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OBRAS
DO
VISCONDE DE ÀLMEIDÀ-GARRETT
TOMO II
PRIMEIRO IH) TIIEATRO
/
OBRAS LITTERARIAS
DO
VISCONDE DE ALMEIDA-GARRETT
THEATRO :
Tomo I, Catão.
Tomo Ií, Merope, Cfril- Vicente,
Tomo III, Frei Luís <36 Sousa;
Tomo IV, D. Phlllppa de Vilhena.
Tomo V, A Sobrinha do Marquez, As Prophecias do
Bandarra, Um Noivado no Dafundo.
Tomo VI, O Alfageme de Santarém.
VERSOS:
Camões.
D. Branca.
Lyrica.
Fabulas, Folhas oahidas.
Flores sem flructo.
Romanceiro, 3 vol.
O Retrato de Vénus.
PROSA :
Viagens na Minha Terra, 2 to).
O Arco de SancVAnna, 2 vol.
Portugal na Balança da Europa.
Da Educação.
Helena (romance).
Discursos parlamentares e Memorias biographicas.
Escriptos diversos.
Acham-se á venda na Imprensa Nacional
e principaes livrarias do Reino
THEATBO
DO
VISCONDE DE ALMEIDA-GARRETT
(SEXTA EDIÇXO)
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1877
Prefacio da quarta edição
O presente volume, phenomeno raro em
Portugal, é uma quarta edição feita em vida
do auctor, e para as nossas proporções, den-
tro de mui breve tempo. A primeira edição
do catão, feita em Lisboa, extinguiu-se em
poucos mezes ; a segunda, de Londres, em
dois annos; e a terceira — que foi a nossa
primeira — em menos de três annos tam-
bém estava exhausta, apesar das contra fei-
ções brasileiras.
6
Sempre mais correcto e progressivamente
melhorado por seu escrupuloso e infatigável
auctor, o catão sai, n'esta quarta edição au-
thêntica, tam perfeito quanto a uma obra
humana é dado sê-lo.
Vê-se d'esta estatística que o bom gosto
se não perde em Portugal, e que as mons-
truosidades da chamada eschola moderna não
fazem esquecer a arte verdadeira, o catão
lançou os fundamentos do theatro contemporâ-
neo ; GIL VICENTE, O ALFAGÉME e FR. LUIZ DE
sousa o vão edificando por um stylo que nos
não deixa cahir nas extravagâncias e exage-
rações d'esse romantismo epfoemero que ja
vai passando na Europa, e que após si traz
a inevitável reacção que também já em Fran-
ça se sente. A litteratura portuguesa não
gastará os seus talentos n esses dois exces-
sos, graças ao nosso auctor, que, em meio
das sérias e trabalhosas oecupações da sua
vida, tem sabido tirar algumas horas para
dar a estes lavores que rara vez são Usn
avaliados dos contemporâneos, mas que a pos-
teridade eolloca sempre, depois, acima de io-
dos os outros.
Mais feliz do que muitos, o auctor de ca-
tão Te, ainda no verdor da edade, calar-se
a inveja dos emulos, bradar alto pelo mun-
do a fama de suas obras ja conhecidas de
nacionaes e extrangeiros, e entrar, por seus
esforços, a lingua e a litteratura portugueza
no caminho do progresso, a par das outras
nações que tanto atraz a tinham deixado.
Este último resultado sabemos que o li-
songeia, sabemos que é seu principal fim, e
por isso nos comprazemos de o consignar
aqui quando lh'o Temos alcançado com tan-
ta glória.
Lisboa, 15 de Julho
1845.
Prefacio da terceira edição
Imaginaram algumas pessoas menos refle-
ctidas que as successivas correcções que te-
nho feito a este drama lhe haviam alterado a
contextura e character primitivo. Uns o jul-
gam, sim melhorado na phrase e mais per-
feito como obra litteraria, mas agorentado
no sentimento, affroixado no terso e duro do
pensar forte que o characterizava ; outros
supposeram que a primeira concepção de
mancebo enthusiasta vira a grande questão
10
politica que aqui se agita, com differentes
olhos do qiíe a vê hoje o homem maduro,
experimentado— fatigado talvez, — desappon-
tado, quem sabe?
Ambas estas observações foram feitas á se-
gunda edição authêntica do drama, a qual se
concluiu em Londres em 1 5 de abril de 1830,
e que de certo era mui diíferente da primei-
ra, feita em Lisboa em 1822. E uns o di-
ziam como censura, outros como louvor,
segundo o partido, ou matiz do partido, de
cadaum.
Nenhum me offendeu nem lisongeou, mas
todos me julgaram raal *em um ponto : as
minhas opiniões, os meus sentimentos, as
minhas sympathias como homem, como ci-
dadã*, como pbitesephotal apaal, comoKjbris-
tao verdadeiro e sincero, na© variaram desde
que me conheço, — espero amortalfear-Mfe
n 9 6llas. Canas me^estraram m ptínáro sa»-
giie côa o leile que samnei >ôos peitos de
minha rôttuosa e extremosa sotfe : outras se
m teeczilykam ftG> cérebro Hàolie «amara edu-
cação liberal, «g (rígida e severa, em («pie
fm âsnanefite Daohháe desde a ircfanrâ, por
11
austeras que ainda houve n'esta terra, —
por um tio, philologo, sábio e erudito d^qoel-
tas que ja não ba e que Deus sabe quando
tonará a haver em Portugal.
De quinze annos entrei no inundo ; lenho
wido muito em pouco: ja creio que moha
circumstancia na vida — pública ou particu-
lar — por que oao tenha passado; e todavia,
quando hoje, nas horas de mais socògo e
paciência, me applico a receita do oráculo
<te Belphos, sinto-me a mesmo têmpera de
espirito que me 'deram ; o que padeceu foi
so o corpo. Inda bem !
Releio as mmhas primeiras compogiçoes, —
rio de tanta criancice, divertem-me as pue-
rilidades de stylo e conceito que ja tomei
por coisas tam cabaes . . . Mas nos sentimen-
tos e nas crenças d'akna so Mies acho (faltas,
impropriedades e exagerações de pfarase —
ignorância, nao erro. Sinto pois e penso co-
mo sempre senti e cansei; e bem, — ou me
ingana a consciência. Marta «rez escrevi e
obrei diversamente, e por consequência mal :
emendara: £190-0.
a única mudança «que em mim
acta©, e a diferença, portanto, .que n'esta <e
12
nas outras minhas obras so pôde achar o
leitor sincefo.
A segunda edição authêntica de catão,
correcta e elaborada pelo estudo profundo
e quasi teimoso dos auctores latinos e gre-
gos que tractaram de coisas romanas» so-
mente nisso differe da primeira, conforme
se disse em seu prefacio que aqui vai re-
impresso. E por satisfazer a amigos que m'o
pedem, bem como para desingano de algum
incrédulo, vão também, no fim do volume,
as variantes da primeira para a segunda edi-
ção.
Esta terceira quasi que não altera da se-
gunda; mas o leitor achará todavia egual-
mente notadas, no fim, as poucas e pequenas
variantes que tem. Posso dizer que trabalhei
conscienciosamente e com escrúpulo no ap-
perfeiçoar d'este drama, procurando sobre-
tudo dar-lhe aquelle sabor antigo romano
que até ja nos derradeiros escriptores lati-
nos estava perdido, e que tam raro é de
achar em imitações modernas. Para esse fim
somente, para me familiarisar e pôr, como
se fora de casa com os meus auctores, tra-
duzi de Plutarcho as vidas de Gatão (o me-
13
nor ou utjcense) e de César. Pêza-me que
os limites circumscriptos do volflme me n5o
deixem inserir aqui aomenos a primeira.
Julgar-se-hia melhor da sinceridade e boa
fe com que procurei transfundir, em sueco
e sangue para a verdade dramática, a ver*
dade e exacção histórica de que aquelloutra
vive, isto é, a dos costumes e characteres.
A dramática é uma litteratura nova para
nós, — ou perdida, que tanto vai. Mas real-
mente é nova ; poisque os primeiros cultiva-
dores apenas semearam, por uns claros de
deveza em terra crua, quatro ou cinco se-
mentes que vegetaram á sombra, mal for-
nidas de corpo e seiva. Poucos as viram
vivas ; quando morreram, ninguém n'o sou-
be; ficou a memoria vaga de uma pouca
de semente que se perdera — e nada mais.
Mas esta mesma saudade atormentou a na-
ção e os seus poetas ; e para a inganar, il-
ludiam-se indo buscar estacas de árvores
extranhas, criadas n'outras terras, affeitas a
outro tracto, e metteram-n'as na nossa ter-
ra. A terra é boa, dá tudo ; a estaca parecia
pegar . . . mas nSo : esta é planta que so nas-
cediça produz bem: vinham quatro flores
14
desbotadas, duas fructa& outoniças, e see*
E a' esta- parábola estát a histeria do< nesao
pobre tfteatra* Não era mingua de talento
nos poetas,, era- o mau methodo, o princif
p&j errado com que trabalhavam.
Antes do» gatão ja eu tinha feito nauite
tragedia» e comedias também; toda» semsa?*
bonés. Excepto a meropb — que talvez re-
veja e complete ainda — rasguei as outra*:
esamu das tae» inspiradas do reflexo extean*
geipo, de portuguesas tinham as palavras ;
no mais pensadas em Grego, em Latina em
Francês em Italiano, emlnglez — que sei
euJ
No gatão senti outra coisa, fui a Roma:
fui, e fi&me Romano quanto pude, segundo
o dictado manda : mas vekei para Portugal»
6; pensei de Português para Portugueses: e
a isso attribuo a indulgência e boa vontade
do público que me ouviu e me leu.
Foi uma regeneração para mim.* foi ca*
hirem*me dos olhos as trevas de Tobias cem
os ligados do peixe trazido de tam longe-
Não está na fabula (ou intrecho), nao está
nos nomes das pessoas a nacionalidade de
15
uffii dftraa. Ignes. d& £asteo< pede ser frm-
aexa,, — e português. Édipo :. todo» dfepeadfe
d& rtío «ora que o» evocar, d» jaaigo para
sobre a thertn»*, a amgodâta que && oa ea*
Panece-auí que foto âiHnwgãOf s* vai 9a»
neralizandov Um banem sem» talento», mas
de: graade tino, jóia» e erudição^ a tinte» ja
tídD« antes-; foi. o honrada Muraal dê Figuei-
rado> de- cujo votamos* thaatro* pousos sa-
bem até q/m «riste : lé-to*. issoiát pani exem-
plares paeienGias. Pois ganhai muito quem o
fizer, que ha aHi oiro de Enio* oom- que fa*
zee muitos Vingilios.
Estas guei*i» d* ' ateerim e manjam» '
em que andaram clássicos e românicos por
esse mando, e que ja socegaram em, toda a
parte, vão a começar agora por ca. E.como
na politica e em tudo, não se apprende nos
exemplos, nos erros alheios : triste condição
da humanidade que só de seus próprios desva-
rios escarmente cada um! Paciência! Quanto
a isso, so quero aqui reiterar os meus anti-
gos protestos de que não sou clássico nem
romântico: porquê? Porque tractei de sa-
ber o que era uma coisa e o que era a ou-
16
tra antes de me apaixonar por nenhuma.
Succedeu-me o que me tem succedido em
tudo, e o que a todos succederá que o fize-
rem : achei razão a uns e a outros, segui-os
n'ella, e deixei-os brigar no mais, — que
não vale a pena da briga. Assim é de tan-
tas brigas d'este mundo! O clássico rabu-
gento é um velho teimoso de cabelleira e
polvilhos que embirra em ser taful, e cuida
que morrem por elle as meninas. O român-
tico desvairado é um peralvilho ridículo que
dança o galope pelas ruas, e toma por sur-
risos de namorada o supercilioso olhar da
senhora honesta que se riu de pasmo de o
ver tam doudo e tam presumido : — mas tam
semsabor.
Lisboa, 19 de Novembro
de 1839.
Prefacio da segunda edição
A extrema indulgência com que este dra-
ma foi recebido do público impunha, ha
muito, ao auctor a obrigação de o emendar,
e tornar mais digno de tam lisongeiro favor,
do que elle sahira na primeira edição. São
todavia passados mais de quatro annos desde
que ella se extinguiu, e so agora, na pri-
guiçosa convalescença de longa infirmidade,
appareceu breve remanso de mais sérios tra-
balhos que se lhe podesse dar.
8
18
Sobre feissima de erros de imprensa, sa-
hiu aquellã edição com* todas as falhas de
' primeiro molde/ incorrecta no stylo, falta
de natural e verdade na phrase. Além des-
tes senões de colorido, accresciam alguns,
e muitos, no desenho ; — impropriedades na
fábula ou inrêdo do drama, inexacções nos
characteres e similhantes. Todos estes de-
feitos nasceram dos vinte e tantos dias em
que a tragedia foi composta, insaiada e re-
presentada 1 , — e dos vinteum annos que
então doudejavam no sangue de quem a es-
crevia. A todos esses, e ao mais capital Tel-
les — a tibieza e pequenez do quinto acto,
se pôz peito em evitar n'esta edição.
Sem escrava submissão aos factícios pre-
ceitos do theatro francez, nem revolucioná-
rio desprezo das verdadeiras regras clássicas
(que hoje é moda desattender sem as inten-
der); nem caminhando de olhos fechados
1 A sociedade de curiosos que primeiro a levou á
scena, e que tanto ap piaus o Uie grangeou do mais es-
colhido publico que ainda se junctou em theatro por-
tuguez, recebia, pouco e pouco, as porções da tragedia,
ao passo que se iam compondo : e todos os membros
d'essa sociedade (que excepto um, estão vivos e sãos)
presenciaram quantas vezes se compunha na véspera
o que no outro dia se tinha de insaiar. —N.da seg. ed.
19
pelo estreito e allinhado carreiro de Racine,
— nem desvairando á toa pelas incultas de-
vezas de Shakspeare, — procurou o auctor
conciliar (e não é impossível) a verdadeira
e bella natureza com a verdadeira e boa
arte.
O desanimador estudo do coração huma-
no, o fatal conhecimento das humanas pai-
xões, e de sua influencia e acção nas revo-
luções politicas, o habilitaram para intendei*
agora melhor o seu Tito-Livio e o seu Plu-
tarcho. Assim commentados pela experiência
de dez annos de revolução, estes dois gran-
des phanaes da historia antiga guiaram o
auctor da tragedia nas reformas que n'ella
fez, no desenho de seus characteres, e no
colorido de muitas scenas que, na primeira
edição, visivelmente mostravam a mão in-
experta do pintor que as traçava sem ter
d'onde copiar do vivo.
Estes exemplares o dirigiram e allumia-
ram em toda quanta emenda, correcção e
augmento apparecer agora; a elles se re-
porta de toda a dúvida que na intelligencia
de uma ou outra allusão houver, para elles
appella de toda a construcção equivoca, a
20
elles se aggrava de toda a interpretação ma-
levolente que lhe derem.
Vinha n'aquella primeira edição uma carta
do auctor sobre a imitação que n'este drama
ha, ou havia, do celebrado Catão de Addison.
Julgou-se escusado reimprimi-la aqui, por
longa e de pouca monta *. Baste dizer em
summa, que — fábula, interesse, mechanis-
mo dramático, tudo é differente nas duas
tragedias. A de Addison tem seis paixões ou
namoros de tarifa, como lhe chama Schlegel 2 ;
e conclue, na catastrophe, com dois matri-
mónios: n'esta nem ha amantes nem casamen-
tos nem mulheres. Um moderno viajante 3 in-
glez disse da tragedia portugueza : « Perhaps
the happiest idea of our (the portuguese) poet
is that contrast which he draws between the
two characters of Cato and Brutus : both of
which are well sustained.' 'A mais feliz idea
do nosso poeta (o portuguez) è talvez o con-
traste que elle apresenta entre os dois cha-
* Vai reimpressa n'esta edição por satisfazer a mui-
tas pessoas que manifestaram desejo de comparar em
tudo as duas primeiras edições do Catão.— NoL da
terc. ed.
* Curso de litter. dramática; sobre Addison.
» Mr. Kinsey's Portugal illustrated.
21
racteres de Catão e de Bruto, os quaes aro-
tos são bem sustentados.'
Bastaria este ponto singular para distin-
guir perpétua e characteristicamente uma da
outra tragedia. Os raios do interesse drama-
tico, que, na ingleza, divergem para os in-
trincados amores de.Porcio, e Marco, Sem-
pronio, e Juba, e Mareia, e Lúcia — na
portugueza convergem todos para o prota-
gonista, em quem, e na pátria e na liberdade
que d'elle são parte e n'elle coexistem, todo
quanto é, o drama se concentra, em acção,
em meios, em incidentes, em interesse —
desde a primeira linha da exposição até á
última syllaba da catastrophe.
Os namoros de Addison tecem, movem,
inredam e desatam todo o fio de seu dra-
ma. Os mais nobres affectos do coraç§o hu-
mano, a amizade, o amor paterno e o filial,
a devoção civica, o falso e o verdadeiro
patriotismo, o entbusiasmo cego, e o illus-
trado zelo da liberdade, — com todas as
paixões revolucionarias em seus variados
..graus e matizes, são o único movei do Ca-
tão portuguez, de todos seus characteres,
scenas, — da fábula inteira.
22
E comtudo, apezar de tanta disparidade,
tem elle expressões, versos inteiros imitados
de Addison. E porque não, se ellas são boas
e elles bellos? Contar-se-hão porém raros
os logares imitados : e a similhança decerto
mais a produziu a commum leitura de Plu-
tarcho do que nenhuma outra coisa. E não
lembra mais de que accusar n'este ponto.
Se outras imitações descobrir o leitor, saiba
que se lhe não quizeram occultar, e que em
se não declararem, so ha culpa de memo-
ria.
Representou-se esta tragedia, a primeira
vez, em Lisboa, por uma sociedade de cu-
riosos, em septembro de 1821. Outra so-
ciedade de egual natureza lhe fez a mesma
honra no anno seguinte, em Leiria, com
permissão do auctor. Intregue, em certo
modo, pela impressão, ao público, foi pri-
meiro representada em público theatro, em
Santarém, no anno de 1826. Também exi-
lada na geral proscripção de 1828, veio
apparecer em Plymouth, onde, se houver-
mos de crer os jornaes inglezes d'esse tem-
po, tam perfeitamente desimpenhada foi por
vários officiaes e outros distinctos emigrados
23
portuguezes, — que até dos 'spectadoresbri-
tannos ' se não poderá o auctor queixar, co-
mo o desterrado Sulmonense dos pouco me-
nos duros Getas:
Barbaras hic ego sum quia nec intelligor ulli,
Et rident stoliai ' verba latina ' Getae.
Associado a grandes epochas nacionaes, —
nacional pela adopção pública, o ' gatão por-
tuguez, sai agora (se não foi vão o cuidadoso
esmero e o longo trabalho do auctor) mais
digno d'esse antigo foro, que ainda hade ser
illustre e de honrar, por mui abatido e se-
vandijado que hoje o tenham.
O assumpto é o mais nobre, mais heróico
e mais trágico de toda a historia antiga e
moderna. Representando as últimas agonias
da mais solidamente constituída republica da
antiguidade, — a moralidade politica do dra-
ma naturalmente reflecte muita luz sobre a
grande questão que ora agita e revolve o
mundo : e mostra (talvez mais claro que ne-
nhuns tractados) a superioridade das moder-
nas formas representativas, e a excellencia
da liberdade constitucional ou monarchica.
24
O leitor, o spectador tirará sem esforço a
conclusão do poeta :
Nunqnam libertas gratior extat
Quam sub rege pio.
Onde a realeza legítima faz parte inte-
grante da constituição, não ha medo que os
dois elementos naturaes da sociedade, a de-
mocracia e a aristocracia, rompam o equilí-
brio em que as tem o scepftro, fiel, que deve
ser, da balança do Estado : não ha temor de
que ambicioso demagogo fatigue o povo com
distúrbios e excessos, para o colher exhausto
e o açaimar então com a mordaça de tyran-
nia. Dem-lhe o nome que quizerem, chamem-
lhe rei ou imperador, césar ou czar, se as
leis não estabelecerem uma realeza moderada
e paternal para conter as paixões ambiciosas
dos cidadãos, — a realeza illegitíma da revo-
lução, a tyrannia, virá sem leis, contra. as
leis, e as destruirá. D'este perigo so livra
(quando livra) a oligarcUa aristocrática e a
«egra bocca do Leão de San'Marcos. £ qual
dos flageDos será peior? — Nem o rei pro-
pheta saberia escolher. Ha um grande, n
i, documento contra esta doutrina, no
25
Novo-mundo. Mas dura ha mui pouco tem-
po ; e exemplos em politica precisam de ter
cans para convencerem *.
Londres, 15 de Abril
1830.
1 Em linguagem mais clian : — Os Estados-Unidos
da America do norte não são ainda uma nação for-
mada, sólida, compacta, com character, costumes, gé-
nio e indole sua própria ; e so quando o forem, pode-
remos ajuizar dos resultados ao, por'ora tam novo,
experimento.
3a 1
Prefacio da primeira edição
Conheço perfeitamente a dificuldade de
uma composição dramática. Impregando a
maior parte de minhas horas vagas — úni-
cas que dou a versos e similhantes passatem-
pos — n'este ramo de poesia que por incli-
nação amei sempre e por estudo cultivo,
versando quasi desde a infância, com nocturna
e diurna mão, os theatros antigos e moder-
1 Lisboa 1822, na Impressão Liberal, 1 vol. 8.°- 132
pag.
28
nos, tenho de sua leitura constante colhido,
quando menos, o conhecimento perfeito da
dificuldade do género.
Lendo Sophocles e Eschylo, Euripides e
Aristçphanes — ajudando-me, no pouco co-
nhecimento da língua grega, das boas tra-
ducções latinas e francezas, e sobretudo da
erudita e ingenhosa obra do P. Brumoy —
adquiri o gosto do theatro clássico e das belle-
zas grandes e simplices da Melpomene d'Athe-
nas, com o do sal acre e travessos risos de
sua galhofeira Thalia.
A tragedia grega, singela e vigorosa em
Eschylo, majestosa e sublime em Sophocles,
so em Euripides decai alguma coisa em certa
affectaçao de moralizar que depois em Ro-
ma estragou Séneca *, e mais posteriormente
em Paris ammaneirou algumas vezes Vol-
taire.
Na comedia grega, simples caricatura ao
principio dos cbaracteres contemporâneos,
mais vaga e incerta no seu caminho de ap-
perfeiçoamento, admirei a viveza dos ditos
picantes, o ingenhoso da imitação ridícula;
1 Ou qvemquer que é o auctor das tragedias d'este
nome.
29
porem mais nada. E não tendo outro escri-
ptor senão Aristophanes, até pela fallencia de
comparação, foi indeterminado o meu conceito.
Não conhecia eu estas differenças nos meus
principios ; e o sentimento da admiração era
o único da minha alma quando contemplava
taes maravilhas.
A scena romana não me offereceu senão
Plauto, Terêncio e Séneca, ou, mais exacta-
mente, algumas cópias desfiguradas dos ori-
ginaes gregos que. tendo largado o paUio de
Athenas, vestiram a toga do Lacio que se lhes
desageitava nos hombros desaffeitos.
Voltei-me ao theatro das línguas moder-
nas, que não so colheram o bejo ás bellezas
e primores gregos, mas souberam creá-las
novas. Na tragedia a Sophonisba de Trissino
e a Castro de Ferreira, na comedia João da
Encina, Gil Vicente, Prestes e Ariosto com
outros na Itália e Hespanha, appresentam
as primicias da moderna scena, que, ora
moldada no clássico grego, ora no género
romântico, formaram uma terceira espécie
d'ambas participante e que tantos esmeros
e prodígios veio depois a dar ao theatro das
línguas vivas.
30
Àlêm de longa, fora bem superior ás mi-
nhas forças a anályse das peças dramáticas
do riquíssimo theatro francez, dos não tara
riccos mas quasi tam extensos inglez e hes-
panhol; e finalmente do novíssimo, porém
talvez superior a todos, o italiano '.
Ninguém ignora que a conservação e
appuro do género clássico se deve á Fran-
ça, e principalmente a Racine, Voltaire e
Crébillon: mas poucos quererão conceder
que Maffei e Alfieri o sublimaram e appu-
raram ainda mais que todos elles. Todos
sabem que o género romântico, filho de
Shakspeare, formou uma classe distincta e
separada, que, supposto irregular e informe,
tem ' comtudo bellezas próprias e particula-
res que so n'elle se acham.
Todas estas observações tenho eu incon-
trado nos philologos modernos, e em todos
ou quasi todos os cursos de litteratura. Mas
o que me não lembro de ler é que este gé-
nero romântico, combinando-se com o clássi-
co, dando-se e recebendo mútuos soccorros,
formassem um género novo, cujos characteres
1 Phrasc dictada pelo cnthusiasmo de Alfieri. •
31
são bem salientes e cuja belleza incontestá-
vel. Segundo a minha opinião são classificá-
veis n'elle Corneille e Ducis em quasi todas
as suas obras 4 , Schiller em muitas, e os
modernos auctores inglezes e hespanboes
creio que em todas.
No que toca á espécie cómica, não se pôde
com exactidão dizer o mesmo. Pois decerto
em França, desde o Menteur de Corneille
até quasi ao nosso tempo (em que Diderot,
os seus dramas e os seus imitadores, fazendo
um como schísma theatral, confundiram al-
gum tanto os géneros) a comedia tem con-
stantemente sido regular e clássica. Não
diremos porém o mesmo da Inglaterra e
Hespanha, onde os géneros trágico e có-
mico, por muito tempo amalgamados e con-
fundidos, começam a tomar seus distinctos c
separados logares nas scenas das duas nações.
Mais clássica se conservou a comedia italia-
na, supposto seu máximo escriptor, Goldoni,
muito propenda para o género romântico.
Em Portugal, se passarmos os antigos,
1 theatro allemão não fez escboia sua : quasi todo
eHe é ingiez, pouco n'este género mixto, e porventura
nenhum no clássico.
32
não sei contar senão J.-B. Gomes ; pois dos
outros todos creio que affoutamente se po-
derá dizer que não valem o trabalho de con-
tá-los. Será isto defeito e falha nossa ? Não
teremos nós la téte dramatique, como os
Francezes repique? — Não sei responder,
mas nem por isso deixo, ou deixei desde
que me intendo, de forcejar por encher,
quanto em mim fosse, o vazio do nosso
theatro. Serão talvez baldados os meus es-
forços; paciência:
Eu (Testa gloria so fico contente.
Que a minha terra amei e a minha gente.
Assim dizia um dos maiores poetas e phi-
losophos portuguezes, e assim digo eu, o
minimo d'elles, mas não inferior em desejos
e vontade ao grande e immortal Ferreira.
Começo a publicação dos meus insaios
dramáticos por uma tragedia e uma farça 1 ,
ambas feitas e representadas ultimamente.
Outras tinha eu de mais antiga data ; mas,
sobre carecerem de grande emenda, e lh'a
não poder eu fazer por agora, accresce de-
mais a analogia (Testas com as presentes
* À farça nade incorporar-se em um dos tomos se-
guintes da collecção.
33
ideas, e o meu conceito, talvez errado, de
sua melhoria.
A sociedade de curiosos que as levaram
á scena, e que tanto applauso lhes grangea-
ram do mais escolhido público de Portugal,
receberam pouco e pouco as porções da peça
que se iam fazendo para os insaios ; e todos
os membros (Tessa sociedade sabem quantas
vezes se compunha na véspera o que no ou-
tro dia se tinha de insaiar.
O êxito feliz d'uma impresa atrevida con-
duz sempre a novos atrevimentos. Assim a
tragedia como a farça receberam na scena
um acolhimento que eu não esperava nem
podia nunca imaginar. Continuas instancias
de amigos e conhecidos, e até de desconhe-
cidos, me resolveram a final a publicá-las.
Porventura irei agora desingànar esse mes-
mo público e, apresentandò-lhe estes fracos
insaios sem o prestigio da scena, e desaju-
dados da poderosa magia de actores excel-
lentes, mostrar-lhes toda a pouca realidade
de seu merecimento, e fazê-los invergonhar
de seus applausos !
Lisboa, 13 de Março '
1822.
u
N ota troo
O cru e mal digerido (Testas neflexões
preoadantes, e das qw v5© na seguinte ear-
ta, demjnciam facitaente a edade em que se
escrevias. Apeaas algum erro d» stylo cor-
râgi, a« ®ti$r<* não quiz de propósito, pelas
mesmas razoes que já dei no í wl. d'esta
oaUttegk), prefacio do Camões.
Os f uadametáos de minhas opiniões litte-
rarias, ver-se-ha que eram os mesmos ba
dezoito armos; desinvolveram-se, rectifica-
uamH&e, mas não mudaram. Mal, e como de
oràaoça, ahi vem comtudo (pag, 30) ja pre-
seatida a idea de Goethe na última parte <te
Fausto, sobre a combinação do clássico com
o romântico que deve produzir e fixar a
poesia moderna.
Foi o ultimatum, a derradeira sentença do
grande oráculo da nossa edade : a uniío da
arte antiga com a arte moderna, da plástica
com o sptritaaltsma, — do bello das formas
com a bello ideal, da Helena homérica com
o Fausto danticos de cujo consorcio tem de
nascer o bello Euphormioo, o génio, o prin-
cípio, o symbolo da arte regenerada.
Lisboa, 12 de Dezembro 1839.
Carta a um amigo
Que conceito formo do meu catão? É a
pergunta mais fora do cornaram que se tem
feito. — - Se imitei muito o de Àddison, e que
juízo feço d'este drama ? Menos difficil é que
a primeira, porém não me custa porventura
' Esta carta nunca esperou sahir a lume, netii sa-
hiria se me não constasse que algumas pessoas, atten-
tando talvez simplesmente na similhança do titulo,
haviam asseverado que a minha tragedia não era mate
que uma traducçao da de Àddison.
Foi inserta na primeira edição de 1822.
36
menos a responder a uma do que a outra.
Tinha protestado conservar perfeito silencio
sobre este famoso auctor e sua mais famosa
peça, porque não julgasse alguém que o se-
vero dos meus reparos provinha de rivali-
dade ou presumpção. Mas emfim quebro o
protesto e vou satisfazer-te. A tragedia ja
está no prelo, e cedo poderás combinar as
minhas reflexões com ella ; pois, supposto a
viste representar, so com meditado estudo
se pôde bem decidir de coisas dramáticas,
e a scena illude muito, e preoccupa demais
com seus prestígios para nos deixar reflectir
com a madureza e socêgo necessários, que
so no silencio do gabinete se podem conci-
liar.
O que me parece do meu catão? — Com
toda. a franqueza que me conheces, e sem
a orgulhosa modéstia de certos auctores que
se humilham todos para que os louvem mais,
com a sinceridade de amigo : parece-me bem,
c mal. Gosto de algumas coisas, desgosto
de outras.
Pelo que são regras principaes de unida-
des, exposição, nexo e desfeixo, cuido te-ias
desimpenhado. Emquanto ao resto não direi
37
com tanta affouteza; e coisas ha de que
muito desconfio.
Mui difficil me era, não so o desenho dos
charácteres, mas a sustentação d'elles. Para
apresentar uns poucos d'homens verdadeira-
mente romanos, e fazer no meio d'elles so-
bresahir o actor principal, era forçoso suar
muitas vezes, e desanimar algumas. Bruto,
Porcio e Manlio, todos virtuosos, e virtuosos
como republicanos verdadeiros, a cada mo-
mento se me tornavam Catões, e faziam por
consequência divergir os raios do interesse
dramático, que eu so no único protogonista
queria e devia concentrar. Distingui-os quanto
pude, esforcei-me em characterizá-los por dif-
ferentes temperamentos e génios ; puz peito
em separá-los assim, ja que a historia e a
verdade m'os tinham unido tanto.
Como heide responder á tua segunda per-
gunta sobre Addison, na anályse succinta que
de sua tragedia te faço, irei conjunctamente
respondendo á primeira, segundo me lem-
brar, sem ordem nem systema, que, sobre
impróprios da familiaridade de uma carta,
me dariam constrangimento e incómmodo,
que seguramente creio nao quererás dar-me.
33
Desde que me intendo alguma coisa, e
comecei a abrir livros de belias lettras, ouvi
sempre faltar no Catão de, Addison, como em
um prodígio da scena, e porventura a pri-
íneira peça do theatro moderno.
Na Encyclopedia, formaes palavras, se
diz : Son Caton est le plus grana persoma-
ge, et sa pièce est la plus belle qui soit sur
aucun thédtre. Cesarotti e infindos outros
(aliaram pela mesma bôcca. O próprio Vol-
taire que lhe nega o fôro de tragedia, não
deixa de chamar-lhe um chef-d'ceuvre.
Ouvia eu e lia todas estas coisas, e de
cada vez me dobrava o desejo de ver tam
gabada peça, sem jamais a poder haver á
mão pela summa raridade dos bons livros
entre nós, e infinita escacez principalmente
de todos os que não são franceses. Obtive
emfim uma traducção franceza, meia verso
meia prosa» mas tam má que o meu conceito
então ficou cem vezes áquem do que havia
imaginado. Lí-a depois na versão do nosso
Manuel de Figueiredo (bom homam, e d#
bastantes luzes, mas de nenhum talento pw~
tico, e perfeitamente ignorante até daa mm
sitoplfô lm do metro) e fiquei, peior. Goas#-
pé finalmente original; e awppcwto mudei
kastatáe do primeiro juiz®, aao foi absoluta-
mente nem o podia ser, porque no contexto
« fundo cfo drama, original e traducções eram
a mesma coisa.
Antes de fazer as minhas reflexões, tran-
screverei as do eruditíssimo Schleget, que
pela maior parte com ellas se combinam, e,
com grande satisfação minha, até com as que,
antes de ter a sua grande obra, eu haría
feito 1 .
í Aódíson T que era mais bei-esprit do cfot
paeta, metteurse a expwgar a tragedia m-
gleza, e a soinaettê-la ás pretendidas regras
de Aristóteles. Dever-se-Ma esperar qoe tam
erudito homem, como eile era, necessaria-
mente buscaria avizkihar-se á tragedia gfe-
ga : nao sei se teve algnttfhora essas inte»-
çBa»; mas é certo porém q«e o fructo dos
ms esforços n5o foi mais do» que uma trar
gedfa moldada e afeitada á francesa. O £»-
tm é uma obra fraca e de golo, quasi mia
dfr aBçaok, e <pe nmiea toca animo» coi» a
Hás paqpei* fórça.
Ctaw éfe títteratura dramática.
40
'Addison, fazendo uma composição tímida
e acanhada, restringiu de tal sorte um grande
quadro histórico, que para encher o panno,
houve mister de lhe introduzir coisas abso-
lutamente extranhas. Recorreu aos amores
da tarifa; e n'esta peça se contam seispat-
ocões (ou namoros) ; a saber : as dos dois fi-
lhos de Catão, a de Mareia, de Lúcia, de
Juba e de Sempronio. Catão, como bom pae
de familias, não pode ter-se a final que não
arranje e conclua dois matrimónios; e en-
tre tantos amantes, não ha nenhum (sem ex-
ceptuar o mesmo Sempronio que é o malvado
do drama) que não participe o seu pouco de
simplesinho. Catão poderia talvez relevar
tudo isto ; mas quasi nunca obra nem entra
em acção, apenas se mostra para se fazer
admirar e morrer depois. ,
, * Poder-se-ha pensar que a stoica resolu-
ção de um homem se matar, tomada assim
sem paixão, e sem internos conflictos, não é
favorável assumpto para uma tragedia : mas
não ha assumpto nenhum que por sua na-
tureza seja desfavorável, e tudo depende da
maneira por que se tracta. Um vão escrú-
pulo sobre a unidade de logar forçou Ad-
41
dison a deixar de fora a César, único cha-
racter digno de fazer contraste ao de Catão :
e n'esta parte muito melhor que elle, andou
Metastasio. .
* O stylo de Addison é simples e puro,
mas sem fogo poético. O jambo nSo rhy-
mado * de que usa, dá ao dialogo mais li-
berdade, e uma forma menos de convenção
que se não acha na maior parte das trage-
dias francezas ; mas essas têem ás vezes uma
eloquência firme e concisa, onde jamais não
chega o Catão de Addison.
* * Este célebre auctor, para preparar o fe-
liz accolhimento d'uma obra que tanta fadiga
lhe havia custado, pôs em armas toda a mi-
lícia do bom gosto, todos os críticos grandes
e pequenos, e á frente de todos Pope. Car
tão foi por toda a parte acclamado por um
chefe d'obra sem par. E em que fundaram
elles taes asserções ? Na regularidade da for-
ma ? Mas os poetas francezes ha mais de um
século que a ella se haviam sujeitado, e a
despeito d'esse grilhão, tinham conseguido
effeitos muito mais poderosos e patheticos.
—No espirito politico? Um so discurso de
' É o nosso verso solto ou branco.
42
Bretã otiCasfcio «m Shakspeare, mostra ma»
ataa romana, mais emergia republicada, que
toda a togedia de Àdriison. Duvido qoe si-
milhante peça produzisse jamais uma m?
pressão viva e profunda/
Tal é o conceito de Schlegel sobre esta
tara affamada obra. O meu, coe») levo ditto,
não difere muito do d'eUe 9 mas alguma coisa
difere. Schlegel tem o defeito de todos os
escriptores que são escravos de suas próprias
ideas, e do sysfcema que elles mesmos fabri-
caram : o que muitas vezes os fikf a a diaês
coisas que n outro reprovaria» e de que
não fêem, mm áw, o«tra cansa mais qm
a eecêásidade imperiosa de serem coheren-
Lembrar-te-has que limitas vezes lamen-
támos isto em Madame de Steel e em Gte-
tóattbriand ; e qm pensámos ser «mito prifc»
cipalf origem do grande mafferimeuto de
Gteero e de Rousseau a soa incerteza inge*
nua— m mnito artificiosa — rfesta parte.
O* qm Sefcteg&íl dk sobre a regtilariàatb
ckmmm mal intendida! ç/m ÁèSam prata*
dbu & penso** (lar ao sra dtamay è exarôs»
simamente certo* Q geaero romântico* de
43
que Shakspeare foi o creador eoire « sô«b,
e que era o próprio da sema inglesa, tesa
grandes defeitos, mas grandes formosuras :
falta-lhe a belleza da simplicidade e regalar
elegância, mas sobeja-lhe a do ornato e m-
feitos ingénuos, comquanto demasiados^ O
género clássico tem outras qualidades e cba-
racteres, entre os quaes em primeiro togar,
a regularidade e simplicidade. O misto, que
principalmente se deve a Voltaire e a Doeis *,
participa das bellezas d'um e d'ootro, sem
cahir nos defeitos do romântica aflbrmosea
visivelmente o clássico. Zaira, Tancredo* KV
znra, Otíielo e o Rei Lear (de Ducis) prova-
rão, melhor que todas as theorias, esta ver-
dade.
Em qual d'estes três géneros escreveu
ÀddisoQ? £m nenbum.. À sua tragedia é um
arremedo infeliz do gosto francez, trai tottas
os defeitos do aífeminado d'aqoelle tbeatoo,
sem ter nenhuma de suas bellezas. Smna-
moros t. Racine e CrebiJlon, que foram m
11 QonáD no* prefácio (Teste litro toquei igual ma-
tará* «apaMfti BOBotar esfcgpaaàfrtnèieo raUseste
<ft)s qpe no género mixto escreveram. Foi devido á
pressa* cwm que Bascunftei' aqneUte Hn&fta
44
mais excessivos n'este ponto, nunca se atre-
veram a tanto. Mas Racine pelo menos soube
ligá-los sempre, e fazê-los dependentes da
acção principal, quando elles mesmos a não
eram.Crebillon as niais das>ezes o fez, sup-
posto com muito menos arte, e essa, menos
fina e delicada. Mas no Catão de Addison
são verdadeiramente — verbos de encher;
tanto teem elles coma acção capital, como
os nossos antigos graciosos das operas do
Judeu com Medea e Jason. Demais a mais,
teem a habilidade de occupar quasi sempre
a scena, e deixar raras vezes apparecer so-
bre ella o principal actor e acção. A traição
de Sempronio e Syphax é motivada por na-
moro, as mortes de Sempronio e Marco por
namoro, toda a intriga ou nexo do drama
por namoro ; Catão intertem-se também com
todos estes namoros, e mata-se a final — de-
pois de dormir o seu pouco na scena— sem
se saber verdadeiramente porquê; pois não
apparece uma causa immediata, qual deve-
ria ser a chegada de César, mas simples-
mente a da ruina geral da liberdade, que
desde o primeiro acto existia e que portanto
desde o principio devera ter produzido o
45
seu effeito; e morto Catão; que era a catas-
trophe, acabar logo a peça. Esta suspensão
da catastrophe, que é o nexo da acção, uma
das origens do interesse, e uma das mais
difficeis regras trágicas na sua execução, t fa-
lha e falta absolutamente na tragedia ingleza.
Eu não exigiria, como Schlegel, que Ad-
dison mettesse a César no seu drama, nem
farei depender d essa circumstancia a belleza
principal d^lle. Também li a peça de Me-
tastasio e ahi o vi, mas não me agradou.
Porventura, se hoje escrevesse a minha tra-
gedia, o faria eu : mas não me lembrou en-
tão o verdadeiro modo de o fazer bem, e
por isso o não fiz.
No que em grande parte discordo de Schle-
gel é no severo conceito que forma do stylo
de Addison. Convenho que sobejas vezes c
frio e desanimado, porem muitas é sublime
e elevado como ao género cumpria. O mo-
nologo do quinto acto é uma obra prima de
poesia, tanto nas ideas como no stylo : assim
elle fosse dramático e próprio da scena ; mas
infelizmente cai-lhe ao justo a sentença d'Ho-
racio:
* • • •
Sed nimcnon erat his locus.
46
O muito que me affastei de Addi&m, di
simples coaiparaçSe destes retrós cem o
meu drama o podes colher. A personagem
de Broto, que é a segunda na minha trage-
dia, não apparece na d'eHe ; eu nlo tenho
damas nem namoricos; a exposição, o nexo,
a catastrophe da minha peça são outras abso-
rtamente. Approveitei-me porém ffalguns
pensamentos felizes e sublimes, que nao sSo
poucos em Addison. Mas o número dos que
imitei bSo é excessivo : digo dos que imitei,
porque traducç5o, hão a fiz eu de um so
verso inglez.
Para formares melhor idea, transcrever-
te-hei aqui os logares todos de que falto,
com a traducção Jitteral ; e combinandoos
com os correspondentes no meu drama, po-
derás conhecer com exactidão o que digo.
Acto I. Sema L (Addison's Cato)
The dawn is overcast, the morning low'rs,
And heavily in clouds brings on the da)%
The great, th'important day, big with the fate
Of Cato and of Rome.
Coberta tstá a mmwm, « maúmm éesee,
E pesada, entre nuvem truz dm,
Dia grande e importante que pejado
Vem dos destinos de Catão £ Roma.
O togar correspondente na minha peça -é
na scena V do 1 acta.
Acto I. Scena II.
Let ns once embrace,
Once more embrace, whfte ydt we tooth are free.
To morrow should we thus express our friendship,
Each might Tecerve a slave into liis arras.
This sun, perhaps, thismomkig sun'sthe last
That e'er shall rise on Roman liberty.
Deixa que inda uma vez nos abracemos,
Mais uma vez, em quanto somos livres,
Nossa amizade se amanhem quizermos
D' esta sorte expressar, receberemos
Cada um de nós nos braços um escravo.
Este sol, porventura, este sol de twje
Éja o derradeiro que se ergue
Sdbre a Romana liberdade.
48
Corresponde a esta passagem a da scena V
do I acto no meu drama.
Acto I. Scena II.
My father has this morning caird together,
To this poor hall, his little Roman senate,
(The leavings of Pharsalia).
Meu pae em esta humilde, pobre sala
Seu pequeno senado de Romanos
(Relíquias de Pharsalia) hoje convoca.
D'estes versos são parallelos os da mes-
ma scena V do I acto.
»
Acto I. Scena II.
Not ali the pomp and majesty of Rome
Can raise her senate more than Cato's presence,
His \irtues render our assembly awful,
They strike with something like religious fear,
And make even Caesar tremble at the head
Of armies flusl^d with conquest. Oh, mi Portius !
Could I but call that wond'rous-raan my father!
I
49
Toda a pampa de Roma e majestade
Não poderia alçar tanto o senado,
Quanto a presença de Catão o eleva.
Suas virtudes tornam formidável
Nossa assenMea, ellas quasi imprimem
Um medo religioso, e a César fazem
Tremer á frente $ essas mesmas tropas
Suberbas de conquistas. Oh meu Porciot
Pudesse eu chamar pae a tam grande homem!
A imitação (Testa passagem é no acto I,
scenaYdo meu drama.
Acto II. Scena II.
Fathers, we once again are met in council :
Caesar's approach has summon'd us together,
And Rome attends her fate from our resolves.
How shall we treat this bold aspiring man ?
Success still follows him, and baeks his crimes :
Pharsalia gave him Rome, Egypt has since
Receiv'd his yoke, and the whole Nile is Caesar's.
Why shoald I mention Juba's overthrow,
And Scipio's death ? Numidia's burning sands
50
Still smoke with blood. ' Tis time we shoulddecree
What course to take. Our foe advances on us,
Ad envies us ev'n Lybia's sultrey desarts.
Fathers, pronounce your thoughts : are they still fix'd
To hold it out and fight it to the last?
Or are yourhearts subdtfd at length, and wrougth
By time and ill success, to a submission?
Sempronius, speak.
Inda em conselho, ó padres , nos juntámos :
De César a chegada nos reúne.
E Roma o fado seu de nós espera.
Como devemos nós tractar esse homem
Audaz, imprehendedor? Ainda o segue
E protege os seus crimes a fortuna.
Pharsaiia lhe deu Roma, o Egypto cede
Desde então ao seu jugo, e o Nilh é d'élle.
Porque mencionarei de Juba a queda,
A morte de Scipião? De sangue fummam
As queimadas areias da Numidia.
É tempo de assentar qual mais devemos
Seguir estrada. Sobre nós caminha
Nosso inimigo, e nos inveja ainda
Estes da Libya tórridos desertos.
Padres, pronunciae os vossos votos.
51
Fixos em persistir são elles indo»
E em pelejar até o fim constantes ?
Ou vossos corações ja submettidos,
Cangados pelo tempo e desfortma^
Estão á servidão? Sempronio, falia.
O logar em que imitei alguma coisa esta
falia é no acto II, scena I.
Acto II. Scena II.
My voice is still for war.
Gods ! can a Roman senate long debate
Which of lhe two to choose, slav'ry or dcatli !
No, let us fise at once, gird on our swords,
And at the head of our remaining troops
Attack the foe, break through the thick array
Of his throng'd legions, and charge home upon him.
The corpse of half her senate
Manure the fields of Thessaly, while we
Sit here delib'rating in cold debates . . .
Or wear them out in servitude and chains.
52
House up, for shame ! our brothers of Pharsalia
Point at their wounds, and cry aloud — To battle !
Great Pompey's shade complains that \ve are slow.
O meu voto está inda pela guerra.
Deuses! pôde um senado de Romanos
Debater longamente sobre a escolha
De escravidão ou morte? Não, er gamo' nos,
D'uma vez, impunhemos as espadas,
E á frente d'essas tropas que nos restam
O inimigo attaquemos ; pelo meio
Das espessas fileiras avancemos
De suas legiões amontoadas,
E de golpe sobre elle carreguemos.
Os corpos de metade do senado
Servem de adubo aos campos da Thessalia*
Emquanto aqui nós outros assentados
Em frias discussões deliberamos
Se á honra nossas vidas votaremos,
Ou se havemos de em ferros consumi-las.
Despertae; que vergonha I Os irmãos nossos
De Pharsalia as feridas nos appantam,
E altamente nos bradam— Á batalhai
53
A grande sombra de Pompeu lamenta
A nossa lentidão; e a nós d'emtârno
Queixosa de Scipião voltea a sombra.
Assemelha-se a esta, na minha peca a falia
de Bruto na scena I do II acto.
Acto II. Scena II.
Let aot a torrent <rf impetaous zeal
Transport thee thus beyond the bounds of reason.
True fortitude is seen in great exploits
That justice warrants, and tbat wisdom guides :
Are not the lives of those that draw the sword
In Rome's defence entrusted lo our caret
Should we thus lead them to a fieldofslaughter,
Might not th'impartial world with reason say
We Ureish'd atmr deaUis the blood of thousands
To graoe <rar feH, aad make our rata gtorious?
:Wto te deixes d'tm zelo impetuoso
Transportar da torrente além dos termos
Da razão. O esforço verdadeiro
54
Nos grandes feitos que a justiça apoia.
Que a prudência dirige, é que se mostra.
D'aquelles que de Roma na defeza
Desembainharam as espadas suas,
Ao nosso cuidado confiadas
As vidas não estão? Se nós ao campo
Da mortandade assim os conduzirmos,
Imparcial não poderá o mundo
Dizer, e com razão, que nós de tantos
Co 9 a nossa morte o sangue esperdiçámos
Para ornar nossa queda, e mais gloriosa
Fazer nossa ruina?
Corresponde a esta passagem a do acto II,
scena II.
Acto II, Scena IV.
. • . Bid him disband his legions,
Restore the commonwealth to liberty,
Submít his actions to the public censure,
And stand the judgement of a Roman senate.
Bid him do this, and Cato is his friend.
55
• » •
Tho' Cato's voice was ne'er employ 'd
To clear the guilty, and to varnish crimes,
JHyself will mount the rostrum in his favour,
And strive to gaia his pardon from the people.
Às suas tropas despeça, á liberdade
Restitua a republica, submetia
Suas acções á publica censura,
E a decisão aguarde do senado.
Qbre assim, e Catão é seu amigo.
• •*••••••'••••»••••••••••••••-•
Nunca a voz de Catão foi impregada
Em crimes palitar, ou salvar culpas,
E comtudo heide eu mesmo em favor d 9 elle
Subir aos r ostros, forcejar, pôr peito
Para alcançar o seu perdão do povo.
Na minha tragedia, acto II, scena III, oó-
correm os versos parallelos.
Estes são, meu amigo, os logares que de
Addison imitei ; digo, que imitei de propó-
sito, por que, se em alguns outros me in-
contrei com suas ideas e expressões, effeito
56
foi do assumpto e não por determinada in-
ieaçáo. Nío repares aos mans tersos da fra-
docçio litterai qoe pus ao pé do original
JBgtez: «sforcet-me par ser exacto e fiei, e
essa vontade me não deixou ser bom metri-
ficador.
E aqui tens com toda a sinceridade quanto
sei e posso responder ás tuas perguntas, re-
mettendo-te, sobre Áddison aos muitos que
d'elle e do seu Catão esererveram, e sobre a
minha peça a esses senhores sabicb&es do
Mondego que tudo intendem, tudo sabem,
de tudo mofam, mas nada fazem. — Sou de
todo o coração muito teu amigo, ete.
Lisboa. 13 de Marco
1822.
A . MUITO . NOBRE
SEMPRE . LEAL . E . INVICTA . CIDADE
DO
PORTO
PROPUGNADORA . FORTÍSSIMA
* DA . LIBERDADE
CONSTITUCIONAL
ILLUSTRE
PELO . SANGUE . DE . SEUS . MARTYRES
O. D. C
TESTEMUNHO . DE . AMOR . E . DEVOÇÃO
Á . SUA . PÁTRIA
J-B. DE . ALMEIDA . GARRETT
MDCCCXXX
TRAGEDIA
Eepreseitada, a priaeira yci, m Lisboa, 10 tbeatre do Bairro-alto,
por ma sociedade de cviesos, e« yíiIo iovo de septeabro
de 1MCCHI
PESSOAS
CATÃO.
MARCO-BRUTO.
MANLIO.
PORCIO.
SEMPRONIO.
DEGIO.
JUBA.
POVO.
SENADORES, LICTORBS, LIBERTOS, SOLDADOS ROMANOS
E HÚMIDAS
Logar da scena— Utíca.
PROLOGO
Hoje, invocando as musas lusitanas,
Calçando co'a mão trémula o cothurno,
Venho tímido expor nas scenas pátrias
Um caso atroz da memoranda Roma.
Da Lybia ardente nos torrados plainos
Arquejando vereis a Liberdade,
Ve-la-heis moribunda soluçando
Expirar sobre a areia, — e inda de longe
Volver o extremo olhar ao Capitólio.
Honra, valor, virtude, esforço e glória,
Tudo acaba com ella n'esse instante.
1 Recitado pelo anctor na primeira representação, a
que somente assistiram amigos e famílias conhecidas.
62
Algozes, ferros, ásperas cadeias
Da miseranda Roma algemam pulsos. . .
Mas da pátria infeliz o negro oppróbrio,
Gatão não o hade ver, — morre primeiro.
Ve-lo-heis, esse homem, o maior dos homens,
D'homem, de pae, de cidadão deveres
Desimpenhar romano, — e morrer homem,
Ve-lo-heis tranquillo desafiar a sorte,
E ainda nos momentos derradeiros
Fazer no sólio estremecer tyrannos,
Pasmar a terra e invergonhar os numes.
Da malfadada Roma última csp'rança,
Bruto vereis também : n'alma agitada
Ver-lhe-heis luctar co'a pátria a natureza,
Mas a pátria vencer. Ódio implacável,
Desesp'rado furor que avexa essa alma,
Lhe vem do coração bramar nos lábios.
Um dia inda virá que o braço ardido
Quebre de um golpe os ferros do universo. . .
Heroísmo e valor, terror e espanto
So vereis n'este quadro sanguinoso.
Involta em negro lucto a lyra austera
So troa sons de morte : as cordas duras
Estremecidas fremem com o incerto
Palpitar da vingança; — e mal se escuta
Abafado suspiro de ternura
Em que amor filial, em que amizade
Tímidos, receiosos se carpiram.
03
Meigos affectos de paixões mais brandas
Não espereis ouvir: — so falia a pátria
Em corações que a pátria so conhecem.
Romanos estes são, — mas vós sois Lusos:
E de Romano a Portuguez que dista?
Foram livres aquelles, — vós sois livres;
Cidadãos, — vós osois; homens, — sois homens;
Pelos campos da glória e liberdade
Onde o Tibre correu, corre hoje o Tejo.
E Roma é escrava!. . . E a desgraçada Itália
Succumbiu, e nem geme ! Em qual abysmo
De mágoa e de vergonha está sepulta
A pátria de Gatões, de Brutos, Gassios !
Oh nódoa nos annaes da humanidade!
Oh, quem podesse à historia do universo
Arrancar essa página d'infamia !
Amargo é recordar memorias cruas
De dó, de pejo: — mas lembrá-las cumpre:
A tempo sirvam de escarmento — e exemplo
Para atalhar o mal na origem (1'elle.
E tu, sexo gentil, delicias, mimo,
Afago da existência e incanto d'ella,
Oh, perdoa se a pátria te não deixa
O primeiro logar em nossas scenas.
Não esqueceste, não; porém ciosos
São nossos corações de liberdade :
64
Onde impera a belteza amor só reina :
Foge onde reina amor, a liberdade.
E vós, vós todos, assemblea illustre,
Os erros desculpae do ingénuo vate.
Foi so meu coração que fez meus versos :
Por elle julgae só. Louvor e applauso
Nem o quero de vós nem o supplico :
Vede expirar Catão; dentro do peito
Guardae d'esse Romano alma e virtudes.
Se o conseguem meus versos, se me é dado
Esse prémio alcançar de meus trabalhos,
Audaz, affoito, satisfeito e pago,
Ao resto irei da Europa — do universo —
Louvor, censuras desprezar sem medo.
ACTO PRIMEIRO
Praça: —Vestíbulo e pórtico de antiga c rada architectura
romana, a um lado
SCENA I
MÀRCO-BRUTO, MANLIO uÍBdt d» Ttstibnle
Marco-Bruto
Sei tudo— e tudo ouvi sobejas vezes;
Nem posso ouvi-lo mais. O ceu, que a Roma
Nos pôs columna extrema em seus desastres,
Não quer prantos de nós. Valor, constância,
Virtude são os únicos remédios
Para os males da pátria. Lamentá-la,
Chorá-la em ócio vil é ser covarde,
É não ser cidadão,— não ser Romano.
5
66
Manlio
Mas ouve. . .
Marco-Bruto
Tudo sei. — Que Roma é escrava;
Que o senado traidor, que o povo indigno
Folgam nos ferros que lhe doira o crime ;
Que César coroado da victoria
Ao carro Iriumphal leva — execrando!
As romanas virtudes manietadas;
Que essa prole bastarda de Quirino,
Espúrios filhos, infezado sangue
De Scipiões, de Fabios, Gincinnatos,
Essa turba infiel vendeu contente
Braços e coração, virtude e glória
A troco de oiro vil;— -que impera ovante,
Que exulta Júlio sobre a pátria em cinzas;
E que do deshonrado Capitólio
Ousa dictar os fados do universo;
Emfim, do Povorei ser rei. . . Ah, Manlio,
O termo abominável, execrando
Que mal cabe nos lábios d'um Romano!
Sei tudo: — e tudo n'alma tenho impresso
Em fogo— que incessante m'a devora.
Mas ao peso da sorte inda não curvo:
Tenho no peito coração romano;
E emquanto a espada do tyranno César
M'o não souber varar, não cedo a César.
67
Manlio
Tua nobre constância admiro e louvo :
Romana é,— romana d'esses tempos
Que para sempre. . . sempre se acabaram.
Oh, se ella nos salvasse, Marco-Bruto !
Se cTesse corapão faiscar podesse
Scintilla que accendesse a morta cinza
Em que toda esfriou, de consummida,
A virtude latina! — Mas tu mesmo,
Catão próprio o confessa; a nós e a poucos,
A poucos mais, os deuses reduziram
Da triste liberdade os defensores.
Nos quasi abertos, derrocados muros
D'Utica so nos resta amparo débil,
Por suas brechas sem conto, a cada instante
Nos entra a escravidão, nos foge a pátria.
Nossas tegiões tam poucas, tam canpadas,
Fracos sobejos da fatal derrota
Do infeliz Pompeu. . .
Marco-Bruto
E d'esse nome,
Diz, não basta a memoria deshonrada
Para acordar o corapão dormente
D'um senador romano? Oh sanctos manes,
Oh veneranda sombra, inulta ainda,
Nos sanguinosos campos de Pharsalia
Vagas não-propiciada e gemebunda. . .
68
E o vil que ousa Romano appellidar-se
Será, Manlio, será?...
Manlio
Será da pátria
O tyranno oppressor.
Marco -Broto
Elle! — Primeiro
Hade Catão morrer.
Manlio
Dous golpes junctos
No seio maternal soffrerá Roma.
Maroo-Bruto
Que soffra mil, e que não seja escrava.
Manlio
•
Ah, que approveita, Marco, o sacrifício !
Tam quebrados, sem forças, de que serve
lista lucta de poucos moribundos
A pelejar por mais uma hora escassa
De vida incerta! — Ingano, ingano cego!
Á pátria agonizante e quasi extincta
Que podemos fazer?
Marco-Broto
Morrer com ella.
69
Manlio
Se o sacrifício approveitasse !
Maroo-Bruto
Chamas
Sacrifício ao dever! — Este é o voto
De Catão : bem o sabes. E tu dizes-te
Amigo d'elle!. . . Sé digno do amigo.
Manlio
Ohf
Maroo-Bruto
Basta, Manlio, basta: esses discursos
Serão prudentes, mas ofíendem-me alma,
E o coração rebella-se de ouvi-los. • . (pausa considerável)
Olha, ves tu a aurora? — despontando
Ella ahi vem no horisonte carregado;
Triste, pallida, a medo nos arrastra
O dia — o dia porventura extremo
De nossa liberdade.— Oh Roma, oh pátria!
Céus que o raio guardais, rio mundo ha crimes
Que os de César egualem? Que justiça
Fazeis na terra, omnipotentes Deuses! (pana breve)
Manlio, este dia é o dia destinado
A decidir a sorte dos Romanos.
Por ordem de Catão solemnemente
Se congrega o Senado. Os teus receios,
Tua prudência ahi podes expor-lhe.
Incontrarás talvez quem te oiça e apptauda;
Não eu, Manlio, não eu.
70
SCENA II
MANLIO sé
Mancebo louco !
Cego corres após cTesses phantasmas
Que em leu ingénuo coração virtuoso
So hoje morara. Terás cans, — e c'o alvo
Das cans te virá negra experiência:
Então, então verás com que sonhaste.
Romano ! Ideas vans ! Ja não existe
'Essa glória, esse nome tam famoso.
Nem a feroz virtude d'este joven
"Nem de Catão a rígida constância
Erguem do tumulo a defuncta Roma.
Nunca! — punhal das cívicas discórdias
Rasgou-lhe o seio, quebrantou-lhe os membros;
Roma não vive já.— É César, César
Quem hoje é Roma, e que é senhor do mundo.
Tudo lhe cede. — E'nós mesquinhos restos
Ao furor escapados de Pharsalia,
É que havemos de oppor-nos á torrente
Que arroja aos pés de César o universo !
E por amor de quê? Da liberdade. . .
Liberdade ! — Qu'é d'ella, a liberdade ?
Quanta nos deram Mário, Sylla? — Quanta
Nos daria Pompeu se triumphante
Com suas legiões volvesse ao Tibre !
Roma, Roma, os teus dias são contados;
71
Tu queres um senhor : te-lo-has. Os Quincios
Ja não voltam. Sem honra, sem virtude,
Sem aquella pobreza sane La e livre
De Fabrício, onde vai a liberdade!
Marco-Tulio venceu a Catilina;
E hoje— mollemente passeiando
Em seus jardins de Tusculo, revendo-se
Em mármores de Athenas, manso e quedo
Philosophando vai. — Que resurgissem
Os Gracchos; — bradariam liberdade
E pátria, como os nossos Gracchos de hoje :
Mas so bradar: tyrannos ou escravos
Seriam como nós. . . — Cortae nos vícios,
No orgulho, e então... — Quem é este? É Sempronio
Que ahi vem. Alma pérfida e covarde !
Ide ouvi-lo ás cohortes declamando:
Nem o próprio Catão tem mais no peito
Aquella devoção, aquelle zelo
Da liberdade antiga. — Oh tempos, tempos!
E ainda quer Marco : Bruto de taes homens
Fazer Romanos — com Romanos d'estes
É que se hade salvar a pátria !
SCENA III
MANLI0, SEMPRONIO
Sempronio
Manlio,
Paliaste com Catão? Que te disse elle?
72
Seu nobre exfôrpo, amigo, que medita?
Como intenta salvar-nos? Que defesa
Havemos de fazer n'estas ruínas
Contra esse immenso exército que apperta
Sobre nós de hora a hora? Que esperanças
Da moribunda— morta liberdade
Conserva ainda?
Manlio
As de morrer com ella.
Incapaz de torcer, firme, indomável,
Não ve, não ouve, não attende a nada !
E em tanto cresce o mal, e a cada instante
Foge o remédio.
Sempronio
Um resta.
Manlio
Qual?
Sempronio, aparte
Tentemos (»Ho)
Este velho. — Seguir os teus conseíhos
Moderados, prudentes.
Manlio
Meus conselhos !
Nunca t'os dei, nem... — O meu voto é logo
Para o senado : ahi o ouvirás franco,
Sincero, leal
73
Sempronio
Mas nós sabemos todos
Tua opinião. Eu, longo tempo, incerto
Duvidei : mas emflm não resta escolha,
universo é de César : honras, graças,
Mercês, riquezas — tudo elle dispensa;
E tudo perderemos se teimosos
Persistimos na lucta van, inglória. . .
Manlio
Inglória!
Sempronio
Inglória sim, que a vida, a fama
Esperdiçâmos loucos por chimeras.
Gloriosa foi a causa da republica
Quando o favor dos mobiles Quirites
Tinha Sédes-curues, e tribunatos,
Consulados que dar: nobre, distincto
Era então ser campeão da liberdade.
Hoje que importa cortejar a plebe,
Lisongear-lhe a inconstância caprichosa ?
Que podem os ciosos cavalleiros,
Os suberbos patrícios ? De que valem
Seus suffragios? Voltemo'nos a César.
A calva occasião é esta agora.
Corramos-lhe ao incontro : generoso
E magnânimo é Júlio : hade quebraHfoe
As iras todas submissão Iam prompta,
Tam resignada : — e nós salvos, bemquistos
74
Uo senhor do universo, porventura
Quinhoaremos também nos seus despojos.
Manlio, aparte
Vil, indigno!. . . Estes são os nossos Gracchos. (Alio)
E Catão?
Sempronio
Ah ! . • . Catão. — Esperas d'elle
Que attenda ao bem commum, que deixe os sonhos
De sua stoica, van philosophia,
Que sacrifique o orgulho de um systema? . . .
Manlio
Orgulho elle! — A tua alma não intende,
Não conhece aquella alma. Homem mais simples,
Mais singelo, mais chão, menos fastoso,
Que ostente menos, menos se conheça
E de suas virtudes saiba o preço,
Não crearam os céus, nem o áureo tempo
Viu de nossos avós na antiga Roma.
Sempronio
Pois... eu também conheço... essas virtudes,
E as sei avaliar. Porém que importam,
Que nos podem fazer tantas virtudes?
César, amigo, César formidável,
César, que precedido da victoria
Marcha á frente de innumeras cohortes,
Que, á excepção d'çste pouco da Numidia,
75
— De poucos palmos de torrada areia —
Ve curvado a seus pés o mundo inteiro,
César não tarda sobre nós ; e é tempo
De resolver emfim.
Manlio
Toca ao senado
Deliberar : Gatão para isso o ajunta :
E Catão bem conhece o nosso estado
E a possança de César. Mas sua alma
Da velha dura têmpera romana
Não verga assim. Alinha opinião (pois queres
Sabé-la, e tua franqueza — tam notável!
Me anima) é differente, opposta á cTelle.
E logo no senado heide impugná-la,
Aberta e nuamente. Em vivas cores
Heide pintar o estado miserável
Da pátria, e o nosso; o abysmo a que a arrastamos
Se, para não quebrar, nossa virtude
Não dobra um tanto ao peso da fortuna.
Taes são minhas tenções. E ha muito sigo
Repugnante esta lucta tam baldada,
Em que a alma de Catão, seu grande nome,
Suas virtudes são a única força
D'um partido impotente, e lacerado
De facções, de traições, de ódios, de invejas, (pausa)
De avarezas, cubicas. — Mas, Sempronio,
Tu que sempre no foro, no senado,
No campo, em toda a parte declamaste
76
Contra mim, contra a fácil indulgência
Dos que julgam prudente, necessário
Tractar c'o vencedor, ceder um pouco
Para não perder tudo, — tu da plebe
ídolo, oráculo, orador, — que ante ella
Bruto accusas de timido ; e suspeitas
Soltaste a miúdo da virtude austera
Do rígido Catão, — por que pródigio,
N'esta hora do perigo, em que a romana
Virtude, e toda a civica firmeza,
Constância, devoção são necessárias,
Como, por que prodígio, tam difFrente
Tam outro falias! — Certo, no senado,
Teu voto, de fraqueza não suspeito,
Muitos convencerá.
Sempronio
E pensas, Manlio,
Que ante esses homens cegos, illudidos,
Que em Catão vêem seu deus, que existem n'elle,
Que o falso brilho deslumbrou da glória,
Que o vão, que o louco amor d'uma chimera
A qtfe chamaram pátria e liberdade,
Antepõem aos próprios interesses,
Ás honras, à ventura, á mesma vida —
Que ante homens taes minhas tenções exponha,
Que lh^llegue razões que elles não ouvem?
Fora imprudente e de nenhum fructo o risco.
Antes ver-me-has, unindo-me a seu voto,
77
De suas illusões vestindo a máscara,
Enthusiasta orador da liberdade,
Clamar, bradar vingança, e guerra e sangue,
Ostentar mareio ardor, romana audácia ;
E de mim affastar quaesquer suspeitas.
Sinceridade ! — Pois tu não receias
Os ímpetos de Bruto ?
Manlio
Não receio
Onde estiver Catão, violência alguma
Contra quem livremente, e como é d'homem,
Dá seu voto e tenção.
Sempronio
Muito confias :
Eu não. — E só a ti, cre-me, a ti, Manlio,
A ninguém mais em Utica, me atrevo
A revelar meu íntimo e secreto,
Verdadeiro pensar. Sancta amizade,
Além do sangue, nos uniu ha muito :
Tu não me hasde trahir.
• •
Manlio
Eu trahir!
Sempronio
Digo,
Não declares...
Manlio
Sim, sim ; flea-te embora.
78
Não te heide descobrir : segue no ingano ;
Illude, mais essa hora que te resta,
As desvairadas turbas. — E que importa
Acordar ora ou logo, se o terrível,
O fatal despertar é sempre o mesmo !
SCENA IV
SEMPR0N10 só, (depois de considerarei pausa)
Disse de mais; fallei, fui muito claro:
E este velho, prudente, moderado. . .
Ama, adora Catão como os mais cegos
Que o têem por deus, por immortal. Embora!
Manlio é honrado, d'aquella honra antiga
JVoutros tempos; e não me trai. — Honrado!
O miserável, co'a alma incerta e vaga
Fluctuando entre o medo e entre a esperança,
Nem sabe o que deseja. — E eu?. . . Sou covarde,
Mais covarde do que elle : não me illudo.
Mas pôde mais que a covardia o ódio
N'este peito ralado da acre sede
Pa inveja. Meus projectos têem falhado
Com a estúpida plebe : vis ! adoram
O homem que eu abhorrefo-, que detesto,
Esse Catão, esse idolo de néscios !
Oh, que raiva lhe eu tenho! Alma rebelde,
Tu me opprimes c'o peso abhorrecido
D'essas tuas virtudes. Quanto eu dera
79
E te podesse ver um crime n'alma !
Affrontoso supplício! — E elle conhece-me,
Conhece-me e despreza-me. — Oh, vingar-me,
Vingar-me heide eu. Tua cerviz altiva
Hade criar vergão sob o appertado
Jugo de César. Não te salva a morte,
Que vivo — vivo hasdecahir no laço. (Paosa considerável)
Ei-lo aqui vem o príncipe dos Numidas.
Louco! A cega vaidade d'este bárbaro
Hade ser instrumento proveitoso
De meus desígnios. Nem será difficil
O inganá-lo. — Vem com elle Porcio.
Que náusea que me faz este mancebo !
Ambos, ambos de dous. — E como affectam
Do pae o tom sentencioso e grave,
A pomposa virtude, o olhar austero !
Mas o Numida é Numida : no sangue
Ardenle do Africano a febre é fácil
De inflammar prompta, e desvairar no cérebro
Essas lições romanas de prudência..
Cumpre dissimular, fingir com elles.
SCENA V
SEMPtfONIO, PORCIO, JUBA
Porcio
Oh meu Sempronio, oh firme, certo amigo
Da moribunda Roma, espirito, alma
80
Do vacillante povo, emflrn te incontro !
Ha muito te buscava.
Sempronio
Salve, Porcio.
Do maior dos Romanos digno filho,
Esperanças da pátria! — Meu amigo,
Eis-me aqui. N'estas horas de agonia,
Grata consolação é ver unidos
No funeral da pátria os que inda podem
Carpi-la sem remorso e sem vergonha
Poroio
Meu Sempronio, abracemo'-nos ainda
Por esta vez, que ainda somos livres.
Ai ! talvez ámanhan não poderemos
Fazê-lo ja — sem nos acharmos ambos
No vergonhoso amplexo d'um escravo.
Que disse eu! ámanhan... ah, porventura
Este sol que ahi nasce é o derradeiro
Que luz sobre a romana liberdade.
Sempronio
Confias pouco nos supremos deuses.
Teu venerando pae, suas virtudes
Inda nos restam.
Poroio
Ah ! meu pae como hade
Resistir so por si á conjurada
81
Fôrpa de homens e fados? É so elle
Na terra, — e a terra toda é ja de César.
Suas nobres tenções hãode ir ao cabo,
Sua constância férrea não vácilla ;
Morrerá, porém livre. Mas nem todos
Com a alma de Catão os dotou Júpiter.
Juba
E quem tam vil será ?
Poroio
Não sei : mas vagam
Entre as cohortes dissenpões, murmúrios. . .
Juba
Mas não entre os meus Numidas. — Se fosse. . .
Poroio
Não, príncipe ; a vileza era nossos dias
Toda é romana. Ha traidor occulto
Que anda excitando esses quebrados restos
Das legiões de Pompeu á rebeldia.
Quem elle seja ignora-se. . .
Seippronio, aparte
A seu tempo
O saberás.
Poroio
Que dizes ?
6
82
Sempronio
Nada:— indigna-rae,
Custa-me a crer que exista um monstro. . .
Faroio
Existe.
E incoberto, inda mal ! Porém que importa
Seu machinar, suas traições j'agora !
(Táo passando algans senadores, que entram pelo portko)
Ahi vão concorrendo á humilde cúria
Essas tristes relíquias de Pharsalia
A que ainda senado appellidâmos. . .
Juba
Appellidaes. . . que dizes! — Toda a pompa
Triumphal de Roma, todo o brilho antigo
De sua glória, ao senado nunca deram
Tam solemne realce e majestade
Quanto a presença de Catão. — Seu nome,
Seu nome so é como um séllo augusto
Que, a despeito dos numes, sanctifica
A causa que elle abraça; — é força ingente,
Antemural onde o impe to se quebra
De tantos, tam vaidosos inimigos.
Quem pôde ouvi-lo, vé-lo so, e n'alma
Não sente um religioso terror sancto,
Que opprime e eleva, humilha e exalta o ânimo
Como o aspecto de um nume? É Roma inteira,
É o terrível deus do Capitólio,
«3
O Génio de Quirino que está n'elle,
E deante do qual o próprio César,
César à frente de hostes invencíveis,
Suberbas da conquista do universo,
César triumphador treine e vacilla.
Ah, se em vez de me dar barbara pátria
N'estes certões inhospitos da Libya,
Me outorgaram os céus nascer Romano ;
Se, como tu, podesse, ó caro Porcio,
Chamar-lhe pae ! — Não ha maior ventura
Que possam numes conceder na terra.
Porcio
Teu coração, amigo, te compensa,
Nova pátria te dá. Nascer Romano
É glória so quando estremados feitos,
Quando virtude austera desimpenham
Nome — que foi tam nobre. . . e hoje ! — Príncipe,
Do vício a nódoa, as máculas do crime,
Não as podem lavar do Tibre as águas.
Sempronio, i^rie
Não posso ouvi-los mais. (Alto) Meu Porcio, deixo-te :
Não tarda que o senado se convoque.
D'esta sessão solemne e derradeira
Depende tudo. Adeus I É necessário
Incitar uns, suster a vacillante
Virtude de outros. — Príncipe, o teu nobre
Esforço e coração Roma precisa
84
N'esta hora de perigo — extrema.. . a última
Talvez ! — porem amigos como Juba
N'esta hora é que se acham.
Juba
Não duvides
De mim, Romano. sangue não vingado
De meu pae inda ahi está revendo fresco
Deante de meus olhos. Na orphandade
Tua pátria me adoptou; tua pátria é 'minha.
Aomenos para dar por ella a vida,
Roma é tam minha como tua.
SCENA VI
P0RCI0, JUBA
Poroio
Juba,
Que tens, que tam severo respondeste
Ao senador ? Tam triste e pensativo
Fitas no chão os olhos carregados ;
Em que meditas ?
Juba
Eu ? — Na mal-azada,
Pouca ventura minha, que me trouxe •
Á situação penosa em que me vejo.
Porcio, tu — tu conheces a minha alma ;
Mas elles não. Suspeitam-me, duvidam
85
Da minha fe : extranho sou, um barbam
Entre vós.
Porcio
Entre nós, tu, Juba!— Inganas-ter
Amam-te, querem-te ; honram-te. Não ouves.
Meu pae como te falia, quantas vezes
Te chama filho?
Juba
Teu pae, sim : oh, esse
É o maior dos homens, o mais nobre,
Mais generoso; mais leal. Mas, Porcio,
Quantos Catões ha em Roma ? — Este Sempronio
Desconfia de mim.
Poroio
Elle!
Juba
As palavras
Que me disse ao partir. . . Não reparaste
Como fallou de amigos, da arriscada
Hora do p'rigo ?
Porcio
Qué! interpretaste
O seu dizer assim? — Não dès, amigo,
A vans suspeitas attenção funesta.
Assas, príncipe, assas nos sobram causas
De dor e de afflicção. Ai! todo o esfórpo, ,
Toda a virtude de Catão não bastam
Para suster o peso do infortúnio.
86
E que pôde elle so contra a torrente
D'um povo inteiro, uma nação cTescravos
Que humildes correra a accurvar-se ao jugo!
Em lítica encerrado, triste chefe
IVum exéfcito frouxo e destroçado,
que hade elle esperar, — que nos sobeja
D'essa van sombra de senado e Roma?
Juba
Sobeja-nos Gatão : e 6 muito ainda.
Porcio
í muito : — porém quanto hade durar-nos !
Vamos, amigo, vamos, que a hora chega,
Te-lo entrar para a cúria. Approveitemos
Esta occasião de contemplar ainda
Mais uma vez aquella face augusta
Reverberando toda a majestade
Da extineta Roma, — e ouvir o som tremendo
D'aquella voz que, em meio do senado,
Troa como echo d'essa voz divina
Com que a nossos avós salvou da infâmia
Jove Slator.— Como o severo aspeito,
Tam severo e tam plácido ! — me infunde
Respeito e amor! —Disseste bem, meu Juba:
Feliz a quem tal pae os deuses deram !
Mas. . . ai de mim ! oh, que presagios negros
Me agoira o coração no sobresalto
Com que me anceia, n'estes baques rijos,
87
Desincontrados que me dá no peito
Co'a so lembrança, a idea de perdé-lo !
Prouvesse aos deuses immortaes que ao menos
Adeante eu vá, — nem veja o sacrifício
Que nas aras da pátria. . . Indigna Roma,
E meréce-lo tu?— Eternos deuses,
Como soffreis que o vicio, o crime, a infâmia
Reinem sos, coroados do perjúrio,
Na avassallada terra!— Amigo, vamos:
Seja maior que a mágoa o soffrimento;
De atormeníar-nos se invergonhe o fado ;
E se cumpre ceder, cahir co'a pátria,
Caiamos sim, mas homens, mas Romanos.
ACTO SEGUNDO
Interior delapidado de antigo edifício barbarico,
preparado para a convocação do senado
SCENA I
CATÃO, MANLIQ, marco-bruto, sempronio,
LICTORES, SENADORES
Vio entrando os senadores e tomando sens assentos, que estio dispostos
em semicírculo. — Depois de brere espaço, Catio precedido de lidores. Os
senadores se erguem para o saudar. Permanecem todos em silencio por algum
tempo. Catio leranta-se para foliar ao senado, e se lhe inclina.
Oatão
Padres de Roma, augustos senadores,
Da pátria moribunda único apoio,
Quanto inda folgo de vos ver unidos,
De contemplar em vós esses Conscriptos
Que de sobre o tremendo Capitólio
89
Repartiram os fados do universo,
E aos reis vencidos, ás nações prostradas
Deram co'a espada leis, co'as leis virtudes f
Permitti que a minha alma se demore
Festas ideaa de passada glória :
Ah, quem sabe se é ésla a vez extrema
Que me é dado ante vós o recordá-las,
E a derradeira vez góso a ventura
De olhar-vos junctos e vos ver Romanos!
Sim, ó Padres, assas glória e renome
Coube a nossos avós; maior nos cabe,
(Não duvideis) maior nos cabe ainda.
N'este humilde logar, entre estes muros,
Quasi cercados de armas inimigas ;
Sobre nossas cabeças cada instante
Vendo troar da tyrannia os raios;
Sem accurvar ao peso do infortúnio,
Unidos inda pela voz da pátria. . .
O senado de Roma é mais augusto.
— Esta pátria, esta Roma o seu destino
De vós espera agora: a vós incumbe
Decidir de seu fado. — César chega:
Um exército. . , (sim, o horror do p'rigo
Dissimular não cumpre a vossos olhos,
Nem diminuir o peso ao sacrificio)
Um exército forte, victorioso,
Formidável o segue. Escassas, débeis
São nossas fôrpas, fracos os repairos,
Attenuados os muros. — Que nos restai
90
Que nos convém fazer? Gomo devemos
Tractar esse homem temerário, ardido,
Ambicioso, insaciável 2-^- A fortuna
Tem coroado seus crimes com victorias.
— Desculpae-me o avivar chagas que sangram,
Recordar os horrores de Pharsalia !
Esse dia fatal lhe intregou Roma,
E a morte de Pompeu o Egypto e o Nilo.
Juba, Scipião cahiram por seu ferro. . .
Inda fumma talvez a areia ardente
Da Numidia, insopada em sangue fresco;
E no vasto silencio do deserto
Inda arquejam talvez corpos romanos.
Não ha sangue que o farte, não ha crime
Que o detenha : seu carro de triumpho
Não impeça nos montes de cadáveres
Que lhe juncam a estrada. Fique o mundo
Todo um sepu lchro, um so moimento a terra. . .
Mas reine elle senhor sobre esse tumulo.
— A cubica de império que o devora,
Que lhe incha o coração, lhe rala o peito,
Té os mesquinhos areaes estéreis,
Estes plainos torrados, infructiferos (pausa)
Da Libya nos inveja. — Agora, ó Padres,
Dizei: qual é vossa alma, as tenções vossas?
Inda ousais defender a liberdade ?
Firmes em acabar primeiro que ella,
Inda ousais preferir a morte honrada
Ao jugo, á escravidão? — ou ja cançados,
91
Fatigados do peso do infortúnio.
Baixos os corações, curvos à sorte, (pau»)
Dispostos vos sentis a?. . • — Bruto falle.
Marco-Brato
Eu voto a guerra. — E guerra so nos cumpre.
Nada nos resta mais, bem sei, que o ferro,
Amontoadas legiões César com manda;
Mas a espada que temos é romana,
Mas as legiões que o seguem são de escravos :
E pôde um cidadão tremer ante elles?
Poucos somos: mas livres, mas ousados.
No furor da peleja, quantas vezes
Um so braço bastou a decidi-la?
E quantas foi um golpe venturoso
Longas victorias desmentir n'um dia?
Tem uma vida so, como os mais homens,
(Se homem podeis chamar-lhe) esse tyranno.
César. . . Ah! co'este nome em vossos peitos
Não ferve a indignação, não pulla o ódio?
Não ouvis esses manes insepultos,
Cujos honrados, venerandos corpos,
Pasto deixado nos areaes da Lybia
Foram aos monstros do áspero deserto?
Não lhe ouvis os clamores de vingança:
Mais de metade do senado augusto,
De que vós so restais, la jaz com elles;
E este mesmo senado inda duvida,
Pausado agita, frio delibera
92
Sobre a causa da pátria. . . Ah, não, ó Padres,
Não vale em lances d'estes a prudência,
So produz enthusiasmo as acções grandes.
Ei-los, nossos irmãos, sagradas victimas,
Ei-los bradando de Pharsalia ainda!
-Que as chagas roxas do rasgado peito
Nos apontam, nos mostram, nos excitam!
Vêde-a, do granTompeu a sombra inulta,
Véde-a, como nos fita despeitosa,
Como a troar da maldicção os raios
Quasi prompta... Ah! mas vós, vós sois Romanos
Em vossos corações ja vejo a pátria,
Ja leio em vossos olhos a victoria.
Senadores! romanos senadores
Vós sois: — avante, eia avante, ó Padres!
Não aguardemos que o inimigo ousado
Venha em nossas muralhas atacar-nos;
Vamos nós mesmos, nós, o ferro em punho.
Por entre essas indómitas phalanges
Longa abriremos sanguinosa estrada. . .
Se não para a victoria que nos foge,
Á glória ao menos de expirar Romanos.
Catão
Bruto, esse furor não é romano.
Cumpre esforço, valor, constância rígida,
E não temeridade. Co'as extremas
Do vicio intesta a raia da virtude :
Pôz-lhe eterna barreira a natureza;
93
Mas não a vè o que vendado corre
De paixões cegas; — passa, e não conhece
Os prescriptos limites; — confundindo
Vicios, virtudes, indiffrente os segue
O espirito agitado; e em seu delírio
Crimes perpetra por acções de glória.
Discriminá-los, e a face augusta
Da virtude estremar do vício occulto,
Obra é so da razão, so ella o ensina.
O nobre enthusiasmo, o patriotismo
Que, audaz mas firme, ardido mas prudente,
P'rigos não busca— mas não teme os p'rigos,
Raios não troa — mas não teme os raios,
Este valor, ó Marco, esta ousadia
Foi a dos Scipiões, era a dos Fabios,
Esta é so da Razão — e so romana.
— Esses nossos romanos companheiros
De tanta cicatriz innobrecidos,
Que a espada tantas vezes impunharam,
Tanto sangue verteram por seguir-nos,
Por defender da pátria a sancta causa,
De suas vidas acaso a mesma pátria
Não nos confiou a nós cuidado e guarda?
E iremos nós, mais bárbaros que César,
Arrojar-lhe ás suas hostes famulentas
Esses poucos fieis — como repasto
Dado a feras no circo! — Iremos impios
Dar-lhe a beber à fratricida espada
O puro sangue civico Romano!
94
E Roma que dirá? — com que justiça
Não clamará que, bárbaros e insanos,
So nos guiou phrenetico delírio ;
Que pródigos do sangue de seus Alhos,
Vaidosos, sem piedade o derramámos
Por fazer nossa queda mais brilhante ?
Que nossa morte— sacrificio inútil
De pompa van, de fasto esperdiçado,
A de mil cidadãos custou à pátria?
Não, Padres, não vos cegue o falso brilha
D'esse heroísmo vão : sejamos homens,
Que homens fomos primeiro que Romanos.
— Manlio, os teus sentimentos livremente
Expõe agora.
Manlio
A grandes desventuras
Nos reservaram despiedosos fados.
Infeliz quem, no choque tumultuario
De civis dissenções, o puz a sorte
Ao mui difficil leme do governo !
N'esse arriscado, perigoso impenho
menor dos desastres é a morte :
Das marulhosas vagas açoutada
Sossobra a nau do Estado ; e é força em breve,
Se lhe não accalmar contrário vento,
Nas sorvedouras syrtes affundir-se.
Embora impregue sabedoras artes
piloto infeliz; que hãode imputar-lhe,
Hãode fazer-lhe das desgraças — crimes.
95
Erra de orgulho, cega de vaidade
Quem presume guiar com mão certeira
O tropel desvairado e tumultuario
D'uma revolução. Rebenta súbito
Em turbilhões torrente impetuosa,
Que arrastra e leva piamos e projectos,
E, co'o homem que os urdiu, os roja ao abysmo.
Confesso, ó Padres; tímida a minha alma
Não Ota sem horror tam negras scenas.
Pela pátria morrer sei que é virtude :
Mas pede Roma a nossa morte ?
Póde-lhe ella atrazar um so momento
A inevitável queda? o nosso sangue,
No mar da escravidão gotta invisível,
Adelgaçaç-lhe os ferros que a agrilhoam?
Derrubando as columnas vacillantes
Que o edifício ruinoso escoram
Da pátria liberdade, — essas ruinas
Não desabam mais presto ao precipício?
Co'a nossa morte César satisfeito
Hade a espada embainhar, depor o sceptro?
Ser-lhe-hão degraus para descer do throno
Os cadáveres nossos? Não, ó Padres:
De taes futuros não me illude a esperança.
Pesa a severa mão d'alta justiça
Sobre o orgulhoso collo dos Romanos :
Da nossa liberdade o altar cruento
Na alheia escravidão foi cimentado;
Livres, fomos lançar grilhões ao mundo,
96
E temerosas Águias desferiram
O voo assustador, do Capitólio,
Ao sopro da ambição. São esses ferros
Com que os povos da terra agrilhoámos
Que hoje revertem para os nossos pulsos*
Tarde ou cedo reduz justo castigo
Povo conquistador a povo escravo :
E sempre. . . Mas, o horror de nossos crimes
Basta de recordar: cumpre ameigar-lhe,
E não exacerbar da pátria as dores.
César vence e triumpha; e ao mundo inteiro
Utica resta so. E Utica pôde
Salvar o mundo? Não. — Aligeirar -lhe
A certa escravidão? Sim: pôde, e deve.
No naufrágio geral, uma so tabúa
Que se possa afferrar, conduz ás vezes
(Embora moribundo) à praia o nauta;
E o que fiou dos braços vigorosos,
Experto nadador, sua esperança,
Mais vezes inda, cança, esvai-se e morre.
Toca-vos escolher. Voto que a César
Se invie legação, paz se proponha :
Vejamos se um tractado pôde ainda
As reliquias salvar da liberdade ;
Ou antes — imbotar à tyrannia,
Pouco que seja, o gume assacalado.
É morta Roma, sim, morta de todo:
Aos filhos orphams, salve-se-lhe ao menos
Um retalho siquer da pátria herança.
97
Marco-Brnto, Que tem dadt sigiles de grande impaciência
doraite a falta de laiilio
Acabaste ?
Manlio
Acabei.
ã
Maxoo-Bruto, Tiraide um psihal de se:»
Ves este ferro !
Romanos como tu egual resposta
De mim so levam. . .
Catão, Leiaita-se e lede e fttiade
Temerário ! um ferro
Arrancas no senado ! Este é o respeito
Que lhe guardas! Assim a majestade
Acatas da republica!— Lictores,
Expulsae o insensato que profana
Tam sagrado lugar.
Manlio
Eu lhe perdoo. . .
Catão
Mas não perdoa Roma. Nas cohortes
Gomo raso soldado seja inscripto :
Sob o centurião, em dura schola
Milite e apprenda — emquanto, mais de espaço,
O castigo cabal dar a seu crime
Á cúria não appraz.
9S
«■tu*»
Humilda ob'deço
Ás ordens de Catão.
Catão
Ás do senado.
SCENA II
CATÃO, MANLI0, SEMPR0NI0, senadores, etc.
Hanlío
ímpetos juvenis ! — a alma de fogo
cérebro lhe escalda.
Catão
Manlio, agora
Ja nos não ouve Bruto. . .-r-Tu pretendes
A ti próprio illudir-te. Baloiçando
Do precipício ás bordas escarpadas,
Não lhe ves todo o horror. Ja vais de rojo
Pelo despenhadeiro, e cuidas inda
No meio da caluda segurar4e?
Inganas-te: deludem-te vãos sonhos,
\l uma, 6 uma so a liberdade,
Indivisível sempre : se um so ponto
Roubar-lhe intentas, — ella que te foge
Para mais a não ver. Roma, tu dizes,
99
Mão quer a nossa morte. Não, porcerto.
Porém que idea formas ta da vida?
YiVdiracaso em ferros os Romanos?
Não morre o homem quando vive o escravo?
E quem te diz que o orgulho do tyranno,
Que imagina um dom seu deixar viver- te,
Não hade n^algumtfhora de capricho
Infastiar-se dadadiva? e a um aceno
Do férreo seeptro está comtigo a morte.
E vida tal, appreciá-la podes?
Tam precária, misérrima existência
Vale o momento de morrer com honra ?
Votas que a Gesar legação se invie :
Quero que a acceite, quero que inda possas,
Coasse phantasma vão de um vão tractado,
Salvar isso que chamas as relíquias
Da nossa liberdade. Que cegueira!
Libras sobre a palavra d' um tyranno
De liberdade esp'ranças? Tu confias
Thesouros de valor nas mãos do avaro!
Que fe pôde guardar quem fés quebranta?
Que tractados manter quem leis despreza?
Roma não tinha leis quando Tarquinio
De cidadãos Romanos fez escravos?
Phantasmas esses são de liberdade
Que, nem phantasmas, mais do que horas duram:
Todo o veo da illusão se rasga em breve ;
Gai-lhe o postiço manto mal seguro,
E em todo o horror da morte se descobre
100
Da escravidão o lívido squeleto.
Não, de remédios taes eu não confio;
Ou liberdade, ou morte. — Este é o meu voto.
Sempronio
Ou liberdade ou morte! — é voto unanime
Do senado. Romanos somos todos :
E que Romano a discrepar se atreve
De tua sentença, de teu nobre voto,
Ó Catão? Tu es a alma da republica,
O génio que preside a seu destino.
Tu, salvador magnânimo da pátria,
Confusão de perversos, de traidores,
Flagello de tyrannos, tu decide,
Dispõe de nós: em tuas mãos se intregam
Estes poucos fieis, que irão contentes
Por ti, comtigo, té o extremo, á morte.
Tu faze, tu governa: em tua dextra
Poderosa p senado põe a esp'ranpa
E a auctoridade toda da republica.
Senadores, não é este o consenso,
O desejo, o voto tiltimo e concorde
De quantos somos pela pátria ainda?
Catão
Nãoé o meu.
* Manlio
Nem o meu.
101
Sempronio
É o de nós todos.
Maitos senadores
Todos !
Catão
Padres, ouvi-me. Estes momentos,
Que temos de conselho, valem séculos,
Não são de esperdiçar. De dictadores
Temos sobejo poragora em César.
Prouvesse aos deuses immortaes que a força
Dos que se oppoem á auctoridade illicita,
Usurpada de Júlio, tal crescesse
E tanta, que mister nos fosse ainda
D'essa magistratura formidável,
Que a miúdo salvou, que salvar pôde,
E pôde destruir a liberdade,
Que a anniquilou emflm! Em nosso triste,
Desamparado, desesperado estado,
Crear um dictador fura. . . de mofa,
De escarneo— e próprio objecto para o riso
De nossos inimigos, — do universo,
Que os olhos tem cravados n'estes muros,
N'estes rotos pardeiros que muralhas
Foram d'Utica. — Falia, honrado Manlio:
Tua sentença não é a minha; oppostos
São nossos votos ; serão sempre unidos
Nossos princípios. — Tu não julgas inda
Necessário escolher entre os dous termos,
102
De morte ou liberdade. Embora! oiçamos:
Expõe teu voto : um parecer contrário
Não offende a Catão; e é honra, é glória
Ser contestado pela voz de Manlio.
Manlio
A minha voz, Gatão, tu bem o sabes;
A minha voz, o meu sincero impenho,
Todo o meu coração é pela pátria,
15 pela liberdade. Ahí esle braço,
Que ora treme de velho, ja foi rijo
E pelejou por ella. — Mário, Sylla,
Catilina me viram sempre á frente
De seus mais resolutos inimigos.
Esta língua, que mal hoje articula
Ineloquentes sons, ja deu mais forte
Brado na cúria ; nem se ouviu meu brado
N'outra causa senão da liberdade.
É trémula hoje a voz, trémulo o braço,
Mas em Pharsalia não tremiam. . . — Padres,
Desculpae, perdoae — um derradeiro
Lampejar de decrépita vaidade. • .
Que fiz eu? o que todos vós fizestes;
Menos, que menos arrisquei por certo.
Poucos dias de vida inférma e inútil,
Que me sobram na terra, é sacrifício
De preço vil e abjecto. Orpham de prole,
So, deixado ir um ermo ao pé da campa,
Que hóstia sou eu para o altar da pátria?
103
Serve «sim mesmo* o sacriflcio ? Prompío
Aqm estótodo o sangue: pouco, frio.
Sem vida é ja, mas de vontade e fácil
Hade deixar as congeladas veias.
Cuidais que por mim fallo, que me importa,
Que me péza das horas minguadas
Que hade oercear-me o ferro do tyranno?
Não, Padres: é por vós, é pela.pátitia
Que fallo, peço, q«e «çptíco; imphfro:
Não pereçais em sacrifício inútil*
Vossos dias — e os teus, gloria de Roma,
Esplendor derradeiro de seu nome,
Catão, esses teus dias preciosos,
Oh, não os barateies tam sem fructo !
Gesar teme, respeita essas virtudes
Que adornam o roais digno dos Romanos.
Tu ipõdes inda ser o amparo, o abrigo
Da abandonada pátria. A liberdade
Acabou : mas seus filhos desherdados,
Foragidos, caçados como feras
De serra a serra, e do povoado ao monte,
Hasde desempatámos, quando podes
Alliviar-lhe as penas, protegê-los,
Ser-lhes pae?. . . Ohí «ao posso mais. . . scccumbe
O coração Iam velho à mágoa, ao. . . (fonUKe)
Oat&o
Nôtnre
Coração é o teu — e generoso,
104
Que as nobres qualidades d'elle imprestas
A quem não sabe, nunca soube a têmpera
De que taes corações são fabricados.
César não tem mais sentimentos n'alma
Que um so, — desejo de poder. De affectos,
De paixões de homem, uma so lhe absorve
As outras todas — ambição. Virtudes,
Crimes, feitos de infâmia ou de honrado cego
Não distingue; nem crê o impio em deveres,
Em virtudes, em leis de homens ou deuses.
Finge (e fingir sabe elle) esse respeito,
Esse amor de acções nobres e de glória.
Aonde viste que ao poder supremo
Subisse usurpador sem o cortejo
Da hypocrisia? — Ama-me, diz elle;
Respeita-me, crês tu! — Quizesse o fado
Dar-me vivo em suas mãos. . . (vivo não hadê)
E verias ao carro maniatado,
Jungido como um bárbaro captivo,
Esse Catão cuja amizade o pérfido
Tanto finge buscar. — Virá q dia
De seu triíampho : ve-lo-ha Roma : e o pejo
Fará suar no mármore as estatuas
Do Capitólio. Fábio, Ciacinnato,
E tu, ó gran'Censor! —mais que essas brutas
Pedras em que os Romanos se tomaram,
Vossas imagens sentirão a affronta,
Quando a minha — levada em pompa infame
Deante do vencedor. . . (Silencio geral)
105
Padres, viemos
A este conselho por mais alto impenho,
Para maior objecto. Desviaram
Prevenções generosas de amizade,
De mui cega amizade — para um ténue,
Inconsid'ravel, minimo interesse.
Senadores, da pátria é que se tracta,
Da liberdade, e do que nos incumbe
Fazer por ambas n'este caso extremo.
Pallae : — Manlio e. . . Sempronio. . .
Sempronio
Guerra, guerra,
B liberdade, emquanto ha sangue a dar-lhe!
B Gatão dictador: meu voto éeste,
Foi e hade ser. Inútil imbaraço
É um senado aqui, deliberando
Entre armas e combates. . .
Manlio
B quem trouxe
Para aqui o senado ? Quem, Sempronio,
Quem declamava mais entre as cohortes
Gontra esse a quem agora generoso *
A dictadura offreces? Quem bradava
Que estes poucos, dispersos senadores
Se deviam juntar, e pôr limites
Á auctoridade de Gatão, que a olho,
Dizias tu, crescia desmandada
s
146
E ameaçava a republica? Tu foste ;
Tu, Semproaio, e teus gárrulos clientes.
Convocou-nos esse homem suspeitoso,
Esse Gatão que.».
<Oatao
Eu te rogo, amigo ;
Manlio, basta.
Manlio
Não temas : serei breve ;
Conter-me-hei. — Viemos, consultámos,
Deliberámos; e o poder supremo
Quinhoámos entre nós ; commum a todos
Nos foi a glória da tenaz contenda,
D'esta longa, porfiada resistência
Que eterno hade fazer o nome de Utica.
Spontaneos, voluntários, a nós próprios
Nos constituímos em senado e cúria ;
E â nossa auctoridade submetemos
Milhares de homens! — Voluntários, digo,
Viemos ao perigo — e, emquanto longe,
Governámos senhores, respeitados,
Gomo no Capitólio obedecidos.
E havemos agora — oh vil, indigna
Proposição, do proferir covarde,
Affrontosa de ouvir.!— e agora havemos
Nós mesmos, nós, quando mais perto airoctoa
O laço do perigo — o peso grave
Que espontâneos tomáanos, arrolo
Ao chão, sem pejo! — ou — que tanto vale,
107
Descahir co'elle todo sobre os hombros
Do ; Atlante a quem vaidosos não quisemos
Confiá-lo atéqui ? Tal fora a mancha
Da acção vil, que nem todo o nosso sangue
A deliria no porvir da historia.
Não, senadores ; não cubrais de infâmia
Os últimos instantes do senado.
Minha opinião sabeis : persisto n'ella :
Se for possivel transigir com César,
Pactuar sem desaire, e poupar sangue ;
Faça-se. Mas fugir covardemente,
Desertar, como transfugas, do posto
Que escolhemos !. . . Pereça a idea ignóbil,
E pereçamos todos : reâae £esar,
Reinej—.iaas seja so por crimes d'ellc.
SGENA III
C1TÀ0, MÀtiLIO, SEMPRQNI0, PORCft),
6EKADORE8, ETC
Porcio
As portas da cidade se appresenta
Um legado de César : pede audiência.
Seatpuonio
De César!
Manlio
Ó Catão, italvez nos trqga
Honrosas condições de fsm : atte&àe^du
108
Catão
Ou traga paz ou guerra, entre e se escute.
• SOENA IV
CATÃO, MANLIO, SEMPRONIO, senadores
Sempronio
Queres ouvi-lo ?
Catão
E porque não?
Sempronio
Discorda
Condescendência tal de teus princípios.
Catão
Princípios meus ! — Os da razão so tenho.
É dever escutar os homens todos.
Sempronio
Um tyranno também !
Catão
O fanatismo
Está mais longe ainda da virtude
Do que todos os vicios. E se unida
A hypocrisia lhe anda. ..
109
Sempronio
Não mereço
Que tam feia suspeita. . .
Catão
Não mereces,
Tens razão,— não mereces nem suspeitas.
• SOENA V
CATÃO, MANL10, SEMPRONIO, DECIO cm cortejo,
SENADORES, ETC.
Manlio
É Decio o embaixador.
Catão
Quem?— Oh vergonha!
Decio, um homem equestre !. . . Vista indigna !
Deoio
A Catão, saudar César envia.
Catão
Gatão não vejo aqui, vejo o senado.
Eu César não conheço.
Deoio
O invicto, o grande
110
Triumphador do mimdo a ti me envia.
Suas hostes em freme d'estes muros
signal so aguardam da peleja. . .
Antes o da victoria. Mas tal preço
Tem Catão a seus olhos, tanto adora
dictadormagnanimo as virtudes
De sen grande inimigo, que estremece
Pela primeira vez, — e mal se atreve
A seguir a fortuna que o precede.
Deante do teu, seu génio acovardado
Vacilku— teme o vencedor da terra
De ficar vencedor ! Tal é o zele,
impenho com que, á custa de seus louros,
Quer salvar os teus dias preciosos.
No rendido universo tu somente
Lhe resistes : e a grande alma de Júlio
Com tal competidor se insuberbece.
Virtuosa vaidade, ambição nobre !
Triumphar de Catão, César deseja,
Mas não co'a espada. Generoso outorga
Aos companheiros teus, por teu respeilo,
Amnistia geral : dadiva tanta
Por condições so tem — 'Catão amigo.'
OatSo
Disseste ?
Deoio
Disse.
tit
J&Ho nada envia
A dizer ao senado ?
Daoio
Nada.
Gatão
Parte.
H*0Í0
Gatão, ouve um momento*. 06 tara amigos
Queres sacrificar ? Queres tu mesmo
Desafiar do vencedor as iras ?
Quando elle generoso vem propor-le
O sancto bem da paz, nem ouvir queres
As condições ?
OfttSo
As condições são estas :
Desarme as legiões, deponha a- purpura,
Abdique a dictadura ; á classe torne
De simples cidadão, e humilde aguarde
A sentença de Roma* — Então eu próprio,
Quanto inimigo fui, cordeal amigo,
Seu defensor serei. Jamais no foro,
No senado se ergueu meu brado austero
Para defender crimes: — e a tal crime
Gomo o d'elle, Calão será patrono.
Se-lo-ha : por elle subirei aos Rostros,
E heide pedir, rogar, suppliee, humilde.
112
Impenhar quanto sou e valho em Roma,
E alcançar-lhe o perdão, volvê-lo á pátria.
Deoio
Mas ve que. . .
Catão
Nada vejo.
Decio
Acaso ignoras
Quem César nomeou à dictadura ?
Que o senado de Roma?. . .
Catão
Esse senado
É vil rebanho dos mais vis escravos :
Nem ás margens do Tibre existe Roma.
Eu e os que ves, nós somos o senado :
E em nossos corações é que está Roma.
Dizei, ó Padres ; ao tyranno César,
Guerra votais ou paz ?
Todos
Guerra.
Catão
Ouviste ?
Deoio
E vós, que vos dizeis os pães de Roma,
Os dias de Catão em nada os tendes !
Tam preciosa vida. . .
113
Catão
A minha vida
É a vida de Roma ; e os meus dias
Vincularam os céus aos dias d'ella.
Decio
E tu, Manlio, também ! — Tu moderado,
Prudente, e cedes ao impulso louco
D'esta cegueira !
Manlio
Cega é a honra, Decio ?
Que condições de paz trouxeste? Ignóbil,
Indulto vil do vencedor suberbo.
Quaes crimes nos perdoa ? amor da pátria,
A lealdade a Roma? — Que fianças
Da vida de Catão nos dá?— Fui sempre
Eu aqui o advogado da paz; — único
Na cúria fui, e persisti: mas hoje,
Agora, a minha voz foi ^primeira
Que bradou guerra — e bradará constante
Emquanto houver de optar entre as desgraças
Da guerra — e a infâmia de tal paz.
Decio
Embora!
Minha mensagem dei. César perdoa,
Mas não a ingratos. Chorâ-lo-heis já tarde.
Sempronio
E com que audácia tu, com que soberba .
8
114
Contas assim tam certo co^vicloria?
Falias com tal despejo, tam seguro
Como se a todos nós ja sobre o campo
Viras extinctos, ou nos ferros torpes
De teu feroz senhor maniatados.
Ja supplices nos crés aos pés de César?
Ja por escravos teus nos imaginas?
De nossas forças quem te disse o estado? ■
Temos armas, e braços de sobejo
Que essas temidas legiões rechassem.
V
Catão
Ura Romano, Sempronio, nunca mente.
Decio, não temos nada: débeis, poucos
Moribundos soldados nos defendem.
Frágeis muralhas entre nós e a morte
Intermeiam apenas. Pouco resta
Para a espada de César. Mas não julgues,
Ainda assim, tam fácil avictoria.
Emquanto a dextra segurar um ferro,
Emquanto a voz não fenecer nos lábios,
Emquanto aqui não resfriar de todo
No sangue de Calão, de Roma o sangue. . .
— Terra e céus a abandonem! — desvalida
Não ficará de Roma a liberdade.
Decio relira-se aecompanbado de seu cortejo, e de soldados ro-
manos e munidas.- — Depois de breve espaço, Catáo, precedido
dos lictores, sai por outro lado: seguem-no os senadores todo».
ACTO TERCEIRO
mesma vista do acto precedente
SCENA I
MARCO-BRUTO, DEGIO
MarcoBrato
Não aporfies mais: eu não recebo
Mensagens do tyranno.
Decio
Se souberas
O que incerra esta carta!. • .
Marco-Bruto
Incerre embora
Os thesouros do mundo. Nilo a acceito. .
11C
Deoio
Marco, dá-rae atlenção — ao teu amigo..,
Maroo-Bruto
Amigo tu !
Decio
Outr'ora m'o chamavas.
Mareo-Bruto
E quanto me inganei !
Deoio
E eu que esperanças
Não concebi de tuas virtudes !
Maroo-Bruto
Falias
Tu. . . falias em virtudes !... tu!
Deoio
E pensa
De Gatão o discípulo orgulhoso
Que a avara natureza os seus thesouros
So os gastou com elle, — e desherdados*
Para o inriquecer, deixa aos mais homens?
Maroo-Bruto
Homens ! . . • Homens sois vós ?
117
Dedo
Mui falsa idea
Fizeste da virtude : amena e doce,
Não áspera, selvagem, desabrida,
À crearam os céus; ao peito humano
Foi dadiva e mercê, não foi castigo.
Tua philosopfaia árida, abstrusa,
Não corrompe talvez — porém desseca
coração, e ao natural impulso
De ingénuos sentimentos substitue
Compressão de phantasticos preceitos.
Àrtiflciaes virtudes são as vossas,
Não as que o sopro dos eternos deuses
Influiu n'alma do homem. Marco, Marco,
A virtude é mais bella, mais formosa
Do que teus vãos pbilosophos a pintam.
Não é esse squeleto descarnado
Após o qual subis estéreis montes
Por caminho de fragas, precipícios. . .
Chegais ao cimo — que incontrais?— deserta^
Desabrigada solidão de rochas,
Sem' una flor, um verdejar de relva,
Nem um pallido musgo que devida
Á cumiada estéril! — E essa é a meta
A qt*e tetodeis! 6 esse o Bem supremo
A que aspiram desejos, esperanças,
Trabalhos do homem !
Mároo-Brato
Decio, esperdiçaSte
118
Em ruins ouvidos a arte parasita,
Essa arte insidiosa, ingan adora, ,
Filha da escravidão e da baixeza,
Que servos alcunharam de eloquência.
Eloquência I — Não é: — os rebicados,
Meretrícios infeiles com que se orna
Seduzem, não convencem : cegam alma,
Ao coração não chegam seus poderes.
— Quando nossos avós, austeros guardas
Da pátria liberdade, se opposeram
A que artes gregas na severa Roma
Ousassem metter pé — esses Romanos
Bem lh'enlreviam a peçonha occulta
Na apparente belleza. Adornos falsos
A formosura natural impannam
Da verdade, — da cândida verdade,
Que é per si bella e não carece de arte.
Verdade era a eloquência dos antigos
Oradores latinos. Nunca ouviram
Outra o senado, os túrbidos comícios;
Jamais emquanto Roma foi. . . romana.
A Grécia, d'onde houvemos n'outro tempo
Leis de ouro — a Grécia escrava e corrompida
Já não tem Aristogitons, Harmodios
Para Hipparcos romanos, nem Demosthenes
Para nossos Philippes: avexada
De procônsules crus (mercê latina,
Dom de ferro, por tanto áureo presente
De sciencias, de leis, que houvemos (Telia!)
119
Vinga-se coroo escrava, — propinando
A sens senhores o veneno lento
Que impeçonhou o sangue de Leonidas,
E a cuja virulência nem resiste
O de Fabrício e Cincinnato. Inxames
De gárrulos sophistas, de grammaticos
Vieram corromper a incauta prole
De Roma: seus theatros e palestras,
Seus livros, seus poetas e oradores
Affeminaram o viril aspecto
Da virtude latina. . . — Aos homens todos,
Deu-lhes um livro so a natureza,
O próprio coração.
Deoio <
E n'esse livro
Achas ferocidade uma virtude ?
Maroo-Bruto
N'uma palavra so — questões deixemos:
Essa carta é de César? Não a acceito.
Deoio
Ve o que fazes: libram n'ésta carta
Os futuros destinos dos Romanos.
Maroo-Bruto
Como!
Deoio
Ouve : de Calão (bem o conheço)
120
Temes a rigidez? Pois bem: a elle
Vai tu mesmo levá-la : elle que a leia. (hlngaJkei carta)
SCENA II
MARCO-BRUT0, **
A Gatão. . . esta carta. . .— : E eu reeebi-a!. . .
Não me illudes, escravo; ei-la, que a rasgo.
Que façol... ella de Roma incerra os fados.
Que importa ! incerre os fados do universo :
É do tyranno, rasgo-a. . .
SCENA III
MARCO-DRUTO, CATÃO
Catão
Bruto?
Macoo-JEfouto
Oh deuses;!
Gatão
Que fazias aqui ?
Síaroo^Brato
Bu! — estacaria.,.
121
Nao a quiz — resisti — foi quasi á força. . ,
Comepada a rasgar. . .
Gatão
A estes sitios
Como ousaste voltar — eom que licença?
Marco-Brato
Ordens do centurião.
Catão
Que carta é essa !
Marco-Brato
Decio. . . •
Catão
Decio !
Maroo-OBrato
De César. . .
Oatíúo
Que oiço !
Màrco+Bfujtor
Ali...
catão
Dá-m'a. (Lê)
122
Ocvultar-te mais tempo o arcano (oh deuses!)
Dos vínculos. . . que me unem (céus l) a Bruto:
Tu. . . es... meu filho — Saberás o resto
Nos braços paternaes. . . Vem, vem, meu filho,
Ajudar-me a reinar sobre o umverso.
(Silencio longo)
Maroo-Bruto
Pérfido, mente. Eu filho do tyrannno !
Este sangue ?. . .
Gatão
É de César. (Silencio longo]
Marog-Bruto
Eu succumbo
Ao oppróbrio, à infâmia. — Sangue este é de César?
(Tira a espada)
Impossível ! Não é. — Todo aqui jorre
Na terra ; e o coração desaffrontado
(Em acção de ferir-se)
Do sangue vil — romano expire ao menos.
Catão, deunurit-t
Filho !. • . Tu es meu filho. (Abrapm-se.)
Maroo-Bruto
Pae!... Não; outro,
Deuses, deuses cruéis ! não podeis dar-m'o.
123
Catão
Sim, sim; eu sou teu pae : de tenra infância
Como a filho (e que filho !) te amei sempre.
Eu te formei essa alma de Romano,
Que lagrymas. . . oh, lagrymas de gosto
Me faz verter agora. De teus dias
Occultei o segredo emquanto pude. . .
Marco -Bruto
Quê! filho eu sou?...
Gatão
De César. (Silencio.)
Marco -Bruto
Dâ-me o ferro :
D'este sangue uma gotta, uma so gotta,
Não, não deve ficar sobre o universo.
Catão
Basta ; meu filho es, filho de Roma :
Teus pães são estes.
Maroo -Bruto
César. . .
Catão
É um monstro.
Mas. . .
Maroo-Bruto
m
Catão
acaso não é crime. Escuta.
Ninguém ao despontar da juventude
Annunciou talentos mais brilhantes
Do que 'Júlio mancebo. Na sua alma,
De romana grandeza, de virtudes
Desinvolvia o germe esperançoso
Que tam mal prosperou, que tanto soube
Illudir-nos, cegar-nos. perverso
So se valeu dos lúcidos talentos
Que em dom fatal lhe dera a natureza,
Para os fazer servir a seus projectos
D'avareza, ambição, de tyrannia.
Emquanto a van grandeza de sua alma
Nos ifiascinava os olhos, entretanto
Que de suas virtudes mentirosas
Nos deslumbrava a candidez Ungida,
Manhosa serpe no dobrado peito
A peçonha nutria de seus vicios;
No refalsado coraçie lhe ardia
A ijegra tocha de execráveis criraes.
Do popular favor ja precedido,
Caro a patrícios, a plebeus acceito,
idolo de Roma era então César.
Todos n'elle agouravam firme esteio
Da pátria, flue d'então ja começava
A baixar de valor, cahir de glória.
Confesso, eu próprio me ceguei com elle :
Amei-o— amei-o tanto como a filho.
125
Qual o meu coração, minha pousada
Franca sempre lhe foi — E o monstro. . . o monstro
Fingia amar-me ; parecia, ao vé-lo
Nomear-me seu pae tam docemente,
Que me adorava o pérfido. — Servilia. . .
Oh lembrança. . . lembrança de tormento !
ServiKa, minha irman, por essas eras
Dava mate às bellezas mais falladas
Da capital do mundo. Pura e simples,
Sua alma era mais cândida do que ella.
coração, que o rosto debuxava,
Era a mesma innocencia. Viu-a o pérfido ;
Viu-a, attractivos tantos o prenderam :
Sem dó de mim, sem mágoa da innoçente,
Intentou seduzi-la. . . deshoará-la. . •
Marco. . . ai de mim J . . . A tímida donzella
Inexperta cahiu no laço indigno. . .
D'esseÍiorrorQso amor tu foste o fructo;
E a victima infeliz nas anciãs cruas
D'algoz remorso pereceu em breve.
Marco-Brato
Eelle?
Gatão
Abandoaou?a.
Maroo-Bruto
Etu?
126 -
Catão
Eu pude
Vencer commigo a não morrer de pejo.
Marco-Bruto
E esse monstro é meu pae ?
Catão
Gerou-te.
Marco-Bruto
Oh deuses !
Catão
Deves-lhe o dom mesquinho da existência.
Pui eu que te eduquei ; tu es meu filho.
Com os foros de pae vêem mais incargos :
E quem os não cumpriu, pae não é esse.
Marco-Bruto
Mas. . . filho (Velle. . .
Catão
Filho es so de Roma.
Mar oc -Bruto
Devo. . .
Catão
Ser cidadão.
127
Maroo-Bruto
E elle. . .
Gatão
Um tyranno
É algoz, não é pae.
' Maroo-Bruto, « acçio de partir
Oh Roma I oh Roma!
Catão
Aonde vais ?
Maroo-Bruto
Aonde vou !. . . Aonde ?
Vou desafiar de César os furores,
Vou lançar-me por entre essas phalanges,
Procurà-lo, buscar-lhe a ponta á espada,
Guiar-lh'a ao corapao : o sangue impuro,
Que d 'elle recebi, elle que o verta;
E, se o crime o fez pae, o crime apague
O titulo odioso e o nome horrível.
Gatão
E Roma ?
Maicc-Bruto
Ah! Roma...
Catão
Manda-te que vivas :
128
Ordena-t'o Catão em nome d'ella.
Adeus. — Apperta o tempo. Nas muralhas
Vou confortar os raros defensores
Da agonizante liberdade. — Marco !
Marco-Bruto, meu filho, olha o que deves
A Roma, a ti, a mim!
SCENA IV
MRC0-BRUT0 só
Ordena-o Roma ;
Viverei, sim : — manda-o Gatão ; eu vivo.
Mas este sangue. . . oh sangue abominável !
Em sacrifício á morte está votado.
Um de nós, César!. .. — Gemes, natureza?
Quando a pátria folgar — oh, geme embora.
SCENA V
MÀRC0-BRUT0, SEMPRONIO
Sempronio
Viste Decio ?
M&rco-Brato
Ochala que nunca o vira !
Sempronio
Porque ?
129
Maroo-Bruto
^Não sei.
SCENA YI
SEMPR0M0 X
Que enigma, que mysterio
Occulto incerra este dizer de Bruto ? •
Fallou com Decio. . . — e 'ochala (diz elle)
Que nunca o vira!' — Decio prometteu-me
De não partir sem ajustarmos antes
Nossas condições todas. . . — E tam louco
Seria elle que de Marco-Bruto
Fiasse. . , do mais cego enthusiasta
De Catão — o discípulo dilecto...
Nossos communs projectos de vingança?
Não pôde ser : astuto, arteiro é Decio.
E quem sabe ? — mancebo é caro a César,
Que o ama como a filho ; — e rumor corre
De haver entre elles vínculo secreto,
Tacita intelligencia. . . Trahir-me-hia
Decio por amor d'elle ? — Se tal fora ! . . .
Oh, se de tantas lidas e perigos,
Sustos, remorsos, (ai ! também remorsos)
Que esta conspiração me tem custado,
So me rfesta colher o fructo amargo
Que a miúdo vêem traidores — o desprezo,
9
130
O castigo, e — inda mais acerbo ! o escarneo
Do próprio ingrato que lucrou 110 crime !
Embora : mas sacie-se esta sede
De vingança, o intranhavel ódio d^lma.
Depois — oh, depois venha oppróbrio e morte.
Decio não chega ! E o sol cai no horisonte
Precipitado ja. Decerto é ido
(Olhando para um lado da scena)
De Utica. — Oh, ei-lo sai agora as portas.
Se me Irahiu ! . . . E que trahisse : o golpe
Hade dar-se ; jurei-o pela Styge.
Orgulhoso inimigo, hasde prostrar-te
A meus pés ! Ver-te-hei, com estes olhos,
Varreado a Sacra-via — não co'a toga
Negra, que tua stoka vaidade
Ostentava no fóro, no pretório ;
Não ! mas com a vil túnica d'escravo,
No triumpho de César. — Pouco resta
De minha árdua tarefa. Juba, o cego,
O presumpçoso Numida, está certo.
Esta noite, esta noite! — Mas, tranquillos
Serenemos o rosto, e componhamos
A máscara : não veio o tempo ainda
De a rasgar. — Approxiraa-se a hora, dada
De prazo a Juba para aqui nos vermos.
Não tardará. — Ahi vem : — e vem correndo
Agitado. . . sem cor. . .— Oh, se !. . .
r*
131
SCENA VII
SEMPROMO, JUJBA
Juba
Sempronio,
Sempronio, é impossível — impossível !
Não esperes de mim. . . Sabe-se tudo. %
Sempronio
Sabe-se tudo ! — Bárbaro, trahisíe-me !. . .
Juba
Bárbaro!. . . Eu sei, Romano, que sou bárbaro;
Porque. . . não vim ao dia aopé do Tibre.
E tu — nasceste na Cidade-eterna.
Porém esta alma, não a troco... — Juba
Nunca trahiu ninguém, Romano.
Sempronio
Ah príncipe,
Trahir ! Traição é crime que se roce
Por corações como esse ! E tu fizeste
Tal injustiça ao teu amigo ! — Bárbaro!
Imaginaste que te chamei bárbaro !
bárbaro sou eu : e n'ância d'alma
Bárbaro me chamei, traidor, infame,
Que assim te expuz a pérfidas suspeitas :
132
Que por meu zelo — indiscreto, cego,
Demaziado talvez — puz em perigo
À tua glória, a não-manchada fama
Do mais illustre príncipe da terra.
Oh, que este louco amor da liberdade,
Esta cegueira por Catão me perdem !
Jabá
Perdoa-me, Sempronio : essa virtude
Não se finge: venceste, convenceste-me.
Eu duvidava — não de ti, amigo,
Mas de teus sócios. Porcio — tu bem sabes
Que alma é a de Pprcio ! — não confia n'elles,
E era seu zelo não cré de liberdade.
Sempronio
Pois revelaste a Porcio?...
Juba
Ja te disse
Que não sei atraiçoar, Romano. Extremo
Es em suspeitas !
Sempronio
É mais do que extremo,
Excessivo é meu timido receio
fresta causa, meu príncipe. Covarde
• corapão me bate a um rumor leve. . .
Se no inquieto leito em breve somno
133
Repoiso acaso — descompostas larvas
Me pintam na convulsa phantasia
Catão no profanado Capitólio
Rojando ferros. . . e os cruéis motejos
Da soldadesca. . . e o mais cruel surriso
De César triumpbando na sua victima. . .
Ah!...
Jutoa
Não prosigas, que me rasgas alma.
Prompto estou para tudo. Avante ! Salve-se
Catão. Pereça tudo, e salve-se ellé.
— Mas ouve: eu não confiei a Porcio nada
De teus projectos. Porem elle sabe
De sedições em que entram, são cabeças
Muitos de teus mais íntimos amigos.
Fallou-me em Decio, e occultas conferencias..,
Sempronio
Decio !
Juba
Que entre elle e um senador houvera:
Mas não disse quem foi.
Sempronio, fica algum (empo pensatiro
Ahi ves bem certo
Quanto te hei ditto. Insidiosa trama
Em Utica se forma. Esses malvados,
Do dia ao fenecer, querem as portas
134
Abrir ao dictador. Da vil perfídia
Os covardes andores — bem aocerto
Não os conheço. Que imprudente fora,
Em circumstâncias taes, fazer patentes
Ao senado, a Catão minhas suspeitas.:
Príncipe, bem o vês. Desconfianças,
Incerteza cruel acabariam
De desunir de todo os pobres restos
Da agonizante Roma. Tu conheces
De Catão a franqueza descuidada :
Nada teme e de nada se acautella.
Sua politica é aberta, simples
E tal como a sua alma ; os seus projectos
Patentes sempre são. Ignora, odeia
Essa que chamam arte de governo.
Mas ah, quam mal os deuses collocaram
N'este universo d'hoje homem tammanho !
Os séculos de crime, em que vivemos,
Nem d'elle dignos são, nem elle é d'elles>
Cercada de artifícios, de maldades,
É força que a virtude lhe succumba,
Se artifícios também (que os ha com honra)
Não souber cautellosa oppor-lhe a tempo.
Juba
Amigo, tens razão : por tua bócca
Falia a prudência. Dize-me, aconselha-me
que é mister fazer; de que maneira
Cumpre atalhar a desleal perfídia.
135
Minha espada, meu braço, os meus soldados^
Tudo está prompto : falia.
Semproirio
Antes de ludo,
Inviolável segredo é necessário.
Nem Porcio, nem Catão, ninguém o saiba;
Ou baldamos trabalho.
Juba .
* Mas • • •
Sempronio
Depende
Todo o êxito d'aqui. Dá-me a tua dextra:
Ninguém ....
Juba
Morre commigo o meu segredo.
Sempronio
Pois bem. As portas velam do occidente
Soldados teus. Romano algum com elles
Não vigia esta noute. Mal comece
A ingrossar-se o crepúsculo da tarde,
Galladamente com tuas tropas marcha
A imbuscar-te detraz d'aquelles combros
(9*ie ã esquerda vês, não longe da cidade.
D'alli, quando seguras avançarem
As legiées de César, repentino
136
A retaguarda súbito lhe cortas ;
Emtanto nós à frente os commettêmos :
E a que julgam victoria indisputável,
Ser-lhe-ha talvez misérrima ruina.
Juba
Amigo — oh, meu amigo, que ventura
Se Roma eu posso libertar, se um Numida,
Ura bárbaro resgata a escrava Roma !
E Catão — e salvar Catão ! Oh glória
Sem par! — César, sou eu que heide punir-te.
Romano senador, atraiçoaste
A liberdade ; e um príncipe, nascido
Entre escravos, senhor, hade arrancar-te
Da frente o diadema insanguentado. . .
Que o calque o Povo-rei aos pés. — Sempronio,
Admiras-te de ouvir-me? Ve qual força "
Tem o exemplo, os dictames respeitados
De homens como Catão. Nasci, amigo,
No throno : mas se o throno hade custar-me
Uma so violência, um so gemido
Dos infelizes que se crêem nascidos
So para o sustentar — abjuro o throno.
Quanto mais prezo e quero o foro augusto
De cidadão romano, que essa c'roa,
De tanto sangue e lagrymas banhada
Na frente de meu pae! . . . — Meu pae! vingar-te
É so minha ambição. Vingar-te juro.
Go'este braço a teus manes venerandos
137
O tyranno de Roma heide immolar-te.
Oh meu pae, oh, dirige o golpe ardido,
Leva-lh'0 ao coração da tua victima.
César ! César ! ás fúrias implacáveis
Da pallida vingança aqui te voto ;
E sobre essa cabeça criminosa
Seu flagello conjuro. Atros poderes
Do Àverno, ouvi a imprecação tremenda :
'Por vingativas mãos pereça o monstro.
Se às minhas o negais, seja o mais caro
Amigo seu, — seja seu próprio sangue
Que aquelle sangue em vosso altar derrame.
Oh, se um filho elle tem... Justiça eterna
Dos deuses immortaes, ao parricida
Da pátria — puna emQm o parricidio ! '
Sempronio, aparte
Estremeço de ouvi-lo. (Alio) Juba, príncipe,
Modera-te : tuas vozes soam alto ;
(Olhando para dentro da scena)
Podem ouvir-nos. . . — Vês? Porcio caminha
Para aqui. — Não te mostres n'esse estado
De tanta agitação. Disfarça, occulta ;
Ou estamos perdidos. . .
Juba
Não te assustes.
Ferve-me sangue d' Africa nas veias ;
É o sangue de meu pae : mas a alma é filha
138
De Catão que a formou.^— Ves o roeu rosto?
Está sereno agora, e. . .
Sempranio .
Porcio chega.
SCENÂ VIII
SEMPftONIO, JUBA, PORCIO
Porcio
Caro príncipe !
Juba
Amigo !
Venho, Juba,
Despedir-me de ti. Ha longo tempo
Que te procuro em vão ; e a noite vinha
Appertando, — e eu sem alma de ir-me embora,
Para ctízer-te adeus.
Juba
Que dizes, Porcio.
Onde vas ?
Porcio
Ao meu posto. Fui ditoso,
Qm o melhor pude obter, — o de mais p'rigo ;
139
Onde roais derrocadas as muralhas
Aoe primeiros assaltos do inimigo
Hãode ficar expostas. — Vou-me â morte,
Certa, meu Juba ; vou. . .
Sempronio
E a grande alma;
De Porcio desalenta assim no p'rigo?
Poroio, olba para Seaproirio, e sem lhe responder,
v«Ut-se a Jabá
Não me falta a coragem que o arrosta,
Mas fallece a esperança de vencê-lo.
Eu não temo, — temer é de covardes ;
Mas desanimo. Roma está perdida;
E meu pae. . . e Catão não sobrevive
Á Republica. — Sou Romano, Juba ;
E vejo, satisfeito, alçar-se o golpe
Que no altar da pátria bade immolar-me.
Mas sou filho também : e a natureza
É mais forte que Roma. Oh resta ainda
O sacrifício último! — meus olhos
Não te hão de ver, dia de mágoa e lucto!
Succumbe-me a alma!. . . Não, estes meus olhos
Não o hãode ver no instante derradeiro
Fitar ainda a jnoribunda Roma. . .
Príncipe, um não-sei-quê me diz no peito
Que este adeus é talvez o derradeiro
Que me é dado dizer-te. Ó meu amigo,
140
Ga te deixo inda mais do que a minha alma.
Um pae, Juba... e que pae! Não o abandones.
Oh, não o desampares um momento.
Tu conheces Gatão : sua alma nobre
Não se deixa vergar: seus pulsos livres
Não soffrerão grilhõeô : e o braço firme
Primeiro ao coração. . . Adeus, amigo,
Príncipe, amigo, adeus !
Juba
Meu Porcio, escuta ;
Não vejas de tam perto essas desgraças.
Eu tenho esperança ainda. E tu, Sempronio,
Não esperas também ? (Com ar de intelligencia)
Sempronio, baixo
Príncipe !
Juba, para Ptrcío
Amigo,
Também um não-sei-qué me diz no peito
Que esta sanha do fado hade accalmar-se...
Poroio
Oh, cega esp'rança !
Juba
Não é cega, Porcio.
Eu heide — eu posso. . .
141
Sempronio, í parle para Juta
Juba !
Juba
Vai, meu Porcio,
Vai ; cedo nos veremos.
Poroio
E bem cedo.
À formidável hora vem chegando ;
E onde ha perigo, ahi certo está Juba :
<)uem o ignora, meu príncipe ? Lá junctos
Nos veremos ainda — entre os cadáveres
Dos escravos de César ! — Minha esp'rança,
Minha consolação única é essa ;
Que heide morrer assim — livre e vingado.
Meus amigos, adeus! É tarde, e a noite
Ja vai poisando em nossos tristes muros.
Voo á minha estação. Oh, venha cedo
Esse temido e desejado instante I
Venha, que ja me tarda; e acabe um'hora,
Termine de uma vez esta agonia
Tam lenta, tam cruel. — Eu corro, amigo,
coração me diz que â morte certa. . .
Mas, seja ella honrada ! . . . Adeus. (abnrçau-M)
Jabá
Oh Porcio !
ACTO QUARTO
Portas da cidade, do lado de dentro — Noite
SOENA I
MANLIO, SOLDADOS
ManliO, defendendo, m, a saiida da porta contra aipis soldados
ronaios
Detende-vos, traidores. — Gente infame !
Heisde passar porcima do meu corpo.
E soldados romanos sois, indignos !
Soldados de Pompeu ! — Eia, rebeldes,
(Os soldados param diante de Haulio)
Gomeçae n'este velho, que em Pharsalia
Vos guiou contra as hostes do tyranno,
143
Comepae vossos feitos gloriosos.
Aqui estou so, feri : que vos demora !
Oh, faltava-nos mais esta vergonha,
Esta vergonha derradeira ! — Roma,
Ahi tens os teus heroes. Gatão, são esses,
Ei-los, da liberdade os defensores!...
Os soldadas mulram irresoluçà* t pareces et niftar titre
si : mas a ííuai investea com a poria, e atrapeilatt Kaniio. At
mesmo tempo ejUra de fera larco-foilo fniaida uma coierte,
e os repeile para deliro.
SCENAII
MAJSLIO, MAUCO-BRUTO, ele.
Marco-Brnto
Pérfidos !. . . Ah covardes ! Tarde vínheis,
Em má hora. — Soldados, desarmae-os,
Ligae-lh'08 pulsos. . . Ja ! loros d'escravos
N'essas mãos vis ficam melhor que a espada.
(Os soldados de Narco-Brato desarmam e ligam 03 rebelde*)
Mas qué!... Tu, Manlio! — tu também com ellesl
Nunca me inganei eu. — Erguei-o, amigos,
D'esse lodo em que jaz. . . inxovalhando
Em sangue e infâmia as cans. . . as cans traidoras
Do refalsado velho ! — O que eu devia
Co'ésta espada. . . Não ; vive, miserável,
E arrastra ao sepulchro essa vergonha.
144
Manlio, lerutiodo-te ajadido do« tildado*
Impetuoso mancebo, onde apprendeste
À ijajuriar um velho que?. . . Perdôo-te
Mais esta vez : perdoar é para velhos.
— Marco-Bruto, a vergonha está comtigo
Que insultaste, sem causa, as cans honradas
D'um patrício romano — e d'um amigo.
Bruto, esse nome que te inleva tanto,
Não se illustrou assim. O ouro escondido
No báculo, era a imagem da prudência :
E com essa é que Roma foi liberta.
Mar oo -Bruto
O gran'Censor não era mais discreto
Em seus conselhos. Manlio precisava
Defender-se primeiro. . .
Manlio
Defender-me !
Marco-Bruto
Pois não te vi agora?. . .
Manlio
Viste um velho
So, desarmado, e. . . — Não me justifico :
É indigno de mim.
145
SGENA III
GATÃO, precedido de lietores, e soldados romanos com faxos accesos;
MANLIO, MARCO-BRUTO, ele.
Gat&o
Filhos de Romã,
Que é isto ? que fazeis ? que intento é o vosso?
Rebeldes vós, traidores os Romanos!
Manlio, Bruto, fallae: que insânia é esta?
O traidor onde está, quem é? — Dizei-m'o.
Maroo-Bruto
O traidor? — Essç infame.
Gatão
Quem?
Maroo-Bruto
É Manlio.
Gatão
Manlio I... Manlio eu conhepo. — O que?... Observa,
Inexperto mancebo, aquelle rosto.
Ves um traidor alli ? — Marco, meu filho,
O crime. . . o crime tem outro semblante.
Apprende a ler rio corapão dos homens
Pelas linhas da fronte. — Meu amigo,
Perdoa-lhe : seu zelo é cego ainda.
10
146
Manlio
Ja lhe tinha perdoado.
Catão
Ouviste, Marco?
Arrepende-te e eraenda-te, meu filho.. (Paosa)
— Mas que mysterio de perfídia é este?
Sempronio. . . aonde está? Juba? o meu Porcio?
Marco-Brnto
Não sei. Eu no tropel imbaralhado
De tropas fugitivas, de rebeldes,
De combatentes, mortos, de feridos,
Nada vi, nada sei. So sei que o ferro
Sobejos immolou à liberdadç :
So vi, para os ferir, peitos covardes.
A vinganpa, o furor, a sanha da ira
So me deixaram olhos para a espada.
Foi tam cruento e rápido o conflicto !
Mas succedeu-nos bem. Os vis traidores,
E as legiões de César que ja vinham
Direito ás portas e a junctar-se co'elles,
Foram desbaratadas. As phalanges
Leaes cahiram, como raios vivos,
Sobre os montões de escravos que ameaç avam
Esmagar-nos : — tam poucos que nós éramos í
Mas: — ' Avante (bradamos) eia! morra,
'Perepa Roma com seus filhos todos!
4 Foi menos glorioso o sacrificio
147
4 Dos Fabios. Roma um dia hade vingar-nos,
4 Como os vingou a elles. Eia, avante!'
E avante fomos ; e vencemos. Morre
Quanto não foge. Dispersou-se tudo.
Voltámos fartos de matar — cançados
Ainda não. Mas era força : os muros
Desguardecidos, e o temor de nova*
Traição, nos fez volver ás portas de Utica.
Catão
Manlio, mas tu.. . tu immudeces? Falia:
Mata-me esse silencio.
Manlio
O meu silencio. . .
Ah, deixa-m'0, Gatão: — oh, não desejes
Ve-lo quebrado.
Catão
Qué ! Porcio. . . meu filho. . .
Acaso?...
Marco -Bruto
Porcio vela do outro lado
Da cidade, no lanço da muralha
Mais expugnavel — onde se precisam
Defensores como elle.
Catão
E Juba?
148
Marco-Bruto
Juba...
Não me lembra de o ver.
Catão
Que escuto ! Manlio,
príncipe?...
Manlio
Não falles n'esse monstro :
Foi traidor como um bárbaro.
Haroo-Brnto
EUe! — sangue
Não desmente das obras. Um tyranno,
Quando deixa de o ser, é sempre escravo.
Catão
Deuses, guardaveis-me inda o trago acerbo
Para o meu coração! — Fado inimigo,
Ja não consegues abalar-me o peito.
Vi desertar da causa da republica
Seus mais strenuos fautores : vacillante
Pompeu, — e Marco-Tullio arrependido
De seguir nossas míseras fortunas,
Tergiversar, fiigir porflm. . . e a purpura
Consular pela estrada de Tarento
Arrastrando no pó, ir supplicante
Humilhar-se ao tyranno. . . Ah! — tudo hei visto,
Tudo : mas nada me feriu ainda
149
Tam vivo n'alma como Juba ingrato. . .
(Silencio geral. — Gatão dá algumas voltas, passeando,
como abstracto ; — e logo prosegne : )
E Sempronio ?
Manlio
Pois qué! ignoras inda
Que o auctor da traição foi esse indigno ?
Maroo -Bruto
Sempronio ! — Ha poucas horas a mim mesmo
Se me gabou que ousara no senado
Desafiar a Decio, e que. . .
Catão
Apprende,
Marco, d'ahi a conhecer os homens,
O valor verdadeiro não se ufana,
Não blasona atrevido; — cinge a espada,
Mas so no campo de que a tem se lembra.
Marco-Brato
Sempronio !. . . que — a Tibério ja não digo,
Mas nem a Caio-Graccho na vehemencia
Do orar cedia, que à mais leve idea
De servidão bramia mais terrível ! . . .
Catão
Desconfia onde vires tanto zelo
Em palavras : discreto, parco delias
É o verdadeiro amor da liberdade.
150
Manlio
Ah Catão ! dize agora : que esperanças
De Roma tens ainda?
Catão
Eu tenho as mesmas.
Manlio
As mesmas !
Catão
Sim; as de morrer por ella.
Manlio
Ail nem ja isso,. amigo, nos é dado:
Nem um extremo esforço de agonia
Para expirar com glória ! A moribunda
Loba do Capitólio não tem forças
Nem ja para investir, no último arquejo,
Com seus brutaes senhores, e cravar-se,
N'um glorioso e nobre desespero,
Em suas lanças traidoras. Cahiremos
Como rezes era torpe sacriOcio. . .
Imbelle morte, inulta!. . .
Marco-Bruto
Inulta ! Nunca :
Sem se vingar, sem vos vingar, não hade
Perecer Marco-Bruto. — E o holocausto
Hade espantar, hade aterrar o mundo!...
151
Catão
Vingança I E para que ? Que dás á pátria
N'esse holocausto inútil?
Maroo-Bmto
Tu lhe chamas
Inútil ! — O atro sangue cTum tyranno
Desparzido no altar da liberdade,
Inútil pôde ser? — A mão ditosa
Que o ferro imbebe no malvado peito,
Que lhe descose as pérfidas intranhas,
E vai ao coração buscar-lhe a vida
Para cortar-lhe o fio negregado,
Não é mão d'um heroe ? Ha sacrifício
Que apraza mais aos deuses justiçosos?
Oh, que ha vingança que também é nuraen !
Da liberdade a árvore não cresce,
Se a não regar dos déspotas o sangue :
Embora a plantes; não lhe ves ó frueto :
Hade-te ir definhando a pouco e pouco,
E da heivada raiz hãode brotar-lhe
As parasitas plantas, que mui breve
Gigantes crescerão, e hãode assombrar-te.
Vingança! — Eu sempre vi esses Romanos,
Raios da pátria, exemplos de virtude
Imitados por ti, por ti citados,
Sempre os vi abrazados de ira saneia
Ferir sem dó, e derramar sem pena
sangue dos malvados que attentavam
152
Á majestade augusta da republica.
Mais nomes não direi que um so, — antiga
Honra dos meus, cuja tremenda imagem j
Inda no Capitólio brande a espada,
Terror dos reis, e salvação de Roma :
Junio-Bruto. . .
Catão
B que sangue esparziu finito 1
Que vingança tomou ? — Da voz ingente
Aos brados formidáveis se ergueu Roma,
E fugiu pavorosa a tyrannia.
Mas a voz que troou no Capitólio,
E que liade eterna resoar no mundo,.
Os braços não armou, não alçou ferra
Para lavar dos déspotas no sangue
As injúrias da pátria. Sua espada
So desimbainhou para afastà-los "
E não para feri-los. PTesses tempos
(Eras ditosas que não mais veremos !)
A romana altivez, o nobre orgulho
Perdoava generoso, e desdenhava
De inxovalhar o ferro em sangue immundo.
— Sangue correu então : mas qual? seu próprio,
Seu próprio ás mãos do algoz jorrou na terra
Quando os filhos indignos sacrifica
A merecida pena, á morte justa.
Mas privado juiz não foi nem (Telles ;
cutello das leis é que os immola.
— Um tyranno é, sem duvida, na terra
153
O malvado maior: mas nem por isso
Te é licito puni-lo. Magistrados
Que o julguem, leis que o punam — com algozes
Para as executar — tem a republica.
Usurpas também to se em juiz privado
De públicas offensas te institues.
Maroo-Bruto
Mas uma lei, ó pae, tu me insinaste
Que sobre todas respeitar se deve :
Mais veneranda e antiga m'a dizias
Que todas essas leis, — que plebiscitos,
Que senatusconsultos, — em mais clara
Equidade fundada do que o Álbum
Do pretório, — gravada n'outro bronze
Mais durável que as tábuas dos decemviros;
Lei das leis, immutavel e suprema,
— A da salvação pública.
Gatão
difflcU
É conhecer, meu filho, quando a força
D'essa máxima lei quebra a das outras;
Quando o feito que é injusto, opposto a ellas,
A salvação da pátria o revalida.
— fim meus primeiros dias, no ingénuo
Despertar de innocente puberdade,
Me levaram, ó Marco, aos sanguinosos
Paços de Sylla. — De meu pae amigo
154
Fora o monstro! — Inda as carnes se arripiam
Co presente spectaculo que tenho
Deante dos olhos, — do cruor esparso,
Dos palpitantes membros strangulados,
Dos tabescentes, lívidos cadáveres
Nas cruzes pelos átrios; — a viuva
Gemendo além, carpindo o orpham; — e o torvo
Aspecto, o feroz riso dos ministros
Do tyranno, apupando com motejos
As sanguentas cabeças dos mais nobres,
Mais illustres varões que Roma tinha,
E que hasteadas em triumpho hediondo
De atroz pompa levavam. . . Vista horrível !
E. . . inda mais de indignar 1 e mais ainda
As trementes intranhas me excitava,
O ver, o ouvir as turbas circumstantes
Devorando seus trémulos gemidos,
Disfarçando, — cobrindo a face pallida,
Que lhes não vissem a furtiva lagryma !
E a mão, que stringir devia o ferro,
E que talvez segura no mais rijo
Da batalha o brandira, — mal ousava
De ir, co'a orla da toga, a medo e trépida,
Aos olhos que a alma timida arrazava
De feminino pranto. . . — que é o povo ?
que são homens ! — Hontem expulsastes
A Coriolano, porque ousou negar-vos
Os baldios communs : hoje, fugindo,
Abandonais á fúria dos patrícios
155
Graccho que voMos dava ! — E agora. . . O íntimo
D'alma joven, ardente me anciava
Co spectaculo feio c vil. — l E como
(Disse a meu pedagogo) como em Roma
4 Não ha quem mate Sylla ! ' — 'Não (me torna
Branco de medo o velho), não; detestam-n'o:
l Mas temem-n'o inda mais.' — ' E porque (cego
De ira lhe respondi) porque uma espada
1 Me não dás, que o vou eu matar — e livro
4 A pátria?'— A grande custo me conteve,
E me levou d'alli o ancião prudente;
Nem la voltámos. — Vinha de bom ânimo
A tenção : mas que importa ! Mário ahi estava
Para inutilizar o feito ardido,
Se meu infante braço o executara.
— Ah! que fructo da pátria ao bem resulta
Com lhe ficar um déspota de menos ?
Vanglorioso do golpe que vibraste,
Cuidas que o monstro feneceu com elle ?
Inganas-te : as cem frontes d'essa hydra
De seu próprio veneno reproduzem ;
Por uma que decepas, mil te surgem :
Mal, que julgavas ter de todo extincto,
Então se aggrava mais.
Maroo-Bmto
Quê I socegados
Veremos ingolphar no abysmo a pátria,
E tranquillos no meio da procella,
156
Ve-la-hemos assim ir-se affundando
No mar da escravidão ! Ànciada embora
Supplices mãos estenda aos filhos caros ;
Que os virtuosos filhos não se atrevem
À perpetrar o crime de salvá-la. . .
É virtude — confesso — que me admira,
•Que jamais conheci.
Catão
Na tua edade
Respeitam-se os anciãos, ouve-se e apprende-se.
Mancebo, escuta: — Libertar a pátria,
E dar pelo resgate a própria vida,
Não é mais que dever ; grande heroísmo,
Acções de glória, n'isso não as vejo:
homem que assim obrou foi homem de honra,
Cumpriu sua obrigação. — Mas outros meios
Tem de empregar mais certos, mais seguros,
Quem se abalança a imprésa tam difficil,
Se baldos não quer ver cuidado e riscos.
Desaffogar a pátria de um tyranno,
É transitório allivio : impeiora a raiudo
Co esse remédio o mal; tens cem tyrannos
Em vez de um : nem talentos nem virtudes
Occuparão, no Estado, o grau supremo
Entre vis demagogos repartido
Por facções, por subornos, peitas, crimes.
Tincta era em sangue a purpura, — era férreo
sceptro do tyranno : mas as togas
157
Dos decemviros ! . . . tinge-as cruor negro,
E pallidos veneno» as mosqueam
De nódoas que revêem torpeza, infâmia,
Flagicios! — Que lucrámos na mudança
Perigosa ? Os procônsules os mesmos
Peculadores ; servos os tribunos
E facciosos; avara e perdulária
A questura, roubando o derradeiro
Sestércio ao povo, a última drachma ao Erário ;
Os pretores vendendo em hasta pública
A justiça; — emfim todo o mesmo vício,
A mesma corrupção, — mais desfaçada,
Mais clara so, mais despejada. — E é esta,
É esta a liberdade que nos destes !
E são estas, decemviros, as tábuas
Da promettida lei, que tanto tempo
Levaram a gravar ! — Veio Apio-Claudio
Fazer chorar em Roma por Tarquinio . . . [fim]
— Se queres libertar-nos, corta rijo,
Corta pela raiz a tyrannia,
Cerceando por abusos, profundando
Nas fistulosas úlceras do Estado,
E levando c'o bálsamo o cautério
Ao mais solapado — onde a peçonha
Do arraigado cancro tem nascença.
Depois o faxo da razão accende
Com mãos puras e limpas de interesse. . .
Puras! —que em dextra sórdida essa tea
É labareda sem clarão, — que abraza
158
Sem dar luz — queima e rápida devora
Antes que um so vislumbre rompa as trevas,
Que, em vez de dissipar, deixou mais crassas,
— Com elle, coasse faxo luminoso
A teus concidadãos mostra a vereda
Que ao alcapar conduz da liberdade,
Não coroado de spolios sanguinosos
Mas puro todo e cândido como ella.
Salva-os das convulsões, da crise horrível
Que as populares commoções arrastram ;
Moderação e paz reine em teus lábios;
Generoso perdoa, austero pune,
Mas pelo orgam da lei, mas so com ella.
Os pendões hastear da Liberdade
Nas ameias da horrífica Discórdia,
Grito amotinador alçar aos povos
Para os deixar no cahos da anarchia,
Mutuamente e á porfia destruir-se,
É querer lacerar o seio á pátria
Sem jamais a salvar.
Manlio
Homem como este,
Geu, creaste-o jamais, tu viste-o, mundo? (Ot-
ve-sc vozeria e tumulto de soldados de fora dos muros.)
Marco Bruto (ob.errt da porta}
Oh! que tumulto é este? — Numerosa
Legião. . . de peões e cavalleiros. . .
159
E de César não são : — e nem Romanos
Tampouco. — Ah ! são Numidas. . . E Juba
Com elles. O traidor ! Qué ! pensa o bárbaro
Surprehender-nos ja, e vem ? . . . (desimbainhaodo
a escada e tollando-se para os soldados)
Amigos
A elles ! — Não sois vós os veteranos
De Pompeu ? Co'esses bárbaros em terra.
E seja — se ha de ser o derradeiro!
Um derradeiro feito de justiça,
— Castigar esses pérfidos — o nosso. "
Manlio
Quê! sahir-lh'ao incontro — com tam poucos
Homens de lança — a única defesa
D'estes muros desertos! — E elles tantos
Os bárbaros! — Não fora mais prudente
Cerrar as portas e ? . . .
Catão
Detem-te, Marco, (depofe
de observar o tropel dos Numidas que vem approximaodo,
volta da porta e prosegue:)
E contém esses bravos companheiros
De honrada desventura. — Abri mais amplas
As portas, retirae-vos a, esse lado,
Deixae-me so c'os Numidas.
Manlio
Tu! nunca.
A ti é que elles iuscam.
160
Maroo-Brnto
So com ellesl...
Não te obedeço. — Amigos, companheiros,
Defendamos Gatão ; morramos todos. • .
Gatão (alçando a roz com seieridade)
Soldados, eu governo ainda em Utica (« solda-
dos obedeceis.)
Manlio, Bruto, ide vós. . . ide e pejae-vos
Do exemplo que vos deram. (Betitam-se avkos paia
ao pé dos soldados ; Catão prosegue com braadua:)
Filho, amigo,
Socegae : nem as barbaras cabildas
De Juba, nem as hostes ordenadas
De Júlio teem poder sobre esta vida.
Posso morrer aqui — não ás mãos d'elles. (le-
simbainha a espada; abre as portas de par em par, e fica
so, no meio delias.)
SCENA IV
GATÃO, MARC0-BRUT0, MANLIO, JUBA, SEMPRQM0,
SOLDADOS NUMIDAS, ROMANOS, ETG.
As legiões munidas param fira das portas; Jabá entra só com alguns
soldados conduzindo Sempranio algemado.
Catão
Que é isto, Juba?— a que voltaste?
161
Marco-Bruto
Infames !
Catão
Não respondes?— Sempronio era ferros! Falia,
Sempronio, explica-me esle enigma. Voltas
Como um escravo a seu senhor : — escravos
São para César; n'estes pobres muros
Não os ha.— Immudeces?— E tu, príncipe,
Tu callado também? Falia, não temas.
Teus soldados ahi estão.
Juba
Os meus soldados
São auxiliares teus e da republica.
Gatão (prosejjaiado mb • alteiler)
Não tens que receiar : não es Romano,
Nem deveres de pátria te obrigavam
A seguir nossos fados. Tomar parte
Na sorte do infeliz é peso grave
Que a descontento amigos vão levando,
Levando — até que emfim ja se não soffre :
Arrojá-lo quizeste : não te culpo.
Os vinculos do alliado te prendiam. . .
Mas de taes allianpas que proveito
Havias de tirar ? Desgraças, p'rigos,
Talvez a morte. — Vai, segue a ventura :
O ceu derrame sobre ti mil benpams.
íi
162
Jabá
Bem a mereço, a exprobração amarga
D'essa ironia. — Fiz-me abjecto, flz-me
Vil a meus próprios olhos. Desprezae-me, (pausa)
Romanos: sou um bárbaro. Ah, não bate
Em tossos peitos coração mais puro
Que o do bárbaro, — zelo mais ardente
De liberdade não vos queima o sangue ! (pausa)
Mas quiMo o fado assim. Cuidei aomenos,
Ó Gatão, que arguir-me te dignasses!
Esperava castigo de meu erro,
E encontro oppróbrio so. — teu desprezo,
teu desprezo. . . não, não o mereço.
Juba foi cego, louco, arrebatado,
Foi desobediente a teus preceitos,
É criminoso, mas traidor não. — Ouve,
Ouve-me por piedade, e depois julga.
Catão
Falia, príncipe : ouvir-te é dever nosso.
Julgar-te! Quem, aqui? — Ja houve tempo
Em que Roma julgava os reis da terra.
Juba
Oh, oiça-me Catão, julgue-me ; — e aksolva-me
Se poder, — que eu não quero outra sentença. (Pausa
considerai •!)
Sempronio, tu es senador romano,
Eu um chefe de Sumidas selvagens.
Teu testimunho invoco, e me contento
163
So com «alie,— Fui eu traidor a Roma?
Desmereci do titulo prezado
De amigo de Catão ? — Tu não respondes,
E surris I Próprio é o riso : mofa e escaroeo
Mereço teu— *e de tá... com mais justiça. (Apontando
pari Sefflpnfflie)
Catão, esse. . . esse pérfido inganou-me :
Meu natural singelo e poucos ânuos
Gahiram fácil no inredado laço
Que de vagar e ha muito anda tecendo.
PersuadiíHme— e algum nuimen inimigo
Me fascinava -então ! que a salvar Roma
Me fadavam os céus, e a punir César;
Que em Ujica tramava poderosa
Conjuração occulta, que esta noite
Ao dictador as portas abriria,
E vivo em suas mãos ia mtregar-te.
Estremeci de horror, perdi áe todo
A razão; ajudou-o o meu enleio:
Tudo obteve de mim. Na hora aprazada. . .
Na hora que aprazada elle dizia
Pelos conspiradores, manso deixo
A porta do oceideaate, «que eu guardava
Go's meus Numidas. — Saio ; e maL, um tiro
De setta, me aflastára das muralhas,
Confcaço, mas ja tarde, a vil perfídia.
Da parta, que eu deixara quasi inerme,
Seus sócios ma traição MDfapem, — >e as hostes
De César, que imbuscadas o aguardavam,
/• *■
164
Se juntam co'elles. Desmaiei de cholera,
De vergonha e despeito. Mas foi prompta
Minha resolução. Sem lhes dar tempo
A mais, invisto c'o poder immenso
Do inimigo. Brado allarma; e allarma
Me respondem dos muros. Commandadas
— Não conheci por quem — fieis cohortes
Sahem a sustentar-me. Trava, ás cegas,
Pela treva o conflicto : ambos á uma
De oppostos lados, Numida e Romano,
Dêmos sobre o traidor e sobre as hostes
Do tyranno de Roma, — que ingodadas
Das promessas do indigno, mal cuidavam
Incontrar tam porfiada resistência,.
Tanto contrário, aonde sem peleja
Contavam co'a victoria. Rechassadas
Foram completamente. Ia devolta
Na fuga o scelerado :— descubri-o,
Corri sobre elle ; — e fomos longo espapo
No arriscado impenho os cavalleiros
Todos : porém valia a pena e o p'rigo,
Valia tudo ! — Segurei-o eu próprio
Co'éstas mãos,— fiz lanpar-lhe essas algemas,
E salvei para os golpes dos lictores
A torpe vida, que anhelavam todos
Arrancar-lhe á porfia. . .Ah, nem tu sabes
Não. . . nem tu sabes inda quantos crimes
Tens que lavar no sangue do malvado !
Porcio. . .
165
*
CatSo (iiterrampeido-a)
Meu filho?.,.
Juba
Assâssinou-o o infame.
Catão
Respiro, oh céus ! traidor não foi meu filho.
(Silencio longo)
Marco-Brnto
Covarde, e como tanto ousou teu braço
Fraco ?— tam fraco e vil como a tua alma.
Juba
Ousar! — Foi á traição.
Maroo-Brtito
Monstro !
Manlio
Oh, ei-lo,
Ei-lo ahi, moribundo o vêem trazendo.
Que miseranda vista — oh, que espectáculo
Para os olhos de um pae ! Porcio deitado em unas
andas formadas de escudos e lanças, aos hombros de solda-
dos numidas, e guardado por considerável numero.de cavai-
leiros numidas, vem lentamente approiimando-se da porta da
cidade; passa por entre as legiões de Juba, que lhe abrem
aias. Ouvem-sc gemidos, e o lamentar discorde de Romanos,
de Numidas e do povo que vai acudindo.
166'
SCENA.
CATÃO, MARGO-BRDTOi MANLIO, SEMPRONIO,
JUBA, PORCIO, ctc.
Catão (indo w inrtiitro do
Vem, vem, meu mito-,
Nos braços de teu pae morrer com honra.
Ve dos olhos paternos, ve correr-me
Estas fagrymas —doces, não dte pena,
Meu Pbrcio, não de dor, mas de saudade-, (fflta-
çando-se com elie)
Morres homem, meu filho, e morres livre.
Oh, não te pêze de deixar a vida.
Que te fica na terra?— que perdeste ?
Um mundo indigno, baldo de virtudes,
Farto de crimes— solidões juncadas
De mortos, moribundos — e assassinos.
Faroioi
E. . . o pae. . . que eu deixo. . . — Adens! (ftrw
eMiM d* pae e expira.)
Catão
Morre, meu Porcio,
Que vives para 1 a glória ! Oh caro filho,
Sobe, alma venturosa, â eternidade ! (Indina-se
sobre o cadáver, e fica algum tempo com a face esoomBda,
11-1-"»-
167
soluçaste bahi e coo» quem se conpáiua. — LeBfd sifen-
cio.— Levaste-se e pnjw§na:)
Meus amigos, chorei : não me invergonho (in-
chugando o rosto)
De ser homem. — Está pago o tributo
Á natureza. — Agora Roma. (Dá algunns passos, e in-
çara outra Ytr cwr <y cadáver)
Filho !
Meu filho, tu não hasde w-la escrava!
Deram4e abençoada morte os deuses. (Pausa breve)
Tu choras, Marca— e tu, Manlio — e vós todbs,
Amigos ? — Eu sou pae, e ja não choro,.
Animo ! vinde T approxiitrae-vos d'elle ;
Contemos as. feridSas gloriosas
D'este cadáver. Nunca tam formoso
Me pareceste, meu querido Porcto. .. (beju-o» muar
e muitas veie»)
Bejo esta face pallida, esta fronte
Impastada de sangue, e estas mãos hirtas. ...
Ah, que !. . . (fea algum tempo atatçaáo eo» o cadavef T t
em silencio)
— Levae-o amigos.
Marocv-Bruto
Não; defcende-voe.
Não hade? ir a jazigo deshonra*
O corpo do heroe. Aqui & sangue
Do matador queremos. Pede-o Roma,
PedimoMo- nós todos, e é devido
168
A seus manes. Soldados, companheiros,
Dizei-o : soffrereis taramanha injúria ?
Povo e soldados
Morra, morra o traidor.
Catão (côa severidade aoi saldadas e porá]
Basta. (Depois de longa pau-
sa, Yolta-se para Sempronio)
Sempronio,
Eu já fui pae — e sou Romano ainda.
Ves aquelle cadáver?— é meu filho:
Tu m'o roubaste. . . — Com algoz perfídia
Machinaste o exicio da republica ;
E co'as mãos parricidas— impio ! — foste
Á garganta da pátria moribunda
Para afogar-lhe o derradeiro alento.
— Todos quantos ahi ves pedem tua morte;
Pedem teu sangue as leis e a natureza.
Mas eu posso perdoar. . . Roma não deve.
Malvado, treme : a espada da justiça
Sobre tua cabeça está pendente. (Volia-se para os
soldados)
Dos crimes ao maior, pena a mais crua,
Nós a devemos, filhos de Quirino :
Morra. . . Sim, morra para sempre o pérfido:
Tirae-lhe esses grilhões, abri-lhe as portas.
Péza-lhe a liberdade ? aos ferros corra :
Para Roma expirou, — com César viva.
169
Manlio
Oh virtude !
Juba
Oh sentença de Romano !
Sempronio
Triuraphaste de mim : essa grandeza
Inda é maior. . . maior do que o meu ódio ! (Sol-
taun'o os liclores, d o põem (ora das portas.]
SGENA VI
CATÃO, MARCO-BRUTO, MANLIO, soldados, etc.
I
Manlio
Mas duvido que possas impedir-lhe
Que o furor dos soldados. . .
Catão
Um Romano
Em sangue tal não inxovalha a espada.
Lictores, de Sempronio o vil castigo
Annunciae ás cohortes; e intimae-lhe
Que é não ser cidadão, frustrar-lhe a pena.
Maroo-Bruto
Oh meu pae ! a teus pés deixa prostrar-me ;
Deixa adorar em ti. . .
170
Ergue-te, filho;
Eu fiz o meu dever : nw te accostumes
A admirar com espanto uma acção boa.
Faze hábito da honra e da virtude,
E so te admirarás de ver um crime. (Sahem todos
accompankaséo tf eadawr do Porei*)
ACTO QUINTO
Galeria aberta, com columnas. Os intervallos do perístylio
são tomadas* oom; eortinas corrediças.— Yè-se perto o mareai-
gumas naus romanas.— De outro lado, parte das muralhas da.
cidade.— Vem amanhecendo.
SCENA I
GATÃO, LIBERTOS
Os libertos estio em distada, no fajuto da soena. Catão apparoce sentada
e lendo. Sobre o ábaco, em qne descansa o Iirro, alguns rolos de pergaminho
e uma espmh> mm. Depoií de ler algum tampo, fecha o Iirro; péjra na esptd*,
examina-lhe o gonwe a ponta, e tom* a poisaria sola o ataco.
Ca&ao (reptrand* nos» libertos)
Ainda não é tempo. — Oà !. . . Ide a Maiilio y
E charaae-m'© aqui logo. — Ide vós todos.
172
SCENA II
GATÃO, só, torna a pegar no lirro
Consolaste-me, Sócrates: não morre
Com este corpo o espirito que o anima.
Ja me não prendem dúvidas; fujamos
Do vil cárcere : a morte so é termo
Da vida,— da existência não. . . No intimo
D'alma o pôz Deus o sentimento vivo
Da eternidade. Este viver continuo
D'esp'ranpas, este anciar pelo futuro,
Este horror da anniquilação, e o vago
Desejo de outra vida mais ditosa,
O que são? — Indistinctas, mas seguras
Reminiscências da perdida pátria.
E saudades de voltar a ella. (Leianta-se)
Ver-te-hei, mansão dos justos!. . . — sepulchro
Não é jazigo é estrada. — Convenceste
A minha alma, Platão: heide incostar-me
Tranquillo e repousado no atahude,
Como viajante reclinado à poppa
Da galé que em bonança vai cingrando
Com brandos ventos para o porto amigo. (8cn-
U-se, lê breve espaço, e torna a levantar-se)
Inda me resta que fazer na terra;
Deveres sacratíssimos, restrictas
Obrigações. — Fiel e honrado é Manlio;
Vou confiar-lhe tudo. . . Oh, ei-lo chega.
173
SCENA III
GATÃO, MANLIO
Catão
Manlio, ouve-me attento. A tua dextra
Em pinhor do segredo.
Manlio
Ei-la.
Catão
Romanas
São ainda estas mãos: não, meu amigo?
Manlio
E duvida-o Catão?
Catão
Não, não duvida.
Manlio
Pois bem, falia, eu te escuto.
Catão (deptií de brere pausa, cbegando-ie para aopé da galeria)
Que formoso
Vem arraiando o alvor ténue do dia !
Ves, Manlio ? — Como é bello este universo !
ra
Quanto mais belia não será a etherea
Região que de tam longe reverbera
Toda essa formosura ! — Observa, amigo,
Aquella estrellapàlHda: é a ultima
Que ficou no luctar da luz co'as trevas
Do incerto crepusc'lo. Gbega-lhe a hora
Emfim, — morre... Mas ámanhaa troada
À verás de luz nova e mais brilhante
No firmamento azul. Não heide eu ve-la. . .
D'este lado da campa, aomenos. . .
Manlio
Gomo !
Não te percebo. Quê ! — tu. . .
Catão
Descansado
Serei ja a essa hora no jazigo.
M«nHo
Tu!
Catão
Sim.
Manlio
Pois quê ! perdeste ja de todo
Aquellas esperanças?
Catão
Mo ; nem perco.
TC5
Ves esta espada? N'ella so as linha:
Não me serviu a libéria* a pátria,
Serve para morrer.
Ma nl i o
Tu!
Gatão
Sim, amigo,
Eu.
Hanlio
Nem assim ! ai! nem assim. . . É inútil.
Foi tempo — ja lá vai — em que o cadáver
D'um cidadão romano, goltejando
Sangue no foro, incendiava as turbas,
E era como um vexillo formidável
D'emtôrno ao qual suas férvidas phalanges
A pública-vindieta arrebanhava.
Mas hoje !.• . o callo da cerviz passou-lhes
Ao corapão : nem ha. . .
Oatao
Sobre esses males
So me resta gemer : assas contra elles
Luctei debalde.
Manlio
Então. . .
Gat&o
Goa minha morte
176
So este coração, so a minha alma
Quero salvar do crime.
Manlio
crime é d'elle,
Do tyranno, e não nosso. . . ou é da sorte.
Se Deus Óptimo Máximo o permitte,
O homem fraco...
Catão
Não faças tam pequeno
Nem tanto abatas o homem. Pouco vale
Se escravo das paixões, fraco se deixa
Ir ao sabor das ondas do destino.
Mas o homem que é digno de ser homem,
varão forte, que o revez inçara
D'avessos fados, que lhe appara os golpes
No adamantino escudo da virtude,
Que, arca por arca, lucta c'o infortúnio
E consegue atterrá-lo — oh, esse é grande,
Esse não teme, desafia a sorte.
Por certo não é crime ser escravo,
So desventura grande ; mas, podendo
Espedaçar os ferros vergonhosos, .
Não o fazer é vil baixeza torpe,
É covardia, — e a covardia é crime.
A natureza, que nos deu a vida. . .
A natureza — Deus Óptimo Máximo,
Deu-nos co'a vida essenciaes direitos,
Inalienáveis, que são parte (Telia ;
177
Deveres nos impôz strictos, sagrados,
Condições da mercê. Quem perde aquelles,
Posterga essoutros, e so preza e guarda
O dom da vida — offende a natureza
E ottraja o Creador.
Manlio
E pôde o homem,
Com sua falha razão, acertar justo
N'esse termo?.. . E se errar ?- — Porque não hade
mesmo Sòprò Eterno que dá vida,
Distribuir a morte ?
Gatão
E eu morro, amigo,
Quando a minha alma eterna assim liberto
Dos vínculos do corpo ? Se esta essência
Que da vida ás funcções em nós preside,
Porção da Divindade, é pura essência
De espirito immortal, não obro crime,
Não renuncio á dadiva celeste
Se a livro de baldões, e denodado
De oppróbrio indigno a salvo. E se, ao contrario,
Combinação fortuita do acaso
Me formou a matéria ; se a minha alma
Morredoura e mortal como o meu corpo. . .
Manlio
Ainda então. . . — E essa doutrina abjuro. . .
12
178
Catão
Abjuro-a eu também. Abhorrecido
Seja dos homens, e de Deus malditto
impio que a propagar ; — morra, e castiga
Lhe não quero maior ! — crendo o que insina r
Hanlio
Pois bem. Mas ainda então, e se tal fosse
A triste realidade, outro motivo I
Deveria prender-te.
Gatão
Qual?
Manlio
A pátria.
Catão
A pátria. . . pátria — e agora !
Manlio
Sim. — Perdoa
O sincero fallar, amigo, a um velho :
Quanto es, bem sei, por ella te has votado ;
Gatão so com sua espada e com seu nome
Defendeu a republica, e de Roma
Protegeu a orphandade, quando todos,
Vil ! — a desampararam os seus filhos ! j
Mas agora no extremo, n'este afilicto,
Appertado momento da agonia,
Na hora do passamento é que a abandonas ?. • *
179
SCENA IV
CATÃO, MANLIO, JUBA-
Juba
Catão, ao porto, ao porto! O vento serve,
Estão prestes as naus. Bruto me manda
Dizer-te que não tardes. As cohortes
De César assaltaram de repente,
E por todos os lados nos investem.
As muralhas esbroam-se a pedaços
Sob os golpes do aríete incessante :
Raros sobre ellas, a um e um, se contam
Da liberdade os tristes defensores :
Mas com elles é Bruto ; disputadas
Hãode ser as ruinas palmo a palmo,
No emtanto, ao porto ! Bruto assim t'o roga :
Nos muros basta elle : — e defender-nos
Muito tempo, é impossível.
Qatao
Bem : a hora
Chega emfim. — E os velhos senadores,
E o povo?
Juba
Esse tropel de gente inerme
Andam como alienados pelas ruas
Bradando, lamentando ; — outros furiosos
180
Sobem aos muros de impeto e se arrojam,
A perecer, nas lanças inimigas.
Recresce a confusão com o alarido
Das mulheres que vão de templo a templo
Huivando espavoridas, desgrenhadas.
Velhos, crianças — miseranda vista !
As seguem com tristíssimos gemidos :
E c'os nomes dos deuses, de mistura,
teu invocam : por ti choram, clamam,
E ullulando 'Catão' desatinados
Vagam áquem, além. — Escuta: ahi correm
Para este lado. Ouve-los? — Receio
Que se atrevam talvez. . . Ha sediciosos
Entre elles : e é prudente. . . (Tira a espada e ekrça-
se para as colnmnas: Ihnlio faz o mesmo)
Catão
Juba, Manlio,
Que pretendeis ? Deixae para o tyranno
O acutillar o povo : o officio é d'elle
Que lhe tem medo, eu não.
SCENA Y
CATÃO, MANLIO, JUBA, povo
Povo (de fira)
Gatão, acode,
Gatão, acode ao povo !
181
Gatão (corre as cortinas do peristjlio ; e apparece a praia
coberta de povo, e qual Tem subindo a escadaria qnaii até o bítcJ da sceoa ;
Catão dirige-se a el!es)
Meus amigos,
Que quereis ? Aqui estou. Quereis meu sangue ?
Tomae-o.
POTO
Não, não, não !
Um do povo
Pereça o ingrato
Que de seu sangue té á ultima gotta
Por ti não der !
Povo
Perepa !
Catão
Povo de lítica,
Romanos — que vós sois Romanos ainda,
Que pretendeis ? As legiões de César
Estão ja sobre nós. Esse alvoroto,
Esse ajcclamar o nome d'um proscripio
Moverá sua cholera tremenda
Contra vós. Ide em paz, amigos, ide.
Meu coração trasborda agradecido
Co esse applauso sincero e não suspeito. . .
Mas, Uticenses — não deis pasto às iras
De César : sua causa vencedora
Achou graça ante os numes. Ide, oh, ide;
182
E guardae (Teste impeto primeiro
Os filhos, as esposas. Não façamos
Mais victimas. Escape ao sacrifício
Algum siquer de quantos se atreveram
A ser amigos de Catão. . . (gemidos e choro geral en-
tre o povo)
Um do povo
Quem hade
Desemparar o bemfeitor, o amigo,
pae do povo, o protector constante,
A nossa última esp' rança?
Povo
Ninguém. — Morra
Quem o desemparar.
Catão
Basta, meus filhos. . . (para lanlio)
Eu não posso deixar de internecer-me
Com tanta devoção, Manlio, — e n'ésta hora ! (para o
povo)
Basta, que me rasgais os seios d'alma.
Não as ouvis cahir, essas muralhas
De vossa forte pátria ? Raza em terra
Cos areaes será lítica em breve... .
Olhae ! não vedes como vêem com ellas
Alanceados, partidos a pedaços,
A suverter-se no montão das ruinas
Os poucos, derradeiros defensores
183
Que nos restavam ? Oh, tende piedade
De vós, de vós !
Um velho
A nossa vida é nada :
Somos velhos inúteis.
Uma mulher
E mulheres,
Que não podemos defender a pátria,
A liberdade.
Um velho
Mas queremos todos
Morrer por seu magnânimo caudilho.
Povo
Queremos! — por Catão! — morrer!
Catão
Oh César,
Assim não triumphaste nunca!— Amigos,
É forposo; curvêmo^nos ao fado.
Fizemos quanto humano esforço dava;
Mais não podemos, que é tentar os deuses.
Concidadãos, não tenho mais que dar-vos:
Conselhos só; — ouvi-os, attendei-os.
Pae me chamastes? — Escutae a extrema
Vontade, o último rogo e mandamento
De um pae. . . e promettei-m'o aqui n'estahora
Solemne, — n'este instante derradeiro
184
Da despedida — promettei cumpri-la :
Jurae-m'o, filhos!
Povo
Sim, juramos.
Gatão .
Ide;
Obedecei á voz agonizante
De Roma que vos falia por meus lábios.
Salvae-vos I Ahi estão naus apparelhadas
Para quantos não ousam confiar-se
Na clemência de César. . . A clemência
De César! — A seus lares socegados
Voltem os outros. Ide, foge o tempo:
Adeus!
Um do povo
Vem tu comnosco, e iremos todos
Contentes inda além das portas d'Hercules.
Povo
Vem, vem comnosco, pae !
Um do povo
Sos onde iremos?
Sos, sem Catão, não vamos.
Povo
Não ! não vamos.
(Grande ronor eitre a povo)
185
Gatão» a grandes brades
Perjuros! renuncio ao vosso aífecto.
Desobedientes, vosso amor fingido
Lanço de mim; e impreco os sanctos deuses
Que sobre vós. . .
Povo
Catão, não nos maldigas :
Obedecemos ja. (Começa a dispersar-se o pw)
Catão
Filhos de Roma,
Não meus, — filhos de Roma, e dignos d'ella,
Proteja-vos o Deus que a desempara
Por nossos crimes — e a vós vos salve^
Que innocentes sois d'elles. (Vai-se retirando o p <wo,
parte para as naus, parte para o iateriar da (idade)
SCENA VI
CATÃO, MÀNLK), JtM
Catão
Vai, meu príncipe
Com a tua presença — que eu não posso,
Commoveu-me demais este spectaculo !
Pôr ordem n'esse embarque. Reservada
Das triremes fique uma : é para Manlio,
Para ti, — para aqueffes que poderem
Escapar.
186
Juba
Mas. • •
Gatão
Qué?
Juba
Oiço a cada instante
Redobrar o conflicto. . . E eu Jonge d'eUe !
Que dirá de mimNumida e Romano?
— D'aqui... oh, d'aqui vejo Marco-Bruto
So, impávido, e firme como o Atlante,
Em pé sobre um accervo de ruinas,
De pedras — cimentadas com cadáveres
E sangue ! — d'aqui lhe oiço a voz ingente
A Romanos e a Numidas bradando,
Dando ordens; e co'a intrépida firmeza
D'aquella alma, so menor que a tua,
Sustentando, contendo o marte adverso. . .
— E a mim de tanto p'rigo e tanta glória
Não me hade caber nada !
Catão
Nobre Juba,
louro dos heroes custa mais sangue
E lagrymas, do que águas leva o Tibre,
A cujas ribas cresce a fatal rama.
É mais bella, mais pura e digna do homem
A do carvalho cívico. Vai, Juba :
Salva esses cidadãos. Eu também tenho
187
Amor á minha glória, e aqui estou. — Quanto
Pôde inda Bruto sustentar-se ?
Jabá
Uma hora
Breve, escassa. . . (Olha da galeria)
Nem tanto porventura !
Oh, Catão, approveita-a, que...
Gatão
Não tarda
A minha hora. . . mas não veio ainda.
— Vai onde te pedi, vai : não descanço
Emquanto estas galés não desafferram.
SOENA VII
CATÃO, MAKLIO
Gatão
Manlio, em que pensas tam profundo ?
Manlio
Penso
Na desgrapa de Roma,— que, de todos
Abandonada, nem Catão lhe acode.
Gatão
Outra vez t'o repitto : meu amigo,
Eu — que posso eu j'agora?
188
Manlio
Podes muito.
Teu nome e auctoridade é respeitado
Do dictador. Podes tentar aomenos
Um derradeiro esforço a pró de Roma :
Talvez ainda stipular com Gesar. . .
Gatão
Com Gesar stipular ! Entrar em pactos
Com o forte não pôde o fraco : estala,
Antes de dado, o laço da alliança,
Da convenção, do nome que mais queiras
A taes convénios dar. — Amigo, é baldo,
É louco esperar nada mais de Roma.
Eu resisti por honra, por estricto
Cívico pundonor, — não que esperasse
Fructo da resistência : fructo, digo,
Para o colhermos nós ; que a resistência
Do povo a seus tyrannos e oppressores,
Nunca é van, não se perde. Mallograda
A vemos hoje : e o coração fallece
A quem ve tanto sangue derramado,
Tanto infeliz, tanta miséria — e tudo
Em vão. . . — Mas não foi vão! — Virá um dia. . .
Quando, não sei ; a Sempiterna Essência
Em tábuas de diamante o tem marcado :
Virá um dia. . . — Mas é longe ainda
Esse dia de nós. — Ai! quantas vezes
temos ditto ambos ! Inda agora
189
M'o repettiste, Manlio : Roma é serva
No coração, tem alma escrava ha muito,
Precisa de tyranno. Catilina,
Sylla, Mário cahiram de pouca arte,
De pouco expertos no mester difflcil
De dourar os grilhões : foram lançar-ll^os
Rudos, negros ao collo inda lembrado
De antigas ufanias. Júlio é outro :
Sobeja-lhe arte para ser tyranno
De sua pátria decrépita. — Não mata,
Algoz que é so cruel, a liberdade :
sangue não a affoga ; reverdece
No martyrio. — Senhor, como esse, fora
Uma benção do ceu sobre a republica
Emquanto ella tem forças para a cura,
Que, ja'gora, so pôde dar-lhe o ferro
D'um tyranno — que rasga, dilacera,
Estimula, espedaça, — mas, ás vezes,
Como a espada de Achilles fabulada,
Sara o que fere. — Porém César I. . . Gesar
É tyranno mais dobre, mais astuto.
Esse é traidor algoz : não mata a ferro,
E so vai propinando lentamente
Venenos incubertos, disfarçados,
Que, sem travar nos lábios levam morte
Ao coração, — e o derradeiro affogam
Desejo, idea, imagem da proscripta
Liberdade . . . (silencio lentp)
Oh! — Já vão sahindo o porto,
190
Jâ largaram as naus. Respiro: um peso
Férreo se me tirou de sobre o peito.
Estão salvos, e eu livre ! — Meu amigo,
Tu vais com elles.
Manlio
Eu!
Gatão
Sim tu, meu Manlio,
E Juba vai comtigo. — E Marco-Bruto
Irá também : vou-lhe mandar que cesse
combate, e que as portas abra a Gesar.
Manlio
Bruto não cede assim, nem te abandona.
E heide fazê-lo eu?
Gatão
Sim, hasde. — Marco
Hade também obedecer-me. Ardente,
Arrebatado é o joven, mas sincero,
Probo, leal. — Perdoa-lhe, eu te rogo,
Perdoa-lbe, ama-o pelo amor antigo
De Catão, que t'o pede. — Bruto e Juba,
Ambos são filhos que adoptou minha alma;
E ora t'os lego, amigo. —Vai com elles
E esses poucos fieis que inda restarem,
Buscar asylo, ou seja na Numida,
191
Ou alem nas indómitas Hispanhas,
Ou onde quer que amigos vos acoitem
Daè proscrippões de Gesar.
Manlio
E tu próprio
Porque não vens comnosco ? Ó meu amigo,
O povo com justipa t'o pedia :
Vamos co'estas reliquias d'outra Cannas,
Vamos a demandar novo Cannusio,
Donde talvez, comtigo, inda possamos
Volver a conquistar o Capitólio
E resgatar a pátria. — Das Hispanhas,
Inda não-subjugadas, nos convida
O filho de Pompeu, que entre esses povos
Fortes legiões instrue, e co'ellas jura
Vingar o pae. . . Surris? — Talvez de incrédulo.
Mais iilustres proscriptos (não é elle
O primeiro) ahi acharam gazalhado,
Defensores e pátria ... — e pátria, amigo,
Menos ingrata do que a nossa Roma.
E porque não iremos nós entre elles
Procurar as fortunas de Sertório
Lá no extremo Occidente, n'esses montes
Ferozes de sua ingénua liberdade?
Depararemos porventura ainda
Com algum Viriato que esquecido
Não tenha o amor da independência antiga.
Deante d'esses feros Lusitanos,
192
D'esse nobre, indomado povo duro,
Jâ muita vez tremeram de assustadas
Águias romanas, e. . . — Tu ris!
Catão
Sim, rio,
Manlio, e de ouvir-te. O cego enthusiasmo
De Bruto não se inflamma, não centelha
Com mais viva eloquência, nem lhe rompe
Com tanta convicção do intimo peito.
Que seductora é a amizade, Manlio !
Tu, cuja razão clara e exp'rimentada
Ri das vans esperanças de mancebos,
Fez-te mais cego que elles a cegueira
Do amor que me tens. Não me quizeste
Inganar, bem o sei, não : o inganado
Foi o teu coração. — Meu caro Manlio,
De illusões basta ja: eu nada espero
(Nem o esperas tu ; bem o conheço)
Do mancebo Pompeu ou de suas armas.
Esses bárbaros sim — mas será tarde —
Os bárbaros, que tanto desprezámos,
De quem nós, de quem Gregos, nossos mestres,
Mofaram tanto — esses hãode ainda
Os altares erguer da liberdade,
Que nós, impios, sacrílegos prostrámos.
Elles accenderão seu fogo sancto
Para allumiar, purificar a terra.
Diz-nro no peito um Deus: n'essa esperança
193
Morro : — essa esperança me consola
No desemparo de morrer sem pátria. . . (fica algum
tempo en sileieie e adiUbmio; — lefartue e presepe :)
Oh ! minha morte não será inútil !
Um dia inda virá que este meu sangue,
Hoje aqui derramado em sacrifício
Á liberdade sancta — reverdeça
Dante os olhos da oppressa humanidade,
E alce clamor com que tyrannos tremam,
E acordem povos. • . (depois de leiga pana, vea a laiilio,
e apperlawlo-lbe Mio.)
Manlio, meu amigo,
Baste este adeus. Não mais: sejamos homens :
Adeus I — Parte, que é tarde. — Adeus I
Manlio
E é força,
É força . . . que este seja o derradeiro ! (Abraçam-sc;
laolio retira-se lentaawate.)
Obedeço-te.
Catâo
Vai I — Oh, ver-nos-hemos
N'outra pátria mais bella e mais ditosa. . .
SCENA VIII
CATÃO *
Quebrou mais este laço. Foi violento
13
O golpe... fi ha ioda «de fira wa golpe
N* çorac» qnf todo-é etagfc vwfiu - *
Aate&c&Uitfa itifcera kuttawirel ?!
Oh, van phifcBopiííat (Ramkiffc)
É marta Romai
É morta Roa».,. . e eu sou ykwr atoéai
Começa a invergoshaiMiie ósta.feaqtit&a.
Morrer í «—• lha m receia acaso, a morte !
Não poroarto; uáo wjob& ounha ata&
Na»- a hou* saudade da existência»
Sinto no peito o coração traaquilto;
Pelas: wiaa a sangue vai pausado. . .
SCENA IX
*
CATÃO, MÀRC0-BRUT0, JOBA
Maroo-Brnto
Meu pae, estamos sos âlfim. . . Não resta
Mais um Romano em Utica. Os escravos
Do tyranoo inmmdaram a cidade.
Apenas esta casa se defende
Com um resto de Numidas.
Cqtão
E o passo
Que occulto leva ao porto e ás naus — seguro
E livre é ioda?
195
Jutoa
Sim, e gwtmeciote
Com cem frecheiros meus : o passo ó estreito.
Fácil de defender; nem o descobrem
Tam cedo.
Catão
Bem está, —Ide, meus filhos;
Ide, que Maalio so por vós espera
Para levantar ânebora. Adeus! — Marco
Respeita o honrado ancião.— Juba. . . estremeces?
Medo não é. — Tu coras, Marco, e inflas
Ao mesmo tempo? — Filhos! . . . (Dcilam-se ambos aos pés
de Catão e o abrarao.)
Jab«
Tremo, e é medo
De te deixar, meu pae i
Maroo-Bruto
P&e, oio te deixo.
Não eu ! Mtlítizc embora o filho.
Gatão
Filho !
Es cruel com teu pae.
Maroo-Bruto
ímpio me chama:
Não parto. — Fugir eu, salvar a vida
*E abandonar Gatão ! Tal se não hade
196
Dizer de Marco-Bruto. Se forçosa,
Se a Roma necessária é esta fuga,
Dà-nos o exemplo tu: vem.
Oatão
Mui difTrentes
São os nossos deveres : Bruto deve
Para a pátria viver; mancebo é inda,
Talvez um dia. . • poderá servi-la:
Gatão velho, cançado, e a Roma inútil. . .
So lhe resta morrer.
Juba
Morrer !
Oatão
Sim.
Xaroo-Brnto (hTutufc-M)
Morre;
Mas eu não vivo.
Oatão
Vives, que eu t'o ordeno,
Que o manda Roma.
Xaroo-Brnto
Roma ! — Que o decretem
Os soberanos deuses. Bruto deve,
Onde expirar Gatão, morrer com elle.
197
Oatao
Meu filho ! Ha poucas horas inda eu tinha
Outro filho. . . Levourm'0 a pátria. Embora!
Gahiu n'ésta hecatombe derradeira. . .
Fiquei eu so das victimas marcadas !
— Mas tu, tu es também meu filho. . . filho*
Da minha escolha, mais querido ainda,
Que orpham te pôz o crime em meu regaço.
Maroo-Bruto
E eu heide abandonar-te nas mãos d'elle L
Juba
Abandoná-lo 1 Aqui morremos ambos
Comtigo: e mais gloriosa morte
Oatão
Juba,
Tuas obrigações são mais restrictas
Que. as d'elle ainda. Onde o poder supremo
Se tolera n'um so, — todo lhe incumbe,
É responsável pelo incargo inteiro
Da republica. Deves-te a ella, príncipe;
Não es teu ja.
Haroo-Brnto
Meu pae, os teus preceitos
Foram, como os decretos soberanos
Dos deuses, para mim sempre. Mas hoje,
Não te obedeço. Eu daqui não saio.
m
Juba
Nem ea. (Meirio conideniel: Calão mefta algin tempo.
Catão
Ficae embora : mas jurae-roe
Que salvareis a vida.
Juba
Juro.
Marco-Bruto
Juro
. Se... — Jurarei — se... Ah! Mas tu...
Catão (tontidt-t peta nà«)
Meu filho,
"Marco-Bruto, meu fllho. . . Oh, que este nome
É de todos os nomes o mais doce ! ,
Pela vez derradeira um pae te falia,
E tu não hasde ouvir as vozes d'elle !
Minha extrema vontade, hade o meu filho
Desprezar de seu pae ! O último rogo
Ja feito sobre a margem do sepulchro,
Hasde esquecé-lo tu ? Gatão supplíca,
Pede Catão, e Bruto não o attende!
Meu filho, vem, recebe no leu peito
longo, o saudoso adeus da campa,
Que so vai terminar na eternidade . . . (aknpaio-sc)
— Este abraço de morte toda é romano,
Estas mãos que te appertam não tem ferros !
199
Meu filho, adeus I Sê virtuoso sempre.
Não podes ser Romano, — mas sé homem.
Roma acabou-se, — resta-te a virtude.
Ja não tens pátria, — mas tens honra ainda.
Vai — apenas o estado mais tranquilo
Das coisas o permitta, repousaar-te
Nas avitas Sabinas : deixa o mundo
A César, e tu vive socegado
Cultivando o teu campo. Glorioso
É aquelle terrão que tantas vezes
O gran'Censor co'as próprias mãos lavrava.
Dou-t'o em dote da filha a quem mais quero,
A minha Porcia: pela antiga usança
Da boa e velha Roma foi criada :
Ama-a, que o vale. Eu ta colloco e ktfrego
Digna esposa de Bruto. — £ adeus, meus filhos,
(abraçam-se todos três)
Recordae-vos de um pae que vos amava,
Para chorá-lo, não, que morreu livre ;
Mas para vos lembrar de seus conselhos,
Para segui-los sempre. Adeus I (vai a lomar a es-
pada de sobre o ifctas t afta a adia)
Traidores!
Que fizestes! Quereis ir intregar-me
Escravo, servo cem as mãoe atadas,
Aos atgoees de Gesar, ou á infâmia
Peior, maior, de seu perdão í Ingrato»,
Vós meus filhos não sois: eu vos abjuro,
Vos renego.
200
SCENA X
GATÃO, MARCO-BRUTO, JUBA, MANLIO '
Manlio (trazerit a espada inbrslkiéa ia ta§ a]
Fui eu, fui eu: perdoa-me;
Não pude resistir. . . Cuidei. . . — Occulto (Ap-
poiUiido para uma porta interior)
Vigiava d'alli. . . Mas ja é tarde.
Meu amigo, estão ja n'esse átrio. . . Foge,
Foge, ou. • .
Oat&o
Fugir eu ! Dà-me essa espada, [lanlio
recua: Catão alça a voz tremendamente)
Dà-m'a ! (lanlio entrega a espada)
Oh Roma, oh Roma ! Oh minha pátria,
(Fere-ie)
Ja não ha mais que ávida — ei-la: recebe-a:
Vamos, aomenos, junctos ao sepulchro. . . (Cai:
— toarao nos braços)
Xaroo-Bruto
Meu pae !
Juba
\ Venceste, César, o universo :
Não venceste Gatão. Dae-lhe esta glória,
Iníquos deuses !
Manlio
Expiraste, ó Roma !
201
Catão
Amigos, estes ultimo» instantes,
Não m'os façais amargos. Por piedade. . .
Essa dor— a meus olhos — occultae-a. . .
Não me deis — morte... morte de... covarde..
(Besfallece)
Marco-Bruto
Oh meu pae ! (Procuram eslancar-lhe o sangue]
Manlio
Meu amigo ! Que velhice,
Que extremos dias me guardava o fado ! (Oove-
se alarido de soldados que se approximam: tiram as espa-
das)
Juba .
Morramos defendendo este cadáver.
Catão (tentifc a «)
ímpios ! — o juramento. . .
SCENA XI
CATÃO, MARCO-BRUTO, MANLIO, DECIO »*
IcgÍMams de Cwir
Dedo
Paz ! clemência 1
Paz em nome de César ! Honra e glória
Ao seu nobre inimigo, ao homem grande
902
Que o dictador magnamtno respeita,
Ama, e. . . (dá um fs«ttaem&ii») — Oh! que vejo 1 tu. . •
OatEo (eifarçnto-wfiii faltar)
Ja— na. . .da
Tenho. . . que. . . receiar. . . de. . . suas. . . Iras. . .
Nem. . . de. . . seus benefícios. • . — Mas, amigos,
Vós trahis-me ! Porque. . . vedar-me o sangue ?
Deixae-me — eu sei morrer. (Mel te as mãos ambas u
ferida e, rasgando-a com ultimo esforço, eiclama:)
Oh... Roma! (Expira)
Manlio
É morto
Com a pátria nos lábios. — Ai, que pátria
Lhe fadaram os céus ! (silencio longo)
Marco-Bruto (jiraJ)eeio)
Contempla indigno,
Contempla a tua obra. Lê, perverso,
No horror d'aquella /chaga os teus delictos.
Colhe, escravo, esses íouros sanguinosos,
Leva-os a teu seahor: da-lhe, que o beba,
Na taça da ambição aquelle sangue. . .
Cum parricidio mais orna-lhe a glória.
Que mais quer, que lhe falta ? Esse malvado
Porque não vem gosar do seu triumpho ?
Venha, venha revcr-se ao seu crime ;
Venha, venha folga* sobre o sepukhro
203
De Gatão e de Roma.. . (taer mtie saague ?
Resta-lhe o meu. • . — Pois venha derramá-lo :
T<xae-o, dott*lh'o:— resgate-me da infâmia
De o trazer n'estas veias. .. — mate a sede
Do coração atroz. . .
Lembra-íe, 6 Marco,
Da carta. . .
Haroo-Bruto
Que vieste recordar-me ! (Pausa)
Sabes o que disseste ? — Mal conheces
Que sentença de morte proferiste.
Eu, elle não. .. — Porquê? parricida
É elle, não sou eu. Se é d'elle o sangue,
Para que m'o legou com tantos crimes ?
— Abominado sangue !. . . (Depois de breve pausa, vai direito
a Decio, trava-lhe da mão, e apponlando para o cadáver)
Ves aquelle ?
Aquelle sangue é que é o meu, escravo.
Sorvi-o, gotta a gotta, co'estes lábios ;
E entrou no coração, todo ; aqui todo
M'o deixou a vingança inthesourado. (Ajoelhando
deante do cada ter, arranca-lhe o punhal, e levanta-se)
Este ferro, este ferro precioso
É legado d'um pae. . .— Pae. . . oh! que nome !
Onde ha maldicção como esta minha ?
Sou filho d'elle, sou : — e heide mostrar-me
Digno do pae no parricidio. . . — Oh ! tremes,
204
Covarde coração ! Que horror 1 Eu filho
D'elle. . . d'elle ! — Não sou : é falso: mente.
Sou filho so de Roma. — Pae ja tive... (AppeDtanda
para • cadaier)
Quem m'o roubou?— mesmo parricida
Que matou Roma. E heide eu ter remorsos ?
Remorsos!. .. — Insinou-me a desprezá-los
Esse a quem devo. . . — Devo so vingança.
Pronuncia as três últimas palavras con grande brado, e ak-
vanlando a espada para * cen. — Cai o panno.
NOTAS
NOTAS
AO ACTO PRIMEIRO
HOTA A
Fracos sobejos da fatal derrote
Do «feHfc Pompeu. . . Sc. L, pag, «7»
0» defensores de Utica eram prmeipabneBtos es oear
tos do exército de £ara Pompeu qne nas planícies de
Pharsalia fora completamente derrotado por César, k
este Pompeu chamaram o grande por seus grande» fe>
tos: era de nobre família equestre; seus pães Pompeu
Strabo e Lucília. Seguiu, nas facciosas guerras de Sylla
e Mário, as parles do primeiro; e não tinha mais de
vinte e seis anuo» quando, jft conhecido por sua elo-
quência no foro, foi ganhar pasmosa celebridade como
general, conquistando e tirando do poder de Mário a
Sicília, è logo, em quarenta dias, a África toda. A vi-
ctoria era por conta de Sylla; mas Sylla tremeu de seu
próprio auxiliar, e o mandou voltar a Roma. Veio elle,.
mas, não contente do titulo de Grande com que foi
saudado por seu patrono, quiz, exigiu e obteve porftm
as honras do triumpho que a nenhum simples cavai-
208
leiro romano até então se tinham dado. Ja não era o
cliente mas o rival de Sylla; por sua própria conta
logo, foi combater, e venceu o resto da facção de Má-
rio commandada por Lépido; obteve novo triumpho,
e foi nomeado cônsul. No seu consulado restabeleceu
a dignidade do poder tribunicio, e em quarenta dias
veio a cabo dos pirataâ tio Meditterraneo que perse-
guiu até suas extremas guaridas da Cilicia. partido
popular, que serviu sempre, com ser de hábitos e in-
clinações aristocráticas, lhe fez dar o commando do
exército d'Àsia na famosa guerra Mithridatíca; venceu
prompto os dons tremendos inimigos de Roma, Mi-
thridates e Tigranes, e dispoz do Oriente como de coisa
sua; deu, tirou coroas, e so de uma vez recebeu a ho-
menagem de doze reis. Conquistada a Syria, reduzida
a Judea a provinda romana, voltou á Itália, e quando
os Romanos tremendo curvavam ja o colio ao novo
senhor que n'elle esperavam, Pompeu desarma as le-
giões, e entra em Roma como simples cidadão. Yalen-
lhe a modéstia um novo triumpho e o amor dos ver-
dadeiros republicanos, que Ja eram menos e mais
corruptos, mas ainda poderosos. Entraram no thesouro,
com os despojos que intregou, 20:000 talentos; e as
rendas do erário cresceram de 50 a 85 milhões de dra-
chmas. Mas Pompeu não amava sinceramente a liber-
dade, senão o poder; e so aflectava humilhar-se e cor-
tejar o povo, para dominar em seu nome. Logo o
mostrou, formando com César e Crasso aquelle pri-
meiro triumvirato que não so foi norma do segundo,
mas de todas as ligas tyrannicas, que, sob diversos
nomes e pretextos, teem avexado as nações e o mundo.
A Crasso tocou a Syria, a Pompeu a Africa e as His-
pankaa, danar fico* com o «st* e com o governo da
Gal&u—á Mga «pebuon-se logo com a denota de
Grasso por uma porte, <-e por outra oom a morte de
Júlia, filha de César que, dada em casamento a Pom-
peu, era um dos pinhores da união. Pompeu, fomen-
tando a anarchia em Roma, queria tornar necessária
a dictadura que ambicionava. Gesar quiz o consulado,
e obtivera-o se não tosse a opposioão de Gatão. Recu-
saram-lh'o, e marchou sobre Roma. Pompeu fugiu, com
elle os cônsules e parte do senado que lhe deram o
poder discricionário que desejava: a sua causa era
popular peia assistência de Galão a quem mettiam mais
medo as declaradas intenções de Gesar contra a repu-
hhca, do que os próprios vícios de Pompeu, — que to-
davia a minavam e destrmaa» do mesmo moda Tudo
porém cedeu ás disciplinadas legiões de Gesar, que
perseguiu Pompeu até á Grécia, onde se deu emftm a
celebrada batalha de Pnarsana; perdida a qual, Pom-
peu foi obrigaria a figir disfarçado e a ir buscar asylo
no Egypto juocto a etaei Ptolomeu, que infamemente
o trahin, mandaadOH> malar apenas desimbarcou. Ge-
sar, a quem o indigno rei mandou a cabeça do seu
amigo, fugiu borrarÈmdo dftTista atroa, e derramou
muitas lagrymas. Foi morto Pompeu no 48 aníio A. G.
N., com 50 de edade. Gatio, com os
fracos sobejos da fatal derrota
De Pompeu,
foi junctar-se com Scipiào em africa; e, desbaratado
também este peia» irrestotiveis armaa de Gesar, acco~
lheu-se a Utica, n&fituaoão em que o presente drama
o figura.
14
210
Veja Valer. Max. 2, cap. 10; Phit., vita Pomp. ;
Vel. Patere. 2 e 29; íHo. Vaer; Gaes., de beU. civ.;
Eutrop.; Cie. ad Âttic., orat. £8 ele; Flor. 4.
NOTA 8
Qu'é d'ella, a liberdade ?
Quanta nos deram Mário, Sylla ? — Quanta
Nos daria Pompeu se tríumphante
Com suas legiões volvesse ao Tibre ! Se. II., pag. 70.
que seria Pompeu se triumphasse de Gesar, e de
Pharsalia marchasse vencedor sobre Roma, em vez de
fugir vencido para Alexandria^ bem se pôde inferir de
suas inclinações, que o próprio Gatão conhecia muito
bem, apezar de o patrocinar sempre contra Gesar, por
princípio de politica, esperando quebrar na opposição
estas duas ambições rivaes que ameaçavam a liber-
dade. Na nota anterior se viu o resultado d'essa com-
binação, que não podia ser outro senão o triumpho de
um dos dous tyrannos. À antiga constituição de Roma
estava destruída, ja se não podia restabelecer. Muito
grande, muito ricca, muito corrupta, era-lhe forçoso
servir. As facções armadas dispunham sos, ha muito,
do poder que se dizia havido do povo, em quanto o
povo passava dá tyrannia de Mário para a de Sylla, da
d'este para a d'aquelle, sem ousar tomar parte n'uma
questão que so era sua, porque, vencesse qual vences-
se, elle povo tinha de pagar o triumpho. Mário era um
camponez rústico; das fileiras subiu a general, e seis
vezes foi cônsul. Sylla nobre e pulido, mas pobre, che-
gou a ser riquíssimo, foi dictador e dominou o mundo.
211
.Aquelie á frente da facção popular, este da aristocrá-
tica, ambos disputaram de tyrannia, de atrocidades e
de crimes. Qual degoilou mais cabeças, qual derramou
mais sangue? Não sabe responder a historia, não o-
poderiam dizer nem os contemporâneos. Mário preza-
va-se de ignorante, do desprezo em que tinha as let~
trás, do ódio que professava a seus cultores. Sylla foi
splendido patrono das sciencias e das artes. Mas a um
a ignorância, a outro a instrucção levaram aos mesmos
crimes e sepultaram nos mesmos vicios. De Mário sa-
bemos que morreu na imbriaguez; de Sylla, comido
de piolhos pela corrupção em que sórdidas crápulas
lhe pozeram o sangue.
x Nenhum amava a liberdade, nenhum a serviu; mas
ambos a arvoraram em seus vexillos para capa de pai-
xões, de ódios, de ambições, de caprichos pessoaes. Ma-
no, homem do povo, atirava ao povo com as cabeças
dos senadores e cavalteiros romanos; e o povo tonto
gritava: Viva a liberdade!— Sylla, nobre e cavalleiro,
mandava espetar nas pontas das lanças dos seus as
cabeças dos amigos de Mário; e as classes superiores
gritavam: Viva a liberdade! — E todos diziam bem em
seu sentido; porque, em lingua facciosa, liberdade
quer dizer a dominação do mm partido sobre o con-
trário.
Qual foi a consequência ? que os Romanos se can-
çaram por fim, e Gesar reinou absoluto.
Veja Cie. in Verr. ele, G. Aep. in Allic; Til. Liv.
75 ele; Paus. \, c. 20; Vai. Max. 12; Flor. 3, c. 5
e 1. 4 c. 2; Polyb. 5; Jusl. 37 e 38; PM. in vil.;
Eulrop. 5, c. 2; Vel. Pat. 2, 17; Luc. 1; Virg. Mn.
0, ele.
212
NOTA C
OaQuindOB
Ja não voltam Sc. II., pag. 71.
Lúcio Quincio Gíncinnato deixou o seu nome e glo-
rioso desinteresse em provérbio aos Romanos» e de
perpétua accusação e vitupério aos falsos repúblicos
de todas as nações para quem o enthusiasmo da liber-
dade não é senão capa de ambição e de inextinguível
sede de domínio. Viveu á volta de 460 A. G. N. t bem
sabida a sua historia. Andava lavrando e com a mão
á rabiça do arado quando lhe chegou mensagem do
senado que o elegera dictador. Deixou com pezar o
sulco meioaberto, mas correu ao campo; venceu os
Volscos e Equos que cercavam o exército romano e
entrou triumphante em Roma. Dezeseis dias depois da
eleição, depôs a dictadura e voltou á sua lavoura. Ou-
tra vez foi chamado á dictadura quando ja octoge-
nário; venceu, e no fim de vinte dias tornou a depor
o poder supremo, recusando todas as recompensas que
lhe queria dar o senado.
Veja Cie. de Fin. 4; Flor. 1; TU. Liv. 3.
nota D
. . . Aquella pobreza sancta e livre
De Fabrício Sc. II., pag. 71.
Gaio Fabrício é outro nome que as antigas virtudes
romanas fizeram proverbial no mundo. Quatrocentos
talentos (320:000^000 réis) entraram no thesouro, dos
despojos das victorias que ganhou contra os Samnites
213
e Lacamos em seu primeiro consolado; elle ficou po-
bre como d'antes. Dous annos depois, indo de embai*
xador a Pyrrho, recusou com indignação os presentes
e offertas do attonito rei, que ainda mais o ficou
quando o próprio embaixador lhe veio denunciar a
traição do seu medico que se offerecêra para o inve-
nenar. Morreu e viveu na maior pobreza: foiinterrado
a expensas públicas; e duas filhas que deixou, foi ne*
cessario que as dotasse o Povo Romano, como liberal»
mente fez.
Veja ÍHtU. in Pyrrh.; Vai. Max. 2, 4; Cie. de o ff.;
Virg. Mn. 6.; Flor.
nota E
Marco Tullo venceu a Catilina ;
E hoje — mollemente passeiando
Em seus jardins de Tusculo, revenjlo-se
Em mármores de Atbenas, manso e quedo
PhBosophando ral.^- Sc. II., pag. 71.
Cioero, depois da derrota de Pharsalia, aceoiheu-se
para ttrundusio; e amnistiado por César, foi viver re-
tirado no campo, com os seus livros e os seus már-
mores: gosto e paixão que sempre teve c de que o par*
tido irracional lhe fazia crime, segundo costuma. Re-
ceioso dos projectos liberticidas de Júlio Gesar, que
ja na questão de Catilina se tinha de sobejo denuncia-
do, Cicero seguira, sem se fiar n'elle, as partes de Pom-
peu; mas não amando menos a liberdade do que o
próprio Catão, julgou todavia inútil o sacrifício de ir
com elle pára Africa ; e dando por perdida, desde Phar-
salia, a causa da liberdade, assentou de se abster, como
214
homem de bem, de toda a participação em negócios
públicos, e dar-se todo aos seus caros estados da phi-
Josophia e das lettras.
Depois da morte de César, voltado ao poder o par-
tido que se honrava de contar a Cícero entre os seus,
o iliustre orador recusou do mesmo modo os cargos
públicos, e toda a sua influencia impregou em dissua-
dir de vinganças. Pagaram-lh'o, como costumam, os
que dirigiram a reacção que depois veio: no segundo
triumvirato, o de António, Lépido e Augusto, Cicero
foi sacrificado á sanha de António, e assassinado, aos
63 annos, 1 1 mezes e 5 dias de sua edade, e 43 A. C.
N. , no caminho de Caieta para onde fugia n'uma lit-
teira. Cortaram-lhe a cabeça que levaram para Roma
e a penduraram no foro. Aquella eloquentíssima das
línguas romanas foi ahi publicamente traspassada de
uma agulha feminil pela própria mão da mulher do
triumviro, a vingativa Fulvia.
Cicero era um verdadeiro doutrinário, no bom e
leal sentido da palavra, sincero amigo da liberdade,
mas contrário ás vinganças e cruéis ódios dos parti-
dos : d'ahi o respeitavam e odiavam os mandões d'elles
todos. povo chorouto, e a posteridade ainda não ad-
mirou ninguém mais.
Veja de. orai.; Flor.; C. Nep. in AUic; QuinliL;
Plut. in vil.; Dio. Cass.; Âpian. ele
nota F
Que resurgissem
OsGrachos Sc. II.,pag. 71.
Tibério e Caio Graccho eram filhos de T. Sempro-
215
nio Graccho, duas vezes cônsul e uma censor, e de
sua mulher Sempronia, da família dos Scipiões, ma-
trona de grande virtude, espirito e piedade, mãe exem-
plar no desvelo e amor com que os educou. Ambos
foram eloquentes oradores, e exagerados propugnado-
res do princípio democrático, ao qual queriam fazer
subservientes todos os outros elementos da sociedade.
Mas eram sinceros em suas opiniões, leaes e constan-
tes em seu procedimento.
Tibério quiz restaurar a lei agraria, e conseguiu
pela violência fazer decretar de novo esta antiga ori-
gem das maiores desordens e calamidades de Roma.
Mas no meio de seu triumpho, rodeado da plebe toda
que o ia reeleger tribuno, foi atacado em pleno foro
por P. Nasica, e assassinado vergonhosamente no meio
do povo attonito que o abandonou de covarde.
Socegaram por algum tempo as desordens. Mas
Gaio, que também foi tribuno, e muito mais exaltado
que seu irmão, fez em breve recrudescer todos os an-
tigos ódios; usurpou de facto a auctoridade suprema,
em nome das massas (como hoje se diz) opprímiu as
outras classes todas, e levou a tal ponto os vexames,
que excitou uma reacção tremenda contra si. Também
este foi abandonado pelo povo, obrigado a fugir, e em-
fim morto por ordem do cônsul Opimio no templo de
Diana onde se refugiara, À. G. N. 121, á volta de treze
annos depois de seu irmão Tibério.
Lançaram-lhe o cadáver no Tibre, e prohibiram a
viuva de tomar meto por ellel
Veja Plut. in vit.; (He. cot. 1; Luc. Ph. 6.
216
NOTA G
Quando o favor dos moMes Quirítes
Tinha sédes-curues e tribimatos,
Consulados que dar Se. M. , pag. 73.
Ficoo-se chamando Qitiriles aos Romanos desde qae
admittiram na sua eidade es Sabinos de Cores, donde
derivaram Quiriles.
Veja Varr. de LL. L 4. lik. í ; OvicL fèsl. X
Sedes Cumes eram dadas so aos grandes magistra-
dos ou altos funceionarios da republica, o dictaàor, os
cônsules, os censores, os pretores e edis. Eram cadctr
ras do marfim em que nos actos públicos tomavam as-
sento. Os senadores que tinham servido aqueiles car-
gos conservavam as honras da cadeira de marfim, e
a'eila eram levados ao senado por seus «será voe. Tam-
bém o trhraaphador subia ao Capitólio em sede curai.
fribunato foi creado no anno U. d 261, depois
da celebrada dissençào do Monte-Sacro, 06 tribunos,
ao princípio dous, subiram logo a cinco, edabi adez»
Tinham o velo nos decretos do senado, convocavam a»
assembteas populares ou comidos, julgavam em mui-
tos casos de crimes públicos. Ànnultou-os Syila, cer-
ceaado»lhes as attribuições; re6tiíuà*4fi'as Pompeu. £
de tal modo tinham usurpado porto a auctoridade
soberana da repubfiea, que Augusto, para útsteurar
definitivamente a tyranniav fewe trièun* perpétua
Havia, além oYeates, o* tribunos- mUMLwm, chama-
dos laliclavii ou augusliclavii do particular uniforme
que traziam os de origem patricia ou equestre; e se
217
disiam ratai* os nomeados pelo cônsul, comitiali as
n—Mins petos eamkàos.
Depois aouve Untem os tribunos dos pretorianos:
os tribunos wrmm, espécie de pagadores das tropas;
e os iribuni voiuplalum iBcarregados dos espectacn-
los públicos. Rómulo tinha nomeado os capitães da soa
guarda iribuni celerum. •
offlcio dos dous cônsules annuaes substituiu o
dos reis expulsos em 244 A. U. G. —Eram ambos patrí-
cios até 388 À. IL G. em que se decretou que um fosse
do povo, outro da classe patrícia. À lei requeria, nos
candidatos a este primeiro cargo, 43 annos de edade,
e o ter servido os impregos de questor, edil e pretor.
Mas pouco caso se fes d'esta, assim como de muitas
ostras leis eoostttneionaes, quando as facções demo-
crática ou aristocrática desequilibravam o estado, até
que vete —forçosamente! a tyrannia. Depois, dura-
ram de nome até o anno de 1204 A. U. C ou 541. A. D.
em <fae Justiniano aboliu totalmente o simulacro d'ests
auetoridade que so existia nominalmente desde Au-
gusto* •
Durante a republica eram eleitos pelo povo.
i
NOTA H
Que podem os ciosos cavafieiros,
Os suberbos patrícios ? Sc. III.. pag. 73.
À ordem equestre era a intermédia entre os patrí-
cios e a plebe; foi taives & que deu maiores homens
á republica. Chama o texto ciosos aos cavalleiros, por-
que efectivamente o eram, e eternamente o serão to-
218
das as classes médias, collocadas, por sua posição,
entre a preponderância morai das dignidades e riiraeza
da aristocracia, e a força material do número das clas-
ses inferiores. ciúme será tanto maior quanto menos
equilibrada for a constituição por excesso democráti-
co, ou aristocrático— ou monarchico.
NOTA 1
Ei-lo aqui vem o príncipe dos Numidas.
Sc. IV., pag. 79.
príncipe dos Numidas aqui introduzido é um cha-
racter verdadeiramente histórico. Seu pae Juba I, amigo
de Pompeu, resistira a Júlio Gesar até ser derrotado
em Thapso, pelo quê perdeu o reino e se deu a morte.
moço Juba tinha seguido o partido dos amigos de
seu pae; nenhum extrangeiro foi nunca tam popular
entre os Romanos nem se romanizou tanto. Gaptivo e
levado por Gesar em tríumpho depois da guerra, por
tal modo ganhou a benevolência dè todos, grandes e
pequenos, em Roma, que Augusto lhe veio a restituir
o reino entre os applausos geraes. Escreveu em Grego
e Latim de diversos assumptos; historia, zoologia,
grammatica, etc.
Veja Orosio, Stràb., Suei. e Dion. Red.
nota K
génio de Quirino que está n f eUe, Sc. V., pag. 83.
Nome que os Romanos davam a Marte, seu princt-
219
pai padroeiro, e a Rómulo também que imaginaram
filho cTaquelle.
Yeja Ovid. fast. 2.
NOTA L
•
Troa como echo dessa voz divina
Com que a nossos avós salvou da infâmia .
Jove Stator Sc. YL, pag. 86.
Júpiter (ou Jove) Slalor era adorado em Roma no
templo que lhe levantara Rómulo sob esta invocação,
em memoria do milagre que alcançara, fazendo (slarej
parar, sustar, os Romanos que fugiam dos Sabinos.
Veja Til. Liv.; Flor. ele.
AO ACTO SEGUNDO
NOTA A
Lictores,
Expulsae o insensato Sc. 1., pag. 97.
Os lictores eram officiaes que acompanhavam sem-
pre os cônsules, ou as auetoridades que estavam po-
testate consulari, como Gatão aqui em Utica.
s
220
NOTA B
Roma não tinha leis quando Tarqutato
De cidadãos romanos fez escravos ? Sc. fl M pag. 99.
À constituição de Roma foi livre desde Rómulo e
Numa: os últimos Tarquinios fizeram-se tyrannos, e
por taes cahiram e trouxeram a republica. £ a inevi-
tável e perpétua reacção da sociedade: os excessos
monarchicos trazem a democracia, os desvarios dema-
gógicos a tyrannia.
nota C
Vossas imagens sentirão a aflhrata,
Quando a min ba— levada em pompa infame
Deante do vencedor. . . Sc. II., pag. 104.
No Capitólio estavam as imagens dos homens gran-
des da republica. César com effeito levou, no seutrium-
pho, a imagem de Gatão deante de si, ja que o não
pôde levar em pessoa. E o povo não se fartou de dar
vivas ao triumphador! — Catão prophetiza aqui o que
realmente veio a sueceder. Levar as imagens dos mor-
tos em triumpho, ó como hoje diríamos inforcar em
estatua.
Veja Plul. Cal. min.
NOTA D
Decio, um homem equestre I Sc. V., pag. 109.
Homo equestris — por cavalleiro, da ordem dos ca-
valleiros ou equestre.
221
NOTA E
Deaote do teu, seu génio acovardado
Yacilla : Sc. V., pag. 110.
É como se hoje dissesse um piedoso christão : '0 meu
anjo da guarda treme deaote do teu.' Tinham os Ro-
manos—e os Gregos, e creio que todos os povos—
que a cada homem era dado por Deus um génio, Saipuav,
que d'elie tomava conta á nascença e so na morte o
largava. A este, que os Romanos principalmente cha-
mavam Genius, referiam o homem moral todo, o po-
der intetlpctual e diriginte do individuo.
Vencia Seipiào uma batalha, era o génio de Scrpiào
que a ganhava; predominava Augusto sobre António,
era o gemo de António que succumbia ao de Augusto.
Assim Racine, tem propriamente e com tanto sabor
romano, íez dioer a Nero, fatiando de Agrippina:
Mon génie étonné tremble devant le sien.
firitann. act II. , Sc. 2.
Veja Qicer, lusc. L; Piut. de gen. Socr.
nota F
por eHe subirei aos Rostros, Sc. V., pag. 111.
Logar alto no foro, ornado com as proas, ou espon-
tões das proas, das galés tomadas aos inimigos, e que
d'ahi tirava o nome de Rostri, os esponiões ou pontas
ferradas dos navios antigos. A este logar subiam os
oradores, como a tribuna, para faltar ás turbas.
222
AO ACTO TERCEIRO
NOTA A
nossos avós, austeros guardas
Da pátria liberdade, se opposeram
A que artes gregas na severa Roma
Ousassem metter pé Sc. I., pag. 118.
Os austeros Romanos da têmpera velha tinham medo
á civilização, e ás artes que da Grécia lh'a traziam.
Gatão censor, ditto o velho on Cato major, foi um
d'esses.
A aristocracia republicana, que é sempre a mais
dura de todas por necessidade de posição, era a que
mais. temia os progressos das luzes entre o povo. Por
vezes expulsaram da cidade os philosophos e os gram-
maticos e rhelores que, diziam eiles, corrompiam a mo-
cidade. Àvaliem-se por aqui os desvarios que a este
respeito disse o democrático Rousseau, e fizeram os
seus discípulos.
M. Bruto, criado nas antigas austeridades, e fanático
sincero na sancta causa da liberdade, imagina portanto
que os Gregos, então ja vassallos de Roma, se vinga-
vam de seus senhores, mandando-lbes estes fataes pre-
sentes para a corromper.
Procônsules se chamavam ordinariamente os que
iam governar as províncias sujeitas da republica. O que
administrava a Grécia dizia-se procônsul da Àcchaia.
Harmodio e Àristogiton foram dous celebrados athe-
223
nienses que libertaram a pátria do jugo do* Pisistratos,
Â. G.N. 510.
Veja PlxU.OU. tnaj.; Paus. 1; Herodol. 5, c. 55.
NOTA B
Servilia, minha irman, por essas eras
Dava mate ás beUezas mais faltadas
Da capital do mando Sc. III., pag. 125.
São históricos e authenticos os illicitos amores de
Júlio César com Servilia, irman de Gatão; e foi com-
mum, quasi geral, a crença pública de que Marco Ju-
nio Bruto era filho d'eiie e não do marido de sua mãe,
distincto jurisconsulto que também se chamava M. Ju-
nto Bruto.
Na narrativa do texto so ha alguns ornatos de fic-
ção; o fundo é real. Mas foi menos trágico; porque
nem Servilia foi seduzida, e era ja casada e experta,
nem parece que mulher de se deixar morrer porque
a deixasse um amante.
Gatão certamente levava a mal estas immoralidades,
mas não com o sentimentalismo que aqui lhe dá o
poema. Parece até, pelo que se deprehende dos histo-
riadores, que Servilia é quem fizera a corte ao ele-
gante César, que foi grande dandy nos seus tempos.
Um dia lhe escreveu ella uma carta apaixonada c
cheia de requebros com que lhe pintava seu amor :
mandou-uYa ao senado onde estavam em sessão. Era
no calor dos debates sobre a conspiração de Catilina.
Gatão que viu intregar uma carta a César, protestou
que era dos conspiradores e exigiu que se fizesse lei-
2»
tara d'ella» tosar ni* resporóeu, e iataegou » cartas
Gatão. Mal a correu com os olhos o austero senador,
e indignado Ibe atirou com ella, «clamando: Tema,
bêbado.
N'aquelle tempo diziam-se as coisas pelo seu nome.
Veja Com. Nep. ML; Pai. in Cie.
nota C
V«r-te-hei, com estes olhos,
Varrendo a Sacra -via — náo co*a toga
Negra* que tua stoica vaidade
Ostentava no foro, Sc. VI., pag. f30.
Gatão trajava sempre de escuro: o que os seus ini-
migos attriboíam a affectação philosophlca.
Veja PkU. in. Cai. min.
NOTA D
Eq sei, Romano, que sou bárbaro
Sc. Vil., pag. 131.
Gregos e Romanos chamavam bárbaros a todos es
outros povos. So talvez a favor do Egypto feaiam ex-
cepção, por d'ahi lhe terem vindo essas mesmas mies
com que tanto se desvaneciam, e por que se reputa-
vam, e eram, superiores aos outros povos da terra.
«5
NOTA £
Quanto mato prezo e quero o fôro augusto
De ridad8o romano, que essa e'roa,
De tanto sangue e lagrymae banhada
Na frente de meu pae! Sc. VIL, pag. 136.
No auge de grandeza e dominação da republica os
reis solicitavam o foro de cidadão romano, e se pre-
zavam d'elle mais que de nenhum outro titulo. Quanto
aos reis Jubas, pae e ilibo, veja, para intelligencia
d'este ponto, a nota I ao Acto L, Sc. IV.
kota F
ao parricida
Da pátria Sc. VII., pag. 137.
Dizia-se parricidio, no sentido genérico, todo o ho-
micídio de próximo parente: ao matricidio, até ao que
maia propriamente diríamos filicídio, se deu este no-
me. Parricidio e parricida da pátria, é expressão exacta.
AO ACTO QUABTO
KOTA A.
Bruto, esse nome que te inleva tanto,
NIo se {Ilustrou assim. ouro escondido
No báculo, Sc. M., pag. Hl.
Falla-se aqui de Lúcio Junio Bruto, ascendente d'este
15
Marco Junio Bruto. Lúcio era alho d'oulro Marco e de
Tarquinia, filha de Tarqninio Prisco, que ambos, com
seu filho niai&v££bo*]Bau^m^
Chamaram-lhe, por alcunha, Bruto, pocque hruto e es*
tupido se fingiu para escapar 4a proicripçéea de Tar-
quteio aateifco. È muito sabida, e çasseni em provér-
bio, a allegpria do báculo ou bordão tosco de sabugo,
que trazia ná mão como simples que se fazia, com o
ouro escondido no âmago como fino que era. Por morte
de Lucrécia, 509 A. C. N., Bruto mostrou deveras quem
era.
A alcunha porém tornou-se em appellido, e os da
família Junia todos se honraram, d'ahi em deante, do
verdadeiro fidalgo nome de Brutos.
Veja TU. Liv. /., e 56, II. c. 1 ele; Dion. Hal 4 e
5; Virg. Mn. 6; Plul. in vit. Êrut êl Coes.
nota B
'FotaMBos gtortoeo o sacrifico Se. K., pag. 146.
Trezentos e seis valentes cidadãos compunham a po-
derosa e nobilíssima família dos Fabios quando se ar-
rojaram a tomar sOhre si, seminais auxilio público ou
particular, a guerra de Veios. Fizeram prodígios, mas
suecumbiram na batalha campal de Gremera, ao des-
mesurado número dos inuaigos. Toda a família alli
pereceu com as armas na mão, excepto um que, por
criança, ficara em Roma e do qual procedeu depois a
illustre descendência dos Fabios.
Vinham originariamente de honrados lavradores
22?
cuja principal lavoura eram favas, faba em Latim, e
d'ahi Fabii, faveiros.
Veja TU. Liv. 11.; Dion, Hal. 9. ; Virg.Jfo. 6. ; Ovid.
írisl.
NOTA C
Mareo-Tullio arrependido
De seguir nossas mineras fortunas,
Tergiversar, fugir porflm. . . e a purpura
Consular pela estrada de Tarento
Arrastrando no pó, ir supplicante
Humilhar-se ao tyranoo •«. *♦ » Se. III., pag. 148.
Yèja nota E ao acto I. e Plut. in vil.
NOTA D
a Tibério ja não digo, +
Mas nem a Gaio-Graccho na vehemencia
Do orar cedia, Sc. III., pag. 149.
Veja a nota F ao acto I.
nota E
A moribunda
Loba do Capitólio Sc. III. , pag. 150.
- .• *
A loba, que aqui se diz moribunda em allusão ao
estado das coisas romanas, era comeffeiío venerada no
Capitólio em memoria da fabulosa ama de Rómulo e
Remo.
228
NOTA F
Honra dos meus, cuja tremenda imagem
Inda no Capitólio brande a espada,
Terror dos reis, e salvação de Roma :
Junio-Bruto Sc. III., pag. 152.
Veja nota A a este acto.
nota G
os filhos indignos sacrifica
Á merecida pena, á morte justa. Sc. HL, pag. 152.
£ a sabida historia dos filhos de L. Junto Bruto sen-
tenciados á morte por seu próprio pae.
Veja PM. in vit.; TU. Liv. ele.
NOTA H
Que todas essas leis, —que plebiscitos,
Que senatusconsultos, Sc. III., pag. 153.
Chamava-se plebiscito a lei que passava nos comi-
dos, senatusconsulto quando a decretava o senado.
nota I *
...... em mais clara
Equidade fundada do que o Álbum
Do pretório, Sc. m., pag. 153. '
O Álbum do pcetor era uma espécie de edital, pro-
229
clamaçãó ou manifesto em que, no principio da sua
magistratura, annunciava o novo eleito o modo por
que havia de proceder ao Julgamento das causas de
sua competência. Creou-se este cargo no anno de Roma
388.— Primeiro era um so, chegaram a 64, depois flu-
ctuaram entre 12, 16 e 18.
Veja Macrob. Salurn. L, 16; Sigon, de Jud. 7, 7;
Deoff. Praeloris; tíeinec.
nota J
aos sanguinosos
Paços de Sylla. Sc. III., pag. 153.
Veja nota B ao acto I.
NOTA K
Hootem expulsastes
A Coriolano, porque ousou negar-vos
Os baldios communs: hoje, fugindo,
Abandonais á fúria dos patrícios Sc. III., pag. 154.
Graccho que voMos dava I
Não é exacta a expressão— baldios communs de que
se usou, com ser menos própria, so porque melhor
intendido seria o pensamento.
que é exactíssimo é que a questão da lei agraria
tam funesta foi a Coriolano que a impugnou, por occa-
sião do trigo que mandava elrei Gelo de Sicília de
presente aos Romanos, como veio a ser a seus defen-
sores os Gracchos por occasião do testamento delrei
Attalo que aos Romanos deixara as suas riquezas.
230
G. Mamo, appeMidado Coriotaim por harer tonado
*os Volsoos a cidade de Corioii, bwmido, per aqueile
motivo, por seaftenea do poro, refu£fc>o*«e entre «e
Volscos e não tardou a vir com ekes sofcreftama. To-
dos sabem que a rogos da mãe e da mulher, cedeu da
vingança que ja tinha na mão, e não entrou em Roma
]a quasi rendida por suas armas.
Veja PM. in vil.; Flor. 2; e a nota F ao I. acto.
nota L
Mário ahi estava
Para inutilizar o feito ardido, Sc. III., pag. 155.
Veja nota B ao acto I.
nota M
serros os tribunos /
£ facciosos; avara e perdulária
A questura, roubando o derradeiro
Sestércio ao povo, a última drachma ao Erário ;
Os pretores vendendo em hasta pública
A justiça ; Sc. III., pag. 157.
Veja, quanto aos tribunos, a nota & ao acto I; e
quanto aos pretores, a nota I, a este acto.
Os questores, cujo cango foi creado A. U. G. 269,
eram dons ao principio; depois em 332 se creasammats
dons: aquelles, dittos urbanos, eram os colectores,
recebedores gemes e ministros do thesttiro em Roma;
estes, dittos peregrinos, eram como pagadores genes
das tropas, commissarios em chefe, e accompaimavam
231
o oonsul quaaào commandava, -exeroeaáo junst» a «He
esta* e outras fauoções fiscacae rjeèmicas. Matadas os
timiks da rapofeHca, e os d* império ainda maia, cies-
ceu o numero dos questores na proporção do das pro-
víncias que tinha cada-4ima o sou, e a estos chama-
«asa por ias» prevmciâUes,
Eram senadores natos os questores; e quando os
dictadores, depois os imperadores, queriam faaer esta
mesma operação que boje fasem os nnnisteríos dos
governos representativos monarckkos nomeando pa-
res novos para segurar o voto da segunda camará, ~~
nomeavam uma fornada de questores, e assim tinham
a votação dos Padres-Conscriptos. Sylla areou vinte de
uma vez, J. César, de outra, quarenta.
Foram estes cargos originariamente da nomeação
do senado, até que a usurparam, com todas as mais,
os imperadores.
quceslor principis, ou augusli, (que também ás
vezes se dizia candidalus principis) e o qumlor pa-
lalii eram o que hoje diríamos offlciaes-mores da casa
imperial— on talvez do império. •
sestércio era moeda antiquíssima romana. Em 547,
vinte sestercios eram eguaes a um scropulo de onro.
A dracbma era moeda grega do valor, pouco roais
ou menos, de 1#300 réis portuguezes.
nota N
Veio Apio-CIaudio
Fazer chorar em Roma por Tarquinio . . •
Sc. DL, pag. 157.
Àpio-Glaudio foi um dos decemviros que, a titulo
232
de estarem fazendo as leis das doze tábuas— a con-
stituição, para assim dizer, da republica— cumularam
três annos os poderes supremos do Estado com insup-
portavel tyrannia: é o Longo-parlamento de Roma, e
a historia de quasi todas as assembleas constituintes.
Sentiram-se tam avexados os Romanos por este con-
gresso de tyrannos, que chegaram a suspirar pelo des-
potismo dos Tarquinios.
Começaram em 303 A. U. G., e acabaram com a odio-
sa e bem conhecida historia de Virgínia que Ap. Cláu-
dio tentou violar, e que seu próprio pae matou para
lhe salvar a honra.
Veja TU. Liv. 3., c. 33.
NOTA
Morre, meu Porcio,
Que vives para a glória ! Sc. V., pag. 166.
Não é expressão lançada ao acaso. A generosa e su-
blime ficção do direito romano suppunha vivos para
os effeitos civis, os cidadãos mortos na defesa da pá-
tria.
kota P
filhos de Quirino: Sc. V., pag. 168.
Quirino chamavam os Romanos a Marte, e a Ró-
mulo como filho de Marte.
233
AO ACTO QUINTO
NOTA A
Cousolaste-mc, Sócrates :
Convenceste
A minha alma, Platão : Sc. II., pag. 172.
Todos sabem que Platão, discípulo de Sócrates, to-
das as suas obras as deu como reflexo das licções do
mestre. A isto allude o primeiro verso citado.
Gatão antes de se apunhalar, leu o dialogo de Pla-
tão sobre a immortalidade d'alma, para se confortar
com a doutrina consoladora do philosopho pagão que
mais se approximou do Ghristianismo, e certo, um dos
que mais preparou os Tinimos para as sublimes ver-
dades do Evangelho.
VejaP/utf. invila; Luc. 1; Vai, Max,
nota B
A natureza— Deus Óptimo Máximo, Sc. HL, pag. 170.
Com este titulo distinguiam os Romanos o Deus único
e verdadeiro, que o mesmo Pantheismo reconhecia
superior a todas as outras influencias que poeticamente
divinizara.
nota C
Sob os golpes do aríete incessante : Sc. IV., pag. 179.
Aríete era máchina de guerra, vaivém com forte
2*4
cabeça de bronze affeiçoada á de um carneiro, e que
servia para bater em brecha.
nota D
Esse tropel de gente inerme
Andam como alienados Sc. IV., pag. 179.
Todas estas ârctrmstancias aqui descriptas são ab-
solutamente históricas.
Veja Plut. Cot. min.
hota, E
inda além das portas d 'Hercules.
Sc. V., pag. 18*.
Por columnas d'Hercuies; a entrada ou portas do
estreito de Gibraltar— o non plus ultra dos navegado-
res antigos. De Hercules se diziam porque suppunham
as tradições que quando alli chegara em suas viagens,
pozera aquellas balizas que ninguém mais ousaria pas-
sar.
sota F
Reservada
Das triremes fique «ma : Sc. VI., pag. 185.
A galé de três pontes, ou três ordens e bancos de
remeiree chaanvam os Romanos trirem*,
NOTA G
Gomo a espada de ÀcbiUef Abulada,
Sara o que fere. - Sc. VIL, jag. 1«9.
Elegante ficção de Homero, provavelmente colhida
das legendas populares que recopilou, a qual deptâs
deu thema aos poetas para lauto ditfo Engenhoso.
Veja Ovid. remed. amor.
NOTA H
Vamos co'estas relíquias d'oQtra Gamas,
Vamos a demandar novo Gmhumío, Sc. VD., pag. 19i.
Os Romanos desbaratados por Hannibal, juncto a
Gannas, logarejo da Àpulia, na famosa batalha do dia
21 de Maio, 216 annos À. G. N., accolheram-se a Can-
nusio pequena cidade da mesma Àpulia, em que pouco
e pouco se foram recobrando da perda e do medo, até
que tornaram a entrar em campanha.
Veja TU. Liv. 22; Plul. in Annib.; Flor. 2.
NOTA I
Das Hispanhas,
f nda não subjugadas, nos contida
O filho de Pompeu,
IS porque não iremos nós entre elies
Procurar as fortunas de Sertório
Depararemos porventura ainda
Com algum Viriato Sc. ML, pag. 19 1 .
As Bisponhas, e a ntaea Lusitânia especialmente,
N
236
deram com effeito muitas licções de patriotismo, de
amor de liberdade, de firmeza e de lealdade de cha-
racter, aos próprios Romanos.
Nas Hispanhas foi que os filhos de Pompeu recru-
taram principalmente o formidável exército que, morto
Gneu na derrota de Munda, ainda sustentou a Sexto na
Sicília até á morte de Júlio César, e depois o habili-
tou a tractar com o triumvirato como de egual para
eguaes.
Veja Vel. Palerc. 2; Plul. in vil. Anlon.; Flor. 4.
Sertório (Quinto) proscripto por Sylla refugiou-se na
Lusitânia onde estabeleceu um governo livre còm um
senado a que presidia como cônsul. Pompeu e Metello,
os invencíveis generaes romanos, foram, assim como
os outros, vencidos pelos Lusitanos que defendiam a
Sertório. Succumbiu á traição de Perpenna, official seu
que em um banquete o fez assassinar.
Veja Plul. in vil.; Apian. de civ.; Vai. Max. 1.
Viriatho de simples pastor chegou a ser o general
e defensor, não so da Lusitânia, mas das Hispanhas
livres todas: venceu muitos generaes romapos, entre
os quaes o mesmo Pompeu. Caepio não pôde livrar-se
d'elie senão comprando a traição de seus domésticos
que o assassinaram.
Veja Flor. 2; Vai. Max. 6.
NOTA K
Cahiu nesta hecatombe Sc. IX., pag. 197.
grego txATwpoía, de que os Latinos contrahiram
*37
hecatombe, significa á lettra cem toiro*; e dava-ae este
nome ao sacrifício <fesse número e casta de victimas
que os de Argos e Egfoa offereclam a Juno. Figurada-
mente diz-se de todo o sacrifício grande e numeroso.
nota L
ayitas Sabinas;
Glorioso
É aquelle terrffo que tantas Tezes
gran'Cei»or co'as próprias mios larraft.
A minha Porcia :
Eu t'a coUoco e intrego
Digna esposa de Brito Sc. IX., pag. 199.
Gatão o Censor ou maior, ascendente d'este e fa-
moso por sua austera frugalidade, lavrava no seu campo
com as próprias mãos.
Porcia, filha de Gatão Uticence, foi comeffeito mu-
lher (Teste Marco Junio Bruto, e digna esposa d'elle
pelas virtudes publicas e domesticas de que era mo-
delo. Teve o ânimo de sedar um lanho terrível n'uma
perna, so para experimentar sua força -no sofrer a
dor; e ao marido, que lhe perguntava a mão de tal
estranheza, respondeu que quizera ver se a mulher de
Bruto, assim como era digna do seu leito, o era tam-
bém de tomar parte em todas suas coisas e segredos
por mais perigosos que fossem. D'ahi por deante Por-
cia foi sabedora e tomava quinhão em quanto mais
arriscado imprehendeu Bruto. Não lhe quiz sobreviver
quando este morreu; e como própria filha de Gatão, á
mingua de outras armas, que todas lhe tiraram seus
amigos, conseguiu matar-se ingulindo carvões em bra-
za — á volta de 12 annos A. G. N.
u»
Vq|* Mnt. ta ãrul.; e ¥*kr. Hm. que um tanto
sariacn aig—a ajiriiiaiÉanria fferta hirtaria.
Hrà* entja.viwa.de ttfeato quando esposou M.
NOTA M
Dobtae-me — eu sei morrer. Sc. XI., pag. 202.
É histórico o sentido d'eate e dos próximos versos,
e exactissia» a que indica * rubrica.
Yeja Plut. in vila.
ROTA H
«• IMeoolMeea
QM^nnteBçaéezBHtBpnferiflÉe. 8c XL, (Hg; m.
AUade *»er eMe r Marea-Bruto, alho de Júlio Casar,
un do» fue depafe, em. plano senado, o apunhalaria
Sm tom aebidaa aa úJtiiaaa palavra* domorihaario
pae; quando *ui M. firatoeutre os aeaasainaft, eufann
o ratito cem a. toga» exebaaaado: Tu queque, Bruto!
Veja. -Sua/, m *&; PM, **.; Dio; Afdm.êlc*
VAEIÀNTES
VARIANTES
VERSOS DA PRIMEIRA EDIÇÃO INTEIRAMENTE SUPPRIMIDOS
OU COMPLETAMENTE ALTERADOS NA SEGUNDA
PROLOGO
Èepois do verso 2&
Desesperado horror flâ voz, «os laWos
Lhe vem do coração troar vingança.
Depois do verso 33.
So troa sons dei MOrtBa-de vtogHffçiL:
Em vez dos ais de amor pullulam, fervem-
os ais, «lhas 4o hètrw, nm chins» chordas.
Ternura, inoastoft & âetída e mimo,
Oh ! não 06 esperei* : 00 ftfflá 11 patife. . .
16
242
Depois do verso 48.
Oh ! que ideas de mágoa e de vergonha
Não excita este nome! Itália em ferros!
Depois do verso 54.
Mas não; não recordemos taes memorias:
Ou, se as lembrarmos, lembre-nos o exemplo.
* »
Depois do verso 57.
O ferro de Gatão. . . (não o de Bruto. . .)
Também sabem meneá-lo os Portuguezes.
Depois do verso 68.
Oh! não; não attenteis do vate aos erros :
Arte ingenhosa, lúcidos talentos
No limitado espirito fallecem.
Depois do verso 74
Não me levou a imprêza tam difticil
louco amor de passageira glória,
▲OTO I—SCENA I
íManlio.) E commigo o universo; nas tu mesmo,
Bruto, o confessas; so a nós e a poucos. . .
(Jf. Brulo.) esquecido valor, a excitar n'alma?
243
Inultos manes, veneranda sombra,
Victima infausta da traição mais barbara !
(Manlio.) Ah! Bruto! e de que serve o nosso esforço?*
Nós poucos, já sem forças que nos resta?
(M. Bruto.) Basta: aurora a despontar começa. . .
: — Ha malvados
GUjo horror se imparelhe ao d'um tyranno ?
Sim, Manlio, o dia chega; e juncto em breve
senado será: d'elle dependem,
Elle decidirá nossos destinos.
Teus receios ante elle, os teus temores. . .
Eu, simples cidadão, tenho um so voto:
Amigo, aconselhei-te a ser Romano ;
Romano não te posso ouvir mais tempo.
SOENA II
(Manlio.) Tua feroz virtude em balde intenta
Erguer das cinzas a defuncta Roma:
Punhal terrível de civis discórdias. . .
Potencia infausta lhe sustenta o throno;
Indomável poder o escuda, o ampara. T.
Insensatos ousamos. . . (Ah ! debalde)
Pelo phantasma vão da liberdade
Sacrificar as preciosas vidas!. . .
Porém Sempronio chega. Alma insidiosa!
£ inda fia Gatão d'homens como este
Fazer Romanos, e salvar a pátria?
244
SOEM A m
(Sempronio.) Como pretende ás victoriosas tropas
De Pharsalia, do Egypto e do universo
Na impetuosa torrente oppòr barreiras?
(Sempronio.) A César
Ir ao incontro; su&pe&der-lhe o ferro;
Salvar-lhe a própria vida, c juncto ao throno
Seguir os fados do waiverso inteiro.
(Manlio.) É necessário
Expor com energia ante o senado
A crise perigosa em que hoje estamos. . .
Em breve aqui se ajunta; em vivas cores
Convêm pintar-lhe o estado miserável. . .
(Semp.) Nem mesmo aqui, nem mesmo a qualquer outro
Que tu não fosses, Manlio, a quem d'ha muito,
-Além do sangue, uniu sancta amizade,
Minhas ideas imprudente ousara
Patentear descuidoso. Em ti confio
No segredo que exigem.
(Manlio J Nem duvides :
Minha prudência lia muito te é notória.
SOENA IV
(Sempronio.). : Ah! não : toes homens
Nem de grandes acções, nem grandes crimes
Capazes fez a avara natureza.
Meus desígnios porém. . . César* . . ah! cumpre
D'um homem que ahhorpeço e que detesto
Tingar-me emfim. plano está formado:
Executá-lo resta.
24&
SOENA V
(Porcio.) Entre os soldados, entre os chefes mesmos
Murmúrios, dissenções. Por esta causa
Feste humilde logar meu pae ajunta
Essas tristes relíquias de Pharsalia
A que ainda senado appellidàmos.
(Juba.) Sua virtude,
Sua virtude so torna sagrado,
Legitima, redobra em preço, em número
Esse pouco que resta dos Romanos.
Sua virtude so no peito, n'alma,
Dentro nos corações imprime e grava
Respeito, adoração; nutre, avigora
A constância, o valor, a audácia nobre.
Ella so nos da pátria moribunda
Inimigos cruéis terror diffunde.
A seu rígido aspecto Gesar mesmo. . .
D'essas tremendas aguerridas hostes...
(Sempronio.) Antes que unidos venham nossos fados
Decidir de uma vez, que inflammá-los,
E, um por um, excitar suas nobres almas.
SCENAVI
(Porcio.) Por seus lábios o ceu lhes falle ao peito.
Mas tu, Juba, calado, e pensativo. . .
(Juba.) Ah ! Porcio, declarar-te
De minhas reflexões receio a causa.
Um secreto, cruel presentimento
246
Me faz desconfiar (Teste Romano.
Illudo-me talvez...
(Porcio.) Grande virtude
É a prudência, amigo; mas não dômos...
Em vão tentamos
©issiraular o horror de tantos males;
Em balde os olhos ao clarão fechamos
Do raio que fulmina, e que ja troa
Sobre as nossas cabeças. . .
Quasi incapaz de merecer tal nome:
(Juba.) De teu augusto pae recorda, ó Porcio,
A máxima sublime. É-nos vedado
Dos decretos do ceu sondar o arcano.
Talvez. . . quem sabe ! . . .
(Porcio.) Não, querido amigo;
mais ténue vislumbre de esperança
N'alma não me entra ja. Cada momento
Vejo esse monstro, que em sua ira os deuses
Nas intranhas de Roma produziram
Para rasgar-lh'as parricida filho,
Para no sangue maternal cevar-se;
Esse monstro, esse bárbaro tyranno
Nossos muros entrar, e entrar com elle
Ferros, escravidão, ludíbrio e morte.
Morte! Ah! não penses, Juba, que a receio.
Um filho de Gatão, Porcio, um Romano
Olha contente alevantar-se o golpe
Que á pátria o sacrifica, o faz eterno.
Mas, eu sou filho, Juba; e a natureza
£ mais forte que Roma. Ah! resta ainda
A coroar o horror de tantos crimes
A morte de Gatão. Tam negra idea
247
Não, não me é dado açm terror fitá-la.
Gomo podeis juntar, supremos deuses,
Tantas virtudes com desgraças tantas?
Como soffreis que a barbara fortuna
Ouse. . . Mas, se o soffreis, se ao crime os raios
Retendes frouxos na tardia dextra,
Maior que ella e que vós seja a nossa alma. . .
ACTO II— SCENA I
(Catão.) De seus crimes té'qui protege a infâmia
Desculpae-me se avivo as vossas chagas,
Se os horrores vos lembro de Pharsalia.
(M. Brulo.) Ah! corramos, amigos. Que mais resta? ,
Que temos a esperar? A glória, ó padres!
(Catão.) Entre as virtudes
£ o vicio occulto que lhes veste a mascara. . .
Se a venda das paixões nos cega os olhos
Seus termos, seus limites confundindo. . .
£ ousaremos assim por vão capricho
A nossa glória van sacrificá-los
£ entre as cohortes do feroz imigo
Ir nós mesmo, mais bárbaros do que elle,
Tingir-lhe as lanças de romano sangue?...
Que mais de nossa glória cubiçosos,
Do que fieis á d'ella, a nossa morte. . .
(Manlio.) Quem atropella as leis da natureza
Não deve os foros seus gosar tranquillo.
(M. Bruto.) senado?. . . Pois sim; que me castigue.
Tudo pôde tirar-me, a mesma vida,
Menos do coração alma romana.
80BNA n
(Calão.) As sazões toas. . .
Eu também sou Romano.. . mas ao» homem,;
Responderei sem. feiro-..
é forçoso 4a fauces d.'eUe,.
Ou de salto atrevido além trauspor-se,
Ou sem recurso baquear-lhe ao centro.
scena m
(Marúio.) Ei-lo a paz que vem pedir-nos.
SCENA IV
(Catão.) Entfrasiasta não sou: e da virtude
Anda sempre mui longe o fanatismo.
SCENA V
(Decio!) Ma£ prezando
De Gatão as virtudes,. Gesar treme
De ficar vencedor a vez primeira.
No accurvado universo es tu somente
Quem ao poder resiste do seu braço.
Por tal competidor de orgulho ufano
Teme acabar sua glória n'um triumpho.
(Catão.) porelie em Roma,
Minha voz, pr.ojnpta sempre age infelizes,
Heide erguer, suppliuac; e de seus crimes
paixão ahmofar, voLvérlo á patcía.
(Calão.) Em quanto os lábios a bradar vôaganç*
Me deixarem os céus. . . so* desvalida» . .
m
ACTO HI-SjCENA I
(Decio.) Nem é: de fer* o coração do homem»
(M. Bruto.) E euporqMehomemsou, nãoqueroouvir-te,.
Que eloquência eternais, ignoro-a, odeio-a;
Não a sei praticar, não quero ouviria.
Poetas, oradores destruiram. . .
SOENA VI
(Juba.) * Que enigma encerra
Este dito de Bruto? Ah! talvez. ..
(Sempronio.) Tudo
Te faz desconfiar! Príncipe, deixa,
Deixa uma vez o génio suspeitoso.
Não; não vacilles mais: quanto te hei dito
É certo; nem ovos...
... E no tumulto
Catão assassinar...
(Juba.) Perdoa-me, Romano: ah! de tua alma
Outr'ora, eu duvidei Tuas virtudes,
Injusto*, appceciá-las> não a& soube.
(Juba.) Se os dias de Gatão salve ditoso;
Se esse monstro, esse horror da natureza,
Esse tyranno César posso eu mesma
Co'este braço immolar ai» pátrios manes!
Oh! meu pae! diage o golpe ardido,
Leva-hYo ao coração d'esse mataadoi
Holocausto de aspérrima vingança,
Ó César, eu te voto ás sonoras negras
250
Do Àverno. . . que os tormentos ja prepara,
Das fúrias, que os açoutes já sacodem. . .
Vamos; amigo, vamos. . .
(Sempronio.) Mais prudência,
Mais sangue frio é necessário, ó príncipe:
Porcio para aqui vem: disfarça, occuita;
Ou perdido verás...
SCENA vn
(Porcio.) Em fim os deuses
Decretaram de Roma; e o fado iníquo
Aos dias de Gatão. . . idea horrível!
Oh ! não, não te verei, dia de mágoa.
Não tenho coração que soffra tanto.
Antes que ouse attentar aos dias d'elle,
Primeiro n'este peito a morte crua
Hade insaiar o golpe. Sim, primeiro. . .
Sim venerando pae; ao reino escuro
Eu te irei esperar: meus tristes olhos. . .
(Porcio.) Inútil esperançai
(Juba.) Os céus são justos.
(Porcio.) São justos! Ah! são justos; e a virtude
Abandonam assim; assim do crime
Escrava a deixam soluçar nos ferros!
Oh deuses, se quereis que vos adorem,
Se incensos de mortaes, se humildes rogos,
Se victimas quereis, se altares, templos,
Fazei-vos conhecer, mostrae-vos numes:
Amparae a virtude, e aos vossos raios
impio descore so, trema o malvado.
251
ACTO IV— SCENA I
(Manlio.) Oh cúmulo de horror! oh gente indigna!
Restava ainda esta nódoa, esta vergonha.
Para inxovalho nosso! Roma! oh Roma!
SOENA II
(M. Bruto,) Pérfidos!. . . Ah covardes!... Mas tu, Manlio r
Tu com elles também ! . . . Não me inganava,
Mo me illudia eu. Indigno, agora,
Agora nós veremos se essa espada
Homo a lingua tu sabes. . .
(Manlio.) Bruto, ainda
Esse louco furor não moderaste?
Impetuoso mancebo, infreia as iras;
Sê homem uma vez.
SGENA m
(Marúio.) Manlio eu conheço: basta; não insultes
Com vil suspeita um senador romano.
Mas, Sempronio onde está? Juba? meu filho?
(M. Bruto.) Jaz socegado emflm : os vis traidores,
E de Gesar as tropas, que os seguiam,
Ou salvaram co'a fuga as torpes vidas,
Ou prezos jazem, ou no campo mortos.
(M. Bruto.)..-. . . . Porcio! Combateu commigo;
E combateu Romano. A sua espada
Ao meu Jado mil golpes desferia
Que invejara Scipião.
23£
(M. Brido.) Mas primeiro immolar ao negro Averno
Em holocausto; pérfidos, tyrannos.
(M. Bruto.) cutello da lei brandindo ao crime. . .
(Calão.) Que os vis Tarquinios expulsou de Roma.
Te é livre de julgá-lo e de puni-lo.
Tens magistrados, leis, e tens algozes.
Se d'aquelles usurpas os direitos,
Criminoso es também*. £ 4 negra offlcio
Do último assumir, julga-lo acaso
Acção condigna a um cidadão Romano?
SOENA IV
(Calão.) Oh ! cens que vejo !
Sempronio em ferros I Juba...
(Calão.) Bruto!
Explitfac-me este enigma: devo acaso
Ver um traidor n'um senador Romano?
Esses grilhões nos pulsos teus que indicam?
Tu immudeces?— ■ príncipe, que é isto?
(Catão.) Oh la, soldados, de Numidia ao príncipe
As portas da cidade abertas ficam.
(Juba.) Sim; deixei-me
Seduzir d'esse monstro. Mas nem mesmo
Te dignas arguir-me, nem te abaixas
A castigar-me ? Ob oeus ! esta vergonha
Não, eu nunca a esperei. Pena tão rode
Merecer a Gatão não pensei nunca.
Sou criminoso sim; porém meu crime
£ filho so do erro. Esse perverso
Sob a côr da virtude, do heroismo»
Pérfido m'o incobriu, soube inganar-me.
S»
Da pátria minha «a rudei selvagem
São ignoradas da peridia u «tos.
A minha singeleza, e paocos anaot
Fácil foi de vencer a que» tara dextro
Em artifícios taes, lhes sabe o inrêdo.
Para salvar teus dias ameaçados,
Para evitar que ao dictador abrisse
Conjuração occulta as portas 4'Uttca,
Me incitou que sahisse c'os meus Numidas
Do lado oriental para incontrá-lo.
Gahi no ingano ; e em tanto que eu deixava
Quasi inerme a cidade, elle-e os seus sócios
Às portas do occidente a Gesar abrem.
Conheci, porém tarde, a vil perfidia;
Gahi sobre o traidor e sobre as hostes
Do tyranno de Roma; em tanto o alarma
Soa na praça, os muros se coroam
De intrépidos Romanos. Rechassada
Por elles, e por mim foi essa turba,
Pude na fuga deseubrir o monstro. . .
(M. Bruto.) Infame! e ousaste ao meu amigo. ..
SCENA V
(Calão.) Este meu pranto. . . Não taxeis, amigOB,
De fraqueza a mate alma: eu aã© me pejo
De mostrar que soa homem. Mto! oh flftho !
Teu pae em breve. . . Adeus í. . . tevae-o, amigos.
(M. Brulo.) Não; esse corpo do fceroe não- deve
Sahir de nossa vista, anles que o .sangue
Gorra do matador. Manlio, soldados,
Dizei, dizei-o vós.
254
(Calão.) Seduziste o príncipe,
Traidor quizeste com algoz perfidia
Ímpio acabar co'a pátria moribunda. . •
pae perdoa, o cidadão não deve.
ACTO V— SOENA I
(Calão.) , Oh la ! depressa
Manlio se chame aqui : alguns momentos
A sos me cumpre conversar com elle.
Ide.
SCENA n
(Calão.) Convêm dizer-lhe os meus intentos,
Conflar-lhe as tenções minhas e projectos.
Tímido sim, porém honrado é Manlio,
Prudente e cauteloso. Sem receios
Descançarei tranquillo. fii4o que chega.
SCENA m
(Calão.) Ouviste agora
A voz da sentinella?
(Manlio.) Ouvi; que importa ?
(Calão.) Quando uma hora mais tiver corrido,
Ouvi-la-has outra vez ; mas esse brado
Eu não o hei de ouvir.
(Manlio.) Não te percebo.
Porquê?
(Calão.) Porque terei morrido.
255
(Marúio.) E tu pretendes
Commetter esse crime!... Tu!
(Marúio.) Por ventura
São os de César, são os dos Romanos
Que a Gesar vendem liberdade e* pátria ?
Morrendo, impedirás que se perpetrem?
Bem o sabes que não.
(Marúio.)....,.. Â ti! Mas como?
Queres livre morrer como um Romano,
Foges a escravidão. . .
Mas homem, como tu, deixar cegar-se
De fanatismos taes! ...
do miserável,
Que entre gemidos soluçando os roja?
Ou do fado serão ? Crimes do fado,
Então nós é que havemos de levá-los?
Sem criminosos ser, punir-nos-hemos?
Se os céus o querem, se o consentem deuses*
(Catão.) Nem o pôde mandar a natureza,
Nem do contrario os numes aggravar-se,
(Marúio.) Mas dadiva do ceu nos foi a vida;
£ o ceu ha de approvar?. . .
(Catão.) So para o mundo vive e ao no mundo
Então mais livre ainda em dispor d'ella. . .
SOENA IV
(Juba.) Catão, accode, vem... subitamente .
As cohortes de Gesar assaltaram,
Furiosas investem nossos muros.
Ja tudo é confusão, tudo desordem.
Nossos poucos soldados cada instante
Aos golpes diminuem do inimigo.
256
Raros sota» as Muralhas ]a se avistam.
Do dictador as hostes bem conhecem
Nosso mísero estada; audazes correm
Seguras da victoria. Jmt Tem ao menos
Com a tua presença (se é possâret)
Anima-los ainda: vm, ou eeto
EmUtica verás...
(Catão.) - .. Mo verei nada.
(Juba.) Como?
(Catão.). . . Príncipe, vai; vê se apprestaáas
Estão no porto as naus, se a levar ferro
Promptas como eu mandei. Faze que imbarqaem
Todos nossos amigos: vai, so resta
Este único remédio; preciosos
Estes momentos são; parle.
(Juba.) ►... Obedeço.
Mas...
(Catão.) Vai, príncipe: adeus, adeus.
SCENA V
(Catão.) »io posso
Deixar de internecer-me. . . a vez eitreiwa
Que vejo os meus amigos sobre a terra.
Manlio, tu sabes quanto te amei sempre. . .
Has de sobreviver-me; has de inda, amigo,
Ver Roma escrava. . . "ver a nossa pátria;
Essa pátria que tanto me ha custado !
Ve-la-has em ferros, gemeras sobre etta.
Oh ! quando desparzires essas tegrymas
No sepulchro de Roma. . . então record*4e,
Lembra-te de Catão. . . (g&moto.) É morta Roma.
Porção da divindade, assaa viveste
257
No earcer (Teste corpo ; vai unir-tc
À immensidão do ser na eternidade.
Gatão. . . a tua hora derradeira,
Ei-la, soou. . . amigo, adeus. (Quer ferir-se.)
SCENA VI
(M. Bruio) Oh meu pae ! oh desgraça! oh fado ! oh numes I
Dentro d'Utica ja. . . foi-se a esperança.
Morreu quanto inda havia de Romanos :
Ficámos nós. . . nós fo. Tropel de escravos
Do tyranno a montões affluem, correm,
inundam a cidade. . . oh pae ! oh l dize
O que resta fazer.
(Catão.) Tu roubaste-me a espada: não venceste:
Inda tenho este ferro. (Fere-se.) oh Roma ! oh pátria !
(Catão.) Deixac-me ao menos. . . expirar... com honra...
SCENA vn
(Dedo.) Salve-se Gatão, se é tempo ainda.
Do imperador as ordens se executem ;
Do amigo vencedor nos braços venha
Esquecer. . . Mas, que vejo. . . tu. . .
(M. Bruto) Eis desarmado o peito... a sede apague;
(M. Bruto) Eu!... ElleL. Não!... Porquê!... Sim, monstro, barbarei
Sangue ! Oh sangue de horror ! Mas, vês aquelie ?
Gotta a gotta cahiu sobre este peito ,
Aqui no coração, ei-lo aqui todo.
Meu pae. . . aquelie foi. . . matou-m'o ellc.
Mas vive o filho. . . e o filho ha de vingá-lo.
Filho. . . do crime. . . ja não temo crimes. . .
Roma ! . <-. pátria ! . . . Catão ! . . . meus pães são estes.
ir
VERSOS DA SEGUNDA EDIÇÃO INTEIRAMENTE SUPPRBflDOS
OU MUITO ALTERADOS KA TERCEIRA
ACTO I— SCENA H
(Manlio.) A potestade infausta, abominosa,
Que lhe alçou esse throno de cadáveres,
Não larga mão do escudo com que o ampara.
SCENA m
(Manlio.) E co'a pátria exhalar o extremo alento.
(Sempronio.) De apparatosa, van philosophia.
SCENA VI
(Porcio.) Que ao jugo correm submetter-se humildes l
ACTO II— SCENA I
(M. Bruto) Quê! duvidar na escolha— inda um ^momento!
De morte ou servidão, glória ou ludibrio,
259
Homens, Romanos, senadores! —Nada. . .
(Calão.) O insensato expnlsae: não mais profane...
SOENA IV
(Sempronio.) A Catão a suspeita. . .
SCENA V
(Decio.) Mas...
(Catão.). . . Ja t'o disse: eu César não conheço.
ACTO Hl— SOENA IH
(Calão.) Para os foros de pae ha mais deveres. . .
(M. Bruto.) Guiar-lh'a ao coração, mostrar-lhe o peito
Onde deve ferir...
SOENA VHI
(Porcio.) Nem ja por entre os lábios descorados
Murmurando fugir da pátria o nome!
Caros amigos,
Oh! se podeis, retende-lhe esse golpe!
Oh! lembrae-vos de Porcio n'esse instante;
Recordae-vos da pátria. . .
(Juba.) Commigo não a tens?. . .
(Juba.) Que hãode nossos destinos melborar-se;
£ que ainda de todo os sançtos deuses
De sobre nós a dextra omnipotente,
Despiedados, cruéis não retiraram.
260
ACTO IV— SCENA V
(Sempronio.) Inda é maior que o ódio que te eu tenho.
ACTO V— SCENA m
(Mardio.) Mas quaes são esses crimes que pretendes
Evitar com tua morte? Hade ella, amigo,
Pôde ella impedir que se perpetrem?
VERSOS DA TERCEIRA EDIÇÃO INTEIRAMENTE SUPPRIUIDOS
OU MUITO ALTERADOS NA QUARTA
ACTO I— SOENA H
(Manlio.) Roma, Roma, os teus dias são passados.
ACTO V— SOENA Hl
{Manlio.) Tu ! com tal crime
Hasde manchar tua glória!
{Calão.) E julgas, Manlio,
Julgas tu crime o subtralnr-se a crimes?
{Manlio.) E quaes crimes evitas com tuà morte?
{Manlio.) Heroísmo e glória
Em ânimo vulgar seria o feito.
Mas em Catão!— Não é maior virtude
Padecer resignado, soflrer quedo,
Contente— a teus Estóicos appcllo
Estas árduas provanças da vírtucit
2G2
À que Deus nos votou. São crimes os ferros
Dizes tu; mas de quem? Serão do escravo?. . .
(Calão.) Co pavez da innocencia accobertado,
Firme no pedestal da fortaleza,
Gaia o ceu, trema a terra, immovel fica;
universo vacilla, e elle não treme;
Desaba o mundo, — e impávido o contempla
Sem medo á queda, rever ter-se ao cahos. . . .
(Mcmlio.) Bem sei que taes princípios abominas.
VERSOS QUE SB PODEM SUPPRIMIR N'ESTA TRAGEDIA
PARA A INGURTAR NA REPRESENTAÇÃO
TODO O PROLOGO
ACTO I
Versos 70— a 73.
» 77-a 84.
» 174— a 179.
n 188— e 189.
Da última parte do vers. 211— até ao fim da l. a parte
do vers. 216.
Versos 241— a 246.
Da última parte do vers. 291— até ao fim da l. a parte
do vers. 294.
Versos 304— a 311.
310— a 322.
» 325— a 328.
346- e 347
361— a 369.
» 431— a 435.
453-a 457.
Da última parte do vers. 460— até ao fim da 1.» parte
do vers. 464.
>*4
ACTO n
Versos. 107— a 113.
» 139— e 140.
» 164-a 173.
Da última parte do vers. 239— até ao fim da 1.* parte
do vers. 249, inclusive a palavra ja.
Versos. 251.
• 258.
» 290.-e 291.
358.
421— e 422.
472-a 480.
495— a 499.
562-a 565.
. 368.
acto m
Versos. 44— a 56.
• 63— a 68.
Versos. 215.
Da última parte do vers. 303— até ao fim da l. a parte
do vers. 313.
Versos. 316— a 319.
» 330— e 331.
Da última parte do vers. 436— até ao fim da 1.* parte
do vers. 439.
Versos. 450— a 452.
» 455 — c 456.
265
ACTO IV
Versos. 58— a 60.
Da última parte do vers. 130— até ao flui da 1.» parte
do vers. 135.
Versos. 182.
191— a 196.
201— a 206.
» 393.
ACTO V
Versos. 68— a 72.
» 81— e 82.
» 88— e 89.
119-a 124.
Da última parte do vers. 307— até vers. 335.
Da última parte do vers. 412— até vers. 418.
ÍNDICE
Prefacio da quarta edição 5
da terceira edição 9
da segunda edição 17
da primeira edição 27
Carta do A. na primeira edição 35
Dedicatória á Cidade do Porto 57
Catão 59
Prologo 61
Tragedia 65
Notas 205
Variantes 237
/
i