Skip to main content

Full text of "O Brazil e as colonias portuguezas"

See other formats


Google 



This is a digilal copy of a bix>k lhai was preservcd for general ions oii library shelves before il was carefully scanned by Google as pari of a projecl 

to make thc workl's books discovcrable online. 

Il has survived long enough for lhe copyright lo expire and thc book to enter thc public domain. A public domain book is onc lhai was never subjecl 

lo copyright or whosc legal copyright icrrn lias expired. Whcthcr a book is in thc public domain rnay vary country locountry. Public domain books 

are our galcways lo lhe pasl. rcprcscnling a wcalth of history. eulture and knowlcdgc lhat's oflen dillicult lo discover. 

Marks. noialions and olher marginalia present in lhe original volume will appcar in this lile - a reminder of this book's long journey from thc 

publisher to a library and linally to you. 

Usage guidelines 

Google is proud to parlner with libraries lo digili/e public domain materiais and make lhem widely aeeessible. Public domain books belong to thc 
public and wc are merely lheir cuslodians. Neverlheless. this work is expensive. so in order lo keep providing this resource. we have laken steps lo 
preveni abuse by eommereial parlies. incliiJing plaang kvlmical reslrietions on aulomated querying. 
We alsoasklhat you: 

+ Make non -eommereial use of lhe files We designed Google Book Search for use by individuais, and we reuuesl that you use these files for 
personal, non -eommereial purposes. 

+ Refrain from imtomuteá í/nerying Dono! send aulomated queries of any sorl to Google's system: If you are eondueting researeh on machine 
translation. optieal eharaeler reeognilion or olher áreas where aeeess to a large amount of texl is helpful. please eonlaet us. We encourage thc 
use of public domain materiais for these purposes and may bc able to help. 

+ Maintain attribution The Google "watermark" you see on eaeh lile is essenlial for informing people about this projeel and hclping them lind 
additional materiais llirough Google Book Search. Please do not remove it. 

+ Keep it legal Whatever your use. remember thai you are responsible for ensuring lhai what you are doing is legal. Do not assume that just 
because we believe a b(K>k is in lhe public domain for users in lhe United Siatcs. lhai lhe work is also in lhe public domain for users in other 

counlries. Whelher a book is slill in copyrighl varies from counlry lo counlry. and wc can'l olíer guidance on wliclher any specilie use of 
any spccilic biK>k is allowed. Please do not assume lhai a bix>k's appearance in Google Book Search means it can be used in any manner 
anywhere in lhe world. Copyrighl infringcmcnl liabilily can bc quite severe. 

About Google Book Search 

Google 's mission is lo organize thc world's information and to make it universally aeeessible and useful. Google Book Search helps readers 
discover lhe world's books whilc liclping aulliors and publishcrs rcach new aLidicnccs. You can search ihrough lhe J li 1 1 lexl of this book on lhe web 
al |_-. — .■■-:: //::;-;- -;.,.<.s.qooqle. com/| 



► 



$ A 603 Õ.aQ 

HARVARD COLLEGE LIBRARY 

SOUTH AMERICAN COLLECTION 



THE CIFT OF ARCHIBALD CARY COOLIDGE, 'í 

AND CLARENCE LEONARD HAY, '08 
:E (IF THE PAN-AMERICAN SC1ENTIFIC 



's§*-.'*#^-«*> 



J» 



I 

f 



ICIAS SÓCIA 

O BRAZIL 

E AS 

>LONIA 

POETUGUEZAS 

PO» 
F». OUVEIRA MARTINS 



LISBOA 
.IVRARIA BERTRAND 

'BAKD & C* BnOOBSBOBEB CARVALHO í 
V3, Chiado, 75 



CARTAS ELEMENTARES 



DE 



PORTUGAL 

POR 

B. BARROS GOMES 

Para uso das escholas, approvadas pela Janta consultiva 
de ins tracção publica, e duas cTellas duas vezes premiadas 
lia exposição de Philadelphia. 

1 vol. foi. contendo a deseripção physica de Por- 
tugal e as seguintes cartas : — I Concelhia ; — II Oro- 
graphica regional; — III Xylographica; — IV Agro- 
nómica ; — V População 1$200 



HETHODO DE ENSINO DE JOÃO DE DEUS 

CARTILHA MATERNAL 

ou 
ARTE DE LEITURA 

1 vol. br. 300; cart. 400; ene. 500 rs. 

DEVERES IDOS ITLHOS 

(Complemento da Cartilha) 

i vol. br. 300 ; cart. 400 ; ene. 500 rs. 

QUADROS PARIETAES 

(reproducçao amplificada das lições da cartilha) 

Coll. de 34: foi. em cartão, gr. form 9#000 



O MERCADOR DE VENEZA 

DRAMA EM 5 ACTOS, DE SHAKESPEARE, TRADUZIDO POR S. M. EL-REI D. LUIZ I 

Vendido a beneficio das casas de asylo da infância des- 
valida de Lisboa, 1 vol. 8.° . 1#000 



DEPOSITO GERAL NA LIVRARIA BERTRAND-73, CHIADO, 75 







/ 




BBLIOTHECA 



DAS 



SCIENCIAS SOCIAES 



IV 



Porto : Typ. de A. F. Vaaeoncellos, Moinho de Vento, £9. 



BIBLIOTHECA 



DAS 



SCIENCIAS SOCIAES 



I -A. Civilisaçâo peninsular 

I Historia da civilisaçâo ibérica * . . . 1 vol. 1879 

II-III Historia de Portugal '2 » » 

IV O Brazil e as colónias portuguezas 1 » 1880 

V Portugal contemporâneo 1 » (no prelo) 

II A. 3?re-historia 

Elementos de anthropologia. Historia natural do homem 
As raças históricas sobre a terra 

! Elementos de chrematistica 
Systema dos mythos religiosos 
Formação e classificação das lingoas 
Instituições primitivas 

III -A. Historia 

Origens da civilisaçâo occidental 

Roma e suas instituições 

Historia dos tempos modernos 

As revoluções e instituições contemporâneas 

Geographia politica e estatística das nações 

Chronologia geral. 

I~V .A. Economia social 

A população e a emigração 
Theoria das instituições politicas 
Theoria das instituições económicas 

Da natureza e lugar das sciencias sociaes (Introd. á Bibliotheca). 



LISBOA 

LIVRARIA BERTRAND 
Viuva Bertrand & C. a succbssores Carvalho & C. a 

•73, Caiado, 75 



O BRAZIL 



E AS 



COLÓNIAS 



POKTUGUEZAS 



POR 



J. P. OLIVEIRA MARTINS 



LISBOA 

LIVRARIA BERTRAND 
Viuva Bertband & C* sucobssores Carvalho & C* 

73, Chiado, 75 

1880 



5A 6o 3 r, rô 



Harvartí 7 ',- - • Li v orary 

G i of 

Archibald Cary Coo , ' J ; •« 

and 



ADVERTÊNCIA 



Hano olim veterea vltam coluere S&binl ; 
Hano Remus et frater j alo fortlfl Etruria crevit ; 
Soilicet et rerum facta eat pulchenima Roma. 

Vbo. Giobq. n, 689-6. 



Não encontrará o leitor, n'esta obra, a historia do 
nosso domínio no Oriente. Tratamos agora de co- 
lónias, e não de conquistas, espécies, a nosso ver, 
inteiramente diversas. 

A conquista ou vassallagem das costas e ilhas 
do oceano indico, pelos portuguezes, foi já por nós 
estudada, summaria e rapidamente, como convém, 
no plano destes livros, a um episodio ruidoso, bri- 
lhante se quizerem, para a nossa pátria, mas sem 
maior alcance para a historia do mundo. 

D'essa Viagem dá índia, i em que Portugal se 
embarcou, restam ainda salvados; como quando, 
depois do naufrágio, fluctuam sobre as ondas as 
estilhas do navio despedaçado : Timor, Macau que 
principiou por ser um ninho de piratas, e a cidade 
do Albuquerque terribil, Gôa, com um alfoz bem 
pouco ha enfeodado á Inglaterra. Resta ainda um 
largo trato da costa oriental da Africa, depois de 
perdido o Zanzibar ao norte, e ao sul, o Cabo e o 
porto a que Vasco da Gama chamou do Natal. 
Em Moçambique, porém, com a vasta Zambe- 

* Historia dt Portugal, L. ivj no tom. I, pp. 196-273. 



ADVEBTBNOIÀ 



zia, não acharam ós portuguezes uma civilisação 
indígena ou implantada, como a da índia, ou a 
que os árabes tinham estendido ao longo da costa 
oriental de Africa, na sua metade norte. Eram ter- 
ritórios habitados por selvagens, como o eram os 
da costa occidental, como o eram os do Brazil. Mo- 
çambique prende-se, pois, á historia colonial portu- 
gueza: dando a esta expressão o sentido restricto 
que a nosso entender lhe convém. Conquistar pe- 
las armas e impor o dominio próprio, a nações cul- 
tas, embora o sejam de um modo differente do eu- 
ropeu, differe essencialmente do facto de amansar 
tribus selvagens, de as exterminar, de povoar ter- 
ritórios nús, de desbravar florestas virgens, e abrir 
o solo ás culturas productivas ; — e ainda que usual- 
mente se dê o nome de colónias a todos os estabe- 
lecimentos fundados por europeus fora da Europa, 
é fora de duvida que esta condição geographica 
importa muito menos, do que a distincção prove- 
niente do caracter d'esses estabelecimentos. 

N'este livro, pois, estudaremos a colonisação doa 
portuguezes na America e na Africa; e estudal-a- 
hemos conjunctamente, porque os territórios nacio- 
naes formavam, n'essas duas partes do mundo, um 
systema que se desenvolvia, parallelamente ao sys- 
tema das conquistas orientaes. Aqui os portugue- 
zes davam largas ao seu génio guerreiro e mercan- 
til; na Africa e America obedeciam aos impulsos 
mais felizes do seu génio indagador e audaz ; e a 
mesma tenacidade, com que antes tinham querida 
desvendar, e tinham desvendado, os segredos do 
mar, * era a que os impellia agora a descobrir "oft 
segredos desses vastos e espessos sertSes da Africa 
e da America austraes. 

1 V. Hiet, de Port. i, p. Al e 141-95. 



ADVBBTBHOIA 



Tão incapazes e infelizes provaram ser n'uma 
empreza, como aptos e afortunados se mostraram 
na outra. Os portuguezes foram os primeiros colo- 
nos europeus ; e as ilhas do Atlântico o primeiro 
exemplar de colónias propriamente ditas. As se- 
mentes lançadas á terra da America germinaram, 
e o império do novo continente veiu dar um maior 
testemunho posterior do nosso génio. Fortuna di- 
versa coube á Africa, por isso que ella foi, quasi 
até nossos dias, uma dependência do Brazil. A obra 
do arroteamento e cultura na America faltavam 
braços, e na Africa sobravam negros: as duas co- 
lónias formavam um systema, como atraz disse- 
mos ; — mas se provinha d'ahi o fomento de uma, 
provinha também a condemnação da outra. Eman- 
cipado o Brazil e abolida a escravidão, a Africa 
entrou recentemente n'uma éra nova, a que nós, a 
seu tempo, buscaremos descortinar o futuro. 

Uma nação formada, livre e forte, na America, e 
quasi metade da metade austral da Africa, a colo- 
nisar ou a explorar: eis ahi o que foi e o que é a 
obra dos portuguezes. A sua historia não ficaria 
completa, se se lhe não juntasse a das suas coló- 
nias; — até porque ellas serão para o futuro o me- 
lhor testemunho, acaso o único vivo testemunho, 
da sua existência no mundo, da sua intervenção 
activa na civilisação europêa. 

Essa historia da formação e desenvolvimento das 
colónias, nem pôr ser destituída dos episódios bri- 
lhantes, dos acasos dramáticos, das intrigas enre- 
dadas que a intervenção dos caracteres dos ho- 
mens põe na existência das nações, deixa de mere- 
cer uma attenção viva. É um estudo de embriolo- 
gia social. Vê-se ahi, na confusão muda das cou- 
sas primitivas, o como que germinar da semente, e 
assiste-se ao domínio franco das leis da natureza e 



8 ADVERTÊNCIA 

dos instinctos humanos, — que são também uma ex- 
pressão d'essas leis. A historia reduz-se a fastos ; 
mas cada uma d'essas datas simples : a exploração 
de um rio, a construcção de uma casa, o morticí- 
nio de uma tribu indígena, o desembarque das mu- 
lheres vindas do reino, ou o rapto das dos indios ; 
cada um desses factos acorda no espirito do obser- 
vador o conjuncto de condições e de leis a que obe- 
decem o nascer e o crescer das sociedades. «Assim 
viveram os velhos sabinos, assim Remo e seu ir- 
mão ; assim cresceu a poderosa Etruria ; assim 
Roma se tornou a maravilha do mundo ! » 



O BRAZIL 



E AS 



COLÓNIAS 



PORTUGUEZAS 



LIVRO PRIMEIRO 



Formação das oolonias na Afrioa 

e America 



(U18-1654) 



A descoberta e a occupação 



As causas que levaram os portuguezes a em- 
barcar-se na exploração do mar Atlântico tém sido 
demoradamente estudadas e são conhecidas: * não 
nos occuparemos, pois, d'ellas. O período que vae 
do primeiro quartel do século XV até ao segundo 
do xvi é a grande epocha das descobertas maríti- 
mas. Na primeira metade do século xv a Africa 
Occidental é reconhecida, pela costa, até á Serra- 
Leoa, e são descobertas as ilhas do Atlântico; na 
segunda metade apparece o archipelago de Cabo- 
Verde, as ilhas do golpho da Guiné, e completa-se 
a exploração da costa occidental até ao Cabo, e 
d'ahi a da costa oriental, na viagem de Vasco da 
Gama a Calicut. O primeiro quartel do xvi século 

* V. Civil, iber. 1. xv, 5 j o HUt. de Port, 1. m. 



12 L. I.— FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

é a éra da descoberta littoral do Brazil, effectuada 
por navegadores portuguezes e estrangeiros. * 

As ilhas do Atlântico eram territórios despovoa- 
dos, e o typo de colonisação, que desde logo occor- 
reu aos homens do fim da Edadc-media, ainda sa- 
turados das tradições aristocráticas, 2 foi um typo 
feodal. Assim, na Madeira e nos Açores se crea- 
ram capitanias, nome com que aprouve denominar 
os novos senhorios. N'este primeiro momento da 
historia da colonisação portugueza, veem-se como 
dois reis na nação : o monarcha, por direito histó- 
rico; e o infante D. Henrique, 3 promotor aventu- 
rado das descobertas, senhor dos territórios ultra- 
marinos, cujo domínio o papa, suzerano espiritual 

l — 1.° período 

1418 — Descoberta de Porto-Santo por Bartholomeu Perestrello. 

1419 — » da Madeira por Zarco e Tristão Vaz. 

1429 — Reconhecimento da costa, ao cabo Bojador (Gil Eaniies). 
1482 — Descoberta de Santa Maria (Açores) por Gonçalo Cabral. 
1434-5 — Reconhecimento da costa até Rio do Ouro por Gil Eannes. 
1436 — idem até Angra de Ca vai los por Baldaya. 

1440 — idem até ás bocas do Senegal por D. Fernandes. 

1443 — idem até Cabo-Verde pelo mesmo. 

1444 — Descoberta de S. Miguel (Açores) por Gonçalo Cabral. 

1445 — Reconh. da costa de Gambia por Cadamosto. 

1446 — idem de Guiné, até Oabo-roxo pelo mesmo. 

1447 — idem até rio Tabete por Tristão e Fernandes. 
1449 — Descoberta da Terceira e S. Jorge (Açores) por Bruges. 
1453 — idem das outras ilhas dos Açores. 

3.° período 

1460 — Descoberta das ilhas de Maio, S. Thiago e Fogo (Cabo- Verde). 
1460-1 — Reconhecimento da costa até Cabo Mesurado, por Cintra. 
1469 — idem ao cabo Santa Catbarlna, por Santarém. 

1469-71 — idem do Gabão e descoberta das ilhas do golpho da 

Guiné: Formosa, Fernando-Pó, Corisco, Anão -bom, S. Thomé(70), 

e Príncipe (71). 
1484-5 — Reconhecimento da costa ás bocas de Congo, até ao cabo Negro 

por Diogo Cam. 
1486 — Reconhecimento ao cabo da Boa-Esperança por Bartholomeu Dias. 



1.— >A DE800BEBTA E A OOOUPAÇAO 13 

dos príncipes catholicos, lhe conferira pela bulia 
de UU. 

A descoberta parecia attribuir um direito análogo 
ao direito da conquista nos tempos medievaes; e 
os navegadores eram investidos nas capitanias, 
em que se repartiam os territórios, como que con- 
quistados ao mar. A Madeira e Porto-Santo fo- 
ram em 1425 divididas em duas capitanias, a do 
Funchal e a de Machico, dando-se a primeira a 
Zarco, e a segunda a Tristão Vaz. Nos Açores se- 
guiu-se o mesmo systema. Colonisadas, com algar- 
vios e minhotos, pelos seus donatários, as ilhas do 
Atlântico breve prosperaram á sombra de um clima 
benigno e de um solo ubérrimo. Funchal era villa 

1497-8 — Reconhecimento a Melinde (na costa oriental), por Vasco da 

Gama. 
1501 — Descoberta das ilhas Ascens&o e S. Helena por João da Nova. 

3.° período (as costas do Brazil) 

1499-500 — Pinzon visita a foa do Amazonas e cabo S. Agostinho (8° s)» 

1500 — Cabral desembarca em Porto- Seguro (16° 30' s). 

1501-2 — Vespucci vae de Portugal ao cabo S. Roque (5°), reconhecendo a 
costa até 85°. 

1508-4 — Vespucci e Coelho, de Portugal, & ilha de Fernando Noronha ; e 
da Bahia (13°) a cabo-Frio. 

1508-9 — Pinzon e Solis, por Oastella, ao eabo S. Agostinho, descendo a 
costa até 40°. 

1510 — Um navio português, naufragado na costa da Bahia, deixa ahi a tri- 
pulação, encontrada 85 annos depois cruzada com os Indígenas. 

1515-16 — Solis, por Castella, a cabo-Frio j dobra o cabo Natividade e o 
Cananéa (25°), visita a ilha dos Patos, a bahia dos Perdidos (27°J e 
entra no Mar-dooe, ou de Solis (Rlo-da-Prata), onde morreu. 

1516 — Thomaz Perth, pela Inglaterra, explora as costas do Brazil. 

1519 — Fernão de Magalhães, a caminho do Pacifico, descobre a bahia do 

Rio de Janeiro. 

1520 — Os Parmantier, de Dieppe, visitam a costa de Pernambuco. A posse 

do Brazil, disputada entre Oastella e Portugal, ficou ao ultimo pelo» 
tratado de Tordesillas. 

* Civil. iber. n, 2 ; e m, 8.-8 Hitt. dê Port. m, 1. 






14 



L. L. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 



•v 



.V 



'} 



em 1451 e cidade em 508. No meiado do XV século, 
isto é, trinta ou quarenta annos depois de desco- 
berta, a Madeira contava quatro povoações impor- 
tantes, punha em armas 800 homens, produzia grãos 
para alimento próprio, e assucar que, cem annos 
mais tarde, chegou a pesar quatro mil toneladas. 
Já não succedeu outro tanto aos territórios des- 
cobertos ao longo das costas occidentaes da Africa, 
onde o clima impedia a fixação dos colonos portu- 
guezes, e onde, principalmente por serem essas re- 
giões habitadas, não faltava a mão-de-obra para 
extrair os productos da terra. Os navegadores, ao 
aportarem nas bahias, ao entrarem nos estuários 
dos rios, è nas lagoas d'essa baixa e pantanosa 
costa de Guiné, encontravam os enxames de ne- 
gros com quem resgatavam os productos indíge- 
nas. O commercio, e não a colonisação, estava 
desde logo indicado como o futuro do aproveita- 
mento d 'essas regiões descobertas ; e acima de to- 
dos os commercios, o dos negros, de que tanto ca- 
reciam as selvas bravias das ilhas açorianas e os 
cannaviaes de assucar da Madeira; o commercio 
dos negros, em que os berebéres se occupavam 
desde immemoraveis tempos, e a quem nós subs- 
tituímos, depois de termos comprado de suas mãos 
os primeiros escravos da Guiné. 

A's ilhas de Cabo Verde, porém, deshabitadas, 
pensou-se applicar o systema que tão excellente 
provara nos Açores e na Madeira. Doadas ao in- 
fante D. Fernando, as tentativas que este fez para 
as colonisar com criados seus e gente da Guiné, 
sem falharem de todo^ não corresponderam ás es- 
peranças. Pouco ou nenhum resultado se obteve 
também do primeiro ensaio de colonisação de S. 
Thomé, a qual em 1485 tinha um foral, e em 90 se 
elevava a capitania em favor de João Pereira. 



1. A DBBOOBHBTA B A OOGUPAÇlo 16 

Um caso fortuito, porém, deu azo á prosperidade 
da ilha : a questão dos judeus. * Em 93 a capita- 
nia de S. Thomé foi transferida a Álvaro de Cami- 
nha, que se estabeleceu na colónia com judeus e de- 
gredados, dando-se a cada huu huua escrava pêra 
a ter & se delia servir avendo o principal respeito 
a se a dita ilha povoar. 

Tal é, em resumidos traços, o esboço da primeira\ 
época da historia ultramarina portugueza. Ás ilhas \ 
do Atlântico, povoadas e agricultadas, dão a pri- 
meira prova da capacidade colonial dos portugue- 
zes ; e em breve espaço adquirem uma phisionomia 
europêa : s ão como pedaços de Portugal , destacados ^c 
do continente, embora só muito mais tarde a admi- \ 
nistração consagrasse esse facto. A Africa oriental, , i / 
visitada, já em pontos occupada, nos primeiros an- < ^| : 
nos do xvi século, * prende-se porém ainda ao sys- 
tema do império militar e da exploração commer- 
cial do Oriente, para onde todas as attençSes se 
voltam exclusivamente durante o reinado de D. 
Manuel. Do Brazil, apenas descoberto, ninguém 
cura : são demais as terras para tão pouca gente, e 
o minotauro da índia devora todas as forças e ab- 
sorve todas as cubicas. Nas ilhas africanas de Cabo 
Verde e S. Thomé germinam obscuramente as se- 
mentes de uma população mestiça; e a costa Occi- 
dental, abandonada ao sul do equador, é, ao norte, 
em toda a volta do golpho da Guiné e até ao Se- 
negal, um mercado, onde de espaço a espaço se en- 
contra uma feitoria e uma fortaleza. Não ha uma 
occupação ininterrompida, e, ao lado dos estabeleci- 
mentos portuguezes, começam a vêr-se, senão ou- 
tros estabelecimentos, por menos as tripulações dos 



1 V. Civil. t&er. iv, 6. — * 1505, creaçio da capitania de Sofalla ; 508, 
fundação da fortaleza de Moçambique. 



16 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

navios dos armadores do norte da Europa que, des- 
embarcadas, mercadejam com os naturaes nos pon- 
tos por nós não avassallados. O infante D. Henri- 
que construirá o forte de Arguim, para assegurar 
o monopólio da bandeira portugueza n'esse ponto, 
onde os negroides do Sudão vinham trocar o ouro 
e os escravos por trigos e tecidos de fabrica euro- 
pêa. Esse resgate de Arguim era arrendado a com- 
panhias de armadores ; e assim como os princípios 
do direito feodal vingavam na divisão das terras 
colonisaveis, assim appareciam aqui transformados 
em monopólios mercantis. Ao forte de Arguim jun- 
tou D. João li o de S. Jorge da Mina, sem que, 
porém, jamais se conseguisse dominar exclusiva- 
mente n'essa costa mortífera da Guiné, nem mono- 
polisar o resgate dos escravos, o resgate do ouro, 
o resgate da malagueíá, sobre que todas as gentes 
do norte da Europa tinham os olhos avidamente 
abertos e a cubica despertada com furor. 



i' : 
1 1 



» " 



II 

A organisação 

\ O governo de D. João m foi o fundador da co- 

* lonisação portugueza nos continentes ultramarinos. 
;N Éa partir de 1530 que a exportação de colonos do 

reino, para diversos pontos das dilatadas e apenas 

• conhecidas terras da monarchia, na Africa e Ame- 
rica, principia. Estava no apogeu da prosperidade 
o edifício das conquistas orientaes : já Albuquer- 
que fundara o vasto império banhado pelo oceano 
indico, desde o cabo da Boa-Esperança até Mala- 



2. — A 0BGANI8AÇA0 17 

ka, * e tratava-se da conquista de Diu, para avas- 
sallar a costa de Kanibay, 2 quando o governo da 
metrópole se decidiu a olhar para a Africa e para 
a America, e a continuar, em larga escala, os en- 
saios de colonisação do século anterior. 

As ilhas de Cabo Verde, onde os povoadores 
tinham conseguido medrar ao abandono, foram as 

, primeiras para que o governo se voltou. Povoam-se 
S. Nicolau, Boa- Vista, Maio e S. Antão ; reveem-se 
e confirmam-se as doações ; applica-se, a esses ter- 
ritórios novos, onde sobretudo é necessário impedir 
o desleixo e ociosidade dos colonos, ajei das ses- 
marias; e o resultado do systema de medidas em- 
pregado é tal, que, em 32, o desenvolvimento da 
população exige a creação do bispado, indepen- 
dente do Funchal, até então nietropolita de todos- 
os territórios africanos. 

Outro tanto succedera em S. Thomé: também 
a população florescera a ponto que, em 22, já a ilha 
contava 60 engenhos que produziam por 450 mil ar- 
robas de assucar. Também em 34 foi ahi creado 
um bispado, do qual se fez depender o território 
portuguez na costa austral do occidente da Africa. 
Desde então as colónias africo-americanas desta- 
cam-se completamente das ilhas atlânticas, já po- 
voadas ^e europeizadas. 

"Se na Guiné, pelo clima, e pelo commercio ab- 
sorvente dos negros e do ouro, as cousas se con- 
servavam como de antes, não succedia o mesmo em 
Moçambique. Já na Zanibezia se tinham fundada 
os presídios interiores de Sena e Tete ; Inhambane, 
Lourenço-Marques eram já feitorias commerciaes na 
costa, e Quelimane veiu depois (U) completar o 



1 V. Hist. de Poit. i, p. 217-34. — 2 Ibid. 235-41. 

2 



i 



18 L. I. — FOBMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

systema de focos de colonisação. Angola continua- 
va ainda abandonada. 
"^ O Brazil, porém, que, durante o reinado de D. 
Manuel não merecera a attenção dos estadistas, 
embriagados na admiração da índia, deve ao go- 
verno de D. João ni, o rei colonisador, o principio 
da sua existência. Essa fúnebre tragedia da Inqui- 
sição, que lançou modernamente, aos hombros do 
successor de D. Manuel, o pezo de um supposto 
crime, com que se lhe desvirtuou a memoria; fez 
esquecer a grande divida da nação ao primeiro go- 
verno que nos abriu as portas da America ; ao so- 
berano que, sem se deixar ensandecer com o esplen- 
dor carthaginez do império oriental, se consumiu em 
vão a buscar organisal-o, moralisal-o, empregan- 
do-se ao mesmo tempo a fundar, nos sertões ameri- 
canos, um novo Portugal, a nossa honra histórica, e 
Jpor tanto tempo o amparo da nossa existência eu- 
ropêa. Nós, que já tentámos vingar a memoria de 
D. João III, * deixamos aqui indicado o melhor ti- 
^tulo que o recommenda á posteridade: foi o colo- 
nisador. 

VA primeira expedição portugueza ao Brazil data 
de 1525. O rei mandou á America a Christovam 
Jacques com o titulo de capitão-mór. O enviado 
aportou a um lugar a que chamou Bahia-de-todos- 
os-Santos, por ahi ter chegado no 1.° de novembro ; 
fundou uma feitoria na costa fronteira a Itamaracá ; 
levantou padrões ; e deixou uma colónia com dois 
padres franciscanos em Porto-Seguro ; regressando 
ao reino. A este primeiro ensaio seguiram-se medi- 
ai das mais formaes. Em 1530, Martim Affonso de 
Sousa, que depois foi, e vergonhosamente, gover- 
nador da índia, 2 partia para o Brazil, então cons- 

* V; CivU. iber. p. 213-7. — * V. Hist. de Port. I, p. 241. 



2. — A OBGANISAÇAO 



19 



J 



tituido em governo da America lusitana, ou Terras 
brazilicas; fundava a Parahyba, e introduzia no 
continente a cana de assucar levada de S. Thonié. 

A estas duas primeiras expedições seguiu-se 
logo a constituição e colonisação systematica. Os 
judeus, os degredados, forneciam o primeiro nú- 
cleo de população. O Brazil era além d'isso azylo, 
couto e homizio garantido a todos os criminosos 
que ahi quizessem ir morar, com a excepção única 
dos réus de herezia, traição, sodomia e moeda^ 
falsa. 

Para a constituição politica das colónias não ha- 
via nas idéas do tempo noções diversas das que no 
século anterior se tinham applicado ás ilhas atlân- 
ticas: isto é, o enfeodamento dos territórios. De 
1530-35 o Brazil foi, pois, dividido em 12 capita- *** 
nias, * cujos donatários tinham poderes soberanos, 
salvo o de cunhar moeda. O tributo do dizimo doâ 
productos, para a coroa, era a expressão do domi- 
nio soberano d'esta ultima. Cada capitania devia 
corresponder a 50 ou 60 léguas de costa, podendo 




4 Eis aqui, resumidamente, os fastos da organisação feodal do Brazil 
I Oapitanias, de 1530-35 









Reversão Primeiras 


Doação Donatários 


Títulos 


a' coroa povoações 


1534 


I João de Barros \ 
(Ayres da Cunha) 


Rio-grande-do-norte 1540? Natal 




Maranhão 


> S. Luis 




Alvares de Andrade 


Jurucoará 


> Tutoya 




Cardoso de Barros 


Ceará 


1556? Aquiraz 




P. Lopes de Sousa 


Itamaracá 


1743 Itamaracá 




> 


Santo Amaro 


1709 Laguna 




D. Coelho Pereira 


Pernambuco 


1654 Igarassu 




F. Pereira Coutinho 


Bahia 


1548 Villa-Velha 


1535 


J. Fig. Corrêa 


Ilhéus 


1761 Ilhéus 


1534 


P. Tourinho 


Porto Seguro 


1759 Porto Seguro 


> 


V. Frz. Coutinho 


Espirito Santo 


1718 Espirito Santo 


1530-4 M. Affonso de Sousa 


S. Vicente 


1791 S. Vicente 
* 



20 



L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 



\ 



»• ■ 



estender-se para o sertão á medida que se alargas- 
sem as conquistas dos donatários. 

Uma politica de sensata liberdade isentava a 
agricultura, a industria e o commercio, de restric- 
ç5es vexatórias, franqueando a colónia aos estran- 
geiros, mediante o pagamento de leves direitos dif- 
ferenciaes. Os impostos eram moderados, poucos os 
artigos estancados, e era livre a translação dos in- 
divíduos de umas para outras capitanias, e de qual- 
quer d'ellas para o estrangeiro. 

Tal foi a primeira constituição da America por- 
tugueza; e as consequências doesse systema impri- 
miram á eolonisação do Brazil um cunho, ainda 
hoje evidente por modos diversos. Por um lado a 
população, especialmente no norte, constituiu-se 
aristocraticamente: isto é. a§ cazas de Portugal 
enviaram ramos para o ultramar, e desde todo o 
principio a colónia apresentou um aspecto diverso 



II Capitanias creadas posteriormente 



1557 


D. Álvaro da Costa 


Paraguassu 


? 


Itaparica 


1567 


A Coroa 


Rio de Janeiro 


— 


V. velha do Rio 


1590 


> 


Sergipe 


— 


Aracaju 


1615 


> 


Grão-Pará 


— 


Belém. 


» 


» 


Cabo-frio 


— 


Cabo-frio 


1620 


> 


S. Pedro d'Elrey 


— 


Estreito 


» 


F. de Albuquerque 


Cuman 


1630 


Alcântara 


1633 


F. Coelho de Carvalho Camutá 


1637 


Camutá 


1637 


D. Maciel Parente 


Cabo do norte 


1642 


Macapá 


1665 


A. Souza Macedo 


Marajó 


1764 


Monforte 


1674 


V. d'Asseca 


Parahyba do Sul 


? 


S. João da Barra. 



Este quadro demonstra : 

1.° Que até quad ao fim do xvn século se continuou a empregar o 
systema feodal, apesar da constituição do governo central da Bahia ; mas 
que os feodos particulares de 1620-74, creados quasi todos nos sertões invios 
do vali e do Amazonas, não poderam vingar ; 

2.° Que a vitalidade do systema, introduzido por D. João iii em 1543, 
era tal que de 1567-620 se instituem feodos ou capitanias da coroa, á imi- 
tação do que também succedera na Europa medieval j 

3.° Que a reversão á coroa, movimento que traduz a victoria do fvs- 



V 



2. — A OHQANlSAÇÃO 21 

das turbulentas emigrações dos castelhanos na 
America central e occidental. Por outro lado, a di- 
visão de tão vastos territórios em capitanias que os 
abrangiam todos, deu logar a uma creação spora- 
dica de focos de colonisação no littoral, sem liga- 
ção entre si, sem unidade, cada um dos quaes era 
como uma colónia independente. Juntando, a esta 
circumstancia, a de que os capitães ou donatários 
podiam alargar o seu domínio para o sertão, por 
lh'o consentirem as bacias hydrographicas do inte- 
rior, cortadas por grandes rios navegáveis; vêeni- 
se claramente as causas d'essa colonisação dispersa, 
que ainda hoje é um dos sérios embaraços ao de^ 
senvolvimento da nação. 

«Um território vastíssimo, diz um moderno es- 
criptor brazileiro, foi dividido em doze capitanias, 
maiores algumas do que os maiores reinos da Eu- 
ropa, e enfeodado perpetuamente a alguns validos 

tema centralisador sobre o feodal, salvos os casos fortuitos, só é decisivo no 
xviii século : só então as idéas de soberania absoluta vingaram decidida- 
mente. 

As capitanias foram succeasivainente caindo no domínio da coroa, ou 
por abandono, ou por morte sem herdeiros, dos donatários, ou por confisco, 
ou finalmente por compra de direitos, processo principalmente seguido no 
xviii século. 

A constituição do governo central da Bahia em 1548 aboliu a capitania 
creada em 34 n'essa parte da costa, onde o soberano fundava agora a sede 
do seu poder eminente ; e as successivas capitanias, que vemos crearem-se 
(1567-620) em favor da coroa, provém da apropriação de territórios conquis- 
tados pelos governadores : 

1615 Grão-Pará, por F. Caldeira Castellobranco 

1590 Sergipe, por Chi istovam de Barros 

1615 Cabo-frio, por Constantino de Menelau r 

1567 Rio de Janeiro, por Estacio de Sá. 
Assim, vemos reproduzirem-se na America os factos da historia da Eu- 
ropa. A coroa tem a suzerania ; mas o rei, suzerano, é também vassallo, 
como donatário (V. Civil, ibérica, p. 147-50); e por outro lado dá-se o con- 
curso da forma feodal e da fornia monarchica do governo, até que por fim, 
a primeira cede inteiramente o lugar á segunda. 



I 



22 L. T. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

è capitães, homens de corte e de guerra, a cuja 
amplíssima jurisdicção ficou pertencendo a distri- 
buição e exploração do solo, a povoação e defeza 
dos campos e cidades, o exercício da justiça e.a 
maior parte dos outros attributos da soberania; 
tudo em tal desaccordo e desproporção com as suas 
força^, que os mais d'elles, depois de uma lucta 
prolongada e de grandes desastres, abriam mão de 
taes emprezas, exhaustos e arruinados.» 

Facto é, porém, que, ainda em tempos muito 
posteriores, os governos metropolitanos da Europa 
só poderam fomentar a colonisação e exploração 
dos territórios ultramarinos por instituições, senão* 
juridicamente feodaes, evidentemente nascidas dos. 
exemplos da historia, e creadas á imagem d'essas 
J capitanias com que D. João ih realisou a sua po- 
j lítica colonial. Essas instituições são as compa- 
nhias das índias, que á Hollanda e á Inglaterra 
I serviram para fundar os seus impérios coloniaes : 
tinham attribuiçoes soberanas, como os donatários 
do Brazil; e apesar da vastidão dos seus recursos, 
a companhia das índias não pôde manter a con- 
quista de Pernambuco no século xvn. 

Não ha duvida, comtudo, que as primeiras ten- 
tativas dos donatários do Brazil provaram em parte 
estéreis. O acaso concorreu muito para isso ; e a 
desgraça do naufrágio da expedição de 10 náos que 
João de Barros, Ayres da Cunha e Alvares de An- 
drade mandaram á conquista das suas capitanias, 
não pôde considerar-se argumento, pelo facto de 
elles as abandonarem, arruinados por esse caso im- 
previsto. Mais graves considerações merecem as 
discórdias, as villanias, os crimes, as luctas á mão 
armada, dos capitães ou seus tenentes. Taes desor- 
dens, que no ultramar reproduziam, com uma cor 
nova, os factos da historia feodal europêa, levaram 



N 



2. — A ORGANIBAÇÂO 23 

D. João iii a pôr ao lado dos capitães, para os en- 
frear, um governador ou vice-rei : do mesmo modo 
que também na Europa os monarchas tinham re- 
presentado similhante papel perante os seus ba- 
rões. Assim nasceu o governo geral do Brazil em 
1548, escolhendo-se a Bahia para capital, abolin- 
do-se a capitania d'essa parte da costa, e cons- 
truindo-se uma nova cidade. 

A tentativa de organisação feodal-liberal recebeu 
com isto o primeiro golpe, e foi gradualmente ce- 
dendo o passo a diversa politica administrativa. O 
imperialismo, que vingava na mãe-patria, trans- 
plantou-se na colónia ; e, depois, as crizes prove- 
nientes dos ataques marítimos de francezes e hol- 
landezes, principalmente, deram a victoria decisiva 
a uma administração centralisadora, monopolisado- 
ra, protectora, absolutista, conforme as idéas vigen- 
tes na Europa. Logo, porém, que Thomé de Souza, 
primeiro governador-geral se installa, como tenente 
do soberano, na Bahia, com um milhar de solda- 
dos e degredados que levava comsigo, — prohibe-se 
a communicação dos colonos das diversas capita- 
nias, sem licença especial; prohibe-se o aportar 
onde não houver alfandegas; fazem-se regulamen- 
tos para a cultura e fabrico do assucar; exigem-se 
licenças para a construcção de navios. O novo 
Brazil monarchico lançou breves raízes : em qua- 
tro mezes a cidade da Bahia, capital, contava cem 
fogos. 

Apesar dos vícios do systema primeiro adopta- 
do, apesar dos embaraços da distancia, da inhospi- 
talidade do clima, do bravio das florestas minadas 
de animaes ferozes e de índios não mais humanos, 
os quatorze annos, que medeiam entre a creação 
das capitanias e a do governo geral da Bahia, não 
foram cheios somente de erros. 



\* 



24 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

i 

Esboçavam-se já os lineamentos da futura nação. 
Erguiam-se ao longo da costa, desde Pernambuco 
até S. Vicente, os focos de colonisação ulterior. Já 
ee viam rudimentos de cidades e, — cousa de certo 
fecunda para o futuro desenvolvimento, — esses ru- 
dimentos apresentavam a phisionomia europêa, e 
não a desordenada e confusa mistura de raças di- 
versas, não a anarchia dissoluta dos estabelecimen- 
tos castelhanos, mineiros, e não agrícolas quaes 
eram os do Brazil. A occupação da costa não ex- 
cedia por um lado 7 o N. e pelo outro 24° S, — pro- 
ximamente um terço do desenvolvimento total, — 
entre as duas colónias florescentes de Pernambuco 
e de Santos. Do cabo Branco ao Oyapock pelo 
norte, e de Santos á lagoa dos Patos pelo sul, não 
havia ainda estabelecimentos. Mas, nas duas coló- 
nias então extremas, e que depois vieram a ser o 
coração dos como dous Brazis do xvii século; em 
Santos (S. Paulo) ao sul, e em Pernambuco ao 
norte, divisavam-se já os symptomas da primeira 
época da vida histórica da America portugueza. * 
Eis ahi esboçados os traços cardeaes da politica 
ultramarina do governo de D. João iii, ao qual ca- 
berá eternamente a gloria de ter sido o fundador 



i 



* Estatística económica do Brazil em 1548 : 
Capit. Itamaracá : 100 casas, na ilha, e alguns engenhos de-assucar. 

» Pernambuco : 2 cidades, Olinda e Iguarassu ; 1000 famílias ; 23 en- 
genhos produzindo ann. 25:000 arr. assucar. 
Bahia-capital : Villa-velha e Paripé ; 1100 famílias, 18 engenhos, 5 egre- 

jas e 1 collegio de jesuítas. 
Capit. dos Ilhéus: 100 famílias, 8 engenhos e 1 collegio de jesuítas. 

» Porto Seguro : 8 cidades : S. Amaro, S. Cruz, Porto Seguro ; 220 fa- 
milias, 5 engenhos, e 1 collegio' de jesuítas. 
Espirito Santo: 200 famílias, 1 engenho, cultura de algodão, e 1 col- 
legio de jesuítas. 
Rio de Janeiro: S. Sebastião, cidade ; 200 casas; 1 engenho e 1 coll. 
S. Vicente : Santos, cidade ; 300 casas, 4 engenhos e 1 casa de je- 
suítas. 



S. — A EXPLORAÇÃO DOS 8ERTOE8 25 

do systema colonial portuguez , a melhor obra ci- 
vilisadora da nação, já illustre pelas navegações 
no oceano, agora celebre pelas explorações nos con- 
tinentes ignotos. 

Para fixar bem no espirito do leitor os elemen- 
tos constitucionaes d'estas novas cidades, fundadas 
pelos portuguezes no ultramar, convém resumil-os: 

a) Matéria prima de colonisação : — os condemnados, 

os judeus, deportados pelo soberano ; — os 
criminosos homisiados ; — os colonos levados 
pelos donatários ; — no Brazil, os indios es- 
cravisados ; e por toda a parte os negros da 
Guiné, exportados, como instrumentos de 
trabalho. 

b) Espécie de exploração colonial : — a agrícola, 

quasi exclusivamente caracterisada pela cul- 
tura da cana e fabrico do assucar. 

c) Constituição social: — a feodal, por doações e se- 

nhorios ou capitanias territoriaes ; ou por ex- 
clusivos mercantis, como na Guiné ; — con- 
junctamente com os governos-geraes, repre- 
sentantes do soberano. — Organisação eccle- 
siastica, á imitação do reino, em bispados e 
parochias. — Missões livres, principalmente 
de jesuítas. 



m 

A exploração dos sertões 

Desde a segunda metade do xvi século elementos 
novos vém entrar no systema da colonisação nacio- 
nal: — são o desejo ardente de descobrir, nos terri- 






26 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

tórios portuguezes, esses metaes preciosos, de que se 
julgavam saturados os continentes africano e ame- 
ricano, e que no ultimo faziam das colónias caste- 
lhanas inexhauriveis thesouros; — e os conflictos 
creados pelas missões jesuitas, já com o Estado, 
por quererem instituir uma constituição theocratica 
de naçoos indígenas ; já com os colonos, por isso 
que no Brazil esse programma se oppunha á es- 
cravisação dos índios, instrumentos de trabalho. 

D'estes dous elementos novos, o primeiro, sem 
conduzir ás desejadas descobertas mineiras, foi um 
incentivo poderoso para alargar a exploração dos 
sertões da Africa e da America. 

Em Angola, onde desde o fim do século anterior 
as missSes do Congo tinham dado logar ao com- 
mercio com os negros, começara na segunda me- 
tade do XVI século uma occupação regular. Em 560 
Paulo Dias visita pela primeira vez a barra do 
Quanza ; e volta em li, já nomeado governador e 
conquistador, a estabelecer-se em Loanda, primeira 
cidade portugueza. Começam d'ahi as interminá- 
veis guerras com os negros, fomentadas principal- 
mente, no dizer do governador Luiz Mendes (1617), 
pelo resgate de escravos do sertão, que elle prohi- 
biu sem êxito ; e d'essàs guerras ficou a memoria 
do cerco de Massangano (595), primeiro baluarte do 
domínio portuguez em Angola. As victorias suc- 
cessivas sobre os régulos africanos, embora entre- 
meiadas de sangrentos morticínios ; embora as fe- 
bres mortíferas andassem sempre alhadas aos ne- 
gros ; permittiram a fixação e alargamento do esta- 
belecimento de Angola. Vários presídios o defen- 
diam já ; mas a colónia ia-se desenhando com tra- 
ços análogos aos da Guiné : não se cultivava a ter- 
ra, commerciava-se, principalmente, ou até exclu- 
sivamente, em negros ; não crescia a população, di- 



3.— A EXPLORAÇÃO DOS SERTÕES 27 

zimada pelas febres : só em 595 foram do reino doze 
mulheres brancas, as primeiras. 

Assente, assim, um domínio militar, a cuja som- 
bra se explorava o commercio da gente negra, 
acordou a tradição das montanhas de prata de 
Cambambe ; e a cubica dos metaes preciosos impri- 
miu um novo movimento á exploração sertaneja 
com as expedições successivas e mallogradas de 
594 e de 602, que levaram á occupação do districto, 
sem conduzirem á descoberta das minas. Por ou- 
tro lado, corria que o sertão de Benguella era um 
deposito de cobre ; e desde que a prata falhara, 
esta nova esperança conduziu os exploradores á 
conquista de Benguella (617), onde tão pouco se 
achou o cobre, apenas uma região mortífera. 

Em Moçambique vogavam mais promettedoras 
tradições. Sofalla era o antigo Ophir; o interior 
d'essa larga bacia do Zambeze, incognitp e myste- 
rioso, suppunha-se conter depósitos incontáveis do 
ouro mais puro, o ouro de Salomão ! D. Sebastião 
dividira em três governos o império oriental (1571), 
e o primeiro d'elles, (do cabo das Correntes ao 
Djar-ha-fún,) incluia Moçambique e as costas do 
Zanzibar, posteriormente perdidas. Francisco Bar- 
reto, primeiro governador da Africa oriental, foi com 
ordens de descobrir o Ophir; e o ouro com que a 
imaginação ardente do nosso quichote * sonhava, 
para conquistar o império que veiu a ser Alcacer- 
quibir, mas que então acaso o rei não localisava 
ainda fora da própria phantasia. 

A expedição de Barreto gorou, e o governador 
morreu em Sena. Por Sena e Tete, nas margens do 
Zambeze, vivia já em certo grau de desenvolvi- 
mento um paraguay jesuíta. As missões aldeavam 

1 Hist. de Port. L. v, 3. 



28 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

cafres, os missionários eram fetiches vivos dos sub- 
missos neophytos. Contra as missões teve de parar 
Vasco Homem que proseguia o plano do governa- 
dor. Retirou, mas voltou no anno seguinte com 
tropas e artilheria bastante para convencer os pa- 
dres. Passou. Explorou o valle do Zambeze; che- 
gou a Quiteve, visitou Chiconga, e tornou dizendo 
ter visto as minas, cuja lavra em seu parecer não 
compensaria o trabalho. 

Adquirida a convicção de que nenhuma das 
Africas podia ser um Peru, um México, voltaram- 
se todas as attençoes para a America. As colónias 
africanas, Angola, Moçambique, tornaram-se deci- 
didamente uma mina do ouro negro, — do escravo 
robusto e resistente á acção deletéria dos climas 
J tropicaes ; do instrumento inapreciável com que no 
* Brazil se faria o assucar e se lavrariam as minas. 
A esperança de achar na America oriental o que 
na occidental enriquecia o visinho reino de Castel- 
la, (esperança que só um século mais tarde veiu a 
tornar-se realidade,) era antiga em Portugal. Já em 
1539 D. João iii, quando João de Barros, perdido, 
renunciara a capitania do Maranhão, a dera a Luiz 
de Mello, que partiu do reino com cinco navios para 
penetrar pelo Amazonas até ás minas a leste do 
Peru. Mallograda esta expedição pelo naufrágio do 
segundo donatário do Maranhão, a pesquisa de mi- 
nas cedeu o passo á colonisação agrícola até quasi 
ao fim do século. A população crescia, multiplica- 
vam-se as povoações. Santos recebia foros de ci- 
dade (546) ; fundavam-se Itanhaem (62), Cananéa 
(87), e ao lado do desenvolvimento da hoje provín- 
cia de S. Paulo, conquistava-se para a coroa Ser- 
gipe d'Elrey. Foi nos últimos annos do século que 
a ambição das minas acordou de novo. Gabriel 
Soares, em busca do verdadeiro El-dorado, per- 



i. — A8 MISSÕES 20 

corre o rio de S. Francisco até á sua origem (597 ) T 
e vae até ás fronteiras da Bolívia, mas em vão. 
Pedro Coelho segue-lhe as pisadas, sem melhor re- 
sultado. Em 603 o governador do Brazil manda 
também uma expedição para o Ceará, em busca de 
ouro. Se Botelho o não achou, fundou na volta 
Nova-Lisboa. 

Assim, as pesquizas de minas nas duas Africas 
e no Brazil, infructiferas em si, tiveram o alcance 
enorme de alongarem os exploradores pelo interior 
dos sertões : a face do homem branco apparecia 
pela primeira vez no seio dessas regiões mysterio- 
sas ; e esse homem era o portuguez, que com audá- 
cia egual se aventurara primeiro ao mar incógnito, 
agora aos sertões bravios. 

Se já na Africa o chamava para o interior a caça 
dos negros, antes de ahi ir em busca de minas; 
outro tanto succedia na America: as bandeiras 
trilhavam os sertões para descer índios. 



IV 
As missões 



As guerras com os indígenas da America e da 
Africa apresentam de novo na historia o que ella 
presenciara, séculos antes, nas invasões da Europa 
pela raça branca. N'essa lucta contra os aboríge- 
nes, vê- se o processo pelo qual a natureza, for- 
çando a uma selecção, foi gradualmente desenvol- 
vendo a capacidade e o império dos seres superio- 
res. A adaptação da raça peninsular ao clima ame- 
ricaho-austral trouxe comsigo o extermínio das tri- 



30 L. I. FOBMAÇAO DA8 COLÓNIAS 

bus indias ; ao passo que a inhospitalidade da Africa 
não consentiu, nem a extincção do negro, apesar 
da escravatura, nem a formação de uma sub-raça 
mestiça, apesar das successivas immigraçoes de 
brancos. 

No xvi século não se comprehendiam assim as 
relações e movimentos das diversas raças., O espi- 
ritualismo christão fazia crer a todos, que, por vir- 
tude de uma alma sempre irman, aninhada dentro 
do corpo de indivíduos, de cor e formas diversas, 
todos os homens eram uma e a mesma cousa. O 
principio da identidade em Jesus Christo, pregado 
nos primeiros tempos christãos para o grego e para 
o bárbaro, estendiam-no agora os jesuítas e a 
Egreja ao negro e ao índio. A natureza das cou- 
sas rebellava-se de certo contra esta piedosa noção ; 
e por isso vemos os missionários escravisarem 
também os pretos e fruírem d'esse resgate; por 
isso vemos que o aldeamento dos índios da Ame- 
rica só se distingue da escravisação secular em ser 
uma forma mais benigna e mais intelligente de ex- 
ploração. Por outro lado, nas missões jesuítas ap- 
parece um elemento estranho que complica as 
questões de um modo imprevisto. Renovadores do 
catholicismo, os discípulos de Loyola * punham em 
pratica o plano de dominar o mundo em nome de 
Deus, não só com as armas espirituaes, mas tam- 
bém com os instrumentos mundanos, a riqueza, a 
intriga, e até 'a força. Evidentemente pensaram 
em crear, com os aborígenes da Africa, e principal- 
mente com os da America, estados ou nações jesuí- 
tas ; e d'ahi provinham os conflictos constantes com 
a authoridade civil. Ao mesmo tempo, reclamando 
para si, para as suas aldeias, para as suas fazen- 

4 V. Civil. iber. L. iv, 3 e pag. 25J e segg.; H. de Port. L. vi, 1. 



4. AS MISSÕES 31 

das, todos os Índios, vieram a crear uma guerra 
constante com os demais colonos, que á busca de 
braços iam á caça ao sertão. 

A barberie e a crueldade com que os capitães e 
os colonos procediam, significavam a um tempo a 
necessidade da defeza e a rudeza dos tempera- 
mentos. Eguaes sentimentos governavam no Orien- 
te ; e se, mais tarde, as homilias jesuítas condem- 
nam o máo trato dos índios, quando as plantações 
das missões concorrem com as seculares na explo- 
ração do trabalho indígena ; é facto que, a principio, 
a guerra e a escravisação se afliguravam puras de 
todo o peccado aos mais piedosos espíritos. João de 
Barros dizia que os negros arrancados á Africa 
mais vinham receber a salvação do que o capti- 
veiro ; e Nóbrega e Anchieta, os fundadores das 
missões do Brazil, cooperavam com os capitães nas 
guerras contra os indígenas, — em vez de defende- 
rem os indios contra os capitães, conforme os suc- 
cessores fizeram* depois, — por pensarem que só á 
força o selvagem se convertia, * e que as bandei- 
ras do resgate do sertão iam salvar os prisioneiros 
das guerras intestinas, da anthropophagia e da per- 
dição eterna. 

O desenvolvimento das culturas, tornando poucos 
todos os braços ; o desenvolvimento da força e do 
numero da população colonial ; a importância das 
missões protegidas da coroa e enriquecidas com as 
plantações nas aldeias índias : eis ahí os elementos 
dos conflictos que assignalam a segunda epocha da 
existência colonial do Brazil. Esses conflictos são, 
por si próprios, a prova do progresso da colónia. 

Na Africa a historia das missões não tem o inte- 
resse do Brazil. O clima e o negocio absorvente da 

1 «Os indios mais por medo que por amor se hão de remir. > 



32 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

escravatura negra não consentiam a creação de plan- 
tações, nem o desenvolvimento da população bran- 
ca. Os negros do Congo tinham-se convertido em 
massa ; o rei, a corte, os súbditos, eram todos chris- 
tãos, porque assim chamavam os padres aos que re- 
cebiam o baptismo, e adoravam os novos fetiches, 
com a mesma fé com que tinham adorado os antigos. 
As lucrativas relações que, para os do Congo, as 
missões creavam com o trato dos europeus, são a 
causa da milagrosa conversão ; perdida e esquecida, 
logo que o estabelecimento portuguez de Angola 
veiu fundar na costa um domínio eminente sobre 
as tribus, antes exploradas pelo christão do Congo 
apenas. Os missionários evacuaram o terreno. 

Em 1553, um anno depois da creação do bispado, 
foram franciscanos missionar em Cabo Verde e na 
Guiné; mas o nenhum valor da catechese repe- 
tiu-se na tentativa feita depois em S. Thomé, a 
cujo bispado Angola pertenceu até 96, quando a 
Sé do Congo para ahi foi transferida. Em 60 dizia 
o bispo de S. Thomé que duvidava muito da con- 
versão das gentes de Angola; * e os factos deram 
razão ao mesmo bispo que reclamava missionarios- 
commerciantes. 

Em 604 Balthasár Barreira partiu para Angola: 
coubera-lhe essa província, na repartição do mundo 
colonial hispano-portuguez feita pelos jesuítas, om- 
nipotentes na Península. A Companhia declarou-se, 
na Africa, o que já então se declarava na Ameri- 
ca: — ama e protectora dos negros, na phrase de 

1 «Eu estou muito descomfiado de se fazer cristamdade não lhe 
datado ho trato lie neguocio de mercadorias como dizem que vosa Alteza 
manda que de nenhuma maneyra se trate e mais por ser emformado que 
hos anguolas tem hidallos aos quais o demónio hos tem mui atados e lhes 
perturba ho Juizo e eatemdimento natural.» Carta, em Levy, Hist. do 
Congo, doe. 



5. — os jesuítas e os indígenas no brazil 33 

Barros; ou defensora dos indigenas contra os go- 
vernadores, representantes do Estado. D. Francisco 
de Almeida, que não quiz sujeitar-se á tutella je- 
suíta, fora expulso de Angola, fugira, em 593, diante 
dos padres levados por Paulo Dias, ainda antes da 
organisação da missão por Barreira. Desde en- 
tão, Angola é por um tempo colónia jesuíta : os 
padres governam, os governadores são pupillos 
seus, e o clero secular e os bispos em vão protestam 
e reagem contra os intrusos. Não havia, porém, 
em Angola, nem meios, nem utilidade em aldear 
negros e plantar cana : havia apenas uma rendosa 
occupação, a escravatura, para a qual eram desne- 
cessárias catechese e protecção dos indigenas. Por 
isso as missões jesuítas caíram em Angola, (como 
as do Congo tinham anteriormente caído ;) e a Com- 
panhia deitou-se ao negocio dos escravos, (baptisa- 
dos, convertidos , escusado é dizel-o,) obtendo o pri- 
vilegio da exportação de umas centenas, em três 
navios ao anno, isentos de direitos. 



Os jesuítas e os indigenas no Brazil 

No Brazil, conforme se tem dito, as condições 
eram outras. O portuguez podia ahi habitar, fi- 
xar-se, cultivar o solo; e por isso batia e expul- 
sava as populações indigenas. Desde o anno de 
531 que esse extermínio das raças aborígenes come- 
çara. Martim AfFonso de Sousa fundara a sua ca- 
pitania de S. Vicente entre os carijós; e três an- 
nos depois (34) o irmão, Lopes de Sousa, estabe- 
lecia-se em Santo- Amaro, batendo os pitagoares; 
ao mesmo tempo Góes fundava a Parahyba ; Cou- 



34 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

tinho o Espirito-Santo, junto ao ponto onde Ca- 
bral aportara no anno de 500, domando os tupinin- 
quins ; — aq mesmo tempo que Corrêa occupava os 
Ilhéus, e Duarte Coelho Pereira, batendo os cahe- 
tés e alliado aos tabayares, fundava Olinda. Taes 
foram os primeiros episódios d'essa historia da exter- 
minação dos índios. Ao passo que estes donatários 
conseguiam estabelecer-se nas suas capitanias, vi- 
mos * a perda da expedição do Maranhão, que não 
foi única. Em 516 naufragara uma tripulação por- 
tugueza nas costas da Bahia ; um certo Corrêa ahi 
casara com uma india, e Coutinho, o donatário da 
costa, ao chegar lá em 34, achou-o e por intermé- 
dio d'elle se lavrou uma paz que foi, porém, bre- 
ve. Ahi os tupinambas levaram a melhor; mata- 
ram e devoraram o donatário e sua gente : só o 
Corrêa escapou para voltar ao seio da sua familia 
india, até á occupação de 549. 

Da éra do estabelecimento do governo geral da 
Bahia data a entrada dos jesuítas no Brazil. Nó- 
brega foi com Thomé de Souza, e, com o segundo 
governador, 2 Anchietta, em 553, levando a consti- 

1 Pag. 22. 

3 Catalogo dos governadores do Brazil até á constituição do estado 
do Maranhão, em 1624. 



1 


1549 


Thomé de Souza 


2 


1553 


Duarte da Costa 


3 


1558 


Mem de Sá 


4 


1570 


D. Luiz de Vasconcellos (morto em viagem) 


5 


1572 


Luiz de Brito de Almeida 


6 


1578 


Diogo Lourenço da Veiga 


7 


1582 


Manuel Telles Barreto 


8 


1591 


D. Francisco de Souza 


9 


1603 


Pedro Botelho 


10 


1608 


D. Diogo de Menezes 


11 


1612 


Gaspar de Souza 


12 


1616 


D. Luiz de Souza 


13 


1622 


Diogo de Mendonça Furtado. 



5. — 06 jesuítas e os indígenas no brazil 35 

tuição que erigia o Brazil em província indepen- 
dente no mundo da Sociedade. Installou-se logo, no 
sul, em Piratininga (S. Paulo) o primeiro collegio, e 
o primeiro ensaio de eatechese dos indios. D'ahi par- 
tiu a rede de missões por todo o Brazil, e o plano 
systematico dos aldeamentos, d'onde nasceram os 
conflictos com os colonos europeus. Os jesuitas di- 
vidiram entre si o paiz : a Nóbrega e Anchieta, S. 
Paulo, capital das missões ; a Navarro, Porto-Segu- 
ro; a Affonso Braz e Simão Gonçalves, o Espirito- 
Santo. Estudavam o tupi, e baptisavam os indios 
aos centos em cada dia; fundavam aldeias, deslum- 
bravam os selvagens com os esplendores do culto 
catholico, explorando habilmente a acção da musica 
sobre toda a casta de animaes. 

Desde logo os colonos de S. Paulo começaram a 
queixar-se. Ahi começara, com o principio da oc- 
cupação, o resgate dos indios. Havia uma feitoria 
d'onde as bandeiras saíam para o sertão a descer 
escravos ; e a crueldade d'esse commercio era feroz : 
a morte esperava os que resistiam á escravidão, a 
venda no curral era a sorte dos submissos. Os mor- 
ticínios e as atrocidades commettidas não tém con- 
ta: era uma guerra selvagem, primitiva, sem vis- 
lumbre de humanidade. Referir os episódios d'essa 
historia seria uma tarefa árdua e inútil: em 665, 
isto é, um século depois dos tempos em que nos 
achamos, um certo Favilla incendiou 800 malocas, 
matou mais de mil indios e trouxe escravisado um 
rebanho de quatrocentos. 

Mas, se a necessidade de braços para as planta- l 
ções era uma fatal condição da existência dos co- \ 
lonos, é fora de duvida que a defeza também 
obrigava a represálias terríveis. A gente de Couti- 
nho fora trucidada e devorada na Bahia ; em Igua- 
rassu noventa europeus e trinta negros a custo de- 



36 I*. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

fenderam a vida contra muitos milhares de cahe- 
tés sublevados (48) ; e por toda a parte occorriam 
casos próprios a demonstrar a extrema ferocidade 
'das tribus indígenas. A descida dos aymores ou 
botocudcs, (como os colonos lhes chamavam,) em 
' 560, encheu de sangue e ruínas a costa de entre o 
Rio e a Bahia; e, a essa destruição feroz das coló- 
nias nascentes, respondeu uma reacção não menos 
feroz também. 

Os primeiros jesuítas propozeram-se a domar os 
selvagens como se faz ás feras: magnetisando-os, 
segundo vulgarmente se diz. Para esses educado- 
res, formados na idéa de que o homem é um ser 
passivo e como que abstracto, os processos varia- 
vam com as pessoas e os lugares ; mas o que se 
propunham fazer da gente selvagem da America, 
era essencialmente o mesmo que na Europa faziam 
a toda a gente culta : domestical-a para Jesus. Por 
isso no ultramar procediam com os Índios como um 
domador com uma fera: estudavam-lhe a língua, 
como o arlequim estuda os gestos mudos do ani- 
mal ; deslumbravam-no com as ceremonias vistosas, 
os utensílios brilhantes do culto; encantavam-nos 
com a musica ; e appareciam-lhes como seres supe- 
riores, quasi-deuses. Anchieta era para os índios 
o grande Payé, o deus supremo ; e Nóbrega, cuja 
ubiquidade no meio da agitada vida das primitivas 
missões é maravilhosa, era o Abaze-Bebe, o padre- 
voador, um deus também. 

j Se a protecção, o amor, a meiguice, foram sem- 

| pre as principaes condições de domesticação dos 

íanimaes bravios, é fora de duvida que o chicote 

Ide ferro do domador é indispensável, desde que 

apparece á flor da vontade a rebeldia da fera. Era 

isto o que Nóbrega e Anchieta comprehendiam ; e 

por isso, ao mesmo tempo que nascia, com a fun- 



5. — os jesuítas e os indígenas no brazil 37 

dação das missões, a concorrência dos jesuítas e 
dos colonos ; estes últimos achavam, nos padres, effi- 
cazes alliados para submetterem as tribus subleva- 
das. Foi o que a historia das guerras do sul, na 
segunda metade do xvi século, demonstrou. 

A installação de uma colónia de calvinistas fran- 
cezes, sob o commando de Villegagnon, no Rio de 
Janeiro (555), veiu complicar com um elemento 
novo, os anteriores motivos de desordem. Nem ao 
governo, por serem francezes, nem aos jesuítas, 
por serem protestantes, convinha a fixação dos re- 
cem-chegados. A sua expulsão foi resolvida em 560, 
quando já ao primitivo estabelecimento tinham 
vindo aggregar-se novas colónias de suissos. Natu- 
ralmente, os atacados buscaram auxilio nas tribus 
indígenas, cujo inimigo era o portuguez que as es- 
cravisava, e vinha roubar-lhes a posse desde todo o 
sempre indisputada das suas florestas. Mem de Sá, 
em 560, pôde expulsar os francezes do forte Coli- 
gny, pôde forçal-os a emigrar da costa para uma^ 
ilha da bahia; mas não pôde vencer as tribus tu- 
pinambas que combatiam ao lado dos novos colo- 
nos. N'esse mesmo anno de 60 os aymores desciam 
a saquear o littoral, e os tamoyos atacavam S. 
Paulo. A pequena colónia franceza era o foco de 
uma alliança das tribus d'essa parte do Brazil, e o 
estado de rebeldia geral ameaçava de ruina o sul 
do futuro império. 



Durante os cinco annos temerosos (60-65) Mem 
de Sá, os colonos, Nóbrega e Anchieta, alliados to- 
dos na defeza commum, encontraram, um prodi- 
gioso protector n'um facto de ordem natural, sem- 
pre repetido, embora ainda não explicado: a ex- 
traordinária severidade das epidemias nas raças 
aborígenes em contacto com os europeus. Assim, 
emquanto, na impossibilidade de expulsar total- 



38 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

mente os francezes, o governador ia vingar os 
morticínios da costa da Bahia, perseguindo os ay- 
mores ; emquanto os jesuítas faziam milagres de 
astúcia e coragem, para submetter os tamoyos; as 
bexigas,* (64) lavrando n'estes indíos, extermina- 
vam-nos: vendiam-se, famintos, para escravos e 
abandonavam os filhos, fugindo á peste. 

Dos alliados dos francezes restavam apenas os 
tupinambas do Rio ; mas já a esse tempo os dois 
jesuítas tinham por seu lado os restos dos tamoyos. 
O governador, a quem de Portugal tinham che- 
gado reforços, partiu para o sul (65) ; e as tropas 
combinadas, do governo e das missões, expulsaram 
de todo os francezes, Fundou-se então (67) o Rio de 
Janeiro. 

Metade do Brazil estava salva, e lançadas as ba- 
ses da futura prosperidade de todo elle, com a posse 
da grande bahia do continente austral. Mem de Sá, 
que foi o AfFonso Henriques d'essa nação nova, 
não pudera, porém, como o nosso AfFonso Henri- 
ques não pôde, levar sósinho a empreza a cabo. O 
papel que no xn século coube na metrópole ao 
papado, pertencia no xvi, na colónia, aos jesuítas. 
A crise manifestara a força d'elles, e a victoria 
dava-lhes metade do throno. 

Os conflictos, apenas nascentes outrora, vão ap- 
parecer de um modo evidente e grave. Entre a 
crise do sul, que é um prenuncio da posterior e 
mais grave crise do norte, determinada pela inva- 
são hollandeza, está o reinado dos jesuítas e o 
tempo dourado das suas missões brazileiras. De- 
pois, os tempos e as cousas vão gradualmente mu- 
dando, até se consummar a ruina de que Pombal 
foi o heroe. 

Agora, porém, expulsos os francezes, dominados 
os indíos, as missSes expandem-se no sertão e os 



i 



5. — OS JESUÍTAS E OS INDIQINAS NO BRAZIL 39 

jesuítas governam na Bahia. Os governadores que 
ousam resistir-lhes, tém de abdicar e fugir como 
succedera em Angola; e a colónia encaminhar-se- 
hia para realisar um outro paraguay, se ao lado 
dos padres e dos seus índios, não houvesse n'ella 
os portuguezes. Quem sabe, até, se a não ser a 
escravidão negra, que permittia o desenvolvimento ^J 
das plantações, independentemente dos índios, o fu- 
turo do Brazil teria sido diverso? Monopolisado o 
trabalho indigena pelas missões, que restaria aos 
portuguezes senão emigrar, deixando aos padres e 
ás suas aldeias a posse indisputada das vastas re- 
giões da colónia? 

N'essas aldeias, os jesuítas monopolisavam o 
trabalho dos índios em proveito próprio. Os co- 
lonos, feridos seriamente por essa concorrência, 
queixavam-se de lhes não ser licito sequer alugar 
os índios aldeados; e a nova situação das cousas 
fomentava a multiplicidade das bandeiras que su- 
biam á caça de trabalhadores, embora successivas 
ordens prohibissem terminantemente a escravisação 
dos índios. Os interesses oppostos dos colonos, je- 
suítas e não jesuítas, pleiteavam-se em Lisboa e 
Madrid ; e á maneira que um ou outro partido con- 
seguia dominar na corte, assim as disposições le- 
gaes favoreciam ou impediam o captiveiro dos in- 
dígenas. A victoria decisiva pendia, porém, para o 
lado das missões ; * o que não obstava a que, ape- 

1. Em 1570 decreta-6e terminantemente que os indios não podem ser 
reduzidos ao captiveiro ; em 1587, porém, apparece uma lei restrictiva da 
liberdade dos indios ; mas em 1595 prohibem-se todas as guerras aos indí- 
genas' feitas sem provisão régia (bandeiras), e declaram-se illegitimos os 
captivos de taes guerras. Em 1605 e 8 os indios são abertamente proclama- 
dos forros e livres ; e finalmente em 609 a condição dos indígenas, mesmo 
selvagens, é equiparada á dos colonos ; e os jesuítas são omcialmente de- 
clarados curadores dos indios. Foi a esta lei que o governador (D. Diogo 
de Mendonça) resistiu, vendo-se forçado a demittir-se. 



40 



L. I. 



FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 



sar das leis, os colonos do sul, principalmente, pro- 
seguissem, á mão-armada e anarchicamente, um 
trafico indispensável ao fomento das culturas. 



VI 



A crise no Ultramar 



• v 



r- 



Apesar dos embaraços que as missSes creavam 
ao franco desenvolvimento do Brazil; apesar do 
evidente propósito de o ver transformado n"nm 
systema de aldeias de Índios baptisados e cretini- 
sados, systema dentro do qual não haveria lugar 
para a colonisação livre, por ella não poder ter bra- 
ços que a servissem ; apesar da inhospitalidade do 
clima e da fereza das tribus indigenas ; — a coló- 
nia caminhava a passos largos no desenvolvimento 
da povoação, da riqueza, da exploração interior. 
E o sul, onde o regime da colonisação livre era 
dominante, progredia mais segura, embora menos 
opulentamente, do que as colónias do littoral do 
norte. No sul desenvolviam-se de um modo espon- 
tâneo os elementos de uma nação futura; em- 
quanto o norte, sujeito a uma administração cor- 
rupta e meticulosa, dependente da introducção dos 
negros e de uma cultura exótica, pagava a opu- 
lência com uma vida menos estável, uma popu- 
lação menos homogénea. Sem exaggerar demasiado*" 
o valor d'esta expressão, pôde dizer-se que, pelos 
fins do xvi século, a região de S. Paulo apresen- 



6. — A CRISE NO ULTRAMAR 41 

tava os rudimentos de uma nação; * ao passo \ 
que a Bailia e as dependências "3o norte eram uma I 
fazenda de Portugal na America. ^ J % 

Os governos coloniaes não descansavam na obra 
da exploração do interior do Brazil; e o valle 
do Amazonas, com as suas vastidões infinitas, ten- 
tava constantemente a insaciável ambição dos do- 
minadores. * Se o estabelecimento recente do Rio 
de Janeiro não merecia ainda o nome de colónia, 
no fim do xvi século ; se outro tanto succedia aos 
do norte de Pernambuco, em Itamaracá e na Para- 
hyba ; e se as colónias marítimas da província de S. 
Paulo (Santos, S. Vicente) declinavam, porque essa 
região desenvolvia-se agricolamente ; — o progesso 

1 Os chronistas dão a arboricultura, a creação de gados, os cereaes, 
como a exploração agrícola da antiga capitania de S. Vicente. A popula- 
ção de Santos é em parte mestiça ; mas S. Paulo prospera com o trabalho 
dos indígenas, escravos ou aldeados. D'ahi sanem as explorações do inte- 
rior ; e em parte alguma do Brazil a creação de povoações é tão grande, 
como n'esta região, durante- a primeira metade do xvn seeulo : Mugi-das- 
Gruzes (611); Parnaiba (25) ; S. Sebastião (36); Ubatuba (38); Tauba- 
té, Paranaguá, Coritiba (40) ; Alcântara (48). É de 20 a 48 que os pau- 
listas assolam os guaranys do Paraná e conquistam a região que veiu a 
eór de Minas. 

S Fomos aqui, para não embaraçar, com esta, a historia ulterior, os 
fastos da exploração na America portugueza durante a primeira metade 
do xvii século : era o tempo em que a colónia estava a braços com a in- 
vasão hollandeza. 

1608 — Primeira tentativa frustrada para occupar o Ceará. 
1615 — Fundação do Pará (Belém) e exploração da foz do Amazonas ; 

fund. de Cabo-frio (Rio Janeiro.) 
1623 — Exploração do Amazonas; reconhecimento do delta do rio por 

Vasconcellos, Maciel e Teixeira, batendo os indios e as feitorias 

hollandezas e francezas que encontraram estabelecidas. 
1637-9 — Pedro Teixeira, com 70 soldados e 1000 indios, sobe o Amazonas 

e funda uma colónia na foz do Agarique, seguindo avante até 
~ Quito, no Peru, d'onde voltou ao Pará. 

A creação do Estado do Maranhão, em 24, demonstra como as at ten- 
ções dos governos se voltavam para a exploração do Brazil equatorial t 
até essa época esquecido. 



42 



L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 



era evidente em todas as colónias littoraes, cujo* 

centro fdram Pernambuco e a Bahia. — Cresciam as 

plantações, augmentava o commercio; e computa- 

va-se em 160 contos o consumo annual de géneros 

Y ào reino; em 120 os engenhos de assucar, produ- 

Orzindo ao todo setenta mil caixas ou quarenta mil 

'toneladas. * 

Uma tão grande riqueza aguçou a cubica dos 
hollandezes que no principio do xvii século, assim 
como herdaram o nosso império oriental, se pro- 
pozeram a despojar-nos da Africa e do Brazil. 

E' de uso dizer-se que, á annexação de Por- 
tugal a Hespanha em 1580, se deve a perda do 



1 Estatística económica do Brazil no fim do xvi século. 

1. Parah&a — 1 engenho ; o estanco do páo brazil rende 40:000 cruza- 

dos. 

2. ltamaraeá — 8 engenhos. 

3. Pernambuco — 700 colonos em Olinda ; 50 engenhos com 1200 colo- 

nos e 5000 negros, produzindo 200:000 arr. ; o páo brazil -rendendo 
4 contos; outrotanto o dizimo dos engenhos. Abandono de toda a 
cultura, fora o assucar. Viveres das Canárias e de Portugal.' Luxo 
celebre. 45 navios por anno no porto." 

4. Bahia — 8000 hab. na cidade, 2000 no Recôncavo, não contando 

indios e negros (6 e 4000). Bispado, desde 1550 ; 46 egrejas. Arsè- 
. naes de construcção. Mais de 100 colonos com 5:000 cruzados de 
- f renda. Luxo dj^sjnjgdido : perversão de costumes. Fortificações. SOO 
caravellas e 100 navios menores pertencentes aos armadores da 
praça. 36 engenhos no Recôncavo ; produzindo 120:000 arr. de assu- 
car. Gado abundante. Culturas hortícolas ; café, algodão, gengibre. 

5. Ilhéus — Assolada pelos aymores : de 500 colonos, restavam 50 ; de 9 

engenhos, 3; abandonado o interior. 

6. Porto-Seguro — 20 famílias e 1 engenho. 

7. Espirito- Santo — 150 visinhos, 6 engenhos. Gado. Cultura de algodão. 

8. Rio de Janeiro — 150 colonos, 2 engenhos. 

A excepção dos aymores, (no Espirito-Santo e Ilhéus,) todas as tribus 

.da costa se achavam submettidas em parte, em parte extreminadas, em 

parte repellidas para o interior do sertão : cahetés, de Pernambuco ; ta- 

bayares e tu pin ambas, da Bahia ; potiguares, de ltamaraeá. Os jesuítas 

^ tinham dissolvido a federação das tribus do sul e a sujeição dos goya- 

*\ nazes punha S. Paulo ao abrigo de futuras invasões. 



4- Ml 



6. A CRISE MO ULTRAMAR 



43 



império ultramarino portuguez; e n'um sentido é 
verdade isto, porque a guerra que a nação nossa 
visinha debatia por esse tempo com as Provincias- 
Unidas, envolveu-nos a nós em um pleito a que 
éramos alheios. Não é menos verdade, porém, que, 
se essa é a causa immediata, não é por forma al- 
guma a causa essencial; e sem se ser demasiada- 
mente audaz, pode affirmar-se que a índia se te- 
ria perdido, embora os Philippes não reinassem em 
Hespanha; assim como se pôde affirmar que o 
Brazil se salvou, apesar dos Braganças reinarem 
em Portugal. 

A' decadência da nossa sociedade, — e por essa 
causa perdemos a independência, — correspondia a 
cubica de povos, então na mocidade de um desen- 
volvimento vigoroso ; e os erros, as villanias da 
nossa/ administração oriental abriam a porta aos 
inglezes, aos hollandezes. Ser-lhes-hia muito dif- 
ficil achar um motivo, ou um pretexto, para nos 
declararem a guerra, se a annexação á Hespanha 
nos não tivesse envolvido na guerra já existente ? 
ííão parece; até porque vemos que os ataques ás 
colónias portuguezas precedem 1580, e vão além de 
1640. 

Destruída a esperança de se estabelecerem no ' 
sul do Brazil, os francezes infestavam as costas 
do norte, e em 579 era necessário expulsal-os vio- 
lentamente da Parahyba. Em 567 tinham saqueado } 
S. Thomé, então no auge da prosperidade. A essa 
rede de systematicas depredações, que enchem o 
ultimo quartel do xvi século e ameaçam as coló- 
nias ultramarinas, juntam-se, para engrossar os pe- 
rigos, os cancros da administração corrompida de 
Angola; e em S. Thomé a lúgubre tragedia da re- 
volta dos escravos negros. Um sparthaco africano 
alagou a ilha em sangue, queimou os engenhos, 



■ft 



44 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

J\ \ destruiu as plantações (574); e expulsou os colonos, 

\ que foram para o Brazil e para o reino contar a 

' a sua ruína, chorar as suas desgraças. Quando, em 

600, os hollandezes deram um saque á ilha, só 

acharam os restos da prosperidade antiga. 

Já senhores do norte do Brazil, consideran- 
do-se firmes em Pernambuco, — já veremos como 
isso foi, — os hollandezes careciam da Africa, de- 
pendência necessária da colónia americana, como 
mina de escravos. Saqueada S. Thomé, onde não 
acharam valer a pena fixar-se, seguiram para a 
costa, e occuparam successivamente os postos por- 
tuguezes da Guiné. Estabeleceram-se no Gabão, 
no cabo Lopo, no Rio-d'Elrey, em Calabar, em 
Fernando-Pó; e em 637 tomaram, sem dispa- 
rar um tiro, a antiga fortaleza de S. Jorge-da- 
Mina. Estavam senhores do golpho da Guiné, 
quando, pela separação de Portugal em 640, se 
acharam nossos alliados contra a Hespanha. 4 Ad- 
mittido por nós o principio do statu-quo colonial, e 
abandonada a idéa de revindicaçoes, os hollande- 
zes, não considerando ainda bem garantido o exclu- 
sivo do seu domínio no norte do Brazil e na Africa, 
aproveitaram á pressa o anno de 41, para ver se 
podiam antedatar* as suas occupaçoes. Tomam, no 
Brazil, o Maranhão, e na Africa, Loanda ; resol- 
vendo também completar o domínio da Guiné, oc- 
cupando Anno-bom, e S. Thomé que a natureza 
creara para estação de refresco dos navios negrei- 
ros. Loanda, porém, e S. Thomé foram reconquis- 
tadas para nós (642-4) ; mas o resto ficou perdido na 
Africa equatorial : apenas em 680 se estabeleceu um 
novo presidio em Ajuda. 

Na Africa oriental, ao terminar a crise, o do- 

t Hist. de Port. n, p. 107-8. 



7. — OS HOLLANDEZES EM PERNAMBUCO 45 

minio portuguez apparece também reduzido ao 
que até hoje veiu sendo. Pelo sul, os hollandezes 
tinham-se apoderado do Cabo (5i), e esses pontos 
illustrados pelos nomes de Bartholomeu Dias e de 
Vasco da Gama passaram a mãos estranhas. Os 
francezes- estabeleciam-se também em Madagáscar 
(55); e Mascate (50) e todo o Zanzibar estava 
perdido, pelas mesmas causas e meios que des- 
truíam o nosso império oriental. As esperanças 
de o restaurar eram chimeras, porque os restos 
eram migalhas, e as cousas tinham inteiramente 
mudado. A epocha das conquistas estava concluí- 
da, mas não a das colónias ; porque na Africa res- 
tava-nos o centro das duas costas, as boccas dos 
dois grandes rios, — o Congo, o Zambeze ; e prin- 
cipalmente porque o Brazil podéra salvar-se, ape- 
sar de tudo o que D. João iv fez para o perder. 



vn 

Os hollandezes em Pernambuco 

A invasão dos hollandezes foi precedida por ata- i 
quês de inglezes e francezes : a prosperidade e a \ 
opulência da colónia americana aguçavam a cubica 1 
de todos. Em 591 um pirata, — mas as expedições ' 
destes piratas eram organisadas e armadas de so- 
ciedade com as cidades mercantis-maritimas, — um 
pirata inglez, por nome Cavendish, desce ao sul, 
sem se atrever ás colónias de Pernambuco e Bahia, 
e saqueia Santos, queima S. Vicente, vindo, no re- 
gresso, assaltar, infructiferamente, o Espirito-Santo. 
As boas cousas que o pirata levou comsigo, indu- 
ziram os mercadores de Londres a armar a expe- 



1 



46 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

dição de 95, confiada ao commando de Lencaster: 
o resultado foi brilhante. Lencaster não só apresou 
um comboyo de navios no mar, como deu no Re- 
cife (Pernambuco,) abarrotando os seus navios de 
assucar. De volta a Inglaterra, os mercadores gau- 
dentes acclamaram-no ; e Sir Walter Raleigh viu 
apropinquar-se o verdadeiro El-dorado dos sonhos 
ultramarinos dos pobertoes do norte da Europa. 

Emquanto os inglezes davam largas ao seu génio 
marítimo e commercial, os francezes não desistiam 
de fixar no Brazil uma colónia durável. A ruina 
da tentativa do Rio, a expulsão da Parahyba, não 
os descoroçoavam. Os de Dieppe mandam (594] 
uma colónia ao Maranhão com Riffault ; e fundada, 
La Rivardière (6HJ segue a engrossar o estabele- 
cimento nascente. Ao contrario dos inglezes, cujo 
propósito era pilhar o fructo do trabalho alheio, os 
francezes, antes e agora, buscavam os lugares 
desoccupados, ignorados, assentavam arrayaes, in- 
sinuavam-se no animo das tribus selvagens com 
quem conviviam. Assim, primeiro, tinham no sul 
opposto ás forças portuguezas as legiões dos tupi- 
nambas; assim agora, no norte, as oppunham ás 
tropas de Jeronymo de Albuquerque, enviado para 
os desalojar (612). Não foram porém mais afortu- 
nados na segunda tentativa do que na primeira; e 
tiveram de evacuar 'o Brazil (614); sorte egual á 
que aos inglezes coube mais tarde (630), na sua 
tentativa de occupação do Pará. 

As expedições de inglezes e francezes eram em- 
prezas p articula res dos armadores e negociantes: 
não eram actos dos governos. Faltava-lhes a orga- 
nisaçao, a fixidez, e escasseavam-lhes os recursos 
para renovar as tentativas até conseguir os resul- 
tados. Felizes, os mercadores enthesouravam o sa- 
que; perdidos, não queriam arriscar os seus bens 



7. — OS HOLLÀNDEZES Eli PERNAMBUCO 47 

a perigosas aventuras. Succedeu, porém, formar-se 
na Europa um Estado que era apenas uma compa- 
nhia mercantil com autonomia politica sobre um 
certo território. Esse estado foi a H ollanda . O que 
em Inglaterra faziam as sociedades de negociantes 
de Londres ou Liverpool, isto é, crearem um fundo 
para piratearem, passaram a fazel-o os hollande- 
zes, officiaJ, politicamente. A companhia das ín- 
dias orientaes, assim nascida, levou á formação de 
outra companhia das índias occidentaes, cujo fim 
era a conquista e o saque do Brazil e o apresa- 
mento dos comboyos da prata do Peru e do Mé- 
xico, nas aguas do Atlântico. As duas emprezas le- 
vavam-se de frente, simultaneamente, com os mes- 
mos meios ; as esquadras da companhia, ao mesmo 
tempo que submetteriam Pernambuco e a Bahia, 
podiam vigiar essa garganta do Atlântico, entre 
o cabo Branco e a Senegambia, passagem forçada 
dos comboyos hespanhoes. 

• Formou-se pois, em 1624, a companhia das ín- 
dias occidentaes. Tinha" de capital 18 milhões de 
florins ; tinha por vinte e quatro annos o exclusivo 
do trafego e navegação da Africa e America; no- 
meava e demittia os governadores e empregados 
das colónias que conquistasse; declarava e fazia a 
guerra, tratava as pazes e allianças, levantava for- 
talezas, assoldava armadas e exércitos. Os Esta- 
dos-geraes subsidiavam-na com duzentos mil flo- 
rins por anno, durante os primeiros cinco annos; 
mas esses desembolsos deviam ser pagos com a 
metade das prezas, até estarem saldadas as contas. 
A administração da companhia compunha-se de 
cinco secções, onde se achavam representados os se- 
nados de Amsterdam e da Zelândia, de Rotterdam, 
e Hoorn, de Frisia e Goringa. Tinha duas sedes : 
em Amsterdam e em Middleburgo. 



-I 



48 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

Como se vê, a organisação era, em larga escala, 
a reproducção do que antes, e particularmente, fa- 
ziam os mercadores de Londres. Era um Estado 
constituído em companhia de piratas. Quaesquer 
que fossem os erros e os vicios do império por- 
tuguez, — para nossa honra devemos dizel-o, — a 
nobreza, embora barbara, dos conquistadores do 
Oriente vale mais do que a tacanha cubica dos 
mercadores da Hollanda. Accusem-nos de termos 
installado na America um systema feodal, accu- 
sem-se os vicios da nossa administração colonial; 
mas o facto é que ella creou nações, fez germinar e 
nascer as sementes de novas pátrias ultramarinas ; — 
ao passo que as companhias dos hollandezes jamais 
crearam cousa alguma, a não ser um systema ha- 
-^ bil de rapinar o trabalho indígena, depois de ter- 
minado o período das rendosas piratarias. Saquear 
e enthesoirar, eis ahi o propósito dessas institui- 
ções, exclusivamente nascidas do espirito mercan- 
til; e se o acanhado da ambição facilitava a em- 
preza e engrossava os lucros; * facto é que, au- 
sente todo e qualquer pensamento religioso, politi- 
co, civilisador, essas emprezas não contam na his- 
toria das manifestações nobres do génio humano, 
na historia da civilisação. 

Tal era o instrumento da já resolvida conquista 
do Brazil. 

Desde logo appareceu uma esquadra em frente 
da Bahia (624) , que os hollandezes tomaram sem re- 
sistência: taf era o estado de abandono e fraqueza 
da capital do Brazil. O saque foi abundante, as 
egrejas profanadas, o governador enviado pri- 
sioneiro para a Hollanda; e com o fim de terem 



1 A companhia distribuía dividendos de até 95 por cento do capital 
e a media dos lucros, no período dos primeiros 10 annos, foi de 50.' 



7. — OS HOLLANDEZES EM PERNAMBUCO 49 

por seu lado os naturaes/os hollandezes declararam 
abolida a escravidão dos Índios e forros todos os 
tapuyas. A companhia exultava e enthesoirava. 

Vencido o primeiro terror dos colonos fugidos, 
o bispo, D. Marcos Teixeira, poz-se á frente d'elles, 
trocou o báculo pela espada, como nos tempos me- 
dievaes, e investiu contra os invasores, de cruz ai- / 
cada á frente das tropas. Os hollandezes foram ven- 
cidos, mas não se pôde reconquistar a cidade. Em 
25, porém, chegava do reino uma esquadra, um novo 
governador, e os hollandezes, foram expulsos. Em 
26 tornam; e se não podem entrar na Bahia, nem 
por isso a viagem foi perdida : saquearam o por- ^* 
to, apresaram navios e regressaram carregados de — / 
assucar. Os mercadores não ambicionavam glorias ' 

nem façanhas : queriam caixas. 

Pela terceira vez tornam em^29^ mas, para não 
consumirem em vão os caros petrechos de guerra, 
desistem da Bahia; dirigem- se á opulenta Perf^ - 
nambuco, ainda virgem, onde havia de certo muito , 
a roubar. Mathias de Albuquerque, enviado a de- 
fender a cidade, não lhes pôde resistir; retirou 
para o campo entrincheirado do Bom- Jesus, que foi 
o primeiro baluarte da independência do norte do 
Brazil. Caiu o Re cife ,, _e em 30 caiu Oli nda : os 
portuguezes emigraram para o arrayal, e o gene- # 
ral foi rechassado quando tentou reconquistar o 
perdido. A licção da Bahia servia agora aos hol- 
landezes, que tenazmente se fortificavam, preparan- 
do-se para a guerra, planeando a conquista de 
todo o Brazil. 

As suas primeiras tentativas foram, porém, infe- 
lizes. Dirigiram para o norte una ataque a Itama- 
cará, ' mas foram repellidos ; o mesmo lhes succedia 
na Parahyba e no Rio-grande-do-norte ; o mesmo 

ao sul, no ataque ao Pontal-da-Nazareth (32) que, 

4 



50 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

perdida a capital, era a sede do governo da pro- 
víncia. 

Entretanto (31) uma esquadra hespanhola des- 
cera da Europa, a defender o Brazil e o comboyo 
que do Peru vinha carregado de prata. Oquendo e 
Patry, os almirantes das duas armadas, bateram-se 
nas aguas de Pernambuco : os hespanhoes vence- 
ram, salvando os seus galeões ; e a esquadra partiu 
com elles, depois de deixar um reforço de três mil 
homens no arrayal do Bom-Jesus. Os hollandezes, 
julgando-se perdidos, incendiaram Olinda e aco- 
lheram-se fortemente ao Recife, esperando soccor- 
ros. 

Nenhum auxilio podia valer mais para elles do 
que o do mulato Calabar, que se lhes foi offerecer 
para os guiar pelos caminhos mal trilhados do ser- 
tão, pelas angras e canaes da costa, que elle co- 
nhecia de cór com a agudeza de sentidos de um 
selvagem. Acaso a traição do mulato foi a expia- 
ção da dura sorte que a fereza dos colonos impu- 
nha aos povos escravisados. 

A partir de 32 a fortuna declara-se pelos hol- 
y^landezes, guiados por Calabar seu general ver- 
v/ydadeiro. Com elle saem para o norte e saqueiam 
\ Iguarassu (32), e Itamaracá (33) ; com elle se alon- 
\gam pela várzea do Capibaribe, o thesouro de 
(Pernambuco, e tomam os engenhos e se fortifi- 
HTcam; com elle vão a Porto-Calvo, onde entram, 
com elle, pela costa do sul ás Lagoas, e do norte 
ao Rio-grande ; conj elle, por toda a parte afortu- 
nados, saqueiam, arrazam, destroem as plantações 
,e os engenhos. 

O anno de 34 é decisivo. Os hollandezes em 
balde tinham investido contra o Bom-Jesus; em 
vão os portuguezes tinham atacado o Recife: ne- 
nhum dos baluartes cedia, e emquanto ambos exis- 



7) 



7. — 08 HOLLANDEZES EM PERNAMBUCO 51 

tissem, para ninguém era seguro o domínio de 
Pernambuco. Mas, ao passo, que os nossos, invencí- 
veis no seu arraya,l, nada faziam ; os hollandezes 
iam successivamente occupando os portos e asse- 
nhoreando-se da costa. A Parahyba cáe em poder 
d'elles e logo depois a Nazareth, sede do governo. 
Em/ISõ) restavam-nos apenas o arrayal e um forte 
no cSbo de Santo- Agostinho : a queda d'este ul- 
timo decidiu a evacuação de Pernambuco. Os por- 
tuguezes retiraram para o sul, a acolhesse á Ba- 
hia, abandonando a província inteiramente per- 
dida. 

Na retirada, porém, entraram em Porto-Calvo, 
onde Calabar, o instrumento da sua ruína, lhes 
caiu nas mãos. O mulato, enforcado e esquartejado, 
pagou com a vida a vingança que, morrendo, via 
consummada. O êxodo dos pernambucanos é uma u 
pagina fúnebre e sangrenta da historia brazileira. 
Perdidos pelos sertões bravios, asseteados pelos ín- 
dios, amarellos de febres, sequiosos e famintos, 
caíam aos centos; e a columna que avançava ia 
deixando uma esteira de cadáveres, logo devorados, 
cujas ossadas brancas similhavam as listas de es- - 
puma que os navios largam ao passarem rápidos 
sobre a onda do mar sombrio e duro. 

Toda a costa, do rio Formoso ao Rio-Grande, 
era hollandeza ; e para o interior havia apenas, na 
Lagoa e em Porto Calvo, dois focos de resistência 
á nova occupação. Os accionistas da companhia, 
que eram os homens d'Estado flamengos, exultavam 
e enriqueciam : os dividendos eram cada vez maio- 
res, e toda a fortuna movei dos colonos portugue- 
zes, mercadorias e alfaias, thesouros e fazendas, 
vinham para a Europa. 

A companhia mandou um príncipe governar os 
seus estados: Maurício de Nassau (637). O que 



52 L. I.— FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

ainda restava de portuguezes em Pernambuco foi 
batido. Bagnuolo, Duarte de Albuquerque e Dias, 
o camarão, retiraram para S. Francisco, acolhe- 
ram- se 'a Sergipe, d'onde fogem por fim, rotos, 
famintos e perseguidos, a entrar na Bahia. O domí- 
nio hollandez desceu até ao rio S. Francisco, alon- 
gando-se, para o norte ao Ceará: toda a proa ma- 
cissa dq continente sulr-americano, na costa orien- 
tal, deixou de ser portugueza. 

N'esse mesmo anno, em que chegou, o príncipe 
atacou a Bahia, para consummar a conquista do 
Brazil; mas os restos do exercito do norte basta- 
ram para o repellir. Rechassado, passou a occu- 
par-se da consolidação e organisação da nova co- 
lónia ; e n'isso consumiu os annos de 38 a 42 sem 
que a posse lhe fosse disputada. Quando Portugal 
se separou da Hespanha, o príncipe, esperando 
conservar o que o tratado luso-hollandez garantia, 
quiz obter um pedaço mais e tomou o Maranhão 
(41), como outros sócios da companhia tomavam 
S. Thomé e Angola. 4 Foi isso que o perdeu. 

Em 42 o Maranhão sublevou-se, trucidou os hol- 
landézes, e expulsou-os de S. Luis. A! perda do 
Maranhão seguiu-se a do Ceará (44); e a companhia, 
ciosa da gloria de Nassau, o fundador de um Bra- 
zil hollandez ; a companhia que receiava vêr-se 
burlada por um que não era bem dos seus ; a com- 
panhia que queria para o seu serviço um bom cai- 
xeiro e não um príncipe sábio e audaz ; chamou 
Nassau á Europa, demittindo-o do seu serviço. Ca- 
labar morrera, Nassau partira: ficavam apenas os 
guarda-livros em Pernambuco. 

A inépcia d'esse governo soez, e os exemplos do 
Ceará e do Maranhão, levaram o que ainda havia 

1 V. pag. 44. 



L. I. — OS HOLLANDEZES EM PERNAMBUCO 



53 



I 



de portuguezes em Pernambuco a insurreccio- 
nar-se (45). _ 

Nós não contaremos detalhadamente os fastos 
d'essa illiada pernambucana. O norte do Brazil 
ganhou então, por um acto de coragem, os foros de 
uma independência, que o sul ia conquistado todos 
os ' dias de um modo lento, mas seguro, obscuro, I 
mas infallivel. Vieira, Vidal de Negreiros, Cama-/ 
rão, o preto, os portuguezes, os já brazileiros, os 
negros, os Índios, appareciam reunidos na accla- 
mação de uma pátria nova. Na antiga pátria portu- 
gueza reinava D. João iv, alliado aos hollandezes, — 
braço a braço com o padre Vieira; e as ordens J 
de Lisboa mandavam aos sublevados que depozes- | 
sem as armas, que deixassem aos hollandezes o 
que os tratados lhes garantiam, porque, — dizia o 
padre Vieira, — abandonar Pernambuco ó o meio 
de salvar a índia. Ainda se pensava em salvar a 
índia ! 

Contraio rei 
landezes e ~ã~ poderosa armada que os foi susten- 
tar (47)," combateram os brazileiros bombardeando 
o Recife. Em 48 e 49 ganharam as duas batalhas 
decisivas de> Guararapi ; e por fim, em 54, depois J 
de dez annos de guerra, D. João IV, já mais se- \ 
nhor de si, decidiu-se afinal a acceitar o que os 1 
pernambucanos tinham conquistado. Uma esquadra I 
portugueza foi ao Recife consummar a expulsão dos / 
hollandezes. 

Se no norte o facto de uma autonomia se de- 
monstra de um modo tão evidente, embora o sen- 
timento d'ella se não manifestasse ainda por idéas 
de separação da metrópole; no sul havia, não só 
o facto, mas o sentimento da realidade de uma 
pátria nova. Como as aves, aconchegadas no ninho 
sob as pennas da mãe, esvoaçam para a liberda- 



e o seu conselheiro^ contra os hol- 



5 

-/ 






\ 



t 



54 L. I. — FORMAÇÃO DAS COLÓNIAS 

de, logo que as azas começam a agitar-se; as- 
sim os filhos de uma nação querem também a li- 
berdade, desde que sentem em si borbulhar os 
alentos de uma individualidade nova. A indepen- 
dência dos filhos nunca foi hostilidade para os pães, 
senão quando estes insensatamente pretendem pro- 
longar uma dependência anachronica. Na vida 
dos filhos se continua e se prolonga a vida dos 
pães ; e a successão infinita das gerações é para 
os homens e para as sociedades a pura expressão 
d'essa immortalidade que a imaginação attribuiu 
aos deuses. 

O Brazil, legitimo filho da sociedade portugue- 
za, protestando, por um lado, contra os dictames de 
uma politica insensata, ganhava para si a inde- 
pendência do jugo estrangeiro ; protestando, ao sul, 
clara e definidamente, contra a nova dynastia, que 
a politica levantava no throno portuguez, e accla- 
mando-se republica, — definia por modo diverso o 
sentimento de uma virilidade que todos os males 
da occupação * não tinham abatido. 

D'este modo se encerra a primeira epocha da 
historia da America portugueza. Na segunda, 
em que vamos entrar, observaremos um regime 
transitório que, no norte e no sul, auxiliando o fo- 
mento da nação, addia por cento e cincoenta an- 
nos o fermentar das idéas de independência. Ao 
norte, uma organisação forte e a larga exploração 
da escravatura africana robustecem as plantações ; 
ao sul, as descobertas das minas criam um novo 
Peru, um segundo México. 



i 1 Calcula-se que perdemos dos dezaseis annos de 28-38 mais de 28 

jL milhões de florins em 547 navios tomados com suas cargas, nos saques 
/ ' das povoações, na ruina de plantações e engenhos. 



LIVRO SEGUNDO 



Negros, assucar e ouro 



(1654-1808) 



O trafico da escravatura 



Entre as colónias militares-commerciaes, como 
foram as dos antigos e das quaes a occupação por- 
tugueza da índia deu o ultimo exemplo historiei) ; e 
as colónias agrícolas de emigração livre, quaes são 
hoje o Canadá e a Austrália, a occupação da Ame- 
rica tropical veiu crear um typo diverso e novo. 

Ás regiões descobertas entre os trópicos na se- 
gunda metade do xv século appareciam habitadas 
por povos de natureza e aspecto tão diverso do 
indo-europeu, que só as idéas espiritualistas do ca- 
tholicismo, então dominante, podiam levar á afir- 
mação de que, entre essas raças acobreadas ou ne- 
gras e a raça branca, não havia essenciaes differen- 
ças. Da mesma forma que os portuguezes em Kali- 
kodu suppozeram ver christãos nos indios, por 
julgarem, na sua ingénua ignorância, que os ido- 



56 L. H. NBOB08, A86UCA.R E OURO 

los do Industão eram os mesmos ídolos catholicos; 
por não conceberem a existência de duas religiões 
similhantes, embora diversas ; — da mesma forma os 
descobridores, e mais ainda os missionários, viam, 
nas raças de cor differente, novas manifestações da 
grandeza de úm Deus que do cazal de homens, 
amassado e soprado no Éden, fizera sair uma des- 
cendência multicolor. 

A descoberta dos jazigos mineiros, e o extraor- 
dinário producto de certas culturas exóticas, com- 
binados com o apparecimento de numerosas raças 
selvagens, deram ás colónias do xvi século um 
cunho até então desconhecido. O europeu sen- 
tia-se mal entre os trópicos : enfraquecia, adoecia, 
morria. Por outro lado, a vastidão dos thesouros 
mineiros ou agrícolas que a natureza lhe offerecia 
era demasiada para o exíguo numero dos colonos. 
A tentação de aproveitar em serviço próprio o tra- 
balho d'essas raças que, apesar da religião lhe di- 
zer serem suas irmãs, elle via completamente infe- 
riores e gravemente diversas, nasceu. Assim nas- 
ceu a moderna escravidão na Africa e na Ame- 
rica. 

Nós já vimos como a tentativa dos missio- 
nários foi inútil no Brazil, porque os colonos a 
contrariavam, e porque os Índios fugiam, desappa- 
reciam, morriam. Vimos também que, na Africa, as 
missões opinaram de um modo diverso ; e que os 
próprios jesuítas se tornaram mercadores de escra- 
vos. Resta-nos dizer que o pensamento de chamar 
essas raças aborígenes a uma civilisação, para que 
a natureza as não dotou, foi uma das nobres chi- 
meras do espirito catholico no xvi século ; e é, no 
xrx, a repetição de um desvario egual do senti- 
mente philanthropico. A Serra-Leoa e a Libéria, 
missões dos sympathicos successores dos jesuítas, 



1. — O TRAFICO DA ESCRAVATURA 57 

dão a prova da limitada capacidade das raças ne- 
gras. A extincção das raças americanas, nos Esta- 
dos-Unidos e no Brazil, é, por modo diverso, outra 
prova de inadaptação. 

Como todos sabem, a escravidão existia na Eu- 
ropa ao tempo das primeiras descobertas. Os cap- 
tivos das guerras marroquinas, os mouros, eram 
escravos na Península. Desde toda a Antiguidade, 
a guerra fora a origem da escravidão: sorte com- 
mum dos vencidos, em tempos já remotos para a 
Europa da Renascença. A guerra foi também a 
causa immediata da escravisação dos indígenas no 
Ultramar; mas não é a circumstancia da dura es- 
pécie de captiveiro importa aos vencidos, a que dá 
á moderna escravatura um caracter próprio. 

Esse caracter provém das condições, atraz ex- 
pressas, em que os colonos se acharam, ou nas 
ilhas férteis e despovoadas, ou no continente ame- 
ricano habitado por índios menos dóceis e activos 
do, que o negro de Africa. A exportação e o com- 
mercio do negro, como machina de trabalho, eis 
ahi o que é peculiar dos tempos modernos ; e não 
o facto da existência de classes na condição de es- 
cravas dentro de uma sociedade. Reduzidos ao 
captiveiro pelas guerras intestinas, os negros eram 
vendidos pelo vencedor ao capitão do navio que 
fundeava no porto. Os colonos dos estabelecimen- 
tos de Africa eram os intermediários d'este resga- 
te; quando não iam em pessoa, armados, caçar ao 
sertão a preciosa mercadoria. 

A philanthropia moderna tem accusado os portu- 
guezes de inventores d'este commercio de nova 
espécie ; e a nosso ver com fundamento, por isso 
que a nós coube a sorte de possuirmos o littoral da 
Africa e boa parte da America tropical. Tínhamos 
a producção e o consumo, a mercadoria e o mercado, 



58 L. II. — NEGROS, A.SSUCAR B OURO 

dentro dos vastos limites das nossas colónias. Era, 
porém, como se pretende, um crime o escravisar o 
negro e leval-o á America? Eis ahi uma questão 
mais grave, a que nós respondemos negativamen- 
te, apesar da crueldade e da fereza d'essa espécie 
de commercio. Não menos .ferozes e horrendos nos 
parecem, comtudo^ os morticínios e a escravidão 
com que os romanos submetteram a Península ; e 
esse foi, entretanto, o duro preço porque ella pôde 
entrar no grémio dos povos de civilisação latina : — 
também a escravidão dos negros foi o duro preço 
da exploração da America, * porque, sem ella, o 
Brazil não se teria tornado no que vemos. Todos 
sabem hoje o que é licito esperar do trabalho ín- 
dio; e no xvi século sabia-se isso tão bem ou me- 
lhor do que hoje. Se, observando a historia colo- 
nial portugueza, applaudimos a exploração do Bra- 
zil com os negros, já que o não podia ser com os 
indígenas ; resta-nos lamentar que Portugal não 
tivesse bastante energia e braços suficientes para 
fundar na Africa um regime feodal, reduzindo as 
populações a um estado de adscripção á gleba, 
lançando os fundamentos de uma sociedade aristo- 
crática : — se é que as condições climatéricas da 
Africa tropical não condemnam as suas colónias á 
condição de meras feitorias commerciaes, (outr'ora 
de escravos, hoje dos productos do sertão,) se é t 
que n'ellas o europeu não pôde acclimatar-se, como 
parece. 

Não cremos, portanto, que nos devamos affligir 
muito com a accusação de termos inventado o 
odioso trafico. Sem os negros, o Brazil não teria 
existido ; e sem escravos nação alguma começou. 
Lembremo-nos também que, se inventámos, a des- 

1 V. Civil, iber. p. 227-30. 



1. — O TRAFICO DA ESCRAVATURA 59 

coberta pareceu feliz ; porque todos, a nosso exem- 
plo, foram buscar negros ao armazém da Africa 
para lavrarem as suas colónias americanas. 

Entretanto, a bem da historia, deve dizer-se 
que não inventámos cousa alguma. Sempre que 
houve escravos, os escravos se venderam ; porque 
o próprio da escravidão é tornar o homem um 
objecto venal. Além d'isto, antes de nos acharmos 
em relações marítimas com a Nigricia, achavam-se 
em relações continentaes com ella, de um lado os 
bereberes de Marrocos, do outro os árabes do mar 
Vermelho ; e para uns e outros, a Nigricia era, 
desde tempos immemoriaes, um mercado de es- 
cravos. Quando Gil Eannes dobrou o cabo Bo- 
jador trouxe para Portugal algumas amostras de 
azenegues, espécie de mouros, isto é, os mestiços 
negro-bereberes, os negroides do norte do Sene- 
gal. 4 Em 436 passa-se para o sul do Senegal e 
entra-se na terra dos jalofos, a primeira nação ne- 
gra que os portuguezes visitaram. Depois, estabe- 
lecido o forte de Arguim, os armadores iam a 
essa costa comprar ouro e escravos aos árabes. 
Foi em 42 que pela primeira vez vieram por mar 
escravos negros da Guiné; e em 61 já o res- 
gate se fazia pacificamente na Senegambia, não só 
por intermédio dos mercadores árabes, como direc- 
tamente entre os portuguezes e os soberanos indí- 
genas, que vendiam os captivos e até os súbditos. 
Assim começou o trafico, e os ensaios feitos na ex- 
ploração da Madeira e dos Açores levaram, mais 
tarde, á exportação para Cabo- Verde, para S. 
Thomé, finalmente *para o Brazil, e para todas as 



* «Entre elles havia alguns de rasoada brancura, fofcnosos e apos- 
tos ; outros menos brancos que queriam similhar pardos ; outros tão ne- 
gros como ethiopes.» Chron. da Conq. de Guiné. 



60 L. II. — NEGROS, ÀSSUCÀR E OURO 

índias occidentaes. * A mina de trabalho negro 
valia tanto ou mais do que as minas de prata e ouro 
do novo mundo. 

E n'esse novo-mundo a população indígena ex- 
tinguia-se. Em 527 vão mil negros para as lavou- 
ras das Antilhas, porque já não havia Índios. De 
75 a 91 só de Angola tinham saído, mais de cin- 
coenta mil, para o reino, para o Brazil, e para as 
índias castelhanas; 2 e na primeira metade do 
XVII século a exportação annual attingia quinze 
mil peças da índia, dando ao thesouro a receita 
de duzentos e cincoenta contos, 3 com que se co- 
briam os gastos da feitoria e os transportes para 
Pernambuco. Desde o meado do XV século Ar- 
guim, na Guiné, dava por anno sete a oitocentos 
escravos. 

A expulsão dos hollandezes do Brazil e a con- 
clusão definitiva do corso pela paz de 1662, deram 
um novo alento á colónia americana e abriram a 
grande éra de trafico de escravos. Todos vinham 
por elles a Africa. A Guiné, o Congo e Angola 



1 «De Portugal sae cada anno, assi para os reinos de Hespanha, 
como para as índias de Castella grande quantidade de escravaria que 
se leva para cavarem nas minas de ouro e prata e nos engenhos dos açu- 
cares; afora muitos que se acham a comprar índios, bengallos, jáos, 
arábios, malabares, malaios bravios, cafres e de outras nações sujeitas 
a Portugal.» Leão, Descr. de Port. xxxvi. 

Garcia de Resende escrevia : 

Vem grão somma a Portugal 
Cad'anno também ás ilhas 
E cousa que sempre vai 
E tresdobra o capital 
Bm Oastella e nas Antilhas. 

* 52053. V. em Levy, EM. do Congo, o relat. do gov. de Angola e 
Philippe i. 

3 Ibid. Cada escravo para o Brazil pagava 30000 rs. j para as ín- 
dias hespanholas 6 #000. 



1. — O TRAFICO DA. ESCRAVATURA 61 

eram os principaes centros d'esse commercio : os 
hespanhoes carregavam para as Antilhas, os in- 
glezes tinham em G20 levado um carregamento a 
Jame's-town e o êxito da experiência induziu-os a 
continuar ; os francezes, os hollandezes seguiam-lhes 
os passos ; e se os estabelecimentos portuguezes 
eram os principaes centros do commercio, os in- 
glezes também já se tinham fixado na costa Occi- 
dental, os francezes na Guiné^ para tratarem a 
compra dos negros, a nosso exemplo, como nós tí- 
nhamos feito, a exemplo dos árabes. 

O progresso que a exportação de negros teve 
na segunda metade do xvn século, levou a maio- 
res augmentos no seguinte. A terminação das 
guerras europêas consentiu ás nações o olhar para 
o desenvolvimento colonial ; e o xvni século é a 
era do fomento decisivo de toda a America, sa- 
xonia e latina. No Brazil, as reformas do marquez 
de Pombal, por um lado protegendo as plantações 
e abolindo mais uma e ultima vez a escravidão dos 
indios; e pelo outro a descoberta das minas; — 
determinaram uma procura de braços excessiva. A 
exportação de negros attingiu proporções desconhe- 
cidas até então. * Regulamentou-se, protegeu-se. As 
levas de escravos iam baptisadas, e ainda em nossos 



1 Nos primeiros annos da existência da Companhia do Grão -Pará a 
importação no Brazil chegou a 100:000 cabeças por anno; das quaes de 
22 a 48:000 com áestino ao Rio de Janeiro. Isto prova o desenvolvi- 
mento do sul, que estudaremos ulteriormente. 

De 1759 a 803 os registros coloniaes dão, saídos por Angola para o 
Brazil, 642:000 negros, ou de 14 a 15:000 por anno. O rendimento da ex- 
portação dos negros orçava por 160 contos e o total da colónia por 100. 

De 1817 a 19 a media da exportação para o Brazil era de 22:000 j 
e apesar da cessação legal do trafico, ainda em 89 saiam 35 carregações 
de escravos por Angola. (M. de Sá, O trabalho rural africano.) 

No fim do xvm século a praça de* Liverpool tinha 90 navios no trafi- 
co, levando por anno 30:000 negros para a America ingleza. 



— ) 



62 L. H. — NEGROS, ABBUCAR E OURO 

dias um viajante * viu na alfandega de Loanda a 
cadeira de mármore d'onde o bispo, no cães, aben- 
çoava os rebanhos de negros que embarcavam para 
o Brazil. Portuguezes, hespanhoes e francezes pro- 
tegiam a escravidão, e o Code noir de Luiz xiv 
(685) é um documento de humanidade. Todos con- 
fessam que ninguém era mais cruel com os negros 
do que os inglezes, e que em parte alguma a sorte 
dos escravos era mais dura do que na America do 
norte. 

Por uma reacção, porém, do temperamento vio- 
lento, excessivo, sentimental, d'esses iílsulares foi 
d'entre elles que partiu o clamor de condemnação 
contra a sorte miseranda da raça negra. Usando 
de toda a influencia que, no principio do nosso sé- 
culo, exerciam sobre a infeliz dynastia de Bragan- 
ça, os inglezes, que em 1807 tinham abolido a es- 
cravidão nas suas colónias, começaram desde logo 
a exigir de Portugal a abolição do commercio dos 
escravos africanos, até que em 1819 conseguiram 
estabelecer os cruzeiros e a captura dos navios ne- 
greiros. 

Esta satisfação dada á agitação abolicionista em 
Inglaterra, favorecia ao mesmo tempo os interes- 

Cuba foi O ultimo mercado comprador de negros. As entradas re- 
gistradas accusam : De 1792-1810 — 89:000 negros ou 11:000 p. ann. 

1810- 17—81:000 » 11:400 > 

17- 21 — 56:400 » 14:100 

21- 31 — 76:000 » 7:600 » 

31- 47 — 85:700 » 6:000 » 

Não só o desenvolvimento das plantações exigia a constante inimi- 
gração de escravos, mas também a necessidade de preencher as vagas 
deixadas por uma mortalidade excessiva. 

No periodo 1792 a 1810 o augmento estatístico da população escrava 
de Cuba accusa a media annual de 5300 que opposta ao ingresso de 
11000 deixa á mortalidade 5700, isto é, 12 por cento da população es- 
crava. (V. Labra, Abolidon de la esclav.) 

1 Monteiro, Angola, and the river Congo, *" 



i. — O TRAFICO DA ESCRAVATURA 63 

ses dos colonos inglezes, cujas plantações definha- 
vam desde que a escravidão fora para elles abolida. 
Os assucares do Brazil e de Cuba, livres da concor- # 
rencia da Jamaica e das outras ilhas inglezas, attin- ' 
giam rendosos preços ; e á ruina em casa corres- 
pondia a opulência estranha. Impedir a immigra- 
çâo de negros nas colónias portuguezas e hespa- 
nholas era, assim, destruir a força de concorrentes 
perigosos. Sem poder impor abertamente a aboli- 
ção da escravidão nas colónias peninsulares, meio 
que radicalmente satisfaria a humanidade e o in- 
teresse próprio, os inglezes limitaram-se a exigir a 
prohibiçâo do trafico, e obtida ella, inauguraram o 
corso aos negreiros. Esta medida não satisfazia o 
interesse, "porque o risco apenas conseguia elevar 
o preço do escravo na America e engrossar o lu- 
cro do armador; ao passo que a condição do ne- 
gro peiorava. Antes, podia-se regulamentar e fis- 
calisar um commercio licito; agora, esse commer- 
cio era um contrabando, e os carregamentos de 
escravos, já por serem feitos a furto, já porque o 
negocio se tornara uma loteria, foram um espe- 
ctáculo repugnante, cruel, uma vergonha para a 
humanidade. * O trafico só podia acabar quando 

1 Eis aqui os números que demonstram as affirni&çoes feitas : (V. 
Molinari EacLavage, no Dkc. Econ. polit. 

I Exportação de escravos, de 1807 ao estabele- 
cimento dos cruzeiros (1&) 

Para o Brazil 680:000 

» as cólon. hesp.... 615:000 > ^ 

> outros pontos 562:000 

Perda em viagem 837:000 

II Idem, desde 1810 a 1847 / 4.952:000 

Para o Brazil 1.122:000 

» as cólon. hesp.... 831:000 . ^ „_. .^ 
« V 2.758:000 

Perda em viagem 688:000 

Capturados 117:000 



64 L. n. NEGROS, ASSUCAR E OUBO 

a escravidão fosse abolida por todas as nações da 
Europa. 

Perseguido, prohibido, ao mesmo tempo que o 
Brazil e Cuba esperavam anciosamente a chegada 
dos navios negreiros, o commercio de escravos tor- 
nou-se a vil e barbara occupaçao. Os cegos instin- 
ctos do lucro apagavam todas as noções da huma- 
nidade mais elementar, e fazia-se aos negros o que 
não é licito fazer a nenhuma espécie de gado. O ne- 
greiro tornou-se o typo por excellencia feroz, devas- 
so, em que parece ter-se apagado a noção dos instin- 
ctos mais inherentes á natureza do homem culto. 

Conclue-se d'aqui : a) que a immigração animal na America foi de 
155, antes, e de 70000 depois do estabelecimento dos cruzeiros ; b) que a 
exportação annual da Africa foi de 190, antes, e de quasi 100000 depois : 
c) que os cruzeiros só capturaram 4 por centro da exportação total, e 
esta conclusão demostra a sua inefficacfa ; d) que, antes, a perda em 
viagem era de 15 por cento dos carregamentos, e depois subiu a 25. 

Accrescente-se agora a circumstancia de que, antes da abolição, o- 
lucro commercial do trafico orçava por 20 a 80 e depois subiu, com o 
risco, a 200 e 300 por cento. Uma grande loteria de escravos, eis o que 
o cruzeiro fundou, e também um horroroso morticínio de negros. As 
perdas em viagem subiam, como vimos, de 15 a 25 por cento por 
causa do máo acondicionamento, e calculava-se que para levar 65000 
escravos ao Brazil era necessário tirar da Africa 100000. Além da perda 
na viagem, o estado em que chegavam matava de 3 a 5000 nos primei- 
ros dois mezes depois do desembarque. 

Cinco milhões de negros saíram de Africa, de 1807 a 47; quantos- 
milhões tinham saído antes ? Impossível é sabel-o. Chegou-se a aventar o 
numero de 20 milhões que entretanto parece excessivo. Em todo o caso,, 
os restos d'essa população que se vêem ainda hoje espalhados por toda 
a America, são uma redusida imagem do numero que o solo colonial 
tragou. A esterilidade da escravidão era facto já observado na Europa 
da Edade-media, e não foi dos menos poderosos motivos que levou a abo- 
lil-a. Mas a Africa suppria as vagas, e os milhões de habitantes que ex- 
pellia de si não a despovoavam senão nas costas. O selvagem é prolífico. 

As correrias dos colonos i caça de escravos repelliam para o interior 
as tribus indígenas da Africa, e em 1760 um governador de Angola di- 
zia que os negros cada vez mais desamparavam as próprias terras, para 
se livrarem das continuas violências dos brancos negociantes. Em 782 
a população de Ambaca diminuíra dois terços. 



i . — O TRAFICO BA ESCRAVATURA 65 

Um navio de escravos era um espectáculo asque- 
roso e lancinante. Amontoada no porão, quando 
o navio jogava batido pelo temporal, a massa de 
corpos negros agitava-se como um formigueiro de 
homens, para beber avidamente um pouco d'esse 
ar lúgubre que se escoava pela escotilha gradada 
de ferro. Havia, lá no seio do navio balouçado pelo 
mar, ferozes luctas, gritos, uivos de cólera e de- 
sespero. Os que a sorte favorecia, n'esse ondear de 
carne viva e negra, aferravam-se á luz e rolhavam 
a estreita nesga do céu. Na obscuridade do antro, 
os infelizes, promiscuamente arrumados a monte, ou 
caíam inânimes n , um torpor lethal, ou mordiam, 
desesperados e cheios de fúrias. Estrangulavam-se, 
esmagavam se: a um saíam-lhe do ventre as en- 
tranhas, a outro quebravam-se-lhe os membros nos 
choques dessas obscuras batalhas. E a massa 
humana, cujo rumor selvagem saía pela escotilha 
aberta, revolvia-se no seu antro afogada em lagri- 
mas e em immundicie. 

Quando o navio chegava ao porto de destino, — 
uma praia deserta e afastada, — o carregamento 
desembarcava; e á luz clara do sol dos trópicos 
apparecia uma columna de esqueletos cheios de 
pústulas, com o ventre protuberante, as rotulas 
chagadas, a pelle rasgada, comidos de bichos, com 
o ar parvo e esgaseado dos idiotas. Muitos não se 
tinham em pé; tropeçavam, caíam, e eram leva- 
dos aos hombros como fardos. 

Despejada a carga na praia, entregues os co- 
nhecimentos das peças-da-India ao caixeiro do ne- 
greiro, a fúnebre procissão partia a internar-se 
nas moitas da costa, para cTahi começarem as 
peregrinações sertanejas; e o capitão, voltando 
a bordo, a limpar o porão, achava os restos, a 
quebra, da carga que trouxera: havia por vezes 

6 



66 L. II. — NEGROS, ÀBSUCAB B OURO 

cincoenta e mais cadáveres sobre quatrocentos es- 
cravos. 



n 

A escravidão no Brazil 



A monótona historia da emigração forçada do 
negro africano reduzir-se-ha, porém, á estatística da 
offerta e da procura de uma mercadoria? A desa- 
piedada força, com que as raças superiores escravi- 
saram ou exterminaram sempre as inferiores, subs- 
tituindo-se-lhes ou expoliando-as do gozo dos bens 
naturaes; essa lei da concorrência animal, que na 
zoologia produz pela selecção os typos superiores, 
e na historia as civilisaçctes ; — provocara sempre 
terríveis protestos, luctas medonhas, represálias fe- 
rozes. Por toda a parte o vencido, escutando com 
avidez o soar da hora propicia, espiando o mo- 
mento de lassitude ou embrutecimento do seu do- 
minador, se tinha erguido em armas, revindicando 
para si uma sorte menos dura. Sparthaco é o he- 
roe das insurreições dos escravos. 

Eram ou são tão abjectamente inferiores, na in- 
ferioridade incontestável dos dotes da sua raça, os 
negros, que, passiva e submissamente, obedecessem 
ás cargas e descargas, aos transportes e ao traba- 
lho, como o fardo de algodão emballado e embar- 
cado, ou o cylindro do grosseiro engenho onde se 
esmagava a cana? Pois, nem protesto como ás ve- 
zes lavram os próprios animaes : o cavallo quando 
se desboca, o rebanho quando se tresmalha na am- 
plitude das planícies dos pampas? 



4. A ESCRAVIDÃO NO BBAZIL 67 

Os protestos não faltaram; o negro não era in- 
teiramente, nem uma mercadoria, nem uma machi- 
na de trabalho. Não era decerto um animal bra- 
vio; domesticava-se, obedecia, como creança; 4 
mas também ás vezes se rebellava. Se até o ju- 
mento paciente se lembra de que foi onagro ! Re- 
bellava-se, e então era temível, porque a ferocida- 
de é também uma das qualidades da infância. 

As insurreições dos negros, terror permanente 
dos colonos americanos, põem manchas de atro hor- 
ror n'essa monótona historia da escravidão; e fa- 
zem-nos lembrar que as peças-da-India não eram 
tão completamente uma mercadoria, como aos ne- 
greiros e colonos ás vezes se afigurava. As coló- 
nias, creadas para a lavoura e para o commercio, 
não eram, como Sparta, uma legião; e os colonos, 
infinitamente poucos, perante as columnas dos es- 
cravos negros, viam-se n'um perigo maior cons- 
tante. Na roça o fazendeiro, na cidade o merca- 
dor, instinctivamente punham em pratica um re- 
gime de terror, um systema de feroz disciplina, 
único meio de conjurar um perigo que todos sen- 
tiam imminente. Chibatado, açoitado, morto ás 
vezes no tronco do castigo, o escravo soffria com 
esses duros tratos a consequência de uma força 
que o seu senhor temia, mas de que elle, o infe- 
liz ! só raras vezes, quando as dores cruciantes 
eram intoleráveis, chegava a adquirir a consciên- 
cia. Um tal regime punha nos costumes colo- 
niaes nódoas de uma crueldade perversa. As mu- 
lheres fracas, vegetando a custo nesses climas de- 
voradores, excediam os homens no requinte da bar- 

1 Todos os observadores tém notado a vivacide precoce do negro, 
e a como que paralisação de desenvolvimento que se dá na adolescên- 
cia. O negro é sempre uma creança, com a mobilidade vivas e a pers- 
picácia infantis. 



í 



68 L. II. — NEGROS, ASSUCAR E OURO 

baridade; e o negro soffria o que não soaria o cao y 
nem o macaco, beijado e emballado nos braços das 
crioulas. Ninguém temia os brutos, e todos, já por 
habito, sem bem o confessarem, temiam o negro, 
— o escravo foi sempre um inimigo. Algum tran- 
seunte mais piedoso que, passando nas ruas da Ba- 
hia ou de Pernambuco, ouvia, para além das por- 
tas mal fechadas das habitações, o estalar do lá- 
tego e o gemer do paciente, batia no ferrolho, gri- 
tava caridosamente — basta! Pedia perdão pelo es- 
cravo, e o supplicio terminava' quasi sempre. 

Esse terror de uma vingança dos negror não era 
decerto uma van chimera. As creanças rebellam- 
se a miude, e as suas cóleras são terríveis. Todos 
sabiam que os negros por, vezes, em varias coló- 
nias, tinham commettido atrocidades. No Brazil 
conhecia- se de perto a horrorosa insurreição de S. 
Thomé, porque os colonos, arruinados e perdidos, 
tinham ido para lá recomeçar a vida, renovar as 
plantações, reconstruir os engenhos. Em S. José 
do Maranhão os fugidos aos senhores e alliados aos 
indios, seus companheiros de infortúnio, tinham ata- 
cado a povoação, talado os campos, batendo-se 
com valor contra o forte e caindo exterminados, 
mas não submettidos (772). Mais de um quilombo, 
ou azylo, escondido nos desvios das serras, embre- 
nhado na escuridão das florestas, recebia, para a 
vida livre das selvas, os escravos que fugiam á sua 
miseranda sorte; mais de uma vez foi necessário 
desmanchar á força esses ninhos, ou esses embryftes 
de futuras cidades ; e a destruição do quilombo da 
Carlota em Matto-grosso (770) ficou celebre pela 
bravura dos atacados, pela crueldade do castigo. 
Os escravos fugidos eram marcados com um F em 
braza á primeira vez, e tinham uma orelha cor- 
tada á segunda: estes signaes indicavam ao se- 



2. — A ESCRAVIDÃO MO BRAZIL 69 

nhor que devia aggravar o castigo de faltas ulte- 
riores. 

Em tempos posteriores, quasi em nossos dias, 
quando a acção combinada da politica e da econo- 
mia procuravam terminar a escravidão no Brazil, 
este sentimento da revolta, não só contra a condi- 
ção miserável, mas também contra a vida civilisa- 
da, tomou caracteres diversos. Da mesma forma 
que na servidão agraria da Peninsula * succedera, 
quando ella passou a traduzir-se por um contracto 
ou cédula, fixando a renda certa que o servo devia 
ao dono da terra; assim também aconteceu no Brazil 
ao escravo urbano. Applicado para as fainas dos 
armazéns nos portos commerciaes, moço-de -fretes 
nas ruas, o negro devia apenas ao senhor o jornal 
certo por elle fixado. Livre de o^ obter com o seu 
trabalho já livre, o escravo tirava dos hombros 
possantes para a carga uma renda maior, forrava 
economias, juntava um pecúlio, e em vez de fugir, 
como outrora, para o quilombo, quando nem a 
sorte nem a lei lhe deparavam outro meio de re- 
dempção, manumittia-se, alforriava-se e, feliz, vol- 
tava á Africa, a respirar os* para elle innocentes e 
queridos ares da costa paludosa da Mina. Despre- 
gava e renegava a civilisação antipathica, regres- 
sava ao estado selvagem ; da mesma forma que os 
crumanos e cabindas, depois de correrem como 
grumetes, cosinheiros ou marinheiros, a bordo dos 
navios, os portos da Europa, regressam com as pe- 
ças de algodão sufiicientes para comprarem três 
ou quatro mulheres. 

Estas modernas formas de um constante protes- 
to contra a civilisação não valem, porém, em nobre- 
aa as antigas. E de todos os exemplos históricos 

1 V. Civil. iber. pag. 75-9. 



70 L. H. NEGROS, ASSDCAR E OURO 

do protesto do escravo, Palmares é o mais bello, o 
mais heróico. E' uma Troya negra, e a sua histo- 
ria uma Illiada. 

Foi a occupação dos hollandezes que deu logar 
á formação da republica dos escravos. O abandono 
das fazendas pelos senhores, e mais tarde o arma- 
mento dos negros para expulsar os invasores, eis 
as causas immediatas da organisação d'esse grande 
quilombo. Em 630, quarenta escravos refugiaram-se 
nos Palmares, cousa de trinta legoas para o inte- 
rior de Pernambuco, e fortificaram-se. Como os 
romanos, raptaram as sabinas índias e mestiças 
dos arredores. Principiaram por viver da razzia 
das plantações próximas, do saque dos fazendeiros. 
Assim viviam os romanos. Palmares era o azylo 
dos escravos fugitivos, como também o fora Roma 
e os concelhos medievaes. Crescendo em numero, 
constituiram-se em sociedade ; tinham um rei, o 
zdmhi, um christianismo copiado do jesuita, e leis 
que foram escriptas por um Numa preto. A' ma- 
neira que prosperavam, abandonavam a pilhagem, 
fazendo-se agricultores. Lavravam e commercia- 
vam ; e os fazendeiros dos arredores, vendo-se li- 
vres do incommodo antigo de visinhos tão hostis, 
tratavam agora com a cidade nascente, vendiam-lhe 
fazendas e armas. Assim as nações se formam, e 
Palmares merecia já este nome quando, reconquis- 
tado e pacificado o norte do Brazil, o governo 
resolveu submetter a republica (1695). 

Tinha ella então quatro ou cinco milhas de cir- 
cuito, porque não attingira ainda a edade em que 
as republicas se tornam conquistadoras. O recinto 
era fortificado por uma palissada alta, á moda das 
aringas ou mocambas da Africa. Dentro havia as 
plantações, um rio com agua abundante, frondosas 
bananeiras, campos de milho e mandioca. A po- 



3. — O ESTADO DO MABANHAO 71 

pulação contava mais de vinte mil pessoas, das 
quaes oito ou dez mil em armas esperavam os ag- 
gressores. 

Caiu a republica, destruída pelas armas portu- 
guezas, mas caiu épicamente como Troya. Venci- 
dos, mortos, esmagados pela força, rotas as fortifi- 
cações, aberto de par em par aos invasores o ni- 
nho da sociedade nascente, os palmarmos não se 
submetteram, suicidaram-se. O zambi com os rotos 
destroços do seu exercito precipitou-se do alto de 
um penhasco, e os cadáveres dos heroes vieram 
rolando despedaçados cair aos pés dos portugue- 
zes victoriosos. Os prisioneiros, voltados á condi- 
ção miseranda, suicidavam-se, trucidavam os fi- 
lhos, as mulheres. E quando lhes retiraram todos 
os meios de se matarem, deixaram-se acabar á 
fome. 

A Troya dos negros foi arrasada, mas a memo- 
ria dos seus heroes ficou ef ficará como um nobre 
protesto da liberdade humana contra a dura fata- 
lidade da natureza, cujas ordens impozeram á ex- 
ploração da America a condição do trabalho es- 
cravo . 



estado do Maranhão 



Abundantemente provido de negros, o norte do 
Brazil, depois da expulsão dos hollandezes, avan- 
çou a passos rápidos no caminho da riqueza. O sé- 
culo que medeia entre a reconquista de Pernam- 
buco e o govorno do marquez de Pombal reúne os 



72 l. ii. — nbgbos, àssuoab b oubo 

elementos de uma revolução que o grande estadista 
consummou. 

Affluiam os colonos do reino, plantavam-se ca- 
naviaes, construiam-se engenhos. O reinol, como 
se dissera na índia, apenas chegado, tomava posse 
da área que lhe era demarcada. Comprava negros, 
erguia a senzalla e o rancho. O primeiro traba- 
lho consistia em roçar o matto, limpar a terra 
que havia de produzir o milho, a mandioca, os le- 
gumes para alimentação dos escravos. Os montes 
de arvores cortadas e derrubadas, a esteira de 
herva que vestia o solo, eram preza das chammas, 
e a terra adubada de cinzas produzia cento por 
um. A esta faina seguia-se a da construcçao do 
moinho: dous cylindros de madeira para esmagar 
a cana, uma roda hydraulica ou um malacate para 
mulas como motor. Preparada assim a installação, 
plantava-se o canavial: um pedaço de cana com 
ires ou quatro nós, enterrado horisontalmente, dava 
outros tantos pés, que no fim de doze ou quinze 
mezes se podiam cortar, levar á machina, para 
a garapa, d'onde se faz a agoardente ou o assu- 
car. 

Nem só a cana, porém, era já a cultura do 
norte do Brazil. Desde que em 164-0 se viu per- 
dido para sempre o império oriental, entendeu-se 
inútil prohibir na America a cultura das especiarias 
que constituíam a riqueza do commercio das índias. 
O medo de uma concorrência, que podia fazer bai- 
xar os preços dos géneros orientaes, levara a man- 
dar arrancar no Brazil as arvores productoras de 
drogas similares ás do Oriente. Dizia o padre 
Vieira que d 'esta perseguição apenas o gengibre 
escapara, porque as suas raizes fugiram a escon- 
der-Se debaixo da terra. O facto é que, desde 62, o 
norte do Brazil, onde a producção principal conti- 



3.— O ESTADO OO MARANHÃO 73 

núa a ser o assucar, cultiva o tabaco, o algodão, a 
baunilha, a canella, a pimenta. 

Ao mesmo tempo as attençoes dos governos, so- 
cegadas quanto á prosperidade e á segurança de 
Pernambuco, voltaram-se para o Estado do Mara- 
nhão, e para o Brazil equatorial. O valle do* Amazo- 
nas e os sertões dos grandes confluentes da artéria 
fluvial americana eram trilhados, explorados, con- 
quistados ao indio bravio ; e o tratado de Utrecht 
(1713), garantindo a Portugal a posse das duas mar- 
gens do Amazonas, vinha consolidar um domínio que 
a acção enérgica dos exploradores tornara um facto. 
Os sertões do Piauhy eram avassallados em 674-, e 
em 719 essa região constituia-se em província. A 
exploração do littoral fora, de 580 a 640, seguindo 
.para o norte, desde a Parahyba (585) a Sergige 
(590), ao Rio grande do norte (599), ao Ceará (610), 
ao Maranhão (615), ao Pará (616). A crise da occu- 
pação hollandeza, isolando o Estado do Maranhão 
do governo da Bahia, embaraçou por annos o des- 
envolvimento do extremo norte do Brazil, por cujos 
sertões agora se alongam os estabelecimentos por- 
tuguezes. * O desenvolvimento que accusam a se- 
gunda metade do XVII século e a primeira do se- 
guinte, adquire uma intensidade maior ainda du- 



1 1650 — Exploração das suppostas minas do Rio-Dourado (Mara- 
nhão.) 

1668 — Fundação de Jahu. 

1669 — Construcçao do forte do rio Negro, depois Manaus. 

1718-9 — Fundação de Campo-Maior e Parnaiba j Jeromenha, Va- 
lença, Marvão. 
Explorações fluviaes provocadas pelo desenvolvimento das minas no 
sul # : (V. o § segQinte.) 

1742 — Viagem do Madeira, para communicar com Matto-grosso. 
1744 — Idem do rio Negro, para chegar ao Orinoco. 
1749 — Idem do Pari a Matto-grosso, feita pelo Amazonas, Ma- 
deira e Guaporé. 



74 L. II. — NEGROS, A88UCAR E OURO 

rante o governo do marquez de Pombal que man- 
dou reger o Estado do Maranhão a seu irmão Fran- 
cisco Xavier de Mendonça. Numerosas colónias vão 
do reino fundar povoações n'essa região do Brazil, 
e, ao que parece dos nomes dados a essas cidades, * 
são alemtejanos que as fundam. Em 757 já o dis- 
tricto do rio Negro, a futura província do Amazo- 
nas, tem importância bastante para ser erigido em 
governo separado. 



IV 
A expulsão dos jesuítas 



A' maneira que o extremo norte do Brazil, o 
valle do Amazonas, se colonisava e explorava, iam 
ahi apparecendo os pheriomenos que, antes da oc- 
cupação hollandeza, tinham caracterisado a vida 
interna da colónia de Pernambuco-Bahia. Apesar 
da abundante provisão de negros que a Africa, em 
plena edade de exportação, dava, as bandeiras de 
caça aos Índios começaram a lavrar pelo interior 
dos sertões. Ao retomarem o Maranhão aos hollan- 
dezes, os colonos tinham reduzido os índios á es- 



1 Maranhão — Vinhaes, Vlanna (57) ; Guimarães, Tutoya (58) ; 

Amazona» — Moura, Thomar (58) ; Serpa, Olivença, Ega (59) ; 

B. g. do norte — Estremoz (60) ; 

Espirito- Santo — Almeida (60) ; Benavente (61) ; 

Pará — Mazagâo (65) ; 

Piaúhy — Amarante (66) ; 

Bahia — Villa Viçosa (68) ; 

Porto Seguro — Alcobaça (72). 
Comparem-se os nomes das terras do norte, reproduzidos de Portugal, 
com os das do sul, indígenas ; e por isto só se verá como temos n'nm lado 
ixm desenvolvimento colonial, no outro natural ou espontâneo. 



■ :j 



4. — A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS 75 

cravidão ; mas o governo de D. João iv, renovando 
as leis dos Philippes, e exportando mais jesuítas 
para a colónia reconquistada, fez nascer os antigos 
conflietos. 

Em 52 chegou ao Maranhão o padre António 
Vieira, e apesar dos motivos provocados pelas de- 
cisões da corte, o novo Superior das missões, fun- 
dou a Junta de protecção dos índios, organisou o 
systema dos aldeamentos, planeou uma vasta oc- 
cupação de todo o valle do Amazonas. 

Primeiro, no sul, em S. Paulo; depois na Ba- 
hia ; agora, no extremo norte, os jesuítas tentavam 
crear uma civilisação de índios. Três vezes a sorte 
do Brazil vacillou indecisa entre o futuro de uma 
civilisação mestiça e o de uma civilisação europêa ; 
entre um regime theocratico e um regime monar- 
chico ; entre a creação de uma nação, e a estúpida 
organisação de um estado de ilotas cretinisados sob 
o império dos payês, dos padres-fetiches. A ques- 
tão do trabalho indígena levantava-se outra vez, 
mas esta seria a ultima e decisiva batalha. 

Em S. Paulo, batidos pela anarchica e enérgica 
resistência d'essa exploração que espontaneamente 
ia adquirindo consistência e homogeneidade, os je- 
suítas tiveram de emigrar com as suas missões 
para o sul, e de ir estabelecer-se nas margens do 
Prata e do Paraná, no Uruguay e no Paraguay; 
em territórios desoccupados, onde não se encontra- 
vam frente a frente com uma authoridade civil que 
queriam para si, nem com uma colonisação branca 
que lhes não obedecia. Ahi medrou pois o seu pla- 
no, e da sorte que estava reservada ao Brazil, se 
os colonos os não vencessem, dão os jesuítas uma 
prova evidente com o Paraguay. 

Batidos, expulsos em S. Paulo, apenas conse- 
guiam manter-se na Bahia e no centro do Brazil. 



76 L. II. — NEGBOS, AS8UCAB B OUBO 

Protegidos pelo poder efficaz do governo, defendi- 
dos pela coroa nos seus conflictos com a authori- 
dade civil, os jesuítas, porém, não podiam tornar 
exclusivo o seu plano de colonisação; porque ao 
lado d'elle se desenvolvia com força e vigor a co- 
lonisação branca apoiada no trabalho dos negros. 

Restava-lhes agora o extremo norte, onde a ex- 
ploração nascia, onde tudo levava a esperar a 
consolidação de um plano, já ao tempo ampla- 
mente realisado no extremo sul, sobre as margens 
do Prata. Em Portugal reinava D. João iv, que 
era a sombra do padre António Vieira, encarnação 
do génio da sociedade de Jesus, * e o facto de o 
verdadeiro monarcha de Portugal, o chefe do je- 
suitismo portuguez, ir em pessoa dirigir a occupa- 
ção do Amazonas, mostra a importância que se li- 
gava a esse acto. 

Já porém n'esta epocha de máxima fortuna da 
Sociedade se deixavam ver os symptomas da deca- 
dência; já alvorecia o systema de causas e doutri- 
nas que levariam á constituição do absolutismo 
monarchico, e á consequente ruína do edifício je- 
suíta. O plano do Amazonas falhou, como falhara 
o de S. Paulo ; e os estabelecimentos de todo o 
Brazil desappareceram á voz do ante-christo, o 
marquez de Pombal. Para lhe vingar a memoria, 
para lhe demonstrar a sabedoria, para provai* com 
um facto a razão de ser da resistência permanente 
dos colonos, ficava a obra-prima da colonisação je- 
suíta, o Paraguay. Se, contra os colonos, os jesuí- 
tas tivessem vencido, o Brazil seria, como esse mi- 
serável canto do mundo, povoado por uma raça in- 
ferior que só perde os instinctos de fera selvageria, 
para cair n , um tropor de cretinismo idiota. 

* Hiet. de Port. u, p. 81-3. 



4. — EXPULSÃO DOS JESUÍTAS 77 

Como no sul, como em toda a parte, os colonos 
do Maranhão rebellaram-se contra o jesuíta ; e em 
661, nove annos depois de installadas as missSes, 
os padres e o summo-sacerdote Vieira tiveram de 
embarcar para o reino, expulsos da colónia pelos 
colonos. Só em 80 o governo os restaurou n'um po- 
der, de que gozaram até ao tempo do marquez de 
Pombal. Tinham vencido? Não; porque o plano de 
colonisação falhara. Sustentavam-se, apenas, ao 
lado da colonisação europêa, como dois rivaes que 
disputam uma presa sem obterem victoria decisi- 
va. Os planos caminhavam a par, as duas forças 
desenvolviam-se parallelamente, até que appareceu 
o marquez de Pombal. * 

Em 1757 o poder temporal das misscSes foi sup- 
primido^ as aldeias dos Índios transformam-se em 
villas de direito commum, separa-se o espiritual do 
temporal, revindicando-se o ultimo para a coroa. 
O plano jesuíta estava destruído, ainda antes da 
expulsão dos padres. Reduzido a uma propaganda 
religiosa o caracter das missões, a Sociedade tinha 
de abdicar de todas as suas esperanças, e de reco- 
nhecer destruído o seu gigantesco plano das coló- 
nias theocracticas. O índio mais por medo que por 
devoção se converte, dizia outrora Nóbrega : se aos 
padres se retirava o poder, o domínio politico e ci- 
vil, como haviam de elles agora converter o indio ? 
As duas missões eram inseparáveis ; e n'isto os je- 
suítas demonstravam, — como em tudo, — um co- 
nhecimento da alma humana, nunca excedido, nem 
antes, nem depois. 

A prova é que as aldeias se despovoaram, que 
os índios regressaram á vida selvagem, fugiram de 
novo para o sertão, quando em 768 os seus padres, 

1 Eist. de Port. L. vi, 5. 



» 



78 L. II. — NEGROS, ASSUCA&E OURO 

os seus amos, os seus donos, os seus deuses, fo- 
ram expulsos do Brazil. Os parochos, missionários 
enviados pelo governo para os conter, eram estra- 
nhos, nem lhes sabiam a lingua, nem podiam ser 
por elles reconhecidos como verdadeiros represen- 
tantes d 'esse deus extravagante, mistura de ama e 
de magister, feroz e doce, d'esse deus de creanças 
que os jesuitas tinham forjado para uso dos ho- 
mens-creanças, os selvagens. O grande-payé fugira! 
Esta unificação do poder civil na colónia impri- 
miu-lhe definitivamente o caracter europeu. Os Ín- 
dios, mais uma vez (1755) declarados livres, retira- 
ram-se para o sertão, para morrerem abraçados 
aos novos fetiches pelos quaes os jesuitas lhes ti- 
nham trocado os antigos. O trabalho negro sup- 
priu todas as necessidades da cultura, porque a 
mina africana era inexgotavel: andavam por cem 
mil os escravos que a companhia do Grão-Pará 
desembarcava todos os annos nas costas do Brazil. 
A colónia adquiria, decidida e definitivamente, o 
caracter commum a todas as colónias da America 
do norte e das Antilhas : abandono e extincção das 
raças indígenas, colonisação branca e trabalho ne- 
gro escravo. 



Brazil pombalino 

O systema das idéas politico-economicas 4 e as 
condições novas creadas pela paz de Utrecht na 
Europa, levavam á definição pura do regime cen- 

1 V. EUt, de Port. n, p. 117-8 e 153-á j e OvU. iber. 265-70. 



5. O BRAZ1L POMBALINO 79 

tralisador e protector. E* o marquez de Pombal \ 
quem, por varias formas, extingue finalmente o que 
restava ainda dos primitivos direitos feodaes dos 
donatários, 4 reunindo toda a authoridade nos go- . 
vernos dependentes da coroa ; ao mesmo tempo que j 
abolia os antigos privilégios das camarás, no lan-J 
çamento dos impostos. -~ - " 

O commercio florescente não achava navios bas- 
tantes para acarretar para a Europa os produ- 
ctos de uma colonisaçâo que, na segunda metade 
do xvin século, se alargava já pelo valle do Ama- 
zonas, se internava em Matto-grosso e Goyaz, e 
descia até ao Paraguay. A paz permittira que se 
abolissem as conservas em que os navios subiam o 
Atlântico para a Europa, comboyàdos por esqua- 
dras. Agora iam e vinham livremente, cruzando 
no oceano, de Lisboa a Angola, a embarcar es- 
cravos ; do Pará, do Maranhão, de Pernambuco e 
da Bahia a Lisboa, com os carregamentos de assu- 
car e páo-brazil, de tabaco, de algodão, de espe- 
ciarias e de ouro. 

Ao augmento da riqueza, correspondia a firmeza 
da administração, a melhoria da justiça, o pro- 
gresso da instrucção. A colónia constituia-se rapi- 
damente em nação; e uma emigração abundante, 
excessiva até para as forças da metrópole, en- 
grossava por toda a parte os núcleos constante- 
mente creados. Se Mem àe Sá foi o Affonso -Hen- 
riques a do Brazil, o marquez de Pombal foi o seu 
D. Diniz, 3 o lavrador, o organisador; e o seu D. 
Fernando, * o creador do commercio e da navega- 
ção colonial. 

1 V. supra p. 19 a 23. 

* V. HíbU de Port. i, p. 65-73. 
8 Ibid. p. 100-1 e 106-7. 

* Ibid, p. 108-9. 



80 L. II. — NEGROS, ASSUCAR IS OURO 

Já em 649, depois em 680, se tinham fundado com- 
panhias commerciaes, e a ultima d'ellas fora assi- 
gnalada pela insurreição de Beckman (84) no Ma- 
ranhão. Os negociantes, e também os jesuítas que 
mais o eram do que missionários, * protestaram 
contra o monopólio creado pelo marquez a favor 
das companhias do Grão-Pará, do Maranhão e Pa- 
raíba. O systema de monopólios protectores era 
então considerado como o melhor modo de fomen- 
tar o progresso económico; e das antigas tradições 
coloniaes portuguezas restava a lembrança dos rea- 
lengos mercantis, transformação das instituições 
ainda njais antigas de apropriação da terra: o sal, 
o páo-brazil, o tabaco e os diamantes eram mono- 
pólio exclusivo da coroa, ao passo que as demais 
mercadorias, incluindo o ouro, andavam -moderada- 
mente tributadas. 

N'este rápido esboço que temos feito do desen- 
volvimento do Brazil na segunda metade do xvii 
século e no século seguinte, o leitor terá notado o 
silencio acerca do acontecimento mais grave da 
historia da colónia : a descoberta das minas. E' 
que, no plano do nosso trabalho, e no modo por- 
que vemos o crescer e o formar-se da nação ame- 
ricana, apresentam-se-nos como duas grandes pro- 
víncias, cuja historia é diversa, porque os seus ca- 
racteres naturaes e adquiridos foram differentes até 
á unificação sellada com a independência. Já ante- 
riormente notámos esta diversidade que se eviden- 
ceiava desde os primeiros tempos coloniaes, entre 
o então norte e o sul do Brazil. 

N'esta segunda época, em que a occupação e a 
colonisação se estendem, pelo norte até ao Equa- 
dor, pelo sul até ao rio-da-Prata, os dous Brazis 

* HM. de Portugal, n, p. 144-9. 



5. O BRAZIL POMBALINO 81 

extremos de outrora são hoje as duas metades do 
centro : Bahia-Pernambuco de um lado, e S. Paulo- 
Rio-de-Janeiro do outro. O Estado do Maranhão 
pelo norte, o Rio-grande pelo sul, constituem as 
fronteiras d'essa nação, cujo centro está formado. 

Entret anto, é fóra dg duvida, qnp. n dualismo 
existe ainda no período a que agora nos referimos. t 

A nação brazileira deserivolve-se colonialmente ao 
norte ; orgânica ^[^espontaneamente slo sul. Semi - '^~J- J 

independente, a reg ião" de S. PaúTó-Minas com a f 

grande feáhTa"do""Rio de Janelfo^càp^^ nãttifál" do 
imperíoHuTúro, está na sombra elaborando uma 
construcção orgânica; emquanto o Brazil official, o 
Brazil brilhante, opulento, o Brazir dos yice-reis e 
governadores, assenta ao norte^-oa Bahia e em Per- 
nambuco^. 

Esse Brazil, porém, não era geographicamente o 
centro do império; o seu clima parecia condem- 
nal-o á eterna condição de colónia dependente de 
uma cultura exótica e da escravidão africana, ou 
á sorte infeliz de um paraguay jesuita. Não havia 
ainda então intensidade de vida collectiva bastan- 
te para propor com evidencia o dualismo, que o 
observador descobre existindo latentemente ; e foi 
um caso fortuito que, trazendo á vida económica 
da colónia um elemento novo, fez surgir, não o 
dualismo, mas a immediata e absoluta supremacia 
da metade sul do Brazil central, supremacia con- 
sagrada no meiado do xvni século pela transfe- 
rencia da capital, da Bahia para o Rio-de- Janeiro. 

Esse caso fortuito nasceu do caracter aventurei- 
ro, audaz, explorador, dos habitantes de S. Paulo, 
em quem a semente do génio descobridor dos por- 
tuguezes poderá medrar livremente, á sombra de 
um clima benigno e de uma colonisação natural- 

agricola. Foi esse caso fortuito que determinou uma 

6 



82 L. II. — NEGROS, ASSUCÀR E OURO 

grande corrente de emigração para o sul-central do 
Brazil; foi elle que deu um alento passageiro á ra- 
chitica vida do Portugal brigantino; que permittiu 
a D. João v fazer na Europa de rei brazileiro, e 
ao marquez de Pombal permittiu declarar a guerra 
aos jesuítas e salvar o Brazil, senão da sorte do 
Paraguay, ao menos da agitada vida que lhe pro- 
mettia a coexistência do regime civil e do regime 
theocratico, no governo e na organisação do tra- 
Jaalho servo. 
f Esse caso fortuitp é a descoberta das minas, á 
qual o Brazil deve a rápida definição da sua inde- 
pendência. Na riqueza do ouro encontrou a popu- 
lação de S. Paulo uma força predominante, com 
que impoz a sua supremacia, — como homogeneida- 
de, como cohesão, como originalidade e autonomia 
nacional, — ás provincias do norte, cuja existência 
era artificial na população, toda estrangeira, quer 
nos brancos portuguezes, quer nos negros africa- 
nos ; artificial no regime do trabalho, na natureza 
da cultura ; cuja vida, emfim, era a de uma fazen- 
da ultramarina de Portugal, amanhada e cultivada 
pelo génio dos estadistas; e não a de uma nação 
nova existindo independente e antónoma, por vir- 
tude de uma população fixada e naturalisada no 
solo sobre que vivia. 



s. 



VI 
A descoberta das minas 

Já no decurso d'este trabalho temos indicado as 
tentativas, até agora infructiferas, de descobrir nas 



6. — A DESCOBERTA OAB MIMAS 83 

vertentes orientaes da cordilheira dos Andes jazi- 
gos de ouro e prata, 4 como os que, desde largos 
tempos, vinham enriquecendo, a colónia castelhana 
do Peru, nas vertentes occidentaes. A vasta bacia 
do Amazonas tinha sido o alvo principal das pesqui- 
zas desde o xvi século; mas na ultima metade d'essa 
éra (1573) o donatário Tourinho, subindo o rio Doce, 
descobrira esmeraldas nas quebradas da Serra-do- 
Mar entre torto Seguro e o cabo Frio. Este re- 
sultado induziu Adorno, um colono audaz, a inter- 
nar-se no sertão (1580) com uma caravana de cin- 
coenta companheiros e quatrocentos índios. Taes 
ensaios não deram porém resultados apreciáveis, e 
até á segunda metade do xvii século não se ouviu 
fallar mais das pesquizas de minas no sul do Bra- 
sil. De 1662 datam as primeiras explorações dos 
sertanejos de S. Paulo, e até ao fim do século es- 
tavam descobertos os jazigos da provincia de Mi- 
nas, e na primeira metade do seguinte os do Matto- 
grosso e de Goyaz. 2 De 1730 a 50 as minas do 
Brazil attingiam o máximo de producção. 

Descobertas pelo génio dos paulistas, as minas 
eram consideradas por elles propriedade própria. 
Os vínculos que até então tinham ligado esta parte 



1 V. supra p. 28-9. 

* 1662 — Os paulistas Barbalho e Paes trazem ouro e pedras precio- 
sas dos sertões, e reconhecem o Itamarandiba. 
1683 — Paes é nomeado capitao-mór das minas de esmeraldas. 
1694 — Bandeira de Bartholomeu Bueno. Primeira fundição de ouro 

em Taubaté. Principio da colonisação mineira. 
1698 — Descoberta de Jaraguá, Ouro-preto, Ouro-Bueno, Morro, 
S. Bartholomeu, Oarmo, Itacolomis, Itatiaya, Itabyra, pia- 
cert, Bueno traz ouro de Iteberava, depois Villa Rica. 
1714 — Descoberta de Jacobina (prov. Bahia). 
1726 — Exploração das minas de Goyaz, pelos paulistas. 
1780 — idem idem Cuyabâ (Matto-grosso). 
1783 — Descoberta de diamantes em Cerro- frio. 



84 L. II. — NEGROS, A88UCAR E OURO 

] J austral do Brazil ao governo colonial/ eram mais 
i nominaes do que effectivos ; e frequentemente os 
i governadores tinham sido forçados a reconhecer a 
independência de facto, d 'essa população aventu- 
reira, indómita e ciosa de uma liberdade quasi-na- 
tural, anarchica de certo. A educação recebida nas 
* bandeiras da caça dos índios, agora convertidas em 
bandeiras de caça de minas, não era decerto feita 
a propósito para dulcificar o temperamento agreste 
d'essas populações costumadas á vida errante do 
sertão, nem para as levar a reconhecer a legitimi- 
dade de um governo, até então ausente, só mani- 
festo, agora que, nos leitos dos rios e nas quebra- 
das das serras, ellas tinham descoberto o cascalho 
aurífero e diamantino. 
f A noticia do el-dorado, afinal descoberto pelos 
paulistas, encaminhou para o sul os que elles con- 
sideravam estrangeiros, e agora inimigos, os em- 
boados, os forasteiros, que iam também colher a 
ceara de ouro. O anno denoto foi cruel para todos: 
os portuguezes foram trucidados no lugar a que 
d'ahi se ficou chamando Rio-das-Mortes ; e depois 
os rebeldes foram submettidos, castigada a cruel- 
dade dos sertanejos pelo governador que do Rio 
_ fora enviado para Minas. Crearam-se logo as fun- 
dições (1711) : todo o ouro ahi devia ir, para ser re- 
duzido a barras, ensaiado, timbrado, depois de pa- 
gar o Quinto da coroa. As barras de ouro de lei 
corriam como moeda. A lavra dos diamantes era 
um estanco régio. 

As fundições reuniam, assim, um caracter trí- 
plice: eram casas de moeda, officinas metallurgi- 
cas, e repartições fiscaes. Dallas partia a rede de 
postos e guardas, destinados a capturar o contra- 
bando de ouro, cujos authores a lei punia com as 
penas mais severas. 



6. A DESCOBERTA DAS MINAS 85 

Apesar do confisco e degredo para Angola, ape- 
sar do rigor das buscas, nas minas, nos caminhos, 
nos portos marítimos de Santos e do Rio, onde o 
ouro embarcava, muitos milhões passavam por alto 
e iam para Buenos -Ayres, diz Alexandre de Gus- 
mão. Ainda quando se coalhasse tudo de tropas, 
accrescenta, os soldados seriam os passadores de 
ouro, como a experiência provava; «mormente quan- 
do os ecclesiasticos, para se justificarem do desca- 
minho do ouro que frequentemente praticam, tém 
semeado a pestifera doutrina de que a fraude dos 
quintos não pede restituição por ter pena civil 
quando chega a descobrir-se, » — concluía o secre- 
tario de D. João v. Substituído por uma capitação 
fixa sobre o numero de escravos empregados na 
lavra, — tal era o plano de Gusmão, — o Quinto 
foi restabelecido mais tarde (1750), sob a forma de 
quota, que pesava 100 arrobas na província de Mi- 
nas. 

Jaraguá era, no primeiro quartel do século XVIII, 
o Peru brazileiro, e Jequitinhonha, Tejuco, as prin- 
cipaes lavras de diamantes por conta do Estado. O 
desenvolvimento da industria mineira tinha deter- 
minado, não só a immigração abundante de rei- 
noes, como a fusão dos dous Brazis, c omo a sujei - 
ção do Brazil-sul, como, finalmente, a franca intro- 
ducção do elemento servil negro. 

Os escravos de Africa iam agora demandar tam- 
bém o porto do Rio de Janeiro com destino ás mi- 
nas, como no norte demandavam o Maranhão, Per- 
nambuco, ou a Bahia, com destino ás plantações. 
Villa-Rica, o Potosi do Brazil, contava vinte mil 
habitantes, e os rios de ouro saíam das faldas da 
montanha perfurada como um favo de abelhas pelos 
mineiros paulistas, correndo pelas ruas da opulen- 
ta cidade sob a forma de um luxo desvairado, de 



86 L. II. NEGROS, ASSUCAB E OUBO 

que dão ainda hoje testemunho os antigos palácios 
e as egrejas d'essa epocha. 

As pepitas de ouro appareciam n'um leito de 
cascalho ferruginoso, entre a rocha e a camada, 
exterior de terra vegetal. Durante a sécca limpa- 
va-se o chão, descobria-se o cascalho e amontoa- 
va-se. Logo que as chuvas appareciam, começava 
a lavagem : Formava-se um throno em largos de- 
graus, pouco altos. No cimo, o cascalho que a 
agua, precipitando-se em cataractas, arrastava com- 
sigo. Em cada degrau negros com pás revolviam 
a terra com a agua ; e o lodo, assim formado, ia 
cair n'uma valia aberta na base do throno do ouro. 
Lavado o monte de cascalho, estava terminada a 
primeira parte da operação. Cortavam-se as aguas, 
recolhiam -se os lodos, de sobre os degraus e do 
fundo da valia. Os negros tomavam as gamella& 
onde o cirandavam, agitando-o a braço; e á ma- 
neira que iam vasando a lama estéril, iam appa- 
rendo no fundo das gamellas as palhetas luzentes: 
umas tão leves que fluctuavam, outras como ervi- 
lhas, como feijões. D'ahi as levavam a seccar, de- 
pois á fundição onde eram pesadas, ensaiadas, fun- 
didas em barra, timbradas para poderem correr. 
Todo o ouro procedia de alluvioes, e outro tanta- 
succedia aos diamantes. 

O Jequitinhonha foi um dos cursos fluviaes mais- 
abundantes em pedras. Para as saccar do leito do 
rio cortavam-no a certa altura, desviando as aguas- 
por um canal, no tempo das séccas. Por meio de 
caixões e bombas se conseguia pôr a nú a camada, 
de .cascalho quartzozo que as areias cobriam. Re- 
tiravam-n'o, amontoavam-n'o, esperando a estação- 
das chuvas. A installação de uma officina de cas- 
calho consistia n'um abrigo de madeira coberto- 
por um tecto de rama, sob o qual se estendiam 



7. — O OURO DO BRAZIL 87 

longitudinalmente as caixas de lavagem. Por de 
traz d'ellas corria uma valia de agua, e cada caixa 
descia com uma inclinação suave. Distribuída a 
porção conveniente de cascalho, a valia fornecia a 
agua, na qual, com um rodo, o escravo lavava o 
brogáo. A' frente dos negros, sentados em bancos 
altos sem braços nem . costas, os inspectores- vigia- 
vam o trabalho para evitar os furtos. 

A avidez do olhar valia tudo. Quando, por en- 
tre o remexer dos calháos já limpos de terra, a 
vista perspicaz do negro descobria o Jfaiscar de 
um diamante, o pobre erguia-se, batia as mãos, 
mostrando a pedra entre o pollegar e o index n'um 
gáudio infantil: um diamante! E' que se a pedra 
pesasse dezesete carats, estava forro ; e era levado, 
como um deus, coroado de flores, nos braços dos 
companheiros de trabalho. 



VII 

ouro do Brazil 

i 
No dizer de Humboldt o Brazil deu mais de 

metade de todo o ouro da America, * e o incidente 



j 



1 A insufficiencia dos registros e a importância do contrabando tor- 
nam impossível de determinar a somma da producçEo das minas brazilei- 
ras. Daremos, entretanto, a esse respeito certos apontamentos. 
Humboldt, no seu Ensaio sobre a nova Hespanha, calcula assim : 
De 1699 a 1755, registrado vindo para a Europa 480.000:000 piastras 
De 1756 a 1803 idem idem 204.544:000 > 

não registrado 171.000:000 > 

Total 885:544:000 
Ouro em moeda e obra no Brazil ? 

Producçâo de 1803 a 1815, por anno (30000 marcos) 4.360:000 » 



88 L. n. — NEGB08, A88D0AB B OURO 

das minas, cujo alcance para o ulterior desenvolvi- 
mento da nação néo-portugueza já temos aprecia- 
do, trouxe á metrópole um caudal de riqueza bem 
diversamente empregado ; ao thesouro nacional uma 
verba de receita imprevista, 4 com a qual D. João v 
pôde dar largas á sua ostentação fradesca,. e o 



As minas de Goyaz parece produziam annualmente, pelo melado do 
xviii século, 150 arrobas de ouro. 

Ayres do Cazal diz que a primeira frota de Cuyabá, roubada pelos 
payagoas no Paraguay (1730), levava 22000 libras de ouro; e que em 731 
saíram de Matto-grosso para S. Paulo 25600 libras. 

Em 1773 o ouro produzido em Miuas pesou 118 arrobas ; e de 773 a 812 
o total de 6895 arrobas, valendo 85 milhões de cruzados. 

De 752 a 773 a producção registrada total seria de 6400 a 8600 kil. ann. 
e mais de outro tanto a de contrabando. 

Eis aqui os números de Chevalier (La Monnaie) 4 

PRODUCÇÃO A2ÍNUAL. DA AMERICA BRAZIL OUTROS PAIZSB 

— no principio do século k. 3:700 Fr. 12:7440 k. 10:418 Fr. 8:6110 

— antes da descoberta das 

minas da Califórnia k. 2:500 Fr. 85:8850 k. 12:715 Fr. 43:7960 

Estes são os registros do Barão de Eschwege, no seu Pluio braziliensis 
(Berlin, 33). Extracção de ouro : 

Minas geraes 1700 a 1820 arrobas 35687 

Goyaz 1720 a 1730 » 9212 

Matto-grosso 1712 a 1820 > 3107 

S. Paulo 1600 a 1820 » 4650 

excluindo contrabandos, confiscos, etc. A producção total do Brazil deveria 
ter subido, de 1600 a 1820, a 63:417 arrobas, no valor de 391:000 contos de 
réis. 

Em 1735, diz Constâncio, as minas de diamantes produziriam milhão e 
meio de cruzados por anno. O didtricto da Diamantina (Minas) dava, 
em 1808, de 20 a 25 mil carats ; e em 1809 o thesouro do Itio permittia a D. 
João vi mandar vender annualmente em Londres 20000 quilates para ga- 
rantir os encargos da divida. 

* Eschwege calcula em 64800 contos o producto total do Quinto. Che- 
gou a render, diz o mesmo, cinco milhões de cruzado* annuaes, e querem 
alguns que o dobro. Em 1809, Minas produzia para o quinto 150 arrobas de 
ouro j e em 1820 o producto total da renda erá apenas de 600:000 cruzados, 
valor de 440 kilog. 



7. — O OUAO DO BRAZIL 89 

marquez de Pombal, reconstruir, não só Lisboa, 
mas todo o reino. * 

O espirito aventureiro dos paulistas foi a pri- 
meira alma da nação brazileira, e S. Paulo, esse 
foco de lendas e tradições maravilhosas, o cora- 
ção do paiz. D'ahi partiu o movimento de occupa- 
ção do interior dos sertões, d'ahi a colonisação se 
alargou para o sul, até ao Paraguay, até ao Pra- 
ta. 2 Os novos elementos que as minas traziam á 
imaginação popular, creando um segundo cyclo de 
lendas maravilhosas, e- os caudaes de riqueza que 
a sacca do ouro derramava na população, coinci- 
diam no sentido de lhe dar uma autonomia que a 
immigração crescente assegurava, em vez de em- 
baraçar: porque os recém- vindos de Portugal fun- 
diam-se, nacionalisavam-se, eram assimilados ; como 
o provam as numerosas povoações, cujos nomes 
são nacionaes, não portuguezes. 3 A administra- 
ção colonial consagrava este rápido movimento 

1 V. Historia de Port. ii'pp. 149-57. 

9 No Piauhy encontra Domingos Affonso, o mafreuse, a landeira do 
paulista Jorge (1674) com a qual submette os Índios. O primeiro estabelece 
fazendas no interior da província ; o segundo regressa a S. Paulo com es- 
cravos. — Para o sul, vão a Santa-Catharina, fundam Lages (1650). 
— Vão de Laguna até á colónia do Sacramento, atravessando todo o 
Bio grande (1715). — Para o interior exploram Goyaz, á caça de índios 1 
(1647), depois em busca de ouro (1682); descem todo o curso do Tocantins 
até ao Pará (1773). — Invadem e trilham Matto-grosso ; navegam o Gua- 
poré (1742). São os exploradores de todo o Brazil. 

3 S. Paulo. Guaratinguetá (1651); Jacarehy (52J; Itu (53); Iguape, 
Jundiahy (55); Sorocaba (10); Itapevá, Mogy-Mirim, Alibaya (1769); 
Apiahy, Itapeninga (70). 

Minas. Ouro-preto (Villa-rica), Sabará, Marianna (711); Caete, Prín- 
cipe (14); S. João d'Elrey (12); Pendamonhangaba (13); Pitanguy (15); S. 
José, Paranaguá (18); V. nova do Infante (19); S. Domingos, Agua-suja 
(28,); Bom-successo (30) . 

Goyaz. Santa Cruz (29); Meia-ponte (31); Agua-quente, Villa-Boa (39).' 

Matlo-grosso. Real-de-minas*(S2); Villa-Bella (52). 

Bio de Janeiro. S. José d'Elrey (73). 



90 L. II . — NEGROS, A8SUCAR B OURO 

de constituição creando governos ou províncias, 
n'esses territórios outr'ora imperfeitamente sujei- 
tos á authoridade central. 4 

Mas, por outro lado, o facto da descoberta e 
exploração das minas vinha continuar, de um 
modo mais pronunciado ainda, as consequências da 
primitiva divisão do Brazil em capitanias e da pos- 
terior exploração anarchica : isto é consagrava um 
typo de cólonisação dispersa. O mineiro, logo que 
descobria o cubicado metal, assentava arrayaes : 
era o valle de um rio, era a quebrada inaccessivel 
de uma montanha? Pouco importava; porque para 
o transporte de ouro não havia dificuldades, e 
porque o producto da lavra pagava amplamente o 
excesso de custo dos objectos, — bem poucos, — 
necessários ás commodidades da sua vida. Assim, 
de futuro, quando as areias dos rios estivessem es- 
gotadas de diamantes, e as camadas de cascalho 
limpas de ouro; quando essas povoações, fundadas 
n^m furor de exploração, tivessem de entrar na 
vida normal do trabalho e da industria agrícola; 
quando os productos das lavouras exigissem trans- 
portes fáceis e baratos ; levantar-se-hiam os proble- 
mas graves que determinaram o atrophiamento de 
muitas villas, o desapparecer de algumas, e uma 
crise na economia de uma região outr'ora opu- 
lenta. 



1 1710 Creaçâo da província de S. Paulo, com parte das capitanias de 
Santo Amaro e S. Vicente, territórios até então dependentes do 
Rio de Janeiro. 

1720 Minas, destacada da província de S. Paulo. 

1736 Goyazj constituído em districto provincial de S. Paulo ; 49, des- 
tacado. 

1739 S. Catharina destacada de S. Paulo. 

1751 Matto-grosso constituído em governo independente do Rio. 

1760 Rio grande-do-sul idem. 



7. — O OURO DO BBAZIL 91 

Foi isto o que effec ti vãmente succedeu no ultimo 
quartel do xvni século. Ainda nos primeiros annos 
da nossa éra, * a província de Minas apresentava 
o aspecto de uma ruina : os habitantes estavam 
indecisos entre a exploração das minas, cada vez 
menos productivas, e a agricultura promettedora ; 
e as viilas, isoladas por legoas e legoas de distan- 
cias, escondidas em desvios difficeis de serras bra- 
vias, definhavam. Era uma decadência triste e 
uma desolação geral. Os visinhos da outrora 
opulenta Villa-Rica miravam-se nas ruinas da an- 
tiga prosperidade. Mendigos habitavam em palácios 
carunchosos. A apathia, a indolência do tempera- 
mento meridional appareciam agora, passado o delí- 
rio da exploração mineira, e depois de dois séculos 
de incessantes correrias pelos sertões virgens. 
Viam-se os campos abandonados, miseráveis casas 
destelhadas caindo a pedaços; os jardins e cerca- 
dos estavam infestados de plantas parasitas; as 
pastagens perdidas, os gados ao abandono dimi- 
nuíam. A agricultura, esquecida pelo ouro, pa- 
recia agora uma occupação modesta de mais: 
não inflammava as imaginações com os milagres 
deslumbrantes das riquezas escondidas no seio das 
encostas agrestes. O café produzia espontanea- 
mente, e os lavradores, tristemente apathicos, nem 
o colhiam. 

Oscillando entre a esperança van de um retorno 
das maravilhas mineiras, e a fatalidade de um re- 
gresso á vida agrícola, o proprietário, indeciso, 
molle, arrastava uma existência quasi miserável. 
A lavra da mina não raro lhe absorvia o producto 
liquido da lavoura; e entretanto a sua paixão fa- 
zia-o desprezar a segunda, amar a primeira. 50 ou 

* 1808. Viagem de Mawe. 



92 L. II.— NEGROS, ÀSSUCAB E OUBO . 

60 escravos formavam o pessoal de uma granja- 
mina de media importância. À casa era uma bar- 
raca miserável, com muros de taipa de barro, sem 
vidraças, roida pelo tempo e mal defendida contra 
as chuvas. O chão era a terra húmida e negra, 
sem ladrilhos nem sobrado, saturada de immundi- 
cie, e endurecida pelo perpassar dos moradores que 
viviam n'uma promiscuidade repugnante, homens 
e cevados. Por camas, enxergas duras para os 
amos, um couro ou uma esteira sobre o chão para 
os servos. A ninhada das creanças folgava semi- 
nua, esfarrapada, sem sapatos, as mulheres enfe- 
zadas e pobremente vestidas ; e o chefe da casa, in- 
dolentemente embrulhado na capa, com os soccos 
nos pés, vigiava o trabalho dos negros, lavando o 
cascalho com a sempre mentida esperança da des- 
coberta de um deposito abundante de ouro. 

Entretanto ia-se endividando ; comprava fiado e 
caro, vegetava n'uma apathia feita de illusoes, e 
com ella crescia o matto pelos terrenos já lavra- 
dos, a ignorância nas creanças que medravam em 
edade. O ver-se dono de escravos dava-lhe orgu- 
lho ; a esperança de uma riqueza possivel confian- 
ça; e a memoria das opulências remotas, de que 
restava a bacia de prata onde o hospede lavava 
as mãos ao passar de viagem, enchia-o de uma sa- 
tisfação quasi -aristocrática. 

O lado infeliz do génio portuguez, a apathia e 
a vaidade pessoalmente intima, a satisfação de si, 
mostravam-se agora, como transformações naturaes 
das qualidades positivas e fecundas : a coragem e 

/ a nobreza. O Brazil começava a entrar no período 
de uma crise que durou um quarto de século. 
Mais de vinte annos foram necessários para o de- 
cidir a abandonar a exploração das minas estéreis 

k e entregar-se á lavoura. Durante esse período de 



8. — CONSTITUIÇÃO GEOGRAPHICA DA NAÇÃO 93 

intima transformação económica, deu-se o facto 
politico da separação de Portugal. 




VIII 

Constituição geographica da nação 



Circumstancias de ordem, ou estranha ao desen- 
volvimento interno do Brazil, ou inteiramente for- 
tuitas, determinaram esse facto, até certo ponto se- 
cundário em importância social. Independente ou 
não, politicamente, o caso é que o Brazil já era, so- 
cial e economicamente, uma nação, quando a revo- 
lução separatista veio dar uma forma exclusiva ao 
facto anterior da alteração de relações entre a 
mãe-patria e a sua bella e grande colónia. Um 
Brazil, como era o do principio do século actual, 
não podia mais viver acorrentado a um systéma 
de dependência e de protecção, não só desnecessá- 
rias, como duplamente prejudiciaes, por anachroni- 
cas, e por estupidamente ineptas, — como deviam 
ser as idéas dos deploráveis governos que succede- 
ram em Portugal ao do marquez de Pombal. 

O desenvolvimento da riqueza do sul central 
no xvin século dera um rápido e quasi milagroso 
progresso á cidade do Rio de Janeiro. Apesar de 
assolada em 1711, pela expedição de Duguay-Trouin, 
a capital do Brazil, crescera tanto, que em 763 a 
residência dos vice-reis, a sede do governo central, 
era transferida da Bahia para ahi. 

Esta resolução não era apenas uma satisfação 
dada á importância da já verdadeira capital : era 
a consequência de uma causa geographica. Não só 



94 L. II. — NEGROS, A88UOAR E OURO 

as minas punham n'essa região o centro da impor- 
tância económica do paiz ; também o facto da co- 
lonisação e exportação se terem ^alargado para o 
coração do continente até ás faldas orientaes dos 
Andes, e para o sul até ao Rio-da-Prata, tornava 
geographicamente excêntrica a Bahia, dava a palma 
ao Rio de Janeiro, ainda preferível como porto. 

Assim, as causas ethnicas, as económicas e as 
geographicas, n'um accordo completo, concorriam 
para definir, no fim do xvin século, o Brazil; 
para lhe dar a structura de uma nação, os ele- 
mentos do estabelecimento permanente, fixo e 
progressivo de uma civilisação néo-portugueza no 
continente da America austral, ao lado da civilisa- 
ção néo-castelhana. O dualismo histórico da Eu- 
ropa reproduzia-se no Ultramar; e a America do sul, 
conquistada para a Península hispânica, mostrava 
unia civilisação latina ao lado da saxonia no conti- 
nente septentrional do novo-mundo. Os eminentes 
representantes do génio latino, nos tempos moder- 
nos, creavam na America um grupo de nações re- 
presentantes e testemunho da sua esplendida em- 
bora curta acção na historia. i 

Com effeito, a nação estava geographicamente 
formada no fim do xvin século. Delimitada ao 
norte pelo Oyapock, senhora da vasta bacia do 
Amazonas, — os motivos próprios, as causas inter- 
nas do desenvolvimento nacional, que deixámos es- 
tudadas, determinavam a delimitação das fronteiras 
do sul. Desde 1680 que os governos se occupavam 
da exploração e colonisaçao de Santa-Catharina e 
do Rio-Grande, regiões onde as missões jesuítas 
tinham precedido a occupação civil, alongando-se 
por entre os índios até aos territórios banhados 

1 V. Civil. iber. L. iv, p. 8, 4 e 5. 



8. CONSTITUIÇÃO GEOGBAPHICA DA NAÇÃO 95 

pelo Paraná, pelo Paraguay, pelo Uruguay, isto é, 
até ao coração da grande bacia hydrographica do 
sul da America. 

As antigas e sempre vivas questões dos missio- 
nários e dos colonos, até á final expulsão dos jesui- 
tas, deram em 1710 o conflicto de S. Paulo. Os je- 
suítas, quasi únicos representantes dos vínculos 
políticos que ligavam essa parte do Brazil ao go- 
verno da Bahia, foram violentamente expulsos de 
S. Paulo, perdendo o primeiro baluarte das suas 
missões brazileiras; e os paulistas, declarando-se 
politicamente independentes, tentaram confiscar 
em proveito próprio as missões. 

Adoptaram para uso dos Índios aldeados um 
christianismo fetichista, egual ou similhante ao dos 
padres; crearam um novo sacerdócio, e com os 
mesmos instrumentos de que os jesuítas se ser- 
viam para submetter o indio, fizeram elles do ín- 
dio o instrumento da perseguição dos padres, in- 
ternando-se, armados, até ao Paraguay, onde lhes 
foram queimar as aldeias, e destruir as missSes. 

A questão d'essa colonisação theocratica, levan- 
tava-se, pois, no sul, com um caracter mais grave 
do que o da Bahia e do Maranhão. Nas colónias 
do norte, as missões tinham-se desenvolvido paralle- 
lamente á população europêa : dava-se uma ponde- 
ração de forças, e o domínio politico nunca passou 
da mão do governo para as da Sociedade. No sul, 
onde não havia, nem governo, nem colonisação eu- 
ropêa, o domínio da coroa era nominal apenas, por 
que o effectivo poder religioso e politico era unica- 
mente o dos jesuítas. No Uruguay tinham mais de 
30 aldeias com cem mil indios, servos submissos 
que trabalhavam para os armazéns e fabricas da 
sociedade; ao mesmo tempo que, industriados na 
guerra, esperavam resolutamente o ataque dos his- 



96 L. n. — NEGROS, ASSUCAH E OURO 

pano-portuguezes, desde que em 1753 se resolvera 
entre as duas cortes a occupaçâo effectiva da re- 
gião do Prata, e a expulsão dos jesuítas. * 

Esta campanha contra os indios capitaneados 
pelos jesuítas é um episodio da historia dos limites 
austraes do Brazil, renhida contenda entre Por- 
tugal e a Hespanha para a posse da margem es- 
querda do Prata. Protrahida até nossos dias, a 
questão da colónia do Sacramento veiu a resolver- 
se afinal, de um lado pela creação de um pequeno 
estado neutro, espécie de Bélgica sul-americana 
collocada entre o Brazil e a confederação argenti- 
na; 2 e do outro, pelo êxito da recente guerra 



1 V. Civil, ibérica, p. 261-2 ; e JZwf. de Port. n, p. 147-8. 

2 Eis aqui a chronologia da colónia do Sacramento : 

1680 — fundação da colónia por portugueses ; é occupada pelos hespa- 

nhoes de Buenos- Ayres ; 
1683 — devolvida a Portugal ; 

1705 — de novo tomada pelo governo de Buenos- Ayres ; 
1715 — restituída a Portugal pelo tratado de Utrecht. 
1735 — Tentativa frustrada do governo de Buenos -Ayres para tomar a 

colónia. 
1750 — Pelo tratado de Madrid, Portugal cede-a á Hespanha : as duas 

margens do Prata sao de direito hespanholas. Em compensação, 

Portugal recebe as Misiones dos jesuítas. 

1761 — Annullação do tratado de 50. 

1762 — Rompimento de hostilidades ; os hespanhoes tomam Sacramento e 

invadem o Rio-grande ; , 

1767-76 — os portuguezes recuperam o perdido ; 

1777 — oa hespanhoes tomam e estabelecem-se na ilha de Santa Catha- 
rina. — Paz de Santo-Ildefonso ; restituição de Santa-Catharina, 
contra a de Sacramento, das Misionea do Uruguay e de uma 
parte do Rio-grande. 

1801 — Recoriquista das Missões pelos portuguezes. 

1812-16 — Conquista de Montevideu pelos portuguezes. 

1821 — Annexação ao Brazil com o nome de província cis-platina. 

1825 — Incorporação da Banda-oriental na confederação do Prata; cerco 
de Montevideu. 

1828 — Fim da guerra entre Buenos-Ayres e o Brazil. O Uruguay repu- 
blica independente. 



8. CONSTITUIÇÃO GEOGRAPHICA ,DA NAÇÃO 97 

contra o Paraguay. A inépcia e a fraqueza da po- 
litica da metrópole deram de si estas consequên- 
cias, por não terem energicamente revindicado e 
occupado toda a margem esquerda do Prata-Para- 
ná-Paraguay, fronteiras naturaes do Brazil pelo 
sul e pelo oriente, na sua metade meridional. Mais 
tarde, no meio da agitação produzida pelo enthu- 
siasmo separatista, o Brazil, reduzido aos recursos 
limitados de uma nação pequena em forças, a 
braços com a crise politica da constituição, de- 
balde se esforçou por annos em remediar o erro da 
administração portugueza; até que teve de aban- 
donar, vencido, a questão da rectificação das fron- 
teiras naturaes austraes. 

Menos feliz ao sul do que ao norte, onde po- 
deram vingar os limites fixados pelo tratado de 
Utrecht, o Brazil, entretanto, apresentava no fim 
do xvin século os elementos constitucionaes de 
uma nação ; e as idéas de autonomia e liberdade 
começavam a amadurecer como fructos naturaes 
de uma arvore chegada ao período de fecundidade. 
Do centro ou coração do paiz saíra um grito de 
independência, breve afogado em sangue; os aca- 
sos da politica europêa atiraram com D. João vi 
e com os restos podres da nação portugueza para a 
America ; * e logo soou por toda a costa do Pacifico 
a acclamação da independência. Tudo se conjurava 
para a definição de uma autonomia já effectiva, já 
real nos factos. Desde que Portugal na Europa vi- 
via á custa de um Brazil não indio, (como é Java 
para a Hollanda,) mas europeu, força era que as 
condições politicas se invertessem, que traduzissem 
de facto a realidade: Portugal era a colónia, o 
Brazil a metrópole. Foi isto o que a translação dos 

1 V. Hist. de Port. n, p. 179-81. 



98 L. II. — NEGROS, ASSUCAR E OURO 

penates brigantinos para a America veiu demons- 
trar. Fortuito, sob o ponto de vista do systema da 
historia braziíeira, o caso da fugida de D. João vi 
para o Brazil teve o merecimento de pôr em evi- 
dencia e de sanccionar politicamente o facto de or- 
dem social anterior: o Brazil era já uma nação, 
não foi D. João vi que lhe levou a carta da inde- 
pendência. 

Não precipitemos, porém, o discurso. O germi- 
nar, o crescer e affirmar-se das idéas separatistas 
no Brazil, como expressão do momento a que a 
constituição orgânica do paiz tinha chegado, será 
matéria de novo estudo. Termina aqui a historia 
do Brazil-colonia. A obra da nação portugueza 
acabou; e, apesar de tudo, essa obra foi a melhor 
que ella deixou á historia, uma das melhores que as 
sociedades da Europa commetteram. O génio au- 
daz e investigador dos portuguezes ensinou á Eu- 
ropa a navegar e a colonisar. Não pôde ensinar, 
não pôde até sequer aprender, a dominar, a impe- 
rar: por isso a occupação da índia foi uma des- 
graça, e uma desgraça maior ainda era o governo 
politico da metrópole. Das duas nações a quem a 
historia ultramarina mais deve, a Inglaterra e Por- 
tugal, a primeira, repetindo Roma, sabe imperar; 
nós soubemos trilhar os mares e os sertões, escul- 
drinhar o fundo das barras, a entrada dos rios, a 
verdade das rotas, os fluxos do mar, os surgidou- 
ros dos portos, os desvios das serras, as brenhas 
do matto, — soubemos, primeiro que ninguém o 
soubesse, lançar os alicerces das novas cidades, 
fundar os elementos de novas Europas^. 

Esta segunda metade do nosso génio demonstra- 
va-a 9 Brazil; a primeira demonstrara-a, antes da 
America, a Africa, torneada e visitada em todas as 
suas ilhas perdidas, em todas as suas costas igno- 



9. — AS COLÓNIAS AFRICANAS 99 

tas. E porque não creavamos na Africa uma nova 
Europa, como a da America? 

Essa resposta será cabalmente dada a seu tem- 
po. 4 Basta-nos dizer agora que as colónias africa- 
nas eram succurgaes' do Brazil, para onde se volta- 
vam todos os cuidados ; que eram apenas o mer- 
cado do trabalho escravo, para nós e para todas as 
nações que como n£s tinham fazendas na Ame- 
rica. 



IX 

As colónias africanas 



Moçambique, já destacado pela perda do Zanzi- 
bar do systema da occupação do Oriente; Moçam- 
bique, mais distante e por isso menos rendoso para 
o commercio de escravos com a America portu- 
gueza; Moçambique, onde as missões, abondona- 
das em Angola, se tinham internado pelos sertões ; 
foi objecto de tentativas infructiferas de colonisa- 
ção. Houve de certo o plano de fazer da Africa 
oriental um segundo Brazil. 

O monopólio do commercio, dado, como em 
muitos pontos da índia, aos governadores das co- 
lónias, terminou, para o principal estabelecimento 
da Africa oriental, em 671 ; e quatro annos depois 
essa disposição estendia-se até Sena e Tete. O 
commercio ficou livre a todos os nacionaes. Em 
677 fez-se uma expedição de colonos do reino, e dez 
annos mais tarde introduziram-se na província os 

* V. post. liv. rv. 



>¥ 



100 L. II. NEGROS, A8SUCAR K OUHO 

baneanes com o privilegio do commercio marítimo 
para as possessões fronteiras da costa do Malabar. 

No meiado do xvin século o governo da coló- 
nia é definitivamente destacado do da índia portu- 
gueza ; mas este facto, em vez de traduzir o aug- 
mento de importância da primeira, traduzia apenas 
a decadência miserável do império oriental. 

Com effeito, se no decurso do XVII século as- 
tentativas de colonisação não tinham ' vingado, 
como não vingaram antes as esperanças da desco- 
berta do Ophir, o facto é que Moçambique pros- 
perara como colónia ou feitoria commercial ; e que, 
substituindo-se aos árabes, os nossos negociantes 
iam pelo interior do sertão, trilhando todo o alta 
Zambeze, trocar os géneros da Europa e da Ásia 
pelo marfim, pelo ouro e por escravos, como ou- 
trora na costa da Guiné. Os feirantes partiam de 
Sena e de Tete para o sertão, a Luanze, a Bocuto, 
a Chipiriviri, a Dambarare, a Ongoe, a Massapa, 
a Manica e ao Zumbo; iam, trocavam, resgatavam, 
n'esses pontos onde periodicamente os cafres vi- 
nham vender-lhes os productos sertanejos ; e as 
feiras tendiam a tornar-se pontos de colonisaçao, 
pequenas aldeias semi-europêas, como chegou a ser 
o Zumbo. 

A prosperidade absorvente do Brazil, porém, e 
a corrupção, a inépcia administrativas atrophiaram 
este ensaio novo de exploração pelas feiras. 

No fim do xvin século tudo estava já perdido, 
como se conservou até hoje ; e tão esquecida ficou 
a memoria dos feirantes portuguezes, que os indí- 
genas fizeram crer a Livingstone ter sido elle o 
primeiro europeu que pisou os sertões do Zambeze 
e as vertentes do lago Nyassa. 

E' um triste sudário de incríveis misérias a his- 
toria de Moçambique no decurso do xvin século* 



9. A.S COLÓNIAS AFRICNNA9 101 

Os governadores são mercadores de escravos, são 
ladrões ; e sob o nome de Juntas os funccionarios 
■criam institutos de pauperisação, de atrophiamento 
da colónia. Os missionários não valem mais : são 
padres degredados de Goa. Os cafres rebellam-se, 
batem-nos, expulsam-nos. Todas as feiras successi- 
vamente se dispersam, e a exploração portugueza 
recua até Sena e Tete, miseráveis aldeias arruina- 
das. i 

Diversa foi porém, felizmente, a historia da 
Africa Occidental. Cabo- Verde, enfeodado em 756 á 
companhia do Grão-Pará e Maranhão, passou em 
780 para as mãos da companhia do Exclusivo do 
commercio da costa de Africa, em cujo poder an- 
dou o commercio marítimo do archipelago e da 
Guiné portugueza até ao fim do século. A' sombra 
da protecção d'estes poderosos quasi-estados com- 
merciaes, as ilhas prosperavam em população e 
em producção. Varias culturas se tinham aclima- 
tado, varias industrias creado: o anil (701), a ur- 
zella (30), o senne (83), o café (90), o assucar, a 
purgueira e o sal. — S. Thomé, depois das pavo- 
rosas tragedias de que fora victima * não poderá 
readquirir a opulência perdida. Restaurada para o 



1 Á decadência do domínio portuguez pode também marcar-se o 
auge na destruição de Lourenço Marques pelos cafres (1833), se é que a 
historia contemporânea do Bonga não é mais grave documento. 

O facto é que ás reformas de 1853 se deve o estado actual da co- 
lónia, que estudaremos opportunamente. Foi então que se terminaram 
por uma vez os privilégios das Juntas, que se crearam as alfandegas de 
Ibo, Quelimane, Inhambane e Lourenço Marques, abrindo-se os portos 
ao commercio de todas as nações. D'ahi resultou o facto, (mais ou me- 
nos geral em toda a África portugueza, como veremos,) de que o com- 
mercio renasceu, mas não comnosco que nada temos que mandar para 
Africa. O commercio marítimo de Moçambique tornou-se exclusivamente 
tfrancez. 

2 V. supra, pp. 43-4. 



102 L. II. — NEGROS, ASSUCAR E OURO 

domínio portuguez, foi vegetando até que em 1721 
o governo a abriu ao commercio de todas as na- 
ções: era a estalagem do golpho da Gruiné, onde 
iam refrescar todos os navios negreiros ; vivia do 
dinheiro que as tripulações ahi deixavam, uma 
vida de empréstimo, obscura e sem futuro. 

Angola, porém, tão preciosa como o Brazil, An- 
gola a mina de escravos, sem a qual não produzi- 
riam, nem as plantações, nem as minas de ouro da 
America portugueza, Angola prosperava. Como? 
Era uma occupação sys temática do território, era 
uma colonisação europêa, ou uma vassallagem da& 
tribus indígenas, fixadas no solo, addictas á agri- 
cultura por um poder forte e protector ? Não ; não 
era cousa alguma promettedora e fecunda: era a 
exploração de um commercio precário já no fim do 
século, desde que principiava a ouvir-se o protesto 
contra o trafico da escravatura negra. Esse era a 
exclusiva origem da prosperidade de Angola; o* 
motivo do rendimento copioso das suas alfandegas, 
da opulência de Loanda, dos numerosos presidio» 
que, alongando-se para o sertão, levavam para 
longe da costa a occupação portugueza. * 

Vivamente occupada em assegurar o seu domí- 
nio contra as tribus hpstis, a administração da co- 
lónia vira renascer incessante a guerra .que a caça 
dos negros fomentava ; mas tal estado pôde dizer- 
se que termina com o xvii século: no seguinte, 
o férreo domínio dos portuguezes mercadores de es- 
cravos começa por soffrer os ataques marítimos do» 
francezes, e Loanda experimenta a sorte do Bio-de- 
Janeiro. A administração do marquez de Pombal 

* Pelos fins do zviiz século a occupação de Angola consistia em 9 pre- 
sídios (Ambaca, Cambambe, Muxima, Caconda, Pungo-Andongo, Encoge, 
Novo-Redondo, Matsangano e Benguella) j e 3 districtos (Bengo, barra e 
alto j Galumbo ; e Golungo, alto e baixo). 



9. — AS COLÓNIAS AFRICANAS 103 

vê-se ter % tido a idéa de emancipar a colónia da con- 
dição anormal de mercado de escravos ; — não que 
entrasse nas vistas do estadista abolir uma immi- 
gração forçada tanto mais indispensável áo Brazil, 
quanto elle, expulsados d'ahi e de todos os domí- 
nios da coroa os jesuítas, não mais podia contar 
com o trabalho servo dos Índios. 

O governo de Souza Coutinho em Angola (64-72) 
demonstra, porém, o propósito de fundar uma verda- 
deira colónia na Africa occidental : são d'essa epo- 
cha as principaes construcçoes das cidades maríti- 
mas, e data d'então a tentativa de crear uma indus- 
tria metallurgica com os ferros de Nova-Oeiras. 
Em geral ephemeros, os planos do marquez de 
Pombal, i eram no caso especial do fomento de 
Angola chimericos, porque, — além de causas ge- 
raes que a seu tempo estudaremos, — havia ao 
tempo um motivo que por força-maior impedia 
todo e qualquer desenvolvimento agrícola ou in- 
dustrial: o negocio dos escravos rendia mais do 
que outro qualquer. 



1 V. Hist. de Port, n, p. 154-7. 



LIVRO TERCEIRO 



O Império do Brazil 



Historia da Independência 



Libertas qua será, tamen. 

ê 

As minas começavam a exhaurir-se no fim do 
xviii século e o espirito da população paulista es- 
tava acceso pelo fogo do enthusiasmo liberal, que a 
França com os seus philosophos derramava como 
lava pelo mundo. Os mineiros deviam sete annos 
do serviço de cem arrobas annuaes em que o Quin- 
to fora transformado, e as minas improductivas não 
davam para pagar o sustento dos mineiros que se 
arruinavam : quanto mais para enviar 700 arrobas 
de ouro para Portugal, essa metrópole madrasta a 
quem nada saciava, nem os impostos, nem os mo- 
nopólios, — entre os quaes o do sal vexava todos. 

No mesmo anno em que a revolução rebentou 
em França, ia rebentar a revolução em Minas 
(1789). O Brazil proclamar-se-hia republica inde- 
pendente, a exemplo dos Estados-Unidos da Ame- 
rica septentrional. Xavier, o Tira-dentes, Maciel- 



1. HISTORIA DA INDEPENDÊNCIA 105 

do-Rio, Freire-de- Andrade eram os chefes da cons- 
piração que abortou. Pagaram no patíbulo a sua 
audácia, mas com a morte conseguiram alliviar os 
soffrimentos da população e definir o pensamento 
nacional, maduramente elaborado no século ante- 
rior. O governo reprimiu, suffocou barbaramente 
a sedição; mas desistiu das 700 arrobas de ouro e 
aboliu o estanco do sal. 

Tal foi o primeiro momento da historia da inde- 
pendência do Brazil, que o caso para ella fortuito 
da immigração do mandarinato portuguez, com os 
monarchas á frente, precipitou de um modo notá- 
vel e encaminhou de uma forma, singular na Ame- 
rica. A esse caso deve principalmente attribuir- 
se a circumstancia da creação de uma nação mo- 
narchista no seio de todo o novo-mundo republi- 
cano. 

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, D. João vi 
e os seus mandarins tiveram um accesso de activi- 
dade, que o inglez, sentado com o rei no 'throno, 
fomentava para explorar ; um accesso de activi- 
dade que, porém, libertava para todo o sempre o 
Brazil da metrópole. Desde logo (1808) os portos 
foram abertos ao commercio de todas as nações 
amigas, livre o exercício de qualquer industria, 
creados os tribunaes supremos, e abolida, assim, a 
appellação para Portugal, fundada uma imprensa, 
um banco e escholas superiores, abertos os sertões 
aos exploradores de todo o mundo. 

Os inglezes inundavam o Brazil com as suas 
^mercadorias, expulsando as nacionaes, * e prote- 
gendo o bragança na America, tinham no governo 
dois fâmulos submissos, Linhares e Galveas, prom- 
ptos a ceder-lhes tudo. Assignaram-se os tratados 

1 V. Hiat. de Port. i,'p. 56-73. 



106 L. III. — O IMPÉRIO DÔ BRAZIL 

de 1810, * que punham clara e evidente a politica 
dos interesses insulares, indirectamente servida pe- 
las- medidas de 1808. Nas alfandegas do Brazil ha- 
via manufacturas inglezas para o consumo de dez 
annos, e era mister salvar de uma ruina immi- 
nente os especuladores temerários. Em 1815, em 
Vienna, a Inglaterra, não satisfeita ainda, recla- 
mava para si, além da Madeira, a ilha de S. Ca- 
tharina no Brazil e uma estação naval na costa: 
como Linhares e Galveas já tinham morrido os in- 
glezes não conseguiram o que queriam. 

Já então se dissipara na America p enthusiasmo 
nascido com a chegada do maadarinato portuguez. 
Quando D. João vi desembarcou, com os seus du- 
zentos milhões de cruzados, com mais de quinze 
mil servos tauxiados de fitas e cruzes, conselhei- 
ros, desembargadores, marquezes, condes e com- 
mendadores, monsenhores e cónegos, e D. Maria i 
doida, os brazileiros no pasmo natural diante da* 
frandulagem apparatosa da corte, embriagaram-se, 
acreditaram-se elevados a grandes alturas. 

Pouco a pouco foram, porém, vendo quanto va- 
liam esses esplendores da metrópole. Os mandarins 
que sugavam Portugal, apenas sabiam devorar tam- 
bém o Brazil. Parecia, primeiro, que a capital por- 
tugueza passara para o Ultramar, e com ella todas 
as virtudes e qualidades, verdadeiras ou suppostas, 
dos portuguezes da Europa; e via-se agora que 
portuguezes e brazileiros eram ambos victimas de 
uma família de roedores dourados e fardados. A 
nuvem de gafanhotos que desde o xvn século de- 
vorava tudo em Portugal, pousava agora no Brazil 
para em casa o digerir mais á vontade. Os brazi- 
leiros, com a educação forte e natural do trabalho, 

i HUt. de Port. p. 223-4. 



1 . HISTORIA DA INDEPENDÊNCIA 107 

começaram a perceber que não podia represen- 
tal-os nem dirigil-os esse mandarinato portuguez ; 
e que entre elles e a corte, composta de «um prín- 
cipe fraco e boçal, governando em nome de sua 
mãe louca ; de uma princeza intrigante, pródiga e 
desregrada, de quem vivia separado pelas suas 
constantes infidelidades ; e de um rapaz estou- 
vado e ambicioso» * — nada havia de commum. A 
desordem, a immoralidade, a baixeza, a dissipação 
da corte ; a venalidade dos mandarins, a subser- 
viência aos inglezes, e por fim a louca empreza do 
Uruguay (1817), 2 fizeram rebentar um protesto an- 
tigo, para abafar o qual já em vão se declarara reino ' 
o Brazil (1815), unido a Portugal, que ficava nas 
condições de um senhorio brigantino na Europa. 

Independente de Portugal já se achava o Brazil 
desde 1808; os protestos de agora não se dirigiam 
contra o espectro do estado de colónia já histórico : 
dirigiam-se contra a corte, contra o mandarinato 
dos portuguezes que tinham ido para a America 
proseguir na sua vida da Europa. Era d'esses, e 
não do infeliz Portugal, mais opprimido, mais des- 
graçado, mais miserável sob o governo do procôn- 
sul Beresford, que os brazileiros queriam tornar-se 
independentes. Expulsar os hospedes importunos 
que tinham invadido a casa e governavam n'élla 
como cousa sua, eis a significação das revoluções 
mallogradas de 1817, na Bahia e em Pernambuco. 

Porque não acudiram S. Paulo e Minas ao 
grito de independência do norte? A revolução ela- 
borava- se no centro de um modo lento mas seguro, e 
veiu a amadurecer ao tempo em que os acasos da 
politica portugueza concorriam para precipitar a 



1 Gervinus. V. HUU de Port. n, p. 197-200 e 205-7. 

2 V. supra, p. 96. 



108 L. III. — O IMPÉRIO DO BRAZIL 

separação formal do Brazil. Por um modo mais 
politico do que violento, mais hábil sem deixar de 
ser audaz, José Bonifácio, o chefe do partido da 
independência no centro do Brazil, explorando a 
ambição de D. Pedro e a temerária nobreza do 
seu caracter, pôde conseguir o que os republica- 
nos da Bahia e de Pernambuco não tinham podi- 
do: expulsar da America D. João vi, isto é, as in- 
fluencias exóticas e anachronicas da corte brigan- 
tina que pretendia enxertar-se na arvore crescida 
da nação brazileira; expulsar D. João vi, surdo ás 
instancias com que Portugal, restaurado em 20, * 
reclamava o seu regresso á pátria. 

Quem era José Bonifácio de Andrade ? 

A máxima prova da constituição orgânica do 
Brazil no xviii século é a sua fecundidade intellec- 
iual, que progride no principio da nossa éra. Brazi- 
leiros eram na máxima parte os sábios e litteratos 
portuguezes d'então. Brazileiros António José, o ju- 
deu, queimado por D. João v ; 2 Basílio da Gama, o 
-author do Uruguay / Durão ; Gonzaga, o poeta da 
Marília; Costa, Alvarenga, ex-reus na conspira- 
ção de 1789. Brazileiros os poetas Pereira Caldas e 
Moraes e Silva ; Hyppolito Costa, o patriarcha jor- 
nalista ; Azevedo Coutinho, primeiro economista 
portuguez ; o geometra Villela Barbosa, o esta- 
dista Nogueira da Gama, o chimico Coelho de 
Seabra ; Conceição Velloso, author da Flora flumi y - 
nense, e Araújo Camará companheiro das viagens 
de José Bonifácio, — o mais illustre dos fundadores 
da independência nacional do Brazil. 

José Bonifácio nascera em Santos em 1765, e 
aos quinze annos chegava a Lisboa, aos vinte e 



1 Hist. de Portugal, ir, p. 190-5. 
* Ibid. p. 137-8. 



1. — HISTORIA DA INDEPENDÊNCIA 10£ 

cinco partia para a Europa central a estudar, sob 
a protecção do duque de Lafões. Ardia então em 
França a revolução, e o moço brazileiro não 
aprendeu na Europa as sciencias da natureza^ape- 
nas : aprendeu como as sociedades se rebellam, 
como vencem, quando tém um propósito firme, uma 
força real e chefes audazes. José Bonifácio acaso 
desde então escolheu para si o papel de fundador 
do Brazil. 

Oito annos andou por fora, seguindo os cursos 
mais celebres, ganhando um nome que ficou euro- 
peu na sciencia contemporânea. Em França ouviu 
as licçoes de Chaptal, de Fourcroy, de Joussieu e de 
Hauy, o mineralogista, da companhia do qual pas- 
sou á Allemanha a frequentar Werner, o geólogo 
de Freyberg, Lempe, Koehler, Koltzsch, Freiesben 
e Lampadius. Visitadas as minas da Allemanha, 
seguiu ás do Tyrol, da Styria, da Carinthia, ou- 
vindo em Pavia as licçctes de Volta; e subindo ou- 
tra vez ao norte, foi aprender com Bergmann em 
Upsala, com Abilgaard em Copenhague. Nas sua& 
viagens, nos seus estudos, ganhara um saber forte 
e uma reputação europêa. Fazia descobertas na 
mineralogia (a petalite, a spodumene, a kryolite, 
a scapolite, etc.) ; e elle, Humboldt, von Buch, Es- 
mark, dei Rio, eram chamados os mestres da 
sciencia. 

Voltou por fim a Portugal, e foi feito desembar- 
gador: * encarregaram-no de todas as cousas. De- 
via dirigir as mattas nacionaes e as minas, aa 
obras do Mondego, o estabelecimento metallurgico 
de Figueiró, e ao mesmo tempo ensinar docimasia 
em Lisboa, mineralogia em Coimbra. A sua dedi- 
cação, a sua actividade punham-se ao dispor da 

1 HUt. de Port. n, p. 159. 



110 L. III. — O IMPÉRIO DO BRAZIL 

nação; mas Portugal era ao tempo uma socie- 
dade miserável de mais para receber uma direc- 
ção scientifica. O desembargador era o typo do ho- 
mem universal nos cargos, absoluto na inépcia e 
na somnolencia; e Andrade que carecia de acção 
e vida, em balde protestava, reclamava. Em Coim- 
bra não havia collecção mineralógica : — era im- 
possível dar licçoes! Os discípulos, também, não 
excediam três ! Terminada a guerra dos francezes, 
em que Andrade combatera, achava-se Portugal 
entregue a essa Regência anonyma, mero instru- 
mento de Beresford. A miséria e a inépcia, a vi- 
leza e a corrupção de uma terra de que a sua era 
vassalla, fizeram-no regressar ao Brazil (1819) ; e 
não é ousadia affirmar que no seu espirito levava 
já firme e definido o plano da emancipação. Aos 
factos restava apenas indicar a forma que a reali- 
sação da sua idéa devia tomar. 

O merecimento pessoal e a preponderância emi- 
nente que esses factos deram a José Bonifácio na 
historia de separação brazileirá, concorreram com 
todas as causas anteriores para dar á nova nação 
uma phisionomia própria, entre as nações sul- 
americanas. Homem-de-sciencia, espectador visual 
dos peiores desvarios da revolução franceza, ma- 
duro em edade, forte em experiência dos homens e 
das cousas, José-Bonifacio não era um Bolívar; e 
a revolução brazileirá tomou em suas mãos uma 
direcção diversa da que teria tido, se caminhasse 
ás ordens de algum genuíno representante do an- 
tigo espirito paulista. Estadista e não soldado, 
mais hábil do que audaz, mais forte do que ambi- 
cioso, o caudilho brazileiro viu na ambição irre- 
quieta de D. Pedro, a quem a gloria de Bolívar 
seduzia, um bello instrumento para levar a cabo a 
obra da independência nacional, poupando a pátria 



1. HISTORIA. DA INDEPENDÊNCIA. 111 

ás sangrentas crises em que a espada dos condot- 
tieri lançava as ex-colonias hespanholas. 

Rebentara, entretanto, em Portugal a revolução 
de 1820, e o Brazil inteiro acclamou, do outro lado 
do Atlântico, esse movimento em que mais ou me- 
nos definidamente viam todos um novo passo an- 
dado no caminho da independência. Desde logo se 
delimitaram os partidos, e o regresso de D. João vi 
a Portugal, reclamado pelas cortes, foi a pedra de 
toque da divisão. 

Começa agora a intervenção pessoal do príncipe 
D. Pedro n'essa confusa historia em que a desmo- 
ralisação da corte, a indecisão, a fraqueza de D. 
João vi, tém uma parte tão considerável, como os 
actos do príncipe, que era para uns traidor á pá- 
tria portugueza, para outros o fiel defensor d'ella; 
para uns o Bolívar brazileiro, para outros o maior 
inimigo da independência. Vale a pena demorar- 
mo-nos a descriminar bem o valor dos actos de D. 
Pedro? Aífigura-se-nos que não. EUe era um ins- 
trumento, mais do que um agente. Governavam-no 
mais as condições das cousas, do que se impunha 
aos elementos sociaes. O próprio caso do modo 
absolutamente opposto por que é julgado, demons- 
tra a verdade d'esta opinião. A independência do 
Brazil era um facto necessário, como consequência 
da historia anterior, e não o acto voluntário de um 
homem. Esse facto é o importante, secundaria a 
intervenção quasi-passiva do príncipe. A ambição 
que o impellia não era servida por uma intelligen- 
cia brilhante nem culta: era um cego instincto de 
apparatosa gloria, e de irrequieta desinvoltura, um 
amor da intriga, uma paixão de poder, que o gé- 
nio da mãe pozera no espirito dos dois filhos. Um 
vasou-o nos moldes reaccionários, outro nos mol- 
des liberaes. Eram, porém, o vivo retrato um do* 



112 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

outro : as mesmas feições, os mesmos caracteres, a 
mesma violência, a mesma turbulência, a mesma 
coragem pessoal, a mesma intelligencia acanhada : 
só a cor mudava. Um punha o cocar branco da 
legitimidade, do ultramontanismo, da Áustria, de 
Metternich; o outro o cocar bicolor do liberalismo, 
da maçonaria, da Inglaterra, de Canning. E como 
os melhores espíritos tinham abandonado já na 
Europa o cocar branco, D. Pedro teve a seu lado 
os homens novos e fortes, D. Miguel o formigueiro 
de desembargadores do antigo regime. 

Este contraste, porém, serve apenas para cara- 
cterisar D. Pedro, sem ter relação com a sua his- 
toria no Brazil. Mulher e filhos, na Europa e na 
America, eram inimigos de D. João vi que em 
parte alguma sabia decidir- se, nem pelo passado 
nem pelo presente, sabendo só detestar a violência 
turbulenta que o génio de Carlota Joaquina tinha 
transmittido aos príncipes. Havia três annos ou 
mais que era publica a inimisade do rei e de 
D. Pedro, cujo favorito, o conde dos Arcos, lhe 
applaudia todos os desvarios da mocidade e todo» 
os primeiros ímpetos 'de uma ambição bulhenta, 
inintelligente, sem deixar de ter nobreza. 

Espécie de D. Miguel ao avesso, D. Pedro era, 
desde 1817, accusado de cúmplice da revolução re- 
publicana de Pernambuco, e agora accusavam-no 
da chimerica idé^ de vir a Portugal pôr-se á testa 
da revolução de 20. Verdade ou não, o facto é que 
o absurdo e o contradictorio dos planos que, suc- 
cessiva ou simultaneamente, se lhe attribuiam, reve- 
lam a irrequieta ambição do príncipe e o descon- 
nexo dos seus projectos. Este caracter condemna- 
va-o a ser um instrumento, e não um chefe ; e 
desde que, em 21, rompeu a crise constitucional do 
Brazil, e desde que D. Pedro se collocou aberta- 



1. HISTOHIA DA INDEPENDÊNCIA Yi'Ò 

mente ao lado dos quasi-rebeldes, começou para 
elle essa historia breve, em que nas mãos dos bra- 
zileiros os serve até que, provada a sua ulterior 
inutilidade, provada até a incompatibilidade do 
seu espirito absolutista com as idéas liberaes a 
cuja sombra o Brázil nascera, é de facto banido, 
deposto, expulso, como instrumento gasto e já sem 
préstimo. A politica é um combate de forças egoís- 
tas e cegas : os sentimentos só mais tarde acordam 
na posteridade, e a gratidão dos povos só se defi- 
ne, passadas as crises, erguendo estatuas e creando 
festas. 

Explicar bem a variedade de opiniões que acor- 
daram, como partidos, ao propôr-se a questão do 
regresso de D. João vi a Portugal, é difficil hoje, 
era difficil na própria occasião em que isso acon- 
teceu. Havia uma tal confusão de desejos, de espe- 
ranças, de interesses, de opiniões, que torna quasi 
impossivel a classificação. Era um formigar de ' gen- 
te, mais ou menos levada ás cegas, pelos interesses 
oppostos, pela extravagância da situação, pela 
confusão das idéas: e poucos episódios demons- 
tram melhor do que este a necessidade fatal de 
uma conclusão imposta por sentimentos e forças 
collectivas, contra os designios e planos mais ou 
menos sensatos dos políticos. O de D. João vi foi, 
como sempre, fiéar, não se mexer, não mudar 
de uma posição, em que a sua indolência se achava 
bem. Daria homem por si: D. Pedro, que iria a 
Portugal governar em seu nome. Muitos brazilei- 
ros applaudiam esta decisão: eram os que viam a 
autonomia do Brazil ligada á residência do rei no 
Kio e temiam, com razão, que as exigências do re- 
gresso mascarassem o plano de reconducção do novo 
reino á antiga condição colonial. Satisfeitps com 
a constituição de 1815, monarchicos, fieis á legiti- 

8 



1M L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

midade, submettiam-se ao governo do mandarinato 
portuguez, vendo no statu-quo um satisfactorio 
equilíbrio das exigências do direito e das dos bra- 
zileiros. D. João vi applaudia-os, porque tinha 
medo das revoluções da Europa, capazes de corta- 
rem cabeças de reis. 

Os portuguezes, os mandarins, longe da pátria, 
das familias muitos, muitos incommodados com o 
calor, e desejosos de voltar para casa, opinavam 
contra; e tinham opiniões graves sobre os direitos 
soberanos das cortes, a quem desde Lamego os reis 
portuguezes se tinham submettido sempre. Calcu- 
lavam que o regresso do monarcha abateria o or- 
gulho dos colonos, e que, á vontade, em casa, po- 
deriam continuar a governar e explorar a rendosa 
fazenda da America. D. Pedro applaudia-os, por- 
que sabia bem quanto se illudiam, e desejava 
achar-se livre e só no império, que talvez já come- 
çasse a esboçar-se-lhe no espirito ambicioso. 

Ainda então o partido da autonomia exclusiva, 
o partido nacional que germinava em S. Paulo e 
Minas, o partido separatista e por isso natural- 
mente adverso aos portuguezes, se não ouvia, pre- 
ponderante, no Eio. Nas regiões do governo a in- 
dependência do Brazil cifrava-se ainda na consti- 
tuição de 1815, no reino-unido, a que, a exemplo 
de Portugal, se ia também crear uma Carta no con- 
gresso convocado. 

Jogado como -um odre entre os dois partidos, 
brazileiro e portuguez, o primeiro que não queria, 
o segundo que queria, que D. João vi embarcas- 
se, o rei das Américas, das Africas e de Portugal 
na Europa, com a índia na Ásia, o commercio, 
etc. representou os papeis mais burlescos, disse e 
desdisse, proclamou e reclamou, passivo, infeliz, 
tyrannisado pelo filho que á frente da guarnição 



i. HISTORIA DA INDEPENDÊNCIA 115 

do Rio, já senhor e chefe, o obrigou afinal a em- 
barcar para a Europa e a nomeal-o regente e lo- 
gar-tenente nos Brazis (1821, abril.) 

D. Pedro viu-se pois só, e senhor absoluto. Era 
portuguez, era brazileiro? Só elle o sabia, se é 
que elle próprio o sabia a esse tempo. Em setem- 
bro de 22 terminava o prazo da regência, e as 
cortes de Lisboa, fieis ao seu plano de restaura- 
ção colonial, exigiam que D. Pedro viesse para a 
Europa. Chegava o primeiro momento em que o 
príncipe tinha de optar forçosamente. Partir, ser 
fiel á pátria, ao pae, á lei? Ficar, rebellar-se, de- 
clarar-se brazileiro? O dever e a ambição, em que 
o dever também de salvar o Brazil da crise que a 
politica das cortes de Lisboa provocaria de certo ; 
o dever politico e acaso, contra elle, o dever parti- 
cular de obedecer a compromissos egoístas e se- 
cretos, combinados com o pae, — deviam agitar- 
se-lhe no espirito, onde nenhum plano fixo, ne- 
nhuma definida ambição tinham tomado raizes. 
Soffrendo já as consequências do seu animo au- 
daz e valente mas sem direcção, D. Pedro acha- 
va-se na primeira das successivas situações criticas 
creadas por um espirito Incapaz de as resolver. 

Foi quando esta nova condição das cousas ap- 
pareceu, que José Bonifácio se lançou ao timão 
do governo, decidido a aproveitar para o Brazil a 
força d'esse instrumento a quem faltava disciplina. 
O espirito separatista brazileiro apresentou- se en- 
tão aberta e claramente, e á independência não 
bastou mais a constituição de 1815. Não era um 
reino-unido, era um Estado independente da corte 
e do mandarinato portuguez, o que os brazileiros 
queriam já. Exprimindo este pensamento, desenha- 
vam-se agora duas facções : — em Sr Paulo-Minas, 
os Andrades cujo plano politico se não definia ainda, 



116 í.. III. — O IMPÉRIO DO BRAZIL 

mas que eram discípulos de Bentham, da theoria 
do equilíbrio dos três poderes, do governo parla- 
mentar, monarchico ou não, mais ou menos radi- 
cal; — e os democratas republicanos, néo-jacobinos 
da Bahia e de Pernambuco, inimigos figadaes das 
coroas, inimigos intransigentes de D. Pedro, a 
quem José Bonifácio, pelo contrario, affagava como 
estadista, vendo n^lle o instrumento mais efficaz da 
consummação da independência. 

Na representação que* o governo de S. Paulo en- 
viara a D. Pedro (21, dezembro) José Bonifácio di- 
zia-lhe: «Não volte V. A. para a Europa; confie 
no amor e fidelidade dos seus brazileiros, mormente 
dos seus paulistas.» Eram as palavras da tenta- 
dora serpente do Éden symbolico. D. Pedro engu- 
liu a maça, e declarou que ficaria no Brazil para o 
defender, não contra o rei, mas contra as cortes 
de Lisboa. Compromettido, senão convertido, D. 
Pedro estava conquistado á causa do Brazil : era a 
garantia de um governo de facto, que evitaria ao 
mesmo tempo as revoluções internas e a guerra 
com Portugal, na crise já declarada da separação. 

Varias occorrencias vieram precipitar o movi- 
mento. D. João vi que, ao partir de Portugal le- 
vara comsigo o thesouro, ficando a dever a toda a 
gente, fez o mesmo ao partir da America : o pobre 
rei queria ao menos não ter de esmolar; mas a 
sua cubica deixava o Brazil a braços com uma 
crise financeira. O thesouro fora varrido, tudo fi- 
cara por pagar, e o banco arruinado com as divi- 
das perdidas dos mandarins portuguezes que ti- 
nham regressado á Europa com o rei. Além da 
crise financeira appareceu outra, quando D. Pe- 
dro se decidiu pelo Brazil: as guarnições portu- 
guezas do Rio, da Bahia, de Pernambuco, levan- 
taram-se em armas contra a rebellião para defen- 



4. HISTORIA. DA INDEPENDÊNCIA 117 

derem os interesses dos portuguezes que applau- 
diam 0' plano das cortes, a restauração do regime 
colonial no Brazil. Por outro lado os decretos pro- 
mulgados em Lisboa, definindo claramente esse 
plano, precipitavam na separação todos os brazilei- 
ros que ainda tinham esperado a solução da crise 
por combinações dynasticas. 

Todos os partidos brazileiros se tornaram pois 
separatistas, e tõrnaram-se brazileiros todos os em- 
pregados públicos, magistrados dos tribunaes supe- 
riores e outros, cujos lugares as cortes supprimiam, 
por abolirem os órgãos administrativos eminentes, 
creados no Brazil em 1808. 

Todos esses elementos se congregaram em volta 
de D. Pedro, e as guarnições portuguezas, submet- 
tidas ou vencidas, foram expulsas do Brazil, em- 
barcadas para Portugal/ O novo reino estava de 
facto desunido da metrópole. 

E D. Pedro? O príncipe que na America ex- 
pulsava os portuguezes, dizia para Portugal que o 
•seu propósito era salvar a colónia da tyrannia das 
cortes que tyrannisavam o rei seu pae ; e que, a não 
ser elle, fariam com que se perdesse a melhor jóia 
da coroa portugueza. Era sincero? provavelmen- 
te. Roubar o Brazil a um throno de que era o 
herdeiro legitimo, seria o calculo de uma ambi- 
ção inepta. Provavelmente era sincero o pacto 
feito entre pae e filho para explorarem em pro- 
veito próprio a situação, desacreditando na Europa 
as cortes anarchistas com a rebeldia do Brazil por 
«lias provocada; e confiscando na America o mo- 
vimento de independência em proveito da dynas- 
tia. 

Mas esta sinceridade é prova da inintelligencia de 
D. Pedro, da cegueira de D. João vi. Jogavam 
com fogo e queimavam-se. O príncipe que se jul- 



118 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

gava arbitro dos destinos do Brazil, era apenas o 
instrumento de um movimento que o dominava e o 
arrastava. Tytere coroado nas mãos de Andrade, 
D. Pedro, arrogante, apaixonado, temerário, ca- 
prichoso, solto de costumes, violento, colérico, des- 
pótico por temperamento, por sangue, e por edu- 
cação, não tinha a força que faz os imperadores, 
nem a intelligencia que dirige os estadistas. Collo- 
cado na posição falsa a que se tinha deixado levar, 
via-se agora forçado a optar decididamente entre 
Portugal e o Brazil; a situação que ajudara, se- 
não a crear, pelo menos a definir, dominava-o já ; 
e se ainda no principio de 2Í2 podia apresentar o 
papel de Jano, a agitação crescente do movimento 
anti-portuguez fomentado pelo ministério Andrade, 
obrigava-o a ser o instrumento de uma separa- 
ção politica e dynastica. Eebatendo, dominando, 
suffocando, as revoltas republicanas ou portugue- 
zas, D. Pedro era o instrumento da consolidação 
de um Estado, cuja independência dynastica, se 
lhe dava uma coroa imperial, o condemnava a re- 
signar a coroa portugueza. 

Tal foi a historia do anno de 22, a data da 
emancipação politica do Brazil. Em maio D. Pe- 
dro é proclamado Defensor-perpetuo, em setembro 
Imperador. Declara a guerra a Portugal, convoca 
uma assembléa constituinte. Uma nova éra come- 
çava para o Brazil, depois de quinze annos (1808-22) 
de elaboração. Do coração de S. Paulo saía o grito 
da separação, e era justo que assim fosse, porque 
esse vinha sendo desde o começo o coração nacio- 
nal. Ahi se constituirá o primeiro núcleo de uma po- 
pulação fixa, os primeiros elementos do futuro im- 
pério. 

Contaremos a historia posterior? Não. Indepen- 
dente, o Brazil tem uma historia própria que se 



4. HISTORIA DA INDEPENDÊNCIA 119 

não prende mais com a portugueza. No momento 
da separação ficou terminada a obra politica da 
creação de um estado néo-portuguez na America; 
e se no plano da nossa obra entra o estudo da eco- 
nomia contemporânea do Brazil, é porque, embora 
politicamente separada, a nossa antiga colónia ó 
hoje a nação a quem maiores laços de intimidade 
económica nos prendem. 

Duas palavras apenas sobre a sorte do príncipe 
de quem as cousas fizeram instrumento da separa- 
ção da colónia. O destino que o esperava chegou de- 
pressa. A illusão que, parece, chegou a cegal-o 
varreu-se breve. Nobre de caracter, quando cla- 
ramente se voltou para o Brazil não o atraiçoou, e 
talvez chegasse a acreditar-se o Bolivar da Ame- 
rica oriental; talvez cresse que a independência 
era obra sua: a tanto vae muitas vezes a cegueira 
dos homens ! Heroe de si para si, julgava-se verda- 
deiramente soberano, imperador, déspota, um Na- 
poleão americano, com jus á obediência passiva e 
á gratidão illimitada dos seus súbditos. Deu largas 
ás suas paixões politicas e privadas ; tinha na corte 
um serralho, e em Cochrane um condottiere; dis- 
solvia as assemfcléas democráticas, expulsava os 
Andrades, batia por toda a parte os rebeldes. Tão 
seus inimigos eram os demagogos, como os estadis- 
tas : só queria bem aos conselheiros aulicos. Infeliz 
na sua empreza do Uruguay, desacreditado pela 
soltura do« seus costumes, odiado pela violência da 
sua politica, nove annos bastaram para consumir a 
força ganha pela decisão de proclamar a indepen- 
dência absoluta do Brazil. Forçado a abdicar, D.. 
Pedro veiu para a Europa, em 31, lançar-se neu- 
tra empreza, em que também a sua bravura ven- 
ceu, para o perder o seu caracter sem intelligencia 
nem verdadeira força. Os apupos de Lisboa (34) ti- 



120 L. III. — O IMPÉRIO DO BRAZIL 

veram as mesmas causas dos tumultos do Eio (31): 
agora abdicava, depois acabava para sempre de 
uma morte opportuna. 4 ♦ 

Immediato descendente de uma dynastia euro- 
pêa, filho do solo portuguez e não brazileiro, D. 
Pedro, apesar dos actos decisivos a que a politica 
ó arrastou, não tinha no sangue, na alma intima, 
esse quid de génio nacional, esse patriotismo, nervo 
intimo das nações, e que no Brazil funccionava or- 
ganicamente desde largos tempos. O sentimento 
d'esta falta de accordo entre o príncipe e o povo, 
a consciência de que D. Pedro era estrangeiro e 
por sobre isso portuguez, lançava nos espíritos 
uma desconfiança, uma suspeita constante, funda- 
mentada nos actos irreflectidos do soberano. Na- 
cionalísar o throno foi também um dos motivos da 



1 Chronologia da separação do Brazil : 

1821 — (abril 21) Tumultos do Rio para impedirem a partida de D. João 

vi. Embarque do rei. D. Pedro logar-tenente. (dezembro) Mani- 
festo de S. Paulo pedindo a conservação de D, Pedro no Brazil. 

1822 — (janeiro 9) D. Pedro declara que ficaria no Brazil. Andrade, mi- 

nistro, (fevereiro 16) Convocação de um conselho de representan- 
tes das províncias no Rio. (maio 13) D. Pedro defensor perpe- 
tuo do Brazil. (junho S) Convocação da assembléa constituinte do 
reino do Brazil. (agosto 1) Declaradas inimigas as tropas que 
viessem de Portugal, (setembro 1) Proclamação da Independência 
ou Morte no Ypiranga (S. Paulo.) Protestos do Rio, de S. Paulo 
e Minas. D. Pedro pelo Brazil. Resistência das guarnições por- 
tuguezas do Rio e de Pernambuco, deportadas para Portugal : e 
da Bahia que se manteve em anuas até 23. (outubro 32) D. Pe- 
dro proclamado imperador constitucional do Brazil; (22) Queda 
do ministério Andrade, restaurado em 30. 

1823 — Luctas parlamentares entre os demagogos e o ministério, (julho 2) 

Tomada da Bahia, expulsão dos portuguezes. Queda do gabinete 
Andrade : ministério reaccionário e philo-portuguez. (novembro 
10) Recusa do veto ao imperador pela assembléa, sob a direcção 
de Andrade. (12) Dissolução da assembléa. (23) José Bonifácio 
desterrado, os radicaes expulsos. D. Pedro autocrata. 

1824 — (março 25) D. Pedro dá uma constituição representativa ao im- 



4. HISTORIA DA INDEPENDÊNCIA 121 

revojução de 1831 ; e nas palavras históricas do pri- 
meiro imperador vê-se patente a falta de accordo 
entre elle e a nação: «Abdiquei a coroa e saio do 
império : sejam felizes na sua pátria ! » 

Na sua, não disse na minha. Com effeito não era 
a d'elle, o Brazil. Era-o porém da então creança a 
quem o throno ficou, sob a tutella de José Boni- 
fácio, — o verdadeiro patriarcha da independência, 
o verdadeiro representante do espirito nacional. 



perio. (julho 2) Revolução republicana de Pernambuco, (Confede- 
raçSo-dO'Equador) facilmente debellada. 

1825 — Levantamento da província cis-platina (Uruguay) reclamando 
independência. Guerra com a Confederação argentina. Reconhe- 
cimento da independência do Brazil por Portugal. 

1826 — Morte de D. João vi. Abdicação de D. Pedro em D. Maria li, 
de Portugal. — Impopularidade do imperador. Máu êxito da guer- 
ra no Rio-da-Prata. 

1828 — (agosto 27) Reconhecimento da independência da Banda-Oriental 
(Uruguay.) 

1829 — Regresso de José Bonifácio de Andrade ao Brazil. Retira-se á 
vida privada. 

1881— (março) Jornada de D. Pedro a Minas. Confiictos entre portu- 
guezes e brazileiros. Irritação geral e impopularidade crescente 
do imperador, (abril 6) Tumultos do Rio : exige-se a demissão do 
ministério. (7) Abdicação em D. Pedro n. José Bonifácio tutor; 
acto addicional á Carta. Revoltas parciaes no império. 

1883 — (dezembro) José Bonifácio demittido de tutor, preso, processado, 
absolvido. Torna á vida privada : morre em 1838, na sua ilha 
de Paquetá. 

1835 — (setembro 27) Insurreição do Rio-grande-sul que dura até — 

1840 — (julho 23) Proclamação da maioridade de D. Pedro n. 



122 L. III. — O IMPÉRIO DO BBAZIL 



II 

Geographia brazilica 



Definitivamente constituído como nação indepen- 
dente, o Brazil pode também dizer-se geographi- 
camente delimitado nas suas vastíssimas fronteiras. 

Depois das pretensões inglezas de 1815, não hou- 
ve mais quem lhe contestasse o exclusivo domínio 
da costa marítima e suas ilhas, desde a barra do 
Oyapock (2° 24' N.) até á barra do Chuy. (33° 45' 
S.) Também os limites continentaes do norte, fi- 
xados no tratado de Utrecht, foram confirmados 
nos de Vienna e ratificados na convenção particu- 
lar de 1817 com a França. O Oyapock ficou sendo 
a divisão natural entre o Brazil e a Guyana fran- 
ceza ; a serrania de Tumucuraque a da hollandeza ; 
e a de Acaray a da ingleza. Da Venezuela, que 
fronteia com esta por occidentôj foi o Brazil deli- 
mitado pelo tratado de 1859, no qual toda a bacia 
do rio Branco, dividida da do Orinoco pela serra 
de Pacarayna, lhe ficou pertencendo; assim como 
os valles dos outros successivos confluentes do rio 
Negro, separados também do Orinoco pelas altu- 
ras de Maduacaxas. Desde o ponto em que o rio 
Negro, junto á ilha S. José, deixa de ser brazileiro, 
começam as fronteiras indeterminadas ou disputa- 
das da Columbia. Até aqui o relevo orographico 
dividindo accentuadamente as bacias dos confluen- 
tes do Amazonas e as do Orinoco, prestava-se a 
uma delimitação ; agora, que as cabeceiras do rio 
Negro e as do Orinoco se confundem, e que o 
Amazonas vae deixar de ser brazileiro, é arbitra- 



2. — GKOGRAPHIA 123 

ria a adopção de um ou outro dos confluentes ; não 
ha indicação natural decidida para guiar os esta- 
distas. 

A confluência do Apaporis no Japurá é um 
ponto de partida commum ás pretensões da repu- 
blica e á fronteira histórica que o Brazil defende. 
Segundo esta ultima, o território comprehendido 
entre o Japurá e o Memachy seria brazileiro ; se- 
gundo a primeira os limites do Brazil seguiriam o 
Apaporis, e não o Japurá, desde o ponto da con- 
fluência. A fronteira do Peru, fixada nos tratados 
de 51 e 58, foi traçada, em parte cartographica em 
parte geographicamente : é uma recta, cujos pontos 
extremos são ao norte a confluência do Apaporis, 
ao sul, a povoação de Tabatinga, depois o Java- 
ry; e em Tabatinga de um lado, e na foz do seu 
confluente meridional, do outro, o Amazonas deixa 
ser brazileiro. 

Processo egual se adoptou no tratado de 67 para 
os limites com a Bolívia. Tomando a latitude de 
10° 20', em que a oeste acaba o Peru, na margem 
direita do Javary, traçou-se um parallelo até en- 
contrai* a esquerda do Madeira: tal é a fronteira 
norte bolivio-brazileira. O Madeira, o Guaporé, 
o rio Verde, que successivamente se destacam 
um do outro descendo sempre para sul, delimitam 
as duas nações. Das cabeceiras do rio Verde ao 
Paraguay que a divisão vae, terminando, encontrar 
em 20 # 10' no desaguadouro da bahia Negra, a li- 
nha, galgado o morro da Boa- Vista, divisória das 
duas bacias hydrographieas, corta pelo meio as 
successivas lagoas (Corixa, Uberaba, Gayba) que 
bordam o Paraguay por occidente, ligando-as por 
meio de rectas também successivas. 

A questão das fronteiras do sul do Brazil que o 
estabelecimento das Missões jesuítas, e a creação de 



124 L. III. — O IMPBH10 DO BBAZIL 

nações hybridas concorreram para complicar, lan- 
çando um novo elemento de confusão no debate 
dos interesses oppostos de Portugal e da Hespa- 
nha; essa questão que a fraqueza do domínio co- 
lonial portuguez não soube ou não pôde resolver, 
foi o peior legado que o império recebeu. Transfe- 
rido da mão dos jesuítas para a de uma dynastia 
que seguiu á risca a politica da extincta socieda- 
de, o Paraguay conservou-se independente e encra- 
vado em territórios que a natureza mandava que 
fossem brazileiros. Por outro lado, a constituição da 
Banda- Oriental (1828), conclusão de guerras sem- 
pre infelizes para nós, fazia perder ao Brazil a fron- 
teira natural do. Uruguay e o seu lugar no rio-da- 
Prata. 

Ter o domínio exclusivo na embocadura commum 
dos dous grandes rios do extremo sul da America 
foi o pensamento constante da administração hespa- 
nhola, e depois, da Confederação argentina. Em 
1828, o Uruguay, constituído em republica inde- 
pendente, cuja neutralidade os tratados garantiam, 
creava uma situação media, nem brazileira nem 
argentina, um equilíbrio prenhe de futuras ques- 
tões. Appareceram logo em 1851, com a dictadura 
de Rosas ; e o Brazil teve de pegar em armas para 
impedir que o Uruguay fosse englobado na confe- 
deração do Prata. Deposto o dictador, conseguido 
o fim da guerra, levantava-se depois outro e mais 
grave problema: o do Paraguay. Essa longa e rui- 
nosa guerra (1865-70) venceu-a o Brazil por fim; 
mas ou o escrúpulo ou a fraqueza não lhe deixa- 
ram tirar o partido correspondente a um tão gran- 
de sacrifício: o território de entre Paraná e Para- 
guay devia ser brazileiro. A existência de peque- 
nos estados, anemicos, encravados, como o Uru- 
guay e o Paraguay, entre as duas grandes nações 



2. — GKOGRAPHIA 125 

da America sul-oriental, continuará a ser uma 
causa de desconfiança, «de mal-estar, de represá- 
lias e ameaças entre os dous povos néo-ibericos 
a quem a sorte confiou metade da America. 

Descendo da bahia Negra, o rio Paraguay se- 
para o Brazil da Bolivia até ao ponto em que esta 
confronta com a confederação argentina. A contar 
da margem esquerda para leste, tudo é Brazil até 
aos altos do Maracaju, divisória do Paraguay-Pa- 
raná ; d'ahi para o sul, limitado pelo quasi paral- 
lelogramo formado pelos dous rios até á sua con- 
fluência, fica encravada a republica que foi dos je- 
suítas, de Francia, de Lopes, e que tem sido o 
pomo de discórdia actual entre o Brazil e Bue- 
nos- Ayres desde 1870. Os limites d'estes dous úl- 
timos Estados, não demarcados ainda, podem ser 
um pretexto de collisão. Um pretexto, dizemos, 
não um motivo : a garganta da Candelária, entre o 
Paraná e o Uruguay, é uma fronteira natural; e 
ao sul e oeste os rios, divergentes, separam natu- 
ralmente os territórios. Entretanto, a fronteira de 
Buenos-Ayres interna-se para norte e leste da gar- 
ganta e, separada do Paraguay pelo Paraná, a re- 
publica divide-se do Brazil pelo Iguassu, pelo San- 
to-Antonio, buscando a cumiada e descendo para 
o valle do Uruguay pelo Pepiry-guassu, até á sua 
foz. 

Ao Sul d'esta, o Uruguay divide o Brazil e Bue- 
nos-Ayres até á barra do Quarahim, na margem 
esquerda. Esta é a separação do Brazil e da Ban- 
da-oriental, consignada nos tratados de 51-2. Su- 
bindo pelo Quarahim á divisória do valle e da costa, 
' a fronteira desce, no lado opposto, pelo Jaraguão 
contornando o lago Mirim que é brazileiro, e cain- 
do no mar na barra do Chuy, em 33° 45' S. 

Taes são as fronteiras do Brazil. O território 



126 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

que incluem é quasi egual em superfície ao da Eu- 
ropa inteira e cem vezes maior do que o de Por- 
tugal. Todos os climas, todos os productos, todas 
as alturas, todos os phenomenos de geographia se 
encontram na vasta região que os portuguezes tri- 
lharam, exploraram e em parte avassallaram, domi- 
nando-a e cultivando-a. Primeiro foram os conquis- 
tadores de armas em punho, batendo o indio, ras- 
gando a floresta; depois, chegaram os colonos, 
plantaram o campo, levantaram a casa, construí- 
ram as aras dos deuses penates; vieram os na- 
vios, sondaram-se as barras, construiram-se os mo- 
lhes; mais tarde appareceu a curiosidade e escre- 
veram-se os livros contando ingenuamente as sin- 
gularidades da terra e seus usos ; por fim, aber- 
tas de par em par as portas da America brazileira 
á sciencia de toda a Europa, fez-se, no principio 
do século, o que hoje se está fazendo para a Afri- 
ca. Brazileiros, e allemâes principalmente, crearam 
a geographia do Brazil : Humboldt e Newied, Spix, 
Martius, Van Schreibers, Mikau, Pohl, Natterer, 
Ender, Buckberger. Emquanto os inglezes, ao lado 
de D. João vi tratavam de confiscar o Brazil em 
proveito próprio, exclusivamente occupados de com- 
mercio e lucro, os allemâes trilhavam heroicamen- 
te o interior e deixavam esse monumento da via- 
gem de Spix e Martius. 

O continente sul da America tem como ossatura 
a grande cordilheira dos Andes, que pelo occidente 
se levanta, como uma muralha contra o mar, des- 
de o extremo norte (10° acima do Equador,) até 
ao extremo sul, na ponta da Patagonia. Para leste 
fica toda a massa continental. A meia altura, ou- 
tra cordilheira, perpendicular sobre a primeira, di- 
vide esta America em duas: são as montanhas da 
Bolívia e a serra das Vertentes no Brazil, entre 



2. — OEOOBAPHIA 127 

V 

as quaes, como por uma fenda, se insinuam os rios 
que formam o Madeira; e a grande bacia hydro- 
graphica do Amazonas, ou do norte, se liga com 
o systema fluvial do sul (Paraguay-Paraná.) D'esta 
Anlerica pertenceu ao Brazil toda, — pôde assim 
dizer-se, — a bacia do Amazonas, com os seus con- 
fluentes das duas margens; e quasi toda (salvo 
Entre-rios, Uruguay e Paraguay,) a metade orien- 
tal do systema hydrographicó do sul, cuja artéria 
é o Paraná-Paraguay. 

O traço fundamental da geographia brazileira 
é, pois, a serra das Vertentes que separa as duas 
regiões do império. A oeste d'ella, na fronteira bo- 
liviana, msinua-se o Madeira-Gruaporé, cujas ori- 
gens vão confundir-se com as do Paraguay; a 
leste, na região marítima, entronca no systema das 
cordilheiras parallelas á costa. Entre os limites oc- 
cidentaes de Matto-grosso e os meridionaes do Cea- 
rá, a cordilheira descreve um arco de circulo, cuja 
corda se pôde considerar o parallelo 10° S. Corta 
de lado a lado o Brazil com os nomes successivos 
e locaes de serra Alegre, de Ibiapaba, Piauhy, 
Tangatinga, Tabatinga, Araras, Tyreneus. Das 
suas vertentes septentrionaes nascem o Tapajoz e 
o Xingu, o Araguay e o Tocantins ; das suas ver- 
tentes austraes o Paraná e o Paraguay. Erguida 
como um monumento geológico, distribue a mãos 
cheias os caudaes fertilisadores das duas regiões 
que domina. 

Ao terminar o seu curso oeste-leste, a cordilhei- 
ra abre os seus braços e ramifica-se. Para o norte 
um contra-forte divide a bacia do Tocantins da do 
Maranhão ; para o sul outro vae duplicar a reunião 
da cordilheira central á primeira das serras maríti- 
mas do Brazil (Espinhaço) abaixo de Villa-Boa. 

Quasi parallelas á costa oriental descem, no lit- 



128 y L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

toral, a serra do Mar, como subalterna, no interior 
a do Espinhaço como suzerana. A primeira vem 
desde o sul de S. Francisco até ao Rio Grande, a 
segunda, dominando-a, desde o cabo S. Roque até 
ao Uruguay. O Espinhaço fórma os Andes brazi- 
leiros, de que a serra-do-Mar é um socalco : entre 
ambas corre para o norte o rio S. Francisco, em 
cujas cabeceiras se levanta a chamada serra das 
Esmeraldas, que ligando os dous systemas paralle- 
los fórma no ponto de juncção com os contrafortes 
austraes das Vertentes o planalto propriamente 
brazileiro, o centro do systema das suas monta- 
nhas, o divorcio das aguas septentrionaes, austraes 
e littoraes, o thesouro onde se acharam os diaman- 
tes e o ouro, o primitivo núcleo da população na- 
cional, — o coração do império. As montanhas, os 
rios, as minas, os homens, a geographia e a von- 
tade, coincidiram para dar á região de S. Paulo- 
. Minas a supremacia sobre toda a America portu- 
gueza. 

Esse planalto central e propriamente brazileiro 
vae de Villa-boa (Goyaz) a Villa-rica (Minas) de- 
bruçado a leste sobre os sertões do Amazonas e 
de Matto-grosso, a oeste sobre o mar nos terraços 
das províncias da Bahia, do Espirito -Santo e do 
Rio. Pelo norte entra por Pernambuco e pelo 
Piauhy, pelo sul inclue S. Paulo. Sobre o oceano 
vasa os rápidos caudaes do Parahyba, do rio-Doce, 
do Belmonte, e a artéria que se chama o S. Fran- 
cisco. Ao Amazonas manda o Tocantins, ao Prata 
o Paraná. 

Fronteiro ao planalto do Brazil, pelo norte, do 
lado opposto da bacia do Amazonas, levanta-se o- 
das G-uyanas, cujas serras extremas são as frontei- 
ras do império, e d'onde vém ao grande caudal da 
America austral, como tributários principaes, o 



3. A DIVISÃO DO IMFBKIO 129 

rio-Negro e o Japurá. — Por leste outro baluarte 
geographico se levanta a enfrentar com o brazilei- 
ro : é o planalto central da Bolivia-Matto-grosso 
separado da cordilheira das Vertentes pela que- 
brada colossal por onde vazam, para um lado o 
Madeira, caminho do Amazonas, para o opposto 
o Paraguay, caminho do Paraná.. — Pelo sul o 
planalto brazileiro domina livremente o estuário 
dos rios, que ladeados pelas cordilheiras marítimas, 
vão formar as planícies dos pampas, America em 
fora, até á Patagonia. 

Tal é em breves e mal esboçados traços a cons- 
tituição geographica do Brazil. Eis a ossatura na- 
tural d'esse território, e o campo que a natureza 
nos deu para nosso uso. Como se adaptou a elle a 
nação? Que obras foram as dos homens, sobre a 
obra natural? Eis o que procuraremos conhecer 
estudando a economia do império americano. 



m 



A divisão do império 



A primitiva forma da occupaçao, primeiro, de- 
pois a aventurosa caça dos indios e das minas, fo- 
ram as causas da colonisação dispersa do Brazil. A 
occupaçao e a população europêa, em vez de cami- 
nharem em columna cerrada, do littoral para o in- 
terior, espalharam-se pelas extensões infinitas dos 
sertões, mosqueando o território de pequenos cen- 
tros de ossificação civilisada. 

9 



180 



L. III. — O IMPÉRIO DO BRAZIL 



Esta circumstancia, cujo alcance avaliamos já, * 
influiu também na divisão das provincias. * 

Antes de vermos até que ponto a delimitação 
delias se adaptou ás condições geographicas, de- 
vemos considerar, em geral, o estado a que chegou 
a população :. esse elemento nos explica o facto da 
existência de provincias que são impérios, — como o 
Pará, Amazonas ou Matto-grosso, — ao lado de ou- 
tras, como o Rio ou Espirito-Santo, cuja área se 
approxima dos limites normaes. 

O leitor sabe em que sentido a população se 
desenvolveu nos tempos coloniaes: sabe que no 
norte o governo da Bahia era uma fazenda, ao 
passo que no sul uma população agrícola e indus- 
trial, e não commercial-maritima, se fixou na re- 
gião de S. Paulo-Mínas ; sabe finalmente que o 



1 V. supra, pp. 21 e 90. 

3 Mappa da divisão politica do Brazil: 





PROVÍNCIAS 


a'reas 


CAPITÃES 


ADMINISTRAÇÃO 






Kil. q. 












^1 

mil. 




Comarcas 


Municípios 


1 


Amazonas 


1897 


Manaus 


3 


7 


2 


Pará 


1148 


Belém 


11 


32 


3 


Maranhão 


460 


S. Luiz 


15 


36 


4 


Piauhy 


302 


Theresina 


12 


31 


5 


Ceará 


104 


Fortaleza 


16 


41 


6 


Rio-g. do norte 


57 


Natal 


8 


22 


7 


Pernambuco 


128 


Recife 


18 


46 


8 


Parahyba 


75 


Parahyba 


11 


23 


9 


Alagoas 


58 


Maceió 


9 


18 


10 


Sergipe 


39 


Aracaju 


8 


24 


11 


Bahia 


426 


S. Salvador 


25 


83 


12 


Espirito Santo 


45 


Victoria 


4 


13 


13 


Rio de Janeiro 


69 


Nicterohy 


17 


33 


14 


Mun. da corte 


1 


— 


__ 


_ 


15 


S. Paulo 


291 


S. Paulo 


20 


107 


16 


Paraná 


221 


Coritiba 


5 


16 


17 


S. Catharina 


74 


Desterro 


6 


11 


18 


Rio-g. do Sol 


237 


Porto- Alegre 


10 


29 


19 


Minas geraes 


575 


Ouro- preto 


24 


81 


20 


Goyaz 


747 


Villa-Boa 


11 


26 


21 


Matto-grosso 


1380 


Cuyabá 


3 


6 



8337 



236 



685 



3. — A DIVISÃO DO IMPÉRIO 131 

Rio de Janeiro veiu a ser a capital do Brazil, o 
seu centro ; e que nos extremos norte e sul se forma- 
ram, entretanto, núcleos de colonisação, commercial 
nas boccas do Amazonas, rural em Santa Catha- 
rina e no Rio grande do Sul. Para o interior (Teste 
Brazil,, ficaram os sertões que por si sós contam 
dois terços da área total do império, e onde a po- 
pulação europêa apenas consiste em villas ou cida- 
des dispersas na vastidão de territórios, ou deser- 
tos, ou habitados pelo indio selvagem. 

Isto nos permitte dividir o Brazil em 6 grandes 
regiões, i nas quaes as províncias se agrupam em 
números diversos, e as áreas differem de um modo 
notável. a Afora os quasi 200 habitantes por kilom. 



i Município da corte. 

ii Centro littoral : — Rio de Janeiro, Espirito-Santo. 

in Norte : — Ceará, Parahyba, Alagoas, Rio grande do Norte, Sergipe, 

Bahia, 
iv Centro interior : — S. Paulo, Minas-geraes. 
v Sul : — Rio-grande, Santa Catharina, Paraná, 
vx Sertões : — Pará, Amazonas, Maranhão, Piauliy, Goyaz, e Matto-grosso. 

2 População conforme o censo de 18*70 

a'reas livres escravos total pop. espec. escrava 

oy 

I 1:394 226:038 48:939 274:972 198 20 

ii 113:821 549:565 315:296 864:861 7,6 60 

III 888:869 3.695:023 381:675 4.076:698 4,5 10 

iv 865:731 2.350:018 527:071 2.877:089 3,3 25 

y 532:028 628:602 93:335 721:937 1,3 15 

vi 5.985:375 970:431 144:490 1.114:921 0,2 15 

8.337:218 8.419:672 1.510:806 9.930:478 



A população total compõe-se de : 

Brazlleiros 8.176:191 

Negros escravos 1 .510 :806 , 

Portuguezes.... 121: 246 1 Total... 9.930:478 

Allem&es 45:829/ índios.. 1.000:000 (?) 

Negros livres. . • 44:580 
Diversos 81:826 



* 



132 L. III. — O IMPÉRIO DO BRAZIL 

quadrado que a população da capital dá ao municí- 
pio da corte, e os dois décimos de habitante que ella 
conta nos sertões, deve considerar-se a densidade 
normal da população, na parte do Brazil que se 
pode dizer habitada, por 3 a 5 habitantes por kilom. 
quadrado. 

Nem só o fomento da população, comtudo, pre- 
sidiu á divisão já hoje histórica das províncias; e 
estudando a relação entre ella e a chorographia 
brazileira, adquiriremos uma noção clara da sua 
razão de ser, e conheceremos mais intimamente a 
structura natural do império. 

Nós vimos que a orographia divide o Brazil em 
três grandes regiões : a) Bacia do Amazonas ; b) 
Bacia do Paraná; — divididas pelas serras das Ver- 
tentes ; e c) Alpestre, da costa oriental, cortada 
longitudinalmente pelas cordilheiras parallelas da 
Espinhaço e do Mar. Vejamos agora como assen-" 
tam as províncias em cada uma d'estas três zonas 
geographicas. 

Na primeira o Pará e o Amazonas occupam toda 
o estuário do grande rio americano, desde as ver- 
tentes do planalto divisor do Orinoco, até á corda 
da cordilheira central brazileira. São duas provín- 
cias, como impérios, nuas de população, embrenha- 
das de florestas por entre as quaes ò Amazonas e 
os seus confluentes das duas margens, o Japurá e 
o Rio-negro, o Javary, o Jutahy, o Juruá, o Pu- 
rús, o Madeira, o Tapajoz, o Xingu e o Tocan- 
tins rolam as suas agoas nas solidões. As duas 
províncias limitam por norte e por esta parte do 
occidente o Brazil, entestando pelo sul com os ser- 
tões de Matto-grosso, e por oriente com o Mara- 
nhão e Goyaz. Sarjadas por caudalosos rios, aber- 
tas para o mar pelas boccas do Amazonas e do 
Tocantins, as duas províncias norte-brazileiras se- 



3. — A DIVISÃO DO IMPÉRIO 133 

rão no decorrer dos séculos o lugar de um grande 
império. v 

Entre as províncias do valle do Amazonas e as 
do valle do Paraná está a região montuosa da serra 
das Vertentes: Matto-grosso e Goyaz, por entre 
oujas serranias se despenham os confluentes aus- 
traes do Amazonas, para um lado, e para o op- 
posto o Paraguay e o Paraná. Divididas entre si 
pelo Araguaya; Matto-grosso vae pelo Guaporé-Pa- 
raguay até aos limites occidentaes do Brazil, e 
Goyaz vem parar nas vertentes da cordilheira do 
Espinhaço. Pelo sul, o Paraná limita ambas as pro- 
víncias. 

Eis ahi a região dos sertões interiores do Bra- 
sil: o estuário do maior rio do mundo, e as que- 
bradas e desvios alpestres de uma das suas maiores 
massas de montanhas. As dimensões, as propor- 
ções assombram n'essa America de que a Europa 
parece ser a miniatura. 

Por Matto-grosso baixámos á região hydrogra- 
phica austral. Entre os cursos do Paraná e do 
Uruguay e o' mar estão as três províncias do sul: 
S. Catharina e Paraná, entre si divididas pelo Uru- 
guay, pelo Iguassu, pelo Paraná-panema. Extrema 
região marítima colonisada, esta parte do Brazil, 
onde o clima é temperado e as culturas são euro- 
pêas, é a que em epochas recentes mais tem pro- 
gredido, aquella que mais depressa virá a adquirir 
população fixa suficiente. A população já aqui re- 
presenta mais do sextuplo dos sertões; repetidas 
bahias e portos sarjam o littoral, o commercio cres- 
ce : por isso a área apparece reduzida, e por isso 
as divisões tomam uma direcção perpendicular á 
costa. 

Pelo sul entramos na região das cordilheiras 
orientaes, e desde logo vemos o foco de população 



134 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

relativamente intensa da metade marítima de S. 
Paulo e da metade sul de Minas. As duas provín- 
cias levantam-se nas serras vestindo de cultura o 
planalto brazileiro, ou parte considerável d'elle. Se 
a sua separação interna, se a separação de am- 
bas dos sertões interiores pelo sul, e da Bahia pelo 
norte, não obedece a razões geographicas, — já não 
succede assim ao Rio-de-Janeiro e ao Espirito- 
Santo que estão nas faldas marítimas da serra ve- 
dando a Minas o accesso da costa. 

A serra do Mar e o valle do S. Francisco, arbi- 
trariamente cortados pela fronteira da Bahia, cons- 
tituem o corpo d'esta província que geographica- 
mente deveria formar duas circumscripçoes: a 
marítima e a fluvial interior, divididas entre si pe- 
las cumiadas agrestes da cordilheira. 

Entre o S. Francisco e o Pará, de um lado e 
doutro dos extremos contrafortes das Vertentes e 
do Espinhaço, estão as províncias littoraes no norte : 
— se tal nome convém ao Maranhão e ao Piauhy que 
são para esta parte do Brazil, o que os grandes 
sertões do interior são para todo o império. 

Entestando com o Pará pelo Gurupy, com Goyaz 
pelo Tocantins, com o Piauhy pelo Parnahyba, o 
Maranhão, sarjado por innumeros caudaes, aberto 
de portos marítimos, é a metade occidental do 
grande systema que o Parnahyba rasga entre o 
contraforte norte das Vertentes e a ponta extrema 
do Espinhaço. A outra metade d'essa bacia flu- 
vial secundaria, mas independente do systema do 
Amazonas, é formada pelo Piauhy e pelo Ceará. 

Chegamos agora, no termo da nossa derrota, ás 
províncias do cabo S. Roque : um grupo de peque- 
nas circumscripçoes cortadas nas abas marítimas 
da cordilheira, até e ainda além da foz do S. 
Francisco. São cinco essas províncias que com a 



4. — os indígenas 135 

da Bahia littoral formaram ,o centro da colonisação 
portugueza. Ahi as plantações tém já séculos, a 
população é relativamente densa, como no centro- 
sul e Pernambuco está hoje para este grupo como o 
Rio para o outro. As proporções da divisão demos- 
tram, aqui e além, o mesmo facto : o desenvolvi- 
mento da população e da riqueza ; e se dos tempos 
coloniaes dissemos ter havido dous Brazis, não se- 
ria ainda hoje inteiramente errado repetil-o. 

A norte e a sul do S. Francisco, junto á costa, 
ficam Sergipe e Alagoas ; depois vem Pernambuco 
que se interna ao longo da margem esquerda do 
rio brazileiro até ás cumiadas da serra; depois a 
Parahyba, e finalmente o Rio-grande-do-norte, a 
entestar com o Ceará. 

Taes são as divisões naturaes e as divisões poli- 
ticas do Brazil. Resta-nos saber agora quem o ha- 
bitou e quem o habita. 



IV 



Os indígenas 



«A terra é fértil, — diziam para a Europa os primei- 
ros portugueses que a visitaram, — e amena e sadia de 
seu natural; muitos e grandes rios a humedecem, e as 
fontes de agua doce e perennal que tem, b&o fora de al- 
garismo. Tem larguíssimas campinas que se tapizão de 
mui graciosas pastagens : seus portos s&o boníssimos, de 
mui fácil embocadura, em que as nãos achâo seguro 
abrigo contra os vendavaes, e n&o tem baixos ou restin- 
gas em que periguem. A maior parte d'aquella região he 
empollada de montes, que abrem grandes valles ; as flo- 
restas densas e sombrias tem arvores de muita diversi- 



136 L. III. O IMPERfO DO BRAZIL 

dade, nunca d 'antes conhecidas dos nossos; entre ellas 
huma, da summidade de cujas folhas cortadas destilla 
hum género de bálsamo. As arvores, de que se tira a cor 
vermelha com que se tingem as lans, são alli mui triviaes 
e muito altas. Brota além d' isso a terra plantas muito 
medicinaes, e entre ellas a herva santa, muito proveitosa 
para chagas, apertos de amiudado anhelito, è também 
para cancros, e para a gangrena. São os homens fulos de 
cor, tem corredio o cabello, negro e comprido ; não tem 
barba, e ainda algum pello que pelo corpo lhes aponta, 
com pinças o arrepellâo. Letras nenhumas conhecem, ne- 
nhuma religião cultivâo, nenhumas leis os ligão, nem se 
servem de alguns pesos e medidas, nem ao governo de 
algum rei vivem sujeitos. Quando todavia entre elles se 
levantão guerras, elegem hum General que julgão por 
de todos o mais forte, e mais acérrimo em dar batalhas. 
Vulgarmente se não cobrem com traje algum, somente 
os que entre elles realção por nobreza, se cingem de te- 
cidos de pennas de papagaio, e de aves de outras cores. 
Com cocares das mesmas pennas enfeitão as cabeças, e 
compõem braceletes, que passão por cima do cotovello. 
Descem-lhes estes saios de plumas do umbigo até ás cur- 
vas. As mulheres deixão crescer o cabello; mas os .ho- 
mens o raspão desde a fonte até ao toutiço. Os que po- 
rém caprichão de garridos, furão as orelhas, os lábios e 
os narizes, e até as faces, para as permeiarem pelos furos 
de pedrinhas de cores variadas, de ossos ou peças de pao. 
As mulheres, em vez de pedras se servem de miúdas con- 
chinhas, que ellas estimão a mui alto preço. Usão de ar- 
cos em suas pelejas, e com tanta arte atirão huma flecha, 
que a qualquer parte do corpo a que a.cenem, lá a em- 
pregão. Para as pontas das flechas servem-se de espiuhas 
de certos peixes em vez de aço, e profundãonão obstante, 
tal ferida, que transpássão com o furo qualquer plaucha. 
Vivem do que cação, comendo macacos, lagartos, cobras, 
ratos; que nenhum oVestes manjares os antoja. Usão de 
canoas compostas de troncos excavados de robustíssimas 
arvores, e d' ellas ha que podem conter trinta pessoas no 
bojo. Quando querem pescar, vão huns d' elles remando, 
e outros batendo a agua com varapaos para amotinar o 
peixe, que espantidiço vem boiando á flor da agua. En- 
tão os que para tal fícão de apresto, tem cabaços gran- 
díssimos seccos e oucos descidos ao revéz da corrente, e 
nelles vem de si mesmo encovar-se o peixe. Não semeião 
trigo, mas fazem pão da raiz de huma herva do porte da 



4. — 08 INDÍGENAS 137 

beldroega (mandioca), que com tudo encerra veneno tão 
mortífero, que morre em breve quem a come cr na; mas 
elles pis&o-na, e pisada a espremem, que gotta lhe não 
reste de sumo venenoso, e então a secção ao sol, e moída 
entre pedras, lhe extrahem a farinha. Os pães que d'esta 
farinha fazem, não somente são saudáveis, mas tem ainda 
mui regalado sabor. D'ella e de milho compõem huma 
bebida mui parecida com a cerveja, na qual quando se 
enfrascão, o qne mui de uso lhes acontece, mais que or- 
dinárias fraudulencias e traições machinão. Observão 
agouros, e são dados a empeçonhamento. São entre elles 
em muita honra certos homens maléficos, a quem vão con- 
sultar nos casos duvidosos : chamão-lhes pagés» Trazem 
estes na ponta d' hum a setta huma cabaça com figura de 
homem, cada vez que lhes dá na vontade mettem brazas 
na cabaça, e de sobrepostas hervas sabe fumo, que res- 
folgão pelos narizes, até bêbados tremelhicarem, se es- 
pojarem, e sahirem de si. Que tem tal força aquellas her- 
vas, que com seu fumo, como se fora sobejidão de vinho, 
os privão do entendimento. Logo começão a ranger os 
dentes, a escumar a bocca, a revirar os olhos, a ameaçar 
muitos de morto, e amedrontar com turbulentos esgares e 
meneios os circumstantes ; e ninguém suspeita que sem 
instincto de espirito divino elles profirão tão horrendas 
vozes. Ora se algum dos que a quem aquelle homem as- 
sim eivado agoirou desastre, passou por sinistro aconte- 
cimento, logo crêm que aquelle agoiro cabe reportar como 
em castigo. São agasalhados com summa veneração, es- 
padanão-lhe os caminhos, cantao-lhes versos a seu modo 
acompanhados com frautas, dansão-lhes bailes ; trazem- 
lhes ao aposento moças formosas, humas d'ellas virgens, 
e outras já casadas, porque tem para si estes, pobretes, 
que tudo lhes virá a seu desejo, se os tiverem ameiga- 
dos. Nào he dado entre elles casarem pais com filhas, 
nem irmãos com irmans ; com as mais mulheres se con- 
jugem indiscriminadamente, e também as deixão se del- 
ias se jnlgão aggravados. Matão-nas porém, ou as ven- 
dem como escravas, se as apanhão em adultério. Não os 
pais, mas os irmãos tem poder nas filhas e as põem em 
venda quando bem lhes parece, e esta venda consiste em 
escambo por outras cousas, que moeda não a tem. São 
mui preguiçosos para o trabalho, e mui inclinados ao 
jogo, e descanso; todo o tempo que não empregão na 
guerra, o dão aos banquetes, ao canto e dansa sem teor 
algum. Toda a sciencia de sua dança está n'huma roda 



138 L. in. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

que vai sempre saltando, e no canto em uma nota mo- 
nótona, que não sobe nem desce na entoação das co- 
plas. Alli se recitão as proezas que na guorra acaba- 
rão, a que dão consnmmados elogios, e todas as can- 
ções tornão em applauso do esforço militar. O acompa- 
nhamento d' essa musica lho fazem elles assobiando e ba- 
tendo com os pés. Andão em tanto os outros occu pados 
a dar de beber aos dansantes, até que embriagados 
cahem sem sentidos. Fabricão suas casas de madeira, e 
as cobrem de unidos colmos, e as circumvallão de dois 
e de três muros, em razão das guerras em que de conti- 
nuo lidão. Em huma só casa (porque são mui compri- 
das), assistem muitas familias, porquanto se amão todos 
fraternalmente, e com gosto arrojão a vida a todo o qual- 
quer risco, por acudir a cada hum d'aquelles oom quem 
vivem. Guerras nunca as emprehendem por defender ou 
dilatar suas fronteiras, mas sim por pundonor, quando 
concebem que forão aviltados por seus convizinhos, ou 
qualquer outra arredada nação. Nesse caso anciãos, 
que já na guerra esclarecerão nos nomes quando moços, 
entrão no conselho, e antes que deliberem, cada hum 
toma tanta bebida quanta seu animo lhe pede ; e logo 
mettem suas forças e vontades a pôr por obra quanto á 
cerca da guerra e da paz foi pelos velhos decretado. Es- 
colhem, como já dissemos, por general o accerrimo em 
seu conceito, honra de que súbito o despojão, se em al- 
guma occorrencia teve o menor desar de cobardia, e 
lhe substituem outro no seu posto. Vae o general de 
casa em casa convidando a todos com grandes gritos para 
a guerra, e avisando-os de como tem de se aviar para 
ella, e quanto lhes he necessária a valentia. Só usão de 
arcos e flechas, mas com espadas também lavradas de 
madeira duríssima, quebrâo e fendem os membros dos 
inimigos. Tração frequentes emboscadas, e põem o ponto 
em acommetter de sobresalto os seus contrários. Os pri- 
sioneiros de guerra, mormente se velhos são, sem tardar 
os comem ; os mais os prendem. A quantos dos seus na 
guerra perecerão fazem mui pranteados funeraes, em cuja 
celebração fazem o encómio de seu valor.» 

Taes eram os homens com quem Cabral se achou 
na terra do Brazil. Nada, porém, enchia já de es- 
panto os audazes descobridores do mundo: nem o 
singular dos habitantes, nem a fereza dos brutos, 



4. — OS INDIGKNÀS 139 

nem a novidade das paysagens. O Brazil assimi- 
lhava-se-lhes á Ásia, e os traços communs da phi- 
sionomia dos seus indígenas, dos representantes da 
sua fauna, tém sido observados e reconhecidos pe- 
los sábios de hoje. 

A ausência dos grandes mammiferos, privilegio 
da Africa, e a multiplicidade dos trepadores, são 
com effeito os dous caracteres essenciaes da fauna 
brasilio-chilena, cujas espécies, sem serem idênticas, 
são análogas ás do Indostão. A exuberância da ve- 
getação, as florestas cerradas que por toda a parte 
vestem as montanhas, deram a cauda apprehensora 
ao macaco, aos roedores, aos edentados e até aos 
carnívoros, e ensinaram os reptis a subir ás arvo- 
res. 

A floresta é o principal traço da phisionomia 
natural da região: o que falta em grandeza ao 
reino animal, coube ao reino vegetal. Ao contrario 
da zona temperada, em que duas ou três espécies 
ensombram regiões inteiras, aqui, ao enorme das 
proporções, junta-se a variedade dos indivíduos. Le- 
vanta-se a carnahuba como uma columna coroada 
por um capital de folhagem, o feto com as suas 
palmas gigantescas, as myrtaceas, as scitamineas, 
as bromelias, a figueira atormentada e colossal, a 
mangueira, o cedro, a peroba, as palmeiras, as gut- 
tiferas; e a floresta produz tudo quanto falta á 
vida dos seus habitantes. Produz madeira e linhas, 
resinas e gommas, fructos e óleos. Veste-os e ali- 
menta-os ; dá-lhes os fios para. as redes, o arco para 
a caça, a piroga e os remos para atravessarem os 
rios. Dos braços tortuosos das grandes arvores 
pendem como lagrimas as orchideas, e os cipós en- 
tretecem os troncos, fazendo de tudo uma massa 
viva em cujo seio habita o animal. Infinitos os 
contornos das folhas, singulares, extravagantes os 



140 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

parasitas vegetaes, os musgos, os lichens, deslum- 
brantes as flores, abrindo-se por entre a ramagem 
de um verde sempre vivo, formam um conjuncto 
de que os tons se esbatem á luz de uma atmos- 
phera saturada de vapores leves: O horisonte alar- 
ga-se, e tudo se funde n'uma nuvem pardo-azul que 
enthusiasmou Darwin. 

No coração da floresta reina uma singular mis- 
tura de silencio e de rumores: os maribondos per- 
passam em nuvens, insinuando-se por entre as fo- 
lhas, os pássaros chilram e amam, o morcego e o 
vampiro esvoaçam batendo com as azas felpudas 
em busca de sangue quente; os saguins e os ma- 
cacos balouçam-se dos ramos, suspensos nas cau- 
das, com esgares e momices ; o papagaio e a arara 
de cores rutilantes soltam os gritos stridulos ; as 
cobras espreguiçam-se contorcendo a sua indolên- 
cia molle; e rastejando, farejando, caçando, astu- 
tamente, o coati, a onça negra, o jaguar que é o 
tigre americano, e o puma leão do Brazil, somem-se 
por entre os troncos das arvores, onde se aninham 
a preguiça, a cotia e o tatu, estalando as esteiras 
de folhas pútridas que lhe abafam os passos, es- 
magando as legiões das saúbas diligentes. Os iner- 
mes roedores fogem breves: a paca e o gamba 
acolhem-se aos refúgios, e o capivara erriçado na 
sua couraça de espinhos deita-se á agua e bóia. 
Os veados, os tapiras, os tamanduás e os pecaris, 
sentindo o perigo, correm por entre os cipós, es- 
tremecendo na passagem as ondas de folhagem 
verde. 

Em velha companhia com os habitantes da flo- 
resta existe o indio, cuja face acobreada, com o 
craneo esguio e os olhos oblíquos, apparece por 
meio dos ramos, o ouvido armado, para distinguir, 
no silencio genesiaco em que se fundem todos os 



4. — OS INDÍGENAS 141 

rumores vivos, abafados pela vegetação, o leve 
ruido do animal que elle persegue e disputa aos 
seus rivaes caçadores. 

Três grandes famílias de indios habitaram ou 
habitam a America do sul: os ando-peruvianos, os 
pampeanos e os brasilio-guaranis. São estes últi- 
mos que particularmente nos interessam ; entretanto 
convém esclarecer, — tanto quanto n'estas questões 
é licito, — a filiação das raças indígenas do Brazil. 

A cor vermelha dada como característica das 
raças americanas, nem é commum, nem até pôde 
mais ser uma base de classificação. Desde o polo 
norte até á Terra-do-fogo encontram-se todas 
as cambiantes de cor de pelle, a principiar no 
branco, a terminar no perfeito negro dos indíge- 
nas da Califórnia, e dos charruas do Uruguay. A 
estatura vae desde o gigantesco patagonio até ao 
anão chango. Apesar d'isso, porém, a anthropologia 
reconhece uma unidade de typo no conjuncto dos 
habitantes que de facto povoavam a America, na 
época em que os europeus a descobriram, ao norte 
e ao sul. No continente do norte observa-se a co- 
existência mais ou menos definida dos carateres 
conhecidos das raças europêas e das mongólicas : 
os cabellos corredios, o nariz achatado, a pelle 
amarellada a fenda palpebral estreita, os olhos 
oblíquos, o occiput deprimido, — e o nariz agudo e 
saliente, a estatura elevada, pequeno o progna- 
thismo. Parece uma raça cruzada, de um elemento 
claramente asiático com outro similhante ao euro- 
peu. 

No continente do sul, porém, este segundo ele- 
mento desapparece. Spix e Martius julgaram ver 
chinezes nos caraibas do Orinoco; e ao passo que 
dizem ser raríssimo encontrar no norte accentuadá 
com nitidez a obliquidade dos olhos, commum aos 



142 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

malaios e mongólicos, confessam que esse caracter 
é geral em muitas tribus do ramo brasilio-guarani. 
Cor vermelha ou acobreada, descendo até ao ama- 
rello, face cheia, circular, nariz curto, estreito e 
achatado, olhos pequenos e oblíquos, feições efle- 
minadas, cabellos raros, membros grossos e pesa- 
dos, espáduas e peito largos : eis ahi os caracteres 
genéricos, determinados pelos celebres naturalistas 
allemães ao ramo brasilio-guarani, que dividiram 
em nove grupos : 

1. Tupis ou guaranis. — 2. Guês ou crans, no valle 
do Amazonas e Parnahyba (cayapos, chavantes, 
mongoyos, cotochos, etc.) — 3. Goyatacas, dispersos 
e quasi extinctos. — 4. Crens ou guarens (puris, co- 
roados, ararys, aymores ou botocudos.) — 5. Pari- 
chis ou poragis, assentes na divisória do Madeira e 
do Paraguay (guachis, cabixis, mequens, tamaris, 
etc.) — 6. Guaycurus r ou línguas, ao sul do Gran- 
Chaco, ligados ao ramo pampeano. — 7. Gucks ou 
cocos, nas vertentes dos confluentes do norte do 
Amazonas. — 8. Arnaques, da Guiana franceza, nas 
cabeceiras do rio-Negro. — 9. Caraíbas, no baixo 
Orinoco. 

Como se vê, destes nove grupos, os cinco últi- 
mos apenas bordam o território brazileiro pelo oc- 
cidente, pelo extremo sul, e pelo norte. O tercei- 
ro, quasi extincto, com os tupis, os guês e os crens 
são aquelles a quem melhor convém o nome de in- 
dígenas do Brazil. Estes últimos, a quem se con- 
sidera como primitivos habitantes, teriam sido var- 
ridos dos seus domínios littoraes para os sertões 
interiores, por occasião da migração dos tupis que 
avassallaram o Brazil desde o Paraguay até ao 
Amazonas. Vencida, mas não submettjda, a nação 
cren não deixou em paz, nem os primeiros, nem os 
segundou invasores, — os portuguezes ; e a descida 



4. — os indígenas 143 

dos ay mores em 1560 ficou celebre pelos morticí- 
nios e pela destruição quasi total das capitanias 
de Porto-Seguro e Ilhéus. O que restou da vin- 
gança terrível de Mem de Sá 4 recebeu o nome de 
botocudo8, e ficou vagueando miserável pelas mar- 
gens do rio Doce e do Belmonte. 

Os tupis ou guaranis, senhores do Brazil na 
epocha da invasão portugueza, dividiam-se em nu- 
merosas tribus. Os carijós, entre os quaes se fixa- 
ram os primeiros colonos de S. Paulo, escravisa- 
dos, e alliados aos novos dominadores contra as 
tribus visinhas, extinguiram-se. Os tamoyos que 
occupavam a costa entre o cabo S. Thomé e An- 
gra-dos-reis tiVeram egual sorte. Os tupininquins 
ou tupinaes, de entre a Bahia e o Rio, os que re- 
ceberam Pedralvares Cabral, emigraram para o in- 
terior. Os tupinambas, estabelecidos no Rio e na 
Bahia, alliados contra nós aos francezes e aos hol- 
landezes, depois de vencidos, fugiram, indo deman- 
dar as vertentes peruvianas do Amazonas. Os 
amapiras e os cahetés, inimigos irreconciliáveis 
dos tupinambas, foram exterminados pelas guerras 
ou pela escravidão, e desappareceram do seu terri- 
tório de entre o S. Francisco e o Parahyba; da 
mesma forma que para o norte succedeu aos pita- 
guares. 

A's tribus tupis, acontecia, por mão dos portu- 
guezes, o que aos aymores ou crens succedera an- 
tes : eram expulsas ou exterminadas na lucta com o 
invasor mais forte. A colonisação europêa vinha 
collocar sobre o solo do Brazil uma terceira ca- 
mada de habitadores. Das camadas anteriores que 
resta? Miseráveis relíquias de tribus em alguns 
pontos do littoral do centro, laivos de sangue nos 

1 V. mpra, pp. 36-37. x 



/ 
144 L. III. — O IMPEKIO DO BBAZIL 



europeus, algumas aldeias de indifferentes e indo- 
lentes lavradores, relíquias também da passada 
obra dos jesuítas. No littoral do extremo sul e 
principalmente no do extremo norte, nos sertões 
do Amazonas e nos sertões do Paraná e do Parà- 
guay habitam, porém, ainda as tribus de ambas 
as nações que precederam a portugueza no domí- 
nio do território brazileiro. 

Sarjado todo o Brazil por caminhos, terrestres 
ou fluviaes, mosqueado de villas perdidas pelas 
serras, a sorte infallivel, embora distante ainda, 
dos selvagens é o extermínio, o acabamento. As- 
sim aconteceu sempre que frente a frente se en- 
contraram sobre a terra duas raças animaes, hu- 
manas ou não humanas, mais e menos bem arma- 
das para a disputa do solo. Outr'ora os jesuítas 
com ingénua fé, e ainda hoje os philanthropos com 
uma crença menos ardente, acreditaram na possi- 
bilidade de conquistar para a civilisaçao as raças 
indígenas dos climas em que a natureza deu tudo 
a vida vegetal e animal, conservando o homem nos 
mais baixos typos da espécie. Porventura, senão 
com certeza, os typos superiores da humanidade 
só podiam viver em regiões relativamente ingra- 
tas : as faculdades humanas, aguçadas pela neces- 
sidade, desenvolvem-se ; ao passo que o homem dos 
trópicos, servido por uma natureza pródiga, sem 
estímulos, se não se extingue, impotente, deixa-se 
absorver pelo meio, incapaz de subir, incapaz de 
sair da primitiva condição. 

Esse problema da aptidão das raças selvagens, 
do seu possível desenvolvimento social e intelle- 
ctual, parece resolvido. Contra a afirmação de que 
o cérebro exiguo do indio podia, pela educação, 
engrossar como engrossa um musculo (Hawks- 
haw), depõem as observações anthropologicas mos- 



4. — 08 INDÍGENAS 145 

trando-nos uma capacidade craniana proximamente 
egual entre os homens pre-historicos e os actuaes 
indígenas, da Europa e da America. Contra as 
patheticas opiniões de um Las Casas depõe o facto 
da incapacidade do indio para, motu próprio, sair 
da condição de caçador para a de pastor, menos 
ainda para a de agricultor; depõe o resultado dos 
aldeamentos, estéreis experiências que levaram 
apenas, por um caminho diverso, á mepma escravi- 
sação necessária, predecessora de uma extincção 
fatal. E contra a romântica descripção da agudeza 
das faculdades dos Índios, depõe finalmente o pró- 
prio caracter dos testemunhos adduzidos. A agu- 
deza dos sentidos, a perspicácia da vista, o al- 
cance do ouvido, são qualidades adquiridas e apu- 
radas pela vida caçadora e communs a toda a es- 
pécie de carnívoros; e os hábitos reservados e ta- 
citurnos, supposta manifestação de uma dissimula- 
ção superior, são apenas o correspondente do que 
qualquer observa nos animaes bravios, insusceptí- 
veis de domesticação. Se o indio tem a falia, e por 
isso é homem, o seu cérebro pesa pouco de mais 
para poder attingir a capacidade de raciocinar, re- 
flectir e ter consciência. 

A insuíficiencia do saber, a errónea philosophia 
da natureza, a illusão espiritualista que suppunha 
inherente, á falia e á forma humana, uma alma di- 
vina, essencialmente idêntica em todas as espécies 
de homens, eis ahi a causa primaria das antigas 
doutrinas coloniaes dos jesuítas, e ainda hoje o mo- 
tivo das opiniões sentimentaes dos philanthropos 
bíblicos. Os differentes typos de homem formam 
uma hierarchia, differentemente dotada; e entre o 
indio anthropophago, entre o homem que engorda 
os filhos para os devorar e que os vende ; entre a 

mãe de cujos seios pende de um lado o recemnas- 

10 



146 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

eido, do outro um cão ou um macaco, e que ama- 
menta a ambos com egual amor; entre essas Ínfi- 
mas raças humanas e os homens superiores, ha dif- 
ferenças tão essenciaes, como entre ellas e os typos 
mais elevados' dos animaes sem falia. No combate 
da vida não luetam só as bestas com os homens : 
luetam os homens entre si, e a natureza condemna 
á extineção os que mais próximo estão das bestas. 

Não são apenas as luetas á mão armada, não 
são as armas de fogo, a única, nem mesmo a prin- 
cipal causa do extermínio das raças selvagens. Os 
naturalistas tém observado casos mais graves 
ainda e menos explicáveis, do que o facto da limi- 
tação dos territórios livres e da emigração da caça, 
para as tribus que não podem sair d'essa condição 
de vida. Vencido nas guerras, dizimado pela es- 
cravidão, expulso e repellido dos seus territórios, 
o indio soffre ainda por outra forma, menos depen- 
dente da vontade dos seus concorrentes, as conse- 
quências da lei natural que condemna ao desappare- 
cimento, não só as espécies humanas inferiores, como 
todas as outras espécies animaes, perante um ini- 
migo mais forte e susceptível de aclimatação local. 
Essa causa, mysteriosa para muitos, é a epidemia. 

Os europeus levam comsigo a semente da des- 
truição, e por toda a parte onde vão, além da pól- 
vora com que matam voluntariamente, além do 
alcohol com que, sem pensamento reservado, só por 
ganho, envenenam os indígenas, deixam um rastro 
de mortífera influencia. As moléstias, para nós 
mais innocentes, como o sarampo, produziram de- 
vastações horríveis. As bexigas mataram mais de 
trinta mil tupinambas no Rio e em S. Paulo no sé- 
culo xvi, * — de onze estabelecimentos jesuítas, seis 

* V. supra, pp. 37-8. 



4. — os indígenas 147 

desappareceram por morte dos indígenas, — e des- 
truíram no fim do século passado a tribu de Port- 
Jackson (Sydney) na Austrália. O sarampo re- 
duziu a metade a população das ilhas Fidji, a es- 
carlatina exterminou os negros do Cabo. E nem 
só o branco leva comsigo este elemento de destrui- 
ção: também os polynesios de extracção malaya 
varreram diante de si os indigenas de pelle mais 
negra, em certas partes do archipelago das índias 
orientaes. As variedades humanas, diz Darwin, 4 
parece reagirem umas sobre as outras, da mesma 
forma que as differentes espécies de animaes. To- 
dos sabem da diminuição inexplicável da população 
bella e san das ilhas Taiti depois da viagem de 
Cook. Naturalistas sustentam que ao encontro de 
europeus e selvagens se produzam sempre febres e 
dysenterias ; e os habitantes das ilhas Pitcairn con- 
tam que depois da visita de cada navio serão affec- 
tados de doenças cutâneas. Já Humboldt observara 
que as grandes epidemias do Panamá e do Peru 
coincidiam sempre com a chegada dos navios vin- 
dos do Chili. 

A sentença condemnatoria das espécies inferio- 
res reveste, pois, varias formas : desde as que pro- 
vém directamente da vontade dos inimigos mais 
fortes, como a escravisação e a guerra ; até ás con- 
sequências da occupação, como as emigrações, a 
diminuição da caça, a penúria da vida errante, a 
maior mortalidade das creanças, a crescente esteri- 
lidade das mulheres; até ás consequências do 
commercio, como o alcoholismo ; até, finalmente, ás 
epidemias em que a vontade do homem, nem di- 
recta nem indirectamente, intervém. De que valem 
pois as illusões, de certo nobres ? Mostram-nos ape- 

* Voyage (Vvmnatur aliste. (tr.fr.) 



148 L. III. O IMPEBIODO BRAZIL 

nas que no génio do homem ha um quid superior 
á natureza, capaz de se definir independentemente 
d'ella, contra ella até ; capaz de se rebellar contra 
destinos cuja moral desconhece. Mas de que valem 
tentativas e esforços provadamente vãos? Se a 
somma de enthusiasmos e caridade r gastos inutil- 
mente com as raças quasi-animaes, se tivesse ap- 
plicado, se applicasse, ás raças verdadeiramente 
humanas, não se teria escolhido melhor o alvo, sem 
se diminuir o merecimento moral do acto? E' um 
erro suppôr que o termo das illusões passadas im- 
porte a destruição das verdades eternas da cons- 
ciência humana. A moral nada tem que ver com a 
hypothese da alma, nem a nobreza do homem com 
a theoria da unidade da espécie. 



 immigração africana e asiática 



O que deixamos escripto basta para mostrar a ra- 
zão da inutilidade dos esforços empregados recen- 
temente na catechese dos índios. Ainda quando a 
resurreição do chimerico plano dos jesuítas, ainda 
quando o futuro de um Brazil indio-cretino, fosse 
uma obra sensata e promettedora, os factos estão 
mostrando todos os dias a inutilidade das tentati- 
vas emprehendidas por vários meios. Sobre um 
milhão — apenas — em que se orça hoje a popula- 
ção indígena do Brazil, só quinze ou vinte mil ín- 
dios se contam nas aldeias. Provada a impossibi- 
lidade de domesticar os indios adultos, o Estado 
compra os filhos aos pães e educa-os nos collegios 



5. A IMMIGBAçio AFRICANA K ASIÁTICA 149 

dos missionários. São esses os aldeãos. No furor 
um tanto inconsiderado de augmentar a sua popu- 
ção fixa, o Brazil lança a mão de tudo. De que 
lhe servem porém as aldeias, senão para consumi- 
rem uma parte da força e da riqueza, que appli- 
cada de outra forma seria bem mais útil? i O pla- 
tónico empenho de civilisar uma raça inferior vem 
ainda d'essa illusão antiga filiada em noções que 
hoje caíram. O indio comprado ao pae vem a va- 
ler menos do que elle, porque, sem ganhar nada 
em capacidade, perdeu na nobreza esthetica da li- 
berdade bravia e selvagem. Baptisado, mas nem 
por isso christão, somente cretino, cultiva os vege- 
taes que come, e arrasta uma vida inútil para si e 
para todos. Melhor lhe fora morrer independente, 
do que prolongar uma existência artificial que não 
pôde impedir o curso das leis de uma natureza 
sem piedade. 

Chimerico e impraticável o plano da repovoação 

1 Das antigas missões dos capuchinhos restam apenas 57 sacerdotes 
dessiniíuado* por todo o império. Em 1870 renovou-se o movimento da 
creação das aldeias e os franciscanos fundaram no alto- Amazonas 3 estabe- 
lecimentos que contavam (V. O Brazil na Expôs, de Philad. 1875) 386 
índios : S. Francisco (rio Preto), Caldeirão (Solimões), S. Pedro (Madei- 
ra). Por i>eu lado o Estado fundava os collegios de Santa Isabel (sobre o 
Araguaya), o de Manaus e o do rio-Doce (Espirito Santo) subsidiados para 
compra e educação de creanças. Varias outras aldeias attestam as antigas 
e modernas tentativas, a saber : 

Pará 1 (Bacabal) com 500 Índios 

Maranhão 28 (de 1840 a 72) com 10:000 (?) 

Ceará 1 (Milagres) quasi extincta 

Pernambuco 2 (Brejo e Santa- Maria) id. 

Espirito Santo 1 (Mutum) com 80 índios 

Minas 3 com 700 Índios 

Paraná 3 > 1372 > 

Rio Grande do Sul 1 (Nonohay) com 302 índios 

Matto-grosso 6 com ? 

Goyaz 6 » 



150 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

do Brazil pelos indiós catechisados, outro program- 
ma de colonisação, — praticado outrora com maior 
proveito, — teve de ser abandonado : a immigração 
dos negros escravisados. Meio artificial, porque, se 
a escravidão se nos apresenta como uma forma 
natural-social do primitivo estabelecimento das na- 
ções, o caso de um transporte de braços escravos 
de uma raça exótica differe essencialmente e por 
vários motivos do anterior; meio artificial, pois, 
repetimos, a immigração de negros escravos podia 
servir ao regime colonial, á exploração da fazenda 
americana pelos portuguezes; mas não serve de* 
certo ao desenvolvimento natural de uma nação, — 
se essa nação quer adquirir homogeneidade e fixi- 
dez e perder o caracter económico de colónia, obra 
mais complexa e difficil do que a perda do cara- 
cter de dependência politica. 

A prohibição do trafico, e mais tarde a abolição 

A estes estabelecimentos é mister addicionar os presídios e colónias 
militares, cuja principal razão de ser é ainda a catechese dos indios ou a 
segurança das communicações fluviaes. Goyaz conta 7 d' estes presídios 
militares estabelecidos para guarda da navegação do Tocantins e do Ara- 
guaya: são também aldeias de indios. As colónias tém mais directa- 
mente por fim a submissão das tribus selvagens. O regime militar é 
ahi preferido ao ecclesiastico ou civil experimentado nas aldeias dos 
missionários ou do Estado. As três formas coexistem. São numerosas as 
colónias militares e subsidiadas com o orçamento annual de 300 contos. 
Entre todas florescem relativamente : Óbidos (500) no Pará ; S. Pedro de 
Alcântara (600) no Maranhão ; Dourados e Miranda, em Matto-grosso ; Ita- 
purá (335) e Avanhandava (1000) em S. Paulo ; D. Pedro n e S. João (259) 
no Pará ; Urucu em Minas. 

Em Santa-Catharina, a colónia de S. Thereza é destinada aos vetera- 
nos do exercito, com lotes de terras, á antiga romana. Conta 454 homens. 

Além d'isto o regime colonial-militar inclue Fernando-Noronha (Per- 
nambuco) presidio de criminosos forçados a um trabalho agrícola. Conta 
3088 hab., produz o que consome e exporta milho e algodão. 

(V. agora e ulteriormente, além do Brazil em Philad. já citado, o li- 
vro do mr. A. de Carvalho, O Brazil, valioso em subsídios para a historia 
da moderna repovoação do-imperio.) 



5. A IMMIGRAÇÃO AFRICANA. E ASIÁTICA 151 

da escravidão, i contam, pois, entre as medidas 
eminentes da constituição nacional do Brazil, quaes- 
quer que sejam os embaraços transitórios que d'ahi 
venham ou tivessem vindo á economia da producção 
agrícola. 

Naturalmente estéril a fonte do trabalho indíge- 
na, seccada pela lei a fonte do trabalho escravo 
negro, a perigosa tentação de ir buscar braços a 
outro viveiro de raças inferiores prolíficas embria- 
ga muitos espíritos. Se o indígena é incapaz, se 
não podemos ter mais negros, porque não iremos em 
demanda de homens á índia e á China, esses vivei- 
ros de gente passiva e laboriosa, que não poderá, 
é verdade, ser nossa escrava, mas se submetterá 
ao regime de uma quasi-servidão rendosa para 
nós? Assim pensa o fazendeiro, calculando as cen- 
tenas de arrobas de café que a falta de braços lhe 



I 1810 — Nos tratados com a Inglaterra (V. supra, p. 106) Portugal 
obriga-se a abolir o trafico. 
1817-8* — Restricçôes do trafico. Augmento dos direitos de importa- 
ção, de 6000 a 15:600, por cabeça. Metade da differença ap- 
plieada a um fundo de colonisação branca : d'ahí nasceram 
as primeiras colónias suissas. A exportação dos escravos li- 
mitada na Africa : oriental, entre Cabo-delgado e Lourenço- 
Marques; occidental, de 8 a 18° S. 
1851 — Prohibição absoluta de importação de escravos no Brazil. 
1871 — Alforria dos escravos da nação e da casa imperial. Creação 
do estabelecimento de S. Pedro de Alcântara (PiauhyJ para 
■ receber os libertos ; e do fundo de libertação dos escravos 
particulares. O ventre é declarado livre ; ninguém mais nas- 
ce escravo. 
De 1871-5 as verbas gastas pelo fundo de libertação sommaram 4:056- 
contos ; com elle, com as alforrias dadas espontaneamente pelos senhores ; 
com os subsídios provinciaes ; com a caridade ; com a auto-alforria obtida 
pelos escravos por meio de suas economias; — de 71-5 tinham-se libertada 
6:000 negros. Ao mesmo tempo, em virtude da lei, nasciam livres n'esse 
período 64:000. O concurso d'estes meios fará extinguir em breves annos 
a escravidão do Brazil . Pelo censo de 72 o numero dos escravos era de 
1.500:000. 



152 L. 111. —O IMFKRIO DO BHAZIL 



• 



não deixa colher, ávido de enthesoirar um lucro 
tentador. 

O interesse do fazendeiro não é, n'este caso, o 
interesse do Estado ; nem o volume dos lucros im- 
mediatos o critério superior de quem olha para os 
interesses permanentes, futuros, de um povo, nao 
para o ganho vitalício e transitório dos homens 
ricos da nação. A Economia-politica destruiu na 
primeira metade d'este século a illusão antiga da 
coincidência da riqueza nacional com a abundân- 
cia do numerário; á Economia-social cabe, na se- 
gunda metade d'elle, destruir a illusão creada por 
uma sciencia incompleta: a illusão de que a rique- 
za dos particulares, a abundância da producção, 
coincida com a verdadeira riqueza collectiva, — a 
qual provém principalmente da ordem na distri- 
buição dos productos creados, não artificialmente, 
por uma protecção anachronica, mas sim natural 
e normalmente por uma concorrência que só morali- 
sada e equilibrada é, porém, verdadeiramente livre. 

Substituir ao escravo negro o trabalho do chi- 
nez é crear indiscretamente os problemas com que 
hoje se debate a Califórnia. São exemplos actuaes 
e não meras opiniões, nem documentos mais ou 
menos discutíveis, arrancados ao passado. Esma- 
gada pela concorrência pertinaz como a de um vi- 
veiro de formigas, pela concorrência dos chinezes 
passivos, humildes, calados mas infatigáveis, a Ca- 
lifórnia não hesita em rasgar a constituição, negar a 
liberdade, decretar a expulsão inteira de uma gente 
que lhe pesa e a absorve e a domina. A lei da salva - 
ção-pubfica, a fatal e dura lei da Razão-d'Estado, 
impondo-se cruelmente, obriga a suspender a norma 
das garantias liberaes. A immigração chineza trou- 
xe comsigo a crise da Califórnia, — agora mesmo 
no período agudo: — porque iria o Brazil, para au- 



5. A IMMIORAÇÂO AFRICANA £ ASIÁTICA 153 

gmentar a riqueza dos seus fazendeiros, buscar os 
elementos de futuras crises constitucionaes ? 

Substituir ao escravo negro o chinez livre, é 
prolongar a condição colonial, — embora seja inde- 
pendente o governo, — e embaraçar o desenvolvi- 
mento dos órgãos naturaes-nacionaes. Só uma po- 
pulação homogénea, fixa, mais ou menos productora 
de tudo o que é essencial á vida, pode constituir 
verdadeiramente uma nação. Um aggregado de gen- 
te sem unidade, uma minoria de lavradores opulen- 
tos explorando o trabalho de uma população exóti- 
ca e inferior; uma producção exclusiva por cuja 
troca se obtém as commodidades necessárias á exis- 
tência, foi sempre o caracter próprio de uma colónia. 

A historia do Brazil mostrou-nos isto com evi- 
dencia na comparação da fazenda portugueza do 
norte, com a nação embryonaria no sul; e se o 
Brazil é um império politicamente independente, 
ao segundo e não ao primeiro dos seus dois anti- 
gos estados o deve. Não basta a independência 
politica para constituir uma nação : a este termo 
corresponde a idéa de uma autonomia ethnica, mo- 
ral, intellectual e económica. A colónia é o con- 
trario d'isto. 

Lançar sobre um fundo de sete ou oito milhões 
de europeus, uma onda de chinezes ou Índios, que 
não se esgotará se a corrente for favorecida pelo 
clima e outras condições, seria decerto enriquecer 
agora os cultivadores de algodão e café, mas seria 
também, n'um futuro próximo, ou arruinar o porvir 
da nacionalidade nascente, ou lançal-a nos perigos 
de crises gravíssimas. Ou a reacção do elemento 
europeu conduziria a uma situação qual é a actual 
da Colifornia ; ou esse elemento seria abafado e 
perdido nas ondas de uma população asiática, e os 
laivos de sangue branco, cada vez mais obliterados 



154 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

pelos cruzamentos successivos, desappareciam por 
fim. Um Brazil chinez, a substituição de um dos 
focos de civilisação europêa na America por uma 
nação mestiça e abastardada, é uma perspectiva re- 
pugnante. 

Além de todos estes graves embora remotos 
perigos, não devem esquecer-se as consequências 
immediatas de uma immigração chineza. A roe- 
dora corrupção caduca da velha Ásia lavra n 'essas 
raças a quem a idéa de um progresso moral e ma- 
terial parece já estranha. Estagnadas, como as 
aguas de uma lagoa, apodrecem. E os coolies que 
emigram são ainda a escoria de uma população ava- 
riada em todo o seu systema. E para além doestas 
nódoas que a immigração purulenta lançaria entre 
as populações europêas, estão considerações de ou- 
tra ordem. O chinez não emigra, viaja. Não muda 
os penates, aluga temporariamente o braço. Não é 
uma população que se fixa, é a maré em per- 
mamente fluxo e refluxo. As consequências de or- 
dem ethnica ou moral são portanto as mesmas, 
sem o serem porém as de ordem económica. A 
onda que vem, chega nua e faminta; a onda que 
vae, regressa cheia e vestida. As economias do 
trabalho não se consolidam n'uma terra que para 
o chinez não é pátria adoptiva, mas sim estação 
temporária apenas ; e os metaes, espécie em que 
leva comsigo as suas economias, escasseiam desde 
logo, e apparecem as crises do numerário. 

Um Brazil europeu e não asiático, uma nação e 
não uma colónia, eis ahi o seguro porvir da antiga 
America portugueza. Seguro, mas lento : assim se 
construem as obras duradouras. De que vale, para 
que serve, a cega precipitação, a mais cega pressa 
de devorar toda a riqueza do mundo? Exploramos 
uma concessão vitalicia ou somos apenas, nós ho- 



6. A IMMIGRAÇÃO EUROPEA 155 

mens de hoje, um momento e um aspecto da inde- 
finida successão das gerações? Solidários com os 
antepassados e os vindouros, accesos no respeito 
da humanidade eterna e ideal, é que os homens 
fundam as nações : o secco utilitarismo, o egoís- 
mo individual, o materialismo pratico, são armas 
úteis, — mas só para obras inferiores. Jamais com 
ellas se crearam Romãs ! 



VI 



A immigração europea 



Quando as causas e as medidas, que no princi- 
pio do século annunciavam o fim á escravidão ne- 
gra, appareceram; quando o Brazil foi aberto ao 
estudo dos naturalistas e os seus portos ao com- 
mercio de todas as nações; desenvolveu-se um mo- 
vimento no sentido de provocar uma immigração 
de suissos e allemães. Pensou-se em desviar para 
o sul uma parte da corrente de immigração que 
da Europa do centro e norte vae todos os annos 
para os Estados-Unidos ; e com esse novo afHuxo 
de homens fomentar a colonisação do reino, depois 
império do Brazil, mais rapidamente do que o 
consentiam o augmento natural da população e a 
immigração dos portuguezes. Quatro colónias crea- 
das e protegidas pelo Estado se fundaram então com 
êxito, * e hoje, emancipadas, entraram politicamente 
no systema da administração geral do império, em- 
bora a sua população germânica se não fundisse 
no corpo da população nacional. Até ao meiado do 

1 Santo-Àgostinho (Esp. Santo) 1812 ; Leopoldina (Bahia) 18 ; Nova 
Friburgo (Rio Janeiro) 19 ; S. Leopoldo (R. g. sul) 25. 



156 



L. III. O IMPÉRIO DO BBAZIL 



século, as províncias, pelos seus governos, segui- 
ram o exemplo do Estado ; mas as tentativas pos- 
teriores aos primeiros ensaios não deram resultados 
correspondentes. De onze colónias creadas (1826-46), 
sete definharam e morreram. E' no decennio se- 
guinte que a iniciativa particular intervém decidi- 
damente creando o typo das colónias de parceria, 
mas o resultado não correspondeu ás esperanças. A 
agitação produzida em 60-1 provou estéril, e o sys- 
tema da colonisação foi caindo gradualmente em 
abandono, apesar das quantiosas sommas dispendi- 
das pelo thesoura para o amparar. i 



* Estes são os algarismos principaes da estatística das colónias euro* 
pêas do Brazil : 

I Colónias existentes em 18 "7 5 



PROVIKCIAS 






COLÓNIAS DO 








: 


Estado 


Prov. 


Partic. 


Total 


, 


Popul. 


Pará 


1 




1 


1 


3 


com 


237 h. 


Bahia 


1 




2 


— 


3 




1941 > 


Paraná 


1 




4 


3 


8 




3138 > 


Espirito Santo 


3 




— 


1 


4 




7297 » 


Minas 


1 




— 


1 


2 




2020 » 


Rio de Janeiro 


1 




— 


— 


1 




400 » 


Santa Catharina 


/ 2 




1 


1 


4 




19856 » 


Pernambuco 


— 




2 


— 


2 




900 » 


Amazonas 


— 




— 


1 


1 




? 


S. Paulo 


1 




— 


13 


14 




2142 » 


R. g. do Sal 


1 




5 


4 


10 




10552 > 




!2 




~15 


"25 


~5Í 




"48483 


D'estas, contam para < 


sima de 2:000 habitantes : 






Soledade 




no 


Rio grande do Sul 


2187 


h. 


diversos 


Itajáhy 




em 


Santa Catharina 


2891 


» 


allemãe8 


8. Leopold 


ina 


no 


Espirito 


Santo 


5000 


» 


» 


Blumenau 




em 


Santa Catharina 


7621 


» 


» 


D. Francisca 




> 




7860 


> 


> 



Em 1873 a população colonial era de 40.323 h. e como em 74 se eman- 
ciparam, entrando no regime administrativo commum, as colónias de Santa 
Cruz e S. Angelo, com 8816 h., vê-se que de 73 a 75 houve o accrescimo de 
16.976 h. 



6. — A IMMIORAÇAO BUROPEA 



157 



O êxito duvidoso, — para uns proveniente dos er- 
ros da administração apenas, para outros de cau- 
sas mais graves, — das colónias do Estado voltara 

II Emancipação e extincçâo até 1S75 



PROVIKCIAS 


EMANCIPADAS 




Rio grande do Sul 


3 


com 


31:545 h. 


7 


Santa Catharina 


6 


» 


3:311 » 


4 


Paraná 


— 




— 


3 


S. Paulo 


— 




— 


42 


Rio de Janeiro 


3 


> 


10:348 > 


5 


Minas 


— 




— 


1 


Espirito Santo 


2 


» 


801 > 


1 


Bahia 


1 


> 


? 


4 


Piauhy 


— 




— 


2 


Maranhão 


— 




-— 


6 


Pará 


— 




— 


2 




15 


» 


46:005 > 


~77 



EXTINCTAS 



TOTAL 



;om ? h. 10 coi 


» 282 * 


10 » 


» ? i 


3 » 


» 3:075 i 


42 » 


670 


8 > 


» 195 i 


* 1 > 


16 > 


3 » 


> 1:366 


5 » 


? > 


» 2 > 


» 974 > 


6 » 


? 


2 > 


» 6:578 i 


99 » 



Das colónias emancipadas contavam acima de 2:000 h. 
8. Leopoldo no Rio grande do Snl (Estado) com 
8. Cruz > (Prov.) » 

Petrópolis no Rio de Janeiro (Estado) » 

Todas as colónias extinctas eram inferiores a 2:000 h. 



3:593 » 

? 
3:075 » 
11:018 > 
195 » 
817 » 
1:366 > 
? 
974 > 
? 

52:583 » 



22:729 h. 
7:000 > 
8:200 > 



«; 



Diversas conclusSes podemos tirar d'estes algarismos : 
Sommando a pop. das colónias, existentes, emancipadas e extinctas, 
obtemos o numero de 101:066 : d'este numero 65 por cento, ou 65:546 é 
representado pelas colónias de S. Catharina e Rio grande do Sul; o que 
nos demonstra que a colonisação germânica só se tem fixado no extre- 
mo sul do Brazil, onde o clima é mais benigno. 

o) As provindas do norte não tém colónias ; poucas o centro ; e a povoa- 
ção d' esta espécie não se alargou além da zona marítima. 

c) Retirando, do total de 101:066 h. das 144 colónias creadas, as do Rio de 

Janeiro, S. Catharina, Rio grande do Sul e Espirito-Santo, que são 

50 com 85:078 h., vemos que, do resto, dons terços extinguem-se, não 

vingam. 

III O regime das colónias 

As creaçõe8 de colónias pelo Estado são mais fecundas do que aa das 
províncias, e do que as dos particulares : 

ESTADO PROVÍNCIAS PARTICULARES 

Colónias creadas 31 com 62:376 h. 20 com 15:629 h. 93 com 22:998 h. 

emancipadas 10 » 36:860 » 4 » 8:816 » 1 » 329 » 
extinctas 9 » 1:815 » 1 » ? » 67 > 4:768 » 
existentes 12 » 23:701 » 15 > 6:876 > 25 » 17:906 > (a) 

(a) D. Francisca (S. Catharina) conta por si só 7:860 h. As 24 restantes 
10:046 h. 



158 L. III. O IMPÉRIO DO BBAZIL 

todas as esperanças para a colonisação livre. A' lei 
de 1850, baseada nos principios do regime agrário 
da Austrália, ligava-se uma viva confiança. A fa- 

For períodos, eis a estatística da fundação e extlncção : 

1812 a 25 creadas 4 extinctas — 

1826 a 46 » 11 » 7 

1846 a 60 » 96 » 66 

1860 a 75 33 4 



144 77 

No período de 46-60 floresceu a creação de colónias particulares, em 
S. Paulo principalmente, mas sem êxito algum. D' essas 43 colónias de S. 
Paulo, fnndadas pelo systeina de parceria agrícola, 39 cairam mais ou me- 
nos rapidamente. As quatro restantes conservaram-se sob,, o regime do 
salário, ou de preço por unidade de colheita ; e por esta mesma forma se 
regem as que posteriormente se fundaram. 10, creadas em 1855 no Rio e 
no Maranhão, cairam todas. 49 das 66 colónias extinctas no período de 
46-60, caíam pois pelo vicio da constituição. 

A venda das terras pelo Estado dá-nos ainda outro modo de avaliar o 
fomento da colonisação. Foi annualmente o producto, de : 

até 57-8 — até 61-2 — 118 contos 

» 59-60 — 6 contos » 62-3 e seguintes annos 
» 60-61 — 29 » inferior a 20 contos. 

As despezas que o Estado tem feito com a colonisação sommaram, de 
51 a 71 : 

Colonisação 8:339 c. 

Agrimensura 3:271 > 

Diversas 630 * 12:240 c. 



Producto das terras 347 



Liquido 11:893 contos. 



Vimos que a população colonial total (suppondo que todos os habitan- 
tes das colónias extinctas se fundissem na pop. geral) somma e sommava 
100:000. D 'este numero, porém, boa metade ontrou no Brazil antes de 1851. 
Por 50:000, pois, se deve dividir a despeza de 12:000 contos (fracos) ; porque 
se ha, com effeito, uma certa immigração não colonJLal, auxiliada pelos sub- 
sídios do governo, por outro lado a immigração portugueza, parte da qual 
se fixa também nas colónias, é gratuita. Assim o custo de cada colono al- 
lemão (quasi exclusivamente o tém sido) regula por 240 mil réis. Vale 
esse preço ? 



6. — Á IMMIGRAÇÃO EUROPBA 159 

cilidade da navegação, as crises industriaes da 
Europa que desterravam annualmente para o novo 
mundo centenas de milhares de homens, deviam 
favorecer o Brazil como enriqueciam os Estados- 
Unidos e as colónias inglezas. Fizeram-se contra- 
ctos, mais ou menos bem pensados, com socieda- 
des de emigração. Os inglezes, os allemães, trans- 
portados gratuitamente em vapores subsidiados, 
encontrariam terrenos demarcados na orla dos ca- 
minhos de ferro ; pagal-os-hiam durante seis annos 
por um preço mínimo (0,5 a 2 réis por 4,84 m. q.) ; 
teriam livres a importação de bagagens e utensí- 
lios e um subsidio de installação. 

,Ao mesmo tempo o Estado subsidiava as pro- 
víncias, organisava a agrimensura e o cadastro, 
para distribuir e garantir a propriedade dos re- 
cem-chegados ; abria a todas as bandeiras a nave- 
gação do Amazonas, e não recuava um passo 
diante de qualquer obstáculo, na empreza de cha- 
mar ao Brazil os colonos de raça germânica. 

Apesar de tudo, porém, a onda da emigração 
do norte não corria para o império. Os portuguezes 
continuavam a formar metade e mais dos novos 
subsídios da população brazileira. 4 A que attri- 
buír similhante decepção? A varias causas, supe- 



1 Estatística da immigraçâo no Brazil : 

1851-4 1855-64 1864-73 

(Rio de Janeiro) 

Entradas totaes 34.873 132.079 103.754 

Saídas » 7.181 33.085 56.240 

Saldo 27.692 98.994 47.514 

Entradas de portuguezes ? 71.499 66.258 

Saídas > ? ? 32.132 

Saldo ? ? 34.126 

Saldo inedio/ total 6.923 9.899 4.751 

annual [portuguez ? ? 3.412 



160 L# III. — O IMPBBIO DO BRAZIL 

riores á vontade dos estadistas e á influencia dos 
subsídios. A* frente d'ellas está a do clima, não 
pela insalubridade, caso excepcional, mas pela 
temperatura. A experiência de já numerosos sécu- 
los tem demonátrado que as raças germânicas não 
se fixam nas regiões tropicaes, maximè quando 
a concorrência lhes offerece zonas temperadas de 
colonisação. Em seguida a esta causa natural, ap- 
parece outra social: o Brazil é um estado latino e 
catholico, e os allemães e protestantes são e ficam 
estrangeiros. Decrete embora a lei uma nacionali- 
sação franca: as leis não podem fazer mais do que 
sanccionar factos, ou encaminhar tendências ante- 
riores. A nacionalisação politica é uma van pala- 
vra, quando não corresponde a uma assimilação so- 
cial. 

E' esta que se não dá no Brazil com as coló- 
nias germânicas. Vivem no seio do império, á al- 
leman, com o seu culto, a sua lingua, os seus jor- 
naes, os seus costumes. São um braço distante da 

Immigração no Rio em 64-73, por naçSes : 





ENTRADAS 


SAÍDAS 


8ALDO 


Portuguezes 


66.258 


32.132 


34.126 


Allemães 


3.435 


2.273 


1.162 


Americanos 


3.691 


2.309 


1.382 


Francezes 


6.714 


5.032 


1.682 


Inglezes 


6.454 


4.188 


2.266 


Italianos 


10.651 


5.602 


5.049 


Hespanhoes 


4.107 


2.603 


1.504 


Diversos 


2.444 


2.101 


343 



(No Livro ív § 5 o leitor encontrará mais demoradamente estudados os 
algarismos da imntigração portugueza.) 

O saído de portuguezes é, n'este período, de quasi de 75 por cento do 
total, embora a nossa immigraçâo viesse baixando, de quasi 10.000 que era 
em 55, a pouco mais de* metade. A de allemães foi crescendo de 522 (55) 
a mais de 4.000 (62) por anno, para descer "no período de 64-73 á media 
animal de 343. Depois dos portuguezes, os italo-hespanhoes, que abaste- 
cem o Rio da Prata, são os mais numerosos. 



6. A IMMIORAçlo EUROPEÀ 161 

vaterland europêa, não uma molécula fixa da po- 
pulação brazileira. Estão na America, sem se tor- 
narem americanas. — Isto não succede, porém, nos 
Estados-Unidos, e d^hi os inglezes pretendem o 
exclusivo da faculdade de assimilação das naciona- 
lidades que emigram para as suas actuaes ou pas- 
sadas colónias. Uma observação menos exterior do 
facto, exacto em si, nos dará porém uma explica- 
ção inteiramente diversa. A affinidade das raças é 
o mais poderoso elemento de assimilação : d'ahi 
vem, com o parentesco do sangue, a irmandade de 
instinctos religiosos e sociaes, consagrados em cul- 
tos s e instituições, senão eguaes, similhantes e em 
essência idênticos. Por isso o sangue germânico 
encontra nos Estados-Unidos uma pátria que não 
vê no Brazil : — por isso aos italo-hespanhoes succe- 
deria outrotanto na America néo-portugueza. Os 
sacrifícios feitos em vão pelo Brazil, para fixar a 
emigração alleman no império, teriam tido um re- 
sultado diverso se fossem dirigidos para a Itália e 
para a Hespanha, nações irmans de sangue e gé- 
nio, cuja emigração relativamente abundante colo- 
nisa o Rio-da-Prata. A immigração latina, portu- 
gueza-italiana-hespanhola, augmentando a popula- 
ção, augmentaria a homogeneidade e consistência 
do novo império. Ver-se-hia então como o facto da 
assimilação não é um privilegio dos saxonios, maa 
sim uma consequência do parentesco das raças. E 
por outro lado a colonisação não ficaria adscripta 
á região temperada de extremo sul do império, 
porque os latinos do meio-dia da Europa aclima- 
tam-se sob os trópicos, ao contrario dos allemâes e 
saxonios. 

Demos, porém, que as condições naturaes e so- 
ciaes não tornassem por tal forma impossível a co- 
lonisação germânica. O futuro do Brazil seria 

11 



162 L. III. — O IMPÉRIO DO BKAZIL 

I 

í 

extravagante. Estalagem aberta a todos os povos 
europeus, afastados pela raça e pelos costumes, in- 
capazes de formarem fundidos o corpo de uma po- 
pulação homogénea, o império fraccionar-se-hia fa- 
talmente em um systema de nações minúsculas 
néo-portuguezas, e néo-suissas, néo-allemãs, néo- 
inglezas, etc, como são em embryão as colónias 
germânicas actuaes. Poderia ter ganho com isso 
o desenvolvimento da riqueza, mas o futuro da na- 
ção ficaria gravemente abalado, e por fim certa- 
mente perdido. 

Do seio do Brazil se tém ouvido os protestos 
contra a errónea politica, já decadente. Esses pro- 
testos, n'um sentido, são inúteis, porque a força das 
cousas resiste por si só com energia bastante aos 
planos que a contrariam; mas o grito do Brazil 
para os brazileiros tem para nós o alto mereci- 
mento de demonstrar um facto, de resto já de ha 
muito provado: a existência de uma consciência 
collectiva, de um sentimento definido do futuro na- 
cional. — «Ao cabo de alguns annos, que será d'este 
nosso Brazil latino, cathoíco, na presença doesse ou- 
tro Brazil germânico, protestante, em hábitos, em 
índole, em tudo completamente repulsivo, antagó- 
nico ao Brazil a que pertencemos?» 

Fácil é diagnosticar o que seria. 

O futuro certo, seguro, consistente e verdadei- 
ramente grande. do império está no desenvolvimento 
homogéneo da sua população. A immigração é um 
bem, mas é mister que a infusão de sangue estra- 
nho não vá além dos limites de quantidade que o 
fundo preexistente pôde assimilar; e muito menos 
que traga elementos antipathicos ou heterogéneos, 
©'esse modo fórma-se uma estalagem, nunca uma 
nação. O sangue portuguez, e o gallego (que por- 
tuguez é) primeiro, o italiano depois, como afim, 



6. —A IMMIGBÀÇÃO BUBOPEA 163 

eis o que convém ao temperamento do Brazil e ao 
seu clima tropical. E' pequena a infusão, lento o 
desenvolvimento? Assim deve, assim tem de ser. 
Não se comparem os miles de immigrantes do Bra- 
zil com as centenas de milhar dos Estados-Unidos, 
senão quando se puzer, ao lado, o funflo fixo da 
população de um Estado e o do outro. Entre de 
oito milhões de brazileiros e quarenta ou cincoenta 
norte-americanos ha uma distancia que não é ape- 
nas proporcional. 

Para bem avaliar o desenvolvimento das duas 
grandes nações americanas é mister não contrapor 
números que abstractamente nada significam: é 
necessário comparar a ratio d'esse desenvolvi- 
mento. Pois tão pouco tem crescido a população 
brazileira? Absolutamente será pouco, relativa- 
mente é tanto ou mais do que nos Estados-Uni- 
dos. * 

1 A povoação dos Estados-Unidos era de 4 milhSes em 1790 ; e subia 
a 38 em 1870 : octoplicára. 

A do Brazil, estacionaria no elemento negro, decuplicou no elemento 
europeu : 



Brazileiros 
Ertrang. europeus 


1 


1789 
800:000 


1816 (Balbi) 
843:000 ] 


1872 
8.200:000 

220:000 


Mestiços { 

1 escravos 


) 


? 


426:000 
202:000 


^^^ 


._ \ livres 
Negros l 

1 eacravos 




1.500:000 


159:500 
1.728:000 


1.510:000 






2.300:000 


3.358:500 


9.930:000 


Indígenas 






259:400 
3.617:900 


\ 



Balbi dividia assim a população (1816) seguudo a côr : 

Raça branca 843:000 

vermelha 259:400 

preta 1.887:500 

Mestiços 628:000 

Em nenhum d'estes cálculos se inclue a população Índia selvagem, 

orçada hoje em um milhão. 

Para se poder formar melhor idéa da localisação do augmento da po- 

* 



164 



L. III. O IMPÉRIO DO BEAZIL 



Imaginar possível é uma illusão, desejar que na 
Brazil entrem annualmente duzentos ou trezento» 
mil europeus de qualquer raça, — é um erro deplo- 



pulaç&o, eia aqu alguns números calculados em datas anteriores ao Censo 
de 72 e comparados com elle : 



PROVÍNCIAS 




' 




i 




Rio Qrande do Sul 


1801 


40:000 


1816 


97:600 1872 434:813 


8. Paulo 


1808 


200:000 


» 


253:400 


» 837:354 


Minas 


> 


510:642 


» 


485:000 


► 2.039:735 


Matto-grosso 




? 


> 


68:400 > 


► 60:417 


Qoyaz 


1804 


50:539 


» 


90:000 i 


> 160:359 


Rio de Janeiro 




? 


> 


575:000 


» 782:724 


Bahia 


1775 


245:000 


» 


858:000 i 


> 1.379:61* 


Pernambuco • 


1804 


550:000 


j 


1 • 


■ 841:539 


Parahyba 


1775 


52:000 


l > 


739:000 ) ' 


376:226 


Ceará 


1813 


150:000 


[ 


| « 


721:686 


Rio grande do norte 


1775 


23:000 


) 


/ a 


283:979 


Maranhão 




? 


» 


182:000 


> 359:040- 


Pará 




? 


» 


269:500 


275:237 



Províncias destacadas, cuja populaç&o anda incluída nas denomina' 
çSes regionaes dos cálculos anteriores ao censo de 1872 : 

Amazonas pelo censo de 1872 57:610 



Piauhy 


» 202:222 


Alagoas 


348:009 


Sergipe i 


176:243 


Espirito Santo i 


82:137 


Município da Cárie i 


274:972 


Paraná » 


126:722 


Santa Caiharma i 


159:802 



Se agora reunirmos os números do Censo de Balbi em 1816 e do de 
1872 nas seis legiões divididas a p. 131 para estudar a densidade da po- 
pulaç&o, acharemos: 

i-n Corte, Rio- de -Janeiro e Espirito-Santo 
ih Ceará, Parahyba, Alagoas, Pernambuco, 

Rio-g. do norte, Sergipe, Bahia 
iv S. Paulo, Minas-geraes 
▼ Rio-g. do Sul, Santa-Catharina, Paraná 
vi Pará, Amazonas, Maranhão, Piauhy, 
Goyaz e Matto-grosM> 
Estes números, por pouco approzimada que seja a sua exactidão, pa- 
tenteiam claramente o sentido em que se tem dado o desenvolvimento da 
populaç&o. 



1816 


1872 


575:000 


1.139:839 


1.597:000 


4.076:698 


738:400 


2.877:089 


97:600 


721:937 


609:900 


1.114:921 



7.— O DESENVOLVIMENTO DA RIQUEZA 165 

ravel. Mais vale o caminhar, segura e normalmente, 
cio que a precipitação cheia de riscos. E' dissol- 
vente para a organisação interna de uma nação o 
ingresso abrupto, a infusão de elementos que, além 
de excessivos para as forças de absorpção do povo 
nacional, por força tém de ser por natureza rebel- 
des e até insusceptíveis de assimilação. E' me- 
lhor a immigração lentamente natural que se pro- 
porciona ás forças do paiz e se funde, do que a 
irrupção turbulenta de massas famintas e desmora- 
lisadas. Por brilhantes ou seductores que pareçam 
exemplos como os da Austrália, o facto é que 
mais de um observador perspicaz descobre ahi 
motivos para futuras eventuaes crises. 

O progresso de uma nação differe essencialmente 
cia exploração de um território concedido. íTuma 
empréza o futuro é vitalicio, o ponto-de-vista ape- 
nas o lucro. O Brazil não é uma concessão dada, 
è uma nação crescente. O acanhado critério exclu- 
sivo do lucro das lavouras e do commercio não 
basta: é mister que subordinadamente concorra 
para a construcção firme e duradoura do Estado. 



vn 

desenvolvimento da riqueza 



Nas sociedades novas, porém, a riqueza tem um 
papel mais dominante do que a sciencia e a philo- 
sophia. E' a iniciação pratica, apoz da qual vem o 
labutar das escholas e doutrinas ; é a creação da 
força collectiva, que precede a creação das idéas 
em que o homem não encontra satisfação a ne- 
nhuma necessidade utilitária. Assim aconteceu na 



166 L. III. — O IMPÉRIO DO BBÂZIL 

vida das nações da Europa ; porque em toda a parte 
a constituição do órgão precede o apparecimento 
da fiincção. Sem que a sociedade veja formada a 
sua structura, estável a sua riqueza; sem que as 
ambições levantadas pelos thesouros naturaes pa- 
tentes e pela escassez de braços para os arrancar e 
mobilisar, se saciem, — jamais as nações poderam 
ter uma voz no concerto da humanidade. * São as- 
sim os Estados-Unidos : quarenta milhões de ho- 
mens que apenas hoje começam a contar por al- 
guma cousa na vida intellectual da civilisação. As- 
sim é o Brazil, e nem podia ser outra cousa. 

N'essas sociedades que começam, e progridem 
com um fundo de elementos de riqueza quasi 
inexgotaveis, garantia de um futuro que excederá 
o europeu, quando a Europa estiver para a Ame- 
rica da mesma forma que a Grécia, primeiro foco 
da civilisação, o está hoje para a Europa; n'essas 
sociedades que começam, — dizemos, — realisa-se a m 
historia de Robinson. Urge construir a cidade, levan- 
tar as habitações, obter os alimentos e enriquecer. 
As cidades marítimas são as melhores universida- 
des, o commercio um professorado excellente. O ca- 
minho de ferro tem mais valor do que os estudos 
sobre as manchas do sol, as cordilheiras da lua, 
ou a civilisação dos assyrios. As escholas commer- 
ciaes e industriaes são mais necessárias do que as 
academias ; a charrua, o martello e a alavanca ainda 
mais úteis do que os abecedarios. Os engenheiros, 
geólogos, naturalistas e artífices primam sobre os 
advogados e theologos; e da mesma forma que 
as folhas diárias sobre os livros, os manuaes, as re- 
ceitas, a instrucção pratica e applicada, primam so- 
bre as obras de sciencia pura. Não ha vagar nem 

1 V. Civil. iber. pag. 169-70. 



7. — O DESENVOLVIMENTO DA RIQUEZA 167 

inclinação para estudar, por amor d'ella, as causas 
primarias das cousas : quer-se e basta conhecer a 
modo como as sciencias, nas suas descobertas, po- 
dem ser instrumento de immediato êxito. 

Este caracter das sociedades americanas torna-as 
ainda tão dependentes da Europa como da Grécia 
o foi Roma quando, opulenta e forte mas sem auto- 
nomia scientifica e intellectual, tinha de ir beber a 
Athenas a instrucção, superior, abstracta, que é o 
fermento vivificante sem o qual as sciencias prati- 
cas ou artes definham e morrem. As necessidades 
primarias são mais urgentes, impoem-se com uma 
força exclusiva. 

Entre essas necessidades, porém, honra seja ao 
Brazil que tão alto p<5e a instrucção elementar, * 
que por toda a parte multiplica as bibliothecas. 
Esses institutos de ensino formam já hoje a pri- 
meira e indispensável condição do desenvolvimento 
material de um paiz. Não é só o espirito que os 
reclama, é o interesse. 

Esgotadas as minas, banida para as tradições 
da historia a caça dos indígenas, abolida a escra- 
vidão, o novo Brazil remiu-se do fardo da herança 
colonial. A agricultura, fonte de um commercio 
abundante e prospero, exige dotes diversos e me- 
lhor educação. Nós vimos a que ponto de abandono 
chegara, em Minas, no coração do império, a agri- 
cultura batida pelo enthusiasmo do ouro. Quando 

1 O ensino primário é publico, e obrigatório em algumas províncias. 

O Estado subsidia a instrucção com 5:200 contos e as Provindas com 
4:500 ; o que somma 9:700 contos (fracos) para 10 milhões de habitan- 
tes. O enthusiasmo dos governos provinciaes vae ao ponto de consumi- 
rem com a instrncçSo a quinta, a quarta, até a terça-parte (Mlnas-Goyaz) 
dos seus orçamentos de receita. (Comparem-se 4:850 contos e 10 milhões h. 
com os nossos 6 ou 700 contos e 4 milhões de portugueses.) O numero das ca- 
cholas primarias e secundarias é de 5:890, com a frequência de quasi 200:000 
alumnos. 



168 L. III.— O IMPÉRIO DO BHAZIL 

esse enthusiasmo caiu, havia por toda a parte 
ruinas e campos incultos : foi por essa época a im- 
migração de D. João vi, e d'ahi também data a 
moderna edade do Brazil. Voltou a olhar-se para 
os campos, e os habitantes acharam no café e no 
algodão jazigos mais rendosos do que os do ouro. 
Já em 1820 os progressos da província de Minas 
admiravam os observadores. O algodão em rama e 
tecido, o café, os couros, o tabaco, as carnes en- 
saccadas do viveiro pecuário do Brazil central, des- 
ciam ao Rio carregando em viagens successivas 
duas mil bestas. Os saldos de dinheiro eram agora 
a^favor da lavoura da província. A partir de então 
o progresso agrícola * do império foi geral, cons- 

* Eis aqui alguns dados sobre a producçâo agrícola actual do império : 

Café. — ,l*hectare recebe 920 pés e um homem cultiva 2 hectares. A produ- 
s cção do hectare varia, com as terras, entre 7 e 2:000 kil. com o 

rendimento médio de 6000000 rs. — As culturas oocupam 650:000 
hectares com 600 milhões de pés, que produzem 260 mil tonela- 
das de café, das quaes 50 mil se consomem no paiz. 

Cana. — O hectare produz uma tonelada de canas ao fim de 15 mezes. O 
canavial dura 16 a 20 annos. Pernambuco-Bahia, e as provín- 
cias limitrophes são o centro da producçâo do assacar. 

Tabaco. — Na Bahia : exportação de 1:500 toneladas. 

Algodão. — O hectare contém 4:500 pés que dão 2 toneladas de algodão. 
Um trabalhador basta para 3 hectares. Além da cultura, o Bra- 
zil fia e tece o algodão em 30 fabricas montadas com o capital 
de 6:500 contos. 
O seguinte quadro das exportações marítimas no quinquennio de 69-74 

dará idéa da importância das diversas producçÕes : 



Media annual da exportação 


(100) 


192:153 contos 


1 Café 


47,4 


91:098 


2 Algodão 


17,2 


33:013 


3 Assucar 


12,5 


24:106 


4 Couros 


6,6 


12:689 


5 Gomma elástica 


5,4 


10:320 


6 Tabaco 


3,4 


6:540 


7 Herva-mate 


1,9 


3:595 


8 Ouro e diamantes 


M 


2:582 


Diversos (abaixo de 0,6) 


4,2 


8:210 



7. O DESENVOLVIMENTO DA RIQUEZA. 



169 



tante, apesar de uma ou outra crise local; e a po- 
pulação começou a crescer n , uma razão até ahi des- 
conhecida. 

Correspondentemente cresceu o commercio. * Mul- 
tiplicou-se por quinze o movimento externo das al- 
fandegas, ao mesmo tempo que a cabotagem, sextu- 
plicando quasi, traduzia as crescentes relações entre 
as províncias littoraes do império. Ao lado da In- 
glaterra, até então exclusiva fornecedora do Brazil, 
appareceram nos seus portos as bandeiras de todo 
o mundo, e a razão do progresso annual do com- 
mercio, — razão que excede o de qualquer outra na- 



i Estatística commercial do Brazil : (Moeda-fraca) 
a) Valor total annual médio do commercio marítimo externo : 



antes de 1808 


22:600 cl 






1839-44 
1849-54 
1859-64 




66:169 » 1 
148:214 « \ raz *° media do progresso 

236:512 < [ = S » 67 P or cento 


« 


1869-74 




347:279 » ] 






1864-9 


(totaes) 


IMPORTAÇÕES 

723:978 


EXPORTAÇÕES 

847:418 


BALDO 

123:440 


1869-74 


> 


775:630 


960:767 


185:137 


Excessos 


51:652 


113:349 


61:697 



b) Idem de cabotagens (importações) 

1839-44 17:275 

1849-54 24:204 

1859-64 42:020 

1869-74 93:585 

c) Nacionalidade do commercio externo (percentagens) 



IMPORTAÇÃO 


EXPORTAÇÃO 


SOMMA 




(100) 


(100) 


(200) 


Inglaterra 


51,47 


45,30 


96,77 


França 


19,49 


13,46 


32,95 


Estados-Unidos 


4,67 


20,90 


25,57 


» da Prata 


9,13 


4,75 


13,88 


Portugal 


5,01 


4,73 


9,74 


AUemanha 


5,21 


3,43 


8,64 


Outras nações : 








da America 


4,53 


6,72 


11,25 


da Europa 


0,49 


0,71 


1,20 



170 



L. III. O IMPÉRIO DO BEAZIL 



ção, — traduzia-se por um augmento de saldo das ex- 
portações, facto de significação eminente em paizes 
coloniaes e não capitalistas. Fomentado e exigido 
pelo commercio, creava-se um systema gigantesco 
de instituições de credito, * não raro viciadas pe- 
los desvarios da especulação agiota: é o preço de 
grandes conquistas e a dor de sérios trabalhos. 
A que attribuir principalmente, porém, um tão 
extraordinário desenvolvimento da riqueza agrícola 
da nação, um tão vasto progresso do commercio 
correspondente, e o seguro e fixo augmento da po- 
pulação, que atraz deixámos estudado, senão ao em- 



Progresso da exportaç 


lo dos productos nacionaes : 

MVDIAB ANNUAES 


MULl 




1839-44 




1869-74 




Café tons. 88:700 

• 




165:120 


2 


Algodão i 


10:400 




54:440 


5 


Assuoar > 


82:170 




153:285 


1,9 


Couros i 


12:500 




27:932 


2 


Gomma > 


391 




5:583 


14 


Tabaco < 


4:306 




14:975 


8,5 


Mate i 


2:487 




15:717 


6 


Cacau i 


* 3S*tMbv 




4:578 


M 


Aguardente i 


5:503 




5:769 





Mandioca > 


1:821 




8:453 


4,6 


Jacarandá 


565 




4:740 


8 


Despojos anim. » 


231 




1:469 


7 


Ouro gra 


m. 1:131 




732 


— 0,5 


Diamantes > 


2,3 




15,7 


7 


1 Bancos e companki 


as de credito 








Rio de Janeiro 


17 com 


49:000 


contos, capital 


Bahia 


6 » 


17:000 


» i 




Alagoas 


1 » 


400 


» » 




Pernambuco 


1 » 


1:800 


» i 




Maranhão 


2 > 


4:600 


» i 




Pará 


1 » 


1:000 


> i 




Campos 


2 » 


1:300 


» i 




Santos 


1 » 


500 


» 




Campinas 


1 » 


500 


» i 




Rio grande do Si 


li 3 » 


2:600 


» 





7. O DESENVOLVIMENTO DA RIQUEZA 171 

penho que o Brazil tem posto em cortar as suas 
serranias e campinas por vias de communicação e 
transporte fáceis e económicas? Se espanta o des- 
envolvimento da riqueza, a nossa impressão desap- 
parecerá quando vimos o que para a fomentar se 
tem feito. Considerando com razão anachronicas e 
insuficientes hoje as estradas macadamisadas, o 
Brazil, seguindo o exemplo de todas as nações com 
juizo, empenha-se primeiro em fazer caminhos de 
ferro. São essas as artérias da circulação; e as es- 
tradas, como vias de serviço local subalternas, es- 
tão em segundo logar e dependentes das direcções 
que as primeiras impozerem ao movimento das pes- 
soas e mercadorias. Os caminhos de ferro, cuja rede 
cresce prodigiosamente, as linhas de navegação a 
vapor fluviaes e marítimas, e os telegraphos, * 

1 Estatística das vias de communicação (1875) : 
a) Estradas macadamisadas : kilom. 



Pari 


563 




Parahyba 


60 




Pernambuco 


251, em oonstruoç&o 


250 


Espirito Santo 


— » 


287 


Minas 


282 


446 


Paraná 


85 


99 



Santa Oatharina — » 206 

l) Navegação a vapor marítima e fluvial : 

28 linhas de paquetes, que o Estado subsidia annualmente com 8:436 
contos, exploram uma rede de 54:000 kilom. 
1. — Oarreiras marítimas do Pará ao Rio grande do Sul, ligando todos 

os portos commerciaes da costa. 
2.— Carreiras fluviaes pelo Prata a Montevideu, e d'ahi pelo Paraguay 

até Cuyaba (Matto-grosso.) 
8. — Idem, subindo o Amazonas brazilelro até Tabatinga, na fronteira. 

4. — Idem, nos confluentes do norte, pelo rio-Negro. 

5. — Idem, nos do Sul, pelo Madeira até Santo- António, pelo Parus, 

pelo Aruguaya ; cortando toda a reglSo dos sertões. 

6. — Idem, nos oaudaes secundários do Brasil : Itapieuru, Mearim, Pin- 



172 L. XII. O IMPEBIO DO BRAZIL N 

nervos do corpo das sociedades modernas, — eis o 
systema de órgãos por via dos quaes o império, á 

daré, Çarnahyba (Maranhão-Pianhy ;) — Parahyba, S. Fran- 
cisco, Paraguassu, Maragogipe, etc., na isona littoral. 
7. — Serviço das lagoas de Mangaba, Jequiá e dos Patos. ' 

c) A rede dos caminhos de ferro brazlleiros cortará todo o Brasil pondo o 
interior em communicação com a contra -costa da America. Afora a 
linha do Estado (D. Pedro n), os caminhos de ferro são contractados 
com companhias particulares proprietárias. A bitola geralmente ado- 
ptada é de l m . As linhas constituem duas categorias : geraes e pro- 
vinciaes ; as primeiras subsidiadas pelo Estado, as segundas por elie e 
pelas provindas. Esse subsidio tem a forma de garantia do juro de 7 O/o 
durante um prazo que para o Estado não pôde exceder 30 annos, mas 
que por vezes as províncias levam a 90. As cortes tinham authorisado 
o governo a garantir até 100 mil contos de capital de caminhos de 
ferro ; e d' esses, 81:000 estavam preenchidos. Nas linhas provinciaes 
concorrem quasi sempre para a garantia o Estado e as províncias e a 
relação usual é esta : 5 0/ o primeiro, 2 as segundas, embora variem 
os prazos de duração da garantia. O capital consolidado em caminhos 
de ferro, construídos ou a construir, sobe a 608 mil contos. Com estudos 
tem o governo despendido 4 mil contos ; e com 580 kilom. construídos 
da linha de Pedro n, 66 mil, ou 114 por kilometro. 
A extensão das linhas, é de : (1875) 

BXPLOB. CON8TR. ESTUDOS 

Geraes 940 518 7:348 kilom. 

Provinciaes 990 552 9:969 » 



1:930 1:065 17:317 



afora as que ainda estavam apenas em projecto. De 1875 a 78 a rede em 
exploração subiu de 1:930 a 2:393 kilom. O rendimento das principaes li- 
nhas exploradas foi, em 1874, de : 

S. Francisco (Pernambuco) 123 kil. 827 contos ou 6,7 por kil. 

Joaseiro (Bahia) 123 » 366 »> 3 » 

Pedro u (Rio de Janeiro) 509 » 7:604 » » 15 » 

Leopoldina (Minas) 60 » 163 > » 2,7 » 

Santos (S. Paulo) 139 > 3:475 » > 25 » 

a) As linhas telegraphlcas põem em communicação todo o littoral do Bra- 
zil com os estados da Europa e da America. Mediam em 75, kilom. 
5:151; medem hoje 6:230 com 104 estações. 



7. — O DESENVOLVIMENTO DA RIQUEZA 173 

custa de graves sacrifícios, tem conseguido ver 
crescer de um modo singular a apropriação do 
solo e o aproveitamento das suas riquezas, hoje 
ainda e por séculos inexgotaveis. 
N E' mister porém não esquecer um facto grave : 
o desenvolvimento da riqueza do Brazil tem ainda 
um caracter colonial. O café, que constitue metade 
das suas exportações, está até certo ponto na con- 
dição das antigas minas. Se uma causa fortuita, 
uma das tantas doenças que atacam as culturas, 
apparecesse, a actual prosperidade do império con- 
verter-se-hia n'uma crise tremenda. Se abandona 
pelo plantio d'essà planta enriquecedora a cultura 
e o fabrico dos géneros essenciaes á vida interna de 
uma nação, protrahe a sua vida colonial, addia para 
mais tarde a sua definitiva constituição económica. 
As theorias da livre-troca, olhando apenas para o 
lucro immediato, esquecem as necessidades futu- 
ras. Pelo tratado de Methuen Portugal devia ser a 
vinha da Inglaterra; mas o marquez de Pombal 
teve o bom-senso de comprehender que produzir 
vinho apenas, para comprar pão e fato inglez, po- 
deria ser um bom negocio, mas era uma politica 
detestável. Os Estados-Unidos pensam hoje como 
pensava o marquez de Pombal ; e de armazém do 
algodão das fabricas inglezas, tornaram-se tecelões 
e fabricantes de todas as materias-primas do seu 
solo ; tornaram-se productores de tudo o que é es- 
sencial á vida social, pelo preço transitório de uma 
protecção sensata do trabalho nacional. O Brazil é 
o cafezal do mundo: com o café compra farinha 
para pão que não tem, compra os pannos para se 
vestir, e tudo o mais de que carece. E' fora de 
duvida qué ganha muito ; mas é também incontes- 
tável que pôde estar preparando as causas de uma 



174 L. III. O IMPÉRIO DO BRAZIL 

crise futura. i Entre uma colónia, independente ou 
vassalla, e uma nação, no sentido económico da pa- 
lavra, ha uma distancia que os Estados-Unidos gal- 
garam, que o Brazil não transpoz de todo ainda. 
Para o economista, o regime politico e o systema 
de monopólio ou de franquia dos portos são n'este 
caso indifferentes : porque o Brazil que comprava 
as subsistências primeiro com assucar, depois com 
ouro, as compra hoje com café. Variam os géne- 
ros, não varia a condição : economicamente, á idéa 
de nação liga-se a de um organismo que tem, no 
conjuncto das suas producçoes, o indispensável para 
a sua existência; e que permuta as sobras com as 
sobras das demais nações. 

Uma nação, eis ahi o futuro do Brazil : para isso 
deve abandonar a idéa de substituir o trabalho ne- 
gro por trabalho chinez, embora não escravo, exo- 



* accrescimo das rendas publicas 
mico do império : 

GEBAES 


é outra prova do 

PBOVINCIABS 


progresso econo 

MUKICIPAES 


1826 

1840-1 

1864 


(contos) 6:042 
16:133 
54:801 


? 
? 
12:731 


? 

? 

2:655 


1874 


101:734 


21:734 


4:552 



porém a analyse da origem das rendas geraes prova o que se diz no texto. 
Como em todas as colónias, a máxima parte da receita provém do imposto 
adnaneiro. Em 73-4 sobre 101 mil contos de receita geral, 75 por cento 
(75:242 c.) tem essa origem. 

Convém notar ainda que, d 1 esta quantia, a quasi totalidade é cobrada 
nas seis alfandegas principaes, quatro d'ellas cidades do Brazil colonial. 
Das duas rettantes (Santos e Rio-grande do Sul), uma cresceu com a agri- 
cultura de S. Paulo (algodão-café), a outra com a colonisaçâo do extremo- 
sul: 

Rio de Janeiro 39:194' 

72:277 / Alfandega8 75:242 
~\~* \ Diversas rec. 25.922 
2:965/ 



Pernambuco 


12:262 j 


Bahia 


9:5831 Total 


Pará 


4:453 [Outras 


Santos 


3:3961 


Rio grande 


3:389/ 



I 



Somma 101:164 



7. O DESENVOLVIMENTO DA KIQUEZA 175 

tico e duplamente mau: por abastardar a popula- 
ção e por prolongar a condição anormal de colónia. 
Uma nação europêa e não mestiça, tal deve ser o 
pensamento, o alvo dos estadistas. Uma nação eu- 
ropêa e uma nação néo-latina, néo-iberica, néo-por- 
tugueza. — para accentuar bem, no futuro, a exis- 
tência â^ste povo infeliz, energicamente dotado 
outrora, hoje caduco e digno de melhor sorte ; para 
testemunhar as differenças que o caracter ingenito 
e a historia deram ás duas naçSes da Península. 

Ao lado da America germano-saxonia ficará no 
futuro a America latina : as duas raças da moderna 
Europa histórica terão no novo mundo dous repre- 
sentantes eminentes. Mas, na America latina, o dua- 
lismo de castelhanos e portuguezes manter-se-ha 
pela contraposição do Brazil aos Estados de civili- 
sação hespanhola. E' já hoje impossivel eliminar, de 
entre os elementos constitucionaes de qualquer d'el- 
les, as sementes desde tantos séculos lançadas ao 
torrão americano. A rivalidade, o antagonismo, até 
as guerras entre os dous typos da civilisação do sul 
da America servirão para accentuar e definir um 
exemplo dessas differenças constitucionaes, cuja 
ponderação harmónica forma o systema vivaz da 
existência da humanidade. 

Ao lado da America germano-saxonia, com o seu 
génio pratico e utilitário, ficará a America do sul 
aos povos que descobriram ambas e todo o resto 
do mundo desconhecido. Nem a falia nobre do cas- 
telhano, nem a grave língua portugueza se perde- 
rão, como acaso viria a succeder se o império pe- 
ninsular não tivesse saído da Europa. O génio he- 
róico da civilisação ibérica deu-lhe as duas índias 
coni a espada; vieram depois com a charrua e o 
martello os saxonios, — lugar a todas as ferramen- 
tas ! Fadados como os romanos para dominar os 



r 

176 L. III. O IMPBBIO DO BBAZIL 

povos com o império, exterminámos e saqueámos 
como elles fizeram. Acaso não resta de Roma mais 
lembrança do que a dos morticínios e saques? 
Acaso não resta da Hespanha outra memoria? 

Se, no concerto das tendências utilitárias domi- 
nantes, estas palavras destoarem, perdão para quem 
acredita que o homem é alguma cousa mais do 
que um apparelho apprehensor e digestivo. Sem- 
pre foi bom que houvesse hereges ! 



LIVRO QUARTO 



A Africa portugueza 



12 



178 



L. IV. — A AFRICA PORTUGUKZA 



Estatística das colónias 



PROVÍNCIAS 
OU GOVERN08-GERAÊ8 



COMARCAS DISTRICTOS RELAÇÕES 



Possessões 
asiáticas 






a 

a 

33 



I ÍNDIA ),.. , ~ , 

_ « - /Ilhas deGo» n „ . A 

Qoa, com Damão e \Bardez < Damao 

Diu. Ualsete DÍU 

Goa, cap. J 



II MACAU 

com Timor, no 

archi pélago 

da Sunda 



AFRICA ORIENTAL 

Ill MOÇAMBIQUE 

de 10° 41» a 25° 58' 

ou desde Cabo-Del- 1 

gado a Lourenço- 

M arques. 



'Macau 



) Macau 

) Dilli (Timor) 



Quelimane 
Inhambane 
Lourenço-Marques 
Moçambique 

Tete 

Cabo-Delgado ' 

Sofala 

Angoche 

Bazaruto 

Terras-flrmes 



— VGroa 



■li 

3 S 



< 

* 
w 

Q 

M 

o 
© 



ia a 






IV ANGOLA 

cap. Loanda 

Occupaçâo : 

nom. 5 o 12' a 18° 

effec. 7 o 49' a 15° 20' 



V S. THOMÉ 

ilhas, com o presi- 
dio de Ajuda no 
Dahomey 

VI GUINÉ 

cap. Bolama 
ar chip. Bijagoz. 



Loanda 

Benguella 

Mossamedes 



, Âmbaca 



S. Thomé 



' Guiné 



S. Thomé 

Príncipe 

Ajuda 

, Bolama 

Bissau 

' Cacbeu 



VII CABO-VERDE j Sotavento 
arcbipelago ) Barlavento 



l Angola 



1. — estatística das colónias 



179 



H 

o 

tf 

? 

■ 

o 

tf 

B 



o 








o 








O) 








• • 








cm 


f « 


3 


o 




O 


o 




\ «O 


60 


o 




í •• 


• • 


• • 




1 *° 


*-l 


t» 






CO 


CO 



00 



O» iH 

. th eo 
«<£ I 

00 



co o* co 

HO08 
THrtCO 

»o ' 



s 
3$ 



3 



CO 



loo 



COSO *-l 

t-04<n 

04 04 



O 00 

W© 
»■ •• 

6< iH 



*3 ««mo 



CO 

»o 
ao 

• • 

(M 



ia e- 

CO 00 



s I 

83 



04 


t-o»»o 


CO 


fO 


t- 


oo 


tO 


04 


co 


i-l *4 




00 




| Sigiini! 

9 



«H I I I I I I I I 

CO 



•< 


Q 


zi **« 


»o 


O 04 


o 


eo 


3 

o 


O 


«coeo 


04 


© CO 


© 


CO 


•• 
00 


ÍTOi CO 

" •• •• 

04 


»o 

•• 

«D 


O 00 
• • •• 

eo 04 


o 

• • 

1 ° 


ao 

• • 


fc 

"< 


8 


00 
CO 


3 


1 o 

CO 


eo 
o 










tH 


04 




s 


2hoõ 


T-l 




§ 


Tl 

1-4 


* 


o 


^OdiHC» 


** 




o 


^H 


ã 


04 

• 


04 >«* W 


• • 

CO 
CO 




• • 

s 

eo 


• ■ 

00 

CO 

eo 



lOCO < 

eo 



04 



si 



3 



04 

00 

• • 

eo 



»o 
§1111 



I I I 






04 



3 

04 



tf 
O 



D 

5 



eu 



E eo 



04 t-I»0 
«* O CJi 
04 00 (O 



I 04 001 

I •• •• 

1 iH i-C 



os 

© 9 

«8 

HS 



I 
3 



«O 

eo 



eS 

a 
8 
S 

a a 5 

hS I 

eo «i-i 



oo 
oo 

t» 

•• 

eo 
co 
eo 



o© o 

5>oS i 

•• •• • • I 

CO r*«J ' 
CO 



^1 COtO 
■• •• •• 



ctom 

co co 



3 



3 
3 






ew 



«« 


a* coxo 


oec>OH 




1-3 
o 


•*co 


3 1 


© co os to 
eo «o 04 


1 


5 


• • 


• • 


• • 




04 


eo 


iH 




tf 

Q 
tf 


142 


11 ! 1 1 1 


© 
i-l 


t 




•3 






6 










9 










V 










*« 











g I I (1 1 1 1 1 1 



00 

s - 

a» 



I I I I I I I I 



O 

5 



os co cn „ 
coto eo I 

eo ' 



COtO CO «o 

eoooto 
co© tH 
•• *• 





Mi 

í 

o 






eS 
o 

eS 



O 
CS 



00 
CO 

e5 

"3 

oo 



3 

o 



£«5 - - 



CO 



••IO 

B O» 
O CO 



O 




o 



«O 

CO 



9 




^ S 1 

ao q, 5 



180 L. IV. — A AFRICA PORTUGUEZA 

■ 

Breves notas completarão as informações neces- 
sárias para a comprehensão da natureza das pos- 
sessões portuguezas da Asiaí 

4. — A índia que em Goa forma um breve 
território encravado no império britannico, — não 
fallando nos pequenos presídios de Kambay, Da- 
mão, e a ilha de Diu, — é densamente povoada por 
indígenas, (i 10 h. por kil. quad.) Essa população, 
outr'ora fabril, tinha em Moçambique o mercado 
consumidor dos seus tecidos, e ia vivendo. A pro- 
ducção, melhor e mais barata, das manufacturas 
inglezas arruinou a industria canari. O fabrico do 
sal, para consumo da península hindustanica, man- 
tém uma fonte de rendimento (383 salinas com 
2:000 pessoas); e o dizimo e outras contribuições 
directas formam uma receita fiscal absorvida pelas 
despezas. Nem como estabelecimento portuguez, 
porque a população europêa é mínima; nem como 
fonte de um commercio importante, porque a exi- 
guidade do território e a concorrência ingleza o 
impedem ; nem como destino de uma immigração, 
porque é densamente povoada, a índia offerece 
perspectivas de um futuro brilhante. O tratado de 
1879 valerá decerto muito para a prosperidade de 
um trato de terreno onde habita quasi meio milhão 
de homens, por isso mesmo que augmentará a in- 
timidade de relações com • a índia ingleza, desta- 
cando cada vez mais de Portugal esse alfoz da 
Goa histórica. Para a economia da nação portu- 
gueza e para o futuro colonial, — se é que tal fu- 
turo existe, — a índia, e todas as mais possessões 
orientaes, importam cousa nenhuma. 

2. — Macau encontra-se em condições similhan- 
tes. Cidade commercial-maritima, sem alfoz, porto- 
franco na costa da China, o estabelecimento tem 
de portuguez o nome apenas. E' uma cidade chi- 



■ 

i 



i . — estatística das colónias 181 

neza governada por mandarins nossos. Quando a 
suppressao do trafico dos negros levou as colónias 
occidentaes a procurarem nos chinezes um substi- 
tuto dos escravos, Macau tornou-se o porto de em- 
barque dos coolies. O anno de 4866 foi o auge 
d'essa immigração, que decadente em 71 * era pro- 
hibida no anno de 73. Seccada essa fonte de recei- 
ta, ficaram os impostos directos, as loterias, a con- 
tribuição do fardam, — Macau é uma casa de jogo, 
— para dar um rendimento que os empregados 
portuguezes consomem. O commercio é chinez, 
feito por chinezes ; entre a metrópole e Macau ex- 
tinguiram-se os restos de antigas relações ; e os dois 
pontos da Ásia continental, memoria apenas de um 
passado império maritimo-commercial, estão de fa- 
cto destacados da vida portugueza. Nem a immi- 
gração, a não ser de empregados públicos, nem o 
commercio, estabelecem relações cujo valor seja li- 
cito discutir. 

Occorre portanto esta pergunta : para que ser- 
vem? não seria melhor alienal-as? Servem para 
dar de comer aos empregados que para lá vão, 
pois que os sustentam; servem ainda para obrigar 
os navios de guerra portuguezes a fazer uma vez 
ou outra uma longa viagem de estudo. Não pezam, 
nem custam. Alienal-as formalmente seria crear 
sem motivo uma destas questões, em que as occas 
phrases dos jornaes levantam uma agitação preju- 
dicial, explorando sentimentos, — o padrão das nos- 
sas conquistas, o monumento das nossas glorias, a 
terra de Albuquerque, a gruta de Camões, etc. 
Taes dizeres, sem valor económico, tém porém um 
valor moral, emquanto ha patriotismo e sentimento 
de solidariedade histórica; e os estadistas, embora 

1 1866 — 24:000 j 1871 — 16:000. 



182 L. IV. — A AFRICA PORTUGUKZA 

como críticos reconheçam o vasio das phrases, tém 
de suppôr que, se ha nação, tem de haver senti- 
mentos patrióticos. Além d'isso os lugares de go- 
vernadores são bons, e como os índios e os macais- 
tas não põem duvida em os pagar: porque deixa- 
ria de haver essa collocação mais para os nosso» 
burocratas, e mais esse motivo para accender o 
lyrismo dos poetas de torna- viagem? 

Em Macau tudo está feito ; na índia fez-se o que 
havia a fazer, desde que se abriram as portas á oc- 
cupação ingleza: continuaremos a ter um domínio 
tão nominal como até aqui ; não se nos regateará o 
ordenado dos nossos empregados, e Gôa renascerá 
como nasceu Bombaim. E' evidente que, se ama- 
nhã a China e a Inglaterra quizessem para si Ma- 
cau ou Gôa, seria loucura gastar a vida de um só 
homem para tentar a empreza de as conservar com 
as armas. 

Timor não é cousa nenhuma; e melhor fôra 
abandonar por uma vez, a troco de qualquer preço, 
esse pedaço de ilha a que se não ligam tradições 
nem interesses. Um areal secco, umas cazas de 
palha com um vallado de terra e um páu onde tre- 
mula a bandeira portugueza, ladeada por um sol- 
dado semi-nu com uma espingarda sem fechos, ti- 
ritando de febre, eis ahi Dilli, a que se chama — 
as nossas possessões da Oceania. Que importa 
que a região seja rica, se não ha quem dos nossos 
vá explorar essas riquezas? Nem temos o poder 
com que a Hollanda subjuga os indígenas ; nem 
que o tivéssemos, valeria a pena desperdiçal-o na 
metade de uma ilha pequena, perdida nos confins 
do mundo, encravada no império oriental hollandez. 

Dadas pois estas explicações necessárias, despe- 
(Jimo-nos do Oriente. A Africa chama-nos, e re- 
clama de nós uma attenção mais demorada. A 



1. ESTATÍSTICA DA8 COLÓNIAS 183 

vastidão dos domínios portuguezes, a sua localisa- 
ção especial no continente, (boccas do Zambeze e 
do Congo',) dão ás colónias portuguezas da Africa 
continental, com as suas ilhas, uma importância su- 
perior. Não se pôde encarar o problema particular 
nosso, sem investigar o futuro geral da exploração 
do continente africano. Inseparavelmente ligado a 
elle, o porvir do nosso dominio não depende só de 
nós. 

Antes de nos internarmos, porém, no assumpto, 
convém terminar a estatística das colónias com as 
suggestSes que o actual estado das africanas le- 
vanta. 

3. — A divisão judicial prende ainda Moçam- 
bique ao Oriente: é a ultima tradição que resta, 
desde que o commercio com a índia portugueza 
se extinguiu. O erro evidente, — e uma das maio- 
res provas de falta de systema da occupação do 
Oriente no xvi século, — ò erro evidente de não 
nos termos estabelecido no Cabo, separou as nos- 
sas duas Africas pelas extensões ínvias dos ser- 
tões. As tentativas de colonisação, outrora diri- 
gidas para Moçambique, teriam vingado no ex- 
tremo sul, e esse núcleo de população portugueza 
ter-se-hia estendido para o interior até Angola e 
Moçambique, isto é a latitudes onde já não é li- 
cito ás raças septentrionaes aclimatarem-se. A co- 
lonisação, centralisada n'um ponto salubre e tem- 
perado, alargaria os braços escolhendo as regi5es 
férteis e benignas do interior. Seria um segundo 
Brazil; e assim foi o da America, a partir do nú- 
cleo de S. Paulo. Com o abandono do extremo sul, 
as duas Africas portuguezas ficaram isoladas ; uma 
solidaria com a sorte do império oriental, e ambas 
condemnadas á sorte exclusiva de viveiro de escra- 
vos, porque o accesso do interior só podia obter-se 



184 L. IV. A AFBICA PORTUGUEZA 

a partir de núcleos formados no litoral, e as duas 
costas são mortíferas, inhospitas. O abandono do 
Cabo da Boa-Esperança repelliu para sempre os 
portuguezes do interior da Africa, e comprometteu 
a obra da colonisação europêa do continente. 

A sorte de Moçambique, diziamos, era solidaria 
com a sorte do império oriental. Esse império caiu 
de todo, e depois de perdida a costa de Zanguebar 
ao norte, caiu também inteiramente a influencia 
colonial portugueza na Africa oriental. Varridos, 
do interior para a costa, os nossos estabelecimentos 
definharam. Uma centena apenas de europeus no 
meio de quatro centos mil indígenas só com à força 
podia imperar, e essa força desapparecera. Recen- 
temente, porém, os números mostram um progresso : 
o rendimento triplica, o commercio augmenta. Re- 
nasceu, acaso, a influencia portugueza? Estreita- 
ram-se relações, ou de emigração, ou de commer- 
cio? Não. Aconteceu o que d'aqui por annos se 
verá em Goa, á sombra do tratado de 79; e o que 
se vê em Macau. A liberdade e franquia dos por- 
tos chamou os estranhos, e a influencia desnaciona- 
lisou-se. O commercio de Moçambique não è por- 
tuguez : por um lado a exportação vae para Fran- 
ça; e por outro (Lourenço-Marques) o trafego per- 
tence ás colónias de raça hollande^a do interior que 
não tém accesso á costa por portos seus. * Se o 
Cabo se tivesse colonisado, Orange e o Transwáal 
seriam hoje Brazis africanos, Moçambique um Rio- 
de-Janeiro. 



1 Em 1872 o commercio de Moçambique foi de 72 contos com a 
metrópole, e de 1:028 com Marselha. Em 1870 as exportações da coló- 
nia sommavam 553 contos : d 1 estes vinha 1 ao reino e 552 iam para ou- 
tros paizes. — O livre transito dado is mercadorias transwaalinas por 
Lourenço Marques elevou o rendimento da alfandega, que era de 6 con- 
tos em* 70, a 30 contos em 73*4. 



1 . — estatística das colónias 18Õ 

Tal como os erros da politica portuguèza o fize- 
ram, Moçambique só na desnacionalisação tem, como 
a índia, o futuro. Os factos provam esta opinião, 
mostrando-nos que o fomento do seu commercio 
exprime um afastamento que não é menos real, 
por não ser acompanhado pela alienação do domí- 
nio politico. 

4. — Passando á costa occidental, em Angola a 
suppressão do trafico dos negros, a prohibição do 
serviço feodal dos carregadores, e até certo ponto 
a abolição da escravidão i deram á colónia uma 
feição nova que a navegação do Quanza, facilitando 



1761 — O negro é livre ao desembarcar no continente. (Leis do marquez 
de Pombal.) 

1773 — Livres es alhos de mulher escrava, no reino. Abolição gradual 
da escravidão no reino. (Id.) 

1810 — Nos tratados com a Inglaterra assenta-se em abolir gradualmen- 
te a escravidão colonial. Limita-se o trafico. 

1815 — Ratificação das convenções de 1810. 

1817 — Estabelecimento dos Cruzeiros e tribunaes mistos, na convenção 

de Londres. 

1818 — Promulgação do código penal contra os negreiros. 

1835 — O marquez de Sá da Bandeira, chefe do movimento anti-sla vis- 

ta. Prohibição do trafico em todas as colónias portuguezas. 

1836 — Decreta-se a abolição da -escravidão colonial, mas não se realisa. 

Insurreição dos slavistas em Angola e Moçambique. 
1838 — Franquia dos portos coloniaes ao commercio de todas as nações. 

1854 — Alforria dos escravos da coroa. Arrolamento dos escravos parti- 

culares : livres os não recenseados. Juntas de protecção ; facul- 
dade da auto-alforria. Resgate dos recem-nascidos. 

1855 — Occupação do Ambriz, para a repressão do trafico. 

1856 — Abolição da escravidão no Ambriz e Cabo -verde. Livres os filhos 

de mulher escrava. — Abolição do trabalho forçado dos carrega- 
dores. 
1858 — Decreto fixando para 78 a abolição definitiva da escravidão co- 
lonial. 

1868 — Decreto de abolição immediata, assignado mas não promulgado. 

1869 — Abolição da escravidão (25 fevereiro.) Indemnisação dada pelo 

trabalho gratuito e forçado dos libertos, até 78. 
1876 — Extincção do trabalho forçado dos libertos. 



186 L. IV. A AFRICA PORTUGUEZA 

os transportes do sertão, e as carreiras regulares 
marítimas as relações com a Europa, desenvolve- 
ram. Esse novo estado* traduziu-se logo n'um ac- 
crescimo notável das exportações que triplicaram 
n'um período de vinte annos. 

Exprime, porém, este desinvolvimento commercial 
e o augmento da producção, um augmento de in- 
tensidade da influencia portugueza, ou por meio de 
uma vassallagem effectiva das populações indígenas, 
ou por meio de um accrescimo de população euro- 
pêa, ou finalmente por meio de transacções com- 
merciaes crescentes com a metrópole? Eis o que 
teremos de estudar. 

A occupação do território de Angola teve e tem 
um caracter indefinido, sob o ponto de vista colo- 
nial. Nem foi uma exterminação systemâtica das 
populações indígenas, como aconteceu na America 
e no Cabo ; nem foi um avassallamento explorador 
do trabalho dos naturaes por intermédio dos seus 
soberanos, feodatarios da coroa portugueza, como 
succedeu na nossa índia, e succede boje com os 
hollandezes em Java : d'este typo de occupação 
havia apenas uma amostra no serviço dos carrega- 
dores, abolido. O domínio portuguez satisfez-se com 
a installação no meio das tribus negras, a quem os 
negociantes compravam escravos e compram hoje 
os productos do sertão. Os estabelecimentos tive- 
ram uma dupla razão de' ser. Os da costa foram a 
principio pontos estratégicos da navegação, escalas 
onde os navios da índia faziam agoada e refresca- 
vam; e tornaram-se depois feitorias de escravos e 
productos indigenas. Os do interior provinham da 
indispensável segurança das feiras e feirantes ; da 
necessidade de pôr as povoações do littoral ao 
abrigo das investidas das tribus sertanejas, e de 



1. — estatística das colónias 187 

defender as estradas commerciaes. * A occupaçâo 
esguia na costa occidental o mesmo systema prati- 
cado na opposta. 2 A emigração portugueza ia, — e 
vae, — de preferencia para a America, porque um 
clima inhospito assim o ordenava. Por outro lado 
a pequenez da nossa força e o regime primiti- 
vamente democrático das tribus indigenas não 
consentiam que se explorassem em proveito nosso 
instituições feodaes que não existiam, como no 
Oriente. 

«Nem a Guiné portugueza, nem Angola, nem S. 
Thomé, 3 dizia recentemente um ex-governador de 
Angola, 4 podem ser consideradas como colónias, no 
sentido especifico do termo. Angola, que a todas 
sobreleva, e que é o typo e a jóia dos nossos do- 
mínios africanos, poderá capitular-se de estação po- 
litico-militar . . . porém colónia não é, porque lhe 



1 1576 — Fundação de Loanda. 
1577 — » Calumbo. 

1581 — Conquista de liamba e Quissama. 
1583 — Fundação do presidio de Massangano. 
1586 — Conquista do Golungo. 
1599 — Fundação do presidio de Muxima. 
1604 — > > de Cambambe. 

1614 — > > de Ambaca. 

1617 — > S. Philippe de Benguella. 

1625 — Creação das feiras do Dondo, Beja e Lucamba. 
1671 — Conquista do Dongo. Fundação de Pango-Andongo. 
1682 — Fundação do presidio de Caconda. 
1759 — > » Encoge. 

1769 — >. > Novo-Redondo. 

1834 — > > de Quilengues. 

1838 — Occupaçâo do districto do Duque-de-Bragança. 
1840 — Fundação de Mossamedes. 
1845 — » do presidio de Huilla. 

1855 — Occupaçâo do Ambriz. 
* V. supra, p. 27-8 e 99-100. 

3 S. Thomé é uma excepção, como veremos ji. 

4 O snr. J. Horta, Cvnf. acad. 



188 L. IV. A AFBICA PORTUGUEZA 

faltam colonos. Tudo alli é precário e instável. 
Vae-se á Africa, não se vae para Africa.» 

Tudo é precário, com effeito, porque não ha con- 
dições definidas de um estabelecimento colonial, 
embora possa haver colónias sem colonos: exemplo 
Java. Sem antecipar a ordem do nosso discurso, 
é necessário dizer, porém, que, o caracter do es- 
tabelecimento foi, e é passivo, defensivo apenas : a 
população europêa não se desenvolve, e Angola 
não se parece com o Brazil de outr'ora. Contrários 
a uma opinião que se nos affigura um preconceito, 
a abolição da escravidão não tem, a nosso ver, pa- 
pel importante no destino ulterior de Angola. A 
abolição do trafico teve-a e grande, porque obrigou 
a buscar outras espécies de commercio ; mas onde 
não ha vastas plantações dirigidas por europeus, 
trabalhadas por indigenas; n'uma provincia em 
que os terrenos cultivados não excedem dezeseis 
mil hectares; e em que os géneros de exportação 
provém principalmente das culturas sertanejas, fei- 
tas longe e fora da sujeição dos europeus 1 ; a ques- 
tão do regime do trabalho pôde incommodar os 
hábitos domésticos dos habitantes das cidades, não 
a economia da provincia, — essencialmente commer- v 
ciai e não agrícola. 

Na ausência de uma immigração europêa ou de 
um systema de vassallagem dos indigenas, as coló- 
nias são feitorias e o commercio é a occupação quasi 
exclusiva dos colonos. Tal é Angola. O numero dos 
europeus não excede ahi três mil, e esse numero 
fórma-se quasi exclusivamente com os funccionarios 
e os degredados : * isto é, com uma emigração não- 
espontanea. ^ 

1 1870-4 : Cabo- Verde 61 j S. Thomé 93 ; Angola 193 ; Moçambique 
33. Da somma, 60 por cento pelo praso de até 5 annos j 28 de 5 a 20 ; e 12 
perpetuo. 



i . ESTATÍSTICA DA8 COLÓNIAS 189 

5. — S. Thomé vive nas condições especiaes que 
a situação geographica lhe proporcionou. Ilha e 
despovoada, não appareceram ahi os problemas da 
occupação e do conflicto com as populações indíge- 
nas. Portugal, quando a descobriu e tomou para 
si, achou-se nas condições do capitalista quando 
compra uma herdade: tira ou não tira resultado, 
conforme os feitores são bons ou máos. Em S. 
Thomé, depois das vicissitudes por que passou, * os 
feitores não tém sido máos; e a fazenda em que 
umas centenas de europeus fazem trabalhar os ne- 
gros, (escravos ou não, é economicamente indiffe- 
rente,) medra. Em trinta annos as rendas subiram 
de 7 a 100 contos e a população duplicou. Eis ahi 
uma colónia onde, por ser agrícola e não exclusi- 
vamente commercial a actividade, a questão da 
abolição da escravidão pôde levantar problemas sé- 
rios. 

6. — Essa questão não pôde propor-se na Guiné, 
província recentemente (79) destacada de Cabo- 
Verde ; e não o pôde porque a Guiné, porto quasi- 
franco, vive exclusivamente da troca dos productos 
do sertão pelos da Europa : é uma Angola em mi- 
niatura, com um cento de europeus. 

7. — Tão pouco o pôde em Cabo- Verde, onde a 
escravidão se extingiu por si. O clima das ilhas, a 
natureza das culturas, a edade da colonisação, na- 
cionalisaram portuguez o archipelago, embora de 
um modo só de longe comparável ainda aos pri- 
meiros e felizes ensaios da Madeira e dos Açores. 
Um milhar de brancos confundidos com uns oitenta 
mil negros, mais ou menos eivados de sangue bere- 
bere ou portuguez, eis os elementos de uma popu- 
lação que se deve considerar fixa, arrebanhando 

1 V. supra, pp. 17, 43 e 101. 



190 L. IV. — A AFRICA POBTUGUEZA 

numerosos gados, cultivando cereaes e legumes : 
isto é, com autonomia agrícola ; e creando para o 
commercio o café, o assucar, a purgueira e o sal. 
O archipelago apparece-nos pois ria transição da 
condição de colónia para a de província metropoli- 
tana, transição passada ha séculos já para os archi- 
pelagos atlânticos da Madeira e dos Açores. 



n 

systema colonial africano 



Excluindo pois agora Cabo- Verde e S. Thomé, 
devemos concluir que o caracter de feitorias com- 
merciaes é o que distingue as possessões portugue- 
zas da Africa. 

Isto posto, é evidente que a franquia dos seus 
portos ás bandeiras de todas as nações foi a me- 
dida de maior alcance para o desenvolvimento das 
exportações, por isso que os recursos do mercado 
portuguez eram extremamente limitados. Não basta 
porém pasmarmos diante do progresso das expor- 
tações; porque, estudando-o, vemos que elle se fez 
em proveito d'aquelles paizes que tém as manufa- 
cturas que o indígena pede, e nós não fabricamos. 
O monopólio era decerto absurdo ; mas a liberdade, 
indispensável decerto, importa a desnacionalisa- 
ção. * Que lucramos nós em que o negro troque 

1 O commercio de Angola, que consistia na troca de géneros de con- 
sumo por escravos, facia-se, antes e depois da separação do Brazil, princi- 
palmente com a America. Apenas a quinta parte da exportação vinha a 
Lisboa. De 1830 a 32 entraram em Loanda 11 navios do reino, 90 do 
Brazil. De 44 a 45 Lopes de Lima diz que sobre 50 navios annuaes ape- 



2. — O 8Y8TBM A COLONIAL AFRICANO 191 

com o inglez ou com o americano café por algodões? 
A platónica honra de civilisar a Africa? Illusão. 

nas 10 ou 12 eram portuguezes. O movimento commercial tradnzia-se (44-5J 
por estes nameros : 

Importação total 1:500 contos ; e da metrópole 380 

! manifesta 800 > / 
escravos 700 > J e para a » 200 

Vejamos agora os números, depois de extlncto o trafico dos escravos 
e perante a concorrência livre das nações europêas. (1873) 

Angola : Import. tot. 2:413, sendo da metrópole 220 contos 
Export. > 2:671 idem 259 > 

Vô-se d'esta primeira observação que a importação de géneros de 
Angola no reino cresceu (os números de 73 s&o porém excepcionalmente 
elevados) ; mas vô-se que a exportação de productos do reino baixou 
quasi a metade. Conclue-se pois que o fomento de Angola não se tradu- 
ziu em augmento de riqueza para a metrópole, mas sim em proveito do 
commercio estrangeiro ; se se não quizer concluir que houve um defidt 
real dos rendimentos nacionaes. 

Eis aqui os números totaes para as colónias, africanas: 

IMPORTAÇÕES TOTAS8 CABO- VERDE 8. THOMÉ ANGOLA MOÇAMB. 

(Contos) S GUINE 

Da metrópole 891 76 74 220 21 

Estrangeiras : 
por portos portug. 
directamente 

Total 

EXPORTAÇÕES 

(Contos) 
Para a metrópole 

Estrangeiras 

Total 

A nacionalidade dos 1:600 contos de importações por portos portugue- 
ses dará idéa das nações com quem Angola negoceia principalmente ; e 
dizemos Angola, porque d'esses 1:600 contos 1:433 lhe pertencem. Mo- 
çambique sabemos que commerceia directamente com a França. 

Allemanha 264 Inglaterra 436 

França 493 Itália 183 

Hollanda 187 Diversos 37 

' Resulta destes números que : a) nas importações coloniaes a metró- 
pole entra apenas por 10 por cento ; e nas exportações por 17 ; h) ape- 
nas S. Thomé (e pelo caracter especial d'essa colónia, anteriormente ex- 
posto) é excepção á regra ; e) a desnacionalisação do commercio é total 
em Moçambique, e em Angola de 9 décimos, quer nas importações quer 
nas exportações. 



1:600 
2:031 


29 
244 


116 
120 


1:433 
768 


22 

899 


4:022 


349 


310 


2:421 


942 


734 
3:527 


118 
310 


856 
53 

409 


259 
2:412 

2:671 


1 
552 


4:261 


428 


553 



192 L. IV. A AFRICA PORTOGTJEZÀ 

Quem vende ao preto é quem o civilisa, se tanto 
se pôde dizer. Resta-nos apenas a nós o magro lu- 
cro de um imposto aduaneiro, que tem de ser re- 
duzido, para não desviar o trafego para as feito- 
rias livres da costa do norte. Bolama na Guiné, e 
em Angola o Ambriz são exemplos vivos d'este 
facto. 

E' licito perguntar, pois, se vale a pena fazer sa- 
crifícios ; se não será malbaratar os escassos recur- 
sos da metrópole, applical-os em assegurar e fo- 
mentar o commercio das naçSes manufactureiras 
com as tribus negras. Mas esta pergunta, cuja res- 
posta foi fácil de dar para as colónias do Orien- 
te, exige estudo mais demorado ao tratar-se de 
Africa. Além não ha futuro possível, aqui ha um 
presente duvidoso, — o futuro é um problema. 
Da solução d'elle depende a resposta, e o seu es- 
tudo é a matéria em que vamos entrar. Da solu- 
ção d'elle, dizemos, depende a decisão de tomar- 
mos com seriedade, ou de não tomarmok sobre nós, 
a empreza colonial. 

Embora as colónias africanas paguem as suas 
despezas, * seria erro inferir d'aqui a conclusão de 
que vivem de si. O self supporting principie que 
um tempo euthusiasmou os inglezes, foi por elles 
próprios abandonado, pois é absurdo esperar que os 
recursos de colónias nascentes possam subsidiar as 
despezas de installação. Pagar as de administração 
fazem as portuguezas ; mas essa administração é 
avaramente salariada, e por isso de inferior espécie. 

* Orçamento das colónias (1875-6) : 

RECEITAS DESPEZAS 

Cabo Verde e Guiné 220 219 

S. Thomé 109 105 

Angola 566 556 

Moçambique 248 250 



2. — O SYSTEMA COLONIAL AFRICANO 193 

A marinha e as obras-publicas nâo as pagam po- 
rém ; e o nada que se tem feito representa sommas 
de grande vulto para nós. * 

Os domínios continentaes africanos são portanto 
um problema, e dos mais graves que pesam sobre 



1 Lemos agora mesmo no Jornal do Commercio, de Lisboa, a opinião 
de uma pessoa authofisada (o snr. António José de Seixas) e com pra- 
zer transcrevemos: 

«Entre erros que suppomos ter havido mencionaremos o despendio 
de 2:100 contos que a metrópole tem feito em pessoal e com as obras 
publicas no ultramar. Fazendo n'este assumpto a devida justiça aos que 
emprehenderam aquelle tentame de progresso, o sacrifício talvez de 150 
contos.de encargo permanente para a nação» é licito dizer que não tem 
compensação ; isto, porque as obras não teem obedecido a um plano de 
ante-mão estudado, sobre tudo porque a quantia despendida em fracções, 
nos vastos territórios do ultramar, dos quaes muitas das províncias são 
mais vastas e extensas que todo o reino, teem sido taes fracções como 
um copo d'agua tosado no oceano ! 

«Desde 1860 que as colónias portuguezas teem feito despender á 
metrópole, em expedições militares, subsídios em dinheiro, navios de 
transporte e de guerra, e obras publicas, não incluindo aqui despezas 
indirectas sobre o thesonro da metrópole, uma quantia não inferior a 
26:000 contos, equivalentes a um encargo no orçamento geral do reino, 
e permanente, de 1:806 contos de réis por anno!.. 

«No fim de outros 19 annos, seguindo-se o systema que tem vigora- 
do, terá a metrópole despendido outros 26 mil contos de réis, se não fôr 
mais, sem levantar as colónias do seu abatimento, e sem haver conseguido 
tornar sympathicos os nossos compatriotas do ultramar pelas cousas da 
metrópole... Não merecerá tudo isto que se attenda seriamente á ques- 
tão colonial ?. . 

«Em face do estado da sociedade portugueza, da população do reino, 
das finanças da monarchia, da vida económica do paiz, pouco robuste- 
cida, em vista do nosso commefcio, das nossas industrias" fabril e agríco- 
la, e da nossa navegação, elementos estes da riqueza publica de uma 
nação, o que tudo possuímos n'ura triste estado, anemico, as colónias não 
são elemento de prosperidade para a metrópole. A compensação dos sa- 
crifícios da metrópole adviria do movimento commercial, da navegação, 
da permutação dos productos, entre as colónias e o reino ; mas nada 
existe em larga escala, porque nem as colónias nem o reino possuem o» 
elementos da vida económica para reciprocamente se auxiliarem. 

«A nossa humilde opinião é de que as colónias, continuando o syste- 
ma em vigor sobre ellas, enfraquecem Portugal.» 

13 



194 L. IV. A AFRICA POBTUGfrUEZA 

a economia social portugueza. Não basta contar o 
que se fez, descrever o que é: tudo isso nada im- 
porta, ou vale pouco. Desde que a abolição do trafico 
extinguiu a exploração do commercio dos negros, 
e desde que a franquia dos portos os abriu ás ban- 
deiras de todas as nações, a situação de Angola e de 
Moçambique variou absolutamente. Hoje temos ahi 
empregados, alfandegas cujo rendimento os pagam, 
embaraçando um commercio estrangeiro, que por 
outro lado mais ou menos efficazmente protegemos. 
Esta condição de guardas das costas de Africa é 
provadamente ruinosa para nós, sem ser proveitosa 
para ninguém. 

Podemos acaso sair d'ella, inaugurar uma poli- 
tica ultramarina? Eis o thema do nosso estudo. 



in 

Os tres typos de colónias 



Em tres espécies ou typos se resumem as va- 
riadas combinações postas em pratica pelos povos 
europeus para apropriar territórios ou riquezas lo- 
calisadas fora da Europa ; e ao conjuncto dos tres 
typos deu-se o nome genérico de colónias. Esses 
tres typos ou espécies são : 

1. — As feitorias, ou colónias commerciaes. 

2. — As fazendas, ou colónias de producção agrí- 

cola, destinada á exportação (plantações). 

3. — As colónias, propriamente ditas, ou estabele- 

cimentos de população fixa, dada á cul- 
tura de productos de consumo lçcal. 



« 

3. OS TRÊS TYPOS DE COLÓNIAS 195 

1. — Á& feitorias, typo que principalmente carac- 
terisou a colonisação dos phenicios e gregos em 
torno do Mediterrâneo, podem dividir-se em parti- 
culares e militares. Estabelecidas no litoral de 
continentes, não explorados nem avassallados, são 
escriptorios de commercio maritimo. Ou esse com- 
mercio é livremente feito por caixeiros, em vir- 
tude de licenças dos soberanos indígenas ; ou é im- 
posto e defendido pelo poder maritimo-militar da 
nação que adquiriu o privilegio. As feitorias parti- 
culares tornam-se por via de regra militares ; — 
desde que medram, quando as nações podem prote- 
ger os interesses dos negociantes, o estabelecimento 
adquire o caracter de cidade, isto é, instituições e 
policia. 

Nos tempos modernos, as feitorias europêas es- 
palharam-se por todo o Oriente. Os portuguezes e 
os povos que lhes succederam encontraram na ín- 
dia e China territórios povoados, civilisaçoes for- 
madas, industrias e productos de exportação. A 
colonisação, propriamente dita, não tinha ahi ra- 
zão de ser. Os estabelecimentos portuguezes da 
índia e China, os actuaes estabelecimentos ingle- 
zes, francezes, americanos, na China e no Japão, 
são os exemplos puros do typo : a índia ingleza e 
a Java hollandeza são um mixto do primeiro com 
o segundo typo, e ao mesmo tempo feitorias e fa- 
zendas. 

Na costa occidental de Africa pullulam as feito- 
rias de todas as nações ; entretanto os estabeleci- 
mentos tém mais o caracter particular do que o 
militar que prima no Oriente : embora os france- 
zes, na Senegambia e no Gabão, os portuguezes na 
Guiné e em Angola, tenham constituído cidades. 
Livre ou politica, particular ou militar, a explora- 
ção do commercio maritimo da Africa occidental 



196 L. IV. — A AFRICA PORTUOUEZA 

vivia do trafico dos escravos ; e vive hoje, na Africa 
e no Oriente, da troca dos productos indígenas pe- 
las manufacturas europêas. 

As condições de geographia commercial são a» 
que quasi exclusivamente influem na creaçao & 
existência das feitorias. Essas condições, apoiadas 
em poderosa força naval-militar, criam monopólios- 
a favor de certas nações ; e assim se viram, (os por- 
tuguezes,) e se vêem, (os hollandezes,) povos que, sem 
exuberância de população, sem vastidão de terri- 
tórios na Europa, possuem e exploram o commercio 
de dilatadas regiões ultramarinas. Abolidos porém 
os monopólios, franqueados os portos a todas as ban- 
deiras, ou por decadência da força marítima da me- 
trópole, ou sob o império da doutrina da livre-tro- 
ca, succede que o commercio busca as condiçõea 
de existência natural; e vêem-se então nações sem 
feitorias, como a Allemanha e até certo ponto a 
França, permutarem directamente os seus géneros 
com os indígenas, á sombra de uma bandeira que 
reserva apenas um vão domínio politico. Do estudo 
anterior sabemos que esta é a condição de Macau, 
de Moçambique, e pôde dizer-se que de Angola* 
Abolido o monopólio, e não tendo nós manufactu- 
ras que trocar pelos géneros indigenas, assistimos 
apenas ás operações dos estranhos. 

As feitorias, pois, existiram por virtude de um 
forte poder naval creando um monopólio artificial ; 
e existem hoje por virtude da preeminência fabril 
das nações, que cTella ganham um monopólio natu- 
ral. Restaurar monopólios artificiaes é hoje prova- 
damente um erro, e para manter de pé um erro 
seria mister uma força que passou ás mãos dos 
povos, por natureza económica, fortes. Assim as 
feitorias não tém já razão de ser senão para os 



3. — OS TRÊS TYPOS DB COLÓNIAS 197 

povos manufactureiros, e ocioso é dizer que nós 
não somos um <T esses. 

Estas breves palavras condemnam sem remissão 
o futuro d'aquellas das nossas colónias que não po- 
dem ser senão feitorias. A Africa, porém, embora 
apenas tenha sido isso, porventura não estará n'esse 
caso : opinião partilhada por muitos, e que exige 
por isso mais demorado exame. 



2.— -As fazendas apresentam caracteres mais 
■complexos. Podem classificar-se : 

Pela producção, em : a) mineiras ; b) de cultura 
«xotica (cana, café) ; c) de cultura indígena, (cra- 
vo, pimenta, etc, como no Oriente); — ou 

Pelo regime do trabalho : a) escravo, por negros 
importados, forma já quasi somente histórica ; ou, 
por sujeição das raças indígenas, espécie que des- 
appareceu ha muito; b) servil, pelos indígenas sob 
um regime feodal, como em Java ; c) livre, por tra- 
balhadores contractados, coolies, como na Califór- 
nia e nas Antilhas ; — ou, finalmente, 

Pelo regime politico: a) suzerano, como é o dos 
inglezes na índia, e o dos hollandezes em Java ; b) 
absoluto, como foi o portuguez no Brazil e o de 
todos, em toda a parte onde as populações indíge- 
nas foram escravisadas ou exterminadas; ou nas 
ilhas deshabitadas. 

Que se requer para a efficaz exploração das /a- 
zendas ultramarinas? População e vastidão de ter- 
ritório na Europa decerto são desnecessárias. Mo- 
nopólio artificial, mantido por um forte poder marí- 
timo, é inútil. Preeminência de producção manufac- 
tureira também o é; porque nem pelo facto dos 
objectos de consumo colonial serem estrangeiros, 



198 L. IV. — A AFRICA POBTUGUEZA 

os productos da fazenda deixarão de se traduzir 
em lucros reaes. Tal foi e é ainda a condição do 
Brazil, que pagou com assucar, com ouro, hoje 
paga com o café, tudo o que consome, e enriqueceu 
e enriquece. E d'entre as nossas colónias actuaes 
S. Thomé, que é um typo puro de fazenda, im- 
porta quasi tudo do estrangeiro, mas progride e 
manda a Lisboa todo o seu café. 

O que é absolutamente indispensável para todas 
as fazendas, metropolitanas ou ultramarinas, é o 
capital. E' mister dissecar os pântanos, navegar os 
rios, abrir as estradas, construir os armazéns e ob- 
ter os braços, — ferramenta humana de trabalho. 
Outrora a escravidão suppria isso, e o capital con- 
solidava-se no preço dos negros. Hoje consolida-se 
nos adiantamentos e salários dos immigrantes, ne- 
gros ou chinezes contractados, para os territórios 
despovoados. Nas regiões habitadas por povos in- 
digenas, susceptiveis da submissão rudimentar da 
civilisação, o capital intervém sob uma forma só 
apparentemente diversa. A força e não o contracto 
é a sua expressão activa ; e as guarnições com que, 
na índia os inglezes, em Java os hollandezes, man- 
tém submissos os régulos indígenas que fazem tra- 
balhar mais ou menos servilmente as populações, 
correspendem economicamente ao preço do escra- 
vo, ou ao salário do colono contractado. 

Capital, pois, ou sob a forma de valor ou sob a 
forma de força, eis ahi o indispensável para a ma- 
nutenção das fazendas ultramarinas. Cuba e S. 
Thomé são dois exemplos typos da primeira espé- 
cie ; as Philippinas e Java são-no da segunda. A 
força marítima é aqui apenas um corollario da 
geographia; e se nas ilhas bastam as esquadras 
(Java), nos continentes exigem-se exércitos (índia.) 
Das feitorias devem afastar-se as nações não-fa- 



3. OS TRÊS TTPOS DE COLÓNIAS 199 

bris, das fazendas as nações pobres. Contra a na- 
tureza, com a força, ' pelo acaso de ter chegado 
primeiro ao Oriente com pólvora e canhões, Por- 
tugal, que nunca teve industrias, pôde manter por 
breve tempo um systema de feitorias rendosas ; 
contra a natureza também, isto é, pela exportação 
dos escravos negros, pôde crear e disfructar uma 
fazenda no Brazil. 

Podem tornar-se fazendas as possessões da 
Africa continental? A resposta sairá das conclu- 
sões do estudo em que agora apenas entramos. 



3.— As colónias propriamente ditas não deman- 
dam nem capital, nem manufacturas: provém ape- 
nas de um facto, — a exuberância de população na 
metrópole, a emigração consequente, e a adaptação 
do clima ultramarino ao temperamento da raça 
emigrante. Podem até prescindir do domínio nacio- 
nal politico, como vemos nas colónias allemãs do 
Brazil e dos Estados-Unidos, nas francezas do Ca- 
nadá, nas hollandezes do Cabo, hoje sob o império 
britannico. 

São a consequência de um facto natural, e não 
uma creação economico-social, como as feitorias e 
fazendas. Dependem por isso de condições fataes 
que não é dado ao homem crear ou destruir, e pro- 
cedem espontaneamente lançando as raizes de na- 
ções vindouras. O clima é a principal condição da 
sua existência: assim, todas ou quasi todas appa- 
recem ao sul do trópico, da mesma forma que as 
fazendas occupam a região tropical, e ao passo 
que as feitorias se espalham em todas as latitu- 
des, como relativamente independentes que são do 
clima. 



200 L. IV. A AFEIO A PORTUGUEZA 

Umas vezes a raça emigrante encontra vago o 
novo habitat que elegeu; outras vê-se perante uma 
raça indígena, inferior como sâo todas as da 
Africa e America. No segundo caso, ao problema 
da colonisação junta-se o da occupação. O resul- 
tado das causas naturaes, mais ou menos definidas 
e explicadas, * e da lucta infallivel entre os novos 
e os antigos habitantes leva á eliminação da raça 
inferior, ou a cruzamentos que o tempo vem a obli- 
terar. 

Assim os hollandezes expulsaram os cafres e 
hottentotes do Cabo, produzindo ao mesmo tempo 
os mestiços gricquas. Esses mulatos, em vez de se 
tornarem brancos, foram gradualmente voltando ao 
'typo hottentote, porque cessou o cruzamento hol- 
landez e dominou o sangue negro. O contrario 
succedeu com a primitiva população de S. Paulo 
no Brazil, onde os laivos de sangue indio gradual- 
mente desappareceram com a infusão posterior de 
sangue branco. 

O primeiro exemplo de colónias propriamente 
ditas foi dado pelos portuguezes nos Açores, na 
Madeira, no Brazil austral. Ulteriormente os an- 
glo-germanos e os francezes na America do norte, 
os inglezes na Austrália, os hollandezes no extremo 
sul da Africa, produziram, em escala mais vasta e 
proporcional á sua emigração, exemplos do mesmo 
género. 

Quando uma colónia depende de uma metrópole 
fabril, o seu desenvolvimento adquire uma impor- 
tância económica para a mãe-patria, porque é 
um mercado de consumo natural dos seus pro- 
ductos. Nos paizes não fabris, porém, as colónias 
não trazem senão um augmento á população, o que 

* V. supra, pp. 146-8. 



3. 08 TRBS TTPOS DE COLÓNIAS 201 

nem sempre é uma riqueza. Assim os boers da 
Africa austral, agricultando e mantendo-se, não ac- 
crescentaram um ceitil á opulência da Hollanda. 
Nações embryonnarias, as colónias somente são de- 
pendências da metrópole emquanto carecem do seu 
amparo. Desde que a densidade da população e o 
desenvolvimento da riqueza attingem um certo 
grau, emancipam- se, affirmando politicamente o 
facto da independência económica. Assim succedeju, 
nas duas Américas ás colónias continentaes da 
Hespanha, aos Estados-Unidos e ao Brazil. Sob o 
ponto de vista exclusivo da economia metropoli- 
tana, as colónias são, pois, uma vantagem, — 
simples para as nações que necessitam vasar uma 
população exuberante ; dupla para as que a isso 
reúnem a producção fabril. Para a economia das 
finanças nacionaes são sempre um encargo, só in- 
directamente compensado pelo augmento de maté- 
ria collectavel nas nações fabris. 

Assim como não é raro ver uma feitoria trans- 
formar-se em fazenda, tampouco o é ver uma/«- 
zenda transformar- se em colónia. Foi o que acon- 
teceu no Brazil (do norte), no Rio-da-Prata, — duas 
nações, hoje, que porém continuam a ser colonisa- 
das pela immigração de portuguezes e hespanhoes. 
Assim aconteceu na Califórnia e na Austrália, 
que foram fazendas mineiras, e são hoje colónias 
propriamente ditas. Assim em curta escala está 
succedendo para nós em Cabo-verde, que foi fa- 
zenda de assucar, que ainda em parte o é, sendo 
já ao mesmo tempo habitat de uma população fi- 
xa, como as das outras ilhas portuguezas do Atlân- 
tico europeu. 

Se os lucros do commercio nas feitorias, e o 
rendimento liquido de explorações privilegiadas 
(minas, culturas exóticas,) nas fazendas, enrique- 



202 L. IV. — A AFRICA PORTUGUEZA 

cem rapidamente os negociantes ou os fazendeiros 
que no fim da vida regressam á metrópole, enrique- 
cendo-a a ella com os seus haveres ; das colónias, 
onde a população se fixa, não se dá nem o re- 
gresso dos colonos, nem o das suas fortunas. Por 
isso, humanitariamente, as colónias propriamente 
ditas tém um valor incomparavelmente superior. 
Não são instrumento de riqueza apenas, são focos de 
dispersão da raça branca sobre todos os continen- 
tes e ilhas do globo, e passos dados no sentido da 
sua total conquista para a civilisação typo dos in- 
do-europeus. 

A capitalisação dá-se de outra forma, procede 
de uma maneira diversa. Traduz-se no augmento 
rápido da população fixada, que um rendimento li- 
quido agrícola excessivo permitte, 4 e funde-se na 
terra, cria a nação futura, e garante o progresso 
constante. 

Perguntámos ha pouco se podiam tornar-se em 
fazendas as feitorias da -Africa continental portu- 
gueza. Perguntamos agora se essas fazendas pode*- 
rão transformar-se em colónias, como succedeu ao 
Brazil. Vamos pois estudar o futuro da Africa sob 
os três pontos de vista correspondentes aos três 
typos de estabelecimentos ultramarinos. 



1 Josiah Child e Penn diziam que o trabalho de um homem produz 
ua America o quádruplo do que produz na Europa. Humboldt dá a se- 
guinte relação para o trigo : Prússia 4 a 5 sementes ; Franca 5 a 6 : Rio-da- 
Prata 12 ; Peru e México 18. — Na producção excepcional está a causa do 
augmento da população. O casamento precoce é uma necessidade, e não ha 
mulheres senão para espozas : a família é a única festa. Entre os hoers do 
Cabo 6 ou 7 filhos são uma pequena prole. Procrear é adquirir braços 
para a lavoura de terrenos illimitados. No principio do século era regra 
nos Estados-Unidos o casamento dos homens aos vinte annos. 



4. — AS FEITORIAS AFRICANAS E A CONCORRÊNCIA 203 



IV 
As feitorias "africanas e a concorrência 



O viajante que torneando costeiramente a Africa, 
desde Cabo-verde, observou as planícies alagadas 
do Senegambia e o archipelago litoral de Bijagoz, 
onde na colonia-feitoria de Bolama mercadejam 
povos de todas as castas, fora a nossa; o via- 
jante que observou de longe, — por causa das fe- 
bres mortíferas, — os presídios miseráveis de Bis- 
sau e Cacheu, e depois, seguindo para o interior 
do golpho da Guiné, foi deixando successivamente 
a Serra-Leoa e a Libéria, mallogradas experiên- 
cias de civilisações negras, essa costa da Mina po- 
voada de ossadas, tumulo de tantas vidas, e o es- 
tuário pestilento do Nigeraté ao G-abão; — o via- 
jante, dizemos, estranha a paysagem litoral afri- 
cana ao chegar á costa de Angola. 

Em vez das baixas alagadas, começam ao sul 
do Congo as barreiras seccas, avermelhadas, areen- 
tas. Em vez da luxuriante e traiçoeira vegetação 
dos mangues, encontra-se agora uma aridez tor- 
rada, sem uma nota de verde, sem uma gota de 
agua. A costa levanta-se como uma muralha nua e 
secca sobre o mar, apenas a vastas distancias cor- 
tada pelos oásis breves das barras dos rios. Ao 
sul do Congo apenas o Quanza é accessivel a pe- 
quenos navios, os magros caudaes do Anbrizette, 
do Loge, do Redondo, do Quicombo, do Egito, do 
Anha, do Catumbella, do Luache só recebem lan- 
chas, e o Cumene perde-se nos areaes da costa, 
sem barra. Os vastos e férteis sertSes de Angola 



204 L. IY. — A AFRICA POBTUGURZA 

dependem de uma estrada terrestre; não tém ac- 
cesso fluvial, se é que alguns dos confluentes meri- 
dionaes do Congo, hoje ainda inexplorados, lh , o não 
dá. Um lombo de rocha estendido a par da costa 
marítima veda ao viajante o espectáculo da vege- 
tação sem egual da Africa. Só a trinta ou sessenta 
milhas da costa principia a fertilidade dos terre- 
nos, nos pendores orientaes d'essa linha das monta- 
nhas que vazam para os confluentes do Zambeze 
ao sul, e do Congo ao norte ; e esta circumstancia, 
infelizmente grave, condemna á insalubridade o 
litoral, faz definhar as cidades marítimas, divide 
Angola em três zonas parallelas, diversas de as- 
- pecto, varias de producçôes, e de uma hospitalidade 
também variável: o litoral secco e nu, a região 
alpestre, e as planuras interiores. 

Sobre um -litoral de areia ardente apenas pôde 
assentar a barraca do mercador: o chão ingrato 
repelle o colono. O facto, porém, da existência dos 
territórios interiores, agricultáveis, é que por este 
lado tornaria possível o estabelecimento de fazen- 
das ou colónias. Tornaria, dizemos, e não, torna : 
porque a seu tempo estudaremos os outros facto- 
res do problema. Por agora limitamo-nos a consi- 
derar os nossos estabelecimentos continentaes afri- 
canos pelo lado que ainda hoje mais pronunciada- 
mente caracterisa Angola, — o de feitoria commer- 
cial. 

Nós conhecemos a natureza d'esta espécie de 
estabelecimentos ultramarinos. Sabemos também 
que as feitorias de Angola, franqueadas ao com- 
mercio de todas as nações, vêem todas as bandei- 
ras do mundo, — e a portugueza apenas na popa 
dos paquetes que de portuguez tem só a bandeira. 
Nove décimos das importações e exportações são 
estrangeiros. Em Angola, Benguella, Mossamedes, 



1. — AS FEITORIAS AFRICANAS E A CONCORRÊNCIA 205 

vigoram pautas aduaneiras, cujo producto subsidia 
os funccionarios portuguezes ; e no Ambriz, occu- 
pado em 1855, quando já era um centro de feitorias 
livres de diversas nações, o estabelecimento das al- 
fandegas expulsou para o norte os negociantes, e 
foi necessário tornar o porto quasi-franco para os 
chamar de novo. 

São evidentes as conclusões a tirar d'estes fac- 
tos: 

a) O exclusivo da nacionalidade das feitorias, 
ou melhor do seu commercio, não se pôde garantir 
em Angola, por ser um pedaço de uma costa ex- 
tensa, e não uma ilha, completamente avassallada. 

b) Desde que, para nacionalisar o cí>mmercio co- 
lonial, se estabelecessem direitos differenciaes ; ou 
desde que se elevassem as taxas da pauta, para 
engrossar os redditos aduaneiros da colónia, única 
vantagem nacional da sua conservação, logo que o 
commercio é estrangeiro ; — succederia que os es- 
criptorios abandonariam os portos portuguezes para 
se irem estabelecer nos pontos desoccupados da 
costa. 

c) Assim, o rendimento e a utilidade da colónia 
são limitados por elementos estranhos a ella : os di- 
reitos aduaneiros não podem exceder as differenças 
do preço dos transportes do interior para as feito- 
rias portuguezas e para as livres, sommada ao se- 
guro que a tal ou qual força do nosso domínio po- 
litico estabelece a favor do commercio feito á som- 
bra da nossa bandeira. 

d) Prejudicada, pois, pela força das cousas a idéa 
de um monopólio que só seria possível se Angola 
fosse uma ilha inteiramente portugueza ; limitados 
pela concorrência os proventos fiscaes, e extinctos, 
ou quasi, os proventos nacionaes metropolitanos, 
desde que o commercio colonial é estrangeiro ; fácil 



206 L. IV. — A AFRICA POBTUOUEZA 

é concluir que, como feitoria, Angola é um encargo „ 
e não uma riqueza. 

Se nós já sabemos que o fomento commercial de 
Angola se tem feito, não em proveito, mas em pre- 
juízo do commercio portuguez ; resta-nos agora lem- 
brar que, no commercio da costa de Africa Occi- 
dental, nem é exclusivo nem mesmo principal, o de 
Angola. Desde Camma, nas boccas do Rembo, ao 
norte, até Molemba, extremo limite septentrional 
dos domínios portuguezes, n'essa costa formada 
pelo pendor occidental da serra-Comprida ; e d'ahi, 
galgando as boccas do Zaire ou Congo, até á mar- 
gem direita do Loge, fronteira do Ambriz, nos ter- 
ritórios onde temos domínio sem occupação effecti- 
va; — n'essa longa linha da costa livre, quasi egual 
em extensão á portugueza, pullulam as feitorias 
particulares de negociantes de todas as nações. * 
Os negociantes estabelecem-se á sombra de trata- 
dos com os soberanos indigenas, e o commercio que 
era, como em Angola, outr'ora de escravos, é hoje, 
como o de Angola também, de café, gomma, mar- 
fim, etc. O regime é essencialmente o mesmo, com 
a só differença de haver, ao sul do Loge, alfande- 
gas e authoridades portuguezas. De uma feitoria 
doestas nasceu o Ambriz que, ao ser occupado em 
55, depois de doze annos de existência, exportava 
mil toneladas de café, mais de cem de gomma, 

1 De Camma ao Ambrii eontam-se 150 legoas e 126 feitorias, quasi 
uma por legoa. O commercio lavra toda a costa. Das 126, 38 são de hollan- 
dezes, 37 de portuguezes, 29 de inglezes, 15 de francezes, 5 de hespauboes 
e 2 de americanos. Os portos, até ao Congo, são : Camma, Ponta-da-pedra, 
Nyanga, Ponta-do-norte, Mayombe, Mambe, Ponta-banda, Nombé, Kilon- 
ga, Kuilo, Loango, P,onta-negra, Winga, Massabé, Chinchoxo, Chiuma, 
Malembe, Fontila, Cabinda, M onharda, Banane e Binde. — Da foz do 
Zaire ao Ambriz : Sobno, Cabeça-de-Cabra, Kakongo, Maculd, -Kinsáo, 
Kintim, Banza-Congo, (capital do reino indígena do Congo, com vinte mil 
habitantes,) Ambrizette, Monsera, Kinsembo. 



4. AS FEITORIAS AFRICANAS E A CONCORRÊNCIA 207 

quatrocentas de borracha e duzentas de marfim. 
Por aqui se pôde e deve calcular a importância 
d'esse commercio livre do norte da costa, que che- 
ga a ser computado em doze ou treze mil contos, 
isto é, o triplo do de Angola. 

As tribus do litoral sâo intermediarias para 
com as feitorias e as caravanas do interior. As 
quibucas, percorrendo legoas pelos sertões, com os 
negros em linha carregados de café, ou de dentes 
de elephante, avisam a chegada ás cidades pretas 
do litoral, batendo o engongui ou chocalho que 
as guia. Descarregam-se os fardos, contam-se e pe- 
sam-se as pontas e guardam-se os saccos da fubá, 
vasios de comestíveis depois da longa viagem. Co- 
meça então a troca. A peça (de algodão) é a uni- 
dade de moeda a que se reduzem todas as espé- 
cies, traduzidas em equivalentes fixos na mucanda 
ou factura. Trocam-se doeste modo primitivo os 
productos do sertão pelas manufacturas europêas ; 
e a quibuca regressa para o interior côm outras car- 
gas, e o marfim ou o café seguem para a feitoria, es- 
perando o navio inglez ou americano que a casa 
da Europa envia, ou o paquete que todas as quin- 
zenas vem de Serra-Leoa e vae até ao Cabo. 

As quibucas ou caravanas do interior tomarão 
aquella direcção que melhor convenha ao seu inte- 
resse ; rumarão para a feitoria onde a peça valer 
menos; e é evidente que, se as alfandegas portu- 
guezas a carregarem de direitos que excedam as 
differenças de distancias, as quibucas deixarão de 
ir ao Ambriz, por exemplo, para ir a Kinsáo, ou 
ao Banza-Congo. A esta concorrência para a ex- 
portação corresponde a concorrência que entre si 
fazem os productos europeus de importação. E os 
viajantes dizem que ainda hoje os direitos aduanei- 
ros desviam para o norte uma parte considerável 



208 L. IV. — A AFRICA PORTUOUKZA 

da exportação ; que do café de Cazengo va£ grande 
porção por terra para as feitorias francas de além 
do Ambriz, em vez de descer ao Dondo e embar- 
car nos vapores do Quanza para Loanda. A peça 
é além mais barata, e o café tem melhor preço. 

Qualquer que venha a ser o destino da Africa 
austral em remotas epochas ; qualquer que venha 
a ser o resultado das explorações ha pouco enceta- 
das por todas, ou quasi todas as nações da Euro- 
pa ; que o europeu se aclimate ou não ; que o ne- 
gro possa ou não civilisar-se ; o facto é que o fu- 
turo próximo que espera a .Africa é o de uma mul- 
tiplicação das feitorias francas ao longo dos gran- 
dejs rios e dos lagos interiores. Não é verosímil que 
a Inglaterra emprehenda a conquista do interior da 
Africa austral; mas é mais do que certo que os 
seus missionários levarão, com a Bíblia, amostras 
dos pannos de Manchester. Não é verosímil o es- 
tabelecimento de colónias é a occupação politica; 
é já evidente, porém, o propósito de alargar a mais 
de cem milhões de homens que andam nus o bene- 
ficio de vestirem os tecidos das fabricas britannicas, 
beneficio duplo para os carthaginezes modernos, em 
lucros e em castidade. 

E' provável que em breves annos os vapores 
corram no Congo e no Zambeze com caixeiros e 
missionários, Bíblias e fardos de algodão, para 
irem communicar com as feitorias francas estabele- 
cidas no interior, ao longo dos rios ; — e quando tal 
empreza se projectar, discutir-se-ha o domínio por- 
tuguez das duas Africas ; e nós que temos em nos- 
sas mãos as duas chaves da navegação fluvial 
africana, o Congo a occidente, o Zambeze a orien- 
te, seremos forçados, — e com justa razão, — a 
franquear ambos os rios á navegação estrangeira. 
O domínio histórico do litoral não nos dá o direito 



A. — AS FEITORIAS AFRICANAS E A CONCORRÊNCIA' 209 

de prohibir ou de. taxar com alfandegas as feitorias 
do interior ; e, pois, será ousadia affirmar que a» 
quibucas preferirão a feitoria próxima, e o vapor 
que fumega no Congo ou seus affluentes, ao destino 
de Angola? 

Nós pensamos, portanto, que, se a abertura dos 
portos desnacionalisou o commercio ultramarino 
portuguez ; se as feitorias francas da costa do norte 
põem já um limite aos rendimentos fiscaes de An- 
gola ; a próxima navegação do Congo e o estabeleci- 
mento das feitorias interiores, hão de reduzir muito 
o valor geographico-commercial das portuguezas. 
Condemnamos pois a abertura dos portos, as feito- 
rias francas, a navegação do Congo ? De certo não ; 
e seria até absurdo condemnar uma cousa necessá- 
ria. Lamentamos apenas o não termos que vender aos 
pretos : d'ahi vém todo o mal presente, e a prová- 
vel decadência futura das nossas colónias africanas. 

O que a navegação do Congo será para Angola, 
será a do ' Zambeze para Moçambique. Mais do 
que Angola ainda, Moçambique nos dá o exemplo 
de uma feitoria em que apenas a bandeira é por- 
tugueza. O commercio é francez ; e em Lourenço- 
Marques a alfandega • vive da passagem imposta 
aos productos do Transwaal que por ahi fazem 
caminho. Como- os castellãos da Edade-media, nós 
lançamos um direito sobre as estradas que são do- 
mínio nosso, e onde transitam cousas que nos não 
pertencem, e pessoas que nos são estranhas. Esse 
direito, naturalmente limitado pela geographia mui- 
tas vezes, tem de em outras ser negado, — de tal 
modo se negaram os direitos feodaes, — como se, 
por exemplo, se desse o caso de nós pretendermos 
impedir a Europa de penetrar na Africa pelas duas 
estradas fluviaes do Congo e do Zambeze, cujas 

chaves possuímos. 

14 



210 L. IV. A AFKICA PORTUGUEZA 



V 

As plantações e o trabalho indígena 

Vencidos, pois, pelo facto da Africa portugueza 
não ser uma ilha como são Cuba ou Java, e pelo 
facto de não termos manufacturas para vender aos 
indígenas ; perdido o futuro commercial, e limitadas 
as nossas ambiç5es aos territórios effectivamente 
occupados e submettidos pelas nossas guarnições 
presidiarias ; resta-nos saber se nós poderemos fa- 
zer das Africas o que fizemos no Brazil do norte : 
uma colonia-fazenda, um centro de producção agrí- 
cola. Pouco importará então que haja ou não feito- 
rias francas, na costa ou nos valles dos rios; que 
os pretos comprem os algodões de Manchester, fur- 
tando-se a pagar-nos direitos ; que todos vão e ve- 
nham por toda a parte, negociando, trocando, 
vendendo, livremente. Melhor será até que assim 
seja, porque quanto menos valer a peça, mais vale- 
rão o café e o assucar e o algodão dos nossos fa- 
zendeiros. A região litoral de Angola seria apenas 
subsidiaria, da verdadeira região colonial, — a alpes- 
tre, a interior, a agrícola. E desde que os produc- 
tos indígenas não fossem já os dos sertões interio- 
res, mas sim os das fazendas portuguezas, os por- 
tos teriam seguro um trafego próprio, e não depen- 
dente da direcção preferida pelas quibucas dos ne- 
gros. 

Se é possível fazer-se de Angola e de Moçambi- 
que duas colónias fazendas, a Africa será para nós 
outro Brazil. 

Nós sabemos que, nem a producção fabril, nem 
a emigração numerosa, nem um poder naval, nem 



5. AS PLANTAÇÕES E O TRABALHO INDlGtENA 211 

um clima particularmente benigno, são necessários 
para o conseguir. Não o foram no Brazil, nem o 
são em parte alguma. O indispensável é o capital 
abundante para desbravar o chão, para installar as 
plantações, para abrir os caminhos; e, — primeiro, — 
tornar possivel, depois baratear o custo da produc- 
ção. O indispensável é a abundância d^sse instru- 
mento de trabalho chamado homem, e por isso as 
fazendas só prosperam á custa da exploração mais 
ou menos brutal dos braços indígenas. 

O norte do Brazil e as poucas plantações da 
Africa portugueza medraram á sombra do trabalho 
escravo do negro. Abolida a escravidão, levanta-se 
o problema do regime do trabalho livre indigena, e 
as idéas vigentes não admittem outra hypothese 
senão a do salariato á moda da Europa ; ao passo 
que as instituições sociaes dos negros não consen- 
tem as formas de servidão feodal da Ásia. Quando 
pois os enthusiastas das colónias enumeram com 
fervor as riquezas naturaes do solo portuguez afri- 
cano, e a quantidade de cousas preciosas que lá se 
poderiam plantar, — esquecem que, antes dessas 
affirmaçctes, — que de resto não admittem replica, — 
está a questão do trabalho, sem o qual não ha pro- 
ductos ; está a do capital, sem o qual não ha instal- 
laçctes agrícolas ; esta, ainda e finalmente, a da intel- 
ligencia e sabedoria da administração, sem as quaes 
não ha cousa alguma prospera nas sociedades dos 
homens. 

Trabalha ou não o negro por salário e livremen- 
te? Esta pergunta, acolhida por modos tão abso- 
lutamente oppostos, parece já sufiicientemente res- 
pondida. Evidentemente o negro trabalha, sem ser 
necessário efecravisal-o. São marinheiros o cabinda 
e o krumano a bordo dos navios da carreira de 
Africa; são trabalhadores ruraes os milhares de 



212 L. IV. — A AFRICA POKTUGUEZA 

cafres que os colonos do Natal empregam nas sua» 
lavouras. 

Não basta porém affirmar isto; é necessário es- 
tudar as condições cm que o negro trabalha. 0& 
krumanos e cabindas servem de grumetes, de co- 
sinheiros e marinheiros, o tempo que baste para 
comprarem o numero de peças a que na mucanda 
das suas terras correspondem três ou quatro mulhe- 
res. Regalado ao sol, inaccessivel á febre, chupando 
o seu cachimbo, o negro consolidou o seu trabalho» 
Tem um capital-mulheres que lhe dá o juro sufi- 
ciente para viver como gosta, restabelecido na pá- 
tria, indifferente aos esplendores de Liverpool que 
visitou. O cafre do Natal vae ás lavoiras inglezas 
trabalhar de passagem para comprar com o salário 
tabaco ou aguardente ; e regressa ao sertão pasto- 
rear os seus rebanhos. Nómada, não se fixa, nem 
se domestica. Trabalha, sim, mas não por habito t 
por instincto, com o fito de uma capitalisação illi- 
mitada, como o europeu. Trabalha, sim; mas agui- 
lhoado pela necessidade immediata : e as necessida- 
des do negro são curtas, e satisfazem-se com pou- 
co. Não abandona pelo trabalho fixo, ordinário, 
constante, que é a dura condição da vida civilisa- 
da, a liberdade e a ociosidade para elle felizes con- 
dições da vida selvagem. 

A escravidão tinha pois um papel positivo e eco- 
nomicamente efficaz, sob o ponto de vista da pros- 
peridade das plantações. Não basta dizer que o 
trabalho escravo é mais caro, e que o preto livre 
trabalha, — factos exactos em si ; porque é mis- 
ter accrescentar que o preto livre trabalha intermit- 
tentemente ou excepcionalmente ; e que o mais ele- 
vado preço do trabalho escravo era compensado 
pela constância e permanência do funccionar d'esse 
instrumento de producção. 



5.— A8 PLANTAÇÕES E O TRABALHO INDÍGENA 213 

As culturas exóticas (café, algodão, assucar, etc.) 
mais que nenhumas outras exigem, em dados mo- 
mentos, a certeza absoluta dos braços trabalhado- 
res : e era isso o que a escravidão dava, e o que o 
trabalho livre não pôde garantir. 

Se ainda nos Estados-Unidos, no Brazil, em 
Porto-Rico, por toda a parte para onde se expor- 
taram negros, hoje livres, esses negros continuam 
a lavrar as plantações ; seria um erro inferior d'ahi 
para Africa, onde se trataria, não de continuar, mas 
de crear uma colonia-fazenda. Fora da pátria, accli- 
matados por gerações aos hábitos tradicionaes, os 
negros da America não tém, como na Africa, o ser- 
tão e a tribu próximos, constantes as tentações da 
vida selvagem e seus encantos. Melhor fôra com- 
parar esta condição á dos indígenas do Brazil que 
também trabalharam escravos; que também foram 
emancipados ; e desde então trabalhavam também, 
mas fugitivamente, arrastados pelas tentações do 
sertão, para onde afinal se sumiam para morrer, 
para se extinguirem. 

Depois, se isto não é assim; se o negro trabalha 
por instincto e habito; se o negro é capaz de pas- 
sar da condição de pastor á de agricultor, de se fi- 
xar na terra, de capitalisar indefinidamente como 
o europeu; se o negro é cidadão, é livre, é portu- 
guez, — e tudo isto exige o trabalho salariado ; — 
se os terrenos não tém dono, nem limite : — porque 
iria o preto servir e enriquecer um colono, quando 
elle em pessoa pode plantar, colher e vender o seu 
café? 

A idéa da creação de fazendas com o trabalho 
indígena, livre e salariado, fica embaraçada entre 
as duas pontas doeste dilemma. Ou o preto só tra- 
balha excepcionalmente e não abandona o estado 
selvagem ; ou é susceptível de se fixar no trabalho 



214 L. IV. A AFRICA PORTUGUEZÀ 

agrícola. No primeiro caso a intermittencia arrui- 
nará as plantações ; no segundo o negro trabalhará 
para si, e não para o fazendeiro. 

Se a questão do regime do trabalho é a primeira 
e a mais grave, logo apoz d'ella vem a do capital. 
Não bastam os subsídios do Estado, não basta que 
elle despenda* tudo o que é necessário em obras 
publicas e n'uma administração competente; não 
basta, — embora nós não vejamos bem com que re- 
cursos o Estado se desempenharia em Portugal 
d'esta tarefa. Gastar pouco é nestes casos perder 
tudo. Não bastam porém os subsídios do Estado 
para crear as plantações de uma colonia-fazenda. 
Nas colónias agrícolas de emigração franca o capi- 
tal de installação reduz-se, com effeito, ás obra§-pu- 
blicas; e os emigrantes podem ser e são em geral 
proletários, a quem o Estado dá ou vende as ter- 
ras que cada um ha de lavrar. Nas fazendas o 
caso é outro; o regime é o da grande, não o da 
pequena cultura ; e o colono, ao estabelecer-se, ne- 
cessita achar-se munido de capital para construir 
os moinhos, fornos e celleiros, os quartéis e ferra- 
mentas dos trabalhadores numerosos que para elle 
hão de cultivar a cana ou café. 

Não basta o capital do Estado ; é necessário o 
capital particular. Admittindo pois que uma parte 
da nossa emigração pudesse ou quizesse fixar-se 
em Africa, para ahi estabelecer fazendas ; resta sa- 
ber se os nossos emigrantes tém capital, como tem 
em grande parte a emigração alleman, por exem- 
plo. Ora todos sabem que a portugueza é consti- 
tuída pelo proletariado rural dos Açores e pelo 
excesso da população do Minho, filhos de pequenos 
proprietários ou rendeiros, sem capitães disponíveis. 

Quando por vezes a propósito de Africa nos 
acudir á idéa o que se fez no Brazil outr'ora, lem- 



5. AS PLANTAÇÕES E O TRABALHO INDÍGENA 215 

bremo-nos sempre dos meios que se empregaram, 
para não cairmos no erro de approximações temerá- 
rias. A primitiva colonisação do Brazil * foi levada 
a cabo por um systema feodal, o das doações. Os 
donatários ou capitães, senhores do solo e creado- 
res das fazendas, podiam satisfazer ao requisito de 
que tratamos agora. Tinham recursos, não só para 
comprar ou caçar os escravos e alimental-os, para 
construir as habitações e os engenhos, como até 
para armar esquadras por sua conta, assoldadar 
guarnições e levantar fortalezas. A's companhias 
(inglezas, hollandezas, portuguezas,) que succede- 
ram, na colonisação dos paizes tropicaes, aos capi- 
tães das ilhas atlânticas e do Brazil, succedia o 
mesmo. Desembarcado, só e nú, sem protecção 
nem meios sobre um chão por desbravar, que sorte 
esperaria em Africa o minhoto ou o açoriano? 

Força é pois concluir que também a escassez de 
recursos do nosso thesouro, e o caracter proletário 
da nossa emigração, nos não parecem consentir, nas 
duas Africas, a creação de um systema de colonias- 
fazendas. 

Como subsidiaria da questão do trabalho surgiu 
a do capital ; como consequência de ambas levan- 
ta-se agora est 'outra, — a da administração. Uma 
feitoria ou uma colónia, estabelecimentos creados 
e mantidos pelas forças naturaes da concorrência 
commercial ou da emigração espontânea, pouco re- 
querem da administração e do thesouro da metró- 
pole. E' o contrario uma fazenda. Como tudo é 
ahi artificial, isto é, obra da vontade dos homens 
contra as tendências naturaes ; desde o regime do 
trabalho, mais ou menos forçado, até á cultura, 
exótica ou indígena, sempre destinada á exportação 

1 V. supra, pp. 16 a 25. 



216 L. IV. A AFRICA POKTUGUEZA. 

e não ao consumo colonial ; desde o estabelecimento 
dos colonos europeus que é transitório, até á lucta 
contra climas por via de regra inhospitos ; — como 
tudo é artificial, o papel reservado á acção efficaz 
do saber, da intelligencia, da honradez dos func- 
cionarios públicos, e da força das guarnições mili- 
tares, é eminente. 

Ora nem para sábios administradores nem para 
guardas pacientes e firmes nos fadou a natureza. 
Não fallando agora n 'essa ' famosa historia da ín- 
dia, * os fastos da nossa administração colonial são 
um tecido dç vergonhosas misérias. Herculano, 
tratando da civilisação das nossas populações ru- 
raes portuguezas, chamava mythos creados para 
uso das secretarias ao padre e ao administrador : 
nas colónias houve e ha um mytho mais, o gover- 
nador do presidio; e os três deviam ser contados 
entre o que a imaginação dos phenicios inventou 
mais repugnante e atroz. Não se esgotaria a maté- 
ria ainda quando se enchessem bibliothecas dos ca- 
sos ridículos, horrorosos ou simplesmente patifes da 
historia da nossa administração colonial. 

O padre António Vieira dizia que no Maranhão 
os dízimos rendiam seis a oito mil cruzados, dos 
quaes o governador tomava desde logo metade para 
si e dava o resto aos subordinados. As egrejas sem 
rendas caíam em minas e os clérigos viviam á custa 
dos naturaes. Os governadores, diz o padre, ven- 
dem os postos militares, tirando o accesso aos 
soldados, vendem a justiça, inventam crimes para 
espoliar os particulares, compram e escravisam 
os índios. No tempo do marquez de Pombal o 
bispo do Pará escrevia: «A miséria dos costumes 
d'este paiz me faz lembrar o fim das cinco cida- 

1 V. Hist. de Portugal, 1. ui, A viagem da Índia. 



5. A8 PLANTAÇÕES E O TRABALHO INDÍGENA 217 

des, por me parecer que moro nos subúrbios de 
Gomorra mui próximo e na visinhança de Sodo- 
ma.» O incesto, a bigamia, os roubos, os assassina- 
tos, enchem as Memorias do bispo. De Angola sa- 
be-se como em nossos dias os governadores, não 
podendo já escravisar os negros como Índios do 
Brazil, exploravam o trabalho dos carregadores, 
provocando desordens e até guerras. A miserável 
escassez dos vencimentos elege para os cargos ho- 
mens perdidos que se desforram roubando o que 
não ganham. De Moçambique todos os governado- 
res voltavam ricos. O de Tete vence por mez o 
valor de duas garrafas de vinho; e por isso um de 
Quelimane, em condições análogas, partiu a bordo 
do navio de escravos de capitão. No Ambriz viu 
Monteiro, e Cameron em Benguella, d que é uma 
fortaleza; e a desgraçada historia das successivas 
e perdidas expedições contra o Bonga, essa histo- 
ria em que se não sabe o que admirar mais, se a 
cobardia, se a inépcia, attesta a capacidade da ad- 
ministração colonial portugueza. 

As missões, porém ... e as missões ? Faltava 
o terceiro mytho. O bispo do Pará conheceu o pro- 
vincial do Carmo a quem «orava muita gente á 
força de cacau e de café ; » diz elle, e como bispo 
devia sabel-o, que os parochos eram incestuosos e 
andavam todos concubinados : os Índios, ao verem 
a distancia entre as obras e as palavras, voltavam 
fugitivos para o sertão e pareciam ao' bispo tão sel- 
vagens antes, como depois de baptisados. Em An- 
gola vimos nós o que fizeram os jesuítas ; * porém 
Moçambique excede a tudo. Mandavam para lá, 
de Goa os padres degredados por crimes ecclesias- 
ticos e civis. Chatins e ladrões, os missionários, no 

1 V. supra, pp. 32-3. 



218 L. IV. A AFRICA. PORTUGUEZA 

dizer de muitos, foram uma das causas da perda 
das feiras do interior. Excommungávam por com- 
mercio, a pedido de um ou de outro, ou para co- 
brarem o preço do perdão. Vendiam pólvora e ar- 
mas aos indígenas, para que os expulsassem a el- 
les e a todos do sertão. Eram tão ignorantes, maus 
e depravados, que os governadores (1824-9) acham 
melhor que se acabem de todo as missões. No Am- 
briz um viajante * encontrou o parocho durante a 
semana negociando na sua choça, ao domingo di- 
zendo missa em casa do governador, porque a 
egreja tinha apenas as paredes. E como digno 
resto dessas falladas missões do Congo, e da chris- 
tandade ahi fundada, resta nas cubatas dos negros 
um fetiche mais, o crucifixo; e em Santo- António 
de Cabinda, os sinos da egreja de outr'ora, pendu- 
rados nos ramos de uma arvore, tocam garridos á 
passagem do soba . . . 

Como se ha de pois esperar a creação e o des- 
envolvimento de fazendas, quando, a nosso vêr, fal- 
tam os elementos essenciaes d'essa espécie de es- 
tabelecimentos ? Faltam os braços permanentes, os 
emigrantes com capital, falta dinheiro ao thesouro, 
falta uma tradição administrativa colonial, e empre- 
gados e tropa adestrados para a gerência e guarda 
do que poderiam ser novos Brazis do norte. 

Entretanto, o facto é que em Angola ha cultu- 
ra, ha fazendas, e de estranhar seria que as não 
houvesse. A colónia que é principalmente uma fei- 
toria, tem comtudo um pouco dos caracteres do se- 
gundo typo. Homens mais audazes, mais felizes 
ou mais intelligentes do que é prudente esperar do 
commum, conseguiram vencer os obstáculos, e de 
feirantes do sertão, tornaram-se plantadores. Se al- 

1 Monteiro. - 



5. AS PLANTAÇÕES E O TRABALHO INDÍGENA 219 

gum futuro espera Angola, como colónia portugue- 
za, é este apenas. As feiras do interior e o com- 
mercio marítimo, isto é, os dous aspectos que fazem 
d'essa Africa uma feitoria, já desnacionalisados 
quanto aos productos de importação e ás prove- 
niências e destinos do commercio europeu, prova- 
velmente decahirão com o fomento das feitorias 
francas e da navegação do Congo. 

Se á custa de sacrifícios, acaso excessivos para 
nós, reconhecêssemos possível e útil desenvolver as 
fazendas da região interior de Angola, cortando-a 
de caminhos de ferro, salariando convenientemente 
a administração, organisando a milícia e auxi- 
liando os colonos com capitães que elles não pos- 
suem ; porventura um novo Brazil-norte se podesse 
crear na costa Occidental de Africa, sob o regime 
de uma vassallagem real dos indígenas, e de um 
trabalho mais ou menos clara e directamente for- 
çado. Cabe isto nos meios de uma politica sem fi- 
xidez, nem pensamento, como é a portugueza? 
Cabe isto nos recursos acanhados da nossa rique- 
za? Temos capitães para immobilisar n'essa em- 
preza ? 

Como quer que seja, para fazer alguma cousa 
n'um ponto, seria mister pôr de parte os domínios 
vastos e as tradiçSes históricas ; concentrar n'um 
logar os recursos e as forças disponíveis, se acaso 
os ha. Alienar mais ou menos claramente, além do 
Oriente, Moçambique, por enfeodaçoes a compa- 
nhias ; abandonar as pretensões ao domínio nas 
boccas do Congo; e congregar as forças de uma 
politica sabia e systematica na região de Angola, 
eis ahi o que talvez não fosse ainda inteiramente 
insensato. 

N^ssa região de Angola, limitada a norte pelo 
Loge, e a leste pelos montes de Tala-Magongo, di- 



220 L. IV. A AFRICA PORTUGUEZA 

visoria da bacia hydrographica litoral, e -da bacia 
interior do Quango, affluente ainda inexplorado do 
Congo; n'essa região de Angola que é o^valle do 
Quanza, com os valles parallelos até ao Ounene ; 
acaso se poderia crear para nós uma Java, se 
como os hollandezes descobríssemos um meio de 
tornar forçado o trabalho do negro, sem cair no 
velho typo condemnado da escravidão. Poderíamos 
talvez assim explorar em proveito nosso o trabalho 
de uns milhões de braços, enriquecendo-nos á custa 
d'elles. De tal modo se fez no Brazil. 

Porventura a franqueza, com que estas cousas 
são ditas, magoará muitos ouvidos educados pelas 
notas ingénuas ou hypocritas da idolatria do nosso 
século. Com a liberdade, com a humanidade, ja- 
mais se fizeram colonias-fazendas. 

Dir-se-nos-ha, porém : e porque não estará reser- 
vado á Africa portugueza o futuro de uma colónia 
agrícola, de uma colónia de terceiro typo, como 
são o Cabo ou o Transwaal no mesmo continente, 
como foram na America os Estados-Unidos, como 
são o Canadá e até certo ponto a Austrália? Nós, 
que colonisámos os Açores e a Madeira e S. Paulo, 
porque não poderíamos crear uma Africa portugue- 
za, da mesma maneira que fizemos uma Ameri- 
ca? Ha uma corrente de emigração numerosa que 
annualmente vae ao Brazil : porque não se desviará 
para a Africa essa onda? 

Antes de responder a estes quesitos que deman- 
dam um estudo especial da emigração portugueza, 
lembre-se o leitor 'de que todas as colónias do ter- 
ceiro typo, ou agrícolas, estão ao sul ou ao norte 
dos trópicos ; de que as Africas portuguezas são 
tropicaes ; de que n'esta zona inter-tropical só vin- 
garam as colonias-fazendas ; e de que só por essa 
forma se conseguiu, — onde se conseguiu, — ac- 



6. — A COLONISAÇÃO E À EMIGRAÇÃO PORTUGUEZA 221 

climatar, mais ou menos bem, as raças meridio- 
naes europêas, jamais as do norte. 

A idéa de uma colonisação agrícola, pela emi- 
gração . portugueza livre é, por muitos motivos 
(adiante estudados,) uma chimera liberal. Mas, 
acodem os novos philanthropos que repetem de ou- 
vido as opiniões bíblicas dos judeus-inglezes com 
a mira nas fabricas de Manchester; mas, se a 
acclimataçao e outras causas tornam impraticável a 
colonisação europêa, o futuro da Africa, de toda a 
Africa, é a grande, a vindoura e esplendida civili- 
sação preta! Apóstolos e missionários da idéa-nova 
e negra, colloquemo-nos ao lado dos inglezes cha- 
memos o preto á escola, baptisemol-o, moldemol-o 
á europêa, e a Africa será grande . . . e Angola e 
Moçambique o quê? O mercado dos algodões in- 
glezes com que vestirão as suas vergonhas os pre- 
tos civilisados. 

Esta ultima theoria, se tal nome convém a uma 
sympathica illusão, prende-se directamente com o 
movimento de exploração da Africa austral que 
nós estudaremos summariamente no ultimo livro 
d'esta obra. Vejamos primeiro a theoria da coloni- 
sação agrícola, pela emigração portugueza que hoje 
sáe com destino á America. 



VI 
A colonisação e a emigração portugueza 

Trabalhos recentes e valiosos nos habilitam a 
conhecer a importância numérica e a natureza e 
condições da emigração nacional. Regula por onze 
mil o numero de pessoas que annualmente saem 



222 L. IV. A AFRICA PORTUGUEZÀ 

do reino para o Brazil ; por quatro o dos repatria- 
dos ; por sete, pois, a contribuição com que con- 
corremos para a colonisação da America néo-por- 
tugueza. 

Desviar para Africa essa corrente de emigração^ 
crear com ella uma colónia agrícola, eis ahi o pen- 
samento claro e simples, no qual muitos vêem re- 
sumido o futuro de Angola e de Moçambique. Nós 
inscrevemo-nos terminantemente contra similhante 
idéa, que é mais uma prova da precipitação e falta 
de senso com que as opiniões se formam em Por- 
tugal. Os defensores da colonisação da Africa são 
os mesmos que terminantemente affirmam a apti- 
dão do preto para o trabalho salariado e livre ; 
sem se lembrarem que esta segunda condição, por 
si só, sem outros motivos, bastaria para condemnar 
á ruina os immigrantes portuguezes que são pro- 
letários. O portuguez que vae para o Brazil, ar- 
tífice ou agricultor, não leva um real de seu; e 
a prova d'isto são os contractos de locação de ser- 
viços que assignam para pagar as passagens. 
Desembarcados, vão trabalhar por salário, alugar 
os braços, ahi onde elles faltam. Regressam á pá- 
tria com as economias e sobras do salário, sem se 
tornarem proprietários na America. Chegados á 
Africa, esses agricultores e artífices, ainda quando 
achassem montada a fazenda, abertas as portas do 
lavrador que lhes havia de dar de comer e traba- 
lhar, não poderiam vencer um salário superior ao 
do preto abundante : quaes seriam as economias 
do colono? como concorreria com o trabalho dos 
negros ? 

Não é porém necessário discutir esta hypothese. 
O * exame das condições particulares da emigração 
portugueza é o primeiro argumento a depor contra 
o plano de encaminhar para Africa essa corrente. 



6. A OOLONISÀÇÃO E A EMIGBAÇÃO PORTUGUEZA 223 

Das sete mil pessoas que annualmente ficam no 
Brazil, mais de duas são rapazes marçanos ; e de- 
certo mais de cinco vão occupar-se no commercio 
de retalho, cujos lucros constituem o grosso dos 
capitães dos repatriados a Portugal. Resta um nu- 
mero de dois mil, para mulheres, (e são muitas as 
que infelizmente vão, principalmente dos Açores,) 
para operários e pequenos industriaes de toda a 
espécie, (carroceiros, latoeiros, hortelSes, etc.) e 
finalmente para colonos trabalhadores salariados 
da agricultura, cujo numero é relativamente mi- 
nimo. O simples facto de o Rio de Janeiro contar 
por quasi noventa centésimos da população portu- 
gueza do Brazil demonstra o caracter commercial- 
industrial, e não agrícola, da emigração. * 

1 ICstatistica da emigração portosueza. 

1.° período 2.° periodo 

(1866-71) (1870-4) 

Emigração total do continente e Ilhas 
Media annual 
Com destino ao Brazil 

id. á Guiana, Estados-Unidos, etc. 
Procedente das ilhas 
Repatriação : do Brazil 

de outros pontos 
Desfalque liquido da população 

Por seu lado as estatísticas brazileiras 

accusam : (1855-68) (1864-73) 

(em todo o imp.) (no Bio de Janeiro) 
Immigraçao total de portuguezes 71:499 66:258 

Regresso total 85:034 32:132 

Saldo 36:465 34:126 

Media annual dos dois períodos 8:922 

No desfalque annual da populaç&o portugueza, orçado entre 4:500 e 
11:000 pessoas, o Brazil entra por um numero que varia entre 4 e 7:500, se- 
gundo as estatísticas portuguesas, e que apenas attinge a media de 4:000 
segundo as brazileiras, também porque n'estas se n&o inclue o anno de 



49:131 


76:965 


8:584 


15:393 


7:028 


13:380 


1:556 


2:013 


2:344 ' 


8:820 


2:240 


8:718 


928 


780 


4:456 


10:895 



224 L. IV. A AFRICA PORTUGUKZA 

Iriam pois os carpinteiros, ferreiros e pedreiros, 
os caixeiros e logistas, abandonar a ferramenta e o 
balcão, para tomarem a enxada em Angola? E' 

74 que, depois dos de 71 e 2, foi o de emigração mais numerosa» nem as 
entradas fora do Rio no período de 64 a 73. 

Convém agora saber o destino, a edade e a mortalidade d 1 essa emigra- 
ção para o Brazil, que é quasi a total ; e para isso nos guiaremos pelas es- 
tatísticas portuguesas do período de 70 a 75, e pondo de parte o accrescimo 
de emigração clandestina com que acima se contou. 



1 






MEDIAS ÀNNUAE8 


SIO 


BAHIA 


PARA' 


PSKNAMB. 


MABAK. 


TOTAI* 


Iramigrantes 


9:365 


125 


841 


685 


77 


11:093 


Menores de 14 annos 


1:831 


60 


174 


211 


? 


2:276 


Repatriados 


2:943 


81 


346 


348 


1 


3:718 


População portugueza 


? 


4:000 


14:074 


? 


? 


? 


Óbitos 


1:927 


' 73 


128 


129 


? 


2:257 


Percentagens 














Óbitos na população 


? 


1,8 


0,9 


? 


? 


? 


» emigração 


20,5 


58 


15 


20 


? 


20 


Menores na » 


19,5 


48 


20 


31 


? 


20,5 



Vê-se d 1 aqui : a) que a mortalidade é tanto maior quanto é maior o 
numero dos menores j 6} que no total de 11:093 pessoas os homens validos 
para o trabalho rural ou industrial e as mulheres sommaram 8:817, e o 
resto compõe-se exclusivamente de marçanos para o commercio ; c) que 
dos 7:375 emigrantes, que ficam annualmente no Brazil uma parte morre. 
Qual é ella ? O numero de 2:257 óbitos inclue, não só os dos emigrantes, 
como os dos residentes que eram 126:246 em 1872. Vemos que na Ba- 
hia e Pará, onde a emigração entra por 5 por cento apenas da popula- 
ção, os óbitos regulam por pouco menos de 1:100. Admittindo esta rela- 
ção como geral, cumpre destruir um erro grosseiro, (em que nós mesmos 
já caímos ha annos,) do relatório sobre a emigração portugueza, quando 
accu-sa a mortalidade da quinta parte dos immigrantes no Brazil. Sendo 
de 1:100 a mortalidade normal, os 120 mil residentes contribuiriam para 
os óbitos com 1:200, ficando á immigração o numero de 1:060, approzima- 
do, isto é, menos de 10 e não 20 por cento. 

Resumindo e rectificando, pois* temos : 

Media de emigração para o Brasil 11 :093 

de repatriação 3:718 

de saldo ' 7:375 

Percentagem de óbitos sobre a emigração 10 

sobre os residentes 1 

da immigração no Rio 84 






6. A COLONISAÇÃO K A BMIGBAÇÃO PORTUGUEZA 225 

de crer que não acceitem o conselho. Demos, po- 
rém, que o fizessem; e elles, primeiro que nin- 
guém, e nós depois d-elles, choraríamos amarga- 
mente o nosso erro. Teríamos destruído uma obra 
de séculos, a melhor obra de que reza a nossa his- 
toria; teríamos desportuguezado o Brazil, desde 
que deixássemos de alimentar o progresso da sua 
população com as infusões de sangue vivo que an- 
nualmente lhe enviamos. Que importa que o Bra- 
zil seja politicamente independente? Nós devemos 
dizer com Herculano « que é a nossa melhor coló- 
nia, desde que deixou de ser colónia nossa. » Para 
o regime social-economico é tão secundaria e até 
certo ponto indifferente a dependência ou indepen- 
dência, como o são as formas do governo. 

Não só a natureza commercial-industrial da emi- 
gração portugueza para o Brazil condemna, pois, 
o plano de a desviar para Africa. Se o fizésse- 
mos destruiríamos a mais proveitosa direcção do 
nosso commercio externo, e seccariamos a fonte 
dos capitães moveis que trazem comsigo os òra- 
zileiroe. Acredita alguém que a Africa podesse 
dar aos colonos agricultores lucros comparáveis aos 
do commercio nacional com o Brazil, e aos do com- 
mercio de retalho dos residentes no império? * 

A tudo o que ficou dito sobreleva, porém, em 
magnitude a questão da acclimatação. Que o colono 

1 Eis aqui as sommas do commercio externo comparado do Brazil e 
da Africa em 1874. 

AFRICA BRAZIL 

Importação contos 829 3:189 

Exportação > 767 4:271 

Somma > 1:596 7:460 



Tenho visto orçada em 3:000 contos a somma annual dos ingressos de 
capitães, lucros dos emigrantes repatriados. Regulando estes por 3 a 4:000 
caberia a cada uiri menos de um conto de réis. Não será excessivamente 
baixo o computo ? 

15 



226 L. IV. — A AFRICA POBTUGUEZA ' 

portuguez trocasse o martello ou a vara pela en- 
xada; que o commercio externo com o Brazil de- 
caísse, com a queda da iramigração portugueza no 
império ; que não houvesse mais dinheiro para com- 
prar inscripções ; (seria isso ainda uma compensa- 
ção !) que o colono trabalhador rural se sujeitasse a 
trabalhar pelo preço por que trabalha o negro ; que 
achasse na Guiné, em Angola ou em Moçambique 
lavradores para o assoldadarem ; que o Estado ma- 
gnânimo lhe desse um capital que lhes falta a am- 
bos, ao Estado e ao colono, para lavrar por sua 
conta; — concebe-se tudo, porque está na capaci- 
dade dos homens commetter os erros mais extra- 
vagantes. 

Não vae, porém, essa capacidade até ao ponto 
de fazer de um clima mortífero um bom destino 
de emigração colonisadora. Pouco importa que em 
certos pontos elevados, varridos de ar, no interior, 
no Bihé ou em Huilla, o clima seja relativamente 
bom. Jamais os colonos poderiam prescindir do 
litoral, da estrada marítima para o trafego com- 
mercial, consequência do agrícola. E* mais do que 
um erro, é um crime, allegar, contra todos os da- 
dos da experiência, ' a befíeza do clima africano e 

1 Vimos que a mortalidade noa residentes da Bahia e Pernambuco é 

-de 1:100. Generalisando essa relação a todo o império, fixámos, perante 

os números, 

a mortalidade da immigração em 11:100 

dos residentes » 1:100 

Quaes sao as mortalidades correspondentes^ Africa ? 
Equiparando os degredados aos immigrantes, achamos : 



1870-4 ClBO- 


VBRDB s 


THOMBS ANGOIiA. 


MOÇAMBIQUE 


Degredados 


61 


93 193 


33 


Mortalidade 


15 


34 80 


13 


Relação : 100 


25 


36 42 


40 


Media """"" 




37:100 




» immigr 


• Brazil 


11:100 





6. — A COL0NI8AÇÃ0 E A EMIGRAÇÃO PORTUQUBZA 227 

induzir a emigração, que é ignorante, a caminhar 
para um cemitério. Seria necessário que a Africa 
tropical passasse por uma revolução geológica; 
que a facha de costas inhospitas se levantasse, as 
suas lagoas mortíferas se seccassem ao norte, e ao 
sul a vegetação baixasse a temperar os areaes sec- 
cos do litoral, — para que os colonos europeus po- 
dessem fixar-se e propagar. 

A colonisaçao portuguezá da Africa austral dei- 
xou de' ser uma empreza possível, desde que os hol- 
landezes tomaram o nosso lugar no Cabo da Boa- 
Esperança. i Aptos como elles não são, para nos 
acclimatarmos sob os trópicos, se para o Cabo se 
tivessem voltado as nossas vistas ao mesmo tempo 
que 'as dirigíamos para a America, haveria hoje, — 
é licito suppol-o, — uma Africa europêa ao norte do 
rio Orange. O núcleo da população fixada na zona 
temperada da extrema Africa teria sido como o S. 
Paulo d'este continente; e as excursões e bandei- 
ras teriam trilhado o interior e lançado as semen- 
tes de futuras cidades. O Cabo e Natal seriam o 
que nem Angola nem Moçambique podem ser, — 



Equiparando agora a população fixa e 


militar africana 


aos residentes 


no Brazil : 










POPULAÇÃO 


OBIT08 BBLAÇÕKS 






AKKUAB8 


100 — 


Cabo- Verde (1874) 








Indígenas e europeus 


76:008 


1:477 


1,9 


S. Thomé (1870-4) 








Europeus 


500 


8 


1,6 


Angola (1865-74) 








Europeus 


3:200 


104 


3,3 


Militares 


750 


163 


21,9 


Media geral 






2,2 


Id. excluindo Cabo- Verde por incluir os indígenas 


6,3 


Id. excluindo também 


os militares de Angola 


3 


Id. da mortalidade dos residentes no 


Brazil 


1 


1 V. *upra, p. 183-4. 









228 L. IV. — A AFRICA PORTDGUEZA 

pelo clima e pela latitude, — isto é, o foco de irra- 
diação da colonisação, o centro de acclimatação, e 
o estabelecimento permanente, fixo e bem situada 
para o trafego commercial-maritimo, o Rio-de-Ja- 
neiro da Africa austral. A exportação dos escra- 
vos e o progresso absorvente do Brazil impediram 
que isto se fizesse : — acaso também a falta de vis- 
tas dos estadistas ; porventura até a insufliciencisu 
dos recursos do reino para se empenhar simultanea- 
mente nas duas emprezas. 



VII 
A emigração e a metrópole 



Condemnada assim a idéa de crear uma colónia 
agrícola, sacrificando a immigração do Brazil, cuja 
occupação é commercial; cumpre-nos ainda, ante» 
de concluir, dizer que, — se preferimos decididamente 
a emigração para a America, á por muitos desejada 
emigração para Africa; preferiríamos antes que os 
portuguezes só fossem forçados a emigrar, quando 
tivessem acabado de colonisar o reino ; quando a 
densidade mínima da nossa população, comparada 
com os números da nossa emigração, i deixassem 
de ser um documento triste da incapacidade da 





POP. ESPECIF. 


EMIGBAÇÃO 


Inglaterra 


105 hab. por kil. q. 


1 em 116 hab. 


Ali eman ha 


79 


1 » 315 > 


Portugal 


46 


1 > 283 > 




No continente 


1 > 330 » 




Nos Açores 


1 » 90 » 




Na Madeira 


1 » 185 > 



7. A EMIGRAÇÃO E À METRÓPOLE 229 

nossa economia politica. O Brazil é melhor coló- 
nia para nós do que a Africa; porém a melhor de 
todas as nossas colónias seria o próprio reino. 

Vale a pena dizer aqui, de passagem, algumas 
palavras sobre essa grave questão da emigração 
portuguçza. Desfalca-se annualmente em seis ou 
sete mil pessoas a população do reino; e ao mes- 
mo tempo vém ao Douro os gallegos cavar as vi- 
nhas ; yém milhares de navarros, de catalães, abrir 
as trincheiras e construir os túneis e viaductos dos 
nossos caminhos de ferro. Os capatazes, os emprei- 
teiros, são estrangeiros, bem como a máxima parte 
dos operários: só nos intervallos dos trabalhos ru- 
raes apparecem, como peões e serventes, os nacio- 
naes. Os saldos entre os salários e a alimentação 
dos trabalhadores, e os lucros dos empreiteiros são 
exportados; em vez de ficarem no paiz para en- 
grossar a sua riqueza. A que attribuir esta anoma- 
lia de uma emigração e immigração simultâneas? 
A's condições da propriedade rural no Minho. E' 
do Minho que o portuguez emigra. * O solo, na 
máxima parte cultivado, a população densa e pro- 
lífica, 2 a propriedade pulverisada, e a cultura 
quasi hortícola: eis as causas permanentes da emi- 
gração. Os filhos de um proprietário, cujos bra- 

1 Emigração total do continente no período de 1866-71 37:444 

Porto, Braga, Vianna, deram 24:630 

Aveiro que está em condições análogas 6:162 

Vizeu, Villa-Real e Coimbra 5:535 

O resto do paiz 1:117 

9 Eis aqui a densidade da população nas quatro zonas do reino : 

i Norte litoral (Porto, Braga, Vianna, Aveiro) 164 a 76 hab. pr. k. q. 
li > transmontano e centro litoral (Vizeu, 

Villa-Real, Coimbra, Leiria, Lisboa) 75 a 46 

ih Leste transmontano e sul litoral (Bragança, 

Guarda, Castello-Branco, Santarém e Faro) 36 a 23 » 

IV Alemtejo (Portalegre, Évora e Beja) 15 a 12 » 



230 L. IV. — A AFRICA POBTUGDBZA 

ços, com os da mulher, chegam para agricultar 
a leira de milho, não tém mais futuro do que o 
Brazil. Não ha um systema mixto de media e 
pequena propriedade, que consista a coexistência 
de uma população de salariados e de uma popu- 
lação de pequenissimos proprietários, conforme suc- 
cede nas provindas do centro do reino. Por isso, 
á guisa dos navarros que deixam aos pães e ás 
mães a cultura do campo, para virem construir 
as nossas obras-publicas, também o beirão vae 
em bandos, no outomno, ceifar os campos da 
Estremadura e do Alemtejo, ou fazer as vindi- 
mas. O regime mixto da propriedade consente a 
existência de uma população de salariados, mais 
ou menos fluctuante ; — o regime exclusivo da pro- 
priedade minúscula elimina essa cathegoria de tra- 
balhadores no Minho ; e como a população é relati- 
vamente excessiva, a emigração apresenta-se como 
a única solução, porque o trabalho mais ou menos 
eventual das obras-publicas não pôde, por si só, 
garantir a subsistência do não-proprietario. 

A emigração portugueza provém pois quasi ex- 
clusivamente do regime da propriedade no Minho ; 
e se é fácil ao systema das nossas leis pulverisar 
a propriedade, já o não é actuar inversamente ; — 
pois que as tentativas que se fizessem n'esse sen- 
tido, além de contrariarem as opiniões correntes 
em direito económico, iriam encontrar diante [de 
si os obstáculos invencíveis do caracter das popu- 
lações minhotas, e do solo d'essa parte do paiz, 
— magro, retalhado, que naturalmente reclama a 
pequena propriedade e a exploração hortícola. 

Quando os proprietários do centro e sul do reino 
clamam, pois, contra a emigração, attribuindo-lhe 
a causa da elevação dos salários ruraes, erram 
duas vezes. Nem esse facto ó consequência d'ella, 



7. A EMIGRAÇÃO B A METRÓPOLE 231 

nem as medidas coercitivas da emigração pode- 
riam fazer do excesso de população minhota um vi- 
veiro de trabalhadores salariados: apenas creariam 
no norte do reino uma população de mendigos es- 
faimados. Por outro lado os salários não tém su- 
bido senão na razão do augmento do preço das 
subsistências. * A idéa de coarctar a liberdade da 
emigração é, pois, além de um ataque aos direitos 
individuaes, um absurdo evidente, com que nada 
lucrariam os proprietários que exploram vastos do- 
mínios com o trabalho alheio salariado. 

Quer isto, porém, dizer, que o estado actual é 
excellente ; e que a exploração do pequeno commer- 
cio do Brazil seja a mais productiva maneira de 
empregar os milhares de homens que annualmente 
exportam o norte do reino e as ilhas ? Não, de certo. 
A nossa mais rendosa colonisação, repetimol-o, se- 
ria a do próprio reino. No Brazil criam-se hábitos 
desmoralisadores que os repatriados vém derramar 

i O» documentos annexos ao Relatório da Emigração mostram que 
salvas raras excepções, ella cresceu na razão do augmento de população ; o 
que destroe a opinião banal do excessivo preço dos salários ruraes. 

VARIAÇÃO NUMÉRICA 
DO CENSO DS 64 PARA O DS 70 EMIGRAÇÃO 

(66-71) 

16:450 

6:162 

-+- 5:887 

88:396 2:348 ) 36:327 

2:341 

6:755 1 2:060 

1:134 
1:117 

Excesso nos 7 districtos 2:069 

Por outro lado as estatísticas do districto do Porto, que contribue com 
quaçi metade da emigração total, accusam, de 62 para 71, uma alta de sa- 
lário máximo de 200 para 280 rs. digamos 40 por cento. Mas ao lado vê-se 
que sobe correspondentemente o preço das subsistências, do milho, do fei- 
jão, da batata. 



DI8TRICT08 


DO CEN 


■ 


+ 


Porto 


19:197 


Aveiro 


5:576 


Braga 


4:881 


Vianna 


5:756 


Vizeu 


3:271 


VMa-Real 


— 


Coimbra 


6:470 


Os restantes 


23:246 



232 L. IV. A AFRICA PORTUOUKZA 

sobre as populações, outr'ora simples, das nossas 
províncias. Acima da adoração do bezerro de ouro, 
que é já uma perversão do instincto de capitalisar 
inherente aos povos civilisados ; pomos nós o abas- 
tardamento dos costumes pela aprendisagem nos 
cortiços do Rio, ou nas roças com os escravos de am- 
bos os sexos. Ao lado dos vicios que se infiltram na 
população e a corrompem, lembremo-nos da influen- 
cia d'essas riquezas amontoadas em mãos, por via 
de regra sem intelligencia nem amor a novos traba- 
lhos, e demasiado adestradas nas trapaças e falca- 
truas. D'ahi vém a excessiva e funesta facilidade 
com que os governos cunham inscripçoes, e o des- 
vario da agiotagem e ladroeira que borborinha 
nos bancos de Lisboa e de todo o Minho. Indo- 
lente e ignorante, o brazileiro quer um juro sem 
querer trabalho ; e sem intelligencia bastante para 
ter industria, é burlado ou burla. Assim, o valor 
positivo do capital que os repatriados trazem para 
o reino, não só se não pôde medir pelos algaris- 
mos, como se traduz em um não-valor moral iirre- 
ductivel a números. 

Sem concluirmos que a emigração nos arruine, 
nem que a condição dos trabalhadores ruraes leve 
a uma despovoação do reino, * opiniões oppostas 

1 O Relatório da Emigração, cujos annexoa tém tanto valor, mas 
cujo texto é uma serie incrível de despauterios, calcula assim : Em 61-71 
emigraram 53:000 indivíduos, regressaram 8:000, morreram 11:000, fiou 
o saldo de 34:000. O trabalho de 34:000 indivíduos (que desapparecem ein 
20 annos) a 120:000 rs. por 20 annos representa o valor de 81:600 contos, 
evidentemente superior a tudo o que possa produzir o ingresso de capitães 
de repatriados. 

Parece desnecessário indicar os disparates d'este calculo : a) Se a mor- 
talidade dos residentes se desse em tal escala, de ha muito se teria extin- 
guido a colónia portuguesa do Brazil, porque a immigração não daria para 
os óbitos. — o) Se morrem no decurso de 20 annos, como se calcula o salá- 
rio integral d 1 esse período ? E não morreriam no reino ? — c) O numero 
incluo homens e mulheres e creanças : se cada cidadão portuguez ganha 



7. A KMIGRAÇÃO E A METRÓPOLE _ 283 

que -nos parecem insustentáveis ; — entendemos que, 
nem mesmo abstrahindo de considerações de or- 
dem moral, se deve olhar' só para os milhares de 
contos com que annualmente cresce o capital mo- 
vei da nação pelo regresso dos emigrantes do Bra- 
zil. Achamos certamente que o trabalho dos emi- 
grantes, exercido no solo do reino, produziria mui- 
to mais do que as sommas entradas da America ; 
muito mais e melhor, porque seria mais bem ga- 
nho, melhor distribuído e consolidado na terra, em 
vez de andar vagamundeando á procura de ins- 
cripçSes, ou títulos de bancos mais ou menos tra- 
paceiros. 

E' mister não contar apenas com os braços 
dos que voltam, mas sim com todos os dos que 
vão, e são logo dizimados pòr uma excessiva mor- 
talidade (10:100). E' mister não olhar apenas para 
os opulentos repatriados, mas também para o ma- 

por anno 120:000 rs. somos t&o ricos como a França, onde a capitação 
do rendimento bruto anda por isso. — d) Essa gente que ganharia os 
81:600 contos nada teria consumido, parece, em comer e vestir. — Simi- 
lbantes dislates não merecem discussão. 

No polo opposto, o sr. Herculano, (A Emigração) empenhado em de- 
monstrar que a alta dos salários não provinha efe emigração, formulava, no 
propósito de demonstrar a exiguidade dos salários ruraes, um calculo que, 
a ser verdadeiro, levaria á conclusão de que a fome devora a população 
do reino : ora ella augmenta. 

Salário do trabalhador a 200 rs. em 365 dias 73:000 
> da mulher a 100 rs. em 180 dias 18:000 

91:000 
Dias festivos, temporaes, etc. inúteis 22:500 

Rendimento annual da família 68:500 

Alimentação 73:000 

Deficit 4:500 
e mais o custo do vestuário, habitação, etc. 

Ora desde que boa qainta ou sexta parte da população portuguesa é 
formada por famílias de proletários rurae3, e desde que a população geral 
cresce j parece evidente, salvo todo o respeito devido á memoria que eu 
mais venero, — que o calculo deve estar errado. 



234 L. IV. A AFRICA POBTUGUEZA 

ximo numero de infelizes miseráveis que se amon- 
toam nos cubículos immundos do Rio ; n'esses corti- 
ços onde a promiscuidade extingue os instinctos da 
humanidade mais elementar, e a miséria gera as 
tuberculoses e as elephantiasis, a crápula e a sy- 
philis. E' mister olhar também para os rebanhos 
de prostitutas que vão servir de pasto á sensuali- 
dade da turba dos colonos; é mister lembrar a 
sorte dos engajados da lavoura, que trabalham do 
romper d'alva á noute escura, enfileirados com os 
escravos, sob o açoite do capataz ; e vivem na 
senzala como os negros, n'uma cabana térrea sobre 
uma esteira, com uma pedra para deitar a cabeça ; 
e comem a tamina de carne secca, de feijão e de fa- 
rinha. Nem ha somente milhões no futuro do emi- 
grante. 

Colonisar o reino * em vez do Brazil, mas não 
trocar por forma alguma o Brazil pela Africa, — eis 

* O parecer do então governador civil do Porto, o sr. Taibner de Mo- 
raes, apresentado á commissão da Emigração é o mais valioso e completo 
documento que o Relatório inclae. O sr. Moraes entende com fundamento 
que a alliciaçfto dos colonos devia ser perseguida policialmente por vários 
meios, e que as fianças ao recrutamento deviam exigir-se mesmo para bai. 
xo dos 14 annos : assim se cohibiria a emigração de creanças que são as que 
mais morrem. — Não é a medidas coercitivas, porém, que pede a fixação 
dos emigrantes no solo do reino ; é a medidas reformadoras das condições 
sociaes (instrucção, viação, etc.,) e a medidas que alterem o regime da 
propriedade : estabelecimento de colónias agrícolas, emprazamento de bal- 
dios municipaes e parochiaes, restabelecimento da sub-emphyteose para 
os terrajios incultos. 

« O foro, escrevia A. Herculano, é o grande moralisador dos campos, o 
supplente efficaz do parocho e do mestre, mythos que a poesia politica in- 
ventou para entertenimento dos parlamentos e secretarias.» 

Hão entra no plano, nem cabe nas proporções d'este livro estudar de- 
moradamente os elementos da urgente reforma da propriedade e do im- 
posto em Portugal; entretanto, a tudo o que fica dito por outros, juntemos 
mais estas palavras do sr. Carlos Ribeiro : « Se os lançamentos da decima 
predial desde 35 a 52 foram a expressão do desacerto, da mentira e de uma 
lesão enorme para o fisco, a maioria das matrizes organisadas desde 53 
não está em melhor pé.» 



7. — A EMIGRAÇÃO E A METRÓPOLE 235 

ahi o nosso modo de ver sobre o destino da emi- 
gração portugueza. 

Mas o futuro da Africa, — acodem agora os após- 
tolos negrophilos, — não está no branco,, está no 
preto. Nós que imperamos nas duas costas, pode- 
mos avassallar meio continente, missionar, educar, 
precedendo os inglezes na obra gloriosa da civili- 
sação indigena. O livro seguinte e ultimo mostrará 
o valor d'este plano. 



LIVRO QUINTO 



A exploração do continente africano 



Africa portentosa 



Desde o primeiro quartel do xvn século que 
as attenções dos portuguezes se voltaram para a 
descoberta das estradas interiores da Africa ; e a 
mesma curiosidade geographica, mas não a mesma 
sorte, originou e acompanhou a exploração d'ella e 
a da America austral. Ao desejo de achar por terra 
o caminho da Abyssinia, succedeu o empenho de 
ligar por uma estrada transcontinental as posses- 
sões das duas costas africanas; ao mesmo tempo 
que o propósito da conversão dos gentios conduzia 
os missionários para o interior dos sertões. As mis- 
sões caíram, e em ambos os continentes falhou a 
primeira tentativa de crear úma civilisação indí- 
gena sobre a christianisação dos selvagens. Esque- 
ceram, perdidas no seu objecto, essas viagens ; 
quebrou-se a tradição das emprezas ; dissolveu-se o 
império marítimo portuguez ; e a Africa só era co- 
nhecida no mundo como um armazém de gentio 
preto, bom para cultivar as plantações de assucar 
e café, e para lavrar as minas americanas. 



i . — AFRICA PORTENTOSA 237 

Na primeira metade do século actual, os nego- 
ciantes portuguezes resgatando os productos serta- 
nejos e os escravos ; e os governos coloniaes, acaso 
inspirados pelo desejo de alargarem para o interior 
a sujeição dos indigenas, — trilharam a Africa em 
certos sentidos ; emquanto allemães e hollandezes, 
partindo dos estabelecimentos do extremo sul do 
continente, exploravam especialmente a cafraria. 
Ainda porém estas viagens não despertavam a at- 
tenção da Europa; ainda ella andava exclusiva- 
mente absorvida pelos debates e revoluções que o 
apparecimento das theorias liberaes provocou; e 
pela faina da construcção de obras-publicas e da 
constituição do machinismo industrial, determina- 
dos pelas descobertas da mecânica. O industrialis- 
mo, o progresso da viação terrestre e marítima, e 
o progresso das sciencias naturaes, coincidiram 
para chamar as attençoes da Europa para os fei- 
tos heróicos de um ingénuo apostolo escocez, filho 
directo dos philanthropos insulares do principio do 
século. Livingstone cruzara a Africa em vários 
sentidos ; descobrira, — porque as anteriores desco- 
bertas haviam passado desapercebidas, ou estavam 
esquecidas, — os rios e os lagos do interior; e re- 
velava á Inglaterra manufactureira e bíblica a 
existência de cem ou duzentos milhões de homens 
que andavam nús, e podiam vestir-se de algodão 
de Manchester ; que adoravam fetiches, e deviam 
aprender a Bíblia. 

Era ao tempo em que ás fabricas inglezas, teme- 
rariamente augmentadas, faltavam consumidores: 
os tecidos armazenados, os steamers immoveis nos 
portos, os martellos de vapor desesperados por não 
terem ferro em lume a esmagar para carris e loco- 
motivas, ameaçavam os capitães de uma ruina tão 
grande como fora o enthusiasmo da aventura. Ba- 



238 L. V. — A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 

tidos na China, apesar das victorias da guerra : 
nâo é verdade que a Africa se apresenta como 
uma concessão de uma grandeza quasi illimitada? 
um mundo a conquistar para o consumo, um con- 
tinente a cobrir de estradas de ferro? Addicio- 
ne-se a isto o génio apostólico do inglez ; junte-se 
a curiosidade scientifica do indo-éuropeu, mais do 
que nunca hoje disperta; e ver-se-hà como o regi- 
me industrial e o progresso das sciencias da Eu- 
ropa, são a causa immediata da exploração da 
Africa. 

Em poucos annos se multiplicaram as expedições 
e as viagens, pelo norte, pelo centro, pelo sul, por 
oriente e occidente. O exemplo de Livingstone en- 
controu enthusiastas em todas as nações ; e a Afri- 
ca, abertos de par em par os seus segredos ; a 
Africa, já conhecida nas linhas fundamentaes da 
sua structura geographica e da sua composição 
etimológica, entrará breve na segunda epocha da 
exploração. * Por um lado a via-ferrea trans-saha- 



* Principaes viagens: 
1521 — Quadra, enviado por D. Manuel para ir por terra, do Gongo á 

Ethiopia ; frustrada. 
1560 — Gonçalo da Silveira missiona até ás cabeceiras do Zambeze, onde 

é morto pelos cafres. ; 

1573 — Expedição de Francisco Barreto ás minas de Sofala. 
1606 — Id. encarregada pelo governo de Angola a Rebello de Aragão 

para atravessar a Africa austral ; frustrada. 
1608 — Id. de Estevam de Athayde ás minas da Zambezia ; fundação de 

Massapa e Ghicova. 
1676-80 — Ayres de Saldanha tenta em vão atravessar de Angola a Mo- 
çambique. 
1798 — Viagem do Dr. Lacerda, de Tete ao Cazembe, onde morre. 
1795 — Id. commercial de Assumpção Mello, de Benguella, pelo Bihé, ao 

Loval. 
1806-11 — yiagens entre Angola e Moçambique j especialmente a dos pom- 

beiros Baptista e Anastácio, de Pungo-andongo a Tete, e de Tete 

a Angola. 



1. AFRICA POBTEW TOSA 239 

riana ; por outro a communicaçâo dos systemas de 
lagos, por onde o caminho é relativamente fácil, 
desde o centro, no equador, até ao sul da costa 
oriental; por outro a navegação do Congo e do 
Zambeze, — serão, cremos nós, os primeiros passos 
da próxima futura historia africana. Reconhecido 
o território, construir-se-hão os caminhos, por onde 
chegarão a toda a parte as mercadorias da Eu- 
ropa. 

Os mappas da Africa austral, ainda ha bem 
poucos annos vazios e mudos, permittem já hoje es- 
boçar os traços geraes do relevo do continente. 
Três grandes zonas se pôde dizer que o compõem : 
a superior, a media, a inferior. 

1881-2 — Expedição de Correa-Monteiro e Gamitto, pelo Zambeze, a Lun. 

da, e ao Muata*Cazembe ; regresso a Tete. 
1843-7 — Id. de J. R. Graça, de Loanda ás nascentes do Zambeze : visita 

o Muata-yanvos. 
1852 — Travessia do Zanzibar a Benguella por três mouros. 
1852-6 — Viagem oommeroial de Silva Porto, de Angola aos Barotsé 

(alto Zambeze) : os seus pombeiros v&o até Ibo. 



Exploração da Africa central: 

1822-56— Viagens de Olaperton e Denham (22); Baikie (54); Barth (50); 
Vogel, Heuglin (56) ; entre 10 e 20° N. na Nnbia e no Sudão ; 
reconhecimento do lago Tschad, e do curso do Niger. 

1857-9 — Exploraç&o da Africa equatorial. Burton e Speke entram pelo 
Zanzibar e descobrem os lagos Tanganyka e Nyanza. 

1863 — Baker descobre o Alberto-nyanza. — Schweinfurth visita as ori- 
gens do Nilo ; explora o alto-Egypto, a Núbia e a Abyssinia. 

1869-74 — Nachtigal no Sudão oriental ; Barth no occidental. — (72) 1.* 
viagem de Stanley á região dos lagos centraes. 



Exploração da Africa austral : 
1840 — Primeira viagem de Livingstone, do Oabo, pelo deserto Ealahari 

ao lago Ngami ; e pelo vale do Zambeze a Angola. 
1858-61 — Segunda viagem, na bacia inferior do Zambeze, pelo Chire 

ao lago Maravi (Nyassa) que Livingstone reconhece. 
1865-7 — Terceira viagem, pelo Rovuma (Zanzibar) ao Maravi, ao Moe- 



240 L. V. A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 

* Na primeira (0 a 12° S.) levantam-se a oriente os 
terraços onde assentam os lagos (Alexandra, Alber- 
to, Victoria, Tanganyka, Moero, Banguelo, Niassa 
ou Maravi) ; para occidente abre-se o enorme estuá- 
rio do Congo. D'esse systema lacustre vasam para o 
norte o Nilo, para o sul o Zambeze, para o poente o 
Congo; e pelo nascente os degráos successivos dos 
planaltos da região marítima descem até á costa de 
Zanzibar-Moçambiqne, apenas sarjada por peque- 
nos rios litoraes. Do lado opposto corre o Congo 
descrevendo um curso semi-circular que passa além 
do equador, para vir terminar por 6 o S. Os seus 
numerosos confluentes do sul, descendo dos planal- 
tos que dividem esta primeira, da segunda região 

* 

ro, ao Banguelo, trilhando toda a região dos lagos meridionaes 
e a região alpestre intermediaria, até Nyamgvé sobre o Luala- 
ba (Congo.) 
1872-5 — Viagem de Gameron ; de Zanzibar a Oadjidji (lago Nyanza,) 
ao Tanganyka ; reconhecimento da altura do Lualaba em Nyam- 
gvó e determinação d'esse curso de agoa eomo fazendo parte das 
vertentes occidentaes da Africa, e sendo provavelmente o pró- 
prio Gongo. (The Lualaba, if it be the Congo, of lohich I think 
there ean be ne doubt.) De Nyamgvé, Gameron desce, atravez do 
continente, pelos Moluas a Benguella. 
1874-7 — 2.* viagem de Stanley ; do Zanzibar ao Nyanza ; reconheci- 
mento da região dos lagos superiores (Victoria, Alberto ;) visita 
do império de Uganda, determinação do divorcio das agoas in- 
teriores nos três systemas do Nilo, do Zambeze e do Gongo, que 
o explorador desce, provando ser o Lualaba o mesmo Gongo. Ter- 
mina a viagem em Angola. 
1877-80 — Expedição portugueza. Serpa-Pinto vae do Bihé, seguindo pro- 
ximamente em direcção opposta á da primeira viagem de Li- 
vingstone, sair ao Natal. Capello e Ivens exploram o interior 
de Angola. 
1868-71 — Viagens de Erskine, Baines, Mohr e Mauch na cafraria, en- 
tre Limpopo e Zambeze, no litoral e pelo paiz dos bechuanas. 
Varias expedições trilham actualmente a Africa. Stanley acha-se 
internado no valle do Congo. Italianos, francezes, belga*, inglezes, ex- 
ploram a região dos lagos superiores ; Duperré, Largeau, Solleilet, 
Bonnat, a Senegambia e a Guiné ; e vão installar-se os trabalhos prepara- 
tórios do caminho de ferro trans-sahariano, da Argélia ao Senegal. 



1. AFRICA PORTBKTOSA 241 

africana, rasgam um amplo valle ; e o Amazonas 
africano tem também, como o da America, nas 
suas cabeceiras da zona alpestre, a oriente, os 
seus Andes. Nasce em Ubisa, um pouco ao sul do 
Banguelo, corta o lago Moero, segue parallelo ao 
Tanganyka, no pendor ocçidental das montanhas 
do oriente, com o nome de Lualaba, e depois com 
o de Congo ou Zaire. Da origem a Nyamgvé mede 
quasi dous mil kilometros ; d'ahi ao mar quasi três 
mil; ao todo 4:700 kilometros. O seu curso superior 
(Lualaba) até ao despenhar das primeiras cata- 
ractas avalia-se em tresentas legoas navegáveis ; o 
seu curso médio, das primeiras ás segundas ca- 
choeiras, em mais de quatrocentas ; e o ultimo tro- 
ço, de Yellala ao mar, em mais de cem. Os afluen- 
tes, inexplorados ainda, orçam outras cem legoas 
navegáveis ; e a bacia do Congo, com a quarta parte 
da superfície da Europa, e novecentas ou mil le- 
goas de cursos de agua navegáveis, é a digna rival 
da bacia do Amazonas, fronteira do outro lado do 
Atlântico. 

Os socalcos sobrepostos, que caracterisam a oro- 
graphia da Africa austral, dão origem ás catarac- 
tas do Congo, e fecham o estuário do grande rio 
africano com o systema de planaltos orientaes, e 
com o das alturas meridionaes d'onde lhe vém as 
aguas do Quango, nos confins da província de An- 
gola ; do Kassibi-Uriki ou Loke, que parte de Qui- 
boque a regar as terras de Balunda e a cortar o im- 
pério negro do Muata-Ianvos ; — e dos numerosos 
ramos do Sankuru e do Lomami que banham o reino 
dos moinas. Por norte, a bacia litoral do Ogové, por 
sul a do Quanza ; dominada uma pelas alturas da 
serra Comprida, outra pelas da serra de Magongo ; 
formando uma o Gabão francez, outra a Angola por- 

tugueza ; — ladeiam as boccas do Congo, da mesma 

16 



242 L. V. A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 

forma que o Oyapock e o Maranhão ladeiam as do 
Amazonas. 

Tal é a região superior da Africa austral. 

Na região media (12 a 20° S.) os traços geraes da 
structura do continente invertem-se. Ficam de oc- 
cidente os terraços elevados dos districtos de Ben- 
guella e Mossamedes e a Hottentotia fronteira, 
apenas sarjados pelo curso de Cunene. Corre para 
oriente o Zambeze, descendo desde as vertentes 
das alturas centraes, que do lado opposto alimen- 
tam os confluentes do Congo, e recebendo os sub- 
sídios da encosta que baixa da região dos lagos : — 
o Zumbo que penetra por entre o Banguelo e o 
Nyassa; e o Chire que vasa pelo sul este ultimo. 
Na margem opposta recebe o Zambeze os tributos 
do Chobe que parallelamente se interna com elle 
para norte ; e se os caudaes do Cubango se per- 
dem nas areias do deserto interior, formando um 
grupo de lagoas (Ngami e outras); as montanhas 
que dividem pelo sul oriental a segunda da ter- 
ceira região africana, mandam ao Zambeze os nu- 
merosos confluentes da terra dos makalakas, ou 
reino de Matabele, collocado na divisória do Zam- 
beze e do Limpopo. 

A terceira região inclue todo o resto da Africa 
austral ; é o extremo do continente, e já quasi toda 
extra-tropical. Cruzam-se n'ella em direcções op- 
postas os seus dois rios principaes, o Limpopo, 
descendo para oriente, o Orange para occidente. 
Mas, ao passo que o primeiro, pelo norte, só banha 
a metade do continente, para além do planalto Oc- 
cidental que vém desde o Cunene pela Hottento- 
tia até ás possessões inglezas do Cabo, para além 
do deserto Kalahari e da terra dos buschimanos ; 
— o segundo quasi corta de lado a lado toda a 
Africa, delimitando, pelo norte, as serranias do 



i . — AFRICA PORTENTOSA 243 

Cabo e trazendo as origens das cordilheiras da 
terra dos zulus. 

Eis ahi o esqueleto da terra dos monstros — Africa 
portentosa, como lhe chamaram os romanos. Vasta 
mancha de terra levantada na amplidão dos mares, 
a Africa assenta quasi inteira entre os dois trópi- 
cos: apenas a costa mediterrânea com o Egypto 
e uma facha do Sahará ao norte ; apenas o Cabo, 
ao sul, entram na zona temperada. Tudo concor- 
reu para manter incógnito e mysterioso o interior 
d'esse continente. O Sahará, estendendo-se nas 
fronteiras da Mauritânia e da antiga Numidia, im- 
pediu os romanos de alongarem para o sul a sua 
conquista do mundo. Pelo Nilo, cortado de catarac- 
tas, a navegação estava limitada ; e apenas as cara- 
vanas transpondo o deserto, os navios costeiros dos 
mouros descendo a costa occidental, mantinham re- 
lações terrestres com as populações trans-saharia- 
nas. Por mar, com tudo, os árabes da contra costa 
do mar- Vermelho exploravam, negociavam e cru- 
zavam com as nações indigenas do alto-Nilo e das 
montanhas ethiopes. 

Nos tempos modernos, os portuguezes costearam 
todo o continente, desenhando-lhe, nas suas cartas, 
o contorno ; para o interior, porém, tudo ou quasi 
continuava incógnito, mysterioso. O clima devora- 
dor e o trafico marítimo dos escravos obstaram por 
muito, e de modos diversos, a que se desvendasse o 
segredo ; mas a estas causas é mister Juntar ainda a 
orographia : — a disposição das montanhas em socal- 
cos desordena o curso dos rios, dando-lhes nas pla- 
nuras amplidões lacustres, como a do Congo no seu 
curso supra-equatorial ; e, nos abruptos declives do 
terreno, cataractas que interrompem a navegação, e 
fecham as portas dos territórios do interior ao ac- 
cesso da exploração fluvial. 



244 L. V. — A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 

Estes obstáculos que mantiveram segregada da 
mundo quasi toda a Africa, erguem-se ainda hoje 
como sérios embaraços á conquista do continente 
mysterioso; apesar dos meios incomparavelmente 
mais enérgicos de que dispõem agora os povos eu- 
ropeus. Encastellada nas suas elevadas planuras, 
defendida pelas cataractas dos seus rios e pelas fe- 
bres das suas costas paludosas, a Africa envolvida 
nas suas florestas gigantescas, desafia a cubica e a 
curiosidade do europeu. O sol de fogo n'um céo 
sem nuvens derrama uma inundação de luz ar- 
dente; de noute as estrellas brilham com um ex- 
cessivo fulgor no azul frio do ar; e quando as nu- 
vens se formam, a chuva despenha-se em dilú- 
vios, alagando todas as planícies, inundando os val- 
les e trasbordando os rios. Sob um clima genesia- 
co, a natureza tem esplendores e grandeza que 
contrastam com a mesquinhez do homem; e aqui, 
da mesma forma que na America, a natureza pró- 
diga não permittiu a formação de uma espécie su- 
perior ou o desenvolvimento progressivo das primi- 
tivas e inferiores espécies humanas. A vida surge 
por toda a parte, os animaes são legiões nos bos- 
ques do baobab monstruoso, das palmeiras gigan- 
tescas, das mimosas deslumbrantes ; os rios são vi- 
veiros de monstros ; e o mar das costas corre em 
ondas de cardumes de peixe. Os animaes das sel- 
vas tém as proporções das arvores : são o elephante 
e o rhinoceronte e o leão, — os baobabs do reino 
animal, — e as hyenas, o chacal, as antílopes incon- 
táveis e as nuvens de insectos e os bandos dos rep- 
tis, como as outras essências mais humildes da flo- 
resta viva. O hyppopotamo e o corcodilo infestam 
os rios, e nos prados correm ou voam os rebanhos 
das avestruzes. Ao norte, no delta do Niger, vive 
o gorilla, que ainda não é um homem ; ao sul nos 



1 . AFRICA PORTENTOSA 245 

socalcos marítimos occidentaes, o hottentote que de 
homem apenas merecerá o titulo. Que segredos, que 
thesouros se escondem no seio d'esse continente 
apenas trilhado ? Encontrará ahi o sábio definitivas 
provas da origem do homem? Encontrarão ahi os 
europeus novas minas, engastadas nas rochas ? no- 
vos leitos do carvão precioso, encobertos sob a ca- 
mada dos terrenos exteriores? Virá a Africa a dar 
ao homem a chave do enigma da sua apparição no 
mundo ; e a marcar a éra da conclusão d'esse sa- 
que da terra, principio fundamental da historia ? 

A' grandeza monótona e uniforme, á palpitação 
vital febril, ao singular do céo, ao desconhecido da 
terra, ao inhospito das costas, á fereza dos brutos, 
reunia a Africa portentosa um aspecto singular : a 
gente preta. Esse tom da pelle indígena augmen- 
tou o terror; e o facto, singular em si, tornou-se 
n'um symbolo. As trevas que envolviam a Africa 
davam a cor aos seus habitantes. 



II 



Âs gentes pretas 



Entretanto a cor é apenas uma base convencio- 
nal e nada fixa de classificação; entretanto a Afri- 
ca, habitada por brancos na facha mediterrânea, i 



1 V. sobre as raças da Africa septentrional, Hist. da civil, ibérica, 
pp. 18 a 24. 



246 L. V. A EXPLORAÇÃO DO CONTINKNTK AFRICANO 

inclue gentes de todas as cores ; e desde o aco- 
breado americano, desde o amarello mongolico, 
até ao negro retinto, todas as cambiantes possí- 
veis tém os seus representantes. Os fullos da Se- 
negambia tiram para o vermelho, e nos habitantes 
das cabeceiras do Nilo são communs os acobreados 
ou amarellos. Se o negro é preto na costa da Gui- 
né, os obongos do Gabão são de um amarello sujo. 
Entre os cafres ha tribus quasi vermelhas. Dos 
makololos muitos são castanho*claros, e da mesma 
cor abundam nas tribus do alto-Congo ou Lualaba. 
Por outro lado os hottentotes, e mais particular- 
mente os boschimanos, tém a cor do couro curtida 
e velho. A latitude, ou por outra a temperatura, 
não serve pois para explicar as variações quantita- 
tivas do pigmento na pelle, origem das variações 
da cor. Não só ha homens claros sob o Equador, 
ha homens pretos em latitudes afastadas ; e não só 
na Africa isto succede ; porque, se ahi os mais ne- 
gros estão entre 12 e 15° N., na Califórnia, a 42% 
havia-os tão retintos como os da Guiné. 

Admittiremos, pois, como querem muitos, que a 
espécie humana desde a sua origem se dividisse 
em dois typos distinctos, o branco e o preto; e 
que o amarello e o vermelho, e todas as combina- 
ções e cambiantes apenas traduzam successivos 
cruzamentos? E' a hypothese, de facto, mais ve- 
rosímil, no estado em que se acham os estudos an- 
thropologicos. Isto posto, vejamos como se classi- 
fica e por onde se distribue a população da Africa 
centro-austral. 

Antes de chegarmos ás raças mais propriamente 
negras, é mister passarmos rapidamente a vista por 
essas populações mestiças que lhes formam a fron- 
teira septentrional, espalhadas pelas margens aus- 
traes do Sahará e pela região do alto-Nilo. O Su- 



2. AS GENTES PRETAS 247 

dao ? diz o seu grande explorador Barth, foi o cen- 
tro de um grande cruzamento de raças. Os fullos, 
de raça vermelha e lissotrices, impozeram-se aos 
negros indígenas, ullotrices, pelo x século da 
nossa éra. Ao mesmo tempo que repelliam as tri- 
bus negras, porventura autochtonas, para o sul, 
cruzavam com ellas, produzindo as raças mestiças 
do Senegal (fullos, mandingas,) por um lado, e os 
negroides (gallas, somalis,) na contra costa. O cru- 
zamento das raças africano-septentrionaes com os 
negros do sul do Sahará dura ainda ; e na confusão 
do sangue numida, egypeio, nubio, ethiope, com o 
negro, veiu também intervir o árabe. Entre o 
semita da costa asiática do mar- Vermelho e o ne- 
gro ha hoje ainda nas planicies de- Sennaar seis 
graus successivos: os el-asfar, amarellos; os el- 
kat-fatelobem, simili-abexins ; os el-akdar, verme- 
lhos ; os el-azraq, azues ; os el-ahcdar, verdes; e os 
ahbits ou nubas cujos cabellos, sem serem lisos, 
não são ainda inteiramente crespos. Apesar do cru- 
zamento, porém, o fundo da população submettida 
e escravisada é ullotrice e negra; e como domi- 
nador, o fullo acobreado, como pastor ou nego- 
ciante, o' branco árabe, destacam-se ainda do seio 
da raça indígena. Essa invasão de raças lissotri- 
ces consummada ao norte, caminhou, porém, com 
menos regularidade e decisão para o sul ; já ao 
longo da costa oriental até ao Zanzibar, já pelo 
valle do Nilo até á região dos lagos centraes supe- 
riores onde assenta o império de Uganda ; produ- 
zindo uma aristocracia, politica ou mercantil, de 
mestiços, e proporcionando aos viajantes o espectá- 
culo de civilisaçoes embryonarias, onde natural- 
mente se encontram com abundância õs mesmos ca- 
racteres que conhecemos do antigo Egypto. 

Esta sobreposição de raças estranhas limitou 



248 L. V. A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 

pelo norte o habitat dos pretos. A linha que se- 
para os negroides das três raças indígenas da 
Africa, — negros, hottentotes e cafres, — parte 
das boccas do Senegal, em cuja margem direita 
assentam os negroides azenegues ; segue o curso 
d'esse rio; e pode traçar-se de lado a lado do con- 
tinente em 10° N. por Dâr-Fertit e pelo norte dos 
lagos centraes até ás fronteiras de Abyssinia. D'ahi 
é mister descer por oriente do Nilo, em demanda 
da costa no Equador. Para além ficam os negro - 
berberes, os negroides do Sudão, os abexins, os 
gallas, os somalis, negro-ethiopes da Africa norte- 
oriental; para áquem, a Nigricia e a Cafraria, divi- 
dindo quasi por meio, de norte a sul, a Africa aus- 
tral. 

O planalto central d'onde descem o Congo e 
seus affluentes é porventura o berço da grande 
familia negra, que as invasões negro-ethiopes do 
oriente obrigariam a recuar até á costa Occiden- 
tal, espalhando-a ao longo d'ella, desde o Senegal ; e 
repellindo para o extremo sul do continente os hot- 
tentotes, — acaso também os autochtonas da Africa 
occidental, e de certo o exemplar mais inferior da 
espécie humana. E' evidentemente impossivel for- 
mar mais do que conjecturas sobre taes questões : 
estas parecem, entretanto, as mais verosimeis. 

Alargada a Nigricia aos limites por onde hoje 
se estende, a gente de língua bunda * está longe de 



* «A lingua bunda não é totalmente destituída de flexão, embora 
se não possa propriamente inscrever na terceira das classes estabelecidas 
por Humboldt. Éí uma lingua aglutinante. O plural fórma-se com o pre- 
fixo ji, ou mudando os prefixos nominaes mu, qui, ri, respectivamente 
em mi e a, i, ma, do qual a transição de mu para mi poderia ser consi- 
derada como uma mudança symboltca de forma. Não ha distineção gram- 
matical dos géneros, que são expressos pela addição de certas palavras. 
Os casos são formados por partículas prefixas. Com respeito aos verbos 



2. AS GENTES PRETAS 249 

apresentar um typo constante e definido. Por toda 
a parte surgem os productos de cruzamentos, já 
com os negroides do Sudão, já com os bereberes na 
Guiné, já com os ethiopes ; e com as invasões do 
oriente os laivos de sangue branco avançaram até 
á costa opposta do continente. Entre os Ashantís 
vivem tradições de uma origem abexim ; na circum- 
cisaçao encontra-se a prova de uma iniciação orien- 
tal ; e d'esta forma, os exemplos, os costumes, 
as tradições indígenas devem approximar-se tanto 
mais do typo archeologico egypcio, quanto mais o 
viajante adiantar do nascente para o poente. E' 
com effeito na zona marítima occidental que elles 
são menos geraes ; e que ao lado de notáveis exem- 
plos de origem oriental, já nos costumes, já nos 
homens, se encontram os typos puros da raça ne- 
gra, na cor e na condição social e moral. 

O habitat do negro, ou Nigricia propriamente di- 
ta, enfrenta com os negroides do norte até ao 
Darfur; e a bacia hydrographica do Congo pôde 
considerar-se como incluindo todos os povos de 
raça negra. Com effeito, os planaltos dos lagos 



as differenças das três conjugações propostas por Cannecatim parecem de- 
pender de leis euphonicas ; mas o semi-passivo distingue-se claramente 
do activo por prefixos peculiares. O pretérito é formado por certos pre- 
fixos e suffixos ; e o futuro pela addição de yza, qué também serve para 
indicar a derivação : v. g. pilimeLu (port. primeiro) do qual se faz yza- 
pUimélu, antecipar. Penso também que le é o suffixo do pretérito, da 
raiz coia, ser. As pessoas são indicadas por prefixos que, — com excep. 
da primeira e segunda do sing. (cuja raiz desconheço) são formas abrevia- 
das do pronome pessoal. É notável que, á excepção de certos adjectivos, 
todas as palavras terminem em vogal. O p talvez não existisse original- 
mente na língua bunda, pois quasi todas as palavras em que se encontra 
provém do portuguez. Em geral o bunda não é de modo algum uma língua 
pura, mas sim misturada com palavras portuguezas desfiguradas pelos 
negros na pronuncia. Ex: bici — peixe ; panu — (panno) vela; ezolu — 
anzol.» Tams. Visit. u, 143-4. 



250 L. V. À EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 

e as suas vertentes orientaes pertencem aos ca- 
fres, que também se confundem com os negros nas 
cabeceiras do Zambeze. Fronteiros dos hottento- 
tes pelo sul (18°), os negros entestam com os cafres 
em todo o oriente. 

A cafraria vém desde o extremo sul do conti- 
nente, enfrentando primeiro com os boschimanos 
atravez do deserto Kalahari, povoando o valle do 
Limpopo, subindo o do Zambeze até ás suas ori- 
gens, e occupando desde ahi toda a metade oriental 
do continente até entestar no [Equador, e pela re- 
gião dos lagos superiores, com os gallas, os soma- 
lis e negro-ethiopes. 

Se é contestada a unidade, a fixidez de typo 
da raça negra, mais ainda o pode ser a da ca- 
fre, palavra, cuja significação é infiel e que foi 
creada pelos musulmanos. Vale porém mais para o 
ethnologo a circumstancia, verificada por muitos 
viajantes, de o dominio da lingua bantu, ou. cafre, 
se estender até ao Congo e até ao Zanzibar. A ser 
isto certo, a classificação encontraria aqui uma 
base que a anatomia não pôde dar. Em geral o 
typo cafre é superior ao negro : tem a figura me- 
nos bestial, o craneo mais desenvolvido, tem egual 
platyrhinia, mas um prognatismo menor. A cor 
tira ao pardo escuro, mas os cabellos são crespos, 
e as fendas palpebraes lembram, como nos hotten- 
totes, os typos mongólicos. 

Tantos e tão variados foram po/ém os cruza- 
mentos que, entre os povos de lingua bantu, a 
quem cabe boa metade da Africa austral, se encon- 
tram os typos mais variados. Ao sul distinguem-se 
logo os cafrcs-da-costa dos do interior, ou bechua- 
nas, que são mestiços cafro-hottentotes. Ao norte 
distinguem-se também as raças do litoral, mais 
cruzadas de sangue árabe, das da região lacustre 



2. AS GENTES PRETAS 251 

onde prevalece o sangue ethiope ou nubio. Que 
haja ou não um typo de raça cafre, e qualquer que 
seja esse typo, — o facto é que até hoje a cafraria 
tem apparecido aos viajantes como uma vasta re- 
gião de mestiços. Com effeito, a fusão das raças 
autochtonas e estranhas só podia fazer-se de um 
modo geral na metade oriental do continente. Na 
outra metade, o Sahará tornava árdua a empreza e 
a longa navegação era desconhecida. Foi pelo valle 
do Nilo, foi descendo a costa do mar- Vermelho e 
depois a da Africa ató ao estreito de Madagáscar, 
que os ethiopes, os nubios, os árabes cruzaram 
com as populações indigenas. As tradições e os ri- 
tos, a circumcisação e um monotheismo que não é 
raro encontrar entre os cafres, dão um testemunho 
que as observações de Stanley na corte do rei 
Mtesa confirmam. Os laivos de cultura mahome- 
tana são profundos, e espontâneo o apparecimento 
de ritos e costumes idênticos aos do antigo Egypto. 

Os hottentotes formam o terceiro grupo dos povos 
afro-austraes. Repellidos hoje pelos negros e pelos 
cafres, superiormente dotados, para os extremos 
confins do continente; debruçados sobre o mar 
nos terraços que ficam entre o rio Orange e 20° S.;. 
defendidos pelos areaes do deserto Kalahari que 
os separa da cafraria ; nos hottentotes querem 
muitos achar os primeiros habitadores de toda a 
Africa, vencidos e exterminados pelo typo superior 
negro. 

Com effeito, é digno de reparo que certos carac- 
teres particulares do hottentote, e mais ainda do 
boschimano que é considerado um sub-typo mais 
puro, vão encontrar-se nos pontos extremos da Ni- 
gricia e da Cafraria. A steatopygia, ou desenvolvi- 
mento monstruoso das nádegas, e as phenomenaes 
proporções das nymphas, o avental, que caracteri- 



252 L. V. — A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFBICANO 

sam a mulher boschimana, encontram-se entre os 
somalis e entre os cafres. A excessivamente pe- 
quena altura, também peculiar do hottentote, obser- 
va-se nos obongos do Gabão, que tem a mesma tez 
cor de couro velho, a mesma inserção dos cabellos 
em mechas isoladas, os olhos da mesma forma 
oblíquos. Accresce ainda o facto de que todos ou 
quasi todos os nomes geographicos da Cafraria são 
hottentotes. 

Não seria pois talvez temerário affirmar que 
essa raça hottentote, hoje extincta ou quasi, foi ou- 
trora senhora do continente africano; e que o 
grupo de povos, conhecidos por nós sob o nome de 
cafres, não é mais do. que o producto do cruza- 
mento d'essa primitiva raça com os invasores. Por 
um lado os mestiços mais bem dotados, por outro 
os negros, — acaso autochtonas do coração da Afri- 
ca, — de si mesmo capazes de maior desenvolvi- 
mento, exterminaram esse typo ainda rudimentar 
de homem. 

Na lucta das raças, ou indígenas ou nacionalisadas 
por antiquíssimas migrações, succederia na Africa 
ao hottentote o que muitos querem que na Europa 
tivesse succedido a uma primitiva raça amarella. 
Assim devia ser, e assim é por toda a parte: um 
typo superior repelle e acaba por exterminar o in- 
ferior, e a vida é uma lucta constantemente devo- 
radora. A extincção do hottentote, porém, não tra- 
duz senão uma superioridade relativa do cafre mes- 
tiço e do negro, typos que só de bem longe se avi- 
sinham do typo superior do homem. «Nunca vi ca- 
beça mais similhante á do macaco, do que a d'esta 
mulher,» dizia Cuvier observando a Vénus hotten- 
tote. 

Para que o leitor melhor abranja o systema dos 
povos que habitam a Africa, tal como as observa- 



2. — AS GENTES PRETAS 255 

ções, decerto ainda incompletas dos viajantes, e as 
deducçoes mais ou menos bem tiradas, o esboçam 
hoje, apresentamos-lh'o em um quadro. Elle ex- 
prime antes o estado dos nossos conhecimentos a 
tal respeito, do que as conclusões definitivas de 
uma sciencia acabada. 



254 



I*. V. A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 



O 

u 



u 

o 

*C 
o 

o. 

9 



1-3 

EH 

CO 

i 

O 

Pi 

Eh 



Ph 



Pi 



-«1 

o 
o 



o 

Eh 

w 

H 
o 

CO 



H 

M 

03 

< 

w 



•iH 

O 

•iH 



DD <J 

« 



ca 

o 

to 

K 

O 



CD 

O 



0) 



: c rt to 
1 *a í^ •»-• 



■ PQ 



« 



03 ^< — 



'«'«« 



r^-t L£J s ^« •■ 

"^ <J _- •> 



o S = 



eo ^i o to 



s 



o 
ti 

• H 

o: 



o 



o 





fl 

(D 


a 

h 

o 

H 
Cí 

d 

c 

a 

o 

'd* 



& 

d 



01 




~ d *> 

» 5 * * 

g « S í 

•^ sca •- 

pqEttQ' 



t- CO 



cs 



_ <A _ ^ 

*; PQ ÍÍPQ o § 

iH t-I > 



m 
o 
» 

a 
e 



■-5 

SSfiQ 



^-^ 



CO 



ò * 

BB » 



NEGttA 

(língua bunda) 



1 



2. — AS GENTES PRETAS 



255 



o 

o 

cn 

O 

S 

■** 

•c 

oS 



d 

os 

■s 



CO O 

d * 
.5 Pé 



° S O 
oo es 5 



00 

CD 
O 



ti 



+3 
O 

d 

<D 

O 

H 

I 

m 




es 

is 

a» 
co 

es£ 3 
•Eí .2 es 



CO 

o 

o 

p. 

s 



t4 



o 

N 

CO 

e8 

N 
co 

o 

p. 
o 
cu 

a 



03 
N 

Cv 

e 

eS 

si 

o 
Q 



•O .Ti 

eí ~ 

.O * oí 

os a tí >2 
5 es « 
N O >, 



PM 



d 
a) 






O 

til 

3 a « sog 

.2^ « 8 



co 

p 

o 4 

hl 

es 

• 

o 
o 

~ d 

e] ço 

55 ° 

co " 
o • 



13 

d 
co 



es 
N 

CO 

d 

S 
O 

p. 



d 

CO 

h 
C 



O 

SP 



0) 

co 

•I-C 

.d 
O 

o 

OJ 

«0 

O 

o 



o 

13 

!>§ 



a 

o 
o 

h 

eS 



co 8 



a? 



o 

cS co w 

i— i eS 
-3 cê 

0-3 

d 

CO 



Vi 

O 



os 








ao 

d 

d 

CS 

•+* 

d 
es 

.O 
> 

O 



2 

CP 

> 
o 



m a 



m 

o 
d 

« 

s 

2 

o 
© 






os 

O 
M 

3 

** PQ 

® - 

- 2 
oo O 

do ♦* 

«â 3 -* 



«•-— * co 2 ss 
g * .o < o 



00 
2 » 

e8 o 

O Cu CS 
V 

ro O* 

a> ice i 

só ^ . 
2 * "3 



o 

» 

d 

03 

09 

co 

d 

CP 

4-» 

u 
co 



D0 

CO 



CO 

o* 
a 

03 



d 
co 
o 

03 

O 
t)0 
eS 



22 «o 

•o S 









O 
«eS 

•IH " 

to 



d 
co 



Suoio 

d 

O w 

es *— 

o 

d 



co 



o 
CD 



i 1 3 



O 
CS OJ 

09 
CO 

— eo e 

° 5 » «« d 

«SSJ2-S 2 d ^S 

O 



jí— s*os d 






d 

03 

09 

eS 

13 

d 

8 
I 



d 

es 

3 

•o 

d 

et 
te 

£> 



ih ooj eo "* o «o t» 






m 

« 

9* 

•H 

u 
(D 



■ 

•E tf 



tf 
-o 



tf 



tf» 



ao o 



§- 

tf V 



â 

n m 

tf h 
N 



"« 



I 
1 



Pi 

3 e< g 

^ o t* 

o a 
w 



S 6 * 



CAFBB 
fUNGUA BANTU) 



«O 



256 L. Y. A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 



in 

A civilisação africana 

O poético plano da educação dos pretos seduz 
hoje em dia os ânimos enthusiastas que, não po- 
dendo já com as velhas religiões, imaginam fun- 
dar novos cultos, philanthropicos. Entre o vasto 
numero das ingénuas superstições do nosso tempo, 
não é esta, nem a menos geral, nem a menos 
conspícua. 

Acode, porém, uma pergunta: de que modo e 
porque processo ha de commetter-se essa obra im- 
prevista e nova nos annaes da historia? Ou a 
Africa tropical se presta á immigração dos euro- 
peus, e n'esse caso as leis inevitáveis que condem- 
nam por toda a parte as raças inferiores se repeti- 
rão ; i ou a Africa tropical repelle as raças euro- 
pêas, e não se concebe de que modo, nem com que 
mestres, se faria a educação do negro. Occupando 
militarmente o continente, impondo um domínio 
protector? E que orçamentos bastariam, que mi- 
lhões de homens seriam necessários, para preencher 
as baixas dos exércitos? E a Europa industrial e 
utilitária deixar-se-hia arrastar por tão ruinosa chi- 
mera? Toda a historia prova, porém, que só pela 
força se educam os povos bárbaros : porque o exem- 
plo extravagante e de certo ephemero do Japão é 
único. 

Apesar d'isso, a philanthropia insiste em esperar 
que a Biblia, traduzida em bunda e em bantu, con- 
verterá os selvagens ; que a ferula do mestre-es- 

* V. supra, pag. 145-8. 






3. — A CIVILISAÇÃO AFRICANA , 257 

chola fará d^lles homens como nós. Espera-se da 
. alliança mystica do Testamento e das facturas de 
. algodões o que os sinos e os crucifixos, a musica e 
o incenso do culto catholico, não poderam conseguir 
outrora, nem na America, nem na Africa. Os re- 
sultados presentes faliam em vão, porque, diz Ger- 
vinus, «todas as licçoes da historia são perdidas para 
aquelle que continua a attribuir as mesmas aptidões 
a todas as raças humanas; depois das experiências 
politicas do Haiti, depois das experiências sociaes 
da Libéria; depois das licçoes que á economia po- 
litica fornece a Jamaica, e dos resultados peda- 
gógicos dados pelas escholas mixtas dos philan- 
thropos da Nova-Inglaterra, — onde as creanças de 
cor jamais vão além de um limite de desenvolvi- 
mento intellectual, o limite constitucional da raça.» 
Sempre o preto produziu em todos esta im- 
pressão : é uma creança adulta. A precocidade, a 
mobilidade, a agudeza próprias das creanças não 
lhe faltam; mas essas qualidades infantis não se 
transformam em faculdades intellectuaes superio- 
res. Resta educal-os, dizem, desenvolver e germi- 
nar as sementes. 

Não haverá, porém, motivos para suppor que 
esse facto do limite da capacidade intellectual das 
raças negras, provado em tantos e tão diversos 
momentos e lugares, tenha uma causa intima e 
constitucional? Ha de certo, e abundam os do- 
cumentos que nos mostram no negro um typo 
anthropologicamente inferior, não raro próximo do 
anthropoide, e bem pouco digno do nome do ho- 
mem. A transição de um para o outro manifes- 
ta-se, como se sabe, em diversos caracteres : o au- 
gmento de capacidade da cavidade cerebral, a 
diminuição inversamente relativa do craneo e da 

face, a abertura do angulo facial que d'ahi deriva, 

17 



258 L. V. — A EXPLORAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO 

e a situação do orifício occipital. Em todos estes 
signaes os negros se encontram collocados entre o 
homem e o anthropoide. * E os estudos de archeo- 
logia pre-historica não authorisam a suppor que 
dentro de uma raça, isto é, sem o cruzamento de 
estranho sangue, possam dar-se progressos sensi- 
veis na anatomia do cérebro. Não bastarão acaso 
estas provas para demonstrar a chimera da civi- 
lisação dos selvagens, que foi o sonho vão dos je- 
suítas? E se não ha relações entre a anatomia do 
craneo e a capacidade intellectual e moral, — por- 
que ha de parar a philanthropia no negro ; e não 
ha de ensinar a Biblia ao gorilla ou ao oúrango, 
que nem por não terem falia, deixam de ter ou- 
vidos, e hão de entender, quasi tanto como en- 
tende o preto, a metaphisica da incarnação do Ver- 
bo e o dogma da Trindade? 

1 a) Capacidade craniana ; centim. cub. 

OBSERVAÇÕES DE 

SParisienses 
Bascos hespanhoes 
Corsos 
Negros africanos (occidentaes) 
Americanos 

b) Relação do craneo para a face ; Cuvier : 

Brancos 1 : 1 

Negros 1,25 : 4 

c) Ângulos faciaes de Cloquet ; observações de Broca : 

Bretões 72° 

Hottentotes 56 
Gorillas 31 

d) O orifício occipital acha-se no europeu a egual distancia da 
parte anterior e posterior do craneo j no negro é mais posterior ; no an- 
thropoide muito; até que no cavallo e no hyppopotamo deixa de fazer 
parte da base do craneo. (Broca.) — Os ossos próprios do nariz ficam 
separados na Unha media, até uma avançada edade, no europeu ; até 
aos 80 ou 25 annos no hottentote e no negro ; e até aos dois apenas nos 
anthropoides. 



BROCA 


MORTON 


1:558 J 




1:574 > 


1:534 


1:552 1 




1:430 


1:364 





1:239 



3. — A CIYILISAÇÂO AFRICANA 259 

Não só, pois, a idéa de uma educação dos ne- 
gros é absurda perante a historia: é-o também pe- 
rante a capacidade mental d'essas raças inferiores. 
Só um lento e longo cruzamento com sangue ms^is 
fecundo poderá gradualmente ir transformando-as ; 
e é exactamente isso que de um modo espontâneo 
e natural veiu succedendo desde uma edade, em 
que ainda os europeus se não preoccupavam com 
a Africa. Esse sangue não foi, nem poderá ser, o 
da Europa: é o sangue africano das raças septen- 
trionaes e o sangue árabe, fundidos n'um só corpo 
pelo islamismo. Os cruzamentos, d'onde já saiu a 
civilisação do valle do Niger, e de todas as nações 
negroides de Sudão e da Abyssinia ; os cruzamen- 
tos que já deram ao cafre uma relativa superiori- 
dade; são quem, no lento decorrer de séculos, pode- 
rão civilisar a Africa centro-austral, — se é que 
para isso não ha obstáculos de força maior, prove- 
nientes do clima. 

Que farão entretanto os europeus ? Lerão a Bí- 
blia e venderão algodões aos duzentos milhões de 
negros : satisfazendo assim a um tçmpo as exigên- 
cias poéticas e as mais praticas necessidades in- 
dustriaes. Emquanto a acção dos cruzamentos das 
raças acclimataveis for caminhando, de um modo tão 
lento que só é apreciável no decurso de séculos ; 
caminhará, porém, com a rapidez que a força e os 
recursos da civilisação europêa proporcionam, a ex- 
ploração commercial do continente. As feitorias es- 
palhar-se-hão por toda a parte onde puder chegar 
uma lancha, uma estrada, um caminho de fer- 
ro .. . e as espingardas e canhões : porque o com- 
mercio interno da Africa será feito á sombra das 
armas, como foram sempre e em toda a parte as 
transacções com os povos selvagens. A Europa 
fabril adquirirá um mercado vastíssimo para certos 



260 L. V. — A EXPLORAÇÃO DO CONTINEHTB AFRICANO 

dos seus productos; e a Africa pagar-lhe-ha, bara- 
teando pela abundância os preços dos géneros ul- 
tramarinos. A civilisação pelo cruzamento conti- 
nuará a vir do Oriente; porque o Occidente só 
pôde dar ás raças africanas pannos para se vesti- 
rem, aguardente para se embriagarem, pólvora para 
se exterminarem. 

Se esta opinião exprime a verdade de um futuro 
em parte remotíssimo, em parte quasi immediato : 
que será d'aqui por muitos séculos das raças ne- 
gras? Obedecendo a leis inberentes á existência 
do homem sobre a terra, terão desapparecido, em 
vez de se terem civilisado. E' em nossa opinião mais 
provável que isso se dê pela absorpção no seio de 
raças relativamente superiores, como ha oito ou 
nove seculoá se deu no Sudão; do que pelo exter- 
mínio executado pelas raças brancas, a exemplo do 
que succedeu aos indígenas da America, e na pró- 
pria Africa, aos hottentotes do Cabo. As condições 
geographicas e climatéricas da Africa determina- 
rão um modo de execução particular ; mas a conse- 
quência ultima será aquella que se impõe, á Africa 
e a todo o mundo, com um caracter de generalida- 
de inalterável. 

Concluindo, portanto, seja-nos licito perguntar: 
E nós ? E a nossa Angola ? E Moçambique ? Ire- 
mos vivendo, que é a formula consagrada com 
que se define ingenuamente a indolência nacional. 
Entretanto, nós que não somos um povo fabril, nem 
o podemos ser, — ou devíamos empenhar-nos se- 
riamente em fazer de Angola uma boa fazenda á 
hollandeza, sem escrúpulos, preconceitos, nem chi- 
meras, se depois de maduro estudo julgássemos 
que valia a pena o sacrifício ; — ou devíamos com 
franqueza applicar também a Angola o único sys- 
tema sensato a seguir com todo o resto : enfeodal-o 



3. — A CIVHJ8AÇÃ0 AFRICANA 261 

a quem podesse fazer o que nós decididamente não 
podemos ; repetir o que se praticou com a índia e 
com Lourenço-Marques o anno passado. 

Estar de arma — sem gatilho ! — ao hombro, so- 
bre os muros de. uma fortaleza arruinada, com uma 
alfandega e um palácio onde vegetam maus empre- 
gados mal pagos, a assistir de braços cruzados ao 
commercio que os estranhos fazem e nós não pode- 
mos fazer; a esperar todos os dias os ataques dos 
negros, e a ouvir a todas as horas o escarneo e o 
desdém com que faliam de nós todos os que via- 
jam na Africa, — não vale, sinceramente, a pena. 



BIBLIOGRAPfflA 



Visconde de Santarém — Essai sur Vhistoire de la cosmographie. Pa- 
ris, 1849-52. 3 vol. 8.° 
Id. Demonstração dos direitos que tem a coroa de Portugal ao ter- 

ritorio de Molembo, Cabinda e Ambriz. Lisboa, 1855. 

Lopes de Uma — Ensaios sobre p. estatística das possessões ultramarinas, 

(Cábo-Verde, 8. Thomè, Angola). Lisboa, 1844-6. 3 vol. 
8.° 

F. IM. Bordalo — Idem (Moçambique, índia). Lisboa, 1859-62. 2 vol. 8.° 

AI. de Sa da Bandeira — O trabalho rural africano e a administra- 
ção colonial. Lisboa, 1873. 8.° 
Id. Documentos officiaes relativos* ao tratado para a suppressSo 

da escravatura. Lisboa, 1839. foi. 
Id. O trafico da escravatura e o bUl de Lord Palmestron. Lisboa, 

1840. 8.° 
Id. Factos e considerações relativos aos direitos de Portugal so- 

bre os territórios de Molembo, Cabinda e Ambriz. Lisboa. 
1856. 

D» José de Lacerda — Exame das viagens do doutor Livingstone. Lis- 
boa, 1867. 8.° 

A. M» de Castilho — Descripção e roteiro da costa occidentol d' Africa, 

Lisboa, 1866-7. 2 vol. 8.° 

Miguel de Bulhões — Les colonies portugaises. Lisboa, 1878. 8.° 

AfFonso de Castro — As possessões portuguezas na Oceania. Lisboa. 

1867. 8.° 

Visconde de Paiva Manso —Historia do Congo, (ed. da Academia), 

Lisboa, 1877. 8.° 

Academia Beal das Sclencias (ed. da) — CollecçSo de noticias 

para a historia e geographia das nações ultramarinas. 
Lisboa, 1812-41. 7 vol. 4.° 

— Conferencias académicas. Lisboa, 1877. 3 fase. 8.* 

— Collecção de opúsculos reimpressos, etc. Lisboa, 1844-58. 3 

vol. 4.° 

— Annaes marítimos e coloniaes. Lisboa, 1840-46. 6 vol. 8.* 

L. A. Bebello da Silva — Historia de Portugal nos séculos XVII e 

XVIII. Lisboa, 5 vol. 8.° (V. espec. i, 4 j ra, 2 a 5 ; 
v, 5 ; vi, 4 e 5 j vn, 3 ; e vm, 1). 

Gomes Eannes de Azarara — Chronica da conquista de Quini. Pa- 
ris, 1841. 4.° 

Buy de Pina— Chronica de D. João 11 (Inéditos da Acad. u, pp. 11 e 

144). 



264 BIBLIOGBÀPHIA 

André Alvares de Almada — (ed D. Kcpke). Tratado breve dos 

rios de Quine (1594). Porto, 1841. 8.° 

Sebastião Xavier Botelho — Memoria estatística sobre os domínios 

portuguezes na Africa. Lisboa, 1835-7. 

Diogo de Conto — Soldado pratico, (ed. da Acad.) Lisboa, 1790. 8.° 

— Relatórios apresentados (pelos ministros Mendes-Leal, Re- 

bello da Silva, e Corvo) ao parlamento. 1864, 70 e 75. 

Opúsculos diversos 

Saldanha da Gama— liem. sobre as colónias de Portugal. Paris, 1839. 
Gomes Loureiro — Mem. dos estábel. portug. Lisboa, 1835. 
Luciano Cordeiro — Portugal e o mov. geogr. mod. Lisboa, 1877. 

Id. L'hydrogr. afr. au XVI. me siicU. Lisboa, 1878. 

BI. Peplto — A soe. geogr. e om.de Sá da Bandeira. Lisboa, 1877. 
JT. de Mendonça — Colónias epoes. port. Lisboa, 1877. 
A» Campos Jun. — Am possessões port. Lisboa, 1877. 
D. «I. Oliveira — Moçambique e o Bonga. Coimbra, 1879. 
Cunha Mattos — Chron. hist. S. Thomé e Príncipe. Porto, 1842. 



A. H. Major — Vida do infante D. Henrique, (tr. Brandão.) Lisboa, 

1876. 8.° 
Ch. Vogel — Le Portugal et ses colonies. Paris, 1860. 8.° 
S» Mlnutoll — Portugal und seine colonien. Stnttgard, 1855. 8.° 
Ed. Septenville — Découvertes et conquétes du Portugal. Paris, 1863. 12.? 
Ed. 3» Payne — HUtory ofeuropean colonies. Londres, 1878. 8. # 
K.arl Rltter (tr. Buret et Desor) — Geographie generale comparée. Paris, 

1836. Africa, 3 vol. 8.° 
li. Magyar (tr. Hnnfalvy) Beisen in Sud Africa. Leipsig, 1860. 
P. F. Balnler — Afrique (Geog. appliquée). Paris, 1878. 4.° 
H. Hartmann — Die nigritien. Berlim, 1879. 4. # 
A. E. suux — Von Loanda nach Kinbundu. Vienna, 1879. 8.* 
Dr. Barth. — Traveis and Discoveries in north and central Africa. Lon- 
dres, 1849-55. N 
D* IJvtngStone — Missionary traveis and researches in South Africa. 

Londres, 1857. 
V. Ij. Carne ron — Across Africa. Leipzig, 2 vol. 12.° 
H. M. Stanley — Through the dark continent. Londres, 1&79. 2 vol. 8.° 
3. Monteiro — Angola and the river Congo. Londres, 1875. 2 vol. 8.° 
3. Tams (tr. Lloyd, do ali.) — Visit to the portuguese possessUms of Africa. 

Londres, 1845. 2 vol. 8.° 
3» Barrow — Traveis in the interior ofsouthtrn Africa. Londres, 1801. 2 

vol. 



BIBLIOORAPHIÀ 265 

i " * 

F. A. Varnhagen —Historia geral do Brazil. Madrid, 1854-7. 2 vol. 4.* 
B. If . Pereira da Silva — Varbm Ulustres do Brasil. Paris, 1858. 2 

vol. 8.° 
Id. Historia da fundação do império brazileiro. Rio, 1870. 

Sebastião da Mocha EMtta — Historia da America portuguesa . Lis- -^ 

boa, 1730. foi. 
Lufo Gonçalves doa Santos — Memorias para a historia do Brasil. 

Lisboa, 1825. 2 vol. 4.° 
F. S. Constâncio — Historia do Brasil. Paris, 1889. 2 vol. 8.° 
■*. Slmao de Vasconceilos — Chroniea da companhia de Jesus no es- ^ 

todo do Brazil. Lisboa, 1663. foi. 
Id. Noticias curiosas e necessárias das cousas do Brazil. Lisboa, 

1668. 4.° 
P. Fernão Guerreiro — Relação annual, ete. Lisboa, 1605-11. 4 

vol. 4.* 
«J. M. La ti no Coelho — Elogio histórico de J. Bonifácio de Andrada. 

Lisboa, 1877. 4.° 
— Revista trimensal do Instituto histórico e geographico do Bra* 

sil. Rio, an. de 1839, 4 vol. 8.° 
«-- &■• «*• Mello Moraes — Chorographia histórica, chronographica, genea- 
lógica, nobiliária e politica do Brazil. Rio, 1858-63. 5 
vol. 8.° 
Id. BrasU histórico. Rio, 1864-70. 4 vol. 8.° 

Bartholomou Guerreiro— Jornada dos vassallos da coroa de Por» 

tugal para se recuperar a cidade de 8. Salvador da Ba- 
hia. Lisboa, 1625. 4.' 
«loâo de Medeiros — Relação verdadeira de todo o succedido na restau- 
ração da Bahia. Lisboa, '1625. 4.° 
Duarte de Albuquerque Coelho — Memorias diárias de la guerra •* 

dei Brazil. Madrid, 1654. 
F. Cr. da Silva — Mem. offerecidas à nação brasileira. Londres, 1831. 8. # 
Fr. «loâo de S. «loseph Queiroz — (ed. Oamillo Oastello-Branco) 

Memorias. Porto, 1868. 
<F. Raphael de «lesus — Castrioto lusitano. Lisboa, 1679. 
Alexandre de Gusmão — Collecção de escriptos. Porto, 1841, com o 
| Complemento ; ibid. 1844. 

I _ Cândido Mendes de Almeida — Atlas do império do Brasil, Bio, 

j 1868. foi. 

Gabriel Soares de Sousa — (ed. Varnhagen). Tratado deseriptUfo 

do BrasU em 1687. Rio, 1851. 8.° 
«I. M. de Macedo — (tr. Halbout). Notions de chorographie du BresU. 

Leipsig, 1873. 8.° 

, Manoel Ayres do Casal— Chovgraphia brasílica. Rio, 1817. 4.* ' 

Th. M. Sonsa BrasU — Compendio elementar de geographia geral e 

especial do BrasU. Rio, 1848. 8.° 



266 BIBLIOGRAPHIA 

Sm A. de Cerqueira e Silva — Ensaio ehorographieo do império do 

Br azU. Rio, 1851. 

Paulo Porto-Alegre — Monographia do eafí. Lisboa, 1879. 8.° 

— O império do Brazil na exposição de Philadelphia. Rio, 1875. 

8.° 

Augusto de Carvalho— O BraxU, (2.* ed.) Porto, 1876. 8.° 

«I. IV. Sousa e Silva — Historia da conjuração mineira. Rio âe Ja- 
neiro, 1873. 



J. Henderson — History ofthe Brasil. Londres, 1821. 4.° 

Bobert Southcy — History of Brasil. Londres, 1810, 12, 19, 3 vol. 4.° 

F. Denls — Resumi de Vhistoire du Brésil. Paris, 1825. 12.° 

F. Gervinun — (tr. Minssen) Histoire du X2X. m# siiele. Paris, 1866. 2 

vol. 8.° (V. ix p. 203 e x p. 241 e segg.) 
Sm Netescher — Les hollandais au Brésil. Haya, 1853. 1 vol. 
€J. Barlael — Berumper octennium in Brasília, efe. Amsterdam, 1647* 

foi. 
P. Claude Ahh ev III e ~ Histoire te la mission des pér es capucins á Vil t 

de Maragnon. Paris, 1614, 8.° 
C. Straten-Ponthoa — Le budjet du Bresã. Bruxelles, 1854. 2 vol. 
Ang. Saint-Hilalre — Voyages dans les provinces do Rio de Janeiro 

et de Minas geraes, ete. Paris, 1830-3, 4 vol. 8.° 
O. Félix de Asara — Voyages dans VAmerique meridionale. Paris, 

1809. 4 vol. 8.° 
E. de Freycinet— Voyage de VVranie. Paris, 1824. 8 vol. (V. Hist. 

du voyage), 
Jícan de I*ery — Histoire d'um voyage fait en la terre du Brésil. Ruão, 

1578. 8.° 
Haronvon Eiichwege — BrasUien naeh einem 11 jachrigen Aufhen- 

thalte, br. 1830. 
Spix and Martlii* — Reise in Brasilien (1807-20). Munieh, 1823-31. 3 

vol. 4.° 
Sm Hawe-(tr. Eyriés) Voyages dans Vinterieur du Brésil. Paris, 1816. 

2 vol. 8.° 
Pr. Max. de Wied — .Reise nach Brasilien (1815-17). Frankfort, 

1819-21, 2 vol. 4.° 
H. HLoster — Traveis in Brasil. Londres, 1816. 4.° 
MHUet de St. Adolphe — (tr. C. L. Moura) Diecionario geographico 

do Brazil. Paris, 1845. 2 vol. 8.° 
Sm B. Debret — Voyage pittoresque et historique au Brésil (18 16 -81). Pa- 
ris, 1839. foi. 
Ch. Darwin — (tr. Barbier) Voyage d'un naturaliste. Paris, 1875. 8.° 
B. A. Lalleniant — Reise durch Sud-Brasilien. Leipsig, 1859. 
Maria Granam — Journal of a voyage to Brasil. Londres, 1824. 



BIBLIOGRAPHIA 267 

Horace Say — Histovre des relations commerciales de la France et du 

Brésil. Paris, 1839. 8.° 
V. í,. Barll — L'empire du Brésil. Paris, 1862. 8.° 
Ch. Beyhaud — La colonisation au Brésil. Paris, 1858. 8.° é0 ^~ 



A. Herculano — A emigração. Nos Opúsculos, tom. iv. Lisboa, 1879. 
<!• F. Lar anjo — Theoria geral da emigração. Coimbra, 1878. 8.° 
A. P. Carvalho — Das origens da escravidão moderna em Portugal 

Op. Lisboa, 1877. 
«I. S. Maciel da Costa — Mem sobre a necessidade de abolir a tn- 

troducção de escravos africanos no BrazU. Coimbra. 

1821. 8.° 

— Annuario estatístico do reino de Portugal. Lisboa, 1877. 4.° 

— Primeiro inquérito parlamentar sobre a emigração portugue- 

za. Lisboa, 1873. 8.° 
P. I*eroy Beaulleu — De la colonisation chez les peuples modernes. 

Paris, 1874. 8.° 
Jules Dival — Ilvitoire de Vémigration. Paris, 1862. 8.° 
Adam 8mith — Recherches sur la nature et les causes dê la richesse 

des nations. (tf. Blanqui). Paris, 1843. 2 vol. 4.° 
II. Chevaller — La monnaie. Bruxelles, 1851. 8.° (V. Sect. v). 
Conrnot — Conridèrations sur la marche des idêes et des événements. Pa- 
ris, 1872, 2 vol. 8.° (V. tom. I, cap. 8). 
R. M. de Labra — La abolicion de la escravitud. Madrid, 1874. 8.° 
Moreau de Jonnés — Recherches statistigues sur Vescalvage. Paris, 

1842, 8.° 
Jamefl Bandlnel — Some account of lhe trade in slaves m Africa. 

Londres, 1842. 8.° 
Fowell Buxton — The african slave trade. Londres, 1840. 
H* Merivale — Lectures on colonisation and colonies. Londres, 1841. 

1 vol. 8.° 
W. Wilfoerf orce — A letter ou the slave trade. Londres, 1807. 8.° 
V. Schoelcher — De Vesclavage des noirs et de la legislatton coloniale. 

Paris, 1833. 8.° 
Th. Clarkson — The history ofraise, progress, and abólition of the slave 
trade. Londres, 1808. 8.° 



-£ 



ÍNDICE 



Advertência 5 

LIVRO PRIMEIRO 
ITormacao das colónias na Africa e America 

I A descoberta e a occupação 11 

II A colonisação 16 

III A exploração dos sertões 25 

IV As missões 29 

V Os jesuítas e os indígenas no Brasil 33 

VI A crise no Ultramar 40 

VII Os hollandezes em Pernambuco 45 

LIVRO SEGUNDO 
Negros, assacar e ouro 

I O trafico da escravatura 55 

II A escravidão no Brazil 66 

III O Estado do Maranhão 71 

IV A expulsão dos jesuítas 74 

V O Brazil pombalino 78 

VI A descoberta das minas 82 

VII O ouro do Brazil 87 

VIII Constituição geographica da nação 93 

IX As colónias africanas 99 

LIVRO TERCEIRO 
O império do Brazil 

I Historia da Independência 104 

II Geographia brazilica 122 

III A divisão do império 129 

IV Os indígenas 135 

V A immigração africana e asiática 148 

VI A immigração europêa 155 

Vil O desenvolvimento da riqueza 165 

LIVRO QUARTO 
A. Africa portt&jgueza 

I Estatística das colónias 178 

II O systema colonial africano 190 

III Os três typos de colónias 194 

IV As feitorias africanas e a concorrência 903 

V As plantações e o trabalho indígena 210 

VI A colonisação e a emigração portugueza 221 

VII A emigração e a metrópole 228 

LIVRO QUINTO 
A. exploração do continente africano 

I A Africa portentosa 236 

II As gentes pretas 245 

III A civilisaçâo africana • . . 259 

Bibllograpbia 263 



ERRATA 



•AG. 


L1N. 


BBROS 


EMEJIDAS 


6 


11 


differente 


diverso 


13 


28 


da coroa 


pela coroa 


41 


14 


progesso 


progresso 


49 


11 


hollandezes, 


hollandezea 


67 


33 


vivacide 


vivacidade 


71 


27 


govorno 


governo 


76 


34 


tropor 


torpor 


99 


14 


abondonado 


abandonado 


122 


26 


as do Orinoco 


a do Orinoco 


135 


3-4 


centro-sul 


centro-sul ; 


137 


22 


morto 


morte 


149 


3 


lança a mão 


lança mão 


153 


17 


no sul 


do sul 


161 


30 


de extremo sul 


do extremo sul 


163 


7-8 


de oito milhões 


de sete a oito milhões 


171 


5 


vimos 


virmos 


180 


21 


immigraçâo 


emigração 


181 


6 


immigraçâo 


emigração 


187 


2 


esguia 


' seguia 


188 


7 


que, o caracter 


que o caracter 


210 


19 


subsidiaria, da 


subsidiaria da 


211 


26 


esta 


está 


213 


9 


inferior 


inferir 


216 


15 


administrador 


mestre 


222 


21 


que assignam 


que os emigrantes assignam 



A' TENDA NA LIVRARIA BERTRAND 

73, Chiado, 75 

LISBOA 



Additamento ao Código do Commercio (do Brazil). 
Parte I. — Do commercio em geral. — II. Do 
commercio maritimo. — III. Das quebras, por 
T. de Freitas, 2 vol 8/400 

Custas forenses, ou compilações das leis, decisões 
dos tribunaes, regulamentos, avisos, assentos, 
doutrinas dos praxistas, etc, por Luiz de Mi- 
randa 1/350 

Da fiança criminal, ou compilação de leis, decre- 
tos e avisos, seguida de um novo formulário, 
por Autran 800 

Do habea8-corpu8 e seu recurso, ou compilação 
das disposições legaes e decisões do governo, 
seguida d 'um formulário do respectivo proces- 
so, por Autran 800 

A escravidão no Brazil. Ensaio historico-juridico- 

social, pelo Dr. Perdigão Malheiros, 3 vol. . 4/500 

Obras posthumas de A. Gonçalves Dias, precedi- 
das de uma noticia da sua vida e obras, pelo 
Dr. A. Henriques Leal, 6 vol 5/400 

O Nababo, por A. Daudet, 2 vol 1/200 



:*-r ■ 



ti^A'- ' . 



?> T' 



Irí 



f?^s 















/# 



10*