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Full text of "Obras litterarias: Theatro: 1. Catão. 2. Merope--Gil Vicente. 3. Frei Luiz ..."

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OBRAS 



DO 



VISCONDE DE ÀLMEIDÀ-GARRETT 

TOMO II 
PRIMEIRO IH) TIIEATRO 



/ 



OBRAS LITTERARIAS 

DO 

VISCONDE DE ALMEIDA-GARRETT 



THEATRO : 

Tomo I, Catão. 

Tomo Ií, Merope, Cfril- Vicente, 

Tomo III, Frei Luís <36 Sousa; 

Tomo IV, D. Phlllppa de Vilhena. 

Tomo V, A Sobrinha do Marquez, As Prophecias do 

Bandarra, Um Noivado no Dafundo. 
Tomo VI, O Alfageme de Santarém. 

VERSOS: 

Camões. 

D. Branca. 

Lyrica. 

Fabulas, Folhas oahidas. 

Flores sem flructo. 

Romanceiro, 3 vol. 

O Retrato de Vénus. 

PROSA : 

Viagens na Minha Terra, 2 to). 

O Arco de SancVAnna, 2 vol. 

Portugal na Balança da Europa. 

Da Educação. 

Helena (romance). 

Discursos parlamentares e Memorias biographicas. 

Escriptos diversos. 



Acham-se á venda na Imprensa Nacional 
e principaes livrarias do Reino 



THEATBO 



DO 



VISCONDE DE ALMEIDA-GARRETT 



(SEXTA EDIÇXO) 



LISBOA 

IMPRENSA NACIONAL 

1877 



Prefacio da quarta edição 



O presente volume, phenomeno raro em 
Portugal, é uma quarta edição feita em vida 
do auctor, e para as nossas proporções, den- 
tro de mui breve tempo. A primeira edição 
do catão, feita em Lisboa, extinguiu-se em 
poucos mezes ; a segunda, de Londres, em 
dois annos; e a terceira — que foi a nossa 
primeira — em menos de três annos tam- 
bém estava exhausta, apesar das contra fei- 
ções brasileiras. 



6 



Sempre mais correcto e progressivamente 
melhorado por seu escrupuloso e infatigável 
auctor, o catão sai, n'esta quarta edição au- 
thêntica, tam perfeito quanto a uma obra 
humana é dado sê-lo. 

Vê-se d'esta estatística que o bom gosto 
se não perde em Portugal, e que as mons- 
truosidades da chamada eschola moderna não 
fazem esquecer a arte verdadeira, o catão 
lançou os fundamentos do theatro contemporâ- 
neo ; GIL VICENTE, O ALFAGÉME e FR. LUIZ DE 

sousa o vão edificando por um stylo que nos 
não deixa cahir nas extravagâncias e exage- 
rações d'esse romantismo epfoemero que ja 
vai passando na Europa, e que após si traz 
a inevitável reacção que também já em Fran- 
ça se sente. A litteratura portuguesa não 
gastará os seus talentos n esses dois exces- 
sos, graças ao nosso auctor, que, em meio 
das sérias e trabalhosas oecupações da sua 
vida, tem sabido tirar algumas horas para 
dar a estes lavores que rara vez são Usn 
avaliados dos contemporâneos, mas que a pos- 
teridade eolloca sempre, depois, acima de io- 
dos os outros. 
Mais feliz do que muitos, o auctor de ca- 



tão Te, ainda no verdor da edade, calar-se 
a inveja dos emulos, bradar alto pelo mun- 
do a fama de suas obras ja conhecidas de 
nacionaes e extrangeiros, e entrar, por seus 
esforços, a lingua e a litteratura portugueza 
no caminho do progresso, a par das outras 
nações que tanto atraz a tinham deixado. 

Este último resultado sabemos que o li- 
songeia, sabemos que é seu principal fim, e 
por isso nos comprazemos de o consignar 
aqui quando lh'o Temos alcançado com tan- 
ta glória. 



Lisboa, 15 de Julho 
1845. 



Prefacio da terceira edição 



Imaginaram algumas pessoas menos refle- 
ctidas que as successivas correcções que te- 
nho feito a este drama lhe haviam alterado a 
contextura e character primitivo. Uns o jul- 
gam, sim melhorado na phrase e mais per- 
feito como obra litteraria, mas agorentado 
no sentimento, affroixado no terso e duro do 
pensar forte que o characterizava ; outros 
supposeram que a primeira concepção de 
mancebo enthusiasta vira a grande questão 



10 



politica que aqui se agita, com differentes 
olhos do qiíe a vê hoje o homem maduro, 
experimentado— fatigado talvez, — desappon- 
tado, quem sabe? 

Ambas estas observações foram feitas á se- 
gunda edição authêntica do drama, a qual se 
concluiu em Londres em 1 5 de abril de 1830, 
e que de certo era mui diíferente da primei- 
ra, feita em Lisboa em 1822. E uns o di- 
ziam como censura, outros como louvor, 
segundo o partido, ou matiz do partido, de 
cadaum. 

Nenhum me offendeu nem lisongeou, mas 
todos me julgaram raal *em um ponto : as 
minhas opiniões, os meus sentimentos, as 
minhas sympathias como homem, como ci- 
dadã*, como pbitesephotal apaal, comoKjbris- 
tao verdadeiro e sincero, na© variaram desde 
que me conheço, — espero amortalfear-Mfe 
n 9 6llas. Canas me^estraram m ptínáro sa»- 
giie côa o leile que samnei >ôos peitos de 
minha rôttuosa e extremosa sotfe : outras se 
m teeczilykam ftG> cérebro Hàolie «amara edu- 
cação liberal, «g (rígida e severa, em («pie 
fm âsnanefite Daohháe desde a ircfanrâ, por 



11 



austeras que ainda houve n'esta terra, — 
por um tio, philologo, sábio e erudito d^qoel- 
tas que ja não ba e que Deus sabe quando 
tonará a haver em Portugal. 

De quinze annos entrei no inundo ; lenho 
wido muito em pouco: ja creio que moha 
circumstancia na vida — pública ou particu- 
lar — por que oao tenha passado; e todavia, 
quando hoje, nas horas de mais socògo e 
paciência, me applico a receita do oráculo 
<te Belphos, sinto-me a mesmo têmpera de 
espirito que me 'deram ; o que padeceu foi 
so o corpo. Inda bem ! 

Releio as mmhas primeiras compogiçoes, — 
rio de tanta criancice, divertem-me as pue- 
rilidades de stylo e conceito que ja tomei 
por coisas tam cabaes . . . Mas nos sentimen- 
tos e nas crenças d'akna so Mies acho (faltas, 
impropriedades e exagerações de pfarase — 
ignorância, nao erro. Sinto pois e penso co- 
mo sempre senti e cansei; e bem, — ou me 
ingana a consciência. Marta «rez escrevi e 
obrei diversamente, e por consequência mal : 
emendara: £190-0. 

a única mudança «que em mim 
acta©, e a diferença, portanto, .que n'esta <e 



12 



nas outras minhas obras so pôde achar o 
leitor sincefo. 

A segunda edição authêntica de catão, 
correcta e elaborada pelo estudo profundo 
e quasi teimoso dos auctores latinos e gre- 
gos que tractaram de coisas romanas» so- 
mente nisso differe da primeira, conforme 
se disse em seu prefacio que aqui vai re- 
impresso. E por satisfazer a amigos que m'o 
pedem, bem como para desingano de algum 
incrédulo, vão também, no fim do volume, 
as variantes da primeira para a segunda edi- 
ção. 

Esta terceira quasi que não altera da se- 
gunda; mas o leitor achará todavia egual- 
mente notadas, no fim, as poucas e pequenas 
variantes que tem. Posso dizer que trabalhei 
conscienciosamente e com escrúpulo no ap- 
perfeiçoar d'este drama, procurando sobre- 
tudo dar-lhe aquelle sabor antigo romano 
que até ja nos derradeiros escriptores lati- 
nos estava perdido, e que tam raro é de 
achar em imitações modernas. Para esse fim 
somente, para me familiarisar e pôr, como 
se fora de casa com os meus auctores, tra- 
duzi de Plutarcho as vidas de Gatão (o me- 



13 



nor ou utjcense) e de César. Pêza-me que 
os limites circumscriptos do volflme me n5o 
deixem inserir aqui aomenos a primeira. 
Julgar-se-hia melhor da sinceridade e boa 
fe com que procurei transfundir, em sueco 
e sangue para a verdade dramática, a ver* 
dade e exacção histórica de que aquelloutra 
vive, isto é, a dos costumes e characteres. 
A dramática é uma litteratura nova para 
nós, — ou perdida, que tanto vai. Mas real- 
mente é nova ; poisque os primeiros cultiva- 
dores apenas semearam, por uns claros de 
deveza em terra crua, quatro ou cinco se- 
mentes que vegetaram á sombra, mal for- 
nidas de corpo e seiva. Poucos as viram 
vivas ; quando morreram, ninguém n'o sou- 
be; ficou a memoria vaga de uma pouca 
de semente que se perdera — e nada mais. 
Mas esta mesma saudade atormentou a na- 
ção e os seus poetas ; e para a inganar, il- 
ludiam-se indo buscar estacas de árvores 
extranhas, criadas n'outras terras, affeitas a 
outro tracto, e metteram-n'as na nossa ter- 
ra. A terra é boa, dá tudo ; a estaca parecia 
pegar . . . mas nSo : esta é planta que so nas- 
cediça produz bem: vinham quatro flores 



14 



desbotadas, duas fructa& outoniças, e see* 



E a' esta- parábola estát a histeria do< nesao 
pobre tfteatra* Não era mingua de talento 
nos poetas,, era- o mau methodo, o princif 
p&j errado com que trabalhavam. 

Antes do» gatão ja eu tinha feito nauite 
tragedia» e comedias também; toda» semsa?* 
bonés. Excepto a meropb — que talvez re- 
veja e complete ainda — rasguei as outra*: 
esamu das tae» inspiradas do reflexo extean* 
geipo, de portuguesas tinham as palavras ; 
no mais pensadas em Grego, em Latina em 
Francês em Italiano, emlnglez — que sei 
euJ 

No gatão senti outra coisa, fui a Roma: 
fui, e fi&me Romano quanto pude, segundo 
o dictado manda : mas vekei para Portugal» 
6; pensei de Português para Portugueses: e 
a isso attribuo a indulgência e boa vontade 
do público que me ouviu e me leu. 

Foi uma regeneração para mim.* foi ca* 
hirem*me dos olhos as trevas de Tobias cem 
os ligados do peixe trazido de tam longe- 
Não está na fabula (ou intrecho), nao está 
nos nomes das pessoas a nacionalidade de 



15 



uffii dftraa. Ignes. d& £asteo< pede ser frm- 
aexa,, — e português. Édipo :. todo» dfepeadfe 
d& rtío «ora que o» evocar, d» jaaigo para 
sobre a thertn»*, a amgodâta que && oa ea* 

Panece-auí que foto âiHnwgãOf s* vai 9a» 
neralizandov Um banem sem» talento», mas 
de: graade tino, jóia» e erudição^ a tinte» ja 
tídD« antes-; foi. o honrada Muraal dê Figuei- 
rado> de- cujo votamos* thaatro* pousos sa- 
bem até q/m «riste : lé-to*. issoiát pani exem- 
plares paeienGias. Pois ganhai muito quem o 
fizer, que ha aHi oiro de Enio* oom- que fa* 
zee muitos Vingilios. 

Estas guei*i» d* ' ateerim e manjam» ' 
em que andaram clássicos e românicos por 
esse mando, e que ja socegaram em, toda a 
parte, vão a começar agora por ca. E.como 
na politica e em tudo, não se apprende nos 
exemplos, nos erros alheios : triste condição 
da humanidade que só de seus próprios desva- 
rios escarmente cada um! Paciência! Quanto 
a isso, so quero aqui reiterar os meus anti- 
gos protestos de que não sou clássico nem 
romântico: porquê? Porque tractei de sa- 
ber o que era uma coisa e o que era a ou- 



16 



tra antes de me apaixonar por nenhuma. 
Succedeu-me o que me tem succedido em 
tudo, e o que a todos succederá que o fize- 
rem : achei razão a uns e a outros, segui-os 
n'ella, e deixei-os brigar no mais, — que 
não vale a pena da briga. Assim é de tan- 
tas brigas d'este mundo! O clássico rabu- 
gento é um velho teimoso de cabelleira e 
polvilhos que embirra em ser taful, e cuida 
que morrem por elle as meninas. O român- 
tico desvairado é um peralvilho ridículo que 
dança o galope pelas ruas, e toma por sur- 
risos de namorada o supercilioso olhar da 
senhora honesta que se riu de pasmo de o 
ver tam doudo e tam presumido : — mas tam 
semsabor. 



Lisboa, 19 de Novembro 
de 1839. 



Prefacio da segunda edição 



A extrema indulgência com que este dra- 
ma foi recebido do público impunha, ha 
muito, ao auctor a obrigação de o emendar, 
e tornar mais digno de tam lisongeiro favor, 
do que elle sahira na primeira edição. São 
todavia passados mais de quatro annos desde 
que ella se extinguiu, e so agora, na pri- 
guiçosa convalescença de longa infirmidade, 
appareceu breve remanso de mais sérios tra- 
balhos que se lhe podesse dar. 

8 



18 



Sobre feissima de erros de imprensa, sa- 
hiu aquellã edição com* todas as falhas de 
' primeiro molde/ incorrecta no stylo, falta 
de natural e verdade na phrase. Além des- 
tes senões de colorido, accresciam alguns, 
e muitos, no desenho ; — impropriedades na 
fábula ou inrêdo do drama, inexacções nos 
characteres e similhantes. Todos estes de- 
feitos nasceram dos vinte e tantos dias em 
que a tragedia foi composta, insaiada e re- 
presentada 1 , — e dos vinteum annos que 
então doudejavam no sangue de quem a es- 
crevia. A todos esses, e ao mais capital Tel- 
les — a tibieza e pequenez do quinto acto, 
se pôz peito em evitar n'esta edição. 

Sem escrava submissão aos factícios pre- 
ceitos do theatro francez, nem revolucioná- 
rio desprezo das verdadeiras regras clássicas 
(que hoje é moda desattender sem as inten- 
der); nem caminhando de olhos fechados 

1 A sociedade de curiosos que primeiro a levou á 
scena, e que tanto ap piaus o Uie grangeou do mais es- 
colhido publico que ainda se junctou em theatro por- 
tuguez, recebia, pouco e pouco, as porções da tragedia, 
ao passo que se iam compondo : e todos os membros 
d'essa sociedade (que excepto um, estão vivos e sãos) 
presenciaram quantas vezes se compunha na véspera 
o que no outro dia se tinha de insaiar. —N.da seg. ed. 



19 



pelo estreito e allinhado carreiro de Racine, 
— nem desvairando á toa pelas incultas de- 
vezas de Shakspeare, — procurou o auctor 
conciliar (e não é impossível) a verdadeira 
e bella natureza com a verdadeira e boa 
arte. 

O desanimador estudo do coração huma- 
no, o fatal conhecimento das humanas pai- 
xões, e de sua influencia e acção nas revo- 
luções politicas, o habilitaram para intendei* 
agora melhor o seu Tito-Livio e o seu Plu- 
tarcho. Assim commentados pela experiência 
de dez annos de revolução, estes dois gran- 
des phanaes da historia antiga guiaram o 
auctor da tragedia nas reformas que n'ella 
fez, no desenho de seus characteres, e no 
colorido de muitas scenas que, na primeira 
edição, visivelmente mostravam a mão in- 
experta do pintor que as traçava sem ter 
d'onde copiar do vivo. 

Estes exemplares o dirigiram e allumia- 
ram em toda quanta emenda, correcção e 
augmento apparecer agora; a elles se re- 
porta de toda a dúvida que na intelligencia 
de uma ou outra allusão houver, para elles 
appella de toda a construcção equivoca, a 



20 



elles se aggrava de toda a interpretação ma- 
levolente que lhe derem. 

Vinha n'aquella primeira edição uma carta 
do auctor sobre a imitação que n'este drama 
ha, ou havia, do celebrado Catão de Addison. 
Julgou-se escusado reimprimi-la aqui, por 
longa e de pouca monta *. Baste dizer em 
summa, que — fábula, interesse, mechanis- 
mo dramático, tudo é differente nas duas 
tragedias. A de Addison tem seis paixões ou 
namoros de tarifa, como lhe chama Schlegel 2 ; 
e conclue, na catastrophe, com dois matri- 
mónios: n'esta nem ha amantes nem casamen- 
tos nem mulheres. Um moderno viajante 3 in- 
glez disse da tragedia portugueza : « Perhaps 
the happiest idea of our (the portuguese) poet 
is that contrast which he draws between the 
two characters of Cato and Brutus : both of 
which are well sustained.' 'A mais feliz idea 
do nosso poeta (o portuguez) è talvez o con- 
traste que elle apresenta entre os dois cha- 

* Vai reimpressa n'esta edição por satisfazer a mui- 
tas pessoas que manifestaram desejo de comparar em 
tudo as duas primeiras edições do Catão.— NoL da 
terc. ed. 

* Curso de litter. dramática; sobre Addison. 
» Mr. Kinsey's Portugal illustrated. 



21 



racteres de Catão e de Bruto, os quaes aro- 
tos são bem sustentados.' 

Bastaria este ponto singular para distin- 
guir perpétua e characteristicamente uma da 
outra tragedia. Os raios do interesse drama- 
tico, que, na ingleza, divergem para os in- 
trincados amores de.Porcio, e Marco, Sem- 
pronio, e Juba, e Mareia, e Lúcia — na 
portugueza convergem todos para o prota- 
gonista, em quem, e na pátria e na liberdade 
que d'elle são parte e n'elle coexistem, todo 
quanto é, o drama se concentra, em acção, 
em meios, em incidentes, em interesse — 
desde a primeira linha da exposição até á 
última syllaba da catastrophe. 

Os namoros de Addison tecem, movem, 
inredam e desatam todo o fio de seu dra- 
ma. Os mais nobres affectos do coraç§o hu- 
mano, a amizade, o amor paterno e o filial, 
a devoção civica, o falso e o verdadeiro 
patriotismo, o entbusiasmo cego, e o illus- 
trado zelo da liberdade, — com todas as 
paixões revolucionarias em seus variados 
..graus e matizes, são o único movei do Ca- 
tão portuguez, de todos seus characteres, 
scenas, — da fábula inteira. 



22 



E comtudo, apezar de tanta disparidade, 
tem elle expressões, versos inteiros imitados 
de Addison. E porque não, se ellas são boas 
e elles bellos? Contar-se-hão porém raros 
os logares imitados : e a similhança decerto 
mais a produziu a commum leitura de Plu- 
tarcho do que nenhuma outra coisa. E não 
lembra mais de que accusar n'este ponto. 
Se outras imitações descobrir o leitor, saiba 
que se lhe não quizeram occultar, e que em 
se não declararem, so ha culpa de memo- 
ria. 

Representou-se esta tragedia, a primeira 
vez, em Lisboa, por uma sociedade de cu- 
riosos, em septembro de 1821. Outra so- 
ciedade de egual natureza lhe fez a mesma 
honra no anno seguinte, em Leiria, com 
permissão do auctor. Intregue, em certo 
modo, pela impressão, ao público, foi pri- 
meiro representada em público theatro, em 
Santarém, no anno de 1826. Também exi- 
lada na geral proscripção de 1828, veio 
apparecer em Plymouth, onde, se houver- 
mos de crer os jornaes inglezes d'esse tem- 
po, tam perfeitamente desimpenhada foi por 
vários officiaes e outros distinctos emigrados 



23 



portuguezes, — que até dos 'spectadoresbri- 
tannos ' se não poderá o auctor queixar, co- 
mo o desterrado Sulmonense dos pouco me- 
nos duros Getas: 



Barbaras hic ego sum quia nec intelligor ulli, 
Et rident stoliai ' verba latina ' Getae. 



Associado a grandes epochas nacionaes, — 
nacional pela adopção pública, o ' gatão por- 
tuguez, sai agora (se não foi vão o cuidadoso 
esmero e o longo trabalho do auctor) mais 
digno d'esse antigo foro, que ainda hade ser 
illustre e de honrar, por mui abatido e se- 
vandijado que hoje o tenham. 

O assumpto é o mais nobre, mais heróico 
e mais trágico de toda a historia antiga e 
moderna. Representando as últimas agonias 
da mais solidamente constituída republica da 
antiguidade, — a moralidade politica do dra- 
ma naturalmente reflecte muita luz sobre a 
grande questão que ora agita e revolve o 
mundo : e mostra (talvez mais claro que ne- 
nhuns tractados) a superioridade das moder- 
nas formas representativas, e a excellencia 
da liberdade constitucional ou monarchica. 



24 



O leitor, o spectador tirará sem esforço a 
conclusão do poeta : 

Nunqnam libertas gratior extat 
Quam sub rege pio. 

Onde a realeza legítima faz parte inte- 
grante da constituição, não ha medo que os 
dois elementos naturaes da sociedade, a de- 
mocracia e a aristocracia, rompam o equilí- 
brio em que as tem o scepftro, fiel, que deve 
ser, da balança do Estado : não ha temor de 
que ambicioso demagogo fatigue o povo com 
distúrbios e excessos, para o colher exhausto 
e o açaimar então com a mordaça de tyran- 
nia. Dem-lhe o nome que quizerem, chamem- 
lhe rei ou imperador, césar ou czar, se as 
leis não estabelecerem uma realeza moderada 
e paternal para conter as paixões ambiciosas 
dos cidadãos, — a realeza illegitíma da revo- 
lução, a tyrannia, virá sem leis, contra. as 
leis, e as destruirá. D'este perigo so livra 
(quando livra) a oligarcUa aristocrática e a 
«egra bocca do Leão de San'Marcos. £ qual 
dos flageDos será peior? — Nem o rei pro- 
pheta saberia escolher. Ha um grande, n 
i, documento contra esta doutrina, no 



25 



Novo-mundo. Mas dura ha mui pouco tem- 
po ; e exemplos em politica precisam de ter 
cans para convencerem *. 



Londres, 15 de Abril 
1830. 



1 Em linguagem mais clian : — Os Estados-Unidos 
da America do norte não são ainda uma nação for- 
mada, sólida, compacta, com character, costumes, gé- 
nio e indole sua própria ; e so quando o forem, pode- 
remos ajuizar dos resultados ao, por'ora tam novo, 
experimento. 



3a 1 



Prefacio da primeira edição 



Conheço perfeitamente a dificuldade de 
uma composição dramática. Impregando a 
maior parte de minhas horas vagas — úni- 
cas que dou a versos e similhantes passatem- 
pos — n'este ramo de poesia que por incli- 
nação amei sempre e por estudo cultivo, 
versando quasi desde a infância, com nocturna 
e diurna mão, os theatros antigos e moder- 

1 Lisboa 1822, na Impressão Liberal, 1 vol. 8.°- 132 
pag. 



28 



nos, tenho de sua leitura constante colhido, 
quando menos, o conhecimento perfeito da 
dificuldade do género. 

Lendo Sophocles e Eschylo, Euripides e 
Aristçphanes — ajudando-me, no pouco co- 
nhecimento da língua grega, das boas tra- 
ducções latinas e francezas, e sobretudo da 
erudita e ingenhosa obra do P. Brumoy — 
adquiri o gosto do theatro clássico e das belle- 
zas grandes e simplices da Melpomene d'Athe- 
nas, com o do sal acre e travessos risos de 
sua galhofeira Thalia. 

A tragedia grega, singela e vigorosa em 
Eschylo, majestosa e sublime em Sophocles, 
so em Euripides decai alguma coisa em certa 
affectaçao de moralizar que depois em Ro- 
ma estragou Séneca *, e mais posteriormente 
em Paris ammaneirou algumas vezes Vol- 
taire. 

Na comedia grega, simples caricatura ao 
principio dos cbaracteres contemporâneos, 
mais vaga e incerta no seu caminho de ap- 
perfeiçoamento, admirei a viveza dos ditos 
picantes, o ingenhoso da imitação ridícula; 

1 Ou qvemquer que é o auctor das tragedias d'este 
nome. 



29 



porem mais nada. E não tendo outro escri- 
ptor senão Aristophanes, até pela fallencia de 
comparação, foi indeterminado o meu conceito. 

Não conhecia eu estas differenças nos meus 
principios ; e o sentimento da admiração era 
o único da minha alma quando contemplava 
taes maravilhas. 

A scena romana não me offereceu senão 
Plauto, Terêncio e Séneca, ou, mais exacta- 
mente, algumas cópias desfiguradas dos ori- 
ginaes gregos que. tendo largado o paUio de 
Athenas, vestiram a toga do Lacio que se lhes 
desageitava nos hombros desaffeitos. 

Voltei-me ao theatro das línguas moder- 
nas, que não so colheram o bejo ás bellezas 
e primores gregos, mas souberam creá-las 
novas. Na tragedia a Sophonisba de Trissino 
e a Castro de Ferreira, na comedia João da 
Encina, Gil Vicente, Prestes e Ariosto com 
outros na Itália e Hespanha, appresentam 
as primicias da moderna scena, que, ora 
moldada no clássico grego, ora no género 
romântico, formaram uma terceira espécie 
d'ambas participante e que tantos esmeros 
e prodígios veio depois a dar ao theatro das 
línguas vivas. 



30 



Àlêm de longa, fora bem superior ás mi- 
nhas forças a anályse das peças dramáticas 
do riquíssimo theatro francez, dos não tara 
riccos mas quasi tam extensos inglez e hes- 
panhol; e finalmente do novíssimo, porém 
talvez superior a todos, o italiano '. 

Ninguém ignora que a conservação e 
appuro do género clássico se deve á Fran- 
ça, e principalmente a Racine, Voltaire e 
Crébillon: mas poucos quererão conceder 
que Maffei e Alfieri o sublimaram e appu- 
raram ainda mais que todos elles. Todos 
sabem que o género romântico, filho de 
Shakspeare, formou uma classe distincta e 
separada, que, supposto irregular e informe, 
tem ' comtudo bellezas próprias e particula- 
res que so n'elle se acham. 

Todas estas observações tenho eu incon- 
trado nos philologos modernos, e em todos 
ou quasi todos os cursos de litteratura. Mas 
o que me não lembro de ler é que este gé- 
nero romântico, combinando-se com o clássi- 
co, dando-se e recebendo mútuos soccorros, 
formassem um género novo, cujos characteres 

1 Phrasc dictada pelo cnthusiasmo de Alfieri. • 



31 



são bem salientes e cuja belleza incontestá- 
vel. Segundo a minha opinião são classificá- 
veis n'elle Corneille e Ducis em quasi todas 
as suas obras 4 , Schiller em muitas, e os 
modernos auctores inglezes e hespanboes 
creio que em todas. 

No que toca á espécie cómica, não se pôde 
com exactidão dizer o mesmo. Pois decerto 
em França, desde o Menteur de Corneille 
até quasi ao nosso tempo (em que Diderot, 
os seus dramas e os seus imitadores, fazendo 
um como schísma theatral, confundiram al- 
gum tanto os géneros) a comedia tem con- 
stantemente sido regular e clássica. Não 
diremos porém o mesmo da Inglaterra e 
Hespanha, onde os géneros trágico e có- 
mico, por muito tempo amalgamados e con- 
fundidos, começam a tomar seus distinctos c 
separados logares nas scenas das duas nações. 
Mais clássica se conservou a comedia italia- 
na, supposto seu máximo escriptor, Goldoni, 
muito propenda para o género romântico. 

Em Portugal, se passarmos os antigos, 

1 theatro allemão não fez escboia sua : quasi todo 
eHe é ingiez, pouco n'este género mixto, e porventura 
nenhum no clássico. 



32 



não sei contar senão J.-B. Gomes ; pois dos 
outros todos creio que affoutamente se po- 
derá dizer que não valem o trabalho de con- 
tá-los. Será isto defeito e falha nossa ? Não 
teremos nós la téte dramatique, como os 
Francezes repique? — Não sei responder, 
mas nem por isso deixo, ou deixei desde 
que me intendo, de forcejar por encher, 
quanto em mim fosse, o vazio do nosso 
theatro. Serão talvez baldados os meus es- 
forços; paciência: 

Eu (Testa gloria so fico contente. 

Que a minha terra amei e a minha gente. 

Assim dizia um dos maiores poetas e phi- 
losophos portuguezes, e assim digo eu, o 
minimo d'elles, mas não inferior em desejos 
e vontade ao grande e immortal Ferreira. 

Começo a publicação dos meus insaios 
dramáticos por uma tragedia e uma farça 1 , 
ambas feitas e representadas ultimamente. 
Outras tinha eu de mais antiga data ; mas, 
sobre carecerem de grande emenda, e lh'a 
não poder eu fazer por agora, accresce de- 
mais a analogia (Testas com as presentes 

* À farça nade incorporar-se em um dos tomos se- 
guintes da collecção. 



33 



ideas, e o meu conceito, talvez errado, de 
sua melhoria. 

A sociedade de curiosos que as levaram 
á scena, e que tanto applauso lhes grangea- 
ram do mais escolhido público de Portugal, 
receberam pouco e pouco as porções da peça 
que se iam fazendo para os insaios ; e todos 
os membros (Tessa sociedade sabem quantas 
vezes se compunha na véspera o que no ou- 
tro dia se tinha de insaiar. 

O êxito feliz d'uma impresa atrevida con- 
duz sempre a novos atrevimentos. Assim a 
tragedia como a farça receberam na scena 
um acolhimento que eu não esperava nem 
podia nunca imaginar. Continuas instancias 
de amigos e conhecidos, e até de desconhe- 
cidos, me resolveram a final a publicá-las. 
Porventura irei agora desingànar esse mes- 
mo público e, apresentandò-lhe estes fracos 
insaios sem o prestigio da scena, e desaju- 
dados da poderosa magia de actores excel- 
lentes, mostrar-lhes toda a pouca realidade 
de seu merecimento, e fazê-los invergonhar 
de seus applausos ! 

Lisboa, 13 de Março ' 

1822. 



u 



N ota troo 

O cru e mal digerido (Testas neflexões 
preoadantes, e das qw v5© na seguinte ear- 
ta, demjnciam facitaente a edade em que se 
escrevias. Apeaas algum erro d» stylo cor- 
râgi, a« ®ti$r<* não quiz de propósito, pelas 
mesmas razoes que já dei no í wl. d'esta 
oaUttegk), prefacio do Camões. 

Os f uadametáos de minhas opiniões litte- 
rarias, ver-se-ha que eram os mesmos ba 
dezoito armos; desinvolveram-se, rectifica- 
uamH&e, mas não mudaram. Mal, e como de 
oràaoça, ahi vem comtudo (pag, 30) ja pre- 
seatida a idea de Goethe na última parte <te 
Fausto, sobre a combinação do clássico com 
o romântico que deve produzir e fixar a 
poesia moderna. 

Foi o ultimatum, a derradeira sentença do 
grande oráculo da nossa edade : a uniío da 
arte antiga com a arte moderna, da plástica 
com o sptritaaltsma, — do bello das formas 
com a bello ideal, da Helena homérica com 
o Fausto danticos de cujo consorcio tem de 
nascer o bello Euphormioo, o génio, o prin- 
cípio, o symbolo da arte regenerada. 

Lisboa, 12 de Dezembro 1839. 



Carta a um amigo 



Que conceito formo do meu catão? É a 
pergunta mais fora do cornaram que se tem 
feito. — - Se imitei muito o de Àddison, e que 
juízo feço d'este drama ? Menos difficil é que 
a primeira, porém não me custa porventura 

' Esta carta nunca esperou sahir a lume, netii sa- 
hiria se me não constasse que algumas pessoas, atten- 
tando talvez simplesmente na similhança do titulo, 
haviam asseverado que a minha tragedia não era mate 
que uma traducçao da de Àddison. 

Foi inserta na primeira edição de 1822. 



36 



menos a responder a uma do que a outra. 
Tinha protestado conservar perfeito silencio 
sobre este famoso auctor e sua mais famosa 
peça, porque não julgasse alguém que o se- 
vero dos meus reparos provinha de rivali- 
dade ou presumpção. Mas emfim quebro o 
protesto e vou satisfazer-te. A tragedia ja 
está no prelo, e cedo poderás combinar as 
minhas reflexões com ella ; pois, supposto a 
viste representar, so com meditado estudo 
se pôde bem decidir de coisas dramáticas, 
e a scena illude muito, e preoccupa demais 
com seus prestígios para nos deixar reflectir 
com a madureza e socêgo necessários, que 
so no silencio do gabinete se podem conci- 
liar. 

O que me parece do meu catão? — Com 
toda. a franqueza que me conheces, e sem 
a orgulhosa modéstia de certos auctores que 
se humilham todos para que os louvem mais, 
com a sinceridade de amigo : parece-me bem, 
c mal. Gosto de algumas coisas, desgosto 
de outras. 

Pelo que são regras principaes de unida- 
des, exposição, nexo e desfeixo, cuido te-ias 
desimpenhado. Emquanto ao resto não direi 



37 



com tanta affouteza; e coisas ha de que 
muito desconfio. 

Mui difficil me era, não so o desenho dos 
charácteres, mas a sustentação d'elles. Para 
apresentar uns poucos d'homens verdadeira- 
mente romanos, e fazer no meio d'elles so- 
bresahir o actor principal, era forçoso suar 
muitas vezes, e desanimar algumas. Bruto, 
Porcio e Manlio, todos virtuosos, e virtuosos 
como republicanos verdadeiros, a cada mo- 
mento se me tornavam Catões, e faziam por 
consequência divergir os raios do interesse 
dramático, que eu so no único protogonista 
queria e devia concentrar. Distingui-os quanto 
pude, esforcei-me em characterizá-los por dif- 
ferentes temperamentos e génios ; puz peito 
em separá-los assim, ja que a historia e a 
verdade m'os tinham unido tanto. 

Como heide responder á tua segunda per- 
gunta sobre Addison, na anályse succinta que 
de sua tragedia te faço, irei conjunctamente 
respondendo á primeira, segundo me lem- 
brar, sem ordem nem systema, que, sobre 
impróprios da familiaridade de uma carta, 
me dariam constrangimento e incómmodo, 
que seguramente creio nao quererás dar-me. 



33 



Desde que me intendo alguma coisa, e 
comecei a abrir livros de belias lettras, ouvi 
sempre faltar no Catão de, Addison, como em 
um prodígio da scena, e porventura a pri- 
íneira peça do theatro moderno. 

Na Encyclopedia, formaes palavras, se 
diz : Son Caton est le plus grana persoma- 
ge, et sa pièce est la plus belle qui soit sur 
aucun thédtre. Cesarotti e infindos outros 
(aliaram pela mesma bôcca. O próprio Vol- 
taire que lhe nega o fôro de tragedia, não 
deixa de chamar-lhe um chef-d'ceuvre. 

Ouvia eu e lia todas estas coisas, e de 
cada vez me dobrava o desejo de ver tam 
gabada peça, sem jamais a poder haver á 
mão pela summa raridade dos bons livros 
entre nós, e infinita escacez principalmente 
de todos os que não são franceses. Obtive 
emfim uma traducção franceza, meia verso 
meia prosa» mas tam má que o meu conceito 
então ficou cem vezes áquem do que havia 
imaginado. Lí-a depois na versão do nosso 
Manuel de Figueiredo (bom homam, e d# 
bastantes luzes, mas de nenhum talento pw~ 
tico, e perfeitamente ignorante até daa mm 
sitoplfô lm do metro) e fiquei, peior. Goas#- 



pé finalmente original; e awppcwto mudei 
kastatáe do primeiro juiz®, aao foi absoluta- 
mente nem o podia ser, porque no contexto 
« fundo cfo drama, original e traducções eram 
a mesma coisa. 

Antes de fazer as minhas reflexões, tran- 
screverei as do eruditíssimo Schleget, que 
pela maior parte com ellas se combinam, e, 
com grande satisfação minha, até com as que, 
antes de ter a sua grande obra, eu haría 
feito 1 . 

í Aódíson T que era mais bei-esprit do cfot 
paeta, metteurse a expwgar a tragedia m- 
gleza, e a soinaettê-la ás pretendidas regras 
de Aristóteles. Dever-se-Ma esperar qoe tam 
erudito homem, como eile era, necessaria- 
mente buscaria avizkihar-se á tragedia gfe- 
ga : nao sei se teve algnttfhora essas inte»- 
çBa»; mas é certo porém q«e o fructo dos 
ms esforços n5o foi mais do» que uma trar 
gedfa moldada e afeitada á francesa. O £»- 
tm é uma obra fraca e de golo, quasi mia 
dfr aBçaok, e <pe nmiea toca animo» coi» a 
Hás paqpei* fórça. 



Ctaw éfe títteratura dramática. 



40 



'Addison, fazendo uma composição tímida 
e acanhada, restringiu de tal sorte um grande 
quadro histórico, que para encher o panno, 
houve mister de lhe introduzir coisas abso- 
lutamente extranhas. Recorreu aos amores 
da tarifa; e n'esta peça se contam seispat- 
ocões (ou namoros) ; a saber : as dos dois fi- 
lhos de Catão, a de Mareia, de Lúcia, de 
Juba e de Sempronio. Catão, como bom pae 
de familias, não pode ter-se a final que não 
arranje e conclua dois matrimónios; e en- 
tre tantos amantes, não ha nenhum (sem ex- 
ceptuar o mesmo Sempronio que é o malvado 
do drama) que não participe o seu pouco de 
simplesinho. Catão poderia talvez relevar 
tudo isto ; mas quasi nunca obra nem entra 
em acção, apenas se mostra para se fazer 
admirar e morrer depois. , 

, * Poder-se-ha pensar que a stoica resolu- 
ção de um homem se matar, tomada assim 
sem paixão, e sem internos conflictos, não é 
favorável assumpto para uma tragedia : mas 
não ha assumpto nenhum que por sua na- 
tureza seja desfavorável, e tudo depende da 
maneira por que se tracta. Um vão escrú- 
pulo sobre a unidade de logar forçou Ad- 



41 



dison a deixar de fora a César, único cha- 
racter digno de fazer contraste ao de Catão : 
e n'esta parte muito melhor que elle, andou 
Metastasio. . 

* O stylo de Addison é simples e puro, 
mas sem fogo poético. O jambo nSo rhy- 
mado * de que usa, dá ao dialogo mais li- 
berdade, e uma forma menos de convenção 
que se não acha na maior parte das trage- 
dias francezas ; mas essas têem ás vezes uma 
eloquência firme e concisa, onde jamais não 
chega o Catão de Addison. 
* * Este célebre auctor, para preparar o fe- 
liz accolhimento d'uma obra que tanta fadiga 
lhe havia custado, pôs em armas toda a mi- 
lícia do bom gosto, todos os críticos grandes 
e pequenos, e á frente de todos Pope. Car 
tão foi por toda a parte acclamado por um 
chefe d'obra sem par. E em que fundaram 
elles taes asserções ? Na regularidade da for- 
ma ? Mas os poetas francezes ha mais de um 
século que a ella se haviam sujeitado, e a 
despeito d'esse grilhão, tinham conseguido 
effeitos muito mais poderosos e patheticos. 
—No espirito politico? Um so discurso de 

' É o nosso verso solto ou branco. 



42 



Bretã otiCasfcio «m Shakspeare, mostra ma» 
ataa romana, mais emergia republicada, que 
toda a togedia de Àdriison. Duvido qoe si- 
milhante peça produzisse jamais uma m? 
pressão viva e profunda/ 

Tal é o conceito de Schlegel sobre esta 
tara affamada obra. O meu, coe») levo ditto, 
não difere muito do d'eUe 9 mas alguma coisa 
difere. Schlegel tem o defeito de todos os 
escriptores que são escravos de suas próprias 
ideas, e do sysfcema que elles mesmos fabri- 
caram : o que muitas vezes os fikf a a diaês 
coisas que n outro reprovaria» e de que 
não fêem, mm áw, o«tra cansa mais qm 
a eecêásidade imperiosa de serem coheren- 



Lembrar-te-has que limitas vezes lamen- 
támos isto em Madame de Steel e em Gte- 
tóattbriand ; e qm pensámos ser «mito prifc» 
cipalf origem do grande mafferimeuto de 
Gteero e de Rousseau a soa incerteza inge* 
nua— m mnito artificiosa — rfesta parte. 

O* qm Sefcteg&íl dk sobre a regtilariàatb 
ckmmm mal intendida! ç/m ÁèSam prata* 
dbu & penso** (lar ao sra dtamay è exarôs» 
simamente certo* Q geaero romântico* de 



43 



que Shakspeare foi o creador eoire « sô«b, 
e que era o próprio da sema inglesa, tesa 
grandes defeitos, mas grandes formosuras : 
falta-lhe a belleza da simplicidade e regalar 
elegância, mas sobeja-lhe a do ornato e m- 
feitos ingénuos, comquanto demasiados^ O 
género clássico tem outras qualidades e cba- 
racteres, entre os quaes em primeiro togar, 
a regularidade e simplicidade. O misto, que 
principalmente se deve a Voltaire e a Doeis *, 
participa das bellezas d'um e d'ootro, sem 
cahir nos defeitos do romântica aflbrmosea 
visivelmente o clássico. Zaira, Tancredo* KV 
znra, Otíielo e o Rei Lear (de Ducis) prova- 
rão, melhor que todas as theorias, esta ver- 
dade. 

Em qual d'estes três géneros escreveu 
ÀddisoQ? £m nenbum.. À sua tragedia é um 
arremedo infeliz do gosto francez, trai tottas 
os defeitos do aífeminado d'aqoelle tbeatoo, 
sem ter nenhuma de suas bellezas. Smna- 
moros t. Racine e CrebiJlon, que foram m 

11 QonáD no* prefácio (Teste litro toquei igual ma- 
tará* «apaMfti BOBotar esfcgpaaàfrtnèieo raUseste 
<ft)s qpe no género mixto escreveram. Foi devido á 
pressa* cwm que Bascunftei' aqneUte Hn&fta 



44 



mais excessivos n'este ponto, nunca se atre- 
veram a tanto. Mas Racine pelo menos soube 
ligá-los sempre, e fazê-los dependentes da 
acção principal, quando elles mesmos a não 
eram.Crebillon as niais das>ezes o fez, sup- 
posto com muito menos arte, e essa, menos 
fina e delicada. Mas no Catão de Addison 
são verdadeiramente — verbos de encher; 
tanto teem elles coma acção capital, como 
os nossos antigos graciosos das operas do 
Judeu com Medea e Jason. Demais a mais, 
teem a habilidade de occupar quasi sempre 
a scena, e deixar raras vezes apparecer so- 
bre ella o principal actor e acção. A traição 
de Sempronio e Syphax é motivada por na- 
moro, as mortes de Sempronio e Marco por 
namoro, toda a intriga ou nexo do drama 
por namoro ; Catão intertem-se também com 
todos estes namoros, e mata-se a final — de- 
pois de dormir o seu pouco na scena— sem 
se saber verdadeiramente porquê; pois não 
apparece uma causa immediata, qual deve- 
ria ser a chegada de César, mas simples- 
mente a da ruina geral da liberdade, que 
desde o primeiro acto existia e que portanto 
desde o principio devera ter produzido o 



45 



seu effeito; e morto Catão; que era a catas- 
trophe, acabar logo a peça. Esta suspensão 
da catastrophe, que é o nexo da acção, uma 
das origens do interesse, e uma das mais 
difficeis regras trágicas na sua execução, t fa- 
lha e falta absolutamente na tragedia ingleza. 

Eu não exigiria, como Schlegel, que Ad- 
dison mettesse a César no seu drama, nem 
farei depender d essa circumstancia a belleza 
principal d^lle. Também li a peça de Me- 
tastasio e ahi o vi, mas não me agradou. 
Porventura, se hoje escrevesse a minha tra- 
gedia, o faria eu : mas não me lembrou en- 
tão o verdadeiro modo de o fazer bem, e 
por isso o não fiz. 

No que em grande parte discordo de Schle- 
gel é no severo conceito que forma do stylo 
de Addison. Convenho que sobejas vezes c 
frio e desanimado, porem muitas é sublime 
e elevado como ao género cumpria. O mo- 
nologo do quinto acto é uma obra prima de 
poesia, tanto nas ideas como no stylo : assim 
elle fosse dramático e próprio da scena ; mas 
infelizmente cai-lhe ao justo a sentença d'Ho- 
racio: 

* • • • 

Sed nimcnon erat his locus. 



46 



O muito que me affastei de Addi&m, di 
simples coaiparaçSe destes retrós cem o 
meu drama o podes colher. A personagem 
de Broto, que é a segunda na minha trage- 
dia, não apparece na d'eHe ; eu nlo tenho 
damas nem namoricos; a exposição, o nexo, 
a catastrophe da minha peça são outras abso- 
rtamente. Approveitei-me porém ffalguns 
pensamentos felizes e sublimes, que nao sSo 
poucos em Addison. Mas o número dos que 
imitei bSo é excessivo : digo dos que imitei, 
porque traducç5o, hão a fiz eu de um so 
verso inglez. 

Para formares melhor idea, transcrever- 
te-hei aqui os logares todos de que falto, 
com a traducção Jitteral ; e combinandoos 
com os correspondentes no meu drama, po- 
derás conhecer com exactidão o que digo. 



Acto I. Sema L (Addison's Cato) 

The dawn is overcast, the morning low'rs, 
And heavily in clouds brings on the da)% 
The great, th'important day, big with the fate 
Of Cato and of Rome. 







Coberta tstá a mmwm, « maúmm éesee, 
E pesada, entre nuvem truz dm, 
Dia grande e importante que pejado 
Vem dos destinos de Catão £ Roma. 

O togar correspondente na minha peça -é 
na scena V do 1 acta. 

Acto I. Scena II. 

Let ns once embrace, 
Once more embrace, whfte ydt we tooth are free. 
To morrow should we thus express our friendship, 
Each might Tecerve a slave into liis arras. 
This sun, perhaps, thismomkig sun'sthe last 
That e'er shall rise on Roman liberty. 

Deixa que inda uma vez nos abracemos, 
Mais uma vez, em quanto somos livres, 
Nossa amizade se amanhem quizermos 
D' esta sorte expressar, receberemos 
Cada um de nós nos braços um escravo. 
Este sol, porventura, este sol de twje 
Éja o derradeiro que se ergue 
Sdbre a Romana liberdade. 



48 



Corresponde a esta passagem a da scena V 
do I acto no meu drama. 

Acto I. Scena II. 

My father has this morning caird together, 
To this poor hall, his little Roman senate, 
(The leavings of Pharsalia). 

Meu pae em esta humilde, pobre sala 
Seu pequeno senado de Romanos 
(Relíquias de Pharsalia) hoje convoca. 

D'estes versos são parallelos os da mes- 
ma scena V do I acto. 

» 

Acto I. Scena II. 

Not ali the pomp and majesty of Rome 

Can raise her senate more than Cato's presence, 

His \irtues render our assembly awful, 

They strike with something like religious fear, 

And make even Caesar tremble at the head 

Of armies flusl^d with conquest. Oh, mi Portius ! 

Could I but call that wond'rous-raan my father! 



I 



49 



Toda a pampa de Roma e majestade 
Não poderia alçar tanto o senado, 
Quanto a presença de Catão o eleva. 
Suas virtudes tornam formidável 
Nossa assenMea, ellas quasi imprimem 
Um medo religioso, e a César fazem 
Tremer á frente $ essas mesmas tropas 
Suberbas de conquistas. Oh meu Porciot 
Pudesse eu chamar pae a tam grande homem! 

A imitação (Testa passagem é no acto I, 
scenaYdo meu drama. 



Acto II. Scena II. 

Fathers, we once again are met in council : 
Caesar's approach has summon'd us together, 
And Rome attends her fate from our resolves. 
How shall we treat this bold aspiring man ? 
Success still follows him, and baeks his crimes : 
Pharsalia gave him Rome, Egypt has since 
Receiv'd his yoke, and the whole Nile is Caesar's. 
Why shoald I mention Juba's overthrow, 
And Scipio's death ? Numidia's burning sands 



50 



Still smoke with blood. ' Tis time we shoulddecree 
What course to take. Our foe advances on us, 
Ad envies us ev'n Lybia's sultrey desarts. 
Fathers, pronounce your thoughts : are they still fix'd 
To hold it out and fight it to the last? 
Or are yourhearts subdtfd at length, and wrougth 
By time and ill success, to a submission? 
Sempronius, speak. 



Inda em conselho, ó padres , nos juntámos : 
De César a chegada nos reúne. 
E Roma o fado seu de nós espera. 
Como devemos nós tractar esse homem 
Audaz, imprehendedor? Ainda o segue 
E protege os seus crimes a fortuna. 
Pharsaiia lhe deu Roma, o Egypto cede 
Desde então ao seu jugo, e o Nilh é d'élle. 
Porque mencionarei de Juba a queda, 
A morte de Scipião? De sangue fummam 
As queimadas areias da Numidia. 
É tempo de assentar qual mais devemos 
Seguir estrada. Sobre nós caminha 
Nosso inimigo, e nos inveja ainda 
Estes da Libya tórridos desertos. 
Padres, pronunciae os vossos votos. 



51 



Fixos em persistir são elles indo» 
E em pelejar até o fim constantes ? 
Ou vossos corações ja submettidos, 
Cangados pelo tempo e desfortma^ 
Estão á servidão? Sempronio, falia. 



O logar em que imitei alguma coisa esta 
falia é no acto II, scena I. 



Acto II. Scena II. 



My voice is still for war. 
Gods ! can a Roman senate long debate 
Which of lhe two to choose, slav'ry or dcatli ! 
No, let us fise at once, gird on our swords, 
And at the head of our remaining troops 
Attack the foe, break through the thick array 
Of his throng'd legions, and charge home upon him. 

The corpse of half her senate 

Manure the fields of Thessaly, while we 
Sit here delib'rating in cold debates . . . 
Or wear them out in servitude and chains. 



52 



House up, for shame ! our brothers of Pharsalia 
Point at their wounds, and cry aloud — To battle ! 
Great Pompey's shade complains that \ve are slow. 



O meu voto está inda pela guerra. 

Deuses! pôde um senado de Romanos 

Debater longamente sobre a escolha 

De escravidão ou morte? Não, er gamo' nos, 

D'uma vez, impunhemos as espadas, 

E á frente d'essas tropas que nos restam 

O inimigo attaquemos ; pelo meio 

Das espessas fileiras avancemos 

De suas legiões amontoadas, 

E de golpe sobre elle carreguemos. 

Os corpos de metade do senado 

Servem de adubo aos campos da Thessalia* 

Emquanto aqui nós outros assentados 

Em frias discussões deliberamos 

Se á honra nossas vidas votaremos, 

Ou se havemos de em ferros consumi-las. 

Despertae; que vergonha I Os irmãos nossos 

De Pharsalia as feridas nos appantam, 

E altamente nos bradam— Á batalhai 



53 



A grande sombra de Pompeu lamenta 
A nossa lentidão; e a nós d'emtârno 
Queixosa de Scipião voltea a sombra. 

Assemelha-se a esta, na minha peca a falia 
de Bruto na scena I do II acto. 



Acto II. Scena II. 

Let aot a torrent <rf impetaous zeal 
Transport thee thus beyond the bounds of reason. 
True fortitude is seen in great exploits 
That justice warrants, and tbat wisdom guides : 

Are not the lives of those that draw the sword 
In Rome's defence entrusted lo our caret 
Should we thus lead them to a fieldofslaughter, 
Might not th'impartial world with reason say 
We Ureish'd atmr deaUis the blood of thousands 
To graoe <rar feH, aad make our rata gtorious? 

:Wto te deixes d'tm zelo impetuoso 
Transportar da torrente além dos termos 
Da razão. O esforço verdadeiro 



54 



Nos grandes feitos que a justiça apoia. 
Que a prudência dirige, é que se mostra. 

D'aquelles que de Roma na defeza 
Desembainharam as espadas suas, 
Ao nosso cuidado confiadas 
As vidas não estão? Se nós ao campo 
Da mortandade assim os conduzirmos, 
Imparcial não poderá o mundo 
Dizer, e com razão, que nós de tantos 
Co 9 a nossa morte o sangue esperdiçámos 
Para ornar nossa queda, e mais gloriosa 
Fazer nossa ruina? 



Corresponde a esta passagem a do acto II, 
scena II. 

Acto II, Scena IV. 

. • . Bid him disband his legions, 

Restore the commonwealth to liberty, 
Submít his actions to the public censure, 
And stand the judgement of a Roman senate. 
Bid him do this, and Cato is his friend. 



55 



• » • 



Tho' Cato's voice was ne'er employ 'd 
To clear the guilty, and to varnish crimes, 
JHyself will mount the rostrum in his favour, 
And strive to gaia his pardon from the people. 

Às suas tropas despeça, á liberdade 
Restitua a republica, submetia 
Suas acções á publica censura, 
E a decisão aguarde do senado. 
Qbre assim, e Catão é seu amigo. 
• •*••••••'••••»••••••••••••••-• 

Nunca a voz de Catão foi impregada 
Em crimes palitar, ou salvar culpas, 
E comtudo heide eu mesmo em favor d 9 elle 
Subir aos r ostros, forcejar, pôr peito 
Para alcançar o seu perdão do povo. 

Na minha tragedia, acto II, scena III, oó- 
correm os versos parallelos. 

Estes são, meu amigo, os logares que de 
Addison imitei ; digo, que imitei de propó- 
sito, por que, se em alguns outros me in- 
contrei com suas ideas e expressões, effeito 



56 



foi do assumpto e não por determinada in- 
ieaçáo. Nío repares aos mans tersos da fra- 
docçio litterai qoe pus ao pé do original 
JBgtez: «sforcet-me par ser exacto e fiei, e 
essa vontade me não deixou ser bom metri- 
ficador. 

E aqui tens com toda a sinceridade quanto 
sei e posso responder ás tuas perguntas, re- 
mettendo-te, sobre Áddison aos muitos que 
d'elle e do seu Catão esererveram, e sobre a 
minha peça a esses senhores sabicb&es do 
Mondego que tudo intendem, tudo sabem, 
de tudo mofam, mas nada fazem. — Sou de 
todo o coração muito teu amigo, ete. 



Lisboa. 13 de Marco 
1822. 



A . MUITO . NOBRE 
SEMPRE . LEAL . E . INVICTA . CIDADE 

DO 

PORTO 

PROPUGNADORA . FORTÍSSIMA 

* DA . LIBERDADE 

CONSTITUCIONAL 

ILLUSTRE 

PELO . SANGUE . DE . SEUS . MARTYRES 

O. D. C 
TESTEMUNHO . DE . AMOR . E . DEVOÇÃO 

Á . SUA . PÁTRIA 

J-B. DE . ALMEIDA . GARRETT 
MDCCCXXX 



TRAGEDIA 



Eepreseitada, a priaeira yci, m Lisboa, 10 tbeatre do Bairro-alto, 
por ma sociedade de cviesos, e« yíiIo iovo de septeabro 

de 1MCCHI 



PESSOAS 

CATÃO. 

MARCO-BRUTO. 

MANLIO. 

PORCIO. 

SEMPRONIO. 

DEGIO. 

JUBA. 

POVO. 



SENADORES, LICTORBS, LIBERTOS, SOLDADOS ROMANOS 

E HÚMIDAS 



Logar da scena— Utíca. 



PROLOGO 



Hoje, invocando as musas lusitanas, 
Calçando co'a mão trémula o cothurno, 
Venho tímido expor nas scenas pátrias 
Um caso atroz da memoranda Roma. 

Da Lybia ardente nos torrados plainos 
Arquejando vereis a Liberdade, 
Ve-la-heis moribunda soluçando 
Expirar sobre a areia, — e inda de longe 
Volver o extremo olhar ao Capitólio. 
Honra, valor, virtude, esforço e glória, 
Tudo acaba com ella n'esse instante. 



1 Recitado pelo anctor na primeira representação, a 
que somente assistiram amigos e famílias conhecidas. 



62 



Algozes, ferros, ásperas cadeias 
Da miseranda Roma algemam pulsos. . . 
Mas da pátria infeliz o negro oppróbrio, 
Gatão não o hade ver, — morre primeiro. 
Ve-lo-heis, esse homem, o maior dos homens, 
D'homem, de pae, de cidadão deveres 
Desimpenhar romano, — e morrer homem, 
Ve-lo-heis tranquillo desafiar a sorte, 
E ainda nos momentos derradeiros 
Fazer no sólio estremecer tyrannos, 
Pasmar a terra e invergonhar os numes. 

Da malfadada Roma última csp'rança, 
Bruto vereis também : n'alma agitada 
Ver-lhe-heis luctar co'a pátria a natureza, 
Mas a pátria vencer. Ódio implacável, 
Desesp'rado furor que avexa essa alma, 
Lhe vem do coração bramar nos lábios. 
Um dia inda virá que o braço ardido 
Quebre de um golpe os ferros do universo. . . 
Heroísmo e valor, terror e espanto 
So vereis n'este quadro sanguinoso. 
Involta em negro lucto a lyra austera 
So troa sons de morte : as cordas duras 
Estremecidas fremem com o incerto 
Palpitar da vingança; — e mal se escuta 
Abafado suspiro de ternura 
Em que amor filial, em que amizade 
Tímidos, receiosos se carpiram. 



03 



Meigos affectos de paixões mais brandas 
Não espereis ouvir: — so falia a pátria 
Em corações que a pátria so conhecem. 
Romanos estes são, — mas vós sois Lusos: 
E de Romano a Portuguez que dista? 
Foram livres aquelles, — vós sois livres; 
Cidadãos, — vós osois; homens, — sois homens; 
Pelos campos da glória e liberdade 
Onde o Tibre correu, corre hoje o Tejo. 

E Roma é escrava!. . . E a desgraçada Itália 
Succumbiu, e nem geme ! Em qual abysmo 
De mágoa e de vergonha está sepulta 
A pátria de Gatões, de Brutos, Gassios ! 
Oh nódoa nos annaes da humanidade! 
Oh, quem podesse à historia do universo 
Arrancar essa página d'infamia ! 
Amargo é recordar memorias cruas 
De dó, de pejo: — mas lembrá-las cumpre: 
A tempo sirvam de escarmento — e exemplo 
Para atalhar o mal na origem (1'elle. 

E tu, sexo gentil, delicias, mimo, 
Afago da existência e incanto d'ella, 
Oh, perdoa se a pátria te não deixa 
O primeiro logar em nossas scenas. 
Não esqueceste, não; porém ciosos 
São nossos corações de liberdade : 



64 



Onde impera a belteza amor só reina : 
Foge onde reina amor, a liberdade. 

E vós, vós todos, assemblea illustre, 
Os erros desculpae do ingénuo vate. 
Foi so meu coração que fez meus versos : 
Por elle julgae só. Louvor e applauso 
Nem o quero de vós nem o supplico : 
Vede expirar Catão; dentro do peito 
Guardae d'esse Romano alma e virtudes. 



Se o conseguem meus versos, se me é dado 
Esse prémio alcançar de meus trabalhos, 
Audaz, affoito, satisfeito e pago, 
Ao resto irei da Europa — do universo — 
Louvor, censuras desprezar sem medo. 



ACTO PRIMEIRO 



Praça: —Vestíbulo e pórtico de antiga c rada architectura 

romana, a um lado 



SCENA I 

MÀRCO-BRUTO, MANLIO uÍBdt d» Ttstibnle 
Marco-Bruto 

Sei tudo— e tudo ouvi sobejas vezes; 
Nem posso ouvi-lo mais. O ceu, que a Roma 
Nos pôs columna extrema em seus desastres, 
Não quer prantos de nós. Valor, constância, 
Virtude são os únicos remédios 
Para os males da pátria. Lamentá-la, 
Chorá-la em ócio vil é ser covarde, 
É não ser cidadão,— não ser Romano. 

5 



66 



Manlio 

Mas ouve. . . 

Marco-Bruto 

Tudo sei. — Que Roma é escrava; 
Que o senado traidor, que o povo indigno 
Folgam nos ferros que lhe doira o crime ; 
Que César coroado da victoria 
Ao carro Iriumphal leva — execrando! 
As romanas virtudes manietadas; 
Que essa prole bastarda de Quirino, 
Espúrios filhos, infezado sangue 
De Scipiões, de Fabios, Gincinnatos, 
Essa turba infiel vendeu contente 
Braços e coração, virtude e glória 
A troco de oiro vil;— -que impera ovante, 
Que exulta Júlio sobre a pátria em cinzas; 
E que do deshonrado Capitólio 
Ousa dictar os fados do universo; 
Emfim, do Povorei ser rei. . . Ah, Manlio, 
O termo abominável, execrando 
Que mal cabe nos lábios d'um Romano! 
Sei tudo: — e tudo n'alma tenho impresso 
Em fogo— que incessante m'a devora. 
Mas ao peso da sorte inda não curvo: 
Tenho no peito coração romano; 
E emquanto a espada do tyranno César 
M'o não souber varar, não cedo a César. 



67 



Manlio 

Tua nobre constância admiro e louvo : 
Romana é,— romana d'esses tempos 
Que para sempre. . . sempre se acabaram. 
Oh, se ella nos salvasse, Marco-Bruto ! 
Se cTesse corapão faiscar podesse 
Scintilla que accendesse a morta cinza 
Em que toda esfriou, de consummida, 
A virtude latina! — Mas tu mesmo, 
Catão próprio o confessa; a nós e a poucos, 
A poucos mais, os deuses reduziram 
Da triste liberdade os defensores. 
Nos quasi abertos, derrocados muros 
D'Utica so nos resta amparo débil, 
Por suas brechas sem conto, a cada instante 
Nos entra a escravidão, nos foge a pátria. 
Nossas tegiões tam poucas, tam canpadas, 
Fracos sobejos da fatal derrota 
Do infeliz Pompeu. . . 

Marco-Bruto 

E d'esse nome, 
Diz, não basta a memoria deshonrada 
Para acordar o corapão dormente 
D'um senador romano? Oh sanctos manes, 
Oh veneranda sombra, inulta ainda, 
Nos sanguinosos campos de Pharsalia 
Vagas não-propiciada e gemebunda. . . 



68 



E o vil que ousa Romano appellidar-se 
Será, Manlio, será?... 

Manlio 

Será da pátria 
O tyranno oppressor. 

Marco -Broto 

Elle! — Primeiro 
Hade Catão morrer. 

Manlio 

Dous golpes junctos 
No seio maternal soffrerá Roma. 

Maroo-Bruto 

Que soffra mil, e que não seja escrava. 

Manlio 

• 

Ah, que approveita, Marco, o sacrifício ! 
Tam quebrados, sem forças, de que serve 
lista lucta de poucos moribundos 
A pelejar por mais uma hora escassa 
De vida incerta! — Ingano, ingano cego! 
Á pátria agonizante e quasi extincta 
Que podemos fazer? 

Marco-Broto 

Morrer com ella. 



69 



Manlio 

Se o sacrifício approveitasse ! 

Maroo-Bruto 

Chamas 
Sacrifício ao dever! — Este é o voto 
De Catão : bem o sabes. E tu dizes-te 
Amigo d'elle!. . . Sé digno do amigo. 

Manlio 
Ohf 

Maroo-Bruto 

Basta, Manlio, basta: esses discursos 
Serão prudentes, mas ofíendem-me alma, 
E o coração rebella-se de ouvi-los. • . (pausa considerável) 
Olha, ves tu a aurora? — despontando 
Ella ahi vem no horisonte carregado; 
Triste, pallida, a medo nos arrastra 
O dia — o dia porventura extremo 
De nossa liberdade.— Oh Roma, oh pátria! 
Céus que o raio guardais, rio mundo ha crimes 
Que os de César egualem? Que justiça 
Fazeis na terra, omnipotentes Deuses! (pana breve) 
Manlio, este dia é o dia destinado 
A decidir a sorte dos Romanos. 
Por ordem de Catão solemnemente 
Se congrega o Senado. Os teus receios, 
Tua prudência ahi podes expor-lhe. 
Incontrarás talvez quem te oiça e apptauda; 
Não eu, Manlio, não eu. 



70 

SCENA II 

MANLIO sé 

Mancebo louco ! 
Cego corres após cTesses phantasmas 
Que em leu ingénuo coração virtuoso 
So hoje morara. Terás cans, — e c'o alvo 
Das cans te virá negra experiência: 
Então, então verás com que sonhaste. 
Romano ! Ideas vans ! Ja não existe 
'Essa glória, esse nome tam famoso. 
Nem a feroz virtude d'este joven 
"Nem de Catão a rígida constância 
Erguem do tumulo a defuncta Roma. 
Nunca! — punhal das cívicas discórdias 
Rasgou-lhe o seio, quebrantou-lhe os membros; 
Roma não vive já.— É César, César 
Quem hoje é Roma, e que é senhor do mundo. 
Tudo lhe cede. — E'nós mesquinhos restos 
Ao furor escapados de Pharsalia, 
É que havemos de oppor-nos á torrente 
Que arroja aos pés de César o universo ! 
E por amor de quê? Da liberdade. . . 
Liberdade ! — Qu'é d'ella, a liberdade ? 
Quanta nos deram Mário, Sylla? — Quanta 
Nos daria Pompeu se triumphante 
Com suas legiões volvesse ao Tibre ! 
Roma, Roma, os teus dias são contados; 



71 



Tu queres um senhor : te-lo-has. Os Quincios 

Ja não voltam. Sem honra, sem virtude, 

Sem aquella pobreza sane La e livre 

De Fabrício, onde vai a liberdade! 

Marco-Tulio venceu a Catilina; 

E hoje— mollemente passeiando 

Em seus jardins de Tusculo, revendo-se 

Em mármores de Athenas, manso e quedo 

Philosophando vai. — Que resurgissem 

Os Gracchos; — bradariam liberdade 

E pátria, como os nossos Gracchos de hoje : 

Mas so bradar: tyrannos ou escravos 

Seriam como nós. . . — Cortae nos vícios, 

No orgulho, e então... — Quem é este? É Sempronio 

Que ahi vem. Alma pérfida e covarde ! 

Ide ouvi-lo ás cohortes declamando: 

Nem o próprio Catão tem mais no peito 

Aquella devoção, aquelle zelo 

Da liberdade antiga. — Oh tempos, tempos! 

E ainda quer Marco : Bruto de taes homens 

Fazer Romanos — com Romanos d'estes 

É que se hade salvar a pátria ! 

SCENA III 

MANLI0, SEMPRONIO 

Sempronio 

Manlio, 

Paliaste com Catão? Que te disse elle? 



72 



Seu nobre exfôrpo, amigo, que medita? 
Como intenta salvar-nos? Que defesa 
Havemos de fazer n'estas ruínas 
Contra esse immenso exército que apperta 
Sobre nós de hora a hora? Que esperanças 
Da moribunda— morta liberdade 
Conserva ainda? 

Manlio 

As de morrer com ella. 
Incapaz de torcer, firme, indomável, 
Não ve, não ouve, não attende a nada ! 
E em tanto cresce o mal, e a cada instante 
Foge o remédio. 

Sempronio 

Um resta. 

Manlio 
Qual? 

Sempronio, aparte 

Tentemos (»Ho) 
Este velho. — Seguir os teus conseíhos 
Moderados, prudentes. 

Manlio 

Meus conselhos ! 
Nunca t'os dei, nem... — O meu voto é logo 
Para o senado : ahi o ouvirás franco, 
Sincero, leal 



73 



Sempronio 

Mas nós sabemos todos 
Tua opinião. Eu, longo tempo, incerto 
Duvidei : mas emflm não resta escolha, 
universo é de César : honras, graças, 
Mercês, riquezas — tudo elle dispensa; 
E tudo perderemos se teimosos 
Persistimos na lucta van, inglória. . . 

Manlio 
Inglória! 

Sempronio 

Inglória sim, que a vida, a fama 
Esperdiçâmos loucos por chimeras. 
Gloriosa foi a causa da republica 
Quando o favor dos mobiles Quirites 
Tinha Sédes-curues, e tribunatos, 
Consulados que dar: nobre, distincto 
Era então ser campeão da liberdade. 
Hoje que importa cortejar a plebe, 
Lisongear-lhe a inconstância caprichosa ? 
Que podem os ciosos cavalleiros, 
Os suberbos patrícios ? De que valem 
Seus suffragios? Voltemo'nos a César. 
A calva occasião é esta agora. 
Corramos-lhe ao incontro : generoso 
E magnânimo é Júlio : hade quebraHfoe 
As iras todas submissão Iam prompta, 
Tam resignada : — e nós salvos, bemquistos 



74 



Uo senhor do universo, porventura 
Quinhoaremos também nos seus despojos. 

Manlio, aparte 

Vil, indigno!. . . Estes são os nossos Gracchos. (Alio) 
E Catão? 

Sempronio 

Ah ! . • . Catão. — Esperas d'elle 
Que attenda ao bem commum, que deixe os sonhos 
De sua stoica, van philosophia, 
Que sacrifique o orgulho de um systema? . . . 

Manlio 

Orgulho elle! — A tua alma não intende, 

Não conhece aquella alma. Homem mais simples, 

Mais singelo, mais chão, menos fastoso, 

Que ostente menos, menos se conheça 

E de suas virtudes saiba o preço, 

Não crearam os céus, nem o áureo tempo 

Viu de nossos avós na antiga Roma. 

Sempronio 

Pois... eu também conheço... essas virtudes, 
E as sei avaliar. Porém que importam, 
Que nos podem fazer tantas virtudes? 
César, amigo, César formidável, 
César, que precedido da victoria 
Marcha á frente de innumeras cohortes, 
Que, á excepção d'çste pouco da Numidia, 



75 



— De poucos palmos de torrada areia — 
Ve curvado a seus pés o mundo inteiro, 
César não tarda sobre nós ; e é tempo 
De resolver emfim. 

Manlio 

Toca ao senado 
Deliberar : Gatão para isso o ajunta : 
E Catão bem conhece o nosso estado 
E a possança de César. Mas sua alma 
Da velha dura têmpera romana 
Não verga assim. Alinha opinião (pois queres 
Sabé-la, e tua franqueza — tam notável! 
Me anima) é differente, opposta á cTelle. 
E logo no senado heide impugná-la, 
Aberta e nuamente. Em vivas cores 
Heide pintar o estado miserável 
Da pátria, e o nosso; o abysmo a que a arrastamos 
Se, para não quebrar, nossa virtude 
Não dobra um tanto ao peso da fortuna. 
Taes são minhas tenções. E ha muito sigo 
Repugnante esta lucta tam baldada, 
Em que a alma de Catão, seu grande nome, 
Suas virtudes são a única força 
D'um partido impotente, e lacerado 
De facções, de traições, de ódios, de invejas, (pausa) 
De avarezas, cubicas. — Mas, Sempronio, 
Tu que sempre no foro, no senado, 
No campo, em toda a parte declamaste 



76 



Contra mim, contra a fácil indulgência 
Dos que julgam prudente, necessário 
Tractar c'o vencedor, ceder um pouco 
Para não perder tudo, — tu da plebe 
ídolo, oráculo, orador, — que ante ella 
Bruto accusas de timido ; e suspeitas 
Soltaste a miúdo da virtude austera 
Do rígido Catão, — por que pródigio, 
N'esta hora do perigo, em que a romana 
Virtude, e toda a civica firmeza, 
Constância, devoção são necessárias, 
Como, por que prodígio, tam difFrente 
Tam outro falias! — Certo, no senado, 
Teu voto, de fraqueza não suspeito, 
Muitos convencerá. 

Sempronio 

E pensas, Manlio, 
Que ante esses homens cegos, illudidos, 
Que em Catão vêem seu deus, que existem n'elle, 
Que o falso brilho deslumbrou da glória, 
Que o vão, que o louco amor d'uma chimera 
A qtfe chamaram pátria e liberdade, 
Antepõem aos próprios interesses, 
Ás honras, à ventura, á mesma vida — 
Que ante homens taes minhas tenções exponha, 
Que lh^llegue razões que elles não ouvem? 
Fora imprudente e de nenhum fructo o risco. 
Antes ver-me-has, unindo-me a seu voto, 



77 



De suas illusões vestindo a máscara, 
Enthusiasta orador da liberdade, 
Clamar, bradar vingança, e guerra e sangue, 
Ostentar mareio ardor, romana audácia ; 
E de mim affastar quaesquer suspeitas. 
Sinceridade ! — Pois tu não receias 
Os ímpetos de Bruto ? 

Manlio 

Não receio 
Onde estiver Catão, violência alguma 
Contra quem livremente, e como é d'homem, 
Dá seu voto e tenção. 

Sempronio 

Muito confias : 
Eu não. — E só a ti, cre-me, a ti, Manlio, 
A ninguém mais em Utica, me atrevo 
A revelar meu íntimo e secreto, 
Verdadeiro pensar. Sancta amizade, 
Além do sangue, nos uniu ha muito : 
Tu não me hasde trahir. 



• • 



Manlio 

Eu trahir! 

Sempronio 

Digo, 

Não declares... 

Manlio 

Sim, sim ; flea-te embora. 



78 



Não te heide descobrir : segue no ingano ; 
Illude, mais essa hora que te resta, 
As desvairadas turbas. — E que importa 
Acordar ora ou logo, se o terrível, 
O fatal despertar é sempre o mesmo ! 

SCENA IV 

SEMPR0N10 só, (depois de considerarei pausa) 

Disse de mais; fallei, fui muito claro: 

E este velho, prudente, moderado. . . 

Ama, adora Catão como os mais cegos 

Que o têem por deus, por immortal. Embora! 

Manlio é honrado, d'aquella honra antiga 

JVoutros tempos; e não me trai. — Honrado! 

O miserável, co'a alma incerta e vaga 

Fluctuando entre o medo e entre a esperança, 

Nem sabe o que deseja. — E eu?. . . Sou covarde, 

Mais covarde do que elle : não me illudo. 

Mas pôde mais que a covardia o ódio 

N'este peito ralado da acre sede 

Pa inveja. Meus projectos têem falhado 

Com a estúpida plebe : vis ! adoram 

O homem que eu abhorrefo-, que detesto, 

Esse Catão, esse idolo de néscios ! 

Oh, que raiva lhe eu tenho! Alma rebelde, 

Tu me opprimes c'o peso abhorrecido 

D'essas tuas virtudes. Quanto eu dera 



79 



E te podesse ver um crime n'alma ! 

Affrontoso supplício! — E elle conhece-me, 

Conhece-me e despreza-me. — Oh, vingar-me, 

Vingar-me heide eu. Tua cerviz altiva 

Hade criar vergão sob o appertado 

Jugo de César. Não te salva a morte, 

Que vivo — vivo hasdecahir no laço. (Paosa considerável) 

Ei-lo aqui vem o príncipe dos Numidas. 

Louco! A cega vaidade d'este bárbaro 

Hade ser instrumento proveitoso 

De meus desígnios. Nem será difficil 

O inganá-lo. — Vem com elle Porcio. 

Que náusea que me faz este mancebo ! 

Ambos, ambos de dous. — E como affectam 

Do pae o tom sentencioso e grave, 

A pomposa virtude, o olhar austero ! 

Mas o Numida é Numida : no sangue 

Ardenle do Africano a febre é fácil 

De inflammar prompta, e desvairar no cérebro 

Essas lições romanas de prudência.. 

Cumpre dissimular, fingir com elles. 

SCENA V 

SEMPtfONIO, PORCIO, JUBA 
Porcio 

Oh meu Sempronio, oh firme, certo amigo 
Da moribunda Roma, espirito, alma 



80 



Do vacillante povo, emflrn te incontro ! 
Ha muito te buscava. 

Sempronio 

Salve, Porcio. 
Do maior dos Romanos digno filho, 
Esperanças da pátria! — Meu amigo, 
Eis-me aqui. N'estas horas de agonia, 
Grata consolação é ver unidos 
No funeral da pátria os que inda podem 
Carpi-la sem remorso e sem vergonha 

Poroio 

Meu Sempronio, abracemo'-nos ainda 
Por esta vez, que ainda somos livres. 
Ai ! talvez ámanhan não poderemos 
Fazê-lo ja — sem nos acharmos ambos 
No vergonhoso amplexo d'um escravo. 
Que disse eu! ámanhan... ah, porventura 
Este sol que ahi nasce é o derradeiro 
Que luz sobre a romana liberdade. 

Sempronio 

Confias pouco nos supremos deuses. 

Teu venerando pae, suas virtudes 

Inda nos restam. 

Poroio 

Ah ! meu pae como hade 
Resistir so por si á conjurada 



81 



Fôrpa de homens e fados? É so elle 
Na terra, — e a terra toda é ja de César. 
Suas nobres tenções hãode ir ao cabo, 
Sua constância férrea não vácilla ; 
Morrerá, porém livre. Mas nem todos 
Com a alma de Catão os dotou Júpiter. 

Juba 
E quem tam vil será ? 

Poroio 

Não sei : mas vagam 
Entre as cohortes dissenpões, murmúrios. . . 

Juba 
Mas não entre os meus Numidas. — Se fosse. . . 

Poroio 

Não, príncipe ; a vileza era nossos dias 
Toda é romana. Ha traidor occulto 
Que anda excitando esses quebrados restos 
Das legiões de Pompeu á rebeldia. 
Quem elle seja ignora-se. . . 

Seippronio, aparte 

A seu tempo 
O saberás. 

Poroio 

Que dizes ? 

6 



82 



Sempronio 

Nada:— indigna-rae, 
Custa-me a crer que exista um monstro. . . 

Faroio 

Existe. 

E incoberto, inda mal ! Porém que importa 
Seu machinar, suas traições j'agora ! 

(Táo passando algans senadores, que entram pelo portko) 
Ahi vão concorrendo á humilde cúria 
Essas tristes relíquias de Pharsalia 
A que ainda senado appellidâmos. . . 

Juba 

Appellidaes. . . que dizes! — Toda a pompa 

Triumphal de Roma, todo o brilho antigo 

De sua glória, ao senado nunca deram 

Tam solemne realce e majestade 

Quanto a presença de Catão. — Seu nome, 

Seu nome so é como um séllo augusto 

Que, a despeito dos numes, sanctifica 

A causa que elle abraça; — é força ingente, 

Antemural onde o impe to se quebra 

De tantos, tam vaidosos inimigos. 

Quem pôde ouvi-lo, vé-lo so, e n'alma 

Não sente um religioso terror sancto, 

Que opprime e eleva, humilha e exalta o ânimo 

Como o aspecto de um nume? É Roma inteira, 

É o terrível deus do Capitólio, 



«3 



O Génio de Quirino que está n'elle, 
E deante do qual o próprio César, 
César à frente de hostes invencíveis, 
Suberbas da conquista do universo, 
César triumphador treine e vacilla. 
Ah, se em vez de me dar barbara pátria 
N'estes certões inhospitos da Libya, 
Me outorgaram os céus nascer Romano ; 
Se, como tu, podesse, ó caro Porcio, 
Chamar-lhe pae ! — Não ha maior ventura 
Que possam numes conceder na terra. 

Porcio 

Teu coração, amigo, te compensa, 

Nova pátria te dá. Nascer Romano 

É glória so quando estremados feitos, 

Quando virtude austera desimpenham 

Nome — que foi tam nobre. . . e hoje ! — Príncipe, 

Do vício a nódoa, as máculas do crime, 

Não as podem lavar do Tibre as águas. 

Sempronio, i^rie 

Não posso ouvi-los mais. (Alto) Meu Porcio, deixo-te : 

Não tarda que o senado se convoque. 

D'esta sessão solemne e derradeira 

Depende tudo. Adeus I É necessário 

Incitar uns, suster a vacillante 

Virtude de outros. — Príncipe, o teu nobre 

Esforço e coração Roma precisa 



84 



N'esta hora de perigo — extrema.. . a última 
Talvez ! — porem amigos como Juba 
N'esta hora é que se acham. 

Juba 

Não duvides 
De mim, Romano. sangue não vingado 
De meu pae inda ahi está revendo fresco 
Deante de meus olhos. Na orphandade 
Tua pátria me adoptou; tua pátria é 'minha. 
Aomenos para dar por ella a vida, 
Roma é tam minha como tua. 



SCENA VI 

P0RCI0, JUBA 
Poroio 

Juba, 

Que tens, que tam severo respondeste 

Ao senador ? Tam triste e pensativo 

Fitas no chão os olhos carregados ; 

Em que meditas ? 

Juba 

Eu ? — Na mal-azada, 
Pouca ventura minha, que me trouxe • 
Á situação penosa em que me vejo. 
Porcio, tu — tu conheces a minha alma ; 
Mas elles não. Suspeitam-me, duvidam 



85 



Da minha fe : extranho sou, um barbam 

Entre vós. 

Porcio 

Entre nós, tu, Juba!— Inganas-ter 

Amam-te, querem-te ; honram-te. Não ouves. 

Meu pae como te falia, quantas vezes 

Te chama filho? 

Juba 

Teu pae, sim : oh, esse 
É o maior dos homens, o mais nobre, 
Mais generoso; mais leal. Mas, Porcio, 
Quantos Catões ha em Roma ? — Este Sempronio 
Desconfia de mim. 

Poroio 

Elle! 

Juba 

As palavras 

Que me disse ao partir. . . Não reparaste 

Como fallou de amigos, da arriscada 

Hora do p'rigo ? 

Porcio 

Qué! interpretaste 
O seu dizer assim? — Não dès, amigo, 
A vans suspeitas attenção funesta. 
Assas, príncipe, assas nos sobram causas 
De dor e de afflicção. Ai! todo o esfórpo, , 
Toda a virtude de Catão não bastam 
Para suster o peso do infortúnio. 



86 



E que pôde elle so contra a torrente 

D'um povo inteiro, uma nação cTescravos 

Que humildes correra a accurvar-se ao jugo! 

Em lítica encerrado, triste chefe 

IVum exéfcito frouxo e destroçado, 

que hade elle esperar, — que nos sobeja 

D'essa van sombra de senado e Roma? 

Juba 
Sobeja-nos Gatão : e 6 muito ainda. 

Porcio 

í muito : — porém quanto hade durar-nos ! 

Vamos, amigo, vamos, que a hora chega, 

Te-lo entrar para a cúria. Approveitemos 

Esta occasião de contemplar ainda 

Mais uma vez aquella face augusta 

Reverberando toda a majestade 

Da extineta Roma, — e ouvir o som tremendo 

D'aquella voz que, em meio do senado, 

Troa como echo d'essa voz divina 

Com que a nossos avós salvou da infâmia 

Jove Slator.— Como o severo aspeito, 

Tam severo e tam plácido ! — me infunde 

Respeito e amor! —Disseste bem, meu Juba: 

Feliz a quem tal pae os deuses deram ! 

Mas. . . ai de mim ! oh, que presagios negros 

Me agoira o coração no sobresalto 

Com que me anceia, n'estes baques rijos, 



87 



Desincontrados que me dá no peito 
Co'a so lembrança, a idea de perdé-lo ! 
Prouvesse aos deuses immortaes que ao menos 
Adeante eu vá, — nem veja o sacrifício 
Que nas aras da pátria. . . Indigna Roma, 
E meréce-lo tu?— Eternos deuses, 
Como soffreis que o vicio, o crime, a infâmia 
Reinem sos, coroados do perjúrio, 
Na avassallada terra!— Amigo, vamos: 
Seja maior que a mágoa o soffrimento; 
De atormeníar-nos se invergonhe o fado ; 
E se cumpre ceder, cahir co'a pátria, 
Caiamos sim, mas homens, mas Romanos. 



ACTO SEGUNDO 



Interior delapidado de antigo edifício barbarico, 
preparado para a convocação do senado 



SCENA I 

CATÃO, MANLIQ, marco-bruto, sempronio, 

LICTORES, SENADORES 

Vio entrando os senadores e tomando sens assentos, que estio dispostos 
em semicírculo. — Depois de brere espaço, Catio precedido de lidores. Os 
senadores se erguem para o saudar. Permanecem todos em silencio por algum 
tempo. Catio leranta-se para foliar ao senado, e se lhe inclina. 

Oatão 

Padres de Roma, augustos senadores, 
Da pátria moribunda único apoio, 
Quanto inda folgo de vos ver unidos, 
De contemplar em vós esses Conscriptos 
Que de sobre o tremendo Capitólio 



89 



Repartiram os fados do universo, 
E aos reis vencidos, ás nações prostradas 
Deram co'a espada leis, co'as leis virtudes f 
Permitti que a minha alma se demore 
Festas ideaa de passada glória : 
Ah, quem sabe se é ésla a vez extrema 
Que me é dado ante vós o recordá-las, 
E a derradeira vez góso a ventura 
De olhar-vos junctos e vos ver Romanos! 
Sim, ó Padres, assas glória e renome 
Coube a nossos avós; maior nos cabe, 
(Não duvideis) maior nos cabe ainda. 
N'este humilde logar, entre estes muros, 
Quasi cercados de armas inimigas ; 
Sobre nossas cabeças cada instante 
Vendo troar da tyrannia os raios; 
Sem accurvar ao peso do infortúnio, 
Unidos inda pela voz da pátria. . . 
O senado de Roma é mais augusto. 
— Esta pátria, esta Roma o seu destino 
De vós espera agora: a vós incumbe 
Decidir de seu fado. — César chega: 
Um exército. . , (sim, o horror do p'rigo 
Dissimular não cumpre a vossos olhos, 
Nem diminuir o peso ao sacrificio) 
Um exército forte, victorioso, 
Formidável o segue. Escassas, débeis 
São nossas fôrpas, fracos os repairos, 
Attenuados os muros. — Que nos restai 



90 



Que nos convém fazer? Gomo devemos 
Tractar esse homem temerário, ardido, 
Ambicioso, insaciável 2-^- A fortuna 
Tem coroado seus crimes com victorias. 
— Desculpae-me o avivar chagas que sangram, 
Recordar os horrores de Pharsalia ! 
Esse dia fatal lhe intregou Roma, 
E a morte de Pompeu o Egypto e o Nilo. 
Juba, Scipião cahiram por seu ferro. . . 
Inda fumma talvez a areia ardente 
Da Numidia, insopada em sangue fresco; 
E no vasto silencio do deserto 
Inda arquejam talvez corpos romanos. 
Não ha sangue que o farte, não ha crime 
Que o detenha : seu carro de triumpho 
Não impeça nos montes de cadáveres 
Que lhe juncam a estrada. Fique o mundo 
Todo um sepu lchro, um so moimento a terra. . . 
Mas reine elle senhor sobre esse tumulo. 
— A cubica de império que o devora, 
Que lhe incha o coração, lhe rala o peito, 
Té os mesquinhos areaes estéreis, 
Estes plainos torrados, infructiferos (pausa) 
Da Libya nos inveja. — Agora, ó Padres, 
Dizei: qual é vossa alma, as tenções vossas? 
Inda ousais defender a liberdade ? 
Firmes em acabar primeiro que ella, 
Inda ousais preferir a morte honrada 
Ao jugo, á escravidão? — ou ja cançados, 



91 



Fatigados do peso do infortúnio. 
Baixos os corações, curvos à sorte, (pau») 
Dispostos vos sentis a?. . • — Bruto falle. 

Marco-Brato 

Eu voto a guerra. — E guerra so nos cumpre. 
Nada nos resta mais, bem sei, que o ferro, 
Amontoadas legiões César com manda; 
Mas a espada que temos é romana, 
Mas as legiões que o seguem são de escravos : 
E pôde um cidadão tremer ante elles? 
Poucos somos: mas livres, mas ousados. 
No furor da peleja, quantas vezes 
Um so braço bastou a decidi-la? 
E quantas foi um golpe venturoso 
Longas victorias desmentir n'um dia? 
Tem uma vida so, como os mais homens, 
(Se homem podeis chamar-lhe) esse tyranno. 
César. . . Ah! co'este nome em vossos peitos 
Não ferve a indignação, não pulla o ódio? 
Não ouvis esses manes insepultos, 
Cujos honrados, venerandos corpos, 
Pasto deixado nos areaes da Lybia 
Foram aos monstros do áspero deserto? 
Não lhe ouvis os clamores de vingança: 
Mais de metade do senado augusto, 
De que vós so restais, la jaz com elles; 
E este mesmo senado inda duvida, 
Pausado agita, frio delibera 



92 



Sobre a causa da pátria. . . Ah, não, ó Padres, 

Não vale em lances d'estes a prudência, 

So produz enthusiasmo as acções grandes. 

Ei-los, nossos irmãos, sagradas victimas, 

Ei-los bradando de Pharsalia ainda! 

-Que as chagas roxas do rasgado peito 

Nos apontam, nos mostram, nos excitam! 

Vêde-a, do granTompeu a sombra inulta, 

Véde-a, como nos fita despeitosa, 

Como a troar da maldicção os raios 

Quasi prompta... Ah! mas vós, vós sois Romanos 

Em vossos corações ja vejo a pátria, 

Ja leio em vossos olhos a victoria. 

Senadores! romanos senadores 

Vós sois: — avante, eia avante, ó Padres! 

Não aguardemos que o inimigo ousado 

Venha em nossas muralhas atacar-nos; 

Vamos nós mesmos, nós, o ferro em punho. 

Por entre essas indómitas phalanges 

Longa abriremos sanguinosa estrada. . . 

Se não para a victoria que nos foge, 

Á glória ao menos de expirar Romanos. 

Catão 

Bruto, esse furor não é romano. 
Cumpre esforço, valor, constância rígida, 
E não temeridade. Co'as extremas 
Do vicio intesta a raia da virtude : 
Pôz-lhe eterna barreira a natureza; 



93 



Mas não a vè o que vendado corre 

De paixões cegas; — passa, e não conhece 

Os prescriptos limites; — confundindo 

Vicios, virtudes, indiffrente os segue 

O espirito agitado; e em seu delírio 

Crimes perpetra por acções de glória. 

Discriminá-los, e a face augusta 

Da virtude estremar do vício occulto, 

Obra é so da razão, so ella o ensina. 

O nobre enthusiasmo, o patriotismo 

Que, audaz mas firme, ardido mas prudente, 

P'rigos não busca— mas não teme os p'rigos, 

Raios não troa — mas não teme os raios, 

Este valor, ó Marco, esta ousadia 

Foi a dos Scipiões, era a dos Fabios, 

Esta é so da Razão — e so romana. 

— Esses nossos romanos companheiros 

De tanta cicatriz innobrecidos, 

Que a espada tantas vezes impunharam, 

Tanto sangue verteram por seguir-nos, 

Por defender da pátria a sancta causa, 

De suas vidas acaso a mesma pátria 

Não nos confiou a nós cuidado e guarda? 

E iremos nós, mais bárbaros que César, 

Arrojar-lhe ás suas hostes famulentas 

Esses poucos fieis — como repasto 

Dado a feras no circo! — Iremos impios 

Dar-lhe a beber à fratricida espada 

O puro sangue civico Romano! 



94 



E Roma que dirá? — com que justiça 
Não clamará que, bárbaros e insanos, 
So nos guiou phrenetico delírio ; 
Que pródigos do sangue de seus Alhos, 
Vaidosos, sem piedade o derramámos 
Por fazer nossa queda mais brilhante ? 
Que nossa morte— sacrificio inútil 
De pompa van, de fasto esperdiçado, 
A de mil cidadãos custou à pátria? 
Não, Padres, não vos cegue o falso brilha 
D'esse heroísmo vão : sejamos homens, 
Que homens fomos primeiro que Romanos. 
— Manlio, os teus sentimentos livremente 
Expõe agora. 

Manlio 

A grandes desventuras 
Nos reservaram despiedosos fados. 
Infeliz quem, no choque tumultuario 
De civis dissenções, o puz a sorte 
Ao mui difficil leme do governo ! 
N'esse arriscado, perigoso impenho 
menor dos desastres é a morte : 
Das marulhosas vagas açoutada 
Sossobra a nau do Estado ; e é força em breve, 
Se lhe não accalmar contrário vento, 
Nas sorvedouras syrtes affundir-se. 
Embora impregue sabedoras artes 
piloto infeliz; que hãode imputar-lhe, 
Hãode fazer-lhe das desgraças — crimes. 



95 



Erra de orgulho, cega de vaidade 
Quem presume guiar com mão certeira 
O tropel desvairado e tumultuario 
D'uma revolução. Rebenta súbito 
Em turbilhões torrente impetuosa, 
Que arrastra e leva piamos e projectos, 
E, co'o homem que os urdiu, os roja ao abysmo. 
Confesso, ó Padres; tímida a minha alma 
Não Ota sem horror tam negras scenas. 
Pela pátria morrer sei que é virtude : 
Mas pede Roma a nossa morte ? 
Póde-lhe ella atrazar um so momento 
A inevitável queda? o nosso sangue, 
No mar da escravidão gotta invisível, 
Adelgaçaç-lhe os ferros que a agrilhoam? 
Derrubando as columnas vacillantes 
Que o edifício ruinoso escoram 
Da pátria liberdade, — essas ruinas 
Não desabam mais presto ao precipício? 
Co'a nossa morte César satisfeito 
Hade a espada embainhar, depor o sceptro? 
Ser-lhe-hão degraus para descer do throno 
Os cadáveres nossos? Não, ó Padres: 
De taes futuros não me illude a esperança. 
Pesa a severa mão d'alta justiça 
Sobre o orgulhoso collo dos Romanos : 
Da nossa liberdade o altar cruento 
Na alheia escravidão foi cimentado; 
Livres, fomos lançar grilhões ao mundo, 



96 



E temerosas Águias desferiram 

O voo assustador, do Capitólio, 

Ao sopro da ambição. São esses ferros 

Com que os povos da terra agrilhoámos 

Que hoje revertem para os nossos pulsos* 

Tarde ou cedo reduz justo castigo 

Povo conquistador a povo escravo : 

E sempre. . . Mas, o horror de nossos crimes 

Basta de recordar: cumpre ameigar-lhe, 

E não exacerbar da pátria as dores. 

César vence e triumpha; e ao mundo inteiro 

Utica resta so. E Utica pôde 

Salvar o mundo? Não. — Aligeirar -lhe 

A certa escravidão? Sim: pôde, e deve. 

No naufrágio geral, uma so tabúa 

Que se possa afferrar, conduz ás vezes 

(Embora moribundo) à praia o nauta; 

E o que fiou dos braços vigorosos, 

Experto nadador, sua esperança, 

Mais vezes inda, cança, esvai-se e morre. 

Toca-vos escolher. Voto que a César 

Se invie legação, paz se proponha : 

Vejamos se um tractado pôde ainda 

As reliquias salvar da liberdade ; 

Ou antes — imbotar à tyrannia, 

Pouco que seja, o gume assacalado. 

É morta Roma, sim, morta de todo: 

Aos filhos orphams, salve-se-lhe ao menos 

Um retalho siquer da pátria herança. 



97 



Marco-Brnto, Que tem dadt sigiles de grande impaciência 

doraite a falta de laiilio 

Acabaste ? 

Manlio 

Acabei. 

ã 

Maxoo-Bruto, Tiraide um psihal de se:» 

Ves este ferro ! 
Romanos como tu egual resposta 
De mim so levam. . . 

Catão, Leiaita-se e lede e fttiade 

Temerário ! um ferro 
Arrancas no senado ! Este é o respeito 
Que lhe guardas! Assim a majestade 
Acatas da republica!— Lictores, 
Expulsae o insensato que profana 
Tam sagrado lugar. 

Manlio 
Eu lhe perdoo. . . 

Catão 

Mas não perdoa Roma. Nas cohortes 

Gomo raso soldado seja inscripto : 

Sob o centurião, em dura schola 

Milite e apprenda — emquanto, mais de espaço, 

O castigo cabal dar a seu crime 

Á cúria não appraz. 



9S 



«■tu*» 



Humilda ob'deço 
Ás ordens de Catão. 

Catão 

Ás do senado. 



SCENA II 

CATÃO, MANLI0, SEMPR0NI0, senadores, etc. 

Hanlío 

ímpetos juvenis ! — a alma de fogo 
cérebro lhe escalda. 

Catão 

Manlio, agora 
Ja nos não ouve Bruto. . .-r-Tu pretendes 
A ti próprio illudir-te. Baloiçando 
Do precipício ás bordas escarpadas, 
Não lhe ves todo o horror. Ja vais de rojo 
Pelo despenhadeiro, e cuidas inda 
No meio da caluda segurar4e? 
Inganas-te: deludem-te vãos sonhos, 
\l uma, 6 uma so a liberdade, 
Indivisível sempre : se um so ponto 
Roubar-lhe intentas, — ella que te foge 
Para mais a não ver. Roma, tu dizes, 



99 



Mão quer a nossa morte. Não, porcerto. 

Porém que idea formas ta da vida? 

YiVdiracaso em ferros os Romanos? 

Não morre o homem quando vive o escravo? 

E quem te diz que o orgulho do tyranno, 

Que imagina um dom seu deixar viver- te, 

Não hade n^algumtfhora de capricho 

Infastiar-se dadadiva? e a um aceno 

Do férreo seeptro está comtigo a morte. 

E vida tal, appreciá-la podes? 

Tam precária, misérrima existência 

Vale o momento de morrer com honra ? 

Votas que a Gesar legação se invie : 

Quero que a acceite, quero que inda possas, 

Coasse phantasma vão de um vão tractado, 

Salvar isso que chamas as relíquias 

Da nossa liberdade. Que cegueira! 

Libras sobre a palavra d' um tyranno 

De liberdade esp'ranças? Tu confias 

Thesouros de valor nas mãos do avaro! 

Que fe pôde guardar quem fés quebranta? 

Que tractados manter quem leis despreza? 

Roma não tinha leis quando Tarquinio 

De cidadãos Romanos fez escravos? 

Phantasmas esses são de liberdade 

Que, nem phantasmas, mais do que horas duram: 

Todo o veo da illusão se rasga em breve ; 

Gai-lhe o postiço manto mal seguro, 

E em todo o horror da morte se descobre 



100 



Da escravidão o lívido squeleto. 

Não, de remédios taes eu não confio; 

Ou liberdade, ou morte. — Este é o meu voto. 

Sempronio 

Ou liberdade ou morte! — é voto unanime 
Do senado. Romanos somos todos : 
E que Romano a discrepar se atreve 
De tua sentença, de teu nobre voto, 
Ó Catão? Tu es a alma da republica, 
O génio que preside a seu destino. 
Tu, salvador magnânimo da pátria, 
Confusão de perversos, de traidores, 
Flagello de tyrannos, tu decide, 
Dispõe de nós: em tuas mãos se intregam 
Estes poucos fieis, que irão contentes 
Por ti, comtigo, té o extremo, á morte. 
Tu faze, tu governa: em tua dextra 
Poderosa p senado põe a esp'ranpa 
E a auctoridade toda da republica. 
Senadores, não é este o consenso, 
O desejo, o voto tiltimo e concorde 
De quantos somos pela pátria ainda? 

Catão 
Nãoé o meu. 

* Manlio 

Nem o meu. 



101 
Sempronio 

É o de nós todos. 

Maitos senadores 

Todos ! 

Catão 

Padres, ouvi-me. Estes momentos, 
Que temos de conselho, valem séculos, 
Não são de esperdiçar. De dictadores 
Temos sobejo poragora em César. 
Prouvesse aos deuses immortaes que a força 
Dos que se oppoem á auctoridade illicita, 
Usurpada de Júlio, tal crescesse 
E tanta, que mister nos fosse ainda 
D'essa magistratura formidável, 
Que a miúdo salvou, que salvar pôde, 
E pôde destruir a liberdade, 
Que a anniquilou emflm! Em nosso triste, 
Desamparado, desesperado estado, 
Crear um dictador fura. . . de mofa, 
De escarneo— e próprio objecto para o riso 
De nossos inimigos, — do universo, 
Que os olhos tem cravados n'estes muros, 
N'estes rotos pardeiros que muralhas 
Foram d'Utica. — Falia, honrado Manlio: 
Tua sentença não é a minha; oppostos 
São nossos votos ; serão sempre unidos 
Nossos princípios. — Tu não julgas inda 
Necessário escolher entre os dous termos, 



102 



De morte ou liberdade. Embora! oiçamos: 
Expõe teu voto : um parecer contrário 
Não offende a Catão; e é honra, é glória 
Ser contestado pela voz de Manlio. 

Manlio 

A minha voz, Gatão, tu bem o sabes; 
A minha voz, o meu sincero impenho, 
Todo o meu coração é pela pátria, 
15 pela liberdade. Ahí esle braço, 
Que ora treme de velho, ja foi rijo 
E pelejou por ella. — Mário, Sylla, 
Catilina me viram sempre á frente 
De seus mais resolutos inimigos. 
Esta língua, que mal hoje articula 
Ineloquentes sons, ja deu mais forte 
Brado na cúria ; nem se ouviu meu brado 
N'outra causa senão da liberdade. 
É trémula hoje a voz, trémulo o braço, 
Mas em Pharsalia não tremiam. . . — Padres, 
Desculpae, perdoae — um derradeiro 
Lampejar de decrépita vaidade. • . 
Que fiz eu? o que todos vós fizestes; 
Menos, que menos arrisquei por certo. 
Poucos dias de vida inférma e inútil, 
Que me sobram na terra, é sacrifício 
De preço vil e abjecto. Orpham de prole, 
So, deixado ir um ermo ao pé da campa, 
Que hóstia sou eu para o altar da pátria? 



103 



Serve «sim mesmo* o sacriflcio ? Prompío 

Aqm estótodo o sangue: pouco, frio. 

Sem vida é ja, mas de vontade e fácil 

Hade deixar as congeladas veias. 

Cuidais que por mim fallo, que me importa, 

Que me péza das horas minguadas 

Que hade oercear-me o ferro do tyranno? 

Não, Padres: é por vós, é pela.pátitia 

Que fallo, peço, q«e «çptíco; imphfro: 

Não pereçais em sacrifício inútil* 

Vossos dias — e os teus, gloria de Roma, 

Esplendor derradeiro de seu nome, 

Catão, esses teus dias preciosos, 

Oh, não os barateies tam sem fructo ! 

Gesar teme, respeita essas virtudes 

Que adornam o roais digno dos Romanos. 

Tu ipõdes inda ser o amparo, o abrigo 

Da abandonada pátria. A liberdade 

Acabou : mas seus filhos desherdados, 

Foragidos, caçados como feras 

De serra a serra, e do povoado ao monte, 

Hasde desempatámos, quando podes 

Alliviar-lhe as penas, protegê-los, 

Ser-lhes pae?. . . Ohí «ao posso mais. . . scccumbe 

O coração Iam velho à mágoa, ao. . . (fonUKe) 

Oat&o 

Nôtnre 

Coração é o teu — e generoso, 



104 



Que as nobres qualidades d'elle imprestas 
A quem não sabe, nunca soube a têmpera 
De que taes corações são fabricados. 
César não tem mais sentimentos n'alma 
Que um so, — desejo de poder. De affectos, 
De paixões de homem, uma so lhe absorve 
As outras todas — ambição. Virtudes, 
Crimes, feitos de infâmia ou de honrado cego 
Não distingue; nem crê o impio em deveres, 
Em virtudes, em leis de homens ou deuses. 
Finge (e fingir sabe elle) esse respeito, 
Esse amor de acções nobres e de glória. 
Aonde viste que ao poder supremo 
Subisse usurpador sem o cortejo 
Da hypocrisia? — Ama-me, diz elle; 
Respeita-me, crês tu! — Quizesse o fado 
Dar-me vivo em suas mãos. . . (vivo não hadê) 
E verias ao carro maniatado, 
Jungido como um bárbaro captivo, 
Esse Catão cuja amizade o pérfido 
Tanto finge buscar. — Virá q dia 
De seu triíampho : ve-lo-ha Roma : e o pejo 
Fará suar no mármore as estatuas 
Do Capitólio. Fábio, Ciacinnato, 
E tu, ó gran'Censor! —mais que essas brutas 
Pedras em que os Romanos se tomaram, 
Vossas imagens sentirão a affronta, 
Quando a minha — levada em pompa infame 
Deante do vencedor. . . (Silencio geral) 



105 



Padres, viemos 
A este conselho por mais alto impenho, 
Para maior objecto. Desviaram 
Prevenções generosas de amizade, 
De mui cega amizade — para um ténue, 
Inconsid'ravel, minimo interesse. 
Senadores, da pátria é que se tracta, 
Da liberdade, e do que nos incumbe 
Fazer por ambas n'este caso extremo. 
Pallae : — Manlio e. . . Sempronio. . . 

Sempronio 

Guerra, guerra, 
B liberdade, emquanto ha sangue a dar-lhe! 
B Gatão dictador: meu voto éeste, 
Foi e hade ser. Inútil imbaraço 
É um senado aqui, deliberando 
Entre armas e combates. . . 

Manlio 

B quem trouxe 
Para aqui o senado ? Quem, Sempronio, 
Quem declamava mais entre as cohortes 
Gontra esse a quem agora generoso * 
A dictadura offreces? Quem bradava 
Que estes poucos, dispersos senadores 
Se deviam juntar, e pôr limites 
Á auctoridade de Gatão, que a olho, 
Dizias tu, crescia desmandada 



s 



146 



E ameaçava a republica? Tu foste ; 
Tu, Semproaio, e teus gárrulos clientes. 
Convocou-nos esse homem suspeitoso, 
Esse Gatão que.». 

<Oatao 

Eu te rogo, amigo ; 
Manlio, basta. 

Manlio 

Não temas : serei breve ; 
Conter-me-hei. — Viemos, consultámos, 
Deliberámos; e o poder supremo 
Quinhoámos entre nós ; commum a todos 
Nos foi a glória da tenaz contenda, 
D'esta longa, porfiada resistência 
Que eterno hade fazer o nome de Utica. 
Spontaneos, voluntários, a nós próprios 
Nos constituímos em senado e cúria ; 
E â nossa auctoridade submetemos 
Milhares de homens! — Voluntários, digo, 
Viemos ao perigo — e, emquanto longe, 
Governámos senhores, respeitados, 
Gomo no Capitólio obedecidos. 
E havemos agora — oh vil, indigna 
Proposição, do proferir covarde, 
Affrontosa de ouvir.!— e agora havemos 
Nós mesmos, nós, quando mais perto airoctoa 
O laço do perigo — o peso grave 
Que espontâneos tomáanos, arrolo 
Ao chão, sem pejo! — ou — que tanto vale, 



107 



Descahir co'elle todo sobre os hombros 
Do ; Atlante a quem vaidosos não quisemos 
Confiá-lo atéqui ? Tal fora a mancha 
Da acção vil, que nem todo o nosso sangue 
A deliria no porvir da historia. 
Não, senadores ; não cubrais de infâmia 
Os últimos instantes do senado. 
Minha opinião sabeis : persisto n'ella : 
Se for possivel transigir com César, 
Pactuar sem desaire, e poupar sangue ; 
Faça-se. Mas fugir covardemente, 
Desertar, como transfugas, do posto 
Que escolhemos !. . . Pereça a idea ignóbil, 
E pereçamos todos : reâae £esar, 
Reinej—.iaas seja so por crimes d'ellc. 

SGENA III 

C1TÀ0, MÀtiLIO, SEMPRQNI0, PORCft), 

6EKADORE8, ETC 

Porcio 

As portas da cidade se appresenta 
Um legado de César : pede audiência. 

Seatpuonio 

De César! 

Manlio 

Ó Catão, italvez nos trqga 
Honrosas condições de fsm : atte&àe^du 



108 
Catão 

Ou traga paz ou guerra, entre e se escute. 

• SOENA IV 

CATÃO, MANLIO, SEMPRONIO, senadores 
Sempronio 

Queres ouvi-lo ? 

Catão 

E porque não? 

Sempronio 

Discorda 
Condescendência tal de teus princípios. 

Catão 

Princípios meus ! — Os da razão so tenho. 
É dever escutar os homens todos. 

Sempronio 

Um tyranno também ! 

Catão 

O fanatismo 
Está mais longe ainda da virtude 
Do que todos os vicios. E se unida 
A hypocrisia lhe anda. .. 



109 



Sempronio 

Não mereço 
Que tam feia suspeita. . . 

Catão 

Não mereces, 
Tens razão,— não mereces nem suspeitas. 

• SOENA V 

CATÃO, MANL10, SEMPRONIO, DECIO cm cortejo, 

SENADORES, ETC. 

Manlio 

É Decio o embaixador. 

Catão 

Quem?— Oh vergonha! 
Decio, um homem equestre !. . . Vista indigna ! 

Deoio 
A Catão, saudar César envia. 

Catão 

Gatão não vejo aqui, vejo o senado. 
Eu César não conheço. 

Deoio 

O invicto, o grande 



110 



Triumphador do mimdo a ti me envia. 

Suas hostes em freme d'estes muros 

signal so aguardam da peleja. . . 

Antes o da victoria. Mas tal preço 

Tem Catão a seus olhos, tanto adora 

dictadormagnanimo as virtudes 

De sen grande inimigo, que estremece 

Pela primeira vez, — e mal se atreve 

A seguir a fortuna que o precede. 

Deante do teu, seu génio acovardado 

Vacilku— teme o vencedor da terra 

De ficar vencedor ! Tal é o zele, 

impenho com que, á custa de seus louros, 

Quer salvar os teus dias preciosos. 

No rendido universo tu somente 

Lhe resistes : e a grande alma de Júlio 

Com tal competidor se insuberbece. 

Virtuosa vaidade, ambição nobre ! 

Triumphar de Catão, César deseja, 

Mas não co'a espada. Generoso outorga 

Aos companheiros teus, por teu respeilo, 

Amnistia geral : dadiva tanta 

Por condições so tem — 'Catão amigo.' 

OatSo 

Disseste ? 

Deoio 

Disse. 



tit 



J&Ho nada envia 
A dizer ao senado ? 

Daoio 

Nada. 

Gatão 

Parte. 

H*0Í0 

Gatão, ouve um momento*. 06 tara amigos 
Queres sacrificar ? Queres tu mesmo 
Desafiar do vencedor as iras ? 
Quando elle generoso vem propor-le 
O sancto bem da paz, nem ouvir queres 
As condições ? 

OfttSo 

As condições são estas : 
Desarme as legiões, deponha a- purpura, 
Abdique a dictadura ; á classe torne 
De simples cidadão, e humilde aguarde 
A sentença de Roma* — Então eu próprio, 
Quanto inimigo fui, cordeal amigo, 
Seu defensor serei. Jamais no foro, 
No senado se ergueu meu brado austero 
Para defender crimes: — e a tal crime 
Gomo o d'elle, Calão será patrono. 
Se-lo-ha : por elle subirei aos Rostros, 
E heide pedir, rogar, suppliee, humilde. 



112 



Impenhar quanto sou e valho em Roma, 
E alcançar-lhe o perdão, volvê-lo á pátria. 

Deoio 
Mas ve que. . . 

Catão 

Nada vejo. 

Decio 

Acaso ignoras 
Quem César nomeou à dictadura ? 
Que o senado de Roma?. . . 

Catão 

Esse senado 
É vil rebanho dos mais vis escravos : 
Nem ás margens do Tibre existe Roma. 
Eu e os que ves, nós somos o senado : 
E em nossos corações é que está Roma. 
Dizei, ó Padres ; ao tyranno César, 
Guerra votais ou paz ? 

Todos 

Guerra. 

Catão 

Ouviste ? 
Deoio 

E vós, que vos dizeis os pães de Roma, 
Os dias de Catão em nada os tendes ! 
Tam preciosa vida. . . 



113 



Catão 

A minha vida 
É a vida de Roma ; e os meus dias 
Vincularam os céus aos dias d'ella. 

Decio 

E tu, Manlio, também ! — Tu moderado, 
Prudente, e cedes ao impulso louco 
D'esta cegueira ! 

Manlio 

Cega é a honra, Decio ? 
Que condições de paz trouxeste? Ignóbil, 
Indulto vil do vencedor suberbo. 
Quaes crimes nos perdoa ? amor da pátria, 
A lealdade a Roma? — Que fianças 
Da vida de Catão nos dá?— Fui sempre 
Eu aqui o advogado da paz; — único 
Na cúria fui, e persisti: mas hoje, 
Agora, a minha voz foi ^primeira 
Que bradou guerra — e bradará constante 
Emquanto houver de optar entre as desgraças 
Da guerra — e a infâmia de tal paz. 

Decio 

Embora! 
Minha mensagem dei. César perdoa, 
Mas não a ingratos. Chorâ-lo-heis já tarde. 

Sempronio 

E com que audácia tu, com que soberba . 

8 



114 



Contas assim tam certo co^vicloria? 

Falias com tal despejo, tam seguro 

Como se a todos nós ja sobre o campo 

Viras extinctos, ou nos ferros torpes 

De teu feroz senhor maniatados. 

Ja supplices nos crés aos pés de César? 

Ja por escravos teus nos imaginas? 

De nossas forças quem te disse o estado? ■ 

Temos armas, e braços de sobejo 

Que essas temidas legiões rechassem. 

V 

Catão 

Ura Romano, Sempronio, nunca mente. 
Decio, não temos nada: débeis, poucos 
Moribundos soldados nos defendem. 
Frágeis muralhas entre nós e a morte 
Intermeiam apenas. Pouco resta 
Para a espada de César. Mas não julgues, 
Ainda assim, tam fácil avictoria. 
Emquanto a dextra segurar um ferro, 
Emquanto a voz não fenecer nos lábios, 
Emquanto aqui não resfriar de todo 
No sangue de Calão, de Roma o sangue. . . 
— Terra e céus a abandonem! — desvalida 
Não ficará de Roma a liberdade. 

Decio relira-se aecompanbado de seu cortejo, e de soldados ro- 
manos e munidas.- — Depois de breve espaço, Catáo, precedido 
dos lictores, sai por outro lado: seguem-no os senadores todo». 



ACTO TERCEIRO 

mesma vista do acto precedente 

SCENA I 

MARCO-BRUTO, DEGIO 
MarcoBrato 

Não aporfies mais: eu não recebo 
Mensagens do tyranno. 

Decio 

Se souberas 
O que incerra esta carta!. • . 

Marco-Bruto 

Incerre embora 
Os thesouros do mundo. Nilo a acceito. . 



11C 



Deoio 

Marco, dá-rae atlenção — ao teu amigo.., 

Maroo-Bruto 

Amigo tu ! 

Decio 
Outr'ora m'o chamavas. 

Mareo-Bruto 

E quanto me inganei ! 

Deoio 

E eu que esperanças 
Não concebi de tuas virtudes ! 

Maroo-Bruto 

Falias 
Tu. . . falias em virtudes !... tu! 

Deoio 

E pensa 
De Gatão o discípulo orgulhoso 
Que a avara natureza os seus thesouros 
So os gastou com elle, — e desherdados* 
Para o inriquecer, deixa aos mais homens? 

Maroo-Bruto 

Homens ! . . • Homens sois vós ? 



117 



Dedo 

Mui falsa idea 
Fizeste da virtude : amena e doce, 
Não áspera, selvagem, desabrida, 
À crearam os céus; ao peito humano 
Foi dadiva e mercê, não foi castigo. 
Tua philosopfaia árida, abstrusa, 
Não corrompe talvez — porém desseca 
coração, e ao natural impulso 
De ingénuos sentimentos substitue 
Compressão de phantasticos preceitos. 
Àrtiflciaes virtudes são as vossas, 
Não as que o sopro dos eternos deuses 
Influiu n'alma do homem. Marco, Marco, 
A virtude é mais bella, mais formosa 
Do que teus vãos pbilosophos a pintam. 
Não é esse squeleto descarnado 
Após o qual subis estéreis montes 
Por caminho de fragas, precipícios. . . 
Chegais ao cimo — que incontrais?— deserta^ 
Desabrigada solidão de rochas, 
Sem' una flor, um verdejar de relva, 
Nem um pallido musgo que devida 
Á cumiada estéril! — E essa é a meta 
A qt*e tetodeis! 6 esse o Bem supremo 
A que aspiram desejos, esperanças, 
Trabalhos do homem ! 

Mároo-Brato 

Decio, esperdiçaSte 



118 



Em ruins ouvidos a arte parasita, 
Essa arte insidiosa, ingan adora, , 
Filha da escravidão e da baixeza, 
Que servos alcunharam de eloquência. 
Eloquência I — Não é: — os rebicados, 
Meretrícios infeiles com que se orna 
Seduzem, não convencem : cegam alma, 
Ao coração não chegam seus poderes. 
— Quando nossos avós, austeros guardas 
Da pátria liberdade, se opposeram 
A que artes gregas na severa Roma 
Ousassem metter pé — esses Romanos 
Bem lh'enlreviam a peçonha occulta 
Na apparente belleza. Adornos falsos 
A formosura natural impannam 
Da verdade, — da cândida verdade, 
Que é per si bella e não carece de arte. 
Verdade era a eloquência dos antigos 
Oradores latinos. Nunca ouviram 
Outra o senado, os túrbidos comícios; 
Jamais emquanto Roma foi. . . romana. 
A Grécia, d'onde houvemos n'outro tempo 
Leis de ouro — a Grécia escrava e corrompida 
Já não tem Aristogitons, Harmodios 
Para Hipparcos romanos, nem Demosthenes 
Para nossos Philippes: avexada 
De procônsules crus (mercê latina, 
Dom de ferro, por tanto áureo presente 
De sciencias, de leis, que houvemos (Telia!) 



119 



Vinga-se coroo escrava, — propinando 

A sens senhores o veneno lento 

Que impeçonhou o sangue de Leonidas, 

E a cuja virulência nem resiste 

O de Fabrício e Cincinnato. Inxames 

De gárrulos sophistas, de grammaticos 

Vieram corromper a incauta prole 

De Roma: seus theatros e palestras, 

Seus livros, seus poetas e oradores 

Affeminaram o viril aspecto 

Da virtude latina. . . — Aos homens todos, 

Deu-lhes um livro so a natureza, 

O próprio coração. 

Deoio < 

E n'esse livro 
Achas ferocidade uma virtude ? 

Maroo-Bruto 

N'uma palavra so — questões deixemos: 
Essa carta é de César? Não a acceito. 

Deoio 

Ve o que fazes: libram n'ésta carta 
Os futuros destinos dos Romanos. 

Maroo-Bruto 

Como! 

Deoio 

Ouve : de Calão (bem o conheço) 



120 



Temes a rigidez? Pois bem: a elle 

Vai tu mesmo levá-la : elle que a leia. (hlngaJkei carta) 

SCENA II 

MARCO-BRUT0, ** 

A Gatão. . . esta carta. . .— : E eu reeebi-a!. . . 
Não me illudes, escravo; ei-la, que a rasgo. 
Que façol... ella de Roma incerra os fados. 
Que importa ! incerre os fados do universo : 
É do tyranno, rasgo-a. . . 

SCENA III 

MARCO-DRUTO, CATÃO 

Catão 
Bruto? 

Macoo-JEfouto 

Oh deuses;! 
Gatão 

Que fazias aqui ? 

Síaroo^Brato 

Bu! — estacaria.,. 



121 



Nao a quiz — resisti — foi quasi á força. . , 
Comepada a rasgar. . . 

Gatão 

A estes sitios 
Como ousaste voltar — eom que licença? 

Marco-Brato 

Ordens do centurião. 

Catão 
Que carta é essa ! 

Marco-Brato 

Decio. . . • 

Catão 
Decio ! 

Maroo-OBrato 

De César. . . 

Oatíúo 

Que oiço ! 

Màrco+Bfujtor 

Ali... 

catão 

Dá-m'a. (Lê) 



122 



Ocvultar-te mais tempo o arcano (oh deuses!) 
Dos vínculos. . . que me unem (céus l) a Bruto: 
Tu. . . es... meu filho — Saberás o resto 
Nos braços paternaes. . . Vem, vem, meu filho, 
Ajudar-me a reinar sobre o umverso. 

(Silencio longo) 

Maroo-Bruto 

Pérfido, mente. Eu filho do tyrannno ! 
Este sangue ?. . . 

Gatão 
É de César. (Silencio longo] 

Marog-Bruto 

Eu succumbo 
Ao oppróbrio, à infâmia. — Sangue este é de César? 

(Tira a espada) 

Impossível ! Não é. — Todo aqui jorre 
Na terra ; e o coração desaffrontado 

(Em acção de ferir-se) 

Do sangue vil — romano expire ao menos. 

Catão, deunurit-t 

Filho !. • . Tu es meu filho. (Abrapm-se.) 

Maroo-Bruto 

Pae!... Não; outro, 
Deuses, deuses cruéis ! não podeis dar-m'o. 



123 



Catão 

Sim, sim; eu sou teu pae : de tenra infância 
Como a filho (e que filho !) te amei sempre. 
Eu te formei essa alma de Romano, 
Que lagrymas. . . oh, lagrymas de gosto 
Me faz verter agora. De teus dias 
Occultei o segredo emquanto pude. . . 

Marco -Bruto 

Quê! filho eu sou?... 

Gatão 
De César. (Silencio.) 

Marco -Bruto 

Dâ-me o ferro : 
D'este sangue uma gotta, uma so gotta, 
Não, não deve ficar sobre o universo. 

Catão 

Basta ; meu filho es, filho de Roma : 
Teus pães são estes. 

Maroo -Bruto 

César. . . 

Catão 

É um monstro. 



Mas. . . 



Maroo-Bruto 



m 



Catão 

acaso não é crime. Escuta. 
Ninguém ao despontar da juventude 
Annunciou talentos mais brilhantes 
Do que 'Júlio mancebo. Na sua alma, 
De romana grandeza, de virtudes 
Desinvolvia o germe esperançoso 
Que tam mal prosperou, que tanto soube 
Illudir-nos, cegar-nos. perverso 
So se valeu dos lúcidos talentos 
Que em dom fatal lhe dera a natureza, 
Para os fazer servir a seus projectos 
D'avareza, ambição, de tyrannia. 
Emquanto a van grandeza de sua alma 
Nos ifiascinava os olhos, entretanto 
Que de suas virtudes mentirosas 
Nos deslumbrava a candidez Ungida, 
Manhosa serpe no dobrado peito 
A peçonha nutria de seus vicios; 
No refalsado coraçie lhe ardia 
A ijegra tocha de execráveis criraes. 
Do popular favor ja precedido, 
Caro a patrícios, a plebeus acceito, 
idolo de Roma era então César. 
Todos n'elle agouravam firme esteio 
Da pátria, flue d'então ja começava 
A baixar de valor, cahir de glória. 
Confesso, eu próprio me ceguei com elle : 
Amei-o— amei-o tanto como a filho. 



125 



Qual o meu coração, minha pousada 

Franca sempre lhe foi — E o monstro. . . o monstro 

Fingia amar-me ; parecia, ao vé-lo 

Nomear-me seu pae tam docemente, 

Que me adorava o pérfido. — Servilia. . . 

Oh lembrança. . . lembrança de tormento ! 

ServiKa, minha irman, por essas eras 

Dava mate às bellezas mais falladas 

Da capital do mundo. Pura e simples, 

Sua alma era mais cândida do que ella. 

coração, que o rosto debuxava, 

Era a mesma innocencia. Viu-a o pérfido ; 

Viu-a, attractivos tantos o prenderam : 

Sem dó de mim, sem mágoa da innoçente, 

Intentou seduzi-la. . . deshoará-la. . • 

Marco. . . ai de mim J . . . A tímida donzella 

Inexperta cahiu no laço indigno. . . 

D'esseÍiorrorQso amor tu foste o fructo; 

E a victima infeliz nas anciãs cruas 

D'algoz remorso pereceu em breve. 

Marco-Brato 

Eelle? 

Gatão 

Abandoaou?a. 

Maroo-Bruto 
Etu? 



126 - 
Catão 

Eu pude 
Vencer commigo a não morrer de pejo. 

Marco-Bruto 

E esse monstro é meu pae ? 

Catão 

Gerou-te. 

Marco-Bruto 

Oh deuses ! 

Catão 

Deves-lhe o dom mesquinho da existência. 
Pui eu que te eduquei ; tu es meu filho. 
Com os foros de pae vêem mais incargos : 
E quem os não cumpriu, pae não é esse. 

Marco-Bruto 

Mas. . . filho (Velle. . . 

Catão 

Filho es so de Roma. 

Mar oc -Bruto 

Devo. . . 

Catão 

Ser cidadão. 



127 
Maroo-Bruto 

E elle. . . 

Gatão 

Um tyranno 
É algoz, não é pae. 

' Maroo-Bruto, « acçio de partir 

Oh Roma I oh Roma! 

Catão 

Aonde vais ? 

Maroo-Bruto 

Aonde vou !. . . Aonde ? 
Vou desafiar de César os furores, 
Vou lançar-me por entre essas phalanges, 
Procurà-lo, buscar-lhe a ponta á espada, 
Guiar-lh'a ao corapao : o sangue impuro, 
Que d 'elle recebi, elle que o verta; 
E, se o crime o fez pae, o crime apague 
O titulo odioso e o nome horrível. 

Gatão 

E Roma ? 

Maicc-Bruto 

Ah! Roma... 

Catão 
Manda-te que vivas : 



128 



Ordena-t'o Catão em nome d'ella. 
Adeus. — Apperta o tempo. Nas muralhas 
Vou confortar os raros defensores 
Da agonizante liberdade. — Marco ! 
Marco-Bruto, meu filho, olha o que deves 
A Roma, a ti, a mim! 

SCENA IV 

MRC0-BRUT0 só 

Ordena-o Roma ; 
Viverei, sim : — manda-o Gatão ; eu vivo. 
Mas este sangue. . . oh sangue abominável ! 
Em sacrifício á morte está votado. 
Um de nós, César!. .. — Gemes, natureza? 
Quando a pátria folgar — oh, geme embora. 

SCENA V 

MÀRC0-BRUT0, SEMPRONIO 
Sempronio 

Viste Decio ? 

M&rco-Brato 

Ochala que nunca o vira ! 

Sempronio 

Porque ? 



129 
Maroo-Bruto 

^Não sei. 

SCENA YI 

SEMPR0M0 X 

Que enigma, que mysterio 
Occulto incerra este dizer de Bruto ? • 
Fallou com Decio. . . — e 'ochala (diz elle) 
Que nunca o vira!' — Decio prometteu-me 
De não partir sem ajustarmos antes 
Nossas condições todas. . . — E tam louco 
Seria elle que de Marco-Bruto 
Fiasse. . , do mais cego enthusiasta 
De Catão — o discípulo dilecto... 
Nossos communs projectos de vingança? 
Não pôde ser : astuto, arteiro é Decio. 
E quem sabe ? — mancebo é caro a César, 
Que o ama como a filho ; — e rumor corre 
De haver entre elles vínculo secreto, 
Tacita intelligencia. . . Trahir-me-hia 
Decio por amor d'elle ? — Se tal fora ! . . . 
Oh, se de tantas lidas e perigos, 
Sustos, remorsos, (ai ! também remorsos) 
Que esta conspiração me tem custado, 
So me rfesta colher o fructo amargo 
Que a miúdo vêem traidores — o desprezo, 

9 



130 



O castigo, e — inda mais acerbo ! o escarneo 
Do próprio ingrato que lucrou 110 crime ! 
Embora : mas sacie-se esta sede 
De vingança, o intranhavel ódio d^lma. 
Depois — oh, depois venha oppróbrio e morte. 
Decio não chega ! E o sol cai no horisonte 
Precipitado ja. Decerto é ido 

(Olhando para um lado da scena) 
De Utica. — Oh, ei-lo sai agora as portas. 
Se me Irahiu ! . . . E que trahisse : o golpe 
Hade dar-se ; jurei-o pela Styge. 
Orgulhoso inimigo, hasde prostrar-te 
A meus pés ! Ver-te-hei, com estes olhos, 
Varreado a Sacra-via — não co'a toga 
Negra, que tua stoka vaidade 
Ostentava no fóro, no pretório ; 
Não ! mas com a vil túnica d'escravo, 
No triumpho de César. — Pouco resta 
De minha árdua tarefa. Juba, o cego, 
O presumpçoso Numida, está certo. 
Esta noite, esta noite! — Mas, tranquillos 
Serenemos o rosto, e componhamos 
A máscara : não veio o tempo ainda 
De a rasgar. — Approxiraa-se a hora, dada 
De prazo a Juba para aqui nos vermos. 
Não tardará. — Ahi vem : — e vem correndo 
Agitado. . . sem cor. . .— Oh, se !. . . 



r* 



131 

SCENA VII 

SEMPROMO, JUJBA 
Juba 

Sempronio, 
Sempronio, é impossível — impossível ! 
Não esperes de mim. . . Sabe-se tudo. % 

Sempronio 

Sabe-se tudo ! — Bárbaro, trahisíe-me !. . . 

Juba 

Bárbaro!. . . Eu sei, Romano, que sou bárbaro; 
Porque. . . não vim ao dia aopé do Tibre. 
E tu — nasceste na Cidade-eterna. 
Porém esta alma, não a troco... — Juba 
Nunca trahiu ninguém, Romano. 

Sempronio 

Ah príncipe, 
Trahir ! Traição é crime que se roce 
Por corações como esse ! E tu fizeste 
Tal injustiça ao teu amigo ! — Bárbaro! 
Imaginaste que te chamei bárbaro ! 
bárbaro sou eu : e n'ância d'alma 
Bárbaro me chamei, traidor, infame, 
Que assim te expuz a pérfidas suspeitas : 



132 



Que por meu zelo — indiscreto, cego, 
Demaziado talvez — puz em perigo 
À tua glória, a não-manchada fama 
Do mais illustre príncipe da terra. 
Oh, que este louco amor da liberdade, 
Esta cegueira por Catão me perdem ! 

Jabá 

Perdoa-me, Sempronio : essa virtude 
Não se finge: venceste, convenceste-me. 
Eu duvidava — não de ti, amigo, 
Mas de teus sócios. Porcio — tu bem sabes 
Que alma é a de Pprcio ! — não confia n'elles, 
E era seu zelo não cré de liberdade. 

Sempronio 

Pois revelaste a Porcio?... 

Juba 

Ja te disse 
Que não sei atraiçoar, Romano. Extremo 
Es em suspeitas ! 

Sempronio 

É mais do que extremo, 
Excessivo é meu timido receio 
fresta causa, meu príncipe. Covarde 
• corapão me bate a um rumor leve. . . 
Se no inquieto leito em breve somno 



133 



Repoiso acaso — descompostas larvas 
Me pintam na convulsa phantasia 
Catão no profanado Capitólio 
Rojando ferros. . . e os cruéis motejos 
Da soldadesca. . . e o mais cruel surriso 
De César triumpbando na sua victima. . . 
Ah!... 

Jutoa 

Não prosigas, que me rasgas alma. 
Prompto estou para tudo. Avante ! Salve-se 
Catão. Pereça tudo, e salve-se ellé. 
— Mas ouve: eu não confiei a Porcio nada 
De teus projectos. Porem elle sabe 
De sedições em que entram, são cabeças 
Muitos de teus mais íntimos amigos. 
Fallou-me em Decio, e occultas conferencias.., 

Sempronio 

Decio ! 

Juba 

Que entre elle e um senador houvera: 
Mas não disse quem foi. 

Sempronio, fica algum (empo pensatiro 

Ahi ves bem certo 
Quanto te hei ditto. Insidiosa trama 
Em Utica se forma. Esses malvados, 
Do dia ao fenecer, querem as portas 



134 



Abrir ao dictador. Da vil perfídia 
Os covardes andores — bem aocerto 
Não os conheço. Que imprudente fora, 
Em circumstâncias taes, fazer patentes 
Ao senado, a Catão minhas suspeitas.: 
Príncipe, bem o vês. Desconfianças, 
Incerteza cruel acabariam 
De desunir de todo os pobres restos 
Da agonizante Roma. Tu conheces 
De Catão a franqueza descuidada : 
Nada teme e de nada se acautella. 
Sua politica é aberta, simples 
E tal como a sua alma ; os seus projectos 
Patentes sempre são. Ignora, odeia 
Essa que chamam arte de governo. 
Mas ah, quam mal os deuses collocaram 
N'este universo d'hoje homem tammanho ! 
Os séculos de crime, em que vivemos, 
Nem d'elle dignos são, nem elle é d'elles> 
Cercada de artifícios, de maldades, 
É força que a virtude lhe succumba, 
Se artifícios também (que os ha com honra) 
Não souber cautellosa oppor-lhe a tempo. 

Juba 

Amigo, tens razão : por tua bócca 
Falia a prudência. Dize-me, aconselha-me 
que é mister fazer; de que maneira 
Cumpre atalhar a desleal perfídia. 



135 



Minha espada, meu braço, os meus soldados^ 
Tudo está prompto : falia. 

Semproirio 

Antes de ludo, 
Inviolável segredo é necessário. 
Nem Porcio, nem Catão, ninguém o saiba; 
Ou baldamos trabalho. 

Juba . 
* Mas • • • 

Sempronio 

Depende 

Todo o êxito d'aqui. Dá-me a tua dextra: 

Ninguém .... 

Juba 

Morre commigo o meu segredo. 

Sempronio 

Pois bem. As portas velam do occidente 
Soldados teus. Romano algum com elles 
Não vigia esta noute. Mal comece 
A ingrossar-se o crepúsculo da tarde, 
Galladamente com tuas tropas marcha 
A imbuscar-te detraz d'aquelles combros 
(9*ie ã esquerda vês, não longe da cidade. 
D'alli, quando seguras avançarem 
As legiées de César, repentino 



136 



A retaguarda súbito lhe cortas ; 
Emtanto nós à frente os commettêmos : 
E a que julgam victoria indisputável, 
Ser-lhe-ha talvez misérrima ruina. 

Juba 

Amigo — oh, meu amigo, que ventura 

Se Roma eu posso libertar, se um Numida, 

Ura bárbaro resgata a escrava Roma ! 

E Catão — e salvar Catão ! Oh glória 

Sem par! — César, sou eu que heide punir-te. 

Romano senador, atraiçoaste 

A liberdade ; e um príncipe, nascido 

Entre escravos, senhor, hade arrancar-te 

Da frente o diadema insanguentado. . . 

Que o calque o Povo-rei aos pés. — Sempronio, 

Admiras-te de ouvir-me? Ve qual força " 

Tem o exemplo, os dictames respeitados 

De homens como Catão. Nasci, amigo, 

No throno : mas se o throno hade custar-me 

Uma so violência, um so gemido 

Dos infelizes que se crêem nascidos 

So para o sustentar — abjuro o throno. 

Quanto mais prezo e quero o foro augusto 

De cidadão romano, que essa c'roa, 

De tanto sangue e lagrymas banhada 

Na frente de meu pae! . . . — Meu pae! vingar-te 

É so minha ambição. Vingar-te juro. 

Go'este braço a teus manes venerandos 



137 



O tyranno de Roma heide immolar-te. 

Oh meu pae, oh, dirige o golpe ardido, 

Leva-lh'0 ao coração da tua victima. 

César ! César ! ás fúrias implacáveis 

Da pallida vingança aqui te voto ; 

E sobre essa cabeça criminosa 

Seu flagello conjuro. Atros poderes 

Do Àverno, ouvi a imprecação tremenda : 

'Por vingativas mãos pereça o monstro. 

Se às minhas o negais, seja o mais caro 

Amigo seu, — seja seu próprio sangue 

Que aquelle sangue em vosso altar derrame. 

Oh, se um filho elle tem... Justiça eterna 

Dos deuses immortaes, ao parricida 

Da pátria — puna emQm o parricidio ! ' 

Sempronio, aparte 

Estremeço de ouvi-lo. (Alio) Juba, príncipe, 
Modera-te : tuas vozes soam alto ; 

(Olhando para dentro da scena) 

Podem ouvir-nos. . . — Vês? Porcio caminha 
Para aqui. — Não te mostres n'esse estado 
De tanta agitação. Disfarça, occulta ; 
Ou estamos perdidos. . . 

Juba 

Não te assustes. 
Ferve-me sangue d' Africa nas veias ; 
É o sangue de meu pae : mas a alma é filha 



138 



De Catão que a formou.^— Ves o roeu rosto? 
Está sereno agora, e. . . 

Sempranio . 

Porcio chega. 



SCENÂ VIII 

SEMPftONIO, JUBA, PORCIO 
Porcio 

Caro príncipe ! 

Juba 

Amigo ! 



Venho, Juba, 
Despedir-me de ti. Ha longo tempo 
Que te procuro em vão ; e a noite vinha 
Appertando, — e eu sem alma de ir-me embora, 
Para ctízer-te adeus. 

Juba 

Que dizes, Porcio. 

Onde vas ? 

Porcio 

Ao meu posto. Fui ditoso, 
Qm o melhor pude obter, — o de mais p'rigo ; 



139 



Onde roais derrocadas as muralhas 
Aoe primeiros assaltos do inimigo 
Hãode ficar expostas. — Vou-me â morte, 
Certa, meu Juba ; vou. . . 

Sempronio 

E a grande alma; 
De Porcio desalenta assim no p'rigo? 

Poroio, olba para Seaproirio, e sem lhe responder, 
v«Ut-se a Jabá 

Não me falta a coragem que o arrosta, 

Mas fallece a esperança de vencê-lo. 

Eu não temo, — temer é de covardes ; 

Mas desanimo. Roma está perdida; 

E meu pae. . . e Catão não sobrevive 

Á Republica. — Sou Romano, Juba ; 

E vejo, satisfeito, alçar-se o golpe 

Que no altar da pátria bade immolar-me. 

Mas sou filho também : e a natureza 

É mais forte que Roma. Oh resta ainda 

O sacrifício último! — meus olhos 

Não te hão de ver, dia de mágoa e lucto! 

Succumbe-me a alma!. . . Não, estes meus olhos 

Não o hãode ver no instante derradeiro 

Fitar ainda a jnoribunda Roma. . . 

Príncipe, um não-sei-quê me diz no peito 

Que este adeus é talvez o derradeiro 

Que me é dado dizer-te. Ó meu amigo, 



140 



Ga te deixo inda mais do que a minha alma. 
Um pae, Juba... e que pae! Não o abandones. 
Oh, não o desampares um momento. 
Tu conheces Gatão : sua alma nobre 
Não se deixa vergar: seus pulsos livres 
Não soffrerão grilhõeô : e o braço firme 
Primeiro ao coração. . . Adeus, amigo, 
Príncipe, amigo, adeus ! 

Juba 

Meu Porcio, escuta ; 
Não vejas de tam perto essas desgraças. 
Eu tenho esperança ainda. E tu, Sempronio, 
Não esperas também ? (Com ar de intelligencia) 

Sempronio, baixo 

Príncipe ! 

Juba, para Ptrcío 

Amigo, 
Também um não-sei-qué me diz no peito 
Que esta sanha do fado hade accalmar-se... 

Poroio 

Oh, cega esp'rança ! 

Juba 

Não é cega, Porcio. 
Eu heide — eu posso. . . 



141 
Sempronio, í parle para Juta 

Juba ! 

Juba 

Vai, meu Porcio, 
Vai ; cedo nos veremos. 

Poroio 

E bem cedo. 
À formidável hora vem chegando ; 
E onde ha perigo, ahi certo está Juba : 
<)uem o ignora, meu príncipe ? Lá junctos 
Nos veremos ainda — entre os cadáveres 
Dos escravos de César ! — Minha esp'rança, 
Minha consolação única é essa ; 
Que heide morrer assim — livre e vingado. 
Meus amigos, adeus! É tarde, e a noite 
Ja vai poisando em nossos tristes muros. 
Voo á minha estação. Oh, venha cedo 
Esse temido e desejado instante I 
Venha, que ja me tarda; e acabe um'hora, 
Termine de uma vez esta agonia 
Tam lenta, tam cruel. — Eu corro, amigo, 
coração me diz que â morte certa. . . 
Mas, seja ella honrada ! . . . Adeus. (abnrçau-M) 

Jabá 

Oh Porcio ! 



ACTO QUARTO 

Portas da cidade, do lado de dentro — Noite 

SOENA I 

MANLIO, SOLDADOS 

ManliO, defendendo, m, a saiida da porta contra aipis soldados 

ronaios 

Detende-vos, traidores. — Gente infame ! 
Heisde passar porcima do meu corpo. 
E soldados romanos sois, indignos ! 
Soldados de Pompeu ! — Eia, rebeldes, 
(Os soldados param diante de Haulio) 

Gomeçae n'este velho, que em Pharsalia 
Vos guiou contra as hostes do tyranno, 



143 



Comepae vossos feitos gloriosos. 
Aqui estou so, feri : que vos demora ! 
Oh, faltava-nos mais esta vergonha, 
Esta vergonha derradeira ! — Roma, 
Ahi tens os teus heroes. Gatão, são esses, 
Ei-los, da liberdade os defensores!... 

Os soldadas mulram irresoluçà* t pareces et niftar titre 
si : mas a ííuai investea com a poria, e atrapeilatt Kaniio. At 
mesmo tempo ejUra de fera larco-foilo fniaida uma coierte, 
e os repeile para deliro. 



SCENAII 

MAJSLIO, MAUCO-BRUTO, ele. 
Marco-Brnto 

Pérfidos !. . . Ah covardes ! Tarde vínheis, 
Em má hora. — Soldados, desarmae-os, 
Ligae-lh'08 pulsos. . . Ja ! loros d'escravos 
N'essas mãos vis ficam melhor que a espada. 
(Os soldados de Narco-Brato desarmam e ligam 03 rebelde*) 
Mas qué!... Tu, Manlio! — tu também com ellesl 
Nunca me inganei eu. — Erguei-o, amigos, 
D'esse lodo em que jaz. . . inxovalhando 
Em sangue e infâmia as cans. . . as cans traidoras 
Do refalsado velho ! — O que eu devia 
Co'ésta espada. . . Não ; vive, miserável, 
E arrastra ao sepulchro essa vergonha. 



144 



Manlio, lerutiodo-te ajadido do« tildado* 

Impetuoso mancebo, onde apprendeste 
À ijajuriar um velho que?. . . Perdôo-te 
Mais esta vez : perdoar é para velhos. 
— Marco-Bruto, a vergonha está comtigo 
Que insultaste, sem causa, as cans honradas 
D'um patrício romano — e d'um amigo. 
Bruto, esse nome que te inleva tanto, 
Não se illustrou assim. O ouro escondido 
No báculo, era a imagem da prudência : 
E com essa é que Roma foi liberta. 

Mar oo -Bruto 

O gran'Censor não era mais discreto 
Em seus conselhos. Manlio precisava 
Defender-se primeiro. . . 

Manlio 

Defender-me ! 

Marco-Bruto 

Pois não te vi agora?. . . 

Manlio 

Viste um velho 
So, desarmado, e. . . — Não me justifico : 
É indigno de mim. 



145 



SGENA III 

GATÃO, precedido de lietores, e soldados romanos com faxos accesos; 
MANLIO, MARCO-BRUTO, ele. 

Gat&o 

Filhos de Romã, 
Que é isto ? que fazeis ? que intento é o vosso? 
Rebeldes vós, traidores os Romanos! 
Manlio, Bruto, fallae: que insânia é esta? 
O traidor onde está, quem é? — Dizei-m'o. 

Maroo-Bruto 

O traidor? — Essç infame. 

Gatão 

Quem? 

Maroo-Bruto 

É Manlio. 

Gatão 

Manlio I... Manlio eu conhepo. — O que?... Observa, 

Inexperto mancebo, aquelle rosto. 

Ves um traidor alli ? — Marco, meu filho, 

O crime. . . o crime tem outro semblante. 

Apprende a ler rio corapão dos homens 

Pelas linhas da fronte. — Meu amigo, 

Perdoa-lhe : seu zelo é cego ainda. 

10 



146 
Manlio 

Ja lhe tinha perdoado. 

Catão 

Ouviste, Marco? 
Arrepende-te e eraenda-te, meu filho.. (Paosa) 
— Mas que mysterio de perfídia é este? 
Sempronio. . . aonde está? Juba? o meu Porcio? 

Marco-Brnto 

Não sei. Eu no tropel imbaralhado 

De tropas fugitivas, de rebeldes, 

De combatentes, mortos, de feridos, 

Nada vi, nada sei. So sei que o ferro 

Sobejos immolou à liberdadç : 

So vi, para os ferir, peitos covardes. 

A vinganpa, o furor, a sanha da ira 

So me deixaram olhos para a espada. 

Foi tam cruento e rápido o conflicto ! 

Mas succedeu-nos bem. Os vis traidores, 

E as legiões de César que ja vinham 

Direito ás portas e a junctar-se co'elles, 

Foram desbaratadas. As phalanges 

Leaes cahiram, como raios vivos, 

Sobre os montões de escravos que ameaç avam 

Esmagar-nos : — tam poucos que nós éramos í 

Mas: — ' Avante (bradamos) eia! morra, 

'Perepa Roma com seus filhos todos! 

4 Foi menos glorioso o sacrificio 



147 



4 Dos Fabios. Roma um dia hade vingar-nos, 
4 Como os vingou a elles. Eia, avante!' 
E avante fomos ; e vencemos. Morre 
Quanto não foge. Dispersou-se tudo. 
Voltámos fartos de matar — cançados 
Ainda não. Mas era força : os muros 
Desguardecidos, e o temor de nova* 
Traição, nos fez volver ás portas de Utica. 

Catão 

Manlio, mas tu.. . tu immudeces? Falia: 
Mata-me esse silencio. 

Manlio 

O meu silencio. . . 
Ah, deixa-m'0, Gatão: — oh, não desejes 
Ve-lo quebrado. 

Catão 

Qué ! Porcio. . . meu filho. . . 
Acaso?... 

Marco -Bruto 

Porcio vela do outro lado 
Da cidade, no lanço da muralha 
Mais expugnavel — onde se precisam 
Defensores como elle. 

Catão 

E Juba? 



148 
Marco-Bruto 

Juba... 
Não me lembra de o ver. 

Catão 

Que escuto ! Manlio, 

príncipe?... 

Manlio 

Não falles n'esse monstro : 
Foi traidor como um bárbaro. 

Haroo-Brnto 

EUe! — sangue 
Não desmente das obras. Um tyranno, 
Quando deixa de o ser, é sempre escravo. 

Catão 

Deuses, guardaveis-me inda o trago acerbo 
Para o meu coração! — Fado inimigo, 
Ja não consegues abalar-me o peito. 
Vi desertar da causa da republica 
Seus mais strenuos fautores : vacillante 
Pompeu, — e Marco-Tullio arrependido 
De seguir nossas míseras fortunas, 
Tergiversar, fiigir porflm. . . e a purpura 
Consular pela estrada de Tarento 
Arrastrando no pó, ir supplicante 
Humilhar-se ao tyranno. . . Ah! — tudo hei visto, 
Tudo : mas nada me feriu ainda 



149 



Tam vivo n'alma como Juba ingrato. . . 

(Silencio geral. — Gatão dá algumas voltas, passeando, 
como abstracto ; — e logo prosegne : ) 

E Sempronio ? 

Manlio 

Pois qué! ignoras inda 
Que o auctor da traição foi esse indigno ? 

Maroo -Bruto 

Sempronio ! — Ha poucas horas a mim mesmo 
Se me gabou que ousara no senado 
Desafiar a Decio, e que. . . 

Catão 

Apprende, 
Marco, d'ahi a conhecer os homens, 
O valor verdadeiro não se ufana, 
Não blasona atrevido; — cinge a espada, 
Mas so no campo de que a tem se lembra. 

Marco-Brato 

Sempronio !. . . que — a Tibério ja não digo, 
Mas nem a Caio-Graccho na vehemencia 
Do orar cedia, que à mais leve idea 
De servidão bramia mais terrível ! . . . 

Catão 

Desconfia onde vires tanto zelo 
Em palavras : discreto, parco delias 
É o verdadeiro amor da liberdade. 



150 



Manlio 

Ah Catão ! dize agora : que esperanças 
De Roma tens ainda? 

Catão 

Eu tenho as mesmas. 



Manlio 



As mesmas ! 



Catão 

Sim; as de morrer por ella. 

Manlio 

Ail nem ja isso,. amigo, nos é dado: 
Nem um extremo esforço de agonia 
Para expirar com glória ! A moribunda 
Loba do Capitólio não tem forças 
Nem ja para investir, no último arquejo, 
Com seus brutaes senhores, e cravar-se, 
N'um glorioso e nobre desespero, 
Em suas lanças traidoras. Cahiremos 
Como rezes era torpe sacriOcio. . . 
Imbelle morte, inulta!. . . 

Marco-Bruto 

Inulta ! Nunca : 
Sem se vingar, sem vos vingar, não hade 
Perecer Marco-Bruto. — E o holocausto 
Hade espantar, hade aterrar o mundo!... 



151 



Catão 

Vingança I E para que ? Que dás á pátria 
N'esse holocausto inútil? 

Maroo-Bmto 

Tu lhe chamas 
Inútil ! — O atro sangue cTum tyranno 
Desparzido no altar da liberdade, 
Inútil pôde ser? — A mão ditosa 
Que o ferro imbebe no malvado peito, 
Que lhe descose as pérfidas intranhas, 
E vai ao coração buscar-lhe a vida 
Para cortar-lhe o fio negregado, 
Não é mão d'um heroe ? Ha sacrifício 
Que apraza mais aos deuses justiçosos? 
Oh, que ha vingança que também é nuraen ! 
Da liberdade a árvore não cresce, 
Se a não regar dos déspotas o sangue : 
Embora a plantes; não lhe ves ó frueto : 
Hade-te ir definhando a pouco e pouco, 
E da heivada raiz hãode brotar-lhe 
As parasitas plantas, que mui breve 
Gigantes crescerão, e hãode assombrar-te. 
Vingança! — Eu sempre vi esses Romanos, 
Raios da pátria, exemplos de virtude 
Imitados por ti, por ti citados, 
Sempre os vi abrazados de ira saneia 
Ferir sem dó, e derramar sem pena 
sangue dos malvados que attentavam 



152 

Á majestade augusta da republica. 

Mais nomes não direi que um so, — antiga 

Honra dos meus, cuja tremenda imagem j 

Inda no Capitólio brande a espada, 

Terror dos reis, e salvação de Roma : 

Junio-Bruto. . . 

Catão 

B que sangue esparziu finito 1 
Que vingança tomou ? — Da voz ingente 
Aos brados formidáveis se ergueu Roma, 
E fugiu pavorosa a tyrannia. 
Mas a voz que troou no Capitólio, 
E que liade eterna resoar no mundo,. 
Os braços não armou, não alçou ferra 
Para lavar dos déspotas no sangue 
As injúrias da pátria. Sua espada 
So desimbainhou para afastà-los " 
E não para feri-los. PTesses tempos 
(Eras ditosas que não mais veremos !) 
A romana altivez, o nobre orgulho 
Perdoava generoso, e desdenhava 
De inxovalhar o ferro em sangue immundo. 
— Sangue correu então : mas qual? seu próprio, 
Seu próprio ás mãos do algoz jorrou na terra 
Quando os filhos indignos sacrifica 
A merecida pena, á morte justa. 
Mas privado juiz não foi nem (Telles ; 
cutello das leis é que os immola. 
— Um tyranno é, sem duvida, na terra 



153 



O malvado maior: mas nem por isso 

Te é licito puni-lo. Magistrados 

Que o julguem, leis que o punam — com algozes 

Para as executar — tem a republica. 

Usurpas também to se em juiz privado 

De públicas offensas te institues. 

Maroo-Bruto 

Mas uma lei, ó pae, tu me insinaste 
Que sobre todas respeitar se deve : 
Mais veneranda e antiga m'a dizias 
Que todas essas leis, — que plebiscitos, 
Que senatusconsultos, — em mais clara 
Equidade fundada do que o Álbum 
Do pretório, — gravada n'outro bronze 
Mais durável que as tábuas dos decemviros; 
Lei das leis, immutavel e suprema, 
— A da salvação pública. 

Gatão 

difflcU 
É conhecer, meu filho, quando a força 
D'essa máxima lei quebra a das outras; 
Quando o feito que é injusto, opposto a ellas, 
A salvação da pátria o revalida. 
— fim meus primeiros dias, no ingénuo 
Despertar de innocente puberdade, 
Me levaram, ó Marco, aos sanguinosos 
Paços de Sylla. — De meu pae amigo 



154 



Fora o monstro! — Inda as carnes se arripiam 

Co presente spectaculo que tenho 

Deante dos olhos, — do cruor esparso, 

Dos palpitantes membros strangulados, 

Dos tabescentes, lívidos cadáveres 

Nas cruzes pelos átrios; — a viuva 

Gemendo além, carpindo o orpham; — e o torvo 

Aspecto, o feroz riso dos ministros 

Do tyranno, apupando com motejos 

As sanguentas cabeças dos mais nobres, 

Mais illustres varões que Roma tinha, 

E que hasteadas em triumpho hediondo 

De atroz pompa levavam. . . Vista horrível ! 

E. . . inda mais de indignar 1 e mais ainda 

As trementes intranhas me excitava, 

O ver, o ouvir as turbas circumstantes 

Devorando seus trémulos gemidos, 

Disfarçando, — cobrindo a face pallida, 

Que lhes não vissem a furtiva lagryma ! 

E a mão, que stringir devia o ferro, 

E que talvez segura no mais rijo 

Da batalha o brandira, — mal ousava 

De ir, co'a orla da toga, a medo e trépida, 

Aos olhos que a alma timida arrazava 

De feminino pranto. . . — que é o povo ? 

que são homens ! — Hontem expulsastes 

A Coriolano, porque ousou negar-vos 

Os baldios communs : hoje, fugindo, 

Abandonais á fúria dos patrícios 



155 



Graccho que voMos dava ! — E agora. . . O íntimo 

D'alma joven, ardente me anciava 

Co spectaculo feio c vil. — l E como 

(Disse a meu pedagogo) como em Roma 

4 Não ha quem mate Sylla ! ' — 'Não (me torna 

Branco de medo o velho), não; detestam-n'o: 

l Mas temem-n'o inda mais.' — ' E porque (cego 

De ira lhe respondi) porque uma espada 

1 Me não dás, que o vou eu matar — e livro 

4 A pátria?'— A grande custo me conteve, 

E me levou d'alli o ancião prudente; 

Nem la voltámos. — Vinha de bom ânimo 

A tenção : mas que importa ! Mário ahi estava 

Para inutilizar o feito ardido, 

Se meu infante braço o executara. 

— Ah! que fructo da pátria ao bem resulta 

Com lhe ficar um déspota de menos ? 

Vanglorioso do golpe que vibraste, 

Cuidas que o monstro feneceu com elle ? 

Inganas-te : as cem frontes d'essa hydra 

De seu próprio veneno reproduzem ; 

Por uma que decepas, mil te surgem : 

Mal, que julgavas ter de todo extincto, 

Então se aggrava mais. 

Maroo-Bmto 

Quê I socegados 
Veremos ingolphar no abysmo a pátria, 
E tranquillos no meio da procella, 



156 



Ve-la-hemos assim ir-se affundando 
No mar da escravidão ! Ànciada embora 
Supplices mãos estenda aos filhos caros ; 
Que os virtuosos filhos não se atrevem 
À perpetrar o crime de salvá-la. . . 
É virtude — confesso — que me admira, 
•Que jamais conheci. 

Catão 

Na tua edade 
Respeitam-se os anciãos, ouve-se e apprende-se. 
Mancebo, escuta: — Libertar a pátria, 
E dar pelo resgate a própria vida, 
Não é mais que dever ; grande heroísmo, 
Acções de glória, n'isso não as vejo: 
homem que assim obrou foi homem de honra, 
Cumpriu sua obrigação. — Mas outros meios 
Tem de empregar mais certos, mais seguros, 
Quem se abalança a imprésa tam difficil, 
Se baldos não quer ver cuidado e riscos. 
Desaffogar a pátria de um tyranno, 
É transitório allivio : impeiora a raiudo 
Co esse remédio o mal; tens cem tyrannos 
Em vez de um : nem talentos nem virtudes 
Occuparão, no Estado, o grau supremo 
Entre vis demagogos repartido 
Por facções, por subornos, peitas, crimes. 
Tincta era em sangue a purpura, — era férreo 
sceptro do tyranno : mas as togas 



157 



Dos decemviros ! . . . tinge-as cruor negro, 

E pallidos veneno» as mosqueam 

De nódoas que revêem torpeza, infâmia, 

Flagicios! — Que lucrámos na mudança 

Perigosa ? Os procônsules os mesmos 

Peculadores ; servos os tribunos 

E facciosos; avara e perdulária 

A questura, roubando o derradeiro 

Sestércio ao povo, a última drachma ao Erário ; 

Os pretores vendendo em hasta pública 

A justiça; — emfim todo o mesmo vício, 

A mesma corrupção, — mais desfaçada, 

Mais clara so, mais despejada. — E é esta, 

É esta a liberdade que nos destes ! 

E são estas, decemviros, as tábuas 

Da promettida lei, que tanto tempo 

Levaram a gravar ! — Veio Apio-Claudio 

Fazer chorar em Roma por Tarquinio . . . [fim] 

— Se queres libertar-nos, corta rijo, 

Corta pela raiz a tyrannia, 

Cerceando por abusos, profundando 

Nas fistulosas úlceras do Estado, 

E levando c'o bálsamo o cautério 

Ao mais solapado — onde a peçonha 

Do arraigado cancro tem nascença. 

Depois o faxo da razão accende 

Com mãos puras e limpas de interesse. . . 

Puras! —que em dextra sórdida essa tea 

É labareda sem clarão, — que abraza 



158 



Sem dar luz — queima e rápida devora 

Antes que um so vislumbre rompa as trevas, 

Que, em vez de dissipar, deixou mais crassas, 

— Com elle, coasse faxo luminoso 

A teus concidadãos mostra a vereda 

Que ao alcapar conduz da liberdade, 

Não coroado de spolios sanguinosos 

Mas puro todo e cândido como ella. 

Salva-os das convulsões, da crise horrível 

Que as populares commoções arrastram ; 

Moderação e paz reine em teus lábios; 

Generoso perdoa, austero pune, 

Mas pelo orgam da lei, mas so com ella. 

Os pendões hastear da Liberdade 

Nas ameias da horrífica Discórdia, 

Grito amotinador alçar aos povos 

Para os deixar no cahos da anarchia, 

Mutuamente e á porfia destruir-se, 

É querer lacerar o seio á pátria 

Sem jamais a salvar. 

Manlio 

Homem como este, 
Geu, creaste-o jamais, tu viste-o, mundo? (Ot- 

ve-sc vozeria e tumulto de soldados de fora dos muros.) 
Marco Bruto (ob.errt da porta} 

Oh! que tumulto é este? — Numerosa 
Legião. . . de peões e cavalleiros. . . 



159 



E de César não são : — e nem Romanos 

Tampouco. — Ah ! são Numidas. . . E Juba 

Com elles. O traidor ! Qué ! pensa o bárbaro 

Surprehender-nos ja, e vem ? . . . (desimbainhaodo 

a escada e tollando-se para os soldados) 

Amigos 

A elles ! — Não sois vós os veteranos 

De Pompeu ? Co'esses bárbaros em terra. 

E seja — se ha de ser o derradeiro! 

Um derradeiro feito de justiça, 

— Castigar esses pérfidos — o nosso. " 

Manlio 

Quê! sahir-lh'ao incontro — com tam poucos 
Homens de lança — a única defesa 
D'estes muros desertos! — E elles tantos 
Os bárbaros! — Não fora mais prudente 
Cerrar as portas e ? . . . 

Catão 

Detem-te, Marco, (depofe 

de observar o tropel dos Numidas que vem approximaodo, 
volta da porta e prosegue:) 

E contém esses bravos companheiros 
De honrada desventura. — Abri mais amplas 
As portas, retirae-vos a, esse lado, 
Deixae-me so c'os Numidas. 

Manlio 

Tu! nunca. 

A ti é que elles iuscam. 



160 



Maroo-Brnto 

So com ellesl... 
Não te obedeço. — Amigos, companheiros, 
Defendamos Gatão ; morramos todos. • . 

Gatão (alçando a roz com seieridade) 

Soldados, eu governo ainda em Utica (« solda- 
dos obedeceis.) 
Manlio, Bruto, ide vós. . . ide e pejae-vos 
Do exemplo que vos deram. (Betitam-se avkos paia 
ao pé dos soldados ; Catão prosegue com braadua:) 

Filho, amigo, 
Socegae : nem as barbaras cabildas 
De Juba, nem as hostes ordenadas 
De Júlio teem poder sobre esta vida. 
Posso morrer aqui — não ás mãos d'elles. (le- 
simbainha a espada; abre as portas de par em par, e fica 
so, no meio delias.) 

SCENA IV 

GATÃO, MARC0-BRUT0, MANLIO, JUBA, SEMPRQM0, 

SOLDADOS NUMIDAS, ROMANOS, ETG. 

As legiões munidas param fira das portas; Jabá entra só com alguns 
soldados conduzindo Sempranio algemado. 

Catão 

Que é isto, Juba?— a que voltaste? 



161 
Marco-Bruto 

Infames ! 

Catão 

Não respondes?— Sempronio era ferros! Falia, 
Sempronio, explica-me esle enigma. Voltas 
Como um escravo a seu senhor : — escravos 
São para César; n'estes pobres muros 
Não os ha.— Immudeces?— E tu, príncipe, 
Tu callado também? Falia, não temas. 
Teus soldados ahi estão. 

Juba 

Os meus soldados 
São auxiliares teus e da republica. 

Gatão (prosejjaiado mb • alteiler) 

Não tens que receiar : não es Romano, 
Nem deveres de pátria te obrigavam 
A seguir nossos fados. Tomar parte 
Na sorte do infeliz é peso grave 
Que a descontento amigos vão levando, 
Levando — até que emfim ja se não soffre : 
Arrojá-lo quizeste : não te culpo. 
Os vinculos do alliado te prendiam. . . 
Mas de taes allianpas que proveito 
Havias de tirar ? Desgraças, p'rigos, 
Talvez a morte. — Vai, segue a ventura : 
O ceu derrame sobre ti mil benpams. 

íi 



162 



Jabá 

Bem a mereço, a exprobração amarga 
D'essa ironia. — Fiz-me abjecto, flz-me 
Vil a meus próprios olhos. Desprezae-me, (pausa) 

Romanos: sou um bárbaro. Ah, não bate 

Em tossos peitos coração mais puro 

Que o do bárbaro, — zelo mais ardente 

De liberdade não vos queima o sangue ! (pausa) 

Mas quiMo o fado assim. Cuidei aomenos, 

Ó Gatão, que arguir-me te dignasses! 
Esperava castigo de meu erro, 
E encontro oppróbrio so. — teu desprezo, 
teu desprezo. . . não, não o mereço. 
Juba foi cego, louco, arrebatado, 
Foi desobediente a teus preceitos, 
É criminoso, mas traidor não. — Ouve, 
Ouve-me por piedade, e depois julga. 

Catão 

Falia, príncipe : ouvir-te é dever nosso. 
Julgar-te! Quem, aqui? — Ja houve tempo 
Em que Roma julgava os reis da terra. 

Juba 

Oh, oiça-me Catão, julgue-me ; — e aksolva-me 
Se poder, — que eu não quero outra sentença. (Pausa 

considerai •!) 

Sempronio, tu es senador romano, 
Eu um chefe de Sumidas selvagens. 
Teu testimunho invoco, e me contento 



163 



So com «alie,— Fui eu traidor a Roma? 
Desmereci do titulo prezado 
De amigo de Catão ? — Tu não respondes, 
E surris I Próprio é o riso : mofa e escaroeo 
Mereço teu— *e de tá... com mais justiça. (Apontando 
pari Sefflpnfflie) 

Catão, esse. . . esse pérfido inganou-me : 

Meu natural singelo e poucos ânuos 

Gahiram fácil no inredado laço 

Que de vagar e ha muito anda tecendo. 

PersuadiíHme— e algum nuimen inimigo 

Me fascinava -então ! que a salvar Roma 

Me fadavam os céus, e a punir César; 

Que em Ujica tramava poderosa 

Conjuração occulta, que esta noite 

Ao dictador as portas abriria, 

E vivo em suas mãos ia mtregar-te. 

Estremeci de horror, perdi áe todo 

A razão; ajudou-o o meu enleio: 

Tudo obteve de mim. Na hora aprazada. . . 

Na hora que aprazada elle dizia 

Pelos conspiradores, manso deixo 

A porta do oceideaate, «que eu guardava 

Go's meus Numidas. — Saio ; e maL, um tiro 

De setta, me aflastára das muralhas, 

Confcaço, mas ja tarde, a vil perfídia. 

Da parta, que eu deixara quasi inerme, 

Seus sócios ma traição MDfapem, — >e as hostes 

De César, que imbuscadas o aguardavam, 



/• *■ 



164 



Se juntam co'elles. Desmaiei de cholera, 
De vergonha e despeito. Mas foi prompta 
Minha resolução. Sem lhes dar tempo 
A mais, invisto c'o poder immenso 
Do inimigo. Brado allarma; e allarma 
Me respondem dos muros. Commandadas 
— Não conheci por quem — fieis cohortes 
Sahem a sustentar-me. Trava, ás cegas, 
Pela treva o conflicto : ambos á uma 
De oppostos lados, Numida e Romano, 
Dêmos sobre o traidor e sobre as hostes 
Do tyranno de Roma, — que ingodadas 
Das promessas do indigno, mal cuidavam 
Incontrar tam porfiada resistência,. 
Tanto contrário, aonde sem peleja 
Contavam co'a victoria. Rechassadas 
Foram completamente. Ia devolta 
Na fuga o scelerado :— descubri-o, 
Corri sobre elle ; — e fomos longo espapo 
No arriscado impenho os cavalleiros 
Todos : porém valia a pena e o p'rigo, 
Valia tudo ! — Segurei-o eu próprio 
Co'éstas mãos,— fiz lanpar-lhe essas algemas, 
E salvei para os golpes dos lictores 
A torpe vida, que anhelavam todos 
Arrancar-lhe á porfia. . .Ah, nem tu sabes 
Não. . . nem tu sabes inda quantos crimes 
Tens que lavar no sangue do malvado ! 
Porcio. . . 



165 

* 

CatSo (iiterrampeido-a) 

Meu filho?.,. 

Juba 
Assâssinou-o o infame. 

Catão 

Respiro, oh céus ! traidor não foi meu filho. 

(Silencio longo) 

Marco-Brnto 

Covarde, e como tanto ousou teu braço 
Fraco ?— tam fraco e vil como a tua alma. 

Juba 

Ousar! — Foi á traição. 

Maroo-Brtito 

Monstro ! 

Manlio 

Oh, ei-lo, 
Ei-lo ahi, moribundo o vêem trazendo. 
Que miseranda vista — oh, que espectáculo 
Para os olhos de um pae ! Porcio deitado em unas 
andas formadas de escudos e lanças, aos hombros de solda- 
dos numidas, e guardado por considerável numero.de cavai- 
leiros numidas, vem lentamente approiimando-se da porta da 
cidade; passa por entre as legiões de Juba, que lhe abrem 
aias. Ouvem-sc gemidos, e o lamentar discorde de Romanos, 
de Numidas e do povo que vai acudindo. 



166' 



SCENA. 



CATÃO, MARGO-BRDTOi MANLIO, SEMPRONIO, 
JUBA, PORCIO, ctc. 



Catão (indo w inrtiitro do 

Vem, vem, meu mito-, 
Nos braços de teu pae morrer com honra. 
Ve dos olhos paternos, ve correr-me 
Estas fagrymas —doces, não dte pena, 
Meu Pbrcio, não de dor, mas de saudade-, (fflta- 

çando-se com elie) 

Morres homem, meu filho, e morres livre. 
Oh, não te pêze de deixar a vida. 
Que te fica na terra?— que perdeste ? 
Um mundo indigno, baldo de virtudes, 
Farto de crimes— solidões juncadas 
De mortos, moribundos — e assassinos. 

Faroioi 

E. . . o pae. . . que eu deixo. . . — Adens! (ftrw 
eMiM d* pae e expira.) 

Catão 

Morre, meu Porcio, 
Que vives para 1 a glória ! Oh caro filho, 
Sobe, alma venturosa, â eternidade ! (Indina-se 
sobre o cadáver, e fica algum tempo com a face esoomBda, 



11-1-"»- 



167 



soluçaste bahi e coo» quem se conpáiua. — LeBfd sifen- 
cio.— Levaste-se e pnjw§na:) 
Meus amigos, chorei : não me invergonho (in- 

chugando o rosto) 

De ser homem. — Está pago o tributo 
Á natureza. — Agora Roma. (Dá algunns passos, e in- 
çara outra Ytr cwr <y cadáver) 

Filho ! 
Meu filho, tu não hasde w-la escrava! 
Deram4e abençoada morte os deuses. (Pausa breve) 
Tu choras, Marca— e tu, Manlio — e vós todbs, 
Amigos ? — Eu sou pae, e ja não choro,. 
Animo ! vinde T approxiitrae-vos d'elle ; 
Contemos as. feridSas gloriosas 
D'este cadáver. Nunca tam formoso 
Me pareceste, meu querido Porcto. .. (beju-o» muar 
e muitas veie») 

Bejo esta face pallida, esta fronte 
Impastada de sangue, e estas mãos hirtas. ... 
Ah, que !. . . (fea algum tempo atatçaáo eo» o cadavef T t 
em silencio) 

— Levae-o amigos. 

Marocv-Bruto 

Não; defcende-voe. 
Não hade? ir a jazigo deshonra* 
O corpo do heroe. Aqui & sangue 
Do matador queremos. Pede-o Roma, 
PedimoMo- nós todos, e é devido 



168 



A seus manes. Soldados, companheiros, 
Dizei-o : soffrereis taramanha injúria ? 

Povo e soldados 
Morra, morra o traidor. 

Catão (côa severidade aoi saldadas e porá] 

Basta. (Depois de longa pau- 
sa, Yolta-se para Sempronio) 

Sempronio, 
Eu já fui pae — e sou Romano ainda. 
Ves aquelle cadáver?— é meu filho: 
Tu m'o roubaste. . . — Com algoz perfídia 
Machinaste o exicio da republica ; 
E co'as mãos parricidas— impio ! — foste 
Á garganta da pátria moribunda 
Para afogar-lhe o derradeiro alento. 
— Todos quantos ahi ves pedem tua morte; 
Pedem teu sangue as leis e a natureza. 
Mas eu posso perdoar. . . Roma não deve. 
Malvado, treme : a espada da justiça 
Sobre tua cabeça está pendente. (Volia-se para os 
soldados) 

Dos crimes ao maior, pena a mais crua, 
Nós a devemos, filhos de Quirino : 
Morra. . . Sim, morra para sempre o pérfido: 
Tirae-lhe esses grilhões, abri-lhe as portas. 
Péza-lhe a liberdade ? aos ferros corra : 
Para Roma expirou, — com César viva. 



169 

Manlio 

Oh virtude ! 

Juba 

Oh sentença de Romano ! 

Sempronio 

Triuraphaste de mim : essa grandeza 

Inda é maior. . . maior do que o meu ódio ! (Sol- 

taun'o os liclores, d o põem (ora das portas.] 

SGENA VI 

CATÃO, MARCO-BRUTO, MANLIO, soldados, etc. 

I 

Manlio 

Mas duvido que possas impedir-lhe 
Que o furor dos soldados. . . 

Catão 

Um Romano 
Em sangue tal não inxovalha a espada. 
Lictores, de Sempronio o vil castigo 
Annunciae ás cohortes; e intimae-lhe 
Que é não ser cidadão, frustrar-lhe a pena. 

Maroo-Bruto 

Oh meu pae ! a teus pés deixa prostrar-me ; 
Deixa adorar em ti. . . 



170 



Ergue-te, filho; 
Eu fiz o meu dever : nw te accostumes 
A admirar com espanto uma acção boa. 
Faze hábito da honra e da virtude, 
E so te admirarás de ver um crime. (Sahem todos 
accompankaséo tf eadawr do Porei*) 



ACTO QUINTO 



Galeria aberta, com columnas. Os intervallos do perístylio 
são tomadas* oom; eortinas corrediças.— Yè-se perto o mareai- 
gumas naus romanas.— De outro lado, parte das muralhas da. 
cidade.— Vem amanhecendo. 



SCENA I 

GATÃO, LIBERTOS 

Os libertos estio em distada, no fajuto da soena. Catão apparoce sentada 
e lendo. Sobre o ábaco, em qne descansa o Iirro, alguns rolos de pergaminho 
e uma espmh> mm. Depoií de ler algum tampo, fecha o Iirro; péjra na esptd*, 
examina-lhe o gonwe a ponta, e tom* a poisaria sola o ataco. 

Ca&ao (reptrand* nos» libertos) 

Ainda não é tempo. — Oà !. . . Ide a Maiilio y 
E charaae-m'© aqui logo. — Ide vós todos. 



172 

SCENA II 

GATÃO, só, torna a pegar no lirro 

Consolaste-me, Sócrates: não morre 
Com este corpo o espirito que o anima. 
Ja me não prendem dúvidas; fujamos 
Do vil cárcere : a morte so é termo 
Da vida,— da existência não. . . No intimo 
D'alma o pôz Deus o sentimento vivo 
Da eternidade. Este viver continuo 
D'esp'ranpas, este anciar pelo futuro, 
Este horror da anniquilação, e o vago 
Desejo de outra vida mais ditosa, 
O que são? — Indistinctas, mas seguras 
Reminiscências da perdida pátria. 
E saudades de voltar a ella. (Leianta-se) 
Ver-te-hei, mansão dos justos!. . . — sepulchro 
Não é jazigo é estrada. — Convenceste 
A minha alma, Platão: heide incostar-me 
Tranquillo e repousado no atahude, 
Como viajante reclinado à poppa 
Da galé que em bonança vai cingrando 
Com brandos ventos para o porto amigo. (8cn- 
U-se, lê breve espaço, e torna a levantar-se) 

Inda me resta que fazer na terra; 
Deveres sacratíssimos, restrictas 
Obrigações. — Fiel e honrado é Manlio; 
Vou confiar-lhe tudo. . . Oh, ei-lo chega. 



173 

SCENA III 

GATÃO, MANLIO 
Catão 

Manlio, ouve-me attento. A tua dextra 
Em pinhor do segredo. 

Manlio 
Ei-la. 

Catão 

Romanas 
São ainda estas mãos: não, meu amigo? 

Manlio 
E duvida-o Catão? 

Catão 
Não, não duvida. 

Manlio 
Pois bem, falia, eu te escuto. 

Catão (deptií de brere pausa, cbegando-ie para aopé da galeria) 

Que formoso 
Vem arraiando o alvor ténue do dia ! 
Ves, Manlio ? — Como é bello este universo ! 



ra 



Quanto mais belia não será a etherea 
Região que de tam longe reverbera 
Toda essa formosura ! — Observa, amigo, 
Aquella estrellapàlHda: é a ultima 
Que ficou no luctar da luz co'as trevas 
Do incerto crepusc'lo. Gbega-lhe a hora 
Emfim, — morre... Mas ámanhaa troada 
À verás de luz nova e mais brilhante 
No firmamento azul. Não heide eu ve-la. . . 
D'este lado da campa, aomenos. . . 

Manlio 

Gomo ! 
Não te percebo. Quê ! — tu. . . 

Catão 

Descansado 
Serei ja a essa hora no jazigo. 

M«nHo 

Tu! 

Catão 

Sim. 

Manlio 

Pois quê ! perdeste ja de todo 
Aquellas esperanças? 

Catão 

Mo ; nem perco. 



TC5 



Ves esta espada? N'ella so as linha: 
Não me serviu a libéria* a pátria, 
Serve para morrer. 

Ma nl i o 

Tu! 

Gatão 

Sim, amigo, 

Eu. 

Hanlio 

Nem assim ! ai! nem assim. . . É inútil. 
Foi tempo — ja lá vai — em que o cadáver 
D'um cidadão romano, goltejando 
Sangue no foro, incendiava as turbas, 
E era como um vexillo formidável 
D'emtôrno ao qual suas férvidas phalanges 
A pública-vindieta arrebanhava. 
Mas hoje !.• . o callo da cerviz passou-lhes 
Ao corapão : nem ha. . . 

Oatao 

Sobre esses males 
So me resta gemer : assas contra elles 
Luctei debalde. 

Manlio 

Então. . . 

Gat&o 

Goa minha morte 



176 



So este coração, so a minha alma 
Quero salvar do crime. 

Manlio 

crime é d'elle, 
Do tyranno, e não nosso. . . ou é da sorte. 
Se Deus Óptimo Máximo o permitte, 
O homem fraco... 

Catão 

Não faças tam pequeno 
Nem tanto abatas o homem. Pouco vale 
Se escravo das paixões, fraco se deixa 
Ir ao sabor das ondas do destino. 
Mas o homem que é digno de ser homem, 
varão forte, que o revez inçara 
D'avessos fados, que lhe appara os golpes 
No adamantino escudo da virtude, 
Que, arca por arca, lucta c'o infortúnio 
E consegue atterrá-lo — oh, esse é grande, 
Esse não teme, desafia a sorte. 
Por certo não é crime ser escravo, 
So desventura grande ; mas, podendo 
Espedaçar os ferros vergonhosos, . 
Não o fazer é vil baixeza torpe, 
É covardia, — e a covardia é crime. 
A natureza, que nos deu a vida. . . 
A natureza — Deus Óptimo Máximo, 
Deu-nos co'a vida essenciaes direitos, 
Inalienáveis, que são parte (Telia ; 



177 



Deveres nos impôz strictos, sagrados, 
Condições da mercê. Quem perde aquelles, 
Posterga essoutros, e so preza e guarda 
O dom da vida — offende a natureza 
E ottraja o Creador. 

Manlio 

E pôde o homem, 
Com sua falha razão, acertar justo 
N'esse termo?.. . E se errar ?- — Porque não hade 
mesmo Sòprò Eterno que dá vida, 
Distribuir a morte ? 

Gatão 

E eu morro, amigo, 
Quando a minha alma eterna assim liberto 
Dos vínculos do corpo ? Se esta essência 
Que da vida ás funcções em nós preside, 
Porção da Divindade, é pura essência 
De espirito immortal, não obro crime, 
Não renuncio á dadiva celeste 
Se a livro de baldões, e denodado 
De oppróbrio indigno a salvo. E se, ao contrario, 
Combinação fortuita do acaso 
Me formou a matéria ; se a minha alma 
Morredoura e mortal como o meu corpo. . . 

Manlio 

Ainda então. . . — E essa doutrina abjuro. . . 

12 



178 



Catão 

Abjuro-a eu também. Abhorrecido 

Seja dos homens, e de Deus malditto 

impio que a propagar ; — morra, e castiga 

Lhe não quero maior ! — crendo o que insina r 

Hanlio 

Pois bem. Mas ainda então, e se tal fosse 

A triste realidade, outro motivo I 

Deveria prender-te. 

Gatão 

Qual? 

Manlio 

A pátria. 
Catão 
A pátria. . . pátria — e agora ! 

Manlio 

Sim. — Perdoa 
O sincero fallar, amigo, a um velho : 
Quanto es, bem sei, por ella te has votado ; 
Gatão so com sua espada e com seu nome 
Defendeu a republica, e de Roma 
Protegeu a orphandade, quando todos, 
Vil ! — a desampararam os seus filhos ! j 

Mas agora no extremo, n'este afilicto, 
Appertado momento da agonia, 
Na hora do passamento é que a abandonas ?. • * 



179 

SCENA IV 

CATÃO, MANLIO, JUBA- 
Juba 

Catão, ao porto, ao porto! O vento serve, 
Estão prestes as naus. Bruto me manda 
Dizer-te que não tardes. As cohortes 
De César assaltaram de repente, 
E por todos os lados nos investem. 
As muralhas esbroam-se a pedaços 
Sob os golpes do aríete incessante : 
Raros sobre ellas, a um e um, se contam 
Da liberdade os tristes defensores : 
Mas com elles é Bruto ; disputadas 
Hãode ser as ruinas palmo a palmo, 
No emtanto, ao porto ! Bruto assim t'o roga : 
Nos muros basta elle : — e defender-nos 
Muito tempo, é impossível. 

Qatao 

Bem : a hora 

Chega emfim. — E os velhos senadores, 

E o povo? 

Juba 

Esse tropel de gente inerme 
Andam como alienados pelas ruas 
Bradando, lamentando ; — outros furiosos 



180 



Sobem aos muros de impeto e se arrojam, 
A perecer, nas lanças inimigas. 
Recresce a confusão com o alarido 
Das mulheres que vão de templo a templo 
Huivando espavoridas, desgrenhadas. 
Velhos, crianças — miseranda vista ! 
As seguem com tristíssimos gemidos : 
E c'os nomes dos deuses, de mistura, 
teu invocam : por ti choram, clamam, 
E ullulando 'Catão' desatinados 
Vagam áquem, além. — Escuta: ahi correm 
Para este lado. Ouve-los? — Receio 
Que se atrevam talvez. . . Ha sediciosos 
Entre elles : e é prudente. . . (Tira a espada e ekrça- 
se para as colnmnas: Ihnlio faz o mesmo) 

Catão 

Juba, Manlio, 
Que pretendeis ? Deixae para o tyranno 
O acutillar o povo : o officio é d'elle 
Que lhe tem medo, eu não. 

SCENA Y 

CATÃO, MANLIO, JUBA, povo 
Povo (de fira) 

Gatão, acode, 
Gatão, acode ao povo ! 



181 



Gatão (corre as cortinas do peristjlio ; e apparece a praia 
coberta de povo, e qual Tem subindo a escadaria qnaii até o bítcJ da sceoa ; 

Catão dirige-se a el!es) 

Meus amigos, 
Que quereis ? Aqui estou. Quereis meu sangue ? 
Tomae-o. 

POTO 

Não, não, não ! 

Um do povo 

Pereça o ingrato 
Que de seu sangue té á ultima gotta 
Por ti não der ! 

Povo 

Perepa ! 

Catão 

Povo de lítica, 
Romanos — que vós sois Romanos ainda, 
Que pretendeis ? As legiões de César 
Estão ja sobre nós. Esse alvoroto, 
Esse ajcclamar o nome d'um proscripio 
Moverá sua cholera tremenda 
Contra vós. Ide em paz, amigos, ide. 
Meu coração trasborda agradecido 
Co esse applauso sincero e não suspeito. . . 
Mas, Uticenses — não deis pasto às iras 
De César : sua causa vencedora 
Achou graça ante os numes. Ide, oh, ide; 



182 



E guardae (Teste impeto primeiro 
Os filhos, as esposas. Não façamos 
Mais victimas. Escape ao sacrifício 
Algum siquer de quantos se atreveram 
A ser amigos de Catão. . . (gemidos e choro geral en- 
tre o povo) 

Um do povo 

Quem hade 
Desemparar o bemfeitor, o amigo, 
pae do povo, o protector constante, 
A nossa última esp' rança? 

Povo 

Ninguém. — Morra 
Quem o desemparar. 

Catão 

Basta, meus filhos. . . (para lanlio) 
Eu não posso deixar de internecer-me 
Com tanta devoção, Manlio, — e n'ésta hora ! (para o 

povo) 
Basta, que me rasgais os seios d'alma. 
Não as ouvis cahir, essas muralhas 
De vossa forte pátria ? Raza em terra 
Cos areaes será lítica em breve... . 
Olhae ! não vedes como vêem com ellas 
Alanceados, partidos a pedaços, 
A suverter-se no montão das ruinas 
Os poucos, derradeiros defensores 



183 



Que nos restavam ? Oh, tende piedade 
De vós, de vós ! 

Um velho 

A nossa vida é nada : 
Somos velhos inúteis. 

Uma mulher 

E mulheres, 
Que não podemos defender a pátria, 
A liberdade. 

Um velho 

Mas queremos todos 
Morrer por seu magnânimo caudilho. 

Povo 

Queremos! — por Catão! — morrer! 

Catão 

Oh César, 
Assim não triumphaste nunca!— Amigos, 
É forposo; curvêmo^nos ao fado. 
Fizemos quanto humano esforço dava; 
Mais não podemos, que é tentar os deuses. 
Concidadãos, não tenho mais que dar-vos: 
Conselhos só; — ouvi-os, attendei-os. 
Pae me chamastes? — Escutae a extrema 
Vontade, o último rogo e mandamento 
De um pae. . . e promettei-m'o aqui n'estahora 
Solemne, — n'este instante derradeiro 



184 



Da despedida — promettei cumpri-la : 
Jurae-m'o, filhos! 

Povo 
Sim, juramos. 

Gatão . 

Ide; 
Obedecei á voz agonizante 
De Roma que vos falia por meus lábios. 
Salvae-vos I Ahi estão naus apparelhadas 
Para quantos não ousam confiar-se 
Na clemência de César. . . A clemência 
De César! — A seus lares socegados 
Voltem os outros. Ide, foge o tempo: 
Adeus! 

Um do povo 

Vem tu comnosco, e iremos todos 
Contentes inda além das portas d'Hercules. 

Povo 
Vem, vem comnosco, pae ! 

Um do povo 

Sos onde iremos? 
Sos, sem Catão, não vamos. 

Povo 

Não ! não vamos. 
(Grande ronor eitre a povo) 



185 



Gatão» a grandes brades 

Perjuros! renuncio ao vosso aífecto. 

Desobedientes, vosso amor fingido 

Lanço de mim; e impreco os sanctos deuses 

Que sobre vós. . . 

Povo 

Catão, não nos maldigas : 
Obedecemos ja. (Começa a dispersar-se o pw) 

Catão 

Filhos de Roma, 
Não meus, — filhos de Roma, e dignos d'ella, 
Proteja-vos o Deus que a desempara 
Por nossos crimes — e a vós vos salve^ 
Que innocentes sois d'elles. (Vai-se retirando o p <wo, 
parte para as naus, parte para o iateriar da (idade) 

SCENA VI 

CATÃO, MÀNLK), JtM 
Catão 

Vai, meu príncipe 
Com a tua presença — que eu não posso, 
Commoveu-me demais este spectaculo ! 
Pôr ordem n'esse embarque. Reservada 
Das triremes fique uma : é para Manlio, 
Para ti, — para aqueffes que poderem 
Escapar. 



186 

Juba 

Mas. • • 

Gatão 

Qué? 
Juba 

Oiço a cada instante 
Redobrar o conflicto. . . E eu Jonge d'eUe ! 
Que dirá de mimNumida e Romano? 
— D'aqui... oh, d'aqui vejo Marco-Bruto 
So, impávido, e firme como o Atlante, 
Em pé sobre um accervo de ruinas, 
De pedras — cimentadas com cadáveres 
E sangue ! — d'aqui lhe oiço a voz ingente 
A Romanos e a Numidas bradando, 
Dando ordens; e co'a intrépida firmeza 
D'aquella alma, so menor que a tua, 
Sustentando, contendo o marte adverso. . . 
— E a mim de tanto p'rigo e tanta glória 
Não me hade caber nada ! 

Catão 

Nobre Juba, 
louro dos heroes custa mais sangue 
E lagrymas, do que águas leva o Tibre, 
A cujas ribas cresce a fatal rama. 
É mais bella, mais pura e digna do homem 
A do carvalho cívico. Vai, Juba : 
Salva esses cidadãos. Eu também tenho 



187 



Amor á minha glória, e aqui estou. — Quanto 
Pôde inda Bruto sustentar-se ? 

Jabá 

Uma hora 
Breve, escassa. . . (Olha da galeria) 

Nem tanto porventura ! 
Oh, Catão, approveita-a, que... 

Gatão 

Não tarda 
A minha hora. . . mas não veio ainda. 
— Vai onde te pedi, vai : não descanço 
Emquanto estas galés não desafferram. 

SOENA VII 

CATÃO, MAKLIO 
Gatão 

Manlio, em que pensas tam profundo ? 

Manlio 

Penso 
Na desgrapa de Roma,— que, de todos 
Abandonada, nem Catão lhe acode. 

Gatão 

Outra vez t'o repitto : meu amigo, 
Eu — que posso eu j'agora? 



188 
Manlio 

Podes muito. 
Teu nome e auctoridade é respeitado 
Do dictador. Podes tentar aomenos 
Um derradeiro esforço a pró de Roma : 
Talvez ainda stipular com Gesar. . . 

Gatão 

Com Gesar stipular ! Entrar em pactos 
Com o forte não pôde o fraco : estala, 
Antes de dado, o laço da alliança, 
Da convenção, do nome que mais queiras 
A taes convénios dar. — Amigo, é baldo, 
É louco esperar nada mais de Roma. 
Eu resisti por honra, por estricto 
Cívico pundonor, — não que esperasse 
Fructo da resistência : fructo, digo, 
Para o colhermos nós ; que a resistência 
Do povo a seus tyrannos e oppressores, 
Nunca é van, não se perde. Mallograda 
A vemos hoje : e o coração fallece 
A quem ve tanto sangue derramado, 
Tanto infeliz, tanta miséria — e tudo 
Em vão. . . — Mas não foi vão! — Virá um dia. . . 
Quando, não sei ; a Sempiterna Essência 
Em tábuas de diamante o tem marcado : 
Virá um dia. . . — Mas é longe ainda 
Esse dia de nós. — Ai! quantas vezes 
temos ditto ambos ! Inda agora 



189 



M'o repettiste, Manlio : Roma é serva 
No coração, tem alma escrava ha muito, 
Precisa de tyranno. Catilina, 
Sylla, Mário cahiram de pouca arte, 
De pouco expertos no mester difflcil 
De dourar os grilhões : foram lançar-ll^os 
Rudos, negros ao collo inda lembrado 
De antigas ufanias. Júlio é outro : 
Sobeja-lhe arte para ser tyranno 
De sua pátria decrépita. — Não mata, 
Algoz que é so cruel, a liberdade : 
sangue não a affoga ; reverdece 
No martyrio. — Senhor, como esse, fora 
Uma benção do ceu sobre a republica 
Emquanto ella tem forças para a cura, 
Que, ja'gora, so pôde dar-lhe o ferro 
D'um tyranno — que rasga, dilacera, 
Estimula, espedaça, — mas, ás vezes, 
Como a espada de Achilles fabulada, 
Sara o que fere. — Porém César I. . . Gesar 
É tyranno mais dobre, mais astuto. 
Esse é traidor algoz : não mata a ferro, 
E so vai propinando lentamente 
Venenos incubertos, disfarçados, 
Que, sem travar nos lábios levam morte 
Ao coração, — e o derradeiro affogam 
Desejo, idea, imagem da proscripta 
Liberdade . . . (silencio lentp) 

Oh! — Já vão sahindo o porto, 



190 



Jâ largaram as naus. Respiro: um peso 
Férreo se me tirou de sobre o peito. 
Estão salvos, e eu livre ! — Meu amigo, 
Tu vais com elles. 

Manlio 
Eu! 

Gatão 

Sim tu, meu Manlio, 
E Juba vai comtigo. — E Marco-Bruto 
Irá também : vou-lhe mandar que cesse 
combate, e que as portas abra a Gesar. 

Manlio 

Bruto não cede assim, nem te abandona. 
E heide fazê-lo eu? 

Gatão 

Sim, hasde. — Marco 
Hade também obedecer-me. Ardente, 
Arrebatado é o joven, mas sincero, 
Probo, leal. — Perdoa-lhe, eu te rogo, 
Perdoa-lbe, ama-o pelo amor antigo 
De Catão, que t'o pede. — Bruto e Juba, 
Ambos são filhos que adoptou minha alma; 
E ora t'os lego, amigo. —Vai com elles 
E esses poucos fieis que inda restarem, 
Buscar asylo, ou seja na Numida, 



191 



Ou alem nas indómitas Hispanhas, 
Ou onde quer que amigos vos acoitem 
Daè proscrippões de Gesar. 

Manlio 

E tu próprio 
Porque não vens comnosco ? Ó meu amigo, 
O povo com justipa t'o pedia : 
Vamos co'estas reliquias d'outra Cannas, 
Vamos a demandar novo Cannusio, 
Donde talvez, comtigo, inda possamos 
Volver a conquistar o Capitólio 
E resgatar a pátria. — Das Hispanhas, 
Inda não-subjugadas, nos convida 
O filho de Pompeu, que entre esses povos 
Fortes legiões instrue, e co'ellas jura 
Vingar o pae. . . Surris? — Talvez de incrédulo. 
Mais iilustres proscriptos (não é elle 
O primeiro) ahi acharam gazalhado, 
Defensores e pátria ... — e pátria, amigo, 
Menos ingrata do que a nossa Roma. 
E porque não iremos nós entre elles 
Procurar as fortunas de Sertório 
Lá no extremo Occidente, n'esses montes 
Ferozes de sua ingénua liberdade? 
Depararemos porventura ainda 
Com algum Viriato que esquecido 
Não tenha o amor da independência antiga. 
Deante d'esses feros Lusitanos, 



192 



D'esse nobre, indomado povo duro, 
Jâ muita vez tremeram de assustadas 
Águias romanas, e. . . — Tu ris! 

Catão 

Sim, rio, 
Manlio, e de ouvir-te. O cego enthusiasmo 
De Bruto não se inflamma, não centelha 
Com mais viva eloquência, nem lhe rompe 
Com tanta convicção do intimo peito. 
Que seductora é a amizade, Manlio ! 
Tu, cuja razão clara e exp'rimentada 
Ri das vans esperanças de mancebos, 
Fez-te mais cego que elles a cegueira 
Do amor que me tens. Não me quizeste 
Inganar, bem o sei, não : o inganado 
Foi o teu coração. — Meu caro Manlio, 
De illusões basta ja: eu nada espero 
(Nem o esperas tu ; bem o conheço) 
Do mancebo Pompeu ou de suas armas. 
Esses bárbaros sim — mas será tarde — 
Os bárbaros, que tanto desprezámos, 
De quem nós, de quem Gregos, nossos mestres, 
Mofaram tanto — esses hãode ainda 
Os altares erguer da liberdade, 
Que nós, impios, sacrílegos prostrámos. 
Elles accenderão seu fogo sancto 
Para allumiar, purificar a terra. 
Diz-nro no peito um Deus: n'essa esperança 



193 



Morro : — essa esperança me consola 

No desemparo de morrer sem pátria. . . (fica algum 

tempo en sileieie e adiUbmio; — lefartue e presepe :) 
Oh ! minha morte não será inútil ! 
Um dia inda virá que este meu sangue, 
Hoje aqui derramado em sacrifício 
Á liberdade sancta — reverdeça 
Dante os olhos da oppressa humanidade, 
E alce clamor com que tyrannos tremam, 
E acordem povos. • . (depois de leiga pana, vea a laiilio, 

e apperlawlo-lbe Mio.) 

Manlio, meu amigo, 
Baste este adeus. Não mais: sejamos homens : 
Adeus I — Parte, que é tarde. — Adeus I 

Manlio 

E é força, 
É força . . . que este seja o derradeiro ! (Abraçam-sc; 
laolio retira-se lentaawate.) 

Obedeço-te. 

Catâo 

Vai I — Oh, ver-nos-hemos 
N'outra pátria mais bella e mais ditosa. . . 

SCENA VIII 

CATÃO * 

Quebrou mais este laço. Foi violento 

13 






O golpe... fi ha ioda «de fira wa golpe 
N* çorac» qnf todo-é etagfc vwfiu - * 
Aate&c&Uitfa itifcera kuttawirel ?! 
Oh, van phifcBopiííat (Ramkiffc) 

É marta Romai 
É morta Roa».,. . e eu sou ykwr atoéai 
Começa a invergoshaiMiie ósta.feaqtit&a. 
Morrer í «—• lha m receia acaso, a morte ! 
Não poroarto; uáo wjob& ounha ata& 
Na»- a hou* saudade da existência» 
Sinto no peito o coração traaquilto; 
Pelas: wiaa a sangue vai pausado. . . 

SCENA IX 

* 

CATÃO, MÀRC0-BRUT0, JOBA 
Maroo-Brnto 

Meu pae, estamos sos âlfim. . . Não resta 
Mais um Romano em Utica. Os escravos 
Do tyranoo inmmdaram a cidade. 
Apenas esta casa se defende 
Com um resto de Numidas. 

Cqtão 

E o passo 
Que occulto leva ao porto e ás naus — seguro 
E livre é ioda? 



195 



Jutoa 

Sim, e gwtmeciote 
Com cem frecheiros meus : o passo ó estreito. 
Fácil de defender; nem o descobrem 
Tam cedo. 

Catão 

Bem está, —Ide, meus filhos; 
Ide, que Maalio so por vós espera 
Para levantar ânebora. Adeus! — Marco 
Respeita o honrado ancião.— Juba. . . estremeces? 
Medo não é. — Tu coras, Marco, e inflas 
Ao mesmo tempo? — Filhos! . . . (Dcilam-se ambos aos pés 
de Catão e o abrarao.) 

Jab« 

Tremo, e é medo 
De te deixar, meu pae i 

Maroo-Bruto 

P&e, oio te deixo. 
Não eu ! Mtlítizc embora o filho. 

Gatão 

Filho ! 
Es cruel com teu pae. 

Maroo-Bruto 

ímpio me chama: 
Não parto. — Fugir eu, salvar a vida 
*E abandonar Gatão ! Tal se não hade 



196 



Dizer de Marco-Bruto. Se forçosa, 
Se a Roma necessária é esta fuga, 
Dà-nos o exemplo tu: vem. 

Oatão 

Mui difTrentes 
São os nossos deveres : Bruto deve 
Para a pátria viver; mancebo é inda, 
Talvez um dia. . • poderá servi-la: 
Gatão velho, cançado, e a Roma inútil. . . 
So lhe resta morrer. 

Juba 
Morrer ! 

Oatão 

Sim. 

Xaroo-Brnto (hTutufc-M) 

Morre; 

Mas eu não vivo. 

Oatão 

Vives, que eu t'o ordeno, 
Que o manda Roma. 

Xaroo-Brnto 

Roma ! — Que o decretem 
Os soberanos deuses. Bruto deve, 
Onde expirar Gatão, morrer com elle. 



197 



Oatao 

Meu filho ! Ha poucas horas inda eu tinha 
Outro filho. . . Levourm'0 a pátria. Embora! 
Gahiu n'ésta hecatombe derradeira. . . 
Fiquei eu so das victimas marcadas ! 
— Mas tu, tu es também meu filho. . . filho* 
Da minha escolha, mais querido ainda, 
Que orpham te pôz o crime em meu regaço. 

Maroo-Bruto 

E eu heide abandonar-te nas mãos d'elle L 

Juba 

Abandoná-lo 1 Aqui morremos ambos 
Comtigo: e mais gloriosa morte 

Oatão 

Juba, 
Tuas obrigações são mais restrictas 
Que. as d'elle ainda. Onde o poder supremo 
Se tolera n'um so, — todo lhe incumbe, 
É responsável pelo incargo inteiro 
Da republica. Deves-te a ella, príncipe; 
Não es teu ja. 

Haroo-Brnto 

Meu pae, os teus preceitos 
Foram, como os decretos soberanos 
Dos deuses, para mim sempre. Mas hoje, 
Não te obedeço. Eu daqui não saio. 



m 



Juba 

Nem ea. (Meirio conideniel: Calão mefta algin tempo. 

Catão 

Ficae embora : mas jurae-roe 
Que salvareis a vida. 

Juba 
Juro. 

Marco-Bruto 

Juro 
. Se... — Jurarei — se... Ah! Mas tu... 

Catão (tontidt-t peta nà«) 

Meu filho, 

"Marco-Bruto, meu fllho. . . Oh, que este nome 

É de todos os nomes o mais doce ! , 

Pela vez derradeira um pae te falia, 

E tu não hasde ouvir as vozes d'elle ! 

Minha extrema vontade, hade o meu filho 

Desprezar de seu pae ! O último rogo 

Ja feito sobre a margem do sepulchro, 

Hasde esquecé-lo tu ? Gatão supplíca, 

Pede Catão, e Bruto não o attende! 

Meu filho, vem, recebe no leu peito 

longo, o saudoso adeus da campa, 

Que so vai terminar na eternidade . . . (aknpaio-sc) 

— Este abraço de morte toda é romano, 

Estas mãos que te appertam não tem ferros ! 



199 



Meu filho, adeus I Sê virtuoso sempre. 

Não podes ser Romano, — mas sé homem. 

Roma acabou-se, — resta-te a virtude. 

Ja não tens pátria, — mas tens honra ainda. 

Vai — apenas o estado mais tranquilo 

Das coisas o permitta, repousaar-te 

Nas avitas Sabinas : deixa o mundo 

A César, e tu vive socegado 

Cultivando o teu campo. Glorioso 

É aquelle terrão que tantas vezes 

O gran'Censor co'as próprias mãos lavrava. 

Dou-t'o em dote da filha a quem mais quero, 

A minha Porcia: pela antiga usança 

Da boa e velha Roma foi criada : 

Ama-a, que o vale. Eu ta colloco e ktfrego 

Digna esposa de Bruto. — £ adeus, meus filhos, 

(abraçam-se todos três) 

Recordae-vos de um pae que vos amava, 
Para chorá-lo, não, que morreu livre ; 
Mas para vos lembrar de seus conselhos, 
Para segui-los sempre. Adeus I (vai a lomar a es- 
pada de sobre o ifctas t afta a adia) 

Traidores! 
Que fizestes! Quereis ir intregar-me 
Escravo, servo cem as mãoe atadas, 
Aos atgoees de Gesar, ou á infâmia 
Peior, maior, de seu perdão í Ingrato», 
Vós meus filhos não sois: eu vos abjuro, 
Vos renego. 



200 



SCENA X 

GATÃO, MARCO-BRUTO, JUBA, MANLIO ' 
Manlio (trazerit a espada inbrslkiéa ia ta§ a] 

Fui eu, fui eu: perdoa-me; 
Não pude resistir. . . Cuidei. . . — Occulto (Ap- 

poiUiido para uma porta interior) 

Vigiava d'alli. . . Mas ja é tarde. 

Meu amigo, estão ja n'esse átrio. . . Foge, 

Foge, ou. • . 

Oat&o 

Fugir eu ! Dà-me essa espada, [lanlio 

recua: Catão alça a voz tremendamente) 
Dà-m'a ! (lanlio entrega a espada) 

Oh Roma, oh Roma ! Oh minha pátria, 

(Fere-ie) 

Ja não ha mais que ávida — ei-la: recebe-a: 
Vamos, aomenos, junctos ao sepulchro. . . (Cai: 

— toarao nos braços) 

Xaroo-Bruto 

Meu pae ! 

Juba 

\ Venceste, César, o universo : 

Não venceste Gatão. Dae-lhe esta glória, 

Iníquos deuses ! 

Manlio 

Expiraste, ó Roma ! 



201 



Catão 

Amigos, estes ultimo» instantes, 

Não m'os façais amargos. Por piedade. . . 

Essa dor— a meus olhos — occultae-a. . . 

Não me deis — morte... morte de... covarde.. 

(Besfallece) 

Marco-Bruto 

Oh meu pae ! (Procuram eslancar-lhe o sangue] 

Manlio 

Meu amigo ! Que velhice, 
Que extremos dias me guardava o fado ! (Oove- 
se alarido de soldados que se approximam: tiram as espa- 
das) 

Juba . 

Morramos defendendo este cadáver. 

Catão (tentifc a «) 

ímpios ! — o juramento. . . 

SCENA XI 

CATÃO, MARCO-BRUTO, MANLIO, DECIO »* 
IcgÍMams de Cwir 

Dedo 

Paz ! clemência 1 
Paz em nome de César ! Honra e glória 
Ao seu nobre inimigo, ao homem grande 



902 



Que o dictador magnamtno respeita, 

Ama, e. . . (dá um fs«ttaem&ii») — Oh! que vejo 1 tu. . • 

OatEo (eifarçnto-wfiii faltar) 

Ja— na. . .da 
Tenho. . . que. . . receiar. . . de. . . suas. . . Iras. . . 
Nem. . . de. . . seus benefícios. • . — Mas, amigos, 
Vós trahis-me ! Porque. . . vedar-me o sangue ? 
Deixae-me — eu sei morrer. (Mel te as mãos ambas u 
ferida e, rasgando-a com ultimo esforço, eiclama:) 

Oh... Roma! (Expira) 

Manlio 

É morto 
Com a pátria nos lábios. — Ai, que pátria 
Lhe fadaram os céus ! (silencio longo) 

Marco-Bruto (jiraJ)eeio) 

Contempla indigno, 
Contempla a tua obra. Lê, perverso, 
No horror d'aquella /chaga os teus delictos. 
Colhe, escravo, esses íouros sanguinosos, 
Leva-os a teu seahor: da-lhe, que o beba, 
Na taça da ambição aquelle sangue. . . 
Cum parricidio mais orna-lhe a glória. 
Que mais quer, que lhe falta ? Esse malvado 
Porque não vem gosar do seu triumpho ? 
Venha, venha revcr-se ao seu crime ; 
Venha, venha folga* sobre o sepukhro 



203 



De Gatão e de Roma.. . (taer mtie saague ? 
Resta-lhe o meu. • . — Pois venha derramá-lo : 
T<xae-o, dott*lh'o:— resgate-me da infâmia 
De o trazer n'estas veias. .. — mate a sede 
Do coração atroz. . . 

Lembra-íe, 6 Marco, 
Da carta. . . 

Haroo-Bruto 

Que vieste recordar-me ! (Pausa) 
Sabes o que disseste ? — Mal conheces 
Que sentença de morte proferiste. 
Eu, elle não. .. — Porquê? parricida 
É elle, não sou eu. Se é d'elle o sangue, 
Para que m'o legou com tantos crimes ? 
— Abominado sangue !. . . (Depois de breve pausa, vai direito 
a Decio, trava-lhe da mão, e apponlando para o cadáver) 

Ves aquelle ? 
Aquelle sangue é que é o meu, escravo. 
Sorvi-o, gotta a gotta, co'estes lábios ; 
E entrou no coração, todo ; aqui todo 
M'o deixou a vingança inthesourado. (Ajoelhando 

deante do cada ter, arranca-lhe o punhal, e levanta-se) 
Este ferro, este ferro precioso 
É legado d'um pae. . .— Pae. . . oh! que nome ! 
Onde ha maldicção como esta minha ? 
Sou filho d'elle, sou : — e heide mostrar-me 
Digno do pae no parricidio. . . — Oh ! tremes, 



204 



Covarde coração ! Que horror 1 Eu filho 
D'elle. . . d'elle ! — Não sou : é falso: mente. 
Sou filho so de Roma. — Pae ja tive... (AppeDtanda 

para • cadaier) 
Quem m'o roubou?— mesmo parricida 
Que matou Roma. E heide eu ter remorsos ? 
Remorsos!. .. — Insinou-me a desprezá-los 
Esse a quem devo. . . — Devo so vingança. 

Pronuncia as três últimas palavras con grande brado, e ak- 
vanlando a espada para * cen. — Cai o panno. 



NOTAS 



NOTAS 



AO ACTO PRIMEIRO 



HOTA A 

Fracos sobejos da fatal derrote 

Do «feHfc Pompeu. . . Sc. L, pag, «7» 

0» defensores de Utica eram prmeipabneBtos es oear 
tos do exército de £ara Pompeu qne nas planícies de 
Pharsalia fora completamente derrotado por César, k 
este Pompeu chamaram o grande por seus grande» fe> 
tos: era de nobre família equestre; seus pães Pompeu 
Strabo e Lucília. Seguiu, nas facciosas guerras de Sylla 
e Mário, as parles do primeiro; e não tinha mais de 
vinte e seis anuo» quando, jft conhecido por sua elo- 
quência no foro, foi ganhar pasmosa celebridade como 
general, conquistando e tirando do poder de Mário a 
Sicília, è logo, em quarenta dias, a África toda. A vi- 
ctoria era por conta de Sylla; mas Sylla tremeu de seu 
próprio auxiliar, e o mandou voltar a Roma. Veio elle,. 
mas, não contente do titulo de Grande com que foi 
saudado por seu patrono, quiz, exigiu e obteve porftm 
as honras do triumpho que a nenhum simples cavai- 



208 



leiro romano até então se tinham dado. Ja não era o 
cliente mas o rival de Sylla; por sua própria conta 
logo, foi combater, e venceu o resto da facção de Má- 
rio commandada por Lépido; obteve novo triumpho, 
e foi nomeado cônsul. No seu consulado restabeleceu 
a dignidade do poder tribunicio, e em quarenta dias 
veio a cabo dos pirataâ tio Meditterraneo que perse- 
guiu até suas extremas guaridas da Cilicia. partido 
popular, que serviu sempre, com ser de hábitos e in- 
clinações aristocráticas, lhe fez dar o commando do 
exército d'Àsia na famosa guerra Mithridatíca; venceu 
prompto os dons tremendos inimigos de Roma, Mi- 
thridates e Tigranes, e dispoz do Oriente como de coisa 
sua; deu, tirou coroas, e so de uma vez recebeu a ho- 
menagem de doze reis. Conquistada a Syria, reduzida 
a Judea a provinda romana, voltou á Itália, e quando 
os Romanos tremendo curvavam ja o colio ao novo 
senhor que n'elle esperavam, Pompeu desarma as le- 
giões, e entra em Roma como simples cidadão. Yalen- 
lhe a modéstia um novo triumpho e o amor dos ver- 
dadeiros republicanos, que Ja eram menos e mais 
corruptos, mas ainda poderosos. Entraram no thesouro, 
com os despojos que intregou, 20:000 talentos; e as 
rendas do erário cresceram de 50 a 85 milhões de dra- 
chmas. Mas Pompeu não amava sinceramente a liber- 
dade, senão o poder; e so aflectava humilhar-se e cor- 
tejar o povo, para dominar em seu nome. Logo o 
mostrou, formando com César e Crasso aquelle pri- 
meiro triumvirato que não so foi norma do segundo, 
mas de todas as ligas tyrannicas, que, sob diversos 
nomes e pretextos, teem avexado as nações e o mundo. 
A Crasso tocou a Syria, a Pompeu a Africa e as His- 



pankaa, danar fico* com o «st* e com o governo da 
Gal&u—á Mga «pebuon-se logo com a denota de 
Grasso por uma porte, <-e por outra oom a morte de 
Júlia, filha de César que, dada em casamento a Pom- 
peu, era um dos pinhores da união. Pompeu, fomen- 
tando a anarchia em Roma, queria tornar necessária 
a dictadura que ambicionava. Gesar quiz o consulado, 
e obtivera-o se não tosse a opposioão de Gatão. Recu- 
saram-lh'o, e marchou sobre Roma. Pompeu fugiu, com 
elle os cônsules e parte do senado que lhe deram o 
poder discricionário que desejava: a sua causa era 
popular peia assistência de Galão a quem mettiam mais 
medo as declaradas intenções de Gesar contra a repu- 
hhca, do que os próprios vícios de Pompeu, — que to- 
davia a minavam e destrmaa» do mesmo moda Tudo 
porém cedeu ás disciplinadas legiões de Gesar, que 
perseguiu Pompeu até á Grécia, onde se deu emftm a 
celebrada batalha de Pnarsana; perdida a qual, Pom- 
peu foi obrigaria a figir disfarçado e a ir buscar asylo 
no Egypto juocto a etaei Ptolomeu, que infamemente 
o trahin, mandaadOH> malar apenas desimbarcou. Ge- 
sar, a quem o indigno rei mandou a cabeça do seu 
amigo, fugiu borrarÈmdo dftTista atroa, e derramou 
muitas lagrymas. Foi morto Pompeu no 48 aníio A. G. 
N., com 50 de edade. Gatio, com os 

fracos sobejos da fatal derrota 
De Pompeu, 

foi junctar-se com Scipiào em africa; e, desbaratado 
também este peia» irrestotiveis armaa de Gesar, acco~ 
lheu-se a Utica, n&fituaoão em que o presente drama 
o figura. 

14 



210 



Veja Valer. Max. 2, cap. 10; Phit., vita Pomp. ; 
Vel. Patere. 2 e 29; íHo. Vaer; Gaes., de beU. civ.; 
Eutrop.; Cie. ad Âttic., orat. £8 ele; Flor. 4. 

NOTA 8 

Qu'é d'ella, a liberdade ? 

Quanta nos deram Mário, Sylla ? — Quanta 

Nos daria Pompeu se tríumphante 

Com suas legiões volvesse ao Tibre ! Se. II., pag. 70. 

que seria Pompeu se triumphasse de Gesar, e de 
Pharsalia marchasse vencedor sobre Roma, em vez de 
fugir vencido para Alexandria^ bem se pôde inferir de 
suas inclinações, que o próprio Gatão conhecia muito 
bem, apezar de o patrocinar sempre contra Gesar, por 
princípio de politica, esperando quebrar na opposição 
estas duas ambições rivaes que ameaçavam a liber- 
dade. Na nota anterior se viu o resultado d'essa com- 
binação, que não podia ser outro senão o triumpho de 
um dos dous tyrannos. À antiga constituição de Roma 
estava destruída, ja se não podia restabelecer. Muito 
grande, muito ricca, muito corrupta, era-lhe forçoso 
servir. As facções armadas dispunham sos, ha muito, 
do poder que se dizia havido do povo, em quanto o 
povo passava dá tyrannia de Mário para a de Sylla, da 
d'este para a d'aquelle, sem ousar tomar parte n'uma 
questão que so era sua, porque, vencesse qual vences- 
se, elle povo tinha de pagar o triumpho. Mário era um 
camponez rústico; das fileiras subiu a general, e seis 
vezes foi cônsul. Sylla nobre e pulido, mas pobre, che- 
gou a ser riquíssimo, foi dictador e dominou o mundo. 



211 



.Aquelie á frente da facção popular, este da aristocrá- 
tica, ambos disputaram de tyrannia, de atrocidades e 
de crimes. Qual degoilou mais cabeças, qual derramou 
mais sangue? Não sabe responder a historia, não o- 
poderiam dizer nem os contemporâneos. Mário preza- 
va-se de ignorante, do desprezo em que tinha as let~ 
trás, do ódio que professava a seus cultores. Sylla foi 
splendido patrono das sciencias e das artes. Mas a um 
a ignorância, a outro a instrucção levaram aos mesmos 
crimes e sepultaram nos mesmos vicios. De Mário sa- 
bemos que morreu na imbriaguez; de Sylla, comido 
de piolhos pela corrupção em que sórdidas crápulas 
lhe pozeram o sangue. 

x Nenhum amava a liberdade, nenhum a serviu; mas 
ambos a arvoraram em seus vexillos para capa de pai- 
xões, de ódios, de ambições, de caprichos pessoaes. Ma- 
no, homem do povo, atirava ao povo com as cabeças 
dos senadores e cavalteiros romanos; e o povo tonto 
gritava: Viva a liberdade!— Sylla, nobre e cavalleiro, 
mandava espetar nas pontas das lanças dos seus as 
cabeças dos amigos de Mário; e as classes superiores 
gritavam: Viva a liberdade! — E todos diziam bem em 
seu sentido; porque, em lingua facciosa, liberdade 
quer dizer a dominação do mm partido sobre o con- 
trário. 

Qual foi a consequência ? que os Romanos se can- 
çaram por fim, e Gesar reinou absoluto. 

Veja Cie. in Verr. ele, G. Aep. in Allic; Til. Liv. 
75 ele; Paus. \, c. 20; Vai. Max. 12; Flor. 3, c. 5 
e 1. 4 c. 2; Polyb. 5; Jusl. 37 e 38; PM. in vil.; 
Eulrop. 5, c. 2; Vel. Pat. 2, 17; Luc. 1; Virg. Mn. 
0, ele. 



212 



NOTA C 

OaQuindOB 

Ja não voltam Sc. II., pag. 71. 

Lúcio Quincio Gíncinnato deixou o seu nome e glo- 
rioso desinteresse em provérbio aos Romanos» e de 
perpétua accusação e vitupério aos falsos repúblicos 
de todas as nações para quem o enthusiasmo da liber- 
dade não é senão capa de ambição e de inextinguível 
sede de domínio. Viveu á volta de 460 A. G. N. t bem 
sabida a sua historia. Andava lavrando e com a mão 
á rabiça do arado quando lhe chegou mensagem do 
senado que o elegera dictador. Deixou com pezar o 
sulco meioaberto, mas correu ao campo; venceu os 
Volscos e Equos que cercavam o exército romano e 
entrou triumphante em Roma. Dezeseis dias depois da 
eleição, depôs a dictadura e voltou á sua lavoura. Ou- 
tra vez foi chamado á dictadura quando ja octoge- 
nário; venceu, e no fim de vinte dias tornou a depor 
o poder supremo, recusando todas as recompensas que 
lhe queria dar o senado. 

Veja Cie. de Fin. 4; Flor. 1; TU. Liv. 3. 

nota D 

. . . Aquella pobreza sancta e livre 

De Fabrício Sc. II., pag. 71. 

Gaio Fabrício é outro nome que as antigas virtudes 
romanas fizeram proverbial no mundo. Quatrocentos 
talentos (320:000^000 réis) entraram no thesouro, dos 
despojos das victorias que ganhou contra os Samnites 



213 



e Lacamos em seu primeiro consolado; elle ficou po- 
bre como d'antes. Dous annos depois, indo de embai* 
xador a Pyrrho, recusou com indignação os presentes 
e offertas do attonito rei, que ainda mais o ficou 
quando o próprio embaixador lhe veio denunciar a 
traição do seu medico que se offerecêra para o inve- 
nenar. Morreu e viveu na maior pobreza: foiinterrado 
a expensas públicas; e duas filhas que deixou, foi ne* 
cessario que as dotasse o Povo Romano, como liberal» 
mente fez. 

Veja ÍHtU. in Pyrrh.; Vai. Max. 2, 4; Cie. de o ff.; 
Virg. Mn. 6.; Flor. 

nota E 

Marco Tullo venceu a Catilina ; 

E hoje — mollemente passeiando 

Em seus jardins de Tusculo, revenjlo-se 

Em mármores de Atbenas, manso e quedo 

PhBosophando ral.^- Sc. II., pag. 71. 

Cioero, depois da derrota de Pharsalia, aceoiheu-se 
para ttrundusio; e amnistiado por César, foi viver re- 
tirado no campo, com os seus livros e os seus már- 
mores: gosto e paixão que sempre teve c de que o par* 
tido irracional lhe fazia crime, segundo costuma. Re- 
ceioso dos projectos liberticidas de Júlio Gesar, que 
ja na questão de Catilina se tinha de sobejo denuncia- 
do, Cicero seguira, sem se fiar n'elle, as partes de Pom- 
peu; mas não amando menos a liberdade do que o 
próprio Catão, julgou todavia inútil o sacrifício de ir 
com elle pára Africa ; e dando por perdida, desde Phar- 
salia, a causa da liberdade, assentou de se abster, como 



214 



homem de bem, de toda a participação em negócios 
públicos, e dar-se todo aos seus caros estados da phi- 
Josophia e das lettras. 

Depois da morte de César, voltado ao poder o par- 
tido que se honrava de contar a Cícero entre os seus, 
o iliustre orador recusou do mesmo modo os cargos 
públicos, e toda a sua influencia impregou em dissua- 
dir de vinganças. Pagaram-lh'o, como costumam, os 
que dirigiram a reacção que depois veio: no segundo 
triumvirato, o de António, Lépido e Augusto, Cicero 
foi sacrificado á sanha de António, e assassinado, aos 
63 annos, 1 1 mezes e 5 dias de sua edade, e 43 A. C. 
N. , no caminho de Caieta para onde fugia n'uma lit- 
teira. Cortaram-lhe a cabeça que levaram para Roma 
e a penduraram no foro. Aquella eloquentíssima das 
línguas romanas foi ahi publicamente traspassada de 
uma agulha feminil pela própria mão da mulher do 
triumviro, a vingativa Fulvia. 

Cicero era um verdadeiro doutrinário, no bom e 
leal sentido da palavra, sincero amigo da liberdade, 
mas contrário ás vinganças e cruéis ódios dos parti- 
dos : d'ahi o respeitavam e odiavam os mandões d'elles 
todos. povo chorouto, e a posteridade ainda não ad- 
mirou ninguém mais. 

Veja de. orai.; Flor.; C. Nep. in AUic; QuinliL; 
Plut. in vil.; Dio. Cass.; Âpian. ele 

nota F 

Que resurgissem 

OsGrachos Sc. II.,pag. 71. 

Tibério e Caio Graccho eram filhos de T. Sempro- 



215 



nio Graccho, duas vezes cônsul e uma censor, e de 
sua mulher Sempronia, da família dos Scipiões, ma- 
trona de grande virtude, espirito e piedade, mãe exem- 
plar no desvelo e amor com que os educou. Ambos 
foram eloquentes oradores, e exagerados propugnado- 
res do princípio democrático, ao qual queriam fazer 
subservientes todos os outros elementos da sociedade. 
Mas eram sinceros em suas opiniões, leaes e constan- 
tes em seu procedimento. 

Tibério quiz restaurar a lei agraria, e conseguiu 
pela violência fazer decretar de novo esta antiga ori- 
gem das maiores desordens e calamidades de Roma. 
Mas no meio de seu triumpho, rodeado da plebe toda 
que o ia reeleger tribuno, foi atacado em pleno foro 
por P. Nasica, e assassinado vergonhosamente no meio 
do povo attonito que o abandonou de covarde. 

Socegaram por algum tempo as desordens. Mas 
Gaio, que também foi tribuno, e muito mais exaltado 
que seu irmão, fez em breve recrudescer todos os an- 
tigos ódios; usurpou de facto a auctoridade suprema, 
em nome das massas (como hoje se diz) opprímiu as 
outras classes todas, e levou a tal ponto os vexames, 
que excitou uma reacção tremenda contra si. Também 
este foi abandonado pelo povo, obrigado a fugir, e em- 
fim morto por ordem do cônsul Opimio no templo de 
Diana onde se refugiara, À. G. N. 121, á volta de treze 
annos depois de seu irmão Tibério. 

Lançaram-lhe o cadáver no Tibre, e prohibiram a 
viuva de tomar meto por ellel 

Veja Plut. in vit.; (He. cot. 1; Luc. Ph. 6. 



216 



NOTA G 

Quando o favor dos moMes Quirítes 

Tinha sédes-curues e tribimatos, 

Consulados que dar Se. M. , pag. 73. 

Ficoo-se chamando Qitiriles aos Romanos desde qae 
admittiram na sua eidade es Sabinos de Cores, donde 
derivaram Quiriles. 

Veja Varr. de LL. L 4. lik. í ; OvicL fèsl. X 

Sedes Cumes eram dadas so aos grandes magistra- 
dos ou altos funceionarios da republica, o dictaàor, os 
cônsules, os censores, os pretores e edis. Eram cadctr 
ras do marfim em que nos actos públicos tomavam as- 
sento. Os senadores que tinham servido aqueiles car- 
gos conservavam as honras da cadeira de marfim, e 
a'eila eram levados ao senado por seus «será voe. Tam- 
bém o trhraaphador subia ao Capitólio em sede curai. 

fribunato foi creado no anno U. d 261, depois 
da celebrada dissençào do Monte-Sacro, 06 tribunos, 
ao princípio dous, subiram logo a cinco, edabi adez» 
Tinham o velo nos decretos do senado, convocavam a» 
assembteas populares ou comidos, julgavam em mui- 
tos casos de crimes públicos. Ànnultou-os Syila, cer- 
ceaado»lhes as attribuições; re6tiíuà*4fi'as Pompeu. £ 
de tal modo tinham usurpado porto a auctoridade 
soberana da repubfiea, que Augusto, para útsteurar 
definitivamente a tyranniav fewe trièun* perpétua 

Havia, além oYeates, o* tribunos- mUMLwm, chama- 
dos laliclavii ou augusliclavii do particular uniforme 
que traziam os de origem patricia ou equestre; e se 



217 



disiam ratai* os nomeados pelo cônsul, comitiali as 
n—Mins petos eamkàos. 

Depois aouve Untem os tribunos dos pretorianos: 
os tribunos wrmm, espécie de pagadores das tropas; 
e os iribuni voiuplalum iBcarregados dos espectacn- 
los públicos. Rómulo tinha nomeado os capitães da soa 
guarda iribuni celerum. • 

offlcio dos dous cônsules annuaes substituiu o 
dos reis expulsos em 244 A. U. G. —Eram ambos patrí- 
cios até 388 À. IL G. em que se decretou que um fosse 
do povo, outro da classe patrícia. À lei requeria, nos 
candidatos a este primeiro cargo, 43 annos de edade, 
e o ter servido os impregos de questor, edil e pretor. 
Mas pouco caso se fes d'esta, assim como de muitas 
ostras leis eoostttneionaes, quando as facções demo- 
crática ou aristocrática desequilibravam o estado, até 
que vete —forçosamente! a tyrannia. Depois, dura- 
ram de nome até o anno de 1204 A. U. C ou 541. A. D. 
em <fae Justiniano aboliu totalmente o simulacro d'ests 
auetoridade que so existia nominalmente desde Au- 
gusto* • 

Durante a republica eram eleitos pelo povo. 

i 

NOTA H 

Que podem os ciosos cavafieiros, 

Os suberbos patrícios ? Sc. III.. pag. 73. 

À ordem equestre era a intermédia entre os patrí- 
cios e a plebe; foi taives & que deu maiores homens 
á republica. Chama o texto ciosos aos cavalleiros, por- 
que efectivamente o eram, e eternamente o serão to- 



218 



das as classes médias, collocadas, por sua posição, 
entre a preponderância morai das dignidades e riiraeza 
da aristocracia, e a força material do número das clas- 
ses inferiores. ciúme será tanto maior quanto menos 
equilibrada for a constituição por excesso democráti- 
co, ou aristocrático— ou monarchico. 

NOTA 1 

Ei-lo aqui vem o príncipe dos Numidas. 

Sc. IV., pag. 79. 

príncipe dos Numidas aqui introduzido é um cha- 
racter verdadeiramente histórico. Seu pae Juba I, amigo 
de Pompeu, resistira a Júlio Gesar até ser derrotado 
em Thapso, pelo quê perdeu o reino e se deu a morte. 
moço Juba tinha seguido o partido dos amigos de 
seu pae; nenhum extrangeiro foi nunca tam popular 
entre os Romanos nem se romanizou tanto. Gaptivo e 
levado por Gesar em tríumpho depois da guerra, por 
tal modo ganhou a benevolência dè todos, grandes e 
pequenos, em Roma, que Augusto lhe veio a restituir 
o reino entre os applausos geraes. Escreveu em Grego 
e Latim de diversos assumptos; historia, zoologia, 
grammatica, etc. 

Veja Orosio, Stràb., Suei. e Dion. Red. 

nota K 
génio de Quirino que está n f eUe, Sc. V., pag. 83. 

Nome que os Romanos davam a Marte, seu princt- 



219 



pai padroeiro, e a Rómulo também que imaginaram 
filho cTaquelle. 
Yeja Ovid. fast. 2. 

NOTA L 



• 



Troa como echo dessa voz divina 

Com que a nossos avós salvou da infâmia . 

Jove Stator Sc. YL, pag. 86. 

Júpiter (ou Jove) Slalor era adorado em Roma no 
templo que lhe levantara Rómulo sob esta invocação, 
em memoria do milagre que alcançara, fazendo (slarej 
parar, sustar, os Romanos que fugiam dos Sabinos. 

Veja Til. Liv.; Flor. ele. 



AO ACTO SEGUNDO 



NOTA A 

Lictores, 

Expulsae o insensato Sc. 1., pag. 97. 

Os lictores eram officiaes que acompanhavam sem- 
pre os cônsules, ou as auetoridades que estavam po- 
testate consulari, como Gatão aqui em Utica. 



s 



220 



NOTA B 

Roma não tinha leis quando Tarqutato 

De cidadãos romanos fez escravos ? Sc. fl M pag. 99. 

À constituição de Roma foi livre desde Rómulo e 
Numa: os últimos Tarquinios fizeram-se tyrannos, e 
por taes cahiram e trouxeram a republica. £ a inevi- 
tável e perpétua reacção da sociedade: os excessos 
monarchicos trazem a democracia, os desvarios dema- 
gógicos a tyrannia. 

nota C 

Vossas imagens sentirão a aflhrata, 
Quando a min ba— levada em pompa infame 
Deante do vencedor. . . Sc. II., pag. 104. 

No Capitólio estavam as imagens dos homens gran- 
des da republica. César com effeito levou, no seutrium- 
pho, a imagem de Gatão deante de si, ja que o não 
pôde levar em pessoa. E o povo não se fartou de dar 
vivas ao triumphador! — Catão prophetiza aqui o que 
realmente veio a sueceder. Levar as imagens dos mor- 
tos em triumpho, ó como hoje diríamos inforcar em 
estatua. 

Veja Plul. Cal. min. 

NOTA D 

Decio, um homem equestre I Sc. V., pag. 109. 

Homo equestris — por cavalleiro, da ordem dos ca- 
valleiros ou equestre. 



221 



NOTA E 

Deaote do teu, seu génio acovardado 

Yacilla : Sc. V., pag. 110. 

É como se hoje dissesse um piedoso christão : '0 meu 
anjo da guarda treme deaote do teu.' Tinham os Ro- 
manos—e os Gregos, e creio que todos os povos— 
que a cada homem era dado por Deus um génio, Saipuav, 
que d'elie tomava conta á nascença e so na morte o 
largava. A este, que os Romanos principalmente cha- 
mavam Genius, referiam o homem moral todo, o po- 
der intetlpctual e diriginte do individuo. 

Vencia Seipiào uma batalha, era o génio de Scrpiào 
que a ganhava; predominava Augusto sobre António, 
era o gemo de António que succumbia ao de Augusto. 

Assim Racine, tem propriamente e com tanto sabor 
romano, íez dioer a Nero, fatiando de Agrippina: 

Mon génie étonné tremble devant le sien. 

firitann. act II. , Sc. 2. 

Veja Qicer, lusc. L; Piut. de gen. Socr. 



nota F 
por eHe subirei aos Rostros, Sc. V., pag. 111. 



Logar alto no foro, ornado com as proas, ou espon- 
tões das proas, das galés tomadas aos inimigos, e que 
d'ahi tirava o nome de Rostri, os esponiões ou pontas 
ferradas dos navios antigos. A este logar subiam os 
oradores, como a tribuna, para faltar ás turbas. 



222 



AO ACTO TERCEIRO 



NOTA A 

nossos avós, austeros guardas 

Da pátria liberdade, se opposeram 

A que artes gregas na severa Roma 

Ousassem metter pé Sc. I., pag. 118. 

Os austeros Romanos da têmpera velha tinham medo 
á civilização, e ás artes que da Grécia lh'a traziam. 
Gatão censor, ditto o velho on Cato major, foi um 
d'esses. 

A aristocracia republicana, que é sempre a mais 
dura de todas por necessidade de posição, era a que 
mais. temia os progressos das luzes entre o povo. Por 
vezes expulsaram da cidade os philosophos e os gram- 
maticos e rhelores que, diziam eiles, corrompiam a mo- 
cidade. Àvaliem-se por aqui os desvarios que a este 
respeito disse o democrático Rousseau, e fizeram os 
seus discípulos. 

M. Bruto, criado nas antigas austeridades, e fanático 
sincero na sancta causa da liberdade, imagina portanto 
que os Gregos, então ja vassallos de Roma, se vinga- 
vam de seus senhores, mandando-lbes estes fataes pre- 
sentes para a corromper. 

Procônsules se chamavam ordinariamente os que 
iam governar as províncias sujeitas da republica. O que 
administrava a Grécia dizia-se procônsul da Àcchaia. 

Harmodio e Àristogiton foram dous celebrados athe- 



223 



nienses que libertaram a pátria do jugo do* Pisistratos, 
Â. G.N. 510. 
Veja PlxU.OU. tnaj.; Paus. 1; Herodol. 5, c. 55. 

NOTA B 

Servilia, minha irman, por essas eras 

Dava mate ás beUezas mais faltadas 

Da capital do mando Sc. III., pag. 125. 

São históricos e authenticos os illicitos amores de 
Júlio César com Servilia, irman de Gatão; e foi com- 
mum, quasi geral, a crença pública de que Marco Ju- 
nio Bruto era filho d'eiie e não do marido de sua mãe, 
distincto jurisconsulto que também se chamava M. Ju- 
nto Bruto. 

Na narrativa do texto so ha alguns ornatos de fic- 
ção; o fundo é real. Mas foi menos trágico; porque 
nem Servilia foi seduzida, e era ja casada e experta, 
nem parece que mulher de se deixar morrer porque 
a deixasse um amante. 

Gatão certamente levava a mal estas immoralidades, 
mas não com o sentimentalismo que aqui lhe dá o 
poema. Parece até, pelo que se deprehende dos histo- 
riadores, que Servilia é quem fizera a corte ao ele- 
gante César, que foi grande dandy nos seus tempos. 

Um dia lhe escreveu ella uma carta apaixonada c 
cheia de requebros com que lhe pintava seu amor : 
mandou-uYa ao senado onde estavam em sessão. Era 
no calor dos debates sobre a conspiração de Catilina. 
Gatão que viu intregar uma carta a César, protestou 
que era dos conspiradores e exigiu que se fizesse lei- 



2» 



tara d'ella» tosar ni* resporóeu, e iataegou » cartas 
Gatão. Mal a correu com os olhos o austero senador, 
e indignado Ibe atirou com ella, «clamando: Tema, 
bêbado. 

N'aquelle tempo diziam-se as coisas pelo seu nome. 

Veja Com. Nep. ML; Pai. in Cie. 



nota C 

V«r-te-hei, com estes olhos, 

Varrendo a Sacra -via — náo co*a toga 

Negra* que tua stoica vaidade 

Ostentava no foro, Sc. VI., pag. f30. 

Gatão trajava sempre de escuro: o que os seus ini- 
migos attriboíam a affectação philosophlca. 
Veja PkU. in. Cai. min. 



NOTA D 



Eq sei, Romano, que sou bárbaro 

Sc. Vil., pag. 131. 



Gregos e Romanos chamavam bárbaros a todos es 
outros povos. So talvez a favor do Egypto feaiam ex- 
cepção, por d'ahi lhe terem vindo essas mesmas mies 
com que tanto se desvaneciam, e por que se reputa- 
vam, e eram, superiores aos outros povos da terra. 



«5 



NOTA £ 

Quanto mato prezo e quero o fôro augusto 

De ridad8o romano, que essa e'roa, 

De tanto sangue e lagrymae banhada 

Na frente de meu pae! Sc. VIL, pag. 136. 

No auge de grandeza e dominação da republica os 
reis solicitavam o foro de cidadão romano, e se pre- 
zavam d'elle mais que de nenhum outro titulo. Quanto 
aos reis Jubas, pae e ilibo, veja, para intelligencia 
d'este ponto, a nota I ao Acto L, Sc. IV. 

kota F 

ao parricida 

Da pátria Sc. VII., pag. 137. 

Dizia-se parricidio, no sentido genérico, todo o ho- 
micídio de próximo parente: ao matricidio, até ao que 
maia propriamente diríamos filicídio, se deu este no- 
me. Parricidio e parricida da pátria, é expressão exacta. 



AO ACTO QUABTO 

KOTA A. 

Bruto, esse nome que te inleva tanto, 

NIo se {Ilustrou assim. ouro escondido 

No báculo, Sc. M., pag. Hl. 

Falla-se aqui de Lúcio Junio Bruto, ascendente d'este 

15 



Marco Junio Bruto. Lúcio era alho d'oulro Marco e de 
Tarquinia, filha de Tarqninio Prisco, que ambos, com 
seu filho niai&v££bo*]Bau^m^ 
Chamaram-lhe, por alcunha, Bruto, pocque hruto e es* 
tupido se fingiu para escapar 4a proicripçéea de Tar- 
quteio aateifco. È muito sabida, e çasseni em provér- 
bio, a allegpria do báculo ou bordão tosco de sabugo, 
que trazia ná mão como simples que se fazia, com o 
ouro escondido no âmago como fino que era. Por morte 
de Lucrécia, 509 A. C. N., Bruto mostrou deveras quem 
era. 

A alcunha porém tornou-se em appellido, e os da 
família Junia todos se honraram, d'ahi em deante, do 
verdadeiro fidalgo nome de Brutos. 

Veja TU. Liv. /., e 56, II. c. 1 ele; Dion. Hal 4 e 
5; Virg. Mn. 6; Plul. in vit. Êrut êl Coes. 

nota B 
'FotaMBos gtortoeo o sacrifico Se. K., pag. 146. 



Trezentos e seis valentes cidadãos compunham a po- 
derosa e nobilíssima família dos Fabios quando se ar- 
rojaram a tomar sOhre si, seminais auxilio público ou 
particular, a guerra de Veios. Fizeram prodígios, mas 
suecumbiram na batalha campal de Gremera, ao des- 
mesurado número dos inuaigos. Toda a família alli 
pereceu com as armas na mão, excepto um que, por 
criança, ficara em Roma e do qual procedeu depois a 
illustre descendência dos Fabios. 

Vinham originariamente de honrados lavradores 



22? 



cuja principal lavoura eram favas, faba em Latim, e 
d'ahi Fabii, faveiros. 

Veja TU. Liv. 11.; Dion, Hal. 9. ; Virg.Jfo. 6. ; Ovid. 
írisl. 

NOTA C 

Mareo-Tullio arrependido 

De seguir nossas mineras fortunas, 

Tergiversar, fugir porflm. . . e a purpura 

Consular pela estrada de Tarento 

Arrastrando no pó, ir supplicante 

Humilhar-se ao tyranoo •«. *♦ » Se. III., pag. 148. 



Yèja nota E ao acto I. e Plut. in vil. 

NOTA D 

a Tibério ja não digo, + 

Mas nem a Gaio-Graccho na vehemencia 

Do orar cedia, Sc. III., pag. 149. 

Veja a nota F ao acto I. 

nota E 

A moribunda 

Loba do Capitólio Sc. III. , pag. 150. 

- .• * 

A loba, que aqui se diz moribunda em allusão ao 
estado das coisas romanas, era comeffeiío venerada no 
Capitólio em memoria da fabulosa ama de Rómulo e 
Remo. 



228 



NOTA F 

Honra dos meus, cuja tremenda imagem 

Inda no Capitólio brande a espada, 

Terror dos reis, e salvação de Roma : 

Junio-Bruto Sc. III., pag. 152. 

Veja nota A a este acto. 



nota G 

os filhos indignos sacrifica 

Á merecida pena, á morte justa. Sc. HL, pag. 152. 

£ a sabida historia dos filhos de L. Junto Bruto sen- 
tenciados á morte por seu próprio pae. 
Veja PM. in vit.; TU. Liv. ele. 

NOTA H 

Que todas essas leis, —que plebiscitos, 

Que senatusconsultos, Sc. III., pag. 153. 

Chamava-se plebiscito a lei que passava nos comi- 
dos, senatusconsulto quando a decretava o senado. 



nota I * 

...... em mais clara 

Equidade fundada do que o Álbum 

Do pretório, Sc. m., pag. 153. ' 

O Álbum do pcetor era uma espécie de edital, pro- 



229 



clamaçãó ou manifesto em que, no principio da sua 
magistratura, annunciava o novo eleito o modo por 
que havia de proceder ao Julgamento das causas de 
sua competência. Creou-se este cargo no anno de Roma 
388.— Primeiro era um so, chegaram a 64, depois flu- 
ctuaram entre 12, 16 e 18. 

Veja Macrob. Salurn. L, 16; Sigon, de Jud. 7, 7; 
Deoff. Praeloris; tíeinec. 

nota J 

aos sanguinosos 

Paços de Sylla. Sc. III., pag. 153. 

Veja nota B ao acto I. 



NOTA K 

Hootem expulsastes 

A Coriolano, porque ousou negar-vos 

Os baldios communs: hoje, fugindo, 

Abandonais á fúria dos patrícios Sc. III., pag. 154. 

Graccho que voMos dava I 

Não é exacta a expressão— baldios communs de que 
se usou, com ser menos própria, so porque melhor 
intendido seria o pensamento. 

que é exactíssimo é que a questão da lei agraria 
tam funesta foi a Coriolano que a impugnou, por occa- 
sião do trigo que mandava elrei Gelo de Sicília de 
presente aos Romanos, como veio a ser a seus defen- 
sores os Gracchos por occasião do testamento delrei 
Attalo que aos Romanos deixara as suas riquezas. 



230 



G. Mamo, appeMidado Coriotaim por harer tonado 
*os Volsoos a cidade de Corioii, bwmido, per aqueile 
motivo, por seaftenea do poro, refu£fc>o*«e entre «e 
Volscos e não tardou a vir com ekes sofcreftama. To- 
dos sabem que a rogos da mãe e da mulher, cedeu da 
vingança que ja tinha na mão, e não entrou em Roma 
]a quasi rendida por suas armas. 

Veja PM. in vil.; Flor. 2; e a nota F ao I. acto. 

nota L 

Mário ahi estava 

Para inutilizar o feito ardido, Sc. III., pag. 155. 



Veja nota B ao acto I. 



nota M 

serros os tribunos / 

£ facciosos; avara e perdulária 

A questura, roubando o derradeiro 

Sestércio ao povo, a última drachma ao Erário ; 

Os pretores vendendo em hasta pública 

A justiça ; Sc. III., pag. 157. 

Veja, quanto aos tribunos, a nota & ao acto I; e 
quanto aos pretores, a nota I, a este acto. 

Os questores, cujo cango foi creado A. U. G. 269, 
eram dons ao principio; depois em 332 se creasammats 
dons: aquelles, dittos urbanos, eram os colectores, 
recebedores gemes e ministros do thesttiro em Roma; 
estes, dittos peregrinos, eram como pagadores genes 
das tropas, commissarios em chefe, e accompaimavam 



231 



o oonsul quaaào commandava, -exeroeaáo junst» a «He 
esta* e outras fauoções fiscacae rjeèmicas. Matadas os 
timiks da rapofeHca, e os d* império ainda maia, cies- 
ceu o numero dos questores na proporção do das pro- 
víncias que tinha cada-4ima o sou, e a estos chama- 
«asa por ias» prevmciâUes, 

Eram senadores natos os questores; e quando os 
dictadores, depois os imperadores, queriam faaer esta 
mesma operação que boje fasem os nnnisteríos dos 
governos representativos monarckkos nomeando pa- 
res novos para segurar o voto da segunda camará, ~~ 
nomeavam uma fornada de questores, e assim tinham 
a votação dos Padres-Conscriptos. Sylla areou vinte de 
uma vez, J. César, de outra, quarenta. 

Foram estes cargos originariamente da nomeação 
do senado, até que a usurparam, com todas as mais, 
os imperadores. 

quceslor principis, ou augusli, (que também ás 
vezes se dizia candidalus principis) e o qumlor pa- 
lalii eram o que hoje diríamos offlciaes-mores da casa 
imperial— on talvez do império. • 

sestércio era moeda antiquíssima romana. Em 547, 
vinte sestercios eram eguaes a um scropulo de onro. 

A dracbma era moeda grega do valor, pouco roais 
ou menos, de 1#300 réis portuguezes. 

nota N 

Veio Apio-CIaudio 

Fazer chorar em Roma por Tarquinio . . • 

Sc. DL, pag. 157. 

Àpio-Glaudio foi um dos decemviros que, a titulo 



232 



de estarem fazendo as leis das doze tábuas— a con- 
stituição, para assim dizer, da republica— cumularam 
três annos os poderes supremos do Estado com insup- 
portavel tyrannia: é o Longo-parlamento de Roma, e 
a historia de quasi todas as assembleas constituintes. 
Sentiram-se tam avexados os Romanos por este con- 
gresso de tyrannos, que chegaram a suspirar pelo des- 
potismo dos Tarquinios. 

Começaram em 303 A. U. G., e acabaram com a odio- 
sa e bem conhecida historia de Virgínia que Ap. Cláu- 
dio tentou violar, e que seu próprio pae matou para 
lhe salvar a honra. 

Veja TU. Liv. 3., c. 33. 



NOTA 

Morre, meu Porcio, 

Que vives para a glória ! Sc. V., pag. 166. 

Não é expressão lançada ao acaso. A generosa e su- 
blime ficção do direito romano suppunha vivos para 
os effeitos civis, os cidadãos mortos na defesa da pá- 
tria. 

kota P 

filhos de Quirino: Sc. V., pag. 168. 



Quirino chamavam os Romanos a Marte, e a Ró- 
mulo como filho de Marte. 



233 



AO ACTO QUINTO 

NOTA A 

Cousolaste-mc, Sócrates : 

Convenceste 

A minha alma, Platão : Sc. II., pag. 172. 

Todos sabem que Platão, discípulo de Sócrates, to- 
das as suas obras as deu como reflexo das licções do 
mestre. A isto allude o primeiro verso citado. 

Gatão antes de se apunhalar, leu o dialogo de Pla- 
tão sobre a immortalidade d'alma, para se confortar 
com a doutrina consoladora do philosopho pagão que 
mais se approximou do Ghristianismo, e certo, um dos 
que mais preparou os Tinimos para as sublimes ver- 
dades do Evangelho. 

VejaP/utf. invila; Luc. 1; Vai, Max, 

nota B 

A natureza— Deus Óptimo Máximo, Sc. HL, pag. 170. 

Com este titulo distinguiam os Romanos o Deus único 
e verdadeiro, que o mesmo Pantheismo reconhecia 
superior a todas as outras influencias que poeticamente 
divinizara. 

nota C 

Sob os golpes do aríete incessante : Sc. IV., pag. 179. 

Aríete era máchina de guerra, vaivém com forte 



2*4 



cabeça de bronze affeiçoada á de um carneiro, e que 
servia para bater em brecha. 

nota D 

Esse tropel de gente inerme 

Andam como alienados Sc. IV., pag. 179. 

Todas estas ârctrmstancias aqui descriptas são ab- 
solutamente históricas. 
Veja Plut. Cot. min. 

hota, E 



inda além das portas d 'Hercules. 

Sc. V., pag. 18*. 



Por columnas d'Hercuies; a entrada ou portas do 
estreito de Gibraltar— o non plus ultra dos navegado- 
res antigos. De Hercules se diziam porque suppunham 
as tradições que quando alli chegara em suas viagens, 
pozera aquellas balizas que ninguém mais ousaria pas- 
sar. 

sota F 

Reservada 

Das triremes fique «ma : Sc. VI., pag. 185. 

A galé de três pontes, ou três ordens e bancos de 
remeiree chaanvam os Romanos trirem*, 



NOTA G 



Gomo a espada de ÀcbiUef Abulada, 

Sara o que fere. - Sc. VIL, jag. 1«9. 

Elegante ficção de Homero, provavelmente colhida 
das legendas populares que recopilou, a qual deptâs 
deu thema aos poetas para lauto ditfo Engenhoso. 

Veja Ovid. remed. amor. 

NOTA H 

Vamos co'estas relíquias d'oQtra Gamas, 

Vamos a demandar novo Gmhumío, Sc. VD., pag. 19i. 

Os Romanos desbaratados por Hannibal, juncto a 
Gannas, logarejo da Àpulia, na famosa batalha do dia 
21 de Maio, 216 annos À. G. N., accolheram-se a Can- 
nusio pequena cidade da mesma Àpulia, em que pouco 
e pouco se foram recobrando da perda e do medo, até 
que tornaram a entrar em campanha. 

Veja TU. Liv. 22; Plul. in Annib.; Flor. 2. 

NOTA I 

Das Hispanhas, 

f nda não subjugadas, nos contida 
O filho de Pompeu, 



IS porque não iremos nós entre elies 
Procurar as fortunas de Sertório 

Depararemos porventura ainda 

Com algum Viriato Sc. ML, pag. 19 1 . 

As Bisponhas, e a ntaea Lusitânia especialmente, 



N 



236 



deram com effeito muitas licções de patriotismo, de 
amor de liberdade, de firmeza e de lealdade de cha- 
racter, aos próprios Romanos. 

Nas Hispanhas foi que os filhos de Pompeu recru- 
taram principalmente o formidável exército que, morto 
Gneu na derrota de Munda, ainda sustentou a Sexto na 
Sicília até á morte de Júlio César, e depois o habili- 
tou a tractar com o triumvirato como de egual para 
eguaes. 

Veja Vel. Palerc. 2; Plul. in vil. Anlon.; Flor. 4. 

Sertório (Quinto) proscripto por Sylla refugiou-se na 
Lusitânia onde estabeleceu um governo livre còm um 
senado a que presidia como cônsul. Pompeu e Metello, 
os invencíveis generaes romanos, foram, assim como 
os outros, vencidos pelos Lusitanos que defendiam a 
Sertório. Succumbiu á traição de Perpenna, official seu 
que em um banquete o fez assassinar. 

Veja Plul. in vil.; Apian. de civ.; Vai. Max. 1. 

Viriatho de simples pastor chegou a ser o general 
e defensor, não so da Lusitânia, mas das Hispanhas 
livres todas: venceu muitos generaes romapos, entre 
os quaes o mesmo Pompeu. Caepio não pôde livrar-se 
d'elie senão comprando a traição de seus domésticos 
que o assassinaram. 

Veja Flor. 2; Vai. Max. 6. 

NOTA K 
Cahiu nesta hecatombe Sc. IX., pag. 197. 

grego txATwpoía, de que os Latinos contrahiram 



*37 



hecatombe, significa á lettra cem toiro*; e dava-ae este 
nome ao sacrifício <fesse número e casta de victimas 
que os de Argos e Egfoa offereclam a Juno. Figurada- 
mente diz-se de todo o sacrifício grande e numeroso. 

nota L 

ayitas Sabinas; 

Glorioso 

É aquelle terrffo que tantas Tezes 

gran'Cei»or co'as próprias mios larraft. 

A minha Porcia : 

Eu t'a coUoco e intrego 

Digna esposa de Brito Sc. IX., pag. 199. 

Gatão o Censor ou maior, ascendente d'este e fa- 
moso por sua austera frugalidade, lavrava no seu campo 
com as próprias mãos. 

Porcia, filha de Gatão Uticence, foi comeffeito mu- 
lher (Teste Marco Junio Bruto, e digna esposa d'elle 
pelas virtudes publicas e domesticas de que era mo- 
delo. Teve o ânimo de sedar um lanho terrível n'uma 
perna, so para experimentar sua força -no sofrer a 
dor; e ao marido, que lhe perguntava a mão de tal 
estranheza, respondeu que quizera ver se a mulher de 
Bruto, assim como era digna do seu leito, o era tam- 
bém de tomar parte em todas suas coisas e segredos 
por mais perigosos que fossem. D'ahi por deante Por- 
cia foi sabedora e tomava quinhão em quanto mais 
arriscado imprehendeu Bruto. Não lhe quiz sobreviver 
quando este morreu; e como própria filha de Gatão, á 
mingua de outras armas, que todas lhe tiraram seus 
amigos, conseguiu matar-se ingulindo carvões em bra- 
za — á volta de 12 annos A. G. N. 



u» 



Vq|* Mnt. ta ãrul.; e ¥*kr. Hm. que um tanto 
sariacn aig—a ajiriiiaiÉanria fferta hirtaria. 
Hrà* entja.viwa.de ttfeato quando esposou M. 



NOTA M 

Dobtae-me — eu sei morrer. Sc. XI., pag. 202. 

É histórico o sentido d'eate e dos próximos versos, 
e exactissia» a que indica * rubrica. 
Yeja Plut. in vila. 

ROTA H 

«• IMeoolMeea 

QM^nnteBçaéezBHtBpnferiflÉe. 8c XL, (Hg; m. 



AUade *»er eMe r Marea-Bruto, alho de Júlio Casar, 
un do» fue depafe, em. plano senado, o apunhalaria 
Sm tom aebidaa aa úJtiiaaa palavra* domorihaario 
pae; quando *ui M. firatoeutre os aeaasainaft, eufann 
o ratito cem a. toga» exebaaaado: Tu queque, Bruto! 

Veja. -Sua/, m *&; PM, **.; Dio; Afdm.êlc* 



VAEIÀNTES 



VARIANTES 



VERSOS DA PRIMEIRA EDIÇÃO INTEIRAMENTE SUPPRIMIDOS 
OU COMPLETAMENTE ALTERADOS NA SEGUNDA 



PROLOGO 

Èepois do verso 2& 

Desesperado horror flâ voz, «os laWos 
Lhe vem do coração troar vingança. 

Depois do verso 33. 

So troa sons dei MOrtBa-de vtogHffçiL: 
Em vez dos ais de amor pullulam, fervem- 
os ais, «lhas 4o hètrw, nm chins» chordas. 
Ternura, inoastoft & âetída e mimo, 
Oh ! não 06 esperei* : 00 ftfflá 11 patife. . . 

16 



242 



Depois do verso 48. 

Oh ! que ideas de mágoa e de vergonha 
Não excita este nome! Itália em ferros! 

Depois do verso 54. 

Mas não; não recordemos taes memorias: 
Ou, se as lembrarmos, lembre-nos o exemplo. 

* » 

Depois do verso 57. 

O ferro de Gatão. . . (não o de Bruto. . .) 
Também sabem meneá-lo os Portuguezes. 

Depois do verso 68. 

Oh! não; não attenteis do vate aos erros : 
Arte ingenhosa, lúcidos talentos 
No limitado espirito fallecem. 

Depois do verso 74 

Não me levou a imprêza tam difticil 
louco amor de passageira glória, 



▲OTO I—SCENA I 

íManlio.) E commigo o universo; nas tu mesmo, 
Bruto, o confessas; so a nós e a poucos. . . 
(Jf. Brulo.) esquecido valor, a excitar n'alma? 



243 

Inultos manes, veneranda sombra, 
Victima infausta da traição mais barbara ! 

(Manlio.) Ah! Bruto! e de que serve o nosso esforço?* 
Nós poucos, já sem forças que nos resta? 

(M. Bruto.) Basta: aurora a despontar começa. . . 

: — Ha malvados 

GUjo horror se imparelhe ao d'um tyranno ? 

Sim, Manlio, o dia chega; e juncto em breve 

senado será: d'elle dependem, 

Elle decidirá nossos destinos. 

Teus receios ante elle, os teus temores. . . 

Eu, simples cidadão, tenho um so voto: 
Amigo, aconselhei-te a ser Romano ; 
Romano não te posso ouvir mais tempo. 

SOENA II 

(Manlio.) Tua feroz virtude em balde intenta 
Erguer das cinzas a defuncta Roma: 
Punhal terrível de civis discórdias. . . 
Potencia infausta lhe sustenta o throno; 
Indomável poder o escuda, o ampara. T. 
Insensatos ousamos. . . (Ah ! debalde) 
Pelo phantasma vão da liberdade 
Sacrificar as preciosas vidas!. . . 
Porém Sempronio chega. Alma insidiosa! 
£ inda fia Gatão d'homens como este 
Fazer Romanos, e salvar a pátria? 



244 



SOEM A m 

(Sempronio.) Como pretende ás victoriosas tropas 
De Pharsalia, do Egypto e do universo 
Na impetuosa torrente oppòr barreiras? 

(Sempronio.) A César 

Ir ao incontro; su&pe&der-lhe o ferro; 
Salvar-lhe a própria vida, c juncto ao throno 
Seguir os fados do waiverso inteiro. 

(Manlio.) É necessário 

Expor com energia ante o senado 
A crise perigosa em que hoje estamos. . . 
Em breve aqui se ajunta; em vivas cores 
Convêm pintar-lhe o estado miserável. . . 
(Semp.) Nem mesmo aqui, nem mesmo a qualquer outro 
Que tu não fosses, Manlio, a quem d'ha muito, 
-Além do sangue, uniu sancta amizade, 
Minhas ideas imprudente ousara 
Patentear descuidoso. Em ti confio 
No segredo que exigem. 

(Manlio J Nem duvides : 

Minha prudência lia muito te é notória. 

SOENA IV 

(Sempronio.). : Ah! não : toes homens 

Nem de grandes acções, nem grandes crimes 
Capazes fez a avara natureza. 
Meus desígnios porém. . . César* . . ah! cumpre 
D'um homem que ahhorpeço e que detesto 
Tingar-me emfim. plano está formado: 
Executá-lo resta. 



24& 



SOENA V 

(Porcio.) Entre os soldados, entre os chefes mesmos 
Murmúrios, dissenções. Por esta causa 
Feste humilde logar meu pae ajunta 
Essas tristes relíquias de Pharsalia 
A que ainda senado appellidàmos. 

(Juba.) Sua virtude, 

Sua virtude so torna sagrado, 
Legitima, redobra em preço, em número 
Esse pouco que resta dos Romanos. 
Sua virtude so no peito, n'alma, 
Dentro nos corações imprime e grava 
Respeito, adoração; nutre, avigora 
A constância, o valor, a audácia nobre. 
Ella so nos da pátria moribunda 
Inimigos cruéis terror diffunde. 
A seu rígido aspecto Gesar mesmo. . . 

D'essas tremendas aguerridas hostes... 
(Sempronio.) Antes que unidos venham nossos fados 
Decidir de uma vez, que inflammá-los, 
E, um por um, excitar suas nobres almas. 

SCENAVI 

(Porcio.) Por seus lábios o ceu lhes falle ao peito. 
Mas tu, Juba, calado, e pensativo. . . 

(Juba.) Ah ! Porcio, declarar-te 

De minhas reflexões receio a causa. 
Um secreto, cruel presentimento 



246 



Me faz desconfiar (Teste Romano. 
Illudo-me talvez... 

(Porcio.) Grande virtude 

É a prudência, amigo; mas não dômos... 

Em vão tentamos 

©issiraular o horror de tantos males; 

Em balde os olhos ao clarão fechamos 

Do raio que fulmina, e que ja troa 

Sobre as nossas cabeças. . . 

Quasi incapaz de merecer tal nome: 

(Juba.) De teu augusto pae recorda, ó Porcio, 

A máxima sublime. É-nos vedado 

Dos decretos do ceu sondar o arcano. 

Talvez. . . quem sabe ! . . . 

(Porcio.) Não, querido amigo; 

mais ténue vislumbre de esperança 
N'alma não me entra ja. Cada momento 
Vejo esse monstro, que em sua ira os deuses 
Nas intranhas de Roma produziram 
Para rasgar-lh'as parricida filho, 
Para no sangue maternal cevar-se; 
Esse monstro, esse bárbaro tyranno 
Nossos muros entrar, e entrar com elle 
Ferros, escravidão, ludíbrio e morte. 
Morte! Ah! não penses, Juba, que a receio. 
Um filho de Gatão, Porcio, um Romano 
Olha contente alevantar-se o golpe 
Que á pátria o sacrifica, o faz eterno. 
Mas, eu sou filho, Juba; e a natureza 
£ mais forte que Roma. Ah! resta ainda 
A coroar o horror de tantos crimes 
A morte de Gatão. Tam negra idea 



247 



Não, não me é dado açm terror fitá-la. 

Gomo podeis juntar, supremos deuses, 

Tantas virtudes com desgraças tantas? 

Como soffreis que a barbara fortuna 

Ouse. . . Mas, se o soffreis, se ao crime os raios 

Retendes frouxos na tardia dextra, 

Maior que ella e que vós seja a nossa alma. . . 



ACTO II— SCENA I 

(Catão.) De seus crimes té'qui protege a infâmia 

Desculpae-me se avivo as vossas chagas, 

Se os horrores vos lembro de Pharsalia. 

(M. Brulo.) Ah! corramos, amigos. Que mais resta? , 

Que temos a esperar? A glória, ó padres! 

(Catão.) Entre as virtudes 

£ o vicio occulto que lhes veste a mascara. . . 

Se a venda das paixões nos cega os olhos 

Seus termos, seus limites confundindo. . . 

£ ousaremos assim por vão capricho 

A nossa glória van sacrificá-los 

£ entre as cohortes do feroz imigo 

Ir nós mesmo, mais bárbaros do que elle, 

Tingir-lhe as lanças de romano sangue?... 

Que mais de nossa glória cubiçosos, 

Do que fieis á d'ella, a nossa morte. . . 

(Manlio.) Quem atropella as leis da natureza 

Não deve os foros seus gosar tranquillo. 

(M. Bruto.) senado?. . . Pois sim; que me castigue. 

Tudo pôde tirar-me, a mesma vida, 

Menos do coração alma romana. 



80BNA n 

(Calão.) As sazões toas. . . 

Eu também sou Romano.. . mas ao» homem,; 
Responderei sem. feiro-.. 

é forçoso 4a fauces d.'eUe,. 

Ou de salto atrevido além trauspor-se, 
Ou sem recurso baquear-lhe ao centro. 

scena m 

(Marúio.) Ei-lo a paz que vem pedir-nos. 

SCENA IV 

(Catão.) Entfrasiasta não sou: e da virtude 
Anda sempre mui longe o fanatismo. 

SCENA V 

(Decio!) Ma£ prezando 

De Gatão as virtudes,. Gesar treme 
De ficar vencedor a vez primeira. 
No accurvado universo es tu somente 
Quem ao poder resiste do seu braço. 
Por tal competidor de orgulho ufano 
Teme acabar sua glória n'um triumpho. 

(Catão.) porelie em Roma, 

Minha voz, pr.ojnpta sempre age infelizes, 
Heide erguer, suppliuac; e de seus crimes 
paixão ahmofar, voLvérlo á patcía. 
(Calão.) Em quanto os lábios a bradar vôaganç* 
Me deixarem os céus. . . so* desvalida» . . 



m 



ACTO HI-SjCENA I 

(Decio.) Nem é: de fer* o coração do homem» 

(M. Bruto.) E euporqMehomemsou, nãoqueroouvir-te,. 

Que eloquência eternais, ignoro-a, odeio-a; 

Não a sei praticar, não quero ouviria. 

Poetas, oradores destruiram. . . 



SOENA VI 

(Juba.) * Que enigma encerra 

Este dito de Bruto? Ah! talvez. .. 

(Sempronio.) Tudo 

Te faz desconfiar! Príncipe, deixa, 
Deixa uma vez o génio suspeitoso. 
Não; não vacilles mais: quanto te hei dito 
É certo; nem ovos... 

... E no tumulto 

Catão assassinar... 

(Juba.) Perdoa-me, Romano: ah! de tua alma 
Outr'ora, eu duvidei Tuas virtudes, 
Injusto*, appceciá-las> não a& soube. 
(Juba.) Se os dias de Gatão salve ditoso; 
Se esse monstro, esse horror da natureza, 
Esse tyranno César posso eu mesma 
Co'este braço immolar ai» pátrios manes! 
Oh! meu pae! diage o golpe ardido, 
Leva-hYo ao coração d'esse mataadoi 
Holocausto de aspérrima vingança, 
Ó César, eu te voto ás sonoras negras 



250 



Do Àverno. . . que os tormentos ja prepara, 
Das fúrias, que os açoutes já sacodem. . . 
Vamos; amigo, vamos. . . 

(Sempronio.) Mais prudência, 

Mais sangue frio é necessário, ó príncipe: 
Porcio para aqui vem: disfarça, occuita; 
Ou perdido verás... 



SCENA vn 

(Porcio.) Em fim os deuses 

Decretaram de Roma; e o fado iníquo 
Aos dias de Gatão. . . idea horrível! 
Oh ! não, não te verei, dia de mágoa. 
Não tenho coração que soffra tanto. 
Antes que ouse attentar aos dias d'elle, 
Primeiro n'este peito a morte crua 
Hade insaiar o golpe. Sim, primeiro. . . 
Sim venerando pae; ao reino escuro 
Eu te irei esperar: meus tristes olhos. . . 
(Porcio.) Inútil esperançai 

(Juba.) Os céus são justos. 

(Porcio.) São justos! Ah! são justos; e a virtude 
Abandonam assim; assim do crime 
Escrava a deixam soluçar nos ferros! 
Oh deuses, se quereis que vos adorem, 
Se incensos de mortaes, se humildes rogos, 
Se victimas quereis, se altares, templos, 
Fazei-vos conhecer, mostrae-vos numes: 
Amparae a virtude, e aos vossos raios 
impio descore so, trema o malvado. 



251 



ACTO IV— SCENA I 

(Manlio.) Oh cúmulo de horror! oh gente indigna! 
Restava ainda esta nódoa, esta vergonha. 
Para inxovalho nosso! Roma! oh Roma! 

SOENA II 

(M. Bruto,) Pérfidos!. . . Ah covardes!... Mas tu, Manlio r 
Tu com elles também ! . . . Não me inganava, 
Mo me illudia eu. Indigno, agora, 
Agora nós veremos se essa espada 
Homo a lingua tu sabes. . . 

(Manlio.) Bruto, ainda 

Esse louco furor não moderaste? 
Impetuoso mancebo, infreia as iras; 
Sê homem uma vez. 

SGENA m 

(Marúio.) Manlio eu conheço: basta; não insultes 

Com vil suspeita um senador romano. 

Mas, Sempronio onde está? Juba? meu filho? 

(M. Bruto.) Jaz socegado emflm : os vis traidores, 

E de Gesar as tropas, que os seguiam, 

Ou salvaram co'a fuga as torpes vidas, 

Ou prezos jazem, ou no campo mortos. 

(M. Bruto.)..-. . . . Porcio! Combateu commigo; 

E combateu Romano. A sua espada 

Ao meu Jado mil golpes desferia 

Que invejara Scipião. 



23£ 



(M. Brido.) Mas primeiro immolar ao negro Averno 

Em holocausto; pérfidos, tyrannos. 

(M. Bruto.) cutello da lei brandindo ao crime. . . 

(Calão.) Que os vis Tarquinios expulsou de Roma. 

Te é livre de julgá-lo e de puni-lo. 

Tens magistrados, leis, e tens algozes. 

Se d'aquelles usurpas os direitos, 

Criminoso es também*. £ 4 negra offlcio 

Do último assumir, julga-lo acaso 

Acção condigna a um cidadão Romano? 

SOENA IV 

(Calão.) Oh ! cens que vejo ! 

Sempronio em ferros I Juba... 

(Calão.) Bruto! 

Explitfac-me este enigma: devo acaso 
Ver um traidor n'um senador Romano? 
Esses grilhões nos pulsos teus que indicam? 
Tu immudeces?— ■ príncipe, que é isto? 
(Catão.) Oh la, soldados, de Numidia ao príncipe 
As portas da cidade abertas ficam. 

(Juba.) Sim; deixei-me 

Seduzir d'esse monstro. Mas nem mesmo 
Te dignas arguir-me, nem te abaixas 
A castigar-me ? Ob oeus ! esta vergonha 
Não, eu nunca a esperei. Pena tão rode 
Merecer a Gatão não pensei nunca. 
Sou criminoso sim; porém meu crime 
£ filho so do erro. Esse perverso 
Sob a côr da virtude, do heroismo» 
Pérfido m'o incobriu, soube inganar-me. 



S» 



Da pátria minha «a rudei selvagem 

São ignoradas da peridia u «tos. 

A minha singeleza, e paocos anaot 

Fácil foi de vencer a que» tara dextro 

Em artifícios taes, lhes sabe o inrêdo. 

Para salvar teus dias ameaçados, 

Para evitar que ao dictador abrisse 

Conjuração occulta as portas 4'Uttca, 

Me incitou que sahisse c'os meus Numidas 

Do lado oriental para incontrá-lo. 

Gahi no ingano ; e em tanto que eu deixava 

Quasi inerme a cidade, elle-e os seus sócios 

Às portas do occidente a Gesar abrem. 

Conheci, porém tarde, a vil perfidia; 

Gahi sobre o traidor e sobre as hostes 

Do tyranno de Roma; em tanto o alarma 

Soa na praça, os muros se coroam 

De intrépidos Romanos. Rechassada 

Por elles, e por mim foi essa turba, 

Pude na fuga deseubrir o monstro. . . 

(M. Bruto.) Infame! e ousaste ao meu amigo. .. 

SCENA V 

(Calão.) Este meu pranto. . . Não taxeis, amigOB, 
De fraqueza a mate alma: eu aã© me pejo 
De mostrar que soa homem. Mto! oh flftho ! 
Teu pae em breve. . . Adeus í. . . tevae-o, amigos. 
(M. Brulo.) Não; esse corpo do fceroe não- deve 
Sahir de nossa vista, anles que o .sangue 
Gorra do matador. Manlio, soldados, 
Dizei, dizei-o vós. 



254 

(Calão.) Seduziste o príncipe, 

Traidor quizeste com algoz perfidia 
Ímpio acabar co'a pátria moribunda. . • 
pae perdoa, o cidadão não deve. 



ACTO V— SOENA I 

(Calão.) , Oh la ! depressa 

Manlio se chame aqui : alguns momentos 
A sos me cumpre conversar com elle. 
Ide. 

SCENA n 

(Calão.) Convêm dizer-lhe os meus intentos, 
Conflar-lhe as tenções minhas e projectos. 
Tímido sim, porém honrado é Manlio, 
Prudente e cauteloso. Sem receios 
Descançarei tranquillo. fii4o que chega. 

SCENA m 

(Calão.) Ouviste agora 

A voz da sentinella? 

(Manlio.) Ouvi; que importa ? 

(Calão.) Quando uma hora mais tiver corrido, 
Ouvi-la-has outra vez ; mas esse brado 
Eu não o hei de ouvir. 

(Manlio.) Não te percebo. 

Porquê? 

(Calão.) Porque terei morrido. 



255 



(Marúio.) E tu pretendes 

Commetter esse crime!... Tu! 

(Marúio.) Por ventura 

São os de César, são os dos Romanos 
Que a Gesar vendem liberdade e* pátria ? 
Morrendo, impedirás que se perpetrem? 
Bem o sabes que não. 

(Marúio.)....,.. Â ti! Mas como? 

Queres livre morrer como um Romano, 
Foges a escravidão. . . 
Mas homem, como tu, deixar cegar-se 
De fanatismos taes! ... 

do miserável, 

Que entre gemidos soluçando os roja? 

Ou do fado serão ? Crimes do fado, 

Então nós é que havemos de levá-los? 

Sem criminosos ser, punir-nos-hemos? 

Se os céus o querem, se o consentem deuses* 

(Catão.) Nem o pôde mandar a natureza, 

Nem do contrario os numes aggravar-se, 

(Marúio.) Mas dadiva do ceu nos foi a vida; 

£ o ceu ha de approvar?. . . 

(Catão.) So para o mundo vive e ao no mundo 

Então mais livre ainda em dispor d'ella. . . 

SOENA IV 

(Juba.) Catão, accode, vem... subitamente . 
As cohortes de Gesar assaltaram, 
Furiosas investem nossos muros. 
Ja tudo é confusão, tudo desordem. 
Nossos poucos soldados cada instante 
Aos golpes diminuem do inimigo. 



256 



Raros sota» as Muralhas ]a se avistam. 
Do dictador as hostes bem conhecem 
Nosso mísero estada; audazes correm 
Seguras da victoria. Jmt Tem ao menos 
Com a tua presença (se é possâret) 
Anima-los ainda: vm, ou eeto 
EmUtica verás... 

(Catão.) - .. Mo verei nada. 

(Juba.) Como? 

(Catão.). . . Príncipe, vai; vê se apprestaáas 

Estão no porto as naus, se a levar ferro 

Promptas como eu mandei. Faze que imbarqaem 

Todos nossos amigos: vai, so resta 

Este único remédio; preciosos 

Estes momentos são; parle. 

(Juba.) ►... Obedeço. 

Mas... 

(Catão.) Vai, príncipe: adeus, adeus. 

SCENA V 

(Catão.) »io posso 

Deixar de internecer-me. . . a vez eitreiwa 
Que vejo os meus amigos sobre a terra. 
Manlio, tu sabes quanto te amei sempre. . . 
Has de sobreviver-me; has de inda, amigo, 
Ver Roma escrava. . . "ver a nossa pátria; 
Essa pátria que tanto me ha custado ! 
Ve-la-has em ferros, gemeras sobre etta. 
Oh ! quando desparzires essas tegrymas 
No sepulchro de Roma. . . então record*4e, 
Lembra-te de Catão. . . (g&moto.) É morta Roma. 
Porção da divindade, assaa viveste 



257 



No earcer (Teste corpo ; vai unir-tc 

À immensidão do ser na eternidade. 

Gatão. . . a tua hora derradeira, 

Ei-la, soou. . . amigo, adeus. (Quer ferir-se.) 

SCENA VI 

(M. Bruio) Oh meu pae ! oh desgraça! oh fado ! oh numes I 

Dentro d'Utica ja. . . foi-se a esperança. 

Morreu quanto inda havia de Romanos : 

Ficámos nós. . . nós fo. Tropel de escravos 

Do tyranno a montões affluem, correm, 

inundam a cidade. . . oh pae ! oh l dize 

O que resta fazer. 

(Catão.) Tu roubaste-me a espada: não venceste: 

Inda tenho este ferro. (Fere-se.) oh Roma ! oh pátria ! 

(Catão.) Deixac-me ao menos. . . expirar... com honra... 

SCENA vn 

(Dedo.) Salve-se Gatão, se é tempo ainda. 

Do imperador as ordens se executem ; 

Do amigo vencedor nos braços venha 

Esquecer. . . Mas, que vejo. . . tu. . . 

(M. Bruto) Eis desarmado o peito... a sede apague; 

(M. Bruto) Eu!... ElleL. Não!... Porquê!... Sim, monstro, barbarei 

Sangue ! Oh sangue de horror ! Mas, vês aquelie ? 

Gotta a gotta cahiu sobre este peito , 

Aqui no coração, ei-lo aqui todo. 

Meu pae. . . aquelie foi. . . matou-m'o ellc. 

Mas vive o filho. . . e o filho ha de vingá-lo. 

Filho. . . do crime. . . ja não temo crimes. . . 

Roma ! . <-. pátria ! . . . Catão ! . . . meus pães são estes. 

ir 



VERSOS DA SEGUNDA EDIÇÃO INTEIRAMENTE SUPPRBflDOS 
OU MUITO ALTERADOS KA TERCEIRA 



ACTO I— SCENA H 

(Manlio.) A potestade infausta, abominosa, 
Que lhe alçou esse throno de cadáveres, 
Não larga mão do escudo com que o ampara. 

SCENA m 

(Manlio.) E co'a pátria exhalar o extremo alento. 
(Sempronio.) De apparatosa, van philosophia. 

SCENA VI 
(Porcio.) Que ao jugo correm submetter-se humildes l 



ACTO II— SCENA I 

(M. Bruto) Quê! duvidar na escolha— inda um ^momento! 
De morte ou servidão, glória ou ludibrio, 



259 

Homens, Romanos, senadores! —Nada. . . 

(Calão.) O insensato expnlsae: não mais profane... 

SOENA IV 
(Sempronio.) A Catão a suspeita. . . 

SCENA V 
(Decio.) Mas... 
(Catão.). . . Ja t'o disse: eu César não conheço. 



ACTO Hl— SOENA IH 

(Calão.) Para os foros de pae ha mais deveres. . . 
(M. Bruto.) Guiar-lh'a ao coração, mostrar-lhe o peito 
Onde deve ferir... 

SOENA VHI 

(Porcio.) Nem ja por entre os lábios descorados 
Murmurando fugir da pátria o nome! 

Caros amigos, 

Oh! se podeis, retende-lhe esse golpe! 

Oh! lembrae-vos de Porcio n'esse instante; 

Recordae-vos da pátria. . . 

(Juba.) Commigo não a tens?. . . 

(Juba.) Que hãode nossos destinos melborar-se; 

£ que ainda de todo os sançtos deuses 

De sobre nós a dextra omnipotente, 

Despiedados, cruéis não retiraram. 



260 

ACTO IV— SCENA V 
(Sempronio.) Inda é maior que o ódio que te eu tenho. 



ACTO V— SCENA m 

(Mardio.) Mas quaes são esses crimes que pretendes 
Evitar com tua morte? Hade ella, amigo, 
Pôde ella impedir que se perpetrem? 



VERSOS DA TERCEIRA EDIÇÃO INTEIRAMENTE SUPPRIUIDOS 
OU MUITO ALTERADOS NA QUARTA 



ACTO I— SOENA H 

(Manlio.) Roma, Roma, os teus dias são passados. 

ACTO V— SOENA Hl 

{Manlio.) Tu ! com tal crime 

Hasde manchar tua glória! 

{Calão.) E julgas, Manlio, 

Julgas tu crime o subtralnr-se a crimes? 
{Manlio.) E quaes crimes evitas com tuà morte? 

{Manlio.) Heroísmo e glória 

Em ânimo vulgar seria o feito. 
Mas em Catão!— Não é maior virtude 
Padecer resignado, soflrer quedo, 
Contente— a teus Estóicos appcllo 
Estas árduas provanças da vírtucit 



2G2 



À que Deus nos votou. São crimes os ferros 
Dizes tu; mas de quem? Serão do escravo?. . . 
(Calão.) Co pavez da innocencia accobertado, 
Firme no pedestal da fortaleza, 
Gaia o ceu, trema a terra, immovel fica; 
universo vacilla, e elle não treme; 
Desaba o mundo, — e impávido o contempla 
Sem medo á queda, rever ter-se ao cahos. . . . 
(Mcmlio.) Bem sei que taes princípios abominas. 



VERSOS QUE SB PODEM SUPPRIMIR N'ESTA TRAGEDIA 
PARA A INGURTAR NA REPRESENTAÇÃO 



TODO O PROLOGO 



ACTO I 

Versos 70— a 73. 

» 77-a 84. 

» 174— a 179. 

n 188— e 189. 

Da última parte do vers. 211— até ao fim da l. a parte 

do vers. 216. 
Versos 241— a 246. 
Da última parte do vers. 291— até ao fim da l. a parte 

do vers. 294. 
Versos 304— a 311. 
310— a 322. 
» 325— a 328. 
346- e 347 
361— a 369. 
» 431— a 435. 
453-a 457. 
Da última parte do vers. 460— até ao fim da 1.» parte 
do vers. 464. 



>*4 



ACTO n 

Versos. 107— a 113. 
» 139— e 140. 
» 164-a 173. 
Da última parte do vers. 239— até ao fim da 1.* parte 

do vers. 249, inclusive a palavra ja. 
Versos. 251. 
• 258. 
» 290.-e 291. 
358. 

421— e 422. 
472-a 480. 
495— a 499. 
562-a 565. 
. 368. 



acto m 



Versos. 44— a 56. 
• 63— a 68. 
Versos. 215. 
Da última parte do vers. 303— até ao fim da l. a parte 

do vers. 313. 
Versos. 316— a 319. 
» 330— e 331. 
Da última parte do vers. 436— até ao fim da 1.* parte 

do vers. 439. 
Versos. 450— a 452. 
» 455 — c 456. 



265 



ACTO IV 

Versos. 58— a 60. 

Da última parte do vers. 130— até ao flui da 1.» parte 

do vers. 135. 
Versos. 182. 

191— a 196. 
201— a 206. 
» 393. 



ACTO V 



Versos. 68— a 72. 

» 81— e 82. 

» 88— e 89. 
119-a 124. 
Da última parte do vers. 307— até vers. 335. 
Da última parte do vers. 412— até vers. 418. 



ÍNDICE 

Prefacio da quarta edição 5 

da terceira edição 9 

da segunda edição 17 

da primeira edição 27 

Carta do A. na primeira edição 35 

Dedicatória á Cidade do Porto 57 

Catão 59 

Prologo 61 

Tragedia 65 

Notas 205 

Variantes 237 



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