O CONSUMMADO GERMANISTÁ
O MERCADO DAS LETRAS PORTUGUEZAS
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O CONSUMADO GERMANISTA
(Vulgo o snr. JOSÉ GOMES MONTEIRO)
E
O MERCADO DAS LETRAS PORTUGUEZAS
ANALYSADO .
POR
JOAQUIM DE VASCONCELLOS
Stultus si tacuerit, pro sapiente reputabitur. . .
Wie sich Verdienst und Gliick verketten,
Das fàllt den Thoren nieraals ein.
Wenn sie den Stein der Weisheit liàtten,
Der Weise mangelte dem Stein.
(Goethe, Faust. 2 Th.)
Mangel an Cljarakter der einzelnen for-
schenden und screibenden Individuen, ist die
Quelle alies Uebels unserer neuesten Litera-
tur.
(Goethe. Eckermann, Gespr^che.
Vol. I, pag. 154.)
PORTO
IMPRENSA POKTUGUEZA
*f\BR-
n
OCTl
SS*
Se o néscio se callasse... podia passar por
sábio, mas fallando. . .
Como o mérito e a felicidade se casam,
E cousa que aos néscios nunca lembra.
Se tivessem a pedra da sapiência,
Faltar-lhes-hia o sábio !
(Goethe, Faust, 2.a parte)
A falta de caracter dos differentes indivíduos,
que escrevem e que investigam, é a origem de to-
dos os males da nossa novíssima litteratura.
(Goethe, Conversações com Eckermann,
vol. i, pag. 154.)
iistidex:
Ao leitor .... ix-xiv
I. A nossa posição 1-17
II. Castilho julgado em 1829 19-27
III. «0 consmnmado germanista » , como litterato
e como homem 29-56
IV. As fontes de consulta 57-74
V. A Allemanha e os Allemães 75-86
VI. Goethe:
a) Goethe e as leis da historia litteraria 87-92 J
6) Goethe avaliado no seu caracter, como ho- > o7— l(_n
mem 93-107 )
VII. As relações entre Goethe e Schiller 109-118
VIII. A Tragedia:
a) Primeira e segunda parte 119-140 ) -i i n 1 ^n
6) Preludio no theatro — Prologo no céo. . . 140-149 \
IX. Os personagens da Tragedia : Mephistopheles
— Faust — Margarida 151-160
X. Bagatellas 161-178
XI. Conclusões ultimas 180-185
Notas 187-192
Appendice sobre a lenda faustiana 193-209
Ao publico (documentos) i-vrn
AO LEITOR
O publico é uma grande massa, um mar, em cujo
seio ha monstros e bellezas — animaes repugnantes, e
outros d'um organismo tão admirável, tão subtil e fino,
que facilmente consolam o olhar no meio de tanto aborto.
Entre a massa do publico temos amigos e inimigos,
estes em maior numero, não porque lhe hajamos dito
alguma verdade que elle não mereça, mas porque tra-
balhamos e lhe lembramos ipso facto a sua preguiça,
porque lhe antepomos um ideal, que elle não quer ter,
porque ideal sem sacrifício, ninguém o alcança, e o maior
numero quer gosar, gosar a todo o preço, nem admitte
que ninguém lhe venha fazer reflexões á sua vida aira-
da; assim se esquecem do dito de Goethe: «Geniessen
macht gemem» — 0 gozar envilece. A antipathia é pois
natural ; não depõe contra a pessoa, está nos factos e nas
leis psychologicas, embora se lancem na balança algumas
verdades amargas que lhe havemos dito — e que conti-
miaremos a dizer. Oa nossos adversários appellam para
o^ Bentímentoa mais baixos d'essa massa — o publico — ;
appellam para os seus appetites mais banaes e mais _
seiros; tem pois o applauso dos histriões, que nós não
podemos ter. Essa litteratura official dá lhes dramas, no-
veUas, romances, brochuras e outras miudezas da Litl
tara, traduzidas, facturadas, rapsodiadas ou plagiadas,
de Arsène Houssaye, Ponson du Terrail, Paul e Henri
de Kock, Dumas filho, P. Féval, et similia, (1) isto
producções e as ideias da langue verte.
Por tal preço, por tal papel de Judas, não queremos
a popularidade, e assim como elles tem do seu lado a
massa, temos e contentamo-nos nós com a svmpathia
de alguns poucos amigos e de mais alguns adeptos, que
não conhecemos, mas que compram aquillo que escre-
vemos. (2) É para esse estreitissimo circulo que traba-
lhamos e damos estas linhas, este livro e os outros já
eseriptos, e se não o havemos declarado, não é por não
estar isso já expresso por nós indirectamente em outros
trabalhos^ mas por não se ter offerecido um motivo.
I la nossos adversários admirar-se-hão da boa te e da
clareza com que avaliamos a DOSBS posição — estí mes-
ma franqueza os revoltará; temos muita pena que
Beja, maa repetimos: papel de Judas, não o queremos,
r a nossa consciência e traficar com os baixos in-
stinctoa da massa, a troco de uma segunda, terceira, de-
l) Oa pares d'estcs senhores era Portugal são Camilii'. 1'
Chague, Santos Nazareth, e outros habitantes da Lilipnt littc-
rari.i.
2 De O Faust, ttc. renderam -sã uns 100 exemplaras, a
Eóra uns 30 vendidos na Fiança e Allemanha e alguns poaooe
pan o lírazil.
XI
cima ou vigésima edição (1) — isso é glória que recu-
samos.
Além d'isso, levamos a indulgência mais longe ainda
— reconhecemos que essa maioria, ainda que quizesse,
não podia entender-nos, e que os eleitos d'ella pouco
acima ficam do seu nivel e da sua percepção intellectual.
Ha ainda um elemento que nos é adverso: o jorna-
lismo em geral, salvo um ou dous periódicos, porque a
maioria é dirigida por esses mesmos chefes litterarios
da massa, que especulam duplamente. Desde o primeiro
ensaio recusamos mandar os nossos trabalhos a jornaes
portuguezes, quando esta espécie é tão abjecta (salvo
pouquíssimas excepções), que um litterato de Lisboa, do
próprio centro do Elogio-mutuo, sócio da Academia Real
das Sciencias (?) e amigo de Castilho, os classificou ain-
da ha mezes, sic:
«O próprio jornalismo politico (2) parece deixar já
entrever as sombras do occaso. É antes uma mercancia
que uma missão augusta.» E mais acima:
«Finalmente, nunca se mostrou, como hoje se nota,
uma deficiência mais completa, no seio da litteratura
usual e da critica activa, de escriptores conceituosos,
instruídos, independentes e laboriosos.» (3)
(1) O Univers illustré, de 10 de Dezembro de 1872, annuu-
ciava a 39.a edição de V Homme-femme, de Dumas filho; ainda
que descontemos metade, não deixa o facto de ser vergonhoso
para a França, que parece não haver «nada esquecido, nem na-
da aprendido», segundo o exemplo dos Bourbons; em Portugal
teve o folheto, trad. por S. Nazareth, duas grandes edições!
(2) Que é ao mesmo tempo litterario (nota do auetor). No-
taremos ainda, que as redacções costumam mandar vender os
livros offertados com abatimento, e por vil preço.
(3) J. M. Andrade Ferreira. Litteratura, Musica e Bellas-
Artes. Lisboa, 1872, vol. n, pag. 51.
xn
Continuaremos a apontar as chagas, conforme fo-
rem irrompendo da gangrena geral, e como o nosso cam-
po é o litterario, porque a politica ha muito que está en-
trenós prostituída, continuaremos a apontar para a nos-
sa ruina.
«A falta de caracter — diz Goethe — dos differentes
indivíduos, que investigam e que escrevem, é a origem
de todos os males da nossa novíssima litteratura.» (1)
Isto dizia-se já em 1825, e nós estamos no anno de
1873.
«Então vi eu que para a maioria a sciencia só lhe
serve emquanto é um ganha-pão, e que até divinisam
o erro, quando d'ahi tiram a subsistência. » (2)
A esse bando de condottieri litterarios, que infectam
o nosso mercado, diremos ainda com Goethe:
c( Muitos são assaz espirituosos e tem conhecimen-
tos, mas tem também a vaidade, e a troco da admiração
da massa ignorante — não conhecem o que é o pudor,
nem ha nada que lhes seja sagrado.» (3)
A rapidez com que foi delineada esta resposta, es-
cripta em 12 dias, explica-se facilmente, e não è mila-
gre que seja difficil realisar, uma vez qne se tenha co-
nhecimento do que se trata e unia clara ideia dos pon-
tos de vista da critica. Não temos a louca pretencão de
dizer novidades sobre um assumpto discutido por tan-
tos homens de profunda sciencia. Goethe diz algures
n'nma passagem das suas obras: que tudo o que nós
(1) Eckermann. Gesprãche mit Goethe. Leipsig, 1868. 3.1
ed. vol. i, pag. 154.
■' Op. oit., vol. I, pag. 155.
3 Op. ri/., vol. i. pag. 156.
XIII
pensamos já foi pensado, mas o que podemos reivindi-
car, é o processo porque de novo pensamos e estudamos
os assumptos já tratados. Eis a modesta parte que nos
cabe no que vae escripto; a melhor opinião que nós for-
mamos sobre as condições da existência alheia e da nos-
sa própria, á proporção que vamos estudando, é já uma
recompensa bem valiosa, e que por vir do foro intimo da
nossa consciência ninguém nol-a pode disputar. Dáva-
mos bem triste attestaclo de nós, se fossemos procurar
o premio de nossos esforços á meza d'outro juiz, e se
por isso nos offendessemos com as palhaçadas dos ad-
versários que tripudiam diante do publico com asserções
que são ao mesmo tempo a própria sentença dos accu-
sadores impudentes. Affirmamos aqui o que ainda mais
vezes repetiremos: esta resposta é um incidente numa
discussão, que está naturalmente na nossa esphera de
trabalho; é uma exposição de ideias que se aqui não ti-
vesse tão bom ensejo para apparecer á luz, sahiria em
outro logar. Voltamos serenamente aos nossos trabalhos
sobre a Archeologia artística (1) para darmos a nova edi-
ção critica do Catalogo da Livraria d^El-Rey D. João IV.
(1) Vae entrar no prelo o fascículo m :
Os Artistas do Catalogo da Livraria de Musica oVEl-Rey
D. João IV. Séculos xv-xvii. Precedido d,um"cnsaio hietorieo-
critico acerca do mesmo Catalogo iu-4.° gr. de cerca de 120
pag. Para se avaliar a importância capital d'este Catalogo, di-
remos só que extractamos d'elle mais de 1:000 nomes de artis-
tas, dos quaes cerca de 440 não se encontram citados em obra
alguma, desde Brossard (1703) até%Fétis (1866) e H. Mendel
(1873, em via dr> publicação). O fasciculo iv, cujo manuscripto
está pronipto, entrará pouco depois para indemnisar os assignan-
tes da demora forçada a que o difficil estudo do Catalogo nos obri-
gou, para pôr o fasciculo m á altura do assumpto.
XIV
que, como sabemos pelo nosso gabjo amigo )Ir. Fer-
dinand Dcnis, é esperada com impaciência em Pari>.
Isto que escrevemos são documentos modestos, mas
talvez um dia úteis para ;i nossa futura historia moral
e litteraria, porque um povo que tolera que o colloquem
como um histrião e um miserável no palco da publici-
dade— está perdido, ou prestes d'isso:
«Representou-se ha tempos, n'um dos theatros de
Lisboa, uma Revista do anno. Entrava n'ella uma anã
escarnecida, ludibriada. A anã representava Portugal.
A platéa ria a bandeiras despregadas, e applaudia na
proporção em que ria. Este facto do abatimento próprio
rido e applaudido não é só uma pagina significativa de
historia, é um facto que merece a mais sisuda refle-
xão.» (1)
Não soubemos o que dizer, quando ha dias lemos isto,
nem sabemos classificar qual dos sentimentos em nós
prevaleceu. Com horror lemos esta sentença, lavrada
em publico pelo próprio interessado: «Portugal escar-
necido por portuguezes.» Tudo o que já referimo* pois,
(2) de Gervinus (3) e de Scherr, (4) acerca da nossa mi-
séria intellectual e moral, ainda era pouco — e mesmo
nada á vista d'isto.
Porto, 5 de maio de 1873.
(1) D. António da Costa. Três Mftndos. Lisboa, 1873, pa-
gina 346.
(2) Batas palavras furam escriptas depois de terminado
d manuscrípto.
(3) Vide <> capitulo i : -1 nossa posição.
(4) Vide o mesmo capitulo.
CAPITULO I
A nossa posição
Nunca tivemos receio de affirmar publicamente o
nosso modo de ver nas cousas de Portugal, com risco
de perdermos os applausos da maioria e mesmo d'aquel-
les que se julgam os privilegiados no meio d'essa
maioria.
O nosso credo affirmamol-o já em 1870 de uma
maneira decidida, e das nossas affirmações moraes e
scientificas, não retractamos uma virgula. Os nossos
princípios estão n'esses dois campos, de pé como então,
e uma vez que o snr. Gomes Monteiro estabeleceu en-
tre um paiz e o filho d'esse paiz, deveres, seja-nos licito
dizer como nós os entendemos.
Nascemos em Portugal; a existência physica pren-
de-nos aqui, mas essa é frágil e pode durar apenas a
existência regular de uma vida; a existência intellectual
e moral devemol-a á Allemanka; é inútil pois avaliar
de que lado pesa a balança. De Portugal não temos até
aos 10-11 annos (1) outra recordação, senão a repu-
gnância inextinguível, e que ainda dura, de dois ou
três collegios onde nos haviam mettido (2), collegios,
que apesar de passarem então pelos primeiros do Porto,
só podemos classificar pela memoria, de focos de im-
mundicie, physica, moral e intellectual (3). Em 1865
voltávamos da Allemanha para ir cursar a Universi-
dade, que nos pareceu só em ponto grande, o que os
collegios haviam sido para nós até 1859, em ponto pe-
queno (4).
Eis o que conhecemos da esphera intellectual da
nossa terra; o resultado foi um retraimento nos esta-
dos que havíamos começado na Allemanha, isolamento
tanto mais fatal, em vista do profundo nojo que nos
inspirava a sociedade em que havíamos entrado, socie-
dade sem principios, sem seriedade, sem ideal, immersa
no phrenesí dos gosos mais ínfimos — digna filha de
déspotas e frades — par nobile fratrum.
A sentença que havíamos proferido no nosso intimo,
não a formulamos sem dôr — embora não o acreditem
aquelles que em nada crêem, e que dão todavia ex-
(1) Sahimos em 1859 para Hamburgo.
(2) Somos orpbfio desde os 4 ânuos.
(3) Ainda lioje estão do mesmo DÍvel, como se pôde vêr
pelos edificantes commtmicados dos jornaes, com que os Direc-
tores entre si, Mestres e Directores se mimoseiam. disputando-se
a concorrência do negocio-, os especuladores mudaram de no-
me, mas o trafico continua.
(4) Uma das primeiras surprozas que nos estava reservada,
foi 7êrmoe entrai, pouco depois da nossa chegada uns três len-
tes, uni apoa outro, pela poria dentro, pedindo-nos a traducçio
de umas passagens de um jornal alleinfio; depois Boubemos
que o único individuo que Babia a língua allemftem termos, em
Coimbra, era um professor allemão. alli residente.
pressão ao seu entranhado amor da pátria em pala-
vras ocas.
Nós preferimos o trabalho ininterrupto a favor da
gloria cTessa terra, e para nos convencermos de que o
Portugal que viamos, não era o Portugal de outr'ora,
procuramos a custo de um constante trabalho e de con-
stantes sacrifícios, debaixo da mascara moderna, as an-
tigas e nobres feições da nossa individualidade nacional.
Conseguimos lavar algumas máculas, e esse trabalho
Ímprobo, em que o residtado corresponde tão pouco ao
esforço, continuamol-o ainda.
Não nos accusa a consciência, único juiz que co-
nhecemos, de havermos falseado o principio adoptado.
Se desmascaramos misérias, foi porque entendemos que a
gangrena não se cura encobrindo-a com emplastros, por-
que digam, affirmem, escrevam, declamem, phantasiem
o que quizerem — a nossa decadência é palpável e pro-
funda, se analysarmos a nossa existência com as duas
únicas medidas possíveis, e sob os dois aspectos que fa-
zem viver ou morrer uma nação — a existência moral e
intellectual (1).
Mintam embora ao publico, torçam e falseiem a ver-
dade— ella triumphará, aqui como em toda a parte. E
por isso, que entre todos os que na Europa nos conhe-
cem e julgam, somos nós os únicos que mentimos á
nossa consciência. 0 que a Europa pensa de nós, não
o desmentem palavras ocas, mas acções decididas e an-
(1) Podem-nos argumentar com a nossa existência económi-
ca, aliás triste, mas em que se tem observado ultimamente al-
gumas melhoras apparentes, mas a esses espíritos ingénuos lem-
bramos a França; os seus milhares de milhões não a salvaram.
tes de nós havermos chegado ás amargas conclusões
que apontamos, já a sentença havia sido lavrada, por
quem sabia e podia: «Em nenhum dos povos meri-
dionaes se desenham as máculas peculiares do typo ro-
manico-catholico, de uma maneira mais viva, do que nos
portuguezes.» (1) Isto escrevia-se em 1858; vejamos
uma outra auctoridade respeitável em 1872: «Portugal
mostra no meio da sua deplorável ruina, até onde dés-
potas e frades — par nobile fraírum podem conduzir
um paiz que a natureza inundou em abundância
com os seus dons mais ricos; se os hespanhoes salva-
ram no meio dos desastres da sua decadência politica
uma somma de qualidades nacionaes e pessoaes,que pro-
mettem um futuro, succede com os visinhos o con-
trario; a bestialisação clerical, (sic: kirehliehe Ver-
tlúerung) a decadência e abjecção moral e social dos
portuguezes é tão grande, que a esperança em um fu-
turo melhor, mal se deixa entrever. Leia-se com cui-
dado a historia moderna de Portugal, ouça-se com at-
tenção o que dizem os viajantes e imparciaes investiga-
(1) « Bei Keinem der súdlichea Võlker treten die i-igen-
tKiimlichen Schattenseiten des romanisch=kathorischen Ty-
pus greller hervor ais bei deu Pprtugieaen »> (Geschichte des
neunzehnten Jahrhunderts, vol. Ht, Pag. 418.)
Depois do grailde historiador haver dito, que as riquezas
do Oriente haviam sido ainda mais Eata.es para Portugal, «Io
que as do Occidente para Heapanha, por causa da nossa maior
indolência, e depois de mencionar os effeitos da usurp
da inqaisiç&o, diz a Beguinte tremenda verdade: i A tomada
do Brazil aus hollandezes depois da restauração, pôde conside-
rar-se como uma nova desgraça; as riquezas inexhauriveis de
ouro e pedras )" cilitaram ao portugunz, imraerc
indolência intellectual, moral e industrial, a continuação da
mesma vida airada (Schlaraffenleben) n'um grau ainda mais
intenso. Geschichte, vol. m, pag, 119 .
dores e observadores da preguiça, cobardia (1) e da cor-
tezia rasteira e servil dos portuguezes, e então conhe-
cer-se-ha que as expressões de desprezo, com que por
exemplo Byron falia d'elles, soam duramente, mas ain-
da assim menos duramente do que elles o merecem, e
que o poeta inglez tem pleno direito de fallar dos
portuguezes como de poor, paltry slaves, (2) que se suf-
focam em immundicie physica e moral. Um povo con-
demnado a ouvir semelhantes accusações, aliás funda-
das, mal se pôde dizer que tenha um futuro.»
Segue emíim uma affirmação psychologica, cuja ver-
dade Theophilo Braga (3) demonstrou de uma maneira
tão evidente, como profundamente triste : Portugal
symbolisado no Fidalgo pobre nos autos de Gil Vicen-
te; no fidalgo pobre, miserável na sua decadência ma-
terial, mas incomparavelmente mais miserável na sua
baixeza moral.
«Nada lhe ficou — segue o Professor (4) Soherr —
além de uma mania incrível de ostentação, de um effei-
to puramente cómico; e é levado por este sentimento,
que um d'elles affirmou gravemente a um viajante alle-
(1) 0 auctor refere-se á moral : á incapacidade de vencer-
mos em nós os nossos defeitos, a peor metade emfim o animal,
que em todos existe.
(2) Poor, paltry slaves! yet born, midst noblest scenes —
Why, Nature, waste thy wonders on such men?
Child Harold's pilgrimage. Canto I, estancia xvm. (The
tvorks of Lord Byron, ed. Tauchnitz, 1866, vol. n.)As estan-
cias relativas a Portugal são de xiv — xxxiii.
(3) Historia do theatro portuguez. vol. I, Gil Vicente e sua
eschola, na sua Historia da litteratura Portugueza. Porto, 1870.
(4) O auctor é professor de Historia no Polytechnikum de
Zúrich (Suissa).
mão: «um portuguez bem fincado basta p;ira pôr milha-
res de indivíduos em debandadas; esta tendência até se
revela officialmente de um modo assaz grotesco, dando
a um navio de guerra da mais pequena espécie o nome
altisonante de «O terror do mundo.» (1)
Ouvimos já de longe a celeuma que estas citações
irão levantar, berreiro de palavriado patriótico, a que
já respondemos — cão que ladra não morde — ; ouvi-
mol-os já gritando, como o snr. G. M., movido pelo
«amor patriótico das suas entranhas», crucificae o «fi-
lho desnaturado»; mas acalmem as iras que lhes exci-
tou as citações de Gervinus e de Scherr, dous escripto-
res heréticos. — e ouçam ura escriptor portuguez, um
escriptor official e um escriptor catholieo, três qualida-
des n'uma só pessoa. Trata-se de um assumpto capital,
de uma questão reconhecida como a que é na verdade
— de vida e de morte — para uma nação: trata-se da
instrucção publica em Portugal:
«Detenha-se a penna, e succeda-lhe mais significa-
tivo o triste quadro dos factos.
«Portugal, depois de ter conquistado a liberdade ha
trinta e cinco annos, deitou de si duas gerações succes-
sivas. A primeira é hoje adulta já e quasi analphabeta.
Foram sonhos de poeta os votos do marquez de Palme-
la, de Rodrigo da Fonseca Magalhães, de Passos Ma-
noel. Vamos ver a segunda geração, cuja infâmia te-
mos n'este momento diante de nós.
«O numero total das escolas de instrucção prima-
(1) .!",' eschichte der Literatut. Stnttgart, 1872,
4.1' ed. Vul. i, pag. 416.
ria, no fim do armo de 1868, era de 3:732; sendo 2:313
do estado e 1:419 livres.
«Existindo no reino 700:000 creanças de sete a quin-
ze annos de idade, e não devendo o numero de creanças
por escola exceder a 50, segue-se que o estado devia ter
para a instrucção primaria 14:000 escolas, e tem ape-
nas 2:300. Contando também com as livres, é um to-
tal de 3:700 escolas em vez de 14:000.
« Comparemos o nosso estado com o das nações cultas.
«Em Hespanha ha 1 escola para 600 habitantes, em
França, Baviera, Itália, Hollanda e Inglatei*ra, 1 para
500 a 400. Na Suissa, 1 para 300. Nos Estados-Uni-
dos, 1 para 160. Na Prússia, 1 para 150. Em Portugal,
1 escola para 1:100 habitantes.
«Temos só 2:300 escolas officiaes, e devíamos ter
7:000 para estarmos na proporção em que se acham as
de Hespanha, 8:000 em relação á França, á Bélgica, á
Baviera, de 9 a 12:000 escolas para correspondermos
proporcionalmente á Inglaterra, á Hollanda, á Suécia,
á Suissa e á Prússia, 21:000 para correspondermos aos
Estados- Unidos, e, tornamos a dizel-o, não possuímos
senão 2:300 escolas!» (1)
Note-se mais o seguinte:
«Ao conhecimento das escolas siga-se o conheci-
mento dos alumnos.
«O numero total dos alumnos matriculados nas es-
colas officiaes e particulares do ensino primário (no an-
no de 1867) foi de 132:201.
«A primeira consideração lamentável é que, haven-
(1) D. António da Costa. A instrucção nacional. Lisboa,
1870, pag. 111-113.
8
do no reino 757:000 creanças de sete a quinze annos de
idade, se acham fora das escolas mais de 600:000, sem
fallar das de cinco e seis annos. Se attendermos tam-
bém a estas, são 800:000 creanças privadas da in-rnu-
eão. » (1)
Agora a confirmação do peor, da nossa preguiça e
anemia :
«Comparando agora o alumno portuguez com o dos
outros povos, vemos que o numero total dos alumnos (of-
ficiaes e livres) é de 1 alumno para 32 habitantes. Em
Itália, é de 1 para 15. Em Hespanha, de 1 para 14. Em
França, de 1 para 8. Em Inglaterra, Hollanda e Bél-
gica, de 1. para 7. Na Prússia, de 1 para 6. Na Suissa,
na Baviera e na Suécia, de 1 para 5. Nos Estados- 1 . ni-
dos, de 1 para 4 e para 3. Entre nós, repetimos, é de 1
para 32.
«Esta tristeza do apoucado numero dos nossos alu-
mnos é ainda aggravada com dois factos geraes : a irre-
DO ™
gularidade da frequência escolar e a carência do apro-
veitamento.
«Coramissarios dos estudos, governadores civis, pro-
fessores, são todos uma só voz a clamar contra a irre-
gularissima frequência d'esses mesmos diminutos alu-
mnos que se inscrevem nas escolas. O tristo quadro da
frequência relativa ao districto de Évora, já o notamos
anteriormente. Os que desejarem ver quadro idêntico no
districto de Lisboa podem consultar o relatório ini pro-
so da visita ás eseolas pelo illustre commissario d<
tudos, o snr. Ghira.
(1) Op. cit., pag. 113-114; o nuctor disse atraz 700:000 e
nAo 757:000.
«O professor de Vallongo relata isto: «Tenho ad-
moestado directamente os chefes de família, e indirecta-
mente por via da commissão parochial e do parocho (1), a
fim de promoverem a maior frequência dos alumnos;
forneço a muitos d'estes papel, tinta, pennas e livros, e
no meio d'estes sacrifícios a frequência continua muito
irregular. Ha alumnos que em todo o anno não chegam a
frequentar um mez.» Pelos lábios d*este professor faliam
todos os outros professores.
«Da frequência irregularissima deriva-se logicamen-
te a chaga não menor do pouco aproveitamento. Para
os professores bons é um martyrio. Procuram elles at-
tenuar o mal, promovendo annualmente a sua festa es-
colar, e premiando os alumnos clistinctos, mas o mal su-
perabunda.
«A primeira inspecção ás escolas do reino, em 1864,
deu a conhecer que só se apurava como prompto 1 alu-
mno entre 50 matriculados.
«A segunda inspecção geral, em 1867, mostrou que
em historia, chorographia e grammatica apenas se ha-
bilita um numero insignificantíssimo, e que mesmo na
leitura, escripta, contas e educação moral, apenas a quin-
ta parte dos alumnos de todo o reino merecia a qualifi-
cação de boa, e quatro quintas partes a de medíocre ou
de simples sufficiencia, o que deveras corresponde a não
mais que medíocre, se attendermos á propensão do bon-
doso caracter portuguez para julgar com benevolên-
cia. (2)
(1) Que interesse pode ter este fiscal na questão da instruc-
ção popular?! (nota do auctor.)
(2) A indulgência para com as fraquezas alheias nasce do
10
«A frequência irregular, e o pouco aproveitamento
aggravam, portanto, a lastima do pequeno numero dos
matriculados.)) (1)
A este capitulo do livro de D. António da Costa, de
que extrahimos estas passagens, chama o auctor, com
razão, sudário.
Viu-se o estado do alumno, agora o da alumna :
«A chaga è profunda.
«Acabamos de ver que a proporção portugueza de
1 escola para 1:000 habitantes, comparada com a da Eu-
ropa, é uma desgraça. Pois bem; a proporção especial
nas escolas do sexo feminino não é de 1 escola para
1:000 habitantes, é de 1 para 6:000!
«Vimos que era outra desgraça a proporção de 1
alumno para 32 habitantes. Pois bem; a proporção no
sexo feminino é de 1 alumna para 80 habitantes!
«Existem no reino 550:000 meninas de três a quin-
ze annos de idade que se deviam matricular nas esco-
las. Pois bem; d'estas só 27:000 frequentam as escolas
officiaes e particulares; e sendo 4:000 as freguezi:
350 possuem escolas officiaes.» (2)
Esta era a miséria de 1870, vejamos o que repete o
mesmo auctor em 1871 :
« Que nos diz o actual momento? Que estrada temos
desbravado? Em que proporção se acha auginentada a
saúde das gerações novas? Até que ponto está illustra-
convencimento da própria friu/>ieza,'e essa bondado não ff outra
cousa. Deixemo-nos de bonitas palavras o chamemos a criança
pelo seu nome. (Nota do auctor.)
(1) Op. cit., pag. 115-117.
(2) D. António da Costa. A instrucção nacional, pag. 125
el26. *
11
do este povo? Quanto se tem aperfeiçoado o trabalho
popular?
«Para se pronunciar a suprema sentença, que pro-
gressos temos de lançar na concha da direita?
« 0 numero das escolas subindo, em trinta annos, de
1:000 a 2:300; o numero dos alumnos, de 34:000 a
132:000; um orçamento duplicado; uma escola normal
do sexo feminino funccionando e cinco do sexo mascu-
lino em perspectiva (1); o augmento cie 10$000 réis (2) no
ordenado dos professores normalistas ; um tentame de es-
cola central primaria ; a acção local dando signaes de vi •
da, por meio de um certo numero de cursos nocturnos
e de despezas escolares; a iniciativa dos particulares
apresentando -se como tentativa benemérita. Quem, en-
feixando estes esforços, lhes regateará louvores?
«Para lançar na concha da esquerda, o que vimos ?
«Vimos a organisação da nossa intrucção primaria,
por excepção única no mundo, basear-se na centralisa-
ção do estado, figurando a localidade, e a iniciativa par-
ticular como tentativas proveitosas, mas não como ele-
mentos nacionaes da educação publica. Vimos que a nos-
sa escola deixa fora do seu âmbito a educação physica,a
educação politica e a educação profissional (3); que a in-
specção é nulla, que o ensino obrigatório está decretado
em vão, que a escola infantil e o segundo grau são
letra morta. Vimos que a verdadeira escola do se-
(1) Em perspectiva ! (nota do auet.)
(2) O temporário tem hoje 110:000 reis e o vitalício 120:000
(nota do auctor, tirada de D. Ant. da Costa, A ine.tr. nac, p. 196.
(3) Causa-nos o maior espanto que não nos falle da educa-
ção moral que está a cargo dos parochos! Mais adiante indaga-
remos a razão d'esta omissão.
12
culo xix é desconhecida entre nós pela carência do me-
thodo gera] e pela falta de livros próprios que são o instru-
mento do methodo; que as bibliothecas popul
ainda por nascer. 0 magistério sem habilitações, quasi
sem vencimento, e absolutamente sem carreira. Como
resultado de tudo isto vimos que o numero das escolas,
o dos aluirmos, e principalmente o das alumnas, a dota-
ção do ensino, o aproveitamento geral, filho da diminu-
ta frequência escolar, nos appareciam como um sudário.
«Assim, o grande problema da instrucção nacional,
não é a noite que era ha trinta annos, mas não passa
ainda de uma aurora nebulosa. Na presença d 'esta idéa
predominante da instrucção nacional, suspendemo-nos
com a alma cheia de tristeza.» (1)
Esta sentença, apesar de ser menos enérgica do que
as antecedentes, é mais eloquente — por ser baseada em
cifras e factos tirados de documentos officiaes (2) por um
ex-conselheiro e ministro da coroa.
Faremos a estas citações um reparo capital, a que
alludimos na pagina anterior (nota 3). D. António da
Costa, apesar de pertencer ás regiões officiaes do poder
o da littcratura. onde só por excepção sopram a- òorren-
tes da Fardada, teve a coragem do dizer as amarga- BO-
(1) D. António da Costa. Historia da kutTWSÇ&O pflj
em Portugal. Lisboa, 1871. pag. 217--J1'.».
(2) São elles :
a.) (Vnso officiftl da população.
/- Oa trabalhos resultantes da inspecção geral ás escho-
las do nino no anuo de 1867.
<•..) O quadro das escholaa existentes etn 1845, publicado
asivamente do 1 >i<iri<> de ZJwòoo, e os doomnentoa officiaos
da direcç&o geral de instrucção publica.
D. António tia Costa, A itutmoçãú nacional. Lisboa, 1870.
pag. 113.
13
vidades, que atraz notamos, no coração do reino, na pró-
pria capital, onde estão os réos do seu processo. Mas
para que n'essa mesma exposição não faltasse o sophisma
que se respira na atmosphera catholica em que vive o
seu auctor — vêmol-o andar á volta do circulo vicioso
sem lhe achar o centro. 0 auctor falia «da omissão de-
plorável da educação physica, da educação politica (!)
e da educação profissional » nas nossas escholas. Onde
fica a moral, pois sem ella o que valem as outras? 0 au-
ctor illudiu aqui a questão principal, não quiz apontar
a chaga, que é de todas a mais virulenta. 0 mesmo es-
pirito catholico, o mesmo parti pris o levou a passar em
branco, como de nenhuma importância no desenvolvi-
mento da civilisação, o período da Reforma no seu
segundo e ultimo livro sobre a, Historia da instrucção
popular em Portugal (1).
E não se diga que o assumpto não pedia essa men-
ção, pois está provado que as ideias da Reforma, ainda
que não se reflectissem tão vivamente em Portugal como
em Hespanha (2), onde chegaram a lançar profundas
raízes, tiveram aqui echos (3).
Fizemos esta pequena digressão apenas para de-
monstrar, que mesmo aquelles escriptores que preten-
(1) Historia da instrucção popular, desde a fundação da
monarchia até aos nossos dias. Lisboa, 1871, in-8.° de320pag.
(2) Vide H. Dalton. Die evangelische Beweyung in Spanien.
Wiesbaden, 1872, e a critica d'este volume no Litterarisches
Centralblat, 1873, n.° 16 pag. 485.
Era Hespanha citava-se a palavra característica : «Quien
dice mal de Erasmo, ó es fraile, ó es asno. » (Dalton., op. cit.,
pag. 9.)
(3) Citaremos apenas Gil Vicente, André e Garcia de Re-
zende, Damião de Góes, etc.
14
dem remediar o mal, não fazem mais do que transir
com elle, em logar de 0 destruir pela raiz.
Voltemos ao nosso assumpto e ao exame do no—.
triste estado.
A exposição d'este quadro de misérias ain la pede
ser profícua, se nos deixarmos convencer pelos factos, e
Be em lo^ar de mentirmos á nossa consciência, emba-
lando-a em falsos sonhos patrióticos, que mais cedo ou
mais tarde nos hão-de ser fataes — nos resolvermos a
um trabalho de renovação moral e intellectual na fonte
única, o cumprimento dos nossos deveres. A renovação
deve ser radical, como dissemos, aliás é inútil.
Agora que provamos o nosso estado de decadência
de uma maneira incontestável, devemos observar ao snr.
Gr. M., que para ter o direito de nos chamar «filho des-
naturado» era mister que conhecesse as relações que nos
prendem á Allemauha e a Portugal, e saber a qual dos
dous paizes cabe a melhor parte da nossa existência.
Honramo-nos que o snr. G. M. nos chamasse « meio alle-
mão e um quasi nada portuguez» (pag. 161), porque
não perdemos na troca. Que a nossa linguagem seja
barbara (pag. 23) e não se amolde ao pseudo cla-
mo do Visconde de Castilho, (1) é para nós um signa]
da nossa individualidade — de que não podemos au-
gmentar os eunuchos da seita, já miserável. Que o m>—
so germanismo se reflicta na nossa linguagem (2) e que o
(1) Que todavia é ama cila podrída, uma caldeirada oomo
a da Hexenkiiche (cosinha da feiticeira), ama mescla do palli-
cisinos, arch&ismos, heepanholianio8, termos chulos, etc., eto. \ .
OFantt. Tabeliãs synoptioas, N.° 1 e 2.
(2) A. Coelho já o notara muito antes do snr. Q, M. Bi-
bliogr. Critica, pag. 16, 1." anno); nós mesmo o reconhecemos
pelas provas que elle nos den depois.
15
processo do nosso trabalho intellectual não seja resulta-
do da sciencia (?) portugueza, não admira, pois vivemos
n'uma atmosphera totalmente differente. A escolha da
nossa leitura, que é a final a origem de todos os males,
o primeiro passo e o mais monstruoso da nossa rebel-
dia, é um direito que reivindicamos como sagrado, a
menos que o snr. G. M. e o Visconde de Castilho, como
catholicos convictos (?), nos queiram applicar o raciocí-
nio inquisitorial. Nós respondemos-lhe com Goethe:
«Que nós nos eduquemos, essa é a condição princi-
pal; de onde nos educamos, seria uma questão supér-
flua, se não houvesse o perigo de nos deseducarmos por
falsos modelos.» (1)
Ora nós preferimos Luthero ao P.e António Vieira
e a Bernardes, e a toda a longa lista de theologos e co-
mediantes da rhetorica; temos o mau gosto de preferir
os philosophos e moralistas allemães a Rousseau (2) e a
Voltaire — uma vez que os portuguezes os não tem ;
achamos os princípios da Arte, e a Arte mesmo, hoje
respeitada e cultivada na Allemanha como em parte al-
guma; achamos a sciencia allemã dando as leis ao mun-
do e sustentando o seu logar imminente á custa de tra-
(1) M. Carriere. Erlãuterungen zu Goethe's Faust. 2." Par-
te..Leipzig, 1869. vol. ii, pag. 269.
(2) Gervinus caracterisa de unia maneira especial a influen-
cia de Rousseau : « Os escriptos políticos de Rousseau excede-
ram nos seuseffeitos, e annularam na sua influencia, a renova-
ção moral e intellectual da vida, que elle tinha em vista.» E
d'ahi tiramos uma conclusão lógica com outras palavras do mes-
mo auctor : • A França tomou por alvo a libertação politica, em-
quanto que a Alie manha se esforçou especialmente pela sua li-
bertação espiritual. » Geschichte des neunzehnten Jahrhunderts.
Leipzig, 1866, vol. vm, pag. 99.
16
balhos incessantes, não descançando nunca — olhamos,
emfim, para a sua litteratura, e vemos a sua riqueza
prodigiosa; o seu desenvolvimento único, o seu ideal,
os seus elevados principios, sustentados não só com a
penna, mas pelo exemplo pessoal, pelo caracter — c
olhamos para a nossa litteratura, rica em volumes, mas
pobríssima de ideias e de resultados, e descobrimos —
um immenso deserto com poucos oásis.
Lançando então os olhos para esses eme o snr. G. M.
nos aponta no século presente, vemos moralista.- mui
moral, publicistas sem consciência, falsificadores de
versos, sem ideal, nem convicções ; oradores políticos e
académicos, vendendo a palavra e o pudor, burgu- /.<>
e philisteus, enfeitando-se com títulos e veneras, como
as gralhas com as pennas do pavão, e passeando a ar-
vore genealógica atravez do labvrintho lamacento das
alcovas; trocando a procedência por ventura honrada,
mas modesta de seus antepassados, com o pergaminho
da bastardia — isto tudo, compondo uma turba multi-
forme que, varia todos os dias a peor de todas as tar-
ças, a da seriedade e da consciência.
0 leitor pôde admirar-se como nós chegamos tão
cedo a conclusões tão tristes, e entrado em Portugal. SÓ
encontramos uma comedia do principio ao fim — com-
quauto o snr. G. M., que chegou 30 ânuos mais côdo,
encontrou aqui o seu paraíso e passou sem pesar e Bem
BKudades da luz para as trevas. Isso são mvsterios que
o snr, G. M. lhe poderá explicar melhor do que eu, e
teve para issq talvez motivos que não mis compete ava-
liar aqui. O nosso adversário teve a felicidade tio vol-
tar ao terreno próprio e ao ambiente que mais lhe con-
17
vinha, e manifestou o seu patriotismo como patrão de
uma casa de livros, editando á custa d'ella, as produc-
ções dos seus compadres, collegas e amigos, a que o li-
gam laços singulares de amisade, e povoando o mercado
com a mais completa collecção decuriosidades que ja-
mais tem sahido da boceta da Pandora litteraria.
Assim manifesta o snr. Gr. M., immerso ha mais de
40 annos n'um sacrosanto far mente, dormindo sobre
os louros (1) conquistados n'esta cocheira litteraria de
Augias, onde o chrismaram de consummado germanista,
por haver feita uma prodigiosa descoberta de que em
seguida faltaremos (2).
Apesar do snr. G. M. ser sócio da Academia Real
das Sciencias (?) (3) e amigo dos seus excellentes amigos
— não trocamos o que somos pelo que todos os seus
collegas do Elogio mutuo valem, e continuaremos a ser
meio allemão e um quasi nada de portuguez.
Eis a nossa posição.
(1) Que são :
Echos da Lyra teutonica. Porto, 1849.
Carta sobre a situação da ilha de Vénus (dos amores).
Porto, 1849.
(2) Vid. o capitulo ui. O consummado germanista, como
litterato e como homem.
(3) Já não podemos fallar d'este estabelecimento de alta
especulação litteraria, sem lhe pôr o necessário ponto de inter-
rogação (sic.?), que significa a esperançosa expectativa no seu
brilhante futuro.
capitulo n
Castilho julgado em 1829
Pela ultima vez nos occupamos de Castilho com
relação ao Faust. Temos o Visconde por morto, litera-
riamente, morto sob os epigrammas que elle forjou a si
próprio na sua versão, e que são o seu epitaphio; que
esse epitaphio já estava escripto em 1829 pela voz im-
parcial da critica estrangeira, isso é que poucos saberão,
mas antes de o provarmos, diremos umas palavras
sobre a maneira como consideramos o litterato de Lis-
boa, desde que o conhecemos, e por esta exposição ava-
liar-se-ha o tom do nosso exame á versão do Fausto.
Disseram os amigos do Visconde que a nossa ana-
lyse fora violenta ; não o foi tanto, como o merecia o at-
tentado; o nosso Prologo, (1) que não é mais do que um
protesto, serviu a um jornalista para por elle fazer juizo
(1) O Faust, pag. vii-xii.
20
das 600 paginas restantes! Ladrou á porta, sem entrar.
Sirva o caso de exemplo, e adiante.
O resto do volume tinha uma feição militante, mas
ainda assim modesta, porque tudo o que dissemos, ain-
da que fosse centuplicado, não valia os insultos obsce-
nos (1) de Castilho contra Goethe, fazendo dVlle um
D. João de obra grossa, chamando á sublime segunda
parte da tragedia um aborto <2), dizendo que contém
apenas «extravagâncias, absurdos, repugnantes ao bom
senso» (3), etc, etc.
Um homem que diz estas cousas á luz do século xix
— deshonra-se e perde todo o direito á indulgência,
mormente quando esse homem, na balança da critica
internacional, não tem nome, não vale nada, apesar de
todos os seus cartapacios impressos, escriptos e por es-
crever. Castilho, como escriptor, não passa com o seu
nome além do Minho, ou quando muito do Bidassoa (4);
esta sua ultima proeza só passará á Allemanha, para
receber lá a confirmação da sua sentença de morte, pro-
nunciada pela opinião da critica, que felizmente ainda
alli está n'um uivei, acima de todos os empenhos e ami-
sades mentirosas.
Estamos convencidos, que se as suas tradueções de
Molière fossem lidas nas associações, (5) a que o Vis-
(1) O frenesi de gosar sensualmente, o orgulho sem limi-
tes, etc. Fausto, notas, pag. 406, passim.
(2) Op. cif., Advertência, pag. xvi.
(3) Castilho. Op, c/t.. notas, pag. 406.
(4i Riacho qne marca a fronteira ootre Bespaona e França.
(5) A Academia das Sciem-ias e Bellas-Lcttras de Rouen,
dos Ardentes de Viterbo, etc., associações qnasi incógnitas. V.
Dicc. Bibliogr. de 1. da silva. vol. i. pag. 130, e SuppletnaUo,
vol. i. pag. 132.
21
conde de Castilho pertence como sócio, e lidas diante
de gente, que entendesse bem as duas línguas, e julgas-
se imparcialmente — estamos convencidos, que a criti-
ca franceza repelliria essas versões vestidas com a lin-
guagem das feiras e dos theatros de marionettes dos sé-
culos xvi e xvii.
O snr. G. M., antes de avaliar os méritos litterarios
da traducção do Fausto, porque não fallou das glórias
que o Visconde tem colhido da nacionalisação de Mo-
lière? Porque não fez também declamações por nós ter-
mos affirmado, em vista das passagens mal traduzidas
do livro de M.me de Stael, que Castilho sabe mal o fran-
cez (1). Era um excellente campo para dar largas ás
suas apostrophes sentimentalistas. A este respeito dire-
mos que vá o snr. G. M. bater a outra porta, em que
encontre alguém suficientemente ingénuo para consi-
derar o Visconde como uma espécie de Abrahão, de Pa-
triarcha invulnerável e sagrado. Não sabiamos (Testa in-
fallibilidade, não julgávamos que a classificação da espé-
cie, por barro damasceno (2), resava d'esta excepção, mas
aparte a graça, diremos de uma vez para sempre, repe-
tindo : que quem escreveu a sangue-frio, com 73 annos,
as obscenidades da sua Advertência e das suas Notas con-
tra Goethe, está, como se diz em allemão: vogelfrei, is-
to é, fora da lei, que é n'este caso a lei litteraria.
O nosso respeito, só o reservamos para quem é di-
gno de semelhante sentimento, para quem sustenta prin-
(1) Embora tenha muita presumpção de o fallar bem inter
amicos, como depois soubemos!
(2) Os críticos, pag. 69. Vide, para mais clara explicação,
o Capitulo in. O consummado geriu altista, etc.
22
cipios elevados, não só com a palavra, mas com a acção
incansável, abnegadora, e que prefere o sacrifício á vil
especulação :
Nur rastlos bethàtigt sich der Mann !
«Só em acção iucessante se affirma o homem !»
E aqui tocamos na chaga, que fez de Castilho, mo-
ralmente fallando, um invalido, desde os seus primeiros
passos litterarios. Desde que em 1870 lemos o estudo,
ou antes o^processo, que T. Braga applicou a Castilho
— riscamos para sempre esse nome.
A feição que o Visconde de Castilho tem tomado na
nossa litteratura desde o seu segundo passo litterario,
é a feição eminentemente especuladora. O poema a D.
João vi, composto de «três pilhas de 663 versos, 7 66 e mais
653, com outros 50 versos, ao todo 2132 versos» (1)
rendeu a bagatella de 4000 cruzados de renda annual e
vitalícia (2), isto é, 1 e ib7/533 de cruzados por cada verso.
Mau calculo! D'ahi em diante continuou o negocio em
larga escala; poemas, cartas, odes pequenas, grandes e
máximas a tu/ti quanti, tudo rendeu mais ou monos, ata-
que na edição dos Fastos de Oridio (3), feita á custa da
Academia (4) formou para a factura das monumentaes
(1) Estudos da edade media. Porto, 1870, pag. 271.
(2) Op. cit., pag. 276.
(3) Os Fastos de Publio Ovídio Nasào, cora traducçao em
verso portdguez, seguidos de copiosa» notas por rjaasi tudos os
escriptores portuguezes contemporâneos. Lisboa ('por ordem)
Typ. tia Af.id. B. <Lis Scienciaa, 1862. 4.° in-8.° max. 3 <rol.
de cxli — 612 pag., 666 pag., o 680 pag., ao todo 8049 i
Dm verdadeiro monumeutol Offerece-se agora por vil preço
nos alfairabistas da capital!
(4) O Visconde teve sempre a inabilidade de achar edito-
res d'eBta ordem.
23
notas uma companhia de mais de 100 accionistas, que são
outros tantos escriptores, grandes, regulares, medianos,
pequenos e mínimos e alguns microscópicos.
Esta monumental especulação teve além d'isso a
vantagem dupla de organisar definitivamente em torno
de Castilho a numerosa companhia do Elogio-mutuo,
que tão bellos resultados tem dado ao paiz.
Os mínimos, pequenos, regulares, grandes e máxi-
mos, lisonjeados pela distincção do papa litterario, que
lhes havia aberto de graça, o paraíso, declararam-n'o
infallivel, e fizeram d'elle uma encarnação tríplice de
Brahma — Vishnu — Siva.
D'ahi em diante publicou mais livros impressos á
custa alheia, concorrendo para isso particularmente a
Academia das Sciencias(?), que tem sido o Banco litte-
rario-commercial d'este poeta portuguez, e que além
de authorisar, por ordem especial, a impressão das pro-
fanações a Molière, o nomeou, caso raro, Sócio emérito,
com uma gorda gratificação.
Eis o caracter litterario do Visconde de Castilho, e
como nós não entendemos um dualismo que (1) faz do
individuo que escreve e do individuo moral perante a so-
ciedade— duas entidades distinctas, das quaes uma pode
ser desprezível e a outra respeitável, julgamos o homem
á altura do litterato.
Só uma sociedade, podre até á medulla dos ossos,
pôde arvorar em lei o principio infame, sic:
(1) Este dualismo acha a nossa gente muito natural, e
ouve ou lê um trecho de alta moral de um escriptor conhecido
como um canalha (sic) e não se revolta, porque o escriptor
é uma cousa, eo homem — é outra. Falíamos por o ter ouvido
muita vez !
24
Olha para o que eu digo e não para o que et faço (1).
Por isso nos parecem a feição intellectual, a feição
moral e a feição politica da nossa sociedade, egualmente
despresiveis.
A nossa litteratura tem sido um officio indiano, um
meio de especulação, como o catholicismo o púz <m
pratica com a ajuda do despotismo. Cabiu este, mas
não cahiu o peor; libertados politicamente, não o fomos
moral e intellectualmente, e pelo accessorio esqueceram
o principal; d'ahi a nossa ruina em perspectiva.
D'abi também a nossa repugnância, o nosso nojo
por qualquer dos três vampiros.
0 Visconde de Castilho tem sido o chefe d'esta raça.
e por isso o máximo culpado. Repetimos pela ultima
vez: fomos indulgentes e cremos que a posteridade
será muito mais severa.
0 que nos causa admiração, é que um litterato,
julgado incapaz das faculdades mais indispensáveis,
para ser poeta e pensador, na época da sua maior glo-
ria, quando tudo cantava hotstmna ás Cartas de Echo t
Narciso (1821), á Primavera (1822), ao Amor e melan-
colia (1828), etc, causa-nos admiração, como a aett-
tença imparcial da critica estrangeira não foi ouvida, e
o seixo continuou a passar por diamante.
W. M. Kinsey, um dos escriptores estrangeiros, que
mais e melhor escreveu sobre Portugal I . diz na
(1) Principio que o nosso povo cita, tirado da bôoca dos
padres para desculparem a sua vida desregrada.
(2; Porttujal illuatraied; tn <t Btriet o/tettere. London, 1829.
Trenttel and YViiitz, 2.» ed. in-8.°, max. xxxvi — 5G4. 0 vo-
lume é adornado de cerca de 45 gravuras. HgOAttW, Btc.j e al-
guns trechos musicaes [Modinhas).
25
sua extensa Review of the litterary history of Portugal,
(pag. 525-564) o seguinte:
«Entre os poetas hoje vivos em Portugal notaremos
Castilho, que, apesar de cego desde a meninice, (1) se
tem todavia incessantemente applicado ás bellas-lettras
e ao cultivo das Musas.
«As suas Heroides, no estylo de Ovidio, é uma das
suas obras mais notáveis. Dá provas de notável talento
em alguns outros trechos poéticos, que todavia não são
em geral considerados como bons; de facto, é muito pobre
de originalidade, e o seu modo de colorir (isto é : o senti-
mento) não é conforme á verdade da natureza; as suas
phrases, postoque habilmente torneadas, são talvez monó-
tonas, e é apenas á harmonia dos seus versos que deve a
sua fama como poeta .» (2)
Isto traduzido em outras palavras dá o seguinte re-
trato de Castilho:
(1) Kinsey diz : cradle, que pôde ser também berço, mas
Castilho cegou só com 6 ânuos.
(2) Among the living poets of Portugal may be remarked
Castilho, who, though blind from his cradle, has nevertheless
incessantly applied himself to the belles-lettres and the culti-
va tion of the Muses. His Heroides, in the style of Ovid, is
one among the most remarkable of his works. He displays con-
siderable talent in some other pieces of poetry, which, howe-
ver, are not generally regarded as good ; in fact he is very de-
ficient in originality, and his mode of colouring is not after
the truth of nature; his lines, though they are happily turned,
perhaps, are monotonous, and it is only to the harmony of bis
verses that he is indebted for his poetical fame.
T. Braga já se havia (Estudos da edade media, pag. 319)
referido a Kinsey, mas só o conhecia por Castilho se defender
do critico inglez; o excellente livro é infelizmente assaz raro
já, e não o havendo encontrado em Paris, semão em casa do
nosso sábio amigo F. Denis, tivemos de o mandar vir de In-
glaterra.
2R
1." poeta, mas sem imaginação.
2.° poeta, mas sem o sentimento da natureza.
3.° poeta, mas com estylo artificial.
Conclusão total:
Poeta fingido.
Dissemos acima, que nos admirávamos, como um
juizo imparcial, por ser de um critico estrangeiro que
esteve largo tempo em Portugal, e não era nem por
Gregos nem por Troyanos — juizo, além d'isso apoiado
na maioria da opinião — pôde passar em branco.
Pensando bem, não ha motivo para espantos; o caso
explica-se; os escriptores que haveriam podido influen-
ciar sobre a opinião e dirigil-a, Garrett e Herculano,
eram individualidades quasi tão artificiaes como Casti-
lho; os fructos ahi estão, que os julguem a sangue frio.
Castilho estava á altura da época, tanto valia o publico
como o poeta, — entenderam-se. Depois o nível intel-
lectual foi sempre decahindo, e Castilho acompanhou-o.
Hoje o espirito publico desceu de todo, prostituiu-se
completamente, e Castilho desceu até ao nível geral e
deu-nos o Medico d força, transformado em ((Manei da
aldeia D, e o Faust mascarado cm clássico (1) á Bernar-
des, e o Mephisto disfarçado em taberneiro - .
0 poeta e o emprezario (publico) continuarão pois a
(1) Anthero de Quental, Primeiro de Janeiro de 4 de Ju-
lho de 1872. Este critico é tanto meDOS suspeito, que m diz
discípulo de Castilho, etnqaanto á linguagem portugueza. V. o
nosso folheto: O Faust ilr Ccutilho julgado pelo Eioyui-viuttft
prestes a saliir á luz.
(2) Idem, ibid.
27
entender-se. Nós diremos: que a divinisação de Casti-
lho, é para Portugal um facto tão profundamente ca-
racterístico, como a idealisação do demi-monde por Du-
mas filho, o é para a França de Napoleão m (1).
(1) En effet, le 2 décembre, arriva et la pièce (Dame aux
Camélias, pu êtrejouée. Ce genrenouveau, qui consiste à donner
à la prostitution le droit de bourgeoisie sur la scène, fut inau-
gure en France par le enup d'État.> Mais abaixo : Puis il dé-
die sa pièce à M. de Morny. Sans le guet-apens qui niena la
France, du coup d'État à Sedan, la scène française n'aurait
pas eu la Dame aux Camélias, ni Vauteur ses detfes payées. Ch.
Potvin. De la corruption littêraire en France: Etude de litté-
rature coniparée sur les lois morales de l'art. Bruxelles. C. Mu-
quardt, 1873, in-8.°, -2.e ed., pag. 384.
3
CAPITULO III
«O consummado germanista, » como litterato e
como homem
Quando em meado de Setembro de 1872, appare-
ceu a nossa analyse á versão de Castilho, e o publico fi-
cou avisado (1) da profanação, provada de uma maneira
completa n'um volume de mais de 600 pag., que exgo-
tava os argumentos — soubemos, e depois disse-se vaga-
mente, que ia apparecer uma resposta, em que nós não
acreditamos, sobretudo por um motivo, que é: a pre-
guiça da nossa gente, que sem interesse superior por
nada, nem por amigos nem por inimigos — é incapaz
para a simples leitura, quanto mais para o exame de
uma obra, que baseada em argumentos sérios e em es-
(1) Já anteriormente havia sahido a breve, mas fulmi-
nante critica de A. Coelho (Bibliographia critica, n.° 1, pag.
3-10).
30
tudos, só podia ser refutada com as mesmas armas. De-
pois d'esse boato appareceu nos jornaes da capital que
o Visconde de Castilho, desgostoso pelos repetidos ata-
ques á sua infallibilidade, sobretudo desde 1870 para
cá — ia Largar o sceptro e fazer o papel de Cineinato,
o que era tanto mais para lastimar, que o eminente
poeta nos ia «revelar o immortal Shakespeare» (1),
(sic). Em seguida fallou-se, em signal de desforço, da
resolução de um consummado germanista, que estava pre-
parando ao Visconde de Castilho uma desforra brilhan-
te, uma apotheose — que deu em exéquias.
0 consummado germanista era para nós até alli um
mytho; falia va-se d'elle é verdade, mas como se falia
também da grande cobra marítima com azas, que nin-
guém ainda viu e que devora navios inteiros, segundo
o dizer de navegantes; assim se dizia que o consummado
germanista nos ia devorar a todos.
Este novo Saturno, que se preparava a engulir <>-
filhos alheios : era o snr. José Gomes Monteiro.
O snr. Gomes Monteiro havia-se distinguido d. a
a sua chegada a Portugal, [depois de 1835 {'2 ] apenas
como chefe commercial de uma loja de livros (Viuva
More) e bom amigo dos seus amigos, editando as obras
dos membros do Elogio-mutuo por conta da casa. Como
litterato publicara uni livro furos da Lyra teut
de que abaixo Paliaremos, que lhe grangeou o titulo
de consummado germanista, e um folheto intitulado:
1 1 Provavelmente com a traducofio da Sonho de uma noite
rh oerão, « I» * que dera uma bonita amostra no Fausto pa_r. 411
C 412. Notas). Cá a ficamos esperando.
- Se é que esta data é certa, Begundo I. da Silva (Die-
eiohario bibliographico, vol. [V, pag. .ifí3).
31
Carta sobre a ilha dos Amores, que passava por mui
erudito; havia-se fallado em 1865 (1) de uns trabalhos
seus, notabilissimos, sobre o Amadís de Gaula, estudo
que se dizia profundo, completo e revelador de extraor-
dinárias descobertas; de uma edição da Menina e Moça
de Bernardim Ribeiro, com uma biographia do poeta,
repleta de novidades; de um estudo profundo sobre Sá
de Miranda, e mais outros trabalhos que tinham por
alvo, nem mais nem menos, do que uma Historia da lit-
teratura nacional; alguns d'estes trabalhos estavam para
entrar no prelo, e um d'elles chegou até a ser annun-
ciado, — . . . mas nada sahiu. Mais uma infinita repe-
tição do Mons parturiens; gemeu, gemeu, gemeu. . .
até 1873, isto é, durante oito annos, e já havia gemido
antes dos annuncios, durante 38 annos (2) !
0 snr. Gr. M. desde então para cá foi sempre zelo-
sos dos interesses da casa que dirige e dos de seus ami-
gos, e quando a nossa critica sahiu, era natural a fúria
que resulta, em primeiro logar, de uma especulação lo-
grada, fúria tanto maior, quanto havia sido notável a
despeza com a nítida impressão do Fausto de Castilho.
A raiva do snr. G. M. subiu porém até ao delírio, quan-
do lhe chegou ao ouvidos que o Visconde, ferido pelos
argumentos e repetidos ataques dos adversários, ia ab-
dicar ao throno e ao sceptro — perdendo-se ainda outra
especulação mercantil : a versão do Sonho de uma noite
de verão, em que o Visconde nos ia «revelar o génio do
immortal Shakespeare (3).»
(1) C. C. Branco. Esboços de apreciações litterarias. Porto,
1865, pag. 218. (Artigo J. Gomes Monteiro, pag. 211-220.)
(2) Desde a chegada do snr. G. M., depois de 1835.
(3) Sic, segundo os jornaes da capital.
32
Dois golpes mortaes, além de um pequenino ao seu
amor próprio, porque havendo o seu collega Camillo
apregoado o snr. G. M., como um corrector «(desvela-
do» e «attento» (1) da versão de Castilho, ficara o seu
amigo com uma parte da responsabilidade das innume-
ras inepcias da traducção, responsabilidade tanto maior
que recáe, não só sobre a pessoa do snr. G. M., mas
sobre o titulo de consiimmado germarásta !
Como os amigos são ás veze"s imprudentes e indis-
cretos !
Ha ainda um motivo secreto da rabina do snr. < i.
M. — e foi: a necessidade de um estudo bom ou mau, a
que o obrigava o nosso trabalho. Mais adiante o expli-
caremos, por se ter de procurar nas condições da mui
resposta, condições que só adiante se anal ysarão.
Ahi temos pois os verdadeiros motivos (2) da respos-
ta do snr. G. M., porque a sua amisade para com o Vis-
conde de Castilho parece-se com a amisade de certos
criminosos, ligados por uma acção má — que era n este
caso a pseudo- traducção do Faust de Goethe.
A natureza das amisades do snr. G. M., conhecer-
se-ha no fim d'este capitulo; não o censuramos de a não
ter a ninguém, a época vae de progresso entre nós j 0
snr. G. M.,é chefe de uma loja de livros, preois* de an-
dar com todos, é ecclectico, é prudeute enifiin.
0 snr. G. M. defende os seus elientes. o- tsten
da sua boutiqué apenas desponta a aurora, tal como o Fi-
oraro de Rossini :
o
(1) Cnmmcrcio do Porto, de 4 de junho de 1872.
(2) Em seguida indicaremos os caracteres littararioa a mo-
mes delia.
33
« Largo ai factotum
delia città.
Presto a bottega,
chè 1'alba é già. »
e gaba-se do successo:
« Tutti mi chiédono
tutti mi vógliono
donne, ragazzi,
vecehj, fanciulle
quà la parrucea. . .
presto la barba . . .
qnà la sauguigna. . .
Figaro. . . Figaro. . .
son qua, son qua. »
Deixemos o snr. G. M. como especulador da litte-
ratura nacional, e vejamos a vibora ferida pelo amor pix>-
prio : o auctor dos Eccos da Lyra teutonica e da Carta
sobre a ilha dos Amores (1).
Não nos temos a occupar, senão da primeira pro-
ducção, como a que se refere a assumptos da litteratu-
ra aliem ã.
Esta obrasinha é uma collecção de poesias allemãs
vertidas em vulgar.
Não havíamos até ha poucas semanas lido cousa al-
guma d'estes Eccos, porque nos pareceu, desde que
tivemos o gosto de fallar ao snr. Gomes Monteiro, que
era incapaz de sentir poesia, e muito menos poesia alle-
mã; que entendesse Freiligrath, Chamisso, Hauf, era tal-
vez possivel; Biickert, Uhland, Lessing, muito menos
provável, e então Platen, Voss, Schiller, Goethe — im-
possível.
(1) O episodio dos Lusíadas.
34
Quizemos porém fazer justiça ao traductor; pega-
mos no livro, e dêmos logo nas primeiras Linhas do pro-
logo, com a seguinte incomparável novidade:
«A litteratura alleman. actualmente uma das maifi
brilhantes da Europa, foi comtudo a derradeira a for-
mar-se. No decurso do xvi século já todas as línguas
neo-latinas e ainda a ingleza, que forma o elo de tran-
sição entre estes idiomas e os d'origem teutonica, con-
tavam obras primas em poesia ou eloquência; quando
a lingua germânica apenas podia apresentar, como mo-
numentos de sua cultura, a traducção da Bíblia por
Luthero e as farças e autos d'um sapateiro de Nuren-
berg (1)».
O snr. G. M. affirmava pois em 1848, após os tra-
balhos de Koberstein (2) (1827), Gervinus (8) (1835),
Vilmar (4) (1845), Guden (5) (1831), Pischon (6)
(1838-1851), Wackernagel (7) (1840, 1841, 1843, etc),
H. Kurz (8) (1840-1842 e 1845), G. Schwab (9) (1842 .
(1) Lcia-se Nurnberg, cidade da Baviera (16:000 hab.), que
foi com Augsburge Rt-geusburgo centio do movimento da Re-
nascença na Allemanha.
(2) Grundriss der Geschichte der deutschen Xationallitera-
tur. Leipzig, 1827 (4.» ed. 1847-1866).
(3) Geschichte der poetischen Natioiíalliteratur der Deut-
schen, (1853; já lia 4." ed.). Handluch, já 4." ed. eui 1840.
(4) Vcrlesiniijcn iihe.r die Geschichte der dcutxclit n Xationúl-
literatur, 1845.
(5) Ckronologieche Tabellen zur Geschichte der deutt
Sprache und Nationalliteratur, 1831. 3 Theile.
(6) Denkmãler der deutschen Sprache von deu í> Qhestt » /.< ■'-
ten Li* jetzt. 6 Theile. 1838-1851.
(7) Deutsches Lesebuch. :* Th. 1840-1861.
(8) Handbuch der poetischen Nationalliteratur der Deut-
schen, von Haller bis auf die ueueste Zeit .'> Th. 184
(litter.it. moderna |.
(9) Die deutsche Prosa. 2 Tl». 1842; 5 Bucher deutt
der una Gedichte (litterat. moderna).
35
Gódecke (1) (1813-1843, 1844,) etc, — affirmava aquel-
la monumental proposição, que vem negar a existência de
Quatro períodos (2) capitães da litteratura allemã, e o co-
meço do quinto período, até á apparição de Hans Sachs!!!
De maneira que toda a poesia christã de 800-1100
todo o terceiro período da poesia cavalheiresca e popular
(1100-1300), toda a poesia aulica (1180-1300) de Hein-
rich von Veldeck, Hartmann von der Aue, Wolfram von
Eschenbach, Gottfried von Strassburg, e tantos outros
— não existiam ainda em 1848 para o snr. G. M.; toda
a epopêa popular uo tempo das cruzadas, os Niebe-
lungenlied, Gudrunlied, toda a época dos Minnesànger
(Troubadours) (1-150-1300), todo o quarto período de
dous séculos (1 300-1500), e uma parte do quinto (1500-
1624) até Hans Sachs (1496-1576) — tuda isto era um
mytho para o snr. Gomes Monteiro em
1848!!!
E se nos lembrarmos, que desde então, ficou por es-
ta inexcedivel façanha, só própria de um D. Quixote lit-
terario, crismado de consummado germanista (pois desde
1848 até hoje, 1873, nada mais escreveu sobre a Alle-
mauha), eutão ser-nos-ha licito lembrar que só a im-
pudência de uma litteratura, que é a mais baixa que
conta a historia, que só a falta do ultimo resto de sen-
timento e de dignidade, que deve ter um corpo como a
(1) Elf Biicher deutscher Dichtnng. Von Seb. Brandt (1500)
bis auf dio Gegenwart. 2 Th. 1849.
(2) Vide as divisões de Koberetein (Grundriss der deutschen
National- Literatur. Leipzig, 18G6, 4." ed. completamente re-
fundida), de Werner Haliu (Gescjiichte der jjoetischen Litera-
tur der Deutschen, Berlin, 1873, 6.a ed. png. v-vm) de Helbig
(Grundriss der Geschichte der poetischen Literatur der Deut-
schen, Leipzig, 1862, 6.a ed. pag. 1-13) etc. cte
3tí
Aeetd/enúã Real das Sciem-ias—só esta máxima da> mi-
sérias pode explicar, como a conferencia e o voto official
pôde outorgar o titulo de consummado oermamita ao
snr. Gr. M., e nomeal-o em premio da sua ignorância,
/Sócio correspondente da Academia Real da* ><■;,,,,
Se esta corporação quasi nada tem feito lia trinta
annos para cá, e interrompe o seu sacrosanto fat mente
para publicar, perdendo aos olhos do publico a ultima
apparencia de vergonha, — as profanações de Castilho
ás obras de Molière (1) e dar á luz outras farçadas no
mesmo estylo — se essa Academia não respeita o seu
passado, que ainda tem nomes que a ninguém é licito
conspurcar (2), então abdique perante a Europa, dis-
solva-se.
0 snr. G. M. era muito, muitíssimo ignorante em
1848, confessar-nos-hão ; quererão dizer que de então
para cá aprendeu o a-b-c da litteratura allemã: bem.
vel-o-hemos no decurso deste livro. Que o nosso ad-
versário não escreveria hoje, 1873, aquellas palavras, é
possível, mas que a sua ignorância, remendada mal e á
pressa, em 9 me/.es de trabalho de menino de eschola. o
fez cahir de novo do seu pedestal de oonsummack
manista, è de uma evidencia elementar ein foce da Mia
resposta e d'esta nossa refutação.
Quererão talvez saber, á vista do exposto, a noeaa
opinião a respeito dos Eccos? A traduoçao é em geral
(1) Tar/ufo (primeira tentativa, Lisboa, 1870, por ordem
da Acad. H. das tíciencias); Ae sálnchtmaê 2." t<;,t. (que Dão te-
mos á vista); O medico á /"ira (3." tent., Lisboa. (&
idem); O avarento, Lisboa, 187] (idem).
(2) Lembramo-aoB «Ir Brotero, José Anastácio da Canha,
Jo.1o Pedro Ribeiro, (.'. áo Amaral e outros.
37
fiel, emquanto ás palavras, o que não admira, porque es-
sas acham-se em qualquer Diccionario — agora, se as
ideias, o espirito dos poetas, o modo de sentir de cada
um, a sua philosophia emfim, foi comprehendida, d'isso
julgue o leitor.
Quem nada sabia da litteratura allemã em 1848,
como poderia entender a Glocke (1), os poemas: Ritter
Togenburg, de Schiller, e outros de differentes aucto-
res; demais, fundando-se muitos d'entre elles em len-
das e contos que tem a sua origem litteraria (2) nos pe-
ríodos, cuja existência o snr. G. M. negou!
Deixemos porém este assumpto em que o snr. G.
M. ficou enterrado ; o prefacio da Lyra teutonica será o
seu epitapbio para 1848, como o seu volume dos Críti-
cos o é para 1873; talvez o snr. G. M. ponha a coroa á
obra e publique um terceiro que os exceda.
Agora os caracteres geraes da sua resposta:
Primeiro, vejamos o estado de espirito do snr. G. M.
pelo lado litterario, em seguida veremos os symptomas
moraes d'esse mesmo estado.
0 consummado germanista já ha 24 annos, isto é
desde 1849 (3) que não pegava na penna; estava redu-
zido ao estado de invalido na litteratura ; o tempo havia
passado com rapidez vertiginosa, destruindo reputações,
erigindo outras, amontoando livros, sem cessar; o con-
(1) A admirável ode de Schiller: O Sino, um poema todo
philosophico, tão complexo nas suas allegorias genuinamente
allemãs.
(2) Ritter Togenburg é uma lenda da edade media, que se
funda na sorte de dous Condes de Togenburg, irmãos, dos quaes
um foi assassinado pelo outro.
(3) Data de publicação dos Eccos da Lyra (1848), e da
Carta sobre a Ilha dos Amores.
38
gummado germanista, sentiu, quando acordou em Setem-
bro de 1873, por cansa da nossa cri! íca, ínstinctiyamente
todo o peso do movimento de 24 annoS, <• vergou-ee, do-
brou-se, retorceu-se intelectualmente para fazei entrar
o enferrujado machinismo do Ben intellecto em oova
marcha. Acordou como uma toupeira de nm profundo
lethargo, e cegou-o a luz do dia; viu a arehitectura da
sua cova ameaçada, quiz resistir; metteu hombros á
empreza, mas o mesmo esforço que o devia fazer levan-
tar, se tivesse forças, o fez cahir mais miseravelmente,
porque as não tinha.
Foi estudar a lição a casa, revolveu os calhamaços
poeirosos, deu-lhes tratos pouco amáveis, não sem graves
imprecações contra os causadores detaesmass idaq, i
nove longos mezes (1) de madura meditação sahiu trium-
phantemente á luz do dia, bradando que tinha achado
o annel de Salomão. Como tomar conta do movimento
scientifico de um intervallo de um quarto de século,
quando se está decrépito, physica e intellectualmente?
Se nos custa a nós Beguil-o, apesar de uma concentra-
ção de todas as forças, e todos os que tem boa fé dirão o
mesmo. 0 snr. G. M., que havia aprendido em Ham-
burgo o allemão ad umm m-iioiiorum trouxera Ár lá
alguns livros velhos, que dormiam a somno solto ha 24
annos nas estantes da sua rica (2) livraria : eram algumas
edições de clássicos allemaesdo principio d'este século, da
casa Cotta de Stuttgart. hoje completamente prejudica-
das, desde que o privilegio (3) dVsta firma acabon; al-
(1) As primeiras criticas a Castilho Bahiram em meado do
Julho de 1872, ea resposta do snr. G. M. ena tios de abril do 1873.
- Segando dizem.
(3) Falíamos do privilegio da edição dos clássicos alle-
mães, que terminou ha poucos auuos.
39
guns livros de critica litteraria no ponto de vista de
1810 e 1840, por homens que mesmo então eram se-
cundários (Laube e outros) (1), eto. Mas até o que elles
diziam estava esquecido ; o consummado germanista não
fizera caso dos livros, nem elles do seu dono, e por isso
o comprometteram, abrindo-lhe os thesouros da scien-
cia... de ha 60 annos (M.me de Stael, 1810), e de ha 32
(Laube, 1839-1840) (2) — que o snr. G. M. tomou inge-
nuamente á lettra. Não admira pois que o consummado
germanista, acostumado ha 24 annos a manusear só o
Diário, a Rasão, o Copiador e outros livros do commer-
cio, applicasse ás ideias litterarias o mesmo raciocínio do
que ás cifras.
Não extranhamos a novidade do processo ; pelo con-
trario, explicamol-o perfeitamente, achando-o mesmo o
único lógico e natural no seu estado de espirito.
Mas eis que o próprio snr. G. M. nos vem, com
uma ingenuidade digna de melhor sorte, dizer a veridica
historia da sua sciencia de consummado germanista:
«Lemos o Segundo Fausto poucos annos depois da
sua publicação (3). Fatigou-nos a sua leitura. O defeito
estava decerto da nossa parte (4).»
Agora o seu saber na lingua allemã :
«O conhecimento que então tínhamos da litteratura
. e língua alleman não seria, como ainda agora não será
talvez, sufrl ciente para penetrar a fundo n'um texto que
se nos tornava cada vez mais difncil, á medida que os
(1) Vide o capitulo iv: As fontes de consulta.
(2) Vide o capitulo IV, já citado.
(3) Em 1833 como posthuma. (Nota do auctor.)
(4) Os críticos, pag. 84.
40
personagens do drama se iam afastando do mundo real
c ae remontavam a perder de vista para regiões phan-
tasticas (1).»
Emfim o melhor de tudo :
«Annos depois (2) lemos e confrontamos com o ori-
ginal diversas traducções, e temos ultimamente manu-
seado alguns commentadores. As primeiras fizeram-nos
conhecer melhor o texto, mas nem as traducções nem
os commentarios chegaram a produzir em i;
rito a convicção por que almejávamos (3).»
0 ultimamente é impagável!
Ninguém calumnía, falia o próprio interessado e con-
firma de uma maneira evidente o que acama dissemos
acerca do processo de incubação da sua resposta.
Que ingenuidade aos 66 annos!
A mesma sciencia rocóco, a que o snr. G. M. recor-
reu, ainda podia ter o préstimo de dar ao sen livro o
mérito da unidade; mas eis que a inspiração d leva por
desgraça ultimamente a Dúntzer, e eil-o. ora aeeeitando
o que este commentador diz (4), ora discordando das
suas opiniões, desde o momento em que o escriptor al-
lemão se approxima da nossa exposição e Be atfasta das
palavras do Visconde, ou das interpretações que a am*.
G. M. tira ás vezes d'estas àfortiori, pelos cabellos.
E aqui tocamos qo svstema, ou melhor falta de >y—
tema. que Berviu ao snr. G-. ML de norma na sua reer
posta.
(1) Os criticas, png. 84.
(2) Calculando 5 annos, por muito favor, logo em 1838.
(3) Op. cit., ibid.
(4) Op. cit., passini. O único, cuja sciencia á aproveitável,
entre os qae b snr. G. M. cita.
41
Vejamos:
A táctica não é nova; o snr. G. M. não defende o
Visconde de Castilho à outrance; foi mais impudente
ainda; pretende tripudiar em publico com a verdade,
fazendo-lb.es algumas concessões, como se ella se pres-
tasse a isso !
Nota máculas (1), defeitos (2), na pseudo-traducção
do Visconde, diz que elle «ignora de certo milhares de
cousas» (3), dá-nos razão em algumas notas — se tudo
n'este mundo é imperfeito ! Mas para que nas passa-
gens capitães (4) possa d'algum modo defender as inep-
cias de Castilho, estabelece um systema de approxima-
ções successivas entre o sentido falso das palavras do
Visconde e o verdadeiro das de Dúntzer, o que dá em
resultado um ponto de contacto entre a ideia refundida
(1) Os críticos, pag. 7.
(2) Os críticos, pag. 190, final.
(3) Op. cit., pag. 49, para dizer que ignoramos cem mil !
(4) Como na designação de aborto, applicada á 2.a parte
da Tragedia, no estorva, applicaçlo a Mephisto, na Lilitlia da
Costa e no Adão de Barros, no És meu final, no frenesi de go-
ear sensualmente, applicado a Goethe, na impossível (scena da
tempestade na caverna, na scena da eça e dos tocheiros (scena
da egreja), no És nada (visão do espirito), nas iinmundicies in-
ventadas por Castilho (Fausto, pag. 164) :
a.) « O pastar das pulgas nas damas ».
b.) «0 recusar-lhe a inamininha» (pag. 165).
c.) «Os pássaros maganos accesos co'o verão.» (pag. 267).
d.) 0 «pascendo rosas no seio» (de Margarida, pag. 279).
e.) 0 «fechada (a porta do quarto de Margarida) em fal-
so— e então. . . (accrescentado ! ! » pag. 294).
f.) «Eu só de pôr na ideia o regabofe que em Valburga
vou ter co'o femiaço» (pag. 312).
g.) «Mocedo á tripa forra» (pag. 347,) etc, etc, etc, etc.
Convidamos o snr. G. M. a mostrar-nos uma palavra de
tudo isto em Goethe ! Vide ainda mais uns 78 termos de taber-
na, colligidos nas Tabeliãs synopticas. 0 Faust, etc.
42
de Castilho, e aquella que o allemão indica. Estas nu-
bamorphoses Bophisticas podiam fazer honra a um prin-
cipiante de lógica, e não duvido que o próprio líephisto
lhes acharia graça, se o discípulo Lhe sabisse com tal
cousa no collegium logicum — mas querer fazer d'estafl
artes magicas em publico, já nem malícia é, m;:> estul-
tícia, que rima, e se casa melhor do que vulgarmente
se imagina.
Esta approximação das opiniões de Diintzer e da-
do Visconde tem todavia um inconveniente com que o
snr. Gr. M. não atinou; estas referencias continuadas
entre o espirito de Diintzer e o do Visconde, induzem-
nos a uma suspeita assaz rondada, e que é: as eetol-
ticias das notas pertencerem ao próprio snr. G. M. e
não ao Visconde, competindo-lhe ao menos uma grande
parte na gloria. 0 Visconde não conhece Diintzer. oão
sabe o allemão, a obra não foi ainda traduzida. Casti-
lho não faz uma única referencia a ella, em toda a sua
pseudo-traducção — como é pois que nas notas de Gas-
tilho se encontram vagos indicios de origem alleniã e
mais propriamente dos commentarios de Diintzer 1 ':
Lembremo-nos que um collega do snr. G. M. falia bem
claramente do modo como se está «vislumbrando na edi-
ção o attento desvelo do meu erudito amigo o snr. José
Gomes Monteiro (2)?»
Limitar-se-ia o mister do snr. (J. M. a simples re-
visor de provas? Não o sabemos positivamente, (porque
(1) P. ex. a passagem relativa ao nome Urian. Os críti-
cos, png. 168 e 169; a ideia doe três prologoe, da divisão das
scenas, etc. etc.
(2) Covwiercio do Porto de 4 de jullio de 1872; folhetim
do seu collega Oamillo.
43
não costumamos devassar mysterios de imprensa), mas
não é crivei que o co?isummado germanista não fosse
oráculo em mais alguma cousa ; argumentamos só sobre
a base que nos fornece o que atraz deixamos dito, e
muito jocoso seria, se se verificasse que o mestre Pan-
gloss havia sido enterrado pelo discipulo Candide, e
que o Visconde soltara o canto do cysne pela melodia
do snr. Gr. M.
Os termos : Parece-nos . . . Quanto a nós . . . Cre-
mos, etc., applicados, quando se trata de refutar aucto-
ridades, como as que allegamos, e que são homens de
reconhecida sciencia, nada significam senão a opinião
individual do snr. G. M., que nada vem ao caso. Para
se refutar uma opinião, segue-se outro processo; op-
põe-se-lhe a de uma auctoridade superior que demons-
tre estar o ponto de vista do auctor que se refuta, an-
tiquado, ser falso ou ser apenas parcialmente verdadeiro.
Esses modos de ver do snr. G. M., apesar de ser
um consummado germanista, serão muito bons, mas nem
tudo o que luz é ouro.
A mesma facilidade e elasticidade, que o snr. G. M.
se arroga, applica-a elle a Castilho ; nos pontos onde não
é possível estabelecer uma paridade tal ou qual entre o
pensamento do Visconde e o pensamento de Goethe, ou
da critica allemã, attenua, affirmando que o «modo de
ver» de Castilho não discorda essencialmente, (1) que se
approxima, que diz quasi o mesmo, etc.
Passemos ao exame do estado psychologico do con-
summado germanista.
(1) Os críticos, pag. 111, passim.
44
Um symptoma mui singular cPelle, é um azedume
que enche as paginas de fel, não lançado contra nó-, Í880
era natural, mas espalhado em todas as palavras, cm tu-
do o que toca. Castilho havia dito ingenuamente qne ttão
acreditava bem nas excellencias, fia» vantagens, no preèti-
mo real e effiécttvo da tragedia (1); o Fuust era uma con-
cepção olara de mais para o «lumesito do fogareiro» do
Visconde. Depois, na Advertência acerca das « Áureas
núpcias» declara, sempre ingenuamente, «que nenhu-
ma outra parte do livro lhe queimou tanto o sangue
como esta» (2); e assim por diante.
0 mesmo mal-estar, o mesmo descontentamento, o
mesmo cauchemar, se apossa do snr. G. M. Acba-ee pri-
meiro em duvidas (3) acerca da Segunda parte, depois
qualifica de conceituosa (4) a classificação de aborto .r>
e de absurda (6), dada a esta parle por Castilho; acha
Goethe egoísta, phrenetioafrienfà sensual, como o sen o»l-
lega, o Visconde, e para abafar o remorso por ter fal-
lado de tal forma, apesar da sua profundo veneração (7)
por Goethe, desculpa-se gentilmente, por si e por Cas-
(1) Eis a passagem correspondente da Adueri. : ■ a minha
crença nas excellencias, nas vantagens, no préstimo real e ef-
fèctivo da tragedia Fausto, não era nem é ainda hoje táO
toda, tòo ardentemente devoto como a de meu irmfio. Differeu-
ça essa fundamental (é tyjrica, diremos vós), que a miado ooi
fazia perder em altercações escusadas o tempo qne melhoi
grára em apressar a tarefa OOUl&Oada. » Fau*t<>, Advertência.
XIII.
2 âdvert. ás Áureas nupcids, Fausto, pag. 364
:; i >s oritioo»] pag, 84 ; as ideias do snr (1. M. acerca
d'esta parte da tragedia são analysadas no cap. vnir-a. e b.
I ( )/>. ri'., pag. 91.
b) Fausto, Advertência, pag. wi.
ii ( >j>. cif.. Notas, pag. È06.
7 1 Os críticos, pag. 86".
45
tilho, alludindo ao «barro damasceno» (1) de que todos
nós somos feitos — e ao nenhum valor «d'essas peque-
nas fragilidades» (2) - . .ia-lhe quasi escapando: aven-
tures galantes à D. João de obra grossa.
O sou azedume falia ainda das bulhas de Goethe com
Herder, Jacobi, Merck, Wieland (!!) e até com o venerável
Klopstock. . . , «que foram victimas (!) da orgulhosa so-
branceria com que por vezes lhes fazia intolerável a sua
soberba personalidade (3).» Depois insiste: «O egoísmo
de Goethe era proverbial em toda a Allemanha (4).» An-
tes refere o snr. G. M., já com intimo regosijo, o cele-
bre detesto-o, que attribue a Schiller, adulterando e mu-
tilando a passagem de Eckermann (5), e insiste segun-
da vez no mesmo detesto-o (6); falia ainda a propósito
de Goethe, e das suas innocentes relações amorosas : em
mysterios d' 'alcova (!!) (7), e nota, com um regosijo mais
próprio d'um satyro que entrevê as nymphas no ba-
nho, «a, fascinante nudez das Musas (8) e os prazeres illici-
tosàos poetas que nunca foram celebrados por suas virtudes.
0 sr. G. M. defende as obscenidades (9) do Visconde de
(3) Os críticos, pag. 69.
(2) Op. cit., pag. 69. Allude ás inclinações de Goethe.
(1) Op. cit, pag. 72.
(4) Op. cit., pag. 72.
(5) Vide o Capitulo vil. As relações entre Goethe e Schiller.
(6) Op. cit., pag. 71, nota, principio e fim.
(7) Op. cit., pag. 74.
(8) Op. cit., pag. 73. « Os poetas nunca foram celebrados
por suas virtudes ascéticas. Os Pacomios e Hilariões achar-se-iam
tão constrangidos no Parnaso entre as Musas vestidas de uma
fascinante nudez, como os poetas nas asperezas da Thebaida. »
(9) Vide a ennumeração das mais flagrantes, atraz, pag.
41, nota 4.
*
46
Castilho e nota as accusações que lhe foram feitas d) ^es-
te sentido, mas som dizer que o traductor portagaez as
introduziu na sua versão, sem necessidade, (2) quando
não estão no original, e por mero gosto da indecencia e
da baixeza. Depois, para melhor o defender, faz reparo
da forma como traduzimos e imprimimos a toutes let-
tres (3) o Lied que Margarida, n"um estado inconsciente
canta na prisão.
O snr. Gr. M. tem o falso pudor d'aquelles — que já não
o tem, aliás não fazia reparo n'uma palavra que Goethe
traz em completo e que perde toda a sua significação
usual, já pelas circumstancias do estado ole quem a li-
cita, já por ser a expressão enérgica, mas ingénua de
uma canção popular, que não obedece aos preceitos hy-
pocritas de uma sala (4) nem de damas que, dotadas sem
duvida com muito pouca vergonha, recuam hoje de es-
panto á vista d'estas e d'outras palavras, quando as suas
avós, mais pudicas, mais virtuosas e menos hypocritas,
ouviam sem perigo as relações do Decamerone de Boc-
cacio e dos Cancioneiros em França, Hespanha e mes-
mo em Portugal (5). A impudicicia não está nas pala-
vras, mas sim nos olhos e nos lábios de quem as soletra:
a estatua grega da Vénus de Milo, por ser nua, nã<> é
(1) A. Coelho. Bibliographia critica, pag. 8. OFautt, pag.
44.3 e 444, passim.
(2) Que era o nosso verdadeiro argumento, e que a snr. <i.
M. mutilou com a sua assaz provada má fé.
(3) 0 Faustt pag. 391, nota 148, pag. 509 e 610.
I Já havíamos previsto a objecção do snr G. M. O Fcuut,
pag. 444.
(5) Lembramos a liberdade ingénua d'algumas poesias do
Cancioneiro (/cru/ de (íareia de Rezende e tios Aufos de Gil Vi-
cente, lidos e representados na corte.
47
menos pudica do que a própria Pudicícia, togada d'alto
a baixo, que se admira a seu lado nos museus e gabine-
tes do Louvre, Dresden, Berlin e outras cidades da Eu-
ropa. Se o snr. Gr. M. e as suas leitoras não podem en-
trar n'uma galeria sem que sintam
«como Cupido n'elles acorda e estonteia» (1)
não é culpa dos quadros ou das estatuas, é culpa dos
seus olhos, que não vêem mais, ou só vêem isso.
Se pois o mesmo snr. G. M., e as mesmas leitoras se
revoltam á vista do que escrevemos, a culpa não é da
lettra, mas da careta.
Leiam antes a canção popular do Faust do que ou-
çam as obscenidades de Offenbacb, Lecoq e outros, que
attrabem a alta sociedade, de Lisboa e a alta e baixa
burguezia do Porto, a espeluncas de baixíssima esphe-
ra, embora se chamem Theatro da Trindade e se achem
adornados de sedas e de velludos. (2)
A razão porque o snr. G. M. insiste no egoísmo e na
sensualidade frenética de Goethe, não é só para defen-
der Castilho e nos contradizer; ha n'isso um sympto-
(1) «Wie sich Cupido regt und hin — und wiederspringt. »
(Goethe, Faust, Hexenkúche.)
(2) Se em S. Carlos, no templo em que já se ouviu o Orfeo
de Gluck (é verdade, em 1801 !) brilhou o próprio can-ean dan-
çado delirantemente na presença de SS. MM., que riam a ban-
deiras despregadas, como haviam rido na Trindade, á vista das
graças um pouco fortes d'£l-Rei Bobêche :
«Hontem tinha uma coroa
Hoje não tenho nem meia. »
Diremos ao leitor estrangeiro, que ha aqui um gracioso ca-
lembourg, porque a meia (coroa) é uma moeda de 500 reis.
48
ma menos apparente e mais profundamente psycholo-
gico: é o estado mal content, o estado da inveja miserá-
vel, que não sabe, nem pode admirar um homem verda-
deiramente grande, e trata logo de lhe procurar o cal-
canhar de Achilles: é o ódio do vulgo perante certas in-
dividualidades superiores, que a alma bem formada ac-
ceita e admira até com regosijo, vendo n'ellas a divin-
dade da própria natureza humana, emquanto o réprobo
só se lembra do seu ferrete. Por isso dizia o celebre Qar-
lyle a Lewes, a propósito do indigno livro de Menzel (1)
sobre Goethe:
«Sim, é o grito de desespero de todos os idiota-.
por verem que o Titão não era da espécie d'elles; por
conhecerem que era um génio divino, sem sombra se-
quer de um idiota (2).»
0 snr. G. M. obedeceu nas suas criticas ao caracter
pessoal e litterario de Goethe a este mesmo sentimento,
que é a prova mais eloquente do seu estado moral. Não
lhe invejamos essa triste situação de um espirito en-
fermo.
A Revista contemporânea (3) havia já dado o retra-
to pnysico do consummado germanista; era preciso fazer
a pintura do retrato do sábio e homem de let:ra>. S:
ra tentássemos caracterisar ainda mais o homem, dos
-cu- pajsterios psyçhologicpSj pelo processo de Lavater,
tínhamos de recorrer a meios, que entram n um Byste-
ma de argumentação pessoal,, cujos frnctos duvidosos
deixamos aos D08SOS adversário-.
(1) Vide Schi ir. Allgtm. Gesch. der LU., vol. u, p
^2) G. II. Lewes. Goethe» heben, vol. i. j>atr. .">():>.
(&) Vol. v . I L866) pag. 229.
49
O seu logar na confraria do Elogio-mutuo é o de mero
negociante, de gerente dos interesses da sociedade.
O consummudo germauista tem feito á testa da casa
More um papel á moda do Finot de Balzac (1), e não ad-
mira que este immortal romancista pintasse em França
um typo que se acha também em Portugal ; o génio é
cosmopolita e este caso ainda-o confirma; Pinheiro Cha-
gas ofierece-nos mais um motivo para esta approximação
entre o seu collega e o typo de Balzac, pois o escriptor que
o snr. Gr. M. intitula «o mais sympathico, o mais talento-
so, o mais erudito, o mais brilhante dos escriptores por-
tuguezes da novíssima geração (2) », esse génio, pois não
pode ser outra cousa, teve a ingenuidade de escrever já
em lettra redonda : que entrou na litteratura pelo esti/Jo de
um Lucien de, Rubempré (3).
Quem se julga a si próprio d'esta maneira já não ca-
rece de elogios, mesmo.de um consummadogermanista.
Onde o snr. Gr. M. toca no cómico sublime é no se-
guinte. Depois de haver fallado do posto de honra que Ca-
millo occupa na vanguarda da especulação litteraria e no
trafico das lettras ; depois de haver referido os cem trium-
phos dos cem romances, ou antes do romance stereoty-
pado cem vezes sobre o typo mais que duvidoso do bra-
zileiro, a creatura mais devassa (4) d'esta terra de Deos;
(1) Illusions perdues, vol. i.
(2) Os criticas, pag. 14.
(3) O triste heroe do 1.° volume do já citado romance de
Balzac. Illusions perdues.
('4) O que temos ouvido a brazileiros por repetidas vezes
acerca do estado moral e por consequência intellectual do Bra-
zil, excede tudo quanto se pode imaginar, tudo! Basta lembrar
que no Rio de Janeiro ha umas 20 sociedades carnavalescas (sic)
com termo médio 500 sócios cada uma (ha-as de 800);. cada so-
50
depois de haver fallado nas artes magicas d'este Ponson
du Terrail de terceira espécie, depois de haver evocado
do quasi esquecimento em que jazem: Garrett (l),hoje
desmascarado, Herculano decrépito, (segundo elle mes-
mo confessa) Rebello da Silva o celebre historiador do
século xvni (!), Mendes leal, uma antigualha quesóap-
parece nos leilões dos burguezes de ha 40 annos; de-
pois de haver apregoado á laia da Trodelhexe, ou bruaa
cio paga 5$000 reis fracos, mensaes, ou 60$000 annuaes, o que
tiplicado por 500, dá — 30:000^000 reis e esta somma por 20
inúmero de sociedades) é egual a 600:000^1000 reis fracos ou
300 :000$000 fortes, distribuídos annualraente por 10:000 man-
cebos, approximadainente.
A applicação d'esta somma é destinada ás Batnrnaes ']"
carnaval, onde apenas se vêem meretrizes e os vadios que for-
mam a mocidade esperançosa do Brazil e da colónia portugueza.
(1) Mui notável é o que nos diz um intimo amigo do snr.
G. M. acerca das relações d'este com (iarrett:
« Sabes tu o que eu queria roubar á gaveta de José Gromee
Monteiro? As cartas de Almeida Garrett, as confidencias d'a-
quelle immenso génio, que se expandiam na alma e intelligen-
cia de José Gomes Monteiro. Estas seriam as paginas de <>un>
da biographia de ambos. Uma sei eu que existe em que Almei-
da Garrett, em perigo de vida. ou previsão de morte próxima,
encarrega o seu amigo de defender-lbe a honra e a faina
que a pedra sepulcbral lbe vedar o direito da defeza. Que su-
blime legado ! que legitima e jubilosa vaidade para o coração
honrado e generoso de José Gomes Monteiro!» (Esboços de i<}ir<-
ciaçòes litterarias, pag. 219.
Sim, senhor, basta isto para nos pintar o janota de 55 annos,
que, para brilhar como um vieux vert aos olhos das ptlií es mai-
tressesdtí ha 30 annos, não teve vergonha de pintar as suas bar-
bas com elixires, dando com a sua vida airada a confirmação de
que o génio immenso precisa da bohème para a sua inspiração.
Garrett tinha tanto o pressentimento da severa sentença que
a posteridade havia de proferir sobre elle (v. as moderadas ver-
dades que lhe diz Homero Ortix: La litteratura poriuymBMi
eiglo xix, Madrid, 1870, pag. 220 e 221) que encarregou o snr.
ti. Bi. de o defender; e que defensor II
51
belfurinheira (1) estas raridades litterarias, exclama to-
mado de súbita allucinação :
«... se essas tocantes homenagens não servem senão
para desafiar com redobrada sanha os selvagens impro-
périos da ignorância, então curvemo-nos a esta invasão
de nova espécie, que nos dizem vir ainda do fundo da
floresta Hercinia, e volvamos contristados á barbárie (2) .d
Folguem ainda um pouco senhores !
Podem ter mais alguns annos, não de descanço de
certo, mas de caricata hegemonia litteraria sobre a mas-
sa; poderão continuar a servir por mais algum tempo de
guia á corrente suja e gordorenta que deixa nos mes-
mos que vão n'ella as nódoas caracteristicas, o ferrete das
más acções — mas, ou todos os casos idênticos (mil vezes
negados, é verdade, mas mil vezes confirmados) são men-
tira, ou nós seguiremos logicamente o nosso caminho e
daremos mais uma confirmação á regra. Mil; um milhão
de vezes se negou a verdade, e um milhão de vezes se
lhes provou a mentira.
Continuem pois, e entretanto console o snr. Gr. M., os
seus amigos e continue apregoando, como a bruxa bel-
furinheira :
« Não passem, freguezes, sem vêr a fazenda
de trinta mil castas, que trago hoje á venda.
Não são galanduchas, que nunca alguém visse.
Não vem coisa alguma, que já não servisse
uma vez ao menos de perder a alguém.
Quem vem? quem enfeira? freguezes, quem vem?...» (3)
(1) Castilho, Fausto, pag. 350. Scena da noite de Valburga.
(2) Os críticos, pag. 8.
(3) Castilho, Fausto, pag. 350. Noite de Valburga.
S2
E com isto damos a lebre por corrida, para recapi-
tularmos os motivos e os caracteres da resposta do snx.
G. M.
I Ig motivos da resposta resumem-.M- em dons: um oc-
culto, outro claro.
Este: é o despeito, ou melhor a rabbia de um
peculação lograda e da perda de uma segunda, em per-
spectiva. Aquelle:é a teudeneia natural de querer salvar
o Visconde das inepcias em que se enterrou, para não
se afogar pessoalmente por as ter ajudado a íabri
Agora os caraeteres da obra. São elles. >ol> o ponto
de vista litterario :
1.° A feição rocóco, o caracter archeoh><juu da sua
scieneia. sciencia de livros do principio d'este século,
obras completamente nullas ou de nenhum valor, como
\ (TrlllOS.
2.° O seu estado de innocencia em litteratura. antes
de L848, e de invalido, depois de 1*41».
3.° O seu systema sophistico na exposição das id<
sejam suas ou alheia-, por meio de mutilações, omii
falsas citações — emfim a falta de probidade litteraria.
4.° A falta de critério litterario nas miuim as coi
a sua falta de methodo, a Bua ignorância absoluta dos
princípios mais elementares da philosophia da litteratu-
ra : emfim a Bua ignorância dos processos modernos da
critica.
Sob o ponto de vista psychologico notaremos « - -
guintes symptomas:
1.° Um mal-estar, uma inveja, uma má Pé, que tem
a sua origem na desgraçada situae&o moral do auctor.
2.° L ma tendência beifí^seusual, própria da velhice
53
ociosa e malévola, que nunca soube o que é o pudor e o
trabalho honrado.
D'estes caracteres litterarios e symptomas psycholo-
gicos combinados', nascem naturalmente muitas cousas :
uma ignorância geral em tudo o que diz respeito á Al-
lemanha e aos allemães (1), em tudo quanto se refere a
Goethe e á sua importância litteraria (2), ás suas rela-
ções com Schiller (3) e ao espirito do Faust. (4)
Tocamos apenas de leve n'estes pontos, que serão
averiguados a miúdo rio decurso d'estas paginas, que
podemos qualificar de refutação completa, sem que o
snr. G. M. nos possa provar depois que faltamos á ver-
dade, como o provaremos com relação a elle (5). N'este
livro preferimos adoptar um systema differente do que
serviu para a nossa analyse á traducção do Visconde;
preferimos tomar em globo as accusações do snr. G. M. ;
pintar, marcar com alguns traços (6) profundos e ca-
pitães, as tendências, a argumentação, o systema de cri-
tica— emfim o espirito do livro do snr. G. M. Mas nem
por isso descuramos o processo analytico, porque á pro-
porção que marchamos, fomos colhendo os argumentos,
um a um, e desfolhando essas flores de rhetorica á me-
dida que lhe examinávamos o cálix. Podemos ainda di-
zer que a feição d'este livro é mais expositiva e doctri-
(1) Vide o capitulo iv : As fontes de consulta, e o capitulo v :
A Allemanha e os Allemães.
(2) Vide o capitulo vi : Goethe e as leis da historia litte-
raria.
(3) Vide o capitulo vn : As relações entre Schiller e Goethe.
(4) Vide o capitulo viu. A Tragedia; a.) I." e 2. a parte ;
o.) Preludio no theatro — Prologo no cio.
(5) Vide o capitulo x : Bagatellas.
(6) A que correspondem os diííereutes capítulos.
54
naria, e menos militante, do que a que caracterisa o li-
vro contra Castilho (1); as accusações do snr. G. M., im-
portam-nos menos do que informar o publico de muitos
factos que elle ignora, e ligando-os, determinar a sua
philosophia e introduzir o leitor no espirito d'essa ad-
mirável litteratura allemã, que entre nós é um mundo
desconhecido (2).
A resposta do snr. G. M. é para nós um mero in-
cidente que nos serve para expormos em publico um
certo numero de cousas, já ditas lá fora, é verdade, mas
não sabidas aqui. Agora algumas palavras em particu-
lar ao snr. José Gomes Monteiro :
Livre-se de nunca mais nos tornar a fazer insi-
nuações falsas, como a que se refere á eegueira j>la/-
sica do Visconde de Castilho, que o snr. G. M. inven-
tou— faltando á verdade, que é o termo mais mode-
rado que achamos. Livre-se de ostentar sentimentos que
não tem, como a sua desinteressada amisade por Casti-
lho, quando temos á nossa disposição documentos que
provam, que se alguém insultou um dia a cegueira j>/n/-
eicade Castilho: foi o próprio snr. José Gomes Mon-
teiro. 0 seu patriotismo pode ser também alumiado com
uma lanterna magica que mostrará que nem sempre foi
o mesmo, sobretudo no estrangeiro.
Saiba o snr. G. M., que os archivos dos tribnnaee,
que as bibliothecas estão abertas a todos, que os joruaes
novos, velhos e velhíssimos se acham em uns e outros
(1) Sobre as razões : Vide o capitulo li : Castilho julgado
Ml 1S29. ,
(2) Que pese a Anthero de Quental e outros, que imagi-
nam enganai o publico, citando os livros pelo seu titulo....
ou moto. Vide 0 Faust, pag. 461-473.
55
— que uma carta para Hamburgo gasta apenas oito
dias, se tanto, e que a sua biograpkia como se lê em
I. da Silva (1) e na Revista contemporânea (2), está in-
completa, e que as datas e os factos, que a ella se refe-
rem, podem ser illustrados e rectificados por uma selecta
collecção de extractos de jornaes allemães e francezes,
que escaparam ainda aos destroços da communa e ao
grande incêndio de Hamburgo (1842).
Como estas palavras são particularmente ao snr.
Gomes Monteiro, bastam para elle nos entender, e ficar
sciente de que á primeira voz, desmascaramos o pas-
sado e publicamos à toutes lettres documentos, que
hão-de ensinar ao publico a distinguir o joio do trigo.
Sabemos até onde nos arriscamos com esta declaração,
mas temos também a certeza que o snr. José Gomes
Monteiro não gostará de nos ouvir no Tribunal.
Sirva-lhe pois isto de lição e emenda, que do cora-
ção lhe desejamos. As suas relações de amisade com Ca-
millo, Castilho e outros, conhecemol-as de sobejo, e sa-
bemos muito bem quaes os laços de mysterioso interesse
que o prendem a esses senhores ; as relações entre Ca-
millo e Castilho illustram-as os romances Coração,
Cabeça e Estômago, O que fazem mulheres, etc. etc. ; as
entre Camillo e o snr. Gomes Monteiro, o romance:
Retrato de Ricardina, etc, etc. Virá um dia, talvez
não longe, e que a justiça dos factos e a lógica dos suc-
cessos podem apressar, em que apparecerão em relevo
á luz do dia as relações e os mysterios da nossa litte-
ratura, a sua historial moral, e então verá a Europa,
(1) Dicc. Bibl., vol. iv, pag. 363-364.
(2) Vol. v, 5.° anuo, pag. 230-240.
56
que a gangrena exterior não é tão repugnante como a
interior.
A verdade é grande, ella triumphará, ainda que a
queiram transvestir com mil trapos.
Muito enganados andam os velhos impenitentes da
nossa bohemia litteraria, se imaginam que os mancebos
irreverentes ignoram as suas proezas; ainda ha um
anuo soubemos em Paris, por documentos, coisa> de
Garrett, que o pintam de um modo bem singular.
Cautela pois, não chamem muito pelo adtocáttí»
diaboli, aliás podem-lhe ouvir o S&ndbnregigA r. <> sérniao
de penitencia.
O snr. Gomes Monteiro que o entenda; da úo&f»
parte só lhe podemos citar, como a expressão do nosso
apreço o verso allemão, que não traduzimos — prçh
jjudor.
« Du bist am Endc — was du bist.
Spfz dirPemiken auf vou Millionen Locken,
Setz deinen Fuss auf ellenhohe Socken,
Du bleibst doch immer, was du bÍBt. »
(Goethe — Faust)
CAPITULO IV
As fontes de consulta (1)
1. 1810. M.me de Stael. De VAllemagne.
2. 1812. W. Sehlegel. Ueber dramatische Kunst und Li-
teratxir.
3. 1840. H. Laube. Geschichte der deatschen Literatur.
(foi publicada de 1839-1840.)
4. 1840. H. Blaze. JEssai sur Goethe (na sua trad.).
5. 1856. H. Heine. De l ' Allemagne :
fi. 1857. H. Duntzer. Goethe' s Faust erlãutert (2.a ed.).
7. 1861. Idem. Wúrdigung des Goethschen Faust.
8. 1862. M.me de Carlowitz. Correspondance entre Goe-
the et Schiller (com a introd. de Saint-René
Taillandier).
9. 1863. J. P. Eckermann. Conversations de Goethe, re-
cueillies par. . . traduites par Emile Dé-
lerot. (introd. de Sainte-Beuve.)
10. 1870. Heinrich. Iíistoire de la littêrature allemande.
11. 1872. A. Bossert. Goethe, ses précurseurs, etc.
(1) Estas são as obras que o snr. G. M. consultou directa-
mente para o estudo do Faust; o resto é citado em segunda e
terceira mão, apud áiS. erentes auctores, principalmente Duntzer.
58
Esta simples exposição cbronologica é suficiente-
mente eloquente para demonstrar em que altura scien-
tifica estão os conhecimentos do snr. Gr. M., e dispensa-
ria qualquer commentario, se em logar de um leitor
portuguez, tivéssemos um leitor allemão diante de nós;
assim, temos de descer á analyse, um por um.
0 valor do livro de M.me de Staêl já o determina-
mos (1), analysando algumas passagens características
da sua critica ao Faust (2), todavia essas poucas passa-
gens que escolhemos são capitães e provam que M.me de
Stael era incapaz de entender o Faust, mesmo na for-
ma em que elle era então conhecido. Repetimos de no-
vo (3): «reconhecemos o mérito daescriptora em outros
assumptos» e fora injusto desconhecer os serviços que
prestou o seu livro, onde ha bom, mau e péssimo, mas
convém, e n'isto somos justos, que se saiba o que é que
M.me de Staêel podia avaliar na Allemanha do seu tem-
po e aquillo que estava fora da sua esphera de analyse.
Eestringimo-nos aqui com relação ao Faust.
A concepção da tragedia é tão extraordinária, que
ainda hoje, apesar de tantos commeutadores, ha diver-
gências notáveis; no tempo em que M.me de Stael es-
teve em Weimar (Dezembro de 1803) estavam impres-
sos (em 1790) apenas alguns fragmentos do Fatut, cu-
ja primeira parte foi só concluída em 1806 e publicada
dous annos depois. Como havia M.me de Stael avaliar
o Faust por uns fragmentos, embora admiráveis, mas
que não lhe podiam dar uma ideia, nem do plano geral
(1) O Faust de Goethe, etc, pag. 52-56.
(2) De VAUemaijne, pag. 284-309 (ed. Garni.i
(3) O Faust de Goethe, pag. 66.
59
da obra, nem da concepção philosophica ; está hoje so-
bejamente demonstrado que a comprehensão, mesmo da
primeira parte do Faust, depende (1) absolutamente da
comprehensão da Segunda parte, que, embora pese ao
Visconde de Castilho e ao snr. G. M., se entende hoje
perfeitamente, quando se está á altura da sciencia; os
enigmas da Segunda parte do Faust estão hoje resol-
vidos emquanto ás ideias essenciaes da tragedia.
Ora essa Segunda parte, cujo conhecimento é indis-
pensável, foi só-publicada como posthuma (1833), e por
isso pode dizer-se que só d'essa data em diante se come-
çou a avaliar a tragedia segundo as bases racionaes; isto
é, pela critica comparada das duas partes, auxiliada pela
interpretação symbolica e philosophica.
Demais, o que era M.me de Stael em 1803, quando
visitou a Allemanha? Veja-se a correspondência entre
Schiller e Goethe (2), e para que, servindo-nos dos nos-
sos argumentos, não sejamos accusados de parcialidade,
citamos o juizo que o próprio Goethe e Schiller forma-
vam da escriptora franceza. Ouçamos Schiller (3) :
<( M.me de Staêl parecer- vos-ha tal e qual como a ha-
veis imaginado já a priori; tudo n'ella é d'uma mesma
massa, sem o menor falso indicio pathologico; isto faz
com que se esteja bem com ella, e haja vontade de se lhe
(1) Fr. Kreyssig, Vorlesungen iiber Goethe's Faust. Ber-
lin, 1866.
(2) Briefwechsel zwischen Schiller und Goethe in den Jahren
1794 bis 1805. Stuttgart, Cotta, 1870, 3.a ed. Veiam-se no vol. i,
as cartas. N.°B 110-115 e 118, 132 e 133, 250-253, 255-257, 260,
262, 263. No vol. n. N.« 489, 490; 925, 927, 928, 929, 933,
935, 937-940, 944, 946, 947, 951, 952, 953 e 958.
(3) Briefwechsel z. Schiller und Goethe, 1870, 3.a ed., vol.
ii, pag. 408 e 409
(iO
dizer e ouvir tudo, apesar d ti innom^r <li,<t<i,irin <ln$ ,,<iin-
rezaa <■ </>> modo dê pensar. A cultura franceza do s. i
pirito apresenta-a pura, e n'uma luz extremamente in-
teressante. Em tudo o que chamamos philosophia, e por
isso em todos os pontos extremos e mais elevados, nã<>
ha como entender-se com ella, apesar de todos oa dize-
res; porém o seu temperamento e modo de sentir é me-
lhor do (pie a sua metaphysica, e a sua bella razão ele-
va-se até uma possibilidade genial. Ella quer explicar
tudo. comprehender tudo, medir tudo, não admiti»- na-
da de obscuro, impenetrável, e onde não pôde chegar
com o seu facho, também considera que nada ali:
te. É essa a razão por que tem um medo horroroso á phi-
losophia idealista (Idealphilosophie) , que, segundo
modo de vèr, conduz ao mysticismo e á superstição —
e isto mesmo constitue o ar mephitico em que ella suc-
cumbe. Sentimento poético, ou senso para aquUlo que nós
chamamos Poesii, è cousa que Ala /"'« tem; em obras
ta ordem comprehende e apropria-se só o que tila- tem
de apaixonado, rhetorico e geral; não apreciará decerto
uma cousa falsa, sem valor, mas nem sempre conhecerá
o que seja verdadeiro. Podereis vèr, por estas poucas pa-
lavras, que a clareza, a coragem e vivacidade espirituosa
da sua natuivz;i. só podem influenciar do uma maneira
benéfica; o que lhe acho de incommodativo é a 63
va volubilidade da lingua, que nos obriga a tfansfofmar-
nos totalmente em um org&o auditivo, para poder Beguir
o fio do discurso. Como eu. apesar da minha pouca fa-
cilidade no Irancoz, me sustento sottVivelmentc. pode-
reis vós, graças a melhor exercício, communicar mais
facilmente com ella.»
61
De propósito nos abstivemos de mutilar a passagem
relativa a M.me de Stael, que damos completa, para que
se não supponha um parti prig; e para que o retrato da
escriptora seja completo, veja-se o seguinte, que diz
Goethe :
«A noticia das cartas de Rousseau transtorna na ver-
dade o jogo á dama, que temos presente. Uma pessoa
vê-se no espelho (diamantino-adamantino) a si próprio,
e previne-se contra a monomania caricata do mulherio
francez» (1).
Isto explica-se. Goethe havia lido, pouco antes de
conhecer M.me de Stael, uma correspondência entre
Rousseau e duas senhoras, que, a pretexto de uma sup-
posta veneração, o haviam disfrutado, e depois de se ha-
verem sufficientemente divertido com elle, publicaram-
lhe as cartas. Goethe fallou com M.me de Stael a res-
peito d'esta maliciosa acção, e ouviu, com espanto, que
a sua hospede tencionava applicar em Weimar o mes-
mo processo. Foi isto o bastante para o auctor do Faust
se envolver n'uma reserva quasi absoluta, resistindo a
todas as amabilidades cia franceza, que não achou em
Goethe a mesma expansão que em Schiller, que te-
ve a paciência de a ouvir. Em Schiller havia, segundo
o dito de Goethe a Zelter (2), «uma tendência de Chris-
(1) Briefw. z. Schiller u. Goethe, 3." ed., (1870) vol. li, p. 414.
(2) Um dos mais notáveis compositores da Allemanha no
género do Lied (canção para vozes só) ; amigo intimo de Goe-
the, e com quem sustentou uma activa correspondência, publi-
cada por Riemer. (Briefwenhsel zwischen Goethe und Zelter.
Berlin, 1833-1836, 6 vol. in-8.°) Zelter exerceu uma grande in-
fluencia sobre o ensino musical na Prussia, onde viveu a maior
parte do tempo, e formou notáveis discipulos, dos quaes o mais
celebre foi Félix Mendelssohn Bartholdy.
*
62
to, uma natureza cheia d'um espirito divino, que espalha-
va, assim como o semeador do Evangelho, a semente
da verdade, sem cuidar se era para os pássaros, se para
a terra fértil (1).»
Goethe passou provavelmente aos olhos de M.rae de
Stael por um egoísta, quando era apenas prudente, mas
fugiu ás massadas que lhe preparava a franceza. e foi
mais feliz do que Schiller, que depois de a ver fora de
Weimar, não pôde deixar de exclamar:
«Também depois da sahida da nossa amiga sinto-me,
como se tivesse passado por uma longa doença. ••
M.me de Stael havia commettido um erro, que » -
pa a muitos hospedes, havia ficado em Weimar mai> de
três semanas, isto é : demais, e quando os dois amigos não
tinham mãos a medir com trabalhos importantíssimos.
A impressão que M.mc de Stael produziu em W»i-
mar, retrata-se do mesmo modo, até em escriptoree es-
trangeiros, que se achavam então na capital do duca-
do (2). A escriptora, depois de ter batido em vã<> ;i
poria de Voss (3), e quasi em vão á de Goethe, (pie não
lhe abriu senão as portas da sua casa, teve de se con-
tentar com os diiminorum gentium. Entre estes, figurava
um joven inglez, muito estimado em Weimar pela sua
intelligencia e sympathicas qualidades, que lhe haviam
aberto alli todas as portas e todos os corações. M."10 de
(1) E. Palleske, Schiller 's Leben und Werke. Rerlin, 1860,
3.a ed., vol. ii, pag. 569.
(2) Transformado em Grão-Ducado só em 1815. depois do
congresso de Vienna.
(3) 1751-1826. Poeta e philologo distincto; celebre pelu
suas traducções do grego (Homero) o latim (Virgílio, Ovídio,
etc).
63
Stael participava d'essa amabilidade, e Crabb Robin-
son (1), que é de quem se trata, teve a paciência de lhe
explicar Schelling, com mais felicidade, do que Schiller
o fizera para Kant. O inglez e a franceza eram em
breve amigos, mas isso não impediu que Robinson Lhe
declarasse com uma admirável franqueza: «Madame,
vós não entendestes Goethe, e nunca o entendereis ! )>
M.me de Stael tinha ainda bastante dignidade para
admirar esta franqueza viril, sem se agastar; Robinson
da sua parte sustentava a sua seriedade, mesmo em face
das velleidades de mulher de M.me de Stael (2).
Eis a maneira como se devem entender as relações
entre M.me de Stael e os dois poetas, que se podem es-
tudar por completo na correspondência original, cujos
resultados aqui condensamos e expomos, segundo a nar-
ração de vários escriptores.
Isto bastará para reduzir os dizeres da litterata a
respeito do Faust (que é o ponto em questão) a nada, e
provar que o snr. G. M., assim como o Visconde de Cas-
tilho, lançando mão de tal fonte, foram commentar a
tragedia e a litteratura allemã á luz do anno de 1803.
(1) Em 1869 appareceram ein Londres, em3vol., gr. in-4.°,
as suas Memorias e cartas, que sâo muito importantes para a
historia da litteratura allemã no fim do século xvni. Robinson
teve a felicidade de conviver com quasi todas as celebridades
da época. Em 1871 appareceu um resumo da obra, com o ti-
titulo : Ein Englãnder iiber deutsches Geistesteben im ersten
Drittel dieses Jahrhunderts . publ. por K. Eitner. Weimar,
1871. Vide a analyse em Blàtter fur literar. Unterhaltung,
1873, n.°» 9 e 10.
(2) Quando esta, antes de partir para Berlim, mostrava á
meza aos seus convidados as suas toilettes e tudo admirava,
menos Robinson, respondeu este, interrogado, com toda a se-
riedade: «Madame, vós pedis demais — não posso admirar a
um tempo a vossa pessoa e a vossa toilette de baile.»
64
O que W. Schlegel escreveu e publicou em 1812
(Ueber dramatnche Kunei únd Liitevatur) está boje, as-
sim como os Anfsãtze de seu irmão F. Schlegel, bastan-
te antiquado (1) (síc), e o snr. G. M., qné é um mnmiot*-
maí/o germanista, devia sabel-o em 1873. Essa tendeneia
em querer negar talento e faculdades dramáticas a Goe-
the e a Schiller, em que Lewes insiste (2), foi reduzida
por Palleske (3) ás devidas proporções, tirando aos ar-
gumentos do escriptor inglez as bases, que este fora pro-
curar em Devrient (4), não é mister desenvolver aqui
a exposição de Palleske, mas restringindo-nos ao Fanet,
refutamos, com uma simples classificação, esses argu-
mentos desfavoráveis.
A tragedia é, como diz admiravelmente Oarrien
(1) Scherr. Allgem. Geschichte der Literatur, 1872, 4.* ed.,
vol. n, pag. 258.
(2) Goethe's Leben, vol. n, pag. 306-336.
(3) Schiller' s Lelen, vol. n, pag. 465-506.
(4) Philipp Eduard Devrient pertence a nina antiga fa-
mília hollandeza (De Vriend que emigrou para a Proseia no sé-
culo xviii. Os Beua membros teem, desde então, brilhado como
cantores distinctos e actores de primeira ordem nos priuci-
paes theatros da Allcmanha. Citaremos Ludwig Devrient,
(1798-1832) celebre actor no género: ( haracterrolUn : Karl Au-
gnst. D., sobrinho do antecedente, actor também, e marido da
celebre cantora W. Schõder Devrient ; Philipp Eduard, irmão
do anterior, e auetor da notável obra a que nos referimos:
Geschichte der deutschtn SchauspieUcurut. Leipzig, 1841-1861,
4 vol. Ha emfim GuBtav Kini! D., também rrmao dos dois an-
tecedentes ; foi primeiro cantor, e depois actor, rpiando perdni
a voz por cansa de uma constipação. Ouvimos este celebre ar-
tista, oní' acaba de fallecer ba ponco
da Allemanlia. Vide a seu respeito no : I
Z«t, S.° anuo (1872 p*g. 369-382 um Et ~ bali.
Segundo este, parece que a Enmilia é de origem francesa, a
emigrou depois da suspensão do edito de Nai . para
a Prússia, como huguenotfe b.
(5) Êrtãutertíngcn zu Gceth>'s JFVtusC, vol. i, pag, \.
65
eine Gedankendichtung (1), de uma forma nova absolu-
tamente original, e que escapa por isso a todas as clas-
sificações, e a todas as tesouradas mesquinhas e ridicu-
las que lhe queiram dar, para o entalar em Scenas, Qua-
dros, etc. etc.
A aííirmação deDevrient:
« 0 dualismo vetustissimo dos géneros, irrompeu de
novo; o drama doctrinario (gelehrt) oppôz-se de novo
ao drama popular (volksthúmlich) , e a poesia conquistou
de novo a supremacia sobre a arte dramática (2): a esta
aííirmação responde Palleske com uma phrase decisiva :
«O doctrinario, é entre nós quasi tão popular, como
o popular (3).))
É difncil que n'um paiz, em que não se dá este ca-
so, se entenda o Faust; a culpa não é de Goethe, mas
sim da condição inferior dos outros povos, com relação
ao nivel moral e intellectual da Allemanha.
E com isto nos despedimos da passagem archeolo-
gica do snr. Gr. M. (4), acerca dos defeitos dramáticos do
Faust.
A obra de Laube (Gesehichte der deutschen Litera-
tur) (5), não fazemos longos commentarios, porque é um
livro que não tem valor algum hoje; qualquer compen-
dio elementar de critica litteraria lhe haveria ensinado
(1) Litteralmente : poema de pensamentos. V. ocap. vm,
(2) Palleskp. Schilller's Leben, vol ir, pag. 468.
(3) Das Gelehrte ist bei uns fast eben so volksthúmlich
ais das Volksthúmliche. Op. cit., vol. u, pag. 467.
Í4) Os críticos, pag. 113-121.
(5) Notaremos ao snr. G. M. que Literatur se escreve em
allemão, em geral, -com um t, e não com dois, como se vê a pag.
89, 115, 117, etc.
66
isto (1); não são só as ideias que desacreditam um livro,
mas sim as fontes que o auctor indica, e citar Lanbe
(1840) quando ha as obras de Gervinus, Kobersteín,
J. W. Schaffer, Wilmar, "YVackernagel. Kurz, Goede-
cke, Roquette, e tantos outros, é um triste testemunho
da parte de um consummado germahista .'
Saiba o snr. G. M., se ainda é susceptível de apren-
der, que a importância de Laube está no romance po-
litico e socialista, e no drama histórico; como historia-
dor litterario é uma relíquia.
H. Blaze (no Essai, que precede a sua traducçãoj
forjou uma theoria do egoísmo de Goethe, que fez mais
honra á sua phantasia engenhosa, do que á verdade
psychologica do caracter essencialmente humano de
Goethe; a sua theoria explica-se pela data (1840 em
que foi phantasiada, e é um signal tvpico da preguiça
e da incúria franceza, que H. Blaze venha, na duodéci-
ma edição (1869) da sua obra, repetir stereotypicamen-
te o que podia talvez passar ha 29 annos, mas que já
depois de Lewes (1855) e das suas admiráveis pagi-
nas (2), era uma falsidade — e repetido hoje, em 1873
— é uma impudência (3); o snr. G. M. devia sentir com
1 K. Gr. Helbig. Gfrundriss der Gesclt. der pott. l.ltera-
tur der Deutséhen 6." ed. 1801.
Este auctor cita como fontes de consulta mais de 30 obras
sobre a Litteratura allemfi, desde 1822 e 1827 ató 1862, mas nem
sequer menciona Laube .
(2) Goethe'8 Leben, capitulo viu. Der wahrt Mtnachtn-
freund: o verdadeiro philantropo, vo\. i. pag, tôl 503.
■'i \' iil<- o que dizemos adiante a respeito do caracter de
Goethe. Capítulos vi e vn.
67
os seus 66 annos o sangue subir-lhe ás faces, lembran-
do-se da sua hypocrita veneração por Goethe (1).
0 snr. Gr. M. não podia conjecturar, que se não nos
aproveitamos do extenso Essai de H. Blaze (pag. 3-151)
é porque algumas razões tivemos para isso? Esse Essai
é uma analyse phantastica, uma pura ficção, que não re-
vela nem mais nem menos imaginação do que muitas
phautasias, que se tem escripto sobre Goethe.
Demais o snr. G. M. não olhou para a data : Janei-
ro 1840, collocada no fim? Não lhe passou pela ideia
que alguma cousa se haveria escripto ha 33 annos para
cá, que podesse servir de melhor guia para a caracte-
rística de Goethe?
As classificações de «eminentes críticos» que dá a
H. Blaze, Saint René-Taillandier (!) e outros, é res-
ponsabilidade exclusivamente sua; todavia, essas quali-
ficações são mais um indicio do seu estado de espirito,
como a qualificação de grande poeta dada a Heine (2).
Emquanto ao livro d'este (De VAllemagne) diremos
apenas duas palavras; citar a sua obra, como a de uma
auctoridade moral e litteraria (porque aliás nada signi-
fica), é uma miséria fácil de explicar; uma das cousas
que mais nos admirou, quando chegamos a Portugal,
foi o enthusiasmo que soava na bôcca da mocidade de
Coimbra acerca d'este pseudo-genio, que equiparavam
a Goethe, com grande espanto nosso! Para estes aca-
démicos havia a Allemanha do século xvin e xix pro-
(1) Os críticos, pag. 66.
(2) Aprenda o snr. G. M. a sentença definitiva que a Al-
lemanha formulou ha muito sobre este vagabundo da bohéme
das lettras. Veja Gervinus.
68
(luzido só duas notabilidade*: Heine e Goethe, união
que nos pareceu assaz monstruosa — e característica.
Heine, e a influencia das suas obras, está ha mui-
to julgada, e essa adoração pestífera a um homem,
cuja sentença está de ha muito lavrada na Allcmanha,
hasta para provar até onde nos havemos desviado do
trilho da verdade e da moralidade litteraria. Ouçamos
duas sentenças, qual d'ellas mais imparcial, e fique se
sahendo de uma vez para sempre quem é esse poeta:
«A Heine podemos apenas conceder o enthustas-
mo do gracejo, isto é: Heine haveria talvez rapportar
do antes alguma cousa má, e até a peior de todas as cou-
sas, do que calar uma lembrança espirituosa que lhe es-
tivesse fazendo cócegas na lingua. Que Heine era um
maltrapilho, moralmente falia nd<>, ein moraliscfu r Lmn^i
não offerece duvida, ajuizando pelas suas próprias con-
fissões; demais está averiguado que recebia uma annui-
dade dos «fundos secretos» de Louis Philippe, i-t<> é, de
uma fonte que só beneficiava os Mouchards (sic . espiões,
apóstatas e traidores. Abstrahindo d'este ferrete inex-
tinguível, é também certo, que Heine manca pôde, por
causa da falta de senso moral, crear uma obra de arte.
como haveria direito a esperar do Beu talento genial. O
melhor que se tem dito de Heine, é a sentem a dVIle pró-
prio:— Eu sou fèauerkraut (1) preparado com ambró-
sia (2).»
Mais severa c ainda a sentença de Grervinua ."> .
(1) Couve fermentada, choucrottte (!).
(2) Scherr. AU<i. Gettch. der LU. ?ol. H,p. 890, nota 2, fim.
(3) Die romantischc Diehtung tmd ihre innertn I-
rungen (em Qesch. dea newm. Jahrh. vol. vm, jutg. 180-1 B7.
69
Comparando as duas naturezas de Byron (1) e de Heine,
escreve :
«Lord Byron chegou, depois dos desvios da Sua ju-
ventude, a uma conclusão acerca da vida e do seu pro-
pósito, que achou por esforço próprio e sustentou com
firmeza; porém a alma sem caracter de Heine, que elle
mesmo, em vista da sua elasticidade, que o levava até
ao infinito, para depois se encolher imperceptivelmente
— chamava de Caoutchouc, não tinha nenhum ponto
seguro de apoio, em cousa alguma, nem na religião,
nem na posição social, nem no estado, nem na fé, nem
na descrença, nem no realismo, nem no idealismo; nada
lhe era sagrado; não tomava nenhum estudo a serio,
nem mesmo o conhecimento de si próprio (2).» Basta
d'esta repugnante, mas verdadeira pintura; quem se in-
teressar pelo resto, que é ainda peor, leia-o em Grer-
vinus. Que a mocidade de Coimbra de 1865 (3) andasse
enganada no seu delírio por Heine — é triste, mas ainda
se explica no nosso estado moral e psychologfco; mas
que um consummado germanista se sirva de semelhante
auctoridade (4), é indicio da mais crassa iguorancia;
e cital-a então com relação á segunda parte do Faust (5),
que Heine, pela sua decadência moral e intellectual nun-
(1) Como entre nós vogam também a respeito do poeta in-
glez as ideias mais falsas, lembramos a breve, mas admirável,
característica de Gervmus. (Op. cit., vol. Viu, pag. 136-180.)
(2j Op. cit., vol. vm, pag 183.
(3) E continua no mesmo estado, cultivando o género que
Goethe caracterisou com o titulo de Lazarethpoesie : poesia de
lazareto. (Eekermann, Gespr. vol. i, pag. 262.)
(4) Os críticos, pag. 79.
(5) Os críticos, pag. 91.
70
ca poderia haver comprehendido, cital-a com este fim,
é falta de pudor.
Passamos agora pelas duas obras de Dúntzer, de que
fatiaremos em ultimo logar.
A correspondência entre Goethe e Schiller, traduzi-
da por M.me de Carlowitz, é uma fonte suspeita, como o
são em geral as traducções francezas: a introducção de
Saint-René Taillandier sobre Goethe, que precede o pri-
meiro volume (são dois), é uma fraquíssima compilação,
como não podia esperar-se de outro modo do académi-
co francez (1); em qualquer dos dois casos revela o con-
summado germanista uma pobreza franciscana, porque
nem sequer se soccorreu ao original allemão, nem se-
(1) Ainda ha pouco dava o Gottingische gelehrte Anzeigen
(unter der Aufsicht der Kõnigl. Gesellschaft der Wissensehaf-
ten. 1873, pag. 5Õ-64), um dos primeiros, senão o primeiro
jornal de critica scientitica da Allemanha, uma analyse de uma
das ultimas obras d'este litterato, em que se demoustrava o 6eu
systema de compilação.
Refere-se ao seguinte trabalho: La Serbie. Kara George et
Mil08ch par Saint-René Taillandier, professeur a la faculte
dee lettres de Paris, secrétaire general du Ministère de lin-
struetion publique et des" cultes. Paris, 1872.
O auetor d'esta analyse (J. G. Kobl) demonstra como este
trabalho é, por assim dizer, quasi uma mera traduoçSo da notá-
vel obra do historiador allemào Leopold Ranke: Die Serbi-
8cke Revolutioii; esta obra serve de mina de exploração até
1842; d'esta data em diante serviu -se dos trabalhos, também
aliem àes de Kanitz, Pirch, Posaart, Kappei 'apesar de barba-
res !) para uma compilação, que nem tem Bequer o mérito de
uma exposição clara e de um estylo ÉsofErivel, o que se mostra
pelos extractos de passagens do livro francez. Notamos isto
mais extensamente para que se saiba em que altura BCÍeutifioa
está " auetor, apesar de ser professor B&facuUé des l et três de
Paris, e apesar de ser secrétaire general du Ministert de Vin-
struetion publique. No prologo da obra não esquece o auetor de
fazer as costumadas exclamações patrioticaB, e de fallar nos
pruesieru barbares, e em mais puerilidades da inesina espeeie.
71
quer aproveitou as passagens relativas ao Faust que se
acham n'essa mesma correspondência (!!) ou por pregui-
ça, ou por ignorância; e finalmente, porque foi servir-se,
para a característica de um homem como Goethe, das
tristes migalhas espalhadas em algumas magras pagi-
nas por um académico, dilettante em litteratura.
As Conversations de Goethe com Eckermann, tradu-
zidas por Délerot e com uma introducção de Sainte-
Beuve, estão em melhores condições, porque a traducção
está feita com cuidado. Mas de novo nos admiramos co-
mo o conmmmado' germanista foi colher, em segunda
mão, aquillo que está patente no original allemão, de-
mais attendendo a que a sua famosa resposta levou nove
mezes a sahir á luz ! Seria por o snr. Gr. M. ter medo á
traducção das passagens do original?
O auctor Heinrich (Histoire de la littérature alle-
mande) é um soífrivel compilador, não passa d 'isso; ser-
vir-se, pois, d' uma fonte tão pobre, quando as ha riquís-
simas, como vimos (1), servir-se d'um compilador, d'um
francez — é singular phantasia n'um consummado ger-
manista! O livro de A. Bossert (Goethe, ses précurseurs,
etc), é uma obra de fancaria, cuja futilidade já demons-
trámos de sobejo em outro logar (2), e que apesar de pu-
blicada em 1872, está áquem de 1855 (3) e da biogra-
phia de Lewes. É pois o pendant de Laube, que o con-
(1) V. o capitulo m, pag. 34 e 35.
(2) Bibliographia critica, publicada por A. Coelho, pag.
84-91, l.°anno.
(3) Na Bibl. crit. lê-se no artigo sobre o livro de Bossert «Já
Lewes em 1845», etc. (pag. 88); rectifique-se : 1855. Lewes co-
meçou a escrever a sua obra em 1845, mas só a publicou dez
annos depois.
72
■^nioiuido germanista escolheu com notável critério litte-
rario, não ha duvida ! Bestam cmfim as duas obras cl"
Diintzer (1), e honra seja feita ao snr. G. M., porque
(Testa vez acertou, graças a circumstancias, que não é
possível certificar (2). Diintzer é sem duvida o com-
mentador mais minucioso do Faust, mui perspicaz, mu-
nem sempre acertou; e depois de lhe haverem provado
os enganos, teimou nas suas ideias, o que foi peor, e re-
verteu em descrédito seu. Além d'isso, o seu primeiro
trabalho é de 1857, e o segunrlo de 1861; ora ha 12 au-
nos tem a critica marchado, e muito, e o pout<> de fis*
ta que ella hoje adoptou, é mui differente d"aquelle
que Diintzer escolheu; não se trata hoje d'uma explica-
ção minuciosa, descendo a todos os incidentes das duas
partes da tragedia; a critica viu que isso conduzia a uma
rericirfende Kleinigkeitshi'"hn>r< l (3), a uma interpretação
ociosa de terminologias e minudencias, que em logar de
explicar as palavras de Goethe, as obscurece. Hoje, «■
este é o ponto de vista geralmente adoptado, não se tra-
ta d'essas ninharias, que á força de subtilidade esquecem
o que o poeta escreveu; hoje tratam todos os comine: ;-
tadores, desde Kreyssig (1866) até Carriere (J.869) (-1)
e Taylor (5) (1872), de fixar os traços principaes da a< -
(1) Ensinaremos ao snr. G. M. qne este nome se escre\e
ajsaim, e não Diinzer, como si? vê repetido XI vezes com notá-
vel teimosia naspaginaa <k> si-n livro.
(2) A liypotliese que allegamoa a pag. 42 par i a-noa ac-
ceitavel; ou houve o snr. (t. M . as noticias >i11'' forneceu
tillio, de obras que citam Dântser om Begonda ou tercei?! mfto?
(3) Kreyssig. Vorlesungen, pag. 1T."«.
(4) Faust, mit Eiuleitung und Èrlãuterungeií. Leipzig, Bro-
ckhaue, 1869., 2 rol.
(5) Faust. A Tragedy. Leipzig, Brockhaus, 1 ST"J. com in-
troducçào, notas e appcndices.
73
cão, e com elles a ideia do poema, sem desligar a primei-
ra da Segunda parte, e tomando-as sempre juntas (1),
como sendo duas metades inseparáveis d'um mesmo or-
ganismo (2). Não queremos dizer com isto que os tra-
balhos de Diintzer (1857 e 1861) ficam inutilisados, mas
sim mostrar que o ponto de vista é hoje diverso, e que,
embora se consultem com muito proveito os dous livros
para a interpretação, é mister, mesmo debaixo do pon-
to de vista analytico de Diintzer, alterar muitas cousas
que elle refere, e completar a sua exposição com o pon-
to de vista synthetico, que é hoje o systema que a scien-
cia critica tem applicado com mais proveito ao Fanst.
Segundo Carriere, os melhores commentarios são os de
Hermann Weisse e H. Theodor Rotscher; o estudo phi-
lologico, emquanto á Segunda parte da tragedia, foi fei-
to com erudição e talento por Ferdinand Deycks e W.
Ernst Weber, «e convém não desconhecer, apesar da
sua prolixidade, o perspicaz conhecimento de causa com
que Heinrich Diintzer auxiliou a interpretação dos an-
teriores, applicando-a a toda a obra». E este o juizo de
um commentador, que diverge em pontos essenciaes de
Kreyssig, e por isso insuspeito na classificação que este
faz dos «merceeiros de ninharias: KleinigkeitskrãmerJ).
0 snr. G. M., servindo-se exclusivamente de Diin-
tzer, e desconhecendo completamente os resultados da
sciencia critica, cahiu n'um exclusivismo que lhe foi fa-
tal, como' veremos, e demonstrou a sua ignorância dos
(1) Isto só de per si prova que a tentativa de Castilho era
já por este lado um impossível.
(2) Kreyssig, Vorlesungen, Vorwort, pag. i-xiv,
74
resultados da sciencia, de ha 12 annos para cá, desde a
data do segundo livro de Diintzer (1861 1.
Resumimos :
Das 11 fontes de consulta, de que o snr. G. M. se
serviu, são as cinco primeiras (1810, M.me de 8l
— 1812, W. Schlegel— 1840, Laube— 1840, H. Bla-
ze — 1856, Heine) dequasi nenhum valor, por serem :n-
cheologicas; a oitava (1862) e nona (1863) são fontes
francezas, mais ou menos suspeitas, e as duas ultimas
(1870 e 1872) são obras de fancaria e de compiladores
egualmente fraucezes.
Temos emfim as duas obras de Diintzer (1857 e
1861) de um mérito relativo, partindo do ponto de % i — t :c
de ha 12 annos.
Eis a sciencia do consummndo germanista (1).
(1) Não tomamos cm conta o artigo da Biogr. Unir. sobre
Goethe, feito por Saint-René Taillandier — porque, se o snr.
G. M. nào se pejou de ir colher noticias de Goethe n um Die-
cionario, em logar de o fazer n'uin:i monographia, conhecemos
nós todavia os limites até onde a critica pôde ir, sem se de-
gradar.
CAPITULO Y
A Allemanha e os Allemães
Examinados os elementos de trabalho de que dispoz
o snr. G. M., vejamos a forma por que os aproveitou
para o exame múltiplo da questão; primeiro, os seus
pontos de vistas geraes ; e em seguida, o exame dos as-
sumptos e dos factos n'elles incluídos. Anteciparemos
porém d'antemão a sentença, declarando que a igno-
rância do snr. G. M. excedeu toda a nossa espectativa,
quando o vimos lançar mão dos argumentos de M.me de
Staél (1803), e applaudir os absurdos que esta escri-
ptora diz dos allemães com relação ás Bellas- Artes (1).
O snr. G. M. corrobora a opinião :
«Os allemães tem effectivamente grandes e arroja-
das concepções, profundos pensamentos, ideias origi-
(1) De VAllemagne (ed. Garnier) pag. 391-401. Remette-
nios para o nosso juizo a este respeito : O Faust., pag. 34.
76
naes; mas quando se tracta de expor os seus systemas
philosophicos, as suas theorias scientificas, ou de dar ao
pensamento poético realidade exterior; as ideias, em
vez de se submetterem á disciplina da arte, saem como
em tropel das turvas profundezas do espirito em que se
geraram, e só imperfeitamente ficam dispostas n'aquelle
alinho, de que resulta uma lúcida exposição didáctica;
ou mal assuiríem aquella regularidade orgânica de que
nasce a perfeita harmonia da ideia com a forma. Esse
talento da forma parece ter cabido mais especialmente
em partilha ás raças occidentaes» (1).
Vê-se evidentemente por esta passagem que o snr.
Gr. M. quiz harmonisar a suas ideias, quanto podesse ser,
com as do Visconde de Castilho ; assim como este enten-
deu que o Faust, a «cordilheira de poesia», havia reben-
tado a súbitas de profundezas desconh<id<is, assim acha
o seu collega que as «ideias dos allemães» sahem como
em tropel das turvas profundezas do espirito. O discí-
pulo não podia discordar do mestre.
Este modo de ver, tão j (articular e uniforme dos dois
amigos explica-se, porque nem uni nem outro, apeasr de
andarem nas pernas de pau do Elogio-mutuo, afretam do
alto, isso que se chamam leis da philosophia da littera-
tura; para elles estas ninharias não existem ; tudo " que
vêem são phenomenos e mais phenomenos, ou para di-
zer melhor: milagres. Wagner achando-se ao lado de
Faust não vê senão um cão como outro qualquer; o svm-
bolo, a arfinidade intima, essa escapa-lhe-: e estas dois,
(1) Os críticos, pag. 113-114.
77
apesar de serem dois, não vêem mais do que ofamulus...
solus, tolusj unus.
A passagem, que o snr. Gr. M. refere com relação ás
palavras de Goethe, acerca da differença entre forma e
ideia, em francezes e allemães, está mutilada, segundo
o louvável costume do nosso adversário, que só trans-
creve aquillo que lhe convém.
Eil-a por completo, traduzida do original :
«Os francezes, dizia Goethe, fazem muito bem em
começar a traduzir os nossos escriptores ; pois mesqui-
nhos (1) na forma e nos motivos, como elles o são, não
lhes resta outro meio senão aproveitarem-se do que ha
por fora. Embora nos accusem de certos defeitos, em-
quanto á forma (2), somos-lhes todavia superiores nas
ideias.
«As peças de Kotzebue e Iffland são tão ricas de
motivos, que terão ainda muito que colher n'ellas, até
as haverem esgotado » (3) . Na mesma pagina, mais abai-
xo, caracterisa Goethe os francezes, com relação ao ca-
racter nacional de um modo, que é apenas a confirma-
ção e contraprova da influencia da sua litteratura.
«Os francezes, continuou Goethe, tem intelligencia
e espirito, mas carecem de seriedade, e não conhecem a
veneração (4) . O que lhes serve no momento, é o que lhes
(1) denn beschrãnkt, etc.
(2) eine gewisse Formlosigke.it.
(3) O que o sn-r. G. M. transcreve da traducção franceza
dos Gespruche de Eckennann são só estas duas linhas :
«Podemos ser accusados de imperfeição de forma, mas pelo
que toca ao fundo, somos-lhes muito superiores.» Os críticos,
pag. 114. — Nào lhe convinha traduzir o resto !
(4) «Die Franzosen, fuhr Goethe fort, haben Verstand und
Geist, aber kein Fundament und keine Pietát.»
78
convém. Por isso nos elogiam, somente quando podem
augmentar o seu partido com as nossas ideias, mas nunca
o fazem por reconhecerem os nossos merecimentos» (1).
Para estabelecer o contraste, ouçamos como o mes-
mo Goethe pinta os allemães:
« 0 allemão exige uma certa seriedade, uma certa ri-
queza de (sentimento) interior, e é por isso que Schiller
é tão altamente venerado. »
Depois, fallando do celebre Platen (2) :
«Elle manifesta um engenho opulento, intclligen-
cia, espirito (3) incisivo, e muita perfectibilidade artísti-
ca na forma; todavia, isto só não basta, sobretudo (4) pa-
ra nós, os allemães.»
Até aqui Goethe.
(1) Eckermann. GespràrJie mit Goethe. Leipzig, 1868, 3."
ed., vol. i, pag. 116-117.
(2) August, Conde de Platen — Hallermiinde (1795-1835).
Primeiro, ligado á pliilosophia de Schelling e á eschola român-
tica, emancipou-se mais tarde d"ella, e feriu a sua perniciosa in-
fluencia com os mais profundos epigrammas. Seguiu depois a
corrente das ideias clássicas (Schiller) e chegou, no Soneto, na
Ode, na Bailada e nos seus Epigrammas, a uma perfeição da
forma, em que mui poucos poetas allemães se podem comparar
com elle, e que foi desde logo admirada. A posteridade come-
çou a fazer-lhe mais justiça, e a respeitar, dentro da admirável
forma, a prodigiosa riqueza dos seus elevados pensamentos.
(3) Geist. Esta palavra é mui difficil de traduzir, porque
temem allemão uma signilicaçào peculiar, que nào corresponde
ao sentido vulgar d'ella. Ouçamos como Goethe distingue entre
0 Geist, no sentido allemão, e O esprit , DO sentido francez :
(i 0 fsprit, cm francez, aproxima- SC do que DÓS allemàe.»
chamamos Witz. 0 nosso Geist, traduziriam os francev
vez por esprit e àme. Nisto se contém já a ideia da produeti-
vidade, que o esprit francez não tem. Neste caso particular, po-
rém, chamam-lhe: génie.» Eckermann. Gespriiehe, v. u, p. 218.
I Eckermann. Qeeprâeke, vol. i, pag. 99.
Isto eonstitue o máximo elogio ao caracter allemão, dentro
dos limites da stricta justiça.
79
Demais, negar essa alliança intima entre a forma e
a ideia, formando um todo harmónico, é ainda admis-
sível até ao apparecimento de Lessing, mas d'ahi em
diante, tal proposição é absurda, porque era mister ne-
gar a existência de tudo o que a Allemanha fez, desde
Wínckelmann até ao fim da existência de Goethe, e de-
pois.
Que exemplos pode toda a litteratura estrangeira
apresentar como modelos comparáveis ás traducções de
Shakespeare por Schlegel, de Homero por Voss; traduc-
ções que são quasi uma Nachdichtung , uma w-producção
do original. Que talentos estrangeiros levaram a maestria
da forma poética além do que Platen e Riickert revela-
ram na sua lingua, não fallando nos prodígios únicos da
segunda parte do Fanst?
0 snr. G. M. não faz mais do que repetir aqui um
logar-commum, que certos críticos francezes tiveram a
pretenção de arvorar em principio ; com a differença po-
rém, de que o tropel, e as turvas profundezas, são episó-
dios inventados pelo snr. G. M. Os escriptores francezes
devem estar hoje convencidos, que sabiam, até 1870, tan-
to do verdadeiro estado intellectual, moral e politico da
Allemanha, como do que se passa na lua ; depois de ha-
verem conhecido a distancia enorme de atrazo em que es-
tão com relação a um paiz, que até alli tinham mimosea-
do com os gracejos mais pueris (1) — cremos que chega-
(1) Fazemos aqui a C. Castello Branco a honra de o cara-
cterisar com as suas próprias palavras ; o nome do auctor não
se imprimiria n'estas paginas, se não quizessemos mostrar ao
leitor estrangeiro, como uma das eminências da nossa Liliput
litteraria avaliava em 1865 a Allemanha e os allemães. Falia
dos Eccos da lyra teutonica:
80
rfi<> d'aquí :i lo ott -" annos 1 a avaliar aa coo lições
reaes rTaqffteUe j »< >% < », e então poderão haver reconheci-
do, <pie essa distíooção, ebtre a forma e a ideia, ooca qne
pretendem earaeterisar — 6 OOm elle> 0 discípulo ROT.
G-. M. — duas tendências iifferenteB, passou em julgado,
desde Lessino; para cá. <> snr. <í. M. efltá, apesar de ha-
ver visitado a Allemanha '1 . envolvido nos cito- mau
triviaes acerca d'este paiz, o que é resultado de haver
consultado as fontes impuras de BscriptoTes ignorantes.
Ainda em 1869 se escrevia o seguinte:
cNottfe nuns oceupons beaucoup dVllc. degrau «piel-
(pie temps, et de façon à >upposcr ipl'elle ne no'
point étranirciv. Da moins nou> ne oraigao&a p ;- de for-
nnxler des ju^ements fcrès arrêtéfl sur BOfi avenir. nous
n'ln'sitoi]> pas à nous prononcer sur la juetesse '1' - ir
pé rances qu'elle peut nourrir et sur la grarité de> dé-
ceptions qui peuvent Tattendre. Tout cela présnppose
une science approfondie de son cr-énie. une oomiaiM
exacte de ses aspirations et de sou peuple. Toutetoi- l'Al-
«Seja como fôr, devemos, conhecida a iadole aaufciw do
traduetor, jurar na fidelidade da copia Emquaoto á harmonia,
crês tu que <>s allemãee possam teí harmonia ? una homens qae
faliam com espinhas de dbia aaveie atravessada* dob gorgomi-
los poderão rhvmar melodicamenjte ? Eu creio que a Allemanha
faz muita som ma de philosophia bronca por não poder fazer
-suaves. / '■'•'rrnriíi.y. \r.ifS. 217.
Notaremos ainda, quen'esta nina faz uns elogios hyperbo-
< !. M.. quando o havia cfescotnpt gto em I BtyTo de taberna,
em 1850, n'um artigo ■ Escriptores portug Mundo ele-
gdnte, qae temos á vista.
(1) Porque agora É que começam | h a oocupar-ue BeríonMO-
te da Allemanha, como 86 vê pelas criticas das suas revistas
Bcientifícas.
(2) B verdade queesteve alli apenas cumo mero r
os '■ molhados.
81
lemagne véritable, celle dont je parlais tout à l'heure,
n'est guère connue du plus grand nombre. D'ordinaire
on se contente de la juger d'après des livres surannés,
et des plaisanteries traditionnelles. Sans doute tout le
monde a vu Bade, visite les bords du Rhin. Nous savons
ou l'on pêche les meilleures truites, oíi l'on dine à la
française. Je ne veux calomnier personne. Schiller n'est
pas inconnu parmi nous, et le Faust de M. G-ounod a
beaucoup contribué à nous familiariser avee celui de Goe-
the (!). Pourtant notre savoir, à peu de chose prés, s'ar-
rête là. Quelques personnes, poussées par leur curiosité
ou leurs aíFaires, ont vu Francfort ou Munich. Mais le
témoignage de ces hardis explorateurs parait moins pro-
pre à éclaircir la question qu'à l'embrouiller. Que pen-
ser d?une nation qui ne goúte point nos calembours (1) !»
Isto é confissão de um escriptor francez, que acha a
França, com relação á Allemanha, ainda no ponto de vis-
ta de M.me de Stáel (1803). O consummado germanista
não está mais adiantado, e em 1873 vem-nos repetir os
mesmos argumentos d'esta escriptora.
Para não deixar duvida alguma a este respeito, quei-
ra o leitor comparar a seguinte passagem, com a que re-
ferimos atraz do snr. Gr. M., acerca do processo pelo qual
os allemães expõem as suas ideias:
(1) C. Selden. Uesprit moderne en Allemagne. Paris, Di-
dier, 1869, pag. 2-3.
Três annos antes (1866) apparecia era Paris um livro indi-
gno, que mostra hoje quanto foi útil, mesmo á França a lição
de 1870, e da comrnune; citamos apenas o titulo por curiosida-
de, pois o livro, que era uma especulação torpe, não passou da
primeira edição : A. Desbarolles, Le caractere allemand expli-
que par la physiologie. Paris, Lacroix, 1866, in-8.° de 320 pag.
82
«Sans doute, il v a pina de nuances, plus de liou
entre les pensões, dans ces périodea qui fbrment un tont,
et rassemblent sous un même point de nie Lea divers
rapports qui tiennent au même sujet : mais, si 1'on se
laissait aller à 1'enchaínement naturel des difféientea
pensées entre elles, on finirait par vouloir Lea mettre
toutes dans une même phrase. L'esprit humain a beaoin
de morceler pour comprendre ; et l'on risque de pren-
dre des lueurs pour des véritéa, quand les formes mé-
mes du langage sont obscures» (1).
Eis a fonte primitiva, o espelho em que M.me de Stad
pretendeu retratar a Allemanha de 1803, e onde a maio-
ria dos escriptores francezes vão colher as suas idei-.is. c
procurar as feições intellectuaes da Allemanha de 1873.
Agora como este paiz, cujo modo de expressão intelle-
ctual é tão obscuro e bárbaro, tem sido a pátria da mo-
derna philosophia desde Leibnitz, e principalmente 'li-
de Kant, por Fichte, Schelling, Hegel, Herbart. Schleier-
maelicr,Schoppenhauer,etc.,at(; E. von Hartmann 2 —
como esse paiz analysou, na sua lingua. as combinações
mais difficeia e mais delicadas das faculdades humanas e
as reduziu a systemas de uma admirável Incidez — isso
não nos explicam os partidários da forma contra a ideia.
E verdade que os svstemas philosophicos da Allemanha
(1) M."10 de Staêl. De VAllemagne, pag. Ml [ed Grarnier).
(2) Philo8ophie des Unbewumten. Berlio, 1872, 4." cii.
Esta obra marcou na Allemanha época, e provocou uma
discussão, que vae tomando cada w. proporções m
dinarias. Temos presente a 4.* ed. (1." em 1869), todavia cro-
mos que já nppareceu a 5.", tal é o enthusiasmo cora <|iit- a
massa do publico intelligente compra e lè uma obra de alta
transcendência.
Que utopistas, não é verdade, snr. G. M.?
83
são unia cousa supérflua, e por isso lettra morta para o
snr. Gr. M.; não passam para elle de um tropel de
ideias confusas, sahidas das profundezas do espirito.
Apressamo-nos a voltar aos argumentos do consuma-
do germanista.
Se a alliança, que referimos, não é um dote do espi-
rito allemão (falíamos até Groethe), como é que foram exa-
ctamente esses allemães que levaram a virtuosidade,
melhor, a perfectibilidade exterior, unida á máxima pro-
fundeza do pensamento, ao extremo limite, na arte mais
difficil, na arte musical? Parece-nos pretenção só própria
de espíritos mesquinhos, que querem negar clareza e
disposição harmónica a certas doutrinas e a certos es-
criptores de uma nação, partindo do miserável ponto de
vista : que aquillo, que desde logo se não manifesta cla-
ramente aos nossos olhos, não tem as condições estheti-
cas requeridas. Accusemos antes a nossa preguiça, accu-
semos a nossa superficialidade, que deshabitaada de um
processo de estudo e de analyse á altura do assumpto,
se compraz em attribuir a causas ficticias — effeitos —
que, analysados com imparcialidade, são outras tantas
accusações contra nós mesmo. Temos por necessária
uma certa perseverança, um systema de trabalho, que
consiste em lêr e reler, estudar e reestudar, o que a nossa
limitada capacidade não abrange de um lance, e acha-
mos, com algum trabalho, como premio, o sentido, o se-
gredo da ideia que nos parecera obscura; a luz então é
tanto mais vivida, quanto maior foi a difficuldade em
achar o thesouro ; uma das causas mais essenciaes, e de-
certo a mais notável, porque d'essas profundezas do es-
pirito sahem as ideias turvas, de que tão ingenuamente
84
falia o snr. G. M., é o pouco conhecimento da fagllt
aQemã da maior parto d'aquelles, que imaginam oonhe-
cel-a; porque, dotada de uma grammatica muito com-
plexa, só se adquirem n'ella os foros de plena liberdade
de analyse, graças a um trabalho Laborioso, qna nip i
infelizmente aquillo em que se avantajam 08 povM ro-
manicos, cujas línguas fáceis e transparentes, os habi-
tuam a vêr e conhecer, sem interpor no meio a refle-
xão, e uma reflexão ás vezes aturada. Mas adquirido o
conhecimento do organismo intimo da lingua alleiná,
segue-se o pensamento da sua litteratura e da sua Mâen*
cia com toda a liberdade, e uma grande admiração, a que
nos força involuntariamente a riqueza de um mundo
completamente novo. Então cessa esse labvrintho, e
acha-se o fio n'essas admiráveis phrases, que ás vttee
enchem uma pagina inteira com um desenho extrema-
mente complexo, mas também extremamente claro.
Mui característica para o assumpto, sobre o qual
estamos discorrendo, é a seguinte passagem dos G>*
che com Eckermann. Este conversava com Goethe so-
bre sciencias naturaes. e principalmente sobre a imper-
feição e defficiencia das línguas, que eram evusi <le se es-
palharem erros e opiniões, que não se podiam DUÔB tarde
destruir facilmente.
«A questão é simplesmente esta, — disse Goethe:
Todas as linguas formaram-sc em virtude de neces>ida-
des humanas quasi immediatas. de occupações huma-
nas. v de sentimentos gerae> 8 modofl de \ èr Biulogoa,
Ora, quando um homem superior adivinha OH desoob»
uma ideia áoeroa da acção Becreta e da marcha tia na-
tureza, torna->e a linguagem tradicional insuficiente pa-
85
ra traduzir o phenomeno tão fora da percepção das cou-
sas humanas. Seria mister que tivesse á sua disposição
a linguagem dos espíritos, para dar a conhecer as suas
percepções singulares ; como porém isto não se dá, vê-se
obrigado a lançar mão de expressões hmnanas para ma-
nifestar o seu modo de vêr (Anschauung) nas relações
superiores da natureza, e eil-o envolvido quasi sempre
em difficuldades, tendo de rebaixar o seu objecto, muti-
lal-o, ou mesmo destruil-o.
«Se dizeis isso, respondi eu (Eckermann), vós que
encaraes o vosso propósito sempre com tanta precisão,
como inimigo que sois de toda a palavra vã (phrase); vós,
que sabeis achar para as vossas percepções superiores
sempre a expressão mais apropriada, torna-se o caso
particularmente notável. Eu penso todavia que nós, alle-
mães, podemos em geral darmo-nos por satisfeitos. A
nossa lingua é extremamente rica, desenvolvida, e ca-
paz de augmento progressivo, de sorte, que embora de
vez em quando lancemos mão de um tropo, approxima-
mo-nos bastante do que queremos exprimir.
«Os francezes estão porém a este respeito muito peor do
que nós. N'elles torna-se a expressão de uma percepção
superior, nas relações da natureza, logo vulgar, e mate-
rial, em virtude de um tropo geralmente emprestado á
technica da linguagem, de sorte que se torna insumcien-
to para a expressão do modo de vêr superior.
«Quanto tendes razão — acudiu Goethe, notei-o já
outro dia, a propósito da discussão entre Cuvier e Geof-
froy de Saint-Hilaire (1). Geoffroy de Saint-Hilaire é
(1) Esta questão, que já referimos (0 Faust, pag. 58-59 ;
vid. também Eckermaun. Gespràche, vol. ix, pag. 234), versava
86
um homem, que tem uma percepção profunda do pro-
cesso creador da natureza; todavia a Bua língua /rance-
za atraiçoa-o, porque o obriga a lançar mao de termos
tradicionaes. E isto dá-se n'elle, não só quando se trata
de assumptos e relações occul tas e espirituaes, mas tam-
bém a propósito de assumptos e relações puramente corv
poreas. Quando quer significar as partes isoladas de um
sêr orgânico, não tem para isso outra palavra, além de
materiaes ( Mater ialxen), de sorte que vem "- os <»sos —
que, como partes semelhantes, formam um todo orgânico
— e o braço, ficarem collocados na escala da expressão
em um mesmo degrau, juntamente com as pedras, traves
e taboas de que se forma uma casa» (1).
Que aproveite a lição ao snr. G. M., e aos collegas.
Um bouquet emfim, o melhor, que reservamos para
o fim — e que damos sem commentarios :
«Os allemães, que tanto devem á litteratnra frau-
ceza, teem por varias vezes tido a franqueza de decla-
rar, pela bocca de seus mais notáveis escriptores, que a
ultima consagração de suas obras capitães lhes vem de
uma boa traducção franceza» (2).
sobre uma das questões mais importantes da biologia, acerca
da Unidade da formação orgânica no reino animal. Goethe ha-
via já expendido antes d'esta questão (1830) as suas ideias acer-
ca da metamorphose no reino animal e vegetal, e havia expos-
to ideias, que ao principio, tidas per extravagantes por Cam-
pei- e Blumenbach, foram acceitea, admiradas, e Begnidaa depois
por Sõmmering, Oken, D' Alton, Canis e outros. Qmlo grande
não devia pois ser a alegria do ancião octogenário, quando, ou-
vindo da questão entre (uvier e Geoffroy Saint-Hilaire, soube
que est« illustre homem de scienoia se havia collocado do seu
lado! (Vid. Eckerinann. Gespriichr, vol. i. pag. 239, 6 vol. n.
pag. 234. 235 e 243.;
(1) Eckermann. G<í}>r<ic/w, vol. m, pag. 242 e 243.
(2) Os críticos, pag. 22.
CAPITULO YI
Goethe
a) Goethe e as leis da historia litteraria
Este capitulo é curioso, e offerece-nos revelações
capitães de tal ordem, que nos custa a crer como o snr.
G. M. teve a audácia de dizer taes misérias.
Ouçamos : o snr. G. M. implicou com o seguinte pe-
ríodo .da nossa obra: «Sem Klopstock e sobretudo sem
Lessing, sem Herder e sem Wieland — Goethe era um
impossível» (1).
Este período, que pertence a uma breve exposição
litteraria, é o corollario de um outro anterior (2) :
«... pois a belleza da forma, encobrindo ás vezes
uma certa em phase na ideia, havia de dar, passando em
(1) O Faust, pag. 17.
(2) O Faust, pag. 2.
processo psychologico pelo espirito profundamente cri-
tico de Lessing, pela sciencia cosmopolita de Herder,
pelo fogo enthusiasta de Schiller, pela graça e elegân-
cia de Wieland ; dizíamos havia de dar, por via d'este
processo de aperfeiçoamento esthetico, um resultado to-
tal, que representasse collectivamente todos os esforços
isolados para um ideal commum?
Isto fora dito com relação á grotesca e falsa ideia
do Visconde de Castilho, que achava o Faust «uma oor-
dilheira de poesia rebentada a súbitas de profundeza*
desconhecidas» (1).
Pareceu-nos que em vista d'esta ignorância elemen-
tar de uma das leis da historia litteraria, a do encadea-
mento lógico dos phenomenos intellectuaes e das pro-
duccões litterarias, era mister mostrar ao leitor (2)
a ligação do Faust, e a ligação de Goethe com a evolu-
ção das ideias, desde a Reforma (3). 0 snr. G. M. acha
porém, que esta ligação entre Goethe e a litteratura al-
lemã anterior é imaginaria, e então de todo absurda,
se fallarmos na Reforma e em Hans Sachs «o sapa-
teiro», como o snr. G. M. o denomina (4). Está pois
em concordância com o Visconde; embora, não lhe in-
vejamos a companhia; o snr. G. M. repete o erro. ve-
lhíssimo que Goethe, Camões etc, sã<> appariçOM lit-
(1) Fausto, advertência, pag. vn.
(2) Repetimos: ao leitor, porque o Visconde de Castilho,
para a critica, está morto.
(3) O Faust, pag. 11-17.
(4) Veja-se o longo aranzel de pag. 62-65.
Se o snr. G. M. pretende Eazer < Bpirito cem a qualificação
de sapateiro, com que designa 0 genial IIati> S.uhs por repeti-
das vezes, lastimamos o seu estado iutellectual.
89
terarias sem precedentes, plunomenos inexplicáveis, e
é de opinião «que estas águias (1) do 01ympo'da poe-
sia, podem dizer se, como os habitantes do solo privile-
giado da Attica, autoclitonos» (pag. 64).
Parece-lhe absurdo o que nós avançamos, e diz :
« A força de laboriosos estudos genealógicos, des-
cobriram-se os seus ascendentes humanos, sem os quaes
Goethe era um impossível ! Parece-nos mesquinho este
methodo archeologico para rebaixar a realeza do gé-
nio» (ibid.).
Infelizmente não estamos a sós, na applicação d'este
methodo archeologico; estamos ao lado de Gervihus, ao
lado de Koberstein, ao lado de Carriere — ao lado do
próprio Goethe; aprenda o snr. Gr. M. como estes mes-
mos escriptores estabelecem a ligação de Goethe, não
só com os outros grandes escriptores do século xvili,
mas até com a Reforma e com Hans Sachs.
«De novo decahiu durante dois séculos a vida in-
tellectual e politica da Allemanha, immersa nas aguas
lôbregas da theologia; mas eis que os prenunciadores
da litteratura allemã chamam de novo os espíritos a
uma vida commum, até alli não conhecida, reatando a
tradição de Luthero» (2).
Como falíamos ao snr. G. M. em leis da historia
litteraria, não nos entendia; é mister pois, que lhe mos-
tremos o facto como ás crianças, preto sobre branco.
Ouçamos agora a confirmação em outros auctores
de primeira ordem:
(1) Uma imagem nova...
(2) Gervinus. Wissenschaftspflege in Deutschland, em Ge^
schichte des neunz. Jahrh. vol. viu, pag. 8,
90
Que diria o snr. G. M., se alguém, a propósito da Re-
forma e da sua influencia, se lembrasse de preceder a ex-
posição com uma analyse do espirito da litteratura dos
antigos?
Parecer-lhe-hia uma loucura ?
Pois n'esse caso o louco era Goethe, que o disse mui
claramente :
«... Pois não foi a um exame e a um estudo mais la-
to e mais- puro da litteratura grega e romana, que deve-
mos a libertação da barbárie monachal entre o xv e xvi
século?)) (1).
ErTtre Goethe e a Reforma, entre as ideias do poe-
ta e as dos grandes reformadores, existem mais pontos
de contacto do que o snr. G. M. suppõe — porque não
suppõe nenhuns. Se o snr. G. M. tivesse estudado os
Gesprãche com Eckermann, em vez de abrir o livro aqui
e alli na traducção franceza, havia de lá achar numero-
sas relações que prendem Goethe com a Reforma, e par-
ticularmente com Luthero, que elle altamente respei-
tava :
«Luthero foi um génio da mais notável força: ha
muito que elle exerce a sua influencia, e c- impo»iv. 1
calcular quando é que cessará de ser productivo nos sé-
culos vindouros» (2).
Em outra passagem ainda Goethe accentua mais a
influencia de Luthero:
«Nós nem sequer sabemos, continuou Goethe —
tudo o que em geral devemos a Luthero e á Reforma,
(1) Apud CsirricreSErlàuteruif/cn, Faust, 2.« parte, p. 269.
(2) Eckermann. Gesprãche, vol. m, pag, 1">7. Carta do 11
<li" Março de 1828.
91
Libertamo-nos dos laços da bestialisação moral e intel-
lectual, e foi-nos dado tornar, em virtude da nossa cul-
tura progressiva, ás fontes primitivas e comprehender
o christianismo na sua pureza.
«Temos agora de novo coragem, para estar com o pé
firme, na terra de Deus, e para sentir a divindade da
nossa condição humana.
«Progrida embora a cultura do mundo, estendam
embora as sciencias naturaes o seu domínio, aprofundan-
do-o e alargando-o ; conquiste o espirito humano á von-
tade novos horizontes — comtudo não ultrapassará a su-
blimidade e a cultura moral do christianismo, tal como
brilha nos evangelhos» (1).
Isto, o credo da Reforma, modificado á luz do sécu-
lo xix — escrevia Goethe ainda em 1832, com 83 annos,
depois de haver terminado o Faust (Julho de 1831).
O snr. G. M. ri-se também da relação em que pu-
zemos Goethe e Hans Sachs ; este prende intimamente
com a Reforma; logo, havendo-se rido o snr. G. M. da
relação que achámos entre Goethe e aquelle movimen-
to, era lógico que se risse também da segunda relação.
E na verdade espantoso ver um poeta do começo e
meado do século XVI em relações com um do meado e fim
do século xvin ! Fel-o pasmar o intervallo. Mas o peor
é que os commentadores fazem continuas referencias a
Hans Sachs, a propósito de Goethe e do próprio Faust !
«0 tom popular de Hans Sachs resuscita n'ellas»,
isto é, em algumas scenas do Faust (2).
(1) Eckermann. Gesprãche, vol. m, pag. 252, a 11 de Mar-
ço de 1832. Veja-se ainda sobre Luthero, vol. m, pag. 33.
(2) Carriere. Einleitung, Faust l.a parte, pag. xi.
99
A propósito das palavras firmes de Mephisto no Pro-
logo no céo (1), diz Carriere « Goethe tratou esta scena de
um modo bum ano e popular, ligando o tom solemne e
o jocoso, no espirito ingénuo dos antigos pintores e
com a liberdade innocente do um Hans Sachs » (2 ,
Mais um testemunho a nosso lavor: Kobeist<-in.
um critico e historiador litterario de primeira ordem,
insiste também sobre a influencia visível e o estudo que
Goethe fez das obras de Hans Sachs :
«Também na versificação se nota uma grande varie-
dade; ora os metros de Hans Sachs, ora estrophes rima-
das em todas as medidas e comprimentos. . » (3)
Isto tudo são attribuições de critieos. dirá o snr. G.
M., mas então ouça o próprio Goethe. Fallando da hi>-
toria do Judeu cwautcque ellequiz aproveitar poetíi i
mente, diz:
«Eu tinha-o (ao Judeu) dotado com o humor de
um artífice (o judeu era personificado n'um sapateiro)
com o humor e et^vrito de //nus Sachs, e havia o nobi-
litado com o amor a Christo» (4).
d) ' De tempos a tempos.» etc. V. 0 Fauat, pag. 221.
[2) Op. cif. Erlihitfntugni . F.-uisf.l.' n.<rt<\ p i u . 171.
(8) GruAdriee. 4. Geeóh. dqrdeuL Xat.Lit. Leipzig. 1866,
vol. ih, pag. 2181, nota, (a paginação ó a seguir).
(4) Dichtung >md Wahrheit. 3\* jíftrtè, pag. 646 (Gbtthtfè
Werle, ed. Kurz, 1870, vol. ix).
E extremamente curiosa a inaiu ira OOmÒ Goethe explica a
ideia (1'iste poema, qae beto foi escriptoj mas cuja odbcepçáo
chegou a realÍBar-6e no seu espirito.
93
b) Goethe avaliado no seu caracter, como homem
Exn minemos agora a pintura que o snr. G. M.
nos faz de Goethe (1), em seguida á apreciação do nos-
so methodo archeoloç/ico em historia litteraria. Os orácu-
los a que snr. G. M. se encosta são H. Blaze (!), Hei-
ne (!!) Bossert (!!!) e Eckermann; e este ultimo como
foi aproveitado!
Já vimos o que valem estes escriptores (2), por
isso tomaremos o que o snr. G. M. refere d'elles em
globo; H. Blaze fornece ao nosso adversário a já falla-
da phantasia do egoísmo de Goethe, á qual responde-
remos de uma vez para sempre. Tomamos só duas au-
thondades insuspeitas — Lewes,e o celebre Carlyle; estes
dois inglezes esmagam esse logar commum, que por ser
tantas vezes repetido, e mentido — é tanto mais infame:
Lewes, depois de haver referido (3) aquella cele-
bre história cias relações de Goethe com um desconhe-
cido, a quem por seis longos annos soccorreu com a
sexta parte do seu ordenado, e depois de passar em re-
vista a sua correspondência com aquelle infeliz, es-
creve :
«Não invejo a philosophia d'aquelle que lêr estas
cartas sem commoção. Segundo o meu modo de sentir,
revellam ellas uma natureza dotada de um sentimento
tão extremamente carinhoso, tão sensível ao interesse
pela humanidade, tão prompta em alliviar a dôr, mes-
(1) Os críticos, pag. 66-81.
(2) Vide o capitulo iv. As fontes de consulto.
(3) Goethe's Leben, pag. 487-499.
94
mo á custa de sacrifícios, como raras vezes se encon-
tram entre amigos, e muito menos para com um estra-
nho; depois de se lerem essas cartas soam os epitlu-tos
de /no e sem coração, que tão frequentemente se appli-
cam a Goethe, como heresias lançadas contra os senti-
mentos mais nobres da humanidade. Note-se bem que
este Kraft (nome do favorecido) não offerecia interes-
se algum romântico para o sentimento; não tinha his-
toria alguma a contar, d'aquellas que costumam com-
mover profundamente o coração; não se havia aberto
subscripção alguma para elle, não tinha coterie alguma
a seu favor, que lagrimejasse a sua sorte. Sem amigos,
desconhecido, em contradiceão comsigo mesmo e com
o mundo, descobre a sua miséria em segredo ao grande
poeta, e também em segredo lhe aperta este a mão; lim-
pa-lhe as lagrimas, e trata de prover ás suas necessi-
dades; e não é isto um facto isolado, um movimento
passageiro de compaixão, mas uma bondade posta em
acção durante seis amios.
«Parece-me a mim, o quer que é de doloroso e com-
movedor, que um homem d'esta ordem tosse falsamen-
te aceusado de frio e sem coração, durante tantos ânuos,
não só na sua pátria, mas também entre nós, na Ingla-
terra. Um comportamento um pouco reservado e for-
mal, uma certa falta de enthusiasmo politico, na edade
avançada, e algumas exclamações mal interpretadas 1
— eis os factos que servem de base á singular opinião:
que Goethe presidia, qual Júpiter olympioo, em um
1 Veremos com que espirito de critica o ror. G. M
aproveitou de uma d'estas citações, que se acha em Eckermann.
95
throno, sobre a humanidade, e olhava para a vida, sem
a sentir com o seu próximo; que o seu coração era morto
para todo o sentimento nobre, e que toda a sua vida não
fora mais do que egoísmo calculado. Agora, como uma
tal creatura, sem coração, pôde tornar-se o maior poeta
dos tempos modernos; como um diplomata, gelado e
sem sangue nas veias, pôde estender diante dos nossos
olhos toda a vida humana — isso é milagre que ainda a
ninguém approuve explicar, até que Menzel (1) appare-
ceu e avançou, com um atrevimento sem precedentes,
a proposição, de que Goethe não era um génio, mas só
um talento, e que todo o effeito das suas obras depende
do seu estylo, de uma certa habilidade na forma de ex-
posição ! Menzel é um homem que a Inglaterra senten-
ciou tão absolutamente — a traducção da sua obra foi
acolhida com uma indifferença tão radical, que talvez
seja supérfluo gastar uma linha com elle ; entretanto, o
tom atrevido da sua obra, e a apparencia de uma certa
dignidade viril nas suas accusações, ajudaram a propa-
gar o livro de uma maneira, que não é todavia o resul-
tado do seu valor. Segundo a minha opinião, julgo-o
completamente incapaz de avaliar um poeta; eu per-
guntaria do mesmo modo pela opinião do primeiro fi-
dalgo da província acerca do Parthenon, e este teria
decerto algumas phrases enérgicas disponíveis, para
mimosear o edifício com a expressão do seu desprezo;
somente o que a sua linguagem desbravada não pode-
ria substituir, seria o sentimento, o gosto e os conheci-
mentos.
(1) Na obra : Die deutsche Literatur. Stuttgart, 1827, 2
vol.; 2.e ed. 1836, 4 vol. (Nota do auctor).
96
«Do mesmo modo consideramos que a brutalidade
(sic) de Menzel não pode preencher te lacQUAi da sua
capacidade natural e d;i sua educarão. tactUMfl que 0
tornam de uma vez para sempre incapaz para a inte-
ligência da arte (1).
«0 enigma fica pois de pé, embora peito aos críticos:
um grande poeta, a quem todos os sentimentos, que a
poesia representa, são estranhos: — um espirito pode-
roso, sem alma — um homem, que escreve o W&thBr,
Egmont, Faust, Wilhehn Meisti ,-, Hêrmanii wtiâ Doro-
thea — e não conhece as alegrias e as dores dYste mun-
do! Poderá alguém querer defender a serio semelhan-
tes ridicularias? Ainda é notável, que todo> aqudles
que conheciam Goethe, lhe eram affeiçoados; crèfluç s.
mulheres, copistas, professores, poetas, príncipes — to-
dos o amavam tanto, como merece sel-o uma creatura
digna do amor. Até Herder, que se queixava amarga-
mente de todo o mundo, fallava d'elle com uma amisa-
de e estima, que fez pasmar Schilier: v.€roéthi énotn&ado
por toda a gente (mesmo além de Herder i n>m uma
pede de adoração, <• éttmãdb e <i<h/tir<i</n àitida mias ôonfa)
homem, do que como èêcriptòr. Herder concede-lhè tttàá
razão clara e universal, o modo de sentir in<rls verd
e a máxima piírezh dr cotação ».
«Isto mesmo se haveria colligido das suas obras,
se a opinião antecipada acerca da sua frieza e inditfe-
rença. não houvesse enganado a opinião. » « Km ttêtlhu-
uki Ihdxi. diz, < 'arlyle. /'"//" etle tíont âuretá tífot l»<-
mem algum, e quasi se pôde dizer sobre cousa (ilguuui.
(1) «Zuni VerBtttndniáta d«t Kunst • . LeWôô, vd i, pag. 501.
97
Elle conhece o bom, e ama-o; elle conhece o mau e o
repugnante, e condemna-o; mas ambas as cousas fal-as
sem violência. 0 seu amor é plácido e creador; a sua
sentença é antes indicada do que claramente expressa».
Excepções, como aquella celebre palavra sobre Kotze-
bue (1) e Bottiger (2) «os canalhas mais radicaes que
Deus creou » , provam só que também podia ter o ódio
do homem honrado, como elle se encontra numa na-
tureza forte.
« Mas assim succedem as cousas na vida; um boato,
nascido talvez, ou da ignorância, ou da leviandade, é
espalhado pela malevolencia officiosa, e ganha credito
contra todas as razões plausíveis. Certos nomes ha, a
que se liga um preconceito favorável ou desfavorável,
ao qual a gente se entrega, sem lhe indagar a origem.
Talvez eu possa esperar, que a eloquência dos factos,
aqui indicados, consiga propagar pouco a pouco uma
(1) A. F. Kotzebue (1761-1819) distinguiu-se como auctor
de varias comedias, que revelam espirito fino, riqueza de imagi-
nação, e talento scenico. Infelizmente a ideia moral das suas pe-
ças era da peor espécie : uma alliança torpe de sentimentalismo
e immoralidade. Por isso o puzeram, já em vida, no pelourinho ;
a posteridade sentenciou-o ainda mais severamente do que Pla-
ten :
«Er schmierte, wie man Stipfel schmiert, verzeiht die Trope,
« Und úbertraf an Fruchtbarkeit selbst Calderon und Lope. >
Borrou, como quem borra botas, desculpae o tropo
E excedeu em facúndia Calderon, e até Lope.
(2) K. A. Bottiger (1760-1835), um dos críticos de Goethe,
que a posteridade recompensou com o esquecimento. O que
ainda hoje subsiste d'elle, são alguns estudos sobre archeologia.
98
opinião mais favorável acerca do caracter de Goe-
the» (1).
Eis o que temos a responder ao snr. <t. M. á<"<T«;i
do egoísmo de Goethe, e fecharíamos já aqui esta ca-
pitulo, se não tivéssemos a notar ainda algumas curio-
sidades, p. ex. :
«Apezar de um tanto anachronicas na época bri-
lhante em que floresceram os grandes luminares (2) da
philosophia e da litteratura germânica, essas doutrinas
obsoletas (as sciencias cabalísticas) tiveram um acérri-
mo defensor e ardente renovador na pessoa de Ha-
mann, espirito extravagante, mas dotado de grande in-
telligencia e de profundo saber» (p;tg. QS : em seguida:
«Quasi pelo mesmo tempo que este illumiuado dava
á luz as suasobrasde Bciencia hermética •■■ • • Quecha-
ma o snr. G. 31. sciencia hermética? Que significa o <7-
luminado, com relação ao Magu% des Nordensf Quer o
snr. G. M. fazer passar Hamann por um espirito ca-
balístico, como os alchimistaa do tempo de Fausta Não
sabe o snr. G. 31., que o cabalístico em Hamann está
apenas na fórma singular por que exprime as suas ideias.
aliás admiráveis (3) — emquanto a Bciencia dos outros
(1) Lewes, Goethe 's Leben, vol. í, pag. 499-503.
0 admirável capitulo: Derwàhre Meiuchenfreund [o Ver-
dadeiro philau tropo), abrange nada menos de "-'"-' pi ■-■: 481-503.
(2) Outra imagem aova.
(3) Publicou -se ha mezee um trabalho sobro esto escriptor:
Joh. Georg. HaiiianuV Schriften und Briefe. Zn leichterem
Vorstandiiiss im Zaaammenhange Beinea Lebens erl. und he-
raasg. vnn Muritx. Petri. I.' parto. Bannover, 1^72. in-8.° de
viu — 424 pag. O Literarischea CentralblcUt N. _. ls7.;.
56 e -r>7 . dava uma analyse mui severa d'eete trabalho,
negando a rétri capacidade para comprehender um espirito
tSo profundo.
99
era, em geral, apenas uma phraseologia de charla-
tães?
Por que se admira d'essas tendências um tanto ana-
chronicas, na época dos luminares da philosophia?
Não sabe o snr. G. M. que essas tendências resus-
citaram no principio da segunda metade do século xvm,
como um residtado natural do impulso extraordinário
que tomaram então as sciencias naturaes e a philoso-
phia?
O snr. G. M., na sua ignorância d'esta connexão das
ideias (1), pôde dizer que phantasiamos de novo uma
relação, que não existiu; mas ouça e aprenda:
«Assim como dois séculos antes a energia theolo-
gica e vivificadora do pensamento reformista havia
posto as forças secretas do sentimento em fermentação
perigosa, e havia pintado em relevo as sombras profun-
das da superstição fantástica, em frente da luz fulgu-
rante do sol humanitário e benéfico que havia despon-
tado— assim agora se via o enthusiasmo da felicidade
e do progresso d'este renascimento, envolvido n'uma
dansa macabrea de phaatasmagorias magicas e alchy-
misticas, rodeado de todos os feitiços de eras passadas,
e que haviam já sido alcunhados de ingénuos. O fa-
brico do ouro, as prophecias e evocações dos espíritos,
a astrologia e toda a sorte de magia, que datava dos
bellos tempos de Faust e Paracelsus, e que todavia não
tinham desapparecido completamente da Allemanha;
acordaram de novo a uma vida fantástica, no meio das
victorias das sciencias naturaes e da philosophia» (2).
(1) Se são tudo phenomenos para elle !
(2) Kreyssig. Vorlesungen, pag. 31.
100
Agora daremos a explicarão philosophica d'este phe-
nomeno:
«Repetiu-se o impulso retrogado (que inun-a falta
n'estes momentos) de uma renovação intellectual e sen-
timental, sobre a Imaginação dos contemporâneos mais
fracos e mais impressionáveis, que posavam dos benefí-
cios, sem comtudo se sentirem inclinados ou capazes
para o trabalho commum. Sabemos, como é notório pe-
las próprias communicações de Goethe, como elle se-
guiu aquelle movimento, pelo menos na qualidade de
espectador curioso» (1).
Carriere confirma o modo de ver de Kreissig; de-
pois de fallar no movimento de renovação, produzido
pela Reforma, e nas luctasmoraes da humanidade, diz:
«O que n'um tempo de ebulição poética eommove o co-
ração da humanidade, incarna-se por meio da phantasia,
n'uma figura poética; assim nasceu a lenda do Faunf,
como uiii symbolo do espirito d'aquelles tempos » - .
Goethe foi mais do que isso; é elle que o diz n'uma
passagem mui característica da auto-biographia, e que
nós, pelo que sabemos, ainda não achamos aproveitada
em parte alguma — passagem que nos pinta o estado de
Goethe n'um certo período da sua vida e nos dá a chave
para o Faust:
(1) Kreyssig. Famt. EKnleikmg, pag. v.
j Kjueyssig. Vorlasunge», pag $X.
K com isto reduzimos de novo a nada, a tendência innata
para o maravilhoso, <jue Castilho attribae a Goethe, opinião
que o sur. (í. M. se esforça por defender; a tendência estava
nu espirito da vpoca} e Goethe, como poeta e filhod'esBa época,
idralisou-a numa obra prima. Kis a raafto de F<ui*t l.1 pane
no fim do século xvm. A 'J.* parte é tilha do século xix.
101
«Um sentimento, porém, que de mim se apoderou
com violência, e se manifestava da maneira mais singu-
lar, era o sentimento do passado e do presente, fundi-
do em um só (1); uma percepção psy enológica, que dava
á actualidade um tom phantastico. Encontra-se ma-
nifesta em muitos dos meus trabalhos, grandes e peque-
nos, e faz no poema sempre bom effeito, ainda que no
momento em que se traduzia de um modo immediato
na vida e pela vida — parecesse a todos singular, inex-
plicável, até mesmo desagradável» (2).
Querem o Faust mais claramente expresso?
Mas, abstrahindo de todos estes argumentos, que o
snr. G. M. ignorou, porque ignorava as fontes de onde
os tiramos, não podia o consummàdo germanista lem-
brar-se do facto da lenda faustiana haver sido tratada,
antes de Goethe, por vários escriptores? Seria isso tam-
bém acaso?
O estado de duvida e de lueta, era tanío um sym-
ptoma da época, que, antes de Goethe, já vários poetas
haviam lançado instinctivamente mão da lenda faustia-
na para a idealisar numa creação artística; lembrare-
(i) Que se acha realisado, por exemplo, na dedicatória do
Faust, Zueignung (nota do auetor).
(2) Difhtung una, Wakrheit, 3.a parte pag. 535. Esta fa-
culdade de unir o passado e o presente n'um todo phantastico
encontra-se n'uma das figuras do Faust, onde menos se espe-
ra : em Margarida. Julius Mosen acha por esta concordância
em Margarida, a alma poética do próprio Goethe; e A. Stahr
demonstra essa interpretação, analysando a situação de Marga-
rida na egreja (Goethe's Frauengestalten. Berlin, 1872, 4 ed.
pag. 104. j
102
mos apenas o poeta Maller Miiller, Klinger (1791;, e
sobretudo o celebre Lessing (1).
Não seguimos mais longe a exposição de KiejBBÔgi
isto basta para provar ao snr. G. M. a sua ignorância
do movimento do século xvui,e indicar-lhea fonte onde
pode ir aprender o resto.
Por ultimo, as seguintes reflexões do snr. G. M.: a
respeito de Goethe, como homem :
«O que porém irrita mais o snr. Vasconcellos, é o
egoísmo, o orgulho, a sensualidade (2) attribuidos ao im-
passível Zeus do Olympo da Poesia. Ha pouco vimoscomo
o nosso critico não escrupulisa açoitar nas costas de Goe-
the o Visconde de Castilho, quando esse proces><> de re-
cochete se accommoda melhor aos seus intentos. Então
veio Sancho abaixo, agora torna Sancho acima. Se o
Visconde tivesse attribuido ao magnata de Weimar uma
humildade seraphica, o ministro de Carlos Augusto cor-
ria o maior risco de ser caracterisado pelo seu pam _ -
rista com a soberba de Satan miltoniano; e se lhe desse
a pudicícia do famigerado Intendente de Pliarao, quem
sabe se o feriamos transformado nVsse I). Juan </, obra
grossa, de que nos falia com tanta indignarão?» (3)
Daremos ao snr. G. M., com as suas próprias pala-
vras, a resposta a taes considerações :
«O snr. Vasconcellos não tem motivo para amotí-
nar-se. Quando as divindades são feitas do mesmo bar-
(1) Vide o capitulo iv de O Faust : A lenda do Dr. Faust.
pag. 109-200.
(2) O Visconde diz * frenesi de gosar sensualmente », o qae
é differente (Fausto, notas, pag. 406).
(3) Os críticos, pag. 69.
103
ro damasceno que nós pobres mortaes, longe de nos es-
candalizarmos com as suas imperfeições, antes deve-
mos rever-nos complacentes n'essas pequenas fragili-
dades» (1).
Ha certas phrases que pintam um individuo — esta
é uma d'ellas; não commentamos pois.
Mais uma passagem característica:
«Os poetas nunca foram celebrados por suas virtu-
des ascéticas. Os Pacomios e Hilariões achar-se-iam tam
constrangidos no Parnaso entre as Musas vestidas de
uma fascinante nudez, como os poetas nas asperezas da
Thebaida. Para estes espíritos mundanos, as silvas de
S. Francisco d'Assis tem menos attractivos que as al-
fombras de rosas de Gnido» (2).
Outra:
« O auctor do voluptuoso Divan, o poeta philosopho
que na pessoa de Fausto «reconhece pelo espirito a in-
sufficiencia do espirito, e revendicâ para a carne os seus
direitos» (Heine) Goethe, em todo o caso, protestaria
com certeza contra quem pretendesse fazel-o figurar
n'um Agiologio do Parnaso, ao lado de Jacopone e do
fundador dos Franciscanos» (3).
Outra :
« É das mais extensas, no seu género, a lista das apai-
xonadas do auctor de Werther, a começar desde a mais
humilde servente de uma venda até ás damas da mais
alta aristocracia. Não pretendamos devassar recônditos
mysterios d'alcova, para verificar se, em todas as suas
(1) Os críticos, pag. 69.
;2) Op, cit., pag. 73.
(3) Op. cit., ibid.
104
relações amorosas, elle se saiu como homem de probida-
de e honra, no sentido em que nol-o afiança <> 988 ptJ&e-
gyrista portuguez» (1).
Emfim:
« Reproduzindo estes lolemnea testemunhos, dados
por grandes admiradores do génio do poeta, Bio j »r< •; < 1 1
demos inculcar que n'elles se descrê* a um D. Juan de
obra grossa; quer-nos parecer apenas que não é da
mais fina» (2).
O resto que o snr. G. M. diz acerca de Goethe é
copiado do Essai de H. Blaze,já classificado; entretan-
to, fazemos uma excepção para esta passagem relativa
á Frederike:
«Assim Frederica, vendo-se cruelmente enganada,
hlasphemou da poesia, sua atroz rival, e morreu. Pobre
Frederica! vieste despedaçar a fronte contra este egoísmo
de bronze e pediste ao génio as condições da humanida-
de!» (3)
(1) Os críticos, pag. 74.
(2) Os críticos, pag. 76.
(3) O snr. G. M. traduz (p. 75) esta pissagein de P>
Essai, pag. 12. «Frédérique, sevoyant ainsi crnellement trom-
pée, blaspLéma la poésie, Bon atroce rivale, et moarut. 1
Frédérique, qui vins te briser le front contre cet egoisme d'ai-
rain, et demandas an génie les conditions de 1'humanitéti
H. Blaze não podia dizer mais phrase» e mentiras, do que
este trecho contém; ao snr. Gr. M. rucotmnendajnoa que se in-
forme da vida de Frederike. Para afio faltar o melhor,
ve o conaummado germanista o contrario de tudo isto a p tg. 76:
■ A infeliz F. iinmortali.sou o seu martyrio pela cobre
gnação com que supportou o egoísmo do desdenhoso amante. No
caminho da sepultura dizia a generosa filha d<> Pastor d v
senhein: • Elle era demasiado grande para mim ; destinos mais
elevados o chamavam; não, eu nâo tinha direit< I tal-o á
minha existência, i Onde fica aqui fl maldição f \à\> tinha o snr.
G. M. olhos, nem memoria, para vère lembrar-se do <pie havia
105
Agora o pendant na pagina immediata :
«Elle era demasiado grande para mim; destinos
mais elevados o chamavam : não, eu não tinha direito a
encadeai- o á minha existência.»
Desejamos saber, como harmonisa a primeira pas-
sagem coma segunda? Aquella é uma mentira de Blaze,
porque ninguém sabe que Frederike fosse «.cruelmente
enganada, nem blasphemasse da poesia» — ella, o cora-
ção resignado e angélico, que ficou affeiçoado a Goethe
até á morte, admirando a sua poesia!
Para remate da coroa, o seguinte:
« É ainda devido talvez á prolongada e absoluta dicta-
dura que o grande Wolfgang exerceu na republica das
lettras allemães (sic), e não menos á sua invejada posição
social, sem exemplo na historia dos poetas, que a admi-
ração pela magnitude do seu génio não foi em geral acom-
panhada de uma decidida sympathia da parte de seus com-
patriotas. Goethe o reconhecia. Aos oitenta annos da sua
gloriosa vida, dizia elle a Eckermann, em um momento
de penosa expansão : « Sei bem que ha muita gente para
quem eu sou como um espinho no olho ; esses desejariam
ver-se livres de mim, e como já não podem attacar o meu
talento, voltam- se contra o meu caracter. Umas vezes
sou orgidhoso, outras egoísta, agora cheio de inveja con-
tra os talentos da nova geração, logo mergulhado em
sensualidade; dizem-me sem christianismo, e falto em-
fim de amor da minha pátria e dos meus queridos alle-
escripto na pagina antecedente; ou onde tinha o espirito? No-
taremos de novo ainda, que o snr. G. M. é mui inexacto nas
refereucias ás suas notas; a passagem do Essaide Blaze, a que
põe a referencia : pag. 9 e 10, só se acha a pag. 12 !
106
mães. Escriptor allemão, martyr allemão. Sim, meu
caro, assim foi sempre. Eu mal me posso queixar: to-
dos os mais tem tido a mesma sorte e peor ainda. Na
Inglaterra e na França, dá-se o mesmo que entre nós.
Que não sofrreu Molière! Rousseau! Voltaire! Byron
foi expulso de Inglaterra pelas más línguas e teria tu-
gido até aos confins do mundo se uma morte prematu-
ra o não tivesse livrado dos philisteus e do mu ódio 2 (1).
As phrases, que sublinhamos, não necessitam de
commentarios; somente lastimamos que o snr. G. &L
tenha a ingenuidade de classificar este admirável frag-
mento de penosa expansão! Lastimamos, emfim, que o
snr. Gr. M. seja tão cego, seja um espirito tão limitado,
que não achasse n'essa mesma conversa com Eckermaun.
de que cita aquelle trecho, o argumento mais forte con-
tra a absurda fantasia do egoísmo de H. Blaze, e que
a reduz de um só golpe a nada; e com ella todo o capi-
tulo iii (pag. 66-81) da triste resposta do snr. G. IL
Eis o argumento decisivo:
«Também não podemos servir a pátria do mesmo
modo; cada um faz o melhor que pôde, Begundo Deus
lh'o permittiu. Eu esforcei-me bem duramente, durante
meio século. Posso dizer que não descamei nem de dia,
)iem de noite, nas cousas, que a natureza me havia deter-
minado para o trabalho diário, e não me resen i i dea-
canço algum; esforcei-me sempre, investiguei e traba-
(1) Os críticos, pag. 81. Ha porém neste trecho um salto.
desde : « Sie kennen — até — gcsuoht hat .
Eckermaun. Ge*prihhe, ?ol. m, pag. 217. 0 snr. (í. M.
corta o que lhe não convém,
107
lhei com fructo, tão bem e tanto, como pude. Se cada
um poder dizer o mesmo de si, estaremos todos bem» (1).
0 snr. G. M. falseou pois mais esta citação.
Ora quem escreveu a pag. 66: Temos tanta vene-
ração pelo nobre vulto de Goethe, e a pag. 135 diz, que
á vista «d'aquella poesia portugueza (Prologo no céo)
— parece inflar (2) o próprio original» — deve estar
n'um misero estado de espirito, para manifestar assim
a baixeza da sua condição natural, que pintamos com
os breves extractos do capitulo iii (3), e revelar assim
a miséria da sua impotência intellectual !
E com isto concluímos.
(1) Eckermann. Gesprache, vol. m, pag. 216.
(2) Que termo é este? Da cosinha de Castilho?
(3) O « consummado germanista,» como litterato e como
homem, pag. 28-74.
CAPITULO VII
As relações entre Goethe e Schiller
Já referimos o phenomeno, que revela evidentemente
o estado enfermo do espirito do nosso adversário, isto é,
a tendência aleivosa e malévola, que se apraz em insis-
tir sobre pontos antipathicos e motivos de repulsão, que,
ou são imaginários e revelam muita ignorância (1), ou
se existem, são expostos de uma maneira, que de modo
algum lhe pode conquistar a sympathia de ninguém,
mormente quando essa exposição desfigura a verdade;
a symphonia phantasmagorica de H. Blaze acerca do
egoísmo de Goethe, de que atraz falíamos, e que serviu
ao snr. G. M. para falsear o caracter de Goethe, uni-
camente com o fim de nos contradizer, chegou também
para avançar uma serie de falsidades acerca das rela-
(1) As relações entre Goethe e Schiller datam já de 1790
até 1806 : logo, 16 annos, e não doze, como diz o snr. G. M. Os
criticas, pag. 70,^nota 2.
110
ções entre Goethe e Schiller, falsidades tanto mai- re-
pugnantes, que recordam a cada momento o espirito
sophistico e maldizente do auctor. O snr. G. M. have-
ria feito melhor, se em logar de julgar das rei
entre Groethe e Schiller pelas migalhas de Saint-René
Taillandier (1), cuja competência litteraria ficou já
terminada (2), lesse a correspondência no original al-
lemão. em logar de se contentar com a bradnccão me-
diocre, e assaz livre, de M.me de Carlowitz; não era de-
certo exigência demais, para um consummado germanis-
ta. A carta a que o sur. G. M. se refere, foi escrita por
Schiller ao seu amigo Korner (3); todavia o snr. Gr. M.
dá apenas um extracto d'ella. mutUando-a, porqu- • se
mutilação lhe convinha, para desligar o celebre detestn-o
de todas as circumstanciaa attenuantes.
Em seguida veremos o resultado d"essa mutilação.
Devemos porém ainda accentuar uma circumstaucia :
Se o snr. G. M. queria dar uma ideia fiel da impres-
são que Goethe produziu sobre Schiller. no primeiro
encontro, por que é que escolheu um facto mencionado
(1) O snr. G. M., apesar de consummado germanista. oao
Be peja do revelar a sua pobreza litteraria. citando para
raeteristica de Goethe o fraquíssimo artigo d'68te litterato na
Biograpkie Universelle. Já ê seiencia!
(2) Yide o capitulo: iv. As fontes de consulta; e pag. Ti».
(3) Christian Gottfried BLõrner 1756-183] . pae do celebre
poeta do mesmo nome, Karl Theodor K. [1791-1813 Foi inti-
mo amigo de Schiller. e um doa homens a quem a Allemanha
deve muito, não só pelos seus enérgicos esforços durante as
guerras contra Napoleão i, mas sobretudo pela Leal e forte
amisade com que sustentou o génio e a alma de Schiller, dos
seus momentos de lueta. A casa de Korner, em Dresden, foi
alli muito tempo, <> (pie o palácio ducal em YYoimar foi de-
pois em maior escala: o asylo do talento, do pensamento genial,
e da acção corajosa.
111
em 3 de Fevereiro de 1789 (que é a data da carta em
questão), quando devia citar a outra carta a Korner, que
refere o resultado da entrevista, a única legitima pois,
e que é de 12 de Setembro de 1788; isto é, de 5 me-
zes antes? Era mister que o snr. G. M. tivesse esco-
lhido esta ultima carta, que não é de modo algum des-
favorável para Goethe, e embora citasse depois a segun-
da, era sua obrigação explicar imparcialmente, por que
é que Goethe pareceu a Schiller, 5 mezes depois da
primeira entrevista, tão differente. Se o snr. G. M. ti-
vesse feito isto, que nós aqui lhe ensinamos, teria tido
occasião de ver que o espirito de Schiller havia sido
influenciado de uma maneira muito particular, durante
esses 5 mezes decorridos, o que explica o detesto-o, e lhe
tira quasi toda a sua significação.
Primeiro vejamos a carta de Schiller a Korner, em
que menciona o resultado da entrevista:
«Posso-te fãllar emfim de Goethe, cousa por que tu
esperas com anciedade, eu bem o sei. 0 seu primeiro
aspecto attenua bastante a elevada opinião que me ha-
viam incutido acerca d'esta bella e attractiva figura. E
de altura mediana, muito direito e teso, e anda do mes-
mo modo (1); «a sua phvsionomia é reservada, mas o
seu olhar expressivo, vivaz, e fixa o nosso com en-
canto. 0 semblante, apesar da seriedade, que n'elle se
reflecte, tem o caracter de muita beuevolencia e bonda-
de. A côr do seu cabello é castanha (2), e pareceu-me
(1) É preciso notar que Schiller tinha uma postura e um
andar totalmente differente, e contrario.
(2) 0 original diz simplesmente: «Er ist briinett : » tile, é
briinett, que é a forma de dizer allemà.
112
mais idoso, do que deve ser, segundo os meus cálculos.
A voz é extremamente agradável, o s,'n modo d»* dizer,
corrente, cheio de vida, de espirito e de alma, de modo
que se escuta com extremo prazer, e quando está «111
bom humor (1), como n'este caso, falia com boa vontade
e interesse.»
«Depois travamos relações, e sem a menor cerimo-
nia; é verdade que a sociedade era tão numerosa, e es-
tavam todos tão empenhados e tão ciosos da sua conver-
sa, que foi difficil estarmos muito tempo a sós, ou passar
da generalidade dos assumptos. . . Emfim, fatiando em
geral, não posso dizer que a ideia, na verdade grandiosa,
que d'elle formava, soffresse menoscabo; duvido porém
que possamos algum dia familiarisar-nos. Muit:s cou-
sas, que tem ainda para mim interesse, já passaram
para elle em julgado. Conheço que está. com relação a
mim, tão adiantado (menos em annos, do que em expe-
riência), que nunca nos encontraremos; toda a sua indi-
vidualidade fixou-se, desde o principio, de um modo dif-
ferente da minha; o seu mundo é ditferente do nu u. e
o nosso processo de percepção parece-me essencialmente
diverso».
Esta carta harmonisa bem mal com o detêstoro^ ."> me-
zes depois. Reflecte, é verdade, um pesar bem legitimo,
(1) Humor, é um estado de espirito do aHemio, queo&ose
traduz ; o humor allemào é mui dirterente do huinmiv iogle*/,
assim como o espirita francez é diflerente do Geisi allemào. (v.
pag. 78) Jean Paul Richter, e antes Leasing, Hipgel •• \"n
'riiiiinincl. cnractcrisarain a huanev allemào tào be.m, oomo
Swit't e Sterne o fizeram para o inglas* E' mui diiHeil dar. a
quem nào conlieea estes escriptores, uma ideia olaia da pala-
vra humor ehumou . nas duas línguas allemà • imrleza.
113
em vista das contradicções que o enthusiastico Schil-
ler via entre si e aquelle que já esperava com anciedade,
como um futuro amigo — mas ainda assim, a nobre alma
conheceu a sua irmã. Goethe voltava da Itália, onde um
novo céo, uma outra natureza, um novo mundo de ideias
o havia transformado. Goethe voltava da Itália com
Iphigenie, e Egmont, e pisava de novo o solo da Allema-
nha, ainda agitada pelo período do Sturrn und Drang ;
Goethe tornava, purificado pelo génio da arte antiga, e
encontrava a sua pátria ainda no fogo de um enthusias-
mo, que elle julgava passado, e que lhe pareceu fatal, por
impedir a transição para um grau superior de elevação
moral e litteraria. Goethe ouvia as queixas dos seus
editores, que não vendiam a nova edição das suas obras,
emquanto o Ardinghello de Heinse (1) e os Rãuber de
Schiller desappareciam das estantes. Se devia haver um
queixoso, era Goethe, e não Schiller ; todavia 5 mezes
depois da primeira carta, escrevia este a Korner a outra
missiva, a que o snr. G. M. se refere. Collocamos a tra-
ducção do snr. G. M. em frente da nossa, para melhor
exame :
(1) W. Heinse, escriptor de talento do período do Sturm
und Drang, e auctor de outros romances característicos (Hild-
gard von Hohenthal, etc), em que trata de alliar a forma perfei-
ta, com as paixões do romantismo ; no Ardinghello tenta o au-
ctor estabelecer a theoria de um estado baseado na liberda-
de, nas leis da natureza e nos princípios do bello. Schiller deu a
esta theoria, em gérmen, uma forma mais determinada, propon-
do, em logar da educação moral do homem, a esthetica (Scherr
Vol. li., pag. 213).
114
Trad. do allemão
« Estar frequentes vezes
junto de Goethe, tornar-me-
hia infeliz ; nem sequer para
com os seus amigos mais Ínti-
mos tem um momento de ex-
pansão ; uào ha modo de o in-
teressar, e creio, na verdade,
que elle é um egoista fora do
vulgar (in ungewõhnlichcm
Grade). Possue o talento de
captivar os homens, e de se
tornar credor de pequenas e
de grandes attençòes, mas
conservando sempre plena li-
berdade de acção para si.
Manifesta a sua existên-
cia de um modo bemfasejo,
mas á feiçào de um Deus,
sem se offerecer a si próprio;
parece-me isto um modo de
proceder lógico, planeado de
antemão, e calculado para o
extremo prazer do amor pró-
prio. Eis o que m'o torna
odioso (1), ainda que eu ame
o seu espirito de todo o cora-
ção, e pense d'elle de uma
maneira grandiosa. O que
acordou em mim foi um mix-
to mui singular de " ódio e
de amor, um sentimento, que
não é mui differente d'aquelle
que deviam ter Brutus e Cas-
sius para com César; eu era
capaz de matar o seu espi-
rito, e de amal-o de novo de
todo o coração» (2).
Trad. do snr. G. M.
(do francez)
i Eu seria infeliz se me
encontrasse muitas vezes com
Goethe, dizia o auetor dos
Salteadores. Não ha D'elle
um só momento d'expansào,
mesmo com seus mais Íntimos
amigos ; não ha captival-o de
modo algum; em verdade
creio-o supremamente egois-
ta.»— O snr. G. M. salta
tudo o que segue!
A sua existência é assi-
gnalada por benefícios, mas
á maneira de um deus, sem
nunca se dar a si. E um
theor da existência muito
consequente, muito apro-
priado ao plano de vida que
tem adoptado, perfeitamente
calculado para os supremos
gosos do amor propri..
Salta tudo <> mais.
(1) ilir ist er dadurch VtrhfUtt.
(2) O snr. G. M. escreve ainda o seguinte, que se liga a — amor próprio :
«Os homens nunca deveriam consentir que um ente de ~. uicllianU1 natureza
se acercasse dYlles., |>ag. 71. .Voo achamos esta passagem no original allrmâo,
apud Lewes, v. 11, pag. 118.
:; ><. critico*, p&g. 7 1 , nota.
115
Esta expansão singular é o fructo de um momento
psychologico, que se analysa e se explica todavia de
uma maneira fácil.
Goethe havia deixado em Rudolstadt, onde os dois
se avistaram, impressões invejáveis nas pessoas que se
haviam acercado d'elle; entre estas figuravam Charlotte
e Karoline von Lengefcld, amadas ambas com extremo
platonismo por Sohiller. Goethe chega, e revoluciona o
animo das duas damas — Goethe é tudo, tudo é Goethe.
Além d'isto (se não fosse já o bastante) havia Schiller
estado em Weirnar, antes de Goethe chegar da Itália, e
viu como o seu amigo Voigt, e outros, sustentavam o
peso dos encargos administrativos, que Goethe devia sol-
ver, mas que haviam passado, na sua ausência, para ou-
tros menos afortunados:
«Emquanto elle pinta na Itália, são os Voigts e
Schmidts obrigados a suar como animaes de carga. Elle
absorve ociosamente na Itália uma pensão de 1:800 tha-
lers, e elles vêem-se obrigados a sustentar uma carga du-
pla, por metade do preço» (1).
E antes de Goethe se encontrar com elle, lança Schil-
ler, apesar da expectativa de uma apresentação eminen-
te, contra o seu rival, já celebre e poderoso, a sua no-
tável, mas dura critica ao Egmont no Allgemeine Lite-
raturzeitung .
Já vimos o resultado da entrevista; já vimos o resul-
tado da carta que a commenta, e a posterior, citada pelo
snr. G. M.; vejamos mais a seguinte. E egualmente a
(1) E. PalleRke. Schiller' 8 Leben. vol. i, pag. 137.
116
Kõrner (1); este havia-llie lenibvado cocajosasMÉie o
mirii' io Hon pittore, a que Scliillcr reapondjH
« Não me posso medir com I roethe, quando alfa qper
reunir todas as suas forras. Elle tem muito maia génio do
que eu, e além d'isso. muito majg riqueza de saber, uma
sensualidade sã (2), e emfim um senso artístico, purifica-
do e aperfeiçoado por conhecimentos de toda a esjx cie,
falta que sinto tanto, que posso classifical-a de igno-
rância».
Korner responde-lhe a esta depreciação exagesada
do seu valor:
«Duvido muito que Goethe tenha mais génio do que
tu»; e em seguida explica-lhe epm amisade leal a razão
da inferioridade de Schiller em outros pontos, achando-*
no ardor impaciente com que o amigo aspira ao ideai, es-
quecendo o valor da unidade e da relatividade. Schiller
responde então com nobre franqueza:
«Vejo-me obrigado a rir, pensando no que te liei 88-
cripto de Goethe, e sobre Goethe. Deves ter tido ocea-
sião de me observar nos meus lados fracos, e ha\erás
rido interiormente de mim, o que eu te concedo. Este
homem, este Goethe, estorva-me, ineomnioda-me (3), e
lembra-me muitas vezes, que a sorte me tratou cruel-
mente. Como não foi o seu génio ajudado pofl ella, e
qual não é a minha hicta, lueta que dura ainda n'e>te
mesmo minuto?»
(1) Lewes. Goe-the1* Lebtn. Vol. n. p*g. 114, e PsH
Schiller'8 Leben. Vol. li, pag. 154.
2 Estas palavras teem aqui a BÍgDÍficaçfto do tempera-
mento, de natureza eâ.
(3) d ist mir oinmal im Wc^c
117
Mas 23 dias depois, já lhe vemos escrever a Karo-
line von Beulwitz (1):
«Quando cada um trabalha com toda a sua força,
não pode permanecer occulto aos outros. Este é o meu
plano. E quando esteja n'esta posição, que possa fazer
valer todas as minhas forças, então elle, e outros, me co-
nhecerão, como eu conheço agora o seu espirito. )) Schiller
ficara resentido, e injustamente; mas teve a franqueza
de que é dotada toda a alma grande. Schiller não ti-
nha razão; o egoísta não era o rival; Goethe havia elo-
giado (2), ou antes, tinha-se pronunciado com estima
acerca da sua severa critica ao Egmont; Goethe havia
lido com agrado os Gótter Griechenlands , e havia levan-
tado da mesa a caderneta do Mevhur, em que appare-
cêra a poesia, durante a entrevista em Rudolstadt, le-
vando-a para casa. Isto tudo, que era muito, fizera um
homem, que começava a critica por si, appiicando-a a
todas as suas acções com o máximo vigor. Schiller não
podia ser para Goethe mais do que umjonen iahnte que
desabrochava (3), ea maneira porque Goethe o acolheu
foi digna, se attendermos, a que um era já mestre, e o
outro apenas discípulo promettedor da arte. Lembre-
mo-nos emfim das antitheses litterarias e dos principios
estheticos, em que ambos divergiam diametralmente, e
digamos que houve lealdade em Goethe; se houve fra-
queza em Schiller, deu ella apenas um resultado: o ad-
mirarmos mais o seu caracter.
(1) Palleske. Schiller'* Leben, vol. n, pag. lõõ.
(2) «dass Goethe sich ruit Achtnng... ausgesprochen » .
Palleske. $chiller's Leben, vol. n, pag. 14.
(3) « damals galt er doch nicht mehr ais fur ein aufstreben-
des jungea Talent». Lewes. Goethe.' s Leben, vol. n, pag. 115.
118
Schiller sujei to u-se, apoz os sucessos que relatam"-.
a um systema de trabalho e de purificarão intelectual
de tal ordem, que esteve a beira do tumulo. Em Maio
de 1795 eucontrava-o Goethe, n'um passeio, era Jena;
a impressão foi profunda; Schiller pareeeu-lhe: ca fi-
gura do crucificado» (l)j a prostrarão era extrema, mas
Schiller e Goethe eram já amigos.
A torpeza do snr. G. M. necessitava d'*\>ta lição, por
ter ousado tocar na pureza d'um laço que. mesmo nos
primeiros momentos de hesitação, foi sempre egualm.-n-
te honroso para ambos. A Allemanha considera esta
amisade como um dos factos mais transcendentes da
sua historia; e com razão, porque a amisade entre os
dous poetas é a pedra de toque de ambos os caracteres.
«Achamos natural, que almas congéneres, como
Klopstock e Giesecke, Lessing e Kleist (2). nascidas
tia nova poesia — harmonisassem; mas nem por isso li-
gamos a estes casos valor algum. Por que nos eommove
e nos abala tão poderosamente a alliança entre Schiller
e Goethe? Porque era uma conciliação 3 , porque era,
tanto uma acção espontânea, como um effeito myste-
rioso das ideias dominantes» (4).
Como podia a natureza expansiva de Schiller viver
16 annoa em perfeita communidade de ideias com <»
Goethe, egoísta, frio, de marmor< — mas fn m tioameaii
sensual, segundo Heine — Castilho — Gomes Monteiro?.'
(1) «das Bild des Grekreuzigteii . Palleske. SchitUr^i 1 -
ben, vol. n, pag. 328.
(2) Lembramo-nofl ainda de Mozart a de Haydn!
(3) A alliança dos dóus modos de sentir, objeotivo a sub-
jectivo i .Nota ilo auctor).
(4) Palleske. Schiller'* laben, rol. a, pag. 823.
CAPITULO YIII
A Tragedia
a) Primeira e segunda parte
A leviandade da nossa litteratura é um dos sym-
ptomas mais profundamente característicos do nosso
miserável estado; e ainda que ella se revele com a má-
xima insolência, como ahi o vemos todos os dias — ainda
assim, apesar do nosso minucioso exame á traducção
do Visconde de Castilho; apesar das innumeras misé-
rias, que havemos demonstrado n'ella — apesar de tudo
isto, ainda não cessou o nosso espanto, á vista da audá-
cia, sem exemplo, com que o Visconde se lançou sobre
o Faust de Goethe, sem guia, sem o conhecimento mais
elementar da lingua allemã, do espirito allemão, do es-
pirito do poema, das tradições da lenda e da época em
que ella se formou, da vida do poeta, da existência po-
litica, moral e intellectual da Allemanha, antes de Goe-
the e do tempo do poeta — emfim se lançou sobre o
120
Faust, n'um estado de espirito infantil, inconsciente,
perfeitamente simples e ingénuo. O snr. G. M., que-
rendo encobrir as misérias da traducção, á força de so-
phismas, de mentiras, e de falseamentos de textos, mu-
tilações de citações, e outras artimanhas próprias do seu
caracter, não fez mais do que lançar sobre aquella tra-
ducção pustulenta, um lençol assaz sujo, em que fica-
ram estampadas ainda mais a vivo os humores e as cha-
gas da própria traducção. Assim, á força de querer en-
cobrir, fez ainda peor serviço ao seu collega.
Vejamos:
O processo de formação da tragedia é tão compli-
cado, foi sujeito a tantas circumstancias, influencias e
accidentes, como os que actuaram sobre o animo de
Goethe, durante 60 annos, que é o tempo da formação
da Tragedia, l.a e 2.R parte, 1772-1832 (1), que o seu
estudo se torna complicadíssimo, e de extrema difficul-
dade, para ser feito debaixo do único ponto de vista ac-
ceitavel, isto é: o estudo comparativo e mhultóMÒ das
duas partes da tragedia, porque é impossível enten-
der-se o pensamento fundamental, a ideia do Todo (die
Idee des Ganzen), sem se haver estudado egualmentr d
segunda. Poderão adduzir contra esta opinião a circum-
stancia, que tem sido ao mesmo tempo o argumento mais
forte d'aquelles traduetores (2i, que apenas se tem oc-
cupado da primeira parte da tragedia, descurando
gunda — este argumento é: a circumstanoia de quasi to*
(1) Bayard Taylor. Favvt — The chronologv — pag. S
appendix n.
(2) Póde-se dizer, que foi, porque este ponto <!•• visti estf
hoje antiquado, como veremos por provas sem conta.
121
dos os traductores, de todas as nações, terem escolhido só
a primeira parte, offerecendo-a como um todo completo.
Isto poderá satisfazer a consciência própria dos
mesmos traductores, e poderá contentar a prima vista
o observador inconsciente; mas é argumento (se argu-
mento pode ser!) que não tem força alguma, pelas se-
guintes razões:
1.° Não admira que os traductores, geralmente tra-
ditore, recuassem, por commodidade, por ignorância, e
mesmo por secreta antipathia — diante das grandes dif-
ficuldades da segunda parte da tragedia, fosse ella tra-
duzida em prosa ou em verso."
As difficuldades, n'este ultimo caso, augmentavam
prodigiosamente; todavia os escolhos da interpretação
symbolica e philosophica, subsistiam em qualquer dos
dois modos.
2.° Tenha-se em conta, que os trabalhos críticos so-
bre a tragedia (1), só muito depois de publicada a se-
gunda parte [1832 (2)], é que chegaram a um ponto de
vista, que admittia alguma concordância entre as inter-
(1) EntendeniQS sempre as duas partes juntas.
(2) Appareceu n'este anno no vol. 41 da edição de Cotta
(Stuttgart); o poema foi concluido no verão de 1831. (Grund-
riss d. Gesch. der d. National- Literatttr. Leipzig, 1866, 4.a)
ed., vol. ni, pag. 2573; a numeração é a seguir).
Segundo Taylor (Faust, a tragedy, appendix ir, pag. 304.
temos o seguinte :
«No começo de 1831 faltava só o quarto aeto, e as see-
nas de introducção do quinto. Era a parte mais laboriosa da
tragedia, e n'ella ficaram traços visíveis do trabalho; mas em
fins de Julho estava a obra prompta, e no seu 82.° anniversa-
rio (28 de Agosto de 1831), sellou Goethe todo o manuscripto
completo da segunda parte, para ser aberto e publicado como
posthumo.»
122
pretaçõc's tão differentes, que- cada um lhe dava, de ma-
neira que os traduetores até alli, sem guia, sem princi-
pio certo, sem ponto de vista fixo — só agora (publicada
a segunda parte) é que poderam começar o estudo simul-
tâneo e comparado das duas.
Todavia, os resultados da critica foram tão fruetife-
ros, que desde logo pensaram outros traduetores em es-
tudar de novo a creação de Goethe por esses novos
princípios, e bem depressa se manifestaram os resulta-
dos (1).
3.° Uma terceira razão, emfim, que se liga á ante-
rior, era o atraso e o pouco conhecimento da historia
litteraria de Allemanha; o pouco conhecimento do seu
espirito em geral, e a sua exhuberante riqueza — de im-
menso proveito para os naturaes — , mas que constituía
para o estrangeiro antes um labyrintho com difficil en-
trada, e peor sahida ainda.
Que o Visconde de Castilho não tinha (nem ainda
tem) a minima ideia de tudo isto, dil-o a grotesca tra-
ducção; que o snr. G. M. está, apesar de anuummado
geimanista, tão adiantado como o seu alter ego, pro-
val-o-hemos até á saciedade.
i
Vejamos :
These: O Visconde de Castilho e o snr. Gomo
Monteiro ignoraram completamente o principio capital
para a traducção do Faust.
Este principio é :
Que a primeira e a segunda parte da tragedia for-
(1) Foram as traducçõps fque incluíram a segunda parte
de G. de Nerval, H. Blaze, dos ingleses : Birch, A. Grarney,
Re.rnays, etc.
123
mam um todo orgânico, inseparável, e que para a in-
telligencia da primeira parte, é indispensável a intel-
ligencia da segunda ; d'ahi a necessidade impreterivel
do estudo simultâneo e comparado das duas partes da
tragedia.
Em face d'esta nossa affirmação, colloquemos a se-
guinte do Visconde de Castilho:
«Na segunda parte, dizem allemães, é que o autor
mais se despendeu em gentilezas e esmeros líricos. Po-
de ser: contemplado nos reflectores não o parece; e
depois quando essas excellencias accidentaes e de mera
forma, rara vez fraduziveis, sejam taes como nol-as
querem encarecer, tantos e tão crespos são no ultimo
Fausto os enigmas filosóficos, tão abstruzo o senso das
ficções, e as ficções mesmas tão desnaturaes, tão inve-
rosímeis, tão impossíveis (ia-me qussi escapando tão
absurdas) que o bom gosto e o bom senso, que tão be-
névolos perdoaram e receberam a lenda velha do Dr.
Fausto, não sei como se haveriam com o Fausto ultimo.
O primeiro, o nosso, foi um gigante ; o ultimo figura-se
ao espirito da nossa consciência o homunculo, um pro-
ducto abusivo das forças da arte» (1).
Agora o snr. Gr. M.
«Para estes críticos etc . . não seriam de certo tão
escandalosas, como para os nossos dois aristarchos (2)
as conceituosas palavras com que o snr. Castilho resu-
(1) Castilho. Fausto; advertência, pag. xvi, 24.*, 25. a, e
26. a linha.
(2) F. Adolpho Coelho, e nós.
124
me o seu juizo acerca dos dois Faustos (1): < 0 primei-
ro. • . etc.
Mestre e discípulo continuam pois em lurmonia: a
concordância é completa.
Agora o peor: os resultados da critica:
1.° Falia o próprio Goethe [Carta de 17 de Março
de 1832 (2)]:
«Ha sessenta annos, que a concepção do Fetuti Be
apresentou ao meu espirito juvenil, desde logo clara,
ainda que a sequencia total me fosse, e.rtensini. k nte, me-
nos evidente» (3).
A unidade das duas partes parecia a Goethe tão
plausível, que mais abaixo escreve: «e eu não tenho o
menor receio, que se possa distinguir o velho do novo,
o posterior do anterior — e assim o queremos enti
ao futuro leitor para benévolo exame» (4 .
Um pouco atraz ha ainda uma passagem mais de-
cisiva :
(1) Esta classificação de dois, já é typica. {Oa rriticos,
pag. 91, fim).
(2) Dia em que adoeceu mortalmente, e cinco dias antes
da sua morte, 22 de .Março.
(3) Goeihe's Werke, edic. Kmv.. HQburghausen, 1870.
Vol. xm, pag. 448. Carta a II. Mover: já citada no MMM tra-
balho, pag. SR
(4) Op. cit. Ainda que hoje Be conheçam quaea as pi
antigas e modernas, eo processo isolado da sua formação, gra-
ças a chronologia quasi completa, que se descobriu para èllas
(Koberstein. Grundriss, vol. a, pag. 1548, notawen; vol. m,
pag. -joio e 2041, unta b; 2115-2117, nota o e r>; «• B. Taylor
Fmist. A Tragcdy, ■ ■-. Appcndix u, pag. 298-305 sThe enro-
nology of Fatist), com o auxilio das cartas a Schiller, Kicincr
e outro- .
125
«Já sahia ha muito, o quê, e até como eu o queria (1),
e trouxe-o, como uma lenda interior, já ha tantos annos
commigo mesmo; executava porém as partes (2) isola-
damente, segundo me agradavam mais, de tempos a
tempos» (3).
Isto não deixa dúvida alguma sobre a concepção
claríssima, que Goethe tinha do organismo (4) da sua
obra prima; e isto corroboram todos os críticos, philo-
sophos, e historiadores litterarios mais notáveis, que tem
tido a Allemanha, desde que, publicada toda a segun-
da parte (1832), a tragedia se mostrou em toda a sua
vastíssima unidade e completa belleza.
Apesar da primeira apparição do Faust haver sido
em fragmentos (5), e não ter produzido, por isso mes-
mo, uma impressão agradável (6), todavia, ainda assim
(1) « Ieh wusste schon lange her, zoas, ja sogar tcie ichs
■\vollte». O snr. G. M. nào quiz tomar conta alguma (Testas
passagens, citadas já todas no nosso trabalho! (pag. 189).
(2) Note-se a singular concordância com aquella celebre
passagem da auto-biographia : « Die bedeutende Puppenspiel-
fabel des andem klang und suminte gar vieltõnig in mir
wieder»: «A importante fabula do Puppeiispiel, do outro (refe-
riu-se anteriormente ao Gõtz vou Berlichingen) soava e zumbia,
em mil modos, dentro de mim. » (Dichtung und Wahrheit, 2.a p.
pag. 356, ed. Kurz. 1870, vol. ix de Goethe'* Werke). O poeta
diz n'esta mesma carta, em plena concordância com o que acima
referimos, que os assumptos do Gotz e do Faust, radicados no
seu espirito, se haviam transformado pouco a pouco («nach
und nach») em concepções poéticas. .(Dichtung und Wahrheit.
ibid.)
(3) Op. cit., Vol. xii, pag. 446, onde se pôde lêr o resto
(Testa admirável carta.
(4) Usamos d'esta palavra, no sentido mais lato, que ella
tem em allemào.
(5) Edição das obras de Goethe (Leipzig, 1790 — Gõschen).
(6) O effeito da publicação nào foi animador; o fragmento
não foi entendido em geral ; e a força evidente das scenas isola-
126
dois homens houve, que presentíram a intenção de
Goethe e a grandeza do seu trabalho fragmentário. Fo-
ram elles, K.õrner e A. W. Schlegel 1 . Isto já era em
171*0!. . . e esta intuição d'estes dois homens notai
não vem senão confirmar que Goethe não Be engana-
va, dizendo que a concepção da Bua tragedia já es-
lava «completa e fiara em 1772 >> 2 .
A necessidade pois da publicação completa da
gwnda parte, para a inteUigencia da primeira, vae-ae
tornando cada vez mais evidente; porque, se em 17íi<>
só dois homens presentíram o plano geral de toda a tra-
gedia, que Goethe já tinha presente cm 1772 — não é
para admirar, que em 1*<J* (3), data em que appare-
ceu ;i primeira i»irt<-. não - ■ po lesse avaliar uma ob
completada só em 1832, com a publicação da segunda!
Goethe fallára verdade. Dois homens notáveis já
haviam presentido a ideia em 1790, e Be depois
seram e escreveram muitos erros, e ainda se estão i -
das, só foi parcialmente apreciada Taylor. Op. ctf., appendix u.
pag. 301 . Isto mesmo é a melhor prova, de que >'■ impossível
alcançar uma ideia legitima tia tragedia, poram estado frag-
mentarioâe ama só das suas partes.
1 Apud Taylor. <>/>. cit., pag. 301, nota. Schiller ficoa
satisfeito com os fragmentos; Wieland lastimou que fosse um
amalgama de trechos aovoe e antigos.
(2) Sendo a carta a II. Meyer, cm qae se encontra i
passagem, de 17 de .Marro de 1832 temos: subtrabindo d'esta
data, 60 annos=a data 1 7 T J . Está hoje porém averiguado, qi e
os primeiros trabalhos escriptos, datam de 1773. Taylor. '>/•■
pag. 299, appendix n.)
•"! A primeira )><irte ficou concluida para a impressão no
inverno de L806-1807; eappareceu em 1808, no vol. vm tia edi-
ediçâo ilas ninas de Goethe Cotta, Tiibingen . começada a im-
primir em 1806. Koberstein. Gmndriss, vol. m, pag. 25-70,
nota ii. Rectifique-se o que dissemos em: 0 G /'"■.
pag. l'K>.
127
crevendo todos os dias, não se lance a culpa d'elles á
conta do sentido obscuro da tragedia, mas sim á con-
ta do extenso rói da ignorância atrevida, que se mette
em emprezas impossíveis, e quer voar até ao sol com
azas de cera. Não admira que caiam nos mares, onde
se afogaram já miserrimamente tantos d'aquelles. . . ex
numero stultorxim, cuja conta é infinita.
Não é nossa intenção crivar este capitulo de cita-
ções, a que nos força a ignorância geral da nossa gente,
emquanto á synthese e analyse da litteratura allemã —
ás ideias geraes e aos innumeros factos — ; tomaremos
apenas, de entre os numerosos commentadores, os mais
notáveis e os mais modernos, que servem particular-
mente, porque tiveram ao mesmo tempo occasião de
consubstanciar, aprofundar, e enriquecer mais a scien-
cia dos seus antecessores (1).
Primeiro deixamos fallar Goethe, como de direito
lhe competia; e depois de havermos tomado de relan-
ce a opinião dos contemporâneos, vejamos os succes-
sores :
2.° Falia Kreyssig (2) :
«Se Gloethe affirmou, em face da obra, já completa,
que o seu plano estava presente á sua alma, desde o co-
meço (3), de um modo claro e evidente, julgámos que
(1) Citámos com frequência Taylor, porque, como já re-
ferimos, elle declara haver estudado o Flu/òí, mais de 20 an-
nos(pag. v, prefaee), e haver lido todos os commentarios (pag.
195 desde Schubarth (1820; e Hinriuchs (182õ/),até Kreyssig
(1866).
(2) Vorlesuugen iiber Goethe^ Faust. Berlin, 1866, pag. vr
e vii, (Vorwort).
(3) O auctor referiu anteriormente a passagem, que já no-
tamos atraz ; tivemos a felicidade de achar, intuitivamente,
128
ninguém tem o direito de duvidar sequer chi existência
d' esse plano, e seria obrigação e dever nosso (1), par;i
com o primeiro poeta do nosso povo, procurar ÍBCança-
velmente esse plano, ainda quando elle não rargist
claramente, e de um modo tão patente, ao olhar investi-
gador, que quizer aprofundar a obra com seriedade.»
Segue:
«Por isso considerámos n'este logar, como fim prin-
cipal, mostrar esse plano, com evidencia e com a clare-
za convincente, o mais possível ; a demora, no exame de
passagens isoladas, que requerem explicação, será res-
tringida, aos estreitos limites, que nos prescrevem —
além da própria natureza da solução, as circumstaneias
do maior circulo de leitores (2)» para o qual destinámos
estas paginas. Porém (3), prevenido pela sorte de nume-
rosos predecessores, muitos dos quaes altamente respei-
táveis, esforcar-nos-hemos por distinguir, quão difleren-
e de aproveitar, quanto pôde ser, em vista da rapidez foram
dois inezes com que esboçámos a nossa passada critica
passagens mais necessárias para a intelligencda da tr. _
nos differentes auctores, que consultámos; com intima satisfa-
ção notámos, haver escolhido muitas das passagens, que Kreys-
sig cita como capitães, Bem comtudo termos então conhecimen-
to das suas opiniões sabiamos apenas da sua existência ; e
achámos concordância nas partes essenciaes; isto c uma prova
de que os nossos esforços, para penetrar no espirito da trage-
dia, foram fructíféros.
1 Quão característica não é. em vista d'este dever, que
Kreyssig impõe ao povo allsm&o, o que Castilho propõe •
so publico, bíc: «que todos a entendam (a tragedia •
e a possam escutar sem desagrado nem estranheza ». Castilho,
Fausto, advertência, pag. zu . isto pinta uma sociedade!
(2) Kreyssig fez estas Vorlesungen prelecções) diante de
um numeroso publico.
."■ Op. cit., pag. viu.
129
te é o plano de um poema; e o systema de um philoso-
pho. . . (1)»
Depois do auctor fallar do processo complicado da
formação do Faust; e da differença de methodo, que a
critica tem por isso de applicar á analyse d'esta extraor-
dinária tragedia, que, como muito bem diz Taylor: «é
a única grande obra de litteratura, de todas as línguas,
que exige uma biographia» (2) — depois de estabelecer
essa differença, continua Kreyssig (3):
«Períodos tão longos, além d'isso preenchidos por
uma actividade múltipla, infatigável (4) exigem todavia
— aparte a veneração pela ideia fundamental, sustentácu-
lo da construcção gigantesca — o exame mais cuidadoso;
tendo em vista a influencia inevitável, que elles exerce-
ram, não sobre o plano, mas sobre o desenvolvimento e so-
bre o tom (a cor) das partes, que elle determinava; note-
se ainda, que se trata aqui de uma confissão geral (5),
poética, scientifica e politica, de um homem, que mais do
que nenhum, navegou na plena corrente da vida, fami-
liarisado com o mundo dos factos, tanto, como com o
mundo dos pensamentos, da phantasia e do sentimento
— dum homem, que soube gozar no interior do seu pro-
(1) Welch ein anderes Ding es ist um den Plan eines Ge-
dichtes ais ..m das System eines Denkers (propriamente =pen-
saãor= ). Fsta distincçào capital prevê já a allegaçào dos
enunciados apparentemente contradictorios, que espirites mes-
quinhos acharam no Faust, por nào distinguirem, no meio das
negativas da tragedia, as afirmações admiráveis, que ficam de
pé (nota do auctor).
(2) The chronology of Faust, appendix n, pag. 298.
(3) Vcniesungen, pag. rx.
(4) Onde fica o Goethe egoísta?
(5) Nós haviamos, sem conhecer Kreyssig, dado esta mes-
ma definição, apenas com outras palavras: O Faust, pag. 101.
130
prio ser (1), (soffrendo também provavelmente) aquillo
que era dado em partilha á humanidade soffredora —
mas tudo isto, dentro dos firmes limites, que a sua natu-
reza havia traçado, e que elle, por vontade própria, sus-
tentou sempre com firmeza (2).
Diz finalmente uma outra passagem de Kre\
(pag. xii):
« Podemos emfim caracterisar o conjuncto das exi-
gências n'este sentido (3):
« Um desenvolvimento da ideia do poema (no sen-
tido platónico da palavra), desenvolvimento, sustentai lo
e fiscalisado, passo a passo, pela critica histórica e phi-
lologica. Para satisfazer essas exigências aqui. Begundo
a medida das nossas forças, e do nosso fim particular. 1 .
começaremos por tentar reconhecer as condições pré-
vias do poema, no estado intellectual e moral da época
do seu nascimento (5), e por avaliar os elementos pri-
mordiaes, offerecidos ao poeta pela lenda. Segui remos
depois o poema, passo a passo, nas phases mais impor-
tantes do seu desenvolvimento, fazendo primeiro justiça
ao fragmento primitivo — depois, observando nas scenas
d) «In seinem innereu Selbst... A isto opponha -
que Castilho attribue a Goethe: « frenesi de gosar sensualmen-
te». (Fausto, noras, pag. U)6, linha 4.a)
2 Esta passagem em Kreyssig p. \. . é diffici] de tradu-
zir; todavia forcejámos poi dar d pensamento, Berna menor um-
dança, embora a formação da phrase Boflresse com isso. O que
nus importa. ó respeitar <> pensamento allemào; a coseria das
gralhas clássicas, diverte nos.
(3) Para a intelligencia do Kunstwerlt da obra d'arte .
I Creyssig refere Be ao numeroso auditório, que u
tiu ás suas prelecç es.
(5) o que aos fizemos 0 Faust, pag. 109-200, ca]). i\. A
Lenda do l >r. Pausl . e que o Bnr. (J. M. julgou supérfluo
o Visconde não o haver feito.
131
da primeira parte, posteriormente accrescentadas (1),
como o plano total vae crescendo progressivamente;
para reconhecer os fios intellectuaes, que partindo
d'elle se ligam, de um lado ao tronco fundamental do
poema (2), e do outro, servem de meio conductor para
a segunda parte (3).
«Preparados d'esta maneira tentaremos uma revista
pelas allegorias da segunda -parte, não, sem alguma es-
perança de facultar, ainda que peze aos scepticos (4),
lima intelligencia sufficiente do total (5), para generali-
sar o conhecimento de thesouros preciosíssimos da sabe-
doria de Goethe, de verdadeira sciencia allemã, e de
verdadeira sciencia da vida humana».
3.° Deixemos agora a palavra a Carriere (6): «0
Faust é um poema de pensamentos \_Gedankendieh-
tung (7)]; o melhor da sciencia do século, entrelaçou
aqui o sábio poeta. 0 pensamento nasce primeiro, no meio
<]<t. lucta de um estado 'psychologico (8), apaixonado (9);
(1) Notaremos, que estas scenas são as que estabelecem a
ligação externa entre a primeira e segunda parte. Vide o que
dissemos em O Faust, pag. 48.
(2) I,sto é : aos primeiros fragmentos, 1773 (nota do auctor).
(3) E pois evidente a ligação intima das duas partes in-
separáveis.
(4i Ziveiflern, antes = aos que duvidam. —
(5) «Im ganzen und Grossen ».
(6) Faust. Eine Tragõdie. Mit Einleitung und Erlãute-
rungen von Moritz Carriere. Leipzig, Brockhaus, 1869, 2 vol.
in-8.°, pag. xvii. Eitdeitung.
(7) Vide atraz, pag. 65.
(8) Carriere escreve : « lcidenschaftlich erregtem Gemiith » ,
mas como a palavra Gèmitth corresponde a um estado psycho-
logico, próprio do allemào, que nós não conhecemos ; preferimos
uma significação geral a um termo positivo, que mutilasse a
ideia, res,tringindo-a.
(9) E esse o caracter da primeira parte.
132
do esforço para a verdade (l)j depois domina (2) elle (o
pensamento) vivaz e claro, no espirito consciente, e ma-
terialisa-se (3) em figuras e situações, que o revelam de
uma maneira plena e pura.
Em certos intervallos, esconde-se, de vez em quan-
do, em mascaras allegoricas; porém a verdadeira poesia
triumpha sempre de novo, transfigurando o Real no seu
Ideal &
Se não basta esta demonstração claríssima, eis mais
um argumento, que nós deduzimos (4) de outra citação
de Carriere (5) :
«Esta passagem (G) pertence já também aos frag-
mentos mais primitivos e antigos do poema. FaueA
falia aqui da aspiração (Streben) para o ideal huma-
(1) Este período de transição, que decorre desde a intro-
ducção á segunda parte — resorve-se no renascimento moral de
Faust ( Wiedergeburt . que (segundo os commentadores) se ope-
ra, quando Faust desce ao domínio das Mutter mães. onde
Mephisro nào pôde descer, porque o império das mSi -
reino da Verdade ; Carriere. vol. n, pag. 249. Vide também
Eckermann, Gesprãche, vol. n, para 116-118 ; depois recon-
quista Faust, renascido, os seus deveres, mi acção en
(That).
(2) Eis o movimento da segunda parte.
(3) » verkõrpert sich » , Litteralmante: corporisa-se.
(4) A exposição é nossa.
5 ','/'■ '''"'•• v°l- J) pag- 1^1-
(6) E a seguinte, que se encontra na primeira parte do
Faust, i Bcena do pacto j :
■ Und mi der ganzen Mensehheit zugotheilt ist.
iWIll ich in meincm innorn Belbsl geniesaen. »
Trad.
E o que é dado Pm partilha a t-ida a humanidade.
Quero ou uo meu intimo BCI p<i/.;u\
Vide a nossa trad. 0 Fmut, pag. 319 .
133
no (1) — isto é, para a união das antitbeses do espiritual
e do natural, do intellectual e do sensual, da acção e
do gôso, dos prazeres sensuaes e da salvação da alma
— como da aspiração dos corações da juventude, no pe-
ríodo do Sturm und Drang (2).
Ora a união das duas antitheses não se verifica, se-
não na segunda parte, e o enunciado da these philoso-
phica aqui, na primeira parte, n'um dos trechos mais
primitivos e mais antigos, como diz Carriere, prova evi-
dentemente a verdade do que dizia Goethe : que a con-
cepção fundamental, a ideia do todo, lhe appareceu logo,
«evidente e clara ao seu espirito juvenil» (3).
4.° Citamos finalmente um commentador, que teve
occasião de aprofundar os problemas do Faust, talvez
como ninguém, n'um estudo aturado e profundo, de mais
de vinte annos (4) ; e que examinou todos os commenta-
(1) Vollmenschlichen, termo intraduzível.
(2) Violência e ímpeto, litteralinente ; ou melhor : origina-
lidade e génio, que é a significação litteraria.
« Kant e Schiller haviam evocado a ideia do dever, do sa-
crifício, da justiça e do desinteresse, lembrando a escravidão
da vontade, sob a influencia do parem si do goso, e da sensuali-
dade «. Gervinus Geimige Rewegurtgen, em Gesch. d, neunz.
■/< .a /. h, vol. viu, pag. Iõ7. Goethe accentuou não menos energi-
camente, que na repressão dos seus instinctos baixos, e na ele-
vação do seu nivel intellectual, é que consiste a dignidade do
individuo e de uma nação. Esta tendência ideal imprimiu no
movimento intellectual da Allemanha do secido xvui, um cu-
nho indelével.
(3; Vide o que dissemos em o Faust, pag. 36.
(4) B. Taylor. Faust, pag. v, preface : « It is twenty years
since I first determined to attempt the translation of Faust,
in the original metres ».
Esta traducçâo foi classificada como a melhor, que se tem
feito, n'uma lingua estrangeira ; os jornaes inglezes : Athenamm
e Saturday Review fizeram ao auctor os maiores elogios e nós,
134
dores, desde ScmAarth (1820 até Kreyssig L866 1.
isto é, os resultados da crítica durante quasi me
culo.
Diz Bayard Taylor (pag. xvin):
«Por isso mesmo que esta parte foi incluída 'reíi-
re-se á segunda) no plano original de Goethe, por isso
mesmo a primeira parte, comquanto ;i]i]iarentemente
completa, como episodio trágico (2), é na verdade, ape-
nas um fragmento, onde os problemas mais profundos,
sobre os quaes a obra se baseia, ficam por resolver.
Considero pois, que a segunda parte è necessária tã<»
necessária, na verdade, como o Paraíso á Divm
media do Dante): e o meu esforço, no segundo volume
d'esta traducção, terá por fim, pôr em clara evidencia
essa necessidade; tanto diante dos olhos do leitor in
como dos d'aquelles críticos inglezes e allemães,qne pre-
lendem degradar o original».
E com isto terminámos a revista, que podíamos ana-
temos sobre o meza um artigo de quasi •"> grandes, paginas, gr.
in-4.°, dos Blãtter fur literarísche Unterhaltvng 'annode 1872,
n." 11, pag. 171-173), um dos primeiros jornaea litterarioa da
Allemanha, que confirma o mesmo voto. 0 nosso eia
soai, só o podemos formular n'uma sincera admiração pelo ex-
plendido trabalho; os metros do original, até <> rhytn
ram quasi sempre fielmente conservados; e a traducção é tão
nVl, que se encontram passagens inteiras, <»mle as palavra- al-
lemas Be acbam repetidas por outras tantas inglezas, absoluta-
equival entes ; pôde dizer se affbitamente de !> Taylor,
0 que elle applica a om bom traductor: Rendendo se elle
próprio ao in eiró domínio do espirito, que ha-de fallar por
elle, recebe também uma porção il>> mesmo poder creador. ■
1 Faust, preface, pag. \.
1 Op. cif., [ntroduction ás notas, pag. 196,
■_' Mas não é este o fim da tragedia; a id
sentido platónico [nota do auctor .
135
raentar cora mais alguns nomes cios investigadores mais
recentes, se as proporções d'esta resposta fossem outras.
Recapitulamos de novo a nossa these :
Que a primeira e a segunda parte da tragedia for-
mam um todo orgânico, inseparável, e que para a in-
telligencia da primeira parte, é indispensável a intel-
ligencia da segunda; d'ahi a necessidade impreterivel
do estudo simultâneo e comparado das duas partes da
tragedia.
Repetimos a affirmação do Visconde de Castilho:
«Na segunda parte, dizem allemães, é que o autor
mais se despendeu em gentilezas e esmeros líricos. Po-
de ser: contemplado nos reflectores não o parece; e
depois quando essas excelleneias accidentaes e de mera
forma, rara vez traduziveis, sejam taes como nol-as
querem encarecer, tantos e tão crespos são no ultimo
Fausto os eniofinas filosóficos, tão abstruzo o senso das
ficções, e as ficções mesmas tão desnaturaes tão inve-
rosímeis, tão impossíveis (ia-me quasi escapando tão
absurdas) que o bom gosto e bom senso, que tão be-
névolos perdoaram e receberam a lenda velha do Dr.
Fausto, não sei como se haveriam com o Fausto ultimo.
O primeiro, o nosso, foi um gigante; o ultimo figura-se
ao espirito da nossa consciência o homunculo, um pro-
ducto abusivo das forças da arte» (I).
Emfim, o commentario approvativo do snr. G. M.:
«Para estes críticos (2) etc... não seriam de certo tão
(1) Fausto, advertência, pag. xvi.
(2) Mencionámos os sens nomes:
G. H. Heinrich, já analysado (pag. 71).
Saint René-Taillandier, idem (pag. 70, nota).
136
escandalosas, como para os nossos dois aristarcnoi 1 .
as conceituosas palavras com que o snr. Castilho resu-
me o seu juízo acerca dos dois Faustos: fl 0 primei-
ro. . . etc.» (2).
Podem em vista das razões expostas: podem em
vista das opiniões do próprio Goethe, e da sua declara-
i/ao formal, que deve ser sagrada; podem subsistir con-
tra Schiller, A. W. Schlegel, Kiirner, Koberstein, Dún-
tzer, Kreyssig, Carriere, Taylor, e todas as auctorida-
des modernas de primeira ordem — as miseráveis e ra-
chiticas opiniões, que o snr. G. M. allega?
É o organismo das duas partes da tragedia Faust
evidente? São ellas inseparáveis ou não? Commetteo
ou não o Visconde de Castilho e o seu alter ego 3 o
II. Laube, idem (pag. 65-66).
Vischer (de que o snr. Gr. M. faz Bise/ter, pag.
já refutado por Diintzer, o mais fervoroso defensor da segun-
da porte.
Schnetger; e outroBtres — egualmente apud Dãn1
H. Heine — por ultimo, analysado a pag. 67-70.
Effectivamente, de sua casa, adduzpoia o snr. <í. M. ape-
nas 4 auctores (Saint René-Taillandier, Heinrich, Laube e
Heine . craal d'elles de menos valor.
(1 ) F. Adolpho < loelho, i nós.
J Os críticos, pa<?. 91 e 92.
(3) Para notarmos também a Força de lógica do snr. <•.
M. lembraremos, que servindo-se elle quasi exclusivamente de
Diintzer (o único livro de valor, de que lançou mão para
tar as nossas ideias, e oppôl-as ás de Lewes, que adoptamos no
íKissu primeiro trabalho; discorda logod'elle, desde o momento
em que Diintzer se approxima da nossa exposição; n'este acto
capital da avaliação da segunda partt — tem o snr. <;. M. o
atrevimento de dar ;i Lógica :i máxima bofetada, classificando
os elogios de Diintzer (o mais decidido defensor <la m
jinr/i ide absurdos; nào <> declara, mas i*t<> resulta fatalmente
da classificação de aborto, uma vez ipii' Diintzer acha — •
aborto, ama. obra prima. A opinião 'lo snr. <;. M.. istoé, osnr.
G. M., apesar de consummaao germanista, e apesar da enca-
137
crime de lesa-magestade contra o génio, classificando
de aborto, e de absurdo, o trabalho synthetico de um
dos cérebros mais poderosos, que a humanidade tem co-
nhecido; o fructo, que é o resultado de sessenta annos
dos mais laboriosos sacrifícios?
0 leitor que responda ; não, — responde-lhes o
próprio poeta (1).
Podemos declarar publicamente, embora pese ao snr.
Gr. M. e ao Visconde de Castilho, que os estudos que
fizemos em Kreyssig, Carriere, e tantas outras fontes,
não foi baldado, ao menos para nós; e que a interpre-
tação tão philosophica, tão elevada, e ao mesmo tempo
tão humana, dos notáveis commentadores (principal-
mente a de Kreyssig), nos facultou um olhar sufíicien-
temente claro n'esse aborto, para distinguirmos, com
regosijo intimo, o fio admirável, a ideia fundamental —
neeido nas profundas lucubrações de unia vida de 66 annos,"
ainda nào tem opinião acerca da segunda parte da tragedia)
eil-a :
« Começamos por declarar ingenuamente que, apesar da
nossa boa vontade, nunca nos foi possível formar uma con-
vicção profunda acerca das apregoadas excellencias d'essa
composição extraordinária. Lemos o Segundo Fausto poucos
annos depois da sua publicação. Fatigou-nos a sua leitura».
(pag.,84).
E tão natural !
(1) Goethe dizia a Eckermann acerca A& segunda parte do
Faust, quando este avançou a opinião, de que n'esta apparecia
um mundo muito mais rico :
« Também me parece — disse Goethe — « A primeira par-
te é quasi toda subjectiva; sahiu tudo de um individuo mais li-
mitado, mais apaixonado-, esse claro-escuro éo que agrada tan-
to aos homens Na segunda parte quasi que nada ha de subje-
ctivo ; apparece n'ella um mundo superior, mais vasto, mais
claro, e menos apaixonado ; quem não houver alcançado alguma
experiência e saber, não saberá o que fazer com ella » («).
(*) Eckermann. Gespráche, vol. n, pag. 186.
13*
a ideia platónica d'esse todo orgânico: O snr. GK M. c o
seu mentor poderão ainda eorrer o mondo até ao sen fim,
gritando contra o aborto, que isso não nos rira i
lo, que é .hoje a nossa convicção.
O que é extremamente curioso, é ver como o snr.
G. M. se enrosca n'um inextricável labvrintho. a pro-
pósito da segunda parte da tragedia, para desculpar o
titulo de aborto e de absurda, que o Visconde lhe deu.
Apesar do que atraz fica dito, ainda não se sabe
bem o que o snr. G. M. pensa d'essa parte, ou por
outra sabe-se, que elle nada pensa a esse respeito. Ás
duvidas (1), que ainda lhe assaltíim hoje o espirito, res-
ponde elle mesmo s «não podemos nem pretendemos ar-
vorar-nos em aristarchos a favor nem contra o Segun-
do Fausto'» (2); — todavia acha eoneetíuosas (S) as pala-
vras, com que o Visconde classifica de aborto a respe-
ctiva parte da tragedia!! Que havemos de dizer á vista
d'este vae e vem de contradicções, separadas apenas pi-
lo intervallo de quatro paginas?
O snr. G. M. tributa respeito ás obras do genio,
o invioláveis até nos seus defeitos e (4), mas isso não tira
ao Visconde o direito de misturar os trapos da sua casa
com as explendidas roupagens do original :
«O snr. Castilho — porque o não diremos? — pre-
cisou de encher uma oitava, forma métrica que lhe vinha
(1) Os críticos, pag. 84, e atraz. pag. 136, nota 3.
(2) Op. efe, pag. §7.
(3) «...as eoneeituosas palavras com que o snr. Castilho
resume ojtrizo acerca doa dou i d primeiro, etc. Os
críticos, pag. 91 e 92.
(4) Cs- critico8f pag. 35.
139
imposta do original, e escreveu esse verso a maior» (1).
Mas a que propósito vem o imposta, para descul-
par o atrevimento do Visconde, quando o snr. G. M.
reivindica para o poeta-traductor plena liberdade para
a; condensar ou ampliar um pensamento do original» (2) ?
Que ligação lógica ha n'estas três affirmações col-
locadas todas na mesma pagina ! ? Teremos também de
ensinar-lhe de novo o compendio que devia ter deco-
rado ha 50 annos, como calouro, em Coimbra?
O snr. Gr. M., apesar da sua «profunda veneração»
(pag. 66) por Goethe, acha no Faust, defeitos de forma
(pag. 114), confusão na marcha da acção (pag. 116);
acha conceituosa (pag. 91) a qualificação de Castilho,
applicada á segunda parte. Acha Goethe, como ho-
mem, bulhen to (pag. 72); «supremamente egoísta», se-
não um D. João de obra grossa, como o entende Casti-
lho, ao menos «não da mais finai) (sic, pag. 76), etc, etc.
Por ultimo, para que também não fique duvida
acerca do modo por que pensam os dois collegas, rela-
tivamente á primeira parte do Faust, transcrevemos as
classificações (3), que o Visconde de Castilho faz da pri-
meira parte da tragedia, e que o seu alter ego approva
plenamente, nas varias passagens da sua critica.
Seja esta a coroa final d'este capitulo.
« Castilho ama as definições para illudir com ellas
difficu Idade da explicação.
«Vejamos, sommando, que bonita collecção! :
(1) Os críticos, pag. 35
(2) Op. cit., pag. 35.
(3) Enriquecidas com mais duas, que ultimamente acha-
mos. V. a antiga lista : O Faust, p. 30.
140
A tragedia Faut/tô ê «■ obra única no seu género.))
» » » » «cordilheira de poesia, rebenta ri a
a súbitas de profundeza- des-
conhecidas, e povoada de tre-
vas e monstros. »
» » 9 » (verdadeiro padrão que estre-
mou o mundo poético antigo
do mundo poético hodierno.»
» «Biblia, ou »
» «Alcorão, p
» «philosophia mal distincta.»
» «reforma da religião poética. ••
» «terribillissimo e verdadeira-
mente diabólico poema.»
» «nova região da arte.»
» «a mais famigerada de todas as
obras fantásticas, l
» «uma maravilha germânica.
» «um gigante. »
Esta comedia de definições, lembra certa seena im-
mortal do. . . Médecin malgré lui» (O Fatut, pag. 30).
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
D
»
»
»
»
h) 1. Preludio no theatro 1 — 2. Prologo no céo
0 snr. G. M. impugna na sua critica a interpreta-
ção que nós dêmos aos dois prólogos, assim como á De-
dicatória (Zueignnng- — em Castilho: Prologo do au-
1 Definições do Dialogo preliminar, verdadeiramente
í'irh/,iin no theatro, feitas pelo Visconde de CaatiUn Fauttoj
notas, p. 406):
141
dor!), e impugna a nossa opinião com razões respeitá-
veis, que achou em Diintzer, a única taboa de salvação
do snr. G. M.
É pois de justiça, que consideremos os seus ^argu-
mentos— isto é: os de Diintzer.
Este auctor, como já dissemos (1), tem soffrido sé-
rias, impugnações, tanto ao seu trabalho de 1857, como
ao de 1861, que é o seu ultimo sobre o Faust. Os escripto-
res Vischer, Kostlin, Schnetger, Rinne, Rõnnefart, Da-
vid Asher, foram por elltj maltratados, e atacados com
extrema violência. Alguns d'entre elles, Asher (2), e o
Professor Kostlin já responderam ; e este ultimo reduziu
Diintzer a um humilde silencio, com uma resposta se-
vera e digna.
Não queremos com isto attenuar o grande mérito de
Diintzer ; mas sim provar, que as suas opiniões são me-
nos reconhecidas, do que o snr. G. M. imagina; e até gra-
vemente impugnadas. 0 nosso adversário haveria pois
feito bem, em se pôr ao facto d'estas discussões da critica
«Sob este titulo encerrou o autor, uào sabemos:
1.° se o seu credo poético,
2.o se uma apologia das novidades da tragedia,
3.° se uma desculpa antecipada das novidades da sua tra-
gedia,
4.° se uma curiosa satyra do theatro allemão,
5.° se seja alguma d'estas coisas,
6.° se o complexo de todas ellas.
Nào repetimos aqui o que já lhe ensinamos; queira pois o
leitor ver, O Faust, pag. 40-41, e 20Õ-209 ; com Castilho nào te-
mos cousa alguma.
Do Prologo no céo (em Castilho, 1.° Quadro da tragedia)
nào dá o Visconde explicação alguma.
(1) Vide pag. 72-74.
(2) Veja-se o que este diz em Blãtter fúr literarische
Unterhaltung , 1872, pag. 173.
*
142
moderna, antes de acceitar, sem condições, as ideias do
distincto commentador. Não devia o snr. G. ML, <■<>>,-
gummado germanista, esperar que um ignorante escri-
ptor, de vinte e quatro annos, lhe viesse agora ensinar
o que não sabe aos sessenta e seis.
Mas emfim. já que o ignora, queira ouvir:
1.° A Dedicatória (Zueignung).
A interpretação que nós demos a este admirável tre-
cho (1), era em summa a seguinte (2): que Goethe, che-
gando já a lima época, em que a maior parte d^tquelles
seus amigos e collegas das Lactas passadas, qne haviam
contribuído com conselhos, ideias, lembranças, elogios e
censuras animadoras para o processo da formação do
vasto poema — em que parte d'elles já não existiam 3 ;
1 < » Visconde de Castilho Faust, pag. 1) havia pre-
cedido esta dedicatória, com a seguinte impagável rubrica:
i Kstá o Poeta no seu camarim, passeando e fallando corasigo
mesmo... ANTES de compor o livro:
Ora a dedicatória, segundo hoje é positivamente sabido.
nào foi escripta antes de 1797: Qoteaxlierthan theyear 1797.
Taylor, m>tea pag. 199, e The chronology of Faust, appendix,
pag. 302).
Em 1797 estava Goethe elaborando a segunda pari*
primeiras 20 acenas do Faust foram publicadas, como fragmen-
tos, já em 1790 edição Gdschen, Leipzig -
Pretende o Visconde, que a Dedicatória, escripta 7 ân-
uos depois de publicadas as primeiras 20 acenas, representa o
estado dò poeta A.NTES de compor o livro? K diz o snr. c. II.
.1 vista d'isto, e da demonstração, que já dêmos com outras pa-
lavras, no nosso primeiro trabalho O Faust, pag. 99-100 : 0
snr. Castilho conhecia muito melhor do que 0 seu critico a bio-
graphia de Goethe pag. 76 .
■_' Vide o desenvolvimento em 0 Faust, pag. 99—108.
."• Cornélia, sua irmã amada. Merck. I.enz. Basodow,
Gotter eram mortos; Klopstock, Lavater, e os dois Cond
Stolberg estavam divorciados com elle; Jacobi, Klinger, Kest-
ner e outros andavam longe, seguindo cada um 0 seu cami-
nho na vida.
143
chegado a um período adiantadíssimo do seu poema, não
pôde lembrar-se sem melancholia dos successos preté-
ritos; desceu ao seu intimo ser, e evocou o passado.
Segundo nós — e esta é a differença com que o snr.
G. M. não concorda — este passado não está povoado
só das imagens e das concepções da tragedia, mas sim
das recordações dos amigos, que pela sua grande in-
fluencia sobre o espirito de Goethe, ajudaram e provo-
caram as metaniorphoses, que soffreram as figuras da tra-
gedia, e as ideias do próprio poema (1).
Esta é a opinião de Kreyssig, Carriere, Taylor, e de
todos os commentadores.
Querer determinar minuciosamente quaes as linhas,
que se referem aos amigos, e ás visões do poema; é ap-
plicar na analyse o mesquinho ponto de vista da Klei-
nigkeitskrámerei, das «ninharias só próprias de um mer-
cieiro», de que falia Kreyssig, ponto de vista que o pró-
prio snr. G. M. acha falso (2).
O mesmo snr. G M. concede «que as sombras dos
amigos apparecem depois» (pag. 96), como não pode dei-
xar de conceder:
(1) Vide o Briefweehsel com Schiller, com Riemer, Wil-
helm von Humboldt, H. Meyer, e outros, de que já citamos al-
guns trechos capitães.
(2) « Intenções recônditas que á força de quererem ser ar-
gutas descambam no ridículo ». (Os criticas pag. 103) O snr. G.
M. serve-se aqui de um ponto de vista verdadeiro, só para re-
futar a opinião de Lewes, que nós adoptamos, oppondo-lhe
a de Duntzer, auctor que elle regeita, logo que a sua opinião
se approxima da nossa.
Que lógica !
144
i \'i'.s trazeis eomvosco as imagens de alegres dias
E ama e outra cara sombra appai*ece: lj
Qual velha lettda, (júasi â&hóãdâ,
\'i'in o primeiro amor e a amizade. » (2)
O snr. G. M. pretende ainda:
«Não é tampouco ás sombras dos amidos, mas á
prcsmo dos phantasmas poéticos que elle se rende. Tu-
do isso é uma falsa visão da phantasia do snr. Vascon-
cellos» (3).
Não é phantasia, ouça, e aprenda:
«A dôr, por causa dos que haviam falleeido, e que
haviam escutado outr'ora o seu canto, leva-<> á convic-
ção (BeicHssfscui) de uma comnumidade duradoura com
elles; em vista da saudade pelo reino dos espíritos, que
os acolheu, e sob a pressão ( Schauefigefâhl) do Infinito.
desapparece o Terrestre, o Presente: e a Posteridade,
appareutemeute passada, torna-se o eterno Ser (reali-
dade)» (4).
E pois exactamente o contrario do que o snr. Gr.
M. affirma, e aquillo mesmo que nós dissemos, e confir-
mamos agora.
Outro tanto diz B. Taylor:
(1) Estes dois pontos (:) sào explícitos, e ligam o que se
segue.
(2) «Thr bringt mit euch die Bildex MÊ/U Ta.uo.
Und mancha liebe Bobatten Bteigen aut :
<<li'irh eixiec alten, linlhvtu-klunirnon Sago
Kmiiinr erete Lséb' «nd fVdtiactecàaft mit bêittbf*.
I M. Carriere. Erlàuterungen i . L>\p-
■/.ílt. i 869, vul. i. pag. 165.
145
«As formas nevoentas do drama, que elle de novo
tenta alcançar e segurar, trazem comsigo (bring with
them) os pliantasmas dos amigos, a quem as suas primei-
ras canções foram recitadas» (1).
Carriere liga á ideia, acima enunciada, o seguinte:
«Lembro a expressão de Kant — : que nós estamos
também n'esta vida, em communicação indissolúvel com
todas as naturezas immateriaes, e pertencemos, com os
ausentes, a uma mesma republica» (2).
Em um ponto admittimos a divergência do snr.
G. M.
Segundo um dos mesmos commentadores (Carriere),
não é com effeito aos amigos, que se refere a passagem ;
« Vós approximais-vos, figuras indecisas »
(l.a est. 1.» linha)
mas sim ás ideias antigas do poema — á realisação ma-
terial d'essas ideias, em figuras.
É a única cousa que admittimos, porque é a ver-
dade; fixar em que linha da primeira ou segunda es-
tancia apparecem os amigos, é, repetimol-o, uma pue-
rilidade, porque segundo B. Taylor diz claramente: «As
formas do drama . . . trazem comsigo os phantasmas dos
amigos » (3) ; é impossivel dizer pois, qual das duas ap-
parições vem primeiro.
(1) Faust, Notes, pag. 198.
(2) Faust, Erláuterungen. Vol. i, pag 165.
(3) Faust, Notes: «The shaclowy fornis of the drama,
which he again attempts to seize and hold, bring with them
the phantoms of the friends » . . .
HO
Agora vejamos a relação e a razão de ser dos dois
prólogos. 0 -nr. G. M. pretende refutar Lewes isto «'•
nossa opinião) com Diintzer.
O Preludio np theatro, é boje sabido, tem por fim sa-
tirísar a recepção que a maioria do publico fez aos frag-
mentos do Faust, em 1790; e motivar as cansas d,esse
frio acolhimento, pondo em evidencia as relações do
«Poeta» com o publico, por meio do «Director», que
representa os seus interesses, e o instincto banal das
massas; a «Pessoa divertida D, commenta o dialogo e as
ideias dos dois, conservando a média — i*to <'•: repre-
sentando alli, por assim dizer: o senso commum,o sen-
sato partidário, que liga o ideal e real.
O Prologo no céo tem por fim «avançar o problema
moral e intellectual, que serve de base a<> drama d 1 .
E pois indispensável; o outro, que tinha uma im-
portância especial para Goethe, por determinar a- suas
relações com a massa — e que tinha uma significação,
á vista (Tessas relações, deixou de ter hoje a mesma im-
portância, porque o publico allemão, diante do qual se
representa o Faust, é agora outro, felizmente.
Ainda assim certas verdades ha no Preludio no
theatro, que são de todos os tempos.
A sua necessidade e utilidade é pois relativa.
Agora a connexão dos dois. a necessidade i
e as divergências do snr. G. M.:
Um ponto fica já respondido, com o que enuncia-
mos; pois, se o Prologo d<> <■•'<> n avança o problema da
tragedia 9,é claro que Lewes(e 1108) temos razão, esiabe-
1 B. Taylor. Faust, u<>tn 8, pag, 201,
147
lecendo: «no segundo prologo põe Deus e Mephisto-
pheles as pessoas do verdadeiro drama em acção» (1).
A relação do primeiro prologo (Preludio no theatro)
com as duas partes da tragedia, é menos evidente, mas
ainda existe, o que o snr. G. M. diz, é falso:
« De todas estas diversas espécies participa o Pre-
ludio de Goethe, menos do prologo e expositivo ou ar-
gumento do drama, ao qual o poeta se abstém de fazer
referencias» (2).
Repetimos, é falso; veja e aprenda; e leia outra vez
o Preludio, para ver lá uma referencia bem evidente na
seguinte passagem:
« Recorrei pois n'esta estreita barraca
Todo o circulo da creaçào,
E atravessae, com rapidez pensada,
Do céo pelo mundo até ao inferno».
(O Director, Faust.
isto mesmo é o que faz o protagonista na tragedia.
Podíamos pois dizer, á vista do exposto, que o snr.
G. M. não leu o Faust, assim como diz, que nós não le-
mos a segunda parte (3); mas, menos atrevido que o
nosso adversário, preferimos dizer, que leu mal, e fallou
sem pensar.
Vi) O Faust, pag. 48.
(2) Os críticos, pag. 108.
(3) Apesar de citarmos d'ella numerosos trechos (pag. 181,
182, 183, 184, 185, 186, 187, 193, 197, etc, que colligimos do
próprio original, na edic. Kurz.
148
E pois evidente que ambofl 08 prologo», tanto o Pre-
ludio no theatro, como o Prologo no eéo t<-m relação in-
tima com o organismo </<> poema; um mais, porque es-
tabelece o próprio enunciado, o outro menos; mas lá
existe todavia, porque se estabelece o mesmo enunciado,
só numa forma menos ideal e mais real, porque um se
passa no mundo e o outro no céo. Goníroate-ee isto com
o que dissemos já (1), e ver-se-ha, que o que tio-a dito, é
o mesmo, apenas n'uma nova demonstração. Receitamos
pois a opinião de Diintzer, com as inexactidões que o
snr. G. M. lhe accrescentou da sua lavra _ .
Entre estas, não esqueçamos emfim uma, que re-
vela ignorância, mais do que elementar:
Diz o snr. G. M.
«Façamos pela nossa parte algumas considera» -.
O prologo dramático é quasi tam antigo tomo o
mesmo drama» (3).
Saiba o snr. G. M., que a concepção do drama es-
tava, segundo a passagem do próprio Goethe, já tan-
tas vezes citada (4), prompta em 1772; começou a tra-
balhar na tragedia (Taylor e outros) em 177o; tinha pu-
blicado os fragmentos em 1790 — e o prologo aromáti-
co (5), como lhe chama, data de 1798; como podem
pois as datas 1772 e 1798 serem contemporânea-':
(1) O Faust, pag. 42-49.
(2) Os Críticos, pag. 108; desde: iDtotodai — «té — rafe-
renoiasx : Yide atraz, pag. 147
(3) Os rriticDK, pag. 1"7.
(4i Vide atra/., pag. 1- 1.
• A 1 i;\s Vi* ludio no llttatro.
149
Isto só se pôde comparar á phantasia do seu collega
Castilho (porque é fatal a mania imitativa) que sonha o
poeta a escrever a dedicatória (1797) «ANTES de com-
por o livro» (1) (1772-1773)!!
Ah! meus consummados germanistas !
(1) Castilho. Fausto, pag. 1.
CAPITULO IX
Os personagens da tragedia
Faust — Mephistopheles — Margarida
Este capitulo devia intercalar-se no antecedente, a
que está intimamente ligado, todavia para estabelecer,
nos pontos a demonstrar, a maior clareza, isolamol-o
aqui.
Três passagens ha no poema que são capitães, e
que se referem, uma a Mephisto, uma a Faust, e outra
que estabelece as relações dos dois, no poema.
A que caracterisa o primeiro é a celebre falia:
«Eu sou o espirito que nega sempre» (1).
(1) k Ich bin der Geist, der stets verneint » .
152
Que Castilho traduziu:
« Sou o espirito que estorva sempre » (1).
A. Coelho já havia demonstrado até que ponto se
comprometteu o Visconde, com esta definirão, que allue
metade do seu edifício chinez.
Não nos cançaremos pois, e remettemos o leitor
para as fontes da refutação (2).
A outra passagem importante para a ld* ia funda-
mental da tragedia, é a ultima phrase de Mephisto na
primeira parte; a phrase que estabelece as suas rela-
ções com Faust, e as liga para a êegunéa parte.
(Trad. de Castilho)
MEPHISTOPHELES
Sentenciada !
CORO DE ANJOS
Salva !
MEPHISTOPHELES
(cupoesando-se de Faust e
levando -o comeigo)
És meu.
(Nossa traduoção)
HEPHISTOPHEI.K.s
Está sentenciada!
voz (de cirna i
Está salva !
MEPHISTOPHELES (Cl Fa
Aqui, para mim !
(Desapparece com Fau.-'
Ás nossas observações relativamente a este non
8en8e, responde o snr. G. M. :
(1) O Faust, paff. 96.
(2) Bibliographta critica, n.° 1. pag. T-. e (.' Fau$t, paj.
47, 456, e a nota 84 (pag. 497-498 .
(3) O Faiut, pag. 412-413.
153
« O final da tragedia provocou da parte do snr. Vas-
concellos aspérrimas censuras contra o illustre tradu-
ctor. O nosso critico, que n'este lance podemos sem en-
carecimento qualificar de terribilissimo, sahe do campo
da critica litteraria, e arvora-se em theologo ou antes
em familiar do Santo Oíficio. O caso, segundo nos diz,
in volve erro de fé, e o snr. Castilho é demandado como
incurso nas penas de pravidade herética. Ainda n'esta
ultima censura discordamos do zeloso censor e salvare-
mos o nosso orthodoxo poeta das carochas da Inquisição.
« Pretende o snr. Vasconcellos que a fraze do V. de
Castilho Es meu! correspondente (??) aoallemão Herzu
mir! com que termina o drama, não deixa a menor duvi-
da de que o Senhor perdera a aposta com o diabo. N'esta
proposição mal-soante consiste a denunciada heresia. Mas
é por ventura essa a rigorosa illação a tirar da traducção
do snr. Castilho? Sustentamos que não, e temos para o
provar os melhores fundamentos. Vejamos.
(.(Margarida regeita com firmeza a vida que, no tran-
se extremo, seu amante viera offerecer-lhe ao cárcere.
Purificada por seus incomportáveis sofirimentos na ter-
ra, se não está isenta dos erros que são punidos inexora-
velmente pela justiça dos homens, sua alma é pura pe-
rante a justiça divina, em cujo tribunal as acções do pec-
cador são julgadas somente pelas intenções. A fé forta-
lece a sua esperança e a martyr do amor entrega-se con-
fiadamente á misericórdia do supremo juiz.
« Margarida desapparece da scena, e Mephistopheles
exclama com satânico triunfo :
Está julgada !
151
Uma voz de cima responde:
Está salva !
Fausto fica como assombrado e Mephitopheles grita-lhe
imperiosamente :
A mim ! A mim ! (Her zu mir !
«Adoptamos esta versão por nos parecer que asam
exprimimos melhor em portuguez a energia do original,
conservando comtudo um indeciso (sic?) que não preju-
dica a final solução do pleito entre o Senhor e Satanaz.
Se quizessemos adiantar mais um passo | para o enér-
gico Her zu mir! diriamos : Vem, entrega-te ! 0 snr. I s-
tilho desvendou (!!) de todo a intenção de Mephistophe-
les, dizendo: És meu! E dizemos a intenção de Mophis-
topheles, porque o erro do critico consiste em pensar que
a orgulhosa apostrophe do Espirito do mal resolve de-
finitivamente a aposta contra •> Senhor. Mephistopheles
diz o que julga ser verdade e não o (pie é realmente ver-
dade.
«Desde a publicação do Faustoera geralmente Begui-
da na Allemanha a interpretação dada pelo snr. Casti-
lho á fraze de Mephistopheles e qne nós também llie da-
mos. Goethe parecia havel-a calculado de propósito para
dar um desfecho provisório á Primeira Parte do seu dra-
ma, produzindo com aquella fraze uma forte impressão
DO animo do espectador. 0 espirito do mal. em >ua pre-
cipitada sofreguidão, pode soltar atpielle grito de triunfo.
persuadido como está de qne a condemnação de Fausto
lõõ
é inevitável depois da catastrophe de Margarida. A fra-
ze És meu! é verdadeira emquanto exprime os senti-
mentos de quem a profere, embora seja falsa em quan-
to á situação» (1).
Isto não se discute, repetimol-o; archiva-se.
0 que dissemos fica de pé (2).
Não nos cançaremos tão pouco a provar novamente,
que o Visconde, com esta traducção, provou que enten-
dia, tanto da ideia fundamental e do prohlema da trage-
dia, como da vida de Goethe, como do espirito da phi-
losophia allemã, etc.
Nem demonstraremos, o que aliás se torna evidente
por si mesmo; que a traducção d'aquelle trecho era
mais um argumento capital para a justificação de um
dos capítulos passados (3).
Mas pedimos licença ao snr. Gr. M. para lhe fazer
mais um empréstimo, e transcrever o que o consummado
germanista diz sobre estes dois gravíssimos pontos:
«No dialogo entre o Senhor e Mephistopheles, diz o
Senhor : « Eu nunca odiei os teus similhantes. De todos
os espíritos que negam, o astucioso é o que menos me
enfada». Sobre esta passagem faz o snr. Coelho o se-
guinte commentario : « Ha aqui duas cousas essenciaes :
a primeira é que Deus affirma que nunca odiou os se-
melhantes de Mephistopheles», a segunda é que os es-
píritos diabólicos, são chamados «os espíritos que ne-
gam», sendo a palavra negar empregada aqui no seu
sentido absoluto, são duas concepções philosophicas».
(1) Os críticos, pag. 183-185.
(2). 0 Faust, pag. 190-193, e pag. 456-457.
(3) Capitulo viu. A Tragedia, pag. 119-149.
166
aConfi'ss<iiiins não perceber em queconeieU a phi
•phia da primeira proposição, assim deart mo o
8nr. Coelho a apresenta » (1).
O snr. (i. M. é um mixto de ingenuidade e de m;i-
li cia, como vemos. A^ora nm salto a pag. 40.
«A denominação de espiritas qne negam,
demónios, é com effeito derivada de uma cone
taphiaica: o mal, considerado abstzi d mente,
ção ou opposição do bem. Em harmonia com essa con-
cepção abstracta^ definiu-se Mephistophelea a si mesmo
— um espirito que nega sempre, cujo elemento, aceres-
centa:
é o que chamais vós outros
Destruição, Peccado, o Mal em summa.
Tead. Cast.
u 0 snr. Castilho entendendo, e até certo ponto ;
que para destruir e para causar o mal se íaz mister em-
pregar tanta ou quasi tanta actividade como para pro-
duzir o liem (do que são claros exemplos ; lemo-
lidores, os nihilistas, para os quaes na frase do grande
espirito negativo, tudo quanto existe deveria bot arra-
zado); entendendo talvez que a essa maléfica acta
de se oppunlm a idéa absoluta de negação, àes\
do termo technico das Bciencras metaphisi< 9, nuan-
do-o mas Bem prejudicar a concepção philosophica, /.--
torvar o bem. empregando para isso a necessária i
conduz fatalmente ao mal. Este parece-nos ter -ido <»
pensamento do snr. Castilho; e n'este sentido i
<• Sou o espirito qu< eston i sempre. . como dia
l '>.-■ critiboif pag. 3S.
157
o snr. Coelho, uma fraze tomada ao acaso ; entre estor-
var sempre e anniquillar não se dá a falta de connexão
que imagina. Para o Espirito de negação, tudo o que
existe é-lhe objecto d'odio; desejaria vêr tudo anniquil-
lado, mas entre o desejo e o acto vai toda a differença.
A impotência de Mephistopheles para produzir o mal
que deseja, é por elle mesmo confessada. Quando Fausto
lhe pergunta : « Quem és ? » responde :
Ein Theil von jener Kraft,
Die stets das Bõse will und stets das G-ute schafft.
Faust, p. 55, ed. 1840.
« Sou uma parte d'aquella força que sempre quer o mal e
sempre produz o bem. »
«Assim estorvar não é destruir, mas é um dos meios
de promover a destruição» (1).
Isto não se discute, repetimol-o, archiva-se.
Vejamos a passagem que se refere exclusivamente a
Faust, que é :
« Trovejou-me
tremenda voz: És nada!»
«A propósito d'esta fraze, que exprime com tanta
energia o pensamento de Fausto, repellido com desdém
pelo Espirito da Terra que evocara, escreve o snr. Vas-
concellos a seguinte Nota (43) á sua traducção: Uma
voz de trovão anniquilon-me: — O Visconde de Casti-
lho altera tudo, porque pretende aqui que o espirito lhe
(1) Os críticos, pag. 40-41.
158
dissera: És nada — não se lembrando que a pag. 23K
escrevera :
Segundo um Ber, tua invenção,
mas a mim uào.
((Confessamos não attingira supposta contradicção.
0 que se percebe é que o snr. Vaseoncelh» Dão enten-
de aquiilo que se affastar um ápice da sua traducção
litteral. Não se diz alli que o Espirito da Terra di
se a Fausto aquellas palavras, mas que as que Fansto
ouvira lhe soaram como se uma voz de trovão lhe bra-
dasse: És nada!-» (1)
A isto respondemos com o que está já dito - .
Este capitulo fica sendo o mais curto, todavia o
mais curioso, um archivo: ad eternam rei memoriam.
♦Uma passagem finalmente, para não faltar também
n'este capitulo a coroa:
((Temos observado, durante o decurso d'este exame.
que o snr. Vasconcellos usa immoderadaniente da pala-
vra aspiração; e que este uso ou abuso nã<> rara- vezes
o induz a falsas interpretações do texto» (3).
Depois o seguinte:
«.Das Streben meiner ganzen Kraft, á lettra: c<
forço de toda a minha força. » A isso corresponde a fraze
do snr. Castilho: «As minhas po><e> todas já d'aqui t"as
obrigo.» Não se tracta aqui de nenhuma aspiração;
tnieta-se da energia e tenacidade com que Fausto Be en-
golphava em todos os seus emprehendimentos, energia
própria da sua forte natureza, que Mepbistopheles devia
(1) Os criticoa, pag. 149-150.
(2) O Fanuto, pag. 456 e 457. «• neta li. pag. 490.
(3) Oê eriUcoe, pag. 172.
159
ter reconhecido, e que Fausto põe á disposição de seu
seductor» (1).
Diremos, sem mais commentarios ao snr. Gr. M.,
que se repetimos muitas vezes a palavra aspiração, dez
vezes, cem vezes mais se acha ella repetida no original;
porque essa aspiração é a alma do organismo de todo
o poema; é o próprio Faust; é o próprio Goethe; é em-
fim, o que em todos nós ha de superior, de espiritual,
quando a bestialidade da nossa natureza não faz de nós
um animal:
Geniessen macht gemein (2), dizia Goethe — o gôso
é a antithese da aspiração; sublime palavra, que tão
pouca gente entende (3).
No nosso primeiro .trabalho não podemos fallar da
maneira como o Visconde interpretou a poética figura
de Margarida, porque nos trechos do poema, que esco-
lhemos para a argumentação, preferimos aquelles, que
pela sua significação mais profunda e philosophica,
eram os mais difnceis de traduzir — e que por isso fo-
ram mais desfigurados na profanação de Castilho.
As scenas em que apparece a figura de Margarida
ficaram excluídas ; mas embora não apontássemos a ca-
ricatura que Castilho fez d'aquella admirável, creação,
(1) Os críticos, pag. 173-174.
(2) O gozar (no sentido sensual e materialista) envilece.
(3) Agora, se nós traduzimos, bem ou mal, essa palavra,
nos differentes logares do poema, veja o snr. G. M. nas tra-
ducções inglezas de Lebahn e Taylor ; nas francezas de G. de
Nerval, Blaze e Porchat ; na hespanhola de P. Briz ; e sobre-
tudo nos commentarios de Carriere (vol. i, pag. 191, vol. n,
pag. 257) de Kreyssig (pag. 48, 89, 176, 210), de Taylor; nas
analyses de Koberstein, Scberr, W. Hahn, e em todos emfim
que entenderam o Faust.
160
entendi a-se isso naturalmente no estado de espirito do
traductor.
« Margarida é, como fica dito, a alma Ivrica do povo
allcnião; é o espirito da canção allemá popular e amo-
rosa, condensada n'uma figura positiva; d'e8sa canção,
que attingiu no lyrismo de Goethe o seu complemento
ideal, e ficou inexcedivel, inattingivel entre todas as
dos outros povos. E o aroma da canção allemá n'uma
forma determinada; é 6686 aroma, que segundo um phi-
losopho aliem ao, está para a canção allemá, como a flor
está para o vinho das margens do Ilheno; é o signa 1 do
terreno e do pais em que nasceu» (1).
Mais abaixo:
«Que Goethe fizesse de Margarida uma filha do
povo; que contrapuzesse a Faust, o representante da
suprema cultura intellectual — a natureza inconsciente
da alma popular, cuja belleza. felicidade e encanto está
na sua innocencia, e na insciencia commovedora do
seu próprio valor — esta concepção será um dos eternos
traços do poema faustiano» (2).
Que podia o Visconde entender de tu lo isto?
E philosophia obscura! Goethe — tysabotisando em
Margarida a bella alma Ivrica do povo alfamão — que
ideia tão abstrusa!
Isto Beria mais do que grego para Castilho, seria —
nada.
A sua Margarida é um disfarce; é irrisória, eomo
o seu Mephistopheles e o seu Fausto.
(1) Adolf Stahr. Gtoethe'* Framengmêmltn*. Berlin. tfjRSt.
t ed., pa--. 77.
2] A. Stahr. Op. cit., pag. 78
CAPITULO X
Bagatellas
Incluímos n'este capitulo alguns pontos ein que não
tocamos, porque desejamos que a resposta seja completa,
e para este fim não queremos deixar escapar mesmo as
bagatellas, para não faltarmos á verdade, como o fez o
snr. Gr. M., que avançando fatuamente: «também que-
remos (1) que esta refutação seja completa» (2) — achou,
apesar dos nove rtiezes da sua laboriosa gestação, aborre-
cida cca tarefa de ir seguindo, nota a nota, o nosso cri-
tico» (3). Saltou capítulos inteiros (4), cerca de 130
(1) Entre querer e poder. . .
(2) Os criticas, pag. 66.
(3) Op. cif., pag. 128.
(4) Os capítulos iv (A Lenda), vi (Da linguagem e estylo),
vu (Conclusões ultimas), vm (Os críticos), isto é : 132 paginas !
162
notas (1), e quasi toda a nossa confrontação doa tex-
tos (2); e imaginou que havia dado uma refutação com-
pleta a uma obra, construída sobre centenas de provas,
tomando só em conta a confrontação eloquente dos tre-
chos do poema.
Osnr. Gr. M. leva a amabilidade a ponto de julgar
que o nosso «conhecimento da lingua allemã, é muito
superior» ao de A. Coelho: vê-se obrigado a discutir so-
bre pontos importantes, oppondo ás nossas opini<
(Lewes e Lebahn) as de Diintzer, torcendo-as, mutilan-
do-as, falseando-as. etc; admitte as nossas refuta'
algumas notas do Visconde, acha mesmo que somos um
protestante incorrigível (4), meio attemão e um quasi im-
ola portuguez — mas entende, que isso não prejudica a
nossa crassa ignorância, em tudo e por tudo.
0 snr. Gr. M. não podia deixar de vir com o argu-
mento dos plagiatos, com que pretendeu enterrar !
(1) O snr. G. M. falia, analvsando-as, talvez d.> uma dú-
zia: toca levemente em outra dúzia, sem as analysar, e nào se
lembra que sào IfVJ ! Iíeparr-se t\\w das notas, ijuc aualysa, con-
cede haver Castilho disparatado em i ou 5. Etem a impudência
de chamar a isto refutação completa .'
(2) Abrange nada menos de 116 pag.; são na verdade 233
pag. \<\f 201-434), mas metade é occupada pelo texto de Cas-
tilho.Osnr. (í. M. refere do texto apenas algumas passagens:
a do esconjuro contra o cão Mephisto . pag. 163 e 165; da
do pacto, p. 172: da scena da floreste, p. 178; e da do cárcere
p. 182, as únicas passagens, em que o snr. Gr. M. ousou arriscar
as palavras de < !astilho ao lado dâ bossa traducção. São ao todo
34 linhas, em llii paginas, exceptuando uma linha na dedicató-
ria pag. 95). A estas 116 paginas chama o snr. G. M. alguns
trechos (sic. Os críticos, pag 60 . Esteé o balanço da refutação
completa.
3 Que são em geral as de Lewes, com relação á \.' parte
do Faust : e de Lebahn, com relação as Notas.
1 õs críticos, pag. 125, pag. 161, ete.
163
A. Coelho; lembra-nos um cTesses dilettanti de S. Car-
los, que vão para o theatro aguçar a sua perspicácia, so-
nhando plagiatos em tudo o que ouvem; plagiatos em
Mozart, plagiatos em Meyerbeer, plagiatos em Rossini,
e sempre plagiatos ! Os únicos sugeitos originaes cTeste
mundo são elles !
Plagiato, segundo a significação que esta palavra
tem em toda a parte, é a apropriação subrepticia de um
pensamento alheio, quando se occulta a fonte, de onde
elle foi tirado. Ora, quando se cita essa fonte a cada
passo, como pode haver plagiato'?
Se o snr. G. M. se lembrasse, que nós citámos Le-
bahn a cada pagina da nossa obra, não nos vinha ac-
cusar de plagiatos, já apontados em dezenas de notas.
Emquanto áquillo que o snr. G. M. affirma a pro-
pósito do vergonhoso caso da Lilith (1), diremos que
falseia a nossa citação; a accusação é grave, mas jul-
gue o leitor.
Diz o snr. G. M. (pag. 48):
«Repare o nosso precoce sabiosinho que o seu Falk
Lebahn, cujos commentarios entende mal, não o reinei -
te á Bíblia para authorisar a historia de Lilith. Os ver-
sículos do Génesis I. 27 e II. 18, citados por esse com-
mentador, contém só as duas versões contradictorias da
citarão da mulher. Na primeira, diz-se que Deus creá-
ra o homem macho e fêmea; a segunda, refere-se á crea-
ção da mulher formada da costella de Adão. Esta dupla
versão é que serviu de fundamento á invenção da legen-
da rabbmica de Lilith. E isto o que quer dizer Lebahn
(1) Castilho, Fausto, pag. 352; e uota ibid., a pag. 410.
1W
;i pag. ó!i!i. O mr. VasconceUos papagueom-o -cm o
o entender parque nunca leu a Biblk nem como <-a-
tholieo bom ou mau, nem como protestante. No Géne-
sis não .-c encontra similhante indicação acerca <lc L30
ânuos cm que Lilith esteve parindo Legiões de diabos.
Afoysés, a respeito de Lilith, era tam grande ignorante
como o snr. Visconde de Castilh
1." Não dissemos que a Bíblia foliasse da Lilith,
mas sim «que Castilho encontrava alli a explicação do
caso» (1), como de feito se encontra.
2.' Citámos os versículos do Gt nesis 2), que Lebalm
traz, mas puzemos na nota: ed. lwbr. = edição hebraica,
ou rabbinica.
0 snr. G. M. mutilou pois a oossa citação!
3." A citação da Lilith acha-se em Moysés, que não
era tão grande ignorante (3) como o Visconde de Casti-
lho, nem como o snr. G. M, suppõem; prora:
«Em 1. Moysés i. 21. diz-se: que Deus formou ,,
homem á sua imagem; e elle creou um homenzinho
(ein Mãnnlem mui riu Frãulein) e uma mulherzinha; no
capitulo immediato acha-se Adão só. e da sua oostella é
então formada a Eva. A critica ni<><i< m<> proi
bejo, que se trata aqui de dous symboloa diversos, como
se acham cm geral interlaçados no (i>/i>.-is 1 : porem
os rabbinos explicam o caso differentemente
4.° Não é só no Génesis, i\\w se Paliada Lilith, mas
(1) 0 Fauat, pag. 77.
2 Op. cit., pag. 77. nota 1. •">.•' linha.
. '• 0«i iticos, pag 18.
I Aprenda poiso snr. <;. M.. Be ainda é tempo.
itíitc Fatut, Erlãuterangen, vol. i. pag. 217,
16õ
também em Esaias 34, y, onde se refere um phantas-
m ;i nocturno, chamado Lilith.
Logo, falia a Bíblia, em dous pontos diversos, da
Lilith.
O snr. Gr. M. mutilou emfim segunda vez a nossa
nota, omittindo a referencia á passagem do Esaias (1).
Temos pois:
Duas mutilações flagrantes ; duas passagens (3.° e
4.°) da Bihlia protestante, em que se falia da Lilith, que
o Visconde poderia haver consultado, e cuja significação
o snr. G. M. ignorou completamente.
A vista do exposto, com que direito diz o snr. G. M :
« . . . porque nunca leu a Biblia nem como catholico
bom ou mau, nem como protestante» (2).
Com que direito nos argue o snr. G. M. de uma
mentira?
Que austeridade é essa, que mutila citações, e fal-
seia os textos?
Outro ponto é a defeza do titulo:
a Sonho de uma noite de S. João», modo como Cas-
tilho traduziu em varias passagens das suas notas, o ti-
tulo de Shakespeare: Midsummer nighfs dream.
Julgamos achar na traducção d1 es te titulo (3) pelo
Visconde, a sua monomania de querer nacionalisar tudo;
titulos, nomes próprios (4), etc, etc.
(1) O Fmist, pag. 77, nota 1, linha 2.a
(2) Os criticou, pag. 48.
Í3) O Fausf, pag. 80-81.
(4) No seu Fausto, passim :
Frosch traduzido Eans
Brander » Botafogo
1H6
Adolpho Coelho (1) fez reparo da nossa observaç&o,
todavia parece-nos que sem motivo. Em nenhuma tru-
ducção da obra de Shakespeare (2) achamos outra ver-
são differente de: Sonho de tima noite de verão; temos á
vista as melhores traducções allemãs da obra ingleza,
por Schleorel e Tieck (3), e F. Bodenstedt (4); todavia,
não só n'estas, mas em mais traducções francezas, e em
innumeras citações, muitas das quaes temos á vista,
achamos sempre:
Sommernachstraum,
Songe d' une nuit d'été,
Sueno de una noche de verano, etc., etc.
Não podemos pois concordar, nem com a observa-
ção de A. Coelho, nem com as do snr. G. M., a quem lem-
Siebel traduzido Peneira
Altmayer » Quinteirão
Martha Schwertlein » Martha espadinha
etc, etc. Note-se que nem Blaze, nemG. de Nerval, nem Tay-
lor, nem Porchat, nem P. Briz ; nem sequer A. d'Ornellas. tra-
duetores, que temos á vista — traduziram os nomes próprios do
poema, e só o Visconde, atacado do spleen da naeionalisaçào, po-
dia ser levado a uma lógica tào transcendente.
1 i Bibliographia critica, pag. 47, 1.° anuo.
(2) Lembramos, a propósito, as burlescas apreciações do
snr. G. M.. acerca d'este poeta. Oa critico*, \> ■• 159.
(3) Shakespeare. Berlim, 1797-lSlo. em i» volumes, con-
tinuado com menos talento) e commehtado por L. Tieck em
12 vol., 1839-1841.
(4) WiUiam Shakespeare' 'a Dramatische Werke.X\
vou. Friedricb Bodenstedt, Nicolaus 1 >»'lius. ( >rti> (iildemci-
Bter, Georg Herwegh, Paul Heyse, Eermann Km-/.. Adolf
Wilbrant. Leipzig, Brockhaus, 1872, em '.' vol. in-8.e, com
commentariofl o noras. Está nova traduoção veiu aubstituii a
ilo Bchlegel e Tieck, admirável para :\ época em que appare-
ceu (1797—1810), mas prejudicada depois pelos trabalha -
cessivos da critica.
167
braremos, para aprender quem é Shakespeare, sem lan-
çar mão de um Diccionario qualquer, que leia a obra de
Gervinus, de que já falíamos no nosso primeiro traba-
lho (1); e se o Visconde tiver rosto com que apparecer
ainda em publico, lembramos-lhe que leia o mesmo Ger-
vinus, se o poder entender; ou que peça a algnem que
lh'o traduza; não esqueça também de consultar o com-
mentario de Delius (2), talvez o melhor, e que prejudicou
em parte o de Gervinus, apesar d'este ser de 1862 (3);
a critica allemã, meus senhores e consummados germa-
nistas, marcha muito em 11 annos. Cuidado, pois.
O snr. G. M., referindo-se aos reparos que A. Coelho
faz a propósito do titulo : Sonho de uma noite de verão,
estava no seu direito, embora lançasse mão de argumen-
tos alheios; mas causa-nos grande admiração, que pas-
sasse em branco um outro reparo, e nada dissesse so-
bre a observação de A. Coelho acerca do nosso modo
de considerar Mephistopheles ; estranhamos tanto mais
esta omissão, que A. Coelho envolveu no seu reparo
uma critica, que não podemos acceitar, critica que re-
sultou de havermos negado a allusão a Merck, no per-
sonagem de Mephisto.
«A opinião do snr. J. de Vasconcellos leva-o n'esta
parte naturalmente a falsas apreciações de Merck e Me-
phistopheles» (4).
Isto seria grave, se tivesse fundamento, porque im-
(1) O Faust, pag. 81, e 87-89.
(2) Shakspere (sic). Elberfeld, 3.a ed., em 2 vol.
(3) Shakespeare. Leipzig, 1862, 3.a ed., em 2 vol. Acaba
de sahir uma 4.a ed., mais correcta.
(4) Bibl. crit., l.° armo, pag. 47.
K38
plicava a falta de comprehensão de uma das figuras
principaes da tragedia. A opinião do critico do jornal
francèz (1), que é a base em que A. Coelho se apoia
— não nos parece razão sufficiente para nos contradi-
ctar. 0 que escrevemos (2), c assa/, notório; é o que
o próprio Goethe diz de Merck, na sua auto-biogra-
phia (3). E também n'esta mesma fonte, que se tem de
ir procurar a origem da allusão. Goethe intitula alli
quatro vezes (4) o seu amigo: Mephistopheleê Merck bíc .
o quedeulogará tradição; todavia isto, de per si. pouco
vale; o que importa é conhecer o caracter de Merck,
retratado alli pelo próprio Goethe, e vêr se ha analo-
gia entre o seu espirito, e o que Goethe incarnou em
Mephisto; repetimos, essa analogia não existe; a ten-
dência critica de Merck obedecia a impulsos totalmente
differentes, e produziu resultados totalmente d i Aferen-
tes. Sendo este o ponto, que julgam ser o segredo da
allusão — então tanto pôde ser Merck, o Mephisto. como
Basedow, e até este com mais razão; quem duvidar, leia
com attenção a auto-biographia.
É tanto verdade o que dissemos (5), que insensível*
(1) Revue critique, ISTO, i, pag. 79.
(2) «A supposição de Philarète Chaales ô uma hypotbeee
gratuita; Merck foi o hmi r/.VjV de ftoethe, e se o critico fran-
cèz tomou o caso a serio, Lembrando-se do espirito eminente-
mente critico de Merck, deveria ter entendido (JUS entre a
critica de Mepbjstopueles, que geralmente passa a ascarneo, á
critica produetiva e fruetifera de Merck sobre Goethe e per-
der, vae moa difierença capital ! 0 Faust, pag. 50.)
(3) Dichtung uná Wahrheit, '■>:■' e l.:i parte, em Q\
H . ed. Kurz, 1870, vol. i.\.
(■A) Xào nos lembrámos das paginas tm que estão, porque
lemos a anto-biogsapkia, já ba bastante tempo; mas sío ape-
nas quatro, e por isto respondemos.
(5) O Faust, pag. EjO
169
mente escrevemos o que mais tarde encontramos no
commentario de Kreyssig, obra que só depois de im-
presso o nosso volume nos veiu á mão.
O que alli se lê (1), é, emquanto ao essencial, a
confirmação do que fica dito.
Repetimos: extranhamos que o snr. G. M., andando
á procura de ninharias, não repetisse este reparo, que
podia ser serio, se fosse verdadeiro; — talvez não o fi-
zesse com receio do resultado, ou por não ter opinião
própria.
A respeito das palavras intraduzíveis, como o Dru-
denfuss, o Wanst, etc. (2), não voltaremos aos nossos
antigos argumentos. Para confirmar o que dissemos,
basta a auctoridade de Taylor, que aprofundou o Faust
«durante 20 annos», e que diz, com relação a outras pa-
lavras allemãs, que ha termos intraduzíveis, e por isso
mesmo os conservou em allemão (3). Não foi decerto o
escrúpulo que levou Castilho a traduzir até aquillo, que
é intraduzível, mas sim a sua monomania nacionalisa-
dora.
Com relação á differença entre a palavra Mõnch (4)
e Pfaff, lembramos ao snr. Gr. M. que consulte um dic-
cionario qualquer allemão e portuguez.
(1) Kreyssig. Vorleswngen, pag. 63, 64 e 65.
(2) Vide as outras atraz, pag. 165-166. e compare-se com
D que diz o snr. G. M. (Os criticou, pag. 168.)
(3) Faust, pag. 302, appendix. Por exemplo, na palavra
Faust reckt : « an utitranslatable pun »■
Este termo pertence a uma passagem de uma carta de
Bchiller a Goethe, de 13 de Septembro de 1800, Brieficechsel,
vol. li, pag. 294.
(4) Nós dissemos: « Pfaffen » , fradalhõea, termo desprezí-
vel, em logar de « Mõnch », frade, que ó o lpgitimo, traduz Cas-
tilho por padres. (O Faust, pag. 484, nota 17).
170
«Pfaff, m. (voz dedjesprezo) 1 ». ou em Bom e -
<t Pfaffenrolk = i'r'àà'Ar\'à. f. 'termo de desprezi
O snr. G. M., que cita algures o Diccionario de Wa-
gener, podia tel o consultado antes de fallar — ou ter
verificado o termo em qualquer outro diccion;iri<> ]><>r
ex. o de Wolheim da Fonseca), porque presumimo- que
deve ter algum em casa (3). Demais, a situação em que
apparece essa palavra é no monologo de introducçâo de
Faust, onde elle diz :
« Sou, é verdade, mais sensato do que todos os petulantes
Doutores, magisters, escrevinhadores e fradalhòm : » 4
0 sentido é pois irónico, e significa o desprezo ]><>r
todos esses comediantes, ou parvos (Laffen) 5 .
0 termo Pfaff, e o seu composto Pfaffenbhum, ainda
tem hoje a mesma significarão: ainda lia uni anuo pu-
blicou o escriptor Kohut o seguinte:
(li J. D. Wagener. Ncues portuí/.-deufsc/fs und ■ '•
povtug. Lexicoit. Leipzig, 1812, 3 vol. in-8.°, 2.* parte, pag
(2) Xeues voUstãndiges Handwõrterbuck derport. und
Sprache. Hamburg, 2.* parte, pag. 47."/.
(3) Além d'isso, a etymologia de Pfaff, Dfio é i'"t-
gundo o snr. G. M. (pag. 141 \ mas sim popa, porque um ter
latino nunca poderia ser representado em allemfio per f.
(4) 0 Faust, pag. 223.
O snr. (i. Si. nàt> ?•• envergonha de se citar, a propósito
do Pfaff (inglez, prieeUj, a tradacç&o de Anster de Í837, uma
versão miserável, uma dynamitaç&o incrível do origina
almost incredible dilutioo of the original •>. 1!. Taylor, .
1872, pag. x, Preface.)
(5) « Zwar bin icli gesoheiter ais alie die / ■ >
Doctoren, Magister, Schreiber und Pfafi
171
«As nossas três summidades poéticas (1) e a sucia
ecclesiastica. Uni trifolio de testemunhos clássicos con-
tra o ultramontanismo, jesuitismo e beaterio» (2).
0 que o snr. Gr. M. diz, com relação ao sentido do
termo famulus (3), e á significação de Haupt-und
Staatsaction , não merece mais uma só palavra; que nós
disséssemos, que na «fraze alleman se contém duas es-
pécies de drama» (4) — é uma mentira (5). 0 que dis-
semos foi: «Aquelles dous títulos pertencem á littera-
tura allemã» (6).
Queria isto dizer duas espécies de drama, como o snr.
Gr. M. falseou? Não pode haver dois títulos para um
mesmo género? Alem d'isso, dando nós a explicação de
Helbig (7) acerca do género de Haupt-und Staatsaction,
e citando ainda Lowe, apud Diintzer em Lebahn (8), e
(1) Dichterheroen ; aqui temos mais uma palavra intradu-
zível.
(2) A. Kohut. Utisere drei Dichterheroen und das Pfaffen-
thum. Ein Trifolium klassicher Zeu^eu gegen Ultramontanis-
mus, Jesuitismus und Muckerthum. Leipzig, A. Hermann, 1872.
Hoje, que o frade deixou de existir, fundiu-se definitiva-
mente na palavra Pfaff, a ideia de frade e padre.
(3) 0 Faust, pag. 487, nota 31 ; a passagem contra : Os
criticas, pag. 145 e 146.
(4) Os críticos, pag. 148.
(5) Resuscitámos esta palavra, litterariamente. É um dos
symptouias característicos do nosso estado, que para tudo o que
é illicito e infame, se achasse uma palavra bonita, com que se
podésse mascarar o vicio; ou como diz Gervinus, avaliando o
movimento litterario moderno, depois de liyron, « que se tirasse
ao vicio o ferrete da infâmia ». (Geistige Bewegungen em Gesch.
d. neun". Jahrh., vol. viu, pag. 158.) O faltar á verdade, em
logar de menti)-, é uma invenção da nossa sociedade, onde se
respira a mentira e a impudência, com o ar da vida.
(6) 0 Faust, pag. 488.
(7) Grundríss der Geschichte der poet . Literatur . d.Dext-
schen. Leipzig, 1862. pag. 18.
(8) Faust, with copious notes, etc, pag. 416.
172
citando finalmente 0. Magnin 1 ; como imaginou <> snr.
(í. M.. que dós podíamos ignorar o sentido da palavra,
com três auctorea á vista? É a sua má fé, a mentira,
mil vezes repetida !
Não escrevemos nós (2 :
«DYst;; espécie dramática diz J. Fr. Loven t eto. — ?
isto, que nós saibamos, é singular^ logo <■ mr. <t. M.
mentiu.
O snr. G. M. ridicutisa a nossa palavra lilia 3 | /<-
e não se lembrou, de que nas Erratas p;Lr. 594 aeacha
emendada a passagem: aolyrvo cagado/
Ou não viu — ou mentiu.
Para que seguiremos mais as puerilidades das n!;;-
iiias paginas, porque talvez escapasse uma ou outra? Pa-
ra demonstrar, que o Bnr. G. M. mentiu pela centésima
vez?
0 snr. G. M. ha-de ter estado a suspirar pelo v
c estejaê (4), não é verdade? Vieram tarde, mas vieram;
e temos ainda o atrevimento de tãllar if isso, não é ver-
dade?. . . mas não esqueça também o apt - 5).
Aqui rnetteu o snr. G. M. três lama- em Africa
— c cantou victoria.
Damos de barato a creacão de dois verbos no" s:
seiâr e estejar; seja o snr. G. M. benévolo, e deixe amol-
lecer o seu ooração feroz; imagine que qós enriquece-
mos a Iingua com dois neologismos • • •. mas aparte o
(1) Histnire des JIarioitnc.tex, pag. 307-816.
(2) O Faust, pag. 489.
(3) Os críticos, }<:\s. 156.
(4) Os críticos, pag. 131, 133, 183 e ITT. N&o omittímoe
passagem alguma.
5 Op. <■//., pag. 95.
173
hunour, é realmente grande achado, encontrar em 606
pag., pensadas, escriptas, emendadas e impressas em
ãous mezes; é grande achado, quando os erros no seu
magro livro de 128 (1) paginas, parto laborioso de
profunda cogitação, pullulam em enxames, como as
nuvens de mosquitos numa tarde de calor!
A ignorância do snr. G. M. revela-se nas mínimas
cousas. O nome de Diintzer, que cita repetidamente,
escreve elle 47 vezes : Díinzer !
Vischer, que elle cita apud Diintzer (2), e que este
refere repetidas vezes (3), para refutar as opiniões de
Karl Kostlin, seu discípulo em esthetica, escreve o
snr. G. M. : Bischer (4). Kostlin fica transformado em
Kõstling (5), Weisse,em Weise (6), Falck em Falk, etc.
Esta monomania de estropear nomes, ainda não pára
aqui. O nome de Lewes, biographo de Goethe, é citado
9 vezes (7) Lews (sic)!! Serão tudo isto erros de im-
prensa? Demais, o snr. G. M. é de uma incúria a toda
a prova, nas suas citações; falia da tragedia, e não se
sabe a que edição se refere ; apenas cita a data da que
consultou, e esta é 1840!!
(1) Sâo ao todo 190, mas as primeiras 60 occupam-se com
A. Coelho, e as 3 ultimas sào reflexões estheticas e sentimen-
taes do snr. Gr. M.
(2) Wiirdir/ung cies Goetheschen Faust, seine neuesten Kri-
tiker und Ausleger. Leipzig, 1861, pag. 1.
(3) Op. cif. pag. 2, e seguintes.
(4) Os criticas, pag. 89 e 90. Acaso já nào saberá o snr.
C. M. distinguir o alphabeto gothico do latino?
(5) idem, ibid.
(6) idem, ibid.
(7) Os críticos.
3 vezes a pag. 103
3 D a » 105
2 » a » 106
1 vez a » 107
174
X'mii;i das paginas anteriores l"it*> indicamos a
passagem, <'in que o snr. <í. ML bos revela :i citada
data: 1840.
As citações doa títulos das outras obras não obede-
cem a svstema algum.
O seu livro nem sequer tem um Imlr.r!
E todavia nove mezes. . . são 270 dias !
E não são só erros de factos; esses pódem-se per-
doar em certos casos, mas erros de primeira importân-
cia, e num wnmmmadó germanigta. Temos a convicção
que o que nós demos ao publico, é suficientemente in-
teressante, novo (entre nós), substancial, e exposto com
algum senso critico e inethodo — para salvar, não três
lapsus ccdami, mas trinta, em tiOfi paginas.
Divididos os nossos esforços por tão differentf» as-
sumptos; luctando o nosso espirito com as dificuldades
do meio intellectual, de uma educação litteraria. que i
nossa sahida, sempre deplorada, da Allemanlia — dei-
xou incompleta; luctando arduamente par i harmonisar
c fundir um novo processo Bcientifico em uma forma
exterior, plausível; todavia, apesar d 'esta luctadifficil,
reconhecemos, com intima satisfação, que avançam
nosso estylo livre, a nossa linguagem, apesar d»' «bar-
bara», não a trocamos pelo ouropel, roubado nos fer-
ros velhos, onde o Visconde de Castilho, e quejandos,
se vão surtir das suas raridades. A nossa linguagem, de-
feituosa e barbara^ como é — ê nossa.
«Os antigos allemães chamavam á linguagem dos
romanos — barbara, tétrica, e insolente, porque a consi-
deravam o órgão desgraçado, que dictava ás caçoes
livres as leis despóticas, Por isso recuavam os alie-
175
mães diante d'ella, e batalhavam invencíveis contra
elia» (1).
Imagine o snr. Gr. M. que somos bárbaros, e que
achamos a linguagem do Visconde de Castilho, não des-
pótica, mas miseravelmente bernardiana.
Para chegarmos todavia a um ajuste de contas fi-
nal, lembraremos que Castilho, apesar da sciencia dos
seus 73 annos; apesar de haver feito um celebre Tra-
tado de metrificação (2), com receitas para fazer versos
pequenos e grandes — apesar de ser emfim um mestre
de linguagem,, e um latinista de primeira força, — errou
na metrificação de uns versos elementares da hymno-
dia latina — uns versos, que qualquer menino do coro
sabe de memoria. Vejamos:
No original de Goethe (3) I Em Castilho (pag. 324-327)
Dies irse, dies illa
Solvet sseclum in favilla.
Judex ergo cum sedebit,
quidquid latet adparebit,
nil inultum renianebit.
Quid sum miser tunc dicturus?
Quem patronum rogaturus?
Cum vix justus sit securus,
Quid sum miser tunc dicturus—
Dies irae, dies illa,
Solvet sascidum in favilla,
Judex ergo qmim sedebit,
quidquid latet apparebit,
nil inultum remanebit.
Quid sum miser tunc dicturus ?
Quem patronum rogaturus,
Quum vix justus sit securus?
Quid sum miser tunc dicturus?
(1) Herder, apud Kreyssig, Vorlesungev , pag. 9. Encon-
tramos a citação original nos Fragmente zur deutschen. Litera-
tnr, na collecçào completa das obras: iSámmtliche Werke, ed.
Cotta, 1853, vol xix, pag. 6 e 7.
(2) Que o snr. G. M. ("casa More), quer editar, com propó-
sito louvável, em 2." edição, para alimentar a pépinière dos
nossos jovens e esperançosos poetas.
(3; Goethes Werke., ed. Kurz, v. Faust, 1870, p. 122-124.
Era mister, também, que Castilho houvesse conservado fiel-
i th
Temos pois am erro <lc versifi e palmatória,
e se o Visconde se desculpa com o seu alter ego, o con-
swrnnado gervrvanista, por haver sido um mau revisor,
então applicamos metade da dose a cada iim. e ao gnp.
(i. M. maia «nitro tanto, visto Camillo (1) dizer, que até
na correcção se está vislumbrando o aattento desvelo
do meu erudito amigo o snr. José Gomes .Monteiro» —
«cuja admiração pelos dous ingentes poetas '1 . Goethe
e < astilhoj explica a liberalidade (3 d'esta primorosa
edição» (4).
Ora aqui tem o snr. G. M. o eejaé < : 8 como
os amidos se servem uns aos outros.
I
Por ultimo, um ponto interessante, que devia haver
sido tratado no capitulo i: .1 nossa posição; mas, como
o que vae dizer-se sobre as nossas relações litterarias
com o Elogio-mutuo nunca passou de uma hypothese,
que esses senhores não chegaram a realisar, collocàmos
esta passagem no capitulo das Bagatellas, dos cálculos
pequenos. Fique-se sabendo, pelo que vaeler-se, que to-
mos nós que recusámos acceitar uma alliança desleal.
mente as formas do baixo latim (cum, em legar de guita); toda-
é rrrn crasso, porque perra ooutrao rli
a metrificação; em nenhuma edição Be encontra, nem no origi-
nal (temes i vista (i originaes,3 tarad. Eranceaas, 1 heapanhola
e 2 inglezas) nem nas traducçòes. A pontuação também é arbi-
traria era * lastilho.
i •-, : ■ do Porto, de 1 de Junho de 1 87S
•_' I. eu ;,-,,. é pouco; " romanciBta injuria o atam
conde, pois Be o Bnr. Gr.M. íííe .pie Castilho i imfiar
isie. i>. i:;."> em algumas partes o próprio original de Goethe !
3 A custa «la easa More, á qual o snr. Cr. M. tez ta mina n
pagar a bus ga de Castilho.
'i trabalho typographieo é oom efifeito a malhor do vo-
lume; d'esta vez Camillo fallon verdade, por exeepi
177
porque a mão que nol-a offerecia, era a mesma mão im-
pura, que tem realisaclo as mais torpes especulações do
nosso -mercado das lettras.
0 snr. Gr. M. pretende insinuar que atacámos Cas-
tilho, porque o «Hercules nem sequer os enxerga do
fastígio da sua grandeza». Ha aqui suas duvidas, por-
que a grandeza do Visconde depende do microscópio
com que o snr. G. M. o examina.
0 consummado germanista ignora o que seja o sen-
timento da justiça, e a forca da verdade; por isso attri-
bue a nossa analyse á profanação de Castilho só a mo-
tivos pessoaes. Pois saiba então, que se não temos hoje
a apresentar em publico elogios escriptos (1) do Vis-
conde de Castilho, Pinheiro Chagas, e outros, é porque,
apesar de nos havermos estreiado nas lettras só com
21 annos — já então sabíamos o que é dignidade e de-
cência, e retirámos a nossa mão, a quem nol-a esten-
dia pouco limpa.
0 Visconde mandou-nos oíferecer, por segunda pes-
soa, no inverno de 1870 para 1871, uns additamentos,
acerca dos Músicos Portuguezes, que então appareceram
no Conimbricense; já os conhecíamos, agradecemos so-
mente. Todavia a intenção da oíferta era clara. Pinheiro
Chagas appareceu-nos pela primeira vez na loja do li-
vreiro C. Afra, de Lisboa, que nos disse que o escriptor
tinha «muita vontade» (sic) de conhecer-nos ; a apre-
sentação effectuou-se quasi á má cara (2), porque já co-
(1) É verdade que elles estào, a menos de real, no nosso
mercado das lettras.
(2) O interessado C. Afra que o desminta, se nào se lem-
bra, que foi, indo de passagem pela sua loja, que nos forçou a
entrar, para presenciarmos a comedia, que alli fez P. Chagas.
178
nheciamos quem era I*. Chagas, como homem e como
litterato. As amabilidades e os elogios, que o famoso
critico nos disse, fizeram- nos rir — sob o véo da serieda-
de da apresentação — da figura humana, que Be presta a
todos os disfarces. . . homo t/u/ile.r.
Um outro litterato, não menos illustre, Teixeira de
Yaseoncellos, fez o favor de nos dizer em casa do Mi-
nistro de Hespanha, na noite da leitura do Fausto por~
tuguez — -varias mentiras amáveis, accentuando que ha-
via comprado os Músicos, e os havia lido com interesse!
Houve alguém, que se lembrou então de nos dizer
para offertarmos o livro a varias notabilidades, como
Mendes Leal et si)iti!i<t: mas para isso era mister menos
vergonha, do que a que nos ensinaram 1 .
Por isto se vè, que Be não estamos hoje filiados nó
Elogio-mutuo, onde passaríamos a estas horas por
criptor eminente» ou sabe Deus o quí — é porque tal
companhia não nos servia, nem nos serve; aufiram os
interessados a usura de Shyloek, que não seremos nós
quem sujará as mãos com semelhante nu tal. 0 que a
amisade e a camaradagem d'esses, e d'outros senhores
vale — quem o não sabe? E a questão dos trinta di-
nheiros de Judas; dinheiro, dinheiro — e os amigos
de hoje serão os traidores oVamankcL.
(1) Um dos jornaea maia acreditados entre a burguesia o
os philisteua da mediocridade, •• que Be publica n'esta invicta
cidade do Porto, offereceu-se para publicar um folhetim tlo-
giador sobre n obra, - Ih • mand ies< m rira ei mph r. Eetn trans-
ignobil i"i proposta e regeitada varias vezes, i m outro
jornal de Lisboa, recusou -se a publicar uma crítica favorável,
porque nâo lhe baviamoa mandado um exemplar — para o ir
depois vender a vil preço. Canalha, emfim.
CAPITULO XI
Conclusões ultimas
180
Fontes de consulta do snr. Gomes Monteiro (1)
1. 1810. Ma'd. de Staiil. De VAllemagne.
2. 1812. W. Sehlegfil. Veber dramatUche Kun&t und Literatur.
3. 1840. H. Laube. Geschichte der deutschen Literatur (foi publicada de 1839-
1840).
4. 1840. H. Blaze. Essai sur Goethe (na sua trad.).
5. 1856. H. Heine. De VAllemagne.
6. 1857. H. Dúntzer. Goethe's Faimt erlãutert (2.* ed.).
7. 1861. Idem. Wiirdigung des Goeihschen Faust.
8. 1862. Mad. de Carlowitz. Correspondance entre Goethe et Scliiller (com a in-
trod. de Saim-René Taillandier).
9. 1863. 3. P. Eckeriuann. Òonversations de Goethe, recuillies par. . . tradnites
par Emile Délm-ot (introd. de Sainte-Ueuve).
10. 1870. Heinrich. Ilistoire de la littérature allemande.
11. 1872. A. Bossert. Goethe, ses précurseurs, etc.
i Estas iSo as obras que <> snr. ti. M. consultou directamente pai .
tudo 'i" Faust; o resto é citado em segunda <■ terceira atito, oonid dtflerentei
auetori -, principalmente DOntw i .
181
As nossas fontes de consulta
1. 1853. Falk Lebahn. Faust : A Tragedy. . . with copious notes, gramra atiçai,
philologieal, and exegetical. London, Longniann (1).
2. ISCO. E. Palleske. Schiner's Lében und WcrJce. Berlin, Duncker, 1860, 2 vol.,
3.a ed. (2).
3. 1861. G. H. Lewes. Goethe^ Leben und Schriften. Trad. allemã do Dr. J.
Frese. iierlin, Duncker, 1861. 2 vol., 6.a ed. (3).
4. 1862. IC. G. Helbig. Grundriss der GescMchte der poetischen Literatur der
Deutschen. Leipzig, Arnold, 1862. 6.a ed.
5. 18GG. A. Koberstoin. Grundriss der Geschichte der deutschen Nationallitera-
íur. Leipzig, Vogel, 1847-1866. 3 vol., 4.a ed. de 3301 pag. (4).
6. 1866. G. Gervinus. Geschichte des neunzehnten lahrhunderts. Leipzig, En-
gelmann, 1855-1866. 8 vol.
7. 1866. Fr. Kreyssig. Vorlesungen iiber Goethe's Faust. Berlin, Nicolai, 1866.
8 1868. J. P. Eckermann. Gesprãche mil Goethe. Leipzig, Brockhaus, 1868,
3 vol.,3.a ed.
9. 1869. M. Carriore. Faust. etc. ; mit Einleitung und Erlàuterungen. Leipzig,
Brockhaus, 1869. 2 vol. (5).
10. 1869. C. Solden . L'esprit moderne cn Allemagne. Paris, Didier, 1869.
11. 1870. Schillers sãmmtliche Werke. Edição de H. Kurz. Hildburghausen,
Bibl. Institut, 1868-1870, 9 vol.
12. 1870. Goethes Werke. Edição de H. Kurz. Ibid, idem. 1870, 12 vol.
13. 1870. Briefwechsel zivischen Schiller und Goethein den Jabren 1794 bis 1805.
«tuttgart, Cotta, 1870, 2 vol., 3.a ed.
14. 1872. A. Stahr. Goethe's FrauengestaJten. Berlin, Guttentag, 1872, 4.a ed.
15. 1872. Bayard Taylor. Faust. A Tragedy. Leipzig Brockaus, 1872. Com pre-
face, notes e introdnction a cilas, e appendix, i e II.
16. 1872. Dr. 3. Scherr. AUgemeine Geschichtc. der Literatur. Stuttgart, Conradi,
1872, 2 vol., 4.a ed.
17. 187H. Werner Hatra. Geschichte der poethschen Literatur der Deutschen. Ber-
lin, Hertz, 1873, 6.a ed.
(1) Esta obra serviu-nos apenas para a confirmação das nossas anteriores
opiniões.
(2) Já lia uma 5.a ed., 1871.
(3) Ha uma ultima ed. de Brockhaus, 1872, em inglez (paitly rewritten).
(4) Ha uma 5.a ed. frita por Bartsoli.
(õ) Esta ed. pertence á Bibliothek der deutschen Natinnalliteraiur des XVIII
und XIX Jahrh underts.
Esta collecçJio oompleta-se com: Deutsche Classiker des Mittelalters, 12 vol.,
editada pela casa Brockhaus; Deutsche DiclUer des XVI Jahrh., 7 vol.; Deut-
sclie Dichur ães X VII Jahrh., 4 vol. ; e a já citada primeiramente, com 31 vol.
publicados. Ao todo: 54 vol.
182
Esta confrontado das fontes de consulta do >nr. Go-
mes Monteiro, na .sua roposta. •• da> no»:i>. ijut- acaba
de lêr-se, dá a ultima prova e a mais palpável do esta-
do em que se acha a sciencia do consutnmado germa-
nista.
Devemos notar, que não nos ntilisámos de nenhuma
Ponte, das que serviram para o nosso trabalho de 1872,
salvo de Lebahn; os materiaes são completamente no-
vos ; e apesar d'isso, só nos deram a confirmação do que
havíamos escripto anteriormente, menos em um caso de
interpretação da Zueignung (Dedicatória) (1).
Poderiamo-nos ter ainda servido para este trabalho
de outros subsidios, que tivemos patentes (e que possuí-
mos), como os dois trabalhos de Dimtzer (2 .a correspon-
dência entre Goethe e o Grão-Duque Cari August (3),
os recentes trabalhos dr K. Keil (4), do Dr. Karl
iSchwartz (5); as opiniões de Hegel (6), de Schasler 7 .
e d'outros mais — todavia já assim, vae o volume criva-
do de notas, aliás nrccssirias. attento o otado analpha-
(1) Vide atraz, pag. 145.
(2) Goethe1 s Faust, erlãutert. Leipzig, Dyk, 1857. War-
digung des Goetheschen Faust, etc. Leipzig, l>yk. 1861.
(o) Briefwcclisel des Grossherzoyx Lar/ Avgitêi von 5
sen- Weimar- Eieenach mil Goethe, inden Tahren von 11'
1828. Weimar, 1863, 2 vol., gr. in. 8.", ed. official.
(4) Fniii Rath. Briefwechsel von Katharina Elisabeth
Goethe. Naeh deu Originalen mitgetheilt. Leipzig, Brockhaos,
1871, in. 8.°.
(5) Albertint von Griin und Une Freundt . Leipzig, Flei-
scher, 1872 in. 8.°.
6 Aesthetík. Ed. Hotho Berlin, 1843,3 vol.,in. s.°. Vol \.
<\a^ < fbras, em 3 partes!
(7) Aesfhetik ala Philoeophie dea Schõnen und der K>i»st.
e Kritiêche Gtschichtt der Aesthetik. Berlin, Nicolai, 1872.
in. 8." gr. de 1218 pag.
183
beto da nossa critica — para não fallar no estado de
idiotismo da massa do publico.
Diremos a razão porque renunciamos aos trabalhos
de Diintzer; em primeiro logar, porque os seus dois vo-
lumes teem a sua importância no ponto de vista analy-
tico, na exegese minuciosa ; e se são mui valiosos para a
interpretação do texto do poema, tornam-se n'este nosso
trabalho, que se limita aos grandes pontos de vista lit-
terarios, e cultur-historicos (1), menos urgentes. Em
segundo logar não os consultámos, por o nosso adver-
sário se haver servido d'elles; isto é, por mera genero-
sidade, para lhe provar, que mesmo sem Diintzer, lhe
destruímos o edifício pelas bases, assim como o havía-
mos feito á traducção do Visconde, sem o mesmo auxi-
lio. N'uma terra, em que o saber-se a lingua allemã, é
uma das maravilhas notáveis, que se apontam como ra-
ríssimas excepções — não admira, que um sujeito com-
pletamente leigo em litteratura allemã, e que estudou o
allemão apenas para uso das suas especulações com-
merciaes, de secos e molhados, ficasse sendo um consum-
mado germanista, . . . por haver dado umas traducções
de poesias allemãs, vertidas em vulgar, e as haver can-
tado qual Orpheu de 41 annos, n'uma Lyra (2) ferru-
genta, ou n'um arabél (3) portuguez».
(1) Innovamos aqui esta palavra ; introduzimos este ger-
manismo, no sentido próprio allemão; o ponto de vista cultur-
historico considera o processo histórico debaixo do ponto de
vista quádruplo: politico, moral, intellectual, e material, segun-
do as bases da instituição allemã da Associação dos Cultur -histo-
riadores aliem ães. (Verein Deutscher Culturhistoriker 1857).
Os clássicos bernardianos berrarão, e nós diremos: E pur. . .
(2) Vulgo : Eccos da Lyra tentonica.
(3) Vide, op. cit.} prologo : « Também eu agora tento, aiu-
184
Os ares pedantescos do ses anotar, dando audiência,
do alto da sua escrevaninha, aos relhos vagabundos, que
frequentam a sua Loja de livros: brazileiros viciado- e
viciosos, generaes reformados em parasitas do orça-
mento, janotas, e wmx-tieM de toda a espécie, poetas»
feros satânicos e idyllicos. aspiradores de todos os infini-
tos illicitos — esses uns oircnmspectos, e essa população
ambulante ajudaram a dotar o snr. Gr. M. com oa epi-
thetosmais inchados, depois <la - leademia Real das Seu n-
cíob (?) haver ratificado os dispauterios da hyra
nica, nomeando o Orpheu seu associado provi mini.
Arranque-se pois a mascara á impostura; aponte-se
a mentira, tal como ella é : e fíqoe-se sabendo, <le uma
vez para sempre, quem é esse ignorante, e <> que signi-
fioa esse incógnito de conswnmado germanista. Fique-se
sabendo, quem são esses habitues analphabetos, q«
o pretexto de se informarem dos progressos das Lettras,
andam a quebrar as esquinas, roídos pelo spleen de uma
vida, vazia de toda a ideia, e de toda a vergonha. Fi-
que-se sabendo emfim, como nYsta terra se arvoram os
charlatães em sábios, e como ha uma Academia, que >e
diz: das Sáencias, que os lega á hnmortalidade dos Patr
quinos e Polichinellos.
Que havemos de dizer, como sentença final, do vo-
lume do consummado germanista^
Que ('• um dos livros mais desavergonhados, que se
tem escripto: não, por nos haver attacado, ÍS80 -cria na-
tural, ainda que o fizesse com dez vezes mais violência;
da 'ine s° (Mn secos esmorecidos, fazer ressoai nas cordas do
rabél portuguez algumas vibraoOes do alao.de teubonico • Qae
cstylo !
185
mas um dos livros mais desavergonhados, que se tem es-
cripto, pelo caracter immoral d'elle, pelas suas tendên-
cias baixas, impudentes, e pelos seus fins ignóbeis.
Para que dizer finalmente ao snr. G. M. a opinião
irrevogável, que formamos a seu respeito?
Para declarar, que o consideramos como um adver-
sário desleal, como um falsificador de textos, que mu-
tila citações (1), que inventa palavras, linhas, notas, e
que conta com a preguiça do publico, para poder falsi-
ficar impunemente o que dissemos?
Seria inútil e nojoso.
0 snr. Gr. M. perde, ipso facto, o direito de bellige-
rante; é um salteador da palavra alheia, que está em
embuscada traiçoeira, quando o adversário o procura á
luz do dia. Quem de tal modo procede, colloca-se fora
do campo da lei litteraria, e dá-nos o direito de dizer
em geral da sua resposta, como conclusão final — e com
o sangue frio do desprezo :
O seu livro mente.
(1) Vide para prova as seguintes paginas d'este livro :
a) Mutilações flagrantes dos nossos textos:
pag. 77, e nota 3, ibid.
>» 114
. 164
» 165
b) Mutilações flagrantes d' outros textos:
pag. 107
» 114 (duas mutilações).
c) Mentiras :
pag. 54
» 102, nota 2." (mentira a favor de Castilho).
8 171
». 172.
NOTAS
A pag. 65.
Precisamos de explicar a razão porque traduzimos
o gelehrt, por «doctrinario», applicado ao drama da épo-
ca de Goethe e Schiller. O termo doctrinario tem aqui
uma relação mais profuuda com as creações dramáticas
da época (principalmente com o Faust), do que o leitor
imagina. A verdadeira critica reconheceu hoje unani-
memente, que na Segunda parte do Faust se collocou o
auctor n'um ponto de vista puramente objectivo (1). 0
mundo da acção (2), em que Faust se move n'este segun-
do periodo do poema, colloca-o em face de problemas, que
o heroe define perante a sua consciência, e resolve. Essas
definições e essas resoluções dos grandes problemas da
(1) Nào se tome esta proposição n'um sentido todo abso-
luto, mas simplesmente no sentido em que Goethe a definiu
pessoalmente. Vide, para evitar repetições, \ pag. 137, nota i,
as próprias palavras do poeta, apud. Eckermann.
(2) Vide atraz, pag. 132, nota i.
13
1*8
existência, constituem as nono is da Bciencia da «ida 1
(Lebensweisheit); o thesouro da doctrina de Goethe;
aqui, (Segunda parte) já elle pão é o individuo apaixo-
nado, limitado ao circulo doB Sena sentimentos, subje-
ctivo, emfim (Primeira parte).
Na Primeira parte é Goethe sem duvida o poeta,
sentindo com toda a sua força subjectiva, que domina :
na outra é o sábio, que abre os thesouros da sua e
cia incomparável; é o mestre, que n<» explica a vida e
os seus altos deveres. O primeiro papel era admirável,
este ultimo foi venerável; e que Goethe chegasse intacto
e forte a essa segunda phase da vida; intacto e i
moral e intellectualmente, isso é uma gloria, não só para
a Allemanha, mas uma das maiores glorias para o espi-
rite humano.
Esta traducção de doctrinario casa-se também per-
feitamente com a definição, que Camere dá do Fhiut.
«0 Faust é um poema de pensamentos» (2 : ligando
esta definação, com o que o mesmo commentador diz :
«o sábio poeta entrelaçou aqui o melhor da sciencia do
século» (3), podemos deíerminal-a m lis propriau,
0 Faust é um poema de máximas Bobse a vida e a -ciên-
cia, isto <' doctrinario. .
A pag. 148 e 149.
Temos de retirar uma censura, que fizemos a<> siir.
G. M., emquanto á passagem:
«0 prologo dramático é qnasi tam antigo como o
(1) Vide atrnz, pag. 131: i Preparados — até — hunsaa .
(2) Vido atra/., pag. 6õ e 131.
(3) Vide atraz, pag. 131.
189
mesmo drama» (Os críticos, pag. 107). Suppozemos, que
o snr. G. M. se referia aqui ao prologo no céo, do drama
de Goethe, de que se falia no período anterior. Manda
a boa fé todavia declarar, que por um exame mais at-
tento, notámos que a passagem está desligada do ante-
cedente, e se refere em geral ao uso do prologo, no dra-
ma litterario.
A pag. 165-167.
Aos argumentos que nos serviram no primeiro tra-
balho (O Faust, pag. 80-81), para demonstrar a impro-
priedade da traducção do titulo Midsummer night's dream
(em Castilho: Sonho de rima noite de S. João), e aos que
apresentamos atraz, a paginas 165-167, juntaremos os
seguintes, que decidem a questão :
E absurdo suppôr a acção do poema de Shakespea-
re, na noite de S. João (24 de Junho), porque a época
em que ella se desenrola é apenas um mez antes, na
manhã e noite do primeiro de Maio. E Gervinus (1)
que o diz ; é Bodenstedt (2) que o repete, fundando-se
ambos nas palavras do próprio Shakespeare. O poeta
falia repetidas vezes no Maienmorgen (3), e na festa al-
legorica d'este dia; no Maibaum (4), etc. E sabido o
(1) Shakespeare. Leipzig, Engelmann, 1862, v. i, p. 237.
(2) William Shakespeare'* dramatische Werke, traduzidas
por vários auctores ( Vide atraz pag. 166) e publicadas com in-
troducçòes e notas, por F. Bodenstedt. Leipzig. Brockhaus,
1872, vol. i, pag. 78, e 82 das Notas.
(3) K. Simrock. H andbv wh der deutschen Mythologie. Bonn,
Marcus, 1864, 2." ed., pag. 581, 583, 590.
(4) A manha em que se procedia á ceremonia da festa.
Vide idem, Op. cit., nas palavras: Maibaum, blumen, braut,
ftihrer, fest, graf,jinde, kàfer, kõnig, lehn, ritt, tag, e Maitags-
horn.
190
modo como os povos da raça céltica e germânica feste-
javam :i primavera no Maierdager, ou MaÁenfeld, onde
Be executavam as ceremonias religiosas, que precediam
a> eleições dos chefes (Gaugraven). E certo, que nm ou
outro uso da festa de Maio passou para a de S. João,
mas isso foi devido á influencia do christíanismo 1 .
e o assumpto de Shakespeare nada tem que ver <"m
elle. 0 Midsummer niglvCs dream é uma reunião de epi-
sódios, enfeitados com allegorias e factos tirados da my-
fchologia assvrica (episodio de Pyramo e' Thisbe) (2),
do mundo hellenico (episodio entre Hermia e I.
dro, e Demétrio e Helena), da mythologia germânica
(Oberon (3), Feenkõnigin, as Elfen 1 . etc. . da mytho-
logia romana (Titania- Ovídio), etc.
(1) K. Simrock, Op. cif., pag. 585.
(2) Vide o episodio de Ovidio, em Metamorphoses, livro iv.
(3) Note-se, que o nome Oberon apparece do romance de
Huon <\p Bordeanx, mas também se encontra no livro pop dar
do hohin GoodfeUow. A Feenkõnigin é em geral denominada
Frau Mab; o nome de Titania é provavelmente uma reminis-
cência de Ovidio (Apud Gervinus, pag. 252 .
(4) A maneira como Shakespeare aproveitou o mytho 'las
Elfen, tirado da tradição saxonia, é admirável; aegundi
tradição 8ào espíritos sombrios, taciturnos. íío» antigos roman-
ces de cavallana as Elfen ali.ís Feen nào teem caracter defini-
do, assim como em Chaucer e Spenser, predecessores '1" Shakes-
peare. O poeta serviu s" da tradição saxonia, e renunciou 4
feição romântica dos poetas idyllicos, para a retemperar nas
fontes da alma popular. Shakespeare transporto! esses phan-
tasmas das regiões irias da Escócia e da Germânia as planí-
cies odoríferas da índia, ao paiz em que a humanidade vive
quasi cm sonhos. <> fez das Elfen o Bvmbolo da phantasia no-
cturna. «São pintados como sendo almas da natureza, mas
sem as faculdades superiores do homem, apenas com o poder
das faculdades dos sentidos, e do encanto da phantasia pag.
■j 17 . A rel&cào que Gervinus demonstra, com admirável sa-
gacidade, entre este caracter das Elfen, e certos tvpos na na-
tureza humana, é surprehendente. mas clara. Gervinus toma.
191
Como é que n'estes elementos, puramente pagãos,
se descobre uma allusão a factos do mundo christão?
Quem descobre aqui o S. João?
Episódios reaes, no Midsummer nightfs dream, ha
apenas a admirável allegoria (Love in idleness), a trágica
historia dos amores entre o Conde de Leicester e a
Condessa Lettice de Essex (1). Mas que relação ha
ainda aqui com o S. João?
0 Visconde de Castilho ignorou e ignora tudo isto;
é um pobre ignorante, que não passa de uma medíocre
latinidacle, e que á vista d'esta breve exposição dos ele-
mentos da creação cie Shakespeare — ficará absorto, hor-
rorisado ante esse imbróglio inglez, composto de elemen-
tos apparentemente inconciliáveis. A alliança d'esses epi-
sódios tão differentes, e d'essas allegorias tão extraordi-
nárias, é o segredo do génio. Não pretendemos haver
explicado o Midsummer nigMs dream, mas sim extra-
ctado o necessário para o nosso propósito; quem se in-
teressar pelo resto, pode lel-o em Gervinus (2). 0 nosso
fim, que era demonstrar a absurda traducção do titulo
como ponto de comparação, certas naturezas femininas, cujas
tendências se harmonisam com a natureza das E/f eu de Shakes-
peare ; do outro lado essa demonstração explica a allegoria
do Love in idleness, porque a natureza cia Condessa Lettice de
Essex é uma cTessas naturezas sylphidicas. E assim vae Ger-
vinus estabelecendo a reciprocidade e a ligação admiravel-
mente delicada dos episódios d'esse lavor poético quasi aéreo.
E era o Visconde, que, com a sua brocha de trolha clássico nos
havia de esboçar este sonho poético ? !
(1) Notaremos que um filho d'esta dama, o mais tarde ce-
lebre Conde Roberto de Essex, amante de Isabel d'Inglaterra,
foi um dos protectores de Shakespeare.
(2) Shakespeare. Ein Sommefnachtstrawm, v. i, p. 235-256.
192
em: Sonho de uma noite de 8. João, realisamol-o. Os
nossos conhecimentos serão poucos, mas ainda chegam,
e sobejam, para dar uma lição ao snr. Gomes Monteiro,
a Castilho, e á confraria do Elogio mutuo, reunida em
conciliábulo.
APPENDIGE
SOBRE A LENDA FAUSTIANA
(A GRAÇA BARRETO)
Quando a resposta d'este cavalheiro sahiu á luz, es-
tava o nosso manuscripto, já ha oito dias, completo, na
Imprensa Portugueza; não podemos pois referirmo-nos
a elle, nas paginas escriptas, razão pela qual aqui inse-
rimos este post-scriptum.
Fazemos esta declaração ainda por um motivo; pa-
ra explicar duas concordâncias entre Graça Barreto, e
nós, e que podem dar aos caçadores de plagiatos azo a
novas phantasias.
São ellas: o modo como nos defendemos da insinua-
ção á cegueira physica do Visconde, e os argumentos com
que defendemos o que fora dito por nós (1), com relação
ao caso da Lilith, citações que o snr. Gr. M. mutilou e
falseou.
(1) O Faust, pag. 76-80.
194
Emquanto á primeira concordância, diremos que el-
la nada tem que ver com as razões de G. Barreto, por
isso que o nosso com mun içado ao Primeiro de Janeiro 1 .
foi escripto, quando o folheto do nosso collega ainda nem
sequer estava delineado.
A segunda concordância explica-se por havermos
ambos consultado fontes allemãs, que indicam os mes-
mos resultados — com a differença, porém, que as nossas
fontes são: a Bíblia protestante, Lebabn e Carriere; em-
quanto G. Barreto colheu as suas informações, não >ú
de livros allemães, mas até transcreveu as passagens
directamente do texto hebraico.
Voltemos á resposta de Graça Barreto.
Os seus conhecimentos especiaes da litteratura
faustiana dão-lhe pleno direito de intervir n'esta ques-
tão, e de julgar gregos e troianos; o Visconde terá de-
certo no futuro trabalho (2) de G. Barreto, um juiz não
menos severo do que nós o fomos, assim como o snr.
G. M. soffreu já a primeira correcção, que a sua igno-
rância merecia.
G. Barreto notou no nosso livro, a « falta de gravi-
dade serena do espirito scientifico, desprevenido e im-
passivel.í E verdade isto, que A. Coelho já disse: 3 .
verdade, no sentido amplo da palavra: mas. confessado
o defeito, consintam-nos uma declaração.
* 1 1 Vide ob documentos finaes (Teste volume.
2 Do ti tbalho dt ' es século* na elaboração de um ;■■ ■
Investigações e observações sobra o caminho pêra rrido desde
as tradições anteriores á lenda do Fausto, oommenteda por
Widmann, até á tragedia de Goethe.
•'! BibUograpkia Critica, l.o annõ, pag. 46.
195
Foi-nos completamente impossível conservar, no
meio dos insultos a Goethe, no meio das blasphemias
aos princípios mais elevados, que a Allemanha conquis-
tou á humanidade (1); no meio da impudência, sem pre-
cedentes, com que a menor nullidade da litteratura mais
liliputiana da Europa, se atreveu á creação mais ex-
traordinária dos tempos modernos.
Oolloquem na balança as nossa phrases,as mais enér-
gicas; augmentem-lhe o peso com tudo aquillo que qui-
zeramos haver dito, mas que era impossível dizer-se se-
quer n'um in-folio — e colloquem do outro lado uma só
affirmação de Castilho; a de aborto e de absurda, ap-
plicada á segunda parte do Faust; e veremos qual a sen-
tença, que a critica imparcial dará sobre o castigo, que
merecia o culpado, e se a nossa correcção foi excessiva.
Houve falta de objectivismo scientifico na nossa cri-
tica, escripta no meio da indignação, causada pelo atten-
tado do Visconde, e dirigida pelo espirito dos 23 an-
nos. Do outro lado houve impudência num velho de
73, que depois de se haver deshonrado litterariamente,
(1) Faltaremos sem cessar da Reforma, que a philosophia,
assim como o espirito da historia, julgou uma conquista supe-
rior â de 1789 \ os resultados d'esta revolução foram em grande
parte paralysados pelo estado moral e intellectual da raça, que
a proclamou; os direitos d<> homem haveriam sido uma conquista
egualmente grandiosa, se esses homens, que os enunciaram,
houvessem realisado a liberdade primeiro no campo moral e
intellectual. A Reforma fora regeitada pela França, e com ella
a única garantia da futura revolução. Veja-se o desenvolvi-
mento em Gervinus, Geistige Bewegungen ia. riem driften Jahr-
zehnte, em Geseh d. neuz. Jahrh, vol. viu; assim como as pas-
sagens em O Faust, pag. 5, nota; e n'este livro, pag. 89-91.
196
pôz ii coroa ao escândalo, na sua velhice, cominei
um attentado, sem exemplo na nossa historia litteraria.
Eis a qnest9b posta nos mus termos.
Falta notar ainda um outro ponto era < i. Barrete.
As nossas paginas, com relação ao movimento da Re-
forma (1), pareceram-lhe «irritadas, como as de um
sectários (2).
Diz G. Barreto, «que n'um século de lucta como o
nosso, precisa a consciência de cada um de ser afhrma-
da por provas».
D'accôrdo; eil-as, no que escrevemos. Que a propó-
sito do Fauet iallassemos da Reforma, nada mais natu-
ral, nada mais lógico. '
Não sabemos até que ponto G. Barreto desenvolve-
rá a sua these histórica e moral, com relação a lenda
faustiana; mus attendendo a que a seguirá até Goe-
the (3) — devemos crer que lhe dará a interpretação
mais lata. Sob que ponto de vista o escriptor tratará a
lenda, sobretudo desde o principio do século xvi. não o
sabemos, todavia aqui deixámos ditas algumas palavras.
que lhe podem ser úteis, e que lhe explicarão ao mesmo
tempo a nossa insistência sobre a relação intima da
lenda faustiana com a Reforma.
0 que em seguida dizemos, é o resultado consub-
stanciado de um extenso artigo do Dr. A. Lindiur A
(1) O Faust, pag. 4-7.
(2) Lição, cap. ih. pag. l v.
•"> Vide <> titulo (pag. 194) que diz:
anteriores A lenda — até Goethe*.
(4) Lindner é auctor de varioa dran
ollatinus istit; . Stauf und I - 7 . Bhttk
187] . ate. O primeiro foi premiado com 0 SchUlerpreit, um
197
acercada Faustsage (1), publicado na National- Zeitung
de 28 de Março de 1869. 0 auctor, referindo-se aos
trabalhos publicados sobre a lenda, nota uma interrup-
ção, desde a obra de Reichlin-Meldegg (1849), salvo
alguns artigos ena jornaes, e o livro, aliás inútil, de
Housse, escriptor luxemburguez. As lacunas que Lin-
dner acha no assumpto, referem-sea três partes:
1.° Por quem foi escripto o Puppenspiel original, e
em que data? •
2.° Até onde se pode avaliar o mérito de Marlowe,
com relação á litteratura faustiana allemã?
3.° A importância da lenda faustiana, e a sua mis-
são protestante (2).
Este ultimo ponto é sustentado com uma demon-
stração tão concludente, que é impossivel deixar de ac-
ceital-a.
Quizeramos traduzir tudo o que lhe diz respeito, mas
a extensão d'este volume obriga-nos a uma restricção,
que não deixará todavia de tocar nos pontos capitães.
«A insistência sobre esta missão (a protestante)
da lenda, é tanto mais convidativa, que a interpretação,
premio de 1:000 thalers, que se applica a composições dramá-
ticas notáveis, e que é costeado pelos rendimentos da associa-
ção denominada «de Schiller» (Shillerstiftuvg).
(1; Este artigo foi-nos remettido de Berlim pela Senhora
Caroline Michaèlis, notável romanista, a quem renovamos em
publico os nossos agradecimentos.
(2) K. Simrock, um dos mais notáveis historiadores littera-
rios da Allemanha, escrevia ainda ha pouco um artigo em que
accentua esta mesma proposição, dizendo: que foi o protestan-
tismo, que desenvolveu a lenda faustiana (pag. 26); Simrock
ainda iusiste mais n'este ponto nas paginas 30 e 36 do seu
Aufsatz, publicado no Iahrbuch deutscher Dichter und Gelehr-
ten. Erster Jahrgang, 1873. Berlin, Heiuersdorff.
198
que a arte lhe deu, turvou o olhar, e deshabituou-o, da
analyse do caracter primitivo da lenda ".
Mais abaixo:
«A lenda faustiana é um dos notáveis depósitos lit-
terarios para o processo de fermentação da It>i><ru<<> ».
E por isso se justificam as palavras anteriores do auetor,
que nota haverem-se quasi todos os povos da raça ger-
mânica apoderado da lenda, como de uma propriedade
nacional, creando-se assim uma litteratura inteira, em
prosa e verso, como se com a lenda se houvesse des-
prendido a lingua ao espirito da época, e este lan
então ao mundo uma verdade, para a qual faltava ape-
nas o titulo.
«A lenda é um chãos, ao qual affluem os elementos
do mundo latino, na easpectactiva de uma nova <■*■
mas sobre esse chãos paira a consciência protestante.
«0 prqtestantismo começou com uma critica da cere-
ja românica, partindo da Bíblia; depois tocou a vez a
esta, e erafim, sujeitaram a razão a um exame idêntico.
«A lenda faustiana não toca nVste lado positivo, por-
que não procedeu em sentido reformador, mas simples-
mente por um protesto.
«Todo o protestante tem a consciência de ser um sa-
cerdote; não julga asna salvação dependente de clero
algum — é o seu próprio sacerdote. Pode também ser o
seu próprio demónio, por isso que está sobre si, Bobre o
seu livre arbítrio. Faust, isto é. a consciência do povo
germânico 1 . sente a divindade da sua origem pela
] Sxactami ate • st:i mesma ideia Be encontra em 0 F
pag. 36, aem que nós, escrevendo-a, tivéssemos conhecimento
do artigo de Lindner.
199
primeira vez. Quer experimental-a, mas transviado pelo
orgulho cTessa consciência, erra, e exerce-a no mal.
Primeiro protesta contra a tutela da sua liberdade, e
depois abusa no exercício d'ella. Colloque-se o dedo so-
bre um raio de agua, que irrompe sobre a pressão —
eis a relação da egreja romana para com a liberda-
de moral do homem. Retire-se o dedo, e a agua, refrea-
da, saltará no primeiro Ímpeto acima do seu nivel le-
gal. 0 mesmo faz Faust; mas o impulso do raio d'agua
diminue, abate, e ella corre plácida com o andar dos sé-
culos. E a Reforma em todos os campos da crença e do
saber. A lenda faustiana significa, "para a Reforma, o sa-
lutar aviso sobre o modo, como não devemos procurar
a liberdade; a sua influencia foi pois em sentido ne-
(jatiro. O ideal germânico da liberdade foi aqui pro-
curado, por uma vereda illicita, porque só a critica
do próprio ser habilita o individuo para a critica do
mundo)*).
0 auctor estabelece em seguida três períodos para a
historia da lenda faustiana.
1.° Desde os tempos mais remotos até 1520, accu-
mula-se o material para a verdadeira lenda.
A ideia resume-se em pactos com poderes sobrenatu-
raes, attrihuidos a muitos nomes.
2.° Desde 1520-1600. As lendas são reunidas de-
baixo do nome commum : Faust.
A lenda absorve o espirito da Reforma, e serve de po-
lemica á egreja.
3.° De 1600 — até aos tempos mais modernos.
A lenda perde o caracter protestante ; o espirito desap-
200
parece, e fica a indiferença, transformada em <u ■
nada (1).
G auctor define em seguida a natureza dos tymbo-
los, que a humanidade creou, para significar a soa as-
piração a um conhecimento superior das condições da
existência. Falia do peccado original da Bíblia, dos my-
thos de Phaetonte, Prometheo, Numa, Gyges, e emfim
dos elementos legendários, porém mais systematicos,
de Salomão.
A magia dos antigos não teve uma influencia per-
niciosa, porque apenas entretinha a phantasia. e porque
a antiguidade abstrairia da ideil le um mundo incogni-
to. A magia tomou a feição do mytho, incarnou-se na
arte, e apenas no ultimo decennio antes de Christo ad-
quiriu ella maior importância, ferindo a consciência. 0
mundo sobrenatural tomou uma feição mais positiva.
em virtude do contacto com o christianismo ; e o desejo
de levantar o véo do futuro, de conhecer o destino da
alma, acordou naturalmente. D'aqui, ao desejo illicito
de avassalar esse mundo desconhecido, ha a pequenís-
sima distancia, que separa dois extremos.
Chegado o espirito da época ii este ponto, tomou
dois rumos diversos, mas parallelos. O fim, B sujeição
d'esse mundo sobrenatural, era-lhes commum, m;i> di-
vergiam nus motivos, que obedeciam a dois impais
O primeiro era a anda do goso; o segundo, a do
ber; ambos os impulsos distinguenvee claramente,
oontram em lenda alguma antes dê FausL Batamos
(1) i I>a> Phlegmableibt ais Hanswurstiade tlbrig . Nio
sabemos traduzir melhor.
201
ainda no terreno catholico. «A cultura system atiça da
magia era obra da egreja catholica, e a Reforma não
cessou de accentual-o. Luthero combateu, na theoria
das indulgências, uma ideia que conduzia á morte mo-
ral: a ideia, que só a acção exterior, sem o auxilio do
sentimento intimo, que só o opus operatum, isto é, a ac-
ção sem crença, conduzia á salvação». O auctor refere
depois as ideias do reformador, que condemua as cere-
monias rnechanicas, a mise en scène do catholicismo, a
comedia collectiva na egreja, depois da comedia isolada
de cada um, perante a sua consciência. Depois, volta de
novo a accentuar os dois impulsos, que caracterisa-
vam a lenda fausiiana, para determinar a feição pro-
testante dos Fausibiicher (livros da lenda). As duas ten-
dências caracterisavam-se nas duas soluções, que se da-
va á lenda; a solução catholica terminava por uma con-
versão e pela salvação do culpado ; o diabo era sempre
burlado por artimanhas jesuíticas.
A solução protestante revoltou-se contra isto (1), e o
catholicismo, para accentuar mais a sua ideia, sacrificou
até alguns papas (Silvestre II, Gregório vil, Paulo li)
que são os heroes de algumas poucas lendas, e que vão,
caso raro, directamente para o inferno. Mas era necessá-
ria esta abnegação catholica, porque lhe importava, so-
bretudo, affirmar a proposição: de que saber de mais (2),
é que perde o homem, e para a sustentar vendeu três
papas.
(1) Simrock fop, cit., pag. 30J nota também esta difieren-
ça da solução protestante.
(2) Simrock (op. cif., pag. 36) refere egualmente a diffe-
rença dos motivos, que define o Faust, segundo as duas tradi-
ções, a catholica e a protestante.
202
Uma outra combinação monstruosa foi a interven-
ção da virgem; o culto mariano influenciou sobre o des-
fecho da lenda; a virgem é que intercede, porque era
mister também não esquecer os santos.
Lindner mostra, em seguida, como todas u- historias
de magia confluíram no Faustbuch; fechando assim os
antecedentes da lenda, passa á biographia do heroe. Do
meio das principaes versões, que estão levemente indica-
das, resalta o seguinte:
O período, que geralmente fixam para a existência
de Faust, é de 1521-1540; a relação com Fust (1), im-
pressor, é filha do século xvin, e deve-se a Klinger e
Klingemann, notando-se porém que a imprensa era já ao
século xvi uma arte magica aos olhos do povo, ;i quem os
frades haviam contado a sua historia diabólica. O nome de
Faust era, além d'isso, vulgar na Állemanha : oèfakratr
de Schiiler (scolastíd vagantes), sujeitos de má nota, can-
didatos infelizes, corriam o mvindo, enganando o povo
com todas as receitas do charlatanismo; tudo especula-
va, depois de haver aprendido na melhor eschola — o car
tholi cismo.
<( Supponhamos que Faust era um d'esses charlatães :
a sua homonymia com o celebre impressor é um excel-
lente ensejo para impor á massa. O nome Hemitheus II--
delbergensis è um dos muitos nomes, que fizeram quebrar
a cabeça aos eruditos e architectos de hypotheses, até
(1) Simrock defende (op.cU., pag 31,32, 33 e ">1 com par-
ticular interesse a relação do personagem Fausr OOm 0 unpres-
Bor Johannes Faust Joannis ruat, Trithemius, ( hron. Hirtava.
a. 421' e ainda que regeite a fabula do seu processo em Paris
(segundo Walch, Decaafabul. argent, L604. 39-30, refutado por
Schwab) BuppSe haver n'ella um fundo de verdade.
203
que o Dr. Ullmann examinou os papeis da Universida-
de de Heidelberg, e achou n'elles um Johannes Faust,
inscripto em 1509, como bacharel em theologia.»
Lindner julga porém secundaria esta descoberta :
«A natureza da lenda nada sofrre com isso; a lenda
estava madura, a ponto de cahir, e para heroe servia
qualquer pantomineiro ; se a sua reputação era mesqui-
nha, restava-lhe a fortuna da lenda, para que fosse um
homem rico.»
Acerca da morte de Faust, fornece Lindner uma
conjectura, que não deve admirar, á força de ser natu-
ral; porque o que é mais evidente, acha-se só tarde, as
mais das vezes.
Todas as noticias dizem que Faust fora encontrado
com o pescoço torcido, e com os membros desconjunta-
dos ; e repetem, a una você, que se sentiu um tremor na
sua casa. Ora Faust occupava-se com preparações chi-
micas, e uma relação de 1715 conta uma historia de uns
caçadores de thesouros (um estudante e dois burguezes)
que foram, n'uma noite de natal, escavar n'uma casa,
situada n'uma vinha; para se aquecerem, accenderam
carvão n'um vaso de flores, mas a evocação não che-
gou a concluir-se. Weber (o estudante) adormeceu, e
os dois burguezes do mesmo modo, apparecendo mor-
tos no dia immediato; o estudante foi o único que es-
capou. Em seguida enviou o magistrado três guardas
á caça do diabo; como o frio era o mesmo, accenderam
mais carvão ainda, num vaso ainda maior, e morre-
ram . . . asphyxiados por acido carbónico; o povo teimou
porém que fora o diabo, que lhes torcera o pescoço.
Voltando á lenda, diz Lindner:
204
«O processo de condensação do Faust começou pro-
vavelmente já em vida dYlle. O assumpto estiava em de-
posito, e onde Faust apparecia, absorvia elle tudo. como
o magneto attrahe a limalha.
«O povo poetisa a seu modo, e n'este caso dárse uma
verdadeira condensação poética, (pie nos faz adivinhar
como as canções de Homero e 08 Niebelunge* M agru-
param em torno dos respectivos horoes. ate (pie appare-
ceu o compilador, o herdeiro que entrou de graça na
herança» (1).
«Em 1587 apoderou-se um homem de instincto ge-
nial do assumpto, e escreveu o Fauttbuch, fundindo
tudo numa biographia, a (pie pôz o nome de FaMtê.
« Desde este momento nada temos já que fazer com
0 charlatão das praças, mas só com o Faust do Faust-
buchy>. A polemica protestante apoderou— e em segui-
da dos differentes Fauêibuchem (1587, 1588, 1589 : pri-
meiro timidamente, sem tendência clara. Widmann
realisou-a n uma polemica decidida, ne seu trabalha de
1 ~> i ' í ' . As suas reflexões moràes (2-) são múltiplas, e < >-
criptas prolixamente, mas devem-se- considerar como a
base dos traJaalhtQS posteriores, e como uma asposiote da
itltiii iifn/rsfiD/tO) .
Lindner aponta as numerosas edições. <|ue se fize-
ram dos Fàustbúehw*, assim como a sua propagação pro-
digiosamente rápida pela Allemanha. llollauda. Ingla-
(1) Parece-nos o único modo de traducçào de i ais Lacben-
der Erbe».
Siinrock òp. cif., piiir. 26) >%>ti • 1 ■ - a. rdo MH htO;
■■ Como Faust é p magico mais moderno, absorve alie
cilmente a herança áe todas as anteriores lendas maravilhosas .
Vide 0 Faust, pag. 111 — A lenda úo Pr. Panai
205
terra, França e Polónia, em doze mezes apenas, como uma
prova evidente da opportunidade do assumpto faustiano.
Voltando Lindner á tendência da obra do collector de
1599, insiste:
«Widmann accentua, tanto no prologo, como no
texto, expressamente a ideia protestante, e para o pro-
var, bastarão as seguintes indicações :
1.° Widmann conta que Faust se entrega á magia,
graças á leitura de livros de papas; e que aprendera a
divinação de ciganos, e outra gente pagã.
2.° Diz que os papas e cardiaes se entregavam á
magia.
3.° Que tinha relações com os frades; o que se con-
firma pelo grande numero de cartas a padres catholi-
cos, que se acharam no seu expolio.
4.° Widmann acha o habito do frade, a melhor ves-
timenta para Mephistopheles (1).
5.° Quando Faust está na agonia final, trata de se
defender com a fradaria (2), mas o diabo não faz caso
d^lles, e leva a victima. Este indicio é claro, mas o mais
importante, eil- o :
6.° Segundo Widmann, prohibe o diabo a Favst to-
dos os documentos em que se funda a crença na salva-
ção, segundo a ideia protestante: «Fogede João (Evan-
gelho de S. João) — diz elle, e do grande fallador Pau-
lo». Mas ao mesmo tempo dá-lhe licença para discutir:
sobre a Missa; sobre o purgatório ; sobre a theologia escho-
(1) Aqui cita Lindner a passagem de Widmann, com re-
lação ao Fiat e Fuat.
(2) Lindner diz : Messpfaffen, isto é : fradaria, que dizia
missa (Messe), provavelmente uma espécie do tempo da Re-
forma.
2or>
lastica; sobre ceremomas, e memio até sobre S. .)/<i//>> U8,
Marcos e Lucas, por serem excellentes meios para se
embrutecer (1), ideia de uma ironia verdadeiramente
protestante!»
«O celibato é atacado com particular violência, e
entre as 5 condições do pacto, está a que prohibe a Faiuá
de entrar no matrimonio. Esta condição, segando W i I -
mann, foi imposta a Faust pelo diabo, para o levar á
vida sodomitica, como a que os papas e cardeaes prati-
cavam. Faust visita durante uma excursão a cidade de
Roma, e convence-se da vida corrupta da curte papal.
E possível que Widmann se recordasse da viagem de
Lutbero a Roma, que tão abençoados fruetos produziu
para a egreja. Marlowe aproveitou esta circumstancia».
Lindner passa emfim a demonstrar a existência da
polemica religiosa nos Faustbiicher mais antigos, de
1587, 1588, 1589, provando-a com o seguinte:
1.° 0 Wagnerbnch de 1593, uma stereotypisaçào
(Abklatsch) da lenda faustiana, cujo anctor affiança es
pressamente «que não tem a menor intenção áeoffenâer
a egreja», o que presupõe, que o clero catbolico já havia
anathematisado os FaustbúcJu r.
2.° O drama de Marlowe, em que se reflecte viva-
mente a tendência polemisadora da fonte, que lhe serviu
de base, o Faustbuch de 1587.
3.° 0 argumento mais curioso, que data de 1862,
e que vem do próprio seio da egreja catholica: o livro
do Professor Housse, de Luxemburg, sobre o Faust : em
qne elle quer provar que heroe fez com effeito mila-
1 Sic, « ftlrtreffliche Mittel xnr Yerdammxmg >•
207
grés, com o auxilio do diabo, fundando-se no ponto de
vista da Biblia (!) e da doutrina positiva. As explica-
ções da physica, mais que sufficientes para desmasca-
rar aquella magia: por exemplo, a relação do sangue
humano com os mineraes — são para o snr. Housselet-
tra morta; os fructos de uma sciencia duas vezes secu-
lar, não existem para elle!»
E emfim uma verdadeira relíquia de professor, um
extraviado da velha guarda — diremos nós, fechando a
exposição de Lindner.
O publico pode passar em branco o que fica escri-
pto, como communicação particular a G. Barreto; du-
vidamos mesmo, que o snr. Gr. M. entenda isto, ou as
paginas antecedentes.
Nós fazemos-lhe a justiça de não pedir mais, do que
a lógica nos permitte; onde não entenderem, passem
adiante, como fazem as crianças. A nossa intenção foi
particular, e tem a vantagem de preencher no nosso pri-
meiro trabalho (1) uma lacuna mais sensivel, como ou-
tras que lá existem, e hão-de existir sempre em ensaios.
Ahi tem Gr. Barreto a razão por que accentuamos o
movimento da Reforma, com relação á lenda do Faust;
fizemol-o sem conhecer os trabalhos de Lindner e de
Simrock, mas por estarmos ao facto dos resultados da
sciencia. Se ha algum movimento que mereça, na nossa
(1) O Faust. A lenda do Dr. Faust, pag. 109-200. N'es-
se capitulo tratámos apenas da propagação erudita da lenda.
208
actua! condição 1 . de ser profundamente estudado — «'
o da Reforma; e diremos, que è aquelle de que menos
faliam, mesmo os que entre nos escrevem maia e me-
lhor 1 2) : uns ígnoram-o ; or má Pé ; outros fingem igno-
ral-o, affectando ama certa « superioridade perante o
sentimento religioso, como sendo uma meticulosidade
de espíritos pequenos» (3).
Que se admitiam em completo, on modificadas, as
conquistas moraes do protestantismo, parece-nos accei-
tavel : isso é questão de cada um, que procura, perante
a sua consciência, a base moral das Buas acções n'este
ou n'aquelle principio superior, modificado n'este ou
n'aquelle sentido ; mas (pie se riam das ideias protestan-
tes, é uma consequência lógica n*um estado de impu-
dência, como o nosso, em que não lia nada a perder.
Estamos convencidos, que o que levou Grraça Barre-
to a descobrir o «sectário irritado» (4"), foi apenas o en-
tlmsiasmo das nossas palavras; a culpa já foi confessada.
Se o nosso publico já não comprehende, nem avalia
a nossa indignação, perante o attentado, é porque esque-
(1) Nào falíamos só de Portugal, mas do mundo catholioo
em geral.
(2) Já vimos, a pag. 12 o 13, a propósito da Historia da
inetrucçâo nacional da 1>. António da Costa, como este anotar
[Iludiu a questão; é um exemplo entre muitos.
(3) « Religionsempfindung ais KleingeiBterei.
Grervinus. Gtistige Beivegimoen, em Gesch. d. «eus. Jakrk.,
vol. viu, pag. 158; onde a moderna geração litteraria em geral,
pode ver o seu retrato, a propósito da analyse da influencia de
Byron; onde são contemplados, com a autboridade que dâuma
aciencia superior, i tinias aquellaa naturezas de livrespensado-
res, que julgam attingir (» supremo gráo intellechial • • líliite <i«'s
Geisteslebensu . abalando os pontos de apoio, na religião, no es-
tado e no Lai domestico ■ [pags L68 .
(4) JJçào, pag. Ift,
209
ceu o que é a vergonha ; se acha irrisório o nosso enthu-
siasmo por um principio moral, que tem sido a base da
nossa conducta, é porque é incapaz de senso moral, e
se ri d'aquillo, que é sagrado — a convicção, d'aquillo,
que foi, com a invenção da Imprensa, o facto mais gi-
gantesco dos tempos modernos, o facto que um Kant,
um Lessing, um Goethe, que um Hegel, que um Hum-
boldt, que um Schlosser, que uma nação inteira, que dá
as leis no mundo da sciencia e das conquistas moraes,
reconhece ainda ser o principio vital da sua existência.
Isto não tira á critica imparcial o direito de notar os
nossos defeitos, como escriptor; e depois de haver G.
Barreto escutado a nossa defeza, confessámos de novo
ao nosso collega, que tem razão — e que não fomos, com
relação a Castilho, objectivamente critico, porque não
podemos sel-o, no momento psychologico.
AO PUBLICO
Devemos expor finalmente ao publico, em geral,
um assumpto, que por ter sido repetido em vários jor-
naes (1), e se referir a insinuações pessoaes, aleivosas,
falsas, e forjadas de propósito para illudir o publico, cir-
culou com uma certa publicidade, ainda que a artima-
nha, e a mentira não passasse desapercebida para mui-
tos. Os documentos que em seguida vão ler-se foram
levados por nós á Redacção do Primeiro de Janeiro, e
como o proprietário estivesse ausente, deixámol-os acom-
panhados de uma carta, que em seguida se lerá. 0 pro-
prietário appareceu, na manhã immediata, a visitar-
nos ; e como então não lhe podessemos fallar, procurou-
nos novamente mais tarde, sendo o resultado da entre-
vista, não se publicar o nosso communicado, promptifi-
cando-se todavia o proprietário a fazer uma declaração,
com o fim de satisfazer o nosso melindre. Recusámos,
fazendo-lhe vêr, que o que pedíamos, era simplesmente
a publicação dos documentos, nem mais nem menos.
(1) Primeiro de Janeiro, Diário Illustrado, etc.
II
Desfez-se então o proprietário em mil explicações, que
aos haveriam provado até á evidencia, (Be o não sou-
béssemos já) a que triste posição desce nm proprietário
de uma folha portugueza, por causa dos seus inter
porque a fiual chegamos a declarar-lhe, que comprehen-
diamos as suas duvidas, e a dizer-lhe aqnillo mesmo.
O snr. Gr. M. fica previamente avisado (1) doqneo
espera, se tiver a lembrança de lazer novas insinuações
pessoaes; recomméndamos-lhe, que medite bem o final
do nosso capitulo 111 (2). Aos outros seus collegas pode
succeder, com a publicação de documentos inéditos,
que possuimos em parte (sabemos onde procurar e resto)
— alguma surpresa, não que os desmascare, porque já
não teem vestigios sequer de vergonha, mas que poderá
comprometel-os mais gravemente perante a opinião pu-
blica.
Eis o communicado:
0 Cavalheirismo do snr. José Gomes Monteiro
Snr. Redactor do Primeiív de Janeiro.
No seu jornal de terça -feira. 22 de Abril, lia-se um
folhetim, que contém allusOes pessoaes, que >ão prohibi-
«las em geral, e muito mais n'uina folha publica, que de-
via repellir OS insultos, em logar de lhes dar franca hos-
(1) Vide atraz, pag. 54 e, 55.
(2) O consummado germanista como litterat<> e corno ho-
mem.
III
pedagem nas suas columnas. Venho pois requerer o que
a justiça civil me concede, reclamando de V. a inserção
das seguintes linhas, no mesmo logar do seu jornal, em
que os insultos sahiram impressos. Creia-me com toda a
attenção de V.
M.t0 att.° ven.r e cr.d0
Joaquim de Vasconcellos.
Na ultima columna do folhetim de Camillo, lê-se:
«. E em cada pagina se repetem allusões semelhantes
a esta: Tentamos o seguinte paralello para mostrar a
quem não vê o que é ter vista.»
« Isto, accrescenta o snr. G. Monteiro : « E baixo, é
vil. é ignóbil ! »
«Que doridas e nobres reflexões escreve a paginas
58 o auctor dos «Críticos do Fausto» com referencia
á villania do insultador da cegueira de Castilho ! Aquella
escuridão exterior que nos internece a lagrimas, e nos
dobra o joelho respeitoso deante da brilhante alma que
lá se está abrindo em torrentes de luz, foi, no discorrer
de setenta e três annos, duas vezes improperada como
um delicto: uma vez por Theophilo Braga, outra por
Joaquim de Vasconcellos; e por mais ninguém; diga-
mol-o em desafronta d'este paiz e da humanidade. »
Estas considerações do romancista foram sugeridas
pelo que se lê a pag. 58 do volume do snr. José Gomes
Monteiro, e que vae adiante marcado em grifo. Ora, pa-
recendo-nos que o romancista havia deturpado o pensa-
mento do nosso adversário, para nos collocar em luz des-
IV
favorável, fazendo uma insinuação ignóbil, dirigimos ao
snr. José Gomes Monteiro a seguinte carta :
V. respondeu á minha critica, direito que tanguem
contesta, e que eu serei o primeiro a reconhecer u'uma
refutação que preparo; dirijo-me a V. com outro Hm,
porque lendo em repetidos logares do seu livro ]>a_
98, etc.) que V. confia na minha lealdade de cavalheiro
(sic), tenho o direito de pedir-lhe o seu testemunho para
me descartar de uma insinuação baixa e indigna do
snr. Camillo Castello Branco, feita a propósito do livro
de V., insinuação que, embora deduzida das linhas da
sua resposta, eu não creio que fossem o echo das suafl
ideias, ao escrevêl-as. Refiro-me á seguinte passagem:
«E em cada pagina se repetem allusões similhantes
aesta: Tentamos o seguinte paraUelo para mostrara qvt m
não vê o que é a vista ! »
«Ha mais de três mil annos que, desde Homero até
Milton, e desde Milton até Castilho, a humanidade se
curva reverente e compungida diante d<> infortúnio "
que se allude; infortúnio sagrado que centuplica a no>srl
admiração por estes génios que a Providencia parece ter
escolhido para mais claramente patentear a natureza es-
piritual e divina da alma humana. E o snr. Vasconoel-
los, o despresador de todas as conveniências, degrada-ee
a ponto de insultar esta augusta calamidade!»
Isto não podia etitender-se de maneira alguma com
o Visconde de Castilho; primeiro, porque declarei em
mais de um logar da minha obra. que o que escrevia
não era para o Visconde de Castilho, nem me importa-
va que elle tieasse entendendo melhor o Faiut, depois de
haver lido o meu volume, do que o entendia antes; re-
ferencias que V. copiou no seu volume, n'uma pagina
de que agora não me recordo.
Segundo, porque as insinuações pessoaes nunca fo-
ram argumento para mim (1) ; terceiro, e este é o ponto
principal, porque na pagina XI se lê evidentemente a
quem se refere o dito da pag. IX. Transcrevemos as pas-
sagens em frente uma da outra:
«... tentamos o seguinte parallelo para mostrar a
quem não vê, o que é a vista» (pag. ix).
« Saiba o publico è aquelles que até hoje tem perma-
necido com os olhos fechados, não querendo vêr nem ou-
vir a verdade», etc. (pag. x).
Na mesma pagina se lê, nos pontos das nossas ac-
cusações contra Castilho :
« 3.° Que Castilho ignora a existência dos commen-
tadores, e que entrou no Faust ás cegas, intelectual-
mente fallando» (pag. xi) (2).
Quero pois crer, que a allusão, que V. achou ao
Visconde de Castilho, foi resultado de um descuido na
leitura, e que a agitação que transluz nas palavras . . .
É baixo! évilf é ignóbil! — o impediu de conhecer a ver-
dadeira relação das minhas palavras.
(1) Se uo fim do capitulo m fazemos umas allusões pes-
soaes ao snr. G. M., é porque o consideramos desde a sua res-
posta a nossa carta, como um adversário desleal, e um es-
criptor de má fé; hoje, em vista da resposta, ainda o julgámos
mais: como um falsificador de textos, que perdeu todo o direi-
to á menor contemplação ; se fazemos insinuações, é porque são
verdadeiras, e baseadas em documentos authenticos, que temos
á vista.
(2) Esta ultima prova, a nosso favor, não existe na nossa
carta particular ao snr. José Gomes Monteiro, como faltam alli
outras muitas, tão decisivas como esta.
VI
Repito: que me parece haver sido resultado de um
descuido ou lapso de leitura, pois é justo, que acredi-
tando V. no meu cavalheirismo, como por mftifl de
uma vez affirma, eu não duvido do seu, porque o do
snr. Camillo Castello Branco é para mim indim-n nte.
Confio pois que V. me responda, sem rodeios, em
carta autographa, reconhecendo o seu engano, para eu
fazer o uso conveniente, publicando-a; aliás vejo (Be EU
dura necessidade de duvidar da sua boa fé e cavalhei-
rismo.
0 portador d'esta, o snr. Anselmo de Moraes, r
bera a resposta de V.
Creia-me de V.
M.*0 att.° ven.r e cr.0
Joaquim de Vasconeellos.
S. C, 22 de Abril de 1873.
0 snr. José Gomes Monteiro, em logar de respon-
der acto continuo, como o pedia a civilidade, bõ* após 2 1
horas é que deu resposta, deixando a insinuação de pé.
0 snr. José Gomes Monteiro, em logar de respon-
dei lealmente, e MM TodeÚK, eomo homem que tem ain-
da poiacU tl'ln>tiin ■nr, preferiu áar-nóa a seguinte resposta,
digna de um Tartmfo,
Eil-a :
o Em resposta á carta de V. que hontem me fbi entre-
gue pelo Snr, Anselmo de Morae», permitta-me declarar-
VII
lhe que não reconheço em V. nem em pessoa alguma o
direito que V. diz assistir-lhe de me interpellar acerca
da interpretação que o snr. Camillo Castello Branco dá
ás palavras que eu escrevo.
De V.
M.t0 att.° ven.r e cr.0
23-4 — 73. J. Gomes Monteiro. »
Em primeiro logar, não ha interpretação ; o snr. Ca-
millo não fez mais do que copiar o que o snr. José Go-
mes Monteiro escreveu; a resposta do nosso adversário
é pois um sophisma pueril, triste salvaterio de um di-
lemma em que o snr. Gomes Monteiro se collocou ; isto
é : ou dar uma bofetada moral no seu collega, o snr. Ca-
millo, desmentindo-se assim a si próprio e a elle, em
abono das repetidas classificações de cavalheiro, que me
concede — ou deixar as insinuações de pé, cahindo em
peor contradicção, e minando as bases da sua resposta,
que já não pode consiclerar-se haver sido feita com boa fé.
Emquanto ao seu cavalheirismo, devo classifical-o na
cathegoria do do seu collega, e considerar o snr. José
Gomes Monteiro, que tinha ainda alguma cousa a per-
der, como o snr. Camillo, isto é : fora da lei moral e lit-
teraria (1).
Ao snr. Camillo não respondo, porque as suas cen-
(1) É este o ponto de vista moral, que nos serviu para a
nossa resposta.
VIII
surasj- considero-as como honrosas; os seus elogio- -u-
jar-me-hiam. Demais, para se saber o que vale o roman-
cista, pergunte-se em qualquer praça publica (1).
Isto fica dito emquanto ás insinuações pessoaes ; em
outro logar provaremos, debaixo do ponto de vista Bcien-
tifico, que o snr. José Gomes Monteiro está egaálmente
tora da lei litteraria.
Até á vista pois.
Joaquim de Vasconcellos.
Porto, 23 de Abril de 1873.
(1) Ou veja-se o processo, entre o snr. Ciunillo e o pro-
prietário da Imprensa Portugtteza, que o romancista pretendeu
espoliar — e em que foi condemnado pelos tribnnaes, publicado
sob o titulo: Qfiéatâo de propriedade lideraria.
ERRATAS
PAG.
NOTAS
LIKH.
ERROS
EMENDAS
17
7
Assim manifesta
Assim se mani-
festa
17
11
por haver feita
por haver feito
17
Nota 1
2
Porto, 1849
Porto, 1848
20
Nota 4
Riacho que
Riacho que
33
10
parucea
parucea
40
24
à fortiori
a fortiori
45
Nota 3
chamada (3)
leia-se (1)
45
Nota 1
chamada (1)
leia-se (3)
58
17
M.me de Staeel
M.me de Staêl
77
2
tolas
totus
81
23
atraz do
atraz, do
84
13
a que nos força
a que nos força
85
26
insufficiento
insufficiente
88
7
ideal commum?
ideal commum».
89
25
entendia
entendeu
125
1
Já sahia
Já sabia
126
Nota 1
2
Schiller ficou sa-
tisfeito
Schiller ficou pouco
satisfeito
164
4
acerca de 130 an-
nos
acerca dos 130
annos
170
Nota 4
2
de se citar
de citar
PORTO IMPRESSA PORTTJGtTEZA
Iii) MESMO AICTOR
OS MÚSICOS PORTUGUEZES, (biographia-cri-
tíca— historia-bibliographia). Porto, L870. 2
volumes cin 8.° gr., de xxxvi— 600 pagin
ti mappas Etynopticos _.-
LUIZA TODI, estudo cri tíco. ] '< >rto, MDCCCLX x 1 1 1 ,
em 4." gr., de xn-164 pag. Tiragem, bó l'")(i
ex., numerados. Avulso, 2s4'»(); para os
signantes da Archeólogia Artística 1$200
E a primeira caderneta da Archeólogia Artística, publica-
ção periódica para a Historia da arte om Portugal; com a eol-
laboração de alguns especialistas nacionaes e estrangein
os prospectos.
0 FAUST de GOETHE e a traducção do Visconde
de Castilho. Porto, L872,em 8.°, de xn-594
pag., e unia tabeliã 1 \
Analyse completa da traducção portuguesa, confrontada
com a traducção literal do auetor, em face do original allemão.
No prelo :
0 FAUSTO de CASTILHO julgado pelo Elogio-
mutuo, artigos colleccionados e glossados por
J. de V. Em 8.°, de cerca de 50 paginas.
A entrar:
OS ARTISTAS DO CATALOGO DA LIVRARIA
DE MUSICA D'EL-REI D. JOÃO IV. Séculos
xv-xvii. Precedido de om ensaio bistorico-
critico acerca do niesnio catalogo. Em I.
de cerca de 120 pag. É <> fascículo 111 da
Archeólogia artística.
Estas obras acham-se 6 venda:
Em Porto, Coimbra e Lisboa, nas principaea livrarias.
M.\ni;in — D. António Romero.
I'vuis— V.vo Aillaud Gruillard & C.ia
I! ihbuboo — Efermann QrUnintr.
I
Vasconcellos, Joaqr
itonio da Fonseca e
G65V3 0 consumnado germanas ta
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