 

Menina  mais  que  naidádc, 
Scipara  me  querer  bem. 
Vos  nam  vcj*i  ter  vontadct 
He,porquc  outrem  vola  cem, 
Tem  YOla,&  f^zvola  crua 
Porém  eu 

]á  cornara  nam  fer  mcu^ 
be  vós  Dam  fôreis  tam  Tua. 

Nos  olhoSySe  na  aífeyçáo 
Vos  vi,quaado  vos  olhava. 
Tanta  graça^que  vos  dava 
De  graça  efte  coração.* 
Nam  no  quizcftes  de  crua,    ?^>  t  j  / , 
Porícr  meui  '»  --^ 

Se  outrem  vos  dera  o  feu, 
PóJc  ícr  fôreis  mais  íui.        .j  ^^^y^ 

Menina  tende  mancyra, 
Que  ainda  nam  venha  a  (er. 
Pois  namquereis^quem  vos  qusr, 
Que  queyrais.quan  vos  naô  qucyra 
Oihay  nammeíejaisciua^ 
Que  pois  eu 

Quero  fer  voíío,&  nam  meu» 
Sede  vos  mínha,&  nam  (ua. 

Ahuma  'Dama  doente. 

Da  docnça,em  que  hora  ardeis 

Eu  fora  voíTa  mezinha 

Só  com  vós  Terdes  a  minha» 

He  mu y to  para  notar. 

Cura  tambcra  acertada, 

Q^c  podcrcisjfer  curada     .  ci-in: 


:>  akZ  ^hy^i 


grande  Luis  de  Camcef] 

Somente  com  me  curar, 
ScquereiSjdama  trocar, 
Ambos  remos  a  mezinha, 
Eu  a  voíTíi,&vósaminha 

01hay,que  nem  quer  Amor, 
Porque  fiquemos  iguaes^ 
Pois  meu  ardor  naõ  curais. 
Que  íe  cure  voflo  ardor: 
£u  cà  finto  voíTa  dor, 
Efe  vòs  íentis  a  minha. 
Day^êc  tomay  a  mezinha. 

Outro» 
Dco,fenhora,por  fcntença 
Amor,que  foifeis  doentei 
Para  fazerdes  â  geote 
Docc,&  fermoía  a  doença. 

Não  fabendo  amor  curar, 
Foy  a  doença  fazer 
Fermoía  pcra  fc  ver. 
Doce  para  íe  pafi^ar 

Então  vendo  a  differcnça, 
Que  ha  de  vòs  a  toda  a  gente 
Maadou,que  foífeis  doente. 
Para  gloria  da  doença. 
)    E  digovos  de  verdade. 
Que  a  faude  anda  envejofa» 
Por  ver  eílar  tam  fermofa 
Em  vôs  efla  enfermidade» 
Naõ  Uçais  logo  deteoça 
Senhora,cm  cftar  doente^ 
Porque  adoecera  a  gente» 
Com^defcjos  da  doença. 

Que  cu  por  ter, fer  mofa  dama 
A  doença,que  cm  vòs  vejo 
Vos  confc(ío,quc  deíejo 

^.,^    Dccahir comvoícoemcama. 

ncT    Se  confcntis,quc  me  vença 
Dcfte  mal,naô  houve  gente 
Da  faude  taô  contente 
Como  eu  ÍLrey  da  doença« 

5  jíomefmo, 

.  01hay,quc  dura  fcntença 
Foy  amor  dar  conrra  mi, 
Qiic  porque  cm  vós  me  perdi» 

Em  vós  mcbufque  a  doença. 
Glaroeftá, 

Que  em  vòs  fó  me  achará. 
Que  em  mi  fe  me  vem  buícar» 
Nampodsrá  mais  achar. 


Que 


Que  a  fórmi^do  que  foy  já. 

Que  Te  cm  vós  Amoríepoz, 
Senboia,hc  forçado  afll 
Que  o  nial,quc  me  bulca  amiV» 
Que  vos  faça  mal  avós, 
Scro  mentir, 
Amormequiz  dcílruir, 
Vor  modonunqua  cuydado, 
Pois  ha  de  íer  jà  forçado, 
Pcíaryos  de  vos  íervir 

Masfoistam  deíconhccida, 
E  íâo  meus  males  de  íorce, 
Que  vos  ameaça  a  morte, 
Porque  me  negais  avidaj 
Se  por  boa 

Tal jHÍtiçaJe  pregoa, 
Quando  deita  íorte  for, 
Havcy  vós  perdaõ  deamor^ 
Que  a  parccjà  vos  perdoa* 

Mas,o  que  roais  temocmfínij 
He  que  oclta  diíFerença, 
Que  íe  naõ  corne  a  doença 
Se  me  não  tornais  â  fnim« 
De  verdade, 
Que  jà  voflfahumamda 
Uc  queíe  queyxc  oâo  tem. 
Pois  para  as  almas  também 
Fez  Amor  enfermidade. 

Mote  a  huma  ^ama  vejlida  de  dò 

De  atormentQdo,&  perdidoj 
Já  vos  não  pcço>ícnão» 
Que  tenhais  no  coração 
O  que  ccndcs  no  veílido. 

Scdcdóviíiidaandais, 
Por  quero  jà  vida  naò  tem. 
Porque  nam  no  havcis^de  qucirt 
Vós  tantas  vezes  matais» 
Que  brado  lem  ler  ouvido, 
E  nunqua  vejo,fenão 
Cruezas  nocoraçÃo^ 
E  grande  dó  no  veítido. 

A  Dona  Guiomar  dê  Bhsfê  ,  qneymand^fe 
Com  huma  vella  n§  rojh* 

Mote, 
Amor,quc  todos  offendc 
Tcvc,íenh9ra,por  ^oíio^ 


R4mas  do  grande  Lnisâe  Camões. 


191 


Que  fcntilTe  o  voflb  rofto, 
O  que  nasalmas  acende. 

Volta, 

Àquelle  rÒílo,quc  traz 
O  mundo  todo  abrazado. 
Se  foy  de  íiamma  tocado» 
Foy  porque  finta,o  que  faz. 

Bem  ícy  que  amor  íc  vos  rcndc^ 
Porém  o  íeu  prefupofto, 
Foy  íentir  o  voíTo  rofto 
O  que  nas  almas  accndCé 

Ahuma  mulhef  açoutada  for  hum  homem^^nè 
chamavâo  Core/ma^ 

Naõ  eftcjaisagravadai 
Scnaó  fe  for  de  vós  meAna, 
Porque  a  mulher,quehe  crradii 
Com  razaõ  pola  Corefma^ 
Deve  fer  dífciplinada» 

Volta. 

Qucretáés  profano  A  mor 
Em  Coreímajhe  concienciaj 
Açoutcs,&  penitencia 
Vos  eílà  muyto  aielhor. 
Naõ  fiqueis difto  afrontada^ 
Pois  aculpa  he  voíía  mef  ma. 
Que  mulher,quc  he  taó  malvadãi 
He  bem,que  pela  Coreíma 
Seja  bem  difciplinada. 
Se  a  penitencia  vos  yal| 
Muy  bem  açoutada  cftaífi 
pois  por  Corefma  pagais» 
VoíTos  vicios  do  carnal. 
Naõ  torneis  a  fer  errada. 
Nem  condeneis  a  vós  mefma  j 
Pois  eftais  jà  eomendada, 
E  naõ  fereis  por  Corefma 
Outra  vez  diíciplinada. 

A  hum  fidalgo  \  qUe  lhe  tardava  còm  hUffiè 
[câPtiza^  que  IhefrometeOi 

Quem  no  mundo  quizer  fer 
Havido  por  ílfigular» 
Para  mais  fe  cngrandeccf, 
Hadc  trazer  ícmpreodar 

Nai  ancas  do  pfometelr.  ^ 


Rhias  do  grande  Luis  de  Camões* 

Qiiando  vindes  náo  vou  eu 
Quando  vou  naõ  virdes  vòs 
Reynandoamorem  dous  peycos, 
Tece  tantas  falíidades, 
Que  de  conformes  vontades 
liOriilí     pA      Fazdcíconformeseffcytos. 
jihujnaTiama  ,  que  lhe  chnmouJiabo  ,  pôr    Igualraentcvivcem  nós, 
fiomehoam  dos /Ãnjos,  Maspor  defconcertofcu 

í?inil3f'  Vos  leva  fc  venho  eUj 

Mote^  Mckvaíe  vindes  vòá. 


192 

tjàque  voíTa  n  crcé, 
Largueza  tem  por  divi/a, 
Como  o  inundo  todo  VC| 
Ha  ix)iíler^que  tanto  dé^ 
Que  venha  a  dar  a  camíza. 


■:v 


Senhora^pois  mc  chamais 

Tam  reiT)  razào  tam  mao  nome,   '  ^* 

Inda  o  diabo  vos  tome. 

Vcita.      '1 


Quem  quer  que  vio,ou  que  leo, 

Ttrà  por  novOj&  moderno, 

Ttr  quem  vive  no  inferno^ 

O  pcnfamento  no  Cfo. 

Mas  fe  avós  vos  pareceo,'    , , :  ^pUJ^  * 

Que  me  eftav'^  bem  tal  nome/ 

Elíe  dubo  vos  tomç» 

Perdido  mais,que  ninguém,  . 

Confefib/enhoraíícri 

Ma s  o  dia bo  naõ  quer        ,  ^  .  . . 

Aos  Anjos  tamanho  bem:  âjntiq 

Pois  logonaó  meconvem,a  oi^om 

Ou  fe  me  coo  vem  tal  nomcV 

Será  para  que  vos  tome. 

Se  vos  benzeis  com  cautela, 
Conr.o  de  Anjo,&  não  de  luz^^rjp.msd      " 
Mal  pode  fugir  da  Cruz, 
Qurm  vos  tendes  pofto  nella>    .„ 
Mas  já  que  foy  n\inha  elhella|:^f  '- 
Ser  diabojôc  ter  tal  nome, 
Guarday vos,que  vos  naó  tome. 

Já  que  chegais  tsnto  ao  cabo. 
Com  as  mãoj  póftas  aos  Ceos, 
Vouícmprepedindoa  Deos,  .n^ic^í 

Que  vos  leve  efte  diabo, 
Eu,íenhora,naò  me  gabo. 
Mas  pois  que  me  dais  tal  nome, 
«Tomoo  para  que  vos  tome.         v^í^  wttàK 

jlhum  úmlgo^qu€  naõ p dia  encontrar. 

.ií?fn  OT  ^"svO 


o  eTV  «•  »  *■ 

ÍÍÍote\ 


Qualíferâ  culpa  de  nós 
Ncftc  maluque  todo  he  meu? 


Mote  feu. 

Delcalfa  vay  pela  neve, 
Aíli  faz,qut.m  amor  ícrvc. 

Voltas. 

Os  privi!cgics,que  og  Reys 
ISiaó podem  dar,fóde  Amor, 
Que  faz  qualquer  amador 
Livre  das  humanas  leys, 
Morte$j6c[gucrras  cruéis, 
Ferro, frio, fogo,&  neve 
Tudo  íofre,quem  o  ferve 

Moça  fer  moía  dei  preza 
Todo  o  fi  io  jfii  toda  a  dor, 
O  Ihay  quanto  pòdc  Amor, 
Mais  que  a  própria  natureza, 
Medo,ncm  delicadeza 
Lhe  impede^que  paíle  a  neve, 
Aíli  fa2.qucm  amor  ítrvc» 

Por  n-ais  trabalhos,quc  leve, 
A  tudo  Te  ofFereccria 
Paílapela  neve  fria. 
Mais  slva^que  a  própria  neve, 
Com  codo  frio  íe  atrtve 
Vede  em  que  fogo  fer  ve 
Otrifte,quèlmor  ícrve. 

Outro  aiheo, 

Ador,quea  minha  alma  fence 
Nam  na  íabe  toda  a  gente^ 

Voltas, 

Que  efiranho  cafo  deamof. 
Que  dcfejado  tormento. 
Que  venho  a  ícr  avarento 
Das  dores  dè  minha  dor. 
Por  me^nam  tratar  p^or. 


Se  fe  Tabelou  fc  fente^ 

I^  aõ  na  digo  a  coda  a  geoce. 

Minha  dor,8c  caula  delia. 
De  ninguém  oufo  fiar. 
Que  feria  aventurar 
A  perdcrme^ou  a  perdela; 
E  pois  rò  com  padecela, 
A  minha  alma  eílá  contente, 
Naõquero,queoiaybaa  gentewi.úi  ò^: 

Ande  no  pey  to  eícondida 
Dentro  n'alma  lepultada 
Dcmi  íó  (eja  chorada 
De  ninguém  fejaíentida^ 
Ou  me  mate,ou  mcdé  vida. 
Ou  viva  triíle^ou  contente  ^ 

ISaó  ma  fay  ba  toda  a  gente 


Rimas  do  pánde  Luh  de  Camôesi 

Se  levante  por  feahor: 
Levame  de  dor  em  dor^ 
Edeíinalem  íinal» 
Cada  vez  para  mór  maL 


'9i 


Outro/eu, 


01  ÍBU 


D^alma^Sc  de  quanto  tiver 
Quero,que  n>e  deípojeis. 
Com  tantOtque  medeyxcis 
Os  olhos  para  vos  ver. 


Vêlta. 

Coufa  cíle  corpo  naõ  tem, 
Quejâ  naõ  tenhais  rendida, 
Deípois  de  tirarlhe  a  vida^ 
Tiray  lhe  a  morte  também: 
Semaistcnho,que  perder, 
Mais^quero,que  me  leveis, 
ComÀtancOtque  me  deyxeis 
Os  olhos  paia  vos  ver. 


{Mote  êlheo. 

A  mores  de  huma  caOida^ 
Que  eu  vi  pelo  meu  mal 

Voltas. 

Numa  caiada  fui  por 
Os  olhos  defi  fenhorcst 
Cuydcy,  que  foíTcm  amores, 
Ellcs  fizcrãcfe  amor. 
Fazfe  o  defejo  mayor 
Donde  o  remédio  nam  vaf, 
£|D  perigo  de  meu  mal. 

Nam  me  parcceo,quc  Amor 
PudcíTc  tanto  comigo. 
Que  donde  entra  por  amigo 
'    III.  Par  t. 


OutrofiU. 

Enfbrquey  minha  efperança, 
Mas  Amor  foytaõ  madraío. 
Que  lhe  coitou  o  baraço. 


,^\n*  C  ; 


rf 


Voltas. 

Foya  efperança  julgada 
Poríeotença  da  ventura, 
Que  pois  me  teve  á  pendurii 
Que  íoíTc  de  pendurada. 
Vem  Cupido  com  a  eípada, 
Cortalhe  cerce  o  baraço 
CupidO|foítc  madraço. 

Outro  Ceu. 

Fuz  o  coração  nos  olhos» 
E  os  olhos  puz  no  chão. 
Por  V  ingar  o  coração 

Voltas. 

O  coração  cnvejofo^ 
Como  dos  olhos  andava. 
Sempre  remoques  me  davat 
Que  naõ  era  o  meu  mimofo. 
Venho  cu  de  piedoío. 
Do  ícnhor  uieu  coração, 
£  boto  os  olhos  no  cháo» 

Outro  feu- 

Puz  meus  olhos  numa  funda, 
E  fiz  hum  tiro  coro  ella 
Aas  grades  de  hy ma jancUa, 

Voltas. 

Huma  dama  de  malvada, 
Tomou  ícus  olhos  na  mão, 
£  tiroume  huma  pedrada 
Com  clles  ao  coração. 
Armey  minha  funda  então, 
E  puz  os  meus  olhos  ncUa, 
Trape,qucbrcylhc  ajanelli^ 

Bb  'Atht^* 


iP4* 


-^" 

jt' 


Rim^s  ÂoGrandt  Luís  ieÇimhsl, 

A^hea.  Voltas^ 


De  pequena  comcy  amorj 
Porque  onam  cnrcodi, 
Agora^queo  conheci, 
Maca  ene  com  disfavor« 


à?5;>n 


%í' 


w  'í'--» 


Vio  moço^gí  pequenino^ 
Ea  mefdia  idade  cnúm. 
Que  Ic  incline  huma  minini 
Aasaraoftrasdehnra  mininoí 
Ouvilhe  chamar  Amor, 
Pelo  nome  me  venci, 
Nunqua  cal  engano  yi. 
Nem  tamanho  dçfamor. 

Crcccome  de  dia  cm  dia, 
Com  a  idade  a  aífc  yçáo. 
Porque  amor  de  criação, 
Nalma^ôc  na  vida  fe  cria     ^ 
Criouíeem  mi  efte  amor» 
E  fenhoreoyíe  de  mi. 
Agora  queo  conheci, 
Matame  com  disfavor* 

Asflores  me  torna  abrolhos, 
A  morte  me  determina. 
Quem  eu  trouxe  de  minina. 
Nas  mini  nas  de  meus  olhos, 
Deíla  magoa,6c  deílador. 
Tenho  fabido,que  em  fim 
Por  amor  me  percoansim, 
Porquem  de  mi  perde  amor. 

Parece  fer  caio  eftranho, 
O  que  amor  em  mini  ordena 
Que  cm  idade  taó  pequena 
Haja  tormento  tamanho. 
Sejaô  milag^resde  amor, 
Heyos  de  íofrer  aíli. 
Até  que  haja  dó  de  mi. 
Quem  eniender  cíí»  dor. 

Cantiga  velha. 


Apartar 3 ofe  os  meus  olhos 
De  mi  tão  longe, 
Falíos  amores, 
Falíos  mãos  enganadorei. 


*o^^^\ 


Tratáraômc  com  cautella, 
Por  me  enganar  mais  azinha, 
Deylhc  poíTed^alma  mmha, 
Foraóme  fugir  com  cila 
Nem  ha  vcllos^nem  ha  vella 
De  mi  taò  ionge^ 
Falfos  amores, 
Falíos  mãos  enganadores. 

Entrcgueylhe  a  liberdade, 
£  em  fim  da  vida  o  melhor, 
Foraófe,  &  do  deíamor, 
Fizeraõ  neccífidade, 
Quem  teve  a  fua  vontade, 
Demitam  longe, 
Falfos  amores, 
£  oxalá  enganadores. 

Outra» 

Falfo  cavaleyro  ingrato, 

Enganaifme, 

Vós  dizeis,queeu  vos  mato,' 

Evósmataiírae* 

.     Vêltat. 

Codumadas  artes  ião 
Para  enganar  innocencias, 
Piedoías  aparências, 
Sobre  izento  coração: 
Eu  vos  amo,5c  vós  mgrato 
Magoaifme, 

Dizcndo,que  eu  vos  mato. 
Evos  mataiíme. 

Vede  agora  qual  de  nós, 
Anda  mais  perto  do  fim. 
Que  a  juftiça  fazfe  em  mim, 
E  o  perdão  diz,  que  fois  vós. 
Quando  mais  verdade  trato 
Levantaifrae, 

Que  vos  defamo,5c  vos  mato, 
E  vós  mataiíme. 

Se  de  meu  mal  me  contento, 
He  porque  para  vóí  vejo 
Em  todo  o  mundodefejo, 
£  em  oiogucm  merecimento^ 


€.v; 


feltus: 


Rimas  io  grande  Luis  de  Camçes. 

Que  de  tan  dulce  quer  cila, 
Voltast  A  nadie  dé  partç  delia^ 

Porque  la  íicnta  mayor. 
Es  can  dulcc  mi  tormento. 
Que  âun  íc  me  antoja  poço, 
\  ii  es  rBWcho  quede  loco 
De  gufto  de  lo  que  fiento. 


I9Í 


Para  qucoí  vos  foubc  olhar 
Tam  impoíllvcl  foy  fer, 
O  podervGS  merecer. 
Como  o  naõ  vos  defejar. 
Pojs  logo  a  meu  penfamento 
Neniium  remédio  lhe  vejo, 
Sc  naó  Ic  der  o  deíejo, 
Azâs  dO  merecimento. 

Aalheo. 

Vós  ícnhora  tudo  rendes, 

Scoaó  que  ccodes  os  olhos  verdes, 

Vdtas. 

Dotou  em  vós  natureza 
O  íummo  da  pcrteyção, 
Qiieo  que  cm  vós  hcíenam^ 
Hs  em  outra»  gentileza: 
O  verde  nam  íc  dcípreza. 
Que  agora  que  vós  o  tendes, 
Saõ  bcilos  os  olhos  verdes. 

OurOj&  azul  hc  a  niclhoc 
Cor, porque  a  gencc  íc  perde, 
Mas  agraç^.  dcfle  verde. 
Tira  a  graça  a  toda  cor. 
Fica  agora  fendo  a  flor 
A  cor,quc  nos  olhos  tendes» 
Forque  ião  voílosi&  verdes* 

Alheo^ 

Para  que  «icdan  tormento, 
Aprovcchandotan  poucof 
Psrdidojtnas  no  tan  loco, 
Que  dcícubra  lo  que  ílcnto. 

Voltas. 

Ticmpo  perdido  CS  aquel. 
Que  fe  pafla  en  dar  me  afan, 
Pucs  qusnto  mas  melodan. 
Tanto  naenos  fiento  dei. 
Que  dcfcubra  lo  que  fiento? 
No  lo  haré,que  no  es  tan  poço. 
Que  no  puede  fcr  tan  loco, 
Quien  tiene  tal  pcnfamiento, 

Se  pin  que  mcmanda  Amor* 

IIJ.  Part. 


Alheo, 

De  vucftros  ojos  centellas, 
Quien  encicaden  pcchosde  yeloi 
Suben  por  cl  ayre  ai  ciclo, 
Y  cn  ILcgando  fon  cllreiUs 

Voltas^ 

Falfos  loorcs  os  dan. 
Que  eíTas  cencellas  tan  rara», 
!No  fon  nel  ciclo  màs  claras. 
Que  en  los  ojos  donde  eftan. 
Porque  quando  miro  en  ellas 
El  como  alumbra  n  ai  íuclo. 
No  ié  que  íer aii  nel  ciclo 
Mas  íc  que  acá  íon  eílrellas. 

Niíc  puede  prefumir. 
Que  ai  cielo  fubaB,fenora, 
Que  la  lumbrc,que  en  vós  mora 
Islotiene  màs.quefubir, 
Mas  pienfo^quc  dan  quercllas 
A  Dios  nel  o6taro  ciclo. 
Porque  fon  acà  en  el  íuclo 
Dos  tan  hermolas  eílcellas. 

Álheo. 

De  dentro  tengo  mi  mal, 
Que  de  fuera  noay  fenal. 

Voltas. 

Mi  nueva,y  ducc  querella 

Esinvifibleala  gente, 

El  alma  folola  fientc. 

Que  el  cuer  po  no  es  dino  delhi 

Como  la  viva  centclla 

Sc  encobre  en  el  pedcrnal, 

De  dentro  tengo  mimai. 


Alheo. 
Amor  loco,amorlocoi 
Yo  por  vós,y  vòs  por  otro. 
Bbz 


Voltas^ 


iS6 


Voltas. 


Rimas  dd  í^rands  Luh  dt  CamSeí^ 

Pará  contento  me  hazcr^ 
Todo  CS  poço  lo  pofliblc. 


Diòmc  Amor  tormentos  dos. 
Para  que  pene  doblado, 
Uno  CS  verme  dcfamado, 
Otro  es  nianzilla  de  vòs, 
Ved  que  ordena  Amorcnnós^ 
Porqucjvòshazçiímc  loco. 
Que  íeais  loca  por  otro. 

Traiais  amor  de  manefa. 
Que  porque  affi  me  tratais, 
Quiere  que  pues  no  me  amais» 
Que  ameis  outro,que  no  es  quicra,  * 
híãS  con  todo  íiiiO  os  vieta 
De  todo  loca  por  otro, 
Con  más  razon  fuera  loco. 

Ytan  contrario  viviendo, 
AlfinjalfinjConfojTGoamoS, 
Puc5  ambosâ  do$  bufeamos, 
Lo  que  más  nos  vá  huyendo 
Voy  trás  vós  ílempre  figuicndo, 
y  vòs  huyendo  por  ctro, 
Aodais  loca,y  me  hazeis  loco 

Alheo, 

Toda  es  peco  pofiiblc. 

*'  Glofà, 

yed,que  engano  fcnorca^ 

Nucrtro  juizo  tari  [oco^  .  òMoía  vqí.  ai] 

Que  por  roucho  que  fe  crea, 

Xodoel  bien,que  fe  dcfl^a, 

Alcançado^queda  poço. 

Un  bkn  deqwalquieraigradoí,      ->'? 

SideavcríeesimpoSbtc^    ,         ^   ^^ 

Queda  mucho  de  ITeado? 

Mi  s  para  mucho  alctriçado? 

Todo  Cf  poço  lo  pollibic. 

Outra' 

PoíTibleet  a  micuydido, 

Poderme  hazcr  íatisfecho, 

Sifuerapoílibleal  hado 

Hazer  no  hccho  lo  hecho    a  Q^n ji  o 

Y  íuturo  lo  paíTado, 

Si  olvido  pudiera  haver^ 

Fuera  rcmcdio  ruffblc: 

Mas  ya  que.  no  pucdeícr, 


-Xví 


Alhia^ 

Vede  bem  fc  nos  meus  dias 
Os  def  gofto*  vi  íobejoí, 
Pois  tenho  racdo  a  dcícjos, 
t,  quero  mal  a  alegrias. 

Voltas, 

Se  dcfcjos  fuy  jà  ^^Xy 
Servirão  de  atormentamne, 
Se  algum  bem  pode  alegrarmci 
Qujzcneantcs  entriUccrr, 
Pa/Tey  anncSjpancy  dias, 
Emdcfgoitostara  ú)bc|o», 
Que  ló  por  nam  ter  defcjos, 
Pci  derey  mil  alegrias, 

Troprio. 

Pois  hc  nnais  voíTo^que  mcu^ 
Senhora,  meu  coração» 
Eu  voííb  captivoram, 
Meus  oIhos,lcmbrevos  eu. 

Volta. 

Lcmbrevos  minha  triftcza, 
Que  já  mais  nunqua  me  deyxa, 
Lcmbrtvoscom  quanta  qucyia^ 
Sc  qutyxa  minha  firmeza; 
Lembrcvos  que  nam  hc  meu 
Eitc  trille  coração, 
£  pois  ha  uflta  razãc. 
Meus  olhoôjlcmbreTc»  cn. 

Outro, 

Senhora,poift  minha  vida 
Tendes  cm  voíío  poder, 
Porferdcs  deli»  fervrdg. 
I^Jam  qucyrais,qce  deílruida^ 
PoíTa  íer. 

'.^Voltas, 

lOo  nam  por  me  pefar 

De  morrer, fe  vòs  quizerdeSj, 

Que  melhor  me  he  acabas 


Mil 


Milvezcs^que  foporrar 
Os  males,que  me  fizerdes^ 
Mas  íó  p.fr  ícrdes  fervtdâ 
De  mim^cm  quanto  viver, 
Vos  peço  que  minha  Vidai 
Nam  quey{âis,que  dèftruida 
Poíía  íer. 

Outro. 


Pois  dano  mé  faZ  olharvos, 

Ni  til  qu  aro,  por  natn  quercrvos^ 

Que  ninguém  me  veja, ver  vos 

Fo/ta* 

Devcrvosa  nam  vos  ver, 

Hadouscílremos  moftaes, 

E  fâõ  cUes  em  íi-taes, 

Que  num  por  hum  mê  faz  mOrrerí 

Mas  antes  querO  eíc<àíher, 

Que  poiii  vivdt  fem  vervos/  ^^«t '^^  - 

Min h^alma  por  nam  perddryoi. 

Dífte  cârtianho  perigo. 
Que  rcraedio  polío  ter^ 
Se  VI  vo  iò  CO  m  vos  ver, 
Sevos  nam  vejOjperigOj 
Mas  quero  aeahar  coaiígô',  ^ 

Qj_ie  ninguém  me  veja  vervóií', 
Senhora^pornana  perdervos. 

^  três  Damas  ,  que  lhe  diziao ,  que  o 
amavâo, 

Nant  fey  fe  lile  ertganâ  Heíen;r>       ^ 
ScMariaJe  joafvna,  * 

IN  am  íey,qual  delias  me  éógaTia 


Rmas  do  grande  Luisde  Catmoes. 

Também  mentira  Joana, 

Mas  quem  mente  hâô  aâe  engana. 


m 


Volta. 


ríOfO  ^5,«!gQ 


Humadi7,que  me  quer  bera. 

Outra  jura,que  mó  quer^ 

Mas  em  jura  de  mulher^ 

Quem  cticíà  íe  elks  nam  crc*m? 

Nam  psíR)rtam  crera  Helena, 

A  Maria, nem  Joanná, 

Mas  naõ  fey,qual  mais  me  engàrta; 

Huma  fazme  juramentos, 
Que  fò  meu  amor  eftima, 
A  outra  diz,queíc  fina, 
Joanna^que  bebe  os  Ventou. 
Secuydo,que  ittence  Helena, 


A  huma  T^ama  mal  empregada. 

Minina.naõfey  dizer, 
Vendovos  taó  acabada, 
Quaõtriftecílou  por  vosvcr, 
Fermoía,&  mal  empregada. 

Voltas. 


Quem  taõ  mal  vos  empregou, 
Pouco  de  mim  fe  dohia, 
Pois  naõ  vio  o  quanto  me  hia, 
Em  tirarme,o  que  tirou^ 
Obriga  o  primor,que  tem 
Lindeza  taõ  eltremada. 
Que  digáó  cjírantos  a  vem, 
Fermoía,^  mal  empregada, 

Tomaftes  dafermcíura^ 
Quanto  delia  deíejaftes, 
E  com  ella  me  guardafteS 
Paratam  trifte  ventiírá. 
Ma  taveis  fendo  folteyrai. 
Matais  agora  em  calada. 
Matais  de  toda'á  maneyra, 
Fermoía,&  mal  empregada. 


j 


^\  3l  Ot 


A  huma  Foã  Gonçalves» 

Com  yoíTos  olhos  Gonçalves, 
Senhoraicativò  tendes, 
Efte  meu  coração  Mendes, 

Voltasl 

Eu  íou  boa  teífcmtinhâ, 
Que  amor  tem  por  couía  ma, 
Queolhos,que  laó  hbmcns  jà. 
Se  nomeem  fem  alcunha. 
Poiso  coração  apunha, 
E  diz  olhos  pois  voá  tendes, 
Chamayme  coração  Mendel.' 

Outro. 

De  que  me  ferve  fugir 
De  morto,dor,&'  perigo, 
Sc  me  eu  levo  <orilígoí 


Voltas} 


.I9« 


Tcnhomc  per  fuadido, 
Por  razão  conveniente^ 
Q^ienaõ  poíTo  fer  contente, 
Pois  que  pude  íer  nacido. 
Anda  íempre  tão  unido     * 
O  aieu  tormento  comigo, 
Qiieeu  mefroo  fou  meu  perigo 

£  íc  de  mi  me  iivraííe. 
Nenhum  goílo  me  feria: 
Quem  íenaó  cu  nam  teria 
Maluque  eííe  bem  me  tiraíTe 
Força  he  logo  que  aíli  paffc^ 
Ou  com  defgofto  comigo. 
Ou  íeo)  gojtu,&  km  perigQ,;^ 


Rimas  do  grandt  Luis  àe  Câmcesl 

Que  defque  vivo  he  mirado^ 
Voltas,  Gracids  fobrenaturalcs 

Te  lo  tienen  en  prifion, 

Y  fiamortiene  razon. 
St  nora,  por  las  fenaics, 

V  os  tcuei$  mi  coraçon. 


A  hurna   Uama 


r»r 


,  que  jurava  feios 
olhos. 


Quando  me  quer  enganar, 
A  minha  bella  perjura, 
Para  mais  me  confirmar, 
O  que  quer  certificar  t  j^^  ^j 

Pelos  fcus  olhos  me  jura. 

Como  meu  contentamento 
Todo  íe  rege  por  cUcs, 
Imagina  o  peníamento. 
Que  íe  faz  agravo  a  ellcs. 
Não  crer  taõ  graó  juramento^ 

Porém  como  em  cales  tacs  ,^  r^.^r) 
Anda  jàviílo,&  corrente 
Sem  outros  cerros  fmaes,     .    _^j,-.  ^4^  -^ 
Quanto  me  ellaj ura  mais, 
Tanto  mais  cuydo)que  mente.' 

Entaõ  vendolhe  offcnder 
Huns  taes  olhos  como  aquelles,    . 
DeyxofDe antes  tudo  crer 
Só  pela  naó  conílranger, 
A  j  urar  falío  por  elles. 

Alheo. 

Vòs  tcncis  mi  coraçon, 

Ckfa» 

\A\  coraçon  me  han  robado, 
Y  Amor  vicndoroisenojos 
Medixo,fuete  llevado 
Por  los  «às  hermoíos  ojos, 


Aiheo, 

Ha  hum  bem,que  chega,&  foge, 
E  charoafe  eftc  btm  tal. 
Ter  bem  para  íennr  mai, 

Volu, 

Quem  viveo  fempre  num  fer 
Inda  queícja  cm  pobreza 
JN  aõ  vio  o  bem  da  riqueza 
[tus    Nem  o  mal  de  em  pobrccer, 
Nam  ganhou  para  perder^ 
Mas  ganhou  com  vida  igual, 
Naó  ter  bem,ncm  fcntir  mal. 

Ahuma  Damatqne  lhe  virou  o  rojlo 

Olhos  nam  vos  mereci^ 
Que  tenhais  tal  condição 
Tam  liberais  para  o  cháo. 
Iam  itoío» para  mi. 

Voltas. 

Bayxos,&  honeftos  andais, 

Por  vos  negardes,a  quem 

Nam  quer  mais, que  aquellc  bera, 

Que  vós  no  chaõ  eípalhais^ 

Sc  pouco  vos  mereci, 

Nam  mccílimeitmaisqucochaò 

A  quem  vós  o  galardão, 

Daís,&  mo  negais  ami,  ^ 

Troprio. 

i  Venceomc  amofinam  o  nego] 

Tí^m  mais  força  que  eu  aflaz. 
Que  como  he  ccgo,&  rapaz, 
Dame  ponada  de  csgo, 

Folta. 


Só  porque  he  rapaz  ruim, 
Dcylhehum  bofctc  zombando. 


Dizmc, 


Rimas  do  grande  Luís  de  amtes» 

Dizme,ómiO|eftaifnic  dando,  Agora  de  arte  te  vingasí 


^99 


Porque  foismayor  que  mim. 
Pois  fecu  vos  defcarrcgo, 
Eem  dizendo  ifto  chaz, 
Torname  outra,C3  rapaz, 
Que  dàs  porrada  de  cego. 

Aodefconctrto  dommdo* 

Os  bps  vi  femprc  paíTar  ^  -/i 

No  mundo  gravei  tormentos, 

£  para  mais  mc^erpantar. 

Os  mãos  VI  lempre  andar. 

Em  mar  de  contentamentos. 

Cuydando  alcançar  aífi 

O  bem  taó  mal  ordenadoj         b  f^dg 

Fuy  mao,  mas  fuy  caftigadov 

Afli^queíô  para  mi^ 

Anda  o  mundo  concertado. 

A  huma    7)ama  >  perguntandolhe  quem 
o  améva. 

Mote. 

PcrguntaiTme,quem  mcmata, 
Naro  quero  rcípondcr  nada, 
ior  vos  naõ  fazer  culpada. 

Voltas, 

E  íca  pena  não  me  atiça, 
A  dizer  pena  taò  forie^ 
Querome  entregar  à  morte» 
Antes  que  avós  ájuíliça. 
Porem  fe  tendes  cobiça 
De  vos  verdes  tam  culpada, 
Dizey,que  naõ  fínto  nada. 

Mote,  ctií: 

Elconjurote  Dcmíngaf ^ 
Pois  me  dás  tanto  cuydado^ 
Que  me  digas  fc  te  vingas, 
Vivircy  menos  penado. 

Voltas. 

Jura vafmc,que  outras  cabras 
Folgavas  de  apecentar. 
Eu  por  naõ  me  magoar, 
Fingia,quc  eraõ  palavras. 


De  algum  meu  doudo  pecado 
Que  inda  que  queira  Domingas, 
N  ão  poíTo  fcr  enganado. 
Qualquer  coufa  bufca  o  fcu, 
A  fonte  vay  para  o  Tejo, 
E  tu  para  o  teu  deíejo^ 
Por  tevingardes  do  meu. 
De  mi  te  cíqueces  Domingas, 
Como  cu  faço  do  roeu  gado: 
Praza  a  Dcos,que  íe  tevingas, 
Qi^c  morra  dcíefpcrado. 
Na  fantaíia  te  j/mto, 
Falote,rerpondeo  monte, 
Buícoorii>,buíco  a  fonte, 
EndoudeçojSí.  Dam  o  finto.* 
Domingas  no  vjillc  brádo^ 
Reípondc  o  ccco,Domingas, 
E  tu  inda  te  naõ  vingas 
De  me  verdouao  tornado. 

Alkeo, 

Sc  a  alma  ver  fe  naõ  pôde 
Onde  peníàmentos  ferem, 
Qiie  farey  para  me  crerem? 

Voltas. 

Sc  n*alma  huma  fô  ferida 
Faz  na  vida  mil  finais 
Tanto  fe  dcfcobre  mais. 
Quanto  he  mais  efcoiidida: 
Se  efta  dor  tão  conhecida 
Me  nam  vem, porque  naó  querem 
Que  farey  para  ma  crereiti? 

Se  fe  pudeííe  bem  ver, 
Quanto  call0j&  quanto  fento 
Defpois  de  ta  nto  tormento 
Cuydaria  alegre  fer: 
>1âs  fenaó  me  querem  crer 
Olho^^que  taõ  mal  me  ferem, 
Que  farey  para  me  crerem? 

Alheo. 

VoíTo  bem  quer^fenhora, 
VoíTo  mal  melhor  me  fora.' 

Voltas. 
Jà  agora  certo  conheço, 
Ser  melhor  todo  o  tormento. 


'VoU 


'.n  3<>p 


Onde 


/' 


200  Rimas 

OndeoarrependímcntojJ      sisJis 
$e  compra  por  jullo  preço: 
Enganou  me  hum  bom  começo^ 
MiS  Q  fim  medízjâgora, 
QLieo  mal  melhor  rae  fora,  ;  úuoo  v  n 

Qaando  hum  bem  he  tão  dâDOfo, 
Que  fendo  bem  dá  cuyda4o> 
O  dano  fica  obrigado         '^  tab^í^^iiv) 
A  kt  menos  perigofo,         5,>">uí  b:?i 
Was  íc  amini  por  defdirofo,         ' 
Co  bem  me  foy.  mal  fenhora, 
Co  vofl  o  mâi  bem  me  fora. 


33  lO*I 


Alhe§. 


Se  medcfta  terra  for,  i  iâroo 
5  EuvoslevareyAaior, 

FõUas. 

Se  me  for,6c  vos  dcyxar, 
(Ponho  por cafoique  poíía) 
Eft^âlmeminha^quc  hevoíaj 
Coro  vofco  ojc  ha  de  ficar; 
Afll  queíòporlcvar 
Aminh*alma  íc  me  tor 
Vos  levarey  nricu  amor. 

Qtie  mal  pode  maltratarmc 
Que  com  vofco  feja  mal. 
Ou  que  bem  pôde  fer  tal. 
Que  fcm  vós  poíTa  alegrarmc? 
O  mal  não  pode  enojarme,        .'bb  í?}  oinsX 
O  bem  me  lerá  raayor  £,èín  ò 

Scvoslcvarmeuaraor.  .  t  ^ 

Pequenos  contentamentos, 
Hl  bufcar,qucm  contereis, 
K       Que  a  mim,naó  me  conheceis. 

Fc/tas. 

Os  goftos^que  tantas  dores 
Fizeraô  jà  valer  raenoSj 
Nam  os  aceyta  pequenos, 
Quem  nnnqua  teve  mayorcs: 
B^m  parecem  vãos  favores.      ;ííoV 
Pois  taro  tarde  me  quereis 
Que  inda  me  nam  conheceis, 

O  fTereceifme  alegria, 
Jcndome  já  cego,&  mouco. 


Luís  âe  Camões, 
He  bayxeza  accytar  poucojl 
Quem  tanto  voí  merecia: 
Idevos  por  outra  vUj 
Pois  o  bem, que  me  deveis, 
Nunqut  no  íatisfareis. 

Perdigão  perdeo  a  pena, 

Nam  ha  mal,que  lhe  nam  venha 

Voltas. 

Pcrdiga6,que  o  peníàmento 
Subio  em  alto  lugar. 

Perde  a  pena  do  voar,  > 

Ganha  a  pena  do  tormento: 
Nam  tem  no  ar,n:m  no  vento, 
AzaSjCom  que  fe  foftenha, 
Naô  ha  maluque  lhe  naò  venha. 
Quiz  voar  a  huma  alta  corre» ! 
Masachoufedefazado,       < 
E  vcndofc  deípenado,. 
De  puro  penado  morre. 
Seaqueyxumes  lefocorrc, 
Lança  no  fogo  mais  lenha, 
Nam  ha  fDaJ,que  lhe  nam  venha. 

Ahumas  fenhoras^que  haiiao  de ]er  tercey 
rascara  com  hurna  *Dama, 

Pois  a  tantas  perdições, 
Senhoras,querei$  dar  vida, 
Ditofa  fcja  a  ferida, 
Que  tem  tais  cirurgiões, 
PoÍ5  ventura 
Meíubioa  canta  altura. 
Que  me  fejais  valedoras, 
Ditoía  feja  a  triílura. 
Que  fe  cura 
Por  voíTos  rogos,fenhora. 

Ser  minha  pena  mortal, 
Jà  que  entendeis,  que  he  aíli, 
Nam  quero falhr  por  mi, 
Que  por  mi  falia  meu  mal. 
Sois  fermoías, 
Haveis  de  fer  piédofas,         ^ 
Por  fer  tudo  de  huma  cor:,     . 
Que  pois  Amor  vos  fez  roías 
Milagrofas, 
Fazey  milagresdeamor,' 

Pwdiaquem  vósíabeis, 

^  .  Que 


Rimai  do  grandt 
Que  fayba  de  mcii  trabalho, 
Naó  pelo.quc  eu  niíTo  valhoj 
Mas  peIo,que  vòs  valeis, 
Que  o  valer 
Devoífo  akomcrcceo 
Com  lho  pedir  de  geolhos, 
Farâ,quc  em  meu  padecer 
FoíTa  ver 
O  podcr,quc  tem  fcus  olhos, 

VoíTa  muyta  fermofura 
Com  aíua  ranto  vai, 
Que  me  rio  de  meu  mal. 
Quando  cuydo,cm  quem,  me  cura, 
Aojeusays 

Peçovos,quclhe  valhais, 
Damasde  Amor  tam  validds, 
Que  Dunqua  tal  dor  fintais, 
Que  qucyraiSj 
Onde  Daôie|ais  queridai. 

[Endechas  a  Barború  efcravâ^ 

A  Queila  cativa, 
Que  me  tem  cativo, 
Porque  nella  vivo. 
Já  nam  quer^que  vivtf 
tu  nunqua  vi  rofa 
Em  fuavcs  molhos, 
Que  para  meus  olhos, 
Foííe  mais  ferrr.oía. 
^cm  no  campo  flores 
Nem  no  Ceo  elhcUas 
Meparccem  bcllas, 
Como  os  meus  amores. 
Roôoíingular, 
Olhos  foíTegados^ 
Fretos,&  canfados, 
>lai  nam  de  matar. 
Huma  graça  viva, 
Que  nelles  lhe  mora 
Faraíer  fenhora 
De  quem  he  cativa, 
pretos  os  cabcllci. 
Onde  o  povo  vão. 
Perde  opinião, 
Que  louros  fão  belloi, 
Fretidaõdeamor, 
Tam  doce  a  figura. 
Que  a  neve  lhe  jura 
Que  trocara  açor 
Leda  manfidáo. 
Que  onío  acompanha 
UI.Farc. 


Lmsãe  Camoeil 
Bem  parece  eAranfaaj| 
Mas  Barbara  naõ, 
Preícnça  fcrcna. 
Que  atormenta  amaofà 
Nella  em  íim  dcfcanía 
Toda  minha  pena. 
Eílahe  a  cativa 
Que  me  tem  cativo, 
E  pois  nella  vivo, 
He  força,que  viva. 

Outra\ 

Quem  ora  foubcíTe, 
Onde  o  amor  nace^ 
Que  o  femeaflfc. 


Voltas. 

D*amor,&  feus  danos 
Mcfiz  lavrador^ 
Someavaamor, 
Ecolhia  enganos: 
Kão  vi  em  meus  annos 
Homcm,qne  apanhaílêi 
U  que  fcmcaífe. 

Vi  terra  florida 
De  lindos  abrolhos, 
Lindos  para  os  ol  hos 
Duros  para  a  vida. 
Mas  ares  perdida. 
Que  tal  herya  pafcc 
£m  forte  hora  nace. 

Com  quanto  perdi 
Trabalhava  am  vão 
Se  femecy  graõ, 
Grande  dor  colhfV 
Amor  nunqua  vi, 
Que  muytoduralTc, 
Que  naõ  magoaflíe. 

Alheai 

Se  melevão  agoast 
Noi  olhos  as  levoi» 

Trofrias^ 

Se  de  faudadc 
Morrcrey,ou  naõ. 
Meus  olhos  diraõ, 
Pe  mim  a  verdade. 


aoi 


foi 


Por  ellfstre  atrevo 

A  lançarasagoas. 

Que  moftrem  as  rnagopsi 

Quenefti  3 Ima  Icvch 
As  agoasiqueemvão 

Me  fazem  chorar, 

Se  ellasíaõ  domar 

Efta^dcaraarraó, 
Porei  las  relevo 
Todas  minhas  magoas 
Que  fe  força  de  agoast 
^íe  leva, cu  as  leva. 
Todas  meentriftcccm 
Todas  faõ  falgada^í. 
Porém  as  choradas. 
Doces  me  parecem. 
Correy  doces  agoas 
Que  íe  em  vòsaie  enlevo 

Náo  doem  as  ma^oa«. 
Que  no  peyco  levo. 


"TftjO 


Minínados  olhos  verde» 
Porque  me  naô  vedes. 

Voltas  ^rof  rias. 


Elles  verdes  ião, 
Etem  por  ufança, 
Nacorcíperança, 
£  nas  obras  nam; 
Voíía  eondição 
Naõ  he  d^olhos  verdes 
Porque  me  nào  vedes, 
ifençôesa  molhos. 
Que  cllcs  dizem  terdes, 
Naó  faô  d^olhos  verdes, 
N-m  de  verdes  olhos. 
Sirvo  de  giolhos. 
Evos  naó  me  credes, 
Porque  me  naõ  vedes... 
Hâviaõ  defer, 
Porque  poíTa  vello*, 
Que  huns  olhos  taÔ  bcUos 
Naõ  íe  háo  de  cíconderj 
Mas  fazcyfme  crer. 
Que  já  nam  ião  rcrdes, 
Porque  me  naõ  vedes. 
Verdes  nam  o  faô. 
No  que  alcanço  dellcs, 
yq^desfaó  aquelle&^ 


Rm4u  dê  çpmât  LuhãtCAmhtl 

Que  cíperança  daÕ, 
Ss  na  condição 
Eftá  ferem  verdes. 
Porque  me  náo  vcd  s  ? 


Trocay  o  cuydado^ 
Senhora  comigo. 
Vereis  o  perigo. 
Que  he  ícr  deíàmado. 

,?  M   Voltas  frofriar, 

Sc  trocar  deícjo 

O  amor  entre  nós, 

He  para  que  em  vòt 

Vejais^o  que  vejo. 

E  lendo  trocado, 

Efteimor  comigo, 

Servoshacaftigo, 

Terdes  meu  cuidado 

Tendes  o  fentido 

D*amor  livrc,&  ízcnto, 

E  cuydais,que  he  vento, 

Ser  taô  mal  querido. 

Nam  íeja  ocuydado, 

Tam  voílo  inimigo, 
Que  queyra  o  perigo 
De  íer  defamado 

Mas  nunqua  fòy  ral 
Efte  meu  querer, 
Que  quem  tanto  quer, 
í     Queyra  tanto  mal. 
Seja  eu  maltratado, 
Enuncaocaftigo 
Vos  moftre  o  perigo, 
Que  he  fer  defamAdo. 

Atenção  de  Mir  aguar  da, 

Vcr.&maisgusrdar 
Dever  outro  dia. 
Quem  o  acabaria? 


Voltas. 


A  lindeza  voíTi, 
Dama^quema  vCj 
Impoifivelhe, 
Que  guardar  íe  poflía. 
^e  faz  canta  mo(f<^» 


Vcrvof 


Vervos  hum  fó  dia 
Quem  íe  guardaria.? 
Mdtiorjdeve  fer 
Ncfte  aventurar, 
V  er,&  não  gvardar, 
Que  guardar,'Sc  ver, 
Ver,&  defender 
Aluyto  beoi  íeria. 
Mas  quem  poderia.? 


Rimas  do  grandi  LnisdtCéímiisl 


^9l 


Mote, 

Irnsc  quiero  madre 
A  aqucUa  galera, 
Conel  marmero, 
A  fer  fflannera. 

Voltas  ptafrids. 


Madre  fi  me  fucre, 
Doquicraquevó» 
No  lo  quiero  yo, 
Queel  amor  Io  quicre; 
Aquel  nino  fícro, 
Haze  que  memucva 
Forunmarinero 
A  fer  marincra, 

El  que  todo  puedc 
Madre,no  podrà, 
Puesclalmavá, 
Que  el  cuerpo  fe  quede, 
Con  él  porque  muere 
Voy,porquc  no  muera. 
Que  fi  es  mannero^ 
Serémarinera. 

Es  tyrana  ley, 
Del  nino  fenor^ 
Que  por  un  amor 
SedcfecheunRey^ 
Quicre^irme  quiero 
Por  un  marinero 
A  fer  niarinera. 
^'    Dizid  ondas,quando 
Viftes  vòs  donzella, 
Siendo  tierna^y  bella 
Andar  navegando? 
Masque  nofeelpera. 
De  aquel  nino  ficro, 
Vea  yo  quien  quiero» 
Sea  marincra. 


m.Part. 


£  fin-jfsH 


vr.>^'-^ 


Outra: 

Saudade  minha. 
Quando  vos  veria? 

Voltas  frofriasl 

Efte  tempo  va5, 
£íla  vida  eícaíTa^ 
Para  todos  paíTa, 
Sòparam.m  nam. 
Os  dias  íe  vaõ 
Sem  ver  eílc  dia. 
Quando  vos  veria? 

Vede  eíla  mudança 
Se  eítà  bem  perdida» 
£m  tam  curta  vida, 
Tam  ioogaeíperança. 
Se  efte  bem  fe  alcança^ 
Tudo  fofreria, 
Quando  vos  veria. 

baudoía  dor, 
Eu  bem  vos  entendo: 
Mas  naõ  me  defendo, 
Porque  ofendo  Amor, 
ScfoíTeismayor, 
Em  mayor  valia. 
Vos  eftimaria. 

Minha  faudadCf 
Caro  penhor  meu, 
A  quem  direy  cU; 
Tamanha  verdade? 
Na  minha  vontade 
DenoytCj&dedia, 
S^ímprc  vos  teria. 

Outral 

Vida  da  minha  alma 
N^õvospoflover, 
lílo  naõ  hc  vida 
Parafcfofrer, 

Voltas  frofriasl 

Quando  voseuviai 
Eííc  bem  logra va^ 
Avidacílimava 
Mas  então  vivia. 
Porque  vos  fervia 
Só  para  vos  vtri 

Cci 


n 


^à  que  vos  naô  vejo  . 
Para  que  he  viver? 

Vivo  fem  razão, 
Porque  em  minha  daiiniífi^bs&iiso  ' 

.'íOVobnsHO 


Rimai  h  ^éttdfLfiir  ée  CA^mnl 
Amame  Joanne» 


V^l*\\<!>^ 


>t  8sib  aO 


Namapoz  amor^ 

Que  inimigos  laó 

Muy  grande  treyçáUr 

M  ob  iga  a  fazer, 

Que  viva  fcnhora,  <3£VQq*t"' 

Sem  vos  poder  ver.  "'     •   ?* 

Nam  me  atrevo  jà. 
Minha  tao)  querida, 
Achamarvos  vida, 
Porque  a  renhomà. 
Ninguém  cuydarà. 
Que  ifto  pôde  ier. 
Sendo  me  vós  vida, 
Naó  poder  viver. 

0utr4^ 

Coyfa  debeyrannCj» 
*     Namorou  Joanne. 

Voltas  fréfrm. 


Porcoufa  tam  pouca 
Andas  namorado? 
Amas  o  toucado, 
E  nam,qucni  otouca? 
Ando  cega,&  louca 
Porti  meu  Jjanne, 
Ta  pelo  beyrame, 

Amaso  veftido. 
Esfalfo  amador, 
Tu  n^m  vés,que  amor 
Se  pinta  deípido? 
Cego,8i  muy  perdido 
Andas  por  beyrame» 
Ecu  porti  Joanríc. 

Atodos  encanta 
Tua  parvoíce, 
Detuadoudice 
Gonfalo  feefpanta, 
E  zombando  canta, 
Coyfa  de  beyrame, 
Namorou  Joanne. 

Eunam  fcy^quevífte 
Kcfte  roeu  toucado. 
Que  taõ  namorado 
Dcllete  fentifte, 
Kam  ceveja  triflc 


'>\%m 


E  deyxa  o  beyrame? 

Joanne  gemia 
Maria  chorava, 
Aíli  lamentava 
O  mal  que  fentia. 
Os  olhos  feria, 
E  nam  o  beyrame. 
Que  matou  Joanne; 

Nam  fiy  do  que  vem 
Amares  veílido, 
Que  o  meímo  Cupido, 
Veitido  nam  tem. 
Sabes,de  que  vera 
Amores  beyrame. 
Vem  de  fer  Joanne.  . 

Se  Helena  apartar 
Do  campo  ícus  olhoí, 
Naíceráo  abrolhos. 

Voltas. 

A  verdura  amena, 
Gados,que  paceis, 
Sabey,queadeveis 
Aos  olhos  de  HelenSj 
Os  ventos  íerena, 
Faz  flores  d'abrolhos 
O  ar  de  íeus  olhos, 
Faz  ferras  floridas. 
Faz  claras  as  fontes 
S'ifto  faz  nosmontes 
Que  fará  nas  vidas: 
Traias  fufpendidas. 
Como  ervas  em  molhos. 
Na  luz  de  íeus  olhos 
Os  corações  prende 
Com  graça  inhumaoa. 
De  cada  peftana 
Huma  alma  lhe  prende, 
Amorfe  lhe  rende» 
E  pofto  em  giolhos, 
Pafma  nos  íeu*  olhos. 

jílheo. 
Verdes  faõ  os  campos 
De  cor  de  limão, 
Afliíaó  os  olhos 
Domeu  coração. 


Víiltas: 


RiTwííséo  grande  Luís  de  QtmUié 


i6f 


F»lt^. 


Alheol 


Cam porque  te  eft€dd«Siq5fT?€)n*Hjo  cT     i 
Com  verdura  bdU  .ss-upio^' 

Ovelhas,quc  nella  ^     ^ 

V  oíTo  palto  tendes:  ,  -  .  -A 
De  ervas  vos  mantenndcfi  oaJ  pví^íb  oiXxVi 
Quetrazo  veraõ, 

£  eu  das  lembranças 
Do  meu  coração. 

Gados,que  paceisj  '  U 

Com  contentamentOj 

VoíTo.mantimenta  >>-i.j,> 

Nam  no  entendeis.  :íu§fA 

líTo^que  comeis,  feiisG 

Nam  íaõ  ervai^nam 
Saõ  graça  dos  olhos 
Do  meacoração. 

Alhto, 
Verdes  faô  ts  ortas 
Com  rofasjôc  flores 
Moças,qiie  ás  rcgãd 
Mataõrae  d^ãmores^ 

Voltas  fn^s* 

£ntrc  cftes  penedos 
Que  daqui  parecera 

V  erdes  ervas  crectcfl, 
Altos  arvoredos, 
Vay  deftes  rochcdoí 
AgoajCom  qpeas  íiortáj 
Doutras  ião  regadas, 
Que  matâo  de  amores. 

Com  agoa,qiiccac 
DaquellaeípeíTura 
Outra  fe  meftura. 
Que  dos  olhos  fae: 
Toda  junta  Ysw 
Regar  brancas  flores 
Onde  ha  outros  olhoff, 
Que  matão  de  amores, 

Celefteí  jardins. 
As  flores  eftrelíasy 
Horteloas  dellafy 
São  huns  íerafins: 
Rofasi&jarmins 
De  divcrlas  cores, 
Anjos,qiieasríga6^ 
Mataõmc  d'amores.   - 


Minina  fcrmofa, 
Dizey,dc  que  vem. 
Serdes  rígurola, 
À  queo)  vos  quer  bem? 


Voltas  fkas^ 

Nara  íey  quem  aíTellà^ 
VoflTa  ferrooíura, 
Que  quem  he  tam  dura 
Nam  pode  fer  bel  la. 
Vós  fereis  fermofa, 
Mas  a  razão  tem, 
Que  quem  he  irofa, 
Nam  parece  bem, 

Amodra  he  de  bella. 
As  obras  ião  cruas: 
Fois  qual  deftas  duas 
Ficará  na  íellaj^ 
Se  ficar  irofa, 
Nam  vos  eftà  bem. 
Fique  antes  fermofa 
Que  mais  força  tem, 

O  amor  fermofo 
Se  pínta,&fe  chama 
Se  he  amor  ama, 
Seamahepiedofo^ 
Diz  agora  a  glofa. 
Que  cftc  texto  tem,  iVKok 

Que  quem  he  fermofa 
Ha  de  querer  bem, 

Haveydó  minina 
Defla  fermofura, 
Que  fe  aterra  hc  dura 
Secafe  a  bonina, 
Sedcpiedola, 
Nam  veja  ninguém 
Queporriguroía 
Ferçais  tánico  beiíi* 

,     fílht9: 

Tendeme  mio  nélle, 
C^hum  real  me  deve,* 


Voltaf/kas, 


Cum  real  de  amor 
Dous  de  confiança. 


n 


206 

lirresdeefperança 
Me  fogG  o  trédor^i  4^*^ 
Fâlío  deíamor» 
bs encena  naquelle 
Que  hun  real  me  deve. 

Pediu  me  em  pcftado,  [ 

Nam  lhe  quiz  penhor^   .  \ 

He  mao  pagador, 
Tcndomo  a  fferrado     ^^v\ 
Cuoi  cordel  atado, 

Ao  tronco  íe  leve,      .  tWS^s.  rr^orjp  ^3!  me  ^ 
Que  hnm  real  me  dev€,       ^f  .í^  .j^n^l  «Do 
Por  cita  travcíTa         Biub  rnsi  arí  f: 
Se  vay  acolhendo,         ,í:Í-    í    ■  -^ 
Eylovay  correndo 

Fugindo  agráo  prclTa.       .  rjrjjoisei*  ÚH 
Neíla  maOjSi  neíTa        ^(úo^A    ' 
O  filio  íe  atreve,  ^—y. 

Que  hum  real  me  devei 

Com  proumeo  amor,  ■ 
Sem  lhe  tazer  preço,  ^u/;k. 

Eu  nam  lhe  mereço  "^ 

Darmedibfavor. 

Dametancador,  t^    '     ;  ?  .;7 « 

Que  ando  após  ellcj 
Pelo  que  me  deve. 
liudeca  bradando, 
Ellc  vay  fugindo^  t  •. 

File  lernpre  rindo 
Eu  íemprc  chorando, 
E  de  quando  em  quando 
No  amor  fc  atreve. 
Como  que  nâo  deve. 

A  f ai  lar  verdade 
Ellejà  pagou,  ^ 

Masjinda  ficou 
Devendo  amecade.         r.r. 
Minha  liberdade 
He  a  que  n  cdeve 
Só  nella  íe  atreve.  rmu  > mx  *;pv 

REDONDILHAS  DO  MESMO. 

Céntígas  ãlheas. 

^■^  A  fonte  eft á  Leonor 
Si  Lavando  atalha^&  chorando 
As  amigas  perguntando^ 
Vilicsláomcuamor? 

ie9a«iUi*í'^  íri>  < 

cr 


Rimas  ÃQ  Grande  Luis  de  CámSesl 


Voltas  do  Camões. 

Poílo  o  penfamento  nt  I  !e, 
Porque  a  tudo  o  Amor  a  obriga 
Caniava  .mas  a  cantiga 
Eraõ  íuípiros  por  elle. 
Niíto  eílava  Leonor 
O  íeu  dcfcjo  enganando 
As  amigas  perguntando 
Viftes  láomeu  amor? 
'    Oroítoíobrehumamãa, 
Os  olhos  nochaõ  pregados. 
Que  do  chorar  já  caníados. 
Algum  deícanlo  lhe  dao. 
Delta  forte  Leonor  .ti^mc 

$uípende  de  quando  d»  quando. 
Sua  dor,efn  fí  tornando, 
Mais  pefada  fente  ador, 

Naõ  dey  ta  dos  olhos  agua, 
Que  náo  quer  quca  dor  fe abrande 
A  mor, porque  cm  magua  grande 
Seca  as  lagrimas  a  magua, 

Qi^e  defpois  de  fcu  amorp^^e^ j  . 
Soube  novas  perguntando,     Vi 
Dem  porviío^a  vi  chorando, 
Olhay^que  eítrcmos  de  dor> 

EJfas  trêvas  mandou  o  Author  da  cadea^tm 

que  o  tinha  embargado  por  huã  divídayAíí» 

guetRoiz,  Fios  òecos  d' Alcunha ^qutfe 

embarcava  para  flra^ao  Lênde  ao  Rcm 

dondo^l), Francijco  Coutinho Fijo» 

Rey ,  peâlndolhe  ofi&tjfe  de» 

/embargar, 

Qiie  diabo  hetaõ  danado. 
Que  náo  tema  a  cutilada 
Dos  fios  fecos  da  efpada 
Do  fero  Miguel  armado? 

Pois  íe  tanto  hum  golpe  fe« 
Soa  na  infernal  cadea. 
Do  que  o  demónio  arrecea,?  ^uv.v 
Como  naõ  fugirey  eu? 
Com  razão  lhe  fugiria. 

Se  cont'elle,&  contratado, 
Naõ  tivcííc  hum  forte  eícudo 
Sò  em  voíTa  fenhoria. 

Portanto  íenhor  porveja, 
Pois  me  tem  ao  remo  atado, 
Que  antes  que  leja  cmbarcadOj 
Eu  defcmbargado  feja* 

EJias 


R!mãs  Ú9  grânât  Lntsdi  Citmoéfl 

Que  fendo  vós  Senliofa,  Anjo^' 
Eftas  trovas  Múnàau  Heytor  da  SJlveyra  aa    Vos  queyra  tanto  o  diabo. 


t^J 


me  fino  Conde  yenvernsndõ  emaCsa, 

Voíía  íenhoria  crtfa 
QiiC  naò  apuia  o  en>tnho 
Fome,íè  he  como,a  que  tenhc, 
Wns  a  fraca  &  corta  a  vea. 

E  quem  o  contrario  ícntc 
Eíla  farco  em  toda  ahora, 
Como  eílou  famÍDCo  agora. 
Mas  Marta  íe  cftáconrcn  í: 

Dalhe  pouco  de  qiictn  chora. 
Depois  voíía  fenhoríi 
Em  gerai  a  tudo  acode, 
Acuda  amifn,queío  pôde 

Darme  no  engenho  va'i2« 
Efperteeíla  mufa  minha, 

Que  o  tempo  traz  íororentaj 
Valhalhe  ncíta  tormenta. 
Com  efíadocc  meztoha, 
Que  íó  dá  vida,&i  contenta. 

Acuda  com  proviiâo 
Naõ  de  papel  mas  provida 
D'ouro,&  prata: que  efta  vida 
Kaó  íuftentaò  papeis,náo. 

Defeytor  a.thefoufcyro 
Sermehia  trabalho  gi  andci 
Voilà  Senhoria  mande 
Algum  rcmcdiojprimeyro 
Com  que  a  morte  o  ferro  abranda. 

^Juda  de  Luis  de  Camões. 

Nos  livros  doutos  íc  trata. 
Que  o  grande  Achilesinfano 
Deu  a  morte  a  Heytor  froyano. 
Mas  agora  a  fome  mata 
O  noíío  Heytor  Luiitano. 

Sôellao  pòdeacabari 
Sc  cíTa  vofla  condição 
Líberil,&  fingular, 
Naõ  onctecntrceliesbaAioj 
BaAante  para  o  fartar. 


A  HUM  A   SENHORA  ,  QUB 
chamoti  diabo. 

Eíparfa. 


LHE 


Dais  manifefto  final. 
De  minha  muytâ  íirmeara, 
Que  os  diabos  querem  mal 
Aos  Anjos,por  natureza. 

Em  afrimeyra  T  arte  fica  hum  Mote  comjuâs 
coitas  à  me/ma  Stnbora, 

Cantiga 
Vy  chorar  huns  claros olhot. 
Quando d*llcs me  partia, 
O  que  magoado  que  alegria! 

Fo/tas. 

Polo  meu  iparramento 
Scarrazarãocod(  sd^agoíj 
Quem  cuydou,quc  em  tanta  magoa 
Achalle  contentan  entof 
Julgue  todoentcndimento 
Qual  maisfentir  fedevia 
Se  efta  dór,íe  eft*a  leg  ria. 

Quando  mais  perdido  cftivci 
Encãodeoa  cíl^alma  minha 
O  mayor  gofto^quc  tive. 
Affi  íe  minh'  alma  yivc 
Foy^porque  me  defendia 
DVíla  dor,efta  alegria. 

Obem,que  Amor  me  oáo  deu 
No  rempo,que  deíejey, 
Quando  d*cíle  meapartey 
Me  confcflbu^quc  era  meu. 
Se  afortuna  me  âtCvU^ 
De  lograr  e/U  alegria? 

Não  fey  le  íoy  enginadoí 
Pois  me  tioha  defendido 
Das  iras  de  mal  querido. 
No  mal  de  fer  apartado^ 
Agora  peno  doVrado, 
Achando  no  fim  do  dia 
O  principio  d^alegria. 

MotealRey^ 

Dó  la  my  ventura 
Quenoveralgurta 


N 


Aó  poCo  chegar  ao  cabo 
De  tamanho  údtvuvip^ 


V6lta, 
Sepa,  quien  padece, 
Qiie  en  la  íepulcuiía 


$e 


yV 


ío8 

Se  efcondc  ventura, 
De  qnien  la  merece. 
Allà  me  parece, 
Quequierc  Fortuna, 
Que  yohallealguaa. 

Naciendo  mcfquino, 
Dolor  f  uc  mi  cama, 
Tnftezafuéelama, 
Cuydadoel  padrinof 
Veítioís  cl  deftino 

Negra  vcítidura,  ) 

Huyò  la  ventura. 

No  íe  halló  tormenrO| 
Que  ali y  no  fehallafle^ 
Nibicn^que  paíTaflTe, 
Sino  como  viento. 
Oh  que  nacimiento. 
Que  luego  cn  la  cun* 
Mefiguio  Fortuna! 

cíladichamtaj 
Que  fiempre  buíqué, 
Bufcandolaihallè, 
Que  DO  Ia  bailaria) 
Que  quien  nace  en  dia 
D'cftrelíatandura, 
Nunca  halla  ventura. 

Nopuíomicftrclla 
Más  ventura  em  mini, 
Anil  vive  em  fim 
Quieonace  fin  ella: 
Nome  quexo  delia, 
Quexorne^qnc  atura 
Vidatancftura. 


Vilancete  paftorll, 

Deos  te  falve  Vaíco  amigo^, 
Nào  me  fallasPcomoaífií 
BofeGil^não  cílava  aqui. 

Volta. 

Pois  onde  te  hão  de  fallar, 
íl'naõeílàs  onde  aparecei)? 
$   Madanela  conheces, 
Nclla  me  podes  achar. 
E  como  tcháo  d'ir  buícar, 
Aonde  fogem  de  ti? 
Pois  nem  eu  eftou  em  mim. 
Porque  tenão  acharey 
Em  rijComo  Em  Madanria 
Forque  me  f  uy  perder  nella 


IRlmas  do  grande  Luts  de  CamÕesl 

O  dia,que  me  gânheyl 
Quem  tão;bem  fallajnãofcy 
Como  anda  fora  de  fi? 
Ella  falia  dentro  em  mi. 

Como eílás  aqui  prefenre. 
Sela  ten$aalma,&a  vidí? 
Porque  he d*huma  alma  perdida 
Aparecer  íempre  à  gente. 
Sees  morto,bem  fcconfente 
Que  todos  fujáodc  ti? 
ku  tambcm  fujo  de  mi. 


Outro  paJloriL 

Porque  no  miras  Giraldo 
Mifampoiíacon>o  fuena? 
Forque  no  me  mira  Elcna. 

Voltas. 

Buclvc  a  cá,no  eftés  pafroado, 
Mira^quc  gentil  fonar? 
Como  te  podrá  mirar 
Quien  no  pucde  ícr  mirado? 
Y  que  bueno  enamorado? 
NodiráSjíi  es  mala  ó  buena? 
No,que  me  hizo  mudo  ElenaJ 

Mira  tandulcearmonia, 
Dexate  d'eflos  enojos; 
Tengo  clavado  los  ojos, 
Con  que  mirar  te  podia. 
Anfi  Dios  te  dé  alegria, 
No  ve$  quan  dulce  que  íucna? 
No,pcrque  no  veo  Elena. 

QutropaíloriL 

Crecen  Camilla  os  abrolhos 
De  chorares  por  Cinccro: 
Naõ  heaiuytOjquc  lhe  quero, 
&elifa,mai$,que  mcHS  olhos. 

Voltas^ 

Sempre  os  tens  olhos cíláo 
Camilla^d^agoas  banhados: 
De  fc  verem  defamados» 
Pódc  fer,que  choraráo} 
Si, mas  creccm  os  abrolhos, 
E  tu  cegas  porCincero^ 
Sc  eu  não  vejo,quem  mais  quero. 
Para  que  quero  mais  olhos.^ 


Se 


Rimas  do  grande 

Sc  íe  foy  ha  mais  de  hum  mes, 

Teus  olhos  Dão  caníarâo?  ; 

ISaõjqueapoz  elle  Ic  vão  ^ 

Efta:;  lagrisuâSjque  ves. 

Fazem  logo  eltes  abrolhos 

O  mato  eípinhofo,5c  ter  o: 

pois  eu  nâo  vejo  a  Cíncero^ 

llíoíó  veiaò  mcus  olhos. 

Chorando  queres  morrer? 
Mais  quero  viver  chorando: 
Tu  Qão  ves,que  vàs  cegandoi» 
Seccgo,como^ey  de  ver? 
Poeni  na  vida  oucros  ancolhos: 
Nào  poílo  nem  oDenos  quero 
Outra  para  outro  Cincero, 
Antes  não  qutro  ter  olhos, 

A  huma  mulh:r ,  que  fe  chamava  Gracia 
de  Morais, 

OlhoSjCm  que  cfi"ão  mil  florei, 
E  com  canta  graça  olhais, 
Que  parccc^que  os  amores, 
MorãOjOnde  vó:>  morais 


Vêltú. 

Vemfe  rofaSí&bonJnag 
Olhos  ncíTe  voíTo  ver, 
Vemíe  roíl  almas  arder 
No  fogo  d^cíTas  mininas, 

E  diloháo  minhas  dores, 
Meus  íufpiros,&  meus  ais. 
£  dirão  mais,que  os  amores 
MorÃo^onde  vos  morais, 

^0  Mote, 

Vida  de  minh^  alma. 


ÉOÔfi 


Volta, 


Dous  tormentos  ycjo 
Grandes  por  eftremo.* 
Sevos  vejojtemo 
E  íe  nâOjdeíejo. 
Qaando  me  deípcjo» 
E  venho  acfcolher. 
Temendo  o  deíejo» 
Dcfejotemer, 


Luís  de  Camks. 

Cantiga  alhfa* 

Paftora  da  ferra. 
Da  ferra  d^  eílrella, 
Fercome  por  ella. 

Volta. 

Nos  feus  elhos  bellos 
Tanto  Amor  fe  acreye^ 
Queabraza  encrc  a  neyc 
Quantos  oufaõ  velos: 
N  ão  folta  os  cabellos 
Aurora  mais  bclla, 
Percome  por  cila, 

Naõ  teve  eíla  ferra 
No  raeyo  d'altura^ 
Mais  que  a  fermoluri^ 
Que nella  íe  encerra. 
Bem  ceo  fica  a  terra, 
Quetemtaleftrellaj 
Percome  por  ella. 

Sendo  entre  Paftores 
Cauía  de  mil  males, 
Naõ  íe  ouvem  nos  valles 
Sc  não  feus  louvores. 
Eu  íô  poramores 
Naõ  feyfallar  nella, 
Sey  morrer  por  cila, 

Dealguns,que  fentindo 
Seu  mal  v&o  moílrando. 
Se  rim^não  cu  ydando. 
Que  inda  paga  rindo. 
Eu  trifte  encobrindo 
Só  meus  males  della^ 
Percome  por  ella. 

Sc  flores  defeja 
Por  ventura  bellas, 
Das  que  colhe  delias, 
Mil  morrem  de  cnvcja: 
Não  ha  quem  nâo  veja 
Todo  o  milhor  nella; 
Percome  por  ella 

Sena  agoa corrente 
Seus  olhos  inclina, 
Faz  a  luz  divina 
Parar  a  corrente. 
Tal  fe  vé,que  fentc 
Por  verfc  a  agoa  ncllai 
Percome  por  ella. 


^Pf 


JlI.Parc. 


Dd 


Uote. 


tia 


Que  veré,qucine  contente? 
G/o/a  de  Luhdè  CamHu 


Desque  una  vez  yòjnifé^ 
Senhora  vueftra  beldad 
lamas  por  mi  voluncad 
Los  ojos  de  vós  quiré. 
Pues  íi  en  vós  plazcr  no  fience 
Mi  vida,ni  lo  deííea, 
Sinoquereis.queyoos  Vea, 
Que  veré,que  me  concentí;? 


•íSfiliíf 


59*K>q^mDai3* 


Mote^^ 


*DeLuts  deCãímes, 

iiy^iia  aí  eíí:>n 

Quem  fe  confia  em  honsollios 
Nasmininas  deiks  vè, 
Que  mioinas  não  cem  fé. 

Voltas  Juàs» 


Quem  põem  fuás  confianças 
EmmininasfcmaíTento, 
Offercçao  lofrimento 
A  duzentas  mil  mudanças: 
Moítráo  noar  efpétttriças 
Mas  em  léus  olhos  íèvc  í 

Como  não  tem  nalmafé. 

Enganaóao  pirecec  . 
Porque  no  caio  d'amarj 
Saò  mulheres  no  macar^ 
E  mininas  no  querer; 
Quem  em  feus  olhos  fecrer 
Cem  mil  graças  nelles  vé, 
Vellas  firo,mas  náoter  fè 

Amoftraóvos  num  momento 
Favores  a  ília  molhos. 
Mas  na  mudançi  dosolhdç 
Se  lhe  muda  o  penfi mento.. 
Em  nada  jâ  tem  aíTentó,' ' 
Eo  que  mais  nelles  le  vé 
He  fermoíura  íem  fe. 


Cantiga  velha. 


So  is  fcr  mofa  j&  tudo  tendes,  ' 
Sc  í^ió  que  tcnde§  os  olhos  verdes 


kimâsào  gràndíLultdeCámhtl' 

Ninguém  vofl  pôde  tirar 
Serdes  tam  bem  aílombrada 
Mas  cisme  de  perdoar, 
Qiie  os  olho5  não  valem  nada; 
Foltes  mal  aconfeihada 
Em  querer, que  foliem  verdes, 
Trabalhay  de  os  eíconderdcs, 

A  volTa  teíla  he  jardim,' 
Aonde  amor  fedtfenfâda 
He  tam  brancSj^  bem  talhada. 
Que  parece  de  Marfim, 
Aíli  he;&  quanto  amim, 
Ido  vos  nalcede  a  terdes- 
Tão  perto  dos  olhos  verdes. 

Os  cabe  los  delatados 
O  meímo  Sol  eícurccenj, 
Sc  nSOjC^ue  por  ferem  ondados, 
AlgiJm  raftPodefhierecem: 
Mas  afè, que  fe  parecem 
A  furto  dos  olhos  verdes 
Naõ  vospele  náó  de  os  terdes. 
■    As  pclhnastem  moftrado 
\    Ser  r?.yos,que  abrazaó  vida% 
Se  não  foram  tam  campndas 
Tudo  o  mais  era  pintados 
Elias  me  tinbáo  levado^  ^ 
A  alma  fern  o  vós  íaberdcs» 
iítpQ  òlt/H    St  naó  foraó  os  olhos  verdes. 
O  mímodeíle  caraõ 
Nem  poríhe  os  olhos  confentc, 
Efcr  lifo,6c  tranfparenrc^ 
Rouba  rodo  o  coração: 
Inda  aíllm  acharcys  naçSo, 
Que  lhe  não  peie  de  os  verdes. 
M.iS  naó  feja  cos  olhoíS  verdes, 
EíTe  riío  que  hs  com  poílo 
De  quantas  graças  nacerâo, 
Sena)  que  alguns  me  diíTerão  . 
Vos  faz  covinhas  no  roítoj 
Na  vontade  tenho  pofto 
Dar  vos  a  almaiíe  quifcrdcs, 
A  troco  dos  olhos  vctdes. 
Nunca  fe  vio,  nem  íe  efcrcvé 
Boca  tu  ma  graça  igual, 
Se  naó  fora  de  coral, 
E  os  dentes  da  corda  neve. 
Doume  eu  a  Dcos^que  mci^vç^  ' 
Sofrcrey  quanto  teverdcs/ 
Naõ  me  tenhais  olhos  rerdes 

Effa  garganta  merece 
Outras  palavras  naõ  minhas. 
Se  naó  que  feyta  cm  roíquinha 


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mobnííc 


Dalfcnin» 


Rimas  do  grande 
DâlfeninjO  que  p^írece. 
Eu  fey  bem  quem  fe  oíFcrecc 
A  tofíiarcudo  o  que  cendcs, 
E  Cambem  os  olhos  verdes 
Eflas  mãos  íaó  terropcas, 
Sò  o  vcll^s  enfeytiça^ 
Se  naõ  que  fáo  alvas cheaSi 
Etemafeyçáo  roliça: 
Com  que  apcUais  por  juftiça, 
Peracora  ellas  prenderdes 
Os  qac  vem  voííos  olhos  verdes, 
A  voíía  galintaria 

Maçará  a  quem  falardes, 
Tendes  huns  deídés,  &  tarde» 
Que  eu  logo  vos  roubaria? 
Utiduumea  Santa  Maria, 
Sou  cu|0, de  quanto  tendis, 
E  caaibem  delles  olhos  verdes. 

Outro  Mote  femelhmíe  eftâ  na  frimeyra 
Tarte^com  Suas  voltas* 

Outras  fuás  ao  me/mo. 

Tudo  tendes  fingular. 

Com  que  os  corações  rendeis 

Senão  que  rindo^fazeis 

Covinhas  para  enterrar} 

E  pararelufcitar 

Teui  força  a  graça^que  tendes 

Se  não  que  tendes  os  olhos  verdes. 

Tudo  fenhnra  alcançais 
Quanro  o  Ter  ferm oía  alcança, 
Senão,quediiserperança 
Cos  olhos, com  que  matais: 
Se  acaío  osalevaiitais, 
He  para  as  almas  renderdes, 
Sc  naó^que  tendes  os  olhos  verdes. 

DOM  ANTÓNIO  ,SENHOK. 

de  Caf quais, prometeo  a  Luis  de  Camões 

leis  galinhas  recheadas  por  húa  Co-  . 

pia  ,  que  lhe  fizera ,  &  mâdan- 

Uolhc  por  principio  da  pagua 

mea  galinha  recheada, 

Elle  lhe  fuandou  ejla  Co^la 

Sinco  galinhas  8c  mea 
Deve  o  ícnhor  de  Caíquais^ 
Eamea  vinha  chea 
De  apetite  para  as  mais, 
JULPart. 


Luts  di  Catítees. 

A.  B.  C,  Feytoemmottes. 

ANna  quizeílesque  foíTe 
O  volfonomedapia 
Farí  mòr  minha  agonia, 
Apellcsfe  fora  vivo, 
E  avervos alcançara, 
Por  vòs  retratos  tirara, 

Achilles  morreo  no  templo 
Contemplando  degiolhos 
Eu  quando  vejo  efies  olhos. 

Arcemifa  íepultou 
A  feu  irmâo^ôc  marido^ 
Vòs  a  mim,  6c  ameu  fentido. 


B 


BEmvejoqueíois  fenhora 
Ellrcroo  da  fcrmolura, 
Para  minha  fepuUura, 

C.  C. 

CLeopatra  fe  matou, 
Vendo  morto  a  íeu  amante, 
E  eu  por  vòs  em  fcr  confiante^ 

Caflandra  diíTe  de  Tioya, 
Que  havia  fer  deftruida^ 
E  cu  por  vòs  d*almaj&  da  vijá. 

D.  D. 

D  Ido  morreo  por  Eneas 
E  vòs  matais  quem  vos  ama, 
Julgay  íe  fois cruel  dama. 

Dianirainnoccntí*. 
Da  má  morte  cauíadora^ 
V  ósda  rointia  íabedora, 

E. 

E^  Uridiccfoy  acaufa 
„  Deorpheo  hirao  mferno, 
Vòs  de  íer  meu  roal  eterno 

F.F. 

FE^ra  fó  de  puro  amor 
Morreo  por  feu  enreado, 
Eu  morro  de  defamado, 
Fcbo  vay  cfcurcccado 

Ddl 


#lt 


Ante 


AntcvoíTa  claridade, 
E  eu  fem  ter  liberdade 


G.  G. 


Rimas  Âç  Grande  Luís  ãeCámhsl 

£u  por  voííâ  fermofura, 

Nimphas  enganão  mil  Faunos 
Com  íeu  ar,6c  fermoíura, 
E  amim  voíTa  figura. 


GAlatea  íois  fenhora, 
Da  fermoíura  eftremo, 
E  cu  perdido  Polyphemo. 

Genebra^que  foy  Raiaha 
Se  perdeo  por  Lançarote, 
E  vos  por  medar  a  morte, 

H.  H. 

ErculeSjhuma  camifa 

DechamaSjO  coníumioi 

Minha  almadeíqae  vosvio 

HcbiSj&  Dido  morrei  áj 

Com  origorda  mudança. 

Eu  vendo  voíTa  efquivança. 

1. 1. 

IUdith,que  o  duro  Holoferncf 
Degoioujle  viva  fora, 
Mace  lhe  déreis  fenhora. 

Júlio  Ceíar  conquiftou 
O  mundo  com  fortaleza. 
Vós  amim  com  gentileza. 

L.L. 

LEaodro  íe  afogou, 
E  foy  fua  caufa  H:jro, 
E  amim  o  que  vos  quero. 

Leandro  fe  afogou 
No  mar  de  fua  bonança, 
Eu  no  devofla  cfperança^ 

Minerva  dizem  que  foy, 
E  pellas  Deoías  á\  guerra, 
E  vÓ5,íenhora^da  cerra. 

Medéa  foy  muy  cruel, 
Mas  não  chegou  a  metade 
De  voíTa  gram  crueldade* 


N 


N.  N. 

Arcifo  o  fifo  perdeo 
Em  vendo  a  fua  figura, 


O.  O. 

OS  olhos  chorão  o  dano« 
Que  em  vos  verem  ícntirão, 
Maseu  pago  o  queelles  viraõ, 
Orphjocom  adoce  Arpa 
VcnC3o  o  reyno  de  Fultáo, 
\  òsjainim  Com  peifeyçaõ. 

P.  P. 

PArís  a  Helena  roubou, 
Porque  Troya  foy  perdida, 
£  vós  amim  alma,&  vida. 
Pyrrho  nnatou  Policcna 
Peifeyta  em  todos  finacs, 
£  vós  amim  me  mataes. 

Q,  a 

QVanto  mais  defejo  vervoi. 
Menos  vos  vejoíenhora, 
Naò  vos  v?r  melhor  me  fora. 

Querendo  vera  Diana^ 
Adeon  perdeo  ávida, 
Que  cu  por  vós  trago  perdida. 

'  R.  R. 

REmedio  nenhum  náo  vejo. 
Que  rcmedee  meu  maU 
Nem  crueza  a  voíTa  igual. 
Roma  o  mundo  íogeyta 
Com  armas^íaber^tcmor. 
Vós  a  mim  fó  por  amor. 


S. 


SErena  na  mór  Fortuna 
Com  enganos  vay  cantando 
Evos  íempreamim  matando. 

T.  T. 

THisbemorrco  porPyramo, 
A  ambos  matou  o  Amor» 
A  mim  voffo  disfavor^ 


Thisbe 


Thisbc  pcllo  feu  amante 
Morreo  com  amorfobejoj 
hlAS  eu  mais  morco  me  vejoi 

V.  V. 

VEnus^que  por  mais  fermoía, 
Lhe  deu  Paris  a  maçãa, 
Naõ  foy  quanco  vòs  louçãa. 

Vénus  levou  a  maçãa, 
Por  vos  naó  ferdes  íenhora 
Nâcida  na  quella  hoja. 

X*  X. 


*^  7"  Põ  vos  acabe  cm  graça, 
^V  Evos  faça  picdofa, 
Tanto,quanto  íoisfef  moía. 
Xancopeà  tornou  atraz 
Por  Aponio  a  invocar, 
Evos  não  a  meu  chamar.  .; 

JJ- 

JUlioCcíarfe  livrou 
Dosimigos  conn  abrolhos, 
Eu  naõ  poíTo  deííes  olhos. 
Jaziaíeo  Minotauro 
Prefo  no  feu  laberinto. 
Mas  eu  mais  preío  me  fínco. 

ESTANCAS. 

Na  medida  antiga ,  que  tem  duas  contrarie* 

dades  ^  louvando ,  &  des  louvando  huma 

'Dama. 

SOis  huma  dama 
Dasfeasdo  mundo 
Detodaamáfima 
Sois  cabo  profundo. 

A  voíTa  figura 
Naõ  he  para  ver 
Em  voflo  poder 
Ivlaòhafermoíura, 

Foíles  dotada 
De  toda  a  maldade, 
Perfeyta  beldade 
Devóshe  tirada 

Sois  muyto  acabada 
De  tacha,ú  de  gloía 
Pois  quanto  a  íermofa 


Rlmss  do  grande  Lnis  de  Camões í 

Em  Yosnaò  ha  aaJa 
Dcgcaõ  merecer, 
Soisbco)  apartada 
Andaes  alongada 
Dobem  parecer. 
Bem  claro  moftraÍ8 
Em  vòs  fealdade^ 
Naõ  ha  hi  maldade. 
Que  naó  precedaes> 
De  frcíco  caraó, 
Vos  vejo  aufente. 
Em  vó>hepreíent« 
Amácondiçaõ. 
Emterpcrfejçaõ 
Muy  alnca  cítaes, 
Muy  muyco  alcançaes 
De  pouca  lazão. 


•  I| 


M  O  T  T  E. 

Catherina  bem  promete^ 
Ora  mà^como  elia  mente, 

1  f^  Atherina  he  mais  fermofa 
\^^  Para  mi, que  a  luz  do  dia, 
Mas  mais  fermoía  íeria 

Se  naõ  foííc  mentiroía: 

Hcjeavejopiedofa, 

A  mcnhâa  taô  differcnte. 

Que  íeniprc  cuydo  que  mente, 

2  Proineteome  ontem  de  vir, 
Nunca  mais  apparccco 
Creo  que  naõ  prometo, 
Scnaò  íò  por  me  mentir: 
Fazmc  em  fim  chorar  &  rir, 
Rio,quando  me  promete , 
Mas  choro  quando  me  menCc. 

2  Juroumeaquclla  cadclla 
De  vir  pela  alma,quc  tinha, 
Enganoume^&  tinha  a  minha, 
Deulhe  pouco  de  perdclla: 
A  vida  gaíloapoz  ella. 
Porque  ma  dà,fe  promete^ 
M  stirama,quandomence« 

é^  Mà,mentirofa, malvada, 
Dizey,porque  me  mentis, 
Promeieis,&  cntaõ  fogisj 
Pois  fem  tornar,tudo  he  nada: 
Naõ  íoií.  bem  aconítlhada, 
Que  quem  promctc,fc  mente, 
O  que  perde  naó  o  lente. 

5  Tudo  V0&  cónica  cif  ia 


Cjuaoto 


ojyum  víj 


|i4i  "     Rimas  do 

Quanto  quize/feis  fazer, 
Sscílc  voílo  prometer 
Fofie  por  meter  hum  diai 
Todo  entaó  rne  desfaria 
Com  gofl:o,&  vós  decontencf, 
Zoraoaf  leis  de  quem  mente 

(5   Mas  pois  folgaes  demcntir 
Prometendo  de  me  ver, 
Eu  vos  deyxo  o  prometer, 
Deyxame  vós  o  íervirj 
Haveis  entaõ  de  feniir 
Quanto  a  minha  vida  fente 
O  íerviraqucrm  lhe  mente, 

7  Catheriname  mintío 
Muycas  vezeSjfem  terley, 
E  todas  lhe  pcrdocy 
Porhuma  íó  que  cumprio; 
Se  Como  me  confencio 
Fallarlh:,o  mais  me  confenre. 
Nunca  mais  direy  que  mente, 

M  O  T  T  E. 

Sem  vòs,&  com  meu  cuydado, 

G  L  O  S  A. 

QUerendo  Amor  eícondcrvos, 
^^tm  parte  que  vos  não  viíle, 
Com  eftreraojde  querervos, 
CegourriC  os  olhos  com  ver  vos 
LevouoSjíem  que  os  vilTe, 
£u  cego,mas  atiiiadoí 
Quando  VI que  vos  nam  via, 
Do  mefmo  Amor  indignado, 
Jà  vedes  qual  íicaria 

Sim  vÒ5,&Gom  meu  cuydado, 

\ 

MO  T  T  E. 

^  alma^que  eftà  offsctda 
A  tudo^nada  lhe  heforte^ 
JlJJipdjfa  0  bem  da  vida^ 
Comopajja  o  mal  da  morte, 

GLOSA. 

DEmaneyra  me  fuccede,' 
O  que  temOjSc  o  que  defejo^ 
Que  fempre  o  que  temo,  vejo 
Nunca  o  que  a  vontade  pede. 
Tenho  tam  oíTerecida 


grande  LmsdeCamcefl 

Aima,&  vida  á  todí  a  forte, 
Que  iíTo  me  dera  da  morte, 
Como  já  me  dá  da  vida. 

M  O  T  T  E. 


FcrrSifogo.frio.é'  calma. 
Todo  o  mundo  acabar àõ^ 
Alas  nunca  vos  tirarão 
Alma  mtnbadtttmnha  alma, 

GLOSA. 

A5  vos  guardey  quando  vinha 


I 


N 


Em  torre,foíÇâ^ou  engenho 
Que  mais  guardada  vos  tenho 
£m  vòs,que  fois  alma  minha. 
A  lli  nem  frio, nem  calma,, 
Nam  podem  ter  jurdiçaõ, 
Na  vida  fim,perém  naô 
Em  vòs^que  tenho  por  alm' 

M  O  T  T  E. 

Efperey^jà  ndôefpero 
^De  mais  vosjervirfenbora^ 
T^oís  me  fazeis  cada  hora 
Tanto  maluque  de/è/pero 

GLOSA. 

1^  Ois  fey  certo  que  folgaes, 
.    Quando  maii  mal  me  fazeiSj 
E  que  nunca  dcfcançaes, 
Se  naó  quando  me  moílraes 
Quaó  pouco  bem  me  quereiSi 
Servirvos  mais  nãoefpero. 
Pois  meu  viver  empeora. 
Com  me  fazerdesiíenhora^ 
Tanto  mal,que  deícfpero. 

M  O  T  T  E. 

'De/calça  vny  para  a  fonte, 
Leonor  pela  veràura^ 
Vay  f et  mofará'  naõ  íegura. 

iV  O  L  T  A. 

LEva  na  cabeça  o  pote, 
O  teíto  nas  máos  de  pratSi 
Cinca  de  fina  cfcatlata, 


1 


Bainho 


Rimas  ^0  grande 

Sainhode  chamalote: 
Traz  a  vgfquinhs  decore^ 
Mais  branca  qne  a  neve  pura, 
Vay  tc£moÍ3j&  naõ  fcgura. 

Úcicobr  c  a  touca  a  garganta, 
Cabellosdjouroo  trancada. 
Fita  de  cor  ds  encarnado, 
Taó  linda. queo  nnundoeípanta: 
Chove  nella  graça  tâoca. 
Que  dà  graça  àfeimornra, 
\ay  tcrojOfa^Sc  naôlegura 

M  O  T  T  E. 

^4em  ãijjet  que  a  bar  ca  pende  ^ 
'Jjirltjehey  mana  quemencf^ 

VOLTA, 

SE  vos  quereis  embarcar, 
É  para  illo  cítaes  no  cães, 
lintray  logojquetardacs? 
Olii^y  ^ue  tfta  preamar.' 
h  ítíouircm,por  vos  fretar; 
Vosdiiíer  queefta  que  pendc^ 
Dirlhchey,nqna,que  mente. 
Elta  barca  he  de  carreyra, 
Xem  (eus  aparelhos  novos, 
^aó  ha  comoclia  outra  em  PovoSj 
Boa  de  leíiie,&  velkyra: 
Mas  le  por  ler  a  piimcyra. 
Vos  diílèr  alguém  qu<í  pende, 
Dirlheheyimana,qae  mente. 

M  O  t  T  E. 

*. 
Cor»  rasãfi  qufyxarme  poffo 
^evôSiqtíemalvos  queyxalsi 
^oisj/enhorajvosjangrais, 
^e/eja  nnm  íorpo  vojjo, 

V.O  L  T  A  S. 

EU  para  levar  a  palma, 
Com  que  fer  voíTo  mereça. 
Quero  que  o  corpo  padeça 
rorvòs,qucdellefoisalma: 
Vos  do  corpo  voi  queyxais. 
Eu  queyxarme  de  vós  poíTo, 
Porque  tendo  ham  corpo  voíTa^ 
Ka  minha  alma  vos  fangrais. 
;    E/em  fazer  differcnça, 


Luís  de  Camões'.  ^ 

No  que  de  mim  poíTuis, 
Pello  pouco,que  íenris, 
Dais  a  minha  alma  doença. 
Pois  que  dons  avcnturaes, 
Oh  naó  fcja  o  dano  noíTo, 
Sangreíe  tile  corpo  voíTo, 
Porque  rainha  alma  vivaes* 

E  inda,íe  atentardes  bem, 
Seguis  medicina  eirada. 
Porque  para  fer  fangrada 
Humaalma  Tangue  naõtemt 

E  poisem  mim  íarar  poíTo 
Males,qucà  mmha  alma  dais, 
Sc  inda  outra  vez  vos  íangrais 
Seja  ns.ftc  corpo  vofio. 

M  O  T  T  E. 

Retratovòsnaõ  foh'9fíeu 
Reiratarãovos  wuy  mal^ 
^e  a /éreis  meu  natural 
1< oreis  mofino  como  eu. 

INda  que  em  vós  a  arte  vença, 
O  que  o  natural  tem  dado, 
Naó  foílcs  bem  retratado. 
Que  ha  em  vôs  oiaisdiíl^^erença» 
Que  no  vivo  do  pintado: 
Se  olugar  íe  coaíidera 
Do  alto  eílado,quc  vos  deu 
A  fortc,que eu  mais  quizera, 
Sc  he  que  eu  íou  quem  dantes  era, 
Fetrato  vósnaõ  fois  meu. 
Vóí  na  minha  g'oria  pofto, 
E  u  na  voíTa  íepultura, 
Vós  com  bens,eu  com  deígoílo, 
Parecei fv es  ao  meu  rofto, 
E  náaja  à  minha  ventura. 

E  pois  ntllaj&  vós  crràrâoi 
O  que  em  mim  he  piiricipal, 
Muytoem  ambos  tetnganàraói 
Se  pornnim  vos  retaratâiaõ, 
Retrataráovos  rruymaí 

Mts  íe  eíTe rofto  fingido, 
Quizcreis  rcprelentar, 
Ou  vera  por  bom  partido, 
Darlho  a  alma  do  fentidoj 
Parar,  gloria  do  lugar. 

Vireis  pofta  neíTa  alteza. 
Que  vós  naõ  ba  couza  iguaíi 
E  que  nem  a  mayor  mal 
Podeis  vir,oem  mór  bayxcza, 


»»^ 


Qit 


a  r<r  Rima: 

Qae  fcrdes  meu  natural. 
Por  iíTo  naó  confcíTeis 
;Ssrde.s,meu,quc  hedctatino. 
Com  que  o  lugar  perdereis, 
Se  confcrvarvos  quereis, 
Blafonay,qceíuis  divino, 
Qiisfc  neílaoccaíiaó 
CoaheceíTem  que  éreis  meu. 
Por  meu  vos  déraó  de  maó. 
Fôreis  mo  fino,como  eu, 

M  O  T  T  E. 

r^yje gajlànâo  a  efperança, 
Fuy  entendendo  os  enganos^ 
^0  mal  ficar  aõ  meus  danos  ^ 
E  do  bemjó  alembrança, 

G  L  OS  A. 

NUncaem  prazeres  paíTados 
Tive  firrr.eza  íegura» 
Antes  raó  arrebatados, 
Qiie  inda  naô  craó  chegados. 
Quando  mos  levou  ventura. 
Ecomo  quem  defconíia, 
Ter  em  tal  forte  mudança» 
No  meyo  dcfta  porfia. 
De  quanto  bem  pertendia, 
Foyíe  gaftando  a  eíperança 

Naõ  tive  por  deíátino 
Aoccaíião  de  perdclla. 
Mas  foy  culpa  do  deftmo. 
Que  ninguém  como  mais  dino 
Amor  pudera  foftella. 

Deylhe  tudooque  erafeu 
Naô  receando  taes  datnos 
Dcíle^aquem  alma  lhe  deu, 
'Juando  já  naô  era  meu, 
Fuy  entendendo  os  cnganoi. 

Fiquey  deftc  mal  fobejo, 
A  quem  a  caufa  com  pete, 
Ducrlhe  tudo  o  que  v^jo; 


do  grande  Ltiis  de  CaviÕesl 

Que  Amoraceyta  o  defejo. 
Mas  mente  no  que  proraete. 

Que  feamim  íe  me  obrigou 
A  darme  bens  foberancs, 
Foy  engnno.que  ordenou, 
Que  do  btm  tudo  levou, 
Do  mal  fícáraô  meus  danos. 
Eíedor  táo  deíigual 
Sofro  cm  mim  com  padecellos, 
Quero  de  novo  íofrellos. 
Que  por  a  caufa  ícr  tal, 
Naò  determino oflrcndJIos. 
Dobrefe  o  mal^falre  ávida, 
Creça  a  fé,  falte  a  efperança. 
Pois  toy  mr^l  agradecida, 
Fique  a  dor  nalma  imprimidar 
£  do  bem  lò  a  lembrança. 

M  O  T  T  E. 

OjoSyhertdo  me  haveis, 
Acabaâya  de  matar  me, 
Mas  muerto  bohè  a  mirarme^ 
forque  me  refufcttets^ 

VOLTA. 

PUes  me  diftes  tal  herida, 
Con  gana  de  darme  mucrtc, 
El  mofir  me  es  dulce  íuerte, 
Pues  con  morir  me  dais  vida. 

Ojos^quc  os  deteneis? 
Acabad  ya  de  matarme, 
Mas  muerto,bolvè  a  mirarmc» 
Porque  me  rcíuíciteis.       '•   /' 

La  llaga  cierto  ya  es  mia, 
Aunque,ojos,vòs  noquerrais, 
Masíi  lajmuerte  me  dais, 
Eí  morir  me  es  alegria. 

Y  afll  digo,que  acabeis, 
Ojos,de  relucitarme, 
MasmuertOjbolvé  amirarme, 
Porque  me  refufc iceis 


ih\j 


CARTi 


Rimãs  do  grande  Luís  de  Camões^»  tij 

C  A  R  TA    L 

DEfejey  huma  voíIa,cuydo,que  pela  de-  fugir  a  quantos  laços  neíTa  Cerra  me  ármáviS 
Icjara  nam  vi  j  porque cfte  hco  mais  os  aconcencimentos,  íe  nam  com  mcvir  para 
cerro  cofturac  da  Fortuna  ,  confencir  ,  que  cila  onde  vwo  mais  venerado ,  que  os  rouroi 
mais  Tc  defeje,oquc  mais  preito  íe  ha  de  negar  de  Merciana  ^  &  roais  quieto,  queacellade 
>las  porque  oucras  Nãos  me  nam  facão  hum  frade  pregador.  Da  terra  vos  feydizer^ 
tamanha  offcnTa ,  comohe  fazercmme  luU  queheroãy  dos  vilões  ruins^&,madraítadc 
peytar,  que  vos  nam  lembro:  determiney  de  homens  honrados.  Porque  os  que  fe  ca  lanção 
vos  obrigar  agora  com  eíta  ,  oa  qual  pouco  abufcar  dmheyro  ^  fempre  k  fuílentaõ  fobra 
mais  ,  ou  menos  vereis,o  que  queroiquemc  agoa  como  bexigas ,  masosquefuao  piniao 
cícrevais  dcfla  terra  j  em  pago  do  qual  dante  deyta  a  las  armas  Mourifcotc^como  maré 
mão  vos  pago  com  novas  defta  ,  que  nam  corpos  mortos  ápraya  ,  íabey  que  anrcs  que 
íeraô  mas  no  fundo  de  huma  arca,  para  aviÍ3  amadurcçao^íc  íècão.Jà  cílvs,quc  tomâvao 
tíe  alguns  aveotureyros ,  que  cuydão  ,  qjc  cita  opinião  de  valentes  ás  coitas,  crede  j  que 
todo  ornato  heouregâosiéí  nam  fabem,quc  nunqua  riberai  de  Duero  arriba  ca valgaron 
cá,&là,más  fadas  ha.  C^amoranos,que  roncas  de  tal  foberbia  entre 

Defpciis  que  deíía  terra  parti ,  como  quem    fi  fueíTen  hablando}  &  quando  vem  ao  cífey- 
o  fazia  para  o  outro  mundo.,  mandeyenfor*    to  da  obra,  falvãoíe  com  dizer  ,   quefcnam 
cara  quantas  eíperanças  dera  de  comer  ate    podem  fazer  tamanhas  duas  coufas  como  he 
entaõjCom  prcgaó  publico,por  falfificadoras     promctcr,6c  dar   Informado  diílovcyo  a  eíta 
de  moeda,  Edefenganey  eíTcs  pcolamentos,    terra  joâo  Tofcano  ,  que  como  íe  achava 
que  por  caía  trazia  j  porque  em  mim  nam  6-    cm  algum  magufto  de  rufiões  verdadeyra- 
caííepedra  febre  pedra. E  aífi  pofto  em  eftado    mente,  que  alli  era  comerias  carnescrudas, 
que  me  nam  via  ,  fe  nam  por  entre  lurco,&    fu  beberia  vivafangrc.  Caliílo  de  Siqueira  fc 
fufco^asderradeyras  palavras,  que  na  Nao    veyocà  mais  humanamente  >  porque afli o 
dif^c ,  foraõ  as  de  Scipiáo  A  íúc^noAngrata    prometeo  em  huma  tormenta  gr*nde,cm  que 
fatrta^NonpoJJidebisoJJamea^QiQ^ç.  quan-    /e  vio  Mas  hum  Manoel  Sciraò  ,  que  ficuc 
docuydo,qu:^íem  pcccado  ,  me  obrigaílVa    Sinos  ^  manqueyjadehumolhOj  fctem  cà 
três  dias  de  Purgatório  ,  paííey  tre<;  milde    provado arrezoadamente,  porque  fuy  toma- 
inás  lingoas,  peores  tenções  danadas  võtades,    do  por  juiz  de  certas  palavras,de  que  elle  fez 
&  nafcidas  de  pura  enveja,dc  verem  íu  amada    deídizcr  a  hum  íoldadoj  o  qual  pela  poílura 
yedra  de  fi  arrancada ,  y  cn  otro  muro  afida,    de  fua  peíToa  era  cà  tido  em  boa  conta.  Se  da? 
da  qual  também   amizades  mais  brandas,    damas  da  terra  quereis  novas, "S  quaesfaa 
que  cera    ,  íe  accndiaõ  cm   ódios  ,'  que    obrigatórias  a  huma  carta  ,  como  marinhcy» 
deíeípcravão  ,    &  lume  ,  que  me  deycava    ros  a  fefta  de  Sam  Frcy  Pêro  Gonçalves  ía- 
mais  pingos  na  Fama,que  nos  couros  de  hu  m    bcy » que  os  Portuguezas  todas  caem  de  ma* 
leytaô,  EntaÕ  ajuotoufe  a  ifto  acharcmmc    duras  ,  que  nam  he  cabo  que  lhe  tenha  03 
fcmprc  na  pelle  a  virtude  de  Achillcs,q  nam    pontos.fe  lhe  quizerem  lançar  pedaço.  Pois 
podia  fer  cortado  fenaõ  pelas  folias  dos  pés^    as  que  a  ti^rra  dà,alcm  de  ferem  de  rala,fazey- 
as  quaesdemasnam  verem  nunqua, me  fez    me  merece  ,  que  lhe  falíeis  alguns  amoreg 
veras  de  muy tos  j&  nam  cngeytarconvcrfa-    de  Petrarca  ,   ou  de  Boícâo^reípondemvos 
çõesdamefmaimpreílaõ  ,  a  quem  fracos  pu»    huma  linguagem  meada  de  crvilhaca  ,  que 
nhaõmaonome  ,  vingando  com  a  lingoa^o    travs  na  garganta  do  entendimento,  a  qual 
que  nam  podiam  cumobraço.Em  fim  fenhor,     vos  lança  agoa  na  fervura  da  mór  quentura 
cu  nam  fey  comquemc  pague  fahcr  cambem    do  roundo.Hora;ulgay,fenhor,oquc  fcntírá 
llI.Part.  fie  hum 


fiS  Rim 4S  Â<iGrfinds  Luís deCámSesl  . 

humeflâmagocoílUmadoarefiiliràsfalfida-  mento.  E  íenaó  dlp;i5  quien  dixo  ,  que  lâ  \ 
desde  hum  roíunho  de  tííUKia  dehufna  da-  aureíiciacauía  olvido.  Porque  em  fim  en  la 
iDa  Li  boac:afe,q  chia  como  pucarinhopo-  tierraq^cda  ,  &  o  mais  a  aloiia  acompanha» 
vococna^^oa  ,  vcndofe  agora  entre  eítaoar-  Aoalvo  deites  cuydadosjogaó  meus  peuía- 
carne  de íe!é,que  nenhum  amordà  defi ,  co«  mentos âbarreyra,tcndome  japelocoítume 
mo  nam  chorarâlas  memorias  dg  lo  .iÍlo  cem-  tam  contente  de  ttifte,  que  trilte  me  fana  Ter 
pore.^poramorde  mim,  q«eàs  cnulheresde-  contente  ,  porque  o  longo  ufo  dos  annosíe 
íTa  terra  digais  da  minha  parte  ,  que  íe  que-  converte  cm  natureza.  Pois  o  que  he  para 
rem  ibfoluta mente  ter  alçada  com  baraço  niór  mal ,  tenho  cu  para  mòr  bem.  Ainda  que 
&  pergaô  ^qus  náorçcecm  íeis  meies  demà  paraviver  no  mundo  ,  medcbpjo  doutro 
yidapormar^queeuaseíperocompruciííáo,  pano^  por  nam  parecer curuja entre  pardais, 
^  paleo,revcltido  em  pontifical  ,  adonde  fazendome  hum  para  ftr  outro  ^  fendo  outro 
çftoucras  íenhoras  lhe  iraó  entregar  as  chaves  paiaícr  hum  ^  masador  diílimulada  dará 
da  cidade,&  reconheceram  toda  ao  bediécia,  íeu  fruyto,que  a  trifté-za  no  coração,he  como 
a  que  por  fijâ  muy  ca  idade  Taõ  jà  obrigadas,  atraçanopano  ,  deportam  triíte  me  tenho> 
por  agora  nam  niais,íenaõiqucefte  Soneco,q  quelcfentiffc  alegria  de  triíle  nam  vivina, 
aqui  vay  ,  que  fiz  à  morte  de  Dom  António 

de  Noronha^  vos  mando  em  final  de  quan-  Porque  a  tal  forte  vim, 

todellame  peíou.  Huma  EgUiga  fizfobrca  Que  nam  vejo  bem  algum 

mefma  matéria,  a  qual  tambcm  trata  alguma  Em  quanto  vejo, 

coufa  da  morte  do  Príncipe ,  que  me  parece  Que  nam  naíceo  para  mi 

mel  lor, que  quantas  fiz.Tambcm  vola  man-  E  por  nam  lentir  nenhum, 

dára  para  a  moftrardes  làa  Miguel  Dias^que  Nenhum  defejo, 

pela  muyta  amizadadcDam   António  , fol- 
garia de  avcr  ,  mas  ocupação  de  eferéver    Porque  couíasimpofliveis,he  melhor  cfque» 
fnuyfas  cartas  para  o  Reyno  ,  me  nam  deo    cellas  que  deíejallas.Ii  por  iílo 
lugar.  Também  làcícrcvo  a  Luís  de  Lemos, 

em  repolta  doutra  ,  que  vi  íua  ^  íelhcnatn  Só  triíleza  ver  queria 

deràõ  íayba,quc  he  culpa  da  viagem^  na  qual  Pois  minha  ventura  qner, 

tudo  íc  perde.  Que  íó  ella 

Vale  Conheça  por  alegria: 

E  que  le  outra  quiíer 
O  S ene  to  que  aqui  diz  ,  fica  entre  os  outros.  Morra  por  ella. 

&heoii. 

Pouco  fabe  da  triíleza  quem(rem  remédio 
CARTA     IL  paraclla)dizaotrillequelealegre.Pois  naoi 

vem, que  alhcoscontcntamenros  a  hum  cora- 

ESta  vay  com  a  candca  na  maó^morer  nas  ção  defcontente,nam  lhe  remediando  o  que 
de  v.m,&  fe  dahi  paíTar  lejaem  cinza,  íente,lhedrobáo,oque  padece. Vós^íe  bem 
porque  nam  quero,que  do  meu  pouco  comaó  àniáoefperaís  de  mim  palavrinhas  jueyra- 
HiUytos.  E  fe  todavia  quizer  meter  mais  máos  das ,  enforcadas  de  bons  propofitos ,  pois  de- 
na  efcudella  ^  mandelhe  lavar  o  nome,  &  fcnganayvosi  que defque  profeíTèy  triíleza^ 
valha  lem  cunhos.  nunqua  mais  foubcjogar  a  outro  fito»  E  por- 

que nam  digais,  que  nam  íou  gente  fora  do 
La  mar  en  médio  ^  y  tierras  he  dexado,  meu  bayro.vedes  vay  huma  volta  feytaaeftc 
y  quanto  bien  coytado  yo  tenia:  rnote  ,  quecfcolhi  na  manada  dos  engcyca- 

Quâo  vano  imaginar ,  quaõ  claro  engano,  dos ,  &  cuido  j  que  nam  he  tam  dedo  quey* 
Es  darme  yo  a  entender  ^  que  con  partirme  mado,  que  nam  íeja  dos  que  El-R.cy  mandou 
De  mi  fe  ha  de  partir  un  mal  tamaíío.  chamar,o  qual  falia  afli. 

h- 

Quaõ  mal  cílà  no  cafo  ,  quem  cuyda  ^  que  Nam  quero^nam  quero 

a  mudança  do  lugar  muda  ador  do  íenci*  jubão amarelo. 

Sc 


Sc  de  Dcgro  for, 


Também  mep  rece, 
Qurinco  me  aboreee 
Toda  a  alegre  cor: 
Cor  que  «»c  ftra  dor^ 
QuerojSc  nam  quero 
Jubão  amarelo. 


Himas  do  grande  Lutsde  Camôe}]  ^19 

Allegados  fon  igales  j  los  que  vienen  por  íus 


manos ,  &  c, A  cfte  propoiico ,  pouco  íuaisjou 
irícnos  j  íe  fízeráo  hnmas  voltas  a  hum  mote 
dcnchcmáoj  que  diz  por  fua  artezambando, 
mais  que  nam  de  fizoCquetodaa  galantaria 
hetirala donde  íe  nam  eípera^oquaí  crede. 


que  tem  mais  que  roer  do  que  hum  praguen- 
to.  Por  tanto  recuerde  el  almaadormida  ,  & 
Parccévos  que  fe  pode  dizer  mais?  nam  me    ixiandeefcumaroentcndimento,  que  doutra 
teípondais  ,  quem  gabará  a  noyva/^porquc    maneyra ,  Defuera  dormiredcs  pallrozico. 


aíTeotay  ,  que  foy  comendo, &  fazendo,  ou 
aíToprando^que  namhetam  pequena  habili- 
dadc.E  porque  vos  nam  pareça,que  foy  mais 
acertar  ,  que  querelo  fazerjvedes  vay  outra 
domeírnojaez  ^  com  tanto  que  íe  nam  ya 
a  paímar. 

Perdigão  perdeo  a  penai 
Nam  hâ  mal, que  lhe  nam  vcnhai 
Em  hum  mal  outrocomeíTa 
Que  nunqua  vem  íò  ncnhumi 
*;    feotriltc,quetcmhu.n 
A  iofrer  outro  íe  ofreça.* 
t  íó  pelo  ver  conheça, 
Que  baila  hum  fó  que  tenha. 
Para  que  outro  lhe  venha 


E  o  meu  ícnhor  diz  aíli 

Davalhe  o  vento  no  chapeyraõ 

Quer  lhe  dé  quer  nam. 
Bem  o  pode  revolver, 
Quie  o  vento  nam  traz  mais  fruyto, 
E  mais  vento  he  íentir  muyto, 
O  que  cm  fim  fim  ha  deter; 
O  melhor^hemílhorfer, 
Que  o  vento  no  chapeyrão, 
Quer  lhe  dé  quer  nam. 


Humacoufâ  fabeydcmím  ^  que  queria  anfes 
o  bem  do  mal ,  q  o  mal  do  bem  ,  porq  muyto 
mais  fe  fcnte  ó  por  vir^  q  o  paíTado,  &  a  mor- 
te até  matar  mata,  Nam  (ey  íe  fereis  marca 
de  voar  tam  alto, porque  para  tomara  palha 

Que  graça  íerá  efperardes  de  mím'propa-    aefta  matéria  ^faõneceíTarias  azas  de  Nebir? 

fitoemcoufasqucosnamtem  para  comigo»    Mas  vós  íois  homem  de  prol,  &defculpamc 

pois  ainda  que  queyra,  nam  poíFo  o  que  que-    a  conta,em  que  vos  lenho.E  a  que  de  mi  vos* 

ro  ,que  hum  fentido  remontado  de  nam  pór    íey  dar  he, 

pé  em  ramo  verde  ,  tudolheíucedeaíli,& 


cada  hum  acode,ao  que  lhe  mais  doe,&  mais 
cu,queo  que  mais  me  entriítece  he  ter  con- 
tentamento, pois  fujo  dclle ,  que  minha  alma 
o  aborrece; porque  lhe  lembra  que  he  virtude 
vivcrfemelle.  Que  jàTebcis  que  magoa  he, 
velohas ,  &  nam  o  paparás.Por  fugi  dcftes  ia" 
coneuientes. 

Toda  a  coufa  defcontcnte, 
Contentarme  fó  convinha 
De  meu  goílo, 

Que  o  roal,de  que  fou  doente» 
Sua  mais  certa  mèíinha^ 
He  deígoíto. 

Jà  ouvireis  dizer ,  Mouro ,  o  que nara  podes 
haver  dâopola  tua  alnoa.  O  mal  íem  reme- 
dxo,o  mais  certo  que  tem  ,  he  fazer  da  neceílí- 
dadevirtude.-quantomaisjfctudo  taó  pouco 
dura,como  o  paíTado  prazer  j  porque  em  útil 
lll,Part. 


Que  esperança  me  dcfpcdci 
Triíteza  nam  me  falece^ 
E  tudo  mais  me  aborrece^ 
Já  que  mais  nam  mereceo 
Minha  eílrclla, 
Só  a  tníleza  conheço. 
Pois  que  pêra  mim  nafceo, 
Eeuparaella. 

No  mundo  nam  tem  boa  forte ,  fe  nara,  quení 
tem  por  boa  a  que  tem,  E  da  qui  me  vem 
contentarme  de  trifte  >  mas  olhay  de  que 
maneyra: 

Vivo  aíH  ao  revés, 
Tomando  por  cerca  vida 
Certa  morte. 

Com  que  folgo  em  que  me  pési 
Pois  minha  forte  he  fervida 9 
De  tal  force. 

Ec»  Huni4 


tjo  Rimas  ão  grande  Luís  àeCâmôesl 

Huma  coufafabcy,que6tr.nlinda  que  às  ve-  fazem  com  íuafidalguía,comq  Iheca  vemoâ 
2cs  o  vejais  louvar  ,  nam  ha  quem  o  louve  fidrlgiuasdsfcusavós.ondenani  ha  trigo  taó 
cora  aboca^que,  o  nam  tache  com  o  coração,    joeyríido  ,  que  naõ  tenha  alguma  ervilhaca» 

Já  íabeis.  que  baíta  hum  frade  ruim, para  ciar 


Ajudamea  fofrer 

Vidatam  lem  íofrimcnto, 

Etamíem  vida: 

Ver  que  em  fim,fim  haõ  de  ter 

Dcígoíto,6c  contencamento 

Huma  medida. 


que  fallar  a  hum  Convcnto.Tres  coufas  nau 
íofrem  fem  diícordiaiCompanhia  ,  namorar 
mandar  viláoruim  ^  fobrecouía  de  íeu  intc- 
rtííe.Naõ  fe  pôde  ter  paciência  ^  com  quem 
quer,  q  lhe  fa^jão ,  o  q  nam  faz.  Defagrídcci- 
mentos  de  boas  obras  deílruem  a  võtade  para 
naó  fazellas  ã  amigo,  que  tem  mais  cota  com 

Atentay  que  nam  faó  mãos  confcytos  de  en-    o  interel?e,quc  com  amizade,  rezay  delle,que 

forcado,  para,  os  que  eítaô  com  o  baraço  na     he  dos  cá  nomeados, 

garganta,cuydar,quc  obem  j&o  mal,ainda         Grande  trabalho  he  querer  tazer  alegre 

qnc  fejaó  dirterentcs  na  vida^  faõ  conformes     ro/lo  ,  quando  o  coração  cita  tnftcjpano  he, 

ijamQr£e,porque  vemos. 


que  nam  toma  nuoqua  bemeíta  tinta,  que 
a  Liia  recebe  a  claridade  do  Sol ,  &  o  rofto  do 
coração. Nada  dá  quem  naõ  dá  honra,no  que 
dá,  Nao  tem, que  agradecer,  quem^  noque 
rcctbe,a  nam  recebe ,  porque  bem  comprado 
vay  ,  o  quccomellaíe compra.  Nada  feda 
degraça,oqucíe  pedemuyto.Eílà  certo,quc 
quem  nam  tem  huma  vida  ,  tem  muytas. 
A  feu  fim  todas  coufísvâo  correndo,  nem  ha  Onde  a  razão  íe  governa  pela  vontade  ,  ha 
coufa^que  otemponamconfuma,nem  vida,    muytoque  praguejar,&  pouco,  que  louvar. 


Qpe  nam  ha  tam  alta  forte, 
iSiem  ventuta  tam  ÍLibida, 
Ou  deleílrada» 

A  quem  nam  aííopre  a  morte, 
Nam  fopreo  fogo  da  vida. 


qusdcfi  tanto  prefuma, 

Qne  íc  nam  veja  nadarem  fe  vendo^ 

Que  o  mais  certo,que  temos, 

He  nam  termos  nada  certo, 

Cà  na  terra 

Fois  para  íeus  nam  nafcemos, 

Se  o  íeu  nos  dà  inceco 

Nada  erra. 

lhe  dizem 
Qiierovos  dar  conta  de  hum  Soneto  ícmper-  viver  no  mundo  fem  verdade,  ou  com  ver* 
nas^que  íe  fez  a  hum  certo  recontro ,  que  fe  dade  fem  mundo.  E  para  muyto  pontual,per- 
teve  cora  efte  dcílruidor  de  propofitos  ,  &  guntaylhe  donde  vem?  Que  algo  tíenc  encl 
naôleacabou  ,  porque  fc  teve  por  mal  cm    cuerpo  ,  quelcduele.  Hora  tem pcraymeU 


Nenhuíua  couía  homezia  os  homens  tanto 
CO  n figo ,  con;0  males  ,  de  que  fe  não  guar- 
darão podendo.Náo  ha  alma  fem  corpo ,  que 
tíintos  corpos  faça  fem  almas ,  como  efte  pur- 
gatório^ a  que  chamais  honra^dondc  muytas 
vezes  os  homens  cuydão  ,  que  ganhão,  ahi 
a  perdem.  Onde  ha  mveja  ,  nâó  ha  amizade 
nem  a  pode  haver  em  defigual  converfaçáo. 
Bem  merecco  o  engano ,  qu5  cré  maiSjO  que 
queoquevè,Agora,ou  fehadc 


pregada  a  obraicujo  teor  heo  feguinte. 

Forçoume  amor  hum  dia ,  que  jugaflfe, 
Dco  as  cartiiS,&  de  oaros  levantou: 
V,  fem  rcípeytar  maó  ,  logo  triunfou, 
Cuydando,  qo  metal, q  me enganafíe 

Dizendo, pois  triunfou, que  tnunfaíTc 
A  huma  Sotade  ouros^que  jugou: 
Eu  entaó  por  burlar,quem  me  burlou, 
Três  paos  jugucy)Sc  dice,  que  ganhalTe, 


cfta  gííyta  ,  que  nem  aíTi  j  nem  aíli  acharei* 
rocyo  real  de  deícanfo  neftavida  ,  ellanos 
trata  íómente,comò  clhcos  de  íl  ,  &  com 
razão. 

Pois  fomente  nos  he  dada, 
Fará  que  ganhemos  nclla 
O  que  íabemos, 
Sefc  gartamal  gaflada, 
Junta  mente  com  perdelía. 
Nos  perdemos. 


Princepes  de  condição ,  ainda  que  o  fejão  de 

ianque  |fâó  mais  enfadonhos  que  ^^  p«breza>    £m  fiin  eíla  minha  íenhora  ^  fendo  a  coufa 

^    '  ^         ~'  >  "^  ^        "  porque 


Rimas-  do\rande  LuhdeCamoesl 
porque  mais  fazeracs  ,  lie  a  roais  traça  alta- 
ya  ,  de  que  nos  íervimos,  E  íc  queremos  ver 
quão  breve  he, 


t%t 


Ponderemos, &  vejamos 
Que  ganha fi: os  cm  viver 
Os  que  nacemos; 
Vcremosjquenaó  ganhanQOS> 
Se  não  algum  bem  ifazer 
beo  fazemos, 

Nunqua  vi  coufa  mais  para  lembrar  ,  & 
menos  lembrada  ,  que i  morre,  fendo  mijs 
aboriecida_,  que  a  verdade,  temfe  em  me- 
nos conta  >  que  a  virtude.  Mas  com  tudo 
com  íeu  peníamento  ^  quando  lhe  vem  à 
vontade  acarreta  mil  peníamencos  váos ,  que 
tudo  para  com  ella  he  hum  lume  de  palhas. 
Nenhuma  coufa  me  enche  tanto  as  medidas 
paia  com  eítes  ,  que  vivem  na  mór  bo« 
fiança  j  como  cila  ;  porque  quando  lhe 
menus  lenibra,cntão  lhes  arranca  as  amarras, 
dando  com  os  corpos  a  cofta  ,  &  fe  veraá 
iDáOjCom  as  almas  no  inferno  %  quehe  bera 
tuim  gaíalhado, 

E  pois  todos  ifto  temos, 
Nam  nos  engane  a  riqueza. 
Porque  tanto  eímorccemoSj 
Trás  que  vamos, 
Já  que  temos  por  certeza, 
Que  quâodo  raais  a  queremos, 
Adeyxamos. 
Gaftamos  em  alcançalla 
A  vida  &  quando  queremos 
Ufar  delia. 

Nos  tira  a  morte  lograla, 
AíTi  que  a  Deos  perdemos, 
Ea  cila. 

Porque  já  ouvireis  dizer,  Ninho  feyto,Pega 
morta. Que  me  dizeis  ao  contentamento  do 
mundo^que  toda  a  dura  delleeftàem  quanto 
fc  alcançou.  Porque  acabado  de  paflar ,  aca- 
bado de  eíquecer.  E  cem  razão  ,  porque 
scabado  de  alcançar  he  paflado  ,  &  mayor 
faudadedeyxa,  do  quehe  o  contentamento^ 
quedeo.Elperay  por  me  fazer  mcrcc  ,  que 
lhe  qucro  dar  humas  palavrinhas  de  pro- 
poílto* 


Mundo  íè  te  cônhecemoí. 

Porque  tanto deíejamos, 

Teusenganosi» 

E  íe  aíli  te  requeremos^ 

Muy  fem  cauía  nos  queyxamos 

Deteus  danos. 
Tu  nam  enganas  ninguém 

Poisa  quero  te  deíejar, 

Vemos,quedanas, 

Se  te  querem  qual  te  vem, 

Se  fe  querem  enganar, 

Ninguém  enganas. 
Vejãofeos  bensque  tiverãoí 

Os  que  mais  em  alcançarte 

Sccímccarão. 

Quehuns  vív€ndo,não  viverão^ 

E  outros  íó  com  dcyxarte 

Deícan  farão. 
Se  cita  ca m  clara  fé 

Ao  mnndo  de  teus  enganos, 

Defengana, 

Sobejamente  mal  vè. 

Que  COO)  tantos  deíenganos 

Se  engana. 
Mas  como  tu  te  acomodes 

No  enganOjCm  que  andamos, 

E  que  vemos, 

Naõ  crémoSjO  que  tu  pódcs, 

Senão,o  que  defejamos^ 

E  queremos. 
Nada  te pòdc  eílimar. 

Quem  bem  quizer 

Refguardarte, 

E  conhecertc. 

Que  em  te  perder,ou  ganhar: 

O  mais  íc  guro  ganhartc 

Heopcrderte. 
E  quem  em  ti  determina 

Deícanço  poder  achar, 

Sayba,que  erra 

Que  fendo  a  alma  divina, 

Náo  a  pôde  dcfcançar 

Nada  da  terra, 
N afeemos  para  morrer, 

Morremos  para  ter  vida. 

Em  ti  morrendo, 

O  mais  certo  he  merecer 

A  vida  mal  conhecida 

Cá  vivendo. 
Em  fim  mundOjCJ  eftalagem,' 

Em  que  pouíão  noíías  vidas 


De 


$22 


De  coniáâl 

De  ti  leváo  de  paíTagem 

SerbecTijOU  mal  recebidas 

Naoucravída, 


Rhí^s  dogYànde  Luu  àe  Camões", 

rença,quedeconíolaf  a  íer  coníolado:  mas 
afli  entrou  o  mundo  ,  &  aíTi  ha  de  fahir; 
muytos  a  reprendclo  j  &  poucos  9,  emendalo. 
E  com  iíTo  amaino  ,  beijando  <  j-as  podc- 
roíasmâoshuma  quacrmqua  de  vezes  ^  cuja 
vida  ,  &  reverendiílinia  peííoa  noilo  Se 
nhor ,  6tc. 


A  fuera^  a  fuera  Rodrigo  ,  que  eu  fe  muyto 
ío(  por  eíle  caminho  ,  darey  enfadonho, 
de  que  me  parece  nse  não  livrará,  nem  ainda 
privilegio  de  cidadão  do  Porto.  Epois  me    Finge  que  em  Goa  nasfejfas  ,  que/è  fizeraô 


vendo  a  vós  »  fofrey  me  com  meus  encargosj 
6c  porque  náo  digais  »  que  fou  herege  do 
amor  ,  &  que  lhe  nâoíey  orações ,  vedes 
vay  huma;  Di  Juan  ,  de  que  muriò  Blas? 
Com  hum^  pé  á  Portugueza  ,  &  outro  à 
Caftelhana:  &  não  vos  eípanteis  da  librè,  que 
eu  em  qualquer  palmo  deita  matéria  perco 
o nortc,&  os  fuplicances  dizem  aíli? 

Di  Juan  de  que  muriò  Blas, 
Tan  nino,y  tan  mal  logrado? 
Gilj^muriò  de  deíamado. 

Dl  me,|  uan^quien  le  engano, 

Quecon  amor  fe  enganaíTc? 

Peníando,que  el  bien  hallaííe, 

Aàonàc  el  mal  cierto  hiUó 

Defpues  que  el  engaíía,  vio. 

Que  hizodeíenganado? 

Gil^muriò  de  dcfamado. 
Travou  com  elle  pendença,  i 

Em  ter  razão  confiado. 

Mas  Amor,como  he  letrado 

Houve  contn  elle  a  fentença; 

E  CO  aquclla  differença, 

DííTe  entre  íi  o  coytado, 

Gil,morreo  dedefaraado. 
Quem  tem  razaõ  tam  cerrada, 

Qjenam  íayba  fendo  rudo, 

E  fetn  reípeyto, 

Qje  fem  Deos  he  tudo  nada, 

E  nada  com  elle  tudo, 

Sem  defeyto, 

E  Cendo  ifl^o  aííi  tam  certo, 

Co  mo. todos  confcííamoSj 

E  fabemos 

Nam  troquemos  pelo  incerto, 

O  em  que  tam  certo  eílamos, 

Pois  o  vemos. 


à/uccejfaõ  de  hum  Governador  ,  fairào  a 

jogar  canas  certos  homens  ,  a  que  nam 

Jabia  maio  vinho ,  S?  mtros  notados 

de  alguns  vícios ,  com  dtvifas  nas 

handeyras  j  é^  íetras  conform.es 

fuás  tenções ^  &  inclinações, 

D  Um  que  bebia  exceíli vãmente  tirou 
pordtvifahum  Morcego  ,  ave  em  que 
toy  convertida  Alcithóe  com  as  irmáas,  poc 
defprezarcm  os  facrifícios  de  Bacco.E  como 
aquelle  ,  queleemtal  erro  cahiffe  ,  nam 
queria  fer  convertido  emtaõ  bayxo  animal, 
&  tam  nojoío ,  dizia  a  fua letra  aiii  em  caAc^ 
lhano. 

Si  yo  deíòbedecíere 

A  tu  deydad  Tanta,  y  pura, 

En  almudes  mifigura. 

Alguns  praguentos  quizeráo  dizer  ,queefta 
letra  era  malicioía  ,  &  que  não  queria  dizer 
tanto  defejar  eíle  galante  de  fer  mudado  em 
ai, comodcfejavajalmudes deftc licor.  Mas 
he  muyto  grande  falfidadc  que  Tendo.a  letra 
afllm  feyta  acafo  ,  acertou  de  fahír  aquella 
palavra  ,  com  que  molhava  as  luas ,  quem 
tirava  a  diyifa.  Do  que  o  innoccnte  autoc 
deípois  ficou  para  fe  enforcar.  Mas  outro 
galante  ,  que  de  fino  bêbado  já  paíTava  os 
limites  de  bom  ,  &  coftumado  beber  ,  ti- 
rou pordivifa  humapalmeyraj  arvore  >  que 
entre  os  antigos  figníficava  vitoria  ,  &  ao  pè 
delia  alguns  ramos  de  vides ,  &  de  parreyras 
pifadas,  6c  dizia  a  letra  aíTi, 

Ficay  vencidas  fem  gloria 
Vós  videSj&  vos  parreyrasj 
Porqueos  ramos  das  palmeyras 
Sáo,os  que  tem  a  vitoria. 


A  tudo  ifto  podeis  refponder  ,  que  todos 

morremos  do  mal  de  Phaetara  ,  porque  dei 

dicho ai  hecho  j  vá  gran  trecho.   E  de  faber    Também  aqui  naõ  faltarão  praguentos,que 

a6  coulas,  &  paíTar  porellas  ^  ha  mais  difíe»    quizcrão  dizer  ^  que  eíle  devoro  deyxando 


Rimaf  dò  grande  Luis  de  Camõesl 

já  atraz  Portugal  j  cometia  com  valerofo 
aoimoOrraças,  &  Fullas,  tendo  em  pouco 
Caparicas  ,  &  Seixaes,  Mas  quem  ha  que 
tuja  de  màs  lingoas  ,  ou  de  mal  coftuma- 
das  gargantas» 

Outro  galante  j  a  quem  fazia  aia!  ao 
eftamago  beber  o    vinho  agoado  ,   tirou 


m 


Se  comovòshà  ahi  pa^. 
Vós  o  podereis  julgar,  f 


Certo  ,  que  atéqui  chegou  a   malicia 


por  diviía    huaia  peça  de  chamaloce  íem 
agoas,  que  lhe  apreícntaya  Bacco,  6c  dizia 


dos  homens  ,  porque  tào  futilmcnte  qut. 
2eráo  interpretar  a  innocencia  defta  letra, 
que  tomarão  a  derradeyra  íyllaba  da  pri- 
meyra  regra  ,  &  ajuntaraóna  com  a  pri- 
aletra  como  por  parte  do  fliefmo  Bacco.  meyra  da  derradeyra  j  que  vem  dizer  par- 
vos ,  &  diiTerão  que  juntos  íígnifícavâo 
Sem  agoas  fenhor  levayo  iílo  aquelles  dous  innocentes.  Mal  pecado, 

Sc  for  bom,  -  tão  errada  anda  a  maldade  humana  ,  que 

Que  las  agoas  de  Moncayo  logo  tem  por  parvos  aos  que  fabem  pouco. 

Frias  íon.  Outro  homem  entrou  tambam  por  ade- 

rência nas  canas,  o  qual  dizem  j  quctinha 
Aqui  não  tiveráo  praguentos  j  que  dizer,  partes  maravilhofas;  porque  era  tão  perfeyto 
por  fero  pinião  de  filica  ,  ícrem  melhores  em  íuas  coufas  j  que  o  íeu  comer  havia 
os  mantimentos  fimples,  queoscompoíto?,  de  fero  melhor  temperado  ,  &  mais  íuavc 
Outro  ,  que  no  beber  lançava  a  barra  inda    domando  ,  &osíeus  vellidos  erão  íempre 


mais  além  que  os  aííimacrcritos  ,  tiroj  por 
divifahuma  Salamandra,  paíleando  por  ci- 
ma de  humas  braías  de  togo ,  8c  a  letra  dizia. 

En  cl  fuego  vivo  yo. 

Mas  o  pintor  errando  as  letras  acertou  de. 
pòr:  Detuegola  bebo  yo.  Donde  os  pra- 
guentos quizeráo  adevinhar,  que  cíle  galante 
bebia  Orraca  de  fogo.  O  demónio  foy  fa- 
zer tal  errOjparadellc  lahir  tamanho  acerto. 


doá  nnais  finos  j  panos  ,  &  ficins  ,  que  íe 
pudeííem  defcobrir,  &  cíla  perfeyçâp  atè 
nos  amores  ,  &  amizades  íe  lhe  ellendiaj 
porque  com  os  amigos  fempre  tinha  fucilc* 
zasdeconverfação  ,  &  com  as  a  migas  hum 
fingir  ,  que  queria  ,  o  que  não  queria.  E 
cm  fim  atè  no  jogar  ufava  da  quellas  manhas 
todas  ,  as  que  para  ganhar  erão  neceíTarias, 
•E  tinha  mais  hum  revés  da  Fortuna  re* 
cebido  ,  que  fe  lhe  eftendia  defJe  a  ponta 
donariz  ,  até  huma    orelha,   Efte  fenhor 


Outrodevoto  ,  quedefquc  eftava  quen-  tirou  por  divifa  huma  camiza  toda  lavrada  de 
te  ,  dizia  dos  companheyroi  ^  quacíquer  pontinhos,  lavor  antigo,  &  a  letradiziaaífi; 
que  foflem  ,  o  que  de  cada  hum  íabia  ^  fem 


rcfpeyto:  tirou  por diviía  hum  demoninha- 
do  ,  lançando  os  olhos  cm  alvo  ,  efcu- 
niando  ,  &  apontando  com  odedo  para 
hum  frafcode  vinh0|5c  dizia  a  letra. 

Se  fallardemafiado, 

Nam  mo  tachem, porque  emfim 

Aquella  alma  falia  em  mi. 


Pontos  de  honrado, Sc  ícfado 
Semprena  vida  quiz  ter, 
Apontado  no  viver, 
Apontado  mais  que  tudo 
Em  meu  veftir,&  come  r; 
Pontos  futis  no  meu  gofto. 
Méis  futis  no  converfar. 
Tanto  me  vim  a  apontar, 
Qlic  apontado  trago  o  roílo 
E  as  caitas  para  jogar. 


Sendo  atèquí  introduzidos  os  religiofos 
de  Bacco  ,  pedirão  dous  doutra  religião, 
que  também  os  deyxaíícm  jogar  as  canas,  &c        Muytos  outros  homenilluílreíS  quiícrio 

que  cUes  tirarião  tal  diviía  ^  com  que  fc  fer admitidos neítas fcflis,&canas,  Sc  qucíe 

tiraíTe  alimpo  fua  habilidade  ^  &íendoen-  fizera  memoria  del!es,conf-orms,  íuas  calida- 

trados   ambos  juntos    por    certa    confor-  des  ^  mas  infinita  eícriptura  fora  ,  fcgundo 

midade  ,  que  havia  entre  ambos    ,  trou-  todos  os  homens  da  índia  íio  a   (llnalados, 

xcrâo  pintados  nas  bandcyras  cada  hum  &  por  ido  cftes  bailem  para   fervireni   de 

íeupardepombâSj&  dúiaaictrai  amoílradoquehanos  mais. 


ti^ 


•-.^ 


Rhnéts  do  grande  Luís  de  Camões 


COMEDIA 

D'EL-REY  SELEVCO. 

Com^oFfít  ^or  Lms  de  Camões. 


Diz  Jogo  o  MtrdomOiOu  dono  da  ff». 

f^  Is,lcnhores,o  Autor,por  me  honrar  ncfta  fcíli* 
^  vci  noyte  ,  me  quiz  repreícntar  huma  farça, 
&  Jiz,  que  por  não  fc  encontrar  com  outras  já 
feytas ,  buícou  huns  novos  fundamentos  paraa 
quem  tiver  hu 01  juizoaíli  arrezoaJo  larisfazcr.  E 
diz  que  quem  Ic  delia  naó  contentar  ,  querenJo 
outros  novos  acontecimentos  ,  que  leva  aos  lòa- 
Iheyrosdos  Efcudeyros  da  Câftanheyra,  ou  de 
Alhos  Vedros  ,  &Rarreyro,ou  convcríc  na  rua 
nova  cm  calado  Boticário  ,&:naó  Ihefuirará  que 
comer:  Porem  diz  o  Autor,  que  ufou  nefta  obra 
da  maneyra  de  llopcte.Hora  quanto  a  obra  fe  naó 
Parece  bam  a  todos:o  Autor  diz,que  entende  delia 
menos  que  todos,  os  que  lha  puderem  cmmendar. 
Todavia  iftohe  para  praguentos ,  aos  quaes  diz, 
querefponde  com  humdi:odc  hu»n  Philoíopho, 
que  diz ,  V^ós  outros  eftudante  para  praguejar ,  5c 
eu  para  defpreí^r  praguentos  ,  &  com  tudo  quero 
faber  da  farça,cm  que  poato  vay. 

Moço, Lançarote. 
Moç.  Senhor. 

¥.fcti4.  São  jâ  chegadas  as  figuras? 
M'>ç.  Chegadas  faó  cilas  quaíi  ao  fim  de  fua  vida. 
Efcuei.  Como  aíH? 

Mȍ  .Porque  foy  a  gente  tanta.quc  nam  ficou  ca- 
pa com  íriz3,ncm  talão  de  çapato,quc  nam  fahiflc 
fora  do  couce.Hora  vierâo  huns  embuçadctes  *  & 
quizerão  entrar  por  força ,  cylo  arrancamento  na 
mão;  derão  huma  pedrada  na  cabeça  ao  Anjo  ,  & 
raígárâo  huma  meya  calça  ao  Ermitão,  6c agora 
diz  o  Anjo,  que  nam  ha  de  entrar ,  atè  lhe  não  da- 
rem huma  cabeça  nova  ,nem  o  Ermitão  até  lhe 
não  porem  huma  eftopada  na  cilçi.  Eftc'pantoro 
ii:  pcrdeo  alli  ,  mandeov.m.  Doonngo  apregoar 
nos  pulpiros,que  não  qnero  nada  do  alheo 
Efcud.  Se  tila  fora  outra  peça  de  mais  valia,  cu 
botaras  a  concicncia  peJa  porta  fóra,para  o  meteres 
cm  TUií  cifa. 

Afpç.  O  ic  o  elle  fora.maís  concicncia  ícria  tornalo 
a  fcii  dono,qucm  o  havia  n)iíí:er  para  fi 
Ffcud,  Hora  vem  cá,vay  da  qui  a  ca(a  de  Martim 
Chinchorro,  Sc  dizelhc  ,  que  temos  cà  auto,  com 
grande  fogucyra  ,  que  íe  venha  lua  mcrcè  para  cá, 
6cque  tragaconfigoo  fenhor  Romaõ  de  Alvaren- 
ga ,  para  que  íobre  o  canto  chain  botemos  noíTo 
contraponto  de  zombaria.  Ouves  Lançarote? 


irlhehas  abrir  a  porta  do  quinral.porque  mudcmoí 
o  vinte  aos  que  cuydaó  de  entrar  por  força. 

ludfife  9  Moço  diZé 

í-hichelloç[c  Judeu  ,aíli  como fofte  pantufo, 'que 
te  cuftava  fer  huma  bolça  com  hum  par  de  re- 
ales  ,  qucíaóbonspara  hum  efcudeyro  hipócrita 
quefaô  muyto,Sc  valem  pouco. 
Ffcu/Í.  Moço, que  eftás  fazendo  que  nam  râs? 
Moç.  Senhor  cftou  tardando,  6c  porem  cftou  cuy- 
dando.quefe  agora  fora  aquclle  tempo  ,  em  que 
corrião  as  moedas  dos  fambarcos ,  femprc  dcfte  ri- 
ria para  humas  palmilhas.  Mas  já  que  aííi  hc  ,  diga- 
me  v.m.quefarey  defte? 

Efcud,  O  fideputa  bragante,elperay ,  que  cíloutro 
vo  lo  dirá. 

Faz  ejuelbe  tira  eom  outro  pantufciVajJt  o  Moço  ,*<^ 
dizo  EJcudeyro. 

Naô  ha  mais  míio  coníelho  ,qocter  hum  villão 
deftcs  mimolo  ,  porque  logo  paflao  opcalemda 
n)aõ,zombaôaífi  da  gravidade  de  feu  amo.  Mas 
tornado  ao  que  importa,  voflás  mercês  he  ncccíTa» 
rio,quc  le  cheguem  huns  para  os  outros,para  da- 
rem lugar  aos  outros  fenhores,  que  haò  de  vir,  que 
doutra  maneyra ,  fc  todo  o  corro  fe  hadegaílar  cm 
palanques ,  ícrá  bom  mandar  fazer  outro  alvalade, 
êc  mais»  que  me  hão  de  fazer  mcrcé,que  íc  hão  de 
defcmbuçar,porquccu  não  ley  que  me  quer  bem, 
nem  quem  me  quer  malreítefòdelí^oftotcm  hum 
auto,  que  hc  comooíficiode  Alcaydc,  ou  haveis 
dey xar  entrar  a  todos,  ou  vos  haò  de  ter  por  villaò 
ruiro. 

Entra  Martim  Cinthorro^fallando  eom  outro  Efcudtjrê 
for  nome  Amlfrofto^é^  di-*  Martim 
Cbineborto» 
Entre  v.m. 

/Imhof.  Dias  h3,fenhor,quc  ando  de  quebras  com 
corteíias,6c  por  iílo  vou  diante.  Beijo  as  mãos  de 
v.m.  A  verdade  hc  efta ,  paflear  com  caía  juncada, 
fogucyra  com  caftanhas ,  mcfa  póíla  com  alcatifa, 
&  cartas  j  alem  diílo  auto  pára  elg^íravatar  os  den- 
tes, efta  he  a  vida ,  de  que  fe  hade  fazer  concicncia 
Effud.  Senhor  ,  odeícanfodizcm  la,quc  fehadc 
ter  etn  quanco  hoixiem  puderyporquc  os  trabalhos 
^ ~   "  Icm 


f 


^^s 


Rimai  ào  ^Tànde  Luisàe  Camôes^i 
fcm  os  chamarem  de  feu  fe  vem  por  leu  pè,que  feu     fe  naó  p^ira  quem  entender, 
nomehe.  Mart.  Como,taó  efcura  heella? 

Mart.  Hora  po/s,lenhor,o  auto  dizem,quc  he  tal?     Aííf.Senhor  aííi  a  Icy  eu  eícrcvcr,&a  fiz  na  n^ctno 


porque  him  auto  enfadonho  rrazmaisfono  coníi- 
gr^que  huma  piégaçaó  comprida. 
Efiud.  Senhor,  por  bom  mo  venderão, &  eu  oto- 
mey  à  caila  de  lua  boa  fama,&  íctal  he,eu  acho,q 
por  outra  parte,  nam  na  tal  vidajComo  ouvir  hum 
villáo,que  arranca  a  falia  da  garganta, trais  lem  la- 
bor ,  que  hunia  pêra  pão, &  huma  donzella,  que 

Vem  mais  podre  de amor,fallando  como  Apoítolo,     Mart,  Oh  como  he  galante,  que  defcuydo  tam 
mais  picdofa  que  huma  lamentação.  graciolo  ,  mais  vem  cá  ,  que  culpa  lc  tem  teu  avò 

A/*rf.   Para  eítes  taes  hc  grande  peça  rapaz  traves     nos  disfavores,que  te  tua  dama  da? 


ria,porque  eu  n^ó  fcy  clcrever,le  nau)  com  carvão, 
&porera  dizaííi. 

Poramor  de  vós  Briolanja, 
Ando  eu  morto. 
Pcíarde  meu  avó  torto. 


lo  com  molho  dejunco  ,  porque  naó  andem  mais 
ao  cofcorraó,  mais  roucos,  que  huma  cigarra,  tra- 
zendo de  fi  enfadamento. 

Moç.  o^lâ,fenhorcs ,  pedem  as  figuras  alfinetes 
para  toucarem  hum  eícudeyro,  horaiusáhi  quCírt 
dé  mais?  que  ainda  vos  veja  todas  a  mim  âs  rebati 


Aíof .  Pois  fenhor,  fe  eu  houve  de  pcfar  de  alguém, 

não  pefarey  eu  antes  dos  meus  parentes ,  que  dos 

alheos; 

Ulcuã.  Pois  ouçâo  vofias  mercês  a  volta  ,  que  hc 

mais  chca  de  gavetas,  que  trombeta  de  fcrcniílimo 

de  laValla. 


nhís;oraíus  vcnháode  manoemmanojoude  ma-     aíí>^.  a  voltafcnhores.hc  muy  funda, Sc parecemc 


na  cm  mana. 

"Efcul.  Moço  falia  bem  cnnnado. 

Afí?^.  Senhor  ,  naõtizao  cafojquc  os  erros  por- 

amorcs  tem  privilegio  de  moedeyro, 

Ambrof.  Oh  rapaz,  naó  ine  entendes  ,perguntote 

íc  tardarão  muy  to  por  entrar? 

Moç.  Parecemc,  ienhor,  que  antes  que  amanheça 

CO  r»eçaráõ. 

Amhrof.  Oh  que  falgado  moço,  zombas  de  mim? 

Vem  cá.donde  es  natural? 

Moç»  Donde  quer, que  meacho. 

Avibro'  Perguntote  on  je  naceítes? 

Moç.   Nis  mãos  das  parteyras. 

jHrabrdf,    F,m  que  terra? 

Moç.  Toda  a  terra  he  huTia ,  8c  mais  cu  nafci  em 

ca!a  «lílobradíida  ,  b  irri  Ja  daquella  hora  ,  que  naó 

havi  i  palmo  de  terra  nella. 

M»rt.  Bf  m  b  srri  Jo  de  vergonha, que  metu  pare- 


lenhorcs,que  nem  de  mergulho  a  entenderão, 6c 
poriflo  mandem  afibar  os  engenhos,  &  iiicrâo  u;ais 
huma  Tardinha  no  cntendiméto,  5<  pode  lerq  com 
cfta  fervilha  lhe  calçará  melhor,  ôc  todavia  pairar 
aíTi. 

Voflbs olhos  tam  daninhos, 

Me  tratarão  de  feyçao, 

Que  naó  ha  cm  meu  corfiçãoj 

Em  que  atem  dous  rtis.  de  cominhos. 

Meu  bem  anda  lem  fucinhos 

I^or  vós  morto 

Pcfar  de  roeu  avó  torto 

Maru  Hora  bem, que  de  ver  os  cominhos  com  oteu 
coração? 

Moç.  Pois,fcnhores,corâcáo,  bofes.baço  ,  5c  toda 
a  outra  mais  cabedella ,  aaô  fe  podem  comer  fenâo 
com  cominhos,  6c  mais  fenhores ,  rn  inha  dama  era 
ces,Dize,cujó  hlhoes?He  paravercom  quedifpa-     tindeyra  ,  ôccííe  heo  verdadeyro  entendimento, 
fite  refpondes.  Afarí.  Eaquella  regra,que  diz, meu  bem  anda  íem 

Moç.  A  fallar  verdadlc,parecemea  mim,queeulou     fucinhos  ,  me  dá  tu  a  entender  ,  que  cila  naó  dâ 
filho  de  hum  meu  tio;  nada  de  fi. 

Mart,  Vem  cá,de teu  cio,8ci(To como?  Moç.  Nunca  voíTas  mercês  ouvirão  dizer  ,  meu 

Moç,  Como  ifto  fenhor  he  adivinhação ,  quê  vof-     bem,  8c  racU  mal  lutáraõ  hum  dia, meu  bem  era  tal 
las  mercês  naó  entendem.  Meu  pay  era  Clérigo,     que  meo  mal  o  vencia,  pois  dcfta  luta  foy  tamanha 
&  os  Clérigos  femprechamaô  aos  filhosíobrinhos,     a  queda,  que  meu  bem  deu  entre  huma  pedra,  que., 
&  daqui  me  ficou  amim  ler  filho  de  meu  tio.  quebrou  os  focinhos  ,  &  por  ficarem  taóesfarra-' 

Mart.  Hora  te  diga  que  es  gracioío.  Senhor  donde     pados,  porque  lhe  naó  podiaó  deytar  pedaço  ,  por 
houveíleseftc?  conlelho  dos  fificos  lhos  cortarão  por  lhe  nelles 

E/c«i.   Aqui  me  veyo  às  mãos  fem  piòs,nem  nada,     nam  faltarem erpes,  &  da  qui  ficou  meu  bem  anda 
£c  cu  por  gracioío  o  tomcy.Sc  mais  tem  outra  coula     fcm  fucinhos,conlo  dizo  texto, 
que  huma trovafalla também  como  vós,;oucomo     Ambrof.  Tu  fazes  jâ  melhores  argumentos',  que 
cu, ou  comooChiado.  moços  de  eíludo  por  dia  de  S.Nicalao»  ...f!-,- 

Ambr,  Naó  quanta  diflo  nós  havemnslhc  de  ver     Mart.  Senhor,  aquillo  tudo  he  bom  engenho  cftc 
fazer  alguma  cou la  ,  em  quanto  fe  veílem  as  figu-     moço  he  natural  para  lógico. 
ras,aindi  que  pira  que  mais  auto  , -que  vermos  a     Moç.  Qiic,  fenhor,natural  para  logearfi  mas  natn 
eílt.'.  ^    /  tam  taia  como  voflas  mercês. 

Kf(ud.  Vem  : cl  moço,  dize  aquella   trova, que     Efcud.  Parecemc, fenhor  ,  que  entra  a  primcyr* 
fizefte  á  moçn  Briolanja,por  amor  de  rr^im.  figura, Moço,  metrte  aqui  por  bayxo  defta  me/a, 

Moç.  Senhor,fi  direy ,  masa  quclla  troya  ,  nâohe    Ôc  ouçamos  cftc  Keprelentador  ,  que  vem  niais 
-m.Pait.  J  ^  .  ^  Ff  amar: 


^  tê  Rimas  dd  Grmàe 

amarlotados  Jos  encontros  ♦  que  hum  capuz  roxo 
de  piloto,  que  Ue  em  terra,  &  o  tira  da  arca  de  ce- 
dro. 

*Mart.  Senhorelle  parece  que  aprende  a  cirurgião* 
Amhro[.   Mais  parece  ourinol  capadojqueandade 
atiiores  comaminmados  olhos  verdes. 
Ejcud,  E.mtim  parece  tigur  a  de  auto  em  verdade 

Entra  o  Refttftntãdar» 

tíe  ley  de  direyto  aíTaz  verdadeyra,  julgar  por  fi 
nicrmo  aquillo,  que  vem  porque  eu  cuydo,que  eu 
zombo  de  alguém,  ôc  cuydo,  que  zombo  da  melma 
iiianeyra,6c  fe  aqualquer  pai  ecc  que  eftá  mais  do- 
brado, lera  nenhum  conhecer  fcu  próprio  engano, 
por  grande  que  feja.  Hora,  ienhores,  amim  me  ef- 
qutce  o  dito  todo  de  ponto  claro ,  mas  nuó  lou  de 
culpar,  porque  naó  ha  mais  que  três  dias,  que  mo. 
déraó  ,  mas  cm  breves  palavras  direy  a  voilas  mer- 
cês a  fumma  da  obra ,  elia  he  toda  de  rir  do  cabo 
atè  a  ponta.  Entrará  o  logo  primey  ramentc  quinze 
donzellas ,  que  vaõ  fugidas  de  cala  de  feuspays,  ÔC 
vaó  ccíTi  cabazes  apanhar  azeytona  ,  6t  traz  ci- 
las vem  logo  oyto  mundanos  ,  metidos  em  hum 
cováo  cantando,  quem  os  amores  tem  cm  Sintra, 
&  dcípois  de  cantarem  faraó  huma  dança  de  eípa» 
das.couía  muyto  para  ver,cntra  maisEURey  Dom 
Sancho  bay laudo  os  niachatins  ,  &  entra  logo  Ca- 
terina  Real  com  huns  poucos  de  parvos  numa  jo- 
eyra,&  Jcmealosha  pela  cafa.de  que  naícerá  muyto 
mantimento  ao  riib,6c  niito  fenecerá  o  auto  ,  cora 
mufica  de  chocalho,  &  bofinaf,quc  Cupido  vcna 
dará  huma  alfeloeyra  aquém  quer  bem  ,r&  irfc- 
háo  voííâs  mercês  cada  hum  para  fuás  pouzadas.ou 
coníoaràócâ  comnofcodillo,que  ahí  houver.Pa- 
receme  que  nenhum  diz,  quenam.  Hora  pois  fica- 
reis em  v^no  laboraverunt ,  porque  acegora  zom- 
bey  de  vós,por  me  forrar  do  erro  da  repreíentaçáo 
corwo  quem  diz.digoto  anres  que  mo  digas. 
Ambroj.  Hora  vos  digo  fenhores,  que  íe  as  figura» 
íáo  rodas  tacs,  que  acertai  iáo  em  errar  *os  ditos, 
ainda  que  me  parece  que  eftc  o  naó  fez,  fcnaó  a  fcr 
mais  galante.  Mas  íe  aífi  he  cila  he  a  melhor  inven- 
ção, que  cu  vitporque  jâ agora  reprefentaçôes, 
todas  he  darem  por  praguentos ,  Sc  Iáo  tam  certas 
que  he  melhor  errallas, que  acertalas, 
Ejctêd.  Pareceme  que  entráo  as  figuras  de  fifo.vc- 
jamos  íc  faô  tam  [galantes  na  prática, como  nos 
yeilidos- 

Entra  El-Rej  Selettco,  com  a  Rainha  E/iratomtai    ; 

R(jr.  Scnhora,de(que  aventura 
Me  quiz  darvos  por  mulher, 
Nle  finto emmeninecer, 
Porque  em  vnlla  fermofura^ 
Perde  a  velhice  feu  fer. 
Huni  homem  vetho,c9nfadOt 
Náo  tem  força  nem  vigor. 
Para  eui  ú.  leucir  amor, 


LfUis  deCámSesl 

Scnaó  he,quc  cftou  mudadoí 

Com  íervofib  noutra  cor. 

Muyto  grande  dita  tem 

A  mulhcr,quc  hcfermoía. 
Rainha»  Senhor  grande,mas  porem 

Sc  a  tal  he  virtuola, 

Qucrlhe  a  ventura  mor  bera. 
"Ref,  Si,masporém  nunqua  vemos 

Anatureza  címcrar, 

Donde  haja,quc  tachar, 

Que  quando  cila  faz  eílremof. 

Em  tudo  quer  fe  cílremar» 

Eu  fallo  como  quem  ícnEC 

Em  vós  cila  calidade. 

Pelo  que  vejo  prelente, 

E  fe  me  efta  moftra  mente, 

Menteme  a  mcfma  verdade, 

Huma  ló  trifteza  tenho 

Qt>e  naó  tema  menenicc. 

Que  no  mòr  contentamento 
O  trabalho  da  velhice 

Me  cm  baraça  ofentimento*] 
Ratha.  Senhor, novidades  tae» 

Farmehaó  crer  de  verdade, 
Réf.  Novidades  lhe  chamais 

Folgo,fenhora,que  achais 

Na  velhice  novidades. 
Ratha.  Senhor,dias  ha  que  fento 
Em  o  Principe  Antiocho 
Certo  defcontentamento. 
Dera  alguma  coufa  a  troco 
Por  laber  leu  Icntimento. 
Vejolhe  amarelo  o  rofto. 
Ou  de  tride  ou  de  doentc> 
Ou  elle  anda  mal  di/pofto. 
Ou  lá  tem  certo  dcfgofto 
Que  o  naó  dey  xa  ler  contentó 
Mande  íenhor  voOa  alteza 
Achamallo  por  alguém. 
Saberemos  que  mal  tem, 
Se  he  doença  de  trifteza, 
De  que  nace,ou  de  que  vcm^ 
Rty.  Certo  que  eu  me  maravilho 
Do  que  vos  ouço  dizer. 
Que  mal  pode  ncUc  haver* 
Ide  dizer  a  meu  fi)  ho. 
Que  me  venha  logo  ver, 
Ràinhãn  Se  curarnaó  le  procuni 
Huma  couTa  deíles  tais, 
Vem  defpois  a  creccr  mait 
Quanda  íe  naó  acha  cura. 
Toda  a  cui  a  he  por  demais»' 

Eftíra  o  Trinei^  Antiocbê,tem  ftupa^mfâr  wm 
Ltficadeú 

Trine,  Leocadeo  fe  es  avifado, 
Enáotefalrafaber, 
Sabermehas  dar  a  entender 
Quem  ama  dcieiperado, 

Qttf 


Rimas  do  grande 

Que  fim  eípera  de  a  ver? 
Pa^.  Senhor, naõ, 

Mas  porém  porque  razão 

Lhe  avem  la  bello,OLi  de  que? 
Trtnc,   Perguntocea  conclulaó, 

Náomepergantes  porque, 

P  orque  he  minha  pena  cal, 

Edc  taõ  eftranholcr, 

Que  me  eyde  deyxar  morrer, 

E  pornaócuydarnomal 

O  não  ouzo  iridâ  dizer. 

Que  mancyra  de  tormento 

Tam  eítranho,&  evidente. 

Que  nem  cuydar  fe  conlentc, 

Porque  ornei  mo  penfamento 

Ha  medo  do  mal  que  lente! 
Tug,  Não  entendo  a  vofla  Alteza: 
Trtfíc,  AíTi  importa  a  rninha  dor. 
Tag:  E  porque  razão, lenhor? 
Friftc.  Para  que  leja  a  triíleza 

Caftjgo  de  meu  temor, 

Porque  ordena 

Oinior,que  mccondena. 

Que  feajão  de  lentir 

E  remdizer,nem  ouvir 

Bemaventurada  a  pena 

Que  Ic  pôde  defcubrir, 

O  cafo  grande,Sc  medonho, 

O  duro  tormento  fero, 

Verdade  he  ifto,que  eu  quero? 

Não  hc  vcrdade,masJ(onho 

De  que  acordar  naó  cfpcro, 

Querome  chegar  a  el-liey 

^cu,pay,que  já  me  cílá  vendo, 

Mas  onde  vouPnao  entendo 

C2om  que  olhos  eu  olharey 

Hum  pay,a  quem  tanto  ofendo? 

Qjie  novo  modo  de  antolhos, 

l^orque  nefte  etrevimento 

Devera  meu  lentimento. 

Para  elle  naó  ter  ol  hos. 

Nem  para  cila  penfa^nento. 

Chega  aênde  ejiâ  el.Rey^dr  dix»  EUKej. 

"Rty.  Filho,como  andais  aíli 

Que  tanto  delgoílo  tomo 

De  vos  ver  como  vos  vi? 
Trie.  Naó  fey  cu  tanto  de  mim, 

Que  poíla  faber  o  como. 

Dias  ha  já,fenhor,quc  ando 

Mal  diípollojíem  faber 

Eftc  mal, que  pofla  ler. 

Que  ie  nelle  eftou  cuydando, 

Quaíime  vejo  morrer. 
Rfy.  Pois  filho  lerá  razão, 

Que  ineu"^  fificos  vos  vejão, 
fírinc.  Oshficosjlenhor.nâo, 

Qjie  os  raalcs,que  cm  mim  cíláo. 

Saò  curas,quc  me  fobcjáo. 

lILPart. 


Luh  de  Cdmõesl  227 

Rainha.  Deytere,qiie  na  verdade 

Hum  corpo  deytado,6c  manfo 

Defcanla  á  íua  vontade. 
Trine,  Senhora,eíla  enfermidade, 

Náo  íe  cura  com  dclcanio. 
Rainha.  Todavia  bom  íera 

Que  lhe  façáo  huma  cama. 
Frine.  Hum  cuxim  aball:  uá, 

Queaííi  não  delcanlará 

O  rcpoufo  de  quem  amj. 
Rejr.  Vaiiios  hlh>,para  dentro, 

Em  quanto  a  cairia  íe  faz, 

Repouíey  como  capaz, 

Que  a  mim  me  da  ca  no  centro 

A  pena,que  aíli  vos  traz. 

Vaofe^éf  vem  èuma  moça  afax,er  a  ca?nai&  dit,* 

Mimos  de  grandes  fenhorcs, 

Eíuaseítremidadcs 

Mc  hão  de  matar  de  amores. 

Porque  de  raeros  dulçores 

Adoecem. 

Entaô  Jogo  lhes  parecem 

Aos  outros  que  ião  mamados, 

E  os  que  íaô  mais  privados. 

Sobre  elles  eftremeccm. 

CcrtcSí  affi  Deos  me  ajude 

Que  íáomuyto  graciolos. 

Porque  de  meros  viçofos. 

Não  podem  com  a  laude. 

Mas  dcyxalos, 

Porque  elles  daràõ  nos  vallos", 

Donde  mais  naó  le  erguerão, 

Inda  que  lhe  dem  a  rraó 

Os  Icus  privados  vaífallos. 

Entra  hum  Vorttyrode  cana^  &  hate  primeirffi  &  dit» 

Port.  Traz,traz,traz^ 

Áíoç.  Jelu.quem  eltáahi. 

Firt.  Já  vós,mana,ereis  mamada^ 

Para  vos  levar  furtada: 

Nunca  tal  enltjo  vi 

E  vós  tilais  delcuydada, 
Moç.  E.  meus  delcuydos,que  fazem* 
Fort.  Voflos  dcfcuydos,cadelia: 

Aminhaalma,fois  taóbelia, 

Queeflcs  defcuydos  me  trazem 

Dous  mil  cuydados  à  vcUa. 

Pois  lou  voflo  ha  tantos  annos, 

Mana.tiray  os  antolhos, 

E  vereis  meus  triftesdannos. 
Aioça.  Não  tenhais  efles  enganos." 
Tort.  Nem  vós  tenhais  efles  olhosj 

Que  de  voíTos  olhos  vem 

Elta  minha  pena  fera. 
Mo(^a.  Dcmeus  olhos, aífim  era. 
Fort,  Moça,qiJctacs  olhos  tem 

Nenhuns  o  lhos  ver  devera. 

Fí »  Moj^ 


Moç.  E  porque? 
F»rf.  Porque  cegais 

A  quantos  olhos  olhais, 

F  oito  que  polvos  padecem: 

Olhos, que  lambem  parecem, 

Porque  não  nos  caíiigJiis? 
I*doç,  Dcos  dè  fiío,pois  de  vós 

Til  ou  ao  que  aos  outros  deu. 
Fort.  Dciatayme  là  clTcs  nós, 

K  que  mais  íilo  quero  eu. 

Que  não  ter  íiio  por  vos? 
Moç.  Fallais  darce,eu  vos  prometo 

Q.iea  repoila  vem  á  velja, 

llib  he  olho  át  panella: 

Quanto  ha  já  que  lois  dilcrcto? 
Tcrt.  Qu  into  ha  já  que  vós  lois  bclla? 
ikíftf.  Dayíine  logo  a  entender 

Que  cu  íou  fca  a  meu  ver: 
Port.  E  i(?b  porque.o  entendeis? 
M^ç.  (•orque,porque  me  dizeis, 

Qiitlódcmeu  parecer 

Vos  procede  o  que  labcis. 
Port.  He  verdade. 
Aítf.  Pois  infcro. 

Q^ie  o  VO0O  íaber  he  vento. 

Fica  3  coufi  declarnda, 

Meu  parecer  não  fcrnada. 
^ort.  Olhi)  aquciití  argumento. 

Alem  de  bella  arifada: 

Oh  nem  tanto, nem  tão  pouco, 

Vede  vós  o  que  fallais? 
Adcç.  Cego  no  íaber  andais, 
Fort.  No  riío,mas  náotâolòuco 

Como  VGS,mana,cuyuais: 

IJora  dizcydumamà, 

Que  não  amaisquem  vos  ama? 
Aioç.  Ouviíles  vós  cantar ja, 
'Velho  maio, cm  minhacama, 

Jà  me  entendereis: 
Fort,  Ha,ha 

Senhora,cílais  enganada, 

Que  com  hum:»  capa,&:  cfpada, 

E  com  cíle  capuz  fora» 
Adof.  Hora  bj:m,  tirayo  hora, 

li  fazey  huma  levada, 
Port.  Nãojfe  me  cu  hoje  alvoroço 

Acharmehcis  doutra  teyçâo. 

^<jui  titã  o  cáfuz  ,  é^  dix.. 

Fsrt.  Tenho  má  diípoííçáo? 

Eílas  obra<^  faõ  de  mo^'0,  ,-....,,. 

Sc  as  moftras  de  v^íJho  Ctó.  .'i^ro  úni- 

hdoç.  Tendes  m-uy  genti:.  mcncos: 
Fort.  Não  ícnh:  ra,  f<,ço  eftremos:-    - 
Aioç.  Pafleay  hora, veremos       'o  íioTlov  ab  2 

Se  tendes  tão  bons  paíieos: 
Port.  Tudo  Icnhora^farfimob: 
Moç.  Viray  hora  a  cflontra  mão: 
P9r(,  Efta dirpoíição  vedca,  .  q  íauíu; 


Rimas  dò  grande  Luts  de  Cam^il  ~ 

Que  tenho  gentil  ferção: 
Meç^  Tendes  vòs  muy  boa  rèdca, 

Sofreis  ancas? 
Fort,  lllo  não, 

Moç.  Por  certo,que  tendes  graça. 
^         Em  tudo  quanto  fizeroes, 

Fazey  n)ais,o  que  ioubcrdcs. 
Por.  Naó  fcy  couía.que  não  faça, 

Senhora, por  me  quererdes. 
Moç.  Tendes  vós  muy  to  bom  ar. 
Port.  Mais  que  ifto  faz,quem  quer  bem, 
Moç,  Hivos  2finha,qirc  vem 

U  Principc  a  ie  de)  tar. 
Port,  Nunqua  huma  peíloa  tem 

Huma  hora  para  failar. 


<> 


Entra»  o  Princift  tomo  fet*  PageWi  L(Oía(ito,&  dix,% 

Frittc.  Seja  a  morte  aberccbidaj 
Porque  ja  o  amor  ordena 
A  dar  a  meu  mal  fiihida. 
Porque  o  fim  da  minha  vida  i 

O  leja  da  minha  pena.  , 

Nàu  tarde  para  tomar 
Vingança  de  meu  qu'ercr,. 
Pois  não  Ie  pôde  dizcr, 
Que  I  âo  if-mjà  quecíperar,  _         ^ 

Nem  com  que  faívsfazer»  2',3Lniig  oifiaO 
Osfificos,vem,8c  vão,  "  '  '(J 

Sem  fabcremmínhaí  magoas,    ■  r/ f' 

Nem  o  pulfo  me  acharáá,:.i,3biLi!^ v  sii  ou  ^'l 
E  Ie  o  querem  ver  nss  agiDa^,■'^^'  ^^  '^•'p  Cl 
As  dos  olhos  lho  dirá»,  ,   "         r         •> 

Se  com  íangriâs  também  ^fi  «[í^ 
Procurão  verme  curado^  o^níuo  ■     .  .     r.,.i„. 
O  temor  de  meu  cuydado  ti2  zodln  st/p  mol> 
O  mais  do  langue  me  tem  '\  m  vH 

Nas  veas  todo  coalhado.  --~  ..  -  on  artT^ 
Queromc  aqui  encoftar,  'vgjja  afíjnaupno^ 
Que  já  o  eíprito  me  c&y,  ^  i^vdG 

EcocadcOjVayme  chamar         .  íí3í:ií;1 

Os  muficos  de  meii  pâr^  ft!naq  filb  íinq  msVÍ 
Folgarey  de  ouvir  cantar. 

ài^mfe  deyta^como  ^Ht  repeufa,  (^  falia  dizendo  ajjim, 

/'riwc.  Senhora,qu ai  defatino  » 

Me  trouxe  a  tanta  rriílruwií  «mo^  lav  «ov  aU 

Foy,rcnhora,por'venruf4  •:■•■.  •  "  •  ^'-^  ôtH  .«,  > 

A  força,dc  meu  dcítinô^    '  -"1  "í>«'.0 

Como  vofia  lcra)t»iura?      - 

Bem  conhcço.qne  náopò4l'oA.-  ,  . 

Tcrrão  alto  penfamenròi  ^noq  o: 

Was  dillo  ló  me  eoiit<:nto, 

Que  fc  paga  com  fcr  vofib  — ^/ 

O  mór  mal  de  meu  tormento.  ^JoS  .x- 

Entrai  os  mufcoiyéf'  diz,  (^kxÁhât^é  da  F  onfiahíiàiHti* . 

-fu  ?o3nf) 
Alex.  Scnhor,de  que  ícacha  mal  "    • 

O 


Ri  mis  do  grande 

O  Princ)pe,ou  quíí  rnal  fcnte, 
P<f^.  Senhoí*,lôi  que  eílâ  doente,    «í?*.^.  *  t-     \ 
Mas  lua  doença  hc  Càl, 
Qije  entender  le  eáo  conlentcj 
Os  híicus  vem,5c  vão, 
lluns,ôí  outros  aiDCude, 
beai  o  poderem  dar  iaó. 
Qiianco  mais  cura  lhe  daõ 
Kntáo  cem  metíos  laude. 
O  pay  anda  cm  lacnticios 
Aos  Dcoles,qL!clliedem 
A  laude, que  convém: 
Diz,endo,que  por  léus  vícios, 
O  mal  a  leu  hl  ao  vem. 
Eu  fufpeyto  queirto  íaó 
Alguns  novos  amorinhxas. 
Que  terá  no  eorjçáo. 
AUx,  a  mores, com  quem  feráõ, 

Que  lha  náo  dem  de  focinhos? 
"Bwt.  Scnhores,quc  líjeparece 

Da  doença  de  Annocó? 
Álex,  Diga!na,qae;íí'lha  conhece: 
V»g.  Que  toma  morrer  a  troco 

Oe  Cttlar,  o  que  padece . 
P#rf.  llio  he  eftar  emperrado 
Na  doeiiÇii,que  he  peor;. 
Tcmno  0"5  falicOb  ctírado? 
Altx.  Oh  que  de  mal  dei  amor, 
No  ha  leiíor  lanaéor, 

T^rt.  Faliaiscomo  experimentado^ ..  —   i 

Que  cu  cu y do, que  ella  íadigiy  «">  ^Uf»  <nJ9:i2 
Queofazcom  quedcferperé,  '^  '  -^ 
Y  por  mâs  tormento  quierlTyi:.  ^   ^^^ 

Que  fe  íir.nta,y  nó  fc  digá.5'''^>  zHb  fiuí.-  fiií  ^^ 
AltTt.  l^ois,!enlior  meu,iílo  afiellc, " 

Porque  a  pena, que  fabeis. 
Que  cu  cuydo,que^ítâ  nellc, 

i^arlhcha  penas  cruéis.         •    '•■'■ ' 
Vucs  no  ay  quiert  la  confucííèí- 't ' 
Ptf>-?.  Folgo  porque  me  entendeisiíí  5fíp  «ii'M  . 
fag.  Heaionos  ícnhores  de  hifj     "  '"^         ■'■  '    í 
Forque  nos  cíláclperando.  '\) 

Tort.  Pois  cu  tambenvhey  dehir, 

Que  náo  me  poíVo^eípedir        -    -^t^-^-^i-i 
Donde  vejo eíUr chamando;   •JÍtBY&^  3up.»Wò 
Trine,  Cantay  por  amor  de  riJt  'mIj  «-c  'T-zlcÍ  auJP 

Alguma  cantiga  trille, 
W'»aQue  todo  meu  mal  confiíle^^*»»»  f\^'^  ^  iíV,«a 

Na  irifte7.aem  qiiemev-i. 
Tort.  Mandelhe  cantar  hum  chiíle: 
jíU».  Chilte  não,que  he  deíonelto,  "fnoDJQ  ^^n 
E  naó  temellcseílrcmos,  '^ 

Outro  canto  mais  modctto:    ^  •  -vfcí» 

Porém  náo  lei  que  diremoí^oJbnq  tuia?  lo^ 
Pí»g.  Gáolcaó  o  dirá  pfello,  ' 

Porí.Dá  liccnciliVi.Akeza, 

Que  diga  minha  tenção:       ;    '•'  ^i 

Trws.  Di/.cy,rejà  cm  canto  chaÕ,  2 

Tort.  Pois  credc,que  he  fuiileza,  O 

Queos  Anjosaconícíaó;     .   >    -  cí 


Luís  de  Cétnhs^]  2^^ 

Digaó  eíla. 

Enforquey  minha  eíperança,' 
E  o  amor  toy  taó  madraço, 
Que  lhe  cortou  o  baraço.  ^ 

/iUx.  Náo  me  parece  eíla  boa. 
Tort.  Haja  eu  perdão,      • 
Porque  náo  a  entenderão, 
Entender,bofâ,que  he  boa, 
Naó  lhe  cahis  na  feyçâo? 
jtUx,  Dizey  hora  outra  melhor 

Com  que  nos  atairaqucis.  •  j  áO  .^^  %%% 

Tort.  Hora  elpcray,8c  ouvireis, 
Se  a  cila  náo  dais  louvor, 
Quero  que  me  degoleis. 

Cantiga, 

Com  voíTos  olhos  Gonçalves, 
Senhora, cativo  tendes 
Eíte  meu  coração  Mendes. 
,rff/cx.Efla  parece  muy  taibo, 

Porque  moltra  bom  indicio. 
Tort.  Vos  cuydartis,que  cu  que  rayvo* 
^/íx.Toda  via  tem  mao  laybo, 
Hora  mal  lhe  corre  o  oíhcio. 
Prwc.Tá  naó  vâ  mais  por  diancc 
A  zombaria,que  he  mâ, 
Cantay  qualquer  delias  jâ, 
Queefleporteyro  he  galante, 
Ninguém  o  contentara. 

A<iui  cantam i  &  em  acabando  diz,  o  Pagtm^ 

Tag.  Parece  que  adormeceo. 
Tort.  Pois  lerá  bom,quc  nos  vamos. 
Ahx.  Senhor,quer  que  nos  vejamos? 
Pflrí.  Senhor,virmehá  do  Cco, 
Relevame  que  o  façamos. 

"Bntra  a  Rêj/nha  eom  hum^fua  criada ^or  ntmt  FreJal^ 
ta»  f^diz. a Ra]/nba^ 

Raynb  Frolalta,como  ficava 

Antioco  cm  te  tu  vindo? 
Adoç.  Ficavalederpedindo 

Da  vida,que  então  levava, 

E  afli  íeus  dias  cumprindo. 
l?<f;«/6.  Oh  grave  calo  de  amor, 

Ocíeíperada  afiFcyçáo, 

Oh  amorfemredempçaõ»^         .,,....- 

Que  alli  te  f.^zes  mayorí  i^b  lém  rH  oin  •:;•;> 

No  mais  altojôc  fundo  pego 

Alli  tens  mayor  porfia: 

Razáo  de  ti  náoicfia. 

Qiiem  te  a  ti  chamou  c^go 

Muy  bem  íoubeo<jucdizií. 

Por  ventura  hia  chorando? 
Trol.  Chorando  hia,&  chamando 

Ao  amor,amor  cruel,  ^ 

E  cm,tcnhora,ic  deytando 

Lhe 


J30 

Lhe  cahío  eílc  papel: 
Rayn.  Que  papel?        ^  r  'rr" 
Froi.  Eíte.lcnhora. 
Uayn.  Amoftra,que  quero  lello, 

Agora  acabo  de  crcllo, 

Que  aoque  moílra  porfòra 

Acjui  llie  lançou  o  íello. 

^^ui  lé  o  papel f  éf  Jiz] 

^ãjhh.  Oh  eftranhn  pena  fera, 
Oeldicola  vids  cara, 
Oh  quem  nunqiiacà  viera, 
E  com  feu  pay  não  cafárat 
Ou  em  caiando  morrera. 
Frí/.  Ainda  que  eu  pela  laô,  '  "; 

Senhora  tudo  bem  vejo, 
Atente,que  na  eleyçâo 
O  que  lhe  pede  o  delcjo 
Náo  confente  o  coração. 
flaynh.  Frolalta,pois  que  es  difcrctt 

Nada  te  poílo  encobrir, 

Porque  le  queres  fentir, 

A  huma  mulher  dilcreta 

Tudo  fe  ha  de  dcicubrir, 

O  dia,que  entrey  aqui, 

Q(.ie  a  Seleuco  recebi. 

Logo  neílc  mefmo  dia 

No  Pnncipe  filho  vi 

OsolhoSjCom  quemevia:      -c 

Eílc  principio  lofnlho, 

Para  ver  fcfe  mudava,  ,a»>;>  iu^íS. 

Antes  mais  le  acrecentava» 

Eu  amavao  como  filho,  ipsaaw^I.-ti 

Eelled^outra  arte- me  amava.' 

Angora  veioo  no  fim 

Por  fe  me  náo  declarar,        •  -mi  Vtioiinti^c^cv 

Pois  que  ja  a  iflo  vim^aiv^hi  o  aup  aíBftVab^ 

A  morte.queo  levar 

híe  leve  também  a  mirrri<\í^i«nfcí>«^5l «»  M^a3 

Porque  já  que  minha  forte  '■   .  .  -. 

Foy  taõ  crua,6c  delabnda, ' 

Que  me  não  quer  daríahida,  í'^  ^f^%\ 

Sejamos  juntos  na^morte. 
Pois  o  naõ  fomos  na  vida. 
Oh  quem  me  mandou  cazar 
Para  ver  tal  crueldade, 
Ninguém  venda  a  liberdade, 
Pois  não  pode  reíg^itar 
Onde  náo  tem  a  vontade. 
Que  náo  ha  mòr  dclvario. 
Que  o  forçado  calamcnto 
Por  alcançar  alto  aflcnto. 
Que  era  fim  todo  o  lenhorio 
Eftá  no  contentamento, 
Náo  fey  le  o  vá  ver  agora 
Se  fcrâ  tempo  conforme,        , i  niutmv  io*K 
Ou  fchimosadcshora.  '    '  "   ■ 

'9^0^.  Depois  iremos  fcnhora, 
Que  agora  di2em,que  dorme» 


Rmas  do  grande  Luís  deCamoesV 


Ml..'. 


Entra  »  fiftc$  a  towarlbe  c  pulfo^^  umaHâ99  áit, 

F$f.  Su  madrafta  oy  nombrar, 
Y  cl  pullolele  altero, 
Eftonoentiendo  yo, 
Porque  para  le  alterar 
Elcoraçonle  obligò: 
Pues  que  el  coraçon  fe  altere, 

Y  porque  en  un  momento 
Algun  nucvo  vcncimicnto 
De  afficion  terrible  le  hicrc. 
Que  cauía  tal  movimicnto: 
Pues  que  afficion  cabe  aíli, 
Con  msdraíhPdigo  yo. 
Dos  razones  ay  aquli 
Launadize,qucíi, 
Laotradize,queno. 
Empero  yo  determino 
Deexprimcntar  laverdad; 

Y  hazer  una  habilidad. 
Que  declare  es  agua,óvino, 
Ella  fu  enfermedad. 
Porque  toda  efta  manana 
Tcngo  eftudiado  íu  mal, 
Sin  ver  caufa  effetual 

De  íu  dolência  inhumana, 

Ni  otra  de  ío  metal. 

Llamar  quicro  eítc  alncjon, 

Mas  aun  deve  de  dormir 

Segun  que  es  dormilon: 

Sancho,  ô  Stncho? 
San»  A  íenor.á  leííor; 
Ftf.  Ea  auneításdormiendoFifí  v,í.jí, 
5*».  Eíloymc,lefíor,vtlííendo*' 
f //.  Pues  vellaco,  6c  fin  íabor 

No  me  rerpondcs.dormiendo? 

Veftios  preito  ladroii: 

Ohquemoço,yque  ventura, 
San*  Mas  queaniO,y  caraíonj 

Embieme  elropon, 

Quenoídiomi  veítidura. 
Fif.  Que  cuibie  cl  ropcn  acà, 

Parcce,que  osdelmandais. 
5<i«. Que  raya,lenhor,ha.ha. 

Que  buenos  dias  ^yais. 

Sntra  o  moço  tmirulhaão  em  huma  frtantt  ,  éf  di^ 
o  Fifíc», 

Ftf.  Di  como  viencs  affi 

Con  Ia  manta, y  para  que? 
54».  Yolenhor  le  lodirc; 

Por  venir  prélio  vcíli 

Lo  que  mas  prcílo  me  allé, 

Porque  vicndo,quc  el  me  Ilama, 

Dormicndo  yofin  afan,  ,- 

Saltè  prefto  de  la  cama. 

Que  parcfco  un  gavilan 

Hermoío  como  una  dama» 


:^^\ 


fif.  Mas  es  tu  bovedíd  tanta, 
Que  vienes  deíla  fecion. 
i<i«.  De  mi  vcíliíio  iç  clpanta, 
De  noche  íirve  de  manu, 

Y  de  dia  de  ropon, 
'Ptf.  Embiòrae  el  i^cy  allainar 

Orra  vez. 
San.  Y  a  mi. 
íí/.Yati. 

6<í«.Y  él  quepreftaallà  finmi? 
Ftf.  Que  puedes  tu  aprovechar? 
San.  Yo  fe  lo  dirè  de  aqui, 

Si  por  la  ventura  quierc 

Para  que  le  dè  conlejo 

Quando  dolicnceeltuvicrc, 

Digo,coma,fi  pudicrc, 

Y  beba  buen  vino  anejo, 
porque  cite  es  el  licor 
Que  da  fuerça,y  es  íabroloi 
Q^je  íegun  dizcnjfenor, 
Vino  letificaccor 
Hoininis,&lees  provechofoj 

Ji/i  Ya  fabcs  la  medicina, 

Qvie  Avicena  nos  refiere. 
San.  Pucs  rcnor,porquc  es  divina^ 

Pêro  cl  R.ey  que  ie  quierc. 

Que  inanda,ó  que  determina» 
fif.  El  Principe  eftà  (íolientc. 
San.  Oh  melquino,6c  que  mal  ha? 
Ftf.  Y  a  ti  necio,que  ce  vá. 
San.  Oh  íenor,que  es  mi  paricntc, 
F//.  Gracioro  clbovoeftà, 

Ypuesdimc  por  tufe, 

LIorarâs  ÍI  fe  ttiurierc? 
Stf».  Nolloraré,  | 

Empe  ro,lenor,haré ' 

La  peor  cara,quc  pudiercí 
¥if.  Ea  bovo  vé  corricndo, 

Y  cnfilla  la  mula  ayna; 
San.  Vengalaenfillar  mejor. 
Fi/.  Oh  vellaco,y  fin  fabor, 
5<i».  Yo  por  cierto  no  loenticndaj 

Pêro  unamelecint 

Le  cde  pedir,Dios  queriendo,  q 

Porque  ando  atribulado, 

Y  no  fé  parte  de  mi 

Com  eíle  nuvevocuydado§ 

Paraun  layo  esfarrapado, 

Que  me  dizen  ay  alli. 
Jfif.  Horaeníilla,y  nunquabiva, 

P  ucs  lufro  tus  defatiaos. 
San.  Senor  paffion  no  reciva, 
•    Yã  cavalga  C-alaynos 

A  la  iombra de  una  ali.va* 


jtf^MÍ  (ae  bolindo  coma  almtfaça  l  ^  açor  Já    §  Frimife^ 


Rimãs  dtí  grandií  tm  de  Cítmktl 

Oh  Pnnccza  íobcrâftí 
Como  nos  braços  vos  tcntid» 
Ou  cíle  lonho  me  engana: 
Pois  como  fonho  tambcna 
Mc  queres  vir  magoar, 
E  para  me  atormentar 
Moftraíme  a  lembra  do  bcrtt 
Para  aíH  mais  me  enganar, 
Afli  que  com  quanto  canfo 
Já  na»)  poflb  achar  atalho, 
pois  que  ofonoquietOv&manfij^ 
Que  08  outros  tem  por  dcícanfo 
Mc  vem  a  mim  por  trabalhos 
Pois  ha  hi  tantos  enganos9 
Que  condenão  minha  forte, 
Naó  o  tenho  já  por  forte. 
Se  á  volta  de  tantos  danos 
Vielle  também  a  morte. 


«1» 


Prine.  Oh  bella  viíla,8c  hurroana 
por  quem  taiuo  jnn^l  ioilcnho» 


kiijui  entra  El-Rejf  come  Fif  a  ,  4iz,  El-Refl 

l?í;r;  Anday.Sc  vede  fe  achais 

O  rafto  defte  legredo, 

Que  me  dizem, que  alcançais. 

Ainda  que  tenho  medo, 

Que  lhe  feja  por  demais. 
F//.Plegaa  Diosqueaqucftclct, 

Para  {alud,y  remédio 

Delia  dolência  tan  fea; 

Yo  bufcaré  todo  el  médio, 
Que  prefto  lano  fe  vca. 

Jiífui  Ibt  toma  q  Pifico  $  fulft^d'  </Í£« 

Fif.  Afloxcn,fenor,fusays, 

Como  fe  alia  çn  lu  penar? 
Vrinc.  Como  me  acho  perguntais?    . 

E  como  fe  pode  achar 

Quem  íempre  le  perde  mais? 
Fif.  La  refpucfta  abre  cl  camino, 

Imagina  decontino. 
Frinc.  Naó  tenho  outro  mantimento^ 

Nem  outro  contentamento 

Sc  não  o  cm  que  imagino* 

Atiui  entra  ê  Kafnba^&  Ji^ 

ILaynh.  Como  fe  ̀nte,renor, 

Tem  a  febre  maif  pequena? 
Trine.  Rcfpondalhc  minha  pena? 
Fi/.Conocido  es  fu  dolor, 

Hora  lea  en  ora  bucna, 

Tomada  eftà  la  trifteza 

A  las  mano$,que  fentiós 

Uzaré  de  futilczai 

Dix.  contra  Zl-Rtjl 

Cumpleme  que  lolo  yo 
PÍ4ú4uc  con  vucílr*  Alteza: 


Pr 


Kej.  Chegue  monos  para-cà. 

Raf»h.  Naó  deve  deíeíperar, 
Qjie  cm  fim  fe  bem  atentar, 
Pura  tudo  o  tempo  dá 
Tempo  para  fc  curar. 

Trine.  Que  cura  poderá  rer, 
Queui  tem  a  curâ,íenhora, 
No  in  pcíTivel  haver. 

Heiynh.  Ficay  vos,ienor,ernbora, 
Que  vos  naó  fcy  refponder. 


Vajfe  0  Raynha^à*  ^ix,  El-Ref, 


.:0 


^ep  Neíle  mal, que  hão  comprendo, 

Que  meyo  dais  de  conlelho? 
JFí/.  Senor,nada  entiendo  dello, 
Y  lupucílo  que  lo  entiendo, 

Yo  quiziera  no  entendello. 
Jfe/.  Porque? 
Fíf,  Porque  he  entendido 

JLo  más  maio  de  entender, 

Para  lo  que  puedc  Ic, 

Porque  anda,<enor,perdido^ 

De  amores  por  mi  muger. 
Eey.  Santo  Dcos,quc  tal  amor. 

Lhe  dá  doença  tam  fera! 

Que  remédio  achais  melhor? 
FtJ.  Forçado  lerá, que  mucra, 

Porqueno  mueia  mi  honor: 
Rey  Pois  como  a  hun>  ió  berdeypo    -  - 

Dellc  R eyno,náo  dareis     .  -^i  o;ir,l  o 

Volia  mulh^r,pois  podeis. 

Que  tujdo  faz  o  dinheyro: 

pois  eíle  náo  o  en^eyríiis, 

Da\  lha, porque  cu  clpsro 

De  vos  dar  din!-.eyro,<íc  honra, 

Q(j  jntoeu  para  elle  quero: 
Fif.  No  tir.i  el  mucho  dinero 

Li  nnncha  deh  deshanra. 
lie/.  Ora  bem  pouco  defeyto, 

He  pequice  conhecida, 

Quando  deyxa  de  ler  fcyto. 

Porque  com  elle  dais  vida 

A  quem  vos  dará  proveyco:  .   . 

Fif.  Quan  facilmente  aporfia 

Quicn  catai  nunqua  fe  vió 

Del  contcjo,que  me  dió, 

Vueftra  Alteza,quc  haria 

Si  agora  fucfle  yo? 
Ktf':  A  mulhcr.que  eu  tivcíTc 

Darlhahia, oxalá, 

Que  elle  a  Raynhaquizeííc. 
Fif.  Puesdela,íi  le  parece, 

Qie  porella  muerto  tftâ: 
Ríy.Que  me  dizeis: 
Ftf.  Ld  vcrdad: 

Rey.Sem  duvida  ral  íentifl:es?r<  JlCÍ 
JFí/."  Sin  dudq,fiii  fui (edad, 

Pues,íenor,aora  tomad      íói  nr 

Los  conlcjos,que  lue  diílesi 


RtmaT  do    grande  Luh  de  Camôesl 

Key.  Certamcnte.queeuovía 
Em  tudo  quanto  fallava, 
Como  o  villes?porque  via? 

Ftf<  Nel  puiro,que  íe  alterava 
Si  la  via,ófi  la  oia. 

Rey.  Queinaneyraha  de  haver. 
Que  eu  certo  me  maravilho, 
PoUa  mais  o  amor  do  filho. 
Do  que  pôde  o  da  mulher: 
Finalmente  eilhadedar. 
Que  a  an.bos  conheço  o  centro, 
Querooirlevantar» 
E  iremos  para  dentro 
Neíle  caio  praticar. 


9<i 


•»  iWfiKr' 


Diz  contra  o  Vrincifcl 

Levantayvos  filho  d*hi 

O  melhor,que  vós  puderdes, 

E  vindevos  para  aqui. 

Porque  em  fim,o  quequizerdes 

Tudo  havereis  de  mi. 
Tag.  Ha  if  nhorcs,ou  lâ,ou? 
Tort.  Vicíles  cm  conjunção 

A  Ttclhorjque  pôde  ler. 

Hivtis  aqui  de  fazer 

A  trofquia  a  hum  rifaõ. 
Tag.  Deyxnyme,renor,dizer, 

Haveis  iíVo  de  acabar. 

Coração  hi  bugiar. 

No  efteis  prefo  en  cadenas. 

Que  pois  o  amor  vos  deu  penas, 

Que  vos  lanceis  a  voar: 
Tort.  Por  certo,que  bem  comprou. 
Tag.  Hora  fabeis  o  que  vay, 

Antioco,  que  calou 

Com  a  molher  de  leu  pay, 

E  o  mefmo  pay  o  ordenou? 
Tert.  Iflo  como? 
P<í^.  Nãooley, 

Porque  dizem,que  a  amava,  ] 
'     E  que  íó  por  ella  andava 

Para  morrcr,8c  El-Rey 

De(^  a  quem  a  delcjava: 
Tort.  Se  o  caza  por  querer  bera 

Com  a  moça, a  quem  elle  ama,' 

Direy  que  a  mim^ne  inflama, 

Onmorn^ais  que  a  ninguém: 
Tag.  Pois  pedilhe  a  nofla  dama: 
Pcrí.  Por  Sam  Gil,quc  cilos  cá-VCm^u 

Elle  pela  mão  cora  ella.       '^^'.yuic 

Entra  El-Rej^  &  Antieco  com aRaynhê feia 
dtx,  El-Rejr,  ;j  -):j  eiíuv:  ^ 

Rty.  Que  mais  ha,quecrperar 
01hay,que  eílranhcza  vay 
O  muyto  amor  ordenar, 
Hiríe  o  filho  namorar 
De  huma  mull^rde  leu  pay, 


Querer 


Rimas  do  grande 

Querer  bem  íoy  fua  dor, 

iScgarlha  lerá  crueldade, 

Aili  q lie  jâíby  bondade 

Uz»r  cu  detal  amor, 

K  de  tal  humanidade. 

Ella dcyxou  de  reynar 

Como  Uzia  primeyro 

Por  Ic  com  elle  cafar, 

V,  por  amor  vcrdadeyro 

Tudo  fe  pódcdcyxar,  .^vv»   ' 

Eu  que  nclia  tinha  poílo 

Todo  o  bem  de  meu  cuydadoj 

Deyxey  mais,que  ella  hâ  deyxadoj 

Ouemais  íc  dcyxa  nogofto, 

Que  no  poaerozo  eftado: 

Mas  já  que  tudo  ifto  vemos, 

H^jadi  feftâs  de  prazer, 

>\s  que  melhor  poliaó  ler,  / 

porque  cm  tão  grandes  eílremoSy 

Eilrt:mo3  le  haó  de  fazer. 

H^ijão  cantos  para  ouvir, 

Jogujjprazeres  iem  fundo. 


Luís  de  CâmSêsl 

Porque  íe  quereis  íentir 
Defte  modo  entrou  o  mundo,^ 
Eaflimhadclahir, 


*33 


^5«í  vem  os  ntufieoí ,  d^  cantam  ,  &  depoit  ãt  canti 

tem  fuemje  todât  4i  figuras  ,  <^  dti^  Martim 

Chinchorro, 

Hora,  fenhor,  tomemos  também  ncíTo  pandeyro,' 
ôc  vamos  feftejaros  noyvos  ,  ou  vamos  conloar 
com  as  figuras,  porque  me  parece  .  queeftahca 
mórfcfta ,  que  pôde  ler.  Maselperc  v.  m.  ouvire- 
mos cantar  ,  &  na  voltadas  figuras  nos  acolhere- 
mos. Moço  acende  cfle  molho  de  cavacos  ,  por- 
que faz  clcuro  ,  não  vamos  dar  com  noícocm  al- 
gum atoleyro ,  onde  nos  fique  o  ruço,  &  as  canaf» 
trasr  ■  <'^-^---- 

E/lacio  da  Fonfeca,  Não  lenhor  ,  mas  o  meu  Pilarte 
irá  com  cUcs  com  hum  par  de  tições  na  mão  ,  6c 
perdoem  o  mao  agalalhado,  mas  daqui  em  diante 
firvaóle  deftapoulada  ,  &  não  tenham  iftopor  pa- 
lâvras,porquG  ellas,  &  plumas  o  vento  as  Icya. 


IltPart; 


PS 


CO] 


m 


Rimas  d»  grande  Luis  de  Camêesl 


COMEDIA 


DOS  ANFITRIÕES. 


Cõ', 


m 


^OT   Luis  de   Camões. 


-3tr/uo  .n: 


ilíÇj  ,  íi 


J  U.)íi\  ?í- 


EM  A  QUAL  ENTRAM  AS  FIGURAS  SEGUINTES; 


Anfitrião. 
Almenajua  mulher^ 
Sofeafeu  ntoçú^ 
Bromtafua  criada. 

Entra  logo  Almma  faudofa  Ao  waridoftjue  benaguerrai 

■&  diz,, 

Almena.XJJ  A  Seiíor  Anfitrião, 

•*•  •*  Onde  eftá  todo  meu  beiUi 

Pois  meus  olhos  vos  naõ  vem, 

Falarey  com  coração 
';^CÍJc  dentro  nalma  vos  tem, 

Aufentes  duas  vontades, 

Qual  corre  mores  perigos, 

Qtjal  fofre  mais  crueldades, 

Sc  vòs  entre  os  inimigos. 

Se  eu  entre  as  laudades. 

Que  a  ventura,que  vos  traz 

Tam  longe  de  vofla  terra, 

Tantos  dcíconcertos  faz, 

Que  fe  vos  levou  a  guerra.' 

Nam  me  quis  leyxar  em  paz; 

Bromia,quem  com  vida  ter 

Da  vida  jâ  deíefpcra. 

Que  lhe  poderás  dizer? 
Br^w».  Que  nunca  le  vio  prazer.' 

Sc  nam  quando  nam  Ic  eípcra» 

E  por  tanto  nam  devia 

De  ter  triflc  a  fantefia, 

For  que  voíla  mercc  crca." 

Que  o  prazer  lemprc  faltca. 

Quem  delle  mais  delconíia 

En  tenho  no  coração, 

13o  lenor  Anfitrião 

Venha  hoje  alguma  nova» 

Naõ  receba  alteração, 

Que  a  vcrdadcyra  aífeyção 

Na  longa  auíbncia  le  prova.  \ 

^Altn'  Dizey  logo  a  Felifeo, 

Que  chegue  muyto  aprcílado 
Ao  cais, Sc  bul^que  meyo 
De  faberfe  alaum  recado 
DopprtoPeifico  veyo, 
^  mais^lhe  aveis  de  dizer. 


BelferraÔ  Tatraõ. 

Aureíio primo  delia  com  feu  moço. 

Ãlercurí€. 

lílovosdou  porofficio, 
Dalguma  nova  íaber, 
Em  quanto  eu  vou  tazer 
Aosdeofes  o  facrificio. 

P^éiyfe  AlmenUyC^  diz,  Bromis 

Brow.  Saudades  de  minha  ama, 
ChorinhoSjSc  devaçóes, 
Sacrifícios, &  orações 
Mehaó  de  lançar  numacam*^ 
Certamente 

Nós  molheres  de  íèmentc 
Somos  ledcnho  tam  tofcò, 
Que  com  qualquer  vento,quc  vente 
Queremos  forçadamente, 
Que  ob  deoles  vivaõ  com  aofco* 
Quero  Felifeo  chamar, 
E  dizerlhe  aonde  hade  ir 
Mas  elle  como  me  vir 
Logo  hade  querer  rinchar^ 
de  traveflb 

Eu  que  de  zombar  nam  ceíTo 
Por  ficar  com  elle  em  laivo. 
LançolhCjhum, Sc  outro  remeíTOf 
Aos  léus  furtolhe  o  alvo, 
E  antão  elle  fica  aveflb; 
Porque  o  melhor  deílas  dançajf 
Com  huns  vindiços  affi, 
He  trazclos  por  aqui 
Ocheyro  daselperanças. 
Por  viver 

Ha  os  homens  de  trazer 
Nos  amores  aíTi  mornos, 
Sò  para  ter  que  fazer,  4 
Edepois  ao  remeter 
Eançalhe  a  capa  nos  cornosí 
Felifeo,re  eftais  à  mão, 
Chegay  câivem  como  hum  gamO^ 
Bemrey,qu9  naõ  chamo  cm  vão. 


^tm 


Rima 


Vem  FeUfeo] 


Tel^  Chimaíf?Tie  também  vos  chamo] 
Porém  cu  ouço,8{:  vós  não, 
Senhora,que  me  matai?, 
Se  vós  já  nunca  me  ouvisi 
Ou  me  ouvisjSc  vós  falais, 
Dizey  porque  me  chamais 
Se  me  vós  a  mim  fogis? 
Brotn.  Eu  vos  fujo? 
JFíA  Fogisdigo 

De  dará  meus  males  cabo,' 
Brom.  Sabey  que  deíle  perigo 
Naó  fujo  como  de  imigo, 
Fujo  como  do  diabo. 
Fel.  Day  aodemoeíla  tenção» 
Uíay  antes  de  cortês, 
Cay  vós  neíta  razaó. 
Br»m,  Do  perigo  fogem  os  pés, 

Do  diabo  o  coração. 
Fel,  Dizeyfme,queneírci  briga 

Do  meu  coração  fogis? 
Brom.  Ainda,que  eu  iflo  diga. 
Fel.  A  minha  doce  inimiga» 

Bem  fínto,que  me  íintis,  »■ 

Mas  para  que  me  chamais? 
Brom.  Manda  vos  minha  íénora 
Que  chegueis  daqui  ao  caiSj 
E  algumas  novas  faybais 
D^ Anfitrião  neíía  ora. 
Fel.  Quem  as  não  labe  de  fí.' 
Doutrem  como  as  fabcrà? 
Brom.  Não  nas  íabeis  vós  de  mi? 
Ftl.  Má  trama  venha  por  ti, 
Duna  feyticeyra  mi. 
Porque  não  me  olhas  direyto^ 
Cadcia.que  aíH  me  cortas. 
Brem»  Porque  vos  quero  dar  portas^ 
Que  i'cu  olhar  doutro  geyto, 
Trarey  cem  mil  vidas  mortas, 
Ftl.  E  pois  para  que  me  andais 

Enganando  ha  cem  mil  annos? 
Brom.  Douvos.vitla  com  enganos, 
Ff/.  Ncfles  enganinhos  taes 
Acho  cruéis deíenganos. 
Brom.  Quanta  cfles  vos  quero  eu  dar, 
Vós  cuydais,que  cftais  na  feia. 
Pois  podeis  vos  d.çcer  delia, 
Queu  nunca  vos  pude  olhar, 
F«/;  Jugais  comigo  á  panela? 
Tendesme  ha  tanto  cativo, 
E  dcfenganayfme  agora? 
Tudo  iflo  he  o  que  privo 
AíTijque  he  iflo  (cnhora, 
Dochelo  mcrtOjdochelo  vivo? 
Sc  me  vós  defenganais 
No  cabo  de  tantos  annosj 
Direy,le  licença  dais, 
Dailmc  vida  com  enganos, 
lH.Part. 


do  grande  Luh  de  Cam^efl 

Deíenganos  jà  chegati 
Mas  fe  iflo  havia  de  ler 
^^  Di2ey,má  deíconhecida, 

Deílcrro  de  meu  viver. 
Que  vos  cuílava  dizer 
Amor  buíca  tua  vida? 

Brom»  Zombais  falaiíme  coprinhas? 
/^c/.  Kirvoseis  le  vem  a  maó: 
Coprasnáo,masi(to  laô 
Anfías.y  paíTiones  minhas 
Dos  bofesjôc  coração. 
Brom.  llvos  fazendo  duns  íengosJ 
FtU  Perdoncmc  Dios  fi  peco. 
Brom,  Nefles  dentinhos  framengos 
Conheço,que  fois  hum  peco, 
De  todos  quatro  avoengos. 
Ftl.  Tudo  vos  levo  cm  capelo, 
Jà  qu^eílais  tanto  cm  agraço,' 
Porém  falando  fingelo, 
A  furto  defla  mao  zelo, 
Qucreifme  dar  hum  abraço? 

Brom»  Ora  digo  que  não  poíib 
Ufar  com  voíco  de  fero, 
Tomayo. 

Fel.  Jà  o  não  quero, 

Porque  efle  abraço  voílo 
Sabey,que  he  engano  mero,' 

Brom»  O  vós  lois  duns  fenfaborcs 
.  Abraço  pedis  aílim 

S*eu  remango  dum  chapim? 

Fel.  Tudo  iflo  laô  favores 
Zombay,vingayvos  de  mim; 

Brom»  Vós  de  furiofo  touro 
As  garrochas  não  fentis. 

Fel»  Vedes  com  iflo  ló  mouro,^ 
Quando  cuydo  que  íbis  ouro, 
Achovos  toda  ceytis. 
.   fir^M.  Emíim  fanh^de  vilão 
Vos  fez  perder  hum  bom  dia* 

Fe/.  Jâ  agora  o  eu  tomaria, 
Quereilmodar. 

Brom»  Hora  não, 

Cocey  vos  eu  toda  vlzl 

JTf/.  Pois,fcnora,a  quem  vos  ama^í 
Sois  tam  delarrazoada, 
Quero  tomar  owtra  dama, 
Que  nam  digam  os  d^  Alfama, 
Que  nam  tenho  namorada. 

Brom»  Deyxayme, 

Fel»  Vòs  me  deyxais.' 

Brom.  Deyxayme. 

Fei»  Zombais  de  mi? 

Brom»  Deyxayme,pois  me  cngeytais 
Eu   me  aulentarey  daqui. 
Onde  me  mais  não  vejaisz 

Fel.  Boa-efliâ  a  zombaria. 

Brom»  Naõ  íaõ  eflas  minhas  manhas^ 

Fel.  Porém  isvos  todavia? 

Brom.  Voy  me  »las  ticrras  cftranasj 
A  do  ventura  me  guia. 


Hi 


K^jfi 


3.5^ 


.  ^4íA  ^^oma ,  &  diz,  Felifeo, 


\ 


í'eL  Fantcfias  de  donzellas, 

Não  ha,quem  como  eu  ns  quebre, 
porque  certo  cuydam  cilas, 
Que  com  palavrinhas  bellas 
Vos  vendem  gato  por  lebre. 
Eítatcm  lá  para  íi 
Qii^eu  lou  por  ella  finado, 
E  cre  que  zomba  de  Cii, 
E  eu  digolhe,queli. 
Sou  por  ella  elperdiçado. 
Prezale  de  huma^  figuras, 
E  eu  não  quero  mais  Frandes, 
Doulhe  trela  ás  travefluras. 
Porque  dcílas  cofladuras 
Sc  f^zem  as  chagas  grandes. 
Qu'eítas,que  andam  fempre  avela, 
Eltas  vos  digo  eu,que cofio, 
Porque  de  firmes  na  fella, 
Crem,quefaira5  acoítella, 
E  ficâo  pelo  pefcoUb, 
Qie  quando  efi:as  damas  tais 
JS/ls  cacháo  então  recacho, 
M as  difto  agora  no  mais, 
Queromc  ir  daqui  ao  cais 
Ver  le  algumas  novas  acho. 


Rimas  do  Grande  Luts  ieCámSesv 

Tomarás  fua  forma  em  ti, 
Que  ofaíásmuy  facilmente.' 
E  eu  me  transformarey 
Na  de  Solea criado  (eu, 
E  ao  arrayal  me  irey. 
Onde  logo  faberey 
Como  fe  a  batalha  deu, 
Eafli  poderás  entrar. 
Em  lugar  de  feu  mando, 
V  E,  para  que  íejas  crido, 

,  Poderás  também  contar, 

Qiianto  eu  là  tiver  fabido. 
7«p.  Quem  arde  em  tamanho  foga 
Tiralhe  a  virtude  açor 
De  lotiUSc  labedor, 
E  quem  fora  efi;á  do  jogo 
Enxerga  o  lanço  melhor, 
Mas  tu,qu.:  dos  íabedores 
Tanto  avante  fempre  efiàs. 
Se  Deos  es  dos  mercadores, 
Seloás  dos  amadores, 
Pois  tal  remédio  me  dás, 
Ponhaíclogo  em  eff^eyto, 
Que  não  lofre  dilaçara. 
Quem  o  fogo  tem  no  peyto, 
E  tu  vay  logo  direyto 
Aonde  anda  Anfitrião, 


Vayfe  Felffeo ,  dr  vem  lupiter  ,  éf  Mercúrio ,  &  diz,] 
luptter. 


^up.  O  grande,&  alto  deftino, 
O  potencia  tam  profana, 
Quea  lètad^um  minino 
Faça, que  meu  fçr  divino 
Sc  perca  por  caufa  humana! 
Que  me apioveytam  os  ceos. 
Onde  minha  eflencia  mora. 
Cora  tanto  poder,  fe  agora, 
A  quem  me  adora  por  Deos, 
Sirvo  eu  como  a  fenora? 
O  que  eftranha  afeyçaa 
Quem  em  bayxa  couza  vay  pór 
A  vontadCjôc  o  coração, 
Sabe  tam  pouco  d^amor, 
Qiaô  pouco  amor  de  razão. 
Mas  que  remédio  cy  de  ter 
Contra  molher  tam  tei  ribel, 
Que  fenâo  pode  vencei? 

Mert.  Ako  fenhor  teu  poder, 
O  dcficil  faz  poílivel. 

Jup.  Tu  nam  ves  qu^eftá  mulher 
Scprczade  virtuoía?         ■ 

^erc.  Senhor,tudo  pôde  fer. 
Que  para  quem  rauyto  quer. 
Sempre  a  feyçaó  he  tftanhola. 
Seu  marido  eítâ  aufcntc 
Na  guerra  longe  daqui, 
^Tuique  CS  Júpiter  potente^ -fn 


i07Y3jf 


?XJ(3Ci 


'l  neM 


;««»'»^. 


VãofCf  &  vem  Felifeo,  é^  CdifOi&  diz. 

Fel.  A  do  bueno  por  aqui, 

Tam  longe  do  coftumado^ 
Cal.  Mais  longe  vou  eu  de  mi, 

D^ir  perto  de  meu  cuydado. 
Fel.  No  andar  vos  conheci. 
CaL  E  vôs  onde  vos  lançais, 

Com  vofla  contemplaçam? 
Fel,  Eu  chego  daqui  ao  cais 

A  feber  de  Arvfitrião, 

Nam  Icy  fe  vou  por  demais."' 
Cal.  Porque,por  demais  diiteis? 
Fe^.  Porque  nada  alli  hc  certo. 
Cal.  Novas  lànamnas  bufqueis. 

Porque  aqui  as  tendes  maisperto» 
Fel.  Pois  daymas  já,fe  as  fabeís. 
Cal.  Hum  navio  he  jâ  chegado 

A  barra,que  vem  de  là. 

Traz  de  Anfitrião  recado, 

Diz,que  o  deyxa  embarcado,' 

Paralc  vir  para  cá. 

Tem  vencido  aquelleRey, 

E  diz,íep,undolheouvi. 

Que  eíla  noy te  fcrà  aqui. 
Fti.  Eífas  novas  Icvarey 

A  Almena,  que  torne  em  fi. 

Porque  ella  teitimayor  guerra, 

Cos  temores  de  perdelo, 

Que  elle  co  Rey  deífa  terra* 
Cal.  Onde  amor  lançar  o  leio, 

Nenhuma  couía  odeilcrrA, 


Fdife»: 


1 


Porque 


Rimas  do 

Porque  inda  quf  o  penfamcnco 

Vo8fique,íenor,en)  calma. 

Por  (norte, ou  apartamento, 

Sempre  vos  lá  fícaó  nalma 

As  pegadas  do  tormento. 
Ff/,  i tio  he  bum  fegredo  mero 

A  que  o  amor  nos  obriga. 

Por  iílb  em  calo  tam  fero, 

Scnor, nunca  ninguém  djga. 

Já  lho  quis,&  nam  lho  quero 

Eu  quiz  bem  a  huma  molher 

Que  vòsconheceltc  bem, 

E  com  muyto  lhe  querer, 

CaToiíle. 
CaJ.  0,&  cora  quem, 

Qje  inda  o  nam  poflb  crer? 
JPe/.  Com  hum  mercador,  queveyo 

Agora  do  Egypto  rico. 
C*/.  lílo  trazaaoa  no  bico 

Efl'e  homem  he  parvo, ou  fcyo. 
fí/.Pos  vedespuiílo  me  pico, 

E  em  pago  deita  trcyçáo 

A  fora  outro  mil  dclconros. 

Que  eras  configo  a  afeyçâo, 

Sempre  os  íinacs  deites  pontos 

Trarcy  no  meu  coração. 
Cal,  Viítela  mais.^ 
Fd.  Seííor  vi, 

Na  janelinha  da  ^rade,* 

Pafley,6cdifielhcaffi; 

Calada  lem  piedade, 

Porque  naó  na  aveis  de  mim? 

Cal.  Que  vos  difie? 
Fí/.Lá  no  centro 

Lhe  enxerguey  pouca  alegria,' 

E  como  quem  lhe  doya, 

Metcndolc  para  dentro     . 

diííc  jà  paHojíolia 
CúUfio.  Ah  má  fem  conhecimento. 

Quem  lhe  defle  mil  chofradas! 
Fil.  Senorjcomo  feó  cafadas 

Calãoíe  co  efquecimento 

Das  couías,que  laõ  nadadas» 
Cal.  Lembranças  de  vosdeyxar 

Picarvoshâo  como  eojos. 
í^í/.Seííor  aveis  deaílcntar, 

Que  onde  amor  vosquer  nvatar. 

Sempre  alha  miran  ojos. 

H'Jm  mocecc  lhe  mandey 

Hum  dia  eftandoccom  febre. 

Soda  payxáo,que  tomcy. 
Cál.  Pois  vejamos,qiiemtem  lebrd 
Ftl.  Senor  eu  volo  direy 

Mote. 

Vós  por  outrenveu  porvòs, 
Vós  contente,£c  cu  penado, 
Vós  calaiia,c  eu  canfado 
Poios  íantos  de  minlia  dona. 


grandt  Luh  de  CàvíSef,    . 

Cai.  Seííor  vós  ÍÓ  o  fízeílc? 

Fel.  Si»ningusm  me  ajudou.' 

C«/.  Sc  vósióo  compufeíte 
Crcde,queeftremo  diílcítes. 
Nunca  Orlando  tal  talou, 
:.  Senor,íizeílclhepé? 

F</.Senor,ti  todo  hum  anno 
Vôs  zombais  le  naíi  m^cnganor 
'■■      O/.  Naô,mas  douvos  minhafé 
Que  nunca  vi  tam  bom  pano. 

Fel.  ora  olhe  voíla  mcrcc. 

Folta. 

O  Ihay  tm  quaó  fundos  vãos 
Por  vofla  caula  me  afogo, 
Que  outro  me  ganha  o  jogo, 
E  cu  triíte  pago  os  paos, 
'•-         Olhos  travcíros,&  mãos 

Inda  eu  veja  o  meuc  uydado 
Porefle  voflb  trocado. 

Cal.  No  mais,que  iflb  me  degola, 
5enor,eu  aja  perdaõ: 
Fizeíles  eíle  rifáo 
Em  algum  jogo  de  bola, 
E  foylhe  elle  ter  a  máo? 

Fel  Digovos  que  o  vio,&  lho  leé 
Hum  moçozinho  de  eicola. 
Cal.  Eftá  iflb  olTi  do  Cco: 
Sabe  cila  jogar  abola 

Fe/.Naõ. 

Cal.  Pois  naó  vos  entendco 
Oraeujá  chcgucy  a  ler 
Pctrarca,ÔC  crede  de  mi 
Que  nunca  tal  coufa  vi 
Onde  mora  o  bom  fabcr. 
Logo  dâ  final  de  fí 
Onde  cafada  pofefles, 
Dizey  porque  naó  difleíles, 
h  Lâ  que  yo  vi  por  mi  mal? 

ÍV/. Renunciava,©  metaly 

Que  em  rifões  zinhos  como  cflfi«» 
Hafede  pór  tal  com  tal. 
Que  a  trova  trigo  trcmçs 
Hadefer  toda  dum  pano, 
Qiie  parece  muyto  Ingres 
Num  pelote  português 
Todo  hum  quarto  caftclhano.'' 
Ouvi  outra  tanSbem  minha, 
Que  fiz  a  certa  tenção 
Clara,levc  bonitinha 
defeyçãojqueeíta  trovinhá, 
He  trovínha  de  feyçáo. 
Como  eu  hum  dia  me  viflc 
Morto,&  amaô  na  candca, 
E  ella  naô  me  acodifle, 
Fizlhe  eíta,porqueí  feniiíT* 
Que  dava  os  fios  á  tca; 
F>  opropofitohe 
Andar  cu  hum  dia  íé 


*j? 


/ 


i 


E  para  que  õuvefie  dó 
De  mim.ôc  de  rniaha  fé 
l^amcnteylhe  como  Jò 
Cal.  }\ndaftcs,fcnor,muy  bcna 
JFel.  Oi^a  lcnor,atencay, 
E  vçde  o  fabio,que  tem. 
Se  hé  para  a  ver  algum, 
C<í/.  Ora  dizey. 
i^r/.EyU  vay 

Tr9Vêí 


Coração  de  carne  crua, 

Velo  teu  amor  aqu, 

Que  efmorccido  porti  ■  * 

Juz  no  meyodefta  rua.- 

Caí>  Na  rua  lenor  jazia,  o,,u  oijíj 

E  era  em  leinpo  de  lama? 
Fí/.  Seííor  quem  fala  a  quem  ama 

De  fi  mcímo  le  naó  fia, 

A  vcis  de  mentir  â  dama 
Ca/.  Volta  diflo?^ 
Fe/.  Singular, 

Sc  não  que  he  muyto  fentídã," 

Farvosha,ienor  chorar. 
Cal.  O  diga  por  fua  vida. 
f«/.  Farey,o  que  me  mandafii 

f  Volta. 

\        Porque  não  ás  delle  magoa 

O  dura  mais  queninguem,       aov  ô^n 

Que  anda  o  trifte,que  naó  tem      -*    - 
t     QLiem  lhe  dé  huma  vez  de  agoaj 
^  Nam  lhe  negues  teu  querer 

Pois  te  naó  cufta  dinheyro. 

Que  em  fim  por  derradeyro 

A  terra  te  hade  comer. , 
Ca/.  Tal  trova  nunc^fevio  .„,..,.  i 

Agorentâftela  jà?  ;qivo'{iupsJ 

Ff/.  Senor  nam,ainda  eftl  •        *    -  - 

Como  a  fuafnãy  paiio 

E  não  cftâ  muyto  ma. 
Cal.  Ha  trova, que  tem  por  lei* 

Naó  na  poflo  mais  gabarj 

Mas  pois  tal  couzt  íazeis^  03?um  ^^^^ís^  3' 

Scnor,ntm  me  enfinareis       '    v 

Donde  vém  tarobem  trovar? 
F*/.  Naó  hcacoufataõ  pequen^tii^  guijpívu^» 

Como,fenor,afizeftes,  -     —  -•'  ~     ■ 

Ena,que  agora  diíTeftcs. 

Mas  porem  vou  ^ar  a  Almcna^ 

Elias  novas,que  me  deftes 

Depois, renor,nos  veremos 

íicay  jà  roendo  cllç  oflo 
C4/.  O  roer,ienor.he  veflb. 
Fe/.Pois  eu  por  mais,^zobcmo$  ■.  aHlt»''! 

Eyde  fer  volto, &  revoflb, 
Ctf/.  Oh  elcufayvos  d^eftrtmos 

Queiílb,ícnor,me  atarraca. 


Rtmas  do  grande  Luís  de  Camões] 

Mas  nós  nos  encontraremos, 
E  lobre  ifio  envidaremos 
Dous  reales  mais  de  íaca. 


Í^ao[t  aviboi  y&  vem  tupiter ,  (^  Mercúrio  iramforfnn" 

doiflu^iter  na  forma  de  Anfitrião  ,  MerfnrtatHê 

dt  Sofea  cjcravOf&  diz,  lupner^ 

}uf.  Mercúrio  pois  fou  mudado 

Ncíla  forma  natural, 

01ha,5c  nota  com  cuydado, 

Se  eílâ  cm  mim  o  pintado 

A  parente  CO  real? 

MtTt  Quem  tam  próprio  le  trAQsfortQtíJ 

Tenho  por  opinião, 

Que  natal  transformação 

Lhe  prertou  natura  a  forma, 

Com  que  fez  Anfitrião. 
luf.  Pois  tu  no  geíto,£c  na  cor 

Eftás  Sofea  eferavo  fcu 
Merc.  Munto  mais  farás, leftor," 
lup.  Nam  no  faz  lenão  o  amor, 

Qiie  niílo  pode  mais  que  ca 
Merc,  Jájicnoi  ,te  fiz  menção 

Como  deo  Anfirriáo 

A  el-Rey  Terela  a  morte, 

Qitenaguerrra  igual  alortc 

Póie  mais,quc  o  coração 

E  de  pois  de  ler  tomada 

Toda  a  Cidade  com  gloria 

D*Anfitriaó  bem  ganhada. 

Como  cm  final  de  vi6toria. 

Efta  copa  lhe  foy  dada, 

Porella  bebia  cl-Rey 

Em  quanto  a  vida  queria,^ 

E  eu  porque  te  compria, 

A  feu  eferavo  a  furtey, 

Qicnumacaxaatrazia.' 

Elia  poderás  Içvar 

A  Almena,porlhemoftrar 

Verdadcyro,o  que  he  fingido^^ 

E  deftâ  arte  lerás  crido. 

Sem  mais  outro  ardilbufcar, 
J«/>.Pois  tudo  tens  ordenado 

Por  tam  nova,&  fijtil  arte. 

Como  me  vires  entrado. 

Irás  dar  cftc  recado 

A  Febo  de  minha  partcJ 

Que  faça  mais  de  vagar 

Seu  curlo  neftc  Emifphcrio^ 

Que  o  que  foc  acoftumar, 

Que  efta  noyte  ey  de  ordenar 

Hum  cafo  de  alto  myftcria, 

£  à  £fpera  mais  alt<& 

Mandaras,que  fixae/fcja. 

Porque  a  noyte  mayor  feja 

Por  que  fcmprco  tempo  falte 

Onde  alegria  hcíobeja. 

E  terás  tamanho  tento, 

Que  como  ifto  íe  prdcnar* 

yenhaí 


VcnVias  a  qui  vigiar, 

Porque  meu  contentamento^ 

nin<^ucin  n-.o  pofla  cllrovar 
il^frí.Seja  íty to íem  debate 

Tudo  como  te  Convém. 
7«;?.  Pois  liam  parece  ninguém 

Como  homem  de  cala  bate, 

E  muda  a  falia  lambem. 

Bate  Mtrcurio  à  portal 
Mere.O  de  la  cafa^en  buena  hora 

Dar  mean  de  ccnar  aqui?     'Áyp  síbon  i:  dui 
Brcw,  Sofea  parece,qnc  ouvi, 

Alviçarrts»minha  lenora, 

Que  na  fala  o  conheci.        -nrnot)  i^inii  l\.í 


Entra  /llmena\,ér  Br&mial 
Jil.  Zombais  Rromia,por  ventura? 
Brow.Seííora,  nam  2oinbo,nâni. 
^Im.  Vejo  eu  Anfitrião, 

Ouaviílarne  afigura, 

Oqiieeftá  no  coração?. 
lup.  Olhos  di  ante  dos  quais 

Deiejey  nuis  eftc  dia, 

Qie  nenhuma  outra  alegria 

Scnor;.', nunca  creais 

Que  lhe  minta  afentefia. 
Alm>  Oh  preíença  mais  querida 

Que  quantas  formou  amor, 

Ifto  he  ver :iade,fenor? 

A  cabefeaquia  vida, 

Pornam  ver  prazer  mayor 
Jtt^.Pois  efta  ora  de  vos  ver 

Alcançar,lefíora,pude, 

P  ara  mais  contente  fer. 

Conforme  co  eíte  prazer 

Novas  de  voíTa. lande. 
Altn.Vidi  foy  pclada,&:  crua 

A  faudequceiiíoftinha 

Que  em  quanto, lenor,a  tinha,' 

Temer  perigo  na  fua 

me  fez  deícuydar  da  minha: 
iW^re.  Ypuesmi  feííora  Almena 

Pefia  ai  dem^mio  malvado, 

No  dirá  aun  fu  criado, 

Vengaes  Soíea  nora  buení? 
Alm.  Sejais, Sofea, bem  chegado.' 
Brot».  Bem  mal  cri  eu, que  pudeílê 

Verte»Solea.hoie^'aqui. 
Alerc.  Pues  tambicn  yo  no  crey, 

Que  en  mi  vida  te  viefic, 

Segun  \àS  mucrtes,que  vi 
Alm.  Muyto  Tenor  folgarey 

Com  novas  de  vencinjento 
Jí»;.  De  tudo  quanto  paflcy 

Porvosdar  contentamento, 

Em  fuma  vos  contarey. 

Trago, fenora,a  viéloria 

Paquelle  Rey  tam  temido, 
,  CooTi  ftimã  clara  &c  notoriai 


Rmaí  do  grande  Lutsàe  Camões. 

porem  mayor  foy  a  gloria 
De  me  ver  de  vós  vencido. 
Sem  me  ttrem  rtfillencia, 
Os  grandes  me  obedecerão 
Como  El-Rey  morto  liveiáo, 
Em  final  de  obediência 
Efta  copa  me  trouxeráo 
El-Rey  por  elh  bebia, 
Ella,íktudo  o  mais  he  noflb 
Poronde  claro  le  via, 
Qiietudo  me  obedecia. 
Puis  tinha  nome  de  vofib. 

Jlíerí.Siímas  luego  de  rondon 
Là  Fortuna  dió  la  bueka. 

yí/»í«Cómo?  ■  -Tn^íifc: 

Merc.  Fue  gran  perdicion: 
Porque  en  aquella  rcbuelta, 
Mehurtaron  mijubon 
Pêro  bien  melo  pagaron. 
Quando  comigo  rineron 

!     Que  aunquemedcfpojaron, 
Si  uno  de  leda  llevaran 
Otro  de  açotes  me  dieron. 

'irfí/»2.Sanor,nam  poílo  goílar 
De  gofto,quc  he  tam  imnicnío,' 
Senaõ  muyto  de  vagar, 
Façame  mercê  d^enirar, 
E  contarmoa  por  eftenço 


lí^ 


Vão]e,&  fica  Mtrcumi 

Áâerc.  Yo  tambien  te  contaria, 
Bromia,fe  quedas  atras. 
Que  una  noche,enoiarteas? 

Bront.  Que? 

Merc>  Sonava,que  te  tinia; 

Brom.  Dize. 

A/crc.  Par  dies  no  dirè, 
Soííava. 

Brom  Bem  que  fonhavas? 

Aderc.Quc  quando  en  la  cama  CÍlavai 
Que  yo  en  fin  recorde. 

Brom.  Pois  tudo  iflb  receavas? 

Aíerc.  Sabe  Dios,que  yo  acà  fiento, 
S(?Ia  una  alma  vive  en  dos, 
La  qual  anda  dentro  en  vós 

Brom  E  qnc  quer  ella  cà  dentro? 

Merf.  Tambien  eílb  íabe  Dros. 

Payfe  Bromia,&  diz  Mtrcurié 
Iderc.  Bem  le  poderá  enganar 
Bromia.fcgundo  ora  eftou 
Como  Almcnafe  enganou, 
Mas  cumpreme  ir  ordenar, 
O  que  meu  pay  me  mandou 
E  porque  fc')a  guardada^ 
Ella  porta, &:  vigiada 
De  toda  a  gente  nacida. 
Me  fera  coufa  forçada. 
Ser  tam  deprcfia  a  tornada, 
Quão  prcíleò  faso  a  partida 


r^ffí 


M<y 


Vayfe  Mtrcurid^é^  vem  Sofea  co*ruadaJi  ^nfitriJtê 


■■:'.ii  ■  .f 

:  obuJanp 


5o/  Anfitrion  esforçado, 
Bravo  và  poria  batalla 
Sietc  cabeças  llevava 
De  las  mejores,qoe  ha  hallado 
FiiA  Qiiien  vienc  de  tierraagena, 
y  de  Ia  muerte  eícapó, 
La  razon  ie  permitio, 
Que  cante  como  íirena, 
Comoaorahagoyj, 
Ypucscancotan  gentil 

Fusra  Uanto  íi  muricra 

Q.jierocantar  como  quicra," 

una,y  outra,y  mâs  de  mil, 

Q;!e  digan  defta  manera. 
Cam.  Don  goiondron  cora  Don gofendrcra^ 

Porei  caminode  otcra 

Rofas  coge  en  la  rolera 

Don  goiondron  con  don  golondrcra* 
Fal.  Quando  yo  vcngo  a  penlar 

Que  uno  mararme  quiíiera. 

No  hagoíino  teniblar 

Porque  creo  íi  muriera, 

No  pudiera  más  cantar, 

Porque  eftando  a  un  rincon 

De  la  cala,ado  quede. 

Senti  muy  grande  ronron 

Y  mirando  que,miré 

Vi  que  era  un  gran  raton,  "'    * 

Empero  yo  nunca  figo 

Sino  coníejos  muy  (anos, 

Qie  en  eftos  calos  liv\anos, 

Qiiendeíprecia  el  inimigo» 

m\\  vezes  rauere  a  íus  manos^ 

Pêro  mi  lenoralli 

MatóalRey  de  los  gilpazos 

Yo  como  muerto  le  vi 

luro  arni  fé,que  Icdi 

Más  de  dós  mil  cuchilazosJ 

Ypormelibrardc  afan, 

Me  voy  fíempre  a  cofa  hecha,' 

Provar  mi  mano  derecha, 

Qie  aquel  es  buencapitan, 

Qu5  dei  tiemp  )  íe  aprovecha; 

Quequienhade  pelear, 

Hâde  bufcar  tiempo,  y  ora, 

Pêro  quierocaminar, 

Que  me  rouero  por  cantar 

Todo  aquefto  ami  feitora. 

f^em  Mercúrio i^  di^l 
Mil  vezes  comigo  vejo. 
Paraque  meu  pay  fe  afoute. 
Pois  em  tam  pequeno  enlejo 
Lhe  inandey  talhar  a  noucc, 
A  medida  do  dclejo, 
EpoÍ3  que  como  poíTante, 
A  roi  tudo  íe  repor  Ui 


Rimas  do  grande  Lfth  de\CaMÔesl 

Chego  agora  nelle  inftanté 
A  eltrovar,qucí.fte  bargante 
Me  nam  chegue  a  cfta  porta: 

5o/.No  le  que  micdojólucura 
Nefte  pecho  fe  me  cria, 
Por  Dios,que  íeme  afigura 
Que  ha  mucho,  que  es  noche  efcura 
Sm  que  venga  el  claro  dia: 
Mas  labed,  que  piento  yo 
Que  el  Sol, que  nole  acordo 
De  con  cl  dia  venir 
Que  a  noche  quando  cenó 
Algun  bucn  vino  bebió, 
Que  le  haze  tanto  dormir. 

Aíerc.Jà.  fintes  comprida  a  noutc 
Que  eu  afii  mandey  fazer 
Pois  mais  t(í  quero  dizer, 
Que  fintiras  muyto  açoutej 
Secàquiferes  vir  ter. 
Porem  pois  efte  bargante 
Tem  medrofo  coração, 
Qierome  fingir  ladrão. 
Ou  fantafma,éc  pordiante 
Nnm  iràjfc  vem  á  maô. 
E  CO  ntudole  paflar, 
A  falia  quero  mudar, 
Na  fua  de  tal  feyçáo. 
Que  couces,&  per  fiar. 
Lhe  facão  h^je  afientar, 
Quecu  fouSolea,ellenaroí        v 


1 


FaU  Caficlbatt9l 

No  vco  pafTarninguno, 

En  quien  yo  me  pueda  hartar* 
Sof,  A  quien  oygoaqui  hablar? 

Mande  Dios  no  fea  alguno 

Que  me  qiiiera  aporrcar. 
Merc.  La  carne  de  algun  humano 

Me  feria  muy  labrofa. 
éof.Oh  que  boz  tam  temerofa! 

Honibres  comes,ó  mi  hermano» 

Noesmejorotra  cofa? 

Carne  humana  es  muymezquin^ 

O  no  comas  deflo  no, 

Antes  carne  de  gallina; 

Perofcmàs  fe  avezina, 

Qie  másgallina,quc  yô? 
Mtre.  Una  boz  de  hombrc  aofíj 

Alaorcjameboló. 
&/.Pelatc  quien  me  parió 

La  boz  traygo  bolàdora? 

EUaquifiera  fer  yo, 

Pues  mi  boz  pudo  bolar» 

Do  la  pudiefles  oyr. 

Por  contigo  no  renir. 

Me  divieras  de  prellar 

Las  alas  para  huir. 
Merc.  Que  bulcas  cabe  cflapuçrtij 

Homhre?  fe  queres  ladron. 


Mi 


Rintéf  do 

hf,  hj  que  el  alma  tenp.o  mufirta 

OJupiíerrae  convicrta 

Las  tripas  cn  coraçon, 
Mert.  Quiem  eres^quieres  hablar^ 
50/.  Soy  quienmi  voluntad  quicrc* 
Mirt,  Pienças^que  puedcs  burlar? 
S9J\  £  tu  puedcs  me  quitar, 

Que  yo  íea  quien  quificre^ 

Mtrcum\ 

Ofas  hablar  tan  ofado» 
D^un  velhaco  bovarron? 
Di  quien  eres. 
S9f»  Hum  criado 
Del  lenor  Anfitrion 
Por  nombrc  Solea  Uamado* 

Mtrçuri», 

Pienfo  qu'el  fcfo  pcrdiftc; 
Como  te  llamas  mal  hombre? 
^/.  Soiea  ioy,fíno  me  oy  íle. 

Mersuriol 

l  Como  cn  fJreíona  tan  triítci 

Gíasdençuziar  mi  nombrc? 

Eílospunos  llevarás 

Pues  tener  mi  nombrc  quiercs: 

Quicresmc  dizer  quien  eres? 
Sc/,  Oh  íenor  nome  des  mâs, 

Qucyo  feré,quien  tu  quificrcij 
M«rs,  Con  tan  nueva  falíidad 

Andais  por  eíla  ciudad, 

Delante  de  quien  os  mira? 

Pues  fí  fois  Sofca,tomad. 
S«/.  Si  me  dás  por  Javerdad, 

Que  me  harás  por  la  mentira? 

Y  que  vcrdad  es  la  tuya? 

Qi^ie  te  quiero  dar  caftigo 
S»f.  bmo  ioy  Sofca^que  digo 

Que  Júpiter  me  deftruya 
Mere.  Mmd  el  talfo  inim/go, 

Tomad  efte  bofcton, 

Que  yo  foy  Sofea  y  no  vos^ 
Sof.Ta  Sofea? 
A/erc.  Solea  por  Dios. 

Efcravo  d^Anfitrion 
Scf»  De  modo  que  tiene  dos? 
Aíert.  No  tendrâ,aunquc  tu  quierc) 

Que  ami  folo conoció. 
Sof.  Pues  luego  de  quien  íoy  yo? 
Aíere.  Si  tu  no  fabes,quicn  eres 

Quieres  que  yo  lo  lepa? 
Sof.  En  fin  as  me  de  hazer  crccr ' 

Qu  c  y o  no  foy  ,QU  icn  ler  folia.' 


Srãkdi  Lulf  di  CamUf; 

^trt,  Quien  folias  tu  de  ler) 
So[,  Tregoas  me  as  de  prometer 

Dirtc  lo  he  íin  porfia 
Mttt,  Prometo. 
S^Ç.  No  me  darás? 
Mtfi  No  íino  fucrc  razon,' 
SoÇ,  Pues  hermano,  tu  labrái 

Quetni  amo  Anfitrion 
Mtrc,  Tu  anio?pucs  Hcvarâs: 

Mi  amo  es,qu€  tuyo  lío. 
S»Ç*  Ay  que  un  braço  me  quebròj 
Mtrc,  Mas  que  luego  te  mataíle 
SiJ.  Oxalá  Dios  ordenaíTe 

Que  tu  aora  fuefles  yo 

Y  yo  que  te  defmcmbraíre. 
J^«rc- Cfla  tu  tema  tan  loca 

Funos  te  la  han  de  quitarg 

Dinie  di  verguença  poca> 

Que  hablas? 
5»/.  Que  puedo  hablar. 

Si  me  as  qutbrado  la  boca^ 
fAtfc  Diquien  eres, fin  fatiga» 
So/.  Soy  un  hombrc,cm  quien  tudásí 
Mtrc»  Dime  pues,quc  nombre  as. 
5o/  Como  quieres  tu,qucdiga^. 

Para  que  no  me  dcs  más, 

No  HJC  as  de  habl  ar  contraheché 
Sv/.  Toda  mi  vida  paliada 
Solea  fuy,y  con  defpecho 
Aora  foy  que?no  nada, 
Que  tus  manos  me  an  dcíccho; 
Aifrc.Cuyo  ercs,pues  lasíiemes, 
Dexandoconfejcs  vanos: 
La  verdad,que  (i  me  mientcs» 
Das  con  la  Icngua  en  los  diantes,' 

Y  yo  doy  te  con  las  manos* 
5fl/No  conoccs  Anfitrion? 
Mtra.  Hombre  fin  feio  te  llamO) 

Tan  fucra  cftâs  de  razon: 
Pienfas  de  mi,bovarron, 
Que  no  conozco  amiamo? 

S9Ç.  En  fu  cafaconociftc 
Uno  que  es  Soiea^llamado^ 
Hombre  defprcciado  y  triftc? 

Mtrt.  Defla  fuertc  lo  dixifte 
Yo  íoy  trifte  y  defpiciado* 
Pues  fabe  que  te  allegó 
A  la  muerte  tu  Fortuna. 

5o/^  Pues  luego  fi  yo  no  foy  yo 
A  unque  nadie  me  mato, 
Soy  luego  cola  ninguna, 
O  diofes,que  defconcicrto 
Yo  por  ventura  foy  mucrCOa 
O  muriome  la  razon 
Yo  no  foy  de  A  nfitrion? 
El  no  me  mando  dei  puerro? 
AK        Yo  no  fe  que  bo  cftoy  loco, 
--       -         -       '    Hl» 


»♦» 


Pi 


De  mi  madre  no  nad 
{sjo  ando, nohablo  aqui? 

Mcrc.  Pucs  loíTiega  acra  uapoco 
Que  yo  tambicn  diré  de  mii 
Yo  no  íe  que  yo  iby  yo 

Yo  no  te  dl  con  mis  manos 
JMiíenor  nomellevó,  y 

A  Ifl  guerra  a  do  mato, 
A  quel  Rey  de  los  Thebanos? 

99].  Yo  ellb  muy  bien  Io  fc, 
Empero  tu,que  hazias 
Qaandolabatalla  vias? 
Mete.  Efcucha  yo  lo  Jiré, 

Y  ceíTaran  tus  porfias: 
Quando  mi  fefíor  anxiava 
Peieando,y  derramava- 

L,a  íangre  de  algun  meíquinoj 
Con  una  bota  de  vino 
Yo  cl  mio  acrefcentava. 

Sof>  Dize  lo  queyo  hazia: 
Con  todo  laber  queria 
Sola  una  cofa,íi  puedo, 
Tu  pccho  Anton,que  íentia 

Mere,  Del  beber  grande  alegria,] 
Ydcl  pelcargran^miedo. 

So(.  Y  defpues. 

I4erc,  Muy  repozado 

A  dormir  me  eche  de  gordo 
Deldel  Sol  hafta  la  Luna 

Z4)f.  Todo  lo  ticne  contado, 
fin  fiu  tengo  averiguado 
Que  yo  nofoy  coía  ninguna.' 
l^ucsde  todo  en  un  inltantc, 
Meãs  echado  de  mifuera, 
A  conkjamc  íi  quiera, 
Quien  lerè  da  qui  adelante 
Pues  no  loy  quien  d^antes  era.' 

^erc.  Quando  yo  nolerqmlierc 
Efle.quc  tu  kr  deíieas, 
Derpues,que  ya  Sofea  no  f  ucrc, 
Dartehcjfi  tf  pij^guiere. 
Licencia, que  todo  fcas. 

Y  acogete  luego  amigo 
A  bufcar  tu  nombre  digo 
Pues  Dios  vida  te  dexó, 
Qiic  el  Sofea  queda  comigo, 

i5ff/.  Pues  contigo  quedo  yo 
Dios'quede  hermano  contigo, 
Aora  quiero  yr  allâ, 
Adomilcnora  cftà, 
Contarte,como  CS  venido 
Mi  fcncr,mas  ò  perdido, 
Siotroyotiene  allà 
Todo  lo  tendrà  íabido. 
Jatrc,  A  hombrc. 
iStf/".  Mi  vozlonò.       •  - 
Mvc»  Aonde  bu eives  aora 
Sof*  Por  Dios  no  lé  onde  vó^ : 
Porque  íí  yo  no  íoy  yo,: 
^lAlfficnaes  miiidrari^     - 


Rimas  40 


;>í. 


^tA 


o\/ 


Y 


Aícrc.  Adondc  vâsí 
5o/.Con  mcnfaje 

Del  lenor  Anfitrion, 

Para  Almcna. 
Mere.hào  falvaje, 

Pues  quebrafte  la  omenaje, 

Ahi  verás  tu  perdicion. 

Yodoyte  conlejos  fanos, 

Y  porfias  otra  vez? 
Sp/.  Altos  Dioíes  loberanos, 

Pues  me  novalcnlas  manos 
P*^«  A  qui  me  valgan  los  pies; 
Mtrc,  Defta  arte  cnleiían  aqui, 

Ahurtar  cl  nombre  age  no. 

Vayfe^  &  torna  Spjea,^  Jitc* 

Stf.  Ay  Dios  como  me  acogi 
O  Júpiter  alto,y  bucno. 
Que  cerca  la  muerte  vi? 
Quierome  y  r  n  nu  ícnor 
Contarle  quanto  hepaílad o,' 
Yel  me  dirá  degrado, 
Si  yo  loy  fu  fervidor, 
En  que  cola  me  be  tornaáo.' 

Vajjt  Sofea  ,  &  vem  Júpiter  ,  ^  Almina ,  &  M 
lupíttr» 

tup.  Toda  a  pcíToa  difcrcta 

Terá,lcnora,aílcntado, 

Que  hum  bem  muyto  deíejad* 

Sc  hade  alcançar  por  dieta. 

Para  ler  femprc  eíhmado* 

E  quem  alcançado  tem 

Tamanho  contentamentoj' 

Por  conlervalo  convém, 

Que  tome  por  mantimento 

A  f  ome  de  tantbbem, 

E  poriílo  ey  de  tomar 

Efte  tempo  tam  ditolo. 

Para  a  frota  vifitar 

E  depois,quando  tornar," 

Tornarey  mais  defejofo. 

Que  pois  taô  bom  cativeyrq 

Me  tem  prela  a  liberdade. 

Eu  lhe  prometo  cm  verdade,' 

Que  torne  ainda  primcyro. 

Que  mo  peça  a  faudadc 
VíW»  Ainda  que  fe  polia  ir 

Maisafinhado  quecreyo 

Comoeydecu  confintir, 

Que  íeaja  de  partir 

Na  melma  noyte,qucveyo? 
2«^.  Forçada  he  minha  tornada 

Mas  muy  to  cedo  vjrey 

Porque  deíquc  foy  che^ad* 

A  efte  porto  a  armada 

Ainda  a  nam  vifirey 
^.  PoiS|fcnor,uã  pouco  eilaÍ9    . 


Com  quem  viftes  inda  agorai 
Facale  como  mandais. 
Ifip"  Vós  me  vereis  cà  íenora 
Primeyro  do  quecuydais. 


Vaofe^&vem  Anfitria^tCÍr  Softaj^  Jisi    AnfitrtS9^ 


^ttf.Km  fioí  tu, que  eílás  aqui, 
iiílavas  já  là  [.)rimeyro 

Sfif.  Senor,cica  que  es  aníi 

Attf.  \Lu  nunca  entendi  de  ti 
Que  eras  também  chocarreyro, 

Sof.  Scnor  yo  que  eíloy  preíentc. 
No  íoy  S  >íea  Tu  criado? 

Anf.  Creo  que  nam  certamente, 
Porque  Solea  era  avifado» 
E  tu  es  muy  diftrenre. 

Sof,  Pues  lenor  en  mi  fe  vc, 
Qiie  no  foy  quien^d'anccs  eríf 
Bu  Ivome 

Anf.  Y  para  que? 

Sof.  Veríe  a  dicha  me  quede 
Durmiendo  poria  galera 

éínf  Pois  me  queres  fazer  crer 
Huma  doudice  tam  raza, 
Mais  quero  de  ti  labef, 
Como  nam  entraílc  em  caía 
DeAlinena  minh^i  molhcr? 

Sí>/!AunqueSofeaquiíiefle 
JLá  verdad  no  negará; 
Aquel  yo  queallâ  eftâ 
No  quilo, que  a  cafa  fueflc 
Eílotro  yo,que  iva  allái 
Ycon  fúria  tan  crecida 
A  mi  fe  vino  aquel  hombrc^ 
Que  yo  me  puíe  cn  huyda, 
Y  anfí  le  d^xc  mi  nombre, 
Por  me  dcxar  cl  la  vida. 

yí«/i  Quem  Icriá  tam  oufado, 
Qie  tanto  mal  te  fizeíTe? 

SoJ,  Yo  milmo  So!«a  llamado 
Que  a  cafa  era  ya  llegado, 
Antes  quedeacápartiefle. 

^nf.  Tu  chegaíte  antes  de  ti? 
Eíle  he  gentil  desbarate, 

Sof.  Pues  más  Ic  digo  de  aqui 
Que  vengo  huyendo  de  mi 
Porquo  yo  mifmo  no  me  mate 

Anf,  Eráo  dous,ou  erk  hum  fó, 
Quem  te  fez  afli  fogir? 

Sof.  Pefete  quien  me  parió; 
Digo,que  era  un  foloyo, 
Mil  vezes  lo  hc  dedezir? 
Pucde  íer,qne  naceria 
Daquel  hombrc  otro  alguno, 
Como  aquel  de  mi  nacia, 
Porque  auuque  fuefle  el  uno, 
Por  más  de  quatro  tcnia. 
El  tenia  mi  apirencia 
Enipero  yo  nunca  vi 
iULParc. 


Rimas  do  grande  Luís  de  Camtesl 

Talfuerçâ*ni  tal  potenciai 
'"'•  Eítaloladiffcrencia 

Lc  tengo  bailado  de  mi. 

^«/.Pudeltedelieíábcr 
Cujo  era? 

Sof.  Quien  aquel  yo? 
Tu  yo  lenor  dixo  fcr, 

'Anf',  Nunca  eu  tive  mais,que  hum  i.ó 
E  eíle  nam  quilera  ter. 

Sof  Pues  lerior  íi  el  bien  dobladq 
Te  lo  mueflra  agora Dios, 
Deve  fcr  de  ti  alabado, 
Pues  de  unido  criado 
Tc  ha  hecho  agora  dos 

'Anf,  Antes  para  que  conheças," 
Que  coufA  hc  mao  fervidor, 
Mepcfará  íe  aíli  for 
Que  de  tam  ruiris  cabeças 
Quantas  mais  tanto  pior. 
E  já  que  faô  tam  incertos 
Teus  ditos  para  fe  crer, 
Muyto  melhor  dtvc  ler. 
Que  deyxe  teus  defconcertos^ 
E  vá  ver  minha  molher. 


^« 


.'^ 


VÀô{<^&  entra  Almenâidr  diz^ 

'Alm.  Que  fado  que  nncimento 

De  gente  humana  nacida, 

Qiie  d^efcalio,?^  avarento  < 

Nuncaconfcntio  na  vida 
I    Perfeyto  contentamento,' 

Anfitrião,quc  mòftrou 

hum  prazer  taro  de  fejado, 

A  quem  tanto  o  delejou 

Na  noy te,que  foy  chegadot 

Neíla  mefma  fe  tornou? 

De  fe  tornar  tam  afínha 

Sinto  tanto  cntriftecer 

O  lentído,ÔC  alma  minha,^ 

Quecerto.que  me  adivinhi 

Algum  novo  deíprazer 

Mas  parece  eíle  que  vera, 

Se  nam  cftou  enganada: 

Se  elle  he,venha  com  bem 

Pois  que  com  lua  tornada 

Taô  trás  tornada  me  cera 

"Entra  AnfitriSoià*  SofeHyé'  <//&  AnJítriJté 

'Anf.  Com  que  palavras,feôora 
Podereis  engrandeucr 
Tam  íoblimado  prazer 
Como  he  ver  chcg^ida  a  hora 
Em  que  vos  pudí  fle  ver. 
Certo  graó  contentamento 
Tive  de  meu  vencimento. 
Mas  máyor  o  ey  de  mim 
De  me  ver  pofto  no  fim 
De  tam  longo  aparcamcnto^ 


■^Z 


Mfh.  Jà  eu  diílc  o  que  ient^a 

De  vinda  tara  dcfejadà 

Ivlas  digarne  todavia,! 

Coího  na  ri  toy  ver  á  armada. 

Que  me  difle  oje  cíle  dia? 
iínj.  Dellâ  venho  eu  índa  agçra 

Dcfejolode  vosvcr 

Muyto  mais,aue| de  vencer 

Mas  que  me  dezeis' ícnórsí. 

Que  oje  me  ouviít_^s4i|cr?. 
ií/w.  Senam  eílava  remoça 

Certamente,que  lhe  ouyi. 

Quando  oje  partio  daqu^V 

Que  tornava  a  vera  froi;a, 

porque  era  fórçadP^afu. 
'^Anf.  Sueca. 

So(.  Senor,a  qui  eftôy  yo 
Anf.  Tu  ouves  tal  dcíçqnocrto? 
ioj.  Grandes  orejas  ganó, 

Pues  eftando  cn  cala  pyó, 

Quien  eftava  allà  nel  puçrto.' 
'Anf.  Quando  dizeis,que  mçpuviftes? 
Alm.  Oje  quando  yo.s  partiftes, 
Auf*  Donde? 
Alm,  Da  qui  de  mever. 
Anf.  Nunca  vi  grande  pra^^çr. 

Que  nam  tenha  os  cabos  triftcf.' 

Quantos  males  ciVniprovi(9, 

Que  caulaó  grandes  inudanças. 

Que  molhcr  de  tanto  a  vilp, 

Akiora  minhas  le mb ji ancas 

A  tem  tora  de  JUÍZO  . 
Alm.  Quereisme  fazer  cuydar. 

Que  poderia  lonhar, 

O  que  pellos  olhos  vi^ 

Nunca  vos  eu  mereci 

Qu  ererdcí  m e  e x f)cri p)  ent^rJ 
'Anf.  Poftoquehe  para  palmar 

Ver  hum  cafotam  eftrj^q.Ii|p, 

Todavia  ey  de  atentar 

Sc  podcrey  concçi;car 

Hum  deíconcerto  tamgnih^ 

Quando  dizeis  que  vim  c^? 
'^//».  Ella  noyte,que  pailp^ 
^». Day  me  alguém ,q|jp  a% j  le|í^ 

Que  me  viík. 
Alm.  li,íl:c,que  ahi  cftâ 

Sofea.que  cpm  vofcò  andou. 
^nf»  Sofea-podeftc  |,e.m  brar, 

Què  Ontem  me  vide  aqui? 
5o/".  Nunca  yo  fupe  de  mi, 

Qiie  me  pudiefle  acoráa^ 

Daqueláo,que  nunca  yi 
AIm*  Ora  eu  crco,  ^  he  aiÇ 

Que  ambos  vindes  conjutados» 

para  zombardes  de  mirn, 

IVlas  eu  darcy  hoje  aqui 
Smais  qtie  fej?o  provados. 
^Im.  Que  finais  pôde  ahi  avcr 
De  mencira  um  n^^rjíi)^ 


Que  nem  íoy.nçiEnpódcfet? 
Alfn-  Donde  vim  eu  a  íaber 

Novas  de  volla  vi<5i;9ria? 
Avf  Que  novas? 
Alm.-  Dirvolasey, 

"Que  na  batalha  mataíles 
Aquelie  loberbojí^íiy, 
E  tudo  desbararaftcs. 
Nam  fazendo  rcfiftepcia 
N^uraí»  batalha  tam.çrua, 
Dandovos  obç,<Jiçt)çiâ 
Vos  dcrâo  hungacppajfi^ 
Lavrada  por  excelência. 

Anf  Sofea  he  culp^dPȒ^ 
Neftes  acontecimentos. 

Sof.  Son  encantámientos 

Porque  aqucl  hombre,quces.yp 
Le  contaria  eftps^cuçpços. 

ií»/Quem  he  efle,que  vos  deu 
Tais  novas  labcr  queria. 

'^/Ȓ.  Quem  mo  pergunta? 

Anf.  Quem?  cu. 

Qiiercirme  fazer  ^ndeu? 

Alm.  Mas  vós  me  fazeis,f^u^ia. 

Anf.  Ora  quero  perguntari 
Que  fiz  fendo  aqiy  chegado? 

Alm.  Pulemonos  acear, 

Anf.  E  dcfpois  de  ter  cead.o? 

Alm.  Fomonos  ambos  deytar. 

Anf.  Nuuca  queyra  Deos,.q.Uíe  .poílji 
Acharíe  na  minha  ^nra 
Nenhuma  falta,nem;rppír?> 
Seja  ifto  doudice  voíT?, 
Antes  que  minha  cl^honra. 

SoJ.  Biénio  fupe  yo  cr^tender,    * 
Que  era  efto  encat^tacionps, 

Y  aora  me  au  rá  de  crer, 
Quedos  Sofeas  puçdc  ayer, 
Pues  ay  dos  Anfitrione?. 

Alm.  Com  me  quererdes  tçnc^r 
Tam  trovada  me  fi?;eftes, 
Que  me  nam  pôde  íçmbrar 
Que  vos  mandaílè  naoílrar 
A  copa,que  me  ontem  déílçs. 

"^Anf.  Eu  copaPfe  iflb  ahji  ha 
Que  eftou  doudo  çuydarey. 

50/.Srííor,bien  guardada  eítâ 
T  Alm.  Bromea. 

Brom.  Senora, 

Alm,  Daycá 

A  copt.quc  ontem  vos  dey.] 

Sof.  P  ues  yo  pari  otro  yo, 

Y  vos  otro  Anfitrion, 
No  es  mu  eh  a  adro|racion» 
Si  la  copa  otrapariói 

Ni  a  un  fucra  dç  razon. 


Rmts  do 

Entra  Bromia  comacopai&  dix,^ 

Eis  aqui  a  copa  vem, 

Telleinunho  da  verdade. 
'W»/.  O  eílranha  novidade! 
Alm.  Poderrreá  deziralgucm 

Qiie  o  que  digo  he  taifidade? 
'Anf.  Solca^quando  ontetn  cávinhaí,' 

í^odermeas  negar, ladraõ 

Qae  lhe  deíle  4S  novas  rainhas,  ^ 

E  mais  acopa,que  tinhas    . 

Guardada  na  tua  máo? 
SoJ.  Senor,que  no  pude  no, 

Vera  mifenora  Almena, 

Siaquel  eflo  acà  ordeno 

No  iicve  efte  yo  la  pena 

Del  mal, que  hizo  el  otro  yo» 
'Anf.  O  ia  cu  náa  íey  entender 

Tal  caio, nem  Jhe  acho  fundo,' 

Coín  tudo venhoa dizer. 

Que  ha  tantas  coulàs  no  mundo 

Que  tudo  le  pò  Js  crer, 

Sc  vo:>  troaxcr,quem  vos  diga, 

Ccmo  eft.i  noy  te  dormi, 

N.i nao crereis, que  he  afli? 
ítf/w.  Nenhuma  coula  me  obriga, 

A  que  naó  crea,o  que  vi, 
Jí»/.  Seo  patião  aqui  vier, 

Qiie  he  homem  de  autoridade,' 

Crereis, o  que  vos  diíler? 
if/w»,Sim,que  ninguém  pódc  avcr 

Qiie  me  negue  efta  verdade; 
'Anf.  Eu  eftou  em  concrulaõ    ?  ^í  "V*  ' 

D^oje  deíembaraçar 

Tam  enleada  queftaó, 

Anáo  me  quero  tornar 

A  trazer  cá  Belferraô. 

Sofea,até  minha  tornada 

Fica  neíla  cafa  em  vela. 

Que  eu  armarey  tal  filada, 

A  quem  ma  mim  tem  armada," 

Qjjc  venha  hoje  a  cair  ntlla, 

yajffefé'  diz,  iilmenàl 

Alm.  Oh  mulher  triíle,êc  íufpenfa 
Da  mais  alta  confuíaó, 
C^e  nunca  vio  coração 
Em  que  mereces  a  oífenía,' 
Que  te  faz  Anfitrião? 
Sempre  de  mini  foy  amado. 
Tanto  quanto  em  mi  fe  lente," 
Co  corsçáo  tam  liado, 
Que  fe  de  mim  era  aufente, 
Nelle  o  via  figurado, 
E  pois  molhcr  que  comprifle 
Milhor  que  cu  fidelidade, 
Nam  na  vi,nem  quem  me  viâc, 
Qie  dos  limites  fâhiíle 
fil.Parc. 


grande  Luh  de  CamoêH 

Hum  pouco  da  honeílídadc 
Pois  porque  íie  tam  maltiatada 
*«1         Innocencia  tamfingela 

Que  a  pena  mais  apertada, 
He  a  culpa  levantada 
:\         Ao  coração  livre  delia? 

Mas  jí  que  minha  alma  eftà 
Sem  culpa,doque  padeço, 
Seja  o  que  for.que  eu  conheço. 
Que  a  verdade  me  porá 
No  que  eu  pola  ter  mereço^ 

Bromial 


m 


V,'-Miptii 


Bríw.  Senora.'  nrinoíÊDmo^si;-^^ 

w/w. Hi  mandar  .-,..;  r 

A  Feii  eo,quc  vâ 

Meu  primo  Aurélio  chamar,'      '  èkò\'vn'^^- 
Qie  lhe  quero  perguntar,  ---^         -T 

Que  con-elhomadará?  •■  í 

E  pois  que  Anfitrião 
.,  Vay  bulcar  lomentc,qucm 

«l         Lhe  ajude  a  lua  tciiçaó, 
'  Qieroeu  ter  aqui  tambemi 

Qnem  me  de  tenda  a  razaó. 

Vayft  Bramia  ,   ô*  vem  Idpiter  9    &  diz,  /«J 
\':Z  pnen 

l&p.  Grão  delconcerto  tem  feyto 
Anfitrião  com  Almcna, 
éiJ  Qiialqucrdellcs  tcmdircyto,  ij 

Eu  íou  o  que  venço  o  preycoji  '^ 

E  ambos  pagão  a  pena 

Qiieromc  ir  lá  desfazer  si 

Tam  trabalhola  demanda, 
por  nos  tornarmos  a  ver, 
P('rqueem  fim,quemmuytoqucri 
Com  qualquer  defc.ulpi  abranda. 
E  pois  que  a  afeyção 
s  Hade  mudar  tam  afinha, 

Quero  ir  alcançar  perdaó 
1  Da  culp.i,que  fendo  minha," 

Parece  de  Anfitrião. 
^Alw.  Perece  que  torna  ca 
Anfitrião,quejá  fchia: 
Nam  ley  a  que  tornará, 
Senam  felhe  peza  jà 
Dos  enganos, que  tecia." 
ittfl       luf.  iSenora  nam  ?ja  error 

Que  tantos  males  me  faça, 
Porque  leo  contraria  for. 
Pequeno  fera  o  amor. 
Que  manencoria  desfaça, 
E  pois  com  tanta  alegria 
De  tantos  perigos  vim, 
Pefarmea  la  achar  no  fim. 
Que  huma  leve  zombaria 
"Vos  pofla  agravar  de  mim. 
í(j/w.  Cora  palavras  de  d^shonra 
^    ■    -  -  Hh  5  Na!5 


)  1 

P 


^4^  RlmasdQ 

Nam  fe  hade  tratar  quem  âma, 

Nem  zombaria  le  chama, 

Fcrexprimencar  ahonra 

Pór  cm  tal  perigo  a  fama. 

Bem  tive  cu  para  mim 

Q(je  era  aquillo  experiência 
luf.  lirrrey,no  que  cometi, 

Bem  me  baila  a  penitencia. 

De  quanto  me  arrependi. 

E  Te  fiz  algum  error. 

Com  que  voflb  amor  Tc  mude» 

Deqnem  volotemmayor, 

Nam  cxprementcy  virtude. 

Mas  exprcmenrey  amor 

Que  íe  com  calo  tam  v ario 

Folguey  jj«  vos  agaftar, 

Foy  amor  acrdcentar 

Por  que  as  vezes  hum  contrario 

Faz  leu  contrario  avilar, 

Da  qui  vcm,qne  a  leve  magoa 

Firmeza, 6c  alcyçoes  augmenta, 

Gomo  bem  fe  vè  na  fragoa, 

Onde  o  fogo  fe  acrefenta, 

Borrifandoo  com  pouca  ogoa, 

Se  hum  mal  grande  le  levanta 

Num  coração,que  maltrata, 

A  àfeyçâo  desbarata 

Porque  onde  a  agoa  he  tanta 

O  fogo  d*amor  fe  mata. 

E  pois  tive  t:il  tenção, 

Perdoay,{çnhora,;i  culpa 

Derte  voílo  coração, 
^/w.  Nam  fe  alcapçaaílí  perdão 

D^erro,que  nam  tem  defculpa. 
íwp.  Ora  pois  affi  tratais, 

Quem  enj  tanto  nfco  po$ 

O  amor,que  vòs  negais. 

Eu  m^aulemtarey  de  vò?, 

Onde  mais  me  nam  vejais. 

Que  pois  defculpa  nam  tcna 

Coraçãoque  tanto  quer, 

Voume,que  naó  lerá  bem 

Que  quem  vós  nam  podeis  ver. 

Que  pofla  mais  ver  ninguém. 

Se  alguma  ora  meu  cuydado 

Vosderdor,em  que  pequena, 

Peçovos  pois  fuy  culpado. 

Que  vos  nam  pefe  da  pena, 

De  quem  vos  foy  tam  pefado. 

Edelpois,queâ  defventura 

Pufernefte  coração 

Debayxo  da  fe  pultura, 

As  letras  na  pedra  dura 

Vofla  dureza  dirão 

Ifto  vos  ey  dizer, 

Que  me  eníinou  minha  dor, 

Sequifcrdes  leda  fer 

Nunca  expirementeis  amor. 

Em  quem  volonam  tiver. 

Deyxayme  ir  nam  me  ten  hai 


grande 


Luís  h  Cúmõesl 
/ílm»  Anfitrião  nam  choreis, 

Anfitrião. 
7»p.  Que  quereis, 

Ou  para  que  nomeais 

homem, que  ver  nam  podeis? 
iíí/jw.  Anfitrião  le  cu  cauley 

Comraanencona  pequena 

Coufa,com  que  omagoey. 

Eu  quero  cair  na  pena 

Deflk  culpa  que  Ihedcy. 
/«/>.  Sempre  lerey  magoado. 

Se  vofiã  ma  condição 

Me  namperdoao  pflflado 
jilm.  Ptrdoo,&:  peço  perdão 

De  lhe  naó  ter  percioado; 
Si»/.  Noleperdone,íc:nora, 

Hafta  quecondcvocicn 

Tambien  me  pida  perdon. 

Que  bien  le  meacuerda  aora 

Que  me  ha  Uaniado  ladron. 
Iftp,  Sof(  a. 
5«/^Senor. 
lup  Vay  bulcar 

O  Piloto  Belfçrrão 

Dirlhas  íe  deíèmbarcar. 

Que  me  parece  razão, 

Que  vf  nhâ  hqje  câ  cear 
Stf/.  Si  lenor,voy  a  la  ora 
lu^.  De  nenhuma  calidade 

Cures  de  fazer. demora; 

E  nós  vamonoSjlenhora, 

Confirmar  nofla  amizade. 

ys»fe,&  vem  l4mmto^&  ãt^ 

Grandes  revoltas  vão  là. 
Grandes  acontecimentos, 
Cumpreme,quc  efteja  cà 
Era  quanto  meu  payellâ 
Em  íeus  defenfadamentos. 
Porque  vio  Anfitriã,o 
Vir  da  nao  muy  apreíTado, 
E  tendo  corrido,&  andado 
Nam  pode  achar  Bclferrão 
Que  lhe  era  bem  eícufado 
Pareceme,que  virá 
Ver  fe  lhe  abre  a  qui  alguemi} 
JMas  porem  le  chega  cà, 
já  pode  fer  que  fe  vã 
Mais  confulo,  do  que  vem. 

Entra  Anfitrião ^(^  dkC 

^íí/.  Quisnos  nofla  natureza 
Com  tal  condição  fazer 
Que  jã  temos  por  certeza 
Nam  a  ver  grande  prazer. 
Sem  meftura  de  trifteza. 
Eíle  decreto  c^pantofo. 
Que  inílituyo  npíla  fortoi;' 


va»?*. 


He 


Wm*s 

He  tal,&  ram  rígurolo 

Qí^ie  nmguem  antes  da  morte 

Se  pôde  chamar  ditoío, 

Com  cila  JLJÍla  bilançd 

O  fado  grjnde,6t'profun<Jo 

Nos  refrea  a  elperança, 

Porque  ningutm  ncíle  mundo 

Bulque  bcmaveiuurança. 

Eu  que  cuydey  dcvivcr 

Sempre  contente  de  mi 

Com  tamanho  Rcy  vencer 

Venho  achar  minha  molher. 

De  todo  fora  de  fi, 

Mas  doutra  parte.que  digo,     ii^T"  - 

Que  fè  verdade,o  que  vi, 

Eoqueclladizheafli, 

Vircya  cuydar  comigo. 

Que  eu  íou  a  fora  de  mi 

Quero  ver  fe  acho  já 

Fora  de  tam  fecos  nós 

Ou  de  cafa 
Aítrc,  O  de  alia 

Quicn  lois? 
^»/ Abre. 
A/erc.  Santo  Dios 

Pucs  no  osconoccn  a  cá? 
^nf.  O  que  gentil  defvario, 

Abrime  ora  íc  quilerdcs. 
Áítrc,  No  harè,quc  cn  mi  confio^ 

0^1  c  da  fuera  dormii  cdes, 

Que  no  comigo  amor  mio. 

Que  cancion  para  oyr. 
'Anf.  A  Solea  zomlias  de  mi? 

Ora  que rome  fingir 

Que  mda  o  nam  tionhccí. 

Por  ver  femc  quer  abrir; 

A  renor,nam  abrireis? 
2iàtrc.  Que  quereis  hombreporDio$?J 
Jínf.  Duas  palavras  de  vós. 
Aíerc,  Tcngo  dicho  màs  de  íeis, 

E  aora  me  pedis  dos? 

De  fuera  podeis  dormir. 

Que  entrar  no  podeis  ací. 
^nf.  Ora  acribay  abri  la. 
Jidtre.  nigo,quc  no  quiero  abrI^^ 

Dixe  dospalabríJsyi. 
^nf.  Ora  fus  barg-tnte  abri 
Adere.  Si  note  buclvci  de  aqui, 

A  gran  peligroicotreccs. 
^nf.  Velhaco, num  me  ccnhcccs. 

Ou  cíUs  fora  d^ti? 
A/írc.Bonico  vçnis  amor  ^ 

Quicn  foia,quehablaistanolado? 
JÍfjf.  Abre  que  liH)  teu  Icnor» 
A/rrc.  Buelvafc  dcflotro  lado, 

Y  conocerlee  mejor 
^«/.  Sofca  moço, 
Adere.  AíTimellamo 

Huelgome  que  lo  Icpais, 

Eíijpcio  digo,queos  vays, 


do  grande  Lutsde  Camões]  20 

Que  Anficrion  es  mi  araõj 
Vós  hi  bulcar,quicn  ícays. 
irf»/*  Pois  quero  labcr  de  U 

Eu  qncm  lou.  ?! 

Af«rc.  Yquien  fois  vói? 

Como  os  Uaman? 
Anf.  Abri. 
■■•-     Aíírff.  A  vósosllamanabri? 

Pues  abri,and4d  con  Dios.'  -^  O  ^\«K 

Anf  Quem  ha,que  pofl*a  lofrer  ' 

Em  lua  honra  tal  deftrcço, 
'  A^^i  Que  para  me  endoudecer 

io  i2  Mc  tem  nagado  a  mulher, 

:  ()  .\aK        E  agora  m  e  nega  o  moço? 
Adere  Mira  el  encantador 
Como  felaftima  y  Hora 
Yfuefle  tomar  aora 
',-^        La  forma  de  mi  Icnor, 
'  Para  enganar  mi  fcnora, 

Pues  clpcrá  y  no  os  vays. 
Per  un  elpacio  pequeno 
Vcrna,quicn  ripicieriais, 
Ycl  os  hará,qua  bolvais 
Elfâllogefto  alu  dueno. 
'Artf.  Vay  velhaco,^.?  chama  cá 
Efle  falío  fey  ticey  ro. 
Que  íc  cllc  dentro  cftá 
Ellaefpada  julgara 
Qual  de  nós  hc  o  verdadoyroi 

VajU  Mercúrio f^  vem  fúfeê^&  BtlferrÕ9 ,^  dtT;,  BtU 
jerrao» 

Br//.  Ora  ninguém  prcfumira. 

Que  tinhas  tam  ponco  filo. 

Pois  vas  achar  d^emproyilo 

Também  forjada  mentira. 

Que  mefazcair  derilo,    - 

Hum  moço,que  alevantou 

Tal  graça  nunca  naceo. 

Porque  vos  jura, que  achou, 

Que  ou  elle  cm  dous  fe  perdeoj 

Ou  de  bum  dous  tornou. 
5tf/.  Patron.que  no  burlo  no^' 

En  uno  fon  dos  unidos, 

Y  cn  dos  cuei  pos  r<  partido, 
Yo  foy  el,y  cies  yo 

De  un  padre,  y  madre  nacidoj." 
Bel  E  íctu  que  la  eílâs 

Tam  velhaco  he  como  ti. 
5</.  Mas  aun  pienlo,que  es  más. 

Por  dclante,y  por  detrás 

Todo  le  parece  ami. 

Y  fuc  gran  mcrccd  de  Dios 
Aiuntar  a  mi  m  às  uno 
Que  peor  fuera  de  nós. 

Si  Dios  me  hiziera  nínguno," 
Que  node  Uno  haíér  dos. 
Bel.  Aííique  letc  perdcílc 
Vieíle  a  cobrar  mais  hum^ 


^(^•^ 


íi^uygentil  conta fízeílc,^ 
Poli  que  perdido  íoubefte 
Que  eras  dous, lendo  nenhum» 

Sí/Pues  teneis  por  abufíon 
Vcrdad  tan  clara.y  tan  raíã 
Aunquc  pone  admiracion, 
Q^jiei  a  Dios,que  allâ  cn  caía 
IvJohallcisotropatron^  ^ 

'^Anf.  O  patrão,que  fuy  bufcar 
Parece  que  vejo  vir 
Nam  íey  quem  o  foy  chamari 
Mas  que  me  áde  aprovcytar 
Nam  me  quererem  abrir 


Self.  A  fenor  i 

Já  íinto,que  fuy  culpado, 
Porque  quem  he  convidado,* 
5c  tam  vagarozo  for 
Merece  nam  íer  chamado. 

rfíw/.  t\  vòsqué  vos  convidou? 

Belf.  Solea.pormandado.feu. 

élnf'  Dillo  Patrão  nam  fey  eu> 
Q;ic  Soíea  jà  me  negou, 
L  jâ  íenam  da  pormeu, 
F  lè  algum  voi  foy  dizer, 
Que  eu  vos  chamo  a  minha  meia 
JMal  vos  dari  de  comer, 
Quem  de  toda  lhe  hedefefa 

'    A  cafa,&  mais  a  molher. 

BelfQ^içm  heefle  taó.oulado, 
Que  vosiílb  fczfeííor? 

/í»f.  Soíea creyo,que  enganado. 
Por  algum  encantador. 
Que  a  honra  me  tem  roubado* 

BelferraÕ. 


Seelle  aqui  comigo  vem, 

Ií]b  como  pode fer? 
Jínf.  Ha,que  ira  que  vou  ter 

Tam  cega  a  vifta  me  tem 

Que  mo  nam  deyxava  ver, 

Porque  razãojcavaleyro, 

Naó  me  abris  quando  vos  mando? 

Vós  fazeifvos  chocarreyro? 
Sof.  Yo  fenor,y  como.y  quando? 
jlnf.  Quereislo  faber  prinicyra. 

Érperay  dirvoloha. 

Mas  lera  por  outro  fom. 
Sof.  Ahíènor  /Vnfitrion, 

Porque  matandome  eftà,' 

Sin  delito  y  íin  razon? 
'jínf.  A  gora, que  vos  eu  dou: 

Me  chamais  Anfitrião 

E  pira  me  abrirdes  nam? 
Belf  Eík  moço.em  que  pecou 

Porque  pena  lem  razão 
No  niais  por  amor  á^aú. 


Rimas  do  grande  Luis  de  Cmhi^* 

^»/.  Não,quenaó  íou  leu  íefíor 
Eu  íou  hum  encantador, 
Nam  no  dizeis  vós  aííi, 
Ladraõ,perro,enganador? 

5í/IPorquefuy  preito  a  lliiiiar 
Por  fu  mandado  ai  Patron, 
Me  quiere  aor<  matar? 

'Anf.  Quem  volo  mandou  buícarj 

S»j.  Sino  ay  otro  Anfitrion, 
Vueftra  mercê  fin  dudar^ 

Anf,  Eu  te  mandey? 
So(.  Si  ícnor, 
Si  otro  no. 

Anf.  Otro  â  qui, 

Por  quem  tu  zombas  de  mi? 
Pois  lódefle  encantador 
Me  quero  vingar  de  ti. 

Sof.  Oh  lupiter  a  quien  bramo 
Por  íu  bondâd  que  me  vala, 
Pues  porque  Solèa  melUmo, 
Yo  milmo,y  delpues  miamo 
Mt  dieroti  vcnida  mala; 


íio<l^«K 


4ai  ti«çf  3ííp 


>hr 


iòn.  Qt)  iiujj 


Entra  luçiur,dr  Ji^ 

lup,  Qiicm  he  o  tam  atervido, 
Que  a  qui  oufa  de  fazer 
Tam  revoltofo  arroydo, 
Com  meus  moços  fem  temer,' 
Qnc  fuy  fcmpre  tam  temido? 
Quem  aqui  faz  uniaó 
Toma  muy  grande  defpejo. 

Bel.  Oh  que  grande  admiração! 
Vcjoeu  outro  Anfitriã», 
Ou  helonho  ifto,que  vejo? 

Sof.  No  mirais  la  encancacion, 
Qne  aquel  hizo  a  mi  íenor? 
Elque  lale,Belferron, 
Es  el  cierto  Anfitrion, 
Que  eílotro  es  encantador, 

Jup  Sofea. 

Sef.  Ml  íenor  ya  vò. 

Inp,  Patraõ  ló  por  vós  eípero^ 

So/.  No  os  lo  dizia  yo. 

Que  cfte  era  el  verdadeyro,^ 
y  cfle  que  allâ  queda  no? 

Anfitriau        í 

Bargante  adonde  te  vàs? 
Fazes  teu  Íenor  fandeo? 
Pois  efpera,iíí  levarás 
lup.  Oulá  tornay  por  detrás* 
Nam  deis  no  rooço,que  he  meu^ 

>í/V0Í!0? 

Jup.  Meu. 

Anf.  Pode  ifto  aver. 

Que  outrem  minhas  couías  torae? 

Vòs  galante  avcis  de  fer, 
O  que  me  comeis  o  nome. 


c«ii; 


Cafa  moços, 5c  íiuiljtcr       .j-j  ^o\  a.; 

Eu  vos  úrey  cosíhecei:, 

Com  quem  ctndcs  eircirato, 
lupy  Soíea. 
So(.  Sciíor. 
jup,  V-ày  dizer, 

Que  aparelhem  de  comer,  -t";  í/s^ 

Em  quanto  eftedoudoraawC      * 
Bel f  Oh  íenor,nam  fcja-affim. 

Haja  em  vòs  concerto  algum, 

>Eciienao)  ,pQÍs«qu  iw  ixn , 

Farey  que  !Ô  comecinínim 

Us  golpes  de  cada  hum . 
hp.  Patrão  vofla  boa  jcfttéki 

Me  fará  deyxar  com  vida, 

Quem  me  nam  mcceoe  tcUa." 
dífffNio  na  tenho  cu  merecida 

Pois  que  vos  dcyxo  comellia, 
Belf.  O  ho;:.em  que  for  fefudo 

N^u matam  grande  queíláo, 

Hadc  romar  por  efcudo 

Ajuftiiça,6c  arazâo. 

Que  citas  armas  vencem. tudo^ 

E  pois  eflk  natureza 

Muytos  homens  fiZ  iguais 

Dé  qu-ilquer  <'e  vós  finais 

De  quem  he  para  certeza 

Daforma,que  ambos  maftrais» 
Jup.  Sou  contente ide.moftrar 

Pelos  íinais,que  V(3sdou 

Qu  e  faô  eftes  le  m  fa  Itar 
éAnf.Que  finais  podeis  vós  dar, 

Paraquc  fejais  quem  fou? 
2up.  cil:cs,que  logo  venais 

Se  íaó  vâos,le  derais: 

Patrão  vós  lede  juiz. 

Que  vós  logo  enxergarcil 

Qual  mais  vcrdadcvosifix. 
Bclf.Eu  nam  finto  onde  confifta 

A  cura  defta  doença. 

Que  ha  tam  pouca  iliíFei^cnça, 

Que  aquelle  em  que  jpoDbo  aviã:a 

Por  efle  dou  a  fcntença. 

Mas  lenor  vósiqíBSonIcinaiftcs,     . 

Que  o  juiz  diílo  fofl^e  cu, 

Quando  le  abatalhadea 

Dizev  que  meencomenidaft», 

Q^ie  fícaíTe  a  cargo  meu. 
J»;>.l)eyvos  cargo  jq*ic«ftiv«fl'e 

Toda  armada  a  bom  recado, 

E  le  mal  vos  fuccedeflc, 

Qiic  para  os  vivoí  cviiveíl-e 

(^  rffugio  aparelhado. 
Bclf.  Ora  vós  quantos  dobrótl 

Efle  dia  m'cntrcgaftes? 
Anf.  Trcs  mil,5c  vós  os  contaftcs, 

Beiftrrâtu 
Ambos  íoís  Anfiçrioéns 
Pelos  fin;iis,que  moiU-àíUs; 


Jliínas  do^XrAnde^Lu{sde'UQa1nões) 


'*♦? 


^^^ws^ 


lup.  Para  fer  mais  conhecida 

A  tenção  deílc  fanUeu, 

Vede  eítoutro  final  meu, 

Qiic  neíle  braço  a  fefisitf. 

Que  me  el-Rey  Tcrela  deu 
Bdf,  Moftray  vós  fendr .também 
^»/' Aqui  o  podeis  olhar. 
Bclf.  Oh  couía  «ara^eipancar! 

Que  ambos  a  fcnàitcm 

Dum  tamanho,em  limo  lugar! 

Sof.Diíc  mi  ienora  Alnfcna, 

Que  no  feha  de  aíli  d^cftac 

Con  un  bovo  a  razonar. 

Que  fe  le  enfria  Ia  cena. 
lup,  Belfarrão  vamos  cear. 
Anf.  Belferãonaõ  medeyxcíí 

Como  também  me  negais? 
lup.  Anday  nam  y os  detenhais. 

Vamos  comer  le  quereis, 

Nam  cucais  hum  dcudomals,] 
'Anf,  Ah  maojafli  me  ordenais 

O  ffenfa  tam  mal  olhada. 

Eu  farey  íe  me  efpeKáys 

Com  que  todos  conheçais 

Os  fios  da  minhaéfpada 
tup.  As  portas  prcllcs  fochómos,' 

Nam  entre  eftc  doudo  cà, 
9fif.  De  fuera  fe  dormirá 

Entretanto, que  cen^mos, 

Puede  paíTearlc  allâ. 

VaSfe  Jcutroj&ificèAnfitriJío  fU&  '^i^l 

'^nf.  Oh  ira  para  fe  naõ  crer 
Em  que  minh'a]ma  íe  abfala^ 
Que  me  faz  endoudecer, 
E  nam  me  ajuda  ft  rompeíT 
As  paredes  deíla  ca^, 
E  porque?  nam  tenho  ^u 
Forças  que  tudo  deftrwa, 
pois  que  tanto  a  feVo  fetj. 
Outrem  acho  que  poffua 
A  milhor  parte  do  ttien? 
Euirey  óje  buícar, 
Qucfh*rtié-^ttdeavir  quejrmar 
Toda  efta  cafa  fem  pena, 
Donde  veja  ardet  Almena  ''\ 

Com  quem  a  vejo  enganar. 

Sat  Anfitriam  por  huma  ptrfta^  &  tHíra'p(f^'(mtHi  H/tm 

{ 
Aur.  No  hallo  a  mis  males  culpa 
Para  que  merezca  pena 
La  caufa  qne  me  condena. 
Moç.  Efla  eílá  gentil  dcfcalpâ, 
Para  ojc  dar  a  Aitn^nfa 

Tcmn© 


t^ 


35^ 

Temno  mandado  cíiamar, 

E  elle  cftá  tam  delcuydado, 
jíurelit. 


HíHÍÍâí  íxtii 


Moço,qucreíme  matar? 

Que  detculpa  poflo  dar 

Níclhor  que  elle  meucuydado? 
àioç.  E  naõ  ha  mais,que  fazer. 

Com  iílb  a  boca  me  capa 

Para  mais  nada  dizer? 
'Aur  Ora  dame  câ  efla  capa,  . 

E  vamos  v€r,o  que  quer. 

Nam  trates  de  mal  razáò,'       .,- 

Pois nan»  hi quem; te  rtíiftc,    , 

Qiie  vcyo  outra  norayao. 
iWa^.  Q^iehe? 
^ur.  Ou  memente  a  vifta 

Ou  cu  vejo  Aníitriam, 
A/í ^<?  Êu  OUVI  .1  Feliíco, 

Qiiando  cátrouxeoiecado^  /  rnstl-^fi.' 

Como  ellc  era  chegadoí 

E  quisme  dizer,que  veyo 

Doíilo  deíconcertido. 
diur.  Iflb  quero  eu  ri  fabcr. 

Pois  que  tal  coufa  fe  loa; 

Seííor  podefe  dizer 

Qiie  a  vinda  Icja  muy  boa.^ 
i^«/.  tilíanam  pódeella  ler. 
^«r.  Porque  nan;? 
wí»/  Porque  hc  roubada 

Minha  honra  íem  temor, 

E  minha  eala  tomada, 

E  volla  pi  ima  enganada 

Por  hum  grande  encantador.' 
'j9ur,  Iflb  he  certo? 
âií»/]  li,  inanifelio,  r^ií/; 

Étudo  tem  jàporíeu 

Adulcero,5í  deíhonefto. 

Tem  me  tomado  oineu  gcAo^ 

E  fazlhe  crer, que  faó  eu* 
■jííir.  Contais  hum  caio  d^efpanto, 

E  pois  num  podes  entrar, 

Deíendeyme  por  em  tanto, 

Que  ey  de  là  de  chegar 

para  ver,quem  pôde  canto. 

Fayfe  Aurtiio  Jentrc^^  diz»  Anfitriat»       » 


RfméS4Íc   irànde  Luís  âe  Camões . 

Para  nunca  (er  contente. 
Que  agora  eft  ando  prelentc 
Viva  mais  faudolo  delia, 
Que  quando  delia  era  auíentc, 
Eíta  porta  vejo  abrir 
\  Com  Ímpeto  de  mafiado, 

Que  podereis  prelumir? 
Que  vejo  Aurélio  lair, 
Como  homem  delatinado* 


,ojnRh'^3nJi 


ií»/.  Sc  ver  deshonra  tão  ciar* 
Menam  tivcraofentido, 
Totalmente  endoudecido, 

cc.v  Que  graven>cnte«chorara. 
Ver  tarn  grande  amor  perdido? 

*    E  quando  vejo  a  verdade 
D  on  o  fl  o  a  m  o  r,&  a  nvizade 
Desfeyto  tom  tanra  magoa, 
Enchcniíeme  os  olhos  de  ag04) 
E  a  alma  de  frtudade. 
Aílique  quis  minha  eíliella 

cnmsT 


oVl  :  .' 


Vem  Aurélio  y  é"  Belferrãot  à^  Sífta^ 
rdto*  :>moj  •- 

Jiur.  Oh  cftranha  novidade, 

O  caula  para  nam  crer, 
Btlf,  venho  cego  de  verdade, 

Que  não  podèráo  lotrcr 

Meus  olhos  a  daridade 
Sof,  Ohtrilleque  vengo  ctcgo 

Con  rayos,y  con  viíiones, 

Y  deftas  encàntaciones 

Si  nuefl:ra  cafa  arde  en  fuego, 

Han  íe  de  arder  mis  colchones.' 

Aurélio, 

Vamos  a  Anfitrião 

Coniarlhe  coulas  tamanhas.' 
iíw/  Que  vay  là  que  coutas  vão? 
^ur.  Maravilhas  taro  eftranhas 

Que  me  ircmc  o  coração, 
:,    porque  aquelle  hpmcm,quc  afli 

Tantos  enganos  tcceo. 

Como  era  coufa  do  Cco 

Tanto  que  cu  apareci 

Logo  defapareceo. 

E  em  dffaparecendo 

Com  ruydo  grande,6c  horrendo 

Toda  a  cala  alumiou, 

E  de  arte  nos  inflamou. 

Que  nos  viemos  acolhendo, 

Do  rayo  que  nos  cegou, 

cílcsa  contecimentos 

Nam  fam  de  humana  pcfloa 

Vos  ouvis  a  voz  que  foa 

Ercutay,efl:ay  atento 

VejamosjO  que  pregoa 

Voz  de  lupiter  de  dentro} 

Anfitriácquc  em  teus  dias 
Ves  tamanhas  eftranhezas, 
Nam  te  efpantcm  fantcíias. 
Que  ás  vezes  grandes  tri£leza$ 
Parem  grandes  alegrias, 
lupitcr  faó  manifefto 
Nas  obras  de  admiração. 
Que  por  mi  cauladas  faó 
Quisme  veftir  em  teu  gefto,' 
Por  honrar  tua  geração. 


&  dÍ7^  Au* 


Tui 


Rim^s  do\grande  LutsMêCmioésl 

Tua  molher  parirá  Por  doze  crsbaihos  feusí 

Hum  riiho  de  mim  gerado,  Doze  milhões  de  louvores. 

Que  Hercules  le  chamará,  E  dcfla  ilullrc  (adiga 

O  mais  valentCjÔi  esforçadof  Colherás  muy  ricofruyto. 

Que  no  mundo  íe  achara  tm  fim  a  razão  me  obriga, 

Com  cíle  teus  lucceflbres  Que  tam  pouca  delia  diga, 

Sc  honraráô  de  lercni  leus,  Porque  o  tempo  dirà  muytQ>' 
E  darlheiíáo  os  eicnpcores 


Ml 


PROTESTACAM  DA  FE* 

S^^pívetno alto  mfiT  com  honi^^o^erno^ 
Qu^  ao  phre  pfcador  firme fi  entregí^^ 
JPor  m^pio do  uni^vetffi^l Senhor  Eterno: 
Qjifpâis  <ri/c  fUroo^orto^a  ^ue  na^Degal 
Sempre  ondas  ^encerado  efeuro  Inferno^^ 
A'  Catholica  May  Romana  Igreja, 
Quanto  digo,  &»  diJfer^Çiígejto  Jeja. 

LAVSDEO-: 


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